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PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS

DISCIPLINA: ECONOMIA POLÍTICA INTERNACIONAL

ALUNO: GILBERTO AGUIAR MARASLIS PASSOS

GUNDER FRANK

André Gunder Frank foi um economista marxista e sociólogo alemão, um dos


precursores do debate sobre a dependência e um dos expoentes da teoria sistema mundo.
Desenvolve seu argumento central ao descrever o processo de formação capitalista
como um processo de formação de uma periferia e um centro econômico baseado em
termos desiguais de troca e divisão internacional do trabalho, e ainda que a teoria da
dependência tenha inspirado projetos de substituição de importações na América Latina,
o próprio autor critica tais soluções burguesas, afirmando que não permitiu o
desenvolvimento das economias latino americanos e foi responsável por crescente
desigualdade. Relata que a industrialização soviética foi possível pelo isolamento das
relações com as metrópoles.

Gunder Frank (1976) relata a importância histórica das medidas da Inglaterra


para impedir a industrialização da Índia e suas colônias, além do monopólio do
comércio e das atividades produtivas da periferia pelas metrópoles. O autor pressupõe
então uma dependência permanente no capitalismo, entre centro e periferia. Na sua
crítica à CEPAL e as tentativas burguesas de substituição de importações que geraram
desigualdades, entendo o autor encaixado na vertente marxista da economia política.

A primeira parte do artigo é uma revisão de literatura dos clássicos e reformistas,


desenvolvendo a teoria das vantagens comparativas, do livre comércio e dos termos de
troca desiguais no comércio, que por seguinte será criticada pelo autor. Gunder Frank
leva em consideração algumas questões teóricas colocadas na análise econômica
clássica e neoclássica e nas tentativas burguesas modernas de encontrar soluções mais
progressistas para elas. Por um lado, as teses clássicas e neoclássicas derivadas de Smith
e Ricardo defendem uma divisão internacional do trabalho e extensão do mercado
através do livre comércio e vantagens comparativas que levam à especialização de
alguns países na produção e exportação de matérias-primas básicas para o mercado
externo em troca de manufaturas produzidas em outros países. Por outro lado, as teses
associadas a Friedrich List, Gunnar Myrdal, Raul Prebisch e mais tarde Emmanuel
procuram desafiar a tese clássica invocando tendências seculares nos domínios do
comércio e trocas crônicas desiguais entre os países que desfavorecem os produtores de
matérias-primas, recomendando uma política alternativa de proteção à indústria
nascente e substituição de importações para o desenvolvimento do mercado interno.

Os principais arquitetos da economia clássica, Smith e Ricardo, construíram suas


teorias em meio a revolução industrial e de acordo com os interesses mundiais da
nascente burguesia industrial da Grã-Bretanha. Smith argumentou que "especialmente a
divisão industrial do trabalho é limitada pela extensão do mercado" em casa e
particularmente na população dedicada à agricultura ineficiente. Esse limite poderia ser
ampliado aproveitando-se a vantagem absoluta já existente da Grã-Bretanha na
fabricação e exportação de produtos industriais em troca de matérias-prima. Ricardo
estendeu a tese de Smith em seus "Princípios de Economia Política e Tributação"
publicado em 1817, cunhando a doutrina da vantagem comparativa e do livre comércio
que regeu a economia burguesa e teoricamente justifica a política metropolitana de
comércio e desenvolvimento até hoje. Ricardo buscou a abolição das Corn Laws que
protegiam a agricultura britânica de alto custo, mantinham desnecessariamente altos os
custos salariais e indesejavelmente baixos lucros industriais, limitando assim o
investimento industrial e o desenvolvimento econômico. A Doutrina do Livre Comércio
foi consagrada na Grã-Bretanha e, como observou List, tornou-se seu principal produto
de exportação para o resto do mundo.

