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Introdução
Além dessa condição de identidade entre o sujeito que pesquisa e o objeto a ser
conhecido, própria da pesquisa nas Ciências Sociais e Humanas e na área do conhecimento
em Educação, outros aspectos marcam a atividade investigativa em Educação. Dentre esses
aspectos, um diz respeito ao objetivo da pesquisa em Educação. Seu objetivo é o
conhecimento de uma ação. Através do trabalho investigativo, o que se busca conhecer é a
ação educativa, a experiência educacional. A rigor, essa ação humana, a educação, se
realiza em diferentes áreas de atuação: gestão escolar, política educacional, currículo,
avaliação, formação docente, alfabetização, entre outras. Em termos de investigação, essas
diferentes temáticas, pensadas, entendidas e realizadas por elaborações teóricas e
procedimentos próprios, vão apresentar diferentes questões para a investigação.
Outro aspecto que, também, não pode ser esquecido quando estamos pensando o
processo investigativo em Educação é o apoio teórico-conceitual e metodológico das
Ciências Humanas e Sociais, especialmente, História, Sociologia, Economia, Psicologia,
Antropologia, à pesquisa em Educação, concorrendo para o entendimento da ação
educativa. Ao recorrer às Ciências Humanas e Sociais, a pesquisa em Educação traz para o
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Essa questão nos parece fundamental de ser pensada, interrogada, ainda que não
seja, imediatamente, respondida. Trabalhar com o pressuposto que o objeto de
conhecimento é o real como nos aparece, a realidade dada pelos sentidos e pelas pré-
noções, não só nos afasta do entendimento do real, bem como não instrumentaliza os
educadores para a ação pedagógica. É preciso pensar de outra forma a prática investigativa
em Educação. O real que nos propomos pensar não é um real puro, é um objeto de
conhecimento. É sobre essa questão que esse trabalho, com base na análise e reflexão da
Profa. Miriam Limoeiro Cardoso, pretende trazer alguns pontos para discussão.
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No nosso trabalho, não vamos nos dedicar a examinar as questões sobre o sujeito,
sobre o pesquisador. Três aspectos, no entanto, devem ser lembrados no que diz respeito à
ideia de sujeito cognoscente: é na vida social que o indivíduo aprende a pensar; essa
aprendizagem se dá desde o início da vida no mundo e, nesse processo de aprendizagem, a
linguagem tem lugar de destaque, pois é através dela que o indivíduo incorpora a forma de
pensar de uma sociedade. Nas palavras de Miriam Limoeiro Cardoso (1976), [...] O sujeito
que pensa aprende a pensar dentro da sociedade em que se encontra, antes mesmo de se
descobrir como ser pensante. [...] e com a linguagem incorpora a forma de pensar que ela
contém, como própria. [...] (p. 64).
A nossa preocupação é com o objeto a ser conhecido, com o real. Sem perder de
vista que, independente da perspectiva epistemológica que sustente o processo
investigativo, a ação de conhecimento é sempre uma ação que se dá em uma relação,
relação entre o sujeito e o objeto a ser conhecido, nos inquieta «que real é esse sobre o qual
o trabalho de investigação se volta?» e «qual o lugar que esse real ocupa no
desenvolvimento do trabalho de investigação?» Essas questões nos levam à discussão
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entendimento do mundo, bem como, a distinção, a diferença entre o objeto real e o objeto
do conhecimento : É o conhecimento que coloca o mundo real como seu objeto, que desde
então é uma formulação, uma construção, a construção do objeto do conhecimento,
distinto do objeto real. [...] (p. 25). Nos dois momentos do esforço de definição,
encontramos indicadores de uma nova epistemologia. Esses indicadores, quais sejam, a
afirmação de que é o conhecimento que tem a possibilidade de fazer do mundo, objeto do
conhecimento, a ideia de relação de precariedade entre o conhecimento e o objeto teórico e
a certeza que há diferença epistemológica entre o objeto real e o objeto do conhecimento,
negam alguns pressupostos centrais à perspectiva epistemológica que está fundada na
experiência.
