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FACULDADE PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS DE

MARIANA
(COORDENADORA)

SOBRE ATUALIDADES DO
DIREITO
8ª Coletânea de ensaios e artigos

1ª Edição

MARIANA,
FUPAC-MARIANA
2020
FICHA CATALOGRÁFICA

SOBRE ATUALIDADES DO DIREITO: 8ª Coletânea de ensaios e artigos

Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana (coordenadora).


Sobre atualidades do Direito: 8ª coletânea de ensaios e artigos. 1
edição. Mariana: FUPAC-MARIANA, 2020. 589p.

ISBN: 978-65-88017-00-5
Coletânea de textos do 8º Concurso de Ensaios e de Artigos Acadêmicos
da Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana.

Capa, edição e diagramação: Magna Campos

1. Direito. 2. Atualidades Jurídicas. 2. Ensino Jurídico. 4. Direito:


contemporaneidade e ensino. 5. Interdisciplinaridade.

* A revisão textual é de responsabilidade dos autores de cada ensaio


ou artigo do livro.
AUTORES
Adriana de Lima Batista
Amanda Fonseca
Ana Flávia Delgado Oliveira
Andreia Batista
Anna Carolina Messias Coutinho Castro
Antônio Carlos
Bárbara Cândido de Carvalho
Bárbara Mendonça
Carlos Randel Crepalde Mafra
Celso Carvalho
Claudinéia Maciel
Cleberson Ferreira de Morais
Daniel Augusto de Paula
Gabriela Gois
Gabriela Rosa da Silva
Gilson Almeida
Gilson Félix
Guilherme Souza
Juliana 14 Voltas
Kelly Mota de Andrade
Magna Campos
Maira C. Sales
Maraíza Souza Lima Sales e Silva
Marcos Antônio Barbosa
Marlon Mesquita
Natanael Dias de Freitas
Raphael Furtado Carminate
Raquel Araújo
Rayonne Massi Araújo
René Armand Dentz Junior
Ricardo Júlio Corrêa
Rodrigo Roberto Martins
Ronan Carlos de Freitas
Samuel Pessoa Moreira
Saulo Camêllo
Vitor Junior Lopes
PREFÁCIO

Foi-me dedicada a grata oportunidade de prefaciar a 8a. edição desta


Coletânea de Ensaios e Artigos sobre “Atualidades Direito”, coordenada pela
FUPAC - Mariana, instituição a qual, honrosamente, faço parte há 6 anos
lecionando disciplinas das Ciências Penais.
A cada edição me surpreendo como o interesse e a qualidade da
produção científica têm crescido de forma exponencial na nossa comunidade
acadêmica. A primeira publicação nasceu despretensiosa e, hoje, sem nenhum
receio, podemos afirmar que nosso livro institucional periódico é um
referencial quando se trata de abordar temas jurídicos sensíveis, instigantes e
hodiernos.
O conhecimento é uma dádiva tão valiosa que não pode pertencer
apenas a poucos. É preciso permitir que as inquietações do pesquisador
tenham vida própria e passe a ocupar a pauta de outros pensadores do Direito
cuja ciência está em constante transformação sempre atenta às necessidades
da sociedade contemporânea.
A temática abordada pelos textos que ora apresentamos destaca o
aprofundamento no conhecimento técnico científico das ciências jurídicas.
Contudo, não perde a objetividade e a clareza da linguagem, um verdadeiro
convite às diversas classes de leitores, sejam operadores do Direito ou não.
Deleitemo-nos na leitura deste fantástico trabalho, fruto de uma nova
e criativa geração de pesquisadores que encontrou na FUPAC-Mariana a
acolhida e o solo fértil para o desenvolvimento e compartilhamento do saber
acadêmico e profissional.

Carlos Randel Crepalde Mafra


Professor de Direito Penal, Processo Penal e Criminologia na FUPAC – Mariana. Mestre em
Criminologia pela Universidad de Ciencias Empresariales y Sociales.
“Escolher escrever é rejeitar o silêncio” .
Chimamanda Ngozi Adichie
SUMÁRIO

A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA LIMITAÇÃO DO DANO MORAL EM CASO DE


INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE DE TRABALHO .............................................. 17
Claudinéia Maciel Silva
RESUMO ................................................................................................................................................................ 17

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 17

A RESPONSABILIDADE CIVIL E O DANO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO ................................................ 19

A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 223-G DA CLTAPÓS A REFORMA TRABALHISTA ................................ 26

OS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA, REPARAÇÃO INTEGRAL E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O ARTIGO

223-G DA CLT ......................................................................................................................................................... 31

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................................................... 33

REFERÊNCIAS ....................................................................................................................................................... 34

A IMPORTÂNCIA ACADÊMICA E A FUNÇÃO SOCIAL DO NÚCLEO DE PRÁTICA


JURÍDICA DA FACULDADE PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS DE MARIANA-MG36
Anna Carolina Messias Coutinho Castro, Ana Flávia Delgado Oliveira, Cleberson
Ferreira de Morais
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 36

NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA: CONCEITO E FINALIDADE .............................................................................. 38

PARADOXO ENTRE OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO ACESSO À JUSTIÇA E A IGUALDADE ..................... 42

FUNÇÃO SOCIAL DOS NÚCLEOS DE PRÁTICA JURÍDICA ..................................................................................... 49

APONTAMENTOS PRÁTICOS ACERCA DA ATIVIDADE DESENVOLVIDA PELO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

DA FACULDADE PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS DE MARIANA/MG .................................................................. 51

EFETIVIDADE DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA ENQUANTO ACADEMIA ...................................................... 54

ENTREVISTA COM O COORDENADOR DO CURSO DE DIREITO DA FACULDADE PRESIDENTE ANTÔNIO

CARLOS, BRUNO MARTINS. .................................................................................................................................. 54

ENTREVISTA COM O COORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA, CLEBERSON FERREIRA DE

MORAIS. ................................................................................................................................................................ 55

ENTREVISTA COM OS PROFESSORES MICHELLE APARECIDA E CARLOS RANGEL RESPONSÁVEIS PELAS

AULAS DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA SIMULADA ...................................................................................... 55

ENTREVISTA COM OS ALUNOS DO SÉTIMO PERÍODO, QUE ESTÃO INICIANDO SEU CONTATO COM O NÚCLEO

DE PRÁTICA JURÍDICA. ......................................................................................................................................... 57


ENTREVISTA COM OS ALUNOS DO NONO PERÍODO SERÁ DIVIDIDA EM DOIS GRUPOS: ALUNOS QUE FAZEM

ESTÁGIO EXCLUSIVAMENTE NO NPJ E ALUNOS QUE FAZEM ESTÁGIO EM OUTROS ESCRITÓRIOS

CONVENIADOS. ..................................................................................................................................................... 58

ENTREVISTA COM ALUNOS QUE FAZEM ESTÁGIO EXCLUSIVAMENTE NO NPJ. ................................................ 59

ENTREVISTAS COM ALUNOS QUE FAZEM ESTÁGIO EM INSTITUIÇÕES CONVENIADAS E NO NPJ. .................. 60

ENTREVISTA COM OS ALUNOS EGRESSOS DA FACULDADE PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS DE MARIANA –

MG ......................................................................................................................................................................... 62

EFETIVIDADE ACADÊMICA ENQUANTO FUNÇÃO SOCIAL ................................................................................... 64

CONCLUSÃO .......................................................................................................................................................... 65

REFERÊNCIAS ....................................................................................................................................................... 67

TRABALHO INSALUBRE DURANTE A GESTAÇÃO E LACTAÇÃO: ANÁLISE NA


MUDANÇA DA CLT- LEI 13.467/17 ................................................................ 70
Amanda Fonseca, Claudinéia Maciel
RESUMO ................................................................................................................................................................ 70

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 70

DA MULHER NO MERCADO EMPREGATÍCIO ....................................................................................................... 72

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA MULHER NO MERCADO DE TRABALHO: SEUS DIREITOS E GARANTIAS ............... 73

NORMAS BRASILEIRAS DE PROTEÇÃO AO TRABALHO DA MULHER .................................................................. 75

DOS PRINCÍPIOS E NORMAS CONSTITUCIONAIS E TRABALHISTAS DA PROTEÇÃO À MATERNIDADE ............. 80

DEFINIÇÃO DE TRABALHO INSALUBRE E SUA CARACTERIZAÇÃO ..................................................................... 87

TRABALHO INSALUBRE E SAÚDE DA MULHER GESTANTE E LACTANTE ........................................................... 89

ALTERAÇÃO DO ARTIGO 394-A DA CLT ................................................................................................................ 91

AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA - MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE 5.938 DISTRITO FEDERAL ....................................................................................... 95

DECISÃO DO STF ACERCA DA ADI 5.938 ............................................................................................................... 98

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................................... 100

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................................... 103

TRIBUNAL DO JÚRI: UMA VISÃO CRÍTICA ...................................................106


Ricardo Júlio Corrêa, Bárbara Cândido de Carvalho
RESUMO .............................................................................................................................................................. 106

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................................... 106

O TRIBUNAL DO JÚRI.......................................................................................................................................... 108

O CONSELHO DE SENTENÇA ............................................................................................................................... 111


ARBITRARIEDADES DO CONSELHO DE SENTENÇA E JULGAMENTO CONFORME O DIREITO ........................ 113

CARACTERÍSTICAS CONSTITUCIONAIS DO TRIBUNAL DO JÚRI NO BRASIL .................................................... 114

A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO VEREDITO FINAL DO TRIBUNAL DO JÚRI .......................................................... 124

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................................... 126

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................................... 128

RACISMO E DIREITO: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO ....................................130


Magna Campos, Saulo Camêllo
RESUMO: ............................................................................................................................................................. 130

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................................... 130

O PROBLEMA DO RACISMO E SUAS REVERBERAÇÕES SOCIAIS ....................................................................... 131

RACISMO: O QUE É E COMO OCORRE ................................................................................................................ 131

O RACISMO COMO RESULTADO ÚLTIMO DA ESTRUTURA ................................................................................ 132

CONCEPÇÃO INDIVIDUALISTA ........................................................................................................................... 132

CONCEPÇÃO INSTITUCIONAL............................................................................................................................. 132

CONCEPÇÃO ESTRUTURAL ................................................................................................................................. 134

ABORDAGEM TRIDIMENSIONAL DO RACISMO ................................................................................................. 135

A PRECEDÊNCIA DAS IDEOLOGIAS .................................................................................................................... 135

A PRECEDÊNCIA DAS PRÁTICAS ......................................................................................................................... 135

A PRECEDÊNCIA DAS ESTRUTURAS ................................................................................................................... 135

O CRIME DE RACISMO E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ....................................................................................... 137

ESTUDO EXPLORATÓRIO: DOIS CASOS ENVOLVENDO INJÚRIA RACIAL ......................................................... 140

UM MIDIÁTICO: O CASO NATÁLIA DUPIN EM BH-MG ....................................................................................... 141

UM LOCAL: ACUSAÇÃO DE RACISMO ENVOLVENDO O SUPERMERCADO DA REGIÃO DO INCONFIDENTES -MG

............................................................................................................................................................................. 142

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................................... 144

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................................... 144

AS DIRETRIZES DO DIREITO AMBIENTAL EM RELAÇÃO ÀS BARRAGENS DAS


MINERADORAS ..........................................................................................146
Celso Carvalho, Gabriela Gois, Raquel Araújo
RESUMO .............................................................................................................................................................. 146

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................................... 146

DISCUSSÃO .......................................................................................................................................................... 151

IMPORTÂNCIA SOCIOECONÔMICA DA MINERAÇÃO NO PAÍS ........................................................................... 151


BENEFICIAMENTO MINERAL E MÉTODOS DE DISPOSIÇÃO DE REJEITOS....................................................... 154

O BENEFICIAMENTO MINERAL E O MEIO AMBIENTE ....................................................................................... 156

EVOLUÇÃO DA REGULAMENTAÇÃO DE BARRAGENS NO BRASIL ..................................................................... 158

POSICIONAMENTO DO GOVERNO EM RELAÇÃO À EXPLORAÇÃO MINERAL E ÀS BARRAGENS ...................... 160

CONCLUSÃO ........................................................................................................................................................ 166

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................................... 167

A AMPLITUDE DA PSICOPATIA NOS LIMIARES DO DIREITO PENAL


BRASILEIRO E DA PSICANÁLISE .................................................................174
René Dentz, Gabriela Gois, Raquel Araújo
RESUMO .............................................................................................................................................................. 174

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................................... 174

PRINCIPAIS CONCEITOS DE PSICOPATIA ........................................................................................................... 178

ANÁLISE DOS CONCEITOS DE CULPABILIDADE, IMPUTABILIDADE, INIMPUTABILIDADE E SEMI-

IMPUTABILIDADE ............................................................................................................................................... 184

A PSICOPATIA E O DIREITO PENAL BRASILEIRO ............................................................................................... 185

CONCLUSÃO ........................................................................................................................................................ 189

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................................... 189

INTOLERÂNCIA: SOMOS INTOLERANTES OU IGNORANTES AO NÃO


ACEITARMOS AS ESCOLHAS ALHEIAS? .......................................................193
Gilson Almeida, Gilson Félix, Antônio Carlos, Juliana 14 Voltas, Marlon Mesquita,
Bárbara Mendonça, Maira C. Sales, Magna Campos
RESUMO: ............................................................................................................................................................. 193

INTRODUÇÃO: ..................................................................................................................................................... 193

AS VÁRIAS VERSÕES E MANIFESTAÇÕES DE INTOLERÂNCIA NA SOCIEDADE................................................. 195

INTOLERÂNCIA RELIGIOSA ................................................................................................................................ 195

INTOLERÂNCIA POLÍTICA................................................................................................................................... 198

INTOLERÂNCIA CONTRA A MULHER - MISOGINIA E FEMINICÍDIO ................................................................. 202

INTOLERÂNCIA SEXUAL - HOMOFOBIA ............................................................................................................. 207

INTOLERÂNCIA AO IMIGRANTE - XENOFOBIA .................................................................................................. 209

O COMBATE AOS DISCURSO DE ÓDIO NAS REDES SOCIAIS .............................................................................. 214

CONSIDERAÇÕES FINAIS: ................................................................................................................................... 219

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................................... 219


CONSTITUIONALIZAÇÃO DO DIREITO: CONSTITUCIONALIDADE DA LEI
13.491/2017: (DECRETO LEI Nº 3.914/1941) X (DECRETO LEI Nº 1.001/1969) E
SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A HARMONIA DO SISTEMA JUDICIÁRIO
BRASILEIRO...............................................................................................222
Marcos Antônio Barbosa, Natanael Dias de Freitas, Carlos Randel C. Mafra
RESUMO: ............................................................................................................................................................. 222

INTRODUÇÃO: ..................................................................................................................................................... 222

A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E SUAS MODIFICAÇÕES, DE ACORDO COM EVOLUÇÃO DA SOCIEDADE: ........... 223

A LEI 13.491/2017 E SEUS EFEITOS MODIFICATIVOS NO ART. 9º DO CPM: ...................................................... 226

LEI Nº 13.491, DE 13 DE OUTUBRO DE 2017. ...................................................................................................... 228

QUANTO AO CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 13.491/17: ........................................................ 233

5. OBSERVAÇÕES FINAIS: ................................................................................................................................... 235

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................................... 236

PRIMEIRAS IMPRESSÕES SOBRE A RESOLUÇÃO 2.232/19 DO CONSELHO


FEDERAL DE MEDICINA E A AUTONOMIA DA MULHER GESTANTE...............238
Kelly Mota de Andrade, Raphael Furtado Carminate
RESUMO .............................................................................................................................................................. 238

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................................... 238

A AUTONOMIA PRIVADA DA MULHER GESTANTE E SUA GARANTIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO ........................................................................................................................................................ 240

BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A RESOLUÇÃO 2.232/19 DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA ................. 248

A RESOLUÇÃO 2.232 DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA E SUA OPONIBILIDADE ................................... 252

O QUESTIONAMENTO DA RESOLUÇÃO 2.232/19 DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA PELO MINISTÉRIO

PÚBLICO FEDERAL .............................................................................................................................................. 255

CONCLUSÕES ...................................................................................................................................................... 258

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................................... 260

ENTRE A RAZÃO E A SUBJETIVIDADE: A DIFERENÇA CULTURAL COMO FATOR


DE INTEGRAÇÃO. .......................................................................................264
Rayonne Massi Araújo, René Dentz
RESUMO .............................................................................................................................................................. 264

INTRODUÇÃO: ..................................................................................................................................................... 264

DESENVOLVIMENTO: ......................................................................................................................................... 265

DA LIBERDADE DOS ANTIGOS ............................................................................................................................ 266

DA LIBERDADE DOS MODERNOS ....................................................................................................................... 268


A SUBJETIVIDADE DO HOMEM COMO ELEMENTO PARA A COMPREENSÃO DA “LIBERDADE DOS

MODERNOS”. ....................................................................................................................................................... 272

HEGEL: O INDIVÍDUO-COMUNITÁRIO ............................................................................................................... 276

DA HONRA À DIGNIDADE: UMA REFLEXÃO SOBRE A EVOLUÇÃO CONCEITUAL DE IDENTIDADE E

RECONHECIMENTO ............................................................................................................................................ 279

MULTICULTURALISMO: COMO NEGAÇÃO AO MODELO DE HOMOGENEIZAÇÃO SOCIAL? ............................. 282

CONSIDERAÇÕES FINAIS: ................................................................................................................................... 287

REFERÊNCIA ....................................................................................................................................................... 292

A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NAS SUPOSTAS VÍTIMAS


VULNERÁVEIS DE ESTUPRO: UM FOCO NO PROCESSO PENAL .....................293
Andreia Batista, René Dentz
RESUMO .............................................................................................................................................................. 293

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................................... 293

BREVE HISTÓRICO .............................................................................................................................................. 294

CONCEITO ........................................................................................................................................................... 296

O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA ................................................................................................... 297

PROCESSO PENAL BRASILEIRO .......................................................................................................................... 298

A BUSCA DA VERDADE NO PROCESSO PENAL .................................................................................................... 300

A PROVA NO PROCESSO PENAL .......................................................................................................................... 302

VALORAÇÃO DA PROVA....................................................................................................................................... 302

PROVA TESTEMUNHAL X DECLARAÇÕES DO OFENDIDO X PROVA TECNICA .................................................. 304

PERICIA TÉCNICA PSICOLÓGICA ........................................................................................................................ 308

ANÁLISE JURISPRUDENCIAL .............................................................................................................................. 310

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................................... 317

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................................... 319

A PSICANÁLISE COMO ELEMENTO PARA DECISÕES JUDICIAIS: A


SUBJETIVIDADE DO MAGISTRADO .............................................................322
Ronan Carlos de Freitas, René Dentz
RESUMO .............................................................................................................................................................. 322

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................................... 322

A PSICANÁLISE NO ÂMBITO JURÍDICO .............................................................................................................. 323

CARACTERÍSTICAS DA SUBJETIVIDADE PERTINENTES AO MAGISTRADO....................................................... 327

A SUBJETIVIDADE COMO FONTE INFLUENTE NAS DECISÕES DO MAGISTRADO ............................................ 331


CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................................... 338

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................................... 339

ASPECTOS LEGAIS DAS ALTERAÇÕES NO CRIME DE ROUBO: (IN)


CONSTITUCIONALIDADE OU FALHA LEGISLATIVA? ....................................343
Vitor Junior Lopes, Carlos Randel Crepalde Mafra
RESUMO: ............................................................................................................................................................. 343

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................................... 343

ALTERAÇÕES DA LEI 13.654/2018 NO ART. 157 DO CP....................................................................................... 345

NOVATIO LEGIS IN MELLIUS E NOVATIO LEGIS IN PEJUS................................................................................ 348

INCONSTITUCIONALIDADE DA REVOGAÇÃO DO INCISO I, § 2º DO ART. 157 DO CP ........................................ 356

FALHA LEGISLATIVA ........................................................................................................................................... 359

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................................... 362

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................................... 364

BIOPOLITICA EM FOUCAULT E AGAMBEN NA SOCIEDADE DE SEGURANÇA E


SUA RELAÇÃO COM O DECRETO 7053/2009 .................................................367
Adriana de Lima Batista, René Dentz
RESUMO .............................................................................................................................................................. 367

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................................... 367

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .............................................................................................................................. 369

BIOPOLÍTICA ....................................................................................................................................................... 370

AS TEORIAS BIOPOLÍTICA EM MICHEL FOUCAULT E GIORGIO AGAMBEN ...................................................... 374

O ESTADO CONTEMPORÂNEO E A UTILIZAÇÃO DE TÉCNICAS BIOPOLÍTICAS NA SOCIEDADE DE SEGURANÇA

............................................................................................................................................................................. 382

ANÁLISE DA UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS BIOPOLÍTICAS NO DECRETO 7053 DE 2009 COM BASE NAS

PERSPECTIVAS DE FOUCAULT E AGAMBEN ....................................................................................................... 386

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................................... 391

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................................... 393

COMPREENSÃO DA PSICANÁLISE NA ALIENAÇÃO PARENTAL ......................398


Maraíza Souza Lima Sales e Silva, René Armand Dentz Junior
RESUMO .............................................................................................................................................................. 398

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................................... 398

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .............................................................................................................................. 400

2ALIENAÇÃO PARENTAL ..................................................................................................................................... 400


SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL - SAP..................................................................................................... 404

CONCEITO DE PSICOLOGIA JURÍDICA ............................................................................................................... 409

IMPACTOS DA PSICANÁLISE NOS CASOS QUE ENVOLVEM A ALIENAÇÃO PARENTAL ..................................... 410

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................................... 422

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................................... 423

A EUTANÁSIA SOB A VISÃO PSICANALÍTICA: O ESTUDO DO CASO CHARLIE


GARD .........................................................................................................428
Gabriela Rosa da Silva, René Armand Dentz Junior
RESUMO .............................................................................................................................................................. 428

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................................... 428

ENUNCIAÇÕES AO CASO CHARLIE GARD ........................................................................................................... 429

O CONCEITO DE EUTANÁSIA .............................................................................................................................. 432

A TEORIA CONSTITUCIONAL BRITÂNICA E O PRINCÍPIO DO UTILITARISMO .................................................. 434

PROVOCAÇÕES AO CASO CHARLIE GARD: IMAGINANDO OS IMPACTOS DE UM FUNDAMENTO A PARTIR DO

COMPLEXO DA PSICANÁLISE ............................................................................................................................. 436

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................................... 439

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................................... 440

O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA DE FORMA HUMANIZADA COM A FINALIDADE


DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS NO PODER JUDICIÁRIO ATRAVÉS DA
PSICOTERAPIA DA CONSTELAÇÃO FAMILIAR NO DIREITO DE FAMÍLIA .......442
Guilherme Souza, René Dentz
RESUMO .............................................................................................................................................................. 442

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................................... 442

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .............................................................................................................................. 445

A PSICOTERAPIA DA CONSTELAÇÃO FAMILIAR................................................................................................. 445

EM QUE CONSISTE A PSICOTERAPIA DA CONSTELAÇÃO FAMILIAR? ............................................................... 446

A RELAÇÃO DA PSICOTERAPIA DA CONSTELAÇÃO FAMILIAR NA CRIAÇÃO DO DIREITO SISTÊMICO ............ 448

A PROPOSTA JURÍDICA NA RESOLUÇÃO CONSENSUAL DE CONFLITOS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE

2015 ..................................................................................................................................................................... 451

A CONCILIAÇÃO E A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS ........................................................................... 452

A RELAÇÃO ENTRE A PSICOTERAPIA DA CONSTELAÇÃO FAMILIAR, ODIREITO SISTÊMICO E OS MÉTODOS DE

RESOLUÇÃO DE CONFLITOS NO CPC DE 2015.................................................................................................... 455

AS ORDENS DO AMOR E A ADVOCACIA SISTÊMICA ........................................................................................... 457


AS LEIS SISTÊMICAS E A FORMA DE APLICAÇÃO NO DIREITO DE FAMÍLIA ..................................................... 459

A LEI DO PERTENCIMENTO ................................................................................................................................ 462

A LEI DA HIERARQUIA OU ORDEM .................................................................................................................... 464

A LEI DO EQUILÍBRO (O DAR E RECEBER) ......................................................................................................... 465

A APLICAÇÃO DA PSICOTERAPIA DA CONSTELAÇÃO NOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA DO BRASIL ...................... 466

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................................... 469

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................................... 471

A IMPORTÃNCIA DA PSICANÁLISE PARA TOMADA DE DECISÕES DO


MAGISTRADO, NO ÂMBITO JURISDICIONAL ...............................................475
Samuel Pessoa Moreira, René Dentz
RESUMO .............................................................................................................................................................. 475

INTRODUÇÃO À PSICANÁLISE ............................................................................................................................ 475

SIMBIOSE ............................................................................................................................................................ 479

PULSÕES .............................................................................................................................................................. 481

DIREITO E PSICANALISE- PRIMEIRAS NOÇÕES ................................................................................................. 484

DESEJO X GOZO .................................................................................................................................................. 488

LEGISLAR, JULGAR E OBEDECER ....................................................................................................................... 494

CONCLUSÃO ........................................................................................................................................................ 500

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................................... 502

A INSERÇÃO DA PSICANÁLISE NO SISTEMA PRISIONAL: TRATAMENTO


INDIVIDUALIZADO E INSTRUMENTO DE RESSOCIALIZAÇÃO .......................505
Daniel Augusto de Paula, René Dentz
RESUMO .............................................................................................................................................................. 505

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................................... 505

DESENVOLVIMENTO ........................................................................................................................................... 511

PRISÃO, VINGANÇA E OS DIREITOS HUMANOS ................................................................................................. 511

UM BREVE RELATO HISTÓRICO DO CONCEITO DE DIGNIDADE HUMANA ...................................................... 514

SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO .................................................................................................................. 517

PENA OU VINGANÇA – UMA HISTÓRIA E UMA REFLEXÃO ............................................................................... 525

FREUD NA PRISÃO - PSICANÁLISE E DIREITO: UM DIÁLOGO POSSÍVEL? ........................................................ 528

O QUE É A PSICANÁLISE? .................................................................................................................................... 529

PSICANÁLISE NO SISTEMA PRISIONAL .............................................................................................................. 533

CONCLUSÃO ........................................................................................................................................................ 535


REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................................... 537

A DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO SOB A PERSPECTIVA DA INEFICÁCIA DA


PROTEÇÃO AO BEM JURIDICAMENTE TUTELADO E DA VIOLAÇÃO AOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS DA MULHER .....................................................542
Rodrigo Roberto Martins, Carlos Randel Crepalde Mafra
RESUMO .......................................................................................................................................... 542
INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 543
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.......................................................................................................... 545
CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE ABORTO ................................................................. 545
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CRIME DE ABORTO ........................................................................... 547
BEM JURIDICAMENTE TUTELADO E OBJETO MATERIAL ............................................................ 549
INEFICÁCIA DA PROTEÇÃO AO BEM JURIDICAMENTE TUTELADO E A FUNÇÃO SIMBÓLICA DO
DIREITO PENAL .............................................................................................................................. 551
HIPÓTESES LEGAIS DO ABORTO.................................................................................................... 553
PRINCIPAIS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O ABORTO E DIREITOS
FUNDAMENTAIS DA MULHER VIOLADOS COM A CRIMINALIZAÇÃO DA CONDUTA .................. 555
HABEAS CORPUS 124.306, RIO DE JANEIRO. ................................................................................ 555
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ................................................................................................. 556
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE .......................................................................................... 557
DIREITOS FUNDAMENTAIS DA MULHER VIOLADOS DE ACORDO COM A DECISÃO .................. 559
ARGUIÇÃO DE PRECEITO DE DIREITO FUNDAMENTAL 54 – DISTRITO FEDERAL..................... 561
DESCRIMINALIZAÇÃO VERSUS LEGALIZAÇÃO ............................................................................. 562
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................................ 564
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................. 566

RESENHAS: .................................................................................. 569


A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA LIMITAÇÃO DO DANO
MORAL EM CASO DE INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE DE
TRABALHO

Claudineia Maciel Silva1

RESUMO

O presente artigo buscou analisar por meio da revisão bibliográfica, pesquisa


doutrinária e documental sobre as mudanças trazidas com a reforma
trabalhista, efetivada através da Lei 13.467 de 13 de julho de 2017. Os incisos
I,II,III e IV do art. 223-G inseridos na Consolidação das Leis do Trabalho –
CLT, são questionados. Conclui-se que as novas normas dissociam-se dos
princípios constitucionais, rompendo com a lógica inclusiva do Direito do
Trabalho. Os parâmetros definidos para a quantificação do dano são
incompatíveis com as demais normas contidas na Constituição, no Código de
Defesa do Consumidor, no Código Civil e no Código de Processo Civil
brasileiros. A restrição estabelecida fere os direitos dos trabalhadores que são
destinatários das normas trabalhistas. A sociedade deve ser a maior
interessada na proteção desses trabalhadores. Com essa norma o Brasil se
aproxima de um modelo de Estado que não se baseia nos princípios da
isonomia e da dignidade da pessoa humana.

Palavras-chave: Indenização, Acidente de Trabalho, Reforma Trabalhista.

INTRODUÇÃO

Ao analisar o dano moral, no Brasil, nas relações de trabalho, antes da


Lei 13.467 de 13 de julho de 2017, os operadores do direito baseavam-se,
principalmente, na Constituição Federal de 1988 (CR/88) e no Código Civil,
tendo em vista que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não tinha um

1 E-mail: claudineis_macielsilva@yahoo.com.br

17
dispositivo que tratava de tal assunto. A reforma trabalhista suprimiu esta
lacuna, porém algumas das alterações trazidas por tal legislação estão sendo
objeto de discussão pela doutrina.
A reparação por danos morais é um direito já consolidado na
Constituição de 1988 e possui um caráter compensatório, objetivando
minimizar a dor e sofrimento do ofendido, também, possui um caráter
punitivo, que visa inibir uma nova prática da ofensa. Porém, a legislação não
trazia parâmetros para determinar o valor que deveria ser pago ao ofendido,
devendo os magistrados delimitar a matéria após comprovada à existência do
dano. Neste contexto, a reforma trabalhista incluiu um título próprio
referente ao dano extrapatrimonial e fixou critérios objetivos para estabelecer
as indenizações.
O propósito deste trabalho é avaliar a constitucionalidade desse
tabelamento do valor do dano moral em caso de indenização por acidente de
trabalho introduzido na CLT, a partir da análise do art. 223-G, que restringe
tal indenização conforme a natureza da ofensa e o salário do empregado.
Esse tabelamento possui caráter discriminatório. Cabe ressaltar que o
Supremo Tribunal Federal já se posicionou a respeito, ao julgar o ADPF nº.
130, considerando o tabelamento das indenizações nos crimes de Imprensa,
similar a esse inserido na CLT, incompatível com os preceitos da Constituição.
A metodologia utilizada neste artigo foi à pesquisa bibliográfica,
doutrinária e a pesquisa documental. A primeira baseou-se na análise de
livros e artigos sobre o tema. A fonte documental se restringiu na análise
jurisprudencial e as legislações sobre o tema. A pesquisa enquadra-se na
categoria geral de pesquisa teórica, quanto à finalidade encaixa-se na
categoria específica de pesquisa aplicada. O procedimento empregado foi o
estudo bibliográfico e documental. A abordagem utilizada foi à qualitativa e o
método foi o dedutivo.

18
Neste sentido, para realizar uma análise sobre o artigo 223-G da CLT,
este trabalho, primeiramente, abordará o instituto da responsabilidade civil,
em sequência, a aplicação da norma que prevê a reparação dos danos
extrapatrimoniais no direito do trabalho, e por fim, examinará a limitação à
aplicação do dano moral com base nos princípios constitucionais.

A RESPONSABILIDADE CIVIL E O DANO MORAL NO AMBIENTE


DE TRABALHO

A responsabilidade civil, atualmente, é definida como o dever de


reparar ou indenizar o prejuízo causado à vítima, pelo causador do dano.
Conceitua-se dano como a “lesão - diminuição ou destruição, que, devido a
certo evento, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em vontade, em qualquer
bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral” (DINIZ, 2009, p. 84). Essa
reparação ocorre, na maioria das vezes, através da compensação pecuniária.
O entendimento de responsabilidade vem, principalmente, como
conseqüência a que se submete aquele a quem é confiado determinado dever.
O dever de reparar o dano encontra-se amparado através do art. 927
do Código Civil, que dispõe que “aquele que, por ato ilícito, causar dano a
outrem, fica obrigado a repará-lo”. Assim, a responsabilidade civil constitui
um mecanismo que visa ressarcir o indivíduo prejudicado, para que este possa
restaurar o seu equilíbrio emocional e patrimonial provocado pelo autor do
dano.
A responsabilidade civil está presente em todos os ramos do direito, e
a indenização é pressuposto dela, ou seja, é consequência do dano causado
pelo terceiro. São requisitos: culpa ou dolo do agente, nexo de causalidade e
dano, ação ou omissão.

19
Neste sentido, o art. 186, do Código Civil, dispõe: “aquele que, por
ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Há duas principais correntes relacionadas à responsabilidade civil, a
saber: a responsabilidade civil subjetiva e a responsabilidade civil objetiva.
A responsabilidade subjetiva é a regra geral, fundamenta-se no dolo
ou culpa, isto é, imprudência, negligência e imperícia. Conforme essa teoria
haverá indenização se a conduta ilícita praticada de forma culposa ou dolosa,
devido à ação ou omissão, resultar em violação de direitos, gerando danos a
outrem.
Quanto a responsabilidade objetiva fundamenta-se na tese de que a
responsabilidade civil deve proteger, também, da atividade perigosa. Assim,
se uma pessoa pratica uma atividade que desencadeia riscos, deve responder
pelos danos que essa atividade gera aos demais.
Atualmente, por exemplo, o entendimento doutrinário e
jurisprudencial considera como caso de responsabilidade objetiva a
responsabilidade do empregador com seus empregados, em caso de atividade
que geram riscos à saúde do trabalhador. À vista disto é desnecessário
questionar a culpa, sendo o dever de reparação imediato.
Consideremos o seguinte entendimento da 7ª Turma do Tribunal
Superior do Trabalho:

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E


MATERIAIS - ACIDENTE DE TRABALHO -
FRATURAS MÚLTIPLAS EM EXPLOSÃO NA
ÁREA DE TRABALHO - RESPONSABILIDADE
OBJETIVA - ATIVIDADE DE RISCO -
PERFURAÇÃO DE POÇOS DE PETRÓLEO -
POSSIBILIDADE.

20
(...) 4. Contudo, tem a jurisprudência majoritária
desta Corte se direcionado no sentido de considerar
que a teoria do risco criado tem aplicabilidade nas
situações em que a atividade desenvolvida pelo
empregador venha a causar ao trabalhador um risco
mais acentuado do que aos demais membros da
coletividade, como é o caso do serviço de vigilância.
5. Aos que objetam cuidar-se de preceito inaplicável
à esfera das relações laborais, ante as condições
contidas no art. 7º, XXVII, da CF, sustenta-se que a
leitura restritiva do texto constitucional contrariaria
o próprio espírito da Carta, relativamente aos
direitos fundamentais do trabalho, no que
estabelece apenas um núcleo de garantias essenciais
que, por sua própria natureza, não pode excluir
outros direitos que venham a ser reconhecidos no
plano da legislação infraconstitucional doméstica
(art. 7º, -caput-, da CF) ou mesmo no direito
internacional (art. 5º, § 3º, da CF), consoante o
entendimento adotado em diversos precedentes do
TST e dos quais guardo reserva, exatamente por
inovarem na ordem jurídica. 6. Na hipótese dos
autos, a Empregadora é empresa que atua na área de
perfuração de poços de petróleo e o Empregado
sofreu fraturas generalizadas no corpo ao ser
arremessado em decorrência de explosão havida por
concentração anômala de gás natural na área de
trabalhos, o que revela a existência do pressuposto
indicado no parágrafo único do art. 927 do CC,
atraindo a responsabilização objetiva. 7. Por
conseguinte, à luz da teoria do risco criado, as
indenizações por danos morais e materiais
decorrentes de acidente sofrido pelo Empregado,
em seu labor em prol da Reclamada e em situação de
risco, impõe-se, independentemente de culpa das
Reclamadas, razão pela qual o acórdão regional
merece ser mantido, com o reconhecimento das
indenizações pleiteadas. Agravo de instrumento
desprovido. (AGRAVO DE INSTRUMENTO EM
RECURSO DE REVISTA N. 10700-
70.2007.5.19.0055, ACÓRDÃO PUBLICADO EM
19.12.2012, RELATOR O MINISTRO IVES
21
GANDRA MARTINS FILHO, 7ª TURMA DO
TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO).

À vista disso, não há dúvidas quanto à responsabilidade do


empregador em indenizar o empregado e o dever de aplicação da teoria da
responsabilidade objetiva. Fato é que a responsabilidade civil está relacionada
ao dever de reparação do dano, que pode ser patrimonial ou extrapatrimonial,
causado a outrem, quando este dano, contrapor preceito legal.
Ao entranhar no dano extrapatrimonial, nota-se que o termo,
corresponde a todos os danos que não são materiais, que não estão
relacionados ao patrimônio e a extensão econômica. E sim, ao campo pessoal
do sujeito, à dignidade da pessoa humana, já que ofende direitos da
personalidade. O dano extrapatrimonial corresponde a um gênero, do qual o
dano moral é espécie. Assim, os danos extrapatrimoniais não se restringem
aos danos morais, se subdividindo em: dano estético, dano psíquico, dano
moral, e dano morte.
Em referência ao dano moral, este é o resultado de lesões que afetam
a honra do ser humano, por isso, trata-se de uma espécie de dano
extrapatrimonial. É possível afirmar que os danos morais ocorrem na esfera
da subjetividade, ou na valorização do sujeito pela sociedade, atingindo os
aspectos íntimos da personalidade humana ou o da valoração do sujeito no
meio em que vive (JUNIOR, 2007).
O dano moral é um instituto jurídico relevante ao direito, tendo em vista o
grande número de processos existentes pleiteando-o. O dano moral também é
muito discutido pela doutrina e jurisprudência (FILHO, 2017). Seu conceito
se relaciona à violação aos direitos personalíssimos, previstos no art. 5° da
constituição. Levada (1995), o conceitua da seguinte forma:

22
“a ofensa injusta a todo e qualquer atributo da
pessoa física como indivíduo integrado à sociedade
ou que cerceie sua liberdade, fira sua imagem ou sua
intimidade, bem como a ofensa à imagem e à
reputação da pessoa jurídica, em ambos os casos,
desde que a ofensa não apresente quaisquer reflexos
de ordem patrimonial ao ofendido” (LEVADA,
1995, p. 23-24).

O dano moral pode ser reconhecido em várias situações do cotidiano,


tanto em relações reguladas pela legislação civil ou nas reguladas pelo direito
do trabalho.
Nos contratos de trabalho, o ordenamento jurídico e o entendimento
doutrinário e jurisprudencial consideram que existe uma
desproporcionalidade de interesses, já que o empregado é dependente
economicamente do empregador, então, o trabalhador é considerado
hipossuficiente na relação de emprego.
De acordo com Florindo (1995), na vida em sociedade podemos
sempre causar um dano ou sofrê-lo. Esse fato é uma realidade, também, nas
relações de emprego, onde o empregado e empregador estão sujeitos a sofrer
danos ou a causar um dano, seja moral ou material.
Contribuindo com esse entendimento, Maciel (1995, p. 8)
compartilha:

O trabalhador como qualquer outra pessoa, pode


sofrer danos morais em decorrência de seu
emprego, e, acredito até, que de forma mais
contundente do que as demais pessoas, uma vez que
seu trabalho é exercido mediante a subordinação
dele ao empregador, como característica essencial
da relação de emprego.

23
Assim, na esfera trabalhista o fato gerador do dano moral é vinculado
com a atividade exercida pelo empregado, devendo existir um vínculo jurídico
entre empregado e empregador (ainda que não haja um contrato escrito) para
o fato ser julgado pela justiça do trabalho (FILHO, 2017).
Havendo danos morais na relação de emprego, o empregado ou
empregador pode pleitear judicialmente a reparação destes danos. Assim, nas
relações empregatícias a Justiça do Trabalho é competente para julgar as
ações envolvendo os danos morais.De acordo com o Art. 114, VI, da
Constituição Federal:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e


julgar: (Redação dada pela Emenda Constitucional
nº 45, de 2004)
VI- as ações de indenização por dano moral ou
patrimonial, decorrentes da relação de trabalho
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de
2004)

A Emenda Constitucional n. 45/2004, determinou, então, a competência da


Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações de dano extrapatrimonial
ou material da relação de trabalho.
De acordo com Diniz, 2009, p. 84: “Acidente do trabalho é o que
resulta no exercício do trabalho, provocando, direta ou indiretamente, lesão
corporal, perturbação funcional ou doença, que determine morte, perda total
ou parcial, permanente ou temporária da capacidade para o trabalho”.
A Constituição instituiu a reparação em casos de lesão sofrida pelo
trabalhador em acidentes de trabalho, responsabilizando o empregador, em
caso de dolo ou culpa deste pelo dano. Assim, no caso de acidentes de

24
trabalho e doenças profissionais, o empregador está sujeito à
responsabilização civil, com previsão de reparação no âmbito trabalhista.
O empregador, por propor atividades que podem oferecer riscos em
sua execução e contratar trabalhadores para executar estas atividades obtendo
lucro, deve assumir o risco do negócio e dos danos sofridos. Há também o
entendimento pela aplicação da teoria da responsabilidade subjetiva. Nesse
caso, somente com a comprovação de dolo ou culpa, é que lhe seria imputado
à responsabilidade pelo acidente e, o dever de indenizar.
A Constituição Federal, no seu artigo 7º, inciso XXVIII, dispõe que é
direito dos trabalhadores o seguro contra acidentes do trabalho, que deve ser
pago pelo empregador. Também, há casos de culpa do empregado em
acidente de trabalho, por exemplo, devido à falta de cuidado no manuseio do
equipamento, o que afasta a responsabilidade do empregador. Neste sentido,
é o de entendimento jurisprudencial:

ACIDENTE DE TRABALHO. AUSÊNCIA DE USO


DE EPI FORNECIDO PELA EMPREGADORA.
CULPA EXCLUSIVA DO EMPREGADO.
AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS PARA A
RESPONSABILIDADE CIVIL INDENIZAÇÃO
INDEVIDA.
Comprovado nos autos que o autor não utilizou as
luvas de raspa fornecidas pela empregadora para a
execução da atividade de demolição de construção
civil, vindo a sofrer acidente de trabalho típico, com
ferimento nas mãos em razão de estilhaços, que
certamente teria sido evitado não fosse à omissão
faltosa do empregado (art. 158, parágrafo único,
"b", da CLT), não há falar em indenização, máxime
em se considerando que o autor participou dos
cursos e treinamentos de prevenção de acidentes,
estando plenamente consciente da sua obrigação. A
Súmula nº 289 do TST não prejudica esse
25
entendimento, porque além de restrita ao trabalho
em condições insalubres, o que não é a hipótese dos
autos, a análise da culpa nos casos de acidente de
trabalho há de ser feita com base em critérios
específicos, considerando as circunstâncias do caso
concreto, o grau de risco da atividade e a co-
responsabilidade tanto do empregado quanto do
empregador para a prevenção dos acidentes.
Tratando-se de culpa exclusiva do empregado, que
se recusou a cumprir as normas de segurança
próprias da atividade laboral, descabe
responsabilizar a empregadora pelos danos que
sofreu em decorrência do infortúnio. (TRT da 3.ª
Região; Processo: 0000063-65.2013.5.03.0097
RO; Data de Publicação: 13/06/2016;
Disponibilização: 10/06/2016,
DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 252; Órgão Julgador:
Sexta Turma; Relator: Rogerio Valle Ferreira;
Revisor: Convocada Gisele de Cassia VD Macedo).

Na Justiça do Trabalho, o magistrado utilizava dos critérios da


extensão do dano, intensidade do dano sofrido, grau de culpa e condição
socioeconômica dos envolvidos para estabelecer o valor da indenização por
dano moral. Porém, houve por muito tempo a discussão quanto à necessidade
de estabelecer limites para a indenização que alterna de acordo com a
natureza da lesão. Todavia, com o advento da Lei 13.467/2017, foi definido
esse limite.

A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 223-G DA CLTAPÓS A


REFORMA TRABALHISTA

Estipular o valor da indenização por danos morais sempre foi uma


tarefa difícil, pois cada caso possui a sua subjetividade. A indenização
compensatória não pode ser um valor irrisório, pois a vítima continuará
26
inconformada e o réu não deixará de exercer as práticas punidas e, por outro
lado, se o valor fixado for muito elevado levará ao enriquecimento sem causa
da vítima, o que é vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro (OLIVEIRA,
2017). Assim, antes da reforma trabalhista, os juízes baseavam o cálculo do
valor dos danos morais, conforme a realidade dos fatos, a extensão dos danos
e a capacidade econômica das partes.
A reforma trabalhista preencheu a lacuna existente na legislação, já
que antes não havia na CLT normas expressas para esses casos. Porém, o art.
223 da CLT proposto para esse fim fere as normas da Constituição Federal, do
Código Civil, do Código de Processo Civil, de súmulas do STJ, da Convenção
Americana de Direitos Humanos e, inclusive, da própria CLT.
O art 223-A afasta a aplicabilidade de outras normas de forma
subsidiária na aferição do valor da indenização por dano moral. Essa
aplicação é garantida pelo artigo 8º da CLT, que autoriza a aplicação
subsidiária do direito comum no direito trabalhista. Além disso, o art. 223-C
elenca quais os bens juridicamente tutelados pela CLT, trazendo um rol
taxativo. Este artigo, também,viola a Constituição Federal, uma vez que
desconsidera alguns bens jurídicos tutelados pela CF, como, o direito à
indenização por violação de privacidade.
O art. 223-G, foco desse trabalho, também, claramente viola o
ordenamento jurídico pátrio. Em sua1° parte, faz-se uma delimitação do dano
extrapatrimonial. Essa deve ser uma tarefa do magistrado, reconhecido o
dano e o nexo causal, este deve quantificar o valor da indenização ao
ofendido. O artigo 223-G elenca em doze incisos, os elementos norteadores
que o magistrado deve utilizar para definir o valor da indenização:

Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo


considerará: I- A natureza do bem jurídico tutelado;
27
II- A intensidade do sofrimento ou da humilhação;
III- A possibilidade de superação física ou
psicológica; IV- Os reflexos pessoais e sociais da
ação ou da omissão; V- A extensão e a duração dos
efeitos da ofensa; VI- As condições em que ocorreu a
ofensa ou o prejuízo moral; VII- O grau de dolo ou
culpa; VIII- A ocorrência de retratação espontânea;
IX- O esforço efetivo para minimizar a ofensa; X- O
perdão, tácito ou expresso; XI- A situação social ou
econômica das partes envolvidas; XII- O grau de
publicidade da ofensa.

Esses elementos são importantes para diminuir a subjetividade no


arbitramento do valor da indenização (MEIRELES, 2018). Porém, apesar
desse acerto do legislador, em contrapartida, o §1º do mesmo artigo já viola a
Constituição Federal, isso porque, traz um tipo de tabela para tarifar o dano
moral, tendo por base o grau da ofensa e o salário previsto no contrato do
empregado. Vejamos:

Art. 223-G. [...] §1º. Se julgar procedente o pedido,


o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um
dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros,
vedada a acumulação: I- ofensa de natureza leve, até
três vezes o último salário contratual do ofendido;
II- ofensa de natureza média, até cinco vezes o
último salário contratual do ofendido; III- ofensa de
natureza grave, até vinte vezes o último salário
contratual do ofendido; IV- ofensa de natureza
gravíssima, até cinquenta vezes o último salário do
ofendido.

Conforme Dallegrave Neto (2005), a omissão da legislação brasileira


era correta, por ser caso de bem imaterial, insuscetível de avaliação
pecuniária, e, pela quantidade de situações indenizáveis, que não podem ser
28
tratadas indiscriminadamente. Essa omissão se relaciona com o princípio da
indenizabilidade irrestrita, previsto na Constituição Federal, que garante a
possibilidade de se requerer à reparação por danos em inúmeras situações e
não somente os pré-positivados na legislação.
Assim, este tabelamento é incompatível com o nosso ordenamento
jurídico. Na lei de imprensa (Lei 5.250/67), historicamente, houve a previsão
de uma tabela semelhante a essa e que já foi julgada pelo STF
inconstitucional. Ademais, a Súmula 281 do STJ, afirma: “a indenização por
dano moral não está sujeita à tarifação prevista na lei de imprensa”.
O dispositivo fere ainda o princípio do livre convencimento motivado
previsto no art. 371 do CPC,já que, classificar o valor da indenização anula a
autonomia funcional do magistrado. De acordo com Filho (2017):

Não existe como definir em caráter objetivo o que


seria uma ofensa moral de natureza "leve" e uma
ofensa de natureza "média", e, rigorosamente
falando, tampouco a norma procura as fixar,
sabendo que isso seria inócuo. Se o artigo 223-G já
havia definido quais elementos deveriam ser
sopeados pelo magistrado, cada um com sua
respectiva influência na formação do convencimento
do magistrado a respeito dos agravantes, atenuantes
e gravidade do caso, parece indene de dúvidas que a
fixação do valor (e, por conseguinte, da gravidade da
lesão), deveria ser deixada ao razoável arbítrio
judicial, não auxiliando em nada a tarifação segundo
a suposta natureza da lesão exceto para estabelecer
um limite total que o magistrado deve observar, e
criar uma discussão deveras inócua e vazia de
conteúdo a respeito do fato da ofensa ser leve ou
média, por exemplo.

29
O Ministério Público Federal na ADI 5870/DF, também, se
posicionou pela inconstitucionalidade do artigo 223-G §1º e incisos I, II, III e
IV da CLT (MPF, p.35, 2018):

A instituição prévia e abstrata de valores máximos


para indenizações por danos morais no âmbito
trabalhista impede a proteção jurisdicional
suficiente aos direitos violados, sempre que, nos
casos concretos, esses valores não forem bastante
para conferir integral reparação do dano,
proporcionalmente ao agravo (CF/1988, art. 5- V) e
a capacidade financeira do infrator, inibindo, nesta
hipótese, o efeito pedagógico-punitivo da reparação
do dano moral. [...] Agrava-se o conteúdo
discriminatório da norma impugnada, ao fixar
valores de indenizações em múltiplos do último
salário contratual do ofendido. Ao utilizar esse
parâmetro, a norma valora a reparação do dano
moral sofrido pelo trabalhador conforme a posição
salarial por ele alcançada no mercado de trabalho,
submetendo à dignidade humana, objeto da tutela, a
estratificação monetária por status profissional
(salarial), em direta ofensa ao princípio da isonomia
(CF/1988, art. 5-caput) e às garantias dos arts. 1º
(III (princípio da proteção da dignidade da pessoa
humana), 5º-V-X-, 6º, 7º e 12 da Constituição)

A nova norma contraria ainda os artigos 1º e 5, II, do Pacto


Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Afronta ao
princípio da implementação progressiva dos direitos sociais, da Convenção
Americana de Direitos Humanos (artigo 26).
Dessa forma, as alterações discutidas constituem um verdadeiro
retrocesso e devem ser declaradas inconstitucionais.O valor da indenização
não deve ser estipulado a partir de um teto legal pré-definido.

30
OS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA, REPARAÇÃO INTEGRAL E DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O ARTIGO 223-G DA CLT

Atualmente, o direito a indenização por danos morais está centrado no


socorro ao ofendido e, não mais, no causador da ofensa. A reparação de um
dano visa à recomposição do bem lesado. Em casos de dano moral,essa
indenização submete-se, a dois critérios: a reparação natural e a reparação
pecuniária por equivalência (MELLO, 2011).
De acordo com Silva(2004) a reparação natural atende melhor ao objetivo de
restaurar, mas, na prática, essa reparação geralmente é impossível. A
reparação em dinheiro, por perdas e danos é mais comum quando se trata de
dano moral. Assim, adota-se o princípio da reparação integral do dano,
previsto nos artigos 5º, inciso X, da CR/88, 944 do Código Civil e 6º do
Código de Defesa do Consumidor:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção


de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: [...] X - são invioláveis a intimidade, a
vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação;
Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do
dano. Parágrafo único. Se houver excessiva
desproporção entre a gravidade da culpa e o dano,
poderá o juiz reduzir, equitativamente, a
indenização.
Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] VI -
a efetiva prevenção e reparação de danos
patrimoniais e morais, individuais, coletivos e
difusos.
31
A parte final do §1º do artigo 223 da CLT viola o princípio da
reparação integral do dano. Conforme Cassar (2017)o artigo proíbe a
acumulação de danos materiais decorrentes do mesmo fato lesivo, o que é um
absurdo. Assim, se o empregado sofre com a dor da amputação de uma perna
decorrente de um acidente de trabalho, tendo danos estéticos e morais, ambos
por culpa do patrão, só poderá pedir a indenização por um desses bens não
materiais.
O princípio da reparação integral estabelece a importância de analisar
o caso concreto. A delimitação prévia de valores pode levar, a uma proteção
insuficiente, afrontando os princípios da proporcionalidade e da
razoabilidade.
O tratamento distinto entre os trabalhadores viola também ao
princípio da isonomia e à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da
CR/88). O princípio da isonomia está previsto no art. 3°, inciso IV, da CR/88
que estabelece: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, assim, não se
admite nenhuma forma de diferenciação de tratamento no nosso
ordenamento jurídico. Porém, a Lei 13.467/17, ao tabelar a indenização, está
discriminando trabalhadores que recebem salário inferior (OLIVEIRA, 2017).
Um exemplo importante da gravidade do Título sobre Dano
Extrapatrimonial, previsto na CLT, decorre do acidente ocorrido na barragem
da Mineradora Vale, em Brumadinho. As famílias dos empregados, que
faleceram devido acidente, ao ajuizarem ação para requerer danos morais,
podem sofrer muitas injustiças com a fixação da indenização tarifada, com
base no salário do ofendido. Assim, se um trabalhador recebia R$ 1.000,00
(um mil reais), sua família receberá indenização de no máximo R$ 50.000,00
(cinquenta mil reais). Já, um empregado, que recebia R$ 10.000,00 (dez mil

32
reais) e faleceu nas mesmas condições do outro, sua família poderá receber,
até a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Essa forma transmite a
mensagem que uma vida tem mais valor que a outra, conforme sua posição
financeira.
Assim, a legislação, também, ignora o princípio da isonomia e da
dignidade da pessoa humana, já que trabalhadores que venham a sofrer o
mesmo dano moral recebem indenizações diferentes de acordo com o salário
contratual de cada um. Observa-se que, quanto maior o salário do
trabalhador, mais valor tem a sua dignidade, de acordo com a reforma.
A dignidade da pessoa humana é um dos princípios do Estado
Democrático de Direito, e a valorização do trabalho é um dos objetivos
fundamentais da República (FACHIN, 2019). Se a valorização do trabalho é
um dos fundamentos da ordem econômica e da ordem social, uma lei
ordinária não pode introduzir no ordenamento uma norma restritiva de
direitos para esses trabalhadores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A reforma trabalhista inovou ao atender antigos anseios jurídicos ao


definir parâmetros para serem utilizados no momento da fixação da
indenização por danos morais, porém equivocou-se ao inserir a matéria
dentro de uma tabela e fixar valor pré-estipulado que ignora princípios
basilares do Estado. Tal instituto atenta contra a própria finalidade dos danos
morais, que possui natureza indenizatória e punitiva uma vez que não restitui
dano causado.
O tabelamento do dano moral de acordo com o salário contratual do
ofendido afronta vário princípios da Constituição Federal e todo ordenamento
jurídico. Tal tarefa é inadmissível e deve ser incumbida ao magistrado.
33
O tabelamento com base no salário contratual é discriminatório e
inconstitucional. O art. 223-G da CLT viola o inciso V e X do art. 5º da
CF/88, que estabelecem a necessidade de uma proporcionalidade entre o
dano e a lesão; o princípio da reparação integral previsto no art. 944 do CC; o
princípio da isonomia, consagrado no caput do art. 5º e, também, a dignidade
da pessoa humana, fundamentado no art. 1º, III, da CF/88.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do


Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Brasília/DF, out. 1988.
Disponível
emhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm . Acesso
em 10 jun. 2019.

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.


Brasília: DF, 2002. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm. Acesso em
10 jun. 2019.

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Trabalhista Lei 13.426/2017. São Paulo. Método, 2017.

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trabalho. São Paulo: Ltr, 2005.

DINIZ, M.H. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil.
26. ed. São Paulo: Saraiva, vol. 1, 2009.

FACHIN, L.E. Responsabilidade civil Contemporânea no Brasil: notas para


uma aproximação. Disponível em:
http://fachinadvogados.com.br/artigos/FACHIN%20Responsabilidade.pdf .
Acesso em 10. jun. 2019.

FILHO, J.C.B. Direito do trabalho, direito penal do trabalho, direito


processual do trabalho e a reforma trabalhista (Lei 13.467/2017). São
Paulo: LTr, 221-227, 2017.
34
FLORINDO, V. A proximidade da Justiça do Trabalho com o dano moral.
42ª ed. Belo Horizonte: Informativo Dinâmico, IOB, 1995, p. 570-571.
Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943,
e as Leis nos 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e
8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações
de trabalho. Brasília: DF, 2017. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2017/Lei/L13467.htm . Acesso em 10 jun. 2019.

LEVADA, C.A.S. Liquidação de Danos Morais. São Paulo: Copola, 1995, p.


23-24.

MACIEL, José Alberto Couto, O trabalhador e o Dono Moral. Síntese


Trabalhista. Ano VI n. 71, 1995

MEIRELES, E. Temas da reforma trabalhista. São Paulo: LTr, 2018.

MELO, N.D. Dano Moral: problemática do cabimento à fixação do


quantum. São Paulo: Atlas, 2 ed., 2011.
MPF - Ministério Público Federal. Petição interposta ao Supremo Tribunal
Federal. In: ADI n.º 5870. Brasília/DF: STF, 2018.
Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5335465. Acesso
em 10. jun. 2019

OLIVEIRA, S.G. O dano extrapatrimonial trabalhista após a Lei n.


13.467/2017, modificada pela MP n. 808, de 14 novembro de 2017. Belo
Horizonte: Revista do Tribunal Regional do Trabalho 3º Região, 2017, p.
333-369.
Disponível:
<https://moodle.trt3.jus.br/ej_revistas/revista_especial_reforma_trabalhist
a/#p=22>. Acesso em 10. jun. 2019

SILVA, L.P.P. A Reparação do Dano Moral do Direito do Trabalho. São


Paulo: LTr, 2004.
THEODORO JUNIOR, H. Dano moral. 5.ed. São Paulo: Editora Juarez de
Oliveira, 2007, pp. 3-4

35
A IMPORTÂNCIA ACADÊMICA E A FUNÇÃO SOCIAL DO NÚCLEO
DE PRÁTICA JURÍDICA DA FACULDADE PRESIDENTE ANTÔNIO
CARLOS DE MARIANA-MG1

Anna Carolina Messias Coutinho Castro2


Ana Flávia Delgado Oliveira3
Cleberson Ferreira de Morais4

RESUMO:

O presente trabalho apresenta um estudo sobre a importância acadêmica e a


função social que o Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade Presidente
Antônio Carlos de Mariana (NPJ-FUPAC). Para tanto, o estudo procura
demonstrar que o NPJ-FUPAC possui papel extremamente relevante na
formação acadêmica do estudante do curso de graduação em Direito, na
medida em que oferta o contato com vivências práticas dos temas
teoricamente estudados e pesquisados. Ademais, é ferramenta fundamental
para o cumprimento e exercício das garantias constitucionais de acesso à
justiça e igualdade, com fulcro no art. 5º XXXV e LXXIV. Para a consecução
do trabalho, foram realizadas entrevistas com os professores responsáveis
pelas disciplinas de NPJ simulado, coordenador do curso e coordenador do
NPJ, todos pertencentes ao corpo profissional da Faculdade Presidente
Antônio Carlos de Mariana alunos do sétimo e nono período, egressos e
pessoas assistidas pelo NPJ-FUPAC, para que seja determinado o alcance e
efetividade que o órgão possui junto à comunidade e como as suas atividades
são essenciais na formação de futuros profissionais do Direito.

Palavras-chave: NPJ; Acesso à Justiça; Igualdade; Prática Jurídica.

INTRODUÇÃO

1 Este artigo é fruto do Trabalho de Conclusão de Curso da Faculdade Presidente Antônio


Carlos de Mariana-MG, apresentado no dia 11 de julho de 2018.
2Bacharel em Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana/MG.
3 Especialista em Direito Civil e Processo Civil, Advogada, Professora da Faculdade Presidente

Antônio Carlos de Mariana/MG e Advogada social do Município de Mariana.


4Mestrando do Programa de Pós Graduação em Direito “Novos Sujeito, Novos Direitos”, da

Universidade Federal de Ouro Preto. Especialista em Direito Público e Gestão de Políticas


Públicas. Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica e professor de Direito na Faculdade
Presidente Antônio Carlos de Mariana/MG.
36
O presente artigo tem como objetivo abordar o tema: a importância
acadêmica e a função social do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade
Presidente Antônio Carlos de Mariana (NPJ-FUPAC), oferecendo reflexões
acerca da importância que o Núcleo de Prática Jurídica (NPJ)possui na vida
acadêmica e profissional dos estudantes de direito, além de amparar a parcela
hipossuficiente da população de Mariana/MG, residente em seus bairros e
distritos.
Para tanto, foram analisados aspectos básicos e comuns a todos os
NPJs, que são regulamentados pela portaria nº 1.886, de 30 de dezembro de
1994 do antigo Ministério da Educação e do Desporto, e reforçada a sua
relevância como meio de garantia a tutela jurisdicional no art. 186, § 3º do
Código de Processo Civil de 2015.
Ademais, pretendeu-se demonstrar que o NPJ não é apenas um
mero pré-requisito para a colação de grau dos estudantes do curso de Direito,
mas sim, uma ferramenta de qualificação profissional, além de um meio do
pleno exercício da garantia constitucional de acesso à justiça e a igualdade,
estipuladas no art. 5º, XXXV e LXXIV. Com efeito, o NPJ auxilia o Estado no
efetivo cumprimento das garantias mencionadas à população desprovida de
recursos financeiros para contratação de advogado.
Para isso, foram analisados os dados específicos do NPJ-FUPAC, de
forma a observar quantitativamente as demandas do referido setor. Os dados
apresentados constam do mês de dezembro de 2019.
Nesse sentido, apresentar-se-á o resultado da pesquisa de campo
realizada com o objetivo de investigar qual a efetividade do NPJ no processo
de aprendizagem e na prestação de serviços para o público alvo externo.
A pesquisa de campo foi realizada com diferentes grupos, sendo os
alunos do 7º (sétimo) período, que estão iniciando a contagem de horas de

37
estágio; os alunos do 9º (nono) período, subdivididos em dois grupos: alunos
que fazem estágio exclusivamente no NPJ e alunos que realizam estágio em
escritórios conveniados; alunos egressos; professores das disciplinas de
prática jurídica simulada; coordenador do curso de Direito e do Núcleo de
Prática Jurídica da Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana (FUPAC-
Mariana), além de pessoas que são/foram assistidas pelo NPJ-FUPAC.
Por fim, a presente pesquisa propôs a utilização deste trabalho,
como uma forma de melhoria e aprimoramento no desenvolvimento de
habilidades voltadas para prática do direito e para o atendimento das pessoas
que necessitam do efetivo acesso à justiça.

NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA: CONCEITO E FINALIDADE

Segundo as Diretrizes Curriculares do Ministério da Educação, os NPJs


são um espaço reservado ao aluno do curso de Direito com o intuito de
agregar a teoria aplicada em sala de aula à prática jurídica, no intuito de
proporcionar ao aluno treinamento adequado das habilidades para realização
de atividades profissionais da advocacia e demais profissões jurídicas.

A finalidade do estágio curricular é proporcionar ao


aluno formação prática, com desenvolvimento das
habilidades necessárias à atuação profissional. A
concepção e organização das atividades práticas
devem se adequar aos conteúdos dos eixos de
formação fundamental, profissional e concentrada,
quando houver, trazendo ao discente uma
perspectiva integrada da formação teórica e prática.
(DIRETRIZES CURRICULARES DO CURSO DE
DIREITO, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2000, p.
9).

38
De acordo com a grade curricular, é no sétimo período que os alunos
vivenciam o auge dos estudos acadêmicos, além de ser neste período também
o início da contagem das horas de estágio obrigatórias na faculdade, em
escritórios e demais repartições.
Nesse momento, o NPJ torna-se crucial para a formação acadêmica, a
partir daí as atenções devem se voltar para proporcionar aos discentes uma
ampliação da vivência prática como forma de proporcionar a ele a
possibilidade de escolha sobre quais caminhos seguir após a conclusão do
curso.
Ademais, além do aprimoramento profissional, o NPJ é de fundamental
importância na preparação dos alunos para o Exame da Ordem dos
Advogados do Brasil (obrigatório aos profissionais da advocacia) e para
concursos públicos.
Com efeito, é no NPJ que são observadas as dificuldades dos alunos em
aplicar a teoria à realidade prática. Dessa forma, este setor possui grande
relevância pedagógica, oportunizando aos alunos orientações específicas aos
anseios e dificuldades de cada um.
De mais a mais, outra grande importância que os NPJs possuem, para
além do aprimoramento acadêmico, é a função social, ou seja, é o benefício
trazido para a população, em especial a parcela hipossuficiente da sociedade,
na medida em que se coloca à disposição desse grupo para auxiliá-los no
acesso à justiça, direito constitucionalmente aclamado, que por vezes
encontra-se abandonado pelo Estado, ante a ausência de órgão de Defensorias
Públicas, ou, quando estas existem, encontram-se sobrecarregadas com a
quantidade de demandas existentes.
Desta feita, os NPJs vêm para somar com os referidos órgãos, ajudando
a suprir a carência de representatividade jurídica que determinado público
possui.

39
Nesse ínterim, a Lei 13.105/2015 – Código de Processo Civil deixou de
forma expressa a possibilidade de convênio entre as Defensorias Públicas e os
NPJs. In verbis:

Art. 186. A Defensoria Pública gozará de prazo em


dobro para todas as suas manifestações processuais.
[...]
§ 3o O disposto no caput aplica-se aos escritórios de
prática jurídica das faculdades de Direito
reconhecidas na forma da lei e às entidades que
prestam assistência jurídica gratuita em razão de
convênios firmados com a Defensoria Pública.
(BRASIL, Lei 13.105 de 2015).

Com efeito, observa-se tamanha a importância do NPJ no acesso à


justiça que o legislador de 2015 optou por constar expressamente essa
possibilidade. De fato, os NPJs agregam, e muito, em benefícios para as
faculdades, alunos, professores e comunidade, sendo esta a principal
atividade de extensão da Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana.
O NPJ, por ser um elo entre a instituição e a comunidade, traz grande
visibilidade e credibilidade, e, consequentemente, atrai pessoas interessadas
em se formar na área, além de demonstrar para a sociedade que terão no
mercado de trabalho profissionais capacitados.
Os alunos, por sua vez, terão a preparação necessária para eventual
aprovação no Exame de Ordem ou atuação em outras áreas jurídicas que
optarem por exercer, terão ainda, uma vivência prática profissional que
servirá de norteadora para as suas escolhas. Por fim, a comunidade que terá a
sua disposição um setor especializado no acesso à justiça, que proporcionará o
pleno exercício dos direitos e garantias fundamentais.
A portaria nº 1.886, de 30 de dezembro de 1994, normatiza o
regimento dos núcleos de prática, explicitando os seguintes requisitos:
obrigatoriamente dispor de 300 horas de atividades práticas reais e
40
simuladas, coordenadas por professores, destacando que as atividades não
podem ser voltadas apenas a advocacia, mas que proporcionem também
experiências em outras áreas jurídicas, podendo ainda, as horas de estágio ser
complementadas por outros escritórios conveniados.

Art. 10. O estágio de prática jurídica,


supervisionado pela instituição de ensino superior,
será obrigatório e integrante do currículo pleno, em
um total de 300 horas de atividades práticas
simuladas e reais desenvolvidas pelo aluno sob
controle e orientação do núcleo correspondente.
§ 1º O núcleo de prática jurídica, coordenado por
professores do curso, disporá instalações adequadas
para treinamento das atividades de advocacia,
magistratura, Ministério Público, demais profissões
jurídicas e para atendimento ao público.
§ 2º As atividades de prática jurídica poderão ser
complementadas mediante convênios com a
Defensoria Pública outras entidades públicas
judiciárias empresariais, comunitárias e sindicais
que possibilitem a participação dos alunos na
prestação de serviços jurídicos e em assistência
jurídica, ou em juizados especiais que venham a ser
instalados em dependência da própria instituição de
ensino superior. (BRASIL, Portaria n°1.886, 1994).

A referida portaria determina ainda, que as atividades devem ser


exclusivamente práticas, incluindo redação de peças processuais, cruciais para
a formação do estudante de direito, aprendizagem de técnicas para mediação
e conciliação de conflitos, dentre outras atividades especificadas nos art. 11
da portaria:

Art. 11. As atividades do estágio supervisionado


serão exclusivamente práticas, incluindo redação de
peças processuais e profissionais, rotinas
processuais, assistência e atuação em audiências e
sessões, vistas a órgãos judiciários, prestação de
41
serviços jurídicos e técnicas de negociações
coletivas, arbitragens e conciliação, sob o controle,
orientação e avaliação do núcleo de prática jurídica.
(BRASIL, Portaria n°1.886, 1994)

Portanto, é de fundamental importância que os NPJs em conjunto com


as aulas teóricas não só transmitam o conhecimento, mas também
estabeleçam um norte para que os alunos aprendam a buscar o conhecimento
de forma autônoma, desenvolvendo o pensamento crítico e lógico. O direito
está em constante mudança cabendo aos estudiosos e profissionais da área
jurídica se manterem atualizados haja vista que após a conclusão do curso os
formandos devem continuar a buscar o conhecimento jurídico por conta
própria, apesar de o NPJ se manter sempre disponível para alunos egressos.

PARADOXO ENTRE OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO


ACESSO À JUSTIÇA E A IGUALDADE

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5° diz que todos são


iguais perante a lei, sem qualquer distinção, que a lei não excluirá da
apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça e que o Estado prestará
assistência jurídica integral e gratuita aos hipossuficientes:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção


de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
(...)
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito;
LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica
integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos; (BRASIL, 1988)
42
Sendo assim, para efetivação do dispositivo legal o legislador criou
caminhos para que os conflitos sociais fossem levados ao poder judiciário para
que fossem analisados e mais importante que isso, obtivessem uma justa e
efetiva resolução conforme Siqueira e Popolo citando Kazuo Watanabe (1996,
p.20)5:

O princípio da inafastabilidade do controle


jurisdicional, inscrito no inc. XXXV do art. 5º da
CF, não assegura apenas o acesso formal aos órgãos
judiciários, mas sim o acesso à Justiça que propicie
a efetiva e tempestiva proteção contra qualquer
forma de denegação da justiça e também o acesso à
ordem jurídica justa. Cuida-se de um ideal que,
certamente, está ainda muito distante de ser
concretizado, e, pela falibilidade do ser humano,
seguramente jamais o atingiremos na sua inteireza.
Mas a permanente manutenção desse ideal na mente
e no coração dos operadores do direito é uma
necessidade para que o ordenamento jurídico esteja
em contínua evolução.

Foram criadas quatro instituições importantes para garantir o


acesso à justiça sendo elas: o Ministério Público, responsável por defender os
interesses sociais, individuais e indisponíveis (art. 127 a 130 da CF/88), a
Advocacia Pública, que protege os interesses da Administração Pública
(art.131 a 132 da CF/88), a Advocacia, atividade profissional que possui
garantias de independência e autonomia frente aos órgãos do poder judiciário
(art. 133 da CF/88) e por fim, as Defensorias Públicas garantidoras da

5 Artigo jurídico: Acesso à Justiça e o Princípio da Celeridade Processual. Disponível em:


http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=8146f98d564daf7f. Acesso: 13/06/2018.
43
efetivação da tutela jurisdicional por meio da atuação em demandas a favor da
população hipossuficiente (art. 134 a 135 da CF/88) (MELO, 2007)6.
Além disso, Siqueira e Popolo explicitam que o acesso à justiça deve ser
pautado sob o cumprimento rigoroso e com observância aos princípios do
devido processo legal, do contraditório e ampla defesa para o que o processo
siga de forma democrática e que o magistrado obtenha de forma livre o
convencimento para determinar a sentença e as obrigações de cada parte.
Ademais, o acesso à justiça também deve englobar a tempestividade da
demanda, a competência e a justificativa das decisões tomadas por parte do
juízo, além das partes estarem devidamente representadas nos autos por
profissional competente:

[...] a adequada e tempestiva análise, pelo juiz,


natural e imparcial, das questões discutidas no
processo (decisão justa e motivada); e na construção
de técnicas processuais adequadas à tutela dos
direitos materiais (instrumentalidade do processo e
efetividade do direito) (SIQUEIRA E POPOLO
apud EDUARDO CAMBI, 2006, p. 674).

O grande problema é que, de acordo com os dados retirados do site G17


o IBGE, no ano de 2017, constatou que no Brasil existem cerca de 44,5
milhões de pessoas vivendo com menos de um salário mínimo. Portanto, são
44,5 milhões de pessoas que só podem contar com o acesso gratuito à justiça.
Já segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)8, em pesquisa
realizada em 2013, verificou-se que existem apenas 5.054 cargos de

6 Artigo jurídico: A Defensoria Pública como Meio de Acesso do Cidadão a Justiça, disponível
em : https://www.anadep.org.br/wtksite/cms/conteudo/84/mono.pdf. Acesso: 13/06/2018.
7 Informação fornecida pelo site G1, Disponível em: http://g1.globo.com/jornal-

nacional/noticia/2017/11/no-brasil-445-milhoes-ganham-menos-de-um-salario-minimo.html
. Acesso: 13/06/2018.
8 Informação fornecida por Site IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Disponível

em: http://www.ipea.gov.br/sites/mapadefensoria
44
defensores atuantes no Brasil para servir todo o território nacional. Desta
feita, é possível concluir em breve análise dos dados citados que não há
defensores suficientes para suprir a demanda existente.
Seguindo esse raciocínio, é possível também concluir que se não há
defensores públicos suficientes para suprir a representatividade processual da
parcela hipossuficiente da população, logo, o acesso à justiça de forma
igualitária fica prejudicado, somando a violação de dois institutos
constitucionais.
Observe o seguinte cenário: João possui condições econômicas de
contratar um advogado particular para propor uma demanda qualquer,
procurando um profissional que atenda seus anseios dentro de suas
possibilidades econômicas, ele será rapidamente atendido, sem ter que
esperar agendamentos, vagas ou qualquer outra condição imposta por órgão
público, dependendo única e exclusivamente de sua vontade/necessidade e a
óbvia condição de pagamento do serviço prestado que se encaixe dentro de
seu orçamento. Já Maria, pessoa pobre, não tem condições nenhuma de arcar
com as custas processuais, nem mesmo de contratar advogado particular,
dependendo que o Estado disponibilize em seu município um Defensor
Público para representá-la em sua demanda e assim obter a efetiva atuação do
Poder Judiciário.
São duas realidades totalmente antagônicas. Fato é que, sem o devido
acesso à justiça, nenhum dos outros direitos podem ser concretizados,
conforme exposto pelos autores Barbosa, Soares e Souto (2015)9, é assustador

9Artigo jurídico: O Núcleo de Práticas Jurídicas do Curso de Direito da Faculdade UNICRUZ


como uma Ferramenta do Ensino da Prática Processual: Possibilitando o Acesso à Justiça da
Comunidade Carente. Disponível em:
https://home.unicruz.edu.br/mercosul/pagina/anais/2015/1%20-
%20ARTIGOS/O%20NUCLEO%20DE%20PRATICAS%20JURIDICAS%20DO%20CURSO%
20DE%20DIREITO%20DA%20UNICRUZ%20COMO%20UMA%20FERRAMENTA%20DE%
20ENSINO%20DA%20PRATICA%20PROCESSUAL.PDF. Acesso: 13/06/2018

45
que o não cumprimento a um único preceito legal gere uma silenciosa violação
em série de prerrogativas constitucionais.
O Poder Judiciário exerce suas funções a partir da iniciativa da parte,
ou seja, ele se mantém inerte até que alguém o provoque, pelos dados
supracitados são perceptíveis as milhares de pessoas que deixam de fazer valer
seus direitos e garantias por falta de Defensorias Públicas. O Código de
Processo Civil determina em seu art. 2º, que “o processo começa por iniciativa
da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em
lei”. (Brasil, Código de Processo Civil, 2015).
É neste momento que os NPJs se mostram indispensáveis ao
cumprimento da lei, pois agem como reforços, procurando suprir a enorme
desproporção que existe entre a quantidade de Defensorias Públicasversus a
quantidade de demandas a serem ajuizadas em prol dos hipossuficientes,
dando guarida aos princípios de igualdade no acesso à justiça.
Outro importante papel dos NPJs é a possibilidade de, em
determinados casos, realizar a autocomposição buscando resolver os conflitos
por meio da mediação e conciliação, reduzindo a termo os acordos, auxiliando
no desafogamento do Poder Judiciário e evitando a judicialização de
demandas desnecessárias, poupando recursos, tempo dos litigantes e
acarretando, consequentemente, a celeridade processual, Fredie Didier
(2015, p. 180), esclarece que:

É abusiva a provocação desnecessária da atividade


jurisdicional, que deve ser encarada como ultima
ratio para a solução do conflito. Se o demandante
demonstrar que, naquele caso, não pode esperar a
solução administrativa da controvérsia - há urgência
no exame do problema, por exemplo, a restrição
revela-se, assim, indevida, e deve ser afastada, no
caso, pelo órgão julgador.

46
O legislador procurou de todas as formas incentivar a autocomposição,
sendo assim, definiu que a mediação e conciliação fossem pré-requisitos para
o ajuizamento de ações e que ambas as partes deveriam se manifestar
contrárias a realização da audiência para que esta fosse cancelada. (DIDIER,
2015, p. 556):

O autor tem de manifestar a sua opção pela


realização ou não de audiência preliminar de
conciliação ou mediação (art. 319, VIl, CPC).
Se autor e réu manifestarem expressamente a
vontade de não resolverem o litígio por
autocomposição, a audiência não ocorrerá (art. 334,
§4º, I, CPC). A manifestação do autor n esse sentido
tem de ser feita na petição inicial.
Se o autor não observar esse requisito, a petição
não deve ser indeferida por isso, nem há
necessidade de o juiz mandar emendá-la. Deve o juiz
considerar o silêncio do autor como indicativo da
vontade de que haja a audiência de conciliação ou
mediação. Assim como o réu (art. 334, §5º),
também o autor tem de dizer expressamente quando
não quer a audiência; o silêncio pode ser
interpretado como não-oposição à realização do ato.

Inclusive, no caso do não comparecimento injustificado do autor ou réu


a audiência, tal conduta é considerada como ato atentatório a dignidade da
justiça e será sancionado com multa. (DIDIER, 2015)
A mediação e a conciliação se mostraram tão eficientes na pacificação
de conflitos que o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução nº
125/201010, que estabeleceu diretrizes para a solução e prevenção de litígios,
Fredie Didier apontou as principais regras (2015, p. 275):

10 Brasil, Conselho Nacional de Justiça. Resolução 125/2010. Disponível


em:http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2579. Acessado em: 30/05/2010.

47
a)institui a Política Pública de tratamento adequado
dos conflitos de interesses (art. 1 °); b) define o
papel do Conselho Nacional de justiça como
organizador desta política pública no âmbito do
Poder judiciário (art. 4º); c) impõe a criação, pelos
tribunais, dos centros de solução de conflitos e
cidadania (art. 7º); d) regulamenta a atuação do
mediador e do conciliador (art. 1 2), inclusive
criando o seu Código de Ética (anexo da Resolução);
e) imputa aos tribunais o dever de criar, manter e
dar publicidade ao banco de estatísticas de seus
centros de solução de conflitos e cidadania (art. 1
3); f) define o currículo mínimo para o curso de
capacitação dos mediadores e conciliadores.

Além das decisões apontadas acima, as faculdades e universidades de


direito também foram citadas como integrantes do programa de conciliação e
mediação:

Art. 5º O programa será implementado com a


participação de rede constituída por todos os órgãos
do Poder Judiciário e por entidades públicas e
privadas parceiras, inclusive universidades e
instituições de ensino.

A realização de acordos por meio da conciliação e mediação pode ser


realizada de duas formas: a judicial ou extrajudicial, em algumas demandas
existe a necessidade de homologação do acordo pelo juízo, mas a grande
maioria dispensa esta diligência, logo o título servirá como extrajudicial e
havendo, eventual, descumprimento a parte lesada pode iniciar frente ao juízo

48
competente a execução de título extrajudicial com o objetivo de fazer cumprir
o que já foi acordado. (OLIVEIRA E MORAIS, 2015)11
Portanto, cabe aos NPJs propiciar em suas instituições o incentivo a
solução pacífica dos conflitos, introduzindo em sua grade curricular
treinamento adequado para a conciliação e mediação dos alunos e dos
professores e coordenadores do curso, conforme definida na Resolução nº
125/2010:

Art. 6º Para desenvolvimento dessa rede caberá ao


CNJ:
[...]
V – Buscar a cooperação dos órgãos públicos
competentes e das instituições públicas e privadas
da área de ensino, para a criação de disciplinas que
propiciem o surgimento da cultura da solução
pacífica dos conflitos, bem como que, nas Escolas de
Magistratura, haja módulo voltado aos métodos
consensuais de solução de conflitos, no curso de
iniciação funcional e no curso de aperfeiçoamento;

Com a atuação dos NPJs no auxílio a efetivação dos preceitos


constitucionais aqui discutidos, pode-se alcançar mais efetivamente, não toda,
mas uma maior parcela de pessoas que não possuem condições financeiras
para que possam através do judiciário ter a análise do seu pleito realizada.

FUNÇÃO SOCIAL DOS NÚCLEOS DE PRÁTICA JURÍDICA

A sociedade está em constante evolução e existindo sociedade, há


normas, direitos e deveres, que seus integrantes devem seguir. Cada lei existe

11 Artigo científico: Conciliação Extrajudicial como Ferramenta de Acesso à Justiça: A


Experiência do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana,
Fundação Presidente Antônio Carlos. Direito em Pauta, 1º Edição 2015. Vol. 1.
49
para regulamentar ou penalizar, atitudes contrárias a legislação, cabendo a
seus cidadãos observarem a legislação vigente a época e o lugar em que
estiverem.
Os conflitos e divergências de ideias fazem parte do comportamento
humano, a todo tempo existem pessoas discordando uma das outras.
Portanto, faz-se necessária a intervenção do estado, representado pelos seus
respectivos órgãos, para exercer o poder jurisdicional e fazer valer o que for
decidido em juízo, através de medidas previstas em lei.
A Lei 8.906/94 concernente ao Estatuto da Advocacia e a Ordem dos
Advogados do Brasil, em seu art. 2º, §1º dispõe que os advogados, além de
exercerem a capacidade postulatória para a prática de atos processuais,
exercem função social, ou seja, prestam serviço à comunidade como um todo.
Ora! Mas, afinal, qual é a função social dos Núcleos de Prática Jurídica?
Os NPJs auxiliam a União e os Estados a velar pelas garantias
fundamentais de acesso à justiça, como já citado em outro momento, sem o
direito de acesso ao Poder Judiciário haveria uma consecução de direitos
violados, ou seja, sem o acesso à justiça não há direito e vice-versa. É claro
que não se pode generalizar, contudo, sendo o Judiciário a última saída para a
resolução do problema, e não havendo alternativa para tal, cabe ao cidadão,
buscar o auxílio necessário para pacificação do conflito.
As faculdades e universidades devem na medida do possível promover o
encontro entre a necessidade vivida pelas pessoas hipossuficientes com a lei e
seus direitos, adquirindo uma responsabilidade social com a população.
Oliveira e Morais, citando Sousa Júnior (2006):

Por mais desiguais que sejam as formas de


implementação dos Núcleos de Prática Jurídica nas
faculdades de Direito, a expansão dos cursos
atualmente superando a casa de 1.000, acabou
proporcionando um número significativo de
50
experiências exemplares que vêm balizando uma
nova cultura de responsabilidade social nas
faculdades de Direito.

Prosseguindo, também foi explicado que apenas a existência de


Defensorias Públicas, para o ajuizamento da ação em benefício dos
hipossuficientes, é impossível suprir e atender todas as demandas sociais
existentes. Por esta razão, os NPJs, dentro das comunidades em que estão
inseridas, prestam uma função social fundamental: promover através de sua
prestação de serviço educacional o acesso à justiça.
Destarte, conclui-se que os cidadãos que exercem, ou possuem meios de
exigir, os seus direitos têm uma realidade social privilegiada, pois possuem
uma maior capacidade de crescimento e desenvolvimento social.
Diferentemente, são as pessoas que não tem acesso aos seus direitos e
diariamente travam lutas para garantir o básico para sua subsistência.

APONTAMENTOS PRÁTICOS ACERCA DA ATIVIDADE


DESENVOLVIDA PELO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA DA
FACULDADE PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS DE MARIANA/MG

Nesse momento, passa-se a descrever a atividade desenvolvida


especificamente no Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade Presidente
Antônio Carlos de Mariana/MG, onde as atividades acadêmicas iniciaram-se
no ano de 2010.
Conforme estipulado em regulamento do estágio supervisionado do
curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana/MG12,
a partir do 7º período os alunos iniciam a contagem de 360 horas de estágio,
que são divididos em 50 horas por semestre:

12 Regulamento do Estágio Supervisionado da Faculdade Antônio Carlos de Mariana – MG.


51
Art. 2º. O Estágio Supervisionado tem carga horária
total de360 horas.
Art. 3º. O Estágio Supervisionado ocorre nos quatro
últimos semestres do Curso de Direito (7º, 8º, 9º e
10º períodos), no qual o aluno deverá receber
treinamento prático intensivo, de modo a permitir
que o mesmo assuma, progressivamente, a
responsabilidade pela prestação de serviços
jurídicos, sob a supervisão docente.

Além disso, os alunos que fazem estágio em instituições conveniadas


precisam fazer 5 horas de estágio presencial no NPJ por semestre, por outro
lado precisam entregar duas avaliações do estágio por semestre, uma parcial e
outra no final do semestre.

Art.24. O Estágio Supervisionado será cumprido nas


fases descritas no art.3º deste Regulamento,
constante no Currículo do Curso de Direito da
Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana.
§ 2º. O preceptor / instituição, no caso do estágio
realizado fora do NPJ, deverá encaminhar até o dia
10 (dez) do mês seguinte ao do término do estágio,
para a Coordenação do NPJ:
a) carga horária mensal cumprida pelo Estagiário;
b) a atividade desenvolvida pelo Estagiário;
c) avaliação, do estagiário, por nota de 0 a 100, que
será elaborada pelo Coordenador do NPJ.

Segundo os dados colhidos recentemente no NPJ-FUPAC de Mariana


foram realizadas o total de 371 ações desde o início das atividades no setor,
sendo que 252 ações se encontram ativas e 119 ações arquivadas. As
principais demandas trazidas ao núcleo são: ações de divórcio, alimentos,
execuções de alimentos e investigação de paternidade. Veja abaixo o gráfico
que representa a quantidade de ações arquivadas e ativas:

52
Para fins de melhor didática deste trabalho foram realizadas entrevistas
com alunos, coordenadores e professores, sendo separados em grupos da
seguinte forma:
1. Entrevista com o coordenador do curso de Direito da
Faculdade Presidente Antônio Carlos, Bruno Martins.
2. Entrevista com o coordenador do Núcleo de Prática
Jurídica da FUPAC Mariana, Cleberson Ferreira de Morais.
3. Entrevista com os professores Michelle Aparecida e
Carlos Rangel, responsáveis pelas aulas do Núcleo de Prática
Jurídica simulada.
4. Entrevista com os alunos do sétimo período, que
estão iniciando suas atividades no Núcleo de Prática Jurídica.
5. Entrevista com os alunos do nono período, divididos
em: alunos que fazem estágio exclusivamente no NPJ e alunos que
fazem estágio em outros escritórios ou repartições externas.
6. Entrevista com os alunos egressos.
As entrevistas com os participantes supramencionados foram realizadas
após a assinatura de autorização por escrito, conforme termo de
consentimento livre e esclarecido, onde foi cientificada sobre os objetivos da
pesquisa e em seguida coletada a respectiva assinatura.

53
Cada entrevistado respondeu às perguntas de acordo com a sua atuação
dentro da faculdade, todas as perguntas foram respondidas em forma de
questionário, no qual o entrevistado teve a oportunidade de, com suas
próprias palavras, responder as questões sem que houvesse qualquer
interferência de interpretação de terceiros.

EFETIVIDADE DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA ENQUANTO


ACADEMIA

ENTREVISTA COM O COORDENADOR DO CURSO DE DIREITO DA


FACULDADE PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS, BRUNO MARTINS.

Segundo o coordenador do curso, Bruno Martins, é extremamente


importante a participação do aluno no Núcleo de Prática Jurídica, visto que é
a oportunidade que o aluno possui de visualizar as atividades práticas
jurídicas.
Quando perguntado sobre a efetividade da participação dos alunos no
NPJ-FUPAC, ele diz que a participação dos alunos no NPJ é obrigatória,
assim, cabe aos alunos a entrega relatórios e fichas de acompanhamento no
final de cada semestre, não importando se o estágio é exclusivamente feito no
NPJ ou não, ele sempre será supervisionado pela coordenação.
Sendo assim, o acompanhamento do desenvolvimento do aluno durante
o período de estágio é realizado de perto e para aqueles que fazem estágio em
escritórios conveniados é feito em dois momentos, um relatório parcial, que é
entregue no meio do semestre e outro ao final, além do acompanhamento
realizado pelo próprio NPJ da faculdade.

54
ENTREVISTA COM O COORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA
JURÍDICA, CLEBERSON FERREIRA DE MORAIS.

Para o Professor Cleberson Morais, o NPJ-FUPAC propicia aos alunos


o contato com o cotidiano forense, por conseguinte permite ao aluno colocar
em prática todo o conteúdo aprendido ao longo do curso, desta forma, o NPJ
é o epicentro de ensino, extensão e pesquisa das faculdades de direito.
Quando questionado sobre à efetividade da participação dos alunos,
considera razoável, tendo em vista o perfil dos alunos da faculdade que em sua
maioria conciliam o trabalho com as atividades acadêmicas, o que acarreta em
uma diminuição da disponibilidade de participação destes nas atividades
ofertadas pelo NPJ e fora dele.
Já no tocante a efetividade enquanto função social entende que a
atuação da faculdade e do NPJ vêm obtendo resultados positivos, atuando
como elo entre a instituição de ensino e a comunidade, prestando serviço de
qualidade e com a agilidade, afirma ainda que, tanto a população quanto o
corpo discente acabam por empoderar-se, contribuindo e/ou consolidando
uma cultura cidadã, voltada para a consagração dos direitos e justiça social.
Com tal diagnóstico, em 2020, houve substancial alteração nos horários
de funcionamento do NPJ para melhor se adequar ao perfil dos alunos, com o
objetivo de conciliar os horários das atividades laborais e acadêmicas,
aumento a participação discente. Desse modo, o horário de funcionamento do
NPJ foi estendido para as 21hrs, bem como foi reservado um horário
específico dentro da grade curricular dos alunos do 7º ao 10º período.

ENTREVISTA COM OS PROFESSORES MICHELLE APARECIDA E


CARLOS RANGEL RESPONSÁVEIS PELAS AULAS DO NÚCLEO DE
PRÁTICA JURÍDICA SIMULADA

55
Para a professora Michelle Aparecida, o NPJ-FUPAC proporciona a
aplicação dos conhecimentos adquiridos no decorrer do curso e é a
oportunidade que os alunos possuem de desenvolver o raciocínio técnico-
jurídico, além da resolução de problemáticas de forma crítica e juridicamente
fundamentadas.
Quanto às dificuldades enfrentadas pelos alunos, a professora Michelle
destaca a dificuldade de serem retomados conceitos e bases iniciais do curso.
Já o desafio, em sua opinião, é a pouca disponibilidade dos alunos em
participar da prática forense como ir a audiências, assistir júris e outras
atividades fora do meio acadêmico.
Como sugestão, visando o aperfeiçoamento do ensino, a professora
Michelle, sugere a interdisciplinaridade das disciplinas de NPJ simulado e
prática e relembra um dos trabalhos onde envolveu ambas as disciplinas, em
uma audiência simulada realizada em sala com todas as etapas de um processo
real, no qual os alunos elaboraram a petição inicial e contestação, realizaram
audiência de instrução e julgamento e sentença. Sendo o resultado dessa
experiência muito proveitoso para o desenvolvimento do conhecimento dos
alunos participantes, além de desperta o interesse destes.
O professor Carlos entende que é impossível haver a dissociação entre a
teoria e a prática forense e no dia-a-dia do profissional não é possível a
concepção do direito sem a ação e vice-versa. Com relação aos obstáculos,
percebe que os alunos possuem dificuldade para associar o conhecimento
adquirido durante o curso e aplicá-lo no caso concreto. Como sugestão,
propôs a realização de mais estudos de casos e avaliação da evolução dos casos
simulados e reais.
Fato é que, as atividades que envolvem simulações de audiências e
processos, despertam o interesse dos alunos, nas entrevistas realizadas, tendo
ocorrido várias sugestões para realização de mais atividades como estas, até

56
porque há uma grande diferença em fazer uma peça prática e defender a sua
tese em uma audiência. Sendo assim, exercícios como esses ajudam os alunos
a desenvolver habilidades como a oratória, a associação rápida do que está
sendo mencionado na audiência com o conteúdo estudado em sala, além do
momento certo em que devem ser alegadas as impugnações.
Imperioso destacar que após as entrevistas com os professores,
consegue-se subtrair que todos entendem a necessidade do elo entre as
disciplinas de NPJ simulado e a prática real, com o intuito de agregar mais
valor à formação e despertar maior interesse nos alunos nas atividades
acadêmicas.

ENTREVISTA COM OS ALUNOS DO SÉTIMO PERÍODO, QUE


ESTÃO INICIANDO SEU CONTATO COM O NÚCLEO DE PRÁTICA
JURÍDICA.

Neste tópico foram realizadas entrevistas com quatro alunos do sétimo


período que estão iniciando seu contato com o NPJ-UNIPAC e abordou-se os
seguintes temas: quais as expectativas, as dificuldades esperadas e se possuem
alguma sugestão, respectivamente nesta ordem.
Para efeitos do estudo, os nomes dos alunos entrevistados foram
resguardados, para que desta forma os alunos possam dar suas opiniões
acerca das atividades ofertadas pela faculdade, de forma livre resguardando o
anonimato.
O primeiro aluno entrevistado possui grandes expectativas quanto ao
início do estágio acadêmico, se sente gratificado e orgulhoso de poder iniciar
esta etapa. Quando perguntado sobre as dificuldades, este entende que, a área
escolhida é bem competitiva e possui inseguranças na elaboração das peças.
Como sugestão, diz que seria ideal a faculdade fornece um espaço próprio
para desenvolvimento das audiências simuladas.
57
O segundo entrevistado descreve a grande expectativa em adquirir mais
experiência e conhecimento na área. Quanto às dificuldades, espera encontrar
os mesmos desafios enfrentados nas aulas teóricas, não possuindo, neste
momento, qualquer sugestão de aprimoramento do NPJ.
O terceiro entrevistado entende que cabe o aluno tomar a iniciativa de
procurar o NPJ e que nele possui todo o suporte didático para que o aluno
aprimore cada vez mais seus conhecimentos, além de entender que possui
grande importância social em razão da prestação gratuita de atendimento
jurídico para pessoas carentes. Como dificuldade, considera que a
disponibilização das atividades do NPJ-FUPAC apenas para alunos a partir do
sétimo período, acaba por se tornar um grande empecilho para aqueles que
querem iniciar mais cedo à contagem de horas de estágio. Sugere a ampliação
de atuação do NPJ-FUPAC para as searas trabalhistas e juizados especiais
criminais.
O último entrevistado do sétimo período descreve que sua grande
expectativa está em manusear os processos, praticar a elaboração das peças
práticas e em aprimorar o seu vocabulário jurídico. Como dificuldade,
acredita ser a identificação da peça ou recurso adequado ao caso e sua
elaboração. Sugere ainda, mais vistas técnicas, como o fórum, delegacia e
afins.
Neste sentindo, das ideias suscitada pelos alunos, destaca-se a
disponibilização de um espaço próprio para a simulação de audiências, com
todos os aparatos e ritual que são exigidos na realidade, além da ampliação de
atuação do NPJ-FUPAC para searas trabalhistas e penais.

ENTREVISTA COM OS ALUNOS DO NONO PERÍODO SERÁ


DIVIDIDA EM DOIS GRUPOS: ALUNOS QUE FAZEM ESTÁGIO
EXCLUSIVAMENTE NO NPJ E ALUNOS QUE FAZEM ESTÁGIO EM
OUTROS ESCRITÓRIOS CONVENIADOS.
58
Serão abordados neste momento, às entrevistas realizadas com os
alunos do nono período da faculdade, mais uma vez, os nomes foram
omitidos. Ainda, para fins de maior didática do trabalho, os alunos foram
subdivididos em dois grupos: alunos que fazem estágio exclusivamente no
NPJ e alunos que fazem estágio no NPJ, concomitantemente, em instituições
conveniadas.
Tal subdivisão se faz pertinente por ajudar na percepção das distintas
opiniões, sem contar que, a frequência de quem faz estágio exclusivamente no
NPJ é muito maior, sendo obrigatórias no mínimo 40 horas, se comparado
com quem fazem estágio em instituições conveniadas, cujo mínimo
obrigatório perfaz 5 horas.

ENTREVISTA COM ALUNOS QUE FAZEM ESTÁGIO


EXCLUSIVAMENTE NO NPJ.

O primeiro entrevistado descreve que o NPJ-UNIPAC é muito


importante para exercer o direito de forma prática e possibilita maior contato
com a profissão. Descreve como dificuldade a realização dos atendimentos,
mas que acredita ser a falta de prática. Sugere que o aluno possa ter contato
com o NPJ mais cedo, para que a contagem das horas obrigatórias de estágio
seja realizada de forma gradativa.
Já, o segundo entrevistado entende que o NPJ-FUPAC possui função
basilar no curso acadêmico, além dos conhecimentos adquiridos dá ênfase na
aprendizagem de como deve ser a sua atuação enquanto advogado, faz menção
acerca da importância social em benefício das pessoas que não podem pagar
às custas processuais ou honorárias advocatícios. A dificuldade que percebe é

59
a falta de diversidade nas ações ajuizadas no NPJ. Como sugestão, descreve
que seria ideal a participação dos alunos em audiências reais.
O terceiro entrevistado relata a importância do NPJ-FUPAC ao colocar
em prática todo o conteúdo assimilado durante o curso. Quanto às
dificuldades, cita a falta de padronização das atividades ofertadas pelo NPJ-
FUPAC e as aulas que são ministradas, que deveria haver uma convergência
nas atividades do NPJ com as matérias vistas pelos alunos em adequação ao
período estudado. Sugere a conciliação entre os conteúdos das aulas teóricas
com as atividades exigidas no NPJ.
Das entrevistas acima realizadas, pode-se destacar a sugestão quanto à
adaptação das atividades realizadas no NPJ-FUPAC com as matérias vistas em
cada período, para melhor aproveitamento acadêmico, maior variedade de
demandas para que seja possível abranger mais conhecimento e experiência
em outras áreas do direito, além da participação em audiências.

ENTREVISTAS COM ALUNOS QUE FAZEM ESTÁGIO EM


INSTITUIÇÕES CONVENIADAS E NO NPJ.

Os alunos que fazem estágio em escritórios particulares e outras


instituições conveniadas, diferentemente dos que fazem exclusivamente o
estágio no NPJ-FUPAC, possuem carga horária presencial obrigatória neste
reduzida para 5 horas por semestre, desta forma, como já explicado, optou-se
por separar os grupos, para que o resultado da pesquisa não fosse prejudicado
ou houvesse qualquer tipo de contaminação na análise das entrevistas.
O primeiro entrevistado destaca a importância da junção da prática
com a teoria e que o aluno começa a se acostumar com as tratativas entre
advogado e cliente. Como dificuldade descreve o complexo processo que é
necessário para adaptar as situações descritas pelo cliente e o que deve ser

60
adicionado a peça processual. Sugere ainda que os alunos que realizam o
estágio em conveniadas tenham mais oportunidades para lidar com os
processos.
Relata o segundo entrevistado que, por meio do NPJ-FUPAC, possui a
oportunidade de ter contato pessoal com os advogados e professores
permitindo tirar dúvidas no momento de realizar a atuação prática da
atividade. Como dificuldade descreve a falta de assiduidade, em razão dos
prazos e que por vezes a produção da peça é iniciada, mas não é possível a sua
conclusão. Como sugestão, entende que o aluno deveria ter o compromisso de
iniciar e terminar o atendimento ou produção de uma peça de determinado
processo.
O terceiro entrevistado da ênfase na importância que o NPJ possui para
aqueles que não têm condições de realizar estágio em razão do trabalho ou de
algum impedimento e que, através deste espaço, os alunos não perdem a
oportunidade de ter contato com a prática jurídica. Como dificuldade entende
que, por muitas vezes, as pessoas procuram o auxílio do NPJ-FUPAC para
ajuizar alguma ação, porém, não conseguem se expressar de forma clara e
concisa o caso, atrapalhando o raciocínio e o desenvolvimento do
atendimento. Sugere como aprimoramento, o aumento da carga horária
mínima exigida para os alunos que fazem estágio exclusivamente no NPJ.
O quarto entrevistado destaca a possibilidade que os alunos possuem de
acompanhar todos os trâmites processuais de forma didática. Como
dificuldade relata que em razão da pequena quantidade de profissionais no
NPJ o acompanhamento pessoal de cada aluno fica prejudicado. Sugere que
seja direcionado mais um profissional para o NPJ para que haja um
aperfeiçoamento na avaliação individual dos alunos.
Isto posto, destaca-se o reconhecimento social que o NPJ-FUPAC
exerce, além de incentivar os alunos a olhar com mais cuidado, dignidade e

61
generosidade para a população carente da comunidade. Quanto à parte
acadêmica, faz jus à sugestão de mais um profissional para que os alunos
possam ser acompanhados de forma mais individualizada na fase final do
curso.

ENTREVISTA COM OS ALUNOS EGRESSOS DA FACULDADE


PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS DE MARIANA – MG

Nesta etapa da pesquisa, analisar-se-á as opiniões dos alunos egressos


da faculdade, que efetivamente participaram das atividades ofertadas pelo
núcleo, procurou-se enfatizar influências que o núcleo teve ou têm em suas
vidas profissionais.
Para o primeiro entrevistado o NPJ- FUPAC teve importância em sua
formação, além da oportunidade de ter contato com a realidade das pessoas
hipossuficientes da comunidade. Como dificuldade foi relatada a fragilidade
percebida entre as partes componentes do litígio. Sugere a criação de fóruns
para capacitação e realização de encontros anuais para debates com NPJs de
outras faculdades e mutirões de conciliação e mediação.
O segundo entrevistado entende que o NPJ-FUPAC é fundamental na
formação acadêmica e que contribui socialmente com a comunidade. Como
dificuldade cita a falta de profissionais para o acompanhamento dos alunos e
para maior alcance do público e externo. Sugere que os alunos acompanhem
com efetividade as várias etapas que envolvem os processos, a fim de ampliar
seus conhecimentos.
O terceiro entrevistado descreve que o NPJ-FUPAC teve grande
influência contribuindo com a confiança e segurança necessária para sua vida
profissional, destaca como dificuldade a falta de comprometimento dos alunos
e a falta de investimento na disponibilidade de outros profissionais para atuar
em áreas diversas da seara cível, sugerindo a ampliação da

62
interdisciplinaridade do NPJ e a possibilidade de audiências, júris simulados
somadas à elaboração de peças processuais.
Por fim, o quarto entrevistado entende que o NPJ foi um divisor de
águas em sua formação, que mesmo após a conclusão do curso, este recorre às
técnicas e métodos de elaboração de peças ensinados no NPJ, enfatiza o fato
de ter adquirido coragem e garra para contribuir com eficiência e celeridade o
desempenho processual que a profissão exige. Quanto às dificuldades cita
falta de oportunidade em acompanhar as audiências, o que relata ter gerado
receio com a presença do magistrado. Sugere que o NPJ-FUPAC e a faculdade
continuem investindo tanto no aprendizado dos alunos quanto no
acolhimento das pessoas que realmente necessitam de ajuda jurídica.
Para os alunos egressos, o NPJ-FUPAC se mostrou extremamente
importante para a sua formação acadêmica, tendo reflexos até hoje em suas
carreiras profissionais, de todo modo, cabe ressaltar a sugestão da ampliação
de sua atuação para que possa abranger outras searas jurídicas, além da cível,
possibilitando aos alunos adquirir mais experiência e prática em outras áreas
do Direito.
Em síntese, as entrevistas relacionadas ao conceito acadêmico do NPJ
foram importantes para que, com novos olhares, se possa determinar os
aspectos positivos que precisam ser mantidos e os aspectos que precisam ser
aprimorados. Todos os entrevistados foram unânimes em determinar que o
NPJ-FUPAC possui papel fundamental na formação dos discentes e que este
espaço salvaguarda os direitos constitucionais da população marianense.
Com relação às dificuldades explanadas nas entrevistas, pode-se notar a
falta de maior estrutura para acolher todos os alunos, o que demandaria a
necessidade de maior investimento na contratação de pessoal específico para
o NPJ. Além disso, foram feitas outras sugestões, como: a junção do NPJ
simulado com os casos reais, um espaço específico dedicado a realização de

63
audiências simuladas somadas as produções de peças, além de um maior
desenvolvimento de atividades voltadas para áreas jurídicas diversas da seara
cível.

EFETIVIDADE ACADÊMICA ENQUANTO FUNÇÃO SOCIAL

Nesta etapa da pesquisa, foram ouvidas as pessoas que procuraram


através do NPJ-FUPAC para representa-las juridicamente em Juízo. Logo,
pessoas que foram atendidas com a finalidade de ajuizar demandas judiciais,
dentre as perguntas realizadas, procurou-se destacar o alcance que NPJ
possui dentro da comunidade, se a prestação do serviço foi efetiva na
resolução do litígio e se os assistidos indicariam os serviços prestados pelo
NPJ a outras pessoas.
O primeiro entrevistado soube da existência do NPJ através de um
parente que estuda na faculdade, afirma que o processo ainda está em
andamento, mas que até o presente momento, tem sido efetivo em seu
propósito, diz que recomendaria a outras pessoas a prestação do serviço, pois
foi bem atendido.
O segundo entrevistado conheceu o NPJ através de uma vizinha que já
foi atendida no NPJ-FUPAC, afirma que o seu processo foi resolvido e que
ficou satisfeita com seu resultado, declara ainda que, indicaria os serviços
para outras pessoas, pois através do NPJ as pessoas podem ter acesso aos seus
direitos.
Por fim, o terceiro entrevistado conheceu o NPJ-FUPAC através de
uma amiga anteriormente atendida, disse que está satisfeita com o
atendimento oferecido e que seu processo ainda está em andamento, afirma
que indicaria o NPJ a outras pessoas.

64
Por meio das entrevistas realizadas, pode-se perceber que a informação
da prestação de serviços do NPJ é feita através do “boca a boca”, ou seja,
pessoas que anteriormente tiveram ações realizadas indicam a outras pessoas
e assim por diante, por esta razão enfatizo que todos os assistidos
recomendam os serviços do NPJ.
Esse contato pessoal com os assistidos pelo NPJ é muito importante
para medir a qualidade da prestação dos atendimentos e também o ensino
ofertado, pois alunos bem preparados para realizar o atendimento e a
produção das peças atestam que a faculdade investe na preparação de futuros
profissionais, respeitando as peculiaridades de cada pessoa e caso concreto,
inclusive, em relação ao perfil de grande parte das pessoas atendidas, as quais
possuem pouco estudo formal, algumas não sabem ou sabem pouco ler e
escrever, necessitando por parte do alunos e profissionais, respeito e empatia
no trato e condução do caso.
Através dessas entrevistas, entende-se que o papel do NPJ vai além do
cumprimento de uma formalidade da grade curricular acadêmica, sendo
determinante na formação profissional, pessoal e social do acadêmico, futuro
profissional do Direito, capacitando-os para enfrentar os desafios da carreira
e como se relacionará com as pessoas e seus problemas cotidianos,
colaborando assim para a transformação em um melhor cidadão.

CONCLUSÃO

Este trabalho teve como objetivo analisar a importância acadêmica e


social que o Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade Presidente Antônio
Carlos de Mariana possui, tanto para os alunos quanto para a comunidade em
que está inserida.

65
Isto posto, foram também explorados os conceito e finalidades do NPJ,
tendo guarida no próprio Código de Processo Civil, em seu art. 186, § 3o, bem
como a ineficácia dos princípios da igualdade e do acesso à justiça, haja vista
que o Estado não supre a grande demanda de pessoas que necessitam de
representatividade jurídica, em razão da falta de defensorias públicas.
Ademais, demonstrou-se como os NPJs vêm para somar, exercer e
oferecer à população hipossuficiente o pleno exercício dos direitos
constitucionais, principalmente no tocante ao acesso à justiça e a dignidade da
pessoa humana, haja vista que o cidadão sem o devido acesso à justiça, terá,
por via de consequência, o cerceamento de outros tantos direitos
constitucionalmente garantidos.
Em seguida, foram examinados os dados do NPJ-FUPAC, nos quais
observou-se que as principais ações ajuizadas pelo núcleo são: ações de
divórcio, alimentos, execuções de alimentos e investigação de paternidade.
Noutro giro, foram realizadas entrevistas com os professores Michele
Aparecida e Carlos Rangel responsáveis pelas disciplinas de NPJ simulados;
com os alunos do 7º e 9º período e egressos; com o coordenador do curso de
Direito Bruno Martins e o coordenador do NPJ-FUPAC, professor Cleberson
Morais e com pessoas hipossuficientes assistidas pelo NPJ.
Todos os entrevistados de forma unânime reconhecem a importância
que o NPJ possui dentro da comunidade e como formação dos novos
profissionais. Das sugestões destaca-se as mais recorrentes que são as
seguintes: mais atividades voltadas para a simulação de audiências, mais
visitas técnicas, ampliação da abrangência do NPJ em outras áreas diversas da
cível, a junção do NPJ prático com o NPJ simulado para que ambas possam
acrescentar uma a outra e o aumento de profissionais no NPJ, permitindo
acompanhar mais de perto e de forma individualizada o desenvolvimento do
aluno durante o estágio.

66
Em suma, através da pesquisa de opinião foi possível notar quais são os
aprimoramentos necessários para fazer do NPJ, podendo-se concluir que o
NPJ-FUPAC, tem capacidade para formar cada vez mais profissionais
capacitados, que façam a diferença no âmbito jurídico e social, que este deve
estar sempre se atualizando do ponto de vista material e processual do direito,
mas também do ponto de vista educacional, aplicando novas tecnologias e
sendo o mais didático possível, a fim de proporcionar maior experiência
prática profissional.
Entretanto, também destaca-se que são os alunos os únicos
responsáveis pelo gerenciamento de seu empenho na aquisição
conhecimentos, tendo o dever-poder de utilizar as ferramentas do NPJ dando
máxima concretude ao programa de estágio, estando diretamente
responsáveis pelo próprio desenvolvimento acadêmico e prático profissional
para que de fato o NPJ possa cumprir com os pilares propostos de efetividade
acadêmica e social

REFERÊNCIAS

BRASIL. Diretrizes Curriculares do Curso de Direito, Ministério


Público da Educação. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/dir_dire.pdf. Acesso em:
02/04/2018.

BRASIL. Código de Processo Civil: 13.105/2015. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2015/lei/l13105.htm.Acesso em: 02/04/2018.

BRASIL. Portaria n° 1886. Disponível em:


http://www.zumbidospalmares.edu.br/pdf/legislacao-ensino-
juridico.pdf.Acesso em: 02/04/2018.

67
BRASIL, Constituição da República de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.ht
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Acessado em: 15/06/2018

69
TRABALHO INSALUBRE DURANTE A GESTAÇÃO E LACTAÇÃO:
ANÁLISE NA MUDANÇA DA CLT- LEI 13.467/17

Amanda Fonseca1
Claudinéia Maciel2

RESUMO
O presente estudo busca analisar por meio da pesquisa bibliográfica,
doutrinária, documental e jurisprudencial as mudanças trazidas com a
reforma trabalhista, implementada através da Lei 13.467 de 13 de julho de
2017. O trabalho Insalubre durante a gestação e lactação, é o principal objeto
de pesquisa a ser tratado no presente estudo. Possuindo como objetivo geral
investigar se o trabalho insalubre durante a gestação e lactação é conflitante
com os princípios constitucionais e trabalhistas.
Com esse estudo objetiva-se mostrar que a nova legislação é conflitante com o
Princípio da Proteção do Direito do Trabalho, e os Direitos e Garantias
Fundamentais previstos na Constituição Federal, uma vez que, violam a
proteção à maternidade, à vida e ao desenvolvimento da infância.

