Você está na página 1de 23

ÁREA TEMÁTICA: ESTRATÉGIA E COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL

O Paradoxo das Estratégias Multidomésticas


num Mundo Global: testemunho das estratégias
de “não-mercado” nos países em desenvolvimento
Carlos Rufín1
Pedro Parada2
Esteban Serra3

Recebido em 08 de janeiro de 2008 / Aprovado em 11 de março de 2008

RESUMO torno de um padrão multidoméstico. O nosso


Este artigo pretende analisar o desenvolvimento e a trabalho sustenta a tese de aproximação da estratégia
natureza das estratégias de “não-mercado” adotadas de “não-mercado” a uma perspectiva integrada
por diversas entidades de serviço público americanas com uma estratégia competitiva. Também
e espanholas que entraram nos mercados sul- evidencia o papel fundamental das condições no
americanos a partir dos anos 90 com vista a proteger mundo dos negócios e especialmente o nível e a
as suas atividades da instabilidade institucional. O forma do controle social sobre o negócio, moldando
nosso objetivo é analisar a variação nas estratégias as opções da estratégia de “não-mercado”.
de “não-mercado” nas várias empresas, de forma a
Palavras-chave:
identificar eventuais padrões que possam ser
Estratégias de não-mercado. Competitividade.
desenvolvidos como propostas. Tendo em conta os
Controle social.
dados secundários e as entrevistas com os executivos
das empresas, identificamos uma extensa variação
nas estratégias de “não-mercado”, seguidas pelas ABSTRACT
empresas estrangeiras que entram num novo Privatization and deregulation in many sectors
mercado. Também detectamos indícios de uma throughout the world have created opportunities
convergência das estratégias de “não-mercado” em for internationalization and foreign market entry.

1. Doutor em Políticas Públicas pela J.F. Kennedy School of Government, da Universidade de Harvard, Mestre em Econo-
mia pela Columbia University e Licenciado em Economia pela Princeton University. Professor na Suffolk University, em
Boston [crufin@babson.edu].
Endereço do autor: Babson College – 231 Forest Street Babson Park, Massachusetts 02457-0310, USA.
2. Ph.D. em Gestão Estratégica, Mestre em Gestão e Política Pública e Licenciado em Economia. Professor Titular do Depar-
tamento de Política de Empresa na ESADE Business School [pedro.parada@esade.edu].
Endereço do autor: ESADE Business School – Avenida de Pedralbes, 60-62 – E-08034 Barcelona, Espanha.
3. Doutor em Ciências Econômicas pela Universidade de Barcelona. Professor do Departamento de Política de Empresa
na ESADE Business School e no CEI – Centro de Estudos Internacionais – da Universidade de Barcelona
[estebanserra@ latinbridge.es].
Endereço do autor: Latin Bridge Business – Casanova 54, 7ª planta, letra C – E-08011 Barcelona, Espanha.

63
RBGN, São Paulo, Vol. 10, n. 26, p. 63-85, jan./mar. 2008
Carlos Rufín / Pedro Parada / Esteban Serra

These same processes, however, have also entailed Palabras-clave:


or exacerbated institutional instability in potential Estrategias de no-mercado. Competitividad.
host countries, enhancing the risk of indirect Control social.
expropriation through adverse regulatory
measures. This paper examines the development
and nature of the strategies followed by several 1 INTRODUÇÃO
U. S. and Spanish utilities that have entered Latin
American utility markets during the 1990s. Using No contexto da aceleração do processo de
both secondary data and interviews with company globalização, a privatização e a desregulamentação
executives, we find a wide variation in the de muitos setores em todo o mundo têm criado
nonmarket strategies followed by foreign entrants. oportunidades de internacionalização e de entra-
We also find evidence of convergence of da em mercados estrangeiros por parte de muitas
nonmarket strategies around a multidomestic empresas, em diversas indústrias e países. Contu-
pattern. do, esses processos têm exposto as empresas que
se internacionalizaram a uma instabilidade institu-
Key-words: cional nos eventuais países anfitriões. As reformas
Non-market strategies. Competitiveness. Social pró-mercado têm sido freqüentemente empreen-
control. didas com um limitado acordo social conveniente,
ou com a ausência de instituições efetivas que
apóiem as mudanças de mercado, como os regi-
RESUMEN mes estáveis de direitos de propriedade. Para apro-
Este artículo se propone analizar el desarrollo y la veitar a expansão dos mercados globais, as empre-
naturaleza de las estrategias de “no-mercado” sas têm que desenvolver estratégias para combater
adoptadas por diversas instituciones de servicio o risco de instabilidade institucional, a qual pode
público norteamericanas y españolas que entraron afetar seriamente as oportunidades de negócio,
en los mercados sudamericanos a partir de los años através de medidas de regulamentação ou outras
90 con el propósito de proteger sus actividades manipulações dos direitos de propriedade. Este
de la inestabilidad institucional. Nuestro objetivo artigo analisa o desenvolvimento e a natureza das
es el de analizar la variación en las estrategias estratégias utilizadas por diversas empresas ame-
de “no-mercado” en las diversas empresas, para ricanas e espanholas que entraram no mercado
identificar eventuales patrones que puedan sul-americano durante a década de 90 – distribui-
desarrollarse como propuestas. Teniendo en ção de energia elétrica, redes de telefonia fixa, dis-
cuenta los datos secundarios y las entrevistas con tribuição de gás natural e água canalizada – que
los ejecutivos de las empresas, identificamos estão particularmente expostas à instabilidade
una extensa variación en las estrategias de “no- institucional devido à regulamentação rigorosa dos
mercado”, que las empresas extranjeras siguen serviços de utilidade pública que oferecem.
cuando entran en un nuevo mercado. También As estratégias analisadas neste artigo perten-
detectamos indicios de una convergencia de las cem à categoria de “não-mercado” ou de estraté-
estrategias de “no-mercado” en torno a un patrón gia política (BARON, 1995a, 1995b, 1999, 2000;
multidoméstico. Nuestro trabajo sustenta la tesis HILLMAN; KEIM; SCHULER, 2004). A estraté-
de aproximación de la estrategia de “no-mercado” gia de “não-mercado” reconhece que as empresas
hacia una perspectiva integrada con una estrategia podem afetar os seus meios político e social, assim
competitiva. También evidencia la función como podem causar impacto no seu enquadra-
fundamental de las condiciones en el mundo de mento competitivo (BODDEWYN, 2003). As
los negocios y especialmente el grado y forma del firmas podem aumentar sistematicamente e racio-
control social sobre el negocio, moldeando las nalmente as suas capacidades de criar e captar valor
opciones de la estrategia de “no-mercado”. através da gestão das suas interações institucionais,

64
RBGN, São Paulo, Vol. 10, n. 26, p. 63-85, jan./mar. 2008
O Paradoxo das Estratégias Multidomésticas num Mundo Global: testemunho das estratégias de “não-mercado” nos países em desenvolvimento

políticas e sociais. Tal significa que é possível e uma discussão sobre os nossos resultados e um
importante analisar as ferramentas e as lógicas breve sumário.
disponíveis para as firmas na sua interação com a
conjuntura de “não-mercado”, assim como os pro-
cessos adotados pelas firmas ao optar por estraté- 2 ESTRATÉGIA DE “NÃO MERCADO”
gias de “não-mercado” (especialmente a relação
entre estas opções e aquelas relacionadas com as O âmbito da estratégia de “não mercado”
suas estratégias competitivas ou de mercado). (ou estratégia de política empresarial) ainda sofre
A importância da estratégia de “não-mer- uma escassez de investigação empírica sobre o com-
cado” não diminuiu apesar do recuo do estado em portamento das firmas fora dos E.U.A. (algumas
muitos países, seguindo reformas orientadas para o exceções são HILLMAN, 2003; HILLMAN;
mercado como a privatização, liberalização comer- KEIM, 1995; KOLK; PINSKE, 2007; LUO, 2001).
cial, e regulamentação de mercado. As reformas A expressão “estratégia de não-mercado” foi popu-
têm permitido a entrada de firmas privadas em larizada por Baron numa série de artigos (BARON,
setores previamente reservados para o estado. Mas 1995a, 1995b, 1999), que chamaram a atenção
o estado detém um papel poderoso, como regula- para a importância de abordagens estratégicas para
dor dos interesses dos produtores e dos consumi- a gestão das relações entre firmas e o seu meio
dores. Com a emissão de autorizações e licenças, a além das interações de mercado. Desse modo,
imposição de preços máximos e determinação de “não-mercado” é apenas um termo genérico que
publicação de informação, ou com a manipulação mostra a relação entre as firmas e os intervenientes
dos direitos de propriedade (como as patentes far- fora das tradicionais categorias de clientes, forne-
macêuticas), a intervenção reguladora pode ter um cedores e concorrentes – nas palavras de Baron
enorme impacto sobre o lucro do investimento “aquelas interações que são intermediadas pelo
privado. Enquanto as instituições legais e políticas público, partes interessadas (setores), governos,
são instáveis e pouco desenvolvidas, como acon- mídia e instituições públicas” (1995ª, p. 47).
tece na maioria dos países em desenvolvimento, Na bibliografia sobre estratégica, esse tipo
os riscos de mudanças de desvalorização ao nível de relações está geralmente confinado a considera-
das leis e da regulamentação são exacerbados ções sobre a gestão de setores onde se evidenciam as
(HENISZ; BENNET, 2005). Recentemente, até restrições de atitude enfrentadas pelas firmas como
a nacionalização e a expropriação têm reapareci- resultado de uma variedade de pressões sociais.
do como riscos significativos para os governos dos A análise da Corporate Social Responsibility (CSR)
países em desenvolvimento, desde a Rússia à Ar- também surgiu como uma estrutura alternativa para
gentina, motivados pela hostilidade ideológica em regular e orientar a relação entre as firmas e a socie-
relação ao setor privado ou pelo desejo de con- dade. Mas a sua abordagem é fortemente norma-
trole de rendas de importantes recursos naturais. tiva (DONALDSON; PRESTON, 1995; JONES;
Neste artigo procuramos examinar a varia- WICKS, 1999) ou moral (FROOMAN, 1997),
ção nas estratégias de “não-mercado” nas empre- e gira em torno do desenvolvimento de standards
sas, utilizadas nos países em desenvolvimento para éticos, baseados em princípios morais (THE GOOD
detectar possíveis padrões que possam ser desen- COMPANY, 2005; HOLME; WATTS, 2000;
volvidos como propostas. Para tal, verificamos UNITED NATIONS GLOBAL COMPACT,
primeiro o atual estado de conhecimento sobre a 2007). Uma abordagem estratégica vai além des-
estratégia de “não-mercado” e especialmente os sa perspectiva passiva, defendendo-se o poder das
fatores que até então foram identificados como firmas para aumentarem a sua criação e captação
os mais determinantes das opções de estratégia de valor, considerando-se como performance so-
de “não mercado”. Explicamos, a seguir, a nossa cial ou financeira (CARROLL, 1999; GRIFFIN;
abordagem metodológica, acompanhada de uma MAHON, 1997), por meio das suas interações
análise da informação reunida. Concluímos com com os intervenientes de “não-mercado”.

