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ENSINO, PESQUISA E

EXTENSÃO
UMA ABORDAGEM PLURALISTA

FREDERICO C. BARBOSA

EDITORA CONHECIMENTO LIVRE


Frederico Celestino Barbosa

Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

1ª ed.

Piracanjuba-GO
Editora Conhecimento Livre
Piracanjuba-GO
Copyright© 2020 por Editora Conhecimento Livre

1ª ed.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Barbosa, Frederico Celestino


B238E Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista
/ Frederico Celestino Barbosa. – Piracanjuba-GO
Editora Conhecimento Livre, 2020
1109 f.: il
DOI: 10.37423/2020.edcl53
ISBN: 978-65-86072-61-7
Modo de acesso: World Wide Web
Incluir Bibliografia
1. ensino 2. pesquisa 3. extensão I. Barbosa, Frederico Celestino II. Título

CDU: 30

https://doi.org/10.37423/2020.edcl53

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respectivos autores.
EDITORA CONHECIMENTO LIVRE

Corpo Editorial

Dr. João Luís Ribeiro Ulhôa

Dra. Eyde Cristianne Saraiva-Bonatto

MSc. Anderson Reis de Sousa

MSc. Frederico Celestino Barbosa

MSc. Carlos Eduardo de Oliveira Gontijo

MSc. Plínio Ferreira Pires

Editora Conhecimento Livre


Piracanjuba-GO
2020
SUMÁRIO

CAPÍTULO 1 .......................................................................................................... 17
A FILOSOFIA DA QUÍMICA DE CHARLES SANDERS PEIRCE
Débora Schmitt Kavalek
Marcos Antônio Pinto Ribeiro
DOI 10.37423/200601620

CAPÍTULO 2 .......................................................................................................... 36
A CONTRIBUIÇÃO DO PROFISSIONAL FARMACÊUTICO NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO
Amanda Beatriz Oliveira Bandeira
Cinthia Raissa Lopes
Ingrid Lorraine Lopes
Luana Souza Azevedo
Millena Pereira Xavier
Bruno Nunes do Vale
DOI 10.37423/200802328

CAPÍTULO 3 .......................................................................................................... 42
A UNIDADE CORPO E MENTE EM MERLEAU-PONTY: UMA NOVA FILOSOFIA PARA A
EDUCAÇÃO E APRENDIZAGEM
Caio Cezar Piraciaba de Brito
DOI 10.37423/200701838

CAPÍTULO 4 .......................................................................................................... 47
AS PRISÕES NO BRASIL: ENTRE A PRECARIEDADE DA VIDA E OS CORPOS EXPOSTOS À
VIDA NUA
Tauã Lima Verdan Rangel
Fernanda Santos Curcio
DOI 10.37423/200701843

CAPÍTULO 5 .......................................................................................................... 61
O DEBATE SOBRE DESENVOLVIMENTO LOCAL COMO CONTRAPONTO AS TEORIAS DA
LOCALIZAÇÃO: PONDERAÇÕES SOBRE O DISTRITO INDUSTRIAL DO SUBAÉ-FEIRA DE
SANTANA-BA
Gesner Brehmer de Araújo Silva
José Raimundo Oliveira Lima
DOI 10.37423/200701844

SUMÁRIO
CAPÍTULO 6 .......................................................................................................... 77
INFLUÊNCIA DO CÔNJUGE NO ACOMPANHAMENTO DA MULHER MASTECTOMIZADA: DO
DIAGNÓSTICO À PÓS MASTECTOMIA”
Andréa Stopiglia Guedes Braide
Paulla Vasconcelos Valente
Marcia Cardinalle Correia Viana
Ana Mayra Barbosa Ferreira
Emanuela Marques Pereira Sales
DOI 10.37423/200701851

CAPÍTULO 7 .......................................................................................................... 89
ANÁLISE DAS PUBLICAÇÕES CIENTÍFICAS ACERCA DO ALZHEIMER: UM ESTUDO
BIBLIOMÉTRICO NA BASE DA SCOPUS
Fabio Luiz Fully Teixeira
Lucas Capita Quarto
Sônia Maria da Fonseca Souza
Vyvian França de Souza Gomes Muniz
Fernanda Castro Manhães
Cristina de Fátima de Oliveira Brum augusto de Souza
DOI 10.37423/200701852

CAPÍTULO 8 .......................................................................................................... 98
LABORATÓRIO DE PRÁTICAS INTEGRADAS NOS CURSOS DE COMPUTAÇÃO DA
UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU EM UMA MATRIZ POR COMPETÊNCIAS
Ana Paula Gonçalves Serra
Milkes Yone Alvarenga
DOI 10.37423/200701859

CAPÍTULO 9 .......................................................................................................... 108


A INCLUSÃO POR MEIO DA ISONOMIA SOCIAL: A POLÍTICA DE COTAS ÉTNICAS NO BRASIL
À LUZ DO DIREITO
Tauã Lima Verdan Rangel
Neuza Maria de Siqueira Nunes
Ana Clara dos Santos Braga
Sérgio Elias Istoe
DOI 10.37423/200701862

SUMÁRIO
CAPÍTULO 10 .......................................................................................................... 118
INTERFACE DE SABERES: HISTÓRIAS E MEMÓRIAS CONTADAS PELOS MORADORES DA
COMUNIDADE SANTA MARIA DO MAÚ A PARTIR DA AÇÃO COLETIVA DE INTERVENÇÃO
LOCAL
Ivanete Ferreira Alves Lopes
Ana Letícia Nascimento Viana
Aquiles Vasconcelos Simões
Wagner Luiz Ramos Barbosa
DOI 10.37423/200701876

CAPÍTULO 11 .......................................................................................................... 134


A PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO NO ENTORNO DO AÇUDE DNOCS,
ARAPIRACA, AL.
Amanda Cristina Santos
Simone Rachel Lopes Moura
DOI 10.37423/200701878

CAPÍTULO 12 .......................................................................................................... 158


A IMPORTÂNCIA DA FOTOPROTEÇÃO EM ALUNOS DO CURSO DE AGRONOMIA: UM
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Luiz Augusto Vieira Caetano
Isabela Leopoldino Dourado
Carla Danielle Dias Costa
DOI 10.37423/200701881

CAPÍTULO 13 .......................................................................................................... 168


A CULTURA DAS ESCOLAS DE SAMBA CARIOCA: UNIDOS DA TIJUCA - SEGREDOS E
MISTÉRIOS NOS DESFILES DO SÉCULO XXI
Marcus Paulo de Oliveira
Cristina da Conceição Silva
Patricia Luisa Nogueira Rangel
DOI 10.37423/200701899

CAPÍTULO 14 .......................................................................................................... 180


ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA: UM ESTUDO DE CASO SOBRE VARIAÇÃO DE TERMOS NA
FALA DE ESTUDANTES.
S. R. R. Barros
M. V. dos Santos
E. C. F. Luquetti
DOI 10.37423/200701913

SUMÁRIO
CAPÍTULO 15 .......................................................................................................... 195
PROJETO TECENDO SABERES: PRESERVAÇÃO DA CULTURA NO QUILOMBO BARREIRO
GRANDE EM SERRA DO RAMALHO-BA
Odair Ledo Neves
Romário Pereira Carvalho
Maria Aparecida Rosa da Silva Santos
DOI 10.37423/200701933

CAPÍTULO 16 .......................................................................................................... 210


ATUAÇÃO DO PROFISSIONAL DE SAÙDE SOB A NOTIFICAÇÃO DA VIOLÊNCIA
Maria Helena Santos da Silva
Sarah Vieira dos Santos
Luciana Melo de Motta
DOI 10.37423/200701953

CAPÍTULO 17 .......................................................................................................... 223


A (NÃO)COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS AO CIDADÃO NA ERA DO PROCESSO
ELETRÔNICO: VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA?
LEILA MARIA TINOCO BOECHAT RIBEIRO
CARLOS HENRIQUE MEDEIROS DE SOUZA
DOI 10.37423/200701958

CAPÍTULO 18 .......................................................................................................... 235


PURPOSE OF SUSTAINABLE ENGINEERING PROCEEDINGS IN A PLACE FOR A SOCIAL
SUPPORT FOR NEEDY POPULATION
Emmanuel Freitas-Ferreira
Laisa Cristina Carvalho
Tales Alexandre Aversi-Ferreira
DOI 10.37423/200701960

CAPÍTULO 19 .......................................................................................................... 253


MATO GROSSO PARA INGLÊS VER (E LER)!
Gabriel de Oliveira Rodrigues
Amanda Amorim Brescancim
Amanda Prevedello de Sousa
DOI 10.37423/200701965

SUMÁRIO
CAPÍTULO 20 .......................................................................................................... 259
O PAPEL DO MONITOR NO AUXÍLIO, ENSINO E ORGANIZAÇÃO DO PROJETO DE
PESQUISA-AÇÃO
Herolysa Gomes Vasconcelos da Ponte
Sofia Tavares Morais
Tulius Augusto Ferreira de Freitas
Julio Cesar Couto Bem Siqueira Telles
DOI 10.37423/200701972

CAPÍTULO 21 .......................................................................................................... 261


CICATRIZAÇÃO DE FERIDAS: AS PRÁTICAS E SABERES DE UMA COMUNIDADE RURAL EM
IGREJA NOVA/AL SOBRE O USO DA PLANTA MERTIOLATE
Daniglayse Santos Vieira
Maria Lysete de Assis Bastos
Sara Roberta Cardoso da Silva Carvalho
Pedro Simonard
Fabianny Torres de Oliveira
Jorge Andres Garcia Suarez
Cristiana Marques Davino
Adriana Reis Todaro
DOI 10.37423/200701976

CAPÍTULO 22 .......................................................................................................... 272


OS CONTRATOS EMPRESARIAIS E O PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA
Larissa Bisetto Breus Felde
Jefferson Rosa Cordeiro
DOI 10.37423/200701980

CAPÍTULO 23 .......................................................................................................... 293


AÇÕES EDUCATIVAS ACERCA DOS FATORES DE RISCO, PREVENÇÃO E CONTROLE DO
CÂNCER DE MAMA
Francisca Jakelyne de Farias Marques
Evelane Germano Nunes
Everton Sousa Amaral
Ismael Ferreira Batista
Francisco Lucas Pinto Rodrigues
Giselly Maiden Facundo Vieira
Ana Izabel da Silva Moreira
DOI 10.37423/200701981

SUMÁRIO
CAPÍTULO 24 .......................................................................................................... 301
AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA HUMANIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA AO PARTO
NO BRASIL
Tathiany Rezende de Moura
Lorenna Nascimento Monteiro
Sérgio Coutinho dos Santos
DOI 10.37423/200701996

CAPÍTULO 25 .......................................................................................................... 314


A ERA DA PÓS-VERDADE: O PAPEL DA MÍDIA COMO FORMA DE COMBATE AO
MOVIMENTO ANTIVACINA NO BRASIL
Karina Aparecida Mascarenhas
Dalva de Souza Lobo
DOI 10.37423/200701997

CAPÍTULO 26 .......................................................................................................... 331


O DESAFIO DOS DIREITOS HUMANOS E SOCIAIS NO CÁRCERE FEMININO:
SINGULARIDADES DO SISTEMA PRISIONAL ITABUNENSE
Tercília Júlia Oliveira Rodrigues
Andressa Santos de Almeida
DOI 10.37423/200702002

CAPÍTULO 27 .......................................................................................................... 345


MAPAS CONCEITUAIS: COMO USO DA METODOLOGIA DE ENSINO E PESQUISA PARA O
ESTUDO DE DESENVOLVIMENTO DE PROJETO ARQUITETÔNICO
Emanuela Cristina Montoni da Silva
Flaviana Nogueira de Lima
Luiz Felipe Oliveira Luna de Farias
Tacyana Cinthya Matos Batista
Vinicius José Lopes Cursino
DOI 10.37423/200702004

CAPÍTULO 28 .......................................................................................................... 350


CONTRIBUIÇÕES METODOLÓGICAS DOS "TEMAS GERADORES FREIRIANOS" PARA O
DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES DE LEITURA E ESCRITA NO PROCESSO DE
ALFABETIZAÇÃO
Rysian Lohse Monteiro
Luciana da Silva Almeida
Eliana Crispim França Luquetti
DOI 10.37423/200702011

SUMÁRIO
CAPÍTULO 29 .......................................................................................................... 361
CRISE HÍDRICA EM MINAS GERAIS DECORRENTE DO ROMPIMENTO DE BARRAGEM EM
BRUMADINHO: CONTEXTOS DE DISPUTA PELA APROPRIAÇÃO DE RECURSOS NATURAIS.
Patrícia de Vasconcellos Knöller
DOI 10.37423/200702015

CAPÍTULO 30 .......................................................................................................... 385


O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA NA PERSPECTIVA DA TEORIA DA
AUTODETERMINAÇÃO E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A MOTIVAÇÃO EM CONTEXTOS
ESCOLARES
Elizangela Tonelli
Vera Lúcia Deps
Talita Nascimento dos Santos
DOI 10.37423/200702017

CAPÍTULO 31 .......................................................................................................... 401


ANÁLISE PARASITOLÓGICA DO SOLO ARENOSO DE PRAÇAS PÚBLICAS SITUADAS EM
FORTALEZA-CE.
Julia Eslayne do Nascimento
Luane Sampaio dos Reis
Joyce Fonteles Ribeiro
DOI 10.37423/200702019

CAPÍTULO 32 .......................................................................................................... 403


JOVENS NO IMAGINÁRIO DA METRÓPOLE NORDESTINA PELO OLHAR DA EDUCAÇÃO
SOCIAL: PERCEPÇÕES, NARRATIVAS E MODOS DE EDUCAR
. João Clemente de Souza Neto
Marcos Júlio Sergl
Maria Auxiliadora Fontana Baseio
Sebastião Jacinto dos Santos
DOI 10.37423/200702021

CAPÍTULO 33 .......................................................................................................... 419


A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO MUNICÍPIO DE CURITIBA: UM ESTUDO BASEADO NO
RELATO DE MULHERES AGREDIDAS
Maria Eduarda Callegari da Silva
Simone de Amorim Zanardi
Dori Luiz Tibre Santos
DOI 10.37423/200702034

CAPÍTULO 34 .......................................................................................................... 437


BULLYING NA ESCOLA
vera lucia cravetz damiani piovesan
DOI 10.37423/200702035

SUMÁRIO
CAPÍTULO 35 .......................................................................................................... 442
COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ: PROPOSTA DE AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA EM
CASO DE AMNÉSIA ANTERÓGRADA
Bianca Mendonça Maia
Vanessa Nogueira Martins
Emanuela Maria Possidônio de Sousa
DOI 10.37423/200702037

CAPÍTULO 36 .......................................................................................................... 444


A INTERFERÊNCIA ESTATAL NOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER
SOB A PERSPECTIVA DO FEMINISMO LIBERAL
Gabriela Dias Manenti
DOI 10.37423/200702047

CAPÍTULO 37 .......................................................................................................... 475


ESTUDO DA PREVALÊNCIA DE SINAIS E SINTOMAS DE DESORDENS
TEMPOROMANDIBULARES EM MÚSICOS DE SOP
ANA PAULA BACHA DE OLIVEIRA
ANA SARA DA SILVA GARCIA
DOI 10.37423/200702052

CAPÍTULO 38 .......................................................................................................... 495


CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA DE VIGOTSKI PARA A INCLUSÃO
ESCOLAR DE ALUNOS COM ALTAS HABILIDADES\ SUPERDOTAÇÃO
Lirani Firmo da Costa Souza
Mayara Cristina da Silva Lima
Hedwe Matheus de Sousa Firmo
Rodrigo da Silva Almeida
Andréa Adriana da Silva
DOI 10.37423/200702053

CAPÍTULO 39 .......................................................................................................... 513


PRÁTICA COLABORATIVA E EDUCAÇÃO INTERPROFISSIONAL DA RESIDÊNCIA
MULTIPROFISSIONAL EM NEUROLOGIA E NEUROCIRURGIA: PERCEPÇÃO DOS
PRECEPTORES
Reijane Bezerra de Pinho Lemos de Aguiar
Mateus Estevam Medeiros-Costa
Claudia Maria Costa de Oliveira
DOI 10.37423/200702057

SUMÁRIO
CAPÍTULO 40 .......................................................................................................... 529
SATISFAÇÃO DO ALUNO ACADÊMICO DE ENFERMAGEM AO UTILIZAR MATERIAL DIDÁTICO
LÚDICO NA PRÁTICA DE PARASITOLOGIA
Maria Veronyca Coelho Melo
Antônio Dheymison Costa Amorim
Clara Emillyn Alves de Araújo
Mayara Fernandes Tavares
DOI 10.37423/200702058

CAPÍTULO 41 .......................................................................................................... 545


ENVELHECIMENTO ATIVO E QUALIDADE DE VIDA: ENVELHECENDO COM SAÚDE
Kleviton Leandro Alves dos Santos
Manoel Pereira da Silva Junior
Douglas de Oliveira Subrinho
Mayná Kallayne da Silva
Ana Paula Miyazawa
Fernanda Silva Monteiro
Hugo de Lira Soares
Renata da Silva Miranda
Daniela Nunes de Araújo Tavares
DOI 10.37423/200702060

CAPÍTULO 42 .......................................................................................................... 554


O MOVIMENTO FEMINISTA NO BRASIL: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA INFLUÊNCIA DO
FEMINISMO OCIDENTAL NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE INTERSECCIONAL LATINO-
AMERICANA
Bianca Martins de Andrade
DOI 10.37423/200702068

CAPÍTULO 43 .......................................................................................................... 574


MODALIDADE DE LICITAÇÃO CONVITE E AS VIOLAÇÕES AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA,
IMPESSOALIDADE E DA PUBLICIDADE
Carlos Antonio Ferreira
DOI 10.37423/200702069

CAPÍTULO 44 .......................................................................................................... 626


APLICAÇÕES DAS TECNOLOGIAS NO TURISMO EM PENEDO: PROPOSTAS
APRESENTADAS POR ALUNOS DOS CURSOS DE TURISMO E SISTEMA DE INFORMAÇÃO
DA UFAL- PENEDO
Rosemeire Lima Secco
DOI 10.37423/200702073

SUMÁRIO
CAPÍTULO 45 .......................................................................................................... 636
LIXO URBANO: QUESTÃO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL OU CONSTRUÇÃO SOCIAL?
Alécia Maria Rocha Santos
Elenira Lima Pompe Perrelli Teixeira
Tainá Teixeira Cavalcante de Lima
DOI 10.37423/200702076

CAPÍTULO 46 .......................................................................................................... 652


LIBERDADE ECONÔMICA E A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Pollyana Carla Noskoski Taveira
DOI 10.37423/200702079

CAPÍTULO 47 .......................................................................................................... 663


INICIATIVAS DE INTERDISCIPLINARIDADE NO PRIMEIRO ANO DO CURSO TÉCNICO EM
CONTROLE AMBIENTAL DO IFSUL CAMAQUÃ
Fedra Gidget Obeso Quijano Kruger
Sandra Beatriz Salenave de Brito
DOI 10.37423/200702081

CAPÍTULO 48 .......................................................................................................... 679


O ITINERÁRIO DE RECONHECIMENTO DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS DO PAE JURITI
VELHO
Lílian Regina Furtado Braga
Wilson Madeira Filho
Marcelino Conti de Souza
DOI 10.37423/200702085

CAPÍTULO 49 .......................................................................................................... 694


VELHICE E INSTITUIÇÕES DE LONGA PERMANÊNCIA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA
Caroline Brandão Nascimento
Francisca Mirna da Costa dos Santos
Luana Lima Angelo Ferreira
Kelyane Silva de Sousa
DOI 10.37423/200702093

CAPÍTULO 50 .......................................................................................................... 706


PERFIL DO ATENDIMENTO DO SAMU NO ESTADO DE ALAGOAS DURANTE JANEIRO A
NOVEMBRO DE 2017
Beatriz Santana de Souza Lima
Jair Kleyson Souza Leite
Jandson Soares de Oliveira
Alessandra Nascimento Pontes
Noemi Mello Loureiro Lima
DOI 10.37423/200702095

SUMÁRIO
CAPÍTULO 51 .......................................................................................................... 711
BOAS PRÁTICAS NA PREVENÇÃO DE INFECÇÕES NA UTI NEONATAL: UMA REVISÃO
Élida dos Santos Oliveira
Lara Emanuele Santana Santos
Wellington Manoel Da Silva
Simone Souza de Freitas
Tâmara Mayara Rodrigues Burgos
DOI 10.37423/200702098

CAPÍTULO 52 .......................................................................................................... 715


LINGUAGEM ACADÊMICA: UMA DESCRIÇÃO DA TERMINOLOGIA DE RESUMOS DE
ARTIGOS ACADÊMICOS
Taysa Carvalho Ventura Tiengo
Ana Amélia Furtado de Oliveira
DOI 10.37423/200702099

CAPÍTULO 53 .......................................................................................................... 733


OSTEOARTRITE (OA): ESTUDOS EXPERIMENTAIS DA FISIOPATOLOGIA E EVOLUÇÃO DO
MODELO DE OA INDUZIDA POR MONOSSÓDIOIODOACETATO (MIA)
Francisco Glerison da Silva Nascimento
Bianca Feitosa Holanda
Francisco Savio Machado Lima Gabriel
DOI 10.37423/200702105

CAPÍTULO 54 .......................................................................................................... 747


OS MEGAEVENTOS OCORRIDOS NO BRASIL NA PERSPECTIVA DAS ESTRATÉGIAS DE
SAÚDE: UMA REVISÃO INTEGRATIVA
Maria Adriana Pereira Guimarães
Robson Cruz Ramos Da Silva
Joseilma de Lima Silva
Élida dos Santos Oliveira
Maria da Conceição Cavalcanti de Lira
DOI 10.37423/200702108

SUMÁRIO
CAPÍTULO 55 .......................................................................................................... 750
DIVERSIDADES EM TELA: DISCURSOS E PERPECTIVAS SOBRE IDENTIDADE, RAÇA E
GÊNERO EM UMA ESCOLA MUNICIPAL DE PENEDO-AL
Clesiane da Rocha Gomes
Claudiane dos Santos Barbosa
Fany Fernanda Alves Valente
Stephanie Bispo de Lira
Marcos Paulo de Oliveira Sobral
Maria Claudenice dos Santos
Willamis dos Santos Teixeira
DOI 10.37423/200702124

CAPÍTULO 56 .......................................................................................................... 758


A INFORMAÇÃO CONTÁBIL E O PROCESSO DECISÓRIO: ESTUDO DE CASO EM
MICROEMPRESAS
Epaminondas de Azevedo Oliveira
David Nogueira Silva Marzzoni
Jocildo Pereira dos Santos Junior
Antonio Wairan da Silva Ferreira
DOI 10.37423/200702141

CAPÍTULO 57 .......................................................................................................... 773


A CONTRIBUIÇÃO DA JURIMETRIA PARA A CELERIDADE PROCESSUAL E A RAZOÁVEL
DURAÇÃO DO PROCESSO
WAGNER ANDRE JOHANSSON
DOI 10.37423/200702143

CAPÍTULO 58 .......................................................................................................... 776


“PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO: FERRAMENTA TECNOLÓGICA PARA FINS DE
ACESSIBILIDADE À JUSTIÇA DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO
Daiana Ataíde da Silva
Amanda Leal Castelo-branco
Carlos Henrique Medeiros de Souza
DOI 10.37423/200702160

CAPÍTULO 59 .......................................................................................................... 781


AVALIAÇÃO DOS AGRAVOS NO CICLO GESTACIONAL QUE RESULTARAM EM ÓBITO
MATERNO
Rayane da silva Arruda
Laudivania Claudio de Andrade
Ellen Carolyna Silva Bezerra
Marya Taynah França Gomes
Juliana Santos silva
DOI 10.37423/200802190

SUMÁRIO
CAPÍTULO 60 .......................................................................................................... 792
ANÁLISE DO LIVRO PINTURA AVENTURA DE KATIA CANTON E SUA APLICABILIDADE NAS
AULAS DE ARTE EDUCAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
ELIZANDRA SIRLEI DEL ZOTTO RITTER
Gisele do Rocio Cordero
DOI 10.37423/200802202

CAPÍTULO 61 .......................................................................................................... 814


A MORTE NA ATUALIDADE: POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DE MARTIN HEIDEGGER PARA A
CLÍNICA FENOMENOLÓGICA-EXISTENCIAL
Alissa Costa Venuto
Felipe Saraiva Nunes de Pinho
DOI 10.37423/200802203

CAPÍTULO 62 .......................................................................................................... 834


A PSICOLOGIA E A INFLUÊNCIA DA IRRACIONALIDADE NOS MÉTODOS DE
AUTOCOMPOSIÇÃO
Aparecida Rodrigues de Sá Silva
DOI 10.37423/200802206

CAPÍTULO 63 .......................................................................................................... 837


IMPACTOS DO DISCURSO DA “IDEOLOGIA DE GÊNERO” NAS PAUTAS EDUCACIONAIS
PARA OS DIREITOS LGBTQI+
Thais Guimarães Mendes
Rosana dos Santos Martins
Luci Helena Silva Martins
DOI 10.37423/200802217

CAPÍTULO 64 .......................................................................................................... 854


NUTRITIONAL INTERVENTION IN THE TREATMENT OF OSTEOARTHRITIS
Stefanny Cavalcante Costa
Diego Freitas de Araujo
Mariana Ribeiro Domingos
Francisco Glerison da Silva Nascimento
DOI 10.37423/200802230

SUMÁRIO
CAPÍTULO 65 .......................................................................................................... 862
... E A AIDS CHEGOU À POPULAÇÃO DE IDOSOS EM ALAGOAS: UM GRAVE PROBLEMA DE
SAÚDE PÚBLICA PARA O ESTADO
Cecílio Argolo Junior
Cristina Maria de Souza Brito Dias
Liliane Amaral Janguiê Bezerra Diniz
Silvana Maria de Macedo Uchôa
Silvania de Souza Santos
DOI 10.37423/200802233

CAPÍTULO 66 .......................................................................................................... 874


A ECONOMIA COMPORTAMENTAL VERSUS ECONOMIA DE BAIXO CONTATO NO PÓS-
PANDEMIA
Michele Lins Aracaty e Silva
Fernanda Kelly Pereira da Silva
DOI 10.37423/200802238

CAPÍTULO 67 .......................................................................................................... 891


MUDANÇAS DA COBERTURA FLORESTAL E SUAS INTERFERÊNCIAS NOS ATRIBUTOS
FÍSICOS DO SOLO SUL TOCANTINENSE
Josué Luiz Marinho Junior
Moacyr Cunha Filho
Victor Casimiro Piscoya
Ana Luiza Xavier Cunha
Thaísa Oliveira Folha Piscoya
Raimundo Rodrigues Gomes Filho
Dario Costa Primo
Alceu Pedrotti
Francisco Sandro Rodrigues Holanda
Renisson Neponuceno de Araújo Filho
DOI 10.37423/200802253

CAPÍTULO 68 .......................................................................................................... 901


ANÁLISE DA PREVALÊNCIA DE HANSENÍASE NO ESTADO DO TOCANTINS ENTRE OS ANOS
DE 2014 E 2017
Wanessa Araújo Machado
Thaynara Rodrigues Pontes Fabbrin
Rayssa de Oliveira Glória
DOI 10.37423/200802305

SUMÁRIO
CAPÍTULO 69 .......................................................................................................... 907
SEPSE: ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA NO ESTADO DO TOCANTINS ENTRE 2015 E 2019
Thaynara Rodrigues Pontes Fabbrin
Wanessa Araújo Machado
Rayssa de Oliveira Glória
Camilla Macedo Abreu
DOI 10.37423/200802335

CAPÍTULO 70 .......................................................................................................... 913


A IDENTIDADE DA MULHER SURDA: AS RELAÇÕES DE PODER E AS PRÁTICAS SOCIAIS
DISCURSIVAS REPRESENTADAS ATRAVÉS DA LITERATURA
Carla Georgia Travassos Teixeira Pinto
Monique de Araujo Elias
DOI 10.37423/200802348

CAPÍTULO 71 .......................................................................................................... 928


ANÁLISE DA MANUTENÇÃO PREDITIVA UTILIZANDO O ESTUDO DE VIBRAÇÕES EM
MOTORES ELÉTRICOS
Jean Paulo de Oliveira
Jonathan Oliveira Nery
DOI 10.37423/200802356

CAPÍTULO 72 .......................................................................................................... 945


UTILIZANDO DESENHOS BIOLÓGICOS PARA O ESTUDO DE ESTRUTURAS MORFOLÓGICAS
FLORAIS
Laryany Farias Vieira Fontenele
Érica Gomes dos Reis
DOI 10.37423/200802367

CAPÍTULO 73 .......................................................................................................... 958


FITOTERÁPICOS: ASPECTOS TOXICOLÓGICOS
Saulo José de Lima Júnior
Leila de Freitas Pires
Vanderson Ramos Mafra
Natallia Moreira Lopes Leão
Gabryelle Cristhina Mendes Sousa
Pamela Cristina Coelho dos Reis
Thamires Ferreira dos Santos
Vitor Sousa Santos
DOI 10.37423/200802440

SUMÁRIO
CAPÍTULO 74 .......................................................................................................... 974
QUAL O PAPEL DA MÚSICA NO ESTUDO?
Paulo Damasceno Nepomuceno
DOI 10.37423/200802445

CAPÍTULO 75 .......................................................................................................... 982


CÁRIE DENTÁRIA E ANSIEDADE ODONTOLÓGICA EM ESCOLARES DE 5 A 12 ANOS NO
MUNICÍPIO DE GURUPI, TOCANTINS, BRASIL.
Maressa Borges dos Reis
Aline Peixoto Oliveira Santos
Murilo Palhares Teixeira
Joana Estela Rezende Vilela
Rise Consolação Iuata Costa Rank
DOI 10.37423/200802447

CAPÍTULO 76 .......................................................................................................... 993


QUALIDADE DE VIDA DE MÉDICOS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA E RELAÇÃO COM
O CONTEXTO DE TRABALHO
Leonardo Henrique da Silva Alves
Vinicius Malaman Souza Silva
Ludimila Lopes Maciel Bolsoni
Aliny de Lima Santos
DOI 10.37423/200802458

CAPÍTULO 77 .......................................................................................................... 1010


O USO DO REGISTRO LINGUÍSTICO NA ATENÇÃO HUMANIZADA – UMA ESTRATÉGIA PARA
OS PROFISSIONAIS DA SAÚDE
Clara Beatriz Marrafon
Silvia Helena da Silva Marrafon
Ygor Marçal Neves
Felipe Heiji Hamasaki Bontempo
DOI 10.37423/200802459

CAPÍTULO 78 .......................................................................................................... 1016


O EXERCÍCIO DO DIREITO DE CIDADANIA E SUAS IMPLICAÇÕES À FORÇA NORMATIVA DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL/88
Renato da Silva Neris
Adriano Rodrigues Remor
DOI 10.37423/200802465

SUMÁRIO
CAPÍTULO 79 .......................................................................................................... 1044
NEOPLASIA MALIGNA DA PRÓSTATA: PERFIL EPIDEMIOLÓGICO E ÓBITOS DOS
PACIENTES INTERNADOS ENTRE 2009 E 2018 NO ESTADO DE TOCANTINS
Caroline Barros Figueira
Julia Andressa Ferro e Silva
Walmirton Bezerra D'Alessandro
Vanessa das Graças Pinto
Manuela Bandeira da Silva Filha
DOI 10.37423/200802488

CAPÍTULO 80 .......................................................................................................... 1050


COMPONENTES DE RENDIMENTO DE GRÃOS DE GLYCINE MAX SOB APLICAÇÃO DE
FONTES E DOSE DE COBRE
Hanrara Pires de Oliveira
Lucas Eduardo Morais Brito
Eduarda Veríssimo dos Santos
Bruno Henrique Di Napoli Nunes
João Henrique Silva da Luz
Evandro Alves Ribeiro
Indira Rayane Pires Cardeal
Rubens Ribeiro da Silva
DOI 10.37423/200802467

CAPÍTULO 81 .......................................................................................................... 1057


ANÁLISE SOBRE O USO DE OBJETOS DE APRENDIZAGEM NO ENSINO DE FÍSICA
WEBERSON NAZARENO SILVA DOS REIS
EDILENE DA SILVA E SILVA
DOI 10.37423/200802468

CAPÍTULO 82 .......................................................................................................... 1068


DESENVOLVIMENTO DA CULTURA DA SOJA (GLYCINE MAX L.) EM FUNÇÃO DA APLICAÇÃO
DE SUBSTÂNCIAS HÚMICAS VIA FOLIAR.
César Henrique Borges Gomes
Igor Ricardo Barbosa Teixeira
Laynne Lopes Guimarães Ribeiro
Hugo Vitor Alves Costa
JÚLIO CÉSAR BORGES GOMES
DOI 10.37423/200802470

SUMÁRIO
CAPÍTULO 83 .......................................................................................................... 1075
PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DAS NEOPLASIAS MALIGNAS DA PELE NA ILHA DO BANANAL DE
2008 A 2018
Camilla Macedo Abreu
Nathália Barros Trovo
Wanessa Araújo Machado
Meire Aparecida Jacinto Gundim
DOI 10.37423/200802493

CAPÍTULO 84 .......................................................................................................... 1081


ABORDAGENS FISIOTERAPÊUTICAS EM PACIENTES COM TCE EM UNIDADES DE TERAPIA
INTENSIVA: REVISÃO SISTEMÁTICA
Agrinazio Geraldo Nascimento Neto
Wellington Carlos da Silva
Amanda Aguiar Barros
Aline Gomes da Silva Sousa
Fábio Alves Barros
Lucas Coelho da Silva
Bianca de Andrade Nery
Marcella Soares Carreiro Sales
DOI 10.37423/200802515

CAPÍTULO 85 .......................................................................................................... 1092


PESQUISA E AÇÕES EXTENSIONISTAS: RELAÇÃO TRANSFORMADORA ENTRE O CURSO
DE BACHARELADO EM ADMINISTRAÇÃO E O TERRITÓRIO DE IDENTIDADE DE IRECÊ
André de Oliveira Alves
Bruna da Silva Gomes
Claudio Roberto Meira de Oliveira
DOI 10.37423/200802519

SUMÁRIO
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 1
10.37423/200601620

A FILOSOFIA DA QUÍMICA DE CHARLES


SANDERS PEIRCE

Débora Schmitt Kavalek

Marcos Antônio Pinto Ribeiro


A Filosofia Da Química De Charles Sanders Peirce

Resumo: Esse trabalho parte da seguinte ideia: a Química foi central no século XX, tendo influenciado
a reflexão de filósofos centrais para o pensamento humano. Contudo, a centralidade da Química em
seu pensamento foi pouco ainda explorada. Vemos isso verificar-se, por exemplo, nas ideias de Pierre
Duhem, Gaston Bachelard, Charles Sanders Peirce e Michael Polanyi. Porém, não identificarmos o
legado da Química em sua obra, nem tão pouco empregamos as reflexões desses autores para pensar
a natureza da práxis química. De outro lado, também temos identificado que isso é indicador de
variados estilos cognitivos e didáticos ainda não suficientemente cartografados e integrados no
currículo de Química. Em outros trabalhos identificamos a obra de Bachelard que, apesar de já ter sido
integrada ao ensino, ocorre de forma deformada. Nesse trabalho iremos analisar a obra de Charles
Sanders Peirce.
Palavras-Chave: Peirce, filosofia da química, ensino de Química, ideias claras, diagramaticidade

1
18
A Filosofia Da Química De Charles Sanders Peirce

INTRODUÇÃO

Há uma necessidade de revisitar a obra de alguns autores clássicos da filosofia para repensar a Química
e seu sistema pedagógico. Dentre os clássicos, Bachelard é o mais explorado, mas como um filósofo da
física (RIBEIRO, 2014). Aqui analisaremos a obra de Charles Sandres Peirce. Os principais trabalhos que
aproximam a química à obra de Peirce são em relação à semiótica (GOIS, 2007). Nesse trabalho iremos,
a partir de várias investigações, em diversos contextos, analisar a obra de Charles Sanders Peirce e a
Química. Nomeadamente, a diagramaticidade, o pensamento abdutivoe ideias claras, fruto do
trabalho de três pesquisas diferentes coordenadas sobre o mesmo tema: a importância da obra de
Peirce para a Química.

A QUÍMICA NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DE CHARLES SANDERS PEIRCE

Charles Sanders Peirce foi um filósofo-químico que explorou e explicitou problemas relativos a esse
contexto. Ele foi treinado em Química desde os 8 anos de idade. Seibert (2001), em um artigo intitulado
Charley Peirce's Head Start in Chemistry, argumenta que a experiência de Peirce no laboratório de
Química, nos tempos juvenis, é filosoficamente importante como sua primeira lição de lógica e de
lógica da ciência.
O autor argumenta que o método hipotético-dedutivo, apreendido no laboratório, o preparou para
sua formulação posterior do pragmatismo. Seibert (2001, p. 208) conclui que “a experiência de
laboratório de Química em sua infância foi filosoficamente formativa para as principais formas
filosóficas de Peirce.”As atividades desenvolvidas no laboratório de Química Analítica ajudaram a
explorar a lógica relacional e o pragmatismo em seu sistema filosófico, desenvolvendo a teoria dos
grafos (SEIBERT, 2001). Para Seibert (2001, p. 208):
a respeito do desenvolvimento filosófico de Peirce, o primeiro ponto a
considerar é que o laboratório de química foi a sua exposição inicial à lógica
e à lógica da ciência. Uma segunda consequência filosoficamente importante
da sua actividade laboratorial ele chamará de “preparação para o
pragmatismo” (ou como Peirce chamou sua doutrina, “pragmaticismo”).
Peirce insistiu que seu método pragmático enfocava o significado das
palavras e sentenças, não a verdade das proposições.
Seibert (2001) considera que a Química esteve no coração do trabalho filosófico de Peirce,
nomeadamente, na forma de pragmatismo, pensamento relacional, teoria dos grafos e a semiótica.
Peirce trabalhou com a Química Analítica Qualitativa desde os oito anos de idade e teve contato com
a Química Orgânica já em seu início. No final do século XIX e início do século XX, houve intenso
desenvolvimento desta; os objetos já não podiam ser determinados e instanciados simplesmente pela

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19
A Filosofia Da Química De Charles Sanders Peirce

composição, peso e conectividade, sendo considerado necessário o desenvolvimento de novas formas


de modelos e representações. Impunha-se a criação de uma grafia própria, de uma semiótica própria
para a Química. Para Seibert (2001), corroborado por Schummer (2003), isto influenciou o trabalho de
Peirce.

DIAGRAMATOLOGIA PEIRCIANA E A QUÍMICA

Viemos a afirmar na tese de doutorado (RIBEIRO, 2014) que a diagramaticidade é uma dimensão
cognitiva, epistemológica e pedagógica com autonomia na Química. Essa afirmação está inserida no
pensamento de Peirce. Aqui fazemos uma aproximação bibliográfica cruzando a história e filosofia da
Química e o seu ensino. Gois (2012, p.33) é um autor que aproximou Peirce à Química de forma mais
profunda. Ele identifica relações entre a Semiótica e a Química. Relacionado à linguagem química, o
autor afirma que,
Em nenhuma outra área do conhecimento ocorreu essa convergência de
informações empíricas e convencionais de maneira tão pronunciada. O
objeto molecular dos químicos é uma quimera epistemológica, pois junta,
numa mesma escrita, dados e propostas. Acreditamos que nesse aspecto, ou
seja, de que nas representações químicas as informações empíricas e
convencionais estejam grafadas de maneira amalgamada e ingênua, a
química apresenta um diferencial em relação às outras áreas de
conhecimento, mesmo as mais próximas. […] Não é esse o caso da
matemática, por exemplo, que é convenção pura, nem da física, que não
precisa inventar a maioria de suas representações para usar como objeto de
pesquisa, já que preferiu descrições matemáticas para grande parte dos seus
objetos. Nem na biologia, que não precisa criar entidades que agregam
informações empíricas e propostas teóricas em grande parte de suas
investigações, já que muitos de seus objetos de pesquisa são visíveis a olho
nu ou ao microscópico. As representações certamente são mais importantes
para a química em comparação a outras áreas, porque em nenhuma outra
área das ciências da natureza há essa necessidade de criar entidades
quiméricas de teoria e dados, com o objetivo explícito de serem usadas tanto
como ferramentas quanto como objeto de investigação.
A Química possui uma semiótica própria e esta sua linguagem simbólica vem sendo amadurecida
desde os alquimistas. O século XVIII é caracterizado pelo paradigma composicional da Química, do qual
o sistema de classificação teve um grande desenvolvimento. Contudo, já no final do século XIX, com o
crescente desenvolvimento da Química Orgânica e a multiplicação de novas substâncias1, ficou
evidente que apenas a determinação do peso e a composição química não eram critérios suficientes
para a determinabilidade e instanciação das substâncias quimicas (GOODWIN,2008).No seu
desenvolvimento cognitivo, a Química passa a inscrever-se em outro registro filosófico, a filosofia dos
signos, da imagem, uma filosofia simbólica.

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20
A Filosofia Da Química De Charles Sanders Peirce

Esse sistema simbólico da Química é responsável pela maior produtividade entre os diversos ramos
científicos (SCHUMMER, 1997a, 1997b). Os químicos utilizam diferentes representações (OURISSON,
1986; HOFFMANN; LASZLO, 1991), fórmulas moleculares, gráficos, curvas de temperaturas, diagramas,
spectrum etc. Tais representações indicam que existem distintas interpretações teóricas, tendo cada
uma suas próprias regras e propósitos preditivos e explicativos. Assim, a fenomenologia química deve
ser compreendida, além do fato da ausência de unidade da teoria em que se baseia a conceitualização
da química (LOMBARDI, 2012; LABARCA; LOMBARDI, 2005; RIBEIRO; COSTA-PEREIRA, 2012). “Falar de
química como um campo unificado obscurece a pluralidade de métodos e tradições históricas e
objetivos científicos deste campo, bem como as variedades de projetos interdisciplinares que os
químicos trabalham” (SCHUMMER, 1998). Como sublinha Bachelard (2009, p.7),
O pensamento do químico parece oscilar entre o pluralismo e a redução da
pluralidade. Assim, primeiro se vê que a Química não hesita em multiplicar
as substâncias elementares, em considerar compostos heterogêneos,
surgidos muitas vezes do acaso experimental; esse é o primeiro tempo da
descoberta. Depois, uma espécie de escrúpulo intervém. Sente-se a
necessidade de um princípio de coerência, tanto para compreender as
propriedades das substâncias compostas como para captar o verdadeiro teor
das substâncias elementares.
Neste sentido, apesar de ser correto afirmar a existência do pluralismo e polissemia das
representações em Química, salientamos que as fórmulas estruturais são o tipo de representação que
os químicos mais utilizam. Contudo, ainda são usadas de forma arbitrária em livros didáticos de
química (ARAUJO-NETO, 2009). Químicos, enquanto trabalham com substâncias nos laboratórios,
construindo reações, pensam em termos de fórmulas estruturais, modificações estruturais, conexões,
rearranjos eletrônicos; assim, visualizam e criam. Trata-se de uma ação caracterizada por um realismo
operativo, uma epistemologia do aprender fazendo que, fundamentada por uma metaquímica
orientadora da sua prática, não tem como valores fundamentais as verdades de suas construções, a
explicação última da realidade, mas a possibilidade de suas representações (KOVAC, 2002;
NORDMANN, 2006; BENSAUDE- VINCENT, 2009; RIBEIRO, 2014). Nesse sentido, “os símbolos querem
exprimir estruturas reais.” (BACHELARD, 1990, p.187).
Aparentemente, as fórmulas estruturais não têm nada a ver com as propriedades materiais das
substâncias, e vice-versa. Contudo, se não houvesse uma forte correlação entre essas duas operações,
os químicos correriam o risco de cair em uma esquizofrenia (SCHUMMER, 1997, 1999). Essa correlação
é feita pelo pressuposto da tese da superveniência e do microestruturalismo. Uma mudança na
estrutura molecular corresponde a uma mudança na substância, e vice-versa (SCHUMMER, 1998). E
isto se efetiva exatamente como milhões de novas substâncias têm sido previstas e produzidas

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A Filosofia Da Química De Charles Sanders Peirce

durantes os últimos 100 anos (SCHUMMER, 1997b,c), provando linguagem dos signos químicos é,
atualmente, uma das mais poderosas teorias preditivas nas ciências como um todo (SCHUMMER,
1998).
Na literatura em Filosofia da Química identificamos que a revista Foundations of Chemistry discutiu
temas como: Charles Sands Peirce, fórmulas de Berzelius, relação estrutura propriedade, iconicismo
alquímico, relações matemáticas, teoria dos grafos, explicações em orgânica, imagens. A revista Hyle
discutiu, principalmente, a visualização. Em uma edição, linguagem simbólica e modelos; em duas
edições, topologia, realidade virtual, uso acrítico dos modelos, modelos dinâmicos, semiótica e
pragmática das representações.
Um diagrama caracteriza-se pela criação de uma linguagem específica para comunicar, mas que
também serve como ferramenta heurística de previsão e de explicação. Historicamente, a relação com
a Química alcança esplendor no século XIX, principalmente a partir de 1860, com a proposição das
fórmulas estruturais de Berzelius e, atualmente, há uma busca de sistematização teórica e matemática
via topologia e simetrias (EARLEY, 2000).
Woody (2000) usa o termo diagrammatic reasoning para se referir a razão química. Para Woody (2000),
um diagrama tem “função comunicativa: Químicos usam para visualizar, expressar suas metas de
investigação, retoricamente para se comunicar entre pares e entre o público” (p. S617). Um diagrama
tem a característica de ser: expressivo, representativo, operativo, explicativo, descritivo e heurístico.
Os químicos o empregam para visualizar metas de investigação, verificar a composição e estrutura e
os objetos sintetizados.
Goodwin (2008) é o filósofo da Química, de formação em Química Orgânica, que tem reiteradamente
trabalhado na linguagem diagramática desta ciência. Ele faz duas considerações sobre Química
Orgânica: diagramas são omnipresentes, tanto em textos pedagógicos como profissionais; a química
orgânica é uma disciplina menos matematicamente intensiva que as ciências físicas.“As teorias
primárias empregadas em orgânica não são matemáticas, mas diagramas.” (GOODWIN, 2008a, p. 181).
Como trabalhar com representações e diagramas? Que tipos de representações existem em Química?
Como estão as representações e diagramas no tempo histórico da Química? Para resolver que
problemas? Em que subdisciplinas de Química a competência representacional é mais presente? Essas
perguntas só ocuparam a agenda da Educação Química recentemente. Destacam-se principalmente os
estudos sobre visualização (GILBERT, 2009) e representação estrutural (GOIS, 2012; ARAÚJO-NETO,
2009).

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22
A Filosofia Da Química De Charles Sanders Peirce

A principal relação com o ensino tem sido veiculada com a competênciarepresentacional e as


habilidades de visualização. Esse tema tem sido estudado pela Psicologia Cognitiva. Foi negligenciado
pelo ensino de ciências até final do século XX e não está presente nos programas das disciplinas
analisadas. A principal referência teórica da Educação que tem sido utilizada para pensar essa
dimensão é a teoria da codificação dual. A aprendizagem é melhorada quando é utilizada a codificação
escrita e visual.
A visualização é resultado de uma combinação analítica de estratégias visuais e não visuais. Envolve
imaginação espacial. Na conceção de Kozma e Russel (2007), os principais fatores vinculados à
visualização são: percepção espacial: percepção dos objetos espacialmente; visualização: visualizar,
fazer presente na mente; rotação mental: rotacionar estruturas no espaço; relação espacial: entender
relações no espaço; orientação espacial: orientar-se mentalmente no espaço.
Alguns autores (GILBERT, 2009; KOZMA; RUSSEL, 2007) têm identificado as relações entre a
competência de visualização e a profissionalização química. Algumas dificuldades no ensino e
aprendizagem de habilidades visuais têm sido creditadas ao aprendizado do significado das
representações. Mesmo após terem recebido grande instrução acerca do tema, identifica-se que os
alunos continuam considerando fórmulas estruturais e moleculares como abreviação de nomes, em
detrimento de associarem- nas à estrutura ou constituição. Eles têm também dificuldade para realizar
traduções entre fórmulas, intercambiar representações e converter representações de duas para três
dimensões.
Um exemplo de um estudo de caso da necessidade do estudo filosófico dessa dimensão pode ser
identificado no uso quase acrítico, durante quase 30 anos, do triângulo de Johnstone (1982). No ano
de 2009, foi lançado um livro sobre as múltiplas representações em Química (GILBERT, 2009) que usa
o triângulo do Johnstone como orientação teórica. Só recentemente, surgiram críticas filosoficamente
fundamentadas (LABARCA, 2010; ARAUJO-NETO, 2009) que reconhecem limites a essa aproximação,
principalmente por ela confundir dimensões ontológicas, linguísticas e matemáticas, níveis de
descrição e análise e tipos químicos.
O caráter diagramático da linguagem química ressalta a importância dos modelos na explicação
química e da modelagem (JUSTI, 2006) como técnica de ensino. Modelos são esquemas ou estruturas
que correspondem a objetos reais, eventos ou classes de eventos com poder explicativo. Aquisição de
conhecimento declarativo é uma das funções dos modelos. Entretanto, os modelos ainda são usados
de forma implícita na explicação dos fenômenos químicos e geram grandes dificuldades no seu uso.
Os estudantes pensam os modelos como brinquedos ou cópias da realidade; acham que os modelos

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23
A Filosofia Da Química De Charles Sanders Peirce

são produzidos conscientemente, com um propósito, com algum aspecto da realidade sendo omitido.
Dentro dessa perspectiva é difícil colocar questões relacionadas a avaliação, revisão e desenvolvimento
dos modelos químicos.
Também não fazem distinções claras entre a pluralidade de modelos, quase tornam ferramentas
implícitas na aprendizagem química. Exemplo: desde que NaOH é uma base forte (Arrhenius), Na+ é
um ácido conjugado extremamente fraco, não possuindo tendência para reagir com H2O para formar
NaOH e íon H+ (Bronsted- Lowry). Esse exemplo mistura o modelo de Arrhenius com o modelo de
Bronsted- Lowry. Outro problema com o uso de modelos é a ênfase dada pela mecânica quântica. Aqui
há uma confusão entre modelos pictóricos e modelos matemáticos.
Outro problema do ensino é que os modelos explicativos não podem ser gerados de dados obtidos em
atividades laboratoriais, devendo ser encorajada a construção explícita de tais modelos. A
experimentação em Química não é utilizada para avaliar, desenvolver e revisar modelos, mas é
tipicamente implementada como uma coleção de dados e interpretação de forma muito indutivista.
Também os modelos químicos são usados em operações concretas, substituindo a necessária
abstração, a exemplo de bolas que substituem átomos. Essa substituição de signos icônicos e
simbólicos por signos pictóricos gera alguns problemas como: separação da informação conceitual da
representação física apropriada; foco nos modelos químicos como modelos físicos, subestimando-se a
complexidade e diversidade dos modelos químicos; hipótese de que operações concretas originam
maior aprendizagem.
Para Erduran, Adúriz-Bravo e Naaman (2007), muitos problemas da aprendizagem em Química podem
ser caracterizados por uma confusão de modelos; confusão que gera outra possível fonte de problemas
de aprendizagem, os linguísticos. Por exemplo: a camada de elétron é entendida, às vezes, como uma
proteção; a reação de neutralização é entendida como atingir uma solução neutra. Essa confusão de
modelos ofusca também o problema central nas explicações químicas: a regra do
octeto é generalizada para racionalizar a ligação química, ofuscando-se as interações elétricas; a
explicação da eletronegatividade é explicada por esquemas, ofuscando-se sua natureza elétrica.

RACIOCÍNIO ABDUTIVO NA PESQUISA E NO ENSINO

Aanlisando ideias secundárias de Peirce, percebe-se que, além de problematizar o pensamento


diagramático, Peirce problematiza o pragmatismo, a Semiótica, denominada ciência dos signos e seus
aspectos lógico-científicos, conhecidos como Raciocínio Abdutivo. Para Formosinho (1987) o raciocínio
abdutivo utiliza o método da melhor hipótese, a hipótese forte. Esse método, temos vindo a identificar

7
24
A Filosofia Da Química De Charles Sanders Peirce

que é muito utilizado na química. Fizemos essa análise em uma investigação em nível de trabalho de
conclusão de curso (NUNES, 2015).
Peirce sempre ressaltou em suas escrituras a importância dos métodos de observação, hipótese e
experimentação como ponto de partida para o avanço da ciência, ressaltando que este pensamento
lógico-cientifico é temporário, mutável para se manter um equilíbrio (PEIRCE, 1974 apud MATTOS et
al.). Depois de Leibniz, Peirce foi quem mais lutou em defesa da possibilidade da chamada lógica da
descoberta. Segundo Peirce a “ars inveniendi” é a autêntica ciência; e a forma mais fiel desta ser vista
é o método dos métodos (PEIRCE apud SILVA et al. 2006 - 2007) (POMBO, 1997 apud SILVA et al. 2006
- 2007).
Peirce, influenciado pelas ideias kantianas, define a abdução como um raciocínio que propicia partida
para o processo lógico; neste processo, as ideias sobre dados resultam no esclarecimento
fenomenológico por meio de hipóteses que possam ser verificadas através de experimentos
(SANTAELLA, 2004 apud MATTOS et al.). Neste sentido, a semiótica de Peirce é baseada em três tipos
de inferência: a dedução, a qual é estudada de forma mais tradicional, a indução e a abdução, que
possuem suas peculiaridades. Para Peirce, esses tipos de raciocínio são indispensáveis para uma mente
cognitiva possuir certos tipos de pensamentos, em todos os níveis, em qualquer situação, na medida
em que remete ao exercício prático de realizarem-se inferências (PEIRCE, 1975 apud MARCOS et al.
2005). Ao perceber o mundo que nos cerca de tal modo que a precisão dos fatos observados nos
permita efetuar transformações ou até mesmo percepções iniciais sobre o que foi analisado, viabiliza
a reelaboração de hipóteses. Desta maneira “A inferência não é um processo mecânico, mas é a
expressão adequada da representação e do alcance da verdade”: mais ainda, realizar inferências é
necessário para o crescimento das ideias (SILVEIRA, 2007 apud MANECHINE et al. 2010).
Para Peirce a dedução é a inferência mais simples de maior credibilidade, pois esta não tem caráter
criativo, apenas acrescenta ideias em um conhecimento já existente, possuindo grande utilidade na
aplicação de regras gerais. Já a inferência indutiva parte de um raciocínio que vai além de aplicação de
regras gerais; origina-se do pressuposto no qual a aplicação da regra surge através do resultado. O
raciocínio abdutivo é a inferência das descobertas que são revolucionárias no mundo científico. É
através dela que todas as ideias científicas surgem; neste sentido ao se estudar um fato, uma teoria é
inventada a fim de se explicar a ocorrência dos mesmos, ou seja, a abdução é adoção probatória da
hipótese (PEIRCE, 1975 apud MARCOS et al. 2005).
Vale salientar que a abdução pode estar relacionada com três ideias importantes, a primeira é uma
lógica da descoberta, o surgimento da hipótese; a segunda é a lógica de escolha da hipótese, como

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25
A Filosofia Da Química De Charles Sanders Peirce

escolher a hipótese adequada dentro da possibilidade de outras hipóteses já existentes; e a terceira é


uma teoria empírica da plausibilidade, de que forma a hipótese poderá prover um experimento
adequado que forneça uma explicação aceitável para a ocorrência dos fatos. Mesmo que contenha
caráter instintivo, Peirce considera a abdução “a única operação lógica que introduz qualquer ideia
nova” (PEIRCE, 1931-1958 apud GONZALEZ et al. 2002). Peirce não pensa em abdução de forma
homogênea; para ele a abdução é a inferência lógica, é a ideia central do pragmatismo: “examinando
bem, vê-se que a questão do pragmatismo é a questão da lógica da abdução” (CP 5.196). Segundo
Peirce, as inferências abdução, indução e dedução são necessárias para qualquer investigação e
descoberta cientifica (PEIRCE, apud SILVA et al. 2006 - 2007). “Assim, em resumo, a minha filosofia
pode ser descrita como a tentativa de um físico para conjecturar, por exemplo, acerca da natureza do
universo tanto quanto os métodos da ciência o permitam, e com o auxílio de tudo aquilo que os
filósofos anteriores fizeram.” (PEIRCE, 1974 apud MATTOS et al.). Em todos seus trabalhos Peirce
descreve a abdução de forma peculiar, de tal modo que a definição sobre esta inferência não esteja
definida, porém ao analisar todas as suas afirmações sobre a abdução é possível sugerir que este
raciocínio seja para Peirce toda a base para o conhecimento, mesmo que falível em alguns casos, ela é
a inferência que fornece o trajeto que possibilite novas verdades (PEIRCE, apud SILVA et al. 2006 -
2007).
Para Peirce a ciência não é fundamentada em saberes científicos que são executados de forma
sistemática, a ciência não é um objeto definido a rigor, uma peça que possua um encaixe perfeito que
já tenha sido definido por outro. Para este filósofo, fazer ciência é inovar, é desenvolver ações diante
da situação com base em seu raciocínio hipotético provável para sua resolução. Segundo ele, saber
não é suficiente, é necessário compreender e ter atitudes que levem a um comportamento, é fazer uso
de suas habilidades a fim de se planejar a ciência desejada, "ciência como coisa viva e não como uma
mera definição abstrata" (PEIRCE, 1944 – 1978 apud FERRARA 1986 - 1987). “A abdução é o processo
de formar rumo a hipóteses explicativa. É a única operação lógica que introduz alguma ideia nova;
porque a indução não faz mais que determinar um valor, e a dedução meramente exibe as
consequências necessárias de uma hipótese pura. A dedução prova algo que deve ser; a indução
mostra que algo é efetivamente operativo; a abdução sugere algo que pode ser.” (PEIRCE, 1997 apud
LOVATO, 2011).
Neste sentido, a concepção peirceana de abdução, a nosso ver, se aproxima um pouco da visão que
Bachelard confere à prática experimental química contemporânea: uma prática em que a sugestão e a
criação do real se efetivam (SILVA, 2015). A ciência e sua experimentação para o raciocínio abdutivo

9
26
A Filosofia Da Química De Charles Sanders Peirce

são reflexo e refração onde a ciência por sua vez descobre a experiência, e a experiência sustenta a
ciência. Este raciocínio realiza a ligação lógica entre os fatos, "a ciência como coisa viva", uma tentativa
plausível de entre a ocorrência e a ideia que se tem sobre os fatos, é a "pergunta feita à natureza"
(PEIRCE, 1944 – 1978 apud FERRARA 1986 - 1987). Neste ponto, percebe-se, ainda que de modo
incipiente, que o papel da natureza no contexto da experimentação não é o mesmo para Bachelard e
Peirce. Bachelard entende que a natureza pode no máximo servir de pretexto para as construções
desenvolvidas no seio da prática experimental, não sendo necessariamente relevante partir dela para
que o processo de objetivação do real seja implementado. Peirce já confere um lugar especial à
natureza na medida em que tem como ponto de partida para o processo de absução, em certo sentido,
indagações feitas ao mundo natural.
Para Peirce o raciocínio abdutivo é dividido em duas partes: a criação da hipótese e sua classificação,
seguida de provas que sustentem tais propostas. Em sua maioria a hipótese pode ser submetidas a
experimentação no intuito de estabelecer vinculo entre a ideia e a realidade (MATTOS et al.). Peirce
baseia seu conceito sobre abdução como uma promessa de entendimento da criatividade e inovação
em ciência. Com base neste conceito é possível perceber que o século XXI vem tendo acesso ao
trabalho de Peirce e seu raciocínio abdutivo, pois sua teoria tem se tornado cada vez mais aceita e tem
sido de interesse para diversas áreas do conhecimento, através do desenvolvimento de diversas ações
abdutivas em indústrias, tecnologia, inteligência artificial, ciência, entre outros (SILVA et al. 2006 -
2007).
Parece então que as verdadeiras categorias da consciência são: primeiramente, o sentimento, a
consciência que pode ser incluída com um instante de tempo, consciência passiva de qualidade, sem
reconhecimento ou análise; em segundo lugar, consciência de interrupção no campo da consciência,
sentido de resistência, de um fato externo, de alguma outra coisa; em terceiro lugar, consciência
sintética, ligação com o tempo, sentido de aprendizagem, pensamento (PEIRCE, 1974 apud MATTOS et
al). Peirce afirma que acima da segurança e da justificação, é necessário primeiro a fecundidade do
raciocínio, pois a inferência abdutiva é mesmo que falível e fraca, é a única que possui capacidade de
gerar novas ideias. A atividade criadora da abdução é o que nos permite entender o mundo (LOVATO,
2011).
Sabendo-se que é possível reconhecer que a ciência não é homogênea, torná-la um modelo para ser
seguida, ditando regras, fórmulas ou um caminho único a ser percorrido é fazer mau uso das
possibilidades de avanços no conhecimento, pois a ciência é rica em informações, através dela grandes
descobertas são realizadas. Segundo Chamberlin (1897, apud Formosinho 1987) “Há uma pressão

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27
A Filosofia Da Química De Charles Sanders Peirce

sobre a teoria para se ajustar aos fatos e uma pressão aos fatos para se ajustar à teoria. Quando se
formam estes pré-juízos, o processo mental rapidamente degenera em paternalismo...”. A teoria
rapidamente assume uma posição de controle nos processos mentais e na observação, primeiro uma
tentativa de teoria; depois uma teoria que se adapta; por fim uma teoria dominante.

Figura 1 os três métodos de aprendizagem


Chamberlin definiu de forma coerente a realidade sobre a aprendizagem de ciências, quando associada
a um único modo de aprendizagem baseado em teorias, pois as grandes descobertas foram possíveis
através de um conjunto de inferências, desenvolvidas através do método das “hipóteses múltiplas”,
que possibilita que vários métodos de aprendizagem sejam aplicados a uma situação, proporcionando
um avanço de soluções por meio do descarte de possibilidades de respostas para um problema. A
utilização de hipóteses para o desenvolvimento do conhecimento é designado como “inferência forte”
e tem se mostrado crucial no avanço mental do ensino de ciências (CHAMBERLIN, 1897 apud
FORMOSINHO, 1987).

IDEIAS CLARAS

As ideias expostas em sala de aula pelo docente, seja utilizando signos, seja transmitindo oralmente
um conceito, nem sempre são compreendidas pelo discente; ou seja, a transposição didática pode não
ser eficiente, pois cada estudante possui uma estrutura cognitiva que o faz entender o conhecimento
científico e estruturar suas ideias. O ser humano possui diferentes maneiras de ver o mundo e distintas

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28
A Filosofia Da Química De Charles Sanders Peirce

formas de conhecimento correspondentes a diversas realidades. Cada indivíduo pode estruturar o seu
pensamento de tal forma a construir sua própria representação para cada teoria.
A maneira como abordamos os conceitos é fortemente influenciada pelo contexto com o qual estamos
lidando. Nesse sentido, conceitos e representações estão sujeitos a conflitos de interpretações. As
explicações, teorias, modelagens utilizadas, são os temas mais debatidos pela filosofia da química na
atualidade e traz bases teóricas para um entendimento mais detalhado acerca destes problemas.
Em Química, é comum a utilização de representações, ou seja, modelagem, esquemas, diagramas,
imagens, num conhecimento que não é apenas transmitido pelos conceitos. Porém, as representações,
a modelagem, as imagens e diagramas utilizados pelos docentes podem levar a equívocos e é uma das
causas dos problemas no ensino de Química, pois muitas vezes os estudantes não entendem
corretamente tais explicações. O aluno possui dificuldade de transitar entre a linguagem diagramática
(o modelo, por exemplo) e a linguagem discursiva (o conceito).
O exemplo a seguir ilustra essa “falsa distinção”. Quando solicitado para um aluno do 1º ano Ensino
Médio noturno de uma escola pública, para que desenhasse um modelo de átomo, e após, solicitado
que seu colega elaborasse um conceito de átomo a partir do desenho, nos foi apresentado a seguinte
representação:

Figura 2 Exemplo de desenho de átomo por um aluno e elaboração de conceito por outro

O exemplo acima nos mostra a complexidade na relação “representação/conceito”. Quando um aluno,


analisando o modelo que o colega apresentou, definiu átomo como “disco voador”, teve uma
referência que afetou seus sentidos e produziu tal crença. Vemos a dificuldade que há na transposição
da linguagem diagramática para a discursiva em Química, que envolve uma reflexão de ordem
filosófica. Nesse contexto, pensamos que aproximar a lógica de Pierce sobre concepções claras e o
ensino de química utilizando representações, pode ser uma ótima ferramenta para aquele.
O professor necessita transmitir ideias claras. Uma concepção clara deve ser entendida pelo aluno, de
tal maneira que “a reconhecemos onde quer que ela se apresente e que nunca será confundida com
outra” (PIERCE, 2008, p. 61). Devemos saber o que pensamos, de acordo com Pierce, para saber o que

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A Filosofia Da Química De Charles Sanders Peirce

dizer, e assim não alimentarmos ideias “pobres” acerca de um conceito. Uma única ideia confusa, ou
uma representação utilizada sem significado pode causar ambiguidades no entendimento.
O pensamento deve levar à crença, que possui três propriedades, segundo Pierce: 1) algo que nos
damos conta; 2) que leva à dúvida, que é o motivo do pensar; 3) envolve o estabelecimento de um
hábito, de regras de ações. A crença é “o lugar de chegada e também uma nova largada para o
pensamento” (PIERCE, 2008, p. 70).
Analisando as ideias de Pierce, adaptamo-las, pois, ao ensino de Química: o docente deve ter uma
ideia clara do que vai ensinar e levar ao questionamento, à problematização, e ao emprego da situação
de aprendizagem numa situação real.
A dificuldade na transposição de um modelo para um conceito surge quando há “falsas distinções”, ou
seja, confundir a obscuridade produzida pelo pensamento com uma característica do objeto que
estamos a pensar. As falsas distinções são consideradas piores do que o não entendimento, pois, se o
aluno não entender, vai à busca do entendimento, mas, se a compreensão for falsa, permanecerá a
crença nessa ideia que não é correta, caracterizando-se num obstáculo na aprendizagem.
Muitos professores utilizam modelagem com varetas e bolas de isopor em suas explicações. Em sentido
figurado, são os átomos e as ligações entre os átomos. Não podemos ter outra concepção de átomo e
ligação senão a que faz parte de uma crença; então, ou: 1) que as bolinhas são os átomos; 2) que as
varetas são as ligações.
Essas crenças são auto indicações de que, certa característica de um objeto nos leva a acreditar que é
uma ligação ou um átomo, de acordo com a característica que foi apresentada. Por isso, ao estudante
de química que for apresentado um átomo como uma bolinha de isopor pode crer que todo átomo
possui as características da bolinha de isopor. Podemos confundir o conhecimento que deve ser
construído com a mera sensação que o acompanha. Nas palavras de Pierce,
Considere-se quais efeitos que concebivelmente teriam atuações práticas,
os quais imaginamos que o objeto de nossa concepção possua. Então, nossa
concepção desses efeitos é o conjunto de nossa concepção do objeto”
(PEIRCE, 2008, p. 71).
Por isso, para muitos alunos, dizer que uma vareta é uma ligação; e uma bolinha é um átomo, são
palavras à toa. Ainda analisando as ideias de Pierce, destacamos que o pensamento é uma ação, que
consiste numa relação, por isso a função do pensamento é produzir hábitos de ação, ou seja, deve ter
“referência no modo de como devemos agir numa dada ocasião” (PIERCE, 2008, p. 71). Deve ser
possível a utilização do conhecimento numa situação.

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30
A Filosofia Da Química De Charles Sanders Peirce

Nesse sentido, todas as explicações em química, inclusive as que se utilizam de modelagens, devem
ter um referencial no mundo real, devem ter um sentido para o estudante. Apenas apresentar o átomo,
por exemplo, como “uma bolinha de isopor”, sem um contexto, pode provocar uma compreensão
confusa no estudante.
Para desenvolver seu significado, temos de, portanto, simplesmente
determinar quais hábitos são produzidos, pois o significado de uma coisa é
simplesmente o hábito que ela envolve (PIERCE, 2008, p. 72).
Assim, se a ideia transmitida pelo docente não for tangível e prática, não haverá entendimento claro.
Sugere-se que, ao utilizar diagramas, o docente o situe num contexto, numa situação real, transite
entre as linguagens diagramática e discursiva, para a apreensão do conceito com clareza pelo
estudante. Podemos citar como exemplo a molécula de água. Explicar claramente o que significam os
traços, as bolinhas, demostrar outras representações da molécula, e caracterizá-la, exemplificando sua
utilização na realidade, sua importância, suas propriedades, contribuirá para um entendimento claro
por parte do estudante, evitando imprecisões e equívocos.

CONCLUSÃO

Analisamos nesse trabalho algumas ideias que cruzam o pensamento de Charles Sanders Peirce e a
Química. Primeiramente, já reconhecemos na própria formação do filósofo, um cruzamento com o
contexto da Química. É possível que esta ciência tenha sido decisiva na construção de suas principais
ideias. Essa é uma hipótese para maiores estudos no futuro. Assim como Bachelard, talvez possamos
dizer que Peirce é também um filósofo da Química.
Uma noção inicial que discutimos foi o pensamento diagramático e o contexto da Química. Depois o
pragmatismo, o pensamento relacional e o pensamento abdutivo. Como um trabalho inicial, podemos
nos aventurar em algumas hipóteses. O ensino de Química é marcadamente, por influência da Física,
organizado pelo pensamento dedutivo. Não é por acaso que a teoria atômica é ministrada no início do
curso, na esperança de que possam os alunos aplica-la dedutivamente à toda a estrutura da Química.
No contraponto, a partir de Peirce, identificamos que o pensamento abdutivo é mais apropriado à
ciência em geral, tendo na Química o expoente. Logo, o seu ensino deveria ser completamente
alterado. Deveríamos testar e aprender a construir hipóteses, bem como a usar o método das múltiplas
hipóteses, da inferência forte. Isso alteraria o ensino de Química completamente.
Por fim usamos a noção de ideias claras para conjecturar que isso pode definir o uso das linguagens
diagramáticas e discursiva, fator fundamental no ensino e aprendizagem de Química. A transferência
de uma linguagem em outra pode se efetivar, fundamentada na problematização das ideias claras de

14
31
A Filosofia Da Química De Charles Sanders Peirce

Peirce. Como tornar as ideias claras pode ser um problema fundamental para o ensino de Química, e
Peirce pode auxiliar.

15
32
A Filosofia Da Química De Charles Sanders Peirce

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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17
34
A Filosofia Da Química De Charles Sanders Peirce

NOTAS
1Principalmente da orgânica, no final do século XIX passou-se de cerca de 10.000 substâncias para
quase 100.000.

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35
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 2
10.37423/200802328

A CONTRIBUIÇÃO DO PROFISSIONAL
FARMACÊUTICO NO TRATAMENTO DA
DEPRESSÃO

Amanda Beatriz Oliveira Bandeira Universidade Unirg de Gurupi

Cinthia Raissa Lopes Universidade Unirg de Gurupi

Ingrid Lorraine Lopes Universidade Unirg de Gurupi

Luana Souza Azevedo Universidade Unirg de Gurupi

Millena Pereira Xavier Universidade Unirg de Gurupi

Bruno Nunes do Vale Universidade Unirg de Gurupi


A Contribuição Do Profissional Farmacêutico No Tratamento Da Depressão

Resumo: Introdução: A patologia que afeta o emocional das pessoas é conhecida como depressão,
esta tem crescido e se tornado um problema de saúde mundial. A presença de um profissional de saúde
é importante para segurança e eficácia da farmacoterapia. Este estudo tem como objetivo apresentar
a importância do profissional farmacêutico no tratamento da depressão. Metodologia: Revisão da
literatura, do tipo exploratório de caráter bibliográfico. Incluídos artigos publicados dos últimos 10
anos, publicados nas bases eletrônicas. As palavras chave utilizadas foram: atenção farmacêutica,
depressão, antidepressivos. Resultados e Discussão: A depressão pode ser caracterizada por
transtorno de humor grave com prejuízo da função mental. O tratamento farmacológico principal é
realizado com antidepressivos, os mais utilizados são: dibenzazepínicos, imipramina e amitriptilina. A
farmacoterapia é de fundamental importância para o paciente e o farmacêutico e responsável por
auxiliar o paciente de como e quando usar o medicamento, com o objetivo alcançar os resultados que
melhorem a qualidade de vida dos pacientes. Considerações finais: O farmacêutico além de atuar na
farmacoterapia, auxilia o paciente através da atenção farmacêutica, diminuindo assim os ricos de uso
impróprio dos antidepressivos e consequentemente o aumento da adesão ao tratamento.
Palavras- Chave: atenção farmacêutica, depressão, antidepressivos.

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37
A Contribuição Do Profissional Farmacêutico No Tratamento Da Depressão

1.INTRODUÇÃO

A depressão é uma doença psiquiátrica crônica que pode afetar o emocional da pessoa, que passa a
apresentar tristeza profunda, insônia, falta de apetite, de ânimo, pessimismo, abandono de tarefas
diárias, baixa autoestima, que aparecem com frequência e podem combinar-se entre si, em alguns
casos pode até levar a pessoa ao suicídio (CIZIL; BELUCO,2019)
A depressão tem representado um crescente problema para a saúde pública mundial, estima-se que
350 milhões de pessoas de todas as idades sofram com esse transtorno e que até 2020 seja a segunda
causa de incapacidade mental em termos mundiais para a saúde pública e no Brasil atinge 5,8% de sua
população. (WHO, 2016).
Neste cenário a presença de um profissional de saúde é importante para segurança e eficácia da
farmacoterapia, tendo assim uma promoção de educação em saúde e resolução dos problemas
relacionados com medicamentos, assim evitando o uso demasiado e inadequado. É necessário que o
profissional oriente o paciente e seus familiares sobre os parâmetros relacionados aos medicamentos
antidepressivos, bem como sobre a necessidade de tempo para o surgimento da melhora clínica do
quadro depressivo que pode variar de dias ou até́ semanas para apresentarem seus efeitos (OLIVEIRA,
FREITAS,2019).
Assim, este estudo tem como objetivo apresentar a importância do profissional farmacêutico no
tratamento da depressão.

2.METODOLOGIA

Foi realizada uma revisão da literatura, do tipo exploratório de caráter bibliográfico. Foram incluídos
artigos publicados dos últimos 10 anos, referente ao tema do trabalho, publicados nas bases de dados
como Scientific Electronic Library Online (Scielo), Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e periódicos da
Capes. A presente revisão de artigos foi realizada em três etapas. Inicialmente, as publicações
encontradas nas bases de dados foram avaliadas quanto ao título, os quais foram selecionados apenas
aqueles estudos com termos relacionados com depressão, antdepressivos. Essas publicações tendo
sido elegidos os que mencionavam atenção farmaceutica. Assim, restaram 07 trabalhos, os quais
foram lidos integralmente. As palavras chave utilizadas foram: atenção farmacêutica, depressão,
antidepressivos.

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A Contribuição Do Profissional Farmacêutico No Tratamento Da Depressão

3.RESULTADOS E DISCUSSÃO

Barbosa et al., (2016) informam que a depressão pode ser caracterizada por transtorno de humor
grave com prejuízo da função mental e com distorção da forma como a pessoa vivencia e entende a
realidade. Ocorre em todas as faixas etárias, acometendo principalmente adolescentes e idosos.
Dados do relatório global da Organização Mundial de Saúde – WHO (2016) indica que a depressão
pode levar ao suicídio cerca de 800 mil pessoas, sendo a segunda principal causa de morte entre
pessoas com idade de 15 a 29 anos (WHO, 2016).
O tratamento antidepressivo deve ser entendido como uma das formas de tratamento, levando em
consideração o ser humano como um todo incluindo dimensões biológicas, psicológicas e sociais.
Portanto, a terapia deve abranger todos esses pontos e utilizar a psicoterapia, mudanças no estilo de
vida e a terapia farmacológica. (MATOS, SOUZA 1999).
Os derivados dibenzazepínicos, imipramina e amitriptilina são as drogas mais amplamente utilizadas
para o tratamento da depressão. Eles podem ser considerados sucessores dos inibidores da
monoamina oxidase (MAO), os quais por muitos anos foram considerados os únicos agentes efetivos
disponíveis para essa condição. (BITTENCOURT; CAPONI; MALUF,2013)
É importante frisar que o medicamento é de fundamental importância para o paciente, tornando- se
um componente estratégico na terapêutica e na manutenção de melhores condições de vida.
A responsabilidade do farmacêutico é orientar o uso racional de medicamentos, principalmente no
uso de antidepressivos. Quando e como usar o medicamento e o uso adequado. Em síntese, uma
relação terapêutica é uma aliança entre o profissional e o paciente e se forma com a finalidade
específica de satisfazer as necessidades de assistência a saúde do paciente. É um ato de cuidado na
integralidade biopsicossocial do indivíduo e não apenas na visão reducionista de um estado
patológico. (ANGONESI; RENNÓ,2011)
A Assistência Farmacêutica (AF) é caracterizada como a interação direta entre o farmacêutico e o
paciente usuário do serviço, com ela visa-se um acompanhamento farmacoterápico racional e a busca
por resultados frente à melhora da qualidade de vida.
Esta ligação deve envolver também algumas concepções dos usuários, como o respeito as suas
individualidades, visando à ótica das ações de saúde em âmbito integral. Baseada no
acompanhamento dos usuários a AF busca resultados na resolução dos problemas relacionados a
medicamentos, onde procura se definir atividades farmacêuticas para a solução dos problemas
apresentados (ANCONESID; SERVALHO, 2014).

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A Contribuição Do Profissional Farmacêutico No Tratamento Da Depressão

Santos e Boeing (2018) em seus estudos apontaram que no Brasil entre os anos de 2000 e 2014 cerca
de 9.700 pessoas chegaram ao óbito devido a intoxicação com medicamentos.
A AF é a estratégia responsável que tem com o objetivo alcançar os resultados que melhorem a
qualidade de vida dos pacientes. A prática de atenção farmacêutica pode reduzir os problemas
preveníeis relacionados a farmacoterapia. Entretanto, é importante ressaltar que a prescrição e o uso
de medicamentos são influenciados por fatores de natureza cultural, social, econômica e política
(SOARES; OLIVEIRA; BATISTA, 2017).

4.CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o presente estudo, conclui- se que papel do farmacêutico vem sendo cada vez mais importante
na vida da população, e consequentemente na daqueles que sofrem de depressão, pois este
profissional além de atuar na farmacoterapia, auxilia o paciente através da atenção farmacêutica,
diminuindo assim os ricos de uso impróprio dos antidepressivos e consequentemente o aumento da
adesão ao tratamento.

4
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A Contribuição Do Profissional Farmacêutico No Tratamento Da Depressão

5.REFERÊNCIAS

ANGONESI, Daniela; RENNÓ, Marcela Unes Pereira. Dispensação farmacêutica: proposta de um


modelo para a prática. Ciência & Saúde Coletiva, v. 16, p. 3883-3891, 2011.

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BITTENCOURT, Silvia Cardoso; CAPONI, Sandra; MALUF, Sônia. Medicamentos antidepressivos:


Inserção na prática biomédica (1941 a 2006) a partir da divulgação em um livro-texto de farmacologia.
Mana, v. 19, n. 2, p. 219-247, 2013.

CIZIL, Marlene Jaqueline; BELUCO, Adriana Cristina Rocha. As contribuições da terapia cognitivo
comportamental no tratamento da depressão. Revista Uningá, v. 56, n. S1, p. 33-42, 2019.

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SANTOS, Guidyan Anne Silva; BOING, Alexandra Crispim. Mortalidade e internações hospitalares por
intoxicações e reações adversas a medicamentos no Brasil: análise de 2000 a 2014. Cadernos de Saúde
Pública, v. 34, p. e00100917, 2018.

SOARES, Michelle Marcilio; OLIVEIRA, Talisson Gabriel Duarte; BATISTA, Eraldo Carlos. O uso de
antidepressivos por professores. Revista de Educação do Vale do São Francisco, v. 7, n. 12, 2017.

WORLD HEALTH ORGANIZATION. Preventing suicide: A resource for media professionals. Geneva:
World Health Organization, 2016.

5
41
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 3
10.37423/200701838

A UNIDADE CORPO E MENTE EM MERLEAU-


PONTY: UMA NOVA FILOSOFIA PARA A
EDUCAÇÃO E APRENDIZAGEM

Caio Cezar Piraciaba de Brito


A Unidade Corpo E Mente Em Merleau-Ponty: Uma Nova Filosofia Para A Educação E Aprendizagem

O presente trabalho pretende apontar, a partir do olhar fenomenológico de Merleau-Ponty, como


uma perspectiva dicotômica entre corpo e mente é prejudicial para o processo de aprendizagem, e
como é fundamental que as pesquisas em educação, assim como as práticas educativas levem em
consideração a presença do corpo e a existência dos sujeitos enquanto seres corporais, assim como
seres pensantes.
Trabalhar no campo da educação a partir de um ponto que legitima a cisão (na maioria das vezes
hierárquica) entre corpo/mente é deixar de lado a corporeidade como foco da educação, é ignorar
que somos seres (também) corporais, é colocar o corpo como fonte complementar dos critérios
educacionais, é negar diretamente nossa existência e a forma a qual habitamos e percebemos o
mundo. Com o corpo aprendemos e apreendemos o meio; ignorá-lo, imobilizá-lo dentro dos espaços
formais de ensino é algo que tentamos aqui problematizar e refletir a respeito.
Neste sentido, pretendemos mostrar que entender o sujeito enquanto unidade entre corpo e alma
é fundamental e uma condição primeira para nos aprofundar em um processo de aprendizagem que
contemple maior dimensão e potencialidade do ser humano.
Partimos do pressuposto de que o corpo é um vinculum entre o eu as coisas. É a partir das coisas
que se apresentam ao meu corpo, que por prolongação das possibilidades perceptivas e pela
normatização regrada dessas possibilidades, percebo o objeto inteligível. Ou seja: a apreensão das
significações se faz pelo corpo: aprender a ver as coisas é adquirir um certo estilo de visão, um novo
uso do corpo próprio, é enriquecer e reorganizar o esquema corporal. (MERLEAU-PONTY, 1945)
É necessário ressaltar que esta separação hierárquica entre corpo e mente (corpo/alma) encontra na
filosofia enunciada por René Descartes [1596- 1650] grande reforço. Ele apresenta uma visão dualista
do sujeito na qual há uma ruptura cognitiva e epistemológica. Ele aponta para o fato de que,
logicamente, só podemos comprovar que somos seres pensantes. Além disso, argumenta que esta
cisão corpo e mente permite maior aprofundamento e avanço no estudo/análise do corpo enquanto
mecanismo (máquina). Esta separação dualista (corpo-alma) traz consigo o conceito de corpo-
máquina, tendo em vista que Descartes apresenta duas substâncias inconciliáveis, a substância e a
substância pensante. Para ele, o que comprova a existência de cada ser humano é o seu pensamento,
podendo inclusive existir na ausência de um corpo, sendo que cada um é definido por seu próprio
pensamento (aqui sinônimo de alma). Este pensamento aparece em Descartes como um exercício
metodológico.
Merleau-Ponty argumenta diretamente este posicionamento afirmando que não basta pensar para,
por exemplo, ver. A visão é um pensamento condicionado, nasce “por ocasião do que acontece no

1
43
A Unidade Corpo E Mente Em Merleau-Ponty: Uma Nova Filosofia Para A Educação E Aprendizagem

corpo, é “excitada” a pensar por ele. A visão não escolhe nem ser ou não ser, nem pensar isso ou
aquilo. Ou seja, o corpo é para a alma seu espaço natal e matriz de qualquer outro espaço existente.
A partir deste argumento e desta concepção do que é o sujeito e da relação do sujeito consigo e com
o mundo, Merleau-Ponty nos oferece um rico instrumento para conceber que a aprendizagem não
pode ser limitada ao que entendemos enquanto cognitivo, intelectual, racional, já que não há ideia
que não perpasse por um corpo (toda ideia é ideia de algo, e a construção deste algo perpassa pelos
sentidos, logo pelo corpo; a ideia aparece aqui como uma prolongação das propriedades materiais de
um objeto).
Pensar a aprendizagem implica refletir sobre as apreensões das significações, que para Merleau-Ponty
são efetuadas pelo corpo; e seguindo o exemplo do “ver”, aprender a ver as coisas é adquirir um certo
estilo de visão, é alterar o uso do corpo próprio, é enriquecer e reorganizar o esquema corporal.
O diálogo entre a filosofia de Merleau-Ponty a respeito dos processos de aprendizagem nos aponta
diretamente para o sentido de que a experiência humana é culturalmente incorporada. No movimento
dos corpos pode-se fazer a leitura, como lentes sensíveis, dos aspectos visíveis e invisíveis do Ser, do
conhecimento e da cultura. Neste sentido, todos os significados que surgem nascem a partir de
experiências, são sentidos de algo vivido.
A partir deste trabalho foi possível constatar que o modo pelo qual a educação formal e hegemônica
lida com os sujeitos, a partir de uma perspectiva filosófica de cisão entre corpo e mente, traz muitos
prejuízos (ou ao menos não explora a potencialidade e as possibilidades) no que diz respeito a
aprendizagem; e que a unidade corpo e alma como condição para um fazer educação mais abrangente
e potente é um caminho possível e convidativo, tendo em vista que nos revelamos a partir de nossas
manifestações corporais e ao observarmos o movimento de outro, não captamos algo simplesmente
mecânico, como uma máquina, captamos as expressões que querem dizer algo, que apontam a
unidade entre pensamento e ação, entre a dimensão física e psíquica. Assim, o corpo percebe e é
percebido simultaneamente.
Merleau-Ponty nos aponta para a compreensão de que a percepção do corpo é confusa na imobilidade,
pois lhe falta a intencionalidade do movimento, e que tal intencionalidade por sua vez não é algo
intelectual, mas uma experiência da motricidade. O que nos indica a infelicidade e incapacidade da
estrutura educacional, que silencia, imobiliza, os corpos/sujeitos quando pretende iniciar um processo
que se diz de “ensino/aprendizagem”. É perceptível a contradição epistemológica e ontológica que aí,
esbarramos. Tomar a perspectiva de Merleau-Ponty como referência na educação e na aprendizagem
é entender que é uma significação motora que sustenta a significação intelectual. É entender que “O

2
44
A Unidade Corpo E Mente Em Merleau-Ponty: Uma Nova Filosofia Para A Educação E Aprendizagem

eu, como centro de onde irradiam suas intenções, o corpo que as carrega, os seres e as coisas às quais
elas se dirigem não são confundidos: são apenas três setores de um campo único”. (MERLEAU-PONTY,
P. 141).
Palavras Chave:UNIDADE CORPO/MENTE; MERLEAU-PONTY; APRENDIZAGEM; EDUCAÇÃO.

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A Unidade Corpo E Mente Em Merleau-Ponty: Uma Nova Filosofia Para A Educação E Aprendizagem

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DESCARTES, René. Discurso do Método. Apresentação e comentário de Denis Huisman. Trad. de Elza
Moreira Marcelina. São Paulo: Ática, 1989.

MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

NÓBREGA, T. P. Qual o lugar do corpo na educação? Notas sobre conhecimento, processos cognitivos
ecurrículo.EducaçãoeSociedade,Campinas,v.26,n..91,2005.Disponívelem:<www.scielo.br/pdf/es/v26
n91/a15v2691.pdf>. Acesso em: 10 maio 2018.

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Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 4
10.37423/200701843

AS PRISÕES NO BRASIL: ENTRE A


PRECARIEDADE DA VIDA E OS CORPOS
EXPOSTOS À VIDA NUA

Tauã Lima Verdan Rangel

Fernanda Santos Curcio


As Prisões No Brasil: Entre A Precariedade Da Vida E Os Corpos Expostos À Vida Nua

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo, partindo das contribuições de Giorgio Agamben e
Judith Butler, lançar luz sobre a precariedade dos corpos aprisionados no sistema prisional brasileiro,
estabelecendo uma interlocução crítica entre as análises desenvolvidas pelos autores para pensar o
viver humano. Para tanto, serão analisadas as problemáticas que atravessam as memórias e as
inferências neste espaço, em que a pessoa privada de liberdade parece estar inserida em “vácuo
social”, sendo classificada como o não-sujeito, como o sem-direito, exposto à vida nua, sem
merecimento de ser vivida, logo, matável. A pesquisa adotada neste trabalho é de natureza básica,
com característica exploratória, tendo como procedimento aplicado a pesquisa bibliográfica.
Palavras-Chave: Prisão. Brasil. Vida Precária. Vida Nua. Memória.

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As Prisões No Brasil: Entre A Precariedade Da Vida E Os Corpos Expostos À Vida Nua

INTRODUÇÃO

É possível compreendermos a manutenção e o desenvolvimento da vida humana sem discutirmos a


sua relação com a memória? Conseguimos refletir sobre instituições e normas sociais que interferem
na vivência dos sujeitos sem considerar o jogo do lembrar e do esquecer? Seremos capazes de
problematizar acerca da vida nua ou da precariedade da vida e sem nos dedicarmos ao aporte da
memória? Como depreender o poder regulatório que produz esse diferencial?
A memória ajuda a conceber a temporalidade das vidas humanas. Ligada a uma ação contínua das
normas do passado e do presente, a constituição normativa dos corpos sociais se faz dentro de um
processo de iterabilidade.
Sendo assim, as circunstâncias sociais da existência de um corpo não serão nunca completamente
determinadas por ele próprio, e, mais que isso, não há possibilidade de atuação independentemente
dessas circunstâncias e de seus impactos indesejados. Podemos supor que a dependência se intensifica
ainda mais quando se está considerando pessoas que se encontram em situação de privação de
liberdade, uma vez que sua autonomia é rechaçada pelo poder soberano do Estado.
Em sua obra Homo Sacer, Giorgio Agamben (2002) ao examinar as relações políticas na modernidade,
assevera que o campo de concentração é o paradigma desta conjuntura. Para o autor esta estrutura
jurídico-política não foi e não é um caso excepcional. Na verdade, ela irá se multiplicar e se alastrar
pelo mundo dominado pela biopolítica. Para o autor é possível encontrá-la nos campos de refugiados
clandestinos na Itália, nas zones d’attente dos aeroportos franceses e nos mais diversos espaços em
que a vivência dos sujeitos se encontra determinada pelo poder do soberano. O mesmo ordenamento
jurídico que estabelece o início da vida determina, também, o seu término.
Butler (2004) parece concordar em partes com Agamben (2002), contudo, apresenta algumas
discordâncias que possibilitam o enriquecimento do debate. Como compreende a autora, não é
razoável pensar na vulnerabilidade da vida sem considerar as diferentes maneiras de designar
precariedade.
Partindo de tais entendimentos, o presente trabalho objetiva analisar as problemáticas que atravessam
o sistema prisional brasileiro, direcionando o lócus de análise para o seu produto: o prisioneiro. Este,
inserido num “vácuo social”, é classificado como o não-sujeito, como o sem-direito, com uma vida sem
merecimento de ser vivida, logo, matável.
A metodologia aplicada para a construção do presente estudo é a pesquisa bibliográfica, realizada após
um estudo exploratório de autores que discutem direta ou indiretamente o tema ora proposto. A
adoção de determinadas perspectivas, congruentes e divergentes em determinados aspectos, inicia

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As Prisões No Brasil: Entre A Precariedade Da Vida E Os Corpos Expostos À Vida Nua

um caminho para a produção do conhecimento. Para tanto, realizaremos sempre uma luta contra suas
implicações, uma vez que processo a ser realizado não é de incorporação, mas de interação,
concebendo que nenhuma teoria está fora dos limites históricos e espaciais que as sustenta.

PRISÃO: ILOCALIZAÇÃO E ESPAÇO DE EXCLUSÃO-INCLUSÃO PERMANENTE?

Na tentativa de compreender as prisões e seus movimentos nos esbarramos nos altos muros e grades
que as cercam. Tais limites fazem com que se fechem nelas mesmas, dificultando o acesso externo,
logo, dificultando seu exame. Esta peculiaridade pode levar tanto ao desprezo científico para com tal
objeto, como seu inverso, o interesse latente para descortinar este espaço, na tentativa de entender
seus fenômenos e práticas sociais.
Qualquer instituição, longe de ser um fenômeno individual, é construída para e por atores sociais. Ela
surge como resposta a diversas demandas e “problemas” da sociedade. Ela tem que dispor de
legitimidade. Suas ações, práticas e atividades devem estar fundamentadas, atingindo determinados
objetivos e finalidades. Seguindo esta lógica, para que uma instituição se mantenha e se reproduza ela
necessita de um conjunto de normas, regulamentos, procedimentos, valores e demandas que a
legitimam. Ela carece de memórias que a auxiliem neste movimento.
As memórias que conformam este processo são aquelas que perpassam todo o ordenamento social.
Importa-nos aqui considerar a memória não como um espaço que constitui relações societárias
solidárias, orgânicas, imutáveis e fixas. Ela é um campo marcado por vislumbramentos de intensas
disputas de sentido e formas de dominação. A memória emerge da prática social absorvendo novas
composições nos processos sociais, discursivos e políticos. Não é possível concebermos a memória
sem introduzi-la numa correlação de forças e sem entendermos que, antes de qualquer coisa, a
memória é um mecanismo de poder. Gondar (2000) adverte que no processo de construção de uma
memória estão imbricadas operações de segregação, uma vez que, para manter e realizar uma
memória é necessário acondicionar a exclusão – perante a forma de recalcamento, dissimulação,
interdição, repressão ou censura – de tudo aquilo que se opõe àquilo que se tenta preservar.
A prisão é uma das instituições mais antigas da sociedade, sendo concebida para apartar do
corpo social, por diversos motivos, sujeitos que incomodassem a ordem estabelecida. A princípio,
este espaço não era voltado ao cumprimento de pena, ou um castigo. Na verdade, a sua utilidade
baseava-se no acautelamento do réu até a punição, que poderia ser a morte, amputação de partes do
corpo, castigo físico, a desapropriação de bens materiais, exílio, entre outros.

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As Prisões No Brasil: Entre A Precariedade Da Vida E Os Corpos Expostos À Vida Nua

De acordo com Foucault (1977), a partir do século XVIII a prisão corresponde a uma ordem de
exigências disciplinares relativas aos recentes aparelhos produtivos. Nesta lógica, as ações são
direcionadas aos “indóceis” e “anormais”. Este fluxo é acompanhado pelas leis penais do século
XIX, cujo indivíduo desviante é excluído da vida social, para na realidade, incluir a sua conduta na
normalidade. Neste contexto há uma substituição dos castigos de caráter físico, aumento, assim, as
punições de caráter moral.
Tal tecnologia disciplinar, de acordo com o autor, tende a atravessar as diversas instituições que
compõem o corpo social, incidindo num nível propriamente capilar e microfísico do tecido social.
Foucault (1977), afasta-se das concepções negativas de repressão, tratando do lado positivo desta
instituição, percebendo-a, na verdade, como um espaço disciplinar que, ao impor o adestramento dos
corpos dos seus prisioneiros, fomenta a sua economia e extrai a sua utilidade. A prisão, neste contexto,
pode ser compreendida como uma máquina de construção de experiências, que age no sentido de
modificar comportamentos, treinando e re-treinando os sujeitos encarcerados, tornando-os dóceis e
úteis. Neste movimento, o que se busca é impor aos sujeitos encarcerados novos hábitos úteis à
organização social, num rigoroso emprego de tempo e disciplina.
Outro ponto importante trazido pelo autor se refere ao insucesso das prisões. Longe de promover o
que se diz objetivar – a docilização/normalização dos corpos – o aprisionamento acaba levando o seu
contrário. Importa então questionar o por quê desta instituição ainda se manter e se fortalecer em
determinados Estados, numa renitente persistência: “O pretenso fracasso não faria então parte do
funcionamento da prisão?” (Foucault, 1977, p. 239)
Wacquant (2014), por sua vez, ao tratar sobre o tema, aponta para um “modelo de virada punitiva”
que se desenvolve nas três últimas décadas do século XX e se intensifica no alvorecer no século XXI. O
autor irá construir a sua argumentação contrastando profundamente de, pelo menos, quatro ideias
trabalhadas por Foucault. A primeira delas é que Foucault previa o fim da prisão, uma vez que esta
“perdeu sua raison d’être” (1977, p. 297-298). Para Wacquant (2014) as disciplinas podem ter se
modificado e se multiplicado num contexto das redes de controle da sociedade, contudo, ao contrário
de ocorrer o retraimento do aprisionamento, o que se vislumbra é a sua reafirmação e expansão, não
apenas nos países desenvolvidos, mas também nos subdesenvolvidos.
O segundo ponto trazido pelo autor é que, independente dos seus usos no século XVIII, as tecnologias
disciplinares não foram inseridas no interior do ávido e distenso sistema prisional da atualidade, pelo
contrário, direcionam-se “para uma neutralização brutal, uma retribuição automática e a um simples
armazenamento – por negligência, se não for algo intencional” (WACQUANT, 2014, p. 13).

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As Prisões No Brasil: Entre A Precariedade Da Vida E Os Corpos Expostos À Vida Nua

O autor não acredita que os “dispositivos de normalização” aportados na instituição prisional tenham
se espalhado de forma capilar por todo o corpo social. Para Wacquant (2014) a extensão da rede
carcerária, em contexto do neoliberalismo, foi substancialmente discriminadora. Nesse sentido, o que
se vê é uma “técnica distorcida” que se distribui intensivamente, dividindo e diferenciando categorias
conforme as concepções fundamentadas de valor moral.
O autor ainda aponta que a sugestão sobre o fim do “espetáculo da decapitação” foi, de certa forma,
exagerado, uma vez que nos encontramos num contexto de cristalização da “pornografia da lei e da
ordem”. A redistribuição da “economia da punição” não promoveu o seu desaparecimento aos olhos
do público, levando, na verdade, no seu reposicionamento institucional, sua elaboração simbólica e
generalização social (FOUCAULT, 1977).
Wacquant (2014) assevera que a prisão na atualidade, não apenas nos Estados Unidos, mas também
em alguns países da Europa e da América Latina, deixa de ter como objetivo a reforma dos internos
(ideia hegemonicamente presente no início do século XXI até a década de 1970), passando apenas a
armazená-los.
Não desconsiderando as importantes contribuições trazidas por Foucault, é possível e é importante
que notemos algumas nuances que permeiam a prática de aprisionamento na contemporaneidade.
Em contexto brasileiro, por exemplo, temos presenciado uma política de encarceramento massivo e
condições precárias de infraestrutura, de pessoal e de atendimento aos serviços oferecidos nas
prisões. Os direitos garantidos à população em situação de privação de liberdade promulgados pela
Lei de Execuções Penais, não são, na maioria das vezes, alcançados por presos e presas do sistema.

PRISIONEIROS: ENTRE A VIDA NUA E A PRECARIEDADE

O entendimento de uma extrema vulnerabilidade e susceptibilidade da vida humana no que tange aos
poderes estabelecidos não é algo atual. Martin Heidegger (2002), Walter Benjamin (1994) e Hannah
Arendt (2004) promovem uma análise da intensa fragilidade da vida no contexto da modernidade.
Agamben (2002), por sua vez, apresenta as categorias bíos e zoé, buscados da cultura grega,
principalmente em Platão e Aristóteles, para pensar o viver humano. A primeira se refere à forma de
viver própria do indivíduo e do grupo, é uma vida fundada na práxis do indivíduo e historicamente
elaborada. A segunda, por sua vez, é entendida como a vida comum a todos os seres vivos, a vida
natural controlado pelas normas da natureza e dos instintos animais, sem o controle da cultura, da
vontade e liberdade humana – a vida nua.

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As Prisões No Brasil: Entre A Precariedade Da Vida E Os Corpos Expostos À Vida Nua

Para o autor a bíos e a zoé, a vida política e o simples viver, apresentam laços que os unem. Na Grécia
antiga, fonte dos nossos conceitos éticos e políticos, não existia uma palavra ou expressão para o que
denominamos vida. Para colocar a vida como algo sagrado, os gregos a desprendia do mundo terreno,
por meio de rituais que afastavam o seu aspecto profano.
O homo sacer entra em cena na presente discussão, funcionando como uma dupla exclusão do domínio
terreno dos homens e dos deuses. Ao cometer um crime hediondo, o homo sacer não pode ser
sacrificado dentro dos ritos de punição. Ele se torna matável, mas não sacrificável, ficando, assim,
numa zona de indistinção, exterior à jurisdição humana e sem lugar na ordem divina. Este personagem
é incluído, a partir de sua exclusão, da sua condição de ser matável, porém, diante da sua condição,
seu assassino não é considerado um homicida. Esta não pode ser vista como um sacrifício e nem um
sacrilégio. Dentro desta lógica há a constituição do primeiro paradigma do âmbito político do mundo
ocidental: o estado de exceção. Este, antes de ser um espaço ou uma lei, pode e deve ser melhor
definido como uma técnica de governo.
A natureza sagrada da vida tornou-se familiar, como esclarece Agamben (2002), no contexto moderno.
A partir das contribuições foucaultianas no que se refere à biopolítica, o autor aponta que se o sujeito
social possui a capacidade de existência política, no cenário moderno o mesmo se mostra como um
animal, no qual a política dispõe de sua condição de ser vivente, controlando-a por técnicas políticas,
transfigurando-se na vida nua. Diferencia-se de Foucault ao entender que a introdução da zoé na pólis
pode ser mais antiga do que se acreditava.
Na modernidade, como compreende o autor, mesmo com os avanços democráticos, a vida nua se faz
como o elemento oculto em que se constrói o ordenamento jurídico, em que “a exceção se torna, em
todos os lugares, a regra; o espaço da vida nua, situado originariamente à margem do ordenamento,
vem progressivamente coincidir com o espaço político, e exclusão – inclusão”, a partir disso, “entram
em uma zona de irredutível indistinção” (AGAMBEN, 2002, p.16). Logo, “o campo, isto é, o espaço
puro da exceção, é o paradigma biopolítico para o qual (...) não consegue encontrar solução”
(AGAMBEN, 2002, p.140).
A exceção como uma forma de exclusão não inserida nas normas gerais, mantém, com estas, uma
intrínseca relação, na forma de suspensão. A exceção não é simplesmente excluída, mas capturada e
apanhada fora:
A exceção e uma espécie de exclusão. Ela é um caso singular, que é
excluído da norma geral. Mas o que caracteriza propriamente a exceção é
que aquilo que é excluído não está, por causa disto, absolutamente fora de
relação com a norma; ao contrário, esta se mantém em relação com
aquela na forma da suspensão. A norma se aplica a exceção desaplicando-

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As Prisões No Brasil: Entre A Precariedade Da Vida E Os Corpos Expostos À Vida Nua

se, retirando-se desta. O estado de exceção não é, portanto, o caos que


precede a ordem, mas a situação que resulta da sua suspensão
(AGAMBEN, 2002, p. 25).
Na tentativa de ilustração deste movimento o autor recupera a palavra hebraica bando/herem. Seu
significado é entendido como um pecador ímpio, que se mostra como o inimigo da sociedade, devendo
ser destruído. Não se aniquilava apenas a pessoa, mas também suas propriedades, utilizando apenas
seus metais, que após serem fundidos, seriam incorporados no tesouro do santuário. Dentro disso,
parece ser impositivo, a partir da eliminação do pecador, a eliminação de quaisquer vestígios de sua
vida (destruição desta propriamente dita e de suas propriedades), mas manter apenas aquilo de valor
– os metais – , que assumiriam uma nova forma que não pudesse mais ser personificados à figura do
bando.
Como ressalta Agamben (2002), este não significa estar totalmente dentro ou fora do ordenamento.
In bando ou a bandono na língua italiana significam originalmente “à mercê de”; “a seu talante”;
“livremente”. Bandido significa “excluído”, “banido”, mas também “aberto a todos, livre”, em que “o
bando é propriamente a força, simultaneamente atrativa e repulsiva, que liga as dois pólos da exceção
soberana: a vida nua e o poder, o homo sacer e a soberano. Somente por isto pode significar tanto
a insígnia da soberania [...]quanto a expulsão da comunidade” (p. 117).
A partir disso o bando é uma determinada relação, que possibilita pensar que não existe o fora da lei,
há o abandono, que é uma condição entre a vida e a lei. O banido, assim,
“não é, na verdade, simplesmente posto fora da lei e indiferente a esta, mas é abandonado por ela, ou
seja, exposto e colocado em risco no limiar em que vida e direito, externo e interno, se confundem”
(AGAMBEN, 2002, p.36). Neste processo, o bando, implicado na ambiguidade do sacro, insere-se no
movimento de exclusão-inclusão do puro e do impuro.
Requer aqui destacar que o autor trata de uma estrutura jurídico-política – que não foi e não é um caso
excepcional, mas que se multiplica e se alastra pelo mundo dominado pela biopolítica –, que são
encontrados nos campos de concentração, nos campos de refugiados clandestinos na Itália, nas zones
d’attente dos aeroportos franceses e nos mais diversos espaços em que a vivência dos sujeitos se
encontra determinada pelo poder do soberano.
O homo sacer e o soberano, para o autor, mostram-se como figuras simétricas. A soberania é concebida
como a lei além da lei que submete os sujeitos:
[...] justamente por ser exposto a todo instante a uma incondicionada
ameaça de morte, ele encontra-se em perene relação com o poder que o
baniu. Ele é pura zoé, mas a sua zoé é capturada como tal no bando
soberano e deve, a cada momento, ajustar contas com este, encontrar o

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As Prisões No Brasil: Entre A Precariedade Da Vida E Os Corpos Expostos À Vida Nua

modo de esquivá-lo ou de enganá-lo. Nesse sentido, como sabem os


exilados e os banidos, nenhuma vida é mais “política” que a sua
(AGAMBEN, 2002, p.189).
A partir disso, diante das contribuições de Jean-Luc Nancy, Agamben sinaliza para uma estrutura
ontológica do abandono que se fez presente na história do Ocidente, mas também se faz na atualidade:
Abandonar é remeter, confiar ou entregar a um poder soberano, e remeter,
confiar ou entregar ao seu bando, isto é, à sua proclamação, a sua
convocação e a sua sentença. Abandona-se sempre a uma lei. A privação do
ser abandonado mede-se com o rigor sem limites da lei a qual se encontra
exposto. O abandono não constitui uma intimação a comparecer sob esta
ou aquela imputação de lei. É constrangimento a comparecer absolutamente
diante da lei, diante da lei como tal na sua totalidade. Do mesmo modo, ser
banido não significa estar submetido a uma certa disposição de lei, mas estar
submetido à lei como um todo. Entregue ao absoluto da lei, o banido é
também abandonado fora de qualquer jurisdição... O abandono respeita a
lei, não pode fazer de outro modo (NANCY, 1983, Apud AGAMBEN, 2002,
p. 64).
O estado de exceção enquanto uma forma de governo dominante no jogo político contemporâneo,
coloca-se como algo que não pode estar incluído no todo ao qual faz parte, mas também não pode
vincular-se à totalidade que está inerentemente incluído. Contém neste espaço “ilocalizável” o
indivíduo capturado que é, ao mesmo tempo excluído, onde a vida humana “se politiza somente
através do abandono a um poder incondicionado de morte” (AGAMBEN, 2002, p.98). Cumpre aqui
indicar que qualquer similaridade do estado de exceção com o sistema penal brasileiro não é mera
coincidência.
Não seria a vida do sujeito preso uma vida essencial e inerentemente política? Não se aplicaria o
conceito de homo sacer proposto por Agamben (2002) aos encarcerados do sistema prisional
brasileiro? Vidas impuras, que nada valem, matáveis?Vidas violentadas e massacradas cotidianamente
dentro dos muros das prisões? Vidas expurgadas do convívio social e alocadas nesses espaços
ilocalizáveis, que marcam uma indistinção entre a lei e a norma?
Devemos aceitar a proposição de Agamben, olhar e refletir sobre as diversas formas de
abandonamentos. É aparente que a vida do criminoso – à semelhança do homo sacer – se encontra
na fronteira do direito e da lei, gerenciado por um estado de exceção, atuando, por meio de uma
captura, em um processo de exclusão inclusiva.
Os presos são “exemplos dessa vida sacra, que está sob a lei, mas sob uma lei que vigora sem se
efetivar, cuja riqueza do significado falha, e nada aparece para suprir esse lugar, lei ausente em sua
aplicabilidade” (SEQUEIRA, 2006, p. 667). Sua vida é capturada e sua sobrevivência depende de um
conjunto de negociações e acordos fora da lei, mas em nome da lei. Suspendidos de garantias, o direito

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As Prisões No Brasil: Entre A Precariedade Da Vida E Os Corpos Expostos À Vida Nua

e o poder se tornam indiscerníveis, onde a morte se torna, quem sabe, uma mera estatística de
cadáveres.
Butler (2004) também nos auxilia pensar a gestão da vida e da morte na atualidade. O argumento da
autora parece se aproximar da posição de Agamben (2002) sobre o Estado de Exceção, no qual a
aplicação mantém o direito desaplicando-se. Butler (2004) se preocupa em discutir a validade ou não
validade de uma vida, tratando sobre a governamentalidade em sentido foucaultiano. Foucault (1979)
constrói uma distinção teórica e temporal entre o que denominou de “governabilidade” e “soberania”.
Este, para ele, se fez presente no período pré-moderno dos Estados. O primeiro, por sua vez, refere-
se a construção de uma determinada “razão do Estado”, inserindo-se na prática de governar e a
utilização de suas estratégias. Mesmo que Foucault tenha reconhecido que ambas podem coexistir
temporalmente, ele faz uma sobreposição histórica da governamentalidade.
Contudo, Butler (2004) salienta que o que dá forma às estratégias de guerra governamentais no
cenário contemporâneo é o surgimento daquilo que denomina como soberania anacrônica. A autora
problematiza sobre uma certa substituição da soberania clássica – o direito pela morte – pela
governamentalidade – gerenciamento das coisas e das vidas. Butler (2004) assevera que a soberania
conserva-se nas estratégias de governamentalidade.
A soberania anacrônica funciona como uma estratégia diante de táticas de gestão e administração
estatal. Enquanto Agamben (2002) analisa a gestão dos viventes a partir do biopoder, a autora,
trazendo para o campo de análise a ideia de governamentalidade, consegue apreender a gestão da
vida, bem como das coisas, da economia, da política, entre outros.
Butler (2015), ao tratar da precariedade da vida, expõe esta realidade ao afirmar que “o corpo é um
fenômeno social” e, ainda, que “está exposto aos outros, é vulnerável por definição”.
Consequentemente, “sua mera sobrevivência depende de condições e instituições sociais, o que
significa que, para ‘ser’ no sentido de ‘sobreviver’, o corpo tem que contar com o que está fora dele”
(BUTLER, 2015, p. 58).
Poderíamos supor, diante de tal assertiva, que a vida e a sua manutenção não são fatos dados, como
no caso da morte. Viver e sobreviver, perante suas características fundamentais – a imprevisibilidade
e o inesperado –, não é se não muito mais uma casualidade, que um futuro certo e irremediável, que
é a morte. Mais que isso, todos nós possuímos uma vida precária,
Afirmar que uma vida pode ser lesada, por exemplo, ou que pode ser
perdida, destruída ou sistematicamente negligenciada até a morte é
sublinhar mão somente a finitude de uma vida (o fato de que a morte é
certa), mas também sua precariedade (porque a vida requer que várias
condições sociais e econômicas sejam atendidas para ser mantida como uma

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As Prisões No Brasil: Entre A Precariedade Da Vida E Os Corpos Expostos À Vida Nua

vida). [...] Isso implica estarmos expostos não somente àqueles que
conhecemos, mas também àqueles que não conhecemos [...] (BUTLER, 2015,
p. 31).
Nossa capacidade de sobrevivência está sujeita a relação com os outros, isso significa que “a minha
existência não é apenas minha e pode ser encontrada fora de mim, nesse conjunto de relações que
precedem e excedem as fronteiras de quem sou” (BUTLER, 2015, p. 72). Por conseguinte, tais fronteiras
se manifestam numa função de relação, uma regulação da diferença, uma mediação no qual o sujeito
está ligado ao outro.

O fato de o corpo invariavelmente se defrontar com o mundo exterior é um


sinal do predicamento geral da proximidade indesejada dos outros e das
circunstancias que estão além do nosso controle. Esse “defrontar-se com” é
uma das modalidades que define o corpo. E, no entanto, essa alteridade
invasiva com a qual o corpo se depara pode ser, e com frequência é, o que
anima a reação a esse mundo. Essa reação pode incluir um amplo espectro
de emoções: prazer, raiva, sofrimento, esperança [...] (BUTLER, 2015, p. 58).
O corpo, para Butler (2015) é exterior a si mesmo. Isso significa dizer que ele se faz no mundo dos
outros, temporal e espacialmente não controlável. Nele estão presentes diversos sentidos que não são
nossos, em que

[...] o modo como sou apreendido, e como sou mantido, depende,


fundamentalmente das redes sociais e políticas em que esse corpo vive, de
como sou considerado e tratado, de como essa consideração e esse
tratamento possibilitam essa vida ou não tornam essa vida vivível (BUTLER,
2015, p. 85).
A potência epistemológica de apreender uma vida, decorre, em parte, de que tal vida seja constituída
em convergência com as normas que a definem como uma vida ou parte da vida. Isso converge ao
fato de que são os enquadramentos que agem no sentido de diferenciar as vidas que podemos
apreender daquelas que não podemos. As normas novamente ganham força, na medida em que pelas
suas repetições, levam à produção dos meios aos quais os sujeitos são reconhecidos.
Isso significa dizer que certos sujeitos, ao longo de sua existência, não terão suas vidas reconhecidas
por determinados grupos, e isso, além de intensificar a precariedade da vida, abafa o reconhecimento
de memórias relativas a sua presença no seio da vida social. São marcas desta realidade a violência, a
tortura, os extermínios, entre outros. Como podemos explicar que, diante dos “avanços” dos processos
civilizatórios, mantem-se a perpetuação de atrocidades e selvagerias, infligindo e destruindo vidas a
qualquer custo?
O poder de apreender aquilo ou não como vida advém de normas que facilitem o seu reconhecimento.
Determinados sujeitos não são diretamente reconhecíveis como sujeitos, e, além disso, há vidas que

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As Prisões No Brasil: Entre A Precariedade Da Vida E Os Corpos Expostos À Vida Nua

improvavelmente são reconhecidas como vidas.Assim, podemos entender que, na verdade, a condição
de ser reconhecido não é atributo dos seres humanos, “as normas da condição de ser reconhecido
preparam o caminho para o reconhecimento, os esquemas de inteligibilidade condicionam e produzem
essas normas” (BUTLER, 2015, p. 21).
Dentro deste entendimento a autora diferencia dois espaços de vulnerabilidade corpórea: a
precariedade, definida pela condição compartilhada de exposição ao outro e às situações de risco; a
precarização, que está relacionada a uma dimensão – politicamente – dirigida de precariedade. Nesse
âmbito o perigo/risco exposto às vidas é aprofundado por estratagemas de poder.
Outro ponto trazido pela autora contrário à proposta de Agamben (2002) é de que as arbitrariedades
cometidas são uma exceção, e não uma regra – o paradigma do governo –, como entende o autor.
Sem adentramos em maiores discussões neste momento, é possível, diante das importantes
contribuições de Agamben, utilizarmos como instrumental teórico válido determinadas considerações
trazidas pela Butler.Esta nos ajuda a considerar a diferencias os veículos de poder que agem nos
indivíduos sociais. A autora indica que existem, na verdade, diferentes níveis de produção de valores
sobre os seres viventes, distinção esta própria do biopoder: vidas possíveis e vidas impossíveis.
Além disso, temos que considerar, como bem esclarece Demetri (2017), que a determinação de
Agamben (2002) sobre o paradigma do Estado de Exceção e a vida nua é generalista, parecendo
“incorrer numa afirmação de cunho quase sociológico, especialmente quando afirma o caráter
planetário do Estado de Exceção”, não havendo, assim, “uma preocupação clara em apontar quais
populações esse qualificador descreve” (DEMETRI, 2017, p. 9-10).
Tratando este processo como regra pode atrapalhar no vislumbramento das censuras que operadas
pelo poder. Butler (2004) enxerga esta problemática, considerando, a partir da comunidade política, as
intermediações responsáveis pela divisão das vidas matáveis e vidas vivíveis. Dentro desta lógica é
possível problematizarmos e questionarmos a intensa seletividade punitiva do sistema penal brasileiro
– a partir do recorte de classe e raça – e as condições de tratamento à determinadas pessoas privadas
de liberdade – usufruindo dos mais variados “privilégios”– enquanto o restante vivência as mais
horrendas experiências intramuros.

NOTAS (IN)CONCLUSIVAS

Diante das breves exposições trazidas ao longo do texto, das análises de importantes filósofos
contemporâneos que se dedicam a estudar a gestão da vida e morte, conseguimos realizar algumas
aproximações entre a estrutura de exclusão-inclusão – não excepcional – e o universo carcerário

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As Prisões No Brasil: Entre A Precariedade Da Vida E Os Corpos Expostos À Vida Nua

brasileiro.Este espaço, atravessado pelos mais variados espectros da violência, do descaso, da omissão,
infligem a vida de presos e presas cotidianamente. A vulnerabilidade do ser humano se intensifica
ainda mais neste ambiente, pois a sua autonomia é proscrito pelo poder soberano do Estado Penal.
Ao ser banida, a pessoa criminosa não se encontra fora ou indiferente da lei.Sua vivência é abandonada
por ela, sendo, assim, posta em risco no limite em que a vida e o direito, externo e interno, se
embaralham.O cotidiano das carceragens é marcado por violações de direitos contínuas,
superlotações, supremacia da “segurança” e “ordem” da cadeia em detrimento das necessidades dos
sujeitos ali capturados. Seus corpos enfermiços não importam. Seus corpos violentados não
interessam. Seus corpos dilacerados não são considerados. Suas vidas não interessam. São capturados,
banidos e despejados na vala da sociedade para um futuro nada incerto: matável na vida terrena, mas
improfanável no domínio dos céus.
Não é possível,nesta oportunidade, oferecermos uma análise rigorosa deste panorama, mas
direcionamos nossas análises na tentativa de levantar algumas questões e indagações que possam
servir como norteadore de trabalhos futuros.
As sequelas dessa estrutura – substancialmente violenta – de exclusão-inclusão são, no mínimo,
temíveis. Uma vivência inserida nesse abandonamento remete a uma vida sem valor. Edifica-se um
ciclo de horror. Surge, neste momento, a imprescindibilidade de se remeter ao campo da memória,
pois esta, sofrendo um eterno processo de construção e transformação, tem no durante seus conflitos,
disputas e embates. É neste campo que se manifesta o ato criativo, onde o reconhecimento detém
grande importância. Reconhecer a vulnerabilidade compartilhada por todos nós seres vivos nos faz
caminhar por um ideal que percebe o nosso compromisso normativo de igualdade e nos incita a lutar
pela não violência – que não pode ser confundida como algo pacífico, mas sim, como entende Butler
(2015), uma luta social e política – e por uma universalização mais resistente dos direitos fundamentais
a nossa sobrevivência. Se o outro não pode ser visto ou ouvido não há uma relação ética.

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59
As Prisões No Brasil: Entre A Precariedade Da Vida E Os Corpos Expostos À Vida Nua

REFERÊNCIAS

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60
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 5
10.37423/200701844

O DEBATE SOBRE DESENVOLVIMENTO LOCAL


COMO CONTRAPONTO AS TEORIAS DA
LOCALIZAÇÃO: PONDERAÇÕES SOBRE O
DISTRITO INDUSTRIAL DO SUBAÉ-FEIRA DE
SANTANA-BA

Gesner Brehmer de Araújo Silva

José Raimundo Oliveira Lima


O Debate Sobre Desenvolvimento Local Como Contraponto As Teorias Da Localização: Ponderações Sobre O Distrito Industrial Do
Subaé-Feira De Santana-BA

Resumo: O objetivo deste artigo é analisar, a partir da instalação do distrito industrial do Subaé na
cidade de Feira de Santana, Bahia, se este foi orientado pelas perspectivas das teorias da localização
espacial e industrial, ou se foi pensado de forma a estimular o desenvolvimento local. Neste sentido,
faz-se uma reflexão a cerca dos principais pressupostos das teorias da localização e das teorias sobre
desenvolvimento local. Foi possível chegar à compreensão que há uma sobreposição das teorias da
localização sobre o desenvolvimento local no objeto de estudo, de modo que, devem ser pensadas
políticas públicas de estimulo ao desenvolvimento local no referido município
Palavras-Chave: Desenvolvimento Local; Distritos Industriais;Economia Feirense.

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O Debate Sobre Desenvolvimento Local Como Contraponto As Teorias Da Localização: Ponderações Sobre O Distrito Industrial Do
Subaé-Feira De Santana-BA

INTRODUÇÃO

Com as mudanças aceleradas na conjuntura da economia global, impostas principalmente pelas


revoluções industriais e pela globalização, percebe-se em todos os países, uma busca vivaz pela
industrialização e pelo desenvolvimento econômico, concentradas de forma quase exclusiva, no
crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), em detrimento de outros indicadores. As indústrias
passaram a se interessar e moldar seu comportamento de modo a se localizarem nos países onde
possuíam as melhores condições de localização (infra-estrutura, condições de terra, proximidades aos
mercados consumidores).
Obedecendo a esta lógica, o crescimento e desenvolvimento do estado da Bahia na década de 60 do
século passado são pautados pelo aumento da participação da indústria na economia do estado
embora se observe ao longo do Estado que o crescimento deste setor por si só é altamente
concentrado e localizado – não tendo resolvido a questão da desigualdade na região, sobretudo a
partir do início dos anos 70, coma instalação do Polo Petroquímico de Camaçari –, sua importância
estende-se até o início do século XXI, período marcado pelo crescimento acelerado da economia
baiana, sustentado pelo desempenho do setor industrial.
Para Pessoti e Pessoti (2010), os anos de 70 podem ser entendidos como a década que consolida de
vez o processo de industrialização iniciado anteriormente, sobretudo após a implantação do Complexo
Petroquímico de Camaçari (COPEC) quando o ambiente industrial baiano passa a dar mais atenção ao
setor secundário, colocando-o em condições mais favoráveis.Consolida-se em razão disto, na Bahia, ao
final da década de 70, a estrutura industrial de perfil complementar às indústrias do Centro-Sul,
centrada basicamente na produção de bens intermediários, principalmente da indústria petroquímica.
A esta concentração setorial une-se a concentração espacial, caracterizando fortemente o novo perfil
econômico do Estado.
Neste sentido, conforme salienta Almeida (2009), em 1970, Feira de Santana, através da elaboração
do Plano Diretor do Centro Industrial do Subaé (PDCIS), começa a estabelecer a criação do Distrito
Industrial do Subaé com o objetivo de estimular a expansão deste município como polo secundário e
auxiliar da Bahia de modo a funcionar como complemento do eixo industrial que já havia se
estabelecido na capital.
Isto posto, este artigo pretende estudar os pressupostos do desenvolvimento estabelecidos com a
criação do CIS. Eles obedeceram às teorias da localização espacial e industrial?Ou se podem identificar
conceitos das teorias do desenvolvimento local? Quais são as perspectivas futuras do distrito enquanto
instrumento de desenvolvimento e de políticas públicas? Para isto este artigo está estruturado da

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O Debate Sobre Desenvolvimento Local Como Contraponto As Teorias Da Localização: Ponderações Sobre O Distrito Industrial Do
Subaé-Feira De Santana-BA

seguinte forma além desta introdução; uma seção sobre a teoria da localização; uma seção sobre o
desenvolvimento local e outra sobre a discussão analítica do CIS confrontando estas duas vertentes. A
última seção trará as considerações finais.
Metodologicamente, este trabalho ampara-se em uma revisão teórica dos principais autores tanto da
teoria da localização espacial e industrial, quanto das teorias do desenvolvimento local na tentativa de
compreender os pressupostos estabelecidos na criação e desenvolvimento do Centro Industrial do
Subaé. Amparamo-nos também na matriz do método hipotético-indutivo, onde segundo Gil (2010), o
cientista, através de uma combinação de observação cuidadosa, hábeis antecipações e intuição
científica, alcança um conjunto de postulados que governam os fenômenos pelos quais está
interessado, daí deduz ele as consequências por meio de experimentação e, dessa maneira, refuta os
postulados, substituindo-os, quando necessário, por outros, e assim prossegue.
Desta forma com a criação, adequação ou modificação do método hipotético-dedutivo, observar-se-á
se as teorias de localização espacial ou do desenvolvimento local ou até mesmo ambas influenciaram
de algum modo o processo de criação do CIS em Feira de Santana nos anos 70 do século passado.

TEORIAS DA LOCALIZAÇÃO ESPACIAL E INDUSTRIAL

Os estudos da teoria da localização espacial e industrial começaram a emergir na Europa no início do


século XIX. Neste contexto, temos um forte processo de industrialização ocorrendo, sobretudo na
Inglaterra, em virtude da Revolução Industrial, o que motivou autores como Alfred Marshall a
contribuir com os estudos locacionais com os distritos industriais. Porém, no resto da Europa, de modo
especial na Alemanha, a agricultura ainda tinha forte poder econômico, embora traços de
industrialização começassem a se mostrar cada vez mais presentes. É neste contexto que teóricos
alemães como Von Thunen, Weber e outros apresentam e fundamentam suas teorias de localização
espacial e industrial voltadas a responder as questões de localização agrícola e da nova indústria que
emergia em território alemão. Porém, não foi apenas na Alemanha que os estudos de como o espaço
influenciam as decisões econômicas. Também na França e na Inglaterra, François Perroux e Alfred
Marshall contribuíram para o estudo da teoria da localização ao formularem dois conceitos de extrema
importância para a teoria: pólos de crescimento e distritos industriais. Neste trabalho, faremos um
apanhado dos teóricos citados nominalmente neste trabalho, por entenderem que estes formularam
os conceitos que serão importantes na construção deste trabalho.
Em sua obra, O Estado Isolado em sua relação com a agricultura e a economia nacional, publicada em
1826, o economista prussiano (hoje Alemanha), Johann Heinrich Von Thunen, inaugura, de forma

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O Debate Sobre Desenvolvimento Local Como Contraponto As Teorias Da Localização: Ponderações Sobre O Distrito Industrial Do
Subaé-Feira De Santana-BA

definitiva, o estudo da teoria dos lugares centrais, sob uma perspectiva racionalista, para explicar se
há uma ordem espacial da produção agrícola e qual lógica ela atendia.
Thünen utiliza como variável explicativa, a distância em relação aos mercados urbanos. Para isolar essa
variável, ele precisou assumir algumas condições em seu experimento mental: i) tudo se passa em uma
planície biofisicamente uniforme (qualidade dos solos, tipo de relevo, etc.) ao redor da qual se ergue
uma densa floresta “virgem” (uncultivated wilderness);ii) não há movimento de importação-
exportação para além dessa floresta; iii) a planície é por toda parte habitada por agricultores de mesmo
nível cultural; iv) esses agricultores produzem sempre para venda e sempre procurando maximizar a
renda advinda dessa venda;v) o único mercado disponível a esses agricultores é aquele de uma cidade
centralmente localizada na planície; vi) a única forma de os agricultores levarem suas mercadorias para
a cidade é por meio de carros de tração animal (CABRAL, 2011,).
A estas variações no cultivo, Thunen nomeia de “teoria das intensidades” na qual os cultivos de terra
mais próximos ao mercado serão os de produtos agrícolas nos quais serão empregadas menores
unidades tanto de capital quanto de trabalho, atingindo a renda da terra nula (nível crítico de
produtividade marginal de capital e trabalho), e à medida que as terras vão se afastando do mercado
consumidor da cidade, os cultivos agrícolas vão se tornando progressivamente mais extensivos tanto
de capital quanto de trabalho.
Estes sistemas, porém, representam métodos de cultivo ou níveis de investimento de capital e trabalho
utilizados para o cultivo de um mesmo gênero. Faz-se variar, portanto, os custos de produção.
Mantendo estes custos fixos e fazendo variar os gêneros, qual seria a estrutura de alocação tal como
influenciada pela distância do mercado? Este é o segundo grande objeto de estudo de Thünen. Como
resposta, ele constrói uma teoria geral da localização dos produtos agrícolas – a teoria dos cultivos,
conforme ficou conhecida na literatura especializada.
A citada teoria postula que o lugar mais próximo ao mercado será apropriado para aquele produto que
apresenta a maior redução de custo de transporte naquela localização. O valor desta redução é
encontrado multiplicando-se o custo de cada carregamento transportado para o mercado pelo número
de carregamentos preenchidos por unidade de área cultivada. Como os custos de produção são
mantidos constantes, o produto dessa multiplicação reflete as características intrínsecas do gênero
(produtividade natural, volume e perecibilidade) e a natureza da demanda urbana (magnitude e
frequência) (CABRAL, 2011).

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O Debate Sobre Desenvolvimento Local Como Contraponto As Teorias Da Localização: Ponderações Sobre O Distrito Industrial Do
Subaé-Feira De Santana-BA

Embora a teoria de Von Thunen tenha se dedicado quase que exclusivamente às questões agrárias, ela
deixou inquietações e dúvidas. Seria possível replicar ou esquematizar a teoria de Thunen nos
processos de localização industrial?
Uma primeira tentativa de responder a estes questionamentos partiu do economista e sociologo
alemão Alfred Weber(1868-1958) sob o pressuposto de que a localização industrial era um problema
geral de repartição de espaço das atividades econômicas. Ele tenta replicar o modelo de Thunen na
ordem industrial, estabelecendo uma contribuição para as teorias locacionais e regionais.Analisando
a composição dasindustrias alemãs, Weber percebeu que três fatores influenciam, de maneira crucial,
na decisão das industrias de se estabelecerem em um determinado local: os custos de transporte, as
distorções da força de trabalho e, por último, as forças de aglomeração e desaglomeração 1.
O resultado dessa intervenção de forças definirá a “densidade industrial” e poderá provocar variações
relativas à localização que os fatores transporte e trabalho teriam tornado preferenciais. A sua
influência será maior nas indústrias com produtos de grande valor agregado e poderá ser medida por
um coeficiente de produção. De maneira geral, as indústrias de elevado coeficiente de produção têm
tendência para se aglomerarem(RAMOS,2000).
Deste modo, a teoria de localização industrial de Weber, por se tratar de um modelo de localização
ótima, traz uma nova pespectiva de desenvolvimento econômico ao abordar as escalas regioniais e
locais dentro do espectro da minimização dos custos de transporte das unidades industriais através de
um trade-off(um conceito econômico sob o qual todos os agentes econômicos passam por um
processo de conflito de escolhas) entre matérias-primas e mercado.
Já na França, François Perroux após devidamente estabelecido o conceito de espaço econômico (que
será primordial dentro do entendimento da teoria dos polos de crescimento), inicia sua teoria ao
observar que o crescimento econômico não acontece de maneira uniforme, mas, sim, irregular: “o
crescimento não surge em toda parte ao mesmo tempo; manifesta-se com intensidades variáveis, em
pontos ou polos de crescimento; propaga-se, segundo vias diferentes e com efeitos finais variáveis no
conjunto da economia” (PERROUX, 1967, p.164).
Assim, para analisar essa modalidade de crescimento, é preciso considerar o papel desempenhado
pela indústria motriz, pelo complexo de indústrias e pelo crescimento dos polos de desenvolvimento
(SIMÕES; LIMA, 2009). Partindo dos conceitos de crescimento econômico, Perroux (1967) introduz o
conceito chave para compreender a sua Teoria dos Polos de Crescimento: o de indústria-motriz.
Para que uma indústria seja considerada motriz dentro de um território, ela deve obedecer aos
seguintes pré-requisitos: Ser líder do complexo de atividades do território; Crescer a uma taxa superior

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O Debate Sobre Desenvolvimento Local Como Contraponto As Teorias Da Localização: Ponderações Sobre O Distrito Industrial Do
Subaé-Feira De Santana-BA

à média da indústria nacional; Possuir fortes conexões locais de insumo-produto através das relações
de compra e venda; Possuir atividade considerada inovadora, possivelmente de grande dimensão e
estrutura oligopolista; Grande poder de mercado, capaz de influenciar tanto os preços dos produtos
finais quanto dos insumos e matérias primas; Produção em grande escala tanto para o mercado
nacional quanto para o mercado internacional.
Sendo assim, o polo de desenvolvimento seria uma unidade econômica (indústria) motriz ou um
conjunto formado por várias dessas unidades que exercem efeitos de expansão, para cima e para baixo,
sobre outras unidades que com ela estão em relação. Vale salientar que para Perroux (1967), a noção
de polo só tem valor a partir do momento em que se torna instrumento de análise e meio de ação de
política, ou seja, o polo só pode ser entendido como uma visão abstrata do espaço (SIMÕES; LIMA,
2009).
Já na Inglaterra, Alfred Marshall na sua obra Elements of economics of industry (Elementos de
Economia Industrial), publicada pela primeira vez em 1892, Marshall estabeleceu de vez a sua
contribuição para a teoria da localização industrial ao formular o conceito de distrito industrial.
A argumentação central de Marshall era a de que a situação particular de “indústrias aglomeradas”,
envolvidas em atividades similares, gerava um conjunto de desvantagens econômicas (chamadas de
“economias externas marshallianas”). Essas vantagens nasciam da própria divisão do trabalho entre os
produtores de um mesmo ramo industrial concentrados numa mesma região geográfica (KELLER,
2008).
De acordo com Humphrey&Schmitz (1996),Marshall fala em indústria localizada e em distrito
industrial, apesar de não fornecer uma definição clara. Mas por meio de exemplos de indústrias
localizadas da Inglaterra, ele já fazia referência a um cluster industrial2 em que havia uma profunda
divisão social do trabalho entre as firmas, de onde se originava um conjunto de vantagens industriais
externas.
Assim, as empresas que operariam em um sistema de aglomeração (cluster), gerariam as economias
externas, que nada mais são do que as vantagens que as empresas obteriam por estar operando em
uma situação de aglomeração industrial. Estas vantagens se baseariam pela intensa especialização
(advinda da divisão do trabalho no interior destas indústrias), do surgimento de uma pujante
infraestrutura que geraria fluxos de informações tanto internas quanto externas e de uma força de
trabalho especializada.
Pessotti et al. (2017) definem o distrito industrial marshalliano como uma organização de fins
produtivos com uma base fundamentada em um único sistema, que será altamente especializado com

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O Debate Sobre Desenvolvimento Local Como Contraponto As Teorias Da Localização: Ponderações Sobre O Distrito Industrial Do
Subaé-Feira De Santana-BA

funcionamento composto de empresas de caráter semelhante em uma determinada localidade. A


atuação destas empresas em conjunto irá provocar uma grande vantagem e escala produtiva nos
ambientes em que se localizam.
Por fim, as contribuições da Teoria da Localização tanto na França, quanto na Inglaterra e na Alemanha,
apontaram para o desenvolvimento de forma exógena (de fora para dentro). Os autores não se
preocuparam em apontar fatores culturais e internos como importantes para o desenvolvimento de
uma localidade. Este caminho só foi apontado por autores de uma corrente denominada de
desenvolvimento local, que será abordada na próxima seção deste trabalho.

TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO LOCAL

A teoria do desenvolvimento local procura estudar como um conjunto de inúmeras dinâmicas (social,
econômica, política e cultural) se correlaciona dentro de um determinado território, e como essas
dinâmicas induzem mudanças qualitativas dentro desta localidade.
Antes de explicitar o conceito de desenvolvimento local, uma consideração é necessária a respeito do
significado de “local”. Este é entendido como um sentimento de pertencimento do individuo (ou de
uma comunidade) a um determinado território, que permite a população daquele território, a
capacidade de reconhecer em si e nos seus,traços característicos e/ou específicos, que permita a
potencialização destes traços em busca de rápidas transformações.
O desenvolvimento local alia duas ações (produtividade e competitividade), de forma a mover a
dinâmica econômica a seu favor, ao mesmo tempo em que busca melhorar a distribuição de renda,
conservando outras dinâmicas fundamentais (recursos naturais, aspectos históricos e culturais) que
também favorecem o crescimento (BARQUERO, 2001).
Para Oliveira (2001, p.14), “o desenvolvimento local é uma noção polissêmica e, necessariamente
comporta tantas quantas sejam as dimensões em que se exerce a cidadania;qualquer tentativa, pois,
de transformá-la em modelos paradigmáticos está fadada ao fracasso”.Para o autor, o
desenvolvimento local não pode ser comparado ao “desenvolvimento exógeno” vindo, por exemplo,
das teorias de Pólo de Crescimento de François Perroux (onde o desenvolvimento é fruto de um elo
numa cadeia de desenvolvimento, reproduzindo assim a estrutura já estabelecida).O desenvolvimento
local é entendido como uma participação efetiva dos processos de cidadania dos habitantes do
território.
Outro aspecto relacionado ao desenvolvimento local é que ele implica em articulação entre diversos
atores e esferas de poder, seja a sociedade civil, as organizações não governamentais, as instituições

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O Debate Sobre Desenvolvimento Local Como Contraponto As Teorias Da Localização: Ponderações Sobre O Distrito Industrial Do
Subaé-Feira De Santana-BA

privadas e políticas e o próprio governo. Cada um dos atores tem seu papel para contribuir com o
desenvolvimento local (BUARQUE, 1999).
Estrategicamente tem como objetivo “criar redes territoriais de serviços avançados de informação,
capacitação e financiamento que facilitem às empresas locais e regionais a aquisição de uma adequada
‘flexibilidade produtiva’; esta, por sua vez, não pode reduzir-se à adoção de medidas que conduzam a
precarização do emprego, a contenção dos salários ou a exploração e esgotamento de recursos
naturais não renováveis, mas deve contemplar o conjunto de atividades vinculadas à geração de valor
agregado por parte das empresas, a partir da gestão tecnológica e financeira até a comercialização e
o serviço pós-venda, todos susceptíveis de inovação para adaptar-se mais facilmente às freqüentes
condições da demanda” (ALBUQUERQUE, 1998; pg.83).
Estas estratégias são formuladas a partir dos elementos básicos do desenvolvimento local que são: a
“sintonia fina” entre os agentes públicos e privados do território; o acesso do território aos serviços
que possam incorporar novas tecnologias dentro do processo produtivo territorial; o estimulo as
iniciativas empresariais através de, por exemplo, da criação de incubadoras e por último, a capacitação
de novas lideranças territoriais e da nova classe empresarial que surge das incubadoras.
As principais características do desenvolvimento local são: o espaço territorial é concebido como
agente de transformação social e não como mero espaço funcional; a sociedade local não se ajusta de
forma passiva aos processos de transformação em curso, mas desenvolve iniciativas próprias a partir
de suas particularidades territoriais nos planos culturais, sociais, econômicos e políticos; os poderes
públicos locais e os agentes empresariais privados devem negociar a institucionalidade mais adequada
para facilitar a recopilação sistemática das informações e promoção de espaços de intervenção e a
existência de capacidade empresarial inovadora em nível local (ALBUQUERQUE, 1998).
Porém, as estratégias e as características do desenvolvimento local não podem ser executadas sem a
presença dos atores sociais deste processo.Esses são aqueles que possuem qualificações e
competências que os atribuem a representar um papel de extrema importância no desempenho das
políticas públicas de desenvolvimento local.Como salienta Brito (2006,p.06),“O ator de
desenvolvimento é um novo ator que procura promover a empresa em desenvolvimento social. É
parte integrante de um projeto coletivo cujas condições de produção, à imagem do projeto familiar,
são tão complexas como é a realidade sociológica da fábrica, da empresa, da organização, e fazem
apelo a uma identidade cultural fundamentada no reconhecimento do pluralismo. Eles agem como
novas elites locais modernizadoras,conciliadoras e militantes de maneira a produzir uma
transformação no seio da coletividade, realizando um trabalho como” um agente que impõe a essa

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O Debate Sobre Desenvolvimento Local Como Contraponto As Teorias Da Localização: Ponderações Sobre O Distrito Industrial Do
Subaé-Feira De Santana-BA

coletividade sua própria transformação interpretando pressões externas para vencer a resistência dos
sistemas de reprodução”.
Mediante o exposto, podemos concluir que o desenvolvimento local consiste em um movimento ou
processo fundamentado através de etapas onde ocorre uma transição de um modelo “cultural” já
existente naquele território, para o modelo de DL(desenvolvimento local). Esta transição ocorre num
primeiro momento, no diagnostico da caracterização das localidades, de modo a identificar quais as
condições de ação da política de desenvolvimento que pode ser aplicada naquele território e seus
efeitos.
Em seguida, a caracterização das políticas e estratégias necessárias irá balizar as decisões dos agentes
para encarar os desafios econômicos, políticos e sociais que certamente existirão dentro do território
e que irão se mostrar como obstáculos para a implementação do modelo de DL.
Por fim, mas não menos importante, a execução das ações do modelo de desenvolvimento local (quer
sejam elas feitas pela iniciativa pública, quer pelos atores privados, ou por ambos através de uma
aliança entre os dois atores) são necessárias para fazer com que se logre êxito no sucesso da iniciativa
local.
Estabelecidos os pressupostos tanto da teoria da localização espacial e industrial, quanto do
desenvolvimento local, é preciso questionar: o CIS (Centro Industrial do Subaé) foi pensado e
executado sobre algum desses pressupostos teóricos? Esta pergunta será respondida na próxima
seção.

PONDERAÇÕES SOBRE O DISTRITO INDUSTRIAL DO SUBAÉ

A criação do CIS (Centro Industrial do Subaé) na cidade de Feira de Santana-Bahia acontece após o
lançamento do PDLI (Plano de Desenvolvimento Local e Integrado) lançado entre julho de 1969 e
dezembro de 1970, o governo municipal assinaria os decretos de desapropriação de áreas e a lei de
institucionalização da autarquia denominada “Centro Industrial do Subaé”.
No momento de sua fundação, o CIS contava com cartas de opção firmadas por 30 empresas para
instalação naquela localidade, inclusive com 11 projetos em fase de análise ou aprovados pela
SUDENE. Vale frisar que tais projetos destinavam-se a indústrias de maior porte do que as até então
predominantes do município, causando expectativas favoráveis ao ambiente econômico local (CRUZ,
1999).

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O Debate Sobre Desenvolvimento Local Como Contraponto As Teorias Da Localização: Ponderações Sobre O Distrito Industrial Do
Subaé-Feira De Santana-BA

A instalação do distrito se dá em virtude da necessidade de organização da atividade industrial de Feira


de Santana, antes dispersase desorganizadas, espalhadas pela malha urbana do município sem
qualquer tipo de conexão entre elas.
Este centro industrial, a principio de iniciativa local, é importante destacar, atualmente é uma
Autarquia do Governo Estadual. Caracteriza-se por ser voltado para a fabricação de bens finais e
intermediários, apresentando um setor diversificado, sendo os ramos mais representativos:
metalúrgicos, alimentício, bebidas, madeira, minerais não metálicos, químicos e borracha. Sua
vocação setorial pode ser considerada indefinida, observando-se que em cada um destes ramos, há
pelo menos uma empresa em atividade. O CIS teve como principais atrativos para sua implantação os
incentivos fiscais do Programa FINOR, a isenção de impostos de renda e o excedente de mão de obra
(FREITAS, 1996).
Feira de Santana foi escolhida para receber o distrito industrial por suas vantagens locacionais, como
destaca Freitas (1996 p.86-87):
[...] “as vantagens locacionais de Feira de Santana, como intermediária entre
o Recôncavo e o Sertão baiano, fazem com que a cidade funcione como
entreposto comercial, ocorrendo uma rápida expansão do comércio que,
com o advento do rodoviarismo, favorece o contato com outras regiões”.
As vantagens locacionais de Feira de Santana e a localização geográfica do CIS por esta perspectiva
parecem obedecer a lógica das teorias locacionais, em especial as de Weber e de Perroux. Do primeiro,
podemos identificar a perspectiva de redução de custos de transporte, uma vez que Feira de Santana
na condição de maior entroncamento rodoviário do Norte-Nordeste do país possui fluidez e rápido
contato com outras regiões do Brasil, além de estar localizada geograficamente próxima (110 km) do
principal centro consumidor, político e social da Bahia, a capital Salvador.
De Perroux, observamos a perspectiva de que o Centro Industrial do Subaé funcionaria como um
indutor do crescimento econômico do município. Freitas (1996, p.6) destaca que:
[...] “o crescimento econômico em Perroux seria em função do crescimento
industrial, particularmente de certas indústrias inovadoras e propulsoras
chamadas indústrias motrizes, apresentando as mais elevadas taxas de
crescimento do sistema econômico. Estas indústrias exercem “efeitos de
arraste” sobre outros conjuntos nos espaços econômicos e geográficos.
Assim o setor dinâmico atrai novas indústrias fornecedoras e compradoras
de insumos, formando um complexo industrial caracterizado por um
elevado grau de concentração industrial e populacional e ainda pela elevada
interdependência existente entre as indústrias. Este complexo não teria
somente repercussões no setor terciário. O setor primário seria chamado a
fornecer insumos e alimentos em quantidade e qualidade suficientes e o
setor terciário seria incumbido da direção das relações intersetoriais, dos
avanços tecnológicos e dos serviços gerais á população. O crescimento
econômico ou o desenvolvimento econômico poderiam então ser iniciados.”

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O Debate Sobre Desenvolvimento Local Como Contraponto As Teorias Da Localização: Ponderações Sobre O Distrito Industrial Do
Subaé-Feira De Santana-BA

Nessa abordagem, o espaço e o desenvolvimento são vistos como lineares, obedecendo a uma lógica
cartesiana, onde os fatores e atores deste desenvolvimento são homogêneos. O desenvolvimento do
município é “exógeno”, ou seja, de fora pra dentro do território, onde o protagonismo dos atores
locais é retirado ou jogado em um segundo plano, dando espaço para as grandes corporações
internacionais assumirem o papel de indutor do desenvolvimento dentro do município. Esta
conjuntura é ainda favorecida pela aliança entre estas grandes corporações internacionais que se
instalam e se concentram no CIS e a elite política e econômica municipal (políticos, comerciantes e
industriais), interessados nos incentivos fiscais do governo estadual e federal (isenção de impostos e
financiamentos a juros abaixo dos praticados do mercado).Ou como destaca Cruz(1999, p.293).
“Observou-se, no caso de Feira de Santana e sua região de influência, certa
debilidade dos efeitos interiorizados do processo de desconcentração
econômica, na medida em que a “modernização conservadora” conduzida
pelo Estado, em todos os níveis,não conseguia (na verdade não pretendia,
graças aos pactos estabelecidos entre elites dirigentes em todos os estados
brasileiros) romper com a tradição e manutenção de “velhas”estruturas,
alicerçadas pelo interior do país, reduzindo ou anulando a transmissão dos
efeitos dessa desconcentração econômica nos espaços imediatamente
vizinhos.”
Mesmo assim, o processo de industrialização e a manutenção das funções da sede feirense como pólo
regional provocaram a acelerada substituição de terrenos, antes ocupados pela agricultura, por
atividades urbanas produtivas em um raio mais amplo do que o do próprio município, alterando
funções urbanas e rurais de municípios vizinhos, como Amélia Rodrigues, São Gonçalo dos Campos,
Santo Estevão e outros. Este movimento fez elevar os preços das terras situadas nas áreas de expansão
urbana e próximas à malha rodoviária. A especulação imobiliária rural e urbana atraiu para as
proximidades do CIS uma produção diversificada de hortifrutigranjeiros, carnes, leite, aves e ovos,
muitas delas com a utilização de tecnologias modernas, integradas à transformação industrial. Ao
mesmo tempo, parte da pecuária capitalizada passava a confinar seu gado em fazendas localizadas
em outros municípios da região, com produtividade superior na produção de carne, leite e
subprodutos. Todavia, no meio destas “ilhas de produtividade”, persiste um “oceano” cheio de
estagnação e miséria rural, aliados à precarização e empobrecimento das periferias urbanas (CRUZ,
1999).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em face do exposto neste artigo, concluímos que o CIS(Centro Industrial do Subaé) instalado na cidade
de Feira de Santana em 1970, foi fortemente influenciado pelas teorias da localização espacial e

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O Debate Sobre Desenvolvimento Local Como Contraponto As Teorias Da Localização: Ponderações Sobre O Distrito Industrial Do
Subaé-Feira De Santana-BA

industrial , de modo especial pelos escritos de Weber e de Perroux.O desenvolvimento do município


foi pensado de forma onde o espaço obedecia apenas a uma lógica cartesiana e linear, como
instrumento de ocupação das indústrias instaladas no CIS.
O CIS em questão atuaria como parte de uma cadeia indutora de desenvolvimento, atendendo assim
a lógica da indústria motriz de Perroux, onde uma empresa ou um conjunto de empresas atuariam
como “puxadores” do desenvolvimento econômico, demandando matérias primas e mão de obra para
a realização das atividades produtivas.
Essas atividades precisariam ser escoadas de forma rápida e seguras aos centros consumidores
próximos. Sendo assim, uma localização privilegiada que minimizasse os custos de transporte e que
possuísse uma boa variedade de vias de escoamento se tornou condição necessária. Feira de Santana,
como maior entroncamento do Norte-Nordeste do Brasil com três rodovias federais cortando a
cidade, e a proximidade do município com a capital Salvador, favoreceram a implantação do CIS com
os princípios teóricos da localização de Weber.
Não foram identificados neste trabalho, os pressupostos da teoria do desenvolvimento local na
implantação do CIS em Feira de Santana. Muito pelo fato do desenvolvimento ter sido exógeno, com
foco nas indústrias multinacionais, não houve a valorização da produção local, da cultura local, não
em articulação entre diversos atores e esferas de poder, seja a sociedade civil, as organizações não
governamentais, as instituições privadas e políticas e o próprio governo, e sim uma concentração entre
apenas dois setores da sociedade local (o poder público e a elite local produtiva).

12
73
O Debate Sobre Desenvolvimento Local Como Contraponto As Teorias Da Localização: Ponderações Sobre O Distrito Industrial Do
Subaé-Feira De Santana-BA

REFERÊNCIAS

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O Debate Sobre Desenvolvimento Local Como Contraponto As Teorias Da Localização: Ponderações Sobre O Distrito Industrial Do
Subaé-Feira De Santana-BA

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O Debate Sobre Desenvolvimento Local Como Contraponto As Teorias Da Localização: Ponderações Sobre O Distrito Industrial Do
Subaé-Feira De Santana-BA

NOTAS
1As forças de aglomeração e desaglomeração consistem em economias com alto poder de
encadeamento através de um reagrupamento de ordem geográfica das empresas nos fatores de
produção e escoamento da produção (preços mais favoráveis, melhores condições de mercado e
maior integração do mercdo com as unidades industriais). Já as forças de desaglomeração se referem
a grandes aumentos na renda da terra, os quais são provocados devido a uma concentração excessiva
de terras nas mãos de poucos produtores agrários e, por consequência, reduzem a oferta de terras
disponíveis para a implantação de indústrias, aumentando o preço dos solos.