Palavras-chave: Gestante, Lactante, Insalubre, Princípio da Proteção,


Reforma Trabalhista, Constituição.

INTRODUÇÃO

A reforma da CLT foi instituída em 2017 pela Lei 13.467/17, na


tentativa de recuperar o país do cenário de crise existente. No entanto, muito
se discute no sentido de ferir determinados princípios constitucionais e
trabalhistas. Desta feita, neste estudo enfatiza-se como a alteração da CLT
pode impactar no trabalho da mulher gestante ou lactante, a fim de descrever

1
Graduanda do Curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos de
Mariana-MG-FUPAC.
2
Especialista em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito e Prática
Previdenciária. Advogada e Assessora de Estágio no Núcleo de Prática Jurídica da
Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana - FUPAC.
70
se o trabalho insalubre durante a gestação e lactação, é prejudicial à saúde da
mulher e até mesmo do recém-nascido.
O trabalho insalubre durante a gestação e lactação, mais que uma
questão jurídica refere-se a uma questão social cotidiana. É sabido que o
aumento da atuação feminina no mercado de trabalho tem-se sobressaído
cada vez mais, e também os direitos conferidos à mulher na relação de
emprego.
O presente estudo tem como objetivo abordar o tema: Trabalho insalubre
durante a gestação e lactação: análise da mudança da CLT- LEI 13.467/17.
Como questões norteadoras relevantes para a pesquisa, a fim de delimitar e
melhor expor o que se pretende elucidar será utilizado o conceito de
insalubridade e como essa se caracteriza.
Para alcançar o propósito central, se fez necessário propor objetivos
específicos sendo estes: Caracterizar o trabalho insalubre; Descrever como o
trabalho insalubre pode ser prejudicial à saúde da gestante, lactante e da
criança em fase de amamentação; Investigar possível conflito do art. 394-A
CLT, com os princípios constitucionais e do trabalho.
O presente estudo é caracterizado como teórico básico uma vez que,
tem por finalidade conhecer e analisar acerca do trabalho insalubre durante a
gestação e lactação. Sendo ainda caracterizado como uma pesquisa
qualitativa, uma vez que, se pauta apenas em análise de textos e não requer
coleta de dados e pesquisa em campo.
Classifica-se ainda, como uma pesquisa bibliográfica, guiada por
livros, artigos, monografias e afins; contudo, possui ainda ares de pesquisa
documental por se relacionar a leis, normas e congêneres.
Quanto à metodologia do trabalho, trata-se de metodologia dedutiva,
pois analisa a alteração da CLT- Lei 13.467/17, acerca do trabalho insalubre
realizado pela gestante ou lactante, norma a qual, já se encontra estabelecida.

71
Será abordado ainda, a Ação Direta de Inconstitucionalidade
(BRASIL, Ação De Inconstitucionalidade 5.938. Relator: Alexandre Moraes.
30/04/2019, STF, 2019), a qual se findou e obteve sua procedência pela
inconstitucionalidade contida nos incisos II e III do artigo 394-A da CLT
(BRASIL, Lei 13.467, 2017).
Para tanto, os procedimentos/instrumentos metodológicos utilizados
para desenvolver tal trabalho foram caracterizar e descrever o trabalho
insalubre com base em pesquisas teóricas acerca do assunto.
Para constituir as referências bibliográficas, se fez necessário utilizar
de artigos de periódicos eletrônicos, artigos científicos, sites e blogs jurídicos,
assim como a própria legislação vigente e em análise.
Por fim, no presente estudo, será abordado um breve histórico do
direito do trabalho, incluindo a conquista feminina no mercado empregatício,
assim como o conceito de insalubridade e como esta se caracteriza. Busca-se
ainda, por meio deste estudo, demonstrar o quanto pode ser prejudicial à
saúde da mulher e de sua prole, o trabalho em condições insalubres. Para
mais, se faz necessário provar se a alteração na legislação é conflitante com
normas e princípios constitucionais e do trabalho.

DA MULHER NO MERCADO EMPREGATÍCIO

A mulher por muitos anos lutou para alcançar seu espaço no ambiente
de trabalho, vindo a ter seu total reconhecimento na Constituição Federal de
1988, a qual além de igualar homem e mulher nas condições empregatícias,
também garantiu a proteção à maternidade à mulher trabalhadora, como será
demonstrado mais adiante em dispositivos específicos. No entanto, mesmo
que em condições de igualdade, vale lembrar que biologicamente em certas
práticas profissionais, como por exemplo, o trabalho exercido em local
72
insalubre é capaz de oferecer problemas mais graves às mulheres gestantes,
do que aos homens.
Lado outro, deve-se levar em conta que o trabalho desenvolvido em
ambiente insalubre, ou seja, trabalho exposto inclusive a agente químico
implica em um duplo risco, de forma que não afeta apenas a mulher, mas
também o seu feto e ou criança recém-nascida, tendo em vista que poderá
implicar na amamentação.
De acordo com Janyele Sales, especialista em Medicina de Família e
Comunidade pela Universidade de São Paulo, durante a gestação, é possível a
transmissão de doenças para o feto, devido à permeabilidade da placenta a
agentes infecciosos, podendo se diversificar consoante ao tipo de risco
biológico a qual se está exposta e do estado imunológico da mãe que,
exercendo atividade laboral em local insalubre pode estar mais propícia à
proliferação de doenças.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA MULHER NO MERCADO DE


TRABALHO: SEUS DIREITOS E GARANTIAS

Nas sociedades primitivas a mulher era responsável por colher frutos


enquanto os homens se ocupavam de caçar e pescar, conforme Sergio Martins
Pinto.
Já na antiguidade, o trabalho feminino se pautava na produção de
vestimentas, as mulheres trabalhavam tecendo lã, e também exerciam
atividade relacionada ao trigo e produção de pão. Durante a idade Média,
têm-se o registro das mulheres responsabilizadas por trabalhos de vestuário,
tapeçaria e ourivesaria.

73
No período da escrivão, o trabalhador-escravo não possuía direito
algum e era tratado como coisa, sendo submetido à diversas formas de
castigos, quase sempre provido de formas desumanas.
A mulher sempre foi taxada como sexo frágil, sendo a mesma
responsável apenas por afazeres domésticos, geração e educação dos filhos,
além das obrigações matrimoniais com seu marido. A função das mulheres
organizava-se “ao bom desempenho do governo doméstico e na assistência
moral à família, fortalecendo seus laços”. (MELO. 2011, ONLINE “et al”
Amanda Souza Silva).
A sociedade instituía que a mulher não precisava trabalhar, que o
trabalho era algo masculino e a mulher deveria ser dependente do homem.
Poucas eram as que laboravam, algumas faziam doces, pães por encomenda,
bordados, costuras em geral, para obterem sua própria renda, sendo pouco
valorizadas.
Temos ao final das I e II Guerra, uma inserção significativa das
mulheres no mercado de trabalho, uma vez que, tiveram que assumir o lugar
de seus maridos, devido à participação destes nas guerras. Ao final das
guerras, muitas dessas mulheres ficaram viúvas ou tiveram maridos
mutilados, impossibilitados de exercer função laboral, sendo assim, essas
mulheres continuaram a laborar para sustento próprio e da sua família.
A mulher ganhou verdadeiro destaque nas funções obreiras à partir da
Revolução Industrial sendo a principal mão de obra, pois exerciam as mesmas
funções que os homens a troco de salários inferiores. Dito isso, de acordo com
Ana Letícia Roza Belo, temos o posicionamento de Fonseca “et al”:

Não devemos nutrir ilusões quanto à situação da


mulher trabalhadora. Em geral, mal ganhava o
mínimo necessário para seu próprio sustento,
muito menos para manter seus filhos. Os
74
empregadores preferiam mulheres e crianças
justamente porque essa mão-de-obra custava cerca
de 30% menos. (FONSECA, apud. BELO, 2007.p
518)

Nesse sentido, durante a Revolução Industrial não se observava o


proteção da mulher no período gestacional ou de lactação, de forma que
continuava a laborar em péssimas condições, colocando em risco sua vida e a
vida do bebê. Foi a deste contexto que surgiu a necessidade de novos
dispositivos que protegessem a relação de emprego de forma a resguardar o
sexo feminino.
Houve ao longo dos anos um avanço significativo da mulher em
relação às atividades laborais, tanto que executam atualmente cargos de
gerência e de chefia em grandes empresas, assim como cargos políticos que
durante boa parte da história foram destinados apenas aos homens. A mulher
do século XXI não é mais apenas responsável pela casa e pelos filhos, ela se
tornou dona de suas próprias economias. Fato é que, atualmente a mulher
está cada vez mais inserida no mercado de trabalho, exercendo por diversas
vezes jornadas triplas (trabalhando, estudando e cuidando de seus filhos,
além de ainda concluírem afazeres domésticos), sendo ela em diversos casos a
única responsável pelo sustento do lar.
A valer, diante da inserção significativa do sexo feminino no mercado
de trabalho, se faz cada vez mais necessário uma legislação que dê suporte e
proteção.

NORMAS BRASILEIRAS DE PROTEÇÃO AO TRABALHO DA


MULHER

75
Dado o fim da escravidão no século XIX, surgiu-se diversos postos de
trabalho, sobretudo no setor agropecuário. Após a expansão do referido setor,
o Brasil sofreu escassez de mão de obra no campo e para resolver tal questão,
o governo brasileiro incentivou a imigração europeia, concedendo benefícios
aos imigrantes que viessem para laborar na área rural.
Neste sentido, com a exploração intensa sofrida pelos imigrantes, e
diante das condições precárias impostas, houve grande revolta. De forma que
os imigrantes partiram do campo e avançaram para as cidades em busca de
trabalho, o que coincidiu com o momento de industrialização do país.
Com a Industrialização em foco, as mulheres passaram a exercer suas
atividades laborais principalmente em indústrias têxteis, com fiação e
tecelagem.
Devido às condições escassas também na era industrial, surgiram
movimentos de imposição da classe trabalhadora brasileira, a fim de melhores
condições laborais.
Em 1912 houve no Brasil a iniciativa de discutir direitos trabalhistas
femininos, de modo que tal iniciativa trouxe como inovação a possibilidade de
que as mulheres pudessem laborar sem que fosse necessário a autorização do
marido. A jornada limitada em 08 horas diárias também foi colocada em
pauta, bem como a proibição do trabalho noturno, sendo que este não era
bem visto perante a coletividade. E ainda a licença maternidade,
contemplando a mulher ao afastamento de sua atividade laboral, pelo período
de 15 a 25 dias anteriores e até 25 dias após o parto.
No entanto, referida proposta foi rejeitada pelo Congresso, posto que,
entendia-se o trabalho feminino como uma ofensa a honra do marido, ficando
eles em posição secundária.
Em 1917, houve em São Paulo a Lei Estadual nº 1.596, a qual
reorganizou no Estado o serviço sanitário, de forma que impedia o trabalho

76
das mulheres durante o último mês de gravidez e o primeiro mês do
puerpério.
Por conseguinte, em 1919 o Tratado de Versalhes trouxe o princípio
da igualdade salarial entre homem e mulher, sendo esse tratado adotado em
alguns países, abarcando inclusive o Brasil.
Já em meados de 1923, na esfera Federal, o Decreto 16.300,
concedeu às mulheres, o direito de trabalhar em estabelecimentos comerciais
e industriais, e o direito a repouso anterior e posterior ao parto, ambos de 30
dias. Conforme cita Maria Pereira (p. 34) “o mesmo decreto previa a
organização de “caixa a favor de mães pobres”, com intuito de criar creche ou
salas de amamentação próxima à empresa ou indústria a qual a mãe
trabalhasse, para que essa pudesse amamentar seu filho”.
Em 1932 houve o primeiro dispositivo o qual tratava exclusivamente
da atividade laboral feminina, através do Decreto nº 21.417-A de 1932. O
referido Decreto tratou a respeito do trabalho feminino o qual proibia
terminativamente o trabalho da mulher no período noturno, em locais
subterrâneos e em locais insalubres e perigosos. Foi concedido na ocasião o
intervalo de quatro semanas antes e quatro semanas após o parto de licença
maternidade.
O Decreto supracitado trouxe também como direito da mulher a
metade de sua remuneração como auxílio ao período anterior e posterior ao
nascimento do bebê. Para mais, ainda instituiu o benefício de parar por duas
vezes durante o seu labor para amamentar durantes os seis primeiros meses
do nascituro.
Não obstante, o mesmo Decreto garantiu à mulher um auxilio durante
o tempo de afastamento que antecedia o parto. Tal garantia, era paga por
denominadas Caixas criadas pelo Instituto de Seguridade Social, de acordo
com a média dos últimos seis meses.

77
Neste interim, a Constituição de 1934, garantiu a equiparação salarial
entre homens e mulheres, proibiu o trabalho feminino em ambientes
insalubres, garantiu assistência médica à gestante, concedeu pausa antes e
após o parto, sem prejuízo salarial. Garantiu conforme Maria Pereira “que a
União, os Estados e os municípios destinassem 1% de sua arrecadação
tributária para assegurar o amparo a maternidade e à infância.”
Já em 1937 a Constituição manteve o impedimento do trabalho da
mulher em local insalubre, mas omitiu a garantia de emprego à gestante. Foi
instituído, no entanto a assistência médica e higiênica ao trabalhador e à
gestante, assegurando período de descanso antes e após o parto, sem prejuízo
salarial. (BRASIL, Constituição Federal,1937)
Somente em 1º de Maio de 1943, a Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT) foi aprovada por meio do Decreto-Lei 5.452, entrando em
vigor com todas as leis vigentes, que até então tratavam sobre direito do
trabalho, sem menção específica ao direito laboral exclusivamente feminino.
As normas sobre trabalho feminino estavam descritas no capítulo III do Título
III, sendo as medidas de amparo à maternidade descrita na Seção V.
O art. 391 da CLT – Decreto Lei nº 5.452/43, o qual permaneceu
vigente após a reforma trabalhista, dispõe que contrair matrimonio ou estar
em estado de gravidez, não estabelece motivo justo para rescisão de contrato.
A CLT Decreto Lei nº 5.452/43 carreava ao empregador o ônus do
pagamento do salário referente a licença maternidade, sendo o início desse
afastamento determinado por atestado médico apresentado ao empregador.
Nesse viés, a gestante tinha direito ao salário integral e quando
variável por qualquer que fosse o motivo, se fazia uma média entre os últimos
seis meses de trabalho; tendo também direito aos direitos adquiridos como
planos de saúde; os proveitos adquiridos em normas coletivas, enquanto

78
estivesse ausente de sua atividade, também seriam adquiridas pela mulher,
que ao retornar ao trabalho, retomaria também a função que antes exercia.
O art. 392 da Consolidação das Leis do Trabalho em sua redação
original coibia o trabalho da gestante nas seis semanas antecedentes e nas seis
posteriores ao parto.
No entanto, por meio do Decreto-Lei 229 de 28/02/1967, os
referidos períodos foram expandidos para quatro semanas antes e oito
semanas após o parto.
A Constituição de 1946 proibia a diferença salarial em decorrência do
sexo, vedava o trabalho insalubre exercido por mulheres, assegurava descanso
antes e após o parto sem prejuízo salarial.
A Constituição em 1967 além de proibir a diferença salarial entre
homens e mulheres, proibiu critérios de admissão por motivo de sexo, cor e
estado civil, além de garantir à mulher a aposentaria após trinta anos de
trabalho.
Passados alguns anos, já em 1974, o salário-maternidade deixou de
ser ônus do empregador, passando a ser pago através da Previdência Social.
Dando um salto na história, para os dias atuais, a Constituição de
1988 que estabelece como fundamento a dignidade da pessoa humana e os
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o qual protege à infância e a
maternidade, ampliou os direitos e garantias das mulheres, e possibilitou
também sua maior inserção no mercado empregatício.
A referida Constituição permite o trabalho da mulher em locais
insalubres, garantindo a licença à maternidade de 120 dias, sem detrimento
de salário, tendo a mulher garantia do emprego até cinco meses posteriores ao
parto. Considerando a igualdade entre homem e mulher, a legislação vigente
não proíbe que a mulher exerça trabalho insalubre, em locais subterrâneos,

79
nas minerações em subsolo, nas obras e pedreiras, de construção pública ou
particular.
É válido ressaltar que a Lei 9.799/99 trouxe a seção V, Capítulo III,
do Título III da Constituição das Leis Trabalhistas, que trata “da proteção à
maternidade, garantindo à empregada durante a gravidez, sem prejuízo de
direitos e salários: a transferência de função, quando as condições de saúde
assim exigirem, assegurada sua volta a função anterior quando retornar ao
trabalho, a escusa do horário de trabalho por tempo necessário para a
realização de, no mínimo seis consultas médicas e demais exames
complementares.” (BRASIL, Lei nº 9.799, 1999)
Mais recente, em 2008 a Lei 11.770 instituiu o Programa Empresa
cidadã, o qual trouxe incentivos fiscais às empresas privadas que concedessem
de forma voluntária a licença a maternidade de 180 dias, ao invés de 120,
contudo não garantiu à gestante sua estabilidade após tal período.
Diante de todo exposto, pode-se afirmar que atualmente ainda existe
discriminação acerca da maternidade no momento da contratação, sendo essa
símbolo de desigualdade entre homens e mulheres, principalmente em idades
férteis. Acredita-se que a nossa legislação ainda tem muito que avançar nesse
quesito.

DOS PRINCÍPIOS E NORMAS CONSTITUCIONAIS E


TRABALHISTAS DA PROTEÇÃO À MATERNIDADE

Inicialmente será definido o que é um princípio. Portanto, os


princípios de acordo com Sergio Pinto Martins “tratam-se do alicerce da
norma, servindo este como parâmetro de como agir, ou seja, orientam a
instituição de novas normas”. Princípios são regras de conduta que
fundamentam e informam o comportamento, devendo esse ser o ponto de
partida o qual o legislador deve usar ao se instituir uma nova norma, ou
80
reformar uma já existente. Ademais, são nos princípios que o aplicador do
Direito deve se pautar sempre que houver conflito entre normas, entre outras
circunstâncias.
Como já mencionado na seção anterior, a Constituição Federal
estabelece a dignidade da pessoa humana, bem como a proteção à infância e à
maternidade como fundamentos. Nesse sentido, a Constituição Federal de
1988 disciplina “in verbis”:

Art. 1º CRFB/88-A República Federativa do


Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado democrático de direito e
tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa; (BRASIL, Constituição Federal, 1998)

Conforme o artigo acima, tem-se a dignidade da pessoa humana e os


valores sociais protegidos como Cláusula Pétrea da referida Constituição.
Desta forma, a dignidade da pessoa humana, pode-se dizer ser um princípio
fundamental, inviolável, irrenunciável e intransferível. Não sendo tal direito
passível de alteração.
O Estado deve proteger o direito à vida, assim como garantir que essa
seja digna. Ao permitir o labor da gestante e lactante em locais insalubres, o
Estado se omite, tendo em vista que, o labor em tais lugares fere o princípio
da dignidade da pessoa humana e a função social do trabalho, previstos na
Constituição Federal a qual confere a proteção à maternidade, como
apresentado “in verbis”:

Art. 6º CRFB/88- São direitos sociais a educação, a


saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
transporte, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a
81
assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.
(BRASIL, Constituição Federal, 1998)

Ao proteger a maternidade como um dos direitos sociais, a


Constituição visa garantir a saúde não apenas da gestante ou lactante, mas
também do nascituro ou do recém-nascido. Essa proteção garante às futuras
gerações um crescimento de forma saudável e equilibrada. Nesse sentido,
têm-se o entendimento de GODOY, “et al”:

A proteção ao trabalho da mulher grávida não


deixa de ser a proteção à própria espécie humana
que cresce em seu ventre. Por isso o legislador
infraconstitucional lhe garante direitos extensivos
ao nascituro e ao recém-nascido quando v.g. no
art. 392, § 4º, I e II, da CLT estabelece condições
especiais de trabalho à mulher durante a gravidez
e no art. 396 possibilita dois descansos diários de
meia hora cada um para amamentação do filho
durante os 6 (seis) primeiros meses de vida,
integrando a jornada de trabalho. (GODOY apud
BELO, 2015)

E ainda por se tratar de questão biológica, a proteção à gestante e à


mulher lactante trata-se de uma proteção à vida de futuras gerações, de
acordo com PEREIRA, segundo, CALIL, “et al”:

As normas de proteção à maternidade surgem


obviamente assegurando situações que advêm da
natural diferença entre homens e mulheres. Ou
seja, a mulher gesta e dá luz a uma criança. Essa
diferença antes de tudo é biológica. E proteger a
mulher enquanto gestante e, depois, durante a
amamentação é garantir o futuro da espécie, fim
último de qualquer ser vivo. (CALIL apud
PEREIRA, 2000, p. 42)
82
Nesse sentido, o amparo à gestante reforça o impedimento do
trabalho em condições que ocasionam à empregada grávida fadiga excessiva
ou riscos profissionais. Visando ainda desenvolvimento adequado e
satisfatório a sua gestação e consequentemente ao nascituro, levando em
consideração que a valorização e proteção à vida, à saúde, à infância e à
família estão previstos expressamente na Constituição Federal como garantia
fundamental.
O Estado possuindo papel de garantidor, deve resguardar tais direitos
e assegurar condições dignas de trabalho. De tal forma que, a Constituição
Federal em seu art. 7º, inciso XX e XXII, elucida “in verbis”:

Art. 7º CRFB/88 (caput)-São direitos dos


trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social:
XX - proteção do mercado de trabalho da mulher,
mediante incentivos específicos, nos termos da lei;
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por
meio de normas de saúde, higiene e
segurança;(BRASIL, Constituição Federal 1998)

Ao longo de seu texto, a Constituição Federal valoriza o trabalho


humano e assegura a existência digna, a ordem social brasileira e a prioridade
do trabalho, bem-estar e justiça sociais, conforme dispositivos citados “in
verbis”:

Art. 170 CRFB/88- A ordem econômica,


fundada na valorização do trabalho humano e
na livre iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social, observados os seguintes
princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
83
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente;
VII - redução das desigualdades regionais e
sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas
brasileiras de capital nacional de pequeno porte.
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre
exercício de qualquer atividade econômica,
independentemente de autorização de órgãos
públicos, salvo nos casos previstos em lei. (BRASIL,
Constituição Federal, 1998)

Art. 193 CRFB/88- “A ordem social tem como base


o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar
e a justiça sociais.” (BRASIL, Constituição Federal,
1998)

Têm-se ainda no referido texto Constitucional o direito ao meio


ambiente do trabalho equilibrado, em seu Art. 225 (caput) “in verbis”:

Art. 225 CRFB/88- Todos têm direito ao meio


ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes
e futuras gerações. (BRASIL, Constituição Federal,
1998)

O local de trabalho é onde o trabalhador passa a maior parte do seu


tempo, devendo esse local ser saudável e sem riscos. Não há como se falar em
uma boa qualidade de vida, se a qualidade de vida laboral for precária.
Não obstante a Constituição Federal, em seu Capítulo II, que trata da
Seguridade Social, a Seção III Da Previdência social, assegurada a proteção à
gestante e sua prole “in verbis”:
84
Art. 201 CRFB/88- A previdência social será
organizada sob a forma de regime geral, de caráter
contributivo e de filiação obrigatória, observados
critérios que preservem o equilíbrio financeiro e
atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
I - cobertura dos eventos de doença, invalidez,
morte e idade avançada;
II - proteção à maternidade,
especialmente à gestante;
III - proteção ao trabalhador em situação de
desemprego involuntário;
IV - salário-família e auxílio-reclusão para os
dependentes dos segurados de baixa renda;
V - pensão por morte do segurado, homem ou
mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes,
observado o disposto no § 2º.

Art. 203 CRFB/88- A assistência social será


prestada a quem dela necessitar,
independentemente de contribuição à seguridade
social, e tem por objetivos:
I - a proteção à família, à maternidade, à
infância, à adolescência e à velhice;
II - o amparo às crianças e adolescentes
carentes;
III - a promoção da integração ao
mercado de trabalho;
IV - a habilitação e reabilitação das pessoas
portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de
benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de
prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei. (BRASIL,
Constituição Federal, 1998)

85
Por todo exposto, é direito da gestante e lactante um local de trabalho
saudável, limpo, com condições adequadas para seu exercício, sem expor a sua
saúde, do nascituro e do recém-nascido em risco.
Adentrando mais na temática deste estudo, o art. 394-A da nova
norma Trabalhista (Lei 13.467 de 2017) possui como justificativa para o labor
da gestante e lactante em local insalubre, a maior inserção da mulher no
mercado de trabalho. E mais, a fim de proporcionar igualdade com o sexo
masculino e gerar maior competitividade no mercado, diminuindo assim, a
discriminação em relação à contratação de mulheres em idade fértil.
Fundamenta-se que a utilização de EPI’s (Equipamento de Proteção
Individual) previstos na NR-6 seja o suficiente para a eliminação de riscos
existentes em atividades insalubres, de forma a proteger o trabalhador.
O princípio da proteção previsto no Direito do Trabalho, é
fundamental justamente porque na maioria da das vezes o trabalhador é parte
hipossuficiente em relação ao empregador, quer seja, nas condições de
insalubridade, ou de proteção a outros riscos.
Tal princípio se divide em três partes:
a) in dubio pro operário - Que defende que o ônus da prova é do
empregador, uma vez que o empregado é parte vulnerável na relação de
emprego;
b) aplicação da norma mais favorável - defende que deve-se aplicar ao
caso concreto, a norma que se apresentar mais benéfica ao assalariado;
c) condição mais benéfica ao trabalhador - devendo ser entendida em
relação a direitos já conquistados, que não podem ser abolidos ou modificados
para pior.
Com relação ao presente estudo, que trata do trabalho da gestante e
lactante em local insalubre, deve ser observado o princípio da proteção, tendo
em vista os direitos adquiridos pela gestante e lactante, no que alude ao

86
afastamento de labor em local insalubre, seja qual for o grau. Preservando
assim a sua saúde, do nascituro e/ou recém-nascido. Ainda, deve-se observar
a proteção à dignidade da pessoa humana, os direitos sociais, como a saúde, a
proteção à vida, à infância e à família, devendo tais direitos serem respeitados
e protegidos.
Sob tal perspectiva, observa-se que a Lei 13.467 de 2017 traz grande
retrocesso ao direito, uma vez que viola a proteção à maternidade e à infância.
O afastamento imediato apenas da gestante que labora em local de
insalubridade máxima gera conflito ao princípio da proteção no que se refere
as gestantes que laboram em grau médio e mínimo de insalubridade e as
lactantes qualquer que seja o grau a qual está exposta.
Além disso, o fato de dever ser apresentado atestado justificando seu
afastamento das atividades insalubres, o que se é exigido, as gestantes que
laboram em grau mínimo ou médio e a lactante que exerce atividade laboral,
não estão sendo amparadas pelo “in dubio pro operário”. Nota-se que houve
inversão do ônus da prova, o qual deveria ser incumbido ao empregador
provar se tal local é adequado ou não para a saúde da gestante, lactante,
nascituro ou recém-nascido.
Se faz necessário frisar que, tratando-se o empregado de parte
hipossuficiente como mencionado anteriormente, a empregada pode se ver
forçada ou se ver sem saída, e ter que continuar seu labor, mesmo colocando
sua saúde em risco. Ainda assim, pode haver de maneira sutil ou indireta uma
possível existência de represália por parte do empregador que, possa deixar
transparecer sua insatisfação, quanto ao pedido do empregado de afastamento
da atividade insalubre em grau mínimo ou médio, por meio de atestado.

DEFINIÇÃO DE TRABALHO INSALUBRE E SUA


CARACTERIZAÇÃO

87
Com base nos artigos lidos e referenciados ao final, percebe-se que
insalubre é aquilo que é prejudicial à saúde, dando causa à doença. A
insalubridade no ambiente de trabalho caracteriza-se pela exposição a agentes
nocivos à saúde, tais agentes se dividem em três categorias: agentes físicos,
químicos ou biológicos.
As atividades insalubres são tratadas de forma exclusiva pela norma
NR15 da Portaria nº 3.214/78 do MTE.
Para se caracterizar a insalubridade laboral, a exposição a tais agentes
devem ser acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza,
intensidade e tempo de exposição. Dito isso, o trabalhador que labora exposto
a tais condições, possui direito a uma remuneração superior, qual seja o
adicional de Insalubridade. Sendo o adicional definido de acordo com os
graus: mínimo, médio e máximo; auferindo pagamento ao empregado de
acordo com o grau a que é exposto, sendo de 20%, 30% ou 40%
respectivamente sobre o mínimo da região.
A Consolidação das Leis Trabalhistas, em seu art. 195 (BRASIL, Lei
6.514, 1977) prevê que a classificação e a caracterização da insalubridade
devem ser estabelecidas por perícia, por intermédio de profissionais que
devem ainda ser capacitados no Ministério do Trabalho e Emprego, vejamos o
artigo a seguir:

Art. . 195 CLT/77 - A caracterização e a


classificação da insalubridade e da periculosidade,
segundo as normas do Ministério do Trabalho, far-
se-ão através de perícia a cargo de Médico do
Trabalho ou Engenheiro do Trabalho, registrados
no Ministério do Trabalho. (BRASIL, Lei 6.514,
1977)

88
De acordo com Súmula 139 do TST, “Enquanto percebido, o adicional
de insalubridade integra a remuneração para todos os efeitos legais.”
(BRASIL, TST, ex-OJ nº 102 da SBDI-1, 1997)
O adicional de insalubridade possui natureza salarial e não
indenizatória, sendo um elemento compensatório devido as condições
prejudicais a saúde do empregado. Sendo assim, o adicional de insalubridade
será acrescido ao salário base para integrar a remuneração do empregado.
Sendo o cálculo do adicional de insalubridade feito com o salário básico.
O trabalho em condições insalubres mesmo que intermitente, implica
em perigo à saúde do empregado, de forma a auferir também em aumento
remuneratório, como já afirmado.
A aplicação do pagamento do adicional de insalubridade tem como
alvo, não somente a indenização ao trabalhador, mas sim, a conscientização
para que as empresas tomem medidas eficazes de proteção (coletivas ou
individuais) a fim de minimizar os ambientes insalubres no local de trabalho.
No entanto, sabe-se que o custo efetivo dessas medidas seriam altos, de forma
que as empresas optam por expor seus empregados a condições de risco,
pagar-lhes quantias como compensação do que minimizar, neutralizar ou
eliminar quando possível a insalubridade laboral, adotando assim, apenas as
medidas realmente exigidas, como por exemplo o uso de EPI (Equipamento
de Proteção Individual), previsto na NR-6.

TRABALHO INSALUBRE E SAÚDE DA MULHER GESTANTE E


LACTANTE

O trabalho insalubre no geral é prejudicial à saúde, seja qual for o


sexo do trabalhador, conforme mencionaremos abaixo. No entanto para as

89
mulheres gestantes e lactantes o labor em tais situações coloca também em
risco a saúde do nascituro e do recém-nascido.
Durante a gravidez a mulher passa por constantes mudanças
fisiológicas, psicológicas, hormonais e anatômicas, necessitando de cuidado
diverso do habitual. Assim, segundo estudos de PEREIRA afirma
MCDIARMID, et al:

Reprodução é um processo complexo e vulnerável. A


reprodução normal exige uma grande interação
entre os processos anatômicos e fisiológicos. [...]
Exposições ocupacionais não são a causa da maioria
dos distúrbios reprodutivos, mas a exposição
ocupacional pode causar sérios problemas
reprodutivos, que são inteiramente evitáveis. [...]. A
exposição tóxica durante a gravidez pode causar
malformação ou morte do feto. Atribuem-se a
algumas exposições, problemas neuropsiquiátricos
ou canceres descobertos mais tarde na infância.
Outras exposições podem levar a problemas de
saúde que não são detectados antes da idade adulta.
(McDIARMID, apud PEREIRA, 2005.p 1575)

Cita-se no presente estudo como exemplo de atividade insalubre, a


atividade exercida em locais com ruídos além dos limites permitidos de
acordo com a norma NR-15. Tais ruídos podem acarretar além da perda de
audição, sintomas como distúrbios gastrointestinais, reações psíquicas,
afetação no sistema cardiovascular, irritabilidade, vertigens, alterações
endócrinas, nervosismo e alterações em alguns órgãos.
Nesse sentido, VERRI “et al” afirma que:

O desenvolvimento da audição inicia no 5º mês de


gestação, mas o fato não parece estar preparado
para os estímulos sonoros externos ao corpo da
mãe. Estudos recentes [...] revelam que os ruídos
90
de 60 db a 80db produzem estresse no concepto, e
acima de 80 db são nocivos à saúde fetal [...]
(VERRI “apudl” PEREIRA 199, p.8-9)

Segundo PEREIRA (p. 51) ao citar a autora Verri, em sua obra “et al”
a existência de estudos que demonstram que a exposição do feto a tais ruídos
pode alterar o desenvolvimento de sua audição. Comprovando que crianças
expostas aos referentes ruídos apresentavam perda auditiva considerável em
ambos os ouvidos.
De acordo com VERRI, “et al”:

[...]31% das crianças testadas apresentavam perda


auditiva em um ou ambos ouvidos. A maior perda
encontrada estava no grupo de maior exposição.
Conclui-se então que é de 3 a 4 vezes maior a
possibilidade de perda auditiva significativa em
crianças cujas mães foram expostas durante a
gestação a níveis de ruído maiores de 85 sbA,
quando comparadas as crianças cujas mães foram
expostas a intensidade menores.
Baseado nesses estudos Lalande et al (1986)
propôs o limiar de 85 cbA como limite máximo
para as gestantes trabalharem, levando em
consideração a necessidade de excelente acuidade
auditiva em crianças para que o desenvolvimento
da linguagem e da fala. (VERRI apud PEREIRA,
199, p.8-9)

Outro exemplo que pode ser citado é a exposição da gestante a agentes


químicos, que são absorvidos pelas vias respiratórias e podem ser altamente
prejudiciais a sua saúde e do nascituro.

ALTERAÇÃO DO ARTIGO 394-A DA CLT

91
A reforma da CLT foi instituída em 2017 pela Lei 13.467/17, na
tentativa de recuperar o país do cenário de crise existente, o qual ainda se
perdura no nosso país. Vale mencionar que, as mudanças às quais atingem as
mulheres surgem da ideologia de que estas seriam benéficas às mulheres, pois
as colocaria em pé de igualdade aos homens. Justifica-se ainda que, a antiga
norma protegia excessivamente a mulher que atualmente, não é vista em sua
totalidade como o sexo frágil.
Fato é que, a mulher já conquistou seu espaço, e normas de proteção
não são empecilhos para a contratação desta, inclusive a prática
discriminatória pautada na proteção a qual não se ajusta em justificativa para
discriminação.
Têm-se nesse sentido o entendimento de DELGADO, et al:

A Constituição de 1998, firmemente, eliminou do


Direito brasileiro qualquer prática discriminatória
contra mulher no contexto empregatício, ou que
lhes pudesse restringir o mercado de trabalho,
ainda que justificada a prática jurídica pelo
fundamento de proteção e tutela. Nesse quadro,
revogou alguns dispositivos da CLT que, sob o
aparentemente generoso manto tutelar,
produziram efeito claramente discriminatório com
relação à mulher obreira. (DELGADO, apud
BRITO, 2014. P. 839)

É possível perceber que, durante toda evolução histórica do trabalho


da mulher, ela vem conquistando seu espaço e consequentemente sua
igualdade, de modo a extinguir qualquer tipo de descriminação.
Neste diapasão, a referida mudança na Consolidação das Leis
Trabalhistas, denominada Reforma, fere princípios constitucionais e do
trabalho. Outrossim, enfatizando-se no presente estudo a alteração da CLT no

92
que tange o trabalho da gestante e lactante em local insalubre, é um retrocesso
diante de toda evolução e conquistas da mulher na sociedade.
A antiga Legislação Trabalhista possuía entre as suas normas a
proibição da atividade laboral da gestante e lactante em locais insalubres não
importando qual grau fosse. Logo após a confirmação da gestação, a
empregada podia ter alteração do local de atividade laboral, ou quando não
possível tal prática, era afastada de suas funções. Bastava apenas a
confirmação do estado gravídico ser feito através de atestado médico. É o que
aduz a lei 13.287 de 2016:

Art. 394-A CLT/16- A empregada gestante ou


lactante será afastada, enquanto durar a gestação e
a lactação, de quaisquer atividades, operações ou
locais insalubres, devendo exercer suas atividades
em local salubre. (BRASIL, Lei 13.287 de 2016)

Atualmente, a nova legislação (BRASIL, Lei 13.46, 2017) permite o


trabalho insalubre às gestantes em locais insalubres de grau mínimo e médio,
devendo seu afastamento apenas quando essas apresentem atestado médico.
Já as lactantes só serão afastadas de locais insalubres, qualquer seja o grau,
mediante indicação médica. Conforme a seguir exposto:

Art. 394-A CLT/17 -Sem prejuízo de sua


remuneração, nesta incluído o valor do adicional
de insalubridade, a empregada deverá ser afastada
de:
I - atividades consideradas insalubres em grau
máximo, enquanto durar a gestação;
II - atividades consideradas insalubres em grau
médio ou mínimo, quando apresentar atestado de
saúde, emitido por médico de confiança da
mulher, que recomende o afastamento durante a
gestação;

93
III - atividades consideradas insalubres em
qualquer grau, quando apresentar atestado de
saúde, emitido por médico de confiança da
mulher, que recomende o afastamento durante a
lactação.
§
1º ......................................................................
§ 2º Cabe à empresa pagar o adicional de
insalubridade à gestante ou à lactante, efetivando-
se a compensação, observado o disposto no art.
248 da Constituição Federal, por ocasião do
recolhimento das contribuições incidentes sobre a
folha de salários e demais rendimentos pagos ou
creditados, a qualquer título, à pessoa física que
lhe preste serviço.
§ 3º Quando não for possível que a gestante ou a
lactante afastada nos termos do caput deste artigo
exerça suas atividades em local salubre na
empresa, a hipótese será considerada como
gravidez de risco e ensejará a percepção de salário-
maternidade, nos termos da Lei nº 8.213, de 24 de
julho de 1991, durante todo o período de
afastamento. (BRASIL, Lei 13.467, 2017)

Têm-se tido algumas discussões acerca da mudança feita na


legislação, uma vez que trata-se o referido dispositivo de uma possível
inconstitucionalidade. As discussões recaem sobre a proteção à vida e à saúde,
tanto da gestante quanto do nascituro e do recém-nascido.
Segundo METON, e RODRIGUES, “et al”:

As alterações levadas a efeito flexibilizam a


proibição à mulher gestante ou lactante de exercer
atividade insalubre. As novas regras atentam
contra a saúde, porque na verdade, o afastamento
da gestante e lactante dos ambientes insalubres,
em qualquer grau, deve ser compulsório, devendo
94
ela ser realocada, sem prejuízo do adicional de
insalubridade. (METON, e RODRIGUES, apud
MACHADO. 2017, p.56)

Conforme exposto acima, a nova norma atenta contra a saúde. Nesse


seguimento, ainda transfere a mulher a responsabilidade de seu bem estar e
saúde, e de sua prole, tendo em vista que o afastamento de locais insalubres
de grau médio e mínimo, depende da gestante obreira apresentar atestado
médico que peça seu afastamento de tais locais.
Em relação à lactante, mesmo que em grau máximo, deve-se
apresentar atestado que alegue a necessidade de seu afastamento. Tratando-se
a trabalhadora de parte hipossuficiente, a qual muitas das vezes não dispõe de
outros recursos financeiros, por receio em perder o emprego poderá deixar de
apresentar o atestado, bem como reivindicar o afastamento.

AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA - MEDIDA


CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
5.938 DISTRITO FEDERAL

Em consonância com o presente estudo, a referida decisão foi


liminarmente deferida em 30 de Abril de 2019, sendo o relator o senhor
Ministro Alexandre de Morais, tal medida versa sobre a Ação Direta de
Inconstitucionalidade, que possui pedido cautelar, no que tange o ART. 394-A
da CLT, com foco nas expressões a seguir destacadas:

Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o


valor do adicional de insalubridade, a empregada
deverá ser afastada de:
I - atividades consideradas insalubres em grau
máximo, enquanto durar a gestação;

95
II- atividades consideradas insalubres em grau
médio ou mínimo, quando apresentar atestado
de saúde emitido por médico de confiança da
mulher, que recomende o afastamento
durante a gestação.
III- atividades consideradas insalubres em qualquer
grau, quando apresentar atestado de saúde,
emitido por médico de confiança da mulher,
que recomende o afastamento durante a
lactação. (BRASIL, Lei 13.467, 2017)

Na presente ação a requerente Confederação Nacional dos


Trabalhadores Metalúrgicos, alegou sua vulnerabilidade como parte
hipossuficiente na relação empregatícia, de forma que o ônus de provar os
riscos sofridos caberia ao empregador, não à autora. Ainda mencionou as
inconstitucionalidades encontradas no artigo 394-A da CLT, uma vez que
este, fere à proteção à mulher enquanto gestante e lactante ao nascitura e ao
recém-nascido.
A Presidência da República se manifestou alegando que a tese da
autora estaria incorreta, sob a égide de que nem todo grau de trabalho
insalubre apresenta risco à mulher. Dependendo esse de uma análise de
acordo com o caso concreto.
Neste contexto, a Advogada-Geral da União de manifestou ao
referente pedido, indicando a improcedência da ação, se pautando que o
artigo 394-A da CLT (BRASIL, Lei 13.467, 2017) trata-se de uma norma que
iguala mulheres aos homens no mercado de trabalho. Asseverou que tal
norma contribui para diminuir a discriminação por contratação de mão de
obra feminino, afirmando que a modificação da referida norma é benéfica à
mulher.
Há de se dizer também que, o Senado Federal não se manifestou
quanto a ação da autora, apesar de ser devidamente notificado.

96
A Procuradora-Geral opinou pela concessão da medida liminar e
procedência do pedido, e ainda alegou que a autorização da gestante e lactante
à trabalhos insalubres expõe as trabalhadoras e seus filhos a riscos eminentes.
E aduz ainda, que a norma pauta-se de um retrocesso social, sustentando a
inconstitucionalidade do Art. 394-A em consonância com os artigos da
Constituição Federal, anteriormente citados nesse estudo.
Tal ação expõe a importância de se discutir assunto em tela, pois é de
relevante valor social, diz respeito à saúde da gestante e lactante, do bom
desenvolvimento e saúde do nascituro e do recém-nascido. Dito isso, houve
admissão de amicus curiae na referida ação. Estando, portanto, oferecidas as
condições necessários para a concessão da medida cautelar. Se fez necessária
comprovação de perigo de lesão irreparável, para concessão da medida
cautelar.
Cita-se que a proteção a maternidade e à criança trata-se de direito
irrenunciável, que não podem ser afastado. Assim sendo, a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, reconhece a importância da referida ação, frente à
proteção à maternidade e à infância.
Entende-se ainda que as expressões impugnadas do art. 394-A da CLT
não estão em concordância com as normas constitucionais vigentes, não
apresentando proteção à mulher gestante ou lactante, e também não
protegendo o nascituro e o recém-nascido.
Alexandre de Morais, Relator do Tribunal Pleno, ao reconhecer entre
os direitos sociais à proteção a maternidade, e a melhoria das condições de
vida aos hipossuficientes, elucida que:

A previsão de determinar o afastamento


automático da mulher gestante do ambiente
insalubre, enquanto durar a gestação, somente no
caso de insalubridade em grau máximo, em
princípio, contraria a jurisprudência da CORTE
que tutela os direitos da empregada gestante e
97
lactante, do nascituro e do recém-nascido lactente,
em quaisquer situações de risco ou gravame à sua
saúde e bem-estar.
O perigo da demora consiste no fato de as
expressões impugnadas permitirem a exposição de
empregadas grávidas e lactantes a trabalho em
condições insalubres, o que deve ser obstado
desde logo. Mesmo em situações de manifesto
prejuízo à saúde da trabalhadora, por força do
texto impugnado, será ônus desta a demonstração
probatória e documental dessa circunstância, o
que obviamente desfavorece a plena proteção do
interesse constitucionalmente protegido, na
medida em que sujeita a trabalhadora a maior
embaraço para o exercício de seus direitos. (STF,
Ação De Inconstitucionalidade 5.938. Relator:
Alexandre Moraes. 30/04/2019, STF, 2019)

Finda exposição, o Relator Alexandre Morais, concedeu a Medida


Cautelar para suspender a expressão “quando apresentar atestado de saúde,
emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento”
do Art. 394-A da CLT (BRASIL, Lei 13.467, 2017). Devendo sua decisão ser
comunicada ao Presidente da República e ao Congresso Nacional, destacando
que o processo seja apresenta no Colegiado.
Evidencia-se que a ação se relaciona diretamente na vulnerabilidade
da mulher na relação de emprego, levando em consideração que ao contestar
o trabalho insalubre em grau médio ou mínimo pode colocar seu emprego em
risco. Por receio e necessidade as mulheres irão se submeter a um ambiente
de trabalho insalubre.

DECISÃO DO STF ACERCA DA ADI 5.938

98
Em 29 de maio de 2019, o Plenário do Supremo Tribunal Federal
(STF) julgou a citada Ação Direta de Inconstitucionalidade (BRASIL, Ação De
Inconstitucionalidade 5.938. Relator: Alexandre Moraes. 30/04/2019, STF,
2019), a qual se findou e obteve sua procedência pela inconstitucionalidade
contida nos incisos II e III do artigo 394-A da CLT (BRASIL, Lei 13.467,
2017). Os incisos citados previam que grávidas e lactantes laborassem em
locais insalubres. Para maioria, os incisos afrontam a proteção constitucional
à maternidade e à infância.
A ação foi ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores
Metalúrgicos, pautada na defesa da inconstitucionalidade dos incisos citados
anteriormente, diante dos direitos e garantias fundamentais compreendidos
pela Constituição Federal (BRASIL, Constituição Federal, 1988).
A imposição às grávidas e lactantes apresentarem atestado médico
para demonstrar a condição de afastamento, foi a pauta inicial para o voto do
relato, a qual segundo o ministro, “sujeita a trabalhadora a maior embaraço
para o exercício de seus direitos, sobretudo para aquelas que não têm acesso à
saúde básica para conseguir o atestado.” (BRASIL, STF, 2019).
O ministro em seu parecer afirma que a Constituição Federal possui
“direitos a proteção à maternidade, o direito a licença a maternidade e a
segurança no emprego, normas de saúde, higiene e segurança” (BRASIL,
Constituição Federal, 1988), sendo esses totalmente assegurados a gestante,
bem como a lactante e seu bebê. A proteção a gestante e lactante é também
uma forma de proteger o recém-nascido, garantindo a ambos os direitos
sociais compreendidos no texto constitucional.
Destaca-se o ministro que a alteração da CLT (BRASIL, Lei 13.467,
2017) feriu o direito da mãe e da criança, deixando ambos desamparados.
Segundo relator “A proteção à maternidade e a integral proteção à criança são
direitos irrenunciáveis e não podem ser afastados pelo desconhecimento, pela

99
impossibilidade ou pela eventual negligência da gestante ou da lactante em
juntar um atestado médico, sob pena de prejudicá-la e prejudicar o recém-
nascido”. (BRASIL, STF, 2019)
Para ele a destituição da nova norma, não é motivo para
descriminalização da mulher no mercado de trabalho, uma vez que “eventuais
criminalizações serão punidas nos termos da própria lei, e o próprio texto
constitucional determina de maneira impositiva a proteção ao mercado de
trabalho da mulher mediante incentivos específicos.” (BRASIL, STF, 2019).
Diante de tais fundamentos, o relator votou pela confirmação da liminar
deferida e procedência do pedido.
A Ministra Rosa Weber, afirmou que a gestação é um período de
vulnerabilidade para a trabalhadora e que a Constituição Federal em seu art.
7º “impõe limites à liberdade de organização e administração do empregador
de forma a concretizar, para a empregada mãe, merecida segurança do
exercício do direito ao equilíbrio entre trabalho e família.” (BRASIL, STF,
2019). Concluindo seu voto a favor do deferimento da liminar e procedência
do pedido, citando ainda a norma discutida como retrocesso social.
Votaram também pela procedência da ação os ministros “Edson
Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Carmen Lúcia, Ricardo
Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e o presidente da Corte,
ministro Dias Toffoli.” (BRASIL, STF, 2019).
Têm-se um único ministro Marco Aurélio, quem divergiu e votou pela
improcedência da ação, defendendo que julgar inconstitucional os incisos II e
III do art. 394-A da CLT (BRASIL, Lei 13467, 2017) é a criação de um
obstáculo à contratação de mão de obra feminina. Findando assim, a votação
acerca do tema.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

100
O presente estudo desejou demonstrar a partir da evolução histórica o
quanto a mulher conquistou em relação a direitos e garantias trabalhistas,
deixando de ser apenas a cuidadora do lar e passando a se destacar também
em atividades laborais fora de seu lar. Apesar do grande avanço no que tange
a esses direitos e garantias, ainda existe muito o que se conquistar.
Com a reforma trabalhista a mulher teve direitos violados e
retrocedidos, que foram camuflados de maior oportunidade no mercado de
trabalho, esculpindo na ideologia de que tais mudanças iriam dirimir o
preconceito sofrido pela mulher em idade reprodutiva no mercado de
trabalho. É certo que, em alguns casos ao passar por uma seleção de emprego
por mais que tenha um excelente currículo, a mulher é descartada
profissionalmente pela possibilidade de vir a engravidar após efetivação de
contrato. No entanto, não é a modificação do art. 394-A quem irá mudar tal
realidade.
Fato é que, atualmente as mulheres tem se destacado cada vez mais
em atividades laborais, ocupando inclusive cargos de alta chefia, ocupando
cargos políticos e ocupando cada vez mais o mercado empregatício. Cumpre
mencionar que, deixar de protegê-las quanto a seus direitos não é a solução
mais plausível para estimular sua contratação.
O Estado como garantidor de direitos e garantias, deveria criar
normas que coíbissem o preconceito ainda existente na contratação de mão de
obra feminina, ao invés de colocar em risco à saúde da mulher e das futuras
gerações.
Desprotegê-la não será certeza de que o preconceito será eliminado,
uma vez que, esse preconceito não é decorrente apenas da maternidade, mas
sim de uma cultura machista e preconceituosa, que deve ser educada e
combatida. Somente a educação ética e social pode aduzir a sociedade o fim
da discriminação a mulher.
101
O presente estudo se pautou em demonstrar o quanto a norma
modificada, aqui em pauta o art. 394-A da Consolidação das Leis trabalhistas
- CLT (Brasil, Lei 13.467, 2017), é conflitante com normas constitucionais e
com o princípio da Proteção do Trabalho.
É possível compreender de todo exposto que, a modificação feita na
norma foi prejudicial à saúde da mulher gestante e lactante, bem como ao
nascituro e ao recém-nascido.
Já que, o legislador ao aprovar tal norma, põe de lado a tutela do
direito à vida, à saúde, a dignidade da pessoa humana, bem como o direito da
trabalhadora e o desenvolvimento à infância. Nesse sentido, é explícito que o
Legislador ao aprovar tal artigo, equivocou-se ao ceifar diversas garantias
concebidas aos trabalhadores em geral, que foram conquistados ao longos dos
anos com grande esforço, especialmente ao que trata este estudo aos direitos
das gestantes em relação ao local de trabalho insalubre.
Então fica a indagação: Será que, para o legislador é mais importante
que a mulher tenha um emprego, mesmo que de riscos à sua saúde gestacional
e à saúde de sua prole, que uma norma que neutralize a insalubridade nos
ambientes laborais, e a preservação à saúde da gestante e das futuras
gerações?
Por fim, têm-se demonstrado através da decisão do relator, senhor
Alexandre de Morais, o qual deu voto favorável a Ação Direta de
Inconstitucionalidade ADI-5.938 (STF, Ação De Inconstitucionalidade 5.938.
Relator: Alexandre Moraes. 30/04/2019, STF, 2019) a suspensão do trabalho
da gestante e lactante em locais insalubres. Demonstra-se, efetivamente a
vulnerabilidade da mulher na relação de emprego, a qual não quer colocar em
risco seu vínculo empregatício.
Finalmente, temos a citada Ação Direta de Inconstitucionalidade,
julgada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em 29 de maio de 2019, o

102
qual por maioria dos votos julgam procedente. Em coerência com o elucidado
neste estudo fora confirmando a inconstitucionalidade de trechos do art. 394-
A CLT (Brasil. Lei 13.467, 2017) uma vez que, tais trechos ferem princípios
constitucionais básicos irrenunciáveis, como o direito à vida, à saúde, à
maternidade e infância.

REFERÊNCIAS

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gestante em face à reforma trabalhista. 2018. Disponível em:
<http://intertemas.toledoprudente.edu.br/index.php/Direito/article/viewFil
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Inconstitucionalidade – Medida Cautelar na Ação Direta de
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<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI5938decis
oliminarMin.AlexandredeMoraesem30.4.19.pdf> Acesso em: 01 de Maio de
2019.

BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ministro suspende norma


que admite que trabalhadoras grávidas e lactantes desempenhem
atividades insalubres. Relator: Alexandre de Moraes, STF, 29/05/2019,
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103
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105
TRIBUNAL DO JÚRI: UMA VISÃO CRÍTICA

Ricardo Júlio Corrêa1


Bárbara Cândido de Carvalho2

RESUMO

O presente trabalho tem como escopo fazer uma análise crítica acerca de
um instituto único no ordenamento jurídico brasileiro, qual seja, o
Tribunal do Júri. Para alcançar o objetivo geral proposto,
primeiramente será analisado o instituto como um todo desde suas raízes
que, de tão antigas, se perdem nos confins do tempo até os dias atuais
com o advento da lei 11.689 de 2008, que trouxe importantes mudanças
no procedimento, sem, contudo, deixar de lado a essência do julgamento
dos réus pelos seus pares nos crimes dolosos contra a vida, bem como
criticar a influência da mídia no veredito final, levando em consideração
os aspectos da comunicação atual. A metodologia utilizada será a
pesquisa com foco na necessidade de se questionar a estrutura do
instituto, o procedimento, o preparo do conselho de sentença, os efeitos
reais e sua consequente eficácia na sociedade brasileira. A conclusão
geral da pesquisa será baseada na crítica feita sobre a influência da
mídia nas decisões dos jurados, analisando a soberania dos vereditos,
diante da cultura popular, da organização política, das avaliações
sociológicas e da garantia do direito fundamental a liberdade como
principio basilar da Constituição Brasileira.

Palavras-chave: tribunal do júri. Conselho de sentença. Pronúncia.


Mídia. Direitos fundandamentais. Procedimentos.

INTRODUÇÃO

O artigo ora apresentado visa fazer uma análise crítica a respeito

1 Graduando do Curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana.


2 Graduada em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto. Pós-graduada em Advocacia
Criminal pela ESA/OAB. Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação Novos Direitos, Novos
Sujeitos, da Universidade Federal de Ouro Preto. Bolsista da FAPEMIG/UFOP. Professora
assistente na Fundação Presidente Antônio Carlos/Mariana.
106
do Tribunal do Júri, principalmente no que concerne à influência da
mídia na decisão do veredito final pelos jurados durante o plenário. Isto
porque, a instituição do Tribunal do Júri tem a compentência para julgar
os crimes contra a vida o que gera grande apelo popular e aumenta
significativamente a audiência da mídia, haja vista proporcionar às
pessoas a oportunidade de julgar o seu semelhante. Ocorre que, a
exposição do crime, seus motivos e as partes envolvidas por vezes
ultrapassa os limites da razoabilidade, influenciando de forma negativa
em todo o procedimemento.
Vivemos em um mundo cada vez mais conectado às mídias
digitais e o acesso a informação passou a ser difundido para toda a
sociedade de forma exarcebada, as notícias sobre crimes chegam à
sociedade quase que na mesma hora em que acontecem, tornando os
telespectadores muitas vezes parte importante no processo de
julgamento, principalmente quando se trata de crimes contra a vida que
são julgados pelo Tribunal do Júri com jurados que são parte da
sociedade onde o crime aconteceu.
O Júri é um instituto único no Poder Judiciário, pois além de
ser tradicional, e com inúmeros formalismos e procedimentos solenes,
carrega consigo o poder de encantar os cidadãos comuns por dar-lhes o
direito de decidir sobre a liberdade de algum membro de sua sociedade.
No primeiro capítulo desse artigo, nomeado de “O Tribunal do
Júri”, primeiramente, procuramos analisar a finalidade do instituto na
contemporaneidade em comparação à época em que fora criado, e se
ainda guarda o cerne da democracia que se propusera. Traçamos um
tópico sobre a arbitrariedade das decisões do Conselho de Sentença e
consequentes injustiças que possam ser cometidas em virtude da falta de
explicações, explanações e o mínimo de preparo técnico dos jurados.

107
Ainda no primeiro capítulo, verificamos a possibilidade da
reforma da decisão popular em atendimento ao princípio Constitucional
do Duplo Grau de Jurisdição comparado ao princípio basilar da
instituição do júri, qual seja, a soberania dos vereditos. Analisamos
também a estratégia teatral usada pelos operadores do direito em plenário
para convencer os jurados de suas teses.
O segundo capítulo adentra a questão da influência da mídia no
veredito final sendo destaque por ser o tema problema dessa pesquisa,
isto porque o veredito final proferido pelos jurados em plenário do
Tribunal do júri está cada vez mais afetado pela influência da mídia, já
que vivemos em um mundo cada vez mais globalizado em que a liberdade
de imprensa ganhou contornos extraordinários sendo abrangida por todos
os meios de comunicação, e a tecnológia aumentou substanciamente a
difusão da informação em massa, a famosa: mídia.
Nesse meio de difusão citado anteriomente, a liberdade de
expressão é utilizada para informar e formar opiniões (que muitas vezes
se tornam pré-julgamentos) através da exteriorização de fatos que
merecem atenção do público, aqui em especial o Julgamento em tribunal
do júri.
Diante disto, a presente pesquisa tem sua justificativa baseada
na intenção de analisar, descrever, criticar e esclarecer o tema proposto,
utilizando-se de uma modalidade de pesquisa bibliografica, linguagem
clara, objetiva e uma metodologia de pesquisa descritiva e explicativa
acerca da relação mídia versus soberania dos vereditos no Tribunal do
Júri.

O TRIBUNAL DO JÚRI

108
Antes de adentramos ao estudo do Tribunal do júri
necessariamente precisamos descontruir entendimentos que nós
adquirimos antes de iniciarmos o estudo do processo penal, isso porque tal
instituto ganha nossa atenção em filmes e seriados norte americanos que
nos trás ideias de um júri notadamente diferente daquele instituído em
nosso ordenamento jurídico-brasileiro.
Para iniciarmos de forma clara as explanações que aqui serão
feitas, primeiramente, faz-se necessário conceituar o Tribunal do Júri.
Entre as muitas definições que encontramos, vale salientar o que diz
Guilherme de Souza Nucci. Vejamos:

(...) o júri pode ser considerado um direito humano


fundamental, consistente na participação do povo
nos julgamentos proferidos pelo poder judiciário.
Em outras palavras o Tribunal do Júri figura como,
praticamente, a única instituição a funcionar com
regularidade, permitindo que qualquer cidadão
tome parte nos assuntos de um dos poderes da
república. (NUCCI, 2015, p.41).

Nesse sentido, entende-se que as pessoas da sociedade, tem a


competência para decidir sobre a culpabilidade de outra pessoa, sendo o
júri uma instituição única que para Nucci deve ser considerado como um
direito fundamental, ou seja, o direito de ser julgado pelos seus pares e não
por um juiz membro do poder judiciário, um dos poderes da república.
Dessa forma e de acordo com o artigo 447 do Código de
Processo Penal, entende-se que o Tribunal pertence ao poder judiciário, é
presidido por um juiz togado (aprovado em concurso público) da primeira
instância da Justiça comum. O colegiado é constituído por vinte e cinco
jurados que se alistaram para tal função e dentre esses serão sorteados
sete para fazerem parte do plenário. Salienta-se ainda, que o Tribunal do
109
Júri tenha competência soberana durante aquela assentada para julgar
todos os crimes dolosos contra a vida.
É sabido que o instituto do Júri advém de tempos muito
remotos, não restando dúvida de que foi criado com a intenção de garantir
aos acusados os direitos e garantias fundamentais inerentes ao ser
humano, sendo esses julgados por seus pares, tendo o instituto até os dias
atuais o mesmo objetivo.
Quando se fala em origem, perdem-se no tempo as raízes do
referido instituto, havendo divergências sobre onde realmente teria
surgido a ideia de pessoas pertencentes a uma sociedade julgar aquele que
cometeu um crime doloso contra a vida. Contudo, pode ser notada na
Constituição da Inglaterra de 1215 a existência de tal do instituto.
No Brasil, a corporação surgiu em 1822 para julgar os crimes de
imprensa, sendo mantido na Magna Carta de 67 com redação da emenda
01/69, garantindo a competência do tribunal para julgar com soberania
os crimes dolosos, ou seja, aqueles em que há a intenção do agente em
ceifar a vida de outrem, como homicídios, infanticídios, instigação ao
suicídio e até aborto provocado pela gestante ou por terceiros.
Dessa forma dentro do ordenamento jurídico Brasileiro o
Tribunal do Júri é considerado uma das instituições mais democráticas,
pois é composto por um Juiz de Direito que o preside, sem direito a voto,
junto com mais sete jurados que formam o conselho de sentença. A
competência do Tribunal do Júri limitada para julgar os crimes dolosos
contra a vida, seja qual for o delito a eles conexo.
As decisões proferidas pelo Tribunal do Júri seguem o sistema
de maioria absoluta e são tomadas pelos jurados que formam o conselho de
sentença, órgão que será melhor explicado no subtópico adiante. Já o
conceito mais fidedigno de Júri deve ser retirado, portanto, de sua

110
natureza constitucional, pois a carta Magna garante segurança lícita do
cidadão ser julgado pelo povo, quando for pronunciado pela prática de
crime tipificado na própria Constituição ou em lei infraconstitucional.
O Tribunal do Júri como a garantia particular, não pode ser
abolido, nem por modificação constitucional estabelecendo a verdadeira
cláusula pétrea (núcleo constitucional intangível). Tudo por força da
limitação material evidente contido no art. 60, §4. IV da Constituição
Federal, que prediz que não será objeto de arbitramento a proposta de
modificação constitucional conducente a abolir os direitos e garantias
particulares.

O CONSELHO DE SENTENÇA

O conselho de sentença é o orgão que compõe o Tribunal do


Júri, conhecido por sua evidente forma democrática de julgamento e
conta com pessoas da sociedade para apreciar as teses debatidas em
plenário e dar julgamento a matéria de fato ali expostas. Para que não
haja nulidade em todo procedimento é de fundamental importância ser
analisado o procedimento especial da organização do júri, bem como a
correta formação do corpo de jurados que atuará no conselho de sentença.
O conselho de sentença é composto por sete jurados, escolhidos
entre os vinte e cinco juízes leigos sorteados dentre os cidadãos do
município que aconteceu o crime.
O juiz técnico que presidirá o plenário do Tribunal do júri fará
um sorteio entre os alistados habilitados para serem jurados, os jurados
são pessoas comuns da sociedade local, maiores de 18 anos conforme
alteração dada pela Lei 11.689/2008 com notória idoneidade moral, bem
como bons antecedentes. Para melhor exemplificar a escolha dos jurados,

111
segue ensinamento de Fernando Capez:

Anualmente, cabe ao juiz-presidente do Tribunal do


Júri organizar a lista geral dos jurados. Serão
alistados pelo presidente do Tribunal do Júri de 800
(oitocentos) a 1.500 (um mil e quinhentos) jurados
nas comarcas de mais de 1.000.000 (um milhão) de
habitantes, de 300 (trezentos) a 700 (setecentos)
nas comarcas de mais de 100.000 (cem mil)
habitantes e de 80 (oitenta) a 400 (quatrocentos)
nas comarcas de menor população (CPP, art.425). A
lista geral dos jurados, com indicação das
respectivas profissões será publicada pela imprensa
até o dia 10 de outubro de cada ano e divulgada em
editais afixados à porta do Tribunal do Júri. (CPP,
art. 426, caput). (CAPEZ, 2012, p. 650).

Dessa lista serão escolhidos por sorteio vinte e cinco jurados


conforme Código de Processo Penal em seu aritgo 447. Entretanto com a
reforma de 2008 ficou estabelecido que o quórum mínimo para iniciar
uma sessão de julgamento é de 15 jurados, que passarão pelo critério da
acusação e da defesa, podendo cada um recusar até três jurados dentre os
sorteados, sendo ao final escolhidos sete jurados. Estes participarão
efetivamente da sessão e ao final serão responsáveis pela análise da
matéria de fato, todos os atos do processo e suas provas, bem como
responderão aos quesitos que denominarão se o acusado é culpado ou
não. Porém esse conselho não tem a competência para lavrar a sentença,
ficando a cargo do Juiz togado que presidiu a sessão.

Após discorrer sobre o conselho de sentença, restou claro que os


jurados que compõem este orgão usam da íntima convicção para fazer o
julgamento e darem o veredito final. Portanto, faz-se necessário passar a
considerar algumas arbitrariedades que ocorrem dentro desse conselho e
como o julgamento em sede do Tribunal do Júri deve acontecer conforme
112
o direito, ainda que os juízes sejam populares e não técnicos.

ARBITRARIEDADES DO CONSELHO DE SENTENÇA E


JULGAMENTO CONFORME O DIREITO

O poder dos jurados em decidir o futuro do réu é imenso, cabe a


eles arbitrarem tanto sua condenação, como sua absolvição, o que
representa um grande impacto na vida desses indivíduos.
O problema gira em torno do fato de que, na maioria das vezes,
os jurados são pessoas que não possuem conhecimento técnico para o
encargo, o que gera um problema, pois o conhecimento jurídico seria
fundamental para melhor elucidação dos fatos, principalmente de ordem
processual.
Isto porque cada caso que é levado ao Tribunal do Júri tem sua
especificidade, exigindo daquele que julga maior conhecimento para que
haja obviamente a devida interpretação do processo e do caso a ser julgado.
Diante da falta de preparo por parte dos jurados, os réus acabam
sendo julgados, na maioria das vezes, com base em suas particularidades,
ou seja, nem sempre o julgamento é de fato justificado pelo crime
cometido.

Não se pode negar que na atualidade está cada vez mais


complexo, a apreciação de um crime doloso contra a vida, pois as provas
trazidas em cada processo carecem de uma análise profunda e com um grau
maior de preparo técnico jurídico. Em razão da cena teatral que se forma
entre a parte acusadora e a parte defensora durante o julgamento se torna
complicado não se ludibriar por aquele que melhor atuem no Tribunal. Por
isso são extremamente essenciais os princípios constitucionais e artigos da
legislação processual penal que tentam amenizar a arbitrariedade e

113
possíveis falhas que por ventura possam ser cometidas pelo conselho de
sentença.

Nesse sentindo, e levando em consideração a importância dos


princípios constitucionais em todo o instituto do Júri, o próximo tópico
esclarece sobre as características constitucionais do Tribunal do Júri e
como elas são garantidoras dos direitos e garantias fundamentais.

CARACTERÍSTICAS CONSTITUCIONAIS DO TRIBUNAL DO JÚRI


NO BRASIL

Não existe na doutrina uma certeza sobre a origem temporal e


territorial do surgimento do instituto do Tribunal do Júri no mundo, mas
a doutrina majoritária admite que o instituto tenha origens muito
remotas, e que ganhou suas feições modernas, segundo André Estefam em
sua obra “Inglaterra com Charta Magna Libertatum de 1215, imposta
pelos lordes ao Rei João Sem-Terra” (ESTEFAM, 2012).
Contudo, no Brasil a origem histórica remonta ao ano de 1822,
um pouco antes da independência quando o instituto foi criado para
julgar os crimes de imprensa, e não integrava o poder judiciário. Somente
com a Constituição Imperial de 1824 o júri passou a integrar o Poder
Judiciário, sendo que sua competência era ampla para julgamento de
todas as causas, não só as causas criminais.
O Tribunal do Júri esteve presente em todas as Constituições
Brasileiras com exceção da Constituição de 1937, pois essa foi uma
constituição outorgada em um período ditatorial denominado Estado
Novo. Não havendo espaço para um instituto altamente democrático em
que a sociedade é chamada a participar de forma soberana. Inclusive
mesmo a constituição ora citada não tendo feito referência ao Tribunal do
Júri, nem mesmo para revogar, nesse período houve rompimento de um
114
dos pilares do instituto quando da edição do Decreto-Lei 167 que aboliu a
soberania dos vereditos permitindo que fosse aplicada ao réu por juiz
togado uma pena justa ou até mesmo absolver.
O Poder constituinte da atual Constituição Federal inseriu o
Tribunal do Júri no artigo 5º, capítulo destinado aos direitos e garantias
fundamentais, especificamente no inciso XXXVIII, a qual estabelece que:
“é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei,
assegurados: a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos
veredictos e a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida”
(BRASIL, 1988).
Quando foi recepcionado pela Carta Magna de 1988 foi alocado
dentro do capítulo dos direitos e garantias individuais, sendo entendido
pelo legislador constituinte como autêntico direito fundamental, e,
portanto cláusula pétrea. Desta maneira o referido tribunal é uma
instituição que não pode ser suprimida nem mesmo por Emenda a
Constituição, configurando também como cláusula pétrea os princípios
que o texto fundamental reservou ao Tribunal do Júri e que estão
elencados no mesmo dispositivo. São eles, plenitude de defesa; sigilo das
votações; soberania dos vereditos e competência para julgar os crimes
dolosos contra vida.
Portanto, é importante fazer algumas breves considerações a
respeito destes princípios constitucionais, a começar pela plenitude de
defesa, princípio primordial, já que inexiste devido processo legal (art. 5º,
XXXVIII, alínea “a”CF/88) sem que sejam concedidos ao réu a amplitude
de defesa e o contraditório.
Na seara do Tribunal do Júri, a amplitude de defesa não se iguala
a plenitude de defesa, uma vez que a defesa plena deve ser assegurada com
maior eficácia disponibilizando maior número de meios e recursos para

115
garantir a defesa do acusado. A plenitude de defesa é intrínseca ao júri, já
que a defesa em plenário é apresentada a juízes leigos utilizando-se,
portanto, não somente argumentos jurídicos, mas todos os meios para
plenitude da defesa. Segundo Nucci “amplo é algo vasto, largo, copioso,
enquanto pleno equivale a completo, perfeito, absoluto.” (NUCCI, 2015).
Resta claro, portanto que a plenitude de defesa é príncipio constitucional
fundamental, garantindo ao acusado uma defesa irrestrita, ampla, e
amparada em todos os meios de prova que se fizerem necessárias a garantia
de sua defesa.
O sigilo das votações garantido pelo Artigo 5º, XXXVIII, “b”, da
Constituição Federal de 1988 reveste-se de muitas formalidades, pois é
princípio específico do Tribunal do Júri e cumpre papel essencial para que
o julgamento cumpra o devido processo legal.
O Código de Processo Penal se encarregou de explicitar quais
pessoas deverão presenciar a votação e onde esta deverá acontecer,
corroborando assim com a garantia do princípio constitucional do sigilo
das votações.
Segundo o art. 485 do CPP:

Não havendo dúvida a ser esclarecida, o Juiz


Presidente, os jurados, o Ministério Público, o
assistente, o querelante, o defensor do acusado, o
escrivão e o oficial de justiça dirigir-se-ão à sala
especial a fim de ser procedida a votação (BRASIL –
DECRETO-LEI Nº 3.689, 1941).
Salienta-se que o referido artigo não menciona vítima ou réu na
sala especial de votação, numa clara intenção do legislador de impedir que
os jurados sintam-se de algum modo influenciados ou sofram qualquer tipo
de receio ou coação, pois estão ali diante de acusados de crimes dolosos
contra a vida, que muitas vezes são praticados com requintes de crueldade,

116
o que poderia representar uma intimidação aos jurados.

Sobre a liberdade que a legislação infraconstitucional processual


penal garante aos jurados no princípio do sigilo das votações, Walfredo
Cunha Campos tem o seguinte entendimento:

Os jurados decidem a causa através de votações


secretas, não se identificando a maneira como votou
cada cidadão-leigo. Visa tal princípio resguardar as
tranquilidade e segurança dos membros do
Conselho de Sentença para decidir o destino do
acusado, sem medo de represálias, de quem quer
que seja (CAMPOS, 2010, p.9).

O princípio citado é muito importante, pois garante que o


jurado decida de acordo com o seu livre convencimento, sem
interferências externas. A partir do momento que o jurado presta o
compromisso ele estará incomunicável, não podendo falar nada a respeito
do processo, sendo permitido somente assuntos triviais e na presença de
um oficial de justiça. Portanto, se houver quebra desse sigilo o juiz pode
dissolver o plenário de oficio, ou ainda enviar o processo ao tribunal de
justiça para que seja decretada a nulidade do júri.
O terceiro princípio trata da soberania dos vereditos que está
explicitado no texto constitucional no artigo 5º, XXXVIII, “c”. No âmbito
do Tribunal do júri, significa que a decisão do órgão colegiado não pode
ser reformada pelo juiz togado diretamente, pois o voto popular no júri é
soberano, ou seja, a decisão final é tomada única e exclusivamente pelo
voto dos jurados que ali estão. Assim, em conformidade ao artigo 472 do
Código de Processo Penal, fazem também a promessa de votar de acordo
com a sua consciência, sem buscar auxílio nas normas e nas
jurisprudências do Estado democrático de Direito.
Tal princípio garante a independência do instituto, visto que o
117
júri foi alvo de controvérsias acerca de pertencer ou não ao órgão
judiciário brasileiro vez que está incluído no capítulo de direitos e
garantias fundamentais, como mencionado anteriormente, aduzindo
pertencer ao órgão político e não judiciário.
Contudo essa controvérsia encontra-se pacificada na doutrina
majoritária, na qual filia-se o doutor e mestre em direito processual penal
Guilherme de Souza Nucci, que entende ser o júri um órgão do Poder
Judiciário com características especiais:

Trata-se de um órgão do poder judiciário, que


assegura a participação popular direta nas suas
decisões de caráter jurisdicional. Cuida-se de uma
instituição de apelo cívico, demonstrativa da
importância da cidadania e da democracia na vida
em sociedade. (NUCCI, 2015, p.45).

Salienta-se que o princípio da soberania dos vereditos é


princípio garantidor da democracia e autonomia do instituto do Tribunal
do Júri. No entanto, a impossibilidade de interferência do magistrado
togado é restrita ao mérito do veredito, sendo pacificado na
jurisprudência pátria o entendimento de que os jurados devem votar com
livre convicção, como estabelecido na Carta Maior de 1988, desde que
amparados por fatos probatórios que os auxiliem a optar por uma das
teses apresentadas em plenário, não podendo o conselho de sentença
decidir contrariamente a prova dos autos.
Nesse mesmo sentido temos que:

PROCESSO PENAL E PENAL - TRIBUNAL DO


JÚRI - EXISTÊNCIA DE VERSÕES
ANTAGÔNICAS - CONSELHO DE SENTENÇA -
118
OPÇÃO PELA QUE REVELOU
VEROSSIMILHANÇA - TESE ACUSATÓRIA -
MAIOR CONSISTÊNCIA - JULGAMENTO
MANIFESTAMENTE CONTRÁRIO À PROVA DOS
AUTOS - INOCORRÊNCIA -
APELAÇÃO - IMPROVIMENTO - 1) Por força do
princípio constitucional da soberania dos
veredictos, deve prevalecer a decisão do Conselho
de Sentença que, diante de versões bem definidas e
antagônicas no processo, acolhe a tese da corrente
acusatória, optando, assim, por aquela que se
afigura consistente e verossímil, por encontrar
ressonância no conjunto probatório, até porque,
decisão manifestamente contrária a prova dos autos
é somente aquela que se mostra arbitrária, por
dissociar-se totalmente do acervo probatório - 2)
Apelação improvida. (TJ-AP - APL:
13577320088030002 AP , Relator: Desembargador
MÁRIO GURTYEV, Data de Julgamento:
26/05/2009, 2A. VARA CRIMINAL, Data de
Publicação: DOE 22, página (s) de 16/06/2009).

Sendo assim, a apelação criminal em sede do Tribunal do júri não


deve ser utilizada como meio de inválidar a soberania dos vereditos, por
isso somente deverá ser proposta apelação da sentença do júri quando os
jurados desconsiderarem o conjunto de provas apresentados em plenário,
por influência da mídia, ou qualquer outro motivo e forem
manifestadamente contrario a elas.
Expressando-se sobre o tema, Guilherme de Souza Nucci diz que:

Não é possível que, sob qualquer pretexto, cortes


togadas invadam o mérito do veredito, substituindo-
o. Quando – e se – houver erro judiciário, basta
remeter o caso a novo julgamento pelo Tribunal
Popular. Porém, em hipótese alguma pode-se
invalidar o veredito, proferindo outro, quanto ao
mérito. (NUCCI, 2015, p.31).
119
Assim, a decisão do colegiado formado pelo júri, denominada
veredito, é soberana e intrínseca ao Tribunal do Júri. Todavia, apesar
dessa soberania garantir que o juiz presidente interfira na decisão do
colegiado, há de se dizer que o colegiado é formado por pessoas que podem
errar e julgar o caso em total desacordo com as provas apresentadas, seja
por influência midiática, seja por preconceitos, coerções ou outros
motivos.
Portanto, se a decisão do júri se manifestar contrária à prova dos
autos cabe apelação conforme estabelece o Código de Processo Penal em
seu artigo 593, III, letra “d”. Tal dispositivo legal visa juntamente como o
artigo 621, do mesmo diploma, garantir que a soberania dos vereditos não
seja superior a outros princípios constitucionais de mesma relevância, tal
como o princípio da plenitude de defesa citado anteriormente, bem como o
princípio do estado de inocência norteador de todo o processo penal.

Na alínea “d” do artigo 5º, XXXVIII da CF/88 encontra-se


explicitado o princípio que determina a competência do Tribunal do Júri,
qual seja: processar e julgar os crimes dolosos contra a vida, que no direito
penal brasileiro são apenas quatro: o artigo 121 do CP edição atualizada
2017 traz o homicídio seja este tentado ou consumado; o artigo 122 do
mesmo código positiva o crime de induzimento, instigação e auxilio ao
suicídio; e o artigo 123 também do mesmo diploma legal estabelece o
infanticídio, que é matar o próprio filho durante ou após o parto estando
em estado puerperal.
Além dos anteriormente mencionados, temos entre os artigos
124 e 128, do mesmo código, as figuras do aborto, quais sejam: no artigo
124 o auto aborto; no art.125 o aborto praticado por terceiro sem o
consentimento da gestante; no art.126 CP aborto praticado por terceiro

120
com o consentimento da gestante, e, por fim, crimes que decorrem ou se
relacionam a modalidade de aborto, que também são incluídos no rol de
crimes julgados pelo Tribunal do Júri.
Todavia, é pacífico na doutrina pátria que a competência de tal
instituto é mínima, pois quando a Constituição outorga ao Tribunal do
Júri a competência para processar e julgar os crimes dolosos contra vida
em seu artigo 5º inciso XXXVIII alínea “d’’:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem


distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
XXXVIII - e reconhecida a instituição do júri, com
a organização que lhe der a lei, assegurados:
d) a competência para o julgamento dos crimes
dolosos contra a vida; (BRASIL, 1988).

Está outorgando ali uma competência mínima, que não pode ser
suprimida, e somente o denominado Tribunal pode julgar os crimes da
natureza que lhe cabe. No entanto, é possível ao legislador ordinário
dilatar a competência do Tribunal do júri, o que geralmente ocorre
quando atrai à competência do júri os crimes conexos, ou seja, aqueles
crimes praticados com relação de causa e efeito ou quando um é cometido
durante a execução do outro. Entendimento esse consolidado na
jurisprudência do STF:

A competência do Tribunal do Júri, fixada no art.


5º, XXXVIII, d, da CF, quanto ao julgamento de
crimes dolosos contra a vida é passível de

121
ampliação pelo legislador ordinário. A regra
estabelecida no art. 78, I, do CPP de observância
obrigatória, faz com que a competência
constitucional do tribunal do júri exerça uma vis
atrativa sobre delitos que apresentem relação de
continência ou conexão com os crimes dolosos
contra a vida. Precedentes. A manifestação dos
jurados sobre os delitos de sequestro e roubo
também imputados ao réu não maculam o
julgamento com o vício da nulidade. (HC
101542/SP., 1ª T.,j. 04.05.2010(, v.u., Ricardo
Lewandowski).

Pelo julgamento do Habeas Corpus acima mencionado, entende-


se que os crimes conexos e que estabelecem continência com aqueles de
competência do Tribunal do júri devem ser observadas as questões
estabelecidas no artigo 78 do CPP que define as regras que devem ser
analisadas quando do julgamento, como, a prevalença da competência do
júri, o concurso de juridição de mesma categoria, da infração, o lugar do
maior número de infração, e no concurso das juridições as de maior
graduação e as especiais prevalecerão.

Nesse sentido Guilherme de Souza Nucci afirma:

é defeso ao Juiz impronunciar o acusado de crime


conexo, devendo remeter a julgamento popular o
acusado com a imputação de toda a peça vestibular,
englobando os crimes contra a vida e os conexos.
(NUCCI, 2006, p.679).

Assim, o juiz deverá pronunciar o réu para ser julgado pelo


Tribunal do júri tanto pelo crime de competência deste, como pelo crime
conexo a ele, ainda que de cometencia da justiça comum.

122
Ainda de acordo com o posicionamento jurisprudencial Araújo
Reis; Rio Gonçalves, leciona:

A Constituição Federal assegurou ao tribunal do


júri a competência mínima para julgar os crimes
dolosos contra a vida, o que não interdita a
possibilidade de o legislador ampliar o elenco de
infrações cujo julgamento é afeto ao órgão, o que,
de fato, já ocorre em relação aos crimes conexos,
que são apreciados pelo júri (art. 78, I, do CPP).
(REIS, 2012, p.13).

Ressalta-se que o instituto da conexão está positivado no artigo


76 do CPP, que define expressamente as situações em que a competència
será definina pela conexão:
I. Se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem
sido praticadas, ‘mesmo tempo, por várias pessoas
reunidas, ou por varias pessoas em concurso,
embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias
pessoas umas contra as outras;
II. Se, no mesmo caso, houverem sido umas
praticadas para facilitar ou ocultar as outras ou
para conseguir impunidade ou vantagem em
relação a qualquer delas (BRASIL – DECRETO-
LEI Nº 3.689, 1941).

Nesse sentido vale lembrar que a Constituição Federal de


1988 no Artigo 5º, XXXVIII, alínea “d” já supramencionado deixa claro
que o Tribunal do Júri não pode decidir sobre outros crimes que não
estejam elencados naquele diploma, a não ser por conexação ou
continência, insitutos que recebem duras críticas de juristas, por sua
complexidade dentro do direito processual penal.
Assim, feito os devidos esclarecimentos sobre as
características constitucionais do Tribunal do Júri no Brasil, é chegado o
momento de falar sobre como a mídia influência às decisões dos jurados,
123
no capítulo a seguir será abordado como essa influência afeta
diretamente a características consticucionais supramencinadas, bem
como interfere de forma substancial no veredito final proferido.

A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO VEREDITO FINAL DO TRIBUNAL


DO JÚRI

O mundo passou nas últimas décadas por grande evolução por


intermédio da globalização, trazendo grandes avanços principalmente no
que diz respeito aos meios de comunicação como um todo, porém, com
mais ênfase naquela destinada a atingir a grande massa da população: a
famosa mídia. Para melhor elucidação do capítulo em questão,
primeiramente faz-se necessário trazer à baila o conceito de mídia.

De acordo com o dicionário da língua portuguesa Michaelis,


mídia é:

Toda estrutura de difusão de informação, notícias,


mensagens e entretenimento que estabelece um
canal intermediário de comunicação não pessoal, de
comunicação de massa, utilizando-se de vários
meios, entre eles jornais, rádio, televisão, cinema,
mala direta, outdoors, informativos, telefone,
internet etc. (MICHAELIS, 2020).

Já Segundo Rodolfo Nakamura, mídia é:

a grafia aportuguesada da palavra media conforme


a pronúncia em inglês. Media é o plural de
medium, palavra latina que significa “meio”. Em
comunicação, serve para designar todos os meios
de comunicação. (NAKAMURA, 2009, p.28).

124
Dessa maneira a mídia está o tempo todo presente no dia a dia
das pessoas trazendo informações em tempo real, sobre assuntos diversos,
por meio da televisão, rádio, jornais impressos e principalmente da
internet, que se tornou a maior fonte de informação da sociedade em todo
o planeta.

No Brasil, o acesso irrestrito e muitas vezes irresponsável da


propagação de toda e qualquer informação sob a alegação da liberdade de
imprensa, liberdade de expressão e interesse público trouxe à tona uma
grande discussão acerca do julgamento pelo Tribunal do júri e a influência
da mídia nessas decisões, já que o réu passa a ser julgado não só pelo
conselho de sentença no Tribunal e sim por toda a sociedade, uma vez que
todo o processo criminial é amplamente difundido pela mídia antes mesmo
do cumprimento do processo legal e da necessária pronúncia pelo juiz
criminal, que pode também ser influenciado pelas informações difundidas
pelos meios de comunicação e ter preconceitos antes mesmo de analisar as
provas apresentadas ao processo.

Essa condenação prévia interfere diretamente no veredito final


dos jurados, que antes mesmo de verem as provas contra o acusado já
formam sua opinião baseando-se em informações recebidas pela mídia, o
que muitas vezes é feita de forma desrespeitosa exagerada e com intuito de
gerar grande comoção aumentando cada vez mais a audiência.

Quando isso ocorre, os princípios constitucionais que garantem


ao Tribunal do Júri status de tribunal justo sofrem graves influências
capazes de impedir a plenitude de defesa devido à disseminação de notícias
falsas, bem como a soberania dos vereditos, já que os jurados quando da
formação do conselho de sentença já foram expostos aos mínimos detalhes
do caso e vão ao tribunal já com a decisão tomada de acordo com os valores
morais e a opinião da sociedade divulgada na mídia.
125
Tal julgamento prévio forçado pela ampla divulgação da mídia
torna-se ainda mais prejudicial quando o crime provoca comoção social,
por terem sidos realizados de forma cruel ou contra crianças, e idosos.
Nesses casos os jurados comparecem ao tribunal somente para externar a
sua vingança e garantir que o réu, condenado antes pela mídia e pela
sociedade receba muitos anos atrás de uma grade em sua condenação pelo
Tribunal do Júri.

Nesse sentido Guilherme de Souza Nucci:

O cultivo do prazer vingativo, muito embora possa


construir fator ligado à personalidade de vários
indivíduos, não deve converter-se em objetivo do
Estado, ente perfeito e abstrato, fomentador do
Direito e da Justiça, sempre imparcialmente
cultuados e aplicados. Se época houver em que os
agentes do Estado passarem a agir
desgovernadamente, com ânimo de vingança e
prazer sádico de ferir e lesar aquele que,
porventura, fez o mesmo a seu semelhante, não
mais se poderá falar em Estado Democrático de
Direito e em muito menos em respeito à dignidade
da pessoa humana. (NUCCI, 2012, p.51)

Assim, pode-se dizer que os jurados como julgadores, não devem


ser expostos aos fatos e provas que serão alegados pela acusação ou pela
defesa, sob pena de cultivar pré-julgamentos e tonar-se totalmente parcial
não podendo integrar o corpo de jurados do Tribunal do Júri.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se, portanto, que o Tribunal do Júri, é instituto


secular de grande importância para a sociedade, haja vista as garantias
126
fundamentais estabelecidas na Constituição vigente que possibilitam um
julgamento com menos chances de acontecer arbitrariedades.
Contudo, faz-se necessário uma atenção especial dos
legisladores no que diz respeito à influência que a mídia causa no veredito
final dos jurados no Tribunal do Júri. Isto porque, o julgamento social
anterior ao julgamento em plenário coloca em xeque um princípio
constitucional basilar das relações humanas, qual seja a presunção da
inôcencia que não pode de maneira alguma ser cerceada por outro
princípio também constitucional, nem mesmo o da liberdade de imprensa.
É sabido que a função da mídia é manter a sociedade
informada sobre os mais variados assuntos, principalmente aqueles de
interesse público, como o cometimento de crime contra a vida. Contudo a
veiculação das informações pertinentes ao julgamento do caso de
competência do Tribunal do Júri deve ser mantido em sigílo para que tanto
os jurados, quanto os magistrados, promotores e defensores sejam
resguardados da influência que a mídia pode causar, já que todos são
humanos passíveis de serem manipulados pelo excesso de informação.
Pergunta-se, portanto qual a solução para mitigar o conflito entre
os princípios constitucionais amparadores do Tribunal do Júri, como a
plenitude de defesa, e a soberania dos vereditos versus os princípios
constitucionais que amaparam a mídia, como a liberdade de imprensa e a
liberdade de expressão.
Sugere-se, portanto, que a solução se trata de uma
diminuição na exposição excessiva dos fatos, provas, acusados e vítimas
dos crimes de competência do Tribunal do Júri, usando o bom censo e o
critério da proporcionalidade, haja vista não existir hierarquias entre
princípos constitucionais.
Tal sugestão mostra-se necessária e não fere a liberdade de

127
imprensa que é um dos princípios do Estado democrático de direito, pelo
contrário diminuiria a violação dos casos de cerceamento da dignidade da
pessoa humana, da plenitude de defesa, bem como restaria justo o
julgamento sem qualquer influência midiática.

REFERÊNCIAS

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de 1941. In Vade Mecum penal. 3º ed. Niteroi, Rio de Janeiro, Impetus,
2012, pág 234-289.

BRASIL. Código Penal. Decreto Lei nº 2848 de 07 de dezembro de 1940.


In Vade Mecum penal. 3º ed. Niteroi, Rio de Janeiro, impetus, 2012,
pág 162-223.

BRASIL. MICHAELIS: Moderno dicionário da língua portuguesa.


São Paulo: Melhoramentos. Disponível
em:<http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php>.>
Acesso em 15 de mar. de 2020.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 19.ed. rev. e atual. São


Paulo: Saraiva. 2012.

CASTRO, Juliana Vasconcelos de. O Tribunal do júri. Jus Navigandi,


Teresina,v.16, n.2936, 16 jul. 2011.Disponível em:<
http://jus.uol.com.br/revista/texto/19541 > Acesso em: 27 de nov. de
2019.

ESTEFAM, André. O Novo Júri: Lei n. 11.689/2008. 3.ed. Local: Editora


Damásio de Jesus, 2009.

FERREIRA, Vera Lúcia Lopes. Aspectos históricos do Tribunal do


júri ao longo do tempo e sua relevância para o ordenamento
jurídico brasileiro. Jus Navigandi Teresina, v. 16, n. 2907, 17 jun.
2011. Disponível em: < http://jus.uol.com.br/revista/texto/19314 >.
Acesso em: 27 de nov. de 2019.

GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 9º ed. rev e atual.


128
São Paulo: Editora Saraiva. < http://lelivros.pink/book/manual-de-
processo-penal-vicente-greco-filho/ >. Acesso em: 14 de out. de 2015.

LEÃO, Márcio Rodrigo Almeida de Souza. O Tribunal do júri e a


Constituição de 1988. Jus Navigandi, Teresina, v. 6, n. 51, 1 out. 2001.
Disponível em: < http://jus.uol.com.br/revista/texto/2127 >. Acesso em:
05 de abr. de 2020.

MARREY, Adriano; FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. Teoria e


Prática do Júri. 7. Ed. Ver, atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2000.

NAKAMURA. Rodolfo Mídia: Como fazer um planejamento de mídia


na prática / Rodolfo Nakamura. -- São Paulo: Farol do Forte, 2009
disponível em: < https://pt.slideshare.net/profjucavalcante/midia-como-
fazer-um-planejamento-de-midia-na-pratica-3 > Acesso em 07 mai. de
2020.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado


Editora Forense; Gen. São Paulo: 2006.

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Souza Nucci. – 11.ed.rev.,atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2012.

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Souza Nucci. – 14.ed.– São Paulo : Editora Saraiva, 2015.

REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios.


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SANTOS. Washington dos. Dicionário jurídico brasileiro. - Belo


Horizonte
Del Rey, 2001.

TÁVORA, Nestor; ASSUMPÇÃO, Vinícius. Processo Penal II. Editora


Saraiva, 2012.
129
RACISMO E DIREITO: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO

Magna Campos1
Saulo Camêllo2
RESUMO:

Este estudo discorre suscintamente sobre a corrente sistêmica e crítica voltada


à análise do racismo na sociedade, a fim de se olhar para a legislação brasileira
relacionada ao tema com uma percepção fundamentada que permita observar
os avanços e as lacunas das leis, e, ao final, descreve, exploratoriamente, e
dois casos concretos ocorridos em Minas Gerais, em 2019.

Palavras-chave: Racismo. Estrutura. Instituição. Indivíduo. Preconceito.

INTRODUÇÃO

A questão do racismo é sempre uma temática que merece atenção nas


instituições de ensino, quer seja de ensino básico ou superior, tendo em vista
o papel da educação para a emancipação do pensamento e a desconstrução de
preconceitos arraigados historicamente e que, não raro, são imperceptíveis às
pessoas devido ao seu processo de naturalização social que ofusca ou
inviabiliza seus mecanismos de reprodução.
Desta forma, este ensaio acadêmico propõe se deter sobre a temática,
de forma exploratória, mas ainda assim dialogando com autores que se
dedicaram a estudar mais a fundo a temática, numa perspectiva mais crítica, e
com alguns pontos essenciais da legislação nacional atinente à questão.
Culminando com a exploração de dois casos práticos recentes envolvendo
acusações de racismo/injúria racial.

1Professora universitária, Mestre em Letras e escritora.


2Graduando do 7º período em Direito pela Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana-
MG.
130
Para tanto, o estudo perpassa pelas questões do racismo, como ocorre
e suas classificações, bem como, suas concepções individualista, institucional
e estrutural, recuperando também, sucintamente, a abordagem tridimensional
do racismo, até chegar à legislação nacional sobre o crime de racismo, por
fim, descreve-se os dois casos concretos ocorridos em 2019.

O PROBLEMA DO RACISMO E SUAS REVERBERAÇÕES SOCIAIS


RACISMO: O QUE É E COMO OCORRE

A discriminação racial foi e ainda é um fator determinante na


sociedade brasileira, afetando diariamente a vida de pertencentes à diáspora
africana no país. Silvio Almeida salienta em sua obra “O que é racismo
estrutural?” que o racismo é definido pelo seu caráter sistêmico, não se
tratando apenas de um ato discriminatório ou mesmo de um conjunto de atos,
mas de “um processo em que condições de subalternidade e de privilégio que
se distribuem entre grupos raciais se reproduzem nos âmbitos da política, da
economia e das relações cotidianas.” (ALMEIDA, 2018, p.27).
Desta forma, não se deve resumir o racismo apenas ao preconceito,
mas a um conjunto sistêmico de relações de poder que acarreta na
“segregação racial, ou seja, à divisão espacial de raças em bairros - guetos,
bantustões, periferias e etc”. ALMEIDA (2018, p.27). Ainda sobre sua
definição, em relação à rede de influência desse fenômeno, o autor escreve:

Podemos dizer que o racismo é uma forma


sistemática de discriminação que tem a raça como
fundamento, e que se manifesta por meio de
práticas conscientes e inconscientes que culminam
em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a
depender do grupo racial ao qual pertençam.
(ALMEIDA, 2018, p.32)

131
As teorias que estudam racismo variam conforme o autor e época. Por
isso, neste estudo será feita uma breve apresentação das principais
concepções da área, para na sequência verificar-se o que a legislação brasileira
considera crime de racismo e quais as consequências jurídicas implicadas.

O RACISMO COMO RESULTADO ÚLTIMO DA ESTRUTURA

CONCEPÇÃO INDIVIDUALISTA

Ainda neste âmbito, Almeida (2018) propõe classificar o racismo em


três dimensões: individualista, institucional e estrutural. Tal divisão ocorre,
segundo o autor, com objetivo de contemplar a complexidade de
interpretações sobre fenômenos que caracterizam o racismo, o autor divide
sua análise em três esferas de relação com seus atores: o sujeito, o poder
institucional e o poder econômico.
A concepção individualista, gerada no nível do sujeito, caracteriza o
preconceito como uma patologia que deve ser combatida no campo jurídico,
por ser a expressão de um distúrbio individual, nas palavras do autor, “a
concepção individualista pode não admitir a existência do racismo, mas
somente de preconceito, a fim de ressaltar a natureza psicológica do
fenômeno em detrimento de sua natureza política”. (ALMEIDA, 2018, p.28).
Segundo o pesquisador, nesta perspectiva, crê-se, nessa lógica, que o racismo
se desenvolve como caso isolado em determinados indivíduos e grupos,
afunilando a sua abrangência ao subjetivo imanifesto ou ao ato de injúria
racial.

CONCEPÇÃO INSTITUCIONAL

132
A concepção institucional não resume o racismo unicamente a
comportamentos individuais, mas o interpreta como expressão do
funcionamento das instituições, que “passam a atuar em uma dinâmica que
confere, ainda que indiretamente, desvantagens e privilégios a partir da raça”
(ALMEIDA, 2018, p.29). O autor discorre ainda sobre o que confere
institucionalidade a esse sistema, dado o antagonismo intrínseco à estrutura
social, e o define como o campo onde se dá a absorção e o intermédio de tais
oposições, condicionando-as ao controle da instituição em si, de onde é
exercido o monopólio de poder.
Por essa natureza, o racismo institucional é, na maioria dos casos,
velado e incondenável, já que atua por meio de processos tipicamente
respeitados pelo conjunto da sociedade, sendo até mesmo imperceptível a
quem não afeta de maneira direta. Portanto, nessa esfera os conflitos raciais
se manifestam como uma luta pelo controle formal das estruturas de exercício
da hegemonia, conferindo, assim, legitimidade ao grupo com mais acesso às
estruturas de poder por ser previamente hegemônico.
Esse processo vicioso, historicamente estabelecido em benefício de
homens brancos, gera discriminação racial no cerne dos espaços públicos,
como o Estado e o sistema jurídico, por exemplo, erodindo o princípio de
isonomia:

Assim, a principal tese de quem afirma a existência


de racismo institucional é que os conflitos raciais
também são parte das instituições. Assim, a
desigualdade racial é uma característica da
sociedade não apenas por causa da ação isolada de
grupos ou de indivíduos racistas, mas
fundamentalmente porque as instituições são
hegemonizadas por determinados grupos racistas
que utilizam mecanismos institucionais para impor
seus interesses políticos e econômicos. (ALMEIDA,
2018, p.39)
133
As relações em ambientes institucionais têm a vida cotidiana como
referência, mesmo velada, contribuindo para a marginalização dos grupos
vitimados, dificultando o acesso à cidadania e aprofundando a desigualdade.
A responsabilização jurídica de atos isolados, portanto, não seria eficaz na
erradicação do racismo, pois se trata de uma questão social ampla e
sistemática, com raízes na história, porém intimamente ligado ao presente,
definindo as hierarquias sociais e projetos políticos.

CONCEPÇÃO ESTRUTURAL

A concepção estrutural interpreta o poder para além de sua


formalidade, valendo-se dos sistemas não-oficiais de prestígio e dominação,
as forças políticas primeiras, determinadas pelo poder historicamente
estabelecido e que age na ribalta das outras duas concepções.
O autor afirma que “as instituições são racistas porque a sociedade é
racista” (ALMEIDA, 2018, p.47), descrevendo sucintamente os processos
históricos e sociais que condicionam indivíduos e grupos no poder a
sustentarem sua situação de privilégio, utilizando para tal o poder político que
possuem, gerando assim a manutenção cíclica desse sistema.
Pois, como explica Almeida (2018, p. ?),

O racismo não é um ato ou um conjunto de atos e


tampouco se resume a um fenômeno restrito às
práticas institucionais; é, sobretudo, um processo
histórico e político em que as condições de
subalternidade ou de privilégio de sujeitos
racializados é estruturalmente reproduzida.
Desta forma, o racismo é elemento constituinte da política e da
economia dos Estados, sendo uma forma sistemática de discriminação que

134
não é estranho ao Estado, pois faz parte da própria estrutura organizadora das
relações tanto sociais quanto econômicas e políticas.

ABORDAGEM TRIDIMENSIONAL DO RACISMO

A PRECEDÊNCIA DAS IDEOLOGIAS


Considerar a precedência das ideologias na questão do racismo,
significa, como explica Brown e Miles (2004 apud CAMPOS, 2017, p.) que o
racismo “deve ser entendido como uma ideologia que é caracterizada pelo seu
conteúdo [...] que assevera ou presume a existência de ‘raças’ separadas e
discretas, e atribui uma avaliação negativa de uma ou algumas dessas ‘raças’
putativas”. Desta forma, estas ideologias funcionam com precedência causal
sobre preconceitos e discriminações.

A PRECEDÊNCIA DAS PRÁTICAS


Entender o racismo neste âmbito, significa compreender que as ações
e práticas discriminatórias precedem o papel desempenhado pelas ideologias,
crenças ou desvantagens estruturais na reprodução do racismo. Não que se
desconsidere o papel das crenças e das ideologias, mas antes de entender que
estas não teriam consequências sociais se não fossem traduzidas em práticas
discriminatórias, conforme expõe Campos (2017).

A PRECEDÊNCIA DAS ESTRUTURAS


Nesta linha, ao contrário das concepções que consideram a
precedência das práticas ou ideologias, as teorias do racismo que enfocam as
estruturas, sistemas e instituições os tomam não apenas como incentivos
potenciais, mas como causas que engendram o racismo em si. Desta forma,
práticas e ideologias passam a ter um papel secundário (CAMPOS, 2017).

135
Essas três vertentes, cada uma em sua especificidade, contribuíram
para a ampliação do espectro de estudos do fenômeno do racismo, tendo em
vista que:

a concepção atitudinal de racismo foi profícua ao


jogar luz sobre condutas discriminatórias cada vez
mais sutis e implícitas. Por outro lado, ao tentar
localizar nas práticas um referente objetivo para as
teorias do racismo, a abordagem centrada nas
atitudes termina por adotar uma concepção estrita
demais do que é racismo. É justamente aqui que as
noções sistêmicas de racismo ganham relevo, pois
apontam para a objetividade dos efeitos racistas das
instituições e estruturas, mesmo que eles não sejam
imediatamente visíveis. (CAMPOS, 2017, p.11)

Indiferentemente de qual acepção estiver se tratando, na perspectiva


da abordagem tridimensional, como afirma Campos (2017, p. 14), o racismo
devo ser considerado na imbricação das três categorias, mas cada uma
analisada separadamente, pois só assim é possível se dar conta da
complexidade envolvida:

o racismo deve ser compreendido como um


fenômeno social constituído pelas relações
ontológicas entre: discursos, ideologias, doutrinas
ou conjuntos de ideais (cultura); ações, atitudes,
práticas ou comportamentos (agência); estruturas,
sistemas ou instituições (estrutura).

Assim, dada a complexidade de como o racismo tem operado


atualmente, torna-se cada vez mais necessário encontrar uma forma de
integrar essas três causas e analisá-las sem a primazia de uma sobre a outra,
buscando-se compreender as peculiaridades de cada uma e seus pontos
interdependentes.

136
O CRIME DE RACISMO E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Neste estudo, vimos que o racismo não deve ser resumido apenas ao
preconceito, discorremos a respeito de sua sistemática, trazendo uma breve
apresentação de suas concepções, a fim de visualizarmos o crime de racismo
em nossa legislação.
Em 3 de julho de 1951, o presidente Getúlio Vargas sancionou pela
primeira vez na história da legislação brasileira a criminalização da
discriminação racial, a lei 1390/51, proposta por Afonso Arinos de Melo
Franco (1905-1990), tendo a lei ganhado seu nome. Após 63 anos do fim da
escravidão no Brasil, a Lei Afonso Arinos designava em seus nove artigos
como sendo mera contravenção penal o que decorria de preconceito de raça
ou de cor, a qual resultou em diversas críticas referentes a sua eficácia e ao
método de interpretação sobre o que verdadeiramente é o racismo, que, para
a lei, possuía apenas um caráter proibitivo. Vejamos o 1° artigo da lei
1390/51:

Art. 1° Constitui contravenção penal, punida nos


termos desta lei, a recusa, por parte de
estabelecimento comercial ou de ensino de qualquer
natureza, de hospedar, servir, atender ou receber
cliente, comprador ou aluno, por preconceito de
raça ou de cor. (BRASIL, Lei Afonso Arinos,
nº1390/51 de 1951)

Em estudo realizado por Fernanda Estanislau Alves Pereira, para sua


dissertação de mestrado, a autora traçou um caminho jurídico que surge aos
direitos raciais, foi constatado que o Direito está em descompasso com a
realidade social, uma vez que o antirracismo permaneceu por muito tempo

137
concentrado na esfera penal que criminalizava a própria existência negra, e
que permanece atuando sistematicamente, dentro do próprio poder
judiciário, com o olhar condicionado em combater a existência de pobres e
negros (PEREIRA, 2019, p.108).
Neste âmbito, nota-se que a Lei Afonso Arinos traz uma concepção
reducionista do que é racismo, caracterizando em seu contexto o racismo
apenas como ato de preconceito. Além disso, a lei foi tipificada como infração
penal, trazendo insatisfações por partes dos movimentos sociais envolvidos
em sua tipificação (PEREIRA, 2019, p.50).

A lei traz em si um conceito de discriminação


fechado e objetivo, externo e explícito e isso
demonstra o desconhecimento por parte do
legislador, ou um posicionamento outro que não
combate à discriminação racial, da forma como o
racismo de fato opera no Brasil. O racismo que se
quer combater opera em uma rede invisível de
ofensas, insultos racistas, desconsideração
intelectual e, principalmente, o não reconhecimento
da própria existência do racismo em si. (PEREIRA,
2019, p.50)

Seguindo um contexto histórico, na Constituição Federal de 1988, na


qual através do movimento constituinte, militantes sociais se fizeram
presentes como fiscais e agentes diretos da elaboração da Constituição, tendo
a presença de onze representantes negros (PEREIRA, 2019, p.73). A partir
disso, a constituição implementou políticas públicas voltadas à população
negra, bem como as ações afirmativas, como por exemplo, as cotas raciais em
universidades e em concursos públicos (PEREIRA, 2019, p.79).
Observemos o que o texto constitucional estabeleceu acerca do
racismo e preconceito:

138
Art. 3º - São poderes objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil:

IV- promover o bem de todos, sem preconceitos de


origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação. (BRASIL, Constituição
Federal, 1988).

Ainda mais interessante para o presente estudo é o texto do artigo 5,


do capítulo Dos Direitos e Garantias Fundamentais, em seus incisos XLI e
XLII, que dispõe:

Art.5 Todos são iguais perante a lei, sem distinção


de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes;

XLI- a lei punirá qualquer discriminação atentatória


dos direitos e liberdades fundamentais.

XLII- a prática do racismo constitui crime


inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de
reclusão, nos termos da lei (BRASIL, Constituição
Federal, 1988)

Desta feita, conforme promulga o texto constitucional, o racismo deve


ser combatido na esfera penal, contraponto à previsão de práticas racistas
estabelecidas na Lei Afonso Arinos. Pires (2016), "ressalta a importância do
reconhecimento da prática racista ser considerada crime simbolizando um
reconhecimento objetivo da dignidade das pessoas negras e sua respectiva
inviolabilidade” (PEREIRA, 2019, p.79 apud PIRES, 2016, p.).
Editada em similaridade com a Lei Afonso Arinos, a Lei Caó (nº
7716/89) sancionada quase dez anos depois, traz vinte e dois artigos que
versam sobre condutas que impedem acesso, negam direitos e criam restrições
com base na raça ou cor, compreendendo ações de cunho segregacionistas
139
(PEREIRA, 2019,p.80), que incubem penas maiores e ação penal
incondicionada, além de ser crime inafiançável e imprescritível.
Analise-se agora o Art. 20 da Lei 7716/89, o qual dispõe que
“praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia,
religião ou procedência nacional”.
Percebe-se que o bem jurídico tutelado na lei em questão é a
dignidade da pessoa humana, o que se difere da figura da Injúria Racial, que
será abordada agora, ambas não devem ser confundidas. A Injúria Racial
trata-se da honra subjetiva à imagem da pessoa, crime prescritível e afiançável
de ação penal privada, sendo uma qualificadora do art. 140 do Código Penal.

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a


dignidade:

Pena- detenção, de um a seis meses, ou multa

§ 3º- Se a injúria consiste na utilização de elementos


referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou a
condição de pessoa idosa ou portadora de
deficiência:

Pena- reclusão de um a três anos e multa (BRASIL,


Código Penal, 1940)

Após analisar os dispositivos da esfera penal que versam sobre o


crime de racismo e a injúria racial, há ainda muito o que se debater. Nossa
legislação carece de compreensão da identidade cultural do sujeito negro.
Pois, por muito tempo o Direito negou lugar ao cidadão negro, agora precisa
passar por uma reavaliação estrutural para defender com eficácia os
pertencentes à diáspora africana em nosso país (PEREIRA, 2019, p.109)

ESTUDO EXPLORATÓRIO: DOIS CASOS ENVOLVENDO INJÚRIA


RACIAL

140
Em 2019, em matéria divulgada no jornal mineiro, O Tempo, traz um
levantamento de dados de um estudo realizado em Minas Gerais, no qual
constata-se que de 2018 até novembro de 2019 houve 16 ações de crime de
racismo e 142 de Injúria Racial. Em média, a cada quatro dias, uma denúncia
de discriminação racial foi oferecida à Justiça pelo Ministério Público
Estadual. Com relação às queixas prestadas à polícia, entre janeiro e setembro
de 2019, foram registradas 294 situações. Esse número certamente é mínimo,
pois em muitos casos, a vítima desiste de prestar queixa, quer seja por
desconhecimento da lei, por vergonha ou pelo pré-julgamento negativo das
demais pessoas que acusam de vitimismo a tentativa de evidenciar situações
envolvendo racismo e seus desmembramentos.
Por isso, serão trazidos dois casos exemplares de situações distintas
relacionadas a possíveis situações de racismo/injúria racial, a fim de se
visualizar, exploratoriamente, o tema na prática social.

UM MIDIÁTICO: O CASO NATÁLIA DUPIN EM BH-MG


No dia 5 de Dezembro de 2019, em Belo Horizonte, o taxista Luis
Carlos Alves, de 52 anos, ao avistar uma possível passageira e oferecer seu
serviço de taxista, foi vítima de injúria racial ao receber como resposta de
Natália Burza Gomes Dupin, “não ando com negro”, conforme relatou a
vítima que se revoltou com a situação e replicou dizendo que era uma atitude
criminosa, tendo como resposta de Dupin: “eu não gosto de negro, sou
racista, sou racista mesmo” e logo depois teria cuspido no pé do taxista.
Ciente de que estava diante de um crime, a vítima chamou os policiais
militares que encaminharam Natália para a delegacia de polícia. O caso
ocorreu no bairro Santo Agostinho, na região centro-sul da capital mineira,
área nobre da cidade.

Quando acontece com a gente, que a gente sente na


pele mesmo o que as pessoas passam. Então eu peço
141
para a sociedade, para as pessoas que estão me
ouvindo. Não deixa não, porque se você aceitar,
quando for amanhã, elas vão fazer de novo. Não
aceite, disse Luis Carlos Alves para o jornal G1.
(PORTAL G1, 2019)3
O caso trouxe indignação das pessoas que estavam próximas ao local,
que filmaram a autora do crime sendo abordada pela polícia em meio a gritos
e vaias, tendo os vídeos rapidamente circulado na internet, gerando
repercussão.
A ré foi direcionada à delegacia de polícia presa em flagrante, onde se
negou a falar com os policiais negros presentes, tendo esta pago fiança no
valor de R$10 mil reais. O processo foi distribuído no dia 09 de Dezembro de
2019, correndo em segredo de justiça. A família de Dupin manifestou
publicamente um pedido de desculpas alegando que a ré possui transtornos
psíquicos.