65
RBGN, São Paulo, Vol. 10, n. 26, p. 63-85, jan./mar. 2008
Carlos Rufín / Pedro Parada / Esteban Serra

O interveniente de “não-mercado” que tem, protegerem da expropriação (para um estudo


sem surpresa, recebido a maior atenção por parte recente, consulte EDEN; LENWAY; SCHULER,
dos estudiosos é o governo (para um recente estu- 2005), porém há pouca investigação da estratégia
do do âmbito da estratégia política empresarial, de “não-mercado” das multinacionais fora dos
consulte HILLMAN; KEIM; SCHULER, 2004). E.U.A. (KOLK; PINSKE, 2007). Emmons (2000)
Uma investigação empírica, baseada essencialmen- tem em conta as implicações da desregulamenta-
te nos dados dos E.U.A, tem mostrado como as ção e da privatização para a estratégia empresarial,
firmas, com uma estratégia política superior, têm mas não se refere à estratégia de “não-mercado”
influenciado os governos na abertura de novas de uma forma sistemática, nem permite que o seu
oportunidades de mercado ou na obtenção de estudo tome alguma orientação internacional
outros benefícios (BONARDI; HOLBURN; explícita. Bonardi (2004) oferece um modelo teó-
VANDEN BERGH, 2006). rico da estratégia de “não-mercado” nas indústrias
A investigação empírica da estratégia de de serviço público, mas foca-se apenas na entrada
“não-mercado” está condicionada por, pelo menos, de mercado e segue uma perspectiva puramente
dois fatores: primeiro, a sua falta de centralidade teórica. Henisz e Bennet (2005) desenvolvem
significa que raramente figura nas fontes secun- implicações importantes para a estratégia de “não-
dárias sobre estratégia empresarial, quer originada mercado” no contexto das instituições emergen-
nas empresas (como os relatórios anuais e arqui- tes, que é também o contexto do nosso artigo, mas
vos com reguladores financeiros) quer em artigos focam-se na compreensão da mudança institucio-
exteriores (como artigos de imprensa ou relatórios nal, mais do que nos padrões de formação da estra-
de analistas); segundo, a percepção generalizada tégia de “não-mercado”, como é o caso do nosso
de que é eticamente questionável que as empre- artigo. Holburn (2001) testa o impacto da apren-
sas influenciem os intervenientes de “não-merca- dizagem prévia na escolha dos países para a entra-
do”, torna-as relutantes quanto a prestar infor- da no sector de produção de energia elétrica, mas
mação sobre as suas estratégias de “não-mercado” este é apenas o único elemento de estratégia de
e atividades, receando que algumas dessas infor- “não-mercado” referido no texto. A disponibilidade
mações sejam utilizada para prejudicar a empresa dos dados das firmas no que respeita à corrupção,
ou os seus gestores ou acionistas. Em alguns casos, por parte do World Bank, originou artigos recentes
como algumas práticas abrangidas pela US Foreign que analisam o impacto da corrupção na estratégia
Corrupt Practices Act, o desconhecimento pode da empresa e no desenvolvimento (UHLENBRUCK
levar a sérias penalizações legais. Tal significa que et al., 2006; ZHOU; PENG; ANAND, 2006) e
a investigação da estratégia de “não-mercado” tem os determinantes nas escolhas das empresas face à
estado, até então, confinada a considerações teó- corrupção (ZHOU; PENG; ANAND, 2006).
ricas (p. ex., BODDEWYN, 1988; BODDEWYN; Fisman (2001) calcula o valor das ligações políti-
BREWER, 1994; BONARDI, 2004; BONARDI; cas na Indonésia utilizando dados da Bolsa de
HILLMAN; KEIM, 2005; BONARDI; KEIM, Valores. Contudo, a corrupção é apenas um ele-
2005; HILLMAN; KEIM, 1995; SHAFFER, mento do extenso meio do “não-mercado” e ape-
1995) ou a estudos práticos limitados a exemplos nas um aspecto das estratégias de “não-mercado”
(BARON, 1997) ou aos E.U.A. em que as exi- que consideramos neste artigo. Luo (2001), por
gências de publicação fazem com que abundem outro lado, é um precedente importante para a
os dados para a área específica da estratégia polí- nossa pesquisa neste artigo. A sua análise do nível
tica (e.g. BONARDI; HOLBURN; VANDEN de cooperação entre as multinacionais e as auto-
BERGH, 2006; DE FIGUEIREDO; KIM, 2004; ridades na China mostra a importância da
REHBEIN; SCHULER, 1997; SCHULER; complementaridade dos recursos, da boa-vonta-
REHBEIN; CRAMER, 2002). de de assistir às necessidades políticas do gover-
Existe uma extensa bibliografia sobre os no, da credibilidade da organização, e das rela-
mecanismos disponíveis para as multinacionais se ções pessoais com os funcionários. Analisamos

66
RBGN, São Paulo, Vol. 10, n. 26, p. 63-85, jan./mar. 2008
O Paradoxo das Estratégias Multidomésticas num Mundo Global: testemunho das estratégias de “não-mercado” nos países em desenvolvimento

estes aspectos da estratégia de “não-mercado” pos- competitiva (veja, por exemplo, SALONER;
teriormente. Por fim, Kolk e Pinske (2007) anali- SHEPARD; PODOLNY, 2001), esses artigos
sam as estratégias políticas de um grande número apresentam as opções de estratégia de “não-mer-
de empresas multinacionais de vários países quan- cado” como sendo orientadas por elementos do
to à alteração climática, seguindo uma aborda- meio de “não-mercado” e pelas características
gem processual a qual também utilizamos. internas da empresa. O processo de estratégia de
Cientistas políticos também têm estado “não-mercado” pode ser decomposto em antece-
interessados desde há muito em compreender a dentes, opção estratégica, implementação, e resul-
influência do setor privado, e especialmente das tados (HILLMAN; KEIM; SCHULER, 2004).
multinacionais, nas escolhas da política pública Sendo o nosso objetivo neste artigo examinar a
em diferentes países do mundo, incluindo países variação nas empresas no que respeita as estraté-
em desenvolvimento (HAGGARD; MAXFIELD; gias de “não-mercado”, utilizadas nos países em
SCHNEIDER, 1997). Mas a abordagem predomi- desenvolvimento, com interesse em identificar
nante entre os cientistas políticos é a da teoria de potenciais fontes de variação, focamo-nos agora
interesse de grupo: o estudo de como a interação nas primeiras três partes do processo.
de grandes grupos sociais, através da ação coletiva, Os antecedentes da estratégia de “não-
molda a política pública (GETZ, 2002). Como resul- mercado” são, juntamente com as características
tado, as preferências das empresas são definidas por da empresa, os elementos do meio institucional e
cientistas políticos apenas em termos gerais, espe- industrial (BODDEWYN; BREWER, 1994) e as
cialmente a associação de setores (diferenciados características dos aspectos de “não-mercado” enfren-
pela exposição à competição estrangeira e grau de tados pela empresa. Paras as multinacionais, o
liquidez do ativo) e associação empresarial ou de enquadramento institucional mais importante
rede (por exemplo, grupos de negócios diversifi- é o dos seus países de origem e o dos países anfi-
cados vs empresas não diversificadas) com limitada, triões (HILLMAN; KEIM; SCHULER, 2004;
ou mesmo nenhuma, consideração pela estratégia KOLK; PINSKE, 2007; MURTHA; LENWAY,
da empresa. A importância estratégica das organi- 1994), mas também o do espaço internacional,
zações com vários negócios – associações empresa- sobrecarregado por instituições como os acordos
riais, diversos conglomerados de empresas e redes, multilaterais, normas, ou organizações (para uma
tendo em conta o poder político das suas empresas- boa descrição deste espaço, consulte Scholte, 2000.
membro é uma importante visão da ciência política A nível industrial, os acadêmicos identifica-
que incluímos na nossa investigação. ram como elementos-chave o grau de dependência
dos intervenientes do “não-mercado” (HILLMAN;
KEIM; SCHULER, 2004; OLIVER, 1991), o
3 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS nível de concentração industrial (HILLMAN;
KEIM; SCHULER, 2004; LENWAY; REHBEIN,
Apesar das suas limitações empíricas, a 1991) e a natureza multidoméstica ou global-
bibliografia sobre estratégia de “não-mercado” mente competitiva da indústria (RING; LENWAY;
oferece uma base útil para a análise das opções de GOVEKAR, 1990).
estratégia de “não-mercado” das empresas estran- Os aspectos de “não-mercado” diferem no
geiras que entram nos mercados dos países em que respeita à sua relevância pública (BONARDI;
desenvolvimento. O modelo de Rehbein-Schuler HILLMAN; KEIM, 2005; BONARDI; KEIM,
de estratégia de “não-mercado” (REHBEIN; 2005; HILLMAN; KEIM; SCHULER, 2004;
SCHULER, 1995) e o modelo integrado ofereci- MAHINI, 1988; MAHINI; WELLS, 1986;
do por Hillman, Keim e Schuler (2004) são par- REHBEIN; SCHULER, 1997), à sua importân-
ticularmente úteis, tais como os seus modelos cia para as empresas (OLIVER, 1991), ao nível
paralelos de estratégia competitiva nas situações da competição com outros intervenientes do “não-
de mercado. Tal como as estruturas de estratégia mercado” em relação aos resultados (BONARDI;

67
RBGN, São Paulo, Vol. 10, n. 26, p. 63-85, jan./mar. 2008
Carlos Rufín / Pedro Parada / Esteban Serra

HILLMAN; KEIM, 2005; HILLMAN; KEIM; SCHULER, 1995), cultura empresarial e atitude
SCHULER, 2004; OLIVER, 1991) e ao contex- de gestão de topo (BLUMENTRITT, 2003;
to da questão – a incerteza quanto ao assunto e HILLMAN; KEIM; SCHULER, 2004). A diver-
ligações a outros tipos de assunto (BONARDI; sificação, por exemplo, leva à coexistência de uma
HILLMAN; KEIM, 2005; OLIVER, 1991). variedade de lógicas de comportamento na empre-
Diversas características de empresas têm sa, dificultando aos gestores o chegar a uma estra-
sido consideradas relevantes na opção de estraté- tégia em particular.
gias de “não-mercado”, especialmente para as Todos os antecedentes da estratégia de “não-
multinacionais. Rehbein e Schuler (1997) ofere- mercado” apresentados estão resumidos na Tabela 1.
cem uma caracterização útil da empresa como As estratégias de “não-mercado” têm sido
entidade que recebe estímulos externos e proces- classificadas na bibliografia de acordo com a postu-
sa-os de acordo com as suas características, dando ra em relação a outros intervenientes do “não-mer-
prioridade a certos padrões de comportamento. cado” (cumprimento de obrigações, saída, confron-
Essa abordagem ajuda-nos a compreender a biblio- to, colaboração, ou manipulação) (BODDEWYN;
grafia existente sobre características das empresas BREWER, 1994; HILLMAN; KEIM; SCHULER,
por meio da distinção entre recursos ou capaci- 2004; KOLK; PINSKE, 2007; OLIVER, 1991),
dades e filtros organizacionais. Além dos recursos objetivos e alcance das estratégias de “não-merca-
empresariais, assim definidos pelo ponto de vista do” (BODDEWYN; BREWER, 1994; HILLMAN;
base, aplicados às questões do “não-mercado” HITT, 1999; HILLMAN; KEIM; SCHULER,
(HILLMAN; KEIM; SCHULER, 2004; LUO, 2004), tipo e intensidade das atividades levadas a
2001; REHBEIN; SCHULER, 1997), podemos cabo (BODDEWYN; BREWER; 1994; HANSEN;
incluir fatores como: os recursos financeiros, a expe- MITCHELL, 2000; HILLMAN; HITT, 1999;
riência, a legitimidade (ou credibilidade), acesso a HILLMAN; KEIM; SCHULER, 2004; KOLK;
outros intervenientes (por exemplo, capital social) PINSKE, 2007; POYNTER, 1985), e o grau de
e estagnação (a figura 1 apresenta a lista destes e de colaboração (ação coletava) com outras empresas
outros recursos sugeridos por vários estudiosos). e intervenientes (BONARDI; HILLMAN; KEIM,
Por outro lado, na perspectiva institucional 2005; HILLMAN; HITT, 1999; HILLMAN;
do comportamento organizacional (SCOTT, KEIM; SCHULER, 2004; KOLK; PINSKE, 2007;
1995), consideramos as seguintes características LENWAY; REHBEIN, 1991). A estas, acrescenta-
empresariais como filtros organizacionais: visibili- mos a escolha sobre a forma de comunicação com
dade da empresa (HANSEN; MITCHELL, 2000), os outros intervenientes, por exemplo, através dos
origem nacional (HANSEN; MITCHELL, 2000; media, contato pessoal, via oficial e outros.
HILLMAN; KEIM; SCHULER, 2004), grau Do ponto de vista da implementação, os
de diversificação (HILLMAN, 2003; REHBEIN; aspectos relevantes da estratégia de “não-merca-

Recursos de mercado Recursos de “não-mercado”

• Acesso a matérias-primas – Capital de financiamento – Acesso a políticos e burocratas

• Tecnologia – Capital social – Experiência política

• Capacidade de inovação – Reputação e credibilidade – Conhecimento sobre o “não-mercado”

• Sistemas de distribuição – Liderança – Disponibilidade de rendas (empregos,


contratos, doações) & Informação

Figura 1 – Recursos de mercado e de “não-mercado” das empresas.