2Concentração de empresas que se comunicam por possuírem características semelhantes e


coabitarem no mesmo local. Elas colaboram entre si e, assim, tornam-se mais eficientes.

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76
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 6
10.37423/200701851

INFLUÊNCIA DO CÔNJUGE NO
ACOMPANHAMENTO DA MULHER
MASTECTOMIZADA: DO DIAGNÓSTICO À PÓS
MASTECTOMIA”

Andréa Stopiglia Guedes Braide

Paulla Vasconcelos Valente

Marcia Cardinalle Correia Viana

Ana Mayra Barbosa Ferreira

Emanuela Marques Pereira Sales


Influência Do Companheiro Cônjuge A Mulher Mastectomizadado Diagnóstico À Pós Mastectomia

Resumo: O Câncer de mama afeta uma grande quantidade de mulheres, principalmente ao passarem
por tratamentos agressivos e até mutilador como a mastectomia parcial ou total.As fases que
envolvem o processo de descoberta e recuperação da doença são decisivas no bem-estar físico e
emocional, onde o apoio do companheiro e familiares acompanha esse processo. Qual a influência do
companheiro/cônjuge no processo de diagnóstico à recuperação pós-mastectomia de câncer de
mama? Podendo destacar que o apoio do companheiro pode ter potencial em otimizar a recuperação
da mulher companheiro que, por vez, pode se encontrar frágil em diferentes aspectos relatados na
literatura. Pesquisa de campo de abordagem qualitativa, foi utilizado análise de conteúdo de Bardin.
Foram inclusos 4 casais que têm relacionamento estável, onde foram realizadas entrevistas para a
coleta de caracterização que envolve cada história pessoal dentro do assunto proposto por esta
pesquisa, encontrando falas destacadas nos resultados de grande significado. Portanto nesta pesquisa
mostrou se o quão a presença participativa do companheiro foi real a suas companheiras, que cada
fase desde o processo de anúncio do diagnóstico, durantes as necessidades no tratamento e após a
retirada da mama ou parte dela, ficando evidenciado nas falas nos participantes.
Palavras-Chave: Mastectomia. Neoplasias da Mama. Influência dos Pares. Tratamento Farmacológico.
Relações Familiares.

1
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Influência Do Companheiro Cônjuge A Mulher Mastectomizadado Diagnóstico À Pós Mastectomia

1.INTRODUÇÃO

No câncer de mama que afeta uma grande quantidade de mulheres, onde a mastectomia que é
comumente parte do tratamento ao se referir a carcinoma mamário, vem acompanhado de várias
cargas sejam elas físicas quando o corpo sofre ao passar por uma doença e tratamentos agressivos a
substâncias ou até mesmo a mutilação do corpo, como as mudanças psicoafetivas, podendo alterar o
convívio familiar. (CUNHA et al., 2011; MAJEWSKI et al., 2012).
Dentre os tratamentos mais efetivos a retirada da mama na forma de cirurgia parcial ou total gera um
maior impacto psicológico para a mulher e, também, para o companheiro, por ser considerada insígnia
da sexualidade feminina (FURLAN et al., 2013). As fases após a descoberta diagnóstica são
consideradas decisivas para abordagem não só da indicação cirúrgica, mas também de como esta
mulher poderá aceitar e programar todo o tratamento adequado. Os processos que se destacam a
partir da descoberta do câncer estão diretamente ligados ao tempo que antecede o procedimento
cirúrgico e o pós-operatório incluindo terapêutica, implantes e suporte profissional de apoio emocional
e psicológico (OLIVEIRA et al., 2017).
O processo de preparação e aceitação da mastectomia causa grande sensibilização das mulheres,
cônjuges e familiares, provocando sobretudo impacto psicológico e social que também em alguns
casos acarreta limitação física. Esse mesmo processo é cercado de dor física e diferentes emoções
associadas a mutilação do corpo, como medo da perda da identidade feminina, da alteração da
imagem corporal, da sexualidade e das adaptações que serão necessárias para cada indivíduo
(OLIVEIRA et al., 2017).
No pós-operatório e continuidades do tratamento, a dinâmica familiar, a reação e apoio do marido ou
companheiro para aquelas mulheres que tem relacionamento conjugal estável, são de magna
importância para que a paciente mastectomizada consiga evoluir positivamente em seu tratamento
desde o início até termo de total recuperação. É importante os acompanhantes sejam esposo ou
familiar compreender as consequências da mastectomia ao longo do processo e administrar a saúde
pode ser uma boa forma de sensibilização, aceitação e busca pela cura onde a mulher poderá encontrar
conforto afetivo do companheiro e de quem convive ao seu redor (SILVA et al., 2010).
Todavia a qualidade de vida dessas mulheres e autoestima, também contribuem para a saúde
emocional dos seus parceiros para com elas, principalmente para a aceitação de uma nova mulher se
assim prosseguir e até mesmo a percepção de um novo corpo (FURLAN et al., 2013). Uma das
preocupações da mulher mastectomizada é como a sociedade e como o cônjuge vai acolhê-la
(HIRSCHLE et al., 2018). Em decorrência dessas mudanças o presente objetivo desse estudo busca

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Influência Do Companheiro Cônjuge A Mulher Mastectomizadado Diagnóstico À Pós Mastectomia

compreender a partir do relato da mulher e seu esposo, com o companheiro/cônjuge influencia no


processo do diagnóstico à recuperação pós mastectomia de câncer de mama.

2.MATERIAIS E MÉTODOS

Esta pesquisa campo transversal, do tipo descritiva de abordagem qualitativa, ocorreu no período de
novembro de 2018 a junho de 2019 após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa CAAE
90894318.1.0000.5049, em uma clínica privada de Fisioterapia na cidade de Fortaleza-CE que entre
suas especialidades acompanha mulheres mastectomizadas desde o pré-operatório. A coleta de dados
foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas com as mulheres que se submeteram a cirurgia
de mastectomia e seus respectivos cônjuges, totalizando 4 casais, que só deu início após a assinatura
do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido conforme Resolução 466/12, todos os participantes
assinaram o termo. A coleta de dados se deu por um questionário sociodemográfico e perguntas
norteadoras que foram desenvolvidos pelas pesquisadoras para guiar as entrevistas. Foram incluídas
na pesquisa mulheres jovens que se submeteram a mastectomia parcial ou total independente da
história pessoal de cada uma, incluindo os seus companheiros/cônjuges com relacionamento estável
e que faziam tratamento fisioterapêutico na clínica de Fisioterapia incluída como local de estudo, e
foram filtrados casais que não fazem partes dos critérios citados pra a pesquisa. O primeiro passo para
a coleta por meio das entrevistas realizada pelas pesquisadoras para que pudesse haver uma abertura
dos entrevistas a exporem parte de suas vidas, a quantidade de encontro foi de aproximadamente três
pela maioria dos casais, ambos de forma individual fosse captado mais conteúdo sem interrupções e
após os encontros individuais se prosseguiu com a entrevista com o casal, para correlacionar
subjetivamente as falas e momentos, mas de forma complementar ao processo. Após contato com os
participantes do estudo por meio das entrevistas, prosseguiu-se a transcrição de falas para arquivo de
Microsoft Word para seguir com a formação de categorias pela análise do método do conteúdo de
Bardin. Todos os dados são mantidos em sigilos, havendo a necessidade somente de disponibilizar
conteúdo neste artigo de forma a contribuir para o meio acadêmico sem identificação pessoal dos
participantes, utilizando apenas falas que agreguem as categorias da temática da pesquisa.

3.RESULTADOS E DISCUSSÃO

Participaram do estudo 4 mulheres com histórico de câncer de mama e mastectomia, com idades entre
43 e 50 anos. Também contribuíram com a pesquisa seus conjugues, estes com idades entre 41 e 57
anos. As entrevistas foram realizadas inicialmente com as mulheres e seus companheiros de maneira

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Influência Do Companheiro Cônjuge A Mulher Mastectomizadado Diagnóstico À Pós Mastectomia

individual e em seguida com o casal, a fim de correlacionarmos as falas e as experiências antes


relatadas, sendo perceptível pelas pesquisadoras a complementação das falas, por vezes repetidas e
sendo oportuno um momento de exposição de afeto entre o esposo e ficando nítidas as expressões de
afeto por meio deles, uma vez que cada uma possui uma história com o câncer podendo remeter a
sentimentos já vividos. Para conseguirmos compreender de forma ampla as experiências vividas
partimos de 6 perguntas norteadoras, 3 para as mulheres e 3 para os homens, que nos trouxe maior
entendimento sobre o objetivo da pesquisa ao analisar como o comportamento do homem
companheiro/cônjuge pôde influenciar no tratamento da mastectomia por câncer de mama.
O início pela descoberta do câncer, podendo perceber que o diagnóstico é uma das fases mais
impactantes em todo esse processo e cada relato nos trouxe uma ideia do que foi para essas mulheres
e seus cônjuges a chegada da doença.

O ANÚNCIO DA CHEGADA DA DOENÇA: AS EXPERIÊNCIAS DELAS FRENTE AO DIAGNÓSTICO

Estar diante de um diagnóstico de câncer de mama é sem dúvidas um momento desafiador, carregado
de sentimentos que trazem incertezas sobre o tratamento e suas sequelas, a possibilidade de cura e o
medo da morte. A partir dos relatos abaixo conseguimos entender o impacto vivido por elas ao
saberem que estavam com a doença.
“Aí eu fiquei 2 dias sem contar pra ninguém só remoendo 2 dias. Aí meu marido: O que você tem? Aí eu tava
dirigindo, ele treina na beira mar e eu fui buscar ele lá, ele entrou no carro e eu disse: Você quer saber mesmo?
Aí ele: Quero... Eu tô com câncer de mama, ele ficou mudo em choque.” (Cristal)
“Diante de uma doença a gente sente assim, quando você ouve uma notícia dessa”, deixa a gente meio que sem
chão, tá, porque o câncer em si é uma doença que você se sente de certa forma condenada.” (Malaquita)
“A médica viu assim um desespero meu pra me ver logo livre daquilo, eu queria tirar aquilo o mais rápido
possível.” (Safira).
A chegada de um câncer de mama além de trazer abalos físicos e emocionais para mulher, também é
responsável por desestruturar aqueles compartilham diariamente as experiências de vida com elas, no
caso das nossas entrevistadas o cônjuge como participante intrínseco da vida diária, também se viu
diante de um desafio: Encarar o diagnóstico da esposa, algo que proporcionou sentimentos diverso,
capazes de influenciar no enfrentamento da doença e no bem estar das suas parceiras.

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Influência Do Companheiro Cônjuge A Mulher Mastectomizadado Diagnóstico À Pós Mastectomia

O DIAGNÓSTICO PELAS EXPERIÊNCIAS DOS CÔNJUGES

Em um contexto familiar de uma mulher com câncer o cônjuge tem um papel fundamental importante
em todos os cenários da doença sendo capaz de sentir emoções semelhantes às da sua esposa,
conseguimos identificar nos relatos o quão avassalador foi esse momento para alguns deles.
“A sensação é de faltar o chão! Fiquei com o exame queimando na mão assim várias horas para poder passar a
notícia” (Topázio).
Ao mesmo tempo em que ficar “sem chão” foi o sentimento inicial de alguns dos entrevistados, logo
eles perceberam a importância de buscar forças tornando-se pilares no apoio às suas parceiras, algo
que claramente não foi fácil para eles, sabendo que em um relacionamento conjugal os sentimentos
e experiências afetam o casal na mesma intensidade.
“Quando ela me disse que tinha a possibilidade dela estar com câncer, meu chão abriu, esse foi um momento
que eu mais assim fiquei mal, mas procurei o máximo não passar pra ela esse meu medo, eu tive muito medo,
achei que fosse ficar viúvo. E quando veio o diagnóstico mesmo aí também foi outra porrada grande, mas a
mesma coisa, foi a única vez que ela me viu chorando durante o processo inteiro. Depois disso eu tive que
encontrar força de outro lugar pra poder ajudar ela no processo, no sentido de tá sempre colocando pra cima,
estimulando, não deixando ela baquiar...” (Onix).
Também conseguimos perceber que a força pode vir de onde menos se espera assim o relato abaixo
nos mostra onde mesmo doente a paciente busca forças para apoiar seu parceiro.
“No dia a gente fica sem ter uma ideia formada, foi muito choro, mas depois ela mesma que me deu foi força
pra encarar a realidade”.
“No começo foi ruim né, mas depois... Dia a dia né!” (Quartzo).
Após o impacto do diagnóstico esses casais enfrentariam mais uma etapa delicada da doença, o início
do tratamento com a necessidade de realizar a cirurgia de retirada da mama, um dos procedimentos
definidos como indispensáveis no processo de cura: A mastectomia. A partir disso percebemos dentro
da individualidade do casal como cada um encarou esse fato, onde as mulheres vestiram-se de
coragem a fim de se livrarem do tumor, mesmo que para isso tivessem que abrir mão de um órgão
que carregava sua feminilidade, mas a vontade de “se livrar” do câncer tornou- se superior a qualquer
medo ou receio do processo cirúrgico e a partir disso a mastectomia vista como vilã da integridade
corporal feminina passa a ser uma aliada na superação da doença e esperança da cura.

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Influência Do Companheiro Cônjuge A Mulher Mastectomizadado Diagnóstico À Pós Mastectomia

MULHERES VESTIDAS DE CORAGEM FRENTE À MASTECTOMIA

A mastectomia sendo a principal intervenção utilizada no tratamento da mulher com câncer de mama
é sem dúvidas responsável por diversas alterações físicas e emocionais, podendo interferir
diretamente na vida familiar e conjugal da paciente (NERIS et al., 2018).
Nesse cenário a convivência com esses membros principalmente o cônjuge, possui um papel
determinante diante do da evolução da doença e as suas repercussões, por serem representadas como
importante via de suporte emocional e social na vida desta mulher.
Nas falas o sentimento de medo deu lugar a mulheres vestidas de coragem a enfrentar o que fosse
preciso para encontrar a cura da doença, mesmo que passa isso tivessem que abrir mão naquele
momento de uma parte do seu corpo tão cheia de significados.
“Foi uma ideia trabalhada por mim, fui amadurecendo essa ideia, ninguém deu essa sugestão sabe Já
partiu mesmo de dentro de mim querer, me livrar logo daquilo, pra mim eu estava com uma bomba
relógio.”
“É aquela coisa, se não estava fazendo bem e nem vai fazer então vamos eliminar né!”.
“Quando eu fui pra cirurgia eu não pensava no que eu ia passar a única coisa que eu pensava era que eu ia tirar
aquilo de dentro de mim. Não pensei em nada, nada, nada, não pensei como é que iam ficar minhas mamas,
não pensei em nada disso, eu queria era tirar o câncer de dentro de mim era a primeira coisa que eu queria
fazer.” (Safira).
“Sinceramente eu não vi problema nenhum em fazer a retirada da mama não (não expressa importância), até
mesmo porque eu tenho essa (encontrou outra forma de falar) é um mal, então tem que tirar entendeu?”
(Malaquita).
“Eu, eu sou uma pessoa, não é que eu pense no pior, mas eu sou uma pessoa que é muito prática, é muito difícil
a gente ser prática, principalmente a gente tanto do lado de cá, mas a gente precisa” “Dizem que o sofrimento
é uma escolha né” (Ametista).

A PREOCUPAÇÃO DO COMPANHEIRO COM O BEM-ESTAR DA SUA PARCEIRA E AS MUDANÇAS NO


CORPO

Nessa fase pré-mastectomia buscamos entender a partir da percepção dos cônjuges como a figura do
marido foi capaz de influenciar de diferentes formas nesse processo, já que a mama como símbolo de
vaidade e sexualidade está presente na vida do casal em todos os sentidos da relação.
Em todos os relatos algo em comum chamou atenção: A preocupação dos companheiros em preservar
o estar emocional das suas parceiras, pois eles sabiam o quanto a cirurgia seria mutiladora e capaz de

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modificar essa identidade corporal. Essas falas de cuidado e apreço são claramente relatadas por eles
nos trechos abaixo:
“Ela ficava desconfiada, porque ia tirar a mama, mas esse tipo de coisa né, pela estética. E depois, pela própria
doença dela né, ela ficou arrasada né, com isso, depois com a gente e meus filhos e tudo indo lá em casa e os
amigos e tudo, e foi dizendo que a vida era assim mesmo, o que ela tinha que fazer era se cuidar e tentar
sobreviver com essa doença né!” (Quartzo).
“Olha, pra mim, a minha preocupação sempre foi com ela e não comigo, porque mulher tem essa questão do
seio.”
“Pensar a gente sempre ficou tranquilo e eu sempre passei pra ela que eu não me importava então o mais
importante é a saúde dela.” (Ônix).
“Eu me preocupo mais pela sensação dela, eu sei que a Safira é super vaidosa e ela fica se sentindo mal, não
fica bem com o espelho como ela mesma diz, fica se chamando de Frank Stain (risos) ela não se sente bem com
o espelho, então isso me incomoda e eu procuro ficar contornando e tentando ajudar, da melhor maneira
possível.”
“O que me incomoda é ela estar sofrendo o que me incomoda sempre é ela“a gente resolveu trilhar e a gente
tem que tá junto mesmo para o que aparecer, não tenho grandes problemas com isso não.” (Topázio).

A RESSIGNIFICAÇÃO DE UMA NOVA IDENTIDADE: AS MARCAS DEIXADAS PELO CÂNCER.

Sem dúvidas que como um procedimento altamente mutilador, a mastectomia transforma não apenas
o corpo físico, mas também a integridade emocional e os diversos cenários da vida pessoal e conjugal
dessas mulheres. A partir do início do tratamento, as primeiras mudanças físicas são observadas,
impactando a identidade corporal dessas mulheres, que passaram a vivenciar dolorosamente o
surgimento de um novo corpo e memórias da imagem física que ali habitava antes da doença.
“Você fica com uma mama e outra não, isso pra mulher que é a vaidade, mama é o símbolo de ser feminina é
mama e o cabelo e então foram as duas coisas que eu perdi.”
“Tinha o cabelo bem aqui assim (demonstrando o tamanho em seu corpo) todo cacheado! (demonstrando muita
vaidade com o cabelo).”
“Vou deixar crescer assim pra ficar mais jeitoso, mais feminino, porque assim está muito Joãozinho ainda.”
(Risos)
“É difícil né! Você ficar com a mama perfeita eu até quis bater foto, sabe de uma coisa? Vou bater foto não pra
que? Nunca mais vai ser desse jeito então eu tenho que me acostumar com o que vai ser e achar bom e curtira
minha vida, exatamente! Não tá olhando foto o que passou, passou.”
“Eu acho que vocês estão me vendo vermelhinha é do hormônio, é do calor que a gente sente, as orelhas estão
parecendo uma pimentinha (Risos) Mas são coisas que: Ai! Eu tô viva! Eu tô bem, eu estou com saúde! Eu me

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considero uma pessoa com saúde eu passei por um câncer, eu passei por um tratamento seríssimo, mas passei!!!
Passei! Eu agora estou bem! Já tô fazendo Pilates, ando de bicicleta, como sempre fiz, sempre fiz atividade
física.” (Safira).
“Quando eu sai de lá, é pra mim era muito difícil, porque assim, como era metade, eu só sai com 50%, eu só sai
sem o buraco, e a prótese só poderia ser preenchida a partir do 11° dia, então eu não tinha coragem de me olhar
no espelho”.
“Eu só tive coragem de me olhar só depois que minha prótese fechou” (Ametista).
“Apesar, mesmo tendo levado parte de mim também, talvez por isso que eu não (Mudou a fala) em momento
nenhum, eu olho no espelho tranquila, desde que eu cheguei (pausa), é da cirurgia do hospital em casa que eu
fiz a retirada da mama, eu encarei com naturalidade, em momento nenhum em me escondi de ninguém.”
(Malaquita).
“Bem só teve um momento que eu fiquei mais inchada, e aí sem sobrancelha sem cílio, aí essa parte foi a carinha
do câncer, que você fica mesmo com aquela carinha né, e que eu vi num blog que a gente fica com cara de
lagartixa de parede, (risos) porque você fica amarela cara de “bribinha”.
“Porque você fica só o olhinho escuro e a pele pálida né, careca, sem sobrancelha sem cílio, nada, fica aquele
olhinho assim pequeno. Então realmente ali é a carinha do câncer.”
“Você fica muito ruim quando cai o cílio, agora o pior é o cabelo! Porque você bota lenço, você bota, as pessoas
dizem: Olha sua cabeça é bonita, mas o pior é o cabelo!” (Cristal).

DESAFIOS E INFLUÊNCIAS DOS CÔNJUGES NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO E CURA DA DOENÇA.

O envolvimento da mulher submetida a mastectomia com o seu parceiro se torna significativo na


verbalização de sentidos e trocas de experiências em todo processo de cura da doença, onde o apoio
mútuo proporciona a diminuição de sintomas como o de tensão e medo, assegurando a paciente de
que ela não enfrentará sozinha as etapas da doença (VASCONCELOS;NEVES, 2010).
Desta forma o cônjuge é considerado um personagem especial nessa relação de interdependência,
obtendo um olhar diferenciado por se tratar de um membro com alto potencial na reabilitação
psicossocial no cenário do câncer de mama. Esse parceiro é capaz de desempenhar uma conduta de
provedor do cuidado desde o diagnóstico até o tratamento e a completa reabilitação, oferecendo
suporte interpessoal, a melhora no autocuidado, nos casos de depressão e ansiedade e nas questões
intima do casal (YOSHIMOCHI et al., 2018).
“O processo de quimioterapia foi um pouco chato porque o primeiro dia de quimioterapia ela ficava elétrica,
animada e aí no segundo ela tinha uma enxaqueca. O processo de perda de cabelo também foi muito
complicado.”
“Inclusive o cabelo dela quem raspou foi eu, curativo, a limpeza dos drenos, eu fiz tudo.”

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Influência Do Companheiro Cônjuge A Mulher Mastectomizadado Diagnóstico À Pós Mastectomia

“Assim, eu praticamente abandonei o trabalho durante esse processo, pra me dedicar a ela, eu fiquei
trabalhando com o que dava pra trabalhar em casa, então, você encontra força em uma hora dessas que você
não sabe que você tem, então assim, eu tive muitas horas de chegar e chorar, mais antes, antes!”
“É nessas horas que a gente descobre se o casal se ama, é nessa hora. Porque eu não cogitei em momento
nenhum contratar ninguém pra ficar com ela, eu não cogitei em momento nenhum, contratar enfermeiro pra
fazer curativo, nada!” (Ônix).
“Que tem casos que, quando a mulher tem um tipo de doença dessas, o “homi” vai e puxa logo a carrocinha e
vai “simbora”.
“É muda em alguns momentos ela fica mais agressiva, mas a agressividade é da doença cara, quem é que quer
estar doente?
“Tem que ter paciência, tem que ter paciência, eu não discuto com ela na realidade, pouquíssimas são as veze
que eu discuto com ela. Porque não vai adiantar.”
“Eu não discuto, eu não discuto, não adianta discutir, em outras épocas eu discutia, mas aí quando ela ficar boa
100% eu posso discutir.” (Risos) (Quartzo).
“Eu me preocupo mais pela sensação dela, eu sei que a Suzana é super vaidosa e ela fica se sentindo mal, não
fica bem com o espelho como ela mesma diz, fica se chamando de Frank Stain ( risos) ela não se sente bem com
o espelho, então isso me incomoda e eu procuro ficar contornando e tentando ajudar, da melhor maneira
possível.”
“Esse período do tratamento e tal tem a sexualidade parada, não há sexualidade enquanto casal, mas o
relacionamento é do mesmo jeito, acho que até mais unido do que antes, não altera isso não.”
“Era todo dia no médico e durante esse período de final de 2017 até praticamente agora um mês atrás, eu
praticamente me afastei do trabalho, caíram as coisas na clínica, eu deixei na mão da equipe e fiquei
acompanhando ela em tudo, todos os exames, quimioterapia, radio e tudo, todo tempo junto dela em todos os
momentos.” (Topázio).

4.CONCLUSÃO

Nesta pesquisa mostrou se o quão a presença participativa do companheiro foi real a suas
companheiras, que cada fase desde o processo de anúncio do diagnóstico muitas vezes até intuitivo
para cada um, a participação e preocupação em acompanhar a esposa a consultas, estando por vezes
juntos debatendo sobre possibilidades de tratamento e como suporte emocional a esposa , em
exames, durantes as quimioterapias, na espera da saída da cirurgia com o coração apertado para
ouvir,a cirurgia foi um sucesso, ela está bem.
Muito dos momentos vividos com muita intensidade e por alguns com tranquilidade objetivando
apenas o se livrar do problema, daquilo que não pertence ao seu corpo, algo estranho, muitos detalhes

9
86
Influência Do Companheiro Cônjuge A Mulher Mastectomizadado Diagnóstico À Pós Mastectomia

que fazem toda a diferença com o apoio com cônjuge, sem essa suporte de companheirismo e
sentimento de cuidados e segurança, fazendo com que casa esposa e mulher demonstrasse em suas
falas que o esposo fez muita diferença.
Estando eles presentes em momento de cuidados com a higiene, horário para medicamentos, estando
atento até mesmo a alterações corporais e emocionais que fazem parte do tratamento do câncer, que
cada participante, principalmente as mulheres puderam relatar em riqueza de detalhes a sua rotina
com a doença.
Nas rotinas de cada casal, foi alcançado falas que demostraram as mudanças com o corpo, com a
estética, de como os companheiros estão atentos como as parceiras estão, chegando a finalidade de
que, se a mulher está bem o seu esposo também fica, a preocupação central é sempre o bem-estar
com a saúde e o estado emocional dela, sobre quão a união e maturidade do casal foi crescendo,
relatando o cuidado familiar e aspectos subjetivos a cada casal. Esta pesquisa mostra a importância e
influência do companheiro/cônjuge de diversas formas desde o diagnóstico até a pós-mastectomia de
suas companheiras.

10
87
Influência Do Companheiro Cônjuge A Mulher Mastectomizadado Diagnóstico À Pós Mastectomia

REFERÊNCIAS

CUNHA, F. V, et al. Aceitação e sentimentos da mulher mastectomizada. Revista Eletrônica de


Enfermagem do Vale do Paraíba, Lorena, n. 1, jul./dez., 2011.

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não a reconstrução de mama. Rev Bras Cir Plást., 2013.

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aquelas que se submeteram à cirurgia conservadora: uma revisão de literatura. 2012. Ciência & Saúde
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tratamento da neoplasia mamária. Revista Enfermagem Integrada. Ipatinga MG-v. 3, n°.1, -jul./ago.
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YOSHIMOCHI, L. T. B et al. A experiência dos parceiros de mulheres com câncer de mama. Rev. esc.
enferm. USP v. 52, São Paulo, 2018.

11
88
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 7
10.37423/200701852

ANÁLISE DAS PUBLICAÇÕES CIENTÍFICAS


ACERCA DO ALZHEIMER: UM ESTUDO
BIBLIOMÉTRICO NA BASE DA SCOPUS

Fabio Luiz Fully Teixeira

Lucas Capita Quarto

Sônia Maria da Fonseca Souza

Vyvian França de Souza Gomes Muniz

Fernanda Castro Manhães

Cristina de Fátima de Oliveira Brum augusto de Souza


Análise Das Publicações Científicas Acerca Do Alzheimer: Um Estudo Bibliométrico Na Base Da Scopus

Resumo: O Alzheimer é uma patologia neurológica progressiva, degenerativa e irreversível que


deprecia gradativamente o nível cognitivo de um indivíduo. Muitos autores consideram o alzheimer
uma doença social, devido a falta de conhecimento acerca da patologia. Diante deste cenário surge a
indagação da pesquisa: quais os autores, os anos, as instituições, os países e as áreas que estão
relacionadas com as pesquisas acerca da doença do alzheimer? Em face desse questionamento o
presente estudo tem como objetivo mapear, por meio de uma análise bibliométrica, as publicações
científicas sobre o alzheimer, analisando os autores, os anos, as instituições, áreas e países que estão
relacionados ao assunto. Para atingir o objetivo proposto pelo trabalho, foi realizada uma busca na
base de dados da Scopus. O resultado foi tratado e os artigos analisados. Em uma análise quantitativa
das pesquisas em todo o mundo referente a doença do Alzheimer, encontra-se 637.824 publicações.
O primeiro resultado apontado na pesquisa é no ano de 1892. Observa-se que o tema passa a ter uma
quantidade maior de pesquisa a partir do ano de 1974. Blennow é o autor que mais desenvolveu
estudos a respeito da doença do Azheimer, sendo responsável por 1.071 documentos. No ranking
mundial das instituições que mais financiaram pesquisas sobre o tema, destaca-se Harvard Medical
School, com 11.535 pesquisas. A medicina é responsável por 28.7% das pesquisas a respeito do
Alzheimer, sendo os Estados Unidos da América o país que mais financiou estudos sobre o assunto.
Palavras-Chave: Alzheimer, bibliometria, mapeamento.

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90
Análise Das Publicações Científicas Acerca Do Alzheimer: Um Estudo Bibliométrico Na Base Da Scopus

INTRODUÇÃO

Nota-se um aumento no crescimento populacional de idosos. E à medida que a expectativa de vida se


eleva, aumenta-se também a prevalência da doença de Alzheimer (FERNANDES; ANDRADE, 2017). O
Alzheimer caracteriza-se como uma doença neurológica progressiva, degenerativa e irreversível que
deprecia gradativamente o nível cognitivo de um indivíduo e, consequentemente, o funcionamento de
todo o organismo (CAIXETA, 2012). Ainda segundo o autor, o Alzheimer reduz em 50% a expectativa
de vida do paciente e o curso da doença varia entre 5 a 10 anos. Muitos autores consideram o
Alzheimer uma doença social, visto que a falta de conhecimento sobre as condições da patologia
acarreta preconceitos que atingem o doente e seus familiares (LOPES; CACHIONI, 2013).
Machado (2011) diz que as demências atingem majoritariamente os idosos e cerca de 2% a 10% dos
casos diagnosticados tiveram início antes dos 65 anos de idade, entretanto, os sintomas de curso
progressivo só podem ser percebidos quando a doença está em um estágio mais avançado. De acordo
com o Relatório Mundial de Alzheimer 2015 - O Impacto Global da Demência, publicado pela
Alzheimer's Disease International há aproximadamente 46,8 milhões de indivíduos com Alzheimer em
todo o mundo, com a previsão que esse número poderá duplicar em 20 anos.
Diante deste cenário, surge a indagação da pesquisa: quais os autores, os anos, as instituições, os
países e as áreas que estão relacionadas com as pesquisas acerca da doença do Alzheimer? Em face
desse questionamento, o presente estudo tem como objetivo mapear, por meio de uma análise
bibliométrica, as publicações científicas sobre o Alzheimer, analisando os autores, os anos, as
instituições, áreas e países que estão relacionados ao assunto. Para atingir o objetivo proposto pelo
trabalho, foi realizado uma busca na base de dados da Scopus.
O conhecimento aprofundado acerca do doente, do cuidador, da família, da patologia, do trabalho dos
profissionais e tudo que se relaciona com a doença Alzheimer deve ajudar em estratégias de
promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como em estratégias de saúde (MIOTO, 2010). O
Alzheimer está e estará cada vez mais presente no mundo inteiro e requer a atenção dos governantes
para prevenir e resolver os problemas sociais, da saúde (física e mental) e econômicos gerados por ela.

METODOLOGIA

Foi realizado um levantamento de dados na base Scopus, com a seguinte pesquisa: “Alzheimer”. O
resultado foi tratado e os artigos analisados. A ferramenta utilizada para coleta de dados foi a
bibliometria. A bibliometria é um termo originário da junção das palavras “metria” e bibliografia. A
bibliometria, segundo Pinheiro et al. (2017), consiste em uma técnica matemática estatística de

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91
Análise Das Publicações Científicas Acerca Do Alzheimer: Um Estudo Bibliométrico Na Base Da Scopus

levantamento e análise de uma grande quantidade de dados e informações que permite o


mapeamento de pesquisas e resultados referentes a um determinado assunto de uma forma mais
prática.
Vale mencionar Soares et al. (2016), que diz que a bibliometria auxilia na identificação de tendências
de crescimento do conhecimento em determinada disciplina, dispersão e obsolescências de campos
científicos, também os autores e instituições mais produtivos, bem como os periódicos mais utilizados
para publicação e divulgação de pesquisas nas mais diversas áreas científicas. Tentando fazer uma
distinção entre bibliometria e cienciometria, a autora se apoia em Spinak (1996,p. 143), que afirma:
A bibliometria estuda a organização dos setores científicos e tecnológicos a
partir das fontes bibliográficas e patentes, para identificar os atores, suas
relações e suas tendências. Ao contrário, a cienciometria trata de várias
medições da literatura, dos documentos e de outros meios de comunicação,
embora a bibliometria se relacione à produtividade e utilidade científica.
Com o decorrer do tempo, os conceitos que surgiram a partir da bibliometria ultrapassaram o campo
da pesquisa bibliográfica e expandiram sua aplicação para a prospecção de inovações tecnológicas
(COSTA, 2010). Ainda segundo o autor, durante a evolução da bibliometria, desenvolveram-se novas
métricas bibliométricas, entre estas, destacam-se: a avaliação da obsolência de periódicos; um índice
que mensura a produtividade de cada autor e o fator de impacto de cada periódico. Os passos para a
realização de uma pesquisa bibliométrica estão descritos na Figura 01.
Figura 01 – Os passos para uma bibliometria

Fonte: Silva et al. (2016)

De acordo com Soares et al. (2016), a escolha da pesquisa bibliométrica, como ferramenta de
refinamento de dados, é um recurso essencial para a transmissão das produções científica. Se a
finalidade da pesquisa bibliográfica for alcançada, ela permita a aplicação de uma técnica capaz de
mensurar a influência dos pesquisadores ou periódicos, permitindo assim traçar o perfil e suas
tendências, evidenciando as áreas temáticas.
A pesquisa tem como foco o tratamento dos dados capturados na base scopus, que possibilita para o
pesquisador o trato e a visão dos dados de vários pontos de vista, buscando analisar as seguintes
variáveis: análise dos dados mundiais; autores mais relevantes no mundo sobre o tema; instituições

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92
Análise Das Publicações Científicas Acerca Do Alzheimer: Um Estudo Bibliométrico Na Base Da Scopus

mais importantes no mundo que tem trabalhos publicados sobre o assunto; periódicos que mais
publicam; nacionalidade dos autores que mais publicam; análise dos trabalhos feitos por brasileiros;
autores brasileiros e artigos em destaque; e, instituições que mais publicam os artigos brasileiros.
A ferramenta de análise é a bibliometria, que para descrever aspectos da literatura e de outros meios
de comunicação, consiste na aplicação de técnicas estatísticas e matemáticas (ARAÚJO, 2006), o autor
complementa que ao analisar as citações é possível identificar e descrever vários padrões na produção
do conhecimento científico, sendo possível descobrir os autores mais citados, os que são mais
produtivos, elite de pesquisa, frente de pesquisa, a procedência geográfica e/ou institucional dos
autores.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em uma análise quantitativa das pesquisas em todo o mundo referente a doença do Alzheimer,
encontra-se 637.824 publicações entre artigos publicados em periódicos, eventos, livros, capítulos de
livros, entre outros. O primeiro resultado apontado na pesquisa é no ano de 1892. Observa-se que o
tema passa a ter uma quantidade maior de pesquisa a partir do ano de 1974. O primeiro diagnóstico
de Alzheimer foi realizado pelo neurologista alemão Alois Alzheimer, que relatou o caso de um paciente
que havia perdido as suas faculdades mentais em um curto período de tempo. Por muito tempo, o
Alzheimer foi confundido com outras demências, assim, acredita-se que esta patologia acomete
indivíduos desde os primórdios da humanidade, no entanto, era caracterizado como loucura ou
qualquer outra doença.
Lourenço (1997) considera como produção intelectual toda produção documental sobre uma
determinada área de interesse de uma comunidade científica que contribua para desenvolvimento da
ciência. Segundo Romero e Pastor (2012), a alta intensidade de publicações e a disseminação de novos
conhecimentos são umas das características mais relevantes da sociedade moderna.
Blennow é o autor que mais desenvolveu pesquisas a respeito da doença do Azheimer, em todo o
mundo, sendo responsável por 1.071 documentos. No ranking mundial das instituições que mais
financiaram pesquisas acerca do tema, destaca-se Harvard Medical School, com 11.535 pesquisas. O
conhecimento gerado por essas instituições auxilia no desenvolvimento econômico e científico do país.
Os rankings que apresentam as universidades que possuem mais publicações sobre um determinado
tema estão transformando a forma como as instituições de ensino colaboram entre si (SANTOS, 2015).
Estes rankings destacam os pontos fortes e fracos das instituições, fortalecendo o sistema do ensino
superior.

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Análise Das Publicações Científicas Acerca Do Alzheimer: Um Estudo Bibliométrico Na Base Da Scopus

Diante do contexto contemporâneo, em que o conhecimento se tornou um eixo para os poderes


econômicos, político e social, o estudo do tema “excelência científica” assumiu suma importância no
desenvolvimento de políticas de pesquisa científica em diversos países. A medicina é responsável por
28.7% das pesquisas a respeito do Alzheimer, sendo os Estados Unidos da América o país que mais
financiou estudos sobre o assunto. No Brasil, destaca-se o autor Nitriki e a Universidade de São Paulo.
E apesar do estudo está em ascensão, ainda há muito o que ser produzido, visto que o Brasil não se
encontra entre os países que mais financiaram pesquisas acerca do tema.
A maior prevalência de demência se encontra na América do Norte e na Europa Ocidental (6,4 e 5,4%
da população em idade de 60 anos), seguido pela América Latina (4,9%) e China e seus vizinhos em
desenvolvimento ocidental do Pacífico (4,0%) (MAYEUX, 2012). Estima-se que dos 15 milhões de
brasileiros com mais de 60 anos de idade, 6% são portadores do Alzheimer. A incidência na população
brasileira é compatível com as taxas relatadas em estudos ocidentais e asiáticos (MEDEIROS; GUERRA,
2009).
O Brasil está diretamente ligado ao processo mundial, acompanhando o aumento do número de idosos
e aumento da Doença de Alzheimer (KONTOS, 2005). A doença de Alzheimer é considerada por Diniz
et al. (2007) um problema de ordem psico-econômico-social para o mundo, pois afeta o cérebro
causando demência, eleva os gastos com a saúde e atinge a autonomia do doente, que passa a
necessitar de cuidados de outra(s) pessoa(s).
Clinicamente, a patologia é dividida em dois subgrupos de acordo com seu o tempo de início:
posteriormente aos 65 anos de idade, a doença Alzheimer é caracterizada de início precoce,
desencadeando rápido deficit das funções cognitivas, correspondendo a 10% do total, observa-se
também um acometimento familiar em sucessivas gerações diretamente relacionado a um padrão de
transmissão autossômico dominante ligado aos pares de cromossomos 1, 14 e 21 (TRUZZI, 2005;
LUCATELLI et al., 2009). Após os 65 anos, o Alzheimer é denominado de início tardio na qual os
sintomas manifestam-se após os 60 anos (BARROS et al., 2009). O diagnóstico do Alzheimer é
fundamentado em um quadro clínico e na exclusão de outras causas de demência por intermédio de
exames laboratoriais, incluindo os métodos de neuroimagem estrutural e funcional (TRUZZI, 2005). O
acelerado crescimento do percentual de idosos pode gerar uma maior prevalência da doença de
Alzheimer (HOLLAND et al., 2012).
As pesquisas acerca da doença do Alzheimer trazem informações acerca dos princípios teórico-
metodológicos, reabilitação cognitiva e neuropsicológica (memória, funções executivas), apoio aos
familiares e cuidadores, implicações no atendimento odontológico, alterações da linguagem, estudo

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Análise Das Publicações Científicas Acerca Do Alzheimer: Um Estudo Bibliométrico Na Base Da Scopus

da alimentação e deglutição, tratamento dos sintomas comportamentais e psicológicos da demência,


e cácia do tratamento farmacológico, bases do diagnóstico (exames, escalas, testes padronizados),
quadro clínico, assim como alterações genéticas e imunológicas associadas à patologia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os avanços nas pesquisas a respeito da doença Alzheimer enriquecem os conhecimentos ao seu


respeito, contribuindo para o desenvolvimento do seu diagnóstico e compreensão. É notória a
importância de discutir a respeito da doença do Alzheimer entre as patologias que mais acometem
idosos, sobretudo devido aos índices de prevalência, favorecida pela transição demográfica, fato este
que está sendo observado em escala global e, especialmente, no Brasil. A demência compromete o
bem-estar, a qualidade de vida e a morbimortalidade de idosos e, assim, deve ser desenvolver cada
vez mais pesquisas, para que se possa conhecer e compreender melhor como o processo da patologia
ocorre, para que se possa aumentar a qualidade de vida, em especial das pessoas da terceira idade.
As pesquisas científicas a respeito da doença do Alzheimer são responsáveis pelos resultados positivos
das práticas de inclusão, tratamento e diagnostico, bem como no melhor preparo dos familiares no
convívio com essa realidade. Tendo em vista a ação positiva destas pesquisas, faz-se necessário
desenvolver cada vez mais estudos e discussões que levem a reflexões sobre o assunto visando a
ampliação deste campo de estudo.
A bibliometria é uma técnica primordial na análise da produção científica de um país visto que seus
indicadores retratam o desenvolvimento, comportamento e a contribuição de uma área do
conhecimento. Diante dos resultados obtidos pela bibliometria, conclui-se que o método de pesquisa
é eficaz para o levantamento de dados e pode ser facilmente replicada para a coleta de dados de
trabalhos futuros sobre este ou qualquer outro tema. A bibliometria demonstrou ser um instrumento
eficaz para o levantamento de dados e pode ser facilmente replicada para a coleta de dados de
trabalhos futuros sobre este ou qualquer outro tema. A presente pesquisa teve como limitação ter sido
realizada apenas na base de dados da Scopus. Vale ressaltar que novas publicações são produzidas a
todo momento, sendo possível atualizar o estudo no decorrer do tempo.

6
95
Análise Das Publicações Científicas Acerca Do Alzheimer: Um Estudo Bibliométrico Na Base Da Scopus

REFERÊNCIAS

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intervenção psicoeducacional. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 16, 443-460, 2013.

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MEDEIROS, M. E.; GUERRA, R. O. Tradução, adaptação cultural e análise das propriedades


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SPINAK, E. Diccionario enciclopedico de bibliometría, cienciometria e informetria. Montevideo, 1996.

TRUZZI, A.; LAKS, J. Doença de Alzheimer esporádica de início precoce. Rev. psiquiatr. Clín., 32(1):43-
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8
97
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 8
10.37423/200701859

LABORATÓRIO DE PRÁTICAS INTEGRADAS NOS


CURSOS DE COMPUTAÇÃO DA UNIVERSIDADE
SÃO JUDAS TADEU EM UMA MATRIZ POR
COMPETÊNCIAS

Ana Paula Gonçalves Serra

Milkes Yone Alvarenga


Laboratório De Práticas Integradas Nos Cursos De Computação Da Universidade São Judas Tadeu Em Uma Matriz Por Competências

Resumo: Desde 2018 a Universidade São Judas Tadeu implantou uma matriz curricular baseada em
competências criada pelo grupo Ânima Educação. Para os cursos de Ciência da Computação e Sistemas
de Informação, nos primeiros semestres, há duas disciplinas chamadas de “Laboratório de Práticas
Integradas” que tem como propósito desenvolver competências fundamentais para o percurso
formativo do profissional de TI, preparando-o para a identificação e resolução de problemas e desafios
técnicos ao longo de sua trajetória como estudante e como profissional. Essas disciplinas preparam os
estudantes para as demais disciplinas sob o ponto de vista investigativo e de autonomia, além de
técnico. Este trabalho apresenta a experiência de aplicação dessas disciplinas nos cursos de graduação
de Ciência da Computação e Sistemas de Informação que utilizam metodologia pedagógicas de sala de
aula invertida e práticas de aula que integram todas as disciplinas do módulo (ou seja, um semestre),
além de um projeto final reunindo todas as práticas realizadas.
Palavras Chaves: Laboratório de Práticas Integradas; Cursos de Computação; Resolução de problemas
e desafios técnicos; Projeto.

1
99
Laboratório De Práticas Integradas Nos Cursos De Computação Da Universidade São Judas Tadeu Em Uma Matriz Por Competências

INTRODUÇÃO

No segundo semestre de 2017, o Grupo Ânima Educação com uma visão inovadora e de qualidade
iniciou as discussões com os coordenadores de cursos de todas as Instituições de Ensino do grupo [1],
incluindo a Universidade São Judas Tadeu, na elaboração de uma nova matriz curricular por
competência, chamada de Matriz E2A (Ecossistema Ânima de Aprendizagem ), baseada em três pilares:
trajetória personalizada com conteúdo flexíveis, foco no projeto de vida e na carreira dos estudantes
e docentes mentores.
Na área de exatas, que agrupa os cursos de engenharias e os cursos bacharelados de computação,
ainda foi criada uma disciplina nos primeiros semestres com o nome de “Laboratório de Práticas
Integradas” (LPI), que tem como propósito desenvolver competências fundamentais para o percurso
formativo do engenheiro ou do profissional de computação, preparando-o para a identificação e
resolução de problemas e desafios técnicos ao longo de sua trajetória como estudante e como
profissional [2].
O presente trabalho enfoca a experiência dessas disciplinas de LPI nos cursos de bacharelados em
Ciência da Computação e Sistemas de Informação da Universidade São Judas Tadeu.
Nos cursos de Ciência da Computação e Sistemas de Informação as disciplinas de LPI são oferecidas
aos estudantes do 1º. ano desses cursos, onde realizam duas disciplinas de LPI, uma no 1º. Semestre
e a outra no 2º. Semestre. Cada semestre é chamado de módulo na Matriz E2A, conforme apresentado
na Figura 1.
Cada uma dessas disciplinas possui práticas (problemas e/ou desafios) e um projeto a partir da segunda
metade da disciplina para aplicar diretamente as práticas realizadas. Tanto as práticas, como o projeto
devem estar em sincronismo com as demais disciplinas do módulo.

Figura 1. Visão geral dos Módulos da Matriz Curricular E2A dos Cursos de Ciência da Computação e
Sistemas de Informação.

2
100
Laboratório De Práticas Integradas Nos Cursos De Computação Da Universidade São Judas Tadeu Em Uma Matriz Por Competências

OBJETIVO

O objetivo desse trabalho é apresentar a experiência das disciplinas de LPI nos dois semestres de 2018
nos cursos de Ciência da Computação e Sistemas de Informação de duas unidades da Universidade São
Judas Tadeu. Considerando os dois semestres foram contabilizados 340 estudantes que já realizaram
uma ou as duas disciplinas de LPI.
A Tabela 1 apresenta os dois primeiros módulos do curso de Ciência da Computação. No Ciclo 1 Módulo
A o LPI tem como objetivo práticas e experimentos de aplicações computacionais reais utilizando
Cálculo Diferencial e Física e o desenvolvimento de um projeto de jogo com cenários, personagens e
funcionalidades que aplicam as práticas realizadas nesse LPI. No Ciclo 2 Módulo B o LPI tem como
objetivo práticas com programação orientada a objetos e integração de banco de dados, o projeto é o
desenvolvimento de um software de um programa de computadores com integração com o banco de
dados.

Ciclo 1 Módulo A – Enfoque em Ciências


Disciplina CH Total CH Teórica CH Prática
Cálculo Diferencial 120 120 0
Física – Mecânica da Partícula 80 80 0
Institucional I 80 60 (EAD) 20
Laboratório de Práticas Integradas 1ª 0 40 20
LAI: Identidade, Criatividade e Resolução de Problemas 40 0 40
Ciclo 1 Módulo B – Enfoque em Programação
Disciplina CH Total CH Teórica CH Prática
Banco de Dados 40 40 0
Institucional II 80 60 (EAD) 20
Laboratório de Práticas Integradas 1B 40 0 40
LAI: Comunicação, Diversidade e Pensamento Crítico 40 0 40
Programação Orientada a Objetos 120 40 80
Tabela 1. Matriz E2A: Ciclo 1 Módulo A do Curso de Ciência da Computação.
A Tabela 2 apresenta os dois primeiros módulos do curso de Sistemas de Informação. No Ciclo 1
Módulo A o LPI tem como objetivo práticas e utilização de modelos de processo de software,
especificação de requisitos de software, aplicação de boas práticas de interface humano computador
por meio de mock-up e o desenvolvimento de um projeto aplicando essas práticas. No Ciclo 2 Módulo
B o LPI tem como objetivo práticas com programação orientada a objetos e integração de banco de
dados, o projeto é o desenvolvimento de um software de um programa de computadores com
integração com o banco de dados, sendo o mesmo do curso de Ciência da Computação.

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101
Laboratório De Práticas Integradas Nos Cursos De Computação Da Universidade São Judas Tadeu Em Uma Matriz Por Competências

Ciclo 1 Módulo A – Enfoque em Engenharia de Software


Disciplina CH Total CH Teórica CH Prática
Institucional I 80 60 (EAD) 20
Interface Humano Computador 80 40 40
Laboratório de Práticas Integradas 1ª 40 0 40
LAI: Identidade, Criatividade e Resolução de Problemas 40 0 40
Requisitos, Análise e Projeto Orientado a Objetos 80 40 40
Ciclo 1 Módulo B – Enfoque em Programação
Disciplina CH Total CH Teórica CH Prática
Banco de Dados 40 40 0
Institucional II 80 60 (EAD) 20
Laboratório de Práticas Integradas 1B 40 0 40
LAI: Comunicação, Diversidade e Pensamento Crítico 40 0 40
Programação Orientada a Objetos 120 40 80
Tabela 2. Matriz E2A: Ciclo 1 Módulo A do Curso de Sistemas de Informação.
Como o “Laboratório de Práticas Integradas” do Ciclo 1 Módulo B é o mesmo para Ciência da
Computação e Sistemas de Informação, foram consideradas três disciplinas de “Laboratório de Práticas
Integradas”, definidas neste trabalho, como: LPI de Ciência, LPI de Engenharia de Software e LPI de
Programação.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A metodologia utilizada nas disciplinas de LPI trata-se de uma prática pedagógica que utiliza conceitos
de sala de aula invertida, onde a proposta é prover aulas menos expositivas, mais produtivas e
participativas, capazes de engajar os estudantes em novos conteúdos, baseados em competência, de
forma prática e aplicável, prevendo uma forma flexível de aprendizagem, pautada no trabalho em
equipe, e capaz de despertar no estudante, pelo desafio da autoaprendizagem, a curiosidade e o
estímulo à investigação na busca de soluções de caráter profissional e de mercado. O docente é um
mediador e facilitador que apresenta a sequência didática dos experimentos, mas sem um roteiro
pronto, deixando o estudante descobrir o melhor caminho e solução mesmo que erre algumas vezes e
que posteriormente realize uma avaliação processual desse caminho.
Na primeira aula da disciplina de LPI os docentes apresentam a nova dinâmica de aulas aos estudantes
e as regras sobre os relatórios, duração de cada prática, integração com as demais disciplinas,
reposição de aulas e aspectos de avaliação de forma contínua a cada aula [2].
Para cada LPI há um conjunto em média de seis roteiros de práticas que o docente recebe como
material de apoio para conduzir as aulas na primeira parte do semestre. O estudante não recebe um
roteiro pré-definido: o docente quem deve conduzi-lo a investigação das competências a serem
desenvolvidas na prática definida e na segunda metade da disciplina os estudantes desenvolvem um
projeto. Esses roteiros para os docentes foram criados por docentes das Instituições da Ânima
Educação e o LPI de Engenharia de Softwares pelos autores deste trabalho.

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102
Laboratório De Práticas Integradas Nos Cursos De Computação Da Universidade São Judas Tadeu Em Uma Matriz Por Competências

A avaliação, que é continuada, se baseia em quatro eixos estruturantes: 1. Protagonismo, realizado


por meio de portfólio do produto ou de uma produção que tem as rubricas i) proatividade, ii)
proatividade e decisão e iii) análise, feedback e síntese; 2. Articulação dos saberes realizado por meio
de Atividades Articuladas que tem rubricas para análise e síntese; 3. Interação e atitudes, realizado por
meio de Atividades Colaborativas que tem a rubrica de interação; 4. Autonomia, realizada por meio de
atividades de autorregulação que tem rubrica para autopreparação para a atividade. Os três primeiros
eixos são de avaliação do docente e o quarto eixo é do a autoavaliação do estudante [3].
A elaboração das práticas e da proposta do projeto dos LPIs contou com a participação de vários
coordenadores e docentes das instituições do Grupo Ânima. A seguir serão apresentadas algumas
informações mais detalhadas dos LPI de Engenharia de Software.
Para o LPI de Engenharia de Software foi produzido um material de apoio para o docente que com
cinco práticas e a proposta de um projeto NCEx (New Customer Experience - Nova Experiência do
Cliente). Nos dois semestres de 2018 esse LPI foi aplicado no total para 82 estudantes das Unidades
Mooca e Butantã na Universidade São Judas Tadeu.
Na Tabela 3 é apresentado parte do planejamento (Práticas 1, 3 e Proposta do Projeto) do LPI de
Engenharia de Software, que foi seguido pelos docentes e como foi aplicado. Além do planejamento
um elemento de destaque nas aulas foi a utilização da rubrica do eixo Autonomia que foi utilizada
pelos estudantes em sua autoavaliação e que foi muito bem recebida pelos estudantes que
consideraram que essa rubrica os incentivou a se dedicar mais nas práticas do LPI. A seguir são
apresentadas as opções de auto avaliação que o estudante individualmente deveria se avaliar.
•Não me preparei adequadamente para esta prática. Consequentemente não consegui realizar as
atividades propostas pela prática.
•Me preparei adequadamente para esta prática. Contudo, tive dificuldades na realização das
atividades propostas pela prática, e precisei de ajuda do docente.
•Me preparei adequadamente para esta prática. Não tive dificuldades na realização das atividades
propostas pela prática, e não precisei de ajuda do docente.
•Me preparei adequadamente para esta prática. Além de realizar a atividade solicitada nesta prática,
utilizei o restante do tempo para pesquisar, e conversar com o docente para explorar aspectos
adicionais ao tema proposta pela prática.

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103
Laboratório De Práticas Integradas Nos Cursos De Computação Da Universidade São Judas Tadeu Em Uma Matriz Por Competências

CONCLUSÃO

De modo geral, o resultado dos LPIs de Ciência, Engenharia de Software e LPI de Programação aplicados
para um total de 340 estudantes nos dois semestres de 2018, foram satisfatórios sob o ponto de vista
dos projetos finais apresentados e pela avaliação dos docentes e estudantes.
Os estudantes têm conseguido absorver e entender a aplicação de conceitos importantes. Por
exemplo, no LPI de Ciência, os estudantes conseguem aplicar conceitos da física e de cálculo em
propostas de jogos digitais, mesmo sem o conhecimento da programação, os estudantes percebem
que para programarem alguns tipos de jogos precisam de fundamentos da física. Isso é um diferencial
pois, no geral os estudantes não entendem onde irão utilizar esses conceitos básicos da ciência. No LPI
de Engenharia de Software os estudantes percebem o que são requisitos, a importância desses
requisitos para o desenvolvimento do sistema e diferentes formas de processos de desenvolvimento
de software, bem como a importância de modelos orientados a objetos e da elaboração de um mock-
up para validação de requisitos. Isso tem motivado os estudantes para outras disciplinas de Engenharia
de Software nos módulos seguintes e os prepara muitas vezes para estágios como analista de
requisitos.

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104
Laboratório De Práticas Integradas Nos Cursos De Computação Da Universidade São Judas Tadeu Em Uma Matriz Por Competências

Sequência do Descrição Objetivos Práticas Avaliar? Rubricas


LPI
PRÁTICA 1 – Esta prática permitirá que o estudante Entender o que é o Estudo de Caso "Mini Winburg" proposto por O estudante consegue 1) Participação do
Visão geral aprenda a diferença entre os dois processo de Stephen Schach no livro Object-Oriented Software entender e identificar o tema estudante na aula.
dos modelos principais paradigmas de modelos de desenvolvimento Engineering. 7th Edition. McGraw Hill. 2008. central do estudo de caso? 2) Respostas as
de processo processo (sequencial X iterativo & sequencial e o processo Os estudantes deverão analisar e discutir em grupo O estudante consegue perguntas
de incremental), a importância de um de desenvolvimento as questões propostas para debate no estudo de identificar qual processo foi descritas no
desenvolvime processo no desenvolvimento de um iterativo & incremental. caso. utilizado? O estudante roteiro da aula, e
nto de projetos de software, e quais são os Os prós e contras dos consegue entender a entregues ao
software prós e contras dos dois paradigmas de dois paradigmas de relação causa X efeito da docente no final
sequencial X processo de desenvolvimento processo de escolha de um processo não da aula.
iterativo & descritos anteriormente. desenvolvimento adequando? O estudante
incremental. descritos anteriormente. consegue propor uma
solução para o problema?
PRÁTICA 3 – Esta prática permitirá que o estudante Entender as técnicas de Estudo de Caso “Automação de Vendas na 1) O estudante conseguiu 1) Participação do
Técnicas de conheça as 3 principais técnicas de extração de requisitos Empresa Sua Casa”. entender as 3 técnicas de estudante na aula.
extração e levantamento de requisitos Brainstorming, Os estudantes deverão preparar o roteiro de uma requisitos descritas? 2) Abrangência e
especificação (Brainstorming, Entrevista e Entrevista e entrevista para obter maior informação, e 2) O estudante conseguiu qualidade do
de requisitos. Questionário) como aplica-las, e para Questionário. Entender compreensão sobre os requisitos do sistema relativo entender qual é o problema roteiro da
quais cenários cada uma é melhor quando cada uma das 3 ao estudo de caso descrito acima. do cliente? entrevista
adequada. técnicas é melhor O docente deverá sortear um grupo, o qual deverá 3) O estudante conseguiu elaborada pelo
indicada. Aplicar a conduzir a entrevista utilizando o roteiro elaborado identificar quais são os grupo.
técnica de Entrevista a por eles. Ao final da entrevista o docente deverá requisitos do sistema?
um problema proposto. prover o feedback da condução da entrevista aos
estudantes.
PROJETO Levar o estudante a implementar os Praticar os conceitos Projeto NCEx (New Customer Experience - Nova 1) O estudante conseguiu 1) Participação do
FINAL conceitos estudados e apresentados apresentados nas Experiência do Cliente). Cada grupo deverá elaborar o plano de estudante na aula.
nas práticas #1, 32, #3, #4, #5 e #6 práticas #1, 32, #3, #4, elaborar um plano de trabalho considerando o trabalho? 2) Entrega pelo
por meio de um projeto. #5 e #6 por meio de um roteiro descrito abaixo. 2) O estudante conseguiu grupo dos
projeto. Os estudantes deverão seguir o seguinte roteiro: executar o plano de produtos descritos
1) metade dos grupos deverá utilizar o processo trabalho, e realizar as no plano de
sequencial no projeto, e a outra metade deverá entregas intermediárias de trabalho proposto
utilizar o processo iterativo e incremental. acordo com as datas pelo grupo.
2) Cada grupo irá desenvolver o projeto de acordo acordadas? 3) Elaboração do
com o processo designado pelo docente. 3) O estudante conseguiu mock-up.
3)O processo deverá obrigatoriamente seguir as entregar o mock-up?
atividades: a) identificação dos requisitos, e sua
aprovação pelo docente, b) documentação dos
requisitos na forma declarativa, e sua aprovação
pelo docente, c) elaboração do mock-up, e sua
aprovação pelo docente.
Tabela 3. Exemplo de planejamento do LPI de Engenharia de Software do Curso de Sistemas de Informação.

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Laboratório De Práticas Integradas Nos Cursos De Computação Da Universidade São Judas Tadeu Em Uma Matriz Por Competências

No LPI de programação os estudantes entendem e desenvolvem programas de computadores com


integração com banco de dados, os estudantes muitas vezes encontram dificuldades nesse LPI pela
complexidade de lógica de programação, mas ao final consideram que o esforço realizado e se sentem
orgulhosos com um sistema de software funcional integrado a banco de dados.
Observa-se também que os docentes e os estudantes se sentiram motivados na busca de mais
conhecimento e desafiados no desenvolvimento do projeto. Uma consideração importante é o cuidado
com o docente, como praticamente toda a dinâmica da aula se altera, é essencial capacitar os docentes
para aplicar o modelo com sucesso, no início de cada semestre essa capacitação tem acontecido para
os docentes que ministrarão as disciplinas de LPI.
A dinâmica do LPI também desenvolve competências e habilidades indicadas nas Diretrizes
Curriculares Nacionais dos cursos de Computação e com metodologia de ensino indicadas nos
Referenciais de Formação para os Cursos de Graduação em Computação 2017 que descreve que
quando aplicável, deve-se empregar metodologias ativas, de forma que o estudante passe mais tempo
em atividades nas quais seja protagonista no processo de ensino e aprendizagem, além da inserção de
novos paradigmas educacionais que abordam novas práticas curriculares e metodologias inovadoras
[4][5].

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Laboratório De Práticas Integradas Nos Cursos De Computação Da Universidade São Judas Tadeu Em Uma Matriz Por Competências

REFERÊNCIAS

[1]http://www.animaeducacao.com.br/

[2]Ânima Sala Mais. Slides da Semana de Capacitação Docente – 2018.

[3]Quintas, L. P.; BARBOSA, R.L.;BALARINI,J.C.AvaliaçãodaAprendizagem.Caderno2EixosEstruturantes.


Ânima Educação.

[4]Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação na área da


Computação, 2017. http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=12991

[5]Sociedade Brasileira de Computação. Referenciais de Formação para os Cursos de Graduação em


Computação, 2017.

http://www.sbc.org.br/documentosdasbc/send/127educacao/1155referenciaisdeformacaoparacurso
s-de-graduacao-em-computacao-outubro-2017

9
107
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 9
10.37423/200701862

A INCLUSÃO POR MEIO DA ISONOMIA SOCIAL: A


POLÍTICA DE COTAS ÉTNICAS NO BRASIL À LUZ
DO DIREITO

Tauã Lima Verdan Rangel

Neuza Maria de Siqueira Nunes

Ana Clara dos Santos Braga

Sérgio Elias Istoe


A Inclusão Por Meio Da Isonomia Social: A Política De Cotas Étnicas No Brasil À Luz Do Direito

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo abordar as políticas de cotas étnicas no Brasil como
instrumento de isonomia social. Como é cediço, o Texto Constitucional de 1988 foi responsável por
estabelecer uma ruptura paradigmática na promoção dos direitos e garantias individuais e sociais.
Nesse aspecto, o artigo 6º da Constituição Federal dispôs acerca de uma série de direitos denominados
“sociais”, ou seja, direitos de cunho programático e que demandam a implementação de políticas
públicas para sua efetivação no plano concreto. Nesse passo, o direito à educação, enquanto direito
social, asseverado na Constituição do Brasil, apresenta-se como direito social dotado de máxima
relevância. Ao lado disso, ao se analisar as políticas de cotas étnicas, verifica-se que foi instituído, no
ordenamento jurídico nacional, a denominada isonomia social, ou seja, o estabelecimento de
mecanismo de correção das desigualdades sociais frente à discriminação efetiva sofrida por segmentos
populacionais historicamente à margem da sociedade. Para tanto, a metodologia proposta são os
métodos historiográfico e dedutivo, auxiliados pelas seguintes técnicas de pesquisa: revisão de
literatura sistemática e análise documental. Como conclusão, alcança-se que as políticas de cotas
étnicas, no Brasil, constituem um importante instrumento de isonomia social, a partir da oferta de
vagas no âmbito educacional para grupos historicamente alijados dos processos decisórios e dos
segmentos de oportunidades de qualificação e de formação.
Palavras-Chave: Isonomia Social. Direito à Educação. Política de Cotas.

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109
A Inclusão Por Meio Da Isonomia Social: A Política De Cotas Étnicas No Brasil À Luz Do Direito

INTRODUÇÃO

A implementação das ações afirmativas alicerçadas em políticas de cotas, ocorrida no Brasil na primeira
década do século XXI, assegurou o acesso à educação superior pública com gratuidade a uma parte da
população excludente. A expansão dos programas de crédito educativo e a concessão de bolsas de
estudo também colaboraram para a ascensão à educação superior de segmentos populacionais
historicamente à margem da sociedade, como os pobres, os afrodescendentes e os indígenas,
colaborando para a redução das desigualdades de acesso à universidade.
Para a inclusão de minorias sociais no Brasil, foram constituídas as políticas de cotas étnicas como
“ação afirmativa” para a isonomia social, embasadas no direito à educação no país, consagradas na
Constituição Federal de 1988 e concedidas pela relevância no processo de formação e de instrução do
cidadão. No que diz respeito ao contexto de concepção desse direito, este reivindica uma atuação
efetiva por parte do Estado no que concerne à concretização dos desdobramentos de ações que
contribuem para o acesso e permanência na escola, bem como, para a promoção da igualdade racial
e da inclusão social, seja através de programas e/ou de legislação específica.
A expansão de programas de ação afirmativa está pautada na normatização de política de reservas de
vagas, como uma tentativa de ajuste na elaboração dos mecanismos que promovam a inclusão,
amparada por legislação específica, objetivando alcançar o caminho da igualdade de oportunidades a
partir da educação. O presente trabalho tem como objetivo abordar os programas para a igualdade de
oportunidades e o amparo jurídico da política de cotas étnicas no Brasil como instrumento de isonomia
social.
A metodologia empregada na condução do presente parte do método dedutivo, auxiliado de revisão
bibliográfica e documental especializadas.

POLÍTICA DE COTAS PARA A REDUÇÃO DA DESIGUALDADE SOCIAL

A política de cotas no Brasil objetiva a inclusão através da isonomia social, cuja implantação está
direcionada a reduzir as diferenças sociais entre brancos e negros, e sua origem está vinculada ao
sistema escravagista dos séculos passados. Historicamente, buscou-se uma designação sobre a
expressão “ação afirmativa”, atribuindo como uma política de proteção social às classes sociais menos
favorecidas.
As políticas públicas de ação afirmativa de acesso ao ensino superior, conforme Santana (2010), têm
embasamento nos princípios constitucionais da isonomia, principalmente quando relacionadas a
grupos excluídos no contexto das desigualdades históricas. A política de cotas ressalta o problema

2
110
A Inclusão Por Meio Da Isonomia Social: A Política De Cotas Étnicas No Brasil À Luz Do Direito

social dos afrodescendentes, evidenciando que não se trata de ação de discriminação ou de


favorecimento, mas sim, em atender aos princípios constitucionais presentes na legislação brasileira.
Com a promulgação da Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, Lei de Cotas, houve progresso no acesso
ao ensino superior da população negra. Nota-se que ocorreu uma proporção maior de pessoas negras
com acesso ao nível superior, na faixa de idade de 18 a 24 anos, embora ainda exista um grande número
de jovens negros que terminam o ensino médio e não tem acesso ao ensino superior. No ano de 1997,
a população negra representava 4% das matrículas e, em 2011, passou para 19,8%.
Além da legislação para a inclusão à universidade, existem programas, como o Programa Universidade
Para Todos (ProUni), com mais de 1 milhão de bolsas a estudantes de baixa renda, e o Programa de
Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), contribuindo para o
acesso dessa população ao ensino superior. A política de cotas foi fundamental para o crescimento e
para o acesso à educação superior no Brasil, passando de 2 milhões de matrículas, em 1998, para mais
de 6,7 milhões no ano de 2012. “O crescimento na última década foi induzido por políticas muito
consistentes, como o ProUni, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e o aumento das vagas nas
universidades públicas”. (BRASIL, 2012)
A adoção da Lei de Cotas alterou a distribuição das vagas nas Universidades Federais, representando o
começo do marco legal essencial à promoção da equidade (IPEA, 2015, p. 466). A tabela 1, a seguir,
representa as vagas após os primeiros dois anos de vigência da Lei nº 12.711/2012.
Tabela 1:
Vagas reservadas pela Lei de Cotas em universidades federais (2012 a 2014)
2012 2013 2014
Vagas ofertadas 140.303 188.735 191.736
Vagas para ampla concorrência 110.039 129.303 114.362
Vagas reservadas 30.264 59.432 77.374
Vagas reservadas para escola pública e baixa renda 16.677 21.608 29.813
Vagas reservadas para PPIs (pretos, pardos e indígenas) 13.392 37.028 43.613
Fonte: (IPEA, 2015)
Na tabela 1, observa-se que houve um aumento significativo no número de vagas para pretos, pardos
e indígenas nas universidades federais, evidenciando um acréscimo de 226%, o que representa mais
do que o dobro do número de vagas para esse público, do primeiro ano da aprovação da lei, ano de
2012, em relação ao ano de 2013.
A política de cotas é um importante instrumento para a igualdade de oportunidades, pois, através do
Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e do Programa Universidade para Todos (ProUni), nota-se

3
111
A Inclusão Por Meio Da Isonomia Social: A Política De Cotas Étnicas No Brasil À Luz Do Direito

que dos 50% dos beneficiados por esses programas são estudantes negros. Dentre as universidades
públicas que integram o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), 32% dos estudantes são cotistas
amparados pela Lei nº 12.711. Outro projeto, o Programa de Desenvolvimento Acadêmico Abdias
Nascimento, é destinado à inclusão dos negros na pós-graduação, assim asseverado:
Art. 2 o São objetivos do “Programa de Desenvolvimento Acadêmico Abdias
Nascimento”:
I – promover, por meio da concessão de bolsas de estudos, a formação de
estudantes brasileiros pretos, pardos e indígenas, estudantes com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades,
conferindo-lhes a oportunidade de novas experiências educacionais e
profissionais voltadas à educação, à competitividade e à inovação em áreas
prioritárias para a promoção da igualdade racial, do combate ao racismo, do
estudo e valorização das especificidades socioculturais e linguísticas dos
povos indígenas, da acessibilidade e inclusão no Brasil, e da difusão do
conhecimento da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena;
II – ampliar a participação e a mobilidade internacional de estudantes
autodeclarados pretos, pardos, indígenas e estudantes com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades em cursos
técnicos de graduação e pós-graduação para o desenvolvimento de projetos
de pesquisa, estudos, treinamentos e capacitação em instituições de
excelência no exterior, especialmente as que possuam tradição na promoção
da igualdade racial, do combate ao racismo, do estudo e valorização das
especificidades socioculturais e linguísticas dos povos indígenas, da
CONJUR/HMT acessibilidade e inclusão, das ações afirmativas para minorias,
e da difusão do conhecimento da História e Cultura Afro-Brasileira e
Indígena. (BRASIL, 2018a)
As políticas de cotas para o acesso à educação superior pública federal começaram a ter base legal com
a aprovação da Lei nº 12.711/2012, destinando a metade das vagas dos processos seletivos para
estudantes oriundos das escolas públicas, considerando-se a proporcionalidade de afrodescendentes
e indígenas existentes em cada unidade da federação. A ampliação da participação de
afrodescendentes e de pessoas pertencentes aos estratos inferiores da renda, no total de matriculados
na educação superior, fica, então, evidenciada. No período de 2005 a 2015, houve ampliação de 28%
para 43% de afrodescendentes e, entre os mais pobres, com renda domiciliar per capita de até 1 salário
mínimo, passou de 13% para 33%, no acesso ao ensino superior. (BRASIL, 2018b, p.159)
O Brasil é um país com considerável nível de desigualdade socioeconômica e a adoção de cotas
constitui mecanismo de compensação, que sem elas a redução dos desiquilíbrios seria um caminho
bem mais longo. Assim sendo, pode-se assegurar que as ações afirmativas fundamentadas em cotas
têm resultados e impactos no sistema de financiamento da educação superior brasileira. A partir do
momento em que é aumentada a oferta de vagas pelas instituições públicas para parcela da população
de baixa renda, “amplia-se a parcela dos estratos superiores da renda na demanda pela educação

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A Inclusão Por Meio Da Isonomia Social: A Política De Cotas Étnicas No Brasil À Luz Do Direito

superior privada e, em alguma medida, pode haver redução da pressão pelo crédito educativo
subsidiado pelo governo federal”. (BRASIL, 2018b, p.159)
Além das ações afirmativas na educação, existem também aquelas relacionadas ao mercado de
trabalho. O objetivo primordial dessas ações, na área laboral, é afiançar o ingresso dos negros ao
mercado de trabalho, sem diferenças na remuneração ou nas oportunidades. Para tanto, foi
promulgada a Lei nº 12.990, de 2014, conhecida como “Lei de Cotas para o serviço público”,
representando o início do marco legal como direito à promoção da equidade. No primeiro ano em que
foi adotada essas cotas, ingressaram no serviço público 638 negros por meio das vagas reservadas.
Nos concursos públicos para cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública
federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia
mista controladas pela União ficou estabelecida a reserva de 20% (vinte por cento) das vagas ofertadas
aos negros, conforme dispõe a redação do artigo 1º da Lei nº 12.990:
Art. 1º Ficam reservadas aos negros 20% (vinte por cento) das vagas
oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e
empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das
autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades
de economia mista controladas pela União, na forma desta Lei.
§ 1º A reserva de vagas será aplicada sempre que o número de vagas
oferecidas no concurso público for igual ou superior a 3 (três).
§ 2º Na hipótese de quantitativo fracionado para o número de vagas
reservadas a candidatos negros, esse será aumentado para o primeiro
número inteiro subsequente, em caso de fração igual ou maior que 0,5 (cinco
décimos), ou diminuído para número inteiro imediatamente inferior, em
caso de fração menor que 0,5 (cinco décimos).
§ 3º A reserva de vagas a candidatos negros constará expressamente dos
editais dos concursos públicos, que deverão especificar o total de vagas
correspondentes à reserva para cada cargo ou emprego público oferecido
(BRASIL, 2014, online).
As cotas étnicas para a educação e para o mercado de trabalho são importantes para compensar os
grupos historicamente discriminados e estão subsidiadas por legislação jurídica, contribuindo para a
redução das desigualdades sociais entre brancos e a população negra.

AMPARO JURÍDICO DA POLÍTICA DE COTAS ÉTNICAS NO BRASIL

A adoção das ações afirmativas fundamentadas em critérios étnicos no Brasil tem como finalidade
proporcionar o acesso de parte da população brasileira ao ensino superior. Tais políticas, segundo
Haidar (2012), estão pautadas na Constituição do país e são indispensáveis para corrigir as distorções
culturais e históricas da sociedade brasileira.

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A Inclusão Por Meio Da Isonomia Social: A Política De Cotas Étnicas No Brasil À Luz Do Direito

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, reprova o preconceito e o


racismo e preconiza a igualdade entre os indivíduos, valores soberanos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos a igualdade. Para Prodígios (2017), as ações afirmativas são políticas
públicas ou privadas direcionada à compensação dos indivíduos desiguais, os quais, em função das
diferenças culturais e históricas, são discriminados pela sociedade brasileira. Nesse caso, para igualar
as diferenças, Joaquim Barbosa Gomes, reafirma que as ações afirmativas
[...] consistem em políticas públicas (e também privadas) voltadas à
concretização do princípio constitucional da igualdade material e à
neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de
origem nacional, de compleição física e situação socioeconômica ( adição
nossa). Impostas ou sugeridas pelo Estado, por seus entes vinculados e até
mesmo por entidades puramente privadas, elas visam a combater não
somente as manifestações flagrantes de discriminação, mas também a
discriminação de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade.
(GOMES, 2001 apud PRODÍGIOS, 2017, p.16)
O amparo jurídico da política de cotas étnicas, no Brasil, é destinado a combater o preconceito e o
racismo, promulgando a igualdade entre os indivíduos como preceito estabelecido pelo Estado
Democrático de Direito. Para tanto, o Supremo Tribunal Federal, em 8 de junho de 2017, reafirmou ser
legítima a intervenção do Estado para corrigir as distorções através das cotas étnicas. O Supremo
Tribunal Federal, manifestando sobre a igualdade étnico-racial e políticas de cotas e compensação,
decidiu que cotas raciais são constitucionais. Na Ação Declaratória de Constitucionalidade, ADC 41,
cuja relatoria do ministro Roberto Barroso, em voto, do ministro Celso de Mello, assim se manifestou:
A Lei 12.990/2014, objeto deste processo, ao assegurar, em determinado
percentual (20%), aos negros a reserva de vagas em concursos públicos,
consagrou cláusula de proteção viabilizadora de medidas compensatórias
em favor de tais pessoas, orientando-se, no domínio das ações afirmativas,
pelo que prescrevem tanto as declarações constitucionais de direitos (que
realçam os postulados da igualdade, da prevalência dos direitos
fundamentais, da solidariedade e da dignidade humana) quanto os trata dos
internacionais, como a Convenção das Nações Unidas para a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação Racial. (...) Não constitui demasia insistir
na afirmação de que o diploma legislativo ora em exame, ao prescrever
normas destinadas a as 56 segurar às pessoas negras o direito de acesso ao
serviço público, estabelece regras que visam a instituir mecanismos
compensatórios que traduzem ações afirmativas a serem implementadas
pelo poder público e que buscam, na realidade, “promover e proteger os
direitos e a dignidade das pessoas negras”, corrigindo “as profundas
desvantagens sociais” que afetam tais pessoas, em ordem a tornar efetiva
“sua participação na vida econômica, social e cultural, em igualdade de
oportunidades, tanto nos países em desenvolvimento como nos
desenvolvidos (STF, 2018, p.55)
As ações afirmativas também estão embasadas no princípio da dignidade da pessoa humana,
considerando que o Estado deve requerer condições que beneficiem a vida digna do indivíduo, através

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A Inclusão Por Meio Da Isonomia Social: A Política De Cotas Étnicas No Brasil À Luz Do Direito

da promoção de políticas de inclusão capazes de atenuar as diferenças sociais. Assim sendo, ao


examinar o artigo 3º da Constituição da República, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco
Aurélio Mendes de Farias Mello, validou a existência da resolução constitucional para as ações
afirmativas:

[...] primeiro, construir – preste-se atenção a esse verbo – uma sociedade


livre, justa e solidária; segundo, garantir o desenvolvimento nacional –
novamente temos aqui o verbo a conduzir, não a uma atitude simplesmente
estática, mas a uma posição ativa; erradicar a pobreza e a marginalização, e
reduzir as desigualdades sociais e regionais; e, por último, no que nos
interessa, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Pode-se afirmar, sem
receio de equívoco, que se passou de uma igualização estática, meramente
negativa, no que se proibia a discriminação, para uma igualização eficaz,
dinâmica, já que os verbos “construir, “garantir”, “erradicar” e “promover”
implicam, em si, mudança de óptica, ao denotar “ação”. Não basta não
descriminar. É preciso viabilizar – e encontramos, na Carta da República, base
para fazê-lo – as mesmas oportunidades. (MELLO, 2001 apud PRODÍGIOS,
2017, p.20)
A Constituição da República Federativa do Brasil consagrou no Art. 3º os objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil, dentre eles a redução das desigualdades sociais e o combate à
discriminação, assim asseverados:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;


II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais
e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação. (CF, 1988)
De acordo com Lima (2015), a democracia brasileira precisava afiançar à população negra igualdade
de oportunidade no âmbito social, político, econômico e cultural. Foi necessária à consolidação das
ações afirmativas pelo Estado brasileiro como política de combate ao racismo e da promoção da
igualdade racial através das cotas étnicas. A luta pela igualdade passou a ter um importante
instrumento legal, com a criação do Estatuto da Igualdade Racial que garante e consolida tais direitos.
Em 2010, foi publicada a Lei nº 12.288/10, referente ao Estatuto da Igualdade, apresentando o conceito
de discriminação racial, assim disposto no Art. 1º:
Art. 1º Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à
população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos
direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação
e às demais formas de intolerância étnica.
Parágrafo único. Para efeito deste Estatuto, considera-se:
I – discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou
preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou
étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou

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A Inclusão Por Meio Da Isonomia Social: A Política De Cotas Étnicas No Brasil À Luz Do Direito

exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades


fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em
qualquer outro campo da vida pública ou privada (BRASIL, 2010, online);
Para a promoção da igualdade racial, o Brasil, em consonância com a Convenção Internacional sobre a
Eliminação de Todas as formas de Discriminação Racial, na qual o país é signatário, a expressão
discriminação racial tem como significado:

[...] qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência, baseadas em raça,


cor, descendência ou origem nacional ou étnica que têm por objetivo ou
efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em um
mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos humanos e liberdades
fundamentais no domínio político, econômico, social, cultural ou em
qualquer outro domínio de vida pública. (PRODÍGIOS, 2017, p. 8)
A política de cotas étnicas no Brasil tem jurisprudência no ordenamento jurídico brasileiro, garantindo
o respeito à igualdade de oportunidades para os grupos marginalizados em decorrência da raça
pertencente. A Constituição Federal brasileira apresenta dispositivos em benefício da igualdade, da
não discriminação, da preservação dos direitos humanos como direito fundamental para a dignidade
da pessoa humana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A política de cotas étnicas no Brasil, como forma de inclusão por meio da isonomia social, foi
implantada no sentido de abrandar as diferenças sociais entre brancos e negros, cujas origens estão
atreladas ao sistema escravagista dos séculos passados. Por isso, tem como finalidade reservar um
percentual de matrículas para determinado grupo de indivíduos historicamente à margem da
sociedade, como os pobres, os afrodescendentes e os indígenas, colaborando para a redução das
desigualdades de acesso à universidade.
A adoção da política pública de cotas é subsidiada pela Constituição Federal do Brasil e amparada por
legislação específica, visando à inclusão econômica, social e política de parte da sociedade brasileira
que se encontra excluída, para que tenha como um dos direitos o acesso à educação, possibilitando
justiça social, inclusão social e cidadania. Além dos programas de acesso à universidade, existe também
a política de cotas relacionadas ao mercado de trabalho, em que ficou estabelecida a reserva de 20%
(vinte por cento) das vagas ofertadas aos negros. A legislação brasileira estabelece princípios que
devem ser estendidos para todos os cidadãos brasileiros. Dessa forma, a política de cotas permite o
acesso ao ensino superior, contribuindo para a isonomia social.

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A Inclusão Por Meio Da Isonomia Social: A Política De Cotas Étnicas No Brasil À Luz Do Direito

REFERÊNCIAS

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IL_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L12990.htm Acesso em: 10 set. 2019.

BRASIL. Ministro defende política de cotas para reduzir a desigualdade no país. Ministério da Educação,
2018a. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/35549-politica-de-cotas Acesso
em: 08 set. 2019.

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Deputados,EdiçõesCâmara,2018b.Disponívelem:https://www2.camara.leg.br/acamara/estruturaadm
/altosestudos/pdf/financiamento-da-educacao-superior-no-brasil-impasses-e-perspectivasAcesso
em: 10 set. 2019.

HAIDAR, Rodrigo. Supremo decide que cotas raciais são constitucionais. Consultor Jurídico, 2012.
Disponívelem:https://www.conjur.com.br/2012-abr-26/supremo-tribunal-federal-decidecotasraciais-
sao-constitucionais Acesso em: 18 set. 2019.

IPEA.PolíticasSociais:acompanhamentoeanálise.Brasília,2015.Disponívelem:http://www.ipea.gov.br/p
ortal/images/stories/PDFs/politicas_sociais/bps_23_14072015.pdf Acesso em: 05 ago. 2019.

LIMA,Jhéssica Luara Alves de. Direitos humanos e discriminação racial. Âmbito Jurídico, 2015.
Disponívelem:file:///C:/Users/NEUZA/Documents/Artur/Direitos%20humanos%20e%20discrimina%C
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Acesso em: 05 set. 2019.

PRODÍGIOS. Kellen Carolina Miranda. A importância das ações afirmativas no Brasil: o caso das cotas
raciais de acesso à Universidade. UNIEURO, Brasília, número 21, Julho-Dezembro de 2017. Disponível
em:http://www.unieuro.edu.br/sitenovo/revistas/revista_hegemonia_21/Kellen_Miranda.pdf Acesso
em: 08 set. 2019.

SANTANA, Elaine Barbosa. As políticas públicas de ação afirmativa na educação e sua compatibilidade
com o princípio da isonomia: acesso às universidades por meio de cotas para afrodescendentes. Scielo,
2010.Disponívelem:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104403620100004000
05 Acesso em: 10 ago. 2019.

STF.Igualdade étnico-racial e políticas de cotas e compensação. Brasília, 2018. Disponível em:


http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoPublicacaoTematica/anexo/igualdade_etnico_racial.pdf
Acesso em: 17 set. 2019.

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Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 10
10.37423/200701876

INTERFACE DE SABERES: HISTÓRIAS E


MEMÓRIAS CONTADAS PELOS MORADORES DA
COMUNIDADE SANTA MARIA DO MAÚ A PARTIR
DA AÇÃO COLETIVA DE INTERVENÇÃO LOCAL

Ivanete Ferreira Alves Lopes

Ana Letícia Nascimento Viana

Aquiles Vasconcelos Simões

Wagner Luiz Ramos Barbosa


Interface De Saberes: Histórias E Memórias Contadas Pelos Moradores Da Comunidade De Santa Maria Do Maú A Partir De Uma
Ação Coletiva De Intervenção Local

Resumo: Historicamente os Saberes antecedem os conhecimentos científicos, porém, numa ação de


intervenção local eles estão, dialeticamente, inter-relacionados. É nessa perspectiva que este artigo
tem como objetivo fazer uma reflexão a respeito dos Saberes, trazendo como elementos de discussão
a Interface de Saberes a partir das histórias, memórias e experiências de agricultores familiares, que
vivem um processo de ação coletiva de intervenção local, permeados entre saberes tradicionais e a
inserção de modernização na agricultura. Este estudo foi realizado em uma comunidade situada no
município de Terra Alta, na mesorregião do nordeste paraense. A metodologia adotada teve o enfoque
qualitativo baseada na História Oral e na Pesquisa Participante onde os registros se deram a partir do
envolvimento e da participação dos moradores e nas entrevistas abertas, conhecidas, também, como
não estruturada ou não diretiva. O resultado desse estudo permite refletir acerca de conceitos que
antes eram vistos de forma mais geral e compreender melhor como estes estão inter-relacionados na
tentativa de entender o processo de mudanças que ocorrem dentro da comunidade.
Palavras-Chave: Amazônia. Saberes. Histórias e Memórias. Intervenção local.

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Interface De Saberes: Histórias E Memórias Contadas Pelos Moradores Da Comunidade De Santa Maria Do Maú A Partir De Uma
Ação Coletiva De Intervenção Local

INTRODUÇÃO

No campo do conhecimento científico, a temática “Saberes Tradicionais” ou “Conhecimentos


Tradicionais” implica em diferentes interpretações e leva a uma série de discussões entre os teóricos,
pois essa definição não se limita apenas a algo repassado por meio da oralidade, tampouco, das
práticas do dia a dia somente dos povos indígenas como é comum se pensar. Na Amazônia, além da
riqueza de seu ecossistema e de sua biodiversidade há uma diversidade cultural muito grande o que
compreende as populações tradicionais da região.
É nesse contexto que os saberes retratados neste artigo se referem aos saberes dos agricultores,
considerados pela legislação como agricultores familiares, ou seja, população tradicional não-indígena
que, a partir da sua relação com a terra, mantém tradições que foram herdadas pelos seus
antepassados. Essas tradições estão relacionadas às suas atividades produtivas com base nas culturas
alimentares, especialmente na cultura da mandioca, um dos principais produtos agroalimentares
consumidos e comercializados nas regiões Norte e Nordeste do Brasil.
O objeto deste estudo se constitui por meio das memórias e dos saberes e suas interfaces, cujo olhar
permeia pela intervenção local entre indivíduos de grupos diferentes que convivem em comunidades,
considerando as organizações coletivas, os conhecimentos e práticas transmitidos por gerações, os
quais são fortalecidos por histórias, hábitos e tradições e a relação com a terra, o rio, o mar, as plantas
e os animais, fruto do seu ambiente imediato e concreto construindo uma identidade local, a partir de
uma proposta coletiva e participativa.
O presente tema torna-se relevante, na contemporaneidade, tendo em vista a sua conexão com várias
áreas do saber e por considerar as mudanças ocorridas no meio rural que tem levado os agricultores
familiares a vivenciarem novos processos de mudanças culturais, porém, estes ainda preservam
memórias impactantes que lhes permite transcender e interagir com outras comunidades no seu
entorno sem afastar-se dos seus significados coletivamente partilhados.
Portanto, diante do contexto socioeconômico e ambiental é válido perceber que a cultura tradicional
pode estar funcionando como uma estratégia de emancipação, especialmente para os agricultores
familiares ou até mesmo para as comunidades camponesas.
Assim, é preciso que movimentos de caráter territorial continuem se estabelecendo, com base na sua
cultura para que trabalhadores do campo sejam mais autônomos frente a sua própria história. No
entanto, não é isso que se observa no campo. Com isso, emergiu a seguinte inquietação: como tem se
estabelecido os saberes dos agricultores diante de experiências inovadoras de intervenção na geração
de uma interface de saberes?

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Interface De Saberes: Histórias E Memórias Contadas Pelos Moradores Da Comunidade De Santa Maria Do Maú A Partir De Uma
Ação Coletiva De Intervenção Local

Mediante tal questionamento, buscou-se na experiência da comunidade de Santa Maria do Maú


(CSMM), situada no município de Terra Alta, Estado do Pará, as respostas às indagações, tendo em
vista que o objeto aqui estudado são os saberes e suas interfaces considerando as histórias e memórias
dos agricultores.
Este estudo é parte da pesquisa das autoras e mestrandas do Programa de Pós-graduação em Gestão
de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia, do Núcleo de Meio Ambiente da
Universidade Federal do Pará (PPGEDAM/NUMA/UFPA)
A base metodológica tem o enfoque qualitativo, seguida de entrevistas abertas, conhecidas, também,
como não estruturada ou não diretiva. É importante frisar que nesse tipo de entrevista, a ordem dos
assuntos tratados não obedece a uma sequência rígida. Assim, se procurou trabalhar com a memória
e a história oral dos agricultores na tentativa de registrar fatos, acontecimentos e saberes da
comunidade local que foram perdidos ou esquecidos por falta de registro dos seus antepassados.

CARACTERIZAÇÃO DA COMUNIDADE ESTUDADA E O PROCESSO DE INTERVENÇÃO LOCAL

A Comunidade de Santa Maria do Maú é composta por, aproximadamente, 200 famílias que vivem em
pequenas propriedades agrícolas e cultivam produtos agroalimentares como mandioca, milho, feijão
e provenientes da fruticultura. Essa comunidade pertence ao município de Terra Alta, cuja
emancipação se deu por meio da Lei Estadual nº 5.709 de 27/12/1991 (FAPESPA, 2016)
desmembrando-a do município de Curuçá.

Esse município fica situado na microrregião do Salgado, mesorregião do nordeste paraense, distante
da capital paraense, aproximadamente, cem quilômetros. Limita-se ao Norte com o município de
Curuçá; ao Sul com os municípios de Castanhal e São Francisco do Pará; a Leste com o município de
Marapanim e a Oeste com os municípios de São João da Ponta e São Caetano de Odivelas (FAPESPA,
2016).

O processo de modernização na comunidade vem acompanhando os avanços tecnológicos dos últimos


trinta anos, quando começaram os primeiros trabalhos de intervenção local na comunidade baseado
na “teoria da difusão de tecnologias inovadoras” que culminaram em vários projetos de natureza
intervencionista. Dentre esses estão o projeto para o cultivo da banana, da pupunha; do cupuaçu; da
criação de porcos; do plantio de maracujá e abacaxi entre vários outros.
No entanto, a comunidade sempre trabalhou com a cultura da mandioca no sistema tradicional, (roça
e queima) pois, quando os projetos terminavam e havia carência de recursos, a comunidade voltava

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seu olhar para o plantio da mandioca que é a cultura que, segundo os moradores, eles têm
experiências, conhecem desde crianças e cresceram sempre trabalhando com roça, como eles
denominam o seu trabalho.
Assim, dentro desse processo de ação coletiva oriunda da intervenção local, menos agressiva e
preservando o que os agricultores já têm como experiência, surge em 2018 uma proposta de trabalho
voltado para a atividade produtiva com foco nas culturas de base alimentar. Porém, o projeto somente
atenderia vinte e cinco famílias. Os requisitos para seleção dessas famílias seguiram os critérios da
adesão e as normas legais contido na Lei da Agricultura Familiar (Lei 11.326, 2006).
As culturas de base alimentar, mais trabalhadas junto dos agricultores são: o feijão, o milho e a
mandioca. Entretanto, a multiplicação de sementes de feijão e de manivas para aquisição de produtos
com melhor qualidade é a experiência inovadora. Além disso, seria a oportunidade de se discutir sobre
sementes crioulas ou nativas que são aquelas sementes que, geneticamente, não sofreram
modificações e seu manejo se dá, geralmente, pelas comunidades tradicionais, como indígenas,
quilombolas, ribeirinhos, caboclos entre outros.
Nessa interação entre diferentes saberes há o resgate de memórias e histórias feitas por meio da
História Oral que busca registrar os fatos e acontecimentos a partir de relatos orais dos agricultores
que se encontravam muitas vezes esquecidos, mas que foram sendo lembrados pelos comunitários à
medida que eles começaram a descrever a paisagem e o ambiente em que vivem. Entre uma conversa
e outra surgem diferentes assuntos, parte de suas vivências.
Figura 1 - Recorte do município de Terra Alta e a Comunidade de Santa Maria do Maú

Fonte: Emater-Pará

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Ação Coletiva De Intervenção Local

Conforme o mapa (figura 1), a CSMM dispõe de fácil acesso, porém, em determinados períodos,
devido às fortes chuvas do inverno amazônico a estrada vicinal - que é de terra batida - fica
intrafegável, isolando os agricultores em determinados meses. No entanto, a comunidade já dispõe
de posto de saúde, água encanada, energia elétrica, antenas de transmissão de operadora de celular,
transporte escolar e a maioria dos moradores possui um tipo de condução comum na região que são
as motocicletas. Essa modernização na comunidade chegou dentro de um contexto onde surgem as
primeiras políticas públicas voltadas para o desenvolvimento rural brasileiro com o foco na inclusão
produtiva, desconsiderando o saber local.

NOS CAMINHOS DOS SABERES E DOS SABERES TRADICIONAIS

Ao falar de Saberes é importante entender e distinguir, primeiramente, a definição de “Informação”,


“Conhecimento” e “Saber”, pois, baseado nos estudos de Charlot (2000) há uma distinção existente
entre essas três terminologias. Para o autor, a informação é como algo exterior ao sujeito, o qual
armazenará ou não as informações, ou melhor, é algo que está relacionado ao campo da objetividade.
Já o conhecimento, é caracterizado como resultado de uma experiência pessoal, a qual envolve a
afetividade e a cognição, localizando-se no campo da subjetividade.
Quanto ao “saber”, é considerado o resultado da informação adicionado ao conhecimento,
compreendendo-se desse modo, como algo produzido pelo próprio sujeito, mas que só se processará
quando se tornar algo comunicável a outros sujeitos, sendo assim, o “saber” está relacionado com a
concepção de vida, sociedade e relações humanas.
A produção dos saberes se constitui desde o surgimento da espécie humana, onde a relação do ser
humano com a natureza promove a construção de um conhecimento, numa tentativa de dominar a
natureza para sua sobrevivência por meio de suas práticas cotidianas as quais vão produzindo saberes
e os quais vão se acumulando ou se perpetuando.
O termo saber quando associado ao ambiente natural, produzido por populações locais, ao longo de
gerações, construindo laços e aprendizados no cotidiano, costuma ser referenciado na literatura como
“conhecimento tradicional”, “conhecimento popular” ou “conhecimento local”. Assim, para Diegues
(2000), os saberes são o resultado de uma coevolução entre as sociedades e seus ambientes naturais
que possibilitou um equilíbrio entre ambos.
O saber, também, acaba convergindo para um caminho que envolve a questão sociocultural, pois,
segundo Gondim (2007), os saberes são reconhecidos como parte da cultura de determinados locais
transmitidos normalmente ao longo das gerações e, essencialmente, por meio da linguagem oral, dos

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Ação Coletiva De Intervenção Local

gestos e das atitudes. Então, é importante destacar a necessidade de se considerar a inter-relação


entre esses conhecimentos e os contextos em que são produzidos e cultivados.
O saber na projeção da Legislação remete ao “conhecimento tradicional” associado ao patrimônio
genético e está associado ao conhecimento de povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e
agricultores familiares (BRASIL, 2017). Nessa perspectiva, os “Saberes Tradicionais” ou
“Conhecimentos Tradicionais” é algo que muitas vezes se torna complexo, pois apresenta, segundo
Castelli e Wilkinson (2002), várias concepções as quais estão arroladas num conjunto considerável de
conhecimentos e práticas sobre o ecossistema e a biodiversidade, construídos ao longo de gerações,
por populações consideradas tradicionais.
Nessa categoria de “conhecimentos tradicionais”, estão inseridos os agricultores familiares, por
possuírem a autoidentificação com o meio sociocultural e ambiental em que vivem, visto que, são
grupos culturalmente diferenciados, que possuem condições sociais, culturais e econômicas próprias,
mantendo relações específicas com o território e com o meio ambiente.

NOS CAMINHOS DOS SABERES DA COMUNIDADE DE SANTA MARIA DO MAÚ

O estudo na CSMM foi desenvolvida por meio da história oral como metodologia que implica numa
dimensão, além de técnica, teórica (FERREIRA & AMADO, 2006), pois a leitura de depoimentos
colhidos por meio de entrevistas só passará ser mero desdobramento calçado na memória de atores
sociais anônimos, quando interpretada e embasada teoricamente, o que vem contribuir com a
formação da identidade cultural de uma dada comunidade.
Desse modo, este estudo procurou trabalhar com a memória e a história oral, que buscam registrar
fatos, acontecimentos e saberes de uma comunidade local, na busca de resgatar a relação harmônica
que se rompeu no passado, que tiveram alguns períodos de sua história esquecidos por falta de
registro ou devido ao falecimento de seus integrantes mais velhos.
Os saberes da CSMM estão relacionado aos ciclos da natureza que determina a rotina do agricultor
familiar, sendo ele um intermediário da natureza e da apropriação desta, que se expressa em seu
processo contínuo de aprendizagem e trabalho, conforme afirma Cardoso (2001); pois, segundo o
autor, os saberes oriundos da agricultura familiar trazem conhecimentos sobre uma gama de
processos na natureza, que formam redes cognitivas próprias, para a interpretação, apropriação e
representação destes processos.

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Nesse sentido, Diegues (2000) realça que o entendimento que possuem esses sujeitos do
conhecimento local, na relação cotidiana, “resulta de um longo período de ajustamentos culturais nos
quais os valores, as imagens e as percepções são desenvolvidas em relação ao meio ambiente natural”.
Vale ressaltar, que associar o saber a uma comunidade local, envolve não apenas a questão da relação
do homem com a natureza, mas, o processo da oralidade, no exercício da memória que busca produzir,
no cotidiano de comunidades locais, os saberes que muitas vezes são repassados ao longo de sua
história e que, na relação com o ambiente natural, contribuíram com a superação dos desafios do dia
a dia.
É importante lembrar, segundo Diegues (2000), que os saberes locais podem cooperar para a
manutenção da biodiversidade dos ecossistemas, resultante da relação entre as sociedades e seus
ambientes naturais, visto que os povos que vivem em comunidade relacionam-se com o território, o
meio onde habitam, expressando os seus conhecimentos e criando uma estreita relação com o seu
ambiente local, de forma sustentável.
Nessa lógica, Moraes (2016) afirma que o conhecimento tradicional, integra dimensões ambientais e
territoriais, onde estão relacionados grupos populacionais que carregam consigo práticas e
conhecimentos adquiridos em seus territórios de origem, onde se reproduzem de forma econômica e
sociocultural nas comunidades em que vivem.
Contudo, acredita-se que existem muitas comunidades com uma infinidade de saberes e elementos
culturais ímpares, os quais muitos não foram catalogados ou registrados, assim como poucos são
desconhecidos pela literatura científica. Sendo assim, é importante atentar, segundo Balick e Cox
(1996), que os “outros saberes”, considerados como empíricos, existem e buscam a sua legitimidade
social, apesar dos recorrentes processos de deslegitimação, muito embora os conhecimentos (o
científico e o saber local) se fundam no empirismo, ressaltando que existe entre ambos os
conhecimentos uma ideia de complementaridade cognoscente entre eles, pelas suas não tão distantes
origens e perpetuações.

SABERES E A RELAÇÃO DE GÊNERO NA AGRICULTURA FAMILIAR

A relação de saberes numa comunidade se constitui através das relações familiares cotidianas,
identificadas entre a produção do trabalho coletivo, na relação com a natureza. Nesse sentido, os
pequenos agricultores, na relação de agricultura familiar, em boa parte do tempo, expressam seus
saberes na dedicação de seus trabalhos, junto a natureza, para atender as necessidades básicas de
consumo alimentar para os seus núcleos familiares; e, consequentemente, para o mercado local.

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Nesse contexto, a relação de saberes na agricultura familiar, apresenta especificidades, pois segundo
Heredia (1979), a organização social na relação de trabalho feminino e masculino abrange muito mais
que produção e consumo, envolve, também, laços parentescos entre os membros que nela se inserem
e junto a construção de histórias e memórias.
Considera-se com isso, que as atividades produtivas com a terra, entre familiares, muitas vezes são
reconhecidas como elo que ultrapassam a dimensão econômica, cuja lógica de organização nos
espaços em que eles transformam estabelece o processo de trabalho entre a família e a natureza, com
práticas e saberes peculiares, por possuírem dimensões simbólicas que os fazem construir não apenas
espaços agrícolas, mas também espaços sociais e de gênero.
Figura 2 e 3 - agricultores familiares da CSMM na colheita do feijão consorciada com o plantio de
mandioca

Fonte: acervo pessoal, 2018.

Nesse sentido, vale ressaltar que, na organização social e territorial, estabelecidas entre os membros
da agricultura familiar, muitas vezes, cabe ao homem o trabalho voltado especificamente à roça;
enquanto às mulheres cabe-lhes, na maioria, o cuidado com a casa. Essa divisão do trabalho muitas
vezes causou ‘invisibilidade’ ao papel feminino na agricultura familiar, uma vez que o seu trabalho se
resumia na esfera doméstica, não gerando renda e reduzido somente ao caráter de ajuda.
Porém, no contexto atual, observa-se que as mulheres têm ganhado espaço na agricultura familiar,
assumindo um papel de extrema importância para a organização do convívio e da produção familiar.
Todavia, muito embora as mulheres venham se destacando, ainda assim a relação de gênero presente
no meio rural tem atribuído papéis diferenciados.
No atual contexto sócio-político e na relação de gênero e de produção agrícola é importante levar em
consideração as experiências que nos levam a refletir sobre a necessidade de valorizar os espaços
femininos como forma de inclusão da mulher e a consequente viabilidade de implantação de sistemas
agroecológicos, visto que esse é considerado como um importante instrumento para as comunidades

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Ação Coletiva De Intervenção Local

que trabalham na perspectiva de agricultura familiar, onde o envolvimento feminino na produção de


alimentos tem um papel muito significativo, que perpassa desde a germinação da sementes em
contato com o solo, aos sistemas produtivos alternativos .
Nessas experiências e práticas agrícolas que incluem os sistemas produtivos alternativos
desempenhados pelas mulheres, Pacheco ressalta que
Novas práticas, novos valores e, também, novas propostas de políticas acontecem nos locais onde as
mulheres se organizam de forma autônoma e participam das dinâmicas sociais, criando condições para
sua participação ativa nas decisões sobre o planejamento agrícola. Vi projetos de implantação de
sistemas agroflorestais, por exemplo, tornarem-se mais diversificados na medida em que as mulheres
sugerem a inclusão de novos produtos, cuja importância é avaliada tanto do ponto de vista da
segurança alimentar como das possibilidades de geração de renda. A participação das mulheres nesses
projetos não está dada, é resultado de uma conquista, e está associada à sua capacidade organizativa
(PACHECO, 1999: 2)
Assim sendo, é possível dizer que as transformações sociais e o advento da modernização vão
estabelecendo a necessidade de estratégias nas relações de produção agrícola familiar, apresentando
a inclusão social de mulheres agricultoras, as quais vêm contribuindo como protagonistas do
desenvolvimento rural, fator esse, que ultrapassa a dimensão econômica. Percebe-se, com isso, que
uma das consequências no processo da modernização da atividade agrícola tem sido a transformação
nas relações que envolvem o consumo alimentar da família rural, interferindo na organização dos
sistemas de produção em sua totalidade (DE BIASE, 2007).
Contudo, é importante destacar que, muito embora haja interferências nas produções agrícolas, os
laços que se estabelecem no convívio familiar ultrapassam a dimensão econômica, visto que as
histórias e memórias, bem como a identidade territorial, são elementos que marcam a comunidade e
marcam gerações.
Histórias e memórias contadas pelos agricultores da CSMM
A memória se constitui como importante registro vivido que parte das lembranças, do contar histórias
e eternizam lugares, como elo de interpretação do passado, que ressoa como a voz e a imagem do
acontecido; pois, segundo Le Goff (1996: 423), “a memória como propriedade de conservar certas
informações remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de informações psíquicas, graças as quais
o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas”.
As histórias e as memórias de um lugar se conjugam como elementos em busca de instrumentos de
reforço da identidade e da singularidade local, transformando espaços em lugares únicos e com forte

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Ação Coletiva De Intervenção Local

apelo afetivo para quem os visita, cujas histórias vão se amparando através de símbolos e referências
para uma constante visita ao passado, trazendo em si, os mais diversos sentimentos aflorados em
narrativas, sonhos e percepções, visto que segundo Gastal (2002: 77) afirma, a comunidade vê partes
significativas do seu passado com imensurável valor afetivo, visto que a memória está estratificada no
lugar.
Nesse sentido, as histórias contadas e rememoradas, através dos antigos moradores da CSMM,
renascem como um desenho, que vão se compondo como uma cartografia da memória, resultando
em um passeio pelas lembranças do passado, comparando com a comunidade atualmente habitada e
em pleno funcionamento. É nesse processo de ação e de interação local que as memórias e os
saberes da comunidade vão se aflorando, trazendo também as experiências produzidas na
comunidade.
Neste contexto, vale ressaltar que a primeira experiência foi com o cultivo de feijão. Tradicionalmente
do plantio até a colheita o processo é feito manualmente pelos grupos familiares que se reúnem para
essa tarefa. Esse feijão regionalizado é conhecido como caupi e foi “introduzido no Brasil na segunda
metade do século XVI” (FREIRE FILHO, 1988) e até hoje essas introduções ainda continuam, pelos
cruzamentos de novas cultivares consideradas exóticas, locais ou crioulas, constituindo o
germoplasma básico do Brasil.
Figura 4 e 5 - colheita do feijão de maneira tradicional para consumo próprio

Fonte: acervo pessoal, 2018.

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Ação Coletiva De Intervenção Local

Figura 6, 7, 8, 9, 10 e 11 - colheita do feijão com a intervenção de um agente local

Fonte: acervo pessoal, 2018.

A história local, por meio do registro de memória, é como alicerce, que marca vidas de pessoas e
contribui como importante testemunho dos fatos ocorridos, como uma reconstrução histórica. Com
este olhar, segundo Lozano (2001), é possível destacar que a história oral permite a produção de
conhecimentos, os quais vão além de um relato de experiência de vida, visto que as fontes orais são
instrumentos que contribuem como releitura do espaço e do tempo vivido.
Neste contexto, é válido realçar que o lugar é o redimensionamento do espaço dotado de sensações,
afeições e alusões de experiências vividas, como a Comunidade de Santa Maria do Maú; pois,
conforme Carlos (1996: 16) “o lugar guarda em si, não fora dele, o seu significado e as dimensões do
movimento da história em constituição enquanto movimento da vida, possível de ser apreendido pela
memória, através dos sentidos e do corpo”. Até porque, segundo Nora (1993: 9) “a memória se enraíza
no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto”.
Tal perspectiva leva a refletir que:
“A história oral é uma história construída em torno de pessoas. Ela lança a vida para dentro da própria
história e isso alarga seu campo de ação [...]. Traz a história para dentro da comunidade e extrai a
história de dentro da comunidade [...] ela pode dar um sentimento de pertencer a determinado lugar
e a determinada época” (Thompson,1998: 44).
Em conjunção ao exposto, é importante frisar que a história de um determinado lugar, narrada por
antigos moradores, tem a expectativa de desembaraçar nós atados pelo tempo, aflorando nas
lembranças as marcas da memória em busca de compreensões e até mesmo de explicações quando

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Ação Coletiva De Intervenção Local

ocorrem as mudanças provenientes da contemporaneidade. Assim, Thompson (1998) considera que


através da história local, uma cidade ou uma comunidade pode buscar sentido para sua própria
natureza em mudança, deixando florescer aos moradores vindos de fora uma percepção das raízes
pelo conhecimento pessoal da história.
Com isso, vale ressaltar que conhecer a história de um lugar ou a sua própria história é um exercício
de integração temporal, que muitas vezes permite o autorreconhecimento, onde as imagens do
passado projetadas são transportadas através do sentimento de pertença, afetividade e de
identificação, cujo lugar se caracteriza como o território de identidade.
Exemplo disso, é o caso de Dona Joana (64 anos), nascida na CSMM, ficou uns quarenta anos afastada,
trabalhando em Marituba (PA); mas, após ter se aposentado retorna para a comunidade para a vida
tranquila, buscando desenvolver outras atividades voltadas para a roça, porém, como não teve uma
experiência muito exitosa procurou outro meio de sobrevivência, conforme ela ressalta:
Eu fico aqui sempre criando umas galinhas, pois o meu projeto era criar galinhas. Depois, ainda mexi
com roça para plantar mandioca, mas me desanimou, porque nós agricultores, aqui, não temos uma
feira para vender o produto. Eu tive que dar a minha farinha que fiz, dei para a minha família que mora
para a cidade, pra minhas vizinhas, minha cunhada, fui distribuindo. A roça que fiz aqui, não consegui
vender nenhum saco de farinha e isso me desanimou, pois não tinha local para vender.
Dona Joana considerou que, apesar das dificuldades e de não ter terras para produzir sua roça, ela
não deixou de buscar meios para a sua sobrevivência na comunidade. Ela ressalta ainda, que outros
moradores, como a sua irmã, que apesar de ter terras, não mexe mais com roça, em virtude da idade
avançada e não tem quem possa ajudá-la, pois os seus filhos estão para a capital a trabalho.
As necessidades que se estabelecem na comunidade se expressam na fala de dona Joana, quando
chama a atenção para a experiência que vivenciou em Tucuruí, ressaltando o seu encantamento com
a feira de agricultor, considerando-a muito bonita.
É isso que estamos precisando no nosso município. Mas, pra quem nós temos que recorrer? Aqui tem
a Associação, mas, ainda é muito fraca para reunir as pessoas. Lá em Tucuruí todos produzem de tudo:
a goma, o polvilho, o acará, a macaxeira, o feijão de corda, o cheiro-verde, o quiabo, o maxixe, galinha,
pato, tudo tem na feira.
O relato da dona Joana e as suas experiências ressaltam que embora a comunidade ainda não
apresente muitos recursos para que os agricultores possam tirar o seu meio de sobrevivência, muitos
moradores acabam se deslocando para outros lugares buscando melhorar seus meios de vida; mas,

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Ação Coletiva De Intervenção Local

ainda sim muitos têm a comunidade como referência, em virtude da identidade, das raízes
estabelecidas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As lembranças trazem como referências os lugares, expressando nas narrativas os marcos nucleares,
as experiências, os lugares de residência do passado e do presente, os quais têm significados e são
situados na localização do tempo e da história local. Com isso, o reconhecimento de um lugar, embora
com poucos recursos, permite apreender o processo de territorialização como síntese da apreensão
desse universo cultural e social de quem vive em comunidade. As narrativas, por sua vez, se
materializam como sinais do território, pois é onde se registram tempos, lembranças e histórias vividas
ou reinventadas. Então, entende-se que a relação com o território cria laços, onde emerge o atributo
de pertencimento, de referência identitária.
As críticas ao processo de intervenção local junto aos agricultores familiares são frequentemente
ocasionadas pela não valorização dos saberes locais e que, por falta desse diálogo de saberes, muitas
vezes, a realidade não condiz com a prática, considerando que o tipo de tecnologia proposta não pode
estar adequado ou pouco adaptado às condições daqueles agricultores.

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Ação Coletiva De Intervenção Local

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133
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 11
10.37423/200701878

A PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO NO


ENTORNO DO AÇUDE DNOCS, ARAPIRACA, AL.

Amanda Cristina Santos

Simone Rachel Lopes Moura


A Produção Social Do Espaço Urbano No Entorno Do Açude DNOCS, Arapiraca, AL.

Resumo: Esta investigação tem como recorte espacial de estudo a região do Lago da Perucaba,
conhecida antigamente como açude DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), que
fica localizada na porção oeste da zona urbana do município de Arapiraca em uma área de preservação
ambiental, a qual, há alguns anos, tem-se verificado um direcionamento de investimentos por parte
do poder público municipal e do setor imobiliário, assim como a aliança de ambos, para a revalorização
e requalificação do local. Partindo desta premissa, considerando a transformação da paisagem ocorrida
na região, esse trabalho faz uma análise da produção social do espaço urbano no entorno do Açude
DNOCS, revelando a forma com que as relações no âmbito social, político, econômico e ambiental da
região tem se decorrido ao longo do tempo, a fim de entender os conflitos urbanos, sociais, ambientais,
de uso e de posse ocorridos no espaço em questão. O percurso metodológico se deu, a princípio,
mediante pesquisas e análises de documentos e instrumentos legais federais, estaduais e municipais,
como: o Estatuto da Cidade, Constituição Federal de 1988, Plano Diretor do Município, Plano Local de
Habitação de Interesse Social, Agenda 21 e Lei Orgânica do Município. Posteriormente, foram
realizadas entrevistas com representantes da pequena vila e da Prefeitura de Arapiraca, com o
propósito de entender as divergências existentes e a crise de direitos existente no lugar. Compreendeu-
se, ao final, que o Estado, que deveria gerir o espaço de forma democrática, opera desigualmente.
Palavras-Chave: Produção Social do Espaço. Açude DNOCS. Vila dos Pescadores. Arapiraca. Direito à
cidade.

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A Produção Social Do Espaço Urbano No Entorno Do Açude DNOCS, Arapiraca, AL.

INTRODUÇÃO

O rápido, desordenado e fragmentado processo de urbanização ocorrido no Brasil se deu, e ainda se


dá, de forma ineficiente, o mesmo trouxe e reproduz uma série de consequências, visto que o
crescimento da população e da cidade não consegue acompanhar o crescimento da infraestrutura.
Esse processo tem tido, em sua maior parte, efeito negativo, uma vez que resultou em cidades sem
planejamento adequado, com espaços urbanos sociais desiguais que retratam a exclusão social, onde
o desenvolvimento urbano igualitário se torna algo fantasioso. (ACSELRAD, 2001, p. 198)
Os benefícios da cidade limitada quase que totalmente a uma pequena classe que detém de um alto
poder econômico-político e que gere, a seu modo, cada vez mais os centros urbanos e suas
centralidades espaciais, fazem com que grande parcela da população ocupe espaços impróprios, –
como as favelas e assentamentos precários –, em contrapartida, a minoria, a elite, ocupa as melhores
áreas da cidade, dotadas de infraestrutura urbana. Percebe-se a não observância ao atendimento
eficaz dos dispositivos legais do Estatuto da Cidade – artigos 182 e 183 da Constituição Federal –, que,
teoricamente, assegura tratar todo indivíduo com equidade em seu referido artigo 5º: “Todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade” (BRASIL, 1988, p. 9).
Logo, este artigo objetiva trazer à tona reflexões atuais sobre a produção social do espaço urbano na
região do entorno do açude DNOCS, em Arapiraca - Alagoas, evidenciando a participação que os
agentes da área estudada, o poder público (Prefeitura de Arapiraca); o setor privado (empreendedores
imobiliários); e a comunidade (Vila dos Pescadores do Lago da Perucaba) exercem na dinâmica urbana,
dando voz a cada um, ressaltando os interesses e as atividades desempenhadas por todos os
envolvidos, enfatizando as relações com que as formas e processos de diferenciação, desigualdade e
fragmentação socioespacial se decorreram ao longo do tempo. Cabe também destacar os pontos
pertinentes dessa interação, os quais se revelam, por meio de suas práxis, os conflitos urbanos
ocorridos na área em questão.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Os procedimentos metodológicos para a realização deste trabalho foram, inicialmente, uma revisão
bibliográfica em livros, trabalhos acadêmicos, revistas e publicações virtuais relacionadas aos temas
que abrangem esse artigo, relacionando-os: produção social do espaço urbano; segregação
socioespacial; gentrificação; especulação imobiliária; direito à cidade; pesquisas e análise dos

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A Produção Social Do Espaço Urbano No Entorno Do Açude DNOCS, Arapiraca, AL.

documentos do município de Arapiraca, como o plano diretor do município e o plano local de


habitação de interesse social; mercado imobiliário na cidade de Arapiraca e a crescente expansão de
empreendimentos no entorno do Lago da Perucaba. Posteriormente foram realizadas entrevistas com
representantes da Prefeitura de Arapiraca, com os pescadores e familiares, além de visitas in loco e
registros fotográficos para a realização do diagnóstico da área. Cabe ressaltar que seria pertinente e
enriquecedor para esta pesquisa as respostas advindas de representantes relevantes do setor
imobiliário para compreensão de questionamentos, como: quando e porque surgiu a ideia de
implantar um bairro planejado em Arapiraca e especificamente naquela área. Entretanto, não foi
possível descrever a visão do empreendedor ou obter as respostas para tal indagação, pois as
tentativas de contato para a realização das entrevistas não foram atendidas em tempo hábil para
fechamento deste estudo.
Estruturalmente, este artigo encontra-se organizado em cinco subseções. A primeira aborda a
caracterização da área de estudo, descrevendo aspectos relevantes do Açude DNOCS (Lago da
Perucaba). A seção 2 trata sobre a Vila dos Pescadores e do Lago da Perucaba, apresentando,
principalmente, as problemáticas vividas pela comunidade do ponto de vista da sua sobrevivência. A
seção 3 aborda a revalorização do entorno do Lago da Perucaba decorrente do fenômeno da
especulação imobiliária. A seção 4 versa sobre o papel do poder público municipal bem como do
processo de planejamento de expansão urbana na região do açude. E por fim, na última seção, expõe-
se uma análise crítica sobre a produção social do espaço urbano, rebatendo, à luz das teorias e do
direito à cidade, as declarações dos agentes estudados, a fim de compreender os conflitos ocorridos
na área analisada.

O AÇUDE DNOCS, ATUAL LAGO DA PERUCABA

O Lago da Perucaba, conhecido antigamente como Açude DNOCS, teve sua construção datada na
década de 1960, com o intuito de abastecer a população carente que sofria com a seca que assolava a
região na época. Sua obra foi de inteira responsabilidade de uma autarquia criada pelo Governo
Federal, chamado de Departamento Nacional de Obras Contra a Seca – DNOCS, por isso a sua “sigla”,
para exercer o gerenciamento dos recursos hídricos da região nordeste e elaborar projetos que
visassem formas de garantir a subsistência dos sertanejos. (SILVA; SANTOS; RAMOS, 2017, p. 11)
Contudo, a finalidade destinada ao açude artificial que era de abastecer a cidade por meio do
represamento do Riacho Perucaba, não foi alcançada, pois suas águas apresentavam alto teor de sal e
se tornavam inadequadas para o consumo humano, tornando a área inutilizada e marginalizada. Com

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137
A Produção Social Do Espaço Urbano No Entorno Do Açude DNOCS, Arapiraca, AL.

o crescimento populacional do município, o entorno do açude começou a ser ocupado


progressivamente sem qualquer planejamento e preocupação por parte do poder público ocasionando
em um processo de degradação e poluição das suas margens, bem como suas águas (ver figura 1).
Pereira e Souza (2015) pontuam:

Suas águas começaram a adquirir resíduos das mais diferentes formas: lixos
domésticos, restos de construções trazidos por carroceiros, esgotos
domésticos das ribeirinhas e das casas mais próximas ao corpo hídrico, águas
de drenagem urbana, esgoto do Hospital Regional de Arapiraca, dentre
outros. [...] Outras situações agravaram mais a situação do açude, com maior
ênfase para o Matadouro Público Municipal que contribuiu, durante vários
anos, com o despejo do sangue de animais e do resto de suas carcaças,
presentes em suas águas. (PEREIRA; SOUZA, 2015, p. 08-09)

Figura 1 - Degradação ambiental no açude e seu entorno em 2005

Fonte: HIDROGEO/UNEAL, 2005.

Sabe-se da grande expansão urbana que Arapiraca tem sofrido em decorrência do setor da construção
civil e imobiliário em constante desenvolvimento nos últimos anos, e é evidente que, a área em que o
açude está inserido não ficaria imune à tais transformações. Em 2007, impulsionado pelas estratégias
do mercado imobiliário, o governo municipal, por meio de parcerias com a Caixa Econômica Federal e
do Ministério das Cidades, deu a “largada” para a implantação de um projeto de revitalização e
urbanização do entorno do lago com o propósito de transformá-lo em um espaço de lazer e um dos
principais cartões postais da cidade. (SILVA; SANTOS; RAMOS, 2017, p. 12)

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A Produção Social Do Espaço Urbano No Entorno Do Açude DNOCS, Arapiraca, AL.

O projeto elaborado pelo ‘Escritório Gilvan Rodrigues Arquitetos Associados’, teve um investimento
total de R$ 7.800.000,00 e durou cerca de 5 anos. Sua primeira etapa inaugurada no dia 20 de março
de 2009, contou com a remoção do matadouro público (ver figura 2) para a zona industrial da cidade,
localizado atualmente no bairro Olho D’água dos Cazuzinhos, relocação da população carente da área
para conjuntos habitacionais públicos em regiões periféricas e a criação de “praças, vias de contorno,
calçadão, parque infantil, quadras poliesportivas, ciclovias, áreas com jardins, restaurantes, bares,
praça de eventos e SESI atendendo” (SILVA; SANTOS , RAMOS, 2017,
p. 11). Assim, o propósito de tornar o Lago da Perucaba o mais novo cartão postal da cidade e uma
área de convívio social e de lazer emergia. A segunda etapa que seria a complementação dos serviços
já realizados na primeira etapa, além da construção de um centro de convenções, píer, unidades
habitacionais e uma fonte luminosa não sucederam (PEREIRA; SOUZA, 2015, p. 11):

“As obras da segunda etapa de infraestrutura e urbanização no entorno do


Lago da Perucaba já deveria estar finalizada. A ordem de serviço para
ampliação do lago está assinada, desde 2012, num valor de R$ 2,6 milhões,
porém, até o momento, não foi iniciada nenhuma obra pública, mas apenas
obras de condomínios de luxo.” (PEREIRA; SOUZA, 2015, p. 12-13)
Vale ressaltar as considerações existentes no artigo 76 do plano diretor participativo do município,
onde consta que a área do lago encontra-se inserida nas Zonas Especiais de Patrimônio Ambiental
Natural – ZEIA PN, mais especificamente a Zona de Proteção aos Mananciais e remanescentes de
cobertura vegetal – ZEIA PN A2: “Para fins desta Lei, as Zonas Especiais de Patrimônio Ambiental
Natural localizam-se: [...] II - ZEIA PN A2 - Vegetação entorno Açude DNOCS; do Riacho Seco, Rio Piauí,
Rio Perucaba, Rio Coruripe e afluentes; e Nascentes” (PDPMA, 2006, p. 34), que se caracteriza as
porções de território que tem como objetivo proteger e recuperar o patrimônio ambiental natural e
cultural, como consta no PDPMA (2006, p. 64):

Consideram-se áreas de proteção aos mananciais, pelo efeito desta Lei, as


florestas e demais formas de vegetação definidas como tal pela legislação
federal, estadual e municipal na área marginal ao redor dos reservatórios
naturais e artificias e suas ilhas, com a função ambiental de preservar os
recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o
fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das
populações humanas. (PDPMA, 2006, p. 64)
No mapa de zonas especiais inserido no plano diretor municipal, ainda classifica a área do entorno do
lago de caráter “non aedificandi”, a qual destina-se à preservação dos ecossistemas naturais do
município e recomenda o uso do solo para jardins, estabelecendo como legislação norteadora a Lei
Florestal Federal, N° 6.607, de 07 de dezembro de 1978 - Artigo 33. Esta lei determina o plantio de

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A Produção Social Do Espaço Urbano No Entorno Do Açude DNOCS, Arapiraca, AL.

mudas de Pau-Brasil nas áreas de preservação ambiental em todo o território nacional providas pelo
Ministério da Agricultura (PDPMA, 2006, p. 65). Há ainda a Resolução Nº 302, de 20 de março de 2002
do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), que estabelece a distância mínima de 15 metros
para implantação de edificação às margens de reservatórios artificiais, que é o caso do Lago da
Perucaba.
Os objetivos centrais no que diz respeito ao Patrimônio Natural presentes no Plano Diretor
Participativo do Município de Arapiraca os quais se referem ao Lago da Perucaba são claros – preservar
e restaurar a paisagem; desenvolver práticas de cunho turístico e interação com o intuito de
desenvolver e melhorar a qualidade de vida dos indivíduos, bem como a inclusão social dos mesmos
de forma sustentável – e devem ser cumpridos obrigatoriamente pela municipalidade. (PDPM, 2006,
p. 15):
Artigo 199 – O Município assegurará o direito à qualidade de vida e à
proteção do meio ambiente.
Artigo 204 – [...] § Único – As áreas de preservação permanente não são
permitidas atividades que, contribuem para descaracterizar ou prejudicar
seus atributos e funções essenciais, executadas aquelas destinadas a
recuperá-las e, assegurar sua proteção mediante própria autorização dos
órgãos municipais competentes. (LEI ORGÂNICA DO MUNICIPIO DE
ARAPIRACA, 1990, p. 43 – 45)
Mesmo a Lei Orgânica do Município, lei que compactua com as definições do PDPMA, no capítulo V
do meio ambiente, em seus artigos 199 e 204, que pretende assegurar a qualidade de vida, proteção
ao meio ambiente e proibir qualquer tipo de intervenção que não tenha o propósito de recuperação
das áreas de preservação permanente, que é o caso do Lago da Perucaba, o que se vê, na prática da
teoria lei democrática difere da práxis. Ao fazer uma visita ao local é possível constatar a
transformação que a paisagem natural e urbana sofreu e sofre de forma contínua.
É perceptível que não há presença de plantio de viveiros de pau-brasil ou áreas com implantação de
jardins, como consta na legislação vigente e, a depender da localização, principalmente próximo as
áreas com edificações, não há qualquer sinal de preservação ou tipologia de vegetação. A área que
era marginalizada e esquecida pelo poder público passou a se tornar ponto de atração turística, de
lazer e prática esportiva, onde a mudança no âmbito social da região do lago se configurou de forma
agressiva, principalmente no perfil das famílias. Os lugares que antes residiam famílias em condições
precárias, vulneráveis às mazelas e em situação total de risco social, tornou-se áreas de construção de
residências destinadas as classes A e B, visto como local estratégico pelo mercado imobiliário e por
grandes empresários do município que são proprietários de terras próximas ao Lago e que se
favorecem com os investimentos que o poder público realiza na área. É salutar e sustentável que os

6
140
A Produção Social Do Espaço Urbano No Entorno Do Açude DNOCS, Arapiraca, AL.

agentes dos investimentos privados e públicos na área, considerem nesta transformação urbana, a
ação dos pescadores do açude como importante para a dinâmica socioambiental.

A VILA DOS PESCADORES DO LAGO DA PERUCABA

A Vila dos Pescadores está localizada às margens do Lago Perucaba, numa área de preservação
ambiental e de reponsabilidade do DNOCS, como citado anteriormente. A vila fica localizada na rua
Manoel Leal, no bairro Zelia Barbosa Rocha, na porção oeste da cidade (ver figura 2). O acesso até a
Vila se dá por meio de vias que cortam os bairros circunvizinhos, como: o Centro, bairro Baixão, bairro
Padre Antonio Lima Neto, bairro Baixa Grande, bairro Cacimbas e bairro Primavera (ver figura 3). Os
pescadores estão estabelecidos no local há mais de quarenta e cinco anos. Vale ressaltar que ao todo
são 65 famílias que subsistem da atividade pesqueira no lago, dessas, apenas 12 residem e tem a pesca
como único meio de sustento. Em entrevista, o pescador Eribelto, mais conhecido como “seu Beto”
relata que boa parte dos moradores chegaram ainda crianças, inclusive seu filho Cicero, de 30 anos de
idade, nasceu na vila e também tornou pescador como profissão.
Figura 2 - Localização da vila dos pescadores

Fonte: Acervo pessoal, 2018.

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A Produção Social Do Espaço Urbano No Entorno Do Açude DNOCS, Arapiraca, AL.

Figura 3 - Localização da vila dos pescadores

Fonte: Googlemaps, 2018.


A vila, hoje, apesar de estar inserida na malha urbana, é um assentamento precário da cidade de
Arapiraca, onde os serviços urbanos não chegam devido ao seu caráter informal. Sabe-se que os
sistemas de infraestrutura urbana – abastecimento e distribuição de água para o consumo humano;
remoção e tratamento de água servida e matéria orgânica; energia elétrica; drenagem de águas
pluviais; limpeza pública e saneamento básico – estão diretamente ligados à promoção da qualidade
de vida, sendo um direito do cidadão e um dever do Estado (PMSB, 2014, p. 10). Todavia, no contexto
da vila, esse conceito não se aplica. As respostas das entrevistas realizadas dia 26 de março de 2018,
com os pescadores que vivem às margens do Lago da Perucaba, deixaram explícitas as dificuldades
diárias que a comunidade sofre por não dispor de nenhum tipo de rede ou serviço de infraestrutura
urbana básica, sequer em circunstâncias mínimas.
Os moradores vivem em condições precárias, a rede geral de abastecimento de água não chega até o
local e eles não possuem poços ou cacimbas como fonte alternativa. Os pescadores que moram na vila
utilizam a própria água do lago para uso diário e os que só exercem a atividade na área, trazem as
águas das residências que eles habitam atualmente para abastecê-los durante as horas que passam
na vila.
Em relação a coleta de lixo não é diferente. Apesar do serviço funcionar durante dias intercalados em
boa parte do município, foi constatado que os moradores da vila não são atendidos. A alternativa que
eles encontram é a queima do lixo que produzem, o que é ambientalmente inapropriado, ainda mais
se tratando de uma área de preservação ambiental como especifica o Plano Diretor. A comunidade
não possui rede de distribuição de energia elétrica, logo, não possuem

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A Produção Social Do Espaço Urbano No Entorno Do Açude DNOCS, Arapiraca, AL.

eletrodomésticos e utilizam velas para iluminação durante o período da noite; não há presença de
calçadas, a pavimentação é de barro, sem sinalização ou acessibilidade; não há transportes públicos
coletivos para atender a população que reside na região. O esgotamento sanitário das residências da
área em questão é por meio do sistema de fossas negras, para onde se destinam as águas negras dos
banheiros improvisados (ver figura 4).
Figura 4 - Banheiro Vila dos Pescadores

Fonte: SENNA; ALVES; DUARTE; LEONEL, 2017


As situações das casas (ver figura 5) são consequências da autoconstrução realizada com materiais
improvisados, por leigos sem capacitação técnica que, sem auxílio do Estado, não possuem condições
econômicas para erguer uma residência digna. As casas foram constituídas com um único intuito:
abrigo.
Figura 5 - Condições de infraestrutura urbana da Vila dos pescadores

Fonte: Acervo pessoal, 2018.

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A Produção Social Do Espaço Urbano No Entorno Do Açude DNOCS, Arapiraca, AL.

Os pescadores da vila relatam que as moradias, o lago e seu entorno, apesar de precários, são
essenciais para que os mesmos sobrevivam e desempenhem suas atividades. A maioria não possui
escolaridade, são analfabetos – não sabem ler ou escrever – e não têm condições físicas para
desempenhar outro tipo de trabalho. Mudar para outra localidade também dificulta a realização da
principal fonte de renda da comunidade, visto que há hábitos já concebido, além da necessidade de
vigilância dos tanques, a fim de evitar roubos de peixes.
É perceptível que a Vila dos Pescadores não tem condições viáveis para moradia. É urgente a inserção
de sistemas de infraestrutura urbana, mesmo que seja com opções alternativas, mas que possibilite
aos pescadores e suas famílias habitações dignas. O local precisa ser visto e “acudido” pelos órgãos
públicos. Mas o oposto acontece, os pescadores foram esquecidos e marginalizados, vivem em
condições precárias, sem saneamento básico, sem energia elétrica, sem água sem mobiliário urbano,
sem casa digna e sem acesso ao direito à cidade.
Os pescadores confirmam que durante os anos em que estão na área, nunca receberam o mínimo de
atenção por parte da prefeitura municipal, ao contrário, foram pegos de surpresa no dia 20 de março
de 2015 com uma decisão judicial que obrigava os pescadores a desocupar, no prazo de 30 dias, a área
do lago, para a execução de um projeto de revitalização de seu entorno. Uma matéria realizada no dia
30 de março de 2015 por um site de notícias da cidade relata:
O processo de desapropriação foi movido pela prefeitura de Arapiraca e, de
acordo com o documento, a decisão faz parte do projeto de revitalização
daquela área no entorno do lago. O que mais chama a atenção durante todo
esse processo jurídico, que foi iniciado há mais de um ano, é que os
pescadores não foram ouvidos sobre a importância da permanência deles
no local para garantir o sustento de suas famílias. O Coordenador do Núcleo
de Extensão e Assessoria Jurídica Universitária Popular (Neajup) da
Universidade Estadual de Alagoas (Uneal), Inaldo Valões, que está
acompanhando o processo, afirmou que o município não tem legitimidade
em reivindicar a área que pertence ao Departamento Nacional de Obras
Contra a Seca (DNOCS), órgão que construiu o açude há mais de 30 anos.
(SETESEGUNDOS, 2015)
Vale ressaltar que a prefeitura não deu voz aos pescadores, não ouviu suas queixas ou tentou
solucionar suas carências antes de processá-los. Ela usa a demarcação de preservação permanente
estabelecida no PDMPA a qual se insere o lago e seu entorno, e um projeto de revitalização destinado
a toda população arapiraquense como pretextos para fazer uma “higienização cultural” com a
finalidade de abrir espaço para o interesse privado. É visível, que a especulação imobiliária que se

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A Produção Social Do Espaço Urbano No Entorno Do Açude DNOCS, Arapiraca, AL.

desenvolve na região se beneficiaria com a desocupação dos pescadores, considerando que não é
interessante ter um assentamento precário como vizinho de um condomínio fechado de luxo. (FARIAS,
2015)
O que vem apenas reiterar que as leis estão sendo deixadas de lado quando se trata das construções
de alto padrão que vem sendo construídas as margens do Lago da Perucaba, mas que são prontamente
rememoradas quando se trata dos pescadores que estão ali há mais de 40 anos vivendo em condições
degradantes, sem qualquer tipo de infraestrutura e dependem do lago para sobreviver.

A REVALORIZAÇÃO DO ENTORNO DO AÇUDE DNOCS: A ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA

Há alguns anos, o entorno do Lago da Perucaba começou a experimentar alterações no que tange a
sua configuração habitacional e urbanística, caracterizadas, principalmente, pela construção de
condomínios fechados de alto padrão. A região onde havia inúmeras famílias carentes e vazios
urbanos, passa a abrigar empreendimentos residenciais luxuosos (ver figura 6) que vem se
consolidando na área e apresentam aspectos de lazer, estética e oferta de serviços de qualidade como
instrumentos para elevação do valor do espaço urbano, além de promover uma maior busca por esses
locais.

Figura 6 - Localização dos empreendimentos

Fonte: Googlemaps com intervenção do autor, 2018.


A localização dos loteamentos e condomínios fechados é estratégica. Os promotores imobiliários se
utilizam da existência do lago para agregar valor aos empreendimentos e, por meio da publicidade em
diversas modalidades midiáticas, disseminam em suas propagandas o apelo à natureza, às áreas

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A Produção Social Do Espaço Urbano No Entorno Do Açude DNOCS, Arapiraca, AL.

verdes, ao parque fruto do macroprojeto urbanístico público instalado, entre outros, que ficam nas
proximidades e até dentro do próprio projeto. Sendo assim, é interessante notar e reafirmar que a
área do entorno do lago, cuja história de ocupação urbana é marcada pelas habitações precárias,
famílias marginalizadas e pela segregação, socioespacial, está atualmente inserida na trajetória do
mercado imobiliário especulativo, sendo revalorizada.
O que, até então, era considerado periferia do município de Arapiraca, está sofrendo alterações a
julgar pela elevação significativa do valor da terra quando relacionado ao contexto da cidade.
Atualmente, o agente empreendedor que está envolvido na promoção do espaço no entorno do açude
é o URBIS Perucaba, uma empresa criada para implantar o Bairro Planejado da Perucaba, o qual vem
atuando na instalação da infraestrutura dos empreendimentos atualmente: Residencial Reserva
Perucaba (ver figura 7) e do Condomínio Jardins Perucaba (ver figura 8).

Figura 7 - Equipamentos de lazer e interação do Residencial Reserva Perucaba

Fonte: URBIS, portfólio digital, [2018].

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A Produção Social Do Espaço Urbano No Entorno Do Açude DNOCS, Arapiraca, AL.

Figura 8 - Praça do Condomínio Jardins Perucaba

Fonte: URBIS, portfólio digital, [2018].


E além destes, num horizonte a longo prazo orientado por um planejamento empresarial do espaço,
estão previstos projetos para mais seis residenciais nessa área, com investimentos dos empresários
José Levino, e seu filho, José Levino Junior. Para o local, estão previstas a implantação de faculdades,
o hospital Santa Casa de Misericórdia, um hipermercado, uma escola particular, hotel, dentre outros,
demonstrando que se trata de uma nova centralidade urbana em Arapiraca. (ROMÃO; NEVES, 2016,
p. 31)
O primeiro bairro planejado de Alagoas, Perucaba Bairro Planejado (ver figura 9), tem como conceito
prover a seus moradores, todos os serviços de uma cidade. Fato visto nas propagandas que reforçam
constantemente em suas mídias e no marketing urbano em outdoors que somente “um bairro que
nasceu planejado pode oferecer a você e sua família tudo que você precisa em qualidade de vida,
segurança e infraestrutura”. O projeto conta com centro comercial, serviços de educação e saúde,
hotelaria, áreas verdes, espaços de lazer e interação, ciclovias e vias que atendem as exigências do
desenho universal, bem como passeios para pedestres. Vale ressaltar que cada empreendimento que
compõe o bairro possui características diferentes, que vão desde as dimensões dos lotes aos
equipamentos urbanísticos existentes (ROMÃO; NEVES, 2016, p. 30 - 31).

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Figura 9 - Masterplan do Bairro Planejado

Fonte: URBIS, portifólio digital, com intervenção do autor, 2018.


O Perucaba Bairro Planejado conta com uma gigantesca, planejada e contemporânea infraestrutura
high tech. Para isso, foi investido em recursos como pisos intertravados, coleta seletiva de lixo,
cabeamento subterrâneo, segurança 24 horas, ruas com dimensões satisfatórias para o uso
simultâneo de motociclistas, motoristas e pedestres, entre outros. É de extrema importância salientar
que a prefeitura municipal apoiou a implementação do presente empreendimento, se
comprometendo até em tomar algumas providências, certificadas em contrato, como a criação de
uma estação de tratamento do bairro, construção de vias que dão acesso às rodovias estaduais e
locais, além da remoção dos moradores de assentamentos precários da área (ROMÃO; NEVES, 2016,
p. 32). Algumas já foram realizadas, como a retirada do matadouro público e das famílias que
habitavam na área, com exceção dos pescadores da vila.

PODER PÚBLICO MUNICIPAL E A EXPANSÃO URBANA NA REGIÃO DO LAGO DA PERUCABA

Em 2016 foi realizada uma entrevista gravada com o secretário municipal do meio ambiente que, na
época, era o agrônomo Ivens Leão, a fim de entender os conflitos urbanos ocorridos na área em
análise.
Na entrevista, Ivens Leão relata que a área onde os pescadores estão instalados faz parte da
continuação do projeto de urbanização do entorno do Lago da Perucaba, onde serão inseridos
equipamentos públicos de lazer e práticas esportivas, como academia ao ar livre. De acordo com o ex-
secretário, está previsto também um espaço para que os pescadores guardem seus materiais de
trabalho e armazenem os peixes. Contudo, relata Ivens, a falta de uma associação que represente os
pescadores e a ausência de Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), o que dificulta a construção
de tal equipamento, já que se faz necessário alguém para gerir o local.

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A Produção Social Do Espaço Urbano No Entorno Do Açude DNOCS, Arapiraca, AL.

O ex-secretário admitiu que a construção do açude foi atribuição do DNOCS, mas para isso, a prefeitura
municipal precisou desapropriar a área, já que, segundo ele alega, os órgãos federais só podem realizar
qualquer tipo de obra se houver o consentimento do município onde está previsto o projeto e se o
mesmo disponibilizar alguma área. E, para ele, esse seria o motivo de existir o processo na justiça, já
que o DNOCS afirma que aquela área é domínio federal, ou seja, de sua competência, e, não municipal.
Em contrapartida, o órgão público municipal discorda. Fato é que o processo segue em definição na
esfera judicial.
Ivens contou que apenas uma família na vila não possui habitação, e que a mesma será realocada para
um residencial próximo, pois não é de interesse da prefeitura restringir qualquer tipo de atividade no
lago ou dificultar o acesso ao mesmo, mas, de forma alguma, pode ser tolerado que permaneçam na
área, edificações precárias. Ivens garante que o lago não possui condições para a prática da pesca,
visto que há uma grande quantidade de metais vindas de redes clandestinas de drenagem e, isso,
torna o mesmo inadequado. O ex-secretário ainda advertiu que o entorno do lago, considerando as
diretrizes de parcelamento do solo e de proteção permanente, as quais o entorno do Lago está
inserido, não pode haver edificações, pois a legislação estabelece o mínimo de 50 m de distância da
margem para iniciar qualquer construção, mas que equipamentos públicos e áreas de convivência são
permitidos. E as áreas dos empreendimentos imobiliários como são privadas, não precisam seguir tais
normas.
Desde que tomou posse da Secretaria do Meio Ambiente, declarou Ivens, em 2013, nunca recebeu
nenhum representante da vila dos pescadores, mas que ouvia suas reclamações pelos meios de
comunicação. E se em algum momento a comunidade tivesse contatado alguém da prefeitura para
tentar firmar um acordo, possivelmente estariam avançando num projeto de urbanização
conciliatório.
Vale lembrar que foi durante a gestão da ex-prefeita Célia Rocha que ocorreu a ação de despejo contra
os moradores da vila em 20 de março de 2015 e, o então secretário de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Urbano, desde 2013, era o agrônomo Ivens Leão. Após a mudança da gestão do
município em 2017, quando Rogério Teófilo tomou posse do cargo como Prefeito de Arapiraca, a
Secretaria ficou a cargo do engenheiro agrônomo Júlio Houly, que ficou apenas 5 meses, indo para as
mãos do médico veterinário Roberto Amaral, que atuou no cargo até o dia 7 de junho de 2018. A partir
de então, o atual secretário de meio ambiente e desenvolvimento urbano de Arapiraca é o arquiteto,
urbanista e empresário Várany Kelthone.

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A Produção Social Do Espaço Urbano No Entorno Do Açude DNOCS, Arapiraca, AL.

Nesta atual gestão foi sugerido pelo secretário que a engenheira civil da Secretaria de
Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, a qual exerce a função desde a antiga gestão, Maria de
Fátima Lima, concedesse uma entrevista no dia 25 de junho de 2018. Maria explicou que a prefeitura
comprou 100 lotes no residencial Vale das Águas para todas famílias que residiam no entorno do açude
e que seriam removidas por conta do início das obras de urbanização da área, entretanto, a empresa
responsável pela distribuição das habitações faliu, as casas foram invadidas e a prefeitura ainda não
teve condições para fazer a regularização fundiária. Ao ser perguntada sobre a vila especificamente, a
engenheira desconhecia o fato de que ainda haviam famílias residindo às margens lago.

PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO NO ENTORNO DO LAGO DA PERUCABA: VILA DOS


PESCADORES X PODER PÚBLICO LOCAL X SETOR IMOBILIÁRIO

A priori, se faz necessário conceituar brevemente o termo “produção social do espaço urbano”, que,
como explica Gottdiener (1997, p. 93) de maneira clara e objetiva, é a composição, organização e
desenvolvimento socioespacial de um determinado território, ou seja, é a forma que as relações no
âmbito social, político, econômico e cultural de uma região, principalmente em áreas metropolitanas,
se sucedem. O autor faz uma consideração importante à sua visão para espaço que esclarece
nitidamente a concepção exposta anteriormente:

[…] o espaço não pode ser reduzido apenas a uma localização ou às relações
sociais da posse da propriedade — ele representa uma multiplicidade de
preocupações sociomateriais. O espaço é uma localização física, uma peça
de bem imóvel, e ao mesmo tempo uma liberdade existencial e uma
expressão mental [...]. (GOTTDIENER, 2010, p.127)
Quando se atribui o termo no contexto do entorno do Lago da Perucaba é possível apresentar muitas
problemáticas e contradições. Ao analisar as transformações no espaço urbano da área de estudo,
considerando as múltiplas relações que envolvem a cidade e a sociedade, bem como a notória ligação
da política e a economia, é factível apreender as perversas desigualdades sociais e ambientais que se
discorrem no local. Vê-se o quanto a realidade da vila e do empreendimento se contrastam, mesmo
estando menos de 700 metros de distância um do outro (ver figura 10). O direito à cidade e à moradia
adequada são negados à comunidade de baixíssima renda, que sofre com um ambiente desprovido
totalmente de condições mínimas de sobrevivência: sem saneamento básico, sem energia elétrica,
sem água para consumo ou para afazeres domésticos, sem esgotamento sanitário ou qualquer tipo de
serviço mínimo de infraestrutura urbana e habitacional. Ao passo que são obrigados a testemunhar
diariamente o quanto os empreendimentos luxuosos, seus vizinhos, são munidos com todos os

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A Produção Social Do Espaço Urbano No Entorno Do Açude DNOCS, Arapiraca, AL.

sistemas de manutenção e infraestrutura urbana de qualidade e, contrariamente ao que acontece a


eles, os serviços públicos são prestados com excelência, frequentemente, pelo município.

Figura 10 - Distância entre a Vila dos Pescadores e do Empreendimento

Fonte: Googlemaps, 2018.

Para discorrer com excelência sobre a produção social do espaço urbano no entorno do Lago da
Perucaba é essencial, antes de mais nada, abordar o processo movido pela prefeitura contra a
comunidade pesqueira, visto que explorar os entraves ocorridos e enfrentados durante a ação, assim
como explorar as razões que o originou. Para isso, foi realizada uma entrevista com o representante
jurídico dos pescadores, o Advogado e Geógrafo Inaldo Valões, do escritório Valões & Cavalcante
Advocacia e Consultoria, no dia 11 de junho de 2018.
Foi pedido inicialmente que o advogado falasse livremente sobre o assunto e, ao fim, seriam feitos
alguns questionamentos, caso não tenham sido mencionados e sanados. Primeiramente, o advogado
afirmou a forma de atuação no caso e que uniu duas questões: a política e a jurídica. E, de acordo com
ele, foi justamente a aplicação dessa combinação que deu ainda mais força ao movimento de
resistência da comunidade. Para o advogado, o processo tinha mais interesse político que
propriamente jurídico e instrumentalizaram um fator jurídico para alcançar um objetivo político e
econômico.
A prefeitura moveu uma ação contra eles com a finalidade de tirá-los, com a justificativa de urbanizar
aquela área dando a entender que a mesma pertencia a ela, ignorando o DNOCS, a história, e sem
citar sequer os condomínios em volta e o interesse privado naquela área. Logo, ficou perceptível que
nesse pedido da prefeitura existia mais questões ocultas do que era manifestado nos autos do

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A Produção Social Do Espaço Urbano No Entorno Do Açude DNOCS, Arapiraca, AL.

processo. Pois os fatos, pouco a pouco, se revelaram, principalmente no que o órgão municipal não
apresentava, mas que era de conhecimento de muitos. E a ocultação de todo um conjunto de fatos e
fatores que se discorria e discorre ao redor do processo e da área, identificou-se que havia muito mais
questões políticas e econômicas por trás do que somente a finalidade descrita e protestada pela
prefeitura. Para melhor entendimento, o advogado começou a descrever como sucedeu todo
processo:
“A prefeitura entrou com um processo que fez um pedido de uma liminar
pela expulsão deles, o juiz da primeira instancia não concedeu a liminar
acertadamente, já que dentro do padrão jurídico não se pode dar uma
liminar na forma que eles pediram, sem se quer ouvi-los, mesmo sabendo
que a ocupação tinha mais de um ano de assentada e a própria prefeitura
identificava como uma ocupação de mais de 10 anos. Como o juiz não
reconheceu, eles entraram com um agravo de instrumento que foi aceito,
apesar de não terem ouvido sequer a comunidade durante esse tempo.
Aconteceu que eles foram intimados a sair do local sob multa diária de 500
reais e com a autorização de uso da força policial.” (INFORMAÇÃO VERBAL)
O advogado conta que já encontrou a situação assim: agravo de instrumento, intimados, sem ajuda
jurídica ou de qualquer outro tipo. A não ser do DNOCS, que após tomar conhecimento do que se
passava, entrou no processo defendendo o terreno, identificando-o como deles. Contudo, o DNOCS
não conseguiu apresentar o título de propriedade da área, nem a prefeitura, mas o DNOCS comprovou
que tinha a posse da área desde os anos de 1950, ao contrário da prefeitura que não tinha nenhuma
documentação que comprovasse qualquer posse. Logo, fica o questionamento: como a prefeitura
conseguiu uma liminar de reintegração de posse de uma área que ela não comprovou ter existido
posse em momento algum?
Logo, foi constatado o interesse econômico por trás, como o condomínio, que de maneira
extraprocessual, no dia a dia, se apresentava como interessado, mas que no processo só foi tomado
conhecimento da especulação imobiliária quando se revelou o folder do condomínio vendendo os
lotes indicando um hotel na área da Vila dos Pescadores. De imediato, afirma o advogado:
“Ficou claro que a prefeitura exigia a área para ceder o terreno para o
condomínio. Ela queria desapropriar, tirar das mãos dos pescadores para
entregar para o capital imobiliário.”
Nos estudos feitos pelo escritório de advocacia, se conheceu que desde a década de 1990, a
especulação cresce e se torna um poder político no município, reconfigurando quase que totalmente
toda a elite da cidade, saindo da prática fumageira e passando para a prática imobiliária e comercial.
Inaldo acrescenta:

“A medida que era denunciado isso, ficou mais entendível que era melhor
encerrar o processo do que permitir essa ascensão constante de politização.