UM LOCAL: ACUSAÇÃO DE RACISMO ENVOLVENDO O


SUPERMERCADO DA REGIÃO DO INCONFIDENTES -MG
No dia 10 de novembro de 2019, um estudante do curso de Artes
Cênicas da Universidade Federal de Ouro Preto, ao que tudo indica, foi
vítima de injúria racial por parte do segurança do Supermercado em questão.
A vítima relata, por entrevista por WhatsApp, que, ao voltar de um
passeio em uma cachoeira, foi com os amigos ao supermercado para poderem
lanchar. Ao entrar no supermercado, o grupo de amigos se dividiu, ficando a
suposta vítima acompanhada apenas de um outro companheiro.
Após escolherem o que iriam consumir e efetuarem o pagamento,
saíram do supermercado para lanchar, mas devido à demora dos outros,
voltaram para dentro do estabelecimento. Ao encontrar com os demais amigos
que estavam na fila do caixa, a vítima e o outro companheiro, que já haviam

3 Disponível em: https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2019/12/05/mulher-e-


detida-por-injuria-racial-contra-taxista-em-bh.ghtml
142
pagado pelo que fora consumido, saíram do local dando a volta pelos caixas.
Neste momento, a vítima foi abordada pelo segurança que o questionou se iria
pagar pelo que pegou no supermercado. Neste momento, assustado e sem
reação, apenas apresentou ao segurança o cupom fiscal que comprovava o
pagamento de seu consumo, logo depois saiu do estabelecimento sem reação
diante da ciência do que o ocorrera.
Ocorre que a vítima estava acompanhada por outros quatro
companheiros, que não foram abordados em momento algum pelo segurança
do local. Do grupo de amigos, apenas a vítima era negro.
Após o acontecimento, a vítima, que possui conhecimentos acerca de
práticas racistas e é militante social pela causa, foi às redes sociais manifestar
sua insatisfação e repúdio ao ocorrido no supermercado, mas para sua
surpresa, acabou recebendo diversas mensagens de ódio que o acusavam de
estar se “vitimizando”, pois não acreditavam que a situação realmente era
uma discriminação racial. O post do Facebook feito pela vítima teve de ser
apagado, pois houve muitos comentários discordando de sua postura.
No dia 14 de novembro, o Supermercado soltou uma nota de
esclarecimento dizendo que não constataram nenhum indício de atitude que
se configure a acusação em questão. Ressaltaram também que “o fiscal
realizou uma abordagem rápida, sem contato físico com a vítima e seus
acompanhantes”4. Por sua vez, a vítima comentou na postagem da nota de
esclarecimento nas redes sociais do Supermercado, que esta estava mal
esclarecida acerca da discriminação racial ocorrida.
Nos comentários da nota de esclarecimento, algumas pessoas
manifestaram apoio ao estabelecimento dizendo que o fiscal fez seu trabalho
“não importa se for branco ou preto”, disse um internauta.

4 Dados retirados do comunicado postado na página do supermercado, que, por não ser
identificado aqui, uma vez que o caso não foi a processo, não informaremos link onde estava
disponível. Tendo os autores deste texto salvo o comunicado para uso.
143
Observa-se que, diferentemente do primeiro caso, aqui a comunidade
tende a não reconhecer como uma situação que possa envolver racismo ou
injúria racial. Normalizando o procedimento de um indivíduo ou instituição e
julgando como vitimismo, ainda que não tenha visto a cena como realmente se
deu. Pelo desgaste emocional causado nas redes sociais, a suposta vítima
preferiu não prestar queixa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo explorou a corrente crítica que investiga a questão do
racismo na sociedade atual e as principais legislações brasileiras relacionadas
ao tema. Fica perceptível que mais que o indivíduo que comete racismo, as
instituições e, em última análise, as estruturas é quem legitimam e propiciam
condições de reprodução ou favorecem a sua invisibilidade social.
Neste sentido, os dispositivos legislativos nacionais anteriores e
atuais ainda precisam ser ampliados e dialogar mais claramente com as
formas de manifestação do racismo e com a identidade histórico cultural do
negro brasileiro e atuar fora da esfera da criminalização individual, visando as
instituições e estruturas que sustentam atitudes e ideologias racistas.

REFERÊNCIAS
Campos, Luiz Augusto. Racismo em três dimensões: uma abordagem
realista-crítica. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Rio de Janeiro,
UERJ, v. 32, n. 95. p. 1-19, 2017.

Almeida, Silvio. O que é Racismo Estrutural? São Paulo: Editora Polém


Livros, São Paulo, 2018.

Pereira, Fernanda Estanislau Alves. Combate à discriminação racial e a


legislação brasileira: o movimento de uma racionalidade jurídica. 2019.
134 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito,

144
Universidade Federal do Ceará, Programa de Pós-Graduação em Direito,
Fortaleza, 2019.

BRASIL. Lei nº 1.390 - Lei Afonso Arinos- 1951 - Disponível em <


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L1390.htm >

BRASIL. Constituição Federal de 1988 - Disponível em <


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >

BRASIL. Lei nº 7.716 - Lei Caó - Disponível em <


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm >

BRASIL. Código Penal de 1940 - Disponível em <


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm >

145
AS DIRETRIZES DO DIREITO AMBIENTAL EM RELAÇÃO ÀS
BARRAGENS DAS MINERADORAS

Ms. Celso Carvalho1


Gabriela Gois2
Raquel Araújo3
RESUMO

Os recentes desastres que ocorreram em Brumadinho e Mariana após o


rompimento das barragens de rejeitos mineralógicos despertaram a atenção
das pessoas, em âmbito mundial, em relação ao perigo iminente da exploração
inexorável dos minérios. A partir de então, buscou-se conhecer mais sobre o
assunto nas várias regiões do estado de Minas Gerais inclusive, as quais estão
submetidas aos riscos das operações que envolvem as barragens aos
desmandos da exploração infinda. Haja vista que o tratamento de minérios
gera rejeitos, as barragens inevitáveis de quaisquer tipos oferecem riscos se
não controladas devidamente, entretanto as mais utilizadas são as barragens a
montante que são menos seguras, porém maiores e mais baratas. Todavia, a
mineração é um setor importante para a economia do país, gerando muitos
empregos e está presente em praticamente em tudo que se usa: nos carros,
computadores, celulares, eletrodomésticos, dentre outros aparelhos. Para
amenizar os impactos ambientais, algumas alternativas têm sido perscrutadas,
cabendo ao Direito Ambiental sortir as normas que regulamentam as práticas
das mineradoras.

Palavras-chave: Mineração. Barragens de rejeitos. Direito Ambiental.

INTRODUÇÃO

O presente artigo não tem a intenção de defender qualquer uma das


partes envolvidas nos desastres ambientais, mas apenas busca discutir de

1Orientador do presente trabalho. Advogado e professor de Direito Ambiental da FUPAC


Mariana.
2Engenheira Metalurgista pela Escola de Minas – UFOP e Bacharelanda em Direito pela

FUPAC Mariana. Contato: gab_gois@hotmail.com


3Técnica em Metalurgia pela Escola Técnica Federal de Ouro Preto e Bacharelanda em Direito

pela FUPAC Mariana.

146
modo pertinente a aplicação das leis ambientais e das normas
regulamentadoras de exploração mineral.
Ao longo dos anos, houve uma notável evolução das leis minerárias no
país. A primeira Constituição da República, de 1891, considerava que o
proprietário do solo tinha o direito de explorar o subsolo. Então, a Lei Simão
Lopes, em vigor na mesma época, permitia o registro dos manifestos da mina
pelo superficiário, o que ocasionou um retrocesso no desenvolvimento da
mineração brasileira. Somente a nova Constituição Brasileira de 1934
permitiu a distinção entre as propriedades do solo e do subsolo, estipulando
que seria necessária uma concessão federal para exploração de recurso
mineral de propriedades privadas. As barragens surgiram por volta de 1930
com o propósito de evitar que os rejeitos fossem lançados nos cursos d’água
(CBDB, 2011). O Código de Mineração, pelo Decreto 24.642, de 10 de julho
de 1934, determinou que jazidas conhecidas continuariam sendo dos donos
do terreno desde que suas existências fossem declaradas aos órgãos públicos
competentes, enquanto as desconhecidas seriam incorporadas à União ao
serem descobertas (LEITE, 2019).
Contudo, é necessário compreender as diretrizes do Direito
Ambiental e do Direito Minerário, ambos parecem ser contraditórios quando
o assunto é a exploração mineral. Enquanto este é defendido pela
Constituição Federal, cujo Art. 176 da CF define com clareza que os recursos
minerários pertencem à União, portanto subtende-se que sejam necessários
para desenvolvimento econômico do país, aquele se opõe à extração
exacerbada dos bens minerais.

Art. 176 CF As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos


minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem
propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou
aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao
concessionário a propriedade do produto da lavra.

147
Mas antes de entender a legislação é importante, sobretudo, analisar a
linha do tempo para entender o papel da mineração na economia e no
desenvolvimento do país e entender como ocorre o beneficiamento mineral no
limiar dos impactos causados pelo processo. Desde o século XVII, no período
colonial do Brasil, já havia centenas de lavras de ouro aluvionar na região
central do estado de Minas Gerais, tornando possível a implantação de
núcleos urbanos, a criação da Estrada Real, a efetuação de uma estrutura
administrativa própria e a unificação do território estadual, de acordo com
Alves (2007). Muito embora tenha sido um período de muita desigualdade
social e de injustiças, em que a exploração comercial fornecia produtos e
riquezas para os mercados europeus, graças à mineração, essa foi uma época
de adensamento populacional, desenvolvimento do ciclo econômico e relações
comerciais com o exterior, momento que antecedeu a formação da nação
(PRADO JR, 1972).
Destacam-se entre os principais marcos deste setor ao longo dos anos:
a descoberta de jazidas de minério de ferro; a instalação dos primeiros alto-
fornos na fábrica de Morro do Pilar em 1814; a implantação de uma usina
siderúrgica na atual cidade de João Monlevade em 1825; e a fundação da
Escola de Minas, em Ouro Preto, em 1876. Até os dias atuais o setor vem se
desenvolvendo, gerando empregos à população e bens de consumo essenciais,
como por exemplo: carros, aparelhos eletrônicos e ainda materiais agregados
para a construção civil. Estima-se que, atualmente, apenas a mineração seja
responsável por aproximadamente 67.1% da exportação do país, de acordo
com a ANM (2018). Em contrapartida, esse valor em 2007 correspondia a
50% (SINDIEXTRA, 2007).

148
Figura 1: Participação dos Estados na produção mineral brasileira em 2007
(SINDIEXTRA, 2007).

Para obtenção do ferro metálico, o minério passa por um conjunto de


operações denominadas processamento mineral, que inclui as etapas de:
fragmentação, em que o minério é reduzido a blocos ou partículas; separação,
que consiste em colocar os materiais em determinada faixa de tamanho;
concentração, etapa na qual as espécies de minerais de maior valor econômico
são separadas das demais; separação sólido/líquido, em que é feita a
adequação da porcentagem de sólidos e/ou recuperação da água, em polpas
minerais; descarte dos rejeitos, etapa em que a ganga (parte descartada) é
removida do processo; e demais operações auxiliares, bem como estocagem e
transporte (ARAUJO, 2004).
Segundo ESPÓSITO (2000), “Os rejeitos, quando de granulometria
fina, são denominados lama, e quando de granulometria grossa (acima de
0,074 mm), são denominados rejeitos granulares”. Esses rejeitos, entretanto,
podem ser dispostos em cavas, pilhas, empilhamento a seco ou barragens,
dependendo da natureza do processo e das condições geológicas e
topográficas e onde se encontra. Contudo, há uma preferência por barragens,
visto que são maiores e mais econômicas, pois segundo DUARTE (2008), “as
mesmas são construídas ao longo do tempo visando à diluição dos custos no
processo de extração mineral, através de alteamentos sucessivos, podendo ser
construídas com material compactado proveniente de áreas de empréstimo,
149
ou com o próprio rejeito, através de três métodos: montante, jusante ou linha
de centro”.
As tragédias de Mariana e Brumadinho envolveram o tipo de
barragem a montante, mostrada na figura 2, que é o tipo mais utilizado por
ser mais simples e econômico, de acordo com Troncoso (1997), essa
economia deve-se a uma menor relação entre volumes de areia/lama. A
efetivação da barragem a montante é feita com elaboração de um dique de
partida, geralmente feito com material compactado ou argiloso, depois disso o
rejeito é arremessado por canhões a montante da linha de simetria do dique,
originando uma praia de deposição, que se tornará a fundação e fornecerá
material de construção para o próximo alteamento. Este processo continua
sucessivamente até que a cota final prevista em projeto seja atingida
(ARAUJO, 2006).

Figura 2: barragem a montante esquematizada (ESPÓSITO, 2000).

A julgar pelos interesses capitalistas, a maior parte da venda do


minério de ferro é destinada para a indústria siderúrgica, cerca de 98%,
portanto nota-se que este setor é o que comanda a extração do minério
(MAPA, 2006). Segundo MAXPRESS (2005 apud MAPA, 2006), o Brasil
tornou-se um líder na produção e exportação de minério de ferro, uma vez
que as vendas tanto para o mercado externo quanto para o interno
expandiram-se entre 1998 e 2004, de 107,8%. Mas a exploração desenfreada
150
sem a devida preocupação em realizar a manutenção nas barragens foi a
possível causa do rompimento das barragens, afinal mesmo após as obras de
ampliação, houve um acúmulo de material superior à capacidade máxima da
barragem.
Essa contaminação continha metais pesados que contaminaram o
solo, os rios, o ar, afetando a fauna, a flora e a saúde dos ribeirinhos. O
rompimento da barragem de Fundão, em 2015, além de afetar a população do
distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, contaminou toda a bacia
hidrográfica do rio Doce e seu ecossistema, afetando também as comunidades
que dependiam do abastecimento dessas águas (LOPES, 2016).

DISCUSSÃO

IMPORTÂNCIA SOCIOECONÔMICA DA MINERAÇÃO NO PAÍS

De acordo com o Informe Mineral de 2018, da Agência Nacional de


Mineração (ANM), houve um crescimento relevante no valor das exportações
(14.3%), importações (25.5%) e do saldo comercial (10.3%) no segundo
semestre de 2018 comparado ao ano anterior, como mostra a figura 3. Em
consequência, a exportação do minério de ferro que era de 63.8% da Indústria
Extrativa Mineral (IEM), passou a ser 67.1% da IEM no segundo semestre de
2018.

151
Figura 3: Evolução do comércio exterior de bens minerais em milhões de US$
(ANM, 2018).

Dentre os países que mais importaram minério da IEM em 2018,


destacam-se em ordem decrescente de números de exportações: Canadá,
Rússia e EUA, conforme a figura 4. Em contrapartida, a China continua sendo
o país que mais exporta para a IEM, como indica a figura 5.

Figura 4: Principais países importadores da IEM em 2018, em milhões de


US$ (ANM, 2018).
152
Figura 5: Ranking dos principais países de origem - que exportam para a IEM
– (ANM, 2018).

Em relação ao mercado de trabalho do setor mineral ainda relativo ao


segundo semestre de 2018, registrou-se um total de mais de 30 milhões de
trabalhadores no setor mineral, dentro dos novos 112 mil postos de trabalho.
A extração do minério de ferro foi o ramo que mais obteve novos postos de
trabalho no Pará (377). Porém, houve perdas significativas de postos de
trabalho nas regiões Sudeste e Norte do país, mas o Espírito Santo teve um
maior saldo negativo (-340) devido ao desastre de Mariana e ao plano de
demissões voluntárias da Samarco.
Ainda conforme a ANM (2018), estima-se que a região Sudeste seja a
principal empregadora do setor de extração mineral. Do total acumulado no
segundo semestre de 2018 (164.769), 49,3% está concentrado nessa região.
153
Além disso, o maior salário médio do empregador corresponde ao da extração
de minério de ferro (R$ 2.848,30). No mesmo ano, o minério de ferro foi
responsável por 72,2% das receitas da Compensação Financeira pela
Exploração de Recursos Minerais (CFEM).

BENEFICIAMENTO MINERAL E MÉTODOS DE DISPOSIÇÃO DE


REJEITOS

Há dois modos de dispor os rejeitos do beneficiamento mineral:


pilhas de estéril e/ou barragem de rejeitos. As barragens de rejeitos são
construídas em etapas, acompanhando o ritmo de lavra e geram significante
impacto ambiental, econômico e social. Os métodos de construção existentes
são três: método de alteamento à jusante, de alteamento à montante e da linha
de centro.
Método de alteamento à montante: consiste em lançar os rejeitos em
direção a montante da simetria de linha de um dique de partida, feito de
material argiloso. Assim, é formada a fundação também chamada de “praia de
deposição” e o processo continua sucessivamente até atingir um limite pré-
estipulado (ARAUJO, 2006).
Método de alteamento à jusante: primeiramente, um dique de partida
é construído do solo e os alteamentos sucessivos ocorrem para jusante desse
dique. O processo é contínuo até que seu limite seja atingido. Essa barragem
pode resistir a abalos sísmicos, em contrapartida exige volumes maiores de
material e altos custos (KLOHN, 1981).
Método da linha de centro: são aquelas em que o alteamento é
realizado na vertical e há zonas de drenagem internas responsáveis por
dissipar poropressões e por tornarem essas barragens mais resistentes
(DUARTE, 2008).

154
A tabela abaixo apresenta uma comparação entre os três métodos para
facilitar o entendimento da escolha do método a montante pelas mineradoras,
apesar deste ser o mais arriscado, muito embora seja mais econômico.

Tabela 1: Comparação dos métodos de construção de barragens de rejeitos


(CARDOZO et al, 2016).
Montante Jusante Linha de
centro
Tipo de rejeito Baixa densidade Qualquer tipo Areias de lamas
para que ocorra de baixa
segregação plasticidade
Descarga de Periférica Independe Periférica
rejeitos
Armazenamento Não Bom Aceitável
de água recomendável
para grandes
volumes
Resistência Baixa Boa Aceitável
aos abalos
sísmicos
Alteamentos Ideal menos Nenhuma Pouca restrição
10 m/ano restrição
Vantagens Menor custo, Maior Flexibilidade
utilizado onde segurança construtiva
há restrição de
área
Desvantagens Baixa segurança Grande Necessidade de
suscetibilidade a quantidade eficiente

155
liquefação e de material sistema de
piping requerido drenagem
proteção do
talude
a jusante apenas
na configuração
final

Após entrevistar algumas mineradoras, Souza (2019) concluiu em


seus estudos que “as atuais legislações se encontram restritivas o bastante
para garantir a estabilidade das barragens no país, faltando apenas pequenas
adequações na gestão das empresas mineradoras e do setor público. Além
disso, no que se refere à obrigatoriedade de descaracterização das barragens à
construídas pelo método à montante, os participantes, em sua maioria,
acreditam que este não seria a melhor opção. Além disso, segundo os
participantes, os prazos máximos estipulados pelas normas para que ocorra o
fechamento das estruturas têm grandes chances de serem dilatados. Por fim,
outro ponto que pode ser concluído é que atualmente os empreendimentos
minerários ainda não conseguem sobreviver totalmente sem armazenar seus
rejeitos em barragens.” De fato, a configuração de montante tem sérios riscos
de rupturas causados pela elevação da linha freática e processos de liquefação,
pois o estado em que o rejeito se encontra é “fofo e saturado” (RIBEIRO,
2000). Diante dessas alegações, observa-se que cabe agora a algumas
empresas e ao setor público admitirem suas adequações às leis para garantia
da segurança das barragens.

O BENEFICIAMENTO MINERAL E O MEIO AMBIENTE

156
A construção de uma barragem baseia-se em um projeto muito bem
elaborado e, obrigatoriamente, deve ser anexado ao projeto todos os
documentos pertinentes, bem como o relatório de investigações geotécnicas,
os cálculos e os critérios do projeto, as planilhas dos serviços e obras civis, as
especificações técnicas, o manual de operação da estrutura, os procedimentos
de campo e os atendimentos em supostas emergências (ABNT, 2006). Mesmo
assim, segundo Azam et al (2010), aproximadamente 1,2% das barragens de
mineração sujeitas a algum tipo de falha. Esse valor é consideravelmente alto
e, em prol da sustentabilidade ambiental, tem-se buscado formas de recuperar
minério de ferro contido em rejeitos e também formas de reaproveitar a lama
dos rejeitos para assim minimizar o uso das barragens.
Em suas pesquisas, Blight (2010) apresentou a instabilidade dos
taludes como sendo a principal causa de ruptura das barragens de rejeitos,
pois segundo ele, cerca de 22% do total dos acidentes ocorreu por esse motivo
e, embora esses eventos sejam raros e isolados. Mas de fato, Veesaert et al
(2005) relata que de fato não é possível obter um projeto de construção e
operação de barragens sem nenhum risco, tendo em vista que as fundações e
propriedades dos materiais nelas contidos são incertos. Cabe às empresas
assumirem a responsabilidade legal através da responsabilidade objetiva pelos
danos resultantes de sua atividade; da negligência, caso falhe por não exercer
o cuidado e não prevenir os riscos; e pelos rompimentos, danosos à sociedade
e ao meio ambiente.
Algumas medidas podem ser tomadas para minimizar ou reduzir os
danos causados por rompimentos são, segundo o CBDB (2019):
- Legislação reguladora para controle de segurança e zoneamento das áreas de
inundação à jusante;
- Simulações de modos de rupturas e monitoramento visual;
- Revisão de manuais e procedimentos de manutenção;

157
- Planos de Ação Emergencial (EAP) para evacuação da área de perigo;
- Conscientização pública para informar às pessoas dos perigos;
- Políticas de seguros para que as empresas arquem com os danos gerados.

Dentre alguns recentes avanços na regulação de barragens, destacam-


se: estabelecimento de critérios de classificação de risco; cadastro geral das
estruturas de barragens; implantação do Sistema de Informação de Segurança
de Barragens (SNISB); definição das atribuições governamentais e privadas
relativas à segurança das barragens; organização de procedimentos de
controle, ações de segurança e inspeção em operação e em situações de
emergência (CBDB, 2019).

EVOLUÇÃO DA REGULAMENTAÇÃO DE BARRAGENS NO BRASIL

A primeira norma que regulamentou as barragens de rejeitos no Brasil


foi a Portaria n° 237 de 2001, do Departamento Nacional de Produção
Mineral (DNPM), visando atenuar os impactos ambientais e aprimorar a
saúde e a segurança do trabalho através, principalmente, da presença de um
profissional capacitado para monitoramento dos serviços. No entanto, esta
portaria falhou em não referenciar como seriam identificadas as áreas de
riscos e como as empresas avisariam à população dos iminentes danos
causados por possíveis colapsos (Souza, 2019).
Mas ao longo dos anos, as leis que regulamentam as barragens
evoluíram. Em ordem cronológica, destacam-se: Lei 12.334, sobre Segurança
de Barragens; Lei 12.608, sobre Planos de Contingência; Normatização pelas
Agências Federais: ANA, ANEEL, ANM, IBAMA; Normatização pelos
Agentes Estaduais; Disponibilização de Manuais sobre Projeto, Construção,
Operação, Inspeção, Manutenção, Segurança, Revisão Periódica e Planos de
158
Segurança, Emergência e Contingência de Barragens, dentre outros;
Disponibilização de material para Ensino à Distâncias, como estudo de
ruptura e delimitação de mancha de inundação; Programas de Capacitação
Permanente de Agentes.
Os planos de contingência envolvem alguns desafios que ainda
precisam ser superados, uma vez que os organismos de controle das ações de
segurança, fiscalização e regulação precisam ser fortalecidos; os entraves
burocráticos de implementação de leis de segurança necessitam ser de vez
eliminados; os profissionais precisam ser treinados para obedecerem as regras
e compreenderem as anomalias que por ventura encontrarem; os agentes da
Defesa Civil precisam ser fortalecidos em favor de sua ágil atuação; a
confiança da população deve ser restabelecida através do controle das
barragens; as legislações e normatizações têm que ser aprimoradas e, na
medida do possível, devem ser discutidos com a população; o Estatuto das
Cidades deve ser tomado como base para disciplinar o uso territorial em áreas
de risco geotécnico, hídrico e hidráulico, para planejamento do uso da terra e
para o desenvolvimento sustentável, mesmo que o município não esteja
obrigado pela lei; os mecanismos de de emergência para alerta em seu
retorno; e os mecanismos de fomento à pesquisa, desenvolvimento e inovação
tecnológica necessitam ser mantidos em prol do incentivo às empresas e à
academia (CBDB, 2019).
A Lei Nacional 12.334 foi promulgada em 2010 com o objetivo de
propor padrões de segurança e reduzir acidentes, propondo um sistema de
integração das diversas entidades fiscalizadoras e entes federativos em prol do
meio ambiente e da população que reside nos entornos das barragens.
As normatizações pelas agências estaduais e federais são medidas
reguladoras direcionadas a redução de riscos e de novos incidentes de
rompimento de barragem e a prevenção de danos severos, assegurando a

159
estabilidade de barragens de mineração, notadamente aquelas construídas ou
alteadas pelo método denominado “a montante” ou por método declarado
como desconhecido (SOUZA, 2019).
Segundo a Lei Federal de Proteção da Defesa Civil 12.608 do dia 10
de abril de 2012, os municípios devem criar um mapeamento das áreas
suscetíveis a catástrofes e elaborar um plano de contingência para a redução
do risco, a partir de Plano Diretor. Assim, torna-se possível descobrir as
causas dos problemas e corrigi-las antes mesmo de ocorrerem (FELTRIN et
al, 2012).

POSICIONAMENTO DO GOVERNO EM RELAÇÃO À EXPLORAÇÃO


MINERAL E ÀS BARRAGENS

De acordo com Souza (2019), em relação às leis concernentes à


segurança das barragens de rejeitos, o governo começou a discutir sobre o
quando criou a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável (SEMAD), em 1995. A lei 11.903/95 apresenta as competências
dessa secretaria:

Art. 2º (Lei 11.903/95) - Compete à Secretaria de


Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável:
I - coordenar e supervisionar as ações
voltadas para a proteção ambiental, bem como a
aplicação das normas e da legislação específicas de
meio ambiente e recursos naturais, não sendo
consideradas predatórias e estando, por isso,
dispensadas de licença do poder público e isentas de
punição fiscal ou de qualquer outro tipo, a extração,

160
em regime individual ou familiar, de lenha para
consumo doméstico, e a limpeza de pastagens ou
culturas em propriedades particulares;
II - zelar pela observância das normas de
controle e proteção ambiental, em articulação com
órgãos federais, estaduais e municipais;
III - planejar, propor e coordenar a gestão
ambiental integrada no Estado, com vistas à
manutenção dos ecossistemas e ao desenvolvimento
sustentável;
IV - articular-se com os organismos que
atuam na área de meio ambiente com a finalidade de
garantir a execução da política ambiental;
V - estabelecer e consolidar, em conjunto com
órgãos e entidades que atuam na área ambiental, as
normas técnicas a serem por eles observadas;
VI - orientar e coordenar tecnicamente,
quanto ao aspecto ambiental, os órgãos e as
entidades que atuam na área do meio ambiente;
VII - Marcela Bastos
<marcellamaryabastos@gmail.com>identificar os
recursos naturais do Estado, com vistas à
compatibilização das medidas preservacionistas e
conservacionistas e à exploração racional, conforme
as diretrizes do desenvolvimento sustentável;
VIII - propor e coordenar a implantação de
unidades de conservação de uso direto e indireto
sob jurisdição estadual;

161
IX - coordenar planos, programas e projetos
de proteção de mananciais;
X - representar o Governo do Estado de
Minas Gerais no Conselho Nacional de Meio
Ambiente - CONAMA - e no Conselho Nacional de
Recursos Naturais Renováveis;
XI - coordenar planos, programas e
projetos de educação ambiental;
XII - coordenar o zoneamento ambiental no
Estado.

A partir de então, foi publicada uma Deliberação Normativa COPAM n°


62/2002, que compõe o primeiro marco na legislação ambiental estadual
contendo os critérios de classificação de barragens:

Art. 1º (COPAM, 2002) - Para efeito da aplicação desta


Deliberação Normativa são estabelecidas as seguintes
definições:
I - Barragem: Qualquer estrutura - barragem,
barramento, dique ou similar - que forme uma parede de
contenção de rejeitos, de resíduos e de formação do
reservatório de água.
II - Sistema de gestão: É o conjunto de
procedimentos de operação, inspeção, monitoramento e
intervenções quaisquer na barragem e seu reservatório,
com o objetivo de garantir a sua segurança e de
minimizar o seu risco real.

III - Dano Ambiental: É qualquer perda

temporária ou permanente provocada por ruptura ou

162
mau desempenho da estrutura da barragem. O potencial
de dano é função das características intrínsecas da
barragem: altura, volume de reservatório, existência de
vidas humanas e/ou de instalações de valor econômico a
jusante, e possibilidade de impacto sobre o meio
ambiente, independentemente da eficácia do sistema de
gestão dos riscos que seja aplicado.
IV - Risco: Probabilidade e severidade de um efeito
adverso para a saúde, para a propriedade ou para o meio
ambiente. O risco é avaliado em função das condições de
implantação da barragem e da eficácia do sistema de
gestão.
V. Altura da barragem: É o maior desnível entre a
cota da crista da barragem (topo) e a cota do pé do talude
de jusante (talude externo).
VI. Volume do reservatório: É o volume total do
material, líquido e/ou sólido, depositado após a
construção da barragem e durante os possíveis
alteamentos, nele incluindo o material de assoreamento,
vinculado ou não às atividades do empreendimento. Para
isto, sempre se deve tomar como base a topografia da
fundação do reservatório.
VII. Volume do reservatório de contenção de
resíduos sólidos: É o volume total dos sólidos somado ao
volume total de água captada no período de cheias,
volume este considerado significativo.
VIII. Estéril: É o material descartado, retirado
durante o processo de lavra do minério.
IX. Rejeito: É o material descartado, resultante do
processo de beneficiamento do minério (lavagem,
moagem, britagem, tratamento químico, etc.)

163
X. Empreendedor: representante legal pelo
empreendimento industrial ou minerário onde se situa a
barragem.
XI. Porte da barragem e porte do reservatório: O
porte de uma barragem é determinado pela sua altura e o
porte de um reservatório é determinado pelo seu volume.

Entre os anos 2003 e 2006 deram-se inícios as notáveis intervenções

do governo de Minas Gerais após o mesmo admitir que seus órgãos quase não
tomavam parte dos fomentos e execuções das ações relativas aos setores de
geologia e de mineração. Para solucionar este problema, algumas medidas
tomadas pelo governo foram: a criação da Secretaria de Geologia, Mineração
e Transformação Mineral; a reestruturação do Departamento Nacional de
Produção Mineral (DNPM) e também da Companhia de Recursos Minerais
(CPRM); a criação de uma agência para regulamentação do setor mineral; a
realização de levantamentos geológicos e geofísicos no país; e uma junção
maior entre os poderes da união, dos estados e dos municípios para solução
das questões concernentes à mineração (ALVES, 2007). Dentre os projetos
desenvolvidos pelo governo, destaca-se a “Carta Geológica do Brasil ao
Milionésimo”, de suma importância por ser um repositório de informações
geológicas em meio digital, associado ao sistema GEOBANK, que é um
conjunto de bases de dados relacionais (SCHOBBENHAUS et al, 2003).
Souza (2019) ainda reitera que ao longo do tempo foram publicadas
outras normas a respeito do assunto: a Lei nº 15.056/2004 (MINAS GERAIS,
2004); as Deliberações Normativas nº 87/2005 (COPAM, 2005) e 124/2008
(COPAM, 2008); o Decreto estadual nº 46.993/2016 (MINAS GERAIS,
2016); a Lei estadual nº 23.291/2019 (MINAS GERAIS, 2019); e a

164
Resolução nº 2784/2019 (SEMAD & FEAM, 2019). No entanto, a
primeira norma que regulamentou as barragens de rejeito do Brasil foi a
Portaria n° 237, de 18 de outubro de 2001(DNPM, 2001), que dispõe:

Art. 1º - Determinar a publicação das Normas


Reguladoras de Mineração – NRM, no DOU, nos
termos do Anexo I desta Portaria.
Art. 2º - Aos infratores do disposto nas NRM
aplicam-se as sanções previstas no Código de
Mineração, seu Regulamento e legislação
correlativa.
Art. 3º - As sanções serão aplicadas
cumulativamente por inadimplemento de cada item,
subitem e alínea das NRM.
Art. 4º - A aplicação de sanções referente ao
emprego das NRM não exime o cumprimento de
determinações decorrentes das ações de fiscalização
bem como da aplicação de outras sanções previstas
na legislação.
Art. 5º - Para o cumprimento dos itens, subitens e
alíneas das NRM serão obedecidos os prazos
constantes no Anexo II desta Portaria.
Art. 6º - Os demais itens, subitens e alíneas das
NRM não indicados no Anexo II desta Portaria
entrarão em vigor no prazo de sessenta dias da data
de sua publicação.
Art. 7º - Os prazos constantes no Anexo II desta
Portaria poderão, a critério do DNPM, com base em

165
laudo técnico do Agente Fiscalizador, serem
reduzidos, uma vez constatada situação de grave e
iminente risco.
Art. 8º - Esta Portaria entra em vigor na data de sua
publicação.

Em relação à segurança em nível nacional, estacam-se: a Lei n°


12.334/2010 (BRASIL, 2010); as Resoluções n° 143/2012 (BRASIL, 2012),
n° 144/2012 (BRASIL, 2012), nº 4/2019 (ANM, 2019) e nº 13/2019 (ANM,
2019); as Portarias n° 416/2012 (DNPM, 2012) e n°526/2012 (DNPM,
2012), nº 14/2016 (DNPM, 2016) e nº 70.389/2017 (DNPM, 2017). Após
os desastres ambientais de Mariana e Brumadinho, as novas normativas se
reforçaram, mas ainda sim é necessária uma melhoria das mesmas (SOUZA,
2019).

CONCLUSÃO

Comparando os dados da mineração em 2007 com os dados mais


recentes de 2018, percebe-se a importância desse setor na economia do país.
Enquanto em 2007 a mineração correspondia a 50% da exportação do país,
em 2018 esse valor aumentou para 67.1%. Analogamente, a quantidade de
rejeitos gerados aumentou conforme a demanda e os resultados dessa
exploração acirrada se refletiram em catástrofes ambientais decorrentes da
exaustão das contenções desses rejeitos.
Outrora, no Período Colonial, os fatos se davam de modo distinto,
pois o metal cobiçado era o ouro enquanto, atualmente, o ferro é o metal mais
visado; o solo e os minérios explorados pertenciam ao dono das terras, ao
passo que o mais importante feito para efetivação das leis ambientais foi o
166
Estado tomar a frente das prospecções minerais e requerer a prestação de
contas. A legislatura ambiental Brasileira ao longo dos anos foi se adequando
para defender os interesses da União. Prontamente, as barragens surgiram
por volta de 1930 com o propósito de evitar que os rejeitos fossem lançados
nos cursos d’água. Assim, com o decurso do tempo e conforme as
necessidades da indústria mineradora, os números e volumes das barragens
atingiram a proporção atual, que estão sujeitas a falhas e possuem substâncias
capazes de contaminar a fauna e a flora.
A respeito das leis que regulamentam as barragens, conclui-se que
houve notável evolução e as mesmas estão bem restritas, cabendo agora às
empresas e aos órgãos públicos adequarem-se a elas. Afinal, recentes estudos
comprovaram que a instabilidade dos taludes é a maior causadora dos
rompimentos e, diante das tragédias de Brumadinho e Mariana, as indústrias
vêm reconhecendo as responsabilidades de suas atividades, algumas já
admitem que o método a montante não é seguro. Todavia, estudos para
possível reutilização dos rejeitos vêm sendo desenvolvidos como solução
alternativa para diminuição do volume dos rejeitos, a fim de recuperar o
considerável teor de ferro ainda presente na lama.

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173
A AMPLITUDE DA PSICOPATIA NOS LIMIARES DO DIREITO
PENAL BRASILEIRO E DA PSICANÁLISE

René Dentz1
Gabriela Gois2
Raquel Araújo3

RESUMO

Haja vista que crimes sempre existiram, mas nos tempos atuais a violência
vem se agravando e a sociedade tem conhecimento dos fatos relatados
amplamente pelas mídias, observa-se com facilidade o modus operandi dos
acusados que são acometidos de insólita crueldade e frieza com suas vítimas.
O presente trabalho consiste em um estudo sobre como a Psicanálise trata os
desvios de comportamento ligados à criminalidade e aponta algumas análises
das leis do Código Penal Brasileiro sobre aplicação das penas, culpabilidade,
imputabilidade e inimputabilidade. Afinal, antes de um encaminhamento
jurídico do indivíduo, é necessário compreender sua personalidade para que
haja um desfecho mais adequado de seu caso e para que as penas aplicadas
sejam mais justas.

Palavras-chave: Direito Penal Brasileiro. Psicanálise. Psicopatia.

INTRODUÇÃO

Em recente entrevista televisiva ao programa Balanço Geral, em


fevereiro de 2020, a psiquiatra forense Dra. June Melles Megre explicou
sobre as características e modo de agir de um indivíduo psicopata. Segundo
ela, o psicopata não tem sentimentos, é alguém que nunca amou (se um

1Pós-Doutor pela Freiburg Universität. Psicanalista. Professor Titular da Faculdade Presidente


Antônio Carlos (FUPAC), Mariana. Coordenador do Núcleo de Pesquisa em Direito, Psicanálise
e Pós-Modernidade, na mesma IES.
2 e 3Bacharelandas em Direito pela Faculdade Presidente Antônio Carlos (FUPAC), campus

Mariana. Contato: gab_gois@hotmail.com. Membros do Núcleo de Pesquisa em Direito,


Psicanálise e Pós-Modernidade (FUPAC-Mariana).

174
psicopata diz que ama, ele mente) e não se arrepende do que faz nem tão
pouco se emociona com nada. A psicopatia fica adormecida no psicopata até
um dia em que é despertada pela maldade. Para a psiquiatria, psicologia ou
psicanálise, esse distúrbio é um tipo de transtorno da personalidade, uma vez
que esses indivíduos se mostram egocêntricos, manipuladores, impulsivos,
megalômanos, controladores, intimidadores e não têm medo da punição.
Todavia, esse comportamento não é classificado como uma doença,
mas uma perturbação na afetividade do sujeito demonstrada quando o mesmo
desrespeita e viola os direitos dos outros, desrespeita leis e costumes sociais,
desde tenra idade, infância ou adolescência, mente de forma contumaz,
apresenta promiscuidade sexual, ausência de culpa, descontrole emocional e
todos esses fatores aumentam durante a vida e deflagram durante a fase
adulta. O que se vê é um criminoso sem escrúpulos, capaz de premeditar um
crime, de executá-lo friamente e de maneira bárbara e impiedosa. Contudo,
nem sempre o psicopata é criminoso, quando isso ocorre, existem programas
para tratar jovens insensíveis e, assim, evitar que se transformem em
psicopatas em idade adulta.
A psiquiatria forense estuda a mente criminosa e o critério utilizado
pela perícia médica para comprovar alguma doença mental é o biopsicológico,
indispensável para casos a serem verificados pelo juiz devido à sua alta
periculosidade, sendo impetradas medidas de segurança preventivas por
tempo indeterminado para os inimputáveis e os semi-imputáveis.
Segundo a Dra. June, “a psicopatia surgiu na Alemanha, no início do
século XX, quando coube ao psiquiatra Kurt Schneider definir o indivíduo
psicopata como portador de uma personalidade anormal, insensível aos
sentimentos alheios, com ausência total de remorso, que assume um
comportamento delituoso com diagnóstico de psicopatia ou transtorno de

175
personalidade antissocial, sociopata, transtorno de caráter, transtorno
sociopático ou transtorno dissocial”.
Todas as alterações de conduta geradas pela delinquência juvenil
resultam de maus tratos na infância, de convivência abusiva com pessoas
autoritárias sem atenção e carinho, de reincidências criminais, de condições
de extrema pobreza ou de famílias desestruturadas tornam a pessoa que já
tem dentro dela a semente da maldade a autora de mais perversos atos de
caráter violento, sem empatia com a sociedade.
Os psicopatas na pós-modernidade são considerados serial killers em
potencial e há necessidade de mantê-los contidos nas Unidades Experimentais
de Saúde (UES), que são locais que recebem jovens maiores de idade que
cometeram atos infracionais graves e já cumpriram o período de internação na
Fundação Casa, onde ocorre o confinamento sem prazo definido devido ao
alto grau de periculosidade que apresentam para a sociedade. A psicopatia
não tem tratamento, porque os psicopatas desenvolvem obsessões com
instinto de vingança, não têm compaixão por ninguém, a sua maior motivação
para a vida é a afirmação violenta do próprio eu, são capazes de matar os
próprios pais e depois saírem para se divertir. Além disso, têm capacidade de
mentir, enganar os fracos e de boa-fé e estouram com insulto, frustração,
ameaça, voltando a agir como se nada tivesse acontecido, completamente sem
emoção (Henriques, 2009).
Os distúrbios mentais catalogados pelo CID-10 (Classificação
Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde) e pelos DSM’s
(Diagnostic and Mental Disorders ou Manual de diagnósticos e Estatítica de
Transtornos Mentais), concluem que a psicopatia não é doença e sim
transtorno da personalidade. E por não ser uma doença, por não ter um
tratamento efetivo eles devem ser privados de sua liberdade em presídios de
segurança máxima ou em manicômios judiciais, que abrigam asilo de

176
alienados e prisão. Como no Brasil não existe pena de caráter perpétuo as
sanções em nosso ordenamento jurídico ficam limitadas ao cerceamento da
liberdade. E por não apresentarem melhoras em seu comportamento psíquico
não podem ser ressocializados. A legislação devida ao psicopata disciplina
especificamente o art.26 do CPB, pois o criminoso ao acabar de cumprir a
pena poderá apresentar fortes indícios de voltar a praticar novos delitos
pondo em risco a sociedade.

CP - Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de


1940
“Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença
mental ou desenvolvimento mental incompleto ou
retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão,
inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do
fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento.
Redução de pena
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a
dois terços, se o agente, em virtude de perturbação
de saúde mental ou por desenvolvimento mental
incompleto ou retardado não era inteiramente capaz
de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento”.

Nesse âmbito, pode haver uma confusão porque os inimputáveis por


doença mental a quem a lei se refere são os psicóticos, e não os psicopatas. A
diferença entre os dois é que os psicóticos não conseguem discernir a
realidade do imaginário, enquanto os psicopatas planejam seus crimes e agem
com muita insensibilidade (SHINE, 2000). Portanto, há uma lacuna no
código penal brasileiro e a norma aparenta ser ineficaz já que a sociedade
precisa ser protegida de tais condutas ilícitas. Se o agente entender mesmo
que parcialmente sua conduta ilícita, ainda que seja psicótico, será
177
considerado semi-imputável e obterá uma redução de sua pena (PEREIRA,
2008). O presente trabalho mostra que é possível classificar os níveis de
periculosidade da psicopatia com base nas culpabilidades dos atos e punir os
criminosos adequadamente.

PRINCIPAIS CONCEITOS DE PSICOPATIA

Shine (2000) apontou em sua obra um histórico sobre a psicopatia,


através do qual é possível notar que ao longo dos anos surgiram muitos
conceitos errôneos a respeito desse distúrbio de comportamento. Ao consultar
o mais assertivo dicionário, o Aurélio, o autor obteve uma resposta de que a
psicopatia seria um tipo de psicose. Na verdade, o indivíduo com psicose
sempre deixa de perceber a realidade e esse sintoma varia de intensidade
conforme a gravidade da doença, enquanto a psicopatia se manifesta como um
desvio comportamental e muitas vezes pode ser despercebida no convívio
social, pois em síntese um psicopata é manipulador com poder de persuadir e
conquistar pessoas.
Na literatura, dentre os principais autores que trataram sobre o tema,
destacam-se Philipe Pinel, que narrou a estória de um jovem cujo caráter
impulsivo denominou “loucura sem delírio” ou “loucura racional”; Cesare
Lombroso defensor da teoria do “homem criminoso” ou do “delinquente
nato”, em que este possuía certa fisionomia inferior aos demais homens;
Benedict Morel, que baseou-se em Darwin e criou a teoria da “herança
degenetativa”, a qual culpava agentes externos (como as drogas) pela
corrupção do sujeito; Koch, primeiro autor a empregar o termo “psicopático”
na obra “As inferioridades psicopáticas”; Sigmund Freud, que relatou os
“criminosos em consequência do sentimento de culpa”, ou seja, os crimes
seriam cometidos para alívio do sentimento de culpa intrínseco do criminoso
178
(SHINE, 2000); e Robert Hare, criador do método de medição da psicopatia
mais utilizado mundialmente, que é o Hare Psychopathy Checklist (PCL-Hare,
1980/1991), baseado nas características mais frequentes nos pacientes
participantes das pesquisas (SANTOS, 2013).
É mister salientar que o médico francês Pinel, conhecido como
fundador da psiquiatria, defendia um tipo de tratamento moral dos distúrbios
psíquicos. Para ele, não havia completamente uma perda da razão, mas uma
confusão mental entre o real e o imaginário. Influenciado pelo Iluminismo da
época e pelos ideiais de liberdade, igualdade e fraternidade da Revolução
Francesa, decidiu agir de modo diferente dos demais profissionais e
desacorrentar seus pacientes (MENEZES et al, 2009).
Contudo, os estudos de Lombroso apresentavam uma ideia totalmente
diferente dos demais e foram os precursores da criminologia. Em seu livro
mais importante L'Uomo Delinquente, publicado em 1876, retrata que um
indivíduo é hereditariamente destinado ao crime ao nascer devido às
características biológicas (antropologia criminal) que, segundo ele, todos
criminosos teriam (ALVAREZ, 2002). Embora este conceito seja bastante
equivocado por apontar que um criminoso pode ser reconhecido por seus
atributos físicos e mentais, desde o século XIX até os dias atuais tal ideia
ainda é aceita visto que o comportamento criminoso é tido como doentio
(HENRIQUES, 2009).
A ideia de Morel era contrária à de Lombroso, uma vez que aquele
afirmava que todo ser humano nascia perfeito mas alguns viriam a se
corromper devido a hereditariedade (SERPA JR, 2010), enquanto este dizia
que os psicopatas desde os primeiros meses demonstravam seu
comportamento com pequenos gestos, como por exemplo morder a mãe
durante a amamentação ou se recusarem a entrar no berço (LOMBROSO,
2010). Segundo Morel, a “degenerescência hereditária” constituiria era a

179
principal causa das patologias mentais, uma vez que um indivíduo perfeito
passaria ao longo de sua vida por um processo de decadência progressiva e a
ideia moreliana baseia-se no cristianismo, em que o pecado original dentre
outros tantos males são transmitidos através das gerações. Em 1857, em sua
obra Traité des dégénérescences, Morel relacionou os quadros clínicos com as
causas biológicas dos diagnósticos (PEREIRA, 2008).
O termo “psicopático” (do grego: psyché = alma; pathos = paixão)
citado por Koch referia-se aos doentes mentais em modo amplo, pois naquela
época os estudos iniciavam-se e ainda não haviam correlacionado a psicopatia
ao caráter antissocial (HENRIQUES, 2009). De posse desse conceito geral,
Freud escreveu, em 1906, a obra “Personagens psicopáticos no palco”, onde
narrou personagens como Hamlet (de Shakespeare) que era normal e tornou-
se um psicopata com o tempo. De acordo com Freud, “criminosos em
consequência de um sentimento de culpa” eram frequentemente seus jovens
pacientes arrependidos de seus erros, que teriam necessidade de externar seu
sentimento de culpa cometendo seus crimes para se sentirem aliviados, sendo
que este sentimento se originara do Complexo de Édipo (onde o filho matou o
pai para ter uma relação incestuosa com a mãe).
Em estudos mais recentes, o psiquiatra canadense Robert Hare,
indignado com a falha da justiça de seu país em punir devidamente os
acusados, começou a estudar os detentos de um presídio de segurança
máxima. Concluiu que os presidiários eram psicopatas, fazendo uma analogia
com o gato, que não pensa no que o rato sente e só o enxerga como comida,
mas a diferença é que o rato percebe seu predador e o ser humano não
consegue. A partir disso dos dados coletados com maior frequência em sua
amostra de 143 homens brancos, com idades que variavam entre 18 a 53
anos, criou um método de análise do transtorno com 22 critérios de análise:
1- charme superficial;

180
2- diagnóstico prévio como psicopata;
3- egocentrismo e superestima;
4- tendência ao tédio e/ou baixa tolerância à frustração;
5- mentira patológica;
6- manipulação e/ou falta de sinceridade;
7- ausência de remorso ou culpa;
8- insensibilidade e frieza;
9- crueldade e falta de empatia;
10- estilo de vida parasitário;
11- pobre controle comportamental e temperamento explosivo;
12- promiscuidade sexual;
13- transtornos de conduta na infância;
14- ausência de metas realistas a longo prazo;
15- impulsividade;
16- comportamento irresponsável como pai;
17- problemas conjugais frequentes;
18- delinquência juvenil
19- risco em caso de liberdade condicional;
20- fracasso em aceitar responsabilidades pelas próprias ações;
21- diferentes tipos de delito;
22- abuso de álcool ou uso de drogas sem ser necessariamente causado
pelo comportamento antissocial.

A escala de Hare varia de zero a quarenta pontos, sendo quarenta o grau


máximo de psicopatia.
Antes do método de diagnóstico da psicopatia de Hare, surgiu o
Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorder (DSM). Sua primeira
edição ocorreu em 1952, um pouco depois da Segunda Guerra Mundial

181
quando vários soldados voltaram da guerra com problemas mentais, e foi
responsável por criar uma nova nomenclatura de transtornos mentais. A
Perturbação Sociopática da Personalidade é definida conforme o DSM I da
seguinte maneira:

“Os indivíduos a serem colocados nessa categoria


são doentes primariamente em termos da sociedade
e da conformidade com o ambiente cultural
prevalente, e não apenas em termos do desconforto
pessoal e relações com os outros indivíduos. No
entanto, reações sociopáticas são muito
sintomáticas de severos transtornos de
personalidades fundamentais, neuroses, ou
psicoses, ou ocorre como o resultado de dano
cerebral ou doença. Antes que um diagnóstico
definitivo neste grupo seja empregado, deve-se
prestar rigorosa atenção para a possibilidade da
presença de um distúrbio mais primário, tal
distúrbio fundamental será diagnosticado quando
reconhecido.” (DSMI,1952, p. 38)

Destarte, o DSMI também define o comportamento antissocial:

“Este termo se refere a indivíduos cronicamente


antissociais que estão sempre em apuros, não
aprendendo com a experiência nem com a punição.
São frequentemente frios e hedonistas, mostrando
marcante imaturidade emocional com falta de senso
de responsabilidade, falta de julgamento, e uma
inabilidade em reconhecer seu comportamento, de
tal forma que ele parece abonável, razoável e
justificável. O termo inclui casos previamente
classificados como ‘estado psicopático
constitucional’ e ‘personalidade psicopática’. Tal
como é definido aqui, o termo é mais limitado, bem
como mais específico em sua aplicação.” (DSMI,
1952, p. 38)

182
O DSM II, de 1968, não alterou muito a primeira edição. O termo
“Perturbação Sociopática da Personalidade” mudou para “Personalidade
Antissocial”, sendo descrito da seguinte maneira:

“Este termo é reservado para indivíduos que são


basicamente não socializados e cujo padrão de
comportamento os leva a repetidos conflitos com a
sociedade. Eles são incapazes de significativa
lealdade com os indivíduos, grupos ou com valores
sociais. Eles são enormemente egoístas, frios,
irresponsáveis, impulsivos e incapazes de sentir
culpa ou de aprender com a experiência e com a
punição. Tolerância à frustração é baixa. Eles
tendem a culpar os outros ou oferecer
racionalizações plausíveis para o seus
comportamentos. Uma mera história de repetidas
ofensas legais e sociais não é suficiente para este
diagnóstico. Reação delinquente de grupo da
infância (ou adolescência) e Mau-ajustamento social
sem distúrbio psiquiátrico manifesto devem ser
pautados antes de fazer este diagnóstico.” (DSMII,
1968, p. 43)

Porém, em 1987 foi publicado o DSM III, o qual classificou a psicopatia como
“Transtorno de Personalidade Antissocial” e houve uma grande mudança,
pois passou a predominar a psiquiatria biológica. Os dois princípios que
vigoravam a partir de então foram: as descrições dos sintomas e um sistema
de classificação que desconsiderara a etiologia dos transtornos.
No DSM IV, publicado em 1994, não houve nenhuma mudança
significativa em relação ao anterior, mas o DSM IV TR, classifica o
Transtorno de Personalidade Antissocial como “um padrão global de
desrespeito e violação dos direitos alheios, que se manifesta na infância ou no
começo da adolescência e continua na vida adulta (...)” (DSM IV TR, 2000, p.
656).
183
O DSM5 foi publicado em 2013, sendo a versão mais atual do manual
e continua sendo utilizado mundialmente para descrever os transtornos
mentais (SANTOS, 2013).

ANÁLISE DOS CONCEITOS DE CULPABILIDADE,


IMPUTABILIDADE, INIMPUTABILIDADE E SEMI-
IMPUTABILIDADE

Dentre as várias definições de crime, destaca-se a de Bierrenbach


(2009). Pare ela, o crime é basicamente uma conduta que transgride os
valores e princípios e que, portanto, atinge a sociedade. Dentro dessa lógica,
surgem os conceitos de culpabilidade e imputabilidade. Imputável é aquele
indivíduo culpado que compreende seus atos ilícitos e é capaz de responder
por eles, ao contrário do indivíduo inimputável que são incapazes de discernir
seus atos. Contudo, a imputabilidade não é o mesmo que a responsabilidade
penal. Enquanto esta caracteriza o dever jurídico de responder pela ação
defeituosa, aquela é relativa à condição pessoal do agente (FRAGOSO, 2004).
E os semi-imputáveis são aqueles que compreendem parcialmente a extensão
de seus erros. A culpabilidade é, segundo Bierrenbach (2009), o “juízo da
censura que recai sobre o autor da conduta típica e ilícita, que configura o
injusto”.
A sanção cabível a um inimputável é o tratamento clínico ambulatorial
ou internamento, mas o magistrado antes de aplicar as medidas de segurança
analisa, em consoante com Bitencourt (2008), que o delito praticado seja
punível, que haja periculosidade do agente, que não exista a imputabilidade
plena, pressuposto para a aplicação da medida de segurança. De certo modo,
essas medidas atendem ambas as escolas, tanto as clássicas, que permitem
qualquer tipo de punição ao agente, quanto as positivistas que defendem a

184
atuação específica do direito penal aos que precisam de internação (CORREA,
1999).

A PSICOPATIA E O DIREITO PENAL BRASILEIRO

Conforme Prado (1997 apud MOURA et al, 2012), o Direito Penal “é


o amparo aos bens jurídicos essenciais ao indivíduo e à sociedade. Trata- se de
um direito voltado às normas emanadas do Poder Legislativo, com o intuito
de conter transgressões, cominando através de suas sanções a proteção à
coletividade”. Desse modo, cabe ao juiz ponderar entre as penas e as medidas
de segurança de acordo periculosidade do delito, mas o agente não pode ficar
impune.
Embora na natureza todos os animais ajam por instinto, exceto o ser
humano que é o único animal racional, Morel trata os delinquentes de modo
similar à psiquiatria moderna, pois considera o caráter antissocial, e os
caracteriza como “maníacos instintivos”:

“Suas tendências inatas para o mal fizeram-me


designá-los do ponto de vista médico legal, pelo
nome de maníacos instintivos. O incêndio, o roubo,
a vagabundagem e as propensões precoces para toda
sorte de desregramentos formam o triste balanço de
sua existência moral, e esses infelizes (...) povoam
em grandes proporções as instituições
penitenciárias para a primeira infância e os
presídios.” Morel (1860 apud BERCHERIE, 1989,
p. 116).

De fato, os casos extremos são os assassinatos bárbaros de que a


sociedade toma conhecimento pela mídia. Quando os crimes são cometidos
em série, de um modo recorrente e com natureza sexual, nota-se a autoria de
serial killers. Na maioria dos casos o serial killer é um psicopata por agir com
185
dolo, mas de acordo com Mougenot (2004), “os serial killers podem ser
psicóticos – estes, sim, doentes mentais, e não psicopatas. De qualquer sorte,
é sabido que as características comuns aos psicopatas (déficit
comportamental, impulsividade, agressividade, ausência de remorso,
superficialidade das relações sociais etc) facilitam o surgimento do serial
killer, uma vez que a superação de outros crimes menores ou pequenos atos de
sadismo, desde atos contra animais, na infância pode leva-los à busca do
máximo prazer, que encontram nos crimes cometidos contra seres humanos.”
Todavia, entende-se que a psicopatia não é uma doença e muitas vezes
o criminoso age com dolo, as atitudes premeditadas visam atingir algum
objetivo. O art 18 do CPB discorre sobre os crimes dolosos:

CP - Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de


1940
“Art. 18 – Diz-se o crime: Crime doloso
I – doloso, quando o agente quis o resultado ou
assumiu o risco de produzi-lo;
Crime culposo
II – culposo, quando o agente deu causa ao
resultado por imprudência, negligência ou
imperícia.
Parágrafo único – salvo os casos expressos em lei,
ninguém pode ser punido por fato previsto como
crime, senão quando o pratica dolosamente.”

Em contrapartida, o art. 26 do CPB trata da inimputabilidade da


doença mental e defende que a pena pode ser reduzida de um a dois terços se
confirmada a insanidade do agente pela psiquiatria forense. Nesse caso, o
culpado é encaminhado para clínicas médicas especializadas ou para casas de

186
manicômios judiciais, mas a falha da norma foi não especificar quais são os
tipos distúrbios a que se referem, poderiam ser, por exemplo, além da
psicopatia: esquizofrenia, psicose maníaco-depressiva, paranoia, epilepsia,
demência senil, psicose alcoólica e sonambulismo (ALVAREZ, 2004).
De acordo com o DSMIV, o indivíduo para ser considerado portador
do transtorno de personalidade antissocial deve ter atingido a maioridade (18
anos) e deve ter tido desde antes dos 15 anos de idade um histórico de
transtorno de conduta. Conforme descrito por Henriques (2009), apesar de
ser comum rotular um assassino de ser psicopata, o conceito se aplica a outras
pessoas que tenham sido corrompidas por política, dinheiro ou fanatismo,
bem como terroristas, chefes de Estado e até mesmo religiosos, que se passam
por pessoas normais e, no entanto, não tem escrúpulos.

“O psicopata causaria uma boa impressão às pessoas


à primeira vista, raramente sendo visto como um
indivíduo dissimulado. Com frequência, ele age com
bom senso e demonstra um raciocínio lógico
eficiente, sendo capaz de prever as consequências de
seus atos antissociais, elaborar projetos de vida
admiráveis e criticar-se quanto aos seus erros do
passado. Seus argumentos são firmes e bem--
estruturados. Ele parece ser uma pessoa descolada,
no sentido de ser livre de empecilhos sociais ou
emocionais. Parece responder com sentimentos
adequados às situações sociais nas quais lhe são
exigidas respostas afetivas. Não apresenta sintomas
de psicoses e, normalmente, também não há
sintomas sugestivos de uma neurose. De fato, as
manifestações neuróticas clássicas praticamente lhes
são ausentes, assim como parece ser imune à
angústia ou preocupação diante de situações
perturbadoras.” (HENRIQUES, 2009)

187
Em consoante, Pereira (2008) alega que o Direito Penal Brasileiro deveria
punir mesmo o sujeito portador de sofrimento mental, a fim de livrar a
sociedade do perigo, desde que este tenha consciência de seus atos.
Entretanto, o artigo 98 do código penal destaca que:

“Na hipótese do parágrafo único do artigo 26 deste


Código e necessitando o condenado de especial
tratamento curativo, a pena privativa de liberdade
pode ser substituída pela internação, ou tratamento
ambulatorial, pelo prazo mínimo de um a três anos,
nos termos do artigo anterior e respectivos
parágrafos 1º e 4º”.

Sob a ótica de Beccaria, de que “a finalidade da pena é apenas impedir


que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e demover os outros de agir
desse modo”, o sentenciado deve a sofrer as conseqüências a que está sujeito o
inimputável, caso contrário o juiz avaliará a necessidade de internação ou de
tratamento ambulatorial, conforme a lei 36 7.209: “Nos casos fronteiriços em
que predominar o quadro mórbido, optará o juiz pela medida de segurança.
Na hipótese oposta, pela pena reduzida”. O código penal brasileiro cita que há
dois tipos de periculosidade: a presumida, voltada aos inimputáveis e aos
psicopatas; e a real, voltada aos semi-imputáveis e àquele que precisam de
tratamento psíquico. Mas no caso da imputabilidade plena, o magistrado
analisa os requisitos e opta por aplicar a medida de segurança ao invés da
pena.
Caso conste no laudo pericial que é preciso isolar o sujeito por longo
período ou definitivamente, em caso de psicopatia, o juiz deve optar pela
medida de segurança para que seja feito o tratamento médico-psiquiátrico
(ALVAREZ, 2004).

188
CONCLUSÃO

O art 26 do Código Penal Brasileiro trata da imputabilidade do


portador de sofrimento mental, mas não especifica as qualificações dos
transtornos a que se refere. A interpretação, no entanto, é destinada ao
psicótico que não responde por seus atos insanos por não discernir se a
situação é real ou imaginária, e não ao psicopata que tem consciência dos seus
feitos e age por maldade. Os testes DSM são padronizados e ajudam a
caracterizar o nível do caráter antissocial para saber qual pena é cabível, para
saber se o indivíduo é inimputável ou semi-imputável. O caráter dualista das
sanções: penas e medidas judiciais atende às escolas clássica e positivista,
porque ao mesmo tempo em que o agente é punido, o transtorno psíquico do
mesmo pode ser devidamente tratado.
Até o início do século XX o conceito de psicopatia era generalizado e
compreendia qualquer distúrbio psíquico, mas a partir do aprofundamento
dos estudos, estatísticas de crimes bárbaros e analogia entre os modus
operandi dos criminosos, a psicopatia passou a ser caracterizada como
transtorno de personalidade. Dentre os principais pesquisadores do assunto,
destaca-se o psiquiatra canadense Robert Hare com seu eficiente método de
diagnóstico, quando tomado de revolta pela falta de punição dos criminosos
resolveu classificar os níveis de psicopatia.

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SHINE, Sidney Kiyoshi. Psicopatia. São Paulo: Casa do psicólogo, 2000.

192
INTOLERÂNCIA: SOMOS INTOLERANTES OU IGNORANTES AO
NÃO ACEITARMOS AS ESCOLHAS ALHEIAS?

Gilson Almeida1
Gilson Félix2
Antônio Carlos3
Juliana 14 Voltas4
Marlon Mesquita5
Bárbara Mendonça6
Maira C. Sales7
Magna Campos8

RESUMO:

O presente ensaio acadêmico tem como objetivo expor uma abordagem sobre
alguns tipos de intolerâncias que ocorrem entre a sociedade em principal no
Brasil, mas que também há no mundo todo, tendo em vista que abordaremos
sobre as intolerâncias: Religiosas, Política, Racial, Misoginia e Feminicídio,
Homofobia, Xenofobia e o Problemas dos meios sociais. As intolerâncias
ocorrem devido a incapacidade de cada ser aceitar a liberdade de expressão do
outro, uma vez que a nossa Constituição garante a cada cidadão Brasileiro por
lei os tais Direitos. Sendo assim, a democracia e a liberdade de expressão,
representadas pelas as diversidades e divergências sociais, culturais e
religiosas, acarretam as intolerâncias no País que acabam muito das vezes em
crimes.

INTRODUÇÃO:

O presente ensaio acadêmico traz uma abordagem entre as


intolerâncias religiosa, política, racial, feminicídio, homofobia, xenofobia e

1 Graduando do Curso de Direito da FUPAC-Mariana


2 Graduando do Curso de Direito da FUPAC-Mariana
3 Graduando do Curso de Direito da FUPAC-Mariana
4 Graduando do Curso de Direito da FUPAC-Mariana
5 Graduando do Curso de Direito da FUPAC-Mariana
6 Graduando do Curso de Direito da FUPAC-Mariana
7 Graduando do Curso de Direito da FUPAC-Mariana
8
Professora universitária, escritora e mestre em Letras.
193
combate aos discursos de ódio nas redes sociais, tendo com consequência a
violência. A intolerância provoca vários comportamentos agressivos ao
próximo. O conceito dos termos tolerância e intolerância permitem fazer uma
avaliação do que ocorre nas relações sociais, quando o assunto envolve
conflitos e violências contra as intolerâncias supracitadas. Uma vez que no
Brasil é assegurado pela Constituição de 1988 o direito à liberdade de
expressão.
Tendo o objetivo de expor características das intolerâncias pela
formação sócio cultural, pelas adversidades culturais. Os objetivos é expor a
dimensão da importância da liberdade de expressão que é garantida a cada
cidadão brasileiro, e, que é violado esse direito por consequência das
intolerâncias.
As violências intolerantes sempre esteve presente no dia-a-dia,
fazendo com que a sociedade se ocultam das suas vontades. Vontades essas
que são oprimidas por intimidação, discriminação e por práticas agressivas
por parte de pessoas ou grupos considerados dogmáticos.

Neste ensaio propomos discutir a construção do


preconceito e a visibilidade das discriminações
decorrentes, duplamente associadas à condição de
emergência das diferenças: seja pela afirmação e
manipulação da condição da diferença, seja por sua
insistente negação ou dissimulação. Em ambos os
casos, o não reconhecimento ou a falta de respeito às
diferenças se fazem presentes, criando novos padrões
de violência. A reflexão, que busca construir uma
ponte entre o preconceito e a violência, enfatiza as
diversas formas de discriminação e exclusão e
compreende os seguintes aspectos: os parâmetros
jurídicos em relação a co-existir e a re-conhecer; as
ciências sociais diante da construção das
diferenças/dis-semelhanças; os fundamentos
conceituais da categoria “preconceito” e suas
derivantes em relação às de discriminação e exclusão
194
social; os mecanismos do preconceito; a relação
diferença-preconceito, imagem e racionalização do
outro.(BANDEIRA; BATISTA, 2002. p.120)

Assim, este ensaio visa entender as ações violentas e intolerantes


contra a escolha de cada um, tendo a sociedade a postura de julgar como
“DIFERENTE” o outro por suas escolhas, mesmo tendo consciência que está
infligindo vários direitos assegurado no Art. 5º da Constituição Brasileira de
1988, sendo um deles o de Liberdade de expressão.

AS VÁRIAS VERSÕES E MANIFESTAÇÕES DE INTOLERÂNCIA NA


SOCIEDADE

INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

Ter uma religião é algo fundamental na vida de muitos em nossa


sociedade, a religião é importante para entendermos de onde viemos, para
onde vamos e até como devemos viver. Temendo castigos e vivendo de acordo
com os fundamentos da religião escolhida. Porém, muitas pessoas passam dos
limites e acabam indo além, por aquilo em que acreditam e usam essa crença
para cometer atrocidades e punir de maneira extrema aqueles que vão contra
seus preceitos.
O Islamismo é um bom exemplo de atos que são realizados em nome
da religião e que exemplifica o que intolerância , pois usando a religião como
desculpa eles agem contra pessoas que lutam pelo direito de viver da maneira
que desejam, causando guerras, ataques terroristas e atos que desafiam
muitas vezes a compreensão humana. Grupos terroristas estão cada vez mais
fortes e cruéis e impõe suas vontades e recrutando cada vez mais jovens que
estão dispostos a fazer qualquer coisa para defender sua crença.
Atos contra o terrorismo envolvem países que lutam contra esse mal
que atinge muitas nações,e se tornou uma questão internacional, já que
195
devido às redes sociais os terroristas recrutam jovens que são chamados para
unirem-se aos grupos extremistas.
Existe também a questão política e financeira, pois o petróleo é usado
para financiar os ataques e as guerras, territórios são invadidos, inocentes são
dizimados, praticam limpeza étnica, perseguem povos de outras religiões
pessoas são sequestradas e muitas vezes assassinadas como forma de mostrar
que os terroristas estão no comando.
E no Brasil, existe intolerância religiosa? Historicamente falando, a
discriminação começou desde a chegada dos portugueses quando decidiram
catequizar os índios, tirando deles a sua cultura, os seus preceitos e a
liberdade de escolher a suas crenças. Sem nenhum respeito a cultura indígena
e sem conhecê-la julgaram-na como demoníaca, por isso impuseram o
catolicismo aos indígenas. Após a chegada dos escravos foi a vez dos negros
serem julgados por terem suas crenças, seus rituais, suas próprias maneiras de
explicitar sua fé. Assim, novamente o catolicismo foi visto como salvação e as
crenças de outros povos como errada e anti-cristã.
Mesmo o Brasil sendo um estado laico, ou seja, neutro quando o
assunto é religião, existem perseguições e intolerância advinda de
determinados grupos religiosos que se julgam melhores e mais corretos que
outros, católicos são perseguidos e acusados de adorar imagens, evangélicos
são acusados de fanatismo e muitas outras são inaceitáveis pela nossa
sociedade, como exemplo temos o candomblé, espíritas, maçonaria, entre
outros. É importante saber que existem leis que protegem os cidadãos contra
crimes ligados a religião, pois segundo a constituição todos têm direito a
liberdade, isso inclui escolher a religião que quer seguir ou de não seguir
nenhuma.
Matéria da revista Veja do dia 12 de novembro de 2017 noticiou que a
cada 15 horas no Brasil têm uma denúncia de intolerância religiosa. A revista

196
revela que esse tipo de preconceito vitimiza as pessoas que seguem as religiões
de origem africana, cerca de 39% das denúncias. Eles relatam todo tipo de
violência, templos e imagens destruídos, violência física, xingamentos,
ameaças, entre outros.
O disque 100, canal de denúncia teve relatos de casos que ferem os
direitos a liberdade religiosa, o coordenador geral do canal Fabiano de Souza
Lima diz que é alta considerando o cenário nacional e afirma também que
muitas vítimas preferem ficar no anonimato e evitam denunciar. A análise
feita em 2017, que a maioria das vítimas de intolerância religiosa são
frequentadoras de religiões de origem africana, (Umbanda, Candomblé) em
seguida a católica e a evangélica.
No ano de 2017 foram registrados 169 casos registrados no Brasil:
sendo São Paulo com 35 casos, Rio de Janeiro 33 e Minas Gerais 14.
Segundo Lima quando há campanha para a conscientização do problema as
queixas aumentam, pois as pessoas se sentem encorajadas a denunciar.
Cláudio Bertolli Filho, antropólogo da Universidade Estadual Paulista
(UNESP) diz que a intolerância é a “dificuldade de conviver com a
diversidade”. Outra fator observado é que as mulheres são as mais
intolerantes ao se tratar das questões religiosas. Cita-se o caso da pastora
Zélia Ribeiro que quebrou a marteladas uma imagem de Nossa Senhora
Aparecida, da Igreja Evangélica Razão de Viver. A atitude da pastora causou
revolta e ela pediu desculpas publicamente.
Na cidade de São Gonçalo uma menina de 15 anos , aluna do Colégio
Estadual Padre Manuel da Nóbrega foi vítima de intolerância religiosa, a
adolescente é candomblecista e foi humilhada por outros alunos na sala de
aula chamada de “macumbeira gorda”, quando tentou revidar foi expulsa da
aula pela professora. A garota sofria bullying constantemente e só foi tomada
uma atitude depois que a jovem foi vista chorando na sala de aula.

197
Segundo G1 novamente no Rio de Janeiro uma menina de 11 anos
que voltava com os pais de um culto de candomblé levou uma pedrada, o
ataque veio de dois homens que após atirar as pedras e insultar o grupo fugiu
em um ônibus. Outro caso ocorrido no Grajaú, um menino foi proibido de
entrar na escola porque trajava bermuda branca e guias por baixo do
uniforme, o relato veio da família que disse que o garoto sofreu discriminação
e humilhação por causa da sua religião, portanto irão processar a escola.
O jornal Extra de maio de 2018 publicou uma pesquisa que revela que
cresceu em 56% o número de casos de intolerância religiosa no Rio de
Janeiro, a comparação foi feita comparada com os primeiro 4 meses de 2017,
de acordo com a Secretaria de Direitos Humanos e Política para Crianças e
Idosos (SEDHMI). Os episódios mais frequentes são templos depredados
como o centro Espírita Caboclo Pena Branca. Segundo um órgão ligado a
SEDHMI as denúncias aumentaram depois que a intolerância religiosa tornou
crime passível de punição e também houve uma maior confiança nos órgãos
de proteção.

INTOLERÂNCIA POLÍTICA

A palavra democracia já em sua plenitude deslumbra os ideais


democráticos ou seja o que de fato é um bem popular, ou seja em prol de uma
coletividade existe um diapasão enorme entre o estado democrático que
vivemos atualmente que é que a mais ou menos trinta anos atrás era vivido
por nossos antepassados no período da ditadura, nestes momentos que o País
era mergulhado nos interesses dos ditadores, os cidadãos de bem não tinha
seus direitos garantidos pois primeiro vinha os interesses do estado, e daí os
privilégios eram endereçados aos poucos que mantinham no poder.
Desta forma como já mencionado, somente com a forma democrática
apoderou um estado livre, para todos com normas garantidoras desta
198
tranquilidade em que o cidadão de bem vive, harmonicamente com respeito a
constituição e as demais normas jurídicas.
Nesta forma o filósofo Hans Kelsen 12 que citado por BITTAR (2017)
estuda a Teoria da Democracia, aponta para a ideia de que, ponto de vista
psicológico a personalidade democrática é afeita à relação entre eu e tu.

Nesta linha de raciocínio, a palavra «democracia»


evoca o modus vivendi em que a partilha do que é
comum é priorizada para a alterização do convívio
e para a integração humana; nesta forma de ser,
deve-se enfatizar a responsabilidade ético-
democrática de estar-em-comum, e, por isso, o
termo designa o modo de interação social voltado
para a administração paritária do comum, e com o
modo pelo qual os sujeitos se constroem
identificados com o respeito-ao-outro e com o
respeito-ao-que-é-comum. E isso é válido para
políticos que usurpam o dinheiro público,
dissolvendo a diferença entre o espaço privado e o
espaço público, tanto quanto para cidadãos, que
se apropriam do espaço público como se privado
fosse,15 aí incluída a interação arbitrária e
violentadora da esfera de direitos do outro. Assim,
é na partilha do comum que se constituem os
sujeitos ativos da democratização, onde
individuação e socialização são apenas dois
aspectos do mesmo processo. Com isso, se
percebe que «democracia» implica encontro entre
o eu-tu, mediado por instituições, no nível do
governo, mas, sobretudo, encontro marcado pela
igualdade ética, que é aquela que está atrelada à
consideração do outro como pessoa moral, como
constata (UGARTE , 2006 citado por BITTAR,
2017).

Neste sentido, há de se notar que democracia trata-se de um instituto


formada para todos e tem o condão de distribuir direitos garantias e deveres,
logicamente com a observância do Estado.

199
Mas como já fomos uma nação que tinha garantia de direitos para
poucos, ou seja nesta modalidade podemos falar que a um total descrédito na
política brasileira e como presenciamos no cenário atual onde muitos,
políticos que teriam o condão de manter a lei e a ordem se encontra-se presos
e respondendo processos por suspeita de se apropriar do dinheiro público.
Há um grande descontrole através dos que participam do meio
político onde buscam defender seus próprios interesses e consequentemente
esconder o mar de lamas que eles próprios criaram com seus sistemas, tomá-
la e dá cá com o dinheiro público.
A nação onde os que detém o poder, e que não respeita princípios
mínimo como é o caso do Brasil, o povo não acredita mais naqueles que estão
disputando cargo público, ou seja tem medo de votar e o principal ser
cúmplice do seu direito o de eleger um administrador corrupto.
Na atual conjuntura do nosso Estado democrático, que vivemos nos
dias atuais a uma forte e crescente demanda entre a população, para a eleição
do cargo a presidente da república uma vez que uma parcela da população,
estão em defesa, do grupo chamado de anti (PT) e por sua vez outro grupo se
encontra preocupado com a volta do totalitarismo, ou seja, uma volta ao
passado tenebroso vivido pelos nossos antecessores.
Deste modo, um defende a bandeira verde e amarela e o outro tem
como lema a bandeira do partido que tem como cor o vermelho, mas o mais
preocupante de tudo isso é sem dúvida alguma a incerteza que ambos os
candidatos deixa a desejar por falta de esclarecimento do seus planos de
governos.

Até a intolerância tem o seu lado positivo. Não


tolerar a corrupção, mentiras, injustiça,
desigualdade, faz parte de um movimento em
favor da sociedade. A falta de tolerância encontra
o lado negro da força quando se fixa na negação da
200
existência do outro, quando falta a capacidade de
lidar com diferentes modos de pensar. Fã de
História e política, o microempresário José
Moacir Linhar, 60 anos, gosta de expor seu ponto
de vista quando se trata de falar sobre o momento
que o Brasil vive atualmente. “A política tem que
ser discutida. Se a gente deixar que outras pessoas
a discutam pela gente, vamos estar às margens
(...) Muitas pessoas não discutem política e elas
ficam reproduzindo frases de outras pessoas sem
buscar conhecimento”, observa. Defender sua
opinião, porém, nem sempre significa conquistar
novos amigos. Pelo contrário. Por conta de
divergências de pensamento político, Linhar conta
que um conhecido chegou a ofendê-lo dentro de
um supermercado e hoje desvia na rua para evitar
conversa. (Reportagem _ GABRIELA DA SILVA e
KELLY BETINA)

Como já ressaltamos anteriormente trata-se de uma forma


equivocada de visionar os que estão a frente na disputa presidencial, não
bastando tais iniciativas populares meia que sem noção, a mais recente de
todos foi a demonstração de conformidade, pelo abuso de poder e uma
aceitação dos eleitores, quando elegeram um político bem conhecido do povo
mineiro que teve denúncias graves e provas, até mesmo com malas de
dinheiro e mesmo com todos esses fatos pesando sobre sua pessoa, teve
grande número de votação, para deputado federal.
Dá-se aí uma preocupação ainda mais descomunal em relação às
escolhas dos eleitores será que essa turma sabe as consequências futuras de
uma escolha mal feita, pelo ódio e discórdia, entre partidos ou por um mero
capricho bobo colocam ainda mais a nossa democracia em risco.
É deste modo um povo hipoteticamente ignorante politicamente,
vem ao longo dos tempos trazendo prejuízo ao processo democrático com suas
escolhas perturbadas, onde torcem para um determinado concorrente como se
ele fosse a salvação de um País, bom salvador da Pátria só em novela na vida
201
real as coisas não acontece assim, com menciona o ditado popular nem
mesmo jesus conseguiu agradar a todos, e olha que nasceu como homem para
tentar diminuir ou extirpar os males mas não teve aceitação.

A decepção com os políticos tem gerado um


desespero que tem levado algumas pessoas a um
extremo perigoso no qual o entendimento de que
abrir mão de sua liberdade em favor de um líder
político lhes parece algo razoável, em outro
extremo, igualmente perigoso, as pessoas optam por
abusar da liberdade a ponto de interferirem na
liberdade alheia. (MENDONÇA, Saulo Bichara)

Neste sentido de fato é de notório saber popular, que com as crises


advindas com más administração públicas, o caos pode sim ser total e haver
devaneios da população e isso de nada seria bom, e com esses descontroles os
que detém o poder de organização poderiam perder o fio da meada e vir até
mesmo em nosso país demandar uma guerra civil, em busca de tomada do
poder como já existiu e várias outros regiões do mundo.

INTOLERÂNCIA CONTRA A MULHER - MISOGINIA E


FEMINICÍDIO

A Misoginia é conceituada pelo desprezo, ódio ou repulsa contra as


mulheres, surge com isso grandes conflitos sociais, dentre eles: a violência , o
abuso sexual, a repressão, a inferiorização e a discriminação contra a mulher,
conforme explicam (SILVA, DUARTE, 2012).
Há séculos estamos lutando contra a desigualdade de gêneros e no
decorrer da história tivemos algumas evoluções, podemos destacar o
feminismo na luta pelos direitos fundamentais das mulheres, que teve um
papel importante na elaboração da constituição cidadã de 1988, através da

202
chamada Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes. Tivemos também
devido á isso a criação da lei “ Maria da Penha” e a inclusão do feminicídio na
lista dos crimes hediondos. (SILVA, DUARTE,2012)
Algumas leis já são claras a respeito da igualdade e dignidade da
mulher, exemplo disso é a constituição de 1988. No entanto , o modo que a
sociedade olha a mulher é fruto de uma história onde a mulher foi reprimida
em vários sentidos , um deles é o sexual.
Até o século XVII, o sexo e a nudez eram vistos de maneira bem
natural, pela a sociedade. Com o surgimento da burguesia vitoriana, no século
XVIII, a relação sexual passa a ser vista como forma de reprodução.
No decorrer da história , os homens de posses, os que regiam a
sociedade, para eles a mulher era um objeto sexual. No entanto, a mulher
casada tinha a obrigação de ser fiel . E para os homens, passou a ser
permitida as relações extraconjugais.
O pensamento que a mulher é submissa é tão arcaico e está
entranhado na nossa cultura , que as meninas desde novas são criadas para
satisfazer os desejos masculinos e atenderem às suas expectativas .Em
Contrapartida, os homens são induzidos desde de novos às práticas sexuais e
além disso , era imposto a eles que eles eram os únicos que poderiam ter
prazer durante o ato sexual. E para que esse prazer ocorresse , o homem tinha
a obrigação de ser viril. A impotência masculina era motivo de humilhação,
conforme afirma Priore (2011) citada por Silva, Duarte (2012, p.6):

Se as mulheres não podiam ter prazer, para os


homens ele era obrigatório! E apesar do controle da
Igreja sobre a sexualidade, mais lenha foi posta na
fogueira do erotismo com as viagens ultramarinas. E
a razão? O convívio pioneiro com as culturas de
além-mar apimentou a Europa, e em particular
Portugal, com sabores, odores e sensualidades
novas. No momento em que uma avalanche de
203
textos moralizantes sobre o sexo se abate sobre as
populações, ocorre também a expansão de uma
gastronomia à base de afrodisíacos.

Com a evolução dos séculos, no século XX ocorreram grandes


transformações na sociedades, as mulheres que antes andavam com o corpo
todo coberto, passaram a mostra parte do corpo e a exibir a sua sensualidade.
Neste momento a sexualidade é vista de uma outra maneira . As mulheres
passam a exibir seu corpo em fotos sensuais, dando origem a pornografia.
Nessa época também as pessoas passam se relacionar umas com as outras de
forma sexual sem ao menos serem casadas. Mesmo que não seja bem visto
pela igreja.
No decorrer da história, a mulher foi conquistando o seu espaço na
sociedade e tendo mais voz. Mesmo tendo uma legislação brasileira que
garante a igualdade de gênero, a sua aplicação não é efetiva , principalmente
no que se refere aos direitos da mulher. Dessa maneira fica evidente que não
basta somente um texto legislativo para combater a opressão referente a
liberdade da mulher, mas precisamos de um conjunto de mudanças, dentre
elas, conscientização social, religiosa, econômica e a aplicação da lei com mais
efetividade. Em 1985, foi criado um Conselho Nacional dos Direitos da
Mulheres, que contribui com que mais direitos das mulheres estivessem
presentes na constituição. Neste período também foi elaborado a “Carta das
Mulheres aos constituintes”, cuja o lema era : Constituinte para valer tem que
ter direitos de mulher. Devido a esse acontecimentos , um novo texto
constitucional foi elaborado, com isso tivemos algumas mudanças no código
civil, onde a ele foi incorporado o princípio da igualdade entre os homens e as
mulheres .Tivemos mudanças no código penal e a elaboração de uma nova
legislação referente ao planejamento familiar, e a lei Maria da Penha , que se
referencia à violência contra a mulher conforme afirma Pitanguy (2016)
citado por Silva ,Duarte (2012, p. 12).
204
Sabemos que desde que o mundo é mundo a mulher sobre violência
doméstica e familiar e isso é umas das maneiras de violar os direitos,
expressando costumes e comportamentos socioculturais, trazidos desde os
tempos das cavernas, com a ideia de que o homem é superior a mulher. Para
colocar um freio nisso, em 07 de agosto de 2006 foi publicada de forma
oficial a lei nº 11.340 que requisita uma modificação de comportamento , pois
estabelece a obrigatoriedade do respeito a da igualdade. Dessa forma cria
maneiras que restringe a violência doméstica e familiar que consiste em:
violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. (CONCEIÇÃO
,2017).
A lei nº 11.340/2006, também conhecida com a lei Maria da Penha,
recebeu esse nome para homenagear uma mulher que se calou por 23 anos de
agressões físicas e psicológicas sofrida pelo marido e que após duas tentativas
de homicídio, ela resolveu denunciar.
Conceição (2017,p.2) diz que a lei Maria da Penha não teve uma
eficaz na prevenção e combate à violência contra a mulher como se esperava :

Este estudo se torna relevante, uma vez que, nove


anos, após a sanção da Lei Maria da Penha, pouco se
tem constatado a eficácia desta, no combate e
prevenção a violência contra a mulher, portanto a
preocupação do presente estudo pauta-se na nova lei
sancionada, lei 13.104/2015 que trata do
feminicídio, caracterizando-se como violência
contra mulher, com resultado morte.

Em 13 de março de 2015, foi publicada da lei nº 13.104/2015 que foi


incluída no código penal Brasileiro, qualificando o feminicídio como crime de
homicídio e classificando -o como hediondo. Nesse sentido é importante
ressaltar que, ”A lei do feminicídio em seu artigo 1º, § 2º-A no Brasil,
considera o assassinato de mulher, como sendo uma condição especial da

205
vítima, quando presentes “violência doméstica e familiar” ou “menosprezo ou
discriminação à condição de mulher”’’. (CONCEIÇÃO,2017, p.4)
A palavra feminicídio foi usada pela primeira vez em público pela
escritora sul-africana Diana Russel perante o tribunal internacional sobre
crimes contra as mulheres em Bruxelas em 1976. ( CONCEIÇÃO,2017, p. 4)
Em 2012 o Brasil estava na lista dos países como o maior índice de
homicídios femininos do mundo, ficamos na 7º posição entre 84 países de
acordo com o mapa da violência deixando evidente que a violência contra
mulheres na sua grande maioria ,são provenientes do ambiente doméstico.
Um grande avanço que tivemos foi a lei do feminicídio que visava diminuir os
índices dos assassinatos contra a mulher, tendo como objetivo a proteção
feminina , podendo dessa maneira comparar sua aplicabilidade no Brasil em
relação aos países da América Latina . Para isso é necessário conhecer os tipos
possíveis de feminicídios. (CONCEIÇÃO , 2017, p.5)
Os tipos de feminicídios são três: íntimos, não íntimo e por conexão.
No feminicídio íntimos, o crime é cometido pelo companheiro atual
ou ex companheiro da mulher com o qual ela teve algum tipo relacionamento.
Já no feminicídio não íntimo, o autor do crime e a vítima mulher não possui
nenhum tipo de relacionamento. E o feminicídio por conexão a vítima mulher
está no lugar errado e na hora errada ou seja o homem quer matar uma
mulher, qualquer mulher.(CONCEIÇÃO,2017,p.6)
Todo dia morrem mulheres vítima de feminicídio. Dados fornecidos
pelo em.com, afirmam que o feminicídio aumentou em 5% em 2018 em Minas
Gerais. Chegando a 106 mortes.
Segundo o (em,2018),Jaciara Sousa Nascimento, de 30 anos, estava
em casa, em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, quando foi surpreendida pelo
ex-companheiro, de 21, acompanhado de um adolescente de 17. Acabou
sendo assassinada a facadas. A quilômetros de distância dali, em Lajinha, na

206
Zona da Mata, Michele Aparecida de Medeiros, de 40, foi assassinada na
frente dos filhos. O principal suspeito é o ex-marido.
São duas mulheres com histórias de vidas tão diferentes e que foram
unidas pelo destino de uma forma muito triste. Hoje elas fazem parte de uma
estatística muito preocupante , apenas nos primeiros nove meses deste ano,
106 mulheres foram assassinadas por menosprezo pela condição feminina,
discriminação ou por violência doméstica. O quadro real de feminicídio, como
são definidos esses casos, é ainda mais grave, já que não entram na estatística
casos como os das duas últimas vítimas, mortas nesta semana.(em.com,2018)

INTOLERÂNCIA SEXUAL - HOMOFOBIA

No artigo escrito por intitulado de ‘’A criminalização da Homofobia”


que discute sobre a questão da homofobia, criminalização, descriminalização,
inexistência de lei, que nos mostra que mesmo com o passar do tempo, hoje,
em pleno século XXI a sociedade ainda não tem evoluído absolutamente
nada, direitos são violados em atos preconceituosos em todos os momentos
do cotidiano diário das pessoas, a própria constituição Federal nos garante no
artigo 5° ‘’Todos somos iguais perante a lei sem distinção de qualquer
natureza, garantindo se - aos Brasileiros e aos estrangeiros residente no país
inviabilidade no direito à vida, à liberdade, à segurança e a propriedade(...)’’.
(BRASIL, Constituição Federal, 1988)
De acordo com Monteiro(2016).

Diante da Decisão do Supremo Tribunal em maio de


2011 na ação direta de inconstitucionalidade 4277 é
preceito fundamental 132 reconheceu a união entre
pessoas do mesmo sexo, como entidade familiar
garantindo a existência e valia de tais direitos, que na
realidade já são garantidos na teoria porém existe um
grupo de pessoas contrárias a tal decisão
influenciadas por diversos fatores como crenças
207
religiosas e influências Morais, as decisões e ações
devem ser respeitadas para que possam ser garantido
os direitos de todos já que o estado é laico e não e
não se deve influenciar por crenças e costumes em
decisões .

Por outro lado sabemos que, existe uma certa omissão por parte do
legislador, impossibilitando a aprovação do projeto de lei que assegure aos
homossexuais assegurando e garantindo que a punibilidade, para os crimes
de homofobia em todos os sentidos que seja agressão física verbal ou
psicológica classificando as como crime, garantindo as verdadeiramente o
direito à liberdade direito de ir e vir sem sofrer qualquer ato de violência e o
direito de ser bem tratado independente cor raça ou religião.

Evidentemente os direitos, evidências a pessoa


humana, são violados até mesmo a constituição
federal, ‘’o direito à vida, a dignidade da pessoa
humano, direito à igualdade, não são levados em
consideração a bancada evangélica Que deveria
representar o povo e não sua crença religiosa, até
mesmo pelo fato do estado ser laico, por outro lado a
própria religião lhe dá livre arbítrio não sendo levado
em considerações constitucionais mas esclarecendo
que, a bancada evangélica jamais irá aprovar tal
projeto que visa o bem de todos independente de
crença religiosa. (MONTEIRO, 2016, p.6)

Em um país que se diz democrático de direito vidas são ceifadas por


intolerância sexual e os governantes não tomam as devidas providências,
porquê não criminalizar a homofobia tendo em vista que a própria
constituição tem sido violada nenhuma penalidade para os intolerantes penas
para este tipo crime precisam ser legislada já previsto na constituição federal.
Entende-se que a única maneira de diminuir o índice ou os casos de
homofobia, seria com a criminalização da homofobia será uma luta de todos
para que a garantia dos direitos individuais sejam garantidos, de maneira que

208
vise o em comum de toda a sociedade, caso contrário estaremos com a falsa
liberdade, que nos dar o direito de ser livre mas não nos assegura
constitucionalmente penas para estes atos preconceituosos.

INTOLERÂNCIA AO IMIGRANTE - XENOFOBIA

A crise capitalista, dada pela imensa concentração de rendas nas


mãos de poucos, tem como um de seus frutos, a imigração. Porém, a
legislação que garante direitos aos imigrantes e refugiados tem deteriorado
não somente as condições de trabalho como tem contribuído para a
desvalorização do trabalho para toda a classe trabalhadora, tanto nacional
como estrangeira.
A mobilidade sociolaboral é definida de acordo com as estratégias de
dominação do capital imperialista, com avanços ou retrocessos na produção
em cada região. Mas o fluxo migratório internacional não criou igualdade de
oportunidades para imigrantes dos países periféricos.
A imigração tem, segundo a visão de partidos políticos neoliberais e
conservadores, desestabilizado a ordem econômica. Essa visão distorcida da
realidade provoca a intolerância ao estrangeiro, dificultando a sua inserção e
permanência no país de destino. Somam-se a esses partidos, as pressões
exercidas por entidades financeiras, como o Banco Mundial e o Fundo
Monetário Internacional, que têm influenciado as decisões sobre o
acolhimento ou o fechamento de fronteiras para a classe trabalhadora
migrante (DINIZ, 2016) .
Conforme Diniz (2016), o preconceito ao imigrante não ocorre
somente nas economias capitalistas periféricas, mas, também, nos centros
imperialistas. A crise do padrão de acumulação do capital e o desemprego
generalizado faz com que o preconceito aos imigrantes e refugiados assumam

209
enormes proporções, influenciando as relações sociais de classe entre trabalho
e capital.
No Brasil, o preconceito ao imigrante é histórico, remontando ao final
do século XIX, culminando com a Lei de Cotas implementada durante o
Estado Novo, em meados do século XX. O Estatuto do Estrangeiro, de 19 de
agosto de 1980, é incompatível com os direitos assegurados pela Constituição
Federal de 1988 e com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de
1948. Apesar disso o Brasil foi pioneiro, na América Latina, na criação de um
Estatuto do Refugiado, em 1997, e aguarda tramitação no Congresso de uma
nova Lei de Migração (DINIZ, 2016) .
Esse preconceito torna os imigrantes e refugiados mão-de-obra
barata, os quais, temendo constrangimentos de diversas naturezas, muitas
vezes não procuram os órgãos competentes e mantém-se em confinamento,
isolando-se em casa de amigos ou nos próprios locais de trabalho, levando a
condições análogas ao trabalho escravo.
Em termos legais, ainda há muito a ser feito no Brasil quanto aos
imigrantes e refugiados, de forma a atender suas demandas, passando pelo
seu acolhimento à manutenção de seus direitos humanos.
A Venezuela está passando por uma grave crise humanitária. Entre os
problemas enfrentados temos uma forte crise econômica, acompanhada de
hiperinflação, diminuindo o poder de compra da população e com escassez de
alimentos, remédios e de atendimento à saúde. Há, também uma crise
política, onde o Estado está se ausentando de proteger os cidadãos, violando
seus direitos fundamentais e reprimindo com força policial às manifestações
de seus habitantes.
Conforme Milesi, Coury e Rovery (2018), milhares de venezuelanos
estão deixando o país em função da crise, indo buscar proteção em outros
Estados e, segundo dados da Organização Internacional para Migrações

210
(OIM), mais de 900.000 migraram entre 2015 e 2017, principalmente para a
Colômbia. Ainda, mais de 60 mil se refugiaram no Brasil no período de 2016
a maio de 2018.
Segundo as mesmas autoras, o problema não está na quantidade de
migrantes, que poderiam facilmente ser acolhidos no país; mas que, cerca de
40 mil entraram pela fronteira com Roraima, um estado pequeno em
população (cerca de 500 mil habitantes) e que não tem condições de acolher,
abrigar e oferecer alternativas de trabalho a esse contingente.
Apesar do Governo Federal ter tomado algumas atitudes, estas não
foram suficientes, o que levou as autoridades locais a ingressarem com uma
Ação Civil Originária (ACO 3121), solicitando ao Supremo Tribunal Federal
que determine que a União assuma todo o controle policial, de saúde e
sanitário ao atendimento aos imigrantes, propondo, inclusive, o fechamento
temporário da fronteira com a Venezuela, sob a alegação de que a entrada
desordenada de venezuelanos tem causado enormes prejuízos à população,
com a aparição de doenças antes erradicadas no Brasil e com aumento da
criminalidade.
Milesi, Coury e Rovery (2018) citam que na narrativa construída na
ACO 3121 expõem-se problemas de causas estruturais e que já estavam
presentes em Roraima; que trata-se de uma argumentação discriminatória,
xenófoba, que, a partir de fatos reais chega-se a conclusões falaciosas como
atribuir o aumento dos casos de incidência de malária aos imigrantes,
enquanto a Secretaria Nacional de Vigilância em Saúde afirma não haver
qualquer relação do aumento com a imigração venezuelana. Ainda, que o
aumento da criminalidade, do tráfico de drogas e armas estaria associado ao
fluxo migratório e fosse causado pelos venezuelanos; quando, sabe-se que
estes crimes na região são comandados por facções brasileiras, como o

211
Primeiro Comando da Capital (PCC), muitas vezes, de dentro de presídios na
região, e antecedem o fluxo migratório.
O fechamento da fronteira e a limitação da entrada de venezuelanos,
segundo Milesi, Coury e Rovery (2018) carecem de legalidade e ferem
dispositivos da Constituição brasileira quanto à dignidade humana, violando,
ainda, compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no tocante ao
acolhimento de refugiados; além de ir contra o espírito da Lei de Migração
(Lei 13.445/2017) no tocante a mobilidade humana e seus direitos, mais
especificamente ao seu artigo 3º.
Alguns políticos locais têm utilizados esses mesmos discursos de
retórica xenófoba promovendo a aversão aos imigrantes, quando,
anteriormente a esse crescente fluxo migratório, mal expressavam problemas
com a imigração em suas plataformas políticas. Essa estratégia política é
nociva aos imigrantes pois, “além de não terem suas demandas reconhecidas,
passam a ser responsabilizados por todas as falhas da administração pública,
em áreas como saúde, segurança, educação, emprego e outros” (MILESI;
COURY; ROVERY, 2018, p. 64-65), tornando-os estigmatizados e culpados,
quase que automaticamente, simplesmente por pertencerem a esse grupo,
“favorecendo situações onde a discriminação e mesmo a violência contra
imigrantes passam a ser consideradas como aceitáveis” (idem) e ressaltam:
A importância e a necessidade de desenvolver ações
e atividades que contribuam para que a sociedade
tenha uma percepção realista e positiva da
migração, percebendo que não se trata de um
problema ou de uma catástrofe, mas, sim, de um
fato social, uma grande oportunidade para o
desenvolvimento, a colaboração recíproca, a
acolhida humanitária e o progresso social [...]
surgem, assim, oportunidades para que o convívio
mútuo resulte no aumento da consciência da
população local sobre os aspectos positivos da
migração e para o bem dos migrantes, não como
212
privilégio, mas simplesmente como atitude
humanitária e como tratamento digno e igualitário
com os nacionais, princípio consagrado em nossa
Carta Magna (MILESI; COURY; ROVERY, 2018, p.
66-67).

O ano de 2018 tem sido um ano difícil para os moradores do Estado


de Roraima. Mais difícil ainda tem sido para os imigrantes venezuelanos que
lá chegaram.
Fugidos de um país onde a inflação prevista para 2018 é de mais de
13.000%, onde faltam alimentos, remédios e empregos, mais de 127.000
venezuelanos passaram pela fronteira entre o Brasil e a Venezuela, entre 2017
e meados de 2018, adentrando, em grandes fluxos, o estado brasileiro de
Roraima, utilizando como principal acesso a cidade brasileira de Pacaraima,
com seus 12.000 habitantes e que recebe um fluxo diário de 800 imigrantes.
Este enorme fluxo de venezuelanos fez com que a cidade de Boa Vista,
capital do estado, tivesse sua vida alterada, pois mais de 10% de sua
população é composta por imigrantes, em sua grande maioria desempregados,
vivendo em abrigos provisórios e de doações de alimentos, roupas e remédios;
e sem contar com o apoio dos órgãos governamentais.
A crise instalada em Roraima, que já não conseguia manter os serviços
de atendimento básico à sua própria população, agravou-se, e tem sido
utilizada por políticos oportunistas em discursos políticos de cunho xenófobo,
aproveitando-se do aumento da criminalidade, supostamente ligada aos
venezuelanos, e pedindo o fechamento da fronteira
Um fato ocorrido em agosto de 2018, na cidade de Pacaraima, em que
um comerciante local relatou ter sido roubado e agredido por venezuelanos,
levou um grupo de moradores locais a rechaçarem os imigrantes, queimando
suas barracas e expulsando-os da região, deixando ainda mais desamparados
estes que já não podiam contar com seus direitos em seu próprio país e que,

213
agora, não se sentem acolhidos em seu refúgio. Fatos semelhantes já haviam
ocorridos em Boa Vista, causando vítimas com queimaduras de segundo grau.
Fato é que as autoridades brasileiras pouco têm feito para atender os
refugiados, acolhendo-os de maneira humanitária, garantindo-lhes direitos
fundamentais e não os redistribuindo pelo país, a fim de não causar grandes
impactos nos locais de entrada no país.

O COMBATE AOS DISCURSO DE ÓDIO NAS REDES SOCIAIS

Hoje grande parte das pessoas possuem redes sociais, entre elas o
Twitter, Facebook, Instagram e o WhatsApp redes que são utilizadas como
meio de comunicação e postagens de fotos estão cada dia se degradando mais,
e vindo sendo utilizadas como meio de propagação de ódio, o que é conhecido
como Cyberbullying no qual os comentários maldosos são feitos por meios de
redes sociais.

O discurso de ódio e o conflito em si. Expor


mensagens odiosas nas redes sociais contra as
minorias: LGBT´s (Lésbicas, Travestis, Transexuais
e Transgêneros), mulheres, negros, índios entre
outras socialmente reprimidas, cria uma ruptura na
rede e nas relações entre os atores. (NANDI, 2018,
p.37).

Os discursos são geralmente feitos por pessoas que acham que estão
apenas dando uma simples opinião um comentário que dizem não ter
maldade, mas o modo que os comentários são feitos da para notar que são
feitos em tom de maldade para deixar quem lê se sentindo mal como se aquilo
que o outro escreveu fosse a verdade absoluta. A pessoa que escreve os
comentários não pensam no mal que irá causar ao outro. Esses discursos já
existiam antes porém de uma forma mais restrita ou seja não era divulgado
para que todos vissem, já nos dias atuais com o meio comunicacional fica mais
214
fácil distribuir esses comentários maldosos, já não querem mais saber o que
realmente o outro é e o que ele precisaria ver ou ouvir para ter um dia melhor,
ao mesmo tempo que as redes aproximam estão afastando as pessoas, Santos
e Silva (2013) Apud Nandi,2018.
Fica mais difícil de ser reconhecidos os que se escondem por contas
fakes, fazem isso em busca de não receberem uma punição pois utilizando
dessas contas podem piorar seus comentários e deixá-los ainda mais
absurdos que o normal. Os discursos que são feitos nas redes buscam uma
certa audiência pois procuram por atenção das pessoas que também utilizam
do meio de comunicação no intuito de que elas concordem com o que foi dito
por eles, e acabam realmente encontrando pessoas que acham graça e
concordam com seus discursos de ódio, fazendo com que eles pensem ser os
donos da razão e continuem tendo esses tipos de atitudes com o outro.

Quando uma pessoa dirige um discurso de ódio a


outra, a dignidade e vulnerada em sua dimensão
intersubjetiva, no respeito que cada ser humano
deve ao outro. Mas não só isso. No caso do discurso
odiento, vai-se além: é atacada a dignidade de todo
um grupo social, não apenas a de um indivíduo.
Mesmo que esse indivíduo tenha sido diretamente
atingido, aqueles que compartilham a característica
ensejadora da discriminação, ao entrarem em
contato com o discurso odiento, compartilham a
situação de violação. Produz-se o que se chama de
vitimização difusa. Não se afigura possível distinguir
quem, nominal e numericamente são as vítimas.
Aquilo que se sabe é que há pessoas atingidas e que
tal se dá por conta de seu pertencimento a um
determinado grupo social (SILVA, 2011,p.39).

Muitas vezes as pessoas que ouvem ou leem esses tipos de opiniões


acabam sendo levadas a acreditar no que foi falado pelo outro, e ficam
depressivas, passam a não gostarem da sua imagem e nos casos mais extremos
de rejeição própria cometem suicídios pois não suportam passaram a
215
acreditar que são realmente o que o outro comentou. Há nas redes sociais
formas de denunciar esses atos irresponsáveis o que contribui para uma queda
grande de casos desse tipo nas redes.
Tem-se em mente que esses discursos feitos nas redes não tem uma
punição jurídica na vida real, mas também podemos contar com as leis para
apoiar com o extermínio desses casos. ‘’A Alemanha através de seu
parlamento aprovou em 30 de julho de 2017 aprovou uma lei para o combate
de notícias falsas (fake news) e do discurso de ódio.’’ (NANDI,2018,p.43).
Isso é uma grande conquista para todos, pois um dia podemos passar por uma
situação constrangedora e teremos onde recorrer, seria difícil passar por
situações assim e não saber o que fazer.
O melhor a seria se houvesse respeito entre as pessoas, as coisas
muitas vezes a falta de contato face a face deixam-nas mais arrogantes e sem
senso do que é certo, a tecnologia veio com um bom intuito, mas para quem
não sabe usar só vai trazer prejuízos. Quem está sendo atacado muitas vezes é
taxado de vitimista sem humor, mas dá para saber quando o comentário é
feito brincando e quando é feito para atacar o outro, até por que um
desconhecido nas redes fazem mais críticas do que comentários em tom de
uma brincadeira9.
Até mesmo os famosos estão sujeitos aos discursos de ódio, mesmo
vivendo rodeados de mais ‘’vantagens’’ não escapam dos comentários afiados
das pessoas. Alguns casos até bem recentes que bombaram nas mídias e
foram alvos de denúncias, pode-se citar o Caso da Titi filha adotiva do Bruno
Galhiasso e da Giovanna Ewbank foi vítima de racismo nas redes após fazer
uma postagem de sua foto no Instagram.
A autora dos ataques é a Socialite DayMcCarthy na qual chamou a
menina de macaca e cabelo de pico sem ter medo de ser punida pois segundo

216
ela fora do Brasil ela não seria nem achada e nem punida, sobre a crítica
Galhiasso respondeu ‘’Numa sociedade racista não basta não ser racista é
necessário ser anti-racista’’ diz Galhiasso, Bruno 2018, e realmente nossa
sociedade está precisando de mais compaixão uns com os outros, não foi
somente uma vez que a menina Titi sofreu ataques, houve uma vez que uma
moça fez um comentário totalmente desnecessário dizendo ‘’Você e seu
marido até combina, mas a criança que vocês adotaram não combinou muito,
porque ela é pretinha e lugar de preto e na África’’ Diz Socialitte, o perfil da
moça foi excluído mas isso não diminui o dano causado no psicológico de uma
criança que ao saber disso tudo pode passar a se olhar diferente e não gostar
do que vê no espelho passando a enxergar defeitos onde não existem. (Jornal
OGlobo,10.10.2017) Houve mais casos entre os famosos desse mesmo tipo,
usando ofensas e muito deboche esse segundo caso ocorreu com a menina
Rafaella Justus, filha de Ticiane Pinheiro e Roberto Justus na qual foi
chamada de Boneco Chucky pela mesma mulher que atacou a Titi, a mulher
que fez o comentário sobre Rafaella até cogitou a hipótese de que ela foi
trocada pelo Chucky na maternidade. Essa mulher na verdade parecia querer
chamar atenção ter um momento de fama mesmo que fosse passageiro, então
o meio mais fácil seria atacando os famosos.
Dessa vez as pessoas não deixaram passar em branco e se revoltaram
contra a socialite, então entraram no seu perfil e começaram a xingá-la
chamando-a de ‘’lixo’’,’’ridícula’’,’’’’parece o demônio em pessoa e quer falar
de uma criança. Dinheiro não traz humanidade’ ’e ‘’ consegue ser horrorosa
bruxa’’. (Otvfoco,2017)Essa mulher causou muita revolta nas redes, e foi
denunciada pelos pais das meninas. O que não percebemos é que esses tipos
de comentários vem até mesmo por brincadeiras em tons maliciosos que só é
percebido pela pessoa afetada quem vê por fora acaba denominando de
‘’mimimi’’ e frescura. Os casos que ocorrem com pessoas normais não chegam

217
a ser alarmados para a justiça. o que acaba fazendo a pessoa afetada corrigir o
outro que a afetou com as próprias mãos, muitas vezes atos impensados e
inconscientes que quando se nota a besteira já está feita.
Nota-se que vem crescendo as vinganças das pessoas que sofrem
preconceitos, acabam entrando nas escolas com armas e facas em busca de
punir quem debochou e riu dos comentários em busca de afetar somente o que
fez as críticas acaba afetando também todos que estão no local, um ato que
começa com risada termina em choros dos familiares que muitas vezes não
sabiam do que se passava com seus filhos. Somos uma sociedade que muitas
vezes não aceitamos brincadeiras como antes, levam-se tudo ao extremo e
acabam gerando muitas consequências indesejáveis.
Conclui-se então que para melhorar o ambiente virtual precisamos
respeitar uns aos outros, evitar brigas e discussões desnecessárias, um
ambiente virtual serve para se divertir compartilhar ideias e conversar com
parentes e amigos distantes, ja tem tanta briga entre as pessoas por toda
parte, por que brigar pelas redes sociais se o melhor é se distrair ?!
Há normas que tentam pacificar as brigas mas nem sempre tem o
alcance de todas, no entanto devemos ter consciência de que não é bom tratar
o outro como não gostaríamos de ser tratados, o respeito é muito importante
para que possamos viver bem uns com os outros. Quando se trata de ofensas
criticando os outros pode ser que nem sempre seja por maldade mas depende
de quem está lendo e do tom que se lê, pois a pessoa pode levar como ofensa o
que de início seria só uma brincadeira sem maldade, porém destaca-se um
fato que pode acontecer com qualquer um de nós como o uso de fotos que não
são de autoria própria sem a permissão do dono da imagem, e com isso
ameaça a pessoa exemplo claro desse fato é quando um ex posta uma foto
íntima de sua antiga companheira o que se torna um pesadelo para ela e de

218
difícil conserto pois, depois da foto ter sido espalhada e compartilhada por
muitos não se tem mais alcance de onde ela pode ter chegado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Ao final dos estudos realizados notamos que os temas estudados das


intolerâncias é um fato histórico e se apresenta desde o início da sociedade
quando iniciaram as diferenças de raças, gêneros e classes sociais dentro de
um mesmo território, essas intolerâncias ocorrem quando não se respeita as
diferenças das pessoas que dividem o mesmo espaço gerando vários tipos de
violências, causadas por pessoas que com abuso agride as outras de forma
física ou psicológica.
Tivemos como objetivo avaliar momentos históricos trazendo pra
nossa realidade dos dias atuais para que possamos compreender e refletir
sobre as motivações e consequências das intolerâncias. Observamos também
um grande aumento de intolerâncias devido a grande evolução tecnológica
onde pessoas se interagem a todo momento pelas redes sociais, muitas vezes
tendo como consequências ataques verbais gerando violência simbólica ou
psicológica que muitas vezes causam danos irreversíveis sendo mais grave até
que uma violência física.
Analisando nossa sociedade observamos a grande importância da
educação para que se tenha uma formação de pessoas melhores no futuro, que
entendam e saibam respeitar essas diferenças sempre existentes em nossa
sociedade, assim podendo combater as desigualdades para que tenhamos um
futuro onde se minimize de forma significativa as ocorrências de
intolerâncias.

REFERÊNCIAS

219
BANDEIRA, Lourdes; BATISTA, Anália Soria. Preconceito e
discriminação como expressão de violência. 2002. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/ref/v10n1/11632.pdf. Acesso em: 3 out. 2018.

DINIZ, Tânia Maria Ramos Godoi (org.). Xenofobia. Série de Cadernos


Assistente Social no combate ao preconceito, Brasília: Conselho Federal
de Serviço Social, n. 5, 2016.

MENDONÇA, Heloísa. O “monstro da xenofobia” ronda a porta de entrada de


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<https://brasil.elpais.com/brasil/2018/08/17/politica/1534459908_84669
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MILESI, Rosita; COURY, Paula; ROVERY, Julia. Migração Venezuelana ao


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corpo discente do PPG-História da UFRGS. Porto Alegre: v. 10, n. 22, p.
53-70, ago. 2018. Disponível em:
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https://oglobo.globo.com/rio/filha-de-giovanna-ewbank-bruno-gagliasso-
vitima-de-racismo-22117146 .Acesso em 10.10.18 às 23:59).

https://www.otvfoco.com.br/socialite-que-praticou-racismo-contra-filha-de-
gagliasso-ja-ofendeu-rafaella-justus/ Acesso em:11.10.18 ás 00:28).

SILVA, Larissa Tavares; DUARTE, João Carlos; A misoginia como


obstáculo para o pleno exercício dos direitos fundamentais, p.6-12
,2012. Disponivel <http://fadipa.educacao.ws/ojs-2.3.3-
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CONCEIÇÃO Eloisa Botelho da Silveira ; Feminicídio no Brasil , P. 2-4,


2017. Disponível em : < facnopar.com.br/conteudo-arquivos/arquivo-
2017-06-14.> Acesso em : 26/10/2018.

VALE Henrique João.Feminicídio aumenta 5% em 2018 em Minas Gerais. Já


são 106 mortes. Em.com 27/20/2018. Disponivel em
<https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2018/10/27/interna_gerais,1
000420/feminicidio-a-escalada-da-covardia.shtml > Acessado em
02/11/2018.

220
extra.globo.com/casos-de-policia/cresce-56-numero-de-casos-de-
intolerancia-religiosa-no-rio-22664492.html
https://veja.abril.com.br/brasil/brasil-tem-uma-denuncia-de-intolerancia-
religiosa-a-cada-15-horas/
https://extra.globo.com/casos-de-policia/cresce-56-numero-de-casos-de-
intolerancia-religiosa-no-rio-22664492.html
http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/06/crianca-e-vitima-de-
intolerancia-religiosa-no-rio.html

NANDI José.O combate aos discursos de ódio nas redes


sociais,Araranguá,2018.

221
CONSTITUIONALIZAÇÃO DO DIREITO: CONSTITUCIONALIDADE
DA LEI 13.491/2017: (DECRETO LEI Nº 3.914/1941) X (DECRETO
LEI Nº 1.001/1969) E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A
HARMONIA DO SISTEMA JUDICIÁRIO BRASILEIRO.

