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N° 17 | Setembro de 2011 U rdimento

O QUE NOS MOVE:


MANIFESTOS EM PERFORMANCE
Beatriz Angela Vieira Cabral1

Resumo

Esta reflexão sobre uma investigação cênica de manifestos


que marcaram os últimos cem anos da história ocidental
está centrada no texto ‘Nostalgias Futuras’, de Richard
Schechner (2010). A tradução do texto à performance
respondeu ao desafio do autor, de que o grande gesto
dos manifestos é hoje substituído por intervenções
performativas que ultrapassam o momento de suas
declarações. A apresentação performática do texto, por
estudantes de teatro, permite examinar os princípios
estéticos e políticos observados na performance, ativados
pela análise de documentação fotográfica.

Palavras-chave: manifestos, investigação performática,


atos de tradução.

Abstract

This reflection on a theatrical investigation of manifestos


that have marked the past hundred years of Western
history is focused on the text "Future Nostalgias" by
Richard Schechner (2010). The translation of the text to
the performance meets the challenge posed by the author
that the great gesture of the manifestos is now replaced
by performative interventions that go beyond the moment
of their statements. The performative presentation of the
text, by theatre students, allows for looking at the aesthetic
and political principles observable in the performances,
activated by the analysis of the photographic
documentation.

Keywords: manifestos, research on performative actions,


acts of translation.

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U rdimento N° 17 | Setembro de 2011

E
m ‘Nostalgias Futuras’, tem sido realocado, na contemporaneidade,
Richard Schechner (2010) para ações mais locais e pontuais de
recorre ao Manifesto inclusão artístico-cultural.
Comunista (1848) de Marx
e Engels e aos direitos
‘universais’ das revoluções americana e
Nostalgias Futuras – o vigor da chama
francesa (meio século após) para introduzir
e situar oito manifestos, artísticos e políticos, Os métodos mudam para responder às
que marcaram momentos da história necessidades de uma determinada época e
ocidental de 1909 a 2006. O autor inclui de um determinado lugar (SPOLIN, 1963).
resumos dos manifestos e advoga como o É quando a visão do teatro muda, que se
sentido de utopia e justiça universal, tem procura uma nova pedagogia do teatro
sido realocado, na contemporaneidade, que responda a essa nova visão (FÉRAL,
para ações mais locais e pontuais de 2009). A associação das reflexões de Spolin
inclusão artístico-cultural. e Féral, com espaço de quase 50 anos
entre elas, justificam a ação pedagógica de
transformar uma disciplina teórica em um
Morte do manifesto como gênero
processo performático.
O texto de Schechner apresenta o que se
Os manifestos foram escritos pode considerar como uma espacialização
tradicionalmente com a intenção de dar sonora de sensações, imagens, momentos
forma às ideias e ações políticas. Sua de tensão, e encadeamentos – mais do
origem remonta ao Manifesto Comunista que uma ideia ou conceitos, uma espécie
(1848) de Marx e Engels, um tratado e de pulsação; o texto torna-se vivo. Esta
um chamado às armas. Meio século após, percepção da energia do texto, e da
os direitos ‘universais’ das revoluções síntese realizada pelo autor, de oito
americana e francesa retomaram, embora manifestos - Futurista/Marinetti, DADA/
de forma destorcida, alguns de seus Tzara, Teatro e Crueldade/Artaud,
princípios. Estes três foram os modelos Arte Revolucionária/Trotsky e Breton,
para a maior parte dos manifestos escritos Recusa Global dos Artistas de Quebec,
por artistas. Se considerados em seu Situacionista, Living Theatre/Julian Beck,
conjunto, afirma Richard Schechner, “os ArtGuerrilla – foi compartilhada com os
manifestos emitidos por artistas-chave da quarenta e cinco alunos da primeira fase
avant garde e teóricos influentes, reiterados do Curso de Teatro/UDESC. A proposta
por mais de um século, clamam pela inicial foi que sua leitura e a identificação
destruição da ordem vigente e criação de dos questionamentos e reivindicações
uma nova ordem” (2010, p. 312). Segundo centrais dos manifestos subsidiassem
o autor, considerando-se que a maior debates sobre as relações entre arte,
parte dos artistas que escrevem manifestos estética, ética e política, fundamentos das
não comete a violência que advogam, há disciplinas de Metodologia do Ensino do
que se reconhecer que os limites entre o Teatro. A resposta foi rápida - moveu os
‘real’ e o ‘virtual’ estão se dissolvendo alunos a identificar ‘seus’ manifestos e
e o performativo se atualizando. Para jogarem-se à performance.
Schechner, o grande gesto dos manifestos, O entendimento de que Nostalgias
e seu sentido de utopia e justiça universal, Futuras permitiria uma interação
performativa entre sensações, percepções,
1 Bolsista de Produtividade e Pesquisa CNPq. Professora e ações, movendo os estudantes a
Adjunta na Universidade do Estado de Santa Catarina, onde capturar o artigo sob a forma de um
leciona Metodologia do Ensino do Teatro na Graduação e
Prática como Pesquisa na pós-graduação. Diretora de Artes
evento performático justificou a mudança
Cênicas na Universidade Federal de Santa Catarina. de planos. O desejo do grupo era uma