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A Produção Social Do Espaço Urbano No Entorno Do Açude DNOCS, Arapiraca, AL.

Foi havendo com a ação judicial combinada a ação política uma constante
politização dos movimentos. A ação ganhava gradualmente o status de
denuncia política, o que, no fim, acabou concedendo ao que deveria ter
ocorrido desde o início, visto que o juiz encerrou o processo aceitando a
argumentação de que ele não teria a competência para julgar, pois um juiz
estadual não tem competência para julgar uma causa que envolve pessoas
jurídicas da união, o DNOCS. Fato argumentado em 2015, mas que só foi
aceito em 2017. O juiz declinou a competência para a justiça federal para
que ela analise e [se] encerrou o processo.”
Ao ser perguntado se houve algum sinal por parte da gestão atual em relação ao processo que se
encerrou ou qualquer outro tipo de movimentação, o advogado declara que o processo que julga a
posse da terra, por ora, vai ter uma nova vertente na justiça federal, e que não há novo passo da
gestão atual, mas se vê, vez ou outra, a prefeitura divulgando a área por meio de eventos. Contudo,
hoje, o que vem acontecendo é uma segunda onda de judicialização que está se encaminhando para
a criminalização do movimento. Ele explica:

“Há uma onda de denúncias constantes contra os pescadores em órgãos


ambientais como Instituto do Meio Ambiente (IMA) e o Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), em relação
ao uso. Tanto que recentemente o presidente da associação dos pescadores
foi preso em flagrante porque estava pescando e sendo acusado de poluir o
lago. O que não se leva em conta são os anos em que a prefeitura deixou
que o esgoto do antigo matadouro fosse para o lago, e o esgotos dos bairros
circunvizinhos também. E não se tem notícia de ninguém sendo preso. O
próprio condomínio desmatou uma área de viveiros de garças. Vale ressaltar
que os pescadores não usam de instrumentos químicos ou elétricos e sim
técnicas artesanais que não poluem. Ou seja, começaram a multar pra
tornar a prática da pesca, a principal fonte de renda deles, inviável.”
Inaldo explana que a luta dos pescadores revelou novas questões, e que foi extremamente importante
para o despertar da sociedade e da academia, visto que novos trabalhos e dissertações foram
sucedidas. O advogado fala que os defendeu, mas não como um advogado contratado nos moldes
tradicionais ou como representante da advocacia tradicional, mas como um braço jurídico de um
movimento muito maior que envolveu politicamente uma organização social, onde foi possível fazer
descobertas sobre Arapiraca, e que “a luta deles foi muito maior do que se imaginava”.
Quando perguntado se, na época, a prefeitura ofereceu algum lugar para realocação dos moradores
que seriam, como determinava a liminar, expulsos da vila, a resposta foi que “a prefeitura não
ofereceu nenhum lugar para realocá-los, pois de acordo com a prefeitura eles não tinham direitos
processuais e por isso era para sair, simplesmente. Expulsão, sem indenização ou transferência para
qualquer área”. Ao ser perguntado sobre as condições impróprias para pesca do Lago, Inaldo
questiona o fato de que “se não é próprio para pesca, porque a Prefeitura de Arapiraca e órgãos como

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A Produção Social Do Espaço Urbano No Entorno Do Açude DNOCS, Arapiraca, AL.

a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (CODEVASF) realizam o


peixamento no açude?”
Ao ser questionado pelo fato de o ex-secretário Ivens Leão ter afirmado que apenas uma família não
tinha habitação, o advogado respondeu que isso é inverídico, visto que para poder ter atendimento
médico, os moradores pegam comprovante de residência de outros locais, visto que lá não chega
apoio. E em todas as secretarias municipais, de saúde, de meio ambiente e afins, ali é uma área escura,
não coberta por ninguém, eles são esquecidos pelo Estado.
O advogado lembra do quanto os pescadores são orgulhosos de viver do próprio trabalho e que apesar
de serem marginalizados e não assistidos, eles ficam muito felizes em ter algo para oferecer para
alguém, como uma história, um lugar para sentar e até peixe. E que, como eles precisam de pouco
para viverem, eles têm a consciência que são abastados, que tem o suficiente. Ele ainda acrescenta
que “eles deram muito mais do que receberam”.
Após essa entrevista, é possível ter a clara convicção que as carências sociais e ambientais da
comunidade local seguem ignoradas, e dão lugar aos interesses políticos e mercadológicos. O espaço
urbano que representa rotina, convivência, inquietação, que é o lugar onde a vida acontece, não deve
ser sinônimo de segregação, de exclusão, de privilégios e restrições. Mas, com infelicidade, tais
processos são vistos no entorno do Lago da Perucaba. Lá tem-se verificado investimentos direcionados
do setor público e do setor privado, e até a união de ambos (ver figura 11), a fim de promover e
articular, na perspectiva do capital incorporador, uma positiva e vantajosa aliança de interesses.
Figura 11 - Reportagem salientando a parceria do empreendimento e da Prefeitura de Arapiraca

Fonte: PREFEITURA DE ARAPIRACA, 2015


Ainda que as obrigações das políticas públicas que, em tese, são guiadas pelo Plano Diretor
Participativo (2006) e outros instrumentos básicos normativos, como o Plano Local de Habitação de
Interesse Social (2014), os quais certificam e estabelecem os compromissos sociais que o gestor do
município deve se submeter no planejamento da cidade e seu desenvolvimento, o que tem
acontecido, na realidade da Vila dos Pescadores, é a supressão de tais direitos para dar lugar aos
interesses do mercado imobiliário que é dirigido basicamente pela classe que detém de um alto poder

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A Produção Social Do Espaço Urbano No Entorno Do Açude DNOCS, Arapiraca, AL.

econômico dominante local que pretende implantar no lugar em que a comunidade está assentada,
um hotel de luxo (ver figura 12):
Figura 12 - Vista de satélite da Vila dos Pescadores onde, no projeto do bairro planejado, está
inserido um Hotel

Fonte: GOOGLEMAPS e URBIS [2018], com edição do autor, 2018.

Ao realizar uma breve retrospectiva do que foi exposto nesta seção considerando a abordagem
realizada desde o início, é de conhecimento de todos que a região do Açude DNOCS está inserida e
classificada como área de preservação e conservação ambiental, onde algumas normas precisam ser
cumpridas, e é evidente que uma ocupação deste porte gera impactos na natureza e no ponto de vista
humano. Mesmo que haja preocupação em proteger os recursos naturais da área, há descumprimento
da legislação que rege o município. E, mesmo se não houvesse as concepções legais, é preciso
considerar primeiramente os quesitos sociais e humanos.

CONCLUSÃO

Ao caracterizar a área de estudo, notou-se que o Estado, principal agente da legitimação e produção
social do espaço urbano, a Prefeitura de Arapiraca, promove conflitos, quando deveria fomentar
equidade e harmonia, de forma que minimizasse o contraste social entre as classes, e proporcionasse,
igualitariamente, condições de moradia digna e infraestrutura urbana apropriada a todos. O órgão
deveria se utilizar não só do bom senso, mas, também, efetivar os instrumentos legais municipais
existentes, além de se empenhar na formulação de novas políticas públicas socialmente eficientes e
capazes de propiciar ambientes democráticos, onde todos os indivíduos da sociedade, independente
da renda e status, se relacionem livremente.
É pertinente comentar que o empreendimento, evidenciando os seus atributos construtivos, tem
como público alvo a classe mais abastada do município. Sua localização “obedece” exatamente a todos
os critérios de exclusividade em termos de produção imobiliária de alto padrão: às margens de um
lago; próximo do centro da cidade; do shopping; de áreas verdes e de convívio; além de um extenso

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155
A Produção Social Do Espaço Urbano No Entorno Do Açude DNOCS, Arapiraca, AL.

espaço para ampliação. Mas ao conhecer de perto a realidade e os impasses que a comunidade
pesqueira tem sofrido, é inevitável que o atraente bairro planejado perca seu brilho. O Bairro
Planejado simboliza não só a segregação socioespacial, mas retrata um exemplo fidedigno de má
gestão e planejamento urbano por parte do poder público local em todas as suas formas, visto que a
pobreza urbana é excluída e expulsa dos olhos da sociedade e da mídia, e, paralelamente, se inicia um
processo de isolamento residencial das elites, um exemplo fidedigno da frase contada pelos mais
antigos “onde o rico chega, o pobre sai”.
Um cenário lamentável, pois não é justo excluir dos benefícios que são ofertados pelo
empreendimento, as famílias que não possuem condições econômicas de obter um lote na área e não
é admissível que seja direcionado somente a alguns, privilégios que deveriam ser coletivos, de toda
população arapiraquense. É incabível que para tais atribuições serem comercializadas, seja necessário
desconsiderar e excluir a comunidade residente, que tem toda uma história no lugar e que normas
inseridas na legislação do município sejam descumpridas, afim de prevalecer o interesse da classe de
capitalistas investidores, empreendedores e incorporadores.

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156
A Produção Social Do Espaço Urbano No Entorno Do Açude DNOCS, Arapiraca, AL.

REFERÊNCIAS

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Disponível em: < https://www.pmsbarapiraca.com.br>. Acesso em: 2 de set. de 2019.

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157
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 12
10.37423/200701881

A IMPORTÂNCIA DA FOTOPROTEÇÃO EM
ALUNOS DO CURSO DE AGRONOMIA: UM
RELATO DE EXPERIÊNCIA

Luiz Augusto Vieira Caetano

Isabela Leopoldino Dourado

Carla Danielle Dias Costa


A Importância Da Fotoproteção Em Alunos Do Curso De Agronomia: Um Relato De Experiência

Resumo: O câncer de pele é a neoplasia de maior incidência no Brasil atingindo em maior proporção
os profissionais que se expõem diariamente ao sol, como agricultores, agrônomos, zootecnistas,
médicos veterinários, os quais são submetidos a longos períodos de exposição solar, muitas vezes em
horários não apropriados. As técnicas de fotoproteção são ações profiláticas e paliativa diante dos
efeitos danosos da radiação UV. Nestas ações, estão inclusos o uso de protetores solares, vestimentas
protetoras e acessórios como óculos escuros, luvas, bonés e chapéus e exposição restrita à luz solar. O
presente trabalho teve como objetivo levar informação a estudantes do curso de agronomia sobre o
câncer de pele, a importância do uso de proteção solar e fotoproteção, visando a prevenção ao câncer
de pele. Trata-se de um relato de experiência desenvolvido com alunos do primeiro período do curso
de Agronomia de uma instituição pública da cidade de Ceres no estado de Goiás, entre os anos de 2018
e 2019. As ações foram elaboradas visando trabalhar assuntos relacionados ao câncer de pele. Foi
possível identificar que os mesmos possuíam baixo conhecimento sobre os temas abordados, no
entanto mostram-se altamente interessados e participativos no desenvolvimento das atividades
propostas. Ações de promoção a saúde são importantes para a comunidade pois permitem disseminar
informações sobre o câncer, além de ressaltar a importância da fotoproteção, visando a
conscientização sobre o câncer de pele e os modos de prevenção à doença.
Palavras Chave: campo; câncer de pele; ciências agrárias; proteção solar; universitários.

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A Importância Da Fotoproteção Em Alunos Do Curso De Agronomia: Um Relato De Experiência

INTRODUÇÃO

O câncer de pele é a neoplasia de maior incidência no Brasil e pode ser classificado de duas formas:
como melanoma e não melanoma. O câncer tipo não melanoma corresponde a cerca de 30% de todos
os tumores malignos registrados no país e é o mais incidente entre homens e mulheres, já o melanoma
representa apenas 3% das neoplasias malignas (BRASIL, 2018).
A pele é um órgão externo que está muito exposto aos danos da radiação ultravioleta (UV) e passa por
diversas transformações com o passar dos anos (GARBACCIO; FERREIRA; PEREIRA, 2016). O processo
de envelhecimento é inevitável onde ocorrem alterações fisiológicas que podem ser influenciadas por
fatores intrínsecos e extrínsecos (OLIVEIRA, 2016).
A exposição à radiação ultravioleta representam um fator de risco bem estabelecido para o câncer de
pele e fotoenvelhecimento, de modo que a exposição solar durante as primeiras décadas de vida
aumenta a vulnerabilidade a efeitos nocivos da radiação, o que ocorre significativamente durante a
infância (ALGHAMDI; ALAKLABI; ALQAHTANI, 2016; GÖRIG et al., 2018).
A doença apresenta diferentes linhagens, sendo as mais comuns os tipos chamados de câncer de pele
não melanoma (CPNM) é o mais frequente, responsável por cerca de 95% dos diagnósticos, trata-se
de um tumor de crescimento lento, localmente invasivo e de bom prognóstico se tratado de forma
adequada e oportuna, todavia a demora no diagnóstico pode levar a ulcerações e deformidades físicas
graves. O tipo melanoma é o menos frequente e mais grave. Nas fases iniciais é curável, mas sem
tratamento, pode implicar no surgimento de metástases que causam elevados índices de mortalidade
(AGBAI et al., 2018). O diagnóstico deve ser baseado na história e nas manifestações clínicas do
paciente, e, principalmente, no exame histopatológico da lesão (BARELLA; BLANCO; YAMANE, 2013).
Dentre os grupos de risco para o desenvolvimento do câncer de pele destacam-se os profissionais que
se expõem diariamente ao sol, como agricultores, agrônomos, zootecnistas, médicos veterinários, os
quais são submetidos a longos períodos de exposição solar, muitas vezes em horários não apropriados.
Desse modo, medidas de fotoproteção devem ser seguidas, incentivadas e utilizadas para evitar os
danos devido esta exposição (SCHALKA et al., 2014). Os jovens também devem ser alvo de
conscientização, pois usualmente são uma parcela da população que permanecem expostos ao sol por
maior tempo no cotidiano, para execução das suas atividades diárias, escolares e atividades de lazer
(RASTRELLI et al., 2014).
As técnicas de fotoproteção são ações profiláticas e terapêuticas paliativa diante dos efeitos danosos
da radiação UV. Nestas ações, estão inclusos o uso de protetores solares, vestimentas protetoras,.
alguns acessórios como óculos escuros, luvas, bonés e chapéus e exposição restrita à luz solar

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A Importância Da Fotoproteção Em Alunos Do Curso De Agronomia: Um Relato De Experiência

(BALOGH et al., 2011). De acordo com o Consenso Brasileiro de Fotoproteção, ações para a promoção
de fotoproteção para a população adulta em trabalhadores que exercem atividades ao ar livre devem
ser estimuladas pelos empregadores (SCHALKA et al., 2014).
O presente trabalho teve como objetivo levar informação a estudantes do curso de agronomia sobre
o câncer de pele, a importância do uso da proteção solar e fotoproteção, visando a prevenção ao
câncer de pele.

MATERIAIS E MÉTODOS

Este trabalho trata-se de um relato de experiência desenvolvido por um discente do curso de


Biomedicina do quarto período da Faculdade Evangélica de Ceres, orientado e supervisionado pela
coordenadora docente deste trabalho. As atividades foram realizadas com alunos matriculados no
primeiro período do curso de graduação de Agronomia de uma instituição federal da cidade de Ceres
no estado de Goiás.
Foram planejadas atividades nos anos de 2018 e 2019, de modo que a execução da intervenção
aconteceu em junho de 2019. As ações foram elaboradas visando levar informações sobre câncer de
pele, o uso de protetores solares e os demais itens de fotoproteção. O planejamento foi dividido em
três etapas:
Etapa 1: Aproximação com o tema
A busca na literatura sobre temas relacionados a proteção solar, fotoproteção e câncer de pele não
melanoma e melanoma nos bancos de dados foi de extrema importância para proporcionar ao
pesquisador maior apropriação do conteúdo que seria trabalhado, assim como segurança no
momento da intervenção.
Etapa 2: Planejamento para execução das atividades com os acadêmicos.
Levando em consideração a relevância do tema e a faixa etária dos estudantes foram elaboradas
atividades simples e estratégicas visando gerar envolvimento e prender a atenção dos acadêmicos.
Para a realização da atividade na referida instituição pública, foi realizado contato com a coordenação
do curso de Agronomia solicitando a permissão e autorização para estar em contato com a turma.
Neste momento foram estabelecidos o dia e o horário adequado para realização da intervenção, de
modo que não interferisse nas aulas ou prejudicasse o horário dos discentes.
Foi preparado uma dinâmica no aplicativo PLICKERS, com perguntas e respostas em cartões de QR
code e uma apresentação em power point. A atividade realizada com os alunos teve uma duração de
cerca de sessenta minutos.

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A Importância Da Fotoproteção Em Alunos Do Curso De Agronomia: Um Relato De Experiência

Etapa 3: Intervenção sobre câncer de pele, protetores solares e fotoproteção


No dia determinado o discente acompanhado da coordenadora do projeto esteve presente na sala de
aula, se apresentando para os alunos do curso de agronomia e explicando sobre o objetivo da
atividade. Como a participação na atividade era totalmente voluntária e foi realizada ao final do
horário de aula, os alunos que não quiseram colaborar com os pesquisadores puderam se retirar do
local sem acarretar nenhum prejuízo aos envolvidos.
Primeiramente foi aplicada uma dinâmica com o aplicativo PLICKERS, que se baseia na elaboração de
questões de múltipla escolha, as quais são respondidas por meio do scaneameto do cartão respostas,
contendo um QR code. Cada aluno que estava presente na sala de aula, recebeu um cartão respostas,
no qual tinha um código referente as alternativas A, B, C e D (Figura 1).

Figura 1: Modelo de cartão respostas apresentando QR code utilizado para verificar o conhecimento
dos alunos do primeiro período do curso de Agronomia de uma instituição federal da cidade de
Ceres – GO sobre o câncer de pele, uso de protetores solares e fotoproteção.
Fonte: Plickers.
Foram elaboradas perguntas sobre câncer de pele, frequência diária do uso de protetor solar, histórico
de câncer de pele na família, conhecimento sobre fotoproteção. Tais questões foram direcionadas aos
discentes, para que os mesmos as respondessem de acordo com o seu conhecimento sobre o tema,
utilizando o cartão resposta. Todos os cartões foram scaneados pelo celular do pesquisador,
permitindo assim identificar em tempo real os padrões de respostas.
Posteriormente a dinâmica realizou –se uma palestra (Figura 2) projetada com auxílio de data show,
que teve como objetivo levar informações aos alunos sobre assuntos como: os fatores que

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A Importância Da Fotoproteção Em Alunos Do Curso De Agronomia: Um Relato De Experiência

desencadeiam o câncer de pele, os tipos de cânceres de pele, sinais e sintomas, tipos de tratamentos,
a ação dos protetores solares, o que era fotoproteção, e como se prevenir do câncer de pele.

Figura 2: Palestra sobre câncer de pele, protetor solar e fotoproteção realizada aos discentes do
primeiro período do curso de Agronomia de uma instituição pública da cidade de Ceres – GO.
Fonte: Autoria própria.
Para finalizar a intervenção, após a exposição do tema foi feita uma demonstração de como aplicar
corretamente os protetores solares ao longo do dia.

RESULTADOS E ANÁLISES

Ao realizar a dinâmica com a ferramenta Plickers, foi evidenciado o envolvimento dos alunos com a
atividade, reagindo de maneira positiva em relação as perguntas realizadas. A utilização de recursos
tecnológicos em sala de aula, como o uso de aplicativos, combinados com metodologias ativas,
encantam os alunos, os estimulando a estudar e os fazem valorizar o processo educacional, de forma
que a utilização desses recursos digitais nos ambientes educacionais favorece aspectos importantes
para a melhoria da educação (NUNES; BESSA, 2017).
Por meio das respostas scaneadas, foi possível identificar que os mesmos possuíam baixo
conhecimento sobre tema, isso pode ser justificado pelo fato de estarem no primeiro período do curso
e ainda terem tido contato com disciplinas que possam tratar desta temática. No entanto é importante

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A Importância Da Fotoproteção Em Alunos Do Curso De Agronomia: Um Relato De Experiência

ressaltar que a grade curricular do curso de Agronomia desta instituição de ensino, não contempla
disciplinas voltadas para genética humana e suas implicações na saúde.
No desenvolvimento da palestra foi observado o interesse dos acadêmicos pelo assunto apresentado,
de forma que mantiveram atenção na apresentação e também foram participativos, interrompendo o
estudante ao longo exposição para tirarem duvidas. Após o termino desta etapa foi aberto um período
de discussão, no qual foram feitos mais questionamentos, além disso, alguns alunos partilharem
situações que já presenciaram relacionadas sobre a exposição ao sol, casos de câncer em familiares.
A extensão universitária é uma forma de interação que deve existir entre a universidade e a
comunidade na qual ela está inserida, uma espécie de ponte permanente entre a universidade e os
diversos setores da sociedade (NUNES; SILVA, 2011).
Ao longo da exposição foram abordados temas como câncer de pele, sinais e sintomas, tratamento,
protetores solares, fotoproteção e prevenção, visto que tai assuntos são assuntos importantes para o
grupo em questão, devido as condições diárias de exposição. Uma situação interessante é que embora
tenham apresentado baixo conhecimento sobre fotoproteção, na atividade inicial, alguns dos
estudantes que estavam presentes na sala de aula já faziam o uso de itens como boné, camisa de
manga longa, sendo assim acredita-se que em algum momento da vida obtiveram informações
referente a importância da proteção a exposição solar. Vale ressaltar que o método de fotoproteção
química, com o uso do protetor solar, também é uma estratégia eficaz para reduzir os agravos
à saúde provocados pela radiação ultravioleta a qual estão expostos esses trabalhadores (VITOR
et al., 2008).
Durante a execução de toda a intervenção a professora da turma esteve presente na sala de aula e ao
final da ação, a mesma emitiu um feedback positivo para os presentes, ressaltando a importância da
atividade, assim como propondo continuidade da proposta, porém com alunos de outros períodos.
Tal atitude foi suficiente para deixar claro, que ações como estas são necessárias e permitiu ao
estudante do curso de Biomedicina vivenciar de forma positiva esta experiência e levar conhecimento
para toda a comunidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da elaboração e execução deste projeto foi possível vivenciar experiências muito significativas
para a formação pessoal e profissional do pesquisador, visto que foi necessário o processo de
aproximação com o tema a ser trabalhado, a busca por metodologias a serem trabalhadas de acordo

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164
A Importância Da Fotoproteção Em Alunos Do Curso De Agronomia: Um Relato De Experiência

com o perfil dos alunos e principalmente o contato com a comunidade, levando conhecimento
científico de qualidade a alunos de outra área.
Foi possível identificar que atividades como estas não acontecem regularmente no curso de
Agronomia da instituição e embora tenham sido utilizadas metodologias simples e dinâmicas, foi
possível levar informações relevantes para os alunos, visando ressaltar a importância da fotoproteção
e também promover conscientização dos mesmos sobre o câncer de pele, visando a prevenção do
desenvolvimento desta doença.
Através da elaboração dos materiais, a execução das atividades propostas e o feedback positivo dos
alunos e professora do curso sobre a ação realizada, foi de grande satisfação para o discente poder
contribuir com os mesmos, de modo a potencializar a importância do profissional Biomédico em ações
de atenção primária em toda comunidade.

AGRADECIMENTOS

Aos discentes do curso de Agronomia, ao coordenador do curso de Agronomia e Associação Educativa


Evangélica.

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Os autores L.A.V.C e I.L.D. planejaram o projeto, executaram e escreveram o texto final como alunos
de iniciação científica voluntária e C.D.D.C atuou como coordenador e orientador dos bolsistas, assim
como colaborou na escrita do texto final.

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A Importância Da Fotoproteção Em Alunos Do Curso De Agronomia: Um Relato De Experiência

REFERÊNCIAS

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166
A Importância Da Fotoproteção Em Alunos Do Curso De Agronomia: Um Relato De Experiência

OLIVEIRA, T. S. Rejuvenescimento da pele por meio da utilização do laser – Uma revisão sistemática
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167
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 13
10.37423/200701899

A CULTURA DAS ESCOLAS DE SAMBA CARIOCA:


UNIDOS DA TIJUCA - SEGREDOS E MISTÉRIOS
NOS DESFILES DO SÉCULO XXI

Marcus Paulo de Oliveira

Cristina da Conceição Silva

Patricia Luisa Nogueira Rangel


A Cultura Das Escolas De Samba Carioca: Unidos Da Tijuca - Segredos E Mistérios Nos Desfiles Do Século XXI

Resumo: O presente artigo busca evidenciar a cultura carioca a partir do surgimento das escolas de
samba, mostrando que advém de grupos carnavalescos que, no passado, existiam na cidade do Rio de
Janeiro e, pelas ruas da cidade, desfilavam nos dias de Momo. Essa pesquisa se deu através de reuniões
de grupos de estudos entre pesquisadores da cultura negra carioca, que, através de leituras,
sistematizaram os artigo em pauta. Nesse contexto, o carnaval se apresenta como uma cultura turística
da cidade que marcou, e ainda marca, a festa de Momo da cidade do Rio de Janeiro. Assim sendo
ressaltamos que o carnaval principiou há milhares de anos, mas só alcançou a harmonia perfeita há
menos de um século no Rio de Janeiro, quando encontrou suas protagonistas ideais: as escolas de
samba. Ao nascerem as primeiras escolas, aproveitavam os festejos de Momo para desfilar pelas ruas
da cidade de maneira espontânea e amadora. A evolução desses desfiles resultou na maior festa
popular do planeta, um espetáculo midiático e luxuoso. Hoje, essas agremiações são consideradas
Patrimônio Cultural Carioca e a passagem delas pela Marquês de Sapucaí (Sambódromo) é vista por
milhões de pessoas em todo o mundo. Nesse contexto, nasce a Escola de Samba Unidos da Tijuca, que,
em seus primórdios, reunia no terreiro da Família Vasconcelos, que ficava na subida da Rua São Miguel,
número 130 - casa 20. Nesse endereço, foi decidido a criação da primeira escola de samba da
localidade, a Unidos da Tijuca. Essa agremiação e seus enredos emblemáticos trouxeram uma nova
roupagem para os desfiles da Marques de Sapucaí, a partir da primeira década do século XXI, de forma
a mudar o conceito de comissão de frente no contexto dos desfiles de Carnaval da cidade do Rio de
Janeiro.E com a comissão de frente dos enredos “È Segredo” e “Essa Noite levarei sua alma”, a
agremiação Tijucana consagrou a si e os desfiles carnavalesco carioca.
Palavras Chave: Carnaval – Unidos da Tijuca – Enredo - Comissões de Frente

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A Cultura Das Escolas De Samba Carioca: Unidos Da Tijuca - Segredos E Mistérios Nos Desfiles Do Século XXI

INTRODUÇÃO

A temática em pauta visa tratar da história das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, que tem sua matriz
nos Ranchos, Grandes Sociedades e Blocos Carnavalescos. Elas se constituem como um grupo de
entretenimento que se fez resistente nos anos 20 do século XXI. Sua história se entrelaça com a história
dos pobres e negros que desfilavam nas ruas da cidade carioca, renegados pela elite que consideravam
a cultura dos grupos de pertença étnica afrodescendente não aceitável. É nessa ambiência que nasceu
as Escolas de Samba carioca, que, com o tempo, organizaram-se a ponto de participarem de concursos
competitivos entre em si. Assim sendo, a escola de samba Unidos da Tijuca, seguindo o caminho dos
nichos pobres e populares de suas co-irmãs, estabeleceu-se no bairro tijucano e conquistou seu espaço
com enredos ilusitados, retratados e representados de forma impactante pelas comissões de frente
dos desfiles dos anos de 2010 e 2011.
Nesse sentido, esse artigo teve sua iniciativa através de encontros com grupos de pesquisa, que
voltaram a atenção para as temáticas relacionadas à diversidade, à etnia e à religiosidade. Tem como
objetivo observar a cultura popular e sua força no cenário carioca , bem como os impactos que ela
provoca na cidade, de forma que atrai o turismo em massa. Deste modo, temos como questão de
investigação: Como as práticas carnavalescas se reinvintaram ao longo do século XX até a atualidade?
Assim sendo, temos, como metodologia, contribuições de literaturas que versam sobre o teor dessa
pesquisa, bem como o Caderno Abre Alas da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro
e observações dos desfiles de carnaval do século XXI nos vídeos. Como aportes literários, usamos Simas
(2016), Spinola (2012), Barros et all (2010; 2011), entre outros, que foram de suma importância para
o desenvolvimento desse artigo.
Outrossim, essa investigação se justifica tendo em vista que buscamos evidenciar uma temática que
ainda se apresenta no universo acadêmico de forma tímida, uma vez que a discussão acerca da mesma
vem se edificando gradativamente no contexto universitário.

ASSIM SURGEM AS ESCOLAS DE SAMBA

Segundo Simas (2016), histórica e socialmente falando, as Escolas de Samba são produtos das
modificações de manifestações culturais do carnaval carioca, coligada ao surgimento do Samba
moderno. As escolas tem como marco histórico de surgimento o ano de 1928.
Na segunda metade do século XIX, havia, no Rio de Janeiro, as chamadas Grandes Sociedades
Carnavalescas ou clubes sociais, que agenciavam festas diversas, e, na época de carnaval, antes do

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A Cultura Das Escolas De Samba Carioca: Unidos Da Tijuca - Segredos E Mistérios Nos Desfiles Do Século XXI

advento das escolas de samba, instituíam cortejos carnavalescos ou desfiles pelas ruas do Rio de
Janeiro com uso de alegorias e, geralmente, fazendo sátiras ao governo.
Na época, essas antigas "sociedades" ou clubes, que noticiavam os cortejos ou desfiles concorriam
entre si, eram a atração predominante do antigo carnaval carioca. No entanto, os membros das grandes
sociedades eram compostos pela elite da cidade (SIMAS, 2016). Por outro lado, existiram os antigos
Cordões Carnavalescos, assim como os Ranchos, cujos participantes vinham das camadas populares.
No entanto, essas tradições e manifestações, que um dia foram a principal atração do carnaval carioca,
desapareceram, tendo as Escolas de Samba ocupado seu lugar.
Alguns historiadores do carnaval tomam como base para o nascimento das Escolas de Samba a
fundação da "Deixa Falar", atual Grêmio Recreativo Escola de Samba Estácio de Sá, no ano de 1928,
fundada por Sambistas do Estácio, entre eles, Ismael Silva . A idéia era inventar um bloco de carnaval
distinto, que dançasse e evoluisse ao som de Samba, diferentemente dos Ranchos, que dançavam e
evoluiam ao som das marchas-rancho e que usavam também insturmentos de sopro e metal, além de
tocar em ritmo mais pausado e diferente. As Escolas de Samba não usavam instrumentos de sopro e
começaram a fazer a diferenças no ritmo, como observa Simas (2016).
Cabe ressaltar que, na década de 1920, a cidade Rio de Janeiro foi abalizada por um dilema que
envolveu as camadas populares urbanas – sobretudo as comunidades afrodescendentes – e o Estado
Republicano. Enquanto os negros procuravam pavimentar caminhos de aceitação social, o Estado
procurava disciplinar as manifestações culturais das camadas populares – uma forma meditada
eficiente para controlá-las. E foi desse intercâmbio entre o interesse regulador do Estado e o desejo de
aceitação social das camadas populares urbanas que brotaram as primeiras escolas de samba.

As agremiações pioneiras se formaram de um amálgama de diversas


referências: a herança festiva dos cortejos processionais, a tradição
carnavalesca de ranchos, blocos e cordões e os sons das macumbas, dos
batuques e dos sambas cariocas (SIMAS, 2016, p.02)
Consagrou-se a variante de que o emprego do termo “escola de samba” teria sido um alvitre do cantor
e compositor Ismael Silva para instituir a Deixa Falar, agremiação sediada no Estácio de Sá, bairro na
região central do Rio. Essa versão, entretanto, era de difícil aceitação. A mais aceitável era a forma
como o famoso rancho de nome Ameno Resedá designava – Rancho Escola, assim aduz Simas (2016).

Em 1930, cinco agremiações se definiam como escolas de samba: Estação


Primeira de Mangueira, Oswaldo Cruz, Vizinha Faladeira, Para o Ano Sai
Melhor e Cada Ano Sai Melhor. Sobre a Mangueira, Cartola, um de seus
fundadores, afirmava que a escola fora criada no dia 28 de abril de 1928.
Entretanto, o jornalista Sérgio Cabral encontrou, entre os pertences do
radialista Almirante, um papel timbrado que afirmava ter a Mangueira sido

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A Cultura Das Escolas De Samba Carioca: Unidos Da Tijuca - Segredos E Mistérios Nos Desfiles Do Século XXI

criada em 28 de abril de 1929 – um ano depois, portanto, da data apontada


por Cartola (SIMAS, 2016, p.03).
A despeito da controvérsia sobre a data da fundação, conforme relata o autor, o que se sabe é que a
ocupação do Morro da Mangueira, datada do final do século XIX, apressou-se, no início da década de
1920, com a chegada de muitos moradores expulsos do Morro do Castelo, que acabara de ser
demolido no centro do Rio. A tradição dos batuques afro-brasileiros era muito forte desde os
primórdios da ocupação do morro. Uma das principais lideranças da Mangueira, nos tempos em que
a escola começou a ser gestada, foi Tia Fé, respeitada mãe de santo e matriarca do samba
mangueirense.
No final dos anos 20 do século XX, o alufá, sacerdote de um culto que misturava o islamismo com a
devoção aos orixás iorubanos, José Espinguela, constituiu as duas primeiras disputas entre sambistas
das escolas. Não fora ainda um desfile em cortejo: o concurso de Espinguela visava julgar apenas os
sambas que os compositores das escolas faziam.
A primeira disputa entre as escolas de samba com o evento de um pequeno cortejo aconteceu em
1932. A festa foi apadrinhada pelo jornal Mundo Sportivo, dirigido por Mário Filho, jornalista que
contribuiu, terminantemente, para que o samba e o futebol conquistassem de vez as ruas do Rio de
Janeiro. O concurso contou com a participação de 19 agremiações, que desfilaram em frente a um
coreto montado na Praça Onze de Junho.
O júri, formado por Álvaro Moreira, Eugênia Moreira, Orestes Barbosa,
Raimundo Magalhães Júnior, José Lira, Fernando Costa e J. Reis, premiou
quatro escolas: Mangueira, Vai como Pode – nome adotado pela Oswaldo
Cruz antes de virar Portela –, Para o Ano Sai Melhor e Unidos da Tijuca
(SIMAS, 2016, p.04).
Segundo o regulamento, as agremiações não tinham nenhum comprometimento em criar sambas
pautados a um enredo. Cada escola poderia apresentar até três sambas com temática livre. A vitoriosa
Mangueira cantou dois: “Pudesse Meu Ideal” de Cartola e Carlos Cachaça, e “Sorri” de Gradim.
Poucos poderiam supor que, naquele início da década de 1930, estaria sendo gestado o evento que
acabaria se consagrando como o maior conjunto de manifestações artísticas simultâneas do planeta,
além de contribuir com a receita da cidade através do turismo: o desfile das escolas de samba do Rio
de Janeiro. Nesse contexto, Cartola, assim como Paulo da Portela, Heitor dos Prazeres, Antenor
Gargalhada do Salgueiro e tantos outros, teve seu nome inscrito na história da cultura brasileira como
um de seus geniais criadores, conforme destaca Simas(2016).

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A Cultura Das Escolas De Samba Carioca: Unidos Da Tijuca - Segredos E Mistérios Nos Desfiles Do Século XXI

UNIDOS DA TIJUCA: SUAS RAÍZES NO MORRO DO BOREL

No bairro da Tijuca, na Zona Norte da cidade carioca, a cadeia montanhosa, a partir do século XX,
passou a ser habitada por escravos alforriados e seus descendentes. Na mesma época, no complexo
de morros do Borel, também se instalaram as famílias dos fundadores da Unidos da Tijuca – os Moraes,
os Chagas, os Santos e os Vasconcelos, como declara Spinola (2012).
O Morro do Salgueiro foi a primeira favela da Tijuca. Logo depois, surgiram o Morro do Borel e o Morro
da Formiga. Em 1921, os morros da Tijuca começaram a ser ocupados pela população removida do
Centro da cidade com a reforma urbanística do prefeito Pereira Passos. O Morro do Borel herdou o
sobrenome de dois irmãos franceses, da família Boreu Meuron, donos da Grande Fábrica de Cigarros,
Fumos e Rapé de Borel & Cia, localizada na subida da favela.
Durante muitos anos, a Unidos da Tijuca esteve sediada no Morro do Borel. Em 1988, devido à
violência no morro, a escola mudou sua quadra para o bairro de Santo Cristo, na Zona Portuária do
Rio. Em 2006, o espaço da antiga sede, no Morro do Borel, foi reativado com a instalação da ONG
Instituto Cidadania. Apesar de ter sido fundada no Borel e ter sua quadra em Santo Cristo, a escola de
samba foi criada para representar todo o bairro da Tijuca. O local é berço de diversas personalidades,
como Aldir Blanc, Bibi Ferreira, Ed Motta, Erasmo Carlos, Lamartine Babo, MC Nego do Borel, Milton
Nascimento, Tim Maia, Tom Jobim, entre outros. Também é o único bairro do Rio que tem hino,
brasão, bandeira e gentílico ("tijucano"). A agremiação homenageou a Tijuca no carnaval de 1969, com
o enredo "Tijuca sempre jovem, assim aduzem Bastos (2010) e Spinola (2012).
Os autores apontam que o Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos da Tijuca foi fundado em 31 de
dezembro de 1931, sendo a quarta escola de samba a ser fundada depois de Deixa Falar, Portela e
Mangueira. A agremiação foi criada a partir da fusão de quatro blocos existentes nos morros da Casa
Branca, Formiga, Borel e Ilha dos Velhacos: o Bloco do Velho Ismael Francisco e Dona Blandira (da
família Moraes); o Bloco do Velho Pacífico (da família Vasconcelos); o Bloco do Caroço (da Ilha dos
Velhacos) e o Bloco de Dona Amélia (do Morro da Formiga). Apesar de abrigar terreiros de samba e
blocos carnavalescos, a Tijuca não possuía uma escola de samba. Com isso, sambistas e foliões da
região se reuniram no terreiro da Família Vasconcelos, na subida da Rua São Miguel, número 130, casa
20, e decidiram criar a primeira escola de samba da localidade.
O nome "Unidos da Tijuca", como observa Spinola (2012), faz referência à união de blocos da Tijuca
para fundar a primeira escola de samba da localidade. Inicialmente, o símbolo da agremiação consistia
em duas mãos entrelaçadas e circundadas por dois ramos, um de café (em referência à época em que
a Tijuca era conhecida como "área do café", no Século XIX) e outro de fumo (referência à fábrica de

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A Cultura Das Escolas De Samba Carioca: Unidos Da Tijuca - Segredos E Mistérios Nos Desfiles Do Século XXI

cigarros da região); e a inscrição "UT" (abreviação de Unidos da Tijuca). A partir de 1984, a escola
adotou, como símbolo, o pavão real.
Há duas versões, segundo Bastos (2010) e Spinola (2012), para a escolha do símbolo. A primeira
também sustenta uma inspiração na Fábrica dos Irmãos Borel, que teria as embalagens de seus
produtos com a impressão de um pavão real. A segunda versão indica que, durante os preparativos
para o carnaval de 1984, o pavão era utilizado como símbolo do enredo nas camisetas dos
componentes, quando o compositor Carlinhos Melodia sugeriu, ao então, presidente da escola, Luis
Carlos Cruz, que fosse colocado o pavão no carro abre-alas do desfile. A sugestão foi aceita e, a partir
desse momento, o animal se tornou o símbolo maior da agremiação tijucana.
Desde sua fundação, a agremiação tem como cores o azul e o amarelo-ouro. Ambas escolhas são
atribuídas à Bento Vasconcelos, um dos fundadores da escola. Também há duas versões para a escolha
das cores. Uma versão sustenta que foram adotadas as cores utilizadas pela Grande Fábrica de
Cigarros, Fumos e Rapé de Borel & Cia, localizada no Morro do Borel, para embalar seus produtos. A
outra versão aponta para uma inspiração na Casa de Bragança. As cores usadas pela Corte Imperial
significavam prova de bom gosto em suas vestimentas, de acordo com Bastos (2010) e Spinola (2012).
Fernandes (2001) expõe que a escola de samba, um dos maiores espetáculos festivos da modernidade,
é uma criação cultural popular inventada e organizada por grupos sociais das favelas, subúrbios e
bairros populares do Rio de Janeiro no final da década de 1920. Quando as Escolas de Sambas
surgiram, o carnaval carioca já era um evento célebre internacionalmente. Em grande parte, era
dominado por manifestações como as grandes sociedades e o corso, arquitetados e comandados pelas
classes superiores da capital do Brasil. Os criadores das escolas de samba não tinham um palco festivo
destinado a eles, desciam dos morros e subúrbios para ocupar espaços na cidade carioca com seus
espetáculos.
Nos subúrbios e favelas do Rio de Janeiro, as escolas de samba demonstram as possibilidades
existentes entre os homens e o meio ambiente, uma vez que através dessas comunidades segregadas,
esses homens se uniram em prol de sua cultura. Tal aglutinação deu a esses homens vozes, ganhando
visibilidade através de uma expressão festiva, que aos poucos ganharam o direito a exibirem sua
cultura na cidade carioca. E o samba acaba por ser difundido como uma das representações mais
clássicas desta cidade e da nação (FERNANDES, 2001).
Por essas razões, o caminho bem-sucedido das escolas de samba serve de artifício para as classes
dominantes lançarem mão do discurso de raiz e de mito da democracia racial no Brasil.

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A Cultura Das Escolas De Samba Carioca: Unidos Da Tijuca - Segredos E Mistérios Nos Desfiles Do Século XXI

Empreendendo nessa busca, pudemos constatar, principalmente, a partir de Martin-Barbero (1998),


que, depois de ser descoberta pelos românticos, no final do século XVII, a cultura popular evoluiu
seguindo um curso de diluição entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX,
sobretudo pela emergência do conceito de classe social no pensamento marxista e de massa no
discurso da direita. Além do mais, neste período a ideia de povo estava inteiramente associada ao
Estado nacional moderno como mostra Hobsbawm (2013). “Entretanto, tal dissolução só não foi
completa porque o anarquismo, com seus traços de romantismo, valorizou a cultura popular, suas
músicas e festas e não desdenhou suas crenças religiosas” (FERNANDES, 2001, p.28).

OS ENREDOS “É SEGREDO” E “ESTA NOITE LEVAREI SUA ALMA” E SUAS MÍSTICAS

O enredo é uma peça literária, uma definição ou prospecção escrita daquilo que a escola mostrará na
avenida. Nesse ponto há certa tensão com aquilo habitualmente identificado com “linguagem
carnavalesca”, de caráter ordinalmente libertário e revolucionário, como descreve Araújo(2010) .
Os temas dos enredos são muito variados. E podem ser distinguir pelo
menos os seguintes tipos: histórico, literário, folclórico, homenagem à
personalidade/biográfico, metalinguístico, geográfico, de crítica social, de
humor, abstrato ou conceitual, sobre objetos, esportivo, de temática
infantil, de temática afro-brasileira, de temática indígena e de patrocínio
(ARAÚJO, 2010, p.151).
Alguns enredos, de acordo com o autor, podem se colocar em mais de uma categoria. Comumente,
quando há uma pesquisa complexa, o idealizador, que pode ser o carnavalesco e/ou comissão de
carnaval, por não ter muita intimidade com o processo de pesquisa e formatação escrita do enredo,
delega a tarefa a terceiros – em geral, estudantes universitários e/ou professores de história,
geografia e outras ciências humanas com mais domínio da escrita técnica.
A participação satisfatória no desfile do grupo especial requer
aprofundamentos sofisticados nos vários itens que compõem o
regulamento, desde a pesquisa do enredo (que deve ser“original”) a seu
desenvolvimento, roteiro, desenho e projetos de fantasias e alegorias e a
contratação de inúmeros técnicos eartesãos especializados (ARAÚJO, 2010,
p. 155).
No caso de um enredo “simbólico”, Araújo (2010) identifica que o domínio conceitual cabe
exclusivamente ao carnavalesco, profissional polivalente, que atua em várias frentes do processo de
criação,produção, mediação e performance artística. A tradição, principiada por Fernando Pamplona,
João Trinta e Arlindo Rodrigues entre as décadas de 1960 e 1970, demonstra que esse profissional não
desempenha apenas o papel de artista plástico, mas assume ainda funções de pesquisador, escritor,
diretor de espetáculo e relações públicas – e, de modo recente, de agente captador de recursos (a
partir de um “enredo patrocinável”).

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A Cultura Das Escolas De Samba Carioca: Unidos Da Tijuca - Segredos E Mistérios Nos Desfiles Do Século XXI

No quesito enredo, desde a década de 1960, a Sapucaí tem sido palco de verdadeiras demonstrações
de virtuosas pesquisas históricas e reconstruções de época (tanto em cenografia quanto em
indumentária). Tudo sendo abalizado em prospectos escritos que flertam, espontaneamente, com o
mundo da pesquisa acadêmica – o mundo letrado da língua escrita, do capital escolar e universitário,
como observa Araújo (2010).
Nesse contexto dois enredos da Unidos da Tijuca, declaram Barros et al (2010), impactaram o público
da Marquês de Sapucaí, como é o caso do enredo “É Segredo”. Trata-se de um enredo simbólico que,
em sua narrativa, defendeu que por trás de um segredo, sempre existe um desejo inconfessável.
Desejo esse de quem esconde ou de quem procura revelá-lo.
O enredo descreveu que, através de marcas profissionais dos pesquisadores, arqueólogos, detetives,
histórias e objetos, são revirados, investigados. Eles estão atentos a cada detalhe e, assim, juntam
pedaços, levantam dados, analisam informações, quebram cadeados, códigos secretos e senhas,
abrem portas para penetrar no desconhecido. No entanto, esse espiríto investigativo não se satisfaz
jamais, uma vez que esses profissionais não acreditam que as coisas possam desaparecer ou surgir de
modo repentino. E para eles nada são descritos sem que se consigam decodificar o mistério ou
encontrar a resposta.
Enfim, o segredo é a alma do negócio! Ele pode criar enigma, charada, ilusão e ainda pode provocar
o instinto dos inconformados, dos cientistas, dos investigadores, do público, dos curiosos e dos
concorrentes. O segredo ainda pode, acima de tudo, ocultar para que não se perca o encanto, a magia
de acender o incessante desejo da procura. E assim, a escola, através de um tema enigmático,
evidenciou muitas formas de segredos e apresentou o seu maior segredo que foi a troca de roupa da
comissão de frente em plena avenida, como observam Barros et all (2010).
De acordo com Barros et all (2011), o enredo “Esta Noite Levarei Sua Alma” apresentou o medo
através do cinema. Foi um enredo que buscou uma super produção, contando com a participação
especial de Caronte, como fio condutor, o barqueiro da morte que abriu o desfile.
Esse personagem da mitologia, filho de Nix, a noite, atravessa as almas em
sua barca, pelo rio Aqueronte, caminho que conduz até o Hades, mundo
inferior grego para onde vão os mortos. O filme exibido pela Tijuca incita o
público a rever cenas e filmes inesquecíveis.( BARROS ET ALL, 2011, p.182)
O enredo trouxe ainda algumas das mais instigantes ideias que inspiraram os grandes cineastas, que
se alimentaram de desejos e atitudes que fazem parte da natureza humana, como o medo. Figuras
dramáticas incríveis e lugares extraordinários, eternizados pela produção cinematográfica, que levam
milhares de espectadores a lotar as salas de cinema, materializaram-se no desfile da escola tijucana.

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A Cultura Das Escolas De Samba Carioca: Unidos Da Tijuca - Segredos E Mistérios Nos Desfiles Do Século XXI

E desta forma, a Tijuca transformou a Passarela do Samba em uma grande sala de exibição para
mostrar como a imaginação é capaz de fazer com que o medo também divirta.
Nessa ambiência, foram elencadas histórias de conquista, fundamentadas em fatos reais, que foram
recriadas na tela para que fossem vivenciadas centenas de anos depois, emocionando, assim,
gerações. Apaixonados por cinema, milhares de pessoas embarcam nas aventuras concebidas por
mentes criativas, capazes de inventar mundos e guerras intergalácticas. A sede pela conquista do
poder, na realidade ou na ficção, inspirou clássicos sobre guerras e destruição, que também se
apresentaram na literatura do enredo da Unidos da Tijuca, conforme menciona Barros et all (2011).
Nessa ambiência a comissão de frente da Unidos da Tijuca fez com que o público viesse ao delírio com
as cabeças que caíam de seus pescoços e eram seguradas pelas mãos, mas continuavam a movimentar
a boca. Nesse contexto, os enredos já citamos anteriormente são peças literárias, que com muita
criatividade foram capazes de evidenciar segredos e medos, que assolam a vida humana. Ademais, as
plásticas e o modo como as comissões de frente se apresentaram, nesses desfiles, incentivaram
algumas mudanças nesses quesitos, durante o século XXI, interferindo nos desfiles das demais escolas
do grupo especial na Avenida Marquês na Sapucaí.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As escolas de samba fazem parte da cultura carioca e têm seu reconhecimento dentro e fora do
cenário brasileiro. Sua constituição faz parte de um movimento de luta das camadas populares e elas
alcançaram todas as classes sociais que, na atualidade, contemplam-nas. Assim sendo podemos
observar, nesse artigo, que, ao longo do século XX até a contemporaneidade, as escolas de samba,
através de suas plásticas. enredos e apresentações, reinventaram-se a partir da inventividade e da
resistência das classes populares, especialmente, dos afrodescendentes. A desenvoltura do carnaval
carioca fez com que as escolas de samba, nascidas em ambientes simples e de forma artesanal,
alcançassem o estrelato mundialmente, atraindo turismo para a cidade do Rio de Janeiro.
Nessa ambiência simples, nasceu a Escola de Samba Unidos da Tijuca, que tem sua história marcada
pela criatividade dos moradores de classe popular do bairro da Tijuca, que, outrora, ao unirem forças,
dderam vida a uma agremiação que se fez grande ao longo das décadas. E essa agremiação, de forma
criativa e destemida, trouxe para o carnaval carioca, através de suas comissões de frente nos anos de
2010 e 2011, inovações que ainda não tinham sido vistas no cenário do carnaval. Dessa maneira,
impactaram e transformaram o conceito de comissão de frente, que de simplesmente abrir o desfile
e apresentar a agremiação, também dialoga com o enredo de forma efetiva e marcante.Tais

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características fizeram com que muitas outras agremiações repensassem a abertura de seus desfiles
com suas comissões de frente, além de movimentar o interesse pelo espetáculo carioca de forma
atrair públicos de várias partes do mundo.

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A Cultura Das Escolas De Samba Carioca: Unidos Da Tijuca - Segredos E Mistérios Nos Desfiles Do Século XXI

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARAL, Marly Spinola do (2012). Tijuca!!!: não é segredo eu amar você! 1.ª ed. Rio de Janeiro: Marly
Spinola do Amaral. ISBN 978-85-913233-0-2

ARAÚJO, Eugênio Os temas-enredos das pequenas escolas de samba cariocas cultura e arte populares,
Rio de Janeiro, v.7, n.2, p. 149-164, nov. 2010

AUGRAS, Monique. O Brasil do samba-enredo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,1998

BARROS PAULO, Azevedo Isabel, TRINDADE Ana Paula e MARTINS Simone. Abre Alas. Rio de
Janeiro:LIESA ,2010

__________________________. Abre Alas. Rio de Janeiro: LIESA ,2011.

BASTOS, João. Acadêmicos, unidos e tantas mais - Entendendo os desfiles e como tudo começou . Rio
de Janeiro: Folha Seca, (2010).

FERNANDES, Nelson Nobrega. Escolas de Samba: Sujeitos celebrantes e objetos celebrados. RJ:
Coleção Biblioteca Carioca, 2001

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. 2ª ed. São Paulo: Ed. Centauro,
2013.

REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS

KASAHARAIvan.Ahistóriadosdesfilesdasescolasdesamba.Disponívelemhttp://www.multirio.rj.gov.br/i
ndex.php/leia/reportagensartigos/reportagens/8651-a-historia-dos-desfiles-das-escolas-
desambaAcessoem12/05/2019

SIMASLuizAntonio.Aorigemdasescolasdesamba,2016Disponívelemhttp://www.itaucultural.org.br/oc
upacao/cartola/palacio-do-samba/?content_link=2 Acesso em 10/04/19

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Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 14
10.37423/200701913

ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA: UM ESTUDO DE


CASO SOBRE VARIAÇÃO DE TERMOS NA FALA
DE ESTUDANTES.

S. R. R. Barros

M. V. dos Santos

E. C. F. Luquetti
Análise Sociolinguística: Um Estudo De Caso Sobre Variação De Termos Na Fala De Estudantes.

Resumo: Linguagem, cultura e sociedade, de acordo com Labov (1972), são fenômenos indissociáveis
e sua origem se dá de maneira multidisciplinar, agregando outras áreas como a sociologia,
antropologia, neurociência, semiótica (REBOUÇAS; COSTA, 2014). Nesta pesquisa, tem-se como esteio
conceitos Labovianos a respeito da língua, a qual o autor considera “sistema evolutivo e heterogêneo”
(LABOV, 1972, p.187), onde sua principal proposta, a Teoria da Variação e da Mudança Linguística, tem
por finalidade estudar a língua em comunidades de fala, analisando o contexto social (sexo, faixa etária,
escolaridade, entre outros). Pretende-se, portanto, estruturar o reflexo das variações sociais e mapear
o uso das formas “nós” e “a gente” presente na cidade de Campos dos Goytacazes, RJ. A investigação
dos dados fez-se a partir das variações sociais: (i) sexo; (ii) idade; (iii) escolaridade, com objetivando
verificar se tais variações sociais podem refletir no modo de fala dos sujeitos e se é observado certo
padrão linguístico. Utiliza-se da ferramenta de banco de dados denominada “CORPUS: A língua falada
e escrita na região Norte-Noroeste Fluminense”, desenvolvida pelo Núcleo Linguagem e Educação –
UENF. Ao total, foram analisadas respostas de 54 alunos. Os dados verificados foram capazes de
mostrar que a preferência de uso de “a gente” em detrimento do uso de “nós” ocorre em grupos
socialmente diferentes, de maneira acentuada. O fenômeno de variação entre essas duas formas, na
cidade de Campos dos Goytacazes, prevê um processo de mudança em desenvolvimento, de maneira
que o uso de “a gente” se destaca sem que o sentido da fala seja prejudicado.
Palavras-Chave: Sociolinguística. Teoria Variacionista. Mudança Linguística.

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Análise Sociolinguística: Um Estudo De Caso Sobre Variação De Termos Na Fala De Estudantes.

INTRODUÇÃO

Os estudos no campo da linguagem e sociedade tem comprovado que ambas andam lado a lado
durante toda a história da humanidade, seja através dos símbolos encontrados em fósseis nos estudos
da arqueologia, seja através de ideogramas que antecederam a escrita alfabética, a sociedade sempre
buscou se inter-relacionar a fim de alcançar a compreensão de seus instintos e desejos. Pode-se dizer
que a história da linguagem se confunde com a história das sociedades humanas.
Um renomado linguista e filósofo suíço, denominado Ferdinand de Saussure (1857-1913) contribuiu
fortemente para o posicionamento da linguística enquanto ciência entre os séculos XIX e XX e a
delimitou como objeto de estudo tomando importantes nomes da sociologia como base de suas
análises, como por exemplo, o alemão Karl Marx (1767-1883) e o francês Émile Durkheim (1858-1917).
Os conceitos linguísticos Saussureanos não são frutos do acaso, justamente por isto, este autor é
considerado o pai da linguística e grande influenciador das análises da linguagem.
Segundo F. Saussure, a língua nada mais é que um sistema de valores puros e a insere como fato social,
produto da coletividade adquirido pelos indivíduos no convívio social. Segundo Saussure, a língua "é
um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas
pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos" (Saussure, 2006, p.17).
Além disso, considera a língua como o objeto intermediário necessário entre o pensamento humano
e os sons, e que, sem ela, não haveria “nem materialização do pensamento, nem espiritualização do
som”. Ele conceitua também a linguagem como faculdade natural que permite ao homem constituir
uma determinada língua (Saussure, 2006, p.131).
Outra contribuição veio a posteriori, através de Émile Benveniste (1902-1976), linguista francês, que
promoveu a expansão dos conceitos de Saussure, defendendo a língua como manifestação concreta
da faculdade humana da linguagem, acrescentando ainda que língua e sociedade não podem estar
dissociadas. Segundo este autor, a língua é uma ferramenta de análise da sociedade: descreve,
conceitua, interpreta tanto a natureza quanto à experiência (Benveniste, 1989 [1968]). Interessante
citar que para Saussure, ao longo do progresso de uma determinada língua, é possível ocorrer
alterações sobre a mesma caso esta esteja exposta a duas forças simultaneamente: a massa de falantes
e o tempo. Esta massa de falantes pode ser composta por gerações variadas que se encontram e
convivem em determinado tempo ou não (RODRIGUES, 2008).
De fato, a visão estruturalista de Saussure elevou a linguística a uma posição de campo científico pleno,
entretanto, esta perspectiva não valorizava características sociais e fatores externos à fala, como por
exemplo, fatores culturais, sociais, históricos, econômicos, políticos, entre outros. Surge, então, a

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Análise Sociolinguística: Um Estudo De Caso Sobre Variação De Termos Na Fala De Estudantes.

Sociolinguística nos Estados Unidos na década de 60, como uma reação a esta corrente, tendo como
um de seus maiores autores William Labov, apresentando a proposta de uma nova visão sobre a
estrutura das línguas.

SOCIOLINGUÍSTICA

A partir do mencionado anteriormente, existe na linguística, uma área especifica para tratar das
relações entre linguagem e sociedade, a Sociolinguística. Este termo fixou-se em 1964, originado em
um congresso na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) organizado por William Bright
(1928-2006). A proposta deste autor para o tema é a de que a Sociolinguística deve “demonstrar a
covariação sistemática das variações linguística e social, ou seja, relacionar as variações linguísticas
observáveis em uma comunidade às diferenciações existentes na estrutura social desta mesma
comunidade” (BRIGHT, 1974).
A Sociolinguística aborda questões como: variação linguística, bilinguismo, contato linguístico, línguas
minoritárias, política e planejamento linguístico, entre outros. William Labov, linguista estadunidense,
considerado o fundador da Sociolinguistíca Variacionista, é responsável pela principal vertente do
tema, e foi quem deu início a Teoria da Variação e Mudança Linguística.
Segundo essa vertente, linguagem, cultura e sociedade são fenômenos indissociáveis e sua origem se
dá de maneira multidisciplinar, agregando a sociologia, história, antropologia, neurociência, semiótica
e outras (REBOUÇAS; COSTA, 2014). Alguns autores despontam na segunda metade do século XX a fim
de expandir e conceituar a proposta da Sociolinguística, que classifica o indivíduo como ser plurilíngue,
ou seja, capaz de se comportar linguisticamente de formas diferentes: em casa; no trabalho; com
amigos; numa reunião formal, entre outras ocasiões.
A proposta da sociolinguística é que deve existir uma relação entre as variações linguísticas de uma
comunidade relacionada com as diferenças presentes na estrutura social da mesma, podendo-se
denominar heterogeneidade da fala, principal objeto de estudo desta vertente (SILVA, 2011).
Sucintamente, a Sociolinguística pode ser caracterizada por um conjunto de variedades presentes em
uma determinada língua, em situações reais de seu uso.
No trabalho aqui exposto, reside como esteio conceitos Labovianos a respeito da língua, a qual o autor
considera “sistema evolutivo e heterogêneo” (Labov, 1972, p.187) e sua principal proposta, a Teoria da
Variação e da Mudança Linguística, que tem por objetivo estudar a língua em comunidades de fala,
analisando o contexto social: sexo, faixa etária, escolaridade, perfil socioeconômico dos faltantes, entre
outros. Para Labov (1972, p. 168), as variações não são aleatórias e se constroem a partir das

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Análise Sociolinguística: Um Estudo De Caso Sobre Variação De Termos Na Fala De Estudantes.

interferências de fatores sociais que estão presentes em uma determinada comunidade. Segundo
Weinreich, Labov e Herzog (1968, p.139) “a mudança é um tipo de variação linguística com
propriedades sociais particulares”, ou seja, para que de fato ocorra mudança, é preciso que uma
variável tenha sofrido variação ou modificação, dentro de um período determinado, e acrescentam
ainda que “a variação é inerente ao sistema linguístico, sendo a língua um sistema heterogêneo”
(WEINREICH; LABOV; HERZOG, 1968, p. 193).
A Sociolinguística, então, tem como principal argumento que não há sociedade sem linguagem e nem
sociedade sem comunicação e seu ponto de partida é a comunidade linguística. É através da linguagem
que os indivíduos de uma dada sociedade se definem e constroem suas características peculiares e tal
linguagem irá ocorrer por meio de interação verbal.
Pode-se dizer, portanto, que a linguagem influência e determina a sociedade assim como a sociedade
influência e determina a linguagem, caracterizando uma relação mútua de interesses e respostas,
podendo gerar análises a luz dos conceitos da Sociolinguística.
Dentro das concepções de Labov, o contexto social é parte necessária e indispensável para definir a
língua, dessa forma, manifesta-se que a comunicação entre os indivíduos de uma sociedade deve-se à
função expressiva da língua, incluindo aspectos fonológicos, evolutivos, sintáticos e semânticos, sem
jamais ser avaliada separadamente de seu cenário social.
Foi através do trabalho realizado na ilha de Martha’s Vineyard que Labov (1972) desenvolveu a
metodologia de utilizar o contexto matemático para comprovar as variações linguísticas na sociedade
e de fato inserir a Sociolinguística na história da língua das comunidades. Este trabalho realizado na
ilha de Martha’s Vineyard ocorreu no início dos anos 60, quando Labov (1963) testemunhou a
existência de um grupo engajado na economia pesqueira local desta ilha que resistia sistematicamente
à incursão de turistas e residentes de veraneio do continente. A elevação do núcleo dos ditongos / ay
/ e / aw /, que marcava originalmente uma diferença geográfica local, passou a representar um símbolo
de identidade sócio-cultural.
Segundo Labov, para que as mudanças de uma língua sejam verificadas, é preciso considerar o caráter
heterogêneo e associar os fatores que a interferem. Esta técnica pode ser considerada uma
“ferramenta poderosa e segura que pode ser usada para o estudo de qualquer fenômeno variável nos
diversos níveis e manifestações linguísticas” (NARO, 1992, p.25).
Dessa forma, os falantes diversificam sua fala em função das condições de suas interações verbais. Para
Camacho (1978), os falantes adaptam suas enunciações de acordo com o intuito da comunicação, esta

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Análise Sociolinguística: Um Estudo De Caso Sobre Variação De Termos Na Fala De Estudantes.

adaptação “decorre de uma seleção dentre o conjunto de formas que constituem o saber linguístico
individual, de um modo mais ou menos consciente” (CAMACHO, 1978 apud MUSSALIM, 2006).
Cada grupo social é capaz de determinar e selecionar a forma oral que deseja utilizar em sua interação
verbal. Algumas situações são capazes de levar o falante a esta escolha e o mesmo se vê diante da
possibilidade de utilizar a formalidade ou a informalidade. Historicamente, existe definida a
padronização da língua de uma comunidade, e denomina-se variedade padrão, a resposta de uma
sociedade que seleciona um modo de falar entre os vários existentes e que são capazes de determinar
o que diz-se “correto” (ALKMIN, 2006).
O modelo de análise da Sociolinguística apresentado por Labov, é baseado em um levantamento de
grande quantidade de dados, pois apresenta natureza quantitativa. O material selecionado para
análise é chamado de corpus e será avaliado em função da variável ou variáveis escolhidas.

O CORPUS DA PESQUISA

O corpus é um banco de dados construído a partir de um recorte de uma comunidade de fala, que
pode ser aprendida de forma mais abrangente, constituindo uma amostra estratificada de acordo com
determinados parâmetros sociais, ou representar apenas um determinado segmento. Neste trabalho,
utiliza-se da ferramenta de banco de dados denominada “CORPUS: A língua falada e escrita na região
Norte-Noroeste Fluminense”, desenvolvido pelo Núcleo Linguagem e Educação sob a coordenação da
Dr.ª em Linguística, Eliana Crispim França Luquetti, professora da Universidade Estadual do Norte
Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), que atuou na supervisão da coleta e na organização do corpus, com
início em 2003.
O corpus tem como principal objetivo expor os dados da língua oral e escrita em situação real de seu
uso e como este fato pode se relacionar com as questões teóricas da linguística associadas à ação da
linguagem humana. Para isso, procedimentos metodológicos são seguidos pelos entrevistadores, a fim
de que seja possível verificar o comportamento autêntico em todos os sentidos do falante
(entrevistado). O ideal é atingir a enunciação comunicativa de maneira que nenhuma atenção especial
seja dada a sua fala.
Este banco de dados é composto por depoimentos de 143 informantes, sendo 77 da região Noroeste
e 66 da região Norte Fluminense. Cinco tipos diferentes de textos orais e escritos foram produzidos: (i)
Narrativa de experiência pessoal; (ii) Narrativa recontada; (iii) Descrição de local; (iv) Relato de
procedimento; (v) Relato de opinião. Porém, para o presente artigo foram analisadas apenas as sessões
representantes pela oralidade do falante.

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Análise Sociolinguística: Um Estudo De Caso Sobre Variação De Termos Na Fala De Estudantes.

Pretende-se aqui, estruturar o reflexo das variações sociais e mapear o uso das formas “a gente” e
“nós” presentes na cidade de Campos dos Goytacazes, RJ. A investigação dos dados se dá a partir das
seguintes variáveis sociais: (i) sexo - masculino ou feminino; (ii) idade - dividida em 4 faixas etárias: 9 a
15 anos, 16 a 25 anos, 26 a 49 anos e 50 anos ou mais; (iii) escolaridade - alunos do Ensino
Fundamental, alunos do Ensino Médio e alunos do Ensino Superior. O intuito é observar se tais
variáveis sociais podem refletir no modo de fala dos sujeitos e se é visualizado certo padrão linguístico.
É utilizado aqui o parâmetro escolaridade em detrimento de classe social como proposto por Labov,
devido a diversos materiais executados no Brasil utilizarem esta variável, como por exemplo, Amostra
Censo.

ANÁLISE DAS VARIÁVEIS SOCIAIS: IDADE, ESCOLARIDADE E SEXO

Uma vez definido o recorte que delimita as variáveis sociais que serão investigadas dentro do corpus,
neste caso, a variável de localização foi limitada a cidade de Campos dos Goytacazes, considerando-se
que o corpus abrange também outras localidades, a busca por esses dados permitiu encontrar 54
amostras de entrevistados atendendo ao perfil social especificado para esta pesquisa.
Na primeira parte da análise, a faixa etária foi dividida em quatro sub-faixas para uma melhor
representação de grupos sociais considerados diferentes. Dessa forma, 25 pessoas encontram-se entre
9-15 anos, 11 entre 16-25 anos, 14 pessoas entre 26-49 anos, e 5 pessoas com idade igual ou superior
a 50 anos, conforme ilustrado na tabela 1, a seguir.

Tabela 1. Número de participantes de acordo com a faixa etária.


Observando-se ainda essa variável social, idade, possibilitou-se a construção da figura 1 a seguir em
forma de histograma, mostrando as preferências do uso dessas formas em cada faixa etária
especificadamente, perpassando pelas categorias de adolescentes, jovens, adultos, adultos com mais
de 50 anos.

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Análise Sociolinguística: Um Estudo De Caso Sobre Variação De Termos Na Fala De Estudantes.

Figura 1. O uso dos termos “nós” e “a gente” relacionados com a faixa etária.
Este histograma apresenta as quantidades de ocorrências distribuídas por classes, e permite a
comparação entre as categorias. Pode-se verificar que, embora com 24 entrevistados, a categoria de 9
a 15 anos apresentou um total de 103 ocorrências, sendo 14 da forma “nós” e 89 da forma “a gente”.
A categoria de 16 a 25 anos, com 11 entrevistados, apresentou um total de 28 ocorrências, sendo 3 da
forma “nós” e 25 da forma “a gente”. A categoria de 26 a 49 anos, com 14 entrevistados, apresentou
um total de 109 ocorrências, sendo 12 da forma “nós” e 97 da forma “a gente”. Por fim, a categoria de
50 anos ou mais, com 5 entrevistados, apresentou um total de 56 ocorrências, sendo 8 da forma “nós”
e 58 da forma “a gente”.
A coleta de dados em uma pesquisa tem por objetivo analisar determinada situação, suas informações
devem ser organizadas em tabelas para que se tenha um melhor entendimento das diferentes opções
de respostas escolhidas pelos entrevistados. A frequência absoluta registra exatamente a quantidade
de vezes que determinada realização ocorreu, não sendo possível uma análise de comparação. Para
que os dados se tornem significativos devemos recorrer à frequência relativa da pesquisa, sendo esta
feita através de dados percentuais, definidos como a razão entre a frequência absoluta e o número
total de observações. A frequência relativa nos fornece uma melhor visualização, pois os dados
percentuais traduzem melhor a situação comparativa de cada caso. A tabela 2 mostra os dados usados
para o cálculo das frequências relativas das ocorrências das formas “nós” e “a gente” para cada faixa
etária.

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Análise Sociolinguística: Um Estudo De Caso Sobre Variação De Termos Na Fala De Estudantes.

9 a 15 Freq. 16 a 25 Freq. 26 a 49 Freq. 50 anos Freq. Total das


anos Relativa anos Relativa anos Relativa ou mais Relativa Categorias
Entrevistados: 24 11 14 5 54
Nº de "Nós" 14 4,6% 3 1,0% 12 3,9% 8 2,6% 12,1%
Nº de "A gente" 89 29,1% 25 8,2% 97 31,7% 58 19,0% 87,9%
Ocorrências 103 28 109 66 306

Tabela 2. Apresentação do cálculo das frequências relativas.


Para facilitar a comparação entre os valores das frequências relativas de cada faixa etária, seus valores
foram representados pela figura 2 a seguir

Figura 2. Histograma das frequências relativas por faixas etárias.

A comparação através dos valores de frequências relativas possibilita a verificação da distribuição


percentual das ocorrências das formas “nós” e “a gente” entre as amostras analisadas neste recorte.
Este gráfico permite observar que, em todas as classes, existe uma preferência pelo uso da forma “a
gente” em detrimento do “nós”.
Porém, para se fazer uma comparação fidedígna entre as categorias, mostrando o quanto cada faixa
etária demonstra suas ocorrências em relação às outras faixas etárias, é necessário se fazer uma
correção de escala, dividindo o número de cada ocorrência das formas pelo número de entrevistados
de sua categoria de faixa etária com o objetivo de compensar o desequilíbrio no número de
entrevistados em cada categoria de faixa etária. Assim, feito esta correção, encontrou-se o figura 3
abaixo.

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Análise Sociolinguística: Um Estudo De Caso Sobre Variação De Termos Na Fala De Estudantes.

Figura 3. Comparação do uso das formas “nós” e “a gente” por faixa etária com ajuste de escala.
A partir do deste gráfico, pode-se observar que a forma “a gente” está sendo mais preferida pela
categoria de faixa etária com 50 anos ou mais, seguida pela categoria com faixa etária entre 26 e 49
anos, depois a categoria de 9 a 15 anos, e por último, a categoria de 16 a 25 anos. Observa-se também
que, na comparação entre as preferências pelo uso da forma “nós”, as categorias seguem o mesmo
comportamento. Porém, sempre mantendo a prevalência do uso da forma “a gente” em cada
categoria, independentemente, da faixa etária.
Percentualmente, os resultados indicam uma preferência acentuada de valores entre 86% e 88%, pela
forma de uso do “a gente” em detrimento da forma “nós”, a qual aparece com valores ínfimos entre
11% e 14%. Essa informação aponta para uma uniformidade entre as taxas de preferência em cada
categoria. Este resultado indica que, independentemente da faixa etária, na cidade de Campos dos
Goytacazes, existe no contexto da oralidade um processo de variação em andamento, no sentido de
condução de uma possível mudança no uso dessas formas.
Outra análise relevante para comentar-se é em relação à utilização de nenhum dos termos. A variável
considerada aqui é a utilização da 1ª pessoa do plural demonstrada através do pronome “nós” ou
através do termo “a gente”, porém, existem outras maneiras de considerar a noção de utilização desta
pessoa do plural. Esta variação pode aparecer pelo menos de quatro formas: (i) “nós” explícito (ii)
“nós” oculto ou implícito, apresentado apenas pela desinência verbal -mos; (iii) “a gente” explícito; (iv)
“a gente” oculto ou implícito, apresentado apenas pela desinência verbal –o. Dessa maneira, o falante
pode optar por não utilizar explicitamente um dos dois termos e, ainda assim, ser capaz de comunicar-
se expressando o conceito de 1ª pessoa do plural.

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Análise Sociolinguística: Um Estudo De Caso Sobre Variação De Termos Na Fala De Estudantes.

Nesta pesquisa verificou-se que dentro desse grupo de indivíduos específicos, adotou-se em 18% das
vezes das possibilidades de utilizar-se de um dos dois termos, a característica de ocultar os termos,
tanto o “nós”, quanto o “a gente”, de maneira que a fala encontra-se constituída no plural,
caracterizada apenas pela presença da desinência do verbo. Em contrapartida, 82% dos indivíduos
optaram por utilizar-se de um ou dos dois termos em determinados momentos de sua oralidade, como
pode ser observado na figura 4 a seguir.

Figura 4. Relação entre a escolha do uso de nenhum termo x uso de um dos termos.
A próxima etapa da pesquisa, correspondente a uma análise da variável escolaridade, foram analisadas
as respostas de 54 alunos ao total, sendo que destes, 30 fazem parte do Ensino Fundamental, 9 do
Ensino Médio e 15 do Ensino Superior. Entre homens e mulheres, tem-se a presença de 39 indivíduos
do sexo feminino e 15 do sexo masculino.
Observando os grupos divididos por níveis de escolaridade, os números de frequência de uso dos
termos variam, porém seguem a um padrão que pode ser visualizado na figura 5. Apesar de, nos três
níveis escolares visualizados neste trabalho, prevalecer o uso do “a gente”, observa-se que o maior
número de vezes em que este termo se apresenta é na oralidade do grupo caracterizado por indivíduos
do Ensino Superior. Além disso, interessante citar que apenas neste grupo, não foi visualizado o
detrimento de ambos os termos, ou seja, nenhum entrevistado optou por utilizar-se do termo
implícito.

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Análise Sociolinguística: Um Estudo De Caso Sobre Variação De Termos Na Fala De Estudantes.

Figura 5: O uso dos termos “a gente” e “nós” relacionados com o nível de escolaridade.
Seguindo o mesmo procedimento realizado na análise da variável idade, é importante encontrar o
percentual de preferência pelo uso de uma das formas em relação ao uso da outra, dentro de uma
mesma categoria de grau de escolaridade. Para esse fim, construiu-se o conjunto de gráficos que pode
ser visto na figura 6 a seguir.

Figura 6: O uso dos termos “a gente” e “nós” relacionados com o nível de escolaridade em
porcentagem.
Os dados verificados no nível de ensino fundamental, ensino médio e ensino superior que podem ser
vistos acima, mostram que em todas as categorias de grau de escolaridade, desde o ensino
fundamental ao ensino superior, os resultados indicam uma preferência, com valores percentuais entre
86% e 92%, pela forma de uso do “a gente” em detrimento da forma “nós”, a qual aparece com valores
entre 8% e 14%. Essa informação, assim como na análise da variável social idade, aponta para uma
uniformidade entre as taxas de preferência em cada categoria, o que consolida o resultado de que,
independentemente, do grau de escolaridade, na cidade de Campos dos Goytacazes, existe um

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Análise Sociolinguística: Um Estudo De Caso Sobre Variação De Termos Na Fala De Estudantes.

processo de variação em andamento, no contexto da oralidade, com possibilidades de efetivação de


uma mudança, no contexto da oralidade, quanto ao uso da forma “a gente” podendo causar um futuro
apagamento da forma “nós”.
Quando parte-se para análise da variável sexo, observa-se que no grupo dos entrevistados do sexo
feminino, houve uma preferência de 11% pelo uso do “nós” e 89% pelo uso do “a gente”. Também
observa-se que no grupo dos entrevistados do sexo masculino, houve uma preferência de 20% pelo
uso do “nós”, e 80% pelo uso do “a gente” as quais podem ser visualizadas na figura 7 a seguir.

Figura 7. Uso das formas “nós” e “a gente” de acordo com o sexo.


Ao se fazer a análise de forma geral sobre o recorte feito no corpus desta pesquisa, verificando-se a
soma total das ocorrências das formas analisadas, verificou-se que existe a preferência ao uso do “a
gente” em detrimento ao “nós” entre estes entrevistados, quando analisada a frequência dessas duas
formas na fala na figura 8. Quando existe a possibilidade de utilizar-se de uma das duas formas, “a
gente” ou “nós”, foi adotado o termo “a gente” 88% das vezes, enquanto o “nós” em apenas 12%.

Figura 15: Análise da preferência de uso das formas “a gente” e “nós”.

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Análise Sociolinguística: Um Estudo De Caso Sobre Variação De Termos Na Fala De Estudantes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É de domínio da comunidade científica do campo linguístico que todas as línguas possuem um


dinamismo inerente e todas são sistemas heterogêneos, como proposto por Labov, porém este fato
não as caracterizam como sistemas desestruturados ou sem regras. A heterogeneidade da língua
comporta, também, regras, porém variáveis. O fato de uma determinada comunidade se expressar
através da forma “a gente” enquanto deixa de utilizar o “nós”, não pode ser considerado apenas
acidental, o que ocorre é o fenômeno da variação linguística.
A Sociolinguística defende que além dos fatores internos da língua, existem também fatores externos
que devem ser considerados no momento de sua análise. A utilização de formas semanticamente
equivalentes como o caso exposto neste trabalho, elucida que a comunicação e a compreensão entre
os indivíduos de uma comunidade ou grupo social é capaz de ocorrer sem equívocos ainda que não
seja utilizada a forma culta da língua(gem).
Os dados verificados aqui, foram capazes de mostrar que a preferência de uso do “a gente” em
detrimento do “nós” ocorre em grupos considerados socialmente diferentes, mantendo uma certa
uniformidade nos padrões de variação entre essas formas analisadas, os quais demonstraram haver
uma grande distância entre os valores percentuais de preferência de uso dessas formas. Os resultados
alcançados revelam que existe esse fenômeno de variação, na cidade de Campos dos Goytacazes, o
qual, prevê um processo de mudança em desenvolvimento, de maneira que o uso da forma “a gente”
destaca-se em substituição a forma “nós”, sem que o sentido da fala seja prejudicado.

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Análise Sociolinguística: Um Estudo De Caso Sobre Variação De Termos Na Fala De Estudantes.

REFERÊNCIAS

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lingüística: domínios e fronteiras, v.1, 6ed. São Paulo: Cortez, 2006. p.21-47.

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Paulo: Cia. Editora Nacional/EDUSP, 1989 [1968].BRIGHT, W. As dimensões da Sociolinguistica. (Trad.)
Fonseca, M. S. & Neves, M. F. Sociolinguística. Rio de Janeiro, Eldorado, 1974.

CAMACHO. R. G. Sociolingüística. apud MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (Orgs.). Introdução à lingüística:


domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2006, p.49-75.

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NARO, A. J. Modelos quantitativos e tratamento estatístico. In: MOLLICA, M. C.; BRAGA, M. L. (Orgs.).
Introdução à Sociolingüística Variacionista. Rio de Janeiro: UFRJ, 1992, p. 15-25.

RODRIGUES, R. S. V. Saussure e a definição da língua como objeto de estudos. ReVel., ed. nº2, 2008.

SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. (Trad.) Chelini, A., Paes, J.P., Blikstein, I. Ed. 27ª, São Paulo:
Cultrix, 2006, 281p.

SILVA, E. V. A pesquisa sociolinguística: a teoria da variação. ABRAFIL, nº IX, 2011.

REBOUÇAS, A. C. R. N., COSTA, I. A sociolinguística variacionista: fundamentos, pesquisas, pontos


críticos. Interletras, vol. 3, ed. nº 19. Set., 2014.

WEINREICH, V., LABOV, W., HERZOG, M. Empirical Foundations for a Theory of Language Change.
(Trad.) LEHMANN, W. P. et ali (eds.). Directions for Historical Linguistic. Austin/Texas, 1968. p. 95-195.

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Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 15
10.37423/200701933

PROJETO TECENDO SABERES: PRESERVAÇÃO


DA CULTURA NO QUILOMBO BARREIRO GRANDE
EM SERRA DO RAMALHO-BA

Odair Ledo Neves

Romário Pereira Carvalho

Maria Aparecida Rosa da Silva Santos


Projeto Tecendo Saberes: Preservação Da Cultura No Quilombo Barreiro Grande Em Serra Do Ramalho-BA

Resumo: Este artigo socializa um trabalho desenvolvido na comunidade Barreiro Grande situada no
município de Serra do Ramalho-BA por meio do projeto Tecendo Saberes, proposta que fortaleceu a
relação entre estudantes da Educação de Jovens e Adultos e estudantes do 4º e 5º ano turma
multisseriada. Para tanto, o trabalho fundamenta-se em Araújo (2012), Arroyo (2012, 2005), Caldart
(2002, 2008, 2012), dentre outros. Estruturou-se em duas etapas: a primeira etapa discutiu-se a
organização do trabalho pedagógico das escolas do campo e das turmas multisseriadas e, no segundo
momento, os estudantes da EJA apresentaram suas culturas, saberes e produções locais em uma roda
de diálogo com os alunos do 4º e 5º turma multisserada. O projeto contou com a participação de 2
coordenadores, 3 professores e 30 estudantes. Ao possibilitar o contato entre os estudantes e a
socialização do que os estudantes da EJA produzem evidenciamos a importância de um currículo vivo
para este público que reconheça a cultura e formas de vida.
Palavras-Chave: EJA. Projeto Tecendo Saberes. Currículo Vivo.

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Projeto Tecendo Saberes: Preservação Da Cultura No Quilombo Barreiro Grande Em Serra Do Ramalho-BA

INTRODUÇÃO

A história da Educação de Jovens e Adultos (EJA) se confunde com a história do social reservado aos
setores populares. Nesse sentido, o lugar social, político e cultural almejados pelos excluídos, sujeitos
coletivos na diversidade de seus movimentos sociais dialogam com o pensamento pedagógico
progressista que inspiraram concepções e práticas de educação de jovens e adultos, criativa e
promissora (ARROYO,2005).
Nesse contexto, ao analisar o corpo legal, vimos que a EJA é uma modalidade da Educação Básica
assegurada pela Constituição Federal de 1988, que afirma a obrigatoriedade e a gratuidade do Ensino
Fundamental, inclusive para aqueles que não tiveram acesso na “idade própria”. Durante (2003) ao
discutir sobre a EJA problematiza as condições de negação socioeconômica que existe no país e
defende que para mudar o quadro de desigualdade não significa simplesmente oferecer uma educação
de qualidade, antes precisa vinculá-la a mudanças na qualidade de vida social, econômica, política e
cultural em que vive a população brasileira.
Arroyo (2005) retoma traços da herança popular e interrogar as possibilidades e limites de
incorporação da EJA no corpo legal tratando-a como um modo de ser do ensino fundamental e médio.
A EJA traz um legado de educação como direito humano, pois se trata de uma modalidade que enfatiza
uma visão totalizante do jovem e adulto como ser humano, com direito a se formar como ser pleno,
social, cultural, cognitivo, ético, estético, de memória,

A EJA nomeia os jovens e adultos pela sua realidade social: oprimidos, pobre,
sem-terra, sem teto, sem horizonte. Pode ser um retrocesso encobrir essa
realidade brutal sob nomes mais nossos, de nosso discurso como escolares,
como pesquisadores ou formuladores de políticas: repetentes, defasados,
aceleráveis, analfabetos, candidatos à suplência, discriminados,
empregáveis... Esses nomes escolares deixam de fora dimensões de sua
condição humana que são fundamentais para as experiências de educação
(ARROYO, 2005, p. 223).
Assim, seguindo os apontamentos do autor, podemos afirmar que a EJA construiu sua própria
especificidade como educação, com um olhar sobre os seus sujeitos, isto é, uma educação ampla,
plural que não se restringe ao ensino. Neste sentido, o presente artigo tem como objetivo socializar
um trabalho desenvolvido na comunidade Barreiro Grande no município de Serra do Ramalho-BA, em
que contou com a participação dos estudantes da EJA como principal protagonista apresentando suas
memórias, vivências e trabalhos desenvolvidos na comunidade para alunos de uma turma
multisseriada de 4º e 5º ano do Ensino Fundamental.

2
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Projeto Tecendo Saberes: Preservação Da Cultura No Quilombo Barreiro Grande Em Serra Do Ramalho-BA

EJA NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO DO CAMPO

A Educação de Jovens e Adultos é uma modalidade específica da educação básica e, de acordo com
Araújo (2012), trata-se de uma educação destinada aos diferentes sujeitos que, estando no campo e/
ou na cidade, tiveram o acesso e a permanência à educação escolar negados, seja durante a infância,
adolescência ou na juventude. Por outro lado, diferentes fatores marcam a origem da negação do
acesso dos jovens e adultos à escolarização, dos quais se pode elencar: fatores socioeconômicos,
ausência de vagas nas escolas, sistema de ensino precarizado, entre outros.
Assim, a EJA no campo brasileiro caracteriza-se como práticas escolares e não escolares desenvolvidas
com e para os trabalhadores jovens e adultos que habitam esse espaço e, nas suas trajetórias de vida,
não tiveram a oportunidade de entrar na escola ou que entraram e não puderam nela permanecer. Por
outro lado, é uma resposta às demandas postas pelos sujeitos sociais do campo, como reparação de
um período histórico marco pela negação de acesso dos trabalhadores a educação (ARAÚJO, 2012).
Fruto dessas lutas e demandas, temos a criação do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
(PRONERA) em 16 de abril de 1998, por meio da Portaria nº 10/98, publicada pelo Ministério
Extraordinário de Política Fundiária. Com esse programa, se concretiza a educação de jovens e adultos
do campo, principalmente os residentes em áreas de assentamento de reforma agrária. Sua ampliação
possibilitou o desenvolvimento de ações desde a alfabetização de jovens e adultos a cursos de pós-
graduação (BRASIL, 2010).
Outro ponto que merece reconhecimento enquanto avanço para a Educação do Campo foi a
instituição das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (CNE/CEB n.1,
2002), que no artigo 2º, Parágrafo Único esclarece sobre a concepção de escola do campo a partir dos
sujeitos sociais que a ela estão vinculados,

A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões


inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes
próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede
de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais
em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões
à qualidade social da vida coletiva no país.
A partir desse olhar, a educação discutida para o campo questiona o modelo de educação, escola e
estrutura pedagógica marcada por práticas excludentes e seletivas. No cerne de sua origem, busca
firmar os imperativos do movimento social, que a educação e a escola sejam democráticas, que
promovam igualdade, respeito e dê dignidade aos povos do campo.

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Projeto Tecendo Saberes: Preservação Da Cultura No Quilombo Barreiro Grande Em Serra Do Ramalho-BA

Partindo do princípio que o campo, historicamente, foi marcado pela ausência de políticas públicas
que atentassem para a situação de abandono, a que a população campesina está submetida, paralela
a tal situação, os sujeitos moradores do campo são constantemente vítimas de preconceitos e
estereótipos de natureza social, cultural e econômica.
É lugar comum ver o campo como espaço de atraso e de pouca qualidade de vida. Essa situação é
reflexo do processo histórico do contexto agrário brasileiro, em que predominava os senhores de
engenho e os barões do café, no cenário atual, os donos do agronegócio. Nesse contexto, emerge o
camponês, grupo de pessoas que possuem terras cultivadas pelos próprios membros da família, como
enfatiza Costa e Carvalho (2012, p.113, apud Costa, 2000, p.116-130):
Camponeses são aquelas famílias que, tendo acesso à terra e aos recursos
naturais que ela suporta, resolvem seus problemas produtivos – suas
necessidades imediatas de consumo e o encaminhamento de projetos que
permitam cumprir adequadamente um ciclo de vida da família – mediante a
produção rural, desenvolvida de tal maneira que não se diferencia o universo
dos que decidem sobre a alocação do trabalho dos que se apropriam do
resultado dessa alocação.
É preciso destacar que as famílias que vivem no campo produzem, consomem e comercializam o
excedente da produção e, tal relação tem sido cada vez mais comprometida com a invasão e o
desenvolvimento do capitalismo no campo, que traz consigo, a introdução de insumos e máquinas
agrícolas.
Frente a esse postulado, precisamos entender que para os povos que vivem no campo a terra se
configura como espaço polissêmico, dada à amplitude de relações que o camponês estabelece com
ela, como lugar de produção e reprodução da vida, de produção de cultura, de saberes, de
sociabilidade, de sustentabilidade. Fato constatado por Fernandes (2008, p. 40-41), ao diferenciar a
paisagem do território do agronegócio do território camponês:
A paisagem do território do agronegócio é homogênea, enquanto a
paisagem do território camponês é heterogênea. A composição uniforme e
geométrica da monocultura se caracteriza pela pouca presença de pessoas
no território, porque sua área está ocupada por mercadoria, que predomina
na paisagem. A mercadoria é a expressão do território do agronegócio. A
diversidade dos elementos que compõem a paisagem do território
camponês é caracterizada pela grande presença de pessoas no território,
porque é nesse e desse espaço que constroem suas existências, produzindo
alimentos. Homens, mulheres, jovens, meninos e meninas, moradias,
produção de mercadorias, culturas e infraestrutura social, entre outros, são
os componentes da paisagem dos territórios camponeses (...).
A reflexão trazida por Fernandes permite entender o território camponês em sua totalidade, isto é,
marcado por uma diversidade de paisagens, modos de vida e a presença de pessoas que vivem nele.

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Os camponeses convivem hoje com o grande desafio de conseguirem manter seu território e sua
soberania e fazer enfrentamento ao capital.
Ao pensar o território camponês, é possível discutir as relações culturais que permeiam o espaço do
campo, marcado pela diversidade cultural. Neste sentido, cultura aqui é compreendida como “toda
criação humana resultante das relações entre os seres humanos e deles com a natureza que leva ao
estabelecimento de modos de vida. Trata-se da criação e da recriação que emergem daquelas relações
em que os humanos ao transformarem o mundo, simultaneamente transformam a si próprios”
(TARDIN, 2012, p. 178).
Tardin (2012) é enfático ao afirmar que o campesinato tem sua constituição a partir da diversidade de
sujeitos sociais históricos tecidos culturalmente na relação familiar, comunitária e com a natureza,
demarcando assim territórios, fazendo transformações necessárias à reprodução material e espiritual,
isto é, ao mesmo tempo em que determina e marca sua humanização, humaniza a natureza num
intricado complexo de agroecossistemas.
Discutir os sujeitos do campo requer o reconhecimento de traços marcantes de identidades e
manifestações culturais, a saber: religiosidade, festas, modos de falar, de vestir e de se relacionar entre
si e com o meio. Essas peculiaridades são características próprias da cultura como bem ressalta Santos
(2006, p.8) “cultura diz respeito à humanidade como um todo e ao mesmo tempo a cada um dos povos,
nações, sociedades e grupos humanos. Quando se considera as culturas particulares que existem ou
existiram, logo se constata a sua grande variação”.
Assim sendo, toda cultura é permeada de valores e sentidos para aqueles que a vive e, materializa-se
dentro de uma lógica interna que justifica suas práticas, costumes, concepções e, até mesmo as
transformações que são passíveis de acontecer. Ao discutirmos sobre as culturas do campo e os
processos de constituição dos sujeitos e da educação oferecida no meio rural, é interessante situar o
papel da escola nesse processo.
A escola do campo que tem sua origem a partir dos projetos da educação do campo materializa-se
numa proposta que contrapõe à ideia de uma educação elitizada, pensada pela aristocracia e colocada
em funcionamento por ela. Assim, ao refletir a escola no contexto atual, percebemos que ela mantém
estreita relação com a visão de quando ela surgiu na Europa, vista como central na construção e
manutenção da nova ordem social, fortemente ligada ao capitalismo, visando principalmente o
preparo para o manejo das máquinas. E, com a burguesia, a preocupação central era formar
trabalhadores disciplinados.

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Projeto Tecendo Saberes: Preservação Da Cultura No Quilombo Barreiro Grande Em Serra Do Ramalho-BA

Nesse aspecto, “Os conhecimentos transmitidos são concepções abstratas, autônomas, independentes
da realidade socioeconômica e política tidos como universal” (VEIGA, 1995, p.79). Assim, partimos da
defesa que o currículo não pode ficar restrito aos saberes científicos, historicamente construídos, pois
os saberes dos camponeses, nem sempre são reconhecidos e incluídos no rol dos saberes construídos
historicamente de modo que acolha a diversidade, os saberes, crenças, sonhos que constituem a
realidade social e cultural do campo.
Concordamos com Paraíso (2015, p.50) quando defende “um currículo como espaço de possibilidades
e como território onde as forças podem deformar as formas de um currículo, instaurando o movimento
que é fundamental para o aprender”. Compreendemos que o currículo das escolas do campo não pode
ser construído sem que se tematize e dê voz aos diferentes sujeitos sociais e históricos que constituem
o espaço do campo em sua diversidade. Como assinala Caldart,

O campo tem diferentes sujeitos. São pequenos agricultores, quilombolas,


povos indígenas, pescadores, camponeses, assentados, reassentados,
ribeirinhos, povos da floresta, caipiras, lavradores, roceiros, sem-terra,
agregados, caboclos, meeiros, bóia-fria, e outros grupos mais. Entre estes há
os que estão ligados a alguma forma de organização popular, outros não; há
ainda as diferenças de gênero, de etnia, de religião, de geração; são
diferentes jeitos de produzir e de viver; diferentes modos de olhar o mundo,
de conhecer a realidade e de resolver os problemas; diferentes jeitos de
fazer a própria resistência no campo; diferentes lutas (CALDART, 2002, p.21).
Ressaltamos que além do reconhecimento da diversidade cultural que permeia o campo, o currículo
deve ser visto como processo que dinamiza a produção da vida das pessoas do campo e, respeite o
direito a diferença na diversidade.
Dito isso, não se pode perder de vista também que a escola além de exercer o papel de transmissora
de cultura legítima e legitimada, ela possui uma cultura própria, a cultura escolar, como afirma Silva
(2017) que cultura perpassa todas as ações do cotidiano escolar, na influência dos seus ritos, sobre a
sua linguagem, na determinação das suas formas de organização e na construção dos sistemas
curriculares.
Nesse contexto, emerge as discussões sobre a escola do campo como possibilidade de uma nova
cultura escolar, tal aspecto só foi possível a partir da Constituição Federal de 1988 ao ser proclamada
a educação como direito de todos e dever do Estado, tornando-o direito subjetivo, o que independe
que o sujeito resida no campo ou na cidade.
A Educação do Campo deve ser específica e diferenciada como defendeu a Primeira Conferência
Nacional “Por uma Educação Básica do Campo”... deve ser educação, no sentido amplo de processo
de formação humana, que constrói referências culturais e políticas para a intervenção das pessoas e

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Projeto Tecendo Saberes: Preservação Da Cultura No Quilombo Barreiro Grande Em Serra Do Ramalho-BA

dos sujeitos sociais na realidade, visando a uma humanidade mais plena e feliz” (FERNANDES; CERIOLI;
CALDART, 2009, p.23).
Para Caldart (2012, p. 257):

A Educação do Campo nomeia um fenômeno da realidade atual,


protagonizada pelos trabalhadores do campo e suas organizações, que visa
incidir sobre a política de educação desde os interesses sociais das
comunidades camponesas. Objetivo e sujeitos a remetem às questões do
trabalho, da cultura, do conhecimento e das lutas sociais dos camponeses e
ao embate (de classe) entre projetos de campo e entre lógicas de agricultura
que têm implicações no projeto de país e de sociedade e nas concepções de
política pública, de educação e de formação humana.
Nesse sentido, a Educação do Campo nasce das reivindicações dos movimentos sociais, por uma
política educacional para comunidades camponesas. Ela aglomera de um lado, as lutas dos sem-terra
pela implantação de escolas públicas nas áreas de reforma agrária e, por outro lado, a resistência de
inúmeras organizações e comunidades camponesas para não perder suas escolas, suas experiências
de educação, suas comunidades, seu território, suas identidades (CALDART, 2008).
Assim sendo, fazer Educação do Campo exige a afirmação da tríade: Campo – Política Pública –
Educação; por outro lado, essa educação é uma especificidade na discussão de país, de política pública,
de educação; por fim, a Educação do Campo é composta de três momentos distintos e que se
complementam, a saber: “é negatividade – denuncia/resistência”, “é positividade – a denúncia não é
espera passiva, mas se combina com práticas e propostas concretas do que fazer, do como fazer” e “é
superação – projeto/utopia: projeção de uma outra concepção de campo, de sociedade, de relação
campo e cidade, de educação, de escola. Perspectiva de transformação social e de emancipação
humana” (CALDART, 2008, p. 75).
Neste ponto, é necessário discutir a organização da escola do campo, partindo do princípio de que a
ação que acontece no âmbito da organização escolar faz parte de processos educativos sociais e
escolares, tornando visível a articulação entre organização escolar e organização social.
Assim sendo, a EJA na dimensão dos sujeitos do campo tem uma perspectiva para além da
escolarização, considera os aprendizados que os trabalhadores vão adquirindo por meio de suas
experiências de lutas e de trabalho, sem negar a importância fundamental da educação escolar como
espaço privilegiado de acesso ao conhecimento produzido pela humanidade (ARAÚJO, 2012).

CURRÍCULO VIVO NA EJA DO QUILOMBO BARREIRO: PROJETO TECENDO SABERES

O quilombo Barreiro Grande fica localizado a 30 quilômetros da sede do munícipio de Serra do


Ramalho a comunidade se organiza nos afazeres da pesca, agricultura e do comércio local e associação.

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Projeto Tecendo Saberes: Preservação Da Cultura No Quilombo Barreiro Grande Em Serra Do Ramalho-BA

Além disso, busca prevalecer na comunidade à organização coletiva das práticas culturas “O Samba de
Roda” como processo de reconhecimento e fortalecimento da história comunitária. “Essas tradições,
decorrentes do contato entre africanos escravizados e portugueses colonizadores, resultaram em
formas de expressão que particularizam os costumes, os valores, as crenças e os hábitos da região até
os dias de hoje”. (CARMO, S/D, p.06).
O Samba de Roda originou-se na comunidade a uns duzentos e cinquenta anos por meio das ladainhas
e rezas, no qual buscam prevalecer à cultura de pertencimento até os dias atuais. As manifestações
culturais do samba de roda na Bahia começam na região do Recôncavo Baiano, e expandindo
culturalmente por diversas comunidades tradicionais do interior.
O samba de roda é uma manifestação coreográfica, poética e musical
presente em todo o Estado da Bahia, particularmente, na região do
Recôncavo Baiano, em 2004, o samba de roda do Recôncavo Baiano foi
proclamado pelo IPHAN, Patrimônio Cultural do Brasil, Posteriormente, em
2005, tornou-se Obra–Prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade,
título declaro pela UNESCO.
No quilombo barreiro grande em dias de festas culturais “o samba de roda” é dividido por grupos de
pessoas, tendo o dia dos pescadores, das mulheres casadas, noite das solteiras, jovens, crianças. Os
sambas acontecem sob formas de círculos, sendo convidado alguém que está na roda para adentrar e
sapatear, sendo repetindo pelas pessoas que estão no grupo e que queiram sambar.
Além do sambar, existem os batuques dos instrumentos e o canto coletivo, músicas associadas às
tradições africanas. Quem pratica o samba, são denominados de “sambadores” e Sambadeiras e não
sambista como são chamados outros grupos que praticam o samba.
Imagem 1 – Samba de roda, mulheres do Barreiro Grande.

FONTE: Pesquisa de campo (2019).


Do ponto de vista educacional quilombola, vale lembrar que não basta apenas tonar concreto o acesso
à escola, é essencial a inserção da cultura junto ao processo de ensino/aprendizagem, neste sentindo,

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Projeto Tecendo Saberes: Preservação Da Cultura No Quilombo Barreiro Grande Em Serra Do Ramalho-BA

a escola da comunidade quilombola de Barreiro Grande, faz acontecer a lei 10.639/2003, que torna
obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e africana.
Imagem 2 – Samba de roda - crianças da Escola do Quilombo Barreiro Grande.

FONTE: Pesquisa de campo (2019).


Feita essa contextualização, é interessante situar o desenvolvimento do projeto realizado na
comunidade Barreiro Grande, pensado em dois momentos: no primeiro encontro, dia 12 de setembro
de 2019, trabalhamos com os professores sobre turmas multisseriadas, discutindo principalmente
proposta pedagógica, metodologia e avaliação. Construímos nesse encontro uma proposta que
estabelecia a relação entre as pessoas mais velhas da comunidade, estudantes da EJA e as crianças da
escola, estudantes do 4º e 5º ano turma multisseriada.
O segundo encontro, dia 19 de setembro de 2019, realizamos uma roda de diálogo dimensionando a
relação de trabalho e produção com a turma multisseriada, com o tema “Tecendo saberes”, em que os
alunos da Educação de Jovens e Adultos socializaram suas experiências, trabalho e história de vida para
os estudantes do 4º e 5º ano. Participaram desse projeto 2 coordenadores, 3 professores e 30 alunos
do Ensino Fundamental Anos Iniciais e da EJA, público ofertado pela escola. A EJA, o centro dessa
atividade é composta de 10 alunos com faixa etária entre 30 e 50 anos de idade.
Durante a roda de diálogo “Tecendo saberes” as estudantes expuseram trabalhos artesanais, contaram
as formas de vida e produção da existência na comunidade, suas memórias/ histórias de vida, a
culinária e cada fato narrado, as estudantes iam construindo saberes com os estudantes do 4º e 5º ano
– turma multisseriada.

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Projeto Tecendo Saberes: Preservação Da Cultura No Quilombo Barreiro Grande Em Serra Do Ramalho-BA

Imagem 3 – Estudante da EJA ensinado o estudante da multisserie a tecer rede.

Fonte: Momento da roda de diálogo – Tecendo saberes (2019).


A imagem acima nos remonta a concepção humanista de educação como bem pontua Arroyo (2005)
que ter o ser humano e sua humanização como problema pedagógico implica em não reduzir as
questões educativas a conteúdos pedagógicos, carga horárias mínimas, verificação de rendimentos,
exames dentre outros, antes “a história da EJA mostre que os avanços pedagógicos somente foram
possíveis com liberdade para criar” (ARROYO, 2005, p. 225).
Percebemos práticas que fazem parte da vivência e produções diárias das estudantes da EJA e, como
a própria imagem revela podemos perceber a satisfação em mostrar e/ou ensinar as crianças do 4º e
5 º ano como se dar a produção destes artefatos, a exemplo de crochê, ponto cruz, bordado, dentre
outros. Essas práticas educativas são pontos de reflexão para Passos (2005) ao citar a pedagogia
multirracial e a pedagogia popular:
A pedagogia é multirracial porque compreende que a escola, assim como a
sociedade brasileira, é constituída pelas diferentes matrizes étnico-raciais
que compõem a nação brasileira e, por isso, trabalha na perspectiva da
superação da discriminação racial. É popular porque tem as pessoas e sua
trajetória, vida, sentimentos, alegrias, dores, gostos e desgostos, como
centro da relação pedagógica. Porque se compromete com a construção de
uma escola pública que privilegia a história e a cultura das populações que
constituem a sociedade brasileira, seus valores, formas de agir e sentir. Em
que a vida cotidiana dos grupos étnicos, raciais e culturais seja a base do
conhecimento curricular e das relações pedagógicas. E também porque
utiliza metodologias da educação popular (PASSOS, 2005, p. 172).
Neste ponto, Arrayo (2012) é enfático ao afirmar que as pedagogias escolares avançam no
reconhecimento de que os Outros sujeitos, outras crianças, adolescentes, jovens e adultos que
chegam às escolas e às universidades chegam outros conhecimentos, outras vivências de mundo,
outras leituras de mundo, de cidade, de campo, bem como outras formas de ser/viver a infância, a
adolescência e a juventude, que também devem ocupar o latifúndio do saber.

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Fechando o projeto, sentamos para ouvir os relatos das estudantes da EJA, sobre a trajetória de vida,
as dificuldades, a vida de antigamente e agora, momento único ao possibilitar que estes sujeitos
falassem. Embora os relatos trouxessem eventos tensos, alegres, tristes, sofridos, dentre outros, todos
acompanharam com muita concentração e aprendizagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento do projeto Tecendo Saberes foi de grande relevância por problematizar questões
tensas para Educação de Jovens e Adultos, das quais podemos elencar: a construção de um currículo
vivo que valorize a diversidade cultural, que permita a fala e participação dos sujeitos envolvidos; a
relação da cultura e da identidade dos estudantes como processo formativo; e, por fim, discutir que a
escola precisa se vincular às questões próprias de sua realidade, saberes e memória coletiva, tais como
afirma a identidade da escola do campo.

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Projeto Tecendo Saberes: Preservação Da Cultura No Quilombo Barreiro Grande Em Serra Do Ramalho-BA

REFERÊNCIAS

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ARROYO, Miguel G. Outros sujeitos, outras pedagogias. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

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contribuição à educação de jovens e adultos. Brasília: UNESCO, MEC, RAAAB, 2005.

BRASIL.Decretonº7.352,de4denovembrode2010.Disponívelem:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03
/_ato2007-2010/2010/decreto/d7352.htm. Acesso em: 1 jan. 2019.

CALDART, Roseli Salete. Sobre a educação do campo. In: SANTOS, Clarice Aparecida dos (Org.).
Educação do Campo: campo, políticas públicas, educação. Brasília: INCRA/MDA, 2008, p.67-86.

CALDART, Roseli Salete. Por uma Educação do Campo: traços de uma identidade em construção.In:
KOLLING, Edgar Jorge, CERIOLI, Paulo Ricardo, CALDART, Roseli Salete (Orgs). Educação do Campo:
identidade e políticas públicas. Brasília, DF: Articulação Nacional "Por Uma Educação do Campo, 2002.

CALDART, Roseli Salete. Educação do campo. In: CALDART, Roseli Salete et al. (orgs.). Dicionário da
Educação do Campo. 3. ed. Rio de Janeiro: Expressão Popular, 2012.

DURANTE, Marta. Alfabetização de adultos: leitura e produção de textos. Porto Alegre: 1998.

FERNANDES, Bernardo Mançano. Educação do campo e território camponês no Brasil. In: SANTOS,
Clarice Aparecida dos (Org.). Educação do Campo: campo, políticas públicas, educação. Brasília:
INCRA/MDA, 2008, p.39-66.

FERNANDES, Bernardo Mançano; CERIOLI, Paulo Ricardo; CALDART, Roseli Salete. Primeira
conferência nacional “Por uma Educação Básica no Campo”. In. ARROYO, Miguel Gonzáles; CALDART,
Roseli Salete; MOLINA, Mônica Castanha (Orgs). Por uma educação do campo. Petrópolis: RJ: Vozes,
2009.

PARAÍSO, Marlucy Alves. Um currículo entre formas e forças, Educação, v. 38, n. 1, p. 49-58, Jan/Abr
2015. Disponível em: http://www.redalyc.org/html/848/84838252006/index.html. Acesso em: 10
mar. 2019.

PASSOS, Joana Célia dos. As práticas educativas do movimento negro e a educação de jovens e adultos.
In: Construção coletiva: contribuição à educação de jovens e adultos. Brasília: UNESCO, MEC, RAAAB,
2005.

SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. São Paulo: Brasiliense, 2006.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documento de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3 ed. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2017.

TARDIM, José Maria. Cultura camponesa. In: CALDART, Roseli Salete et al. (orgs.). Dicionário da
Educação do Campo. 3. ed. Rio de Janeiro: Expressão Popular, 2012.

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Projeto Tecendo Saberes: Preservação Da Cultura No Quilombo Barreiro Grande Em Serra Do Ramalho-BA

VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Escola, currículo e ensino. In: VEIGA, Ilma Passos Alencastro; CARDOSO,
Maria Helena Fernandes. (Org.) Escola Fundamental: currículo e ensino. Campinas – SP: Papirus, 1995

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Projeto Tecendo Saberes: Preservação Da Cultura No Quilombo Barreiro Grande Em Serra Do Ramalho-BA

NOTAS
1Este texto é um recorte de uma apresentação no VI ALFAeEJA com título SUJEITOS DO CAMPO E A
PRESERVAÇÃO DA CULTURA: UM EXPERIÊNCIA FORMATIVA NA EJA DO QUILOMBO BARREIRO
GRANDE EM SERRA DO RAMALHO-BA.

14
209
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 16
10.37423/200701953

ATUAÇÃO DO PROFISSIONAL DE SAÙDE SOB A


NOTIFICAÇÃO DA VIOLÊNCIA

Maria Helena Santos da Silva

Sarah Vieira dos Santos

Luciana Melo de Motta


Atuação Do Profissional De Saùde Sob A Notificação Compulsória Da Violência

Resumo: O presente estudo traz uma melhor compreensão do que envolve a atuação do profissional
de saúde sob a notificação da violência, trazendo uma visão das pesquisas que contribuíram para o
conjunto atual que aborda o tema, apresentando a sua importância e destacando as dificuldades a
envolve. Trata-se de uma revisão integrativa com busca nas bases de dados Scielo (Scientific Electronic
Library Online) Medline (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online) e Lilacs através da
plataforma BVS. Realizado no período de maio de 2019 incluindo artigos português, publicados entre
os anos de 2012 a 2018. Evidenciou-se que a violência se apresenta como grave ameaça à vida da
população, sendo oportuno destacar que, por meio da notificação, cria-se um elo entre a área da saúde
e o sistema legal, delineando-se a formação de uma rede multiprofissional e interinstitucional de
atuação, fundamental para uma intervenção menos burocrática e mais eficiente dos casos.
Palavras-Chave: Notificação, Violência e Profissional de saúde.

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211
Atuação Do Profissional De Saùde Sob A Notificação Compulsória Da Violência

1.INTRODUÇÃO

A alta incidência da violência, tanto em nível nacional quanto mundial, e seu impacto na vida das
pessoas e coletividades fizeram com que esta questão se transformasse numa prioridade da saúde
pública mundial, pois pela sua complexidade envolve a conscientização e a participação efetiva de toda
a sociedade. (GARBIN, et al 2015).
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define violência como uso de força física ou poder, cuja
finalidade representa ameaça ou prática, contra si, ou contra grupo ou comunidade, ao qual possa
resultar no sofrimento, lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação.
Ressalta-se que as mortes relacionadas à violência estão relacionadas a causas externas e ocupam a
quarta posição no ranking mundial, precedidas pelas doenças cardiovasculares, doenças infecciosas e
parasitárias e neoplasias A cada ano, mais de 1,6 milhões de pessoas perdem a vida vítimas de ações
violentas (OLIVEIRA, et al 2018).
A violência precisa ser analisada na perspectiva da sociedade que a produziu, pois o fenômeno se nutre
de fatos políticos, econômicos e culturais traduzidos nas relações cotidianas que, por serem
construídos por determinada sociedade, e sob determinadas circunstâncias, podem também por ela
ser desconstruídos e superados. Estudos sobre o tema têm apontado que, ao mesmo tempo em que
fatores biológicos e individuais explicam algumas das predisposições à agressão, é mais frequente que
esses interajam com aspectos familiares, comunitários, culturais e outros fatores externos para, assim,
criar uma situação propícia à violência. Nessa perspectiva, é um fenômeno complexo e desencadeado
por múltiplos fatores e, portanto, precisa ser visto no contexto, meio cultural e momento histórico em
que acontece. Sobretudo, precisa ser investigado a partir da percepção que os indivíduos constroem
ao longo de seu processo de desenvolvimento. A descrição do que é violento, dentro de um modelo
narrativo, depende de um determinado contexto. (VELOSO, et al 2013).
Na África, as causas externas representam a segunda causa de morte. Na Europa, na América, nos
países do Leste do Mediterrâneo e no Sudeste da Ásia, constituem-se na terceira. Dentre as chamadas
causas externas, as principais causas de morte variam: na África, predominam as guerras e os
homicídios; e na Europa e nas Américas, os acidentes por veículos. No Brasil, a mortalidade por causa
externa é a terceira causa de morte na população geral e a primeira na população de 1 a 39 anos. Vale
dizer que, em 2000, deram entrada nos serviços públicos de saúde 693.961 pessoas necessitando
tratamento hospitalar para lesões e traumas provenientes de acidentes e violência no âmbito
doméstico, contudo, a violência que vitimiza crianças, adolescentes, mulheres e idosos, muitas vezes,
permanece mascarada, levando à subenumeração dos casos. O país é intitulado como o campeão

2
212
Atuação Do Profissional De Saùde Sob A Notificação Compulsória Da Violência

mundial em números de homicídios. Com 3% da população mundial, o Brasil responde por 13% dos
assassinatos. (CONCEIÇÃO, et al 2012).
GARBIN, et al (2015) relata que a violência na maioria dos estudos a violência é vista como um grande
problema social que atinge toda a sociedade, prejudicando crianças, adolescentes, mulheres, homens
e idosos; sendo responsável pelo adoecimento, mutilações e mortes causadas por ações realizadas por
indivíduos ou grupos, provocando danos físicos, emocionais e/ou espirituais a eles próprios ou a
outros; além de gerar despesas para os serviços públicos. Nas últimas décadas, a sociedade brasileira
tem se preocupado com o direito e a proteção dos grupos vulneráveis, como idosos, mulheres,
homens, crianças e adolescentes; sem considerar o Estatuto da Criança e do Adolescente sem
considerar o Estatuto da Criança e do Adolescente m vigência há mais de vinte anos; tanto o Estatuto
do Idoso quanto a Lei Maria da Penha, foram instituídos nos anos 2000. Recentemente, em
27/06/2014, foi aprovada a Lei da Palmada, que pune os castigos que causem sofrimentos físicos em
crianças a reformulação da lista de doenças de notificação compulsória, em 2011, o Ministério da
Saúde definiu como agravo “qualquer dano à integridade física, mental e social dos indivíduos
provocado por circunstâncias nocivas, como acidentes, intoxicações, abuso de drogas e lesões auto ou
heteroinfligidas”, incluindo a “violência doméstica, sexual e/outras violências” entre os agravos a
serem notificados obrigatoriamente pelos profissionais de saúde.
O presente estudo tem o intuito de trazer uma melhor compreensão do que envolve Notificação de
violência pelo profissional de saúde, trazendo uma visão das pesquisas que contribuíram para o
conjunto atual que aborda o tema, apresentando aos leitores a importância do profissional de saúde
em notificar casos de violências para o desenvolvimento de medidas preventivas e de controle,
destacando os fatores que dificultam esse processo. Assim, questiona-se: quais os fatores que
dificultam o processo da notificação da violência por profissionais da saúde?

2.METODOLOGIA

Este estudo é uma revisão integrativa com busca nas bases de dados MEDLINE e LILACS e Scielo
(Scientific Electronic Library Online). Realizado no período de abril/maio de 2019 incluindo artigos em
português. Os critérios de inclusão foram artigos disponíveis eletronicamente na íntegra a temática
publicada entre os anos de 2012 a 2018.
O processo de construção desse trabalho ocorreu a partir de estratégias de buscas feitas com os
descritores: Notificação, violência, e profissional de saúde.

3
213
Atuação Do Profissional De Saùde Sob A Notificação Compulsória Da Violência

Quadro 1. Fluxo de seleção dos artigos

ESTRATÉGIA BASE TOTAL DE APÓS A APÓS A APÓS A TOTA


DE ARTIGOS LEITUR LEITUR LEITUR L
DADOS ENCONTRAD A DO A DO A DO
OS TÍTULO RESUM ARTIGO
O NA
ÍNTEGR
A

MEDLIN 947 8 2 1 0
(tw:(notificaçã E
o)) AND
(tw:(violência)) SCIELO 186 15 11 5 4

(tw:(notificaçã LILACS 66 5 3 1 1
o)) AND
(tw:(violência))
(tw:
(profissional de
saúde)

TOTAL DE ARTIGOS REPETIDOS 3

TOTAL DE ARTIGOS INSERIDOS NA REVISÃO INTEGRATIVA (SEM 5


REPETIÇÕES)
Fonte: dados da pesquisa.

3.RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1.CARACTERIZAÇÃO DOS ESTUDOS

Este estudo foi realizado através de 05 (cinco) artigos, sendo todos publicados no Brasil no idioma
Português. Foram encontrados 1 (um) artigo publicado no ano de 2018, 2 (dois) artigos publicados no
ano de 2015, 1 (um) artigo publicado no ano de 2012 e 1 (um) artigo publicado em 2013.

4
214
Atuação Do Profissional De Saùde Sob A Notificação Compulsória Da Violência

3.2.SÍNTESE DA REVISÃO INTEGRATIVA

Quadro 2. Síntese dos estudos primários relacionados ao tema.

AUTOR(ES) OBJETIVO METODOLOGIA RESULTADOS


PRINCIPAIS

VELOSO, M.M.X. et caracterizar a estudo descritivo Revelaram a


al. ocorrência de notificação de 3.267
violência doméstica, casos em Belém,
sexual e de outras, a entre os anos de 2009
partir das a 2011.
informações do
banco de dados do
Sistema Informação
de Agravos de
Notificação
(SINAN), das fichas
de notificação de
violência da cidade
de Belém (PA), no
período de janeiro de
2009 a dezembro de
2011.

LIMA, J.S. et al. Avaliar processo Estudo qualitativo a ficha contribui


de implantação da para a consolidação
ficha de da Rede de atenção
notificação da integral às vítimas
violência de violência,
doméstica, sexual cabendo enfatizar a
e/ou outras importância da
violências contra articulação do
crianças e Sistema de Saúde
adolescentes. com a Rede de
Atendimento e o
Sistema de Garantia
de Direitos, diante
do desafio de
identificar, notificar
e encaminhar os
casos, ampliando a
resolutividade e
garantindo proteção
e defesa de direitos,

especialmente nos
grupos mais
vulneráveis

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215
Atuação Do Profissional De Saùde Sob A Notificação Compulsória Da Violência

Instruir o Estudo exploratório Por meio da


GARBIN, C.A.S. et profissional de interpretação
al. saúde quanto ao analítica da
reconhecimento da legislação, das
obrigatoriedade de portarias e dos
notificação da programas
violência e aos governamentais,
meios disponíveis além dos códigos
para sua efetivação de ética, buscou-se
e devido evidenciar os
encaminhamento. aspectos relevantes
para a notificação
da violência pelos
profissionais de
saúde, assim como
os dispositivos
legais e éticos
implicados na
situação.

OLIVEIRA, B. G. et Analisar a Revisão integrativa nota-se que não


al. responsabilidade da literatura explicitam a
desses obrigatoriedade da
profissionais na notificação em
notificação dos casos de violência.
casos de violência. Assim, torna-se
necessário revisar
cada um dos
códigos
deontológicos da
área da saúde,
considerando a
importância de
referirem-se
especificamente à
violência

analisar os Estudo descritivo os profissionais


CONCEIÇÃO J.C. et elementos que demonstram
al. dificultam a entender a
notificação da importância da
violência nas notificação
Unidades de Saúde compulsória da
da Família. violência enquanto
instrumento

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216
Atuação Do Profissional De Saùde Sob A Notificação Compulsória Da Violência

estratégico para
desvelar a magnitude
do fenômeno,
necessária para a
implementação de
ações políticas de
prevenção e
enfrentamento
Fonte: dados da pesquisa.
GARBIN, C.A.S. et al (2015) diz que o conhecimento dos serviços disponíveis é imprescindível para que
os profissionais tenham uma postura adequada no atendimento às vítimas das agressões. A
Organização Mundial da Saúde estabeleceu os padrões de violência, distribuindo em três categorias:
violência dirigida a si mesmo ou autoinfligida; violência interpessoal e violência coletiva. Os atos de
violência são caracterizados de acordo com a natureza das agressões, que podem ser: física, sexual,
psicológica e de negligência ou privação, podendo ocorrer em cada uma das categorias, com exceção
da violência autoinfligida. A notificação de cada situação deve seguir uma trajetória específica, isto é,
de acordo com o caso diagnosticado pelo profissional de saúde. Após o acolhimento da vítima, o
profissional de saúde deverá preencher a Ficha de Notificação em duas vias, encaminhá-las ao Serviço
Social ou ao Programa de Prevenção e Atendimento às Vítimas de Violência - PAV, da Unidade de
Saúde, conforme as legislações: Estatuto da Criança e do Adolescente- Lei nº 8.069; Notificação da
Violência contra Mulher- Lei nº 10.778 e Estatuto do Idoso- Lei Federal nº 10.741. Cabe ao Serviço
Social a responsabilidade pelo encaminhamento da notificação ao Sistema de Vigilância
Epidemiológica, Conselho Tutelar ou demais órgãos competentes. Os casos envolvendo criança ou
adolescente deverão ser notificados ao Conselho Tutelar do local de moradia da vítima. Na falta deste,
encaminhar para a Vara da Infância e Juventude. Em situações de abuso sexual, violência física grave
e negligência severa, notificar à Delegacia Especial de Proteção à Criança e ao Adolescente – DPCA ou
à Delegacia de Polícia mais próxima da Unidade de Saúde.
LIMA, J.S. et al (2015) Mostra que o Ministério da Saúde implantou em 2006, o Sistema de Vigilância
de Violências e Acidentes (VIVA). O Viva é constituído por dois componentes: 1) Viva/Sinan, que é
formado pela vigilância contínua de violência doméstica, sexual, e/ou outras violências interpessoais
e autoprovocadas, e 2) Viva Inquérito, sob a modalidade de inquérito sobre violências e acidentes em
serviços sentinelas de urgência e emergência de municípios selecionados. Essas duas modalidades de
vigilância possuem sistemas de informação próprios, que permitem a entrada e a análise dos dados
obtidos por meio de duas fichas distintas: Viva/Sinan: Ficha de Notificação/Investigação Individual de

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217
Atuação Do Profissional De Saùde Sob A Notificação Compulsória Da Violência

Violência Doméstica, Sexual e/ou outras Violências; Viva Inquérito: Ficha de Notificação de Violências
e Acidentes em Unidades de Urgência e Emergência. A utilização de uma ficha de notificação de
violência padronizada para todo o território brasileiro, fundamental a um sistema de informação, é
muito recente em nosso país e muito pouco se conhece das estratégias regionais adotadas para
implantação do referido instrumento, a partir da ótica de seus gestores.
GARBIN et al (2015) mostrou que em janeiro de 2011, foi reformulada a lista de doenças de notificação
compulsória, o Ministério da Saúde definiu como agravo “qualquer dano à integridade física, mental
e social dos indivíduos provocado por circunstâncias nocivas, como acidentes, intoxicações, abuso de
drogas e lesões auto ou heteroinfligidas”, incluindo a “violência doméstica, sexual e/outras violências”
entre os agravos a serem notificados obrigatoriamente pelos profissionais de saúde ,ressaltando que
a notificação não é denúncia. No caso de crianças vítimas de violência, a mera suspeita deve ser
notificada, não só à vigilância sanitária, como também ao conselho tutelar; o mesmo se aplica aos
idosos, nesse caso devendo ser notificados e encaminhados à autoridade policial, Ministério Público
ou Conselho do Idoso. Para mulheres não é necessário notificar a suspeita, sendo compulsória apenas
quando o fato for confirmado. E, nos casos em que a vítima seja homem, embora não especificado na
lei, fica implícito que também devem ser notificados os casos confirmados, uma vez que toda violência
interpessoal é objeto da norma.
LIMA, et al (2015) diz que a notificação compulsória tem om sentido técnico específico para a Saúde,
a notificação é a comunicação da ocorrência de determinada doença ou agravo, feita à autoridade
sanitária por profissionais de saúde ou cidadão, para fins de adoção das medidas de intervenção
pertinentes. Destina-se, em primeira instância, ao serviço local incumbido de controlar a ocorrência.
Quando reunidas de forma sistematizada, as notificações passam a compor sistemas de informações
próprios que possibilitam o acompanhamento das características do fenômeno estudado, sua
distribuição e tendências. A notificação compulsória (NC) é realizada nas situações nas quais a norma
legal obriga os profissionais de saúde e pessoas da comunidade a comunicar à autoridade sanitária a
ocorrência de doenças ou agravos que estão sob vigilância epidemiológica dessa maneira a NC tem
sido a principal fonte de informação da vigilância epidemiológica. Para a inclusão da violência no rol
das doenças e agravos de NC, foram considerados a magnitude, a transcendência, a vulnerabilidade,
os compromissos internacionais e nacionais e o Regulamento Sanitário Internacional. (LIMA, et al
2015) Neste contexto, CONCEIÇÃO J.C. et al (2012) ressalta a diferença entre a notificação e a
denúncia. Enquanto a primeira é um registro institucionalizado de um fato, ou seja, a comunicação

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218
Atuação Do Profissional De Saùde Sob A Notificação Compulsória Da Violência

formal, a denúncia refere-se a um processo que inicia a ação penal planejada pelo Ministério Público.
Uma não invalida a outra, podendo, assim, o mesmo profissional realizar ambas concomitantemente.
GARBIN, C.A.S. et al (2015) diz que o conhecimento dos serviços disponíveis é imprescindível para que
os profissionais tenham uma postura adequada no atendimento às vítimas das agressões. A
Organização Mundial da Saúde estabeleceu os padrões de violência, distribuindo em três categorias:
violência dirigida a si mesmo ou autoinfligida; violência interpessoal e violência coletiva. Os atos de
violência são caracterizados de acordo com a natureza das agressões, que podem ser: física, sexual,
psicológica e de negligência ou privação, podendo ocorrer em cada uma das categorias, com exceção
da violência autoinfligida. A notificação de cada situação deve seguir uma trajetória específica, isto é,
de acordo com o caso diagnosticado pelo profissional de saúde. Após o acolhimento da vítima, o
profissional de saúde deverá preencher a Ficha de Notificação em duas vias, encaminhá-las ao Serviço
Social ou ao Programa de Prevenção e Atendimento às Vítimas de Violência - PAV, da Unidade de
Saúde, conforme as legislações: Estatuto da Criança e do Adolescente- Lei nº 8.069; Notificação da
Violência contra Mulher- Lei nº 10.778 e Estatuto do Idoso- Lei Federal nº 10.741. Cabe ao Serviço
Social a responsabilidade pelo encaminhamento da notificação ao Sistema de Vigilância
Epidemiológica, Conselho Tutelar ou demais órgãos competentes. Os casos envolvendo criança ou
adolescente deverão ser notificados ao Conselho Tutelar do local de moradia da vítima. Na falta deste,
encaminhar para a Vara da Infância e Juventude. Em situações de abuso sexual, violência física grave
e negligência severa, notificar à Delegacia Especial de Proteção à Criança e ao Adolescente – DPCA ou
à Delegacia de Polícia mais próxima da Unidade de Saúde.
OLIVEIRA, B. G. et al (2018) concorda com GARBIN, C.A.S. et al (2015) ao dizer que a notificação é parte
integrante e fundamental do atendimento à vítima de violência. E, para que seja adequada, é
necessário que esse profissional esteja apto a identificar caso suspeito ou confirmado e a notificá-lo.
A comunicação consiste no ato de informar aos órgãos competentes a ocorrência ou suspeita do fato,
viabilizando a utilização das informações no planejamento das ações e políticas públicas, com o
objetivo de reduzir a prevalência e incidência da violência com base na realidade. A monitoração da
notificação deve ser contínua, e as ações avaliadas periodicamente, por meio de metodologia
discutida e estabelecida pela instituição, visando nortear novas ações. Evidencia-se, portanto, a
importância desse instrumento para dimensionar a magnitude dos casos de violência, e,
consequentemente, estimar a necessidade de investimentos em núcleos de vigilância em saúde e
serviços de assistência, assim como o desenvolvimento e aperfeiçoamento de redes de proteção. A
principal dificuldade apontada pelos profissionais é o não reconhecimento de situações de violência

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219
Atuação Do Profissional De Saùde Sob A Notificação Compulsória Da Violência

vivenciadas pelos usuários, o que impediria a comunicação. Tal fato é muito comum, sobretudo nos
casos em que a violência ocorre de forma velada, sem sinais físicos visíveis. Ademais, deve-se
considerar o medo do profissional de sofrer represália por parte do agressor, o que também concorre
para aumentar o índice de subnotificações.
Segundo GARBIN, C.A.S. et al (2015) A subnotificação nos casos de violência é um problema grave,
sobretudo quando se sabe que as ações e políticas públicas para o enfrentamento da questão, têm
como base os dados epidemiológicos. Ao se revelar como uma realidade pouco ou mal conhecida, essa
situação acaba por configurar-se invisível, operando, em nível estrutural, como mais uma forma de
violência.
CONCEIÇÃO, et al diz que as atividades preconizadas pelo Programa de Saúde da Família, como o
vínculo com a população, tendem a estreitar as relações entre o serviço de saúde e a
comunidade,proporcionando rápida identificação de famílias de risco, de modo que este modelo de
atenção à saúde tem papel fundamental na abordagem das situações de violência em suas diversas
modalidades e peculiaridades, mas comprova que esse vínculo traz medo aos profissionais ,por serem
conhecidos e próximos as famílias. Pois, essa notificação vai trazer intervenção ao agressor e muitos
temem em notificar. Os profissionais sentem-se desprotegidos e inseguros de que tal notificação possa
gerar represálias. Tal fato mostra o desconhecimento da população dois profissionais de saúde acerca
da mesma, visto que a diferença entre notificação e denúncia, sendo a primeira de cunho sigiloso e,
portanto, não expõe as pessoas para reações de represálias, preocupação presente nas falas de muitos
profissionais. A notificação é uma comunicação formal e institucional acerca de alguma situação
específica, um instrumento de vigilância epidemiológica, de modo a permitir o traçado epidemiológico
de uma determinada situação, em um determinado lugar, tendo em vista o estabelecimento de
políticas públicas pautadas na realidade local.
LIMA, J.S. et al (2015) Nota que o medo de retaliações da família ou do autor da violência e o receio
de envolvimento judicial incidem na subnotificação das situações de violência. Outros fatores
associados também têm sido identificados pela literatura: desconhecimento pelos profissionais de
saúde da importância e dos usos da notificação, pouco apoio institucional para a realização da
notificação falta de formação ou capacitação do profissional para a identificação das situações de
violência ou quanto aos procedimentos de notificação; descrença nos mecanismos sociais de proteção
à criança, e, até má compreensão do que sejam as orientações éticas profissionais quanto ao sigilo.
GARBIN, C.A.S. et al (2015) aponta que estes não são os únicos desafios para o enfrentamento da
violência, as políticas e planos desenvolvidos por Estados e Municípios, deveriam contemplar as

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220
Atuação Do Profissional De Saùde Sob A Notificação Compulsória Da Violência

características específicas dessas violências, em cada localidade, como também, promover a


integração dos mecanismos de registros dessas ocorrências, possibilitando o desenvolvimento e
consolidação das ações que forem implementadas inexistência de um sistema nacional que integre os
dados das várias áreas envolvidas na proteção das vítimas da violência é o principal entrave para que
o Brasil combata as violações dos direitos dessas pessoas. A intersetorialidade das ações e a formação
de redes para o atendimento das vítimas da violência constituem-se como indispensáveis para a
condução de ações de prevenção e promoção da saúde e da qualidade de vida. Além do incremento
de programas de formação continuada para os profissionais de saúde, no sentido de prepará-los para
o entendimento do fenômeno da violência em sua complexidade e para o esclarecimento das noções
legais, superando suas resistências e ultrapassando aspectos e abordagens fisiopatológicas da
questão. Pois, a notificação coloca para fora dos limites do serviço de saúde o problema ali detectado
e convoca parcerias, cuja ação tem se mostrado imprescindível nesta área. Conclui ainda que a
inexistência de um sistema nacional que integre os dados das várias áreas envolvidas na proteção das
vítimas da violência é o principal entrave para que o Brasil combata as violações dos direitos dessas
pessoas. A intersetorialidade das ações e a formação de redes para o atendimento das vítimas da
violência constituem-se como indispensáveis para a condução de ações de prevenção e promoção da
saúde e da qualidade de vida.
VELOSO, M.M.X. et al (2013) ressalta que a vigilância epidemiológica de violências pretende, além de
obter informações sobre as características desses agravos, subsidiar ações de enfrentamento dos
determinantes e condicionantes das causas externas numa perspectiva intersetorial e com base no
direito à saúde e a vida. Busca-se, assim, incentivar a formação de redes de atendimento às pessoas
vítimas de violências e, dessa forma, garantir atenção integral, promoção da saúde e cultura de paz.

4.CONCLUSÃO

Em conclusão, é perceptível a violência apresenta-se como grave ameaça à vida da população, sendo
oportuno destacar que, por meio da notificação, cria-se um elo entre a área da saúde e o sistema legal.
Assim como também. Nota-se, portanto, que os processos que compõem as etapas da notificação
compulsória de violência pelos profissionais de saúde, é estabelecer medidas de prevenção, cuidado
e combate às violências. Além disso, conhecer melhor os motivos pelos quais os profissionais de saúde
não notificam a violência é um passo importante, visto que esse é um, problema de saúde pública
mundial.

11
221
Atuação Do Profissional De Saùde Sob A Notificação Compulsória Da Violência

5.REFERÊNCIAS

OLIVEIRA, B. G., et al. Responsabilidade dos profissionais de saúde na notificação dos casos de
violência.Rev.Bioét,Brasília,v.26,n.3,p.403411,2018.Disponívelem:<http://www.scielo.br/pdf/bioet/v
26n3/1983-8042-bioet-26-03-0403.pdf. Acesso em: 03 de maio de 2019.>

GARBIN, C. A. S., et al. Desafios do profissional de saúde na notificação da violência: obrigatoriedade,


efetivação e encaminhamento. Ciência & Saúde Coletiva, São Paulo, v. 20, n. 6, p. 1879-1890, 2015.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v20n6/1413-8123-csc- 20-06-1879.pdf.>

LIMA, J. S., DESLANDES, S. F. Olhar da gestão sobre a implantação da ficha de notificação da violência
doméstica, sexual e/outras violências em uma metrópole do Brasil. Saúde Soc, São Paulo, v. 24, n. 2,
p. 661-673, 2015. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v24n2/0104-1290-sausoc-24-02-
00661.pdf.>

VELOSO, Milene Maria Xavier et al. Notificação da violência como estratégia de vigilância em saúde:
perfil de uma metrópole do Brasil. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 18, n. 5, p. 1263-1272, May
2013.Availablefrom<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141381232013000500
011&lng=en&nrm=iso>.accesson22July2019.Disponívelem<http://dx.doi.org/10.1590/S1413812320
13000500011.>

CONCEIÇÃO, Joicineide Cupertino. Elementos que dificultam a notificação da violência: percepção dos
profissionais de saúde. Revista Baiana de Enfermagem, Salvador, v. 26, n. 2, p. 468-477, maio/ago.
2012. Disponível em < https://portalseer.ufba.br/index.php/enfermagem/article/view/6287/6362

12
222
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 17
10.37423/200701958

A (NÃO)COMUNICAÇÃO DOS ATOS


PROCESSUAIS AO CIDADÃO NA ERA DO
PROCESSO ELETRÔNICO: VIOLAÇÃO AO
CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA?

LEILA MARIA TINOCO BOECHAT RIBEIRO

CARLOS HENRIQUE MEDEIROS DE SOUZA


A (Não)Comunicação Dos Atos Processuais Ao Cidadão Na Era Do Processo Eletrônico:Violação ao Contraditório e Ampla Defesa?

Resumo: Há mais de uma década, as tecnologias da informação e comunicação têm revolucionado o


Judiciário nacional, promovendo modernização dos serviços e visando a realização da justiça de forma
mais célere e eficaz. Não obstante, a utilização do processo eletrônico parece apresentar-se como
desafio para significativa parcela da população brasileira que ainda não dispõe de acesso a essas
tecnologias. A presente pesquisa, portanto, objetiva analisar os aspectos teóricos e práticos relativos
à comunicação de atos processuais no âmbito de utilização do processo eletrônico e suas implicações
no tocante à efetividade das garantias processuais constitucionais do contraditório e ampla defesa por
parte do cidadão. Pretende-se abordar, numa perspectiva interdisciplinar Direito e Novas Tecnologias
da Informação e Comunicação, conceitos de acesso à Justiça e processo eletrônico, à luz dos princípios
constitucionais do contraditório e ampla defesa e do perfil da população brasileira. O problema deste
estudo reside no modo pelo qual a utilização do processo eletrônico, no contexto atual, exerce
influência sobre a efetividade das garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa por parte
do cidadão brasileiro. O estudo justifica-se por sua relevância acadêmica e social manifesta nas
contribuições que se pretende trazer visando ao aprimoramento dos serviços judiciais, a fim de que se
possa conciliar a modernização do Judiciário pela implantação das novas tecnologias com a efetividade
de princípios constitucionais caros ao cidadão brasileiro. A metodologia adotada é, portanto,
qualitativa quanto ao problema, exploratória quanto aos objetivos e pesquisa bibliográfica, quanto aos
procedimentos técnicos.
Palavras-Chave: Processo judicial eletrônico. Novas tecnologias. Comunicação. Contraditório.
Garantias constitucionais.

1
224
A (Não)Comunicação Dos Atos Processuais Ao Cidadão Na Era Do Processo Eletrônico:Violação ao Contraditório e Ampla Defesa?

INTRODUÇÃO

Há mais de uma década, as tecnologias da informação e comunicação têm revolucionado o Judiciário


nacional, promovendo modernização dos serviços e visando a realização da justiça de forma mais
célere e eficaz. Não obstante, a utilização do processo eletrônico parece apresentar-se como desafio
para significativa parcela da população brasileira que ainda não dispõe de acesso a essas tecnologias,
o que parece comprometer, em alguma medida, a efetividade de garantias constitucionais, em
especial, o princípio do contraditório/ampla defesa, no tocante à comunicação dos atos processuais.
Nesta pesquisa, portanto, objetiva-se analisar os aspectos teóricos e práticos relativos à comunicação
de atos processuais no âmbito de utilização do processo eletrônico e suas implicações no tocante à
efetividade das garantias processuais constitucionais do contraditório e ampla defesa por parte do
cidadão. Pretende-se abordar, numa perspectiva interdisciplinar Direito e Novas Tecnologias da
Informação e Comunicação, conceitos de acesso à Justiça e processo eletrônico, à luz dos princípios
constitucionais do contraditório e ampla defesa e do perfil da população brasileira. O problema deste
estudo reside no modo pelo qual a utilização do processo eletrônico, no contexto atual, exerce
influência sobre a efetividade das garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa por parte
do cidadão brasileiro.
O estudo justifica-se por sua relevância acadêmica e social manifesta nas contribuições que se
pretende trazer visando ao aprimoramento dos serviços judiciais, a fim de que se possa conciliar a
modernização do Judiciário pela implantação das novas tecnologias com a efetividade de princípios
constitucionais caros ao cidadão brasileiro. A metodologia adotada é, portanto, qualitativa quanto ao
problema, exploratória quanto aos objetivos e pesquisa bibliográfica, quanto aos procedimentos
técnicos.
A pesquisa desenvolve-se em três seções. A primeira delas apresenta o processo eletrônico enquanto
nova tecnologia da informação e comunicação como via de acesso à Justiça e sua acessibilidade ao
cidadão, mediante análise do perfil da população brasileira. Na segunda seção, abordam-se a
comunicação dos atos processuais e as garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa. Por
fim, a terceira seção analisa como essa comunicação de atos processuais é realizada no contexto do
processo eletrônico judicial e a existência de eventual comprometimento à efetividade dos direitos e
garantias constitucionais aqui mencionados. O estudo apresenta ainda sugestões que visam minimizar
esse comprometimento, a fim de compatibilizar a modernização do Judiciário com a efetividade dessa
garantia processual de envergadura constitucional.

2
225
A (Não)Comunicação Dos Atos Processuais Ao Cidadão Na Era Do Processo Eletrônico:Violação ao Contraditório e Ampla Defesa?

O PROCESSO ELETRÔNICO: NOVA TECNOLOGIA DE ACESSO À JUSTIÇA ACESSÍVEL AO CIDADÃO?

As novas tecnologias da informação e comunicação (NTICs), segundo Marinho (2017), são tecnologias
e métodos para se comunicar surgidas no contexto da Revolução Informacional, Revolução Telemática
ou Terceira Revolução Industrial, desenvolvidas gradativamente desde a segunda década de 1970,
principalmente nos anos 1990, que trazem consigo inúmeras vantagens dentre as quais se podem
destacar a maior facilidade e rapidez de acesso às informações e a melhor coordenação de
colaboradores dispersos geograficamente, o que é tão caro aos ideais de celeridade processual
buscados pelo Judiciário pátrio.
Souza (2003) esclarece que as NTICs se referem aos meios de comunicação digitais que não prescindem
da internet para sua utilização. Essas novas tecnologias chegam ao Judiciário nacional sob a forma de
sites, digitalização de peças processuais, e-mails, videoconferências, sistemas de processamento
eletrônico, possibilitando significativa inovação, que veio revolucionar a prática forense.
O Estado-Juiz, utiliza-se do processo como instrumento para a realização do direito, para prestação da
tutela jurisdicional a partir de um conflito de interesse (potencial ou existente) entre duas ou mais
pessoas (BUENO, 2016). O que ocorre é que atualmente esse instrumento não utiliza mais a via física,
o papel, mas sim a via eletrônica, sendo, portanto, implantados sistemas de processamento eletrônico
em todos os âmbitos do Judiciário nacional.
Não obstante, esse instrumento utilizado pelo Estado-Juiz para a realização do direito representa um
desafio para parcela significativa da população brasileira que ainda não dispõe de acesso às novas
tecnologias bem como às habilidades necessárias para utilizá-las a fim de usufruir das vantagens das
inovações dos serviços judiciários.
Nesse contexto, segundo a pesquisa TIC Domicílios 2017, divulgada pelo Comitê Gestor da Internet no
Brasil (CGI.br), por meio do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da
Informação (Cetic.br) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), embora crescente
o número de domicílios que possuem acesso à internet no Brasil, esse número ainda corresponde a
61% do total das residências, revelando que persistem desigualdades por classe socioeconômica e por
áreas urbanas e rurais:
O acesso à Internet nos domicílios voltou a crescer no Brasil, totalizando 42,1
milhões de lares conectados em 2017 (61% das residências). Nas áreas
urbanas essa proporção é de 65%, o que corresponde a 38,8 milhões de
domicílios conectados. [...] O estudo aponta ainda que as desigualdades por
classe socioeconômica e por áreas urbanas e rurais persistem: o acesso à
Internet está presente em 30% dos domicílios de classe D/E (proporção era
de 23% em 2016) e 34% das residências da área rural (em 2016, era 26%). Já

3
226
A (Não)Comunicação Dos Atos Processuais Ao Cidadão Na Era Do Processo Eletrônico:Violação ao Contraditório e Ampla Defesa?

nas classes A e B, as proporções atingem, respectivamente, 99% e 93%. Além


disso, 19% dos domicílios conectados não possuem computador, o que
representa 13,4 milhões de residências. Essa proporção era de apenas 4%
em 2014. Segundo o estudo, o preço da conexão permanece como principal
motivo mencionado para a ausência de Internet nos domicílios: 27% dos
entrevistados afirmam que o serviço é caro. O dado revela ser cada vez mais
essencial o investimento em infraestrutura e em políticas públicas que
possibilitem que todos os brasileiros possam ter acesso à Internet em suas
casas, sem distinção de classe social ou região geográfica”, pontua Alexandre
Barbosa, gerente do Cetic.br. (BRASIL. CETIC.br, 2018).
Dessa forma, faz-se necessária a compatibilização entre a modernização do Judiciário pela implantação
dos sistemas de processamento eletrônico e o acesso da população brasileira a esse instrumento de
realização da justiça, sem o que, poder-se-á comprometer a efetividade de garantias constitucionais
que protegem seus interesses, como se abordará nas seguintes seções.

A COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS E A GARANTIA CONSTITUCIONAL DO


CONTRADITÓRIO/AMPLA DEFESA

A Lei nº 13.105/2015 – Código de Processo Civil –, em seu Título II, do Livro IV, trata da comunicação
dos atos processuais, especificando nos capítulos II e IV as normas que regulamentam dois dos
principais atos de comunicação processuais, quais sejam, citações e intimações, respectivamente.
A lei estabelece que a citação é o “ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado
para integrar a relação processual” (CPC, art. 238) e a intimação é o “ato pelo qual se dá a ciência a
alguém dos atos e dos termos do processo” (CPC, art. 269). Assinala ainda o artigo 246 do Código de
Processo Civil que o ato citatório deve ser realizado pelo correio, por oficial de justiça, pelo escrivão ou
chefe de secretaria, por edital ou “por meio eletrônico, conforme regulado em lei”. O artigo 270, por
sua vez, estabelece que “As intimações realizam-se, sempre que possível, por meio eletrônico, na
forma da lei”.
A lei de que trata o Código de Processo Civil é a Lei nº 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização
do processo judicial e regulamenta a comunicação eletrônica dos atos processuais, estabelecendo a
possibilidade de os tribunais criarem Diário da Justiça eletrônico e inova com a possibilidade de se
realizar a intimação por omissão, nos termos do caput e parágrafos de seu artigo 5º.
O artigo 9º da referida lei, por sua vez, estabelece que “No processo eletrônico, todas as citações,
intimações e notificações, inclusive da Fazenda Pública, serão feitas por meio eletrônico, na forma
desta Lei” (BRASIL. Lei nº 11.419, 2006). A lei menciona, em seu artigo 18, que os órgãos do Judiciário
a regulamentarão, no que couber, no âmbito de suas competências.

4
227
A (Não)Comunicação Dos Atos Processuais Ao Cidadão Na Era Do Processo Eletrônico:Violação ao Contraditório e Ampla Defesa?

A comunicação dos atos processuais às partes e interessados é relevante para que se possa efetivar
garantias fundamentais do cidadão tais como princípios constitucionais do contraditório e da ampla
defesa que encontram previsão o texto constitucional, artigo 5º, inciso LV: “[...] aos litigantes,em
processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (BRASIL. CF, 1988).
Essa previsão constitucional se reflete, em âmbito infraconstitucional, no Novo Código de Processo
Civil, artigo 9º, ao estabelecer que “Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja
previamente ouvida” (BRASIL. Lei nº 13.105, 2015), havendo justificáveis exceções à regra, apontadas
no parágrafo único do referido dispositivo legal.
Trata-se, pois, de um princípio constitucional de direito processual civil que objetiva viabilizar a
participação dos destinatários da decisão, a fim de que tenham condições de influenciar no seu
conteúdo, o que é repetido no artigo 10 do mesmo diploma legal que veda as “decisões-surpresa”.

A COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS NA ERA DO PROCESSO ELETRÔNICO: VIOLAÇÃO AO


CONTRADITÓRIO/AMPLA DEFESA?

A presente seção pretende analisar se a comunicação dos atos processuais, no âmbito do processo
eletrônico, tem comprometido em alguma medida a efetividade dos princípios do contraditório e
ampla defesa da forma como realizada, à luz das normas que regulamentam os sistemas eletrônicos
dos tribunais.
Perquire-se como se tem viabilizado a comunicação dos atos processuais em âmbito do processo
judicial eletrônico, não apenas nas hipóteses de citações, em que as partes são convocadas a integrar
o processo e são informadas do prazo para contestar as alegações formuladas pelo autor, sob pena de
revelia (de que sejam considerados verdadeiros os fatos narrados pelo autor) mas também nos casos
de intimações para ciência de decisões, das quais pode haver prazo para oferecimento de recursos
cabíveis ou ainda para que pratiquem algum ato necessário ao andamento do processo, sob pena de
preclusão, ou seja, perda da oportunidade de fazê-lo.
Com a utilização do processo judicial eletrônico, os tribunais, em atendimento ao comando do artigo
18 da Lei nº 11.419/2006, elaboraram normas específicas sobre a comunicação de atos processuais
em consonância com o sistema de processamento eletrônico por eles adotado, como assim fez o TRF2
mediante publicação da Resolução nº TRF2-RSP-2018/00017, de 26 de março de 2018 (BRASIL. TRF2,
2018), que regulamenta a implantação e uso do sistema e-Proc na tramitação de processos judiciais,
comunicação de atos e transmissão de peças processuais no âmbito da Justiça Federal da 2ª Região.

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A (Não)Comunicação Dos Atos Processuais Ao Cidadão Na Era Do Processo Eletrônico:Violação ao Contraditório e Ampla Defesa?

