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2
FUNDAÇÃO PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS
(COORDENADORA)
1ª Edição
MARIANA,
FUPAC-MARIANA
2018
1
FICHA CATALOGRÁFICA
ISBN: 978-85-98974-23-1
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AUTORES
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PREFÁCIO
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SUMÁRIO
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SUCESSÃO E CONFLITOS DENTRO DAS EMPRESAS FAMILIAR ............. 93
Bruno Luís Faria Araújo, Henrique Geraldo de Brito Moreira e Aparecido
José
Resumo ................................................................................................... 93
Introdução .............................................................................................. 93
2. O que é uma empresa familiar ............................................................. 94
3. Sucessão e conflitos na empresa familiar ............................................. 95
4. Postura diante do conflito de poder.................................................... 111
Considerações finais.............................................................................. 116
Referências: .......................................................................................... 117
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ZYGMUNT BAUMAN: CARTAS DO MUNDO LIQUIDO MODERNO ............ 166
Altair Marchetti, Gabriela Camêllo, Marisa Quintão, Monica Santos, Saulo
Camêllo, Vitor Lopes e René Dentz
Resumo: ................................................................................................ 166
Introdução ............................................................................................ 166
2. Estrangeiros são perigosos. Será? ...................................................... 167
3. Tribos e céus ..................................................................................... 171
4. Estabelecendo limites ........................................................................ 173
5. Como pessoas boas se tornam pessoas más ...................................... 176
6. Destino e caráter ............................................................................... 179
7. Albert Camus Ou: Eu me revolto, logo, nós existimos... ..................... 181
Considerações finais.............................................................................. 183
Referências: .......................................................................................... 183
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FILOSOFIA DO DIREITO DE RONALD DWORKIN: DIREITO COMO
INTEGRIDADE COMO FORMA DE SUPERAR O CONVENCIONALISMO E O
PRAGMATISMO JURÍDICO ...................................................................... 227
Altair Marchetti, Gabriella Camêllo, Marisa Marchetti, Monica Santos,
Saulo Camêllo, Vitor Lopes e René Dentz
Resumo: ................................................................................................ 227
Introdução ............................................................................................ 227
2 Método interpretativo proposto por Dworkin ....................................... 231
3.Etapas da interpretação ..................................................................... 232
4. Convencionalismo ............................................................................. 236
5. Pragmatismo jurídico ........................................................................ 238
6. Direito como integridade.................................................................... 240
Considerações finais.............................................................................. 244
Referências: .......................................................................................... 245
9
ARTIGOS
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PENSANDO A DOGMÁTICA PARA ALÉM DO POSITIVISMO
JURÍDICO
Resumo:
No contexto de uma suposta superação do positivismo jurídico,
tem-se observado a difusão de um pensamento contrário à
dogmática jurídica, entendida esta como uma abordagem
ultrapassada, pejorativa e negativa do Direito. Desse modo,
surge um problema: estaria a dogmática restrita a um modelo
exegético de positivismo jurídico, representando uma perspectiva
inadequada e insuficiente aos novos desafios teóricos e
pragmáticos? Este artigo tem como objetivo a investigação do
referido problema, analisando os contornos epistemológicos da
dogmática e a sua adequação a contextos para além do
positivismo jurídico. Para tanto, será realizado um breve percurso
histórico do desenvolvimento do conceito, passando por algumas
concepções contemporâneas, concluindo no sentido de sua
importância e relevância como um conhecimento dinâmico e
historicamente situado. Defende-se, portanto, a tese de que a
dogmática jurídica é um instrumento indispensável para a
cientificidade e aplicabilidade do Direito, mesmo em paradigmas
não positivistas.
Introdução
No debate jurídico contemporâneo, ser chamado de
dogmático ou positivista é quase um insulto, indicando uma
mail: gustavomrneves@gmail.com
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postura legalista, estritamente apegada ao texto normativo, nos
moldes da Escola de Exegese. Ora, vive-se um momento de
superação do positivismo jurídico, não poderia o hermeneuta
seguir padrões rígidos, comandos definitivos, dogmas impostos
por terceiros sem maiores preocupações axiológicas. Álvaro
Ricardo de Souza Cruz e Bernardo Augusto Ferreira Duarte
ilustram bem esse cenário em relação ao positivismo jurídico,
mas que poderia ser expandido ao debate sobre a dogmática:
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artigo caminha no sentido de reafirmar a relevância nevrálgica
da dogmática, mesmo em paradigmas para além do positivismo
jurídico.
2. Desenvolvimento histórico
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averiguada de caso em caso. A solução de problemas exigia
criatividade e debate, uma vez que apenas algumas matérias
eram tratadas nas ações pretorianas (TOZO; SOLON, 2010, p.
284). Jurisprudentia, na lição do jurisconsulto Ulpiano, seria o
“conhecimento das coisas divinas e humanas, ciência do justo e
do injusto” (MATA-MACHADO, 1986, p. 46).
Desse modo, observa-se um conhecimento voltado para a
praxis e intimamente ligado à dialética, como ensina Tércio
Sampaio Ferraz Júnior (2007, p. 58):
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Com o advento do renascimento, o Direito começa a
perder o caráter sagrado e natural que mantinha desde o
Direito Romano. O mito e a religiosidade são substituídos pela
racionalidade – que, de certa maneira, também conserva
resquícios metafísicos da tradição em que estava inserida.
Basta pensar no jusracionalismo, nos ideais iluministas, na
crença absoluta na razão – uma racionalidade a priori, sem
interferência dos sentidos humanos.
Assim, em um primeiro momento a modernidade se
relaciona à Escola do Direito Natural, fundada “na ideia de
„natureza humana‟ eterna e imutável [de] caráter nitidamente
universalista” (TOZO; SOLON, 2010, p. 286). Segundo Mata-
Machado, uma das grandes contribuições do racionalismo
jurídico foi sua postura mental:
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O desenvolvimento da dogmática jurídica no Direito
Moderno é bem sintetizado por Guilherme Soares na passagem
abaixo:
3. Concepções contemporâneas
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Neste ponto serão abordadas algumas concepções
contemporâneas sobre a dogmática jurídica, tais como seu
enquadramento jurídico, a diferença entre zetética e dogmática,
bem como o modelo apresentado por Dreier e Alexy.
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Interessante notar que essa nem sempre foi a posição de
Pedro Lessa. Em artigo publicado em 1896, indicava ser a
Dogmática Jurídica uma ciência:
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pensamento dogmático clássico, já que este não parte do
problema.
A última posição é defendida por Miguel Reale e será
retomada mais à frente. Afirma que a dogmática jurídica seria
correspondente “ao momento culminante da aplicação da
Ciência do Direito, quando o jurista se eleva ao plano teórico
dos princípios e conceitos gerais indispensáveis à interpretação,
construção e sistematização dos preceitos e institutos de que se
compõe o ordenamento jurídico”. (REALE, 2006, p. 322-323).
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dogmática está voltada à resposta, tendo os conceitos básicos,
as premissas e os princípios postos de modo absoluto e
caracterizando-se por seu caráter voltado à decidibilidade. A
zetética desintegra opiniões, pondo-as em dúvida, enquanto a
dogmática releva o ato de opinar. O aspecto zetético tem função
especulativa explícita e são infinitas, ao passo que o aspecto
dogmático tem uma função diretiva (induz o espectador a
adotar certa conduta), e são finitas. Zetética é ser, dogmática
dever-ser. (FERRAZ JÚNIOR, 2007, p. 40-41).
Elucidativo é o exemplo dado pelo professor Tércio
Sampaio Jr. (2007, p. 40):
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decidibilidade, devendo o jurista partir da premissa normativa
e, então, organizar, sistematizar e solucionar os problemas.
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posse ou de inadimplemento contratual: como seria se não
houvesse a dogmática para pensar no instituto, delinear seus
contornos teóricos, organizar sua posição no ordenamento
jurídico e indicar as possibilidades de sua aplicação?
Certamente não haveria decisão, como bem pontuado por
Tércio Sampaio: “As questões dogmáticas são tipicamente
tecnológicas. Nesse sentido, elas têm uma função diretiva
explícita, pois a situação nelas captada é configurada como um
dever-ser. Questões desse tipo visam possibilitar uma decisão e
orientar a ação (FERRAZ JUNIOR, 2007, p.90).
Dessa maneira, é imprescindível que as teorias
contemporâneas retomem o estudo sobre a dogmática jurídica,
buscando adequá-la ao novo contexto que se faz presente –
afinal, trata-se de uma abordagem dinâmica. Sem sombra de
dúvidas, há espaço para a dogmática para além do positivismo
jurídico.
Conclusão
31
considerável dos estudiosos, muito em razão de sua forte índole
legalista, que buscava encerrar toda a discussão no âmbito do
texto normativo, desconsiderando todos os demais aspectos da
situação no caso concreto.
Acontece que parte dos críticos estacionaram sua visão
nessa perspectiva, ignorando outras possíveis abordagens
decorrentes do caráter dinâmico e histórico da dogmática, tal
como aquela apresentada por Dreier e Alexy que apresentam
um modelo para o enfrentamento da questão valorativa e uma
análise crítica do Direito, quebrando a ideia de desconexão com
outras questões para além da norma positivada e do próprio
Direito.
Nessa linha, Miguel Reale ensina que “devemos evitar, na
Ciência Jurídica, tanto os males da formalização que se alheia
da experiência, como os do casuísmo que a pulveriza e estiola”.
(REALE, 2006, p.326). Assim, a disciplina dogmática
Referências:
33
MATA-MACHADO, Edgar de Godoi. Elementos de Teoria Geral
do Direito: para os cursos de introdução ao estudo do direito.
3.ed. Belo Horizonte: UFMG, 1986. 370p.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São
Paulo: Saraiva, 2006. 391p.
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ARGUMENTAÇÃO E SISTEMA RETÓRICO: ANÁLISE DOS
FILMES NEGAÇÃO, SOB CUSTÓDIA E TEMPO DE MATAR
Magna Campos1
Mateus Fernandes Leão2
Vitor Junior3
Resumo:
Este texto se propôs a analisar alguns filmes com temáticas
jurídicas sob o aspecto da argumentação, mais precisamente das
provas retóricas do ethos, pathos e logos, tal como estudadas em
sua origem pelo grego Aristóteles ([384-322 a.C.] 2005) e
contemporaneamente por Chaim Perelman e Olbrechts-Tyteca
(1996), Olivier Reboul (2004), Ruth Amossy (2005) e Dominique
Maingueneau (2005). Os filmes escolhidos foram Negação (2016),
Sob Custódia (2017) e Tempo de Matar (1996).
Introdução:
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Aristóteles ([384-322 a.C.], 2005), autor clássico
fundamental para o estudo da retórica e do sistema retórico,
propõe-no, no livro “Retórica”, como se referindo ao estudo dos
meios de provas persuasivas, não pertencentes somente à lógica
formal, que permitem obter ou aumentar a adesão do auditório
às teses/ideias que se lhe propõem ao assentimento, pelo
orador.
Entretanto, cabe ressaltar que o autor, em seus três
livros de a “Retórica”, não se preocupa com o mérito daquilo
que está sendo dito, mas como o fato de que aquilo que está
sendo dito ser ou não eficiente em termos de persuasão. Assim,
a retórica além de uma arte é também uma técnica, ou seja, um
meio de produzir discursos eficientes em termos de persuasão,
e que sejam eficazes quanto a seu intento de conseguir a
adesão da audiência em questões dialéticas – que comportam
posicionamentos distintos, como no caso dos discursos político
e judiciário, por exemplo (CITELLI, 2002).
Ainda, pode-se entender que tais questões se assentam
sobre raciocínios baseados em verossimilhanças e opiniões,
portanto, passíveis de verdade, razoáveis, ao contrário das
ciências [exatas] que está baseada na demonstração, na ideia
de verdade. Todavia, é importante considerar que o “verossímil
é, pois, aquilo que se constitui em verdade a partir de sua
própria lógica. Daí a necessidade, para se construir o “efeito de
verdade”, da existência de argumentos, provas, perorações,
exórdios [...]” (CITELLI, 2002, p.14).
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Decorre daí que a demonstração e as inferências formais
são, portanto, corretas ou incorretas, já os argumentos, as
razões fornecidas a favor ou contra uma tese têm mais ou
menos força e fazem variar a intensidade de adesão do auditório
(PERELMAN, 1996). Assim, a argumentação não visa à adesão a
uma tese porque ela é exclusivamente verdadeira, “pode-se
preferir uma tese à outra por parecer mais equitativa, mais
oportuna, mais útil, mais razoável, mais bem adaptada à
situação” (PERELMAN, 1998, p.156).
A argumentação, como bem propõe Perelman (1998),
preocupa-se com o discurso dos valores e não com o discurso
do real, e explica que,
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discutir a verdade dos fatos, mas de uma verdade construída
para os fatos, a única possível (crer-ser), tratando-se da
verossimilhança no discurso que produz efeitos baseados na
razão, na emoção e na adesão. Para alcançar tal fim, o orador
deveria apresentar provas (písteis) capazes de fazer com que a
audiência adira à tese defendida.
No Direito, a valorização dos estudos da retórica renasce
contra o pressuposto cartesiano e positivista de que não haveria
espaço para outra coisa que não a demonstração, a evidência
dos fatos: “Contra fatos não há argumentos”, e com o
reconhecimento da dimensão subjetiva da argumentação e do
trabalho de linguagem realizado ou necessário para o sucesso
da argumentação. A verdade para os fatos versus a verdade dos
fatos. Assim, no Direito, o objetivo não é convencer ou
persuadir a parte contrária, adversária, mas o juiz ou os
jurados.
As provas de persuasão (provas técnicas) fornecidas pelo
discurso são de três espécies: umas residem no caráter moral/
imagem do orador (ethos); outras, no modo como se dispõe o
ouvinte (pathos); e outras, no próprio discurso, pelo que se
demonstra ou parece demonstrar (logos) (ARISTÓTELES, Livro
I, apud ALEXANDRE JUNIOR, 2005, p. 37; 96).
Essas três provas técnicas dividem a argumentação em
dois campos:
39
Essas três provas técnicas dividem a argumentação em dois campos:
ETHOS PATHOS
(Caráter/imagem) (Emoção/ paixão)
Subjetividade
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Objetividade
LOGOS
(Razão, raciocínio lógico)
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Projetivo: aquela imagem que se imagina
estar constituindo.
Ethos
Efetivo: a imagem que de fato o auditório
está criando.
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3. Análise do sistema retórico dos filmes: Negação, Sob
Custódia e Tempo de Matar
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No filme, em uma das cenas iniciais, Deborah ministra
uma palestra no lançamento de seu livro, Negando o
Holocausto, e uma mulher da plateia cria o ethos do outro da
escritora como sendo uma covarde, uma vez que se negar a
discutir com pessoas que insistem em dizer que o holocausto
não existe é a negação da discussão com pessoas de opiniões
diferentes o que não é democrático. Outro senhor do público
também cria um ethos do outro sobre David Irving como uma
vítima da opinião da escritora, sendo o autor um estudioso, que
descobriu diversas fontes primárias que ninguém mais tinha
conhecimento.
Na mesma palestra, o próprio Irving, que aparece para
assistir, cria seu próprio ethos como uma vítima para com o
qual a professora tem sido rude, injusta, e que não poderia ser
atacado assim por ela, pois tem 30 anos de experiência nos
arquivos sobre a Segunda Guerra e ela desconsidera que ele
possui livros publicados pelas maiores editoras do mundo
tratando da questão. E aproveita-se da situação para criar o
ethos da escritora como uma pessoa que não tem capacidade
científica e não fica a par dos fatos reais e completos, e, por
essa razão, ela não discute com pessoas com opiniões
diferentes, pois lhe faltam argumentos sólidos e não
higienizados pela visão ingênua construída para o holocausto.
Dias após a palestra, Deborah recebe uma carta
informando um processo na Suprema Corte de Londres, aberto
por Irving, por difamação. Assustada, Deborah entra em
contato com um funcionário da Penguin Books de Londres e
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fica sabendo que na acusação David alega que a Sra. Lipstadt
faz parte de uma conspiração organizada em nível mundial para
lhe roubar a reputação como historiador profissional e
prestigiado em seu meio de vida, criando assim um ethos
negativo para ela.