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imediata manifestação de rua. A contenção encena para o suposto ou real leitor, que é
foi conseguida com um ‘poderá vir a imaginado nos procedimentos da encenação;
seguir’, após um necessário experimento em o jogo da apropriação da experiência, onde
sala, caracterizado como uma ‘investigação jogar com o texto consiste na obtenção da
de possibilidades em quatro encontros’. O experiência, através da qual nos abrimos
caráter de investigação e a delimitação do para o não-familiar; o jogo do prazer,
tempo direcionaram a energia do grupo derivado do exercício incomum de nossas
para a busca de formas de atuação. facilidades e habilidades (2002, p.105-118).
O processo de investigação cênica As dimensões do jogo do texto,
adquiriu a forma de um fluxo de apresentadas por Iser, permitem associar
incorporações sensíveis – alguns grupos a distinção feita por Deleuze entre teatro
conseguiram se organizar com pesquisa, da representação e teatro da repetição ao
revisões e reconsiderações, de modo que a processo performático com os manifestos.
apresentação foi se formando e ganhando “No teatro da repetição”, segundo
consistência; para outros, o jorro de ideias, Deleuze, “experimentamos forças puras,
e as diferenças de percepção entre os traços de dinâmicas no espaço que, sem
membros do grupo, causaram mudanças intermediários, agem sobre o espírito (...)
radicais entre os encontros de criação. experimentamos uma linguagem que fala
Quatro alunos optaram por introduzir e antes das palavras, gestos que se elaboram
costurar as apresentações dos manifestantes antes dos corpos organizados, máscaras
nos papéis de apresentadores e jornalistas. antes das faces, espectros e fantasmas
O que é pensar sem subordinar a antes dos personagens ...” (2009, p. 31).
diferença à identidade, pergunta Roberto Os manifestos em performance, como um
Machado ao introduzir recente tradução ‘teatro de repetição’, ressaltaram a energia
de Gilles Deleuze (2010). Repetir um texto, posta em cena e o advogar político dos
argumenta Machado, não é buscar sua participantes, o movimento em oposição
identidade, mas afirmar sua diferença; é ao conceitual e à sua representação.
pensar em seu próprio nome usando o nome A forma encontrada por cada grupo,
de um outro, organizar seu texto a partir o estilo, vista como uma sobreposição
de um ponto de vista, de uma perspectiva de afetos, agenciada por um coletivo,
que faz o objeto estudado sofrer pequenas contaminou ou subverteu os projetos e o
ou grandes torções. Para Deleuze, o imaginário individual. Mesmo que concebida
teatro é crítico quando opera amputando, como identidade de grupo, os manifestos
subtraindo alguns dos elementos do texto permitiram perceber diferenças internas.
original, para fazer aparecer algo diferente. Se o contexto foi coletivo e o estilo foi
Não é apenas a matéria do texto, a história negociado, se houve um acordo, o discurso
original que é modificada; é também sua foi livre e individual. Foi isto intencional
forma, que cessa de ser representação. ou decorrência dos manifestos em si?
As ‘pequenas e grandes torções’ que Para Deleuze, extrapolar a compreensão
amputam e subtraem elementos do texto de uma ideia ou um conceito e chegar à
original para fazer aparecer a diferença, pulsação e plasticidade caracteriza o teatro
caracterizam o jogo do texto. Para Wolfgang de repetição, oposto ao de representação
Iser (1979), o jogo produz diferença – como – um movimento necessário para que o
processo de transformações das posições conceito vá se formando e ganhando força,
e do material pré-dado pelo texto. Iser ressoando: repetição como composição,
acrescenta três dimensões do jogo no texto buscando ritmo e movimento; criando
que refletem as interações observadas entre fluência entre fragmentos do texto;
os estudantes e os ‘textos’ dos manifestos: repetição como refrão, significado
o jogo da performance para uma suposta como fluxo que retorna, circular, pela
ou real plateia, ou seja, o jogo do que se incorporação do sensível.