Marcos Antônio Barbosa1


Natanael Dias de Freitas2
Carlos Randel C. Mafra3

RESUMO:

A necessidade da adequação do ordenamento jurídico brasileiro em relação à


evolução da sociedade e o controle da constitucionalidade de suas novas
demandas e normas. A supremacia e soberania da Constituição Federal de
1988, a recepção ou não de novas leis. A adequação dos tramites processuais
entre a justiça comum e as justiças especiais (Justiça do Trabalho, Justiça
Eleitoral e Justiça do Trabalho).

INTRODUÇÃO:

O presente trabalho tratará de parte do processo evolutivo da


sociedade brasileira, levando-se em consideração às modificações realizadas
em parte de seu Ordenamento Jurídico, em específico, mudança do art. 9º do
Código Penal Militar. Partindo do princípio de que o ordenamento jurídico
brasileiro possui formato piramidal, e que no seu topo encontra-se a
Constituição Federal e logo abaixo, as demais leis e normas, que deverão estar
em consonância com a Constituição Federal/88.

1 Ex-Acadêmico da Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana – MG.


2 Acadêmico da Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana – MG
3
Mestre em Ciências Criminológico-forenses pela Universidad de Ciencias Empresariales Y
Sociales de Buenos Aires; Professor de Direito Penal, Processo Penal e Criminologia na
Faculdade Presidente Antônio Carlos – Mariana; Advogado militante nas áreas civil, criminal e
trabalhista.

222
A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E SUAS MODIFICAÇÕES, DE
ACORDO COM EVOLUÇÃO DA SOCIEDADE:

O termo Constituição é comumente utilizado para designar a


organização Jurídica fundamental de uma nação. Segundo Hans Kelsen,
Constituição é descrita como um conjunto de normas positivadas que regem a
produção do direito. Tais conjuntos de regras são fundamentais para a
formação do Estado e estruturação do governo, moldando-o para alcançar e
exercer o poder político/administrativo, estabelecendo limites e formas de
atuação de cada órgão. Desta forma, podemos descrever a Constituição como
sendo um conjunto de normas de Direito Público, que visa disciplinar e
orientar a organização do Estado.
As constituições brasileiras e respectivos períodos:

223
A formação da sociedade brasileira tem se estruturado a partir das
adequações das Constituições no decorrer do tempo. Desta forma, o Estado
Brasileiro foi construído e perpassando por 07 (sete) constituições: Sendo 01
(uma) no período monárquico e 06 (seis) no período republicano. Atualmente
está vigente a Constituição Federal que foi promulgada em 1988, que foi
descrita como “Constituição Cidadã”, que possui como um de seus
fundamentos principais a concessão de maior liberdade e direitos ao cidadão,
mantendo o Estado Republicano Presidencialista. Na história das
Constituições brasileiras, ocorreram várias alternâncias entre os regimes
fechados e mais democráticos, com importantes modificações sociais e
políticas para o país.
Percebe-se que no transcorrer destes 195anos desde a 1ª
Constituição, perpassamos por 07 Constituições, sendo que esta última de
1988 já conta com 31 anos e várias Emendas Constitucionais. Estas Emendas
Constitucionais São devidas às necessidades de adequações do ordenamento
jurídico aos anseios do povo. Sob este enfoque, percebe-se que devido à
evolução da sociedade, os ilícitos penais e as necessidades da população
mudam, com o passar do tempo e tais mudanças fazem com que o
ordenamento jurídico nacional seja reformulado para atender de melhor
forma os anseios da sociedade.
A Constituição Federal promulgada em 05/10/1988 recepcionou
algumas normas já pré-existentes, dentre as quais: O Decreto Lei Nº
3.914/1941 que trata do Código Penal (CP) ao qual estão sujeitos todos os
civis, este atualmente é composto por 361 artigos. E o Decreto Lei Nº
1.001/1969 que trata do Código Penal Militar (CPM) ao qual estão sujeitos os
Militares das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) e também os

224
Policiais Militares e Bombeiros Militares dos 26 (vinte e seis) Estados e do DF
que atualmente é formado por 410 artigos.
A Constituição Cidadã é uma constituição estatizante, que gerou
dezenas de direitos para todos os cidadãos, sem discriminar de onde viriam os
recursos para garanti-los. Esta é a terceira constituição mais extensa do
mundo, com 64.488 palavras e incontáveis direitos que atualmente são
impossíveis de serem garantidos pelo Estado. A estrutura administrativa
descrita nesta Constituição é muito complexa e torna a máquina pública muito
dispendiosa, acabando assim por gerar mais problemas do que solucionar os
já pré-existentes.
O Código Penal entrou em vigor em 01/01/1942, cujo Presidente a
época era Getúlio Vargas, que se formou em direito em 1907 e chegou a
trabalhar como promotor público na cidade de Porto Alegre. Vargas quando
chegou à presidência passou a Governar o País de forma ditatorial, apesar de
sua formação na área do direito.
O Código Penal Brasileiro, já passou por mais de 100 (cem) alterações
tais como, por exemplo:
- A Lei Nº 13.654, de 23/04/2018 dispõe sobre os crimes de furto
qualificado e de roubo quando envolvam explosivos e do crime de roubo
praticado com emprego de arma de fogo ou do qual resulte lesão corporal
grave;
- A Lei Nº 13.531, de 07/12/2017, dá nova redação ao inciso III do
parágrafo único do art. 163 e ao § 6º do art. 180 do Decreto-Lei nº 2.848, de
7/12/1940;
- A Lei Nº 13.104, de 09/05/2015, que prevê o feminicídio como
circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072,
de 25/07/1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos,
dentre outras.

225
Já o CPM entrou em vigor em 01/01/1970, cujo Presidente era
Emílio Garrastazu Médici, militar, que chegou ao posto de General do
Exército, sendo decretado em período de exceção e que carece de atualizações,
até a edição da Lei 13.491/2017, este ainda não havia passado por alteração
alguma. Os Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica
Militar, usando das atribuições que lhes foram conferidas pelo o art. 3º do AI
nº 16, de 14/11/1969, combinado com o § 1° do art. 2°, do AI n° 5, de
13/12/1968, decretaram o CPM.
A manutenção de ambos os códigos penais, um para os “civis” e outro
para os “militares”, se faz necessário devido à particularidade da função
militar (seja atuando como militar das forças armadas, seja atuando com
militares estaduais, policiais ou bombeiros) perante a sociedade. No entanto,
ambos os Códigos Penais carecem de atualizações para melhor garantir os
preceitos constitucionais previstos na CF/1988 e também acompanhar os
avanços da sociedade.

A LEI 13.491/2017 E SEUS EFEITOS MODIFICATIVOS NO ART. 9º


DO CPM:
Este instrumento jurídico surgiu a partir do Projeto Lei Nº44/2016
de iniciativa do deputado Federal Espiridião Amim PP/Sc. Tal Projeto visava
atender as necessidades das Olimpíadas e Paraolimpíadas de 2016, que
objetivava dar condições das Forças Armadas para que estes passassem a ter
Poder de Polícia, para assim atuarem nas Operações.
De acordo com relato do Dr. Jorge César de Assis4, para ele não há
nenhuma inconstitucionalidade quanto as Forças armadas realizarem
Operações que visem garantir o cumprimento da lei e a manutenção da
Ordem Pública. O Projeto Lei Nº 44/2016 inicialmente tinha o condão
4Exmo.Dr. Jorge César de Assis, Promotor de Justiça discorreu sobre o assunto em PAINEL
DE DEBATES realizado no TJMMG em 19/06/17.
226
temporário como na (“Lei da Copa” – Lei Nº 12.663/2012), no entanto tal
condão foi suprimido pelo presidente do Brasil a época Michel Temer, que
distorceu totalmente a proposta apresentada pelo Projeto Lei Nº 44/2016,
transformando uma lei de caráter temporária em uma lei de caráter
permanente.
Ao analisarmos a Lei 13.491/2017- “Lei da sexta-feira XIII”,
percebemos que o objetivo principal desta lei é tão somente salvaguardar as
ações praticadas pelas Forças Armadas, isto porque os demais membros que
compõem os órgãos de segurança pública (Polícia Civil, Polícia Militar, Corpo
de Bombeiros e Guardas Municipais), já estão sujeitos a um eventual
confronto em que possa resultar em morte de civil.
Como preceituado a atual Constituição o emprego de tropas das
Forças Armadas, deveria ser em regra o último recurso, contudo atualmente
as manobras de tais tropas estão se tornando cada dia mais frequentes, e
como, por exemplo, no caso do Estado do rio de Janeiro onde ocorreu uma
“intervenção cooperativa” e não uma intervenção militar, pois as Forças
armadas atuaram como se policiais fossem.
Visando melhor resguardar juridicamente as mudanças sofridas pela
sociedade brasileira desde a entrada em vigor do CPM em 1970, foi publicada
em 16/11/2017 a Lei 13.491/17 que modificou o Código Penal Militar,
ampliando assim a competência da Justiça Militar, o rol de crimes militares
também foi ampliado.
Conforme descrito na CF/88 em seu art. 124 (compete à Justiça
Militar julgar os crimes militares definidos em lei) e art. 125, § 4º(Compete à
Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos
crimes militares definidos em lei e nas ações judiciais contra atos disciplinares
militares; ressalvada a competência do Tribunal do Júri quando a vítima for
civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da

227
patente dos oficiais e da graduação das praças). Os crimes militares em tempo
de paz estão definidos no Art. 9º do CPM, este foi alterado pela “Lei da sexta-
feira XIII”, apelido dado a Lei 13.491/17 pelo Dr. Jorge César de Assis. Esta
trouxe uma nova redação para o artigo 9º, inciso II e acréscimo dos
parágrafos 1º, 2º, incisos I, II, III e alíneas a, b, c, d, conforme transcrito
abaixo.

LEI Nº 13.491, DE 13 DE OUTUBRO DE 2017.

Altera o Decreto-Lei no 1.001, de 21 de outubro de


1969 - Código Penal Militar.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber


que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a
seguinte Lei:
Art. 1o O art. 9o do Decreto-Lei no 1.001, de 21 de
outubro de 1969 - Código Penal Militar, passa a
vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 9o ..................................................................
II – os crimes previstos neste Código e os previstos
na legislação penal, quando praticados:
§ 1º Os crimes de que trata este artigo, quando
dolosos contra a vida e cometidos por militares
contra civil, serão da competência do Tribunal do
Júri.
§ 2º Os crimes de que trata este artigo, quando
dolosos contra a vida e cometidos por militares das
Forças Armadas contra civil, serão da competência
da Justiça Militar da União, se praticados no
contexto:
I – do cumprimento de atribuições que lhes forem
estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo
Ministro de Estado da Defesa;
II – de ação que envolva a segurança de instituição
militar ou de missão militar, mesmo que não
beligerante; ou

228
III – de atividade de natureza militar, de operação
de paz, de garantia da lei e da ordem ou de
atribuição subsidiária, realizadas em conformidade
com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e
na forma dos seguintes diplomas legais:
a) Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 -
Código Brasileiro de Aeronáutica;
b) Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999;

c) Decreto-Lei no 1.002, de 21 de outubro de 1969 -


Código de Processo Penal Militar; e
d) Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código
Eleitoral. ” (NR)
Art. 2o (VETADO).
Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua
publicação.
Brasília, 13 de outubro de 2017; 196o da
Independência e 129o da República.
MICHEL TEMER

A competência para julgar os crimes militares cometidos por militares


das Forças Armadas é de Competência da Justiça Militar da União, e os
Policiais/Bombeiros Militares Estaduais é de competência da Justiça Militar
Estadual. A JM Estadual analisa somente a natureza do crime cometido, para
definir sua competência, seja o acusado civil ou militar. A competência da JM
da União, por decorrer somente da matéria (crime militar), é ratione
materiae. Esta analisa a natureza do crime e a condição pessoal do acusado,
na medida em que julga somente os militares.
Desta forma, a competência da JM Estadual pode ser definida em
razão da matéria e também em razão da pessoa (ratione materiae e ratione
personae).
229
Esta mudança inseriu no CPM um novo rol de crimes que
anteriormente era da Competência da Justiça Comum (JC), migrando a
competência da JC para a competência da JM.O rol de crimes que outrora era
de competência da JC (CP e Legislação especial – “leis esparsas”) tais como,
por exemplo: Lei nº. 4.898/65 (Abuso de autoridade); Lei nº. 8.069/90
(Estatuto da Criança e do adolescente); Lei nº. 8.666/93 (Lei de Licitações);
Lei nº. 9.455/97 (Tortura); Lei nº. 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro);
Lei nº. 9.605/98 (Crimes ambientais); Lei nº 4.737/65 (Código eleitoral
brasileiro) passaram a ser de competência Justiça Militar;
Antes da publicação da Lei 13.491/2017, os temas abordados pelas
leis descritas acima eram tratados pela justiça comum, em seus institutos
específicos, e com a publicação desta nova lei, estas passaram a ser de
responsabilidade da justiça militar, nos casos em que militar for processado
em razão de sua atuação ou em função de ser militar.
Nos crimes dolosos contra a vida, a competência para julgá-los
continua sendo de responsabilidade do Tribunal do Júri (Federal/Estadual).
Atualmente, são de competência do Tribunal do Júri os delitos de homicídio
doloso, infanticídio, participação em suicídio, aborto (Tentado/Consumado).
No Brasil, o Tribunal do Júri foi instituído em 1822, sendo este
anterior à primeira Constituição do Brasil de 1824, nesta época em que o
Brasil ainda era colônia de Portugal. O Tribunal Do Júri foi recepcionado pela
CF/88 através do inciso XXXVIII do art. 5º da CF/88, o qual descreve que
sua organização será dada por lei e que em seus julgamentos será assegurada a
plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos.
O Tribunal do Júri traduz-se em um mecanismo do exercício da
cidadania no qual é demonstrada a importância da democracia na construção
de uma sociedade mais justa e fraterna. Isso devido ao fato deste instrumento
permitir que o cidadão possa ser julgado por seus semelhantes, assegurando

230
assim a participação a participação popular direta dos membros de toda a
sociedade nos julgamentos proferidos pelo Poder Judiciário.
É dominante o entendimento jurisprudencial que compreende que a
alteração da competência criminal (Justiça Comum / Justiça Militar),
decorrente de lei que altere o juízo em razão da matéria, não viola o princípio
do juiz natural (juiz competente). A determinação do juízo competente para a
causa ocorrerá com base em critérios impessoais, objetivos e pré-
estabelecidos. Configurando-se assim a garantia fundamental não
expressamente prevista, que é o resultado da junção de dois dispositivos
constitucionais:
- Proibição de juízo ou tribunal de exceção (aquele designado ou
criado, por deliberação legislativa ou não, para julgar determinado caso).
- Ninguém será processado senão pela autoridade competente.
A garantia do juiz natural consiste na exigência da imparcialidade e da
independência dos magistrados.
Está previsto como princípio geral do direito que as normas limitem-
se no tempo e no espaço, ou seja, devem ser aplicadas em um determinado
território e em um determinado lapso temporal. Somente haverá efeitos
retroativos na lei penal (material), quando esta for mais benéfica para o réu.
Aplica-se desta forma, o tempus regitactum, ou seja, o tempo rege a ação.
Após a promulgação da lei Nº 13.491/2017, ocorreu à alteração do
art. 9º do Decreto Lei Nº 1.001/196, ocasionando assim o fenômeno
denominado heterotopia (norma mista – que possui caráter processual e
material), situação em que, apesar do conteúdo da norma conferir-lhe uma
determinada natureza, encontra-se esta já prevista em outro diploma de
natureza distinto). Desde a edição da Lei da sexta-feira XIII, todos os
processos que tramitavam na Justiça Comum Estadual ou Federal, que
envolvessem militar, em razão da função/atuação, deverão ser encaminhados

231
à JM da União ou à JM dos Estados, pois houve alteração da competência em
razão da matéria.
De acordo com o Dr. Fernando Galvão da Rocha5, este ao versar sobre
a Lei 13.491/2017, relata a grande dificuldade que os operadores do direito
encontram ao estudarem a matéria, ao depararem com dois Códigos Penais
(militar/comum), sendo que cada qual possui uma parte geral distinta uma da
outra. Isto devido ao fato destas partes não serem gerais e sim parciais. O
legislador poderia resolver esta situação se a parte geral do Código Penal
Militar (CPM)fosse “mais enxuta” e abordasse somente questões mais
específicas do universo castrense. Deveria ocorrer a conciliação do CPM com
o art. 12 do CP, no entanto a parte geral do CPM repete várias questões da
parte geral do CP, ocasionando assim uma dificuldade absurda. Desta forma,
introduz-se a ideia de que há no Sistema Judiciário brasileiro da coexistência
de duas teorias do crime, sendo uma pra o crime penal comum e outra para o
crime penal militar, ideia esta dificilmente aceitável.
Não é plausível a afirmativa de que o CPM é mais gravoso que o CP,
ou que a existência do CPM é devido à necessidade de proteção dos militares,
pois cada Código Penal visa proteger o mesmo bem jurídico tutelado, mesmo
estando estes descritos em instrumentos distintos devido às particularidades
das ações militares/policias. Pois no CPM, não há a previsão de pena
restritiva de direito, como ocorre no Código Penal comum. Desta forma, se
um determinado militar, incorrer em crime previsto nas Leis de Licitações,
qual seria a pena imposta a ele, já que no CPM não há a previsão de instituição
de pena restritiva de direito?

5M.mo.
Dr. Fernando Galvão da Rocha, Juiz Civil, discorreu sobre o assunto em PAINEL DE
DEBATES realizado no TJMMG em 19/06/17.
232
QUANTO AO CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI
13.491/17:

Diante da possibilidade de ocorrência de norma inconstitucional,


operam-se os controles de constitucionalidade podendo este ser abstrato ou
concentrado. Diante da inconstitucionalidade acerca da “Lei da “sexta-feira
XIII”, esta sofreu de imediato algumas arguições de inconstitucionalidade,
dentre as quais:
- ADPF nº 289: Foi ajuizada pelo PGR, onde se pede que seja dada ao
art. 9º, incisos I e III, do CPM perspectiva conforme a CF/88, objetivando o
reconhecimento de incompetência da JM para realizar o julgamento de civis
em tempo de paz e que tais crimes sejam julgados pela Justiça Comum
Federal ou Estadual.
Tal ação ressalta que o art. 124 da CF, dispõe que cabe à JM processar
e julgar os crimes militares definidos em lei.E que o Superior Tribunal Militar
(STM), entende que tal dispositivo, permite que civis sejam submetidos a sua
jurisdição, tendo em vista o disposto no artigo 9º do CPM (analisado o
descrito o descrito no CPM antes da Lei 13.491/2017 que alterou o inciso II
do art. 9º do decreto Lei nº 1.001/1969).
Através deste instrumento a Procuradoria procura sustentar que a
submissão de civis à jurisdição da JM, em tempo de paz, viola o estado
democrático de direito (artigo 1º da CF), o princípio do juiz natural (artigo
5º, inciso LIII, da CF), além do princípio do devido processo legal material e,
ainda, os artigos 124 (competência da JM para julgar os crimes militares) e
142 (dispõe sobre as Forças Armadas) da CF.
- ADI nº 5804: Interposta pela Associação dos Delegados de Polícia
do Brasil; A ADEPOL se insurgiu contra o § 1º da Lei e não se insurgiu contra
o § 2º (Este é que deixa os militares federais de fora);

233
- ADI nº 5901: Esta foi interposta pelo SOL, que questiona o
tratamento dado aos militares das forças Armadas;
- ADI nº 5032: Foi ajuizada pelo PGR no STF, esta questiona o
dispositivo de LC, que insere na competência da JM o julgamento de crimes
cometidos no exercício das atribuições subsidiárias das Forças Armadas. Tem
como objetivo precípuo, a declaração da inconstitucionalidade do art. 15, §
7º, da LC 97/99 (emprego das Forças Armadas), que inseriu na competência
da JM o julgamento de crimes cometidos no exercício das atribuições
subsidiárias das Forças armadas.
Para o relator, a Lei Complementar limitou-se a preencher o espaço
de conformação franqueado pela Constituição Federal para o estabelecimento
de normas legais na organização, preparo e emprego das Forças Armadas. Na
sua avaliação, a atuação na garantia da lei e da ordem, no patrulhamento de
fronteiras e nas ações de defesa civil representam a concretização da essência
do Estatuto Militar em todo Estado Moderno – “a proteção, mesmo em
tempos de paz, da soberania”.
O ministro considerou imprópria a tentativa de igualar as Forças
Armadas às instituições policiais ordinárias, sustentando que a ação militar na
garantia da paz e da ordem social responde a parâmetros diversos, tanto em
virtude da formação e do treinamento específicos de seus membros quanto
pelo reconhecimento da finalidade diversa a que se propõe. Os policiais,
explicou, atuam na esfera de combate à prática de ilícitos, enquanto as Forças
Armadas são acionadas quando verificada a insuficiência daquelas para
intervir. “Seja no combate ao crime organizado nas favelas, nas fronteiras, nas
eleições livres ou em ações de defesa civil, as Forças Armadas desempenham
papel constitucionalmente atribuído na garantia da soberania e da ordem
democrática, em dimensão qualitativamente diversa daquela realizada pelas
forças ordinárias de segurança”, assinalou.

234
5. OBSERVAÇÕES FINAIS:

Diante de todas as controvérsias possíveis referentes à Lei


13.491/2017, podemos declarar que as hipóteses que justificam a
competência da justiça Militar da união, inclusive as que estão estabelecidas
no projeto em análise, não deve possuir caráter transitório (temporário). Pois,
agindo desta forma, pode haver o comprometimento da segurança jurídica.
Aliás, o emprego frequente das Forças Armadas no caso concreto Exército
(como por exemplo nos casos de intervenções militares no estado do Rio de
Janeiro) sendo utilizado como último recurso estatal em ações de segurança
pública, ressalta a necessidade de pacificação do assunto em discussão. Desta
forma, não se mostra adequado determinar a competência de um tribunal com
limitação temporal, sob pena de poder ser interpretada tal medida como
estabelecimento de tribunal de exceção, o que é vedado constitucionalmente
(art. 5º, inciso XXXVII).
O ex presidente do Brasil em sua obra “TEMER, Michel. Elementos
do Direito Constitucional. 22ª Ed. Malheiros Editores, 2008, p. 143/144
descreve o seguinte: “Assim, o fundamento doutrinário que alicerça a
concepção de que o veto parcial deve ter maior extensão suporta-se na ideia
de que, vetando palavras ou conjunto de palavras, o Chefe do Executivo pode
desnaturar o projeto de lei, modificando seu lógico, podendo, ainda, com esse
instrumento, legislar. Basta - como se disse – vetar advérbio negativo. Data
vênia, não é bom esse fundamento, uma vez que: a) o todo lógico da lei pode
desfigurar-se também pelo veto, por inteiro, do artigo, do inciso, do item ou
da alínea. E até com maiores possibilidades; b) se isto ocorrer – tanto em
razão do veto da palavra ou de artigo – o que se verifica é usurpação de
competência pelo executivo, circunstância vedada pelo art. 2º da CF.
235
Desta forma, ao confrontarmos os fatos/normas descritos
anteriormente, podemos concluir que, apesar de o Doutrinador Temer em sua
obra descrever uma determinação ação para com o tratamento do
Ordenamento Jurídico, e ao atuar em razão de suas funções presidenciais,
este agiu de forma a contrariar os preceitos constitucionais descritos em suas
obras, vetando por completo o art.2º da Lei 13.491/2017 que trazia a
seguinte descrição: (Art. 2º - Esta Lei terá vigência até o dia 31/12/2016, e ao
final da vigência desta Lei, retornará a ter eficácia à legislação anterior por ela
modificada. A mudança temporária do Art. 2ª se fazia necessária a época
devido à realização dos Jogos Olímpicos de 2016, contudo ao vetar
integralmente o Art. 2º o Presidente da República transformou uma lei
temporária em uma lei permanente, desnaturando assim a essência inicial do
Projeto de Lei Nº 44/2016.
Fato é que não haveria impedimento algum ao veto do artigo 2º da Lei
Nº 13.491/2017 por completo, mas ao fazê-lo neste caso específico, Michel
Temer desvirtuou por completo a essência da norma que fora aprovada pelo
congresso nacional, transformando uma lei temporária em uma lei
permanente.
Agindo desta forma, o Presidente transformou-se verdadeiramente
num “legislador positivo” criando uma hipótese de competência permanente
para as Justiças Militares da União e dos Estados.
Sendo assim, mais dia menos dia, esta questão do veto presidencial ao
Art. 2º da lei nº 13.491/2017 vai “parar” no Supremo Tribunal Federal, em
forma de ADI – Ação Direta de inconstitucionalidade, como ocorrido nos
casos descritos anteriormente.

REFERÊNCIAS

236
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de
1988. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituição_Compilado.htm>.
BRASIL. Decreto-Lei Nº 2.848, de 7de Dezembro de1940. Código Penal.

BRASIL. Decreto Lei Nº 1.001, de 21 de Outubro de 1969. Código Penal


Militar.

BRASIL. Lei Nº 13.491, de 13 de Outubro de 2017. Altera o Decreto-Lei nº


1.001, de 21 de Outubro de 1969 – Código Penal Militar.

TEMER, Michel. Elementos do Direito Constitucional. 22ª Ed. Malheiros


Editores, 2008.

BRASILEIRO, Renato de Lima. Nova competência da justiça militar (Lei nº


13.491/2017). Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?=T8CXqSxa1f4

PAINEL DE DEBATES: REPERCURSÕES DA LEI Nº 13.491/17, 2018, Belo


horizonte, auditório do Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas
Gerais.

237
PRIMEIRAS IMPRESSÕES SOBRE A RESOLUÇÃO 2.232/19 DO
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA E A AUTONOMIA DA
MULHER GESTANTE

Kelly Mota de Andrade1


Raphael Furtado Carminate2

RESUMO

O objetivo do presente trabalho é analisar a autonomia corporal da pessoa


humana na relação médico-paciente, em especial da mulher quando do seu
ciclo gravídico-puerperal. Para tanto, são apresentados os diversos
instrumentos que garantem o direito ao próprio corpo da gestante, sendo
estes confrontados com a Resolução 2.232/19 do Conselho Federal de
Medicina que regulamentou, dentre outras questões, a recusa terapêutica por
parte da gestante. Questiona-se a oponibilidade da referida resolução, bem
como se a mesma traz um critério específico e razoável para o que venha a ser
o abuso de direito da gestante em relação ao feto, ocasião em que sua recusa
poderia ser ignorada por parte da equipe médica que lhe atende no momento
do pré-parto, parto e pós-parto.

Palavras-chave: Gestante. Recusa terapêutica. Autonomia. Abuso de direito.

INTRODUÇÃO

A ideia de saúde abarca o bem-estar físico, psíquico e social da


pessoa humana, sendo vivida conforme aquilo que cada indivíduo entende ser
o melhor para si, conforme seus próprios desígnios subjetivos. Trata-se,
assim, do exercício de sua autonomia privada no âmbito da relação entre o

1 Especialista em Direito Previdenciário e do Trabalho pela PUC Minas. Bacharel em Direito


pela UFOP. Advogada.
2 Doutor e mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Bacharel em Direito pela UFOP.

Professor de Direito Civil da UNIPAC. Advogado.


238
médico e o paciente, atuando na proteção dos direitos e garantias
fundamentais.
A gravidez, por sua vez, é um momento único na vida de uma
mulher, vivido de maneira pessoal e subjetiva por cada uma delas, de acordo
com suas convicções do que venha a ser mais conveniente ao exercício de sua
autonomia privada.
Apesar deste conceito hodiernamente aceito, a partir do momento
em que a mulher concebe (ou que toma conhecimento desta concepção) até o
momento em que dá à luz seu filho, ela passa por várias situações impostas
socialmente e “clinicamente”, como algo estritamente necessário ao bem-estar
do feto que carrega, sem que, no entanto, sejam levadas em conta suas
convicções sociais, políticas e culturais, passando assim a ser vista como mero
receptáculo de uma “vida”.
Em razão da falta de regulamentação específica, a mulher pode vir a
de sofrer as mais variadas intervenções, e muitas vezes acaba sendo
considerada mero objeto sobre o qual incidirá a abordagem tecnocrática dos
profissionais de saúde, momento em que sua autonomia corporal é
amplamente desrespeitada.
Em razão da falta de lei específica regendo a autonomia privada da
gestante, e em razão disso, o Conselho Federal de Medicina editou, em 2019,
a Resolução n. 2.232 trazendo, dentre as regras de recusa terapêutica, a
possibilidade de ser considerado abuso de direito da gestante o ato pelo qual
ela recusa o tratamento recomendado pelo médico.
Neste contexto, o Conselho Federal de Medicina, órgão
deontológico que regulamenta normas éticas para uma classe específica,
estaria restringindo direitos fundamentais que a legislação garante, retirando
da mulher sua autonomia prevista constitucionalmente. Ainda que se
considere legítima a normativa da Resolução, talvez a mesma não possua

239
consonância com o ordenamento jurídico brasileiro, levando em consideração
o direito fundamental à autonomia corporal.
Assim, o presente artigo visa ampliar o debate sobre esta importante
temática e propor algumas soluções para os problemas apresentados, sem a
pretensão de esgotar a matéria. Tentar responder a estas questões, de forma
objetiva e resumida, é o objeto de investigação deste trabalho.

A AUTONOMIA PRIVADA DA MULHER GESTANTE E SUA


GARANTIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O direito à autonomia corporal é uma consequência direta do


princípio da dignidade humana, previsto na Constituição da República, em
seu art. 1º, III (Brasil, 1988). Trata-se de norma fundamental do Estado
Democrático de Direito Brasileiro, princípio norteador de todo o
ordenamento jurídico pátrio, que deve embasar a conduta tanto do Estado, ao
se abster de interferir na esfera de intimidade e privacidade da pessoa
humana; quanto na conduta estabelecida entre os próprios cidadãos em suas
relações privadas.
Carminate nos ensina que:

Os direitos e garantias fundamentais


constitucionalmente previstos irradiam, portanto,
efeitos diretos sobre os legisladores, aplicadores e
sujeitos de Direito Privado, por força do §1º do art.
5º da Constituição, que passa a ter na pessoa
humana seu centro gravitacional (BRASIL, 1988)
(CARMINATE, 2011, p. 131).

Completando o raciocínio, Carminate apresenta uma definição


importante para a autonomia privada:

240
Ousa-se, assim, definir a autonomia privada como o
direito e garantia fundamental que confere à pessoa
o poder de se autodeterminar, voluntariamente,
estabelecendo livremente as normas que regerão
suas relações privadas, bem como seus efeitos,
limitada esta ação à observância dos direitos e
garantias fundamentais da(s) pessoa(s) por ela
afetada(s) (CARMINATE, 2011. p. 134).

Desse modo, a autonomia privada engloba a garantia que a pessoa


tem de tomar suas próprias decisões, de se autogovernar de maneira livre
relativamente às relações privadas que trava, tendo como parâmetro, sempre,
a preservação de direitos e garantias fundamentais das pessoas ali envolvidas.
A maneira como a pessoa dispõe de seu próprio corpo encontra-se
no âmbito do exercício da autonomia privada, estando relacionada com a
autodeterminação de cada pessoa, no modo como cada uma desenvolve sua
vida num plano individual.

Nas palavras de Schettini (2018), parafraseando Naves (2014), a


autonomia privada:

Expressa a capacidade de autodeterminação da


pessoa, enquanto titular de uma esfera de liberdade
de agir ou não, conformada pela ordem jurídica.
Consagra a liberdade do sujeito de poder tomar
decisões, é conceito intersubjetivo, relacional. Como
princípio jurídico, não possui conteúdo previamente
delimitado pelo ordenamento. É no processo
dialético que surge seu conteúdo. (SCHETTINI,
apud NAVES, 2018, p. 160).

Teixeira e Sá (2018), discorrendo acerca da autonomia privada no


que tange ao direito ao próprio corpo, ensinam que:

241
Desde o advento da Constituição Federal de 1988,
que elevou ao status
máximo no ordenamento pátrio relevantes
princípios – tais como dignidade, liberdade,
solidariedade e pluralismo – a busca pela realização
pessoal, por meio do exercício das liberdades
existenciais, passou a ser especialmente importante
para o Direito. Em momentos mais sensíveis da vida
humana, o agir livre é central
para que a pessoa defina os rumos da sua existência
de acordo com o seu projeto
de vida boa. Tais definições formam um contexto de
construção da vida privada, que deve ser respeitado
pois cada indivíduo pode perseguir os próprios
objetivos
e viver conforme o estilo de vida por ele eleito,
independentemente de ser ou
não o da maioria (TEIXEIRA; SÁ, 2018, p.
243/244)

Aplicando-se o conceito de autonomia privada na relação médico-


paciente, dentro do contexto do direito ao próprio corpo, pode-se dizer que o
paciente tem o direito de decidir, no âmbito do exercício de sua autonomia
corporal, a quais procedimentos médicos e terapêuticos irá, ou não, se
submeter.
O art. 15 do Código Civil consagra a autonomia do paciente ao
estabelecer que “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de
vida, a tratamento ou intervenção cirúrgica” (BRASIL, 2002).
A Lei 8.080/90, que regulamenta o Sistema Único de Saúde, assim
dispõe:

Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os


serviços privados contratados ou conveniados que
integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são
desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas
no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo
ainda aos seguintes princípios:
242
[...]
III – preservação da autonomia das pessoas na
defesa de sua integridade física e moral. (Brasil,
1990)

Quando a relação médico x paciente ocorre no âmbito privado, a


autonomia deste também é regulada pelo Código de Defesa do Consumidor
que, em seu art. 39, IV, prevê que o fornecedor não pode “prevalecer-se da
fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde,
conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos e serviços”
(BRASIL, 1990).
Não se deve olvidar ainda da Declaração Universal sobre Bioética e
Direitos Humanos da UNESCO (2005) que, em seus artigos 5º e 6º, nos
trazem os princípios bioéticos da Autonomia e Responsabilidade Individual, e
do Consentimento, nos termos abaixo transcritos:

Art. 5º A autonomia das pessoas no que respeita à


tomada de decisões, desde que assumam a
respectiva responsabilidade e respeitem a
autonomia dos outros, deve ser respeitada. No caso
de pessoas incapazes de exercer sua autonomia,
devem ser tomadas medidas especiais para proteger
seus direitos e interesses.

Art. 6º 1. Qualquer intervenção médica de caráter


preventivo, diagnóstico ou terapêutico só deve ser
realizada com o consentimento prévio, livre e
esclarecido da pessoa em causa, com base em
informação adequada. Quando apropriado, o
consentimento deve ser expresso e a pessoa em
causa pode retirá-lo a qualquer momento e por
qualquer razão, sem que daí resulte para ela
qualquer desvantagem ou prejuízo (UNESCO, 2005,
p. 07).

Especificamente na relação da gestante com o médico que lhe atende


durante a gestação e parto, pode-se dizer que, como expressão de sua
243
autonomia privada, a mulher possui total direito de decidir acerca de seu
corpo, dos procedimentos que serão feitos sobre si, em especial durante o pré-
natal, parto e pós-parto, podendo e devendo decidir sobre como seu filho
nascerá, o local, a posição, quem estará presente, que procedimentos poderão
ser feitos, desde que não haja risco iminente para a vida do binômio mãe e
feto.
A fim de fomentar o respeito à autonomia privada da mulher
gestante, e evitar que sejam cometidos atos contrários ao seu exercício, a
Organização Mundial de Saúde publicou o documento denominado
“Prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e maus-tratos durante o
parto”, que reconhece expressamente serem as mulheres vítimas de práticas
violentas e abusivas no momento do parto, sejam elas físicas ou verbais, e
estabelece diretrizes destinadas a se evitar e eliminar o desrespeito e abuso
contra as mulheres durante a assistência institucional ao parto. No referido
documento, menciona-se:

Relatos sobre desrespeito e abusos durante o parto


em instituições de saúde incluem violência física,
humilhação profunda e abusos verbais,
procedimentos médicos coercivos ou não
consentidos (incluindo a esterilização), falta de
confidencialidade, não obtenção de consentimento
esclarecido antes da realização de procedimentos,
recusa em administrar analgésicos, graves violações
da privacidade, recusa de internação nas instituições
de saúde, cuidado negligente durante o parto
levando a complicações evitáveis e situações
ameaçadoras da vida, e detenção de mulheres e seus
recém-nascidos nas instituições, após o parto, por
incapacidade de pagamento (ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DA SAÚDE, 2014, p. 1).

O governo federal brasileiro, reconhecendo e visando garantir a


autonomia e dignidade da mulher durante todo o seu ciclo gravídico-
244
puerperal (pré-natal, parto e pós-parto), instituiu o Programa de
Humanização no Pré-natal e Nascimento (PHPN), criado pelo Ministério da
Saúde em 2000, pela Portaria GM/MS nº. 569 (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2000). Em seu Anexo II, nos Princípios Gerais e Condições para a Adequada
Assistência ao Parto, a Portaria n. 569/2000 do Ministério da Saúde assim
dispõe:

A humanização da Assistência Obstétrica e Neonatal


é condição para o adequado acompanhamento do
parto e puerpério. Receber com dignidade a mulher
e o recém-nascido é uma obrigação das unidades. A
adoção de práticas humanizadas e seguras implica a
organização das rotinas, dos procedimentos e da
estrutura física, bem como a incorporação de
condutas acolhedoras e não-intervencionistas
(MINISTÉRIO DA SAUDE, 2000).

Verifica-se portanto, que no Brasil existe uma abordagem normativa


em que vários aspectos são levados em conta quando do atendimento à
mulher durante o pré-natal, parto e pós-parto, na perspectiva dos direitos de
cidadania, tais como receber a mulher e seu filho recém-nascido com
dignidade e de forma a acolhê-los.
Para que uma mulher seja tratada com dignidade, é primordial que
se lhe respeite a autonomia privada, ocasião em que a equipe de saúde que a
atende deverá considerar suas convicções pessoais a respeito do momento de
nascimento de sua prole, atendendo-a de acordo com práticas humanizadas e
seguras, acolhendo-a de maneira não intervencionista.
Existem, ainda, as Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto
Normal, previstas na Portaria do Ministério da Saúde n. 353 de 2017 que, em
seu Anexo, no item 6.2, prevê que a gestante ou parturiente deve ser tratada
com respeito, obter informações baseadas em evidências cientificas, além de
fazer parte na tomada de decisões. Para que isso ocorra, a mesma deverá ser
245
recebida de maneira respeitosa, sendo que os profissionais de saúde deverão
estabelecer com ela uma relação de confiança, perquirindo-a acerca de seus
desejos e expectativas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017).
O documento ainda estabelece ser necessária uma boa comunicação
entre os profissionais da saúde e a mulher, devendo os profissionais “solicitar
permissão à mulher antes de qualquer procedimento e observações, focando
nela e não na tecnologia ou documentação” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017,
p. 15 e 16).
Observa-se que, de acordo com essas Diretrizes, o foco do
atendimento da mulher durante seu ciclo gravídico-puerperal é a própria
mulher. A equipe de saúde deverá acolhê-la e informá-la, sendo fundamental
que haja uma boa comunicação entre ambas as partes. O que se quer com isso
é que surja uma relação de confiança, onde a mulher terá consciência de todos
os procedimentos a que estará submetida, a necessidade dos mesmos,
podendo decidir a que se sujeitará ou não.
Portanto, são numerosas as iniciativas de órgãos públicos, bem
como de órgãos internacionais, no sentido de que seja respeitada a autonomia
corporal da mulher no contexto médico-paciente, especialmente no que tange
à mulher gestante, não restando nenhum espaço para dúvidas no que toca ao
direito de que a mesma usufrui de decidir sobre o que é melhor para si e para
seu filho quando está gestando, bem como no momento do parto.
No entanto, mesmo diante de tantas iniciativas, ainda nos dias de
hoje a mulher acaba passando por várias modalidades de desrespeitos no
momento da gestação e especialmente no momento do nascimento, ocasião
em que lhes são perpetradas as mais variadas violências. Diante desse cenário
desumano, bem como de inúmeras denúncias nos órgãos fiscalizadores de
saúde, foi cunhada a expressão “violência obstétrica” que, segundo a
Defensoria Pública do Estado de São Paulo, conceitua-se como:

246
A violência obstétrica existe e caracteriza-se pela
apropriação do corpo e processos
reprodutivos das mulheres pelos profissionais de
saúde, através do tratamento
desumanizado, abuso da medicalização e
patologização dos processos naturais, causando a
perda da autonomia e capacidade de decidir
livremente sobre seus corpos
e sexualidade, impactando negativamente na
qualidade de vida das mulheres (DEFENSORIA
PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2013,
p.1)

Em 2012, foi apresentado um dossiê elaborado pela Rede Parto do


Princípio para a Comissão Mista Parlamentar de Inquérito da Violência
Contra as Mulheres, onde são relatados inúmeros casos de violência no parto,
a famigerada violência obstétrica. O documento mostra-se preocupante e
impressionante, apresentando o total descaso de alguns profissionais da saúde
para com a dignidade da mulher no atendimento ao pré-parto, parto e pós-
parto.
O referido dossiê trouxe relatos sensíveis acerca do atendimento de
várias mulheres no momento do parto nas redes pública e privada de todo o
território nacional. Estes atendimentos apresentam uma característica em
comum, qual seja: o desrespeito à autonomia da mulher. Trata-se de uma
importante denúncia, que deve ser ouvida por vários compartimentos da
sociedade, e em especial pelas autoridades competentes, que devem tomar
todas as providências para que essas violações à autonomia e dignidade da
mulher desapareçam, especialmente durante seu ciclo reprodutivo.
Além dos relatos impressionantes e reiterados de violência
obstétrica, o documento informa que o Brasil se encontra com uma lacuna
legal a respeito da violência obstétrica, uma vez que não há lei federal
tipificando o ato e prevendo sanções para quem o comete.
247
Sobre o assunto, existe um Projeto de Lei tramitando atualmente na
Câmara dos Deputados, de iniciativa do Deputado Federal Jean Wyllys, que
trata da assistência à mulher durante o ciclo gravídico-puerperal. Trata-se do
PL 7.633/2014, que se encontra apensado a vários outros projetos de lei e até
hoje não foi devidamente colocado em plenário para votação.
Diante da lacuna existente no sistema, verifica-se que o Conselho
Federal de Medicina, na tentativa de regulamentar a recusa ao atendimento
médico, promulgou a Resolução 2.232/19, trazendo regulamentação
específica acerca da recusa terapêutica da mulher gestante. Este é o objeto de
investigação deste trabalho.

BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A RESOLUÇÃO 2.232/19 DO


CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

Já foi demonstrado que o ordenamento jurídico brasileiro garante,


dentre suas normas, a autonomia corporal da pessoa humana no âmbito da
relação médico-paciente. Entretanto, não há regulamentação específica no
que toca à recusa de atendimento médico pelo paciente, em especial quando
se trata da autonomia corporal da mulher gestante.
Diante disso, o Conselho Federal de Medicina publicou, em 16 de
setembro de 2019, a Resolução 2.232, a fim de regulamentar, em sede
deontológica, a recusa terapêutica por pacientes e seu acatamento por parte
do médico, bem como a objeção de consciência na relação médico-paciente.
Logo de início, pode-se verificar que a Resolução 2.232 do CFM não
tinha como objeto tratar de questões relativas ao atendimento da mulher no
contexto do pré-natal, parto e pós-parto. Seu principal objeto é a
regulamentação da recusa terapêutica do paciente genericamente considerado
e a objeção de consciência do médico.

248
No entanto, a referida resolução prevê a possibilidade de se
considerar como abuso de direito da gestante o ato de recusa terapêutica por
ela praticada. Apesar de a Resolução não trazer a definição do que significa a
expressão “abuso de direito”, utiliza-se em seu art. 5º de alguns exemplos
para ilustrar o que seria este abuso. Neste sentido:

Art. 5º A recusa terapêutica não deve ser aceita pelo


médico quando caracterizar abuso de direito.
§ 1º Caracteriza abuso de direito:
I - A recusa terapêutica que coloque em risco a
saúde de terceiros.
II - A recusa terapêutica ao tratamento de doença
transmissível ou de qualquer outra condição
semelhante que exponha a população a risco de
contaminação.
§ 2º A recusa terapêutica manifestada por gestante
deve ser analisada na perspectiva do binômio
mãe/feto, podendo o ato de vontade da mãe
caracterizar abuso de direito dela em relação ao feto.
(CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2019)

Verifica-se que o artigo em comento estabelece em seu §1º que o


abuso de direito seria aquele que coloca em risco a saúde de terceiros ou que
exponha a população a risco de contaminação. Traz, portanto, o critério de
exposição de terceiros a risco como elemento genérico apto a ensejar a não
aceitação da recusa terapêutica.
De outro lado, o §2º do mesmo artigo trata especificamente da
recusa manifestada pela gestante, que poderia vir a ser considerada abuso de
direito em relação ao feto. Verifica-se que a regra não especifica o que seria
esse abuso de direito da gestante em relação ao feto, limitando-se a afirmar
que sua recusa deve ser analisada “na perspectiva do binômio mãe/feto”.
Pode-se dizer que, de acordo com o dispositivo destacado, poderia
configurar abuso de direito o ato de recusa terapêutica em que a mulher
249
decide não se submeter a uma cesariana sem motivo clínico, ou a uma
episiotomia3, por exemplo.
As normas do art. 5º da Resolução em comento ainda são
completadas pelos artigos 6º e 10º da Resolução, que assim dispõem:

Art. 6º O médico assistente em estabelecimento de


saúde, ao rejeitar a recusa terapêutica do paciente,
na forma prevista nos artigos 3º e 4º desta
Resolução, deverá registrar o fato no prontuário e
comunicá-lo ao diretor técnico para que este tome as
providências necessárias perante as autoridades
competentes, visando assegurar o tratamento
proposto.
[...]
Art. 10. Na ausência de outro médico, em casos de
urgência e emergência e quando a recusa
terapêutica trouxer danos previsíveis à saúde do
paciente, a relação com ele não pode ser
interrompida por objeção de consciência, devendo o
médico adotar o tratamento indicado,
independentemente da recusa terapêutica do
paciente. (e FEDERAL DE MEDICINA, 2019)
(grifos nossos)

Destaca-se que ambos os dispositivos mencionados são de aplicação


genérica, isto é, foram elaborados para aplicação em todas as situações em
que houver a recusa terapêutica por parte de qualquer paciente. Neste
trabalho será analisada, especificamente, a aplicação dos dispositivos na
perspectiva da mulher gestante no contexto da relação médico x paciente.
O art. 6º da Resolução 2.232/10 prevê que, ao se deparar diante da
recusa terapêutica de uma mulher gestante, o médico que a estiver atendendo
deverá registrar o fato em seu prontuário e, ato contínuo, deverá fazer a
3 A episiotomia é “uma cirurgia realizada na vulva, cortando a entrada da vagina com uma
tesoura ou bisturi, algumas vezes sem anestesia. Afeta diversas estruturas do períneo, como
músculos, vasos sanguíneos e tendões, que são responsáveis pela sustentação de alguns órgãos,
pela continência urinária e fecal e ainda têm ligações importantes com o clitóris” (SENADO
FEDERAL, 2012).
250
comunicação dessa recusa ao diretor técnico do estabelecimento, a fim de que
este tome as providências necessárias perante as autoridades competentes.
Em outras palavras, diante da recusa terapêutica da gestante, a Resolução
prevê que o médico deverá quebrar seu sigilo profissional e comunicar a
situação às autoridades, para que estas tomem as medidas cabíveis no intuito
de que o tratamento eventualmente recomendado seja, até mesmo, imposto à
mulher.
Além disso, o artigo 10 da Resolução em comento estabelece que
caso não haja outro médico para substituir aquele que está realizando o
atendimento, em caso de urgência e emergência, se o mesmo entender que a
recusa terapêutica irá trazer “danos previsíveis à saúde do paciente”
(CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2019), o médico atendente deverá
ignorar a recusa terapêutica da paciente e adotar o procedimento que ele
entenda ser o mais indicado para a situação, não sendo legítima a interrupção
por objeção de consciência.
Interpretando as normas em conjunto, pode-se concluir que a
aplicação do art. 5º, §2º, cumulado com os arts. 6º e 10º da Resolução
2.232/19, no contexto do atendimento da mulher gestante no pré-parto,
parto e pós-parto, ferem sua autonomia privada, além de, injustificadamente,
desrespeitar o dever de sigilo previsto para toda e qualquer relação entre
médico e paciente.
O sigilo profissional na relação médico-paciente é expressamente
previsto pelos Princípios Fundamentais do Código de Ética Médica, que em
seu Capítulo I, item XI, prevê que “O médico guardará sigilo a respeito das
informações de que detenha conhecimento no desempenho de suas funções,
com exceção dos casos previstos em lei”. (CONSELHO FEDERAL DE
MEDICINA, 2018).

251
Ou seja, a menos que a legislação preveja, não pode o médico deixar
de guardar sigilo a respeito de informações obtidas no exercício de sua função.
Como consequência, mera Resolução não poderá, de forma alguma,
excepcionar a regra, devendo o profissional manter o sigilo das informações
obtidas no atendimento à gestante e aceitar sua recusa terapêutica.
Verifica-se que a Resolução 2.232/19 não estabelece critérios
suficientes para que a recusa terapêutica seja rejeitada pelo médico atendente,
limitando-se a apenas mencionar os casos de urgência e emergência e análise
pessoal do médico atendente no contexto do binômio mãe/feto.
Com isso, o Conselho Federal de Medicina permite que ocorra uma
conduta médica contrária à vontade da paciente, o que afronta sua dignidade e
autonomia privada, em confronto direto a todo o plexo de normas trazidas
para que a autonomia privada da gestante seja preservada.

A RESOLUÇÃO 2.232 DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA E


SUA OPONIBILIDADE

Diante de tamanha generalidade e da ausência de critérios


específicos para se estabelecer uma normativa acerca da recusa terapêutica, de
acordo com a Resolução 2.232/19 do Conselho Federal de Medicina, sendo a
paciente gestante, seu estado gravídico seria justificativa suficiente para a
negativa do médico em aceitar a recusa terapêutica, eis que, dependendo da
opinião do profissional da saúde, qualquer ato de recusa poderia ser
enquadrado como abuso de direito na “perspectiva do binômio mãe/feto”.
Em outras palavras, a resolução ora discutida, ao não definir, de
maneira clara e satisfatória, o que seria o abuso de direito da gestante em
relação ao feto, viola sua autonomia privada, pois retira a possibilidade de
participação da gestante no processo de tomada de decisão sobre os

252
procedimentos a incidirem sobre o seu corpo, uma vez que a eficácia de suas
decisões estaria sujeita às convicções pessoais do médico atendente.
Observa-se portanto, que o Conselho Federal de Medicina, entidade
deontológica existente para regulamentar a atividade dos profissionais de
medicina, estaria editando regras restritivas de direitos fundamentais para
quem não é médico, regras estas que ferem a autonomia privada das pessoas
ali envolvidas.
Discorrendo acerca da legitimidade do Conselho Federal de
Medicina em regulamentar o exercício da autonomia pelos atores envolvidos
no processo de gestação por substituição, Taisa Maria Macena de Lima e
Maria de Fátima Ferreira Sá discorrem:

Em que pese toda a controvérsia acerca da


legitimidade de um Conselho profissional desenhar
o regime jurídico da gestação de substituição em um
país, não há dúvida de que em face da ausência de
norma legal as prescrições deontológicas vêm
desempenhando papel relevante na efetivação do
direito ao livre planejamento familiar. Todavia,
não há como deixar de enfrentar os
problemas decorrentes da inoponibilidade de
tais normas a todos, porquanto sua eficácia
deveria limitar-se aos profissionais de
Medicina (LIMA; SÁ, 2018, p. 22). (grifos nossos)

Também discorrendo acerca do tema, Beatriz Schettini assevera que


as resoluções emitidas por aquela autarquia não dispõem do caráter
democrático necessário para que sejam válidas para todos os personagens
sociais, uma vez que não foram elaboradas pelo órgão legislativo competente
(SCHETTINI, 2018), devendo regulamentar a atividade apenas no que diz
respeito à classe médica.

De fato, as recomendações do órgão médico


ultrapassam em muito as
253
questões de saúde, alcançando um espaço de
liberdade inteiramente protegido pela
legislação constitucional e infraconstitucional.
Restringir a autonomia privada de uma
pessoa que pretenda ter um filho não é papel de um
conselho profissional, com
legitimidade restrita à classe que representa. Ao
Conselho Federal de Medicina, cabe apenas editar
Diretrizes para orientação ética e administrativa dos
médicos, quando do emprego das técnicas de
reprodução humana assistida.
[...]
Nesse contexto, as Diretrizes do Conselho
Federal de Medicina devem estar
de acordo com a legislação vigente no
ordenamento pátrio, sob pena de serem
passíveis de impugnação e/ou
descumprimento. A obrigatoriedade das
normas
médicas para além dos profissionais da
medicina resta condicionada à análise de
sua adequação e compatibilidade à legislação
vigente no país, o que é investigado
no próximo capítulo, servindo de aporte também
para a proibição acerca da compra
e venda de gametas, estabelecida pela Resolução n.
2168/2017. (SCHETTINI, 2018, p. 122) (grifos
nossos)

Verifica-se, desta forma, não haver dúvidas de que as normas


emitidas pelo conselho de classe médico, órgão deontológico, têm o condão de
vincular a conduta de todos os profissionais daquela categoria. Entretanto,
não há legitimação constitucional para que esse Conselho emita diretrizes
acerca da conduta dos pacientes, em especial quando a norma limita o
exercício da autonomia privada dos mesmos, assegurada pelo texto
constitucional.
Desse modo, as normas emitidas por um Conselho de Classe
autárquico não possuem qualquer legitimidade para vincular as pessoas que
254
não sejam profissionais da medicina a fazerem ou deixarem de fazer algo, por
padecer de absoluta falta de critério democrático. Apenas a lei, editada após
passar por todo o processo legislativo e votada pelos representantes eleitos,
poderá ter oponibilidade erga omnes.
A recusa terapêutica como abuso de direito da gestante, na
perspectiva da análise entre seu direito fundamental ao próprio corpo, em
relação à vida do feto, é uma questão de lacuna normativa, que precisa
urgentemente ser preenchida, uma vez que: “[...] a limitação de direitos das
pacientes não pode ocorrer por intermédio de uma normativa de órgão
autárquico, que tem abrangência tão somente de regulação interna.”
(LIMA;SÁ, apud SÁ; NAVES, 2018, p. 21).
Ademais, normas legais que venham a limitar direitos fundamentais
deverão ser sempre editadas com muito cuidado, e levando em conta critérios
seguros para que essa limitação seja legítima, sopesando os valores ali em
discussão e levando em consideração critérios objetivos e razoáveis, que
venham sempre a garantir os direitos e garantias fundamentais.

O QUESTIONAMENTO DA RESOLUÇÃO 2.232/19 DO CONSELHO


FEDERAL DE MEDICINA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Diante das normas trazidas pela Resolução 2.232/19, o Ministério


Público Federal instaurou o Inquérito Civil nº 1.34.001.007752/2013-8,
questionando o Conselho Federal de Medicina acerca da normativa
promulgada.
Em resposta ao referido inquérito, o Conselho Federal de Medicina
argumentou que a Resolução 2.232/19 obedece aos preceitos constitucionais
e legais em vigor, argumentando que a autonomia da mulher deve ser
entendida em harmonia com os direitos do nascituro, uma vez que tal

255
autonomia não seria absoluta. No mesmo documento, ainda discorre sobre a
necessidade de internações compulsórias de pacientes que se negam a seguir
orientações médicas.
Diante dessa resposta, foi ajuizada ação civil pública4, onde o
Ministério Público Federal argui que os dispositivos dos arts. 5º, §2º, 6º e
10º da Resolução 2.232/19, em aplicação cumulada, dentre outros danos:

a) contraria o princípio bioético da autonomia,


impedindo a tomada de decisões pela
gestante/parturiente quanto a seu próprio corpo,
sobre sua pessoa e a de seu bebê, conforme
dispositivos previstos na Constituição Federal, no
Código de Ética Médica e no Código Penal;
b) infringe o direito personalíssimo ao próprio
corpo, um dos corolários diretos do princípio da
dignidade da pessoa humana, prevista como
fundamento da República Federativa do Brasil no
artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal;
c) infringe o princípio da legalidade (artigo 5º,
inciso II, da Constituição Federal) ao inovar
indevidamente o panorama jurídico da assistência
ao parto pela via do poder regulamentar, criando
direitos e deveres não previstos em Lei;
d) contraria as Diretrizes Nacionais de Assistência
ao Parto do Ministério da Saúde (Portaria MS/SAS
n.º 353 de 2017) bem como as recomendações da
Organização Mundial de Saúde para assistência ao
parto;
e) contraria o dever de sigilo médico, estabelecido
pelo Código de Ética Médica, expondo ilegalmente a
privacidade e a intimidade das mulheres;
f) representa grave risco de institucionalização de
internações compulsórias
de mulheres grávidas, independente de risco
iminente de morte, em
flagrante desrespeito à legislação em vigor e ao

4 Ação Civil Pública nº. 5021263-50.2019.4.03.6100, disponível para consulta pública em:
http://www.jfsp.jus.br/foruns-federais/
256
princípio da reserva legal aos direitos assegurados
pela Constituição Federal de 1988, às
determinações da Organização Mundial de Saúde,
bem como ao disposto
na Convenção Interamericana para prevenir, punir e
erradicar a violência
contra a mulher – “Convenção de Belém do Pará.
(MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2019)

O Ministério Público Federal defende que a falta de critério na


definição da expressão “abuso de direito” seria motivo para que houvesse uma
institucionalização de internações compulsórias de gestantes, com o fim de
que as mesmas permaneçam à mercê da conduta do médico, para que este faça
aquilo que ele entenda que seja o melhor para o caso.
Em sua peça inaugural, o parquet aduz que, diante das taxas
abusivas de partos cirúrgicos ocorridos no país, especialmente na rede de
saúde suplementar, o problema está na seara da saúde pública, motivo pelo
qual ele tem legitimidade para intervir (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL,
2019).
O órgão argumenta também que a expressão “abuso de direito”, nos
moldes trazidos pela Resolução questionada, contraria os limites impostos
pelo Código de Ética Médico, que prevê que o paciente tem o direito de
decidir livremente sobre a o acatamento de práticas diagnósticas ou
terapêuticas5. (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2018).
O Ministério Público Federal aduz também que deverá ser adotado o
critério do risco iminente de morte para que a classe médica possa deixar de
acatar a recusa terapêutica manifestada pela gestante no ato de seu
atendimento, como forma de trazer coerência e razoabilidade às normas do
Conselho Federal de Medicina. Para o parquet, se é possível encaminhá-la a

5“É vedado ao médico: Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal
de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso
de iminente risco de morte”.
257
outro profissional, não havendo risco iminente de morte, seja dela mesma,
seja do feto, não é possível impor a ela um tratamento que ela considera
desumano e degradante, após ser devidamente informada de todos os riscos
que envolvem sua situação.
Salienta-se que foi concedida medida liminar nos autos da referida
Ação Civil Pública, onde o magistrado suspendeu a eficácia do §2º do art. 5º,
bem como suspendeu parcialmente a eficácia dos artigos 6º e 10º,
relativamente à assistência e atendimento ao parto, todos da Resolução
2.232/19 do Conselho Federal de Medicina.
Após a regular citação, aquele Conselho de Classe não apresentou
contestação nos autos, deixando de apresentar qualquer manifestação,
conforme Cota Ministerial juntada aos autos no dia 26 de fevereiro de 2020,
além de, segundo o autor da ação, não ter dado cumprimento à decisão
liminar proferida nos autos.
Tendo em vista que o Conselho Federal de Medicina já se
pronunciou em sede extrajudicial, ocasião em que o Ministério Público
Federal entendeu não haver nenhum argumento plausível a fim de manter a
regra; e que deixou de apresentar qualquer resposta na fase judicial, espera-se
que os dispositivos sejam declarados definitivamente ineficazes, diante da
falta da total falta de legitimidade de a Resolução questionada poder trazer o
cerceamento da autonomia privada da gestante em seu ciclo gravídico-
pueperal.

CONCLUSÕES

A autonomia privada da pessoa humana relativamente ao direito ao


próprio corpo é expressão máxima da dignidade da pessoa humana, trazida
pela Constituição da República.
258
Como forma de se dar efetividade à autonomia da gestante, o
Governo Federal tomou diversas medidas, como a edição da Programa de
Humanização no Pré-natal e Nascimento (PHPN), criado pelo Ministério da
Saúde em 2000, pela Portaria GM/MS nº. 569; e das Diretrizes Nacionais de
Assistência ao Parto Normal, previstas na Portaria do Ministério da Saúde n.
353 de 2017. Ambas as Portarias preveem que a gestante deverá ser atendida
com respeito, dignidade e, principalmente, com respeito à sua autonomia
privada.
Mesmo diante de todo o esforço normativo no sentido de se garantir
o exercício da autonomia privada da mulher gestante em seu ciclo gravídico-
puerperal, e diante da lacuna existente no ordenamento jurídico no que tange
à regulamentação específica no que toca à recusa de atendimento médico
pelos pacientes em geral, em especial quando se trata da mulher gestante, o
Conselho Federal de Medicina editou a Resolução 2.232/19, instituindo
norma que prevê que a recusa terapêutica da gestante pode vir a ser
considerada abuso de direito.
Torna-se claro o cerceamento da autonomia corporal da mulher
nesta perspectiva. Em especial quando incursa no contexto do atendimento
obstétrico padrão brasileiro, em que sua autonomia privada é amplamente
ignorada.
Entende-se que as normas expedidas pela entidade de classe médica
não são passíveis de oponibilidade erga omnes, devendo ser acatadas apenas
e tão somente pela classe médica, visto tratar-se de meras resoluções
deontológicas, carentes do caráter democrático necessário para obrigar todos
os personagens sociais.
Entende-se que a conceituação, caracterização, consequências e
sanções para o ato da gestante que, no exercício de sua autonomia, recusa
tratamento médico, deve ser efetuada por lei em sentido lato, por se tratar de

259
flagrante limitação a um direito fundamental, sendo legítima sua limitação
apenas nas hipóteses em que se faz necessário assegurar algum outro direito
de igual estatura. Em outras palavras, a norma não possui oponibilidade erga
omnes, por padecer da democraticidade necessária, além de não ser razoável
diante do cerceamento de um direito fundamental.
A Resolução 2.232/19 do Conselho Federal de Medicina está sendo
questionada pelo Ministério Público Federal, em Ação Civil Pública, onde foi
concedida medida liminar para suspender a eficácia do §2º do art. 5º, bem
como dos artigos 6º e 10º, relativamente à assistência e atendimento ao parto.
Oportunizada resposta ao Conselho Federal de Medicina, este não
apresentou contestação e, segundo o autor da ação, não cumpriu a liminar
proferida em seus termos integrais. Espera-se que, ao final, o entendimento
manifestado na liminar seja confirmado e os referidos dispositivos sejam
definitivamente declarados ineficazes no que toca à assistência da mulher em
seu ciclo gravídico-puerperal.

REFERÊNCIAS

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https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao
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263
ENTRE A RAZÃO E A SUBJETIVIDADE: A DIFERENÇA CULTURAL
COMO FATOR DE INTEGRAÇÃO.

Rayonne Massi Araújo¹


René Dentz²

RESUMO
O presente trabalho busca, à luz das teorias do reconhecimento, tecer uma
crítica quanto ao princípio liberal, que entende o direito à liberdade como um
fator sine qua non para o desenvolvimento individual, sem levar em
consideração os aspectos particulares: históricos, sociais, econômicos, etc.,
em que cada indivíduo se submete. Propomos aqui, uma interpretação que
leve em consideração os aspectos identitários, subjetivos e específicos de cada
indivíduo, ou grupo de indivíduos, assim como a “política de diferença”,
expressão cunhada por Charles Taylor, que faz uma contraposição ao modelo
de “igual dignidade”, que por meio de uma pretensa igualdade universal,
acaba desconsiderando, por sua vez, certas singularidades.

Palavras-chave: teorias do reconhecimento, liberdade, direito individual,


política de diferença, igual dignidade.

INTRODUÇÃO:
Buscar-se-á, a partir deste trabalho, discutir, à luz da “Teoria de
Reconhecimento”, as principais visões que servirão de guia para o fomento e a
implementação de políticas públicas ou leis, que regem uma sociedade, a
saber:
1) Teoria de “Igual Dignidade”, Liberal – que tendo o seu lastro nos
Direitos Universais do Homem, proveniente da Revolução
Francesa de 1789, compreende que todos seres humanos são
dotados de racionalidade e, portanto, iguais.
2) “Política de Diferença”, Comunitarista – que parte do
pressuposto de que o ser humano se forma a partir de uma série
de subjetividades: culturais, econômicas, familiares, entre outras,
264
o que lhe confere uma “identidade” própria, que lhe diferencia
dos demais.

Cada resposta acena para caminhos diferentes: ou se


considera a nação como um conjunto de etnias
diferenciadas ou se aposta numa visão
assimilacionista que valoriza o hibridismo como
constitutivo da nacionalidade e da cidadania
(FREDERICO, 2016, p. 237)

Desta forma, poderíamos nos indagar se haveriam formas de


convivência pacífica entre as diversas culturas, presentes no seio de uma
sociedade democrática? Tendo como base a indagação apresentada, o
presente trabalho espera oferecer, uma nova concepção e reflexão que busque,
não apenas a mera explanação, fragmentada, de cada linha de pensamento no
interior da “Teoria de reconhecimento”, mas que possam oferecer a
possibilidade de um pensamento em que, tanto uma visão mais universalista,
quanto uma centrada em aspectos culturais, comunitaristas, possam dialogar
de maneira em que uma síntese entre ambas possam nos fornecer um novo
caminho interpretativo, em que as diferenças possam se reconhecer no todo.

DESENVOLVIMENTO:

As ideias de uma provável legitimação de poder por meio do direito


divino, na qual os reis buscavam legitimar sua soberania através de uma
pretensa vontade divina, teve, no século XVII, o início do seu esfacelamento,
marcando, por assim dizer, uma nova era em que, parafraseando Karl Marx,
“tudo que é sólido se desmancha no ar”, ou seja, o início de uma fase em que
todas as concepções, fundamentadas no Antigo Regime, sofreram abalos ou
mesmo, sua total ruptura.

265
DA LIBERDADE DOS ANTIGOS

No campo político, que será a tônica da nossa discussão, haverá


mudanças paradigmáticas que mudarão, profundamente, a nossa forma de
perceber as relações individuais e/ou coletivas; não por menos, Honneth
salienta que “ A invenção do mundo moderno é a invenção do indivíduo.”
(HONNETH, 2003, p. 248). Com essa afirmação, o autor nos dá a deixa para
que possamos nos indagar: qual era a concepção, portanto, de indivíduo, no
período posterior à modernidade? É essa a análise, por conseguinte, que
buscarei empreender, no presente capítulo.
Com a seguinte frase “o todo é maior do que a simples soma das suas
partes” Aristóteles sintetiza, de maneira pontual, uma concepção de sociedade
denominada por Benjamim Constant como “Liberdade dos Antigos” que,
iniciada na Grécia Antiga, perdurará até o início do século XVII, onde por
meio de pensadores como, Hobbes, Maquiavel, Rouseau e, de maneira mais
revolucionária, Immanuel Kant, inaugurará um novo modelo de sociedade,
oposto à “Liberdade do Antigos,” denominado por Constant, de “Liberdade
dos Modernos”.
Para melhor compreendermos a Liberdade dos Antigos, voltaremos a
nossa atenção, novamente, às ideias do filósofo Aristóteles. Segundo o
mesmo, “o homem é por natureza um animal político (zoon politikon)”
(ARISTÓTELES, 1982, I, 2, 1253 a 2 e III, 6, 1278 b, 20 apud RAMOS,
2014, 65), sendo, portanto, um homem cujas ações buscam sempre, por meio
da sociabilidade, um “bem comum” e não a promoção de suas buscas
individuais.

(…) Não menos estranho seria fazer do homem feliz


um solitário, pois ninguém escolheria a posse do
266
mundo inteiro sob a condição de viver só, já que o
homem é um ser político e está em sua natureza o
viver em sociedade. (ARISTÓTELES, 1973, IX,
9, 1169 b 18/20 apud RAMOS, 2014, P. 65).

O filósofo reforça, sobre este aspecto, o fato de que o homem que vive
isoladamente ou é “um ser degradado (animal)” ou “um ser que está acima da
humanidade (um deus).” (ARISTÓTELES, 1982, I, 2, 1253 a, 5 apud Ramos,
2014, p. 64). O que encontramos, portanto, no modelo de sociedade,
denominado por Benjamim Constant de “Liberdade dos Antigos,” é a noção
de que os indivíduos não têm a liberdade de ação individual, mas estes se
submetem, enquanto indivíduo, à vontade coletiva, que deve se alinhar,
estritamente, a uma concepção de “Bem comum.”

Quando cidadãos de uma cidade ideal comparecem


à assembleia e decidem como votar, eles o fazem não
com o objetivo de representar suas famílias, clãs ou
qualquer outro partido. Eles vêm como indivíduos
para avaliar a força de argumentos competentes, não
como partidários de uma subcomunidade que
procuram proteger ou ampliar seu quinhão. Como
cidadãos, o objetivo não é favorecer algum setor,
mas sempre promover o bem da comunidade como
um todo (KRAUT, 2002, p. 353 apud RAMOS,
2014, P.70).

Ao elaborar uma crítica sobre o modelo de sociedade, defendida pelos


Gregos, Constant dirá que “os antigos, não tinham nenhuma noção dos
direitos individuais. Os homens não eram, por assim dizer, mais que
máquinas.” (CONSTANT, 1980. p. 3) Esta, por sua vez, será uma das
principais críticas que se fará ao modelo, doravante, defendido por
Aristóteles, em que o homem não teria qualquer liberdade para a deliberação

267
de sua vida a não ser, aquela que fosse fruto de uma vontade coletiva. Segundo
Constant

Todas as ações privadas estariam sujeitas a severa


vigilância. Nada é concedido a independência
individual, nem mesmo no que se refere à religião. A
faculdade de escolher seu culto, faculdade que
consideramos como um de nossos mais preciosos
direitos, teria parecido um crime e um sacrilégio
para os antigos. (CONSTANT, 1980, p. 3).

DA LIBERDADE DOS MODERNOS

Se tomássemos como ponto de partida a ideia de que o homem é


naturalmente um ser individualista, estaríamos levantando uma hipótese,
diametralmente, oposta ao que fora suscitado anteriormente, a saber – o
homem como um ser, essencialmente, político, interpretação esta que será
tomada como base de fundamentação para a “Liberdade dos Antigos” –
contudo, o que mudaria se passássemos a não interpretar o homem como um
“ser” naturalmente político mas, essencialmente, individualista? Concepção,
portanto, que inaugurará, por assim dizer, a “Liberdade dos Modernos.” Este
capítulo, por conseguinte, se desdobrará na busca por responder a esta
indagação.
Dentre os autores que buscarão fundamentar a sua análise a partir de
uma concepção de um homem “individualista,” lançaremos mão, no presente
capítulo, de Thomas Hobbes, Jonh Locke, Immanuel Kant, autores estes que
buscam defender uma concepção de que o indivíduo é anterior à sociedade.

O que une a doutrina dos direitos do homem e o


contratualismo é a comum concepção individualista
da sociedade, concepção segundo a qual primeiro
existe o indivíduo singular com seus interesses e
268
com suas carências, que tomam a forma de direitos
em virtude da assunção de uma hipotética lei da
natureza, e depois a sociedade, e não vice versa
como sustenta o organicismo em todas as suas
forma, segundo a qual a sociedade é anterior aos
indivíduos ou, conforme a fórmula aristotélica
destinada a ter êxito ao longo dos séculos, o todo é
anterior às partes. (BOBBIO, 1988:15 apud
ARAÚJO; COSTA e MELO , 2015, p. 251).

Para Hobbes, o indivíduo foi compelido a se reunir em sociedade, por


meio de um “Contrato Social”, uma vez que este abdica do estado de natureza
pré-social, estabelecendo um estado civil baseado em princípios da vida social
e política, pelo qual legitima o elo político. (ARAÚJO; COSTA e MELO, 2015,
p. 250-251). De acordo com o autor

O maior de todos os poderes humanos é o poder


integrado de vários homens unidos com o
consentimento de uma pessoa natural ou civil: é o
poder do Estado ou aquele de um representativo
número de pessoas, cujas ações estão sujeitas à
vontade de determinadas pessoas em particular”
(HOBBES, 2006 apud ARAÚJO; COSTA e MELO ,
2015, p. 252).,

e conclui dizendo que o estado de natureza, ao qual o homem, pré-social,


estava submetido

(…) Não oferecia garantias de segurança diante das


constantes ameaças, os homens se tornavam seres
insociáveis, pois os sentimentos que os orientavam
era o dá discórdia, visto através da competição,
desconfiança e glória. (ARAÚJO; COSTA e MELO,
2015, p. 252).

Desta maneira, percebe-se nitidamente a importância que é dada em


269
Thomas Hobbes sobre o sentido de segurança, em que o Estado teria como
principal função, a garantia da coexistência pacífica entre os indivíduos, já
que o homem deixa de ser regido pelas “paixões” e passa a ter uma ação mais
racional, em que por meio de um estado civil, se pactua, com os demais
indivíduos, um senso de ordenamento partilhado, que buscará agir de
maneira a orientar e ponderar sobre as ações humanas.

As consequências negativas manifestas da situação


duradoura de uma luta entre os homens, o temor
permanente e a desconfiança recíproca, devem
mostrar que só a submissão, regulada por contrato,
de todos os sujeitos a um poder soberano pode ser o
resultado de uma ponderação de interesses, racional
com respeito a fins, por parte de cada um
(HOBBES, 1983 apud ARAÚJO; COSTA e MELO ,
2015, p.153).

Em Jonh Locke, por mais que o filósofo corrobore com a ideia do


“contrato social”, doravante defendida por Thomas Hobbes, este trará em seu
bojo argumentativo, novas interpretações e nuances sobre a individualidade
“natural” do homem, e que por ter marcado de maneira indelével o
pensamento moderno, em seus mais diversos aspectos: políticos, econômicos,
socias, etc. , buscar-se-á arguir, de maneira a melhor possibilitar a
compreensão da forma com que a sua tese passa a compreender, interpretar,
este “novo” sujeito.
Se em Hobbes o soberano tem como principal finalidade, lançar mão
de todos os meios para garantir a ordem e a segurança da sociedade,

(…) uma pessoa de cujos atos uma grande multidão,


mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi
instituída por cada um como autora, de modo a ela
poder usar a força e os recursos de todos, da
maneira que considerar conveniente, para assegurar
270
a paz e defesa comum. (HOBBES 1983 apud
ARAÚJO; COSTA e MELO, 2015, p. 253 -254).

Locke trará novas funções atribuídas ao soberano, com vistas a


melhor equilibrar e delimitar o poder do Estado. Para o mesmo, o soberano
deve agir de acordo com leis, previamente consentidas, para que o mesmo não
incorra no erro de agir ao seu bel-prazer.

(...) E assim sendo, quem tiver o poder legislativo ou


o poder supremo de qualquer comunidade obriga-se
a governá-la mediante a leis estabelecidas,
promulgadas e conhecidas do povo, e não por meio
de decretos extemporâneos; por juízes indiferentes e
corretos, que terão de resolver as controvérsias
conforme essas leis, e a empregar a força da
comunidade no seu território somente na execução
de tais leis [...] (LOCKE,1983 apud ARAÚJO;
COSTA e MELO, 2015, p. 255 256).

Observa-se, portanto, um alinhamento das teses Lockeanas em se


delimitar a ação do Estado em que, consequentemente, deve estar em
conformidade com os interesses da população, por meio de um contrato
social, de modo a garantir e proteger os “direitos naturais” do homem na
sociedade.

Contudo, o indivíduo lockeano procura construir


garantias para si, que por sua vez possam manter os
direitos naturais, a propriedade e liberdade; e tais
garantias só podem ser advindas da sociedade
política (autoridade legitima), i.é, do Estado.
(ARAÚJO; COSTA e MELO, 2015, p. 256).

Dentre os direitos naturais mais relevantes elencados pelo filósofo,


destacam-se o direito a liberdade e a propriedade em que, assim sendo, cabe

271
ao soberano zelar para que tais direitos, individuais, possam ser buscados e
mantidos, de modo que o Estado aja na manutenção para que o presente fim
seja alcançado pelo indivíduo.
Nestes termos, Observa-se em Hobbes e em Locke que a condição
relacionada ao “Direito Natural” do homem, não suprime a sua liberdade
individual através do contrato social. Mas este por sua vez, é um elemento
sine qua non, cujo objetivo visa proporcionar garantias e um senso de
ordenamento que auxilie os indivíduos em suas buscas pessoais.
A partir dos autores apresentados neste capítulo, nota-se a evolução
do conceito de “liberdade individual”, como integrando um “Direito Natural”
do homem, em que partindo dessa premissa, tornará possível uma estrutura
“jurídica” e “policial”, fazendo com que cada indivíduo tenha a sua busca
respeitada no interior da sociedade. Porém, não acredito que tenhamos,
ainda, com base nos autores apresentados, chegado a uma completude sobre a
definição no que tange à “Liberdade dos Modernos”, pois faltaria para isto,
um ingrediente fundamental para esta definição, a saber: o indivíduo
enquanto um “ser” subjetivo.

A SUBJETIVIDADE DO HOMEM COMO ELEMENTO PARA A


COMPREENSÃO DA “LIBERDADE DOS MODERNOS”.
Como sugere Habermas, o princípio do mundo moderno é a
subjetividade do indivíduo que conduz a sociedade a um novo patamar, sobre
a compreensão dos diferentes ramos do conhecimento: econômico, político,
social, entre outros. Momento o qual tornará o “homem” não apenas como um
receptáculo, que recebe, passivamente, a tudo que vem de fora, mas que
passa, a partir de então, a fazer um caminho inverso, em que as
especificidades históricas, culturais, sentimentais, inerentes em cada
indivíduo, devem reger as ações humanas, políticas, entre outras, em um

272
movimento que se segue, do homem para o meio externo, e não o contrário.
Segundo Taylor,

Para perceber o que há aqui de novo, temos de fazer


a comparação com as perspectivas morais do
passado, segundo as quais estabelecer contato com
uma espécie de fonte - Deus ou a Ideia do bem, por
exemplo - era considerado essencial para se atingir a
plenitude do ser. Mas, agora, a fonte encontra-se
bem no fundo do nosso ser. Este facto faz parte da
viragem subjectiva maciça que teve lugar na cultura
moderna e que se traduziu numa nova forma de
introspecção, através da qual passamos a ver-nos
como sujeitos dotados de uma profundidade
interior. (TAYLOR, 1994, pág. 49).
Em antítese ao modelo de sociedade compreendido por Aristóteles,
em que os anseios comuns iriam ao encontro dos anseios individuais, com o
filósofo Immanuel Kant, teremos uma redefinição de indivíduo, bem como de
Estado, em que a máxima aristotélica sobre o “bem comum”, será suplantado
pela ideia de que o “bem individual” deve prevalecer ante o bem coletivo.

Kant, dessa forma, promove, através da sua teoria “transcendental”,


uma revolução sobre a forma de se pensar, onde: a postura do autor frente à
tradição filosófica

Põe por terra o pensamento que o objeto é o guia do


conhecimento. A filosofia transcendental kantiana é
paradigmática, por substituir uma teoria que
perdurou durante séculos. Quando apresenta a
mediação subjetiva de nosso conhecimento, em
relação ao mundo objetivo, dá centralidade à
subjetividade no pensamento filosófico e inicia a
filosofia da subjetividade que perdura até a
contemporaneidade (ROCHA, 2014, pág. 34).,

273
sendo assim, a teoria da subjetividade em Kant, como salienta Rocha

[...] não pretende se reportar à realidade em si


mesma (numenal), pois essa não é passível de ser
teoricamente conhecida, mas trata exclusivamente
da nossa representação acerca dela, de como essa
realidade é conhecida por nós e como os dados da
nossa experiência são estruturados por nosso
entendimento, sendo o sujeito o mediador da
experiência (ROCHA, 2014, pág.33 ).

Desta forma, o filósofo inova ao trazer a interpretação que compreende o


indivíduo, não como uma “massa” uniforme, mas pelo entendimento de que
cada indivíduo, a partir dos “móbiles”, sentimentos, cultura, história, etc.,
molda a sua visão de mundo, sua percepção de “vida boa”, seu conceito de
“bem”, que por sua vez, diferem-se umas das outras. O homem visto como um
ser racional contendo “um fim em si mesmo” (KANT, 2001, apud ROCHA,
2014, pág. 34).
O indivíduo kantiano, destarte, é livre, pois se vale da sua razão como
fator condicionante para a conquista de sua “autonomia”. em que, agindo
dessa maneira “eu declaro minha independência, por assim dizer, de todas as
considerações, de todos os motivos naturais e de causalidade natural que nos
governa” sendo que, o indivíduo se torna autônomo quando tende a agir
mediado por uma lei moral, aquela lei moral que ele dá a si mesmo como
vontade racional. Dessa forma, torna-se possível a interpretação de que o
homem kantiano é “autossuficiente”, tendo em si mesmo a motivação de suas
ações em que fundamenta-se na sua própria razão o sentido último de sua
liberdade.
Neste ponto, até aqui apresentado, a definição sobre “Liberdade dos
Modernos” fica mais evidente. A partir de então, observamos o homem como
um indivíduo livre e subjetivo, que deve buscar, por meio da sua capacidade
274
racional, as formas que lhe possibilite, individualmente, a busca pela
felicidade, um conceito de “vida boa”, que melhor lhe o compreenda.
Portanto, o indivíduo sendo “um fim em si mesmo", deve buscar em si, as
melhores formas para, o bem viver.
No campo político, essa alteração, que passa a compreender o
indivíduo, como um “ser” dotado de subjetividades, terá impacto profundo na
forma como o Estado será interpretado e, da maneira como deve conduzir as
suas ações. Em sua obra “Da liberdade dos antigos comparada à dos
modernos”, Benjamim Constant salienta em que os governantes devem
concentrar os seus esforços, como demonstrado na citação abaixo:

[...] Os depositários da autoridade não deixam de


exortar-nos a isso. Estão sempre dispostos a poupar
nos de toda espécie de cuidados, exceto os de
obedecer e de pagar! Eles nos dirão: “Qual é, no
fundo, o objetivo de todos os vossos esforços, o
motivo de vosso trabalho, o objeto de vossas
esperanças? Não é a felicidade? Pois bem, essa
felicidade, aceitai e nós nos encarregaremos dela.”
Não, Senhores, não aceitemos. Por mais tocante que
seja um interesse tão delicado, rogai à autoridade de
permanecer em seus limites. Que ela se limite a ser
justa; nós nos encarregaremos de ser felizes.
(CONSTANT, 1980, pág. 14).

A partir deste princípio, o Estado passa a ter uma função de


garantidor e incentivador das buscas individuais, não cabendo ao mesmo a
deliberação de ações que se choquem com os interesses privados, já que

O princípio que informa a cultura do individualismo


liberal realça a concepção de que cada indivíduo, no
uso de sua liberdade, pode escolher o bem que julga
ser o melhor para si na sua utilidade ou
conveniência. O valor da individualidade se traduz,
275
assim, no livre exercício da vida privada e que exige
a liberdade para a sua fruição e o consequente
direito a ela. O liberalismo difunde a ideia de que o
indivíduo é, portanto, juiz dos seus fins, interesses e
ações, e a esfera pública deve assegurar essa
prerrogativa como uma necessidade moral e
jurídica. (RAMOS, 2014, pág.72).

HEGEL: O INDIVÍDUO-COMUNITÁRIO
Em Hegel, por sua vez, retomamos uma ideia que nos remete ao
modelo de sociedade Aristotélico, que compreende o homem como um “ser”
comunitário, tornando-se um crítico das ideias “atomísticas”, conceito este
que compreende o homem como sendo um “fim em si mesmo”. De acordo
com o filósofo, esta concepção de pensamento, trazida pela modernidade,
condiciona o sujeito a uma condição de isolamento que “põe em
funcionamento a dinâmica de uma comunicação perturbada”(HABERMAS,
2000, pág. 45), devendo-se, portanto, fundamentar-se em uma concepção que
busque substituir as “categorias atomísticas por aquelas talhadas para o
vínculo social entre os sujeitos” (HONNETH, 2003, pág. 42).

Tal perspectiva orientou um modo quase


programático de pensar a ação humana na matriz
comunitária, repercutindo no chamado
comunitarismo contemporâneo em contraste com o
individualismo liberal. (RAMOS, 2014, pág. 62).

Se na definição relacionada a “Liberdade dos Modernos”, existe a


concepção de que o indivíduo vem antes da comunidade, com as teses
hegelianas, retornarmos a uma concepção que compreende a comunidade
como anterior. Segundo o filósofo alemão, "o povo [... ] por natureza [é]
anterior ao indivíduo; pois, se o indivíduo não é nada de autônomo

276
isoladamente, então ele tem de estar, qual todas as partes, em uma unidade
com o todo" (HONNETH, 2003, pág. 43).
Friedrich Hegel, rejeita a ideia de que seríamos indivíduos
“autossuficientes” cuja sociedade, sem lastros comunitários, enxergaria no
outro, não a união de pessoas com vistas a comunhão de interesses
partilhados, mas que compreende o outro como um meio, como objetivo para
o seu fim particular.

[...] Ora, em grande parte foi justamente contra a


tendência da filosofia social moderna de reduzir a
ação política à imposição de poder, racional
simplesmente com respeito a fins, que o jovem
Hegel tentou se voltar com sua obra de filosofia
política [...] (HONNETH, 2003, pág. 36).

Nestes termos, o autor vai buscar através da “comunidade religiosa do


cristianismo primitivo e da polis grega” (HABERMAS, 2000, pág. 44) a base
que se assentará a sua filosofia da “intersubjetividade”, onde compreendendo
o homem como um indivíduo dotado de uma identidade particular e,
portanto, uma liberdade individual, este indivíduo deve:
1°) tomar consciência de si;
2°) tomar consciência do outro;
3°) e por fim, se compreender como parte que se insere em uma totalidade.
Certa feita, por meio de um “processo de formação do espírito” (HONNET,
2003, pág. 63), mediado por aspectos inerentes a “linguagem, instrumento e
bem familiar”, a consciência aprende a conceber-se pouco a pouco como uma
"unidade imediata de singularidade e universalidade e, por conseguinte, chega
a compreensão de si mesma como totalidade".
Tomando como premissa a discussão suscitada nos parágrafos
anteriores, podemos dizer que em Hegel, o indivíduo passa a ser

277
compreendido, diferentemente do aspecto “monológico” que pressupõe o
modelo liberal, como um sujeito que de maneira “dialógica”, (TAYLOR, 1994,
pág. 52) necessita do reconhecimento do outro para que possa melhor
fundamentar a sua identidade; portanto, podemos dizer que: eu passo a me
reconhecer, melhor, a partir do reconhecimento do outro sobre mim. Como
nos adverte Chales Taylor, “a descoberta da minha identidade não significa
que eu me dedique a ela sozinho, mas, sim, que eu a negocie, em parte,
abertamente, em parte, interiormente, com os outros”. (TAYLOR, 1994, pág.
54).
Em Hegel, por conseguinte, observamos que o reconhecimento dos
“outros importantes” (TAYLOR, 1994, pág. 52) toma uma condição
“dialética” em que, mediante ao embate entre a minha consciência individual
com as demais consciências, torna-se possível, por meio do diálogo e
negociação mútua, compreender até que ponto as consciências estariam
sujeitas a ceder sobre a sua identidade, e até que ponto a identidade do outro
modifica a minha visão sobre o que fora apresentado. Sendo assim, como
resultado desse embate entre consciências, poderíamos chegar a uma espécie
de “síntese” ou um “consenso sobreposto” em que as diversas consciências se
harmonizariam em nome de uma, por assim dizer, solução diplomática.
Segundo os dizeres do próprio filósofo, uma consciência que se
reconhece, “idealmente” como parte de uma totalidade,

Se reconhece como a si mesma em uma outra


totalidade, em uma outra consciência e há de
ocorrer um conflito ou uma luta nessa experiência
do reconhecer- se-no-outro, porque só através da
violação recíproca de suas pretensões subjetivas os
indivíduos podem adquirir um saber sobre se o
outro também se reconhece neles como uma
"totalidade"."Mas eu não posso saber se minha
totalidade, como de uma consciência singular na
278
outra consciência, será esta totalidade sendo-para-
si, se ela é reconhecida, respeitada, senão pela
manifestação do agir do outro contra minha
totalidade, e ao mesmo tempo o outro tem de
manifestar-se a mim como uma totalidade, tanto
quanto eu a ele.” (HONNETH, 2003, pág. 63).

Dessa forma, alcançaríamos o que o autor chamou de uma


“consciência absoluta”, a qual forneceria a “base intelectual” para uma
coletividade futura e ideal: proveniente do reconhecimento recíproco como
um medium da universalização social, ela constitui o "espírito do povo" e,
nesse sentido, também "a substância viva de seus costumes” (HONNETH,
2003, pág. 64).

DA HONRA À DIGNIDADE: UMA REFLEXÃO SOBRE A EVOLUÇÃO


CONCEITUAL DE IDENTIDADE E RECONHECIMENTO
A compreensão de que o homem é um “ser” dotado de subjetividades,
introduziu a ideia “através do qual passamos a ver-nos como sujeitos dotados
de uma profundidade interior”. (TAYLOR, 1994, pág. 49), compreensão esta
que revolucionou a maneira como passamos a compreender a nós mesmos
bem como a sociedade na qual nos inserimos. A partir desta interpretação, a
concepção de “vida boa”, não deve ser buscada externamente ao indivíduo,
“mas, agora, a fonte encontra-se bem no fundo do nosso ser” (TAYLOR,
1994, pág. 49), na medida em que cada qual molda a sua visão de “mundo” de
forma individualizada e, portanto, subjetiva. Possibilitando que cada
indivíduo possa interpretar uma mesma situação, de maneiras diferenciadas

(…) cada uma das nossas vozes tem algo de único


para nos dizer. Não só não deveria moldar a minha
vida as exigências da realidade exterior, como nem
sequer posso encontrar o modelo que me permite

279
viver fora de mim. Só posso encontrá-lo dentro de
mim” (MILL, 1975, apud TAYLOR, 1994, p. 51).

A sociedade, como nos apresenta Taylor, era marcada por um “senso”


de reconhecimento, delimitado através de uma hierarquização social, quer
seja por título de nobreza, hierarquias religiosas, entre outros, valores
honoríficos que conferiam às pessoas que os recebiam um reconhecimento
social. Desse modo, a identidade individual dependia, em grande medida, da
sua posição social e não do aspecto singular da subjetividade, inerente ao
indivíduo.

A identidade de origem social dependia, pela sua


própria natureza, da sociedade. Mas, antigamente, o
reconhecimento nunca havia constituído um
problema. O reconhecimento geral era associado à
identidade de origem social precisamente pelo facto
de se basear em categorias sociais que ninguém
punha em causa. (TAYLOR, 1994, pág. 55).

Com o advento das novas concepções interpretativas a respeito da


“identidade”, tornou-se possível contestar o modelo, doravante empregado,
em que pressupunha o reconhecimento da identidade, a partir da condição
social a qual o indivíduo se inseria. Segundo Taylor

Podemos distinguir entre duas mudanças que,


conjugadas, tornaram inevitável esta preocupação
moderna pela identidade e pelo reconhecimento. A
primeira é o desaparecimento das hierarquias
sociais, que constituíam o fundamento da noção de
honra. Refiro-me a honra com o mesmo sentido que
existia no tempo do antigo regime, e que estava
intrinsecamente relacionado com desigualdades.
(TAYLOR, 1994, pág. 47).

280
Esse aspecto, portanto, em que se levava em consideração a “honra”
atribuída ao sujeito, vai sendo suplantado por um conceito que passa a
interpretar o indivíduo por meio da “dignidade humana” onde se compreende
todos os homens como portadores de “dignidade” sendo assim, como iguais.

Contra esta noção de honra temos a noção moderna


de dignidade, que hoje possui um sentido
universalista e igualitário. Dai falarmos em
«dignidade dos seres humanos» ou dignidade de
cidadão. Baseia-se na premissa de que é comum a
todas as pessoas. Naturalmente, este conceito de
dignidade é o único que é compatível com a
sociedade democrática, e era inevitável que pusesse
de lado o velho conceito de honra. (TAYLOR, 1994,
pág. 47).

A fundamentação sobre o reconhecimento, deixa de ser vista como


um atributo formal e passa, por meio da noção de “dignidade”, a atribuir ao
cidadão uma visão que o iguala frente aos demais, ou seja, a noção que
pressupõe a igualdade entre os homens.

Para Kant, cujo uso que deu à palavra dignidade foi


uma das primeiras evocações influentes desta ideia,
o que provoca nos seres humanos o sentido de
respeito era o nosso estatuto de agentes racionais,
capaz de orientar as nossas vidas através de
princípios (TAYLOR, 1994, pág. 61).

Porém, esta noção de reconhecimento também encontrará suas


limitações, sobretudo, a partir do desenvolvimento e compreensão acerca da
noção de “identidade” no período moderno, na medida em que

A importância do reconhecimento foi-se


modificando e aumentando com a nova
281
compreensão da identidade individual que surgiu no
final do século XVII. Podemos falar de uma
identidade individualizada, ou seja, aquela que é
especificamente minha, aquela que eu descubro em
mim. (TAYLOR, 1994, pág.48).

Com a noção de “identidade individual”, a concepção de


reconhecimento, fundamentada no princípio de “igual dignidade”, sofrerá
algumas críticas, já que a partir do novo conceito de “identidade”, “as pessoas
devem ser reconhecidas pelas suas identidades únicas”. Isto é, pelos aspectos,
subjetivos, “deste ou daquele indivíduo ou grupo, do carácter singular de cada
um” (TAYLOR, 1994, pág.58), em que não se deve desconsiderar os aspectos:
culturais, econômicos e sociais, a que cada indivíduo se insere. “Passamos,
assim, da reivindicação da igualdade para o reconhecimento das diferenças”.
(FREDERICO, 2016, pág. 239).
Certa feita, a noção de reconhecimento com base no princípio de
“igual dignidade” ao buscar um nivelamento, tendo como pressuposto a
igualdade entre os homens, incorreria no equívoco de não reconhecer os
aspectos “identitários” de cada indivíduo. Na medida em que “o princípio do
respeito igual exige que as pessoas sejam tratadas de uma forma que ignore a
diferença” (TAYLOR 1994, pág.63)

O reconhecimento da igualdade cedeu lugar à luta


pelo reconhecimento das diferenças. Nesse
momento, o Estado democrático enfrenta um novo
desafio: dar conta da reivindicação particularista de
sujeitos coletivos, numa ordenação jurídica que faz
do indivíduo isolado o portador de direitos
universais. (FREDERICO, 2016, pág. 239).

MULTICULTURALISMO: COMO NEGAÇÃO AO MODELO DE


HOMOGENEIZAÇÃO SOCIAL?

282
Como já referido em tópicos anteriores, uma das principais críticas ao
modelo liberal de cunho “universalista”, se deve ao fato de, a partir dessa
visão, desconsiderar os aspectos próprios de uma sociedade, uma
“identidade” particular, quer seja no nível individual ou de comunidades
específicas, cuja formação cultural, social, econômica, etc. Há diferencia das
demais.

[...] A denúncia do “universalismo abstrato” e sua


concepção, segundo a qual, “lei é igual para todos”
constata, com razão, que ele iguala os desiguais e
impõe uma pretensa uniformidade. Tal concepção
remonta ao Iluminismo, que, concebendo os
homens, genericamente, como seres racionais, não
atentava para as diferenças individuais.
(FREDERICO, 2016, pág. 246).

Segundo a interpretação do modelo de orientação “Liberal


Universalista”, o homem se iguala aos demais pela sua capacidade racional,
em que através da ação, mediada pela consciência, tornaria possível certos
parâmetros que seriam comuns aos homens, o que independeria dos aspectos
subjetivos, no qual os indivíduos se inserem. Segundo Celso Frederico, esse
modelo

Trata-se, pois, de uma concepção individualista que


considera o indivíduo uma mônada autossuficiente
que se orienta racionalmente em suas escolhas, livre
de qualquer determinação social. (FREDERICO,
2016, pág. 240).

Contrariamente ao modelo advogado pelo “universalismo”, o modelo


de orientação “Comunitarista” atua “Contra esse nivelamento, (...), exaltando
a singularidade e colocando-a em oposição ao universal”. (FREDERICO,
2016, pág. 246). A principal crítica realizada pelos “multiculturalistas” reside
283
no fato de que a pretensa universalização, objetivada pelas ideias liberais,
buscam na verdade, imprimir, nos “grupos minoritários” um “olhar”
discriminatório em que a diferença passa a ser recriminada em razão de uma
suposta visão de mundo hegemônica, tal qual a “eurocêntrica”. Segundo
Taylor, os adeptos da “política de diferença”, “queixam-se do facto”, e com
uma certa razão, “de o conjunto, supostamente neutro, de princípios que
ignoram a diferença e que regem a política de igual dignidade ser, na verdade,
um reflexo de uma cultura hegemônica”. (TAYLOR, 1994, pág. 63).
Nos Estados Unidos da América, como salienta Frederico, essa visão
“universalista” é chamada pelos adeptos do “multiculturalismo” pela sigla
WASP (White Anglo-Saxon and Protestant), em que segundo o autor, os
grupos que fogem a este padrão seriam os considerados grupos minoritários.
(FREDERICO, 2016, pág. 237).
A luta pelo reconhecimento, teve seu início na França, com a guerra
de descolonização da Argélia (1954-1962) em que autores influenciados por
Hegel, como Frans Fanon, Albert Memmi, Jean-Paul Sartre, Simone de
Beauvoir, entre outros, em seus escritos sobre a colonização argelina, se
atentaram, particularmente, à forma “simbólica” como os colonizadores
europeus subjugavam, a partir da sua cultura, o modelo cultural dos povos
colonizados. Sobre esta temática, tomando como base a dialética hegeliana
sobre o “senhor e o escravo”, presente no livro: “Fenomenologia do Espírito”.
Fanon compreendia

(…) que a principal arma utilizada pelos franceses


era a imposição de uma imagem aos povos
colonizados – uma imagem evidentemente negativa
e depreciativa do colonizado que, uma vez
internalizada por ele, bloqueava as possibilidades da
luta pela emancipação. (FREDERICO, 2016, pág.
238).

284
Observa-se com isso que os povos de origem europeia buscavam
demostrar a superioridade da sua cultura, em detrimento da colônia. Por este
motivo, os indivíduos colonizados passavam a se “ver” sobre os parâmetros
“eurocêntricos”, aos quais lhes eram impostos, e não do ponto de vista da
compreensão e valorização das diferenças culturais. De maneira semelhante a
Fanon, Jean-Paul Sartre considerou o fato de que “o escravo vê-se com os
olhos do senhor. Pensa-se a si próprio como um Outro e com os pensamentos
do Outro”. (SARTRE, 1971 apud FREDERICO, 2016, pág. 238). Sobre este
prisma, Fanon sugere que a “primeira tarefa, portanto, deveria ser a luta para
modificar essa imagem, uma luta pela autoconsciência e pelo
reconhecimento”. (FREDERICO, 2016, pág. 238).

A premissa que está por detrás destas exigências é a


de que o reconhecimento forja a identidade, em
particular, na perspectiva de Fanon: geralmente, os
grupos dominantes consolidam a sua hegemonia,
inculcando uma imagem de inferioridade nos grupos
subjugados. A luta pela liberdade e pela igualdade
deve, por conseguinte, passar por uma reformulação
dessa imagem (TAYLOR, 1994, pág. 86).

O “olhar”, dentro da filosofia existencialista, passa a ter uma


atenção especial “às voltas com a dialética do reconhecimento”, na medida em
que “através do olhar do outro a reificação se efetiva: ser olhado nos
transforma em objeto”. (FREDERICO, 2016, pág. 238). Mediante a esta
análise, observamos que o autor nos dá a deixa para uma interpretação onde:
o observador interpreta o “outro”, mediado por um parâmetro universalizante
e universalizado, dessa forma, o “outro” que não se enquadra nestes
parâmetros, necessariamente, é visto como um “desajustado”, que deve ser
“catequizado” através de uma cartilha, quase sempre, de cunho
homogeneizante. Nas palavras de Bourdieu, “o imperialismo cultural repousa
285
no poder de universalizar os particularismos associados a uma tradição
histórica singular, tornando-os irreconhecíveis como tais”. (BOURDIEU,
Wacquant, 2002, pág. 15).
Dentre as pessoas, ou grupo de pessoas que buscam o seu
reconhecimento, a partir de um modelo que leve em consideração os aspectos
mediados pela diferença, em contraposição a um modelo de “pasteurização”
social, podemos citar os negros, os homossexuais, as mulheres, etc. Este
último, por sua vez, a autora Simone de Beauvoir nos apresenta, de maneira
contundente, uma interpretação que busca desmistificar a visão
“universalizante” na qual a mulher estaria submetida. A filósofa apresenta
uma crítica a respeito de um senso, “uniformizante” de ideias, na qual as
mulheres seriam vítimas, de modo que

Educada desde sempre para cumprir determinados


papéis fixados pela sociedade patriarcal, a mulher
internaliza tais papéis e vive para representá-los,
perdendo a sua autodeterminação e transformando-
se num ser-para-outro que procura,
mecanicamente, corresponder à imagem que o
homem espera dela. Mas, agindo assim, ela aliena a
sua identidade ao se transformar na caricatura do
que ela imagina que o Outro espera dela ou, nas
palavras da autora, se transforma no Outro do
Outro (BEAUVOIR, 1960 apud FREDERICO,
2016, pág. 238).

Tendo como ponto central a busca pela reversão da imagem de


inferioridade, a “luta pelo reconhecimento se consolidou, vindo os “grupos
minoritários”, alcançar importantes conquistas em que pese os direitos civis:
as mulheres obtiveram o direito de voto e os negros, as leis antirracistas”.
(FREDERICO, 2016, pág. 238).
Isto posto, nos torna cristalino observar que o modelo “Liberal

286
Universalista” e o modelo “Comunitarista”, apresentam posições conceituais
díspares onde

(…) os comunitaristas, conferem prioridade aos


laços comunitários que envolvem os indivíduos e
dentro dos quais eles se movimentam e formatam
suas identidades [...]. Há, assim, uma prioridade
ontológica do grupo cultural: os indivíduos são seres
sociais, membros de uma coletividade que baliza
suas escolhas. (FREDERICO, 2016, pág. 240).

Contrariamente ao modelo “Comunitarista”, o modelo “Liberal


Universalista” compreende que a “razão” seria responsável por proporcionar
ao “homem” a possibilidade de, independente dos aspectos culturais, sociais,
econômicos, etc, um entendimento consensual, podendo este entendimento
ser universalizado, de maneira que as subjetividades, individuais, possam ser
minimizadas em nome de uma pretensa interpretação que nos é comum. Por
esta esta análise, Celso Frederico entende que “Os liberais priorizam as
escolhas do indivíduo e não o contexto cultural em que ele está inserido. Para
eles, a existência de diferentes culturas com seus respectivos valores é vista
com indiferença”. (FREDERICO, 2016, pág. 243).

CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Mediante a contextualização apresentada, buscou-se concatenar e
elucidar duas das principais correntes da filosofia política, a saber: “Liberal
Universalista”, “Igual Dignidade”/ “Comunitarismo”, “Política de Diferença”,
na medida em que ambas correntes nos ajudam a melhor compreender
questões que estão entre os mais variados temas – sociais, políticos, culturais,
econômicos, etc – cuja abrangência refere-se tanto às questões individuais,
nacionais, ou mesmo, universais.

287
Para dar encaminhamento e linearidade ao pensamento apresentado,
buscarei aqui me aproximar de uma resposta coerente e sensata sobre uma
indagação de Raws, que julgo ser central para uma melhor análise no campo
das políticas de “reconhecimento”, em uma sociedade democrática. O autor,
portanto, questiona se haveriam formas de se entender a “unidade social,
visto que não pode haver acordo público sobre o bem racional único, e que
uma pluralidade de concepções opostas e incomensuráveis deve ser tomada
como um dado?” (RAWS, 1985, pág. 56).
Buscando dar uma resposta à pergunta apresentada acima, proponho
uma síntese entre os dois modelos de pensamento, a saber: “Comunitarismo”
e “ Liberal Universalista”. Para isso poderíamos nos indagar: a questão de
reconhecimento racial no Brasil, com ênfase na discriminação racial, seria
uma questão meramente econômica? Comungamos, sobre esta questão, da
concepção de Charles Taylor, Axel Honneth, entre outros, em que os autores
compreendem que a questão econômica, não seria a fonte de todo o
preconceito, discriminação e o não reconhecimento, no qual os “grupos
minoritários” estão submetidos. Porém, não se pode desconsiderar, que este
também seja um fator relevante.
Por mais que as questões simbólicas de reconhecimento, em que
culturas hegemônicas tendem a marginalizar aquelas culturas que apresentam
nuances diferentes e, que em muitas vezes em nome de uma pretensa posição
de neutralidade, através de políticas públicas e/ou leis, cuja sua base
corresponda aos anseios de um grupo dominante que, quase sempre, tende a
desconsiderar as identidades, as diferentes visões de “vida boa”, diferentes
comportamentos, diferentes formas de se pensar, ainda assim, não me parece
adequado abjurar de certas políticas de reconhecimento, com contornos mais
universalistas. Nas palavras de Frederico

288
É evidente que se deve respeitar a diversidade
cultural e sua convivência pacífica dentro do Estado
democrático, mas isso pressupõe uma cultura
política comum que deve ser aceita. As diversas
culturas não vivem isoladas, mas em contato e,
acima de todas elas, estão as regras de convivência
sancionada pelo direito. (FREDERICO, 2016, pág.
245).

Neste primeiro momento, portanto, me parece razoável a concepção


apresentada por Frederico, na medida em que o autor pondera sobre a
importância de se reconhecer e respeitar a “diversidade cultural”, em um
Estado democrático, sem que com isso percamos a possibilidade de, por meio
do “consenso sobreposto” ou através da “intersubjetividade”, chegarmos a um
entendimento, uma síntese, acerca de uma “política comum”, de modo a
fundamentar um conjunto de leis que sejam balizadoras de políticas onde: ao
compreender as diferenças, em seus interstícios, possa também atuar de
maneira mais abrangente, buscando-se evitar uma visão segregacionista em
que a sociedade seja “uma multidão atomística de indivíduos juntos”
(FREDERICO, 2016, pág. 250), que não encontram, no seio da sociedade, um
elemento que os unam, os façam pertencentes a uma identidade comum.
Parafraseando Hegel, Frederico sugere que

Não existe um abismo intransponível entre o


universal e o singular e nem uma relação de
exterioridade, já que os singulares são partes
constitutivas do universal e este se encarna nos seres
singulares [...]Desse modo, as particularidades
podem, enfim, se reconhecer, integrando-se
harmonicamente no universal e tornando-se
conscientemente partes dele sem perder, entretanto,
suas qualidades específicas. O universal, para a
dialética, não é uma noite em que todos os gatos são
pardos e nem implica o cancelamento das
qualidades inerentes dos singulares, que,
289
despojados daquelas, seriam integrados à força
numa pretensa indiferenciada unidade. A dissolução
dos diversos na monotonia do Uno é acusação antiga
levantada pelos críticos do hegelianismo. Marx saiu
em defesa de Hegel, afirmando que o primado do
geral sobre os particulares não significava a diluição
destes “under a general principle”245

Sendo assim, não nos parece “ adequada” a concepção de “ações


afirmativas”, que buscam selecionar, a partir da pigmentação da pele, os
“aptos” ou “inaptos” para as políticas de compensação social, como por
exemplo as “cotas raciais” nas universidades públicas brasileiras. Parto do
pressuposto, para essa conclusão, que tais medidas, como a apresentada
acima, reforçam uma ideia de segregação, de divisão da sociedade, através da
“discriminação inversa” (FREDERICO, 2016, pág. 251), o que poderia gerar
“um ressentimento entre aqueles que não são incluídos.”

A mesma coisa aplica-se às cotas na universidade,


uma intervenção a meias que não soluciona a
exclusão social, pois é apenas uma ação localizada,
paliativa, uma forma de se fazer justiça a conta-
gotas, num país em que 53% dos habitantes se
consideram negros e pardos (FREDERICO, 2016,
pág. 251).

Nesse sentido, o autor nos apresenta uma visão polêmica a respeito do


tema proposto, mas que, no entanto, nos parece pertinente. Celso Frederico
chama a nossa atenção sobre um aspecto em que segundo o mesmo

As “ações afirmativas”, com sua ênfase no


particular, muitas vezes se chocam com os interesses
universais. A inclusão social tem como objetivo a
reparação de injustiças. Quando se procuram
implementar políticas públicas reparadoras, surgem
conselhos assim: entre dois candidatos igualmente
290
qualificados que disputam um emprego, um negro e
outro branco, a escolha deve recair sobre o
primeiro. Com esse princípio ético, procura-se fazer
justiça, mesmo quando o candidato branco é tão
pobre, ou mais pobre, do que o negro. Essa justiça
focada no particular, contudo, abre uma cisão no
interior da sociedade, provoca uma reação contrária
e acirra o preconceito. (FREDERICO, 2016, pág.
251).

Deste ponto de vista, concordo com autor quando o mesmo sugere


que as políticas de “Ações Afirmativas” não devam se ater, necessariamente,
nos traços raciais, pois desta maneira poderíamos incorrer no erro de
estimular cisões raciais em nossa sociedade. Devemos portanto, patrocinar
políticas públicas que busquem e promovam uma visão mais integradora da
sociedade em que, os traços raciais não sejam percebidos ou tomados como
relevantes mas, ao contrário, que se busque fomentar e estimular ações que
tenham como finalidade a valorização e a promoção do gênero humano.
Finalizo este trabalho com a fala de Reis que participou do “seminário
sobre multiculturalismo e racismo, realizado em 2 de junho de 1996”,
buscando-se discutir, dentre outras coisas, a introdução das affirmative
actions, no país

[...] qual é a sociedade que almejamos no que se


refere às relações raciais? A resposta, a meu juízo é
clara: queremos uma sociedade em que as
características raciais das pessoas venham a
mostrar-se socialmente irrelevantes, isto é, em que
as oportunidades de todo tipo que se oferecem aos
indivíduos não estejam condicionadas por sua
inclusão neste ou naquele grupo racial. Se
prestamos atenção ao significado original do termo
“discriminação”, usado como algo condenável
quando se trata de raças, vemos que ele se refere
justamente ao fato de que os : queremos uma
291
sociedade que não “discrimine” ou “perceba” as
raças, isto é, que seja no limite, cega para as
características raciais dos seus membros. (REIS,
Fabio Wanderley 1996 apud FREDERICO, 2016,
pág. 248).

REFERÊNCIA
ARAÚJO, C.M, COSTA,S.F, MELO, V.F. 2015. Liberdade individual: a
construção do conceito a partir do estado moderno. Aufklärung. João Pesso,
vol.2 n.2, p.247-268, Oct.

CONSTANT, B. 2016. A liberdade dos antigos comparada com a dos


modernos. 1°. São Paulo: Bookbuilders.

FREDERICO, C. 2016. O multiculturalismo e a dialética do universal e do


particular. Estudos Avançados, São Paulo, vol.30 n. 87, p. 237-254,
May./Aug.

HABERMAS, J. 2000. O discurso filosófico da modernidade: doze lições. 1°.


São Paulo: Martins Fontes.

HONNETH, A. 2003. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos


conflitos sociais. 1°. São Paulo: 34.

RAMOS, C. 2014. Aristóteles e o sentido político da comunidade ante o


liberalismo. Kriterion. Belo Horizonte, vol.55 n.129, p.61-77, Jun.

RAWS, J. 1992. Justiça como eqüidade: uma concepção política, não


metafísica. Lua Nova, São Paulo, n.25, p. 25-59, Apr.

ROCHA, E.L, 2014. A problemática da subjetividade: uma análise sob uma


perspectiva marxiana. Fortaleza. P. 110. Mestrado. Universidade Federal do
Ceará.

TAYLOR, C. 1994. Multiculturalismo.2°. Lisboa: Instituto Piaget.

TAYLOR, C. 2005. Hegel e a sociedade moderna. 1°. São Paulo: Loyola.

