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roberto.paolo.vico@gmail.com
uvinha@usp.br
RESUMO
No trabalho que aqui se apresenta observa-se como os recentes megaeventos esportivos no Rio de Janeiro
conseguem influenciar de maneira relevante o imaginário de uma parte da população local carioca.
Os habitantes do Rio de Janeiro, tiveram diversas experiências recentes com megaeventos, quando da
realização do Pan-americano, dos Jogos Mundiais Militares, da Copa das Confederações e da Jornada
Mundial da Juventude. Portanto, quando houve a escolha do Brasil para sediar a Copa do Mundo de
Futebol e a Olimpíada, eles já tinham a percepção (que depois foi confirmada) de que estes megaeventos
não vinham para promover uma justiça socioespacial. Eles são, de fato, meganegócios, pois envolvem,
muito dinheiro. Na verdade, assistimos efetivamente à subordinação dos investimentos a grandes
interesses que se conectaram ao megaevento. Os megaeventos foram apenas catalisadores, não foram eles
os promotores das mudanças que ocorreram no Rio de Janeiro, mas constituíram um momento de
catalisação destas mudanças.
Quanto ao imaginário da população, em nossa pesquisa percebemos que boa parte do povo carioca se
sente frustrada. Havia uma esperança de que o megaevento poderia solucionar alguns problemas. A
maioria dos entrevistados considerou que os megaeventos não deixaram heranças positivas e duradouras
para o povo. Pelo contrário, apresentaram diversas criticidades. Além de deixar prejuízos, houve muita
corrupção e desvio de dinheiro face aos importantes investimentos. Os principais líderes dos moradores
das áreas de estudo entrevistados (Vila Autódromo, Morro da Providência, Aldeia Maracanã, Favela do
Metrô-Mangueira) consideram que os investimentos que foram necessários para a realização dos Jogos
Olímpicos de Rio de Janeiro usaram recursos financeiros que poderiam ser investidos em outros setores
importantes, como a saúde, a segurança, a educação, a moradia e o saneamento básico.
Esse fenômeno, embora tenha suas especificidades no caso do Rio de Janeiro, constitui um fenômeno
global. Há processos semelhantes em países subdesenvolvidos que possuem um sistema sociopolítico
frágil e uma base de infraestruturas pouco sólida, não obstante as especificidades de cada lugar onde o
evento é organizado.
7.4
Orçamento do COI
Matriz de responsabil-
6.67 idades
24.6 Plano de Políticas Públicas
Problemas de gestão
De acordo com David Harvey (1992, p. 88), “o espetáculo sempre foi uma potente
arma política”, e isso se intensificou nos últimos anos como forma de projeção e
controle social na cidade no contexto da ascensão do modelo de gestão urbana
empreendedorista (HARVEY, 1996; VAINER, 2000). Na essência, os Jogos Olímpicos
contemporâneos tendem a favorecer setores hegemônicos e a consolidar projetos de
gestão neoliberal do urbano.
Segundo Gilmar Mascarenhas (2019), diante da supracitada onda mundial de
críticas, uma nova era olímpica parece se esboçar, de forma que os Jogos 2016,
provavelmente, entrarão para a história do urbanismo olímpico como a última edição de
um ciclo (1988-2016) de edições faustosas, maioritariamente impopulares e
excessivamente impactantes. O hipotético final deste ciclo depende, maioritariamente,
da capacidade de contestação e da continuidade da luta e da construção coletiva de um
discurso crítico que deslegitime este modelo.
• Dispersão espacial para atenuar impactos: Euro 2020 (doze países) e Copa do
Mundo 2026 (três países)
A Vila Autódromo
Barra da Tijuca
BRT e VLT
Resolveu-se um problema da Barra da Tijuca que jamais se constituiria num
polo, numa centralidade, se não se resolvesse o seu problema de conectividade com o
conjunto da cidade. O projeto olímpico criou as condições para tornar a Barra da Tijuca
uma nova centralidade da cidade ao investirem em BRT. Porém, questiona-se o porquê
de não investirem em conjuntos habitacionais, não construírem habitações de residência
social. O custo de deslocamento seria menor e a população moraria na Barra da Tijuca.
Como ela constitui-se como uma área de vazios urbanos, é irracional do ponto de vista
do planejamento, construírem-se sistemas de transporte que permitem o deslocamento
da população que mora a 20 km e não se construírem moradias.
Evidentemente, pela força do capital, estas infraestruturas são importantes e, do
ponto de vista da força de trabalho de quem não reside lá, mas que trabalha lá, esses
equipamentos são essenciais. Do ponto de vista dos trabalhadores, e do capital que
precisa dos trabalhadores, esta infraestrutura é necessária para que o morador se
desloque. Alguns trabalhadores com os quais tivemos a oportunidade de conversar,
consideram o BRT um equipamento muito útil porque permite a eles de se deslocarem
para a Barra da Tijuca para trabalhar e retornar para casa. Mas do ponto de vista de um
projeto de cidade mais justo socialmente, o BRT não foi uma boa obra de mobilidade.