No entanto, emergiu oposição à doutrina britânica de livre comércio e à política


comercial britânica entre os burgueses que foram afetados adversamente por eles no
exterior. De acordo com Gunder Frank (1976) a crítica mais severa da vantagem
comparativa e a tentativa mais séria de formular uma teoria alternativa até agora é a de
Emmanuel em seu "Troca Desigual". Para começar, a divisão internacional do trabalho
associada à “lei” da vantagem comparativa nunca foi “natural”, mas foi feita pelo
homem guiada pelos próprios interesses industriais britânicos e de seus aliados
ultramarinos que então consagraram essa divisão como uma suposta lei natural. Em
segundo lugar, o livre comércio nunca foi apenas o laissez faire e laissez aller das forças
de mercado "livres" - embora as forças de mercado tenham inegavelmente atuado,
foram impostas pelo exercício substancial da força política e militar, pela dependência
do trabalho forçado e em geral, a transformação vigorosa dos modos de produção.
Aqueles que sofreram com essa "lei" naturalmente se opuseram - e, quando possível,
resistiram.

Segundo List, entre as consequências mais notáveis do Ato de Navegação, estão


principalmente a conclusão com Portugal em 1703 do tratado de Methuen pelo qual
Portugal tornou-se completamente subserviente à Inglaterra, e a Inglaterra pôde, com o
ouro e a prata retirados de seu comércio com aquele país, estabelecer naquele período
seu vasto império na Índia. O grande e crónico déficit criado pelo tipo de divisão
internacional do trabalho na balança de pagamentos portuguesa faz com que o ouro
brasileiro saísse integralmente de Portugal e se deslocasse maioritariamente para
Inglaterra, onde contribuiu para a industrialização daquele país muito mais do que tinha
feito em Portugal, cuja indústria tinha sido sacrificada pela especialização na produção
de vinho.

Um dos principais desafiadores à teoria da doutrina do livre comércio e sua


rejeição como um guia para a política econômica veio de Friedrich List, o pai do
"Zollverein" ou união aduaneira, que foi projetado para promover a industrialização
alemã protegendo e expandindo o mercado interno. De acordo com List, a teoria de
valores de Adam Smith e JB Say que determinou sua política industrial de comprar
matérias-primas e vender produtos manufaturados obteve o mais esplêndido sucesso. “A
Inglaterra agora produz produtos de algodão e seda no valor de setenta milhões de
libras; ela abastece em grande parte os mercados da Europa e de todo o mundo: até a
Índia agora recebe os produtos do trabalho inglês. Sua própria produção é agora de
cinquenta a cem vezes maior do que seu antigo comércio de artigos manufaturados da
Índia (...) Um país como a Inglaterra, que está muito à frente de todos os seus
concorrentes, não pode manter e ampliar melhor sua manufatura e indústria comercial
do que por um comércio tão livre quanto possível de todas as restrições.” (Gunder
Frank, 1976, p. 172).

Uma observação importante de Gunder Frank era que Friedrich List era alemão,
e seu país foi capaz de rejeitar o livre comércio, estando em uma posição internacional
diferente da Índia, por exemplo, que era politicamente controlada pela Inglaterra, ou ao
contrário da América Latina, que tinha uma estrutura de classe colonial que
inevitavelmente dava à sua burguesia dominante um interesse econômico próprio na
exportação livre de matérias-primas e na importação de produtos manufaturados. Outro
país que estava em posição de rejeitar a doutrina do livre comércio ainda antes da
Alemanha, antes mesmo de Ricardo escrever, foram os Estados Unidos. Foram
justamente estes os países a se desenvolverem pelo protecionismo e serem protagonistas
das guerras mundiais, como potências revisionistas.