Para Cardoso (1976 e 1978), o conhecimento é um ato determinado pelo sujeito que
busca o conhecimento do mundo e, que, portanto, faz do mundo seu objeto de estudo. A
ação de conhecer é uma ação própria do homem, como sujeito capaz de pensar e de
construir os significados do mundo. De forma nenhuma, é o real que se dá a conhecer, de
forma nenhuma é a realidade que se faz objeto de conhecimento. É na relação entre o
sujeito e o mundo, que a realidade se torna objeto de conhecimento. Fora desse encontro,
não existe objeto a ser conhecido. Existe realidade, no entanto, [...] A realidade ela mesma
só se torna objeto como termo da relação, como coisa pensada [...] (p. 65. Grifos da
autora).
No que diz respeito à realidade, a autora (1976) afirma, ainda, que ela essa não é
simples. E, justamente, por essa condição, ou seja, por ser complexa e dinâmica, que o
conhecimento produzido sobre ela será sempre incompleto: [...] a realidade que a pesquisa
pretende conhecer permanece sempre mais rica do que a teoria que a ele se refere. [...] (p.
66). No entanto, apesar da sua complexidade, dinâmica e riqueza de sentidos e de fazeres,
Cardoso (1976) reafirma os limites da realidade na definição do processo de construção do
conhecimento, chamando a atenção para o fato de a realidade não dirigir o seu próprio
processo de entendimento, pressuposto primeiro da epistemologia empirista: [...] No fundo
é a realidade que importa, mas não é ela que comanda o processo de sua própria
inteligibilidade. [...] (pp. 64-65). Reconhecer a impossibilidade de o real trazer em si a sua
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Essa discussão sobre objeto teórico como concreto de pensamento está baseada no
texto O método da economia política, de Karl Marx. Esse texto é uma parte da Introdução
publicada no livro Contribuição à Crítica da Economia Política. Cardoso, em 1990, faz
um estudo profundo sobre esse texto e mostra a crítica de Marx ao método para o
conhecimento das relações econômicas. Segundo Cardoso (1990), para Marx, os
economistas clássicos começaram o processo de conhecimento pelo real imediato,
confundindo o concreto com o real, partindo de categorias abstratas para tentar chegar a
categorias simples. Tal procedimento, a rigor, significa entender o mundo como um
conjunto de fenômenos, fenômenos que podem até se articularem entre si, apesar da
completude isolada de cada um, mas que não permite se chegar ao entendimento da
realidade:
Então, partindo do princípio que a concretude do mundo não está em ser real, pois
[...] para esta concepção, não basta ter realidade para ser concreto, (p. 24) chegamos ao
conhecimento quando encontramos as determinações desse real, quando fazemos desse
real, concreto de pensamento: [...] esse concreto é um concreto novo, porque pensado. É
um concreto produzido no pensamento, para reproduzir o concreto real (“as
determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto por meio do pensamento”)
[...]. (pp. 23-24). Mas, é preciso chamar a atenção que nessa forma de pensar o processo de
conhecimento do mundo, de modo algum, está-se afirmando que o concreto de pensamento
é o real. A realidade existe; não é uma construção teórica. O que está sendo explicitado
nessa questão é a distinção entre o real e o objeto teórico, entre o campo do real e o campo
do teórico (Cardoso, 1990, p. 290). Essa explicitação é dada nos seguintes termos: O
concreto produzido pelo pensamento não é o próprio real. A atividade do pensar não
produz senão pensamentos (ideias, conceitos) no campo que lhe é próprio, que é o campo
das abstrações. A atividade do pensar não é capaz de produzir realidades. [...] (Cardoso,
1990, p. 29)
Cardoso (1978) conclui: [...] O objeto sendo construído pela teoria, a uma teoria mais rica
e rigorosa corresponde um objeto mais específico e preciso. Ao longo das retificações a
objetividade se delineia como tendência. (pp. 34-35).
