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A SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL EM GOIÂNIA (GOIÁS): O CASO DA

REGIÃO NOROESTE

Renatha Cândida da Cruz

Universidade Federal de Goiás

renathacruz@gmail.com

João Batista de Deus

Universidade Federal de Goiás

deus.joao@gmail.com

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A cidade atual é resultado do processo de industrialização no qual permitiu uma


nova configuração para as relações sociais e modelou a sociedade contemporânea. Esta
cidade foi conceituada por Lefebvre (1999) como sendo centro de vida social e política
onde se acumulam não apenas as riquezas como também o conhecimento, as técnicas e as
obras. Esta mesma cidade, pensada por Carlos (1997) é o local da convivência, das lutas de
classes, das trocas comerciais, das atividades econômicas, enfim, do dia-a-dia do cidadão.
Mediante o tema escolhido propõe entender o processo de segregação socioespacial
em Goiânia e sua manifestação no período de 2000 a 2010 tendo como referência a Região
Noroeste. Constituem-se objetivos específicos da pesquisa: identificar as áreas segregadas
em Goiânia e compará-las com a Região Noroeste, comparar a segregação na Região
Noroeste com as demais regiões de Goiânia no que tange as condições de moradia,
infraestrutura, transporte e segurança pública e compreender as novas configurações
socioespaciais, sobretudo a ação de agentes imobiliários e sua influência no redesenho da
Região Noroeste.
Para alcançar os objetivos propostos adotamos alguns procedimentos
metodológicos. A primeira etapa consiste na pesquisa documental que perdurará todo o
processo investigativo, sendo sobretudo acerca de temas ligados à cidade, segregação e
território, a produção do território goiano e sobre o espaço urbano de Goiânia. Na segunda
etapa foi feito um levantamento da literatura sobre a Região Noroeste buscamos sobretudo
pesquisas de mestrado e doutorado que discutissem a região ou algum bairro da mesma,
visto a dificuldade de encontrar materiais sistematizados acerca do recorte espacial.
Buscamos também jornais de grande circulação e também informativos sobre a luta
coletiva pela moradia. Realizamos também um levantamento dos Planos Diretores que
permitam compreender a temática.
Na terceira etapa fizemos o levantamento de dados censitários e da malha digital
que nos permitirá a espacialização dos dados. A quarta etapa consistiu na análise da
literatura, das demais fontes documentais e dos dados censitários. A quinta etapa consistirá
na elaboração do material dissertativo, revisão e defesa.