Embora seu status político tenha dificultado o desenvolvimento da indústria no


Sul Global, a doutrina e a política de livre comércio também encontraram oposição
significativa no século XIX de certos grupos de interesse afetados adversamente no
novo mundo subdesenvolvido. Assim, Bipan Chandra resumiu que para os primeiros
líderes nacionais indianos, o maior problema econômico da Índia era a condição de sua
indústria, e a explicação da pobreza da Índia mais comumente apresentada por eles foi a
prostração industrial resultante da destruição das indústrias nativas e o fracasso da
moderna indústria de máquinas em crescer rápido o suficiente para compensar
adequadamente essa destruição. Da mesma forma, em vários países da América Latina,
a invasão acelerada das manufaturas britânicas encontrou resistência política e
ideológica.

A seção seguinte busca exemplificar o processo em que a divisão do trabalho


liberal promove a deterioração dos termos de troca pelo mundo. Ainda que
supostamente o progresso tecnológico e o aumento da produtividade do trabalho na
metrópole durante o século XIX deveriam ter ocasionado um aumento dos salários na
metrópole, de acordo com a teoria da produtividade marginal, e uma extensão dos
benefícios do progresso ao resto do mundo por meio de menores preços ou melhores
termos de troca, de acordo com a teoria da vantagem comparativa, os salários na
metrópole só subiram na segunda metade do século XIX, e os termos de troca
diminuíram para a Grã-Bretanha e melhoraram para outros durante a primeira parte
desse período e subiram para a Grã-Bretanha e diminuíram para os produtores de
matérias-primas após a década de 1870. Durante todo o período a divisão internacional
do trabalho e o comércio internacional mudaram às custas dos países hoje
subdesenvolvidos, o que aconteceu tanto quando seus termos de troca melhoraram
quanto quando diminuíram novamente, e isso por várias razões.

Na medida em que a troca era desigual, mesmo nos termos de troca mais baixos
para a Grã-Bretanha, seu ganho real e a perda real dos países agora subdesenvolvidos no
comércio internacional durante esses anos foram correspondentemente maiores. No
entanto, o maior ganho para a metrópole e perda para os países colonizados dessa
divisão internacional do trabalho não foram colhidos durante esses anos, mas mais
tarde, quando os termos de troca mudaram contra os exportadores de matéria-prima. Os
termos de troca da Grã-Bretanha diminuíram e suas exportações aumentaram durante a
primeira parte do período em que a Grã-Bretanha estava conquistando mercados
ultramarinos para suas exportações industriais, especialmente têxteis de algodão, de
maneira a destruir as manufaturas e até mesmo a indústria menos competitivas na
América Latina, África e Ásia, e principalmente na Índia. Quando esse processo
impediu com sucesso o desenvolvimento industrial nessas áreas, a Grã-Bretanha passou
a depender cada vez mais da exportação de produtos de metal e maquinário
tecnologicamente mais complexos; e seus termos de troca começaram a melhorar no
final do século XIX, embora então, com exceção do algodão, a Grã-Bretanha tenha se
tornado dependente de matérias-primas e da importação de alimentos para seu
desenvolvimento contínuo.

Nesse sentido, a divisão internacional do trabalho e o mercado mundial


operaram de maneira que a Grã-Bretanha com menores preços pôde destruir a
competição manufatureira local durante a expansão do livre comércio, e então
novamente aumentar seus preços uma vez que esta competição foi efetivamente
eliminada nos países colonizados. Então, no final do século, o capitalismo monopolista
imperialista metropolitano substituiu cada vez mais o livre comércio e os países
colonizados desindustrializados foram cada vez mais explorados por meio de termos de
troca decrescentes, o que não puderam reverter com sucesso, apesar da crescente
dependência da metrópole em suas matérias-primas, e ainda que os países colonizados
voltassem a produzir eles próprios produtos, que estavam atrasados tecnologicamente,
de maneira em que a metrópole pudesse aumentar seu preço e domínio sobre os países
hoje subdesenvolvidos.