Estabelece o artigo 25 dessa Resolução que as citações, intimações e notificações serão realizadas
diretamente no sistema de processamento eletrônico e-Proc, dispensada publicação em Diário Oficial
ou expedição de mandados excetuadas as citações de feitos que envolvam Direitos Processuais
criminal e infracional ou quando determinado pelo magistrado.
A referida Resolução prevê ainda, nos parágrafos 2º e 3º, a norma relativa à citação/intimação por
omissão, na forma do artigo 5º da Lei nº 11.419/06, ao estabelecer que o citando ou intimando terá o
prazo de dez dias contados do envio da intimação para consultar eletronicamente o teor da decisão, o
que será automaticamente certificado e, em não o fazendo nesse prazo, considera-se a intimação
automaticamente realizada ao final desse prazo.
Ainda no artigo 25, parágrafo 4º, a Resolução estabelece que:

Quando for inviável o uso do e-Proc para a realização de citação, intimação


ou notificação, esses atos processuais poderão ser praticados mediante a
expedição de mandado ou carta de citação, em que constará a chave para
acesso ao inteiro teor do processo no sítio próprio da Internet, sendo
desnecessário o encaminhamento de cópia impressa da petição inicial ou da
decisão/despacho que determinou a expedição do mandado. (BRASIL. TRF2,
2018d).
A Resolução que regulamenta o e-Proc, no âmbito do TRF2, amplia as hipóteses dos atos passíveis de
comunicação eletrônica previstas na Lei nº 11.419/06 para abranger, além dos atos de intimação ali
expressamente mencionados, os atos citatórios. Além disso, ao estabelecer, na excepcionalidade de
ser inviável o uso do e-Proc para a realização desses atos de comunicação processual, que eles devam
ser realizados mediante expedição de mandado em que constará a chave de acesso ao inteiro teor do
processo no sítio próprio da internet, dispondo ser “[...] desnecessário o encaminhamento de cópia
impressa da petição inicial ou da decisão/despacho que determinou a expedição de mandado”, e desta
forma, comprometendo a efetividade da imediata comunicação do teor da referida decisão ao
intimando/citando/notificando, caso ele não tenha acesso às tecnologias que lhe permitem conhecer
o conteúdo da decisão no momento imediato em que recebe o mandado das mãos do oficial de Justiça,
momento esse que é certificado pelo oficial, inclusive constando a hora do recebimento, até porque,
há possibilidade de prazos serem estabelecidos em horas.
Sob esse aspecto, em especial, entende-se que não só estar-se-ia a desprestigiar o princípio do
contraditório e ampla defesa, por conta de, em razão dos obstáculos de ordem tecnológica ao
conhecimento da decisão por parte daqueles cidadãos que não dispõem de acesso imediato (quiçá de
algum acesso) às novas tecnologias, não assegurar a esses as mesmas condições de amplitude de
defesa em relação àqueles que dispõem desse acesso, comprometendo a “paridade de armas”, como

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A (Não)Comunicação Dos Atos Processuais Ao Cidadão Na Era Do Processo Eletrônico:Violação ao Contraditório e Ampla Defesa?

também de comprometer a própria utilização por parte desses cidadãos do prazo que lhes é,
literalmente, “virtualmente”, conferido por lei cujo curso pode chegar a iniciar-se muito antes de ele
efetivamente ter acesso ao teor da decisão.
Embora a abordagem pareça eminentemente teórica, é de cunho prático também, pois há cidadãos,
citandos/intimandos/notificandos que residem em locais longínquos, na zona rural, cujo acesso até
mesmo se dá por meio de animais de montaria ou a pé, e há que se questionar a efetividade desse ato
de “comunicação” processual em tais circunstâncias, sob pena de se tornar inefetivo e até mesmo
passível de nulificação, uma vez que não cumpre seu desiderato, qual seja, comunicar ao cidadão o
teor da decisão a fim de que ele tome as providências cabíveis.
Nesse sentido, Souza (2013) adverte que a efetivação dos princípios do contraditório e da ampla defesa
exige o atendimento a um pressuposto fundamental, qual seja, a existência jurídica e validade dos atos
de comunicação processual (citação e intimações) para a prática do ato pertinente, aduzindo que a
citação deve ser realizada de forma adequada com todas as condições de apresentação de defesa,
sendo indispensável, independentemente de norma expressa no ordenamento, que os juízes tenham
em vista a situação pessoal do réu, exemplificando que, se o réu é estrangeiro, natural de país de língua
diversa, a citação deve ser realizada mediante tradução de todos os escritos que integram o ato,
acentuando que tal regra deve ser observada em todos os atos processuais que exijam atuação da
parte.
De igual modo, afirma o autor, a citação adequada também deve partir da suposição de que o réu,
normalmente, não tem formação jurídica, devendo a citação especificar o prazo para apresentação de
defesa assim como qual o prejuízo que o réu suportará em não o fazendo tempestivamente,
salientando que fórmulas gerais do tipo “contestar no prazo legal sob pena de revelia”,
costumeiramente usadas na prática, tornam a citação nula, caso o resultado do ato não seja alcançado
com o comparecimento do réu e apresentação de plena defesa, pois o réu que não tem formação
jurídica, não está obrigado a saber qual o prazo previsto na lei, nem o significado de revelia ou de efeito
dessa, que precisam estar expressos no ato citatório com clareza e objetividade. Conclui o autor: “Se
tais regras não forem observadas ou, apesar disso, a finalidade do ato não fora alcançada, a citação é
nula, uma vez que não foram observados os princípios do contraditório e da ampla defesa” (SOUZA,
2013, p. 296).
Assim, da mesma forma que não se pode presumir que os destinatários da comunicação processual
tenham conhecimentos de termos técnicos da área jurídica, devendo ser o ato realizado em linguagem
clara e acessível a fim de que a comunicação se efetive e o ato cumpra o seu propósito, entende-se no

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A (Não)Comunicação Dos Atos Processuais Ao Cidadão Na Era Do Processo Eletrônico:Violação ao Contraditório e Ampla Defesa?

contexto desta pesquisa que o ato de comunicação processual, de igual modo, não pode pressupor
que seus destinatários tenham acesso às tecnologias e possuam habilidades tecnológicas que lhes
possibilitem imediato conhecimento do teor dos documentos eletronicamente a eles disponibilizado
por meio de uma chave de acesso, motivo pelo qual, aqui, se perfilha à linha de pensamento de Souza
no sentido de que tais atos, à medida que se desconsidera tal condição pessoal dos seus destinatários,
são passíveis de nulidade, por não observarem a amplitude da garantia aqui analisada, quer por restar
comprometida da finalidade do ato que é a imediata comunicação do teor do mandado, quer por
desprestigiar a “paridade de armas” ao desconsiderar a desigualdade de condições de acesso à
informação constante do mandado, ou mesmo, por poder significativamente comprometer o prazo
para eventual prática de ato requerido da parte.
Não bastassem tais considerações, continua vigente a norma do artigo 250, inciso V, do Novo Código
de Processo Civil que estabelece que o mandado que o oficial de justiça tiver que cumprir conterá “[...]
a cópia da petição inicial, do despacho ou da decisão que deferir a tutela provisória” (BRASIL. Lei nº
13.105, 2015). Pertinente ainda a observação de Bueno (2016, p. 102) relativa à aplicação do princípio
da cooperação inserto no artigo 6º do Novo Código de Processo Civil ao ato citatório:
Nas hipóteses em que a citação for feita por oficial de justiça, é irrecusável
que o oficial explique ao réu, justamente por causa da cooperação, o
significado dela e a indispensabilidade de procurar auxílio técnico, levando
em conta o prazo relativo aos atos processuais. (BRASIL. Lei nº 13.105, 2015).
No caso da Resolução nº TRF2-RSP-2018/00017, de 26 de março de 2018, será possível ao oficial tão
somente ler o mandado, conforme determina o artigo 251, inciso I do Novo Código de Processo Civil,
com todas as lacunas e incompreensões que a leitura possa gerar, não lhe sendo possível cooperar no
sentido de explicar ao citando uma informação que também no mandado não lhe é acessível. Assim,
a rigor, cumprindo à risca o que dispõe o artigo 25, parágrafo 4º da Resolução, não apenas estar-se-ia
comprometendo a efetividade ao princípio do contraditório e ampla defesa mas ainda o princípio da
isonomia constitucional sob o aspecto material, até porque a “paridade de armas”, prevista
expressamente no artigo 7º do Novo Código de Processo Civil, pressupõe que o magistrado ofereça
iguais chances aos sujeitos do processo ao longo de todo o processo. Nesse sentido, afirma Bueno
(2016, p. 103):
A isonomia, friso, deve ser sempre entendida no seu devido contexto. As
justificadas razões de desigualdade no plano material e/ou no plano
processual devem estar espelhadas, mitigando o rigor textual da palavra.
Para empregar lição bastante comum, a isonomia jurídica é tratar os
desiguais desigualmente na exata medida de sua desigualdade.

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A (Não)Comunicação Dos Atos Processuais Ao Cidadão Na Era Do Processo Eletrônico:Violação ao Contraditório e Ampla Defesa?

Por esse motivo, registre-se que é salutar a sensibilidade de magistrados que, na ânsia de dar
concretude aos mais caros princípios constitucionais como os aqui mencionados, determinam a
expedição de mandado com o necessário encaminhamento de cópia da petição inicial ou da
decisão/despacho que determinou o ato, atento à realidade de significativa parcela dos jurisdicionados
que não possuem acesso às tecnologias.

CONCLUSÃO

No contexto da modernização do Judiciário nacional, com a implantação dos sistemas de


processamento eletrônico, a comunicação dos atos processuais passa, em regra, a ser realizada
eletronicamente, nos termos da Lei nº 11.419/06. Contudo, persistem as possibilidades legais de,
inviabilizada essa, ser realizada de forma física, conforme estabelece o Código de Processo Civil, por
meio de correio, cartas e por oficiais de justiça, hipóteses em que essa forma de comunicação, na
prática, sofre ingerência das normas que os tribunais estabelecem, no âmbito de suas competências,
para regulamentar os próprios sistemas de processamento eletrônico.
Assim, percebe-se que tais normas podem estabelecer que os mandados sejam expedidos, como regra,
sem acompanhamento das peças que normalmente os instruem, sendo apenas informado no
mandado a chave eletrônica de acesso aos autos virtuais e prescindindo, portanto, de peças que são,
por força do próprio Código de Processo Civil, obrigatórias, por exemplo, as petições iniciais.
Esse fato, por si, não representa qualquer comprometimento à efetividade da garantia constitucional
do contraditório e ampla defesa aos destinatários do ato da comunicação do ato processual – citação,
intimação entre outros – desde que se parta do pressuposto lógico necessário de que tais destinatários
tenham acesso à tecnologia e habilidade para consulta ao processo eletrônico de posse da informação
da referida chave de acesso.
Não seria razoável, contudo, pressupor que todos os destinatários de comunicação de atos processuais
por correio, cartas ou oficiais de justiça, tenham acesso ao aparato tecnológico, nele compreendidos
os equipamentos tecnológicos (computadores, internet) e habilidades tecnológicas, principalmente,
em se considerando o perfil da população brasileira apresentado nessa pesquisa pelo CETIC.
Assim, se um destinatário de uma comunicação de ato processual desacompanhada das peças
necessárias à plena compreensão do ato não tem acesso à tecnologia e não pode, de imediato, ter
ciência do referido ato, a dita comunicação não comunica, torna-se uma contradição em termos, e
consequentemente, viola o princípio do contraditório e ampla defesa, quer porque frustra seu

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A (Não)Comunicação Dos Atos Processuais Ao Cidadão Na Era Do Processo Eletrônico:Violação ao Contraditório e Ampla Defesa?

propósito essencial, qual seja, dar ciência à parte/interessado, quer porque fere a mencionada
paridade de armas.
Desse modo, evidencia-se a necessidade de se conciliar a modernização do Judiciário, manifesta na
implantação dos sistemas de processamento eletrônico, com a efetividade das garantias
constitucionais processuais dos cidadãos brasileiros, como contraditório e ampla defesa, assegurando-
se que, no ato da comunicação processual, os destinatários tenham acesso a todas as informações que
lhe permitam compreender plenamente o teor da comunicação, sem o que esse ato não terá cumprido
sua finalidade, eivado, pois, de nulidade, motivo pelo qual entende-se que devam ser acompanhados
das petições iniciais e cópias de decisões e despachos, os atos de comunicação processual a eles
relativos, a fim de se assegurar que a comunicação do ato processual efetivamente comunique e não
seja contraditória, não violadora, pois, de garantias processuais caras ao cidadão brasileiro, de
envergadura constitucional, como o contraditório e ampla defesa.

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A (Não)Comunicação Dos Atos Processuais Ao Cidadão Na Era Do Processo Eletrônico:Violação ao Contraditório e Ampla Defesa?

REFERÊNCIAS

BRASIL. CETIC.br. Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação do


Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br). Acesso à Internet por banda larga volta a
crescer nos domicílios brasileiros. Disponível em:<https://cetic.br/noticia/acesso-a-internet-por-
banda-larga-volta-a-crescer-nos-domicilios- brasileiros/>. Acesso em: 31 ago. 2018.

. CF. Constituição da República FederativadoBrasil,1988.Disponívelem:<www.planalto.gov.br>.


Acesso em: 20 abr. 2019.

. Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006. Dispõe sobre a informatização do processo judicial.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 01 jun. 2019.

.Leinº13.105,de16demarçode2015.CódigodeProcessoCivil.Disponívelem:<http://www.planalo
.gov.br>. Acesso em: 05 jul. 2019.

.TRF2.ResoluçãonºTRF2-RSP-
2018/00017,de26demarçode2018.Disponívelem<http://portaleproc.trf2.jus.br/wpcontent/uploads/2
018/04/trf2-rsp-2018-00017.pdf>. Acesso em: 30 ago. 2018.

BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil: inteiramente estruturado à luz do novo
CPC, de acordo com a Lei nº 13.256, de 4-2-2016. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

MARINHO,Elton.2017.NovasTecnologiasdaInformaçãoeComunicação(NTICs).Disponívelem:http://ww
w.ebah.com.br/content/ABAAABAiMAB/novas-tecnologias-informacao- comunicacao-ntics. Acesso
em: 30 mai. 2018.

SOUZA, Carlos Henrique Medeiros de. Comunicação, educação e novas tecnologias. Campos dos
Goytacazes, RJ: Editora FAFIC, 2003.

SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça. Salvador: Editora Dois de Julho, 2013.

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Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 18
10.37423/200701960

PURPOSE OF SUSTAINABLE ENGINEERING


PROCEEDINGS IN A PLACE FOR A SOCIAL
SUPPORT FOR NEEDY POPULATION

Emmanuel Freitas-Ferreira

Laisa Cristina Carvalho

Tales Alexandre Aversi-Ferreira


Proposta De Procedimentos De Engenharia Sustentável Em Um local De Auxilio Social Para A População Carente

Resumo: As áreas de lazer em cidades são praças, áreas verdes urbanizadas, museus, academias ao ar
livre, centros de convenções, poliesportivos, clubes, shoppings, teatros, cinemas, bares.
Algumas áreas que não são consideradas para o lazer, mas que exercem uma função social importante
são os locais de auxílio social onde a população carente recebe vários tipos de auxílios. Em relação a
esses locais, é razoável perguntar se poderiam ser tratados como áreas de lazer, associando a eles áreas
verdes, jardins, academias ao ar livre para um atendimento mais humanizado. Foi realizada uma
pesquisa descritiva/investigativa e os métodos foram levantamento em campo e levantamento
bibliográfico para embasar a hipótese e alcançar o objetivo. O espaço utilizado foi um Centro Religioso
que atende durante todos os dias da semana a população carente de um bairro de Alfenas-MG. Foi
elaborado um plano para tornar o ambiente mais humanizado com alternativas sustentáveis para
proporcionar lazer e conforto para a população. A proposta do projeto é viável em acordo com os
objetivos desse trabalho, mas, em termos financeiros, outros trabalhos poderiam visar orçar e diminuir
custos para a sua implantação, pois a efetivação dos dados teóricos colocados aqui se enquadra dentro
de um projeto de Arquitetura e Engenharia Civil modernos.
Palavras-Chave: Sustentabilidade, Engenharia, Espaço Social, Urbanismo.

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Proposta De Procedimentos De Engenharia Sustentável Em Um local De Auxilio Social Para A População Carente

INTRODUCTION

Leisure areas in cities include squares, urbanized green areas, museums, outdoor gyms, convention
centers, sports centers, clubs, shopping malls, theaters, cinemas, and bars (SANTOS; MANOLESCU,
2008).
Some areas that are not considered recreational but which play an important social role include places
of social assistance in churches, temples and makeshift sheds where the needy population can receive
various types of aid from the organized community, such as evangelization classes and food in the form
of baskets, soups, sandwiches, and juices.
It is necessary to rethink urban growth in order to bring it closer to improved social justice (CARVALHO,
2003). In relation to these places of public service, it is reasonable to ask if they could be treated as
leisure areas, associating them with green areas, gardens, and outdoor gymnasiums so that social
service is more humanized, in accordance with the need to offer places of leisure and well-being for
the most needy population, who very often, do not have access to such places other than those offered
for free (SANTOS; MANOLESCU, 2008), in which these citizens can enjoy time with the family (MACEDO,
1999).
Therefore, the objective of this work was to create a project to establish an open place in a religious
institution, where care is provided for the needy community in an urbanized space, where teaching for
children and prepared food are offered, that is more welcoming and comfortable, aside from offering
a space in which people can relax and exercise at other times. As the study for this type of site is
incipient, we strive to create a workable project for all similar spaces.

THEORETICAL REFERENCE

Urban growth has come closer to disorganization and chaos than being based on a desirable structured
and planned model, at least since the beginning of urban occupation in the industrial age (SILVA;
ROMERO, 2010), in such a way that, since then, cities have not offered good quality of life for the
people, and, contrary to what they should be, represent spaces that foster stress (LOPES; FAERSTEIN;
CHOR, 2003).
Soon after the Industrial Revolution began in the UK, epidemics broke out in cities due to poor hygiene,
sewage and treated water (SPERANDIO, FRANCISCO FILHO; MATTOS, 2016). In search of improving the
degrading conditions within the cities, the construction of urban parks was initiated with the creation
of landscaping techniques (BRUM et al., 2013) and, later, these parks made their way to the United
States and France in the form of gardens, providing spaces of relaxation and leisure for the population

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Proposta De Procedimentos De Engenharia Sustentável Em Um local De Auxilio Social Para A População Carente

(SCALISE, 2002). With the need to create pleasant places in cities in the twentieth century, Urbanism
was born with the intention of solving the problems generated by the disorganized
formation/construction of urban spaces (SPERANDIO, FRANCISCO FILHO; MATTOS, 2016).
Nowadays, in addition to serving as recreational areas, parks and green areas are considered important
factors in improving the ecosystem of urban regions as they function as air filters, microclimate
regulators, rainwater drains, odor eliminators/reducers (SHUDA; RAVINDRANATH, 2000), reducers of
sound pollution and wind intensity, and they encourage the use of vegetation borders and the
depollution of solid or gaseous particles in the air (TEIXEIRA; SANTOS, 2007).
In addition to the problems mentioned above, among the factors that cause stress and mental
disorders in Brazil and Latin America, is the accelerated growth of cities and industries (LOPES;
FAERSTEIN; CHOR, 2003). In fact, stress and mental disorders are factors that seem to increase along
with the age of the population (LIMA et al., 1996).
However, the stress that the urban population is submitted to can be reduced by the establishment of
leisure areas which have become, at least in the present day, a social necessity(ZANIN et al., 2005) and
can be used in activities for relaxation, fun, tranquility after work, and stress relief. Therefore,
increasing the creation and maintenance of green areas in urbanized areas should be one of the
strategies implemented to improve the quality of life of the population, (GOMES, 2014; ZANIN et al.,
2005), promote health and improve collective well- being in an inclusive and accessible manner
(SPERANDIO; FRANCISCO FILHO; MATTOS, 2016), which is already foreseen in the National Policy for
Health Promotion in Brazil (BRASIL, 2010).

MATERIAL E METHODS

This work is a qualitative descriptive/investigative research, mainly, but not exclusively. The methods
included a field survey to obtain a practical example and a bibliographical survey to substantiate the
hypothesis and reach the proposed objective.
The space used is a Religious Center that attends to the needy community of Bairro Jardim São Paulo
every day of the week, morning and afternoon, in the city of Alfenas-MG.
The municipality of Alfenas is located in the south of Minas Gerais with an approximate population of
79,000 inhabitants, with an altitude of 888 meters above sea level and an average annual temperature
of 19.6º C.
The field survey consisted of measuring the lot and checking the structure already built in loco.

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The space has an area of 280.33 m2 in a triangular format. Only a portion of the base of the triangle
on the lot is used, with precarious brick facilities and walls with no plumbing all built without any
planning.
The more acute portion of the triangle [lot] is an unfinished space partly lined with grass and some
plants on the border, with one side facing the street. This was the focus of the urbanization project
(figure 1).

Figure 1. Unbuilt part of the lot used as the basis for the project.

RESULTS

On the tapered portion of the base lot, to accommodate the purpose of the work and to take
advantage of this type of format, a triangular fountain was designed to have the water spouting from
the smaller angle and falling into a small pool with a base of 2 m and lengths of 1.5 m, with a depth of
0.40 m. The height will then be 1.12 m and the area 1.12 m2. The filled volume will be approximately
0.3 m3 or 300 L.
Ornamental aquatic plants of the species Nelumbo nutea (American lotus) will be placed in the
middle of the pool. The water outlet will be made via angel statues (Figure 2A, B), where a sound box
will be placed to play relaxing music, according to the proposal.

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Proposta De Procedimentos De Engenharia Sustentável Em Um local De Auxilio Social Para A População Carente

Figure 2. Statue with 3 angels for the fountain’s water outlet and specimens of the plant
Nelumbo nutea.
A larger triangle will be formed utilizing the smaller one described above, where, by the edges and by
the height of the triangle, the running water will return to the pool (Figure 3). The water from the
height of the triangle will pass through the center of a kiosk and a mini-garden with benches and the
water channels will be covered with glass. The rest of the area will be grassed (Figure 3).

Figure 3. Sketch of the structures to be implemented at the institution, mentioned partially

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above.
The channels through which the water will pass will be covered with grass.
The total area of the larger triangle will be approximately 4.5 m2, the kiosk area will bem 3.35 m2,
given a thickness of 0.3 m of the water channels on each side and the center. The height of the larger
triangle will be 4.48 m and the kiosk region will be 3.36 m. This distance will allow the placing of 2
benches of 1.40 m on each side of the central channel and 2 more perpendicular benches (figure 3).
The moving water will be cycled without the need for external sources, most of the time, because a
hydraulic pump of 0.5 Hp will be installed to draw water from the pool and feed to the statue.
On the larger portion of the base of the lot, an 8m-length square-shaped hall will be built, with an area
of 64 m2, with wide doors on three sides and a smaller door facing the already built area of the land,
where there is already a kitchen.
The hall must present characteristics that allow for it function as a place for serving meals and
teaching/lecturing. In terms of sustainability, the hall will allow for the collection of rainwater as well
as the implementation of photovoltaic cells on the roof.
In order to collect rainwater, an underground cistern will be built in the back, opposite the entrance of
the institution, with dimensions that accomodate the rains of the region and the roof area. The roof
area will be 81 m2 with a length of 8 m plus 1 m on each side. Using the Azevedo Neto method
(AMORIM; PEREIRA, 2008), the volume of the cistern shall be given by
𝑉 = 0,0042 ∙ 𝑃𝑎 ∙ 𝐴 ∙ 𝑇 [Eq. 1].

Where:
V is the volume of the cistern in L;
Pa is the average annual precipitation per year in L/m2; A is a catchment area in m2;
T is the number of months consisting of little rainfall or dry weather conditions (dimensionless). The
annual rainfall index in Alfenas is 1516 mm/year, with 6.5 months of drought, so,
𝑉 = 0,0042 ∙ 1516 ∙ 81 ∙ 6,5, therefore, 𝑉 = 3353 𝐿 .
The volume of the tank will be 3.4 m3. Before the water enters the cistern, it will pass through a filter
(water tank with a capacity of 3,000 L)
The installation of the photovoltaic cells must be done by a company that specializes in the organization
of the necessary documentation and the execution of the installation with little or no interference in
the work.
The height of the walls of the hall will be 5 m with windows at the top with exhaust fans on the roof
for natural air conditioning.

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The hall will be constructed with drywall steelframing.


The roof will be made with anti-thermal tiles with some of them being translucent placed in greater
quantity at the points of sunrise and sunset.
In order to maximize the space of the hall and to make it a multifunctional space, the tables used will
be those that can turn into benches, accommodating for both meals and teaching-learning activities
(figure 4).

Figure 4. Bench that converts into a table.


Gardens will be made in the area surrounding the hall, with the mentioned benches that become
tables.
At the entrance, an area will be reserved for the construction of an outdoor gymnasium (figures 5, 6).

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Figure 5. A to E, sketches of the main structures of the charity's urbanization project.

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Proposta De Procedimentos De Engenharia Sustentável Em Um local De Auxilio Social Para A População Carente

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Proposta De Procedimentos De Engenharia Sustentável Em Um local De Auxilio Social Para A População Carente

Figure 6. Three-dimensional perspective of the space. A General view. B Detailed view of the hall and
garden. C View of the pool and fountain. D General view of the entrance

DISCUSSION

The general guidelines adhered to, currently set forth by specialists, indicate the use of natural
resources in the construction of the proposal for the urbanization of the community space, while
upholding sustainability requirements.
In addition to this, the urbanization of community spaces must serve to make human life more
dignified, comfortable, peaceful (GOMES, 2014; ZANIN et al., 2005) and, ultimately, less stressful.
In this sense, the project developed presents a structure that merges urbanization and sustainability
within the same space with gardens, running water, and places for conversation and relaxation.
In explicit terms, in each case, a space has been carefully planned to facilitate comfort.
The installation of running water was first implemented because of its tranquilizing effects observed
in hospitals (ULRICH, 1984).
Natural landscape also exerts a positive effect in the alleviation or reduction of stress (SAMPAIO;
CHAGAS, 2010). The gardens and running water provide the basis for a green environment and stress
alleviator as intended in this project, as well as the benches strategically placed for people to be closer
and facing each other, increasing contact among the people and fostering social comfort (SPERANDIO;
FRANCISCO FILHO; MATTOS, 2016). In fact, it has recently been discovered that constant conversation
decreases the incidence of dementia (CACIOPPO; CACIOPPO, 2018).

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Proposta De Procedimentos De Engenharia Sustentável Em Um local De Auxilio Social Para A População Carente

Thus, the construction of this type of space meets the expectations of the National Policy for Health
Promotion in Brazil (BRASIL, 2010) and supports the construction of more ecological and urbanized
cities that support the microclimate (SHUDA; RAVINDRANATH, 2000; TEIXEIRA; SANTOS, 2007;
SPERANDIO; FRANCISCO FILHO; MATTOS, 2016)and public health.
To provide water for washing the spaces, filling the pool and canals, and using the bathrooms, a
rainwater collection system will be built on the roof, which will be stored in a cistern of approximately
3.40 m3 after being filtered Photovoltaic cells will supply power to the electrical and water heating
systems in the kitchen and toilets, which already exist in the built area. This system, with the 5 m
height of the hall walls and the natural ventilation system with raised windows and roof exhausts, will
generate energy efficiency.
These aspects adhere to sustainable construction practices (JACOBI; GIATTI, 2017) which are so
important in Brazil, where construction is lagging behind the more developed countries (GOMES et al.,
2013; LABUTO, 2014) and, therefore, non-traditional methods must be used.
Steelframing dry wall construction will allow for less use of cement, less waste of water and little waste
of material (VIEIRA, 2006), aside from providing great thermal insulation, with a shallow foundation,
thus being less costly (AVERSI-FERREIRA, 2018).
The use of the table-benches will make the environment conducive to meals or studies/lectures.
The outdoor gymnasium will be used for leisure activities to promote health, for example, for people
with diabetes mellitus, hypercholesterolemia, and the elderly in general who need to strengthen
muscles, among others.
In considering the proposal of this work, the project contemplates the health of individuals in terms
of preventive and curative medicine, focusing on the alleviation of the stress that affects people living
in urban spaces and/or affected by situations that may lead to syndromes of burnout or depression
(LOPES; FAERSTEIN; CHOR, 2003) which increase with age (LIMA et al., 1996).
Considering that the institution mainly serves the needy population, this project promotes an example
of citizenship and inclusion providing a green and comfortable space together with a gym, gardens and
a hall where properly trained people, the institution itself and NGOs can offer several courses of social
interest such as maternal and child care, personal hygiene, vocational courses, and a pleasant, cozy
space where, above all, the citizen feels like an integral part of society.

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Proposta De Procedimentos De Engenharia Sustentável Em Um local De Auxilio Social Para A População Carente

FINAL CONSIDERATIONS

The project proposal is feasible in terms of health and sustainability, objectives of this work, however,
in financial terms, other works could aim to budget and reduce the costs of its implementation because
the establishment of the theoretical data presented here fits very well within a modern Civil
Engineering and Architecture project, a scarcity in Brazil, that should be implemented in places that
provide assistance to the population, humanizing the treatment and approaching of the families
(MACEDO, 1999), considering some people only have access to this type of place if it is free (SANTOS;
MANOLESCU, 2008). In short, the type of project that was shown in this work can serve as an
instrument of social justice (CARVALHO, 2003) and preservation of the health of the population, as
well as serve as the basis for social welfare homes to create their green and ecological spaces.

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250
Proposta De Procedimentos De Engenharia Sustentável Em Um local De Auxilio Social Para A População Carente

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Proposta De Procedimentos De Engenharia Sustentável Em Um local De Auxilio Social Para A População Carente

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252
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 19
10.37423/200701965

MATO GROSSO PARA INGLÊS VER (E LER)!

Gabriel de Oliveira Rodrigues

Amanda Amorim Brescancim

Amanda Prevedello de Sousa


Mato Grosso Para Inglês Ver (E Ler)!

INTRODUÇÃO

Os estudos sobre mídia focam na configuração das relações de poder nas sociedades modernas, que
constroem e reproduzem valores e crenças, tornando a produção da notícia uma prática socialmente
construída.
Os estudos do discurso defendem que o sentido não se constitui apenas pelo reconhecimento das
palavras de uma língua. Há efeitos de sentido, já que o sentido se constitui na relação entre
interlocutores frente às condições sociais de produção do enunciado. Assim, a menção a um
determinado referencial pela mídia constrói socialmente efeitos de sentido sobre o referencial,
especialmente se ele não for parte do cotidiano da vida dos interlocutores - como o Estado de Mato
Grosso para americanos e britânicos no geral.
Esta pesquisa levantou a produção de efeitos de sentido construída quando Mato Grosso é
mencionado em matérias de mídia digital em língua inglesa e veiculada nos Estados Unidos e/ou na
Grã-Bretanha.
Figura 1: “Mapa de Mato Grosso”, segundo a CNN

Fonte: https://edition.cnn.com/2018/11/22/asia/most- isolated-tribes-missionary-scli-


intl/index.html

JUSTIFICATIVA

Para ter referências consideradas mais seguras acerca do Estado de Mato Grosso em língua inglesa,
recorremos ao que a mídia estabelecida nessa língua reporta a respeito do lugar, já que os portais

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Mato Grosso Para Inglês Ver (E Ler)!

oficiais do Governo do Estado de Mato Grosso não possuem versão outra que não em língua
portuguesa.
Para que se tenha conhecimento de como a grande mídia em língua inglesa constrói efeitos de sentido
acerca do Estado de Mato Grosso, realizamos um levantamento cuidadoso nos veículos com tais
características e que mencionem em seus conteúdos o Estado.
Num levantamento preliminar, Mato Grosso aparecia ligado a matérias cujos temas principais giravam
basicamente em torno de três eixos: turismo (em muito ligado ao Pantanal), ecologia (ligado à Floresta
Amazônica) e economia (ligado ao agronegócio). Entre menções positivas e negativas, este trabalho
identificou os efeitos de sentido construídos pelos textos em inglês acerca do Estado de Mato Grosso
em portais de conglomerados de informações, como os portais americanos CNN e CBSNews e os
britânicos BBC e TheGuardian.

METODOLOGIA

A primeira etapa foi dedicada ao levantamento e à leitura de material acerca de Mato Grosso
publicado na mídia de língua inglesa, privilegiando portais de grandes grupos de comunicação dos
Estados Unidos e do Reino Unido.
A segunda etapa foi dedicada à identificação dos efeitos de sentido produzidos por tais textos quando
tratavam do Estado de Mato Grosso nos textos publicados.
A terceira etapa foi dedicada à elaboração do resultado final do projeto, com a produção de material
que torne público o resultado desta empreitada no meio acadêmico, como apresentação de trabalho
em eventos científicos.

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Mato Grosso Para Inglês Ver (E Ler)!

Figura 2: “PrintScreen” da tela da procurapor “mato+grosso” no portal BBC

Fonte: https://www.bbc.co.uk/search?q=mato+grosso

RESULTADOS

O projeto “Mato Grosso para inglês ver (e ler)!” teve como fonte portais de notícias de língua inglesa
retratando Mato Grosso de forma geral como um Estado rico em fauna e flora, sempre destacando
seus biomas (Cerrado, Amazônia e Pantanal).
O Pantanal, bioma menos comentado nas reportagens, hoje representa apenas 2% do território
brasileiro e recorrentemente é retratado como “Gran Chaco”.
Gran chaco, nos textos, refere-se a uma grande área alagada que existe na Bolívia, no Paraguai e na
Argentina. O Brasil possui o Pantanal, que é também uma área alagadiça. Se englobarmos a área
alagada de toda a planície do centro do continente sul- americano está correto, pois o Pantanal faz
parte da porção mais rebaixada no relevo central da América do Sul. Estivemos diante de um
problema de tradução.
A Floresta Amazônica, muito citada, está presente em Mato Grosso, e muitas vezes é associada ao
Estado e à falta de conscientização de órgãos fiscalizadores, graças ao desmatamento que é de
conhecimento de todos, e é evidente em maioria de textos que tratam de Mato Grosso e da floresta
(Figura 2).

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Mato Grosso Para Inglês Ver (E Ler)!

CONCLUSÕES

Os portais de notícias pesquisados se detêm muito sobre meio ambiente e preservação da Amazônia
quando mencionam Mato Grosso, geralmente retratado ao lado do Brasil como Estado despreparado
para preservar sua rica fauna e flora. Em contrapartida, os mesmos portais reforçam que grandes
empresas não querem estar associadas ao desmatamento, nem serem coniventes com ele, com
receios de perda de mercado consumidor em outras partes do mundo (Figura 3).
O Cerrado é outro bioma com grande destaque. Ressalta-se a intensa ação da agropecuária, e
menciona-se sobre ter havido antigamente extração de ouro no Estado. Características de tal bioma,
chamado de “dry forest” (em oposição a “rain forest”), com as estações do ano bem definidas (chuva
sazonal) é destacado.
Por fim, americanos e britânicos recebem visões estereotipadas de Mato Grosso como um Estado
cujas dimensões equivalem à região centro-oeste do Brasil (Figura 1), com natureza exuberante e em
perigo, ameaçada por um Estado incapaz de preservá-la frente o poder econômico do agronegócio.
Figura 3: “Brazil, Burgers and Better Beef”no portal WWF

Fonte: https://www.worldwildlife.org/blogs/sustainability- works/posts/brazil-burgers-and-better-


beef

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257
Mato Grosso Para Inglês Ver (E Ler)!

REFERÊNCIAS

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Pontes, 2002.

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. Interpretação - Autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. Campinas: Pontes, 2004.

PINTO, Celi Regina Jardim. Elementos para uma análise de discurso político. Barbaroi. Revista do
Departamento de Ciências Humanas da UNISC. Santa Cruz do Sul, 2016.

5
258
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 20
10.37423/200701972

O PAPEL DO MONITOR NO AUXÍLIO, ENSINO E


ORGANIZAÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA-
AÇÃO

Herolysa Gomes Vasconcelos da Ponte

Sofia Tavares Morais

Tulius Augusto Ferreira de Freitas

Julio Cesar Couto Bem Siqueira Telles


O Papel Do Monitor No Auxílio, Ensino E Organização Do Projeto De Pesquisa-Ação

Resumo: A monitoria busca incentivar o interesse pela pesquisa e pela docência, de acordo com o
desenvolvimento de atividades de ensino, possibilitando a experiência de liderança na academia. A
iniciação à docência permite ao aluno monitor a organização do raciocínio de um pequeno grupo de
alunos, sendo observada a individualidade de cada acadêmico, permitindo um aprendizado facilitado
e simples. Em contrapartida, o projeto de pesquisa-ação, desenvolvido durante a disciplina de
Integração, serviço, ensino e comunidade (ISEC), busca não apenas fazer um diagnóstico de situação
da comunidade estudada, mas melhorar os seus indicadores sociais, demográficos e educacionais dos
cidadãos.
Nessa perspectiva, diante das dificuldades de elaborar um projeto de pesquisa ação efetivo, foi criada
a monitoria da disciplina Integração, serviço, ensino e comunidade (ISEC), que busca auxiliar os alunos
no desenvolvimento de um projeto executável e benéfico para a comunidade em questão,
considerando a sua epidemiologia, aspectos socioeconômicos e educacionais.
Trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de experiência, executado mediante vivências em
ambientes associados a atenção primária, como Unidades Básicas de Saúde ou em escolas, além de
reuniões para organização do projeto de pesquisa- ação com os alunos. Tal experiência ocorreu no
curso de graduação de Medicina, município de Fortaleza/CE, durante o ano de 2019.
O aperfeiçoamento dos conhecimentos relacionados à pesquisa-ação e o desenvolvimento de
intervenções junto aos docentes e acadêmicos favoreceram maior segurança e aprimoramento no
desempenho como monitor, assim como instigaram o interesse pela prática docente como uma
possibilidade de futura atividade profissional, uma vez que permitiu o desenvolvimento de atividades
vinculadas ao ensino e à pesquisa. Além disso, foi possível atender as necessidades dos alunos, uma
vez que foi criado um diálogo entre iguais, diminuindo um distanciamento que possa vir a existir na
sala de aula e tutorias.
Dessa forma, a monitoria contribuiu para o processo de formação das monitoras, pois é um programa
que proporciona experiência para aqueles que buscam ingressar na área da docência e um
aprimoramento profissional, assim como facilitar a integração e comunicação entre os alunos e
docentes.
Palavras-Chave: pesquisa-ação, iniciação à docência, ISEC, diálogo, educação médica.

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260
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 21
10.37423/200701976

CICATRIZAÇÃO DE FERIDAS: AS PRÁTICAS E


SABERES DE UMA COMUNIDADE RURAL EM
IGREJA NOVA/AL SOBRE O USO DA PLANTA
MERTIOLATE

Daniglayse Santos Vieira

Maria Lysete de Assis Bastos

Sara Roberta Cardoso da Silva Carvalho

Pedro Simonard

Fabianny Torres de Oliveira

Jorge Andres Garcia Suarez

Cristiana Marques Davino

Adriana Reis Todaro


Cicatrização De Feridas: As Práticas E Saberes De Uma Comunidade Rural Em Igreja Nova/Al Sobre O Uso Da Planta Mertiolate

Resumo: Utilizadas com finalidades terapêuticas há milênios, o uso de plantas medicinais tem sido
respaldado por políticas públicas. Desde a antiguidade, a população utiliza várias partes dessas plantas,
na forma de extrato, para tratamento de ferida. Este trabalho busca analisar o uso da planta mertiolate
(Jatropha multifida) no tratamento de ferimentos. A inquietação e curiosidade para desenvolvimento
do estudo que deu origem a este artigo surgiu após observação e experiência prática em um posto de
saúde, por parte de um dos autores, quando alguns pacientes que apresentavam algum tipo de
ferimento na pele chegavam ao posto de saúde para avaliação e relatavam que estava usando da
referida planta como remédio nestes ferimentos. Logo, considerando a prática de cuidar e as práticas
culturais da pessoa e da comunidade onde vive, este trabalho teve por objetivo relatar como as
pessoas que moram em uma comunidade rural, que são atendidas na Estratégia de Saúde da Família
usam o mertiolate no tratamento de feridas. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, tipo relato de
experiência, descritiva e observacional. Teve como locus a Estratégia de Saúde da Família VII, localizada
no povoado Fazenda Nova no Município de Igreja Nova/Alagoas durante o período de março a abril de
2019. Os dados foram coletados a partir da observação de uma das autoras durante as consultas de
enfermagem enquanto, Enfermeira da Estratégia de Saúde da Família. Foi constatado através deste
estudo, que muitas pessoas da comunidade recorrem a este tipo de tratamento com látex da planta,
sendo este considerado eficaz, segundo os moradores pois contribui para cicatrização dos ferimentos
em um curto período de tempo.
Palavras-Chave: Plantas Medicinais; Mertiolate (Jatropha multifida); Cicatrização; Conhecimento
popular.

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Cicatrização De Feridas: As Práticas E Saberes De Uma Comunidade Rural Em Igreja Nova/Al Sobre O Uso Da Planta Mertiolate

INTRODUÇÃO

Utilizadas com finalidade terapêutica há milênios, as plantas medicinais têm se tornado cada vez mais
populares. O uso dos vegetais para o tratamento de enfermidades remonta ao início da civilização e
encontra-se fortemente presente na cultura indígena, nas tradições africanas e pela cultura européia
trazida pelos colonizadores. Até hoje em todo o mundo esse conhecimento popular é transmitido entre
as gerações seja nas grandes cidades ou em comunidades rurais ou tradicionais, onde é possível ver o
cultivo dessas plantas medicinais (ROSSATO, CHAVES, 2012).
Tais saberes peculiares, que consistem em processos, modos de fazer e outros protocolos diferentes,
constituem o que se denomina de etnosaberes. Segundo Silva; Freire (2011), etnosaberes são “saberes
peculiares, que consistem em processos, modos de fazer e outros protocolos diferentes”. Os
etnosaberes seriam, então, os modos de dizer, de pensar e de fazer das comunidades tradicionais,
nelas ainda muito presentes, e que, de uma maneira geral, foram caracterizados como crendices,
superstições pelos processos de dominação colonial e que agora, num processo reverso de
descolonização, passam a ser mais valorizados e legitimados. Logo, de uma forma resumida, pode-se
definir etnosaberes como toda forma de saber ancestral que existe e se transmite em comunidades
tradicionais por meio da oralidade.
Para Fernandes (2016), os etnosaberes são processuais e relacionais o que explicaria as diferenças de
uso de plantas em localidades diferentes como também o uso de plantas diferentes para tratamentos
semelhantes em localidades diferentes, posto que o uso da planta está intimamente ligado ao
ambiente no qual a comunidade encontra-se inserida. Concordando com Fernandes, Bandeira (1999),
reconhece que os conhecimentos tradicionais são formas de conhecimento guiadas por
discernimentos locais, que podem sofrer variações regionais e culturais estando intimamente
vinculadas aos contextos nos quais foram produzidas, ao contrário dos conhecimentos científicos, que
correspondem a teorias construídas de modo a serem aplicáveis de maneira geral, com graus variados.
Desde a antiguidade a população usava várias partes das plantas, com produção, em especial, do
extrato, para tratamento de feridas. Sempre que ocorrer qualquer agressão de natureza física ou
química ao tecido da pele, rompendo sua integridade, forma-se uma ferida. Por ser o revestimento de
proteção do corpo humano, a pele desempenha quatro funções básicas:de proteção, termorregulação,
percepção e secreção e para exercê-las a pele precisa estar fisiologicamente saudável (ARAÚJO, 2015).
Logo, considerando a prática de cuidar e as práticas culturais da pessoa e da comunidade este trabalho
teve por objetivo relatar como as pessoas que moram em uma comunidade rural que são atendidas

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Cicatrização De Feridas: As Práticas E Saberes De Uma Comunidade Rural Em Igreja Nova/Al Sobre O Uso Da Planta Mertiolate

na Estratégia de Saúde da Família usam a planta medicinal conhecida popularmente como mertiolate
(Jatropha multifida) no tratamento de feridas.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, tipo relato de experiência, descritiva e observacional. Teve como
local a Estratégia de Saúde da Família/ESF VII localizada no povoado Fazenda Nova no Município de
Igreja Nova/Alagoas no período de março a abril de 2019. Os dados foram coletados a partir da
observação de uma das autoras que desempenha a função de Enfermeira na referida ESF. Para
embasamento teórico do estudo e para contribuir na discussão dos resultados foram utilizadas buscas
de artigos na Biblioteca Eletrônica Científica Online Scielo utilizando os seguintes descritores:
conhecimento popular, plantas medicinais, Jatropha. Não foram delineados tempo de publicação dos
artigos sendo usado como critério de inclusão os artigos que teriam relevância na temática proposta
pelo estudo.

PLANTAS MEDICINAIS E SUA IMPORTÂNCIA TERAPÊUTICA

Como bem analisa Albuquerque et al (2002), o saber tradicional é tido como um importante elemento
nos debates sobre o uso de recursos naturais. Este autor ressalta que várias pesquisas nos campos da
etnobiologia, ecologia humana e agroecologia dentre outras áreas têm ofertado informações valiosas
sobre o modo de apropriação dos recursos naturais pelas populações locais. Pode-se então, fazer
referência a etnobotânica, um campo que estuda a interação do binômio homem-planta, onde os
estudos permeiam desde trabalhos com listagens de plantas úteis em determinadas populações, até a
compreensão de como essas populações interagem com as plantas (BOSCOLO, 2013).
É preciso evitar que essa interação que ocorre entre as pessoas, as plantas e o conhecimento empírico,
para que não seja perdido. Nesse sentido, a OMS (2002), criou a Estratégia para uso da medicina
tradicional, a qual tem estimulado ações que favorecem o uso de práticas alternativas de saúde,
resgatando este saber local sobre plantas medicinais, com fins de contemplar uma atenção mais
integrada à saúde e que vá de encontro à realidade dos usuários. Neste mesmo documento, a OMS
aconselha o conhecimento das plantas medicinais de cada região, introduzindo-as no âmbito de
atenção primária à saúde proporcionando, assim, possibilidades de recuperação e manutenção do
bem-estar dos indivíduos, permitindo a redefinição do conceito de saúde, de doença e os tratamentos
colocados secularmente.
Essas observações realizadas sobre o uso popular e eficácia de plantas medicinais colaboram para a
disseminação de suas ações curativas. As plantas são indicadas pelos efeitos que produzem, ainda que
nem sempre tenham seus componentes químicos conhecidos. Assim, seus usuários acabam por

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Cicatrização De Feridas: As Práticas E Saberes De Uma Comunidade Rural Em Igreja Nova/Al Sobre O Uso Da Planta Mertiolate

manter a prática do uso, validando as informações terapêuticas acumuladas (MACIEL et al., 2002). Vale
ressaltar, que muitas pesquisas estão sendo desenvolvidas buscando elucidar os compostos químicos
das plantas, bem como, conhecer os saberes populares das comunidades rurais e urbanas,
contribuindo para levantamento das espécies vegetais. Heisler et al (2015) verificaram que, a partir da
década de 1990, vêm aumentando significativamente a quantidade de teses e dissertações que
abordam o uso de plantas medicinais no cuidado à saúde.
Este campo é considerado vasto para pesquisas e estudos científicos importantes não apenas para
comunidade científica, mas também para a população assistida. Macedo, Ferreira (2004) identificaram
plantas com potencial dermatológico, utilizadas pelas comunidades tradicionais e rurais no Estado do
Mato Grosso e registraram 36 espécies utilizadas no tratamento de doenças como afecções, feridas e
úlceras, erisipelas, herpes labial e verrugas.

POLÍTICA NACIONAL DAS PLANTAS MEDICINAIS E FITOTERÁPICOS

A Organização Mundial de Saúde desde 1978 no Relatório da conferência internacional sobre cuidados
primários de saúde em Alma-Ata tem recomendado que os países membros, especialmente os de
terceiro mundo, incluam no arsenal terapêutico para a saúde pública o aproveitamento das práticas
da medicina caseira, empregadas pelo povo. Do ponto de vista legal, o momento que demarca o início
do processo de inserção da Fitoterapia nos serviços de saúde ocorreu em 1988, quando a Comissão
Interministerial de Planejamento e Coordenação (CIPLAN), através da Resolução no 08, disciplinou a
introdução da Fitoterapia nos serviços de saúde (BRASIL, 2006). As mudanças econômicas, políticas e
sociais que eclodiram no mundo influenciaram não só, na saúde das pessoas como também nos
modelos de cuidado de forma integral, colaborando para a criação das políticas públicas no âmbito das
plantas medicinais e nos avanços na área de registro de fitoterápicos (ETHUR et al, 2011).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), planta medicinal é todo vegetal que contém, em um
ou vários de seus órgãos, substâncias que podem ser empregadas para fins terapêuticos ou
precursores de substâncias utilizadas para tais propósitos (OMS, 2002). O fitoterápico, por sua vez, é
o medicamento obtido empregando-se exclusivamente matérias-primas ativas vegetais e é
caracterizado pelo conhecimento de sua eficácia e dos riscos do seu uso assim como pela
reprodutibilidade e constância de sua qualidade (BRASIL, 2004). O Ministério da Saúde adota uma
classificação para as fitoterapias na Atenção Primária a Saúde, em três vertentes: popular, tradicional
e científica ocidental. A primeira vertente refere-se ao uso doméstico e de curadores populares das

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Cicatrização De Feridas: As Práticas E Saberes De Uma Comunidade Rural Em Igreja Nova/Al Sobre O Uso Da Planta Mertiolate

plantas medicinais; a segunda inclui os saberes tradicionais ou diferentes racionalidades médicas; e a


terceira refere-se às evidências científicas de plantas medicinais (BRASIL, 2012).
As ações com plantas medicinais e fitoterapia, acontecem na ESF, devido aos fundamentos e princípios
desse nível de atenção primária à saúde e pela natureza de suas práticas que envolvem interações
entre diferentes conhecimentos, parceria no cuidado e ações de promoção e prevenção. Essas relações
promovem o fortalecimento mútuo, isso porque a expansão da ESF contribui para a realização de
diversos programas, entre eles o de fitoterapia. Por meio de ações como visita domiciliar e atividades
de educação em saúde, às equipes se inserem nas comunidades, facilitando a troca de saberes e se
aproximando da população (BRASIL, 2012). Isso significa considerar a ESF como um ambiente favorável
para prática do diálogo respeitoso e enriquecedor entre saberes, técnicas e tradições diversas em
saúde.
No tocante aos profissionais de saúde, Helman (2009) ressalta a importância que estes devem
considerar em sua prática de cuidados no contexto e nas práticas culturais do indivíduo, o que inclui o
uso de plantas medicinais, embora falte ainda conhecimento sólido acerca do assunto por parte de
muitos profissionais. Entretanto, a assistência à saúde, tradicionalmente, ainda é caracterizada pelo
modelo biomédico, cujo foco incide sobre a doença e a cura a partir de parâmetros biológicos, e como
base a relação vertical entre médico e paciente, para a qual os determinantes psicossociais e culturais
interessam pouco para o diagnóstico e para a terapêutica (JUNGES et al, 2011).
Na maioria das vezes, o uso das plantas é indicado por parentes, vizinhos ou são utilizados segundo os
saberes e práticas sociais destes indivíduos. Situação essa que apresenta consonância com os estudos
de Silva, Freire (2011), os quais afirmaram que o conhecimento sobre plantas medicinais, tem sua
origem principalmente nas tradições familiares representando 57% das formas de acesso à informação
sobre fitoterapia.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PLANTA MERTIOLATE

A Jatropha multifida é conhecida pelo sinônimo Adenoropium multifidum ou pelos nomes populares
Planta-coral, Coral, Flor-de-coral, Flor-de-sangue, Bálsamo, Mertiolate. Uma pequena árvore cujas
flores vermelhas (Figura 1) com anteras amareladas, parecem pequenas peças de coral, apresenta látex
no caule e se reproduz pela semente ou por mudas. O fruto é uma pequena cápsula verde que quando
maduro fica amarelo. Em latim multifidus significa fendido em muitas partes, uma alusão às fendas
observadas em suas folhas. A planta mede cerca de 1,30 m de altura, podendo chegar a metros (BUCH,
ARANTES, CAMPELO, 2008; LEVIM et al, 2000).

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Cicatrização De Feridas: As Práticas E Saberes De Uma Comunidade Rural Em Igreja Nova/Al Sobre O Uso Da Planta Mertiolate

Figura 1. Flor do mertiolate

Fonte: Da própria pesquisa, 2019.


A planta Mertiolate (Figura 2) faz parte da farmacopéia natural do local onde esta pesquisa está sendo
realizada, ou seja, está presente na maioria dos quintais dos moradores do Povoado Fazenda Nova,
área de abrangência de uma equipe da ESF de Igreja Nova, em Alagoas.
Figura 2. Planta Mertiolate encontrada nos quintais.

Fonte: Da própria pesquisa, 2019.


As famílias interioranas apegam-se ao uso de recursos naturais para o tratamento de suas doenças
porque veem uma aplicabilidade prática, fácil e econômica com resultados satisfatórios. Os quintais
são uma das formas mais antigas de manejo da terra. No Brasil, quintal é o termo utilizado para se
referir ao terreno situado ao redor da casa, definido, na maioria das vezes, como a porção de terra
próxima à residência, de acesso fácil e cômodo, na qual se cultivam ou se mantêm múltiplas espécies
que fornecem parte das necessidades nutricionais da família, bem como outros produtos, como lenha
e plantas medicinais (BRITO; COELHO, 2000).
Durante a realização das consultas no posto de saúde, foi possível notar que os moradores confiavam
na utilização do látex da planta para tratar seus ferimentos. Alguns pontos foram identificados nestas

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267
Cicatrização De Feridas: As Práticas E Saberes De Uma Comunidade Rural Em Igreja Nova/Al Sobre O Uso Da Planta Mertiolate

consultas, como: o primeiro fato observado foi o cuidado com a colheita atentando-se para preservar
ao máximo a integridade da parte a ser coletada (Figura 3A), a folha bem no talo para saída do látex
de cor escura e consistência pegajosa. Sendo importante atentar para a orientação de não coletar, em
plantas doentes, com manchas, terra, poeira, partes deformadas, ou insetos. O segundo fato, diz
respeito ao modo de preparo: a folha retirada é utilizada diretamente na lesão, três vezes ao dia. Ao
passar o látex (Figura 3B) no ferimento após alguns segundos se forma uma camada plástica e bem
aderente. Em alguns dias o processo de cicatrização está finalizado.
Figura 3. Pecíolo.
A. Retirada do Pecíolo B. Látex após retirar pecíolo

Fonte: Da própria pesquisa, 2019.


A mertiolate é utilizada na medicina popular como cicatrizante de feridas, no tratamento da gonorréia,
infecções de pele e em alguns casos é ingerida como chá para tratamento de úlceras gástricas (BUCH,
ARANTES, CAMPELO, 2008). Alguns estudos científicos (BUCH, ARANTES, CAMPELO, 2008; CAMARGO,
VIEIRA, 2009; AIYELAGABE, 2001; KOSASI et al, 1989; PICCHI, 2007; MORAES et al, 2011)
realizados já identificaram sua atividade antimicrobiana frente alguns microorganismos, sua atividade
antinociceptiva e anti-inflamatória e também estudos que demonstraram sua ação cicatrizante.
O terceiro fato observado é que o conhecimento sobre o uso da planta mertiolate é transmitido de
geração a geração e é algo contínuo dentro da comunidade, mas também, esse conhecimento era
obtido por meio de vendedores de plantas medicinais, amigos ou pela mídia, não sendo citados os
profissionais de saúde. Foi constatado através deste estudo, que muitas pessoas da comunidade
recorrem a este tipo de tratamento com látex da planta, sendo este considerado eficaz segundo os
moradores, pois contribui para cicatrização dos ferimentos em pouco tempo, além disso o seu uso é
propagado também pela facilidade do acesso a essa parte da planta, e por ser um recurso que está
disponível durante todo o ano, quando bem manejada.

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Cicatrização De Feridas: As Práticas E Saberes De Uma Comunidade Rural Em Igreja Nova/Al Sobre O Uso Da Planta Mertiolate

Os profissionais de saúde da ESF enxergam essa prática da comunidade como algo que pode somar no
cuidado em saúde, porém para o exercício profissional no âmbito da fitoterapia e das plantas
medicinais são necessárias mais discussões sobre a temática na Atenção Básica e capacitação dos
profissionais de saúde.

CONCLUSÃO

O cultivo de espécies medicinais como meio alternativo de tratamento de enfermidades que


acometem a saúde humana, vem ganhando espaço tanto nas áreas rurais como o meio urbano. Sendo
importante compreender que em determinados locais, o conhecimento sobre a planta vem se
mantendo e sendo propagado entre familiares, amigos, vizinhos e mídia. Assim, ao se tratar de
costumes que os moradores vêm desenvolvendo ao longo do tempo, o estudo permitiu conhecer os
saberes e as práticas no cuidado com feridas a partir da eficácia do uso do látex da planta mertiolate.
Logo, é de fundamental importância para o profissional de saúde conhecer a realidade, na qual está
inserido, no sentido de identificar os saberes e valores culturais da comunidade com vistas a atrelar,
os mesmos, aos cuidados em saúde. Porém, é indispensável a capacitação desses profissionais para a
eficácia e segurança no uso da fitoterapia e das plantas medicinais na Atenção Básica. Espera-se, por
meio deste estudo, contribuir com o registro e caracterização do conhecimento popular destacando a
importância do cuidado com a saúde e do uso criterioso de plantas medicinais, aqui em especial da
Jatropha multifida, além de contribuir para valorizar o saber popular.

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269
Cicatrização De Feridas: As Práticas E Saberes De Uma Comunidade Rural Em Igreja Nova/Al Sobre O Uso Da Planta Mertiolate

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271
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 22
10.37423/200701980

OS CONTRATOS EMPRESARIAIS E O PRINCÍPIO


DA INTERVENÇÃO MÍNIMA

Larissa Bisetto Breus Felde

Jefferson Rosa Cordeiro


Os Contratos Empresariais E O Princípio Da Intervenção Mínima Do Estado: Lei 13.874/2019

Resumo: Trata o presente artigo do estudo da aplicação do princípio da intervenção mínima do Estado
nos contatros empresariais à luz da Lei da Liberdade Econômica (13.874/2019). A referida lei trouxe
várias alterações no que dizem respeito aos contratos empresariais, inclusive inserindo novos
princípios no direito civil e empresarial, com intuito de trazer maior segurança jurídica aos contratos
empresariais celebrados, mormente no que tange à sua função social, posto que o “pacta sun
servanda” passa a ser tratado como medida essencial ao bom cumprimento dos contratos. A presente
pesquisa tem inconteste relevância, pois pretende estabelecer os impactos da Lei da Liberdade
Econômica, especialmente no que se refere aos contratos empresariais e de que forma as novas
normas instituídas poderão garantir o cumprimento da responsabilidade social destes contratos e ao
mesmo tempo proporcionar o desenvolvimento econômico.
Palavras-Chave: Contratos empresariais; Intervenção mínima do Estado; Lei da liberdade econômica,
segurança jurídica.

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273
Os Contratos Empresariais E O Princípio Da Intervenção Mínima Do Estado: Lei 13.874/2019

INTRODUÇÃO

Não é novidade a crise econômica vivenciada pelo país nos últimos anos. Ocorre que, devido às
dificuldades enfrentadas pela população para superação da crise e o agravamento de problemas
sociais, como alto nível de desemprego, estagnação econômica, insegurança jurídica aos mais
vulneráveis no desenvolvimento das atividades econômicas, dentre outras, foram realizadas diversas
pesquisas em busca de soluções concretas e emergenciais, que promoveram a instituição da MP
811/2019, a qual foi recentemente convertida na Lei 13.874/2019.
A referida lei constituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelecendo garantias de
livre mercado, análise de impacto regulatório, além de outras providências. Foram estabelecidas como
premissas: a igualdade de oportunidade para pequenos e médios empresários, o foco dos Estados nas
situações de risco e o respeito ao federalismo, o que se traduz na desburocratização e simplificação
para os pequenos empreendedores.
Além disso, a Lei 13.874/2019 também trouxe alterações no regime jurídico dos contratos
empresariais, os quais são regidos pelo Código Civil e por legislações especiais, cujos reais efeitos ainda
são abstratos e muito polêmicos. As alterações promovidas referem-se inclusive, aos princípios dos
contratos empresariais, quais sejam: princípio da autonomia da vontade (liberdade contratual),
princípio da função social do contrato e princípio da boa-fé objetiva.
As empresas agem e atuam por meio dos contratos, pois precisam adquirir insumos, distribuir
produtos, associar-se para viabilizar o desenvolvimento de novas tecnologias, sendo que tudo isso
exige o estabelecimento de relações com terceiros. Justamente essa ação recíproca entre as empresas
e outros agentes interessa ao Direito, tendo em vista a celebração de contratos e, consequentemente,
as relações jurídicas (FORGIONI, 2015, p. 25).
Portanto, necessário se faz o estudo das novas diretrizes previstas na Lei 13.874/2019 com aplicação
nos contratos empresariais, bem como a forma como essas normas poderão garantir o cumprimento
da responsabilidade social dos contratos assegurando maior efetividade na universalização dos
benefícios da atividade produtiva. Assim, após realizar um breve estudo sobre as normas jurídicas e
princípios aplicáveis aos contratos empresariais antes e depois da instituição da referida lei, deverão
ser apurados os impactos das modificações ocorridas com relação ao cumprimento da
responsabilidade social dos contratos empresariais e sua efetividade.

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Os Contratos Empresariais E O Princípio Da Intervenção Mínima Do Estado: Lei 13.874/2019

1. CONTRATOS EMPRESARIAIS: NORMAS E PRINCÍPIOS APLICÁVEIS

O contrato nada mais é do que um acordo de vontade entre dois (bilaterial) ou mais (plurilateral)
sujeitos de direito, que visa estabelecer um vínculo jurídico de forma livre e declarada, com intuito de
criar, modificar e/ou extinguinr direitos e obrigações entre os contratantes, desde que não haja
contrariedade à lei. Para que um contrato seja reputado válido, ele deve observar os requisitos
elencados no artigo 104 do Código Civil, quais sejam: agente capaz; objeto lícito, possível, determinado
ou determinável; e, forma prescrita ou não defesa em lei (BRASIL, 2002).
Na dinâmica empresarial é intensa a necessidade de estabelecimento de relações jurídicas com
terceiros, pois a empresa precisa adquirir insumos, distribuir produtos, associar-se para viabilizar o
desenvolvimento de novas tecnologias, sendo que tudo isso é instrumentalizado por meio dos
chamados contratos empresariais. Portanto, os contratos são necessários para a própria organização
da atividade empresarial interna e externa.
Os contratos empresariais (comerciais ou mercantis) são aqueles celebrados exclusivamente entre
empresários, ou seja, por “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a
produção ou a circulação de bens ou de serviços”, conforme preceitua o artigo 966 do Código Civil
(BRASIL, 2002). Nas palavras de Forgioni (2010, p. 29):
A atenção do comercialista recai necessariamente sobre os contratos
interempresariais, ou seja, aqueles celebrados entre empresas, i.e., em que
somente empresas fazem parte da relação. Ao assim proceder, identificamos
os contratos empresariais com aqueles em que ambos (ou todos) os polos
da relação têm a sua atividade movida pela busca do lucro. É preciso
reconhecer: esse fato imprime viés totalmente peculiar aos negócios
jurídicos entre empresários.
Acrescenta Fábio Ulhoa Coelho (2016, p. 79) que

Os contratos são comerciais (mercantis ou empresariais) se as duas partes


são empresários, isto é, exploram atividade econômica organizada para a
produção ou circulação de bens ou serviços. A disciplina dos contratos
comerciais por regras específicas é condição para a adequada estruturação
do regime econômico de livre iniciativa. A tutela do crédito, a necessidade
de segurança e previsibilidade, o respeito à palavra dada e, principalmente,
a adequada premiação pelo sucesso na competição econômica compõe
elementos proprios do regime de direito comercial dos contratos.
Portanto, é possivel concluir que os contratos empresariais são contratos específicos e que possuem
diversas peculiaridades que justificam o seu estudo de forma separada dos demais contratos. O direito
brasileiro possuía tratamento distinto e específico para as obrigações civis, que eram regidas pelo
Código Civil de 1916, bem como para as obrigações mercantis, que eram devidamente tratadas pelo
Código Comercial de 1850, formando assim um sistema dúplice de normatização.

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275
Os Contratos Empresariais E O Princípio Da Intervenção Mínima Do Estado: Lei 13.874/2019

Importante ressaltar que não havia uma contraposição entre os direitos civil e comercial, sendo que a
relação existente entre os referidos institutos era de complementação, visto que o direito comercial
supria a falta de regulamentação específica da atividade empresarial pelo direito civil. Sobre essa
relação entre o direito civil e o direito comercial, explica Fábio Konder Comparato (1981, p. 251):

Não há, propriamente, contraposição de dois sistemas jurídicos distintos em


matéria de obrigações: o do Código Civil e o do Código Comercial. O que há
é um só sistema, no qual os dispositivos do Código de Comércio aparecem
como modificações específicas das regras gerais da legislação civil,
relativamente às obrigações e contratos mercantis. A duplicidade legislativa
aparece, tão-só, no que tange a essas regras de exceção, dentro do sistema
global.
No entanto, com a entrada em vigor do Novo Código Civil, em 2002, ocorreu a unificação das
obrigações, sendo o código comercial parcialmente revogado. Assim, passou-se a aplicar as regras do
código civil para supressão das lacunas do direito empresarial e do consumidor, sendo que inclusive a
atividade empresarial ganhou um regramento em Livro próprio no Código Civil (Livro II: Direito da
Empresa).
Esta unificação das obrigações foi alvo de duras críticas, tendo em vista as especificidades e princípios
próprios que regem as obrigações comerciais, o que demandaria a criação de um código exclusivo para
tratar da referida matéra, tamanha é a sua importância para o sistema econômico adotado no Brasil.
Um dos grandes problemas que decorre da falta de previsão específica do direito empresarial é a ampla
atuação do Poder Judiciário na resolução de conflitos envolvendo os contratos empresariais, que
muitas vezes acaba por violar ou relativizar o princípio da autonomia da vontade.
Sobre a importância de se preservar o regime comercial dos contratos, especialmente aqueles
tipificados no Código Civil, Fabio Ulhoa Coelho (2016, p. 79) afirma:

Percebe-se, então, a importância do regime comercial dos contratos, em que


o princípio da autonomia privada prepondera sobre o do equilíbrio dos
contratantes. Nos direitos de filiação romântica, em que se considerou
oportuno para a ordem positiva abrigar num único Código as normas dos
dois regimes cíveis (comercial e civil), é ainda mais importante ressaltar, no
plano tecnológico, essa importância. Conclusões precipitadas podem,
diante da unificação legislativa, levar a falsa ideia de superação da
classificação dos negócios em civis ou mercantis, à supressão da categoria
dos contratos comerciais. É função da tecnologia, de direito civil e comercial,
reforçar a pertinência e atualidade da distinção.
O direito contratual possui três modelos fundamentais de evolução, quais sejam: liberal, neoliberal e
reliberalizante. No modelo liberal prevalece a vontade das partes, de modo que a interferência do
Estado limita-se na garantia de tal prevalência. Já no modelo neoliberal a vontade que deve ser

4
276
Os Contratos Empresariais E O Princípio Da Intervenção Mínima Do Estado: Lei 13.874/2019

manifestada pelas partes, em determinadas situações, pode ser substituida pelo aparato estatal. E, por
fim, no modelo reliberalizante, que é o atual modelo adotado em nosso país, porém, ainda em
formação, existe a distinção entre o contrato firmado por sujeitos iguais e o contrato firmado entre
sujeitos desiguais, sendo prestigiada a vontade das partes naquele, e protegido o economicamente
mais fraco neste (COELHO, 2018).
Quanto às normas aplicáveis aos contratos empresariais, importante ressaltar que algumas espécies
encontram-se tipificadas no Código Civil, como é o caso dos contratos de comissão, agência e
distribuição, sendo que outros contratos são regidos por leis especiais. Neste caso, podem ser citados
como exemplo: o contrato de representação comercial autônoma, regulado pela Lei 4.886/68, alterada
pelas Leis 8.420/92 e 12.246/10, que impõe normas que protege o representante perante o poder
econômico do representado; o contrato de franquia empresarial regido pela Lei 8.955/95; e, o contrato
de concessão mercantil para veículos automotores, regulado pela Lei 6.729/79, alterada pela Lei
8.132/90.
Além da legislação aplicável, os princípios do direito contratual constituem importante instrumento
para resolução dos conflitos de interesse dos contratantes. Na doutrina são encontrados quatro
princípios de direito contratual que são unânimes: princípio da autonomia da vontade, princípio da
relatividade dos contratos, princípio da obrigatoriedade dos contratos e princípio da boa-fé contratual.
Importante ressaltar que estes princípios não possuem a mesma hierarquia, sendo que em
determinadas ocasiões um princípio poderá se sobrepor aos outros, buscando sempre a solução dos
conflitos da melhor forma possível.
O princípio da autonomia da vontade representa a liberdade e o poder do sujeito de direito dispor de
seus próprios interesses mediante acordo, de modo juridicamente válido e eficaz. Embora o direito de
contratar seja exercido sem a atuação do Estado, o princípio da autonomia não é ilimitado, posto que
deve respeitar a ordem pública, a moralidade, a proteção da vontade livre e consciente das partes e
dos contratantes débeis (COELHO, 2016, p. 39).
O artigo 421 do Código Civil dispõe que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites
da função social do contrato” (BRASIL, 2002). A função social do contrato veio justamente para limitar
a autonomia dos contratantes, evitando-se a abusividade e garantindo o equilíbrio entre as sujeitos de
direito. Contudo, o fato de não existir um conceito específico desenvolvido pela legislação ou pela
doutrina, exige que a sua interpretação do termo função social seja feita de forma moderada pelo
judiciário, evitando assim a utilização indevida do termo e a criação de um cenário de grande
insegurança jurídica.

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Os Contratos Empresariais E O Princípio Da Intervenção Mínima Do Estado: Lei 13.874/2019

Segundo o princípio da relatividade dos contratos, este só pode produzir efeitos entre os contratantes,
de modo que jamais pode interferir ou prejudicar direito alheio. Além disso, como destaca Silvio de
Salvo Venosa (2006, p. 373) “esse princípio da relatividade não se aplica tão somente em relação às
partes, mas também em relação ao objeto. O contrato sobre bem que não pertence aos sujeitos não
atinge terceiros”. Este princípio não é absoluto já que comporta algumas exceções, inclusive expressas
na legislação brasileira, como é o caso dos contratos de seguro e nas separações judiciais consensuais
(artigos 436 a 438 do Código Civil).
O contrato válido e eficaz faz lei entre as partes e deve ser cumprido, é o que diz o princípio da força
obrigatória dos contratos. É justamente essa obrigatoriedade que torna tangível o direito contratual,
na medida em que o ordenamento jurídico concede ao sujeito de direito os instrumentos necessários
para exigir o cumprimento da obrigação pelo contratante inadimplente ou, quando menos, garante
uma indenização por perdas e danos. Ao tratar desse princípio, Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 373)
afirma que
Decorre desse princípio a intangibilidade do contrato. Ninguém pode alterar
unilateralmente o conteúdo do contrato, nem pode o juiz, como princípio,
intervir nesse conteúdo. Essa é a regra. [...] A noção decorre do fato de terem
as partes contratado de livre e espontânea vontade e submetido a sua
vontade à restrição do cumprimento contratual porque tal situação foi
desejada.
Em princípio, o contrato deve ser cumprido nos exatos termos em que foi contratado, sem qualquer
interferência do Estado no seu conteúdo, cabendo exclusivamente a ambos os contrantes, em comum
acordo, eventual alteração contratual. Ainda sobre a obrigação do cumprimento do contrato, Fabio
Ulhoa Coelho (2016, p. 40) ressalta a sua importância do ponto de vista econômico:
A vinculação das partes ao contrato é importante não somente do ponto de
vista moral, de cumprimento da palavra empenhada. Trata-se de princípio
que corresponde a elemento estrutural da economia. Cada sujeito de direito
planeja suas ações no pressuposto de integral cumprimento dos contratos.
Esse pressuposto é pertinente, porque a expressiva maioria das obrigações
contratuais é de fato adimplida no tempo e lugar ajustados. Aquele
contratante que deixa de entregar no vencimento, a prestação por que se
obriga desencadeia, em graus variados, um movimento de frustração dos
planejamentos dos demais sujeitos.
A força obrigatória conferida aos contratos por lei é o que proporciona segurança às relações jurídicas,
posto que o seu conteúdo não é passível de revisão nem mesmo pelo juiz. Em caso de necessidade de
intervenção judicial, não haverá alteração em seu conteúdo, apenas poderá ser declarada a nulidade
ou a resolução do contrato.

6
278
Os Contratos Empresariais E O Princípio Da Intervenção Mínima Do Estado: Lei 13.874/2019

Sobre esse tema, Orlando Gomes (1979, p. 41) reconhece que, a despeito da obrigatoriedade dos
contratos, passou-se a aceitar, em caráter excepcional, a possibilidade de intervenção judicial no
conteúdo de certos contratos. A mudança de orientação deve-se a acontecimentos extraordinários que
revelaram a injustiça da aplicação do princípio em seus termos absolutos.
Portanto, verfica-se a realativização do princípio da obrigatoriedade dos contratos, posto que
atualmente é admitida a revisão ou extinção do contrato em caso de ocorrer um fato objetivo e
imprevisível capaz de modificar as condições originais do contrato, aplicando-se a teoria da imprevisão
O artigo 422 do Código Civil dispõe que: “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão
do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé” (BRASIL, 2002). A boa fé
objetiva trata-se de uma norma de conduta que deve ser obervada pelos contratantes em suas relações
obrigacionais. Sobre essa matéria, ensina Maria Helena Diniz (2014, p. 418):
A boa-fé subjetiva é atinente ao dato de se desconhecer algum vício do
negócio jurídico. E a boa-fé objetiva, prevista no artigo sub examine, é alusiva
a um padrão comportamental a ser seguido baseado na lealdade e na
probidade (integridade de caráter), proibindo o comportamento
contraditório, impedindo o exercício abusivo de direito por parte dos
contratantes, no cumprimento não só da obrigação principal, mas também
das acessórias, inclusive do dever de informar, de colaborar e de atuação
diligente.
Os artigos 113 e 187 do Código Civil (BRASIL, 2002) também tratam da boa-fé objetiva, na sua função
interpretativa e restritiva, respectivamente:

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e


os usos do lugar de sua celebração.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-
lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou
social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
A boa-fé enquanto elemento contratual é cláusula geral do contrato que cria deveres e obrigações
contratuais, delimitando e rompendo direitos, assim como vedando condutas das partes que entrem
em conflito com comportamentos que violem o princípio da dignidade da pessoa humana. (PEREIRA,
2014, p. 18-19).
A utilização da boa-fé objetiva pode ser justificada através do seu elemento ético, a confiança, visto
que os negócios jurídicos, principalmente os onerosos, são os principais instrumentos de produção e
distribuição de riquezas, motivo pelo qual se faz necessária a tutela da confiança estabelecida na
declaração de vontade dos sujeitos (PINHEIRO, 2015, p. 217).
É possível perceber que a combinação dos princípios da boa-fé e do equilíbrio contratual, com a
liberdade das partes ou autonomia da vontade, da pacta sunt servanda e o da relatividade de seus

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279
Os Contratos Empresariais E O Princípio Da Intervenção Mínima Do Estado: Lei 13.874/2019

efeitos, tem por finalidade encontrar limites na liberdade de contratar, sendo possível constatar a
amplitude da preocupação do legislador infraconstitucional ao positivar a boa fé no Código Civil de
2002, para o desenvolvimento e perpetuação de uma consciência coletiva, em prol da vida humana
(FATUCH NETO, 2018, p. 69).

2.MODIFICAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI 13.874/2019 APLICÁVEIS AOS CONTRATOS


EMPRESARIAIS

A Medida Provisória nº 881 de 30 de abril de 2019 (MP da Liberdade Econômica) foi proposta com a
finalidade de instituir a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica e estabelecer garantias de livre
mercado, conforme determina o art. 170 da Constituição Federal1.
A crise econômica que assola o País trouxe consequências graves como alto desemprego, estagnação
econômica, grande insegurança jurídica aos mais vulneráveis das atividades econômicas, sendo que o
atual governo, após realizar pesquisas para buscar soluções concretas e emergenciais, instituiu a
Medida Provisória nº 811/2019, também conhecida como a MP da Liberdade Econômica. Além de
desburocratizar e simplificar o processo de atuação dos pequenos empreendedores, trazendo
igualdade de oportunidade para os pequenos e médios empreendedores com intuito de alavancar a
economia, trouxe mudanças aplicáveis aos contratos empresariais.
A MP 811/2019 institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelece garantias de livre
mercado, análise de impacto regulatório, e dá outras providências. Conforme se verifica pelo artigo 2º
da referida Medida Provisória prevê a aplicação de mais três princípios ao direito empresarial: a
presunção de liberdade no exercício de atividades econômicas; a presunção de boa-fé do particular; e
a intervenção subsidiária, mínima e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades
econômicas.(BRASIL, 2019a).
O Capítulo II da MP 811/2019 que trata da Declaração de Direitos da Liberdade Econômica, reforça a
aplicação desses princípios. O caput do artigo 3º da MP possui a seguinte redação: “São direitos de
toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do
País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição: (...)”.(BRASIL, 2019a).
O inciso V, que trata da boa-fé objetiva, determina que deve prevalecer a presunção de que as pessoas
são honestas até que seja provado o contrário:
V - gozar de presunção de boa-fé nos atos praticados no exercício da
atividade econômica, para os quais as dúvidas de interpretação do direito
civil, empresarial, econômico e urbanístico serão resolvidas de forma a
preservar a autonomia de sua vontade, exceto se houver expressa disposição
legal em contrário; (BRASIL, 2019a).

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280
Os Contratos Empresariais E O Princípio Da Intervenção Mínima Do Estado: Lei 13.874/2019

O artigo 3º, inciso VIII trata do respeito aos contratos empresariais entre as partes privadas, o que trará
maior segurança jurídica aos empresários e até mesmo o alinhamento às melhores práticas
internacionais, já que o pactuado entre as partes terá força de lei. Confira-se o texto do referido inciso:
VIII - ter a garantia de que os negócios jurídicos empresariais serão objeto
de livre estipulação das partes pactuantes, de forma a aplicar todas as
regras de direito empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado,
hipótese em que nenhuma norma de ordem pública dessa matéria será
usada para beneficiar a parte que pactuou contra ela, exceto se para
resguardar direitos tutelados pela administração pública ou de terceiros
alheios ao contrato; (BRASIL, 2019a).
Ainda que os contratos externassem a vontade das partes, o Poder Judiciário possuía amplos poderes
para modificar o conteúdo contratual, gerando grande insegurança jurídica nos negócios. Ocorre que
um dos objetos da Medida Provisória 811/2019 é a reafirmação da força obrigatória dos contratos, ou
seja, exige-se o respeito a palavra dada e a manutenção de suas cláusulas nos termos em que foram
avençadas pelos contratantes (TOMASEVICIUS FILHO, 2019). Ou seja, o pacta sun servanda tornou-se
uma medida essencial para o bom cumprimento dos contratos empresariais.
Portanto, as principais alterações trazidas pela MP da Liberdade Econômica e que terão como resultado
maior segurança jurídica para os contratos empresariais são: o princípio da intervenção do Estado
como exceção para a área dos contratos, a regra do contra proferentem será válida para todos os
contratos; respeito às cláusulas de interpretação dos contratos empresariais e presunção de simetria
entre os pactuantes em contratos empresariais.
Por fim, a MP da Liberdade Econômica traz em suas disposições finais as alterações promovidas no
Código Civil, vejamos:
Art. 7º A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, passa a vigorar
com as seguintes alterações:
(...)
“Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da
função social do contrato, observado o disposto na Declaração de Direitos
de Liberdade Econômica. Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas,
prevalecerá o princípio da intervenção mínima do Estado, por qualquer dos
seus poderes, e a revisão contratual determinada de forma externa às partes
será excepcional.” (NR)
“Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas que gerem dúvida
quanto à sua interpretação, será adotada a mais favorável ao aderente.
Parágrafo único. Nos contratos não atingidos pelo disposto no caput, exceto
se houver disposição específica em lei, a dúvida na interpretação beneficia a
parte que não redigiu a cláusula controvertida.” (NR)
“Art. 480-A. Nas relações interempresariais, é licito às partes contratantes
estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação de requisitos de
revisão ou de resolução do pacto contratual.” (NR)

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Os Contratos Empresariais E O Princípio Da Intervenção Mínima Do Estado: Lei 13.874/2019

“Art. 480-B. Nas relações interempresariais, deve-se presumir a simetria dos


contratantes e observar a alocação de riscos por eles definida.” (NR) (BRASIL,
2019a).
A Medida Provisória da Liberdade Econômica foi convertida na Lei nº 13.874, de 20 de setembro de
2019, que estabelecia em seu art. 20, inciso I, que os artigos 6º ao 19 entrariam em vigor noventa dias
após a sua publicação. Ocorre que o citado inciso foi vetado, restando somente a informação constante
no inciso: “II - na data de sua publicação, para os demais artigos”(BRASIL, 2019b). Em razão disso,
aplica-se no caso o disposto no caput do art. 1º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,
ou seja, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada
(BRASIL, 2002).
Com relação ao art. 3º da Lei da Liberdade Econômica que trata da declaração de direitos de liberdade
econômica, importante destacar a alteração realizada no texto do inciso VIII da MP, que previa
expressamente a impossibilidade da utilização de norma de ordem pública para benefício da parte que
pactuou contra, ela exceto se para resguardar direitos tutelados pela administração pública ou de
terceiros alheios ao contrato.
Já o inciso contido na Lei nº 13.874/2019 simplesmente traz as normas de ordem pública como
exceção, de modo que estas terão total prioridade ainda que sobre as cláusulas pactuadas
expressamente entre as partes por livre e espontânea vontade:
VIII - ter a garantia de que os negócios jurídicos empresariais paritários serão
objeto de livre estipulação das partes pactuantes, de forma a aplicar todas
as regras de direito empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado,
exceto normas de ordem pública;(BRASIL, 2019b).
O que se pretende deixar claro é que as normas de direito contratual empresarial servirão apenas para
complementar a vontade dos contratantes externada no instrumento, exceto as normas de ordem
pública. Ou seja, as cláusulas existentes nos contratos empresariais paritários não poderão ser
declaradas nulas por contrariar a lei, exceto se contrariar norma de ordem pública.
No que tange às alterações promovidas no Código Civil, embora a Lei 13.874/2019 tenha mantido a
essência das alterações e inclusões de novas normas, o fez de maneira diferente, alterando outros
dispositivos do que aqueles que foram citados na MP. Confira-se:
Art. 7º A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a
vigorar com as seguintes alterações:
(...)
“Art.113. .........................................................................................................
.............
§1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que:
I - for confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração do
negócio;

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282
Os Contratos Empresariais E O Princípio Da Intervenção Mínima Do Estado: Lei 13.874/2019

II-corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo


de negócio;
III-corresponder à boa-fé;
IV- for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável; e
V-corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a
questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da
racionalidade econômica das partes, consideradas as informações
disponíveis no momento de sua celebração.
§ 2º As partes poderão livremente pactuar regras de interpretação, de
preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos diversas
daquelas previstas em lei.” (NR)
“Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social
do contrato.
Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio
da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.” (NR)
“Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e
simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o
afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em
leis especiais, garantido também que:
I-as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a
interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou
de resolução;
II- a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada;
e
III-a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e
limitada.”(BRASIL, 2019b).
Assim, em razão das importantes alterações e inclusões normativas instituídas por meio da Lei
13.874/2019, recentemente publicada, que não só modificou o Código Civil, mas também legislações
especiais, cujos reais efeitos ainda são abstratos e muito polêmicos, necessário se faz estabelecer os
impactos desta lei, especialmente no que se refere aos contratos empresariais e as possibilidades de
sua revisão.

3. IMPACTOS DA LEI 13.874/2019 NA REVISÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS

A Lei da Liberdade Econômica trouxe mudanças no Código Civil relacionados à liberdade de contratar
com intuito de proporcionar maior segurança jurídica, reduzindo, assim, o número de ações judiciais
alusivas aos contratos empresariais. Contudo, será que a norma instituída em relação à revisão
contratual trata-se de uma inovação no campo jurídico brasileiro ou o legislador apenas regulamentou
o que já era debatido pela doutrina e aplicado pelos tribunais pátrios?
Primeiramente, necessário ponderar que nunca se verificou no ordenamento jurídico brasileiro
qualquer artigo que possibilitasse a revisão dos contratos empresariais de forma ampla e geral, de
modo que esta prática sempre foi tratada como uma exceção. Inclusive, interpretando-se literalmente
os artigos 478 e 479 do Código Civil, é possível perceber que o legislador estabeleceu como regra a

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Os Contratos Empresariais E O Princípio Da Intervenção Mínima Do Estado: Lei 13.874/2019

resolução do contrato nos casos em que as alterações de circunstâncias fáticas tornarem impossível o
cumprimento da obrigação, estipulando a revisão contratual como mera exceção à regra. Confira-se:
Art.478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação
de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema
vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e
imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da
sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art.479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar
equitativamente as condições do contrato. (BRASIL, 2002).
Além do legislador enquadrar a revisão contratual como exceção à regra, note-se que ele exigiu a
proposição de alteração equitativa das condições do contrato pelo beneficiado pela onerosidade
excessiva, ou seja, a revisão contratual somente ocorrerá se existir uma proposta por parte do credor.
Verifica-se neste caso uma hipótese de desequilíbrio contratual, tendo em vista que o artigo 479 do
Código Civil deixa ao arbítrio exclusivo do credor a possibilidade de manutenção do contrato, pois,
ainda que o devedor pretenda a manutenção do contrato, se esta não for a vontade do credor, o
contrato será resolvido.
Da simples leitura do artigo 478 do Código Civil é possível extrair os requisitos necessários que devem
estar presentes de forma concomitante na situação fática para que se autorize a resolução do contrato,
quais sejam: a) o contrato deve ser de trato sucessivo, não podendo sua execução ser instantânea,
devendo prolongar-se no tempo; b) a prestação de uma das partes deve ter se tornado excessivamente
onerosa; c) deve haver uma vantagem indevida e exagerada para o outro contratante; d) o
desequilíbrio contratual deve decorrer de acontecimento extraordinário e imprevisível, ou seja, não é
qualquer mudança fática que autorizará a resolução do contrato. (BRASIL, 2002).
Sobre a imprevisibilidade do contrato, explicam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery
(2019a):
O contrato se forma e se conclui no pressuposto de que entre a sua
conclusão e a sua execução não sobrevenham acontecimentos estranhos,
independentes da vontade das partes, que elas não podem prever e que de
tal forma alteram as circunstâncias que, na execução, o contrato deixa de
corresponder, não só à vontade dos contraentes, como à natureza objetiva
dele, considerado como instrumento. O risco que os contraentes assumem
não pode ser entendido em proporção que exceda o risco normal, isto é, o
que se compreende nos limites da previsibilidade humana. Levar mais longe
o dogma da intangibilidade do contrato seria, sob pretexto de garantir a
liberdade contratual, destruir o fundamento do contrato, a sua base
econômica e moral, como instrumento de comércio e da cooperação entre
os homens. A revisão pode compreender não somente o reajustamento dos
preços, de maneira a distribuir equitativamente entre os contraentes as
consequências da agravação imprevista das prestações como a dilatação de
prazos contratuais.

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Os Contratos Empresariais E O Princípio Da Intervenção Mínima Do Estado: Lei 13.874/2019

Da mesma forma, para que seja possível a intervenção judicial nos contratos para fins de revisão das
suas cláusulas também se faz necessária a presença dos mesmos requisitos. Em seguida, se o juiz
entender pela procedência do pedido, redigirá a cláusula que causou a quebra do negócio jurídico, a
fim de devolver-lhe o equilíbrio, conforme pretendido pelos contratantes. A revisão judicial do contrato
será sempre fundamentada pela incidência das cláusulas gerais da função social do contrato (art. 421
CC), da boa-fé objetiva (art. 422 CC) e da base objetiva do negócio (art. 422 CC). (NERY JUNIOR; NERY,
2019b).
Outras possibilidades de revisão contratual previstas expressamente no Código Civil são as situações
descritas nos artigos 317 e 480:
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção
manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua
execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure,
quanto possível, o valor real da prestação.
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes,
poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo
de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva. (BRASIL, 2002).
Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 462-463) defende a revisão e a intervenção judicial ressaltando a sua
importância, nos seguintes termos:
Não podemos, contudo, obstar a apreciação da revisão judicial, uma vez que
a experiência e a prática demonstram que, sem a intervenção judicial,
importantes segmentos sociais seriam levados a penúria. Sempre deve
imperar o bom senso, que felizmente tem sido apenágio de nossos tribunais.
Com o instrumento da intervenção à mão dos juízes, concede-se um meio
de evitar as temidas inequidades, sem quebra dos princípios tradicionais
orientadores dos contratos. É aplicação do sentido geral de justiça.
Há quem defenda que o Código Civil deveria ter estabelecido o instituto da revisão dos contratos por
onerosidade excessiva como regra e não a sua resolução prematura. Segundo Milton Alves Júnior
(2007, p. 177-209), o referido entendimento seria mais coerente com o ideal do Código Civil/2002,
que seguiria uma linha mais voltada para manutenção dos contratos do que para sua extinção.
Importante ressaltar que o princípio da manutenção do contrato possui o intuito de protegê-lo da
sua extinção por inadimplência, a fim de que o contrato possa surtir todos os efeitos pretendidos
pelas partes, garantindo, além de tudo a circulação de riquezas no País.
Inclusive, o princípio da manutenção dos contratos foi objeto de debate na III Jornada de Direito Civil,
ocorrida em Brasília (DF), nos dias 1°, 2 e 3 de dezembro de 2004, realizada pelo Centro de Estudos
Judiciários do Conselho da Justiça Federal. E, conforme destaca Edílson Pereira Nobre Júnior (2005,
p. 53-65), nessa jornada foi aprovado o seguinte enunciado: “Em atenção ao princípio da conservação
dos negócios jurídicos, o artigo 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à

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Os Contratos Empresariais E O Princípio Da Intervenção Mínima Do Estado: Lei 13.874/2019

revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual”. Defende-se, portanto, a preservação do
negócio jurídico, cabendo ao intérprete buscar sempre a melhor opção para recompor o equilíbrio
contratual.
Anderson Schreiber (2019, p. 245-246) defende a imprescindibilidade da intervenção do Estado nas
relações contratuais de natureza privada ao comentar os artigos da Medida Previsória 881/2019,
antes de ser convertida na Lei 13.874/2019:
A MP n. 881/19 também introduziu no art. 421 um parágrafo único, que
estabelece a prevalência de um assim chamado ‘princípio da intervenção
mínima do Estado’ e reserva caráter ‘excepcional’ à revisão contratual
‘determinada de forma externa às partes’. Mais uma vez, o equívoco salta
aos olhos. Não existe um ‘princípio da intervenção mínima do Estado’; a
intervenção do Estado nas relações contratuais de natureza privada é
imprescindível, quer para assegurar a força vinculante dos contratos, quer
para garantir a incidência das normas jurídicas, inclusive das normas
constitucionais, de hierarquia superior à referida medida provisória. A MP n.
881/19 parece ter se deixado se levar aqui por uma certa ideologia que
enxerga o Estado como inimigo da liberdade de contratar, quando, na
verdade, a presença do Estado – e, por conseguinte, o próprio Direito –
afigura-se necessária para assegurar o exercício da referida liberdade. No
que tange à revisão contratual, também parece ter incorrido a medida
provisória nessa falsa dicotomia entre atuação do Estado-juiz e liberdade de
contratar, quando, ao contrário, a revisão contratual privilegia o exercício
dessa liberdade ao preservar a relação contratual estabelecida livremente
entre as partes, ao contrário do que ocorre com a resolução contratual,
remédio a que já tem direito todo contratante nas mesmas situações em que
a revisão é cabível (v. comentários ao art. 478). Se a intenção da MP foi evitar
que revisões judiciais de contratos resultem em alterações excessivas do
pacto estabelecido entre as partes, empregou meio inadequado: afirmar que
a revisão contratual deve ser excepcional nada diz, porque não altera as
hipóteses em que a revisão se aplica, as quais são expressamente
delimitadas no próprio Código Civil. O novo parágrafo único, acrescentado
pela MP, tampouco indica parâmetros, critérios ou limites à revisão
contratual, o que leva a crer, mais uma vez, que a alteração não produzirá
qualquer efeito relevante no modo como a revisão contratual é aplicada na
prática jurisprudencial brasileira – aplicação que, de resto, já se dá com
bastante cautela e parcimônia, sem interferências inusitadas no conteúdo
contratual.
Conforme já mencionado, a revisão contratual exige o preenchimento dos mesmos requisitos previstos
para resolução contratual, insculpidos no art. 478 do Código Civil, além das situações expressamente
previstas no ordenamento jurídico, de modo que não será qualquer argumentação de cunho subjetivo
que será capaz de ensejar a revisão dos contratos empresariais. Um exemplo dessa situação é o fato
de que já é pacífico na doutrina e na jurisprudência que o fator econômico denominado inflação não
é considerado imprevisível em posso País, e por sua vez não enseja à revisão do respectivo contrato 2 .

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Os Contratos Empresariais E O Princípio Da Intervenção Mínima Do Estado: Lei 13.874/2019

Ainda no que se refere à revisão contratual, o artigo 421-A, inserido no Código Civil, possibilita às partes
dos contratos civis e empresariais negociar os parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas
negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução. Confira-se:
Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e
simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o
afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em
leis especiais, garantido também que:
I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a
interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou
de resolução;
II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e
observada; e
III - a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.
(BRASIL, 2002).
Ao analisar o referido dispositivo legal, Hugo Tubone Yamashita (2020) chama a atenção para as
eventuais dúvidas quanto à possibilidade de as partes modificarem o modelo da onerosidade
excessiva:
Indaga-se: poderão os contratantes derrogar algum dos requisitos legais
(ônus excessivo a uma das partes, evento extraordinário e imprevisível e
extrema vantagem a outra) para a incidência do suporte fático do artigo 478?
Poderão ainda determinar como resultado apenas a resolução ou a revisão
do convencionado diante da superveniência inesperada? Poderá ser
contratada a modulação temporal dos efeitos da sentença de eventual
processo judicial?
Na sequência, Hugo Tubone Yamashita (2020) apresenta sua opinião sobre o assunto:

Parece-nos que, diante da racionalidade limitada inerente à condição


humana, seria contra legem uma derrogação da disposição legal de forma
ampla e genérica. Eventual delimitação dar-se-ia para situações fáticas
específicas, bem delineadas pelas partes no texto contratual, que, a bem da
verdade, nem mesmo se trataria de caso de onerosidade excessiva. Afinal,
se uma determinada hipótese fática já foi antecipada no texto contratual,
que é naturalmente incompleto, não haveria verdadeiramente uma situação
imprevisível e extraordinária, na dicção do artigo 478 do Código.
Portanto, percebe-se facilmente que a Lei 13.874/2019 não só deixou de trazer alterações significativas
sobre a revisão contratual, como trouxe pequenas novas regras que trazem inúmeras dúvidas quanto
à sua aplicabilidade, que certamente terão que ser resolvidas pelos Tribunais e pelos operadores de
direito.
Em um panorama geral, a Lei da Liberdade Econômica representa um avanço em determinadas
matérias dos contratos empresariais, especialmente no que tange à sua diferenciação aos demais
contratos e aplicação de regras já amplamente reconhecida pela doutrina e jurisprudência. Em
contrapartida, no tange à tutela do equilíbrio contratual nos negócios firmados entre empresários, é

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Os Contratos Empresariais E O Princípio Da Intervenção Mínima Do Estado: Lei 13.874/2019

possível perceber que as modificações pouco contribuem para a solução de conflitos nesse âmbito
(YAMASHITA, 2020).
Quanto aos princípios, a Lei 13.874/2019 tentou trazer uma maior valorização à autonomia privada,
contudo, não se pode afirmar que este princípio, juntamente com a força obrigatória do contrato e a
intervenção mínima passaram a ser princípios absolutos e, portanto, inafastáveis, pois eles devem ser
ponderados e mitigados frente a outros regramentos como é o caso da função social do contrato e
boa-fé objetiva. Pretende-se, com isso, a busca do equilíbrio contratual perdido e a vedação dos abusos
e excessos negociais comuns em nosso País (TARTUCE, 2019).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o referido trabalho, procurou-se demonstrar as modificações introduzidas em nosso


ordenamento jurídico pela instituição da Lei 13.874/2019, aplicáveis especificamente aos contratos
empresariais, além de estabelecer o seu impacto na revisão dos contratos empresariais. A pesquisa se
deu através de referencial bibliográfico, especialmente por ainda não ser possível visualizar na prática
os reais efeitos da Lei da Liberdade Econômica sobre os contratos empresariais, tendo em vista a sua
recente vigência.
O artigo 3º da Lei 13.874/2019, que trata da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, traz
regras que visam ampliar e preservar a autonomia da vontade das partes, pois, além dos negócios
jurídicos empresariais paritários passarem a ser objeto de livre estipulação entre as partes, as dúvidas
de interpretação serão resolvidas de maneira a preservar a autonomia privada, aplicando-se as regras
de direito empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado. Ademais, os artigos do Código Civil,
alterados pela Lei da Liberdade Econômica passaram a prever expressamente o princípio da
intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.
O princípio da obrigatoriedade dos contratos é baseado no pacta sunt servanda, ou seja, o pactuado
entre as partes contratantes, que manifestaram previamente suas vontades nestes sentidos criando
direitos e deveres, torna obrigatório o seu cumprimento, salvo se estivermos diante da existência de
um vício insanável que torne o contrato nulo. Inclusive, as partes podem recorrer ao judiciário para
obrigar o contratante inadimplente ao cumprimento das obrigações assumidas, além de exigir a
indenização devida por eventuais perdas e danos.
Verifica-se, portanto, que a revisão judicial nada mais é do que a intervenção do Poder Judiciário nas
relações jurídicas, visando à manutenção da vontade das partes e o reequilíbrio do contrato, afastando
a onerosidade excessiva da prestação de uma das partes. Ressalta-se ainda, que a manutenção do

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contrato é imprescindível para garantir a circulação de riquezas e a ascensão da economia na


sociedade.
Por fim, é inconteste que o legislativo, mais uma vez, deixou de normatizar a questão da revisão
contratual de forma clara e específica como fez com a resolução contratual, de modo que com a Lei
13.874/2019 ao tratar da revisão contratual apenas a manteve como medida excepcional, cabendo à
doutrina explorar a questão e aos tribunais exigir a presença dos requisitos necessários, concendo a
revisão com parcimônia. E agora, somente com o passar do tempo, poderemos descobrir na prática se
a Lei da Liberdade Econômica trouxe alterações contundentes que, em uma análise teórica inicial nao
parece existir.

17
289
Os Contratos Empresariais E O Princípio Da Intervenção Mínima Do Estado: Lei 13.874/2019

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(Código Civil), 6.404, de 15 de dezembro de 1976, 11.598, de 3 de dezembro de 2007, 12.682, de 9 de
julho de 2012, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 10.522, de 19 de julho de 2002, 8.934, de 18 de
novembro 1994, o Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946 e a Consolidação das Leis do
Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943; revoga a Lei Delegada nº 4, de
26 de setembro de 1962, a Lei nº 11.887, de 24 de dezembro de 2008, e dispositivos do Decreto-Lei nº
73, de 21 de novembro de 1966; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 10 set. 2019.
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Os Contratos Empresariais E O Princípio Da Intervenção Mínima Do Estado: Lei 13.874/2019

NOTAS
1Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante
tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos
de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno
emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis
brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica,
independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
2Civil. Teoria da Imprevisão. A escalada inflacionária não é um fator imprevisível, tanto mais quando
avençada pelas partes a incidência de correção monetária precedentes. Recurso não conhecido (STJ,
Resp 87.226/DF (9600074062), Rel. Min. Costa Leite, Decisão: por unanimidade, não conhecer do
recurso especial, j. 21.05.1996, 3ª turma, DJ 05.08.1996, p.26.352. Veja:AgA 12.795/RJ, AgA 51.186/SP,
AgA 58.430/SP).

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Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 23
10.37423/200701981

AÇÕES EDUCATIVAS ACERCA DOS FATORES DE


RISCO, PREVENÇÃO E CONTROLE DO CÂNCER
DE MAMA

Francisca Jakelyne de Farias Marques

Evelane Germano Nunes

Everton Sousa Amaral

Ismael Ferreira Batista

Francisco Lucas Pinto Rodrigues

Giselly Maiden Facundo Vieira

Ana Izabel da Silva Moreira


Ações Educativas Acerca Dos Fatores De Risco, Prevenção E Controle Do Câncer De Mama.

Resumo: O Câncer de mama, considerado a segunda maior causa de mortalidade em mulheres entre
40 e 65 anos, representa um problema de Saúde Pública. Segundo o Instituto Nacional de Câncer,
pressupõe-se 625.000 novos casos/ano para o Biênio 2020-2022. Muitos fatores de risco estão
relacionados à doença, gerando alterações físicas, psicológicas, sociais e forte impacto na qualidade
de vida dessas mulheres. O objetivo desse estudo foi avaliar o efeito de ações Educativas em Saúde
voltadas para sensibilização, orientação e detecção precoce do câncer de mama. Para tanto, foi
realizado um estudo descritivo quantitativo, de caráter transversal, que teve como população alvo,
mulheres frequentadoras de academias de ginástica em Fortaleza/CE. O estudo foi aprovado segundo
Parecer: 2.006.946/CAAE 63903617.3.0000.5049. As ações educativas foram executadas entre
outubro e dezembro de 2017, através de palestras expositivas, distribuição de materiais sobre o
assunto e aplicação de questões de múltipla escolha. Participaram da pesquisa 149 mulheres, das quais
41,2% tinham idade entre 20 e 30 anos. Conclui-se que o método deste trabalho foi satisfatório, visto
que um número significativo de mulheres participou da ação, e foi frequente a elucidação de dúvidas
por parte delas junto aos pesquisadores. Assim, implementações de medidas de intervenções precoces
de sensibilização e prevenção são primordiais, com a finalidade de reduzir os estágios avançados da
doença e diminuir complicações futuras.
Palavras-Chave: Câncer de Mama, Ação Educativa, Autoexame, Sensibilização.

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Ações Educativas Acerca Dos Fatores De Risco, Prevenção E Controle Do Câncer De Mama.

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, tem-se observado um crescimento desordenado na população mundial, dos mais
variados tipos de neoplasias malignas. Esse fato, possivelmente está relacionado a diferentes
circunstâncias como a evolução tecnológica e industrial, a urbanização intensiva, mudanças nos
padrões de vida da população e exposições a fatores de risco que aumentam as chances do
desenvolvimento dessas doenças (BRAY, 2018). Segundo estudos recentes, para o ano de 2025, serão
mais de 20 milhões de novos casos, os quais 596 mil serão registrados apenas em 2016. Entre os
homens, são esperados 387.980 novos eventos, e entre as mulheres, 297.980 (BRASIL, 2019).
Segundo pesquisas realizadas em 2012, os tipos de câncer de maior incidência mundial foram as
neoplasias de pulmão, mama, intestino e próstata (BRASIL, 2015). E para o Biênio 2020-2022, os
homens terão o câncer de próstata de forma mais frequente (29,2%) e as mulheres o câncer mamário
(29,7%), à exceção para ambos os casos, do câncer de pele não melanoma. O câncer de mama é
considerado a neoplasia mais prevalente na faixa etária de 40 à 69 anos, além se ser a segunda maior
causa de mortalidade do público feminino (TRUFELLI et al., 2008; BRASIL, 2015). Pressupõe-se mais de
67 mil novos casos de câncer de mama, a cada 100 mil mulheres, ultrapassado apenas pelo câncer de
pele não- melanoma (BRASIL, 2020).
Os tumores de mama são considerados um câncer de relativo bom prognóstico e de fácil detecção
(BRASIL, 2015). Dessa forma, a implementação de medidas e intervenções precoces são sempre
necessárias, prevenindo o diagnóstico em estágios avançados (SILVA; RIUL, 2011). A detecção tardia
associada ao crescimento desordenado no tecido mamário das células cancerígenas proporciona
complicações estruturais e sistêmicas irreparáveis, trazendo grande impacto emocional e psicológico
na qualidade de vida das mulheres (MAKLUF; DIAS; BARRA, 2006). Alguns fatores de riscos como, o
avanço da idade, a partir de 50 anos (DUTRA et al., 2009, STIVAL; PRESTES; MANSANI, 2014),
características reprodutivas, endócrinas, histórico familiar, fatores ambientais, mudanças na
qualidade de vida, obesidade e exposição à radiação, aumentam a probabilidade para o
desenvolvimento da doença (SILVA; RIUL, 2011; BRASIL, 2016). O tratamento é muitas vezes mutilador
e agressivo, o que gera alterações na autoimagem e perda funcional da mulher (MAKLUF; DIAS;
BARRA, 2006;PINHEIRO et al., 2013). Dentre as complicações mais frequentes, o linfedema está
diretamente ligado a essas alterações, necessitando de acompanhamento contínuo e especializado
(FABRO et al., 2016).
No Brasil, para o Sistema Único de Saúde (SUS), o câncer mamário ainda representa um desafio, pela
grande necessidade de implementação de serviços de diagnóstico e assistência, pelo custo financeiro

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295
Ações Educativas Acerca Dos Fatores De Risco, Prevenção E Controle Do Câncer De Mama.

elevado, pela dificuldade de incorporar a tecnologia a favor do diagnóstico, além do desconhecimento


dos usuários da existência do serviço (BRITO; PORTELA; VASCONCELOS, 2009).
Uma das medidas essenciais é a capacitação da equipe multiprofissional, que deve ser formada para
atender e orientar a população feminina sobre as medidas de diagnóstico precoce, como meio de
reconhecimento de alterações mamárias (BRASIL, 2016). Cerca de 80% dos tumores são detectados
pelas mulheres no ato da palpação e em tamanhos aumentados. Essa prática de auto exame da mama,
deve ser um processo habitual e rotineiro, objetivando a detecção de tumores com 1 a 3 cm, para que
se consiga bons resultados na fase inicial da doença (NOGUEIRA; DIÓGENES; SILVA, 2006).
Dessa forma, é imprescindível a aplicação de estratégias na saúde para o controle do câncer de mama.
Ações sistêmicas e integradas ainda estão sendo implementadas no Brasil, para detecção precoce, que
vão desde o diagnóstico prévio em indivíduos sintomáticos e o rastreamento mamográfico em
assintomáticos (SILVA et al., 2014), os quais em estágios iniciais da doença é a principal medida na
diminuição da morbimortalidade (RIBEIRO; CALEFFI; POLANCZYK, 2013).
A disposição de materiais educativos e informativos como livros, cartilhas, folhetos e manuais, facilita
o entendimento, a construção de opiniões e a disseminação das informações (OLIVEIRA, 2006).
Proporciona uma integração e motivação para realização de mudanças, favorece participação ativa no
processo saúde-doença, além da redução de custos institucionais, aproximando o conhecimento e
sendo base para o autocuidado dessas mulheres (SILVA, 2012; OLIVEIRA, 2009).
Diante do exposto, o presente trabalho avaliou o efeito de ações de educação em saúde voltadas para
a conscientização e orientação sobre o câncer de mama e detecção precoce, em mulheres, visando
contribuir para o controle da doença na região.

ABORDAGEM METODOLÓGICA

Para este trabalho, foi realizado um estudo descritivo quantitativo, de caráter transversal. A ação teve
como principal finalidade a conscientização, prevenção e o controle do câncer de mama. O estudo foi
realizado com mulheres frequentadoras de uma das maiores rede de Academias de ginástica
localizadas em Fortaleza/CE com distribuição em vários bairros da cidade.
O estudo foi desenvolvido com mulheres maiores de 18 anos, que apresentavam função cognitiva
preservada, que fazem os exames preventivos ginecológicos a cada 1 (um) ano, gestantes, que já
apresentaram alterações nos resultados citopatológicos, ou ainda em mulheres que necessitam
realizar exame mamográfico. Foram excluídos do estudo: pessoas do sexo masculino, mulheres que
não se encontrem na faixa etária almejada, que não aceitem participar da pesquisa mediante

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296
Ações Educativas Acerca Dos Fatores De Risco, Prevenção E Controle Do Câncer De Mama.

concordância e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e pessoas com nível
de cognição alterado, analfabetas e que possuam alterações na acuidade visual.
O estudo foi aprovado segundo Parecer: 2.006.946/CAAE 63903617.3.0000.5049 após apreciação do
Comitê de Ética em Pesquisa Humana por meio da Plataforma Brasil, respeitando as diretrizes e
preceitos éticos do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Resolução 466/2012 do Ministério da Saúde.
A pesquisa ocorreu entre os meses de outubro a dezembro de 2017. No primeiro momento, foram
distribuídos convites com o auxílio dos responsáveis pelos locais escolhidos, tendo como público-alvo
todas as mulheres que constituem os referidos estabelecimentos. Em dia e hora previamente
marcados, os pesquisadores e profissionais vinculados a pesquisa realizaram ações educativas por
meio de uma palestra expositiva e uma roda de conversa sobre os assuntos relacionados ao câncer de
mama, formas de prevenção, controle e tratamento. Em seguida, os pesquisadores aplicaram
individualmente às mulheres participantes, após convite e a assinatura do TCLE, fichas de coleta
estruturadas com perguntas de múltipla escolha referentes a aspectos socioeconômicos, biológicos,
comportamentais, avaliação do conhecimento acerca do câncer de mama e de utilização de serviços.
As variáveis utilizadas neste estudo estão de acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2016). Os
resultados foram apresentados em forma de frequência absoluta e relativa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Participaram da pesquisa 149 mulheres, das quais 41,2% tinham idade entre 20 e 30 anos; 56,8%
possuíam nível superior completo e 76,5% trabalhavam formalmente. Foi verificado que 52,0% eram
mães, sendo que 50,8% tiveram sua primeira gestação antes dos 30 anos e 38,4% possuem dois filhos.
Outro fator averiguado foi período de amamentação: apenas 21,2% amamentaram mais de 6 meses
contra 44,1% que não amamentaram. Cerca de 92,6% das mulheres não eram menopausadas e 95%
não faziam reposição hormonal.
Quanto ao conhecimento sobre Neoplasia de mama, 100% delas disseram saber o que é e 82,9%
sabem fazer o autoexame, contra 74,1% que afirmaram realizá-lo e 15,1% que o realizam
mensalmente. Quanto a importância de campanhas sobre o assunto, 100% informaram ser relevante,
entretanto, 63,7% declararam que falta orientação sobre prevenção de câncer nos Posto de Saúde do
munícipio. Poucos estudos foram encontrados na literatura cientifica que abordassem a mesma
metodologia, pois a maioria trata-se de pesquisas qualitativas do tipo relato de experiência.
Contudo, constatou-se que o método deste trabalho foi satisfatório, visto que um número significativo
de mulheres participou da ação, e foi frequente a elucidação de dúvidas por parte delas junto aos

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297
Ações Educativas Acerca Dos Fatores De Risco, Prevenção E Controle Do Câncer De Mama.

pesquisadores, corroborando com estudo de 2016 realizado em Fortaleza/CE no Projeto Ginástica


para a Comunidade da Universidade Estadual do Ceará (CARVALHO et al., 2016). Outro estudo aplicado
no Crato/CE mostrou que muitas mulheres não possuem o conhecimento da prática correta do
autoexame, situação comprovada pelos questionamentos e dúvidas associados ao entendimento
básico dessa técnica, fato que não corrobora com os nossos dados (GOMES, CLEUDY, SOUSA, 2003).
Estudo de 2012 constatou que ações educativas possibilitam aprendizagem sobre a temática e adoção
de atitudes proativas em mulheres (SILVA, 2012) .
Destarte, a educação em saúde é um método eficaz para promover adesão e sensibilização em massa,
pois aborda aspectos de mitos, verdades, fatores de risco, sinais e sintomas sobre a doença, de
maneira que a própria mulher aja como protagonista do seu bem-estar.
Para uma melhor fixação das informações, também foi realizado a demonstração da técnica do
autoexame da mama, em seguida, as mulheres participantes foram convidadas a reproduzirem o que
aprenderam. Além disso,foram distribuídos folhetos informativos contendo dados relevantes sobre a
temática, com intuito de contribuir para formação da consciência dessas mulheres e aquisição do
hábito de auto examinar, sendo dessa forma, capazes de identificar alterações no seu próprio corpo.
Devido à grande relevância epidemiológica que o carcinoma mamário apresenta na população
mundial, e por estar entre as principais causas de morte do público feminino, percebe-se a importância
de promover estratégias de educação em saúde para essa população, objetivando a conscientização
corporal, o reconhecimento precoce de sinais favoráveis ao seu surgimento, fatores de proteção e
detecção em estágios iniciais do mesmo.
Nessa perspectiva, e para um maior desenvolvimento dessas competências, faz- se necessário outras
formas de estímulo por mudança no estilo e qualidade de vida dessas mulheres, colaborando para a
sua formação individual, e incentivando outros profissionais a estarem contribuindo junto à sociedade
com ações educativas, além de realizar novas pesquisas nesse campo.

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298
Ações Educativas Acerca Dos Fatores De Risco, Prevenção E Controle Do Câncer De Mama.

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7
300
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 24
10.37423/200701996

AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA


HUMANIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA AO PARTO NO
BRASIL

Tathiany Rezende de Moura

Lorenna Nascimento Monteiro

Sérgio Coutinho dos Santos


Avaliação De Políticas Públicas Para Humanização Da Assistência Ao Parto Em Alagoas

Resumo: Introdução: Planejar políticas públicas exige a interação mútua entre o Estado, a sociedade
civil e o setor privado. Após planejadas, implementá-las exige um processo dinâmico entre objetivos
determinados e ações empreendidas para alcançá-los. Na saúde pública, um grande exemplo de
política é o HumanizaSUS, Política Nacional de Humanização, que engloba a assistência à gestação,
parto e puerpério, que traz diretrizes e princípios para uma assistência respeitosa em termos físicos,
emocionais e sócio- culturais. Objetivo: Identificar a efetividade da implementação da humanização
da assistência no estado de Alagoas. Métodos: Foram analisados os textos da Política Nacional de
Humanização, as Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal e o relatório da audiência pública
sobre violência obstétrica realizada pela Organização dos Advogados do Brasil seccional Alagoas.
Resultados: Os relatos descritos no relatório apontam graves falhas na implementação efetiva da
assistência humanizada e a realização de procedimentos rotineiramente realizados sem o devido
critério, evidenciando a existência da violência obstétrica institucional. Conclusão: Apesar de haver
uma Política Nacional de Humanização e diretrizes nacionais para a assistência ao parto vaginal de
conhecimento tanto das gestantes e parturientes quanto das equipes institucionais, a violência
obstétrica continua presente e relevante na experiência de parto das mulheres, tornando-a associada
ao sofrimento e traumas físicos e emocionais.
Palavras-Chave: Violência Obstétrica. Parto normal. Humanização.

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Avaliação De Políticas Públicas Para Humanização Da Assistência Ao Parto Em Alagoas

1.INTRODUÇÃO

No campo das políticas públicas, planejar está ligado não somente à elaboração de planos, mas
também à tomada de decisões, reuniões de discussão, mapas detalhados, criação de legislação e
distribuição de responsabilidades para que ao final se gere um plano (OLIVEIRA, 2006).
O processo de planejamento de políticas públicas exige a interação de diversas organizações dentro do
Estado, e destas com a sociedade civil e setor privado e por isso, nos países em desenvolvimento, caso
do Brasil, o processo de planejamento de políticas públicas é diferenciado dos países desenvolvidos,
por questões como aspectos políticos e institucionais, pois o sistema político, Estado e sociedade civil
nos países em desenvolvimento não estão articulados e nem funcionando de maneira apropriada;
capacidade financeira, razão que explica falhas no planejamento; pouca capacidade técnica para gerir
o planejamento de políticas públicas e muitas vezes com uma centralização exagerada do processo de
planejamento (OLIVEIRA, 2006).
Depois do planejamento, vem a fase de implementação, um momento crucial do ciclo da política,
quando se coloca em prática as ações e projetos de governo para que as propostas se materializem em
ações com a atuação dos agentes implementadores, entendendo-se que para que uma política pública
seja implementada ela precisa ser traduzida como política institucional, como sinônimo de
organizacional (PINTO; SILVA; BAPTISTA, 2014). Implementar é considerado um processo de interação
entre os objetivos determinados e as ações empreendidas para alcançá-los (MENICUCCI; MARQUES,
2016), por isso, esta etapa é dinâmica, não é somente uma tradução da política, mas uma ação que
pode transformá-la durante o processo e exige planejamento e organização administrativa (NAJAN,
1995).
Na saúde pública, a implementação de políticas públicas, encaminhou-se para a construção de
sistemas regionalizados que ultrapassam o espaço municipal e envolvem articulação e cooperação
entre as instâncias governamentais, para que a rede de serviços seja diversificada e atenda a diferentes
níveis de complexidade (MENICUCCI; MARQUES, 2016). Como exemplo, pode-se citar a Política
Nacional de Humanização (PNH), também chamada de HumanizaSUS, existente desde o ano de 2013
com o objetivo principal de efetivar os princípios do Sistema Único de Saúde no cotidiano das práticas
de atenção e gestão, qualificando a saúde pública no Brasil e incentivando trocas solidárias entre
gestores, trabalhadores e usuários (BRASIL, 2003).
Dentre as diretrizes do HumanizaSUS estão a ambiência, criação de espaços saudáveis, acolhedores e
confortáveis, que respeitem a privacidade e a defesa dos direitos dos usuários, para que conheçam e
tenham assegurados seus direitos garantidos por lei. Como princípios, estão a transversalidade, para

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303
Avaliação De Políticas Públicas Para Humanização Da Assistência Ao Parto Em Alagoas

que a PNH esteja inserida em todas as políticas e programas do SUS; a indissociabilidade entre atenção
e gestão, que preconiza que trabalhadores e usuários devem buscar conhecer como funciona a gestão
dos serviços e da rede de saúde, e participar ativamente do processo de tomada de decisão nas
organizações de saúde e nas ações de saúde coletiva e o protagonismo,corresponsabilidade e
autonomia dos sujeitos e coletivos, incentivando a atuação dos cidadãos na produção de saúde
(BRASIL, 2003).
Nos cadernos do HumanizaSUS, o volume 4 trata da Humanização do parto e do nascimento e define
humanização como: movimento institucional, político, ético e afetivo engajado com a tarefa de fazer
viva a aposta coletiva no SUS, mediante participação e comprometimento dos sujeitos e coletivos com
seu próprio processo de construção”. Além disso, entende que para mudar o modelo de atenção e de
gestão do parto e do nascimento, com práticas “desumanizadoras” em que as mulheres peregrinam
entre serviços de saúde e tendem a parir em maternidades que nunca visitaram com uma equipe de
saúde com a qual não tem vínculo, é necessária uma rede coletiva de produção de saúde materno-
infantil capaz de transformar uma racionalidade e um cenário de (des)cuidado naturalizado (BRASIL,
2014).
Considerando as políticas públicas em saúde, esse artigo, tratará das políticas públicas já
implementadas com a finalidade de garantir uma assistência obstétrica humanizada e baseada em
evidências científicas e nas recomendações da Organização Mundial da Saúde com o objetivo de
descrevê-las e identificar a efetividade da implementação das mesmas no estado de Alagoas com base
no relatório da audiência pública sobre violência obstétrica realizada em 29 de maio de 2019 no
auditório da OAB/AL. Portanto, situamos o presente estudo na etapa de avaliação das políticas voltadas
a humanização do parto normal.

2.MATERIAIS E MÉTODOS

A presente investigação partiu de uma análise teórica sobre documentos norteadores das diretrizes
nacionais e um documento fundamental para a avaliação de políticas públicas no contexto de um
estado do país, no caso, Alagoas. Os documentos foram: Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto
Normal e o Relatório da Audiência Pública realizada pela OAB, seccional Alagoas, sobre violência
obstétrica. Assim,objetivaram-se os limites reais durante a implantação e o que precisa ser alterado
nas políticas de saúde pública voltadas ao parto.

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Avaliação De Políticas Públicas Para Humanização Da Assistência Ao Parto Em Alagoas

Para a investigação proposta neste artigo, é preciso explicar as Diretrizes Nacionais de Assistência ao
Parto Normal (DNAPNs), documento que instaura a posição do Estado brasileiro sobre o parto vaginal
nas políticas públicas sobre saúde da mulher brasileiras.
O documento ressalta desde seu começo seu caráter multidisciplinar e democrático. Respectivamente,
as questões para consulta pública foram sistematizadas e aplicadas por um grupo consultivo com
diversas formações profissionais, enquanto a sua aplicação e uma audiência pública nacional
resultaram em 396 contribuições. O Grupo Elaborador as organizou e o Grupo Consultivo, em reunião
aberta realizada em março de 2016, definiu a primeira versão do texto do documento, aprovado em
plenário pelos órgãos responsáveis na Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS
(CONITEC) em abril de 2016 (BRASIL, 2017, p. 11).
Reconhecendo que o parto hospitalar trouxe grandes garantias para a segurança e a saúde das
mulheres e das crianças, ainda assim o documento ressalta a cautela necessária ao lembrar que “as
mulheres e recém-nascidos são expostos a altas taxas de intervenções, como a episiotomia, o uso de
ocitocina, a cesariana, aspiração naso- faringeana, entre outras” (Idem, p. 6).
Por outro lado, a diversidade de alternativas entre as práticas clínicas e terapêuticas tornou necessário
regular orientações sobre o que pode ser recomendado pelo Ministério da Saúde como práticas de
assistência aceitáveis. É preciso reforçar que não há, e o texto é literal sobre isto, qualquer caráter
impositivo, mas didático no que é apresentado na política sobre o tema a partir deste momento.
Esta política é uma ampliação e um aprofundamento do que foi iniciado pelo governo brasileiro com a
Rede Cegonha no Sistema Único de Saúde (SUS), implementada em 2011. Aquele programa teve como
base a implantação nacional das diretrizes da Organização Mundial de Saúde com o documento “Boas
práticas de atenção ao parto e ao nascimento”.
Como foi analisado por Pereira et al (2018), é preciso combater nacionalmente a hipermedicalização
na saúde materna. Com uma pesquisa de campo realizada com 27 profissionais de saúde em uma
unidade obstétrica hospitalar, as autoras mostraram que há conhecimento das obrigações entre os
profissionais de saúde, desde sua formação, sabendo que discurso devem apresentar quando
entrevistados sobre o tema. Foi uma pesquisa realizada com dois anos da implementação das diretrizes
do Ministério da Saúde e com farta citação a outros estudos em que fica demonstrado que a
capacitação de profissionais de saúde de distintas formações não é o problema, mas sua atenção
efetiva às mulheres.
O detalhamento como o documento descreve seu público-alvo favorece que as práticas sejam bem
definidas:

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Avaliação De Políticas Públicas Para Humanização Da Assistência Ao Parto Em Alagoas

•mulheres em trabalho de parto com parto normal planejado (espontâneo ou induzido) entre 37 e 42
semanas de gestação com feto único, vivo e em apresentação cefálica;
•gestantes com ruptura prematura de membranas no termo ou imediatamente antes do parto;
•parturientes que apresentarem eliminação de mecônio imediatamente antes ou durante o trabalho
de parto;
•anormalidades ou complicações mais comuns encontradas na assistência ao trabalho de parto e parto
em todas as suas fases;
•recém-nascido normal imediatamente após o parto e nas primeiras horas de vida;
•recém-nascido imediatamente após o parto na presença de líquido meconial;
•recém-nascido normal em alojamento conjunto e no momento da alta; e
•aleitamento materno e estímulo à amamentação (BRASIL, 2017, p. 9)1.
A diversidade de locais de parto é reconhecida pelas políticas sobre o parto vaginal, tendo por princípio
descrito em todas as informações à mulher sua autonomia em todas as etapas e interações antes,
durante e após o parto:

As mulheres devem receber as seguintes informações sobre o local de parto:


-acesso à equipe médica (obstetrícia, anestesiologia e pediatria);
-acesso ao cuidado no trabalho de parto e parto por enfermeiras obstétricas
ou obstetrizes;
-acesso a métodos de alívio da dor, incluindo os não farmacológicos
(banheira,chuveiro, massagens, etc.), analgesia regional e outras substâncias
analgésicas;
-a probabilidade de ser transferida para uma maternidade (se esse não for o
local escolhido), as razões porque isso pode acontecer e o tempo necessário
para tal (Idem, p. 14).
A autodeterminação feminina, com ênfase à participação ativa da mãe em todas as etapas do parto é
reforçada adiante no documento:
12.Mulheres em trabalho de parto devem ser tratadas com respeito, ter
acesso às informações baseadas em evidências e serem incluídas na tomada
de decisões. Para isso, os profissionais que as atendem deverão estabelecer
uma relação de confiança com as mesmas, perguntando- lhes sobre seus
desejos e expectativas. Devem estar conscientes da importância de sua
atitude, do tom de voz e das próprias palavras usadas, bem como a forma
como os cuidados são prestados.
13.Para estabelecer comunicação com a mulher os profissionais devem:
-cumprimentar a mulher com um sorriso e uma boa acolhida, se apresentar
e explicar qual o seu papel nos cuidados e indagar sobre as suas
necessidades, incluindo como gostaria de ser chamada;
-manter uma abordagem calma e confiante, demonstrando à ela que tudo
está indo bem;

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Avaliação De Políticas Públicas Para Humanização Da Assistência Ao Parto Em Alagoas

-bater na porta do quarto ou enfermaria e esperar antes de entrar,


respeitando aquele local como espaço pessoal da mulher e orientar outras
pessoas a fazerem o mesmo;
-perguntar à mulher como ela está se sentindo e se alguma coisa em
particular a preocupa;
-se a mulher tem um plano de parto escrito, ler e discutir com ela, levando-
se em consideração as condições para a sua implementação tais como a
organização do local de assistência, limitações (físicas, recursos) relativas à
unidade e a disponibilidade de certos métodos e técnicas;
-verificar se a mulher tem dificuldades para se comunicar da forma proposta,
se possui deficiência auditiva, visual ou intelectual; perguntar qual língua
brasileira (português ou libras) prefere utilizar ou, ainda, para o caso de
mulheres estrangeiras ou indígenas verificar se compreendem português;
-avaliar o que a mulher sabe sobre estratégias de alívio da dor e oferecer
informações balanceadas para encontrar quais abordagens são mais
aceitáveis para ela;
-encorajar a mulher a adaptar o ambiente às suas necessidades;
-solicitar permissão à mulher antes de qualquer procedimento e
observações, focando nela e não na tecnologia ou documentação;
-mostrar à mulher e aos seus acompanhantes como ajudar e assegurar- lhe
que ela o pode fazer em qualquer momento e quantas vezes quiser. Quando
sair do quarto, avisar quando vai retornar;
-envolver a mulher na transferência de cuidados para outro profissional,
tanto quando solicitar opinião adicional ou no final de um plantão (Idem, p.
16).
Todas estas diretrizes são, individualmente ou em correlação com outras instruções, reproduzidas
durante o documento em seções correspondentes a diferentes etapas e complicações do parto.
É relevante o planejamento adotado pelo Ministério da Saúde para que seja possível a avaliação em
Alagoas. Para que seja possível, nessa investigação adotam-se as contribuições de diversos agentes,
presentes e registrados em seus depoimentos na audiência pública realizada na Ordem dos Advogados
do Brasil em Alagoas em maio de 2019 (OAB-AL, 2019).
O evento foi de grande participação democrática, não apenas porque o auditório da instituição
permaneceu lotado durante aquele dia mas porque, assim como no planejamento descrito realizado
pelo Ministério da Saúde para as diretrizes nacionais, as participantes (sempre mulheres) estiveram
presentes em nome próprio (com depoimentos pessoais ou manifestações técnicas por suas
profissões) e representando associações da sociedade civil e órgãos públicos, sob mediação contínua
da advogada Bruna Sales Moura.

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Avaliação De Políticas Públicas Para Humanização Da Assistência Ao Parto Em Alagoas

3.RESULTADOS E DISCUSSÃO

Apesar de ausente das diretrizes nacionais que objetivam “sintetizar e avaliar sistematicamente a
informação científica disponível em relação às práticas mais comuns na assistência ao parto e ao
nascimento fornecendo subsídios e orientação a todos os envolvidos no cuidado, no intuito de
promover, proteger e incentivar o parto normal” ” (BRASIL, 2017), a violência é marcante no relatório
da comissão especial da mulher da OAB em Alagoas. É descrita com duas faces que se completam no
presente contexto, como violência de gênero e violência obstétrica.
Entre os depoimentos presentes nos relatos da Ordem dos Advogados, destaca- se a leitura realizada
pela enfermeira Denise (o sobrenome foi omitido do relatório) da carta de uma mãe com um
depoimento que permite refletir sobre a implantação do que prevê o Ministério da Saúde.
Segundo a autora da carta (não identificada no relatório), a violência que sofreu enquanto esteve no
hospital foi múltipla, ora por ter passado toda a noite em uma posição inadequada (sentada na
recepção) ora por ter recebido toques em grande número e sem explicações sobre o porquê ou ainda
por ter ficado machucada com procedimentos realizados por estudantes de medicina, sempre sem
beber água (tentou a pia do banheiro mas não foi possível porque o espaço estava muito sujo) nem ter
sido permitido que comesse, que contraria o item 19 do tópico Cuidados gerais durante o trabalho de
parto das DNAPNs, que diz que “mulheres em trabalho de parto podem ingerir líquidos, de preferência
soluções isotônicas ao invés de somente água” (BRASIL, 2017).
A fisioterapeuta Gisele Calheiros ampliou a gravidade do relato. O que poderia, para quem não se
informa continuamente sobre estes problemas, parecer um caso isolado, foi mostrado por Calheiros
como rotineiro, informando que em 12 anos de carreira jamais sentiu suas pacientes acolhidas em
qualquer maternidade pública de alto risco (que ocupam alguns quadros de orientações no documento
do Ministério da Saúde, desde 2017),quando a orientação é “cumprimentar a mulher com um sorriso
e uma boa acolhida” (BRASIL, 2017).
A assistente social Cristiane (não foi informado seu sobrenome), voluntária do projeto “Consultório na
rua”, ressaltou que não é uma questão de classe, mas de gênero, pois as mulheres ali presentes na
OAB, segundo ela predominantemente de classe média, não estariam de modo algum livres de receber
igual tratamento em hospitais e maternidades. Porém, mesmo assim ressalta que as mulheres em
situação de rua são presumidas como usuárias de drogas e tratadas como criminosas nas instalações,
sem direito a acompanhante nem informações.

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Avaliação De Políticas Públicas Para Humanização Da Assistência Ao Parto Em Alagoas

Segundo o Ministério da Saúde “as mulheres devem ter acompanhantes de sua escolha durante o
trabalho de parto e parto, não invalidando o apoio dado por pessoal de fora da rede social da mulher”
e receber as informações importantes no mesmo momento que a mulher (BRASIL, 2017). No entanto,
em seu relato, a socióloga Juliane Veríssimo, falando em nome do Coletivo Classista Ana Montenegro,
informou que, na maternidade onde teve o parto da sua filha, sendo uma mãe que leu sobre todos os
procedimentos previamente, ao recusar ocitocina sintética ouviu que ela não sabia nada, foi impedida
de ter acompanhante e de se mover, tendo conseguido fugir apenas pela ajuda de uma enfermeira que
a aconselhou a sair logo para não ser toda rasgada.
As representantes do movimento negro presentes ressaltaram que o tempo de atendimento em
consultas costuma ser menor para mulheres negras, além delas serem em 80% dependentes do SUS.
A comissão da OAB concluiu seu relatório enfatizando uma constatação de um aspecto grave da
violência dupla. Não havia na audiência pública nem um representante de alguma maternidade,
trazendo também o desprezo à questão como um aspecto tríplice da violência na saúde feminina.
Menicucci e Marques (2016) estudaram a implantação da regionalização da saúde no SUS examinando
dados de estados e entrevistando gestores locais. Com a correlação nacional que organizaram,
deixaram evidente que nenhum estado cumpriu as suas obrigações, ficando sob responsabilidade dos
municípios a conta-gotas de recursos públicos implantarem novas políticas.
É relevante perceber que não são casos isolados. Por ocorrerem no Sistema Único de Saúde, envolvem
rotinas falhas entre profissionais da saúde, impunidade na gestão pública, logo sua visibilidade
depende da rede de atores sociais que, como observam Cortes e Lima, “se constituem a partir das
relações de atores individuais e coletivos no interior de redes existentes em áreas específicas de
políticas públicas” (CORTES; LIMA, 2012, p. 40).
O poder dos atores sociais em diferentes contextos depende, segundo Marques, dos “instrumentos de
poder que disputam os resultados do processo político” (MARQUES, 2006, p. 17). A chamada pela
ordem dos advogados em uma comissão especial empodera organizações sociais e pessoas vulneráveis
bem como suas famílias.
A audiência pública apresentada tinha em suas diversas agentes um discurso comum: a violência de
gênero no parto passa continuamente pelo SUS e depende de um tratamento humano, não de
despesas elevadas com investimentos em infraestrutura.

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Avaliação De Políticas Públicas Para Humanização Da Assistência Ao Parto Em Alagoas

Como foi mostrado neste artigo, já se constatou em estudos precedentes que não há desinformação
dos profissionais de saúde e as denúncias na audiência pública mostram não erros médicos, mas atos
criminosos de violência deliberada.
Uma vez que há responsabilidade de agentes públicos constatada no relatório, descumprindo
diretrizes de ampla divulgação entre profissionais da área, torna-se possível encaminhar as denúncias
por meio da Comissão Especial de Direitos da Mulher da OAB-AL. Isto se adequa a uma avaliação
externa de políticas públicas.
Segundo explica Carlos Aurélio Pimenta de Faria, a cobrança por uma “prestação de contas e da
responsabilização dos agentes estatais”, realizando a accountability, concretizam a etapa de avaliação
(FARIA, 2005, P. 97-8) . A avaliação foi dependente da institucionalização no próprio órgão estatal até
os anos 1960, mas têm predominado as abordagens bottom-up. Além disso, o seu uso conceitual e
como instrumento de persuasão faz-se presente.
Diante de esforços governamentais na esfera federal para não utilizar a expressão “violência
obstétrica” no Ministério da Saúde, os relatos de audiências públicas como essa mostram que
eufemismos tirariam a gravidade dos crimes contra as mulheres, fazendo uma nova violência,
simbólica, contra elas ao serem ignoradas em sua dor pelo Estado.
Ao lado do papel conceitual da audiência pública como avaliação de políticas públicas, por se tratar de
uma comissão da OAB torna-se instrumento de persuasão, pois a partir de então estratégias para ações
judiciais e cobranças administrativas da implantação daquelas diretrizes nacionais poderão ganhar
novas matizes.

4.CONSIDERAÇÕES FINAIS

O parto hospitalar trouxe grandes garantias para a segurança e a saúde das mulheres e das crianças,
porém mulheres e recém-nascidos são expostos a altas taxas de intervenções, como a episiotomia, o
uso de ocitocina, a cesariana, aspiração naso- faringeana, entre outras que nem sempre são realizadas
por necessidade após avaliação criteriosa.
Para regular orientações e recomendações diante da prática clínica e intervenções terapêuticas, o
Ministério da Saúde elaborou diretrizes para práticas aceitáveis na assistência ao parto normal,
diretrizes amplamente divulgadas para conhecimento de médicos, enfermeiros e equipes de saúde
atuantes na obstetrícia. Desde 2003, com a implantação da Política Nacional de Humanização, o
Ministério da Saúde do Brasil demonstra preocupação com a qualidade da assistência prestada pelo
Sistema Único de Saúde, com o objetivo de efetivar os princípios do SUS na atenção e gestão da

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Avaliação De Políticas Públicas Para Humanização Da Assistência Ao Parto Em Alagoas

saúde,qualificando a saúde pública e incentivando interações entre gestores, trabalhadores e usuários,


valorizando a autonomia e a responsabilidade compartilhada entre os três grupos. Pensando na
humanização da assistência ao parto, em 2014, com a publicação do quarto volume do caderno
HumanizaSUS, o Ministério da Saúde buscou publicizar experiências de apoio em humanização e
incentivar a adoção do modelo humanizado. Reafirmando a intenção de melhorar a assistência ao
parto, em 2017 foram lançadas as diretrizes nacionais de assistência ao parto normal em concordância
com as recomendações da Organização Mundial da Saúde, contendo as recomendações baseadas em
evidência científica para cada fase da assistência ao parto tanto para a mãe quanto para o recém-
nascido.
No entanto, apesar da criação e implementação de políticas públicas para a assistência ao parto e
nascimento, em relatos feitos por mulheres de diversos núcleos sociais e profissionais, mães ou não,
atuantes na prática assistencial humanizada percebe- se, na prática das maternidades, a assistência
humanizada ao parto normal não é efetivamente implementada e as mulheres continuam a sofrer
violência obstétrica dentro das unidades materno-infantis mesmo que tenham conhecimento dos seus
direitos e que as equipes tenham ciência das políticas de saúde.
Observa-se que, apesar do reconhecimento da importância de uma assistência humanizada tanto para
a mãe quanto para o recém-nascido, as experiências de parto ainda se mostram muito distantes do
que está recomendado nas diretrizes nacionais e internacionais. Como apresentado no relatório da
audiência pública proposta da Comissão Especial da Mulher da OAB/AL, a assistência ao parto em
Alagoas, pelos relatos de mães e profissionais, caracteriza violência obstétrica institucional e a
precarização dos serviços, demonstrando carência de capacitação e atualização dos profissionais da
saúde a respeito da assistência baseada em evidência, além da falta de estrutura física e insumos nas
maternidades, que poderiam ser minimizados se hospitais escola oferecessem uma formação voltada
para a assistência humanizada.
Sugerimos que, além das diretrizes já existentes, outras ações voltadas para assistência humanizada
sejam desenvolvidas na saúde pública tanto na assistência ao parto e nascimento quanto nas outras
áreas da assistência com a intenção de empoderar mulheres à respeito dos seus direitos e da prática
em saúde baseada em evidência e formar e capacitar profissionais da área da saúde para que as
diretrizes já existentes sejam efetivamente implantadas e seja possível melhorar a qualidade da
assistência ofertada, independentemente da estrutura física das instituições, ainda que este seja um
ponto fundamental para a melhoria das condições de trabalho das equipes, tópico que também pode
ser observado em estudos posteriores.

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311
Avaliação De Políticas Públicas Para Humanização Da Assistência Ao Parto Em Alagoas

REFERÊNCIAS

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http://www.saude.gov.br/acoes-e-programas/politica-nacional-de-saudebucal/sobreoprograma/693-
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BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento


de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde. Diretrizes nacionais de assistência ao parto
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CORTES, S. V.; LIMA, L. L. A contribuição da sociologia para a análise de políticas públicas. Lua Nova,
São Paulo, v. 87, p. 33-62, 2012.

FARIA, C. A. P. de. A política da avaliação de políticas públicas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v.
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MARQUES, E. C. Redes sociais e poder no Estado brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São
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MENICUCCI, T.; MARQUES, A. M. de F. Cooperação e coordenação na implementação de políticas


públicas: o caso da saúde. Dados, Rio de Janeiro, v. 59, n. 3, p. 823-865, set. 2016. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/dados/v59n3/0011-5258-dados-59-3- 0823.pdf. Acesso em: 12 mai 2019.

NAJAN, A. Learning from the Literature on Policy Implementation: A Synthesis Perspective. (Working
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OLIVEIRA, J.A.P Desafios do planejamento em políticas públicas: diferentes visões e práticas. Revista
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PEREIRA, S.B.; DIAZ, C.M.G.; BACKES, M.T.S.; FERREIRA, C.L.L.; BACKES, D.,S. Good practices of labor
and birth care from the perspective of health professionals. Revista Brasileira de Enfermagem
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PINTO,I.C.M.; SILVA,L.M.V.; BAPTISTA,T.V.F.Ciclo de uma política pública de saúde: problematização,


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ALMEIDA-FILHO, N. (org.). Saúde coletiva: teoria e prática. Rio de Janeiro: MedBook, 2014. p. 69-81.

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312
Avaliação De Políticas Públicas Para Humanização Da Assistência Ao Parto Em Alagoas

NOTAS
1Todavia, apesar de parecer uma grande conquista, é grave como essas políticas excluem diversas
condições críticas durante e após o parto, sem que existam alternativas descritas em outros
programas: “mulheres em trabalho de parto prematuro (antes de 37 semanas de gestação); • conduta
em outras anormalidades ou complicações do trabalho de parto e parto não constantes das diretrizes;
• mulheres com diagnóstico de morte fetal ou com complicações da gestação tais como desordens
hipertensivas, diabetes, gravidez múltipla, restrição de crescimento fetal, apresentações anômalas,
etc.; • métodos e técnicas de indução do parto; • técnicas de parto vaginal operatório ou cesariana; •
mulheres que necessitem de cuidados adicionais por infecção pelo HIV, herpes genital, estreptococo
do grupo B ou outras infecções; • tratamento da hemorragia pós-parto” (Idem, Ibidem).

12
313
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 25
10.37423/200701997

A ERA DA PÓS-VERDADE: O PAPEL DA MÍDIA


COMO FORMA DE COMBATE AO MOVIMENTO
ANTIVACINA NO BRASIL

Karina Aparecida Mascarenhas

Dalva de Souza Lobo


A Era Da Pós-Verdade: O Papel Da Mídia Como Forma De Combate Ao Movimento Antivacina No Brasil

Resumo: Considerando o impacto da mídia, principalmente a digital, sobre a sociedade, este trabalho
busca problematizar o poder da mídia como aparato cuja forma e conteúdo assenta tanto a perspectiva
alienante quanto a de conscientização da sociedade sobre o fenômeno da Pós-verdade, que vem
impactando a opinião pública, tendo em vista a disseminação de notícias falsas veiculadas pelas redes
sociais, sobretudo no que diz respeito à eclosão do Movimento Antivacina. Nesse sentido, assume-se
como objetivo principal compreender como se configuram as estratégias enunciativas produzidas pelo
jornal “O Globo” em contraposição ao Movimento Antivacina, veiculado pelo Facebook. Além disso,
busca-se identificar alguns elementos presentes nas estratégias discursivas de ambas as mídias. Para
tanto, algumas notícias serão extraídas do site do jornal “O Globo”, exclusivamente no período de
janeiro a junho de 2019, visando analisar algumas estratégias enunciativas utilizadas por este jornal
para se contrapor ao discurso erigido por tal movimento. A fundamentação para tal análise ancora-se
nos conceitos de verdade e poder, de Michel Foucault, discurso das mídias, de Patrick Charaudeau e
de Pós-verdade, a partir de Matthew D’Ancona, Christian Dunker, Márcia Tiburi entre outros autores
que pesquisam a construção enunciativa e a Pós-verdade, sobretudo no contexto midiático. Espera-se,
desse modo, contribuir para um olhar mais criterioso sobre os impactos do discurso midiático, tendo
em vista seu poder tanto para a alienação quanto para a conscientização da sociedade.
Palavras-Chave: Pós-verdade. Mídia. Análise do discurso. Antivacina.

1
315
A Era Da Pós-Verdade: O Papel Da Mídia Como Forma De Combate Ao Movimento Antivacina No Brasil

INTRODUÇÃO

A era digital se caracteriza pela fluidez de informações veiculadas pela internet, sobretudo nas redes
sociais, as quais alcançam grande parte da população. Nota-se, desse modo, como o advento das
tecnologias contribui para a disseminação de notícias precisas e em tempo real. Se por um lado, o
acesso à internet possibilitou a relação mais próxima entre indivíduo e os meios de comunicação, por
outro, observa-se que o excesso de informação não comprovada cientificamente circulando pela rede
mundial de computadores revoga a credibilidade de vários âmbitos da sociedade, visto que verdades
já comprovadas pela ciência são contestadas por meio de notícias falsas, as quais, mediante
estratégias discursivas, difundem informações não condizentes com a realidade, gerando incertezas à
população. Neste contexto, a mídia possui um caráter ambivalente visto seu poder de alienar ou de
conscientizar a sociedade.
Vivemos a era da pós-verdade, apontada por estudiosos como um fenômeno cuja prerrogativa é
contestar verdades, a partir da articulação discursiva que instala a noção de verdade pautada em
ideologias destituídas de compromisso ético.
A partir dessas considerações, é pertinente problematizar o impacto do discurso midiático,
especificamente nos limites dessa proposta, no que concerne ao Movimento Antivacina, cujo discurso
afeta negativamente os índices das campanhas de vacinação, viralizando notícias estrategicamente
preparadas e veiculadas pela mídia digital com intuito de desestabilizar a pesquisa metodológica e
cientificamente comprovada por pesquisadores da área da saúde. O objetivo principal que enseja a
presente reflexão visa compreender como se configuram as estratégias enunciativas produzidas pelo
jornal O Globo em contraposição ao Movimento Antivacina, veiculado pelo Facebook. Além disso,
busca-se identificar alguns elementos presentes nas estratégias discursivas de ambas as mídias.
Para tanto, elenca-se o jornal “O Globo”, o qual se configura pelo fato de ser uma referência em
jornalismo online, tendo um significativo número de leitores. Alguns fragmentos de notícias
disponíveis virtualmente e de forma gratuita no período compreendido entre janeiro e junho de 2019,
serão analisados à luz dos conceitos de verdade e poder em Michel Foucault, discurso das mídias, de
Michel Charaudeau e de pós-verdade, a partir de Márcia Tiburi, entre outros autores que pesquisam
a construção enunciativa e a pós-verdade, sobretudo no contexto midiático.
Inicialmente, será apresentado um breve relato histórico do movimento antivacina, do conceito de
pós-verdade e do jornal “O Globo”. Em seguida, serão apresentados fragmentos jornalísticos do jornal
“O Globo”, os quais serão analisados à luz dos conceitos elencados, não no intuito de responder, mas,

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antes, no de provocar mais reflexões sobre o problema proposto de modo a contribuir para a
conscientização cidadã acerca da relevância da vacinação.
Espera-se, deste modo, contribuir para um olhar mais criterioso sobre o papel do jornalismo sério e
comprometido, capaz de desconstruir discursos de pós-verdades instaurados em nossa sociedade,
bem como mostrar como a mídia pode ser utilizada para a conscientização da população sobre os
riscos causados pela propagação de informações distorcidas e não condizentes com a verdade, que
podem gerar problemas de ordem pública como no caso da volta de doenças anteriormente
erradicadas no país.

O MOVIMENTO ANTIVACINA E A PÓS-VERDADE

Não é novidade que a disseminação de notícias por meio das redes sociais proporcionou a milhões de
pessoas se conectarem umas às outras. Um bom exemplo é o Facebooki, criado por Mark Zuckerberg
em 2004, considerada a rede social mais popular do mundo, com 2,27 bilhões de perfis. Tal plataforma
permite aos usuários compartilhem todo tipo de conteúdo, fazendo emergir movimentos sociais dos
mais variados, dentre os quais, destacamos o Movimento Antivacina.
Tal movimento surgiu na Europa no final do século XIX, juntamente com o início da vacinação contra
a varíola na Inglaterra, o Antivacina ganhou força nos Estados Unidos na década de 1980 quando, em
meados de 1988, um estudo fraudulento sobre a vacina MMR, conhecida como tríplice viral que
protege contra o sarampo, caxumba e rubéola, foi relacionado a casos de autismo. A pesquisa do então
médico Andrew Wakefield, foi divulgada na revista britânica Lancet, uma das mais respeitadas
publicações sobre Medicina do Reino Unido. Apesar de ter sido contestada como enganosa por
pesquisadores de vários países, a publicação causou um grande impacto na população, gerando
dúvidas e emergindo discussões.
Os ativistas da vacina, como são chamados, se organizam principalmente por meio de comunidades
em redes sociais como o Facebook, para divulgar informações, fotos e vídeos de sites que geram
comentários e dúvidas não só aos membros da comunidade Facebook, como também àqueles que
tomam conhecimento de tais notícias viralizadas por outras redes sociais.
Abaixo segue um exemplo de uma página extraída do Facebook sobre um grupo que pretende
desacreditar a vacina, sem, no entanto, trazer qualquer referência científica para subsidiar o suposto
crime sobre o qual discorrem. Apesar das ações da plataforma para diminuir o alcance de páginas que
disseminam desinformações, novos grupos e posts são criados e o ciclo continua.

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Figura 1- Página no Facebook

Fonte: Página Vacinas o Maior Crime da História 2 no Facebookii .

Para Davies et al. (2002), ao buscar informações sobre a imunização de seus filhos, os pais encontrarão
uma variedade de materiais antivacinação convincentes nas redes sociais, e isso tem causado grande
preocupação das autoridades de saúde pública. Conforme aponta Shelb e Ernst (2013), a cada curtida,
o conteúdo dessas páginas antivacina é endossado por um indivíduo, e depois é promovido para sua
rede de amigos no Facebook, tal fato é corroborado por Dunker et al.
(2017, p.18) segundo o qual, “uma nova expressão cognitiva acende com um novo tipo de
irracionalismo”, trazendo à tona teorias diluídas por um novo estado da conversa em escala global,
como no caso das redes sociais.
O caráter manipulador da mídia não é novidade, haja vista o episódio conhecido como Revolta da
Vacina, ocorrido a partir de 1904 no Brasil, quando uma epidemia de varíola assolou a cidade do Rio
de Janeiro. A lei da vacina obrigatória, promulgada em 1837, fora mal interpretada por parte da
população que a julgava arbitrária devido à falta de esclarecimento e informações, inclusive por parte
da imprensa da época, que chegou a ridicularizar o sanitarista Oswaldo Cruz, o qual instaurou a saúde
pública no Brasil.
Esse fato ilustra o quanto a mídia pode contribuir positivamente ou negativamente com a sociedade
e, no cenário atual, quando se dispõe de vários meios de livre acesso como o Facebook, WhatsApp,
Instagram, Youtube, entre outros, cujos conteúdos nem sempre se pautam por critérios científicos
e/ou éticos, o fato se agrava pela não preocupação de se examinar a veracidade dos casos, o que
corrobora a não neutralidade da tecnologia na medida em que não parece haver critérios para seleção
dos assuntos veiculados.