292
A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NAS SUPOSTAS VÍTIMAS
VULNERÁVEIS DE ESTUPRO: UM FOCO NO PROCESSO PENAL

Andreia Batista1
René Dentz2
RESUMO

O artigo “A influências de falsas memórias nas supostas vítimas vulneráveis de


estupro: um foco no processo penal” dispõe como tema de pesquisa a
influência das falsas memórias na reprodução de prova testemunhal. Sendo
este um artigo teórico uma vez que procura conhecer e aprofundar
conhecimentos e discussões não se trabalhou com coleta de dados e pesquisas
de campo, se trata de uma pesquisa básica na qual o objetivo científico é gerar
conhecimento útil sem necessariamente propor modulação de uma aplicação
prática. Entretanto, aponta claramente a importância de aplicação de técnicas
multidisciplinares (psicologia e direito), nas coletas de declarações de
supostas vítimas vulneráveis de estupro durante a persecução penal, para
garantir que as falhas de memória ou influências externas sejam capazes de
influenciar ou mitigar a verdade resultando em injusto penal. No presente
artigo foi realizado pesquisas bibliográficas sendo utilizado como base artigos
jurídicos, jurisprudências e outros, como pesquisa qualitativa, visto que a
mesma foi baseada em textos jurídicos pode se dizer que a presente pesquisa é
duplamente classificada em pesquisa bibliográfica e documental pois os
mesmos procuram analisar textos e documentos específicos. Ademais como se
trata de um tema sem legislação específica o presente artigo aplica o método
indutivo, no qual foi baseado em análises de diferentes posições doutrinarias
nos diversos artigos jurídicos pulicados até então.

Palavras-chaves: Falsas memórias; Depoimento da vítima vulnerável;


Presunção de inocência; Direito Processual Penal-provas.

INTRODUÇÃO
Este trabalho pretende demonstrar por meio de uma revisão
bibliográfica ante a instrumentalidade do Processo Penal brasileiro, com sua

1Graduanda em Direito pela FUPAC-Mariana.


2Psicanalista; Pós-Doutor pela Freiburg Universität/Suíça; Professor Titular da FUPAC-
Mariana.
293
instrução probatória e seu aspecto constitucional que deve ser considerado a
influência de falsas memórias na formação do arcabouço probatório
processual capaz de erguer elementos de prova suficientes para permitir o
livre convencimento motivado do julgador.
Para tanto, utilizou-se o livro de direito processual penal de Gustavo
Badaró (2016), atual doutrinador do processo penal Brasileiro, a legislação
penal e processual penal Brasileira dentre outros pesquisadores e
doutrinadores da área, incluindo artigos científicos da área de psicologia.
No desenvolvimento foi abordado a partir de um breve histórico o
surgimento dos estudos sobre a formação da memória, nos quais o foco era
justamente desvendar quais fatores causam sua falha ou esquecimento. Com a
definição sobre o conceito de falsa memória que se ergue contra a busca da
verdade formal buscada durante a persecução penal.
Ao fazer uma análise à luz do Processo Penal brasileiro, a produção
de provas forenses, as garantias do sistema acusatório para a constante
preservação do Estado Democrático de Direito, a sugestão de que a produção
de prova pericial psicológica nos casos de estupro de vulneráveis, crimes
considerados de execução clandestina sem qualquer testemunha, muitas vezes
inclusive sem vestígios, se torna essencial para a elucidação dos fatos e
averiguação da existência ou não de ação ou omissão delituosa.

BREVE HISTÓRICO

O estudo sobre a memória humana ao longo dos séculos tem sido


objetivo de muitos trabalhos científicos na área da psicologia, principalmente
sobre o aspecto das potencialidades da memória humana. Ocorre que os
estudos sobre os erros da memória estiveram com foco nos erros de omissão,
ou seja, nos esquecimentos, não sendo tão estudados os erros de comissão,

294
aqueles ligados à distorção dos fatos ocorridos ou mesmo criação de fatos que
nunca aconteceram.

Se a experiência de esquecimento é familiar à


maioria das pessoas, a assunção de que uma
determinada memória pode ser falsa é um processo
encarado com relutância e aceite apenas perante
evidências irrefutáveis (e.g., fotografias). No
entanto, os primeiros estudos experimentais, tanto
dos erros de omissão como dos de comissão, não
distam entre si em mais do que uma década.
(OLIVEIRA, 2018)

Importante dar destaque que as falsas memórias habitam o


universo dos erros da memória ligados à comissão, ou seja, haverá
identificada como falsa uma memória criada a partir de fatos que não
ocorreram, que eventualmente não foi experienciado ou quando ocorrido
algum fato o mesmo tenha sido totalmente distorcido da realidade.
Os estudos sobre a memória surgiram ao que se tem notícia
em 1885 com Hermann Ebbinghaus que realizou um estudo experimental
sobre a memória formulando o que chamou de curva do esquecimento. Quase
uma década depois o cientista americano Paul Harmon Kirkpatrick (1894)
publicou o primeiro estudo laboratorial sobre as falsas memórias.
(OLIVEIRA, 2018)
Todos esses estudos, bem como os de alguma maneira
decorridos dele tentaram fazer uma compreensão do funcionamento
normativo da memória, entretanto em 1900, Binet, num estudo experimental
que consistia em mostrar um conjunto de objetos a crianças inserindo no
contexto a informação sobre a demonstração de um objeto que de fato não
fora apresentado, demonstrou com isso que a sugestão tinha o condão de

295
distorcer a realidade formando o que se chamou de falsas memórias.
(OLIVEIRA, 2018)
Ao longo dos séculos muitos cientistas continuaram os
estudos sobre as memórias Stern (1910), Barllet (1932), Deese (1959) dentre
outros pesquisadores que buscam esclarecer como a memória humana se
comporta, sua capacidade e limitações e no que importa ao trabalho em
questão a formação de falsas memórias e seu impacto no universo jurídico,
especialmente nos processos penais.

CONCEITO

Alves & Lopes 2007, definem as falsas memórias como “lembranças


de eventos que não ocorreram, de situações não presenciadas, de lugares
jamais vistos, ou então, de lembranças distorcidas de algum evento.”
As falsas memórias apesar de restarem totalmente dissociadas da
verdade não se confundem com a mentira, uma vez que o sujeito que narra o
fato ou experiência mesmo que falsa acredita em seu íntimo ser aquilo
verdade. Quando se trata de uma mentira deliberada a pessoa que narra tem a
consciência de que os fatos por ela ditos não ocorreram.
Importante destacar como as falsas memórias podem ser formadas,
a primeira delas decorrente da interpretação espontânea de um evento pelo
indivíduo a segunda implantada ou sugerida que ocorre quando uma sugestão
externa coerente, propositalmente ou não, é inserida ao conteúdo do fato.
(ALVES E LOPES, 2007).
Na persecução penal a segunda forma, implantada ou sugerida,
exerce grande importância dada a utilidade da prova testemunhal no processo
penal. Ao considerar que pode haver influência de falsas memórias na
reprodução da prova testemunhal, principalmente no caso de supostas vítimas
de estupro, quando presta suas declarações, geralmente nutridas de grande
296
emoção, há que se ressaltar a importância de aplicação de outros meios de
prova para a devida motivação de uma sentença condenatória.

O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA

A Constituição da República de 1988 trouxe em seu texto base,


elencado como direito fundamental no art. 5ºLVII, inciso o seguinte texto:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção


de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
LVII - ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

A doutrina estabelece que o princípio da presunção de inocência,


assegura o indivíduo de que seu estado de inocência somente poderá ser
desconsiderado quando houver prova plena do cometimento do fato
delituoso.
Nas lições de Gustavo Henrique Badaró (2016), sob a ótica técnico-
jurídica, a presunção de inocência deve ser utilizada como regra principal
quando houver dúvida sobre fatos relevantes do processo, principalmente
quanto a ocorrência do próprio fato.
“Para a imposição de uma sentença condenatória é necessário
provar, além de qualquer dúvida razoável, a culpa do acusado. Nesta acepção,
presunção de inocência confunde-se com o in dúbio pro reo” (BADARÓ,
2016).

297
Eventualmente, a ocorrência de falsas memórias em supostas
vítimas de estupro, principalmente no universo infantil, quando se trata do
crime tipificado pela vulnerabilidade, podem levar fatalmente a condenações
de pessoas que nunca cometeram nenhum delito.
Os referidos processos geralmente em sua grande e esmagadora
maioria tramitam à míngua de provas, até pela própria natureza do delito, o
mesmo de fato é praticado sem a presença de terceiros, muitas vezes em
lugares ermos e escondidos, além de eventualmente não deixarem vestígios.
Por esta razão estudar as falsas memórias no universo do processo
penal se tornou algo relevante e necessário para elucidação de casos
permitindo a devida motivação da sentença condenatória, nos moldes do que
determina o art. 93, IX da CR/88 que além de ser uma garantia individual das
partes que compõem o processo ainda se revela uma exigência inerente à
função jurisdicional, trazendo transparência à decisão judicial.

PROCESSO PENAL BRASILEIRO

O processo penal foi desenvolvido sob dois modelos o inquisitório e


o acusatório. Partindo-se dos dois surgiu ainda o que é chamado de sistema
misto. Sob a óptica da abstração esses sistemas na verdade não passam de
modelos ideias, como assevera Gustavo Badaró (2016).
Na definição de Mohamad Houdali (2018):

Em linhas gerais, o Sistema Acusatório caracteriza-


se por destinar os poderes de acusar, defender e
julgar a três órgãos distintos. Já o Sistema
Inquisitório reúne na mesma pessoa as funções
supracitadas, tornando o réu mero objeto da
persecução penal. Por derradeiro, o Sistema Misto
detém características de ambos os sistemas citados
acima, configurando um novo sistema.

298
No processo acusatório existe uma diferença bem traçada quanto as
partes que dele participam, assim, segundo o modelo, em igualdade de
posições acusação e defesa se contrapõe, a figura do julgador permanece
sobreposta aos demais, no intuito de garantir a imparcialidade. No modelo
inquisitório as funções de acusar, defender e julgar se concentram em uma
única pessoa, a figura do juiz acusador ou inquisidor se faz então presente e o
réu ou acusado deixa de ser parte e passa a ser considerado objeto do
processo. Neste último modelo não há contraditório, o papel de se contrapor
acusação e defesa é excluído não se formando a relação jurídica processual.
(BADARÓ, 2016)
O processo penal erguido sobre o modelo inquisitório é
incompatível com o Estado Democrático de Direito, sob o aspecto da
democracia a dignidade da pessoa humana e sua liberdade precisam ter
direitos resguardados em um processo. Assim quando se está diante de uma
nação governada no modelo democrático a preservação do Estado
Democrático de Direito se materializa quando garantido direitos
fundamentais dentre eles o contraditório e a ampla defesa.
Logo, ao analisar o modelo adotado no Brasil Fernando Capez
preceitua:

A Constituição Federal de 1988 vedou ao juiz a


prática de atos típicos de parte, procurando
preservar a sua imparcialidade e necessária
equidistância, prevendo distintamente as figuras do
investigador, acusador e julgador. […]. O sistema
acusatório pressupõe as seguintes garantias
constitucionais: da tutela jurisdicional (art. 5º,
XXXV), do devido processo legal (art. 5º, LIV), da
garantia do acesso à justiça (art. 5º, LXXIV), da
garantia do juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII), do
tratamento paritário das partes (art. 5º, caput e I),
da ampla defesa (art. 5º, LV, LVI e LXII), da
publicidade dos atos processuais e motivação dos
299
atos decisórios (art. 93, IX) e da presunção da
inocência (art. 5º, LVII). É o sistema vigente entre
nós. (CAPEZ, 2011, p. 74 e 82)

Apesar de a Carta Constitucional de 1988, trazer elementos


puramente existentes no sistema acusatório, ainda há uma grande resistência
na interpretação das legislações infraconstitucionais a luz da constituição.
Ao que se pode observar o Código Penal datado de 1940 e o Código
de Processo Penal datado de 1941, todos elaborados dentro de um contexto
político de uma ditadura militar ainda reservam em seus textos fortes
características inquisitoriais. Entretanto, a interpretação dos dispositivos deve
se dar pela recepção da norma pela Constituição de 1988 não havendo
qualquer legitimidade do que com ela não for compatível.
Dessa forma pode se definir que o sistema adotado pelo Brasil é o
sistema acusatório, no qual é garantido dentre outros direitos o juiz natural
imparcial, a ampla defesa, o contraditório e a presunção de inocência.

A BUSCA DA VERDADE NO PROCESSO PENAL

O processo penal em regra se trata de uma imputação de um fato


criminoso, em sua grande maioria realizada pelo Ministério Público ou pelo
querelante por meio de uma denúncia ou queixa. Formando a partir do
recebimento desta última pelo juiz que procede a citação do acusado
formando a tríade processual penal que é disciplinada pela fase investigatória,
recebimento efetivo da denúncia que ocorre após a apresentação da defesa
prévia do acusado por meio de decisão devidamente motivada pelo juiz. Logo
após inicia-se de fato a persecução penal com a produção de provas e
valoração das mesmas segundo a convicção após a livre apreciação pelo
julgador.

300
Segundo Gustavo Badaró (2019) “a prova é apontada como meio
pelo qual o juiz chega à verdade, convencendo-se da ocorrência ou
inocorrência dos fatos juridicamente relevantes para o julgamento do
processo.” Atualmente se sabe que falar sobre verdade absoluta é incoerente
afinal ao analisar fatos a partir de produção de provas sem vivenciá-los é
habitar no subjetivo do julgador. Para tanto o mesmo autor preceitua que:

O juiz tem certeza de um fato quando, de acordo


com as provas produzidas, pode racionalmente
considerar que uma hipótese fática é a preferível
entre as possíveis. Ou seja, em linguagem simples, o
juiz tem certeza quando as provas o fazem acreditar
que o seu conhecimento é verdadeiro.

Diante da impossibilidade de se tratar da verdade absoluta, a


doutrina traz a verdade por correspondência que parte do acúmulo de
elementos de prova que asseguram que um evento é verdadeiro mesmo não
correspondendo a verdade absoluta.

A verdade, portanto, é aprendida e não construída.


Quem apenas reconhece a existência de uma
exatidão processual nega a existência de uma
verdade independentemente do sujeito, perde a
consciência sobre a verdade e a falsidade e, com
isso, também, a diferença que existe entre ambas
(BADARÓ, 2016)

No processo penal há latente diferença entre a verdade real


(aquilo que efetivamente aconteceu) e a verdade formal (aquilo que conseguiu
ser demonstrado no processo), esta última tem que ser suficiente para
convencer o julgador da existência da prática do fato ou do próprio fato.
(BRITO, 2015).

301
A busca pela verdade no processo penal deve ser o meio utilizado
para que a persecução penal seja realizada constitucionalmente preservando
as garantias dos indivíduos sem retirar do Estado seu poder punitivo.
Dessa forma a valoração das provas mediante critérios racionais do
julgador deve lhe fornecer elementos suficientes para embasar e motivar que
determinado fato é verdadeiro.

A PROVA NO PROCESSO PENAL

A prova no direito processual penal é considerada como tudo aquilo


que está apto a levar o conhecimento de alguma coisa a alguém. Contudo no
universo jurídico a terminologia não se limita a esta definição, muito ao
contrário decorre dela diversos significados que serão tratados a seguir.
Dentro do processo penal há o que se chama de atividade probatória
que envolve o chamado meio de prova, instrumento pelo qual se leva ao
processo elementos de prova. Este último é o dado que deverá ser valorado
pelo juiz. Tudo aquilo que pode provar o alegado é considerado como fonte de
prova, em tese as fontes são anteriores ao processo, nascem junto com o fato,
como exemplo alguém que testemunhou um fato é fonte de prova
testemunhal, contudo somente quando ouvida na condição de testemunha o
que ela relatar pode servir como meio de prova (BADARÓ, 2016).
Tais meios de provas devem sem exceção ser produzidas sob o crivo
do contraditório para que as mesmas sejam lícitas e possam ser avaliadas pelo
julgador enquanto elemento de prova e finalmente considerada no que se
chama de resultado probatório podendo isto definir se o acusado de fato foi
autor do delito (BADARÓ, 2016).

VALORAÇÃO DA PROVA

302
Quando se parte de análise histórica de valoração das provas se
encontra três sistemas típicos:

Sistema de prova legal: historicamente a prova era revelada


por Deus, o juiz ficava adstrito a seguir tal resultado. Em sua
evolução decorreu o sistema de prova tarifada, no qual a lei
previamente estabelecia qual o meio de prova estava apto a
provar o fato alegado.

Sistema da íntima convicção: nesse modelo o julgador


sentencia de acordo com seu livre convencimento pessoal,
entretanto, não é necessário motivá-lo ou justificá-lo.
Podendo para tanto se utilizar inclusive de provas, fatos ou
questões que não estão inseridas no processo. Atualmente no
Brasil existe o livre convencimento pela íntima convicção
quando se fala da decisão dos jurados do Tribunal do Júri.

Sistema da persuasão racional ou do livre convencimento:


nesse modelo o juiz é livre para decidir, contudo, deverá
editar sua decisão levando em consideração somente as
provas presentes no processo, valorando-as de forma lógica e
racional motivando sua decisão, conforme determina o art.
93, IX da CR/88. Este modelo aplicado no Brasil sob a
denominação do sistema do livre convencimento
motivado. (BADARÓ, 2016)

No Direito Penal Brasileiro, considera-se que não há hierarquia


entre as provas, portanto, qualquer uma bem como todas elas podem ser
usadas para fundamentar e motivar uma sentença condenatória ou
absolutória.
303
Dessa forma não há determinado no Processo Penal diferença na
valoração das provas, todos os elementos deverão ser analisados sob o crivo
do livre convencimento motivado do juiz que atribuíra o valor de cada um,
produzido ao longo do processo.
O trabalho desenvolvido traz a necessidade de inserir a perícia
técnica psicológica dentro do Processo Penal, como maneira de garantir às
partes dados técnicos que possam fundamentar e motivar qualquer decisão

PROVA TESTEMUNHAL X DECLARAÇÕES DO OFENDIDO X


PROVA TECNICA

A prova testemunhal amplamente utilizada no Processo Penal é


aquela em que a pessoa que não é parte nem mesmo pessoa interessada no
resultado prático do processo vai testemunhar um fato que presenciou por
meio de seu depoimento.
Esse tipo de prova deve ser produzido perante o juiz, em
contraditório, é o que se chama de judicialidade da prova. Outra característica
que deve estar ligada a prova testemunhal é a oralidade, conforme art. 2014
do CPP, excetuando-se os casos em que se está diante de pessoas com
restrições físicas, tais como os surdos e mudos que podem contar com a
escrita para prestar depoimentos (art. 192 e 223 do CPP, BADARÓ, 2016).
Há também a característica da objetividade, pela qual a testemunha
compromissada com a verdade (art. 203 do CP) deve “depor sobre os fatos
percebidos pelos seus sentidos, sem emitir juízos de valor ou opinião pessoal.”
Por fim, a retrospectividade, que está ligado a narrar um fato pretérito,
reproduzindo apenas o que testemunhou de fato não devendo fazer
prognósticos de situações. (BADARÓ, 2016)
As declarações do ofendido deverão são colhidas pelo juiz sempre
que possível, conforme determinação do art. 201do CPP. Em suas declarações
304
o ofendido não tem compromisso com a verdade e em caso de se afastar da
verdade real não comete crime de falso testemunho (art. 342 CP). Por isso a
valoração desse tipo de prova deve ser feita com muita cautela pelo julgador,
uma vez que o ofendido muitas vezes está munido de fortes emoções quando
do momento de prestar suas declarações, se devem associar tais declarações a
outros elementos de prova, ainda que circunstanciais.
Tais declarações quando adstritas ao tema do presente estudo são
consideradas muitas vezes o único meio de prova e são utilizadas
incontavelmente como elemento de prova para condenação, o crime de
estupro tem a característica de ser um delito realizado na clandestinidade, ou
seja, longe de qualquer testemunha ou câmeras.
Em alguns casos ainda sem deixar qualquer vestígio quando se trata
do verbo tipo penal analisado, qual seja, o estupro de vulnerável que abarca
ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14
(catorze) anos. Quando se analisa o elemento do tipo “conjunção carnal”,
fatalmente deixará vestígio, entretanto se o mesmo não for colhido em tempo
hábil pode ser perdido. Entretanto quando da análise do elemento “outro ato
libidinoso”, poderá se estar diante de ato que não deixa qualquer vestígio
afastando a possibilidade de perícia e exame de corpo de delito.
A prova pericial, incluindo-se o exame de corpo de delito são
regulados pelo Código de Processo Penal Brasileiro, Decreto-Lei nº
3.689/1941, no art. 158 nos seguintes termos: “Quando a infração deixar
vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto,
não podendo supri-lo a confissão do acusado.” Sob pena de nulidade absoluta
por falta do exame, conforme art. 564, III, b do CPP.
O perito técnico é a figura que irá analisar os fatos de maneira
objetiva com base científica, analisando imparcialmente os elementos
materiais deixados pelo delito. Apesar da prova pericial não ter o condão de

305
vincular a decisão do juiz (art. 182 do CPP), muitas vezes é o principal
elemento de motivação da condenação, quando não utilizada ou quando o
instituto decisório se contrapõe ao laudo pericial o juiz deve de forma racional
indicar o motivo pelo qual discorda com a perícia ou não a considera atendível
(BADARÓ, 2016).
Todavia, ao trazer a discussão novamente ao objeto de estudo e
considerar a aplicabilidade deste dispositivo legal dentro dos limites da
matéria não se pode perder o foco de que crimes de natureza sexual nem
sempre deixam vestígios ou quando presentes não são colhidos para serem
periciados em tempo hábil, impossibilitando muitas vezes a produção desse
tipo de prova.
Assim no universo clandestino do crime de estupro de vulnerável
destaca-se o texto da autora Caroline Navas Viana, 2018:

Ocorre, também, que nem sempre os crimes contra


dignidade sexual deixam vestígios, ou, mesmo que
deixem, nem sempre são constatados ou coletados.
Problema este agravado quando se percebe que o
estupro, assim como os outros delitos sexuais, com
frequência, é praticado às escuras, geralmente, em
locais desabitados ou de difícil acesso, sem a
presença de outras testemunhas a não ser a vítima e
o real autor. Por esse motivo os crimes contra a
dignidade sexual também são chamados de crimes
clandestinos, visto que são praticados às escondidas,
ao não alcance de testemunhas, com cuidados
oportunos à consumação, para não serem
desvendados e não deixarem vestígios. Nessas
condições, a palavra da vítima constitui a única
fonte que corrobora a acusação do ato, ocorrendo
um nítido confronto entre seu discurso, ao se dizer
violentada, e o do condenado, que se diz inocente,
sem haver consenso para o que realmente
aconteceu.

306
Dessa forma, resta ao julgador fazer a análise das declarações de
maneira critica. Entretanto, não somente isso pode colaborar com a
aproximação do relato com a verdade, um exemplo de medida que pode
diminuir o aparecimento de falsas memórias é tentar suavizar o efeito do
tempo (esquecimento). Outras formas também podem contribuir na redução
de danos, como ensina Aury Lopes Junior e Cristina Carla Di Gesu, 2008:

As contaminações a que estão sujeitas a prova penal


podem ser minimizadas através da colheita da prova
em um prazo razoável, objetivando-se suavizar a
influência do tempo (esquecimento) na memória. A
adoção de técnicas de interrogatório e a entrevista
cognitiva permitem a obtenção de informações
quantitativa e qualitativamente superiores às das
entrevistas tradicionais, altamente sugestivas. O
objetivo aqui é evitar a restrição das perguntas ou
sua formulação de maneira tendenciosa por parte do
entrevistador, sugerindo o caminho mais adequado
para a resposta. De outra banda, a gravação das
entrevistas realizadas na fase pré-processual,
principalmente as realizadas por assistentes sociais
e psicólogos, permite ao juiz o acesso a um completo
registro eletrônico da entrevista. Isso possibilita ao
julgador o conhecimento do modo como os
questionamentos foram formulados, bem como os
estímulos produzidos nos entrevistados. Assumem
especial importância não como indício de prova
propriamente dito, mas para que o julgador avalie
como foi realizado o procedimento e que métodos
foram utilizados, a fim de verificar ou não os graus
de contaminação.

Dessa forma, mitigando os danos na memória e objetivando a


extração de elementos da declaração que asseguram o julgador de que o delito
de fato ocorreu e que não é fruto de uma falsa memória, muitas vezes

307
introduzidas por terceiros com interesse no resultado processual, estará o
texto condenatório seguro para sentenciar alguém.
O presente estudo sugere a inserção de perícia técnica especializada
nos casos em que a infração não deixa vestígios, cujo contexto clandestino e
nutrido de forte emoção pode provocar o aparecimento de falsas memórias
para evitar condenações injustas passíveis de revisão criminais.

PERICIA TÉCNICA PSICOLÓGICA

A perícia psicológica é realizada por profissional técnico, com


formação teórica em psicologia, que além de possuir conhecimento na área
deve estar em consonância com a terminologia jurídica bem como de posse
das informações trazidas pelas legislações vigentes. Esse ponto é o grande elo
entre as matérias ligadas à saúde mental e o direito, que justifica a
importância desse estudo.

A perícia psicológica abrange a entrevista, a seleção,


a aplicação e o levantamento de testes e de fatos da
vida referentes ao passado e ao presente do sujeito e
do episódio ocorrido, de acordo com as
necessidades e questões levantadas em cada
processo. Exige do psicólogo, portanto, a
capacidade de integrar as informações obtidas a
partir de diferentes fontes em um relatório coerente
e consistente. Convém ressaltar que os instrumentos
empregados pelo psicólogo devem obedecer à
determinação do órgão máximo profissional, o
Conselho Federal de Psicologia (SCHAEFER,
2012).

Atualmente é um desafio a identificação clara de casos de


abusos sexuais infantis num contexto em que não vestígios para ser periciado,
entretanto, diante da ausência de vestígios matérias e da necessidade de

308
esclarecimento dos fatos para evitar um injusto penal a perícia psicológica tem
se tornado um forte instrumento para esclarecimento dos fatos.
Soma-se a falta de vestígios muitas vezes a própria condição
da vítima vulnerável, algumas tão pequenas que ainda possuem limitação na
fala, na compreensão de certo ou errado, principalmente quando se trata de
abuso no universo intra-familiar que a figura do abusador se confunde com a
do protetor.

É necessário que se atente para o maior número


possível de elementos disponíveis, como a coleta do
relato da situação vivenciada, a análise das
repercussões físicas e psicológicas, entrevistas com
os responsáveis, registros escolares, entre outros, a
fim de que se obtenham conclusões confiáveis com
relação às situações relatadas (Welter & Feix, 2010).
Também é importante considerar se a situação
descrita é condizente com experiências narradas por
outras vítimas, se o afeto é correspondente ao
conteúdo da verbalização, se o estilo de exposição se
modifica quando o assunto específico da situação
abusiva é introduzido e se há evidências de
treinamento, indução, sugestão ou alguma
motivação para aquela denúncia (SCHAEFER,
2012).

Apesar de tudo já praticado e desenvolvido em sede de perícia


técnica psicológica no campo do direito penal, não há até o momento não há
qualquer instrumento ou protocolo específico para direcionar a constatação
de violência sexual. Entretanto, vários estudos tem demonstrado o processo
de falsas memórias no relato de supostas vítimas de crimes, ao realizar uma
pergunta de maneira tendenciosa o relato pode ser completamente
influenciado, conduzindo a declarações que não condizem com a verdade
resultando em depoimentos ou declarações falsas.
Quando se trata de menores incapazes, vulneráveis os
cuidados com a tomada de declarações e depoimentos devem ser redobrados
309
haja vista a natureza influenciável da personalidade ainda em formação. Para
minimizar o impacto nos depoimentos em juízo de crianças e vítimas de abuso
sexual o Conselho Federal de Psicologia (2010), estabeleceu que essas escutas
devam ser realizadas em ambiente mais adequado, humanizado e acolhedor
(CFP, 2010).
Nota-se com todo o exposto que o depoimento ou declarações
de crianças ou vulneráveis quando tomados a título de prova no processo
penal não se equivale à perícia técnica psicológica, diante da não equivalência
dos procedimentos incluindo-se o momento em que cada um é produzido a
perícia se torna ferramenta de destaque para complementar e auxiliar o
esclarecimento de um caso jurídico (SCHAEFER, 2012).

ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

Ao fazer uma busca em vários Tribunais pelo Brasil pode se notar


que o tema estudado é pouco difundido entre os julgadores, restou presente
a questão das falsas memórias em casos de estupro nos Tribunais localizados
na região Sul do País, com viés mais voltado ao garantismo no presente item
se faz um pequeno copilado das decisões para ilustrar a forma como o tema
trabalhado neste artigo pode ser aplicado na prática Penal.

APELAÇÃO CRIME. RECURSO DA DEFESA.


CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL,
AGRAVADO PELA PREVALÊNCIA DE
RELAÇÕES DOMÉSTICAS. RÉU QUE ERA EX-
NAMORADO DA MÃE DA OFENDIDA. PEDIDO
DE ABSOLVIÇÃO QUE VAI PROVIDO, POR NÃO
DEMONSTRADA A OCORRÊNCIA DO FATO.
ESTUPRO IMPUTADO DESCOBERTO NO
CURSO DE INVESTIGAÇÃO DE OUTROS
ABUSOS, ESTES POR PADRINHO DA
OFENDIDA. DESCRIÇÃO DO FATO QUE MUITO
SE CONFUNDE COM OS FATOS IMPUTADOS
310
AO PADRINHO. INDÍCIOS DE FALSAS
MEMÓRIAS POR PARTE DA MENINA. DÚBIO O
MOMENTO DE REVELAÇÃO DO ABUSO A MÃE,
QUEM TEVE CURTO RELACIONAMENTO COM
O ACUSADO, JÁ SEPARADOS AO TEMPO DO
FATO. INSUPERÁVEL A DÚVIDA, QUE
SOMENTE PODE BENEFICIAR AO RÉU, COM
BASE NO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO.
DENÚNCIA, QUE INDICA ENDEREÇO
INEXISTENTE, BEM COMO DATA DO FATO
IMPUTADO IMPRATICÁVEL, POSTO SER A
MESMA DO REGISTRO DA NOTITIA CRIMINIS,
O QUAL SOMENTE ACONTECEU DIAS DEPOIS
DO SUPOSTO FATO. SENTENÇA QUE VAI
REFORMADA PARA ABSOLVER O RÉU. Recurso
provido. (Apelação Crime Nº 70076331842,
Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do
RS, Relator: João Batista Marques Tovo, Julgado
em 11/07/2018).
(TJ-RS - ACR: 70076331842 RS, Relator: João
Batista Marques Tovo, Data de Julgamento:
11/07/2018, Quinta Câmara Criminal, Data de
Publicação: Diário da Justiça do dia 16/07/2018)

No caso descrito, em sede de apelação criminal, que resultou em


reforma de sentença condenatória, houve a constatação de que a menor,
vulnerável, foi de fato vítima de estupro.
Entretanto, restou apurado após análise pelos julgadores de
inconsistências nos depoimentos prestados durante a persecução penal que
a vítima não fora abusada pelo acusado, mas sim por outra pessoa, que
inclusive possuía a condição de padrinho da vítima, e com isso tinha o dever
de cuidar. Fato que já leva a uma compreensão limitada de certo e erado por
uma criança que sofre abuso.
Esta compreensão limitada pela própria vulnerabilidade e a
inserção externa de fatos não ocorridos por parte da genitora da criança,

311
uma vez que a mesma não conformada com o fim de seu relacionamento,
imputava ao acusado a prática do delito, provocando o aparecimento de
falsas memórias. Levou a condenação de uma pessoa que posteriormente foi
considerada inocente pelo Tribunal Justiça .
Ou seja, a presença de perícia técnica especializada realizada em
local e momentos adequados podem identificar de maneira precoce o
aparecimento de falsas memórias, permitindo assim um processo penal
claro com o devido contraditório e garantindo-se a ampla defesa sem,
contudo, causar condenações indevidas.

APELAÇÃO CRIME. ATENTADO VIOLENTO AO


PUDOR. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. LAPSO
TEMPORAL ENTRE OS FATOS E A DENÚNCIA.
POSSIBILIDADE DE FALSAS MEMÓRIAS.
ABSOLVIÇÃO. EM QUE PESE EXISTA
DEMONSTRAÇÃO DE UM QUADRO CRÔNICO
DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO CASO DOS
AUTOS, ENVOLVENDO A OFENDIDA E OS
DEMAIS FAMILIARES, A QUESTÃO ATINENTE
AO DELITO DE ATENTADO VIOLENTO AO
PUDOR NÃO RESTOU DEMONSTRADA COM A
CERTEZA NECESSÁRIA PARA A PROLAÇÃO DE
UMA CONDENAÇÃO. QUADRO DE VIOLÊNCIA
FÍSICA E PSICOLÓGICA QUE PODEM TER
GERADO FALSAS MEMÓRIAS,
ESPECIALMENTE DIANTE DO LAPSO
TEMPORAL DE 10 ANOS ENTRE O FATO E A
DENÚNCIA. RECURSO DESPROVIDO.(apelação
criminal, nº 70082112541, sétima câmara
criminal, tribunal de justiça do rs, relator: viviane
de faria miranda, julgado em: 17-10-2019)
(TJ-RS - APR: 70082112541 RS, Relator: Viviane
de Faria Miranda, Data de Julgamento:
17/10/2019, Sétima Câmara Criminal, Data de
Publicação: 25/10/2019)

312
No caso desta apelação, a absolvição em sede de apelação criminal
fora concedida com base na ausência de provas de que a suposta vítima
tenha sofrido atentado violento ao pudor, tido assim à época dos fatos,
entretanto o processo no próprio corpo da ementa fez com que sua instrução
probatória fosse insuficiente, gerando dúvida sobre o acontecimento ou não
do fato. Diante da dúvida imperioso se faz a aplicação do in dubio pro reo,
acarretando a absolvição do acusado.
O Juiz de direito do TJSC, professor da UFSC, Alexandre Morais da
Rosa, em seu blog, publicou o que seria uma de suas sentenças, que apesar
de não estar ligada ao delito aqui estudado, estupro de vulnerável, em muito
se acrescenta sobre as lições que ele deixa sobre as falsas memórias. Para
elucidar o texto do autor, se destaca os seguintes trechos:
• Da situação fática:
No dia 14 de novembro de 2008, por volta das 17h10,
no Estacionamento do Shoping Americanas, situado
na Rua Leite Ribeiro, s/n, Bairro Anita Garibaldi,
nesta cidade, o denunciado abordou a vítima V.Q.F.
quando entrava em seu carro e, mediante grave
ameaça exercida com emprego de uma arma de fogo,
subtraiu R$ 1.500,00 e diversos documentos os quais
estavam em uma pasta.
• Da Fundamentação:

A decisão no processo penal não é ato de


conhecimento, mas sim de compreensão, em que os
sujeitos incidentes, no evento semântico denominado
sentença, realizam uma fusão de horizontes, para usar
a gramática de Gadamer. Neste contexto, diante da
apresentação de uma hipótese fático-descritiva pela
acusação, procede-se a um debate em contraditório,
entre partes, nos quais os ônus são compartilhados.
[...]. As únicas garantias existentes são: a) um
processo como procedimento em contraditório; b)
processo acusatório, entre partes, sem atividade
probatória do juiz, com as garantias constitucionais
313
(presunção de inocência, etc.; c) decisão
fundamentada por parte dos órgãos julgadores. A
legitimidade desta decisão decorre, também e
fundamentalmente, da sua concordância com a
Constituição (MORAIS DA ROSA, Alexandre.
Decisão Penal: a bricolage de significantes. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2006). [...] 4. A materialidade
restou comprovada pelo boletim de ocorrência de fl.
03, bem como diante do material constante no CD em
anexo, com a gravação das câmeras de segurança do
Shopping Center Americanas, o qual demonstra
claramente o momento do crime, bem assim as suas
circunstâncias. 5. Contudo, a questão dos autos gira
toda em torno da autoria, imputada ao ora acusado
diante do reconhecimento da vítima. O primeiro
reconhecimento foi realizado na Delegacia de Polícia,
após a informação, por policiais militares, do provável
suspeito, informação esta oriunda de fonte
desconhecida, eis que não consta em local algum dos
autos. Seria muito simples diante do reconhecimento
havido, inclusive judicial, acolher a pretensão.
Entretanto, presidi a instrução e demorei para firmar
o convencimento desde o seu final, especialmente
vendo e revendo o DVD da ação, no qual não se
consegue ver, com nitidez, as feições do acusado, nem
mesmo sua cor de pele, enfim, o DVD deixa
evidenciado que a conduta ocorreu, sem propiciar
elementos de autoria. Com o acusado não foi
encontrada a res furtiva, nem mesmo houve prisão em
flagrante. [...].

Nota-se que no início do seu julgado o Juiz sentenciante observa


questões processuais essenciais para a produção de provas e instrução do
processo, concluindo que diante de sua própria e livre convicção as imagens
lhe traziam a certeza de que o fato ocorrera, contudo, não lhe deixou pelas
imagens que o réu ali apontado como autor do fato era aquele homem que
aparecia nas imagens, sobrando-lhe, portanto, somente a testemunha da
vítima para sua análise.

314
Desta feita, em sendo o reconhecimento a única prova
produzida pela acusação, nele devem centrar-se as
discussões. 6. Assim é que os fatos se deram em
14.11.08 e após chamar a polícia, a vítima procedeu
ao reconhecimento de dois agentes de maneira
negativa. Neste momento, pelo que disse em seu
depoimento judicial (o único válido): "Reconheceu o
agente apenas por foto (f. 07) ...[...]. Disse que
"Demorou para fazer o registro quatro dias por ser
uma pessoa pública, possui filho e ficou com medo de
alguma represália." Somente foi à Delegacia de
Polícia, onde fez a recordação da foto anteriormente
mostrada. Pelo que disse, ficou de posse da foto
durante quatro dias e, ao que parece, somente fez o
registro depois de descobrir que o acusado tinha
antecedentes. Isto que parece ser um mero detalhe
reitera muitas vezes o que se passa no processo penal
brasileiro de maneira absolutamente ilegal, a saber,
em caso de dúvida, consulta-se a ficha de
antecedentes.... Se há, condena-se. [...] 7. A influência
de um reconhecimento e da palavra da vítima no
campo do processo penal brasileiro precisa de
atualização. Não se pode mais, ingenuamente,
acreditar no que a boca diz alienadamente, porque em
diversos países já se percebeu que a memória de
testemunhos/vítimas oculares pode ser falível!

Neste ponto o julgador já contrapõe a legitimidade da palavra da


vítima com relação a situação sofrida e o tempo que se passou entre o fato e a
efetiva denuncia e como isso pode influenciar a memória. Passa, portanto, a
analisar o reconhecimento do possível autor do fato pela vítima a luz do
funcionamento da memória enquanto tema cientifico de estudos.
A psicologia do testemunho dispensa um longo
percurso teórico para tanto, demonstrando que o
senso comum teórico parte de uma noção equivocada
da memória como um arquivo, sem possibilidade de
equívocos. Ubaldo Nicola (Parece mas não é. Trad.
Maria Margherita De Luca. São Paulo: Globo, 2007,
p. 46) aponta: "A metáfora da memória como arquivo
tem duas consequências inaceitáveis. A primeira é a
315
passividade da memória no que diz respeito à
recordação. No armazém mnemônico, deveriam ser
metodicamente conservadas todas ou quase todas as
recordações, sem diferenciação quanto à sua
qualidade. Mas a memória não é absolutamente
neutra: ela escolhe, seleciona, modifica. Assim como
para a percepção, também para a memória vale a
constatação fundamental de que percebemos apenas
os resultados, e não o trabalho realizado pela mente
para alcança-los. [...]. " E arremata: "Poderia parecer
que aquilo que normalmente consideramos mera
reprodução seja, em medida muito maior do que
geralmente se admite, uma verdadeira construção,
criada para justificar a impressão deixada pelo
original. É exatamente essa impressão, raramente
definida muito precisamente, o que mais facilmente
persiste, e, enquanto os detalhes foram tais que
possam ser construídos em torno dela de modo
racional, a maior parte de nós fica bastante satisfeita e
tende a pensar que recordou literalmente aquilo que
na verdade reconstruiu. [...]

Assim, diante de todas as circunstancias que permeavam o caso,


principalmente as incoerências das declarações da vítima, o douto julgador,
ao finalizar sua sentença demonstra que quando se há elementos que trazem
dúvidas relevantes o princípio da presunção de inocência deve ser preservado
em sua essência.
No campo jurídico, mais especialmente no processo
penal, sabe-se da falibilidade da prova testemunhal.
[...]. Instalada a dúvida, mais uma vez cabe apontar
que quanto às imagens gravadas, constantes no CD
em anexo, estas impossibilitam o reconhecimento do
acusado, devido à baixa qualidade da gravação. Não
há sequer como afirmar que as características são
semelhantes. [...] E ainda: "No processo criminal,
máxime para condenar, tudo deve ser claro como a
luz, certo como a evidência, positivo como qualquer
expressão algébrica. Condenação exige certeza
absoluta, fundada em dados objetivos indiscutíveis,
de caráter geral, que evidenciem o delito e a autoria,
316
não bastando a alta probabilidade desta ou daquele. E
não pode, portando, ser a certeza subjetiva, formada
na consciência do julgador, sob pena de se
transformar o princípio do livre convencimento em
arbítrio' (RT 619/267).' (TJSC, Ap. Crim. n.
2003.022793-8, Des. Sérgio Paladino, j. 11.11.03).

Dessa forma terminou por absolver o réu do referido caso, baseado na


influência das falsas memórias que pode e se espera que ocorra nas vítimas de
crimes, não por intenção da vítima, mas sim com base no funcionamento
ainda desconhecido e amplamente estudado da memória.
Tal situação de ausência de provas pode ser afastada se há a
realização da perícia psicológica com a adequada abordagem do por
profissional habilitado. Assim, tanto nos casos que necessitam ter maiores
esclarecimentos como nos casos em que há poucos elementos de prova para
embasar uma condenação a realização da perícia é uma saída palpável para
determinar o resultado prático do processo.
O aparecimento de falsas memórias é um fato inquestionável para
quem estuda áreas da saúde mental, inclusive ao longo dos séculos a
memória tem sido objeto de muitos estudos científicos. Contudo, trazer esta
matéria ao centro de discussão do direito processual penal, intervindo
firmemente no resultado prático do processo ainda é um desafio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente no cenário Processual Penal Brasileiro as condenações


dos crimes sexuais se fundam principalmente nas declarações da vítima,
contudo, há muitos casos em que não existem qualquer acervo probatório
diverso, limitando-se a análise dos fatos a um único depoimento.
Entretanto, essa situação pode levar a condenações de pessoas
inocentes, contudo, a utilização multidisciplinar de técnica psicológicas
317
devidamente aplicadas por profissionais preparados para tanto podem muitas
vezes colaborar para elucidação de casos afastando injustos penais e
garantindo direitos constitucionais tais como a ampla defesa e o contraditório.
As falsas memórias exercem influência direta sobre a prova
testemunhal e as declarações das supostas vítimas. Ainda mais quando se trata
de vítimas na condição de vulnerabilidade, que muitas vezes são crianças que
não possuem formação psíquica e de personalidade completas, não sabendo
muitas vezes distinguir o certo do errado. Vítimas vulneráveis inclusive
quanto à influência externa, que quando presente é capaz de fazer incutir
falsas memórias sobre fatos nunca ocorridos. Ainda há a questão de que em
inúmeros casos de abuso sexual infantil, pela natureza clandestina desses
crimes, os mesmos ocorrem no seio da família ou amigos íntimos, trazendo
ainda mais confusão sobre tal conduta à vítima que na condição de vulnerável
muitas vezes confunde a lesão ao seu bem jurídico com o dever de cuidar de
seu agressor.
Logo restou demonstrado que métodos psicológicos são muito
relevantes na tomada de informações. Com técnicas de arguição que não
influenciam e ambiente próprio e humanizado a perícia psicológica tem muito
mais possibilidade de chegar a verdade tão almejada no processo penal.
Dessa forma, a inclusão da perícia psicológica judicial, com pessoal
técnica e juridicamente treinado com formação teórico-prática em psicologia
deve ser uma ferramenta essencial à instrução dos processos penais que
tratam de denúncias contra supostos estupro de vulneráveis, haja vista a
situação limitante da vítima se dizer com exatidão o que lhe acontecera bem
como de conhecer sua própria personalidade dentro do universo jurídico que
enfrenta num processo penal sem qualquer garantia de que questões externas
podem influenciar a sua consciência sobre o que de fato aconteceu.

318
Incluir dentre as provas do Processo Penal a perícia psicológica
judicial, além de tratar a vítima com o devido cuidado e dignidade ainda
preserva o caráter constitucional do processo validando declarações e
depoimentos por meio de instituto técnico elaborado pontualmente para o
caso, observado a ampla defesa e o contraditório, podendo inclusive eliminar
qualquer tipo de dúvida para a condenação.
Assim ao considerar que a introdução de uma ferramenta
multidisciplinar na persecução penal pode trazer inúmeros benefícios
procedimentais, bem como garantir a aplicação dos direitos constitucionais de
ampla defesa e contraditório, contribuir com a diminuição da dúvida e afastar
injustos penais, a proposta deve ser olhada com mais apreço e se possível
utilizada nos casos em que são relevantes.

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VIANA, Caroline Navas. A falibilidade da memória nos relatos testemunhais


as implicações das falsas memórias no contexto dos crimes contra a dignidade
sexual. Rev. Bras. Polít. Públicas, Brasília, v. 8, nº 2, 2018 p.1035-1056.

321
A PSICANÁLISE COMO ELEMENTO PARA DECISÕES JUDICIAIS: A
SUBJETIVIDADE DO MAGISTRADO

Ronan Carlos de Freitas1


René Dentz2

RESUMO

O presente artigo versa sobre a subjetividade do magistrado e a influência da


mesma nas decisões judiciais. O desenvolvimento tem como finalidade
analisar a importância da psicanálise para as decisões judicias, através de um
viés subjetivo do próprio magistrado. Para tanto, como objetivo geral, mister
analisar amplamente a visão do julgador, frente ao contexto social, que,
sobremaneira exerce forte influência nos julgamentos, considerando que o
direito acompanha a evolução social e por conseguinte, sempre deve buscar a
pacificação, e a consagração do objetivo máximo que é aplicar a lei com vistas
as relações em sociedade, porque lhe são apresentadas inúmeras demandas
dotadas de características “sui generis”.

Palavras-chave: Psicanálise, subjetividade, decisões judiciais.

INTRODUÇÃO

O presente artigo visa a reflexão sobre o tema a psicanálise como


elemento para as decisões judiciais e a subjetividade do magistrado, que tem
como escopo analisar de forma aprofundada as várias nuances sobre as
questões sub judice, possibilitando adentrar na psique do magistrado, com o
fito de entender como evolui o raciocínio técnico e humano do aplicador da
lei, posto que o sentimento humano, não consegue se desvencilhar visto que é

1 Graduando do 10º período do Curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio


Carlos de Mariana.
2 Doutor em Filosofia e Teologia e Pós-Doutor em Educação e Teologia, Professor
Universitário, Psicanalista e Filósofo. Membro-Convidado da Society for Ricoeur Studies
(EUA) e do International Institute for Hermeneutics (Alemanha)
322
intrínseco, de todo o ser, laborar para a consagração da justiça, dar a cada um
o que é o devido.
Deste modo, busca-se tratar a influência da subjetividade e da
psicanálise no efetivo exercício do direito, no que tange as decisões do
magistrado, bem como vislumbrar o raciocínio das partes envolvidas, suas
emoções, suas experiências e cultura.
Para melhor elucidação do tema, importante destacar os
conhecimentos e conceitos de consagrados estudiosos do direito,
doutrinadores e psicanalistas, tais como Miguel Reale, Pedro Lenza e
Sigmund Freud, além de analisar normas contidas na Constituição Federal
Brasileira de 1988 e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem
como Julgados do Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de
Justiça (STJ).
Desta feita, imperioso concluir que a visão do ordenamento
jurídico e das relações sociais, devem se abraçar, andar juntas, para se
alcançar, o fim maior das decisões judicias que é a pacificação social. Daí se
destaca a importância e atualidade do tema.

A PSICANÁLISE NO ÂMBITO JURÍDICO

O Direito brasileiro encontra-se baseado em normas e princípios,


que norteiam a Sociedade, a fim de propiciar disciplinarização social. Nesse
sentido, no que tange ao direito positivo, em conformidade com Caio Mário:

Direito positivo é o conjunto de princípios e regras


que regem a vida social de determinado povo em
determinada época. Diretamente ligado ao conceito
de vigência, o direito positivo, em vigor para um
323
povo determinado, abrange toda a disciplina da
conduta humana. (PEREIRA, 1987, p.30)

Dessa forma, tem-se que, a conduta social é disciplinada por meio


de legislação, tutelando direitos e imputando obrigações, tal como concerne o
Princípio da Legalidade, contido na Constituição Federal, em seu artigo 5º
inciso II, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei” (BRASIL, Constituição Federal, 1988). Interpreta-se
com o dispositivo citado que, as condutas dos indivíduos estão vinculadas às
normas do Ordenamento Jurídico, que por sua vez, limita, permite ou proíbe
determinadas ações sociais, inerentes à conduta humana. Sobre o referido
princípio, nas palavras de Luciana Freitas Pereira:

Podemos dizer que o princípio da legalidade é uma


verdadeira garantia constitucional. Através deste
princípio, procura-se proteger os indivíduos contra
os arbítrios cometidos pelo Estado e até mesmo
contra os arbítrios cometidos por outros
particulares. Assim, os indivíduos têm ampla
liberdade para fazerem o que quiserem desde que
não seja um ato, um comportamento ou uma
atividade proibida por lei. (PEREIRA, 2012, p.1).

Ante a citação exposta, no âmbito das relações sociais, é-se


permitido fazer tudo aquilo que não seja proibido por lei, dessa forma,
fazendo jus à outro princípio, qual seja o princípio da autonomia da vontade,
onde a vontade das partes, é o centro da relação jurídica, nas palavras de
Eurico Pina Cabral, a autonomia da vontade é “fenômeno interior e
psicológico gerador da ação finalística contida no âmbito da autonomia
privada, capaz produzir efeitos jurídicos particulares nos limites estabelecidos
pelo ordenamento jurídico” (CABRAL,2004).

324
Ainda sobre o referido princípio, afirmam Cristiano Chaves e
Nelson Rosenvald:

A autonomia da vontade é centrada em três


princípios: a) liberdade contratual, como livre
estipulação do conteúdo do contrato, sendo
suficiente à sua perfectibilidade a inexistência dos
vícios subjetivos do consentimento; b)
intangibilidade do pactuado – o ‘pacta sunt
servanda’ exprime a ideia de obrigatoriedade dos
efeitos contratuais pelo fato de o contrato ser justo
pela mera razão de emanar do consenso entre
pessoas livres; c) relatividade contratual, pactuada
pela noção de vinculatvidade do pacto, restrita às
partes, sem afetar terceiros, cuja vontade e um
elemento estranho à formação do negócio jurídico.
(FARIAS, ROSENVALD, 2012, p.142)

O Ordenamento Jurídico brasileiro tem como base além de


princípios como s supracitados, o auxiliado por meio de outras ciências, sejam
sociais, econômicas, humanas e com o surgimento da Psicanálise, Sigmund
Freud trouxe uma perspectiva importe para os estudos comportamentais do
ser, que por sua vez, tem relevante aplicabilidade no Direito.
Sigmund Freud (FREUD,1913, p.1), conhecido como pai da
psicanálise, foi um médico neurologista e psiquiatra, que propôs um método
para uma compreensão analítica do homem, enquanto sujeito de inconsciente.
A psicanálise desenvolvida por Freud originou-se através da medicina, sendo
uma ciência, com métodos de investigação da psique humana, também é
responsável por influenciar diversas correntes de pensamento , além de áreas
voltadas às ciências humanas, originando um novo entendimento acerca do
comportamento humano, sua conduta social e moralidade.
Nesse tocante, Rodrigo da Cunha Pereira explica:

325
[…] A Psicanálise interessa ao Direito como um
sistema de pensamento, e discurso, que desconstrói
fórmulas e dogmas jurídicos a partir da
compreensão do sujeito do inconsciente, do desejo e
da sexualidade.[...]Enquanto a Psicanálise é sistema
de pensamento, que tem o desejo e o inconsciente,
portanto a subjetividade como pilares, o Direito é
um sistema de limites, vínculos de vontade e
controle das pulsões, que vem trazer a lei jurídica
para quem não tem a lei interna. (PEREIRA, 2018,
p.1).

Outrossim, sobre o enfoque psicanalítico, que visa investigar os


processos do inconsciente, com a finalidade de harmonizar o entendimento do
eu e a problemática trazida ao ser, sobre o mundo e suas relações para com
ele, a estudiosa do Direito e psicanalista, Dorothee Rüdger , em seu artigo
publicado no site Jorge Fobes, expõe:

[...]Para além do Édipo, o buraco é mais embaixo.


Se para a psicanálise cada caso é um caso, a
classificação dos pacientes em neuróticos, psicóticos
e perversos pode apenas auxiliar o psicanalista a
realizar algo que o aproxima do juiz: tomar uma
decisão. Decide sobre a questão se o paciente é
analisável, decide os rumos que o caso poderia ter,
seu direcionamento, decide, enfim, o ato que
suspende a fala do paciente e que o desloca do lugar
onde se encontra. Para tanto, tem que ser rebelde à
lógica, desconfiar da norma e cortar com a lâmina
da palavra o discurso estabelecido. O psicanalista
deixa desnudo o estado de exceção, estado sem lei,
para dar passagem ao desejo. (RUDGUER,
2017,p.1).

O estudo psicanalítico surge como um aliado ao Direito, uma vez


que o ser humano, sujeito de inconsciente, é livre para fazer o que por lei não
for proibido, detendo então de uma limitação em sua liberdade, e no tocante

326
às suas ações, agindo em desconformidade com a legislação, deve-se haver um
entendimento pormenorizado das razões as quais o levaram à determinados
atos, para que seja entendido o contexto fático gerador da ação. Em
contrapartida, tem-se a interpretação, não somente do fato, como também a
aplicabilidade de sansões legislativas pelo magistrado, onde a relação
psicanalítico jurídica torna-se essencial .

CARACTERÍSTICAS DA SUBJETIVIDADE PERTINENTES AO


MAGISTRADO

A Subjetividade pode ser caracterizada como sendo algo


próprio do ser, um conjunto imaterial interiormente construído ao longo de
sua vivência, incluindo crença pessoal, forma de agir, sentir, se expressar e
entender o mundo ao seu redor. Nas palavras de Gonçal Mayos:

A Subjetividade é entendida como o espaço íntimo


do indivíduo, ou seja, como ele "instala" a sua
opinião ao que é dito (mundo interno) com o qual
ele se relaciona com o mundo social (mundo
externo), resultando tanto em marcas singulares na
formação do indivíduo quanto na construção de
crenças e valores compartilhados na dimensão
cultural que vão constituir a experiência histórica e
coletiva. (MAYOS, 1957, p.1 apud SALGADO,
2011, p.1)

No tocante a teoria do conhecimento, refere-se à


subjetividade como a união de significados, emoções e ideias, baseados no
ponto de vista singular do sujeito. O que se opõem à objetividade, que por sua
vez baseia-se em um ponto de vista intersubjetivo, ou seja, que pode se
verificar por mais de um sujeito. Da perspectiva sociológica, a subjetividade se

327
refere ao campo de ação e representação do ser, condicionada a contextos
culturais, históricos e políticos. Por meio da subjetividade, as pessoas se
relacionam umas com as outras, partindo de uma interpretação pessoal. Essa
relação com o outro, cria círculos de representação social onde cada sujeito
torna-se agente perante a sociedade, desempenhando diferentes papeis
conforme as situações e o ambiente o qual se encontram. Nas palavras de Luis
Claudio Figueiredo:

As diferenças nos modos de subjetivação e


constituição das subjetividades relacionam-se com a
dimensão ética na medida em que esta sistematiza e
justifica racionalmente um determinado código ou
padrão de conduta, um determinado quadro de
normas e valores e uma determinada postura a ser
ensinada aos e exigidas dos sujeitos. As éticas,
portanto, são como dispositivos "ensinantes" de
subjetivação: elas efetivamente sujeitam os
indivíduos, ensinando, orientando, modelando e
exigindo a conversão dos homens em sujeitos
morais historicamente determinados.
(FIGUEIREDO, 1995, p.82)

A subjetividade, dessa forma, engloba a interpretação pessoal


sobre acontecimentos e a forma pela qual externamos esse entendimento
próprio para o outro, em meio ao convívio social cotidiano, nessa perspectiva,
o indivíduo forma suas referências, construindo suas interpretações advindas
do entendimento do eu, e o entendimento do eu no mundo. O processo de
formação da subjetividade se divide em quatro aspectos, denominados
Matrizes da experiência intersubjetiva, sendo: intersubjetividade
transobjetiva, intersubjetividade traumática, intersubjetividade interpessoal e
intersubjetividade intrapsíquica, conforme exame a seguir exposto,
encontrado na enciclopédia colaborativa on-line, Wikipédia:

328
Segundo Nelson Mandela, deve-se levar em conta
quatro dimensões nos processos de constituição da
subjetividade. São denominadas matrizes da
experiência intersubjetiva. A primeira matriz,
intersubjetividade transubjetiva, emerge das
propostas filosóficas que valorizam as modalidades
pré-subjetivas de existência [...] Na segunda matriz,
intersubjetividade traumática, o outro não só
precede o eu, como sempre o excede.
O fato do outro sempre exceder o eu é por sua vez
inevitavelmente traumático. A terceira matriz que é
denominada intersubjetividade interpessoal, parte
da experiência do reconhecimento entre indivíduos
[...] A quarta matriz, a intersubjetividade
intrapsíquica, em que se encontraram
fundamentalmente as contribuições psicanalíticas,
inclui o estudo das experiências "intersubjetivas"
estabelecidas no "interior" das subjetividades.
(WIKIPEDIA, 2019 p.1)

No tocante à subjetividade humana, resta clara a influência de


todo contexto social ao qual o indivíduo se encontra inserido, este cenário
influência não somente o seu entendimento moral acerca dos fatos cotidianos
trazidos à ele, como também traz o questionamento ao indivíduo sobre sua
respectiva moralidade. A compreensão do fenômeno jurídico traz a reflexão
no tocante à aplicação das normas pelo magistrado e a subjetividade do
mesmo ao interpretar o fato a ele exposto, partindo de uma análise
psicanalítica acerca do próprio magistrado em sua subjetividade, nesse
sentido afirma o jurista francês Alain Supiot (2007, p.10): “O Direito liga a
infinitude de nosso universo mental à finitude de nossa experiência física,
cumprindo em nos uma função antropológica de instituição da razão“
Ademais, a subjetividade do magistrado é ponto de partida
para uma análise processual meticulosa, ao ponto que é nela onde se inicia o
convencimento e dessa forma proporcionará o desenvolvimento de uma

329
decisão que atingirá os envolvidos no litígio, conforme aludido pelo trecho do
julgado a seguir exposto:
[…] O que traduz, por modo automático, prejuízo
processual irreparável, pois nunca se pode saber que
efeitos produziria na subjetividade do magistrado
processante a contradita do acusado quanto ao juízo
do recebimento da denúncia.” […] (STF; HC
95.712; RJ; Primeira Turma; Rel. Min. Ayres
Britto; Julg. 20/04/2010; DJE 21/05/2010; Pág.
24).

As características inerentes à subjetividade dos julgadores


encontram-se presentes em julgados, onde o julgador, trás para a análise uma
reflexão própria acerca do Direito, que se insere no ato de julgar, bem como
em seus argumentos ao proferir decisões, como se é perceptível no trecho do
habeas corpus, analisado pela quinta turma do STJ, em 2010, citado a seguir.

[…] O direito deve ser encarado como uma ciência


de experiência, na medida em que a interpretação
não pode ser resumida a uma mera operação lógico-
formal, ou seja, deve recair sobre a conduta do
agente e não sobre a norma jurídica. Ao se dar
ênfase à subjetividade e a intersubjetividade,
valorizando a ação humana, aproxima-se o direito
da aplicação do justo, tocado pelo critério da
razoabilidade.” […] (STJ; HC 166.523; Proc.
2010/0051465-1; SP; Quinta Turma; Rel. Min.
Napoleão Nunes Maia Filho; Julg. 09/11/2010;
DJE 13/12/2010).

Ante o recorte supra, consigna-se que a subjetividade do


magistrado é a pedra angular que reúne o direito normativo aos fatos
apresentados em juízo. O juiz togado, ao aplicar o direito ao caso concreto,
realiza verdadeiro juízo de adequação do direito legislado, as situações fáticas
postas em juízo.
330
A SUBJETIVIDADE COMO FONTE INFLUENTE NAS DECISÕES DO
MAGISTRADO

A análise psicanalítica sobre a ótica referente à motivação do


Magistrado ao proferir determinada decisão, é influenciada por fatores
externos ao mesmo, que em sua subjetividade, encontram-se agrupados em
uma cadeia de sensações e certezas, tais influências não podem interferir,
portanto em sua imparcialidade, assegurando aos envolvidos na lide, um
julgamento igualitário, em conformidade com a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, no artigo X:

Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a


que a sua causa seja equitativa e publicamente
julgada por um tribunal independente e imparcial
que decida dos seus direitos e obrigações ou das
razões de qualquer acusação em matéria penal que
contra ela seja deduzida”. (ASSEMBLEIA GERAL
DA ONU. 1948. Declaração Universal dos Direitos
Humanos , p.1)

O Juizo, imparcial, é essencial para que se dê de forma plena a


apreciação e julgamento da demanda, assim , atingindo todos objetivos
processuais, alcançando uma solução justa, como expõe a Jurista Simone
Figueiredo:

[...] A imparcialidade do juiz é uma garantia de


justiça para as partes e, embora não esteja expressa,
é uma garantia constitucional. Por isso, tem as
partes o direito de exigir um juiz imparcial; e o
Estado que reservou para si o exercício da função
jurisdicional, tem o correspondente dever de agir
com imparcialidade na solução das causas que lhe
são submetidas.
331
[...] O juiz deve ser imparcial, mas isso não significa
que deva ser neutro. Imparcialidade não significa
neutralidade diante dos valores a serem
salvaguardados por meio do processo. Não há
violação ao dever de imparcialidade quando o juiz se
empenha que seja dada razão àquela parte que
efetivamente agiu segundo o ordenamento jurídico.
Aliás, o que deve importar ao juiz é conduzir o
processo de tal modo que seja efetivo instrumento
de justiça, que vença quem realmente tem razão.
(FIGUEIREDO,2013, p.1)

Sendo o Magistrado, a figura responsável por administrar e


aplicar a lei , necessitando que seja feita uma análise imparcial da demanda,
considerando sua subjetividade, e conduzindo o processo de forma a observar
os princípios e normas jurídicas, o Juiz , não bastante interfere diretamente
na vida dos envolvidos na demanda ao proferir uma decisão judicial, mesmo
observada a aplicabilidade letra da lei, conforme observa Dorothee Rüdger:

Palavras cortam feito lâminas. Sentenças e atos são


decisões que recortam o mundo das normas e dos
fatos. E nada mais será como antes. Saindo da sala
de audiência ou do consultório do psicanalista, o
demandante sabe que algo aconteceu ali, algo que
rompeu com a mesmice, com a rotina, com o dia-
após-dia, com o previsível, o explicável, com a
ordem estabelecida. (RUDGUER, 2017, p.1).

Ainda no tocante à imparcialidade do Magistrado, é


fundamental que o mesmo seja ativo e equânime no processo, garantindo a
concretização dos Direitos Fundamentais, contidos na Constituição Federal.
Dessa forma, expõe Luigi Ferajoli:

[...] ‘É que ao juiz incumbe velar por um processo


justo, havendo de decidir com base em prova sólida,
firme e segura, não podendo decidir apenas calcado
332
em indícios ou conjecturas. Isto é, deve o
Magistrado moderno largar-se na produção de
provas, a fim de que a sua decisão espelhe a verdade
do processo! Enfim, que a sua decisão seja obra de
justiça! (FERRAJOLI, 2002, p. 3)

Percebe-se então, que no âmbito jurídico, o Magistrado tende a


expandir seu conhecimento no tocante à aplicação e entendimento de seu
olhar sobre instrumento de sua hermenêutica, não se abstendo da norma,
compreendendo assim a Teoria Tridimensional do Direito, a qual se compõe
de três elementos, quais sejam, o fato capaz de revelar as intencionalidades
objetivas de um determinado lugar ou época, é compreendido não como um
mero fato natural, mas sim sempre imantado por um valor; o valor
considerado não como um objeto ideal, mais como um dever ser, situado num
plano prático e ligado a uma ação; e a norma descreve os valores que vão se
concretizando na condicionalidade dos fatos sociais e históricos. Sobre a
referida teoria, Reale afirma:

“É necessário aprofundar o estudo dessa


“experiência normativa”, para não nos perdermos
em cogitações abstratas, julgando erroneamente que
a vida do Direito possa ser reduzida a uma simples
inferência de Lógica formal, como a um silogismo,
cuja conclusão resulta da simples posição das duas
premissas. Nada mais ilusório do que reduzir o
Direito a uma geometria de axiomas, teoremas e
postulados normativos, perdendo-se de vista os
valores que determinam os preceitos jurídicos e os
fatos que os condicionam, tanto na sua gênese como
na sua ulterior aplicação (REALE, 1986, p. 564).

Ainda no que concerne à Teoria Tridimensional do Direito,


consoante as palavras de Reale: “ [...] se verifica uma integração de elementos

333
sociais em uma ordem normativa de valores, uma subordinação da atividade
humana aos fins éticos da convivência” (REALE, 2000, p. 28).
Nesse contexto, cabe ressaltar que, o Magistrado norteia-se
também através do princípio da motivação das decisões, expressamente
consolidado no artigo 93, IX da Constituição Federal:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do


Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto
da Magistratura, observados os seguintes
princípios:
IX. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder
Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as
decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei
limitar a presença, em determinados atos, às
próprias partes e a seus advogados, ou somente a
estes, em casos nos quais a preservação do direito à
intimidade do interessado no sigilo não prejudique
o interesse público à informação. (BRASIL.
Constituição,1998).

Por conseguinte, é também consolidado no artigo 11 Código de


Processo Civil: “Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder
Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de
nulidade.” (Lei nº 13.105 de 16 de Março de 2015)

Outrossim, indubitável é que o componente mais significante


para a decisão, é a fundamentação, uma vez que nela , o Magistrado incluirá
as circunstancias e fatos contrapondo-as à legislação, estabelecendo a base
legal, mas pautando premissas a fim de alcançar a conclusão.
Ademais, motivação da decisão refere-se a explicar e
fundamentar as razões de fato e de direito, nesse sentido , tem-se a
necessidade de jurisprudências , as quais são responsáveis para contribuir
334
como base enriquecedora e fonte de uniformalização para uma melhor
aplicabilidade do direito.
Deste modo, a motivação garante ao envolvidos na demanda
judicial, a devida apreciação de suas pretensões.
Relativamente à subjetividade do magistrado, e a influência
da mesma sob a ótica analítico-processual, fazem-se distintas as formas as
quais são julgadas as demandas postas a eles, considerando-se que cada
indivíduo é um universo em si. Contudo, segundo François Ost, há três
modelos de juízes, sendo eles : Júpiter, Hércules e Hermes. Os referidos
modelos de juízes, consoante ao entendimento de Lívia Paula de Almeida
Lamas:

Júpiter seria a “a boca da lei”, encontrando-se


vinculado à hierarquia das normas, ao modo do
direito proposto por Hans Kelsen, não se
preocupando com a realidade social de cada
indivíduo. Já o modelo Hércules, que Dworkin
denominou seu juiz ideal, está sustentado na figura
do juiz “que faz a lei”, sobrepondo-se à generalidade
da lei para dar aos fatos a possibilidade de solução
dos problemas sociais. O juiz Hermes, por sua vez,
assume o papel de um grande mediador e
comunicador, capaz de articular o Direito com os
diversos discursos jurídicos e políticos. (LAMAS,
2014, p.52)

Segundo Aulis Aarnio, a predicibilidade e aceitabilidade são


duas faces interligadas: a primeira traz a racionalidade para os juízos
jurídicos, portanto, ela é formal, já a segunda, traz o alcance desses juízos,
seus efeitos. Assim sendo, somente quando se produz um determinado
conteúdo, resta preenchido o requisito formalidade.

335
Nesse ínterim, a subjetividade do magistrado se traduz nas
mais variadas formas, seja despacho, decisões interlocutórias ou sentenças,
produzindo efeitos nas mais diversas manifestações processuais.
Noutro giro, embora a subjetividade permeie a maioria das
decisões judiciais, a legislação apresenta dispositivos que não carecem de
qualquer grau de interpretação, devendo se evitar debates sobre o mesmo
tema, conforme destacou o eminente relator Juiz Federal Dr. José Franciso
Andreotti Spizzirri, no julgado AC 2006.71.8.012602-4, a seguir transcrito:

“[…] Não havendo vício de inconstitucionalidade, e


tratando-se de dispositivo cuja literalidade não
contém qualquer grau de subjetividade que possa
ensejar diferentes interpretações, não há como lhe
negar vigência ou condicioná-la a interpretação mais
consentânea com o espírito das alterações
legislativas que sucederam a redação original do
indigitado artigo 75 da Lei de Benefícios da
Previdência Social. O equívoco, se houve, foi
corrigido pela Lei nº 9.528/97, mas os efeitos que
lhe foram dados pela Lei nº 9.032/95 não lhe
podem ser negados ou retirados, dada a ausência de
qualquer vício que impossibilitasse sua
aplicação.” (TRF 4ª R.; AC 2006.71.08.012602-4;
RS; Quinta Turma; Rel. Juiz Fed. José Francisco
Andreotti Spizzirri; Julg. 26/05/2009; DEJF
23/06/2009; Pág. 299)

Destarte, a subjetividade do juiz acaba por tangenciar o


verdadeiro sentido normativo, ou seu princípio inerente, acabando por
representar um caráter personalíssimo que ultrapassa a técnica, a necessidade
e o cabimento, mostrando-se por vezes de forma arbitrária. O sentido de
subjetivismo, não se deve confundir com uma normatização externa, ou seja, o
ordenamento jurídico não é estruturado com base nas convicções pessoais do
magistrado.
336
O Direito de Família, do mesmo modo que a tutela da criança e
adolescente, por possuírem suas diretrizes eivadas na individualidade e
formações humanas, culminam constantemente na subjetividade como bem
jurídico tutelado, conforme destaca a eminente Ministra do Superior Tribunal
de Justiça, Nancy Andrighi, no Recurso Especial, REsp 1.076.834.

“[…] A proteção integral, conferida pelo ECA, à


criança e ao adolescente como pessoa em
desenvolvimento, deve pautar de forma indelével as
decisões que poderão afetar o menor em
sua subjetividade. – Sob a ótica dos Direitos da
Criança e do Adolescente, não são os pais que têm
direito ao filho, mas sim, e sobretudo, é o menor
que tem direito a uma estrutura familiar que lhe
confira segurança e todos os elementos necessários a
um crescimento equilibrado.” […] (STJ;
REsp1.076.834; Proc. 2008/0161854-0; AC;
Terceira Turma; RelªMinª Fátima Nancy Andrighi;
Julg. 10/02/2009; DJE 04/08/2009) 

Neste sentido, não quer dizer que o magistrado seja alheio a


matéria a ele submetida para julgamento, a sensibilidade é um sentimento que
o juiz deve carregar consigo, a literatura ensina que se você aplicar, às cegas, o
direito, ocorrerão decisões injustas. O juiz, ao aplicar o direito ao caso
concreto, deve se valer além de sua sensibilidade, da moral e dos bons
costumes, consagrando a essência do direito que é a Justiça, sendo mais que a
simples aplicação da letra fria da lei. Posto que o direito, como voltado a
pacificação social e a edificação da sociedade, não pode ser limitado. Nesse
diapasão, o valoroso ensinamento da jurista Cláudia Servilha Monteiro que
com muita propriedade assevera:

A decisão judicial obedece, naturalmente, a critérios


aposteriorísticos, e, sua respectiva justificação,
337
destina-se a torná-la aceitável; contudo, fortes
influências extraformais podem estar presentes na
aplicação do Direito, situação em que a tarefa da
justificação passa a ser, tão-somente, uma tentativa
de racionalizar a posteriori uma decisão tomada a
priori, sob influxo do emocional, e ainda apresentá-
la como razoável. Nesse caso específico, não há
maiores preocupações com a consistência das razões
articuladas em seu fundamento, e quase qualquer
argumento que reúna a aparência de logicidade
responde bem ao efeito persuasivo dos raciocínios
relacionados a título de sua justificação.
Como a racionalidade jurídica é exteriorizada na
decisão judicial sob a formade sua justificação,
atualmente a fundamentação racional deixou de
consistir apenas em uma exigência técnica da
dogmática das decisões judiciais para assumir a
função de uma garantia da legitimidade da própria
atividade judicial. (MONTEIRO, 2017, publica
direito)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Hodiernamente, o magistrado não é mero expectador, ele atua e


deve atuar, e detém o poder-dever, de buscar o que anseia a sociedade, porque
as mazelas sociais são inúmeras, e nesse múnus compete ao julgador não
apenas aplicar a letra fria da lei, e sim, buscar a justiça social. A justiça social,
é ampla, não se limita ao ordenamento jurídico, mas sim ao que é justo, ao
que é honesto, ao que constrói, ao que edifica. Destarte, o julgador,
consoante doutrina mais abalizada sob o tema, não é estático, aguardando tão
somente para aplicar o texto da lei, ele detém faculdades que o possibilita
vislumbrar o fato e aplicar o direito à luz dos anseios sociais, não ficando
submisso ao automatismo da demanda.
Nesta esteira de raciocínio, percebe-se que muito mais do que
a simples aplicação da lei, cumpre ao magistrado resolver a demanda à luz do
338
contexto social, com a visão ampla, possibilitando alcançar o deslinde da lide
sob uma ótica altamente avançada e moderna, visão que propicia a verdadeira
realização do fim maior do direito, que é a pacificação das relações sociais.
Noutro giro, conclui-se que preparado que é o Magistrado, é de
se esperar que analise o caso e decida fazendo uso de toda sua experiência
jurídica, social, moral e ética, visto que como ser humano jamais poderá se
afastar do sentimento de amor pelo próximo e pela sociedade da qual é
guardião, de modo a aplicar a lei de forma equânime, a fim de apor o que mais
justo for às partes, pois justiça e paz são correlatas.

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342
ASPECTOS LEGAIS DAS ALTERAÇÕES NO CRIME DE ROUBO: (IN)
CONSTITUCIONALIDADE OU FALHA LEGISLATIVA?

Vitor Junior Lopes1


Carlos Randel Crepalde Mafra2

RESUMO:
O presente artigo versa sobre as alterações realizadas pela Lei 13.654/2018
nos crimes de roubo, abordando mais especificamente sobre a revogação do
inciso I do § 2º, que majorava a pena de 1/3 até metade se o agente comete o
crime valendo-se de arma de qualquer natureza e, a inclusão do § 2º-A que
aumenta a pena em 2/3 quando verifica-se o emprego de arma de fogo.
Procurou-se traçar se tais alterações no art. 157 do Código Penal operaram
uma novatio legis in mellius e uma novatio legis in pejus. O texto analisa
ainda a inconstitucionalidade da alteração, arguida por membros do
Ministério Público e da magistratura, bem como se estas foram fruto de uma
falha legislativa.

INTRODUÇÃO

O Direito Penal tem por finalidade a salvaguarda de bens jurídicos


que não são protegidos por outros ramos do ordenamento jurídico, haja vista
sua especial relevância para a vida social. Para proteger tais bens, o Estado
edita normas definindo quais são as condutas proibidas ou permitidas, que
serão impostas obrigatoriamente a todas as pessoas, sob a ameaça de sanção
penal caso o agente venha a transgredi-las. Assim, caso o indivíduo cometa
um fato tido como proibido, tratando-se ele de típico e ilícito, sendo, ainda, o
agente culpável, o Estado exercerá o seu ius puniendi, afim de reprimir a
conduta praticada.

1Graduando em Direito pela Fundação Presidente Antônio Carlos de Mariana.


2Professor de Direito Penal, Processo Penal e Criminologia na FUPAC – Mariana. Mestre em
Criminologia pela Universidad de Ciencias Empresariales y Sociales. Advogado na empresa
Guzzo, Mafra & Advogados Associados. E-mail: carlosmafra@adv.oabmg.org.br
343
O legislador em respeito aos princípios do Direito Penal, em especial
os princípios da reserva legal, lesividade e intervenção mínima, visa coibir as
condutas lesivas aos bens jurídicos de terceiros tecendo uma proteção à
pessoa, ao patrimônio, à propriedade imaterial, à organização do trabalho, ao
sentimento religioso e ao respeito aos mortos, à dignidade sexual, à família, à
incolumidade pública, bem como à paz, fé e administração pública.
Neste trabalho, procura-se tratar em especial da proteção ao
patrimônio, disciplinado no Título II da Parte Especial do Código Penal,
intitulado de “Dos Crimes Contra o Patrimônio”, atentando-nos em como o
legislador passou a disciplinar o crime de roubo ao editar a Lei 13.654/2018.
Dessa forma, apresentaremos as alterações operada pela presente lei e, se tais
modificações operaram uma novatio legis in mellius, ao revogar o inciso I do
§ 2º do art. 157, assim como, se produziram uma novatio legis in pejus, ao
incluírem o inciso I do § 2º-A, do mesmo dispositivo.
Após apresentaremos a discussão acerca da constitucionalidade da
revogação expressa do dispositivo, que disciplinava a majorante nos casos em
que o crime de roubo fosse cometido com o emprego de arma de qualquer
natureza, suscitado por membros do Ministério Público, bem como
apresentaremos o julgamento da 4º Câmara de Direito Criminal do Tribunal
de Justiça de São Paulo, em que acolheu o pedido de inconstitucionalidade e
suspendeu a apreciação do mérito até que o Órgão Especial da Corte
deliberasse sobre a questão.
Por fim, trataremos da real intenção do legislador ao realizar as
alterações no tipo penal do crime de roubo e, se realmente houve a intenção
de coexistir ambas as majorantes no ordenamento penal ou se a revogação do
dispositivo consiste em mais uma das várias falhas que os parlamentares
cometem no desenvolvimento de suas atividades como “fazedores de lei”.

344
Para tanto, utilizou-se como fonte de estudo a pesquisa bibliográfica,
bem como entendimentos jurisprudenciais e fontes legislativas, com o intuito
de auxiliar a apresentação dos dados apontados neste trabalho.

ALTERAÇÕES DA LEI 13.654/2018 NO ART. 157 DO CP

Em 23 de abril de 2018 foi sancionada a Lei nº 13.654, a qual faz


alterações no Código Penal, em especial nos crimes de furto e roubo
disciplinados nos crimes contra o patrimônio. A lei altera ainda, a Lei nº
7.102/83 que dispõe sobre segurança para estabelecimentos financeiros.

Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 dezembro de


1940 (Código Penal), para dispor sobre os crimes de
furto qualificado e de roubo quando envolvam
explosivos e do crime de roubo praticado com
emprego de arma de fogo ou do qual resulte lesão
corporal grave; e altera a Lei nº 7.102, de 20 de
junho de 1983, para obrigar instituições que
disponibilizem caixas eletrônicos a instalar
equipamentos que inutilizem cédulas de moeda
corrente. (BRASIL, Lei nº 13.654, de 23 de abril de
2018)

O art. 157 do Código Penal, o qual nos interessa no desenvolvimento


deste trabalho era disposto com a seguinte redação:

Roubo
Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou
para outrem, mediante grave ameaça ou violência a
pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio,
reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e
multa.
§ 1º Na mesma pena incorre quem, logo depois de
subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa
ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade
345
do crime ou a detenção da coisa para si ou para
terceiro.
§ 2º A pena aumenta-se de um terço até metade:
I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego
de arma;
II – se há o concurso de duas ou mais pessoas;
III – se a vítima está em serviço de transporte de
valores e o agente conhece tal circunstância;
IV – se a subtração for de veículo automotor que
venha a ser transportado para outro Estado ou para
o exterior;
V – se o agente mantém a vítima em seu poder,
restringindo sua liberdade.
§ 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a
pena é de reclusão, de 7 (sete) a 15 (quinze) anos,
além de multa; se resulta morte, a reclusão é de 20
(vinte) a 30 (trinta) anos, sem prejuízo da multa.3

Com a promulgação da Lei 13.654/2018, o dispositivo supracitado, a


partir de agora, passa a vigorar com as seguintes alterações:

Art. 157.
[...]
§ 2º A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até
metade:
I – Revogado
[...]
IV - se a subtração for de substâncias explosivas ou
de acessórios que, conjunta ou isoladamente,
possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.
§ 2º-A A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços):
I – se a violência ou ameaça é exercida com
emprego de arma de fogo;
II – se há destruição ou rompimento de obstáculo
mediante o emprego de explosivo ou de artefato
análogo que cause perigo comum.
§ 3º Se da violência resulta:
I – lesão corporal grave, a pena é de reclusão de 7
(sete) a 18 (dezoito) anos, e multa;

3 5 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Rio de Janeiro. 1940.


346
II – morte, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30
(trinta) anos, e multa.4 (grifo nosso)

Note-se que o legislador optou pela revogação do inciso I do


parágrafo 2º, no qual aumentava a pena de roubo “de 1/3 (um terço) até
metade se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma”5, não
fazendo o dispositivo qualquer diferenciação entre elas. Rogério Greco em
comentários ao dispositivo legal revogado, nos esclarece:

A arma, mencionada pela lei penal, tanto pode ser a


própria, ou seja, aquela que tem a função precípua
de ataque ou defesa, a exemplo do que ocorre, como
aponta Mirabete, com as “armas de fogo
(revólveres, pistolas, fuzis etc.), as armas brancas
(punhais, estiletes etc.) e os explosivos (bombas,
granadas etc.),” bem como aquelas consideradas
impróprias, cuja função precípua não se
consubstancia em ataque ou defesa, mas em outra
finalidade qualquer, a exemplo do que ocorre com a
faca de cozinha, o taco de beisebol, as barras de
ferro etc.6

No mesmo sentido, Cleber Masson nos diz:

O dispositivo legal reporta-se ao emprego de arma.


Não exige que se trate, obrigatoriamente, de arma
de fogo.
Arma é todo objeto ou instrumento idôneo para
ataque ou defesa, uma vez que tem capacidade para
matar ou ferir. A arma, no Direito Penal, pode ser
própria ou imprópria, e qualquer delas autoriza a
incidência da causa de aumento de pena prevista no
art. 157, § 2º, inciso I, do Código Penal.7

4 BRASIL. Lei nº 13.654, de 23 de abril de 2018. Brasília. 2018.


6 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial, Volume II. 19. ed. Rio de
Janeiro: Impetus, 2017. p. 678-679.
7 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado: Parte Especial – vol. 2. 11. ed. São

Paulo: Método, 2017. p. 419.


347
Assim, responderia pelo roubo com a causa de aumento da utilização
de arma (1/3 até metade) se o agente valendo-se de uma faca, um caco de
vidro, um taco de beisebol, uma barra de ferro ou outro instrumento ou
objeto análogo, ameaçasse a vítima de morte para que pudesse subtrair, sem
grandes esforços, para si ou para outrem a coisa alheia móvel. No entanto,
com a revogação do dispositivo pela Lei 13.654/2018, tal causa de majoração,
a ser realizada na terceira fase de dosimetria da pena, nessas circunstâncias
não é mais possível.
Em contrapartida, a alteração incluída no § 2º-A do art. 157 do CP,
tornou a agravante do crime de roubo com a utilização de arma de fogo muito
mais severa. Como a disposição anterior, admitia o aumento pelo emprego de
arma de qualquer natureza sem distinção, o agente que utilizava-se de arma
de fogo era punido também com a majoração de 1/3 até metade. Contudo,
agora o agente que vale-se do emprego de arma de fogo durante a subtração
da coisa alheia será punido com o aumento fixo de 2/3.
O questionamento que surge é se as alterações realizadas pela lei
13.654/2018, revogando expressamente o inciso I do § 2º e incluindo o inciso
I do § 2º-A, opera uma novatio legis in mellius e uma novatio legis in pejus, e
se aqueles que já contam com uma sentença penal condenatória transitada em
julgado ou que ainda respondam por uma ação penal faram jus a aplicação das
alterações.

NOVATIO LEGIS IN MELLIUS E NOVATIO LEGIS IN PEJUS

Nosso ordenamento jurídico penal adota como tempo do crime o


“momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do

348
resultado”8, como se desprende do art. 4º do Código Penal. Desse modo, o
ordenamento jurídico penal pátrio filia-se na teoria da atividade, na qual o
que importa é o momento da conduta, seja esta omissiva ou comissiva, mesmo
que seu resultado não tenha se dado instantaneamente. Assim, a regra do
Direito Penal é que a lei a ser aplicada é aquela vigente no momento do
cometimento do fato criminoso.
No entanto, sabe-se que a lei penal tem a capacidade de se mover no
tempo, isso porque pode continuar regulando determinado fato ocorrido
durante sua vigência mesmo estando revogada por uma nova lei ou, pode
ainda retroagir e alcançar fatos que aconteceram antes de estar vigorando.
Tal capacidade de mover-se no tempo é denominada de extra-
atividade, e só será aplicada quando em benefício do agente e, nunca em seu
prejuízo. Nesse sentido, o parágrafo único do art. 2º do Código Penal que
cuida da lei penal no tempo, estabelece que “a lei posterior, que de qualquer
modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos
por sentença condenatória transitada em julgado.”9
Segundo Greco (2017, p. 190) quando editada um lei posterior à
conduta do agente, esta pode trazer dispositivos que o prejudique, como
ampliar o rol das circunstâncias agravantes, criar causas de aumento de pena,
por exemplo, ou que o beneficie, quando traz causas de diminuição de pena,
extingue causas de majorantes, etc. Aduz ainda o autor que “será considerada
novatio legis in pejus, se prejudicá-lo; ou novatio legis in mellius, se
beneficiá-lo.”10
Indaga-se, assim, se as alterações trazidas pela Lei 13.654/2018
opera uma novatio legis in mellius e uma novatio legis in pejus.

8 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Rio de Janeiro. 1940.


9 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Rio de Janeiro. 1940.
10 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral, Volume I. 19. ed. Rio de Janeiro:

Impetus, 2017. p. 190.


349
Conforme visto no item anterior, a Lei 13.654/2018 que alterou o
Código Penal, em especial os crimes de furto e roubo, revogou expressamente
o inciso I do § 2º do art. 157 do CP, que disciplinava o aumento da pena do
crime de roubo “se a violência ou ameaça é exercida com o emprego de
arma.”11
É inegável que essa revogação constitui uma previsão legal mais
benéfica ao agente, já que o legislador, por meio das alterações, equiparou o
roubo com a utilização de armas que não sejam a de fogo ao roubo simples,
disciplinado pelo caput do art. 157 do CP. Deste modo, é evidente que as
alterações no Código Penal operou uma novatio legis in mellius devendo
retroagir para atingir todos os agentes que tiverem cometido roubo com o
emprego de arma diversa da arma de fogo, em respeito ao princípio da
retroatividade da lei penal mais benéfica, que é disciplinado no parágrafo
único do art. 2º da codificação penal, supramencionado.
Imprescindível no momento apontar qual o juízo competente para
aplicar a novatio legis in mellius em benefício do agente infrator que utilizou-
se de arma diversa da arma de fogo para o cometimento do crime de roubo.
Assim, caso o surgimento da novatio legis in mellius ocorra durante a
fase de investigação, o Ministério Público recebendo os autos do inquérito
policial fará a denúncia nos termos da lei mais benéfica ao agente, no caso
discutido, sem a causa de aumento da pena caso o agente cometa o crime
valendo-se do emprego de arma que não seja a de fogo.
Contudo, se a ação penal já se encontra em andamento, uma vez que o
Ministério Público realizou a denúncia nos termos do dispositivo revogado,
mas ainda não foi proferida sentença pelo órgão jurisdicional, competirá ao
juiz conhecedor da causa aplicar a novatio legis.

11 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Rio de Janeiro. 1940.


350
Assim, por exemplo, se o crime de roubo utilizando uma faca é
praticado na Comarca de Mariana, com inquérito policial distribuído e ação
penal ajuizada na 1º Vara Criminal, competência será do juiz de Direito
lotado nesta Vara para aplicar a revogação do inciso I do § 2º do art. 157 do
Código Penal, já que consistem em lei mais benéfica ao agente infrator.
Proferida a sentença pelo juiz natural de 1º grau de jurisdição e
estando a ação penal em grau de recurso ou, ainda, nos casos em que a
competência é originária do Tribunal, será tarefa deste afastar a causa de
aumento de pena do uso de arma diversa da de fogo, como ocorreu no
julgamento do Agravo em Recurso Especial julgado pela 6º Turma do
Superior Tribunal de Justiça:

EMENTA
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO
REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL. TENTATIVA DE ROUBO
CIRCUNSTANCIADO. DOSIMETRIA. PENA-
BASE. VETORIAL DOS ANTECEDENTES.
DECURSO DO PRAZO PREVISTO NO ART. 64,
INCISO I, DO CÓDIGO PENAL. CONFIGURAÇÃO
DE MAUS ANTECEDENTES. POSSIBILIDADE.
AFRONTA AO ART. 5º, XLVII, "B", DA CF.
ANÁLISE DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL.
IMPOSSIBILIDADE. EMPREGO DE ARMA
BRANCA. AFASTAMENTO. NOVATIO LEGIS
IN MELLIUS. LEI 13.654/18. AGRAVO
REGIMENTAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1. É pacífico o entendimento neste Sodalício de que,
à luz do artigo 64, inciso I, do Código Penal,
ultrapassado o lapso temporal superior a 5 anos
entre a data do cumprimento ou extinção da pena e
a infração posterior, as condenações anteriores não
prevalecem para fins de reincidência. Podem,
contudo, ser consideradas como maus antecedentes,
nos termos do artigo 59 do Código Penal.
2. A análise de matéria constitucional não é de
competência desta Corte, mas sim do Supremo
351
Tribunal Federal, por expressa determinação da
Constituição Federal.
3. A Lei 13.654/18 extirpou o emprego de
arma branca como circunstância majorante
do delito de roubo. Em havendo a
superveniência de novatio legis in mellius, ou
seja, sendo a nova lei mais benéfica, de rigor
que retroaja para beneficiar o réu (art. 5º,
XL, da CF/88).
4. Recurso parcialmente provido a fim de reduzir a
pena imposta ao recorrente ao patamar de 2 anos, 1
mês e 18 dias de reclusão, mais o pagamento de 5
dias-multa, mantidos os demais termos da
condenação.12 (grifo nosso)

Por fim, se o agente já conta com uma sentença penal condenatória


transitada em julgado, a competência para aplicação da norma mais benéfica
será o Juiz de Execuções Criminais, conforme determina a súmula 611 do
Supremo Tribunal Federal, aprovada em 17 de outubro de 1984 e do art. 66,
inciso I da Lei nº 7.210 de 12 de julho de 1984, que institui a Lei de Execução
Penal:

Súmula 611. Transitada em julgado a sentença


condenatória, compete ao Juízo das execuções a
aplicação de lei mais benigna.13

Art. 66. Compete ao Juiz da execução:


I - aplicar aos casos julgados lei posterior que de
qualquer modo favorecer o condenado;
[...]14

No entanto, somente será competência do Juiz de Execuções


Criminais, caso o julgador não tenha que conhecer o mérito da causa, como

12 Agravo em Recurso Especial nº 1.249.427, 6º Turma do Superior Tribunal de Justiça,


Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura.
13 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula 611. Data da Aprovação: 17 out. 1984.
14 BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal.

Brasília. 1984.
352
reavaliar provas por exemplo. Neste caso, o órgão competente será o Tribunal
competente para recursos. Nas palavras de Rogério Greco:

[...] competirá ao juízo das execuções a aplicação da


lei mais benéfica sempre que tal aplicação importar
num cálculo meramente matemático. Caso
contrário, não. Ou seja, toda vez que o juiz da Vara
de Execuções, a fim de aplicar a lex mitior, se tiver
de, obrigatoriamente, adentrar no mérito da ação
penal de conhecimento, já não possuirá competência
para tanto.15

Resta indagar no momento, se a alteração em que fixa o aumento de


pena em 2/3 quando o agente vale-se de arma de fogo no cometimento do
crime de roubo opera uma novatio legis in pejus? Em caso afirmativo,
poderão ser revistas as condenações transitadas em julgado, afim de aplicar a
nova disposição ou, ainda, poderão elas ser aplicadas nos casos que se
encontram em fase de investigação ou ação penal cometidos antes de sua
vigência?
Sem dúvida alguma, a alteração realizada pela Lei 13.654/2018,
incluindo o inciso I do § 2º-A no art. 157 do CP, opera uma novatio legis in
pejus, ou seja, uma norma posterior mais grave, já que anteriormente às
alterações, o emprego de arma de fogo era majorada no quantum de 1/3 até
metade, enquanto que atualmente, a causa constitui em aumento de 2/3.
Quanto a aplicação da lex gravitor nas condenações penais
transitadas em julgados ou nos processos que ainda se encontra em curso se
mostra impossível, isso porque tal instituto não se aplica em nosso
ordenamento penal, em respeito ao inciso LX do art. 5º da Constituição

15GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral, Volume I. 19. ed. Rio de Janeiro:
Impetus, 2017. p. 202-203.
353
Federal de 1988, que disciplina que “a lei penal não retroagirá, salvo para
beneficiar o réu.”16
Assim, a alteração realizada não poderá retroagir para alcançar
aqueles que utilizaram-se de arma de fogo para o cometimento do crime de
roubo, já que colocam o réu em uma situação mais gravosa do que se
encontrava antes de sua edição. Nesse sentido, decidiu a 6º Câmara Criminal
do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O


PATRIMÔNIO. ROUBO DUPLAMENTE
MAJORADO. PROVA SUFICIENTE PARA A
CONDENAÇÃO DE DOIS DOS TRÊS RÉUS
DENUNCIADOS. MAJORANTES
CONFIRMADAS. PENAS REDIMENSIONADAS.
REGIME CARCERÁRIO MANTIDO. Materialidade
e autoria. Os réus foram presos em flagrante delito,
com duas armas de fogo e o celular subtraído.
Ademais, o motorista e o carona foram reconhecidos
pela vítima e sua noiva na fase policial, sendo tal
confirmado, ainda que de modo informal, no
corredor do Foro, na fase judicial. Condenações dos
réus P.R. e J. mantidas. Quanto ao réu U., há
apenas presunção de coautoria que, frente ao
contexto probatório, não se mostra suficiente para a
conclusão de que tivesse conhecimento ou mesmo
aderido à conduta criminosa desenvolvida pelos
demais tripulantes do veículo. Absolvição declarada.
Majorantes. Concurso de agentes evidenciado pelo
modus operandi eleito pelos acusados.
Especificamente em relação ao uso de arma de
fogo, as inovações trazidas pela Lei n.º
13.654/2018, sob o prisma quantitativo, se
caracterizam como Novatio Legis in Pejus, de
retroatividade vedada pela garantia esculpida
no art. 5º, XL, da Constituição Federal. Causa
de aumento que, muito embora haja sofrido
supressão formal com a derrogação do inciso I do

16 BRASIL. Constituição Da República Federativa Do Brasil De 1988. Brasília. 1988


354
§2º do art. 157 do Código Penal, segue encontrando
fundamento legal, agora no art. 157, §2º-A, inciso I,
do mesmo diploma legal. Movimento legislativo de
mero deslocamento da adjetivadora, sem alteração
de cunho material quanto ao emprego de arma de
fogo. Impasse de Direito Penal Intertemporal a ser
solvido com a concretização do princípio da
continuidade normativo-típica e a ultra-atividade da
redação anterior, observando-se seus limites
quantitativos. Logo, tendo a vítima referido o uso de
duas armas que, ademais, foram apreendidas com os
réus e periciadas, restando uma delas com
potencialidade lesiva atestada, é de ser mantida a
majorante. Delito consumado. Houve a completa
inversão da posse do bem subtraído, o qual foi
recuperado apenas após intervenção policial.
Inexistência de posse mansa e pacífica pelos réus
que não desnatura a consumação delitiva.
Apenamento. Atenuante da menoridade
reconhecida para o réu J., porém sem reflexos
práticos na pena, observado o limite da Súmula 231
do STJ. Penas carcerárias definitivas reduzidas para
05 anos e 04 meses de reclusão, diante da aplicação
da fração mínima decorrente da dupla majoração do
delito. Regime carcerário. Mantido, para ambos os
réus, o regime inicial semiaberto para o
cumprimento da pena, conforme disposto no art.
33, §2º, b , do Código Penal. Substituição. Inviável
operar a substituição da pena privativa de liberdade
por pena restritiva de direitos, considerando a
natureza do delito e o quantitativo de pena imposto,
consoante expressa previsão legal no art. 44, inciso I
do Código Penal. Custas processuais. Acolhido o
pedido da defesa de P.R., para suspender a
exigibilidade do pagamento das custas processuais,
na forma do art. 98, §3º do NCPC. 1º PROVIDO. 2º
E 3º APELOS PARCIALMENTE PROVIDOS.
UNÂNIME.17 (grifo nosso)

17Apelação Criminal nº 70077834588, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do Rio


Grande do Sul, Rel. Des. Ícaro Carvalho de Bem Osório, Julgado em 26/11/2018
355
INCONSTITUCIONALIDADE DA REVOGAÇÃO DO INCISO I, § 2º
DO ART. 157 DO CP

Em 03 de maio de 2018 a Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de


São Paulo, por meio do aviso nº 162/2018 e a pedido do Centro de Apoio
Operacional das Promotorias de Justiça Criminais recomendou, sem caráter
normativo, que os membros do Ministério Público ao exercerem suas
atribuições aleguem a inconstitucionalidade da revogação do inciso I do § 2º
do art. 157 do Código Penal.

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, no uso


das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo
19, inciso I, alínea “d”, da Lei Complementar
Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, a
pedido do Centro de Apoio Operacional das
Promotorias de Justiça Criminais:
[...]
RECOMENDA, sem caráter normativo, aos órgãos
do Ministério Público para o desempenho de suas
atribuições:
Que provoquem o judiciário no sentido de declarar,
no controle difuso incidental, a
inconstitucionalidade de formal da supressão do
inciso I, do §2o, do art. 157, do CP, por afronta ao
devido processo legislativo, já que não aprovada
pelo Congresso Nacional.18

Outras unidades da instituição no país, como o Ministério Público de


Minas Gerais, do Espirito Santo, de Goiás, do Rio de Janeiro, etc., aderiram
as recomendações feitas pelo Ministério Público do Estado de São Paulo e
recomendaram a seus membros que também provoquem o Poder Judiciário
afim de declarar inconstitucional a alteração realizada pela Lei 13.654/2018.

18 Procuradoria-Geral De Justiça. Aviso nº 162/2018 – PGJ, de 03 de maio de 2018.


356
Nesse sentido, a 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, em julgamento realizado no dia 08 de maio de
2018, reconheceu a inconstitucionalidade da revogação do inciso I do § 2º do
art. 157 do Código Penal, suspendendo o julgamento de mérito e
determinando a instauração de incidente para que a inconstitucionalidade da
norma fosse apreciada pela Órgão Especial. O julgamento conta com a
seguinte ementa:

ROUBO SIMPLES IMPRÓPRIO TENTADO -


APELAÇÃO - Pleito Ministerial de reconhecimento
da causa de aumento do emprego de arma (branca) -
Superveniência da Lei posterior extirpando o inciso
I do §2° do art. 157 do CP - RECONHECIDA a
inconstitucionalidade formal do art. 4º da Lei
n° 13.654, de 23 de abril de 2018 -
SUSPENSO o julgamento do mérito do
recurso e DETERMINAÇÃO da instauração de
incidente de inconstitucionalidade com
remessa ao Órgão Especial para apreciação,
nos termos do art. 193 e seguintes do Regimento
Interno deste E. Tribunal de Justiça.19 (grifos
nossos)

Os Doutos Desembargadores alegaram que a revogação operada pela


Lei 13.654/2018 se deu sem o conhecimento do Congresso Nacional, uma vez
ter sido realizada de forma irregular pela CORELE (Coordenação de Redação
Legislativa) do Senado Federal, já que inseriu a revogação em desacordo com
o que foi deliberado pelos congressistas. Desse modo, a Lei 13.654/2018
padeceria de vício no processo legislativo, afrontando o disposto no art. 65 da
Constituição Federal de 1988. A partir, dessa alteração a tramitação regular
da proposta legislativa contou com vício até a sua promulgação.

19 Apelação Criminal com Revisão nº 0022570-34.2017.8.26.0050, 4ª Câmara de Direito


Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, Rel. Des. Edison Brandão.
357
No entanto, ao julgar o Incidente de Arguição de
Inconstitucionalidade suscitado pela 4ª Câmara de Direito Criminal do
Tribunal de Justiça de São Paulo, por maioria dos votos, o Órgão Especial
rejeitou o pedido.

Incidente de Inconstitucionalidade. Súmula


Vinculante 10. Cláusula de Reserva de Plenário.
Art.97 da Constituição Federal. Artigos 948 e s. do
NCPC. Artigos 193 e 194 do RITJSP. Alegada
inconstitucionalidade formal do artigo 4º da
Lei 13.654/2018, que excluiu a causa de
aumento da pena para o crime de roubo com o
emprego de arma que não seja arma de fogo.
Vício do devido processo legislativo
inocorrente. Mera irregularidade na
publicação errônea da votação terminativa da
CCJ do Senado que aprovou o projeto e a
emenda aditiva. Correção feita pela CORELE
somando o projeto original e a emenda aditiva 1,
constando a revogação aprovada pela CCJ - sanando
o erro da publicação. Inocorrência de demonstração
de abuso ante as circunstâncias do caso concreto. A
Corte Suprema prestigia as soluções intestinas de
controle do processo legislativo, evitando imiscuir-
se, o quanto possível, no processo, deixando ao
próprios parlamentares a solução das vicissitudes
havidas no tramitar legislativo. Impera o princípio
geral pas de nulitté sans grief. Opção legislativa que
há de ser respeitada. Observância ao princípio da
independência e harmonia dos Poderes. Incidente
improcedente. Arguição rejeitada.20

Em seu voto o Relator Desembargador Alex Zilenovski (2018, p. 5-6)


expressou que a CORELE não alterou o texto aprovado pela Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania, e que ao contrário disso, apenas sanou o
equívoco cometido na publicação no Diário Oficial do Senado Federal,

20Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade nº 0017563-80.2018.8.26.0000, Órgão


Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, Rel. Des. Alex Zilenovski.
358
adotando, assim, o que realmente foi discutido e aprovado pelos
congressistas. O Douto Magistrado aduz ainda que “a correção operada pela
CORELE, ao invés de configurar vício do processo legislativo, o preservou
hígido.”21
Dessa forma, reconhece-se que a inconstitucionalidade da revogação
do inciso I do § 2º é baseada em um equívoco durante a publicação no Diário
Oficial do Senado. No entanto, esse equívoco não tem poder de viciar o
processo legislativo, não podendo ser havido, assim, como inconstitucional a
alteração do art. 157 do Código Penal, sendo impossível alegar afronta ao art.
65 da Carta Constitucional do Brasil.

FALHA LEGISLATIVA

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, Gianpaolo


Poggio Smanio, ao emanar recomendação aos Promotores de Justiça a
provocarem os Juízes Criminais afim de declararem a inconstitucionalidade
da alteração da Lei 13.654/2018, apontou nas considerações que a intenção
dos congressistas era manter em vigência as duas causas de aumento de pena.

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, no uso


das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo
19, inciso I, alínea “d”, da Lei Complementar
Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, a
pedido do Centro de Apoio Operacional das
Promotorias de Justiça Criminais:
CONSIDERANDO:
[...]
IV - Que a intenção dos parlamentares na aprovação
do PLS 149/15, foi coexistir as duas majorantes,
isto é, quando cometido o crime com emprego de

21Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade nº 0017563-80.2018.8.26.0000, Órgão


Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, Rel. Des. Alex Zilenovski. p. 66.
359
arma, o aumento seria de até 1/2 (§2º., I), e,
quando empregada arma de fogo, de 2/3 (§2º.- A,
I).
[...]22

Evidente que a utilização de arma de fogo durante a prática de crime


de roubo possui um juízo de reprovabilidade muito maior do que o crime
cometido com o uso de arma impropria, haja vista sua potencialidade lesiva.
Mas seria mesmo a intenção do legislador coexistir as duas majorantes,
aplicando o aumento de 1/3 até metade nos crimes cometidos com emprego
de arma e com majoração de 2/3 quando empregada a arma de fogo?
Não parece ter sido essa intenção do legislador, vez que a revogação
do inciso I do § 2º do art. 157 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de
1940, que institui o Código Penal, já constava desde a apresentação original
do Projeto de Lei 149/2015, proposto pelo Senador Otto Alencar (PSD-BA).
Fato é que o projeto foi apreciado e votado em plenário por ambas as Casas do
Congresso Nacional, e não foram apresentadas emendas ou interpostos
recursos acerca da revogação do dispositivo.
Constata-se que a real intenção do legislador foi a de criminalizar com
muito mais rigidez o crime de roubo quando este é cometido com o emprego
de arma de fogo, como se infere da justificativa do Projeto de Lei 149/2015
do Senado Federal:

Com a presente proposta, propomos um aumento de


pena de 2/3 para os casos de emprego de arma de
fogo (nesses casos, o Código Penal em vigor só prevê
aumento de até metade) ou de explosivo ou artefato
análogo (hipótese não prevista no Código). Para
preservar a proporcionalidade, tivemos que
aumentar a pena para o crime de roubo de que
resulta lesão corporal grave.

22 Procuradoria-Geral De Justiça. Aviso nº 162/2018 – PGJ, de 03 de maio de 2018.


360
Esperamos, com essa alteração, contribuir para a
redução das ocorrências, deixando o custo do
cometimento do crime mais caro para o infrator.23

No entanto, a alteração acabou tornando mais leve a punição para os


crimes de roubo cometidos com armas diversas da arma de fogo, operando
assim uma novatio legis in mellius, ao equipará-lo ao roubo simples, como
visto neste trabalho. Deste modo, a revogação do inciso I do § 2º do art. 157
do CP é mais uma das várias falhas que os parlamentares cometem no
exercício de suas atribuições.
Diante da repercussão negativa entre os aplicadores do direito,
principalmente os membros do Ministério Público e da Magistratura, a
Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania apresentou o Projeto de Lei nº
279 de 2018, com o intuito de restabelecer a majorante do emprego de arma,
de qualquer natureza, nos crimes de roubo, outrora revogada.

Modifica o Decreto Lei nº 2.848, de 7 de dezembro


de 1940 - Código Penal, para reestabelecer para o
crime de roubo a causa de aumento de pena do
emprego de arma.24

O referido Projeto de Lei tramitou em regime de prioridade, nos


termos do art. 151, II, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, e em
seu parecer o Relator Deputado Léo Moraes, ao discorrer sobre o advento da
novatio legis in melius aduziu que “trata-se, realmente, de cenário que enseja
a necessidade de modificação do tipo penal de roubo, sob pena de violação do
princípio da proporcionalidade, na dimensão da proibição insuficiente.”25
Assim, a Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, que aperfeiçoa a
legislação penal e processual penal, atentando-se ao princípio da

23 Projeto de Lei nº 149 de 2015 do Senado Federal.


24 Projeto de Lei nº 279 de2018 do Senado Federal.
25 BRASIL. Câmara dos Deputados. Parecer do Relator, Dep. Léo Moraes. Brasília.

2019.
361
proporcionalidade incluiu no inciso VII que “a pena aumenta-se de 1/3 (um
terço) até metade se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de
arma branca.”26
Dessa forma, as duas majorantes passaram a coexistir no
ordenamento, de modo que aqueles que cometerem o crime de roubo valendo-
se de arma de fogo, serão punidos com o aumento fixo de 2/3, enquanto que
aqueles que empregarem instrumentos ou objetos diversos de arma de fogo
farão jus à majoração de 1/3 até metade, o que parece mais adequado em face
do princípio da proporcionalidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como visto ao longo do texto, a alteração promovida pela Lei


13.654/2018, que revogou o inciso I do § 2º, do art. 157, que previa a
majorante de 1/3 (um terço) até metade no crime de roubo quando o agente
valia-se de arma de qualquer espécie e, inclusão do § 2º-A, inciso I, do mesmo
dispositivo, que prevê a majorante de 2/3 (dois terços), nos casos em que o
infrator utiliza-se do emprego de arma de fogo para o cometimento do crime,
operou no ordenamento penal pátrio, respectivamente, uma novatio legis in
mellius e uma novatio legis in pejus.
Assim, no que se refere a novatio legis in mellius, deverá a lei penal,
em obediência ao princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, se
mover no tempo, retroagindo seus efeitos para alcançar aqueles que tenham
cometido o crime de roubo com emprego de arma diversa da de fogo, já que
tal revogação equiparou o roubo, antes majorado, ao roubo simples.
Em contrapartida, os efeitos da inclusão da majorante de 2/3 (dois
terços), quando da utilização de arma de fogo, não deverá retroagir, afim de

26 BRASIL. Lei nº 13.964, de dezembro de 2019. Brasília. 2019.


362
alcançar aqueles que utilizaram-se de tal meio para cometimento do delito, já
que constitui causa prejudicial ao réu, devendo seu comando ser aplicado
apenas nos casos cometidos após a entrada em vigor da alteração.
Quanto a inconstitucionalidade formal, suscitada por membros do
Ministério Público, bem como da magistratura, entendeu, o Órgão Especial
do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, pela constitucionalidade da
revogação do dispositivo, inocorrendo, durante a discussão parlamentar, vício
no devido processo legislativo, mas sim mera irregularidade na publicação no
Diário Oficial do Senado Federal. Dessa forma, coube ao CORELE corrigir a
irregularidade contida, preservando-se, assim, o processo legislativo hígido.
Dessa forma, não pode tais alterações serem havidas como inconstitucionais,
sendo impossível alegar afronta ao art. 65 da Carta Constitucional.
Destarte, ante a constitucionalidade formal da revogação do
dispositivo em apreço, aparenta ter sido tal alteração mais uma das várias
falhas legislativas, já que a revogação do inciso I, § 2º do art. 157, consta do
projeto original apreciado por ambas as casas do Congresso Nacional, não
tendo sido apresentada emendas ou interpostos recursos sobre o tema.
Corrobora com tal visão, o fato de ter tramitado, em regime de
urgência, o Projeto de Lei nº 279 de 2018, com o intuito de restabelecer a
majorante até então revogado. Assim, foi aprovado a Lei nº 13.964, de 24 de
dezembro de 2019, que incluiu o inciso VII, ao § 2º do art. 157, prevendo
novamente o aumento de 1/3 (um terço) até metade, se a violência ou grave
ameaça é exercida com o emprego de arma branca.
Dessa forma, em respeito ao princípio da proporcionalidade,
coexistirão dentro do ordenamento penal as duas majorantes: (i) de 1/3 (um
terço) até metade, se a violência ou grave ameaça for exercida com emprego
de arma branca; e, (ii) de 2/3 (dois terços) se a violência ou grave ameaça for
exercida com o emprego de arma de fogo.

363
Assim, com a coexistência de ambas as causas de aumento de pena, a
intenção do legislador em criminalizar com muito mais rigidez o crime de
roubo com o emprego de arma de fogo, foi alcançado, sem que se retire o juízo
de reprovação quando da utilização de arma branca.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Câmara dos Deputados. Parecer do Relator, Dep. Léo


Moraes. Brasília. 2019. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=
1847656&filename=Tramitacao-PL+10541/2018. Acesso em: 10 de março
de 2020.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Regimento Interno, estabelecido


pela Resolução n. 17, de 1989. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/regimento-
interno-da-camara-dos-deputados/arquivos-
1/RICD%20atualizado%20ate%20RCD%2012-2019.pdf. Acesso em: 10 de
março de 2020.

BRASIL. Casa Civil. Constituição Da República Federativa Do Brasil


De 1988. Brasília. 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.ht
m. Acesso em: 11 jan. 2019.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código


Penal. Rio de Janeiro. 1940. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm.
Acesso em: 09 jan. 2019.

BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução


Penal. Brasília. 1984. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm. Acesso em: 10 jan.
2019.

BRASIL. Lei nº 13.654, de 23 de abril de 2018. Altera o Decreto-Lei nº


2.848, de 7 dezembro de 1940 (Código Penal), para dispor sobre os crimes de
furto qualificado e de roubo quando envolvam explosivos e do crime de roubo
364
praticado com emprego de arma de fogo ou do qual resulte lesão corporal
grave; e altera a Lei nº 7.102, de 20 de junho de 1983, para obrigar
instituições que disponibilizem caixas eletrônicos a instalar equipamentos que
inutilizem cédulas de moeda corrente. Brasília. 2018. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2018/Lei/L13654.htm. Acesso em: 09 jan. 2019.

BRASIL. Lei nº 13.964, de dezembro de 2019. Aperfeiçoa a legislação


penal e processual penal. Brasília. 2019. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-
2022/2019/Lei/L13964.htm#art2. Acesso em: 10 mar. 2020.

BRASIL. PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 149, DE 2015. Altera o


Código Penal para prever aumento de pena para o crime de roubo praticado
com o emprego de arma de fogo ou de explosivo ou artefato análogo que cause
perigo comum. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-
getter/documento?dm=585251&ts=1543012782350&disposition=inline.
Acesso em: 11 jan. 2019.