AS REDES URBANAS E A DINÂMICA POPULACIONAL

Durante o século XX o arranjo espacial das populações no Brasil apresentou


mudanças. A urbanização acelerada, o uso intensivo de técnicas e tecnologias objetivava
atender às demandas internacionais. O avanço no sistema de transporte, na informática e
nas telecomunicações impulsionou o comércio e a urbanização.
A forma com que a urbanização se estruturou no território brasileiro, sobretudo nas
regiões Sudeste e Sul, permitiu o surgimento densas redes urbanas que interligam as
cidades. A partir da segunda metade do século XX o cenário mudou: a população rural
passou a buscar os grandes centros urbanos onde a oferta de trabalho intensificava,
sobretudo nos setores ligados à indústria, serviços e o comércio. Nas projeções posteriores
a 2000 mantém a tendência de distanciamento das populações urbana e rural.
Seja grande ou média cidade, na trajetória histórica das décadas de 1970 a 2000, de
acordo com dados do IPEA (2006), há uma nova configuração urbana: há concentração de
pessoas e ampliação do tamanho médio das cidades. Somente as cidades abaixo de 100 mil
habitantes diminuem a quantidade de população que, segundo Silveira (2005), deslocaram-
se para os grandes centros populacionais.
Nesse mesmo intervalo foram identificadas sete cidades1 com crescimento
acentuado, dentre as setenta e duas cidades acima de 100 mil habitantes, aonde o
crescimento populacional anual de Campo Grande chega a 5,2% em quatro décadas.
Dentre essas cidades está Goiânia que passa de 450 mil habitantes em 1970 para mais de
1,5 milhões de pessoas em 2000, com um crescimento de 4,3% no período, segundo dados
do IPEA (2006).
Para Santos (2006) a rede é uma abstração, construída socialmente, mas é também
política visto que atende a interesses que envolve poder. E a rede urbana estabelece
relações entres as cidades devido a uma infinidade de fatores que vão desde a circulação de
pessoas e mercadorias, a serviços básicos, como esgoto, saúde e educação. Nesse sentido,
os objetos que são técnicos e ideológicos (Santos, 2006), acabam por transformar os
lugares que são atraentes se são produtivos, ou criam mecanismos de atração para serem
produtivos, e conseqüentemente atuam de forma a se apresentar como desigualmente
distribuídos. Nesse mesmo caminhar, segue Silveira:
Assim, a história de uma nação pode ser contada pela sucessão das infra-estruturas
ligadas à produção e à circulação – que podemos chamar de configurações territoriais –
mas, ao mesmo tempo, pela sucessão de políticas industriais, financeiras, sociais, etc.
(SILVEIRA, 2005, p. 141)
Ao observar a rede urbana é possível identificar uma hierarquia entre as cidades no
sentido das influências entre as mesmas. De acordo com os estudos do IBGE (2008) a nova
dinâmica da rede urbana possui doze centros urbanos no país como destaque: sendo São
Paulo a Grande Metrópole Nacional, Brasília e Rio de Janeiro como metrópoles nacionais
e Manaus, Belém, Fortaleza, Salvador, Recife, Curitiba, Goiânia, Porto Alegre e Belo
Horizonte como metrópoles.

1 
No referido estudo sete cidades destacaram-se pelo alto crescimento populacional no
período de 1970 a 2000. São elas: Campo Grande, Cuiabá, Brasília, Goiânia, Manaus, Petrolina e a
Grande Vitória.
Há outras três formas de hierarquia urbana que são classificados de acordo com a
população e nível de influência: capital regional, influência regional e com população entre
250 e 955 mil, centro sub-regionais, com influência menor que as capitais regionais e com
população entre 71 e 95 mil habitantes, e os centros locais com influência que não
ultrapassa os limites do município e com população até 10 mil habitantes.
A rede urbana, segundo o IPEA (2001) é o conjunto das cidades que polarizam o
território brasileiro e os fluxos de bens, pessoas e serviços que se estabelecem entre si. É
formada por centros, com dimensões variadas, que estabelecem dinâmicas entre si como
campos de forças de diferentes magnitudes. Explica-se que a classificação da Rede Urbana
Brasileira foi desenvolvida com base em um conjunto de critérios e procedimentos
articulados ás tipologias de tamanho dos centros urbanos, ocupacional e de dependência
funcional desses, bem como da forma urbana assumida pelos centros.
O que se percebe nesse estudo do IPEA (2001) é que houve um padrão de
crescimento populacional, mas também de renda das aglomerações urbanas no país. O
sistema urbano brasileiro além de acompanhar a dinâmica de outros países, também
mantém um crescimento que acentua as desigualdades regionais. No documento
“Dinâmica Populacional de Goiás”, os dados do IBGE (2010) foram analisados e é
possível perceber, segundo SEGPLAN-GO:
Apenas a região metropolitana – redefinida pela lei complementar estadual nº 78, de 25
de março de 2010 – detêm 2.173.141 habitantes o que equivale a 36,2% de toda a
população do Estado. Este índice só não é maior em função de outra aglomeração
urbana que ocorre em Goiás mais especificamente na Região do Entorno do Distrito
Federal. Com a marca de 1.036.905 habitantes, os municípios goianos da Região do
Entorno de Brasília representam 17,27% de toda a população goiana. Assim, apenas 2
(dois) grandes centros urbanos respondem juntos por mais de 53% da população do
Estado. (SEGPLAN-GO, 2011, p. 22)
Nesse sentido a “exclusão do pequeno proprietário vê-se forçada pela orientação e
exigências dos administradores dos projetos, no que diz respeito à tecnologia e manejo do
solo” (IBASE, 1986, p. 14). Qual a trajetória traçada pelo camponês nesse momento? Onde
enraizar-se novamente? Que feridas se abriram nesse processo?