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Isso passa pela dimensão econômica, que, embora não seja o foco aqui, é importante ser mencionada,
pois a cada curtida, like ou reenvio, empresas, comunidades, grupos etc., obtêm ganho financeiro,
além da popularização da plataforma que sedia e veicula as informações. Além disso, cria-se a
uberização da informação que reitera a ubiquidade da tecnologia, posto que a informação migra
rapidamente de um suporte para outro tanto quanto se apresenta simultaneamente em várias redes
sociais e, nesse sentido, os efeitos de sentido produzidos não passam por um senso crítico, mas pelo
bombardeio de informações que confundem em vez de esclarecer.
Sobre os efeitos de sentido, o filósofo Michel Foucault (1996), diz que devemos levar em consideração
o momento histórico no qual se produzem tais efeitos, o que nos leva à pós-verdade, ou ao “Post-
Truth” (termo em inglês), eleita a palavra do ano de 2016, pelo dicionário Oxford. O dicionário define
a pós-verdade como “algo relacionado à circunstâncias nas quais, fatos objetivos são menos influentes
na formação de opinião pública do que o apelo à emoção e à crença pessoal.” A filósofa Higgins (2016),
por exemplo, explica que para um relativista extremo, a verdade varia de pessoa para pessoa, uma
posição que não deixa muito espaço para o debate.
Já Nietzsche (2008), propõe que a verdade é o que criamos, um tipo de erro sem o qual a sociedade
não pode viver. Para este filósofo o que há são interpretações, as quais consideramos verdade.
Segundo o jornalista D’Ancona (2018), a pós-verdade se caracteriza como a seleção de uma verdade
aceita por cada indivíduo como o poder de escolha da sua própria verdade e própria mentira,
buscando na internet sua informação instantânea.
Essa é uma característica que define o mundo da pós-verdade. A questão
não é determinar a verdade por meio de um processo de avaliação racional
e conclusiva. Você escolhe sua própria realidade, como se escolhesse
comida de um bufê. Também seleciona sua própria mentira, de modo não
menos arbitrário. (D’ANCONA, 2018, p.57).
Desse modo, temos a ciência que cala enquanto a ideologia faz falar, comprometendo a autoridade
científica.
Levando em conta as palavras desses autores, nota-se que a pós-verdade diz respeito às crenças,
conceitos e preconceitos individuais e, nesse sentido, responde à uma ideologia particularizada por
um grupo ou por uma pessoa, sendo volátil na medida em que é uma espécie de ficção, ou seja, uma
mentira que assume o caráter de verdade criando fatos ficcionais cujas implicações estendem-se ao
âmbito político, econômico, e moral entre outros. Conforme o conceito de verdade em Foucault
podemos dizer que:
Em nossas sociedades, a "economia política" da verdade tem cinco
características historicamente importantes: a "verdade" é centrada na
forma do discurso científico e nas instituições que o produzem; está

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submetida a uma constante incitação econômica e política (necessidade de


verdade tanto para a produção econômica, quanto para o poder político); é
objeto, de várias formas, de uma imensa difusão e de um imenso consumo
(circula nos aparelhos de educação ou de informação, cuja extensão no
corpo social é relativamente grande, não obstante algumas limitações
rigorosas); é produzida e transmitida sob o controle, não exclusivo, mas
dominante, de alguns grandes aparelhos políticos ou econômicos
(universidade, exército, escritura, meios de comunicação); enfim, é objeto
de debate político e de confronto social (as lutas "ideológicas"). (FOUCAULT
1989, p.10)
É no tecido social que emergem os discursos propagados pelas redes sociais que potencializam
pensamentos individuais que se acreditam no anonimato e, portanto, imunes ao outro, outra ilusão,
visto que o pensamento produzido segue a lógica de aceitação ou não do outro por meio das likes,
curtidas e outras manifestações. “Dessa maneira podemos dizer que um pensamento pessoal é aquele
que segue a inclinação de um pensamento coletivo” (HALBWACHS apud MAFFESOLI, 1988, p. 97),
reiterando a não neutralidade da informação e o uso da tecnologia para a criação e disseminação do
discurso da pós-verdade.
Retomando Foucault (1996, p.10), podemos dizer que se trata de um desejo pelo poder o que explica
a relação de prazer semelhante entre aquele que propaga a informação e o que a recebe e
imediatamente a repassa. Parece que ambos desejam reproduzir um saber do qual se julgam legítimos
portadores, - daí o sucesso da disseminação em rede.
Assim se formam as pós-verdades, cuja retórica é a indiferença ou a recusa ao outro, como assevera
Dunker et al. (2017) ao dizer que para alguns,
O discurso da pós-verdade corresponde a opiniões formadas a base de
repetições, sem confirmação de fontes. [...] Um fenômeno complexo que
envolve a combinação calculada de observações corretas, interpretações
plausíveis e fontes confiáveis em uma mistura que é, no conjunto,
absolutamente falsa e interesseira. (DUNKER et al. 2017, p.38)
A pós-verdade já se funde aos preconceitos que o indivíduo cultiva, e que leva o sujeito a reiterar
conclusões tendenciosas, tal como ocorre com o Movimento Antivacina, cujo discurso vem sendo
propagado pela mídia de modo a levar à dúvida sobre seus benefícios.
Um ponto importante sobre a forma como a mídia opera remete ao que Patrick Charaudeau aponta
como a dimensão lógica do mundo midiático. Para o linguista, além da lógica econômica e tecnológica,
é no âmbito da lógica simbólica que se normalizam as notícias, pois “são os indivíduos que regulam a
trocas sociais, constroem as representações de valores que subjazem a suas práticas, criando,
manipulando signos e, por conseguinte, produzindo sentido”. (CHARAUDEAU, 2012, p. 16).

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Desse modo, a normalização da notícia implica postura ética por parte dos sujeitos, sobretudo porque
como já dito a produção de sentidos é da ordem da relação entre o individual e o coletivo e, por isso,
sempre pautado em ideologias.
Cabe mencionar o sentido de pós-ética, que, segundo a filósofa Márcia Tiburi, parece não se fixar
efetivamente na sociedade, visto que:
No contexto da pós-verdade, quando ainda que provisoriamente, podemos
denominar de pós-ética a um conjunto de desvalores tomados como
valores, de pseudoações tratadas como o que há de mais importante a ser
feito, é nesse contexto que a questão da ética parece anacrônica. De tempos
em tempos a palavra ética aparece e desaparece de nosso vocabulário. Nas
épocas em que a política mais se esvazia, as discussões sobre ética,
questionamento ao qual essa ciência serve, fica de lado. (TIBURI, 2017,
p.111)
O que parece se impor atualmente como verdade passa menos pela dimensão ética do que pela
preservação e proliferação de relações marcadas pelo imperativo ‘eu” em detrimento do outro, e tem
nas mídias, a possibilidade de ressignificar o efêmero através de falsas notícias decorrentes de
discursos ideológicos esvaziados de sentido.
Não obstante, se por um lado a mídia contribui para a manutenção de poderes erigidos sob falsos
discursos que circulam nas redes sociais, por outro, ela pode ser utilizada para conscientizar a
sociedade sobre os impactos negativos desses discursos, como se nota no jornal “O globo”.
Com o conceito de verdade em “check”, voltamos ao sociólogo Zygmunt Bauman (2001) que
descreveu nossa sociedade como líquida e veloz, cujo individualismo é uma das marcas evidenciadas,
e a qual, com o advento das tecnologias tornou o próprio tempo instantâneo e temporário.

JORNAL “O GLOBO” E O COMBATE AO MOVIMENTO ANTIVACINA

O jornal “O Globo” foi fundado em 1925 e é reconhecido por sua abrangência nacional, com um
público de cerca de 1.194.000 leitores, principalmente das classes B e C, de diversas faixas etárias de
acordo com dados da InfoGlobo. Pioneiro entre os grandes veículos de comunicação brasileiros, a
home page do jornal, a “ Globo On” inaugurada em 1996, criou uma nova linguagem contando com o
potencial da Internet. Nos anos seguintes lançou outras plataformas digitais, modernizando-se até
chegar à edição digital em 2006 e, em 2011, o jornal inaugurou um novo site visando maior qualidade
da notícia ao mesmo tempo em que acompanha a velocidade da internet. São mais de 400
reportagens, artigos, fotos, vídeos e áudios publicados diariamente e produzidos de forma
independente pela maior redação de jornal da América Latina e, conforme dados divulgados pelo
Instituto Verificador de Comunicação (IVC) no início deste ano, o jornal “O GLOBO” terminou o ano de

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2018 como o maior jornal do país em circulação total. Segundo a ComScore, empresa de
monitoramento de audiência da internet, O GLOBO obteve em média, no ano passado, 22,8 milhões
de visitantes únicos mensalmente em seu site. Atualmente, as reportagens especiais e outros
conteúdos são disponibilizadas para o público assinante, tendo o público geral acesso às notícias das
mais diversas, dentre as quais, destacamos como prioridade nesta pesquisa as que evidenciam um
discurso pró-vacinas e alertam sobre os riscos da não imunização. Considerando a credibilidade do
referido jornal junto à sociedade, retoma-se a perspectiva de valor de verdade a partir do Charaudeau,
segundo o qual,
O valor de verdade não é de ordem empírica. Ele se realiza através de uma
construção explicativa elaborada com a ajuda de uma instrumentação
científica que se quer exterior ao homem (mesmo que seja ele quem a tenha
construído), objetivante e objetivada, que pode definir-se como um
conjunto de técnicas de saber dizer, de saber comentar o mundo. A
utilização dessa instrumentação permite construir um “ser verdadeiro” que
se prende a um saber erudito produzido por textos fundadores.
(CHARAUDEAU 2012, p. 49)
Pode-se depreender que a construção da verdade se configura na construção discursiva pautada na
ciência com vistas a produzir enunciados críveis a partir de textos e pesquisas realizadas por sujeitos
éticos e responsáveis e, é nessa perspectiva que se compreende a contraposição do referido jornal ao
movimento antivacina.
Assim como outros discursos produzidos, o jornal apresenta suas próprias características, como a
escolha editorial de um tema. Para o professor de jornalismo e fundador do Centro de investigação
“Media e Jornalismo”, Nelson Traquina (2005) há critérios de noticiabilidade seguidos pela imprensa,
dentre os quais destacamos o valor-notícia que segundo ele,
Este valor-notícia responde à preocupação de informar o público dos
acontecimentos que são importantes porque têm um impacto sobre a vida
das pessoas. Este valor-notícia determina que a noticiabilidade tem a ver
com a capacidade do acontecimento incidir ou ter impacto sobre as pessoas,
sobre o país, sobre a nação. (TRAQUINA, 2005, p. 80).
No que diz respeito ao jornal O Globo, o valor-notícia se configura pelas reportagens disponíveis
gratuitamente no site, e, mediante as quais, essa mídia busca, na contramão do movimento antivacina,
conscientizar a população sobre os malefícios causados pela falsa notícia, desconstruindo, assim, os
mecanismos estratégicos enunciados pelo mesmo, como apontam os fragmentos abaixo, selecionados
no período de janeiro a junho de 2019.
Como principal critério de escolha está a dimensão social que o título traz como conscientização e
alerta à população, para fins de exposição usaremos a ordem cronológica das matérias.

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Figura 3 - Reportagem em janeiro

Fonte: Jornal O Globoiii.

De acordo com o fragmento acima, em janeiro deste ano, a manchete diz “Movimento antivacina é
incluído na lista de dez maiores ameaças à saúde em 2019 ”, a reportagem exibe o relatório da
Organização Mundial da Saúde (OMS), que traz as maiores ameaças à saúde em 2019, destacando que
em primeiro lugar está o movimento antivacina.

A matéria traz a explicação da OMS para a escolha do movimento antivacina justificando os efeitos da
redução da cobertura vacinal que culminou na volta de doenças antes consideradas erradicadas em
alguns países como o Sarampo.
Reitera-se desta forma, o que diz Charaudeau sobre o não empirismo da verdade tendo em vista que
demanda pesquisa científica em diálogo constante com textos e pesquisas que fundamentam, o que
não ocorre com o movimento Antivacina.
Em reportagem publicada em março, com o título “Não há ligação entre o autismo e a vacina tríplice
viral, reafirma estudo”, há um esclarecimento evidenciado por uma pesquisa dinamarquesa que
contesta o estudo fraudulento de Andrew Wakefield, no intuito de erradicar as dúvidas diante de um
crescente número de pessoas que duvidam da vacinação, no caso o movimento antivacina.

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Figura 4 - A reafirmação

Fonte: Jornal O Globoiv

Citando Foucault (1996, p.18) podemos dizer que a vontade de verdade tende a exercer sob outros
discursos um poder de coerção, por isso, é necessário que a imprensa reafirme e esclareça a população
através de pesquisas recentes o que já foi dito, ou seja, que a vacina não causa autismo.

Figura 5 - A imprensa e o seu papel de informar o cidadão

Fonte: Jornal O Globov.

Levando em consideração como meio de imprensa o papel de informar a população, o jornal O Globo,
traz em maio a notícia: “Entenda por que a vacinação é importante para a sociedade”, com uma
entrevista do presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) Juarez Cunha, para autenticar
a importância da imunização no Brasil, partindo de uma campanha de imunização promovida pelo
Ministério da Saúde. Ao utilizar como fonte o representante de um órgão competente como a referida
Sociedade, o jornal procurar dar credibilidade ao seu discurso, conforme explica Charaudeau (2012,
ps.193, 194) “ os especialistas são considerados representantes do saber, pronunciando-se fora do
campo do poder, sem restrições, sem nenhuma pressão, qualquer que seja”. Nesse caso, a mídia atua
positivamente junto à sociedade, já que não se trata de marketing para conferir notoriedade, mas de

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um alerta a população e nesse sentido, reafirmar o compromisso ético que rompa, de alguma forma,
com a mercadorização da verdade. Diante disso, D’Ancona (2018) assevera que

Tanto na saúde pública como na política, a pós-verdade gera uma


volatilidade espantosa. Quando se confia menos na investigação baseada
em provas do que numa coleção de anedotas e se presta menos atenção à
autoridade institucional do que em teorias da conspiração, as consequências
podem ser imprevistas e fatais. (D’ANCONA, 2018, ps.72, 73).
O que se avulta nesse caso é o fato o valor de verdade é substituído por discursos vazios, ainda que
estrategicamente enunciados visando enfraquecer teses cientificamente comprovadas como se
fossem retrógradas e, portanto, sem valor.
Em junho, observamos como destaque um número maior de reportagens. Nota-se que o aumento de
matérias desse conteúdo está vinculado ao fato do reaparecimento do Sarampo, cujos primeiros casos
em São Paulo este ano foram registrados em maio. Na reportagem “Movimentos antivacina trazem
de volta o risco de epidemias de doenças já erradicadas”, o jornal destaca que embora o movimento
antivacina não seja tão expressivo no Brasil como nos Estados Unidos, é necessário intensificar as
campanhas nacionais e reforçar a imunização principalmente contra Febre Amarela e Sarampo. O
discurso do movimento, segundo O Globo, revela a postura arbitrária, tendenciosa e não
fundamentada em pesquisas científicas, o que significaria uma relação possivelmente pautada em
crença, magia ou algo que o valha, gerando desinformação e confusão na população.
Figura 7. A volta de doenças erradicadas.

Fonte: Jornal O Globovi

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Novamente, nota-se como o caráter ambivalente da mídia, que a partir de determinada ideologia
pode, como aponta Tiburi, tomar como valores os desvalores configurados em pseudoverdades, ou,
como mostram os fragmentos do jornal “O Globo”, utilizar da mesma mídia para desconstruir o
mercado das verdades que buscam anular a ciência submetendo a sociedade à uma lógica em que
teoria e prática não coadunam.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Retomando o problema que ensejou esse exercício de pensamento, isto é, sobre o poder da mídia e o
impacto causado nas redes quanto às campanhas de vacinação, tendo em vista o discurso do
movimento antivacina e o jornal o Globo, podemos compreender que, apesar de informar e
conscientizar o seu leitor, a questão da vacinação é abordada com mais frequência quando surgem
novos casos de doenças antes erradicadas, como apontaram os fragmentos analisados, sobretudo no
mês de junho de 2019, após casos de Sarampo começarem a ser relatados em São Paulo.
Nesse sentido, é coerente dizer que, discursivamente, o fenômeno da pós-verdade é tão complexo e
camaleônico quanto a própria mídia que o sedia, pois, ainda que não sejam novos, tanto um quanto
outro se metamorfoseiam de acordo com as ideologias que os acolhem. No que toca à forma e
conteúdo, vimos que o formato da mídia se antecipa ao desejo do leitor/espectador, como
exemplificado no Instagram, Facebook, WhatsApp, Youtube, etc.
Nesses formatos midiáticos a relação tempo/espaço se configura na imediatidade promovendo um
alcance, se não em tempo real, no mínimo em quase um aqui e agora, de conteúdos não verificados
por autoridades cujas pesquisas são cientificamente comprovadas. Desse modo, as notícias se
espalham e a cada like, curtida ou algo que o valha, a lógica do mercado de verdades se amplia sem
qualquer critério ético, político.
Historicamente, já houve uma revolta da vacina em função de desinformação, inclusive por parte da
imprensa da época, no entanto, em nossa contemporaneidade, o que parece estar em jogo não é
apenas a desinformação que resulta da ignorância dos fatos, mas, e talvez mais perigosa, a postura
deliberada de construir inverdades com caráter de verdade numa dimensão que atravessa a sociedade
à medida que implica questões políticas, históricas, levando a uma democracia totalitária que pode
incorrer no fascismo da mídia e da informação.
Todavia, se tomarmos como referência que a mesma mídia que desconstrói a verdade, pode construí-
la, voltaremo-nos, então, a nós mesmos, produtores e produtos de uma sociedade que ajudamos a
constituir.Reiteramos, assim, as palavras da filósofa Márcia Tiburi sobre o aparecimento e

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desaparecimento da palavra ética em tempos de esvaziamento político e que nos leva nos examinar
como sujeitos sociais.
Resta saber, então, uma vez que o poder da mídia é atribuído por nós, sujeitos histórico, social e
culturalmente constituídos, o que, de fato, buscamos como valor de verdade e ética em tempos de
pós-verdade? Que lógica vimos operando ou, pior, ajudamos a operar, a cada curtida ou reenvio de
mensagens as quais nem sempre lemos na íntegra? Isso revela o imediatismo do próprio sistema
capitalista. Há décadas, o teórico social, Michel Foucault já fazia referência a verdade ligada aos
sistemas de poder, seguindo seus ensinamentos entendemos que não é preciso só mudar a
consciência das pessoas, mas o regime político e institucional da produção da verdade. Ora, se as pós-
verdades tem se tornado ideologias, não seria este o momento de repensarmos a verdade como uma
questão política?
Na verdade, não buscamos respostas, mas, sim, provocar a reflexão sobre nosso papel no contexto da
era da informação, da mídia e diante da necessidade premente de retomar a perspectiva ética que
deve nortear nossas práxis, aqui compreendida como a própria existência humana na qual teoria e
prática não se separam da realidade, visto manifestar-se na dimensão objetiva e subjetiva do homem.

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REFERENCIAL TEÓRICO

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A Era Da Pós-Verdade: O Papel Da Mídia Como Forma De Combate Ao Movimento Antivacina No Brasil

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A Era Da Pós-Verdade: O Papel Da Mídia Como Forma De Combate Ao Movimento Antivacina No Brasil

NOTAS
i Conforme dados compilados pelo site Statista, uma plataforma global de dados corporativos. Vide
referências.

ii Disponível em < https://www.facebook.com/groups/498347420920840/about >. Acesso em: 22 de


set. 2019.

iiiDisponívelem:<https://oglobo.globo.com/sociedade/saude/movimento-antivacina-incluido-nalista-

de-dez-maiores-ameacas-saude-em-2019-23413227>.Acesso em: 22 de set. 2019.

ivDisponívelem:<https://oglobo.globo.com/sociedade/nao-ha-ligacao-entre-autismo-a-vacinatriplice-

viral-reafirma-estudo-23500277>. Acesso em: 22 de set. 2019.

vDisponívelem:<https://oglobo.globo.com/sociedade/nao-haligacaoentreautismoavacinatripliceviral-

reafirma-estudo-23500277>. Acesso em: 22 de set. 2019.

viDisponívelem:<https://oglobo.globo.com/opiniao/baixacoberturadevacinasameacaparapais228202

80>. Acesso em: 22 de set. 2019.

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330
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 26
10.37423/200702002

O DESAFIO DOS DIREITOS HUMANOS E SOCIAIS


NO CÁRCERE FEMININO: SINGULARIDADES DO
SISTEMA PRISIONAL ITABUNENSE

Tercília Júlia Oliveira Rodrigues

Andressa Santos de Almeida


O Desafio Dos Direitos Humanos E Sociais Nocárcere Feminino: Singularidades Do Sistema prisional Itabunense.

Resumo: Este artigo aborda uma análise sintética e pontual a respeito do sistema carcerário feminino
brasileiro com o fito de debater o desafio que as presidiárias enfrentam em face de uma observação
do sistema prisional feminino à luz dos Direitos Humanos como valor universal. Para tanto, possui
como embasamento metodológico o emprego de literatura a respeito, além de noticiários, dados
coletados em pesquisas institucionais e uma análise de informações das presidiárias da Comarca de
Itabuna-BA – o que evidencia tensionamentos e peculiaridades entre o plano do direito e da prática
carcerária cabruca. Trata de uma discussão acerca da realidade imposta às mulheres presidiárias -
sejam elas em condições habituais, gestantes, mães etc.; bem como as condições insalubres, a
superlotação e os danos psíquicos causados a elas pela situação em que se encontram, muitas vezes,
abandonadas pela própria família. Conclui-se que não se trata de vitimar esse público, tampouco
retirar sua responsabilidade pelos atos cometidos. É, na verdade, uma necessidade de se olhar com
“outros olhos”, enxergá-las como seres humanos com os mesmos direitos à dignidade, impossibilitadas
apenas do exercício dos direitos à liberdade e os demais a ele inerente.
Palavras-Chave: Peculiaridades. Condições. Psíquicos.

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O Desafio Dos Direitos Humanos E Sociais Nocárcere Feminino: Singularidades Do Sistema prisional Itabunense.

INTRODUÇÃO

Com o objetivo inicial de se discutir a situação atual dos presídios no território nacional sobre um olhar
crítico e humanístico, o presente estudo aborda, mediante um método indutivo investigativo, as
formas pelas quais se processam a violação dos direitos humanos (aqueles equivalentes, sobretudo, à
integridade física e à dignidade da pessoa humana) para os encarcerados, em direção a exteriorizar
teorias que compactuem com a ideia apresentada, indicando juntamente os dados reais buscados em
redes de navegação, procurando, ao final, encontrar uma possível solução. A escolha do tema, por este
turno, se deu em razão da necessidade existente de se olhar para as mulheres privadas de suas
liberdades e enxergá-las não como meras criminosas (caso se tornem) passíveis de punição, mas como
pessoas naturais dotadas de todos os direitos humanos essenciais, previstos tanto na Constituição
brasileira de 1988 como em tratados internacionais. Apesar de ser abordado em diversas legislações
desde as nacionais até aquelas internacionalmente conhecidas, o sistema prisional no Brasil ainda
enfrenta sérios problemas no que tange a preservação da dignidade da pessoa humana.
A imprescindibilidade de se estudar especificamente o público feminino corresponde a uma violação
quanto às suas necessidades ligadas intrinsecamente ao seu gênero. Isto porque muito além do
tratamento básico que se disponibiliza aos sexos de maneira geral (a exemplo do cuidado com a água
a ser consumida e o bom estado de suas celas) as mulheres prescindem de direitos específicos que vão
desde absorventes para o ciclo menstrual até os procedimentos cruciais, como pré-natal, às gestantes
encarceradas.
A realidade mostra um Judiciário que se tem cessado a autonomia do indivíduo sem lhe oferecer o
mínimo de garantias, o que significa agravar ainda mais a situação dessa pessoa como ser humano.
Conquanto, sabemos que tal pensamento não se afigura correto em um país que preza pelo princípio
democrático de direito, do qual se presume a proteção da integridade de todo e qualquer sujeito. Além
do mais, ao passo que o Estado assume o papel de estabelecedor dos parâmetros punitivos com a
consequente determinação da pena para cada ser a que se atribui a autoria de um delito, o mesmo
também deve assumir a responsabilidade de atuar na prestação de serviços aos sujeitos aprisionados,
ideais já prescritos em leis brasileiras, porém que pouco se ver na prática.
Desta forma, o trabalho irá, primeiramente, contemplar uma abordagem geral do sistema carcerário
brasileiro em face de uma conjuntura dos direitos humanos para, em seguida, adentrar no âmbito que
será o foco do artigo: uma análise do público feminino de detentas em âmbito nacional e regional. O
próximo passo visa um breve estudo quanto às formas de violação dos direitos humanos das mulheres
privadas de suas liberdades, seja essa incursão por meio da falta de estrutura dos estabelecimentos

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O Desafio Dos Direitos Humanos E Sociais Nocárcere Feminino: Singularidades Do Sistema prisional Itabunense.

devido a uma alta concentração de prisioneiras, seja pela inobservância das garantias próprias e
específicas a esse público de destaque. Ao final, será retratada de maneira breve a ofensa que se
processa por parte da própria sociedade quando atua de maneira repressiva em detrimento de uma
atividade restaurativa em face dessas pessoas.

SISTEMA CARCERÁRIO NO BRASIL EM UMA ANÁLISE DOS DIREITOS HUMANOS

O tema dos direitos humanos é global, uma vez que se discute, num plano de ideias, as variáveis de
direitos que se esbarram em categorias como a raça, a etnia, o gênero, a religião ou a classe social -
abrangendo a dignidade humana e garantindo a efetiva proteção dos direitos de todos os seres
humanos (uma vez que a sua associação com a humanidade é crucial para o desenvolvimento social).
Todavia, ao contrário do estabelecido no artigo 6º do documento oficial da Declaração Universal dos
Direitos Humanos de que “todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento como pessoa perante a
lei”, existe uma dificuldade quanto à compreensão da extensão dos direitos humanos por sociedades
mais violentas, no qual o quadro dos presidiários e presidiárias é confluente ao próprio processo de
violência social engendrada no cotidiano social - o que reflete, inexoravelmente, na qualidade do
sistema prisional sito de país a país no sistema mundo atual.
Destarte, cabe frisar que toda pessoa tem direitos - assim como deve ser assegurado um mínimo de
respeito à pessoa humana elencado por um rol de prerrogativas em prol de sua dignidade social e
individual, como estabelecido no artigo 1º da Declaração dos Direitos Humanos. A prisão, por si só,
afeta diretamente o direito de liberdade e de locomoção do indivíduo e, diante desta realidade
excepcional de direitos em face de uma punição feita através de um processo penal legal, regulações
jurídicas são estabelecidas para que não violem a dignidade humana, uma vez que a pena não é uma
vingança da sociedade, mas, um reflexo de sistemas penais vigentes em um dado Estado de Direito.
Contudo, mesmo em Estados nessa conotação - geralmente comprometidos com princípios
democráticos, há dificuldades severas de cumprimento dos direitos carcerários. No plano real, os
presídios no Brasil não possuem uma situação relativamente boa e, diante disto, o sistema “(...) não
dá condições para essa individualização, pois os presídios, quase sem exceção, são meros depósitos de
pessoas, não dando os meios necessários para a recuperação dos delinquentes” (DALLARI, 1994, p.46).
Isso contribui, decerto, para aumentar a insegurança da sociedade, pois quem é recolhido ao presídio
sob estas condições raramente escapa da vida de delinquente e quase sempre sai da prisão
impulsionado a desenvolver outros delitos penais em flagelo flagrante à sociedade que, antes, o
encarcerara.

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O Desafio Dos Direitos Humanos E Sociais Nocárcere Feminino: Singularidades Do Sistema prisional Itabunense.

Embora seja consenso social de que o cárcere é uma resposta, senão eficaz, útil ao cumprimento das
penas; muitas vezes o seu real objetivo foge face à realidade já que a ressocialização e a reeducação
dos apenados se mostram dificultosos. Essa maneira de controle da pessoa do preso cumpre o mínimo
- que é de se privar apenas a liberdade do indivíduo e os direitos a ela necessariamente afetados sem
um compromisso direto de ressocialização. E, certamente, quando o indivíduo é privado de sua
liberdade,consequentemente também perde elementos estruturantes da sua vida costumeira, como
a identidade social, a posse de certos bens materiais e até as relações íntimas habituais que, para
muitos, pode ser um percalço no intuito de reabilitação dos laços familiares. O encarcerado, portanto,
ficará sujeito a um sistema autoritário, privando não apenas do seu direito à liberdade, mas também
à sua capacidade de se autodeterminar.

PANORAMA DO SISTEMA CARCERÁRIO FEMININO NO BRASIL

O sistema carcerário nacional, em geral, possui uma situação precária que abrange nuances negativas
desde a sua alimentação, higiene, assistência médica se locupletando na superlotação das celas. A
penitenciária feminina, apesar de não ser lembrada da mesma maneira e com a mesma intensidade
que o masculino, tem tido aumento considerável no demográfico dos encarceramentos. Entre os anos
de 2000 e 2016 houve um aumento de 656% (seiscentos e cinquenta e seis por cento) das prisioneiras
no Brasil, passando a constar em torno de 42.355 mulheres encarceradas. Dentre os dados divulgados
pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN), além de apresentar o Brasil
como o 4° (quarto) país que mais prende mulheres no mundo - ficando atrás apenas dos Estados
Unidos, China e Rússia, demonstra também que mais da metade dessa população é de mulheres
negras e jovens entre 18 e 29 anos. Ainda interessante ressaltar que 60% das mulheres que são presas
no Brasil temos como causa o tráfico de drogas - a mesma razão massiva havida sobre o
encarceramento masculino no país.
A estrutura interna, assim como as leis penais não condizem com as necessidades femininas, ao passo
que todo o arranjo carcerário é elaborado com o intuito de atender uma demanda masculina. Como
se não bastasse a falta de estrutura das cadeias no Brasil, principalmente no que se refere às condições
degradantes para sobrevivência digna com um mínimo de conforto necessário a qualquer pessoa, a
exemplo das situações ideais de dormitórios - uma consequência de grande impacto na
disponibilização de situações basilares de saúde; as mulheres ainda contam com uma escassez de
recursos. Modelo disso é o que ocorre em algumas prisões em que as encarceradas recebem “kit” de
higiene que não dura o mês inteiro.

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O Desafio Dos Direitos Humanos E Sociais Nocárcere Feminino: Singularidades Do Sistema prisional Itabunense.

Segundo dados do Relatório sobre o número de prisioneiras no Brasil, há uma evolução das mulheres
no sistema penitenciário de 2000-2006 – ano objeto de pesquisa. Tais dados, mesmo do ano em
questão, evidenciam como foi crescente o quadro de mulheres presas, o que contribui para os
problemas das condições a serem oferecidas nos presídios, sendo privada de direitos à saúde,
liberdade sexual, intimidade e à maternidade. Além disso, ainda segundo o relatório, em 2006 vários
partos foram realizados em pátios e/ou nas próprias celas, e até mesmo a caminho do hospital, dentro
de viaturas policiais. Isso ratifica a problemática do sistema carcerário feminino a nível nacional.

A PRISÃO FEMININA EM UMA ABORDAGEM LOCAL: MUNICÍPIO DE ITABUNA-BAHIA

O Estado da Bahia em sua dimensão geográfica possui 25 (vinte e cinco) Unidades Prisionais, sendo
que apenas 9 (nove) desses estabelecimentos são destinados para a população carcerária feminina.
Uma dessas unidades é reservada exclusivamente para este público, e ainda como destaque está o
Hospital de Custódia e Tratamento, dedicado puramente para aquelas com algum problema mental.
As demais estão localizadas em 7 (sete) diferentes municípios, quais sejam: Feira de Santana (CPFS),
Itabuna (CPI), Juazeiro (CPJ), Vitória da Conquista (CPVC), Teixeira de Freitas (CPTF), Jequié (CPJEQ) e
Paulo Afonso (CPPA).
O Conjunto Penal de Itabuna - município brasileiro do sul do estado da Bahia com população de
199.749 (2010) -, objeto de estudo de um plano estadual de atenção às mulheres privadas de liberdade
e egressas do sistema prisional, realizado entre os anos de 2017-2019, demonstra que, embora o CPI
possuísse capacidade para 96 detentas, o estabelecimento prisional custodiava, ali, 67 mulheres.
Dentre elas, a sua maioria foi privada da liberdade por associação ao tráfico de drogas. E mais da
metade delas são pardas e possuem o ensino fundamental incompleto, com idade entre 18 a 45 anos.
Além do mais, convém ainda destacar que um número considerável das presas ali abrigadas dizem
respeito à prisão provisória (35), com 32 mulheres em regime fechado e apenas 3 cumprindo o regime
semiaberto.
Inaugurado em março de 2009, o Conjunto Penal de Itabuna conta com uma infraestrutura
significativamente relevante, mas que ainda prescinde de transformações, ao passo que enquanto
possui espaços para atividade laborativa, unidade básica de saúde, escola e bibliotecas, são ausentes
os locais específicos para gestantes e berçários, espaço específico para visita de menores, e para visita
íntima, bem como ambiente destacado para as prisões provisórias. Esta ausência, por sua vez, é de
grande impacto, visto que é inegável a possível transformação das pessoas que entram em contato
com outras que acabam influenciando ou até mesmo coagindo a uma inserção ainda mais significativa

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O Desafio Dos Direitos Humanos E Sociais Nocárcere Feminino: Singularidades Do Sistema prisional Itabunense.

no “mundo do crime”. Isso seria um exemplo perfeito do que Enrico Ferri chamou de “Delinquente
Habitual”, no qual o indivíduo começaria com leve faltas e depois aprimoraria em virtude da vivência
no cárcere.

VIOLAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS FEMININO

Aqui se inicia uma análise acerca da dicotomia dos direitos humanos versus os direitos das mulheres
e, para tal, é imperioso analisar a importância da proteção dos direitos das mulheres em face da
violência, uma vez que se trata de uma questão de saúde pública.
A priori, é inegável que houve uma caminhada para o respeito e igualdade de todos a partir da
Declaração Universal dos Direitos dos Homens. Todavia, nesse panorama de construção inicial de
direitos universais, essa própria declaração escrita no masculino refletia a inferioridade das mulheres
ao reforçar que havia direitos restritos apenas ao sexo masculino e não para a totalidade das pessoas,
evidenciando a diferença de gênero. Em 1995, a IV Conferência Mundial sobre a Mulher com tema
central “Ação para a Igualdade, o Desenvolvimento e a Paz”, abordou esse aspecto de conceito de
gênero e da necessidade de reestruturação da sociedade para que as mulheres tivessem plenos
direitos e poderes, em todos os aspectos, assim como os homens.
O problema da violência é tema de relevância mundial que alcança grandes proporções, uma vez que
pode atingir pessoas de classe, etnia e religião diversas. A violência comporta várias classificações,
físicas ou psicológicas, seja no contexto familiar, da própria comunidade local ou até mesmo da ação
perpetrada pelo Estado, por falta de serviços e outras negligências. Dessa forma, temos o fundamento
dos Direitos Humanos diretamente com o princípio da dignidade da pessoa humana que também
independe de quaisquer rotulações dadas à pessoa humana. Destarte, atualmente, a situação das
mulheres continua marcada por meio de uma violação dos seus direitos e é evidenciado,
principalmente, no sistema carcerário que estão submetidas, que contraria o prescrito no caput do art.
3º (terceiro) da Lei de Execução Penal n. 7210/1984, que prevê “ao condenado e ao internado serão
assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”.
Destarte, a questão da saúde pública é pontualmente em face dos cuidados da vitalidade, prevenção,
cuidados e condições mínimas para a existência da pessoa, ou seja, direitos que são menosprezados
para com as detentas. Para melhor entendimento desse fenômeno de violações há fatores que
contribuem para que tal problema ocorra: a superlotação, a negligência ou até mesmo a falta de
organização para atender as peculiaridades femininas que estão ligadas à essencialidade da
manutenção da saúde, como acompanhamento médico e os cuidados durante a gestação.

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O Desafio Dos Direitos Humanos E Sociais Nocárcere Feminino: Singularidades Do Sistema prisional Itabunense.

SUPERLOTAÇÃO

A superlotação faz parte da realidade brasileira há um tempo especialmente farto. Além do mais, tem
sido uma doença quase que sem cura dos presídios masculinos e femininos do Brasil. Essa, no que lhe
concerne, produz sérios desdobramentos, dando- lhe por consequência uma caracterização de forma
violadora dos direitos essenciais de dignidade da pessoa humana.
A falta de espaço para acomodar os detentos e detentas nas cadeias brasileiras produz árduas
consequências na ressocialização dos apenados, já que diante do alto número de pessoas que se
encontram encarceradas não se tem uma assistência ideal e segura que permitam que aqueles
indivíduos se reintegrem no corpo social.
Indo, por sua vez, na contramão do que postula o artigo 1° da Lei de Execução Penal (Lei n° 7210/84):
“A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e
proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado ou internado”.
Independentemente do número, contudo, de detentas na realidade itabunense não fazer parte desse
quadro alarmante, fato é de que no âmbito da violação dos direitos fundamentais femininos a
superlotação, como forma de política penal de punibilidade, produz sérios desdobramentos para uma
sobrevivência digna, ao passo que se produz uma consequência de grande impacto na disponibilização
de serviços de saúde e higiene e nas rebeliões e no fortalecimento de facções criminosas - situação
que tem ocorrido em Itabuna com enorme frequência.

AS PECULIARIDADES FEMININAS

O sistema prisional, como já exposto, viola os direitos fundamentais dos apenados apesar das garantias
previstas na Constituição Federal, Lei de Execução Penal e o Código Penal. Os problemas iniciam com
a superlotação, doenças, rebeliões, maus tratos e até humilhação social. Não há efetivo amparo por
parte da administração pública em face da capacidade do espaço e do número de vagas. Muitos
presídios não possuem uma estrutura minimamente adequada, como a boa e adequada utilização de
seus espaços para atendimento médico e acesso à educação, por exemplo. Muitas vezes as mulheres
são tratadas de forma pior do que como os homens, que também possuem um tratamento precário,
mas a mulher sofre uma desigualdade de tratamento desde o passado, assim falta higiene e acesso à
saúde, já que as elas devem ter uma acolhida diferente devido às suas peculiaridades.
A prisão possui um estigma de lugar de criminosos que acaba influenciando para que haja um
sucateamento dos espaços e os apenados se tornam esquecidos pelos familiares e renegados pela
sociedade, o que afasta o olhar de atenção e cuidado para quem antes também feriu direitos de

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O Desafio Dos Direitos Humanos E Sociais Nocárcere Feminino: Singularidades Do Sistema prisional Itabunense.

outrem. Todavia, não pode haver desprezo quanto aos direitos fundamentais para não ferir o princípio
da dignidade humana previsto na Constituição Federal de 1988, artigo 1º, III, qualidade inerente à
pessoa como merecedor de respeito contra todo ato desumano e degradante.
Pontualmente, quanto às peculiaridades femininas, temos a possibilidade da mulher, ao contrário dos
homens, de engravidar e esse período de gestação necessita de acompanhamento médico a fim de
preservar a saúde de ambos – mãe e feto, para que tenha uma gravidez tranquila e saudável. A lei de
Execução Penal traz essas peculiaridades e as condições do detento, como garantido em seu artigo 83,
§ 2º que “os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as
condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de
idade”. Sabemos que poucos possuem essa estrutura. Dessa forma, nota-se que a legislação dispõe de
um tratamento que atende as peculiaridades dos presidiários, contudo, não basta apenas a letra da lei
já que a prática mostra o oposto, tornando o sistema penitenciário utópico.
Quanto à saúde e higiene nos presídios é difícil para ambos os sexos, porém, agrava a situação para as
mulheres por, em sua maioria, não ser oferecidos absorventes íntimos durante o ciclo menstrual, o
que faz com que muitas acabam improvisando (como o uso do miolo de pão) e proporcionando até o
desencadeamento de algumas doenças. Partes dos produtos de higiene são proporcionados para as
presas através dos familiares quando são realizadas as visitas. Além disso, são escassos os espaços que
possuem atendimento ginecológico e de pré-natal, o que acirra a violação dos direitos das mulheres
além de um cenário degradante que provoca o aparecimento de patologias psíquicas, como a
depressão, ansiedade, pânico entre outros. Neste cenário, torna-se de extrema relevância destacar a
obra da jornalista Nana Queiroz, intitulada “Presos que menstruam”. Com o objetivo inicial de
demonstrar como o sistema prisional no Brasil trata as mulheres com precariedade quando ficam
inertes as necessidades femininas como menstruação e maternidade, a autora defende:
É fácil esquecer que mulheres são mulheres sob a desculpa de que todos os
criminosos devem ser tratados de maneira idêntica. Mas a igualdade é
desigual quando se esquecem as diferenças. É pelas gestantes, os bebês
nascidos no chão das cadeias e as lésbicas que não podem receber visitas de
suas esposas e filhos que temos que lembrar que alguns desses presos, sim,
menstruam.
Durante os estudos realizados, o CPI contava com a presença de apenas uma gestante, além de contar
com 3 (três) detentas que possuíam filhos dentro do conjunto prisional. Apesar de ser uma realidade
de menor intensidade no município de Itabuna, existe em grande complexidade no Brasil afora. O que
é preocupante, uma vez que muitas das prisões brasileiras não contam com a assistência adequada.
Além do mais, vale destacar um quadro também preocupante, no qual os seus filhos ainda menores

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O Desafio Dos Direitos Humanos E Sociais Nocárcere Feminino: Singularidades Do Sistema prisional Itabunense.

dividem com suas mães a secessão de suas liberdades, visto que, apesar de decisão do
Supremo Tribunal Federal de que grávidas e mães presas provisórias podem ir para casa, essa é ainda
uma verdade distante para muitas encarceradas.

SOCIEDADE REPRESSIVA

Apesar de todas as mudanças do mundo moderno decorrentes de um investimento em defesa dos


direitos humanos, o sistema prisional brasileiro tem ainda em suas raízes históricas ideias muito
compatíveis com uma noção retributiva da sanção, na qual a melhor solução para a ocorrência dos
delitos estaria relacionada com uma retribuição, seja ela com a pena de morte, conforme defendia
Raffael Garofalo, ou uma penalização que fosse de acordo com o crime praticado por ele mesmo, seria
lhe atribuído o mesmo fim ao qual o fez delituoso assim apontado pela chamada Lei do Talião ou
popularmente denominada de lei do “Olho por Olho, Dente por Dente”.
Concepções como estas não fazem parte apenas de um julgamento por parte da autoridade
competente para tal, como também pela própria sociedade. Isto se justifica por uma inércia do corpo
social diante de ações violadoras dos direitos fundamentais dos carcerários e a manutenção de um
discurso no qual os seres que cometem crimes devem ser castigados ao tal ponto que se arrependam
dos atos praticados. Para aqueles indivíduos que voltam para comunidade, não são acolhidos como
deveriam ser. Esses sofrem preconceitos na sua ressocialização, o que gera um ciclo de violência ao
passo que os mesmos vão procurar sua sobrevivência por meios ilegais já que são privados de seus
direitos de restituição social.
Independente de gênero - e talvez maximizado ao quadro feminino, quando um indivíduo comete um
desvio primário por mais multifatorial que seja ele é etiquetado pela sociedade e a própria cria uma
autoimagem de acordo com o novo “status” que lhe é atribuído e acaba por cometer a desvios
secundários. Aquela ideia foi introduzida por Garfinkel, autor de grande renome do “Labeling Approach
Theory” ou “Teoria do Etiquetamento Social”. Denominada de Cerimônias Degradantes, o autor
entendia que após a desviação primária, os indivíduos ritualizados recebiam uma nova identidade, o
que produziria a aceitação por parte do indivíduo desse novo destaque que lhe foi atribuído, o
conduzindo para uma nova desviação. Com as mulheres essa repressão é ainda mais forte, uma vez
que elas, quando cometem crimes, extrapolam completamente o padrão feminino criado pela
comunidade de “bela, recatada e do lar”-tal qual o cenário pintado face à moralidade machista
desenhada em prol do sexo submisso androginamente.

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O Desafio Dos Direitos Humanos E Sociais Nocárcere Feminino: Singularidades Do Sistema prisional Itabunense.

Personalidade de extrema relevância a ser abordado quando se trata desse assunto corresponde ao
sociólogo Emile Durkheim. Para ele não se deve olhar para o indivíduo isoladamente, mas é necessário
estudar essas condutas considerando-as como fatos sociais ao passo que as pessoas têm seus
comportamentos substancialmente influenciados pelo grupo social em que está inserido. Além do
mais, o autor defende que tem de ser disponibilizado aos seres os mecanismos que os tornem úteis a
sociedade, já que atuando na comunidade e tendo a confiança por parte desta haveria uma redução
nos números de questionamentos das normas, ou seja, um número reduzido de sujeitos infringindo as
leis. Para Émile, existem dois tipos de Direito e Justiça, sendo estes o Direito Repressivo e Justiça
Retributiva, e o Direito Restitutivo e Justiça Restaurativa. Os últimos dizem respeito àquelas ideais
direcionadas para a sociedade caracterizada por uma maior divisão do trabalho e, portanto, maior
exclusão do ser, decorrendo, por último, num maior número de infringência da lei. Nesse tipo social,
portanto, se caracteriza como melhor caminho um Direito Restitutivo e Justiça Restaurativa porque,
para o autor, se atacaria as causas quando buscaria inicialmente analisar os fatos, assim como
procuraria uma reintegração do ser, não se revelando, portanto, como eficaz uma penalidade como
“funcionalidade do crime”, ou seja, como exemplo para não se cometer mais os mesmos
excessos.
É necessária essa abordagem durkheimiana a fim de fortalecer ainda mais a busca por uma aplicação
de restituição e reeducação do indivíduo, visto que se configura como o método mais humano e se
posto em prática até mesmo mais eficaz, já que se cortaria o mal pela raiz. Além do mais, a aplicação
do Direito Repressivo e de uma Justiça Retributiva seria condenar o sujeito duas vezes, ao passo que
além de castigá-lo com a exclusão do meio social, que consequentemente o faz recorrer ao mundo do
crime, estaria aplicando uma segunda repressão, ao ser aplicado uma pena bruta, com maneiras
desumanas, não reintegrativas e como se não bastasse nada educativas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É possível inferir diante do que foi dito a necessidade de desconstrução da ideia falaciosa de que os
seres privados de suas liberdades devem necessariamente passar por situações de descaso, tendo em
vista os erros por eles cometidos. É por razões como estas que se legitima a falta de humanidade no
tratamento desses sujeitos. No entanto, diante da cessação de suas liberdades, estes estão
subordinadas ao Estado, devendo ser responsabilidade do mesmo garantir a integridade de tais
segmentos populacionais. Além do mais, ao longo do desenvolver do artigo podemos perceber que
essa repressão tácita e massacrante aos sujeitos por serem cometedores de delitos não se afigura

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341
O Desafio Dos Direitos Humanos E Sociais Nocárcere Feminino: Singularidades Do Sistema prisional Itabunense.

correto e muito menos eficiente, já que os séculos demonstraram a permanência de práticas criminais
mesmo tendo a punição a outros apenados como exemplo. É necessário um olhar mais humano para
estas pessoas, pois apesar do erro cometido são pessoas como as outras e que devem pagar pelo feito
apenas na forma em que a lei prever, não com sua integridade e personalidade.
Dessa forma, ficou evidente a ausência de políticas internas nas penitenciárias que sejam dotadas de
atenção e sensibilidade para as necessidades e peculiaridades da mulher apenada. Estas, além de
sofrer com a precariedade do sistema carcerário brasileiro como um todo, ainda enfrentam a falta de
acesso em questões de suma importância para a higiene feminina. Além de todas essas necessidades
destacadas, as mulheres que têm suas liberdades cessadas, ainda enfrentam a represália da sociedade
e da própria família. Quando se trata do gênero masculino observa-se que, em algumas situações, um
maior apoio emocional do que quando se trata de encarceradas. Além do mais, na maioria dos casos,
o homem quando preso permanece com a estrutura familiar, que estará pronta para seu regresso. A
mulher, por sua vez, sofre uma maior reprovação na volta para o meio social e ainda, em sua maioria,
perde o marido e a casa, e por vezes tem seus filhos distribuídos entre seus parentes e amigos.
Nesse processo de conclusão deste trabalho, é de extrema importância frisar quanto a função das
penitenciarias na busca da reeducação das mulheres presas para a reinserção da mesma na sociedade.
O primeiro passo para tal, passa primeiramente pelo cumprimento efetivo da legislação já disposta no
Brasil. Finalmente, não tivemos como fito esgotar o tema, mas provocar um alerta para o problema
real do sistema carcerário feminino, diante da violação de direitos humanos e fundamentais que
afetam valores inerentes ao ser humano.

11
342
O Desafio Dos Direitos Humanos E Sociais Nocárcere Feminino: Singularidades Do Sistema prisional Itabunense.

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Disponívelem:<https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/10084/Osproblemasdocarcerefeminino
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ROCHA, José Manuel de Sacadura. Fundamentos e fronteiras da sociologia jurídica (os clássicos). São
Paulo: Juarez de Oliveira, 2005.

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344
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 27
10.37423/200702004

MAPAS CONCEITUAIS: COMO USO DA


METODOLOGIA DE ENSINO E PESQUISA PARA O
ESTUDO DE DESENVOLVIMENTO DE PROJETO
ARQUITETÔNICO

Emanuela Cristina Montoni da Silva

Flaviana Nogueira de Lima

Luiz Felipe Oliveira Luna de Farias

Tacyana Cinthya Matos Batista

Vinicius José Lopes Cursino


Mapas Conceituais: Como Uso Da Metodologia De Ensino E Pesquisa Para O Estudo De Desenvolvimento De Projeto Arquitetônico

Resumo Expandido: Esta pesquisa pretendeu aplicar uma nova metodologia de ensino com o estudo
dos “mapas conceituais”, no qual esta ferramenta é capaz de organizar e mostrar o conhecimento de
forma muito clara, além de demonstrar como as informações interagem.
A partir dos conceitos apresentados por David Ausubel em consonância com as ideias desenvolvidas
por Novak os mapas conceituais têm a vantagem importante no meio acadêmico, pela sua propriedade
de além de trazer os conhecimentos do aluno, também a forma como esse conhecimento se relaciona,
sendo assim a forma ideal do aluno apresentar seu conhecimento, pois muitas vezes o assunto
estudado pode ser interpretado de forma dispersada e desorganizada, e os mapas esclarecem as
ligações e organização do conteúdo (AUSUBEL,2003).
Dependendo da maneira como a construção do mapa conceitual é realizada ela pode favorecer a
relação professor-aluno, aluno-aluno e professor-turma, ao permitir que estes sujeitos compartilhem
uma visão integrada e clara dos seus conhecimentos e das relações existentes entre estes
conhecimentos (SILVA, 2012).
Embasado nesse estudo, os professores colocaram em prática os mapas conceituais para a
representação de sua estrutura cognitiva, e posteriormente os utilizar no desenvolvimento da
disciplina Projeto Arquitetônico. Esta disciplina é importante para os cursos de Arquitetura e
Urbanismo de qualquer instituição de ensino, pois é a base do curso e inúmeras são as discussões
sobre a melhor maneira de ensiná-la, sendo assim, o projeto em questão pretendeu analisar
qualitativamente o desenvolvimento da metodologia utilizada no projeto atual, Método de Baker
(método de avaliação para elaboração de projetos construtivos na arquitetura), comparando com a
nova metodologia, utilizando os mapas conceituais.
Os processos de concepção de um Projeto Arquitetônico envolvem diversos conhecimentos, mas até
que os alunos consigam atribuir significado a esses conhecimentos um longo caminho deve ser
percorrido. Esta pesquisa pretendeu contribuir para a diminuição deste caminho, entre o momento
em que o aluno é apresentado a um novo conhecimento e o momento em que o aluno atribui
significado a este conhecimento.
Este projeto teve por finalidade agregar valor ao docente e discente, visto que facilitou o aprendizado
do aluno. Também atingiu a toda a comunidade (estudantes e profissionais de arquitetura), pois a
partir do momento que os professores de projeto arquitetônico assumiram uma mesma linguagem de
ensino, houve uma facilidade de compreensão do aluno por determinado conteúdo.
Neste contexto, escolhemos dentre as análises o mapa conceitual “padrão”, ou seja, aquele que o
aluno possa ver as inúmeras possibilidades que ele tende a percorrer, e assim, o conceituamos como

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346
Mapas Conceituais: Como Uso Da Metodologia De Ensino E Pesquisa Para O Estudo De Desenvolvimento De Projeto Arquitetônico

dinâmico, no qual faremos com que eles não apenas façam um mapa conceitual utilizando a
elaboração projetual, mas que desenvolva um projeto arquitetônico desta maneira. Em síntese, da
teoria para visibilidade prática.
Para que isso ocorra é necessário primeiramente o conhecimento de todos os itens presentes na
metodologia, sendo estes: Programa de Necessidades; Referencial Arquitetônico; Análise
Programática; Pesquisa Referencial; Localização; Análise do Entorno; Análise do Terreno; Legislação;
Conceito; Referencial Simbólico; Tipologia; Partido Estudo da Volumetria; Geometria; Zoneamento;
Pré-Dimensionamento; Organofluxograma; Materiais Construtivos; Desenvolvimento do Desenho
Técnico.
Após toda pesquisa com alunos e professores, desenvolvimento de diversos mapas conceituais com o
auxílio dos professores da disciplina de Projeto Arquitetônico e a definição de todas as etapas a serem
trabalhadas, a pesquisa desencadeou como resultado a conscientização dos professores de
procurarem formas mais dinâmicas de trabalhar com a elaboração projetual, e esta nova metodologia
poderá ser utilizada por eles para explicações em salas de aula, pois também será utilizada uma
linguagem simbólica, de forma que o aluno faça uma ligação entre a figura e o seu significado, trazendo
assim um diferencial para o curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Cesmac e de
outras Instituições, que sairá de uma metodologia projetual usual, para uma nova metodologia,
utilizando os mapas conceituais e dando mais liberdade para os alunos raciocinarem qual caminho
devem seguir e o preparando melhor para o mercado de trabalho.
A presente pesquisa demonstra que a Metodologia Projetual é essencial em todo o curso de
Arquitetura e Urbanismo, do Centro Universitário Cesmac, uma vez que a disciplina de Projeto
Arquitetônico está presente no 2º ao 10º período.
É necessário destacar que o uso da nova metodologia de ensino e pesquisa utilizando os Mapas
Conceituais será essencial para os professores utilizarem em suas explicações, para o melhor
aprendizado do aluno e para o diferencial do curso perante outras instituições.
Os mapas conceituais no âmbito da arquitetura e a utilização dos métodos são um exemplo da melhor
aplicabilidade de um sistematizador de informações, afinal, após uma explanação das informações, é
possível desenvolver a relação das categorias do método de forma com que eles se complementem e
percam uma possível dispersão, fazendo com que sejam menos confundidos e ainda aumentando seus
sentidos individuais.
Concluindo assim, que neste sentido, é indiscutível a agregação da nova metodologia, entendendo ser
de fundamental importância ao curso de Arquitetura e Urbanismo, pois, por sua flexibilidade, estará

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347
Mapas Conceituais: Como Uso Da Metodologia De Ensino E Pesquisa Para O Estudo De Desenvolvimento De Projeto Arquitetônico

trazendo mais embasamento teórico ao curso e preparando o aluno para o mercado de trabalho, de
modo que este esteja ciente das inúmeras possibilidades que poderá produzir através dos mapas
conceituais. Esse aprendizado funciona de maneira que o conhecimento de cada aluno seja registrado
desde o início ao fim do aprendizado.
Palavras-Chave: Ensino; Aprendizagem Significativa; Mapas Conceituais; Projeto Arquitetônico.

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348
Mapas Conceituais: Como Uso Da Metodologia De Ensino E Pesquisa Para O Estudo De Desenvolvimento De Projeto Arquitetônico

REFERÊNCIAS

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MASINI, E. S.; MOREIRA, M. A. Aprendizagem significativa: condições para ocorrência e lacunas que
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349
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 28
10.37423/200702011

CONTRIBUIÇÕES METODOLÓGICAS DOS


"TEMAS GERADORES FREIRIANOS" PARA O
DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES DE
LEITURA E ESCRITA NO PROCESSO DE
ALFABETIZAÇÃO

Rysian Lohse Monteiro

Luciana da Silva Almeida

Eliana Crispim França Luquetti


Contribuições Metodológicas Dos "Temas Geradores Freirianos" Para O Desenvolvimento Das Habilidades De Leitura E Escrita No
Processo De Alfabetização

Resumo: O presente trabalho apresenta os resultados de um projeto de formação oferecido aos alunos
do curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro –
UENF, realizado no ano de 2018, cujo objetivo foi capacitar os futuros professores a desenvolver a
oralidade e escrita no processo de alfabetização e letramento, a partir de uma perspectiva freiriana do
trabalho com o tema gerador. Partimos do pressuposto de que os educadores devem organizar sua
prática pedagógica de forma que os alunos tenham acesso aos diferentes gêneros textuais que
circulam na sociedade, tendo sempre o cuidado de contextualizar o material com a realidade a ser
trabalhada. Como embasamento teórico nos valemos das leituras de Freire (1997), Ferrarezi (2014),
Soares (2017), além da dos PCNs para o ensino de língua materna. Concluímos que a linguagem é um
meio de ação e interação e seu ensino deve estar voltado para desenvolvimento das capacidades de
ler, ouvir, falar e escrever.
Palavras-Chave: Formação de Professores, Ensino de Língua Materna, Temas Geradores.

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Contribuições Metodológicas Dos "Temas Geradores Freirianos" Para O Desenvolvimento Das Habilidades De Leitura E Escrita No
Processo De Alfabetização

INTRODUÇÃO

Esse trabalho pretende apresentar os resultados de um projeto de formação oferecido aos alunos do
curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro –
UENF, realizado no ano de 2018. Para tanto, buscamos capacitar os professores em formação para
trabalhar a oralidade e a escrita na alfabetização a partir do uso de temas geradores.
Dentro da perspectiva dos temas geradores, é importante ressaltar que o educando deve estar ciente
de que a leitura de mundo é indispensável no seu processo educativo. Entretanto, para que isso
ocorra, cabe ao professor, pedagogicamente, explorar o conhecimento de mundo dos alunos e
envolvê-los nas experiências de leitura e produção de textos.
Nessa perspectiva, Soares (1989), defende que uma escola que queira assumir seu papel social, deve
levar o aluno a compreender o lugar que seu dialeto ocupa nas relações sociais, o porquê de ser
estigmatizado, e dar a ele, assim, condições para participar de debates políticos e buscar uma
estrutura social menos preconceituosa.
Kramer (1999) também destaca que precisamos formar leitores críticos, para assim consolidarmos a
cidadania. De acordo com a autora, as políticas educacionais deveriam priorizar políticas públicas de
investimento em leitura, escrita e cultura.
Partindo dessa premissa, o trabalho foi desenvolvido da seguinte forma: No primeiro momento,
realizamos um debate sobre a teoria freiriana e a proposta contida nos PCNs para ensino de língua
materna, uma vez que o trabalho com o tema gerador fornece subsídios educacionais para que a
criança possa ter o conhecimento necessário à interação com o mundo no qual está inserida. No
segundo momento, a partir das palavras levantadas pelos participantes da oficina, houve a criação de
poesias a partir das experiências e exercícios de docência vivenciados pelos discentes. Ao final,
realizamos um ‘Café Literário’ com exposição das poesias e trocas de experiências.
Considerando a linguagem como meio de ação e interação, seu ensino deve estar voltado para o
desenvolvimento das capacidades de ler, ouvir, falar e escrever. A escola deve, portanto,
comprometer-se com práticas que garantam o domínio da língua, em situações diversas de
comunicação, como condição para uma atuação autônoma e cidadã no mundo.
Segundo Barbosa (1994), quando a criança entra em contato com uma situação de leitura, ela inicia o
processo evolutivo dessa aprendizagem, uma vez que a escrita está presente em suas várias formas e
usos, permitindo considerar uma diversidade de condições de leitor. O autor comenta que recentes
investigações apresentam uma semelhança entre a aprendizagem da fala e a aprendizagem da leitura;
se a criança aprende a falar, falando, é bem possível que a mesma aprenda a ler lendo. Segundo os

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Contribuições Metodológicas Dos "Temas Geradores Freirianos" Para O Desenvolvimento Das Habilidades De Leitura E Escrita No
Processo De Alfabetização

PCNs, 1997, p.58: “para tornar os alunos bons leitores – para desenvolver, muito mais do que a
capacidade de ler, o gosto e o compromisso com a leitura – a escola terá de mobilizá-los internamente,
pois aprender a ler (e também ler para aprender), requer esforço”.
Dessa forma, o desenvolvimento da linguagem oral é algo que precisa ser objeto de trabalho
intencional e sistemático no processo de alfabetização. A criança necessita ampliar seu vocabulário,
aprender a redizer, aprender a argumentar, falar de modo claro sobre o que pensa, dentre outras
capacidades a serem desenvolvidas.

1. MÉTODO PAULO FREIRE

Nossa proposta de estudo é baseada no método Paulo Freire. A proposta de Freire parte do estudo da
realidade que é a fala do educando, e a organização do dado que é a fala do educador. Nesse processo
surgem os Temas Geradores, extraídos da problematização da prática de vida dos educandos.
Os conteúdos de ensino são resultados de uma metodologia dialógica. Cada pessoa, cada grupo
envolvido na ação pedagógica dispõe em si próprio, ainda que de forma rudimentar, dos conteúdos
necessários dos quais se parte. O importante não é transmitir conteúdos específicos, mas despertar
uma nova forma de relação com a experiência vivida.
A transmissão de conteúdos estruturados fora do contexto social do educando é considerada “invasão
cultural” ou “depósito de informações” porque não emerge do saber popular. Portanto, antes de
qualquer coisa, é preciso conhecer o aluno. Conhecê-lo enquanto indivíduo inserido num contexto
social de onde deverá sair o “conteúdo” a ser trabalhado.
Assim sendo, não se admitem uma prática metodológica com um programa previamente estruturado
assim como qualquer tipo de exercícios mecânicos para verificação da aprendizagem, formas essas
próprias da “educação bancária”, onde o saber do professor é depositado no aluno, práticas essas
domesticadoras.
O relacionamento educador-educando nessa perspectiva se estabelece na horizontalidade onde
juntos se posicionam como sujeitos do ato do conhecimento. Elimina-se, portanto toda relação de
autoridade uma vez que essa prática inviabiliza o trabalho de criticidade e conscientização.
Segundo Freire o ato educativo deve ser sempre um ato de recriação, de re-significação de
significados. O Método Paulo Freire tem como fio condutor a alfabetização visando à libertação. Essa
libertação não se dá somente no campo cognitivo, mas acontece essencialmente nos campos social e
político. O que existe de mais atual e inovador no Método Paulo Freire é a associação da construção
dos processos de aprendizagem da leitura e da escrita do processo de politização.

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353
Contribuições Metodológicas Dos "Temas Geradores Freirianos" Para O Desenvolvimento Das Habilidades De Leitura E Escrita No
Processo De Alfabetização

Para Freire, os temas geradores precisam estar muito presentes na vida das crianças, pois são a base
de sua formação. Desta forma, o tema gerador vai para além da sala de aula, de maneira que envolve
a comunidade escolar e familiar, pois a família exerce papel importante na formação da criança.
Dessa forma, o Método proposto por Freire rompe com a concepção utilitária do ato educativo
propondo outra forma de alfabetizar. Porém, vale ressaltar que é importante a necessidade de
recriação constante em toda e qualquer prática educativa, inclusive no método em questão.

2. DA LEITURA DO TEXTO PARA A LEITURA DE MUNDO

É no professor que se depositam as esperanças de ainda se ter uma sociedade de leitores. Porém, não
se pode negar a importância da leitura e da escrita na formação, tanto do educando quanto do
educador, pois através delas acreditamos poder construir uma sociedade com pessoas mais críticas,
participativas e questionadoras.
Para melhorar nossos cursos de formação de professores, é preciso investir na formação continuada,
e os professores devem ser sujeitos reflexivos de sua própria prática.
Nas palavras de Freire (1996, p.23) que diz que “desde os começos do processo de formação, vai
ficando cada vez mais claro que, embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao
formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado”, refletimos acerca dos processos de
formação de professores, tanto iniciais quanto contínuos. Estes são construídos e perduram por toda
a vida do professor. Diante disso, pensar a centralidade da escrita como ponto de convergência
interdisciplinar e de diferente ponto de observação epistemológica, decorre do entendimento da
escrita como direito social que deveria permitir a todos aprendê-la em seus diversos usos e práticas
sociais. Mas, não apenas como um sistema abstrato e descontextualizado. É preciso que as pessoas
percebam que a escrita está a serviço delas, pode e deve ser usada como prática social para se alcançar
um objetivo. Pois, “a leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta
não possa prescindir da continuidade da leitura daquele” (FREIRE, 1994, p.11). Esta assertiva tende a
determinar que este processo precise estar inserido no contexto do educando. Nessa mesma
perspectiva, os PCNs direcionam que a formação do leitor deve se dar de forma crítica, de forma a
garantir que

formar um leitor competente supõe formar alguém que compreenda o que


lê; que possa aprender a ler também o que não está escrito, identificando
elementos implícitos; que estabeleça relações entre o texto que lê e outros
textos já lidos; que saiba que vários sentidos podem ser atribuídos a um
texto (1997, p. 36)

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354
Contribuições Metodológicas Dos "Temas Geradores Freirianos" Para O Desenvolvimento Das Habilidades De Leitura E Escrita No
Processo De Alfabetização

A questão sobre o que ensinar e de como ensinar diante dos padrões linguísticos instituídos nos
remete às variedades linguísticas e ao português brasileiro muito discutido por Bagno (2006). Para ele,
o ensino da gramática tradicional contribui para a legitimação de preconceitos sociais, revelando o
tipo de sociedade em que ela surgiu, ou seja:

[...] preconceitos que vem sendo sistematicamente denunciados e


combatidos desde o início da era moderna e mais enfaticamente nos últimos
cem anos. Como produto intelectual de uma sociedade aristocrática,
escravagista, oligárquica, fortemente hierarquizada. A gramática tradicional
adotou como modelo de língua “exemplar” o uso característico de um grupo
restrito de falantes: do sexo masculino, livres (não-escravos), membros da
elite cultural (não letrados), cidadãos (eleitores e elegíveis), membros da
aristocracia política e detentores da riqueza econômica (BAGNO, 2006,
p.12.)
Bagno (2006), nesta denúncia que ainda é legitimada em práticas atuais, reflete sobre um novo
horizonte para o ensino da Língua Portuguesa ou como ele mesmo se refere para o ensino do
Português brasileiro:

O profissional da educação tem que saber reconhecer os fenômenos


linguísticos que ocorrem em sala de aula, reconhecer o perfil sociolinguístico
de seus alunos para, junto com eles, empreender uma educação em língua
materna que leve em conta grande saber linguístico prévio dos aprendizes e
que possibilite a ampliação incessante do seu repertório verbal e de sua
competência comunicativa, na construção de relações sociais permeadas
pela linguagem cada vez mais democráticas e não-discriminadoras (BAGNO,
2006, p. 04).
Segundo BAGNO, considerar a língua portuguesa como uma língua coesa se constitui num
(pre)conceito irreal. Apesar de o português ser a língua oficial do país, ser falada pela maioria das
pessoas que aqui vivem, existe inúmeras variações que a compõem, desconsiderar essas variações não
é legítimo. Ao acreditar no mito da língua única, estaremos automaticamente estigmatizando
inúmeras pessoas como 'sem língua', já que as mesmas não se utilizam do vocabulário padrão. E essa
é uma condição que a escola vem perpetuando ao longo do tempo.
Nesse contexto, Soares (1989) ressalta que
as relações entre linguagem e classe social tem, forçosamente, de estar
presentes, numa escola transformadora, na seleção e organização do
conteúdo, na escolha de métodos e procedimentos de ensino e na
determinação de critérios de avaliação da aprendizagem. (p. 73)
Nesse momento a reflexão feita pela autora é que fracasso escolar, em grande parte, se deve pela
discriminação das variantes linguísticas utilizadas pelos alunos de classes populares. A escola insiste
numa linguagem padrão, que estigmatiza e nega a cultura dessa classe. O que gera no aluno uma
'aprendizagem' descontextualizada e sem significado. Nessa mesma linha, a escrita também deve ser

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355
Contribuições Metodológicas Dos "Temas Geradores Freirianos" Para O Desenvolvimento Das Habilidades De Leitura E Escrita No
Processo De Alfabetização

entendida como maneira e meio de reconhecimento social e, trabalhar essas habilidades de forma
contextualizada, contribuirá para uma formação leitora e autoral significativa e crítica.

3. A ESCOLA E A FORMAÇÃO DO LEITOR

Entende-se que a escola tem como um de seus papeis principais a formação do leitor, pois ela ocupa
o espaço privilegiado de acesso à leitura, é imprescindível que a escola crie possibilidades que
proporcionem o desenvolvimento do gosto pela leitura através de textos que tenham significado para
os alunos. Lajolo (2008), afirma que se ler é essencial, a leitura literária também é fundamental.
É a literatura, como linguagem e como instituição, que se confiam os
diferentes imaginários, as diferentes sensibilidades, valores e
comportamentos através dos quais uma sociedade expressa e discute,
simbolicamente, seus impasses, seus desejos, suas utopias. Por isso a
literatura é importante no currículo escolar: o cidadão, para exercer,
plenamente sua cidadania, precisa apossar-se da linguagem literária,
alfabetizar-se nela, tornar-se seu usuário competente, mesmo que nunca vá
escrever um livro: mas porque precisa ler muitos (LAJOLO, 2008, p.106).
Nesse contexto, compreendemos os gêneros como construções sociais e históricas, como tudo o que
é criado pelo homem e que, apesar de representarem as ações humanas em qualquer contexto, não
são instrumentos estanques, que estabilizam a ação criativa do homem. Os gêneros são maleáveis,
dinâmicos e se transformam, se adaptam às necessidades e atividades sociais e culturais. Para Bakhtin
(1992),
[...] os gêneros são ferramentas indispensáveis à comunicação e devem
constituir o objeto de aprendizagem para o aluno. Ao se aproximar desse
instrumento, a criança desenvolve as capacidades para a prática que seja
adequada à interação social que o professor poderá recriar, na sala de aula,
dentro dos limites
impostos pelo contexto escolar e o mais próximo possível do real (BAKHTIN,
1992, p. 34).
Sendo assim, trabalhar a língua materna com apoio dos gêneros é colocar o aluno diante de uma gama
de possibilidades de desvendamento do seu contexto social-histórico, é permitir que o aluno interaja
com as práticas sociais da linguagem, pois eles se modificam, se adaptam, transformam-se de acordo
com a necessidade da sociedade.
Soares (1993) compreende que o ensino de língua materna, além de ser uma tarefa técnica, a de lutar
contra o fracasso na escola (que é, na verdade, da escola), é uma tarefa política, pois deve ser um
instrumento utilizado na luta contra as discriminações e desigualdades sociais.
Um ensino de língua materna comprometido com a luta contra as
desigualdades sociais e econômicas reconhece, no quadro dessas relações
entre a escola e a sociedade, o direito que têm as camadas populares de
apropriar-se do dialeto de prestígio, e fixa-se como objetivo levar os alunos

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Contribuições Metodológicas Dos "Temas Geradores Freirianos" Para O Desenvolvimento Das Habilidades De Leitura E Escrita No
Processo De Alfabetização

pertencentes a essas camadas a dominá-lo, não para que se adaptem às


exigências de uma sociedade que divide e discrimina, mas para que
adquiram um instrumento fundamental para a participação política e a luta
contra as desigualdades sociais (SOARES, 1993, p.78).
A escola ainda possui muitas dificuldades para formar leitores/escritores e consequentemente,
cidadãos críticos. Pode-se dizer que embora haja um movimento de inclusão cada vez maior dos
indivíduos na escola, esses indivíduos quando não adquirem um pensamento crítico/reflexivo, apesar
de estarem incluídos na instituição escolar, encontram-se excluídos e/ou marginalizados socialmente,
o que reafirma a fragilidade da escola ao formar pessoas instruídas para a vida social, refletindo
significativamente no cenário brasileiro.

4. DESENVOLVIMENTO

Optamos por uma pesquisa exploratória e de intervenção, planejando e oferecendo uma oficina que
pudessem subsidiar a formação dos futuros professores.
Com a atividade “Palavras geradoras de emoção” objetivamos desenvolver capacidades necessárias,
além de atitudes e disposições favoráveis ao uso da leitura, escrita e oralidade no contexto escolar e
na vida em sociedade; compreender e valorizar o uso da escrita com diferentes funções, produzindo
textos adequados aos objetivos e ao contexto, utilizando recursos expressivos e literários, revisando
e reelaborando a própria escrita; desenvolver a criatividade de ideias, participando das interações
cotidianas em sala de aula através da escuta atenta, exposição de opiniões e respeito às manifestações
dos colegas.
O primeiro passo foi uma conversa com os alunos para chegar nas palavras geradoras; em seguida,
passamos para uma explicação teórica sobre o método Paulo Freire e os Temas Geradores. A partir
das palavras geradas com os alunos, eles foram divididos em grupos para construir poesias.

CONCLUSÃO

É importante ressaltar que o educando deve estar ciente de que a leitura de mundo é indispensável
no seu processo educativo. Entretanto, para que isso ocorra, cabe ao professor, pedagogicamente,
explorar o conhecimento de mundo dos alunos e envolvê-los nas experiências de leitura e produção
de textos.
Para aproximar o aluno da leitura, faz-se necessário que o educador atribua à literatura uma finalidade
prazerosa e não apenas cumprir obrigações na escola ou no trabalho, pois só assim será possível
formar leitores para a vida toda.

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Contribuições Metodológicas Dos "Temas Geradores Freirianos" Para O Desenvolvimento Das Habilidades De Leitura E Escrita No
Processo De Alfabetização

Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa preconizam o uso de gêneros textuais


para o ensino da leitura. Portanto, o professor deve assumir a tarefa de formar aluno-leitor, aluno-
produtor fazendo com que a escola tenha responsabilidade na elaboração de projetos educativos que
busquem a intermediação da passagem do leitor de tipologias textuais para o leitor de diversos
gêneros discursivos, do mesmo modo que são vinculados em diferentes campos de comunicação
verbal (BRASIL, 1998).
Precisamos considerar que os alunos são cidadãos que utilizam a leitura em sua prática social e ao
utilizá-la percebem a relevância deste aprendizado
para o cidadão conviver em uma sociedade que a utiliza cotidianamente. Esta atividade, portanto, não
pode ser vista simplesmente como um mecanismo de leitura, que visa decifrar a palavra, sem que seu
significado esteja presente, deixando de lado a verdadeira função da leitura que é de proporcionar
uma aprendizagem que desenvolve habilidades de reflexão, expande conhecimentos e permite agir
na sociedade de uma maneira intensa e direta.
Para Paulo Freire (1988), não há conhecimento pronto e acabado, pois ele está sempre em construção.
Assim deve ser a relação educador-educando, na qual todos aprendem e todos ensinam uns com os
outros.

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Contribuições Metodológicas Dos "Temas Geradores Freirianos" Para O Desenvolvimento Das Habilidades De Leitura E Escrita No
Processo De Alfabetização

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: ______. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo
Bezerra. São Paulo, Martins Fontes, 1992. p. 367-392.

BARBOSA , Juvêncio José. Alfabetização e Leitura. São Paulo: Cortez, 1994 – 2,ed. Ver – (Coleção
magistério. 2º grau. Série formação do professor; v 16)

BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial


curricular para a educação infantil. Brasília: 1998.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa.


Brasília: MEC/SEF, 1998.

KRAMER, Sonia. Leitura e escrita de professores em suas histórias de vida e formação. Cad. Pesqui.
[online]. 1999, n.106, pp. 129-157. ISSN 0100-1574.

LAJOLO, M. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. 6ª ed. 13ª impressão. São Paulo: Editora
Ática, 2008.

FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. 22. ed. São Paulo:
Cortez, 1988.

SOARES, Magda. Linguagem e Escola: Uma perspectiva social. 7. edição. São Paulo: Ática. 2017.

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

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Contribuições Metodológicas Dos "Temas Geradores Freirianos" Para O Desenvolvimento Das Habilidades De Leitura E Escrita No
Processo De Alfabetização

NOTAS
1Trabalho apresentado no VIII CONINTER – Congresso Internacional em Sociais e Humanidades.
(https://www.even3.com.br/anais/coninter2019/).

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Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 29
10.37423/200702015

CRISE HÍDRICA EM MINAS GERAIS


DECORRENTE DO ROMPIMENTO DE BARRAGEM
EM BRUMADINHO: CONTEXTOS DE DISPUTA
PELA APROPRIAÇÃO DE RECURSOS NATURAIS.

Patrícia de Vasconcellos Knöller Universidade Federal Fluminense


Crise Hídrica Em Minas Gerais Decorrente Do Rompimento De Barragem Em Brumadinho: Contextos De Disputa Pela Apropriação
De Recursos Naturais.

Resumo: A crise hídrica está associada às demandas cada vez maiores por recursos naturais para o
desenvolvimento do modo capitalista de produção. Partindo desse entendimento, a pesquisa analisa
os conflitos socioambientais em torno do rio Paraopeba-MG, importante manancial de água que foi
contaminado pela lama de rejeitos de mineração no desastre de Brumadinho. Primeiro, sob um
contexto usual de crise de desabastecimento, em decorrência da suspensão da captação de água
canalizada. Depois, conflitos decorrentes da contaminação do mesmo rio, no contexto de populações
indígenas da região. Conclui- se que no processo cíclico de vital interdependência entre o homem e as
fontes de recursos naturais, conflitos socioambientais decorrem de disputas de poder e mecanismos
de controle sobre diferentes tipos de capital.
Palavras-Chave: Crise hídrica. Rio Paraopeba. Conflitos socioambientais.

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Crise Hídrica Em Minas Gerais Decorrente Do Rompimento De Barragem Em Brumadinho: Contextos De Disputa Pela Apropriação
De Recursos Naturais.

INTRODUÇÃO

A escassez da oferta de água é um fenômeno em relação ao qual os cientistas ainda se dividem quanto
à sua multiplicidade de causas.
Conforme Ribeiro (2008, p. 71), “o conceito de escassez hídrica aponta lugares onde existe dificuldade
de acesso à água em quantidade e qualidade adequada”, enquanto “a crise da água deve ser associada
às demandas cada vez maiores por recursos naturais para o desenvolvimento do modo capitalista de
produção”.
O Rio Paraopeba faz parte de um sistema integrado de captação de água (sistema Paraopeba),
formado ainda pelas represas de Rio Manso, Serra Azul e Vargem das Flores, sendo responsável por
50% do abastecimento da região metropolitana de Belo Horizonte- MG, em conjunto com o sistema
Rio das Velhas, que é responsável pelos outros 50% da capacidade de abastecimento dessa região
(COPASA, 2016).
Com o rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho- MG, em 25 de janeiro
de 2019, a lama contaminada por rejeitos de mineração atingiu o Rio Paraopeba, prejudicando a
captação de água desse rio, suspensa desde a data do rompimento da barragem, o que provocou um
retrocesso da situação anterior ao investimento do sistema integrado do Rio Paraopeba, com a
captação de água das três represas do sistema Paraopeba e do sistema Rio das Velhas, que é a fio de
água, não tendo como suprir o abastecimento para toda a região metropolitana por muito tempo,
tornando- a dependente da ocorrência de chuvas na região.
Esse é o primeiro contexto, ou cenário, em que se inserem os conflitos socioambientais decorrentes
da crise hídrica naquela região.
Em um segundo contexto, outros conflitos decorrentes da contaminação do mesmo Rio Paraopeba,
pela mesma lama de rejeitos tóxicos, mas atingindo populações indígenas da região, que por gerações
desenvolvem práticas e costumes em estreita relação de proximidade na utilização do rio, e que, de
uma hora para outra, são forçados a uma mudança radical no seu modus vivendi.
O trabalho, que tem por objeto de pesquisa os conflitos socioambientais por acesso à água dentro da
Região Metropolitana de Belo Horizonte, pretende analisar esses conflitos sob as duas referidas
formas de contextualização da crise de desabastecimento de água, a partir do mesmo evento danoso
que atingiu aquela região.
O estudo se orienta pelo marco teórico centrado no conceito de conflitos ambientais e a metodologia
de pesquisa é qualitativa, embasada em levantamento de dados bibliográficos, análise de relatórios
de agências oficiais disponíveis na web e análise de legislação pertinente, matérias jornalísticas e

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363
Crise Hídrica Em Minas Gerais Decorrente Do Rompimento De Barragem Em Brumadinho: Contextos De Disputa Pela Apropriação
De Recursos Naturais.

artigos acadêmicos, a fim de tornar possível uma subsunção conceitual e teórica dos autores
consultados de modo a dialogar com as conflitualidades trazidas à discussão.

DADOS TÉCNICOS SOBRE O RIO PARAOPEBA E SUA IMPORTÂNCIA PARA A REGIÃO

O Rio Paraopeba1 nasce na Serra do Espinhaço (município de Cristiano Otoni), corta 48 municípios
mineiros2 (21 municípios situados parcialmente e 14 situados na Região Metropolitana de Belo
Horizonte (RMBH)), percorrendo uma extensão de 510 Km e deságua na represa de Três Marias, no
município de Felixlândia. Tem como principais afluentes, na margem direita: os rios Maranhão,
Pequeri e os ribeirões Casa Branca, Grande, Sarzedo, Betim, Macacos, Cedro, São João (IGAM, 2013,
p. 9) e Ferro Carvão (CPRM, 2019, p. 5); na margem esquerda: os rios Brumado, da Prata, Macaúbas,
Manso, Pardo e ribeirão Serra Azul (IGAM, 2013, p. 9)3.
O Paraopeba é um dos afluentes do Rio São Francisco. Sua bacia situa-se na região central de Minas
Gerais, com uma área total de 12.054 Km², o que corresponde a 2,5% da área total de todo o estado
(IGAM, 2013, p. 8-9), abastecendo uma população estimada em 2.349,024 milhão de habitantes (IBGE,
2010).
Esse rio integra um sistema de captação de água - sistema Paraopeba - que ainda inclui os reservatórios
de Rio Manso, Serra Azul e Vargem das Flores. Esse sistema foi uma grande solução para o
enfrentamento do problema de um anunciado colapso na rede de abastecimento de água, para a
RMBH, devido a um quadro de “criticidade da situação decorrente do prolongamento da estiagem, da
diminuição do volume de chuvas e do declínio das vazões afluentes” (REVISTA DO TCEMG, 2015. p.
15).
Segundo Ribeiro (2008, p. 71), “o conceito de escassez hídrica aponta lugares onde existe dificuldade
de acesso à água em quantidade e qualidade adequada”, enquanto “a crise da água deve ser associada
às demandas cada vez maiores por recursos naturais para o desenvolvimento do modo capitalista de
produção”. Nesse processo, a água conta como uma mercadoria, em que “os seus valores de uso são
dados por cada um de seus usos possíveis com a apropriação pública e privada, coletiva e individual
da água” (FRACALANZA, 2005, p. 30).
A crise hídrica que afetou a região sudeste brasileira teve início em 2012, quando houve uma perda
de 56 trilhões de litros de água por ano e, entre os anos de 2012 e 2015, ocorreu um período de maior
estiagem do que a média histórica no leste do Brasil (OBSERVATÓRIO DO CLIMA, 2015).
Em relação à bacia hidrográfica do Rio Paraopeba, a situação anterior à integração do sistema
Paraopeba na captação de água era alarmante, em muitos locais enfrentando “riscos acima de 70%

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Crise Hídrica Em Minas Gerais Decorrente Do Rompimento De Barragem Em Brumadinho: Contextos De Disputa Pela Apropriação
De Recursos Naturais.

de não atendimento aos usos de recursos hídricos estabelecidos no reservatório e a jusante até o final
do período seco”, o que levava o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) 4 a baixar várias
portarias determinando a restrição na captação de água nos reservatórios de Rio Manso, Serra Azul e
Vargem das Flores (IGAM, 2015).
A partir de dezembro de 2015, a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (COPASA) deu início à
captação de água no Rio Paraopeba, com a inauguração da estação de Brumadinho, permitindo uma
captação de cinco mil litros de água bruta por segundo, que é transportada por 6,5 Km de adutoras de
aço, com diâmetro de 1,5 metro, até a estação de tratamento de Rio Manso, onde a água é tratada e
submetida aos processos de coagulação, floculação, decantação, filtração, cloração e fluoretação e
distribuída para a população. Essa obra gerou um investimento de R$ 128,4 milhões, aportados pelo
governo estadual de Minas (COPASA, 2016).
Esse investimento foi adotado como a culminância de uma série de medidas para o enfrentamento da
crise no sistema de abastecimento de água para a população metropolitana de BH, evitando que se
chegasse a um quadro de racionamento iminente e de longa duração. Considerada a mais importante
medida de combate à crise hídrica, o governador de Minas, à época, chegou a fazer uma previsão
otimista de que a nova estação de captação de água garantiria o abastecimento da região não só para
o ano de 2016, mas também “nos próximos vinte anos” (SEINFRA MG, 2015).
Na prática, a obra de captação em Brumadinho permitiu uma redução da retirada de água dos
reservatórios de Rio Manso, Serra Azul e Vargem das Flores, resultando na recuperação dos volumes
hídricos ali armazenados em função das chuvas. Possibilitando uma economia de 175 bilhões de litros
de água dos três reservatórios (em comparação aos 61,9 bilhões de litros acumulados até a data de
inauguração da obra) até maio de 2018 (COPASA, 2018).
O sistema Paraopeba é responsável por 50% do abastecimento da RMBH, enquanto os outros 50%
provêm do sistema Rio das Velhas (COPASA, 2016). Através do sistema Paraopeba, a COPASA abastece
2,3 milhões de pessoas nos municípios de Betim, Contagem, Igarapé, Juatuba, Mário Campos, Mateus
Leme, Pedro Leopoldo, Ribeirão das Neves, São Joaquim de Bicas, Sarzedo, e parcialmente os
municípios de Belo Horizonte, Brumadinho, Ibirité, Esmeraldas, Lagoa Santa, São José da Lapa,
Vespasiano e Santa Luzia (PORTAL TRATAMENTO DE ÁGUA, 2018).
Os recursos hídricos da bacia do Rio Paraopeba são destinados a diversos usos, como: abastecimento
doméstico e industrial; atividades de piscicultura e de pesca; atividades minerárias; irrigação de
plantações; dessedentação de animais, práticas de esporte aquático, como a canoagem, em trechos
onde o rio Paraopeba recebe as águas de outros córregos; e geração de energia elétrica, através das

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Crise Hídrica Em Minas Gerais Decorrente Do Rompimento De Barragem Em Brumadinho: Contextos De Disputa Pela Apropriação
De Recursos Naturais.

usinas hidrelétricas de Salto do Paraopeba e Retiro Baixo, participando ainda da barragem de nível da
usina termelétrica do município de Igarapé (CPRM, 2019, p. 9).
Com relação à sua utilização no abastecimento de água para consumo humano e irrigação, a água doce
do Rio Paraopeba está inicialmente inserida na classe 2 da Resolução CONAMA 357/20055, que define
as diretrizes ambientais para classificação das condições e padrões de lançamento de efluentes nas
águas dos rios.
Como ocorre em praticamente todos os grandes centros urbanos, onde há grande concentração
populacional e uma ocupação desordenada do território, o serviço de abastecimento de água enfrenta
a complexidade de uma disputa por diversos atores sociais, utilitários da mesma fonte hídrica para
destinações múltiplas. Fato que certamente resulta em conflitos.
Depois de um período de enfrentamento de muitos problemas ocasionados pela forte e prolongada
estiagem que atingiu a região sudeste, com a intervenção proporcionada pela estação hídrica em
Brumadinho, o problema de desabastecimento na RMBH, nela considerados os municípios atendidos
pela captação Paraopeba- Brumadinho, encontrava-se minimizado.
No caso da estação de Brumadinho, ainda que não se possa considerar que todo o serviço funcionasse
às mil maravilhas, pois aqui se está a considerar apenas o fornecimento de água para a região da
grande Belo Horizonte, enquanto milhares de outras pessoas no mesmo estado ainda enfrentavam (e
enfrentam) severos transtornos pela dificuldade no acesso a recursos hídricos, a exemplo das regiões
norte, leste e nordeste de Minas Gerais , fato é que a captação de água do Rio Paraopeba, sem outra
solução que se mostre mais viável, tornou-se essencial para que não haja novamente um quadro de
desabastecimento que, por sua vez, possa levar a um racionamento de água para cerca de 2,3 milhões
de pessoas que vivem nas referidas dezoito cidades da RMBH e que são atendidas pela COPASA.

DESASTRE SOCIOAMBIENTAL EM BRUMADINHO: IMPACTO DA LAMA TÓXICA SOBRE O RIO


PARAOPEBA COMO AMEAÇA AO ABASTECIMENTO DE ÁGUA DA RMBH

O episódio do rompimento da Barragem B1 da Mina Córrego do Feijão, controlada pela mineradora


Vale S.A., ocorrido no município de Brumadinho, em 25 de janeiro do corrente ano, que resultou em
248 vítimas fatais e 22 desaparecidos 6, é considerado pelo Relatório da Agência de Meio Ambiente da
ONU como o pior desastre socioambiental das últimas três décadas em número de mortos no mundo
(BBC NEWS BRASIL, 2019).
Além do estarrecedor impacto humano desse desastre, o impacto ambiental derivado também foi de
grandes proporções. Após o rompimento da barragem, que se localizava na sub-bacia do ribeirão

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Crise Hídrica Em Minas Gerais Decorrente Do Rompimento De Barragem Em Brumadinho: Contextos De Disputa Pela Apropriação
De Recursos Naturais.

Ferro-Carvão, a lama contendo cerca de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de ferro, manganês,
bário, boro, cromo, vanádio, arsênio, cádmio, zinco, alumínio e cobre dissolvidos e de metais pesados
e tóxicos, como chumbo e mercúrio7 8 (SEMAD, 2019, p. 5-6; SEMAD, 2019a), atingiu e devastou uma
área de 269,94 hectares, em que que 133,27 ha incluía vegetação nativa de Mata Atlântica e 70,65 ha
abrangia áreas de preservação permanente (IBAMA, 2019).
Apesar da presença de metais pesados na lama de rejeitos de minérios, os informes governamentais
não a consideram tóxica do ponto de vista químico. Mas outra a situação quando em contato com
mananciais de água que são utilizados para consumo humano.
Seguindo a orientação de vários órgãos oficiais e respaldo do IGAM, recomendou-se à população que
não se utilizasse da água bruta do Paraopeba para nenhuma finalidade, desde o município de
Brumadinho até Pompeu, o que permanece até os dias atuais.
Desde que o rio foi afetado, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG) recomendou ao
IGAM9 o monitoramento da água, a proibição da atividade de pesca e o fornecimento de água para
dessedentação de animais atingidos pela lama contaminada. Posteriormente, considerando a piora da
qualidade do Rio Paraopeba, expediu recomendação ao Instituto Estadual de Florestas e à mineradora
Vale para que efetivassem10, através de coletas periódicas – inicialmente quinzenais, até as semestrais
pelos próximos três anos seguintes ao desastre - o monitoramento imediato dos pontos de
mortandade das espécies da fauna aquática afetada, bem como do deslocamento da pluma de lama
(MPMG, 2019).
De acordo com análises apresentadas até agosto de 201911, tem havido uma melhora da qualidade da
água do Paraopeba, em grande parte devido ao período de estiagem, ajudando na deposição dos
rejeitos que estejam na coluna de água ao longo do leito do rio. Com os resultados para ‘turbidez,
ferro, manganês e alumínio dentro dos limites estabelecidos para classe 2. Quanto aos metais chumbo
e mercúrio não há registro da presença deles desde o mês de abril” (SEMAD, 2019a, p. 3).
A captação de água do Rio Paraopeba, através da estação de Brumadinho, permanece interrompida e
o abastecimento da RMBH tem sido realizado pela captação dos reservatórios de Rio Manso, Serra
Azul e Vargem das Flores, que só aumentaram seu volume de água armazenada depois da captação
de água do Paraopeba.
Ainda que atualmente a situação esteja sob controle, com o abastecimento mantido, a própria
COPASA admite como um risco real a possibilidade de falta de água na RMBH como consequência do
rompimento da barragem de Brumadinho e um plano de racionamento já está sendo elaborado
(JORNAL O TEMPO, 2019). Dados iniciais apontam que a capacidade dos reservatórios utilizados só

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Crise Hídrica Em Minas Gerais Decorrente Do Rompimento De Barragem Em Brumadinho: Contextos De Disputa Pela Apropriação
De Recursos Naturais.

tem como atender a demanda por um prazo de 20 meses, ou seja, até o início de 2021 (COPASA, 2019).
Mas dados apresentados pela CPI da Câmara de BH, em agosto/2019, concluem que há iminente risco
de desabastecimento e/ou rodízio na RMBM a partir de março de 2020 (ALMG, 2019).
Oficialmente é refutado qualquer risco iminente de colapso hídrico para o abastecimento da capital
[Belo Horizonte] e dos municípios atendidos pela COPASA na RMBH (COPASA, 2019). Recentemente
toda a diretora executiva da COPASA foi destituída (AGÊNCIA MINAS, 2019), semanas antes dos
esclarecimentos perante a CPI das Barragens12, na Câmara Municipal de Belo Horizonte, que apurou,
ao final, que o desabastecimento de água é iminente após a contaminação do Paraopeba (G1 MINAS,
2019).
Conforme a CPI, “se houver o rompimento de alguma barragem que atinja o Rio das Velhas e o sistema
em Bela Fama [distrito de Nova Lima], Belo Horizonte e a Região Metropolitana (RMBH) têm 6 a 8
horas de água” (BRASIL DE FATO, 2019), o que é mais um risco a ser considerado dentro do cenário de
instabilidade que tem sido demonstrado no contexto minerário como um todo na região, reforçado
pelos desastres de Mariana e Brumadinho, e pelo fato de que quatro outras barragens da Vale S.A.
estão classificadas em nível 3 de alerta pela Agência Nacional de Mineração 13, o que tecnicamente
significa que estão em risco iminente de rompimento14.
A solução necessária e emergencial para afastar o temido quadro de racionamento na RMBH é a
construção de um novo sistema de captação de água do Rio Paraopeba, fora da mancha de inundação
de barragens da Vale, mas ainda localizada em Brumadinho, situada acima da atual estrutura de
captação da COPASA que foi impactada pela lama de rejeitos.
As obras têm previsão de início em outubro/2019 e prazo de término em setembro/2020 e são fruto
de um Termo de Compromisso homologado entre a mineradora Vale S.A. e a COPASA, com a
participação do Ministério Público Estadual (MPE) e Federal (MPF), entre outros legitimados 15.
Além da intervenção em novo ponto do Paraopeba16, a mineradora também terá que realizar um
investimento preventivo na bacia do Rio das Velhas, construindo uma barreira de contenção em volta
da estação de captação de água de Bela Fama, no município de Nova Lima 17.
Atualmente o quadro de abastecimento da RMBH segue com o serviço de distribuição realizado pela
COPASA, que obteve o compromisso da Vale S.A. para o aporte técnico e financeiro na intervenção
emergencial em Brumadinho, a fim de evitar nova crise hídrica na região.

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Crise Hídrica Em Minas Gerais Decorrente Do Rompimento De Barragem Em Brumadinho: Contextos De Disputa Pela Apropriação
De Recursos Naturais.

ALDEIA NAÔ XOÃ E O LUGAR DO RIO PARAOPEBA NA DIÁSPORA INDÍGENA

Ainda que dentro de um quadro de apreensão, medidas acautelatórias e necessidade de intervenção


judicial para assegurar a continuidade do serviço de abastecimento, o conflito distributivo - entendido
como aquele relacionado a uma distribuição desigual dos recursos naturais (ZHOURI; LASCHEFSKI,
2010, p. 6) - do recurso água converte para o sentido de proteção legal do fornecimento de um serviço
adequado, nos moldes do próprio estatuto de concessão do serviço público (art. 6º, § 1º da Lei nº
8.987/95).
Para além de um sentido utilitário, o acesso às águas do Paraopeba ganha um olhar muito especial
quando consideradas as comunidades indígenas que vivem às margens do rio.
Conforme o IBGE (2010), no estado de MG vivem cerca de quinze mil indígenas de treze etnias
diferentes (Aranã, Catu-Awá-Arachás, Kaxixó, Kiriri, Krenak, Maxakali, Mucuriñ, Pankararu, Pataxó,
Pataxó Hã-Hã-Hãe, Puris, Tuxá, Xacriabá e Xukuru-Kariri), grande parte localizados em centros
urbanos. Estima-se que em BH vivam mais de cinco mil indígenas (MPF, 2019). Ao longo do Rio
Paraopeba vivem diversas comunidades indígenas e todas que estão situadas abaixo do ponto de
rompimento da barragem em Brumadinho foram afetadas pelos efeitos da contaminação do rio pela
lama de rejeitos.
A aldeia Naô Xohã, de etnia Pataxó Hã-Hã-Hãe, vive às margens do Paraopeba, no município de São
Joaquim de Bicas, divisa com Brumadinho e a 22 Km de distância do local de rompimento da barragem,
foi a primeira aldeia a ser atingida após o desastre de janeiro. Na aldeia vivem 27 famílias, onde desde
novembro de 2017, mais de 86 pessoas18 (MDH, 2019) ocupam uma área de preservação ambiental
de 370 hectares (FOLHA DE SÃO PAULO, 2019) e cuja única fonte de renda é a venda de artesanato
nas feiras em Belo Horizonte (G1 MINAS, 2019a).
A comunidade é proveniente do sul da Bahia19 e veio para o município mineiro a convite de integrantes
do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)20.
A aldeia, cujo nome em patxohã significa “espírito guerreiro” (G1 MINAS, 2019a), chegou a ser
evacuada após o rompimento da barragem, por medida de precaução e antes que a enxurrada de lama
avançasse junto ao rio e pudesse atingir a comunidade. A lama só atingiu o ponto de proximidade com
a aldeia, às margens do rio, no dia seguinte ao rompimento. Seus moradores já tinham sido levados
com a ajuda da prefeitura para a região central da cidade, mas preferiram retornar à aldeia logo
depois. Em entrevista à imprensa, o cacique Hayó alegou que “em Bicas é difícil. Não dava pra ficar lá.
É muito preconceito. Onde a gente vai na cidade botam a guarda municipal, polícia. Aqui na aldeia
estamos bem”. Para se protegerem, passaram a ocupar a parte mais alta da reserva (CIMI, 2019).

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Crise Hídrica Em Minas Gerais Decorrente Do Rompimento De Barragem Em Brumadinho: Contextos De Disputa Pela Apropriação
De Recursos Naturais.

Em entrevista à Agência Envolverde (2019), o cacique Hayó Pataxó Hã-Hã-Hãe, líder na aldeia, relatou:
“Para nós, indígenas comprometidos com a preservação ambiental, ver o rio
neste estado é uma ferida, uma dor similar a de perder um braço. Nós temos
vida, mas não podemos avançar porque nosso rio morreu. Estamos com o
coração ferido, crianças e idosos chorando ao ver o Paraopeba destruído,
eles colhiam camarão do rio, pescávamos juntos. Está tudo mundo
preocupado na Aldeia, perguntando a Tupã, nosso deus, o que faremos”.
Os significados atribuídos às relações dessas sociedades tradicionais com os diversos recursos naturais
fogem à visão antropocêntrica, adquirindo toda uma simbologia própria, mítica e simbiótica, em
estreita harmonia entre o homem e o meio ambiente, “em que o tempo para pescar, caçar e plantar
é marcado por mitos ancestrais, pelo aparecimento de constelações estelares no céu, por proibições
e interdições” (DIEGUES, 2008, p. 63); mas nem sempre em harmonia com outros atores sociais que
disputam o mesmo território ou os mesmos recursos naturais.
A situação dos indígenas que se estabeleceram às margens do Paraopeba, formando uma das
comunidades locais, construídas e preservadas por meio da ação e memória coletivas, constituem
fontes específicas de identidades. Ainda são reações defensivas contra as condições impostas pela
desordem global e pelas transformações, incontroláveis e em ritmo acelerado. Elas constroem abrigos,
mas não paraísos (CASTELLS, 2018, p. 114).
Com o rio poluído, a própria dignidade da pessoa humana indígena restou afetada, tal a relação de
proximidade com a natureza que se estabelece entre esses representantes dos povos da floresta e a
forma de apropriação do território e seus recursos ambientais, o que constitui uma representação de
“formas culturais de apropriação do mundo material” (ACSELRAD, 2004, p. 15).
Impedidos de realizar nas águas do rio as atividades que fazem parte da cultura indígena há muitas
gerações, notadamente a prática da pesca, principal meio de sustento da aldeia21, além da utilização
para os banhos, lavagem da roupa, dessedentação de animais, irrigação das hortas de cultivo de
mandioca, milho, árvores frutíferas e hortaliças, além do uso da água em rituais religiosos. A
comunidade não recebe luz elétrica e nem tinha água tratada, o que vem ocorrendo atualmente, após
a disponibilização do serviço pela COPASA, utilizando-a para serviços domésticos e para a higiene
pessoal, mas não para o consumo22.
Representantes da comunidade indígena, o MPF e a mineradora Vale S.A., com a participação da
FUNAI, celebraram um Termo de Ajuste Preliminar Extrajudicial que atende emergencialmente a
diversas reivindicações da população indígena, como assistência financeira, implementação de
estratégias na área da saúde, contratação de assessoria técnica independente e início do processo
para reparação integral pelos danos sofridos pelas etnias indígenas23 (MPF, 2019a).

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De Recursos Naturais.

As mudanças impostas aos Pataxó Hã-Hã-Hãe em função do desastre vão muito além de um sentido
utilitário do recurso hídrico. A quebra da tradição de uso do rio representa profundo dano cultural aos
índios, que atribuem ao rio e à força de suas águas a razão de sua própria existência. Rituais e práticas
seculares deixaram de ser realizados, como a Festa das Águas24.
“A terra está vomitando, então ela não está bem. Tudo que destrói a
natureza destrói a si mesmo. [...] A nossa relação com o rio é muito especial
porque os pataxós surgiram de uma gota de água que caiu na terra” -
Werrymery Pataxó Hã-Hã-Hãe, vice-cacique da aldeia (GREENPEACE BRASIL,
2019).
“O rio é o deus que nos criou. Sem água hoje ninguém vive. Estamos sem
nossos rituais nas águas, nossas crianças não se banham mais no rio, já
perdemos três cachorros que tomaram essa água contaminada e não há
mais peixes. [...] O que mais machuca é que a Vale não vê o rio como um
atingido” - Angohó Pataxó Hã-Hã-Hãe, esposa do cacique da aldeia (ALMG,
2019a).
“No nosso costume, quando a gente perde alguém da família o ritual é fazer
o enterro. Agora estamos diante de um rio morto sem poder fazer o
sepultamento” - Tehé Pataxó Hã-Hã-Hãe, que vive na aldeia com quatro
filhos pequenos e a esposa (Id., ibid.).
Não se trata aqui, portanto, de simples modificação de hábitos de vida, mas conforme Vinci Júnior
(2019, p. 266), “há uma “evidente limitação da sua autonomia privada, [...] justamente por deficiência
no requisito da autodeterminação” da comunidade indígena.

CONFLITO SOCIOAMBIENTAL COMO RELAÇÃO DE TERRITORIALIDADE E DISPUTA DE PODER

Com a contaminação do rio após o desastre de Brumadinho, restou rompido o “acordo simbiótico”
(ACSELRAD, 2004, p. 25) que permeia as relações sociais entre os atores que estão em permanente
processo de disputa por acesso a recursos naturais dentro daquele mesmo território, o caso dos
indígenas e o mercado econômico do setor minerário, fazendo surgir os conflitos socioambientais,
entendidos como
aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de
apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo
menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação
do meio que desenvolvem ameaçada por impactos indesejáveis
transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos decorrentes do exercício
das práticas de outros grupos (ACSELRAD, 2004, p. 26).
Conforme Zhouri e Laschefski (2010, p. 11), “uma tipologia dos conflitos” ainda permite considerá-los
numa perspectiva “dinâmica dialética entre os conflitos ambientais territoriais, espaciais e
distributivos, que, na prática, podem ocorrer em simultaneidade”.
Onde o conflito é distributivo porque revela uma “distribuição desigual” do recurso água, seja em
relação aos usuários que disputam o seu consumo dentro e entre os centros urbanos e periferias e a

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região rural da RMBH. É territorial porque envolve “situações em que existe sobreposição de
reivindicações de diversos grupos sociais” com “identidades e lógicas culturais diferenciadas, sobre o
mesmo recorte espacial”, como no caso do grupo econômico que explora atividade mineradora e não
vê nenhum problema em se apropriar de mananciais hídricos em busca de lucros, mesmo que à custa
de vidas humanas ou da derrocada ecológica; enquanto o grupo indígena busca manter sua identidade
cultural em tradições seculares que necessita desse mesmo manancial de água; e ainda o grupo que
necessita da água apenas para fins utilitários ou aquele que dela necessita simplesmente para manter
seu corpo físico hidratado e vivo. O conflito é ainda espacial porque “evidencia os conflitos causados
por efeitos ou impactos ambientais que ultrapassam os limites entre os territórios de diversos agentes
ou grupos sociais” (ZHOURI; LASCHEFSKI, 2010, p. 6-10) caso do lançamento de poluentes na água do
rio, que já ocorria paulatinamente antes mesmo do desastre ambiental pela atividade mineradora,
industrial e precariedade de saneamento em muitas regiões da RMBH25.
O panorama de conflito no qual aquela população indígena se vê envolvida ainda pode ser considerado
um efeito da “cosmopolitanização26” de Ulrich Beck, dentro da “sociedade de risco”, afetada por
acontecimentos onde “se estabelecem lutas por projetos conflitantes, cada um tentando representar
interesses ‘universais’” (GUIVANT, 2016, p. 232), como o defendido pelo setor minerário-liberal-
antiecológico, e o socioculturalismo arraigado numa consciência ambientalista das populações
tradicionais. Ou ainda a adversidade que ameaça a população da RMBH.
Mais do que uma busca por visibilidade e reconhecimento de direitos, os conflitos socioambientais
que estão sendo travados revelam-se um espaço de disputas de poder, reforço da identidade e de
autogestão no controle dos recursos naturais dentro daqueles territórios (ACSELRAD; MELLO;
BEZERRA, 2009, p. 33).
Fato é que a dívida ecológica27 (LEROY, 2000) em desfavor da comunidade indígena é impagável, por
desestabilizar alicerces fundamentais de sua identidade. Onde “o princípio unificador da exclusão
social continua sendo a instituição da propriedade privada”, a mesma que é negada aos Pataxó Hã-
Hã-Hãe, que se veem sem acesso e fruição dos mesmos recursos naturais que defendem, em nome de
“práticas insustentáveis de extrativismo de curto prazo” que são legitimadas pelo direito e a liberdade
contratual, protetivas de interesses de “instituições todo-poderosas e eternas que são
estruturalmente incapazes de generosidade ou comportamento ético” (CAPRA; MATTEI, 2018, p. 179;
180-182), tornando-se máquinas promotoras de injustiça ambiental28.
Para Zhouri e Laschefski (2010, p. 4), no caso dos conflitos envolvendo os indígenas, estes são
demonstrativos de verdadeira contradição, em que “as vítimas não só são excluídas do chamado

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De Recursos Naturais.

desenvolvimento, como também assumem todo o ônus dele resultante”; aqui, vulnerabilizadas pelo
processo de racismo ambiental29. A população indígena suporta a parte mais pesada da dívida
ecológica e passa ainda a integrar a condição de refugiados ambientais30, em busca de melhores
condições de subsistência, incrementando o aumento no número de pessoas expulsas em função de
desastres ambientais no mundo (SASSEN, 2016, p. 73).
Cabe destacar o papel do Estado nesses contextos de crise hídrica apresentados, que “não consegue
suprir o desequilíbrio de forças” (MADEIRA FILHO e TAVEIRA, 2015, p. 11) entre os vários interesses
envolvidos e termina por atuar como um catalisador de conflitos, em relação aos quais ele mesmo se
mostra incapaz de controle, alimentando um “enfrentamento sem solução entre a expansão
econômica e a conservação do meio ambiente” (ALIER, 2018, p. 41).

CONCLUSÕES

O Rio Paraopeba é um importante manancial de água doce, seja como integrante do sistema
Paraopeba, que abastece a RMBH, através de concessão pública executada pela COPASA, seja como
meio de abastecimento da comunidade indígena Pataxó Hã-Hã-Hãe, que se utilizava do rio in natura.
Devido ao rompimento da barragem da mineradora Vale S.A., em Brumadinho, o Rio Paraopeba foi
atingido pela enxurrada de lama contaminada por rejeitos de mineração, causando a interrupção da
captação e utilização de água desse rio, fazendo surgir conflitos socioambientais em frentes diversas,
mas em comum o contexto de crise hídrica que voltou a preocupar o cotidiano de Minas Gerais.
Apesar dos resultados de análises bioquímicas revelarem uma melhora na qualidade da água, com
gradual dissipação dos níveis de contaminantes para turbidez, ferro, manganês e alumínio que se
encontram em limites normais para a classe 2, na qual enquadra-se o Paraopeba , e de não mais
registrar a presença de chumbo e mercúrio desde o mês de abril/2019, ainda assim a captação de água
desse rio permanece interrompida por questão de segurança.
A CPI das Barragens, realizada na Câmara Municipal de BH, concluiu por um quadro de criticidade e
emergência no contexto de abastecimento de água da RMBH, sendo imprescindível uma intervenção
para captação direta do Rio Paraopeba, em ponto não afetado pela contaminação da lama, como
solução para afastar um quadro de iminente racionamento hídrico que afetaria diretamente uma
população de 2,3 milhões de pessoas atendidas pela COPASA.
Essa intervenção será viabilizada através de uma obra emergencial que deverá iniciar em
outubro/2019 e concluída em setembro/2020, como resultado de um Termo de Compromisso
homologado entre a Vale S.A. e a COPASA, com atuação do Ministério Público Federal e Estadual. O

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De Recursos Naturais.

que permite considerar esse primeiro contexto de crise hídrica na região como encaminhado para uma
solução.
Mais problemática é a situação da comunidade indígena Pataxó Hã-Hã-Hãe, ainda que atingida pelo
mesmo evento danoso, devido às peculiaridades de sua profunda relação simbiótica com o rio, própria
de sua condição de população tradicional. Ainda que atualmente esteja resolvido o abastecimento de
água para a comunidade, eles se veem privados de exercer hábitos e práticas seculares ligados à
utilização direta do rio, o que compromete sua própria identidade e autodeterminação.
Os conflitos socioambientais apresentados ainda se tornam mais dimensionados pela ineficiência do
Estado em conter as disparidades ocasionadas pela desigualdade de poder político e econômico entre
os atores sociais envolvidos, cada qual em disputa pelos recursos necessários à concretização de seu
universo de interesses.
Ainda que longe de entrever uma solução definitiva para esses conflitos, é necessário que se
minimizem os prejuízos ou impactos suportados por todos os envolvidos, em especial a população
indígena afetada, que se mostra o lado mais vulnerável nesse contexto de disputas de território e
controle dos recursos naturais.

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17
378
Crise Hídrica Em Minas Gerais Decorrente Do Rompimento De Barragem Em Brumadinho: Contextos De Disputa Pela Apropriação
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SEMAD. Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Informativonº 3:


informativo diário dos parâmetros de qualidade das águas nos locais monitorados ao longodo Rio
Paraopeba, após o desastre na barragem B1 no complexo da Mina Córrego Feijão da

Mineradora Vale/SA no município de Brumadinho – Minas Gerais. Belo Horizonte, 30/01/2019.

18
379
Crise Hídrica Em Minas Gerais Decorrente Do Rompimento De Barragem Em Brumadinho: Contextos De Disputa Pela Apropriação
De Recursos Naturais.

Disponívelem:<http://www.meioambiente.mg.gov.br/images/stories/2019/DESASTRE_BARRAGEM_
B1/informativos_qualidade_agua/Informativo_3_IGAM_COPASA_CPRM_Revisado_Copasa.pdf>.Ace
sso em 26/06/2019.

SecretariadeEstadode Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. BoletimInformativo


do Cidadão. Qualidade da água no Rio Paraopeba: Resumo da qualidade das águasnos locais
monitorados ao longo do Rio Paraopeba, após o desastre na barragem 1 no complexoda Mina Córrego
Feijão da Mineradora Vale/SA, município de Brumadinho - Minas Gerais.

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identificados.aspx>. Acessado em 15/08/19.

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dignidade da pessoa humana. Publicações da Escola da AGU: Os direitos dos povosindígenas:
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ZHOURI,Andréa;LASCHEFSKI,Klemens.ConflitosAmbientais.[Textoanalítico]BeloHorizonte,2010,13p.D
isponívelem:<https://conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br/wpcontent/uploads/2014/04/ZHOURILASEF
SKI_-_Conflitos_Ambientais.pdf>. Acesso em02/05/2018.

19
380
Crise Hídrica Em Minas Gerais Decorrente Do Rompimento De Barragem Em Brumadinho: Contextos De Disputa Pela Apropriação
De Recursos Naturais.

NOTAS
1Nome de origem indígena, da língua tupi-guarani, que significa “rio do peixe chato” (IBGE, 2017).

2Mais especificamente os municípios de Belo Vale; Betim; Bonfim; Brumadinho; Cachoeira da Prata;
Caetanópolis; Casa Grande; Congonhas; Conselheiro Lafaiete; Contagem; Cristiano Otoni; Crucilândia;
Curvelo; Desterro de Entre Rios; Entre Rios de Minas; Esmeraldas; Felixlândia; Florestal; Fortuna de
Minas; Ibirité; Igarapé; Inhaúma; Itatiaiuçu; Itaúna; Itaverava; Jeceaba; Juatuba; Lagoa Dourada;
Maravilhas; Mario Campos; Mateus Leme; Moeda; Ouro Branco; Ouro Preto; Papagaios; Pará de
Minas; Paraopeba; Pequi; Piedade dos Gerais; Pompéu; Queluzito; Resende Costa; Rio Manso;
Curvelo; Desterro de Entre Rios; Entre Rios de Minas; Esmeraldas; Felixlândia; Florestal; Fortuna de
Minas; Ibirité; Igarapé; Inhaúma; Itatiaiuçu; Itaúna; Itaverava; Jeceaba; Juatuba; Lagoa Dourada;
Maravilhas; Mario Campos; Mateus Leme; Moeda; Ouro Branco; Ouro Preto; Papagaios; Pará de
Minas; Paraopeba; Pequi; Piedade dos Gerais; Pompéu; Queluzito; Resende Costa; Rio Manso; São
Brás do Suaçuí; São Joaquim de Bicas; São José da Varginha; Sarzedo; Sete Lagoas (IGAM, s.d.)

3A Deliberação Normativa COPAM (Conselho Estadual de Política Ambiental) nº 14, de Minas Gerais,
traz um enquadramento detalhado das águas e afluentes de toda a Bacia do Rio Paraopeba.

4Conforme o Decreto estadual (MG) nº 4.7343, trata-se de uma autarquia vinculada à Secretaria de
Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) de Minas Gerais. No âmbito federal, a
entidade integra o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) e o Sistrma Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH). Na esfera estadual, o IGAM integra o Sistema
Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hidricos (SISEMA) e o Sistema Estadual de Recursos Hídricos
(SEGRH).

5Cf. a classificação das águas doces: Art. 4º, III, alíneas a a e.

6 Conforme dados divulgados até a data de 10/07/2019 (VALE, 2019).

7 Informativo nº 3 do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM), de 30/01/2019. Informativo diário

dos parâmetros de qualidade das águas nos locais monitorados ao longo do rio Paraopeba, após o
rompimento da barragem em Brumadinho.

8 A pesquisa acompanhou dados sobre o monitoramento da qualidade das águas do rio Paraopeba até
o Boletim Informativo do Cidadão de agosto de 2019. Observa-se que os índices de contaminação por
metais pesados, os mais preocupantes, estão dentro dos limites aceitáveis para o padrão Classe 2,
aplicado ao Paraopeba. No entanto, grande parte desses metais fica depositado no fundo e no leito

20
381
Crise Hídrica Em Minas Gerais Decorrente Do Rompimento De Barragem Em Brumadinho: Contextos De Disputa Pela Apropriação
De Recursos Naturais.

do rio, principalmente em época de estiagem. Mas com a ocorrência de chuvas esse material costuma
ser revolvido e acaba por se deslocar no rio.

9 Recomendação CEDEF 02/2019 – MPMG.

10 Recomendação CEDEF 03/2019 – MPMG.

11 O boletim foi publicado no mês de agosto, contendo dados referentes ao monitoramento até o mês
de julho de 2019.

12Na data de 30/07/2019, onde prestaram esclarecimentos representantes técnicos da COPASA, a


gerente executiva de Meio Ambiente da Vale, técnicos da mineradora, entre outros convocados. Essa
CPI tem como objetivo apurar os impactos no abastecimento de água na cidade de BH pela ocorrência
do despejo de rejeitos de mineração no Rio Paraopeba, ocasionados pelo rompimento da barragem
em Brumadinho. Em 20/08/2019 houve a entrega do relatório final, após seis meses de trabalho.

13A barragem Sul Superior, no município de Barão de Cocais (ANM, 2019) e as barragens Forquilhas 1
e 2, no município de Ouro Preto e B3/B4 no município de Nova Lima (ANM, 2019a), todas em Minas
Gerais.

14 Em página oficial, a mineradora Vale S.A, disponibiliza um vídeo, no qual comunica que “o fato de
algumas barragens estarem em nível 3 de alerta não significa que elas estão em risco iminente de
romper. Tecnicamente, sim, mas a razão que levou à elevação desse nível foi uma ação preventiva em
função da mudança dos critérios de avaliação do nível de segurança” (grifo meu). Infelizmente, tal
“ação preventiva” não foi adotada nas tragédias socioambientais de Mariana e Brumadinho. Conferir
em:<https://www.youtube.com/watch?v=RB3BVo4KVR4&feature=youtu.be>.Acessadoem02/08/20
19.

15Audiência realizada na 6ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias de Belo Horizonte.

16 Publicada a portaria de outorga nº 0107810/2019, documento que autoriza a Copasa a captar 5.000
litros de água por segundo no Rio Paraopeba, em ponto situado a 2,3 Km acima do local que restou
impactado.

17Além de outras medidas previstas no Termo de Compromisso, como a implantação de um sistema


complementar para a potabilidade da água para a Estação de Tratamento de Bela Fama; pesquisa de
ensaios de tratabilidade da água em parceria com o Departamento de Engenharia Sanitária e
Ambiental da UFMG, de modo a garantir a potabilidade da água do rio em eventual rompimento de

21
382
Crise Hídrica Em Minas Gerais Decorrente Do Rompimento De Barragem Em Brumadinho: Contextos De Disputa Pela Apropriação
De Recursos Naturais.

barragem que afete aquela região. Todas as intervenções serão auditadas por empresa técnica
independente, a AEDAS (Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social para a Região 2). O Termo
deCompromissoencontrasedisponívelem:<https://www.mpmg.mp.br/lumis/portal/file/fileDownload
.jsp?fileId=8A91CFA96BD099FB016BD3 6DB8A935FF>. Acesso em 30/07/2019.
18 Dados oficiais do relatório Missão Brumadinho (p. 13), de autoria do grupo de trabalho do Ministério

da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que esteve em áreas afetadas pelo rompimento da
barragem de Brumadinho. Mas dados apresentados pela CPI da Assembleia Legislativa de MG, em
visita à aldeia indígena em data posterior ao primeiro grupo de trabalho, informam o quantitativo de
151pessoasnaaldeia.Disponívelem:<https://www.almg.gov.br/acompanhe/noticias/arquivos/2019/0
4/01_cpi_visita_aldeia_pataxo.html>. Acesso em 10/07/2019.
19 Conforme historiadores do Instituto Socioambiental, sob o etnômio englobante Pataxó Hã-Hã-Hãe
estão reunidas as etnias Baenã, Pataxó Hã-Hã-Hãe, Kamakã, Tupinambá, Kariri-Sapuyá e Gueren, todos
habitantes originários da região sul da Bahia (ISA, 2018). Há indicadores da origem da aldeia Naô Xoã
relacionados tanto à aldeia matriz de Coroa Vermelha, quanto à aldeia de Barra Velha, ambas no sul
da Bahia.
20Onde há um acampamento do movimento, chamado Pátria Livre, situado as margens do Paraopeba.
Esse grupo do MST organizou a ocupação de uma fazenda abandonada de propriedade da MMX
Mineração e Metálicos S.A., grupo ligado ao empresário Eike Batista e que explora atividade de
mineração na região. A ação contou com a participação da comunidade indígena que, mais tarde,
ocupou uma área naquela região, em meio à mata atlântica (CPT MG, 2018).
21 A caça é proibida em área de preservação ambiental.
22 Como não estavam acostumados à água clorada, estavam enfrentando problemas de saúde, como
diarreia.
23Aíntegradodocumentoestádisponívelem:<http://www.mpf.mp.br/mg/saladeimprensa/docs/acord

o_vale_pataxos>. Acesso em 10/07/2019.


24 Considerada o segundo maior evento do calendário pataxó, quando é celebrado o Dia da Resistência

Indígena (FOLHA..., 2019).


25A Síntese de Indicadores Sociais do IBGE mostra que até 20% da população no Estado de MG reside
em domicílios sem acesso a ao menos três serviços de saneamento básico (IBGE, 2018, p. 67).
26Cf. GUIVANT, Op., cit., p. 232, que ainda faz uso da expressão “cosmopolitização” no mesmo texto.

22
383
Crise Hídrica Em Minas Gerais Decorrente Do Rompimento De Barragem Em Brumadinho: Contextos De Disputa Pela Apropriação
De Recursos Naturais.

27 Em sintonia com a concepção de Jean-Pierre Leroy, para quem o modelo de desenvolvimento


capitalista é sustentado pelo consumo “indiscriminado e praticamente gratuito, da natureza e do
trabalho humano”, de onde surgem os conceitos de “dívida social e de dívida ecológica” (p. 1-2).
28 Na definição de Zhouri e Laschefski (2010, p. 4), a injustiça ambiental “é a condição de existência
coletiva própria a sociedades desiguais onde operam mecanismos sociopolíticos que destinam a maior
carga dos danos ambientais do desenvolvimento a grupos sociais de trabalhadores, populações de
baixa renda, segmentos raciais discriminados, parcelas marginalizadas e mais vulneráveis da
cidadania”.
29 Conforme Herculano e Pacheco (2006, p. 25), o termo refere-se às “injustiças sociais e ambientais
que recaem de forma desproporcional sobre etnias vulnerabilizadas” e não “se configura apenas por
meio de ações que tenham uma intenção racista, mas igualmente por meio de ações que tenham
impacto racial, não obstante a intenção que lhes tenha dado origem”.
30 Sarlet e Fensterseifer (2017, p. 71) se utilizam do termo para enquadrar indivíduos e grupos sociais
afetados pela degradação ambiental, com agravamento da “vulnerabilidade das suas condições
existenciais, submetendo-as a um quadro de maior indignidade”.

23
384
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 30
10.37423/200702017

O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA NA
PERSPECTIVA DA TEORIA DA
AUTODETERMINAÇÃO E SUAS IMPLICAÇÕES
PARA A MOTIVAÇÃO EM CONTEXTOS
ESCOLARES

Elizangela Tonelli Instituto Federal do Espirito Santo - IFES

Vera Lúcia Deps Universidade Estadual Norte Fluminense -


UENF

Talita Nascimento dos Santos Centro Universitário Fluminense - UNIFLU


O Desenvolvimento Da Autonomia Na Perspectiva Da Teoria Da Autodeterminação E Suas Implicações Para A Motivação Em
Contextos Escolares

Resumo: A teoria da autodeterminação considera que é a partir da autonomia percebida que o


indivíduo se torna capaz de ser o agente causal de suas ações e se sente aceito em um grupo. A escola
tem sido considerada como um dos espaços mais favoráveis para que ela floresça. Contudo, faz-se
necessário que o professor seja um promotor da autonomia, caso contrário a motivação autônoma
pode ser obstruída ou até mesmo minada. Esse estudo objetivou, a partir de uma revisão crítica de
estudos empíricos sobre o tema, apontar alguns aspectos relacionados à influência socioambiental no
desenvolvimento da autonomia e identificar os desafios de se a promover no contexto escolar. A
análise revelou que os professores, apesar de terem consciência da importância de autonomia na
aprendizagem, e saber como promovê-la, reproduzem formas de controles em sala de aula, as quais
eles estão subordinados como, prazos, notas, punição por indisciplina na sala, além da indisposição
causada pelo cansaço.
Palavras-Chave: Teoria da Autodeterminação, Ambiente de Suportivo à Autonomia, Contexto Escolar,
Revisão Crítica.

1
386
O Desenvolvimento Da Autonomia Na Perspectiva Da Teoria Da Autodeterminação E Suas Implicações Para A Motivação Em
Contextos Escolares

1. INTRODUÇÃO

A autonomia é uma vontade universal de ser agente causal de suas ações e de experimentar e agir de
acordo com seus próprios valores e interesses. No entanto, essa vontade pode ser influenciada por
fatores biológicos e socioambientais. Esses aspectos têm sido o cerne das pesquisas respaldadas na
Teoria da Autodeterminação (Self Determination Theory – SDT) que buscam investigar a natureza e as
consequências da autonomia, bem como fornecer informações detalhadas dos fatores contextuais
que facilitam o seu desenvolvimento e os fatores que a reduzem ou a obstruem (RYAN & DECI, 2006).
A Teoria da Autodeterminação vê a questão da autonomia como uma chave para entender a qualidade
da regulação do comportamento em prol da autorrealização. Assim, dentro de uma abordagem
empírica da motivação, das diferenças pessoais e do contexto social, a SDT estuda a natureza e as
consequências da autonomia na motivação intrínseca, assim como os seus processos de
desenvolvimento e as condições biológicas e sociais em que ela pode ser diminuída ou facilitada.
A escola é um dos lugares mais apropriados para se promover a motivação autônoma, pois o desejo
de explorar, conhecer, entender e aprender está intrinsicamente ligado às necessidades humanas. O
professor é um dos principais intermediadores desse processo. É ele que pode contribuir para a
promoção da autonomia dos seus alunos ou pode mantê-los sob seu controle. Ocorre que, devido a
diversas situações, motivos e contextos, alguns educadores têm ignorado essa motivação intrínseca,
o que torna o processo educativo, por vezes, unilateral e heterônomo.
Considerando a relevância do tema para as questões e discussões sobre os impactos do perfil e da
prática educativa do professor na motivação e na aprendizagem dos alunos, este estudo objetivou
verificar a relevância da promoção da autonomia em contextos escolares, identificar as ações
educativas que podem promover ou obstruir a motivação autônoma e consequentemente, o interesse
dos alunos nas atividades escolares, por fim ressaltar os desafios enfrentados por educadores em
estabelecer relações de suporte à autonomia de seus alunos dentro de contextos escolares.
A partir da revisão crítica da literatura especializada e de estudos empíricos amparados pela Teoria
da Autodeterminação, observou-se que há um consenso entre os pesquisadores de que o contexto,
familiar e/ou escolar, pode influenciar potencialmente na motivação autônoma, bem como suprir
suas necessidades psicológicas de competência e vínculo pessoal. Observou-se também que muitos
professores reconhecem a importância do suporte ao desenvolvimento da autonomia dos alunos,
inclusive, sabem como promovê-la, porém enfatizaram que, um dos principais desafios é a demanda
de controle sobre o trabalho do professor e a falta de energia para sustentar esse suporte no cotidiano
escolar.

2
387
O Desenvolvimento Da Autonomia Na Perspectiva Da Teoria Da Autodeterminação E Suas Implicações Para A Motivação Em
Contextos Escolares

2.O CONCEITO DE AUTONOMIA NO CONTEXTO EDUCACIONAL

Na Educação o conceito de autonomia tem se moldado ao processo dialógico de ensino preconizado


pela filosofia grega, no qual o educando é capaz de exercitar sua autonomia por meio da busca de
respostas para seus próprios questionamentos, construindo um saber ligado aos seus próprios
objetivos de aprendizagens, que é o oposto de heteronomia, que se refere a uma regulação controlada
sem consentimento (KAMII, 1984; RYAN & DECI, 2006; MARTINS, 2002; FREIRE, 2011; PACHECO,
2014).
Martins (2002), relata que essa concepção de autonomia foi gradativamente ganhando força nos
movimentos para uma educação antiautoritária, nos quais a autonomia tornou-se um conceito-chave
das teorias que abordam as denominadas pedagogias ativas (escolanovistas) pedagogias libertárias e
as que defendem, de modo geral, a individualização ou personalização do ensino. Assim, o aluno toma
o seu lugar no centro do processo de ensino que é voltado para a construção de um indivíduo
autônomo, tomando por base suas necessidades e capacidades (MARTINS, 2002). O professor, antes
visto como detentor do conhecimento, assume o papel de mediador da construção do conhecimento
dos alunos que “(...) expressar-se-iam livremente, criariam, usariam a imaginação e encontrariam no
grupo o apoio necessário e a imagem para se reconhecerem como sujeitos – membros de uma
comunidade” (MARTINS, 2002, p. 225).
Essas tendências pedagógicas foram fortemente influenciadas pelo pensamento de John Dewey
(1859-1952), “aprender fazendo, aprender pela vida e para a democracia”, e as contribuições de Carl
Rogers (1902-1987), sobre o ensino não-diretivo e a confiança do professor na capacidade do aluno
em aprender.
A construção da autonomia segundo Paulo Freire pressupõe uma concepção emancipatória de
educação, sobretudo baseada na dialogicidade. Segundo o autor “Ninguém é autônomo primeiro para
depois decidir. A autonomia vai se construindo na experiência de várias, inúmeras decisões que vão
sendo tomadas”. É neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em
experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas
da liberdade. (FREIRE, 2011, p. 107).
Morin (2003, p.118) traz outra complementação à discussão sobre autonomia, ao afirmar que, [...]
nós, seres culturais e sociais, só podemos ser autônomos a partir de uma dependência original em
relação à cultura, em relação a uma língua, em relação a um saber. A autonomia não é possível em
termos absolutos, mas em termos relacionais e relativos.

3
388
O Desenvolvimento Da Autonomia Na Perspectiva Da Teoria Da Autodeterminação E Suas Implicações Para A Motivação Em
Contextos Escolares

Em vista dos pressupostos apresentados, entende-se que a autonomia não é algo independente, mas
relacional, e ocorre em situações reais. Assim, desenvolver a autonomia é se relacionar; é promover
diálogos; intercâmbios de ideias construídos a partir da vivência dos alunos na realização de suas
práticas escolares, que se dão, progressivamente, por meio de conquistas cotidianas autônomas.

3. A AUTONOMIA NA PERSPECTIVA DA TEORIA DA AUTODETERMINAÇÃO

Segundo Wehmeyer (1992), a autodeterminação representa um conjunto de comportamentos e


habilidades que dotam a pessoa da capacidade de ser o agente causal em relação ao seu futuro, ou
seja, de ter comportamentos intencionais.
Embora não tenha sido elaborada dentro do escopo da educação, a Teoria da Autodeterminação, em
inglês, Self Determination Theory – SDT, tem sido bastante discutida no campo da motivação para a
aprendizagem escolar.
Para seus autores, Edward Deci e Richard Ryan (1985), a autonomia é o conceito-chave para se
entender a qualidade da regulação do comportamento. Assim sendo, dentro de uma abordagem
empírica da motivação e das diferenças pessoais, a SDT tem sustentado pesquisas voltadas para a
natureza e as consequências da autonomia na motivação, assim como os seus processos de
desenvolvimento e as condições biológicas e sociais em que ela pode ser diminuída ou facilitada.
Os termos ‘autonomia’ e ‘autodeterminação’ possuem semelhanças semânticas, porém cabe ressaltar
que, a autonomia refere-se ao ‘eu singular’ e representa uma das três necessidades psicológicas
básicas: autonomia, competência e vínculo pessoal. com a competência e pertencimento. Ambas as
necessidades precisam ser supridas para que a pessoa seja autodeterminada, ou seja, utilize sua
motivação intrínseca para alcançar seus objetivos regulando seu próprio comportamentos e
utilizando-se de suas competências e suas habilidades (DECI, at al, 1991).
A competência se refere ao domínio dos conhecimentos inerentes à tarefa. A pessoa tem
necessidades de se mostrar capaz de se envolver em atividades, cujo grau de dificuldade e
complexidade encontra-se, precisamente, no nível de suas habilidades (REEVE, 2006). O vínculo
pessoal refere-se à necessidade de pertencimento e apego pelos outros. E por fim a autonomia que
diz respeito à noção da pessoa individual, singular e distinta das outras. Refere-se à liberdade de
escolha e de executar uma atividade à sua maneira (DECI, at al, 1991). É a autonomia que tem o papel
decisivo sobre as demais necessidades e sobre a motivação autônoma, ou seja, motivação intrínseca
(BZUNECK E GUIMARÃES, 2010, p. 49).

4
389
O Desenvolvimento Da Autonomia Na Perspectiva Da Teoria Da Autodeterminação E Suas Implicações Para A Motivação Em
Contextos Escolares

Tradicionalmente, a motivação humana era diferenciada e contraposta em dois tipos: intrínseca e


extrínseca (DE CHARMS, 1984). Sendo a primeira impulsionada pela atividade em si, pela satisfação de
executá-la, e a extrínseca conectada ao ambiente, às situações e aos fatores externos, exercida pelo
seu valor instrumental. (BZUNECK, GUIMARAES, 2010).
Contudo, estabelecer relações entre a motivação intrínseca e a extrínseca em polos opostos não
corresponde à realidade. Para os autores, o ser humano é tanto heterodeterminado como
autodeterminado, ou seja, influenciado pelas condições biológicas e socioculturais, porém capaz de
modificar o contexto em que se insere. Essas inquietações levaram os autores da SDT a formularem
uma tipologia mais abrangente e complexa da motivação extrínseca que possibilitasse analisar os
processos pelo quais comportamentos não intrinsecamente motivados podem tornar-se
autodeterminados, e analisar a forma como o meio social influencia nesse processo (DECI et al, 1991;
YAN; DECI, 2001; DECI, RYAN, 2000)
Para a SDT a autonomia para ação envolve diferentes graus, formas, estilos e processos de regulação
da motivação e do comportamento. Isso significa que a pessoa é mais autônoma, quando sua
motivação e o seu comportamento tornam-se autorregulados (motivação intrínseca -
autodeterminado) e menos autônoma ou heterônomas quando sua motivação e o seu
comportamento são regulados por fatores externos (motivação extrínseca – não-determinado) ou
ainda, sem qualquer motivação ou regulação (amotivação) (GAGNÉ; & DECI, 2005), conforme mostra
a figura 1.

Figura 1 – Tipos de motivação e regulação na Teoria da Autodeterminação

Fonte: Bizarria, at al (2016).

Nesse contínuo pode-se observar que os níveis de autodeterminação de um indivíduo são


identificados pelo nível de motivação e pelos os processos que o move a regular seu comportamento
como, regulação externa – (recompensas ou punições); regulação introjetada (medo de falhar e de
não agradar os outros); regulação identificada (atribuição de valor pessoal a uma determinada tarefa),

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O Desenvolvimento Da Autonomia Na Perspectiva Da Teoria Da Autodeterminação E Suas Implicações Para A Motivação Em
Contextos Escolares

e regulação integrada (congruência entre os objetivos e valores com as escolhas pessoais). Há uma
outra forma de regulação superior a demais que é a regulação intrínseca, que é considerada altamente
autônoma, pois além do interesse, há prazer em desenvolver a tarefa. O oposto dela é a amotivação,
que não tem regulação alguma, pois não há interesse algum na tarefa, e por isso não é
autodeterminada (BZUNECK E GUIMARAES, 2010).

Assim, enquanto a motivação controlada corresponde as formas mais pobres de regulação, que são a
externa e a introjetada, a motivação autonôma equivale as formas mais autodeternimadas de
regulação que incluem a identificada, a integrada, e a motivação intrínseca.

4. INFLUÊNCIAS SOCIOAMBIENTAIS NO DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA

A psicologia humanista e existencialista predizem que. mesmo sob condições adversas, as pessoas
podem escolher, de maneira reflexiva, como agir. Porém o que se percebe no cotidiano é que,
independentemente do potencial de cada pessoa, as formas de controles sociais, pressões avaliativas,
recompensas e/ou punições podem restringir ou minar um comportamento consciente.
Embora a coerção forneça um exemplo claro de comportamento heterônomo, há outras formas mais
sutis em que a autonomia pode ser obstruída, como por exemplo a promoção do reforço por meio de
recompensa. Os resultados das pesquisas de Ryan e Deci (1987) apontaram que recompensar o mero
envolvimento numa atividade pode inibir o sentido de autonomia pessoal e mover o esforço apenas
por incentivos externos.
Outros fatores que também foram observados pelos autores como inibidores da autonomia são as
ameaças, os prazos e os objetivos impostos. Esses tipos de coerção fazem com que as pessoas se
sintam pressionadas e acabam perdendo o interesse pessoal pela atividade. O mesmo ocorre com a
avaliação e a vigilância, especialmente a avaliação de resultados e não dos processos.
Assor, Rtoh e Deci (2004), apontam que a consideração afetiva condicionada é uma das formas mais
poderosa de controle de comportamento. Devido à necessidade básica de vínculo, as pessoas são
altamente motivadas a serem reconhecidas ou amadas pelos outros. Essa necessidade por vezes, faz
as crianças introjetarem a regulação do comportamento que é esperado dele, e acabam aniquilando
mecanismos de motivação mais autônomos.
Para Reeve, Nix e Hamm (2003), a percepção da autonomia é o endosso para as ações do estudante
e, consequentemente, para o seu envolvimento na aprendizagem. Isso significa que ser autônomo é
buscar uma identificação decisiva, com um motivo ou valor, sobre o qual a ação pode ser organizada.

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O Desenvolvimento Da Autonomia Na Perspectiva Da Teoria Da Autodeterminação E Suas Implicações Para A Motivação Em
Contextos Escolares

Nesse sentido, em seus primeiros estudos Ryan e Deci (1987) apontaram que situações ou ambientes
que oportunizam escolhas aos alunos e fornecem um feedback positivo relativo à competência e à
eficácia em níveis verdadeiros, promovem a motivação intrínseca. Ressaltaram também que os
sentimentos de competência só promovem a motivação intrínseca se acompanhados por sentimento
de autonomia.
Ryan e La Guardia (1999) apontam que métodos comumente utilizados por professores em sala de
aula como: notas, premiações por mérito, elogios ou humilhação pública, podem obstruir ou minar a
motivação autônoma ou até mesmo causar a amotivação. Isso significa que, o grau em que os
professores e pais apoiam a autonomia versus o controle do comportamento, são fortes preditores
de envolvimento escolar e resultados na aprendizagem.
Estudiosos dessa teoria como, Deci e Ryan (1985) e Reeve (2004), consideram a autonomia do
estudante como uma forma aprimorada de motivação na aprendizagem. Assim, a motivação
autônoma ocorre quando, em relação a um dado comportamento, existe concordância pessoal, baixa
pressão e alta flexibilidade em sua execução” (BZUNECK; GUIMARÃES, 2010, p. 44).
De acordo com Ryan e Deci (2017), alunos que experimentam maior autonomia demonstram mais
interesse nas instruções, tornam-se mais engajados e aprendem mais. A esse respeito, os estudos de
Pintrich, Skinner e Connell (1993, citado por BZUNECK; GUIMARÃES, 2010, p. 48) já haviam mostrados
que
(...) a percepção da autonomia por parte da criança é o fator que prediz mais
fortemente comportamentos de esforço, atenção, persistência, e
participação ativa, bem como emoções positivas. Em adolescentes a
autonomia percebida também se correlaciona com uma série de resultados
positivos relacionados às emoções, aprendizagem, à preferência por
desafios e a realização acadêmica.
Frente a esses resultados, percebe-se que os impactos dos ambientes sociais no desenvolvimento da
autonomia é um tema que merece uma maior atenção, pois a autonomia se revela como um construto
central das necessidades psicológicas básicas que norteia os caminhos para autoderteminação,
juntamente com a necessidade de competência e de vínculo pessoal. Assim, torna-se relevante para
as aprendizagens investigar de que forma a autonomia tem sido promovida nos espaços escolares e
quais ações e modalidades de ambiente social tem dado mais apoio a motivação autônoma e a
autorregulação.

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O Desenvolvimento Da Autonomia Na Perspectiva Da Teoria Da Autodeterminação E Suas Implicações Para A Motivação Em
Contextos Escolares

5. IMPLICAÇÕES E DESAFIOS DA PROMOÇÃO DA AUTONOMIA EM CONTEXTOS ESCOLARES

Neste tópico apresentaremos a revisão crítica, que segundo Mancini e Sampaio (2006), é um tipo de
estudo em que os autores resumem, sintetizam e analisam as informações, de forma a evidenciar
aspectos relevantes sobre o tema que é proposto. Os dados foram levantados a partir da revisão de
alguns estudos empíricos desenvolvidos no âmbito escolar e baseados nos pressupostos da Teoria da
Autodeterminação. O objetivo foi ressaltar algumas das implicações e dos desafios relacionados ao
perfil do professor suportivo à autonomia e ao perfil do professor controlador, bem como explicitar
as dificuldades que os educadores enfrentam no cotidiano escolar.
De acordo com Bzuneck e Guimaraes (2010), a escola é sem dúvida um dos lugares mais apropriados
para se promover a motivação autônoma, pois o desejo de explorar, conhecer, entender e aprender
está intrinsicamente ligado às necessidades humanas. A motivação intrínseca se evidencia sempre que
o estudante demonstra naturalmente curiosidade e interesse pelo o que está aprendendo. Sendo
assim, quando a escola promove desafios adequados à sua competência, oferece variadas fontes de
estímulos, o ambiente se torna suportivo à autonomia e suscetível à aprendizagem espontânea.
(RYAN; DECI, 2006).
Na sala de aula, o comportamento dos alunos, em grande parte, é determinado pelo comportamento
do professor. A esse respeito, pesquisas desenvolvidas ao longo das últimas décadas têm esboçado
um conjunto de comportamentos e atitudes que prediz o perfil do professor promotor de autonomia,
bem como o perfil do professor controlador e suas formas de controle sobre os alunos (REEVE, 2004;
2006; 2009; BZUNECK E GUIMARÃES, 2004, 2010; PELLETIER, SÉQUIN-LÉVESQUE E LEGAULT, 2002).
De acordo com os estudos de Reeve, Bolt e Cai (1991) os professores que promovem a autonomia
comumente são àqueles que, ouvem seus alunos e o que eles querem, respondem questionamentos,
tem empatia, centralizam suas ações na aprendizagem dos seus alunos, incentivam a iniciativa e se
comunicam de forma amigável (não controladora).
Os estudos realizados por Pelletier, Séquin-Lévesque e Legault (2002), mostraram que professores
com perfis suportivos em relação à autonomia são menos controladores e tendem a ter alunos mais
autônomos e autodeterminados para a aprendizagem na sala de aula. A esse respeito, Reeve (2006),
acrescenta que ambientes com características suportivas à autonomia beneficia o nível de
aprendizagem e interação.
De acordo com Reeve (2009), a percepção da autonomia é um dos fatores mais importantes na
motivação autônoma. O autor descreve ainda que alunos que se percebem autônomos em suas
interações escolares apresentam resultados positivos em relação a diversos aspectos como:

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O Desenvolvimento Da Autonomia Na Perspectiva Da Teoria Da Autodeterminação E Suas Implicações Para A Motivação Em
Contextos Escolares

Quadro 1 - Aspectos relacionados à autonomia percebida por aluno.


Aspectos relacionados a Representação das interações escolares
Autonomia percebida
1. Motivação - apresentam motivação intrínseca.
- percepção de competência e de pertencimento.
- demonstram curiosidade e internalização de valores.
2. Engajamento - emoções positivas,
- persistência,
- presença nas aulas,
- não reprovam ou se evadem da escola.
3. Desenvolvimento - demonstram autoestima e autovalor,
- preferência por atividades desafiantes,
- criatividade.
4. Aprendizagem - apresentam melhor entendimento conceitual e processamento
profundo de informações,
- usam de estratégias autorreguladas.
5. Desempenho escolar - apresentam bom desempenho em notas, nas atividades e nos
resultados em testes padronizados.
6. Estado psicológico - apresentam indicadores de bem-estar, satisfação com a vida e
vitalidade.
Fonte: REEVE, 2009 (adaptado)

Considerando seus efeitos na aprendizagem, é fato que uma prática educacional promotora da
motivação autônoma é preferível a puramente controlada. Porém sua efetivação se mostra como um
processo complexo e multidirecionado. Nesse sentido, a revisão crítica revelou alguns aspectos que
necessitam de investigações mais profundas e consistentes.
No que se refere ao uso de recompensas, Bzuneck e Guimarães (2010) argumentam que esse tipo de
estratégia, considerada como formas de controle, necessariamente, não precisa ser descartada.
Segundo os autores, em alguns casos, a recompensa é bem-vinda no sentido de reconhecer o
progresso em uma determinada atividade, de maneira que alimente o senso de competência do aluno,
tendo-se o cuidado de que esta não seja entendida como um suborno ou controle comportamental.
Em relação as práticas controladoras, segundo Bzuneck e Guimaraes (2010), os professores com perfil
controlador são levados a agir dessa forma devido a uma disposição ligada à própria personalidade,
ou às contingências do cotidiano escolar, sob as quais eles também são controlados e pressionados
para os resultados e não o processo da aprendizagem. Ainda pode-se destacar o fato de que há alunos
desmotivados e perturbadores que exigem tratamento com técnicas de controle, como uma forma de
mudar o seu comportamento (indisciplina = punição).
Considerando ainda as contingências externas e superiores, comuns ao trabalho do docente como,
notas, aprovações, cumprimento de prazos e metas, segundo Ryan e La Guardia (1999) muitos
professores se sentem sobrecarregados de trabalho e por isso, mesmo que concordem e saibam como
promover a autonomia, falta-lhes ânimo, tempo e paciência para traduzirem os conhecimentos em
estratégias motivacionais em sala de aula.

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O Desenvolvimento Da Autonomia Na Perspectiva Da Teoria Da Autodeterminação E Suas Implicações Para A Motivação Em
Contextos Escolares

A esse respeito, o estudo de Bzuneck e Guimarães (2010), por meio de situações hipotéticas do
cotidiano de uma sala de aula, revelou que os professores sabem como evitar o uso de controladores
e se identificam com o estilo promotor da autonomia, porém essas afirmações não asseguram se suas
reações comportamentais frente a um problema real de um aluno ou classe inteira irão favorecer o
mesmo discurso. Reeve, Bolt e Cai (2004), explicam que professores podem se declarar favoráveis à
promoção da autonomia porque isso está de acordo com o seu sistema pessoal de valores, porém
apresentam resistência em colocar em prática aquilo que acreditam.
Autores da SDT tem enfatizado que um ambiente suportivo à autonomia é aquele que, entre outros
aspectos, favorece a possibilidade de escolha e que isso tem sido um critério amplamente utilizado
para medir a motivação intrínseca (DECI & RYAN, 1985; BROWN & RYAN, 2004; REEVE, JANG, HARDRE,
OMURA, 2002). Ocorre que no contexto das aprendizagens, em termos práticos, propiciar a escolha
daquilo que se deseja aprender pode se tornar um problema, pois o aluno pode usar o critério de
escolha baseado naquilo que é mais fácil ou simplesmente escolhe em não fazer nada (BZUNECK E
GUIMARÃES, 2010).
Esse aspecto se torna um desafio, tendo em vista que não se tem a dimensão de quanto importante
seria facultar a escolha como promoção da autonomia e autodeterminação. As pesquisas de Katz e
Assor (2006), observaram que os efeitos de se propor escolhas gerou resultados confusos e
inconsistentes e que nem sempre as escolhas promoveram o engajamento nas tarefas. Talvez esse
seja o motivo da resistência ou dificuldade que se tem em operacionalizar a liberdade de escolha em
sala de aula (BZUNECK E GUIMARÃES, 2010).
Sob esse mesmo foco, Assor, Kaplan e Roth (2003) ao explorarem com mais precisão o conceito de
liberdade psicológica de escolhas promovidas por escolas junto também não encontrou nenhum
efeito motivacional. O fator de maior predição de emoções positivas e engajamento cognitivo
encontrado foi a demonstração de relevância da tarefa por sua ligação com os objetivos e interesse
pessoais do aluno. Tem-se que, não é simplesmente a possibilidade de se fazer escolha que irá
promover a autonomia e a autodeterminação, mas a atribuição de valor a tarefa atrelada à interesses
pessoais. (REEVE, NIX, HAMM, 2003).
À respeito das escolhas, Stefanou e autores (2004) sugerem que, em sala de aula, o professor pode
possibilitar aos seus alunos algumas escolhas que sejam direcionadas a alguns tipos de objetivos,
como: a) objetivo organizacional - escolher o próprio grupo de estudo; b) objetivo de procedimento
- escolher o material de estudo e, c) objetivos cognitivos - as ações mentais e as próprias estratégias
de aprendizagem.

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O Desenvolvimento Da Autonomia Na Perspectiva Da Teoria Da Autodeterminação E Suas Implicações Para A Motivação Em
Contextos Escolares

Contudo, diante das implicações feitas a partir dos impactos socioambientais na motivação, dos
principais desafios enfrentados por educadores no ambiente escolar, tem-se na SDT uma perspectiva
promissora para a compreensão do grau de envolvimento, persistência, desempenho e uso de
estratégias de aprendizagem pelos estudantes, assim como orientações importantes para que o
professor elabore um ambiente apoiador à autonomia, desenvolvendo estratégias que o possibilite,
regularmente, demonstrar a importância das aprendizagens, principalmente quando as atividades são
desinteressantes para os seus alunos.
Em síntese, entende-se que a autonomia é a possibilidade de o aluno autorregular sua aprendizagem,
seus processos e objetivos, tendo como suporte as condições favoráveis do contexto. Nessa
perspectiva tem-se que na SDT, a autorregulação é vista como um processo através do qual
comportamentos extrinsecamente controlados se transformam em comportamentos
autodeterminados. Assim, é o grau de autorregulação atingido que irá determinar a orientação
motivacional para uma atividade bem como sua persistência e envolvimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da Teoria da Autodeterminação a autonomia pode ser entendida como um processo de


autoconhecimento que não ocorre de modo isolado e independente. É um processo relacional que
ocorre diariamente, entre o individual e o coletivo, ou seja, aluno, escola, família e professor. É a
partir dessa interação, desde cedo, que o sujeito vai amadurecendo, ou não, e adquirindo
competências cognitivas que lhe dará capacidades de elaborar uma reflexão crítica diante da
realidade e do conteúdo que lhe é apresentado, adquirindo liberdade intelectual e possibilitando
novas conexões para além da sala de aula.
Esse estudo revelou que nem todas ações consideradas controladoras inibem a autonomia, como, por
exemplo, a recompensa. Estudiosos esclarecem que a recompensa em alguns casos pode servir como
um incentivo ao desempenho. Porém, há de ser ter cuidado para que o aluno não condicione o seu
esforço e comportamento apenas aos fatores externos.
Outra questão que merece ser ressaltada é sobre o incentivo a autonomia do aluno por meio da
oportunidade de escolha. Alguns estudos empíricos apontaram que para que as escolhas sejam
consideradas ações facilitadoras da autonomia é necessário que o educador as utilize como uma
estratégia direcionada a um objetivo específico, que deve ser claro e passível de orientação,
monitoramento e avaliação por parte do professor.