A divisão internacional do trabalho contribuiu para o desenvolvimento do


subdesenvolvimento na maior parte do mundo, tanto quando os termos de troca foram
em uma direção quanto quando se manifestam na outra. Além disso, o crescimento
industrial do século XX acelerou na maioria dos países do "Terceiro Mundo"
precisamente quando, durante a depressão, seus termos de troca se deterioraram mais
seriamente e quando, durante a guerra, os termos de troca favoráveis não foram
imediatamente significativos porque a importação de divisas foi bloqueada por aquela
guerra. Nesse sentido, os termos de troca, como as outras considerações discutidas neste
artigo, só adquirem significado no contexto do processo de acumulação de capital,
divisão do trabalho e transformação dos modos de produção que os termos de troca
refletem principalmente e apenas secundariamente ajudam a reforçar.

Emmanuel argumenta que o subdesenvolvimento está ligado ao que ele chama


de "composição orgânica do trabalho" ou estrutura setorial da economia no que diz
respeito a setores ou produtos com baixa qualificação, baixo salário, distintos dos altos
processos produtivos altamente qualificados. A especialização no primeiro impede o
desenvolvimento, pois implica não só produzir, mas sobretudo depender de produtos de
baixo salário e baixo preço. Para superar esse obstáculo, sugere Emmanuel, existem
apenas duas possibilidades teóricas, mais autarquia, que impede a resultante
transferência de valor por meio da troca desigual associada, ou a diversificação em
setores intensivos em capital de alta qualificação e altos salários.

Para Emmanuel não haveria ligação determinante entre exportação de matérias-


primas e subdesenvolvimento ou pobreza relativa nem entre indústria e
desenvolvimento: os domínios britânicos e a Dinamarca são exportadores de matérias-
primas e ricos; enquanto Espanha, Itália e Japão são relativamente pobres. De fato, o
autor também descarta a diversificação como uma solução prática. Especialmente se os
países subdesenvolvidos se diversificarem em bens de alto preço (primeiro têxteis,
agora aço e manufaturas substitutas de importação), estes se tornariam bens de baixo
preço, porque os países subdesenvolvidos com baixos salários os produziriam e os
países desenvolvidos com altos salários mudariam sua produção para novos produtos
mais sofisticados e mercadorias de alto preço. Outro teórico do sistema mundo,
Wallerstein, descreveria esse processo citado como a transferência da indústria não mais
monopolista para a semiperiferia e a emergência de outra indústria líder nos países
centrais.

Gunder Frank (1976, p.174) especifica que é a visão de Emmanuel da “troca


desigual” no terceiro estágio da acumulação de capital mundial que apresenta uma
alternativa, em vez de apenas criticar, a teoria ricardiana de vantagens comparativas.
Emmanuel argumenta que, se as enormes diferenças nos níveis salariais entre alguns
países e outros não estão associadas a diferenças semelhantes na produtividade do
trabalho, e que essas últimas diferenças são de uma ordem ou magnitude totalmente
diferente e muito menores, então o intercâmbio internacional entre países a preços do
mercado mundial resulta necessariamente em "troca desigual" que beneficia a metrópole
em detrimento das colônias. Além disso, uma vez iniciada essa troca, suas
consequências são cumulativas, pois transfere o excedente que pode ser investido pelos
países pobres, que assim não podem investi-lo, para os ricos que o fazem, alargando
assim a diferença salarial e aumentando ainda mais a troca desigual, bem como afetando
as respectivos estruturas e modos de produção nos países subdesenvolvidos e em
desenvolvimento.

A análise e política burguesa pressupõe a existência de um "dualismo" - social,


econômico e tecnológico dentro dos países subdesenvolvidos e entre eles e a metrópole,
e defende a tese de que o desenvolvimento pode ser gerado pela exclusão de um setor
atrasado, ou que, ao contrário, o desenvolvimento é e deve ser difundido do setor líder
para o setor atrasado. Gunder Frank (1976, p. 175) argumenta que independentemente
da política supostamente derivada do dualismo, a própria tese de sua existência é
teoricamente bastante insustentável. Além disso, uma revisão da experiência histórica
da Ásia e da África sugere que a expansão do sistema capitalista mercantil e industrial
não admitiu sociedades ou economias duais como imaginadas por esses teóricos
burgueses.