68
RBGN, São Paulo, Vol. 10, n. 26, p. 63-85, jan./mar. 2008
O Paradoxo das Estratégias Multidomésticas num Mundo Global: testemunho das estratégias de “não-mercado” nos países em desenvolvimento

Tabela 1 – Antecedentes da estratégia de “não-mercado”.

Relação com a Firma Tipo Antecedentes


Instituições do país de origem e anfitrião (parlamentar vs presidencial,
Meio Institucional partidos fortes vs fracos, pluralismo vs corporativismo); instituições
internacionais

Grau de dependência dos intervenientes de “não-mercado”, nível de


Características da Indústria concentração industrial, dinâmicas multidomésticas / competitivas
globalmente

Externa Relevância pública, importância para as firmas, grau de competição


Características da questão com outros intervenientes de “não-mercado” a nível de os resultados,
(assunto) contexto (incerteza sobre o assunto, ligações entre assuntos).

Estagnação organizacional, experiência, acesso a outros intervenientes


Recursos de “não-mercado” e capital social, reputação / legitimidade / credibilidade, liderança,
informação, recursos financeiros
Interna
Filtros organizacionais Visibilidade empresarial, origem nacional, grau de diversificação,
cultura empresarial, atitude de gestão de topo

do” são: as opções organizacionais tomadas pelas de donativos. O conjunto de dados pode ser aditado
empresas, em particular o grau de coordenação pela baixa taxa de respostas. Empresas de todo o
das unidades empresariais (BLUMENTRITT; mundo estão relutantes em fornecer informações
NIGH, 2002; DOZ; PRAHALAD, 1980; de estratégias de “não-mercado” porque as afetivi-
MAHINI, 1988; MAHINI; WELLS JR, 1986), dades de “não-mercado”, praticadas pelas empre-
e o grau de especialização da equipe que lida com sas, como a intervenção em processos políticos,
o “não-mercado” (DOZ; PRAHALAD, 1980; são tidas como eticamente problemáticas em mui-
MAHINI, 1988), o grau de integração nas estra- tas sociedades, mesmo sendo legalmente válidas
tégias competitivas e empresariais (HILLMAN; (KOLK; PINSKE, 2007). Mais importante, dada
KEIM; SCHULER, 2004) e a evolução da estra- a nossa escassez de conhecimento sobre as estraté-
tégia de “não-mercado” ao longo do tempo. gias de “não-mercado”, é melhor começar com uma
Estamos atualmente em posição de analisar abordagem indutiva longitudinal direcionada para
as estratégias de “não-mercado” à luz das considera- a construção de uma teoria (EISENHARDT, 1989).
ções anteriores. Primeiro, será explicado o nosso Como defende Kolk e Pinske (2007), “a disponibili-
acesso ao conjunto de dados, seguindo-se uma com- dade de dados, tal como noutros projetos de afetivi-
paração dos dados com as nossas expectativas. dade política empresarial, continuará a ser a princi-
pal barreira, sobretudo fora dos E.U.A. Enquanto
for este o caso, os estudos de aprofundamento/
4 CONJUNTO DE DADOS exploração parecem ser o principal caminho para
alargar os horizontes”. Como resultado, chega-
Para obter informação sobre as estratégias mos a esta fase com uma abordagem qualitativa
de não mercado, enfrentamos fortes limitações. utilizando documentação secundária e entrevistas
As bases de dados numéricas e quantificáveis quase com funcionários de empresas. Examinando as
não existem fora dos E.U.A., onde a determina- experiências de diferentes empresas, conseguimos
ção de publicação de informação oferece dados as comparações entre casos, aumentando assim a
acerca de certas afetividades como as campanhas qualidade/certeza das nossas descobertas.

69
RBGN, São Paulo, Vol. 10, n. 26, p. 63-85, jan./mar. 2008
Carlos Rufín / Pedro Parada / Esteban Serra

A nossa escolha de empresas é deliberada. setores de serviço público da América Latina.


Dadas as limitações do conjunto e na análise de infor- A semelhança de culturas e de sistemas políticos
mação qualitativa, estando restringidos a trabalhar entre países na região oferece um controle natu-
com um pequeno número de casos, uma abordagem ral da variação nesses fatores contextuais. Os paí-
dirigida pode evoluir para uma abordagem casual, ses da América Latina partilham um patrimônio
permitindo-nos optar por um conjunto de empre- cultural ibérico comum. Supostamente, todos os
sas onde podemos esperar e observar a priori uma sistemas políticos na região seguem a estrutura
variação nas estratégias de “não-mercado” (não para presidencial norte-americana, com fracos parti-
provar a variável dependente da estratégia de “não- dos políticos e um legado empresarial, como
mercado”, mas sim minimizar a variação nas condi- exemplo de integração das uniões trabalhistas e
ções, o que poderia complicar a nossa interpreta- associações empresariais nos movimentos políti-
ção dos dados), ou seja, controlar diferentes tipos cos e até nas instituições do estado. O reforço das
de variáveis para distingüir padrões de forma mais leis e dos direitos de propriedade é fraco por cau-
clara (EISENHARDT, 1989; KING; KEOHANE; sa da corrupção e da fraca capacidade das buro-
VERBA, 1994; MILES; HUBERMAN, 1994; YIN, cracias públicas, incluindo a judiciária. A região
2003). A intenção é focarmo-nos nas estratégias partilha também condições macroeconômicas
de “não-mercado” das empresas estrangeiras de comuns, caracterizadas por um padrão de con-
serviço público (a maioria da Europa e da América fiança na exportação de mercadoria agrícola e
do Norte), nos países sul-americanos onde essas mineral, na importação de capital devido à baixa
empresas entraram na década de 90 como conse- taxa de poupanças domésticas, e instabilidade sig-
qüência das reformas de orientação de mercado. nificativa nas taxas de câmbio, inflação, e cresci-
A economia das redes de serviço público mento econômico causado em grande parte pelas
– o uso de uma rede física para distribuir eletrici- condições anteriores (SHEAHAN, 1987). Essas
dade, gás natural, telefone fixo e água potável – semelhanças ajudam-nos a focar num conjunto
cria normalmente um monopólio natural no seg- de factuais mais limitado como a origem nacio-
mento dessas indústrias, ou seja, uma situação em nal ou o setor industrial, para obter conclusões
que a distribuição por meio de uma simples rede mais sólidas, mesmo que limitem a análise da
é a opção mais barata, com alguns limites geográ- variação provocada pela variação institucional, cul-
ficos. Como troca do usufruto do estatuto de mono- tural e macroeconômica (HILLMAN; KEIM,
pólio local, as redes de serviço público estão sujei- 1995; REHBEIN; SCHULER, 1997). A América
tas à regulamentação de preço. Tal dependência Latina também oferece maior alcance para a nos-
dos controles estatais faz com que as estratégias de sa pesquisa porque, entre todas as regiões do mun-
serviço público realcem os aspectos de “não-mer- do em desenvolvimento, tem experimentado a
cado” – a relação entre a empresa e as entidades e maior número de privatizações de serviço público
grupos que afetam o seu quadro regulamentar, dos últimos quinze anos.
particularmente o governo, a autoridade reguladora, A nossa abordagem tem servido para colher
e grupos de consumidores – do que outros tipos de informação sobre todos as empresas estrangeiras
empresas1. A nossa pesquisa tem por objetivo as que entram nos nossos setores de interesse, ainda
redes de serviços públicos, ou seja, empresas encarre- presentes na região, uma vez que compreende um
gadas da distribuição de eletricidade ou gás natu- número limitado de empresas. Concentramos a
ral e da rede de telefone fixo. Todas essas empre- nossa atenção em empresas que estão presentes
sas estão expostas ao risco dos elementos regula- na região há mais de cinco anos desde a sua entra-
dores estabelecerem níveis de reposição de capital da, tendo estas empresas desenvolvido, explícita e
abaixo do permitido, ou até abaixo do custo de implicitamente, estratégias de “não-mercado”.
produção, conduzindo à expropriação. Outras empresas que entraram optaram antes por
Limitamos o alcance geográfico da nossa uma “saída estratégica” e como tal, têm menos
pesquisa às multinacionais com presença nos relevância para a nossa pesquisa. A maioria dessas

70
RBGN, São Paulo, Vol. 10, n. 26, p. 63-85, jan./mar. 2008
O Paradoxo das Estratégias Multidomésticas num Mundo Global: testemunho das estratégias de “não-mercado” nos países em desenvolvimento

empresas nasceu nos E.U.A. ou na Espanha, e global de telecomunicações, com um número


supostamente, nenhuma teve uma presença inter- limitado de intervenientes principais, procurando
nacional antes de 1990, uma vez que os serviços uma presença global ou regional. Na América
públicos foram interditos como propriedade pri- Latina, apenas uma multinacional exterior à
vada ou estrangeira na maioria dos países mundi- região conseguiu desenvolver uma presença
ais antes dos anos 80. Este aspecto também limi- regional significativa. Outras companhias exter-
ta a variação no nosso conjunto de casos devido nas retiraram-se após algumas incursões iniciais,
às diferenças nos recursos organizacionais, espe- ou optaram por outras regiões.
cialmente experiência internacional (REHBEIN; A nossa informação foi obtida a partir de
SCHULER, 1997). As características das empresas fontes secundárias, como os arquivos 10-K e entre-
estão resumidas na Tabela 2. vistas com antigos e atuais executivos empresa-
Refletindo a variação nas condições da indús- riais. A sensibilidade que envolve os aspectos de
tria como a dimensão do mercado e especialmente estratégia de “não-mercado”, como as tentativas
o grau de fragmentação de mercado, o nosso gru- de influenciar os governos, limita a disponibili-
po de empresas foi majoritariamente retirado a dade de dados secundários sobre a estratégia de
partir da indústria de energia elétrica, pertencendo “não-mercado”, fazendo das entrevistas a nossa
apenas uma empresa à distribuição de gás natural principal fonte de informação. As nossas entre-
e outra à rede de telefone fixo. Os mercados de eletri- vistas com oito empresas seguiram um formato
cidade e de gás natural encontram-se fragmentados semi-estruturado, tendo sido preparado um ques-
pela dificuldade de interligar países internacional- tionário detalhado utilizado como guia durante
mente e pelas perturbações na economia de esca- o processo de entrevista, mas deixando a liberda-
la além de uma dimensão de mercado adequada. de aos entrevistados de se alongarem em questões
Como resultado, as economias dessas indústrias de maior relevância para si ou em aspectos que
são fundamentalmente multidomésticas. Para a não tenham sido diretamente tratados no nosso
eletricidade, os mercados largos e onipresentes questionário. As entrevistas duraram entre 90
permitem a entrada a vários intervenientes (ainda minutos e duas horas e algumas foram conduzidas
que sob a forma de monopólios locais em diferen- pessoalmente, outras via telefone, entre Outubro
tes áreas geográficas). No gás natural, os mercados de 2004 e Junho de 2006. Devido à delicadeza da
menores e menos desenvolvidos (o gás natural natureza da informação recolhida, nas primeiras
canalizado é inexistente ou incipiente em muitos entrevistas, os entrevistados pediram que estas não
países da América Latina) limitaram a entrada na fossem gravadas, tendo-nos cingido às nossas notas
América Latina a uma grande empresa estrangei- para registrar a informação. Na maioria dos casos,
ra com um número de intervenientes externos, dois de nós tomaram notas durante as entrevistas
com apenas uma ou duas filiais de distribuição em e foram comparados os registros posteriormente.
toda a região. Contrariamente, os avanços tecno- As notas foram analisadas pelo terceiro co-autor,
lógicos estão criando rapidamente um mercado um consultor independente e antigo executivo

Tabela 2 – Características das empresas incluídas na pesquisa.