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É possível considerar aqui que o contexto, pode ter o efeito de remover


trabalho físico e mental de descobrir e as palavras de um momento de intensa
criar conexões, ressonâncias e narrativas emoção; as motivações que deram origem
a partir da justaposição e reordenação do aos manifestos não estão presentes hoje.
cruzamento espaço – corpo – fragmentos fez Mas, conclui Derrida, a tradução é
emergir significados abertos a múltiplos necessária enquanto prática da diferença.
níveis de interpretação. O potencial da Aqui, os resumos dos manifestos e a
re-significação do espaço e do texto de opção de escolha trouxeram a diferença,
cada manifesto expandiu os limites da estética e política, como ponto de partida.
subjetividade. O coletivo, ao depender Os alunos se agruparam segundo sua
das contribuições de muitos sujeitos, identificação com as reivindicações de
passou a criar um novo referencial e a um dos manifestos, cuja apropriação e
influenciar o desenvolvimento de ações atualização passaram por um processo de
posteriores dos indivíduos participantes investigação estético - política, que permitiu
e do próprio coletivo. Assim, é possível contextualizar o discurso dos manifestantes
considerar que se os manifestos, pela e criar analogias com questões locais.
ótica dos estudos culturais são história, Assim, a impossibilidade da transferência
eles também são movimentos que semântica não se apresentou na tradução
expõem relações sociais assimétricas, performática dos manifestos. O sentido de
são ações que apelam para a emoção, o protestar, de pertencimento, te ser ouvido,
sonho e a imaginação, mobilizando um prevaleceu, como contaminação; ficou o
encontro afetivo que é tanto mais eficaz espírito do lugar, do objeto sob protesto, e
quanto mais inconsciente. Assim, embora o sentido de performação.
o espaço singular do teatro na estética
de Deleuze, segundo Vasconcellos
(2005) não seja pensar uma teoria do
Que tipo de experiência um aluno tem
julgamento ou a experiência do sujeito, ao vivenciar tal processo?
e sim as formas de enfrentamento do
senso comum e dos clichês, foi possível O engajamento do jovem com o fazer
observar neste experimento como a teatral através da interação com um texto
repetição - como composição e como que conduz à expressão física e verbal, e
refrão - inseridas no texto coletivo da responde a ideias onde o artístico, o estético,
performance, revelou a presença do o ético e o político coexistem, continua a
subjetivo na criação do grupo. fascinar e desafiar aqueles que o realizam.
A interação entre experimentações,
apreensão, apropriação e re-significação
De Nostalgias Futuras à Performance
de uma manifestação pública de caráter
artístico e político esteve presente no
A tradução de uma linguagem ou forma processo e nos depoimentos escritos.
de arte à outra, para Derrida (1992), é tanto A garra com que os estudantes
impossível, quanto necessária – impossível abraçaram e defenderam seus pontos de
por tratar-se de uma falha inevitável vista, evidenciada no planejamento das
de transferência semântica, decorrente performances e disposição para a pesquisa,
do diferencial da linguagem, necessária apontou para a relação entre política e arte
porque é uma prática da diferença. tal como colocada por Rancière ao discorrer
No que se refere à impossibilidade sobre o encontro discordante das percepções
de transferência semântica, o evento individuais, e pontuar que a base da política
aqui analisado inclui um agravante - e da estética não é o acordo e sim o conflito,
a tradução de resumos de diferentes o próprio desentendimento; desta forma, é
manifestos para outra língua e outro essencialmente estética e está fundada sobre