Além disso, como sugere qualquer análise séria do processo de acumulação do


capital mundial e da transformação correlata dos modos de produção em todo o mundo,
a divisão internacional do trabalho e sua análise teórica há muito são incompatíveis com
a tese da economia dual ou da sociedade. Há também uma suposição dualista de que o
desenvolvimento deve ser difundido do setor "avançado" "capitalista" para o "atrasado"
"tradicional" e que este último está sendo ou deve ser progressivamente "modernizado"
e "integrado" no setor líder ou na sociedade e economia mundiais. Esta concepção e
política está subjacente a toda ideologia, teoria e política burguesa "progressista" e
reformista, seja entre os países industrializados e o "Terceiro Mundo" ou nacionalmente
dentro das sociedades "duais".

Uma variante dessa abordagem burguesa é a teoria “staple” do crescimento, que


recomenda a produção e exportação de matérias-primas básicas como um motor de
crescimento que irá reverberar para outros setores industriais e gerar o desenvolvimento
posterior de um mercado interno. A suposição fundamental da teoria staple é que as
exportações de produtos básicos são o setor líder da economia e definem o ritmo do
crescimento econômico. O mercado doméstico limitado e as proporções dos fatores
(uma abundância de terra em relação ao trabalho e ao capital) criam uma vantagem
comparativa nas exportações intensivas em recursos primários. O desenvolvimento
econômico seria então um processo de diversificação em torno de uma base agrário
exportadora, que teria impacto na exportação, na economia doméstica e na sociedade.

Staple theory é uma teoria da formação de capital, enfatizando a importância da


agricultura intensiva em capital em ligação à produção doméstica de máquinas
agrícolas, e assim investindo em indústrias de bens de consumo com a renda das
exportações. Evidentemente, segundo Gunder Frank (1976, p. 176) a produção e
exportação de matérias-primas básicas ainda não teve capacidade de transformar a
maior parte da Ásia, África e América Latina em produtores capitalistas industriais de
bens de produção e consumo e atraiu eles, se não universalmente em uma "armadilha
básica”, da qual segundo o autor eles são cada vez menos capazes de escapar através do
desenvolvimento capitalista.

Gunder Frank (1976, p.176) então questiona por que no mundo subdesenvolvido
não houve desenvolvimento gerado com base em um setor de produção industrial
doméstica de bens de consumo. De fato, a produção de matérias-primas de mineração e
plantação para exportação durante o primeiro estágio da acumulação mundial de capital
permitiu alguma produção intensiva em capital. Mas, naquele estágio de
desenvolvimento capitalista, a produção desses bens de capital coloniais não poderia ser
qualitativamente muito avançada no que diz respeito à sua complexidade tecnológica ou
intensidade de trabalho/capital.

A industrialização britânica, possibilitada pela ligação direta com a produção do


camponês proletarizado e para seu próprio consumo, e através da ligação entre a
produção têxtil e a produção de maquinário têxtil, e daí consequentemente para a
construção de máquinas, ferro, aço e ferrovias, alterou a intensidade das interconexões
entre todas as suas colônias na economia mundial cada vez mais integrada. A escala de
produção de têxteis e outras máquinas na Grã-Bretanha exigia, como observamos, a
desindustrialização deliberada e forçada da Índia. Se foi possível para a economia
britânica absorver sua força de trabalho na indústria (e matérias-primas, mineração de
carvão), foi pelo menos em parte porque a agricultura indiana foi obrigada por tarifas e
força bruta a absorver a mão-de-obra anteriormente empregada na manufatura e no
artesanato. Essa separação entre agricultura e manufatura na Índia não poderia, nesse
sentido, permitir à economia indiana produzir vínculos avançados em processamento
adicional que permitissem o avanço da construção de máquinas e na produção de bens
de produção na Índia.