Número de empresas 8
Países de origem Espanha, E.U.A.
Sectores distribuição de electricidade ou gás natural, e linhas de telefone fixo
Países com presença na América Latina Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, República Dominicana,
(nestes sectores) El Salvador, Guatemala, México, Nicarágua, Panamá, Perú, Venezuela
Localização temporal Desde 1989 até à data

71
RBGN, São Paulo, Vol. 10, n. 26, p. 63-85, jan./mar. 2008
Carlos Rufín / Pedro Parada / Esteban Serra

com mais de 20 anos de experiência em gestão e a estratégia competitiva e de “não-mercado”: o


administração na indústria de serviço público na processo de escolhas de entrada tomadas para
América Latina que também nos ajudou a testar penetrar os mercados da América Latina2 (sistema
previamente o guia da entrevista e a fornecer uma autônomo, com parceiros locais, ou com uma
análise específica e adicional à informação reco- combinação de parceria local e estrangeira), e as
lhida nas entrevistas. estratégias desenvolvidas para concretizar os
As entrevistas recolheram informação sobre desafios que surgiram após a entrada na América
a análise do enquadramento de “não-mercado” das Latina3. Também descrevemos a implementação
empresas e sobre a identificação dos maiores desa- destas estratégias, o grau de centralização das
fios enfrentados pela empresa, as respostas estra- decisões da estratégia de “não-mercado” e o grau
tégicas específicas desenvolvidas, a identificação de integração com estratégias de mercado. Todos
dos maiores intervenientes externos que afetam o estes elementos estão esquematizados na Tabela 3.
meio de “não-mercado” da empresa e o processo
de fazer e implementar opções de estratégia de Questões:
“não-mercado”, incluindo o grau de centrali- Os serviços públicos de distribuição enfren-
zação da estratégia de “não-mercado” na sede tam a questão fundamental da regulamentação –
empresarial e a evolução da estratégia ao longo do era afinal a nossa base para a escolha das empresas.
tempo. A estrutura do questionário da entrevista A regulamentação do serviço público não só tem
surge no Appendix. Os resultados das entrevistas um impacto fundamental no lucro, mas também
e dados secundários de interesse foram resu- muita relevância por causa da importância econô-
midos para facilitar as comparações e identifi- mica e social dos serviços públicos, atraindo mui-
car padrões nas/entre empresas em relação aos tas atenções e contendas de uma variedade de gru-
desafios-chave de “não-mercado” enfrentados, pos de interesse – associações de consumidores,
respostas das empresas, estrutura do processo de políticos, investidores e fornecedores (como os
estratégia de “não-mercado” em cada empresa, produtores de energia elétrica e os produtores
decisões de entrada de mercado, resultados da de gás). Na América Latina, os serviços públicos
entrada inicial e opções de “não-mercado”, alte- privados enfrentam o problema futuro da grande
rações passadas na estratégia de “não-mercado” e incerteza das decisões de regulamentação porque as
planos futuros, e outros aspectos menos rele- estruturas reguladoras são uma criação recente,
vantes assim como informação sobre o país de com a conseqüente falta de experiência de todos
origem da empresa, da indústria (ou indústrias) e os intervenientes sobre regulamentação econômi-
dos países da América Latina. ca. Apesar disso, perguntamos aos nossos entre-
vistados sobre os maiores desafios enfrentados
pelas suas empresas, pois as diferenças a este nível
5 ANÁLISE E RESULTADOS poderiam ter potenciais implicações nas estraté-
gias de “não-mercado”.
Como esperado das empresas regulamen-
5.1 Estratégias: caracterização
tadas, o oportunismo regulador, resultando espe-
O principal objetivo do nosso estudo foi cialmente na baixa pressão nas taxas e incerteza
caracterizar as opções da estratégia de “não-merca- em relação às decisões de regulamentação, são as
do” para cada empresa e comparar essas estratégias questões mais relevantes, mencionadas por todas
à luz das considerações teóricas anteriores e outras as empresas. Uma preocupação próxima foi a
características de empresas que poderiam sugerir inconsistência das políticas públicas e dos conflitos
fontes de variação nas opções das estratégias de “não- de interesse gerados pelos múltiplos papéis do
mercado”, como o país de origem ou a indústria. estado na indústria (tipicamente, como regulador e
Descrevemos as estratégias empresariais a proprietário das empresas regulamentadas). A fra-
vários níveis, algumas das quais são relevantes para gilidade institucional que caracteriza os países em

72
RBGN, São Paulo, Vol. 10, n. 26, p. 63-85, jan./mar. 2008
O Paradoxo das Estratégias Multidomésticas num Mundo Global: testemunho das estratégias de “não-mercado” nos países em desenvolvimento

Tabela 3 – Resumo das estratégias de “não-mercado” da empresa.

Origem Dimensão Países Modo de entrada: Modo Postura/relações com Imagem Uso da acção Executivos locais Directores ou Outro
de as autoridades colectiva Consultores locais
parcerias entrada:

Local parceria
s

Estrang
eira

Espanha Arg, Br, Chile, Col, Y Y(MNC) Colaboração/manipulaç Como Envolvimento Aumento ao Recurso a conselhos
Perú ão: directa negociação empresa local, com as longo do tempo consultivos locais
com os governos e envolvimento associações
entidades reguladoras nos assuntos empresariais
1 3,4 locais locais

Espanha Bol, Br, Gua Y (em alguns Y(MNC) Colaboração/manipulaç Como Com outras N N?
casos) ão: directa negociação empresa local MNCs ou
com os governos e grandes
entidades reguladoras; empresas
pouco recurso à
embaixada ou ao
2 2 governo espanhol

Espanha Arg, Col, (DR), Gua, Y (apenas para N Colaboração/manipulaç Como Sem Y? Y?
Nic, Pan capital, controlo ão: recurso a parcerias empresa local colaboração
locais, estrangeiras e com outras
retido pela
multilaterais para empresas
empresa)
partilha de risco e estrangeiras
aumentar os interesses
estatais, especialmente
3 5 parcerias com o governo

Espanha Arg, Br, Col, Mx Preferencial, mas N Colaboração: incentivar Como Não evidente Y? N? Forte
depende da boas relações com as empresa local programa
autoridades. CSR
disponibilidade
candidatos que se
enquadrem no
4 7 perfil pretendido

Espanha Arg, Br,, Chile, Col, Y, relevo do Y, Colaboração: Como Acção Y depois de uma Recurso a conselhos Relevo para as
Perú, Ven controlo de gestão relevo negociação directa e empresa local colectiva com fase inicial consultivos locais relações
do incentivar uma boa outras públicas e
controlo relação com as empresas gestão da
de entidades reguladoras e espanholas e imagem da
gestão governo; evitar qualquer alianças com empresa
relação com a política organizações
ou com a uma aparente locais e
corrupção internacionais
prestigiadas;
standards
industriais
para
aprovisioname
5 1 nto

E.U.A (Br), Bol, Chile, El S Y, à medida que se N Cumprimento/manipul Imagem Y Relevo para a Recurso a conselhos Entrada gradual;
ação: negociação directa estrangeira equipa técnica consultivos locais confiança nas
constrói a iniciativas CSR
com as entidades local
experiência, para a gestão da
reguladoras e governos; regulamentação
aumentam
sem participação em e risco político
gradualmente a eleições como empresa
autonomia e a estrangeira
responsabilidade;
evitar privatização
6 6 inicial

E.U.A Br, Arg N N Colaboração: Como Acção Y Y Gestão de


participação em debates empresa local colectiva sob a stakeholders
políticos, incentivar a liderança da incentivando
boa relação com as empresa a confiança
entidades reguladoras dos outros
7 3,4 intervenientes

E.U.A Arg, Br, Chile, DR, N N Colaboração: incentivar Imagem Y Recurso a Recurso a conselhos Desenvolviment
Pan, Ven a boa relação com o estrangeira executivos locais consultivos locais o de ferramentas
de gestão de
governo; recurso aos com contactos
risco com
quadros de direcção instituições
locais e executivos multilaterais;
locais, com contactos; programas CSR
embaixada dos E.U.A.
8 8 como último recurso

Abreviaturas dos países: Arg-Argentina; Bol-Bolívia; Br-Brasil; Col-Colômbia; DR- República Dominicana; El S-El Salvador;
Gua-Guatemala; Nic-Nicarágua; Mx-México; Pan-Panamá; Ven-Venezuela.

73
RBGN, São Paulo, Vol. 10, n. 26, p. 63-85, jan./mar. 2008
Carlos Rufín / Pedro Parada / Esteban Serra

Tabela 3 (cont.)

# Processo

Papel da empresa Papel da filial Outros

Partilha de experiências na América Latina a nível Autonomia da filial.


1 técnico.

Fortes valores centrais; estratégia e equipa; gestão do Autonomia local para a relação com os
conhecimento de regulamentação através do Director governos, relações públicas e operações a nível
2 de Regulamentação. local.

Formação em gestão; estrutura-matriz do país/função; Estrutura-matriz do país/função, iniciativas


director empresarial da aprendizagem das coordenadas CSR descentralizadas.
3 de regulamentação e guia das questões relevantes.

Normas centrais (evitar conflitos e corrupção), CSR e Descentralizar com autonomia local e clara
4 gestão de marca. separação de outras unidades empresariais.

Desenvolvimento horizontal, trans-funcional e trans- Implementação e adaptação de standards Coordenação limitada com instituições sem
sectorial das iniciativas; desenvolvimento de normas, empresariais; gestão de stakeholders baseada fins lucrativos, pela diferenciação de papéis;
standards e métodos para serem utilizados e aplicados na metodologia empresarial; autonomia para organização do país na América Latina;
pelas filiais; comissão de estratégia de regulamentação iniciativas adicionais desde que não expatriados substituídos por locais após
e sistema de monitorização de risco, evidenciando-se a contrariem as normas ou as acções uma fase inicial; estreita coordenação com
5 partilha de informação e experiência. empresariais. iniciativas de estratégia competitiva.

