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1. Doutor em Políticas Públicas pela J.F. Kennedy School of Government, da Universidade de Harvard, Mestre em Econo-
mia pela Columbia University e Licenciado em Economia pela Princeton University. Professor na Suffolk University, em
Boston [crufin@babson.edu].
Endereço do autor: Babson College – 231 Forest Street Babson Park, Massachusetts 02457-0310, USA.
2. Ph.D. em Gestão Estratégica, Mestre em Gestão e Política Pública e Licenciado em Economia. Professor Titular do Depar-
tamento de Política de Empresa na ESADE Business School [pedro.parada@esade.edu].
Endereço do autor: ESADE Business School – Avenida de Pedralbes, 60-62 – E-08034 Barcelona, Espanha.
3. Doutor em Ciências Econômicas pela Universidade de Barcelona. Professor do Departamento de Política de Empresa
na ESADE Business School e no CEI – Centro de Estudos Internacionais – da Universidade de Barcelona
[estebanserra@ latinbridge.es].
Endereço do autor: Latin Bridge Business – Casanova 54, 7ª planta, letra C – E-08011 Barcelona, Espanha.
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O Paradoxo das Estratégias Multidomésticas num Mundo Global: testemunho das estratégias de “não-mercado” nos países em desenvolvimento
políticas e sociais. Tal significa que é possível e uma discussão sobre os nossos resultados e um
importante analisar as ferramentas e as lógicas breve sumário.
disponíveis para as firmas na sua interação com a
conjuntura de “não-mercado”, assim como os pro-
cessos adotados pelas firmas ao optar por estraté- 2 ESTRATÉGIA DE “NÃO MERCADO”
gias de “não-mercado” (especialmente a relação
entre estas opções e aquelas relacionadas com as O âmbito da estratégia de “não mercado”
suas estratégias competitivas ou de mercado). (ou estratégia de política empresarial) ainda sofre
A importância da estratégia de “não-mer- uma escassez de investigação empírica sobre o com-
cado” não diminuiu apesar do recuo do estado em portamento das firmas fora dos E.U.A. (algumas
muitos países, seguindo reformas orientadas para o exceções são HILLMAN, 2003; HILLMAN;
mercado como a privatização, liberalização comer- KEIM, 1995; KOLK; PINSKE, 2007; LUO, 2001).
cial, e regulamentação de mercado. As reformas A expressão “estratégia de não-mercado” foi popu-
têm permitido a entrada de firmas privadas em larizada por Baron numa série de artigos (BARON,
setores previamente reservados para o estado. Mas 1995a, 1995b, 1999), que chamaram a atenção
o estado detém um papel poderoso, como regula- para a importância de abordagens estratégicas para
dor dos interesses dos produtores e dos consumi- a gestão das relações entre firmas e o seu meio
dores. Com a emissão de autorizações e licenças, a além das interações de mercado. Desse modo,
imposição de preços máximos e determinação de “não-mercado” é apenas um termo genérico que
publicação de informação, ou com a manipulação mostra a relação entre as firmas e os intervenientes
dos direitos de propriedade (como as patentes far- fora das tradicionais categorias de clientes, forne-
macêuticas), a intervenção reguladora pode ter um cedores e concorrentes – nas palavras de Baron
enorme impacto sobre o lucro do investimento “aquelas interações que são intermediadas pelo
privado. Enquanto as instituições legais e políticas público, partes interessadas (setores), governos,
são instáveis e pouco desenvolvidas, como acon- mídia e instituições públicas” (1995ª, p. 47).
tece na maioria dos países em desenvolvimento, Na bibliografia sobre estratégica, esse tipo
os riscos de mudanças de desvalorização ao nível de relações está geralmente confinado a considera-
das leis e da regulamentação são exacerbados ções sobre a gestão de setores onde se evidenciam as
(HENISZ; BENNET, 2005). Recentemente, até restrições de atitude enfrentadas pelas firmas como
a nacionalização e a expropriação têm reapareci- resultado de uma variedade de pressões sociais.
do como riscos significativos para os governos dos A análise da Corporate Social Responsibility (CSR)
países em desenvolvimento, desde a Rússia à Ar- também surgiu como uma estrutura alternativa para
gentina, motivados pela hostilidade ideológica em regular e orientar a relação entre as firmas e a socie-
relação ao setor privado ou pelo desejo de con- dade. Mas a sua abordagem é fortemente norma-
trole de rendas de importantes recursos naturais. tiva (DONALDSON; PRESTON, 1995; JONES;
Neste artigo procuramos examinar a varia- WICKS, 1999) ou moral (FROOMAN, 1997),
ção nas estratégias de “não-mercado” nas empre- e gira em torno do desenvolvimento de standards
sas, utilizadas nos países em desenvolvimento para éticos, baseados em princípios morais (THE GOOD
detectar possíveis padrões que possam ser desen- COMPANY, 2005; HOLME; WATTS, 2000;
volvidos como propostas. Para tal, verificamos UNITED NATIONS GLOBAL COMPACT,
primeiro o atual estado de conhecimento sobre a 2007). Uma abordagem estratégica vai além des-
estratégia de “não-mercado” e especialmente os sa perspectiva passiva, defendendo-se o poder das
fatores que até então foram identificados como firmas para aumentarem a sua criação e captação
os mais determinantes das opções de estratégia de valor, considerando-se como performance so-
de “não mercado”. Explicamos, a seguir, a nossa cial ou financeira (CARROLL, 1999; GRIFFIN;
abordagem metodológica, acompanhada de uma MAHON, 1997), por meio das suas interações
análise da informação reunida. Concluímos com com os intervenientes de “não-mercado”.