Gunder Frank (1976, p.179) então busca elaborar uma explicação para que se
possa entender por que a rápida expansão da produção de matérias-primas não permitiu
ou gerou uma decolagem para a produção doméstica de bens processados avançados na
Ásia, África e América Latina, mas apenas nos brancos domínios britânicos e os
próprios Estados Unidos. Na medida em que a produção doméstica de matérias-primas é
predominantemente para exportação, as ligações seculares de longo prazo e o acelerador
cíclico de curto prazo também são predominantemente estendidos ou transferidos para o
exterior. Este parece ser o caso, em grande parte, independentemente de os principais
meios de produção no setor de exportação serem de propriedade doméstica ou não e de
sua comercialização ser controlada por estrangeiros ou não. Assim, a especialização do
século XIX e mesmo anterior na produção de matérias-primas para exportação e sua
troca por manufaturados importados, prejudicou severamente a acumulação de capital e
o consumo produtivo entre os produtores dos primeiros em comparação com os dos
últimos produtos, mesmo desconsiderando a fuga de capital do primeiro para o último
por meio de troca desigual. Muitos poucos produtores de matérias-primas não
metropolitanos foram capazes de superar essa desvantagem.

O controle estrangeiro da comercialização das matérias-primas, e principalmente


a propriedade estrangeira dos principais meios de produzi-las, limitou os potenciais
efeitos de propagação das ligações futuras disponíveis ao transferir o processamento
para a metrópole; limitando a expansão doméstica da linha de processamento caso
entrasse em conflito com o interesse econômico, financeiro e político metropolitano,
desviando o investimento de capital e o fornecimento de infraestrutura para direções
produtivas de exportação; e importando, por sua vez, a preços competitivos ou
privilegiados tarifários e/ou cambiais bens processados.

O Japão foi apenas capaz de desenvolver indústrias de bens de consumo nos


primeiros estágios de seu desenvolvimento precisamente por causa de seu isolamento da
competição mundial; e só depois de ter alcançado um certo estágio de desenvolvimento
o Japão tentou desenvolver indústrias que eram competitivas e estão em uma posição de
liderança tecnológica. Porém, sem a proteção dessa competição nas indústrias de bens
de produção, dificilmente o Japão teria sido capaz de gerar o consumo produtivo que
mais tarde serviu de base para sua decolagem econômica. Segundo Gunder Frank
(1976) este caminho de desenvolvimento definitivamente não está disponível para
nenhum país agora subdesenvolvido que esteja ligado ao mercado capitalista mundial.

Sendo um dos criadores da teoria da dependência, Gunder Frank observou que a


especialização na produção e exportação de matérias-primas básicas não gerou, de fato,
desenvolvimento econômico na maior parte do mundo, engendrando o desenvolvimento
de uma tese oposta à teoria do crescimento “staple”. Esta tese, associada à Comissão
Econômica das Nações Unidas para a América Latina (CEPAL), mas também
identificável em algumas interpretações norte-americanas sobre o desenvolvimento
histórico dos Estados Unidos, sustenta que a produção de alimentos básicos para
exportação induz ao subdesenvolvimento e não ao desenvolvimento e que pelo
contrário, o desenvolvimento depende do crescimento de um mercado interno. Como
aponta Ferrer: “Dificilmente pode haver dúvida de que, além da restrição que as
autoridades impuseram às atividades coloniais concorrentes com as da metrópole, a
estrutura do setor exportador, bem como a concentração da riqueza, foram os
fundamentos básicos obstáculos à diversificação da estrutura produtiva interna e,
portanto, à consequente elevação dos níveis técnico e cultural da população, ao
desenvolvimento de grupos sociais ligados à evolução do mercado interno e à busca de
novas linhas de exportação livre da autoridade metropolitana. Esse estreito horizonte de
desenvolvimento econômico e social explica em grande parte a experiência do mundo
colonial americano e, notoriamente, das possessões hispano-portuguesas” (GUNDER
FRANK, 1976, p. 181).