BRASIL. PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 279, DE 2018. Modifica o


Decreto Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para
reestabelecer para o crime de roubo a causa de aumento de pena do emprego
de arma. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-
getter/documento?dm=7742111&ts=1543010455082&disposition=inline.
Acesso em: 11 jan. 2019.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 6ª Turma. Agravo em Recurso


Especial nº 1.249.427. Rel. Des. Maria Thereza de Assis Moura. DJe 29
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula 611: Transitada em julgado


a sentença condenatória, compete ao Juízo das execuções a aplicação
de lei mais benigna. Data da Aprovação: 17 out. 1984.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral, Volume I. 19. ed.
Rio de Janeiro: Impetus, 2017.

365
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial, Volume II:
Introdução à Teoria Geral da Parte Especial: Crimes Contra a Pessoa. 14. ed.
Rio de Janeiro: Impetus, 2017.

MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado: Parte Especial – vol. 2.


11. ed. São Paulo: Método, 2017.

PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA. AVISO Nº 162/2018 – PGJ, DE


03 DE MAIO DE 2018. Disponível em:
http://biblioteca.mpsp.mp.br/phl_img/avisos/162-aviso%202018.pdf.
Acesso em: 10 jan. 2019.

RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça de. 6ª Câmara Criminal.


Apelação Crime Nº 70077834588. Rel. Des. Ícaro Carvalho de Bem
Osório. DJe 11 dez. 2018. Disponível em:
http://www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/download/exibe_documento_att
.php?numero_processo=70077834588&ano=2018&codigo=2112469.
Acesso em: 11 jan. 2019.

SÃO PAULO, Tribunal de Justiça de. 4ª Câmara de Direito Criminal.


Apelação Criminal com Revisão nº 0022570-34.2017.8.26.0050.
Rel. Des. Edison Brandão. Disponível em:
https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=11427712&cdForo=
0. Acesso em: 10 jan. 2019.

SÃO PAULO, Tribunal de Justiça de. Órgão Especial. Incidente de


Arguição de Inconstitucionalidade nº 0017563-80.2018.8.26.0000.
Rel. Des. Alex Zilenovski. DJe 26 out. 2018. Disponível em:
https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=11949317&cdForo=
0. Acesso em: 10 jan. 2019.

366
BIOPOLITICA EM FOUCAULT E AGAMBEN NA SOCIEDADE DE
SEGURANÇA E SUA RELAÇÃO COM O DECRETO 7053/2009

Adriana de Lima Batista1


René Dentz2

RESUMO
O artigo cerifica-se no conhecimento sobre Biopolítica em Michel Foucault e
Giorgio Agamben, demonstrando a concepção de ambos os autores e as
técnicas de intervenção aplicadas na sociedade contemporânea. objetivo geral
identificar as formas através das quais o Estado contemporâneo promove
intervenções biopolíticas na sociedade, apoiando nas reflexões de Foucault e
Agamben acerca da temática. O método utilizado foi uma pesquisa teórica
básica qualitativa bibliográfica e documental. Conclui-se que o conceito de
biopolítica do filosofo Agamben apresenta uma concepção diferente da de
Foucault, Agamben acredita que não há um rompimento com a questão da
soberania e para Foucault a biopolítica tinha como alvo o indivíduo e a
população.

Palavras-chave: Biopolítica Foucault/Agamben, Técnica de intervenção,


Biopoder, Sociedade e segurança.

INTRODUÇÃO

O artigo consiste em aprofundar no conhecimento sobre biopolítica3


em Foucault e Agamben no Estado Contemporâneo e sociedade de segurança,
para isso, pretende-se demonstrar na concepção de ambos os autores as

1 Graduada em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Pós
graduada em Atendimento Integral a Família pela Universidade Veiga de Almeida do Rio de
Janeiro, Especializada Gestão de políticas públicas de Etnia, Raça e Gênero pela Universidade
Aberta do Brasil/ Universidade Federal de Ouro Preto
2 Ph.D. Psicanalista, Professor Titular da UNIPAC/Mariana, Pesquisador do International

Institute for Hermeneutics/ Alemanha, Pesquisador do Grupo de Pesquisa CAPES Interfaces


na Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte, Ph.D. Freiburg Universität/Suíça.
3 Biopolítica é o termo utilizado por Foucault para designar a forma na qual o poder tende a se

modificar no final do século XIX e início do século XX. As práticas disciplinares utilizadas antes
visavam governar o indivíduo. A biopolítica tem como alvo o conjunto dos indivíduos, a
população.
367
técnicas de intervenção aplicadas na sociedade, em relação ao Decreto nº
7053 de 2009, além de identificar as formas através das quais o Estado
Contemporâneo promove intervenções Biopolíticas na sociedade.
O presente trabalho tem por objetivo geral identificar as formas
através das quais o Estado contemporâneo promove intervenções biopolíticas
na sociedade, apoiando nas reflexões de Foucault e Agamben acerca da
temática.
Estabeleceram-se ainda quatro objetivos específicos, o primeiro é
demonstrar como o Estado contemporâneo controla e utiliza as técnicas
biopolíticas na sociedade, o segundo é analisar como é utilizada as técnicas
biopolíticas no Decreto nº 7053 de 2009, o terceiro foi comparar as teorias
biopolíticas desenvolvidas por Foucault e Agamben e o quarto foi analisar os
posicionamentos dos dois em relação ao Decreto mencionado acima.
A biopolítica é assunto importante para pesquisa acadêmica nos
remete a depreender como o Estado utiliza suas técnicas de biopoder4 para
intervir no corpo, na vida e na sociedade contemporâneo, por isso é mérito da
filosofia do direito indagar sobre o uso dessa tecnologia de poder que
disciplina e controla a vida dos indivíduos. Sendo também, um importante
nos tempos atuais, porque no Estado contemporâneo e na sociedade de
segurança as técnicas de biopoder se intensificaram e o controle se estendeu
para fora das instituições, controlando o corpo e a vida em sociedade. Neste
sentido, a teoria de Foucault e Agamben demonstra como as técnicas de
biopoder controla a sociedade.
O artigo tem como base a categoria de pesquisa básica, teórica básica
qualitativa bibliográfica e documental. A pesquisa bibliográfica será realizada

4 Biopoder é um termo criado originalmente pelo filósofo francês Michel Foucault para referir-
se à prática dos estados modernos e sua regulação dos que a ele estão sujeitos por meio de "uma
explosão de técnicas numerosas e diversas para obter a subjugação dos corpos e o controle de
populações".

368
através de análise de material já publicado como livros, artigos
disponibilizados pela internet. E na categoria documental a pesquisa terá
como base o Decreto 7053 de 2009.
O método de pesquisa será o comparativo, porque vai comparar e
apoiará nas reflexões de Foucault e Agamben sobre biopolítica no Estado
contemporâneo e as técnicas de intervenção na sociedade contemporânea.
A pesquisa foi realizada e desenvolvida da seguinte forma: primeiro o
estudo da teoria biopolítica de Foucault e Agamben e análise de material
publicado, o segundo será análise do decreto nº 7053 de 2009 e sua relação
com a teoria biopolítica de Foucault e Agamben e o terceiro com base neste
estudo identificar como o Estado promove intervenções biopolíticas na
sociedade.
A fundamentação teórica desse artigo apresenta uma revisão da
biopolítica, as Teorias Biopolítica em Foucault e Giorgio Agamben, O Estado
Contemporâneo e a utilização de técnicas biopolíticas na sociedade de
segurança e a análise da utilização das técnicas biopolíticas em Foucault e
Agamben. Entre os estudiosos do tema do trabalho, que merecem destaque
Agamben (2010), Foucault (1976), Foucault (1988) e Foucault (2008).

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

De acordo com Lakatos e Marconi (2010) o referencial teórico das


condições de pesquisar sobre o problema, conhecendo os fundamentos da
verdade, enfocada e seus aspectos, através de estudos e pesquisas já
realizados, com a função de provar ou negar, delimitar e dividir conceitos,
justificando e auxiliando a interpretação de técnicas, resultados ou
conclusões.

369
Nesse sentido, apresenta-se nos subcapítulos a seguir, a biopolítica, as
teorias biopolítica em Michel Foucault e Giorgio Agamben, o estado
contemporâneo e a utilização de técnicas biopolíticas na sociedade de
segurança e análise da utilização das técnicas biopolíticas no Decreto 7053 de
2009 em Michel Foucault e Giorgio Agamben.

BIOPOLÍTICA

O estudo da biopolítica é importante para a sociedade, tem uma


relação entre os seres humanos e suas dimensões políticas, sociais,
envolvendo a população e os indivíduos. A partir da criação das técnicas de
biopoder os dispositivos disciplinares se intensificaram e o controle
ultrapassou para fora das instituições como igreja, escola, redes sociais por
meio do corpo social em estado permanente de alienação.
Para Foucault uma das características adquiridas no século XIX, foi a
ascensão da vida pelo poder no qual, o homem vive com o que se dominaria
estatização do biológico. Essa foi a mais importante transformação política do
século XIX. Este seria então o direito de soberania que é ter domínio sobre a
forma que se vive (FARIA, 2014).
Na sociedade de segurança com o surgimento da condução de um
poder autoritário e estabelecedor, que se concentra no Estado e administra
com a pretensão de controlar a trajetória de vida da população, o poder
soberano governa transmitindo a percepção de que vai melhorar o destino da
população, assim, aumentando a duração da vida e a saúde do indivíduo. O
governo utiliza para isso instrumentos e objetivos que se fundamentam na
própria população fazendo indiretamente campanhas, estimulando e
controlando o indivíduo sem que ele perceba, dirigindo os fluxos
populacionais para certas regiões e atividade (ÂNGELO, 2013).
370
As campanhas do governo constituem um meio eficaz de esclarecer e
conscientizar a população sobre as ações do governo, em contrapartida a
população também súplica aos governantes que resolvam os problemas
advindos do dia a dia.
Neste sentido, percebe-se que o capitalismo teve sua primeira
conquista quando socializou o corpo como objeto, tendo o controle da
sociedade, porque sobre os indivíduos não se opera pela consciência ou
ideologia, mas pelo corpo com corpo, assim a sociedade capitalista investiu no
biológico, ou seja, passou a controlar a medicina e toda forma de governo
dando a direção que proporcionaria a ter o controle absoluto sobre a
biopolítica (ÂNGELO, 2013).
De acordo com Foucault (2008) o ser humano se transforma em uma
massa de manobra, ele descreve que:

[...] O corpo humano entra numa maquinaria de


poder que o esquadrinha, o desarticula e o
recompõe. Uma “anatomia política”, que é também
igualmente uma “mecânica do poder”, está
nascendo; ele define como se pode ter domínio
sobre o corpo dos outros, não simplesmente para
que façam o que se quer, mas para que operem como
se quer, com as técnicas, segundo a rapidez e a
eficácia que se determina. A disciplina fabrica assim,
corpos submissos, exercitados e corpos “dóceis”. A
disciplina aumenta as forças do corpo (em termos
econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas
forças (em termos políticos de obediência)
(FOUCAULT,2008, p.119).

O poder na biopolítica é uma relação que se impõe sobre a obediência,


a mando de um Estado de dominação, utilizando estratégias e técnicas sutis
de adestramento no corpo, no agir e pensar. A ideia de liberdade e igualdade é
falsa, não somos todos iguais, para conseguir a submissão dos corpos e a
371
disciplina é preciso afirmar, os valores liberais burgueses que conforme
Foucault (1988) designa que:

A “sociedade de segurança”, as sociedades


modernas, em que as técnicas biopolíticas estão
inseridas nos cálculos do governo. Essa nova forma
de organização social marcou uma ruptura no
discurso científico, com a valorização do saber,
indispensável para o regime de poder, nos campos
da medicina e da estatística. É através deles que o
biopoder é instrumentalizado, permitindo que o
Estado atue biopoliticamente5. A ordem jurídica
integra-se cada vez mais ao conhecimento médico,
promovendo uma intervenção reguladora na vida
dos indivíduos (FOUCAULT, 1988, p. 135).

Segundo Foucault, o biopoder é uma tecnologia que por meio de


técnicas e mecanismos são desenvolvidas a partir de um saber, que dá a
direção física, política e sobre a trajetória do ser humano na espécie humana
(FOUCAULT, 1999). Assim sendo, o Estado tem acesso ao indivíduo.
Podendo então o Estado regular a natalidade e mortalidade, assim, como toda
a forma que dá características a formação da sociedade, etc.
Portanto, na sociedade moderna, o poder é justificado racionalmente,
por meio da saúde, higiene, alimentação, sexualidade, natalidade e dos
costumes, pois é preocupação do Estado. O biopoder emerge pela
governamentalidade, através de instituições, no agir e pensar para exercer o

5Deleuze, partindo dos ensinamentos de Foucault, desenvolve a ideia de sociedade de controle.


Deleuze demonstra que o momento de “crise” da sociedade disciplinar corresponde a uma
modificação do próprio modo de produção capitalista: se a disciplina é característica do
capitalismo de produção e de concentração (característico do século XIX e de boa parte do
século XX), o controle marca o momento do capitalismo da “sobre produção” (mais voltado à
venda de serviços e à compra de ações). Contudo, o aporte teórico a respeito das sociedades de
segurança é ainda bastante frutífero enquanto instrumento de análise do Estado
contemporâneo e, sobretudo, revela-se adequado para os objetivos ora perseguidos
(FONSECA, 2004, p. 269-274). Ainda, sobre a crise da sociedade de segurança, cf.
GUANDALINI JUNIOR, 2006, p. 75-78.
372
poder na população e no indivíduo, por isso a economia é vista como saber
importante e os dispositivos de segurança seria um instrumento técnico
importante (FOUCAULT, 1999, p. 289-290).
O biopoder se realiza em sua plenitude no horizonte de uma
sociedade de controle, porque a nova sociedade que esta sucedendo as velhas
sociedades disciplinares e diferem da última em alguns aspectos, todavia a
sociedade de controle pode ser caracterizada por uma intensificação e uma
síntese dos aparelhos de normatização e disciplinariedade dos aparelhos que
internalizam nossas práticas diárias e comuns (REIS, 2008).
Esses fundamentos que o biopoder tem sobre a vida, acontece e se
desenvolve com o capitalismo e o poder do Estado, que promove o controle
sobre a vida. Assim, as instituições do poder do Estado garantem o
desenvolvimento das força de produção no capitalismo, por outro lado a
anátomo política6 e o biopoder cria um novo leque com viés econômico,
caracterizando-se por meio do exercício e controle sobre todo o tipo de
produção e o seu crescimento, seja, ela dá vida ou da morte, articuladas as
expansão da produção, instaurando, assim, o elo entre o biológico e o político,
porque o desenvolvimento do conhecimento permitiu fazer frente as
catástrofes demográficas, a fome e as epidemias que causavam doenças e
percas na agricultura. Dessa forma, com o desdobramento da biopolítica o
homem ocidental aprendeu a ter um corpo e condições de existência, saúde
individual e coletiva, probabilidade de vida (REIS, 2008).
Neste sentido, à vida torna-se objeto de intervenções de poder e
controle realizado pelo saber poder, que por tecnologias políticas vão

6A anatomia patológica se tornou uma ciência com o objetivo de conhecer as alterações visíveis
que o estado de doença produzia nos órgãos do corpo humano. Isso fez com que a mudança do
saber médico do século XVIII gerasse a percepção de algo atrás do visível, além de descobrir a
doença na profundidade do corpo (FOUCAULT,2011).
373
instaurar a biopolítica que vai se voltar para a forma de conduzir e o modo de
morar e hábitos higiênicos (REIS, 2008).
Agamben assinala, que existe uma direção que orienta a decisão sobre
a vida e que pode torna-se decisão sobre a morte isso ocorre no novo Estado
criado pelo biopoder. Nesse sentido, a biopolítica pode converte-se em
tanatopolitica7, é uma linha ampla que se desloca para a vida social, em que o
soberano entra cada vez mais em simbiose com o jurista, médico, cientista.
Não existe uma diferença entre biopoder e poder soberano, pois a
característica deste poder tem uma associação particular com a vida, cuja
relação mais próxima é da exceção. A soberania expõe a vida, a violência e
consequentemente ao poder de morte, a prática da soberania exerce inclusão e
exclusão que já é uma pratica do Estado de exceção que se encontra na
natureza do exercício de soberania (RADOMSKY, 2015).
Dessa forma, a exceção constitui uma forma de controle do direito e a
vida sobre a direção do poder soberano, por isso, Agamben acredita que o
dispositivo é maior e derivado do que o conceituado por Foucault
(RADOMSKY, 2015).

AS TEORIAS BIOPOLÍTICA EM MICHEL FOUCAULT E GIORGIO


AGAMBEN

7 Tanatopolítica, literalmente, é a política que gere a morte. Esta seria uma possibilidade
analítica oferecida por Agamben (2010), ao fazer uma releitura de Foucault, juntando ao seu
quadro interpretativo reflexões de Arendt e alguns teóricos do Direito. Para entender o
conceito de tanatopolítica, o homo sacer é indispensável. Figura do Direito romano que era
matável, mas não
sacrificável. Isso devido à sua condição ambígua, que o colocava em uma classificação de pessoa
diferente das demais. Segundo a lógica daquela época, o homo sacer ou “homem sagrado”: “[...]
não pode ser objeto de sacrifício, de um sacrificium, por nenhuma outra razão além desta,
muito simples: aquilo que é sacer já está sob a posse dos deuses ínferos, portanto, não há
necessidade de torná-lo tal com uma nova ação [...]” (KERÉNYI, 1951,p:76 apud AGAMBEN,
2010: 75).

374
Conforme Foucault, a nova ordem imposta pelas transformações
políticas e econômicas no ocidente, da segunda metade do sec. XVlll e início
do Sec.XIX, foi o momento em que se estabeleceu o desenvolvimento da
biopolítica e as técnicas disciplinares do biopoder. Sendo assim, os governos e
poderes institucionais construíram corpos dóceis e úteis, submissos,
adestrado com a objetivo de fortalecer o corpo em termos socioeconômicos, e
diminuir em termos políticos e de obediência. O Estado promove uma ação na
vida biológica e na população, nasce então às políticas públicas que provocam
sutis intervenções, na sociedade moderna de segurança com o objetivo de
cuidar da saúde e educação das pessoas. Assim, segundo Foucault surge à
estatística, pois essa tecnologia possibilitou análises mais específicas da
população como taxa de natalidade, mortalidade, endemias, epidemias que
causam problemas sociais para o capitalismo (FOUCAULT,1988).
De acordo com Foucault (1988, p.134), o homem ocidental:

Aprende pouco a pouco o que é ser uma espécie viva


em um mundo vivo, ter um corpo, condições de
existência, probabilidade de vida, saúde individual e
coletiva, forças que se podem modificar, e um
espaço em que se pode reparti-las de forma
satisfatória. Pela primeira vez na história, sem
dúvida, o biológico reflete-se no político; o fato de
viver não é mais esse sustentáculo inacessível que só
emerge de tempos em tempos, no acaso da morte e
de sua fatalidade: cai, e parte, no campo de controle
do saber e de intervenção do poder
(FOUCAULT,1988, p.134).

Portanto, a biopolítica seria uma tecnologia de poder utilizada pelo


governo, no qual a população integra o cálculo de governo do poder. Essa
tecnologia de poder que antes utilizava práticas disciplinadoras para governar
o indivíduo, agora se utiliza de técnicas de biopoder para o adestramento dos

375
corpos, para torná-los subjugáveis, o biológico reflete no âmbito político.
Assim, tendo como alvo a população com justificativa de atender a uma nova
ordem econômica imposta pelo capitalismo, na sociedade moderna de
segurança.
Para Agamben (2010) a vida é qualidade do objeto pelo poder
soberano e assim, a reduz puramente a vida biológica, pronta para ser
governada pelo poder, isto é, vida nua que significa mera existência biológica.
Segundo Aristóteles o homem como outro ser vivente é Zóe8, em razão de sua
qualidade, em relação aos outros seres viventes que não tem a linguagem, e
tem a existência política o que torna possível o homem passar de Zóe a
PolitikonZôon9, ou animal político e com isso possibilitando a vida política
(bios políticos).
Nesse sentido, Agamben (2010) discorda que a política desde
Aristóteles é biológica, não do século XVIII como afirma Foucault, porque é
uma característica que se promove e exerce o controle, o Estado cuida da
segurança do nosso corpo.
Dessa forma, pode-se dizer conforme (AGAMBEN,2010, p.14) que:

A produção de um corpo biopolítico é a contribuição


original do poder soberano. A biopolítica é, nesse
sentido, pelo menos tão antiga quanto à exceção
soberana. Colocando a vida biológica no centro de
seus cálculos, o Estado moderno não faz mais,
portanto, do que reconduzir à luz o vínculo secreto
que une o poder à vida nua, reatando assim,
(segundo uma tenaz correspondência entre
moderno e arcaico que nos é dado verificar nos

8Zóe, significa a vida completa e absoluta que pertence a Deus, a vida real e genuína, a vida
activa e vigorosa.
9Aristóteles dizia que o homem normal é um zoonpolitikon, ou seja, um animal (zoon)

político(politikon), um ser que vive para a cidade, para a sociedade. Quem vivia isolado, ou era
uma besta (totalmente animal) ou um deus (totalmente racional).
376
âmbitos mais diversos) com o mais imemorial dos
arcana imperii10 (AGAMBEN,2010,p.14).

No entanto podemos afirmar que Foucault e Agamben versam que o


sujeito e a sociedade são comandados pelo Estado, e assim, estamos
submetidos à lei, a um poder central. Foucault acredita que por isso o
problema do século é por que somos governados demais, existe, portanto, um
excesso de obediência. Assim, acreditamos que a obediência está relacionada
a ser virtuoso, então não podemos atribuir os grandes problemas da sociedade
aos governos, mas sim pelos que são governados. Foucault ainda ressalta a
experiência nazista na Alemanha e o Stalinismo na Rússia, que se escreveram
dentro da lógica ocidental, e que não é diferente da democracia, esta ideia é
compartilhada com Agamben que juntamente com Foucault conclui que a
lógica ocidental não acabou e como exemplo tem a prisão de Guantánamo nos
Estados Unidos11, outro exemplo seria o de eliminar morador de rua para
eliminar o problema (AGAMBEN, 2010).
De acordo com, Foucault o homem é um animal político, sua vida está
em jogo e o Estado garante a nossa vida biológica, no entanto Agamben
acredita que ao invés de haver uma ruptura entre o poder soberano e a
população, ocorre uma contribuição na biopolítica pelo poder do soberano,
sobre a produção do corpo biológico, pondo a vida biológica no centro de seus
cálculos, sendo o Estado de exceção formador desta estrutura jurídica que
normatiza a política e a ação social. O Estado de exceção supõe uma decisão

10Arcana imperii. Mágicos, místicos, videntes, fazem do segredo a alma do negócio. Se tudo é
nítido, visível a olho nu, a magia é apenas truque e as vidências, lances de probabilidade.
11A Prisão de Guantánamo, oficialmente Campo de Detenção da Baía de
Guantánamo (em inglês: Guantánamo BayDetentionCamp), é uma
prisão militar estadunidense, parte integrante da Base Naval da Baía de Guantánamo, que, por
sua vez, está incrustada na baía homônima, na província também homônima, na ilha
de Cuba. "Missão Guantânamo: Cronologia" - NationalGeographicChannel, 5 de
abril de 2009.

377
soberana que interrompe a normatização da vida, neste sentido, essa não pode
ser exercida pela vida (AGAMBEN,2010).
O filosofo Agamben influenciado por algumas análises de Hannah
Arendt ampliou o conceito de biopolítica de Michel Focault, e compreendeu
que a Biopolítica faz parte integrante do poder soberano, que tem como
característica a decisão sobre o estado de exceção, ou seja, estar dentro ou
fora da lei, o autor em sua obra; Homo Sacer, o poder soberano e a vida nua,
versa a existência na biopolítica de um rompimento com a soberania ,
afirmando que a tecnologia de poder é uma contribuição do poder soberano
(SOUZA, 2014).
Pode- se afirmar, que a produção de um corpo biopolítico é a
contribuição original do poder soberano, a biopolítica é tão primaria quanto a
soberania. Ao acrescentar a vida biológica na direção dos cálculos, o Estado
moderno reconduz á luz o vínculo secreto que une o poder à vida nua,
reatando uma correspondência entre o futuro e o passado dando condições de
averiguar nos âmbitos mais pluralista com o mais imemorial do arcana imperii
(SOUZA, 2014).
Portanto, não há uma ruptura entre o biopoder e o poder soberano,
tem-se uma estrutura originária de poder que se relaciona profundamente
com a vida, tendo uma relação muito próxima com da exceção. O poder
soberano ocasiona um jogo de inclusão e exclusão, entre o direito e a vida com
a decisão característica do estado de exceção (SOUZA, 2014).
A utilização de um dispositivo qualquer generalizando, segundo
Agamben seria qualquer coisa que tenha modo gestos e condutas, opiniões e
discursos dos seres humanos que se compõem de duas classes: seres viventes
ou substâncias, e seres dos dispositivos. O dispositivo é generalizado de forma
a coincidir com toda governabilidade da vida, sendo esses meios não somente
no panóptico destacado por Foucault as prisões, escolas, o direito, a

378
linguagem, industrias, ensino, decisões jurídicas, que se originam nas coisas
comuns como, as novas tecnologias. Agamben chama literalmente de
dispositivos qualquer coisa que tenha capacidade de capturar, modelar,
assegurar os gestos, condutas e opiniões dos seres viventes e eles implicam em
um processo de subjetivação (CANDIOTTO, 2012).
Para Foucault dispositivos são operadores materiais do poder, ou
seja, são técnicas e estratégias de assujeitamento utilizadas pelo poder,
portanto perceber o dispositivo da biopolítica em ação, além de explicitar
exercícios da micropolítica cotidiana, e também entender a gestão do Estado
em ação e as relações que produzem a subjetivações, ao enquadrar indivíduos
ou cidadãos como usuários do sistema que é composto de saber, poder e
estratégias, de acordo com Agamben entende que Foucault demonstrou numa
sociedade disciplinar que os dispositivos tem por finalidade de manipulação
com discursos de saberes, de exercícios, originando indivíduos fáceis de
manipular embora sejam livres para que assumam sua liberdade no processo
de assujeitamento. O dispositivo assim, se caracteriza por criar meios pelo
qual o governo possa, manipula-los (GONÇALVES, 2016).
A definição fundamental biopolítica de Agamben, torna-se uma local
das diretrizes políticas do Estado Moderno que converte o poder soberano
aos padrões regulamentadores do modelo jurídico institucional, através do
juiz, administrador, legislador, perito, cientista, decide-se de maneira objetiva
e instrumentalizadora sobre a vida e a morte de qualquer pessoa, podendo
medir, avaliar, atribuir valores até mesmo às partes do corpo (SOUZA, 2014).
O estado de exceção tem uma peculiaridade inseparável de atuação
junto ao poder soberano, que se orienta para manipular a vida. Nos
pensamentos de Agamben a exceção se torna uma teoria e não uma condição
definitiva do direito ao ser humano (SOUZA, 2014).

379
O pensamento de Agamben tem seu cerne no estigma do poder
soberano ao se relacionar com a vida, que estabelece uma forma essencial à
política, portanto, isso faz com que afaste a sua concepção Foucaultina de
poder soberano associado a ideia de natureza política calcada em uma
formação histórica. Nesse sentido, a biopolítica para Agamben assume uma
posição ontológica, porque a vida é formada pela experiência política no
ocidente, em que a partir de suas origens percebe-se às relações de poder
político, por outro lado Foucault questiona qualquer tipo de metafísica
apontando que a biopolítica surge historicamente a partir do século XVIII
(ABDALLA, 2010).
Ao adotar uma postura que exige necessidade de refletir sobre a nossa
tradição política histórica entre poder soberano e a vida nua. Dessa maneira, o
Estado contemporâneo caminha para discussões obscuras a manifestação do
poder à vida nua, fazendo uma conexão entre o passado e o futuro nos
âmbitos mais diversificados de manifestação em relações de poder.
Caminhando no ponto entre o modelo jurídico-institucional e o modelo
biopolítico do poder (AZEVEDO, 2013).
É evidente no pensamento biológico de Agamben que a vida nua é um
local de decisões políticas do soberano, local em que o Estado Moderno
converte aos padrões regulamentadores do modelo jurídico institucional e se
manifesta pelo magistrado de maneira objetiva e instrumentalizadora, é
possível decidir sobre a vida e a morte de qualquer pessoa e atribuir valores,
avaliar, medir inclusive as partes do corpo, de acordo com o melhor meio
conferindo á vida uma valorização do sistema capitalista, cuja a sociedade de
consumidores são mercadorias de consumo, porque todos podem primeiro
virar mercadoria para depois se tornarem sujeitos, assim, toda mercadoria é
vendável (CANDIOTTO, 2012).

380
A completitude jurídica institucional, ocorre ao lado do modelo
biopolítico do poder soberano na ocasião em que o moderno insere a vida
biológica, na política o poder soberano passa a governar sobre a vida como
ditador normalizador, sendo assim, torna-se possível estabelecer a vida
convertendo em um padrão de variáveis mutáveis para poder aprendê-la em
uma única totalidade (SOUZA, 2017).
No entanto, ao retomar ao início da vida nua sobre aos olhos da
biopolítica e o poder soberano moderno, a vida nua se assemelha com o
significado de zoé, que é uma vida que biologicamente desnudada, despedida
de qualidades mutável, insacrificável semelhante a vida do Homo Sacer.
Contudo, neste ponto há uma divergência entre Foucault e Agamben,
porque o biopoder na sociedade contemporânea tem o poder de deixar nascer
e deixar morrer com isso o biopoder se preocupa mais em fazer viver, produz
a sobrevida biológica a sua total nudez. A vida nua se iguala com a vida
biológica desqualificada, reduzida conforme sua utilidade, necessidade de
função, caracterizando a unidade de valor em moeda, como os produtos
disponíveis no mercado (SOUZA, 2014).
Deste modo, a biopolítica não significa somente a extensão de
biopoder manuseando a vida, mas controla o poder politicamente de formas
de vida. O filosofo italiano esclarece em uma de suas obras sobre a separação
da biopolítica em relação a soberania, porque a tecnologia de poder é uma
afirmação do poder soberano (SOUZA, 2017).
A produção de um corpo biopolítico é a contribuição original do
poder soberano, por isso a biopolítica é historicamente a base da vida
biológica no Estado moderno.
O questionamento do poder soberano para Foucault ficou sem sentido
desde o início da modernidade, porque outra tecnologia de poder ocupou a
sua parte no biopoder, então este se manifesta pelo poder disciplinar e pelo

381
biopolítico com a finalidade de promover a eficiência da vida, em deixar
morrer ou fazer viver que constitui característica do Estado Moderno,
diferente do Estado soberano que tem o controle sobre a vida ou morte. No
entanto para Agamben não existe uma diferença entre biopoder e poder
soberano, porque a estrutura que deu origem a este poder tem uma relação
profunda e peculiar com a vida, ou seja, a conexão mais próxima é da exceção,
sendo a soberania, a exposição da vida, à violência e ao poder de morte, o
exercício do poder soberano é de inclusão e exclusão inerente a todo
desempenho de soberania no estado de exceção (FERREIRINHA; RAITZ,
2010).

O ESTADO CONTEMPORÂNEO E A UTILIZAÇÃO DE TÉCNICAS


BIOPOLÍTICAS NA SOCIEDADE DE SEGURANÇA

As técnicas biopolítica são criadas em momento oportuno e de


necessidade, tornar-se estratégia de controle do “anormal”, para se tornar
“normal”, é preciso frequentar a escola. O Programa da Saúde da Família
(PSF) foi instituído para cuidar da família, dando uma resposta a sociedade.
Em relação a população de rua no país e baixa renda, foi publicado o Decreto
7053 de 2009 como resposta para a sociedade, esse estabeleceu que é preciso
reintegrar a pessoa as redes familiares e comunitárias, tendo como base a
Constituição Federal de 1988 Art.226 da CF/88, ou seja, o morador de rua é
alvo da aplicação da técnica biopolítica médica higienista, é preciso enquadrar
os “anormais" na normalidade do Estado. É possível concluir que a
população, é objeto do governo que a observará exercendo o controle da vida,
do corpo, do comportamento, ter a relação de habitantes, riquezas, da família
dos seus bens. “[...] eis, portanto, o que é governar e ser governado”
(FOUCAULT, 2009, p. 126-127).

382
Assim, é possível concluir que o grande problema da sociedade não
pode ser entendido pelo governo, mas sim pelo indivíduo e a população que é
governada, portanto, o indivíduo é fabricado através da educação. Essa ação
exercida no indivíduo e na população tem uma perspectiva neoliberal, assim,
afirmava Foucault que surge a biopolitização ou estatização do biológico a
transformação do poder sobre o indivíduo e o consequente acesso a vida das
pessoas.
As técnicas biopolíticas anátomo política, na espécie humana aplica-se
sempre à população agindo de modo que o poder passa a gerir os
agrupamentos humanos de modo a extrair deles maior força produtiva e evitar
inconvenientes políticos que como exemplo, o aumento da população de rua,
que tem grande visibilidade é preciso então usar a tecnologia de poder para
disciplinar os corpos e regular a vida, porque a população de rua é visto como
categorias sobrepostas socialmente. Neste contexto, a introdução da medicina
social tem o objetivo, como mecanismo de poder a higiene pública,
medicalização da população, e a possibilidade de neutralizar os efeitos
negativos em uma sociedade organizada e civilizada (GRAZIANO
SOBRINHO, 2008).
O desenvolvimento do capitalismo na metade do século XVIII só foi
possível ao garantir a inserção controlada nos corpos e no aparelho de
produção humana, através de ajustamentos dos pacote econômicos e
controle populacional que segundo Foucault se organiza em dois eixos
principais, o primeiro concentra no corpo como máquina que visa o
adestramento da utilidade e da docilidade do corpo e sua integração ao
sistema econômico, ou seja, disciplinas da anatomopolítica do corpo humano,
o segundo corpo, espécie de suporte dos processos biológicos a manutenção
da vida e suas características entram no domínio dos cálculos explícitos para
aplicação de técnicas biopolíticas, ademais a disciplina dos corpos e gestão da

383
população organiza um mecanismo geral de poder sobre a vida (DANNER;
OLIVEIRA, 2010).
Foucault relata que vigiar e punir conduz a um sistema de recompensa
pelas condutas almejadas, de vigilância e correção, que teriam a finalidade de
prevenção ou até mesmo a correção de condutas indesejáveis como exemplo
teríamos as escolas, empresas, hospitais, prisões. Entretanto esta técnica
biopolítica aplicada no corpo seria a ortopedia moral e a criação de um
indivíduo normalizado de acordo com os costumes morais e até mesmo do
comercio. O outro mecanismo de segurança atuaria na manutenção e zelo pela
vida de uma determinada população, em troca teria restrições de suas
liberdades e obediência a normas, e pagamento adequado de seus impostos.
Há também um outro tipo de dispositivo que opera no controle das mentes
com relação as aspirações e desejos, estes dispositivos são comuns em
sociedades desenvolvidas na qual, a escassez de material para trabalho, ou
seja, a indústria é composta de ampliação das organizações administrativas,
algumas são virtuais como; yahoo e Google, etc. Dessa forma, a crise do
Estado regulador é acompanhada pela mídia da propaganda e publicidade
cada vez mais interligados entre si. Nesse sentido, Agamben aponta que tudo
é formalizado e governável, fazendo com que a política tende a ficar em
segundo plano para fomentar uma economia, cujo alvo não é o ser político,
mas estender os demais níveis da vida particular e biológica (ANASTACIO,
2017).
A propósito com o nascimento do Estado Social as estratégias de
governo tem o foco na população, dessa forma, o crescimento industrial e
demográfico mudou a configuração das cidades europeias , cabendo ao estado
remodelar as novas demandas sociais e logo surge a preocupação em
desenvolver políticas públicas assistenciais, porque a maior parte da
população era composta por necessitados, indigentes, inaptos, carentes e

384
indesejáveis, que não tinham lugar determinado na estrutura social, por sua
vez o Estado vai construir uma série de mecanismos de controle sobre a vida
da população para tentar resolver os problemas modernos e fortalecer a
ordem social, quando surgem os indivíduos que necessitam de serem
assistidos pelo Estado (RIZZO JUNIOR, 2009).
Ao passo que com o surgimento das nações Estado não há mais a
preocupação em manter uma modalidade de governar, com base em uma série
de saberes e práticas, que vão surgir para realizar o assujeitamento da
população a partir de técnicas sutis de docilização da vida e suas
particularidades dos corpos, gestos, modos de vida, que proclamam a
longevidade da existência da espécie humana.
No Brasil nas últimas décadas, o Estado implantou o controle social,
através de políticas públicas, além disso, nos anos seguintes a constituição de
1988 foi possível observar que surgem com o objetivo de substituir
paulativamente a caridade, que era realizada pelas igrejas em estratégia do
estado e política de governo, como o Decreto 7053/2009 Política Nacional
para a População de Rua, que sobrevivem à margem do convívio da
sociedade, e estão sempre associados a enfermidades em condições total de
vulnerabilidade social (RIZZO JUNIOR, 2009).
Demasiadamente de fato, as políticas públicas de assistência social é
uma potência biopolítica no que refere-se ao seu quantitativo, de seus
equipamentos, para entender e compreender seu alcance e controle em
relação a população, pois tais políticas, visam atender o mercado liberal e com
a necessidade de inserir um maior número de pessoas atendidas pelas
políticas públicas, dessa forma, almeja a resolução imediata das situações
sociais, políticas e econômicas.
Todavia a população vai se tornar uma preocupação das tecnologias
de governo, na atualidade para dar conta do número elevado de indivíduos,

385
mas é preciso separa o indivíduo que não está submetido ao controle,
disciplina e segurança, ou seja, aqueles que podem resistir ás práticas de
biopoder, assim melhorar as condições da população, patrimoniais,
estendendo a vida e buscando dar um controle sobre a saúde, passando a ser
objetivos e regularidade do governo, as políticas de assistência são mais um
dispositivo de efetivação da biopolítica, sendo importante na efetivação de
um exercício de governo que se enlaça com os dispositivos disciplinares e de
segurança (RIZZO JUNIOR, 2009).

ANÁLISE DA UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS BIOPOLÍTICAS NO


DECRETO 7053 DE 2009 COM BASE NAS PERSPECTIVAS DE
FOUCAULT E AGAMBEN

As políticas públicas criadas são empregadas nos indivíduos, como


alternativa para controle das patologias, como endemias e epidemias que tem
a finalidade de preservar a vida e exercer o controle do corpo biológico das
pessoas e população, esta é uma técnica biopolítica utilizada pelo governo.
Essa tecnologia de biopoder é implantada com a justificativa de conforto na
vida dos indivíduos, com o controle da população e a finalidade de promover a
inclusão social (RIZZO JUNIOR, 2009).
O Estado estabelece a lei e as políticas públicas para exercer o
controle da vida, a saúde através da integração do saber, no pensar, o agir,
pois é preciso governar para o mercado, pois assim é possível operacionalizar
a política econômica na sociedade de segurança. O ser humano enquanto ser
econômico está envolvido no centro da dimensão do dinheiro. Neste
contexto, a sacralização da economia, aconteceu como se fosse natural, assim,
se estabelece que, Deus não morreu, se tornou dinheiro e com ele sou livre.
Foucault na primeira conferência da Crise de La medicine ou crise de
l´antimédicine? (Foucault, 1976) diz que:
386
o cristianismo, desde o império romano fez da alma
um dos objetivos da intervenção do Estado, já que
propôs a cuidar das almas e salvá-las. (...) o regime
sobre os quais vivemos hoje tem como uma das
finalidades da intervenção estatal o cuidado com o
corpo, a saúde corporal a relação de doença saúde
(FOUCAULT,1976, p.43).

Foucault ao estruturar seu pensamento do Nascimento da


Biopolítica, nos remete a estrutura de pensamento essencial para entender
não apenas a catacteristica corporal, assim, entender os mecanismos de
regulação da população, bem como adentrar na ideia de Tanatopolítica de
Agamben. a materialização de Homo Sacer nos dias atuais, marginalizados
pela sociedade humana em razão do que Foucault denomina biopolítica e
Agamben Tanapolítica, ou seja, o poder soberano de decidir quem tem o
direito ou não de viver, são pessoas insacrificáveis porém matáveis, e na
moderna interpretação de Homo Sacer nota-se o Estado como algoz
inimputável dos indivíduos cuja marginalização constitui um permanente
Estado de Exceção (AGAMBEN, 2010).

[...] Se, em todo Estado moderno, existe uma linha


que assinala o ponto em que a decisão sobre a vida
torna-se decisão sobre a morte, e a biopolítica pode
deste modo converter-se em Tanatopolítica, a tal
linha não mais se apresenta hoje como um confim fixo
a dividir duas zonas claramente distintas; ela é, ao
contrário, uma linha em movimento que se desloca
para zonas sempre mais amplas da vida social, nas
quais o soberano entra em simbiose cada vez mais
íntima não só com o jurista, mas também com o
médico, com o cientista, com o perito, com o
sacerdote [....] (AGAMBEN, 2010:119).

387
No Brasil o Decreto 7053/2009 trata-se de uma imposição do Estado
em sua soberania e posição intermediária entre a inclusão e exclusão, do
disciplinar, controlar utilizando os mecanismos de regulação da população,
por seguinte as situações de vulnerabilidade social que são produzidas pelo
capitalismo tendem a aparecer como importantes, para o desenvolvimento de
políticas públicas como a do decreto citado acima que visa atender a
população de rua. A sociedade moderna então irá se especializar em reparo,
de transformação do homem é preciso adaptá-lo ao convívio social, para o
convívio social construindo um corpo dócil e útil (BRASIL, 2008).
Ao Estado incumbe o papel de reorientar a vida em sociedade com a
finalidade de alcançar uma utilidade satisfatória, bens e riquezas a nação, e
assim a vida deve ser regulamentada. Outro objetivo é integrar um grupo
social marginalizado que nunca integrará totalmente o sistema na tentativa de
resolver os problemas sociais.
A política institucionalizada para o individuo em situação de rua,
então é uma técnica biopolítica utilizada no controle das rotinas diárias,
utilizando o dispositivo do acolhimento e gestão por meio de práticas
estratégicas com regulação diversas em seu aspecto individual e corpóreo, que
dizem respeito ao cálculo ou manipulação inserido em uma lógica estratégica
de dispositivos disciplinares. No andamento da biopolítica operando na
ocasião em que se define quem deverá ser atendido e ao mesmo tempo
estabelece rotinas disciplinares e as possíveis punições que caberá em caso de
desobediência (BRASIL, 2008).
O dispositivo tem, porém, uma coordenação estratégica de poder em
que os governantes utilizam para responder uma urgência. No entanto no
processo de interação do Estado com uma população existe a produção da
subjetividade, mas também durante essa relação que subjetividades são

388
construídas ativamente colocando estes sujeitos das políticas públicas, que são
manipuladas em seu favor dentro da perspectiva da Assistência Social.
As políticas sociais se tornam meio de exercer o biopoder e a
biopolítica, pois justificam o capitalismo, assim, o neoliberalismo tem como
base a biopolítica, além de conduzir os indivíduos ao processo de socialização
subjetivação dos indivíduos. O discurso neoliberal é que políticas públicas
visam promover a inclusão social contribuindo no processo de transformação
social e melhoria na qualidade de vida da população, por isso, segundo
Agamben onde tudo é normalizado a abertura da política cessa a sua ação
(BRASIL, 2008).
Dessa forma, no corpo social o biopoder é instrumentalizado, o que
permite o Estado atuar biopoliticamente, porque trata-se de um corpo social
formalizado e seus funcionamentos são baseados nos dispositivos de
segurança, esses definem, as técnicas de intervenção biopolítica. A população
de rua faz parte dessa gestão política da vida, porém, o Estado deixa a deriva,
mas normatiza, sendo esta regulação fundamental para o dispositivo de
segurança. A disciplina caracteriza um sofisticado sistema, iniciando pela
distribuição do indivíduo no espaço, empregando técnicas sequenciais e
interligadas como em colégios e quartéis, a utilização de um espaço que se
otimiza, na direção do ser humano pela vigilância e separação, conforme as
variáveis particulares, mas a vigilância não se verifica apenas em quartéis ou
escolas, mas também cidades, em bairros, em que possam residir
dependendo da sua condição social (FURTADO; CAMILO, 2016).
A vigilância enseja no conhecimento do indivíduo, e traz os anormais
para o ambiente vigiado disciplinar, porque controlar e punir os anormais
demonstra força e que os dispositivos disciplinares funcionam, ou seja, sua
individualidade é tolerada, mediante a vigilância e controle, porque da sua
vida e corpo extrai-se utilidade.

389
Portanto, podemos afirmar que na sociedade o ato de disciplinar,
controla o indivíduo a partir das ações do corpo, e com isso ocasiona o
comportamento almejado pelo poder. Além disso, o desenvolvimento da
medicina social veio dar assistência aqueles que em situação de rua. Foucault
ressalta que o capitalismo tendo se desenvolvido no início do século XIX
marcou em primeiro lugar o corpo, como meio de produção, o ser humano é
submetido a intervenção que afeta a vida como um todo, e influenciam no
comportamento, até mesmo em suas práticas sociais moderna que fazem do
indivíduo um verdadeiro objeto ajustando o seu comportamento a docilidade
e utilidade, conforme a convivência na instituição, foi assim que surgiu as
instituições modernas como escolas, quartéis, abrigos para população de rua
(SABOT, 2017).
Essas instituições se caracterizam por marcar um espaço fechado
local, em que os indivíduos são enclausurados por um determinado tempo ou
período e submetidos a técnicas de comportamento, isto é, normas que tem
como finalidade a conduta do indivíduo. Trata-se de um meio de sujeição, em
que o indivíduo é dirigido pelo sistema e obrigado a adotar a conduta que lhe
é imputada. Os abrigos oferecidos a população de rua impõem normas e
condutas que devem ser respeitadas, estabelecendo uma rotina normatizada e
controlada, pois o adestramento dos corpos, requer medidas de solução para
que os atos do ser humano alcance ao desejado pelo poder. A norma na
sociedade moderna tem maior validade do que a lei, prevalece como aspecto
fundamental do poder, já a lei é um controle ao indivíduo, por praticar
violação do ato considerado proibido, pois envolve o sentido da existência
humana. A norma funciona como um padrão culturalmente construído a
partir de um padrão estabelecido entre normais e anormais (ABDALLA,
2010).

390
A ideia de que é necessário compor normas para controlar os
anormais que incorpora logo, a degeneração que estabelece nas margens do
jurídico. Esses indivíduos, como afirma Agamben se situam na relação
simétrica do poder com o qual forma o sistema. Ela tem uma função
estratégica de confirmação da identidade de um grupo, porque a relação de
exclusão é de bando. Aquele que é banido não é colocado a parte da lei, mas é
abandonado por ela, exposto ou colocado em risco limiar em que a vida é
direito, mas o interno e externo se confundem (ABDALLA, 2010).
As mortes e o controle da população de rua, faz parte da biopolítica
racional presente na sociedade contemporânea, aponta Foucault. Nesse
sentido, há uma transformação na forma disciplinar, atuando pela segurança
dos fenômenos indispensáveis á vida nas cidades.
Logo existe, uma atenção ao controle dos fluxos, da circulação das
coisas e pessoas pelas cidades, ou seja, organizar e tirar o que há de perigoso
nela, separar a boa e a má.
Esse dispositivo de segurança ao qual menciona Foucault terá um
funcionamento diferente do disciplinar, criando e atuando em um meio
naturalizado por índices estatísticos e cálculo de custos.
Nesses dispositivos de segurança, não se tem o objetivo de o fim dos
roubos, das doenças ou assassinatos, mas o de manter uma frequência
conveniente de modo a se tronar insignificante, e mantê-los na esfera
individual. De modo que, as cidades fabricarão acontecimentos que devem ser
tratados como normais, é assim que as cidades produzem um espaço de
biopolítica de um meio normal no qual o ser humano é fabricado como
espécie (ABDALLA, 2010).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

391
A biopolítica e os fenômenos da regulação da vida humana circulam
globalmente, assim como as ideias, vontades e produtos dizia Foucault.
A coordenação dos corpos é uma das técnicas disciplinares que visam
os corpos individuais para torna-los úteis e dóceis até o século XVIII.
Contudo na sociedade moderna a biopolítica, através do biopoder
normatizador utiliza técnicas sutis de intervenção no individuo e na
população. Foucault faz uma distinção entre poder soberano em relação a
morte do individuo que o afronta. Antes o poder normatizador tinha o
objetivo de administrar a vida, e para isso precisou desenvolver e utilizar
mecanismos de regulação e correção que age no individuo, no entanto hoje
opera na sociedade por meio do dispositivo da disciplina e regulação. Dessa
forma, podemos ressaltar que ´é através dos dispositivos de segurança que a
vida da população é controlada globalmente, mas levando em consideração a
sua totalidade de casos que acometem, e não só os casos individuais, porque a
gestão do cálculo da vida, ocorre por meio de cálculo do custos, pois a
intervenção do Estado só acontecerá para alcançar os limites toleráveis, o
Estado não proíbe e nem obriga mas normatiza, e quer a população de rua
conforme os moldes da convivência almejada pelo Estado. os dispositivos de
segurança, portanto tem o objetivo de alcançar e favorecer o convívio social e
frear possíveis riscos a população.
Podemos enfatizar que Agamben acredita que na biopolítica não há
uma ruptura entre poder soberano e biopoder, a estrutura originaria de
ambos tem uma relação muito próxima com a exceção.
O conceito de biopolítica do filosofo Agamben apresenta uma
concepção diferente da de Foucault, acredita que não há um rompimento
com a questão da soberania, pois aquela tecnologia do poder é uma fonte de
poder soberano, apesar da questão do poder soberano para Foucault ter
havido perdido o sentido desde a modernidade, porque a outra tecnologia de

392
poder passou a fazer e ocupar o seu lugar no biopoder, entretanto para
Foucault o biopoder se demonstra através do poder de disciplinar, com a
finalidade de fazer viver ou deixar de morrer, o que caracteriza o Estado e
governo moderno diferente do Estado soberano, esse tinha direito de vida ou
morte, sobre ela fazendo morrer ou deixar viver. Portanto, para Agamben não
existe ruptura entre biopoder e poder soberano, mais entre poder soberano e
a biopolítica, porque deste poder advém, uma relação consistente e
diferenciada com a vida, sendo essa mais próxima, desencadeando a exceção.
A supremacia para o italiano pensador indica a exposição da vida a violência e
definitivamente o poder da morte e o exército do poder.
Para Foucault a biopolítica tinha como alvo o individuo e a população.
Nos estados contemporâneo e sua característica esta sujeita ao biopoder,
através de técnicas sutis que obtêm a subjugação dos corpos e o controle de
populações.

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www.univali.br/direitoepolitica. Acesso em: 15 janeiro 2018.

397
COMPREENSÃO DA PSICANÁLISE NA ALIENAÇÃO PARENTAL

Maraíza Souza Lima Sales e Silva 1


René Armand Dentz Junior 2

RESUMO

O presente artigo traz luz a reflexões acerca da psicanálise na Alienação


Parental. O objetivo deste estudo foi evidenciar que a Psicologia Jurídica
exerce grande influência nas ações que envolvem a Alienação Parental. O
trabalho em análise enquadra-se na categoria de pesquisa qualitativa
classificada como revisão de literatura acerca da Alienação Parental e os
impactos da psicanálise nesta. Torna-se possível concluir que a prática da
Alienação parental é um comportamento comum, porém nem sempre
identificado, mas que causa inúmeros prejuízos aos menores, afetando o seu
desenvolvimento emocional. É notável que o assunto ora tratado seja um
tanto delicado para se chegar a uma punição adequada valendo-se apenas do
Direito material, portanto, é necessário o auxílio da psicologia jurídica, em
especial da psicanálise para se apontar a gravidade de cada caso e, até que
ponto a Síndrome da Alienação Parental pode impactar no desenvolvimento
da criança ou adolescente alienado.

Palavras-chave: Alienação parental. Síndrome da Alienação Parental.


Psicanálise. Psicologia Jurídica.

INTRODUÇÃO

A alienação parental ocorre quando há uma interferência abusiva e


prejudicial na formação do menor por parte dos genitores ou qualquer pessoa
que tenha vínculo e influencie a quebra do elo entre o outro genitor e o menor
(FIGUEIREDO e ALEXANDRIDIS, 2014). O foco deste estudo é observar a

1 Graduanda do 10º período do Curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos de


Mariana.
2 Psicanalista, Pós-Doutor pela Freiburg Universität/Suíça, Professor Universitário do Curso de

Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana.


398
aplicação da psicanálise na alienação parental, através de uma revisão
bibliográfica.
Para tanto, a questão-problemática estudada que rege este artigo é o
entendimento de como a psicologia jurídica, com foco na psicanálise, auxilia
os casos que envolvem a Alienação Parental no direito moderno. Sendo assim,
o objetivo central foi evidenciar que a Psicologia Jurídica exerce grande
influência nas ações que envolvem a Alienação Parental.
Os objetivos específicos foram descrever a Alienação Parental, a
Síndrome da Alienação Parental (SAP), a Psicologia Jurídica, e demonstrar os
impactos da psicanálise nos casos que envolvem a Alienação Parental, por
meio da literatura.
Estudar os impactos da psicanálise nas decisões judiciais é de suma
importância, uma vez que sua implicação no direito moderno tem sido
recorrente. O presente estudo tende a contribuir com essa temática
abordando, para fins de revisão, qual o nível de impacto da psicanálise nos
casos de Alienação Parental tendo em vista que, as relações humanas vêm
sofrendo grande influência psíquica.
O tema em questão se justifica por servir de base para outros
trabalhos relacionados ao tema haja vista a importância de se discutir os
reflexos oriundos nos casos de Alienação Parental hoje tão constantes nas
relações familiares.
O trabalho em análise enquadra-se na categoria de pesquisa
qualitativa classificada como revisão de literatura por decorrer da
compreensão de uma pesquisa bibliográfica com base em livros e artigos
científicos já organizados (GIL, 2017) acerca da Alienação Parental e os
impactos da psicanálise nesta.

399
A presente pesquisa classifica-se pelo método indutivo uma vez que
não há uma teoria estabelecida, ou seja, uma legislação específica quanto aos
impactos da psicanálise nos casos de Alienação Parental.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

No primeiro momento discorrer-se-á sobre a Alienação parental, seu


conceito, sua fundamentação legal por meio da Lei 12.318/2010 e suas
consequências tal como a Síndrome da Alienação Parental (SAP), focado no
direito material. Num segundo momento, conceituar-se-á a psicologia jurídica
sob a ótica da psicanálise tendo em vista as afetações decorrentes das relações
cotidianas. E por fim, os impactos da Psicanálise nos casos que envolvem a
Alienação Parental.

2ALIENAÇÃO PARENTAL

A Alienação Parental foi definida no ano de 1985 por Richard


Gardner (2002), no entanto só veio a ser reconhecida no Brasil no ano de
2010 através da Lei 12.318, sancionada pelo então Presidente da República
Luis Inácio Lula da Silva, a qual dispõe em seu artigo 2º:

Artigo 2º - Considera-se ato de alienação parental a


interferência na formação psicológica da criança ou
do adolescente promovida ou induzida por um dos
genitores, pelas avós ou pelos que tenham a criança
ou o adolescente sob a sua autoridade, guarda ou
vigilância para que repudie genitor ou que cause
prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de
vínculos com este (BRASIL, Lei 12.318/2010).

400
O parágrafo único do artigo supracitado da referida lei, por meio de
seus incisos, deixa claro o que caracteriza a alienação parental, elencando uma
série de condutas conforme expõe:

Parágrafo único. São formas exemplificativas de


alienação parental, além dos atos assim declarados
pelo juiz ou constatados por perícia, praticados
diretamente ou com auxílio de terceiros:
I - realizar campanha de desqualificação da conduta
do genitor no exercício da paternidade ou
maternidade;
II - dificultar o exercício da autoridade parental;
III - dificultar contato de criança ou adolescente
com genitor;
IV - dificultar o exercício do direito regulamentado
de convivência familiar;
V - omitir deliberadamente a genitor informações
pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente,
inclusive escolares, médicas e alterações de
endereço;
VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra
familiares deste ou contra avós, para obstar ou
dificultar a convivência deles com a criança ou
adolescente;
VII - mudar o domicílio para local distante, sem
justificativa, visando a dificultar a convivência da
criança ou adolescente com o outro genitor, com
familiares deste ou com avós. (BRASIL, Lei
12.318/2010)

Além das condutas descritas no parágrafo único da Lei 12.318/2010,


também são considerados como práticas de Alienação Parental:

401
É a recusa de passar as chamadas telefônicas; a
passar a programação de atividades com o filho para
que o outro genitor não exerça o seu direito de
visita; apresentação do novo cônjuge ao filho como
seu novo pai ou mãe; denegrir a imagem do outro
genitor; não prestar informações ao outro genitor
acerca do desenvolvimento social do filho; envolver
pessoas próximas na lavagem cerebral dos filhos;
tomar decisões importantes a respeito dos filhos
sem consultar o outro genitor; sair de férias sem os
filhos e deixá-los com outras pessoas que não o
outro genitor, ainda que este esteja disponível e
queira cuidar do filho; ameaçar o filho para que não
se comunique com o outro genitor (FREITAS, 2015,
p. 27-28).

A Alienação Parental se dá através da interferência negativa por parte


de um dos genitores quanto à figura do outro genitor, uma vez que aquele que
a pratica, o alienador, muitas vezes se encontra inconformado ou descontente
com o fim do relacionamento e tenta, de forma errônea, destruir a imagem do
outro perante a criança ou adolescente, o alienado, sendo comum essa
situação quando os genitores se separam, e um deles, fica magoado com o fim
de um relacionamento conturbado.
Em casos como os citados, o cônjuge que permanece com a guarda,
procura afastar o outro genitor da vida do filho menor, até mesmo denegrindo
sua imagem, a fim de atingir o ex-cônjuge ou companheiro, não sabendo que
as consequências deste ato recairão sobre a criança. Tal comportamento gera
implicações comportamentais e psíquicas ao alienado, que passa a reproduzir
discursos agressivos sobre o outro genitor, motivados implicitamente pelo
alienador.
Dias (2013) define esse comportamento como: “a verdade do
alienador passa a ser verdade para o filho, que vive com falsas personagens de
uma falsa existência” (DIAS, 2013, p. 16). Sendo importante ressaltar que,
402
apesar da Alienação Parental ser comumente praticada por um dos genitores,
não são somente estes que a praticam, podendo ocorrer por parte dos
parentes, tutor ou qualquer outra pessoa responsável pela criança ou
adolescente, conforme preceitua o artigo 2º da Lei 12.318/2010.
Ainda sobre as definições da Alienação Parental, Dias (2013) explana
no sentido de que:

Muitas vezes, quando da ruptura da vida conjugal,


quando um dos cônjuges não consegue elaborar
adequadamente o luto da separação e o sentimento
da rejeição, de traição, surge um desejo de vingança
que desencadeia um processo de destruição, de
desmoralização, de descrédito do ex-companheiro.
Nada mais do que uma “lavagem cerebral” feita pelo
guardião, de modo a comprometer a imagem do
genitor, narrando maliciosamente fatos que não
ocorrem ou que não aconteceram conforme a
descrição dada pelo alienador. Assim, o infante
passa aos poucos a se convencer da versão que lhe
foi implantada, gerando a nítida sensação de que
essas lembranças de fato aconteceram. Isso gera
contradição de sentimentos e destruição do vínculo
entre genitor e o filho (grifo nosso). Restando órfão
do genitor alienado, acaba se identificando com o
genitor patológico, passando a aceitar como
verdadeiro tudo que lhe é informado (DIAS, 2013 p.
01).

A prática da Alienação Parental pode trazer consequências negativas


ao alienado perante a figura do seu genitor, uma vez que tem por objetivo
destruir um vínculo afetivo entre pais e filhos, fundamental para sua
formação, podendo ainda culminar em traumas psicológicos de difícil
reparação, também conhecida como a Síndrome da Alienação Parental (SAP).

403
“Desse modo, a alienação parental é um descumprimento dos deveres
inerentes ao poder familiar, que coloca em risco a saúde emocional e
psicológica da criança, devendo ser identificada a fim de garantir o melhor
interesse da criança e do adolescente e a sua proteção integral” (MACHADO,
2003).
É nessa perspectiva que se faz necessário recorrer à psicologia
jurídica, a fim de compreender a Síndrome da Alienação Parental que é o
dano sofrido pela criança causado por um de seus genitores ou responsáveis,
capaz de interferir na personalidade e no caráter do alienado, promovendo
um conflito emocional que pode ainda gerar, segundo preceitua Trindade
(2013) “ansiedade, baixa tolerância à frustração, alcoolismo, uso de drogas e,
em casos extremos, idéias e comportamentos suicidas que o sujeito poderá
expressar a dor advinda da alienação parental”.

SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL - SAP

A Síndrome da Alienação Parental (SAP) tem sua origem a partir da


separação litigiosa de casais em que um deles tende a denegrir a imagem do
outro genitor perante a criança ou o adolescente com a finalidade de que estes
passem a odiá-lo. Vítimas de alienação parental, alienados, tendem a afastar-
se de seu genitor.
Richard Gardner (2002, p.01) define a Síndrome da Alienação
Parental como um “distúrbio da infância que aparece quase exclusivamente no
contexto de disputas de custódia de crianças. Sua manifestação preliminar é a
campanha denigritória contra um dos genitores, uma campanha feita pela
própria criança e que não tenha nenhuma justificação.”
Tratando da palavra síndrome em sua forma etimológica, a mesma
pode ser definida como “1- conjunto de sintomas que caracterizam uma
404
doença” (FERREIRA, 2004), portanto, a esta deve ser dada a devida atenção
uma vez que toda doença deve ser tratada. A palavra alienação, em sua forma
etimológica, pode ser definida por “2-alucinar” (FERREIRA, 2004), ou seja,
privar-se da razão, do entendimento, desvairar, enlouquecer, assim, a
alienação pode ser definida como a perda da capacidade de entendimento do
alienado.
Tendo em vista as definições de síndrome e alienação, é importante
ressaltar que, apesar de estarem ligadas uma a outra, a Alienação Parental não
deve ser confundida com a Síndrome da Alienação Parental (SAP), uma vez
que a primeira, trata exclusivamente o afastamento do genitor da criança ou
adolescente por meio de uma falsa visão que o alienado passa a ter do seu
genitor, enquanto que a SAP está diretamente ligada ao lado emocional, mais
especificamente está ligada aos danos emocionais e sequelas que o alienado
possa apresentar em razão da prática da alienação.
A SAP pode ser classificada em três estágios, leve, moderado e severo.
No nível leve a criança alienada apresenta apenas algumas manifestações,
difíceis de serem identificadas. O nível moderado é considerado o nível mais
comum quando identificado, em que os sintomas são mais evidentes e ocorre
a difamação da outra figura familiar. Já o nível severo os sintomas são
exacerbados, a criança fica na presença apenas do alienador e rejeita visitas do
outro genitor e pode até desenvolver uma doença emocional (GARDNER,
2002).
Sabendo disso, é de suma importância discutir a Síndrome da
Alienação Parental e o que esta provoca nas vítimas já que tal fato pode
acarretar aos alienados uma série de comportamentos prejudiciais não
somente a eles próprios como também àqueles que o rodeiam. Desse modo, o
artigo 3º da Lei nº 12.318/ 2010 que trata da Alienação Parental dispõe que:

405
Art. 3o A prática de ato de alienação parental fere
direito fundamental da criança ou do adolescente de
convivência familiar saudável, prejudica a realização
de afeto nas relações com genitor e com o grupo
familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o
adolescente e descumprimento dos deveres
inerentes à autoridade parental ou decorrentes de
tutela ou guarda (BRASIL, Lei 12.318/2010)

Mesmo após a institucionalização da Lei 12.318/2010 que trata da


Alienação Parental, a Síndrome da Alienação Parental ainda não é um assunto
abertamente discutido nos processos que envolvem o direito de família,
porém, nota-se que a SAP tem sido cada vez mais frequente tendo em vista
que as relações familiares vêm passando por diversas formas de estruturação
nos últimos tempos por meio das novas organizações familiares, no entanto,
sua prática não é tão facilmente comprovada já que seus impactos nos
alienados são psicológicos.
Nesse contexto, faz-se necessário ampliar as discussões dessa temática
em prol dos alienados, como dito anteriormente, situação cada vez mais
recorrente, sendo importante ressaltar as implicações psicológicas que
envolvem as crianças e adolescentes vítimas da Alienação parental e sua
consequente síndrome.
Nesse sentido, as decisões judiciais do direito de família devem ser
acompanhadas da psicologia jurídica e seus desdobramentos, mais
profundamente da psicanálise, já que esta visa analisar os impactos da
síndrome (SAP) nos alienados. Uma vez identificada à prática da Alienação, o
instituto legal, Lei 12.318/2010, promove em seu artigo 6º e seus incisos:

Art. 6o Caracterizados atos típicos de alienação


parental ou qualquer conduta que dificulte a
convivência de criança ou adolescente com genitor,
406
em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá,
cumulativamente ou não, sem prejuízo da
decorrente responsabilidade civil ou criminal e da
ampla utilização de instrumentos processuais aptos
a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade
do caso:
I - declarar a ocorrência de alienação parental e
advertir o alienador;
II - ampliar o regime de convivência familiar em
favor do genitor alienado;
III - estipular multa ao alienador;
IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou
biopsicossocial;
V - determinar a alteração da guarda para guarda
compartilhada ou sua inversão;
VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da
criança ou adolescente;
VII - declarar a suspensão da autoridade
parental. (BRASIL, Lei 12.318/2010)

As implicações jurídicas geradas pela lei supracitada tendem a


garantir o bem-estar do alienado, ademais tal instituto legal traz a garantia do
convívio familiar da criança e do adolescente com ambas as famílias, sendo do
detentor da guarda, ou com a família do outro genitor.
Ressalta-se ainda que o genitor alienante ou o responsável poderá
perder a guarda do alienado. Tal medida pode ser tomada uma vez que a
convivência familiar encontra-se garantida como dever da família, da
sociedade e do estado estando prevista no artigo 227 da Constituição Federal
de 1988, bem como no artigo 19 da Lei 8069/90 Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) que preconiza que os pais possuem o dever de assistir,
criar e educar os filhos menores.

407
O Artigo 227 da CF/88 e o artigo 19 da Lei 8069/90, o ECA a seguir
dispõem:

Artigo 227 – CF/88: É dever da família, da


sociedade e do estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão (CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988).

Artigo 19 – Lei 8069/90: É direito da criança e do


adolescente ser criado e educado no seio de sua
família e, excepcionalmente, em família substituta,
assegurada a convivência familiar e comunitária, em
ambiente que garanta seu desenvolvimento integral
(BRASIL, Lei 8069/90)

Percebe-se, ao longo das definições de Alienação parental e Síndrome


da alienação Parental apresentadas, que a instituição familiar correlaciona-se
diretamente ao tema proposto uma vez que é através do fim da instituição
familiar que se dá início ás práticas de alienação parental.
Tendo em vista esta correlação, é interessante conceituar o significado
de família, não somente no âmbito jurídico, como também sua definição atual.
Gomes (1998 p. 33) define família como “o grupo fechado de pessoas,
composto dos genitores e filhos, e para limitados efeitos, outros parentes,
unificados pela convivência e comunhão de afetos, em uma só e mesma
economia, sob a mesma direção.”
Portanto, a prática da alienação parental está diretamente ligada ao
fim das relações familiares diante das dificuldades que muitos ex-cônjuges ou
408
companheiros têm de aceitar o fim da relação muita das vezes cercada de
sentimentos ruins descontados no alienado. Nestes casos, deve o Juiz
promover o desenvolvimento do processo com certa cautela devendo utilizar-
se de outros meios tais como a psicologia jurídica e a psicanálise a fim de
compreender a Síndrome da Alienação Parental (SAP), tendo em vista o dano
sofrido pela criança ou adolescente.

CONCEITO DE PSICOLOGIA JURÍDICA

A Psicologia tem por meio de estudo o indivíduo e seu


comportamento social que são influenciados por fatores externos presentes
em seu cotidiano, buscando sua compreensão. O direito, no entanto, tem por
objeto regular as relações do indivíduo em sociedade através de normas como
forma de propiciar o convívio em sociedade.
Apesar de Direito e Psicologia serem ciências diferentes, nota-se que
possuem o mesmo objeto qual seja o comportamento do indivíduo. A atuação
em conjunto destas ciências supracitadas tende a promover um ganho no
âmbito jurídico de forma a promover a justiça nos casos que necessitam dessa
interdisciplinaridade uma vez que a psicologia permite ao direito uma
compreensão mais abrangente.
“A relação da Psicologia e do Direito se mostra como uma forma de
complementar o compromisso social e comunitário, assim, a Psicologia
compreende e explica o comportamento humano e o Direito procura estar
atento a formação de normas para o convívio comum dos indivíduos
conforme as regras e normas de conduta” (JESUS, 2001).
Desse modo, define-se psicologia jurídica como a utilização de
conhecimentos científicos vinculados ao direito e aplicação da lei como forma
de responder aos questionamentos jurídicos, sendo necessária sua utilização
409
sempre que condutas com aspectos psicológicos forem motivadores de fatos
(condutas) que deveriam ser coibidos e estão tipificadas na lei.
Tendo em vista a relevância da psicologia jurídica na solução de
conflitos que permeiam a sociedade, faz-se necessário um estudo acerca da
psicanálise, sendo este um método terapêutico criado por Sigmund Freud
(1856-1939) que consiste na interpretação dos conteúdos inconscientes, por
meio de palavras, ações ou sonhos, também conhecidos como “terapia da
alma” que busca analisar o comportamento do indivíduo que eventualmente
tenha sofrido algum tipo de trauma em algum momento de sua vida e que,
tenha sido reprimido em seu subconsciente tendo como causa a presença de
distúrbios comportamentais e neuroses (PIGATTO).
Desse modo, ressalta-se a importância da psicologia jurídica e da
psicanálise como forma de complementação do direito material no intuito de
utilizar-se dessa ciência para avaliar comportamentos e os impactos sofridos
na tomada das decisões judiciais que caibam tal inserção.

IMPACTOS DA PSICANÁLISE NOS CASOS QUE ENVOLVEM A


ALIENAÇÃO PARENTAL

A psicanálise é um método utilizado com a finalidade de compreender


a mente humana e que está diretamente ligada à linguagem do inconsciente,
sendo um meio de tratamento para diversos transtornos. Tal procedimento foi
proposto por Sigmund Freud (1985) que ao tratar pacientes com problemas
neuróticos, percebeu que a maioria dos sintomas sentidos por eles tinham
origem em conflitos e fantasias reprimidas no inconsciente.
O psicanalista Juan-David Nasio afirma que “O objetivo da
psicanálise é libertar o paciente de seus sintomas e de seus problemas. Acima
de tudo, é um método curativo, além de ajudar a transformar o paciente

410
em alguém mais adaptado à sua realidade e aumentar a sua
inteligência emocional” (NASIO, 2015, p.01).
Portanto, a psicanálise pode ser definida como um método
interpretativo utilizado em pessoas que apresentam danos neurológicos
(neuroses) causados por lembranças reprimidas de grande intensidade
emocional armazenados no seu inconsciente e que por consequência destas
passam a apresentar comportamentos incomuns.

Assim surge a Psicanálise, com o objetivo de tratar


os processos mentais inconscientes e ocupar-se do
desequilíbrio mental. Uma teoria que trabalha a
estrutura e o funcionamento da mente humana, por
meio de um método de análise do comportamento.
Percebida como uma ciência, uma doutrina e uma
filosofia, a psicanálise é também um método
terapêutico para tratar das doenças de natureza
psicológica sem motivação orgânica (PIGATTO,
p.02).

Desse modo, Freud (1895) ressalta através de suas obras a


importância da Psicanálise, como bem pode ser visto ao tratar do Complexo
de Édipo que:

constitui uma das problemáticas fundamentais da


teoria e da clínica psicanalítica. Para a teoria
psicanalítica, o momento crucial da constituição do
sujeito situa-se no campo da cena edípica. Dessa
forma, o Édipo não é somente o “complexo nuclear”
das neuroses, mas também o ponto decisivo da
sexualidade humana, ou melhor, do processo de
produção da sexuação. Será a partir do Édipo que o
sujeito irá estruturar e organizar o seu vir-a-ser,
sobretudo em torno da diferenciação entre os sexos
e de seu posicionamento frente à angústia de
castração (MOREIRA, 2004, p.219).
411
Ainda tratando do entendimento do Complexo de Édipo para a
psicanálise, Laplanche e Pontalis (1992) afirmam que “o complexo de Édipo
desempenha papel fundamental na estruturação da personalidade e na
orientação do desejo humano. Para os psicanalistas, ele é o principal eixo de
referência da psicopatologia (grifo nosso) (LAPLANCHE e PONTALIS,1992,
p.77).
Tendo em vista que a Alienação Parental e a Síndrome da Alienação
Parental – SAP são produzidas pelo alienador de forma inconsciente na mente
do alienado, fica evidente a necessidade de utilizar-se da psicanálise para
aferir os impactos sofridos pelos alienados.
Percebe-se, através das explicações sobre a psicanálise a importância
do entendimento do Complexo de Édipo que por sua vez, pode ser utilizado
para compreender os traumas sofridos por vítimas de Alienação Parental
tendo em vista a importância do papel que as figuras parentais exercem no
desenvolvimento da criança.
É de suma importância utilizar-se da psicologia nas decisões judiciais
que envolvem vítimas de alienação parental uma vez que se trata de uma
patologia que está ligada a traumas emocionais sendo indicado que os juízes
determinem tratamento adequado não somente ao alienado como também o
alienador. “Dessa forma, o acompanhamento psicológico almeja que os
genitores compreendam que, apesar de não estarem mais em uma relação
conjugal, não deixam de serem genitores, e, devido a isso, é importante que
respondam com as funções inerentes a tal papel” (FREITAS, 2015).
Oliveira (2012) afirma que:

o jurista verdadeiramente preocupado com a


aplicação justa do mandamento de uma lei deve ter
consciência de suas limitações e entender que deve
412
agir em parceria com outros profissionais que
tenham um domínio maior de instrumentos e
técnicas que podem ser usados na
complementaridade de determinado caso
(OLIVEIRA, 2012, p.14).

A aplicação da psicanálise para o Direito é de tão grande importância


que pode influenciar na decisão de uma causa, por tal modo, considera-se
como essencial a intervenção psicanalítica no campo jurídico, essa nas
questões que envolvem a Alienação parental e a Síndrome da Alienação
Parental tendo em vista todo o impacto emocional a qual está submetido a
alienado.

a justiça tem a função de lembrar e fazer re-


aprender o interdito, estando ela ligada então ao
processo civilizatório. Pode-se dizer que a decisão
de um juiz pode engendrar uma função terapêutica,
pois organiza o sujeito de acordo com a referência
legal por meio do qual se constitui o sujeito humano
e ser vivente. Onde ocorrem os impasses da
racionalidade genealógica advém a figura do juiz
como aquele que está no lugar de autorizado de
marcar o sujeito com a castração (BRANDÃO, 2009,
p.05).

Salienta-se a importância de uma decisão judicial nos casos que


envolvem a alienação parental e a SAP, pois é de suma importância que o
magistrado atente-se aos laudos proferidos pela equipe multidisciplinar
(psicólogos, terapeutas, peritos, assistentes sociais, etc) a fim de garantir o
bem estar do alienado, a este deve ser permitido, sempre que possível, que
sua relação com seu genitor seja restabelecida.
Para a psicanálise, devem-se ouvir os sujeitos envolvidos nos casos de
alienação para que se possa avaliar a situação com a finalidade de evitar uma
413
leitura fantasiosa do alienado motivada pelo alienador perante o seu genitor.
Desse modo, é importante que o magistrado, ao tomar sua decisão, considere
não somente as questões sociais que envolvem os sujeitos, mas também a
atuação dos outros profissionais envolvidos, levando em conta as
características de cada família para regular o poder da forma mais adequada
a cada situação.
Na sociedade moderna, Próchno, Paravidini e Cunha (2011),
apontam que diversas mudanças ocorreram ao longo da história da família,
com a queda da sociedade patriarcal da indissolubilidade do vínculo conjugal
para relacionamentos mais livres, com menos propósito de durarem, o que
causa despreparo psicológico nas separações, cujo:

Os filhos são usados como instrumento de vingança.


Os genitores guardiães incutem nos filhos
sentimentos hostis em relação ao genitor que não
porta a guarda. A alienação parental começa a atuar
e crianças acabam por ter ódio e a percepção de que
o genitor não guardião é um intruso. Essa prática é
um reflexo dos vínculos insubstanciais que a
contemporaneidade propõe. É uma produção social
que provoca não só sentimento de espanto e
repugnância, mas principalmente de mal estar no
corpo social (PRÓCHNO, PARAVIDINI e CUNHA,
2011, P. 1462).

A condição psíquica da criança acaba por ter sua constituição


desestruturada por tais atitudes hostis na alienação parental, cujo o Direito
de Família e a psicanalise contém em seu diálogo soluções para as
consequências desse fenômeno, demonstrando que o respeito ao filho e a não
utilização do mesmo como vingança, auxilia em uma ruptura conjugal mais
saudável (NÜSKE E GRIGORIEFF, 2015).

414
No âmbito da psicanálise, a utilização do menor como objeto de
vingança, seja ela de forma intencional ou não, dirigida e continuada, causa
danos emocionais à criança. O divórcio em si, é somente o catalisador, de um
fenômeno já ocorrido em épocas de divergências, e de angústias para manter
um relacionamento (ALBUQUERQUE, 2016).
O distúrbio infantil acometido em menores envolvidos em disputas
pela guarda judicial, SAP, está presente em diversos casos de separação ou
divórcios no Poder Judiciário, na manipulação dos filhos com provocações de
sentimentos negativos em relação ao outro genitor, e até o afastamento de
sua convivência. A psicologia e a psiquiatria são envolvidas em discussões
jurídicas de tal cunho devido aos aspectos psicológicos que envolvem o
menor e repercutem no âmbito jurídico (FIGUEIREDO, 2017).

O assunto é recente na literatura brasileira e é


desconhecido por parte dos profissionais que
trabalham com o Direito de família. É necessário
que os psicólogos conheçam a SAP, a fim de
identificar suas características em um processo de
disputa judicial e de intervir de forma a amenizar as
consequências da mesma (LAGO e BANDEIRA,
2009, p. 294).

Conforme Pereira (2012), 80% dos filhos de pais divorciados ou em


processo de separação já sofreram com algum tipo de alienação parental,
entre elas está o apagar da figura do cônjuge da vida e imaginário da criança,
tornando-as “órfãos de pais vivos”. Para Araújo (2013), a conduta de abuso
do poder da família deveria ser reprimida pelo ordenamento jurídico
brasileiro, devido ao desrespeito aos direitos de personalidade da criança.
Nesses termos, como supracitado, a Lei nº 12.318, elenca diversas
formas da ocorrência da Alienação Parental. A medida prevê
acompanhamento psicológico, aplicação de multa, inversão de guarda,
415
suspensão e perda do poder familiar (BRASIL, 2010). Desta forma, quando
há evidências da alienação parental, o juiz deve intervir para preservação da
integridade psicológica da criança (artigo 5º).
Em casos como o mencionado é realizada a perícia psicológica ou
biopsicossocial (parágrafo 3º, artigo 5º), sendo necessário o impedimento da
progressão da alienação parental pelo Poder Judiciário, a fim de evitar a
instalação e progressão da Síndrome, através do auxílio dos órgãos e
especialistas como os psicólogos e psiquiatras (FIGUEIREDO, 2017).
Decerto que, conforme Figueiredo (2017), os efeitos da SAP são
desastrosos, podendo apresentar doenças psicossomáticas, ansiedade,
depressão, nervosismo, agressão, chegando até mesmo a consequências como
a depressão crônica, o transtorno de identidade, comportamento hostil,
desorganização mental e suicídio.
No que tange à ordem emocional, o sofrimento
causado por uma relação familiar conflituosa; a
impotência diante da ruptura da estrutura familiar;
as relações de dependência, hierarquia e poder que
especialmente a mulher sofreu durante o tempo do
convívio marital (típico de relações familiares
doentias); o sentimento de abandono; de ciúmes; de
desprestígio pessoal e social; de desprezo; de medo
e a incapacidade de gerir o luto podem levar o
alienador a nutrir, diante da não superação do
sofrimento, da sua incapacidade de ver na crise uma
oportunidade para descortinar novas possibilidades,
um sentimento consciente ou inconsciente de
vingança e, o consequente desencadeamento do
processo de alienação parental. O alienador pode
estar, ainda, reproduzindo uma situação vivenciada
por ele mesmo. Os sentimentos mais significativos
nutridos pelo alienador em relação ao alienado são o
ódio e a vingança (DA SILVA, 2010, p.216).

Salienta-se que a investigação da alienação parental é de suma


importância para o psicológico da criança, que sofre com tais
416
comportamentos abusivos, sendo que a SAP, não é irreversível, desde que
tratada por profissionais especializados de maneira correta, e a sua
progressão pode ser evitada com as medidas legais e terapêuticas adequadas
(FIGUEIREDO, 2017).
Para Montezuma, Pereira e Melo (2017), apesar da lei prevê a perícia
psicológica largamente utilizada na prática judicial, existem em sua pesquisa
controvérsias quanto à concepção da perícia, já que está é munida muitas
vezes de diagnósticos não conclusivos, ou de diferentes pontos de vista entre
a psicologia e a psiquiatria, além de preconceitos que possam estar imbuídos
nos laudos (HARMAN et al. 2016).
Na psicanálise, conforme Lacan (1985), o sentido só é dado
posteriormente pelo sujeito, após obter uma resposta que indica um registro
da mensagem, para se dizer que houve escuta, o que difere da resposta da
perícia stricto sensu, carregada de saber prévio (MONTEZUMA, PEREIRA, e
MELO, 2017).
A abordagem terapêutica, de acordo com Montezuma, Pereira e Melo
(2017), encontra dificuldades, como limitação do tempo com as partes
envolvidas, o encaminhamento em que há controvérsias sobre a
especialidade de cada um, e intervenções terapêuticas ocorridas antes do
processo.
Ainda conforme Montezuma, Pereira e Melo (2017), em seu estudo,
a teoria da Alienação Parental de Gardner, revelou-se inconsistente do ponto
de vista psiquiátrico, já que a literatura e os entrevistados costumam
considerar a mesma como um conflito familiar e não como uma doença.
Porém as abordagens clínicas de orientação psicanalítica, conjuntamente
com a mediação e as leis que as regem, são capazes de auxiliarem no processo
de responsabilização (MONTEZUMA, PEREIRA, e MELO, 2017).

417
De acordo com o estudo de Fermann (2016), ao analisar os processos
judiciais de casos de Alienação Parental e os critérios utilizados pelos
profissionais da psicologia, tem-se que as queixas iniciais dos processos
analisados não se referiam à alienação parental, mas sim a visitações e
guarda do menor após o divórcio, e que as mães foram identificadas como
alienadoras na maioria dos casos.
No segundo estudo de Fermann (2016), identificou-se 8 laudos
psicológicos, porém nenhum deles apresentavam a estrutura exigida pelo
Conselho Federal de Psicologia, foram realizadas em sua maioria entrevistas
e poucos profissionais incluíram testagens.
Para Fermann (2016), os maiores problemas foram à falta de
integração dos resultados com as conclusões e sugestões de medidas
judiciais, e pouca concordância entre a conclusão pericial psicológica e a
sentença judicial sobre a presença ou ausência da Alienação Parental.
Martins, Levate e Aquino (2011) consideram a perspectiva
psicanalítica mais coerente para os casos de Alienação Parental no Poder
Judiciário, já que “a compreensão de como os conflitos inconscientes do
casal parental influenciam geram consequências psicológicas nos filhos”
(p.121).
Os aludidos autores Martins, Levate e Aquino (2011), apontam em
seu estudo com os usuários do Núcleo de Práticas Jurídicas da Faculdade de
Minas, discursos que apresentam a Alienação Parental e a SAP,
demonstrando a necessidade do desenvolvimento de práticas
interdisciplinares nesses espaços, e apontam principalmente a importância
da Psicologia para atuação dessa demanda.
A psicanálise contribui com seu saber para a interdisciplinaridade no
judiciário, a fim de construir bases sólidas para uma melhor compreensão de

418
fenômenos comportamentais e subjetivos, mantendo um constante diálogo
entre a psicanálise e o Direito no ambiente jurídico (SILVA, 2006).
Para Silva (2010):

A interdisciplinaridade, sem dúvida, tem uma visão


mais abrangente dos conhecimentos humanos, pois,
destes, quer entender o homem e seus problemas de
forma mais plural. Porém, a visão interdisciplinar
da psicopedagogia há de levar em consideração toda
a complexidade do processo ensino-aprendizagem,
em sua diversidade de natureza (cognitiva, familiar,
social, biológica, afetiva, cultural). Todos os
profissionais envolvidos no atendimento ao
aprendente, forçosamente, devem ter essa visão. O
diagnóstico há que ser construído não por mão de
um especialista, mas por vários olhares diferentes
sobre o mesmo objeto, procurando compreender o
que há nos espelhos multifacetados3 do aprendente
e suas dificuldades (DA SILVA, 2010, p. 206).

Além do diálogo, a psicanálise auxilia com os aspectos subjetivos do


comportamento, as emoções, o modo de agir, sendo uma área pouco
explorada e que recentemente vem ganhando espaço nas varas cíveis, com a
Psicologia Jurídica. Nessa práxis, a psicanálise alia-se para o auxilio do
judiciário, em uma posição psicojurídica, buscando contribuir para o respeito
e cidadania das pessoas (SILVA, 2006).
Contudo, o contexto jurídico, perpassa por diversas situações que
atingem o nível da Alienação Parental, que se faz necessário a atenção da
psicanálise para a avaliação dos envolvidos, como exemplo a disputa de
guarda dos filhos, que necessita de uma avaliação eficiente para garantia do
direito da criança e adolescente (MARTINS, LEVATE E AQUINO, 2011).
Tendo em vista a necessidade de compreensão do comportamento
humano no contexto jurídico, Trindade (2010), considera importante a

419
avaliação do chamado “sintoma”, como as atitudes envolvida nas partes para
privar o menor de convivência com o outrem, de impedir o vínculo, de forma
consciente ou não, entre outras, que deflagram a progressão da Alienação
Parental.
Desta forma, Freud (1996/ 1927-1931), considera o sintoma um
comportamento adquirido para suprir a insatisfação de um desejo não
realizado, na tentativa de fugir do sentimento de desamparo, quando há uma
perda do seu objeto de amor, como no caso do divórcio, no rompimento de
um relacionamento.
Conforme Costa (2008), ao citar Lacan, se faz necessário a escuta
analítica no ambiente jurídico em caso de litígio, já que neste caso muitas
vezes para a mãe o menor ocupa o lugar de desejo narcísico, sendo algo muito
específico que ocorre na constituição do sujeito, o processo de alienação é
desencadeado na relação da função materna.

(...) é possível que ela sinta o filho como uma posse


sua, dentro do seu projeto inconsciente de uma
“gestação eterna”. Pode acontecer, portanto, que a
mãe tenha uma necessidade vital do seu filho e o
induza a funcionar como sendo o seu complemento
sexual ou narcísico, ou ambos. Nos casos em que a
mãe seja basicamente uma pessoa deprimida, ou que
tenha uma fobia de ficar sozinha, costuma acontecer
que essa mãe invista em algum dos filhos (às vezes,
em alguns ou em todos) um vínculo simbiótico,
cimentado de culpas, de modo a garantir o seu
“seguro solidão”, como costumo definir essa
situação nada rara (ZIMERMAN, 1999, p. 110)

De acordo com Próchno, Paravidini e Cunha (2011) ao ocorrer


indícios de Alienação Parental é necessário acionar o judiciário, já que a uma
infração do direito e dignidade da criança, que é afetada diretamente em sua
formação saudável psicológica e emocional. O tratamento, conforme os
420
autores supracitados, deve ser diferenciado, baseados nos operadores da lei,
psicólogos e assistentes sociais para o bem estar infantil, já que atinge a
constituição da personalidade do menor, os direitos indisponíveis, o intuito
personae, e o convívio familiar saudável.
Em conformidade, Dias (2006), demonstra a importância da
responsabilização do genitor, que muitas vezes age sabendo da dificuldade de
se aferir a veracidade dos fatos, utilizando o filho de forma vingativa. Sem as
devidas punições, como a perda da guarda do filho, o comprometimento é do
desenvolvimento sadio do menor, colocando seu equilíbrio emocional em
risco.
Lago e Bandeira (2009), acreditam que muitas vezes é exigido na
interdisciplinaridade a busca de conhecimentos que não são adquiridos na
formação acadêmica, já que o psicólogo jurídico deve estar familiarizado com
as questões do Direito de família e considerar nas avaliações, como no caso da
Alienação Parental se os vínculos afetivos são saudáveis ao desenvolvimento
do menor.
Todavia, Próchno, Paravidini e Cunha (2011), chamam atenção para o
fato de apesar de todo esforço da interdisciplinaridade, existem fatores contra
coexistindo, como o judiciário moroso, as artimanhas dos alienantes para
promover obstáculos, multas cominatórias que não possuem efeitos
coercitivos, dificuldade em provar a Alienação Parental, sendo necessário
esclarecer nos processos litigiosos as consequências negativas provocadas no
menor da alienação parental.
De forma não exaustiva, escutar as partes, as queixas do sujeito e
principalmente do menor envolvido, garante através da psicanálise servir ao
Poder Judiciário para a integralidade, respeito, ética, e responsabilidade com
a criança afetada. Por fim, a conscientização das partes é a única forma de
combate a Alienação Parental, para a promoção do bem estar da criança, que

421
de acordo com Simão (2008, p.25) “a questão do combate à Alienação
Parental envolve questão de interesse público ante a necessidade de exigir
uma paternidade/maternidade responsável, compromissada com as
imposições constitucionais bem como salvaguardar a higidez mental de nossas
crianças.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Torna-se possível concluir que a prática da Alienação parental é um


comportamento comum nas relações familiares, porém nem sempre
facilmente identificado, mas que causa inúmeros prejuízos às crianças ou
adolescentes submetidos a tal conduta, gerando problema para estas e
consequente afetação de seu desenvolvimento emocional.
É notável que o assunto ora tratado seja um tanto delicado para se
chegar a uma punição adequada valendo-se apenas do Direito material,
portanto, é necessário o auxílio da psicologia jurídica, em especial da
psicanálise para se apontar a gravidade de cada caso e, até que ponto a
Síndrome da Alienação Parental pode impactar no desenvolvimento da
criança ou adolescente alienado.
Tem-se a lei 12.318/2010 que visa garantir ainda mais a proteção da
criança e do adolescente, penalizando o alienante, que geralmente age apenas
pensando em si para suprir tão somente a sua vontade. Porém essa, de forma
isolada não garante ao menor a não progressão da Alienação Parental, sendo
necessária uma maior interdicisplinaridade no judiciário com a intervenção
psicanalítica.
A psicanálise auxilia o judiciário tanto nos laudos necessários contidos
na lei, quanto no diagnóstico dos casos de alienação parental, afim da não
progressão e ampliação dos sintomas que marcam o menor, e tratamento das

422
consequências dessas atitudes que causam as doenças psicossomáticas,
ansiedade, depressão entre outras supracitadas, e até mesmo ao suicídio.
Ademais, salienta-se, que a prática de quaisquer atos que apontem a
alienação parental fere o direito da criança, e implica em abuso moral e
desrespeito ao menor. Os sintomas devem ser diagnosticados de forma
correta e especializada, por meio de uma interdisciplinaridade do judiciário
para uma adoção conjunta de medidas legais e terapêuticas.
A valorização da psicanálise tem crescido como se pode observar na
revisão da literatura, e com ela há uma maior necessidade de atenção as
questões psicossociais, para o diagnóstico, prevenção e diminuição das
consequências emocionais aferidas nas crianças e jovens que passam pela
Alienação Parental, além do resgate da dignidade e respeito dos envolvidos.

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427
A EUTANÁSIA SOB A VISÃO PSICANALÍTICA: O ESTUDO DO CASO
CHARLIE GARD

Gabriela Rosa da Silva1


René Armand Dentz Junior2

RESUMO
Este artigo aborda a eutanásia frente à psicanálise. O desenvolvimento do
trabalho tem por sua finalidade investigar a ocorrência do melhor interesse da
criança sob a perspectiva psicanalítica, descrevendo o caso Charlie Gard. Para
tanto, o trabalho irá tratar da Eutanásia tanto no aspecto psicanalítico quanto
jurídico, retratando as contribuições da psicanálise para o Direito e expondo o
caso e a questão da Eutanásia envolvida através de fundamentos
psicanalíticos. Dito isso, tal caminho será o Complexo de Édipo e a questão da
Simbiose, narelação mãe-filho.O presente artigo irá tratar das prováveis
manifestações do fenômeno edipiano envolvida no caso exposto. Ademais,
analisa-se o caso sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro.

Palavras-chave: Eutanásia. Psicanálise. Charlie Gard. Complexo de Édipo.


Simbiose

INTRODUÇÃO

A morte é a única certeza que temos na vida, mas o assunto


ainda é considerado um tabu. Nesse sentido, o presente artigo analisa a
questão do melhor interesse da criança sob a perspectiva psicanalítica para
falecer, que se relaciona com a possibilidade do indivíduo lidar com sua
própria fragilidade, finitude e gatilhos. Trata-se de uma análise psicanalítica
do valor social da vida e da morte.

1Graduandado Curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana.


2Pós-Doutor pela Freiburg Universität (Suíça),filósofo, psicanalista e professor orientador
desta pesquisa
428
Este artigo jurídico será baseado em pesquisa teórica, através de sua
finalidade básica, com o objetivo de aprofundar os conhecimentos sobre o
assunto.
Este trabalho possui um caráter qualitativo, e caracteriza-se quanto
aos fins, como descritiva, possui também a função elucidativa sobre o tema.
Entre as opções metodológicas existentes para coleta de dados na abordagem
qualitativa, optou-se pela pesquisa documental, realizada por meio de
levantamento teórico e bibliográfico, baseada em análise das publicações
sobre o caso, envolvendo o bebê Charlie Gard.
Neste sentido, no primeiro tópico será exposto o caso Charlie Gard,
enfatizando, sobretudo, suas diretrizes que levaram a eutanásia. Em seguida,
o artigo irá tratar da Eutanásia de modo geral, bem como aplicada ao caso
específico.
Ao final do trabalho, será possível concluir sobre a legitimidade ou
não do poder do Estado na decisão dos pais, em pleno exercício do poder
familiar acerca do melhor interesse da criança.

ENUNCIAÇÕES AO CASO CHARLIE GARD

Antecedenteàs questões da pesquisa a respeito da psicanálise


envolvida ao caso Charlie Gard, é inescusável expor as enunciações do
mesmo. Trata-se de um bebê britânico nascido em 4 de agosto de 2016, tendo
este falecido em 28 de julho do mesmo ano, atingido por uma miopatia
mitocondrial, síndrome genética raríssima e incurável que provoca a perda
progressiva da força muscular e anomalias cerebrais.
Em janeiro de 2017, após ter conversado com médicos de todo o
mundo, ConnieYates, mãe de Charlie Gard, descobriu um tratamento
experimental conduzido por Michio Hirano, um renomado neurologista e
professor da Universidade de Columbia. O tratamento, conhecido como
429
“terapiade desvio de nucleosídeos”, somente foi testado com alguns
resultados positivos em pacientes com síndromes similares à de Charlie
(mutação TK2 do DNA mitocondrial), mas nunca houve qualquer tipo de
teste, nem mesmo em ratos, em relação à síndrome de depleção do DNA
mitocondrial, a mais severa e rara. A partir de então, Yates começou uma
campanha de financiamento coletivo, por meio de um website, com a
finalidade de arrecadar fundos para custear o dispendioso tratamento de seu
filho nos Estados Unidos.

No entanto, os médicos responsáveis pelo caso negaram o pedido dos


pais paraa realização do tratamento nos Estados Unidos, alegando que tal
medida seria contrária ao melhor interesse da criança, uma vez que se tratava
de terapia experimental, sem qualquer evidência de melhoria em situações
como a descrita, sendo que sequer existiam testes para a referida síndrome, o
que apenas causaria mais sofrimento e dor ao bebê.
No entanto, decidiram propor ação judicial para compelir o hospital a
permitir a retirada do bebê e a transferência para os Estados Unidos, com a
finalidade de efetivar do tratamento. Os médicos cogitaram realizar o
tratamento no próprio hospital, submetendo um pedido de autorização para o
comitê de ética.
Diante disso, Sá e Oliveira citam:

Contudo, ao reavaliar a situação médica de Charlie,


chegaram à conclusão de que seu estado de saúde
estava em uma situação crítica, e que o tratamento
não produziria qualquer benefício.
Nesse momento, a sua vida já estava sendo mantida
por aparelhos de suporte e os médicos indicavam
graves danos cerebrais, comprometimento do
coração, fígado e rins, impossibilidade de respirar e
430
de se mover por conta própria, surdez e frequentes
crises epiléticas. Além disso, a deficiência muscular
havia se desenvolvido ao ponto de não ser possível à
sustentação das pálpebras, tornando impossível a
manutenção dos olhos abertos. O financiamento
coletivo conseguiu alcançar a marca inicial de 1,2
milhões de libras para custear o tratamento. (SÁ;
OLIVEIRA, 2019, p. 456-477)

Logo, o juiz Nicholas Francis finalizou sua sentença, autorizando os


médicos do GOSH a desligarem os aparelhos de suporte, mantendo apenas os
cuidados paliativos. Argumentando ter tomado esta decisão a partir do
princípio do melhor interesse da criança, medida essa contrária aos anseios
dos pais de Charlie, em 11 de abril de 2017.
Todo o procedimento foi envolvido por uma forte carga emocional,
tanto nas oitivas das testemunhas e peritos quanto na leitura da sentença.
Chris Gard e Connie Yates se declararam devastados com a decisão, dizendo
não entender porque foi retirada a única chance de sobrevivência do filho,
além de alegar que os seus direitos parentais foram dilacerados por estranhos.
Em sequência, no dia 25 de maio, uma turma, composta por três
juízes da Corte de Apelação, decidiu manter a sentença da Corte de primeiro
grau. Entendendo que os aparelhos de suporte deveriam ser desligados.
Inconformados, os pais resolveram recorrer à Suprema Corte, em busca de
reverter à decisão.
De acordo com Sá e Oliveira (2019), os juízes concluíram que já
haviam esgotado as possíveis vias legais no Reino Unido, decidindo negar o
pleito por um novo julgamento. Deste modo, ordenando os médicos, por mais
um tempo, a manterem o suporte vital, possibilitando o recurso à Corte
Europeia de Direitos Humanos. O caso de Charlie Gard foi tratado como
prioridade de julgamento, sendo a última alternativa jurídica de reverter o
julgamento inicial encerrada em 27 de junho de 2017.
431
O pedido para intervir no caso foi recusado pela Corte Europeia,
confirmando a posição prévia das cortes britânicas, havendo grande comoção
social diante esta decisão. Gerou manifestações de personalidades públicas,
inclusive Donald Trump e o Papa Francisco. Fizeram protestos em frente ao
Palácio de Buckingham, e a entrega de uma petição com mais de trezentas mil
assinaturas, pedindo aos médicos que liberassem Charlie para o tratamento
nos Estados Unidos.
O caso despertou atenção da mídia e da sociedade ao redor do mundo,
vários especialistas internacionais em medicina e ciências apresentaram
propostas de tratamentos com evidências aparentemente novas. Alegou-se
que a chance do bebê se beneficiar com a terapia com nucleosídeos pudessem
ser maiores do que havia sido dito até aquele momento.
Posteriormente, em 10 de julho, o hospital resolveu apresentar novas
evidências ao Tribunal Superior de Londres, ordenando que o especialista em
doença mitocondrial dos EUA avaliasse Charlie em Londres. Após novas
provas da gravíssima doença de Charlie, reunião multidisciplinar e resultados
de ressonância magnética, em 24 de julho os pais aceitaram que o tratamento
experimental pudesse não trazer benefícios ao bebê, decidindo acatar a
indicação do Great Ormond Street Hospital. Diante disso, os pais de Charlie
solicitaram, que o bebê fosse transferido para casa, com o intuito de estar
perto da família e em seu próprio quarto nos momentos finais de vida. No
entanto, o hospital negou que o bebê fosse levado para casa. Charlie foi
transferido à instituição de cuidados paliativos onde foi submetido à retirada
do suporte artificial que mantinha sua respiração e morreu em 28 de julho de
2017.

O CONCEITO DE EUTANÁSIA

432
Entende-se que a vida ainda é o bem mais precioso de um
ser humano. No entanto, considera-se a Eutanásia um tabu para
grande parte da sociedade. Embora argumenta-se, no momento,
passa a se contestar em que o forte sofrimento torna-se incessante a
realidade do indivíduo.
Há ainda o debate acerca da laicidade do Estado, que deve defender
todo o direito de crenças e ainda o direito de não ter uma crença religiosa, de
tal forma que aqueles que decidam por não possuir tal crença não tenham que
se submeter aos valores religiosos de outros.
Para (SUETÔNIO, 2002) o termo eutanásia “deriva da junção dos
termos gregos eu ethanatos, e pode ser traduzido como boa morte.”

Discute-se a situação do indivíduo que não goza de plena capacidade


jurídica e que poderia, por essa razão, ter sua vontade violada por quem se
responsabiliza por ele.
Levanta-se quem teria a capacidade para decidir sobre a morte de um sujeito
juridicamente incapaz, e (DWORKIN, 2003) argumenta que “morrer é parte
integral da vida, tão natural e previsível quanto nascer, é inevitável”.
Diante isso, se falaria em eutanásia em casos de pessoas para as quais não
existam esperanças de vida em forma digna. No entanto, eutanásia passa a ser
entendida como a ação médica que visa abreviar a vida de pessoas que se
encontram em grave sofrimento e sem perspectiva de melhora da doença,
desde que com seu consentimento.

Em sua obra, Sá (2005, p.32), preceitua:

A obstinação em prolongar o mais possível o


funcionamento do organismo de pacientes
terminais, não deve mais encontrar guarida no
433
Estado de Direito, simplesmente, porque o preço
dessa obstinação é uma gama indizível de
sofrimentos gratuitos, seja para o enfermo, seja para
os familiares deste. O ser humano tem outras
dimensões que não somente a biológica, de forma
que aceitar o critério da qualidade de vida significa
estar a serviço não só da vida, mas também da
pessoa. O prolongamento da vida somente pode ser
justificado se oferecer às pessoas algum benefício,
ainda assim, se esse benefício não ferir a dignidade
do viver e do morre. (…) é que a vida deve
prevalecer como direito fundamental oponível erga
omnes quando for possível viver bem. No momento
que a saúde do corpo não mais conseguir assegurar
o bem-estar da vida que se encontra nele, há de ser
considerados outros direitos, sob pena de
infringência ao princípio da igualdade. É que a vida
passará a ser dever para uns e direito para
outros.(SÁ, 2005, p.32)

Pela perspectiva do caso Charlie Gard, observa-se que a eutanásia,


neste contexto, não foi utilizada e vista como liberdade, mas como princípio
de menor dor e sofrimento. Sendo aplicado então o Utilitarismo, o qual traz
justamente esta ideia, além do bebê ser visto não apenas como um ser vivo,
mas também o seu sofrimento não ser necessário. É uma temática que
converge interesses da Bioética, do Direito e da Medicina em defesa da
dignidade da pessoa enferma e da desnecessária judicialização da saúde
quando se trata de caso incurável e irreversível.

A TEORIA CONSTITUCIONAL BRITÂNICA E O PRINCÍPIO DO


UTILITARISMO

Como uma questão fundamental de sua explicação, a teoria utilitarista


possui, mesmo que para atingir tal objetivo, o bem comum. Neste aspecto,
pode-se dizer que há um lado racional, e não emotivo, em tal concepção de

434
justiça, o que poderia se adequar para algumas decisões judiciais.
Para Halévy(1972, p. 508) “racionalismo e individualismo,
combinam-se no utilitarismo clássico, conferindo-lhe sua feição peculiar,
como método analítico-descritivo e doutrina prática, ao mesmo tempo
princípio explicativo da constituição do homem e das relações social e ideal
normativo que orienta a atividade legislativa”.
Encontra-se na consagração do indivíduo movido pelo interesse o
elemento que perpassa as obras de seus autores e que se erige em fundamento
tanto para sua teoria da moral como para sua teoria da política.
Em sua obra, Halévy (1972, p. 508) preceitua: “A compreensão de
que o que se insinua por detrás da aparente amoralidade utilitária seja a
sugestão de que a virtude pode – e deve – ser extraída do cálculo é ponto
fundamental.”
A teoria utilitarista, neste contexto, busca a ordem social e a justiça
com fundamento no bem comum coletivo, se necessário, dados sujeitos em
específica situação social podem responder com as consequências do que seria
viável à sociedade.
Considera-se, mediante Lively (1978, p. 31)que “a fórmula
dor/prazer como configuradora dos interesses é sofisticada, passando a
considerar a influência de sentimentos tais como senso de dever, simpatia,
desejo de boa reputação e mesmo filantropia”.
Embora sentimentos de sociabilidade são tomados como princípios de
nossa natureza, tão determinantes quanto nossos impulsos antissociais, essa
descontinuidade em relação ao radicalismo é o que permite elaborar a ideia de
que a pluralidade de interesses individuais deixa de constituir um problema à
medida que os sujeitos se esclarecem quanto ao fato de seus interesses
particulares estarem vinculados e entrelaçados aos interesses, no geral, da
humanidade.

435
PROVOCAÇÕES AO CASO CHARLIE GARD: IMAGINANDO OS
IMPACTOS DE UM FUNDAMENTO A PARTIR DO COMPLEXO DA
PSICANÁLISE

Um argumento comum que foi usado para o caso do bebê Charlie


Gard foi a suposta inadequação da interferência do Estado em decisão que é
própria da família. Todavia, o ordenamento jurídico inglês, prevê a
possibilidade de acionar o Poder Judiciário caso os pais ajam contra o melhor
interesse do filho. Assim, a judicialização do caso pelo Great Ormond Street
Hospital foi amparada pela legislação vigente.
No entanto, entende-se que deixar decisões tão pessoais ao poder da
Justiça faz parte de fenômeno social: a supervalorização do Poder Judiciário.
Deve-se questionar se levar essa questão ao Poder Judiciário era realmente a
melhor opção; até que ponto seria possível chegar perto do que foi
estabelecido?
A psicanálise foi criada há quase cem anos atrás por Freud e, ao longo
deste século, outros acréscimos foram sendo elencados ao corpo teórico desta
ciência. Este discurso é relativamente novo, mas já produz efeitos
magnânimos. Freud comprova a existência do inconsciente para o resto do
mundo e, todos passaram a se ver e ver os demais com outros olhos,
ponderando outros significados. E, mais do que isso, em sua obra Freud
(1920, p. 273-308). aponta:

O inconsciente pode ter relação com diversos


sentimentos, inclusive a culpa.
Constituiu uma surpresa descobrir que um aumento
nesse sentimento de culpas.[inconsciente] pode
transformar pessoas em criminosos. Mas isso
indubitavelmente é um fato. Em muitos criminosos,
436
especialmente nos principiantes, é possível detectar
um sentimento de culpa muito poderoso, que existia
antes do crime, e, portanto, não é seu resultado, mas
sim o seu motivo. É como se fosse um alívio poder
ligar esse sentimento inconsciente de culpa a algo
real e imediato (FREUD, 1920, p. 273-308).

Ressalta-se que a relação mãe-filho, nesse contexto, constitui eixos


sobre os quais se baseia o processo de subjetivação dos indivíduos envolvidos.
Valendo-se de várias hipóteses, SOLER (2000, p. 16-17), constata
que “a necessidade de distinguir o nível conceitual do significante, do nível
empírico dos personagens implicados em um discurso, a relação que existe
entre as figuras da mãe e do pai e a resposta do sujeito, do lado da admissão
ou do rechaço do registro parental”.
Lacan considera a pulsão como um dos conceitos fundamentais da
teoria psicanalítica, ao lado do inconsciente, da repetição e da transferência.
Vale observar: estes quatro conceitos são trabalhados por Lacan de maneira
interligada e produzindo desdobramentos na direção de outras concepções, se
não denominadas de fundamentais, primordiais para a psicanálise.
Presume-se que na relação simbiótica o filho é narcisicamente
entendido como extensão do corpo materno, se colocando em uma relação de
dependência de sua mãe, onde apenas ela seja capaz de sortir todas as suas
necessidades. Incluindo-se nas relações sociais num todo, considerando que
mãe e filho se complementam ao ponto de não haver necessidade de
comunicação com os outros.
Como bem disse, MIJOLLA,(2005) “o grupo representado por
Donald Winnicott, Hans Loewald e Joseph Sandler assume uma posição ao
considerar o ambiente afetivo da relação mãe-criança um elemento
determinante no desenvolvimento das pulsões”.

437
Sendo ela determinante para resolver qualquer questão que seja
relacionada ao filho. Destacando-se, neste caso, a simbiose levada a uma
legitimidade da escolha pela figura materna.
Diante disso, o psiquiatra Jose Bleger (1967/2001) em sua obra:
Simbiosis y ambigüedad: estúdio psicoanalítico, conceitua a simbiose:

Uma estreita interdependência entre duas ou mais


pessoas que se complementam para manterem
controladas, imobilizadas e, em certa medida,
satisfeitas, as necessidades das partes mais imaturas
da personalidade, que exigem condições que se
acham dissociadas da realidade e das partes mais
maduras ou integradas da personalidade. Esta parte
imatura e mais primitiva da personalidade foi
separada do eu mais integrado e adaptado, e
configura um todo de certas características que me
levaram a reconhecê-lo como o núcleo aglutinado da
personalidade. Esta separação deve ser rigidamente
mantida porque, caso contrário, se pode produzir a
desintegração psicótica. BLEGER, J. (1967/2001)

Caracteriza-se a simbiose pelo processo de indiferenciação, onde não


há uma distinção entre o "eu" e o "não-eu" na relação mãe-filho.
A fatalidade de Charlie Gard nos remete para uma pergunta que sedia
na consciência de cada um de nós uma resposta categórica: pode alguém,
sendo filósofo, médico ou mesmo o legislador, decidir pela felicidade ou
infelicidade de outra pessoa antes da vida dela ter terminado?
Além disso, percebe-se, do ponto de vista jurídico, que o poder
decisório nas questões de saúde seja transferido para os genitores quando seu
interesse é a manutenção da vida do bebê, no entanto, em contrapartida,
nega-se esse poder quando seu interesse contraria a preservação da vida.

438
Logo, nota-se uma contradição no tratamento da questão, que também pode
ser justificada pela dificuldade da cultura ocidental em lidar com a morte.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo, buscou-se analisar as distintas perspectivas


aprofundando a discussão sobre a tomada de decisão no caso do bebê Charlie
Gard, possivelmente a partir de fundamentos da psicanálise, partindo pelo
pressuposto de que não há única resposta possível.
O avanço tecnológico modifica-se o curso natural de várias doenças,
de forma negativa, como na manutenção artificial da vida biológica de
pacientes com doenças crônicas e terminais. porém também positiva, como na
substituição temporária de órgãos intensamente acometidos em pacientes
com doenças agudas graves.
Em suma, não deveria ter sido tomada pela Suprema Corte inglesa a
decisão sobre a manutenção ou não do suporte vital de Charlie, nem mesmo
pela Corte Europeia de Direitos Humanos, mas sim por processo decisório
compartilhado entre equipe médica e familiares, visando sempre o melhor
interesse da criança. Contudo, presume-se que a interferência estatal foi
inadequada.
Indaga-se qual seria a solução adequada para efetivar uma vida ou
morte digna a Charlie.O bebê não era para a psicanálise um sujeito autônomo,
mesmo na questão do sofrimento. A questão do Charlie Gard foi
fundamentada nisso, como um ser vivo o sofrimento não era necessário.
Analisando o caso à luz do ordenamento jurídico brasileiro, arriscar-
se-ia indagar se, diante do direito constitucional à vida e do dever de cuidado
dos pais para com os filhos menores, não deveria prevalecer a vontade dos
pais e ser realizada a suplementação de nucleosídeos.
439
No Brasil, não há qualquer tratamento normativo para a morte digna,
que tem sido reconhecida como direito por algumas decisões judiciais,
inexistindo norma jurídica sobre o tema. Tal circunstância gera grande
insegurança jurídica para todos os atores que lidam com a terminalidade –
paciente, família, equipe e instituição de saúde.
É fundamental que, atua-se com compaixão e empatia, que sejamos
capazes de evoluir como sociedade em busca não apenas ao direito de viver
com dignidade, mas sobretudo de mantê-la até o final da vida.Todavia, que a
equipe médica seja capaz de resolver conflitos, buscando sempre
conformidade com a família sem que haja necessidade de intervenção jurídica.
Conclui-se que, esperançosamente esse seja o legado de Charlie.