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estes aspectos da estratégia de “não-mercado” pos- competitiva (veja, por exemplo, SALONER;
teriormente. Por fim, Kolk e Pinske (2007) anali- SHEPARD; PODOLNY, 2001), esses artigos
sam as estratégias políticas de um grande número apresentam as opções de estratégia de “não-mer-
de empresas multinacionais de vários países quan- cado” como sendo orientadas por elementos do
to à alteração climática, seguindo uma aborda- meio de “não-mercado” e pelas características
gem processual a qual também utilizamos. internas da empresa. O processo de estratégia de
Cientistas políticos também têm estado “não-mercado” pode ser decomposto em antece-
interessados desde há muito em compreender a dentes, opção estratégica, implementação, e resul-
influência do setor privado, e especialmente das tados (HILLMAN; KEIM; SCHULER, 2004).
multinacionais, nas escolhas da política pública Sendo o nosso objetivo neste artigo examinar a
em diferentes países do mundo, incluindo países variação nas empresas no que respeita as estraté-
em desenvolvimento (HAGGARD; MAXFIELD; gias de “não-mercado”, utilizadas nos países em
SCHNEIDER, 1997). Mas a abordagem predomi- desenvolvimento, com interesse em identificar
nante entre os cientistas políticos é a da teoria de potenciais fontes de variação, focamo-nos agora
interesse de grupo: o estudo de como a interação nas primeiras três partes do processo.
de grandes grupos sociais, através da ação coletiva, Os antecedentes da estratégia de “não-
molda a política pública (GETZ, 2002). Como resul- mercado” são, juntamente com as características
tado, as preferências das empresas são definidas por da empresa, os elementos do meio institucional e
cientistas políticos apenas em termos gerais, espe- industrial (BODDEWYN; BREWER, 1994) e as
cialmente a associação de setores (diferenciados características dos aspectos de “não-mercado” enfren-
pela exposição à competição estrangeira e grau de tados pela empresa. Paras as multinacionais, o
liquidez do ativo) e associação empresarial ou de enquadramento institucional mais importante
rede (por exemplo, grupos de negócios diversifi- é o dos seus países de origem e o dos países anfi-
cados vs empresas não diversificadas) com limitada, triões (HILLMAN; KEIM; SCHULER, 2004;
ou mesmo nenhuma, consideração pela estratégia KOLK; PINSKE, 2007; MURTHA; LENWAY,
da empresa. A importância estratégica das organi- 1994), mas também o do espaço internacional,
zações com vários negócios – associações empresa- sobrecarregado por instituições como os acordos
riais, diversos conglomerados de empresas e redes, multilaterais, normas, ou organizações (para uma
tendo em conta o poder político das suas empresas- boa descrição deste espaço, consulte Scholte, 2000.
membro é uma importante visão da ciência política A nível industrial, os acadêmicos identifica-
que incluímos na nossa investigação. ram como elementos-chave o grau de dependência
dos intervenientes do “não-mercado” (HILLMAN;
KEIM; SCHULER, 2004; OLIVER, 1991), o
3 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS nível de concentração industrial (HILLMAN;
KEIM; SCHULER, 2004; LENWAY; REHBEIN,
Apesar das suas limitações empíricas, a 1991) e a natureza multidoméstica ou global-
bibliografia sobre estratégia de “não-mercado” mente competitiva da indústria (RING; LENWAY;
oferece uma base útil para a análise das opções de GOVEKAR, 1990).
estratégia de “não-mercado” das empresas estran- Os aspectos de “não-mercado” diferem no
geiras que entram nos mercados dos países em que respeita à sua relevância pública (BONARDI;
desenvolvimento. O modelo de Rehbein-Schuler HILLMAN; KEIM, 2005; BONARDI; KEIM,
de estratégia de “não-mercado” (REHBEIN; 2005; HILLMAN; KEIM; SCHULER, 2004;
SCHULER, 1995) e o modelo integrado ofereci- MAHINI, 1988; MAHINI; WELLS, 1986;
do por Hillman, Keim e Schuler (2004) são par- REHBEIN; SCHULER, 1997), à sua importân-
ticularmente úteis, tais como os seus modelos cia para as empresas (OLIVER, 1991), ao nível
paralelos de estratégia competitiva nas situações da competição com outros intervenientes do “não-
de mercado. Tal como as estruturas de estratégia mercado” em relação aos resultados (BONARDI;
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HILLMAN; KEIM, 2005; HILLMAN; KEIM; SCHULER, 1995), cultura empresarial e atitude
SCHULER, 2004; OLIVER, 1991) e ao contex- de gestão de topo (BLUMENTRITT, 2003;
to da questão – a incerteza quanto ao assunto e HILLMAN; KEIM; SCHULER, 2004). A diver-
ligações a outros tipos de assunto (BONARDI; sificação, por exemplo, leva à coexistência de uma
HILLMAN; KEIM, 2005; OLIVER, 1991). variedade de lógicas de comportamento na empre-
Diversas características de empresas têm sa, dificultando aos gestores o chegar a uma estra-
sido consideradas relevantes na opção de estraté- tégia em particular.
gias de “não-mercado”, especialmente para as Todos os antecedentes da estratégia de “não-
multinacionais. Rehbein e Schuler (1997) ofere- mercado” apresentados estão resumidos na Tabela 1.