Durante um almoço com Deborah, sua amiga catedrática
a questiona sobre o que ela escreveu sobre David e ela lhe diz
que colocou em seu livro que o Sr. Irving é um partidário de
Hitler que distorceu evidências, a fim de chegar a conclusões
historicamente insustentáveis, criando assim o ethos do
historiador como um defensor do nazismo e de Hitler. E, com
isso, a amiga da escritora constrói um logos explicando-lhe que
essa causa, afirmação sobre Irving, geraria consequências
perigosas, como o tal processo, e indica-lhe, na sequência, um
advogado, uma vez que com o que ela disse precisaria de um
bom advogado para defendê-la.
Deborah escuta a amiga e busca o tal advogado,
encontrando-se com o Dr. Julius, advogado americano. Para o
advogado, o ethos do David consiste em ser um dissidente
brilhante, o provocador que reinventa a Segunda Guerra
Mundial, mas que busca, principalmente, o respeito dos
colegas, e que com a acusação contra ela, será visto pelos
colegas como um historiador sério que passa a ver as coisas do
ponto de vista de Hitler. Já para Lisptadt, ele é um mentiroso e
falsificador da história (ethos do outro). A escritora cria ainda
um pathos ao apresentar ao Dr. o significado de seu nome como
líder, defensora de seu povo e que sua mãe dizia que ela foi
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escolhida, demonstrando o sentimento de esperança a todos
para descobrir a verdadeira história por trás do holocausto.
Mas a autora também fica sabendo que na Suprema Corte
inglesa o ônus da prova seria dela e não do acusado, uma vez
que no sistema judicial inglês o ônus da prova é o contrário do
americano. Além disso, precisará de um advogado inglês como
preposto do representante americano para atuar na Suprema
Corte.
Aconselhada pelo advogado, Deborah vai procurar a
comunidade judaica, para pedir o apoio financeiro deles para a
causa que envolvia o interesse comum. Durante o jantar com os
líderes da comunidade judaica, no qual o objetivo de Deborah
era buscar financiamento para o julgamento, os anfitriões
montaram o ethos do Dr. Julius como um homem que leva as
mulheres a sucumbirem ao seu intelecto, colocando-as em seu
bolso, e que faz as coisas para sua própria glória. Na mesma
situação, a Sr. Lipstadt constrói o ethos dos judeus britânicos
como mesquinhos que não abrem os bolsos para financiá-la.
Na busca por provas do holocausto, já que Deborah teria
que provar que o Holocausto realmente existiu e que os campos
de concentração funcionaram como campos de extermínio, ela e
o advogado visitam ao campo de concentração de Auschwitz. A
própria visita cria um pathos em todos presentes,
principalmente, na Sra. Lipstadt, com sentimentos como a
tristeza, desapontamento, angústia e aflição, que são trazidos à
tona ao caminharem onde milhares de judeus morreram
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durante o holocausto. Deborah ainda cria a imagem do campo
como um local onde se deve mostrar respeito (ethos).
Quando a Sra. Lipstadt e o Dr. Richard, advogado inglês,
estão conversando no bar e a escritora é informada que, na
opinião da defesa, ela não deve testemunhar, cria-se um pathos
em Deborah ligado à raiva, além disso, constrói-se um logos de
causa de consequência, quando a escritora diz que as pessoas
dirão que ela foi uma covarde e que teve medo de perder para
Irving, por isso não deu seu depoimento e Richard diz que esse
é o preço que ela terá que pagar para ganhar.
No primeiro dia de julgamento, David Irving inicia seu
discurso criando um ethos de si como um não negador do
holocausto, mas sim como um homem que tem chamado a
atenção para os principais aspectos do holocausto, os erros das
análises que se dizem científica, mas que não consideram os
fatos em sua totalidade, além de construir o ethos da ré como
agressora da sua existência profissional, interessada apenas em
lhe manchar a renomada reputação mundial, e que ao taxá-lo
rudimente como um negador fez com que várias editoras
virassem as costas para ele. Ainda, durante o discurso, constrói
um logos de analogia ao fazer comparar que ser chamado de
negador é o mesmo que ser chamado de espancador de
mulheres e de pedófilo. Outro logos criado é o de causa e
consequência, quando afirma que ser etiquetado como negador
o faz ser considerado como uma pária, um proscrito da
sociedade normal. Todo seu discurso, entretanto, tem como
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objetivo único formar o pathos, sentimento projetivo para que o
juiz venha a percebê-lo como um injustiçado e difamado.
Já Richard inicia seu discurso elaborando um logos de
oposição, já que desconstrói o que David Irving construiu
durante seu discurso inicial. E forma perante o juiz o ethos do
historiador não como um historiador de fato, mas sim um
falsificador de história e um mentiroso. E, para reforçar seu
posicionamento, utiliza-se de um logos de autoridade, ao
utilizar a própria obra de David para o desmentir, evidenciando
que a sua visão sobre o holocausto mudou radicalmente entre
as edições de 1977 e a 1991, do livro A Guerra de Hitler, e
utiliza ainda de logos de provas concretas, quando usa o
relatório de um pesquisado renomado, Leuchter, para explicar o
porquê da mudança radical de opinião.
Ao sair do julgamento, Deborah é parada por uma das
sobreviventes do holocausto que lhe pede que eles, os judeus
sobreviventes, sejam ouvidos no tribunal. Após isso, a escritora
tenta convencer Anthony em deixá-los testemunhar, utilizando-
se de pathos para comover e mudar a opinião do advogado,
dizendo que eles não querem testemunhar por si, que na
verdade querem dar voz aos que não sobreviveram, no entanto,
o Dr. Julius não concorda com o pedido da Sra. Lipstadt.
Momentos depois, em meio a uma discussão, Deborah coloca os
advogados contra a parede e diz que os sobreviventes vão à
tribuna sim e que deve isso a eles, para convencê-la do
contrário, Anthony utiliza um logos de prova concreta
mostrando-lhe um vídeo no qual Irving humilha e ridiculariza
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uma sobrevivente do holocausto, afirmando que sua marca no
braço, do campo de concentração, era forjada para ganhar
atenção da mídia e do governo.
Em outro dia de audiência, Richard constrói um logos de
autoridade, quando utiliza as palavras de Karl Bischoff,
arquiteto-chefe do campo de Auschiwitz, que ao se referir ao
necrotério 1 como um vergasungskeller, ou seja, um porão de
gaseamento. Durante todo o discurso, Richard cria um pathos
com o intuito de levar ao auditório a ter um sentimento de
insegurança com todas as palavras ditas por Irving, fazendo o
historiador se contradizer sobre qual realmente era a finalidade
do necrotério, hora sendo para gaseificação de cadáveres e hora
sendo um abrigo antibombas.
Dando um salto nas cenas analisadas, no vigésimo
segundo dia de julgamento, uma testemunha explica o contexto
escrito por Irving em seu livro. A testemunha utiliza de logos de
provas concretas para criar um logos de raciocínio lógico, ao
usar anotações de Heinrich Himmler, o chefe da SS,
(esquadrilha de proteção de Hitler e do partido nazista), tudo
isso para mostrar que David, em seu livro, A Guerra de Hitler,
escreveu algo completamente diferente, traduzindo
erroneamente os escritos.
Logo depois, Richard, enquanto colhe o depoimento de
David, constrói um logos de raciocínio lógico associado ao logos
de provas concretas, mostrando vídeos de palestras feitas por
Irving que o mostram menosprezando o trabalho de mulheres,
negros e judeus, e, por fim, a defesa cria o ethos do historiador
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como um racista e pervertido, que não respeita judeus, negros
ou mulheres. O intuito de Richard é mostrar a todo o auditório
que David abriu um processo dizendo que tinha sido chamado
de racista e extremista, mas que prega o que diz não ser.
No trigésimo segundo dia de julgamento, Richard utiliza
de logos de analogia ao comparar Irving a um garçom, mas um
garçom desonesto, em que todos os equívocos são para
favorecer a si mesmo.
A decisão do juiz constrói o ethos do Sr. Irving como um
homem que apresenta eventos de forma consistente com suas
crenças ideológicas, distorcendo e manipulando evidências
históricas, dando ganho de causa a Deborah. Após o
julgamento Deborah Lisptadt, encaminha-se para a coletiva de
impressa e a todo momento cria pathos com sentimentos de
justiça para todos os sobreviventes e vítimas do holocausto.
50
Ao chegar em casa, Sara não encontra um de seus filhos
e corre para a casa do vizinho Anthony, acreditando que o filho
esteja lá, ao chegar, encontra jovens bebendo e usando drogas e
ao perguntar onde se encontra David recebe uma negativa como
resposta restando-lhe ameaçá-los de chamar a polícia, criando
em todos ali presentes um sentimento (pathos) de medo, temor
e apreensão. Após encontrar o filho, ela começa uma discussão
e acaba ocorrendo um acidente, no qual seu filho, David,
cortou-se. Ao chegar na escola com o ferimento do acidente, a
professora acionou a justiça.
Após serem pegos pela justiça, Luís Sanjuro,
investigador, vai até o emprego de Sara para conversar com ela
sobre o acontecido e gera visivelmente na mãe um sentimento
(pathos) de constrangimento no trabalho em virtude de ela
tentar disciplinar o próprio filho. Após o fim da conversa, Luís
sai falando ao telefone construindo o ethos da Sra. Diaz como
sendo uma pessoa “problemática”, uma pessoa que se irrita
facilmente e que pode culpar o filho por tudo que está
acontecendo. No entanto, a imagem (ethos) que colhe dos
companheiros de trabalho dela é de ser uma pessoa tranquila.
Ao chegar na Corte judicial, Martha se depara com os
colegas conversando sobre o caso Martinez, caso de uma
menina que morreu ao ser devolvida para a mãe e não ter os
devidos cuidados. E um dos colegas de trabalho diz que foi ele
quem decidiu devolver a guarda para a mãe depois de constatar
que ela estava limpa de substâncias ilícitas, demonstrando um
sentimento (pathos) de culpa, remorso e arrependimento pela
51
decisão tomada e para aliviar os sentimentos (pathos) do juiz,
Martha tenta consolá-lo dizendo-lhe que ele fez a coisa certa
naquele caso e que não era culpa dele e sim da ASC –
Administração de Serviços para Crianças – que tem a função
de monitorar essas famílias.
Com os inícios dos trabalhos da Corte, o primeiro caso a
ser discutido é o de Sara, e, no fim da audiência, Keith Denholz,
representando o Conselho da Corporação, solicita à juíza um
teste de drogas para a Sra. Diaz. Na audiência posterior, o Sr.
Sanjuro utiliza como prova lógica (logos) provas concretas tais
como o relatório do teste toxicológico, que acusaram a
utilização de maconha e PCP, além disso, utilizam ainda o
registro criminal de tráfico de drogas da acusada, tudo isso com
o intuito de criar para a acusada Sara um ethos de usuária de
drogas e de pessoa irresponsável e para gerar na juíza um
sentimento (pathos) de relutância em devolver a custódia das
crianças, sentimento que se intensifica com o surgimento do
caso Martinez, uma vez que a morte da criança ocorreu depois
de uma decisão tomada por um juiz da mesma corte, como
quem a atual juíza tinha conversado a respeito. No entanto,
Sara cria para si um ethos de vítima, uma vez que foi presa,
quando jovem, por fazer uma coisa idiota e que fora tudo
armado, que é uma boa mãe e tem um emprego fixo, que não
depende da assistência social para viver, e por ser uma boa
mãe, só teve a discussão com o filho por medo de que ele
tivesse usando drogas e estivesse andando com pessoas erradas
e perigosas, além disso, alega que só estava tentando educá-lo.
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Todo o discurso dela foi com o intuito de comover (pathos) a
juíza com a luta de uma mãe solteira, do subúrbio, em criar
seus filhos de forma digna e no caminho do bem. Ao saírem da
audiência, a advogada e sua cliente se encaminham para o
escritório, momento em que Sara constrói, durante a conversa a
advogada, o ethos do outro de Ally como uma péssima
advogada, que não diz todas as informações, que não passa de
uma menininha rica e incapaz conhecê-la realmente.
Ao sair do tribunal, Martha vai ao encontro de seu
melhor amigo Drew e descobre que seu marido, Jason, está
tendo o caso com a esposa desse amigo, Nancy. Jason, ao
chegar em casa, depara-se com Martha o esperando, a juíza o
coloca para fora de casa e constrói o ethos de seu marido como
sendo um idiota, que transou com a mulher do seu melhor
amigo, um nojento, mentiroso e covarde. Já o ethos de Nancy é
construído por ela como uma vadia branca, que sempre foi mais
ousada que inteligente. O ato de rasgar as roupas de Jason
demostra o sentimento (pathos) de raiva, frustração e ódio com
a traição do marido.
Na terceira audiência, o Sr. Keith utiliza mais um logos
de prova concreta, anexando ao processo um documento que
mostra que o pai das crianças está vivo e preso na Penitenciaria
Estadual de Buffalo, faz isso nitidamente com o intuito de
desacreditar a ré, Sara, que afirmou em audiências anteriores
que o pai estava morto. E, em um momento de raiva, Sara
constrói o ethos de Shawn como um criminoso que nunca se
53
interessou pelos filhos e que se ela mentira foi para proteger os
filhos do pai ausente.
Nesse entremeio, em outra cena, Ally confronta a avó,
Beatrice, por não ter feito nada quando ela, ainda criança,
contou sobre as brincadeiras que seu Tio Frank fazia e que foi
ignorada por ela e a avó se defende dizendo que crianças
sempre costumam exagerar e, além disso, a memória joga com
as pessoas. Ally cria o ethos de seu tio como um homem que a
tocou de maneira imprópria, que tentou abusar dela, um
homem doente. E para provar isso para a avó, ela utiliza de
logos de prova concreta, mostrando-a duas citações judiciais
que seu tio sofreu por rondar escolas. Já Beatrice, constrói o
ethos de seu filho como um homem que tem problemas, mas
que nunca parou de procurar ajuda e que está se medicando.
Na quinta audiência, o pai das crianças é levado para
depor e pede para se encontrar com os filhos para ouvir da boca
dele que Sara é uma boa mãe. Após todos concordarem, as
crianças são levadas para o tal encontro, mas estão relutantes
já que o pai está preso e não queriam ver ele, entretanto, a mãe
tenta criar nas crianças o sentimento (pathos) de segurança e
de que tudo iria ficar bem.
No último dia de audiência, Sara ganha de volta a
custódia de seus filhos e, em sua última fala com a juíza,
mostra o sentimento (pathos) de injustiça, desrespeito e a
desigualdade em que as classes sociais são tratadas, uma vez
que muitos ricos que bebem demais, ignoram seus filhos, não
tentam educá-los e estes não são denunciados por serem maus
54
pais. A personagem evidencia que, por mais feliz que esteja em
ter seus filhos de volta, seu sofrimento não acabou já que terá
de compensar as horas de trabalho perdidas para apoiar os
filhos, além de fazer os filhos entenderem que não serão mais
tirados dela e que não foi culpa de nenhum deles o que
aconteceu. Já a juíza demonstra o pathos por meio do
sentimento de preocupação e zelo com a vida das crianças que
passam pelo tribunal e que não tem a mesma sorte que David e
Tia. Também constrói o ethos dos funcionários da Corte, como
pessoas que trabalham com muita consciência, “dando duro”, e
que tudo que passam e ouvem no tribunal os assombraram
todos os dias, mas que estão lá por acreditarem que podem
ajudar e não pelo dinheiro.
Essa breve análise evidencia o uso das três provas
retóricas na argumentação das partes tanto no processo de
custódia, quanto em outras cenas paralelas do filme.
55
Tonya, inconformado com a possível absolvição dos acusados,
decide fazer justiça com as próprias mãos, matando os dois
homens a tiros, no momento que estavam sendo conduzidos ao
fórum.
Levado a julgamento, Carl Lee (o pai de Tonya) corre
grande risco de ser condenado pelo duplo assassinato, em
circunstâncias não favoráveis, injustas e com notável tendência
de ser considerado apenas como mais um criminoso, que a
sangue frio, ceifou a vida de dois seres humanos.