REFERÊNCIAS

BLEGER, Jose.Simbiosis y ambigüedad: estudio psicoanalítico. Buenos


Aires: Paidós, 1967/2001.

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440
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-
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LIVELY, Jack.Utilitarian logic and politics. Oxford, Clarendon Press,


1978.

MIJOLLA, Alain de.Dicionário internacional de psicanálise: conceitos,


noções, biografias, obras, eventos, instituições. Rio de Janeiro: Imago,
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assistido. 2ª edição. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

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morte, os mortos e o morrer, v. 2, n. 4, p. 456-477, feb. 2019. Disponível
em: <http://www.seer.unirio.br/index.php/revistam/article/view/8171>.

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cuéstion preliminar a todo tratamiento posible de la psicosis”. ACTE
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SUETÔNIO, Caio. A vida dos doze Césares. Tradução de Sady-


Garibaldi. (2ª edição). Prestígio Ed., São Paulo, 2002.

441
O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA DE FORMA HUMANIZADA COM A
FINALIDADE DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS NO PODER
JUDICIÁRIO ATRAVÉS DA PSICOTERAPIA DA CONSTELAÇÃO
FAMILIAR NO DIREITO DE FAMÍLIA

Guilherme Souza3
René Dentz4

RESUMO
O presente artigo visa analisar as demandas judiciais através da resolução de
conflitos, tendo como base a Psicoterapia da Constelação Familiar. Possui
como objetivo demonstrar de que forma a Psicoterapia da Constelação
Familiar e o Direito Sistêmico tem sido introduzidos em alguns Tribunais de
Justiça do Brasil e qual tem sido a eficácia na resolução de conflitos dentro do
Direito de Família. Trata-se de um estudo de conteúdo teórico e bibliográfico,
permitindo ao leitor um conhecimento básico sobre o assunto com
informações extraídas de livros, doutrina, páginas de web sites e seguindo
apoio documental através da utilização da legislação específica sobre a
metodologia consensual de resolução de conflitos contida no CPC/15. Poderá
o leitor concluir a tratativa da Psicoterapia da Constelação Familiar aplicada
ao Direito de Família através das Leis Sistêmicas do psicoterapeuta alemão
Bert Hellinger, criador da Constelação Familiar que hoje é aplicada também
ao ramo do Direito de Família no país.

Palavras-chave: Constelação Familiar. Resolução de Conflitos. Direito de


Família. Direito Sistêmico. Novo CPC.

INTRODUÇÃO

3 Graduando do 9º período do Curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos de


Mariana.
4Professor Universitário e Psicanalista. Pós-Doutor pela Freiburg Universität (Suíça-2019),

Pós-Doutor pela Universidade Católica Portuguesa (Braga-2019); Pós-Doutor em Educação


pela Warsaw University (2018), com a pesquisa "Education in the 21st century: alterity and
hermeneutics as ways to innovation" (Supervisão do Prof. Dr. Andrew Wiercinski), Pós-Doutor
em Teologia pela PUC-Rio (2019), com a pesquisa "Teologia Pós-Moderna, 'Deus sem
absoluto' e Sujeito Vulnerável".
442
Analisou-se através deste trabalho as formas de resolução de
conflitos, quais sejam, conciliação e mediação, no Poder Judiciário através do
método alternativo de resolução de conflito utilizando a Psicoterapia da
Constelação Familiar, pautada na aplicação das Leis Sistêmicas Hellingerianas
no Direito de Família à luz do novo Código de Processo Civil.
Partindo dessa premissa, abordou-se então em que consiste a
Psicoterapia da Constelação Familiar e o Direito Sistêmico, a forma em que a
Psicoterapia se aplica como método alternativo de resolução de conflitos à luz
do Código de Processo Civil de 2015, quais são as Leis Sistêmicas aplicadas
no Direito de Família e qual a eficácia de sua aplicação dentro do Poder
Judiciária brasileiro.
Objetiva-se o presente trabalho a demonstrar de que forma a
Psicoterapia da Constelação Familiar e o Direito Sistêmico tem sido aplicados
nas ações de família em alguns Tribunais do Brasil como forma de resolução
amigável de conflitos, chegando a alcançar acordos superando 70% das ações
em andamento. Assim, compreende-se neste trabalho a Teoria da Constelação
Familiar e a criação do Direito Sistêmico, a proposta jurídica contida no
CPC/15 no que diz respeito a autocomposição consensual de conflitos, a
relação entre a Psicoterapia, o Direito Sistêmico e os métodos de resolução de
conflitos contidos na nova norma processual civil e os registros da
implementação da Psicoterapia da Constelação Familiar no Poder Judiciário
Brasileiro, dentro do Direito de Família.
Justifica-se a relevância deste trabalho tendo em vista que a aplicação
prática da parte temática, compreende em tornar visível o conflito oculto nas
relações familiares para obter êxito. Permite assim que o magistrado ou
operador do Direito verificar quais as Leis Sistêmicas foram quebradas e
realinhá-las para alcançar o equilíbrio familiar novamente. Assim, chega-se na
conclusão de importância do tema porque o Direito Sistêmico através da

443
Psicoterapia da Constelação Familiar previne e transforma os conflitos,
facilitando uma solução harmônica, tendo sua aplicação satisfativa em âmbito
judicial ou extrajudicial. Dessa forma, atuando de encontro a pacificação de
conflitos permite que novas demandas repetitivas surjam e abarrotem o Poder
Judiciário brasileiro.
Este estudo classifica-se como uma pesquisa básica de conteúdo
teórico e qualitativo, do tipo pesquisa bibliográfica, tendo em vista que o
estudo permitirá ao leito o conhecimento documental sobre o assunto.
Apoiou-se na literatura científica da área, através de informações coletadas
em livros, doutrina, artigos científicos, páginas de web sites, seguido de apoio
documental por utilizar a legislação específica sobre metodologia consensual
de resolução de conflitos contida no Código de Processo Civil de 2015.
Os autores essenciais tomados como base para a formalização deste
trabalho foram Hellinger com suas obras Ordens do amor (2007) e A Simetria
Oculta do Amor (2006), alemão, criador da Psicoterapia da Constelação
Familiar e especialista no atendimento de pessoas, casais ou famílias que
enfrentam situações difíceis; A jornalista e redatora free-lance Hövel (2007)
com seu livro, entrevistando o alemão Hellinger sobre emaranhamentos e
suas soluções. Oldoni, Lippmann e Girard (2018) com a obra de aplicação das
Leis Sistêmicas ao Direito de Família. Oldoni é doutorando nos métodos
alternativos de solução e prevenção de conflitos, Lippman é mestre e
mediadora, além de consteladora e professora de métodos alternativos de
solução de conflitos e Girardi é mestre e professora de Direito de Família,
além de presidente da Comissão de Direito Sistêmico da OAB/Itajaí. Além
destes, estudou-se a obra de Pizzatto (2018) tratando de constelações
familiares na advocacia. Pizzatto é advogada, consteladora, escritora e
criadora de conteúdo. Por fim, tomou-se como base a Lei 13.105/205

444
inovadora nos métodos de auto composição para resolução de conflitos de
forma pré-processual.
O primeiro tópico tratará do estudo teórico de Bert Hellinger sobre a
Constelação Familiar e elucidação de termos utilizados nessa terapia. Em
outro momento, no segundo tópico será tratada a proposta jurídica contida no
CPC/15 e a Resolução 125/10 do CNJ, bem como a Lei da Mediação. No
terceiro tópico estrutura-se a relação entre a Psicoterapia da Constelação
Familiar, o Direito Sistêmico e os métodos de resolução de conflitos
pertencentes à legislação específica, bem como as Leis Sistêmicas aplicadas ao
Direito de Família. Por fim, o último tópico irá tratar da aplicação de toda
parte teórica nos Tribunais de Justiça do país e sua eficácia quanto aos
acordos firmados e a redução de demandas repetitivas.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O estudo será realizado nos tópicos estruturados abaixo de forma


evolutiva, passando pela tratativa da Psicoterapia da Constelação Familiar e
também sua relação na criação do Direito sistêmico. Logo em seguida, tratar-
se-á da proposta jurídica contida na legislação do Novo Código de Processo
Civil de 2015 no que tange à conciliação e mediação como métodos
alternativos de resolução de conflitos, bem como relacionar a Psicoterapia da
Constelação Familiar com a nova proposta jurídica mencionada. Em
sequência, trata-se das Ordens do Amor e a Advocacia Sistêmica, bem como
as Leis Sistêmicas e sua aplicação no Direito de Família. Por fim, apresenta-se
no último tópico os resultados da aplicação da Psicoterapia da Constelação
Familiar em alguns tribunais do Brasil.

A PSICOTERAPIA DA CONSTELAÇÃO FAMILIAR


445
Trata-se de uma psicoterapia sistêmica, ou seja, uma terapia com a
finalidade de tratar dificuldades em relacionamentos dentro de determinado
sistema familiar. Foi criada pelo psicoterapeuta alemão Bert Hellinger e é
utilizada em diversos países através dos estudos desenvolvidos pelo alemão.

EM QUE CONSISTE A PSICOTERAPIA DA CONSTELAÇÃO


FAMILIAR?

A melhor definição para constelação familiar é apresentada por


Oldoni, Lippmann e Girardi (2018, p. 21) como sendo “um método
sistematizado por Bert Hellinger (psicoterapeuta alemão), no qual se cria
“esculturas vivas”, reconstruindo a árvore genealógica de um determinado
indivíduo [...]”. Em outras palavras, é a psicoterapia que estuda o consciente e
o inconsciente através de um campo chamado de morfogenético formado por
pessoas que, atuando, descobrem bloqueios em qualquer geração ou membro
familiar do indivíduo.
Acrescentam Oldoni, Lippmann e Girardi (2018, p. 22), que trata-se
de um “método multidisciplinar que encontra suporte na terapia sistêmica
que indaga sobre as relações não aparentes que vinculam umas pessoas aos
sistemas familiares.”, dando à psicoterapia da constelação familiar uma
definição para melhor entendimento.
A psicoterapia em questão, é aplicada na prática ao passo que as
pessoas escolhidas, passam a representar os membros da família de forma
real, expressam sentimentos e emoções.
Hövel (2007, p.12) entrevista o alemão Bert Hellinger sobre a
aplicação prática e este último elucida as representações:
O que é curioso nessas constelações é que as pessoas
escolhidas para representar os membros da família
se sentem como as pessoas reais, tão logo se
446
encontrem na constelação. Algumas vezes começam
a sentir até os sintomas que os membros dessa
família têm, sem sequer saber algo sobre eles. [...]
Se questionarmos as pessoas reais, verificamos que
é realmente o que sentem.

No mesmo sentido, Hellinger (2007, p.13) trata do assunto dizendo


que: “[...] no trabalho com as constelações familiares, fica evidente que entre
o cliente e os membros de seu sistema atua um campo de força que é dotado
de saber e o transmite através da simples participação, sem mediação
externa.”.
Fato é que, em se tratando da psicoterapia constelação familiar, é
recorrente o assunto emaranhamento, explicado por Hellinger na entrevista a
Hövel (2007, p.13):
Emaranhamento significa que alguém na família
retoma e revive inconscientemente o destino de um
familiar que viveu antes dele. [...] Se qualquer um
desses membros do grupo foi tratado injustamente,
existirá nesse grupo uma necessidade de
compensação.

Assim, temos que o emaranhamento é a repetição por um membro


da família de algo que não foi resolvido por algum dos membros no passado e,
de forma inconsciente é repetida por outro membro para que tenha a
oportunidade de reparar o que ficou para trás.
Hellinger em determinado momento de sua entrevista, ressalta a
Hövel (2007, p.37) o fato de todos vivermos em um emaranhamento, cada
qual a seu modo, e, narra sobre sua psicoterapia fenomenológica que consiste
em expor-se a um contexto mais amplo sem ter nele a compreensão, expor-se
sem medo do que poderá vir à luz, referindo-se aos fatos que estavam ocultos
e serão revelados pelo campo morfogenético.
Ainda, no mesmo contexto Hellinger (2007, p.30), trata da postura
em se tratando da fenomenologia psicoterapêutica que deve ser “[...] obtida
447
por meio da renúncia, do abandono de intenções e medos e do assentimento à
realidade, tal como se manifesta.”. O autor demonstra que não pode haver
qualquer tipo de interferência para que o trabalho não seja superficial e assim
não possua força para que seja realizado.
Nota-se nos trabalhos do alemão Bert que a psicoterapia atua de
forma a compensar os relacionamentos, colocando fim nos emaranhamentos
através do que chama de leis ou ordens do amor. É de suma importância a
metodologia multidisciplinar apresentada pelo alemão na resolução de
conflitos familiares, visto que em suas lições, é cristalino o ensinamento de
que o sistema familiar não admite exclusões e, quando estas são efetuadas,
outro membro do grupo surge para que a questão seja compensada.

A RELAÇÃO DA PSICOTERAPIA DA CONSTELAÇÃO FAMILIAR NA


CRIAÇÃO DO DIREITO SISTÊMICO

Inicialmente, cabe a definição de sistema, que nada mais é, nas


palavras de Oldoni, Lippmann e Girardi (2018, p.29), “[...] um conjunto de
elementos inter-relacionados com um objetivo comum.”. Em outras palavras,
ao analisarem o sistema familiar na perspectiva de Bert, descrevem que “[...]
todos aqueles que fazem parte do sistema familiar, estão conectados entre si.”,
o que nos leva a reflexão de que todos os sistemas estão ligados
intrinsicamente a cada indivíduo, tendo em vista que não se pode comparar
um ao outro, mesmo que os indivíduos sejam membros da mesma família.
Após clareada essa questão, analisamos o Direito Sistêmico em sua
perspectiva jurídica da aplicação da psicoterapia da Constelação Familiar,
através das leis ou, como são chamadas pelo alemão Hellinger (2006), “as
ordens do amor”.

448
Essas ordens do amor ou mesmo chamadas de leis sistêmicas foram
trazidas como novo paradigma para os grupos tutelados pelo Direito para
resolução dos conflitos, principalmente aqueles trazidos pela área
especializada do Direito de Família.
No Brasil, as Constelações Familiares foram introduzidas pelo
Magistrado Sami Storch5 como uma análise das ordens do amor e sua
aplicação no campo do Direito.
Importante ainda destacar a visão cristalina e contributiva de
Oldoni, Lippmann e Girardi (2018, p.44) ao tratar do Direito Sistêmico não
como uma competição, como era realizado pelo Direito pátrio, mas tão
somente com a busca de solução consensual de determinado conflito, senão
vejamos:
Assim, o então denominado Direito Sistêmico os
propõe a busca de uma solução, não mais focada
apenas na ótica competitiva, mas sim cooperativa e
pacífica, o que vem perfeitamente ao encontro da
necessidade de pacificação social e se distancia
salutarmente da visão opositiva, até então
perpetrada pelos construtores do Direito.

A autora Baggenttos (2017) discorda da definição trazida pelo


magistrado, pois, em sua visão, não poderiam acrescentar um tributo ao
Direito sem que este passe pelo crivo do legislativo, conforme a previsão
constitucional.

5Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, atualmente na 2a.


Vara de Família de Itabuna/BA. Graduado em Direito pela USP – Universidade de São Paulo.
Mestre em Administração Pública e Governo pela Fundação Getúlio Vargas (EAESP/FGV-SP).
Doutorando em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Treinamento Avançado em Constelações Familiares com Bert Hellinger pela Hellingerschulle –
Alemanha. Formado em Consultoria Sistêmica Empresarial, Coaching e Constelações
Organizacionais – Abordagem Bert Hellinger. Pioneiro mundial no uso das constelações na
Justiça. Palestrante convidado por Bert Hellinger em seminários internacionais. Autor do Blog
Direito Sistêmico.
449
Em que pese as discussões acerca do assunto, posicionamo-nos com
a definição de Oldoni, Lippmann e Girard (2018, p. 46), no seguinte sentido:
[...] não existe apenas uma possibilidade de análise
sistêmica do Direito, baseada em Bert Hellinger, e
Direito Sistêmico não é sinônimo de Novo Ramo do
Direito, tampouco a aplicação das Leis do Amor
Hellingerianas ao Direito.
Assim, propõem-se em um primeiro estágio, que a
expressão Direito Sistêmico seja compreendida
como a aplicação das leis sistêmicas de Bert
Hellinger, como método de resolução de conflitos e,
posteriormente, seja adotada a denominação
Aplicação Sistêmica do Direito, esta de cunho
abrangente e integral.

Assim, a aplicação Sistêmica do Direito é uma forma consensual e de


inclusão e, não é pautada em um sistema fechado como por tantos anos foi
tratado o Direito.
Por fim, quer seja Hellinger, Luhmann ou Habermass que também são
pensadores do modelo sistêmico, o objetivo final será o mesmo, qual seja, a
pacificação social para integração do indivíduo e da sociedade.
Corroborando com o exposto, o magistrado Storch (2017)
preleciona:
A abordagem sistêmica do Direito, portanto, propõe
a aplicação prática da ciência jurídica com um viés
terapêutico – desde a etapa de elaboração das leis
até a sua aplicação nos casos concretos. A proposta
aqui é utilizar as leis e o direito como mecanismo de
tratamento das questões geradoras de conflito,
visando à saúde do sistema “doente”, como um
todo.

Sintetizando, a aplicação sistêmica dá ao Direito uma nova forma eficaz de


resolução de conflitos.

450
A PROPOSTA JURÍDICA NA RESOLUÇÃO CONSENSUAL DE
CONFLITOS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015

Antes mesmo de adentrarmos no CPC/15, importante salientar que


as práticas de métodos alternativos de resolução de conflitos já estavam sendo
tratadas com clareza na Resolução 125/10 do CNJ no que tange ao assunto
conciliação e mediação como forma de estimular a autocomposição.
Para Oldoni, Lippmann e Girard (2018, p. 47), a Resolução
mencionada refletiu os esforços para mudar o modelo com que o Poder
Judiciário vinha se apresentando, deixando de ser apenas um solucionador de
conflitos e passando a ser visto como um centro de soluções efetivas para os
que buscam a tutela jurisdicional.
Assim, temos que as disposições pré processuais trazem uma
resposta mais célere evitando assim a acumulação de demandas nos diversos
graus de jurisdição.
O artigo 4º da Resolução já incentivava os Tribunais na prática da
pacificação social, o que de fato tornou-se essencial com a vigência do
CPC/15.
O novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), incentiva
objetivamente os métodos alternativos de resolução de conflitos, quais sejam,
mediação, conciliação e arbitragem, os dois primeiros como objeto de estudo
deste artigo.
O artigo 3º, §2º do CPC traz que o Estado deverá sempre quando
houver a possibilidade, incentivar a solução consensual de conflitos, ao passo
que o § 3º do mesmo artigo informa que os métodos de resolução deverão ser
estimulados por todos os sujeitos do processo, ensinando um novo
pensamento a todos os envolvidos.

451
Dessa forma, Diddier (2015, p. 273) rememora quão importante é o
estímulo dos métodos consensuais de resolução de conflitos no seguinte
sentido:
a) dedica um capítulo inteiro para regular a
mediação e a conciliação (arts. 165-175); b)
estrutura o procedimento de modo a pôr a tentativa
de autocomposição como ato anterior ao
oferecimento da defesa pelo réu (arts. 334 e 695); c)
permitea homologação judicial de acordo
extrajudicial de qualquer natureza (art. 515,
111;art. 725, VIII); d) permite que, no acordo
judicial, seja incluída matéria estranha aoobjeto
litigioso do processo (art. 515, §2°); e) permite
acordos processuais (sobre oprocesso, não sobre o
objeto do litígio) atípicos (art.190).

É nesse contexto que a atuação dos conciliadores e mediadores


caminharão para a efetiva prestação jurisdicional àqueles que recorrem ao
Poder Judiciário para resolverem suas demandas.

A CONCILIAÇÃO E A MEDIAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS

A priori, necessário dizer conforme os ensinamentos de Didier (2015, p. 275)


que destaca ambas as condutas como técnicas distintas, mas com o mesmo
objetivo, este sendo a obtenção da autocomposição.
Primeiramente, destacamos a prática da conciliação, utilizada na
conhecida fase pré processual. Encontra-se elencada nos artigos 165 e
seguintes do CPC e consiste basicamente em uma audiência onde o
conciliador poderá sugerir soluções aos litigantes. Esse terceiro, também
chamado de conciliador, interfere de uma forma mais direta no conflito,
conforme disposição do § 2º do artigo 165, nos seguintes ditames:
165. [...]
452
§ 2º O conciliador, que atuará preferencialmente
nos casos em que não houver vínculo anterior entre
as partes, poderá sugerir soluções para o litígio,
sendo vedada a utilização de qualquer tipo de
constrangimento ou intimidação para que as partes
conciliem.

Assim, necessário é que preferencialmente não haja vínculo anterior entre as


partes.
Didier (2015, p.276) abrange o fato de o conciliador tem mais
liberdade para poder sugerir soluções aos litigantes, sendo certo que,
conforme dito acima, é necessário preferencialmente que não haja vínculo
anterior entre as partes.
Em se tratando da mediação, o mediador deve auxiliar as partes,
pois estas estarão colocando seus pontos de vista no conflito e o real interesse,
pois ambas as partes estarão em igualdade e sairão beneficiadas na
autocomposição.
Assim é a disposição do § 3º do aludido art. 165, informando que o
mediador facilitará o diálogo para que as próprias partes possam propor as
soluções, vejamos:
165. [...]
§ 3º O mediador, que atuará preferencialmente nos
casos em que houver vínculo anterior entre as
partes, auxiliará aos interessados a compreender as
questões e os interesses em conflito, de modo que
eles possam, pelo restabelecimento da comunicação,
identificar, por si próprios, soluções consensuais
que gerem benefícios mútuos.
Depreende-se então que, diferente da conciliação, aqui haverá
preferencialmente vínculo anterior entre as partes.
Além disto, em se tratando de mediação, devemos observar a Lei
13.140/15 que trata da mediação entre particulares, lembrando que,
conforme o parágrafo único do artigo 1º, o mediador, ou seja, o terceiro
453
imparcial, não tem qualquer poder decisório e será escolhido entre as partes
para solução do conflito, orientado sempre pelos princípios contidos no artigo
2º, vejamos:
Art. 2º A mediação será orientada pelos seguintes
princípios:
I - imparcialidade do mediador;
II - isonomia entre as partes;
III - oralidade;
IV - informalidade;
V - autonomia da vontade das partes;
VI - busca do consenso;
VII - confidencialidade;
VIII - boa-fé.

Didier (2015, p. 276) descreve sua visão sobre a mediação como


exitosa na medida em que aqueles que estão envolvidos no conflito consigam
construir a negociação daquilo que criou o conflito.
Em síntese, as técnicas são aplicadas cotidianamente, com
permissão jurídica para atuação judicial ou extrajudicial (arts. 174, 175
CPC/15), bem como a Lei da Mediação (Lei 13.140/15).
O novo CPC traz para todos por força do art. 319 que na petição
inicial, deve ser informado pelo autor a realização ou não da audiência de
conciliação ou mediação. Um avanço grande, pois desde a inicial pode ser
vista a possibilidade de solução do conflito de forma amigável, visando a
celeridade processual.
Por fim, o posicionamento do mediador e do conciliador deve
atender a todos os princípios previstos na legislação para dar efetividade aos
atendimentos e, poder aplicar a postura sistêmica a todos os envolvidos no
sistema jurídico, conforme depreende-se das palavras de Oldoni, Lippmann e
Girardi (2018, p.49):
Aborda-se nesse sentido, a Resolução nº 125, do
Conselho Nacional de Justiça, por tratar-se de uma
abertura, por onde a postura sistêmica do
454
construtor do direito pode ingressar, aplicando-se
as leis sistêmicas de Bert Hellinger tanto em seu
escritório, gabinete ou mesmo em audiência. Todos,
juízes, advogados, promotores e clientes devem ser
vistos como membros de um sistema, que JUNTOS
buscam a melhor solução para o conflito social.

Sintetizando, todas as pessoas envolvidas no conflito devem trabalhar em


conjunto para a pacificação e êxito do pleito requerido.

A RELAÇÃO ENTRE A PSICOTERAPIA DA CONSTELAÇÃO


FAMILIAR, ODIREITO SISTÊMICO E OS MÉTODOS DE
RESOLUÇÃO DE CONFLITOS NO CPC DE 2015

De início importante lembrar que o advogado é essencial para a


sociedade, conforme estabelece o art. 133 da CF/88, exercendo uma função
social para a pessoa humana.
A partir daí, traça-se todo o caminho da advocacia até os dias atuais,
lembrando que o Direito é um conjunto de normas jurídicas que regula as
relações sociais.
É nesse mesmo sentido que as relações sociais vêm mudando
durante os anos e o Direito sendo atualizado para poder estabelecer a ordem
social. Algo sabido por todos é que o problema vem primeiro, logo depois, a
Lei para regulamentação.
O Juiz de direito Sami Storch iniciou seus estudos sobre as
constelações familiares no ano de 2004. A partir do ano de 2006, deu início a
palestras e workshops sobre o tema, onde relata ter conseguido desde então
grande êxito de conciliações através da aplicação dos princípios da
Psicoterapia da Constelação Familiar, trazendo para sua carreira a atuação da
mencionada Psicoterapia buscando uma resolução do conflito trazendo paz
aos litigantes.
455
A partir dessa visão do magistrado, e outros autores, destacamos os
princípios sistêmicos mencionados por ele, criados pelo alemão Hellinger que
fundamentam o Direito sistêmico através da chamada Advocacia Sistêmica.
Parte dessa ideia então a relação vivida no último século, os métodos
consensuais de resolução de conflitos trazidos pelo CPC/15 (art. 2º, § 3, art.
3º, § 3º art. 6º), e a aplicação das Leis Sistêmicas no Direito de Família.
É através dos métodos consensuais trazidos pela nova legislação
processual civil de 2015 que se pode demostrar aos litigantes que, em boa
parte, a resolução do conflito está em suas mãos, conforme Oldoni, Lippmann
e Girardi (2018, p. 109):
Quando um conflito se apresenta, qualquer que seja
a modalidade, faz-se imediata (e incorreda)
associação à solução do mesmo em uma instância
externa e superior (Poder Judiciário, Arbitragem,
Mediação, etc.) aos litigantes quando, na maioria
das vezes, a MELHOR solução depende única e
exclusivamente daquelas pessoas envolvidas no
litígio.

Assim, os autores Oldoni, Lippmann e Girardi (2018, p. 111-112)


demonstram a perspectiva de eficácia das demandas diárias no Poder
Judiciário e que são mais céleres. E, nesse mesmo viés, a aplicação do Direito
Sistêmico não julgará o “culpado ou inocente”, mas contribuirá para
reaproximação das partes, conforme aduzem:
Sugere-se que a redação das petições, dos pareceres
ministeriais e das decisões e sentenças , no contexto
do Direito Sistêmico, ao invés de ratificar a posição
de “culpado” ou “inocente”, e assim, afastar cada
vez mais as partes, deva ser intencional e
conscientemente refletida e ponderada pelos
construtores do direito, contribuindo para a
reaproximação das partes, sem deixar de lado, é
claro, a correta e devida aplicação do Direito.

456
Por fim, afasta-se os termos que são pejorativos, ao ver das partes, e pacifica-
se a demanda para que todos possam conviver em harmonia.

AS ORDENS DO AMOR E A ADVOCACIA SISTÊMICA


As ordens do amor são aplicações práticas de Hellinger para o
trabalho com as constelações familiares.
Partindo desse ponto inicial, o Direito Sistêmico, compreendido
como a aplicação das leis sistêmicas de Bert Hellinger, se regerá de três leis
para a resolução dos conflitos, quais sejam, lei do pertencimento, lei da
hierarquia e ordem e lei do equilíbrio.
Fato é que através desta aplicação sistêmica ao Direito pelo
profissional da área, surge a então chamada advocacia sistêmica, conforme as
lições de Oldoni, Lippmann e Girard (2018, p. 50) no seguinte sentido: A
prática da advocacia sistêmica, tem como principal suporte as Leis do Amor
de Bert Hellinger, entretanto, também deve ser levado em conta descobertas e
experimentos de outros notáveis pensadores, matemáticos, físicos, cientistas
[...].
Nessa mesma perspectiva, é apresentado pelos autores (2018, p. 50-
51), o perfil e propósito de um advogado sistêmico, vejamos:
O advogado sistêmico possui um propósito de vida
bem definido: ele acredita e tem paixão por uma
advocacia humanizada e estratégica. Não possui
perfil litigante e busca construir seu legado
promovendo o uso das diversas formas de
composição de conflitos de interesse como via
principal de acesso à justiça. Dessa forma sua
advocacia é única e se destaca de todas as demais,
pois o ser humano é o grande diferencial.

Considerando o pensamento dos autores acima, Pizzatto (2018, p. 81)


corrobora no sentido de acrescentar que o advogado sistêmico não se
457
considera a solução do cliente, mas sim uma porta para que a solução seja
encontrada.
Assim, o próprio advogado sistêmico deverá levar em consideração a
hierarquia, lembrando sempre que o cliente possui outras pessoas em seu
sistema que vieram antes do profissional, e essas pessoas devem ser
respeitadas. É nesse mesma forma que a advocacia sistêmica visa evitar que as
demandas judicias sejam tratadas como um jogo de direitos, atacados pelas
partes opostas. Assim é a visão de Pizzatto (2018, p. 33) ao tratar do assunto:
O que eu vejo em muitos processos são partes
gastando energia, tempo e dinheiro julgando e
atacando as ações e o direito da outra parte, e pouco
falando e defendendo o seu próprio direito. Muitos
advogados levam esse discurso e essa energia para o
processo e, ao invés de usar todo o seu
conhecimento jurídico para defender os direitos de
seu cliente, usam para atacar a outra parte, e não
raras vezes até seus colegas de profissão.

A partir dessa problemática, a autora (2018, p. 42) elucida sobre a


aplicação das leis sistêmicas a serem utilizadas pelos profissionais do Direito:
A partir do conhecimento sobre as leis sistêmicas, os
profissionais do Direito passam a ter uma visão
ampliada do conflito. É espantoso como leis tão
simples podem provocar diferenças tão complexas
nas relações humanas. Cada dia, eu sinto com mais
intensidade que essas três leis são a base para o
atendimento sistêmico. Ao facilitar que nosso
cliente inclua o que foi excluído, separe o que está
misturado e ajuste o dar e tomar, oferecemos a ele
uma oportunidade de liberar a tensão que existe no
conflito e, assim, possibilitar a resolução
consensual.

Com tudo exposto, necessário é entendermos as leis sistêmicas de


Hellinger para aplicação ao Direito, principalmente no Direito de Família.

458
AS LEIS SISTÊMICAS E A FORMA DE APLICAÇÃO NO DIREITO DE
FAMÍLIA

Primeiramente, necessário abordar que a previsão constitucional do


art. 226 traz em seu seio que a família é a base da sociedade, recebendo total
proteção estatal, motivo este que ensejou ao Direito sistêmico a oportunidade
de contribuir de forma significativa na proteção da família e efetivação das
resoluções de conflitos.
Importante destacar que durante todos os trabalhos realizados por
Hellinger, algo é notadamente reiterado em suas falas, o alemão a todo
momento lembra àqueles que acompanham suas obras e trabalhos que a
constelação familiar não permite que nenhum membro da família seja
excluído, seja por isolamento, condenação ou qualquer outra forma de
exclusão. É nesse sentido que haverá um impacto no sistema familiar e, em
algum momento da existência, um outro membro da família,
inconscientemente poderá repetir o padrão anterior como uma forma de
compensação e/ou inclusão. O que Bert Hellinger ensina a todo tempo é que o
indivíduo que for excluído, deve ser acolhido no coração dos familiares e do
sistema. A exemplo da frase utilizada na psicoterapia da constelação familiar:
“agora eu te vejo”.
Nas palavras do autor (2006, p. 25), o pertencimento, o equilíbrio e
a ordem são necessidades sentidas por todas as pessoas. São necessidades que
desafiam as pessoas a todo momento, nesse sentido:
Sentimos essas três necessidades com a premência
de impulsos ou reações instintivas. Elas nos
subjugam a forças que nos desafiam, exigem
obediência, coagem e controlam; elas limitam as
nossas escolhas e nos impingem, queiramos ou não,

459
objetivos que entram em conflito com os nossos
desejos e prazeres pessoais.

Conforme o CNJ, a psicoterapia da constelação familiar pode ser aplicada no


âmbito do Direito de Família de forma a investigar as relações interpessoais
com as devidas conexões entre os sistemas, em diversos temas, quais sejam,
dificuldades de relacionamento, mortes na família, separações, tragédias,
doenças, problemas financeiros, heranças, traumas, vícios, dentre outros
temas.
Nesse mesmo contexto, Oldoni, Lippmann e Girard (2018, p. 81)
trata da sistemática no que diz respeito a valorizar os laços de afeto entre os
membros, observando, entretanto o princípio da afetividade.
A afetividade no Direito de Família tem grande relevância jurídica,
uma vez que todas as relações estão pautadas nesse princípio. E assim sendo,
quando há o desequilíbrio de uma das leis sistêmicas, o conflito está
instaurado e na maioria das vezes, os litigantes culpam uns aos outros e
sequer têm conhecimento do que está por trás daquela atitude.
Consoante a isso, os autores (2018, p. 81-82) ainda abordam a
questão dos litigantes que não possuem uma visão sistêmica e mais, os que
conhecem, devem extrapolar os limites de entender ou estar em defesa de uma
das partes, no seguinte modo:
A compreensão pelos construtores do direito dos
dramas familiares vivenciados pelas pessoas,
extrapola a simples noção de “entender ou defender
um ponto de vista”. Significa perceber, além do
aparente, decifrar o que está oculto em quase todos
os litígios familiares. Exemplificativamente, pessoas
que chegam a litigar no Poder Judiciário o término
de um casamento, a partilha de bens, a guarda dos
filhos, dentre outros, geralmente não estão
“brigando” por estes direitos, mas sim, no âmago, o
que os move são as questões da alma, “invisíveis” (e,
portanto, totalmente desprezadas) a quem não tem
460
uma visão sistêmica tanto da família, como do
próprio Direito de Família.

Infere-se daí que a importância da aplicação no Direito, uma vez que


no Direito de Família, as relações interpessoais são tão mais fortes e
intrínsecas e, assim, a partir do momento que houver o atendimento aos
litigantes, poderá haver a colocação novamente das leis do amor que, em
desordem, geram os conflitos que, de certa forma, param no Judiciário
buscando tutela jurisdicional.
Não menos importante, é o entendimento trazido por Pizzatto
(2018, p. 200) ao tratar da disposição do Estatuto da Ordem dos Advogados
do Brasil em seu art. 1º e o Código de Ética e Disciplina da OAB proíbem ao
advogado o exercício da advocacia conjuntamente com outra atividade.
Elucida a autora que a proibição expressa é a de exercer a atividade da
advocacia aliada a outra atividade no mesmo espaço e havendo vinculação,
sendo caracterizada a concorrência desleal.
No mesmo sentido, no que tange a aplicação das constelações
familiares no âmbito do Direito de Família, em que serão tratados assuntos
recorrentes como divórcio, adoção, guarda do menor, alimentos, herança,
entre outros temas, a autora (2018, p. 201) defende a atuação do advogado
no sentido em que estimula através da psicoterapia da constelação familiar
uma solução consensual de conflitos, vejamos:
As constelações familiares são um método de
solução de conflitos que perfeitamente se adaptam
ao compromisso e ao dever de advogado de
estimular a conciliação, a mediação e outros
métodos de solução consensual de conflitos
(art. 3º, § 3º do CPC) e, assim, não caracterizam
outra atividade alheia da advocacia. (sem alterações
no texto)

461
Por essa razão, e em consonância com o exposto pela autora, o art. 2º do
Código de Ética e Disciplina da OAB, o advogado é essencial par
administração da justiça e da paz social, bem como tem o dever, conforme o
inciso IV do referido diploma de estimular a qualquer tempo a conciliação e a
mediação, que, no caso do presente artigo, é exercida através da aplicação do
Direito Sistêmico com as leis sistêmicas de Bert Hellinger.
Por fim, importante lembrar que as lições de Oldoni, Lippmann e
Girard (2018, p. 83) tratam dos litígios recorrentes nas questões de família,
poderiam ser reduzidos na medida em que os litigantes pudessem ser
constelados, o que, na visão dos autores, os litigantes não permitiriam na
maioria das vezes, sem saber que tal medida se aceita, apresentaria uma
pequena modificação com a finalidade de colocar em ordem as relações com
as leis do amor.
Superadas essas considerações sobre a forma de atuação do sistema,
vamos adentrar no campo das leis sistêmicas para conhecimento.

A LEI DO PERTENCIMENTO
Hellinger (2006, p. 27), trata da pertinência como uma ligação entre
as pessoas e grupos que são necessários para a sobrevivência. Ressalta o autor
que mesmo as crianças se adaptam ao grupo onde nascem sem realizarem
nenhum questionamento, mesmo se forem bons ou ruins.
Assim o autor esclarece:
Do mesmo modo, as crianças se adaptam sem
questionamento aos grupos dentro dos quais
nascem, e apegam-se a eles com uma tenacidade que
lembra o condicionamento. As crianças sentem sua
ligação com a família sob a forma de amor e boa
sorte, não importa se essa família as alimente ou as
negligencie; para elas, os valores e hábitos
familiares são bons, pouco importando as crenças e
atos dessa família.
462
Dessa forma, podemos notar claramente que todos pertencemos a um grupo,
a um sistema. E, é dentro desse sistema que defenderemos a nossa
pertinência, ou o direito de pertencer.
Acrescenta o autor que vivemos em diversos ambientes em nossa
sociedade (2006, p. 28), e, em suas palavras: “Em cada situação, a consciência
se esforça para defender a nossa pertinência, protegendo-nos do abandono e
da perda”. Conforme as lições de Hellinger, somos ligados pela consciência ao
grupo que pertencemos. Todavia, quando alguém possui características
diferentes, a tendência é excluir e não permitir que pertençam ao grupo,
conforme preleciona: Se a consciência, agindo a serviço da pertinência, liga-
nos uns aos outros no grupo, também nos leva a excluir os que são diferentes e
a negar-lhes o direito de participação que reclamamos para nós. (2006, p. 29).
A exclusão de algum membro do sistema, causa desequilíbrio e,
consequentemente como ensina Hellinger, o sistema terá uma necessidade de
compensação em algum momento.
Pizzatto (2018, p. 46) exemplifica sua rotina em seu escritório e a
aplicação da Lei do Pertencimento nos casos de adoção e, alinhada ao
pensamento sistêmico, demonstra o foco nos pais biológicos, os pais adotivos
e, num terceiro momento, o olhar para o intermediário daquela adoção,
podendo ser uma associação, uma pessoa, dentre outros possíveis
intermediários que também podem influenciar no processo de adoção. E é
nessa visão que pode-se vislumbrar a possibilidade de solução para o caso,
vejamos:
Percebe-se que, quando fazemos isso internamente,
reconhecendo o pertencer de cada um no sistema,
incluindo o todo, ampliamos as possibilidades para
a solução e para o sucesso da adoção. Ou seja,
quando um casal procura um escritório de advocacia
para encaminhar uma adoção, se este escritório
463
estiver alinhado com o pensamento sistêmico, o
atendimento do advogado envolve o cliente, a
criança adotada, os pais biológicos, o Ministério
Público, o juiz e também o intermediário, se for o
caso.

Sintetizando, percebemos o quão é importante pertencer a um


sistema, e também quando houver uma exclusão, como rememorado por
Pizzatto (2018, p. 48) o próprio sistema como forma de compensação fará
uma pressão para que o excluído seja incluído.

A LEI DA HIERARQUIA OU ORDEM

A segunda lei aplicada as constelações familiares e que podem ser


tratadas no Direito Sistêmico através do Advogado Sistêmico.
O autor Bert Hellinger define a hierarquia a partir do momento em
que se começa a pertencer a um sistema. Daí a disposição deve ser feita dos
antigos para os mais novos, colocados sempre à esquerda dos que ocupam
posição inferior.
Acrescenta o autor (2007, p. 36-37) que o ser é definido pelo tempo,
e parte daí a hierarquia entre os membros do sistema, senão vejamos:
Existe uma hierarquia baseada no momento em que
se começa a pertencer a um sistema: esta é a ordem
de origem, que se orienta pela seqüência cronológica
do ingresso no sistema. [...]
O ser é definido pelo tempo e, através dele, recebe
seu posicionamento. O ser é estruturado pelo
tempo. Quem entrou primeiro num sistema tem
precedência sobrem quem entrou depois. Da mesma
forma, aquilo que existiu primeiro num sistema tem
precedência sobre o que veio depois. Por essa razão,
o primogênito tem precedência sobre o segundo
filho e a relação conjugal tem precedência sobre a
relação de paternidade ou maternidade. Isso vale
dentro de um sistema familiar.
464
Assim, temos clara a visão de que tudo o que ocorreu primeiramente
dentro de determinado sistema, irá prevalecer sobre o que acontecer
posteriormente. E isso deve ser levado em consideração pelo advogado
sistêmico.

A LEI DO EQUILÍBRO (O DAR E RECEBER)

Por fim, a terceira lei aplicada pelo alemão Hellinger para o trabalho
com as constelações familiares.
De forma clara e objetiva, a lei do equilíbrio trata da sistemática de
ficar em paz quando sente-se que está dando e recebendo de forma igualitária
nas relações.
Preceitua o autor sobre o assunto (2006, p. 31):
Nossos relacionamentos, bem como nossas
experiências de culpa e inocência, começam com o
dar e o receber. Nós nos sentimos credores quando
damos e devedores quando recebemos. O equilíbrio
entre crédito e débito é a segunda dinâmica
fundamental de culpa e inocência nos
relacionamentos. Favorece todos os
relacionamentos, pois tanto o que dá quanto o que
recebe conhecem a paz se o dar e o receber forem
iguais.

Assim sendo, as relações devem estar equilibradas para poderem manter a


estabilidade.
Pizzatto (2018, p. 52) ao tratar o assunto aduz que em uma relação,
aquele que dá mais e não tem o retorno na medida em que se doou, busca o
afastamento, por não haver o equilíbrio entre as partes. Vejamos:
[...] Se em uma relação, seja de afeto, amizade,
trabalho ou negócios, uma das partes dá mais do que
465
recebe, aquele que recebe mais do que dá se sente
pressionado a recompensar e não consegue, e aquele
que dá mais e recebe nada ou pouco se sente
desvalorizado, pois precisa receber algo e nem
sempre consegue. Em qualquer uma das hipóteses, o
efeito é a tensão nessa relação e o consequente
afastamento.

Seja em qualquer relacionamento, fato é que deve haver o equilíbrio


entre o dar e o receber para que as relações continuem estáveis.
Portanto, as leis sistêmicas devem ser levadas em consideração por
todos os envolvidos na resolução do conflito.
Importante salientar que uma sentença judicial não trará fim ao
problema em si, mas tão somente será razão para que uma nova ação judicial
futuramente possa ser proposta com as mesmas partes, conforme a visão de
Oldoni, Lippmann e Girardi (2018, p. 81) no seguinte modo:
A consequência de um litígio familiarista que não foi
devidamente “pulverizado, tratado e resolvido” nos
autos de uma ação judicial, é o ajuizamento de
várias outras ações, envolvendo as mesmas partes,
ou seja, a insatisfação do jurisdicionado em relação
à tutela jurisdicional o leva à reincidência. E
reincidência, por sua vez, corrobora para o
abarrotamento de ações judiciais no Poder
Judiciário.

É daí que surge então a participação efetiva do advogado sistêmico ao aplicar


as leis sistêmicas, pois, atuará de forma a facilitar a conciliação/mediação das
partes e evitar que novas demandas judiciais sejam ajuizadas, trazendo assim
os mesmos problemas interpessoais para que o Poder Judiciário possa
resolver tão somente da perspectiva processual.

A APLICAÇÃO DA PSICOTERAPIA DA CONSTELAÇÃO NOS


TRIBUNAIS DE JUSTIÇA DO BRASIL
466
Após todo o exposto no presente trabalho, passamos a analisar como
é executada na prática a psicoterapia da constelação familiar, o direito
sistêmico e a advocacia sistêmica.
Primeiramente, nesse ponto é importante destacar que começou a
ser aplicada no estado da Bahia pelo já mencionado Juiz de Direito Sami
Storch, sendo surpreendido com os bons resultados da aplicação da
psicoterapia da constelação familiar nas demandas judiciais como método de
resolução de conflito.
Conforme fonte do CNJ, no ano de 2016, eram 11 estados atuantes
na prática da psicoterapia da constelação familiar. A partir do ano de 2018, a
psicoterapia da constelação familiar passou a ser aplicada em 16 estados mais
o Distrito Federal. Isso tudo iniciou desde o ano de 2015 com a inovação de
metodologia de resolução de conflito trazida pelo novo CPC em conjunto com
a Resolução 125/2010 do CNJ.
Surge no ano de 2017, pela OAB do estado de Santa Catarina, a
primeira comissão de direito sistêmico do país como forma de expandir no
país o movimento sistêmico. Lançou-se então a cartilha de Direito Sistêmico
explicando todo o básico da psicoterapia das constelações familiares e sua
relevância dentro do direito. A partir daí, as comissões de direito sistêmico
foram avançando ao redor do Brasil com o apoio da OAB de cada ente
federativo.
Referente às comissões de direito sistêmico, os dados estatísticos
apresentados são de 53 comissões espalhadas em 12 estados do país, mais o
distrito Federal.
No estado de Minas Gerais, a comissão de direito sistêmico foi
criada no ano de 2017, e, no site da Seção Mineira ainda são disponibilizados
vídeos sobre o tema e aplicação do Poder Judiciário.

467
Na prática, existem diversas decisões impactantes sobre a aplicação
da psicoterapia da constelação familiar em diversas varas de famílias
espalhadas pelo Brasil. O CNJ disponibiliza parte dessas decisões para
conhecimento e aprofundamento pelos interessados no assunto.
Dentre os diversos temas e demandas judiciais, tem destaque os
acordos realizados na Vara Cível, Família, Órfãos e Sucessões do Núcleo
Bandeirante no TJDF, através do projeto constelar e conciliar alcançando
76% de acordos efetivos, de acordo com a juíza Magáli Dellape Gomes.
No estado do Rio de Janeiro, na 1ª Vara de Família do Fórum
Regional da Leopoldina, foram selecionados 300 processos com temas
idênticos que, após realizada a psicoterapia da constelação familiar, 86% das
audiências realizadas resultaram em acordos, inciativa do o juiz André
Tredinnick
Ainda, em Mato Grosso, na Primeira Vara Especializada de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Cuiabá, aplicada pela
consteladora Gil Thomé, a sessão foi dirigida as mulheres vítimas de violência
doméstica e familiar com a finalidade da vítima verbalizar o conflito,
identificar sua origem e receber orientações práticas para solução do conflito.
Em Contagem, Minas Gerais, a psicoterapia tem sido aplicada nas
três varas de família e sucessões da Comarca. Em um caso de guarda, visitas e
alimentos em favor do menor, onde os genitores se denunciavam mutuamente
e não havia entre eles o diálogo necessário para que fosse realizado acordo em
audiência de conciliação, a juíza da 1ª Vara Cível da Comarca, Christiana
Motta Gomes sugeriu a sessão entre os pais do menor e ambos concordaram,
resultando de um acordo que colocou fim na demanda.
Assim, a psicoterapia das constelações familiares vem sendo
aplicada com efetividade nos diversos tribunais do Brasil, alcançando
resultados satisfatórios e surpreendedores.

468
É nesse sentido que o incentivo, a especialização e a aplicação pelos
profissionais do Direito, é necessária, tendo em vista que a advocacia caminha
rumo aos acordos, sejam eles judiciais ou extrajudiciais, e, conforme
explanado em todo o artigo, a prática deve ser motivada pelos profissionais e
com o suporte necessário para que os conflitos possam ser resolvidos
satisfatoriamente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A melhor síntese de um advogado atuando de forma humanizada se
dá, nas palavras de Barroso6: “O advogado do futuro não é aquele que propõe
uma boa demanda, mas aquele que a evita”.
Após definirmos o que é a psicoterapia da constelação familiar na
perspectiva do alemão Bert Hellinger e suas nuances dentro do sistema
familiar, analisamos a forma que o sistema atua dentro de uma sessão da
psicoterapia.
Analisamos então que o sistema não aceita qualquer tipo de exclusão
dos membros daquele sistema, percebendo então, de acordo com os estudos
de Hellinger que, aquele que é excluído dentro de um determinado sistema,
terá por consequência, um outro membro que o representará de forma
inconsciente, buscando sua inclusão no sistema, colocando assim o sistema
em ordem.
Assim, foi abordada a inovação trazida pela Resolução
125/2010 do CNJ que iniciou a tratativa dos métodos de resolução de
conflitos: a conciliação e a mediação.
A partir daí, foi analisado pela ótica do novo CPC/2015 que trouxe
em seu eixo a regulamentação dos métodos de resolução de conflitos como

6 Mestre em Direito, Yale Law School, EUA, 1988-89 - Livre-docente, UERJ,

1990. 1º colocado em concurso de provas e títulos - Doutor em Direito Público, UERJ, 2008 -
Visiting Scholar, Harvard Law School, EUA, 2011, Ministro do Supremo Tribunal Federal.
469
uma nova forma de visão do Poder Judiciário, tendo em vista que a
conciliação é a fase pré-processual, alcançando desde sua vigência, resultados
satisfatórios.
Analisamos a perspectiva do Direito Sistêmico partindo da aplicação
da Psicoterapia da Constelação Familiar, surgindo então essa novidade dentro
do direito, não como um novo ramo do direito, mas sim como uma alternativa
dentro do Poder Judiciário para analisar os conflitos que são demandados dia
após dia e, na maioria das vezes, com as mesmas partes, a mesma história e a
mesma desordem dentro do sistema familiar.
Vislumbramos as ordens do amor, ou também conhecidas como leis
sistêmicas, quais sejam, a lei do pertencimento, a lei da hierarquia ou ordem e
a lei do equilíbrio (dar e receber), e seus desdobramentos para que possam ser
aplicadas de forma eficaz nas demandas judiciais, principalmente no Direito
de Famílias, onde há concentração de grandes conflitos, na perspectiva
sistêmica, conflitos gerados por haver algum desequilíbrio entre as leis
sistêmicas.
Abordou-se também o ponto de vista dos autores em elucidar o
Código de Ética e Disciplina da OAB e o Estatuto da Ordem dos Advogados do
Brasil e suas proibições de exercer duas ou mais atividades distintas nos
escritórios de advocacia, o que causaria assim o seu desvio de finalidade e
seria proibido pelo Código e Estatuto da OAB.
Vimos nesse sentido, que a prática e aplicação da psicoterapia da
constelação familiar não pode ser vista como atividade distinta da advocacia,
tendo em vista que, ao advogado e o advogado sistêmico, cabe tão somente
incentivar as partes à resolução consensual do conflito.
Por fim, analisamos a criação das comissões de Direito Sistêmico e a
forma em que alguns tribunais do Brasil têm aplicado a psicoterapia e quais
tem sido os resultados alcançados, demonstrando serem satisfatórios e

470
eficazes após as partes serem encaminhadas a psicoterapia da constelação
familiar.
Percebemos que quando as partes, os procuradores, magistrados,
representantes do Ministério Público e demais servidores trabalham com uma
visão sistêmica, todo andamento processual é de forma relevante para
contribuição de resolução do conflito de forma consensual e efetivamente
correta.
Resume-se esse trabalho com o pensamento de que a aplicação da
psicoterapia da constelação familiar é, atualmente, a forma mais próxima das
partes visualizarem o conflito e, ao final, positivamente realizar um acordo,
colocando fim na demanda e na reincidência do processo, resultando numa
forma de não abarrotar o Poder Judiciário com demandas que por ora, já
foram analisadas em outro momento.
A especialização do advogado para uma advocacia resolutiva é, no
momento atual e futuro, a melhor forma de capacitação para o exercício das
demandas.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de processo


civil. Brasília, 2015. Acesso em 08/06/2020.

BRASIL. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação


entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a
autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública.
Brasília, 2015. Acesso em: 05 de jun. de 2020.

BRASIL. Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010.Dispõe sobre a


Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos
de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras
providências. Brasília, 2010. Acesso em: 11 de jun. de 2020.

471
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“Constelação Familiar” ajuda a humanizar práticas de conciliação no


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472
Constelação pacifica conflitos de família no Judiciário, CNJ, 2018.
Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/constelacao-pacifica-conflitos-de-
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Constelação familiar: psicoterapia é usada na Justiça para facilitar acordos,


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OAB Minas disponibiliza palestras sobre Direito Sistêmico, OAB-MG, 2018.


Disponível em:
<https://www.oabmg.org.br/Noticias/Index/8769/OAB_Minas_disponibili
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Casos de violência familiar aplicam constelação em MT, CNJ, 2017.


Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/casos-de-violencia-familiar-
aplicam-constelacao-em-mt/>. Acesso em: 11 de jun. de 2020.

Método da constelação familiar trata 35 casos na Justiça alagoana, CNJ,


2016. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/metodo-da-constelacao-
familiar-trata-35-casos-na-justica-alagoana/>. Acesso em: 11 de jun. de
2020.

Constelação familiar: vara no DF alcança 61% de acordo com método, CNJ,


2017. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/constelacao-familiar-vara-no-
df-alcanca-61-de-acordo-com-metodo/>. Acesso em: 11 de jun. de 2020.

Constelação familiar é aplicada a 300 casos no Rio, CNJ, 2017. Disponível


em: <https://www.cnj.jus.br/constelacao-familiar-e-aplicada-a-300-casos-
no-rio/>. Acesso em: 11 de jun. de 2020.
473
Comarca de Contagem adota constelação sistêmica, TJMG, 2017. Disponível
em: <http://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/noticias/comarca-de-contagem-
adota-constelacao-sistemica.htm#.XuJBSkVKiUn>. Acesso em: 11 de jun. de
2020.

474
A IMPORTÃNCIA DA PSICANÁLISE PARA TOMADA DE DECISÕES
DO MAGISTRADO, NO ÂMBITO JURISDICIONAL

Samuel Pessoa Moreira1


Ph.D. René Dentz2

RESUMO
Neste artigo de TCC conheceremos alguns conceitos da psicanálise e suas
particularidades, buscando entender a sua relevância e empregabilidade no
mundo jurídico, reflexionando Lacan e a importância do retorno a Freud, o
chamado pai da psicanalise. A partir dessa premissa, notaremos a extrema
necessidade de repensarmos todo escopo jurídico, uma vez que este não se dá
bem com a ingerência de outras ciências. Perceberemos que esse repudio à
conversação com outras ciências, como a psicanálise, fica claro em algumas
correntes da hermenêutica jurídica, a exemplo da Escola da Exegese, e
também através de uma análise cautelosa acerca da teoria cientifica de Hans
Kelsen, que trata a pureza da norma jurídica e não vê com bons olhos a
apreciação da matéria do objeto jurídico, se não por ele mesmo. Doravante
tentaremos lincar tais pensamentos com o papel do profissional do direito
dentro da construção, apreciação e aplicação das normas jurídicas, durantes
os processos.

Palavras-chave: Psicanalise; positivismo jurídico, hermenêutica jurídica,


retorno a Freud

INTRODUÇÃO À PSICANÁLISE

Para adentrar a psicanálise, primeiramente devemos entende-la como


um instrumento aberto, sem verdades absolutas, que busca a compreensão do
ser humano em todas as suas camadas, indo do conscienteao pré-consciente e
subconsciente.

1 Graduando em Direito pela FUPAC-Mariana.


2 Psicanalista e Professor Universitário. Ph.D. pela Université de Fribourg/Suíça.
475
Surgida na aurora do século XX, a psicanálise atinge
seu primeiro centenário de existência. Criada por
Sigmund Freud, cujo legado é uma obra ciclópica, a
psicanálise obteve ao longo dessa existência enorme
difusão, a qual, no entanto, se revelou muitas vezes
incongruente com o pensamento de seu
criador.(JORGE, 2017, p. 17).[1]

Há mais de um século de estudos nessa área, buscamos entender os


preceitos criados por Freud acerca do inconsciente, posteriormente também
estudada por Lacan, que nos traz uma enorme lacuna no momento em que diz
“ ninguém sabe o que isso é”.
Partindo dessa premissa percebemos o quão distante estamos de uma
verdade absoluta e reveladora sobre a natureza humana. A todo momento
devemos estar cientes de que por mais que tenhamos conhecimento sobre
algo, essa é só a ponta do iceberg, e que quanto mais conhecimento
adquirirmos, menos respostas teremos e mais perguntas faremos.
O estudo do inconsciente nos desafia a todo momento pelo fato de
não haver padronização, trazendo para essas questões uma infinidade de
temas e problemáticas, que de acordo com Freud: “há algo nos homens que
age à revelia deles próprios”.

Foram relacionadas por Freud à verdade mesma de


sua descoberta do inconsciente: há algo nos homens
que age à revelia deles próprios, algo a partir do que
eles agem sem saber que o fazem. Em diferentes
trabalhos, como “Uma dificuldade no caminho da
psicanálise” (1917) e “As resistências à psicanálise”
(1925), Freud subsume tais resistências ao fato, em
si mesmo dificilmente aceitável, de que a psicanálise
exibe uma divisão (Spaltung) constituinte,
originária, reveladora de que os homens não são
senhores de si mesmos (JORGE, 2017, pág. 3).[2]

476
O conceito Freudiano de Pulsão, mais tarde também posto em pauta
por Lacan, enfatiza-o como um dos pilares e principais conceitos da
psicanálise, que muitas vezes não tem o seu devido valor reconhecido pelas
outras ciências, não se tendo uma via de reflexão adequada.
Lacan nos deixou um enorme legado ao trazer à tona “o retorno a
Freud”, sem isso, seguiríamos a via de que o pensamento é um ato de prazer e
não resistiríamos “à tentação que lhe é proposta pelo pensamento dogmático,
ou ideológico, cuja função é a de fazer com que se cale a questão singular,
trazendo-lhe, de uma vez por todas, uma resposta coletiva”.
A psicanálise ganha vida e força não somente embasada em teorias,
mas também através do estudo clínico. Foi fundada a partir dessa premissa, e
dela deve sobreviver.
O artigo “A escuta na psicanálise e a psicanálise da escuta” publicado
no ano de 2005 pelas psicanalistas e psicólogas Mônica Medeiros Kother
Macedo e Carolina Neumann de Barros Falcão em sua primeira parte enfatiza
que:

A psicanálise surge em reação ao niilismo


terapêutico dominante na psiquiatria alemã do final
do século XIX, que preconizava a observação do
enfermo sem escutá-lo e a classificação da patologia
sem o intuito de oferecer-lhe tratamento
(Roudinesco e Plon, 1998). Freud inquieta-se com
tal conduta. Mesmo tendo formação médica e
estando imerso em um contexto científico de caráter
positivista, a conduta psiquiátrica da época não o
satisfaz. Freud propõe a todo tempo – e desde o
início de sua experiência clínica no Hospital
Salpêtrière com Charcot – que o paciente fosse
escutado. Embora ainda distante de fundar a
psicanálise, já começa a demarcar o importante
papel que atribuiria à palavra.

477
Cabe ressaltar que estamos falando de uma palavra
que lhe abriria novas possibilidades de compreensão
do sofrimento humano. Desta forma, dois trabalhos
se impõem: o de escutar a palavra do outro e o de
produzir palavras que viessem ao encontro dessa
demanda de ajuda. Talvez se demarque, desde esses
tempos iniciais, uma característica essencial da
psicanálise como método e técnica: estar aberta à
singularidade desse outro que fala, seja na dimensão
referente a seu sofrimento e pedido de ajuda, seja no
que diz respeito ao efeito de sua ação terapêutica
sobre ele. Ao abrir caminhos para que o homem
repense sua história, a própria psicanálise escreve
sua história de transformações e ampliações (ART. 1
E 2 §§, MACEDO, FALCÃO, 2005).[3]

Entender as questões e situações advindas de forma mais


aprofundada, onde as descobertas possam ser realizadas de forma intuitiva,
analítica, individual e especifica, e não somente, ligada a padrões pré-
determinados.
Não há fronteiras para as possíveis nuancesa serem trazidas a luz pelo
inconsciente. Esse senso de percepção sobre a analise clínica, é especifica de
cada quadro, trazendo a amplitude e multiplicidade de problemáticas para a
psicanalise. Que tem como principal ferramenta a “escuta”, ela é quem
norteara o psicanalista em sua relação com o paciente.
Além da essencial experiência da escuta clínica do sujeito, nomeada
por Lacan em ”intensão”, a psicanálise é um discurso que fornece
aparelhamento a extensão de sua reflexão para diversas áreas do saber.
Partindo dessa premissa, desenvolveremos uma breve síntese a
respeito da suma importância da psicanálise dentro do direito, analisando não
somente a representatividade das leis, como também os sabores e frustações
de seus operadores em um âmbito jurisdicional.

478
SIMBIOSE

A simbiose é um termo muito utilizado na biologia que significa “um


ser dentro do outro”, podendo ser também chamado de “parasita”, a partir do
momento em que este se nutre daquele para sua sobrevivência.

Simbiose, em biologia, é uma associação de dois


seres vivos, duas plantas ou uma planta e um
animal, na qual ambos os organismos recebem
benefícios, mesmo que em proporções desiguais.
Por extensão, simbiose significa a vida em comum.
É uma associação, entre dois seres vivos, que levam
uma vida juntos. É um concubinato. [4]

Porém, na psicanálise, o uso se faz pelas vias ecológicas se tratando


em “condições de interação”, ou no sentido figurado da palavra, “uma
associação intima entre duas pessoas. ” Diretamente ligado a relação que a
mãe tem com a criança, onde o cordão umbilical não fora cortado, e as
intervenções chegam a ser extremamente invasivas e de superproteção,
sempre justificada pelo cuidado e pelo amor. Fazendo com que o membro da
família se torne extremamente dependente de opiniões advindas dessa
proteção exacerbada.
Em um artigo cientifico publicado pelo Boletim Acadêmico Paulista
de Psicologia, se explica de modo claro através de (Bleger J. (1977). Simbiose
e ambiguidade. Rio de Janeiro: Francisco Alves).

Aglutinado que se projeta no outro quando do


desenvolvimento de uma relação simbiótica. Um
relacionamento simbiótico implica na fusão de dois
egos, na qual nenhum dos dois consegue diferenciar
exatamente se as emoções e sentimentos pertencem
a um ou ao outro. Pode-se considerar uma relação
479
simbiótica quando ocorre identificação projetiva
cruzada, em que, cada um dos indivíduos deposita
no outro, e deste recebe, ao mesmo tempo, os
conteúdos psíquicos inconscientes. A simbiose é,
assim, um tipo de interdependência no mundo
externo. Por meio da relação simbiótica, dois
indivíduos depositam um no outro as emoções
intensas que, por falta de condições do aparelho
psíquico, não puderam ser sintetizadas, elaboradas,
e passaram a gerar ansiedade insuportável. Assim, a
relação de mútua dependência gera a sensação
temporária de contenção e alívio psíquico, mas,
sendo um equilíbrio patológico, esse alívio é
alcançado à custa de parte da saúde mental da
pessoa e leva a dificuldades no desenvolvimento
saudável (Bleger, 1977) (Boletim Academia Paulista
de Psicologia - V. 77, nº 02/09: 307-321).[5]

Para Freud existe uma estrutura amparada pelo consciente,


inconsciente e pré-consciente, pulsões e como elas atuam, dessa forma
podemos pensar em nossa vida como uma estrada, todos os processos mentais
acontecem de forma encadeada.
Sendo assim todos os nossos sentimentos, pensamentos e lembranças
tem um ponto de partida, eles não acontecem do nada, vem de alguma parte
de nossa vivência. Caso não se consiga perceber semelhança com as atuais
memórias e pensamentos, é possível que este advenha do inconsciente,já que
não existe descontinuidade na vida mental segundo Freud, por isso, não
necessariamente teremos a lembrança correta do porquê de algo ser assim, ou
acontecer dessa forma, as sensações apenas se apresentam como parte de
quem somos, do que fazemos e onde crescemos, ficando cristalino a existência
de elos que as unem.
Com isso, em algum momento da sua vida, a sua atenção foi dirigida
para que determinada coisa ou algo venha a mente, elas continuam vindo,
muitas das quais advindas do inconsciente, o que na maioria das vezes nos faz
480
desaperceber a sua origem, por isto podemos dizer queintrinsecamente
estamos ligados a esse fio mental.
O inconsciente é o local mais profundo do oceano, sabemos que ele
existe, porém não temos ciência do quão vasto é e que segredos ele guarda.
O inconsciente embora não seja de fácil acesso, intervém de forma
significativa na vida e personalidade de cada um. Existem relatos através de
escutas clínicas, que o mesmo se apresenta de várias formas, podendo ser
através de um trauma, pensamentos ou sentimentos reprimidos, frustrações,
sentimentos repulsivos, enfim, são infinitas as possibilidades.
No pré-consciente se faz mais fácil o acesso, sendo o meio termo entre
o inconsciente e o consciente. Nele as memórias são possíveis de serem
acessadas e lembradas com clareza, mesmo que estas não estejam sendo
usadas com frequência.
Podem se passar anos sem serem utilizadas, sendo possível o acesso
quando se desejar sem maiores dificuldades, rememorando-se de forma clara
e convicta.
Já o consciente retrata-se pelas sensações e para onde desviamos a
nossa atenção, tudo o que estamos fazendo no momento é regulado pelo
consciente, tudo aquilo que emerge ao seu sistema mental atual é reconhecido
como consciente. Sendo assim, o consciente pode ser exposto como um
sistema que faz mediação com o mundo externo e com as noções de espaço e
tempo em que se encontram.
Desse modo, falar sobre consciente, pré-consciente e inconsciente nos
leva diretamente para as pulsões, que habitam os processos e elementos
existentes no inconsciente e não são acessíveis ao consciente.

PULSÕES

481
O termo "pulsão" ("Trieb") aparece em Freud,
pela primeira vez, no "Projeto" de 1895 (e não em
1905, nos "Três Ensaios sobre a Teoria Sexual"
(ART. 1,2 §§) [6]

Se faz necessário entendermos o termo alemão “trieb”, muito


utilizado por Freud, que primeiramente foi traduzido para o inglês como
“instinto”, onde de fato a maior parte da corrente psicanalítica corrobora ser
um significado diverso daquele que seria o mais adequado, chegando assim ao
termo “Pulsão”.
É fundamental sabermos essa distinção dentro da psicanálise, porquê
há uma diferença muito importante entre “pulsão” e “instinto” no tocante ao
inconsciente, temos a primeira como um fundamento do desejo, e a segunda
podendo-se comparar ao instinto animal.
Freud constrói um conceito buscando dar lógica a fenômenos
psíquicos e mentais com a frase “ a pulsão é a nossa mitologia”, de forma
muito abstrata e complexa, tendo o ser humano como esse ser falante de pura
interação, de significados, signos e significantes, no tocante não somente ao
plano mental, mas também à sexualidade e o corporal.
Sendo o corpo ligado a todas as suas membranas, cavidades e
mucosas, que nos traz algo muito além do “instinto” e das necessidades
básicas e fisiológicas, nos fazendo caminhar sobre a complexidade do
“prazer”. Sendo assim, o ser humano tem a necessidade de representar
mentalmente algo da sua experiência interior e exterior, e toda essa
representação mental nos leva diretamente ao termo “pulsão”.
Quando Freud desenha essa ideia sobre esse conceito, fica claro que
há tanto um sistema mental quanto corporal, sendo o corpo um dos modos de
se conseguir a representação da experiência mental, onde temos através das
necessidades biológicas um ponto que nos leva muito além delas, que é a
satisfação, o prazer ou desprazer.
482
Freud tenta delinear essa experiência através da sexualidade, onde
saciar essa vontade está muito além das necessidades fisiológicas, a pulsão se
faz muito peculiar e particular, visto que a mesma está entranhada nos traços
mnêmicos, ou seja, da memória.
De modo inovador, a introdução desse conceito por Freud de forma
radical para abordar a sexualidade, nos abre um leque com infinitas
probabilidades tanto para o plano mental quanto para o corporal na busca
pela satisfação, sendo a “pulsão” instrumento deste.
O interessante é perceber que tais conceitos são empregados de forma
muito peculiar e particular, que fazem com que tenhamos uma ideia do quão
abrangentes e importantes são para um norte psicanalista em todos os
âmbitos, tanto do teórico quanto da escuta clínica, tendo como princípio
basilar que a pulsão é algo que pode se manifestar de inúmeras formas
Por conseguinte, a pulsão tem um objeto que não se encontra, sendo a
origem do conflito:

Se nas diversas espécies animais o mecanismo


instintual manifesta-se pelo desencadeamento de
alguma função biologia ou atitude comportamental
(etológica) segundo parâmetros rígidos prefixados
pelas leis da hereditariedade genética e inalteráveis
para os indivíduos de uma mesma espécie. (JORGE,
2017, p. 20).[7]

O instinto animal, o instinto humano, todas as preconcepções sobre


dever ser, agir, cuidar, ficam distantes do conceito existente e tão particular
da “pulsão”, que pode se manifestar sendo algo extremamente advindo da
caoticidade do inconsciente. Isso faz com que o sujeito diga que deseja algo
diferente do que realmente almeja, ou simplesmente, o seu desejo o leva para
além das simples necessidades biológicas.

483
DIREITO E PSICANALISE- PRIMEIRAS NOÇÕES

Para tentarmos entender o mundo dessas duas ciências e como elas


podem se equivaler, necessitaremos de enorme cautela e um grande esforço
mental, visto que elas operam de modos distintos uma da outra, e ambas são
rodeadas de enorme complexidade. Porém, com o devido olhar de cuidado,
talvez possamos perceber a força que esta e aquela podem ter, se unidas.

Em primeiro lugar, a compatibilização teórica de


institutos jurídicos com a psicanálise não pode ser
feita de maneira simplista, precisando de contornos
próprios e um tanto quanto dificultosos. Numa
segunda dimensão, deve-se considerar que o Direito
não é afeito a esse diálogo, pretendendo o domínio
total pela racionalidade consciente (ROSA,2004,
pág. 5).[8]

O direito busca através de sua normatização a regulamentação de


determinado grupo em determinada espaço tempo, tentando sobreviver a
historicidade das mudanças sociais no mundo contemporâneo. Quando se diz
que o “direito não é afeito ao diálogo”, esse se adequa sem se adequar para
continuar perpetuando o seu legado de poder.
É visto que o positivismo jurídico, entranhado no ordenamento, leva o
profissional do direito a se amparar em uma racionalidade advinda do próprio
direito, pronta para ser adequada a uma normatização preexistente como
forma de centralização do poder, não alcançando a profundidade necessária.
De acordo com Ribeiro Júnior (1982),

484
O positivismo é, portanto, uma filosofia
determinista que professa, de um lado, o
experimentalismo sistemático e, de outro, considera
anticientífico todo o estudo das causas finais. Assim,
admite que o espírito humano é capaz de atingir
verdades positivas ou da ordem experimental, mas
não resolve as questões metafísicas, não verificadas
pela observação e pela experiência (RIBEIRO
JR.,1982, p. 16)[9]

Já na obra “Teoria pura do Direito” escrita por Hans Kelsen e


publicada em 1960, temos como base:

Quando a si própria se designa como “pura” teoria


do Direito, isto significa que ela se propõe garantir
um conhecimento apenas dirigido ao Direito e
excluir deste conhecimento tudo quanto não
pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa,
rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto
dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de
todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o
seu princípio metodológico fundamental. ” (Kelsen,
1960, pág.1)[10]

Fica clara a intensão de Kelsen em ter como base fundamental o


elemento da pureza da norma jurídica “tendo como teoria conhecer o seu
próprio objeto” apoiando a apreciação da norma jurídica pela própria
matéria. Descartando a possibilidade de que outras ciências tais como, a
psicologia, filosofia e sociologia, intervenham no debate jurídico.
Contudo, se faz necessário enfatizar que, na teoria metodológica de
Kelsen, é visada a pureza da norma e não se pode confundir com a aplicação
do direito, com o caso prático, onde a interferência das outras ciências não se
torna nem uma escolha e sim uma consequência.

485
A ciência do direito encontra fundamento enquanto uma ciência
metodologicamente pura até a definição do que Kelsen chama sobre uma
moldura do direito, porque após a definição de hipóteses possíveis para
solucionar o caso, o juiz interprete autentico da norma, terá que escolher uma
dentre as hipóteses validas. Essa escolha não é conhecida como um ato da
ciência do direito, e sim um ato de aplicação da norma, consequentemente
encontrando limite a pureza metodológica Kelseniana, admitindo assim, a
influência de outras ciências.
Diferentemente da escola da exegese, que atribui à lei uma
supremacia que se faz cega e fechada quando o assunto é a aceitação e
comunicação com outros ramos das ciências, trazendo uma idolatria
desmedida, tendo base na supremacia da lei e princípio da legalidade, sendo
posta acima de todas as vontades e possíveis interações.

O princípio da legalidade não surgiu com a Escola


da Exegese. Ele apareceu pela primeira vez na
Magna Carta inglesa em 1215 e voltou a aparecer no
Bill ofRights e na Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão. Além destes, esse princípio
fez-se presente em quase todos os códigos criados
na virada do século XVIII para o século XIX. Tal
fato ocorreu devido à grande influência das ideias
de John Locke e de Montesquieu, além de outros
filósofos do Iluminismo. A Escola da Exegese tratou
de divulgar o conceito do princípio da legalidade, o
que possibilitou um fortalecimento ainda maior
deste. Tal fato justifica-se, pois “a Escola da Exegese
põe a lei acima de todas as vontades, idolatrando-a,
e lhe confere o atributo de instrumento de controle
do poder, de tal modo que deixa como herança o
princípio da legalidade e o da supremacia da lei.
(BORGES, 2005, pág. 685)[11]

486
Ainda que o positivismo jurídico esteja entranhado em nosso
ordenamento jurídico, este vem se mostrando ineficaz quando o assunto são
leis que sejam “pró povo”, o positivismo beneficia se não somente quem há
muito está no poder.
O professor colaborador em prática de processo penal da Fundinopi
Vinicius Gonçalves Rodrigues que também é Funcionário do Poder Judiciário
do Estado de São Paulo, diz o seguinte em seu artigo “A crise do positivismo
jurídico e a necessidade de mudança de paradigma” publicado no ano de
2006.

Desse modo, a classe burguesa, detentora dos meios


de produção, vai se apossando do poder e utilizando
o instrumental jurídico para nele se manter
hegemonicamente, sem incômodos, já que os
operadores jurídicos não poderiam ter uma outra
interpretação da norma, que em última análise era
expressão da vontade estatal ou do grupo político
que estava no poder (RODRIGUES, 2006).[12]

À vista disto podemos perceber limpidamente que, no âmbito


contemporâneo em que se encontra o direito, este tem uma enorme
necessidade de se comunicar com as demais ciências. As boas línguas dizem
que “conhecimento nunca é demais”, certamente, se o seu fim for bem-
intencionado, como é o caso da conversa que os demais ramos da ciência
devem fazer entre si.
Façamos uma análise acerca da nossa Carta Magna de 1988, em seu
art. 5º:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção


de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a
487
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
[...]
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus
bens sem o devido processo legal.
LV - aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e a ampla defesa, com
meios e recursos a ela inerentes.[13]

Seguindo essa inteligência descrita no artigo, percebemos que


ninguém será ceifado dos direitos inerentes à liberdade e garantias
individuais, tendo a garantia do devido processo legal, contraditório e a ampla
defesa, o que nos leva a pensar que todos os meios possíveis para de fato
assegurar essas garantias podem e devem ser explorados.
Destarte, devemos ter junto ao direito o amparo de outras ciências,
como a psicologia e psicanálise, filosofia, sociologia dentre tantas outras, para
que não reste dúvidas, ou estas possam ser reduzidas de forma mais
competente.
Não estou dizendo que o direito é incompetente, apenas que não é
completo, devido à alta gama de complexidades, peculiaridades e
particularidades que cada ser e cada processo tem. Dessa forma o “devido
processo legal” irá se tornar de fato “devido”, sendo mais justo e capaz de
exaurir com maior profundidade determinada matéria.

DESEJO X GOZO

Vivemos em um mundo onde as possibilidades se mostram


inexauríveis, se apresentando do mesmo modo que são ceifadas, como aquele
velho ditado em que “mostra-se o doce para a criança, mas não o dá”.
488
Isso porque recebemos a todo momento mensagens e estímulos
incontroláveis acerca dos nossos desejos, que muitas vezes são confrontantes
diretos com o espaço e tempo em quem nos encontramos.
Nosso pré-consciente está a todo momento calculando projeções de
como somos e como devemos ser, agir, seguir.
O nosso gozo diz “sim”, o nosso consciente executa o “não”. Se
pensarmos que a vida é finita, e que o medo da morte pode de certa forma nos
fazer saber o nosso lugar de finitude, nos levando a querer fazer tudo o tempo
todo, podendo inconscientemente, desejarmos sempre mais, sem pausas para
aproveitar e entender o que já conquistamos. A pulsão que nos traz algo para
além das nossas necessidades, oriunda também do prazer.

O princípio do prazer, uma vez satisfeito totalmente,


redundaria na impossibilidade da continuidade
daquilo que move o indivíduo (morte). Assim,
apesar de buscar tamponar a demanda, essa
pretensão jamais é satisfeita, sendo, ademais, o
recalque, a condição de possibilidade da linguagem,
dado que o sentido advêm da compreensão singular
e é só depois, não antes, eternizado, preso/grudado
no conceito, que o sentido se preenche, surge
(ROSA, 2004, p. 14).[14]

Somos seres recalcados, o tempo todo controlando as repulsas


adquiridas da nossa construção, o que torna ainda mais difícil o entendimento
do próprio ser, pois se somos motivados a sentir repulsa pelos nossos
pensamentos, como podemos pensar em pensar sobre eles, que tipo de
monstruosidade habita em nós mesmos.
O que a normatização tem como sua principal finalidade seria a busca
pelo bem-estar social e a garantia dos direitos e liberdades do indivíduo, além
claro do controle absoluto em que se encontra.

489
El Nombre-del-Padre no es más que elnombre de
una función.” Jacques-Alain Miller
1 – A importância do Complexo de Édipo é
fundamental na configuração do que Lacan
denominou Nome-do-Pai – a primeira interdição
que se apresenta e que estrutura o inconsciente do
indivíduo47 –, eis que é a partir dela que é inserido
na linguagem e tem acesso à cultura, ao Simbólico.
E o Direito, na forma que se conhece, também
procura estabelecer a ordem social, colocando
limites às pulsões, na pretensão de coibir o excesso
de gozo em nome da Civilização. Busca barrar os
impulsos, principalmente dos que não conseguem
respeitá-los sem (a ameaça de) sanção(ROSA, 2004,
págs. 14 ,15).[15]

O Nome-do-pai faz referência no mundo psicanalítico, sendo o modo


como se apresenta para o indivíduo o corte profundo do “não”, a partir do
momento em que o mesmo se vê como um ser predestinado as frustrações.

Para Lacan, o indivíduo é um animal de nascimento


prematuro, carente e sem capacidade de viver
sozinho, motivo pelo qual surge a necessidade de
viver em sociedade. Primordialmente capturado
pela imagem da mãe, depois por intrusos e ao final
pela sua própria imagem refletida no espelho,
momento em que se aliena para sempre, nesse outro
que é ele mesmo. Esse movimento é de buscar
refazer o vínculo perdido... e a plenitude é
impossível... (LACAN, Jacques. Escritos..., p. 96-
103.)( ROSA, 2004, p. 14) .[16]

Lacan tem o homem como um “animal de nascimento prematuro” que


carece de extremo cuidado ao chegar ao mundo, totalmente dependente de
sua genitora.
490
Percebemos que enquanto este se encontra na barriga da mãe, por um
breve período de sua vida, haverá plenitude, onde não será preciso chorar
para comer, nem pedir por afeto, não sentira frio, nem calor, e teria o
conforto necessário.
A partir do momento do nascimento, todas as frustrações se
apresentam como um banquete de incômodos, tendo que batalhar por cada
gota de leite e afeto, fazendo-o por horas interminadas de choro, além de
perceber que a atenção não mais é interinamente sua.

O sujeito conflitante começa assim, uma cadeia de possíveis


interações, significados e significantes, onde o âmbito familiar, social, moral e
político em que se encontra afetará diretamente na formação de sua
personalidade.

1 – Diante de suas pesquisas sobre o ‘narcisismo’,


Lacan irá desenvolver o ‘Estádio de Espelho’
preocupado com a relação entre o sujeito e o meio
social, isto é, das relações com o semelhante, o
‘outro’. O movimento do Estádio de Espelho acode
com o desejo relacionado com a projeção do outro,
repetindo-se no decorrer da vida, numa relação
dialética entre o Simbólico e o Imaginário,
mediados pela Lei, destacando seu caráter
estrutural. O que se produz é uma identificação
decorrente da transformação do sujeito quando
assume esta imagem (imago), mediante a
intervenção de um terceiro nomeador – instância
simbólica. Com isto se implanta o ‘narcisimo
primário’, encontrando o ‘eu’ sua origem. Este ‘eu’
unificado, totalizado, introduz uma disjunção na
própria temporalidade do sujeito. O efeito,
capturado pelo sujeito, é marcado pela fascinação e
júbilo, de um gozo, da criança em frente ao espelho.
O olhar do espelho será nomeado pela portadora da
palavra: a mãe. É porque a mãe fala que pode se
491
estabelecer a relação imaginária. Com a nomeação o
ser deixa seu estatuto, para não mais estar lá, por
nomeado, constituindo-se em efeito do significante,
e sendo, portanto, um lugar vazio. Logo, o indivíduo
é antes de mais nada um ser de linguagem. Em
outras palavras, a contribuição de Lacan é
fundamental para compreensão da constituição da
estrutura do sujeito60, constituindo-se o Estádio do
Espelho o momento pelo qual o infans é lançado
numa identidade alienante de uma imagem 61.
Nessa etapa ele evidencia sua imagem como objeto
da observação, antecipando uma pretensão de
completude impossível de ocorrer na fase em que se
encontra, mas que dá a percepção de um outro62,
chegando Lacan a afirmar que: “Ela se expressa
bastante bem na fulgurante fórmula de Rimbaud –
os poetas, que não sabem o que dizem, como é bem
sabido, sempre dizem, no entanto, as coisas antes
dos outros – [Eu] é um outro. ” 63” (ROSA, 2004,
PÁGS.17,18).[17]

Isto posto, podemos tecer uma análise a respeito do que


Locke detalhou em a “tese da tábula rasa”, em seu livro Ensaio acerca do
Entendimento Humano, de 1690.
O sujeito nasce sem nenhum conhecimento, “ uma folha em branco”,
conforme os anos vão passando, esse ser dependente e sociável, vai tendo
experiências, que formarão a sua personalidade.
Seguindo esta inteligência, percebemos ligação com o estádio do
espelho, citado por Lacan, em que essa personalidade terá incidência direta
do meio social em que este crescer, se espelhando em todos e tudo a sua volta.
Sendo assim, o que será esse ser se não, pedaços de outros seres, um
pedaço da sistemática social e normativista, influenciado e inserido em um
contexto alheio a uma possível vontade confrontante. Todavia, mesmo que
sejamos parte de um todo, ainda temos uma vasta parte de nós mesmos
aprisionada dentro de toda a nossa caoticidade.
492
Se trouxermos essa analogia psicanalítica para o âmbito do direito, no
que tange ao trabalho realizado por cada profissional da área, teremos uma
infinidade de perguntas que provavelmente devem ser feitas a respeito da
hermenêutica jurídica que atualmente é feita, e quais parâmetros são
analisados para a empregabilidade desta.

Assevera Marques Neto que “o sujeito não se


confunde com o eu, não se confunde com o
indivíduo, com sua inteligência, com sua excelência
(areté). Sua posição a tudo isso é de ,excentricidade
(MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. Sujeitos
Coletivos de Direito..., p. 83. (ROSA,2004,
pág.7),[18]

Percebemos que o sujeito se encontra no “real”, onde somente a


versão “permitida “que segue a cartilha do “bom” comportamento tem espaço.
Nesse emaranhado de recalques existe um indivíduo que sofre, que
sente muito mais do que externa, e que anda sempre confuso sobre o
verdadeiro “Eu”, ou de fato vive a vida inteira sem conhecer a si próprio,
entranhado em um marasmo “necessário” a ordem e ao convívio social,
amparado por todas as normas de condutas, que dela fazem parte.

Destarte, o ideal do eu traz consigo a equação das


identificações simbólicas do ego, possibilitando a
transcendência da agressividade remanescente do
Complexo de Édipo, da imagem do Pai substituída
no contexto social por novos ideais do eu,
autorizando a compreensão das relações em grupo.
O sentimento de culpa manifesta-se sob duas fontes:
o medo de uma autoridade e do superego73. O
superego impõe os limites ao ego, recriminando-o e
instalando o sentimento de culpa e a conseqüente
punição. Por esse estratagema a Civilização costura
o laço social, impedindo o gozo desenfreado, numa
493
voz inscrita no sujeito e que lhe impõe interditos de
consciência. O inconsciente não pode ser entendido,
pois, como um locus a ser racionalizado, dado que é
constituído por representações que movem o
sujeito, que está ali, mas não é propriedade racional
do ser. Assim, o superego primário, da infância,
uma vez sublimado pelas imagens paternas vai, no
decorrer da vida, sendo ocupado pela dos
professores, magistrados do Tribunal, ídolos,
juristas reconhecidos pelo senso comum teórico,
ícones, exemplos ideais do eu, transbordando os
limites familiares no nível do eu; remanescendo no
trilhamento do superego, contudo, a inscrição
primeva, os restos do Complexo de Édipo, não só
constituidor da civilização, mas do seu mal-estar74.
Mas o ego não dá conta do seu desejo, tamponando
a situação com representações temporais que,
sempre vazam, reiterando a falta constitutiva
(ROSA, 2004, págs. 23, 24).[19]

Através desse prisma, um enquadro em falso do superego em limitar


de forma “adequada” o ego, o possibilitando viver a verdade de quem
realmente se é, expondo de forma crua a sua personalidade, que quando
descoberta poderá gerar, extrema repulsa social. Assim há que se prender,
trancar e jogar a chave fora, caso contrário um “monstro” poderá ser
objetificado.
Essas possíveis interações sociais, também marcadas pelo braço forte
da lei que coage e pune quem a contrariar, se fazem necessárias quando
pensamos em uma organização social, de modo que resguarde o direito à vida
e as liberdades e garantias individuais, em prol de uma ordem coletiva.

LEGISLAR, JULGAR E OBEDECER

494
Temos como ponto de partida para pensar sobre tais demandas, de
forma breve e concisa, que falar a respeito da obra de Maquiavel “O
PRINCIPE”, no qual ele elabora a teoria dos freios e contrapesos, que nada
mais são que, poderes harmônicos que trabalham de forma independente
fazendo com que a máquina governamental funcione de modo que um poder
consiga fiscalizar o outro, ou simplesmente o barrar, para que não haja um
desequilíbrio, e um sobressaia no poder.
Em um artigo publicado em 2012 por Leonardo Mundim- Advogado
em Brasília, professor do UniCEUB, especialista em análise da
constitucionalidade pela UnB, ele ressalta.

O sistema de funções precípuas não significa,


naturalmente, funções exclusivas ou privativas.
Portanto, não está excluído da esfera atributiva dos
poderes republicanos o exercício das demais
atividades estatais, já que todos, em sua respectiva
seara, representam a manifestação concreta do
Estado.
Desse modo, segundo a Constituição
Federal Brasileira, o Legislativo também julga (art.
52, incs. I e II) e gerencia a estrutura que lhe é
afeta (art. 52, inc. XIII); o Executivo também
legisla (art. 84, incs. VI e XXVI e art. 87, inc. II) e
profere julgamentos no âmbito de processos
administrativos de variada natureza; ao passo que
o Judiciário também administra (art. 96, inc. I,
alínea b) e igualmente promove elaboração
normativa geral, inclusive com repercussão no
interesse das partes em processos judiciais (art. 96,
inc. I, alínea a)(Arts. 2§,3§).[20]

Logo, percebe-se que, mesmo não havendo a centralização do poder,


este se apresenta de forma vigorosa e abrangente.

495
Sendo assim, um juiz tem não somente o poder de julgamento, como
também poderá através da hermenêutica jurídica analisar a lei e a julgar
visando o melhor resultado útil para as partes, com a premissa da
imparcialidade.
Significa que não haverá interferência em seus julgados, e que este
agirá conforme a letra da lei, seguindo com veemência e convicção, afinal, é
isso que se espera de um juiz, que o mesmo tenha tal “convicção” na hora de
elaborar a sua sentença.
Contudo, percebemos que se analisarmos as vias de fato somente
pela literalidade da letra da lei, correremos o risco de não conseguirmos
chegar a uma justiça “justa”, a redundância se faz necessária posto que, o
direito não é uma ciência absoluta, e diante das infinitas possibilidades e
problemáticas, como já dito, venha e ser incompleto.
Nessa hora, o juiz se baseara em que?!No que ele acha certo?! Na
sua moral?! Na moral do estado?! No que é justo, e de maneira imparcial?!
São tantas perguntas sem uma resposta satisfatória.
São nesses questionamentos que encontramos vários motivos para
que estes aconteçam mais uma vez, então, porque não, a ingerência de
outros ramos das ciências, como a exemplo principal, a psicanálise, que é o
nosso tema em questão. Já que se trata de uma ciência que busca justamente
tentar responder todas as perguntas, que de modo as vezes muito
conservador e pragmático o direito põe seu olhar.
Podemos ter uma abrangência muito maior se pensarmos que não se
trata de uma invasão ao tapete vermelho do direito, e sim um aparato
técnico a mais, que poderá de forma perscrutada ajudar no exaurimento de
determinado caso, com maior diligência.

1 – Antes de se tocar no discurso jurídico, cumpre


encadear as idéias que antecederam com o objetivo
de adentrar na Epistemologia Garantista. Assim é
496
que para o indutivismo o conhecimento científico é
o devidamente provado. E o estabelecimento das
teorias (ditas) científicas decorre da rigorosa
obtenção de dados das experiências e observações,
com os quais se pode fixar leis universais. Afasta
preferências pessoais ou opiniões do
cientista/jurista, o qual se posta diante do objeto de
forma absolutamente neutra, afinal, a ciência é
objetiva. Daí que o conhecimento científico, tendo
sido provado cientificamente, é absolutamente
confiável. A fonte da ciência é a experiência, a
observação efetuada pelo cientista neutro (ROSA,
2004, pág. 126).[21]

Isto posto, vimos que o indutivista, tem como princípio basilar, a


observação as vezes de forma exaustiva e repetitiva, sobre determinado
tema, na busca por uma padronização de uma lei mais abrangente, uma
possível verdade descoberta, que nada mais é do que a verdade escolhida
como a correta.

2 – O princípio indutivista não se concilia, ademais,


com a advertência de Hume anteriormente
destacada (Cap. 2o ), da impossibilidade de a
experiência prever o futuro. Logo, não se pode usar
a indução para a justificar, como num movimento
circular, configurando, assim, o problema da
indução. Acrescente-se, ainda, que não há como se
fixar o critério para o estabelecimento do grande
número de observações, o qual deve ser feito numa
ampla variedade de circunstâncias. Mesmo com a
substituição pela probabilidade, eis que se não pode
estar plenamente seguro de que a observação de um
fato justifica sua ocorrência em todos os demais
como, por exemplo, o nascer do sol (Hume), o
problema da indução remanesce: será justificado
pelo próprio argumento, configurando petição de
princípio. Não é mais conhecimento verdadeiro,
mas o conhecimento provavelmente verdadeiro,
497
consubstanciado no maior número possível de
observações que autorizam, por dedução, as
generalizações expostas em leis universais. Nesta
altura o ceticismo de Hume deve ser invocado no
sentido de que se a indução não pode ser justificada
por apelo à lógica ou à experiência, a ciência não
pode ser justificada racionalmente. Assim é que a
crença em leis ou teorias nada mais é do que hábitos
psicológicos adquiridos como resultado de
repetições das observações relevantes, tendo razão
Feyerabend (Cap. 2o ) ao imputar sua ingenuidade e
ânsia pela segurança perdida, completaria Freud
(Cap. 1o ) (ROSA, 2004, págs. 126,127).[22]

Sendo assim, todas as informações a serem captadas através da


observação pelo indutivista, não podem ser tomadas como uma verdade real e
irrefutável, mas sim como um parâmetro de possíveis comparações nos
processos de exaurimento de determinada matéria, porém de forma alguma
deve o julgador tomar como uma verdade real e absoluta.
Quando pensamos no papel do julgador, percebemos que este além de
se basear muitas vezes na literalidade da letra lei, também é amparado pela
jurisprudência, determinada pela mesma linha logica da indução, trazendo
muitas vezes uma preguiça ao magistrado, que em nosso ordenamento
jurídico, se vê sufocado pelo enorme número de processos, a serem julgados, e
tal facilidade pode inconscientemente o levar, antes mesmo de ouvir as partes,
a ter um pré-julgamento sobre.
Se analisarmos bem, tal comportamento não é feito de forma
descabida, sendo que outras centenas de processos supostamente parecidos e
outras vezes “idêntico”, tiveram o mesmo fim.
Todavia é “sabedouro” como já dito que o direito não é uma ciência
absolutista, se fazendo extremamente multável é minuciosa.
Devendo assim que se ter o devido cuidado em momentos tão
delicados, correlatos ao papel do juiz de julgar algo ou alguém.
498
Estamos falando de vida, de liberdade. Estamos trazendo a luz, uma
reflexão demasiadamente importante, que não deve ser tratada com desleixo
pelo profissional do direito.
O ilustríssimo Alexandre Rosa cita uma passagem do livro “Do Delito
e das Penas de Cesare Beccaria, que nos leva a ponderar.

Talvez esses inconvenientes passageiros obriguem o


legislador a fazer, no texto equívoco de uma lei,
correções necessárias e fáceis. Mas, seguindo a letra
da lei, não se terá ao menos que temer esses
raciocínios perniciosos, nem essa licença
envenenada de tudo explicar de maneira arbitrária e
muitas vezes com intenção venal. Quando as leis
forem fixas e literais, quando só confiarem ao
magistrado a missão de examinar os atos dos
cidadãos, para decidir se tais atos são conforme ou
contrários à lei escrita; quando, enfim, a regra do
justo e do injusto, que deve dirigir em todos os seus
atos o ignorante e o homem instruído, não for um
motivo de controvérsia, mas simples questão de
fato, então não mais verão os cidadãos submetidos
ao jugo de uma multidão de pequenos tiranos, tanto
mais insuportáveis quanto menor é a distância ente
o opressor e o oprimido.517 (ROSA,2004,pág.
155).[23]

Além dessas nuances, devemos observar que o julgador não é um


sujeito livre da parcialidade. Este foi inserido em um mundo, em uma estrada
já exemplificada por Freud, que o molda com determinados “valores”, com
determinada moral, de acordo com o meio social, em que esse indivíduo é
inserido, impossibilitando assim uma pureza do direito.

Sendo assim, podemos perceber que a psicanálise tem um papel


fundamental para um entendimento mais amplo, e deveria ser olhada com

499
maior atenção pelos profissionais do direito, já que esta tem como uma de
suas finalidades a busca pela “compressão”, como se fosse um ramo da ciência
mais empático do que os demais, pois a todo momento temos a tentativa de
entender o sujeito que age e o que sofre, que tem acertos e falhas.
A psicanálise para o julgador é um meio de desvinculação desse
positivismo entranhado em nosso sistema garantidor, se trata de uma forma
inesgotável de possíveis questionamentos e críticas, que a todo momento
podem ser subtraídas para uma compreensão mais completa sobre
determinada matéria e seus significados.
Temos que entender essas possíveis construções como uma forma de
fazer o papel da justiça com maior transparência e concepções realmente
neutras, conseguindo afastar toda e qualquer interferência que não tenha a ver
com o processo.
Só se consegue isso quando se entende que não se trata de si, mas sim
da vida do próximo e que o nosso inconsciente estará o tempo todo nos
mandando de forma imperceptível, várias informações e pensamentos, de
como devemos ser e agir.
Tornando assim o papel do julgador algo de extrema complexidade quando
entendemos que ele é somente uma pessoa que sente, sofre, se comove, odeia,
recalca, e não um robô.
A psicanálise não é só mais uma ciência, e sim a busca pelo
entendimento de nós mesmos. Não há como entender o ordenamento jurídico
ou o âmbito social sem saber que somos parte de um todo, e que nossas ações
inferem indiretamente e diretamente no próximo.

CONCLUSÃO
No mundo dinâmico e contemporâneo em que nos encontramos, que
evolui de forma substancial a todo momento, não se pode criar pesadas
500
correntes a uma herança do positivismo jurídico. Tendo como base para um
começo a conversação com os outros ramos da ciência, o que inclui de forma
mais do que essencial a psicanálise como uma das primordiais e mais
importantes fontes para a busca e compreensão do ser.
Não há como falar e compreender as leis, sem antes tentar fazer o
mesmo com o criador delas. Conhecer a si próprio pode acontecer de forma
natural e tranquila, ou de modo conturbado e complexo, visto que somos seres
caóticos, de enorme interação social com o espaço em que nos encontramos,
movidos pelo desejo de forma insaciável e desprendido de determinados
padrões.
Todas as interações desde o momento do nosso nascimento, nos
trazem constantes informações, que mais à frente, formarão a nossa
personalidade, e esta, indissociavelmente, estará presente e preencherá todas
as lacunas da vida.
O papel do imparcial julgador se mostrou conflitante quando este
tenta se orientar apenas pela hermenêutica jurídica, e como vimos na
psicanalise, o inconsciente sempre estará presente em todos esses momentos,
mesmo que de forma desapercebida. Com isso, é de extrema importância que
haja uma reflexão profunda sobre a influência dessa ciência tão instigante que
é a psicanalise.
Sendo assim, mesmo que haja uma resistência nessa troca de
informações dentro do espaço jurídico, o retorno a Freud, mencionado por
Lacan esclarece de forma persuasiva, que este é um ato “inerente da vontade
do homem” pois, querendo ou não, ele irá ocorrer advindo do inconsciente,
estando presente não apenas na hora de legislar, julgar e executar a lei, como
também em toda forma de possíveis interações, ou estudos de caso.

501
Dito isso, é melhor compreender do que resistir e fugir de algo que se
apresenta de forma natural advinda não somente do instinto humano, como
também das pulsões e do inconsciente.
Isto posto, havendo essa abertura necessária à interação da
psicanálise no âmbito jurisdicional, poderá o juiz cada vez mais encontrar um
caminho menos incompleto e mais assertivo no que tange o ato de julgar.

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502
[7] JORGE, M. A. (2017). Fundamentos da Psicanálise de Freud e Lacan (2º
ed.). Rio de Janeiro: ZAHAR. p. 20.

[8] ROSA, Alexandre de Morais da. (2004). Decisão no Processo Penal Como
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[9] RIBEIRO, João. O que é positivismo. 4ª reimpr. Da 2ª ed. de 1994, São


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[10] Kelsen, Hans, 1881-1973. Teoria pura do direito / Hans Kelsen ;


[tradução João Baptista Machado]. 6ª ed. - São Paulo : Martins Fontes, 1998.
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[11] ] BORGES, José Ademir Campos. O processo do conhecimento humano e


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[12]RIBEIRO, João. O que é positivismo. 4ª reimpr. Da 2ª ed. de 1994, São


Paulo: Brasiliense, 2001. Disponível em:
<https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-35/a-crise-do-positivismo-
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2020.

[13] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa


do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988

[14] –[19]ROSA, Alexandre de Morais da. (2004). Decisão no Processo Penal


Como Bricolade de Significantes. Curitiba. p. 7, 14, 15, 17, 18, 23, 24.

503
[20] MUNDIM, L. (2002). Fonte: JusBrasil. Disponóvel em:
<https://correio-forense.jusbrasil.com.br/noticias/3040265/podem-
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[21]-[23] ROSA, Alexandre de Morais da. (2004). Decisão no Processo Penal


Como Bricolade de Significantes. Curitiba. p. 126, 127, 155.

Os vídeos a seguir foram utilizados por mim para maior esclarecimento a


respeito do capítulo III.

BELO, Fábio. 2018. YOUTUBE. Disponível em:


<https://www.youtube.com/watch?v=nKLAjEuZ_jM> Acessado em
10 06 2020.

JUNIOR, Hélio Miranda. 2016. YOUTUBE. Disponível em:


<https://www.youtube.com/watch?v=3d7vk2x-S6w>. Acessado em 10 06
2020.

504
A INSERÇÃO DA PSICANÁLISE NO SISTEMA PRISIONAL:
TRATAMENTO INDIVIDUALIZADO E INSTRUMENTO DE
RESSOCIALIZAÇÃO

Daniel Augusto de Paula1


Dr. René Dentz2
RESUMO
A violência e a criminalidade são uma das maiores preocupações do homem
moderno. A busca pela segurança passa pela reinserção do apenado na
sociedade, uma ressocialização que iniba a reincidência do mesmo no crime.
Diante de um assunto tão complexo e urgente, o tema que abarcou a pesquisa
está inserido numa interface entre a psicologia e o direito, notadamente na
relação entre a Psicanálise e a Eficácia das penas. Para conseguir tal
intento, torna-se imprescindível que haja atividades e intervenções que, ao
longo da execução da pena, ensejando um acompanhamento da saúde mental
dos mesmos, viabilizem e potencializem a autoconfiança do apenado para
que os mesmos possam retornar plenamente reabilitados. Desta forma, o
objetivo geral deste trabalho concentra-se em discutir a importância do
tratamento psicanalítico nos presídios como instrumento para ressocialização.
Ao longo da elaboração deste estudo foi utilizado o método indutivo que
norteou uma análise bibliográfica. A conclusão a que se chegou com a
investigação foi a de que os cuidados aplicados ao apenado, tanto médicas,
odontológicas, práticas de esportes, trabalho dentre outras que ensejam num
aumento da autoestima do apenado o que, em última interrelação, determina
uma menor reincidência no crime, amainando os índices de violência na
sociedade. Em suma, a necessidade de se ofertar ao apenado uma análise
psicanalista fortalece o ego do mesmo e, ao retornar para a sociedade, o
mesmo tem um índice menor de reincidência. Ao longo do corpo deste
trabalho, voltou-se para a leitura de Freud (1920), Freud ( 1928), Shimizu
(2015), Jesus (2001) e Jung (1969).

Palavras-chave: Psicanálise. Crime. Direito. Ressocialização. Direitos


Humanos

INTRODUÇÃO

1 Graduando em Direito pela Unipac Mariana MG


2 Psicanalista e Professor Universitário. Ph.D. pela Université de Fribourg/Suíça.
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Nesta parte, houve a contextualização do tema analisado, sua
delimitação e aplicação na área de ensino; bem como também foi descrito a
metodologia usada para a construção do escopo deste trabalho. A justificativa
centrada no âmbito acadêmico e social, os objetivos: geral e específicos, além
das perguntas motrizes que despertaram neste autor a vontade de
compreendê-lo mais profundamente.
O crime e o criminoso são objetos de, no mínimo, interesse para
psicólogos, psicanalistas e especialistas da área tanto pela motivação do crime
quanto na finalização do processo de ressocialização. Esta área é denominada
psicologia jurídica e a respeito da interação entre estas áreas – psicologia,
psicanálise e direito - assim se expressa Jesus (2001, p. 34) quando afirma
que: “a Psicologia, por um lado, procurando compreender e explicar o
comportamento humano, e o Direito, por outro, possuindo um conjunto de
preocupações sobre comoregular e prever determinados tipos de comportamento,
com o objetivo de estabelecer um contrato social de convivência comunitária.” Neste
sentido, a atuação dos profissionais que atuam na área da saúde mental nos apenados
tem um amplo espectro para trabalharem que varia desde pessoas com traumas
emocionais leves até indivíduos inimputáveis que cometeram um ou mais crimes
hediondos. Devidamente esclarecidos o cenário e o objeto de estudo, passa-se a
determinar o paradigma que orientou esta análise que é a psicanálise dado que esta
carreia uma visão específica do ser humano.
Freud constituiu a psicanálise como um
procedimento para investigação de processos
mentais, um método para tratamento das desordens
mentais e um conjunto de princípios e conceitos
organizados que constituem um novo campo. Assim,
a psicanálise é antes de tudo uma investigação dos
processos inconscientes, uma terapêutica e uma
teoria científica. A teoria freudiana, ao se fazer
estratégia no campo da realidade na sociedade
contemporânea, não pode ser restringida à aplicação
do método ao contexto particular dos consultórios,
506
ela tem que se constituir numa prática articulada à
realidade da sociedade na qual está inserida, para
considerar as intervenções na multiplicidade de
realidades que o social comporta: educacional,
médico-hospitalar, jurídica e o próprio social
enquanto realidade delimitada politicamente
(SILVA; PACHECO FILHO e FABBRINI, 2012, p.
1apudPACHECO, 2015, p. 32).

Percebendo-se a psicanálise como sendo um instrumento pratico para a


construção ou (re)construção do mundo interno de cada um, a delimitação do
tema, nesta interface – saúde mental e Direito – será a análise da eficácia da
inserção da Psicanálise como tratamento alternativo nas penas privativas de
liberdade como instrumento para ressocialização. Enfatizando que o recorte
dado a este trabalho será na atuação do psicanalista ao longo do aprisionamento dos
apenados (fase esta crucial para evitar a reincidência criminal) ocorrida após o
cometimento de uma violação às regras impostas pela sociedade. Em face deste
recorte, partir-se-á do conceito de pena elencado por Ferreira (1989, p. 1070), o qual
entende por pena “ a punição imposta ao contraventor ou delinquente, em processo
judicial de instrução contraditória, em decorrência de crime ou contravenção que
tenha cometido com o fim de exemplá-lo e evitar a prática de novas infrações”.
Dado que o apenado serviria de exemplo para seus pares, um apenado que
reincidisse no crime anularia esta premissa. De tal forma que ao longo do “castigo” o
indivíduo deveria receber aporte que promoveria uma real transformação que, de fato,
o reeducasse para voltar à comunidade. Uma pena eficaz seria aquela que transforma
o indivíduo, reeducando-o. O castigo, aqui visto como a extração do convívio social
pelo apenado seguido da sua inclusão no sistema prisional onde seria recluso.
A prisão não foi primeiro uma privação de liberdade
a que se teria dado em seguida uma função técnica
de correção; ela foi desde o início uma “detenção
legal” encarregada de um suplemento corretivo, ou
ainda uma empresa de modificação dos indivíduos
que a privação de liberdade permite fazer funcionar
507
no sistema legal. Em suma, o encarceramento penal,
desde o início do século XIX, recobriu ao mesmo
tempo a privação de liberdade e a transformação
técnica dos indivíduos (FOCAULT, 2010, p. 219).
No entanto, esta reinserção na sociedade é um processo complexo que
pode não ter seus objetivos alcançados plenamente como muito bem salienta
Arruda (2016, p. 9 ) citando Hinz (2016) quando diz que a prisão surge como
instrumento que substitui a pena de morte e, se torna um local para
cumprimento da pena através da reclusão e, posterior, reinserção na
sociedade. A prisão seria um local de re-socialização, reeducação, reabilitação
com vistas a fomentar um indivíduo que possa ser produtivo para a mesma.
Hoje, este aparato prisional não consegue corrigir o apenado dado que não
consiga proporcionar as condições mínimas necessárias para tal. Carrear um
indivíduo que não foi tratado com dignidade humana no período em que este
ficou recluso é atentar contra os Direitos Humanos dado que em seu artigo 1º
esta explicito que: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em
relação uns aos outros com espírito de fraternidade” (ONU, DIREITOS
HUMANOS, 1948).
Preocupar-se com o indivíduo é, em última análise, preocupar-se com a
sociedade na qual este indivíduo está inserido revertendo um quadro
agonizante de violência e aumento da criminalidade. Desta maneira o
presente estudo busca analisar a eficácia da inserção da Psicanálise como
tratamento alternativo nas penas privativas de liberdade como instrumento
para ressocialização. Diante deste cenário, as perguntas que elencaram a
construção deste trabalho são:
• Quais as ações contundentes do Estado em meio as políticas públicas
para a recuperação do apenado?
• É possível o instrumento de ressocialização do apenado como auxílio
do tratamento psicanalítico individual?
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• Como a psicanálise poderia ajudar no processo de ressocialização dos
presos?
Para que se consiga dar prosseguimento a este trabalho que buscará
responder estas questões estabeleceu-se como objetivo geral, discutir a
importância do tratamento psicanalítico nos presídios como instrumento para
ressocialização. Para embasar a busca pelo objetivo geral acima descrito,
estabeleceu-se os objetivos específicos listados a seguir:
• Explorar as contribuições da Psicanálise para o Direito Penal;
• Discutir a condição do cidadão do apenado com base nos
discursos de equidade social;
• Compreender a importância do estado de saúde mental do
detento, com base na proposta de implantação da psicanálise;
• Investigar quais os instrumentos adotados pelo Estado para a
reinserção do apenado na sociedade.
Este exame possui grande importância para a sociedade dado que uma
apenada carreada volta para a mesma se torna ora um cidadão reeducado
pronto para voltar para a sociedade ora um indivíduo que volta pensando em
cometer novas infrações. A sociedade vem sofrendo em decorrência da
violência constante, onde, grande parte dos infratores são indivíduos
reincidentes que após o cumprimento de parte de sua pena ou sua
integralidade, retornam a vida social carregados de traumas e experiências
ruins da vida carcerária. O presente trabalho visa sanar ou diminuir os
impactos incidentes nos infratores e consequentemente no bem social. Se
mostrando assim, o presente estudo, de alta relevância no intuito de lograr
êxito na recuperação e reinserção do apenado e sua sinergia com a sociedade
em um todo. Já na esfera acadêmica, este trabalho tem como objetivo fazer
um apontamento crítico aos problemas relacionados ao sistema carcerário
brasileiro em detrimento da atual ineficácia das penas. Oferecendo uma
509
possível alternativa de tratamento em meio ao período de reclusão do
indivíduo. Desta forma, a temática se mostra relevante para o curso, pois, se
mostrando certa e positiva a nova alternativa, a real finalidade das penas será
alcançada.
A classificação metodológica de toda arguição far-se-á quanto ao tipo
e ao método utilizado. Neste sentido, quanto ao tipo trata-se de uma pesquisa
empírica por objetivar a busca por dados relevantes constituídos através de
experiências, com o objetivo de apreciar novas considerações. Justificando-se
por ser aplicada, com base em gerar conhecimento para aplicação prática e
dirigida a solução de um problema (SANTOS, 2013, p. 41). O projeto, tem
como princípio fazer considerações subjetivas do problema, analisando dados
que não podem ser mensurados numericamente. Quanto ao método, este é um
norte, uma ótica, uma perspectiva oferecida ao trabalho. O método escolhido
para servir de arcabouço para esta investigação é o método indutivo. Este é
um “método proposto pelos empiristas Bacon, Hobes, Locke e Hume.
Considera-se que o conhecimento é fundamentado na experiência, não
levando em conta princípios preestabelecidos. No raciocínio indutivo a
generalização deriva de observação de casos da realidade concreta” (SANTOS,
2013, p. 21).
Em princípio, será o de tecer breves considerações relacionadas as
penas privativas de liberdade no Brasil, e os meios usados para a reintegração
do apenado a sociedade. Em seguida, serão feitas considerações acerca da
Psicanálise, seu conceito histórico e aplicabilidade. Em seguida, o autor se
propõe a compreender e fazer citações sobre os resultados da Psicanálise em
meio aos tratamentos psicossociais especialmente voltados para apenados
com vistas a assegurar que a auto estima do mesmo seja preservada no
momento do cumprimento da pena. No passo seguinte, apresentar-se-á a
importância da Psicanálise evidenciando casos de efeitos positivos para, por

510
fim, descrever uma conclusão. Ao longo do corpo deste trabalho, voltou-se
para a leitura de Freud (1920), Freud ( 1928), Shimizu (2015), Terêncio
(2011), Jesus (2001) e Jung (1969) dentre outros autores.

DESENVOLVIMENTO
Nesta parte, houve uma reflexão acerca do papel do direito na construção de
uma sociedade estável. Neste contexto, emerge a pena – atrelada ao Direito -
e suas diversas faces, ora voltada para a coerção do apenado, ora voltada para
aplacar a sociedade, para servir de parâmetro, ora para ressocializar o
apenado. Diante de suas múltiplas faces é preciso analisar: o que é a pena?
Quais são as consequências da não ressocialização do apenado para a
sociedade? Far-se-á um breve histórico sobre a pena no Brasil além de um
alinhamento com os Direitos Humanos.