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O Desenvolvimento Da Autonomia Na Perspectiva Da Teoria Da Autodeterminação E Suas Implicações Para A Motivação Em
Contextos Escolares

Embora se reconheça que essas ações demandam confrontos, tempo e energia dos professores e dos
familiares, as reflexões acerca das contribuições e dos desafios de se promover a autonomia em
contextos escolares, se mostram pertinentes aos propósitos da educação na formação do indivíduo
crítico e proativo. Freire (1997) ressalta que ninguém nasce autônomo. Esse processo é gradual, é um
“vir a ser” com a ajuda do outro. Isso inclui que o professor precisa se mostrar mais autônomo e
“rebelde” em suas ações pedagógicas, no sentido de confrontar as estruturas controladoras que
priorizam a instrução e aprisionam a aprendizagem dos saberes, das atitudes e de comportamentos
necessários para o convívio em comunidade, enquanto escola e enquanto sujeito na sociedade.

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397
O Desenvolvimento Da Autonomia Na Perspectiva Da Teoria Da Autodeterminação E Suas Implicações Para A Motivação Em
Contextos Escolares

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15
400
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 31
10.37423/200702019

ANÁLISE PARASITOLÓGICA DO SOLO ARENOSO


DE PRAÇAS PÚBLICAS SITUADAS EM
FORTALEZA-CE.

Julia Eslayne do Nascimento

Luane Sampaio dos Reis

Joyce Fonteles Ribeiro


Análise Parasitológica Do Solo Arenoso De Praças Públicas Situadas Em Fortaleza- CE.

As parasitoses intestinais ou enteroparasitoses são doenças ocasionadas principalmente por helmintos


e protozoários que parasitam o aparelho digestivo bem como outros órgãos, conforme a fase do seu
ciclo evolutivo. Estudos feitos no Brasil e em outros países indicaram que entre os vários tipos de
helmintos e protozoários os que são mais frequentes em ocasionar doenças são: Toxoplasma gondii,
Entamoeba histolytica, Giardia lamblia, Ascaris lumbricoides, Ancilostomídeos e Toxocara sp. A
transmissão parasitária ocorre principalmente por via fecal- oral, ingestão de água e alimentos
contaminados, por falta de tratamento adequado de água e esgoto, bem como a má higienização
pessoal. Outro fator que deve ser enfatizado como uma forma de transmissão desses parasitas, é o
contato com solo arenoso de ambientes públicos no qual pode ser uma fonte de zoonose. O solo acaba
sendo uma fonte de propagação para parasitas por apresentar em sua composição uma boa matéria
orgânica, presença de oxigênio, temperatura amena e umidade favorável para o seu desenvolvimento
durante um certo tempo na fase infectante. Assim, o objetivo desse trabalho é realizar a análise
parasitológica da areia de praças públicas, através da utilização de método parasitológico específico.
Durante os meses de agosto e setembro de 2019, o solo arenoso de seis praças foram analisados
através da utilização do método de Hoffman (sedimentação espontânea), no qual consiste em diluir a
amostra e deixar sedimentando por 24h para posterior análise microscópica do sedimento. De cada
praça foram obtidas 10 amostras, sendo 5 superficiais e 5 de 5 centímetros de profundidade,
totalizando 60 amostras. O critério de escolha das praças foi ao acaso. As seis praças analisadas
obtiveram amostras positivas, os parasitas encontrados foram: ovo de Ascaris lumbricoides, ovo e larva
de Ancilostomídeo, ovo de Toxocara sp, cisto de Entamoeba coli, larva de Strongyloides stercoralis e
ovo de Enterobius vermicularis, ovo de Taenia sp. Diante do exposto, pode-se observar que de fato o
solo arenoso de praças públicas abrigam parasitas de importância patológica, evidenciando assim, a
importância da sua análise parasitológica.
Palavras-Chave: Parasitoses, praças públicas, solo, transmissão, Hoffman.

1
402
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 32
10.37423/200702021

JOVENS NO IMAGINÁRIO DA METRÓPOLE


NORDESTINA PELO OLHAR DA EDUCAÇÃO
SOCIAL: PERCEPÇÕES, NARRATIVAS E MODOS
DE EDUCAR

. João Clemente de Souza Neto Universidade Presbiteriana Mackenzie

Marcos Júlio Sergl Grupo de Pesquisa Musimid

Maria Auxiliadora Fontana Baseio Universidade Santo Amaro

Sebastião Jacinto dos Santos Universidade Presbiteriana Mackenzie


Jovens No Imaginário Da Metrópole Nordestina Pelo Olhar Da Educação Social: Percepções, Narrativas E Modos De Educar

Compreender a juventude nordestina diz respeito à composição de ideias que se disseminam com o
intuito de discutir o comportamento desses sujeitos. Definir um padrão de valores ou até mesmo
reconstituir o cenário imaginário em que estes transitam está na ordem do pensamento moderno, cuja
política de direitos cobra que os jovens atendam às intransigências e à necessidade de obediência
social, definida pelos adultos.
Ao caminhar por muitas rotas nas cidades e “perante as estruturas sociais cada vez mais fluidas, os
jovens sentem a sua vida marcada por crescentes inconsistências, flutuações, descontinuidades,
reversibilidades, movimentos autênticos de vaivém” (PAIS, 2006, p. 8), que acabam por colocá-los em
muitas cenas: da família à igreja, dos grupos sociais às relações mínimas, do consumo e tráfico de
drogas às relações de subversões e violência. São muitos os formatos e comportamentos que
compõem o mundo do jovem nas metrópoles.
A identidade do jovem tem sua base, principalmente, na formação dos propósitos de sua existência,
buscando o reconhecimento de si, o que tem, inicialmente, a interferência da percepção do outro. Agir
de acordo com princípios éticos que dão sustentação para conhecer, interpretar e coordenar suas
próprias ações, mesmo que com algum grau de insegurança, demanda colaboração de bases
especializadas.
Embora Ortiz (2006) acredite que “a memória nacional opera uma transformação simbólica da
realidade social, por isso não pode coincidir com a memória particular dos grupos populares” (p. 138),
acredita-se que tais grupos, de alguma forma, representam um recorte de um todo complexo que
define a nação brasileira.
Os valores apresentados aos jovens têm tradição religiosa arcaica, que não rompe com nenhuma
tradição social entre passado e futuro. Como os jovens, quase sempre, não são construtores de suas
leis, tornam-se sujeitos consumidores de cultura de massa. Neste caso, “a ampliação do tempo de lazer
combinada com a popularização das novas técnicas de integração social foi, neste sentido, de
fundamental importância para o surgimento de uma cultura de massas na sociedade moderna”. (DIAS;
SOUSA, 2015, p. 97). Os valores não se constituem em escolhas na maioria das vezes, mas a ditadura
do comportamento nega muitas das possibilidades de construção da identidade pessoal.
Berman (1986, p. 107), ao se referir à metamorfose dos valores, demonstra que o capitalismo impactou
na liberdade individual do sujeito, interferindo, também, no mercado de trocas e consumo. Estamos
em um mundo cujos valores continuam sendo compreendidos como moedas de trocas e esse jogo é
lançado para o jovem como algo já definido, cuja única finalidade é repetir o constituído.

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Vivemos em um mundo transitório, com sinais de avanços e atrasos e, ao mesmo tempo, com sintomas
que se deslocam do velho ao novo. Netas condições, o homem sofre uma experiência amarga para
superar as antigas crenças e se associar às novas mudanças de pensamento, com o advento das
ciências e, ao mesmo tempo, procura preservar a vida e seu sentido. Este é o cenário que traçamos
sobre a região Nordeste do Brasil, cujos desafios são vencer a dicotomia entre o novo e o velho, entre
o progresso e o atraso, que se reconfiguram em todos os âmbitos, sobretudo na gestão política, que
afeta todos os setores sociais.
Em se tratando de visibilidade, o imaginário que comporta a formação direta do jovem apresenta, em
alguns momentos, contradição, pelo fato de o discurso ser composto pela percepção e pelas
representações dos adultos, e não necessariamente, pela visão do jovem. Para que ocorram mudanças
nesta área, o educador social desempenha a função de acompanhar e formular um discurso que
estimule uma percepção individual do jovem. Neste caso, Dias e Sousa afirmam que
No mundo moderno a juventude amplia seus espaços de atuação, ganha
visibilidade e passa a desempenhar papel de destaque como categoria
social. Esse novo papel da juventude acontece por dois motivos básicos. Em
primeiro lugar, nas sociedades industriais, como verificamos nas análises
precedentes, o conhecimento e a técnica estão fora das possibilidades de
conhecimento da família, impelindo, dessa maneira, o jovem a buscar no
mundo exógeno às tradições familiares os seus novos referenciais de vida. O
segundo motivo básico é que, com os avanços técnicos dessa nova
sociedade, o comportamento do jovem passou a ser regulado por valores
universalistas; o que possibilitou o surgimento de uma ideologia e cultura
específica da juventude (DIAS; SOUSA, 2015, p. 97).
Educar e preparar para a vida pode ser uma forma de amadurecimento que se processa como dilema,
quando o jovem não tem um referencial que o oriente para organizar seus projetos existenciais. Os
“Princípios norteadores da articulação da juventude” (2016, p. 35) apontam que “conhecer a si mesmo
é um aspecto fundamental para o amadurecimento da própria identidade. É o primeiro degrau para se
chegar a ter uma aceitação positiva de si e a motivar-se na realização de ideias de projetos”.
Os jovens atendidos pelas Obras Sociais Salesianas são oriundos de diferentes partes do Nordeste. Em
algumas regiões, o trabalho está mais presente, principalmente pelo número de obras e pela
quantidade de pessoas envolvidas. Essas obras são caracterizadas principalmente de acordo com os
interesses culturais dos jovens, no que diz respeito à parte esportiva, cultural e artística. Outra busca
importante nesses ambientes é a formação profissional ofertada pelos cursos em diferentes setores
de trabalho e renda.

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Ao relatarmos as experiências desses diversos locais de encontro juvenil, estamos, de alguma forma,
retratando o mapa de localização de atividades que acionam o imaginário social dessa juventude nas
metrópoles nordestinas.
Esta pesquisa, com diferentes articulações interdisciplinares, apresenta um estudo de caso, com dados
colhidos em jornais, revistas e sites que tratam diretamente sobre as obras sociais e como este tipo de
interferência na formação da juventude tem sido princípio para a evangelização e formação. As fontes
bibliográficas pautam diferentes discursos que referendam a questão do trabalho e da formação do
jovem no cenário de Educação Social.
Dentro da visão dos estudos do imaginário, utilizamos as ideias de Trindade (1997) e Wunemburger
(2001), que nos posicionam sobre as muitas faces do imaginário e suas nuances; Dias (2015) e Lépore
(2014) retratam a juventude e seus desafios na atualidade; Freire (2011, 2013), Gadotti (2012) e Morin
(2003) tecem o valor da educação; Honneth (2009), Pistrak (2011) contribuem com reflexões sobre a
Educação Social, entre outros autores que corroboram com os elementos da pesquisa em questão.
A coleta de dados se deu por meio de um questionário enviado via e-mail e por WhatsApp,
primeiramente para os coordenadores locais e para o responsável inspetorial e depois enviado aos
jovens, que, livremente, escolheram responder a pesquisa e autorizar a sua participação. Trabalhamos
apenas com questionários autorizados, de modo que todos os não autorizados foram eliminados e não
se constituem fontes armazenadas de dados.
Os jovens atendidos pela Articulação da Juventude Salesiana e que compõem a pesquisa apresentam,
em sua maioria, 15 a 21 anos; entretanto, há uma parcela significativa situada entre 22 e 25 anos. A
variação de idades demonstra que são necessárias diferentes ações de trabalho para o
acompanhamento, dadas as diferenciações de pensamentos e ideias concernentes às diversas faixas
etárias.
Gráfico 1: Idade dos jovens que responderam ao questionário.

Fonte: Pesquisa O trabalho da Articulação da Juventude Salesiana - AJS no Nordeste do Brasil e a


Formação Interdisciplinar. Formulários Google, 2018.

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Destaca-se, nesse grupo de jovens, a participação feminina (conforme Tabela 1 a seguir):

Tabela 1: Pesquisa O trabalho da Articulação da Juventude Salesiana - AJS no Nordeste do Brasil e a


Formação Interdisciplinar. Formulários Google, 2018.
Quanto ao local de origem dos jovens, o gráfico 2 aponta como sendo em sua maioria oriundos de
Pernambuco e do Rio Grande do Norte. Na pesquisa, não há registro do Maranhão e do Piauí, pois não
há presença dos Salesianos e da Articulação da Juventude Salesiana, que é um movimento próprio da
Congregação dos Salesianos de Dom Bosco, nestes dois estados.
Gráfico 2: Localidade dos jovens que responderam ao questionário.

Fonte: Pesquisa – O trabalho da Articulação da Juventude Salesiana - AJS no Nordeste do Brasil e a


Formação Interdisciplinar. Formulários Google, 2018.
Quanto à formação, evidencia-se que a maior parte frequenta o ensino médio, 55%, e muitos inserem-
se no ensino superior, 30%. Foi acenado um jovem com mestrado, que corresponde a 0,5% dos
pesquisados, e não foi apontado nenhum jovem com doutorado.

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Gráfico 3: Formação dos jovens que responderam ao questionário.

Fonte: Pesquisa – O trabalho da Articulação da Juventude Salesiana - AJS no Nordeste do Brasil e a


Formação Interdisciplinar. Formulários Google, 2018.

1. MODOS DE EDUCAR

O atendimento aos jovens, realizado pelas Obras Sociais Salesianas, incorpora, no seu papel de educar,
diversos modos de reestruturação dos espaços-ambientes em que estão distribuídos os participantes
em diferentes processos de ensino e aprendizagem.
Diríamos que, para aquelas pessoas que estão chegando no espaço de educação, que são os Oratórios
- experiência característica dentro da concepção de Educação de Dom Bosco -, esses ambientes, às
vezes, apresentam-se confusos e com muitos conflitos, mas, na verdade, o formato pedagógico desses
espaços vem, desde seu princípio, trazendo para as concepções de educar modos diferentes de
estruturar ações pedagógicas.
Nestes espaços cabem muitas teorias de pedagogos renomados. Então, não é difícil encontrarmos
desde a pedagogia de Paulo Freire até as experiências de Celestin Freinet ou as teorias de Montessori
e outros pedagogos, dentro da dinâmica dos Oratórios que se inserem nas obras sociais salesianas.
Com isso, queremos dizer que a ideia de ensino híbrido, que desponta na atualidade como forma de
educar a juventude, neste momento histórico de mudanças sociais, pautadas principalmente pela
presença das ferramentas digitais, já se encontravam bem antes, dentro dos espaços de articulação
de educação nas obras sociais dos Salesianos.
Por isso, afirmamos que a educação confessional salesiana, ao longo da história, segue a rota dos seus
fundadores: Dom Bosco e Madre Mazzarello, e vem se adaptando à realidade das mudanças propostas
no rumo da história, porém sem perder sua essência e dinamismo, o que é próprio da natureza desta
instituição, principalmente no que se refere à educação dos jovens.
Embora percebendo que ocorreram pequenas mudanças na essência do trabalho iniciado por Dom
Bosco com os jovens, quando atendia principalmente aos encarcerados, a ampliação para dar sentido

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à identidade juvenil em diferentes territórios tem sido um dos principais motivos de educar a
juventude.
As críticas tecidas sobre o aburguesamento do trabalho educativo desses religiosos processam-se,
principalmente, dentro da mudança do entendimento da essência da figura do sujeito a ser educado,
que vai ser resgatado a partir das obras sociais, principalmente aquelas estruturadas nos espaços de
maior necessidade dos jovens.

1.1. EDUCAR PARA RELIGAR

As cidades do Nordeste, em particular as mais populosas, assim como as capitais, enfrentaram, nos
últimos anos, crescimento do consumo e venda de drogas, principalmente entre os adolescentes e
jovens. São muitas as narrativas das entidades que trabalham diretamente com eles. Como está sob a
responsabilidade dos municípios cuidar da manutenção de programas que acompanham os
adolescentes, muitos deixaram de investir, causando transtornos e altos índices de reincidências de
violência e delinquência.
Para aqueles que estão na transição entre a adolescência e a juventude ii , fica difícil encontrar uma
profissão ou emprego para a subsistência. Este é um dos desafios para o trabalho do educador social:
levar o jovem a trilhar caminhos para além dos ambientes sociais de origem; ou seja, encorajá-lo para
lançar-se em novos espaços das metrópoles, sem perder suas origens e territorialidade. É preciso
ajudá-lo a entender que as cidades são constituídas por pontes que religam diferentes experiências e
multiplicidades de contextos sociais.
Compreender o imaginário desses jovens diz respeito à definição antropológica e sociológica de seus
comportamentos, vivências, ações e traços culturais. Neste sentido, “o imaginário ultrapassa a
representação intelectual”, incursionando por experiências afetivas, sensoriais, estéticas, culturais
(TRINDADE, 1997, p. 79), que se integram às de seu lugar de origem.
Essa dinâmica de religar, aproximar experiências com outros semelhantes, fortalece o sentido de
pertença ao seu ambiente genuíno e estabelece laços para além de sua realidade de origem. Neste
caso, a luta dos jovens e daqueles que o acompanham se dá no processo de reconhecimento de suas
identidades físicas, sociais, culturais, jurídicas, em paridade com as necessidades de cada um.
Reconhecer-se como grupo ou comunidade de jovens pressupõe identidades próprias, pois “[...] essa
forma de reconhecimento recíproco está ligada também à pressuposição de um contexto de vida
social cujos membros constituem uma comunidade de valores mediante a orientação por concepções
de objetivos comuns” (HONNETH, 2009, p. 200).

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A luta por fortalecimento da identidade juvenil passa, necessariamente, pela reformulação da função
do trabalho e do sentimento de pertença, cuja bases se constituem na acolhida e no respeito mútuo
entre os membros do grupo. Por isso, é comum a predisposição do jovem para a busca de
reconhecimento nos grupos sociais e, principalmente, na família.
No grupo, “a solidariedade e o espírito de comunidade não é algo dado. É construído historicamente”
(GADOTTI, 2012, p. 18). Lutar por direitos e para manter as conquistas diz respeito à luta dos jovens
por “direito à cultura, incluindo a livre criação, o acesso aos bens e serviços culturais e a participação
nas decisões de política cultural, à identidade e diversidade cultural e à memória social” (BRASIL, 2013,
p. 30)
As propostas de educação devem se voltar para o sentido comunitário de pertença. Motivar os jovens
na luta por direitos faz parte do trabalho formativo do educador social, que atua como “um educador
humanista, revolucionário [...]. Sua ação, identificando-se, desde logo, com a dos educandos, deve
orientar-se no sentido da humanização de ambos” (FREIRE, 2013, p. 86).
Ao ser crítico em sua própria prática educativa, o educador social motiva o jovem na busca de seus
ideais e, quando este comete um delito ou confunde o sentido de sua atuação e de seu estar no
mundo, surge a necessidade de acolhida e o sentido de esperança que pode ser percebido com a
presença dele. Por isso, “sua ação deve estar infundida da profunda crença nos homens. Crença no
seu poder criador” (FREIRE, 2013, p. 86).

1.2. EDUCAR PARA A SEXUALIDADE

Essa forma de educar não consiste necessariamente em falar para os jovens sobre sexo, embora, em
alguns ambientes e atividades, seja necessário retomar essa discussão. Falamos principalmente da
retomada de conhecimento do todo individual, ou seja, a partir do momento em que os jovens têm
consciência de toda a sua estrutura corporal, entende como se posicionar diante das dificuldades, dos
fracassos e dos momentos que se apresentam como desafio, utilizando seu próprio modo de ser e
interpretar a realidade.
Desse modo, estão se inserindo na educação da sexualidade, ou seja, buscando entender sentimentos,
dores, condições pessoais, que só dizem respeito a eles. Isso faz parte da estrutura de aprendizagem
do indivíduo, ajudando-o a ser responsável para aprender sobre si e a interagir com o outro.
Os jovens hoje em dia podem saber mais que os das gerações anteriores
quando se trata da ideia geral de sexualidade. Eles estão certamente
expostos a uma maior diversidade de modelos e opções, junto com o
bombardeio virtual de imagens com insinuações sexuais. E ainda assim não
se pode dizer que estejam melhor equipados, intelectual ou

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emocionalmente, para ver sentido em tudo que lhes é apresentado, e,


portanto, para fazer melhores julgamentos e tomar melhores decisões
(SPLITTER; SHARP, 2001, p. 246).
Acompanhar questões relacionadas à sexualidade juvenil passa, de alguma forma, também pelas
questões sexuais (CALAZANS, 2005, p. 215-242), e embora se constitua, para muitos que trabalham
com este público, como um tabu, deve ser considerada como elemento do discurso formativo, no qual
o jovem possa compreender seu próprio corpo e suas reações. Neste caso, os educadores precisam
ter consciência de que esta parte inspira atenção e cuidados, o que demanda capacitação e formação
especializada.

2.3.EDUCAR PARA OS VALORES HUMANOS E SOCIAIS

No ato de educar, é importante levarmos em conta que, mesmo com tantos instrumentos tecnológicos
e com tanta aprendizagem, tantas imagens, tantos efeitos que arrebatam o jovem, não podemos nos
descuidar da ideia de que ainda se faz necessária uma aprendizagem para os valores humanos,
contribuindo para que ele possa se inserir com mais facilidade na sociedade em que vive.
Por isso, embora se considere que "os conceitos associados com paz e violência - como liberdade,
justiça, poder, guerra, igualdade, honra, orgulho, tolerância, aceitação, dignidade, direitos e abuso -
são elementos problemáticos: a pouca concordância sobre o que esses termos realmente significa ou
implicam" (SPLITTER; SHARP, 2001, p. 252), não podemos desconsiderar a retomada de tais princípios
e valores na educação da juventude.
Lutar para que os jovens sejam considerados perfeitamente normais e assumam um comportamento
estritamente moral é uma forma de autoconservação das estruturas morais que permitem ampliar e
estabelecer aquilo que, ao longo da história, vem sendo processado como real dever da família, do
Estado e das estruturas religiosas.
No entanto, essas bases, na realidade contemporânea, são perfeitamente questionáveis, levando-se
em conta que a ideia de família se coaduna moralmente como um padrão estabelecido ao longo da
história por estruturas políticas e religiosas. A forma como o homem primitivo estabeleceu a lógica do
comportamento social foi duramente questionada e modificada por regras e normas perfeitamente
aceitas pela pólis.

2.4. EDUCAR PARA A NÃO VIOLÊNCIA

Esse formato de comportamento e interpretação sobre o que vem a ser realmente violência na
sociedade não pode ser considerado um tabu ou um tema que se distancia da realidade juvenil,

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principalmente porque, na sociedade em que esses jovens estão inseridos, há muitos sinais de morte
e violência.
Muitos perderam seus referenciais de cuidado e proteção e, quando não encontram apoio e segurança
nos ambientes em que estão presentes, tendem a se comportar de forma agressiva e em descompasso
com a realidade. Cabe ao educador social acompanhar e gerenciar junto com jovem e toda a
comunidade os conflitos que se apresentam, não sendo tarefa fácil para nenhum dos lados envolvidos
na questão.
Se os jovens são motivados a ser violentos, é natural que isso ocorra nos diferentes setores de
experiência de sua vida. Por isso, a integração deles, no sentido de aprender a gerenciar valores que
os estimulem a se educar, faz parte direta do papel da educação social. Educar para a não violência é
levar os jovens a perceber suas melhores condições de ser em construção e processar, em suas
existências, a melhor visibilidade de mundo a partir da justiça social.
Embora não seja tarefa fácil distanciar os jovens das experiências de injustiça social, principalmente
as propagadas pelos adultos, que deveriam ser os principais responsáveis em defender os direitos e
cuidar dos adolescentes e jovens, "aqueles cujos pais comportam-se violentamente ou defendem a
violência em nome de uma sociedade melhor, podem formar fortes visões de mundo em que violência
e conflito têm um lugar central" (SPLITTER; SHARP, 2001, p. 252).
Vale compreender que “a violência é ressignificada segundo tempos, lugares, relações e percepções,
e não se dá somente em atos e práticas materiais” (ABRAMOVAY; GARCIA, 2006, p. 13), podendo
confirmar-se também nas palavras, gestos, inconformismos, críticas excessivas que desestabilizam o
grupo e geram muitos conflitos. Assim, é tarefa essencial do educador social conciliar e mediar os
conflitos que se abatem nas suas relações em processo e trabalhar na implantação de uma educação
social que vise preparar o jovem a viver em uma cultura de paz.
Compreender que “a violência não apresenta distância nas diferentes práticas e nas esferas da vida
social, atingindo também a escola e criando uma inquietação crescente que permeia todos os espaços”
(ABRAMOVAY; GARCIA, 2006, p. 29) deve ser fruto de estudo e análise de como os jovens podem ser
nutridos de força e motivação para se distanciar de qualquer sinal de violência.

2.5.EDUCAR PARA OS DESAFIOS DO MUNDO DO TRABALHO

Motivar os jovens na formação e escolha de uma profissão é tarefa do educador social, principalmente
no que diz respeito a levá-los a entender seus conflitos, suas alegrias e desafios e se inserir em uma
realidade cuja existência lhes oferece ganhos e segurança para uma melhor perspectiva de vida. Neste

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projeto, a educação se torna ferramenta de percepção social, religando-os à naturalidade de sua


existência e à ideia de trabalho e formação profissional (PISTRAK, 2011). Isso deve estar correlacionado
no discurso sobre sua formação, motivando-os a projetar as condições ideais para assumir a
perspectiva de suas vidas futuras.

[...], ao tomarmos como categoria de análise a concepção de trabalho em


geral, na dimensão de produção da existência humana, em suas múltiplas
possibilidades, embora determinadas em última instância pela lógica da
mercadoria, a educação sempre será uma categoria fundamental para a
construção da cidadania (KUENZER, 1998, p. 69).
Se a sociedade do trabalho necessita da escola para preparar os jovens para tal função, o
distanciamento e o desinteresse de alguns deles se constituiriam como natural, já que a formação
linear, em alguns momentos, não diz respeito ao interesse de todos eles. Com isso, os conflitos nos
espaços da escola se constituem pela lógica do mundo do trabalho, como algo preciso e necessário,
ao estabelecer uma forte onda de competição entre os jovens, quando não estabelece a necessidade
de respeito e consideração com o outro.
A preparação para a competitividade gera, neste caso, um desgaste entre participar, formar e educar
os cidadãos jovens, para desempenhar as funções profissionais que a sociedade requer e cobra da
escola.
Na dinâmica de educação dos jovens, não podemos nos esquecer da conexão que existe entre o sonho
e a realidade, pois muitos deles se socializam a partir de suas buscas profissionais. O principal desafio
da atualidade no trabalho com os jovens é vencer a desigualdade e promover a inclusão, o respeito à
diversidade e a equidade.
A desigualdade entre os jovens se revela em todos os campos que competem à escolarização, ao
emprego e salário, à situação econômica e social, à moradia e à família, que os fazem perder as
referências pessoais e sociais. Ensinar e aprender na diversidade é vivenciar as diferenças
estabelecidas para cada sujeito, porém como forma de valorizar a participação deles com suas
experiências pessoais.
A equidade diz respeito aos direitos que cada indivíduo tem e deve conquistar nas suas relações
cotidianas, percebendo que as diferenças não excluem e nem separam, mas socializam a participação
de todos na busca dos mesmos ideais, e cada um conquista o que precisa para ser incluído nas suas
relações.

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2.6. EDUCAR PARA LIDAR COM O MUNDO TECNOLÓGICO

A tecnologia digital empreendeu diferentes mudanças nos ambientes juvenis e criou impactos na
forma de se propor um formato de educar. Os jovens de hoje vivem integrados a ambientes pós-
verdade. Ensiná-los a processar novas formas de percepção da realidade é tarefa designada a todos
os envolvidos na educação.
No contato com a comunicação digital, encontramos narrativas de jovens que sofrem isolamento
social. Por isso, se “o avesso da tecnologização consiste na invasão dos setores mais amplos da vida
cotidiana pela lógica das máquinas artificiais, que introduzem uma organização mecânica,
especializada, cronometrada, e diminuem a comunicação entre as pessoas” (MORIN, 2003, p. 84), faz-
se necessária uma educação que ensine e estimule o jovem a usar as ferramentas digitais, mas sem
esquecer a lógica da convivência humana.

3.O PAPEL DO EDUCADOR SOCIAL

No Nordeste do Brasil, a existência de muitos cenários de educação social tem dado oportunidade
para fortalecer a identidade do jovem e com ações de formação que não encontramos nas academias,
como no caso da formação para a percepção do outro, que ocorre no dia a dia das experiências de
vida social.
O educador social valoriza princípios pouco estimados no cotidiano das escolas públicas, fazendo com
que seu trabalho ganhe dimensão humana sensível, valorizando a percepção de cada indivíduo e sua
relação com o que precisa ser realizado como formação. Interage com realidades diversas e “precisa
ter consciência dessa condição material do trabalho no capitalismo, como forma de tomar consciência
das ilusões desse sistema no que tange a sua profissão e atuação como trabalhador da educação
social” (PEREIRA, 2017, p. 93).
Ao nos referirmos ao fato de que “a educação, entendida como a apropriação do saber historicamente
produzido, é prática social que consiste na própria atualização cultural e histórica do homem” (PARO,
2001, p. 300), apontamos como necessária a capacitação dos sujeitos para a criação de projetos que
envolvam pessoas e as integrem à comunidade.
Na formação educacional do jovem, “a relação educativa retorna (ou permanece) no centro dos fatos
humanos e do desenvolvimento pessoal” (NANNI, 2014, p. 66). Valorizar os princípios da educação
interdisciplinar faz parte da capacitação do educador. Neste sentido, se a interdisciplinaridade é uma
mudança de comportamento frente ao conhecimento disciplinar, diríamos que "o educador social
deve ter sensibilidade e abertura aos conhecimentos interdisciplinares, principalmente aqueles cujas

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fronteiras valoriza temas como: fé, esperança, caridade, acolhida, amor e uma presença conciliadora,
relacionados ao diálogo" (SERGL, 2016, p. 77). Estes são valores necessários ao trabalho de Pastoral
Social Juvenil.
O jovem, quando acompanhado e instruído a partir das reflexões sociais, passa a compreender, por
esta dinâmica, que suas relações de formação estão além dos espaços da escola. Neste sentido, “a
educação aparece nas sociedades humanas com a função social de evitar a contradição existente entre
os interesses pessoais e os sociais” (GUZZO, 2004, p. 24).
Ensinar e aprender se confirma na “solidariedade social e política de que precisamos para construir a
sociedade menos feia e menos arestosa, em que podemos ser mais nós mesmos” (FREIRE, 2011, p. 43)
e, para isso, a formação democrática torna-se prática de relevância.
Fomentar no jovem condições propícias para assumir as bases democráticas do espaço social em que
vive se coaduna como fundamento do trabalho do educador social. Do mesmo modo, “nestas
condições, a instrução escolar é cada vez mais encarregada da tarefa fantasmática de superar a
distância entre a igualdade de condições proclamada e a desigualdade existente, cada vez mais instada
a reduzir as desigualdades tidas como residuais” (RANCIÈRE, 2013, p. 15).
Entre a conquista e o fracasso na escola deve haver sentido no que se propõe como trabalho
formativo, posicionando tanto o educador social, como o jovem para assumir-se como sujeitos
políticos, situados em um espaço comunitário.
Sendo “especificamente humana, a educação é gnosiológica, é diretiva, por isso política, é artística e
moral, serve-se de meios, de técnicas, envolve frustrações, medos, desejos” (FREIRE, 2011, p. 68). É
preciso tratar de estar com os jovens e os motivar para enfrentar os enlaces de exclusão social no
tocante à educação e à formação profissional.
Educar para a vida é um desafio, sobretudo quando o jovem não conta com referenciais norteadores
para organizar seu projeto de vida. Emancipá-lo como autogestor de sua formação, capaz de se
autopromover na busca de seus ideais e estabelecer sentido para sua atuação no mundo é tarefa
relevante para ele e também para o educador social. A educação social motiva para a inclusão, ao
propor um novo olhar sobre as narrativas dos jovens e sobre suas necessidades, valorizando o círculo
de sua emancipação.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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417
Jovens No Imaginário Da Metrópole Nordestina Pelo Olhar Da Educação Social: Percepções, Narrativas E Modos De Educar

NOTAS
iEmbora a literatura tradicional sobre as definições do que regem a nomenclatura “jovem” situe esta
fase dos 18 aos 28 anos de idade, a Articulação da Juventude Salesiana não impõe este formato, ou
limita a participação de qualquer pessoa que deseje participar ativamente deste movimento. Por isso,
encontramos alguns participantes com mais de 28 anos de idade e que se denominam jovem.

iO Estatuo da Criança e Adolescente define, em seu Artigo 2º: “considera-se criança, para os efeitos
desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquele entre doze e dezoito
anos de idade” (ECA, 2012, p. 31). Neste caso, são seres humanos em fase de transformação do corpo
e da mente, necessitando de atenção e exemplos para se preparar para a vida adulta. No dicionário
estabelece que a adolescência corresponde à “fase que sucede a infância, começando com a
puberdade e caracterizando-se por mudanças físicas e psicológicas, estendendo-se mais ou menos dos
12 aos 18 anos” (BORBA, 2011, p. 26). A juventude é definida como “período da vida entre a infância
e a idade adulta” (BORBA, 2011, p. 816).

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418
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 33
10.37423/200702034

A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO MUNICÍPIO


DE CURITIBA: UM ESTUDO BASEADO NO
RELATO DE MULHERES AGREDIDAS

Maria Eduarda Callegari da Silva Centro Universitário Curitiba

Simone de Amorim Zanardi Centro Universitário Curitiba

Dori Luiz Tibre Santos Centro Universitário Curitiba


A Violência Contra A Mulher No Município De Curitiba: Um Estudo Baseado No Relato De Mulheres Agredidas

Resumo: Este artigo tem como objetivo geral analisar como se manifesta a violência contra a mulher,
através das características do comportamento do agressor em relação à mulher, por meio do relato da
vítima. Através do estudo teórico, constatou-se que a violência contra a mulher é resultado da
construção social do papel atribuído a cada gênero resultante de processos históricos, sendo a mulher
considerada como um ser inferior aos homens e também como propriedade dos mesmos, tornando-
as uma camada vulnerável da sociedade. Outro aspecto importante, levantado pelo estudo, foi
importância da elaboração da Lei Maria da Penha, que traz em seus artigos, questões referentes aos
mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. No que se refere
à análise dos relatos das vítimas de agressão, através dos boletins de ocorrências realizados no
Departamento da Polícia Civil do município de Curitiba, a violência contra a mulher se dá de forma
física, psicológica, sexual, moral e patrimonial, não ocorrendo o tipo de violência de forma única, sendo
o parceiro intimo responsável pela violência. Também foi possível observar que nos comportamentos
dos agressores a violência estava, conforme a pesquisa desenvolvida, expressa através de atitudes
como: prejudicar, subtrair, subestimar e subjugar. Diante desses fatos, entende-se a necessidade de
prosseguir com estudos sobre o tema violência contra a mulher, uma vez que, esta forma de violência
impede que as mulheres tenham os mesmos direitos como cidadã.
Palavras-Chave: Violência, Mulheres, Agressão, Lei Maria da Penha.

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A Violência Contra A Mulher No Município De Curitiba: Um Estudo Baseado No Relato De Mulheres Agredidas

INTRODUÇÃO

A violência contra a mulher tem sido tema de diversas discussões no âmbito social e principalmente
nas áreas acadêmicas nos cursos de Ciências Humanas, Direito e Psicologia. O papel do Psicólogo se
faz necessário, na medida em que, este profissional passa a compreender como se dá a dinâmica da
violência contra a mulher, podendo atuar através de medidas de intervenção e promovendo debates
acerca do tema, que contribuíram para a elaboração de políticas públicas de prevenção.
A violência contra mulher é um problema resultante, em muitas sociedades, por fatores sócio-
históricos e culturais, no qual os homens exercem poder sobre as mulheres com a presença de relações
de subordinação e dominação, conforme afirma Beauvoir (1967, p.263), “é preciso sublinhar mais uma
vez que as mulheres nunca constituíram uma sociedade autônoma e fechada; estão integradas na
coletividade governada pelos homens e na qual ocupam um lugar de subordinadas”. Como se pode
observar Beavouir já descreve sobre reflexões acerca do tema desigualdade de gênero no ano de 1960.
Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS, 2017), uma a cada três mulheres no mundo
sofrem, ou já sofreram violência física e/ou sexual, e cerca de um terço foram vítimas de seus próprios
parceiros.
No Brasil, um balanço de denúncias de violência realizado pelo ligue 1801 registrou 92.663 denúncias
em 2018, um aumento de 25,78% comparado ao ano de 2017. Nessa mesma pesquisa constatou que
cerca de 86% dos casos a agressão foram cometidos por homens, e 26.360 (28,44%) dos casos foram
realizados pelos próprios companheiros. Nos casos de feminicídio, o ligue 180 apontou 2.075
tentativas e 63 feminicídios. Em 2019 nos meses de janeiro a junho, segundo o ministério da Mulher,
Família e dos Direitos Humanos, o sistema de Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (SONDHA)
recebeu o total de 46.510 denúncias, dentre esses dados constam 36 feminicídios e 2.688 tentativas
de feminicídio. No estado do Paraná, nesse mesmo período de 2019, foram constatados 1.795
registros, uma taxa de 15,82 por 100.000 habitantes.
Diante desta perspectiva, esse artigo tem como objetivo analisar como se manifesta a violência contra
a mulher, através das características do comportamento do agressor em relação à mulher, por meio
do relato da vítima. Tendo como objetivos específicos interpretar e demonstrar, por meio dos relatos
das vítimas, obtidos nos boletins de ocorrências realizados no Departamento da Polícia Civil do
município de Curitiba, os tipos de violências contra as mulheres; compreender esse processo para o
aprimoramento profissional, através de estudo bibliográfico sobre o tema e a Lei Maria da Penha.

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A Violência Contra A Mulher No Município De Curitiba: Um Estudo Baseado No Relato De Mulheres Agredidas

Partindo da hipótese de que a violência contra a mulher é resultado da construção social do papel
atribuído a cada gênero. Tendo como problematização seguinte questionamento: De que forma a
violência contra a mulher se manifesta? O artigo abordará o conceito de violência, a violência contra
a mulher, conforme a Lei Maria da Penha; o contexto histórico do papel da mulher na sociedade;
finalizando o estudo fazendo uma relação da fundamentação teórica e os relatos das vítimas de
agressão, segundo os boletins de ocorrências.
Ao participarmos de um grupo de pesquisa sobre e violência durante o curso de Psicologia, optou-se
em trabalhar o tema a Violência contra Mulher para que se pudesse, quanto estudantes, ter um
melhor entendimento sobre o assunto, sendo este o Zeitgeist2 da nossa época. Por conta disso, foram
utilizadas pesquisas bibliográficas como suporte para a compreensão dos acontecidos a partir dos
tipos de violência e dos boletins de ocorrência, que possivelmente ajudará em futuros estudos sobre
o tema e até mesmo no entendimento para algumas vítimas.

1. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

1.1. O QUE É VIOLÊNCIA?

A violência é um termo interdisciplinar que pode ser estudado por várias áreas do conhecimento
científico, onde seu estudo busca compreender os fenômenos de sua dinâmica em diversos contextos
sociais. Pode-se conceituar a violência levando em conta os aspectos e concepções éticas e políticas
em determinados processos históricos. A violência é o uso desejado da agressividade humana com
fins destrutivos, é planejada, se ancora em uma relação de poder e produz sempre prejuízos que
podem ser ecológicos, materiais ou humanos (BOCK, 2018). No ser humano ela produz sofrimento
ocasionando em prejuízos em seu desenvolvimento físico, emocional e social. A violência é um
fenômeno multideterminado, isto porque, um único fator não consegue definir e explicar a dinâmica
da violência (BOCK, 2018). A violência também é um processo histórico da humanidade e assumem
características em cada período, ela pode se apresentar de forma intensa em uma determinada época
ou não se manifestar com tanta intensidade em outras.
A violência também se configura através:
Do ato de agir de forma violenta contra o direito natural, exercendo
constrangimento sobre determinada pessoa por obrigá-la a praticar algo
contra sua própria vontade, é um fenômeno que possui várias causas e se
expressa através de atitudes como: prejudicar, subtrair, subestimar e
subjugar. Quem comete o ato de violência sempre age de forma a
demonstrar seu poder em relação à vítima, quer seja intelectual, físico,
econômico, político ou social (SERAFIM, 2019, p.218).

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A Violência Contra A Mulher No Município De Curitiba: Um Estudo Baseado No Relato De Mulheres Agredidas

No próximo tópico serão abordados os temas sobre a violência contra a mulher e a importância da lei
Maria da Penha como mecanismo de proteção e prevenção contra esse tipo de violência.

1.2. A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: LEI MARIA DA PENHA

O contexto doméstico ou familiar é o tipo mais recorrente de violência contra a mulher, e na maioria
das vezes, são seus parceiros os responsáveis pela agressão. O conceito de família e o papel que a
mulher exerce dentro desse contexto são fatores que contribuem para o entendimento da violência
nesse âmbito.
Historicamente a mulher é considerada como um ser inferior aos homens e também como
propriedade dos mesmos, sendo ela considerada uma camada vulnerável da sociedade (SERAFIM e
SAFFI, 2019). A Lei nº 11.340, de 07/08/2006, também conhecida como “Lei Maria da Penha”, que
integra a política pública brasileira, tem como objetivo dar proteção e assistência à mulher vítima de
violência, tendo como principal objetivo coibir qualquer tipo de violência contra a mulher. A Lei traz
em seus artigos questões como os mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar
contra a mulher conceitua a violência contra a mulher, tipifica a violência e disposições sobre
assistência à mulher em situação de risco.
A violência contra a mulher é qualquer ação ou omissão baseada no gênero. De acordo com a Lei Maria
da Penha, em seu artigo 5ª:

Configura-se violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação


ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico,
sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade
doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de
pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente
agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade
formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por
laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer
relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com
a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações
pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Em seu artigo 7ª, a lei tipifica a violência contra a mulher em:

- Violência Física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua


integridade ou saúde corporal;
- Violência Psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause
dano emocional e diminuição da auto estima ou que lhe prejudique e
perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas
ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,
constrangimentos, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância
constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização,

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A Violência Contra A Mulher No Município De Curitiba: Um Estudo Baseado No Relato De Mulheres Agredidas

exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe


cause prejuízo à saúde psicológica e a à autodeterminação;
- Violência Sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a
presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada,
mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a
comercializar ou a utiliza, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a
impeça de usar contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao
aborto ou a prostituição, mediante coação, chantagens, suborno ou
manipulação: ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e
reprodutivos;
- Violência Patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure
retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos,
instrumentos de trabalho,documentos pessoais, bens, valores e direitos ou
recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas
necessidades;
- Violência Moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia,
difamação ou injúria.
A Lei Maria da Penha nasce com o propósito de coibir qualquer tipo de violência contra a mulher,
porém para uma melhor compreensão de seu objetivo se faz necessário o entendimento do contexto
histórico da mulher na sociedade, desde a antiguidade até os momentos atuais.

1.3.UM CONTEXTO HISTÓRICO DO PAPEL DA MULHER NA SOCIEDADE

Nos tempos antigos, mais precisamente no período pré-histórico à 4.000 a.C., o meio era matriarcal,
naquela época não existia as relações de parentesco, ou seja, as mulheres tinham filhos dos pais, avôs
e irmãos, e por conta disso a única certeza era a da maternidade. Segundo Silva (2015) não havia um
conhecimento sobre o papel do homem na procriação, isso fazia com que todos acreditassem na
existência de um poder da mulher sobre a fertilidade, e por muito tempo ela foi a única responsável
pela agriculta justamente por ter esse controle sobre vida. As mães não tinham toda a
responsabilidade pelos seus filhos, porque a criação era feita por todos, os filhos eram do povo e não
só de uma pessoa. As atividades não eram dividias pelo sexo, e sim pela possibilidade de realizá-las,
os homens caçavam, pois, as mulheres estavam ocupadas amamentando. Não existia noção de
diferenças, todos eram iguais conforme suas condições físicas (PEREIRA e CARMO, 2015).
Devido a mulher ser a única com o dom da reprodução ela tinha a liberdade de ter quantos parceiros
quisesse, mas o homem começou a dar conta de que também tinha um papel, principalmente quando
percebeu que podia fazer parte da agricultura, nesse momento a monogamia começa a surgir para
que possa existir a paternidade, e o homem ganha domínio sobre a mulher, ela se torna escrava de
seus prazeres, e perde sua importância nos afazeres, sendo responsável apenas pela reprodução.
Nesse momento se dá início ao patriarcado, sistema adotado até os dias atuais, onde tudo é

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A Violência Contra A Mulher No Município De Curitiba: Um Estudo Baseado No Relato De Mulheres Agredidas

comandado pelos homens, esse meio se caracteriza pela subordinação da mulher, socialmente,
economicamente e sexualmente (SILVA, 2015; BALESTERO e GOMES,2015).
Foi em Roma o surgimento do conceito família, uma expressão para determinar o poder do pai, ele
era o chefe, tinha superioridade sobre sua esposa e filhos. Na Grécia antiga seguia o mesmo padrão,
as mulheres tinham funções inferiores, e muito dessas crenças surgiram por conta dos mitos que as
culpavam pela humanidade se submeter aos pecados (MARCASSA, 2006 e FUNARI, 2002):
As mulheres gregas arrastadas viviam separadas dos homens em cômodos
diferentes reservados a elas dentro da casa, chamados de gineceus, onde
ficavam confinadas a maior parte do tempo. [...] As meninas também pouco
contato tinha com os meninos depois da primeira infância, como mandava
a "boa educação". Elas tinham brinquedos que se referiam à vida que teriam
como adultas, basicamente como mães e donas de casa, dedicadas à costura
da lã, ao cuidado dos filhos e ao comando dos escravos domésticos (FUNARI,
2002, p.42).
Com o fim dos mitos se fez necessário a criação de novas perspectivas, surgindo então o cristianismo,
a mulher não é mais uma submissa apenas do marido, ela agora se curva a Jesus, é controlada pela
igreja. A mulher nesse momento é vista como uma pecadora, uma devassa, comparada ao demônio:
A descrição feita pelo poeta italiano Francisco Petrarca, no século XIV, a
respeito da mulher sintetiza o pensamento reinante da época: “A mulher é
um verdadeiro diabo, uma inimiga da paz, uma fonte de impaciência, uma
ocasião de disputa das quais o homem deve manter-se afastados e quer
estar em tranquilidade” (SILVA,2015. P. 73, 74).
Segundo Silva (2015) se as mulheres não cumprissem com as regras da igreja ou procurassem outra
religião eram designadas de bruxas, e a partir de 1184 existiram julgamentos nas quais essas mulheres
foram queimadas em fogueiras. No quesito trabalho a mulher sempre foi vista como reprodutora e
não produtora, tendo como função a criação dos filhos e cuidados da casa. O abuso sexual e físico era
grande e perpetuado pelos líderes da época para que sua dominação nunca acabasse.
Na idade contemporânea ocorre uma grande transformação na sociedade, ela se torna capitalista,
ocorre uma divisão de trabalho em que as mulheres e crianças do meio pobre são obrigadas a
trabalhar em fábricas para se suprirem economicamente, no entanto o salário da mulher era inferior
ao homem, elas eram consideradas mão de obra barata. A mulher não era apenas uma mãe e dona
de casa, ela era também uma assalariada, e o homem ainda possuía o mesmo papel, mas não sendo o
único provedor, isso fazia com que muitos maridos agredissem suas esposas por não aceitarem sua
liberdade de trabalho (Silva, 2015; Pinto, 2009).
No século XIX na Inglaterra, surgiram os primeiros manifestos feministas, mulheres que lutavam em
nome de outras mulheres para conseguirem respeito, dignidade e justiça. Essas mulheres foram
conhecidas como as Sufragistas, e queriam direito ao voto, que era permitido apenas ao homem na

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A Violência Contra A Mulher No Município De Curitiba: Um Estudo Baseado No Relato De Mulheres Agredidas

época, esse direito foi adquirido apenas em 1918, após muitas mortes. A onda de lutas teve impacto
até os anos 30, depois disso só retornou em 1960 com os movimentos Hippie, ao decorrer desse tempo
um livro marco para a luta feminista foi o “Segundo Sexo”, de Simone de Beauvoir. Toda essa luta teve
grande valor paras as mulheres ao conscientizá-las de toda injustiça e sofrimento, foi a
representatividade que precisavam para dar um salto para o fim de todo domínio imposto. Hoje ainda
existem inúmeros problemas, mas esse incentivo ainda é fundamental para a desconstrução de muitas
mulheres imersas ao meio machista (Pinto, 2010; Silva ,2009).
O desenvolvimento do Brasil deu como base as referências religiosas trazidas da Europa, temas
abordados pela bíblia sobre a inferioridade da mulher ao homem. A mulher era vista como uma
pecadora, que condenou toda humanidade se sucumbindo ao fruto proibido da besta:
Quando a mulher viu que a árvore parecia agradável ao paladar, era atraente
aos olhos e, além disso, desejável para dela se obter discernimento, tomou
do seu fruto, comeu-o e o deu a seu marido, que comeu também. Os olhos
dos dois se abriram, e perceberam que estavam nus; então juntaram folhas
de figueira para cobrir-se (Gênesis 3:6,7).
Com essa crença a mulher foi criada, ela era reprimida e ignorada, suas únicas funções eram ser esposa
e uma boa cristã, seu único propósito era ter filhos, pois dessa forma iria se redimir com Deus. O
homem a tratava como a sociedade esperava, não era permitido que os casados olhassem para suas
esposas como amantes e muito menos como uma igual. Se a mulher quisesse de alguma forma se virar
contra isso, era duramente castigada. (Del Priori, 2001).
Segundo a mesma autora:
Os casados desenvolviam, de maneira geral, tarefas específicas. Cada qual
tinha um papel a desempenhar diante do outro. Os maridos deviam se
mostrar dominadores, voluntariosos no exercício da vontade patriarcal,
insensíveis e egoístas. As mulheres, por sua vez, apresentavam-se como
fiéis, submissas, recolhidas. Sua tarefa mais importante era a procriação. É
provável que os homens tratassem suas mulheres como máquinas de fazer
filhos, submetidas às relações sexuais mecânicas e despidas de expressões
de afeto. Basta pensar na facilidade com que eram infectadas por doenças
venéreas, nos múltiplos partos, na vida arriscada de reprodutoras. A
obediência da esposa era lei (Del Priori, 2011, p. 38).
O sexo para mulher era repreendido, pois dizia à igreja que a mulher era frágil e continha o pecado da
luxuria. Caso a menina recém-formada apresentasse a sexualidade aflorada era permitido que se
casasse muito nova, com 12 ou 13 anos, antes de enfraquecer e se entregar aos prazeres da carne, no
entanto, essas meninas eram entregues a homens mais velhos com trinta, sessenta até setenta anos.
Em 1565, o Padre Leonardo Vale conta que em São Vicente certa mulher
casada manteve uma relação extraconjugal durante anos, “andando ambos
pelos matos [...] até que um dia, dando com ela o marido, lhe deu algumas

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A Violência Contra A Mulher No Município De Curitiba: Um Estudo Baseado No Relato De Mulheres Agredidas

vinte ou mais feridas, algumas delas tais que só bastava para nunca mais
falar” (Del Priori, 2001, p. 59).
Na colonização, Dom Pedro IV afirmou as ordenações Filipinas, e no Livro V título XXXVIII existia uma
lei que dava ao homem a liberdade de assassinar sua esposa caso ela o traísse:
E não somente o marido poderá matar sua mulher e o adultero, que achar
com ela em adultério, mas ainda os pode licitamente inatar, sendo certo que
lhe cometerão adultério (2); e entendendo assim provar, e provando depois
o adultério per prova licita e bastante conforme o Direito, será livre de pena
alguma [...]. (Ordenações Filipinas nº 38 de 05/04/1451).
No Sul do país existe uma diferença física do restante das mulheres do país, no entanto, as questões
sociais eram as mesmas. Em 1820, um viajante francês escreveu relatos de que as mulheres do sul
eram mais brancas e mais bonitas, disse que em Curitiba haviam mulheres agradáveis de conversar.
Claro, que deve levar em consideração os aspectos racistas da época, onde as mulheres negras eram
ignoradas (Del Priori, 2001).
Em Curitiba logo após a proclamação da república a igreja católica tinha um ponto de vista um pouco
melhor sobre a mulher, em especifico as mães, eles diziam que a mãe era a principal responsável pela
manutenção da cultura, ela provia o lar, criava seus filhos e com isso mantinha a identidade nacional.
As mulheres imigrantes eram bastante procuradas, nos anúncios de jornais no início do século XX, os
homens procuravam como esposa as mulheres italianas e Alemãs. Na época essa miscigenação entre
culturas era induzida para que continuasse o branqueamento da população e também pela crescente
economia das colônias. Essas mulheres deveriam ser vistas, e anunciadas para que pudessem servir o
papel de mãe, esposa e dona de casa. Existiam feiras no Largo da Ordem e na Rua José Bonifácio para
que isso acontecesse (Del Priori, 2001).
Em 1926 o jornal Diário da Tarde, publicou a referência da esposa ideal, ela deveria compreender o
gênio do marido, ser companheira e bondosa, ser sempre contente, dócil, ser econômica, modestas,
cuidadosa, ativa e silenciosa, entre outros (Del Priori, 2001).
No Brasil, a primeira luta pública feminista foi pelo direito ao voto, como as Sufragistas na Inglaterra,
liderado por Bertha Lutz, que logo seria a fundadora da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino.
A maior pauta das mulheres era a violência feita contra elas, principalmente na desigualdade salarial
e no trabalho precário das fábricas. Em 1960 iniciou-se uma grande revolução na qual as mulheres
lutavam por seus direitos, no entanto, com o início da ditatura militar em 1964, todas as vozes ficaram
reprimidas novamente (Pinto, 2010).
A maior conquista das mulheres foi a criação do conselho Nacional da condição da Mulher, em 1984,
promovendo juntamente com o Centro Feminista de Estudos e Assessorias (CFEMEA), uma campanha
a favor da inclusão dos direitos da mulher na constituição de 1988. No primeiro mandato como

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presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi criado uma Secretaria Especial de Polícia para a mulher. No dia
7 de agosto de 2006 as mulheres conquistaram a Lei Maria da Penha (Lei n. 11 340), um meio de
protegê-las contra a violência doméstica, que tanto se lutava (Pinto, 2010).
Mesmo com tantos progressos ao longo da construção histórica a mulher ainda sofre, muitas vezes
agressões como antigamente levando até a morte, isso nos faz questionar essa cultura de violência
que vem sendo tão corriqueira e se tornando algo banal.

2.METODOLOGIA E RESULTADOS OBTIDOS

2.1.RELATO DE VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: UMA ANÁLISE SOBRE OS BOLETINS


DE OCORRÊNCIAS NO MUNICÍPIO DE CURITIBA.

Neste tópico serão abordados os tipos de violência contra a mulher e alguns relatos das vítimas obtidos
através dos boletins de ocorrências realizados no Departamento da Polícia Civil do município de
Curitiba. Esses dados foram obtidos através do projeto “Vire a Página”, realizado pela Prefeitura
Municipal de Curitiba e da Casa da Mulher Brasileira, tendo como objetivo, por meio da publicação de
um livro, contar a história de mulheres que foram marcadas por episódios de violência. São histórias
reais e os nomes das vítimas foram alterados para preservar a segurança e a identidade das mesmas.
Cada relato descrito no boletim de ocorrência foi categorizado, nesta análise, de acordo com a
violência sofrida por cada vítima.
Os tipos de violência contra a mulher podem se manifestar pela violência física, sexual, psicológica,
moral e patrimonial.
A violência física é caracterizada por qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal,
conforme relatados nos boletins de ocorrências abaixo:
A policial civil recebeu a queixa de que Sra. Neusa e sua filha menor de idade
foram ameaçadas com emprego de arma pelo seu conjugue. Relata a vítima
que o agressor apontou a arma de fogo em sua direção por vários minutos
e seguiu pela casa com a arma de fogo apontada. Além disto, a vítima ainda
menciona episódios de agressão física por parte do marido em diferentes
ocasiões.
Também podemos observar uma ameaça de morte:
A policial no plantão da data de XXX, registrou a ocorrência trazida pela
vítima, Srª Anne. A vítima afirma que foi espancada pelo marido. Além de
ter recebido ameaças de morte. Ela alega que na noite anterior o marido
disse que assim que ela dormisse, ele a mataria. A vítima pede medida
protetiva e afastamento completo do ambiente de agressão e do agressor.
Neste caso a vítima relata ser espancada pelo agressor:

9
428
A Violência Contra A Mulher No Município De Curitiba: Um Estudo Baseado No Relato De Mulheres Agredidas

O policial registrou no plantão a ocorrência da natureza da violência


doméstica envolvendo a Srª Dayane e seu conjugue. A vítima delata ter sido
espancada pelo agressor a ponto de ter seu rosto desfigurado com graves
feridas. Pede medida protetiva.
Outra situação em que o cônjuge espanca a vítima fisicamente e faz ameaças de morte:
A Srª Nicole relata que repetidas vezes foi agredida verbalmente e
fisicamente por seu marido. Relata que foi espancada com socos, empurrões
e puxões de cabelo, além de ter recebido diversas ameaças de morte.
Neste caso a vítima precisou ser hospitalizada:
Diz a queixosa que seu marido a agrediu fisicamente diversas vezes, com
socos e chutes pelo corpo, sendo que em um episódio deixou-a gravemente
ferido, precisando ser hospitalizada. A vítima também relata ter sido
ameaçada com uma chave de fenda.
Outra situação de violência física em que foi utilizado arma de fogo:
Na data do dia XXX, a policial civil, recebeu a queixa de que a Srª Leona e sua
filha menor de idade foram ameaçadas com emprego de arma pelo
conjugue. Relata a vítima que o agressor apontou a arma de fogo em sua
direção por vários minutos e a seguiu m a arma apontada. Além deste, a
vítima ainda menciona episódios de agressão física por parte do marido em
diferentes ocasiões.
Outro caso de tentativa de assassinato com intervenção de testemunhas:
Chegou à policial, durante o plantão a denúncia de que a Srª Anelise foi
agredida pelo companheiro. Alega a vítima que o agressor a empurrou
contra um veículo com força. A vítima gritou e o agressor ameaçou matá-la
com um tiro caso ela não parasse. Segundo a vítima, o agressor parou
apenas com a intervenção de testemunhas próximas.
Neste boletim de ocorrência a vítima relata agressões físicas em diferentes episódios:
Em XXX, o policial recebeu a queixa da Srª Alana, de que seu marido a
espancou em diferentes episódios. Sempre seguido de ameaças de morte
caso a vítima delatasse as agressões. A vítima pediu medida protetiva.
É possível observar mais um tipo de agressão física pelo cônjuge:
Chegou ao plantão na data de XXX a denúncia da Srª Nádia, que alega ter
sido espancada repetidas vezes pelo marido. A vítima relata ter sido
agredida com chutes, socos, empurrões e golpes, em uma ocasião,
resultaram em duas costelas fraturadas.
Além de agressão física a vítima sofreu de crime contra a liberdade individual:
A policial recebeu na tarde de XXX o relato da vítima, Srª Léia, de que foi
agredida verbal e fisicamente, além de ter sido trancada dentro de casa e
impedida de sair por longos períodos e ameaçada com uma faca. Pede
medida protetiva e afastamento do agressor.
Além da agressão, ocorreu ameaças aos seus familiares:
Chegou a esta delegacia a denúncia da Srª Letícia, que presta queixa contra
seu marido. A queixosa delata que sofreu agressões físicas. Foi espancada e
recebeu empurrões. Delata ainda, que o agressor ameaçou matar sua
família, caso a vítima delatasse os episódios.
Neste caso o agressor estava sob influência de álcool e drogas ilícitas:

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429
A Violência Contra A Mulher No Município De Curitiba: Um Estudo Baseado No Relato De Mulheres Agredidas

No plantão da data de XXX, chegou à informação de que a vítima Srª Lara,


foi agredida física e verbalmente por seu marido. Ela delata que o agressor,
sob influência de álcool e drogas ilícitas a espancou após inúmeros episódios
de agressão verbal. A vítima pede medida protetiva.
A violência sexual é qualquer conduta perpetrada sem consentimento, podendo envolver violência
física, psicológica ou sedução (SERAFIM, 2019). De acordo com o autor, o estupro é a forma mais
conhecida, mas a violência sexual também acontece de muitos outros jeitos. Como, por exemplo, o
matrimônio forçado, impedir que uma mulher use métodos contraceptivos ou exigir que faça aborto
contra sua vontade, de acordo com boletim de ocorrência:
O policial civil foi informado de que a Sra. Rosa sofreu agressões, físicas,
verbais e sexuais da parte de seu marido. O agressor, relata a vítima, chegava
em casa sob influência de entorpecentes e a agrediu constantemente. Ela
ainda descreve um episódio de estupro e crime contra a dignidade sexual.
Além disso, relata casos de roubo do caixa de sua empresa, por parte do
agressor e destruição de propriedade privada.
E também nesse boletim:
Recebeu o policial a denúncia na data de XXX. A vítima alega que sofreu
abuso sexual por patê do Srº XXX, seu colega de trabalho enquanto dirigia
uma produção audiovisual. Segundo a vítima o agressor pegou sua mão e a
levou até seu órgão sexual e em seguida ameaçou espancá-la, caso ela
denunciasse.
A violência psicológica é caracterizada por desrespeito verbalização inadequada, humilhação, ofensas,
intimidações, traições, ameaças de morte e de abandono emocional e material, tendo como resultado
o sofrimento mental da vítima. É a forma mais subjetiva de violência, muitas vezes não percebidas por
quem é violentado, pois a violência, na maioria dos casos, é compreendida e associada a agressões
físicas (SERAFIM, 2019), segue boletim de ocorrência:
Chegou ao policial civil a denúncia da Sra. Neide que seu conjugue a fez de
vítima de diversos episódios de agressão verbal e psicológica, com
xingamentos referentes à sua aparência física, ao seu intelecto e a sua
aptidão de trabalhar e evoluir profissionalmente. Os insultos ocorriam
diariamente o que causou, alega a vítima, um grande trauma psicológico, e
eram proferidos com o intuito de impedir a vítima de gozar de seu auto
estima e independência financeira.
Temos como exemplo também:
No plantão a policial recebeu a queixa da Srª Laura, que segundo relato, a
queixosa denuncia o marido, que segundo relato, a agrediu verbalmente
repetidas vezes, ferindo sua dignidade e liberdade com gritos e ameaças e
repreensões constantes, não permitindo que ela trabalhasse, estudasse ou
tomasse decisões pessoais de forma livre.
A violência moral é entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria,
conforme denúncia:

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430
A Violência Contra A Mulher No Município De Curitiba: Um Estudo Baseado No Relato De Mulheres Agredidas

Diz a queixosa Srª Luciana que seu marido a agrediu verbal e


psicologicamente com ameaças, insultos e humilhações, a ponto de fazê-la
a sentir inibida de sua liberdade e dignidade.
A violência Patrimonial é entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração,
destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens,
valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades de
acordo com relato:
No plantão da data de hoje, esta policial civil obteve informações de que a
vítima Sra. Denise sofreu agressões físicas e psicológicas, além de ameaças
de seu marido. A queixosa relata que o conjugue, por diversas vezes, a
ameaçou de morte, destruiu móveis e objetos da casa com uma faca e a
espancou, bem como a seus filhos. Relata ainda que não denunciou o
ocorrido antes, pois tem medo do agressor.
E também no boletim:
A vítima Srª Laís, alega que seu marido a agrediu fisicamente, além de
ameaçar ater fogo na residência do casal. A vítima se sente ameaçada e pede
media protetiva.
O projeto “vire a página” também teve como intuito apontar relatos pessoais de superação dessas
vítimas, contando que após a procura de todos os recursos e a solução desse problema a vítima
conseguiu ter uma vida plena com um novo olhar a esse assunto e se sentindo empoderada,
mostrando a outras vítimas que estão em meio a todo esse processo ou que ainda não procuraram
ajuda, uma luz e um conforto de saber que não estão sozinhas. Como por exemplo, o depoimento da
Neusa:
Eu descobri uma coisa da minha vida: eu tenho força! Eu tenho força para
lutar e seguir em frente. Força para trabalhar, para cuidar do meu filho, para
realizar os meus sonhos, mas eu demorei para entender. [...] Hoje sou outra
mulher e como eu disse tenho força [...] você também pode encontrar essa
força. Procure ajuda, não sofra calada. Não vale a pena insistir no erro, ele
não vai mudar. Denuncie!
O da Rosa:
Ele me batia com frequência, chegou a me perseguir com uma faca dentro
de casa. Minha filha cresceu em meio a tudo isso, já imaginou? [...] Hoje eu
e minha filha estamos bem, me sinto segura [...] eu sou mais forte, mais
segura, mais feliz. Mas volto a dizer que ninguém se transforma. Eu não me
transformei. Toda essa força estava dentro de mim, eu só precisava
encontrá-la.
E o da Neide:
Nunca vou esquecer o dia em que entrei na delegacia para denunciar o
homem que me roubou. Esse homem não levou me dinheiro ou meu carro.
O que ele roubou de mim era muito mais precioso o amor próprio, a
dignidade a autoestima. Ele fez isso usando uma arma que pode machucar
tanto quanto a faca mais afiada: palavra. [...] Dizia que eu era feia para
acabar com a minha vaidade [...] que eu era burra para me sentir inferior a
ele [...] eu descobri uma voz ainda adormecida, mas muito mais forte que a

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431
A Violência Contra A Mulher No Município De Curitiba: Um Estudo Baseado No Relato De Mulheres Agredidas

daquele homem covarde. Uma voz que me deu coragem para dizer [...] e é
por isso que hoje eu quero usar minhas palavras com você, mulher. E quero
dizer querida, você é linda, poderosa, inteligente, astuta, maravilhosa e
competente, nada menos que tudo isso. Não abaixe a cabeça para a
violência verbal, levante a sua voz. Denuncie!
Nicole:
Com oito meses de namoro levei um soco. Mas foi minha culpa, eu
provoquei. Ele disse que nunca mais faria isso, e eu acreditei. Depois de um
tempo, levei outro, mas era normal, a família dele me disse que era coisa de
casal. Descobri que não podia ter amigos homens, pois eles eram amantes
em potencial. Depois disso, descobri que não podia mais conversar com meu
pai. Ele era homem, afinal. [...] eu descobri que não podia reconstruir minha
vida. Que se tivesse outro companheiro, mesmo depois da separação, ele
me mataria. [...] Hoje eu sou forte. Eu faço um curso cheio de homens na
turma, e isso não é da conta de ninguém. Eu trabalho. Eu estou noiva. Eu
tenho planos com a minha filha. Eu tenho um conselho a você: não deixe
ninguém apagar a sua liberdade. Encontre a força dentro de você para
denunciar, e nunca tenha vergonha de dizer que foi vítima de abuso. A
vergonha é de quem abusa. Eu descobri isso também.
Laís:
A Laís é uma mulher livre, forte, empreendedora e independente. Uma
mulher que vive de bem com a vida e os filhos. Mas essa mulher inspiradora
nem sempre existiu. No lugar dela havia outra mulher. Ou melhor, uma
menina. Uma menina de 13 anos apaixonada pelo homem errado. Uma
menina que nos primeiros 6 primeiros anos de namoro sofreu a primeira
agressão. E que aos 14 já estava grávida. Uma menina que se tornou uma
mulher amedrontada, vítima de agressão, humilhação e traição de um
marido alcoólatra. Tudo era motivo de apanhar. [...] A minha história, que
escrevo em 3º pessoa, por um motivo bem simples. Laís sou eu, mas
também é milhares de mulheres que todos os dias passam por situações
iguais. A todas vocês, além da minha história, também quero dividir um
conselho. com ou sem marido, com ou sem namorado. A gente consegue. A
gente pode. A gente forte. Vá até o fim.
Com isso, entende-se que a mulher por meio do auxílio das leis e por força própria consegue sair
desses abusos. E por conta disso, se faz necessário inúmeros recursos que qualificam a informação e
proteção a essas mulheres nesse momento de vulnerabilidade.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerou-se que os estudos sobre a violência contra a mulher têm grandes contribuições para a
compreensão desse fenômeno. Através do estudo teórico, constatou-se que a violência contra a
mulher é resultado da construção social do papel atribuído a cada gênero resultante de processos
históricos, sendo a mulher considerada como um ser inferior aos homens e também como
propriedade dos mesmos, tornando-as uma camada vulnerável da sociedade. Este fenômeno não só
contribuiu para o machismo no homem, mas também na visão da mulher sobre ela mesma, aceitando

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A Violência Contra A Mulher No Município De Curitiba: Um Estudo Baseado No Relato De Mulheres Agredidas

os tipos de agressões sem contestar por acreditar ser o seu papel a submissão e sempre ficar em
segundo plano, como por exemplo, obedecer ao marido, sentir que é apenas sua obrigação cuidar do
âmbito familiar, não seguir carreira profissional e estudos.
Outro aspecto importante, levantado pelo estudo, foi à elaboração da Lei Maria da Penha, que tem
como objetivo dar proteção e assistência à mulher vítima de violência, coibindo qualquer tipo de
violência contra a mesma. Porém, observou-se que apesar das inúmeras pesquisas e formulação da
lei Maria da Penha ainda há um crescente número de violência nos últimos anos que geraram casos
de feminicídio. Pode-se dizer que os números de violência só aumentam por conta da banalização
gerada em torno ao tema, em que o assunto se tornou tão recorrente ao ponto de ser “normalizado”
pela sociedade.
No que se refere à análise dos relatos das vítimas de agressão, através dos boletins de ocorrências
realizados no Departamento da Polícia Civil do município de Curitiba, a violência contra a mulher se
dá de forma física, psicológica, sexual, moral e patrimonial, não ocorrendo o tipo de violência de forma
única, sendo o parceiro íntimo responsável pela violência, e que em alguns casos houve a dualidade
da vítima em denunciar o parceiro ou manter a família, mostrando os aspectos da banalização da
violência em que manter as padrões impostos culturalmente se faz mais importante do que buscar
ajuda.
Também foi possível observar que nos comportamentos dos agressores a violência estava, conforme
a pesquisa, expressa através de atitudes como: prejudicar, subtrair, subestimar e subjugar. Diante dos
19 boletins de ocorrência da pesquisa, foi possível verificar que em todos os casos ocorreram a
violência psicológica sendo ela o início para o ciclo de violências, e que na maioria também ocorreu a
violência física, podendo levantar a hipótese de que o agressor enxerga a vítima como sua posse,
provando assim as consequências da culta misógina e sexista que faz com que prevaleça toda essa
violência.
Diante desses fatos, entende-se a necessidade de prosseguir com estudos sobre o tema violência
contra a mulher, não somente na forma de políticas públicas, mas também através de uma educação
que contemple a igualdade entre os gêneros para que não ocorra a discriminação, uma vez que isso
se faz necessário para que as mulheres tenham os mesmos direitos como cidadã.

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433
A Violência Contra A Mulher No Município De Curitiba: Um Estudo Baseado No Relato De Mulheres Agredidas

REFERÊNCIAS

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mulher no Brasil. 5ª ed. São Paulo, 2001.

BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo: a experiência vivida. 2ª ed. Difusão Européia do Livro, 1967,
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BRASIL. LEI MARIA DA PENHA. Lei N.°11.340, de 7 de agosto de 2006.

_______. MINISTÉRIO DA MULHER, DA FAMÍLIA E DOS DIREITOS HUMANOS. Central de atendimento


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_______. MINISTÉRIO DA MULHER, FAMÍLIA E DIREITOS HUMANOS. Registro de denúncias:


2018/2019. Disponível em: <https://www.mdh.gov.br/todas-as-noticias/2019/agosto/balanco-anual-
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_______.OrganizaçãoPanAmericanadaSaúde(OPAS).Disponívelem:<https://www.paho.org/bra/index
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CASSA, L. A origem da família, da propriedade privada e do Estado: Friedrich Engels. Revista Educação.
2006.

DEL PRIORI, M. Histórias íntimas: sexualidade e erotismo na história do Brasil. São Paulo, 2011.

FUNARI, P.P.A. Grécia e Roma. 1º ed. São Paulo: Contexto, 2002.

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PEDRO, Maria Joana. Mulheres do Sul. In: DEL PRIORI, M. História da mulher no Brasil. 5ª ed. São Paulo,
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PINTO, J. R. C. Feminismo, história e poder. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 18, n. 36, p. 15-23, jun. 2010.

PREFEITURA DE CURITIBA. Vire a Página. Disponível em: <http://vireapagina.com.br/> Acesso em:


05/08/2019.

PURIFICAÇÃO, M. M.; CATARINO, M. E.; SANTANA, S. L. M.; TEIXEIRA, F. Violência contra mulher numa
perspectiva histórica: uma questão de gênero. C&D-Revista Eletrônica da FAINOR, Vitória da
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SERAFIM, Antônio de Pádua. Psicologia e Práticas forenses. 3ª ed. Barueri: Manole, 2019.

15
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A Violência Contra A Mulher No Município De Curitiba: Um Estudo Baseado No Relato De Mulheres Agredidas

SILVA, AD. Ser homem, ser mulher: as reflexões acerca do entendimento de gênero. São Paulo: Editora
UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2015.

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Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009. 221 p. ISBN 978-85-7983-032-7.

SOARES BALESTERO, G.; NASCIMENTO GOMES, R. Violência de gênero: uma análise crítica da
dominação masculina. Revista CEJ, Brasília, Ano XIX, n. 66, p. 44-49, maio/ago. 2015.

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435
A Violência Contra A Mulher No Município De Curitiba: Um Estudo Baseado No Relato De Mulheres Agredidas

NOTAS
1Central de atendimento à mulher

2Espírito da época

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436
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 34
10.37423/200702035

BULLYING NA ESCOLA

vera lucia cravetz damiani piovesan IFMT jampex


Título Em Maiúsculas, Times New Roman, Corpo 12, Espaço Simples, Negrito, Centralizado.

Resumo: O presente relato de experiência trata-se de um projeto desenvolvido pela professora regente
de uma turma do 5º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública da rede estadual de Mato
Grosso. O referido projeto teve como objetivo principal possibilitar a reflexão e possível
conscientização sobre as consequências do bullying no ambiente escolar, a partir de sua identificação,
e ainda proporcionar o desenvolvimento de atitudes preventivas e reparativas frente ao fenômeno.
Atualmente a Legislação brasileira busca nortear mecanismos de conscientização, prevenção e
combate a este fenômeno, para isso conta com as Leis nº 13.185/15; nº 13.277/16 e nº 13.663/18,
tendo a primeira e a terceira grande representatividade. Na primeira, institui o Programa de Combate
à Intimidação Sistemática (Bullying), definindo-o como todo ato de violência física ou psicológica,
intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra
uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em
uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas (Brasil, 2015). A lei federal em seu
Art. 5º estabelece como dever das instituições de ensino, clubes e das agremiações recreativas a se
posicionarem sobre a prática e promoverem a conscientização, prevenção, identificação e combate da
mesma. Insere também aos objetivos do programa no Art. 4º, como o inciso II, que aponta entre as
medidas a capacitação dos profissionais da educação para debater, prevenir, combater e buscar
soluções para o problema. Outro ponto importante dentro do contexto histórico brasileiro sobre este
fenômeno é a Lei nº13. 663/18 que alterou a LDB incluindo a promoção de medidas de conscientização,
prevenção, combate o Bullying e a Cultura de paz como incumbência das escolas. Esta normatização
representa um importante avanço na solução da problemática haja visto que o assunto passa a ter
mais visibilidade pela sociedade, pois a discussão da temática na escola e outras instituições colabora
na informação e consequentemente na mudança de entendimento e comportamento dos envolvidos.
Considerando que a escola é um dos espaços ocupados por sujeitos de diferentes personalidades e um
dos primeiros lugares em que as crianças convivem e interagem entre si, surge à necessidade de
aprenderem a lidar com as diferenças e regular suas emoções, cabe à escola, no entanto, promover a
cultura do diálogo e buscar estratégias para o desenvolvimento de um ambiente humanista, com
atitudes saudáveis, como respeito, companheirismo, solidariedade, empatia e resiliência entre os
alunos, desde a primeira infância. Ao observar a dificuldade de aceitação das diferenças étnicas e
culturais entre os alunos, que de certa forma gerava preconceito e exclusão, sendo esta o elemento
motivador para que a professora buscasse algumas estratégias metodológicas a fim de promover o
respeito entre os alunos. Foram relatadas pela professora situações como a de uma aluna que estava
chegando em casa e querendo tomar remédio para engordar pois a chamavam de magricela; outra

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Título Em Maiúsculas, Times New Roman, Corpo 12, Espaço Simples, Negrito, Centralizado.

estava tomando suco de berinjela para emagrecer pois a chamavam de gordinha e uma estava ficando
sem comer em casa pelo mesmo motivo, entre outras situações. Diante do exposto, segundo Delors
(2001, p.96), “a educação tem por missão transmitir conhecimentos sobre a diversidade da espécie
humana e por outro lado levar as pessoas a tomar consciência das semelhanças e da interdependência
entre todos os seres humanos do planeta”. Com duração de cinco meses o trabalho envolveu toda a
comunidade escolar. Foram desenvolvidas diversas atividades sobre o tema abordado, entre elas: roda
de conversa, pesquisa com vítimas de bullying, diálogo a partir da exposição de curta-metragem,
confecção de cartazes, produção de textos de histórias em quadrinhos, produção e apresentação pelos
alunos de uma peça teatral. A professora iniciou o projeto dialogando com os alunos a partir do
questionamento se eles sabiam o que era o bullying. Nessa conversa percebeu que eles estavam agindo
inconscientemente, pois não tinham ideia do que aquilo causava na vida do colega. Em seguida a
professora pediu para fazerem cartazes sobre o tema com o objetivo de promover a reflexão e a
empatia dos alunos em relação às vítimas que sofrem o bullying. Na sequência os alunos socializaram
experiências de pessoas conhecidas que sofriam ou já sofreram bullying, trazendo a tona vários
questionamentos para identificar se algumas atitudes entre eles poderiam ser consideradas bullying
ou não. Nesta perspectiva, Ristum (2010), destaca que pesquisas realizadas em escolas de vários países
apontam semelhanças nas ações de bullying praticada pelos alunos, “seja direto ou indireto, o bullying
se caracteriza por três critérios: 1. comportamento agressivo e intencionalmente nocivo; 2.
comporta¬mento repetitivo (perseguição repetida); 3. comportamento que se estabelece em uma
relação interpessoal assimétrica, caracterizada por uma dominação” (RISTUM, 2010, p. 96). Com o
intuito de fortalecer a reflexão dos alunos foram realizadas ainda produções de texto, como redação e
histórias em quadrinho e assistiram alguns curtas-metragens envolvendo o tema trabalhado.
Posteriormente a professora conversou em particular com os alunos, que estavam na situação de
agressores, com o objetivo de levá-los a perceber que tal comportamento causava dor e sofrimento e
poderia ter sérias consequências na vida dos colegas que eram alvos. Orientou também as
testemunhas para que denunciassem caso presenciassem algum episódio de agressão com os colegas.
Segundo a professora, tais ações amenizaram, mas ainda não foram suficientes para atingir o objetivo
proposto inicialmente no projeto. Sendo assim, a professora sugeriu dramatizar situações de bullying
vividas pelos alunos no ambiente escolar, por meio de peças teatrais, pois acreditava que vivenciando
essa realidade iriam conseguir se colocar no lugar dos envolvidos. Propôs então duas peças, uma com
“final feliz” em que as vítimas pediram ajuda e resolveram o problema e outra com um desfecho
trágico, inclusive resultando no suicídio da vítima que sofria a agressão, abalando significativamente

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Título Em Maiúsculas, Times New Roman, Corpo 12, Espaço Simples, Negrito, Centralizado.

os alunos participantes. O ensaio com os alunos aconteceu por um período de dois meses e, segundo
a professora, ocorreu um fato curioso, durante a encenação duas crianças ficaram abaladas
emocionalmente e se recusaram a continuar participando da atividade, inclusive uma delas chegou a
chorar durante a encenação e disse que se tivesse que fazer o teatro não viria mais para a escola, por
esse motivo foram substituídas na apresentação. Para finalizar as atividades do projeto a professora
solicitou que os alunos relatassem por escrito o que sentiram enquanto encenavam e/ou assistiam o
teatro. Uma aluna relatou que achou engraçado o teatro mais que ao final da peça, quando as
professoras formadoras do Cefapro fizeram uma reflexão sobre como sofrem as vítimas agredidas por
bullying, ficou muito triste, pois percebeu que aquilo acontece de verdade, mas por outro lado, ela
compreendeu que nunca deve fazer bullying com ninguém. O ator principal – a vítima - relatou que:
“Quando começou a fazer o papel achou engraçado, estava feliz, mas quando começaram a fazer as
coisas reais de passar perfume porque fedia, passar batom de verdade, simular que estava apanhando,
não aguentou disse que cada dia ficava mais triste, e sofreu muito, mesmo sendo um teatro achou que
iria morrer de tanta tristeza”. Apesar das leis normatizarem a execução de medidas que visam amenizar
a incidência do bullyng no contexto escolar, é de fundamental importância que a família também aja
nessa perspectiva, promovendo vivências familiares positivas, evidenciadas pelo diálogo e informações
sobre o tema, resguardando o direto da criança e do adolescente de viver em um ambiente
emocionalmente seguro. Sendo o bullying um comportamento aprendido este pode, por meio da
atuação efetiva da comunidade escolar, ser prevenido e mudado. Diante do exposto, foi possível
observar, que no término do projeto, os alunos adotaram uma postura diferente entre si, pois
policiavam suas atitudes e brincadeiras, sempre preocupados se tal comportamento era bullying,
demonstrando uma efetiva reflexão, ressignificando concepções e práticas dos sujeitos envolvidos,
favorecendo a obtenção do objetivo proposto.
Palavras-Chave: Bullying no contexto escolar. Vítimas. Agressores. Cefapro.

3
440
Título Em Maiúsculas, Times New Roman, Corpo 12, Espaço Simples, Negrito, Centralizado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: (INCLUIR AS LEIS)

Assis , Simone Gonçalves de (org.) Impactos da violência na escola: um diálogo com professores. /
organizado por Simone Gonçalves de Assis, Patrícia Constantino e Joviana Quintes Avanci. – Rio de
Janeiro: Ministério da Educação / Editora FIOCRUZ, 2010.

DELORS, J. – Educação um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez; Brasília, Brasília: MEC: UNESCO, 6ª
edição, 2001.

4
441
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 35
10.37423/200702037

COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ: PROPOSTA


DE AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA EM CASO
DE AMNÉSIA ANTERÓGRADA

Bianca Mendonça Maia Centro Universitário 7 de Setembro

Vanessa Nogueira Martins Centro Universitário 7 de Setembro

Emanuela Maria Possidônio de Sousa Centro Universitário 7 de Setembro


Como Se Fosse A Primeira Vez: Proposta De Avaliação Neuropsicológica Em Caso De Amnésia Anterógrada

Resumo: Uma das possíveis manifestações dos déficits mnemônicos é a amnésia anterógrada. Esse
quadro se caracteriza pela perda da capacidade de consolidar e evocar eventos posteriores a um dano
neurológico responsável pela irregularidade nos processos que envolvem a memória. Pacientes
acometidos por esse tipo de déficit mnemônico apresentam dificuldades de adaptação a novas
informações e novos contextos que podem implicar em processos de intenso sofrimento. Nesse
sentido, o presente trabalho tem como finalidade apresentar uma proposta de avaliação
neuropsicológica para a personagem Lucy Whitmore do filme “Como se fosse a primeira vez”. Para
tanto, propõe-se a organização de quatro sessões avaliativas, em dias alternados, para averiguar a
memória episódica, tipo de memória mais afetada pelo trauma sofrido pela paciente (personagem)
em questão. Como procedimentos sugere-se a realização de uma sessão preliminar de entrevista de
anamnese com os familiares para a obtenção de informações relevantes quanto ao desenvolvimento
da doença apresentada considerando aspectos sociodemográficos, antecedentes mórbidos somáticos
e psíquicos da paciente, antecedentes mórbidos somáticos da família, histórico de interações
familiares e sociais, além da aplicação do instrumento Mini-Exame de Estado Mental para averiguação
das funções cognitivas de orientação temporal, orientação espacial, memória imediata, memória
tardia, atenção, linguagem e capacidade visuoconstrutiva e do Teste de Aprendizagem Auditivo Verbal
de Rey (RAVLT). Durante todo o processo de avaliação, além da paciente, ressalta-se a importância da
participação dos familiares e cuidadores tanto como fonte de informações, como para a discussão de
informações e orientações sobre o manejo do caso. Com a proposta de avaliação sugerida espera-se
obter um indicador confiável de encaminhamento para a reabilitação neuropsicológica que auxilie na
reorganização e compensação comportamental da paciente proporcionando maior independência e
melhorando sua qualidade de vida dentro das possibilidades do caso em questão. Por meio das
considerações levantadas neste trabalho, espera-se também colaborar com a prática da avaliação
neuropsicológica e no cuidado do paciente em casos de amnésia anterógrada.
Palavras-Chave: Neuropsicologia, Avaliação Neuropsicológica, Amnésia anterógrada, Memória, Estudo
de Caso.

1
443
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 36
10.37423/200702047

A INTERFERÊNCIA ESTATAL NOS CASOS DE


VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER SOB
A PERSPECTIVA DO FEMINISMO LIBERAL

Gabriela Dias Manenti Unicuritiba- Centro Universitário Curitiba


A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

Resumo: O STF na ADI 4424, em conformidade com os artigos 12, I, 16 e 41 da lei 11.340/06 (Lei Maria
da Penha), entendeu que é cabível a ação penal pública incondicionada nos casos de violência
doméstica contra a mulher, seja a lesão corporal de natureza leve, grave ou gravíssima, culposa ou
dolosa, ocorrida no âmbito doméstico. Desse modo, nos casos de violência doméstica contra a mulher
não se aplicam os benefícios processuais da lei 9.099/95 e o Estado pode iniciar a persecução penal
sem necessidade de representação da vítima. Para o STF deve-se interpretar a lei Maria da Penha em
conformidade com a Carta Magna, sendo proporcional e razoável que em casos de violência doméstica
contra a mulher, a ação penal cabível seja a ação penal pública incondicionada. A atuação estatal,
portanto, não pode ser cedida à autonomia da mulher, visto que em diversas vezes ocorre a retratação
da representação, por variáveis como o medo e as represálias no lar. A lei Maria da Penha dispõe de
procedimento próprio para a retratação da representação, previsto no art. 16 da lei 11.340/2006, que
estabelece que a retratação da representação deve ocorrer até o momento anterior ao recebimento
da denúncia, e em audiência especial, com a presença do juiz e do Ministério Público. Essa audiência
não retira a autonomia da mulher, o juiz apenas informa à mulher que se for necessário o estado
poderá atuar em sua proteção. Estabelecendo que tal ato deve ser produzido em audiência específica
para tal fim. O presente trabalho objetiva analisar se o estado, ao iniciar a persecução penal com a
ação penal pública incondicionada, poderia subtrair a autonomia da mulher nos casos de violência
doméstica, notadamente em face dos princípios constitucionais, dispositivos legais e dos precedentes
que versam sobre o tema. A academia não considera o feminismo liberal como uma vertente feminista,
visto que na primeira onda feminista, no século XIX, a liberdade foi aceita apenas para o âmbito
público, e não no âmbito privado. É diante dessa perspectiva do feminismo que se explorará a
discussão sobre a legitimidade de a ação penal pública ser incondicionada, notadamente em face da
premissa liberal de que a mulher tem autonomia para decidir sobre sua vida. A investigação sobre
como o feminismo liberal responderia a essa questão discutida pelo STF e pelo STJ encontra-se em fase
de elaboração, iniciando-se pela análise histórica sobre a origem da violência de gênero. Também se
avalia a situação dos dias atuais, em que as mulheres são consideradas capazes mas, o Estado pode
iniciar a ação penal sem a necessidade de sua anuência. Por fim, será explorado em quais hipóteses e
quais serão os critérios em que é possível o Estado interferir na autonomia da mulher para que seja
iniciada a ação penal, sob a perspectiva do feminismo liberal. A pesquisa traz a história da violência
contra a mulher, apresentando a teoria feminista liberal e o questionamento de se estado pode iniciar
a ação penal sem a necessidade de representação da mulher. Será explorado em quais hipóteses e

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A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

quais serão os critérios em que é possível a interferência estatal na autonomia da mulher para que seja
iniciada a ação, sob a perspectiva do feminismo liberal.
Palavras Chave- Feminismo Liberal, Universalidade de Direitos e educação, Ação penal pública
condicionada e ação penal pública incondicionada, Violência doméstica contra a mulher, Lei Maria
da Penha

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A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

INTRODUÇÃO

A ação direta de inconstitucionalidade 4424 do STF (Supremo Tribunal Federal), traz a discussão de
que a ação penal cabível no caso de violência doméstica contra a mulher será a ação penal pública
incondicionada, não mais a ação penal pública condicionada, retirando a necessidade de
representação da vítima para que o estado (Ministério Público) inicie a persecução penal). Analisa- se
que historicamente a violência contra a mulher decorre de uma relação de poder exercida sobre a
vítima, relacionando com as categorias de gênero, classe, raça e etnia, alcançando as
denominadas ”minorias”, nesse caso as mulheres. Faz se necessária uma luta pela igualdade material,
de modo que as leis já visam a proteção das mulheres, trazendo a igualdade formal, e alcançando a
igualdade material, nesse caso analisando a intervenção estatal na perspectiva feminista liberal para
a busca dessa igualdade. Como denomina Heloísa Buarque de Holanda (2018), todas as vertentes
feministas visam o fim da violência contra a mulher, o que difere são as formas de chegar a esse
resultado. O presente trabalho visa discutir se o fato de a ação penal cabível não trazer a necessidade
da representação da vítima estaria retirando a autonomia da mulher, visto que o estado poderia iniciar
a ação mesmo sem o consentimento da mulher, e analisa como o Feminismo Liberal encara a
autonomia da mulher nos casos de violência doméstica, visto que para o Feminismo liberal não é
aceito intervenções estatais na esfera privada, devendo apenas garantir que as mulheres tivessem
seus direitos garantidos na esfera pública. A teoria feminista usada foi a de Mary Wollstonecraft, que
propõe que as mulheres são seres racionais assim como são os homens, e por essa razão deveriam ser
consideradas sujeitos de direitos. Porém, as teorias feministas liberais são do século XIX e XX, e
atualmente receberam poucas atualizações. Será feita a atualização da vertente para os termos atuais
do estado democrático de direito, conforme será evidenciado ao longo do trabalho. Desse modo, será
feita uma análise da ADI 4424, no voto do Ministro Relator Marco Aurélio, se a ação penal pública
incondicionada nos casos de violência doméstica contra a mulher, estaria ou não retirando a
autonomia da mulher, e qual o entendimento do feminismo liberal para essa finalidade.

1)CENÁRIO ATUAL DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER E A LEI MARIA DA PENHA

A palavra “violência”, com etimologia e origem “violentia.ae”, do latim. O seu significado de acordo
com o dicionário, é a qualidade ou caráter violento daquele que age com força, com ímpeto. Já seu
significado jurídico, é o constrangimento físico ou moral exercido sobre um indivíduo, obrigando a
fazer o que lhe foi imposto.

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A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

A violência é uma forma de dominação, no caso da violência doméstica, ocorre por um agressor que
em grande parte dos casos, segundo Laraurri (1994), possui relações com a vítima, sendo uma
tentativa de manter o status quo, manter uma relação de poder.

“Así pues, de acuerdo con las perspectivas feministas, no es que la violencia


no tenga importancia, sino que esta es un símbolo del poder y control que
el hombre pretende sobre su mujer” (Laraurri, 1994)
A violência contra a mulher tem suas origens desde a pré-história, e estende se até o período
contemporâneo, em que cada um possuía sua peculiaridade e com formas distintas de colocar a
mulher com posição de inferioridade e submissão, seja perante o marido ou perante a sociedade. Ao
longo da história é possível analisar alterações entre o matriarcado e o patriarcado, bem como
evoluções históricas e comportamentais da sociedade que contribuíram para a violência contra a
mulher tornar se como algo cultural na sociedade. Além dos fatores sociais, as evidências também
mostram que as leis foram objeto de opressão das mulheres, visto que o direito é um organismo vivo
e em constante mutação, de modo que as alterações históricas e comportamentais da sociedade
exigem atualização das leis, e essa atualização é demonstrada no que concerne ao direito das
mulheres. O código de Hamurabi trazia a Lei do talião, em que houve a tentativa de trazer
proporcionalidade nas penas aplicada aos crimes, trazida pela frase “olho por olho, dente por dente”.
Nesse contexto, o casamento era visto como uma compra da mulher, e se a mulher odiasse seu marido
ou fizesse calúnia do seu marido, tinha a pena de ser lançada ao rio, com os pés e mãos amarradas,
ou jogada do alto de uma torre. Ainda se a mulher fosse infértil, o marido poderia ter outra esposa.
No direito romano da antiguidade, no período clássico, as penas eram consideradas privadas no caso
de crimes cometidos por mulheres, de modo que cabia ao marido punir a mulher como entendesse
melhor, portanto, a punição não vinha pelo estado, e sim pelo marido. A idade média contava com as
Ordenações Filipinas, em que houve grande influência da igreja, como por exemplo o livro “Martelo
das Bruxas” (Malleus Malleficarium, em latim), uma bula papal que servia como roteiro para punir as
mulheres, que na época eram consideradas bruxas e resultou na perseguição de mulheres que foi do
século XV até o século XVII, que levou diversas mulheres a serem consideradas bruxas e serem
queimadas em fogueiras ou enforcadas, e seu corpo possuía uma forma de enterro diferente daquele
considerado padrão pelo cristianismo.
Na sociedade atual, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a Constituição Federal tem
como um dos fundamentos centrais a dignidade humana, portanto a mulher passa a ser um sujeito de
direitos e obrigações, devendo ter igualdade formal e material, como também diversas ações
afirmativas trazidas para as mulheres. As alterações da Carta Magna alteraram as diretrizes e

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A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

trouxeram princípios que afirmam a posição da mulher como sujeito de direitos e garantias, um ser
dotado de dignidade, o que levou à legislação infra constitucional a ir adequando se aos moldes da
Constituição Federal, como por exemplo, o Código Civil de 2002, atualmente vigente, traz em seu
artigo 1° que todas as pessoas são dotadas de direitos e deveres, não apenas os homens como era a
redação do código civil de 1916.

ARTIGO 1° CÓDIGO CIVIL DE 2002-TODA PESSOA É CAPAZ DE DIREITOS E DEVERES NA ORDEM


CIVIL.

Outras leis que trazem alterações legislativas a favor das mulheres, funcionando também como ações
afirmativas são, a Lei 9.029, de 13 de abril de 1995, que proíbe a exigência de atestados de gravidez,
esterilização e outras práticas discriminatórias para efeito de admissão ou de permanência na relação
jurídica de trabalho. A Lei 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que trata do planejamento familiar e II
Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (II PNPM), aprovado pelo Decreto n. 6.387, de 5 de março
de 2008,14 com as seguintes finalidades: autonomia econômica e igualdade no mundo do trabalho,
com inclusão social; educação inclusiva; saúde das mulheres, direitos sexuais e direitos reprodutivos;
enfrentamento de todas as formas de violência contra as mulheres; participação das mulheres nos
espaços de poder e decisão; direito à terra, moradia digna e infraestrutura social nos meios rural e
urbano; cultura, comunicação e mídias igualitá- rias, democráticas e não discriminatórias;
enfrentamento do racismo, sexismo e lesbofobia; enfrentamento das desigualdades geracionais que
atingem as mulheres, com especial atenção às jovens e idosas, e também a Lei de feminicídio, presente
no Código Penal (Decreto Lei 2.848.40).
A mudança e revolução mais significativas que ocorreram no Brasil após a promulgação da
Constituição Federal, teve como causa o caso de Maria da Penha Maia Fernandes, conhecida como
Maria da Penha. Cearense e farmacêutica formada pela Universidade Federal do Ceará, conheceu seu
marido, Marco Antônio Heredia Viveiros quando fez mestrado em parasitologia, o qual estavam
cursando juntos. Do seu casamento com Viveiros, tiveram 3 filhos, e foi um relacionamento
fortemente marcado por agressões à Maria da Penha e aos seus filhos. No dia 23 de maio de 1983,
Maria da Penha levou um tiro na sua coluna enquanto dormia, o que a deixou paraplégica, mas não
sabia quem teria feito o disparo, e seu marido alegava que a casa havia sido invadida, porém, mais
tarde soube se que o tiro foi disparado por Viveiros. Outra agressão cometida por Viveiros, ocorreu
quando tentou eletrocutar sua esposa enquanto ela tomava banho, que sentia os choques quando
encostava no box. Após esse episódio, evitou dar banho em seus filhos, pedindo ajuda para a babá.

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A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

Em um determinado período, Viveiros teve que fazer uma viagem, e foi nessa ocasião em que Maria
da Penha moveu um processo judicial contra as agressões do marido. Esse processo levou 8 anos para
obter uma sentença, visto que a investigação desse caso começou em junho de 1983, porém a ação
apenas foi iniciada pelo Ministério Público em setembro de 1984, levando 8 anos até obter um
julgamento. A defesa de Viveiros conseguiu promover a a anulação de seu julgamento, porém, em um
novo julgamento em 1996, houve sentença condenatória que condenou Viveiros a dez anos de
reclusão, em que a defesa recorreu da sentença, conseguindo a liberdade de Viveiros.
A dificuldade para o julgamento e falta de justiça para o caso de Maria da Penha, a Comissão
Interamericana de direitos humanos, atuou no caso "Maria da Penha vs. Brasil", e condenou o estado
brasileiro por negligência e falha no sistema judicial para lidar com casos referentes à violência contra
a mulher, mostrando que o Brasil estava sendo negligente com o tratamento referente à violência
doméstica contra a mulher.
Após ter sofrido pressão pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o Brasil foi pressionado
a criar uma legislação específica para tratar os casos de violência doméstica, e nesse contexto, em 7
de agosto de 2006, foi sancionada a lei 11.340/06, atualmente conhecida como “Lei Maria da Penha”.
Essa lei tutela o direito e a proteção das mulheres em situação de violê̂ncia doméstica e familiar, porém
seus efeitos também são estendidos à assistência e/ou proteção direcionadas aos familiares, às
testemunhas e ao agressor. A violência deve ocorrer em âmbito doméstico, reprimindo cinco tipos de
violência presentes no artigo 7º, incisos I, II, III, IV e V, são elas: a violência física, entendida por
qualquer ato que cause danos à integridade ou saúde física da vítima (condutas como atirar objetos,
estrangular, torturar, causar ferimentos ou queimaduras, dentre outros). A violência psicológica é
qualificada por condutas que causem dano emocional, gerando diminuição de auto estima, que
perturbe o desenvolvimento da mulher ou controle suas emoções ou decisões (atos como ameaçar,
humilhar, isolar a vítima forçadamente, perseguição, insultos, dentre outros). A violência sexual é
qualificada por condutas que constranjam a vítima a manter relação sexuais sem o seu consentimento
(causada por atos como estupro, impedir o uso de métodos contraceptivos, limitar os direitos sexuais
ou reprodutivos, forçar matrimônio ou gravidez, dentre outras condutas.) a violência patrimonial
ocorre quando há qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição total ou parcial de
seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos, bens, valores ou direitos, incluindo os
destinados a satisfazer as necessidades da mulher (por atos como destruir documentos, privar de usar
os bens ou recursos econômicos, causar danos propositais a objetos da mulher, controlar o dinheiro,
deixar de pagar pensão alimentícia, dentre outros.). A violência moral é caracterizada por condutas

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A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

que configurem a calúnia, injúria ou difamação contra a mulher (condutas como acusar a mulher de
traição, xingar e ofender, expor a vida íntima, dentre outros). Seu objetivo central é reprimir a violência
doméstica contra a mulher por meio da intervenções estatais afim de dar assistência às vítimas. As
estatísticas de violência doméstica antes da edição da Lei 11.340/06, segundo pesquisas
governamentais, antes da entrada da lei em vigor, a taxa de mortalidade por violência doméstica era
de 5,28 por 100 mil mulheres, no período 2001 a 2006. Após a entrada de vigência da lei, essa taxa
passou para 5,22, no período de 2007 a 2011. Em 2018, segundo pesquisas governamentais, os dados
contabilizavam 14.796 casos de violência doméstica em todo o território nacional, de modo que 58%
dos agressores eram companheiros da vítima (como esposos, namorados e ex), e 42% dos agressores
eram parentes (pais, avôs, tios...). Reportou se que 83,7% das vítimas possuem entre 18 e 59 anos de
idade, concentrando se a violência nas mulheres com idade entre 24 e 36 anos. Nota se que mesmo
após a entrada em vigência da lei 11.340/06, os casos de violência doméstica contra a mulher
continuam com estatísticas e números subindo diariamente.
Reportam se notícias como,

“Homem não aceita término e agride ex-namorada na porta da casa da mãe


dela (disponível em https://recordtv.r7.com/balanco-geral/videos/homem-
nao-aceita-termino-e-agride-ex-namorada-na-porta-da-casa-da-mae-dela-
17072020, notícia do dia 17/07/2020, acesso em 21/07/2020)
“A cada hora quatro meninas com menos de 13 anos são estupradas no
Brasil”(disponívelememhttps://brasil.elpais.com/brasil/2019/09/10/politic
a/1568134128_017016.html, notícia do dia 11/09/2019, acesso em
21/07/2020)
“Quandooagressorsexualéseutio”(disponivelem:https://brasil.elpais.com/b
rasil/2018/04/10/internacional/1523370389_359276.html, notícia do dia
29/04/2018, acesso em 21/07/2020)
“‘Justiceiras’: Em três meses, rede de apoio a vítimas de violência doméstica
atendemilmulheresnoBrasil”(disponívelem:https://jovempan.com.br/notici
as/brasil/justiceiras-em-tres-mesesredeapoiovitimasdeviolenciadomestica-
atende-mil-mulheres.html, notícia do dia 22/06/2020, acesso em
21/07/2020)
Ao pensar em décadas como os anos 50 e 60, é comum pensarmos em frases como “Em briga de
marido e mulher ninguém mete a colher”, “Se a mulher apanhou é porque deu motivo”, “Mulher tem
que esquentar a barriga no fogão e esfriar na pia”. Certamente essas frases estariam de acordo com o
cenário paternalista dessas épocas, porém, são relatos feitos por mulheres no Twitter no ano de 2020,
em que houve um evento marcante com as Hashtags “Exposed”, em que milhares de mulheres
relataram casos de violência contra a mulher, feitas em cada cidade, chegando na marca de milhões
de Tweets em todo o país. Diversos movimentos foram feitos nas redes sociais a fim de expor situações

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A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

de violência contra a mulher e modo de enfrentá-la, surgindo por meio de hashtags, programas de
denúncia, além de expressões artísticas ocorridas no cinema e nas artes, por exemplo.
A violência doméstica está crescendo no país, mostrando a necessidade de mecanismos e opções para
o enfrentamento da violência doméstica contra a mulher. Portanto, a lei Maria da Penha serve para
acabar com a cultura consolidada de que "briga de marido e mulher ninguém mete a colher", dando
assistência às mulheres e o devido tratamento judicial que foi conferido ao agressor. A lei 11.340/06
está de acordo com o estado democrático de direito, moldado a partir dos princípios constitucionais
de soberania popular, cidadania, dignidade da pessoa humana, e fazer uma justiça social por meio de
liberdade e igualdade, sendo considerada uma discriminação positiva, de modo que o artigo 3°, incisos
I a IV da Constituição Federal, tratam como objetivos da República federativa do Brasil, como o intuito
de criar a justiça social e uma sociedade livre, justa e solidária, promover o desenvolvimento nacional,
a erradicação da pobreza e da marginalização e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Porém, para que esses
objetivos sejam atingindos, é necessário erradicar também a violência contra a mulher, sendo esse o
propósito da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), conforme disposto em seu artigo 1°, em que a lei
tem o objetivo de erradicar a violência psicológica, física, patrimonial, verbal e sexual, ocorridas em
âmbito doméstico contra a mulher, conforme artigo 7°, incisos I a V da Lei 11.340/06. Explica
FERNANDES (2015),
“A igualdade entre homens e mulheres somente tem efetividade, assim, se
reconhecida a posição jurídica de cada um e se houver instrumentos de
tutela que permitam a realização prática dessa igualdade. A Lei n.
11.340/2006 definiu a posição jurídica da vítima e criou esse instrumento de
tutela, um sistema interdisciplinar de enfrentamento e prevenção à
violência” (Valerie Diez)”

2) FEMINISMO LIBERAL

2.1) CONTEXTO HISTÓRICO E PRINCIPAIS VERTENTES TEÓRICAS

Em reação ao feudalismo e a concentração de poderes nas mãos do estado, ocorreu o advento da


Revolução Francesa, propondo os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, juntamente com a
emancipação dos cidadãos perante o estado. Esses fenômenos trouxeram o liberalismo que na época
teve expressão em vários contextos sociais e econômicos. Havia o entendimento de que “o pessoal é
político”, de modo que a esfera privada sofre influência das circunstâncias públicas, trazendo uma
dicotomia entre o público e o privado. Mas o liberalismo tentou evitar essa máxima as suas teorias,
com o ideal de preservação do espaço privado, trazendo a separação entre o social e o pessoal,

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A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

ocorrendo na contra mão de movimentos teóricos não liberais. Essa distinção tem origem no
romantismo, em que os românticos defendiam a ideia de que era necessário um espaço privado para
o cidadão, em que abandonassem a chamada vida civil, visto que na esfera social o indivíduo está
constantemente sobre influências coercitivas que os restringem a representar seus papéis, sendo
necessário abandonar a esfera civil e adentrar na esfera pessoal ou íntima, onde, segundo Robert
Rosenblum, historiador americano, deveriam estar apenas as relações de amizade e de amor, ideia
essa que foi incorporada pelo liberalismo ao trazer a dicotomia entre o público e o privado. Os ideais
liberais foram trazidos pelo iluminismo, corrente que propunha a utilização da razão, dando efetiva
emancipação racional aos indivíduos, como na máxima da Kant “Sapere Aude”. Tem como expressão
nos autores John Locke, Jean Jaques Rousseau, Immanuel Kant, dentre outros. Segundo BENN E GAUSS
(1999),

“A noção de intimidade foi traduzida pelos liberais como “direito à


privacidade”, cuja identificação com o liberalismo tornou-se intensa a ponto
de ofuscar sua origem romântica (BENN & GAUSS, 1999).”
O feminismo liberal, também conhecido como “LibFem”, surgiu nesse contexto e tem como princípio
de que se somos todos iguais racionalmente e possuímos as mesmas condições, não faz sentido as
mulheres possuírem menos direitos que os homens, requerendo a adaptação dos direitos das
mulheres no âmbito público, sem alterar a estrutura da sociedade, e sim encaixando as mulheres
nessa estrutura social. Para o feminismo liberal, as mulheres possuem aquela autonomia defendida
pelo liberalismo, e desse modo sabem quais são as melhores decisões a tomar para si mesmas, sem
necessidade de intervenção estatal. Nesse contexto, surge a chama primeira onda feminista,
ocorrida no século XIX, em que as mulheres reivindicavam seus direitos na esfera pública, como
direito a voto, direito ao aborto, trazendo emancipação das mulheres, tratando do se de um
feminismo igualitário ou universalista. O feminismo liberal tem como expressão as autoras Mary
Wollstonecraft, Harriet Taylor, Bertha Lutz, Betty Friedman, Martha Nussbaum, Carole Patemane,
dentre outras.
O principal fundamento do LibFem, é que as mulheres possuem autonomia para poder tomar
decisões sobre si mesmas, de modo que mantém a dicotomia público privada proposta pelo
liberalismo, e reivindicam seus direitos no âmbito público, sem alterar as estruturas sociais mas
encaixando as mulheres dentro dessa estrutura, sem a necessidade de intervenção estatal no âmbito
privado, tendo foco para direcionar suas teorias no capitalismo e individualismo, tem como foco o
indivíduo, não uma coletividade.

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A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

Uma das primeiras autoras a falar sobre feminismo liberal, foi Mary Wollstonecraft *, com seu livro
“Reivindicação dos Direitos da Mulher”, de 1792, que possui influência dos ideais da Revolução
Francesa, iluminismo e liberalismo, mas trazidos para o âmbito dos direitos das mulheres. 5
*Mary Wollstonecraft, nascida em 27 de abril de 1759 em Londres, faleceu
em 10 de setembro de 1797, foi uma escritora do século XVIII, sendo uma
das percursoras das bases do feminismo liberal e defensora dos direitos das
mulheres. Durante sua vida escreveu romances, narrativas de viagens,
tratados, livros de boas maneiras, dentre outros. Sua obra mais expressiva e
de maior importância foi “Reivindicação dos direitos das mulheres”, escrita
em 1792. Seus relacionamentos pessoais foram conturbados, que contribuiu
para o alcance de suas obras. Após dois casamentos fracassados, casou se
com o filósofo William Godwin, com quem teve uma filha, a escritora de
Frankstein, Mary Shelley. Wollstonecraft faleceu dois dias após o parto de
sua filha, deixando vários livros inacabados. Após sua morte, seu marido
publicou o livro “Memórias”, 1798, em que conta o estilo de vida de Mary,
causando problemas para a reputação de Mary. A teoria de Wollstonecraft
sofre diversas críticas pelo feminismo atual do século XXI, mas até hoje sua
obra tem importância nas obras feministas, por ter sido uma das fundadoras
do feminismo.
Em seu livro, Wollstonecraft escreve uma carta a Talleryand Périgord, um antigo Bispo e legislador de
Autun, um dos responsáveis por escrever a Constituição da época, pedindo ao bispo que desse a
devida atenção aos direitos das mulheres, como pontuado por Mary Wollstonecraft, os direitos das
mulheres sempre foram rebaixados. O ponto central da teoria feminista de Mary Wollstonecraft, é
que as mulheres são virtuosas, possuem a mesma igualdade que os homens, pois como prega o
liberalismo todos somos iguais, e por essa razão, as mulheres devem ter os mesmos direitos que os
homens. O problema, é que as mulheres não foram educadas nem preparadas para serem virtuosas,
as mulheres são preparadas para serem inferiores aos homens. Para Mary Wollstonecraft, a solução
para essa emancipação das mulheres está na educação, de modo que as mulheres devem ser educadas
com foco nas suas virtudes, para poderem emancipar se, para, como diz Immannuel Kant, ter um
“Afklarung”, “Sapere Aude” é necessário que as mulheres sejam educadas para esse sentido. Outra
solução seria a universalidade de direitos, em que do ponto legislativo, as mulheres devem ter os
mesmos direitos que os homens, principalmente o direito ao voto, reivindicado na época em um
movimento conhecido como sufragismo. A autora alega que os homens e as mulheres compartilham
da mesma razão e dessa maneira, seria injusto subjulgar as mulheres e excluir seus direitos. Ainda
teceu diversas críticas aos autores liberais daquele período, alegando que as mulheres possuem a
mesma razão que os homens, tecendo críticas a Jean Jaques Rousseau, que considerava as mulheres
como sujeitos inferiores, seres que não eram dotados de razão. Pontua WOLLSTONECRAFT (1792),
Mas, fiel à posição inicial, próxima a um estado de natureza, Rousseau
celebra a barbárie e, apostrofando a sombra de Fabrício[c], esquece que ao

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A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

conquistar o mundo os romanos nunca sonharam em estabelecer sua


própria liberdade em bases sólidas nem em ampliar o reino da virtude. Ávido
por sustentar seu sistema, ele estigmatiza todo esforço de gênio como
vicioso e, para expressar a glorificação das virtudes selvagens, exalta aquelas
dos semideuses, que mal eram humanos – os brutais espartanos, que, em
desafio à justiça e à gratidão, sacrificaram a sangue-frio os escravos que
haviam se portado como heróis para resgatar seus opressores
Para Mary Wollstonecraft, ao negar que as mulheres são seres dotados de razão, estariam os
legisladores agindo como tiranos, que querem esmagar a razão a fim de terem escravos e usurpar de
seu poder, agindo, portanto, de forma tirana ao forçar as mulheres negando seus direitos civis e
políticos, deixando as confinadas dentro dos lares e da família, visto que um dever fundado na razão
é uma obrigação. Ao afirmar que o futuro das mulheres é permanecer sem exercer essa devida razão,
estaria então negando um dever, visto que para a autora, homens e mulheres possuem traço comum
na razão.
Portanto, requer que na nova constituição as mulheres sejam seres dotados de direitos e que não lhes
sejam negados seus direitos naturais, visto que ao negar os direitos das mulheres, a constituição seria
uma lei formada por homens tiranos. Tece diversas críticas em seu livro aos sistemas e como os
homens assumem formas de tirania, de modo a tornarem se “selvagens”, e deixar de lado a razão, o
que acaba acontecendo com a mulher ao mante- la apenas no lar, acaba por ficar distante de sua
razão. O principal ponto da teoria de Mary Wollstonecraft, é que a igualdade tem como fundamento
a razão, caracterizada por um dever, e essa igualdade será alcançada através de educação voltada às
mulheres para utilizarem as suas virtudes e através da universalidade de direitos.
Em seu livro, Reivindicação dos direitos das mulheres, Wollstonecraft tece críticas ao sistema de
ensino da época, defendendo que deve se ter uma educação pública em conjunto com a educação
privada. Para ela, as escolas ensinam os homens apenas a terem as características para conviver com
a esfera pública, deixando de lado os afetos, que são essenciais para a vida, visto que são esses que
criam o sentido de humanidade nas pessoas. Critica também a igreja católica, que segundo a autora
também contribui para a formação de homens sem afetividade. Para WOLLSTONECRAFT (1972),
Muito impressionada pelas reflexões que o quadro das escolas, como são
dirigidas no presente, sugere: ¨Já dei minha opinião a favor da educação
privada, mas novas experiências têm me levado a enxergar o assunto sob
uma luz diferente. Contudo, ainda considero as escolas, como são
atualmente reguladas, estufas de vícios e loucuras, e o conhecimento da
natureza humana, que deveria ser ali obtido, é apenas egoísmo astuto¨. A
autora afirma ainda que, Na escola, os meninos tornam-se glutões e
desleixados e, em vez de cultivar os afetos domésticos, logo se atiram à
libertinagem que destrói a constituição antes que esteja formada,
endurecendo o coração enquanto enfraquece o entendimento. Os meninos
que vivem dispendiosamente com mestres e assistentes nunca são

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A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

domesticados, ainda que se os coloquem ali com esse propósito, pois, após
um jantar silencioso, eles bebem uma taça de vinho apressadamente e se
retiram para planejar alguma travessura maliciosa ou ridicularizar a pessoa
ou as maneiras daqueles que acabaram de bajular, a quem devem
considerar representantes de seus pais. WOLLSTONECRAFT (1792).
A autora ainda afirma que,
“Na escola, os meninos tornam-se glutões e desleixados e, em vez de cultivar
os afetos domésticos, logo se atiram à libertinagem que destrói a constituição
antes que esteja formada, endurecendo o coração enquanto enfraquece o
entendimento.” (WOLLSTONECRAFT, 1792)
“Os meninos que vivem dispendiosamente com mestres e assistentes nunca
são domesticados, ainda que se os coloquem ali com esse propósito, pois,
após um jantar silencioso, eles bebem uma taça de vinho apressadamente e
se retiram para planejar alguma travessura maliciosa ou ridicularizar a pessoa
ou as maneiras daqueles que acabaram de bajular, a quem devem considerar
representantes de seus pais.” (WOLLSTONECRAFT, 1792)
Segundo a autora, também haveria dificuldade por parte das escolas públicas para fornecer uma
educação voltada para a afetividade, pois esta demandaria uma equipe profissional e capacitada, o
que geraria mais gastos e seria motivo de não incluir essa pauta de ensino. Defende que esse tipo de
educação, é prejudicial para a moralidade e também na formação da cidadania, dessa forma, defende
que deve haver uma união entre a educação pública e a educação privada, de modo que as famílias
devem ensinar as relações de afeto, criando assim pessoas com moralidade afetiva, visto que a
educação pública não está preocupada com a afetividade. Para WOLLSTONECRAFT (1792)
“A educação pública, de qualquer tipo, deveria ser dirigida para formar
cidadãos, mas, se há o desejo de formar bons cidadãos, deve-se primeiro
exercitar os afetos de um filho e de um irmão. Esse é o único caminho para
expandir o coração, pois as afeições públicas, assim como as virtudes
públicas, devem desenvolver-se sempre a partir do caráter privado, caso
contrário serão simples meteoros que correm através de um céu escuro e
desaparecem quando contemplados e admirados.” (WOLLSTONECRAFT,
1792)
A autora entende que a educação deve ter como foco a moralidade, destaca também que as mulheres
são educadas sem a finalidade de usar a sua razão, apenas para serem indivíduos com postura, sendo
criadas para permanecerem dentro dos lares. Atualmente, a educação está em uma situação diferente
da vivenciada pela autora no século XIX, mas ainda assim, pode se propor uma união entre a educação
das escolas e a educação das famílias, que parte da esfera privada. Foi explicado que a violência
doméstica é um problema que deve ser inserido na esfera pública, devido a normas constitucionais e
infra constitucionais, portanto, há corroboração no sentido de que a ação penal cabível para os casos
de violência doméstica contra a mulher seja a ação penal pública incondicionada, sem a necessidade
de representação da vítima. Retira se a autonomia da mulher ao deixar o Ministério Público iniciar a

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A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

persecução penal independente da aceitação da mulher vítima, bastando apenas a notícia do crime
para que haja início da persecução penal.
O fundamento do feminismo liberal proposto por Wollstonecraft, é de que as mulheres deve ser
emancipadas a fim de desenvolverem as suas virtudes, finalidade que apenas seria alcançada se
houvesse uma união entre a educação privada e pública a fim de formar indivíduos moralmente
afetivos e fazer com que as mulheres desenvolvam sua virtude, e pela universalidade de direitos, em
que as mulheres devem ser consideradas sujeitos de direitos e possuírem direitos na esfera pública,
visto que tanto homens quanto mulheres são seres dotados de razão

2.2- CRÍTICAS AO FEMINISMO LIBERAL

O feminismo liberal é uma vertente que constantemente sofre críticas da academia pelo fato de não
considerar que não há uma igualdade material, e que as mulheres partem de situações diferentes para
alcançar a igualdade, havendo também o argumento de que é uma vertente feminista que já nasceu
oprimindo as mulheres, pois tem como base o capitalismo e o liberalismo que são ideais idealizados
por homens com o objetivo de excluir as mulheres da sociedade, e ao propor a inclusão das mulheres
na sociedade sem a alteração da estrutura social, estaria colaborando com a desigualdade das
mulheres, não gerando igualdade. Sofre também críticas da academia de não ser considerado uma
vertente feminista, devido ao fato que considera as mulheres em uma individualidade, não como uma
coletividade. Porém, o LibFem teve início no século XIX, fundada sob o pilar do liberalismo do século
XIX, como repressão a um estado autoritário, visando o mínimo de interferência estatal,
acompanhando os fatos e ideais da época, sendo uma vertente que, diferente das vertentes feministas
do presente século, não sofreu atualização, permanecendo apenas no campo teórico, e dessa forma
não faz a devida análise de conceitos e dados da atualidade. Portanto, serão feitas algumas
atualizações do libfem, com subsunção aos preceitos da atualidade, levando em conta a dinamicidade
do direito, dos fatos históricos e do comportamento social como um todo. Segundo KYMLICKA (2006),
“Disso decorre que toda teoria feminista, independentemente de como seja
classificada, jamais reproduzirá fielmente a sua origem teórica. O feminismo
apresenta tanto para teses que tendem para o coletivismo quanto para o
individualismo, para o universalismo quanto para o relativismo, problemas
que lhes obrigam a fazer concessões às teorias adversárias. Essas
concessões, porém, não serão referentes às mesmas questões nem
tampouco serão feitas em um mesmo grau. As variações e combinações são
inúmeras, o que explica a impressionante ramificação das teorias políticas
feministas contemporâneas (KYMLICKA, 2006).”

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A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

3)A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4424 E O VOTO DO MINISTRO RELATOR MARCO


AURÉLIO

3.1) DAS AÇÕES PENAIS PÚBLICAS CONDICIONADAS E INCONDICIONADAS

As ações penais, dispostas nos artigos 24 a 62 do Código de Processo Penal, são o direito de pedir ao
estado para que aplique o direito no caso concreto, é a forma que o Ministério Público tem para iniciar
uma ação. Conforme CAPEZ (2019),
“É também o direito público subjetivo do Estado-Administração, único
titular do poder-dever de punir, de plei-tear ao Estado-Juiz a aplicação do
direito penal objetivo, com a consequente satisfação da pretensão
punitiva.” (CAPEZ, Fernando, Curso de processo penal, 26 edição, 2019,
editora Saraiva)
No direito processual penal brasileiro, há a classificação das ações conforme a natureza do crime,
levando a divisão subjetiva das ações, em virtude do sujeito que detém a sua titularidade, seja o
Ministério Público ou o próprio ofendido. As ações penais públicas são aquelas em que o estado, no
caso o Ministério Público dá início a persecução penal, conforme artigo 100 §1° Código penal e artigo
24 do Código de Processo Penal.
“A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando
a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da
Justiça” (artigos 100 do código penal e 24 do código de processo penal).
A ação penal pública condicionada, é aquela que exige a manifestação expressa do ofendido para que
seja iniciada a persecução penal, determinando que o ofendido expresse, informalmente, de modo
escrito ou verbal autorizando que seja iniciada a fase procedimental e processual, por meio do
instituto da representação.
“A manifestação de vontade do ofendido ou de quem tenha qualidade para
representá-lo, visando a instauração da ação penal contra seu ofensor. A
representação, em determinadas ações, constitui condição de
procedibilidade para que o Ministério Público possa iniciar a ação penal”.
(BITENCOURT, Cezar Roberto)
A representação da vítima possui prazo decadencial, então que se essa representação não for feita
dentro do prazo estabelecido em lei, ocorrerá a prescrição do crime. A retratação da representação
nos crimes em que é cabível a ação penal pública condicionada, deve ocorrer até o momento anterior
do oferecimento da denúncia, conforme o artigo 25 do Código de processo penal. No agravo
regimental em recurso especial número 138052/DF do STJ, alegou-se a prescrição do crime, uma vez
que já havia se passado mais 6 anos (conforme artigo 109 CP) desde a ocorrência do fato, razão pela
qual o estado não poderia iniciar a persecução penal, visto que nesse período não houve a
representação da vítima. No agravo regimental em recurso especial número 138052/DF do STJ,

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A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

alegou-se a prescrição do crime, uma vez que já havia se passado mais 6 anos (conforme artigo 109
CP) desde a ocorrência do fato, razão pela qual o Estado não poderia iniciar a persecução penal, visto
que nesse período não houve a representação da vítima. O recurso foi negado, sob o fundamento ser
cabível a ação penal pública incondicionada nos casos de violência doméstica contra a mulher,
reafirmando-se a posição do STF.
A legitimidade para propor a representação é das pessoas capazes, dispostas no rol do artigo 5° Código
Civil. A legitimidade extraordinária será, em caso de óbito, do cônjuge, ascendente, descendente e
irmão, nessa ordem, conforme o artigo 31 do Código de Processo penal, e para os incapazes, presente
nos artigos 4° e 5° do Código Civil, é necessário um representante legal. A ação penal pública
incondicionada, não condiciona à manifestação da vítima, em que a fase procedimental e a fase
processual podem ser iniciadas sem a autorização expressa do ofendido, não deixando juízo de
discricionariedade ao Ministério Público, que possui obrigatoriedade de iniciar a ação, orientado pelo
princípio da obrigatoriedade do processo penal, em que o Parquet, ao deparar se com o
preenchimento das condições da ação e os pressupostos de obrigatoriedade, deverá iniciar a ação.
“Essa divisão atende a razões de exclusiva política criminal. Há crimes que ofendem sobremaneira a
estrutura social e, por conseguinte, o interesse geral. Por isso, são puníveis mediante ação pública
incondicionada. Outros que, afetando imediatamente a esfera íntima do particular e apenas
mediatamente o interesse geral, continuam de iniciativa pública (do Ministério Público), mas
condicionada à vontade do ofendido, em respeito à sua intimidade, ou do ministro da justiça,
conforme for. São as hipóteses de ação penal pública condicionada. Há outros que, por sua vez,
atingem imediata e profundamente o interesse do sujeito passivo da infração.” (CAPEZ, Fernando,
Curso de processo penal, 26 edição, 2019, editora Saraiva)

3.2) A REPRESENTAÇÃO NA LEI MARIA DA PENHA

A lei 11.340/06 possui disposições próprias acerca da representação. Conforme o artigo 16 da lei
11.340/06, a representação da vítima será feita pela notícia do crime para a autoridade policial, que
tomará a representação, conforme o artigo 12, inciso I da lei 11.340/06. A retratação da representação
ocorre de forma diferente da proposta pelo artigo 25 do Código de processo penal, de modo que a
retratação da representação deve ser feita até o momento anterior do recebimento da denúncia, e
deverá ser feita perante o juiz em audiência específica e ouvido o Ministério Público, conforme artigo
16 da lei 11.340/06. Evidencia se HC n.º 138.143-MG em que o STJ, indeferiu-se a renúncia da
representação, posto que a retratação da representação da vítima foi feita no cartório da Vara

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A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

3.3) DO CONTEÚDO DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE E O VOTO DO MINISTRO


RELATOR MARCO AURÉLIO

Trata se de uma ação direta de inconstitucionalidade (4424 Distrito federal) de 09/02/2012, julgada
pelo plenário do STF, proposta pelo Congresso Nacional, tendo como Ministro relator o ministro Marco
Aurélio.
Na presente ADI, o procurador geral da República requer que, nos casos lesão corporal leve praticadas
contra a mulher em ambiente doméstico, seja aplicada a ação pública incondicionada, declarando a
inaplicabilidade da lei 9099/95 (Lei dos Juizados Especiais), atribuindo interpretação conforme a
Constituição federal nos artigos 12, inciso I, artigo 16 e artigo 41 da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha),
restringindo a aplicação desses artigos no que tange à ação penal pública condicionada e competência
dos juizados especiais criminais
Os acontecimentos que julgaram o Brasil como ineficiente no julgamento de ações de violência contra
a mulher, pela Convenção interamericana de direitos humanos, fatos que levaram o país a sancionar
a Lei 11.340/06, pelos acontecimentos com Maria Maia da Penha Fernandes, entende-se que a lei
11.340/06, deve ser interpretada a luz de preceitos constitucionais, em que vigoram os princípio da
dignidade da pessoa humana, princípio da igualdade e princípio da vedação à proteção deficiente,
então deve se declarar a inaplicabilidade da lei 9099/95, levando ao entendimento de que a ação penal
cabível nos casos de violência doméstica em lesão corporal, de natureza leve, grave ou gravíssima,
culposa ou dolosa, deve ser a ação penal pública incondicionada, não a ação penal pública
condicionada, como disposto nos preceitos dos artigos 12, inciso I, 16 e 41 da lei 11.340/06. Nesse
caso dispensa-se a representação da vítima para que o estado inicie a ação, devendo aplicar a norma
vigente mais favorável ao ser humano, e para evitar a extinção da punibilidade do agressor, visto que
o prazo para representação da vítima é um prazo decadencial, após decorrer o prazo, este decai e leva
a extinção da punibilidade do agressor, portanto manter a representação da vítima, traria um impacto
desproporcional, visto que os crimes ocorridos em ambiente doméstico geram um ambiente hostil e
efeitos desproporcionais para as mulheres.
“O Procurador-Geral da República pretende seja atribuída interpretação conforme à Constituição aos
artigos 12, inciso I, 16 e 41 da Lei nº 11.340/2006 – “Lei Maria da Penha” –, para declarar a
inaplicabilidade da Lei nº 9.099/95 aos crimes versados naquele diploma, assentar, como
consequência, que o crime de lesão corporal leve praticado contra a mulher em ambiente doméstico
é processado mediante ação penal pública incondicionada e restringir a aplicação dos artigos 12, inciso

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A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

I, e 16 da norma em comento às ações penais cujos crimes estejam previstos em leis diversas da Lei
nº 9.099, de 1995.”
O ministro relator Marco Aurélio em seu voto quanto ao mérito da ação direta de
inconstitucionalidade, relata que deve se partir do princípio da realidade ao analisar os dados
alarmantes de violência doméstica contra a mulher no país, em que os dados estatísticos são
alarmantes, há dificuldade da vítima em ter coragem de fazer a representação, ou está ante óptica
assentada na esperança. Os dados mostram aumento no índice de renúncia da representação, em que
a vítima deixa de representar ou faz a renúncia da representação, levando a uma estatística alarmante,
ainda quando não ocorre a morte da vítima.
“Iniludivelmente, isso se deve não ao exercício da manifestação livre e
espontânea da vítima, mas ao fato de vislumbrar uma possibilidade de
evolução do agente, quando, na verdade, o que acontece é a reiteração de
procedimento e, pior, de forma mais agressiva ainda em razão da perda dos
freios inibitórios e da visão míope de que, tendo havido o recuo na agressão
pretérita, o mesmo ocorrerá na subsequente.” (Voto do Ministro Relator
Marco Aurélio, ADI 4424, página 8)
As agressões contra a mulher, são vindas em grande parte do ambiente doméstico, com homens aos
quais a mulher já manteve algum tipo de relacionamento, trazendo uma acirrada situação de
invisibilidade social. Portanto, diante da vulnerabilidade da mulher e dos altos índices de renúncia da
representação, o Ministro Relator afirma a necessidade de intervenção estatal nos casos de violência
doméstica contra a mulher, haja vista as denúncias de negligência do país ao tratar casos de violência
doméstica, como no caso de Maria da Penha Maia Fernandes, fato que levou a editar a lei 11.340/06,
visto que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos denunciou o Brasil por violação de direitos
e garantias e proteção judicial de Maria da Penha.
Antes da edição da lei 11.340/06, o artigo 129 do Código Penal trata a violência doméstica nos casos
de lesão corporal como uma causa de aumento, trazendo a situação de desigualdade da mulher. Desse
modo, a lei 11.340/06 está em sintonia com os princípios constitucionais da dignidade humana, direito
fundamental de igualdade, e a previsão pedagógica de que a lei punirá qualquer discriminação
atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, estando também em consonância com a
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, Convenção
Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, e a Convenção de Belém
do Pará, sendo medidas destinadas a criar um ambiente em que haja igualdade entre os gêneros,
reconhecendo a situação de vulnerabilidade e hipossuficiência da mulher que é vítima de violência
doméstica, trazendo a necessidade de interferência estatal.

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A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

Segundo o Ministro Marco Aurélio, a interferência estatal nos casos de violência doméstica, sob um
ângulo constitucional explícito, o dever do estado de interferir, pois ao deixar a representação a
critério da vítima, estaria sem consonância com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade,
visto que em muitas vezes a mulher sofre represálias no lar, e a violência provoca receio e temores, o
que leva aos altos índices de retratação da representação, ou de a vítima não chegar a fazer a
representação. Deixar a representação a cargo da vítima, seria desconsiderar toda a sua situação de
vulnerabilidade, ameaças sofridas, pressão psicológica e econômica, além da assimetria de poder
decorrente das relações históricas culturais.
Diante desse cenário, faz se necessário a intervenção estatal, visto que o estado tem o dever de
proteção da mulher no âmbito da violência doméstica, visto que pelo artigo 226 §8° da Constituição
Federal, a família constitui base da sociedade e receberá proteção especial do estado, que deve coibir
a violência n âmbito doméstico. Além de interpretar os artigos 12, inciso I, 16 e 41 da lei 11.340/06 de
acordo com a Convenções de direitos humanos citadas, e em consonância com os princípios
constitucionais da dignidade humana, proporcionalidade, razoabilidade, igualdade e a previsão
pedagógica de que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades
fundamentais, o estado deverá intervir nos casos de violência doméstica contra a mulher, pois deixar
a representação a cargo da vítima, seria aceitar a condição de vulnerabilidade da mulher, e interpretar
a lei 11.340/06 sem estar em conformidade com a Constituição Federal.
O voto tem sentido de procedência da ADI, em que a ação penal pública cabível nos casos de violência
doméstica contra a mulher é a ação penal pública incondicionada, visto que deve se interpretar a lei
11.340/06 conforme os preceitos constitucionais explicitados.
“Logo, a declaração, como já ocorreu, da constitucionalidade do artigo 41 da
Lei nº 11.340/06, a estampar a não incidência da citada lei, afasta a previsão
de que a ação relativa ao crime do artigo 129 do Código Penal é pública
condicionada, mas, já agora em processo objetivo – cuja decisão irradia-se
extramuros processuais –, para expungir quaisquer dúvidas, resta emprestar
interpretação conforme à Carta da República aos artigos 12, inciso I, e 16 da
Lei nº 11.340/2006, para assentar a natureza incondicionada da ação penal
em caso de crime de lesão corporal, pouco importando a extensão dessa
última. É como voto na espécie.” (Voto do Ministro Relator Marco Aurélio,
ADI 4424, página 14)

4-CRITÉRIOS RAZOÁVEIS PARA A UTILIZAÇÃO DO FEMINISMO LIBERAL NA ADI 4424

4.1-A AÇÃO PÚBLICA INCONDICIONADA E A AUTONOMIA DA MULHER


Ao julgar procedente a Ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 4424 do Supremo Tribunal Federal,
e passar a considerar a ação penal pública incondicionada para casos de violência doméstica contra a

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A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

mulher, não tendo como condição a representação da mulher para que o estado inicie a ação, há o
questionamento de que isso estaria ou retirando a autonomia das mulheres em face do estado, e
como essa autonomia e discricionariedade do estado são analisadas sob a perspectiva do LibFem.
Como dito anteriormente, se fosse fazer uma análise meramente teórica do feminismo liberal
proposto por Mary Wollstonecraft, em que o cenário social e político demandavam para um estado
mínimo que não interferisse nos direitos das mulheres, visto que essas tem autonomia para decidir
seus atos, provavelmente a resposta seria que de fato a ausência de representação da vítima nesses
casos retira a autonomia da mulher, e que a ação deveria ser condicionada à representação da vítima,
com o intuito de preservar a autonomia da mulher. Mas, na sociedade atual, não é possível usar o
feminismo e o liberalismo puros propostos no século XIX, deve se analisar a autonomia da mulher sob
as circunstâncias de estatísticas de violência contra a mulher antes e depois do advento da lei
11.340/06, o papel da Constituição Federal e sua assistência à família, e as distinções entre os âmbitos
público e privado e a interferência estatal no âmbito privado atualmente, e demonstrar que mesmo a
ação penal sendo pública incondicionada, de modo que retira a autonomia da mulher, mas sendo
necessário para preservar em si e de modo indireto a sua autonomia.
No que refere se às estatísticas de violência contra a mulher, segundo pesquisas governamentais, a
média de violência doméstica entre 2001 e 2006 foi de 5,28%, e de 2007 a 2011, essa taxa caiu para
5,22% no Brasil. Os dados mostram que a violência doméstica contra a mulher não obtiveram
diminuição significativa mesmo após o advento da lei Maria da Penha, que serve como descriminação
positiva para diminuir a violência doméstica contra a mulher. Ainda em 2019, pesquisas apontam que
a cada 4 minutos uma mulher é vítima de violência doméstica no Brasil. Conforme exposto pelo
ministro Marco Aurélio em seu voto, há um grande índice de retratação da representação pelas vítimas
de violência doméstica, que em grande parte ocorrem por medo ou represálias no lar. O problema, é
que ao renunciar a representação, ocorre a extinção da punibilidade do autor do crime.
A Constituição federal, em seu artigo 226 §8°, trouxe papel importante do estado na proteção da
família, bem como para repelir a violência doméstica. O estado criou alguns mecanismos para coibir a
violência doméstica, como aplicativos, casa de abrigo para vítimas, grupos de apoio, medidas
protetivas em face do agressor, e em 2018, a Lei Maria da Penha teve alteração legislativa, em que o
agressor deve ressarcir o SUS (Sistema único de saúde) pelos custos com as vítimas de violência
doméstica, proposta pela deputada Érika Kokay (PT- DF), assegurando ainda que o patrimônio da
mulher vítima não fosse alcançado para o ressarcimento. Há também a alteração sobre o registro não
autorizado de intimidade sexual, em quem produzir, fotografar, filmar ou registrar conteúdo sexual,

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A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

íntimo e privado sem a anuência dos participantes, terá pena de detenção de seis meses a um ano e
multa. Porém, se praticado por alguém que tenha relações afetivas com a vítima, com o intuito de
vingança ou para humilhação, a pena poderá ser acrescida de 2/3. Foi aprovado também um projeto
de lei que prevê o comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação. 2 Há
também a Patrulha Maria da Penha, criada com o objetivo de fiscalizar e proteger mulheres em
situação de violência doméstica, de acordo com a Assembleia legislativa.
Essas são tentativas de interferência estatal para a diminuição da violência doméstica contra a mulher,
em consonância com os argumentos do ministro relator Marco Aurélio na ADI 4424, em que diz que a
Lei 11.340/06 deve ser interpretada em face e em consonância com os princípios constitucionais,
prevendo a assistência estatal do artigo 226 §8° da Constituição Federal. Há portanto, uma
interferência legislativa do estado para reprimir a violência doméstica contra a mulher, e essa
interferência perante o feminismo liberal proposto por Mary Wollstonecraft, mostra se acessível com
a teoria feminista, pois para Mary, deve se ter uma alteração das leis a fim de inserir as mulheres em
seu contexto. Mary Wollstonecraft pede ao bispo para que as mulheres sejam consideradas sujeitos
de direitos na nova constituição, porém, hoje as mulheres são consideradas sujeitos de direitos, haja
vista o princípio da igualdade na Constituição federal, e também evocado no voto do Ministro Marco
Aurélio, portanto, essa interferência estatal é válida perante o feminismo liberal, visto que a ideia
proposta por Mary Wollstonecraft é a universalidade de direitos, e em consonância com os princípios
constitucionais e os deveres do estado de assistência familiar, o estado não pode negar assistência,
tão menos tentar reprimir a violência doméstica por meio de alterações legislativas. Essa intervenção
também está associada ao princípio da vedação da intervenção deficiente, em que o estado não pode
deixar de exibir mecanismos de tutela de direitos, associando se assim ao princípio da
proporcionalidade, evitando que ao não ter a necessidade de representação, não ocorra a renúncia
da representação e não gere a extinção da punibilidade do autor do crime.
Do ponto de vista dos âmbitos públicos e privados, entende-se que o estado deve ser abstencionista
e não fazer interferências no âmbito privado, tendo como exemplo o princípio do livre planejamento
familiar na Constituição Federal em seu artigo 226 §7°. Porém, diante de situações como a de violência
doméstica, as mulheres tem dificuldades, muitas vezes, em deixar a situação de violência, como
pontuado pelo Ministro Marco Aurélio, as mulheres muitas vezes possuem dependência financeira do
agressor, por medo ou represálias sofridas no lar. Desse modo, deixar a persecução penal a cargo da
vítima seria aceitar a condição de vulnerabilidade da mulher, e assim, estaria interpretando a lei Maria
da Penha sem estar em conformidade com a Constituição Federal. Para o feminismo liberal proposto

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A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

por Mary Wollstonecraft, o estado não deve interferir no âmbito privado, apenas deve manter as
estruturas sociais e inserir as mulheres como sujeitos de direitos e dar lhes efetivamente direitos em
sua esfera pública, como por exemplo o direito ao voto, que foi fortemente reivindicado na época.
Atualmente, o feminismo liberal encontra alguns limites na lei, trazendo os ideais feministas para o
atual estado democrático de direito, acredito que a não intervenção estatal refira se a autonomia da
mulher como em questões de direito ao aborto, não proibindo e criminalizando a conduta, mas sim
assegurando que esse aborto seja de forma segura. De fato, segundo o feminismo liberal, o estado
não pode intervir na esfera privada da mulher, garantido assim a autonomia feminina, mas, no caso
de violência doméstica, a mulher torna se vulnerável nesse cenário, o que faz com que haja a
necessidade de intervenção estatal para garantir os direitos da mulher, e assim preservar a sua
autonomia, em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana. Conforme YOUNG
(1987),
“Teóricos e políticos modernos proclamaram a imparcialidade e a
generalidade do público e, ao mesmo tempo, em sã consciência, acharam
adequado que algumas pessoas, a saber, mulheres, homens de cor, e às
vezes, os despossuídos, sejam excluídos de participação naquele público. Se
isso não foi só um engano, sugere que o ideal do público cívico como
exprimindo o interesse geral, o ponto de vista imparcial da razão, por sua
vez, resulta em exclusão (YOUNG, 1987, p.75).”
“Afirma-se, portanto o caráter excludente da esfera pública e a necessidade
de uma política emancipatória que renove o sentido de cidadania. Essa
renovação, de acordo com Young (1987), não pode ser realizada a partir dos
ideiais iluministas e precisa enfrentar a ideia de Estado universal por meio
da ocupação do domínio público pelas diferenças.”
Mackinnon, outra autora feminista liberal da época também afirma que,
“As criminalizações da violência doméstica e, em particular, do estupro
marital estão entre as discriminações de gênero que mais desafiam a
dicotomia público-privado, em qualquer de suas versões. Afinal, mesmo na
concepção mais restrita de privado do liberalismo de influência romântica,
pode ser difícil justificar a intervenção estatal em relações conjugais que
pertencem às esfera de intimidade (MACKINNON, 1987).”
Entende-se que o estado deve intervir nos casos de violência doméstica, por conta da situação de
vulnerabilidade da mulher, e também para, como dito pelo ministro Marco Aurélio em seu voto,
devendo interpretar a lei Maria da Penha de acordo com os preceitos constitucionais, observa se
mesmo com a frase de Mackinnon, que já na época do auge do liberalismo do século XIX, já havia a
necessidade de intervenção estatal nos casos de violência doméstica. Nussbaum, autora feminista
liberal da época também afirma, NUSSBAUM (1999),
“As duas versões da dicotomia público-privado são problemáticas para o
feminismo. A primeira, como foi dito acima, porque assumiria que soluções
meramente formais, como o direito ao voto, seriam medidas suficientes

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465
A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

para emancipar as mulheres de papéis subordinados. A segunda, por sua


vez, porque resguardaria da intervenção pública as relações amorosas,
familiares e sexuais, que são os espaços em que a discriminação de gênero
aparece mais intensamente. As teorias feministas, por mais diversas que
possam ser suas concepções de igualdade, têm de lidar simultaneamente
tanto com a demanda pela reserva de um espaço de não-interferência social
e estatal nas escolhas e na conduta individual das mulheres, como com a
demanda de intervenção estatal na esfera privada quando é preciso evitar
ou coibir práticas sexistas de grupos sociais conservadores (NUSSBAUM,
1999).”
O próprio LibFem em sua origem já demonstrava a necessidade de intervenção estatal no âmbito
privado no que concerne à violência doméstica contra a mulher, visando evitar o domínio de grupos
sociais conservadores fortes sobre a mulher. No atual estado democrático de direito, seria até mesmo
inconstitucional um estado que negasse assistência às vítimas de violência doméstica, estaria ferindo
princípios constitucionais como o da igualdade, dignidade da pessoa humana e vedação da
intervenção deficiente, de modo que o estado já foi negligente com relação à proteção das mulheres
no caso de Maria da Penha, que teve como consequência a denúncia do Brasil por Convenções de
direitos humanos, e o próprio advento da Lei Maria da Penha (11.340/06). Deve haver essa
intervenção estatal na esfera privada, visto que atualmente, as mulheres já estão incluídas na
estrutura social, possuindo grande parte de direitos na esfera pública, podendo ser evidenciado por
dispositivos constitucionais, como ações afirmativas e princípios, e também por dispositivos infra
constitucionais, como por exemplo, a Lei Maria da Penha (11.340/06), tendo a necessidade de
intervenção estatal na esfera privada para que os direitos das mulheres possam ser resguardados, de
modo que a Lei 11.340/06, trouxe a violência doméstica contra a mulher para a esfera pública, sendo
um caso que deve ser encarado e merece intervenção estatal, tendo como causa o próprio caso da
Maria da Penha Maia Fernandes, em que o estado agiu com negligência, e também pelo ideal de
Estado democrático de Direito e sua justiça social proposta. Conforme FERNANDES (2015),
“Essas relações sociais de afeto ou familiares, palco de abusos e inúmeras
formas de violência, não podem ser reguladas unicamente por normas
morais, sob pena de se perpetuar a violência em prol da manutenção da
família. Assim, a Lei Maria da Penha transpôs a violência contra a mulher do
âmbito privado para o público, criando normas jurídicas dotadas de
efetividade (FERNANDES, Valéria Diez Scarance, Lei Maria da Penha: o
processo penal no caminho da efetividade: abordagem jurídica e
multidisciplinar (inclui lei do feminicídio), São Paulo, editora Atlas, 2015)”
Conclui se que os argumentos utilizados no voto do ministro relator Marco Aurélio na ADI 4424, estão
de acordo com os ideias de educação e universalidade de direitos propostos por Mary Wollstonecraft.
No que tange à educação proposta por Wollstonecraft, trata de que as mulheres, conforme proposto
o liberalismo, todos os indivíduos são iguais e dotados de razão, mas as mulheres deixam de ter essa

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466
A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

virtude, deixam de fazer uso dessa razão porque não são educadas para esse fim, o que leva a concluir
que para deixar a representação a critério da vítima, deveria haver uma educação e universalidade de
direitos para essa finalidade, conforme será explicado na sequência.
A questão é que essa razão a qual Wollstonecraft refere-se, ainda não é estimulada nas mulheres,
obviamente que esse estímulo em utilizar a razão é diferente do relatado pela autora naquele tempo,
mas mesmo as mulheres possuindo direitos na esfera pública, ainda são educadas dentro da esfera
privada para estarem como seres vulneráveis, evidenciado pelo grande índice de retratação de
representação pelas vítimas, por fatores como medo, represálias e muitas vezes por ter dependência
financeira do agressor. Portanto, a condição para que fosse razoável a utilização da ação penal pública
condicionada a representação da vítima, seria as mulheres terem educação para esse sentido, para
que pudessem expressar essa autonomia.
Na educação privada, as mulheres devem ser ensinadas de que são sujeitos de direitos e que há leis
para sua proteção, podendo evocar a tutela jurisdicional do estado para reprimir a violência que está
sofrendo, devendo também educar os homens para que tenham essa afetividade, ensinando que
mulheres são seres pensantes e que devem ter sua dignidade preservada, não de que mulheres são
seres inferiores, haja vista que a violência doméstica decorre de uma relação de poder sobre a vítima,
muitas vezes influenciadas pelo paternalismo. Na educação pública, a proposta seria programas para
reprimir a violência doméstica, ensinando as crianças de que as mulheres são seres racionais,
pensantes e emocionais, de modo a formar cidadãos com moralidade afetiva, como por exemplo
programas de proteção às vítimas de violência doméstica, de modo que a vítima não tenha
dependência de seu agressor e levando a exercer a notícia do crime sem medo de sofrer represálias
no lar. Essa educação também parte do estado, da esfera legislativa, criando leis que objetivem
minimizar cada vez mais a violência doméstica, como por exemplo a Lei Maria da Penha e suas
alterações que já foram expostas anteriormente. Há destaque também para a Lei 13.894/2019, 1 em
a justiça deve assegurar a assistência para a mulher em situação de violência doméstica, dando
prioridade para dissolução do divórcio, separação judicial ou da união estável. Como pontua
WOLLSTONECRAFT (1792),
“Na luta pelos direitos da mulher, meu principal argumento baseia-se neste
simples princípio: se a mulher não for preparada pela educação para se
tornar a companheira do homem, ela interromperá o progresso do
conhecimento e da virtude; pois a verdade deve ser comum a todos ou será
ineficaz no que diz respeito a sua influência na conduta geral. Como se pode
esperar de uma mulher que ela colabore, se nem ao menos sabe por que
deve ser virtuosa?” (WOLLSTONECRAFT, Mary, Reivindicação dos direitos
das mulheres,1792)

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A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

Deve se ter uma preocupação estatal com a proteção efetiva dos direitos das mulheres, como pontua
o ministro Marco Aurélio em seu voto, ao manter a ação penal pública incondicionada, está
interpretando a Lei Maria da Penha em conformidade com a Constituição Federal. A universalidade de
direitos a que se refere Wollstonecraft trata desse aspecto, visto que o estado deve elaborar leis que
visem a proteção efetiva dos direitos das mulheres, de modo a inseri- las na estrutura social, de forma
diferente da proposta pelo LibFem do século XIX, mas de forma a buscar a efetiva igualdade e
dignidade da pessoa humana trazidas pela Constituição federal. Como afirma Schraiber et al. (2005),
A violência é de fato uma séria ameaça à saúde pública, pois conduz ao aumento tanto da morbidade
quanto da mortalidade por causas externas, trazendo a questão da violência doméstica contra a
mulher para a esfera pública, de modo que faz se necessária a intervenção estatal para que reprima a
violência, de modo que não estaria interferindo na esfera privada da mulher, preservando assim sua
autonomia. Conforme FERNANDES (2015),
“A tradicional fórmula genérica de igualdade de “todos” perante a lei não
serviu para eliminar a discriminação contra as mulheres. A Constituição
Federal de 1988, atenta aos movimentos de valorização da mulher, previu
textualmente a igualdade de homens e mulheres em direitos e obrigações.
E o reconhecimento dessa igualdade formal foi o primeiro passo, retirando
do ordenamento diferenças discriminatórias. Contudo, a efetividade da
igualdade exige algo mais. (FERNANDES, Valéria Diez Scarance, Lei Maria da
Penha: o processo penal no caminho da efetividade: abordagem jurídica e
multidisciplinar (inclui lei do feminicídio), São Paulo, editora Atlas, 2015)”
A autora ainda afirma que,
“A igualdade formal é ao mesmo tempo justa e discriminatória, na medida
em que não reconhece as desigualdades. Homens e mulheres são iguais
enquanto sujeitos de direitos mas, são também diferentes. Fisicamente,
biologicamente, historicamente, economicamente e socialmente homens e
mulheres são diferentes e agem de modo distinto. Sob esse aspecto, nos
Estados Unidos surgiu a doutrina do impacto desproporcional, “construção
teórica que busca demonstrar o impacto desproporcional que a norma geral
pode ocasionar sobre certos grupos que não ostentam, de fato, uma posição
de igualdade”.A igualdade material ou substancial importa na discriminação
positiva, por meio de ações afirmativas para suprir as diferenças decorrentes
do gênero. FERNANDES, Valéria Diez Scarance, Lei Maria da Penha: o
processo penal no caminho da efetividade: abordagem jurídica e
multidisciplinar (inclui lei do feminicídio), São Paulo, editora Atlas, 2015”
Outro fator importante a ser inserido nessa educação, que visa criar indivíduos moralmente afetivos,
conforme proposto por Wollstonecraft, há um alto índice de mulheres que sofrem violência doméstica
mas, não denunciam seus agressores. Em grande parte enfrentam dificuldades de fazer a notícia do
crime nas delegacias, visto que a maioria dos policiais são homens e a vítima de violência doméstica,
diferente de outros crimes, costumam ter que explicar se e dizer se de fato não concorreram para que

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A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

ocorresse o crime.Fazendo em muitas vezes perguntas evasivas para as vítimas. Segundo a delegada
Sâmia Coser, titular da Delegacia da Mulher de Curitiba, em uma reportagem feita para a Gazeta do
povo explica que a capacitação dos policiais consiste em uma disciplina sobre violência doméstica e
familiar durante a formação na Escola de Polícia, na qual são ensinados os procedimentos da Lei Maria
da Penha e da delegacia especializada. “Mas não existe uma capacitação para atendimento de um
determinado setor. Trabalhamos com os funcionários da delegacia por exemplo, observamos se um
investigador registra um número muito menor de Boletins de ocorrência do que outro, aí queremos
entender qual é a dificuldade em relação ao atendimento.” Desse modo, faz se necessário que essa
educação chegue também no âmbito estatal na sua parte executiva, visto que já há grande esforço
legislativo para que hajam leis que tutelem os direitos das mulheres, para que as vítimas não sintam
se oprimidas a fazer a notícia do crime por conta de perguntas evasivas feitas por policiais.
Ao longo da história, o direito serviu de instrumento de opressão para as mulheres, conforme
explicado anteriormente na evolução das leis que tutelam os direitos das mulheres, sendo um direito
sexista, que mesmo reconhecendo alguns direitos para as mulheres. Como por exemplo o direito ao
voto, ainda oprimia as mulheres em alguns aspectos. Porém, essa universalidade de direitos é
encarada não mais da forma do século XIX, mas sim com uma preocupação de efetiva proteção aos
direitos das mulheres como exposto por Elena Larrauri, as leis mostraram opressão para as mulheres,
deixando as em situação de inferioridade, legitimando a violência doméstica. Conforme LARAURRI
(1994),
“Del mismo modo, si se recuerdan las normas civiles que regulaban la
subordinación y el deber de obediencia de la mujer y las normas penales que
daban un trato privilegiado al marido que ejerciese violencia fisica o sexual
sobre su mujer, es facil concluir que las expectativas de los hombries de ser
obedecidos encontraron un asidero legal (LARRAURI, 1994)”
Atualmente, no estado democrático de direito, a Constituição federal trata de igualdade formal e
material, de modo que não apenas as leis devem trazer igualdade estar apenas no papel mas sim,
trazer a igualdade material, garantida essa igualdade na prática. A universalidade de direitos visa
incluir as mulheres na estrutura social, garantindo sua dignidade e igualdade, o que mostra que em
grande parte da história as mulheres sofreram opressão por parte do direito, sendo o direito penal um
instrumento de opressão para as mulheres, de modo que a teoria feminista visa garantir a proteção
das mulheres por meio do direito, não oprimi-las. Portanto, atualmente a universalidade de direitos
deve ser objeto de normas que reflitam e manter os princípios constitucionais de dignidade e
igualdade da mulher, de modo que o estado deve fazer alterações legislativas em consonância com a
igualdade, buscando a justiça social que pretende a Constituição Federal. Portanto, o estado deve

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469
A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

empreender esforços para a proteção das mulheres por meio das leis, em consonância com os
princípios constitucionais, e também com os deveres estatais de assistência familiar proposto pelo
artigo 226 §8° da Constituição Federal, e também com a teoria feminista liberal, que propõe que o
estado insira as mulheres na estrutura social por meio da universalidade de direitos, e visto que para
o feminismo liberal a violência doméstica é um problema da esfera pública, o estado deve ter esforços
para reprimir a violência doméstica, como feito pela Lei Maria da Penha e suas consequentes
alterações. Explica LARRAURI (1994),
El ultimo rasgo de la doctrina feminista oficial es atribuir una función al
derecho, incluso el derecho penal, al cual se considera un instumento
adecuado en la estrategia de proteger, aumentar la igualdad y dotar de
mayor poder a las mujeres.
“El ultimo rasgo de la doctrina feminista oficial es atribuir una función al
derecho, incluso el derecho penal, al cual se considera un instumento
adecuado en la estrategia de proteger, aumentar la igualdad y dotar de
mayor poder a las mujeres” (LARRAURI, 1994, página 33).
Os critérios razoáveis para que a ação penal cabível nos casos de violência doméstica contra a mulher
seriam que as mulheres fossem educadas a fim de expressarem suas virtudes, educar também os
homens para que sejam indivíduos moralmente afetivos para lidar com situações de violência
doméstica e também pelo reconhecimento de que as mulheres são seres dotados de razão e não seres
meramente submissos. Outro critério seria também a universalidade de direitos, em que deve haver
intervenção estatal a fim de garantir que haja a igualdade formal e material para as mulheres. Com
leis e ações afirmativas afim de tutelar os direitos das mulheres.
Se a ação penal pública cabível é a ação incondicionada, não traz a necessidade de representação da
vítima, isso retira a autonomia da mulher? Entendemos que a autonomia da mulher sofre supressão
sob certo aspecto, haja vista que o estado inicia a ação sem a representação. Outro fator é levantado
no voto do ministro Cezar Peluso na ADI 4424 do STF, em que é favorável em manter a ação penal
pública condicionada a fim de garantir a autonomia da mulher e também pela celeridade dos juizados
especiais criminais na resolução de conflitos. Pelo artigo 41 da Lei 11.340/06 aplica se a lei 9099/95,
de modo que será de competência dos juizados especiais. Há argumentos favoráveis em manter a ação
penal pública condicionada visto que garante a autonomia da mulher, e que ao retratar a
representação terá a chance de solução consensual com o agressor, sem a necessidade de demandar
na justiça. As pesquisas de estatísticas governamentais (explicadas anteriormente) apontam que os
índices de violência doméstica contra a mulher elevam se a cada ano, mostrando que a mulher está
em condições de vulnerabilidade e que raramente é possível resolver de modo consensual com o
agressor, havendo a necessidade de intervenção estatal pelo poder judiciário.