Para o seu julgamento, Carl Lee conta com o trabalho de
Jake Brigance, um advogado que se mostra um excepcional
orador ao defender seu cliente, desde o início até o fim do
julgamento, apesar de tudo indicar que o resultado seria a
condenação de seu cliente, uma vez que o crime de assassinato
foi praticado por um negro contra dois brancos, em uma cidade
cuja população branca dominava, tanto em número, quanto em
cargos de poderes. Sem contar que o racismo naquela cidade
também era predominante, contando inclusive, com
manifestações da Ku Klux Klan - Organização racista branca
estadunidense.
Para defender Carl Lee, Jake passa a introduzir na mente
dos jurados todo o processo que levou o seu cliente a cometer o
assassinato daquelas pessoas, mesmo sendo advertido para não
mencionar o estupro que aconteceu com Tonya, uma vez que
não estavam julgando o caso de estupro, e sim, o de
assassinato.
56
Mesmo com a dificuldade de defender Carl Lee sem poder
mencionar diretamente o motivo do crime, o advogado encontra
brechas em alguns momentos, e com isso, consegue apresentar
os fatos e as circunstâncias que culminaram no assassinato
dos jovens, apresentando aos jurados a motivação do crime.
Fica explicitamente visível que o julgamento não tinha
pretensão de ser justo, tanto pelo que já foi dito, quanto pela
atitude do advogado de acusação, Rufus Buckley, já que este
estava buscando ser promovido à custa daquele caso, assim
sendo, poderia até não ter motivos particulares, como o
preconceito, por exemplo, mas ainda assim tentaria, a todo
custo, ganhar a causa, nem que para isso fosse necessário usar
impropriamente as armas da manipulação ou da persuasão
forçada, coisa que ele fez em algumas passagens do filme.
Duas cenas marcaram o julgamento, sendo a primeira o
diálogo entre o advogado de defesa Jake Brigance e o acusado,
Carl Lee; e a segunda, na argumentação final.
Na primeira cena, o acusado e advogado estão
conversando nos minutos precedentes ao início do julgamento,
e nesse momento, vemos Carl Lee perguntando a Jake o que
seria preciso fazer para que ele o libertasse, caso fosse ele um
dos jurados. Esse foi o momento em que o advogado
compreende o que deve ser feito, já que sendo branco igual a
todos membros do júri, precisaria então fazer com que eles se
colocassem no lugar do homicida, e, de certo modo, de sentirem
o que aquele pai sentiu, quando teve sua filha barbaramente
57
violentada e devastada pela brutalidade dos dois jovens
bêbados.
A segunda cena se trata da argumentação final de Jake,
na qual ele expõe detalhadamente o que aconteceu e o porquê
de seu cliente encontrar-se ali, na condição de réu.
Mas antes de analisarmos essa segunda cena, é
importante frisar que todo o julgamento acontece com
argumentos muito bem preparados, estrategicamente
utilizados, tanto pela defesa quanto pela acusação, o que faz
termos a sensação que hora a acusação está obtendo progresso,
hora a defesa.
Dito isto, analisaremos portanto, algumas falas dos
advogados e passaremos, na sequência, a demonstrar como o
ethos, pathos e logos foram empregados em algumas cenas do
filme.
Como já foi mencionado, Rufus buscava além da
condenação do réu, uma promoção, promoção essa que a
queria obter através do sucesso de sua tese contra Carl Lee,
caso este não fosse absolvido. Portanto, Rufus tinha, com
certeza, motivos muito além daqueles que qualquer um dos
profissionais ali presentes teria.
Tomemos a primeira cena, na qual o phatos foi utilizado
pelo advogado de acusação quando pressiona o acusado,
perguntando-lhe insistentemente o que os violentadores de sua
filha mereciam, até que ele, Carl Lee, levado pela condução
persuasiva e manipuladora de Rufus responde que mereciam
morrer, descaracterizando assim a tese da defesa, de que o réu
58
se tratava de uma pessoa que realizou o crime sem pensar, sem
planejar, estando transtornado pelo acontecido a Tonya.
Já com relação ao logos, a acusação desqualifica a
imagem (ethos) do médico que atestava a insanidade do
acusado, o apresentando como criminoso para o júri, com
provas que o vinculava a um crime no passado. Dessa forma, a
acusação rebaixa o médico, de testemunha para uma pessoa
que não merecia ser ouvida, muito menos alguém confiável,
para estar ali, como testemunha.
Quanto à defesa, há um momento do filme em que Jake
Brigance utiliza o ethos, ou seja, tenta criar um imagem
desfavorável ao perguntar a mãe de um dos estupradores de
Tonya quantas crianças o seu filho havia violentado antes e
quantas crianças eles haviam estuprado antes, colocando,
assim, a indagação para os jurados, se não teria sido justo a
morte daquelas pessoas.
Em todo o tempo, o advogado de defesa se mostra seguro
de si, permanecendo sempre sereno e apresentando um sorriso
vencedor ao longo do julgamento, fazendo assim o uso do ethos,
tentando criar uma imagem de credibilidade para si.
Como foi dito anteriormente, existe nesse filme duas
cenas muito marcantes, uma vez que a primeira cena já foi
analisada, passaremos agora para a segunda: a da
argumentação final. Nesta cena, sabiamente, Jake consegue,
por meio do uso do pathos e do ethos, que o seu cliente seja
visto como um pai que teve sua filha estuprada, e não como um
59
simples assassino, como a acusação estava tentando
apresentar aos jurados.
Na cena, podemos observar o uso do pathos, quando o
advogado transfere os sentimentos de revolta de Carl Lee para o
júri. Jake abandona o lado jurídico do caso e passa a narrar
com detalhes que levaram Carl Lee a cometer o crime do qual
estava sendo julgado.
Para isso, o advogado pede que todos fechem os olhos e a
partir desse momento, começa a contar a história, desde a
criança ter saído de casa para fazer compras em um mercado,
até ser violentada na volta para casa, de ser usada como alvo
para arremesso de latas de cerveja, de ser enforcada, e,
posteriormente, ser jogada em um rio, de ter sobrevivido,
passado por um procedimento cirúrgico, de ter o útero
removido devido à violência do ataque sofrido. Leiamos o
próprio discurso de Jake Brigance, na cena final de Tempo de
Matar:
Eu preparei um belo sumário...cheio de
manhas de advogado, mas não vou lê-lo.
Estou aqui para pedir desculpas. Sou
jovem e inexperiente...mas vocês não
podem... responsabilizar Carl Lee...pelas
minhas deficiências.
Em todas essas manobras jurídicas, algo
se perdeu... a verdade.
É nosso dever, como advogados, não
apenas falar da verdade... mas buscá-la,
encontrá-la e vivê-la. Meu professor me
ensinou isso.
Tomemos o Dr. Bass, por exemplo. Espero
que acreditem que eu não sabia daquela
condenação. Espero que acreditem.
60
Mas qual é a verdade? Ele é um mentiroso
desgraçado? E se eu contasse que... a
moça que estava com ele tinha 17 anos ele
tinha 23, e que depois eles se casaram,
tiveram um filho... e continuam casados
até hoje?
Isso muda o testemunho dele? Que parte
nossa busca a verdade? Nossa mente... ou
nosso coração?
Eu quis provar que um negro podia ser
julgado com justiça no Sul... que somos
todos iguais aos olhos da lei.
Não é verdade, porque os olhos da lei são
humanos. Os de vocês e os meus. E até
podermos nos ver como iguais... a justiça
nunca será imparcial.
Ela continuará sendo uma reflexão de
nossos preconceitos. Até lá, temos o dever,
perante Deus, de buscar a verdade.
Não com nossos olhos e mentes... porque o
medo e o ódio fazem surgir preconceitos do
convívio... mas com nossos corações, onde
a razão não manda.
Quero contar uma história. Vou pedir para
que fechem os olhos... enquanto eu a
conto.
Quero que me ouçam e que ouçam a si
mesmos. Vamos, fechem os olhos, por
favor.
É a história de uma garotinha... que
voltava do armazém numa tarde
ensolarada.
Quero que imaginem a garotinha. De
repente, surge uma picape. Dois homens
saem e a agarram. Eles a levam para uma
clareira... amarram-na... arrancam-lhe as
roupas do corpo... e montam nela...
primeiro um, depois o outro... estuprando-
a... despedaçando tudo o que há de
inocente... com suas arremetidas... numa
névoa de hálito ébrio e suor.
61
E, ao acabarem... depois de...matarem
aquele pequeno útero... tirando-lhe a
possibilidade de ter filhos... de perpetuar...
a sua vida...eles começam a usá-la como
alvo...jogando latas de cerveja cheias nela.
Jogam com tanta força... que cortam sua
carne até o osso.
Aí eles urinam sobre ela. Agora vem o
enforcamento. Eles pegam uma corda... e
fazem um laço.
Imaginem o laço apertando, e com um
puxão repentino... ela é suspensa no ar,
esperneia... e não encontra o chão.
O galho onde a penduram... não é forte.
Ele quebra, e ela cai... de novo no chão.
Eles a levantam e... a jogam na picape...
dirigem-se para a ponte de Foggy Creek...
e a jogam por cima da mureta.
Ela cai de 10 m de altura... até o fundo do
córrego. Conseguem vê-la? Seu corpo
estuprado, espancado, massacrado...
molhado da urina e do sêmen deles... e do
próprio sangue... abandonado para
morrer.
Conseguem vê-la? Quero que façam uma
imagem... dessa garotinha. Agora
imaginem que ela é branca.
A defesa terminou, meritíssimo. (TEMPO
DE MATAR, 1996, 2H13MIN-2H20MIN.)
Considerações finais:
62
A análise realizada não esgota o sistema retórico possível
de percepção nos filmes, mas ainda assim, evidencia sua
aplicação e o poder instrumental dessa chave de análise
argumentativa. E mais importante, todavia, é evidenciar o papel
importante do pathos e do ethos para o resultado
argumentativos, ou seja, para a adesão do auditório, pois
durante anos tal dimensão subjetiva, embora largamente
utilizada pelos bons argumentadores, era relegada pela teoria
ou pelo “imaginário social” a um papel menor na argumentação
ou sequer era estudada. Entretanto hoje, com os estudos,
dentre esses os dos autores contemporâneos aqui selecionados,
deu não apenas à prova do logos, mas também ao ethos e ao
pathos importância teórica e prática.
Referências:
Filmes:
64
INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM NECESSIDADES
EDUCATIVAS ESPECIAIS NO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA
ANÁLISE DO CONTEXTO E DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Patrícia Dias1
Michele Aparecida G. Guimarães2
Magna Campos3
Resumo:
Neste artigo, explora-se a questão legislacional brasileira
referente à inclusão de crianças e adolescentes com
necessidades educativas especiais, como meio garantidor do
direito à educação. Todavia, observa-se um descompasso entre o
legislado e a formação de profissionais aptos para exercer tais
funções nas escolas públicas brasileiras, além de questões
administrativas mal resolvidas que emperram o acesso a tal
direito, de forma efetiva e capaz de transformar vidas.
Introdução:
consultora jurídica.
3 Mestre em Letras, professora universitária e escritora.
65
A questão motivadora deste texto centra-se em verificar
até que ponto a legislação brasileira tem contribuído para que
esta inclusão se dê de fato, indo além de uma simples matrícula
no ensino regular de escolas públicas e privadas. Além disso,
analisará se a inclusão de crianças com necessidades
educativas especiais tem sido apenas uma inclusão social,
esquecendo-se das potencialidades que podem ser
desenvolvidas pelo aluno, respeitadas suas limitações
individuais.
O tema da educação especial está no contexto da
instalação de vários processos de profundas transformações no
sistema educacional brasileiro, assim como das mudanças na
legislação e nas diretrizes nacionais que norteiam a educação
inclusiva. Para tanto, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
nacionalmente conhecida como LDB 9394/96, em seu artigo 58
ressalta:
Entende-se por educação especial, para os
efeitos desta lei, a modalidade de educação
escolar, oferecida preferencialmente na
rede regular de ensino, para educandos
portadores de necessidades especiais.
(BRASIL, LDB, 1996).
3. O direito à educação
70
Considerando a redação do artigo citado, não se pode
tratar do direito à educação desassociando-o dos fundamentos
previstos no art. 1º e dos objetivos fundamentais previstos no
art. 3º da CF de 1988. O disposto no art. 1º prevê como
princípios fundamentais, no inciso II, a cidadania, e no inciso
III, a dignidade da pessoa humana (BRASIL, Constituição
Federal, 1988). Verifica-se desta forma que a efetiva aplicação
destes fundamentos se dará a partir da educação, pois, através
dela, pode-se preparar um indivíduo para o exercício da
cidadania, assim como a concretização da dignidade da pessoa
humana será garantida com o acesso à educação.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 205,
consagra a educação como direito de todos e dever do Estado e
da família. Verifica-se, com isso, que é dever do Estado ofertá-
la, sendo a família co-responsável pela tarefa de educar seus
filhos, além de promover e incentivar o processo educativo.
Vejamos o que expõe, neste sentido, o artigo 206 da
Constituição Federal:
74
aprendizagem do aluno com necessidades especiais na
modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na
rede regular de ensino.
Nesta linha, o ECA cita em seu artigo 53 que a criança
e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno
desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da
cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-lhes:
75
relacionadas à acessibilidade, educação e trabalho e ao
combate ao preconceito e à discriminação.
79
ampliando a proteção dada aos deficientes, primando pela
dignidade, inclusão social e não discriminação. Apesar do
avanço legislativo proporcionado pelo Estatuto do Deficiente,
garantido a educação inclusiva, na prática, ainda existem
muitos desafios a serem superados, o será abordado na
sequência.
5. A escola inclusiva
80
coloca-se para os sistemas de ensino e para as escolas a
responsabilidade de encontrar ações, estratégias educacionais e
recursos para incluir tais alunos. Ações que perpassam por
questões política, técnicas, estruturais, científica, pedagógicas e
administrativas.
Neste sentido, não se trata mais de dar atendimento em
salas separadas aos alunos com deficiências, apenas para dizer
que estão na escola regular. Trata-se de esse aluno estar na
sala de aula regular, contando com o apoio, para
complementação ou suplementação, se necessário, de outros
profissionais nesta seara. A educação especial passa, portanto,
a ser reconhecida como uma modalidade de educação escolar e
não mais como uma categoria distinta desta.
Essa resolução, traz os parâmetros para previsão e
provimento de tal atendimento, em seu artigo 8, disposto a
seguir, que tratam da organização das salas, da capacitação de
professores, da distribuição de aluno, da flexibilização e
adaptações curriculares, do apoio pedagógico especializado, dos
projetos de sustentabilidade da educação inclusiva, da
temporalidade curricular. Observe-se na letra da lei o que
dispõe tal artigo:
82
colaboração com instituições de ensino
superior e de pesquisa;
VII – sustentabilidade do processo
inclusivo, mediante aprendizagem
cooperativa em sala de aula, trabalho de
equipe na escola e constituição de redes de
apoio, com a participação da família no
processo educativo, bem como de outros
agentes e recursos da comunidade;
VIII – temporalidade flexível do ano letivo,
para atender às necessidades educacionais
especiais de alunos com deficiência mental
ou com graves deficiências múltiplas, de
forma que possam concluir em tempo
maior o currículo previsto para a
série/etapa escolar, principalmente nos
anos finais do ensino fundamental,
conforme estabelecido por normas dos
sistemas de ensino, procurando-se evitar
grande defasagem idade/série;
IX – atividades que favoreçam, ao aluno
que apresente altas
habilidades/superdotação, o
aprofundamento e enriquecimento de
aspectos curriculares, mediante desafios
suplementares nas classes comuns, em
sala de recursos ou em outros espaços
definidos pelos sistemas de ensino,
inclusive para conclusão, em menor
tempo, da série ou etapa escolar, nos
termos do Artigo 24, V, “c”, da Lei
9.394/96. (BRASIL, Resolução 2. 2,
CNE/CBE, 2001)
83
Mas alguns elementos neste artigo chamam atenção,
especialmente os que se referem à sala de recursos, ao serviço
de apoio ofertado por profissionais especializados em Educação
Especial, a flexibilidade e adaptabilidade do currículo para os
alunos que necessitarem de mais ou menos tempo para
aprendizagem, além da reflexão sobre a inclusão escolar e
social.