PRISÃO, VINGANÇA E OS DIREITOS HUMANOS


A sociedade é formada por diversas pessoas com interesses,
personalidades, apesar de se agruparem por elementos iguais tais como:
língua, território, moeda, leis comuns, etc. Viver em coletividade é uma
imposição da biologia do ser humano dado que o homem é um ser social.
Os indivíduos devem ser analisados de acordo com o
contexto de suas condições e situações sociais, já
que produzem sua existência em grupo. O homem
primitivo (...) diferenciava-se dos outros animais
não apenas por suas características biológicas, mas
também por aquilo que realizava no espaço e na
época em que viviam. Caçando, defendendo-se e
criando instrumentos, os indivíduos construíram
sua história e sua existência no grupo social (
MARX, 1883 apud TOMAZI, 2010, p. 23).
No entanto, a convivência nem sempre é fácil já que demanda
conciliar interesses individuais e coletivos como aponta Marx (1883) citado
511
por Tomazi (2010, p. 24) quando salienta que “os seres humanos constroem
sua história, mas não da maneira que querem, pois existem situações
anteriores que condicionam o modo como ocorre a construção”. Para conciliar
interesses diversos surge o Direito e todo o aparato judiciário.
Dado que o Direito carreie as mudanças observadas na sociedade sob
a forma de leis, estas têm um caráter dinâmico e acompanham as necessidades
da sociedade. No entanto, este caráter de dinamicidade deve ser abarcado em
princípios, que norteiam sua origem e suas adaptações. Isto se faz necessário
já que novas situações se apresentam, e cabe ao Direito prevê-las e antecedê-
las. Todo o aparato jurídico que cerca a sociedade é voltado para a aplicação
da lei para os cidadãos posto que esta esteja acima de direitos e deveres como
ensina Lopes que “mais do que dos direitos do homem, falava-se dos seus
deveres, entre os quais o principal era o respeito à lei, haja vista que o termo
direito não indicava uma prerrogativa ou uma faculdade do indivíduo –
direito subjetivo –, mas restringia-se à própria norma – direito objetivo”
(LOPES, 2000, p. 8). Desta forma, para aqueles indivíduos que não acataram
a lei e, diante disto sofrem sanções que podem ser de uma leve multa, uma
advertência até uma penalização de cerceamento de liberdade. Para dar o
devido alicerce ao trabalho, far-se-á uma breve explanação sobre a ideia da
pena.
Parte-se do pressuposto de que “a pena não é mais que um ato de
poder, e a teorização da mesma não deixa de ser uma tentativa legitimante de
todo o exercício de poder do sistema pena” como aponta Zafforoni (2010, p.
22). Desnecessário reafirmar que Direito e Poder estão simbioticamente
ligados. Esta é uma constatação importante para a confecção do artigo tendo
em vista a aura de vingança que a sociedade impõe à pena. Também Santos Jr.
e Menezes (2018, p. 11), acerca deste tema, salientam que:
isso possui um profundo significado no processo
decisório penal porque todos nós carregamos os
512
pré-conceitos fabricados no meio em que vivemos.
.A relação poder/direito é aliada do pré-julgamento
a respeito de outros, isso acontece de forma
naturalizada, como resultado das concepções
compartilhadas numa sociedade fortemente
estratificada.

De maneira breve, pode-se estabelecer a relação Direito – Poder


como sendo de forma proporcionalmente direta, concretizada de maneira
simbiótica, na qual, um depende do outro para se constituir. Também Max
Weber denuncia esta relação quando enfatiza que “a burocracia constitui o
tipo tecnicamente mais puro de dominação legal” (WEBER, 1994, p. 30).
Esta é uma delimitação que estabelece inúmeras perspectivas, cuja
profundidade este artigo não irá abarcar. No entanto, torna-se necessário
tecer estes brevíssimos comentários tendo em vista que se busca pensar na
pena e no apenado dentro de um cenário que delineia a vingança da sociedade
sobre o elemento que não cumpriu suas leis. O desenho deste contexto aponta
para uma fusão conceitual entre pena e apenado como exemplo, parâmetro do
que não deve ser seguido.
O conceito de regras de aplicação não fica limitado
às regras ou aos princípios metodológicos
conscientemente aplicados pelo intérprete, mas se
transforma no plano das leis e dos mecanismos que
agem objetivamente na mente do intérprete e que
devem ser pressupostos para uma explicação
sociológica da divergência entre delinquência
reconhecida e delinquência latente. As meta-regras
participam da estrutura socialmente produzida pela
interação... que formam a substância de sentido de
qualquer situação ou ação (BARATTA, 2014, p.
105).
Igualmente Kolker ensina que o sistema prisional – construído para
assegurar o isolamento dos indivíduos que não se comportaram dentro dos
moldes estabelecidos pela lei – podia se constituir num prédio com inúmeras

513
celas ou no exílio, na deportação. Este sistema surge, simultaneamente, com
o regime capitalista como instrumento de controle das pessoas perigosas ou
indisciplinadas. “O banimento e a deportação estiveram associados ao
processo de exploração colonial e a prisão com ou sem trabalho forçado
esteve intimamente ligada à emergência a ao desenvolvimento do modo de
produção capitalista”(KOLKER, 2004, p. 159).
Dentro deste cenário, os Direitos Humanos surgem nesta sociedade
como respostas às angústias que, há muito tempo, povoam as preocupações
das pessoas minimamente preocupadas com os outros seres humanos. A
Organização das Nações Unidas (ONU), na data de 10 de dezembro do ano
de 1948, adotou a Declaração Universal dos Direitos do Homem. O texto foi
inspirado na Declaração do direito do homem e do cidadão escrita na
Revolução Francesa e foi escrito por John Peters Humphrey e René Cassin.
Estes direitos constituem-se em premissas, não possuem valor legal mas
servem de alicerce teórico para a construção de Tratados Internacionais
obrigatórios como o Tratado dos direitos Econômicos, sociais e Culturais e o
Tratado Internacional dos Direitos Civis e Políticos (ONU, Declaração
Universal dos Direitos do Homem, 1948). Sob esta nova perspectiva passou-
se a repensar a pena como sendo um processo de (re) socialização e não
apenas um castigo.

UM BREVE RELATO HISTÓRICO DO CONCEITO DE DIGNIDADE


HUMANA

Um dos aspectos mais relevantes da constituição Federal de 1988 é,


sem dúvidas, o princípio da dignidade humana que alicerça um emaranhado
de Direitos cidadãos subsequentes a ele. A atenção dos legisladores para este
princípio começou com a luta de classes entre os camponeses, a nobreza e o

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clero. Os camponeses não compreendiam o fato de os nobres e o clero terem
direitos exclusivos enquanto classe social. O iluminismo e a Revolução
Francesa foram reações, que apesar de pontuais, influenciaram várias lutas
pelo mundo. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão decretada
em 26 de agosto de 1789 já apregoavam em seu “Art.1º. Os homens nascem
e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-
se na utilidade comum” ( DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E
DO CIDADÃO, 1789 ).
A ONU, que em 1948, proclama a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão; trazendo em seu primeiro artigo: “Todos os homens
nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, concluímos que, segundo esse
documento, os titulares dos direitos fundamentais são todos os homens”
(KUMAGAI e MARTA, 2010,p. 1). Já a Convenção Americana de Direitos
Humanos (CADH), de 1969 diz em seu artigo 1º:

1. Os Estados-partes nesta Convenção


comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades
nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno
exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua
jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo
de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões
políticas ou de qualquer outra natureza, origem
nacional ou social, posição econômica, nascimento
ou qualquer outra condição social. Para efeitos desta
Convenção, pessoa é todo ser humano (PACTO DE
SAN JOSE DA COSTA RICA, 1969).

O conceito de dignidade da pessoa humana foi construído ao longo de


muitas lutas e alguns séculos ou conforme Rizzatto Nunes ( apud KUMAGAI;
MARTA, 2010, p. 1) aponta que: “dignidade é um conceito que foi sendo
elaborado no decorrer da história e chega ao início do século XXI repleta de si

515
mesma como um valor supremo, construído pela razão jurídica”. Este ponto
de vista também é corroborado por Sarlet quando este ensina que:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade


intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser
humano que o faz merecedor do mesmo respeito e
consideração por parte do Estado e da comunidade,
implicando, neste sentido, um complexo de direitos
e deveres fundamentais que assegurem a pessoa
tanto contra todo e qualquer ato de cunho
degradante e desumano, como venham a lhe
garantir as condições existenciais para uma vida
saudável, além de propiciar e promover sua
participação ativa e corresponsável nos destinos da
própria existência e da vida em comunhão com os
demais seres humanos (SARLET, 2007, p. 62).

Deste modo para o pleno exercício do Direito, a dignidade humana é


definida como:

A dignidade da pessoa humana atua como


fundamento do princípio estruturante do Estado
democrático de direito e, em consequência,
impregna a totalidade da ordem jurídica, espraia-se
por todos os ramos do direito positivo e inspira não
só a atividade legislativa como também a atuação do
Poder Judiciário (ROMITA, 2005, p. 251).

O Estado Democrático de Direito, cuja finalidade é destinar-se a


assegurar o livre e pleno exercício dos direitos sociais e individuais. Mas
também o bem-estar, a igualdade, a justiça social e o desenvolvimento, “bem
como, seguindo a tendência do constitucionalismo contemporâneo,
incorporou, expressamente, ao seu texto, o princípio da dignidade da pessoa
humana (art. 1º, inc. III) – como valor supremo –, definindo-o como
fundamento da República”(KUMAGAI; MARTA, 2010, p. 1). A Constituição

516
Federal de 1988 sagrou este Direito como um princípio pétreo. E, como tal
deve ser observado para todos os outros direitos. Ora sendo os apenados
também homens, estes podem ser agraciados pelo princípio da dignidade
humana. No entanto, conforme salienta Bitencourt (1999, p. 1) a ideia da
prisão, enquanto método de prevenção de crimes, vem tendo sua eficácia
questionada. “ A ideia disseminada (...) segundo a qual a prisão seria a
principal resposta penológica na prevenção e repressão ao crime perdeu
fôlego, predominando atualmente uma atitude pessimista, que já não tem
muitas esperanças sobre os resultados que se possa conseguir com a prisão
tradicional.” A observação do sistema carcerário brasileiro evidencia sua não
conformidade com a dignidade humana.

SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO


Posto que “ um dos papéis do Direito, como instrumento pelo qual se
controla a “bestialidade” dos atos humanos, ou seja, controlam-se os impulsos
que venham a ser prejudiciais à sociedade como um todo” (KUMAGAI e
MARTA, 2010, p. 1). Sobre esta forma de pensar aliada a outras que se
alicerçou o sistema prisional brasileiro que os autores Rosa e Kaled Jr.
comparam com a lógica de um cinto de castidade.
A prisão temporária muitas vezes utiliza-se da lógica
do cinto de castidade. Embora não se tenha certeza
sobre o seu surgimento, a sua imposição conforma
um meio de limitar e restringir a liberdade sexual da
mulher. A lógica que orienta a mecânica restritiva
do aparato é a de cerceamento absoluto da vontade
potencial do outro. Trata-se de um mecanismo de
sujeição orientado pela suspeita pré-constituída do
censor do desejo alheio. Desse modo buscava-se
garantir a ordem imposta pelo pai – sociedade
patriarcal – mesmo quando este estivesse ausente.
Era comum o pai que não queria ver a filha
mantendo relações sexuais ou mesmo o marido
517
ciumento proverem a mulher de cinto de castidade,
situação que inacreditavelmente se mantém ainda
hoje. A pergunta é se a utilização impede o desejo ou
somente adia o ato, talvez com maior vigor? Essa
lógica acaba se mostrando contraproducente para o
próprio censor, uma vez que reforça o desejo pelo
“proibido” e pode provocar vínculos de
solidariedade inesperados com aquele que é
violentado. Não são poucas as histórias triunfantes
de libertação e rompimento das amarras. Certas
energias não são represadas impunemente. Nesses
casos o castigo para o censor pode ser muito maior
do que o preço pago por uma liberdade irrestrita. É
ilegal a prisão com base no que alguém pode
potencialmente vir a fazer, ou que se supõe que um
dia faça. Ainda mais quando este suposto “fazer”
configura exercício de direito fundamental (ROSA e
KALED JR., 2014, p. 1).

Nota-se quea ideia de castração dos impulsos, dos instintos é a


premissa da prisão é salientada quando se compara a mesma com um cinto de
castidade. O sistema carcerário brasileiro se organiza sobre a premissa que
quanto mais gente presa melhor dado que gere uma sociedade mais segura
aliada a uma premissa que diz que a prisão do autuado em flagrante transmite
a falsa impressão de eficácia da justiça. Segundo Sérgio Adorno (2010, p. 44)
“em termos de política criminal existe uma fala de senso comum mediada pela
mídia, de que as pessoas presas recebem comida e abrigo gratuito do governo,
que o cumprimento da pena dentro do presídio deveria estar atrelado a uma
punição maior.” Posição, esta, também defendida por Teixeira (2007) citado
por Adorno (2010, p. 44) “quase todos defendem a construção de mais
prisões, leis mais rigorosas, a elevação do efetivo de policiais nas ruas, ou seja,
a implacabilidade com o crime”.Para Santana (2012, p. 1) “a aplicação das
sanções corresponde a sistematização e os critérios objetivos da ciência penal,
evitando o arbítrio e a subjetividade ilimitada que foram tão presentes em
épocas passadas.” A ideia da prisão deixa de ser uma perspectiva subjetiva e
518
passa a ter um critério objetivo. Já, para Tourinho Filho (2011, p. 432), a
prisão “é imposta àquele que for reconhecidamente culpado de haver
cometido uma infração penal, como retribuição ao mal praticado, a fim de
reintegrar a ordem jurídica injuriada”. A ideia é que se o indivíduo não se
adequa às regras da sociedade deve se afastar dela, não merece compartilhar
dos benefícios oferecidos por ela. Diante disto, o sistema carcerário segue
intensificando a durabilidade das penas através das péssimas condições
oferecidas ao apenados e ao grande número de presos. Têm-se um sistema
carcerário ineficiente e superlotado, com presos ociosos,
A razão está em que o sistema atual da
jurisprudência criminal apresenta aos nossos
espíritos a ideia da força e do poder, em vez da
justiça; é que se atiram, na mesma masmorra, sem
distinção alguma, o inocente suspeito e o criminoso
convicto; é que a prisão, entre nós, é antes de tudo
um suplício e não um meio de deter o acusado; é
que, enfim, as forças que estão, externamente, em
defesa do trono e os direitos da nação estão
separadas daquelas que mantêm as leis no interior,
quando deveriam estar intimamente ligadas
(BECCARIA, 1983, p. 22).

Esta perspectiva, sobre a qual se assenta o sistema prisional, coloca o


preso, independente da sua culpabilidade, no mesmo nível, no mesmo lugar,
sem diferenciá-los. Já que presume-se que eles tenham desafiado o poder de
regulamentação da sociedade são tratados igualmente. Tal discurso idêntico é
apontado por Wacquant (2007) citado por Adorno (2010, p. 44) quando este
fala do modelo norte-americano de “Estado penal”, para os infratores das leis
autuados, nomeado de tolerância zero. Os presos são vistos como sendo
indivíduos que não merecem participar da sociedade já que não seguiram suas
regras, são indesejáveis, a escória e, sendo assim vistos, não merecem nenhum
benefício do Estado. Desta forma, têm-se um sistema carcerário ineficiente e

519
superlotado, com presos ociosos Ainda no entender de Wolff, o sistema
carcerário brasileiro se mostra assim:
As precárias condições do sistema penitenciário
brasileiro são amplamente conhecidas e destacadas
em inúmeros relatórios de organismos nacionais e
internacionais da defesa dos direitos humanos.
Superpopulação carcerária, ausência de
individualização da pena, dificuldades de acesso à
defesa e a outros direitos estabelecidos na Lei de
Execuções Penais são situações corriqueiras nas
prisões do Brasil (Wolff, 2007, p. 15 apud
ADORNO, 2010, p. 45).

O uso exacerbado da força e do poder, entretanto, não tem trazido


resultados positivos dentro das metas almejadas. A superlotação nos presídios
não tem tornado a sociedade mais segura e nem mais justa. Conforme Arruda
(2016, p. 1) a prisão ganhou novos contornos aos olhos da sociedade. A
ideia, que antes havia surgido como um instrumento mais brando que
substituía a pena de morte, também substituiria as torturas públicas e cruéis
que forneciam um espetáculo cruel, hoje, não consegue mais efetuar sua
missão de ser um espaço correcional e passam a se configurar como uma
escola para aperfeiçoamento de criminosos. E esta situação foi se perpetuando
no país. Apesar de já terem passados tantos anos desde 2007 quando a autora
citou estas condições estas não melhoraram. Assim, também em 2010, Sérgio
Adorno, com base em dados de 2008 menciona:
Desta forma, o Brasil possui hoje a oitava população
carcerária do mundo ao todo está encarcerada
451.219 pessoas, uma proporção de 238,10
detentos para cada 100 mil habitantes. Essas são
informações do Ministério da Justiça-Execução
Penal, no qual utilizamos as informações com base
na referência de dezembro de 2008. O quadro se
agravaria ainda mais se fossem cumpridos os
mandatos de prisão expedidos e não cumpridos, já
que assim o país passaria a ocupar a terceira posição
520
mundial. Outra informação alarmante é o aumento
de encarcerados nos últimos anos: no ano 2000,
eram 232.755 detentos2, quando comparamos com
o ano de 2008, isso representa um aumento de
51,58%; já em 2007 foram contabilizados 422.680
detentos, alcançando um acréscimo de 6,75% para o
ano que estamos utilizando como referência. Isso
em números absolutos significa que de 2007 para
2008, 28.530 pessoas a mais foram encarceradas,
segundo o Ministério de Justiça Brasileiro
(ADORNO, 2010, p. 46).

Isto vem comprovar que esta situação se arrasta anos a fio sem
nenhuma solução prática. Estes resultados só fazem ressaltar que, nos
presídios, o princípio da dignidade humana não é cumprido. Conforme Sarlet
(2007, p. 132) o mencionado princípio da dignidade da pessoa humana
“impõe ao Estado, além do dever de respeito e proteção, a obrigação de
promover as condições que viabilizam e removam toda sorte de obstáculos
que estejam a impedir as pessoas de viverem com dignidade.” Ainda Arruda
salienta que “em face do paradoxo que é o atual sistema carcerário brasileiro,
pois de um lado temos o acentuado avanço da violência, o clamor pelo
recrudescimento de pena e, do outro lado, a superpopulação prisional e as
nefastas mazelas carcerárias”(ARRUDA, 2016, p. 35).
A superlotação dos presídios brasileiros expõe, de forma grotesca e
irreparável, as mazelas de uma sociedade desigual e a forma como o Estado
conduz o tratamento dos encarcerados. Presos vivendo em conteiners na
região metropolitana de Vitória, no Espírito Santo. Rebeliões violentas,
mortes de apenados, pessoas que por furtarem sabonetes ficam presas até
mais de três meses sem ver o juiz competente. Até mesmo o caso peculiar do
mecânico Marcus Mariano da Silva, preso em 1979 por acusação de
homicídio. A partir desta data, o mesmo ficou preso, por duas vezes, por um
total de 19 anos sem julgamento. Ao longo deste período, ficou cego, depois

521
de ser atingido por estilhaços de granada lançada por um policial durante uma
rebelião. Este erro foi gerado porque o verdadeiro assassino era um quase
homônimo dele e uma série de situações que tornaram este caso emblemático
para a justiça brasileira. (PORTAL DE NOTÍCIAS G1, 2011, p. 1)3. Esta e
outras tantas situações levam a questionar a forma como a sociedade enxerga
seus apenados e os sistema carcerário no Brasil. Para Arruda (2016, p. 34) é
inevitável pensar que “os presos são literalmente tratados como objetos
imprestáveis que jogamos em depósitos(...) afinal, para parte de uma
sociedade alienada, o preso não passa de "lixo humano".” Estas adjetivações
são pontualmente colocadas diariamente na mente dos apenados e isto gera ,
no mínimo, um desconforto para os mesmos que, aliados com a realidade da
superlotação, passam a desenhar um cenário de indiferença da sociedade e da
justiça. Diante da superlotação dos presídios o apenado fica submetido a
uma “sobrepena”, uma vez que estará sujeito a todo tipo de violação por parte
da macropopulação carcerária. Neste sentido, é cabível pensar em
gravíssimas violações dos Direitos Humanos no que tange o atendimento aos
apenados impedindo, copiosamente, qualquer tentativa de ressocialização dos
presos e transformando as cadeias em depósitos de pessoas. Contudo D’Urso
chama a atenção para a diferenciação dos termos:
Por ressocialização há de se ter aquela condição de
retorno ao meio social daquele desgarrado, daquele
que, tendo praticado uma infração, foi
temporariamente afastado do convívio comum. Por
reeducação, e aqui se note o criticado sentido
fornecido pelo art. 28 da atual Lei de Execuções
Penais brasileira, se tem a necessidade educativa da
pena imposta, o que se dá mormente pelo trabalho.
O condenado, tendo se desviado do caminho
adequado e esperado aos homens de bem, deve ser

3http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/2011/11/no-recife-ex-mecanico-preso-por-

engano-foi-vitima-de-infarto-diz-laudo.html

522
reeducado, para que possa voltar a ter atitudes
socialmente adequadas, vale dizer, ao trabalho dele
esperado. Finalmente, por reintegração, imagina-se
à volta daqueles que tenham se separado do convívio
comum devido à aplicação de uma sanção penal
(D’URSO, 2002, p. 248).
Arruda (2016, p. 34) ainda aponta ainda que o grande número de
pessoas nas prisões leva a supressão dos direitos humanos unilateralmente. Já
o autor Viana corrobora esta opinião e ainda acrescenta que:

A reincidência é outro fator de grande proporção, no


aumento da superlotação. A reincidência tem sido
provocada principalmente pela falta de ocupação
dos presos, em boa parte dos presídios brasileiros
mais 75% dos encarcerados não trabalham nem
estudam, assim ao cumprir sua pena e ser colocado
em liberdade, o cidadão está sem nenhuma
qualificação profissional, sem estudos, e ainda com
um atestado de ex-presidiário, consequentemente
acabará voltando ao mundo do crime, pois no tempo
em que passou encarcerado, não recebeu a prestação
obrigacional do Estado de lhe proporcionar estudo e
trabalho (...) Importante é salientar que o preso
apenas tem cerceado o seu direito de ir e vir,
devendo ter os direitos que são inerentes à condição
de pessoa humana resguardados. Afinal, os presos
não são culpados da superlotação que o sistema
penitenciário brasileiro vem enfrentando (VIANA,
2016, p. 1).

Desta forma, o presídio abarrotado de pessoas condenadas deveria em


tese trazer segurança para a sociedade externa a ele. Contudo, a ociosidade, a
supressão dos direitos básicos, a negligência, a corrupção dos agentes
públicos para a manutenção de privilégios nas cadeias formam o fomento
ideal da criação das organizações criminosas e para a reincidência dos
apenados. Cabe ressaltar que a formação das organizações que tem lançado
tentáculos em todo Brasil, promovendo atos pontuais onde se usa de extrema
523
violência é fruto da superlotação e da negligência do Estado para com seus
apenados. Ressalta-se ainda que esta macrocomunidade voltar-se-á para a
sociedade que a cerca em algum momento. Estes eventos acabam por dar
contornos de um círculo vicioso com origem e final conectados. Importante
frisar que onde falta o Estado abre-se lacunas por onde um poder paralelo se
instala. É o que acontece nos presídios, os presos, suprimidos dos seus
direitos básicos são aliciados por milícias ou organizações criminosas.
Integrando-as, eles voltam para a sociedade e perpetuam o ciclo de violência.
No entendimento de Arruda (2016, p. 32): “a crise carcerária só poderá ser
resolvida quando a sociedade e os políticos tiverem vontade de solucionar o
problema. Para tanto, é preciso a erradicação dos preconceitos em relação ao
preso e ao ex-presidiário por parte da sociedade.” A respeito da política da
ressocialização, escreve Salo de Carvalho:

As reformas das codificações penais ocidentais da


década de oitenta, orientadas pelo movimento da
nova defesa social, consagraram a ressocialização do
condenado como principal objetivo da pena. A
reforma brasileira de 1984, seguindo rumos
políticos pelo movimento eurocentrista, encontrou
na pedagogia ressocializadora e na concepção
meritocrática os signos ideais para edificação
legislativa (CARVALHO, 2003, p. 179).

As mazelas da cultura do encarceramento como solução para os


problemas de violência. Resultado desta cultura é a superlotação dos presídios
que, gera mais violência e retorna para a sociedade. Contudo, há que se
mencionar que a população tende a crer numa falácia, a de que se o pretenso
acusado for preso, a justiça foi feita. Esta falsa ideia coloca o Estado como um
carrasco, um algoz que fará justiça para a comunidade como aponta Jorge
(2002, p. 13):

524
A vítima do delito já contracenou como ator
principal, na época da vingança privada, quando a
resposta ao mal causado era buscada com suas
próprias mãos, tendo este período como seu apogeu.
No período da justiça privada, também idade de
ouro da vítima, esta era responsável pela persecução
criminal, havendo um árbitro que verificava se a
vingança desejada pela vítima era proporcional à
agressão cometida.

Com o advento dos direitos da pessoa humana e, as leis


complementares se adequando cada vez mais dentro destes princípios, esta
fase ficou no passado. Há que se crer que a razão vença a emotividade
incentivada pelos apresentadores de tele jornais. Um número maior de
encarcerados não vai tornar a sociedade nem mais justa e nem mais segura.
Com o advento das organizações sociais, percebeu-se que não interessava
mais a vingança desregrada que era praticada contra os réus. Por outro lado,
não poderia também o indivíduo “ficar exposto ao apetite ilimitado daqueles
que não respeitam as regras de convivência civilizada” (JARDIM, 1998, p. 14
apud JORGE, 2002, p. 52). Conciliar estes extremos de forma adequada é o
objetivo da justiça.

PENA OU VINGANÇA – UMA HISTÓRIA E UMA REFLEXÃO


Tendo em vista uma continuação da discussão anterior, passa-se a
discorrer acerca da história da pena no Brasil. É importante salientar que a
ideia de pena vem sobrecarregada de uma série de preconceitos.
O fundamental é entender o que é o individual – o
que é de cada um – e o que é compartilhado por
todos – não são separados; formam uma relação que
se constitui conforme reagimos às situações que
enfrentamos no dia-a-dia. (...) Isso é fruto das
relações sociais. E é justamente neste processo que
construímos a sociedade em que vivemos. Se as
525
circunstâncias formam os indivíduos, estes também
criam as circunstâncias (TOMAZZI, 2010, p. 14).

Mais adiante Tomazi (2010, p. 14) ainda esclarece que existe uma
interdependência entre a vida privada e o contexto social, as decisões tomadas
por um indivíduo acarretam consequências sobre os outros e vice versa. Posto
que o conflito de interesses entre as pessoas sempre vai existir, há que se
delimitar uma fronteira entre a ação e a intenção para que delineie a paz
social. Neste contexto, o Direito, em seu ramo Penal surge para regular as
atividades sociais dos homens, organizando a vida em sociedade com vistas a
proteger a paz social, atuando como parâmetro a fim de evitar que a sociedade
se torne caótica. Para isto o Direito Penal utiliza-se de normas (medidas de
segurança), usadas preventivamente, e sanções ou penas, usadas a
posteriormente. O monopólio do uso da força cabe ao Estado.
Conforme Santana (2012, p. 1) a pena que foi introduzida no Brasil e
em muitos outros países, tem como finalidade máxima organizar a sociedade,
dar-lhe direcionamento. Sem as penalizações da Lei, o Direito seria inócuo e
as pessoas que cometem crimes teriam plena liberdade para cometê-los
novamente gerando uma situação social de anarquia generalizada, deixando
os cidadãos a mercê do seu próprio destino. Desta forma se inicia um
movimento que vislumbre a pena sem perder de vista que o apenado é um ser
humano, assim como os cidadãos da sociedade ao seu redor. As palavras de
Cesare expressam este desejo ambíguo da sociedade de se organizar através
das penalizações e o receio do excesso do uso do poder:

Desse modo, somente a necessidade obriga os


homensaceder uma parcela de sua liberdade; isso
advém que qual só concorda em pôr no depósito
comum a menor porção possível dela, quer dizer,
exatamente o que era necessário para empenhar os
outros em mantê-lo na posse do restante (...) A
526
reunião de todos essas pequenas parcelas de
liberdade constitui o fundamento do direito de
punir. Todo exercício do poder que desse
fundamento se afastar constitui abuso e não justiça
(CESARE,1998 apud SANTANA, 2012, p. 19).

O ato de punir, com o uso do monopólio da força, caberiam ao


Estado, legitimamente constituído. O Direito Penal teria duas facetas: uma
objetiva, formada pelas normas e de caráter preventivo e, outra, subjetiva, que
avaliaria as penalidades ou sanções para aqueles que agissem de forma oposta
aquela mencionada pela norma. A principal finalidade do direito penal é
promover o respeito, através do cumprimento dos bens jurídicos (qualquer
bem vital da comunidade ou do indivíduo). Nesse sentido, proíbe as
condutas/atitudes destinadas a lesar ou a pôr em perigo um bem jurídico.4O
ato de punir realizado pelo Estado no entender de Foccault (1984) citado por
Santana (2012, p. 88): ”os que abusam da liberdade pública, serão privados
da sua; serão retirados os direitos civis dos que abusarem das vantagens da lei
e dos privilégios da s funções públicas. ” Para Foccault, a ideia da
possibilidade de aplicação da pena pelo Estado deveria funcionar como um
freio ante os instintos mais baixos dos seres humanos.
Neste cenário, “a aplicação das sanções corresponde a sistematização
e os critérios objetivos da ciência penal, evitando o arbítrio e a subjetividade
ilimitada que foram tão presentes em épocas passadas ”(SANTANA, 2012, p.
892). A partir disto, a prisão deixou de ser um depósito de pessoas que tinham
um comportamento desviante na sociedade e “passou a ser fundamentalmente
o local de execução das penas.” (CATÂO; SUSSEKIND, 1980, p. 62-63 apud
SILVA, 2009, p. 33) Nesta linha de raciocínio, diante da postura assumida
quanto a prisão, Silva conclui que: “ deixou, assim, de existir o “direito de

4:Conceito de direito penal - O que é, Definição e Significado http://conceito.de/direito-


penal#ixzz4NOh1as3z

527
punir” iniciando o Direito Penal sob o aspecto científico hoje existente, sendo
estudados o crime, o criminoso e a pena, seus elementos naturais. A vingança
deu lugar à correção, ou recuperação, humanizando-se as penas” (ALMEIDA,
2005, apud SILVA, 2009, p. 33). No entanto, no senso comum, o ato de
punir, aniquilar o apenado, negando-lhe todo e qualquer direito ainda vigora.
Apresentadores de tele jornais incentivam a prisão, fomentando a
cultura do aprisionamento que se instalou no Brasil. Esta cultura transforma
as prisões em depósitos de pessoas. O sistema carcerário brasileiro, então, se
organiza sobre a premissa de que quanto mais gente encarcerada melhor, pois
gera uma sociedade mais segura. Esta aliada à outra premissa que diz que a
prisão do autuado em flagrante transmite a falsa impressão de eficácia da
justiça constitui-se em falácias. Estas falácias, exploradas por tais jornalistas
em busca de audiência, instauram na sociedade uma celeuma em torno deste
assunto. Desta forma, tem-se um sistema carcerário ineficiente e superlotado,
com presos ociosos, o crime organizado cada vez mais forte e sindicalizado.
As emoções são redimensionadas proporcionando uma perda de
racionalidade e o clamor público se instala. Hoje, o You tube virou um palco
para vídeos de linchamentos públicos, alguns com final fatal. A justiça feita
com as próprias mãos volta a cena transtornando homens em um bando de
bestas feras jovens rugindo, sem direção e expondo o lado instintivo do ser
humano. Urge que se busquem alternativas para acabar com a cultura do
encarceramento fomentando na sociedade uma contra cultura dos direitos
humanos para todos. É necessário acabar com o exagero nas prisões em
flagrante e com estes casos pontuais de bestialidade compartilhada por
membros da sociedade.

FREUD NA PRISÃO - PSICANÁLISE E DIREITO: UM DIÁLOGO


POSSÍVEL?

528
Nesta parte, que se constitui no cerne desta investigação foi tecidas
considerações acerca da psicanálise e da aplicação da pena de cerceamento de
liberdade com o propósito de investigar se a psicanálise, aplicada sob a forma
de terapia com vistas a aumentar a autoestima dos apenados pode ser um
instrumento útil para a redução da (re) incidência na criminalidade. Será uma
pesquisa de revisão teórica realizada sobre os autores que já se debruçaram
sobre este tema.

O QUE É A PSICANÁLISE?

A psicanálise foi criada há quase cem anos atrás por Freud e, ao longo
deste século, outros acréscimos foram sendo elencados ao corpo teórico desta
ciência. Este discurso é relativamente novo, mas já produz efeitos
magnânimos. Freud comprova a existência do inconsciente para o resto do
mundo e, todos passaram a se ver e ver os demais com outros olhos,
ponderando outros significados. E, mais do que isto, Freud aponta que o
inconsciente pode ter relação com diversos sentimentos, inclusive a culpa.
Constituiu uma surpresa descobrir que um aumento
nesse sentimento de culpa Ics. [inconsciente] pode
transformar pessoas em criminosos. Mas isso
indubitavelmente é um fato. Em muitos criminosos,
especialmente nos principiantes, é possível detectar
um sentimento de culpa muito poderoso, que existia
antes do crime, e, portanto, não é seu resultado, mas
sim o seu motivo. É como se fosse um alívio poder
ligar esse sentimento inconsciente de culpa a algo
real e imediato (FREUD, 1916/1996, pp. 347-348
apud SHIMIZU, 2015, p. 13).

Este sentimento de culpabilidade é reforçado pela ideia que a


penalização traz. A evolução do sentido de penas inicia-se com a fase da
vingança privada. Nesta etapa, a inicial, quando um indivíduo cometia um
crime, o outro grupo agia com tal ferocidade que arrastava o indivíduo, seus
529
familiares e até mesmo todo o seu grupo num revide com proporções muito
maiores. Esta foi uma penalização usada por grupos tribais. com o passar do
tempo, a vingança privada gerou a regulamentação do Talião e da composição.
A de Talião é a mais conhecida, trata-se de um instrumento moderador da
pena dado que proporcionava a aplicação do castigo na mesma medida do
crime cometido. Na fase da vingança divina, a religião assume o controle das
penalizações e a repressão passa a ser considerada a ira dos deuses. Aos
sacerdotes caberia a administração da sanção penal, já que eles representavam
os deuses aqui na terra. Os castigos eram cruéis e desumanos. A legislação
era representada pelo Código de Manu, Livro das cinco penas (China), Avesta
(Pérsia), Cinco Livros (Egito) entre outros. Chaga-se na fase da vingança
pública junto com maior poder político e desenvolvimento social, sendo assim
a pena perde seu caráter divino e passa a ser relacionada com uma sanção do
Estado ( que representa os interesses públicos). A aplicação do castigo não era
derivada da vítima, mas do poder político, no caso o rei, este aplicava os
castigos sob as ordens divinas. Mutilações, pena de morte, confiscos de bens,
a aplicação da pena também poderia ser estendida para a família. Apesar das
injustiças e inseguranças geradas por este sistema, a aplicação das penalidades
passou a ser função do Estado. Seguindo esta linha evolutiva, no período do
iluminismo, surge a ciência do Direito natural e a penalização passou a ter
fixação legal de modo que quando um crime era cometido toda a sociedade se
ressentia na figura de sua representação política (CANTO, 2000 ; COSTA,
1999 apud LIMA, 2012, p. 8-10).
Toda esta evolução histórica acarretou um peso que, normalmente, é
agregado à visão do apenado, a identidade deste se transforma, se modifica e
ele recebe rótulos como ensina Baratta (2014, p. 89) “a mais importante
consequência da aplicação de sanções consiste em uma decisiva mudança da
identidade social do indivíduo; uma mudança que ocorre logo no momento

530
em que é introduzido o status dedesviante”. O apenado carrega o peso dos
rótulos ao longo da pena e depois dela e, isto deriva deste histórico de relação
entre pena, castigo e punição.
Não obstante o foco ser o crime em si e a aplicação das penalidades, as
causas, a origem da vontade de cometer crime também era objeto de
curiosidade. O olhar sobre os criminosos sempre produziu certo fascínio entre
alguns estudiosos. Como e porquê um indivíduo cometia crimes era um vasto
campo . Nesta seara, brotaram teorias que variavam dentro da antropologia
criminal, cujo expoente máximo é o Cesare Lombroso daí antropologia
criminal italiana ou lombroseana.

As aproximações entre criminologia e psicanálise,


com efeito, tiveram o mérito de romper com o
pensamento dominante à época, derivado da
antropologia criminal lombroseana, no sentido de
que o indivíduo criminoso seria um ente
psicologicamente e biologicamente distinto do
indivíduo normal. As pulsões e tendências
criminais, de acordo com os expoentes da
criminologia psicanalítica, estariam presentes em
todos os indivíduos, sendo papel dos freios
inibitórios psíquicos impedirem a passagem ao ato
(SHIMIZU, 2015, p. 12).

Entretanto, o autor Baratta (1999) citado por Shimizu (2015, p. 16)


faz uma ressalva quanto às teorias psicanalíticas

Não obstante a importante função crítica exercida


pelas teorias psicanalíticada criminalidade em face
da ideologia da defesa social, é necessário dizer que
aquelas não conseguiram superar os limites
fundamentais da criminologia tradicional. De fato,
tais teorias geralmente se apresentam, à semelhança
das teorias de orientação positivista – das
sociológicas não menos que das biológicas –, como
531
a etiologia de um comportamento, cuja qualidade
criminosa é aceita sem análise das relações sociais
que explicam a lei e os mecanismos de
criminalização.

Para a psicanálise interessa a análise das pulsões e tendências como


molas propulsoras para comportamentos. Em 1896, Freud escreve um artigo
intitulado “Hereditariedade e Etiologia das neuroses”, no qual usa, pela
primeira vez, o termo psicanálise e apresenta a teoria da sedução relacionando
eventos, de caráter sexual, que tenham acontecido na infância:
Esse agente é, de fato, uma lembrança relacionada à
vida sexual, mas que apresenta duas características
de máxima importância. O evento do qual o sujeito
reteve uma lembrança inconsciente é uma
experiência precoce de relações sexuais com
excitação real dos órgãos genitais, resultante de
abuso sexual cometido por outra pessoa; e o período
da vida em que ocorre esse evento fatal é a infância -
até a idade de 8 ou 10 anos, antes que a criança
tenha atingido a maturidade sexual. Uma
experiência sexual passiva antes da puberdade: eis,
portanto, a etiologia específica da histeria. (grifos
do autor) (FREUD, 1986, p. 174 apud FRANCO,
2005, p. 86-87).
Observa-se que o inconsciente possui uma dimensão muito vasta, que
permanece invisível na maior parte do tempo, mas que nem por isso deixa de
demonstrar sua existência nos atos ditos falhos. Apesar disto, a nova
técnica traz uma técnica de proximidade muito maior entre o médico e o
paciente já que o segundo vai abrir o que tem de mais íntimo para o primeiro
como mostra o próprio Freud.
A nova técnica mudou de tal forma o quadro do
tratamento, levou o médico a umarelação tão nova
com o paciente e gerou tantos resultados
surpreendentes, que foijustificado recorrer a um
novo nome para distinguir esse procedimento do
métodocatártico. O presente autor escolheu a
532
denominação de psicanálise para esse modode
tratamento que podia se estender a muitas outras
formas de distúrbiosneuróticos (Freud, 1923/2011,
p.279).

Este novo entendimento do ser humano, Freud tratava a psicanálise


como sendo oriunda ada técnica de livre-associação entre o interior do
indivíduo e o exterior que o cerca. Este potencial de tratar os pacientes, como
ensina Freud era um modo diferente de curar com base num caminho que
adentra no psiquismo do paciente na medida em que este lhe dá liberdade
para tal. Esta cura seria, então prática ou em suas palavras o
plenoestabelecimento da capacidade de agir e ter prazer – pulsão máxima.
Salientando que não seria restabelecê-la no paciente, mas estabelecê-la dado
que a princípio, esta não existia em ato. Este tipo de cura se afasta do sentido
tradicional, usado na medicina, já que não se carreia o reestabelecimento de
uma situação anterior, mas sim uma estruturação nova de alguma coisa que
estava escondida na mente do paciente . A cura é chamada de Kur por Freud e
significa a criação de alguma coisa, uma situação, um arranjo que antes não
existia e passou a existir, Kur passa a ser sinônimo de Behandlung, que
significa tratamento. Tratamento, este atravessado pela livre associação
realizada pelo indivíduo com a condução de um psicanalista levando ao
estabelecimento da capacidade de agir e de ter prazer (FREUD, 1923 apud
MEZAN, 1995, p, 27-28).

PSICANÁLISE NO SISTEMA PRISIONAL

Apesar de ser uma novidade, tanto a ciência quanto sua aplicação no


sistema prisional, esta se encontra perfeitamente alicerçada no arcabouço
legal formado pela tríade: Direitos Humanos de 1948, Pacto de San José da
Costa Rica de 1969 e constituição Federal de 1988. Neste sentido, o
533
atendimento psicanalítico oferecido aos apenados contribui para a
minimização dos sofrimento do mesmo bem como na reorganização da sua
estrutura interna levando a uma personalidade mais sadia, uma pessoa mais
preparada para conviver em sociedade. O sistema prisional precisa perder seu
caráter repressivo para se tornar um processamento de reinserção de
reinclusão, posto que:
o sistema penal fabrica culpados, na medida em que
seu funcionamento mesmo se apóia na afirmação da
culpabilidade de um dos protagonistas, pouco
importando a compreensão e a vivência que os
interessados tenham da situação. (...). Quando o
sistema penal se põe em marcha, é sempre contra
alguém, a quem a lei designa como culpável para
que seja condenado (HULSMAN e CELIS, 1993, p.
67 citado por SHIMIZU, 2015, p. 19).

Para que se construa esta nova perspectiva é imperioso que se


construa uma nova perspectiva sobre o sistema prisional. Esta modificação
começa no cenário no qual os pacientes estão envolvidos, a ideia de que o
apenado tem dignidade e que esta deve ser a bússola para apontar o que
deverá ser feito. O tratamento psicanalítico tem demonstrado bons
resultados.
A aplicação do tratamento nos apenados corrobora
para a melhora A partir do tratamento
psicoterápico, o superego dos presos semi-
imputáveis torna-se menos severo, pois as
interpretações ocorridas em uma relação de
confiança possibilitam o enriquecimento do ego de
objetos bons. Isso acarreta na redução da utilização
da cisão e os objetos internos e externos são
percebidos de maneira mais integrada. Isso ocorre
ao mesmo tempo do aumento em que se dá o
aumento para tolerar a ambivalência e tem como
consequência a maior integração entre as pulsões de
vida e de morte (FRANCO, 2015, p. 235).

534
Neste sentido, o oferecimento de tratamento psicanalítico corrobora
para o entendimento completo do indivíduo por ele mesmo e pelo
psicanalista, ajuda a criar uma relação de confiança num ambiente
extremamente hostil, e, este indivíduo consegue instrumentos internos que
são usados para reorganizar seu mundo interno. Ao voltar para a sociedade,
este indivíduo será mais consciente do seu papel e conseguirá superar o forte
preconceito que certamente o vai cercar dado que a sociedade ainda vai levar
um bom tempo até compreender que o ex-apenado não tem um rótulo fixo me
sua testa para sempre.

CONCLUSÃO

Ao longo deste trabalho buscou-se demostrar que o apenado após ser


julgado como culpado, por uma autoridade competente, por ter cometido um
crime, ter cumprido a pena, o que, em tese, o (re)educaria para voltar para a
sociedade, não é isto o que se observa. A sociedade, que possui profundas e
tradicionais raízes na cultura da vingança, continua a apontar para o indivíduo
que teve a ousadia de se comportar de maneira diferente, de não obedecer às
leis como todos os outros. Diante desta constatação, o mesmo é considerado
diferente, não é digno de confiança já que se aprontou uma vez pode vir a
fazê-lo novamente.
Esta premissa é diferente daquela sobre o qual se assenta o Direito
dado que o mesmo se propõe a ressocializar, a retornar a personalidade que,
temporariamente, ficou isolada do grupo a qual fazia parte em face do
cometimento de um crime. Para seus pares isto não é assim tão simples. O
forte fator cultural envolvido neste preconceito encontra ecos na evolução da
ideia da penalidade na cultura humana. No começo, não haveria nenhuma
proporção, um indivíduo cometia um crime e o grupo em torno da vítima,

535
atacava o criminoso, sua família e todos os membros do seu grupo. Num
segundo memento, os deuses tomavam para si o direito de punir por meio dos
seus representantes, no caso os sacerdotes. O fato dos deuses infligirem as
punições já torna o indivíduo um maldito, pois a mitologia grega esta cheia de
homens que eram castigados pelos deuses – Síssifo, Tântalo, Íxion,Erisictão e
tantos outros. Lembrando que a maioria absoluta deles eram seres humanos
extremamente maus e cruéis – o que reforça ainda mais a ideia de que os
castigados devam merecer a punição. Quando a aplicação da punição passa
para as mãos do rei, ainda subjugado pelo poder divino, a condenação se
estende para a família, mas a crueldade ainda está presente apesar da punição
ser agora monopólio do poder. Muitas vezes, o preso, após sofrer a pena
capital tinha seu corpo exposto com vistas a servir de exemplo para que os
outros não procedessem igual (vide Tiradentes). O iluminismo chega e traz
racionalidade para a aplicação da pena, mas ainda não alcançou a plenitude da
sociedade. Toda esta carga cultural em torno do preso, do castigo, da punição
ainda permanece viva dentro da mente das pessoas e isto se observa na forma
como pensam tratar seus presos.
Neste sentido, hoje, apresentadores de tele jornais incentivam a
prisão, fomentando a cultura do aprisionamento que se instalou no Brasil.
Esta cultura transforma as prisões em depósitos de pessoas. As emoções são
redimensionadas proporcionando uma perda de racionalidade e o clamor
público se instala. Hoje, o You tube virou um palco para vídeos de
linchamentos públicos, alguns com final fatal. A justiça feita com as próprias
mãos volta à cena transtornando homens em um bando de bestas feras jovens
rugindo, sem direção e expondo o lado instintivo do ser humano. O sistema
carcerário brasileiro, então, se organiza sobre a premissa de que quanto mais
gente encarcerada melhor, pois gera uma sociedade mais segura. Ainda esta
transmite a falsa impressão de eficácia da justiça constitui-se em falácias que,

536
exploradas por tais jornalistasem busca de audiência, instauram na sociedade
uma celeuma em torno deste assunto. Desta forma, tem-se um sistema
carcerário ineficiente e superlotado, com presos ociosos, o crime organizado
cada vez mais forte e sindicalizado.
Num círculo vicioso, o apenado, ao sair, ainda sofre preconceitos
diversos, o que mitiga suas chances de se reestabelecer novamente na
sociedade. As possibilidades deste indivíduo voltar a cometer crimes são
inúmeras, com baixaauto estima, sofrendo preconceitos diversas apesar de já
ter cumprido sua pena e sem possibilidades de se reassentar, o mesmo volta a
cometer crimes, gerando uma roda infinita de violência
Urge que se busquem alternativas para acabar com a cultura do
encarceramento fomentando na sociedade uma contra cultura dos direitos
humanos para todos. Neste sentido, a psicanálise aparece como um
instrumento de empoderamento do encarcerado. Simultaneamente, com a
aplicação da pena, o indivíduo que recebe acompanhamento psicanalítico e
outros que ensejem seu bem estar e, oportunamente, que viabilizem sua
reinserção na sociedade. Vislumbra-se, neste entendimento, a aplicação do
princípio da dignidade humana. Um indivíduo que se sinta valorizado e, que
tenha seu inconsciente trabalhado por um profissional adequado, se conhece e
tem a possibilidade de entender melhor o seu presente para, desta forma,
construir melhor seu futuro.

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III.

541
A DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO SOB A PERSPECTIVA DA
INEFICÁCIA DA PROTEÇÃO AO BEM JURIDICAMENTE
TUTELADO E DA VIOLAÇÃO AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA
MULHER

Rodrigo Roberto Martins1


Carlos Randel Crepalde Mafra2

RESUMO
O presente trabalho apresenta como tema central a defesa da tese da
descriminalização do aborto no primeiro trimestre da gestação sobre a
ótica da Constituição Federal e do Código Penal Brasileiro, apontando a
ineficácia da criminalização do aborto, tendo em vista que a simples
tipificação penal não garante a proteção de fato ao bem jurídico
tutelado, bem como coloca em cheque a efetivação de um conjunto de
Direitos Fundamentais da mulher. Este estudo classifica-se como uma
pesquisa básica, teórica e qualitativa, buscando gerar conhecimento
novo para o avanço da legislação penal pátria. Será utilizado o tipo
pesquisa bibliográfica, amparando-se nas informações coletadas em
doutrina, teses e artigos científicos. Será utilizado o apoio documental
de jurisprudência e legislação específica sobre aborto e a Constituição.
O objetivo geral do trabalho é demonstrar que a criminalização das
condutas previstas nos arts. 124 e 126 do Código Penal é apenas
simbólica e que carece de uma revisão atenta aos anseios da sociedade
atual para que diversos Direitos Fundamentais da mulher sejam
efetivamente aplicados.

Palavras-chave: Descriminalização. Aborto. Ineficácia da


criminalização. Ineficácia da proteção ao bem juridicamente tutelado.
Violação aos Direitos Fundamentais da mulher.

1 Graduando do 9º período do Curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos de


Mariana.
2 Mestre em Ciências Criminológico-forenses pela Universidad de Ciencias Empresariales Y

Sociales de Buenos Aires; Professor de Direito Penal, Processo Penal e Criminologia na


Faculdade Presidente Antônio Carlos – Mariana; Advogado militante nas áreas civil, criminal e
trabalhista.
Agradeço à minha amada filha Anne Drumond Mourão Martins, meu amor, alegria e
inspiração.
542
INTRODUÇÃO
A descriminalização das condutas previstas nos arts. 124
(autoaborto) e art. 126 (aborto praticado com o consentimento da
gestante) no primeiro trimestre da gestação é o tema central do
presente estudo. Para tanto, será abordado a classificação doutrinária
do crime de aborto, com ênfase nas excludentes de ilicitude e na análise
do bem juridicamente tutelado, tratando das teorias que delimitam o
início da vida, da evolução histórica do delito e do postulado da
Dignidade da Pessoa Humana.
Será demonstrado como a criminalização do aborto afeta o
núcleo essencial de um conjunto de Direitos Fundamentais da mulher,
segundo entendimento da Corte Suprema. Além disso, será
corroborado o entendimento de que a criminalização da conduta não é
eficaz no que diz respeito à proteção do direito à vida do feto, já que
diversos abortos são praticados no Brasil mesmo diante da ilicitude da
conduta.
Trata-se de tema extremamente relevante no cenário jurídico
brasileiro atual. Percebemos uma controvérsia entre o posicionamento
dos Ministros do Supremo Tribunal Federal e o Legislador Penal. A lei
deve evoluir a fim de que se garanta a efetivação de um grupo de
Direitos Fundamentais das mulheres, principalmente daquelas que se
encontram em alguma situação de vulnerabilidade social.
O tema é importante à sociedade contemporânea por ser um
assunto que versa sobre a saúde da mulher e sobre sua liberdade de
escolha acerca das mudanças físicas e mentais que uma gravidez
indesejada ocasiona. Afeta diretamente todas as mulheres em idade
543
fértil e sexualmente ativas. Tal estudo contribuirá diretamente na vida
de mulheres, em sua grande maioria em alguma condição de
vulnerabilidade e com algum desfavorecimento social sendo que terão
mais autonomia sobre seu corpo, uma vez que a decisão de continuar ou
não uma gravidez acarretará conseqüência físicas, psicológicas e
financeiras à vida da mulher.
Este estudo classifica-se como uma pesquisa básica, teórica e
qualitativa, buscando gerar conhecimento novo para o avanço da
legislação penal pátria. Será utilizado o tipo pesquisa bibliográfica,
amparando-se nas informações coletadas em doutrina, teses e artigos
científicos. Será utilizado o apoio documental de jurisprudência e
legislação específica sobre aborto e a Constituição Federal.
Inicialmente será feito o estudo do tipo penal do aborto,
analisando os elementos estruturais do tipo, com ênfase no estudo das
excludentes de ilicitude e do bem juridicamente tutelado. Na seqüência,
será debatida a questão da eficácia ou não da criminalização da
conduta, no que diz respeito à proteção do bem juridicamente tutelado.
Por fim, será realizado um estudo dos principais julgamentos dos
Tribunais Superiores a respeito do tema e a importância deles no que
diz respeito à descriminalização da conduta
Os principais Doutrinadores Brasileiros utilizados serão:
Bitencourt (2018), Capez (2019), Greco (2018), Fernandes (2019),
Barroso (2012) e Moraes (2016). Serão utilizadas também as principais
decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o aborto, bem como o
histórico da legislação penal pátria e a Constituição Federal.

544
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Em um primeiro momento estudaremos o próprio tipo penal do


aborto, sua classificação doutrinária, tratando do conceito,
modalidades, causas excludentes de ilicitude, sujeito ativo e passivo,
elemento subjetivo do crime, competência Constitucional para
julgamento, objeto material e bem juridicamente tutelado, expondo a
ineficácia da proteção e o caráter simbólico do tipo penal.
Em um segundo momento, trataremos dos principais direitos
fundamentais da mulher violados com a criminalização da conduta e as
principais decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o tema.
Por fim, abordaremos o conceito de descriminalização e
traremos as diferenças entre legalização e descriminalização.

CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE ABORTO

O Código Penal (Decreto-Lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940)


tipificou a conduta do aborto em sua parte especial, mais precisamente
no Título I, que diz respeito aos Crimes contra a Pessoa e no Capítulo I
deste mesmo título, que se refere aos Crimes contra a Vida.
Entretanto o legislador não definiu com clareza o aborto,
ficando o esclarecimento desta conduta a cargo da doutrina e
jurisprudência. Para Luiz Regis Prado o aborto “consiste em dar morte
ao embrião ou feto humanos, seja no claustro materno, seja
provocando sua expulsão prematura. Nesta última hipótese, exige-se
545
a falta de viabilidade e de maturidade do feto expulso” (PRADO,
2019, p. 133). Já para Bitencourt “aborto é a interrupção da gravidez
antes de atingir o limite fisiológico, isto é, durante o período
compreendido entre a concepção e o início do parto, que é o marco
final da vida intrauterina. (BITENCOURT, 2018, p. 234.)
São previstas quatro modalidades de aborto no Código Penal,
sendo elas: Art. 124, quando a gestante provoca aborto em si mesma ou
consente que outrem lho provoque; Art. 125, aborto realizado por um
terceiro sem o consentimento da gestante; Art. 126, um terceiro realiza
o aborto com o consentimento da gestante e Art. 127, trata da forma
qualificada do delito (BRASIL, 1940).
No art. 128 estão previstas duas hipóteses de aborto legal. A
primeira delas diz respeito ao aborto necessário, terapêutico ou
profilático que ocorre quando não há outro meio de salvar a vida da
gestante e a segunda hipótese ocorre quando a gravidez é proveniente
de estupro, também conhecido como aborto humanitário, sentimental
ou ético.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ADPF 54,
decidiu que a interrupção da gravidez de feto anencéfalo não constitui
crime de aborto, sendo esta mais uma forma de relativização do direito
à vida do feto. Basicamente, dois Princípios Constitucionais foram
utilizados nesta decisão da Suprema Corte, sendo eles a Dignidade da
Pessoa Humana e o Princípio da Legalidade. (STF – ADPF 54, j.
12/04/2012). Esta decisão será analisada separadamente em tópico
próprio.

546
O elemento subjetivo do crime de aborto é sempre o dolo, não
havendo previsão para a modalidade culposa.
O sujeito ativo do delito é a mulher gestante, no caso do art.
124, sendo crime de mão própria. Já no que concerne aos arts. 125 e
126 o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa.
De acordo com o art. 5°, inciso XXXVII, da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988 a competência para julgamento
de crimes dolosos contra a vida é do Tribunal do Júri.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CRIME DE ABORTO

O aborto nem sempre foi considerado prática delitiva, sendo


comum a sua realização entre os povos hebreus e gregos. Em Roma, as
leis da república não tipificavam a conduta e o produto da concepção
não era considerado um ser autônomo e sim parte do corpo da mulher
gestante. Posteriormente, o aborto passou a ser considerado lesão ao
direito do marido à prole e, por conseguinte a sua prática castigada.
(CAPEZ, 2019).
Com o advento do cristianismo, o aborto passou a ser reprovado
no meio social de uma maneira efetiva. Fernando Capez, afirma que:

Foi então com o cristianismo que o aborto passou a ser


efetivamente reprovado no meio social, tendo os
imperadores Adriano, Constantino e Teodósio reformado
o direito e assimilado o aborto criminoso ao homicídio.
Na Idade Média o teólogo Santo Agostinho, com base na
doutrina de Aristóteles, considerava que o aborto seria
crime apenas quando o feto tivesse recebido alma, o que
se julgava ocorrer quarenta ou oitenta dias após a
547
concepção, segundo se tratasse de varão ou mulher. São
Basílio, no entanto, não admitia qualquer distinção
considerando o aborto sempre criminoso. É certo que, em
se tratando de aborto, a Igreja sempre influenciou com os
seus ensinamentos na criminalização do mesmo, fato este
que perdura até os dias atuais. (CAPEZ, Curso de Direito
Penal, v 2, p.189).

No ordenamento jurídico pátrio, o Código Criminal do Império


de 1830 punia a prática do aborto realizado por terceiro, com ou sem
consentimento da gestante. O autoaborto não era punido em nenhuma
hipótese. O fornecimento de meios abortivos também era tipificado,
sendo uma espécie de punição de atos preparatórios. Foi previsto
também uma agravante para o profissional (médico, cirurgião ou
similar) que praticasse a conduta. (BRASIL, 1830).
O Código Penal de 1890 passou a criminalizar a prática do
autoaborto, prevendo uma atenuante quando a finalidade fosse a de
ocultar desonra própria. O Código fazia distinção de aborto caso
houvesse ou não a morte do produto da concepção. O aborto realizado
para salvar a vida da gestante era autorizado, havendo punição, caso
houvesse imperícia do médico ou parteira. (BRASIL, 1890).
O atual Código Penal (1940), seguindo os costumes vigentes na
década de 30, tipificou a conduta em seus arts. 124 (aborto provocado),
125 (aborto sofrido) e 126 (aborto consentido), conforme dito em
tópico anterior e, segundo Bitencourt:

O Código Penal de 1940 foi publicado segundo a cultura,


costumes e hábitos dominantes na década de 30.
Passaram-se mais de sessenta anos, e, nesse lapso, não
foram apenas os valores da sociedade que se
modificaram, mas principalmente os avanços científicos e
548
tecnológicos, que produziram verdadeira revolução na
ciência médica. No atual estágio, a Medicina tem
condições de definir com absoluta certeza e precisão
eventual anomalia do feto e, consequentemente, a
inviabilidade de vida extrauterina. Nessas condições, é
perfeitamente defensável a orientação do Ante-projeto de
Reforma da Parte Especial do Código Penal, que autoriza
o aborto quando o nascituro apresentar graves e
irreversíveis anomalias físicas ou mentais, ampliando a
abrangência do aborto eugênico ou piedoso.
(BITENCOURT, 2018, p.232).

Portanto, podemos concluir que a tipificação do aborto no


Código Penal vigente seguiu preceitos de uma sociedade patriarcal e
religiosa, onde as mulheres eram consideradas hierarquicamente
subordinadas ao homem e não havia possibilidade da mulher tomar
decisões pertinentes à sua vida privada.

BEM JURIDICAMENTE TUTELADO E OBJETO MATERIAL

O bem juridicamente tutelado pelo crime de aborto é a vida


humana em desenvolvimento. No caso do aborto praticado por terceiro,
o tipo penal protege também a integridade física da gestante. Já, no que
concerne ao objeto material, Rogério Greco afirma que:
Pode ser o óvulo fecundado, o embrião ou o feto, razão
pela qual o aborto poderá ser considerado ovular (se
cometido até os dois primeiros meses de gravidez),
embrionário (praticado no terceiro ou quarto mês de
gravidez) e, por último, fetal (quando o produto da
concepção já atingiu os cinco meses de vida intrauterina e
daí em diante). (GREGO, 2018, p. 362).

A vida é um direito fundamental previsto no art. 5° da


Constituição Federal de 1988. Este direito não deve ser analisado

549
apenas sob a perspectiva biológica. Devemos considerar não só o
direito de estar vivo, mas também o direito a uma vida digna e neste
último enfoque a doutrina mais moderna de Direito Constitucional
compreende que o direito à vida está intimamente conectado à
Dignidade da Pessoa Humana. (FERNANDES, 2019).
Questão tormentosa sobre o tema, diz respeito à quando se
inicia a vida. Não há um consenso filosófico ou científico para esta
indagação, sendo que há várias teorias que tentam delimitar o início
deste bem jurídico. A primeira delas afirma que a vida se inicia com a
concepção, ou seja, com o surgimento do zigoto em decorrência da
fecundação do óvulo pelo espermatozóide. A segunda teoria aduz que a
vida tem início a partir da nidação, fixação do zigoto no útero materno,
que ocorre entre sete a dez dias após a fecundação. Para a terceira
teoria a vida se inicia com a formação do sistema nervoso central. Por
fim, a quarta teoria afirma que a vida tem início quando se torna
possível a existência do feto independente da mãe (FERNANDES,
2019).
A Constituição Federal de 1988 apenas deixou expresso o
direito à vida, mas não demarcou qual a teoria adotada no que diz
respeito ao início da proteção ao bem jurídico tutelado.
O Código Civil (Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002), em seu
artigo segundo, tutela os direitos do nascituro, aquele que foi
concebido, mas ainda não nasceu com vida. Este mesmo artigo apregoa
que a personalidade civil se inicia com o nascimento com vida,
adotando-se a Teoria Natalista.

550
No Direito Penal a inviolabilidade do direito à vida está prevista
não só na tipificação do crime de homicídio, mas também nos casos de
aborto. Neste último delito, para a maioria da doutrina, o início da
proteção pelo tipo penal se dá com a nidação e se encerra com o início
do parto.

INEFICÁCIA DA PROTEÇÃO AO BEM JURIDICAMENTE


TUTELADO E A FUNÇÃO SIMBÓLICA DO DIREITO PENAL

Embora a prática do aborto seja criminalizada no ordenamento


jurídico pátrio, dados apontam que muitas mulheres realizam a conduta
de modo clandestino, o que demonstra que a criminalização não produz
impacto considerável sobre o número de abortos praticados no Brasil.
O Ministério da Saúde apresentou informações técnicas a
respeito do tema durante audiência pública da ADPF 442 (STF, 2018),
proposta pelo partido político PSOL em conjunto com Instituto de
Bioética – ANIS, que visa à declaração da não recepção dos artigos do
Código Penal que criminalizam a conduta do aborto e a consequente
descriminalização da interrupção voluntária da gestação até a 12ª
semana.
Segundo o Ministério, a taxa de aborto inseguro no Brasil é
extremamente alta, mesmo com a implementação de políticas públicas
voltadas para a saúde sexual e reprodutiva da mulher. A estimativa é
que uma, em cada cinco mulheres, já fez aborto no Brasil. A taxa de
mortalidade das mulheres que praticam o aborto também é alta, sendo
que a maioria delas são negras, jovens e solteiras. (BRASIL. STF.
Audiência Pública da ADPF 442, 2018).
551
De acordo com a Diretora do Departamento de Vigilância de
Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção de Saúde, Maria de
Fátima Marinho de Souza: “A estimativa do Ministério da Saúde é de
cerca de 1 milhão de abortos induzidos, portanto, uma carga
extremamente alta que independe da classe social. ” (BRASIL. STF.
Audiência Pública da ADPF 442, 2018).
Durante julgamento do Habeas Corpus 124.306, o Ministro
Luís Roberto Barroso asseverou que:

Na prática, portanto, a criminalização do aborto é


ineficaz para proteger o direito à vida do feto. Do ponto
de vista penal, ela constitui apenas uma reprovação
“simbólica da conduta”. Mas do ponto de vista médico,
como assinalado, há um efeito perverso sobre as
mulheres pobres, privadas de assistência. Deixe-se bem
claro: a reprovação moral do aborto por grupos religiosos
ou por quem quer que seja é perfeitamente legítima.
Todos têm o direito de se expressar e de defender
dogmas, valores e convicções. [...] Portanto, a
criminalização do aborto não é capaz de evitar a
interrupção da gestação e, logo, é medida de duvidosa
adequação para a tutela da vida do feto. (STF- Habeas
Corpus 124.306, j. 29/11/2016).

O Direito penal possui a função de elencar quais bens jurídicos


serão penalmente tutelados. Para a escolha destes bens jurídicos, o
legislador deve se utilizar de alguns princípios penais, tais como: o
Princípio da Intervenção Mínima, que se subdivide em Subsidiariedade
e Fragmentariedade.
Em um Estado Democrático de Direito, podemos afirmar que o
Direito Penal também possui a função de proteção da dignidade do
indivíduo que supostamente cometeu um delito frente ao Estado.
552
Alguns doutrinadores apontam que o Direito Penal também
possui uma função simbólica. Para a autora Ângela Simões de Farias o
caráter simbólico de alguns tipos penais teria o intuito imediatista de
aplacar algum clamor social ou de contentar setores específicos da
sociedade (FARIAS, 2011). Neste sentido "quando se mantém de modo
quase simbólico a proibição de condutas percebidas socialmente como
legítimas, termina-se por fazer uma persecução penal ocasional e
arbitrária, em prejuízo dos poucos cidadãos que foram apanhados.”
(FARIAS 2011, p. 287).

HIPÓTESES LEGAIS DO ABORTO

O Código Penal de 1940 prevê duas hipóteses legais para a


interrupção da gestação, sendo eles o aborto terapêutico ou profilático
e o aborto sentimental, humanitário ou ético.
Em um primeiro momento se faz necessário discutir a natureza
jurídica desses dispositivos. Para a maioria da doutrina, trata-se de
uma causa de exclusão de ilicitude. Cezar Roberto Bitencourt afirma
que:

É uma forma diferente e especial de o legislador excluir a


ilicitude de uma infração penal sem dizer que “não há
crime”, como faz no art. 23 do mesmo diploma legal. Em
outros termos, o Código Penal, quando diz que “não se
pune o aborto”, está afirmando que o aborto é lícito
naquelas duas hipóteses que excepciona no dispositivo
em exame. Lembra, com propriedade, Damásio de Jesus
que “haveria causa pessoal de exclusão de pena somente
se o CP dissesse ‘não se pune o médico’” que não é o caso.
(BITENCOURT, 2018, p.242)
553
Quando falamos em aborto terapêutico (curativo), quando a
manutenção da gestação uterina expõe em risco a vida da gestante, ou o
profilático (preventivo), em que não há possibilidade de vida ao feto
após sair da vida uterina, como no caso do anencéfalo, devemos pensar
que se trata de abortos necessários, justificados no estado de
necessidade, pois a lei opta pela vida da gestante em detrimento da vida
do feto.
Vejamos que neste caso o dispositivo legal desapercebe da vida
do feto, no qual, claramente, o bem juridicamente tutelado no crime de
aborto passa a não ter tamanha importância, quando se comparado à
vida da gestante.
No caso do aborto sentimental ou humanitário, ou seja,
gestação proveniente do crime de estupro, devemos enquanto
sociedade, com base fixada no Estado Democrático de Direito que visa
a efetivação de direitos fundamentais, sempre repudiar o bárbaro crime
de estupro, porém não é dado o mesmo valor à vida do fruto
proveniente de tal crime, comparando-se ao feto oriundo de uma
relação consensual.
Para renomados doutrinadores como Aníbal Bruno, o legislador
escolheu por razões éticas ou emocionais ser ponderável à interrupção
da gestação. (BRUNO, 1976).
A doutrina majoritária entende ser antijurídico o aborto
realizado em caso de estupro. Neste caso temos um confronto, onde se
coloca de forma antagônica a vida do feto, tutelado no ordenamento

554
jurídico pátrio e a honra da mulher, que teve um direito violado, mas
que por outro lado carrega consigo uma vida humana.
Aprendemos a aceitar que a gestação do feto que se iniciou após
um estupro pode ser interrompida e isso nos traz um sentimento de
justiça. Ousamos achar até que tal vida vale menos do que aquela outra
que se inicia em decorrência de uma relação sexual consentida, apenas
por razões morais, pois legalmente nossa Carta Magna não nos permite
fazer esta distinção.

PRINCIPAIS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL


SOBRE O ABORTO E DIREITOS FUNDAMENTAIS DA MULHER
VIOLADOS COM A CRIMINALIZAÇÃO DA CONDUTA

HABEAS CORPUS 124.306, RIO DE JANEIRO.

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, durante


julgamento do Habeas Corpus (HC) 124.306, afastou a prisão
preventiva dos denunciados pela suposta prática do delito de aborto
praticado com o consentimento da gestante (art. 126 do Código Penal)
e formação de quadrilha (art. 288 do Código Penal).
O voto-vista do Ministro Luís Roberto Barroso alcançou a
maioria, tendo como fundamentos: a falta dos requisitos autorizativos
da prisão cautelar, bem como o fato da criminalização do aborto, antes
de concluído o primeiro trimestre da gestação, ser incompatível com
diversos direitos fundamentais da mulher.

555
Antes de adentrarmos nos Direitos Fundamentais da mulher
violados com a criminalização da conduta, torna-se importante o
estudo de dois princípios constitucionais, quais sejam, a Dignidade da
Pessoa Humana e o Princípio da Proporcionalidade.

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A Doutrina Constitucional majoritária entende que a Dignidade


da Pessoa Humana é um metaprincípio, tendo em vista que apregoa
vetores e valores de interpretação para todos os demais direitos
fundamentais. Este metaprincípio afirma que cada pessoa deve ser
tratada como um fim em si mesmo e nunca com meio para satisfação de
outros interesses.
De acordo com Alexandre de Morais:

“O princípio fundamental consagrado pela Constituição


Federal da Dignidade da Pessoa Humana apresenta-se em
uma dupla concepção. Primeiramente, prevê um direito
individual protetivo, seja em relação ao próprio Estado,
seja em relação aos demais indivíduos. Em segundo
lugar, estabelece verdadeiro dever fundamental de
tratamento igualitário entre semelhantes. Esse dever
configura-se pela exigência do indivíduo respeitar a
dignidade de seu semelhante tal qual a constituição
federal exige que lhe respeitem a própria.” (MORAES,
2016, p.46).

O Ministro Luís Roberto Barroso, em sede doutrinária, afirmou


que a dignidade da pessoa humana pode ser dividida em três
elementos: valor intrínseco, que significa status especial do ser humano
no mundo; autonomia, que se refere ao direito de cada pessoa de tomar
556
decisões e perseguir o seu próprio ideal de vida boa; e valor
comunitário, definido como a interferência Estatal e social na
determinação dos limites da autonomia pessoal. (BARROSO, 2012).
De acordo com o autor Bernardo Gonçalves Fernandes, parte da
doutrina utiliza-se de vetores que devem ser observados para a
aplicação do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, sendo eles:
1 Não instrumentalização - Significa que o ser humano não pode
ser tratado como um meio para a obtenção de determinado fim, sendo
cada indivíduo um fim em si mesmo;
2 Autonomia existencial - Cada indivíduo tem o direito de fazer
suas escolhas essenciais de vida e agir de acordo com elas, desde que
não prejudique direitos de terceiros de forma indevida ou que não
sejam práticas ilícitas;
3 Direito ao mínimo existencial - O Estado deve garantir a
concretização de determinados direitos fundamentais sociais, para que
existam condições materiais básicas para a vida;
4 Direito ao reconhecimento - Cada indivíduo tem o direito de
ser reconhecido nas esferas das relações primárias, nas relações
jurídicas, bem como na comunidade em que está inserido.
(FERNANDES, 2019).

PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Apesar de não estar expressamente previsto em nossa Carta


Maior, o Princípio da Proporcionalidade é reconhecido pelos

557
constitucionalistas e amplamente utilizado pelos Tribunais Superiores,
sendo considerado Princípio Constitucional Implícito.
Referido Princípio tem por finalidade impedir que atos estatais
(administrativos ou legislativos) apresentem limitações
desproporcionais aos Direitos Fundamentais.
De acordo com José Sérgio da Silva Cristovám:

A proporcionalidade é uma máxima, um parâmetro


valorativo que permite aferir a idoneidade de uma dada
medida legislativa, administrativa ou judicial. Pelos
critérios da proporcionalidade pode-se avaliar a
adequação e a necessidade de certa medida, bem como, se
outras menos gravosas aos interesses sociais não
poderiam ser praticadas em substituição àquela
empreendida pelo Poder Público (CRISTÓVAM, 2006, p.
211).

Nas palavras do Ministro Barroso “o princípio da


razoabilidade-proporcionalidade, além de critério de aferição da
validade das restrições a direitos fundamentais, funciona também na
dupla dimensão de proibição do excesso e da insuficiência.” (STF-
Habeas Corpus 124.306, j. 29/11/2016).
O Princípio da Proporcionalidade se subdivide em três
elementos ou subprincípios, quais sejam: adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito.
O ato estatal deve ser apto a alcançar o fim pretendido
(adequação), ser de todas as opções o meio menos restritivo aos
Direitos Fundamentais (necessidade) e deve haver uma adequada
proporção entre os meios utilizados e os fins almejados, sendo que se

558
proíbe o excesso e a insuficiência da proteção (proporcionalidade em
sentido estrito).

DIREITOS FUNDAMENTAIS DA MULHER VIOLADOS DE ACORDO


COM A DECISÃO

De acordo com o Ministro Luís Roberto Barroso a


criminalização da conduta do aborto viola diretamente diversos
Direitos Fundamentais da mulher, a começar pela autonomia da
mulher, que está diretamente ligada à sua liberdade individual,
assegurada pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (CF/1988,
art. 1º, III).
Todo Ser Humano tem o direito de tomar decisões existenciais
básicas e agir de acordo com elas, sendo lhe garantido um legítimo
espaço privativo para viver suas vontades, ânsias e normas. No tocante
à mulher, sua autonomia deve iniciar pelo controle de seu corpo,
devendo esta ser livre para tomar decisões referentes ao seu bem maior,
inclusive a de prosseguir ou não com uma gravidez. Para o Ministro
Barroso, o útero feminino não pode prestar um serviço social (STF, HC
124.306, j. 29/11/2016).
A criminalização do aborto viola, também, a integridade física,
bem como integridade psíquica da mulher, direitos fundamentais
garantidos em nossa Carta Magna, que visam proteger o indivíduo de
ingerências indevidas ou mesmo lesões em seus corpos ou mentes, o
que se relaciona diretamente como direito à saúde e segurança.

559
A gestação acarreta uma série de mudanças no corpo da mulher
que podem gerar riscos e atacar diretamente a integridade física da
gestante. Uma gravidez indesejada pode trazer à tona um grande abalo
psíquico à mulher e levar essa gestação até o fim pode significar uma
dedicação para toda a vida, exigindo inúmeras abdicações.
Outro ponto abordado pela decisão diz respeito à violação à
igualdade de gênero, que historicamente se encontra abraçada à ideia
de subordinação das mulheres para com os homens. Partimos do
princípio que o homem não engravida e apenas a mulher suporta o
ônus da gravidez. Só teríamos um equilíbrio caso a mulher pudesse
decidir pela manutenção ou não do estado de gravidez.
Acertadamente asseverou o Ministro Ayres Britto: “se os
homens engravidassem, não tenho dúvida em dizer que seguramente
o aborto seria descriminalizado de ponta a ponta”. (STF - ADPF 54, j.
12/04/2012).
Temos ainda uma violação aos direitos sexuais e reprodutivos da
mulher quando ocorre uma influência social na decisão pessoal de ter
ou não filhos. Devemos nos libertar da ideia de que a maternidade é
algo inato às mulheres, devido ao processo reprodutivo humano.
Entretanto, cabe somente à mulher o ônus das transformações que uma
gestação acarreta. Essas liberdades são violadas pelo Código Penal de
1940, ao afastar da mulher a oportunidade de uma decisão sem a
coerção, quando a mulher se vê obrigada, por força de lei, a manter
uma gestação, ainda que não desejada.
Por fim, nas palavras do Ministro Luís Roberto Barroso, a
criminalização do aborto produz discriminação social, tendo em vista
560
que prejudica, de forma desarrazoada, mulheres pobres, visto que estas
não têm acesso a médicos, tanto particulares como públicos nos
hospitais. Ao criminalizar a conduta, o Estado retira a possibilidade de
acesso a um método médico seguro, deixando a estas mulheres
procedimentos precários, oferecendo riscos de lesões, graves
mutilações e mesmo até evolução ao óbito. (STF, HC 124.306, j.
29/11/2016).

ARGUIÇÃO DE PRECEITO DE DIREITO FUNDAMENTAL 54 –


DISTRITO FEDERAL

Na data de 12/04/2012, o Plenário do Supremo Tribunal


Federal, por maioria dos votos, julgou procedente o pedido contido na
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 54.
A ADPF foi ajuizada pela Confederação Nacional dos
Trabalhadores da Saúde (CNTS) visando à declaração da
inconstitucionalidade de interpretação de que a interrupção da gravidez
de feto anencéfalo se enquadra na conduta prevista nos arts. 124, 126 e
128, incisos I e II do Código Penal.
Passamos a analisar a importante decisão proferida no
ADPF/54, sobre a manutenção da gravidez em caso de feto anencéfalo,
na qual os Ilustres Ministros do Supremo Tribunal Federal entenderam
haver violação de direitos fundamentais quando o Estado obriga a
mulher a manter a gestação de feto anencéfalo até o final.
De acordo com o ministro Marco Aurélio “o tema envolve a
dignidade humana, o usufruto da vida, a liberdade, a
561
autodeterminação, a saúde e o reconhecimento pleno de direitos
individuais, especificamente, os direitos sexuais e reprodutivos de
milhares de mulheres (STF - ADPF 54, j. 12/04/2012).
Podemos vislumbrar a violação ao direito da saúde da mulher,
em evidência a saúde psíquica, uma vez que fazer com que a mulher
passe por todas as fases da gravidez, já sabendo que não existirá vida
após a fase uterina é um ato comparado ao ato de tortura.
Em relatos trazidos na decisão, mulheres que tiveram gestação
de feto anencéfalo contavam testemunhos estarrecedores. Importante
mencionar o caso “K.L. contra Peru”, onde o Comitê de Direitos
Humanos da Organização das Nações Unidas equiparou à tortura o ato
de obrigar a mulher a manter a gestação de feto anencéfalo,
considerando desumano, cruel e degradante o tratamento direcionado a
este caso.
A violação da Dignidade da Pessoa Humana ocorre por obrigar
que a mulher a vivenciar uma situação tão dolorosa, causando
sentimento de culpa e de vergonha e, em casos extremos, pode levar ao
desejo de morrer, comportamentos de auto destruição especialmente se
estiver associada à depressão.
No entendimento do Supremo Tribunal Federal, cabe à mulher
tomar a decisão de manter ou não a gestação, em seu íntimo, exercendo
sua liberdade, seu direito à privacidade e a autonomia sobre seu corpo,
sem se preocupar com a objeção do Estado e o julgamento moral da
sociedade.

DESCRIMINALIZAÇÃO VERSUS LEGALIZAÇÃO


562
Quando uma determinada conduta deixa de ser crime, temos a
descriminalização do ato, onde não há mais no âmbito penal uma
previsão legal para punição, porém nas esferas cíveis ou administrativas
a conduta pode ser avaliada com ilícita, podendo ocorrer sanções como
prestação de serviços e até mesmo multas.
A legalização ocorre quando uma conduta passa a ter previsão
legal. Uma lei permite a conduta, podendo esta regulamentar as
condições e fazer restrições, bem como até prever possíveis punições
para aqueles que descumprirem as normas previstas.
Defendemos neste trabalho a descriminalização da conduta do
aborto (autoaborto e aborto praticado com o consentimento da
gestante) durante o primeiro trimestre da gestação (12ª semana), pois
neste período o córtex cerebral ainda não foi formado e, portanto não
há possibilidade de que o feto desenvolva racionalidade e sentimentos.
Também não há possibilidade de que o feto, neste período, sobreviva
fora do útero materno.
Para que a prática do aborto seja viável, diante da
descriminalização da conduta, torna-se necessário a regulamentação
administrativa do procedimento pelo órgão competente, neste caso o
Ministério da Saúde, e que todo o procedimento seja público e com o
devido acompanhamento médico e psicológico da gestante.
Nas palavras do Ministro Barroso:
Antes de avançar, porém, cumpre estabelecer uma
premissa importante para o raciocínio a ser desenvolvido:
o aborto é uma prática que se deve evitar, pelas
complexidades físicas, psíquicas e morais que envolve.
Por isso mesmo, é papel do Estado e da sociedade atuar
563
nesse sentido, mediante oferta de educação sexual,
distribuição de meios contraceptivos e amparo à mulher
que deseje ter o filho e se encontre em circunstâncias
adversas. Portanto, ao se afirmar aqui a
incompatibilidade da criminalização com a Constituição,
não se estar a fazer a defesa da disseminação do
procedimento. Pelo contrário, o que se pretende é que ele
seja raro e seguro. (STF- Habeas Corpus 124.306, j.
29/11/2016).

Dessa forma, acreditamos que políticas públicas devem ser


implementadas para que o aborto seja uma medida esporádica e segura,
tendo em vista que a prática coloca em cheque a integridade física e
psicológica da mulher que a realiza.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final desse estudo podemos concluir que em nossa sociedade


atual, a tipificação das condutas previstas nos arts. 124 e 126 do
Código Penal, no primeiro trimestre da gravidez, possui apenas caráter
simbólico, como nas palavras de Ângela Simões de Farias, tem por
objetivo apenas agradar setores específicos da sociedade, como a classe
mais conservadora e religiosa (FARIAS, 2011).
Aprendemos a aceitar o aborto do feto gerado através do ato
bárbaro do crime de estupro, bem como nos casos em que a gestação
coloca em risco a vida da gestante, por questões ideológicas e morais,
visando à proteção da honra e a integridade física e psicológica da
mulher. Nesta análise, consideramos que os direitos fundamentais da
mulher devem prevalecer sobre o direito à vida do feto.

564
Apesar de diretamente conectado com o conceito de dignidade
da pessoa humana, o direito à vida não pode ser considerado absoluto e
em alguns casos deve ser relativizado perante um conflito com outros
Direitos Fundamentais.
O tipo penal além de demonstrar um caráter simbólico, é
também ineficaz no que tange à proteção do bem jurídico tutelado, já
que diversas mulheres continuam praticando a conduta mesmo diante
de sua ilegalidade.
Salientamos, também, que a criminalização da prática do aborto
evidencia a segregação social, pois mulheres pobres e ricas praticam a
conduta, porém somente as mulheres pobres sofrem com
procedimentos inseguros feitos em clínicas clandestinas sem
acompanhamento médico algum, podendo acarretar lesões graves,
mutilações e até mesmo óbito.
Conforme demonstrado nas pesquisas acadêmicas e
jurisprudenciais as hipóteses legais de aborto trazidas em nosso Código
Penal, o aborto terapêutico, bem como o aborto sentimental,
desconsideram a vida do feto. No primeiro caso entendemos que por
um estado de necessidade deve ocorrer uma escolha entre duas vidas,
em que a prescrição médica tende a vida da gestante. Nós, enquanto
sociedade, optamos pela vida da gestante em detrimento da vida do
feto, e tal decisão é aceitável socialmente.
No segundo momento a legislação traz o aborto sentimental,
esse em nosso entendimento é a mais grave falha do tipo penal, que dá
autorização legal à gestante que tiver interesse, de interromper a
gestação ocorrida através do crime de estupro. Nessa parte nos
565
livramos de qualquer preconceito ideológico e analisamos apenas o tipo
penal. Entendemos que a vida daquele feto deve ter menos importância
que a honra da mulher agredida e isso nos dá um sentimento de justiça,
porém o feto nada tem a ver com crime bárbaro ora ocorrido.
Podemos concluir que a descriminalização da interrupção
voluntária da gravidez até a 12ª semana torna-se necessária para que o
direito à autonomia individual da mulher seja respeitado e que somente
ela possa escolher entre manter ou não a gravidez, além disso, a
descriminalização da conduta, em qualquer hipótese, fará com que não
haja mais tratamento diferenciado entre vidas em formação.

REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no


Direito Constitucional contemporâneo: A construção de um
conceito jurídico a luz da Jurisprudência Mundial. 1ª ed. Belo
Horizonte: Fórum, 2012

BITENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de Direito Penal, v.2. 19ª


ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

BRASIL. Lei de 16 de dezembro de 1830. Código Criminal do


Império do Brazil. Rio de Janeiro, RJ, jan 1831. Disponível
em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-
1830.htm. Acesso em 30 jan. 2020.

BRASIL. Decreto-Lei 847, de 11 de outubro de 1890. Código Penal


dos Estados Unidos do Brazil. Rio de Janeiro, RJ, out 1890.
Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-
1899/D847.htm. Acesso em: 21 jan. 2020.

566
BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código
Penal. Rio de Janeiro, RJ, dez 1940. Disponível
em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 7 de abr. 2020.

BRASIL. Lei10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Brasília,


DF, jan 2002. Disponível
em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm.
Acesso em: 7 de abr. 2020.

BRUNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa. 1 ed. Rio de Janeiro:


Imprenta, 1976.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, v.2. 19ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2019.

CRISTÓVAM, Jose Sergio da Silva. Colisões entre princípios


constitucionais. Curitiba : Juruá, 2006.

FARIAS, Ângela Simões de. A Questão do Aborto no Brasil: Uma


Abordagem à Luz do Direito Penal Contemporâneo. Tese de
Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito do
Centro de Ciências Jurídicas –Faculdade de Direito do Recife –
Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2011.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito


Constitucional. 11ª ed. Salvador: Juspodivm, 2019.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Vol. 2, Parte Especial.


14ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2018.

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. Teoria


Geral. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2016.

PRADO, Luiz Regis. Tratado de Direito Penal. Parte Especial (Art.


121 a 249 do CP). 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Arguição de Descumprimento


de Preceito Fundamental 54. Distrito Federal, 2012. Disponível

567
emhttp://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/adpf54.
pdf. Acesso em: 9 de jan. 2020.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Arguição de Descumprimento


de Preceito Fundamental 442, Audiência Pública. Distrito
Federal, 2018. Disponível
emhttp://www.stf.jus.br/arquivo/cms/audienciasPublicas/anexo/Des
pachoConvocatoriointerrupcaoGravidez.pdf. Acesso em: 11 de jan.
2020.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Habeas Corpus 124.306.


Distrito Federal, 2016. Disponível
emhttps://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC12
4306LRB.pdf. Acesso em: 10 de jan. 2020.

568
RESENHAS:

REOLON, Suzana Minuzzi. Linguagem jurídica e a comunicação entre o


advogado e seu cliente na atualidade. Porto Alegre, Direito & Justiça, v. 36,
n. 2, p. 180-191, jul./dez. 2010.

Rayonne Massi Araújo1

Suzana Minuzzi Reolon é Bacharel em Administração/Análise de


Sistemas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS), formou-se em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUCRS), atualmente trabalha como advogada autônoma.
O artigo publicado por Reolon, na revista de Direito da Pontifícia
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PUCRS), Direito e Justiça, no
ano de 2010, nos apresenta um panorama quanto à importância da
linguagem para os operadores do direito, já que esta tem uma função precípua
do fazer-se comunicar, devendo-se, por conseguinte, observar a justaposição
simbólica da linguagem, em que pese, o respeito pelos diferentes públicos a
que se refere, os diferentes tipos de linguagem, oral, escrita, corporal, entre
outras.
A autora nos exorta ainda, sobre o cuidado que se deve ter na busca
por uma linguagem mais clara e objetiva, do ponto de vista semântico, sem
margem á dubiedade ou imprecisão nas expressões ou palavras, para que ao
fim o objetivo de transmitir e compreender, com maior precisão, as
informações partilhadas entre o emissor e receptor, de modo dialógico,
possam conduzir, ambos, ao esclarecimento e não ao seu contrário.
Na primeira parte do artigo, a autora nos apresenta uma conceituação
mais pormenorizada a respeito dos diversos tipos de linguagem, de modo que,

1
Graduando do curso de Direito da FUPAC-MARIANA.
569
faz-se mister a observância de certos preceitos, cujo objetivo, tende a ser, uma
melhor compreensão e comunicação entre os indivíduos. Segundo Reolon a
“linguagem é um sistema de signos” que tendem a proporcionar a
comunicação entre as pessoas, sendo que, esta linguagem pode ser
classificada como “verbal e/ou não verbal”.
Dentre as diferentes formas de linguagem, destacam-se a linguagem
verbal, ou seja, aquela expressa por meio de palavras escritas ou faladas, e a
linguagem não verbal, que utiliza-se das imagens, símbolos visuais, para
ser efetivada, a saber: linguagem corporal “( por exemplo: a comunicação
entre surdos-mudos pela mímica; a falsidade de um depoimento pode revelar-
se até mesmo pela transpiração)”, a linguagem do vestuário, (por exemplo: a
toga é uma informação que indica a função exercida pelo juiz e a cor negra
sinaliza seriedade e compostura que devem caracterizá-lo)”, as imagens nas
placas, as figuras, a dança, a música, entre outras.
No segundo momento do artigo, Suzana Minuzzi Reolon nos chama a
atenção sobre a importância de se utilizar, de maneira precisa, a palavra,
donde, deve-se ater à sua compreensão semântica, ou seja, a representação
exata do sentido da palavra na comunicação com os demais indivíduos, desta
forma, segundo a autora, o direito seria, portanto, a ciência da palavra, a
partir deste pressuposto poderíamos dizer que, “o direito e a palavra estariam
umbilicalmente ligados”.
Na parte seguinte do artigo, Reolon demonstra a importância dos
níveis de linguagem como fator sine qua non, para um bom desempenho do
profissional do direito. Para a advoga e autora deste artigo, as formas
linguísticas podem sofrer variações “as quais são chamadas de variantes”,
dentre estas, destacam-se a língua padrão e não padrão; linguagem culta ou
padrão e linguagem popular ou subpadrão, devendo-se levar em consideração
pelo menos três aspectos, para uma melhor compreensão e comunicação,

570
dentre eles: os aspectos sociais, “(variações originadas por idade, sexo,
profissão, nível de estudo, classe social, raça)”; aspectos geográficos,
“(compreendem variações regionais. Indivíduos de diferentes regiões tendem
a apresentar diversidade no uso da língua)”; e, os aspectos contextuais
“(envolve assunto, tipo de interlocutor, lugar em que a comunicação ocorre)”;
entre outros.
Os níveis de linguagem podem apresentar três diferentes níveis, a
saber: a) nível culto, “(é normalmente utilizado por intelectuais, diplomatas e
cientistas, especialmente na forma escrita. Na forma de língua oral, é utilizado
em discursos de cerimônias ou em situações formais, tais como julgamentos
em tribunais)”; b) nível comum, “(tem uma linguagem sem formalidades e
requintes gramaticais)” c) e, por ultimo, o nível popular, “(variante
espontânea e descontraída, cujo objetivo é a comunicação clara e eficaz)”.
Na ultima parte do texto, a autora tece uma crítica com relação à
linguagem demasiadamente tecnicista, que tende a permear o universo
jurídico, denominado de “juridiquês”. Para Reolon, tal forma de linguagem
seria um impeditivo à comunicação, pois ao invés de esclarecer, o operador do
direito ao fazer uso deste tipo de linguagem, acaba por confundir, desorientar,
o agente receptor da comunicação.
Para a advogada, o uso do “juridiquês”, pode ser justificado a partir
de dois prismas: 1) O não entendimento do que está sendo comunicado, como
algo positivo; 2) O uso desta forma de comunicação, “juridiquês”, como
pressuposto “para tentar esconder o desconhecimento a respeito de
determinados assuntos”. No entanto, a autora aponta que uma linguagem
livre de um exacerbado jargão técnico, poderia, dentre outras coisas, dar
celeridade aos processos, e, sobretudo, aproximar a população do universo
jurídico, fator este, imprescindível, para o exercício da democracia.

571
A oratória na Grécia Antiga, tinha uma função essencial para este
povo, pois, representava a capacidade de autodefesa e reivindicação, por
meio de uma participação direta nos interstícios democráticos, destarte,
podemos dizer que a linguagem, em suas diferentes variações, era algo
inerente ao “homem” grego, pois dela demandava o seu sucesso e/ou fracasso
naquela sociedade.
Os sofistas, corrente filosófica que considerava o homem como
medida de todas as coisas, ensejando, nestes termos, o relativismo, buscava
persuadir o ouvinte através do discurso, que em grande medida tinha uma
função estilística, um grande teatro, em que o convencimento se dava muito
mais pelo espetáculo, do que pela busca concatenada de uma verdade unívoca,
na medida em que, para esta corrente filosófica, cada indivíduo apresentava
uma interpretação diferente para o mesmo fato.
Sócrates e Platão ao buscar a essência das coisas, uma verdade
absoluta, tende a entrar em colisão com os preceitos estabelecidos pelos
sofistas, já que, para aqueles, a retórica não deve procurar agradar aos
homens, mas demonstrar a verdade. Neste âmbito, podemos compreender,
portanto, que subjaz nas ideias socráticas, sempre um apelo de conduta ética,
algo similar que podemos observar também em Kant, ou seja, um
compromisso com a veracidade dos fatos, como uma espécie de dever, uma
obrigação, que deve ter, essencialmente, uma função moral com a “verdade”,
com o fazer correto, devendo-se, por sua vez, negar o que é escuso, recôndito.
Fiz esta pequena digressão genealógica, para que possamos
estabelecer um paralelo com uma das fases mais marcantes da ascese do
conhecimento humano, a Grécia Antiga, com os tempos atuais, sendo que,
naquele período, a realização da defesa era realizada de maneira direta, pelo
próprio agente demandante da ação, livre da tutela de outrem, livre de

572
intermediários. Desta forma, creio que o tecnicismo tenha chegado a um
ambiente que jamais poderia ter alcançado, qual seja, o universo jurídico.
O tecnicismo exacerbado, as formalidades, em ambientes jurídicos,
dignas da coroa britânica, a burocratização a partir de métodos cada vez mais
impessoais, eis ai, portanto, o cenário do advogado, ou melhor! do “operador
do direito”, expressão esta que me parece combinar deveras mente bem, com
o atual momento jurídico, seria este personagem, portanto, um interlocutor
entre o sujeito e o “direito”? Seria o “operador do direito”, aquele que torna
acessível ao “homem” comum, a linguagem jurídica? Seria?
O geógrafo Milton Santos (2008, 44)., dizia que não existiria no
Brasil, direito, mas, direitos, no plural, queria com isso sugerir, que a
democracia houvera se tornado complexa, de modo que para demandar os
meus “direitos”, seria necessário a imersão em um labirinto, complicado,
sinuoso, por vezes indecodificável.
Nestes termos, estaríamos errados em pensar que a falta de
informação, ou, a complexidade, forçada e forjada, de certos elementos da
vida prática, enchem a burra de alguns? Seria, portanto, não um erro, mas,
um projeto de sociedade pautado na proliferação da ignorância de muitos,
para que poucos possam se favorecer?
Nesta perspectiva, sou levado a concordar com Reolon, sobre a
linguagem jurídica ser utilizada, por muitos, como “forma do exercício de
poder”, na medida em que o “juridiquês” cumpre o papel, muitas vezes, não
de esclarecimento, mas de afirmação do status quo, em que a elitização da
linguagem jurídica, por este método de linguagem, cumpre um papel
fundamental em uma sociedade cuja democracia existe apenas como uma
casca oca, uma palavra, essencial a ser dita em certas ocasiões, mas totalmente
apartada do seu sentido prático.

573
Dada a maneira pela qual a autora sistematiza o artigo, penso que este
trabalho possa servir para aqueles que buscam uma maior compreensão,
acerca da forma/função do profissional do direito, na medida em que fornece
elementos importantes, do universo dos diferentes tipos de linguagens, a
serem observados pelos profissionais da área.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. São Paulo: Editora da


Universidade de São Paulo, 2008.

574
MARCELO, Gonçalo. Democracia, Populismo e Conflito. In: DENTZ, René et
al (Org.). Visões da democracia no Século XXI. Belo Horizonte: Lumen
Juris, 2019. p. 93-111.

Hermesson Oliveira1
René Dentz2

Gonçalo Marcelo é PhD pela Universidade de Coimbra, professor


associado da Universidade do Porto-Portugal, professor convidado da
Universidade de Louvain e da Columbia University, na Bélgica e New York
respectivamente. É membro do Fonds Ricoeur em Paris da Ricouer Society
nos Estados Unidos da América.
Democracia, Populismo e conflito, é um texto que apresenta e analisa
um conjunto de problemas e desafios presentes nas democracias modernas.
Neste texto o autor descontrói a ideia de populismo como sendo um simples
termo pejorativo e ao mesmo passo constrói e expõe que o populismo é, para
além de um termo pejorativo, uma linha argumentativa e, portanto,
instrumento de poder.
Na primeira parte do texto o autor inicia a discussão com este
instigante questionamento: “Quo Vadis, Democracia?”, ou seja, ‘para onde
vais, Democracia?’. Para resposta o autor abraça o referencial histórico
mostrando através deste, que a democracia após 1989, ano que caiu o muro
de Berlim, se reconfigurou juntamente com a economia. Nasce a Democracia
liberal e se reestabelece o sistema econômico capitalista.
O autor apresenta, ainda nesta primeira parte, uma série de analogias
entre o capitalismo e a democracia liberal, livre iniciativa privada e
possibilidade da sociedade dar rumo a Polis. Mostra que o capitalismo foi
forte elemento para o enfraquecimento do Estado anterior e o norteador para

1Graduando em Direito pela FUPAC-Mariana.


2 Pós-Doutor pela Freiburg Universität/Suíça; Psicanalista; Professor Universitário.
Organizador e autor do livro “Visões da Democracia no Século XXI”.
575
a construção do Estado de Direito contemporâneo. Concluindo o autor
mostra, também por analogia entre a china e outros países, que o
enfraquecimento do Estado e ampliação da autonomia particular para a
iniciativa privada são absolutos que não produziram tanto desenvolvimento
social. A primeira parte se encerra com um ponto interessante: um Estado
pequeno aliado à uma economia liberal tende a transferir toda
responsabilidade dos rumos da sociedade para os ombros dos seus cidadãos.
Na segunda parte o autor apresenta uma discussão entrelaçando os
conceitos e ideias do Populismo, elitismo e Neoliberalismo. O autor apresenta
a ideia de que os princípios políticos que tem crescidos nos últimos anos são
autoritários. Faz uma abordagem das estratégias discursivas adotadas por
Trump e Bolsonaro em suas campanhas e mostra como se elegeram criticando
um populismo de esquerda, e, em meio a esta discussão o autor afirma que a
política de direita aliada a economia liberal capitalista produziram prejuízos
sociais que elas mesmas não são capazes de contornar o que faz necessário
uma nova política que ele chama de populismo de esquerda e apresenta na
última parte do texto.
Na ultima parte o autor se aplica a apresentar o “populismo de
esquerda”. Mostra que é preciso combater a antiga hegemonia que insiste em
se manter mesmo em Estados progressistas substituindo-a por uma nova
hegemonia. Ele cita Mouffe para embasamento de autoridade e conclui
reconhecendo a incerteza da política populista ser a solução para os
problemas da democracia, mas defende que o populismo de direta deve ser
retirado dos planos político-democráticos.
O texto é complicado de ser compreendido por três basicamente
motivos: a) os conceitos chaves a compreensão do texto não foram
devidamente e antecipadamente esclarecidos pelo autor; b) não há clareza nos
movimentos racionais do autor; c) A linguagem é excessivamente rebuscada.

576
É impossível não perceber a carga valorativa do autor imprimida em
seu texto. Por ser, portanto, uma narrativa valorada da realidade em que estão
as democracias, todos os conceitos apresentados pelo autor precisam ser
esclarecidos pois foram inseridos no texto carregando ou defendendo seu
ponto de vista [do autor]. Populismo, democracia, Estado e direito são
conceitos extremamente personalíssimos na narrativa do autor.
Outro ponto a ser criticado, enquanto forma, é que o texto não
permite ao leitor um momento de compreensão das ideias e valores do autor e
a realidade em discussão. Convencimento e persuasão se misturam, assim
como, embasamento teórico e juízo de valor. Tal problema é decorrente do
primeiro (falta de momento para definição de conceitos chaves) e torna
deficiente a formação de opinião, o convencimento e a persuasão.
Por último o nível de linguagem adotado pelo autor, não é
democrática o suficiente para a capacidade de compreensão do homem médio.
A linguagem é carregada de preciosismos, estrangeirismos e primitivismo
quando usa do Latim. Infelizmente estes problemas, por um lado,
possibilitam o exibicionismo do autor, mas por outro lado, afastam e em
algumas circunstâncias impedem que a mente do leitor seja tocada pela
compreensão.
Concordo em partes com o autor. Concordo quando diz que o
autoritarismo é prejudicial à manutenção das democracias, concordo que o
Estado precisar mais que um mero garantidor de Direitos Fundamentais para
ser um agente concretizador destes direitos na ordem social. Entretanto,
discordo do autor quando estabelece que o conservadorismo é um prejuízo a
democracia e que o novo é que significa avanço mostrando que o velho deve
ser superado. Discordo com a hipótese da china ser um caso de sucesso e que
as mazelas sociais a que hoje deparamos na sociedade é fruto do discurso
conservador e neoliberal, pois está é uma resposta muito Lato Senso.

577
O texto é indicado a todos que se propõem a dedicar-se através da
política ou dos discursos acadêmicos à manutenção ou avanço da democracia
por meio de um sistema político representativo real. O texto, por ser valorado,
pode ser utilizado tanto para pessoas enviesadas eticamente pela ideologia de
esquerda, quanto para as enviesadas por ideologias de direita, quando o
objetivo é a reflexão.

578
GRAVES, Adam J. Visões da democracia no século XXI. Rio de Janeiro:
Lumem Juris, 2019. p. 1-13.

Rayonne Massi Araújo1


René Dentz2

Adam J. Graves é Professor Assistente de Filosofia no Metropolitan


State College de Denver, onde também atua como Diretor de Estudos
Religiosos. Graves recebeu seu Ph.D. em Estudos Religiosos (com ênfase em
Filosofia da Religião) pela Universidade da Pensilvânia em 2007. Atualmente,
Adam está editando um volume sobre o pensamento religioso do filósofo
francês Paul Ricoeur e trabalhando em um livro que traça as fontes religiosas
das concepções modernas de autonomia.
O capítulo do livro em questão (Os limites da tolerância: a
religião e o 'direito de ofender' nas democracias liberais), sucita uma
série de indagações instigantes acerca dos limites da liberdade de expressão,
donde nos extimula sobre as seguintes indagações: a) existem barreiras para a
livre manifestação das ideis em uma sociedade democrática? b) como lidamos
com as diferenças de opiniões, ideias, comportamentos, diferentes culturas,
entre outras., em nosso convívio diário? c) existem parâmetros para que
possamos identificar um discurso como sendo ofensivo?.
Para Graves, a tolerância é um dos fatores principais para o
exercício da democracia e, manifestamente, fator sine qua non para o respeito
dialógico, devendo-se, para isso, “manter uma atitude auto-reflexiva”,
(GRAVES, 2019, P. 2) ou seja, condutas mediadas a partir de preceitos
racionais, na medida em que a linha entre o moderado e o inadequado, na
maioria das vezes, pode ser muito tênue.

1
Graduando em Direito pela FUPAC-Mariana
2
Pós-Doutor pela Freiburg Universität/Suíça; Psicanalista; Professor Universitário.
Organizador e autor do livro “Visões da Democracia no Século XXI
579
Nestes termos, portanto, Adam J. Graves não advoga em favor da
sençura, longe disso!, no entanto, propõe que as ações sejam mediadas por
uma espécie de “bom senso”, de modo que o embate entre as diferentes
concepções, não consubstancie na eliminação daquela em detrimento desta,
mas, na sua síntese, mediada por uma “intersubjtividade”, uma troca
recíproca de opiniões, gostos, crenças, etc., que se entrecruzam, se respeitam
e se harmoniazam a partir do agir democrático.
Na primeira parte do capítulo, o autor inicia a sua análise, nos
apresentando uma pesquisa que fora realizada no Reino Unido, no ano de
2005, que tinha por finalidade a escolha da “piada religiosa mais engraçada de
todos os tempos”. Tal pesquisa foi “conduzida em resposta à Lei de Ódio
Racial e religioso que estava passando pelo parlamento Britânico”, cujo teor,
diziam os opositores a essa lei, “poderia desnecessariamente proibir várias
formas de discurso, incluindo piadas religiosas as quais alguns indivíduos
classificavam-nas como ofensivas”. (GRAVES, 2019, p. 2).
Não obstante, nesta primeira parte do capítulo, Graves proporciona
uma reflexão sobre a complexa e, por vezes, frágil “natureza” das democracias
liberais, na medida em que, quando contratastadas com as “difrenças”, no
seio social, a partir dos seus mais variados aspectos: crenças, opiniões,
comportamentos, aspectos culturais., geralmente subjaz, para além dos
discursos polidos, uma recusa à aceitação das diferenças, remetendo-nos a
uma ideia de que: a democracia vai muito bem, desde que, apresente
“características” uniformes.
No segundo momento do texto, o autor nos indaga sobre a seguinte
questão: como separar os aspectos religiosos, individuais, dos aspectos
políticos, que leve em conta o interesse público?. Para responder a esta
indação, Graves nos apresenta um modelo de pensamento, utilizado pelo
filósofo estadunidense Richard Rorty, denominado de “compromisso

580
Jeffersoniano”, no qual o cidadão, religioso, ao participar “da vida social de
um Estado democrático” deve ter a “disposição em manter uma atitude auto-
reflexiva sobre a sua própria fé”, com vistas a uma “convivência pacífica em
uma sociedade pluralista e religiosamente diversificada”. (GRAVES, 2019, P.
7).
Segundo Adam J. Graves a disposição de “zombar” de si mesmo, de
adotar um “senso de humor adequado sobre a sua própria tradição religiosa”,
demonstra uma capacidade reflexiva que, mediada pela tolerância, estaria em
maior consonância com os preceitos liberais, no entanto, aqueles que
“respondem a tais piadas com raiva, hostilidade ou violência”, não teriam
adotado, plenamente, a “atitude reflexiva imposta pelo compromisso
jeffersoniano”, sendo considerados, por sua vez, como “fanáticos ou
reacinários”. (GRAVES, 2019, p. 7)
Para o fechamento do texto, Adam nos exorta sobre a importância de
se compreender as manifestações religiosas, não como um fato imanente ou
natural, ou seja, como um a priori, sem lastros históricos. Pelo contrário!
para o autor, é imperativo que se faça uma espécie de “arqueologia do saber”,
de modo a conectar uma determinada religião à sua origem historico-social,
com vistas a desmistificar a ideia de superioridade de uma religião ante as
demais.
Ipsis litteris, Graves espera demonstrar, através de uma conexão
temporal, processual e social, em relação às manifestações religiosas, que
estas são, em grande medida, construções sócio-culturais, e, portanto, não
apresentam, em si mesmas, um sentido absoluto, mas trás em seu bojo uma
série de limitações, erros, acertos, etc., que podem ser observadas no decurso
do tempo, sendo assim, para o autor, “reconhecer essas condições históricas é
um primeiro passo para se chegar a um acordo.” (GRAVES, 2019, p. 13).

581
o texto em questão, Os limites da tolerância: a religião e o
'direito de ofender' nas democracias liberais, de Adam J. Graves, não
sucita, a apartir deste capítulo, um aprofundamento, meticuloso, sobre os
temas abordados: tolerância, religião, ou mesmo, sobre os princípios
democráticos, compreendemos também que este não seria o espaço mais
oportunuo para tal aprofundamento, visto que, se trata de uma parte mais
reduzida, para cada autor, sobre diferentes temas, em um único livro.
O texto nos convida a uma reflexão bastante pertinente para os dias
atuais, que me parece ser o ponto nevráugico da discussão, a saber: 1)
existem limites para a liberdade de expressão em sociedades democráticas? Se
existem, 2) quais seriam estes limites? Através destes espectros, buscarei
tecer algumas considerações, para sucitar novas indagações e discussões
acerca de um tema, que me parece, deverasmente, pertinente.
Vivemos atualmente um certo esgarçamento dos meios de
comunicação de massa, decorrente do processo denominado de
“Globalização,” que através dos diferentes meios tecnológicos, tais como:
internet, telefone, televisores, rádios, entre outros., serviram para arpoximar
e dar visibilidade às diferentes manifestações culturais, possibilidade de
ampliação do conhecimento em seus mais variados temas, um intercâmbio
perene entre pessoas, dos mais diversos lugares, espaços e “coisas”. O mundo,
como diria o geógrafo Milton Santos, nos parece muito menor do que a 50
anos atrás.
Os meios de comunicação cada vez mais eficientes e modernos, trouxeram
inúmeras vantagens à nossa sociedade, no entanto, também tivemos alguns
“problemas” oriundos desta “tecnologização”. Hoje, é bem verdade, as
pessoas se comunicam mais, sobretudo, através dos dispositivos de
comunicação virtual. No entanto, o aumento exponencial destas
comunicações, nos parece não ter sido acompanhadas pela sua qualidade, o

582
que fica latente nos inúmeros casos de ofensas, injúrias, calúnias,
preconceitos, etc., que orbitam os diálogos virtuais.
Tomando como base a discussão suscitada por Graves, poderíamos
nos indagar: a “liberdade de expressão”, no rol dos direitos e garantias
fundamentais, teria um fim em si mesma? Ou seja, posso falar o que quiser,
tendo como salvo conduto o princípio da “liberdade de expressão?”. Ao que
parece não é este o caso, por mais que a “liberdade de expressão” seja um
preceito resguardado pela constituição, em seu Art. 5°, inciso IX. Porém,
como sugere Morás (2017, p. 5) “nenhum direito pode ser usado como escudo
para infringir outro direito”.
Podemos dizer, portanto, “que a liberdade de um cidadão finda-se
quando atravessado o limite da liberdade do outro”. (MORÁS, 2017, p. 7)
Desta forma, cabe ressaltar, que assim como a “liberdade de expressão”,
existem na Constituição Federal outros direitos e garantias fundamentais, cuja
observância dos seus preceitos, carecem de cuidados, para que não sejam
violados, dentre eles, podemos citar: o direito a honra, a privacidade, a
imagem, ao nome, etc.
Destarte, podemos concluir, que nem tudo que é falado, escrito,
demonstrado, etc., poderá ser considerado lícito, pelo simples fato de invocar
o princípio da “liberdade de expressão”, devendo-se ater, para a sua
formulação, ao conteúdo, à forma proferida e ao seu objetivo. A esse respeito,
Morás ( 2017, p. 5) nos adverte de que:
As mensagens que transmitem discriminação,
preconceito e incitam a violência, são típicas
manifestações que colidem frontalmente a liberdade
de expressão com os demais direitos fundamentais,
como no caso, a dignidade humana. Assim, ao se
pronunciar, a pessoa não deve extrapolar,
visto que o cerceamento de um direito está atrelado
ao uso abusivo do mesmo”

583
In verbis, discursos que reverberem princípios racistas,
preconceituosos, discriminatórios “ligados às diferenças de etnia, religião,
gênero, deficiência física ou mental e orientação sexual”, pode ser considerada
como “uma manifestação” (MORÁS, 2017, p. 7)

classificada como discurso de ódio e deve ser


controlada, de modo a evitar que aqueles que,
imaginariamente, acreditam estar amparados
legalmente pelo direito de expressão, pratiquem, na
verdade, uma agressão direta aos princípios
basilares do Estado Democrático.7

no caso de violação dos direitos e garantias fundamentais, inclusive, é


assegurado pela constituição em seu Art. 5°, inciso V., “o direito de resposta,
proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à
imagem”. (MORÁS, 2017, p. 7).
As sociedades democráticas vivem, ao que parece, uma efervescência
de estímulos às “liberdades”, nos seus mais variados escopos, no entanto,
estas não são acompanhadas por preceitos ligados ao bom senso, a
reflexibilidade, ao respeito, a tolerância, entre outros., elementos estes,
fundamentais, para uma sociedade que prime por uma convivência harmônica
e pacífica, base para toda a sociedade que se diz democrática. Não sou, em
absoluto! contra a liberdade de expressão. Porém, até mesmo este direito,
necessita de limites, ponderações, para que possamos chegar à tão sonhada
paz social.
se, no final, nosso compromisso com a tolerância
exigir um compromisso de ofender, então devemos
estar dispostos a admitir que até as sociedades mais
seculares têm as suas próprias vacas sagradas (ou
objetos sagrados). (GRAVES, 2019, p. 2019).

REFERÊNCIA
584
Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

MORÁS, Camila. Os limites entre a liberdade de expressão e o discurso de


ódio na mídia atual. In: Mídias e Direitos da Sociedade em Rede. 4., São
Paulo: Congresso Internacional de Direito e Contemporaneidade, 2017, p. 1-
8.

585
Produziu-se em formato de e-book digital (16x23cm),
fonte Georgia Pro Cond, 11.
Mariana, 2020.

586

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