cem uma caracterização útil da empresa como As estratégias de “não-mercado” têm sido
entidade que recebe estímulos externos e proces- classificadas na bibliografia de acordo com a postu-
sa-os de acordo com as suas características, dando ra em relação a outros intervenientes do “não-mer-
prioridade a certos padrões de comportamento. cado” (cumprimento de obrigações, saída, confron-
Essa abordagem ajuda-nos a compreender a biblio- to, colaboração, ou manipulação) (BODDEWYN;
grafia existente sobre características das empresas BREWER, 1994; HILLMAN; KEIM; SCHULER,
por meio da distinção entre recursos ou capaci- 2004; KOLK; PINSKE, 2007; OLIVER, 1991),
dades e filtros organizacionais. Além dos recursos objetivos e alcance das estratégias de “não-merca-
empresariais, assim definidos pelo ponto de vista do” (BODDEWYN; BREWER, 1994; HILLMAN;
base, aplicados às questões do “não-mercado” HITT, 1999; HILLMAN; KEIM; SCHULER,
(HILLMAN; KEIM; SCHULER, 2004; LUO, 2004), tipo e intensidade das atividades levadas a
2001; REHBEIN; SCHULER, 1997), podemos cabo (BODDEWYN; BREWER; 1994; HANSEN;
incluir fatores como: os recursos financeiros, a expe- MITCHELL, 2000; HILLMAN; HITT, 1999;
riência, a legitimidade (ou credibilidade), acesso a HILLMAN; KEIM; SCHULER, 2004; KOLK;
outros intervenientes (por exemplo, capital social) PINSKE, 2007; POYNTER, 1985), e o grau de
e estagnação (a figura 1 apresenta a lista destes e de colaboração (ação coletava) com outras empresas
outros recursos sugeridos por vários estudiosos). e intervenientes (BONARDI; HILLMAN; KEIM,
Por outro lado, na perspectiva institucional 2005; HILLMAN; HITT, 1999; HILLMAN;
do comportamento organizacional (SCOTT, KEIM; SCHULER, 2004; KOLK; PINSKE, 2007;
1995), consideramos as seguintes características LENWAY; REHBEIN, 1991). A estas, acrescenta-
empresariais como filtros organizacionais: visibili- mos a escolha sobre a forma de comunicação com
dade da empresa (HANSEN; MITCHELL, 2000), os outros intervenientes, por exemplo, através dos
origem nacional (HANSEN; MITCHELL, 2000; media, contato pessoal, via oficial e outros.
HILLMAN; KEIM; SCHULER, 2004), grau Do ponto de vista da implementação, os
de diversificação (HILLMAN, 2003; REHBEIN; aspectos relevantes da estratégia de “não-merca-
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do” são: as opções organizacionais tomadas pelas de donativos. O conjunto de dados pode ser aditado
empresas, em particular o grau de coordenação pela baixa taxa de respostas. Empresas de todo o
das unidades empresariais (BLUMENTRITT; mundo estão relutantes em fornecer informações
NIGH, 2002; DOZ; PRAHALAD, 1980; de estratégias de “não-mercado” porque as afetivi-
MAHINI, 1988; MAHINI; WELLS JR, 1986), dades de “não-mercado”, praticadas pelas empre-
e o grau de especialização da equipe que lida com sas, como a intervenção em processos políticos,
o “não-mercado” (DOZ; PRAHALAD, 1980; são tidas como eticamente problemáticas em mui-
MAHINI, 1988), o grau de integração nas estra- tas sociedades, mesmo sendo legalmente válidas
tégias competitivas e empresariais (HILLMAN; (KOLK; PINSKE, 2007). Mais importante, dada
KEIM; SCHULER, 2004) e a evolução da estra- a nossa escassez de conhecimento sobre as estraté-
tégia de “não-mercado” ao longo do tempo. gias de “não-mercado”, é melhor começar com uma
Estamos atualmente em posição de analisar abordagem indutiva longitudinal direcionada para
as estratégias de “não-mercado” à luz das considera- a construção de uma teoria (EISENHARDT, 1989).
ções anteriores. Primeiro, será explicado o nosso Como defende Kolk e Pinske (2007), “a disponibili-
acesso ao conjunto de dados, seguindo-se uma com- dade de dados, tal como noutros projetos de afetivi-
paração dos dados com as nossas expectativas. dade política empresarial, continuará a ser a princi-
pal barreira, sobretudo fora dos E.U.A. Enquanto
for este o caso, os estudos de aprofundamento/
4 CONJUNTO DE DADOS exploração parecem ser o principal caminho para
alargar os horizontes”. Como resultado, chega-
Para obter informação sobre as estratégias mos a esta fase com uma abordagem qualitativa
de não mercado, enfrentamos fortes limitações. utilizando documentação secundária e entrevistas
As bases de dados numéricas e quantificáveis quase com funcionários de empresas. Examinando as
não existem fora dos E.U.A., onde a determina- experiências de diferentes empresas, conseguimos
ção de publicação de informação oferece dados as comparações entre casos, aumentando assim a
acerca de certas afetividades como as campanhas qualidade/certeza das nossas descobertas.
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Número de empresas 8
Países de origem Espanha, E.U.A.