Somente esse real pode falar sobre si. E ele pode falar sobre si não a partir de si
mesmo, mas a partir da construção teórica sobre ele, que o faz objeto de conhecimento, fato
científico, fato construído. Assim, só o real, que a teoria, que o conhecimento teórico
formulou sobre, é que pode falar de si, que terá a última palavra sobre si: [...] o real que
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deverá fornecer a última palavra não é externo e concreto, mas o real que a própria teoria
formulou. [...] (Cardoso, 1976, p. 68). Dentro dessa perspectiva, onde não se dá ao real, a
possibilidade de estabelecer a verdade sobre si, Cardoso (1978) chama a atenção para o
pressuposto de que a certeza do conhecimento não vem do contato direto do conhecimento
com a realidade. A certeza do conhecimento vem quando o conhecimento consegue vencer
a dúvida, quando o conhecimento consegue solucionar a dúvida: [...] O conhecimento não é
imediato, a certeza não provém de uma leitura, de um contato direto com um objeto
externo. Não há um objeto inteiramente exterior se dando a conhecer, se mostrando. A
certeza é conquistada contra a dúvida, a certeza é o resultado do erro retificado. (p. 32).
Essa ideia de objeto construído teoricamente faz com o que o conhecimento seja
caracterizado, também, como um processo de construção. E sendo um processo de
construção, o conhecimento sempre terá como resultado, uma verdade provisória, pois [...]
o conhecimento não é absoluto e [...] a verdade que ele nos dá é sempre uma verdade
aproximada. (1978, p. 25), pois a verdade, que ele nos traz, é sempre produto de uma
construção aproximada, provisória.
falsidade do conhecimento científico pode, ainda que de forma muito tênue, indicar que os
sentidos e a experiência são instrumentos relativamente deficientes no processo de
conhecimento do real. Trazer uma outra verdade sobre o real é, em outras palavras, em
última instância, afirmar os limites dos sentidos para falar do real: se preciso modificar o
que passou pelos sentidos e pela experiência, a responsabilidade pelos limites do
conhecimento, nos parece, pode ser atribuída aos sentidos e à experiência.
Assim, nessa lógica epistemológica, o real, aquilo que é dado aos sentidos, não
pode ser entendido como objeto do conhecimento científico. O que constitui o objeto de
conhecimento é aquilo que já foi construído, teoricamente, sobre o real, é o produto de todo
um processo de construção do conhecimento objetivo sobre a realidade [...] o produto de
uma construção progressivamente objetivante, [...] (Cardoso, 1978, p. 34).
Conclusão
Toda essa discussão trazida pela Profa. Mirian Limoeiro Cardoso, negando um
pressuposto fundamental da epistemologia empiricista, o pressuposto de que o
conhecimento é o esforço de desvendamento dos mecanismos do real tal como aparece aos
nossos sentidos e a nossa experiência, nos possibilita pensar o processo de construção do
conhecimento em novas bases.
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Segundo Cardoso (1976), uma epistemologia que parte da afirmação que o real a
ser conhecido é um pedaço de realidade, [...] concreto [...] (p. 63), independente do sujeito
e como tal não teria como enganá-lo, tenderá entender o sujeito como um indivíduo neutro,
concreto, que, ao mesmo tempo em que é capaz de chegar ao objeto puro, começa o
processo de investigação pelos sentidos e pela experiência, ou seja, um sujeito empírico:
Há uma diferença profunda entre o objeto real e o objeto de conhecimento. Não é o objeto
real que se torna objeto de conhecimento. Para que o real se torne objeto de conhecimento
é preciso que esse real seja um objeto teórico. Nessa epistemologia, então, o processo de
conhecimento, ao seu final, chega a um objeto construído teoricamente.
Referências bibliográficas.
CARDOSO, Mirian Limoeiro. Para uma leitura do método em Karl Marx: anotações sobre
a "Introdução" de 1857. Cadernos do ICHF, UFF, ICHF, Rio de Janeiro, 1990.
MARX, Karl. Contribuição para a crítica da economia política. Lisboa: Editorial Estampa,
1974, 228-237