O artigo menciona a sala de recursos, um importante
dispositivo pedagógico para a inclusão do aluno com
deficiência. O inciso V mencionado trata especificamente da
sala de recursos que deve atuar em apoio complementar ou
suplementar ao professor do ensino regular, para propiciar
procedimentos, materiais e equipamentos específicos para o
trabalho com os alunos com deficiência. O inciso mencionado
não faz distinção quanto ao tipo de deficiência a ser atendida
pela sala de recursos, portanto, podendo ser deficiência
intelectual ou física.
Mas para se saber mais sobre tais salas, é preciso
recorrer-se à publicação da nova Política da Educação Especial
na perspectiva da Educação Inclusiva pela Secretaria de
Educação Especial – Ministério da Educação (SEESP/MEC),
ocorrida em 20084.
Tal política prevê que os alunos com deficiência visual,
auditiva, física, intelectual, com altas habilidades/superdotação
4 Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&ali
as=16690-politica-nacional-de-educacao-especial-na-perspectiva-da-
educacao-inclusiva-05122014&Itemid=30192
84
e transtornos globais de desenvolvimento devam frequentar as
salas de aula regulares com os demais alunos e receber o
Atendimento Educacional Especializado (AEE), no turno oposto
a seu horário escolar, nas Salas de Recursos Multifuncionais.
De acordo com o documento, “as atividades desenvolvidas no
atendimento educacional especializado diferenciam-se daquelas
realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à
escolarização” (BRASIL, Política Nacional de Educação Especial
na Perspectiva da Educação Inclusiva, 2008, p. 12). De corre
daí seu caráter complementar ou suplementar à sala de aula
comum. E, “dentre as atividades de atendimento educacional
especializado são disponibilizados programas de
enriquecimento curricular, o ensino de linguagens e códigos
específicos de comunicação e sinalização e tecnologia assistiva”.
(BRASIL, Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva
da Educação Inclusiva, 2008, p. 12).
Neste sentido, o Ministério da Educação tem fornecido
às escolas materiais específicos, para montagem destas salas de
recursos, a fim de fornecerem atendimento especializado aos
alunos incluídos. Todavia, além dos materiais, há a necessidade
do profissional especializado em Educação Especial para o
trabalho nestes espaços. O que tem se mostrado um entrave
para o funcionamento destas salas pelos municípios brasileiros,
ainda que o MEC tenha tentado suprir a carência de
profissionais com tal especializada, por meio de programa de
Formação Continuada ou de Especializações a Distância
ofertadas em projetos das universidades públicas.
85
6. Direitos da criança na sala de aula
86
envolva as necessidades especiais desses educandos. Dessa
forma, considera-se relevante que haja envolvimento dos
gestores e de investimentos educacionais na formação dos
educadores envolvidos neste processo educacional.
No tocante à adaptação, geralmente estes alunos
sentem-se bem aceitos, compreendidos e felizes por estarem
participando da realidade escolar e das possibilidades de
convivência com seus pares.
Ressalte-se, entretanto, que, para se tornarem os
princípios inclusivos efetivos e eficazes, são fundamentais que
sejam elaboradas adaptações e complementações curriculares
que se fizerem necessárias.
87
da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, art. 9o, § 2o, da Lei
no 11.494, de 20 de junho de 2007, art. 24 da Convenção sobre
os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo
Facultativo, aprovados por meio do Decreto Legislativo n º 186,
de 9 de julho de 2008, com status de emenda constitucional, e
promulgados pelo Decreto no 6.949, de 25 de agosto de 2009, o
Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011 em seu art.5º, §
2º, inciso 2º que dispõe sobre a implantação de salas de
recursos multifuncionais.
As salas de recursos multifuncionais são ambientes
compostos de equipamentos, mobiliários, materiais didáticos e
pedagógicos para a oferta do atendimento educacional
especializado. É relevante mencionar que incluem livros em
Braille, áudio e Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS, laptops
com sintetizador de voz, softwares para comunicação
alternativa e outras ajudas técnicas que possibilitam o acesso
ao currículo escolar e ao desenvolvimento da criança.
No atendimento das salas de recursos
multifuncionais, observa-se um trabalho pedagógico que leva
em consideração a especificidade de cada aluno com atividades
diversificadas, estratégias diferenciadas, porém não ocorre uma
efetiva troca entre professor especialista com o professor
regente, já que o aluno é atendido em horário contra-turnos, em
dias específicos e pré-agendados. Dessa forma, depende-se da
coordenação pedagógica para agendar momentos com estes
sujeitos.
88
Por isso, ressalva-se que o sucesso de uma política
inclusiva esta atrelada a uma série de ações que sustentarão as
interações entre os profissionais envolvidos; quer seja da
educação, da saúde e da assistência social.
Examinando o contexto educacional, vê-se ainda o
quanto é primordial as ações da família no processo de ensino e
aprendizagem do educando, contribuindo tanto nos aspectos
cognitivos quanto nos de cunho emocional e intelectual.
Convém destacar do ponto de vista “concreto”, que incluir trata-
se de envolver, inserir, socializar e remover as barreiras que
impedem destes educandos de aprenderem juntos. Parece
utópico, mas é nada mais do que promover uma integração.
Considerações Finais
89
( AEE) caminhem sem desviar dos princípios básicos da
educação.
Que o professor regente tenha um olhar diferenciado,
que este esteja capacitado, assim como o monitor de ensino
especial. É essencial que estes profissionais estejam preparados
para propiciar e oferecer condições de aprendizagem e do
desenvolvimento das habilidades e competências necessárias
para a formação cidadã dos alunos. Que a escola esteja
adaptada tanto nos aspectos físicos quanto curriculares.
Não se pretende aqui estabelecer critérios para o
ensino escolar de crianças com necessidades educativas
especiais, o que se espera é uma reflexão sobre a realidade,
sobre as propostas vigentes e que possam ser discutidas,
aprofundadas, adequadas.
Referências:
90
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível
em: < http://www.conselhodacrianca.al.gov.br/sala-de-
imprensa/publicacoes/ECA%20ATUALIZADO.pdf/view> Acesso
em 23 maio. 2017.
91
HERMANNY Filho, Flávio. Os impactos do estatuto da pessoa
com deficiência no regime das incapacidades. Disponível em:
https://www.conpedi.org.br/publicacoes/02q8agmu/8v3pu3u
q/NYDAj0p1T4e5J0fN.pdf Acesso: 12 dez. 2017.
92
SUCESSÃO E CONFLITOS DENTRO DAS EMPRESAS
FAMILIAR
Resumo
Introdução
1Graduando
2Graduando
3 Mestre em Direito Empresarial pela Universidade de Itaúna – UIT.
93
sucessão. Finalmente, serão mostrados três exemplos de
empresas que obteviram sucesso durante sua sucessão.
O trabalho terá como fonte de estudo, a revisão
bibliográfica. Sendo pesquisados estudos e autores com o
intuito de auxiliar a apresentação de dados referentes a
Administração de Empresas Familiar e seus conflitos.
95
Os maiores problemas surgem, de fato, é na
administração da empresa familiar, seja na fase de instalação,
no seu desenvolvimento ou noutros pontos.
Bosco (1993) já criticava a empresa familiar, se seria ela
um bem perecível ou até mesmo um projeto temporário, em face
do capitalismo nacional que ainda estaria em crescimento.
Segundo o mencionado autor, conceitos de administração,
como o de ciclo de vida do produto poderia ser aplicado
perfeitamente às empresas familiares, atentemos à sua lição
que consegue identificar um dos grandes obstáculos á
perpetuação empresarial, verbis:
98
Sob o panorama de empresas familiares no país,
identifica o autor retromencionado que,
99
e com isso passa menos tempo com a família e isso pode gerar
muitas das vezes conflitos entre eles.
O Crescimento é a oportunidade que a gestão tem, de
fazer um trabalho bem feito para se ter um excelente retorno,
mais para isso é preciso ter um produto que seja duradouro
que possa gerar riqueza por vários anos, também é preciso ter
cuidado pois a sobra de recurso pode esconder problemas
estruturais da empresa familiar.
Já o período de Apogeu ou Maturidade, é o momento
onde a empresa fica numa situação onde que não a mais
crescimento, podemos até dizer que ela fica num momento de
inércia, é nesse momento que a empresa tem que começar o
momento sucessório, para que ela possa voltar aos seus
momentos de ouro, com novos produtos ou serviços no
mercado, com uma gestão com novas ideias com objetivos bem
definidos, mais para que isso ocorra é preciso interação entre as
partes interessadas tanto o fundador quanto o sucessor e assim
evitando conflitos desnecessários a fim de melhorar a situação e
fazer com que cresça de novo.
O período de Declínio é a continuidade do período de
Maturidade, pois é com essa nova gestão que tem que ser
abortados as metas e estratégicas que irão colocar a empresa
no topo novamente e esse sucessor tem que ser escolhido por
ser o mais apto tanto de conhecimento quando de experiência
pois é de suma importância que essa nova liderança será a
força que irar despertar nos colaboradores envolvidos a fim de
100
unir e buscar resultados com a cooperação e participação de
todos nessa nova etapa.
“JR DIESEL
RESPEITE O LEGADO
108
levantados no último veto. Deu errado?
Comece de novo!
PREPARE-SE
LIVRE-SE DA VAIDADE
PACIÊNCIA
GRUPO ALGAR
111
Finalmente, resta um último ponto a ser discutido que é
a importância da postura diante do conflito de poder em face da
sucessão numa empresa familiar, porque
Considerações finais
Ao longo desde trabalhado podemos notar dificuldade na
gestão de uma empresa familiar, mas ao mesmo tempo é uma
116
grande oportunidade em desvendar e solucionar esta magia que
está por traz dessa gestão.
Também vimos o que é uma empresa familiar e através
dela o passo a passo da sucessão familiar onde foi demonstrado
de forma resumida, porém de fácil entendimento os conceitos
que facilita essa transição de poder. Baseado nisto, vimos
também os conflitos que cercam essa sucessão e as melhores
maneiras de resolver e evitar estes tipos de transtorno para o
sucessor e principalmente da organização.
Foi destacado o sucesso de três grandes empresas
brasileiras, onde foi seguido de forma correta os trâmites da
sucessão familiar, onde foi passado várias dicas e experiências
desde grandes gestores que serem de exemplo e reflexão para
quem queira seguir seus passos.
E a conclusão foi única, é necessário que se tenha
conhecimento técnico e objetividade no trato empresarial, sem
permitir que relações familiares preponderem, sob pena de
prejudicar a perpetuidade da empresa e a falência do
empreendimento.
Referências:
117
______. A empresa familiar. 4. ed. – São Paulo: Pioneira,
1993.
118
PODER JUDICIÁRIO E A POPULAÇÃO PRISIONAL: O
COLAPSO DA JUSTIÇA CRIMINAL E OS CUSTODIADOS DA
UNIDADE PRISIONAL DA COMARCA DE MARIANA-MG
Resumo
Introdução
120
Alguns pontos de crítica e sugestões no que tange a
rotina do judiciário, vislumbrando uma justiça mais célere e
eficiente.
Por fim, algumas melhorias que estão sendo
implantadas pelo Conselho Nacional de Justiça de Minas Gerais
(CNJ) dentre outras expectativas, tendo como conclusão a
ressocialização como um sonho a ser alcançado.
2. Direitos Humanos
122
O Conselho de Direitos Humanos da ONU, cobrou
recentemente do Brasil, consolidação na evolução de políticas
quantos aos Direitos Humanos no sistema prisional.
Neste sentido, conforme entrevista realizada com o
diretor geral da Unidade Prisional de Mariana, Antônio de
Pádua, responde que “ A Secretaria de Estado de Administração
Prisional, criou uma subsecretaria, institucionalizada, com a
missão precípua de humanizar os atendimentos aos presos do
sistema prisional mineiro. Com base nesta política carcerária, o
presídio de Mariana evoluiu o atendimento ao preso, com
rotinas diárias de atendimento técnico e atenção da direção
quanto as demandas dos reclusos. ”
123
ensino fundamental completo. Sobre a natureza dos crimes
pelos quais estavam presos, 28% dos detentos respondiam ou
foram condenados por crime de tráfico de drogas, 25% por
roubo, 13% por furto e 10% por homicídio.
O diretor geral do DEPEN, Renato De Vitto, ressaltou
que o crescimento da população penitenciária brasileira nos
últimos anos não significou redução nos índices de violência.
“Pelo contrário, mesmo com o aumento dos encarceramentos, a
sensação de insegurança não diminuiu. Isso significa que é
preciso se repensar a prisão como instrumento de política
pública para combater a criminalidade”.
“É importante ressaltar os danos que a prisão acarreta
não apenas para as pessoas encarceradas, como também para
seu círculo familiar. Acreditamos que é preciso se investir em
soluções penais mais sofisticadas, como alternativas penais,
programas de trabalho e educação, entre outras, que promovam
uma real reinserção desse indivíduo à sociedade”, afirmou De
Vitto.
Segundo dados do Ministério da Saúde, pessoas
privadas de liberdade têm, em média, chance 28 vezes maior do
que a população em geral de contrair tuberculose. A taxa de
prevalência de HIV/Aids entre a população prisional era de
1,3% em 2014, enquanto entre a população em geral era de
0,4%.
A pesquisa aponta que o aumento da massa carcerária
não tem diminuído a criminalidade.
124
Vale destacar, que aconteceria um colapso imediato,
caso houvesse o cumprimento de todos os mandados de prisão
que se encontram em aberto.
Um dos dados mais frequentes referidos como de efetiva
demonstração do fracasso da prisão são os altos índices de
reincidência, não obstante a presunção de que durante a
reclusão os internos são submetidos a um tratamento
reabilitador. (BITTENCOURT, 2006.p.149)
De acordo com o Informe Nacional de Desarrollo
Humano[16], o índice de reincidência no Brasil para o ano de
2013 foi de 47,4 %. Portanto, quase a metade daqueles que
cometem crimes voltam a delinquir, mesmo após terem passado
pela experiência cárcere.
Em seu trabalho intitulado “Execução Penal”, o
professor Júlio Fabrine Mirabete comenta que a criminologia
crítica defende sobre a provável reinserção do preso na
sociedade:
125
4. Unidade Prisional de Mariana/MG
126
Art. 84. Caput “O preso provisório ficará
separado do condenado por sentença
transitada em julgado”
§ 4o O preso que tiver sua integridade
física, moral ou psicológica ameaçada pela
convivência com os demais presos ficará
segregado em local próprio.
Em consonância com o parágrafo 4ª, a unidade possui
01 cela para os “presos de seguro” garantindo desta forma a
segurança do apenado. Os presos provisórios são alocados em
celas separadas dos condenados. Os condenados possuem
atividades culturais e laborais e aos semiabertos são ofertadas
vagas de trabalho junto à empresa da Prefeitura conveniada
com o presídio.
127
liberdade, em regime aberto, e da pena de
limitação de fim de semana.
Art. 94. O prédio deverá situar-se em
centro urbano, separado dos demais
estabelecimentos, e caracterizar-se pela
ausência de obstáculos físicos contra a
fuga.
Art. 95. Em cada região haverá, pelo
menos, uma Casa do Albergado, a qual
deverá conter, além dos aposentos para
acomodar os presos, local adequado para
cursos e palestras.
Parágrafo único. O estabelecimento terá
instalações para os serviços de fiscalização
e orientação dos condenados.
128
condenatória; os presos no regime fechado e os do regime
semiaberto, não possuindo vínculo com os sentenciados do
regime aberto.
Questionado sobre a capacidade de vagas da unidade e
o panorama atual, o diretor geral explica, “ A capacidade do
presídio de Mariana é de 119 vagas. Contudo, não diferente da
realidade nacional, o presídio está com sua capacidade esgota e
há excesso de lotação. Contudo, não há superlotação.
Atualmente a massa carcerária gira em torno de 150 presos”
Ainda, se a estrutura da unidade atende aos requisitos
necessários para o cumprimento da pena, “Como quase todas
as unidades estaduais, a estrutura física está aquém do
comando normativo delineado pela LEP. Entretanto, nossa cela
de custódia, dentro desse quadro, não se enquadra como locais
desumanos, apesar de estarem fora do padrão legal”.
Por fim, sobre como é lidar com a missão de estar na
direção geral da UP, Antônio de Pádua ressalta, “Que lida de
forma muito natural, que está na área de segurança pública a
10 anos, quase 3 anos como agente penitenciário sendo que a 2
anos na função de diretor”, acrescenta “Que a responsabilidade
obviamente é diferente de outras, pois são vidas e vidas com
certo grau de periculosidade. Mas que se você ama o que faz e
tanta fazer da maneira correta, as coisas fluem naturalmente. É
uma relação tensa, mas que vontade de melhorar o sistema se
torna mais amena”, conclui.