Sectores distribuição de electricidade ou gás natural, e linhas de telefone fixo
Países com presença na América Latina Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, República Dominicana,
(nestes sectores) El Salvador, Guatemala, México, Nicarágua, Panamá, Perú, Venezuela
Localização temporal Desde 1989 até à data
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Origem Dimensão Países Modo de entrada: Modo Postura/relações com Imagem Uso da acção Executivos locais Directores ou Outro
de as autoridades colectiva Consultores locais
parcerias entrada:
Local parceria
s
Estrang
eira
Espanha Arg, Br, Chile, Col, Y Y(MNC) Colaboração/manipulaç Como Envolvimento Aumento ao Recurso a conselhos
Perú ão: directa negociação empresa local, com as longo do tempo consultivos locais
com os governos e envolvimento associações
entidades reguladoras nos assuntos empresariais
1 3,4 locais locais
Espanha Bol, Br, Gua Y (em alguns Y(MNC) Colaboração/manipulaç Como Com outras N N?
casos) ão: directa negociação empresa local MNCs ou
com os governos e grandes
entidades reguladoras; empresas
pouco recurso à
embaixada ou ao
2 2 governo espanhol
Espanha Arg, Col, (DR), Gua, Y (apenas para N Colaboração/manipulaç Como Sem Y? Y?
Nic, Pan capital, controlo ão: recurso a parcerias empresa local colaboração
locais, estrangeiras e com outras
retido pela
multilaterais para empresas
empresa)
partilha de risco e estrangeiras
aumentar os interesses
estatais, especialmente
3 5 parcerias com o governo
Espanha Arg, Br, Col, Mx Preferencial, mas N Colaboração: incentivar Como Não evidente Y? N? Forte
depende da boas relações com as empresa local programa
autoridades. CSR
disponibilidade
candidatos que se
enquadrem no
4 7 perfil pretendido
Espanha Arg, Br,, Chile, Col, Y, relevo do Y, Colaboração: Como Acção Y depois de uma Recurso a conselhos Relevo para as
Perú, Ven controlo de gestão relevo negociação directa e empresa local colectiva com fase inicial consultivos locais relações
do incentivar uma boa outras públicas e
controlo relação com as empresas gestão da
de entidades reguladoras e espanholas e imagem da
gestão governo; evitar qualquer alianças com empresa
relação com a política organizações
ou com a uma aparente locais e
corrupção internacionais
prestigiadas;
standards
industriais
para
aprovisioname
5 1 nto
E.U.A (Br), Bol, Chile, El S Y, à medida que se N Cumprimento/manipul Imagem Y Relevo para a Recurso a conselhos Entrada gradual;
ação: negociação directa estrangeira equipa técnica consultivos locais confiança nas
constrói a iniciativas CSR
com as entidades local
experiência, para a gestão da
reguladoras e governos; regulamentação
aumentam
sem participação em e risco político
gradualmente a eleições como empresa
autonomia e a estrangeira
responsabilidade;
evitar privatização
6 6 inicial
E.U.A Arg, Br, Chile, DR, N N Colaboração: incentivar Imagem Y Recurso a Recurso a conselhos Desenvolviment
Pan, Ven a boa relação com o estrangeira executivos locais consultivos locais o de ferramentas
de gestão de
governo; recurso aos com contactos
risco com
quadros de direcção instituições
locais e executivos multilaterais;
locais, com contactos; programas CSR
embaixada dos E.U.A.
8 8 como último recurso
Abreviaturas dos países: Arg-Argentina; Bol-Bolívia; Br-Brasil; Col-Colômbia; DR- República Dominicana; El S-El Salvador;
Gua-Guatemala; Nic-Nicarágua; Mx-México; Pan-Panamá; Ven-Venezuela.
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Tabela 3 (cont.)
# Processo
Fortes valores centrais; estratégia e equipa; gestão do Autonomia local para a relação com os
conhecimento de regulamentação através do Director governos, relações públicas e operações a nível
2 de Regulamentação. local.
Normas centrais (evitar conflitos e corrupção), CSR e Descentralizar com autonomia local e clara
4 gestão de marca. separação de outras unidades empresariais.
Desenvolvimento horizontal, trans-funcional e trans- Implementação e adaptação de standards Coordenação limitada com instituições sem
sectorial das iniciativas; desenvolvimento de normas, empresariais; gestão de stakeholders baseada fins lucrativos, pela diferenciação de papéis;
standards e métodos para serem utilizados e aplicados na metodologia empresarial; autonomia para organização do país na América Latina;
pelas filiais; comissão de estratégia de regulamentação iniciativas adicionais desde que não expatriados substituídos por locais após
e sistema de monitorização de risco, evidenciando-se a contrariem as normas ou as acções uma fase inicial; estreita coordenação com
5 partilha de informação e experiência. empresariais. iniciativas de estratégia competitiva.
Forte relevo no cumprimento das leis americanas, Aprender com os parceiros, descentralizada.
especialmente contra a corrupção através de
contractos, formação, balanços; realce para os valores
comuns; monitorização de risco centralizada e partilha
de práticas operacionais; forte suporte empresarial
6 para a gestão de stakeholders.
Relatórios dos assuntos mais relevantes. Forte autonomia em relação à empresa; clara Processo de planeamento da estratégia de
separação de outras unidades empresariais. “não-mercado” - definição dos factores de
sucesso, juntamente com o cartão de
pontos; reuniões trimestrais de controlo;
código de conduta desenvolvido com as
stakeholders; VP sénior de assuntos
relacionados com a regulamentação para
supervisionar a regulamentação e trabalhar
7 com as stakeholders.