Forte relevo no cumprimento das leis americanas, Aprender com os parceiros, descentralizada.
especialmente contra a corrupção através de
contractos, formação, balanços; realce para os valores
comuns; monitorização de risco centralizada e partilha
de práticas operacionais; forte suporte empresarial
6 para a gestão de stakeholders.

Relatórios dos assuntos mais relevantes. Forte autonomia em relação à empresa; clara Processo de planeamento da estratégia de
separação de outras unidades empresariais. “não-mercado” - definição dos factores de
sucesso, juntamente com o cartão de
pontos; reuniões trimestrais de controlo;
código de conduta desenvolvido com as
stakeholders; VP sénior de assuntos
relacionados com a regulamentação para
supervisionar a regulamentação e trabalhar
7 com as stakeholders.

Princípios empresariais; aprendizagem global e Altamente descentralizada – 90% local e 10%


sistema de controlo para gestão de regulamentação; global
HRM global; empresa focada em questões de alto
nível de complexidade, o que requer competências
8 específicas para apoiar, coordenar e desenvolver.

Fonte: Entrevistas e documentação publicada da empresa.

desenvolvimento também se manifesta na inci- 5.2 Padrões de estratégia


dência de roubo e fraude (de produtos da empre-
sa ou de equipamento), que metade das empresas O próximo passo é verificar se as estraté-
referem como uma questão maior. Cinco empre- gias observadas se enquadram nalguns padrões
sas também evidenciam os riscos de alto nível específicos, e em particular os padrões que pode-
como os problemas macroeconômicos (inflação, mos esperar na base das considerações teóricas
desvalorização do câmbio estrangeiro), corrupção previamente esboçadas.
e clientelismo. Apenas duas empresas desconhe- Instituições. O nosso esboço de pesquisa
ciam o desafio interno da falta de experiência minimiza a variação nos meios institucionais dos
internacional prévia. países anfitriões que, como foi discutido ante-

74
RBGN, São Paulo, Vol. 10, n. 26, p. 63-85, jan./mar. 2008
O Paradoxo das Estratégias Multidomésticas num Mundo Global: testemunho das estratégias de “não-mercado” nos países em desenvolvimento

Tabela 4. Aspectos relevantes do “não-mercado”.


Empresa Ranking Regulamentação/ Política/ Macro- Furtos e Falta de Corrupção Cliente-
final populismo Conflito de economia Fraudes experiência lismo
interesses institucional Outro

Y Y Y Y Y Difícil trabalhar com outras empresas


espanholas; orientação técnica de
1 3,5 expatriados

Y Y Y Y Y As parcerias não resultaram devido a


divergências de controlo; parceiros
locais não se pronunciaram;
dificuldade em organizar uma acção
2 2 colectiva.

3 5 Y Y Y Y Rendimentos baixos

4 7 Y Y Segurança do trabalhador

Y Y Y Obrigações dominantes em alguns


mercados; Obrigações de serviço
universal; tensão entre a empresa e a
gestão do país; ideologia hostil;
imagem do país de origem; falta de
5 1 apoio do governo do país de origem.

6 6 Y

7 3,5 Y Y Y Obrigação de serviço universal

8 8 Y Y Y Falha de mercado

Fonte: Entrevistas.

riormente, são muito semelhantes na América falta de informação e até de falta de um “modelo
Latina. Desse modo, não aprofundaremos este mental” prévio da questão e parece ser o caso do
assunto. Contrariamente, as empresas do nosso meio relativamente desestruturado e incerto do
grupo de análise têm origem em vários países. “não-mercado” dos países em desenvolvimento em
Algumas vêm de uma democracia pluralista, a dos relação às entradas estrangeiras com experiência
E.U.A., enquanto outras são oriundas de polí- internacional limitada. Os gestores nessas situa-
ticas empresariais européias. Essa é uma grande ções contam com os modelos mentais ou com a
diferença a ter em conta. Para as empresas sem lógica dominante adquirida no seu país de ori-
presença internacional prévia, como é este o caso gem, a menos que seja reprimida por fortes res-
do nosso grupo, o nível de experiência política trições internas ou externas, ou até um processo
deve ser largamente oferecido pelo país de ori- de aprendizagem individual e organizacional se
gem de cada empresa. A estrutura das institui- impor e modificar os modelos mentais ou a cul-
ções políticas e dos grupos de stakeholder no país tura empresarial. Esse tipo de considerações
terão um papel importante na “construção” da deveria levar-nos a esperar que as opções de estra-
experiência política dessas firmas (HILLMAN; tégia de “não-mercado” das empresas estrangeiras
KEIM, 1995). A racionalidade atenta (CYERT; que entram em novos mercados são fortes, prin-
MARCH, 1963) e a visão social construcionista cipalmente para as empresas estreantes interna-
da ação humana (SILVERMAN, 1971) sugerem cionalmente, por utilizarem as estratégias de “não-
que os gestores confiam nas estruturas que preva- mercado” dominantes no seu país natal4.
lecem entre o grupo de referência dos gestores. Contrariamente às nossas expectativas ini-
Da perspectiva racionalista, tal verifica-se, quando ciais, as estratégias de “não-mercado” não pare-
as decisões têm de ser tomadas num contexto de cem diferir por motivos de origem nacional e por

75
RBGN, São Paulo, Vol. 10, n. 26, p. 63-85, jan./mar. 2008
Carlos Rufín / Pedro Parada / Esteban Serra

experiências em contexto nacional das empresas, da sua estratégia de “não-mercado”, para promo-
cuja falta de presença internacional prévia já foi ver uma imagem positiva da empresa entre o
referida. Tal pode refletir uma rápida adaptação público. Em relação a outros elementos das estraté-
de todos os que entram num novo mercado às gias ou dos processos de “não-mercado”, não existe
condições locais, sem ter em conta a origem da um padrão que os distinga. A maioria das empresas
empresa, pela conduta observada por Hansen e defende o desenvolvimento de uma relação direta e
Mitchell (2001), entre empresas estrangeiras nos informal com as entidades reguladoras e governos,
E.U.A.5. As duras penas aplicada pela US Foreign o que pode ser surpreendente no caso das empre-
Corrupt Practices Act levou uma empresa ameri- sas americanas, das quais se esperava uma maior
cana a adotar uma postura de cumprimento- ligação às entidades formais como os tribunais. Por
orientado, embora não fosse este o caso das outras outro lado, também nos surpreendeu a falta de
empresas dos Estados Unidos6. interesse das empresas espanholas em incentivar
Em relação ao modo de entrada, existe uma as relações com o governo espanhol. Nenhuma
clara preferência das empresas espanholas pelas empresa espanhola indicou este aspecto como sen-
parcerias com entidades locais e multinacionais do fundamental na sua estratégia, apesar de re-
estrangeiras. É interessante, visto que a grande fami- centemente, alguns altos cargos do governo espa-
liaridade cultural das empresas espanholas com a nhol terem defendido os interesses das empresas
América Latina devia reduzir a sua necessidade espanholas na América Latina (AZNAR..., 2002).
de conhecimento local relativamente às firmas Em alguns casos, expressaram um desejo de maior
americanas. Uma explicação possível é as empre- envolvimento do governo espanhol e dos repre-
sas espanholas terem optado pelas parcerias pela sentantes de Espanha no estrangeiro na defesa dos
sua avaliação das complexas condições locais que interesses destas empresas. Assim como as diferen-
criam a necessidade de se fazerem parcerias locais. ças entre países no processo de estratégia a estraté-
Há outro aspecto relevante nesta abdução de uma gia de “não-mercado” surge muito descentralizada
identidade local, talvez devido às empresas espa- na administração, com o seu papel empresarial
nholas serem mais incertas quanto à imagem e limitado à promoção dos grandes valores empre-
estatuto da Espanha no mundo do que as firmas sariais e à gestão de conhecimento sobre as ques-
americanas. Uma explicação alternativa é perce- tões mais importantes da estratégia de “não-mer-
berem que, dada a potencial e crescente inquieta- cado”, assim como a regulamentação econômica.
ção na região, serem vistas como uma empresa Indústria. – Referimos que a nossa opção
estrangeira poderia ser uma responsabilidade. As pelas empresas de serviços públicos reduz signi-
firmas espanholas parecem ver, mais do que as ficativamente a variação nas características da
americanas, uma possível desvantagem em serem indústria. As empresas de serviços públicos têm
identificadas como empresas estrangeiras em paí- grande visibilidade por prestarem serviços impor-
ses com uma alta diversidade populacional e de tantes a uma parte significativa da população
atitude para com as multinacionais estrangeiras. humana e organizacional. O setor das telecomu-
A nossa informação também mostra que a nicações está mais globalizado do que o setor da
maioria das empresas abrangidas pelo estudo desco- energia ou do gás natural devido às alterações
nhece a importância da ação coletiva para defender tecnológicas, estando também sujeito a uma enor-
os seu interesse, com mais uniformidade entre as me concorrência entre empresas (por exemplo,
empresas americanas do que entre as espanholas. as empresas de telefone fixo concorrem com as
O mesmo se afirma no que respeita a confiança nos empresas de telecomunicações móveis). Até agora,
executivos e consultores locais ou nos detectores não são evidentes quaisquer padrões nítidos de
externos, o que faz sentido devido à grande falta de diferenciação entre as indústrias, apesar das com-
familiaridade cultural das empresas americanas. parações estarem limitadas ao fato da maioria das
As empresas americanas parecem confiar empresas da nossa amostra pertencerem ao ramo
mais nos programas CSR, que consideram parte da energia. Essas empresas revelam muita varia-

76
RBGN, São Paulo, Vol. 10, n. 26, p. 63-85, jan./mar. 2008
O Paradoxo das Estratégias Multidomésticas num Mundo Global: testemunho das estratégias de “não-mercado” nos países em desenvolvimento