A experiência na área, que o diretor do presídio possui,
sem dúvidas contribui para o bom funcionamento da unidade.
129
Reafirmou o que já tinha observado, sobre a competência,
profissionalismo e humanidade.
130
culturais, o que reflete diretamente nos benefícios das remições
da pena.
4.3. Melhorias
4.4. Sugestões
131
Penitenciário, algo que auxilie e/ou apoie os profissionais. Por
se tratar de profissão extremamente estressante, com alta
responsabilidade e periculosidade, somado ao fato, de uma
escala de trabalho cansativa. Acredito que a médio e longo
prazo poderá acarretar prejuízo à saúde do profissional, assim
como, risco de ineficiência em suas respectivas atribuições
dentro da UP.
132
assim como do recebimento ou transferência da guia de
execução quando o sentenciado é transferido para outra
Unidade Prisional.
Uma das grandes novidades é a automatização da
Execução Penal, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG)
já está implantando em várias comarcas do Estado o Sistema
Eletrônico de Execução Unificado (SEEU), que é o sistema que
elimina os autos físicos e automatiza as tarefas como emissão
de alertas para notificar que o sentenciado já tem direito a
benefícios como, comutação de pena, livramento condicional,
indulto e progressão de regime, bem como cálculos da pena.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ainda não
divulgou a previsão de automatização da Execução Penal da
Comarca de Mariana, porém as expectativas é que seja em
breve. O SEEU já está inteiramente implantado nas Comarcas
de Betim, Juiz de Fora, Ipatinga, Uberaba, Caratinga, e
recentemente em Ponte Nova.
Em discurso proferido durante a cerimônia de
implantação do SEEU na nossa Comarca vizinha Ponte Nova, o
Juiz, da 2ª Vara Criminal e de Execuções Penais, Jose Afonso
Neto, ressaltou “que tudo na vida é sobre o tempo, que há um
tempo para tudo”, relembrou o massacre no sistema prisional
que ocorreu há dez anos, que o tempo de hoje é rumo ao
aprimoramento da execução penal no estado. Ainda, que “ o
tempo do preso é um tempo entre parênteses – horas que se
sucedem, porem tempo que não flui. Para ser justo, portanto, é
preciso analisar os pedidos de forma oportuna, para que a
133
reprimenda seja cumprida no tempo exato, sem dilação que
distanciem as pessoas da esperança de uma vida nova”.
Neste sentido, tenho esperança que com a chegada do
SEEU, aconteça de fato um aprimoramento tal no sistema de
execução que coopere para que se tenha o cumprimento de
pena no tempo justo.
134
soltura, diga-se de passagem, deveriam ser ágeis, direciono
minha crítica ao excesso de tempo gasto pela Delegacia de
Polícia Civil desta Comarca em realizar a consulta no SETARIM,
consulta esta que informa impedimento ou não para que o
preso seja posto em liberdade, em algumas ocasiões o tempo de
resposta foi de pelo menos 48 horas, gerando uma situação de
extrema demora para o cumprimento da decisão judicial.
A Resolução Nº 108 de 06/04/2010 é bem clara, dispõe
sobre o cumprimento de alvarás de soltura e sobre a
movimentação de presos do sistema carcerário, e dá outras
providências, resolve:
Considerações finais
137
Estar em contato com a execução penal, me
proporcionou aprendizados não só técnicos, mas humanos. É
preciso acreditar na ressocialização e então nos posicionarmos
de forma a contribuir para esse fim e nós como operadores do
direito temos por obrigação não nos acomodarmos.
Mesmo com as mazelas do Poder Público, cada um de
nós podemos contribuir de alguma forma na construção de
uma sociedade melhor.
Referências:
138
BITTENCOURT, César Roberto. Falência da Pena de Prisão.
Causas e Alternativas. 3º Edição. São Paulo. Editora Saraiva,
2006.
139
A EVOLUÇÃO DAS ESTRUTURAS FAMILIARES NO BRASIL E
A NECESSIDADE DO RECONHECIMENTO JURÍDICO DAS
UNIÕES POLIAFETIVAS
Resumo
O presente artigo pretende trazer à reflexão a evolução social das
entidades familiares e a consequente necessidade de evolução
do direito positivo para acompanhar essas novas formulações
familiares que se encontram à margem do ordenamento jurídico.
Há muito não se concebe como família apenas aquela tradicional
formação de pai, mãe e seus filhos, muitas são hoje as formas de
configuração de família na sociedade moderna, e essas novas
famílias clamam pela regulamentação de seus direitos, pelo seu
reconhecimento como uma entidade familiar. O ordenamento
jurídico já demonstrou a evolução do conceito de família na
interpretação do artigo 226, §3º da Constituição Federal, entendo
o Supremo Tribunal Federal pelo conceito aberto do referido
diploma legal, que permite o reconhecimento de novas entidades
familiares. Atualmente vivemos uma questão polêmica
concernente a necessidade de reconhecimento pelo direito das
uniões poliafetivas, uniões entre três ou mais pessoas que
convivem habitualmente, dividindo um mesmo teto e ideais de
vida, verdadeiras unidades familiares que devem ser
reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, visando a
mesma proteção, guardadas as devidas peculiaridades,
dispensadas às demais entidades familiares.
141
familiar, instituída por mais de duas pessoas. Não se trata
igualmente de uniões paralelas, mas de uma única união
celebrada por três ou mais pessoas, que vivem conjuntamente,
de forma pública, continua e duradoura, com verdadeiro
intuito de constituição de uma família.
142
brasileira naquele tempo, preocupava-se apenas com as
relações patrimoniais e com as relações voltadas para si,
possuindo a família um caráter de instituição e não de
instrumento garantidor do bem estar e felicidade de seus
membros.
Com o advento da Constituição da República Federativa
do Brasil, em 1988, ampliou-se o conceito de família, adotando-
se a expressão “entidade familiar” para designar as uniões
estáveis entre homem e mulher e a comunidade formada por
qualquer dos pais e seus descendentes, a chamada família
monoparental (VADE MECUM, Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, art. 226, 2012, p.136).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos
conceituou, em seu artigo XVI, 3, a família como um “núcleo
natural e fundamental da sociedade” garantindo-lhe proteção
da sociedade e do Estado (VADE MECUM, Declaração Universal
dos Direitos Humanos, art. XVI, 3, 2012, p.1544).
Na mesma esteira, a Convenção Americana sobre os
Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa
Rica, estabelece em seu artigo 17 que “a família é o elemento
natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida pela
sociedade e pelo Estado” (VADE MECUM, Decreto nº 678, de 6
de novembro de 1992. Convenção Americana sobre os Direitos
Humanos, art. 17, 1, 2012, p. 2200).
Para Venosa (2010), há duas formas de conceituar o
instituto da família: em sentido amplo, compreende-se por
família o conjunto de pessoas unidas por um vínculo jurídico de
143
natureza familiar; em sentido restrito, trata-se a família de uma
comunidade composta por pais e filhos que vivem sob o poder
familiar.
Venosa (2010, p. 9) define, ainda, a família como “um
fenômeno fundado em dados biológicos, psicológicos e
sociológicos regulados pelo direito”.
Biologicamente falando, Caio Mário da Silva Pereira
(2010) considera a família como um conjunto de pessoas que
descendem de um mesmo tronco ancestral, incluindo ainda,
neste plano, o cônjuge, os enteados, os genros e as noras e os
cunhados.
Seguindo este raciocínio, Diniz (2010, p. 17) conceitua a
família como sendo “um grupo fechado de pessoas, composto
dos pais e filhos, e, para efeitos limitados, de outros parentes,
unidos pela convivência e afeto numa mesma economia e sob a
mesma direção”.
Porém, estes conceitos nos parecem um pouco
limitados, visto que a Constituição da República de 1988 elevou
a família ao patamar de entidade familiar, tornando o afeto o
ponto principal que une os seus membros.
Destarte, Paulo Luiz Netto Lôbo, entende que “A família
é um grupo social fundado essencialmente nos laços de
afetividade após o desaparecimento da família patriarcal, que
desempenhava funções procriativas, econômicas, religiosas e
políticas” (LÔBO apud DIAS, 2010, p.43).
Maria Berenice Dias assim discorre sobre o conceito de
família:
144
Nos dias de hoje, o que identifica a família
não é nem a celebração do casamento nem
a diferença de sexo do par ou o
envolvimento de caráter sexual. O
elemento distintivo da família, que a coloca
sob o manto da juridicidade, é a presença
de um vínculo afetivo a unir as pessoas
com identidade de projetos de vida e
propósitos comuns, gerando
comprometimento mútuo. Cada vez mais a
ideia de família afasta-se da estrutura do
casamento. A família de hoje já não se
condiciona aos paradigmas originários:
casamento, sexo e procriação. (DIAS,
2010, p. 42)
146
O casamento é uma das primeiras formas de união
entre homem e mulher, sendo a primeira forma de constituição
familiar prevista pelo ordenamento.
No Código Civil de 2002, o casamento é regido nos
artigos 1.511 a 1.590, no Subtítulo I, do Título I (Do Direito
Pessoal), do Livro IV (Do Direito de Família), na parte especial
desta legislação.
A Lei Civil não traz a definição de casamento, apenas
estabelece a sua finalidade, qual seja, “comunhão plena de
vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”
(VADE MECUM, Código Civil Brasileiro de 2002, art. 1.511, p.
461). Tratou a doutrina, portanto, de conceituar este instituto.
Assim, vejamos.
Para Caio Mário da Silva Pereira (2010, p.65) o
casamento é a “união entre duas pessoas de sexo diferente,
realizando uma integração físiopsíquica permanente”.
Como já analisado anteriormente, até a promulgação da
Constituição da República, em 1988, o matrimônio era a única
forma reconhecida em lei de se constituir uma família. Hoje,
conforme disposto no art. 226, da CRFB/88, há outras
entidades familiares merecedoras de igual proteção estatal.
147
nossa Carta Magna, passou a ter especial proteção do Estado,
devendo ser facilitada a sua conversão em casamento (VADE
MECUM, Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, art. 226, § 3º, p. 137).
Após o reconhecimento da união estável como entidade
familiar, cuidou a legislação especial de regular a matéria.
Neste ínterim, temos a Lei nº 8.971/1994 que
regulamentou o direito dos companheiros, definindo o instituto
da união estável como união comprovada entre homem e
mulher solteiros, separados judicialmente, divorciados ou
viúvos, por mais de cinco anos, ou que dele tenha prole (VADE
MECUM, Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994. Direito dos
companheiros, art. 1º, 2012, p. 2307).
Posteriormente foi promulgada a Lei nº 9.278/1996 que
modificou este conceito para entidade familiar fundada na
“convivência duradoura, pública e contínua entre um homem e
uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de
família” (VADE MECUM, Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996.
União Estável, art. 1º, 2012, p. 2325). Tratou por bem o
legislador revogar a menção de prazo para a sua constituição,
ficando a cargo do julgador, observada a legislação e o caso
concreto, o reconhecimento desta união.
Por fim, com a instituição do Código Civil em 2002, toda
a matéria fora inclusa no Livro de Família, nos artigos 1.723 a
1.727, amoldando-se a este as normas contidas nas Leis nº
8.971/1994 e 9.278/1996, mantendo, contudo, o seu conceito,
qual seja, de entidade familiar formada pela “união estável
148
entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública,
contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de
constituição de família” (VADE MECUM, Código Civil Brasileiro
de 2002, art. 1.723, 2012, p. 491).
149
adolescente (DIAS, 2010).
Dias (2010, p.213) ressalta, ainda, que “para se
configurar uma família monoparental, basta haver diferenças
de gerações entre um de seus membros e os demais e desde que
não haja relacionamento de ordem sexual entre eles”.
150
desenvolve a sua personalidade (DIAS, 2010).
É neste sentido que se caracteriza a família
eudemonista, como um instrumento pelo qual o indivíduo
busca a sua felicidade e a realização plena de seus membros,
ou seja, é uma união que se origina pelos laços do afeto, do
respeito e do amor recíprocos em busca da felicidade comum.
Nesta esteira encontram-se, igualmente, as famílias
anaparentais, as famílias pluriparentais, as famílias
homoafetivas e as famílias paralelas.
152
toda a constituição e, por conseguinte, deve permear também
as relações no âmbito do direito de família.
A família tornou-se, assim, um meio garantidor do
exercício e promoção da dignidade da pessoa humana, ganhou
aspecto instrumental e passou a preocupar-se apenas com a
realização pessoal de seus membros (FERRARINI, 2010).
A Carta Política, ao conceber a família o status de
entidade familiar, ampliou o leque de modalidades de sua
constituição, tratando como família não só aquela formada pelo
casamento, mas também aquela formada pela união estável
entre homem e mulher e a comunidade estabelecida por
qualquer dos pais e seus descendentes (família monoparental),
declarando, assim, o pluralismo familiar, conforme expõe
Ferrarini (2010).
Todavia, como aduz Dias (2010), os tipos de entidades
familiares expressos nos parágrafos do art. 226, da CRFB/88,
são meramente exemplificativos – estão ali elencados por serem
os mais comuns. Há outras conformações de família na
sociedade brasileira (como as abordadas no capítulo anterior),
igualmente fundadas no afeto e no comprometimento mútuo,
carecedoras de reconhecimento e tutela estatal.
A Lei Maior estabeleceu, ainda, a igualdade entre os
cônjuges, bem como dos filhos, havidos ou não do casamento,
ou por adoção (VADE MECUM, Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, art. 226, 2012, p.136).
Analisando o direito de família sob a ótica
Constitucional, verificamos que vários são os princípios
153
aplicáveis ao instituto, podendo citar a seguir os mais
importantes.
O princípio da Dignidade da Pessoa Humana,
denominado por muitos doutrinadores como princípio de
eficácia radiante, é um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil, sendo princípio basilar do Estado
Democrático de Direito.
Podemos dizer que referido princípio seria o norteador
base do reconhecimento da união poliafetiva como uma
entidade familiar.
O princípio da igualdade previsto no caput do artigo 5º,
da CRFB/88 e está, por essência, vinculado ao macroprincípio
da dignidade da pessoa humana, uma vez que a igualdade,
como avalia Rodrigo da Cunha Pereira (2012b), é pressuposto
do exercício da cidadania.
Além de prever a isonomia como um direito
fundamental, a Constituição da República reiterou este
princípio nas relações familiares ao proclamar, em seu artigo
226, § 5º, igualdade entre os cônjuges no exercício de direitos e
deveres.
O princípio da liberdade, intimamente relacionado com
o princípio da igualdade, salvaguarda o princípio maior da
dignidade da pessoa humana (DIAS, 2010).
O princípio da autonomia e da menor intervenção do
Estado, no que tange ao direito de família, é verificado pelo
disposto no § 7º, do art. 226, da CRFB/88, que prevê a
liberdade do casal no planejamento familiar, e no art. 1.513, do
154
CC/02, que proclama a vedação da interferência nas relações
de família por qualquer pessoa de direito público ou privado
(PEREIRA, R. C., 2012b).
Com base neste princípio podemos deduzir que o
Estado não poderá determinar a forma na qual o indivíduo
constituirá a suas relações familiares, muito menos delimitar as
entidades de família que estarão sob o seu manto protetor. Pois,
se assim o fizer, estará ferindo os princípios da autonomia, da
igualdade, da liberdade e da dignidade humana, norteadores do
direito geral e do direito de família.
O princípio da pluralidade de formas de família encontra-
se consagrado pelo art. 226, da Constituição da República de
1988, que ao reconhecer a união estável e a família
monoparental o status de entidade familiar, eliminou de vez do
plano jurídico a concepção de casamento como única forma de
constituição de família.
Desta feita, este princípio deve ser compreendido como
o reconhecimento pelo Estado da existência de várias
possibilidades de “arranjos familiares” (ALBUQUERQUE FILHO
apud DIAS, 2010, p. 67).
Ao prever novas formas de constituição da família, a
Carta Magna demonstra que as relações familiares se originam
pelos laços do afeto, do desejo, não mais pela imposição social
da antiga sociedade patriarcal (PEREIRA, R.C., 2012b).