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3 5 Y Y Y Y Rendimentos baixos
4 7 Y Y Segurança do trabalhador
6 6 Y
8 8 Y Y Y Falha de mercado
Fonte: Entrevistas.
riormente, são muito semelhantes na América falta de informação e até de falta de um “modelo
Latina. Desse modo, não aprofundaremos este mental” prévio da questão e parece ser o caso do
assunto. Contrariamente, as empresas do nosso meio relativamente desestruturado e incerto do
grupo de análise têm origem em vários países. “não-mercado” dos países em desenvolvimento em
Algumas vêm de uma democracia pluralista, a dos relação às entradas estrangeiras com experiência
E.U.A., enquanto outras são oriundas de polí- internacional limitada. Os gestores nessas situa-
ticas empresariais européias. Essa é uma grande ções contam com os modelos mentais ou com a
diferença a ter em conta. Para as empresas sem lógica dominante adquirida no seu país de ori-
presença internacional prévia, como é este o caso gem, a menos que seja reprimida por fortes res-
do nosso grupo, o nível de experiência política trições internas ou externas, ou até um processo
deve ser largamente oferecido pelo país de ori- de aprendizagem individual e organizacional se
gem de cada empresa. A estrutura das institui- impor e modificar os modelos mentais ou a cul-
ções políticas e dos grupos de stakeholder no país tura empresarial. Esse tipo de considerações
terão um papel importante na “construção” da deveria levar-nos a esperar que as opções de estra-
experiência política dessas firmas (HILLMAN; tégia de “não-mercado” das empresas estrangeiras
KEIM, 1995). A racionalidade atenta (CYERT; que entram em novos mercados são fortes, prin-
MARCH, 1963) e a visão social construcionista cipalmente para as empresas estreantes interna-
da ação humana (SILVERMAN, 1971) sugerem cionalmente, por utilizarem as estratégias de “não-
que os gestores confiam nas estruturas que preva- mercado” dominantes no seu país natal4.
lecem entre o grupo de referência dos gestores. Contrariamente às nossas expectativas ini-
Da perspectiva racionalista, tal verifica-se, quando ciais, as estratégias de “não-mercado” não pare-
as decisões têm de ser tomadas num contexto de cem diferir por motivos de origem nacional e por
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experiências em contexto nacional das empresas, da sua estratégia de “não-mercado”, para promo-
cuja falta de presença internacional prévia já foi ver uma imagem positiva da empresa entre o
referida. Tal pode refletir uma rápida adaptação público. Em relação a outros elementos das estraté-
de todos os que entram num novo mercado às gias ou dos processos de “não-mercado”, não existe
condições locais, sem ter em conta a origem da um padrão que os distinga. A maioria das empresas
empresa, pela conduta observada por Hansen e defende o desenvolvimento de uma relação direta e
Mitchell (2001), entre empresas estrangeiras nos informal com as entidades reguladoras e governos,
E.U.A.5. As duras penas aplicada pela US Foreign o que pode ser surpreendente no caso das empre-
Corrupt Practices Act levou uma empresa ameri- sas americanas, das quais se esperava uma maior
cana a adotar uma postura de cumprimento- ligação às entidades formais como os tribunais. Por
orientado, embora não fosse este o caso das outras outro lado, também nos surpreendeu a falta de
empresas dos Estados Unidos6. interesse das empresas espanholas em incentivar
Em relação ao modo de entrada, existe uma as relações com o governo espanhol. Nenhuma
clara preferência das empresas espanholas pelas empresa espanhola indicou este aspecto como sen-
parcerias com entidades locais e multinacionais do fundamental na sua estratégia, apesar de re-
estrangeiras. É interessante, visto que a grande fami- centemente, alguns altos cargos do governo espa-
liaridade cultural das empresas espanholas com a nhol terem defendido os interesses das empresas
América Latina devia reduzir a sua necessidade espanholas na América Latina (AZNAR..., 2002).
de conhecimento local relativamente às firmas Em alguns casos, expressaram um desejo de maior
americanas. Uma explicação possível é as empre- envolvimento do governo espanhol e dos repre-
sas espanholas terem optado pelas parcerias pela sentantes de Espanha no estrangeiro na defesa dos
sua avaliação das complexas condições locais que interesses destas empresas. Assim como as diferen-
criam a necessidade de se fazerem parcerias locais. ças entre países no processo de estratégia a estraté-
Há outro aspecto relevante nesta abdução de uma gia de “não-mercado” surge muito descentralizada
identidade local, talvez devido às empresas espa- na administração, com o seu papel empresarial
nholas serem mais incertas quanto à imagem e limitado à promoção dos grandes valores empre-
estatuto da Espanha no mundo do que as firmas sariais e à gestão de conhecimento sobre as ques-
americanas. Uma explicação alternativa é perce- tões mais importantes da estratégia de “não-mer-
berem que, dada a potencial e crescente inquieta- cado”, assim como a regulamentação econômica.