A PRODUÇÃO DO TERRITÓRIO GOIANO


A primeira atividade econômica do Estado de Goiás foi exploração do ouro que
iniciou com os bandeirantes no século XVIII e deixou de ser a atividade principal no
século XIX quando a agricultura e a pecuária começaram a se apresentar como base da
economia. No século seguinte a configuração espacial mudou. Os meios de transporte, tais
como rodovias pavimentadas e ferrovias, o aumento da população, a criação novas capitais
(Goiânia e Brasília) possibilitou a intensificação das atividades agrícolas e pecuárias para a
exportação, trabalhado por Arrais (2013).
De acordo com o IBASE (1986) as ações estatais tiveram importante papel no
desenvolvimento da região dos cerrados, mediante os inúmeros planos de
desenvolvimento. Como em todo o país, até a década de 1960, o Estado de Goiás era
eminentemente agrário, sendo sua produção destinada à manutenção interna. A nova
configuração produtiva é implantada já na década de 1970, com a expansão da fronteira
agrícola, advinda do sul.
Este fato trouxe à Região Centro-Oeste, mais especificadamente ao Estado de
Goiás, uma atenção maior no que tange à ocupação das grandes extensões de terras, as
quais anteriormente eram utilizadas para a criação extensiva de gado e práticas agrícolas
rudimentares. O uso intensivo de máquinas e implementos agrícolas tornou-se possível
graças às condições topográficas favoráveis (formas planas a levemente onduladas),
refletindo no aumento do preço das terras do cerrado, que agora proporcionam uma grande
produção agrícola, tornando-se atraente a investimentos patrocinados pelos créditos e
incentivos do estado, no intuito de dinamizar e integrar à economia nacional. Sobre as
transformações, nos alude Brandão:
Uma racionalidade empresarial domina todo o cenário da cidade, do campo e das
relações entre um e outro. Essa racionalidade de que o “agronegócio” é o melhor (e o
pior) espelho altera estruturas sociais de poder, de apropriação de espaços de vida,
trabalho e produção. Altera – às vezes depressa demais – espaços, terras, territórios,
cenários, tempos e paisagens. (BRANDÃO, 1997, p. 37-38)
O IBASE (1986) destaca como programas importantes do desenvolvimento dos
cerrados: em 1972 – o Programa de Crédito Integrado e Incorporação dos Cerrados (PCI)
desenvolvido, em 1973 – é criado o Programa de Assentamento Dirigido do Alto Paranaíba
(PADAP) em parceria com a Cooperativa Agrícola de Cotia (CAC), pelo Banco de
Desenvolvimento de Minas Gerais que objetivava uma transformação tecnológica, em
1975 - o crédito subsidiado pelo Programa para o desenvolvimento do Cerrado
(Polocentro), que vigorou até 1982. Este programa atendeu a 12 áreas que já possuíam
infra-estrutura, além de subsidiar a Embrapa com recursos para intensificar suas pesquisas
e em 1980 – o Programa Cooperativo Nipo-brasileiro para o Desenvolvimento do Cerrado
(PRODECER) que promoveu o assentamento de agricultores experientes do Sudeste e Sul
do país na região do cerrado.
Pode-se concluir que esses programas, com destaque para o Prodecer e Polocentro
atrelado aos resultados de pesquisas para a adaptação de grãos para nossas terras,
juntamente a avanços seguidos desde 1943 com a Revolução Verde, demonstram que o
desenvolvimento dos cerrados não se deu de forma espontânea, e sim como resultado de
planos, projetos e parcerias que buscavam de forma estratégica a incorporação de terras no
cenário produtivo agrícola brasileiro. E essa incorporação de terras, atrelada ao uso
crescente de tecnologias no campo e conseqüente valorização destas gera outro problema
na estrutura fundiária: os camponeses não conseguem acompanhar essas mudanças e
necessitam buscar alternativas de vida.
Há outros momentos que Arrais (2013) destaca como importantes para a integração
econômica de Goiás. Dentre estes:
• a implantação da Estrada de Ferro Goiás que juntamente a modernização de
equipamentos agrícolas, proporcionou uma massiva ampliação populacional na
região das cidades como Pires do Rio (1930) e Leopoldo de Bulhões (1948);
• a ferrovia que consolidou Anápolis (1935) como pólo industrial e posteriormente
uma maior integração com Brasília;
• integração do Norte Goiano mediante a BR014 que permitiu a urbanização das
áreas próximas;
• criação de Brasília e a ampliação da fronteira agrícola;
• surgimento de centros industriais (entre 1960 e 1975) para beneficiamento de
produtos ligados à alimentação;
• adentrou o século XXI tendo como base a transformação da matéria-prima e o
complexo de fármacos em Anápolis.
Na contemporaneidade da economia goiana há o destaque para os diferentes
modais no que tange aos transportes que permitem a circulação de pessoas e mercadorias.
O fato é que essas e tantas outras ações que proporcionaram a incorporação do Estado de
Goiás no cenário produtivo proporcionaram, também, uma nova configuração espacial e,
sobretudo nos fazem refletir sobre a ação dos atores hegemônicos na produção do
território. Para Arrais:
O importante é perceber que as ações dos atores sociais desencadearam mudanças
demográficas, econômicas e sociais, integrando o território goiano às dinâmicas
econômicas nacionais e internacionais. A decisão de edificar uma nova capital,
promovendo a colonização de áreas “vazias”, criando sistemas de transporte e até
mesmo construindo usinas hidrelétricas não ocorre fora das relações contratuais e
exploratórias de atores sociais com menos poder de negociação na arena política. A
narrativa da construção de Goiânia ou até mesmo a modernização da agricultura são
suficientes para ilustrar os conflitos que emergem da produção do território. (ARRAIS,
2013, p. 22)
Entender essas intervenções nos permite perceber como houve o crescimento
desigual nas cidades, sobretudo como os expropriados da terra buscaram as metrópoles e
onde nelas “a presença de pobres e a correspondente depressão do mercado de trabalho e
dos salários projetam-se no empobrecimento das respectivas municipalidades”.
(SILVEIRA, 2005, p. 159)