Podemos então afirmar que pelos princípios aqui apresentados,
não teria motivos para que a união poliafetiva não fosse
reconhecida como entidade familiar.
155
5. União poliafetiva x poligamia
156
disposto no artigo 225, que prescreve;
158
família.
O modelo de unidade familiar não é mais aquele
estabelecido unicamente entre um homem e uma mulher, de
forma que as diferentes modalidades de unidades familiares
devem ser reconhecidas pelo ordenamento jurídico,
propiciando a necessária proteção do Estado a todas as formas
de constituição de família.
Para a vice-presidente do Instituto Brasileiro de Família
(Ibdfam), Maria Berenice Dias, a sociedade deve se preparar
para os diversos tipos de relacionamento que existem hoje em
dia. Por meio de nota no Ibdfam, Maria Berenice diz que é
preciso "respeitar a natureza privada dos relacionamentos e
aprender a viver nesta sociedade plural, reconhecendo os
diferentes desejos". "O princípio da monogamia não está na
Constituição, é cultural. O Código Civil proíbe apenas
casamento entre pessoas casadas, o que não é o caso. Essas
pessoas trabalham, contribuem e devem ter seus direitos
garantidos. A Justiça não pode chancelar a injustiça."
Na petição apresentada pelo IBDFAM no pedido de
providência em tramitação no CNJ, assim afirmou o presidente
do instituto, Rodrigo da Cunha Pereira:
Conclusão
Referências:
161
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias.
5.ed.rev.atual ampl. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2009.
163
164
ENSAIO
165
ZYGMUNT BAUMAN: CARTAS DO MUNDO LIQUIDO
MODERNO
Altair Marchetti1
Gabriela Camêllo2
Marisa Quintão3
Monica Santos4
Saulo Camêllo5
Vitor Lopes6
René Dentz7
Resumo:
Introdução
167
A trigésima nona carta que compõe o livro “44 Cartas do
Mundo Líquido Moderno”, trabalha sobre o tema do
desconhecido, no caso, considerando o estrangeiro como aquele
que introduz uma dose de incerteza, ansiedade e temores do
desconhecido na vida dos moradores das cidades.
Expulsar esses agentes causadores não mudam nossas
vidas líquidas-modernas, continuamos nos sentindo inseguros,
pois a vida continua incerta. Mesmo quando eles não se
comportam de maneira agressiva, os estrangeiros causam
desconforto, apenas por estarem presentes.
168
Os estrangeiros são considerados “estranhos”, seres
bizarros cuja intenção e reação podem ser completamente
diferentes do comportamento das pessoas normais (comuns,
familiares).
A mixofobia surge de um impulso nosso de construir
ilhas de similaridade e identidade em meio a um oceano de
diversidade e diferença. É uma escolha para viver dividindo o
espaço com estrangeiros. Isso porque conversar com pessoas
parecidas conosco é fácil, elas estão preparadas para aceitar
tudo o que iremos dizer e antes mesmo de conversarmos com
elas já entendem nossos pensamentos, porém discutirmos
assuntos com pessoas que possuem pontos de vistas diferentes
é complicado, e para isso devemos construir uma habilidade
para convivermos. A mixofobia traz a promessa do conforto
espiritual que pode ser traduzido no sentimento de grupo para
compreender, negociar e conciliar.
Quanto mais fugimos da diversidade e passamos mais
tempos com nossos iguais, interagindo de modo superficial e
casual, evitamos o risco de incompreensão e perdemos a prática
da negociação de um meio de convivência entre todos. O
impulso em direção à “comunidade de similaridade” é sinal de
recuo não só da alteridade externa como também de um
compromisso com a interação interna, cheia de vida.
Esse medo do desconhecido, faz com que pessoas com
condições financeiras favoráveis busquem um meio alternativo
para fugir da diversidade, utilizando sua influência e condição
169
para instalar-se em comunidades muradas, e em conjuntos
habitacionais, rodeados de guardas e circuitos de alarmes
contra invasores. Isto começou nos EUA e na maioria dos
países europeus onde a tendência dos moradores urbanos com
melhores condições financeiras fogem das ruas apinhadas das
cidades para comunidades muradas.
Essas comunidades muradas são conjuntos
habitacionais cercados, com entrada controlada, guarda,
circuitos internos de TV, alarmes. Gastam-se fortunas com
“serviços de segurança” para banir qualquer mistura.
As ruas desses condomínios fechados sempre estão
vazias. Portanto, caso haja um desconhecido transitando pelas
ruas, logo será percebido como um evento fora do comum.
Qualquer um que não conhecemos e que rodeia nossas
residências pode se enquadrar como um estrangeiro com más
intenções. Após a evolução das tecnologias que permitem-nos
avisar se pretendemos ou não realizar uma visita a um amigo,
já que quase uma vez que todos podem ser encontrados on-line,
quando alguém toca a campainha de nossa casa sem ser
avisado isso pode ser caracterizado como uma situação de
potencial risco.
Por isso, em condomínios as ruas são mantidas vazias,
como forma de perceber situações de perigo, além do que não
há um interesse de contato entre os moradores do condomínio,
já que gastam exorbitantes quantias para viverem em uma
sociedade isolada. Para se libertarem de companhias
desagradáveis, selecionam quem pode ou não participar do
170
círculo de amizade, e isso os faz se sentirem à salvo dos perigos
que os estrangeiros causam. Porém, o que percebemos é que
apesar de todos esses cuidados, o medo permanece. Existe o
medo da parafernália da segurança falhar. Isto vem mostrar as
contradições do mundo pós-moderno onde a insegurança reina
em todos apesar dos meios de proteção contra os estrangeiros,
e também vem mostrar a dificuldade do homem atual de
entrosamento físico principalmente quando considera o outro
portador de perigo e ameaça. É a grande dificuldade de se
relacionar no mundo pós-moderno.
3. Tribos e céus
171
tempo, algumas coisas foram mudando. Comerciantes que
antes vinham comprar cocos agora ficam sumidos. Em lugar
deles, a empresa Nicer Nut Corporation, agora compra toda a
colheita, em bloco. Com isso, o preço do produto fica fixado de
antemão, é pegar ou largar. Os agentes da Nicer Nut
Corporation concordam com os bruxos da tribo que falam sobre
os mísseis no céu e sobre notícias que pressagiam. Os agentes,
como os bruxos, insistem em dizer que, é na potência dos
bólidos celestiais que reside todo o nosso destino. Isso, leva a
tribo a vender cocos abaixo do preço devido à confiança nos
bólidos celestiais.
Outro conto presente, está no modo como vemos nossos
líderes. Antes, figuras distantes que ficavam em cima de
palanques ou nos retratos, assumindo uma altivez
convencional, agora, com a televisão, podem ser observados na
minúcia de suas feições e expressões.
172
Em outras palavras, ficaram tão próximos de nós,
invadiram nossas salas de estar, nossos quartos de dormir, e se
tornaram muito comuns, como qualquer um de nós, tendo
apenas como diferencial uma morte pública.
Assim, as razões pelas quais os olhos se fixam nas
estrelas não mudam muito de uma tribo para outra. Só muda o
equipamento a serviço da atividade/passividade, os nomes das
tribos e das estrelas que as tribos contemplam bem como as
histórias que os bruxos contam. Não mudam a mensagem
dessas histórias nem as intenções e objetivos de seus
narradores. No nosso mundo pós-moderno, observa-se muito o
caráter enganoso das relações humanas, baseado no
capitalismo, na exploração do trabalho e aplicação do preço
menos justo.
4. Estabelecendo limites
173
Em cima de diferenças e semelhanças dadas pela natureza;
impuseram-se divisões e distinções artificiais imaginadas e
estabelecidas pelos seres humanos.
Os limites são impostos para criar diferenças, podendo
ser essas diferenças entre um lugar e outro, entre uma
extensão de tempo e o resto do tempo. A criação dessas
diferenças recai sobre a aplicação de diversos padrões
comportamentais, o que torna possível manipular
probabilidades e com isso, alguns eventos poderão ser
prováveis, outros menos prováveis e outros inclusive
impossíveis. Isso porque o estabelecimento de limites e
fronteiras, cria uma estrutura, que nos permite estar cientes de
onde estamos, do que fazermos e quando agir, pois, as
fronteiras nos proporcionam confiança, mas para cumprir essa
função elas (fronteiras) devem ser demarcadas, para garantir a
ordem. Essas fronteiras de sua casa e da casa de outras
pessoas criam e simbolizam a divisão entre “os de dentro” e “os
de fora” levando ao mundo ordenado.
A ordem é explicada por Mary Douglas em seu estudo
Pureza e Perigo (1966) como:
175
Nesse plano microssocial, diferentes tradições, crenças,
motivações culturais e estilos de vida supervisionados e
administradas por governos compartilham o dia a dia
inevitavelmente e dialogam entre si, numa conversa pacífica e
benevolente, tormentosa e antagônica, que leva a familiarização
e não ao estranhamento, contribuindo para o respeito, a
solidariedade e o entendimento mútuo.
Esse modelo líquido moderno, com a missão de construir
condições para se chegar a um modo agradável e
reciprocamente benéfico de coexistência de forma de vida
diferente tem sido despejado em pequenas áreas localizadas
com muitos problemas. Isso transforma essas áreas em
laboratórios para a descoberta de modos de convivência
humana num planeta globalizado.
Fronteiras intercomunitárias se tornam às vezes campos
de batalha onde se despejam receios e frustrações de várias
origens, mas constituem oficinas de arte para convivência,
locais onde sementes de humanidade são cultivadas.
Na história, nada é pré-determinado, é um traço deixado
no tempo por escolhas humanas múltiplas raramente
coordenadas. A sociedade pós-moderna tem se apresentado
sem limites desejáveis. Quando se estabelece o limite é para nos
separar, proporcionando uma divisa
176
Temos um contexto histórico de conflitos e massacres e
de tantas mortes impiedosas realizada por pessoas
caracterizadas como aparentemente normais, que após se
depararem com algum estimulo seja ele por força de um
discurso legitimador ou seja pelas características inerentes a
condição do ser humano.
Não há uma linha divisória que divide os sujeitos em
bons e maus, certos e errados, amáveis e odiáveis, cultos e
imorais, santos e perversos, anjos e demônios, estamos em
constante fluxo entre essas linhas, pois o fator situacional, ou
seja, a circunstância e o ambiente são capazes de ocasionar
essa transição que separa o bem do mal.
Qualquer ambiente ou circunstância, com determinadas
características tem o poder de acarretar mudanças nos
comportamentos, sobretudo, em pessoas que naturalmente
apresentam uma conduta influenciável.
Situações envolvendo ambientes que, de certa forma,
está desde sempre impregnado com arbitrariedades, sempre
criam basicamente dois tipos de indivíduos: aqueles que
mandam e aqueles que apenas obedecem às ordens, que
quando desobedecidas geram sansões extremas.
Qualquer ato que tenha sido cometido por um ser
humano, não importa o quão terrível, pode ser cometido por
qualquer um de nós, isso por que a natureza humana não é
imutável, permanente e definitiva, onde nosso caráter está
continuamente em formação.
177
“[...] é fácil incitar pessoas que não têm
índole má a perpetrar atos de maldade. ”
(BAUMAN, 2011, p.139.)
178
Portanto, o mal não se encontra em determinadas
pessoas como característica intrínseca, os comportamentos são
moldáveis e o ambiente apresenta grande influência nessas
modificações, possuindo um papel fundamental na formação do
caráter
Porem assim como o mal pode surgir inesperadamente de
alguém que jamais imaginamos que pudessem cometer
qualquer ato ilegal, cruel ou violento a bondade pode ser
encontrada até mesmo em ambientes e circunstancias
insalubres, sendo possível efetivamente resistir ao mal que
neles habita.
6. Destino e caráter
179
O caráter, por seu lado, é a dimensão que temos algum
controle. Em alguns casos conseguimos moldar e trabalhar
sobre a construção do nosso caráter, isso irá depender da nossa
força de vontade, do tempo que desprendemos e dos recursos
que possuímos, seja eles materiais ou imateriais. E é esse
caráter que nos irá guiar nas escolhas entre as alternativas
oferecidas pelo destino, criando uma relação única e exclusiva
para cada indivíduo com seu próprio destino e sua própria
existência.
As pessoas acreditam que a uma receita infalível sobre a
felicidade a partir das escolhas feitas pelo caráter acerca da
vasta gama de opções que o destino nos dá, mas na realidade
não a uma formula para sintetizar tal conceito, visto que a
diversos tipos de caráter. Os que tentam fazer isso enganam
apenas os ingênuos. Utilizam a vida de Sócrates como a mais
perfeita possível para seguirem. Mas o próprio filosofo
considerava que o segredo de sua felicidade era a forma como
ele buscou viver a vida.
180
As pessoas que imitam a forma de vida de outras
pessoas, o modo de felicidades delas, não são verdadeiras,
traem e enganam a si mesmas, não passam de copias malfeitas
que não terão visibilidade no mundo. Para cada ser humano
existe uma forma perfeita de ser, é aí que está uma das
maneiras para ser feliz, cabe a cada um buscar a sua.
181
desafiá-las com suas práticas. (BAUMAN,
2011, p.146.)
Considerações finais
Referências:
184
A EUTANÁSIA: UMA REFLEXÃO SOBRE ASPECTO MORAL E
JURÍDICA, COM FUNDAMENTAÇÃO NAS TEORIAS
FILOSÓFICAS DE KANT, STUART MILL E A TEORIA DO
LIBERTARISMO
Introdução
A eutanásia é um tema polêmico que gera discussões e
reflexões diversas acerca de sua legalidade, de sua moralidade e
Mariana/MG
3 Graduando em Direito na Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-
Mariana/MG
4 Graduanda em Direito na Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-
Mariana/MG
5 Graduando em Direito na Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-
Mariana/MG
6 Graduando em Direito na Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-
Mariana/MG
7 Professor Titular da UNIPAC- Mariana/MG; Psicanalista; Membro do
186
seja, o que juridicamente seria aceito, e qual a perspectiva do
ordenamento jurídico brasileiro sobre a eutanásia e quais
países aceitam esse tipo de tratamento. E por fim, o terceiro é a
visão do código de ética médica. No que a ética médica se
fundamenta? Será tal fundamentação suficiente em termos
argumentativos?
Não será discutida aqui a perspectiva religiosa, pois o
que se busca com este ensaio é algo mais concreto, devido ao
fato de que a ótica religiosa traz consigo alguns pré-conceitos e
dificulta o diálogo e a discussão do mesmo. Além do mais, a
abordagem religiosa toma como ponto de partida elementos
metafísicos, que são em si mesmos, enormes entraves às
discussões e impossibilitam um debate democrático, pois são
visões de grupos específicos na sociedade.
2. Etimologia e classificações
3. A eutanásia
190
Constata-se ainda que para Kant, para ser
considerado suicídio seria necessário obedecer a dois
critérios fundamentais que são: a morte produzida de forma
intencional e o seu resultado tem que ser obtido de forma
imediata e o ato deve ser da própria pessoa, excluindo
participação de terceiros (MASCARENHAS, 2009 APUD
WITTWER, 2001, p. 53 - 54).
Alguns filósofos dizem que a autonomia e liberdade de
escolha implica na pose sobre a vida e a ética da autonomia que
parte de muitas tradições religiosas torna a discussão abstrata,
ou seja, nada concreta. O que vai de encontro com as teorias
dos fundadores da filosofia política liberal, Jhon Locke e Kant
que se opõem à ideia de moralidade do suicídio assistido e
ainda rejeitam a ideia de que nossas vidas sejam bens para
dispormos como quisermos (CUNHA, 2014, p. 7).
Sandel9 define que o libertarismo traz a ideia contraria as
de Kant e Locke, pois são contra as leis que protegem as
pessoas contra si mesmas, afinal viola o direito do indivíduo
escolher os riscos que querem correr, como por exemplo, a
automutilação e o próprio suicídio.” Os libertários são contra o
uso da força coerciva da lei para promover noções de virtude ou
para expressar as convicções morais da maioria” (CUNHA,2014
APUD SANDEL, 2012, p.8).