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o mundo sensível, assim como a expressão Brian Massumi, em Parables for the
artística (1996; 2010). Este entendimento Virtual (2002), comenta como a sensação
permite avaliar, a posteriori, o que foi comum é um estado no qual a interação entre
no processo de criação performática dos a ação, a percepção e o pensamento é
manifestos, o que delimitou e configurou as intensa e performativa. De acordo com
vozes, conscientes ou não, que explicitaram o filósofo, o potencial desta interação
as discordâncias subjacentes aos processos dinâmica da sensação e o reconhecimento
de criação em grupo – quem propõe as ações, de sua performatividade apontam
quem as aceita, quem as nega; quem define para a importância de investigar os
a estética da apresentação, quem se rebela; relacionamentos entre ação, percepção e
o acordo e o desacordo na identificação de emoção. Ele está interessado em capturar
objetos de cena e na criação do figurino, que em eventos performáticos as formas pelas
juntos evidenciaram as subjetividades em cena. quais as sensações e sentimentos ligados
A tradução dos manifestos às a momentos do passado formam as
performances revelou o ‘encontro possibilidades das coisas futuras. Na série
discordante das percepções individuais’, Technologies of Lived Abstractions, Massumi
que assim como na política, incluem e seu co-editor Erin Mannix, consideram
momentos de consenso intercalados o corpo e a mídia, tal como a televisão,
com momentos que exigem negociação. o teatro, filmes e internet, processos
Se o impacto inicial com a identificação que operam com múltiplos registros de
dos manifestos e levantamento de sensações, além do alcance da leitura.
possibilidades de ação foram evidentes, a Revisitando a filosofia da percepção de
apropriação e re-significação do texto e sua Henri Bergson através do filtro de Deleuze
experiência performativa, potencializou o e Guattari, Massumi e Mannix associam a
engajamento com a causa e a percepção de lógica cultural da variação a questões de
alguma ressonância com o contexto atual – movimento, afeto, e sensação.
ao nível pessoal e coletivo. Houve grupos O que moveu os jovens alunos neste
que estenderam sua pesquisa ao espaço experimento? O movimento? A energia da
externo, houve manifestações em espaços ação? O protesto? O advogar como forma
públicos (shopping center, McDonald, de identificação?
etc.), registro em vídeo, mas também O caráter de cada manifesto levou
houve grupos onde prevaleceu um sentido a distintas formas de performação. O
de que “poderia ter sido bem melhor”. Há espaço, face à possibilidade e presença
razões para se envolver e engajar em uma da multiplicidade, respondeu aos
situação – parafraseando David Best (1992), desafios da diferença e heterogeneidade.
‘o sentimento é racional em si; podemos O reconhecimento da espacialização e
explicar porque gostamos ou deixamos de multiplicidade coexistiu para a identificação
gostar de alguma coisa’. e articulação estética e política dos grupos.
Porém os grupos não se restringiram a ações
e movimentos – a investigação de referências,
O que nos move? imagens e objetos de cena, sugere a força do
manifesto como forma de apresentação.
No contexto do ensino de Arte, Doreen Massey (1998), ao focalizar
especialmente no de Teatro, é freqüente a construção espacial de culturas jovens,
observar que envolvimento e engajamento salienta dois aspectos que cabem ser aqui
podem diluir-se durante o processo de considerados: os jovens certamente pulam
trabalho, pois seu desenvolvimento depende escalas geográficas em busca de referências,
da articulação de desejos e empenho de cada pois hibridismo é uma condição de todas as
integrante de um grupo com histórias de culturas, especialmente das jovens culturas.
vida, formação e interesses distintos. Ao mudar a conceituação de cultura - de roots