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470
A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

A tese adotada por esse trabalho é de que os critérios razoáveis para que a ação cabível fosse a ação
penal pública condicionada afim de garantir a autonomia da vítima e pela primazia da solução
consensual, os indivíduos deveriam ser educados para essa finalidade e as leis protegerem de forma
efetivas as mulheres vítimas de violência doméstica.

5)O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O FEMINISMO LIBERAL

O feminismo liberal de Mary Wollstonecraft tem como fundamento a educação e a universalidade de


direitos para que as mulheres exercitem a virtude que lhes é oprimida, pautando se nos ideias liberais
que os indivíduos são seres iguais e racionais, e partindo disso, as mulheres também são seres
racionais, não havendo justificativa para que lhes fosse negados seus direitos. Fazendo subsunção para
o atual estado democrático de direito, entende-se que o ministro relator Marco Aurélio STF estaria
decidindo em conformidade com o feminismo liberal, mesmo que de modo implícito. Haja visto os
argumentos usados pelo Ministro relator, em que ao deixar o início da persecução penal a critério da
vítima, estaria aceitando a condição de vulnerabilidade da vítima e deixando de interpretar a lei Maria
da Penha conforme os preceitos constitucionais, de modo que o estado deve garantir a dignidade e
igualdade das mulheres. Afirmando que é uma área que demanda a intervenção estatal pois em muitas
vezes as mulheres encontram se em situação de dependência do agressor, assim faz com que hajam
altos índices de retratação da representação ou ainda que a vítima não faça a notícia do crime para a
autoridade policial.
A dicotomia público- privada proposta pelo liberalismo, é posta em cheque pelo feminismo liberal no
que refere se à violência doméstica contra a mulher, e observa se que o STF, de modo implícito,
corrobora com essa tese, visto que por conta de preceitos constitucionais o estado deve intervir e
garantir a tutela dos direitos da mulher, garantindo de modo indireto a autonomia da mulher em ter
sua dignidade preservada.
Os ministros em seus votos na ADI, corroboram com o voto do ministro relator, alegando que deve se
ter intervenção estatal a fim de garantir os direitos das mulheres, de modo que apenas o ministro
Cezar Peluzo difere da maioria dos votos. Trazendo o entendimento que deve se manter a aplicação
da Lei 9099/05 por conta da celeridade na resolução de conflitos que há nos juizados especiais, o que
seria mais efetivo para tutelar os direitos das mulheres. Os argumentos usados trazem os ideais do
LibFem, que mesmo havendo a tese de que o estado não pode interferir na esfera privada. Ao retirar
a necessidade da representação e declarar a inaplicabilidade da lei 9099/95, retira se a autonomia da
mulher.Mas, mesmo conforme o LibFem, a violência doméstica é uma questão que requer a

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471
A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

intervenção estatal, passando a ser um problema da esfera púbica, haja vista a condição de
vulnerabilidade das mulheres.
O Supremo Tribunal federal traz o consequencialismo feminista, em que a questão do gênero é
fundamental para aplicar o direito constitucional. Tendo como consequência a preservação dos
direitos das mulheres, como foi feito na ADI 4424 do STF.

6)CONSIDERAÇÕES FINAIS

Corrobora se com o voto do ministro relator Marco Aurélio na ação direta de constitucionalidade 4424,
STF, em que nos casos de violência doméstica contra a mulher abordados pela Lei Maria da Penha (Lei
11.340/06), será cabível a ação penal pública incondicionada, sendo desnecessária a representação da
vítima, não sendo cabível a lei 9099/95 (Lei dos juizados especiais), de modo que não requer a
representação da vítima para que inicie a persecução penal. O critério razoável para que a ação penal
cabível fosse a ação penal pública condicionada seria de acordo com os critérios feministas liberais
explicados anteriormente, que houvesse uma educação, tanto na esfera pública quanto na privada.
No sentido de fazer a mulher reconhecer sua autonomia, visto que no que tange a universalidade de
direitos o estado já interfere nas tentativas legislativas, explicadas anteriormente de amenizar a
violência doméstica contra a mulher. Enquanto não houver a educação das mulheres para sua
autonomia conforme proposto por Mary Wollstonecraft e atualizando o feminismo liberal para o atual
estado democrático de direito, não há que se falar em deixar a persecução penal à critério da vítima.
Pois estaria sendo aceita a condição de vulnerabilidade da mulher. Deixando de cumprir e garantir
seus direitos previstos em leis constitucionais e infra constitucionais. Visto que no próprio LibFem, a
violência doméstica é um problema que passa a ser da esfera pública, portanto, mostra que a esfera
privada continua sem interferência estatal. Preservando dessa forma os direitos das mulheres,
interpretando os artigos 12 inciso I, 16 e 41 da Lei 11.340/06 em conformidade com a Carta Magna,
garantindo os princípios de igualdade, dignidade, e proibição de proteção deficiente. Conclui se que o
feminismo liberal ao fazer se uma subsunção para a atualidade, no estado democrático de direito em
que busca se uma justiça social através da Constituição Federal. Não é possível interpretar o feminismo
liberal de forma dissociada de normas constitucionais e infra constitucionais, de modo que a
autonomia encontra limites onde dá se início ao direito.

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472
A Interferência Estatal Nos Casos De Violência Doméstica Contra A Mulher Sob A Perspectiva Do Feminismo Liberal

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HISTÓRICA E REFLEXO DAS INFLUÊNCIAS CULTURAIS E RELIGIOSAS, Revista Direito e Dialogicidade,
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30
474
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 37
10.37423/200702052

ESTUDO DA PREVALÊNCIA DE SINAIS E


SINTOMAS DE DESORDENS
TEMPOROMANDIBULARES EM MÚSICOS DE SOP

ANA PAULA BACHA DE OLIVEIRA CENTRO UNIVERSITÁRIO DO SUL DE


MINAS- UNIS-MG

ANA SARA DA SILVA GARCIA CENTRO UNIVERSITÁRIO DO SUL DE


MINAS- UNIS-MG
Estudo Da Prevalência De Sinais E Sintomas De Desordens Temporomandibulares Em Músicos De Sopro

Resumo: Trata-se de uma pesquisa cientifica que visa estudar a possível prevalência de sinais e
sintomas de desordens temporomandibulares (DTMs) em músicos de instrumentos de sopro
(aerofones). Tal abordagem é necessária, uma vez que tocar um instrumento musical de sopro exige
uma atividade musculoesquelética superior a função fisiológica normal do ser humano. Tendo isso, o
objetivo desse trabalho foi verificar se há relação entre a prática instrumental de sopro com o
desenvolvimento ou desencadeamento de DTMs, com esse intento, foi realizado um estudo
observacional descritivo de natureza transversal para determinar a prevalência de DTM em músicos. A
pesquisa foi realizada com 30 músicos de ambos os sexos separados em 2 grupos, grupo controle e
grupo estudado, onde foi aplicado questionários para identificação do participante, aplicação de
índices validados na literatura. Ao final os dados foram inseridos em planilhas do Excel do Windows®
e comparações foram feitas por meio do software Gretl®, concluindo-se que, não houve diferenciação
estatisticamente significante no Índice Anamnésico de Fonseca, porem o Índice ITM de Fricton e
Shiffiman foi possível observar que houve diferenciação entre os 2 grupos, sendo o grupo estudado
com a obtenção de uma média maior para os sintomas de DTMs, confirmando os achados anteriores
da literatura.
Palavras-Chave: Desordens Temporomandibulares. Músicos de sopro. Fisioterapia.

1
476
Estudo Da Prevalência De Sinais E Sintomas De Desordens Temporomandibulares Em Músicos De Sopro

1.INTRODUÇÃO

A música, segundo Lacerda (2011), é um meio de transmitir emoções, sentimentos de bem-estar,


relaxamento e prazer, considerada parte integrante das experiências do ser humano e do seu dia a
dia, encanta pela harmonia da combinação de sons e ritmos e muitas vezes marcam fases da vida.
Ainda passa a impressão de harmonia perfeita entre o ser humano e o instrumento, concertos
inesquecíveis, como resultado de longos meses de preparo e ensaios, mostra-nos a parte bela dessa
atividade. No entanto, é exigido um empenho excepcional no que se refere à flexibilidade, condição,
coordenação e motricidade fina (FRANK; MUHLEN, 2007).
Sob o ponto de vista físico, os instrumentos musicais são dispositivos sonoros, construídos por diversos
materiais escolhidos especialmente por razões de ordem prática e acústica. A configuração com que
cada instrumento musical é fabricado obedece às propriedades anátomo-fisiológicas humanas,
principalmente referentes à forma e dimensão da mão. Estes são divididos em quatro categorias: Os
Aerofones- som é produzido pela vibração do ar para dentro do instrumento, Cordofones- som é
produzido por uma corda tensa, Idiofones- som é produzido pelo próprio instrumento e os
Membranofones- som é produzido por membradas tensionadas como couro de animais ou cinéticos
(BULHOSA, 2012).
O termo embocadura concerne à forma no qual os lábios se conformam à volta do bocal de um
instrumento de sopro, que, para tocá-lo a embocadura formada pelos lábios, língua e dentes deve ser
aplicada de maneira a formar-se uma vedação em torno do bocal, onde apenas haja um pequeno
escape de ar para dentro do instrumento (LACERDA, 2011).
Define-se as Desordens Temporomandibulares (DTMs) segundo Lacerda, (2015) como sendo um
conjunto de patologias causadoras de dor em nível muscular ou esquelético, provocando alterações
na articulação temporomandibular (ATM) e um grande número de problemas clínicos. Isto inclui
músculos da mastigação, da ATM e das estruturas associadas, isolada ou coletivamente.
Segundo Moreira 2016, a DTM está intimamente ligada a dor cervical e o posicionamento da cabeça
como uma estratégia protetora da dor fazendo o indivíduo reagir para remover o estímulo doloroso.
Piozzi e Lopes, (2002) descrevem que as DTMs apresentam sinais e sintomas facilmente constatados,
e que são úteis ao diagnóstico, dentre eles os principais são: 1- Estalidos ou Clicks, 2- Crepitação, 3-
Hipomobilidade mandibular, 4- Irregularidade e assimetria dos movimentos de abertura e fechamento
da mandíbula, 5- Desordens do sono, 6-Dor na região da ATM. Segundo Lacerda at. al., (2015), os
músicos são um grupo bastante propenso ao desenvolvimento de DTM, podendo a sua prática
apresentar-se como um fator não somente desencadeante desta patologia, mas também agravante

2
477
Estudo Da Prevalência De Sinais E Sintomas De Desordens Temporomandibulares Em Músicos De Sopro

ou perturbante de um problema já existente, conferindo uma limitação temporária ou permanente na


habilidade e prática de um instrumentista musical de sopro. O mesmo autor descreve ainda que a
prática destes instrumentos musicais de sopro pode ser considerada uma prática parafuncional do
sistema estomatognático, uma vez que exige uma atividade mandibular superior à função fisiológica
normal. Tendo isto, o objetivo deste trabalho foi analisar a prevalência de sinais e sintomas de DTMs
em músicos executantes de instrumentos de sopro (Aerofones). Fatores psicossociais como ansiedade,
estresse e depressão são fatores que corroboram para o surgimento de DTM, isso também contribui
para a exposição de músicos, por serem constantemente confrontados com situações de ansiedade
elevada em consequência a autodisciplina, competitividade inerente à profissão musical (AMORIM,
2015).

2. METODOLOGIA

Trata-se de um estudo do tipo observacional descritivo de natureza transversal aprovado pelo Comitê
de Ética em pesquisa envolvendo seres humanos da Fundação de Ensino e Pesquisa do Sul de Minas-
FEPESMIG sob o protocolo número: CAAE: 12862219.0.0000.5111. Foi realizado uma revisão
bibliográfica por meio de buscas em bases científicas on-line, onde foram selecionados artigos
brasileiros e estrangeiros relevantes ao assunto. Para a pesquisa de campo foi solicitado a autorização
dos responsáveis pelas instituições através da assinatura de uma Carta de Anuência (APÊNDICES B, C,
D, e E).
Após a autorização, foi realizada uma explanação oral sobre o objetivo da pesquisa e a entrega de uma
cartilha explicativa sobre a DTM e seus sinais e sintomas (ANEXO IV), posteriormente os voluntários
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE A) sendo este menor de 18 anos,
o consentimento foi assinado pelos representantes legais. A coleta dos dados foi realizada em seus
locais de ensaio na Escola de Música Marcelo Pompeu e Banda Trombetas de Cristo da Igreja
Evangélica Assembleia de Deus-Missões, ambas da cidade de Campanha-MG e Orquestra da Igreja
Evangélica Assembleia de Deus-Missões e Conservatório Estadual de Música Maestro Marciliano Braga
ambos da cidade de Varginha-MG, incluindo professores e alunos.
A amostra foi constituída de 30 músicos divididos em 2 grupos, o grupo estudado composto por 15
músicos instrumentistas de aerofones e o grupo controle composto por 15 músicos instrumentistas
de outros tipos de instrumentos que não fossem os aerofones, sendo o critério de inclusão músicos
com mais de 5 anos e menos de 25 anos de prática instrumental e que estejam ativos nos ensaios e

3
478
Estudo Da Prevalência De Sinais E Sintomas De Desordens Temporomandibulares Em Músicos De Sopro

apresentações, e os de exclusão foram músicos com menos de 5 anos e mais de 25 anos de prática
instrumental e que não estavam ativos nos ensaios e apresentações.
Os materiais utilizados na pesquisa foram, uma maca portátil, paquímetro da marca Western®, papel
toalha, álcool a 70% e luvas de procedimento. Foi aplicado um questionário adaptado de Neto e
Almeida et. al. (2009) (ANEXO I) com perguntas relacionadas à identificação do participante como
nome, idade, sexo, tipo de instrumento musical e o tempo de envolvimento na prática do instrumento,
uma avaliação da articulação temporomandibular através do Índice Temporomandibular de Fricton e
Shiffman (ITM) (ANEXO II) que inclui medidas da abertura bucal utilizando paquímetro Western®,
desvio da linha média e dor à palpação dos músculos como: temporais, masseteres, pterigoideos e da
própria articulação. E o Índice Anamnésico de Fonseca (ANEXO III) que é um instrumento com
perguntas de 3 opções de respostas cada (sim, não e às vezes) para caracterizar a severidade dos
sintomas de DTM, citados por Chaves; Oliveira e Grossi (2008).
As avaliações foram realizadas individualmente em uma sala reservada e por um mesmo avaliador e a
palpação muscular foi realizada em decúbito dorsal na maca. Os dados coletados foram inseridos em
planilhas do Excel do Windows® e comparações foram feitas por meio do software Gretl®, utilizando-
se estatística descritiva para determinação dos valores médios e percentuais.

3. RESULTADOS

Conforme a tabela 1, 10 músicos do grupo controle tocavam instrumentos de corda representando a


maior parte com 66,6% da amostra, e os demais dividiram-se entre, teclas e percussão. Já o grupo
estudado a maior parte da amostra constitui de Flauta Transversal com 33,3% da amostra, seguido de
Saxofone Alto com 26,6% e a menor foi o Clarinete com apenas 1 participante, representando 6% da
amostra.
Tabela 1. Relação de músicos por instrumento.

4
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Estudo Da Prevalência De Sinais E Sintomas De Desordens Temporomandibulares Em Músicos De Sopro

A proporção de músicos por gênero na amostral total, apresentou uma prevalência do sexo masculino
com 80% e do sexo feminino 20% da amostra. Com relação a idade, a média do grupo músicos de
sopro foi de 39,8 anos e do grupo controle de 30,533 anos, sobre anos de prática instrumental o grupo
controle teve em média 17,6 anos de prática e o controle em média 13,933 anos de prática, conforme
a tabela 2.
Analisando as pontuações do índice Anamnésico de Fonseca, o grupo de músicos de sopro obtiveram
35 pontos no total e o grupo de outros tipos de instrumentos 32 pontos, com um valor de P= 0,7428,
considerando um nível de confiança de 0,05 e 27 graus de liberdade obtém-se um Tcrítico tabelado de
1,79329, logo não houve diferenciação estatisticamente significante entre os instrumentistas de sopro
e os demais instrumentistas.
No que tange o Índice Temporomandibular de Fricton e Shiffiman, os músicos de sopro obtiveram uma
média de 0,6073 pontos e os músicos de outros instrumentos uma pontuação de 0,2953 pontos, com
um valor de P= 0,00007238, logo é possível afirmar que a diferença entre as pontuações é relevante
estatisticamente, confirmando a relação entre o aumento da pontuação e a prática do instrumento de
sopro (Tabela 2).
Tabela 2. Média das variáveis, incluindo ITM de Fricton e Índice Anamnésico de Fonseca
Analisando

Analisando cada componente do Índice Anamnésico de Fonseca (tabela 3), pode-se observar que,
ambos os grupos apresentaram a mesma percentagem quando questionados se sentem dificuldades
para abrir a boca, já ao serem questionados se sentem dores na nuca ou torcicolo, os instrumentistas
de sopro tiveram maiores queixas com 73,33% em relaçao ao grupo controle, com 53,33% P= 0,2733,
vale ressaltar que ao serem questionados se rangem ou apertam os dentes, 60% da amostra dos 2
grupos responderam que sim, podendo relacionar o que foi registrado na ficha de anamnese, quando
questionados se sentiam mais ansiosos em momentos de performanse e apresentações 20 (67%) dos

5
480
Estudo Da Prevalência De Sinais E Sintomas De Desordens Temporomandibulares Em Músicos De Sopro

participantes disseram que sim e apenas 10 (33%) participantes não se sentiam ansiosos, afirmando
que a exigência das apresentações, podem influênciar emocionalmente músicos em geral,
desencadeando assim, apertamento dentário e rager dos dentes.
Tabela 2. Sinais e sintomas de DTM e valor de p para os grupos intérpretes de instrumentos de sopro
e de outros instrumentos.

Figura 1 Avaliação da abertura bucal. Figura 2: Avaliação da lateralidade


Fonte: Próprio

Fonte: Próprio autor. Fonte: Próprio autor.

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Estudo Da Prevalência De Sinais E Sintomas De Desordens Temporomandibulares Em Músicos De Sopro

Figura 3: Avaliação do Pterigoideo Lateral. Figura 4: Avaliação do Masseter.

Fonte: Próprio autor. Fonte: Próprio autor.

4. DISCUSSÃO

Não houve grandes diferenciações entre os 2 grupos, porém, cabe ressaltar que a incidência de sinais
e sintomas em ambos os grupos estudados apresentou-se alta, uma vez que uma pontuação no Índice
anamnésico de Fonseca igual ou superior a 20 pontos é considerada um indicativo de DTM (MARIOTTO
et. al, 2015).
Em ambos os grupos, 60% relataram ranger ou apertar os dentes, o que afirma Neto et. al. (2009) em
seu estudo descrevendo que os músicos relataram rangem os dentes enquanto ouviam músicas,
marcando em sua mente, inconscientemente o tempo das melodias.
O resultado do Índice Anamnésico de Fonseca, pode ser explicado segundo Neto et. al (2009) pelo fato
de muitos músicos afirmarem que sua condição de dor é normal e procuram encontrar meios de
mascarar os efeitos deste problema, o que podemos confirmar quando partimos para a avaliação
palpatória dos músculos através do Índice Temporomandibular de Fricton de Shiffman.
Nos músicos executantes de instrumentos de metal, como trompete e trombone, 80% tinham desvio
da linha média, bem como presença de estalidos na abertura e fechamento da boca, isso pode ser
explicado segundo Neto et. al (2009), que em um estudo céfalométrico com trompetistas que
apresentavam má oclusão, com retroposição mandibular, foi observado que para manter o contato

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482
Estudo Da Prevalência De Sinais E Sintomas De Desordens Temporomandibulares Em Músicos De Sopro

dos lábios com o bocal, estes músicos precisavam projetar excessivamente a mandíbula para frente o
que poderia explicar a presença do sintoma de DTM. Segundo o mesmo autor, a pressão nesses
instrumentos de metal pode chegar até 500 gramas, podendo gerar má oclusão, tendo em vista que
uma pressão de 100 gramas já é um peso suficiente para deslocar um dente ortodonticamente.

Foi observado no presente estudo que todos os músicos trompetistas e trombonistas com mais de 20
anos de prática relataram que seus dentes não se articulavam corretamente, o que justifica a
argumentação de Neto et.al (2009) quando descreve sobre a má oclusão e Lacerda, (2015) ao
constatar que a interação entre idade e anos de prática do instrumento constituem fatores de risco
associados a DTM.

5. CONCLUSÃO

A partir dos resultados encontrados, foi possível concluir que uma soma de fatores, colocam os
músicos em geral como um grupo suscetível a apresentar sinais e sintomas de DTM, porem com maior
atenção para músicos executantes de instrumentos de sopro, que apresentaram escores
relativamente maiores, afirmando que tal prática pode ser considerada um fator desencadeante ou
agravante de DTM. Diante da crescente adesão de jovens à aprendizagem musical, é de opinião do
autor ser de extrema importância e atualidade a importância de se ter uma maior atenção para a
prevenção e tratamento de complicações orofaciais e musculoesquelética com uma visão cinético-
funcional, juntamente a esta classe. Uma das limitações do estudo foi a amostra limitada de músicos,
portanto é necessário a realização de novos estudos para a confirmação dos resultados apresentados.

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483
Estudo Da Prevalência De Sinais E Sintomas De Desordens Temporomandibulares Em Músicos De Sopro

5. REFERÊNCIAS

AMORIM, Mónica Isabel Tavares. As disfunções temporomandibulares nos violinistas portugueses e


a sua relação com a ansiedade do desempenho musical. 2015. Tese de Doutorado.

BULHOSA, José. Impactos oro-faciais associados à utilização de instrumentos musicais. Revista


Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial, v. 53, n. 2, p. 108-116, 2012.

CHAVES, Thaís Cristina; DE OLIVEIRA, Anamaria Siriani; GROSSI, Débora Bevilaqua. Principais
instrumentos para avaliação da disfunção temporomandibular, parte I: índices e questionários; uma
contribuição para a prática clínica e de pesquisa. Fisioterapia e pesquisa, v. 15, n. 1, p. 92-100, 2008.

FRANK, Annemarie; MÜHLEN, Carlos Alberto Von. Queixas musculoesqueléticas em músicos:


prevalência e fatores de risco. Revista brasileira de reumatologia, v. 47, n. 3, p. 188-196, 2007.

LACERDA, Filipa et al. Estudo de prevalência das disfunções temporomandibulares articulares em


estudantes de instrumentos de sopro. Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e
Cirurgia Maxilofacial, v. 56, n. 1, p. 25-33, 2015.

LACERDA, Filipa Alexandra de Oliveira. Estudo da prevalência de desordens temporomandibulares em


músicos de sopro. 2011. Tese de Doutorado. [sn].

MARIOTTO, Lígia Gabrielle Sanches et al. Efeito da prática de instrumentos musicais nas disfunções
temporomandibulares e distúrbios do sono. Clinical and Laboratorial Research in Dentistry, v. 21, n. 4,
p. 220-226, 2015.

MOREIRA, Alexandre Bittencourt et al. Disfunção temporomandibular e dor cervical: comorbidades?.


Revista de Atenção à Saúde (antiga Rev. Bras. Ciên. Saúde), v. 14, n. 48, p. 99-105, 2016.

NETO, José Stechman et al. Ocorrência de sinais e sintomas de disfunção temporomandibular em


músicos Occurrence of signs and symptoms of temporomandibular dysfunction in musicians. Rev Soc
Bras Fonoaudiol, v. 14, n. 3, p. 362-6, 2009.

PIOZZI, Rodrigo; LOPES, Flávia Chiquito. Desordens temporomandibulares–Aspectos clínicos e Guia


para a Odontologia e Fisioterapia. Jornal Brasileiro de Oclusão, ATM & Dor Orofacial, v. 2, n. 5, 2002.

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Estudo Da Prevalência De Sinais E Sintomas De Desordens Temporomandibulares Em Músicos De Sopro

APÊNDICE A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

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APÊNDICE B

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APENDICE C

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Estudo Da Prevalência De Sinais E Sintomas De Desordens Temporomandibulares Em Músicos De Sopro

APENDICE D

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APENDICE E

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ANEXO I
FICHA DE ANAMNESE

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ANEXO II

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Estudo Da Prevalência De Sinais E Sintomas De Desordens Temporomandibulares Em Músicos De Sopro

ANEXO III

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Estudo Da Prevalência De Sinais E Sintomas De Desordens Temporomandibulares Em Músicos De Sopro

ANEXO IV

18
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Estudo Da Prevalência De Sinais E Sintomas De Desordens Temporomandibulares Em Músicos De Sopro

ANEXO V

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494
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 38
10.37423/200702053

CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA SÓCIO-


HISTÓRICA DE VIGOTSKI PARA A INCLUSÃO
ESCOLAR DE ALUNOS COM ALTAS
HABILIDADES\ SUPERDOTAÇÃO

Lirani Firmo da Costa Souza Faculdade Venda Nova do Imigrante

Mayara Cristina da Silva Lima Centro Universitário Tiradentes

Hedwe Matheus de Sousa Firmo Universidade Federal de Alagoas

Rodrigo da Silva Almeida Universidade Federal de Alagoas

Andréa Adriana da Silva Universidade Federal de Alagoas


Contribuições Da Psicologia Sócio-Histórica De Vigotski Para A Inclusão Escolar De Alunos Com Altas Habilidades\ Superdotação

Resumo: O presente artigo tem como objetivo refletir sobre a importância da inclusão social dos
alunos com altas habilidades\ superdotação a partir das contribuições da Psicologia Sócio-Histórica de
Vigotski. Consiste então num ensaio acadêmico onde serão expostos os nossos pontos de vista, que
terão o embasamento teórico-metodológico crítico do materialismo histórico-dialético. Ressaltamos a
pertinência de discutir esta temática, diante da crescente necessidade de se promover a inclusão no
contexto das diversidades existentes na escola e devido a este assunto não ser muito visibilizado no
Brasil, além de serem escassas as pesquisas atrelando as altas habilidades\ superdotação com a
perspectiva de Vigotski. A partir disso problematizamos dois aspectos importantes: inicialmente, a
necessidade de pensar numa concepção ampliada de inclusão escolar, e em seguida, as contribuições
vigotskianas para a inclusão escolar desses alunos. Logo, no caso das altas habilidades\ superdotação,
Vigotski ressalta a necessidade de compreender o aluno no seu processo de desenvolvimento e
aprendizagem a partir da sua individualidade e complexidade, fazendo uma mudança de
procedimentos, atentar para a promoção das formas especiais de talento e focar na promoção do
desenvolvimento socioemocional deles a partir da sua função de mediador e propulsor do
desenvolvimento, a fim de fazer com que se sintam bem consigo mesmos e com o fato de serem
diferentes, onde a escola e a família são aliados nesse processo.
Palavras-Chave: Altas habilidades\ Superdotação. Inclusão escolar. Psicologia Sócio-Histórica. Vigotski.

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Contribuições Da Psicologia Sócio-Histórica De Vigotski Para A Inclusão Escolar De Alunos Com Altas Habilidades\ Superdotação

INTRODUÇÃO

O presente ensaio tem o intuito de refletir sobre a importância da inclusão escolar dos alunos com
altas habilidades\ superdotação a partir das contribuições da Psicologia Sócio-Histórica de Vigotski.
Assumimos a considerações feitas por Oliveira e Ferreira (s\d) de que as escolas geralmente não estão
preparadas para práticas promotoras do desenvolvimento desses alunos, uma vez que comumente
entendem que eles podem se desenvolver por si mesmos, independentemente das intervenções
desenvolvidas em sala de aula.
Ressaltamos que é pertinente discutir esta temática, diante da crescente necessidade de se promover
a inclusão no contexto das diversidades existentes na escola. Além disso, este assunto não tem sido
muito visibilizado no Brasil, como também são escassas as pesquisas atrelando as altas habilidades\
superdotação com a perspectiva vigotskiana.
Assim, neste trabalho serão problematizados dois aspectos importantes: 1) A necessidade de uma
concepção ampliada de inclusão escolar e, posteriormente, as 2) Contribuições da Psicologia Sócio-
Histórica para a inclusão escolar de alunos com altas habilidades\ superdotação.

METODOLOGIA

Este texto consiste num ensaio acadêmico e tem o intuito de problematizar a temática da inclusão
escolar dos alunos com altas habilidades\ superdotação, onde serão expostos os nossos pontos de
vistas, que terão o embasamento teórico-metodológico da Psicologia Sócio-Histórica, perspectiva a
qual possuímos afinidade.
A perspectiva Sócio-Histórica é uma abordagem crítica da Psicologia que está fundamentada no
pensamento de Lev Semenovich Vigotski, cuja base é o materialismo histórico-dialético, partindo da
premissa de que um método implica em uma concepção de mundo, uma concepção de homem e uma
concepção de conhecimento (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2019).
Uma vez que tais concepções são construídas social e historicamente, é possível observar o caráter
histórico do método. Já o aspecto dialético refere-se ao movimento de concretude das ações do ser
humano, permeada pelas condições já existentes social e historicamente. E o aspecto materialista
ressalta que a realidade material possui existência independente em relação à ideia, ao pensamento
e à razão, uma vez que existem leis na realidade, numa ótica determinista que é possível conhecer a
realidade e suas leis em sua totalidade (BOCK, 2015).

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Contribuições Da Psicologia Sócio-Histórica De Vigotski Para A Inclusão Escolar De Alunos Com Altas Habilidades\ Superdotação

Então, a metodologia está embasada na noção de historicidade, refletindo questões concretas


presentes na vida material dos indivíduos (GONÇALVES, 2009; OLIVEIRA, 2011). Além disso, essa
corrente:

[...] rompe com as visões dicotômicas e organicistas e entende o homem


como ser ativo e histórico, embrenhando no social, na sua cultura, num
processo de constituição mútua, onde ambos estão imbricados num plano
de construção, transformação e movimento constantes (OLIVEIRA, 2011, p.
28).

Ressaltamos ainda que não é nosso objetivo oferecer soluções prontas e nem definitivas para a
problemática supracitada, mas sim fomentar reflexões sobre pontos que consideramos relevantes
para a inclusão escolar e a proposição de políticas públicas direcionadas para sujeitos com altas
habilidades\ superdotação. Trata-se então de um texto teórico-discursivo onde traremos o nosso
posicionamento sobre o referido assunto.
Para fazer esta discussão, tivemos como base algumas obras de Vigotski:
Desenvolvimento Psicológico na Infância (1998), A Formação Social da Mente: O Desenvolvimento dos
Processos Psicológicos Superiores (2007); Pensamento e Linguagem (2008), A Construção do
Pensamento e da Linguagem (2009), A Imaginação e a Arte na Infância (2009), Psicologia Pedagógica
(2010), Imaginação e Criatividade na Infância (2014) e de alguns textos que versam sobre a temática
da inclusão escolar das pessoas com altas habilidades\ superdotação para, a partir de uma leitura
crítica, compreender melhor os principais questionamentos sobre este tema. Também fizemos uso
dos seguintes conceitos de Vigotski:
Desenvolvimento humano; Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP); emoções\ afetividade e
Criatividade e Imaginação.

A NECESSIDADE DE UMA CONCEPÇÃO AMPLIADA DE INCLUSÃO ESCOLAR

De acordo com o Conselho Nacional de Educação e da Câmara de Educação Básica, as pessoas com
altas habilidades\ superdotação são aquelas que: “[...] apresentam um potencial elevado e grande
envolvimento com as áreas do conhecimento humano, isoladas ou combinadas: intelectual, liderança,
psicomotora, artes e criatividade” (BRASIL, 2009, p. 1).
Já no documento: “Altas Habilidades/Superdotação: Encorajando Potenciais” (BRASIL, 2007), da
Secretaria de Educação Especial (SEESP):

3
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Contribuições Da Psicologia Sócio-Histórica De Vigotski Para A Inclusão Escolar De Alunos Com Altas Habilidades\ Superdotação

[...] os termos “pessoas com altas habilidades” e “superdotação” são mais


apropriados para designar aquela criança ou adolescente que demonstra
sinais ou indicações de habilidade superior em alguma área do
conhecimento, quando comparada aos seus pares (BRASIL, 2007, p.7).
Isso quer dizer que, de um modo geral, essas pessoas possuem um maior desempenho escolar do que
os seus pares. Todavia, essas características não podem ser generalizadas de forma simultânea ou em
um mesmo nível para todos os alunos desse grupo, pois elas vão depender do tipo de alta habilidade\
superdotação de cada um. Também é importante ressaltar que esses alunos podem ter baixo
rendimento e desempenho escolar, falta de interesse e motivação para assuntos acadêmicos e
também problemas de adaptação a esse contexto, pois apresentam necessidades educacionais
especiais e precisam de intervenções pedagógicas diferenciadas, que na prática não têm acontecido
(OLIVEIRA; FERREIRA, s\d).
Matos e Maciel (2016) corroborando com os autores acima, acrescentam que outro fator que faz com
que estes alunos não sejam devidamente assistidos é o fato de o tema das altas habilidades\
superdotação ser pouco conhecido e debatido pelos educadores. Isso mostra o quão necessário é
fomentar discussões sobre este assunto, a fim de que seja problematizado como podem ser feitas
intervenções diferenciadas necessárias para a aprendizagem efetiva deste público.
Ponte e Silva (2015) ressaltam que as dificuldades de acesso à escola não se limitam ás barreiras físicas.
Isso porque existem também outros tipos de obstáculos para a inclusão das pessoas na escola e na
sociedade atual, como, por exemplo, o preconceito e os estereótipos, os estigmas, os abusos de
direitos, a negação, etc.
Dentre os principais motivos para isso está o fato de que as ideias de inclusão escolar ainda estarem
voltadas predominantemente para aqueles alunos que possuem um desempenho inferior aos demais,
partindo do pressuposto de que os que possuem altas habilidades\ superdotação não precisam de
atendimento educacional especial (OLIVEIRA; FERREIRA, s\d).
Além disso, muitos professores não sabem identificar essas habilidades e acabam tendo dificuldades
de favorecer o desenvolvimento desses alunos ou, quando conseguem reconhecê-las, sentem-se
despreparados para intervir. O reflexo disso tem sido a realização de práticas excludentes e
desestimulantes para esses sujeitos (OLIVEIRA; FERREIRA, s\d).
Um dos resultados disso é a evasão escolar. Isso porque é comum esses alunos não serem atendidos
em suas especificidades, o que geralmente faz com que eles se sintam excluídos e desestimulados a
prosseguir no processo educativo. Também é frequente que muitos deles acabam passando
despercebidos por seus professores e sua família (PISKE, 2013).

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Contribuições Da Psicologia Sócio-Histórica De Vigotski Para A Inclusão Escolar De Alunos Com Altas Habilidades\ Superdotação

Diante disso percebemos a necessidade de os educadores e os familiares desses alunos compreendam


que eles possuem características distintas dos outros da sua idade, que se referem ás suas distintas
áreas de interesse e que quando não são identificados e motivados, podem se frustrar e evadir da
escola por falta de atendimento adequado (PISKE, 2013). Também é importante lembrar que:
No contexto escolar, o aluno superdotado pode sofrer situações adversas.
Quando não é reconhecido, pode apresentar comportamentos
considerados inadequados, desatenção, desmotivação, ou ser confundido
com alunos que têm patologias das mais variadas, como: hiperatividade,
déficit de atenção, depressão, síndrome de Asperger, autismo, entre outras.
No caso de ser reconhecida essa situação, pode ocasionar sentimentos
como medo, ódio, inveja ou supervalorização. Em outros casos, o jovem é
considerado capaz de suprir suas necessidades, inclusive emocionais, por
simplesmente apresentar altas habilidades/superdotação (PISKE, 2013, p.
14-15).
No que se refere às políticas públicas, Matos e Maciel (2016) trazem um histórico das ações
direcionadas para as pessoas com altas habilidades\ superdotação no Brasil. De acordo com eles, tudo
começou com a primeira menção à educação de alunos excepcionais na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB) em 1961. Porém, foi só em 1971 que a LDB incluirá explicitamente diretrizes para o
ensino de superdotados. Então em 1973 surgiu o Centro Nacional de Educação Especial (CENESP).
Posteriormente, foi criada a Fundação à Associação Brasileira de Superdotados em seis estados
brasileiros.
Já no ano de 1986 o CENESP é substituído pela Secretaria de Educação Especial (SEESP). Em 2003 é
fundado o Conselho Brasileiro para Superdotação (ConBrasSD) em todos os estados e em 2005 a SEESP
criou núcleos de Atividades de Altas Habilidades\ Superdotação (NAAH\S) nos 27 territórios brasileiros
(MATOS; MACIEL, 2016).
É possível perceber que, apesar de já haver políticas públicas direcionadas para esse público, elas
parecem não ser suficientes para proporcionar a sua inclusão escolar. Isso faz com que seja necessário
pensar no que pode ser feito para que a inclusão realmente se concretize.
Diante disso, percebemos então a necessidade de propor uma concepção ampliada sobre a inclusão
escolar1, tendo em vista que consideramos haver um reducionismo ao atribuir a educação inclusiva
unicamente a garantia de acesso de pessoas com diferentes deficiências às escolas.
Apesar de reafirmarmos aqui a importância dessa garantia, adotamos neste ensaio uma maior
amplitude na concepção de inclusão que pressupõe uma revisão profunda sobre aspectos implicados
no processo ensino-aprendizagem, como por exemplo, renovação de metodologias de ensino,
renovação nos parâmetros de avaliação, renovação nas políticas de gestão escolar, inserção de

5
500
Contribuições Da Psicologia Sócio-Histórica De Vigotski Para A Inclusão Escolar De Alunos Com Altas Habilidades\ Superdotação

práticas reflexivas sistemáticas voltadas para todos os integrantes da comunidade escolar (alunos,
professores, funcionários e gestores), etc.
Defendemos que para que essa concepção ampliada de inclusão escolar possa se concretizar é
necessário fomentar a acessibilidade atitudinal junto desses alunos. Para que isso aconteça é preciso
que sejam desconstruídos alguns preconceitos em torno da temática das altas habilidades\
superdotação.
Falar em acessibilidade atitudinal e inclusão social na escola é muito pertinente, tendo em vista que,
geralmente quando pensamos em acessibilidade e inclusão social no espaço escolar, é comum ter-se
em mente as pessoas com deficiências físicas, transtornos globais do desenvolvimento, etc.
Entretanto, fomentar a inclusão é contemplar também as diversas possibilidades de acessibilidade que
podem ser implementadas, onde aqui focalizamos a atitudinal. A acessibilidade atitudinal refere-se
então ao conjunto de ações voltado para a preparação e seguridade das pessoas que possuem altas
habilidades\ superdotação.
Tal como já foi ressaltado, as dificuldades de acesso à escola não se limitam ás barreiras físicas, não se
pode esquecer que existem também outros tipos de obstáculos para a inclusão das pessoas na escola
e na sociedade atual, como, por exemplo, o preconceito e os estereótipos, os estigmas, os abusos de
direitos, a negação, etc. (PONTE; SILVA, 2015).
Acreditamos ser um passo fundamental para a prática de uma concepção de inclusão escolar ampliada
e, consequentemente, a promoção da acessibilidade atitudinal de pessoas com altas habilidades\
superdotação é a superação de preconceitos em torno desse público. Então, um preconceito muito
comum é o de que esses alunos, por serem rotulados como acima da média, não necessitam de
atendimento educacional especializado. Outro preconceito é a concepção de que alunos com
deficiências físicas e intelectuais necessitam mais de atendimento educacional especializado do que
os com altas habilidades\ superdotação.
Para Pérez e Freitas (2009) isso acontece porque há uma ideia arraigada de que as deficiências
precisam de auxílio, enquanto que os que possuem altas habilidades\ superdotação já são
privilegiados. Além disso, Pérez (2007) traz o seu posicionamento de que:
A própria legislação valoriza mais a inclusão de alunos com deficiência, e
pouca gente reconhece que, como estes, o aluno com altas habilidades
também precisa de educação especial. A ideia de que deficientes têm maior
necessidade de atendimento especial é falsa. O que acontece é que a pessoa
com deficiência, por possuir algo a menos, provoca na sociedade um
sentimento de culpa. O superdotado, ao contrário, causa um misto de ódio
e inveja, quando identificado, ou indiferença. [...] A necessidade do
deficiente é, de fato, mais evidente. É preciso dar reforço para o deficiente

6
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Contribuições Da Psicologia Sócio-Histórica De Vigotski Para A Inclusão Escolar De Alunos Com Altas Habilidades\ Superdotação

mental, adaptar a sala de aula para o cadeirante, criar material em braile


para o cego... No caso das altas habilidades, não é necessário um recurso
externo físico para que o estudante seja atendido. O que ele precisa é de
uma adaptação curricular, de uma estratégia pedagógica diferenciada
(PÉREZ, 2007, p.10).
Assumimos as considerações da autora supracitada de que é preciso reconhecer que os alunos com
altas habilidades\ superdotação também enfrentam dificuldades de aprendizagem e precisam de
adaptações no currículo e também de estratégias pedagógicas diferenciadas. Isso se justifica porque
eles possuem uma capacidade de assimilação acima da média dos seus pares e é justamente por isso
que costumam ter dificuldades de concentração durante as aulas, tédio e falta de motivação, podendo
em alguns casos vir a atrapalhar as aulas (MATOS; MACIEL, 2016).
Matos e Maciel (2016) apresentam outro preconceito muito comum: geralmente o professor tem
dificuldade para reconhecer esse desinteresse do aluno ou quando o reconhece, comumente o
diagnostica como tendo um “mau comportamento”. Entretanto, tal preconceito dificulta a inclusão
escolar desses alunos porque mascara a real necessidade deles: a proposição de atividades que
estimulem sua capacidade intelectual superior. Os autores pontuam ainda que para incluir essas
crianças na escola é preciso que primeiramente elas se sintam bem consigo mesmas e com o fato de
serem diferentes e também que lhe sejam ofertadas possibilidades de desenvolver o seu potencial.
Outro preconceito em torno desse público é o de que um desenvolvimento cognitivo saudável é
suficiente para proporcionar uma alta produtividade na escola e na vida. Tal concepção é enganosa e
tem contribuído para que o desenvolvimento socioemocional desses alunos continue passando
despercebido pela escola e por sua família, o que acaba dificultando o atendimento das necessidades
educacionais especiais deles (PISKE, 2013).
Piske (2013) ainda acrescenta que isso acontece porque o sistema educacional brasileiro está muito
aquém de proporcionar a inclusão escolar dos alunos com altas habilidades\ superdotação, como a
contratação de profissionais da educação capacitados para
atender a esse público. Na opinião desta autora, as práticas de inclusão são muito importantes, tendo
em vista que geralmente estes alunos passam despercebidos em sala de aula e se sentem excluídos e
por isso costumam apresentar isolamento social, baixa autoestima e outros problemas emocionais,
uma vez que costumam ser incompreendidos por parte de sua família e da escola.
Portanto, no caso dos alunos com altas habilidades\superdotação: “As dificuldades [...] não são
relacionadas as habilidades acadêmicas, mas a maior parte do tempo, estão relacionadas com
habilidades sociais, cuja relação é dialética [...] (MATOS; MACIEL, 2016, p. 184). Diante do desafio de

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Contribuições Da Psicologia Sócio-Histórica De Vigotski Para A Inclusão Escolar De Alunos Com Altas Habilidades\ Superdotação

promover a inclusão escolar, a perspectiva de Vigotski pode trazer importantes contribuições


(OLIVEIRA; FERREIRA, s\d).

CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA DE VIGOTSKI PARA A INCLUSÃO ESCOLAR DE


ALUNOS COM ALTAS HABILIDADES\ SUPERDOTAÇÃO

De acordo com os pressupostos vigotskianos, as pessoas só se tornam verdadeiramente humanas a


partir das relações que estabelecem, sendo produtos e produtoras de seus vínculos no decorrer de
sua existência. São então essas relações que geram as condições de sua existência, das relações sociais,
da história e da cultura (VIGOTSKI, 1998; SOUZA; MOREIRA, 2012).
Diante disso, inicialmente consideramos importante apresentar a concepção de desenvolvimento
humano utilizada para direcionar este trabalho, proposta por Vigotski (2007) que:
[...] implica a rejeição do ponto de vista comumente aceito de que o
desenvolvimento cognitivo é o resultado de uma acumulação gradual de
mudanças. Acreditamos que o desenvolvimento da criança é um processo
dialético complexo caracterizado pela periodicidade, desigualdade no
desenvolvimento de diferentes funções, metamorfose ou transformação
qualitativa de uma forma em outra, embricamento de fatores internos e
externos e processos adaptativos que superam os impedimentos que a
criança encontra [...] (VIGOTSKI, 2007, p. 80).
A partir dessa concepção de desenvolvimento humano, Vigotski ressalta a necessidade de
compreender o aluno no seu processo de desenvolvimento e aprendizagem a partir da sua
individualidade e complexidade e, no caso das altas habilidades superdotação, sugere uma mudança
de procedimentos e atenção no decorrer da promoção das formas especiais de talento (VIGOTSKI,
2010; PISKE, 2013).
Para que haja o desenvolvimento das formas especiais de talento, Vigotski (2010) ressalta inicialmente
a importância de a escola e a família estarem atentas as diferenças individuais próprias de cada aluno,
entendendo que:
[...] Havendo identidade familiar da constituição do corpo humano e do
comportamento, cada constituição se destaca por qualidades e
propriedades específicas, singulares, únicas, só dela e, no fundo, é uma
variação do mesmo tipo médio do “homem em geral” que deve ser visto
apenas como um procedimento metodológico cômodo como uma abstração
e nada mais (VIGOTSKI, 2010, p. 428).
Consequentemente, Vigotski (2010) coloca dois desafios para os pedagogos, psicólogos e escola como
um todo:
[...] em primeiro lugar, o estudo individual de todas as particularidades
específicas de cada educando em particular, em segundo, do ajuste
individual de todos os procedimentos de educação e interferência do meio
social em cada uma delas. Nivelar todas elas é o maior equívoco da

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Contribuições Da Psicologia Sócio-Histórica De Vigotski Para A Inclusão Escolar De Alunos Com Altas Habilidades\ Superdotação

pedagogia, e a sua premissa básica requer forçosamente a individualização:


requer a definição constante e precisa do objetivos individuais da educação
para cada aluno (VIGOTSKI, 2010, p. 431).
Diante do desafio de auxiliar os sujeitos com altas habilidades\ superdotação a se sentirem bem
consigo mesmos e com o fato de serem diferentes, Vigotski (1998), ao explicar o desenvolvimento
socioemocional tomando como base o contexto sociocultural nos auxilia a pensar em sua inclusão
escolar.
A abordagem vigotskiana concebe o desenvolvimento socioemocional como a interligação de um
sistema de reações influenciado pelo meio social em que cada sujeito está inserido. Defende que a
afetividade de cada pessoa é construída culturalmente e as emoções e sentimentos são nomeados e
concebidos de formas distintas, a depender do contexto cultural. Consequentemente, ressalta o quão
importante é a qualidade das interações com o meio para o desenvolvimento emocional da pessoa
(VIGOTSKI, 2010; PISKE, 2013). Não esquecendo que:
[...] O aspecto emocional do indivíduo não tem menos importância do que
outros aspectos e é objeto de preocupação da educação nas mesmas
proporções em que o são a inteligência e a vontade. O amor pode ser um
talento tanto quanto a genialidade, quanto a descoberta do cálculo
diferencial. Em ambos os casos o comportamento humano assume formas
exclusivas e grandiosas (VIGOTSKI, 2010, p. 146).
Piske (2013) acrescenta que no caso dos discentes que possuem altas habilidades\superdotação o
apoio emocional do professor e da família é ainda mais necessário a fim de promover a motivação
deles e o desenvolvimento de suas potencialidades. O docente precisa estar atento às reações
emocionais, funcionando como um mediador desses alunos com a sua família, que deve ser orientada
a também a dar suporte socioemocional a eles. Nesse sentido Vigotski (2010) pontua que:
A emoção não é um agente menor do que o pensamento. O trabalho do
pedagogo deve consistir não só em fazer com que os alunos pensem e
assimilem geografia, mas também a sintam. Por algum motivo, essa ideia
não costuma vir à cabeça, e o ensino de colorido emocional é entre nós um
hóspede raro, o mais das vezes relacionado a um amor impotente do próprio
professor por seu objeto, professor esse que desconhece os meios para
comunicar essa matéria aos alunos e por isso costuma passar por esquisitão
(VIGOTSKI, 2010, p. 144).
Mesmo diante desse impasse, Vigotski (2010) traz um importante direcionamento afirmando que:
[...] Antes de comunicar esse ou aquele sentido, o mestre deve suscitar a
respectiva emoção do aluno e preocupar-se com o que essa emoção esteja
ligada a um novo conhecimento. Todo o resto é saber morto, que extermina
qualquer relação viva com o mundo [...] (VIGOTSKI, 2010, p. 144).
Então, incluir o aluno com altas habilidades superdotação vai muito além do acompanhamento do seu
progresso intelectual, pois implica também em aceitar a diferença no contexto escolar, promover o
seu bom desempenho integral, o que inclui o seu desenvolvimento socioemocional e diminuir a

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Contribuições Da Psicologia Sócio-Histórica De Vigotski Para A Inclusão Escolar De Alunos Com Altas Habilidades\ Superdotação

possibilidade de evasão escolar. Para isso a autora propõe o reconhecimento da maturidade


emocional como algo importante para que os alunos superdotados possam progredir em seu
aprendizado e desenvolvam sua capacidade de reagir na sociedade. Mas para que isso se concretize é
preciso que a escola e a família conheçam o potencial desse alunado e os seus aspectos
socioemocionais para que possam lidar com situações específicas e singulares (PISKE, 2013).
No caso da escola podemos destacar o professor como um importante instrumento de mediação entre
o aluno e o conhecimento disponível ao seu redor, tal como propôs Vigotski (2008). Na concepção
vigotskiana o professor é visto como um agente propulsor de desenvolvimento, ao aliar
intencionalidade da aprendizagem, compreendendo cada aluno em suas individualidades e fazendo
organização curricular dos conteúdos trabalhado em sala de aula.
Nesse sentido, Piske (2013) ressalta que é importante que o professor saiba direcionar o
conhecimento para a realidade de cada aluno, procurando discernir o que é fundamental para motivar
o aluno a ter progresso na aprendizagem. Torna-se necessário que os discentes consigam
compreender daquilo que estão aprendendo, caso contrário aquilo não lhe fará sentido. Daí a
relevância de instigar o aprender através de um processo de aprendizagem criativo e significante. Em
sua ação mediadora o professor precisa estar atento a forma de pensar de cada aluno e do quão
importante é a construção da afetividade. Ele então faz uso de processos interativos e de diálogos com
os alunos e seus pais e outras metodologias que os auxiliem a ter equilíbrio no desenvolvimento
afetivo na escola.
Entretanto, Piske (2013) pontua que, infelizmente, o atendimento aos alunos com altas habilidades\
superdotação, principalmente no que se refere aos aspectos socioemocionais, ainda é muito restrito
e deficitário. Como já vem sendo bem enfatizado neste artigo, eles necessitam de atendimento
educacional especial para que possam ter um desempenho saudável em cada etapa do seu
desenvolvimento. Para isso é preciso que os educadores compreendam que, para promover a inclusão
desse público, é necessário ir além da mudança de práticas educativas, que em sua maioria têm como
foco o desenvolvimento cognitivo; enquanto que a esfera socioemocional não tem recebido tanta
importância.
Então, para Vigotski o processo de educação precisa estar direcionado para atividade pessoal do aluno
e toda arte do educador consiste somente em orientar e regular essa atividade (PISKE, 2013). Ele ainda
ressalta que: “[...] a educação se faz através da própria experiência do aluno, a qual é inteiramente
determinada pelo meio e nesse processo o papel do mestre consiste em organizar e regular o meio”
(VIGOTSKI, 2010, p. 67).

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Contribuições Da Psicologia Sócio-Histórica De Vigotski Para A Inclusão Escolar De Alunos Com Altas Habilidades\ Superdotação

Além disso, uma vez que para a perspectiva vigotskiana a definição de altas habilidades\ superdotação
está relacionada à capacidade de desenvolvimento humano, não podemos esquecer que tal
capacidade tem relação direta com à forma como o docente trabalha em sala de aula. Quando a aula
consegue despertar a criatividade e o interesse do aluno, o mesmo conseguirá expressar sua alta
capacidade e habilidade em produzir, assim como os seus mais preciosos sentimentos e emoções que
envolvem todo o contexto do processo de ensino-aprendizagem. Também é importante que o
professor procure instigar esse aluno a desenvolver autonomia e para realizar atividades e suas
próprias produções, valorizando a sua experiência (PISKE, 2013).
Para que os alunos com altas habilidades\ superdotação possam desenvolver o seu potencial, é preciso
estimular a sua criatividade. Segundo Vigotski (2009) a criatividade é um aspecto muito importante
para o desenvolvimento humano, tendo em vista que:
[...] O cérebro não se limita a ser um órgão capaz de conservar ou reproduzir
as nossas experiências passadas, é também um órgão combinatório, criador,
capaz de reelaborar e criar novas normas e concepções a partir de
experiências
passadas. Se a atividade do homem se reduzisse a repetir o passado, o
homem seria um ser virado exclusivamente para o ontem e incapaz de se
adaptar a um amanhã diferente. É precisamente a atividade criadora do
homem que faz dele um ser projetado para o futuro, um ser que contribui
para criar e que modifica o seu presente (VIGOTSKI, 2009, p. 11).
Vigotski também ressalta que é o aprendizado que possibilita o desenvolvimento, ou seja, o que a
pessoa aprende é o que faz com que ela se desenvolva. Daí a importância de os alunos receberem
intervenções adequadas a fim de que possam atingir o seu potencial, inclusive os que possuem altas
habilidades\ superdotação. Para isso, é necessário que a escola compreenda o aluno, em seu processo
de desenvolvimento e aprendizagem, na sua individualidade e complexidade (VIGOTSKI, 2008).
Vigotski (2007) dá então uma nova dimensão à aprendizagem escolar a partir de dois conceitos
importantes: a zona de desenvolvimento real e a zona de desenvolvimento proximal (ZDP). A primeira
diz respeito a todas as situações e problemas que uma criança consegue resolver sozinha, utilizando-
se da inteligência e de todas as habilidades que já possui desenvolvidas. Já a ZDP se refere aquilo que
está próximo de ser adquirido; é a zona que está sendo preparada para a conquista de mais um passo
no desenvolvimento, representado por uma nova capacidade mental, uma nova habilidade, um novo
conhecimento e é construída na interação professor-aluno.
Então, o papel central da aprendizagem é o de criar a ZDP, despertando vários processos internos de
desenvolvimento na interação entre os indivíduos, no meio social. Então, a intervenção pedagógica
torna-se essencial na promoção do desenvolvimento dos alunos com altas habilidades\ superdotação

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Contribuições Da Psicologia Sócio-Histórica De Vigotski Para A Inclusão Escolar De Alunos Com Altas Habilidades\ Superdotação

e, quando docente intervém na sua ZDP nas situações de aprendizagem em sala de aula, estará
proporcionando o seu desenvolvimento, assegurando um ambiente favorável e estimulador e,
consequentemente, a sua inclusão escolar (VIGOTSKI, 2007).
Vigotski (2008) também ressalta que o professor precisa focar nos pontos fortes dessas crianças e não
nas suas deficiências. Isso significa dizer que a aprendizagem precisa estar direcionada para o futuro
e não para o passado. Não esquecendo que: “[...] O aprendizado é uma das principais fontes de
conceitos da criança em idade escolar, e é também uma poderosa força que direciona o seu
desenvolvimento, determinando o destino de todo o seu desenvolvimento mental [...]” (VIGOTSKI,
2008, p. 107). Consequentemente:
[...] O que a criança é capaz de fazer hoje em cooperação será capaz de fazer
sozinha amanhã. Portanto, o único tipo positivo de aprendizado é aquele
que caminha à frente do desenvolvimento, servindo-lhe de guia; deve
voltar-se não tanto para as funções já maduras, mas principalmente para as
funções em amadurecimento [...] (VIGOTSKI, 2008, p. 130).
Além disso, como já foi bem ressaltado neste texto, a família também pode auxiliar no
desenvolvimento e inclusão dos alunos com altas habilidades\ superdotação. Tal como Vigotski (2007)
defende, a aprendizagem tem início muito antes de as crianças começarem a frequentar a escola: “[...]
Qualquer situação de aprendizado com a qual a criança se defronta na escola tem sempre uma história
prévia” (VIGOTSKI, 2007, p. 94). Nesse sentido, os pais podem ensiná-las habilidades socioemocionais
para que desenvolvam uma autoestima saudável, lidar com as frustrações da vida e com as suas
emoções e sentimentos, etc.
Não esquecendo que, uma vez que esses alunos possuem uma alta capacidade cognitiva, eles
costumam ser alvo de críticas e julgamentos. Isso porque, o fato de terem altas habilidades\
superdotação não significa que não precisam de motivação para desenvolver seus talentos e
prosseguir nos estudos. A família também poderá dar suporte emocional quando
acontecer de esse aluno nos momentos em que ele se incompreendido por aqueles que estão ao seu
redor, como coleguinhas, professores, etc.
Quando os pais e pessoas mais próximas estão presentes na vida da criança fica mais fácil perceber
eventuais dificuldades e procurar ajuda de psicólogos, neuropsicólogos, psicopedagogos, dentre
outros profissionais, para poder compreender as especificidades da criança e auxiliar a escola no
atendimento das necessidades dela.
Assim, destacamos aqui a importância de a família, junto com a escola, assumirem a sua parcela de
responsabilidade no desenvolvimento da criança, sendo ela o grupo primário ao qual a criança tem
contato, no intuito de fomentar a inclusão social dos sujeitos com altas habilidades\ superdotação.

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Afinal, Vigotski (2008) já dizia: “Com o auxílio de uma outra pessoa, toda criança pode fazer mais do
que faria sozinha – ainda que se restringindo aos limites estabelecidos pelo grau de seu
desenvolvimento” (VIGOTSKI, 2008, p. 129).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, ao discutirmos a inclusão social das pessoas com altas habilidades\ superdotação a partir
dos pressupostos da Psicologia Sócio-Histórica de Vigotski assumimos uma postura crítica, embasada
no materialismo histórico-dialético, abandonando a visão abstrata pela qual os fenômenos
psicológicos têm sido concebidos. Partindo desses pressupostos, sugerimos que, para refletir sobre a
inclusão escolar desses alunos é preciso inicialmente pensar na inclusão escolar de uma forma mais
ampla, diferente de como comumente vem sendo feito no discurso das políticas públicas direcionadas
para eles, apesar de tais políticas serem importantes. Todavia, consideramos haver um reducionismo
ao atribuir a educação inclusiva unicamente a garantia de acesso de pessoas com diferentes
deficiências às escolas. Acreditamos que esse é um dos motivos pelos quais as políticas públicas não
têm sido suficientes para incluir esses sujeitos.
Apesar da importância dessa garantia, é necessária também uma revisão profunda sobre aspectos
implicados no processo ensino-aprendizagem, como por exemplo, renovação de metodologias de
ensino, renovação nos parâmetros de avaliação, renovação nas políticas de gestão escolar, inserção
de práticas reflexivas sistemáticas voltadas para todos os integrantes da comunidade escolar (alunos,
professores, funcionários e gestores), etc.
Defendemos a pertinência de superar alguns preconceitos existentes sobre as altas habilidades\
superdotação, que no geral giram em torno das ideias de que esses alunos, por serem rotulados como
acima da média, não necessitam de atendimento educacional especializado e de que um
desenvolvimento cognitivo saudável é suficiente para proporcionar uma alta produtividade na escola
e na vida, negligenciando os aspectos socioemocionais. O reflexo disso é que muitos deles costumam
ter baixo rendimento e desempenho escolar, falta de interesse e motivação para assuntos acadêmicos
e também problemas de adaptação a esse contexto, tendo em vista que possuem necessidades
educacionais especiais e precisam de intervenções pedagógicas diferenciadas, que na prática não têm
acontecido. Diante disso, a perspectiva sócio-histórica de Vigotski pode trazer importantes
contribuições.
No caso das altas habilidades\ superdotação, Vigotski ressalta a necessidade de compreender o aluno
no seu processo de desenvolvimento e aprendizagem a partir da sua individualidade e complexidade,

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Contribuições Da Psicologia Sócio-Histórica De Vigotski Para A Inclusão Escolar De Alunos Com Altas Habilidades\ Superdotação

fazendo uma mudança de procedimentos e atenção no decorrer da promoção das formas especiais
de talento a fim de individualizar os procedimentos educativos para esse público. Também é
necessário focar na promoção do desenvolvimento socioemocional desses sujeitos a fim de fazer com
que se sintam bem consigo mesmos e com o fato de serem diferentes. É preciso então ir além da
mudança de práticas educativas, para que eles possam desenvolver o seu potencial, estimulando,
dentre outras coisas, a sua criatividade.
O professor é então visto como um importante propulsor do desenvolvimento desses alunos,
exercendo a importante função de mediador, auxiliando-os a desenvolver suas potencialidades e
talentos, estimulando a dimensão socioemocional deles, por meio da zona de desenvolvimento
proximal que é estabelecida entre ambos, diante da importância da qualidade das interações com o
meio para o desenvolvimento emocional da pessoa. Mas, para que isso aconteça é necessário que não
só a escola, mas também a família assuma a sua parcela de contribuição no processo inclusivo desses
alunos, tendo em vista que a aprendizagem tem início antes de a criança frequentar a escola.
Reforçamos então a necessidade de se fomentar discussões sobre este assunto, a fim de ele tenha
mais visibilidade, principalmente no Brasil, onde ainda são escassas as pesquisas atrelando as altas
habilidades\ superdotação com a perspectiva vigotskiana. Defendemos que é a partir disso que será
possível problematizar como podem ser feitas intervenções diferenciadas necessárias para a
aprendizagem efetiva desse público.
Finalmente, reafirmamos aqui o nosso posicionamento de que não é nosso objetivo oferecer soluções
prontas e nem definitivas para a problemática supracitada, mas sim fomentar reflexões sobre pontos
que consideramos relevantes e também ressaltamos a necessidade de serem realizadas mais
investigações, principalmente no Brasil, sobre as contribuições das concepções de Vigotski para a
temática das altas habilidades\ superdotação.

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509
Contribuições Da Psicologia Sócio-Histórica De Vigotski Para A Inclusão Escolar De Alunos Com Altas Habilidades\ Superdotação

REFERÊNCIAS

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510
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16
511
Contribuições Da Psicologia Sócio-Histórica De Vigotski Para A Inclusão Escolar De Alunos Com Altas Habilidades\ Superdotação

NOTAS
1Tal concepção ampliada de inclusão escolar é da autoria da profa. Nadja Maria Vieira da Silva, doutora

em Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e docente do Programa de


Pós-Graduação em Psicologia (PPGP), na linha Saúde, Clínica e Práticas Psicológicas, do Instituto de
Psicologia (IP) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

17
512
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 39
10.37423/200702057

PRÁTICA COLABORATIVA E EDUCAÇÃO


INTERPROFISSIONAL DA RESIDÊNCIA
MULTIPROFISSIONAL EM NEUROLOGIA E
NEUROCIRURGIA: PERCEPÇÃO DOS
PRECEPTORES

Reijane Bezerra de Pinho Lemos de Aguiar Centro Universitario Unichristus; Hospital


Geral de Fortaleza

Mateus Estevam Medeiros-Costa Centro Universitario Unichristus; Hospital


Geral de Fortaleza

Claudia Maria Costa de Oliveira Centro Universitario Unichristus; Hospital


Geral de Fortaleza
Prática Colaborativa E Educação Interprofissional Da Residência Multiprofissional Em Neurologia E Neurocirurgia: Percepção Dos
Preceptores

1. INTRODUÇÃO

Uma das principais características do trabalho em saúde é o trabalho em equipe multiprofissional, que
surge enquanto uma alternativa para efetivar o cuidado integral em saúde e, o processo
multiprofissional, é construído no interior dessas equipes. O trabalho multiprofissional garante a
interação entre vários conhecimentos técnicos e específicos. Essas relações resultam em soluções ou
propostas de intervenção, em que não poderiam ser produzidas por nenhum profissional de forma
isolada, mas como fruto da cooperação de diversos indivíduos, portadores de diferentes saberes
(FEVERWERKER; SENA, 1999).
A multiprofissionalidade é uma modalidade de trabalho coletivo, que se materializa na troca e conexão
entre várias intervenções técnicas de múltiplos agentes, cujo mecanismo primordial é a linguagem,
através do processo de mediação simbólica entre os vários saberes (PEDUZZI, 1998). A equipe
multiprofissional de saúde, aparece respaldada principalmente pela noção de atenção integral ao
paciente, ao enfatizar os aspectos preventivos, curativos e de reabilitação, que deveriam ser
contemplados a partir dos conceitos de processo saúde-doença, e de estratégias de integração
(PEDUZZI, 2000).
Através da necessidade de formar profissionais para uma atuação diferenciada no Sistema Único de
Saúde (SUS), surge a residência multiprofissional em saúde (RMS), a qual pressupõe a construção
interdisciplinar dos profissionais em saúde, trabalho em equipe, dispositivo de educação permanente
e reorientação das lógicas técnicas e assistenciais. De acordo com Silva et al. (2016), a RMS configura-
se como um espaço para o desenvolvimento das ações de Educação Permanente em Saúde (EPS),
sendo um dispositivo potencial para a promoção das mudanças pretendidas pelos profissionais de
saúde, a fim de consolidar os princípios do SUS.
O trabalhador da saúde é o maior recurso que o SUS necessita para garantir o cuidado em saúde. Uma
vez que, a equipe capacitada para lidar com a complexidade do processo saúde-doença, capaz de
articular e estruturar o processo de trabalho, baseado na prática multiprofissional e com abordagem
interdisciplinar, configura-se como um dos pilares da RMS (SOUZA SALVADOR et al., 2011).
Dentre esses trabalhadores da saúde, encontra-se o preceptor, que é designado para orientação dos
residentes nas atividades relativas à sua categoria profissional (núcleo) ou entre as categorias (campo).
Deve promover a integração entre os diferentes profissionais em formação com a equipe de saúde,
com a população e com os demais serviços que irão estabelecer relação durante período enquanto

1
514
Prática Colaborativa E Educação Interprofissional Da Residência Multiprofissional Em Neurologia E Neurocirurgia: Percepção Dos
Preceptores

residente. Desse modo, o preceptor atua como educador e mediador, ao fortalecer o trabalho
interdisciplinar/interprofissional e ao fomentar a transversalidade e a grupalidade (LORENZ, 2010).
A RMS com ênfase em neurologia e neurocirurgia desenvolvida no Hospital Geral de Fortaleza (HGF)
surgiu em 2014, visando formar e ativar lideranças técnicas, científicas e políticas para a qualificação
da rede no cuidado do paciente Neurológico e Neurocirúrgico de Alta Complexidade, em face das
estratégias de promoção, proteção e recuperação da saúde, embasada na colaboração
interprofissional, na integralidade e na intersetorialidade (ESP-CE, 2017).
Por ser um serviço relativamente novo, as comunicações científicas sobre a prática colaborativa e
educação interprofissional são incipientes. O presente estudo teve como objetivo analisar a educação
interprofissional e prática colaborativa em preceptores da residência multiprofissional de neurologia e
neurocirurgia do Hospital Geral de Fortaleza-CE.

2.MÉTODOS

Trata-se de um estudo de natureza descritivo-exploratória e analítica com abordagem qualitativa e


quantitativa. Participaram de forma voluntária 34 preceptores da residência multiprofissional em
neurologia e neurocirurgia do HGF. Desses, oito são fisioterapeutas (23,5%), seis enfermeiros (17,6%),
quatro assistentes sociais (11,7%), quatro nutricionistas (11,7%), quatro terapeutas ocupacionais
(11,7%), quatro farmacêuticos (11,7%), três fonoaudiólogos (8,8%) e um psicólogo (2,9%). Entre os
preceptores, 23 (67,6%) possuem título de especialista, nove mestres (26,5%), um doutor (2,9%) e um
preceptor sem titulação em pós-graduação. Na sua maioria são mulheres (94,1%), com idade média
de 43,7 ± 9,6 anos (variação entre 27 e 64 anos). Dos sujeitos do estudo, 58,8% relataram ter
participado do curso de formação para preceptoria, com 3,1 ± 0,9 anos de experiência enquanto
preceptor.
Os participantes foram submetidos a uma entrevista semiestruturada gravada e o roteiro serviu apenas
como norteador. As entrevistas tinham como finalidade analisar a percepção do preceptor, no que diz
respeito aos fenômenos que circunscrevem a sua formação profissional, seu processo de trabalho na
residência, sua intersecção com as demais áreas e seus apontamentos sobre a interdisciplinaridade na
formação profissional na área de neurologia e neurocirurgia.
Posteriormente, os preceptores responderam ao questionário de avaliação interprofissional
“Readiness for Interprofessional Learning Scale (RIPLS), traduzido e validado para a língua portuguesa
(PEDUZZI et al., 2015). Esta escala conta com 27 itens, distribuídos em três fatores, e cada item pode
receber uma resposta com pontuação que varia de 1 a 5 (escala de Likert), conforme a resposta:

2
515
Prática Colaborativa E Educação Interprofissional Da Residência Multiprofissional Em Neurologia E Neurocirurgia: Percepção Dos
Preceptores

discordo totalmente; discordo; nem concordo e nem discordo; concordo; e, concordo totalmente. O
Trabalho em equipe e colaboração reúne os itens 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 12, 13, 14, 15 e 16 do
questionário, onde explora-se as atitudes positivas e disponibilidade para aprendizado compartilhado,
trabalho em equipe, colaboração, confiança e respeito entre pares. O segundo fator, Identidade
profissional, agrupa oito itens (10, 11, 17, 19, 21, 22, 23 e 24), os quais remetem a atitudes negativas
para aprendizagem interprofissional, à autonomia profissional e os objetivos clínicos de cada profissão.
Já o terceiro fator, denominado de Atenção à saúde centrada no paciente, possui cinco itens (25, 26,
27, 28 e 29), e remete à atitude positiva e disponibilidade para entender as necessidades da
perspectiva do paciente com base em relações de confiança, compaixão e cooperação (PEDUZZI et al.,
2015). A consistência interna dos fatores do questionário RIPLS foram testados por intermédio do alfa
de Cronbach.
As entrevistas e o preenchimento do questionário foram realizados após a aprovação do Comitê de
Ética em Pesquisas (CEP) do HGF, com o número do CAE: 62659616.0.3001.5040, sendo necessária a
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Após a coleta do material das entrevistas, os dados foram transcritos e executada a leitura flutuante,
isto é, a leitura em profundidade de cada um dos relatos até dominar o todo de um mesmo
depoimento (BARDIN, 1977). Desse modo, foi possível detectar os elementos que enunciam a lógica
subjacente à fala do sujeito, e elaborar um esquema provisório de interpretação (uma síntese de cada
depoimento) à luz do referencial teórico que orienta a pesquisa e as categorias empíricas ou núcleos
temáticos que emergem ou são identificados com base na leitura reiterada das entrevistas (MINAYO,
2010). Posteriormente, de acordo com a particularidade de cada entrevista, foi executada uma leitura
horizontal do conjunto dos relatos, para que se pudesse estabelecer relações entre os depoimentos.
Com o auxílio do programa SPSS (v. 22.0) foram realizadas as análises estatísticas descritivas, como
média (M), desvio-padrão (DP) e intervalos de frequência.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1. ANÁLISE DA DISPONIBILIDADE PARA EDUCAÇÃO INTERPROFISSIONAL
A confiabilidade interna do RIPLS aplicado à população em estudo foi boa, tendo sido testada por
intermédio do alfa de Cronbach. Entre os três fatores que compõem a escala, o fator Trabalho em
equipe e colaboração foi o mais consistente, com alfa de Cronbach de 0,90. Estudos prévios de Peduzzi
et al. (2015) e Câmara (2015) encontraram resultados semelhantes, com 0,88, 0,90 e 0,88,
respectivamente. O fator Identidade profissional também manteve uma boa consistência interna
(=0,82), diferentemente daquela encontrada na validação do RIPLS conduzida por Peduzzi et al.

3
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Prática Colaborativa E Educação Interprofissional Da Residência Multiprofissional Em Neurologia E Neurocirurgia: Percepção Dos
Preceptores

(2015), na qual este fator apresentou um alfa de Cronbach de 0,66. Apenas o fator Atenção centrada
no paciente apresentou uma consistência inferior (=0,63), achado também detectado no estudo de
Parsell e Bligh (1999).
Em relação aos escores médios obtidos em cada dimensão ou fator, a Atenção centrada no paciente
apresentou maior escore médio (4,22), seguida pela dimensão Trabalho em equipe e colaboração, com
escore de 4,10. A Identidade profissional apresentou um escore médio de 2,44. Os intervalos de
frequência constataram que na maioria dos casos, os entrevistados concordaram totalmente com o
que é preconizado na dimensão Trabalho em equipe e colaboração e Atenção centrada no paciente
(66,7% e 61,8%, respectivamente). Já o fator Identidade profissional concentrou-se nas opções
discordo totalmente (38,2%) e discordo (41,2%) (Tabela 1).

Tabela 1 - Consistência interna dos fatores e análises descritivas da Escala de Medida da


Disponibilidade para Aprendizagem Interprofissional

Intervalos %
Variáveis M DP
x≤2 2<x≤3 3<x≤4 x>4
1. A aprendizagem junto com outros estudantes ajudará a me tornar um
4,38 1,07 5,3 - 36,8 57,9
participante mais efetivo de uma equipe de saúde
2. Em última análise os pacientes seriam beneficiados se estudantes da
área da saúde trabalhassem juntos para resolver os problemas dos 4,44 0,74 5,3 10,5 36,8 47,4
pacientes
3. Aprendizagem compartilhada com outros estudantes da área da saúde
4,21 0,77 - - 57,9 42,1
aumentará minha capacidade de compreender problemas clínicos
4. A aprendizagem junto com outros estudantes da área da saúde durante
4,12 0,88 5,3 5,3 31,6 57,9
a graduação melhoraria os relacionamentos após a graduação
5. Habilidades de comunicação deveriam ser aprendidas junto com outros
4,41 0,74 5,3 5,3 78,9 10,5
estudantes da área da saúde
6. A aprendizagem compartilhada me ajudará a pensar positivamente sobre
4,32 0,53 - 10,5 47,4 42,1
outros profissionais
7. Para que a aprendizagem em pequenos grupos funcione, os estudantes
4,12 0,80 - - 31,6 68,4
precisam confiar e respeitar uns aos outros
8. Habilidades de trabalho em equipe são essenciais na aprendizagem de
4,44 0,61 - - 47,4 52,6
todos os estudantes da área da saúde
9. A aprendizagem compartilhada me ajudará a compreender minhas
4,06 0,73 5,3 10,5 57,9 26,3
próprias limitações
12. Habilidades para solução de problemas clínicos só devem ser
1,65 0,48 47,4 52,6 - -
aprendidas com estudantes do meu próprio curso
13. A aprendizagem compartilhada com estudantes de outras profissões da
saúde ajudará a me comunicar melhor com os pacientes e outros 4,42 0,61 - 5,3 42,1 52,6
profissionais
14. Gostaria de ter a oportunidade de trabalhar em projetos, em pequenos
4,06 0,92 - 15,8 57,9 26,3
grupos, com estudantes de outras profissões da saúde
15. A aprendizagem compartilhada ajudará a esclarecer a natureza dos
4,35 0,48 - - 57,9 42,1
problemas dos pacientes
16. A aprendizagem compartilhada durante a graduação me ajudará a
4,43 0,76 5,3 - 36,8 57,9
tornar-me um profissional que trabalha melhor em equipe
Trabalho em equipe e colaboração (: 0,90) 4,10 0,51 - 6,1 27,3 66,7
10. Não quero desperdiçar meu tempo aprendendo junto com estudantes
1,56 1,30 100 - - -
de outras profissões da saúde
11. Não é necessário que estudantes de graduação da área da saúde
1,68 0,87 94,7 - 5,3 -
aprendam juntos

4
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Prática Colaborativa E Educação Interprofissional Da Residência Multiprofissional Em Neurologia E Neurocirurgia: Percepção Dos
Preceptores

17. A função dos demais profissionais da saúde é principalmente apoio aos


1,47 0,92 89,5 10,5 - -
médicos
19. Preciso adquirir muito mais conhecimentos e habilidades que
2,29 0,90 47,4 47,4 5,3 -
estudantes de outras profissões da saúde
21. Eu me sentiria desconfortável se outro estudante da área da saúde
2,74 1,13 68,4 15,8 10,5 5,3
soubesse mais sobre um tópico do que eu
22. Serei capaz de usar frequentemente o meu próprio julgamento no meu
3,71 1,06 15,8 - 57,9 26,3
papel profissional (autonomia profissional)
23. Chegar a um diagnóstico será a principal função do meu papel
2,21 1,20 76,2 14,3 9,5 -
profissional (objetivo clínico)
24. Minha principal responsabilidade como profissional será tratar do meu
3,91 1,08 28,6 14,3 38,1 19
paciente (objetivo clínico)
Identidade profissional (: 0,82) 2,44 0,72 38,2 41,2 9,5 -
25. Gosto de entender o problema na perspectiva do paciente (situação do
4,32 0,47 - - 57,9 42,1
paciente)
26. Estabelecer uma relação de confiança com meus pacientes é
4,29 1,11 - - 42,1 57,9
importante para mim (situação do paciente)
27. Procuro transmitir compaixão aos meus pacientes (situação do
3,21 1,47 31,6 15,8 15,8 36,8
paciente)
28. Pensar no paciente como uma pessoa é importante para indicar o
4,53 0,50 - - 31,6 68,4
tratamento correto (situação do paciente)
29. Na minha profissão são necessárias habilidades de interação e
4,79 0,53 - 5,3 15,8 78,9
cooperação com os pacientes (situação do paciente)
Atenção centrada no paciente (: 0,63) 4,22 0,58 - 2,9 35,3 61,8
Fonte: Elaboração dos autores (2018).
Zona de conforto (3,67 até 5,00), Zona de alerta (2,34 até 3,66), Zona de perigo (1,00 até 2,33).
(Rodrigues, 2018). Para o fator identidade profissional, esta classificação em zonas segue a ordem
inversa: Zona de perigo (3,67 até 5,00), Zona de alerta (2,34 até 3,66), Zona de conforto (1,00 até
2,33).
Os itens com maior escore médio na dimensão Trabalho em equipe e colaboração foram os itens 2
(Em última análise os pacientes seriam beneficiados se estudantes da área da saúde trabalhassem
juntos para resolver os problemas dos pacientes) e 8 (Habilidades de trabalho em equipe são essenciais
na aprendizagem de todos os estudantes da área da saúde), com 4,44 ± 0,74 e 4,44 ± 0,61,
respectivamente. Por outro lado, o item 12 (A aprendizagem junto com outros estudantes ajudará a
me tornar um participante mais efetivo de uma equipe de saúde), apresentou o menor escore médio
(1,65 ± 0,48), o que demonstra a baixa preocupação denotada a aspectos referentes ao aprendizado
em conjunto com as diversas categorias.
Para Ciampon e Peduzzi (2000), ao estudar o trabalho em equipe, é necessário conhecer como cada
profissional executa seu trabalho individual e coletivo, e também averiguar os processos de articulação
das ações desenvolvidas pelos vários profissionais. Em uma equipe multiprofissional, a articulação
acontece com recomposição de processos de trabalhos distintos e também levando em consideração
as conexões e interfaces existentes entre as intervenções técnicas peculiares de cada área profissional.
A interpretação da Identidade Profissional é diferente dos demais fatores do RIPLS, sendo a melhor
resposta esperada o discordo ou discordo totalmente. Através da média obtida, constatou-se que tal

5
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Prática Colaborativa E Educação Interprofissional Da Residência Multiprofissional Em Neurologia E Neurocirurgia: Percepção Dos
Preceptores

fator encontra-se numa zona de alerta (2,44 ± 0,72). Porém, o item 24 (Minha principal
responsabilidade como profissional será tratar do meu paciente (objetivo clínico)) e item 22 (Serei
capaz de usar frequentemente o meu próprio julgamento no meu papel profissional (autonomia
profissional)), encontram-se numa zona de perigo, apresentando escores médios de 3,91 ± 1,08 e 3,71
± 1,06, respectivamente. Este resultado carece de maior atenção, pois os preceptores dessa residência
são profissionais de saúde com maior atuação no cuidar e na reabilitação.
Um resultado semelhante foi observado no estudo de Amado (2016), junto a integrantes das equipes
multiprofissionais da unidade de terapia intensiva de adultos, em que a dimensão identidade
profissional mostrou-se em zona de alerta, apresentando escores médios com níveis entre 2,34 e 3,67.
Tal autora interpreta como atitude preocupante, e sugere o aprimoramento da equipe por ela
investigada.
Os resultados do presente estudo, também são semelhantes aos dados encontrados por Rodrigues
(2018), no qual se averiguou a educação interprofissional junto a enfermeiros (M=2,69), médicos
(M=2,95) e outros profissionais de saúde (M=2,45). Nesse estudo, os participantes manifestaram uma
identidade profissional na zona de alerta, porém os médicos apresentaram escores médios mais
acentuados.
No tocante à Atenção centrada no paciente, esse fator apresentou escores que variaram entre 3,21 e
4,79, demonstrando certa uniformidade entre os dados obtidos. Câmara (2015) relata que geralmente
os entrevistados tendem a concordar com os itens que constituem tal dimensão. O cuidar do paciente
revela ser elemento primordial à colaboração interprofissional e essencial para o trabalho
desenvolvido por uma equipe (D’AMOUR et al., 2008).
No estudo conduzido por Agreli, Peduzzi e Silva (2016), constatou-se que à medida que os profissionais
centram atenção no paciente e nas suas necessidades de saúde, atuam concomitantemente num
deslocamento de foco para um horizonte mais amplo e, além de sua própria atuação profissional. Tal
deslocamento é tomado como elemento de mudança do modelo de atenção à saúde na perspectiva
da integralidade, com potencial de impacto na qualidade da atenção.

3.2. ANÁLISE DAS ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADAS

Ao considerar os discursos dos preceptores, foi possível identificar após a análise de conteúdo três
classes temáticas: Preceptor e sua prática profissional; Aspectos positivos e negativos da
interdisciplinaridade; e, Processo de trabalho da equipe na residência multidisciplinar.

6
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Prática Colaborativa E Educação Interprofissional Da Residência Multiprofissional Em Neurologia E Neurocirurgia: Percepção Dos
Preceptores

A classe Preceptor e sua prática profissional se desdobrou em três categorias temáticas: o papel do
preceptor no processo ensino-aprendizagem; a interação das diversas áreas na construção da prática
profissional; a necessidade de construção da identidade da residência.
O preceptor é visto como o profissional que desempenha suas funções em instituições de saúde com
renomada experiência, sendo responsável por conduzir e orientar o residente, fazendo uma ponte
entre a teoria e a execução das práticas em serviço, a fim de preconizar uma formação menos
tradicional e um ensino mais ativo, enfatizando às vertentes da ESP-CE. O preceptor deve priorizar
também a gestão de desenvolvimento de ações reflexivas, críticas com o intuito de avançar a relação
de aprendizagem na prática com a perspectiva multiprofissional.

...o preceptor deve apresentar o setor, mostrar o seu funcionamento, expor


ao residente o que é necessário realizar e como realizar (...) lançando mão
da equipe multiprofissional e de todos os benefícios que a equipe pode trazer
(Entrevistado 2).
...o preceptor, ele realiza o interlocução, residente-serviço, e potencializa
discussões acerca das vivências, facilitando o processo de ensino
aprendizagem (...) sendo a construção de práticas, experiências e saberes,
uma troca essencial na formação profissional (Entrevistado 3).
Silva (2015) estudou a visão dos preceptores sobre o processo ensino-aprendizagem em um programa
de residência Multiprofissional em Saúde da Mulher. Constatou dificuldades para a formação e a
organização do trabalho sob a perspectiva multiprofissional, dificuldades em relação à participação
dos preceptores na construção e revisão do Projeto Político Pedagógico, bem como quanto aos
processos de planejamento do ensino e avaliação do curso.
No que diz respeito à prática profissional na residência, ficou claro nas narrativas dos sujeitos a
importância direcionada à interação das diversas áreas para o funcionamento da residência e mais,
para o aprimoramento das melhores práticas na evolução do paciente.

...você reúne profissionais e esses profissionais a partir de seus diversos


saberes e olhares, eles vão construindo uma prática profissional
(Entrevistado 17)
...uma disciplina conhecendo o seu fazer diário e a gente se respeitando, a
gente se ajudando e a gente procurando intercessão (Entrevistado 29).

Através dessas narrativas, observa-se um distanciamento daquela visão biomédica que ainda perdura
em meio ao ambiente hospitalar. O modelo tradicional de formação, conhecido como biomédico,
alicerça-se na ótica cartesiana de divisão corpo e mente, na qual desconsidera aspectos de natureza

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Prática Colaborativa E Educação Interprofissional Da Residência Multiprofissional Em Neurologia E Neurocirurgia: Percepção Dos
Preceptores

psicológicos, sociais e ambientais entrelaçados no processo de adoecer (ARAÚJO; GOMES DE


MIRANDA; BRASIL, 2014).
Ao analisar as entrevistas, percebe-se que a residência multiprofissional de neurologia e neurocirurgia
do HGF encontra-se em construção de sua identidade. O que demonstra a necessidade de cooperação
entre as áreas participantes. Mas, certamente, a adesão de toda a equipe vem sendo fortalecida.

...o aprendizado do trabalho interdisciplinar que ainda é muito tímido no


nosso meio, que nós acreditamos que gerará frutos muito bons para as
próximas gerações (Entrevistado 6).
...na maioria das vezes, no meio da residência em diante, mas acredito que
é uma coisa que com o tempo, com o amadurecimento das equipes vai
diminuir (Entrevistado 9).
Baptista (2002) coloca que a identidade profissional é construída na interação do eu com a sociedade.
Sua ênfase recai naquilo que as pessoas têm em comum, enquanto grupo sociocultural, e as diferencia
em relação àqueles que atuam em outros ramos de atividade.
A classe Aspectos positivos e negativos da residência multiprofissional divide-se em três categorias
temáticas, em discorre sobre os aspectos positivos/benefícios, aspectos negativos e sugestões de
melhoria. No tocante aos aspectos positivos, ficou clara em meio aos elementos de discurso dos
participantes, a relevância dada ao tratamento holístico, ao enxergar o paciente na sua totalidade, com
o engajamento de todas as categorias presentes na residência.

...de forma global no tratamento do paciente, porque é isso que acontece.


São todos os profissionais, todas as categorias envolvidas, se relacionando
entre si para a melhoria do paciente (Entrevistado 1).
...os pontos positivos, na minha opinião, é assim... o principal é a melhora do
paciente, o tratamento do paciente, a eficácia de uma forma holística. É esse
pra mim é o principal (Entrevistado 11).
As narrativas dos entrevistados corroboram os achados de Lessa (2000, p. 109), ao tratar do trabalho
em equipe e do atendimento integral: “destacamos a construção no cotidiano de uma postura
profissional que favorece a assistência integral, a comunicação com a comunidade e estimula o
controle e a participação social”. Tal modelo de atendimento, ao romper com o pensamento do modelo
clínico clássico, promoveu maior aproximação com o paciente (REIS; FARO, 2016).
Os discursos revelam a importância direcionada ao processo de aprendizagem na interdisciplinaridade
da residência multiprofissional:

...são os principais pontos positivos, na minha opinião, é aprendizagem do


trabalho em grupo e uma melhoria da comunicação entre todas essas
profissões nos mais variados setores do hospital (Entrevistado 5).

8
521
Prática Colaborativa E Educação Interprofissional Da Residência Multiprofissional Em Neurologia E Neurocirurgia: Percepção Dos
Preceptores

...interdisciplinaridade na formação profissional tem uma importância


porque vai capacitar o futuro profissional com uma visão ampla dentro de
uma equipe multiprofissional ... (Entrevistado 18).
Foram ainda elencados como aspectos positivos/benefícios da residência multiprofissional, aspectos
relacionados ao bem-estar do paciente.

...eu acrescento que o benefício será uma... é uma cura quase que total e
uma reabilitação do paciente na sua integridade (Entrevistado 20).
...que a gente agora tá assim com a interdisciplinaridade. Nós temos uma
possibilidade maior de nos relacionar de forma mais efetiva, mais resolutiva
com os familiares dos pacientes (Entrevistado 21).
O principal entrave percebido, diz respeito à dificuldade em compartilhar conhecimento entre as
categorias profissionais da RMS. Como também, no acesso aos diversos setores do hospital, os quais,
muitas vezes, encontram-se fechados para os preceptores e seus residentes.

...temos dificuldade de acessar e de compartilhar conhecimentos e troca de


opiniões em todos os setores do hospital por... Pelo qual passamos
(Entrevistado 11).
...pontos negativos, não sei se é bem esse nome que eu acho. Seria na minha
opinião, digamos, alguns profissionais das várias áreas, ainda tem uma certa
dificuldade de abrir os setores (Entrevistado 20).
Isso pode ocorrer pelo fato de não haver uma política para nortear, tanto os plantonistas, quanto os
preceptores e residentes. Podendo, acarretar, desse modo, o surgimento de problemas interpessoais
e a deterioração do trabalho em equipe.

...eu não digo que seja da interdisciplinaridade, mas da forma como a


residência ainda acontece, digamos, não existe ainda, de fato, uma política
ou um consenso entre os profissionais plantonistas e os residentes
(Entrevistado 1).
...acho que talvez, ainda tenha, digamos, umas diluição dos conhecimentos
ou então das... digamos das competências e atribuições de cada categoria.
E, isso acaba que interfere na relação residente-preceptor com os
plantonistas das várias categorias então esse ainda para mim ainda é uma
entrave (Entrevistado 34).
Por sua vez, a residência multiprofissional, além de necessitar da alta complexidade de conhecimentos,
cada profissional deve exercer sua atividade em um processo de trabalho coletivo, no qual o produto
carece de um trabalho desenvolvido com ajuda das diversas categorias profissionais. Pressupõe-se que
os integrantes das equipes sejam capazes não só de conhecer e avaliar o trabalho, mas também de
compartilhar conhecimentos e informações (FERREIRA; VARGA; SILVA, 2009).
Algumas sugestões de melhorias à residência multiprofissional de neurologia e neurocirurgia do HGF
foram oferecidas no discurso dos participantes.

9
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Prática Colaborativa E Educação Interprofissional Da Residência Multiprofissional Em Neurologia E Neurocirurgia: Percepção Dos
Preceptores

...a melhora da interação entre as categorias e, consequentemente, a


melhora na... nas condutas de tratamento ao paciente, a
interdisciplinaridade em si (Entrevista 11).
...trabalhar mais em equipe, coisa que a gente, às vezes, com esse mundo
tão dividido, tão compartimentalizada, a gente acaba ficando sozinho. Você
não fica trabalhando em equipe, não ver o todo (Entrevistado 16).
Carvalho Júnior et al. (2012), analisaram o trabalho da residência multiprofissional em saúde da família
e detectaram aspectos semelhantes, com a necessidade de efetivar uma intervenção mais precisa
sobre a interação entre os preceptores das diversas categorias, residentes e demais profissionais do
hospital. Isto revela a necessidade da criação de políticas mais sólidas de socialização e tutorização no
hospital (BORGES; CARVALHO; ALMEIDA, 2015), a fim de fortalecer as redes de cooperação entre os
plantonistas, preceptores e residentes (PEDUZZI et al., 2015).
A classe que discorre sobre o Processo de trabalho da equipe na residência multiprofissional,
desdobra-se em três categorias temáticas: Intersecção entre as práticas profissionais da equipe
multidisciplinar; Visitas multiprofissionais e outras atividades formativas; e o residente e seu papel. No
tocante a intersecção entre as diversas profissões, é crucial para a efetivação da residência. Esse
“entrosamento socioprofissional” é mais eficaz à evolução-recuperação dos pacientes que estão sendo
acompanhados.

...determinados procedimentos que eu tenho que fazer com paciente após a


liberação pelo neurocirurgião, eu contactuo com o fôno, com a nutricionista,
com a terapeuta ocupacional e, todas elas, todos nós, interagimos e
desenvolvemos protocolos dentro da UTI (Entrevistado 1).
A gente não só trabalha com o médico e, sim com o terapeuta ocupacional,
o fonoaudiólogo, psicólogo, psiquiatra, assistente social, as enfermeiras, as
técnicas de enfermagem e o pessoal de serviços gerais e essa... E isso faz com
que exista a melhor prática para em relação ao paciente (Entrevistado 18).
As relações e interações contribuem para o cuidado aos pacientes, “buscando compreender as suas
singularidades e, como essas singularidades se compõem em movimentos de redes, gerando
fenômenos coletivos com menor ou maior complexidade” (MEIRELLES, 2012, p. 362).
Observa-se a importância destinada às visitas multiprofissionais, como principal atividade das equipes,
pois é nesses momentos que ocorrem as trocas de informação. Além de serem traçadas as decisões
que serão tomadas a respeito de cada paciente. Tal atividade já é conhecida no contexto do trabalho
em saúde e sua eficiência já demonstra bons resultados (LIRA-BATISTA et al., 2012).

...com os atendimentos à beira do leito, nós fazemos o atendimento e


participamos das visitas multi e, discutimos caso a caso. E, o que a gente
pode e deve evoluir em cada... com cada paciente (Entrevistado 12).
...seria assim, nós participamos das visitas multi, nós discutimos com o
neurologista, com fisioterapeuta, com enfermeiro (...) a questão da... da

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Prática Colaborativa E Educação Interprofissional Da Residência Multiprofissional Em Neurologia E Neurocirurgia: Percepção Dos
Preceptores

dieta que deverá ser usada para o paciente para os pacientes de forma geral
(Entrevistado 20).
As outras atividades formativas, agem como dizimador de dúvidas e novas informações acerca dos
estudos de casos clínicos. Desse modo, treinamentos junto aos preceptores, ações e palestras
desenvolvidas por eles, as rodas de núcleo, dentre outras atividades, são instrumentos de grande
relevância para efetivação do trabalho desenvolvido na residência multiprofissional.

...certamente um treinamento eficaz, um... um treinamento mais específico


para os preceptores... (Entrevistado 5).
...dos preceptores com o devido treinamento é... a gente discute o caso com
todos os profissionais... (Entrevistado 6).
...pedem a gente pra dar alguma palestra, alguma aula, a gente vai, faz essa
parte de dar palestras, de dar aula... (Entrevistado 16).
A prática de reuniões de equipe, as visitas multiprofissionais a beira do leito e os estudos de caso
podem contribuir para a efetivação de mudanças no contexto de trabalho e para a educação
permanente dos profissionais de saúde, “na medida em que se constituem em momentos de
aprendizagem coletiva” (MATOS; PIRES, 2009, p. 345).
Um pequeno conjunto de falas voltou-se ao residente, sendo que, os preceptores relataram certa
imaturidade por parte deles. Além da falta de engajamento em suas funções. Assim, sugere-se uma
reforma no processo de avaliação dos residentes e um maior incentivo à prática científica.

...alguns evitam ou não querem difundir ideias inovadoras, há pouco


engajamento em projetos e a falta de interesse enquanto ser residente
(Entrevistado 8).
...o processo seletivo dos residentes deve ser mais rigoroso, na minha
opinião, a Escola de Saúde Pública do Ceará deve aprimorar e deve melhorar,
bastante, as avaliações dos residentes (Entrevistado 10).
Há evidências sobre a prática do residente e a avaliação de seu desempenho (AMADEU JUNIOR, 2001)
No entanto, constatou-se que os residentes não se sentem ativos nos momentos de tomada de decisão
(ALVES DA SILVEIRA, 2011). Para tanto, a organização do trabalho em equipe multiprofissional carece
de novos processos de viabilização do trabalho coletivo que ultrapassem as dificuldades estruturais da
prática na residência (SILVA et al., 2015)

4. CONCLUSÃO

No presente estudo, observou-se na avaliação da disponibilidade para educação interprofissional que


o Trabalho em equipe e colaboração e a Atenção centrada no paciente obtiveram bons resultados,
mas a Identidade profissional carece de maior atenção, para promover medidas visando a melhor
conscientização dos preceptores quanto à importância desta dimensão profissional.

11
524
Prática Colaborativa E Educação Interprofissional Da Residência Multiprofissional Em Neurologia E Neurocirurgia: Percepção Dos
Preceptores

Na análise do discurso dos participantes, identificou-se o preceptor como sendo aquele que orienta o
residente no serviço. Além disso, este profissional é incumbido de levar o residente a refletir e colocar
em ação a prática da multiprofissionalidade e interdisciplinaridade, como processo fundamental de
aprendizagem. No tangente aos aspectos negativos, verificou-se que, a grande dificuldade da
interdisciplinaridade no programa de residência em estudo ocorre porque alguns profissionais dos
vários setores do hospital ainda não recepcionam de forma colaborativa os residentes, o que pode
dificultar o acesso aos vários serviços de informações, bem como o processo de ensino e
aprendizagem. O principal benefício identificado nesta pesquisa está relacionado ao processo holístico
do cuidar, no qual o paciente é contemplado em sua totalidade. Para tanto, reafirma-se a necessidade
da participação dos plantonistas e demais trabalhadores do hospital à efetivação desse método
formativo.

12
525
Prática Colaborativa E Educação Interprofissional Da Residência Multiprofissional Em Neurologia E Neurocirurgia: Percepção Dos
Preceptores

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15
528
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 40
10.37423/200702058

SATISFAÇÃO DO ALUNO ACADÊMICO DE


ENFERMAGEM AO UTILIZAR MATERIAL
DIDÁTICO LÚDICO NA PRÁTICA DE
PARASITOLOGIA

Maria Veronyca Coelho Melo Centro Universitário Christus - Unichristus -


Fortaleza -CE

Antônio Dheymison Costa Amorim Centro Universitário Christus - Unichristus -


Fortaleza -CE

Clara Emillyn Alves de Araújo Centro Universitário Christus - Unichristus -


Fortaleza -CE

Mayara Fernandes Tavares Centro Universitário Christus - Unichristus -


Fortaleza -CE
Satisfação Do Aluno Acadêmico De Enfermagem Ao Utilizar Material Didático Lúdico Na Prática De Parasitologia.

Resumo: O material didático é entendido como recurso que serve de apoio/solução para o processo
de ensino e aprendizagem. São mediadores entre o professor, alunos e o conhecimento. O objetivo
desde trabalho foi avaliar o grau de satisfação do aluno de ensino superior ao utilizar material didático
lúdico nas aulas práticas de parasitologia. Trata-se de uma pesquisa de campo do tipo descritiva de
como abordagem qualitativa desenvolvido em instituições privadas no período de abril de 2018.2 até
2019.1. A amostra foi composta de aproximadamente 50 alunos que cursaram a disciplina de
parasitologia em 2015.2 e 2018.2. Para a coleta de dados foi escolhido entrevista semiestruturada,
com perguntas abertas utilizando-se com bastante flexibilidade, um roteiro. Após a coleta de dados
foram feitas sucessivas leituras das entrevistas, de onde foram extraídos os resultados, os mesmos
foram organizados de acordo com sua similaridade e agrupados em categorias, a medida em que se
fizeram presentes com mais frequência nas informações oferecidas pelas entrevistadas. Os resultados
das análises realizadas conduzem-nos a pensar um pouco mais sobre esses materiais no cotidiano
universitário; na maneira como os professores concebem esses materiais e apropriam-se deles em sua
prática docente; nas implicações que surgem ao introduzir-se materiais no ensino e nas maneiras e
possibilidades de preparar os professores para essas implicações. Conclui-se que ao compreendermos
os materiais didáticos no processo de desenvolvimento profissional do professor, abrimos
possibilidades de superação de obstáculos que venham inibir o espaço de experimentação e o
crescimento profissional a partir da utilização desses materiais em sala de aula.
Palavras - Chave: Aprendizado. Lúdico. Sala de aula. Materiais didáticos.

1
530
Satisfação Do Aluno Acadêmico De Enfermagem Ao Utilizar Material Didático Lúdico Na Prática De Parasitologia.

1. INTRODUÇÃO

O material didático é entendido como recurso que serve de apoio/solução para o processo de ensino
e aprendizagem. São mediadores entre o professor, alunos e o conhecimento (RODRIGUES e GAZIRE
2012).
Entendemos que materiais didáticos são estratégias utilizadas pelo professor para a troca de
conhecimento através de uma maneira lúdica ou direta. Podemos ainda dizer que são os transportes
de informações que facilitam a construção do saber entre educando e educador. Sendo assim, o êxito
no uso dos materiais didáticos dependerá da intencionalidade e da articulação com a prática
pedagógica (ARAÚJO, 2018).
Para um bom desempenho do aluno é necessário que o professor busque maneiras diferentes de
trabalhar o conteúdo, dentre várias opções as aulas práticas vêm tomando bastante destaque, pois
reforça o conteúdo aprendido em aula teórica, além de despertar o interesse dos alunos na área da
pesquisa. (LIMA e GARCIA, 2011).
De acordo com Krasilchik (2011), diversos são os motivos que levam muitos professores a não
proporcionarem aos seus alunos essas aulas, dentre eles a falta de instalação adequada e de
equipamentos que permitem realizar as experiências, o tempo insuficiente para preparar os materiais
a serem utilizados, a falta de conhecimento para realizar experiências.
O mundo dos parasitos pode ser considerado abstrato, já que não se pode ter contato visual
diariamente com os seres que o compõem. Isso dificulta o aprendizado de um tema que tem grande
relevância e que está relacionado à higiene pessoal e saúde. Neste sentido, é preciso que o professor
utilize de metodologias alternativas para os processos de ensino e aprendizagem (BERNARDES et al.,
2016). Um ponto negativo encontrado no ensino de parasitologia nas escolas é exatamente que a
maioria dos professores não possui materiais necessários para as atividades práticas (MATOS et al.,
2009). Uma vez que as aulas práticas podem ter limitações, os professores acabam negligenciando a
não oportunizando ao aluno aulas mais dinâmicas e interessantes.
As metodologias ativas no ambiente universitário facilitam o enriquecimento da capacidade que cada
aluno a respeito da aprendizagem de determinados assuntos, melhora a iniciativa, tornando o aluno
mais proativo, em buscar soluções a frente a situações problema mantendo o olhar crítico, melhora a
forma de comunicação e criatividade, que são instrumentos fundamentais na atividade lúdica
(AMORIM,2018) A partir de Lorenzato (2006), observamos o papel fundamental do professor no
processo de aprendizagem do aluno, porém, é importante ressaltar que, para o sucesso final do
discente é preciso um alto nível de desempenho próprio, sendo assim, de interesse do mesmo tal

2
531
Satisfação Do Aluno Acadêmico De Enfermagem Ao Utilizar Material Didático Lúdico Na Prática De Parasitologia.

objetivo de modo que não atribuímos o fracasso do aluno ao docente, pois acreditamos que este tem
por objetivo instruir o aluno em métodos e práticas de aprendizagem.
Ao considerarmos importantes os saberes dos professores sobre os materiais didáticos, abrimos mais
um espaço para vermos estes profissionais como sujeitos de sua prática, e, portanto, capazes de
refletir e colaborar com a construção dos saberes que rodeiam a utilização dos materiais didáticos na
sala de aula. Desta forma, é importante repensarmos que tanto a formação inicial dos professores
quanto as atividades de formação continuada, devem considerar não somente os ideais pedagógicos
existentes sobre esta utilização dos materiais didáticos como também os saberes e experiências
vividos por esses profissionais (CARBONNEAU et al., 2001).
Durante as aulas de parasitologia tanto teóricas como nas práticas observamos que muitos dos alunos
apresentavam dificuldade de concentração. Após a professora adotar o uso de material didático lúdico
nas aulas práticas de parasitologia observou- se o surgimento de um novo horizonte refletindo
nitidamente no aprendizado e troca de conhecimento entre discente e docente.
Foi nesta inquietação sentiu-se a necessidade em realizar essa pesquisa com o intuito de avaliar o grau
de satisfação do aluno de ensino superior do curso de enfermagem da disciplina de parasitologia ao
utilizar material didático nas aulas práticas de parasitologia. Em nosso ponto de vista como alunos da
disciplina de parasitologia de semestre anterior, o material didático lúdico proporciona ao aluno um
despertar para o conhecimento, diminui o excesso de verbalismo paralelo durante as aulas tornando
a aula mais dinâmica e produtiva. Desta forma torna-se mais ativa a participação dos alunos durante
as aulas. Enfim, o material didático lúdico é muito favorável para que a aula se torne mais prazerosa
para os discentes e docentes. Pode-se afirmar que o principal resultado esperado com o uso de
práticas pedagógicas lúdicas é a geração de um conhecimento duradouro, contextualizado e
principalmente obtido por meio de experiências satisfatórias e emocionalmente positivas, que gerarão
significado ao processo da aprendizagem.
Durante muito tempo prevaleceu no âmbito do Ensino Superior a crença de que, para se tornar um
bom professor neste nível, bastaria dispor de comunicação fluente e sólidos conhecimentos
relacionados à disciplina que pretendesse lecionar, mas na verdade os métodos aplicados em sala de
aula contribuem cada vez mais para a diferença no aprendizado dos alunos. Diante disso sentiu-se a
necessidade de realizar a pesquisa tem como objetivo principal avaliar o grau de satisfação do aluno
de ensino superior ao utilizar material didático lúdico nas aulas práticas de parasitologia.

3
532
Satisfação Do Aluno Acadêmico De Enfermagem Ao Utilizar Material Didático Lúdico Na Prática De Parasitologia.

2. MATERIAIS E MÉTODOS
2.1. TIPO DE ESTUDO
Trata-se de uma pesquisa de campo do tipo descritiva de como abordagem qualitativa que foi
desenvolvida em abril de 2018.2 a 2019.1.
Gil (2006) define que as pesquisas descritivas têm como objetivo primordial a descrição das
características de determinada população ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de relações
entre variáveis. Entre as pesquisas descritivas, salientam-se aquelas que têm objetivo estudar as
características de um grupo: sua distribuição por idade, sexo, procedência, nível de escolaridade,
estado de saúde física e mental etc.
Segundo Minayo, (2011) o método qualitativo vai responder as questões particulares, preocupa-se
com a qualidade e realidade que o universo trabalha com os significados, motivos, crenças, valores e
atitudes, ou seja, preocupa-se com as relações humanas que não podem ser quantificados.

2.2. LOCAL DE ESTUDO

A pesquisa foi desenvolvida em instituições privadas de ensino superior.

2.3 .SUJEITO DA PESQUISA.

Fizeram parte da amostra aproximadamente 50 alunos que cursaram a disciplina de parasitologia em


2015.2 e 2019.1.
De acordo com Nahas, Hochman e Ferreira (2005), a amostra é um grupo selecionado que deve ser
representativo de uma população.
Para que os participantes sintam-se segurança em prestar informações honestas foi esclarecido sobre
quem é a pesquisadora, a proposta de investigação, o tipo de colaboração que se desejava receber, a
liberdade de recusar-se a participar ou desistir em qualquer fase do estudo, o modo como os dados
serão registrados e usados para publicação. Sendo estabelecido um comportamento formal em
assegurar-lhes o anonimato tomando o cuidado necessário para não dar margem a possíveis
associações a sua pessoa. A seleção dos sujeitos estabelecidos segue os seguintes itens:
Critérios de inclusão:
● Obrigatoriedade de ter cursado a disciplina de parasitologia em semestres anteriores
● Desejar participar da pesquisa.
Critérios de exclusão:
● Alunos que tenham cursado a disciplina em regime especial,

4
533
Satisfação Do Aluno Acadêmico De Enfermagem Ao Utilizar Material Didático Lúdico Na Prática De Parasitologia.

● Alunos que não compareceram a mais de 50% das aulas práticas de parasitologia.

2.4 COLETA DOS DADOS

Para a coleta de dados foi escolhido entrevista semiestruturada, com perguntas abertas (APÊNDICE A)
utilizando-se com bastante flexibilidade, um roteiro.

2.5. REGISTROS E ANÁLISE DOS DADOS

Os registros das entrevistas foram transcritos garantindo a fidelidade das falas de acordo com os
relatos verbais, autorizados pelas participantes. Com base nos registros, os dados foram interpretados
através da análise de conteúdo, que segundo Minayo (2007) a define como: “Um conjunto de técnica
de análise de comunicação visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do
conteúdo
das mensagens indicadoras (qualitativas ou não) que permitam a inferência de conhecimentos
relacionados às condições de produção/recepção destas mensagens”.
De acordo com a referida autora, esta técnica de tratamento de dados científicos, de caráter
qualitativo, busca interpretar o material da maneira mais lógica possível. Ela afirma também que a
análise de conteúdo, oscila entre o rigor da suposta objetividade dos números coletados e a riqueza
da subjetividade.
Após a coleta de dados foram feitas sucessivas leituras das entrevistas, de onde foram extraídos os
resultados, os quais foram organizados de acordo com sua similaridade e agrupados em categorias à
medida em que se fizeram presentes com mais frequência nas informações oferecidas pelas
entrevistadas.
De acordo com Figueiredo e Lakato (2007), na utilização de um método qualitativo, por sua vez, as
informações que convergem durante sua interpretação podem ser expressas em categorias ou núcleos
de análise, podendo ser divididas em subcategorias ou subnúcleos que trazem ideias centrais sobre a
interpretação das informações colhidas.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados foram agrupados em categorias temáticas, após sucessivas leituras das entrevistas,

5
534
Satisfação Do Aluno Acadêmico De Enfermagem Ao Utilizar Material Didático Lúdico Na Prática De Parasitologia.

CATEGORIA 01- TECNOLOGIAS/ INSTRUMENTOS/ MÉTODOS

(M.S.T): “Sim, pois com as tecnologias utilizadas fizeram que a simulação dos
conteúdos fossem mais rápidas e dinâmicas, facilitando o processo de
aprendizagem e a sua fixação”
(A.J.S); “Sim, pois torna-se mais didática as aulas e os conteúdos ficam mais
facéis de ser compreendido”
(DA.A); “Sim. Pois dessa forma torna mais fácil a visualização em tamanho
ampliado de coisas que as vezes é de difícil visualização no microscópio”
Os últimos anos tem sido marcado em nosso país e no mundo por mudanças educacionais onde a
predominância do uso de novas tecnologias têm se destacado numa sociedade que tem como objetivo
a construção do próprio conhecimento pelo aluno. O interessante é que o uso deste recurso influência
na postura do professor que se enquadra nos novos métodos educacionais (ALMEIDA, 2010; BERBEL,
2017).

Figura 1. Uso da tecnologia para confecção de material didático. Fonte: Maria Veronyca coelho
Melo (2016)
Conforme Fiscarelli (2007) a utilização de instrumentos didáticos durante a aula permite com o que os
professores exerçam uma influência maior na aprendizagem dos alunos, visto que o material favorece
uma conexão entre teoria e prática ao estimular a criatividade do discente.

6
535
Satisfação Do Aluno Acadêmico De Enfermagem Ao Utilizar Material Didático Lúdico Na Prática De Parasitologia.

Cada aluno tem sua forma diferente de fixar os conteúdos abordados em sala de aula, uns tem mais
facilidade na sua similação, outros necessitam de algum diferencial para melhorar a sua fixação. Como
foi mencionado nos depoimentos na categoria 1, alguns métodos utilizados em sala de aula ajudam
os alunos na compreensão e aprendizagem de forma mais simples e dinâmica.

CATEGORIA 02- MATERIAL DIDÁTICO

(M.R.F)“Sim, alinhar a teoria com a prática é muito importante para


que o aluno consiga interligar o que se ver nos livros de forma mais
clara”
(C.F.S )“Sim, pois tornou-se mais fácil a compreensão do assunto
abordado, a partir do momento em que temos contato com os
materiais no caso as molduras dos parasitas que nos auxilia melhor na
visualização morfológica e suas características”
(R.B.A.M) Sim. O material utilizado condiz perfeitamente com os
últimos conteúdos abordados em sala de aula. Facilitando o processo
de aprendizagem”
Segundo Fiscarelli (2007) diz que fazer uso de um material em sala de aula, de forma a tornar o
processo de ensino aprendizagem mais concreto, menos verbalístico, mais eficaz e eficiente, é uma
preocupação que tem acompanhado a educação brasileira ao longo de sua história.
A prática, em geral, cativa mais a atenção do discente do que a exposição oral, permitindo que as
linguagens empregadas através dos recursos tecnológicos podem se tornar instrumentos eficazes na
aplicação pedagógica exercida pelo professor tendo em vista que os estudantes estão experimentando
um novo formato de mundo com informações diversificadas e enriquecedoras. O olhar dos jovens
discentes está voltado para as novidades que permeiam o contexto histórico atual e cada vez mais fica
difícil controlar a velocidade de informações que eles recebem e repassam.
Mesmo com constantes modificações e inovações existem professores que têm receio de utilizar
algum recurso diferente talvez pelo medo de usar algo novo ou pelos padrões já estabelecidos dentro
do sistema de educação.
O grande ganho com a prática de produção de materiais didáticos está em criar um elo explicativo dos
temas abordados na disciplina de parasitologia. Através da produção desse recurso, o aluno cria
intimidade com o assunto trabalhado, sendo capaz de perceber os significados dos processos e
identificar sua própria identidade dentro dos mesmos (RODRIGUES e GAZIRE, 2012).

7
536
Satisfação Do Aluno Acadêmico De Enfermagem Ao Utilizar Material Didático Lúdico Na Prática De Parasitologia.

Figura 2. Material didático para aula prática. Em 1. Giárdia; 2. Tapete de Giárdia lamblia no
duodeno; 3. Schistosoma mansoni e 4. Cercária e miracídio – Fonte. Maria Verônyca Coelho Melo
(2017)
O professor é elo entre a escola e o aluno, que enquanto pesquisador pressupõe mudanças a serem
feitas em seu planejamento e para isso é preciso que esteja em constante atualização, nos dias de hoje
o docente e encontra diante de novos desafios: fazer das mudanças e as inovações tecnológicas
recursos para a educação (JUSTINO, 2011)

CATEGORIA 03 – PROCESSO ENSINO APRENDIZAGEM

(M.T.C ) “Sim, pois tornou-se mais fácil a compreensão do assunto


abordado, a partir do momento em que temos contato com os
materiais no caso as molduras dos parasitas que nos auxilia melhor na
visualização morfológica e suas características”

8
537
Satisfação Do Aluno Acadêmico De Enfermagem Ao Utilizar Material Didático Lúdico Na Prática De Parasitologia.

(F.J.O)“Através dos materiais adotados em sala de aula foi possível


facilitar os estudos da disciplina e a fixação de cada conteúdo exposto”
(U.S.A) “Sim, o auxílio foi fundamental pois o material didático vinha
para esclarecer dúvidas e despertar curiosidade, persistindo em maior
interesse de aprender”
Ainda na atualidade o ensino é visto de forma tecnicista onde o professor é visto como o dono do
saber e de uma forma “autoritária” não produz algum vínculo no contexto social. (NICOLE e PANIZ,
2016)
O ambiente escolar é um espaço de constantes mudanças e renovação, onde o aluno participa e
interage positivamente na construção do conhecimento. Entretanto
o uso de novas ferramentas didáticas deve ser proveitoso para assim mudarmos paradigmas clássicos
que muitas vezes deixa professor e alunos afastados (ALMEIDA, 2010).

Figura 3. Aula de parasitologia com material didático em sala investida. Em 1. Alunos do curso de
nutrição na sala investida; 2. Ovo de Schistosoma mansoni, ovos de Ascaris lumbricoides e ovos de
Taenia; 3. Ciclo biológico do Culex – Fonte Maria Verônyca Coelho Melo (2018)

9
538
Satisfação Do Aluno Acadêmico De Enfermagem Ao Utilizar Material Didático Lúdico Na Prática De Parasitologia.

O emprego desses recursos em sala de aula tem como principal função aumentar e melhorar o
entendimento dos alunos em relação ao assunto trabalhado fixando de forma, mas atraente e
fascinante este processo.

CATEGORIA 04 – AULAS PRÁTICAS/ EXPOSIÇÃO DE OBJETOS

(M.C.F ): “A maior interação com os materiais nas aulas práticas me


ajudaram bastante quando eu relacionava com o livro”
(F.R.M ): “Através dos objetos expostos me ajudou a compreender melhor o
que antes era ”decoreba” e contribuiu significadamente na hora dos
estudos”
(U.S.A): “Sim, pois com as exposições como foi citado podemos ter uma
maior aproximação com os conteúdos abordados”.
Ao considerarmos importante os saberes dos professores sobre os materiais didáticos, abrimos mais
um espaço para vermos estes profissionais como sujeitos de sua prática, e, portanto, capazes de
refletir e colaborar com a construção dos saberes que rodeiam a utilização dos materiais didáticos na
sala de aula. Desta forma, é importante repensarmos que tanto a formação inicial dos professores
quanto as atividades de formação continuada, devem considerar não somente o ideário pedagógico
existentes sobre esta utilização dos materiais didáticos como também os saberes e experiências
vividos por esses profissionais, na escola (FISCARELLI

,2007).

Figura 4. Aula prática com exposição de objetos do saber. Em 1. Atividade prática com exposição
de material didático; 2. Ciclo biológico da Tênia solium e Tênia saginata; 3. Demonstrativo da
neurocisticercose. – Fonte. Maria Verônyca Coelho Melo.

10
539
Satisfação Do Aluno Acadêmico De Enfermagem Ao Utilizar Material Didático Lúdico Na Prática De Parasitologia.

Assim, é importante que este recurso não seja apenas utilizado em sala de aula, mas reproduzido na
mesma, gerando um processo de interação entre o conteúdo e sua compreensão (SANTOS et al., 2004;
SOUZA, 2007).

Figura 5. Material de aula prática. Em 1. Ciclo biológico da Tênia solium e Tênia saginata; 2.
Demonstrativo da neurocisticercose. – Fonte. Maria Verônyca Coelho Melo.

11
540
Satisfação Do Aluno Acadêmico De Enfermagem Ao Utilizar Material Didático Lúdico Na Prática De Parasitologia.

Em relação ao grau de satisfação dos entrevistados foi confeccionado um gráfico que demostrasse a
satisfação do aluno a usar uma tecnologia no ensino superior e é destacado que os alunos se
interessam mais pela cadeira, quando se usa essa tecnologia ativa, mas podemos observar que mesmo
usando essa tecnologia, o
professor deve estar preparado para usar essa ferramenta, pois ele será o condutor nesse processo.

4.CONCLUSÃO

É importante compreendermos que os professores são produtores importante no processo ensino


aprendizagem pois o docente tem um papel de discurso sobre os materiais didáticos, com isso os
professores são sujeitos e objetos de discursos, contribuindo para a construção de um “regime de
verdade”, mas também gerando novas formas de concepção para os materiais didáticos, no contexto
do cotidiano de um ensino superior. No decorrer da pesquisa, observamos que o lugar e o papel que
o material didático ocupa na prática discente.
As práticas discursivas também destacam a importância que os materiais didáticos assumem na
construção do saber, facilitando a aprendizagem no conhecimento adquirido. Reiteram que esses
objetos são capazes de deixar a aula mais estimulante, mais atrativo, aproximando e envolvendo aluno
do conhecimento; por esta razão, os professores organizam com cuidado os materiais didáticos que
serão utilizados durante a aula. Contudo, o professor tem como principal elemento capaz de ensinar
os alunos, estando os materiais didáticos a serviço de sua prática pedagógica.
Concluímos que o uso da metodologia ativa é extremamente importante na vida acadêmica do aluno,
pois essa tecnologia fixa melhor o conteúdo abordado, facilitando assim a aprendizagem, afirmarmos
também que os alunos são resistentes aos materiais didáticos, principalmente aos mais modernos,

12
541
Satisfação Do Aluno Acadêmico De Enfermagem Ao Utilizar Material Didático Lúdico Na Prática De Parasitologia.

pois muitos são acostumados com o método tradicional, assim não sabendo lidar com essa tecnologia.
Nossa pesquisa possibilitou compreender que discursivamente os alunos são resistentes aos materiais
didáticos, pois suas práticas discursivas estão repletas de concepções e saberes historicamente
construídos sobre os materiais didáticos que reafirmam a importância de sua utilização na
aprendizagem do aluno e na melhoria do ensino em geral.

13
542
Satisfação Do Aluno Acadêmico De Enfermagem Ao Utilizar Material Didático Lúdico Na Prática De Parasitologia.

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543
Satisfação Do Aluno Acadêmico De Enfermagem Ao Utilizar Material Didático Lúdico Na Prática De Parasitologia.

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TARDIF, Maurice. (2002).Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes.

15
544
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 41
10.37423/200702060

ENVELHECIMENTO ATIVO E QUALIDADE DE


VIDA: ENVELHECENDO COM SAÚDE

Kleviton Leandro Alves dos Santos

Manoel Pereira da Silva Junior

Douglas de Oliveira Subrinho

Mayná Kallayne da Silva

Ana Paula Miyazawa

Fernanda Silva Monteiro

Hugo de Lira Soares

Renata da Silva Miranda

Daniela Nunes de Araújo Tavares


Envelhecimento Ativo E Qualidade De Vida: envelhecendo com saúde

Resumo: O envelhecimento ativo discorre de questões espirituais, sociais, psicológicas e também


alterações associadas à diminuição da capacidade funcional e a inatividade, ocorrendo um impacto na
qualidade de vida desses idosos, onde muitos têm a ideia de que com o avanço da idade os idosos
diminuem suas redes de relações sociais, tornando-se menos satisfeitos com a vida. À medida que a
população envelhece faz-se necessário desencadear estratégias que promovam a manutenção da
qualidade de vida. Objetiva-se com esse estudo evidenciar, que o envelhecimento humano é um
processo natural e merece uma atenção maior por parte de todos, para que se possa agregar qualidade
de vida aos anos acumulados e não somente somar doenças. Trata-se de um estudo descritivo com
abordagem explicativa. Em base de dados SciELO, MEDLINE e LILACS. Fez-se um recorte tanto dos
artigos selecionados quanto a data de publicação, selecionando-se os artigos publicados entre 2006 a
2019. Por meio dos descritores do estudo, foram localizados 356 artigos, destes resultando na seleção
final de 10 estudos. Os resultados evidenciam que, 2006, 2014, 2016 e 2018 foram os anos que mais
houve produções 20% (n= 2) cada, que relacionam o envelhecimento humano como um processo
natural, discutindo ainda a qualidade de vida aos anos acumulados e não somente somar doenças.
Biologicamente o envelhecimento caracteriza-se por um processo dinâmico e progressivo, com
alterações morfológicas, funcionais e bioquímicas, provocando redução da capacidade funcional e
maior vulnerabilidade a doenças. A exposição ao estresse ou ao tabagismo, a falta de exercícios ou a
nutrição inadequada são outros fatores que contribuem para determinar a qualidade do
envelhecimento. Conclui-se que manter um conhecimento sobre o processo de senescência e
senilidade pela equipe multiprofissional de saúde, é de crucial relevância, tenho em vista a fragilidade
deste público, respeitando suas limitações, enfatizando seu potencial remanescente e sua capacidade
para o autocuidado, possibilitando ainda a discussão ativa de Políticas Públicas de Saúde ao idoso.
Palavras-Chave: Envelhecimento Populacional. Assistência Integral à Saúde. PPS Políticas Públicas em
Saúde.

1
546
Envelhecimento Ativo E Qualidade De Vida: envelhecendo com saúde

INTRODUÇÃO

Conforme dados do Censo Demográfico do IBGE, há cerca de 10 milhões de pessoas na população


brasileira com idade superior a 65 anos. No ano de 2020 o Brasil terá a sexta população mundial em
números absolutos de idosos. Com o crescimento mundial da população idosa, a preocupação em
relação à capacidade funcional vem surgindo como novo destaque para a estimativa da saúde desse
segmento etário. Esse aumento gera maior probabilidade de ocorrência de doenças crônicas e, com
isso, o desenvolvimento de incapacidades associadas ao envelhecimento. Um aumento das limitações
das atividades de vida diária está diretamente associado ao aumento de morbidades nos idosos.
Segundo Sousa (2018) no ano de 2012, existiam apenas 84 homens para cada cem mulheres com 60
anos ou mais em todo o mundo, e para cada cem mulheres com 80 anos ou mais, só existiam 61
homens. Apesar das mulheres de viverem mais tempo, as mesmas possuem a pior qualidade de vida
se comparadas aos homens, principalmente por efeito das relações de gênero que estruturam todo o
ciclo de vida e influenciam o acesso a recursos e oportunidades, gerando impactos na vida social e
econômica.
O conceito de envelhecimento ativo foi adotado no fim dos anos 90 pela Organização Mundial de
Saúde (OMS), onde o mesmo envolveria questões espirituais, sociais, psicológicas e também questões
que por si só se relacionaram com a integralidade e a promoção da qualidade de vida para o
envelhecimento (BRASIL, 2006).
O envelhecimento pode ser decorrido de alterações associadas à diminuição da capacidade funcional
e a inatividade ocorrendo um impacto na qualidade de vida desses idosos, onde muitos tem a ideia de
que com o avanço da idade os idosos diminuem suas redes de relações sociais, tornando-se menos
satisfeitos com a vida, e que envelhecer significa deixar de se desenvolver, adoecer e se afastar de
tudo, mas, na verdade, verifica-se que existem boas possibilidades da pessoa continuar ativa e manter
uma boa qualidade de vida (ALMEIDA, 2019). Associado à isso o contexto institucional favorece ao
idoso vivenciar perdas em vários aspectos da vida, aumentando a vulnerabilidade a quadros
depressivos que podem desencadear desordens psiquiátricas, perda da autonomia e agravamento de
quadros patológicos preexistentes, por tanto os sintomas depressivos podem também ser
potencializados pelo desenvolvimento da dependência funcional, pela deterioração do apoio da
família e a distância dos familiares, o que leva a situações de solidão e isolamento afetivo, assim como
sentimento de vazio, abandono, tristeza e medo (GUIMARÃES, 2019).
Para Teixeira e Caminha (2017) manter o controle da saúde em todas as etapas da vida é uma
característica do homem contemporâneo, porém a percepção de saúde não é fixa, ou seja, tende a

2
547
Envelhecimento Ativo E Qualidade De Vida: envelhecendo com saúde

variar e transformar-se de acordo com as necessidades e os desejos dos sujeitos, sob influência dos
fatores extrínsecos e intrínsecos.
A saúde é, portanto, um dos principais motivos da independência e autonomia da população, tendo
em conta as condições de vida apta, as funções e ocupações, como um estímulo para o fortalecimento
de laços sociais e pessoais que venham a contribuir para o desenvolvimento de um melhor bem-estar
relativo.
À medida que a população envelhece faz-se necessário desencadear estratégias que promovam a
manutenção da qualidade de vida saudável, e o ideal para se manter um bem-estar saudável, segundo
a OMS, é a prática do Envelhecimento Ativo, por meio de hábitos de vida saudáveis como a alimentação
saudável, atividade física, lazer, cultura e a redução de violência (OHARA, 2019).
Diante disso as ações de saúde para com a pessoa idosa devem incluir a otimização das oportunidades
de saúde, de participação e de segurança, para assim melhorar a qualidade de vida nesse
envelhecimento (PEREIRA; LACERDA; NATAL, 2017). Dessa forma faz-se necessário um estudo
exploratório para compreender o envelhecimento humano como um processo natural, discutindo suas
repercussões na qualidade de vida.
Objetiva-se com esse estudo evidenciar, que o envelhecimento humano é um processo natural e
merece uma atenção maior por parte de todos, para que se possa agregar qualidade de vida aos anos
acumulados e não somente somar doenças.

METODOLOGIA

Este estudo constitui-se em descritiva com abordagem explicativa, onde este tipo de pesquisa
preocupa-se em identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos
fenômenos (GIL, 2007). Os dados foram coletados no período de janeiro a agosto de 2019.
Realizou-se a definição dos termos que compuseram as estratégias de busca dos estudos a partir de
análise flutuante de publicações científicas acerca do envelhecimento ativo e repercussões na
qualidade de vida. Foram selecionados descritores conforme vocabulário DeCS: “Idoso/ Old man”,
“Envelhecimento Populacional/ Population-ageing”, “Garantia da Qualidade dos Cuidados de Saúde/
Quality Assurance, Health Care”. As bases de dados: Scientific Electronic Library Online - SciELO,
Medical Literature Analysis and Retrieval System Online – MEDLINE e na Literatura Latino-Americana
e do Caribe em Ciências da Saúde – LILACS.
Fez-se um recorte tanto dos artigos selecionados quanto a data de publicação, selecionando-se os
artigos publicados entre 2006 a 2019. Os critérios de inclusão foram artigos relacionados ao tema, que

3
548
Envelhecimento Ativo E Qualidade De Vida: envelhecendo com saúde

contribuíssem para o desenvolvimento da pesquisa, bem como o aspecto referente ao ano de


publicação. Os critérios de exclusão foram artigos fora dos anos estabelecidos como critério de seleção
para a elaboração do referido artigo e assuntos que não tinham relação com o tema.
Por meio dos descritores do estudo, foram localizados 356 artigos, destes resultando na seleção final
de 10 estudos.

RESULTADOS

Quanto ao ano de publicação, constatou-se que 2006, 2014, 2016 e 2018 foram os anos que mais
houve produções 20% (n= 2) cada, que relacionam o envelhecimento humano como um processo
natural, discutindo ainda a qualidade de vida aos anos acumulados e não somente somar doenças, os
anos e 2010 e 2012 mantiveram um percentual e 10% (n=1) cada (Tabela 1).
Tabela 1 – Distribuição do total de publicações/ ano (n = 10).
Variável n. %
Ano de Publicação
2006 2 20,00%
2010 1 10,00%
2012 1 10,00%
2014 2 20,00%
2016 2 20,00%
2018 2 20,00%
Total 10 100%
Fonte: Santos, et al (2019).

DISCUSSÕES

Conforme Basse e Bollis (2012) “O envelhecimento humano é o processo de desgaste do corpo, depois
de atingida a idade adulta. Relaciona-se com a diminuição da reserva funcional, com a diminuição da
resistência às agressões e com o aumento do risco de morte. ”
“Do ponto de vista biológico, o envelhecimento caracteriza-se por um processo dinâmico e progressivo,
com alterações morfológicas, funcionais e bioquímicas, provocando redução da capacidade funcional
e maior vulnerabilidade a doenças” (NETTO,2010).
O processo de envelhecimento humano é definido em dois processos, um é a senescência e o outro
senilidade. Senescência é definida como um processo de envelhecimento natural e saudável, sem
comprometimento da manutenção das necessidades básicas de vida como: alimentação, locomoção,
higiene e relacionamento interpessoal. A Senilidade é o processo de envelhecimento associado a
diversas alterações decorrentes de doenças crônicas como hipertensão arterial, diabetes, e maus

4
549
Envelhecimento Ativo E Qualidade De Vida: envelhecendo com saúde

hábitos de vida, podendo gerar incapacidades funcionais, insuficiência dos órgãos e até a morte
(BRASIL, 2006).
De acordo com Romero (2018) desde a década de 1980, gestores no campo da saúde, em geral, e da
saúde do idoso, em particular, deparam-se frente ao desafio de encontrar soluções para a organização
e o funcionamento dos sistemas de saúde face às mudanças demográficas e epidemiológicas,
preocupando-se em possibilitar uma qualidade maior no bem-estar dessa população, frente ao
aumento progressivo de despesas em assistência médico-hospitalar, e avanço contínuo das tecnologias
médicas. Essa problemática pode ser enfrentada com o uso de informações adequadas e oportunas
para o planejamento e o acompanhamento de ações de saúde.
“A exposição ao estresse ou ao tabagismo, a falta de exercícios ou a nutrição inadequada são outros
fatores que contribuem para determinar a qualidade do envelhecimento (BRAZ e CIOSAK 2006). ” Com
uma consequência humana do envelhecimento, temos a capacidade funcional diminuída onde cada
ano que se passam é aumentada, ocorrendo o processo natural de dificuldade ou a perda de habilidade
e a dificuldade em executar funções naturais do nosso cotidiano, que são as limitações físicas e
cognitivas decorrente do próprio envelhecimento (CESP, 2014).
Para o World Health Organization Quality of Life (WHOQOL) – Grupo de pesquisa em qualidade de vida
da Organização Mundial de Saúde – A qualidade de vida envolve não só a saúde física, mas também o
estado psicológico, o nível de independência, as relações sociais, as crenças pessoais e outras
características envolvidas em seu meio ambiente, incluindo um sistema de valores que envolvem
metas, expectativas, padrões e preocupações (FERREIRA; MEIRELES; FERREIRA, 2018).
Uma forma para dimensionar a qualidade de vida é relaciona-la ao estágio de independência que o
idoso exerce suas ocupações no seu cotidiano, tornando-o autônomo dentro de um âmbito social,
econômico e cultural. A qualidade de vida na velhice não é uma característica do indivíduo psicológico,
biológico ou social, nem uma incumbência individual, mas sim, um produto da relação entre as pessoas
vivendo em um meio em mudanças (PAIXÃO, 2016).
Vale ressaltar que quanto mais ativa a pessoa for ao longo de toda sua vida, mas fácil e contribuída fica
para um envelhecimento saudável, onde essa vida ativa de envelhecer depende da cultura em que o
indivíduo está habitável (CESP, 2014).
Assim, é de suma importância que os profissionais da saúde, principalmente os da enfermagem,
amparem os idosos de forma adequada e proporcionem apoio emocional e respeito, para que se aja
uma assistência ajustada a seus desejos e necessidades. Portanto, mesmo que o envelhecimento seja

5
550
Envelhecimento Ativo E Qualidade De Vida: envelhecendo com saúde

uma conquista das nações civilizadas e progressistas, deve-se lembrar que não basta apenas aumentar
a expectativa de vida, mas também buscar por uma melhor qualidade de vida (PAIXÃO, 2016).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em relação à qualidade de vida, percebe-se uma diferença significativa entre a prática de atividade
física e melhores níveis de qualidade de vida quando comparamos o grupo de idosos ativos com o de
sedentárias. Recomenda-se, assim, que seja realizada uma intervenção por meio de um programa de
treinamento físico, envolvendo maior quantidade de indivíduos melhor condicionados para verificar
de modo mais eficaz as possíveis alterações nas variáveis do estudo realizado.
O conhecimento sobre o processo de senescência e senilidade pelos profissionais de saúde que lidam
com idosos é de crucial relevância, devendo-se trabalhar com esse grupo sempre buscando respeitar
suas limitações, enfatizando seu potencial remanescente e sua capacidade para o autocuidado.
Levando ainda em consideração que cada idoso possui a sua história de vida, diferente de qualquer
outra e o que pode significar qualidade de vida e bem-estar para ele pode ser diferente do significa
para o profissional da saúde.

6
551
Envelhecimento Ativo E Qualidade De Vida: envelhecendo com saúde

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Envelhecimento Ativo E Qualidade De Vida: envelhecendo com saúde

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8
553
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 42
10.37423/200702068

O MOVIMENTO FEMINISTA NO BRASIL: UMA


ANÁLISE CRÍTICA DA INFLUÊNCIA DO
FEMINISMO OCIDENTAL NA CONSTRUÇÃO DA
IDENTIDADE INTERSECCIONAL LATINO-
AMERICANA

Bianca Martins de Andrade Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA)


A Consolidação Do Movimento Feminista No Brasil: Uma Análise Crítica Da Influência Dos Movimentos Feministas Ocidentais Para
Construção Da Identidade Interseccional Do(S) Feminismo(S) Latino-Americano(S).

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar a evolução do feminismo como movimento
social organizado, a partir de uma análise histórica das chamadas ondas do feminismo. Com isso, tem-
se a finalidade de expor o surgimento do feminismo latino-americano, com enfoque no feminismo
interseccional brasileiro, observando as influências do movimento feminista originário europeu, bem
como as divergências do universalismo liberal, destacando a multiplicidade que caracteriza o
feminismo da terceira onda.

1
555
A Consolidação Do Movimento Feminista No Brasil: Uma Análise Crítica Da Influência Dos Movimentos Feministas Ocidentais Para
Construção Da Identidade Interseccional Do(S) Feminismo(S) Latino-Americano(S).

INTRODUÇÃO:

O feminismo como movimento social organizado surgiu ao final do século XIX, na Europa Ocidental,
com vistas na extensão dos direitos civis e políticos às mulheres. Essa luta marcou a chamada Primeira
Onda do feminismo e teve como influência a corrente de pensamento liberal, fazendo surgir as
feministas liberais, representadas pelas mulheres burguesas da sociedade europeia. Esse movimento
reivindicava direitos políticos igualitários e também o acesso à educação e mudanças legislativas.
Marques e Xavier (2018) destacam que o movimento feminista liberal acreditava que os problemas
vivenciados pelas mulheres poderiam ser resolvidos a partir de mudanças na política e nas leis.
Com a virada do século e a consolidação do capitalismo como modelo econômico, mais mulheres se
juntaram a luta contra sua condição subjugada, ganhando destaque as mulheres da classe
trabalhadora, influenciadas pela corrente de pensamento marxista. Segundo Marques e Xavier (2018)
esse grupo acreditava que a divisão de classes influenciava diretamente nas relações sociais, logo não
só mudanças legislativas seriam necessárias, mas também transformações na estrutura do sistema
como um todo. É na Segunda Onda que as discussões sobre o papel da mulher na sociedade avançam
para o campo teórico – ou seja, é nesse período que o movimento liberal feminista ganha força –,
dando origem a mais uma vertente dentro do movimento: o feminismo radical1 .
Encaminhando-se para o final do século XX, Marques e Xavier (2018), atentam para as primeiras
grandes mudanças quanto as pautas do feminismo até então. A Terceira Onda é marcada pelo
questionamento quanto ao gênero e também quanto ao lugar de fala das mulheres que não as
europeias e norte-americanas. Com influência das correntes pós-positivistas, as feministas desse
período reivindicam autonomia de produção e conteúdo e emancipação cultural, dando origem ao
debate do feminismo Sul-Sul, tendo o presente trabalho dado ênfase ao feminismo interseccional
desenvolvido no Brasil dos anos 1980 e 1990.
Segundo Timoteo (2013), o movimento feminista brasileiro vai além das pautas feministas
convencionais. A crítica quanto ao sujeito universal que o feminismo liberal ocidental até então
propunha, dá espaço para a legitimação das reivindicações do movimento negro, indígena e rural.
Além disso, evidencia-se a importância da relação com o Estado e demais instituições, não perdendo,
contudo, a característica de movimento autônomo.
Com isso posto, ao se analisarem as ondas do feminismo com enfoque no desenvolvimento do
feminismo “decolonial” brasileiro, procurou-se mostrar as diferentes formas pelas quais o feminismo
como movimento organizado atua, evidenciando a necessidade de horizontalizar o debate, incluindo
as múltiplas demandas que os diferentes cenários proporcionam às mulheres militantes.

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Construção Da Identidade Interseccional Do(S) Feminismo(S) Latino-Americano(S).

Na América Latina, ao se discutir feminismo é imprescindível falar do contexto das ditaduras militares,
das guerrilhas e das consequências da desigualdade social. Como descreve Cyprano (2013, s/p), a
“América Latina seria um dos lugares de nosso planeta, [...], onde as desigualdades se manifestam de
modo muito acirrado e específico, por isso a indiscutível necessidade de novas teorias e
enquadramentos que falem, a partir de uma dimensão totalmente localizada, da justiça social - uma
importante demanda coletiva”.

Assim,

[...], os direitos das mulheres, combate ao racismo, defesa dos direitos


sexuais e dos direitos humanos, ecológicos, popular, comunitário e sindical
–, a sub-representação feminina nas estruturas formais da política ainda é
um dos principais desafios a serem enfrentados (SCHUMAHER e CEVA, 2015,
p. 215).

1.A LUTA FEMINISTA: UMA RETOMADA HISTÓRICA

A luta feminista contra sistemas opressores não tem data de estreia ou evento marcante. Mulheres
sempre se rebelaram contra sua condição e lutaram por liberdade. Silvia Federici (2017,enfatiza como
mesmo na evolução da relação servo-senhor, na Idade Média Ocidental, os direitos conquistados pelos
camponeses livres limitavam-se aos homens; isso porque a terra era, majoritariamente, entregue aos
homens e transmitida assim pela linhagem masculina. Esse fato, comenta a autora, serviu para
reafirmar a relação de dependência das mulheres, agora na sociedade servil, aos seus maridos ou pais,
ou, em caso de ausência dessas duas figuras, aos Senhores de Terra2 .
Contudo, cabe salientar que devido à escassez característica do período feudal, fazia-se necessário
todo tipo de trabalho que contribuísse para o sustento coletivo e, por essa razão em específico, o
trabalho doméstico não era desvalorizado, nem as relações sociais laborais entre homens e mulheres
hierarquizadas (FEDERICI, 2017).
Todavia, as reivindicações camponesas do período não acabaram com o direito de aquisição de parte
da terra pelos servos, pelo contrário, as lutas, agora armadas, continuaram acontecendo até
desencadearem no pagamento em dinheiro pelos serviços braçais. E mais uma vez, como salienta
Federici (2017), as mulheres sofreram com a nova forma de exploração do trabalho:
As mulheres, de todas as classes, também se viram afetadas de um modo
muito negativo. A crescente comercialização da vida reduziu ainda mais seu
acesso à propriedade e à renda. Nas cidades comerciais italianas, as
mulheres perderam o direito a herdar um terço da propriedade de ser
marido (a tertia). Nas áreas rurais, foram excluídas da posse da terra,
especialmente quando eram solteiras ou viúvas. Consequentemente, no
final do século XIII, encabeçaram o movimento de êxodo do campo, sendo

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Construção Da Identidade Interseccional Do(S) Feminismo(S) Latino-Americano(S).

as mais numerosas entre os imigrantes rurais nas cidades (Hilton, 1985,


p.212) e, no século XV, constituíam uma alta porcentagem da população das
cidades (FEDERICI, 2017, p.63).
Porém, prossegue Federeci (2017), mesmo nas cidades, as mulheres não puderam desfrutar da
liberdade, uma vez que, adquirida certa autonomia social, como o acesso a trabalhos considerados
“masculinos”, foi a vez da Igreja repreender suas atitudes por meio dos sermões dos padres que as
consideravam heréticas . A crise clerical somada às Cruzadas resultou em mais revoltas populares, ao
passo que a Igreja utilizou da violência como mecanismo de repressão. Desse modo, como relembra
Pinto (2010, p. 15), a Inquisição Católica não poupou esforços para coibir movimentos sociais e seitas
desvinculadas do cristianismo, punindo fervorosamente os considerados hereges3, com especial
diligência as mulheres, iniciando assim uma “caça às bruxas” que durou em média três séculos.
Entretanto, a crise da Igreja Católica e a consequente queda do sistema feudal eram iminentes. O
despontar da Modernidade e a consolidação do capitalismo como modelo econômico primordial
estabeleceram novas relações de exploração, sendo a violência, como destaca Federeci (2017, p.82),
“o principal poder econômico no processo de acumulação primitiva4” .
À época da reforma, a igreja católica era proprietária feudal de grande parte
do solo inglês. A supressão dos conventos etc. enxotou os habitantes de suas
terras, os quais passaram a engrossar o proletariado. Os bens eclesiásticos
foram amplamente doados a vorazes favoritos da Corte ou vendidos a preço
ridículo a especuladores, agricultores ou burgueses, que expulsaram em
massa os velhos moradores hereditários e fundiram seus sítios (MARX, 1867,
p. 843).
É nesse período, em meio ao processo violento de consolidação de uma classe dominante, que as
mulheres voltam a questionar sua subordinação, dessa vez a partir do desenvolvimento de uma
“consciência crítica feminista”, como denominam Costa e Sardenberg (2008, p. 24). Ainda segundo as
autoras, essa consciência é gerada na Europa dos anos 1870, no contexto das Grandes Revoluções na
Inglaterra e França, motivando mais uma vez a luta das mulheres influenciadas pelos ideais liberais de
igualdade, culminados na Revolução Burguesa de 1879. Contudo, não tardou para as mulheres
compreenderem a limitação dos direitos adquiridos às classes dominantes, especificamente entre os
homens.
Não só as relações jurídicas foram renovadas, mas também os demais vínculos sociais sofreram
alterações com a consolidação do capitalismo. A família não mais é vista como unidade produtiva, uma
vez que os bens para consumo são agora produzidos nas fábricas. O homem é redesenhado como
provedor e chefe da família e assim passa a vender sua força de trabalho no mercado. A mulher,

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Construção Da Identidade Interseccional Do(S) Feminismo(S) Latino-Americano(S).

entretanto, não deixa de participar desse processo, pelo contrário, será requisitada, em grandes
proporções, para o trabalho na produção fabril (COSTA; SARDENBERG, 2008).
Mas, segundo Costa e Sardenberg (2008, p. 25) apesar da necessidade de mão de obra advinda da
expansão tecnológica na Nova Era, a nova burguesia não deixou de explorar “a condição de
inferioridade à qual a mulher já vinha submetida”.
Sua passividade e submissão dentro do mundo doméstico, desenvolvida
durante uma longa história de subordinação, serão utilizadas para impor-lhe
o pagamento de salários inferiores aos do homem e jornadas do trabalho
excessivas e insalubres, favorecendo assim a extração de uma mais-valia
absoluta ainda maior (COSTA; SARDENBERG, 2008, 2008, p. 25).
Foi a partir desse cenário de constante opressão e abuso que surge a considerada Primeira Onda
Feminista, um movimento organizado para reivindicação de direitos de cidadania. Segundo Pinto
(2010), a contar das últimas décadas do século XIX, as mulheres na Inglaterra agruparam-se para lutar
por seus direitos, sendo que o primeiro deles que se popularizou foi o direito ao voto 5 .