Essa teoria defende que o indivíduo pode dispor do seu
próprio corpo como bem quiser, sendo assim fica subentendido
191
que a eutanásia é permitida, sendo necessária apenas a
autorização do paciente. Conforme já foi exposto sobre a teoria
entende-se que por ser dono de si mesmo, a vida do ser
humano pertence a ele mesmo, com isso não é permitido se
apoderar da vida do outro e decidir sobre ela, como por exemplo
por fim na vida de alguém, mas também traz a ideia de já que o
ser pode dispor do seu corpo como quiser, pode também vender
seus órgãos, como por exemplo um rim. Defende-se ainda o
suicídio assistido, pois se é dono da sua vida pode terminar
com a mesma a qualquer momento que ache necessário e tudo
isso sem interferência do Estado e este por sua vez não possui
direito de intervir nesses casos.
Quando analisamos sob a ótica de Stuart Mill, em sua
obra Utilitarismo, que estabelece o princípio da felicidade maior
que por sua vez é um princípio moral. Com isso considerasse
que as ações que possuem caráter moral são corretas somente
se levarem à felicidade. Estas ações baseadas na felicidade são
corretas de acordo com os meios aplicados para se chegar a um
fim útil para todos.
O fato de Mill relacionar a felicidade com prazer e a
infelicidade com a ausência do prazer, nos leva a crer que se
alguém se encontra em sofrimento intenso por uma fatalidade
que lhe ocorreu ou por uma doença que lhe acometeu, não será
moral cessar este sofrimento com o ato de findar sua vida, de
forma assistida, segura e digna? Afinal o sofrimento é o
antagonismo do utilitarismo.
192
Diante de todas as correntes filosóficas relatadas acima,
podemos pensar em eutanásia, não como o suicídio assistido
afirmado por Kant e sim por um conceito de conceder ao ser um
último prazer, que é o de morrer com dignidade e sem
sofrimento (CUNHA, 2009, p. 8).
A medicina preconiza salvar vidas ou dar aos pacientes
condições dignas para viver ou até mesmo morrer, é ato
criminoso por parte de o médico negar assistência em qualquer
situação que se encontre o paciente, sendo assim como dizer
“não” a alguém que está em agonia extrema ou até mesmo com
morte cerebral confirmada?
Embora o Código de Ética Médica (2009) dispõe em cap.
I, art. 6º, o médico deve respeito à vida humana, em benefício
do paciente, “Jamais utilizará seus conhecimentos para causar
sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou
para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e
integridade”. Kipper10 fala que os próprios médicos reconhecem
o uso abusivo de recursos terapêuticos, sem que haja benefício
para o paciente. E lembrando que isso é punível pelo Código
Penal. Tal dispositivo é carregado de preconceitos estabelecidos
pela religião, que são transferidos de gerações a gerações
(CUNHA, 2014, p.5).
De acordo com Loch (2008, p.1) os critérios que devem
ser considerados sobre a vontade do paciente são: Critério
objetivo: aceitar o desejo do paciente. Critérios subjetivos:
5. Visão jurídica
195
A lei 125/96, traz pontos em seus artigos como: a
eutanásia será permitida em caso de morte cerebral, com
devida manifestação de vontade do paciente; a vontade deve ser
expressa como última vontade do paciente; a citada lei versa
também sobre a forma de constatar a morte cerebral; como se
faz quando a autorização é dada pela família, pré definido por
lei quem seria considerado família, prevê a possibilidade do
paciente não ter família o que levaria a necessidade de
autorização por parte do juiz, onde essa autorização é pedida
pelo médico assistente e muitos outros detalhes minuciosos
para que não haja ocorrência de prática errada, ou ainda, não
indicada.
Devido ao fato de não haver uma norma positivada sobre
o tema, a eutanásia gera divergência de opiniões dentro do meio
jurídico, dependendo assim do “entendimento” do juiz acerca do
caso julgado (OLIVEIRA FILHO, 2011).
196
família, deixou claro que se algo semelhante lhe acontecesse
não queria ficar “vivendo a poder de aparelhos”, diante dessa
lembrança de vários familiares, seus pais resolvem pedir aos
médicos que desligassem os aparelhos, contudo o médico chefe
da equipe, informa a eles que é necessário uma autorização
judicial para tal procedimento e começa uma saga em busca da
mesma.
O primeiro julgamento o juiz indeferiu o pedido, mas a
família recorre a ajuda de órgão defensores da causa de “morrer
com dignidade” e a batalha continua e João ali, em sofrimento
intenso, para manter um corpo que já não tem mais autonomia.
Diante do caso, fomos levados a refletir sobre o que Kant
afirma, “que o ser não pode dispor de sua vida, nem de outrem
por qualquer motivo, tendo que seguir o curso natural da vida”
(MASCARENHAS, 2009). Quando analisamos a teoria
utilitarista de Mill, João naquele momento está em condição de
infelicidade pelo seu quadro de saúde e o fato de sua vontade
previamente expressada à família não está sendo respeitada, o
filósofo afirma que temos que primar pela “Felicidade Maior” é
nosso ordenamento jurídico como já foi dito anteriormente não
há norma positivada para legalizar tal ato.
Mas temos a inclinação para corroborar com a ideia de
Mill, que seria proporcionar a “Felicidade Maior” a João,
colocando fim não em sua vida, mas sim em seu sofrimento,
considerando também o direito à dignidade humana (AÑEZ,
2015).
197
Considerações finais
198
reversão do quadro clínico ou cura é nula, podemos sim pensar
em conceder este último alívio ao ser sofrente.
Referências
200
IMPORTÂNCIA DA ARGUMENTAÇÃO NO ÂMBITO DO
DIREITO CONTEMPORÂNEO
Raquel Araújo1,
Magna Campos2
Resumo:
Introdução
E, ainda que
A argumentação é tão imprescindível ao
operador do Direito quanto o
conhecimento jurídico. [...] Sem
203
argumentação, o Direito é inerte e
inoperante, pois fica paralisado nas letras
da lei, no papel. [Isso porque] os
argumentos são também a própria
essência do raciocínio jurídico. [...]
[Portanto,] quem mais argumenta, melhor
opera o Direito, melhor o aplica.
(RODRIGUEZ, 2005, p. 5-6 apud
OLIVEIRA; CAMPOS, 2016, p. 73)
Assim,
A „tridimensionalidade‟ do contraditório
busca elevar o papel do Juiz que concede a
oportunidade de manifestação, ao Juiz que
efetivamente considera as razões
expendidas pelas partes na sua convicção,
como meio de construção participativa da
fundamentação das decisões judiciais, que
remete, volto a dizer, à fundamentação
ampla dos argumentos relevantes à
resolução da lide, e não de „todo e
qualquer‟ argumento apresentado. Essa é
a compreensão „segundo a Constituição‟
que deve permear a fundamentação
substantiva da sentença. (SIVOLELLA,
2016, 161)8
209
raciocínios demonstrativos. E a argumentação pode relativizar
essa verdade.
210
organização, a isso chamamos de utilização da premissa maior
(afirmação de caráter sustentar e geral). Quando não há
concordância da lei no contexto do caso, o orador emprega
também mecanismos pertinentes à lógica, para sustentar a
tese, com verossimilhança no exposto ao coletivo.
Seguindo a lógica, apresenta os fatos através da
premissa menor (afirmação de caráter mais restrito), com
intuito de mostrar todos os meios de provas e dentro das
normas legais e presunções cabíveis para incorporar a realidade
e os possíveis pontos para análise da sentença. Na sequência,
torna-se indispensável a conclusão do raciocínio lógico,
levando-se em conta a lei e o delito, para adesão com interesses
e valores dos interlocutores que primam pelo critério de
exposição para consequente julgamento. Mas é preciso
considerar-se que
213
seguinte situação “se quem comete furto merece punição,
com maior razão, deve ser punido aquele que praticou
roubo”.
Considerações finais:
A argumentação depende em primeiro lugar da condição
do profissional do Direito de conhecer as leis e ter pleno
desenvolvimento do conhecimento jurídico, de posse desses
conhecimentos, o profissional pode se valer dos inúmeros
214
recursos da argumentação para conquistar a adesão do
auditório a sua tese. Neste sentido, a nova retórica pode
fornecer ampla possibilidade para o orador no emprego do
argumento mais adequado para cada ocasião.
Deve-se lembrar também que todo argumento é passível
de contestação, de problematização e contraposição com a
realidade.
Referência:
215
UMA ABORDAGEM JURÍDICO-ANTROPOLÓGICA A PARTIR
DE PAUL RICOEUR
Patrícia Magalhães1
Alisson Machado2
René Dentz3
Resumo:
Neste ensaio analisamos quem é o sujeito de direito a partir da
concepção de Paul Ricoeur e buscamos identificar os agentes
responsáveis pela constituição do sujeito capaz de direitos e
deveres. A base de toda investigação a partir de Ricoeur,
consiste na constituição do juízo que implica no reconhecimento
do sujeito capaz, este que emerge da dimensão ética e moral. O
conceito de capacidade afirma a condição que o indivíduo tem de
ser autor de suas ações. A capacidade de se narrar, de fazer, de
se designar, de se assumir responsavelmente e da linguagem,
mostram a afirmação de um sujeito capaz de dizer algo e ser
reconhecido por isso. O sujeito de direito é o sujeito capaz
inserido em um contexto político e comunitário, tendo como base
a relação “eu-tu” que envolve o caráter do indivíduo e a
fidelidade do sujeito como forma de promessa. A capacidade de
agir do sujeito levando em conta a intenção, cria contratos que se
estendem para o futuro.
Introdução
219
fiduciária da qual irá decorrer a noção de
autoestima e autorrespeito.
220
acontece a partir da promessa, que é a palavra mantida, a
fidelidade ao que foi prometido. O caráter é importante, mas
apenas pelo caráter dos indivíduos não existe a possibilidade de
se construir a fidelidade que é marcada pela promessa.
221
se distingue da obra e do trabalho pela sua temporalidade
própria, o trabalho se consuma em sua consumação, a obra
pretende durar indefinidamente, a ação quer simplesmente
continuar. Ela se distingue ainda pela sua inscrição direta na
pluralidade, que expõe sua fragilidade: irreversibilidade que
impacta a pretensão de tornar o ato absoluto, ao qual replica o
perdão, a imprevisibilidade que toca as consequências da ação,
a que responde a promessa. Essas faculdades simétricas são
aquelas do homem que age na pluralidade. Do lado do perdão,
a liberdade e seu complemento jurídico, a sanção, um e outro
interrompem o ciclo da violência. Dessa forma, é reencontrado o
caminho de ligação da reciprocidade entre perdoar e punir.
223
A relação “eu-tu” é importante para a composição da
justiça, mas é a promessa que fundamenta essa justiça, dessa
forma, para que o justo possa sempre prevalecer, deve-se levar
em conta a relação de responsabilidade, de dever e também os
imperativos universais5.
Considerações finais
5Aja apenas segundo a máxima que você gostaria de ver transformada em lei
universal."
Immanuel Kant, A Metafísica da Moral (1797)
224
de agir intencionalmente, assim, criando contratos que são
estabelecidos para o futuro.
Então, o sujeito de direito para Ricoeur é aquele que está
inserido em um contexto de sociedade, ele tem capacidades e a
partir do ato da fala é capaz de originar várias outras ações,
este sujeito se origina do sujeito capaz que é o dono de direitos
e deveres, este é o cidadão real, é o sujeito digno de estima e
respeito.
Referências:
TERREGA, Maria Cristina Vidotte Blanco. O Conceito de
Sujeito de direito em Paul Ricoeur. Disponível em
<https://www.diritto.it/o-conceito-de-sujeito-de-direito-em-
paul-ricoeur/>. Acesso em: 06 out. 2017.
Outras leituras
225
<http://www.cifmp.ufpel.edu.br/anais/1/cdrom/mesas/mesa3
/01.pdf> Acesso em: 06 out. 2017.
226
FILOSOFIA DO DIREITO DE RONALD DWORKIN: DIREITO
COMO INTEGRIDADE COMO FORMA DE SUPERAR O
CONVENCIONALISMO E O PRAGMATISMO JURÍDICO
Altair Marchetti1
Gabriella Camêllo2
Marisa Marchetti3
Monica Santos4
Saulo Camêllo5
Vitor Lopes6
René Dentz7
Resumo:
Introdução
228
complexos precisam utilizar moldes determinados, a fim de que
seja alcançada a previsibilidade e a justiça no caso concreto,
verificando-se uma ruptura com a teoria da discricionariedade
oferecida pelo positivismo jurídico.
230
e não para outro (DWORKIN, 2002 apud
MOREIRA e MAYRINK, 2014, p. 4).
231
Ronald Dworkin (1999) sugere que o direito é um
conceito interpretativo e que os textos por si só não possuem
significados por si mesmos. É preciso uma perspectiva
determinada que os positivistas não têm considerado. O autor
desaprova as teorias semânticas de direito adotadas por Hart,
que são caracterizadas por acolher o ponto de vista conforme o
qual são os fatos que indicam os elementos do direito.
Dworkin aspira que ao se adotar o método interpretativo
proposto por ele, possamos conferir à norma jurídica um
sentido mais lógico com a nossa prática jurídica apreciada em
uma perspectiva ampla. Assim, a interpretação construtiva
institui um propósito a uma prática a fim de torná-lo o melhor
possível em face de sua finalidade.
Para uma melhor elaboração de uma ferramenta
adequada ao estudo do direito enquanto prática social, Dworkin
faz uma fragmentação analítica em três etapas interpretativas
de modo a aprimorar a interpretação construtiva: a etapa pré-
interpretativa que trata do obstáculo da identificação do direito;
a etapa interpretativa que busca um significado, um
esclarecimento para o direito; e a etapa pós-interpretativa, a
qual busca a melhor interpretação, o melhor ajuste de acordo
com o que a prática requer. Passemos a tratar melhor do
assunto.
4. Etapas da interpretação
232
Na etapa pré-interpretativa é executado o
reconhecimento e a qualificação do objeto a ser interpretado
apontando assim, as regras e normas que viabiliza o conteúdo
da prática. Dworkin, atenta que mesmo nessa etapa é
indispensável algum tipo de interpretação, mesmo sendo
denominada como pré-interpretação.
Para o êxito desse processo interpretativo é fundamental
um alto grau de concordância na identificação, por isso, as
regras sociais não possuem estereótipos de identificação.
Na etapa interpretativa o intérprete vai buscar uma
motivação de valores e objetivos que acredita que a prática
persegue, limitando-se numa justificativa geral para os
elementos da prática identificada na etapa anterior (pré-
interpretativa). Nas palavras do filósofo:
234
única e melhor interpretação da prática social e não crê que o
Direito como um fenômeno complexo muitas vezes ajusta-se a
vários valores. Assim, não é viável dizer que apenas uma dessas
interpretações seria exata. Deste modo:
235
melhor possível (CHUEIRI, 1995 apud
SENS, 2013, p. 10).
5. Convencionalismo
237
é, desavenças entre proposições jurídicas cujo valor de verdade
necessita do significado concedido ao direito.
A crítica do filósofo ao convencionalismo é ligada a
diversas condições que foram expressadas no seio da filosofia
da lógica e da filosofia da linguagem contemporânea, com sua
análise sobre o funcionamento da linguagem moral, o conceito
da bipolaridade, a crítica ao representacionismo e demais
fatores. Além disso, o convencionalismo jurídico fracassou por
não disponibilizar uma teoria estabelecida as práticas
interpretativas, não podendo explicar o motivo pelo qual os
juízes permanecem buscando as melhores justificações, mesmo
quando elas não são evidentes. Também fracassa por não
apontar uma teoria eloquente sobre os fundamentos da
admissão do uso da coerção e sobre o modo como se
constituem e de que tipo são os encargos dos juízes diante do
direito. Tais fatos fazem com que o convencionalismo jurídico
não responda adequadamente ao desafio dworkiniano.
6. Pragmatismo jurídico
238
ação de julgar, os juízes pragmatistas não estão preocupados
com a moral e muito menos com a história. Tal consideração é
inconcebível para Dworkin cujo pensamento teórico molda-se
justamente na preservação da história e da moral em sua teoria
do direito.
Uma das maiores distinções de Dworkin e o pragmatismo
jurídico é o amparo ao passado, à história ou a tradição. O
filósofo refere-se ao pragmatismo como sendo aquela teoria do
direito que despreza a importância das decisões passadas. O
juiz pragmatista deve estar exclusivamente vigilante às
demandas sociais de seu tempo, aqueles pertinentes ao
momento de seu julgamento.