ção em relação ao modo de entrada no país anfi- recursos financeiros para as suas propostas estra-
trião, opções estratégicas e processo de estratégia. tégicas de “não-mercado” – por exemplo, uma cam-
As suas opções não se distingüem das opções panha publicitária para angariar apoio público
tomadas pelas indústrias de gás ou de telecomu- para uma medida específica de política pública.
nicações. A incidência de regulamentação signifi- Os ativos fixos, por exemplo, podem ser utiliza-
ca que todas as empresas adotaram uma postura dos como colaterais na obtenção de empréstimos.
de colaboração ou de manipulação em relação aos Não utilizamos medidas mais precisas como a
governos7 anfitriões. Apenas poderíamos assina- livre circulação de dinheiro devido à dificuldade
lar uma diferença, tendo em conta a posição do de obter dados para comparação e também devi-
governo para o qual se dirige a estratégia de “não- do à delicadeza deste tipo de medidas para a
mercado”: em setores onde as autoridades muni- tomada de decisões únicas, as quais podem intro-
cipais desempenham um forte papel regulador, a duzir bastantes mudanças de ano para ano. As
estratégia da empresa, como seria de esperar, é diri- empresas maiores procuraram parcerias com
gida a uma maior área, com o intuito de cultivar as outras empresas estrangeiras, em contraste com
relações com essas autoridades, como, por exem- as menores, talvez porque tinham menos receio
plo, através das iniciativas CSR, que têm um forte de serem dominadas pelas outras empresas.
impacto local, ou planeando e pondo em prática A nossa conjectura é reforçada por uma
facilidades que ofereçam serviços à comunidade. ligeira preferência das empresas maiores de assumir
Empresa. – Como empresas que entram em o controle nas suas parcerias com as empresas locais.
novos mercados, estas não foram diferenciadas em Essas empresas maiores também recorreram à nego-
termos de acesso a políticos ou a capital social, com ciação direta com as entidades reguladoras e com
a importante exceção de acesso aos governos dos os governos com mais freqüência do que as meno-
seus países de origem, a qual é analisada mais à res – um padrão lógico uma vez que as maiores
frente. As diferenças de reputação ou de credibili- empresas apreciam uma maior visibilidade. Por
dade não poderiam ser significativas entre as empre- último, as empresas maiores foram descentrali-
sas uma vez que nenhuma delas teve uma exposi- zando o poder de decisão, enquanto as menores
ção internacional relevante até aos anos 90. E a falta foram centralizando (embora os resultados finan-
de experiência internacional também limitaria algu- ceiros não estivessem associados à dimensão de
mas vantagens informativas entre elas. Existe tam- uma forma explícita). As de maior dimensão pare-
bém uma pequena variação no nível de diversifica- cem ter atingido o limiar, sendo a descentralização
ção das empresas no momento de entrada, que é necessária para uma gestão eficiente, e as menores
um dos filtros organizacionais reconhecido por têm meios para reagir aos desanimadores resultados
Rehbein e Schuler (1997). A diversificação foi baixa financeiros através de um bom controlo central.
em todas as empresas que estudamos. Todas as Assim, a dimensão e o nível dos recursos financei-
empresas de energia elétrica foram integradas verti- ros parecem resultar em diferenças mais evidentes
calmente na produção e em alguns casos na trans- nas opções de estratégia de “não-mercado” do que
missão. Algumas também tinham interesses na distri- na origem nacional ou na indústria. Além disso,
buição de gás natural e de água, num outro caso. as diferenças observadas podem ser explicadas pelo
Deste modo, não se verificou qualquer diversifica- diferente acesso aos recursos financeiros.
ção, além dos serviços públicos e na maioria dos Outro recurso por nós considerado é a lide-
casos foi limitada pela integração vertical. rança. A liderança pode ser entendida como a capa-
Outra comparação possível seria o nível cidade dos gestores de uma empresa em criar um
de recursos financeiros. Consideramos as receitas sentido de propósito e motivação não econômica
das empresas e fixamos valores de ativos em 1992, entre os funcionários e até entre os seus parceiros
período anterior à expansão internacional de quase de negócios. Desse modo, a liderança pode ser uma
todas as empresas do nosso estudo, como indica- capacidade preciosa e pode facilitar a concretização
dores da capacidade das empresas de mobilizar do plano de estratégia da empresa. Como já esperá-

77
RBGN, São Paulo, Vol. 10, n. 26, p. 63-85, jan./mar. 2008
Carlos Rufín / Pedro Parada / Esteban Serra

vamos, as empresas com uma liderança superior das com outros concorrentes que entraram na
são as que têm a maior capacidade e rapidez de América Latina. As empresas deste estudo pare-
mobilidade em geral. No caso deste artigo, a cem estar melhores preparadas para gerir condi-
entrada antecipada na América Latina pode ser ções locais e stakeholders-chave.
um indício de grande agilidade. Na estratégia de Para a influência da cultura empresarial,
“não-mercado”, onde a ação coletava por parte na estratégia de “não-mercado”, não dispomos de
dos participantes do sector industrial é um dos informação suficiente sobre as características da
maiores meios de influência junto da política cultura empresarial em cada empresa antes da
pública, a liderança pode manifestar-se na orga- entrada na América Latina para nos pronunciar-
nização e condução de esforços de ação coletava mos a este respeito. Muitas empresas apontaram
pelos investidores da indústria ou estrangeiros. para a existência de um forte conjunto de valores
Todas as empresas do nosso conjunto, exceto uma, empresariais e até de códigos de ética, evidenciando
entraram na região após transações de privatização em especial a rejeição de práticas corruptas. Mas
que criaram novas oportunidades. Neste sentido, estamos incertos quanto a essas normas terem existi-
todas essas empresas foram líderes, abrindo do antes da expansão internacional ou se integra-
(especificamente no caso das empresas espanholas) vam nas opções de estratégia de “não-mercado”
oportunidades futuras para outras empresas do tomadas pelas empresas para assegurar a coerên-
seu país de origem. Uma empresa rejeitou leilões cia de ações em todos os locais e estabelecer limi-
de privatização (com uma exceção que resultou tes claros para as afetividades de “não-mercado”.
numa falência e conseqüente saída) e não aceitou Curiosamente, até as diferenças nas per-
começar com interesses menores e eventualmente cepções sobre as questões enfrentadas pelas
comprar aos proprietários das empresas já priva- empresas sustentam uma pequena e aparente rela-
tizadas. Mas esta foi uma opção estratégica tomada ção com as opções estratégicas. A empresa que ado-
pela empresa para ganhar experiência e conheci- tou uma postura de cumprimento por se preocu-
mento das condições locais, especialmente do par com a corrupção não identificou, contudo, a
enquadramento regulamentar, antes de assumir corrupção como sendo uma questão importante.
um compromisso definitivo. Seis empresas des- (Mas, houve consistência na identificação da
conheciam o recurso à ação coletava como parte regulamentação e da política como um elemento-
da sua estratégia de “não-mercado”, e duas delas chave e o optar por uma postura colaborativa ou
referiram os seus papéis de liderança. Estas inicia- manipuladora. Mais uma vez, tal era esperado das
tivas para lidar com as stakeholders locais, junto empresas que operam em indústrias altamente
com a capacidade de reconhecer novas oportuni- regulamentadas).
dades e mobilizar os recursos necessários para as Calculamos que a falta de uma variação
explorar, apontam para a liderança dessas empre- sistemática nas opções estratégicas (outras além
sas, mesmo sem haver uma nítida diferença entre de algumas diferenças sistemáticas devidas à di-
os diversos níveis liderança entre elas. mensão ou nível de recursos financeiros) pode
A liderança é difícil de ser mantida. A maio- dever-se à recente internacionalização das indús-
ria das empresas que analisamos tem conseguido trias de serviço público. A ausência de interações
lidar com as condições instáveis na região e evitado entre as empresas a nível global, que é observada
perdas em mercados caracterizados pela turbulência nas indústrias sujeitas à competição global, pode-
econômica e política. De fato, a maioria dos con- ria explicar a falta das estruturas largamente acei-
correntes das empresas que estudamos entraram tes para a estratégia de “não-mercado”, levando
nos mercados regionais ao mesmo tempo, de uma a uma grande dispersão de estratégias de acordo
forma desordenada, mas abandonaram a região. com um processo de pesquisa desestruturada para
Mesmo sem encontrar diferenças nítidas na lide- dar resposta aos desafios enfrentados. Por exem-
rança entre as empresas desta amostra, encontra- plo, algumas empresas recrutaram pessoas com
mos diferenças significativas, quando compara- competências locais significativas e com contatos

78
RBGN, São Paulo, Vol. 10, n. 26, p. 63-85, jan./mar. 2008
O Paradoxo das Estratégias Multidomésticas num Mundo Global: testemunho das estratégias de “não-mercado” nos países em desenvolvimento

para os quadros de direção das suas filiais. Outras tégias de “não-mercado” ao longo do tempo uma
empresas confiaram nos conselhos consultivos, e vez que as empresas aprendem por si e pelas suas
outras parecem não ter utilizado nenhuma dessas experiências de concorrência, surgindo as “melho-
ferramentas, baseando-se apenas nos executivos e res práticas”. Tendo em conta a natureza dinâmica
parceiros locais, ou até peritos locais sem qual- da estratégia, e especialmente a recente inter-
quer relevância. nacionalização das empresas de serviço público,
também reunimos informação sobre as mudanças
nas estratégias de “não-mercado” reparando na
5.3 Dinâmicas de estratégia performance dos investimentos das empresas na
região, nas alterações na estratégia de “não-mer-
Se a conjectura anterior estiver correta, cado” desde a entrada na região e nos planos estra-
devemos observar alguma convergência nas estra- tégicos de futuro:

Tabela 5 – Mudanças recentes e futuras na estratégia.

Empresa Resultados Mudanças estratégicas Planos de futuro

Os parceiros locais não se Plano para aumentar o lucro e o valor dos Anunciado em 2004 um plano de
pronunciaram - apenas investimentos da América Latina iniciados em investimento multimilionário na América
pretendiam lucro rápido através 1999; venda de interesses minoritários em 2000. Latina entre 2004 e 2008, especialmente no
dos favores pessoais do governo; Chile, Argentina e Brasil; novas aquisições
aprender sobre a gestão do PR e projectadas para o Brasil e México (2005).
1 imagem empresarial.

ROI muito baixo na América Começar com expatriados e gradualmente substituir Evitar qualquer investimento futuro na
Latina; perdas nos activos no pelos locais; descentralização; retracção do América Latina, mas recente investimento
Brasil definidos em 2002. investimento fora da América Latina a partir de milionário anunciado em 2004.
2 2002; activos non-core vendidos em 2002.

Baixo ROI, mas ainda orientado Mudar a propriedade maioritária nas últimas Resolver conflitos pendentes na região;
para lucrar. aquisições; divisão internacional totalmente unida à anunciada em 2003 a eliminação dos activos
organização doméstica; abandono da estratégia de non-core em todo o mundo para dar
vários serviços públicos em 2003. prioridade aos investimentos estratégicos a
nível nacional e na Colômbia, Guatemala,
Nicarágua e Panamá; necessidade de
3 contenção de custos para reduzir as dívidas.

Fracos resultados no Brasil Estratégia de entrada reforçada pelos resultados; Possibilidade de aquisição de interesses
devido ao abandono da aquisição finalizada em El Salvador em 2004; venda maioritários na Argentina.
estratégia comum de entrada, de interesses minoritários em 2004
6 mas satisfatória.

Muito variados Centralização aumentada pelos princípios, ética e


confiança; compromisso com o Brasil reafirmado
8 em 2003 depois de uma ausência antecipada.

Bons resultados Saída do sector non-core em 2001; abandono dos


activos latino-americanos anunciados em 2002, mas
7 ainda não concluído no momento das entrevistas.

4 Bons resultados Nenhuns

OK Recente mudança para a organização Mudança para a Europa, mas adquiridos os


multidoméstica, afastada de uma unidade activos latino-americanos do concorrente
geográfica e empresarial mista; maior relevo da que saiu em 2004, com pagamento de um
aprendizagem e de gestão de risco ex-ante prémio significativo sobre as transacções
5 prévias.

Fonte: Entrevistas e documentos publicados.