Essa concentração monopolista de propriedade cria uma distribuição de renda


extremamente desigual, que por sua vez impede o desenvolvimento de um mercado
interno substancial. Uma parcela substancial do excedente econômico produzido na
economia colonial é apropriada pela metrópole. Isto é especialmente verdade no caso de
os meios fundamentais de produção, minas, equipamentos, plantações, entre outros,
pertencerem a metropolitanos, que consomem ou investem seus rendimentos no exterior
ou que retornam ou se aposentam na metrópole depois de fazer fortuna na colônia. Mas,
por meio da troca desigual, do controle monopolístico da comercialização do produto de
exportação na metrópole-colônia e de outros mecanismos, uma parte substancial,
embora talvez menor, do excedente produzido na economia colonial também é remetida
à metrópole, caso o meio principal da produção são substancialmente ou mesmo
totalmente propriedade de nacionais ou residentes econômicos da economia colonial.
Estudiosos da história econômica norte-americana apresentam pensamento
semelhante, tanto no que diz respeito ao subdesenvolvimento do Sul quanto ao
desenvolvimento do Norte. O Sul se viu em um dilema semelhante ao enfrentado por
muitos países subdesenvolvidos hoje. Há um fato notável de que a renda do Sul fluía
diretamente na forma de: “(1) serviços e transporte para implementar esse comércio; (2)
importação de gêneros alimentícios para alimentar escravos e senhores de engenho; (3)
importação de bens manufaturados... O Sul não fornecia nem os serviços para
comercializar suas próprias exportações nem os bens de consumo e serviços para suprir
suas próprias necessidades, e uma propensão muito alta para importar.” (GUNDER
FRANK, 1976, p.183). O norte dos Estados Unidos tem sido atribuído de forma
importante à existência de um amplo mercado interno, supostamente já no início do
desenvolvimento.

O argumento da indústria nascente é tão antigo quanto o capitalismo industrial e


mesmo o mercantil. Grande parte da política mercantilista visava intencionalmente
proteger e desenvolver a indústria nascente; e esta política encontrou aplicação
renovada naquelas partes do mundo no século XIX onde as circunstâncias econômicas e
políticas o permitiram. Diante da evidência histórica, para Gunder Frank (1976, p. 185)
é difícil sustentar que tal desenvolvimento industrial nascente foi estimulado ou mesmo
acompanhado por uma maior igualdade ou equalização da distribuição de renda ou
propriedade, como explicitamente foi recomendado pelos defensores da industrialização
por substituição de importações pós-1950, como o proposto por Prebisch e CEPAL e
muitos outros.

Em vez disso, a distribuição de renda tornou-se bastante mais desigual. Além


disso, sem negar a importância marginal que induziu desenvolvimento da indústria ou
substituição de importações pode ter tido, qualquer política ou análise de
desenvolvimento especialmente desde o desenvolvimento da divisão internacional do
trabalho e transformação dos modos de produção do capitalismo industrial do século
XIX, foi essencialmente limitada por essas últimas condições objetivas. Gunder Frank
exemplifica isso dizendo que se o Portugal de Pombal, o Egito de Mohammad Ali e o
Paraguai de Lopez não tiveram sucesso em suas políticas de desenvolvimento industrial
"bismarckianas", foi porque o processo de acumulação mundial de capital,
desenvolvimento capitalista, divisão do trabalho, e o uso do poder militar não permitiu
tal desenvolvimento naqueles tempos e lugares.
Como política de desenvolvimento, a substituição de importações revelou-se um
fracasso e, como análise do processo de desenvolvimento, deixou de lado análise do
imperialismo e a estrutura de classes. Tornou-se claro que a substituição de importações
não foi tanto uma política esclarecida de industriais e governos progressistas, mas antes
a reação da burguesia (incluindo a parte dela anteriormente dependente da exportação
de matérias-primas) à sua incapacidade de continuar produzindo, investindo e lucrando
durante a crise da guerra e da depressão do capitalismo internacional e, nos últimos
anos, a participação entusiástica dessa mesma burguesia como sócio minoritário dos
monopólios multinacionais na recém-emergida divisão internacional do trabalho.