Assim, Dworkin olha para trás e para baixo enquanto os
pragmatistas olham para frente e para cima. Dworkin olha para
o passado, em contrapartida, os pragmatistas olham para o
futuro. Para o jurista é necessário olhar para trás, para então
olhar para frente.
O pragmatismo jurídico e o convencionalismo possuem
diferenças, nas palavras do filósofo:
240
A justiça diz respeito ao resultado correto
do sistema político: a distribuição correta
de bens, oportunidades e outros recursos.
A equidade é uma questão de estrutura
correta para esse sistema, a estrutura que
distribui a influência sobre as decisões
políticas de maneira adequada. O devido
processo legal adjetivo é uma questão dos
procedimentos corretos para a aplicação
de regras e regulamentos que o sistema
produziu. A supremacia legislativa que
obriga Hercules a aplicar as leis, mesmo
quando produz uma incoerência
substantiva, é uma questão de equidade
porque protege o poder da maioria de fazer
o direito que quer. As doutrinas rigorosas
do precedente, as práticas da história
legislativa e a prioridade local são em
grande parte, embora de maneiras
distintas, questões de processo legal
adjetivo, porque estimulam os cidadãos a
confiar em suposições e pronunciamentos
doutrinários que seria errado trair ao
julgá-los depois do fato (DWORKIN, 2007
apud MARINHO, 2015, p. 8).
241
Uma sociedade política que aceita a
integridade como virtude política se
transforma, desse modo, em uma forma
especial de comunidade, especial num
sentindo de que promove sua autoridade
moral para assumir e mobilizar monopólio
de força coercitiva. Este não é o único
argumento em favor da integridade, ou a
única consequência de reconhecê-la que
poderia ser valorizada pelos cidadãos. A
integridade protege contra a parcialidade,
a fraude ou outras formas de corrupção
oficial (DWORKIN, 2007 apud MARINHO,
2015, p. 4).
Considerações finais
244
é criticado pelo filósofo por não se ater a moral, e muito menos
com a história. Por isso, Dworkin defende o direito como
integridade como uma quarta virtude, ao lado da equidade, da
justiça e do devido processo legal, tal pensamento se refere a
agir de modo coerente e fundamentado em princípios. Na
concepção do jurista as sociedades que aderem tal teoria se
transformam em uma comunidade especial que promove sua
autoridade moral para assumir e mobilizar monopólio de força
coercitiva.
A integridade contribui na expansão do direito uma vez
que sendo a sociedade governada por princípios há menos
necessidade de regras explícitas, podendo o direito se adequar
as novas circunstâncias. Assim, os juízes devem se valer de
princípios para tomarem as decisões, considerando todos os
aspectos fáticos, normativos e morais relevantes para a solução
do caso. Para exemplificar tal pensamento Dworkin cria a
metáfora do romance em cadeias e um juiz imaginário, como
espécie de modelo a ser seguido pelos juízes.
Referências:
246
MARINHO, Jefferson Luiz Alves. Teoria da integridade de
Ronald Dworkin: Um olhar matemático para a tese da resposta
correta. 2015. Disponível em:
https://online.unisc.br/acadnet/anais/index.php/snpp/article
/download/14242/2684. Acesso em: 30 de set. 2017.
247
SCHOPENHAUER: METAFÍSICA DA VONTADE E JUSTIÇA
Resumo:
Este ensaio explora a teoria da vontade em Arthur Schopenhauer
e suas implicações com a questão da justiça. A perspectiva do
filósofo sobre a submissão da razão à vontade e sobre o papel
coercitivo do Estado na tentativa de suprimir as vontades que
extrapolem os limites entre a vontade de um indivíduo e do outro,
originando assim um conceito de justiça negativo, ou seja, o
Estado legislador existe para coibir a injustiça e não para fazer a
justiça, são perspectivas que não se pode ignorar para a
compressão do Direito em suas bases filosóficas e críticas.
Introdução
249
definida como Morte ou, simplesmente, como um fenômeno ao
qual algum ser vivo, ao longo do tempo, deixaria de existir. E, é
fato, que sempre tal inquietação foi motivo de incontáveis
perguntas e mistificações, assim como o próprio medo gerado
por tal evento.
Logo no começo de seu texto, Schopenhauer deixa claro
algo que pode ser usado para refletir sobre a capacidade de
consciência da espécie humana:
250
A vida é um fato que independe de sua própria
explicação ou desejo, ela acontece mesmo que você não queira
ou não a entenda. Somos, de certo modo, obrigados a percorrer
nossa jornada nesse mundo e, não há nada mais doloroso que
nos lembrarmos do fim de nossa existência, e, até os atos mais
egoístas de suicídio são, na verdade, ocasionados por uma
vontade de viver, mas que, de certo modo, não aconteceu como
planejado ou simplesmente aumentou ainda mais a angústia de
sua própria existência.
Neste sentido, o filósofo deixa claro que o que importa
para todos nós, sejam os seres humanos ou uma simples pedra,
é a vontade de continuar existindo e, para alcançar essa
condição, somos capazes de fazermos de tudo, até mesmo,
jogarmos nossas esperanças em algo que pode não existir, como
os próprios dogmas religiosos pregam.
A necessidade de uma metafísica transfigurada em
religião é o que pode proporcionar tal alento à nossa trágica e
simples existência. Todavia, como o próprio Schopenhauer
coloca, se nos fosse possível alcançar a imortalidade de outra
forma, que não fosse à crença em uma vida pós-morte, pregada
pelas religiões, esses próprios crentes3 seriam capazes de
sacrificar seus deuses para ficarem com sua imortalidade e,
dessa forma, eles pregariam o ateísmo, pois, como já dito,
fazemos de tudo para continuarmos existindo e o maior alento
para nossa trágica existência seria a chance de superarmos
nossa efemeridade perante o mundo. É nessa necessidade
253
guerras para tentar fundar-se, basta lembrar as cruzadas nos
século XI e XIII, para entendermos o “porquê” dessa afirmação.
Perante a necessidade metafísica da humanidade, a
religião utiliza dessa metafísica, como o próprio autor coloca,
para dogmatizar pessoas, principalmente crianças, para que
dessa forma possa continuar se perpetuando no decorrer do
tempo. Essa metafísica se torna deturpada e carregada de
intenções pessoais no intuito de alienar todos aqueles que a
procuram.
A filosofia se origina no intuito de buscar formas para
acalentar nossa pobre existência. Ela é essencialmente uma
sabedoria sobre o mundo, gira em torno de si própria, da vida e
seu único, e complexo problema, é o próprio mundo em si.
Dessa forma surge a metafísica atada à existência humana e a
capacidade metafísica atada à filosofia, que não pode ser
alcançada por todos. Entretanto, nesse limiar, surge também a
religião, que de certa forma tenta possuir uma capacidade
metafísica por si própria, todavia, tal tentativa é em vão, pois
religião jamais será de fato uma filosofia e jamais será capaz de
percorrer os mesmos caminhos de sua concorrente.
Em toda uma trajetória temporal, o sistema de segundo
tipo (religião), como já falado acima, não poupou esforços para
dominar o primeiro sistema, sempre se manifestando como
certa “filosofia de vida”, na tentativa de se fundamentar a partir
do exterior e do interior; necessidade essa considerada perigosa
para Schopenhauer, “pois se o segundo sistema fosse capaz de
buscar a sua própria autenticação, ele não teria necessidade de
254
buscar uma externa.” (SCHOPENHAUER, 1938, p. 256).
Continuando o seu pensamento, o autor, de forma genuína,
expõe que é a religião, a qual está sempre em conflito com a
verdade pura e simples, que procura ser aceita pelos filósofos; é
esse sistema que precisa da aceitação daqueles que buscam a
verdade além das crenças propriamente ditas.
Entretanto, o detalhe que não deve passar despercebido
nesse momento é que, no entender do estudioso, as grandes
massas necessitam de algo que, a priori, acalente seu
desespero, porém, elas não podem e não são capazes de lidar
com a verdade tal como ela é. Dessa forma, criam-se falsas
verdades acerca do mundo, “verdades” essas que ao cumprirem
seu simples papel em deixar mais suportável à vida, são
abraçadas e espalhadas com toda a suposta força da vontade
por essas mesmas pessoas. O restante pouco importa, pois
como já foi falado anteriormente, fazemos de tudo para
continuarmos existindo e somos capazes de crer em qualquer
coisa que possa nos dar o conforto momentâneo da vida.
É assim que podemos entender a capacidade metafísica
da humanidade, pois todos possuem certa necessidade
metafísica, somos finitos, mortais e queremos continuar
existindo, seja aqui ou em outro suposto local. A vontade reina
sobre tudo. Entretanto, não são todos os que possuem a
capacidade metafísica da vida, não são todos que podem
alcançar o entendimento dessa dor, as pessoas em geral não
estão preparadas, ou não querem estar, para adentrar além da
simples necessidade e aprofundar no gene da própria vontade
255
de viver, nas profundezas da filosofia e, dessa forma, deixarem
de crer em simples doutrinas que suspendem
momentaneamente e de forma ilusória esse sofrimento, assim
como uma anestesia cirúrgica. Desta forma, o próprio filósofo é
elucidativo ao explicar que:
Considerações finais
Referências:
262
ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL N. 1475759/DF: DA
PRESCRIÇÃO NA AÇÃO DE PETIÇÃO DE HERANÇA
CUMULADA COM INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
Introdução
263
sua inclusão; contudo, uma vez partilhados os bens, caso haja
herdeiro não considerado na divisão, por ser desconhecido pelo
inventariante, por exemplo, far-se-á necessário o ajuizamento
de uma nova ação, peticionando pela parte que lhe cabe.
264
Para dirimir a dúvida, o Superior Tribunal de Justiça
proferiu uma decisão no Recurso Especial n. 1475759/DF, cuja
controvérsia se referia justamente ao termo inicial de contagem
da prescrição nas hipóteses de cumulação das ações de petição
de herança com a investigação de paternidade. Este importante
julgado será o objeto da nossa análise, na medida em que
trouxe um entendimento muito relevante para o Direito das
Sucessões.
266
determinando um prazo diferenciado, aplica-se a regra geral
insculpida no artigo 205 do Código Civil. Destarte, este
dispositivo é extensível à pretensão formulada na ação de
petição de herança, uma vez que a Lei não lhe designa um
prazo próprio.
É mister pontuarmos que a prescrição da ação de petição
de herança se dá em 10 anos contados da abertura da sucessão,
o que, de acordo com o princípio da saisine, que norteia também
o Direito Sucessório brasileiro, ocorre no exato instante da
morte. Esse entendimento é compartilhado pela doutrina e
jurisprudência majoritárias, conforme o seguinte julgado
proferido pelo Superior Tribunal de Justiça:
267
Entretanto, como já salientado, há casos de filhos que não
foram reconhecidos pelo autor da herança antes de falecer e
que, por isso, para fazerem jus ao direito sucessório, precisam
ajuizar ação de investigação de paternidade juntamente com a
petição de herança. Afinal, o direito a herdar, sabemos, depende
da posse do estado de herdeiro. Essa hipótese suscitou dúvidas
quanto ao termo inicial da prescrição da pretensão formulada
na ação de petição de herança, já que esta dependeria do
resultado obtido na investigação de paternidade.
Por um lado, sabemos que o reconhecimento de
paternidade é imprescritível; todavia, a pretensão de obter os
direitos sobre a herança se submete ao prazo prescricional geral
de 10 anos informado pelo Código Civil. Tal entendimento foi
inclusive pacificado pela súmula 149 Supremo Tribunal
Federal, que preconiza que “é imprescritível a ação de
investigação de paternidade, mas não o é a de petição de
herança” (BRASIL, 1993). Ou seja: se há a cumulação das duas
ações, a despeito da imprescritibilidade do estado de filho,
mesmo que a paternidade seja afirmada, o herdeiro pode perder
a pretensão de obter para si a herança com o decurso do lapso
temporal supramencionado.
Isto posto, é razoável supor que, quando há a cumulação
dessas duas espécies de ação, ocorra a alteração do termo
inicial da prescrição, a fim de não prejudicar os direitos do
herdeiro não contemplado na partilha ultimada. Mas afinal,
268
como se dá a prescrição quando ambas as ações são
cumuladas? A resposta foi apresentada pelo Superior Tribunal
de Justiça ao apreciar o Recurso Especial n. 1475759/DF, que
ora analisaremos.
269
O entendimento do Tribunal, então, foi no sentido de
vincular a prescrição da pretensão formulada na petição de
herança ao trânsito em julgado da sentença proferida no
procedimento de investigação de paternidade, que representa o
termo inicial de contagem do prazo de 10 anos, haja vista a
ementa do julgado:
2CARVALHO, Luiz Paulo Vieira de. Direito das Sucessões. São Paulo: Atlas,
2014, p. 283 apud BRASIL, 2016.
274
inventário. Dessa forma, conclui-se que, a
teor do art. 189 do Código Civil, o termo
inicial para o ajuizamento da ação de
petição de herança é a data do trânsito em
julgado da ação de investigação de
paternidade, quando, em síntese,
confirma-se a condição de herdeiro
(BRASIL, 2016).
Com efeito, caso se considerasse que o termo inicial para
contagem do prazo é a data do trânsito em julgado da ação de
inventário, nas hipóteses de ajuizamento de ação de
investigação de paternidade post mortem, não seriam raros os
casos deprescrição da pretensão formulada na petição de
herança, em virtude de eventual morosidade no reconhecimento
do estado de filho, essencial ao procedimento de obtenção do
direito à herança.
Nesse diapasão, os demais ministros da Terceira Turma
do STJ acompanharam o voto do Ministro relator. Os Ministros
Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco
Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro também conheceram do
recurso especial, negando-lhe provimento e, assim,
reconheceram o direito pleiteado pela parte autora, a despeito
da rechaçada alegação de prescrição.
Considerações Finais
275
em julgado da sentença proferida no procedimento de
investigação, uma vez que somente com o reconhecimento da
condição de herdeiro (no caso, a posse do estado de filho) nasce
a pretensão para reivindicar os direitos sobre a herança. Trata-
se de medida de lídima justiça, posto que apta a assegurar que
o herdeiro preterido em partilha na qual não foi beneficiado
disponha de lapso temporal razoável para manifestar-se acerca
do inventário e requerer o que lhe é de direito, ou seja, a
entrega dos bens da herança.
Deve ser observado, na fixação do termo inicial do prazo,
o princípio da actio nata, segundo o qual a prescrição tem início
com o nascimento da pretensão. Enquanto não é atestada a
paternidade e a consequente condição de herdeiro, não há que
se considerar existente a pretensão de reivindicar a herança.
Esta pretensão depende da confirmação do estado de filho.
Em suma: via de regra, tratando-se de ação de petição de
herança, o prazo prescricional de 10 anos terá início com a
abertura da sucessão, ou seja, com o falecimento do autor da
herança. Excepcionalmente, nas hipóteses em que o
reconhecimento da paternidade é ulterior ao seu óbito, justifica-
se a designação da data do trânsito em julgado da ação de
investigação como termo inicial do lapso prescricional. Assim,
comungamos do entendimento trazido na decisão proferida pela
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, quando do
julgamento do Recurso Especial n. 1475759/DF, na qual é
276
apresentada, em seu dispositivo, sólida fundamentação, o que
evidencia que a doutrina tende a corroborar esse
posicionamento. O referido julgado é deveras importante,
porque constitui um precedente apto a nortear outras futuras
decisões, e apresenta a solução mais razoável acerca do início
da contagem do prazo prescricional quando há ação de petição
de herança cumulada com investigação de paternidade.
Como sabemos, é notório que filhos não reconhecidos em
vida pelo autor da herança enfrentem obstáculos ao reivindicar
o que lhes é de direito, sendo comumente recebidos com
hostilidade pelos herdeiros que se beneficiaram com a partilha.
O STJ, em decisão justa, levou em consideração os direitos do
herdeiro excluído da partilha, salvaguardando que a prescrição
não lhe afaste a possibilidade de pleitear a herança. Não por
acaso, a unanimidade nos votos dos julgadores que apreciaram
o Recurso Especial em comento.
Referências
277
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma. REsp
1475759/DF. Rel. Min. João Otávio de Noronha. DJe
20/05/2016.
278
Magna Campos
Mariana,
2018.
279