79
RBGN, São Paulo, Vol. 10, n. 26, p. 63-85, jan./mar. 2008
O Paradoxo das Estratégias Multidomésticas num Mundo Global: testemunho das estratégias de “não-mercado” nos países em desenvolvimento

Como esperado, as estratégias de “não-mer- dades reguladoras americanas. Operam como


cado” parecem mostrar alguma convergência. Este entidades estatais em diferentes contextos políti-
aspecto é mais claro no processo de estratégia de cos de cada país. Tal significa que gerir questões
“não-mercado”, ou seja, nos mecanismos usados reguladoras requer competências específicas na
para tomar decisões de estratégias de “não-mer- política local e uma integração na rede local, na
cado”. Todas as empresas, exceto uma, têm um área da rede de serviços públicos. Mas o nosso resul-
processo substancialmente descentralizado, pois tado é coerente com o padrão observado de adap-
grande parte do poder de decisão é deixada nas tação às condições locais entre as multinacionais
mãos dos gestores do país e a gestão empresarial estrangeiras que atuam nos E.U.A. numa gran-
apenas oferece princípios gerais, gestão de conhe- de variedade de sectores e de origens (HANSEN;
cimento, e alguma direção de recursos humanos. MITCHELL, 2001).
As empresas que tiveram resultados abaixo das Este padrão pode ajudar a explicar a diver-
expectativas geralmente tiveram que abrandar os sidade observada nas estratégias de “não-mercado”.
sectores non-core e contiveram custos. Em dois Num ambiente multidoméstico, as estratégias
casos, também implementaram uma melhor cen- podem variar bastante entre empresas de diferen-
tralização das estruturas descentralizadas. Mas duas tes países. Tal significa que os nossos inquiridos
outras empresas levaram a descentralização mais podem estar a referir apenas os elementos mais
longe e todas as outras que tinham uma organiza- relevantes de uma região, que não têm de estar em
ção descentralizada não a alteraram. A nosso ver, tal sintonia com os atributos da empresa que analisa-
parece indicar que as estratégias de “não-mercado” mos como possíveis determinantes da estratégia
estão a convergir para um padrão multidoméstico, de “não-mercado”.
como mostrado na figura 2, em que as empresas
procuram uma adaptação às circunstâncias locais
através de um processo descentralizado de tomada 6 DISCUSSÃO
de decisões e da utilização de executivos domés-
ticos. Apresentamos este padrão na figura 2, que O nosso principal objetivo neste artigo foi
também reflete a centralização experimentada por mostrar o nosso conhecimento sobre os factuais
duas empresas, como acima referido: que influenciam o processo e conteúdo das estra-
tégias de “não-mercado” nas multinacionais. Os
dados secundários e as respostas das entrevistas
Baixo Receptividade Alto sugerem que a classificação de Bartlett e Ghoshal’s
Alto Global Transnacional (1989) das estratégias competitivas das multina-
cionais são também úteis para categorizar as estra-
Coordenação Internacional Multidoméstico
tégias de “não-mercado”. Esse aspecto não é sur-
Baixo
preendente, pois as categorias de Bartlett e Ghoshal’s
referem-se essencialmente às fontes e à diversidade
Figura 2 – Mudanças no processo de estratégia
da estratégia internacional, mais do que ao seu con-
de “não-mercado”.
teúdo. É uma visão importante porque sustenta a
tese defendida por Baron (1995a), que analisa o
De fato, uma abordagem multidoméstica mercado e a estratégia de “não-mercado” como
da estratégia de “não-mercado” adapta-se bem à um todo integrado. Para o conjunto de empresas
natureza da principal questão do “não-mercado” que escolhemos estudar, a diferença entre a estra-
enfrentada pelas empresas de serviço público – tégia de mercado e a de “não-mercado” é particu-
nomeadamente, a regulamentação de preço. As larmente clara: a regulamentação é, em grande
entidades reguladoras só surgiram na América parte, um substituto para a competição de mer-
Latina nos anos 90 e têm estruturas formais seme- cado, por isso a estratégia de “não-mercado” tor-
lhantes, derivando a maioria de modelos de enti- na-se uma forma de estratégia de competição.

80
RBGN, São Paulo, Vol. 10, n. 26, p. 63-85, jan./mar. 2008
Carlos Rufín / Pedro Parada / Esteban Serra

Contudo, seria errado concluir que a relevância trica no Brasil devia convergir em práticas que
da nossa pesquisa está limitada à atenção dada à resultem num tratamento mais favorável por parte
rede de serviços públicos. A situação do serviço da entidade reguladora federal e pelo governo.
público apenas oferece condições “extremas” que Segundo, o alcance dos processos de “não-merca-
enfatizam a estratégia de “não-mercado”, mas não do”, como a regulamentação ambiental para a
é qualitativamente diferente de outras indústrias indústria química, ou a fiscalização das mercado-
e o sucesso competitivo é significativamente rias agrícolas, devia interferir no processo de
aditado pelos factuais de “não-mercado”, como estratégia de “não-mercado” em diferentes indús-
Baron sustentou nos seus estudos. trias. A deslocação da fiscalização de mercado em
As condições da indústria constituem o âmbito nacional ou regional para a Organização
segundo aspecto dos nossos resultados e tais con- de Comércio Mundial, por exemplo, deveria
dições parecem ter uma influência determinante mudar a natureza da estratégia de “não-mercado”
na escolha de estratégias de “não-mercado”. Se, na maioria das empresas de mercadorias agrícolas
tal como discutimos no parágrafo anterior, a como a Bunge & Born ou a Louis Dreyfus. As
estratégia de “não-mercado” se tornar uma forma mudanças no alcance também deviam afetar o
de estratégia competitiva, especialmente para as impacto da dimensão da empresa na estratégia de
redes de serviços públicos, torna-se óbvio que as “não-mercado”. Seguindo o exemplo anterior, a
características do meio de “não-mercado” (neste deslocação da fiscalização para agências interna-
caso, principalmente o processo de regulamenta- cionais devia aumentar, para as empresas serem
ção de preços) deviam influenciar o comporta- autonomamente influentes na fiscalização, uma
mento estratégico. A regulamentação do serviço vez que será menor em relação ao número total
público é um ato de política pública, da respon- de participantes no processo de fiscalização,
sabilidade das entidades governamentais. Como assim como o poder de mercado diminui quando
alguém disse, “toda a política é local” e a regula- as empresas deixam de competir a nível doméstico
mentação do serviço público não é uma exceção. para competir a nível global.
Assim, é lógico que a estratégia de “não-merca- As implicações da nossa pesquisa são cer-
do” multidoméstica seja a forma mais adequada tamente aplicáveis aos que as põem em prática tal
para as multinacionais de serviço público alcan- como aos que se dedicam ao estudo do negócio
çarem uma performance financeira superior. As internacional e da estratégia de “não-mercado”.
implicações desta observação são importantes, A sugestão é que as empresas precisam aproximar
caso sejam tidas em conta para pesquisas futuras: o mercado do “não-mercado” de forma integra-
é sugerido que a pesquisa e a prática da estratégia da, seguindo as idéias de Baron, e que estruturem
de “não-mercado” deviam ter em conta o alcance o processo de estratégia de “não-mercado”. As
dos processos de “não-mercado” nos diferentes empresas deviam ainda identificar e ter em conta
sectores – sejam eles globais, regionais, ou locais o alcance dos processos de “não-mercado” que
e o porquê – e também o impacto das estratégias afetam a performance da empresa, assim como a
de “não-mercado” no alcance destes processos, disponibilidade dos seus recursos financeiros.
quer este aumente ou diminua.
A nossa observação anterior também
levanta várias hipóteses. Primeiro, na rede de ser- 7 CONCLUSÃO
viços públicos, as estratégias de “não-mercado”
deviam ser semelhantes em todas as empresas e Neste artigo, analisamos as opções da estra-
países, pelo menos nas empresas de dimensão tégia de “não-mercado” tomadas por oito multi-
idêntica (a nível empresarial) no mesmo sector e nacionais de serviços públicos em relação à sua
por isso sujeitas às mesmas condições de regula- entrada na América Latina durante a década de 90.
mentação. O conteúdo das estratégias de “não- Por terem sido selecionadas empresas que ope-
mercado” entre as empresas de distribuição elé- ram em áreas similares, estando todas sujeitas à

81
RBGN, São Paulo, Vol. 10, n. 26, p. 63-85, jan./mar. 2008
O Paradoxo das Estratégias Multidomésticas num Mundo Global: testemunho das estratégias de “não-mercado” nos países em desenvolvimento

regulamentação de preço, e numa região que par- REFERÊNCIAS


tilha as mesmas características de “não-mercado”,
focamo-nos nos factuais que podem influenciar AZNAR recalca que nadie puede obligar a la banca
as opções de estratégia de “não-mercado”, de acor- española a permanecer en Argentina. El País,
do com a bibliografia existente. Ao contrário das Madrid, 4 May. 2002.
nossas expectativas iniciais, o país de origem pare-
ce não ter um impacto claro nas estratégias de “não- BARON, D. P. Business and its environment.
mercado” adotadas pelas empresas. De fato, as 3rd ed. Upper Saddle River, NJ: Prentice-Hall, 2000.
estratégias diferem de empresa para empresa de
_______. Integrated market and nonmarket strategy
uma forma que parece ser não sistemática, exceto
in client and interest group politics. Business and
alguns casos em que a dimensão da empresa pare-
Politics, n. 1, p. 7-34, Apr. 1999.
ce afetar as opções estratégicas de forma evidente.
Contudo, tendo em conta as alterações da estra- _______. Integrated strategy in international trade
tégia ao longo do tempo, e observando desde iní- disputes: the Kodak-Fujifilm case. Journal of
cio o processo de estratégia de cada empresa, mais Economics and Management Strategy, Oxford,
do que o conteúdo da estratégia em si, concluímos v. 6, n. 2, p. 291-346, Summer 1997.
que surgiu um padrão bem definido. Quase todas
as empresas da nossa amostra optaram pelas estra- _______. Integrated strategy: market and nonmarket
tégias multidomésticas. Essa opção surge como components. California Management Review, v.
sendo sustentável ao longo do tempo, sugerindo 37, n. 2, p. 47-65, 1995a.
que as estratégias podem ter convergido para esta
_______. The nonmarket strategy system. Sloan
opção. Esse aspecto concorda com diversos factuais
Management Review, Cambridge, v. 37, n. 1, p.
comuns ao nosso conjunto de empresas: primeiro,
73-85, Fall 1995b.
sendo empresas que operam num sector que ape-
nas se internacionalizou nos anos 90, tiveram de BARTLETT, C. A.; GHOSHAL, S. Managing
optar por estratégias de “não-mercado” na ausência across borders. Boston: Harvard Business School
de modelos testados, o que levou primeiro a uma Press, 1989.
variedade de opções, e posteriormente a uma pro-
cura das boas práticas emergentes visto as empre- BLUMENTRITT, T. P. Foreign subsidiaries’
sas terem observado os efeitos das suas próprias government affairs activities: the influence of
estratégias e das dos seus concorrentes. Segundo, managers and resources. Business and Society, v.
optar por uma estratégia multidoméstica é bom 42, n. 2, p. 202-233, 2003.
para sectores sujeitos a uma forte regulamentação
de base essencialmente doméstica e assim um enqua- _______; NIGH, D. The integration of subsidiary
dramento de “não-mercado” que é muito diferente political activities in multinational corporations.
de país para país. Terceiro e último, uma aborda- Journal of International Business Studies, v. 33,
gem multidoméstica pode ajudar a explicar a dis- n. 1, p. 57-77, 2002.
persão observada no conteúdo das estratégias das
BODDEWYN, J. J. Political aspects of MNE
empresas, ainda que as estratégias da dita empresa
theory. Journal of International Business Studies,
possam encobrir uma variação interna significativa.
v. 19, n. 3, p. 341-363, 1988.
O nosso trabalho reforça a aproximação da estraté-
gia de “não-mercado” a uma perspectiva integrada, _______. Understanding and advancing the concept
com uma estratégia competitiva. Este trabalho tam- of “nonmarket”. Business and Society, p. 297–
bém evidencia o papel importante das condições 327, 2003.
no meio empresarial e especialmente do nível e da
forma de controlo social do negócio na concepção _______; BREWER, T. L. International business
das opções da estratégia de “não-mercado”. political behavior: new theoretical directions.