ção na região, serem vistas como uma empresa Indústria. – Referimos que a nossa opção
estrangeira poderia ser uma responsabilidade. As pelas empresas de serviços públicos reduz signi-
firmas espanholas parecem ver, mais do que as ficativamente a variação nas características da
americanas, uma possível desvantagem em serem indústria. As empresas de serviços públicos têm
identificadas como empresas estrangeiras em paí- grande visibilidade por prestarem serviços impor-
ses com uma alta diversidade populacional e de tantes a uma parte significativa da população
atitude para com as multinacionais estrangeiras. humana e organizacional. O setor das telecomu-
A nossa informação também mostra que a nicações está mais globalizado do que o setor da
maioria das empresas abrangidas pelo estudo desco- energia ou do gás natural devido às alterações
nhece a importância da ação coletiva para defender tecnológicas, estando também sujeito a uma enor-
os seu interesse, com mais uniformidade entre as me concorrência entre empresas (por exemplo,
empresas americanas do que entre as espanholas. as empresas de telefone fixo concorrem com as
O mesmo se afirma no que respeita a confiança nos empresas de telecomunicações móveis). Até agora,
executivos e consultores locais ou nos detectores não são evidentes quaisquer padrões nítidos de
externos, o que faz sentido devido à grande falta de diferenciação entre as indústrias, apesar das com-
familiaridade cultural das empresas americanas. parações estarem limitadas ao fato da maioria das
As empresas americanas parecem confiar empresas da nossa amostra pertencerem ao ramo
mais nos programas CSR, que consideram parte da energia. Essas empresas revelam muita varia-
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ção em relação ao modo de entrada no país anfi- recursos financeiros para as suas propostas estra-
trião, opções estratégicas e processo de estratégia. tégicas de “não-mercado” – por exemplo, uma cam-
As suas opções não se distingüem das opções panha publicitária para angariar apoio público
tomadas pelas indústrias de gás ou de telecomu- para uma medida específica de política pública.
nicações. A incidência de regulamentação signifi- Os ativos fixos, por exemplo, podem ser utiliza-
ca que todas as empresas adotaram uma postura dos como colaterais na obtenção de empréstimos.
de colaboração ou de manipulação em relação aos Não utilizamos medidas mais precisas como a
governos7 anfitriões. Apenas poderíamos assina- livre circulação de dinheiro devido à dificuldade
lar uma diferença, tendo em conta a posição do de obter dados para comparação e também devi-
governo para o qual se dirige a estratégia de “não- do à delicadeza deste tipo de medidas para a
mercado”: em setores onde as autoridades muni- tomada de decisões únicas, as quais podem intro-
cipais desempenham um forte papel regulador, a duzir bastantes mudanças de ano para ano. As
estratégia da empresa, como seria de esperar, é diri- empresas maiores procuraram parcerias com
gida a uma maior área, com o intuito de cultivar as outras empresas estrangeiras, em contraste com
relações com essas autoridades, como, por exem- as menores, talvez porque tinham menos receio
plo, através das iniciativas CSR, que têm um forte de serem dominadas pelas outras empresas.
impacto local, ou planeando e pondo em prática A nossa conjectura é reforçada por uma
facilidades que ofereçam serviços à comunidade. ligeira preferência das empresas maiores de assumir
Empresa. – Como empresas que entram em o controle nas suas parcerias com as empresas locais.
novos mercados, estas não foram diferenciadas em Essas empresas maiores também recorreram à nego-
termos de acesso a políticos ou a capital social, com ciação direta com as entidades reguladoras e com
a importante exceção de acesso aos governos dos os governos com mais freqüência do que as meno-
seus países de origem, a qual é analisada mais à res – um padrão lógico uma vez que as maiores
frente. As diferenças de reputação ou de credibili- empresas apreciam uma maior visibilidade. Por
dade não poderiam ser significativas entre as empre- último, as empresas maiores foram descentrali-
sas uma vez que nenhuma delas teve uma exposi- zando o poder de decisão, enquanto as menores
ção internacional relevante até aos anos 90. E a falta foram centralizando (embora os resultados finan-
de experiência internacional também limitaria algu- ceiros não estivessem associados à dimensão de
mas vantagens informativas entre elas. Existe tam- uma forma explícita). As de maior dimensão pare-
bém uma pequena variação no nível de diversifica- cem ter atingido o limiar, sendo a descentralização
ção das empresas no momento de entrada, que é necessária para uma gestão eficiente, e as menores
um dos filtros organizacionais reconhecido por têm meios para reagir aos desanimadores resultados
Rehbein e Schuler (1997). A diversificação foi baixa financeiros através de um bom controlo central.
em todas as empresas que estudamos. Todas as Assim, a dimensão e o nível dos recursos financei-
empresas de energia elétrica foram integradas verti- ros parecem resultar em diferenças mais evidentes
calmente na produção e em alguns casos na trans- nas opções de estratégia de “não-mercado” do que
missão. Algumas também tinham interesses na distri- na origem nacional ou na indústria. Além disso,
buição de gás natural e de água, num outro caso. as diferenças observadas podem ser explicadas pelo
Deste modo, não se verificou qualquer diversifica- diferente acesso aos recursos financeiros.