A PRODUÇÃO DO ESPAÇO GOIANIENTE: A SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL

Anos de 1970. Apartados da terra, desligados do único cordão que aparentava


harmonia, as políticas de ocupação do cerrado não levaram em consideração a geração de
recém nascidos que foram gerados pela terra e agora prematuros estão sem mãe. Sem mãe,
sem casa, sem leite, sem destino. E estes buscam um religare. Depois de tantas andanças,
encontram uma mãe jovem, ainda em formação, e porque não dizer imatura, Goiânia. A
imaturidade é percebida pelo plano original, “rasgado” cinqüenta anos depois, onde não há
lugar planejado para todos. As notícias se espalham. Goiânia é bela e há lugar para todos.
Cinquenta mil apenas. Para todos? Pelá destaca:
Goiânia, para a maioria deles, representava a oportunidade de dias melhores, a aquisição
do espaço privado, o direito ao desfrute da urbanidade propagada, ou seja, ao migrar,
traziam em sua bagagem doses de esperança, mesmo que houvesse incertezas. A
migração significativa, dentre outras características, uma nova oportunidade de (re)
territorialização em uma cidade moderna, pois, de onde vinham não se podia esperar
mais nada. Goiânia era uma luz no fim do túnel, portanto, o sonho poderia se
enfraquecer pelas dificuldades encontradas, mas não acabar. (PELÁ, 2009, p. 50)
Na década de 1970, com população de 380.773 pessoas, sendo 220.335 pessoas não
são naturais do município de Goiânia, segundo Alves (2002). São provenientes de outras
regiões do país e até mesmo do exterior. Mas, a maior participação é proveniente de
cidades do interior de Goiás, mais de 150 mil pessoas. Esse fato estimula a pesquisa de
Alves (2002) intitulada “Goiânia: cidade de migrantes”. E de fato pode-se inferir que a
capital goianiense além de construída por migrantes, continuou a receber grandes
percentuais de pessoas do interior goiano, mas também com migrantes sudestinos,
nordestinos e sulistas.
Só na década de 1970, de acordo com Alves (2002), cerca de cinqüenta e cinco
municípios enviaram para Goiânia fluxos migratórios, com mais de mil pessoas. Um fluxo
acima de quatro mil pessoas, Anápolis, Inhumas, São Luís de Montes Belos e Itaberaí. E
municípios com fluxos acima de três mil pessoas: Anicuns, Ceres, Goiás e Itapuranga.
Ainda considerando o migrante em Goiânia, no que tange à renda em 1970 mais de 50%
não recebiam mais que dois salários mínimos. Uma década posterior o percentual aumenta
chegando a mais de 70% dois migrantes ganhando no máximo dois salários segundo dados
do IBGE. De acordo com dados do Cadastro da Renda Cidadã mais de 80% dos migrantes
oriundos do Estado de Goiás ou mesmo de outros estados não possuíam o primeiro grau
completo, ambos dados organizados por Alves (2002). Esse fato:
certamente dificulta o acesso ao mercado de trabalho, em especial, aos empregos que
pagam melhores e que evidentemente exigem uma mão-de-obra especializada, além de
excluir a grande maioria dos migrantes, ainda oferecem poucas vagas o que torna maior
exército de reserva de mão-de-obra. (ALVES, 2002, p. 87)
É possível perceber que o movimento de luta para se estabelecer em Goiânia não
era somente na conhecida periferia da cidade2. Havia uma movimentação e lideranças em