Esse crescimento da indústria nos países da periferia sem desenvolvimento


econômico é essencialmente parte integrante da recém-emergida divisão internacional
do trabalho, na qual as indústrias mais dinâmicas e intensivas em pesquisa, como as
eletrônicas-cibernéticas e petroquímicas, estão centradas nos Estados Unidos, outras
menos dinâmicas as indústrias são desenvolvidas na Europa Ocidental e no Japão,
enquanto as economias socialistas e algumas economias capitalistas subdesenvolvidas
assumem cada vez mais a produção de bens de capital não mais lucrativos ou de alto
lucro e de certos bens de consumo. Assim, o crescimento industrial, mesmo para o
mercado interno e nem mesmo para as indústrias de bens de capital, não é mais uma
garantia ou mesmo um caminho adequado para o desenvolvimento econômico.

Gunder Frank analisa Lênin, que escreve que o processo básico de formação de
um mercado interno é a divisão social do trabalho. O grau de desenvolvimento do
mercado doméstico é o grau de desenvolvimento do capitalismo no país. Nesse sentido,
a principal conclusão da teoria da realização de Marx é a seguinte: a produção
capitalista e, consequentemente, o mercado interno, crescem não tanto em função dos
artigos de consumo, mas em função dos meios de produção. Para o capitalismo,
portanto, o crescimento do mercado doméstico é até certo ponto 'independente' do
crescimento do consumo pessoal, e leva principalmente em conta o consumo produtivo.

Lenin argumentou que o mercado interno ou o mercado externo não depende e


não consiste em uma demanda anterior não capitalista. Nisso, Lênin seria também
implicitamente crítico da tese acima citada a respeito do desenvolvimento dos Estados
Unidos e do subdesenvolvimento da América Latina, segundo a qual o desenvolvimento
é resultado da existência prévia de um mercado interno, implicitamente para o consumo
bens, com base em uma distribuição relativamente igual da propriedade de renda (e
pouco desenvolvimento da divisão do trabalho). Pelo contrário, Lênin, como Marx antes
dele, argumentou que o desenvolvimento capitalista e o desenvolvimento tanto do
mercado interno quanto externo estão associados à progressiva divisão do trabalho
(nacional e internacionalmente), a crescente preponderância da produção dos bens de
consumo, a transformação de vários modos de produção pré-capitalistas por sua
incorporação ao sistema capitalista mundial (que torna a distribuição de renda e
propriedade, especialmente dos meios de produção, menos igualitária), e as
desigualdades associadas desenvolvimento entre os setores da economia (nacional e
internacional) que também estimula os setores líderes a exportar parte de sua produção.

Na minha opinião, o debate da substituição de importações e desenvolvimento é


atual, hoje em meio a um atuante modelo neoliberal de desenvolvimento por integração
ao comércio e exportação, que permitiu ao México e países asiáticos altas taxas de
crescimento, porém retendo pouco valor doméstico e não permitindo a tais países
superarem a condição de subdesenvolvimento. A crítica do autor sobre a desigualdade
gerada pelos modelos que buscaram superar a dependência ressalta o caráter
essencialmente burguês desse pensamento. Na minha opinião, a análise que o autor faz
do desenvolvimento japonês como possibilitado pelo isolacionismo não analisa seu
processo de substituição de importações, que teve sucesso na elevação do nível
tecnológico da produção japonesa que permitiu seu desenvolvimento.

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