ção, além dos serviços públicos e na maioria dos Outro recurso por nós considerado é a lide-
casos foi limitada pela integração vertical. rança. A liderança pode ser entendida como a capa-
Outra comparação possível seria o nível cidade dos gestores de uma empresa em criar um
de recursos financeiros. Consideramos as receitas sentido de propósito e motivação não econômica
das empresas e fixamos valores de ativos em 1992, entre os funcionários e até entre os seus parceiros
período anterior à expansão internacional de quase de negócios. Desse modo, a liderança pode ser uma
todas as empresas do nosso estudo, como indica- capacidade preciosa e pode facilitar a concretização
dores da capacidade das empresas de mobilizar do plano de estratégia da empresa. Como já esperá-
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vamos, as empresas com uma liderança superior das com outros concorrentes que entraram na
são as que têm a maior capacidade e rapidez de América Latina. As empresas deste estudo pare-
mobilidade em geral. No caso deste artigo, a cem estar melhores preparadas para gerir condi-
entrada antecipada na América Latina pode ser ções locais e stakeholders-chave.
um indício de grande agilidade. Na estratégia de Para a influência da cultura empresarial,
“não-mercado”, onde a ação coletava por parte na estratégia de “não-mercado”, não dispomos de
dos participantes do sector industrial é um dos informação suficiente sobre as características da
maiores meios de influência junto da política cultura empresarial em cada empresa antes da
pública, a liderança pode manifestar-se na orga- entrada na América Latina para nos pronunciar-
nização e condução de esforços de ação coletava mos a este respeito. Muitas empresas apontaram
pelos investidores da indústria ou estrangeiros. para a existência de um forte conjunto de valores
Todas as empresas do nosso conjunto, exceto uma, empresariais e até de códigos de ética, evidenciando
entraram na região após transações de privatização em especial a rejeição de práticas corruptas. Mas
que criaram novas oportunidades. Neste sentido, estamos incertos quanto a essas normas terem existi-
todas essas empresas foram líderes, abrindo do antes da expansão internacional ou se integra-
(especificamente no caso das empresas espanholas) vam nas opções de estratégia de “não-mercado”
oportunidades futuras para outras empresas do tomadas pelas empresas para assegurar a coerên-
seu país de origem. Uma empresa rejeitou leilões cia de ações em todos os locais e estabelecer limi-
de privatização (com uma exceção que resultou tes claros para as afetividades de “não-mercado”.
numa falência e conseqüente saída) e não aceitou Curiosamente, até as diferenças nas per-
começar com interesses menores e eventualmente cepções sobre as questões enfrentadas pelas
comprar aos proprietários das empresas já priva- empresas sustentam uma pequena e aparente rela-
tizadas. Mas esta foi uma opção estratégica tomada ção com as opções estratégicas. A empresa que ado-
pela empresa para ganhar experiência e conheci- tou uma postura de cumprimento por se preocu-
mento das condições locais, especialmente do par com a corrupção não identificou, contudo, a
enquadramento regulamentar, antes de assumir corrupção como sendo uma questão importante.
um compromisso definitivo. Seis empresas des- (Mas, houve consistência na identificação da
conheciam o recurso à ação coletava como parte regulamentação e da política como um elemento-
da sua estratégia de “não-mercado”, e duas delas chave e o optar por uma postura colaborativa ou
referiram os seus papéis de liderança. Estas inicia- manipuladora. Mais uma vez, tal era esperado das
tivas para lidar com as stakeholders locais, junto empresas que operam em indústrias altamente
com a capacidade de reconhecer novas oportuni- regulamentadas).
dades e mobilizar os recursos necessários para as Calculamos que a falta de uma variação
explorar, apontam para a liderança dessas empre- sistemática nas opções estratégicas (outras além
sas, mesmo sem haver uma nítida diferença entre de algumas diferenças sistemáticas devidas à di-
os diversos níveis liderança entre elas. mensão ou nível de recursos financeiros) pode
A liderança é difícil de ser mantida. A maio- dever-se à recente internacionalização das indús-
ria das empresas que analisamos tem conseguido trias de serviço público. A ausência de interações
lidar com as condições instáveis na região e evitado entre as empresas a nível global, que é observada
perdas em mercados caracterizados pela turbulência nas indústrias sujeitas à competição global, pode-
econômica e política. De fato, a maioria dos con- ria explicar a falta das estruturas largamente acei-
correntes das empresas que estudamos entraram tes para a estratégia de “não-mercado”, levando
nos mercados regionais ao mesmo tempo, de uma a uma grande dispersão de estratégias de acordo
forma desordenada, mas abandonaram a região. com um processo de pesquisa desestruturada para
Mesmo sem encontrar diferenças nítidas na lide- dar resposta aos desafios enfrentados. Por exem-
rança entre as empresas desta amostra, encontra- plo, algumas empresas recrutaram pessoas com
mos diferenças significativas, quando compara- competências locais significativas e com contatos
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para os quadros de direção das suas filiais. Outras tégias de “não-mercado” ao longo do tempo uma
empresas confiaram nos conselhos consultivos, e vez que as empresas aprendem por si e pelas suas
outras parecem não ter utilizado nenhuma dessas experiências de concorrência, surgindo as “melho-
ferramentas, baseando-se apenas nos executivos e res práticas”. Tendo em conta a natureza dinâmica
parceiros locais, ou até peritos locais sem qual- da estratégia, e especialmente a recente inter-
quer relevância. nacionalização das empresas de serviço público,
também reunimos informação sobre as mudanças
nas estratégias de “não-mercado” reparando na
5.3 Dinâmicas de estratégia performance dos investimentos das empresas na
região, nas alterações na estratégia de “não-mer-
Se a conjectura anterior estiver correta, cado” desde a entrada na região e nos planos estra-
devemos observar alguma convergência nas estra- tégicos de futuro:
Os parceiros locais não se Plano para aumentar o lucro e o valor dos Anunciado em 2004 um plano de
pronunciaram - apenas investimentos da América Latina iniciados em investimento multimilionário na América
pretendiam lucro rápido através 1999; venda de interesses minoritários em 2000. Latina entre 2004 e 2008, especialmente no
dos favores pessoais do governo; Chile, Argentina e Brasil; novas aquisições
aprender sobre a gestão do PR e projectadas para o Brasil e México (2005).