2 
De acordo com o Boletim Informativo das Invasões de fevereiro de 1981 os bairros participantes
da União das Invasões eram: Jardim Nova Esperança, Jardim Europa, Setor Universitário, Parque Amazônia,
Vila Cosme, Vila Paraíso, Vila Silvério, Esplanada do Anicuns, Bairro Anhanguera, Emílio Povoa, Vila Santa
Rita, Jardim Novo Mundo, Jardim Bela Vista, Vila Adélia, Vila Concórdia, Areião, Parque Santa Cruz, Vila
Monticelli, Conjunto Bandeira e Parque Industrial.
diferentes regiões da capital com a finalidade de assegurar a doação de lotes nos bairros
ocupados. A luta pela moradia em Goiânia borbulhava nas diferentes regiões da cidade,
mas como todo processo de segregação, há uma tendência a aglomeração dos grupos com
menor renda nas áreas mais longínquas da cidade, devido ao valor do solo urbano (Harvey,
1980). Foi o que aconteceu com a Região Noroeste3. Após a ocupação ocorrida em 1979,
outras ocupações ocorreram nas fazendas próximas, a exemplo da Fazenda Caveira e São
Domingos4, compreendendo o chamado “núcleo duro da segregação”, estudado por
Moyses (2004).
Mesmo na atualidade é possível perceber que boa parte dos moradores dessa região
é oriunda de outros municípios. Em pesquisa recente5, foram entrevistadas trinta pessoas
dos bairros Residencial Recanto do Bosque, Setor Morada do Sol, Setor Estrela D’Alva,
Parque Tremendão, Jardim Curitiba I, Jardim Curitiba II, Setor Alto do Vale, Residencial
Maringá, Jardim Colorado, Tremendão Residence, Jardim das Hortências, Vila Mutirão,
Residencial Brisas da Mata e Residencial Paulo Pacheco.
Nesse contato cerca de 40% dos entrevistados nasceram em Goiânia, sendo que o
restante do percentual e distribuído por pessoas oriundas do interior de Goiás (30%) e dos
Estados da Bahia (10%), Maranhão (10%), Minas Gerais (10%), São Paulo (10%) e
Tocantins (10%). Do universo pesquisado a maioria reside em Goiânia entre 11 e 20 anos,
sendo que oito pessoas estão na capital há mais de 21 anos. A maioria residia em outras
regiões da cidade antes de fixar-se em média quinze anos.