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(raízes) para routes (caminhos) - chega-se a Deleuze confronta a visão essencialista


uma vasta complexidade de interconexões. do sujeito, dotado de uma identidade
A chamada cultura jovem ‘local’ deixa de autônoma e privada a uma subjetividade
ser um sistema fechado de relações sociais em movimento, continuamente produzida.
e passa a ser uma articulação de contatos e Em vez de subjetividade, formas de
influências, originários de uma variedade subjetivação, inseparáveis de novos
de lugares espalhados de acordo com perceptos (novas maneiras de ver e escutar) e
relações de poder, moda e hábitos através de novos afectos (novas maneiras de sentir).2
de diferentes partes do mundo. Doménech, Tirado e Gómez remetem a
É neste sentido que a contribuição Braidotti (1995), para quem os processos
teórica de Deleuze amplia as possibilidades de subjetivação são compreendidos através
de leitura dos manifestos em performance. de dobramentos, “a dobra”, conceito
Para o filósofo, as referências ao teatro introduzido por Deleuze, para combater a
ficam em um entre - lugar das estéticas primazia do verbo ser, que remete sempre
do sentido e da sensação, e das estéticas a circunstâncias: Em que caso? Onde e
dos atos e dos processos de criação. Sua Quando? Como? Nunca a essências.3 O
atenção à associação entre referências conceito de dobra é utilizado por Deleuze
políticas e plano subjetivo, explica a para explicar a possibilidade, lançada por
possibilidade em um si mesmo constituído Foucault, de um si mesmo constituído
como núcleo de resistência frente a como núcleo de resistência frente a poderes
poderes e saberes estabelecidos. e saberes estabelecidos.
Um dos pressupostos no campo Esta reflexão sobre as performances dos
pedagógico é conhecer os alunos a fim de manifestos que marcaram o século XX, como
definir a abordagem metodológica e propor pré-textos para intervenções performáticas,
ações. Mas, os alunos ‘são’? Em que caso? recorreu à alternativa mais radical à
Onde? Quando? Como engajar 45 jovens imagem convencional da subjetividade
alunos de uma primeira fase do curso de como coerente, durável e individualizada.
teatro com uma reflexão teórica sobre os A observação do experimento com
princípios estéticos, éticos e políticos do palavras, imagens e formas delimitadas
fazer teatral? E ao mesmo tempo introduzi- por espaço e tempo; da experiência de
los ao reconhecimento de convenções e descobrir e se apropriar de manifestos de
regras da linguagem? resistências artística e política aos poderes
A linguagem dos manifestos, e o e saberes estabelecidos; e da vivência de
confronto das diferentes propostas e interações através de movimentos, fluxos,
‘gritos de guerra’ ao status quo foram além decomposições e recomposições, apontou
das ‘falas’ negociadas em cada grupo, para aquilo que é definido por Nikolas Rose
produzidas através de suas interações. (2001) como você é mais plural do que pensa:
Se, por um lado, em alguns grupos mais
que em outros, foi possível observar A subjetivação é o nome que se pode
proposições de recursos linguísticos, dar aos efeitos de composição e de
explicações, associações, elaboração de recomposição de forças, práticas e relações
que tentam transformar – ou operam para
palavras de ordem que pudessem levar transformar – o ser humano em várias
à ação e à persuasão, por outro lado, o
fracasso ou o êxito das interações também
2 Vide DOMÉNECH, Miguel; TIRADO, Francisco; GÓMEZ,
foram visíveis. O texto dos manifestos, tal Lucía. A dobra: psicologia e subjetivação. In: Tomaz Tadeu
como apresentado por Schechner, ativou (org.) Nunca fomos humanos – nos rastros do sujeito. Belo
imagens e associações que provocaram Horizonte: Autêntica, 2001.
mergulhos e explorações em diferentes 3 Deleuze cria conceitos, e não metáfora, porque a metáfora
implica uma relação com algo que já existe, remete a um
direções. O coletivo foi caracterizado como significado prévio, enquanto os conceitos atuam como imagens
subversão do imaginário individual. performativas. DOMÉNECH; TIRADO; GÓMEZ, 2001, p. 130.