82
RBGN, São Paulo, Vol. 10, n. 26, p. 63-85, jan./mar. 2008
Carlos Rufín / Pedro Parada / Esteban Serra

Academy of Management Review, Briar Cliff model. In: GROSSE, R. (ed.). International
Manor, v. 19, n. 1, p. 119-143, Jan. 1994. business-government relations in the 21st
century. Cambridge, UK: Cambridge University
BONARDI, J.-P. Global and political strategies in
Press, 2005.
deregulated industries: the asymmetric behaviors
of former monopolies. Strategic Management EISENHARDT, K. M. Building theories from
Journal, v. 25, n. 2, p. 101-121, 2004. case study research. Academy of Management
Review, Briar Cliff Manor, v. 14, n. 4, p. 532-
_______; HILLMAN, A. J.; KEIM, G. D. The
550, 1989.
attractiveness of political markets: Implications
for firm strategy. Academy of Management Review, EMMONS, W. The evolving bargain: strategic
Briar Cliff Manor, v. 30, n. 2, p. 397-413, 2005. implications of deregulation and privatization.
Boston: Harvard Business School Press, 2000.
_______; HOLBURN, G.; VANDEN BERGH,
R. Nonmarket strategy performance: evidence FISMAN, R. Estimating the value of political
from U.S. electric utilities. Academy of Management connections. American Economic Review, Nashville,
Journal, Briar Cliff Manor, v. 49, n. 6, p. 1209- v. 91, n. 4, p. 1095-1102, Sept. 2001.
1228, Dec. 2006.
FROOMAN, J. Socially irresponsible and illegal
_______; KEIM, G. D. Corporate political strategies behavior and shareholder wealth: a meta-analysis
for widely salient issues. Academy of Management of event studies. Business & Society, v. 36, p. 221-
Review, Briar Cliff Manor, v. 30, n. 3, p. 555- 249, 1997.
576, 2005.
GETZ, K. A. Public affairs and political strategy:
CARROLL, A. B. Corporate social responsibility: theoretical foundations. Journal of Public Affairs,
evolution of a definitional construct. Business & Hoboken, v. 1, n. 4, p. 305-329, 2002.
Society, v. 38, p. 268-295, 1999.
THE GOOD company: a survey of corporate
CYERT, R. M.; MARCH, J. G. A behavioral theory social responsibility. The Economist. London, v.
of the firm. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall, 374, n. 8410, p. 3-4, January 22 2005.
1963.
GRIFFIN, J. J.; MAHON, J. F. The corporate social
DE FIGUEIREDO, J. M.; KIM, J. J. When do performance and corporate financial performance
firms hire lobbyists? The organization of lobbying debate: twenty-five years of incomparable
at the Federal Communications Commission. research. Business & Society, v. 36, p. 5-31, 1997.
Industrial and Corporate Change, Oxford, v. 13,
HAGGARD, S.; MAXFIELD, S.; SCHNEIDER,
n. 6, p. 883-900, Dec. 2004.
B. R. Theories of business and business-state
DONALDSON, T.; PRESTON, L. E. The relations. In: MAXFIELD, S.; SCHNEIDER, B.
stakeholder theory of the corporation: concepts, R. (eds.). Business and the state in developing
evidence, and implications. Academy of countries. Ithaca: Cornell University Press, 1997.
Management Review, Briar Cliff Manor, v. 20, p. 36-60.
n. 1, p. 65-91, 1995.
HANSEN, W. L.; MITCHELL, N. J. Disaggregating
DOZ, Y. L.; PRAHALAD, C. K. How MNCs and explaining corporate political activity: domestic
scope with host government intervention. Harvard and foreign corporations in national politics. The
Business Review, Boston, v. 58, n. 2, p. 149-157, American Political Science Review, Cambridge,
Mar.-Apr. 1980. v. 94, n. 4, p. 891-903, 2000.

EDEN, L.; LENWAY, S.; SCHULER, D. From _______; _______. Globalization or national
the obsolescing bargain to the political bargaining capitalism: large firms, national strategies, and

83
RBGN, São Paulo, Vol. 10, n. 26, p. 63-85, jan./mar. 2008
O Paradoxo das Estratégias Multidomésticas num Mundo Global: testemunho das estratégias de “não-mercado” nos países em desenvolvimento

political activities. Business and Politics, v. 3, n. qualitative research. Princeton: Princeton University
1, p. 5-19, 2001. Press, 1994.

HENISZ, W. J.; BENNET, A. Z. Legitimacy, KOLK, A.; PINSKE, J. Multinationals’ political


interest group pressures and change in emergent activities on climate change. Business and Society,
institutions: the case of foreign investors and host Thousand Oaks, v. 46, n. 2, p. 201-228, Jun. 2007.
country governments. Academy of Management
LENWAY, S. A.; REHBEIN, K. Leaders, followers,
Review, Briar Cliff Manor, v. 30, n. 2, p. 361-
and free riders: an empirical test of variation in
382, Apr. 2005.
corporate political involvement. Academy of
HILLMAN, A. J. Determinants of political Management Journal, Briar Cliff Manor, v. 34,
strategies in U.S. multinationals. Business and n. 4, p. 893-905, 1991.
Society, v. 42, n. 4, p. 455-484, 2003.
LUO, Y. Toward a cooperative view of MNC-
_______; HITT, M. A. Corporate political strategy Host government relations: building blocks and
formulation: a model of approach, participation performance implications. Journal of International
and strategy decisions. Academy of Management Business Studies, Hampshire, v. 32, n. 3, p. 401–
Review, Briar Cliff Manor, v. 24, n. 4, p. 825- 419, 2001.
842, Oct. 1999.
MILES, M. B.; HUBERMAN, A. M. Qualitative
_______; KEIM, G. D. International variation in data analysis. 2nd ed. Beverly Hills, CA: Sage
the business-government interface: Institutional Publications, 1994.
and organizational considerations. Academy of
Management Review, Briar Cliff Manor, v. 20, MAHINI, A. Making decisions in multinational
n. 1, p. 193-214, Jan. 1995. corporations: managing relations with sovereign
governments. New York: John Wiley & Sons,
_______; KEIM, G. D.; SCHULER, D. Corporate 1988.
political activity: a review and research agenda.
Journal of Management, v. 30, n. 6, p. 837-857, _______; WELLS JR, L. T. Government relations
2004. in the global firm. In: Porter, M. (ed.). Competition
in global industries. Boston: Harvard Business
HOLBURN, G. L. F. Political risk, political School Press, 1986.
capabilities and international investment strategy:
evidence from the power generation industry. MURTHA, T. P.; LENWAY, S. A. Country
London: Richard Ivey School of Business, University capabilities and the strategic state: how national
of Western Ontario, 2001. Disponível em: <http:/ political institutions affect multinational
/www.wifo.ac.at/~luger/holborn_guy.pdf>. Aces- corporations’ strategies. Strategic Management
so em: 02 jan. 2004. Journal, Hampshire, v. 15, special issue, p. 113-
129, Summer 1994.
HOLME, R.; WATTS, P. Corporate social
responsibility: making good business sense. OLIVER, C. Strategic responses to institutional
Geneva: World Business Council for Sustainable processes. Academy of Management Review,
Development, 2000. Briar Cliff Manor, v. 16, n. 1, p. 145-179, 1991.

JONES, T. M.; WICKS, A. C. Convergent POYNTER, T. Multinational enterprises and


stakeholder theory. Academy of Management government intervention. New York: St. Martins
Review, Briar Cliff Manor, v. 24, n 2, p. 206- Press, 1985.
222, 1999.
REHBEIN, K. A.; SCHULER, D. A. Testing the
KING, G.; KEOHANE, R. O.; VERBA, S. firm as a filter of corporate political action.
Designing social inquiry: scientific inference in Business and Society, v. 38, n. 2, p. 144-66, 1997.

84
RBGN, São Paulo, Vol. 10, n. 26, p. 63-85, jan./mar. 2008
Carlos Rufín / Pedro Parada / Esteban Serra

RING, P. S.; LENWAY, S. A.; GOVEKAR, M. NOTAS


Management of the political imperative in
international business. Strategic Management 1
Alguns artigos recentes (BONARDI, 2004;
Journal, Hoboken, v. 11, n. 2, p. 141-151, Feb. BONARDI; HOLBURN; VANDEN BER-
1990. GH, 2006) também exploram esta caracterís-
tica das indústrias de serviços públicos para
SALONER, G.; SHEPARD, A.; PODOLNY, J.
analisar as estratégias de “não-mercado”.
Strategic management. New York: John Wiley 2
Devido à nossa concentração nos sectores das
& Sons, Inc, 2001.
indústrias de rede de serviços públicos, supos-
SCHOLTE, J. Globalization: a critical introduction. tamente não houve investimentos uma vez que
London: Palgrave/St Martin’s Press, 2000. o serviço já estava a ser fornecido. A entrada
implicou a aquisição de uma empresa existente
SCHULER, D. A.; REHBEIN, K.; CRAMER,
(uma típica concessão pública em detrimento
R. D. Pursuing strategic advantage through political
de uma propriedade de activos concretos) quer
means: a multivariate approach. Academy of
do sector público (privatizações) quer do pro-
Management Journal, Briar Cliff Manor, v. 45, n
prietário do sector privado de um serviço pú-
4, p. 659-672, Aug. 2002.
blico previamente privatizado.
3
SCOTT, W. R. Institutions and organizations. Não caracterizamos os objectivos e o alcance
Thousand Oaks, CA: Sage, 1995. das estratégias uma vez que são comuns a todas
as empresas em virtude da nossa selecção de
SHAFFER, B. Firm-level responses to government amostra: assegurando que as decisões de regu-
regulation: theoretical and research approaches. lamentação não afectam o lucro do investi-
Journal of Management, Thousand Oaks, v. 21, mento e uma abordagem compreensiva ou
n. 3, p. 495-514, 1995. relacional da estratégia, dada a natureza con-
SHEAHAN, J. Patterns of development in Latin tínua da regulamentação do serviço público.
4
America: poverty, repression, and economic strategy. Por contraste, prevê-se que as firmas com expe-
Princeton: Princeton University Press, 1987. riência internacional se adaptem mais às con-
dições locais do que aplicar as suas práticas
SILVERMAN, D. The theory of organizations: nacionais no estrangeiro. Contudo, todas as
a sociological framework. New York: Basic Books, empresas da nossa amostra internacionaliza-
1971. ram-se recentemente.
5
UHLENBRUCK, K. et al. The impact of corruption Deixamos os aspectos de dinâmica das estra-
on entry strategy: evidence from telecommunication tégias de “não-mercado” para discussão pos-
projects in emerging economies. Organization terior.
6
Science, v. 17, n. 3, p. 402-414, 2006. Em virtude da abordagem de selecção da nos-
sa empresa, foram excluídas empresas que se
UNITED NATIONS GLOBAL COMPACT. retiraram do mercado. É importante referir
[2007]. Disponível em: <http://www. que a maioria das empresas de serviço públi-
unglobalcompact.org>. Accesso em: 3 jul. 2007. co estrangeiras que escolheram a saída como
solução são dos Estados Unidos. Tal é geral-
YIN, R. K. Case study research. 3rd ed. Beverly
mente atribuído ao curto prazo dos mercados
Hills, CA: Sage Publications, 2003.
financeiros americanos, mas as saídas podem
ZHOU, J. Q.; PENG, M. W.; ANAND, J. ter sido motivadas pelas dificuldades finan-
Institutional quality, political networking, and ceiras vividas pelo sector energético america-
firm performance: a cross-country analysis. Ohio no como consequência da desregulamentação
State University, 2006. (Working Paper, Fisher nos E.U.A. e a falência da Enron.
College of Business). 7
Consulte a nota de rodapé anterior.

85
RBGN, São Paulo, Vol. 10, n. 26, p. 63-85, jan./mar. 2008

Você também pode gostar