3 
“Na Região Noroeste, originou-se o acontecimento doméstico que marcou definitivamente a luta
por moradia em Goiânia, nos anos 80. Iniciou-se em julho de 1979, quando um grupo de aproximadamente
100 (cem) famílias pobres, premidas pelas necessidades básicas, invadiu uma gleba de fazenda de
aproximadamente de 130 hectares, nos arredores da cidade”. Moyses (2004, p. 24).
4 
Primeiro deu-se a invasão da área próximo à Avenida Perimetral que deu origem ao bairro Jardim
Nova Esperança, em 1979. Posteriormente houve outra invasão em uma área próxima chamada Jardim Boa
Sorte, que não prosperou, visto a presença ostensiva da polícia. Um ano depois, houve outra invasão que
ficou conhecida como Jardim Boa Vista que após muita luta e intensos conflitos foi remanejada para uma
área ainda mais distante do centro da cidade e se tornou a Vila Finsocial.
5
Pesquisa realizada em janeiro de 2014. Os dados estão em análise.
Nessa pesquisa preliminar pudemos identificar que a Região conta com serviços
básicos importantes para o estabelecimento em uma cidade: equipamentos de saúde,
educação, parques, dentre outros. Em 2000, apenas 1% dos bairros da Região contavam
com esgoto sanitário. O governo estadual, com o programa de melhoria sanitária das
cidades, destinou R$ 350 milhões para a ampliação da rede de esgoto na região estudada
mediante investimento do Sistema de Saneamento de Goiás - SANEAGO.
Mas, dos moradores pesquisados somente 10% contam atualmente com o serviço
de esgoto, e 90% da população ainda utiliza como forma de deposição dos dejetos as
fossas, sobretudo aquelas feitas pelos próprios moradores, ou seja, sem planejamento ou
estudo ambiental. Em 2010, de acordo com os dados do IBGE (2010)6 é possível perceber
a população chegava a 164.385 habitantes, destes 91.705 são naturais do município (56%)
e 72.680 pessoas não naturais (44%). Destes habitantes 48.873 não tinham acesso à creche
ou escola. Mas, 18.377 desses moradores nunca tiveram acesso à creche ou escola. Quanto
à renda, 46% dessa população recebiam até 2010 no máximo dois salários mínimos
(75.452 habitantes).
Então, lembremos o conceito de segregação discutido por Correa:
Em resumo, a segregação tem um dinamismo onde uma determinada área social é
habitada durante um período de tempo por um grupo social e, a partir de um dado
momento, por um outro grupo de status inferior ou, em alguns casos, superior, através
do processo de renovação urbana. (CORREA, 2005, p.70)
Nesse sentido, o que nos leva a discutir a segregação em Goiânia não tange apenas
dados, mas uma realidade que foi construída socialmente, mediante a luta pela terra, e
atualmente, à luta por melhores condições de vida, e em alguns casos, de luta pelo
reconhecimento do direito do solo urbano. Então, a Região Noroeste ainda é um exemplo
de distância física do centro, mas, também, de uma distância social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho buscamos compreender como a apropriação das terras goianas no
cenário produtivo intensificou o processo migratório para outros centros urbanos, tal como

6
Foram utilizados dados do IBGE (2010) agregados por áreas de ponderação.
Goiânia, e como essa gama de migrantes continuou e sentir o processo de segregação na
capital, reproduzindo o processo iniciado no campo.
A Região Noroeste de Goiânia é descrita por Moyses (2004), como expressão
máxima da segregação na capital. Em pesquisa recente foi identificado que o processo de
segregação continua a ser perceptível. O que se pode inferir é que a influência dos atores
hegemônicos, tendo como referência Santos (2006), influenciaram na distribuição das
redes urbanas, e nesse sentido, a população de baixa renda continua a ser margeada,
marginalizada, segregada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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onde morar. Abril – Maio, Goiânia, 1980.
ALVES, Maria de Lourdes. Goiânia uma cidade de migrantes. Dissertação de Mestrado.
FCHF, UFG, Goiânia, 2002.

ARRAIS, Tadeu Alencar. A produção do território goiano: economia, urbanização,


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BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Tempos e espaços nos mundos rurais do Brasil. Ruris,
volume 1, número 1, março de 2007.
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LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999. 178 p.
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