Assim como sublinha também o professor Orlando Alves Dos Santos Junior da UFRJ e
membro do Observatório das Metrópoles (SANTOS JUNIOR, 2019), o BRT já surgiu
lotado. Já surgiu “uma lata de sardinha”. Do ponto de vista daqueles que precisam
chegar na Barra da Tijuca para trabalhar, é um equipamento que pode ser considerado
bom. Mas não promove a justiça social e socioespacial.
Segundo a opinião do professor Gilmar Mascarenhas, teria sido melhor investir
no metrô do que no BRT. De fato, o projeto inicial da linha 4 do metrô iria sair do
centro da cidade, da “Carioca1”, passaria pelo bairro de Fátima. Passaria por de baixo
daquele maciço e iria parar em Laranjeiras. Passando por outro maciço, iria para
Humaitá, Jardim Botânico e Gávea. “Seria uma linha perfeita porque quem mora em
Laranjeiras e no bairro de Fátima não tem metrô, são pessoas que vão a pé. Essa linha
muito bem desenhada não foi realizada por falta de verba e de dinheiro. E não vão mais
fazer” (MASCARENHAS, 2019).
1
O Largo da Carioca é um logradouro público situado no Centro da cidade do Rio de Janeiro, no Brasil.
É um local amplo com circulação intensa de trabalhadores, populares e vendedores ambulantes com os
mais diversos serviços e produtos. É considerado, por muitos, o "coração" do Centro do Rio de Janeiro.
Ainda segundo Mascarenhas que, como temos visto, lutou grande parte da sua
vida contra o sistema de mobilidade urbana do Rio de Janeiro e contra os interesses das
empresas dominantes:
Não houve nenhuma consulta à população. Além disso, qualquer ampliação do
metrô você está lutando contra os interesses dos ônibus. São empresas
poderosas que controlam não somente a cidade do Rio de Janeiro, mas o Brasil
inteiro. Por exemplo, antigamente já teve o transporte de barco ou ferry dentro
da Baía de Guanabara para ir ao Botafogo ou ao Flamengo etc. mas isso
acabou por causa do ônibus, e era muito mais agradável. São Gonçalo por
exemplo, é uma cidade com quase 1 milhão de habitantes, e todo o mundo
pegava. Enfim, é uma lógica que só privilegia os interesses de um grupo. Se
esqueceram de tudo isso porque tinham que atender à Barra
(MASCARENHAS, 2019).
Bairro Maracanã
Aldeia Maracanã
Outro estudo de caso teve como cenário a condição hodierna de luta e resistência
da Aldeia Maracanã, onde vivem índios em contexto urbano, naturais de diversas etnias
indígenas como a Guajajara, Tucano, Puri etc. A Aldeia Maracanã resiste e existe graças
sobretudo ao empenho e à perseverança do seu líder, o cacique José (Zé) Urutau
Guajajara, que luta insistentemente contra as constantes ameaças de expulsão da
Prefeitura do Rio de Janeiro. Zé Urutau Guajajara, durante o trabalho de campo
desenvolvido na Aldeia Maracanã, declarou inspirar-se aos feitos heroicos de um índio
do passado, Sepé Tiaraju, herói índio das guerras guaraníticas do século XVIII no Rio
Grande do Sul.
Dos relatos de José (Zé) Urutau Guajajara (2019), bem como das narrativas dos
outros índios da Aldeia Maracanã que representaram o nosso grupo focal de estudo,
aflorou todo o imaginário e a percepção da comunidade com relação ao pós-evento
olímpico, às transformações socio-territoriais e a esse preciso contexto histórico e
socioespacial. Dos relatos dos nossos inquiridos, averiguamos que a história de luta e de
resistência dos índios tem origens muito antigas, que remontam à chegada dos primeiros
colonizadores europeus na América.
Dessa forma, podemos afirmar que, assim como percebia Giambattista Vico
(1977; 1979), a história se repete sempre e, ainda hoje, a distância de séculos, a
permanência e sobrevivência dos índios americanos é constantemente ameaçada por
diversos fatores. Principalmente pelos interesses dos seres hegemônicos que estão
interessados ao agronegócio, ao desmatamento da floresta e da vegetação (sobretudo da
Amazônia e do Cerrado), ao enriquecer-se mediante a especulação imobiliária e as
obras das empresas construtoras, etc. Isso está demonstrado também pela série de
violentos assassinatos de índios, em particular da etnia Guajajara, a mesma de Zé
Urutau que aconteceram recentemente.
Pelo que concerne à Aldeia Maracanã, analisando o imaginário e os depoimentos
dos inquiridos, reputamos algo absurdo o fato de a Prefeitura do Rio de Janeiro querer
apagar e eliminar essa comunidade que tem direito em permanecer naquele território
onde criaram diversas atividades culturais relacionadas com a “Universidade Indígena”.