1 imagem empresarial.
ROI muito baixo na América Começar com expatriados e gradualmente substituir Evitar qualquer investimento futuro na
Latina; perdas nos activos no pelos locais; descentralização; retracção do América Latina, mas recente investimento
Brasil definidos em 2002. investimento fora da América Latina a partir de milionário anunciado em 2004.
2 2002; activos non-core vendidos em 2002.
Baixo ROI, mas ainda orientado Mudar a propriedade maioritária nas últimas Resolver conflitos pendentes na região;
para lucrar. aquisições; divisão internacional totalmente unida à anunciada em 2003 a eliminação dos activos
organização doméstica; abandono da estratégia de non-core em todo o mundo para dar
vários serviços públicos em 2003. prioridade aos investimentos estratégicos a
nível nacional e na Colômbia, Guatemala,
Nicarágua e Panamá; necessidade de
3 contenção de custos para reduzir as dívidas.
Fracos resultados no Brasil Estratégia de entrada reforçada pelos resultados; Possibilidade de aquisição de interesses
devido ao abandono da aquisição finalizada em El Salvador em 2004; venda maioritários na Argentina.
estratégia comum de entrada, de interesses minoritários em 2004
6 mas satisfatória.
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Contudo, seria errado concluir que a relevância trica no Brasil devia convergir em práticas que
da nossa pesquisa está limitada à atenção dada à resultem num tratamento mais favorável por parte
rede de serviços públicos. A situação do serviço da entidade reguladora federal e pelo governo.
público apenas oferece condições “extremas” que Segundo, o alcance dos processos de “não-merca-
enfatizam a estratégia de “não-mercado”, mas não do”, como a regulamentação ambiental para a
é qualitativamente diferente de outras indústrias indústria química, ou a fiscalização das mercado-
e o sucesso competitivo é significativamente rias agrícolas, devia interferir no processo de
aditado pelos factuais de “não-mercado”, como estratégia de “não-mercado” em diferentes indús-
Baron sustentou nos seus estudos. trias. A deslocação da fiscalização de mercado em
As condições da indústria constituem o âmbito nacional ou regional para a Organização
segundo aspecto dos nossos resultados e tais con- de Comércio Mundial, por exemplo, deveria
dições parecem ter uma influência determinante mudar a natureza da estratégia de “não-mercado”
na escolha de estratégias de “não-mercado”. Se, na maioria das empresas de mercadorias agrícolas
tal como discutimos no parágrafo anterior, a como a Bunge & Born ou a Louis Dreyfus. As
estratégia de “não-mercado” se tornar uma forma mudanças no alcance também deviam afetar o
de estratégia competitiva, especialmente para as impacto da dimensão da empresa na estratégia de
redes de serviços públicos, torna-se óbvio que as “não-mercado”. Seguindo o exemplo anterior, a
características do meio de “não-mercado” (neste deslocação da fiscalização para agências interna-
caso, principalmente o processo de regulamenta- cionais devia aumentar, para as empresas serem
ção de preços) deviam influenciar o comporta- autonomamente influentes na fiscalização, uma
mento estratégico. A regulamentação do serviço vez que será menor em relação ao número total
público é um ato de política pública, da respon- de participantes no processo de fiscalização,
sabilidade das entidades governamentais. Como assim como o poder de mercado diminui quando
alguém disse, “toda a política é local” e a regula- as empresas deixam de competir a nível doméstico
mentação do serviço público não é uma exceção. para competir a nível global.
Assim, é lógico que a estratégia de “não-merca- As implicações da nossa pesquisa são cer-
do” multidoméstica seja a forma mais adequada tamente aplicáveis aos que as põem em prática tal
para as multinacionais de serviço público alcan- como aos que se dedicam ao estudo do negócio
çarem uma performance financeira superior. As internacional e da estratégia de “não-mercado”.
implicações desta observação são importantes, A sugestão é que as empresas precisam aproximar
caso sejam tidas em conta para pesquisas futuras: o mercado do “não-mercado” de forma integra-
é sugerido que a pesquisa e a prática da estratégia da, seguindo as idéias de Baron, e que estruturem
de “não-mercado” deviam ter em conta o alcance o processo de estratégia de “não-mercado”. As
dos processos de “não-mercado” nos diferentes empresas deviam ainda identificar e ter em conta
sectores – sejam eles globais, regionais, ou locais o alcance dos processos de “não-mercado” que
e o porquê – e também o impacto das estratégias afetam a performance da empresa, assim como a
de “não-mercado” no alcance destes processos, disponibilidade dos seus recursos financeiros.
quer este aumente ou diminua.
A nossa observação anterior também
levanta várias hipóteses. Primeiro, na rede de ser- 7 CONCLUSÃO
viços públicos, as estratégias de “não-mercado”
deviam ser semelhantes em todas as empresas e Neste artigo, analisamos as opções da estra-
países, pelo menos nas empresas de dimensão tégia de “não-mercado” tomadas por oito multi-
idêntica (a nível empresarial) no mesmo sector e nacionais de serviços públicos em relação à sua
por isso sujeitas às mesmas condições de regula- entrada na América Latina durante a década de 90.
mentação. O conteúdo das estratégias de “não- Por terem sido selecionadas empresas que ope-
mercado” entre as empresas de distribuição elé- ram em áreas similares, estando todas sujeitas à
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