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formas de sujeito, em seres capazes de DELEUZE, Gilles. Sobre o teatro – Um


tomar a si próprios como os sujeitos de manifesto de menos. O esgotado. Rio de
suas próprias práticas e das práticas de
outros sobre eles (ROSE, 2001, p. 143).
Janeiro: Zahar, 2010.
DERRIDA, J. The Amnesty lectures on human
rights. Channel 4 TV.
A apropriação e apresentação dos
DOMÉNECH, Miguel; TIRADO, Francisco;
manifestos levantaram questões em termos
GÓMEZ, Lucía. A dobra: psicologia e
daquilo que os alunos podem fazer e não
subjetivação. In: TADEU, Tomaz (org.)
daquilo que eles são. No contexto de textos
Nunca fomos humanos – nos rastros do sujeito.
escritos com a intenção de provocar ações
Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
de afirmação e protesto, eles responderam
com performatividade em negrito – expressão FÉRAL, Josette. Teatro Performativo e
usada por Schechner para caracterizar Pedagogia. Revista Sala Preta, No 9. São
as intensidades do sentido de exclusão Paulo: ECA/USP, 2009, p. 255-267.
presentes nos manifestos, assim como um ISER, Wolfgang. O Jogo do Texto. In: A
‘chamar às armas’. As performances, vistas Literatura e o Leitor – textos de estética da
como processos de subjetivação, mostraram recepção. Seleção, coordenação e tradução de
formas dos jovens se relacionarem através Luiz Costa Lima. São Paulo: Paz e Terra, 1979.
das particularidades de protestos distintos MACHADO, Roberto. “Introdução” a
– revelando capacidades de compreender Gilles Deleuze. Sobre o Teatro. Rio de
e falar a si mesmos, julgar e colocar a si Janeiro: Zahar, 2010.
mesmos em ação. MASSEY, Doreen. For space. London:
Pela perspectiva da disciplina Sage, 2005.
‘Metodologia do Ensino do Teatro I’,
MASSUMI, Brian. Parables for the virtual:
oferecida na primeira fase do Curso de
movement, affect, sensation. Durham: Duke
Teatro da UDESC para alunos que obterão
University Press, 2002.
diploma de bacharéis e licenciados, esta
experiência permitiu refletir sobre a função ROSE, Nikolas. Inventando nossos eus. In:
da arte na escola e na sociedade. As ações Tomaz Tadeu (org.) Nunca fomos humanos
de afirmação e protesto identificaram – nos rastros do sujeito. Belo Horizonte:
e aproximaram princípios artísticos, Autêntica, 2001.
estéticos, éticos e políticos. Aqueles que RANCIÈRE, Jacques. A associação entre
temem e questionam sua futura atuação no arte e política. Entrevista concedida
espaço normatizado da instituição escolar a Gabriela Longman e Diego Viana.
visualizaram aquilo que De Certeau Urdimento Revista de Estudos em Artes
(1990, p.101) chama de “artes do fazer” – Cênicas da Universidade do Estado de Santa
táticas e estratégias para enfrentar tanto a Catarina. n.15, Vol. 1., out. 2010.
imobilidade quanto as micro - resistências. SCHECHNER, Richard. ‘Nostalgias
Futuras’, RiDE – Research in Drama
Education – The Journal of Applied Theatre
Referências bibliográficas
and Performance. Vol. 15, n. 3, p. 309-316,
Londres: Routledge, 2010.
BEST, D. The Rationality of Feeling: VASCONCELLOS, J. Arte, subjetividade e
understanding the arts in education. Londres: virtualidade: ensaios sobre Bergson, Deleuze
The Falmer Press, 1992. e Virilio. Rio de Janeiro: Publlit/Papel
BRAIDOTTI, R. Soggetto Nomade. Virtual, 2005.
Feminismo e crisi dela modernitá. Roma:
Donzelli Editore, 1995.
DE CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano:
1. Artes do fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.

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