Os megaeventos e o esporte constituem apenas um pretexto por parte da Prefeitura. A
vontade de remover a Aldeia Maracanã está associada a interesses sobretudo
econômicos. De fato, a intenção seria de remover para construir um grande Centro
Comercial ou um estacionamento para o estádio.
Morro da Providência
No terceiro estudo nos referimos ao caso da Zona Portuária do Rio de Janeiro,
focando a nossa análise principalmente para o Morro da Providência, que foi a primeira
favela do Brasil.
Favela do Metrô-Mangueira
1) Desconcentrar o megaevento
Depois de terem sido analisados e verificados os diversos limites e problemas que
envolvem e pressupõem um megaevento como as Olimpíadas ou um Campeonato
Mundial de Futebol, uma possível proposta e sugestão para os que planejam os
megaeventos seria transformar o megaevento olímpico em uma série de eventos
relacionados a cada modalidade esportiva. Isso aconteceria em diferentes cidades para
evitar que haja um impacto muito grande numa única cidade.
De fato, os megaeventos estão fundados na lógica de mobilização de grandes
capitais para realização de um evento concentrado numa cidade que inevitavelmente vai
gerar profundos impactos urbanos, sociais e políticos sobre aquela cidade. Assim como
o nome revela, trata-se de um evento excepcional, que durante um período curto de
tempo exige uma infraestrutura capaz de abrigar um conjunto enorme de modalidades
esportivas, muitos atletas, instituições, jornalistas, patrocinadores etc.
Do ponto de vista jurídico também cria, com o consenso do poder público, um
estado de exceção mediante a implementação de algumas normas ad hoc e às vezes fora
da constituição, como é o caso da realidade brasileira como a Lei Geral da Copa e o Ato
Olímpico.
Assistimos na verdade a um megaevento que se transformou num meganegócio,
onde os que gerem e administram este meganegócio possuem a oportunidade de vender
“o megaevento excecional”, porque naquele momento a cidade se transforma numa
cidade olímpica. Assim como Marx (1983, 1984) e também Harvey (2005)
evidenciaram, existe uma renda excecional derivante de um evento excecional, e só
acontece naquela cidade durante um período determinado.
Uma possível solução seria descentralizar a Olimpíada, não torná-la um
megaevento.
Hoje a tecnologia das telecomunicações possibilita que a televisão transmita os
jogos todos independentemente da cidade onde se desenvolvem com uma cobertura
mediática global. Assim, pode-se acolher, por exemplo, a delegação mundial de ténis
em Roma, a delegação de futebol no Chile, a delegação de basquete em Los Angeles, a
delegação de natação no Rio de Janeiro. Ou seja, desta forma haveria um impacto muito
menor sobre a cidade. Não é necessário que o atleta que joga ténis esteja na mesma
cidade do atleta que joga futebol. Uma cidade que vai realizar a Olimpíada de natação
vai ter piscinas, outra vai ter o estádio de atletismo etc. Ou seja, diminui o impacto da
delegação que vai vir para o país e vai ser muito menor, e realizar-se-ia no mesmo
momento. Não é necessário concentrar-se numa única cidade. A cidade de Paris, por
exemplo, para a organização dos próximos Jogos Olímpicos de Paris em 2024, já está
dando passos nessa direção para certos eventos esportivos, como o surf. De fato, os
eventos de surf serão realizados no Taiti.
Mas as regras de exceção são decorrentes da excecionalidade do evento, ou seja, é
isso que torna o evento um negócio. Assim como ressalta também Santos Junior:
3) Maior transparência
6) De-mercantilização do esporte
Embora existam limitações, o presente trabalho pode dar a sua contribuição para
futuras linhas de pesquisa. Por exemplo, considera-se conveniente que nos próximos
anos continuem os estudos e as pesquisas sobre a implicação e a participação dos
moradores em megaeventos desportivos. Assim se permitirá comparar e conhecer a
evolução das percepções sobre os mesmos fatores socio-territoriais que foram
analisados nesse estudo, para poder planejar e organizar futuros megaeventos, tentando
evitar os erros já cometidos no passado.
REFERÊNCIAS
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2009. http://dx.doi.org/10.1080/13604810902996466
COTTLE, E. South Africa’s World Cup: a Legacy for Whom? Durban: University of
KwaZulu Natal Press, 2011.
VICO, G. Princípios de uma ciência nova – acerca da natureza comum das nações.
São Paulo: Editora Abril Cultural, 1979, p. 6-22.
VICO, R. P.; UVINHA, R.; GUSTAVO, N. Sports mega-events in the perception of the
local community: the case of Itaquera region in São Paulo at the 2014 FIFA World Cup
Brazil. Soccer & Society, vol. 19, n. 2, February 2018. DOI:
10.10080/14660970.2017.1419471 Disponível em :
[https://doi.org/10.1080/14660970.2017.1419471]. Consultado em [01-07-2018], 2018.
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