2.PRIMEIRAS LUTAS ORGANIZADAS: DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

Segundo Barreto (2004), o nascimento oficial do feminismo organizado ocorreu em 1848, na Capela
de Sêneca Falla, Nova York, culminando no direito ao voto, em 1920 6 . A Primeira Onda surge, dessa
forma, “envolto a Revolução Francesa e a Americana e se debruçou, primeiramente, em torno da
demanda por direitos sociais e políticos.” (Costa, 2005 apud Gregori, 2017, p. 50).
Nesse processo, o movimento feminista ganha força. Mulheres de todas as classes se organizam na
busca por direitos político-sociais, tendo como marca a luta pelo sufrágio universal, devido a
mobilização organizacional que levou, mais tarde, a efetivação dos atos. Marques e Xavier (2018, p. 3)
destacam duas figuras importantes para esse período: Olympe de Gouges (1748-1793) que em 1789
publicou a “Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã”, criticando o documento originário da
Revolução Francesa que abrangia somente homens da elite; e Mary Wollstonecraft (1759-1797) que
em sua obra “Uma Vindicação dos Direitos da Mulher” (1792) faz reflexões sobre a emancipação das
mulheres, levantando a pauta da democracia e os direitos das mulheres na Inglaterra.
A luta das Sufragistas na Europa foi evoluindo quanto as formas de reivindicação, porém só obteve
resultado efetivo em setembro de 1920 com a ratificação da 19º Emenda Constitucional, concedendo
o voto às mulheres na Inglaterra (MARQUES; XAVIER, 2018). Observa-se, desse modo, uma ligação
teórica-epistemológica entre o movimento feminista originário e as demandas defendidas pelos
liberalistas revolucionários. Cabe, assim, analisar, mesmo que sucintamente, a relação entre

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Construção Da Identidade Interseccional Do(S) Feminismo(S) Latino-Americano(S).

Feminismo e Liberalismo, destacando algumas críticas relevantes para melhor compreensão do


trabalho.

2.1.FEMINISMO E LIBERALISMO

Ainda que as origens para o movimento de luta por direitos igualitários sejam muitas, o liberalismo
político tem uma relação privilegiada com o discurso feminista, que desde sua origem incorporou
muitos de seus conceitos e premissas. Para uma melhor compreensão entre os pontos consensuais
entre feminismo e liberalismo citaremos as contribuições de John Stuart Mill e Mary Wollstonecraft.
Segundo Reis (2017, p. 13), Mary Wollstonecraft “é considerada uma das criadoras do feminismo, por
ter sido uma das primeiras pessoas a pautar a igualdade de direitos entre os sexos”. Wollstonecraft
tinha como foco de análise a distinção entre a educação que era dada às mulheres e aos homens da
época. Reis (2017), destaca que a autora observa como a educação atuava como um mecanismo que
reforçava a noção de superioridade social do homem enquanto as mulheres eram ensinadas a se
comportarem socialmente a fim de conseguirem um “bom partido”. Wollstonecraft instigou, portanto,
o questionamento quanto à forma de viver imposta as mulheres, tendo como prioridade a beleza e as
boas maneiras.
Já John Stuart Mill compartilha da ideia defendida pelos liberais clássicos de que “toda pessoa deva
ser livre e não se deve particularizar pessoas a não ser que haja motivos ‘positivos’ ou políticos
provados de diferença entre os indivíduos” (REIS, 2017, p. 14) Dessa forma, o autor tem consciência
da desigualdade legal entre os sexos, relacionada com as supostas diferenças de força física. Contudo,
como relembra Reis (2017), o autor envolve sua crítica ao fato que de não havia nem mesmo o esforço
para se comprovar ou deliberar tal constatação, fazendo perpetuar as relações já existentes.
Ainda partindo das premissas de Mill, pode-se destacar alguns conceitos que foram incorporados, num
primeiro momento, pelo movimento feminista do início do século XIX: a igualdade perante a lei, a
liberdade individual, a igualdade de oportunidade, a autonomia pessoal e a liberdade de consciência
(REIS, 2017).
Todavia, ao priorizar e conceituar o espaço privado, as teorias liberais acabaram por ferir um dos
pontos principais do movimento feminista que tentava incansavelmente incluir mais mulheres. A ideia
desenvolvida por Carol Hanisch de que “o pessoal é político”, e também analisada por Judith Butler, é
a dicotomia do público-privado e, por conseguinte, o papel do Estado na proteção dos direitos das
mulheres em todos os espaços sociais. A criminalização da violência marital e a valorização do trabalho
doméstico são formas de desconstruir estereótipos do papel da mulher e do homem na sociedade e

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exigir a atuação efetiva do Estado na proteção dos direitos humanos das mulheres, contrariando a
versão clássica liberal de separação entre sociedade civil e Estado, ou entre o social e o pessoal (CYFER,
2010, p. 137).
Ruth Abbey (2011, apud Reis, 2017) identifica o surgimento do Estado Liberal, a partir de um contrato
social, como uma das principais críticas apresentadas pelas feministas. Abbey verifica – utilizando das
considerações de Pateman (2007) – esse contrato como um contrato sexual, uma vez que é feito
exclusivamente por homens, determinando as relações sociais subsequentes. Ainda segundo o autor:
Abbey (2011) explica a visão, discorrendo sobre o liberalismo ter criado uma
esfera pública de liberdade civil, removendo o poder patriarcado deste
âmbito, mas continuamente ignorando a instituição do casamento, assim
reafirmando o poder patriarcal no âmbito da família (REIS, 2017, p.22).

Barreto (2004), seguindo essa ótica, observa uma divisão ideológica dentro do movimento de Primeira
Onda entre as feministas adeptas ao liberalismo e as feministas radicais. O feminismo liberal, como já
mencionado, buscava a igualdade de direitos civis, cabendo enfatizar as conquistas como o voto e a
questão salarial. Já as feministas radicais “concentraram seus esforços no projeto trabalho de
conscientização. Os grupos eram formados apenas por mulheres cujo tema central era ‘a proteção da
mulher contra a violência masculina (campanha antiestupro, treinamento em autodefesa, abrigo para
mulheres espancadas e acompanhamento psicológico)’” (BARRETO, 2004, p. 70). O século XIX na
Europa é marcado por divisões ideológicas entre as militantes feministas, uma vez que se inicia o
processo de emancipação crítica das mulheres.

3.PRIMEIRA ONDA DO FEMINISMO NO BRASIL: A INFLUÊNCIA EUROPEIA E A REIVINDICAÇÃO DE


NOVOS DIREITOS

Como relembra Gregori (2017), o início do século XIX no Brasil foi marcado pela vinda da família real
portuguesa, em 1808, e, logo após, em 1822, a independência do Império. Esses fatos influenciaram
as relações econômicas, políticas e jurídicas no Brasil, impactando, diretamente, a situação das
mulheres. Costa e Sanderberg (2008, p. 33) descreveram que a família seguia os moldes da
organização patriarcal originária de Portugal, subjugando a mulher as vontades do marido,
permitindo-se inclusive o castigo físico, além de terem de permanecer em casa, sendo seu principal
papel social o de reprodutora.
Um fato imprescindível relembrado por Costa e Sanderberg (2008) é a diferença de realidade entre as
mulheres brancas e as mulheres negras que aqui se encontravam. Apesar da mulher como um todo
ter um papel submisso na sociedade brasileira da época, as negras e escravizadas eram infinitamente

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mais oprimidas e violentadas, sendo vítimas até mesmo de outras mulheres, que possuíam – ainda
que muito pouco – certa liberdade dentro dos moldes da sociedade.
À vista disso, influenciadas pelo movimento dos Estados Unidos e Europa, as mulheres brasileiras
começaram a se organizar ainda na primeira metade do século XIX para lutar contra tantas limitações
que lhe eram impostas. A mobilização chegou a alcançar, mais para o final do século, a luta
abolicionista junto ao direito ao voto (GREGORI, 2017). Vale mencionar, como faz Costa (2005), a
influência também das mulheres trabalhadoras imigrantes da Espanha e Itália que instigavam as lutas
sindicais por melhores condições de trabalho e salário igualitário.
Entretanto, reforça Gregori (2017), esses esforços foram suprimidos pela promulgação da Constituição
de 1891, após a proclamação da República, que visava seguir o modelo liberal-burguês. Isso quer dizer
que a “igualdade de todos” compreendia somente homens alfabetizados, excluindo da participação
política tanto as mulheres quanto a maior parte da classe trabalhadora da época, assim como tinha
sido com a “Declaração dos Direitos do Homem” na França Revolucionária.
Apesar disso, Pinsky e Pedro (2013) afirmam que as aspirações das mulheres brasileiras não só
mudaram como se intensificaram com o advento da República. Segundo as autoras, as mulheres dos
segmentos mais altos das sociedades passaram a buscar espaço no mercado de trabalho, ao lado das
mulheres pobres que, devido sua condição social, desde sempre precisaram trabalhar. Unidas por um
desejo de autossuficiência e independência financeira, as mulheres compreenderam então que o
acesso pleno à educação de qualidade, direito ao voto e de elegibilidade eram elementos essenciais
para concretização desses objetivos.
Dessa forma, no início século XX as mobilizações feministas brasileiras ressurgiram, tendo como
principal reivindicação o direito ao voto. Organizações feministas socialistas, anarquistas e liberais
coexistiam por toda América Latina, promovendo debates a partir de congressos, iniciando assim o
movimento de Sufragismo (GREGORI, 2017). É nesse cenário que surge a figura de Bertha Lutz,
cientista que acabava de retornar da Europa, em 1918, e iniciava assim a luta organizada pelo voto.
Foi uma das fundadoras da Sociedade Brasileira pelo Progresso Feminino, além de lutar pelo direito
das mulheres por um ensino de qualidade, tendo em vista que considerava a educação essencial para
a emancipação feminina, inclusive na obtenção de uma remuneração igualitária no trabalho (PINSKY
E PEDRO, 2013).
Com a candidatura de Getúlio Vargas à Presidência da República, em 1929, muitas mulheres apoiaram
a campanha de eleição, uma vez que viam como uma maneira de propagar os ideais liberais
defendidos. Quando eleito, Vargas chegou de fato a implementar o Decreto nº. 21.076, de 24 de

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fevereiro de 1932, que instituiu o Código Eleitoral Brasileiro sem distinção de sexo, alistado na forma
do código. Entretanto, mesmo com a conquista do sufrágio universal por meio da organização
feminina, o avanço na mudança de estrutura social foi quase nulo, dado que sem a consciência de que
uma igualdade em termos jurídicos não traria necessariamente direitos significativos, as mulheres
retornaram para suas casas. (GREGORI, 2017, p. 56).
Em 1937 o cenário tende a piorar, sendo que em 10 de novembro um golpe político-militar restringe
as liberdades democráticas, fecha o Congresso Nacional e extingue os partidos políticos: nasce o
Estado Novo (GREGORI, 2017). A dinâmica feminista volta a ganhar força somente com a participação
do Brasil na Segunda Grande Guerra, momento em que as mulheres foram as ruas “defender a entrada
do Brasil na guerra contra o totalitarismo nazi-fascista e lutar pela anistia dos presos políticos
brasileiros” (BANDEIRA e MELO, 2010, apud GREGORY, 2017, p. 55), mas, após o conflito as
mobilizações sociais nos países latino-americanos como um todo são novamente suprimidas, dessa
vez devido aos golpes militares da década de 1960 (GREGORI, 2017).
A repressão provocada pela ditadura encerra o ciclo da primeira onda do feminismo brasileiro, sendo
possível concluir que o movimento anterior à década de 1960 se refere “ao questionamento da divisão
sexual dos papéis de gênero, estereótipos e tradições na medida em que utilizavam as ideias e
representações das virtudes domésticas e maternas como justificativa para suas demandas” (COSTA,
2005, p. 13).
Vale a pena destacar também, que o movimento feminista da Primeira Onda que se desenvolveu no
Brasil surge da contradição ideológica típica do capitalismo, dividindo as feministas entre defensoras
do feminismo burguês ou sufragista e defensoras do feminismo socialista (COSTA e SARDENBERG,
2008).
O movimento feminista burguês sufragista7 , como explicam Costa e Sanderberg (2008, p.27), manteve
o foco nas reformas jurídicas e estruturais, não se atentando as consequências que a mulher operária
sofreria, como a obrigação de assumir duplas ou triplas jornadas de trabalho. Já o movimento socialista
feminista8, exercido majoritariamente pelas mulheres operárias, foi altamente influenciado pelo
“Manifesto Comunista” de Marx e Engels e pela atuação de figuras como Rosa Luxemburgo na
Alemanha (COSTA e SARDENBERG, 2008).

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4.SEGUNDA ONDA FEMINISTA E OS DESDOBRAMENTOS NO BRASIL DITATORIAL

Com o fim da Primeira Onda, isto é, com a aquisição do direito ao voto e a ascensão das mulheres ao
mercado de trabalho, novas demandas entraram na pauta feminista, sendo a principal característica
da Segunda Onda do movimento a inserção da “construção do feminino” nas discussões.
Algumas obras influenciaram os debates dos anos 1960 na Europa e Estados Unidos, como o livro de
Simone de Beauvoir (1908-1986), escritora francesa com a obra “O segundo sexo” (1949), que põe em
evidência a construção do papel da mulher na sociedade, bem como do “feminino” e como essas
imposições acarretam negativamente na capacidade de autonomia das mulheres. As reflexões de
Simone de Beauvoir transcendiam as aspirações políticas das feministas da Primeira Onda, posto que
a autora questionava diretamente aspectos culturais utilizados pela classe dominante como processo
de socialização (MARQUES e XAVIER, 2018).
Logo, a corrente feminista da Europa dos anos 1960 e 1970, influenciada pelo estabelecimento do
Capitalismo como sistema econômico, requisitava melhores condições de trabalho – devido a
crescente participação na mulher no mercado laboral – e a ampliação do sistema de educação, além
da incorporação do debate sobre a divisão sexual do trabalho e sobre o papel da mulher na família e
na sociedade como um todo. Todavia, ao ser analisado no Brasil, constata-se que as feministas nesse
período defendiam que o movimento pelos direitos das mulheres deveria ser diferenciado e não
subordinado, ou seja, deveria ser autônomo e livre de qualquer dominação sexista e/ou externa em
termos geográficos (GREGORI, 2017).
Sendo assim, cabe estudar a atuação específica das mulheres brasileiras na época da ditadura militar,
com início no golpe de 1964. Apesar da extrema opressão que o regime impunha sobre os movimentos
sociais libertários, as mulheres brasileiras organizaram-se numa atividade de resistência no início dos
anos 1970. Como afirma Barreto (2004, p.67) nesse contexto, a principal bandeira do feminismo era a
afirmativa de que o “pessoal é político”9 , pensada como um questionamento profundo dos
parâmetros conceituais do político.
Schumaher e Ceva (2015) apontam ainda como a Organização das Nações Unidas (ONU) se viu
pressionada por essa movimentação e sugeriu, em 1975, a realização de uma Conferência
Internacional sobre a Mulher, realizada na cidade do México, que instituiu o Ano Internacional da
Mulher e mais tarde deu origem a chamada Década da Mulher, impulsionando ainda mais a Segunda
Onda do feminismo brasileiro10.
Surge assim, nos anos 70, um novo movimento em que mulheres de classe média, nível universitário
e mulheres pobres, sem acesso à educação, organizaram-se para exigir que suas reivindicações fossem

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atendidas pelo sistema político brasileiro. Essa mobilização é resultante de três influências, conforme
alguns estudiosos: a política, a economia e a religião (BARRETO, 2004).
As mudanças no cenário político do Brasil na época são claras; o regime militar instituiu grande
repressão e o cerceamento das liberdades democráticas, mas sabe-se também que ao final da década
de 1970, a ditadura estava enfraquecendo. Após 1975, as mulheres conquistaram o direito de
realizarem encontros, demonstrações e conferências apontando o surgimento do movimento
moderno das mulheres no Brasil (BARRETO, 2004).
Quanto ao cenário econômico, houve significativo aumento da participação das mulheres brasileiras
na economia, assim como na educação superior. Apesar disso, a desigualdade econômica entre
homens e mulheres continuava – e continua – grande, constituindo um empecilho para a
autossuficiência das mulheres (BARRETO, 2004).
Já em relação as mudanças influenciadas pela religião, a Igreja Católica – que sempre exerceu um
papel fundamental na legitimação dos governos ao longo da história do Brasil – voltou-se para as
necessidades das massas. Segundo Boff (1992 Apud Barreto, 2004, p. 67) “os movimentos CEBS,
chamados, comunidades eclesiásticas de base, eram liderados por mulheres”. A participação das
religiões afro-brasileiras também fui fundamental no apoio as mulheres, especialmente as menos
favorecidas. Dessa forma, ambas religiões (católica e afro brasileira) foram importantes na
reformulação do papel da mulher na sociedade, instituindo as características de líder e conselheira
(BARRETO, 2004).
Com a conquista de maior espaço na sociedade brasileira, influenciadas pelas mudanças do período e
apoiadas por movimentos como o da anistia, as mulheres passaram a lutar em favor das trabalhadoras
e mães, exigindo maior atuação do Estado para a construção de creches, por exemplo. Outra medida
visada era em relação aos anticoncepcionais; em Brasília foram instituídas algumas medidas de
planejamento familiar, com o objetivo de distribuir anticoncepcionais para mulheres carentes
(BARRETO, 2004).
Entretanto, o que parecia uma vitória logo tornou-se alvo de críticas, visto que a distribuição de
contraceptivos implicava num “debate relacionado não apenas a gênero ou escolha, mas a economia
e à raça, isso porque a distribuição indiscriminada de pílulas anticoncepcionais foi direcionada à
população pobre e não à elite” (BARRETO, 2004, p. 68). Além disso, a construção das creches falhou
miseravelmente, visto que o Estado edificou menos de ¼ das escolas prometidas. Com isso, o próprio
movimento passou a ter divergências quanto as pautas defendidas. Como retoma Gregori (2017), as
lutas da década de 70 não se resumiram a garantias constitucionais, mas também questionavam o fato

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de que apenas uma minoria privilegiada estaria se beneficiando dos direitos e espaços até então
conquistados.
Dessa maneira, a década de 70 no Brasil encerra-se em meio a dilemas, mas, ainda assim, com as
feministas brasileiras cientes da necessidade de um movimento autônomo em todos os sentidos.
Como destaca Timoteo (2013), a Segunda Onda feminista no Brasil enfrentou o autoritarismo da
ditadura militar, conquistando espaços democráticos de fala, criticando a negligência do Estado e se
rebelando quanto ao patriarcalismo e as desigualdades que regiam as relações sociais. É com esse
intuito de questionamento e emancipação que as feministas entram na década de 80, fazendo questão
de que suas demandas sejam atendidas na Nova Era democrática.

5.A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE INTERSECCIONAL DO FEMINISMO NO BRASIL

A década de 1980 para o movimento feminista no Brasil configurou-se a partir do esforço pela
redemocratização, tendo como consequência a união com demais movimentos sociais numa luta geral
por liberdade. O Estado, nesse contexto, continuava como empecilho para evolução do feminismo,
uma vez que discursava contra qualquer tipo de mobilização social, denominando os revoltosos de
“inimigos comuns” ou “comunistas”. As mulheres brasileiras logo compreenderam que seria
necessária uma transformação para além das leis, uma mudança nos costumes e práticas, ou seja, uma
verdadeira revolução cultural (GREGORI, 2017, p. 59).
Nesse momento, destacam Schumaher e Ceva (2015), o movimento feminista seguia crescendo em
tamanho e pauta. Grupos de mulheres que defendiam desde creches ao direito à sexualidade
espalhavam-se dentro e fora dos partidos políticos da época. A multiplicidade das pautas agora
incorporava as reivindicações das mulheres negras, lésbicas, trabalhadoras – urbanas e rurais –,
prostitutas, professoras e donas de casa.
Assim, o complexo universo de reivindicações se expressava nas
manifestações de rua, nos encontros estaduais, regionais e nacionais. As
primeiras reuniões nacionais foram promovidas pelas feministas nos
encontros da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Então, no ano
de 1979, em Fortaleza, realizou-se a primeira edição do que atualmente se
convencionou chamar de Encontro Nacional Feminista. Um ano depois, no
Rio de Janeiro, ocorria a segunda, uma reunião histórica com a participação
de mais de 1.500 mulheres, entre professoras, estudantes universitárias e
militantes do movimento (SCHUMAHER e CEVA, 2015, p.145 e p.146).
A partir disso, como comenta Gregori (2017), no final da década de 80, surge um interesse quanto a
participação das mulheres no campo político, principalmente no que diz respeito a organização da
Nova Constituição Federal, devido a consistência do movimento feminista. Segundo Timoteo (2013, p.

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A Consolidação Do Movimento Feminista No Brasil: Uma Análise Crítica Da Influência Dos Movimentos Feministas Ocidentais Para
Construção Da Identidade Interseccional Do(S) Feminismo(S) Latino-Americano(S).

98), “o avanço do movimento fez do eleitorado feminino um alvo do interesse partidário e de seus
candidatos, que começaram a incorporar as demandas das mulheres aos seus programas e
plataformas eleitorais, a criar Departamentos Femininos dentro das suas estruturas partidárias11” ,
possibilitando ainda maior participação das mulheres na promulgação da Constituição Cidadã de 1988.
Com isso, faz-se presente a necessidade de institucionalização do movimento para uma maior
efetividade política e social. Contudo, comenta Timoteo (2013, p. 99), “a atuação do feminismo em
nível institucional não foi um processo fácil de ser assimilado no interior do movimento”, uma vez que
muitas mulheres compreendiam a relação direta com o Estado, seja na participação em conselhos ou
em partidos políticos, como um risco para a luta pela tão almejada autonomia. Logo, ao mesmo tempo
que havia uma necessidade quanto ao aparelhamento estatal, também havia certa relutância ao se
alinhar com um Estado patriarcal e, até alguns dias, opressor.
Porém, o movimento feminista não podia deixar de reconhecer a influência que o Estado tinha no
comportamento social, a partir da criação de políticas sociais e medidas punitivas, reconhecendo-o
como aliado para luta de transformação da condição da mulher na sociedade brasileira. Seria papel do
feminismo, a partir desse momento, também a fiscalização do aparelho estatal, assim como dos
demais segmentos sociais que o movimento viesse a dialogar, a fim de influenciar na formação de
políticas públicas protetivas e que levassem a igualdade (TIMOTEO, 2013).
Outro motivo que levou a institucionalização foi a necessidade de captação de recursos financeiros,
logo, a década de 90 foi marcada pela participação de demais agentes – nacionais e internacionais –
no apoio ao movimento. (GREGORI, 2017). Os anos 90 são conhecidos pela crescente performance de
organismos internacionais, como organizações não governamentais (ONGs), disputando espaço de
atuação com os Estados, tanto no cenário doméstico como no Sistema Internacional.
De fato, tanto a multiplicidade de pautas quanto a combinação com outros agentes sociais
desencadearam em importantes tratados com a temática dos direitos humanos das mulheres, como
a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, 1979)
no âmbito das Nações Unidas (ONU), ratificada com exceções – devido ao período da ditadura militar
– pelo Brasil em 198412 . Também foi assinada a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), ratificada em 1995 e promulgada
em 1996, bem como a Declaração e a Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher,
em Beijing (Declaração e Plataforma para Ação de Beijing), no mesmo ano. Vale destacar também a
importância da aprovação da Lei Maria da Penha, em 2006, e da Lei do Feminicídio (Lei 13.104/2015)

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567
A Consolidação Do Movimento Feminista No Brasil: Uma Análise Crítica Da Influência Dos Movimentos Feministas Ocidentais Para
Construção Da Identidade Interseccional Do(S) Feminismo(S) Latino-Americano(S).

que alteraram o Código Penal Brasileiro, contribuindo para eficiente penalização dos crimes cometidos
contra a mulher. (GREGORI, 2017, p.65)
É nessa conjuntura que nasce o feminismo interseccional no Brasil, que além de admitir as discussões
relacionadas ao gênero – em comunhão com o movimento de Terceira Onda na Europa e Estados
Unidos –, reconheceu a importância da ampliação das agendas feministas para a realidade das
múltiplas mulheres que aqui residem. Não só o aumento da participação política das mulheres era
necessário, mas também o tratamento das demais questões culturais brasileiras que sufocavam
direitos de grupos minoritários.

6.O FEMINISMO BRASILEIRO NO SÉCULO XXI

Ao estudar o feminismo no Brasil, e na América Latina como um todo, partindo de uma análise
internacionalista, é impossível ignorar a mobilização epistemológica dos anos 1990 contra a
dominação eurocêntrica que caracteriza a maior parte das teorias estudadas na academia. Apesar do
artigo apresentado ter focado numa análise majoritariamente histórica dos acontecimentos que
levaram ao nascimento de um movimento tão peculiar, ao mesmo tempo que múltiplo, reconhece-se
aqui a influência das correntes pós-positivistas e pós-construtivistas, personificadas em organizações
como a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), no estabelecimento do
feminismo brasileiro. Como salientam Dias e Arcângelo (2017), tanto o feminismo quanto o pós-
positivismo aparecem no final do século XX a fim de propor mudanças quanto ao regimento das
relações – nacionais e internacionais –, questionando a ideia de objetividade e universalidade
estabelecidos por meio de uma dominância cultural dos “países do centro”.
A defesa pela produção “decolonial” compreende o quão prejudicial o universalismo pode ser, seja
nas produções teóricas sobre política internacional, seja na luta por direitos humanos para as
mulheres mundo a fora. Como destaca Spivak (2014 Apud Isquierdo, 2015, p. 7) “o que caracteriza o
feminismo pós-colonialista é a negação do sujeito soberano do Ocidente e, portanto, a negação de um
sujeito feminino universal, monolítico e estável, definido a partir de sua base biológica”.
A resistência latino-americana quanto ao colonialismo epistemológico europeu reflete na construção
de um feminismo autônomo que busca dar voz a todas as mulheres que tiveram por tanto tempo seu
protagonismo ignorado. Isso não quer dizer que o feminismo latino-americano é isento de problemas
ou que deve se sobressair sobre as demais correntes do movimento. Inclusive cabem inúmeras críticas
quanto as ativistas latinas do século XXI, mas tendo em vista que um fenômeno novo esteja gerando

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568
A Consolidação Do Movimento Feminista No Brasil: Uma Análise Crítica Da Influência Dos Movimentos Feministas Ocidentais Para
Construção Da Identidade Interseccional Do(S) Feminismo(S) Latino-Americano(S).

tanta mobilização, não restam dúvidas da importância da inserção da interseccionalidade nas


discussões dos feminismos ao redor do mundo.
Ao feminismo brasileiro cabe continuar a luta pelo espaço de fala das mulheres negras, das indígenas,
das amazonas, das soldadas, das sertanejas e das guerrilheiras que tanto fizeram pelas mulheres
brasileiras ao longo da história. Cabe dar mais visibilidade as reivindicações dessas mulheres na
política, na economia, na academia, no Sistema Internacional, contando suas histórias a partir da
perspectiva delas, legitimando suas lutas dentro de um feminismo que busque unir as multiplicidades,
pois, como afirma Pinheiro (2016, p. 15), a ideia de um sujeito universal nada mais gera do que uma
“categoria opressora e normativa, tornando os grupos dominados ausentes ou invisíveis”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o exposto ao longo do artigo foi possível analisar a luta das mulheres por direitos civis, políticos,
econômicos e humanos durante toda a história. Ao longo dos períodos de evolução das sociedades,
sempre houveram grupos que tiveram seus direitos reprimidos e as mulheres, dentre diferentes
formas, sempre estiveram presentes como a classe subjugada. Por isso, estudar a narrativa feminina
e feminista dos acontecimentos históricos, tendo em vista a constante mobilização das mulheres nas
sociedades, é de extrema importância para contextualizar o surgimento do movimento organizado das
mulheres e tudo que sucedeu dele.
Apesar da relevância histórica de introdução da luta militante que as mulheres europeias representam
para o movimento, assim como a influência da teoria liberal, é imprescindível apresentar as diferentes
realidades das mulheres mundo a fora, retratando as diversas reivindicações instigadas pelos
contextos histórico-culturais de cada local. Foi com esse intuito que se discorreu sobre o movimento
feminista no Brasil, tendo em vista a recorrência da dinâmica Sul-Sul dentro das Relações
Internacionais, com regular presença das teorias feministas internacionalistas.
A interseccionalidade que surgiu na era da redemocratização brasileira foi imprescindível para
formulação da crítica ao universalismo pregado pelo feminismo liberal ocidental, reforçando assim as
diferentes realidades que as mulheres enfrentam dependendo da classe social, etnia ou qualquer
outro empecilho vivenciado nos países subdesenvolvidos. Faz-se necessário, a partir dessa
constatação, uma análise muito mais profunda nos problemas enfrentados pela população feminina
desses países, buscando assim solucionar as contradições socioeconômicas ao mesmo tempo em que
se caminha para uma realidade mais equitativa e livre de preconceitos.

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Construção Da Identidade Interseccional Do(S) Feminismo(S) Latino-Americano(S).

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A Consolidação Do Movimento Feminista No Brasil: Uma Análise Crítica Da Influência Dos Movimentos Feministas Ocidentais Para
Construção Da Identidade Interseccional Do(S) Feminismo(S) Latino-Americano(S).

NOTAS
1O feminismo radical, como explica Silva (2008, p.4), “é uma corrente feminista que se assenta sobre
a afirmação de que a raiz da desigualdade social em todas as sociedades até agora existentes tem sido
o patriarcado, a dominação do homem sobre a mulher”. As feministas radicais, ainda segundo Silva
(2008, p.4), acreditam que não somente as mulheres devem buscar explicações à respeito da origem
da opressão feminina, mas também devem se unir na luta contra o masculino, além de “rejeitar o
Estado e todas as instituições formais por ser produto do homem e, portanto, de caráter patriarcal”.

2Os Senhores eram quem decidiam sobre o trabalho e a vida pessoal das mulheres, podendo inclusive
“deitar-se com a esposa do servo na noite de núpcias”, segundo a tradição ius primae noctis.
(FEDERICI, 2017, p. 52).

3Silvia Federici descreve como a heresia “constituía tanto uma crítica às hierarquias sociais a à
exploração econômica quanto uma denúncia da corrupção clerical”, representando um sentimento de
rejeição ao modelo político-econômico da época (FEDERICI, 2017, p. 73).

4O termo “acumulação primitiva”, desenvolvido por Karl Marx em seu livro ‘O Capital’, volume II,
refere-se à acumulação da propriedade privada na mão de alguns poucos privilegiados. Segundo a
análise de Cruz (2016), o segredo da acumulação primitiva, segundo Marx, passa por etapas: “a
expropriação dos camponeses de suas terras, a legislação sanguinária contra os expropriados, a partir
do século XV (leis para rebaixar os salários), a gênese do arrendatário capitalista, as repercussões da
revolução agrícola na indústria e a formação do mercado interno para o capital industrial, a gênese do
capitalista industrial e a tendência histórica da acumulação capitalista” (NETO, 2016, p. 197-200).

5“As sufragetes, como ficaram conhecidas pela luta por voto, promoveram grandes manifestações em
Londres, foram presas várias vezes, fizeram greves de fome” (PINTO, 2010, p. 15).

6“Outro fato importante, promovido por mulheres norte-americanas foi o boicote ao ônibus em
Montgomery, Alabama em 1955, que precedeu o movimento dos direitos civis no sul dos Estados
Unidos e mudou a história americana para sempre” (BARRETO, 2004, p.6).

7“Limitava- se a reivindicar uma série de reformas jurídicas quanto ao status da mulher, com base na
noção de que a igualdade nas leis bastaria para solucionar todos os problemas de caráter
discriminatório que as mulheres sofriam. Em nenhum momento questionam o papel de mãe e de
esposa, como considerados pelas sociedades patriarcais” (COSTA e SARDENBERG, 2008, p. 26, apud
Gregory, 2017, p11).

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A Consolidação Do Movimento Feminista No Brasil: Uma Análise Crítica Da Influência Dos Movimentos Feministas Ocidentais Para
Construção Da Identidade Interseccional Do(S) Feminismo(S) Latino-Americano(S).

8“Acreditavam que à medida que lutassem por uma sociedade sem classes sociais, estariam também
lutando por uma sociedade sem barreiras, sem desigualdades no que tange às outras categorias
classificatórias como sexo, raça, idade etc. Isto é, acreditavam que com o surgimento da sociedade
socialista, com a socialização dos meios de produção e a erradicação da exploração do trabalhador,
surgiria, automaticamente, uma sociedade mais igualitária, em todos os sentidos” (COSTA e
SARDENBERG, 2008, p. 27, apud Gregory, 2017, p11).

9Mais uma vez nota-se o afastamento do pensamento liberal com a quebra da dicotomia público-
privado.

10Também nesse período, “a delegada brasileira Therezinha Zerbini apresentou um plano de ação e
teve uma moção aprovada em prol da anistia no Brasil. Pautada nessa luta, ao final de 1975,
Therezinha fundou o Movimento Feminino pela Anistia, cujo propósito era denunciar a repressão
imposta pelo regime.” (Mulheres no poder: trajetórias na política a partir da luta das sufragistas do
Brasil, p.126).

11“[...] depois de 1982, em alguns estados e cidades, se criaram os Conselhos dos Direitos da Mulher,
e mais adiante o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, os quais se configuraram como novos
interlocutores na relação com os movimentos” (TIMOTEO, 2013, p. 99).

12As exceções foram devidamente retiradas com a redemocratização do Brasil em 1988, sendo
afirmada a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher
(CEDAW, 1979) como um todo na Constituição Cidadã.

19
573
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 43
10.37423/200702069

MODALIDADE DE LICITAÇÃO CONVITE E AS


VIOLAÇÕES AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA,
IMPESSOALIDADE E DA PUBLICIDADE

Carlos Antonio Ferreira INSTITUTO LUTERANO DE ENSINO


SUPERIOR DE ITUMBIARA
Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

Resumo: A presente pesquisa monográfica tem como objetivo analisar os conflitos constitucionais, em
que trata da análise do conceito e princípios da licitação, uma vez que em razão da isonomia e da
impessoalidade, e publicidade a Administração Pública não pode contratar com qualquer interessado,
o presente trabalho tem como intuito discutir acerca da possibilidade da inconstitucionalidade da
licitação modalidade convite. O presente trabalho irá debruçar-se em três pilares. O primeiro narrara
sobre a Licitação Pública, sua história, tem por finalidade também mostrar a evolução da licitação na
história brasileira, seus conceitos, princípios, suas modalidades, com ênfase na modalidade de
Licitação Convite. Já o segundo pilar explanará sobre a análise jurisprudencial de algumas situações
que poderão acarretar violações aos princípios da isonomia e da impessoalidade, e publicidade, além
de posicionamento de professores doutrinadores a respeitos. E por último, nesse terceiro pilar será
dado destaque a relação entre os pilares retro buscando identificar violações aos princípios
administrativos em decorrência do uso da licitação em sua modalidade Convite, esclarecendo se é
benéfica para a Administração Pública essa modalidade de licitação Convite para aquisição de produtos
e serviços. Buscando demostrar os caminhos que que a licitação na modalidade convite pode
beneficiar os corruptos e corruptores. A fundamentação teórica usada é fundamentada no Direito
Administrativo, Direito Constitucional, a Lei 8666/93, a Lei 8.429/92 Lei de Improbidade
Administrativa, jurisprudências. Serão analisadas situações relacionadas à utilização da modalidade de
licitação Convite na Administração Pública, refletir sobre elementos que identificam os desrespeitos
aos princípios, identificar as possíveis violações e demostrar se é benéfica ou não a Administração
Pública, é esse o propósito desse Trabalho de Conclusão de Curso.
Palavras Chave: Licitação Convite. Princípios Jurídicos. Violações.

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575
Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho de conclusão de curso tem como tema A Modalidade Licitatória Convite e os Princípios
Constitucionais: o uso da “máquina pública”, e buscar resolver a seguinte problemática: o
Administrador público atua de forma correta na licitação de modalidade convite? Quais princípios são
atacados na modalidade de licitação convite?
Nesse sentido o objetivo geral é analisar a atuação dos responsáveis frente a um possível coleguismo
na modalidade convite. Para alcançar o objetivo geral, os seguintes objetivos específicos foram
desenvolvidos: Contextualizar a licitação no ordenamento jurídico brasileiro; analisar os princípios
constitucionais no processo licitatório da Administração Pública; estudar se a modalidade convite
ofende os princípios constitucionais, e o entendimento jurisdicional sobre sua eficácia.
O que despertou interesse deste trabalho acadêmico e de sua temática foi inspirado ao tomar contato
com as etapas do processo licitatórios e que devido a polemica modalidade de licitação convite, e a
ofensa aos princípios da isonomia, da impessoalidade e da publicidade, sendo assim o objeto principal
a ser analisado.
O presente trabalho de conclusão de curso tem extrema importância no mundo jurídico, em especial
na seara da Administração pública, uma vez que é de responsabilidade do Administrador Público a
administração a administração do erário e dos bens públicos. E diante do crescente número de
corrupção que assola todo o país, surge a responsabilidade de discutir formas de conter tanta
corrupção.
E ainda abordar a importância da lei 8666/93 no combate a corrupção, abordando ainda os requisitos
para descobrir as causas e as consequências. A realização deste trabalho de conclusão de curso
justifica-se pelo fato da Carta Maior traz explícitos os princípios básicos para licitação pública, qualquer
que seja a sua modalidade, quais sejam: procedimento formal, publicidade de seus atos, igualdade
entre os licitantes, sigilo na apresentação das propostas, vinculação ao edital ou convite, julgamento
objetivo, adjudicação compulsória ao vencedor, além de probidade administrativa.
Vale evidenciar a importância de se ponderar que o Legislador Pátrio, trouxe a previsão da publicidade
para todos os contratos da administração pública. O Princípio da Publicidade é utilizado no controle da
Administração Pública e englobam diversos órgãos administrativos. Sendo os atos praticados
publicados para que os administrados tenham ciência das ações realizadas, sendo transparente, e que
serve para produzir efeitos jurídicos válidos.
O método utilizado para confecção deste trabalho de conclusão de curso foi o hipotético dedutivo, pois
ele é responsável em identificar os problemas existentes entre as expectativas e as possíveis teoria que

2
576
Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

serão testadas para encontrar soluções mais justas e plausíveis para a realidade. Assim buscou se o
falsamente da hipótese em busca da solução do problema proposto. Entende-se este como método
pertinente, pois ele apenas permite que após encontrar soluções provisórias para o problema continue
se testando a solução encontrada até chegar à verdade real, expostas nas considerações finais.
Configura se uma pesquisa teórica, cuja técnica de pesquisa será pesquisas documentais (leis) e
bibliografia (livros e periódicos científicos). Deste modo, na pesquisa documental haverá tratamento
analítico no Código Civil, Código Penal, na Constituição Federal, e nas Leis esparsas que disciplinam a
matéria Licitações.
O assunto a ser pesquisados encontra se tratados nas disciplinas de Direito Constitucional, Direito
Administrativo, Direito Tributário e na Lei 8666/93, concluindo se deste modo que a pesquisa em
questão se insere no objeto de estudo interdisciplinar.
O presente estudo está dividido em quatro capítulos. Todos os capítulos discorrem acerca de Licitações
e Princípios Constitucionais. Tendo em vista a modalidade de licitação Convite como base de discursão.
No primeiro capítulo, o presente trabalho buscara discorrer sobre a Licitação no Brasil e suas previsões
Constitucionais, e a legalidade, que tem seu conceito esculpido na Constituição Federal, Direito
Administrativo, Direito Tributário e na Lei 8666/93, além dos princípios que o norteiam.
No segundo capítulo, serão analisados os tipos e as modalidade de licitação, diferenciando tipo de
modalidade.
Já no terceiro capitulo, busca abordar Os Princípios Constitucionais que regem o processo licitatório
na administração pública. Será também abordado as limitações do processo licitatório pelos princípios
constitucionais.
No quarto capítulo deste estudo serão debatidas a modalidade de licitação carta convite e a ofensa
aos princípios constitucionais. Além disso, será abordado no terceiro capítulo as modalidades da
Licitada Carta convite, o conceito, as finalidades, os valores e o procedimento.
2.LICITAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
2.1LICITAÇÃO NO BRASIL
A licitação no Brasil, requer uma série de atividades administração e dos interessados, devidamente
legalizados, para que chegue ao objetivo da administração pública. O Estado tem como objetivo o
atendimento ao interesse público. Para atingir esse objetivo, muitas vezes precisa contratar com
terceiros para realização de obras e serviços e aquisição de bens. No entanto, diversamente do que
ocorre na iniciativa privada, o agente público não é livre para contratar com quem lhe aprouver, mas
seus contratos dependem, via de regra de um procedimento seletivo

3
577
Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

Assim, a natureza jurídica da Licitação é a de procedimento administrativo com fim seletivo, porque,
bem registra Rafael Entrena Cuesta, o procedimento constitui um “conjunto ordenado de documentos
e atuações que servem de antecedente e fundamento a uma decisão administrativa, assim como às
providencias necessárias para executá-la1”.
Na verdade, todas essas atividades e documentos serão necessários, no qual pode ser mais ou menos
formal o procedimento. Precisando que a Administração Pública divulgue que pretende selecionar e
contratar; que os interessados apresentem com documentos e propostas; que se obedeça a um
processo formal de escolha e assim por diante. Tudo isso, sem dúvida, reclama a presença de
documentos e demandas certo lapso de tempo para sua conclusão.
Desenvolve, ainda, a qualificação do procedimento. Tratando-se de ordenada sequência de atividades,
a licitação é procedimento vinculado no sentido de que, fixadas suas regras, ao administrador cabe
observá-la rigorosamente2. Somente assim salvaguardará o direito dos interessados e a probidade na
realização do certame. Aliás, esse é um dos aspectos decorrentes do princípio da probidade
administrativa, princípio escrito no art. 3º do Estatuto dos Contratos e Licitações.
Analisaremos a previsão constitucional da licitações elencada na Lei 8.666, de 1993, que Regulamenta
o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da
Administração Pública e dá outras providências, onde já em seu artigo 1º estabelece as normas gerais
sobre licitação e contratos administrativos3.

2.2.LICITAÇÃO E SUA PREVISÃO CONSTITUCIONAL E LEGAL

A licitação foi introduzida no direito público brasileiro no século XIX, pelo Decreto Imperial no. 2.926,
de 14.05.18624 , o qual tinha regras e clausula gerais para que as arrematações dos serviços a cargo do
então Ministério da Agricultura, Comercio e Obras Públicas. O Decreto possuía 39 artigos em 02
Capítulos. O primeiro capítulo no (art. 1º ao art.9º), tratava do “Processo de Arrematação” onde eram
especificadas as condições para aquisição de produtos e serviços. Já o Capítulo segundo nos art. 10º
ao art 39, tratava das “Clausulas Gerais de Arrematação”, que trazia procedimentos a serem seguidos
relacionados a arrematações.
Deste o início já estava no Decreto nº 2.926 de 14.05.1962 já havia descrito alguns princípios, exemplo,
o princípio expresso no art. 1º, a seguir transcrito:
Art. 1º Logo que o Governo resolva mandar fazer por contrato qualquer
fornecimento, construção ou concerto de obras cujas despesas corram por
conta do Ministério da Agricultura, Comercio e Obras Públicas, o Presidente
da junta, perante a qual tiver de proceder-se á arrematação, fará publicar
anúncios, convidando concorrentes, e fixara, segundo a importância da

4
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Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

mesma arrematação, o prazo de quinze dias a seis meses para a


apresentação das propostas.
Aqui o Governo que ia buscar fornecedor era obrigado dar publicidade aos atos da administração, onde
era obrigado a publicar anúncios convidando os concorrentes ao certame licitatório e os prazos.
Após o advento de diversas outras leis que trataram, de forma singela, do assunto, o procedimento
licitatório veio a final, a ser consolidado, no âmbito federal, pelo Decreto no. 4.5365, de 28.01.22, que
organizou o Código de Contabilidade da União, falando vagamente sobre licitações nos artigos 49 e 50

Art. 49. Ao empenho da despesa deverá preceder contracto, mediante


concurrencia publica:
a) para fornecimentos, embora parcellados, custeados por credito
superiores a 5:000$000;
b) para execução de quaesquer obras públicas de valor superior a
10:000$000.
Art. 50. A concurrencia publica far-se-á por meio de publicação no Diario
Official, ou nos jornaes officiaes dos Estados, das condições a serem
estipuladas e com a indicação das autoridades encarregadas da adjudicação,
do dia, hora e logar desta. (sis.)
No Código de Contabilidade da União também previa a concorrência pública de acordo com seus
limites especificado em lei, e também deveria ter publicidade das condições e da autoridade
encarregada do certame licitatório concorrência.
O Código de Contabilidade da União, de 1922, foi o início do procedimento licitatório, que após anos
vem evoluindo, para maior eficiência às contratações da administração públicas, que foi melhorado
através do Decreto-Lei no. 200, de 25 de fevereiro de 1967 nos artigos 125 ao 144 6 , que fez uma
reforma administrativa federal, que foi estendida, com a edição da Lei no. 5.456, de 20 de junho de
1968, para Administrações de Estados e Municípios.
Uma coisa é licitação no Brasil antes da promulgação da nossa carta maior em 1988, a história da
licitação (e do contrato administrativo) antes da edição do Decreto-Lei n. 2300, de 21 de novembro de
1986, auto denominado o Estatuto Jurídico das Licitações e Contratos Administrativos, e outra é, sem
dúvida, a história após aquela edição7.
Somente no ano de 1988, a licitação passou a ser considerado um princípio constitucional, de cunho
obrigatória para a Administração Pública direta e indireta de todos os poderes da União, Estados,
Distrito Federal e Municípios8.
Sobrevindo a nova Constituição Federal, em 1998, ela recepcionou integralmente aquela orientação
da lei licitatória de 1986, dispondo, por vez primeiro no direito constitucional brasileiro, sobre licitações
e contratações administrativas, ao prever, no Art, 22, XXVII, que à União compete privativamente
legislar sobre “normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para a

5
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Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

administração pública”. Se à União cabia ditar as normas gerais, e se elas já contavam da lei federal,
então o que aconteceu foi a plena recepção, pela nova ordem constitucional, do comando constante
do art. 85, caput, do decreto-lei 2300.
Pouco mais de 06 anos passados da edição do Estatuto, entretanto, é ele revogado e substituído pela
lei 8.666/93. Assim, nos termos do art. 37, XXI da Constituição Federal, que foi regulamentado pela Lei
8.666, de 21 junho de 1993, que está em vigor, que disciplina as licitações e contratos da
Administração Pública, podendo observar que a licitação é um princípio constitucional, que só pode
ser dispensada nos casos expressamente previstos em Lei. E são cinco modalidades 9 : Concorrência,
tomada de preços, convide, leilão e concurso.

2.3.CONCEITO DE LICITAÇÃO

A licitação é um procedimento administrativo disciplinado por lei e por um ato administrativo prévio,
que determina critérios objetivos visando a seleção da proposta de contratação mais vantajosa e a
promoção do desenvolvimento nacional sustentável, com observância do princípio da isonomia,
conduzido por um órgão dotado de competência específica10.
Licitação é um procedimento administrativo destinado à seleção da melhor proposta dentre as
apresentadas por aqueles que desejam contratar com a Administração Pública. Esse instrumento
estriba-se na ideia de competição a ser travada, isonomicamente, entre os que preenchem os
atributos e as aptidões, necessários ao bom cumprimento das obrigações que se propõem assumir” 11.
Ressaltamos, que é privativo da União legislar sobre as normas gerais da licitação e da contratação,
em todas suas modalidades, para Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da
União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e para as empresas públicas e as de sociedades de
economia mista. O Distrito Federal e os Municípios possuem competência residual e supletiva para
legislar sobre a matéria.
Assim licitação é obrigatoriamente para a Administração Pública e deve ser de acordo com os
princípios constitucionais e da administração pública, conforme preconizado no art. 37 caput e inciso
XXI12 da nossa carta maior: O princípio de licitar será abordado no item 1.7, e está intimamente ligado
aos princípios da indisponibilidade e o da supremacia do interesse público que são norteadores da
atividade estatal. O fato de ter sido alçado ao status de princípio constitucional é de extrema
importância para a análise do procedimento licitatório dentro do nosso ordenamento jurídico.

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Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

Em análise mais profunda veremos o contexto da licitação, sua legitimidade, eventuais condutas de
improbidade, os procedimentos para licitar, bem como toda a estrutura a ser oferecida pelo
administrador aos licitantes.

2.4.CONTEXTO DA LICITAÇÃO

Sabe-se que atos administrativos desfrutam de presunção de legitimidade. A doutrina é unânime em


reconhecer que, por estar toda e qualquer atuação administrativa de baixo do princípio da legalidade
(que agora ficou expresso na Constituição, art. 37), é supostamente legitima, idônea, moral, honesta13.
A licitação veio prevenir eventuais condutas de improbidade por parte do administrador, algumas
vezes curvados a acenos ilegítimos por parte de particulares, outras levadas por sua própria
deslealdade para com a Administração e a coletividade que representa. Daí a vedação que se impõe,
de optar por determinado particular. Seu dever é o de realizar o procedimento para que o contrato
seja firmado com aquele que apresentar melhor proposta. Nesse ponto, a moralidade administrativa
se toca com o próprio princípio da impessoalidade, também insculpido no art. 37 caputs14, da
Constituição Federal, porque, quando o administrador não favorece este ou aquele interessado, esta,
ipso facto15 , dispensando tratamento impessoal a todos16.
É um processo realizado de forma pública e transparente regulamentados por princípios básicos. Que
se justificasse porque a instituições públicas não tem fundos próprios, e sim com recursos dos
governos, que deve ser aplicado devidamente, logo devem ser declarados para fins de fiscalização.
Os procedimentos para a realização de uma Licitação estão previstos na Lei Federal 8.666, de 1993,
sendo assim, as instâncias menores da administração pública, ou seja, estados e municípios, não
podem criar leis próprias para reger esse tipo de contrato. Além disso, a Lei 10.520/200217
complementa as regras para a realização de uma licitação.
Um processo de licitação começa em uma fase interna, diante da necessidade da instituição de
aquisição, venda, cessão, locação ou contratação de produtos ou serviços. Em seguida, os responsáveis
devem publicar o edital com as regras da licitação para que todas as empresas aptas a concorrer
possam tomar conhecimento.
Para habilitar-se em um processo licitatório, os interessados deverão apresentar as seguintes
condições: habilitação jurídica; habilitação técnica; qualificação econômico-financeira; regularidade
fiscal e trabalhista e regularidade com os direitos dos trabalhadores. Art. 27 da Lei 8.666/93.

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Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

A classificação em uma modalidade ou outra é feita em razão do valor, a partir do momento que a
Administração Pública define o objeto da licitação, ela deve saber quanto ele custa e será em razão
desse valor estimado que ela irá batizar a licitação em uma modalidade ou outra;
Nota-se que ocorre sempre restrição geográfica e que deve ser vista com muita cautela. São duas
questões devem ser analisadas: o da restrição ao caráter competitivo e a real necessidade da
localização para a execução satisfatória do contrato licitatório.
O que é proibido por lei, de acordo com o inciso I, § 1º do artigo 3º da Lei 8666/93.
Vejamos o que diz o inciso I, § 1º:
§ 1 o É vedado aos agentes públicos: I – admitir, prever, incluir ou tolerar,
nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam,
restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam
preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio
dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou
irrelevante para o específico objeto do contrato;
Assim, deve analisar a necessidade da localização geográfica. Mas não havendo justificativa plausível
da cláusula que restringe a competitividade, poderá esta ser invalidada na justiça por advogado que
atua na área de licitações. Mas também pode impugnar o edital, devidamente acompanhado por uma
boa assessoria jurídica de modo sempre preparar o terreno para um recurso pela via administrativa
ou por uma ação judicial.
Tanto os contextos das licitações que tem restrições a certas localizações sendo uma forma de
exclusão de algumas empresas que poderia ser forte concorrência no certame, tem também vários
tipos de licitações.

3.TIPOS E MODALIDADES DE LICÍTAÇÃO

Tipos de licitação18 consiste no modelo procedimental de licitação diferenciado por uma estruturação
de atos e formalidades compatível com um determinado critério de julgamento. A adoção de certo
critério de julgamento, e, portanto, de um tipo de licitação – produz reflexos sobre procedimento em
seu todo. A ordenação procedimental deve ser adequada à avaliação das características
correspondentes ao critério de julgamento adotado. Por isso, a Lei nº 8.666 não apenas indica o
critério de julgamento, mas estabelece as regras procedimentais que obrigatoriamente deverão ser
observadas. Na Lei nº 8.666, existem quatro tipos de licitações19: detalhadamente a seguir.

8
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Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

3.1.MENOR PREÇO

A Lei nº 8.666/93 deu preferência ao julgamento das licitações pelo critério do menor preço. Mas deve
ser observado outros elementos, como qualidade, durabilidade, aparências, garantias dos produtos
ou serviços. Que devem ser considerados na realização da licitação, mesmo sendo a menor preço.
Critério de seleção em que seja a proposta mais vantajosa para a Administração é a de menor preço.
É utilizado para compras e serviços de modo geral. É também usada nas compras de bens e serviços
de informática quando realizada na modalidade de licitação convite. Estão previstos na lei 8666/93,
no art.45, § 1º, I.
Microempresas e empresas de pequeno porte, segundo a lei complementar 123/03, têm preferência,
se estas empatarem elas terão preferencias na licitação no critério desempate.
Assim vencerá o processo de licitação, o licitante que preencher todos os requisitos do edital,
oferecendo ao Administrador Público o menor preço, ou seja, apresentar uma proposta bem
vantajosa, desde que essa vantagem teve atendidas todas as especificações do edital.

3.2.MELHOR TÉCNICA

O critério é que a proposta seja mais vantajosa para a Administração Pública, é escolhida pela técnica,
e usado somente para serviços de natureza hegemonicamente intelectual, principalmente na
elaboração de projetos, cálculos, fiscalização, supervisão e gerenciamento de engenharia consultiva
em geral, e em particular, para elaboração de estudos técnicos preliminares e projetos básicos e
executivos.
É muito utilizada para contratação de serviço intelectual. São adotados procedimentos para
determinação de melhor proposta disposto no art. 46,§1º, II, da lei 8.666/93.
O tipo de licitação melhor técnica é usado quando o do objeto a ser contratado for insubstituível para
satisfação das necessidades da Administração. É usada para a proposta mais vantajosa a
fundamentação o aspecto da ordem técnica, sendo essa licitação mais usadas nas contratações de
serviços de natureza predominantemente intelectual, principalmente na elaboração de estudos
preliminares, projetos básicos e executivos, cálculos, fiscalização, supervisão e gerenciamento, e de
engenharia consultiva em geral (art. 46, da Lei nº 8.666/1993).

3.3.TÉCNICA E PREÇO

Já a Técnica e preço busca a proposta mais vantajosa para a Administração, é ´sua escolha baseia na
maior média ponderada, considerando-se as notas obtidas nas propostas de preços e de técnica. É

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Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

obrigatório na contratação de bens e serviços de informática, nas modalidades tomada de preços e


concorrência. Todo bem a ser leiloado será previamente avaliado pela Administração para fixação do
preço mínimo de arrematação. Estão previstos na lei 8666/9320, no art.45, § 1º, III.
Esses tipos de licitação serão adequados nas circunstâncias em que a Administração necessitar de um
serviço em que a técnica prepondere em relação ao preço. Em outras palavras, situações em que a
variação de qualidade técnica afetará a satisfação do interesse estatal. Na lição de Marçal Justen Filho,
esse tipo será adotado “quando cabível uma avaliação da relação custo-benefício entre a elevação da
qualidade e o preço a ser pago por isso”21.

3.4.LICITAÇÃO DE MAIOR LANCE

A licitação de maior lance se verifica para alienação pela Administração Pública de bens e direitos. Será
vencedora a proposta que oferecer a maior vantagem econômica para a Administração. Usualmente,
o ato convocatório estabelece que a oferta será feita em moeda corrente (nacional ou não). Mas não
há impedimento que haja ofertas de outra ordem, tal como metros quadrados edificados, extensão
de pavimento rodoviário realizado assim22 por diante. estão previstos na lei 8666/93, no art.45, § 1º,
IV.
É a licitação a Licitação adequada para vender bens da Administração Pública, de permissão e de
concessões de uso de bens ou serviços públicos, locações em que a administração é locadora, a
proposta vencedora é a da melhor oferta, essa licitação não oferece dificuldades na sua elaboração, e
no qual o procedimento licitatório deve levar ao maior preço, nos demais deverá obedecer ao menor
preço.
Assim tipo de licitação é o critério para definição da melhor proposta ao a Administração pública, e
assim ser menos oneroso ao erário público, já a modalidades de Licitação é o procedimento para
vender ou contratar bens, produtos e serviços, assim poderá o Agente Público selecionar a melhor
proposta.

3.5.MODALIDADE DE LICITAÇÃO

A licitação visa selecionar a empresa prestadora de serviços ou máquinas que de vantagem e promove
o desenvolvimento do órgão solicitante através de critérios, diante disso, existe inúmeras modalidades
de licitação conforme conceituado abaixo.

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Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

3.5.1.LEILÃO

É modalidade de licitação, entre qualquer interessado, para a venda de bens moveis insensíveis à
Administração, de produtos legalmente apreendidos ou penhorados ou para alienação de bens
imóveis cuja aquisição decorreu de procedimento judicial ou dação em pagamento, nas condições do
art. 19 (§ 5º do art. 22 da lei 8.666/93). Característico do leilão é oferecimento de lances igual ou
superior ao valor da avaliação23.
O leilão pode ser cometido a Leiloeiro Oficial ou a servidor designado pela Administração (chamado
Leiloeiro Administrativo), procedendo-se na forma da legislação pertinente24.
Nessa modalidade, os interessados comparecem em data preestabelecida para o ato e formulam suas
propostas verbalmente. No leilão, portanto, inexiste sigilo com relação ao conteúdo das propostas.
Estas vinculam o proponente até que advenha outra mais elevada que o desobrigue e, por
consequência, obrigue o novo proponente.
Os bens arrematados serão pagos à vista ou no percentual estabelecido no edital, não inferior a 5%;
e, após a assinatura da respectiva ata lavrada no local do leilão, imediatamente entregues ao
arrematante, o qual se obrigará ao pagamento do restante no prazo estipulado no edital de
convocação, sob pena de perder em favor da Administração o valor já recolhido 25.

3.5.2.LICITAÇÃO PREGÃO ELETRÔNICOS

O pregão eletrônico tem se transformado na modalidade mais utilizada para realizar as compras e
contratações públicas em razão da transparência e celeridade do processo. A transparência,
acessibilidade para participação e rapidez dos processos, possibilitam mais competitividade entre os
fornecedores e com isto, uma redução de custos nas compras públicas. A modalidade pregão foi criada
pela Lei Nº 10.520, de 17 de julho de 2002 e posteriormente foi regulamentada na forma eletrônica
através do Decreto Nº 5.450, de 31 de maio de 200526 .
O recurso administrativo no pregão eletrônico possui procedimento peculiar e específico. Contudo,
pregoeiros de todo o Brasil continua tratando a fase de recursos no pregão eletrônico de forma similar
a um pregão presencial, viciando os atos do procedimento e ensejando sua nulidade. Este artigo tem
como foco alertar pregoeiros e órgãos de controle para os cuidados necessários que devem ser
respeitados na etapa recursal do pregão eletrônico27.

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Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

3.5.3.LICITAÇÃO PREGÃO PRESENCIAL

Medida provisória editada em 04.05.2000 instituiu no âmbito da União a Modalidade denominada


pregão. A Lei 10.52028 , de 17.07.2002, resultante da convenção da medida provisória, estendeu-a aos
Estados, Distrito Federal e Municípios. Destina-se à aquisição, por quaisquer interessados, de bens e
serviços comuns, sem limite de valor, em que a disputa é feita por meio de proposta e lances em seção
pública. O Dec. 3.555, de 08.08.2000, com alterações posteriores, fixou regulamento do pregão. Nos
termos do §2º, art. 3º, do Anexo I ao referido Decreto “consideram-se bens e serviços comuns aqueles
cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos no edital, por meio de
especificações usuais praticadas no mercado.29 ”
Embora não se trate de alteração à Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, esta é (art. 9º) aplicável
subsidiariamente à modalidade, por exemplo, para elaboração do Edital, especificações, orçamento
preliminar, requisitos para habilitação, minuta do futuro contrato 30.
A disciplina do Pregão consta da Lei nº 10.520. lembre-se que o pregão é uma modalidade somente
compatível com o tipo menor preço, ou seja, com as hipóteses em que a seleção da proposta
vencedora não se funda na qualidade mais elevada da oferta realizada pelo licitante 31.

3.5.4.LICITAÇÃO MODALIDADE CONVITE

O convite é o procedimento mais simplificado dentre as modalidades comuns de licitação. No convite,


a Administração Pública pode escolher potenciais interessados em participar da licitação. Estes
convidados não necessitam estar cadastrado previamente. Mas se admite a participação de quaisquer
outros interessados, deste que cadastrados, “que manifestarem seu interesse com antecedência de
até 24 (vinte e quatro) horas da apresentação das propostas” (Lei nº 8.666, art. 22, §3º). A Lei no
estatui no (artigo 23) que os contratos com valor inferior a R$ 330.000,00 (para obras e serviços de
engenharia) ou R$ 176.000,00 (demais contratos) deverão sujeitar se ao convite32.
O convite não exige publicação, porque é feito diretamente aos escolhidos pela Administração através
de carta-convite. A lei, porém, determina que cópia do instrumento convocatório seja afixada em local
apropriado, estendendo-se automaticamente aos demais cadastrado na mesma categoria, desde que
se manifestem seu interesse até 24 horas antes da apresentação das propostas. Por outro lado, a cada
novo convite, realizado para objeto idêntico ou assemelhado, deverá ser convidado pelo menos outro
fornecedor que não participou da licitação imediatamente anterior, enquanto existirem cadastrados
não convidados (art. 22, § 6º)33.

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Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

A habilitação dos licitantes, nesta hipótese, só é obrigatória para aqueles que se apresentem sem ter
sido convidados pela Administração, porque tem que estar cadastrados: para os demais, é facultativa
(art. 32, § 1º). A diversidade de tratamento fere o princípio da isonomia. A exigência de certificado
para os não convidados somente se justificaria nos casos em que a Administração exige habilitação
dos licitantes convidados. Do modo como está na lei, a norma levará ao absurdo de permitir a
inabilitação de um licitante que não tenha certificado o registro cadastral em ordem, quando, para os
convidados, nenhuma documentação foi exigida34.
A Lei 8.666/93, em seu art. 22, § 2º, manteve a redação dúbia que, no entanto, confrontada com § 7º
do mesmo artigo, indica que esse número é mesmo o mínimo exigível, mas ficando claro que embora
requisito imprescindível, nos casos de limitação de mercado local ou manifesto desinteresse dos
licitantes a licitação poderá prosseguir. Nesse caso, não obstante, essas circunstâncias deverão estar
devidamente justificadas no respectivo procedimento, sobe pena de repetição do convite.
Essa espécie de Licitação será tema deste TCC, e daremos mais ênfase à essa modalidade de licitação
no que viola os Princípios Administrativos.
Apesar de diversos julgamento sobre o tema temos o posicionamento de alguns estudiosos em relação
à existência de violação de princípios no uso da modalidade convite35.
Preleciona a Lei A lei nº 8.666/93:
A lei nº 8.666/93: ‘possibilitou ao administrador público violar o Princípio da
Igualdade e assim, infectar todo um procedimento Licitatório com os
malefícios de fraudes, desvios de verbas públicas e até mesmo jogos de
interesses. ‘ Neste sentido para este autor, existe uma linha tênue entre a
modalidade de licitação convite e a ocorrência de condutas ilegais que
podem ocasionar vícios ao certame36.
‘O convite ao invés de tornar o procedimento licitatório mais célere e eficaz,
acaba sendo eivado de falhas que podem ser prejudiciais à Administração
Pública. ‘ Assevera ainda que, ‘[...].a violação do princípio da impessoalidade
é corriqueira e possibilita a violação de princípios basilares da boa
administração37.’
A licitação convide é um gargalo para os administradores fraudar licitação, pois o convite poderá ser
direcionado a fornecedores de seu ciclo de interesse pessoal e é uma imensidão de possibilidades de
fraudes, deixando de ser igual a todos, e passaria ser pessoal a escolha pelos administradores.
Fica demostrado que o Convite, é uma modalidade de licitação em que a lei não exige publicação de
edital, pois a convocação é feita por carta-convite, com antecedência de 5 dias úteis, e escrita enviado
no mínimo para três fornecedores cadastrados.

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Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

3.5.5.LICITAÇÃO MODALIDADE TOMADA DE PREÇOS

É a modalidade de que participam interessados previamente cadastrados ou que atenderem a todas


as condições exigidas para o cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das
propostas, observada a necessária qualificação (§ 2º do art, 22 da Lei 8.666/93). Nesta última hipótese,
a Administração somente poderá exigir do interessado não cadastrado os documentos previstos nos
artigos. 27 a 31, que comprovem habilitação compatível com o objeto do certame, nos termos do
Edital38.
Tomada de Preços que, já deste o Decreto-Lei nº 200/67, veio substituir a antiga “Concorrência
Administrativa”, é a modalidade de licitação cabível para obras e serviços de engenharia até o valor
limite constante do art. 23, I, b, da Lei nº 8.666/93 (hoje, R$ 1500.000,00), acima do limite do “Convite”
(hoje, R$ 150.000,00) e também para compras e outros serviços que não os de engenharia até o limite
referido no art. 23, II, b (atualmente R$ 650.000,00), acima do limite de “Convite” (que é de
R$ 80.000,00, atualmente). Mas, como vimos no § 3º desse artigo. Pode-se utilizar a Concorrência em
casos de Tomadas de Preços ou Convite, e Tomada de Preços em casos de Convite: o que veda o
oposto39.
Essa modalidade de licitação é utilizada para as compras/contratações cujo valor estimado esteja
entre o valor atualizado hoje é o mínimo de R$176.000,01 e o valor máximo de R$ 1.400.000,00 e para
Obras e serviços de Engenharia, acima de R$ 330.000,00 até 3.300.000,00
A tomada de preços requer habilitação anterior à data da licitação, precisa o licitante faça um
cadastramento anterior. Nesse sentido, a habilitação é anterior à abertura da licitação, valendo o
cadastramento antecipado, sendo todos os requisitos obrigatório, bem como o devido cadastramento
e habilitação do fornecedor.

3.5.6.LICITAÇÃO MODALIDADE CONCORRÊNCIA PÚBLICA

Concorrência é a modalidade de licitação própria para contratos de grande valor, em que se admite a
participação de quaisquer interessados, cadastrados ou não, que satisfaçam as condições do Edital,
convocados com a antecedência mínima prevista na lei, com ampla publicidade pelo órgão oficial e
pela imprensa particular. É também obrigatória a Concorrência, independentemente do valor do
contrato, na compra ou alienação de bens imóveis ou na concessão de direito real de uso, justificando-
se tal exigência pelo interesse em convocar o maior número possível de interessados. O mesmo ocorre
nas licitações internacionais, quando se procura atrair interessado de outros países. Neste último caso,
admite-se a Tomada de preço quando a entidade interessada disponha de cadastro internacional de

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fornecedores, situação em que devem ser observados os limites financeiros para escolha da
modalidade licitatória (art. 23, §3º). A concorrência é obrigatória para o Sistema de Registro de Preços
(art. 15, § 3º, I), mas convém observar que a Lei 10.520/2002 também autoriza o registro de preço por
pregão (art. 11)40
Justamente por permitir a participação de qualquer licitante interessado é a modalidade que
apresenta exigências mais rígidas para a fase de habilitação. Limites para compras: Obras e serviços
de Engenharia acima de R$ 3.300.000,01. Obras, produtos e Serviços Comuns acima de
R$ 1.400.000,01.
Concorrência é a modalidade que serve para a contratação de qualquer valor. Por esse motivo essa
modalidade deve ser muito bem elaborada, devendo ser tratada pela Administração Pública com
bastante cautela.

3.5.7.LICITAÇÃO MODALIDADE CONCURSO

Concurso é a modalidade licitatória utilizada para a escolha de trabalho técnico, artístico ou científico,
mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores, com base em critérios
previamente estipulados em edital. Não deve, portanto, ser confundido com o concurso de provas e
títulos necessários à seleção de candidatos para investidura em cargos e empregos públicos.
Deve ser procedido de regulamento próprio, no qual estarão especificadas a qualificação exigida do
participante, as diretrizes e forma de apresentação de trabalho, bem como as condições de sua
realização e os prêmios a serem oferecidos41.
É usual que habilitação seja remetida à momento posterior ao julgamento. Para evitar o
constrangimento dos participantes que não forem premiados ou eventual influência sobre os
julgadores, o ato convocatório pode prever formas de anonimato para a participação. Depois de
selecionados o vencedor, a Administração Pública viola o anonimato e revela a identidade apenas do
vencedor. Em outros casos, é impossível o anonimato e revela a identidade apenas do vencedor. Em
outros casos, é impossível o anonimato, porque o trabalho técnico ou artístico apresenta natureza
personalíssima, com desempenho físico/intelectual pessoal dos interessados. Isso se passa, por
exemplo, na seleção de virtuosidade musicais42.

3.5.8.LICITAÇÃO MODALIDADE CONSULTA

Consulta surgiu como modalidade de licitação exclusiva da Agência Nacional de Telecomunicações –


Anatel.

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589
Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

Importante registrar, entretanto, que o art. 37 da Lei n. 9.986/200043 estendeu a modalidade consulta
para aquisição de bens e serviços por todas as agências reguladoras.
Segundo o disposto no art. 55 da Lei n. 9.472/9744 , a consulta será realizada mediante procedimentos
próprios determinados por atos normativos expedidos pela agência, vedada sua utilização para
contratação de obras e serviços de engenharia45.

3.5.9.DISPENSA DE LICITAÇÃO

Nas situações de dispensas, o Poder Público encontra-se diante de situação em que é plenamente
possível a realização do procedimento licitatório mediante a competição, no entanto, a lei dispõe que
é desnecessária a execução do certame. Somente a Lei de licitações pode definir as hipóteses de
dispensas, não podendo haver definição de novas hipóteses por atos administrativos específicos ou
decretos46.
O administrador público, devido ao interesse público e os princípios da administração pública, poderá
dispensar a licitação, e utilizando da dispensa ou de inexigibilidade. Ambas as hipóteses, por irem
contra a regra, devem ser objetivamente justificadas para legitimar a contratação direta.
O art. 24 aponta as hipóteses restritas de dispensa de licitação, onde, apesar de existir concorrência,
o administrador pode optar por não fazer a licitação. Já o artigo 2547 , por sua vez, apresenta os casos
de inexigibilidade de licitação, uma vez que não existe concorrência para formar a licitação.
Embora não está escrito na lei a obrigação, mas deve ser cauteloso o administrador aplicar ao caso de
dispensa de licitação o artigo 23 da Lei 8.666/93, justificando ao superior hierárquico para que o
mesmo ratifique e publique. Com observância ao princípio constitucional da publicidade, permitindo
um melhor controle dos seus atos, baseado a motivação nos fatos e direitos.

4.PRINCÍPIOS BÁSICOS DA LICITAÇÃO

Dado o processo de início da licitação é essencial que ela siga alguns princípios, sendo estes citados na
própria constituição federal. Logo abaixo é exposto acerca dos princípios.
O Tribunal de Contas da União (TCU), órgão máximo fiscalizador das contas públicas, manifesta-se
quanto à aplicação dos princípios às licitações:
Atente para a necessária observância de princípios fundamentais da
licitação, em especial da igualdade e impessoalidade, a fim de garantir,
também, a obtenção da proposta mais vantajosa para a Administração
Pública, consoante preceitua o art. 3° da Lei de Licitações [...]. (Acórdão
369/2005 Plenário)

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590
Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

4.1.PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

O princípio da legalidade, está descrito no artigo 37, caput, parte II da Constituição Federal, é um dos
princípios mais importante da administração pública, os atos e conduta da administração pública deve
estar prevista em lei, inclusive sua discricionariedade. Na administração pública os autos sempre
estarão presentes na lei, dentro da legalidade.
A lei 9784/99 Lei do Processo Administrativo, que em seu artigo 2º, parágrafo único. Inciso I, traz a
legalidade como um dever de atuação de acordo com a lei e o direito. Esse direito é o conjunto de
normas jurídicas que também são encontrados nos ordenamentos jurídico, esse ordenamento
formam o bloco da legalidade que é formado pela constituição Federal, pelas emendas constitucionais,
pelas Constituições Estaduais, pelas Leis Orgânicas, Medidas Provisórias, os costumes e princípios
gerais do direito, por atos normativos administrativos, tratados e convenções internacionais.
O princípio da legalidade encontra fundamentação não só no artigo 37 caputs, mas também no artigo
5º, II, que traz a legalidade geral que diz que ninguém é obrigado fazer ou deixar de fazer se não estiver
escrito em lei. Há também o artigo 84, IV da Constituição Federal que traz a necessidade da expedição
de decreto e regulamentos para a fiel execução da lei, ou seja, traz esses atos administrativos em um
plano secundário pressupondo a existência de lei. É importante dimensionar que a legalidade pública
é diferente da privada.
Na legalidade privada a uma norma geral permissiva, enquanto na legalidade pública tem uma norma
geral proibitiva. Assim na Administração Pública só vai fazer o que a lei permitir, e na privada vai poder
fazer tudo que a lei não proibir.

4.2.PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE

Helly Lopes diz que esse princípio “deve ser entendido para excluir a promoção pessoal de autoridades
ou servidores públicos sobre suas realizações administrativas”. Significa dizer que neste princípio não
deve haver interesse pessoal, o agente público deve agir sempre a favor do bem comum e não em
defesa de interesses pessoais ou de terceiro interessado.
O princípio da impessoalidade é conceituado segundo Gasparini, como:
[...] a atividade administrativa deve ser destinada a todos os
administradores, aos cidadãos em geral, sem determinação de pessoa ou
discriminação de qualquer natureza [...] com ele quebrar o velho costume
do atendimento do administrado em razão de seu prestígio ou porque a ele
o agente público deve alguma obrigação48 .
No mesmo sentido, com propriedade, Maria di Pietro sustenta:

17
591
Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

[...] defende que a impessoalidade da Administração tanto pode significar


que esse atributo deve ser observado em relação aos administradores como
em relação a própria Administração. No primeiro caso, o princípio relaciona-
se à finalidade pública que deve nortear toda atividade administrativa. Dado
o escopo do presente trabalho, esse será o entendimento adotado e apenas
a ele nos referimos, porem para alguns doutrinadores a impessoalidade e
isonomia tem o mesmo valor49 .

4.3.PRINCÍPIO DA MORALIDADE E DA PROBIDADE

Na fala de Maria di Pietro “a moralidade administrativa se desenvolveu ligada à ideia de desvio de


poder, pois se entendia que em ambas as hipóteses a Administração Pública se utilizava de meios
lícitos para atingir finalidades metajurídicas irregulares.

A lei n. º 8.666/93 faz referência à moralidade e à probidade, provavelmente, porque a primeira,


embora prevista na Constituição, ainda constitui um conceito vago, sem fim, que abarca uma esfera
de comportamentos que não foram ainda absorvidos pelo direito, enquanto a improbidade
administrativa, já tem contornos bem mais definidos no direito positivo, tendo em vista o elencado no
artigo 37, § 4º50 da Constituição Federal, que estabelece sanções para servidores que nela incidem.

4.4.PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

O princípio da publicidade exerce duas funções. A primeira é objetiva, na qual permite todo acesso a
informações aos interessados ao processo licitatório. Referindo nesse aspecto, a universidade de
participações no processo licitatório. Após a publicidade os interessados podem verificar os atos
praticados, e poderão verificar se há regularidade aos atos praticados. Assim se espera que as pessoas
se preocuparão em seguir lei e a moral, pois quanto mais for a fiscalização de sua conduta, será maior
a garantia que os atos serão corretos.
A Lei 8.666/93, no § 3º do artigo 3º51 , estatui que “a licitação não será sigilosa, sendo públicos e
acessíveis ao público, os atos de seu procedimento, salvo, quanto ao conteúdo das propostas até a
respectiva abertura.” O artigo 4º, também menciona o direito de qualquer cidadão acompanhar o
desenvolvimento do certame.

4.5.PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO DO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO

Esse princípio é essencial e a inobservância dele pode causar a nulidade do procedimento. Ele é citado
na lei nº 8.666, Art. 3º “A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da
isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do
desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os

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592
Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da


probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos
que lhes são correlatos”. Também tem seu sentido mencionado no Art. 41º, caput 52 , da Lei nº
8.666/93 "A Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha
estritamente vinculada".

4.6.PRINCÍPIO DO JULGAMENTO OBJETIVO

Na hora da análise das propostas, deve decidia a comissão julgadora sem o influxo do subjetivismo,
de sentimentos impressões ou propósitos pessoais. A lei nº 8.666, Art. 44, § 1º “É vedada a utilização
de qualquer elemento, critério ou fator sigiloso, secreto, subjetivo ou reservado que possa ainda que
indiretamente elidir o princípio da igualdade entre os licitantes53 .”
Por força deste princípio o administrador tem que ter critérios objetivos definidos na hora de invocar
o ato convocatório para o julgamento das propostas. Não podendo utilizar de critérios não previsto
no certame convocatório, mesmo que seja mais benéfico para a Administração.
Afastando a possibilidade de o julgador utilizar-se de fatores subjetivos ou de critérios não previstos
no ato convocatório, mesmo que em benefício da própria Administração.

4.7.PRINCÍPIO DA ISONOMIA OU IGUALDADE

O Princípio da Isonomia tem a função dentro da licitação, mas sua aplicação não se restringe a ideia
de igual tratamento, mas sim como um instrumento de aplicação aos princípios da moralidade e da
probidade administrativa.
Perante a lei isonomia tem o mesmo significado de igualdade. Princípio este que está previsto no art.
5º, "caput", da Constituição Federal, segundo o qual todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza. De acordo com este princípio, os méritos iguais devem ser tratados de modo igual,
e as situações desiguais, desigualmente, já que não deve haver distinção de classe, grau ou poder
econômico entre os homens54.
Em razão disso, o ato administrativo praticado no seio de qualquer dos poderes do Estado, somente é
justificado e razoável, se obedecer ao princípio da isonomia. Desta forma, a ausência de razoabilidade
ou de interesse público nulifica o ato, por afrontar diretamente o princípio da igualdade.
Em outras palavras, como dizem, a razoabilidade justificadora da edição do ato administrativo, ou
legislativo, está sempre intimamente ligada ao princípio da isonomia.

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Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

Mencionando precedente da Corte Constitucional Alemã (BverfGE 9, 20 (28); 12, 264 (273), Claus-
Wilhelm Canaris assevera, ao discorrer sobre o tema
[...] o princípio da igualdade é violado quando não se possa apontar um
fundamento razoável, resultante da natureza das coisas ou materialmente
informado para a diferenciação legal ou para o tratamento igualitário, ou,
mais simplesmente, quando a disposição possa ser caracterizada como
arbitária. Deparam-se, de facto, contradições de valores e, em
conseqüência,(sic.) quebras no sistema em todas as regras que não
permitam encontrar [...] um razoável [...] fundamento para a diferenciação,
pois elas, por definição, não se reportam ao afastamento justificados dos
valores da lei; no entanto, não resulta daí necessariamente sempre uma
violação contra a proibição do arbítrio.">55

Nestes moldes, o princípio da isonomia deve ser entendido como a principal limitação ao arbítrio
administrativo, ou legislativo.
O poder discricionário da administração não se confunde com a liberdade em sentido comum. Devem
estes conceitos serem distinguidos como forma de identificar o ato arbitrário que viola o princípio da
isonomia.
Guido Zanobini, de forma magistral diferencia tais conceitos da seguinte
forma seguinte:
Enquanto esta última comporta verdadeiro arbítrio, segundo o qual o sujeito
pode inspirar a sua decisão em qualquer motivo que considere oportuno, a
discricionariedade é uma liberdade duplamente condicionada: de modo
genérico, porquanto a Administração no seu exercício deve sempre agir da
maneira que repute mais útil ao bem geral, isto é, aos interesses do Estado;
e de modo específico porque ela, vez por outra, há de praticar ato de
interpretação para indagar as razões pelas quais a lei lhe haja conferido o
poder, o fim particular para cuja consecução o exercício dele deve ser
dirigido, agindo do modo mais correspondente a tal fim56.
O princípio da isonomia, consagrado no "caput" do artigo 5º da Constituição Federal é, como vimos, o
'parâmetro' que proíbe qualquer tipo de arbítrio e limita o poder discricionário da Administração
Público, isto no que diz respeito a qualquer função pública, seja administrativa ou legislativa.

Já o interesse público deve ser a finalidade a ser perseguida pela Administração. Deixar de ter como
foco tal finalidade caracteriza o desvio de finalidade, que também nulifica o ato e permite a sua
desconstituição pela via jurisdicional.

Nas precisas palavras de Jean Rivero, o desvio de finalidade ocorre:

Ao contrário do particular, que escolhe livremente o fim de seu actos, (sic. a


Administração vê imposto o fim que a sua atividade (sic.) deve prosseguir.
De modo geral, só deve exercer suas competências com vista à satisfação do
interesse público, em virtude de um princípio geral de direito. De modo mais
particular, os textos assinalaram a certas competências um fim preciso: os

20
594
Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

poderes de política tem por finalidade assegurar a manutenção da


ordem[...]57
Dispensar a licitação sem qualquer providência para verificar eventual existência de outras entidades,
da mesma natureza, que prestem o mesmo tipo de serviço em condições de preço e qualidade mais
vantajosas para a Administração pública seria conduta temerária que poderia permitindo a
infringência legal.
A autoridade administrativa responsável pelo ato, além de buscar confirmar se aquela contratação era
a mais conveniente, deve deixar consignado de alguma forma essa confirmação, para que, em sendo
questionada tenha condições de demonstrar tal providência.
Sem a providência acima mencionada, temo que seria extremamente arriscado simplesmente
dispensar a licitação podendo o administrador público ser responsabilizado pelo ato considerado
como violação do princípio da isonomia e desvio de finalidade.

4.8.PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA

Com o advento do movimento que reformulou a Administração Pública, o princípio da eficiência tem
adquirido cada vez mais importância no ordenamento jurídico mundial, ganhando status
constitucional em diversos países. Todavia, os Tribunais Superiores têm apresentado certa resistência
na aplicação desse princípio, restando aos Tribunais de Contas a sua efetiva aplicação, já que esses são
os responsáveis pela realização das auditorias, que, muitas vezes, requerem a análise técnica baseada
em parâmetros de eficiência. É necessário, portanto, saber se as Cortes de Contas de Portugal e do
Brasil estão aptas a empregar esse princípio em suas análises, e se estão utilizando-o com o fim de
garantir o interesse público58 .
Destacamos também as palavras de Joel de Menezes Niebuhr que traz importante consequência no
que condiz ao respeito desse princípio:
‘[...] a eficiência em licitações públicas gira em torno de três aspectos
fundamentais: preços, qualidade e celeridade’. Os preços relacionam-se
diretamente com a economicidade (menor custo) ligando está à eficiência,
a celeridade refere-se ao menor prazo possível entre a publicação do ato
convocatório e o recebimento do objeto adquirido ou do serviço contratado
e a qualidade, por seu turno, diz respeito a padrão de desempenho e, por
isso, embute um fator de subjetividade59 .
Ao falar sobre eficiência da administração pública, entende que o gestor devera gerir a coisa pública
com efetividade, economia, deve ter transparência e gerindo com moralidade visando cumprir as
metas orçamentaria.

21
595
Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

4.9.PRINCÍPIO DO FORMALISMO

Esse princípio é o que mais tem recurso administrativo, e várias medidas judiciais por parte dos
licitantes. Assim para que não tenha problemas nas licitações com formalismo excessivo nas licitações
que só servem para afastar futuros concorrentes.
Assim o licitante que meramente deixa de assinar um documento, ou partes destes, deixa de numerar
folhas, esses licitantes não devem ser afastados da licitação, e sim dado oportunidade de correção das
falhas.
Mas nos defeitos substanciais que implicam na exigência do documento vital especificada no
instrumento convocatório, esse licitante terá problemas, pois não tem como admitir correção.
Como exemplo: numa licitação presencial o licitante esqueceu de incluir dentro do envelope de
licitação os atestados de qualificação técnica que foram exigidos pelo instrumento convocatório, ou
balanço patrimonial.
Assim se o licitante esqueceu um documento vital, não pode admitir o saneamento, não admitindo
que este licitante entregue tardiamente, pois assim estaria violando o princípio da isonomia, pois
todos os licitantes tiveram o mesmo prazo para elaborar suas propostas, e para coletar todos os
documentos e entregar no dia e hora marcada e que foram especificadas nos instrumentos
convocatórios, assim o licitante que esquece o documento vital não será admitido.
Pois o licitante que deixa de apresentar um documento vital especificado no instrumento
convocatório, atinge a essência do ato convocatório ou documento.
Em análise ao referido princípio, Hely Lopes Meirelles: “Procedimento formal, entretanto, não se
confunde com “formalismo”, que se caracteriza por exigências inúteis e desnecessárias 60 ”.

4.10.PRINCÍPIO DA COMPETIVIDADE

Inicialmente, ao se dispensar uma análise introdutória ao assunto cuida de salientar que, como
descreve Gasparini61, é proibido à Administração Pública admitir, prever, incluir ou tolerar, nos
instrumentos convocatórios, cláusulas ou condições que comprometam, cerceiem ou obstem o
aspecto competitivo do procedimento licitatório. De igual modo, com clara dicção, o inciso I do §1º do
artigo 3º da Lei Nº 8.666, de 21 de junho de 199362, que regulamenta o art. 37, inciso XXI.
Art. 37, XXI, CF/88: A administração pública direta e indireta de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços,
compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação

22
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Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com


cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as
condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá
as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia
do cumprimento das obrigações.
Logo, o princípio da ampliação da disputa norteia todo o devido processo licitatório, do início ao fim,
nas fases interna e externa.
Esse princípio é a essência da licitação, porque só podemos promover esse certame, essa disputa,
onde houver competição, é uma questão logica. Com efeito, onde há competição, a licitação não só é
possível, como em tese, é obrigatória: onde ela não exista a competividade, que é imprescindível para
a realização da licitação está se torna inviável para a Administração63 .

4.11.PRINCÍPIO DO SIGILO NA APRESENTAÇÃO DAS PROPOSTAS

Art. 3º, lei 8666/1993 § 3º. A licitação não será sigilosa, sendo públicos e acessíveis ao público os atos
de seu procedimento, salvo quando o conteúdo das propostas, até a abertura.
Se haver qualquer tipo de violação pelo presidente da comissão, será configurado o ato de
improbidade administrativa, e será enquadrado em crime previsto na lei de licitação 64.

4.12.PRINCÍPIO DA ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA AO VENCEDOR

Apesar de não está previsto na lei 8.666/93, mas normalmente vamos encontrar no processo licitatório
a aplicação do princípio da adjudicação compulsória. Como já espanado sabemos que o último ato do
procedimento da concorrência é a adjudicação, ou seja, atribuir objeto que está sendo licitado ao
vencedor.
Quando nos falamos do Princípio da Adjudicação Compulsória, significa que, se a administração
pública tiver que contratar com alguém terá que contratar o licitante vencedor, ou seja, aquele que
teve o objeto adjudicado, mas isso não significa que a administração pública está obrigada a contratar.
Não gerando para o particular um direito de contratação, mas se a administração pública tiver que
contratar o objeto que foi licitado deve contratar o vencedor da licitação.
Conforme já apresentado neste trabalho em especifico sobre a Lei 8.666 de 1993(Lei das Licitações e
Contratos), da Lei 10.520 de 17 de julho de 2002 (Lei do Pregão), que recentemente em 31 de maio
de 2005 foi regulamentada sua eletrônica pelo Decreto Nº 5.450 (Pregão Eletrônico), que veio
complementar as Licitações, e que subsequentemente este trabalho ira aprofundar na modalidade de
Licitação Convite, e suas ofensa a 03 (três) princípios o da isonomia, da impessoalidade e o da

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597
Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

publicidade, é analisar se esta modalidade de licitação mesmo diante de sua fragilidade é benéfica
para a administração Pública.
5.LICITAÇÃO CONVITE E A OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA, DA IMPESSOALIDADE E DA
PUBLICIDADE.
Em detalhes virmos o funcionamento no âmbito público, seu conceito, suas finalidades e objetivos,
bem como princípios basilares deste instituto, a importância de estarem intrínsecos nos atos e
contratos oriundos da administração pública.
Foi brevemente analisada os procedimentos licitatórios, e todos as suas modalidades e diferenciando-
as dos tipos de licitação o procedimento. Assim tivemos uma compreensão melhor de licitação,
conseguindo assim, mensurar a importância do trabalho realizado pela administração pública, e seus
agentes que deverão realizar as atividades visando o interesse coletivo impulsionado pelos princípios
constitucionais e infraconstitucionais, de grande serventia a administração pública.
Neste capítulo estudaremos a profundamente a modalidade convite, objeto específico deste trabalho,
sendo analisado as ofensas aos princípios da isonomia, impessoalidade e publicidade.
E alertar a sociedade quanto a fragilidade da carta convite na Licitação pública para que esta ajude a
fiscalizar os órgãos públicos que escolherem esse tipo de Licitação, evitando assim fraudes ou
benéficos a um determinado licitante ou até mesmo a geração de conflitos com os princípios da
licitação pública e até da própria administração pública65

5.1.LICITAÇÃO CONVITE

A modalidade de licitação convite é aquelas contratações de pequeno valor nos termos do artigo 23
da Lei 8.666/93, é um procedimento mais rápido, mas célere, mais simples em virtude dessa
modalidade de contratação da licitação convite. Os participantes recebem o instrumento convocatório
através da carta convite, sendo no mínimo três interessados que podem ser cadastrados ou não.
Essa modalidade está prevista legalmente no § 3º66 do art. 22 da Lei 8.666/93, é a modalidade de
licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e
convidados em número mínimo de 3 (três) pela unidade administrativa, que afixará, em local
apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na
correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e
quatro) horas da apresentação das propostas.
O Estatuto Federal das Licitações estabelece, em seu art. 23, I, “a” e II “a”, respectivamente, que o
convite será utilizado:

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Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

I) para obras e serviços de engenharia no valor de até R$ 330.000,00


(trezentos e trinta mil reais)
II) para outros serviços e compras, cujo valor não exceda a R$ 176.000,00
(cento e setenta e seis mil reais)
III) em licitações internacionais, quando não houver fornecedor do bem ou
serviço no País, desde que na correspondente faixa de valor dessa
modalidade.
A divulgação da licitação na modalidade convite é bem reduzida. O prazo mínimo para o envio da
carta-convite e sua afixação no quadro de avisos da repartição, até a data fixada para recebimento das
propostas, é de 5 (cinco) dias úteis (art. 2167 , § 2º, inc. IV da Lei nº 8.666/93).
Assim, após a citação de no mínimo três participante e afixação em local apropriado o instrumento
convocatório, e que estendera a todos os cadastrados passaremos a analisar os requisitos para
participar do certame.

5.2.REQUISITOS PARA PARTICIPAR DA MODALIDADE CONVITE

Nesse sentido, Carlos Ari Sundfeld observa que no convite poderão participar duas categorias de
sujeitos:
a) aqueles escolhidos livremente pela Administração, estejam cadastrados
ou não e;
b) os cadastrados que, tomando conhecimento da realização da licitação,
manifestem seu interesse em participar, pelo menos, 24 horas antes da
sessão de abertura. Entende, ainda, que deve ser admitida a proposta
formulada por não convidado, mesmo que não tenha manifestado com
antecedência de 24 horas sua intenção de participar do certame.
Isso porque, o objetivo da Lei em prever antecipadamente a comunicação ao pretendente, só existe
em favor dele mesmo, para que ele tenha acesso a todos os termos do certame.
Porém, sendo suficiente para o pretendente as informações coletadas pelo simples exame do
instrumento convocatório no quadro de avisos, ou por outra forma qualquer, seria um despropósito
a Administração não aceitar sua entrega, sob argumento de não cumprimento da formalidade de
prévia manifestação.
Referendando as nossas palavras, Lucas Rocha Furtado68 perfaz lúcidas considerações acerca do tema
em apreço, dando especial relevo para o incremento da competitividade do certame, com a admissão,
pela Lei nº 8.666/93, de que interessados não convidados, mas cadastrados possam participar do
certame: “Assim, mesmo aqueles que não tenham sido convidados, mas que estejam cadastrados,
poderão participar da licitação. Teremos, assim, a figura do penetra. Esse, no entanto, é bem-vindo.
Sua presença irá apenas aumentar a competitividade do processo licitatório”.

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Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

Quanto aos não convidados que não estejam cadastrados, entende-se que não poderão participar do
convite, ainda que manifeste o interesse nas 24 horas que antecedem a entrega das propostas.
B) Habilitação – na fase de habilitação, será analisada a documentação dos
licitantes.
Assim, os envelopes de documentação são abertos em sessão pública,
examinados e rubricados pelos presentes (licitantes e comissão).
Geralmente, são julgados na própria sessão em que foram abertos.
Porém, se houver necessidade, devido à complexidade dos documentos ou grande quantidade, serão
abertos os envelopes, examinados e rubricados os documentos em sessão pública, mas serão julgados
em sessão reservada da qual só participam os membros da comissão de licitação e, se necessário, seus
assessores, sem a participação dos licitantes.
Virmos os requisitos para a habilitação dos escolhidos pela Administração, bem como os cadastrados
que ao tomar conhecimento deverão manifestar seu interesse, e por não convidado, passamos ao
processo de habilitação na modalidade de Licitação Convite.

5.3.PROCESSO DE HABILITAÇÃO NA MODALIDADE CONVITE

Os documentos que podem ser exigidos dos licitantes na habilitação, são os indicados no art. 27 da Lei
8.666/93 e referem-se a:
a) habilitação jurídica69 (art. 28, Lei 8.666/93);
b) qualificação técnica70 (art. 30, Lei 8.666/93);
c) qualificação econômico-financeira71 (art. 31, Lei 8.666/93);
d) regularidade fiscal72 (art. 29, Lei 8.666/93) e;
e) cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição
Federal73 .
No caso de alguma microempresa (ME) ou empresa de pequeno porte (EPP)/outro beneficiado de a
LC 12374apresentar algum vício ou defeito em sua documentação relativa à regularidade
fiscal/trabalhista, deverá ser habilitada “sob condição”.
Apenas caso está ME ou EPP habilitada “sob condição” seja a mais bem classificada na próxima fase
de julgamento de propostas, então será concedido o prazo de cinco dias úteis, prorrogáveis por igual
período a pedido justificado da ME/EPP, para que reapresente a documentação fiscal/trabalhista livre
dos vícios.
Da habilitação ou inabilitação do licitante, cabe recurso administrativo, que consiste em um pedido de
reexame da decisão da Administração, pela própria Administração, sem que haja intervenção do
Judiciário. O prazo para o licitante interessado recorrer é de dois dias úteis (art. 109, I, Lei 8.666/93),
contados da lavratura da ata ou da intimação do ato. Interposto o recurso administrativo, os demais

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Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

licitantes poderão interpor contrarrazões de recurso, também no prazo de dois dias úteis. O recurso
será dirigido à autoridade superior, por intermédio da que praticou o ato recorrido.
Esta poderá, entretanto, reconsiderar sua decisão, no prazo de cinco dias úteis ou, no mesmo prazo,
remeter à autoridade superior, devendo esta decidir dentro de cinco dias úteis, contados do
recebimento do recurso.
C) Classificação e julgamento das propostas – transcorrido o prazo recursal
da fase de habilitação sem interposição de recurso ou após o julgamento de
todos os recursos interpostos ou, ainda, existindo a desistência expressa de
todos os licitantes quanto ao direito de recorrer, passa-se à fase de
classificação e julgamento das propostas.
Corresponde à fase de verificação da proposta mais vantajosa pela Administração Pública, a qual é
realizada pela comissão licitante.
Nesta fase, são abertos os envelopes contendo as propostas apenas dos licitantes habilitados, em
sessão pública previamente designada, onde o conteúdo dos envelopes será examinado e rubricado
pelos licitantes e comissão de licitação.
Após, terá início o julgamento das propostas que poderá ocorrer na mesma sessão pública onde se
deu a abertura dos invólucros ou, se necessário, em função da complexidade dos documentos ou de
seu grande número, em sessão reservada, na qual apenas participará a comissão e, quando for o caso,
seus assessores. Importante observar que o julgamento das propostas deverá ser feito com base no
tipo de licitação e critérios objetivos estabelecidos no instrumento convocatório. Abertos os
envelopes-propostas, a Comissão de Licitação deverá verificar se a proposta melhor classificada é
micro ou pequena empresa.
Em caso positivo, se micro ou pequena empresa foi habilitada “sob condição” (na fase anterior), por
ter apresentado restrição em algum documento fiscal/trabalhista, deverá ser concedido o prazo de 5
dias úteis (prorrogável, por igual período, a pedido da ME/EPP), para que reapresente a documentação
fiscal/trabalhista devidamente regularizada, sob pena de, em não o fazendo, ser declarada inabilitada.
Caso a ME/EPP primeira classificada tenha sido devidamente habilitada na fase anterior, a licitação
terá prosseguimento para a próxima fase (recursal). Entretanto, se a primeira colocada não for micro
ou pequena empresa, a Comissão deverá verificar se existem microempresas ou empresas de pequeno
porte cujos valores ofertados em suas propostas encontrem-se em um intervalo de até 10% superior
à melhor oferta, ocasião na qual estarão fictamente empatadas com o primeiro colocado.
Se houver ME/EPP neste intervalo de valor, respeitada a ordem de classificação, a Comissão deverá
convocar a ME/EPP para se desejar, oferecer lance menor ao do primeiro classificado. Na hipótese de

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601
Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

ME/EPP reduzir seu preço a um valor menor que o primeiro colocado (que, saliente-se, não é ME nem
EPP), tomará seu lugar como primeira classificada.
Apenas se a ME/EPP não efetuar a redução, será convocada a próxima microempresa ou empresa de
pequeno porte, respeitada a ordem classificatória, que se encontre no percentual de até 10% superior
ao primeiro colocado, para exercer o mesmo direito de preferência.
No caso de nenhuma ME/EPP empatadas fictamente aceitarem reduzir seu valor, o certame seguirá
normalmente com o primeiro colocado original (média ou grande empresa).
Finalizada a etapa do empate/desempate ficto (se houver), o licitante interessado em recorrer, deverá
fazê-lo no prazo de cinco dias úteis, contados da intimação da decisão (sendo que para convite, o prazo
será de dois dias úteis). Também, nesta fase, deverão ser observados os comentários feitos na fase
recursal de habilitação supra.
D) Homologação – com a conclusão da fase de classificação e julgamento
das propostas, a comissão elabora relatório sobre o procedimento,
indicando o vencedor do certame, e remete à autoridade superior.
Uma vez que, inexistindo qualquer irregularidade, constitui um ato vinculado, a autoridade
competente é obrigada a homologar.
Esta, conforme o art. 43, inc. VI da Lei 8.666/93, é competente para homologar o procedimento e
adjudicar o objeto da licitação ao vencedor do certame. A homologação consiste na aprovação do
procedimento: a autoridade competente (indicada na lei ou regulamento) examinará todos os atos do
procedimento, verificando sua legalidade e mérito.
Se encontrar algum vício, poderá anular o procedimento ou, se couber, determinar seu saneamento;
se verificar que o procedimento está em ordem, o homologará. Ainda, poderá a autoridade
competente revogar a licitação, se houver interesse público devidamente justificado.

E) Adjudicação – neste ato, a mesma autoridade competente acima


mencionada, após homologar o procedimento, adjudicará o objeto da
licitação ao licitante que venceu o certame.
A adjudicação, é a etapa final do procedimento licitatório, constitui o ato administrativo pelo qual a
Administração atribui ao vencedor o objeto da licitação, é o último ato do procedimento e é vinculado.
A Administração apenas não efetuará a adjudicação nas hipóteses de anulação ou revogação da
licitação (art. 49, Lei 8.666/93).

Sobre a homologação e adjudicação é importante ressaltar que há certa divergência na doutrina


quanto à ordem desses atos. Vejamos:
Carlos Pinto Coelho Mota analisa da seguinte forma:

28
602
Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

O aparente conflito entre o art. 38, VII, e o art. 43, VI – ou seja, se a


adjudicação seria realizada antes ou depois da homologação – é, a nosso
ver, aspecto de menor relevância, pois ambos os atos são igualmente
importantes para o epílogo eficaz do procedimento.
A vivência de situações concretas induz nossa opinião de que o caminho
mais lógico seria proceder primeiramente à adjudicação (ato sob a
responsabilidade da comissão, autoridade competente ou pregoeiro,
conforme a modalidade e o disposto no instrumento convocatório), dado o
caráter ratificatório e convalidatório da homologação (feita pela autoridade
superior)75 .
O autor posiciona também sobre o entendimento do TCU (AC816/2006, DOU 02/02/2006) onde
corresponde o que prescreve o artigo 43, da Lei 8.666/93, deliberação da autoridade competente
quando à homologação e adjudicação do objeto da licitação, ou seja, só adjudica o objeto licitado após
a homologação.
Na mesma esteira: Tribunal de Contas da União:
Homologação é ato que ratifica todo o procedimento licitatório e confere
aos atos praticados aprovação para que produzam os efeitos jurídicos
necessários. Adjudicação é ato pelo qual a Administração atribui ao licitante
vencedor o objeto da licitação. Homologar a licitação é ato intransferível e
indelegável. Cabe exclusivamente à autoridade competente para esse fim.
Adjudicar o objeto da licitação é ato praticado geralmente pela autoridade
competente ou responsável pela licitação ou por outro servidor designado
para esse fim76.
O ato de homologação é ato de controle da regularidade de todo o procedimento. Por isso, a
autoridade competente, verificando a correção de todo o procedimento, homologa-o, praticando o
último ato necessário anterior à contratação.
Adotamos, na presente obra, o posicionamento de que a homologação é ato anterior à adjudicação,
ambos efetuados pela autoridade competente, em vista do disposto no artigo 43, inciso VI, da Lei
8.666/93. Assim é o entendimento da doutrina abaixo mencionada:
O artigo 43, inciso VI, da Lei 8.666/93 prevê, como ato final do
procedimento, a ‘deliberação da autoridade competente quanto à
homologação e adjudicação do objeto da licitação’.
Houve, aqui, uma inversão nos atos finais do procedimento. Anteriormente a essa lei, a adjudicação
era o ato final praticado pela própria Comissão de licitação, após o que vinha a homologação pela
autoridade competente. Agora, os dois atos ficam fora da atuação da Comissão e passam a ser de
competência da autoridade superior.
Na mesma ótica:
A Lei nº 8.666 determina que a autoridade superior realize, primeiramente,
a homologação do resultado da licitação. Em momento logicamente
posterior, promoverá a adjudicação. Ao menos, é o que se infere da ordem

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603
Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

redacional adotada no texto expresso da Lei, ainda que a questão seja dúbia
perante o art. 38, VII.
Assim posteriormente será promovido a adjudicação descrita na lei. Mesmo que tenha diferentes
interpretações pela falta de sentido redacional do artigo 38, inciso VII, da Lei 8.666 de 1993.
Todo procedimento para processamento da licitação está elencado no artigo 43 da Lei 8.666 de 1993.
Considere-se que este art. 43 expressa uma ordem necessária e obrigatória de procedimentos, que
não pode ser invertida de modo algum; desse modo fica obviado que a homologação vem antes da
adjudicação. E seja observado também que a autoridade competente a que se refere o inciso jamais
pode ser a própria CJL, nem seu presidente, porque autoridade alguma pode homologar regularmente
seus próprios atos, já que tal atitude não teria sentido jurídico.
Também, já se manifestou sobre o tema, o Tribunal de Contas da União, através do Acórdão 816/2006:
ACÓRDÃO nº 816/06 – Pleno
PROCESSO N.°: 11387-2/03
INTERESSADO: DARCY PEREIRA DE FREITAS
ASSUNTO: RECURSO DE REVISTA
RELATOR: CONS. FERNANDO AUGUSTO MELLO GUIMARÃES
EMENTA: RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO CONTRA DECISÃO QUE
DESAPROVOU CONTAS DE LEGISLATIVO MUNICIPAL – AUMENTO
REALIZADO INDEVIDAMENTE NOS SUBSÍDIOS DOS EDIS DURANTE A
LEGISLATURA, ARGUMENTOS IMPROCEDENTES – REALIZAÇÃO DE DESPESAS
INCOMPATÍVEIS COM AS ATIVIDADES DA CÂMARA OU SEM A DEVIDA
COMPROVAÇÃO DOCUMENTAL, ARGUMENTOS IMPROCEDENTES –
PAGAMENTO DE VERBA FIXA MENSAL A EMPRESA PARA DIVULGAÇÃO DE
ATOS DA CÂMARA, CARACTERIZANDO PATROCÍNIO, ARGUMENTOS
IMPROCEDENTES – NEGATIVA DE PROVIMENTO. RECURSO DE REVISTA
INTERPOSTO CONTRA DECISÃO QUE DETERMINOU DEVOLUÇÃO DE
VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE SUBSÍDIO – SUPLENTE
QUE NÃO ATUOU COMO VEREADOR, NEM RECEBEU REMUNERAÇÃO
DURANTE O EXERCÍCIO FINANCEIRO, DEVENDO SER EXCLUÍDO DO ROL DE
RESPONSÁVEIS – PROVIMENTO77 .
Nesse sentido, Hely Lopes Meireles se posiciona a respeito da temática:
Adjudicação compulsória: o princípio da adjudicação compulsória ao
vencedor impede que a Administração, concluído o procedimento
licitatório, atribua seu objeto a outrem que não o legítimo vencedor (arts.50
e 64).
A adjudicação ao vencedor é obrigatória, salvo se este desistir
expressamente do contrato ou não o firmar no prazo prefixado, a menos
que comprove justo motivo. A compulsoriedade veda também que se abra
nova licitação enquanto válida a adjudicação anterior.
Advirta-se, porém, que o direito do vencedor se limita à adjudicação, ou seja,
à atribuição a ele do objeto da licitação, e não ao contrato imediato. E assim
é porque a Administração pode, licitamente, revogar ou anular o
procedimento ou, ainda, adiar o contrato, quando ocorram motivos para
essas condutas. O que não se lhe permite é contratar com outrem enquanto
válida a adjudicação, nem revogar o procedimento ou protelar

30
604
Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

indefinidamente a adjudicação ou a assinatura do contrato sem justa causa.


Agindo com abuso ou desvio de poder na invalidação ou no adiamento, a
Administração ficará sujeita a correção judicial de seu ato e a reparação dos
prejuízos causados ao vencedor lesado em seus direitos, quando cabível.
Com a homologação e a adjudicação encerra-se o procedimento licitatório,
passando-se ao contrato78.
Diante do exposto, podemos concluir que é entendimento que os efeitos da adjudicação são por
demais importantes para Comissão de Licitação sobre sua competência, e moldada na ideia de não ter
sentido adjudicar o objeto da licitação ao particular para posteriormente analisar supostas
irregularidades ocorridas no certame, e que ao adjudicar poderia o objeto ser suprimido, assim deve
ser ato final a homologação da adjudicação.
Analisaremos aprofundamento a as afrontas da Licitação Convite a três princípios constitucionais,
sedo eles o da Isonomia, da Impessoalidade e por fim o da Publicidade.

5.4.LICITAÇÃO CONVITE E AS VIOLAÇÕES AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA, IMPESSOALIDADE E DA


PUBLICIDADE

Buscaremos junto a doutrinadores, professores, teses de mestrados, jurisprudências e casos fáticos


sobre a modalidade de licitação convite, onde buscamos respostas se essa modalidade de licitação
apesar de ser frágil e apta a corrupção, se mesmo assim é benéfica a Administração pública devido a
sua agilidade e rapidez.
E se essa modalidade afronta diretamente os princípios da isonomia, da impessoalidade e da
publicidade no qual passaremos a analisar a seguir.

5.5.LICITAÇÃO CONVITE E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA

A modalidade Convite, como comentado, é feita a partir do envio de uma carta- convite pela
Administração Pública aos interessados de determinado ramo de acordo com seu objeto,
diferentemente das outras modalidades, podendo ser cadastrados ou não os interessados.
Nessa modalidade não há necessidade de publicação, uma vez que é enviado por escrito a carta-
convite com no mínimo de cinco dias úteis antecipado. Mas, as pessoas que não foram convidados
pode participar, desde que, estejam cadastradas e manifestem seus interesses com antecedência de
até 24 horas antes da apresentação das propostas.
Vale frisar que essa modalidade trata os convidados pela Administração Pública no tocante da
habilitação dos licitantes, esta é facultativa, enquanto para os demais, é obrigatória. Demonstrando a

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605
Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

lei, um tratamento desigual entre os licitantes, restando demonstrado, a afronta ao princípio da


isonomia (igualdade entre os concorrentes), descrito no artigo 3°, caput, da lei em comento.
Destacamos o princípio da igualdade, sendo que este constitui nas palavras de Maria Silva Zanella Di
Pietro como:
Um dos alicerces da licitação, na medida em que está visa não apenas
permitir à Administração a escolha da melhor proposta, como também
assegurar igualdade de direitos a todos os interessados em contratar. Esse
princípio que hoje está expresso no artigo 37, XXI, da Constituição, veda o
estabelecimento de condições que impliquem preferência em favor de
determinados licitantes em detrimento dos demais79.
Assim deve o administrador público enviar para no mínimo 03 (três) participantes para o certame, não
sendo questionado o critério dos procedimentos desta escolha, mas a escolha poderá estar cheia de
critério subjetivos, como troca de favores, amizade, promessas políticas etc.
Havendo margem de discricionariedade na escolha dos participantes da
licitação convite.
[...] se três potenciais interessados recebem em seus estabelecimentos um
convite para participarem da licitação e outros tantos, talvez inúmeros, não
são sequer avisados, é mais do que palmar o tratamento diferenciado80..
Nesse patamar no caso fere de morte o princípio da isonomia deixando de assegurar a igualdade de
todos participar do certame, passando ser uma oportunidade para o administrador convidar seus
parceiros deixando também de ser impessoal perante o ato licitatório.

5.6.LICITAÇÃO CONVITE E O PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE

No momento da realização da licitação na modalidade convite, os agentes públicos através da carta


convite busca os participantes ao certame. Mas a Administração Pública discricionariamente escolhe
os participantes da licitação. Esse procedimento é facilmente constatado a sua fragilidade e o motivo
é cristalino: a personalidade.
Busca garantir a igualdade o princípio da impessoalidade, não aceitando qualquer tipo de
discriminação ou favoritismo, devendo estar isento de acordos particulares, assim nesta fase e de
escolha dos participantes do convite, é o procedimento que garante, sobretudo a própria
pessoalidade.
A contratação pelo Município para reforma de bens públicos, deve atender aos princípios
constitucionais da impessoalidade, moralidade, legalidade e finalidade públicas.
O colendo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS em situação idêntica à desse processado, ipissis
literis, decidiu com sapiência:

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Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. REFORMAS DE BENS


PÚBLICOS. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DOS GESTORES PÚBLICOS.
AUSÊNCIA DE PROVA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NÃO
CONFIGURADA. A contratação pelo Município para reforma de bens
públicos, deve atender aos princípios constitucionais da impessoabilidade,
moralidade, legalidade e finalidade públicas. A improbidade administrativa
deve ficar cumpridamente provada, sem o que não se pode punir a tal título
os administradores públicos. Se não foi comprovado que o administrador
público causou prejuízo ao Erário Público e nem mesmo se locupletou com
qualquer vantagem pecuniária, não vinga a ação de improbidade
administrativa contra ele proposta, haja vista que para o êxito daquela
referida ação há necessidade da concorrência da ilegalidade e lesividade do
ato acoimado de ímprobo” (TJMG, Apel. Cível n. 1.0470.04.016509-9/001,
Rel. Des. Belizário de Lacerda, DJ 05.02.1010).
Segundo entendimentos de alguns doutrinadores que contribuem com esse entendimento:

[…] a administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar


pessoas determinadas, portanto a Administração, ao escolher
discricionariamente os candidatos aos quais enviará o convite do certame
licitatório, estaria ferindo tal princípio pois nada impediria que tais
propostas sejam direcionadas à determinadas empresas de interesse
pessoal dos administrados, obtendo com isto certa vantagem sobre
possíveis concorrentes, apesar de se exigir que o convite estenda-se em
forma de edital a outros interessados, porém estes teriam que estar em
vigília diária perante os locais de fixação, enquanto que aos outros seria
dado o privilégio de permanecerem tranquilos até o recebimento do
certame, perfeitamente acomodados em seus respectivos endereços81.
[…] os princípios da impessoalidade, moralidade e publicidade apresentam-
se intrincados de maneira profunda, havendo, mesmo, instrumentalização
recíproca: assim, a impessoalidade configura-se meio para atuações dentro
da moralidade; a publicidade, por sua vez, dificulta medidas contrárias à
moralidade e impessoalidade; a moralidade administrativa, de seu lado,
implica observância da impessoalidade e da publicidade82.
Carlos Pinto Coelho Motta posiciona que:

Só se justifica licitação se houver possibilidade de confronto, quer de


pessoas quer de objetos. Se essa existir, a licitação impõe-se. Entretanto, se
não existir, carece de qualquer fundamento a utilização do procedimento
licitatório83.
Esse raciocínio tem coerência com o procedimento desenvolvido na criação da carta-convite, e
perante os procedimentos das fases, e em razoes da discricionariedade que deve ter o servidor público
nas suas escolhas de quem participara do certame dada à Administração Pública para agir e tomar
decisões dentro do limite da Lei.

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Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

5.7.LICITAÇÃO CONVITE E O PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

O princípio da publicidade previsto no art. 3º da Lei nº 8.666/93, visa garantir aos interessados o
conhecimento sobre a abertura do certame, bem como confere aos licitantes e demais cidadãos o
conhecimento dos atos inerentes ao processo de contratação, ressalvados os atos sigilosos, nos
termos da lei.
De acordo com o ensinamento do professor Renato Geraldo Mendes: “É importante observar que o
legislador quis enfatizar que os atos do procedimento licitatório são acessíveis ao público, isto é,
qualquer interessado (licitante ou cidadão) tem acesso ao conteúdo dos atos praticados, podendo
inclusive, se desejar, solicitar cópia de qualquer peça do procedimento, bastando para tanto pagar o
custo da reprodução gráfica das peças84”
Vejamos o significado de Publicidade:

[…] tornar público, é ato de comunicação, veiculando algo que, por exigência
jurídica, não pode ficar na esfera da intimidade ou da reserva, para
satisfação da pluralidade de seus fins. Ser público é a mais elementar regra
da Administração Pública no Estado Democrático de Direito, na medida que
os poderes e as funções do aparelho estatal são utilizados para gestão do
interesse público, coisa alheia que a todos pertence85.
Em decisão sobre publicidade vejamos decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte TJ-RN -
Apelação Cível: AC 14536 RN 2010.001453-6 onde a Apelante Petróleo Brasileiro S/A – PETROBRÁS em
desfavor de A. P. Mariscal – Epp em sua defesa aduziu que a possibilidade de restringir a licitação na
modalidade convite a três convidados em nada ofende os princípios da moralidade, da publicidade,
da impessoalidade e da eficiência. No qual a nobre decisão do Relator: Des. Dilermando Mota foi ao
encontro da 20ª Procuradoria de Justiça, em substituição a 19ª, conheceu o apelo para negar o
provimento.

APELAÇÃO CÍVEL. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE


SEGURANÇA OBJETIVANDO A PARTICIPAÇÃO EM PROCESSO DE LICITAÇÃO
POR CARTA CONVITE. CONCESSÃO DA SEGURANÇA. VIOLAÇÃO AOS
PRINCÍPIOS DA EFICIÊNCIA, MORALIDADE E AMPLA PUBLICIDADE.
INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA QUE SE IMPÕE ENTRE O DECRETO Nº
2.745/98 E A LEI Nº 8.666/93. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DA
PRETENSÃO RECURSAL. A despeito da existência de processo simplificado de
licitação para contratações da PETROBRAS, previsto no Decreto nº.745/98,
cumpre ao seu gestor observar os princípios constitucionais e as normas da
Lei nº 8.666/93, sob pena de restar violado o interesse público primário.
(TJ-RN - AC: 14536 RN 2010.001453-6, Relator: Des. Dilermando Mota, Data
de Julgamento: 19/10/2010, 1ª Câmara Cível)86

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Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

Aos interessados a publicidade é a garantia ao conhecimento e informações sobre abertura do


certame licitatório, e a transparência, e assim proporcionar a transparência aos atos administrativos,
para que possa ser fiscalizado onde é aplicado o erário público.
Argumentando a esse respeito, Niebuhr assevera que:
[...] não há, e nem pode haver, licitação sigilosa. Se seu objeto exigir sigilo
em prol da segurança nacional, será contratado com dispensa de licitação.
Nunca, porém, haverá licitação secreta, porque é da sua natureza a
divulgação de todos os seus atos […] 87
.........................................................................................................................
..............
[...] a publicidade é essencial ao Estado de Direito, à democracia, à cidadania
e à legitimidade88
De acordo com o artigo 22, §3º da Lei 8.666/93, é exigido somente a mera afixação do instrumento
convocatório em locar apropriado:
Art. 22. […]
§3º Convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo
pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em
número mínimo de 3 (três) pela unidade administrativa, a qual afixará, em
local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá aos
demais cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem
seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e quatro) horas da
apresentação das propostas.
O local é escolhido pelo administrador, basta que ele o considere que seja apropriado, já garante por
sai a publicidade exigida por lei para realização do ato convocatório.
A garantia não está vinculada a vinculação no diário Oficial, jornais local ou regional de grande
abrangência.
Vejamos o que diz artigo 3, in verbis da Lei 12.527/1189 :
Art. 3º. Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o
direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em
conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as
seguintes diretrizes:
52
I - Observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção;
II - Divulgação de informações de interesse público, independentemente de
solicitações.
Assim a Lei 8.666/93, vem juntamente com o disposto na Lei 12.527/11, no qual é regra a divulgação
de todos os atos da administração pública. A publicação não é obrigatória, mas não é proibida ao
administrador que de ampla publicidade ao convite, mas muitas vezes é revestida de má fé, é
dificilmente a Administração pública irá fazê-la.

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Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

6.CONCLUSÃO

Na introdução procurou demostrar os aspectos geral relacionado ao presente trabalho, e a


importância que os princípios prestam ao ordenamento jurídico em geral, bem como as formas da
modalidade de licitação convite e as possíveis violações aos princípios da isonomia, impessoalidade e
da publicidade, em outra esfera o método utilizado nessa pesquisa, a fundamentação teórica no qual
foi possível ao final determinar se essa modalidade licitatória convite é apropriada para a
Administração pública.
No capitulo primeiro buscou demostrar informações sobre licitação no brasil, e o início do estudo
alicerçado no Código de Contabilidade da União de 1922 que falava vagamente sobre licitações, e que
deu início ao processo Licitatório, e posteriormente no Decreto Lei 2.692/1862 com suas regras gerais
de arrematação, sua consideração como princípio constitucional como cunho obrigatório para a
Administração Pública no ano de 1988, e sua recepção pela Constituição 1988 que recepcionou
integralmente as orientações da Lei Licitatória de 1986, o Código e sua evolução até a chegada da Lei
nº 8.666/93 que regulamentou as licitações, e suas posteriores atualização, além do conceito, a
natureza jurídica
No segundo capitulo buscou-se esclarecer os tipos e modalidade de licitação, as regras, seu
procedimento, as formalidades, critérios de julgamento sendo quatro tipos de licitação, sendo elas
Menor Preço, Menor Técnica, Técnica e Preço, Maior Lance, já a modalidade são muitas sendo elas
Leilão, Pregão Eletrônicos e Presencial, Convite, Tomada de Preço, Concorrência Pública, Consulta, e
pôr fim a situação de dispensa de licitação.
No terceiro momento o objetivo foi analisar estudo dos princípios utilizado na Administração Pública,
bem como nas licitações, a importância da criação normas para manutenção do ordenamento jurídico,
para que seja detectada as violações aos princípios da isonomia, impessoalidade e publicidade.
No quarto momento foi realizado estudo sobre a licitação Convite e as possíveis ofensa aos princípios
Constitucionais e da Administração pública. O princípio da isonomia, da impessoalidade e da
publicidade.
Analisando o trabalho podemos verificar que se não for observado na licitação quaisquer princípios
aqui analisados compromete todo o processo licitatório, tornando sua suspensão por motivo de
juridicidade, que poderá ser pela autoridade administrativa o judicial.
A violação de um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer, sendo uma
agressão a própria Constituição Federal Brasileira de 1988. A desatenção ao princípio implica ofensa
não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos. É a mais grave

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Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque


representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia
irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo,
abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda estrutura nelas esforçada”.
É indiscutível por todo o exposto que a modalidade de licitação convite, que na ideia inicial era dar
celeridade para que a Administração Pública dessa celeridade na compra de bens e serviços, pela suas
peculiaridades e fragilidade na execução de seu procedimento, é fonte de inúmeras violações a
princípios, e causa enormes prejuízos aos cofres públicos, sendo assim uma modalidade de licitação
prejudicial para o erário público.
Devido ao grande número de fraudes que são praticados pelo Administradores Públicos, deu origem
ao projeto Lei 559/2013 que tramita no Senado Federal, onde traz novas normas para os licitantes que
desejam participar de licitações ou firmar contratos com a Administração Pública. Essa nova lei poderá
extinguir a modalidade de licitação convite, e a modalidade tomada de preços.

AGRADECIMENTO

Agradeço primeiramente a Deus por me dará a oportunidade do conhecimento, por ter me dado saúde
e força para superar todas as dificuldades da minha vida.
Aos meus pais, Nadir Elias Ferreira e Olga Maria Ferreira, meus irmãos e toda minha família que traz
muita alegria a minha vida, e são minha inspiração para buscar novas conquistas.
A minha esposa Nilva Lopes Ferreira, que em todas as dificuldades da vida esteve ao meu lado, é parte
de toda vitória que tive e que venha a conquistar.
As filhas Lorena Cristina Ferreira, e Francini Cristine Ferreira vocês são o meu tesouro. A cada dia que
passa, vocês demonstram que são as filhas que eu sempre sonhei: obedientes, carinhosas,
compreensivas, lindas, educadas, batalhadoras, inteligentes, humildes, prestativas, conselheiras e
sinceras. Enfim, vocês têm o perfil que todas os pais sonham para as suas filhas e eu só tenho que
agradecer a Deus por tudo isso. Obrigado filhas por todos os momentos que me proporcionou.
Obrigada por serem quem vocês são e por me ensinar tanta coisa. Eu amo vocês muito!
A meu orientador Prof. Leonardo Martins Pereira, pela orientação, seu grande desprendimento em
ajudar-nos e amizade sincera. ”
Aos amigos Dr. Reiller Lopes de Souza pelo incentivo e grande ajuda com o fornecimento de material
para a realização deste trabalho.

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611
Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

Agradeço à equipe de professores desta instituição de ensino que foram responsáveis pelo meu
conhecimento adquirido em todo Curso de Direito.

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Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

REFERÊNCIAS

ANGHER, Anne Joyce e SIQUEIRA, Luiz Eduardo Alves de. Dicionário Jurídico. 6. ed. São Paulo: Rideel,
2002.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do TCU. 4.


ed. Brasília: TCU. Secretária-geral da Presidência: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e
Publicações, 2010.

______. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição
Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8666compilado.htm Acesso em:10/out./2019.

CANARIS, Claus-Wilhem. Pensamento Sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 2ª ed.


trad. a. Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1996.

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41
615
Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

NOTAS
1ENTRENA CUESTA, Rafael, “Derecho Administrativo”, vol. I, p. 249, apud CARVALHO FILHO, José Dos
Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007.
2A Lei nº 8.666/93 registrou expressamente esse aspecto de vinculação no art. 41.
3Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a
obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
4BRASIL, Senado Federal, Secretaria Geral da Mesa, Decreto Lei n. 2926- de maio de 1962. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Historicos/DPL/DPL4536.htm> Acesso em 11 de
outubro de 2019.
5BRASIL, Portal da Câmara dos Deputados Federal, Decreto nº 4536 de 28 de janeiro de 1922.
Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1920-1929/decreto-4536-28-janeiro-
1922-567786-publicacaooriginal-91144-pl.html> Acesso em 11 de outubro de 2019.
6DECRETO LEI nº 200/67, Título XII “Das Normas Relativas a Licitação para Compras, Obras, serviços e
Alienações”.
7RIGOLIN, Ivam Barbosa; BOTTINO, Marco Tullio. Manual das Licitações. 2. ed, Guarulhos-SP: Editora
Saraiva, 1998.
8DEFINIDAS NA LEI FEDERAL nº 8.666/93 em seu art. 22.
9Estas modalidades estão definidas no art.22 da Lei Federal nº 8.666/93.
10JUSTEN FILHO, Marçal Curso de Direito Administrativo. 10. ed. Revista, atualizada e ampliada- São
Paulo: Revista dos tribunais, 2014.
11MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. 4. ed. Niterói: Impetus, 2010.
12Art. 37, XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras e serviços, compras e
alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de
condições a todos os concorrentes, com clausulas que estabeleçam obrigações de pagamento,
mantida as condições efetivas da proposta, nos termos da Lei, o qual somente permitirá as exigências
de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
13 RIGOLIN, Ivam Barbosa; BOTTINO, Marco Tullio. Manual das Licitações. 2. ed, Guarulhos-SP: Editora
Saraiva, 1998, p. 21

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616
Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

14 Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:

15Ipso facto é uma expressão em latim, que significa “pelo próprio fato”, “por isso mesmo” ou
“consequentemente”, na tradução para a língua portuguesa.

16CARVALHO FILHO, José Dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Editora Lumen
Juris, 2007, p. 218

17 Lei do Pregão – Lei 10520/2002

18 São os tipos de licitações o Menor preço, Melhor técnica, técnica e preço, Maior lance ou oferta.

19 JUSTEN FILHO, Mançal. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Forum, 2012, p.466

20§1º Nas Licitações do tipo “melhor técnica” será adotado o seguinte procedimento claramente
explicitado no instrumento convocatório, no qual fixará o preço máximo que a Administração se
propõe a pagar:
I - serão abertos os envelopes contendo as propostas técnicas exclusivamente dos licitantes
previamente qualificados e feita então a avaliação e classificação destas propostas de acordo com os
critérios pertinentes e adequados ao objeto licitado, definidos com clareza e objetividade no
instrumento convocatório e que considerem a capacitação e a experiência do proponente, a qualidade
técnica da proposta, compreendendo metodologia, organização, tecnologias e recursos materiais a
serem utilizados nos trabalhos, e a qualificação das equipes técnicas a serem mobilizadas para a sua
execução;
II - uma vez classificadas as propostas técnicas, proceder-se-á à abertura das propostas de preço dos
licitantes que tenham atingido a valorização mínima estabelecida no instrumento convocatório e à
negociação das condições propostas, com a proponente melhor classificada, com base nos
orçamentos detalhados apresentados e respectivos preços unitários e tendo como referência o limite
representado pela proposta de menor preço entre os licitantes que obtiveram a valorização mínima;
III - no caso de impasse na negociação anterior, procedimento idêntico será adotado, sucessivamente,
com os demais proponentes, pela ordem de classificação, até a consecução de acordo para a
contratação;

IV - as propostas de preços serão devolvidas intactas aos licitantes que não forem preliminarmente
habilitados ou que não obtiverem a valorização mínima estabelecida para a proposta técnica.

43
617
Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

21JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 12. ed. São Paulo:
Dialética, 2008, p. 581.

22JUSTEN FILHO, Mançal. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 467

23MADAUAR, Odete, Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012,
p. 203.

24A profissão de “Leiloeiro Oficial” é regulamentada pelo Decreto no 21.981/1932 (BRASIL, 1932),
devendo os profissionais capacitados estarem registrados na Junta Comercial. Conforme o
entendimento de parte da doutrina, da jurisprudência e por força do art. 10 da Instrução Normativa
DNRC no 110/2009 (BRASIL, 2009a), a seleção do Leiloeiro deverá ser feita mediante procedimento
licitatório.

25 DE AMORIM, Victor Aguiar Jardim, Licitações e contratos administrativos: teoria e jurisprudência,


Brasília: Senado Federal. 2017.

26O Decreto nº 5.450, de 31 de maio de 2005 regulamenta o pregão na forma eletrônica para a
aquisição de bens e serviços comuns.

27 VIANNA, Flavia Daniel, Revista de Direito Administrativo e Infraestrutura | vol. 4/2018 | p. 233 - 242
| Jan - Mar / 2018 | DTR\2018\10338. Acesso em 14/maio/2019

28Lei 10.520 de 2002 é a lei que instituiu a modalidade de licitação denominada pregão.

29MADAUAR, Odete, Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012,
p 203/204.

30DE ARAÚJO, Edmir Neto. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 575.

31JUSTEN FILHO, Mançal. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 456

32JUSTEN FILHO, Mançal. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 456

.p. 454

33 MEIRELLES, Hely Lopes et al. Direto Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.

34DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011.

35 DE ARAUJO, Edemir Netto. Curso de Direito Administrativo. 3. ed, Guarulhos-SP: Editora Saraiva,
2007.

44
618
Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

36GROKSKREUTZ, Hugo Rogério. Licitação na modalidade convite em face ao princípio da


impessoalidade.Disponívelem:http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_arti
gos leitura&artigo_id=4623>. Data de acesso: 25 de maio de 2019.

37GUERREIRO, Shiese. O Princípio Constitucional da Impessoalidade: uma análise sob o prisma da


Licitação Convite. Disponível em: <http://siaibib01.univali.br/pdf/Shiese %20Guerreiro.pdf. >Data de
acesso: 25 de maio de 2019.

38 MADAUAR, Odete, Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012,
p. 202

39DE ARAUJO, Edemir Netto. Curso de Direito Administrativo. 3. ed, Guarulhos-SP: Editora Saraiva,
2007, p. 469

40MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato administrativo, 28. ed. Malheiros, São Paulo, 2002, p.
340-341.

41DE AMORIM, Victor Aguiar Jardim, Licitações e contratos administrativos: teoria e jurisprudência,
Brasília: Senado Federal, 2017.

42 JUSTEN FILHO, Mançal. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 455

43 Art. 37. aquisição de bens e a contratação de serviços pelas Agências Reguladoras poderá se dar nas
modalidades de consulta e pregão, observado o disposto nos arts. 55 a 58 da Lei no 9.472, de 1997, e
nos termos de regulamento próprio.

Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica às contratações referentes a obras e serviços de
engenharia, cujos procedimentos deverão observar as normas gerais de licitação e contratação para a
Administração Pública.

44Art. 55. A consulta e o pregão serão disciplinados pela Agência, observadas as disposições desta Lei
e, especialmente: (Vide Lei nº 9.986, de 2000).

45MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Editora Saraiva, 2016.

46CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. Salvador: JusPodium, 2017, p.498

47Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor,
empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a

45
619
Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do
comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou
Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;
II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com
profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de
publicidade e divulgação;
III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário
exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.
§ 1o Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua
especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização,
aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita
inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto
do contrato.
§ 2o Na hipótese deste artigo e em qualquer dos casos de dispensa, se comprovado superfaturamento,
respondem solidariamente pelo dano causado à Fazenda Pública o fornecedor ou o prestador de
serviços e o agente público responsável, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis.
48 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 09.
49DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo.19. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 71.
50 Art. 37, § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a
perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação
previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
51Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a
seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional
sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da
legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade
administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são
correlatos. (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010) (Regulamento) (Regulamento) (Regulamento)
§ 3o A licitação não será sigilosa, sendo públicos e acessíveis ao público os atos de seu procedimento,
salvo quanto ao conteúdo das propostas, até a respectiva abertura.
52A Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente

vinculada.

46
620
Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

53Art. 44. No julgamento das propostas, a Comissão levará em consideração os critérios objetivos
definidos no edital ou convite, os quais não devem contrariar as normas e princípios estabelecidos por
esta Lei.
§ 1o É vedada a utilização de qualquer elemento, critério ou fator sigiloso, secreto, subjetivo ou
reservado que possa ainda que indiretamente elidir o princípio da igualdade entre os licitantes.
54 ANGHER, Anne Joyce; SIQUEIRA, Luiz Eduardo Alves de. Dicionário Jurídico. 6. ed. São Paulo: Rideel,
2002.
55CANARIS, Claus-Wilhem. Pensamento Sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 2. ed.
trad. a. Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1996. p.226.
56 ZANOBINI, Guido. Corso de Diritto Amministrativo, Pádova, 1939, Vol I, pp. 95-96 - trad. livre.
57 RIVERO, Jean.Direito Administrativo. Trad. Rogerio E. Soares. Coibra: Almedina, 1981, pp. 289/290.
58CARVALHO, Mariana Oliveira de. Dissertação de mestrado em Direito (Ciências Jurídico-Políticas /
Direito Administrativo), apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. p. 4.
59 NIEBUHR, Joel de Menezes. Pregão presencial e eletrônico. 4. ed. rev. atual. ampl. Curitiba: Zênite,
2006. p. 43-46.
60 MEIRELLES, Hely Lopes. Direto Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2010. p.
314.
61GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo.17 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012 p. 544.
62BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão proferido em Recurso Ordinário em Mandado de
Segurança Nº 35.303/PR. Administrativo. Licitação. Pregão. Ausência de economicidade e
competitividade. Um proponente. Legalidade da revogação. Ato administrativo motivado. 1. Trata-se,
originariamente, de Mandado de Segurança contra ato do Governador do Estado do Paraná, que
revogou certame por "ausência de economicidade e competitividade" vencido pela recorrente, além
de determinar a promoção de novo procedimento licitatório. O Tribunal de origem denegou a
Segurança. 2. Houve contraditório prévio à revogação, conforme comprovam documentos dos autos.
3. "A participação de um único licitante no procedimento licitatório configura falta de competitividade,
o que autoriza a revogação do certame. Isso, porque uma das finalidades da licitação é a obtenção da
melhor proposta, com mais vantagens e prestações menos onerosas para a Administração, em uma
relação de custo-benefício, de modo que deve ser garantida, para tanto, a participação do maior
número de competidores possíveis. 'Falta de competitividade que se vislumbra pela só participação
de duas empresas, com ofertas em valor bem aproximado ao limite máximo estabelecido' (RMS
23.402/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe de 2.4.2008)". (RMS 23.360/PR, Rel. Ministra

47
621
Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

Denise Arruda, Primeira Turma, DJe 17.12.2008). 4. Recurso Ordinário não provido. Órgão Julgador:
Segunda Turma. Relator: Ministro Herman Benjamin. Julgado em 27.11.2012. Publicado no DJe em
19.12.2012. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em 08 jun. 2013.
63GASPARINI, Diogenes. In II Seminário de Direito Administrativo – TCMSP “Licitação e Contrato –
Direito Aplicado” – 2004.
64Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da
administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade,
legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: (...)
III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer
em segredo;
65SILVA, Lígia Cristina Azevedo. Aspectos principiologicos da modalidade carta-convite da licitação.
Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4963, 1 fev. 2017. Disponível em:
<https://jus.com.br/artigos/55338.> Acesso em: 14 set. 2019.
66§ 3o Convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto,
cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3 (três) pela unidade
administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá
aos demais cadastrados na correspondente
especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e quatro) horas da
apresentação das propostas.
67Art. 21. Os avisos contendo os resumos dos editais das concorrências, das tomadas de preços, dos
concursos e dos leilões, embora realizados no local da repartição interessada, deverão ser publicados
com antecedência, no mínimo, por uma vez: (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
§ 2o O prazo mínimo até o recebimento das propostas ou da realização do evento será:
IV - cinco dias úteis para convite. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
68FURTADO, Lucas Rocha, in Curso de Licitações e Contratos Administrativos: Teoria, Prática e
Jurisprudência, S. Paulo: Atlas, 2001, p. 114.
69 Previsto no artigo 28 da Lei das Licitações, corresponde à regularidade da pessoa física ou jurídica
licitante (cédula de identidade, registro comercial, ato constitutivo, estatuto ou contrato social,
inscrição do ato constitutivo, decreto de autorização para empresas estrangeiras). Uma empresa
irregular, por exemplo, não pode contratar com a Administração Pública.
70 É o que demonstra a capacidade para execução do objeto licitado. Está prevista no artigo 30 da Lei
das Licitações.

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622
Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

71É a que demonstra a “saúde” financeira do licitante, o que o torna capaz de satisfazer aos encargos
econômicos do contrato. As exigências estão previstas no artigo 31 da Lei das Licitações.
72É o atendimento das exigências do Fisco, no aspecto fiscal, bem como das contribuições sociais.
Deve provar a regularidade com as Fazendas federal, estadual e municipal, bem como com a
Seguridade Social e com o FGTS. Está prevista no artigo 29 da Lei nº 8.666/93. Para que possa ser
habilitado, o licitante deve entregar certidão de inexistência de débitos trabalhistas. Em outras
palavras, caso o licitante tenha sido condenado na esfera trabalhista, tem que provar que está em dia
com suas obrigações.
73 Proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho
a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.
74Lei complementar 123, de 14-12-2006: institui o Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de
Pequeno Porte;
75COELHO MOTTA, Carlos Pinto. Eficácia nas licitações e contratos. 12. ed. Belo Horizonte: Fórum,
2011. p. 565.
76 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do TCU. 4.
ed. Brasília: TCU. Secretária-geral da Presidência: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e
Publicações, 2010. p. 542.
77Disponível em: <https://www1.tce.pr.gov.br/multimidia/2006/7/pdf/00044397.pdf.> Acesso em
29/setembro/19.
78 MEIRELLES, Hely Lopes. Direitos Administrativos Brasileiros. 42. ed., São Paulo: Malheiros, 2016, p.
322.
79DI PIETRO, Maria Silva Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2004. p. 305
80 NIEBUHR, Joel de Menezes. Princípio da isonomia na licitação pública. Florianópolis: Obra Jurídica,
2000.
81DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2004. p. 171.
82 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 15. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011.
83MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas licitações e contratos. 11. ed. Belo Horizonte: Del Rey,
2008, p. 102.
84MENDES, Renato Geraldo. LeiAnotada.com. Lei nº 8.666/93, nota ao art. 3º, caput, categoria
Doutrina. Disponível em: <http://www.leianotada.com>. Acesso em: 29 agosto. 2019.

49
623
Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

85MARTINS JÚNIOR, Transparência administrativa: Publicidade, motivação e participação popular. São


Paulo: Saraiva, 2004.
TJ-RN - AC: 14536 RN 2010.001453-6, Relator: Des. Dilermando Mota. Disponível em:
86<http://esaj.tjrn.jus.br/cposg/pcpoSelecaoProcesso2Grau.jsp:>Acesso em 29/setembro/19.
87MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 36. ed. São Paulo: Malheiros editores, 2010.

88NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo. Curitiba: Zênite, 2008, p.
104.
89Art. 1º Esta Lei dispõe sobre os procedimentos a serem observados pela União, Estados, Distrito
Federal e Municípios, com o fim de garantir o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art.
5º , no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal.

50
624
Modalidade De Licitação Convite E As Violações Aos Princípios Da Isonomia, Impessoalidade E Da Publicidade

7.ANEXOS

7.1.Decreto nº 2.926 de 14 de maio de 1862


7.2.Decreto nº 4.536 de 28 de janeiro de 1922
7.3.Decreto nº 200 de 25 de fevereiro de 1862

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625
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 44
10.37423/200702073

APLICAÇÕES DAS TECNOLOGIAS NO TURISMO


EM PENEDO: PROPOSTAS APRESENTADAS POR
ALUNOS DOS CURSOS DE TURISMO E SISTEMA
DE INFORMAÇÃO DA UFAL- PENEDO

Rosemeire Lima Secco Universidade Federal de Alagoas


Exemplos De Aplicaçôes Das Tecnologias No Turismo Em Penedo: Propostas Apresentadas Por Alunos Dos Cursos De Turismo E Sistema De
Informação Da UFAL- Penedo

1-Resumo: Este trabalho apresenta propostas desenvolvidas por alunos da UFAL- Penedo acerca do
uso das tecnologias como ferramenta para melhoria na cidade e no turismo em Penedo. Tais propostas
são frutos de estudos desenvolvidos em disciplinas que leciono e já lecionei nos cursos de Turismo e
Sistema de Informação, tais disciplinas envolvendo temas relacionados à tecnologia, ministradas
durante os dois primeiros períodos letivos nos referidos cursos. As propostas aqui apresentadas foram
elaboradas e implementadas pelos alunos durante a disciplina, ou seja, um semestre letivo. Apresenta
soluções simples, porém com excelente viabilidade e contribuição para a cidade de Penedo.

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Exemplos De Aplicaçôes Das Tecnologias No Turismo Em Penedo: Propostas Apresentadas Por Alunos Dos Cursos De Turismo E Sistema De
Informação Da UFAL- Penedo

2-INTRODUÇÃO

Penedo, cidade alagoana localizada às margens do rio São Francisco, com grande potencial turístico, é
dotada de uma arquitetura secular e singular e de monumentos históricos num estilo barroco que nos
reportam ao tempo da colonização do país. Passear pelas ruas da cidade é o mesmo que fazer uma
viagem ao Brasil dos tempos primeiros. É fazer uma pausa prolongada (Lima, Peixoto e Silva, 2007).
Estamos cada vez mais conectados, cabendo aos destinos turísticos adaptar se à realidade que
demanda essa conectividade para sua divulgação. Através das tecnologias móveis, como smartphones
e seus aplicativos, os visitantes podem usufruir de uma informação personalizada, em qualquer hora
e em qualquer lugar, com baixo custo e comodidade. Assim, as chamadas Tecnologias Digitais da
Informação e Comunicação – TDCIs (a exemplo smarts phones, internet 2.0, televisão digital, câmara
digital etc) assumem papel de destaque na atividade turística, assim como em outras áreas.
O objetivo é apresentar algumas soluções propostas por alunos que visam o desenvolvimento turístico
em Penedo, utilizando a tecnologia como suporte para tal fim. Tais soluções são fruto de trabalhos
orientados por mim, enquanto professora efetiva da Universidade Federal de Alagoas – Campus
Arapiraca- Unidade Educacional de Penedo, em disciplinas como Novas Tecnologias da Informação e
Comunicação Aplicas ao Turismo; Sistema de Informação Gerencial; Seminário Integrador, Lógica
Informática e Comunicação, que ministro e já ministrei nos cursos de Turismo e Sistema de Informação
desta instituição de ensino superior.

3-TECNOLOGIAS E TURISMO

O turismo é um setor que vem crescendo consideravelmente nos últimos anos e a tecnologia contribui
para tal crescimento através da divulgação e marketing de destinos turísticos via sites e redes sociais,
dentre outras ferramentas. O marketing eletrônico pode favorecer um produto turístico, ou seja, um
conjunto de bens e serviços destinados ao turista. (Azzoni,1993), (Castele, Schmaedecke e Fransolin)
e (Barros, Silva, Granero e Filho, 2008).
O Turismo necessita de estratégias que tenham como objetivo o marketing de destinos ou regiões
turísticas que são de suma importância para a divulgação dos produtos turísticos.
No Marketing eletrônico, eMarketing, a divulgação de informações aparece como um dos principais
objetivos de Web sites elaborados para promover destinos turísticos, os quais devem oferecer
conteúdos e recursos capazes de chamar a atenção de turistas. Por esta razão, deve-se analisar a
existência de uma série de conteúdos, pois: “Estes conteúdos tratam de satisfazer as necessidades de

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Exemplos De Aplicaçôes Das Tecnologias No Turismo Em Penedo: Propostas Apresentadas Por Alunos Dos Cursos De Turismo E Sistema De
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informação dos turistas para que eles possam se deslocar e realizar diversas atividades no destino.”
(Diaz Luque, Luque, Guevara, Anton, 2006, p. 3)
Pelo uso das ferramentas de marketing é possível aproximar o sistema turístico dos desejos do público,
afinal um destino turístico precisa conceituar seu produto, divulgar sua existência e atrair visitantes e
turistas. E em uma cidade que tem atividade turística, a internet é o elemento primordial para
divulgação dos pontos turísticos.
As redes sociais também exercem uma influência fundamental, a partir do momento que é feito a
divulgação de um determinado ponto turístico, essa divulgação pode ser feita de várias formas, como
web sites e ainda através das redes sociais como, Instagram e Facebook.
Diversos autores têm demonstrado que a Internet,é atualmente, a fonte mais importante e relevante
na procura de informação por parte dos turistas (Fu Tsang, Lai, e Law, 2010). A Internet remodelou a
forma como as informações relacionadas com o turismo são distribuídas e a forma como as pessoas
planejam as suas viagens.
As Redes Sociais Instagram e Facebook possuem comunidades específicas para determinados tipos de
viagens, nas quais os usuários trocam informações, como dicas de vôos e destinos. Elas podem ser
utilizadas pelas empresas de turismo como meio de comunicação para divulgação de seus
produtos/serviços, uma vez que os mesmos são oferecidos, em um espaço em que o potencial do
cliente se sente bem, no qual se encontra disponível a socializar criando relações e laços sociais.
O turismo, como atividade humana é capaz de proporcionar inúmeras sensações. Algumas delas só se
fazem perceber mais significativamente por meio de certos recursos que facilitam a sua compreensão,
dentre eles a imagem. Ao que tudo indica, “a imagem, desde sempre, teve o poder de se impor a nós.
Ela nos seduz por sua própria presença” (Rossi, 2009, p.09).
O mundo é tecnológico e visível, e as pessoas são influenciadas pelo que é acessível, rápido, e que seja
sempre inovador. Neste sentido, a Internet é uma realidade integrada ao cotidiano da sociedade, que
pode ser percebida, como uma ferramenta revolucionária que permite aos usuários acessarem
diversas informações que são adquiridas sem a necessidade de intermediários, para Castells (2003,
p.8), “a internet é um meio de comunicação que permite, pela primeira vez, a comunicação de muitos
com muitos, num momento escolhido, em escala global”.
Neste sentido, o trabalho de Alexandre Augusto e Cynthia (Biz e Correa, 2016) aponta resultados da
produção científica brasileira com ênfase em turismo e tecnologia, por meio dos Anais do Seminário
da Associação Nacional de Pesquisa e Pós- Graduação em Turismo (ANPTUR), de 2005 a 2015,
indicando que tal pesquisa ainda é pequena e restrita a poucos pesquisadores. Os resultados mostram

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Exemplos De Aplicaçôes Das Tecnologias No Turismo Em Penedo: Propostas Apresentadas Por Alunos Dos Cursos De Turismo E Sistema De
Informação Da UFAL- Penedo

maior publicação em promoção e marketing digital, seguindo por Comércio eletrônico, Hospitalidade
Virtual Consumidor, Tecnologia da Informação e Comunicação - TIC e gestão, TIC e ensino, Turismo
móvel.
Em relação ao contato com o usuário, as Novas Tecnologias da Informação e Comunicação

- NTICs, tais como as redes sociais, contribuem fortemente para, dentre outros aspectos, aumentar e
melhorar a comunicação com clientes (Flores, Cavalcante e Raye, 2012). Outro ponto importante é o
uso da internet como veículo de divulgação do destino, perdendo apenas para amigos e parentes,
conforme observado em. (Reinert, Boaria e Pedrini,2012)

4-METODOLOGIA UTILIZADA EM AULA

Durante as disciplinas citadas, por vezes solicito aos alunos pensarem em problemas existentes na
cidade de Penedo e suas possíveis soluções, envolvendo a aplicação e uso da tecnologia. A
metodologia da disciplina versa basicamente no desenvolvimento de propostas para ajudar a
solucionar problemas encontrados na cidade. Um conteúdo abordando tecnologia, apresentado
aspectos como definição, TDIC, marketing, turismo eletrônico, dentre outros é apresentado para a
turma. Após esta parte teórica, que pode sofre alterações dependendo da disciplina e do curso,
trabalhamos a aplicação deste conhecimento teórico como ferramenta para melhorar
aspecto/problemas na cidade de Penedo ou a cidade de origem do aluno, uma vez que alguns alunos
residem em cidades vizinhas.
Tais propostas são apresentadas pelos alunos, sendo motivados por uma provocação inicial socializada
em aula, por vezes, já no primeiro dia de aula da disciplina. A motivação consiste em perguntas: “como
a tecnologia e o curso podem melhorar a cidade de Penedo? ”; “ como a tecnologia pode contribuir
para melhorar o turismo em Penedo ou em sua cidade? ”: “problema da cidade e possível solução
aplicando a tecnologia”. As perguntas mudam dependendo do curso e/ou disciplina.
A partir da resposta são realizados seminários, pesquisas, coleta de dados, implementação (quando
possível), bem como resultados e viabilidade da solução proposta pelo aluno, elaboração de artigos
etc.

4.1- PROPOSTAS APRESENTADAS PELOS ALUNOS

Dentre as soluções apresentadas pelos alunos, algumas viraram projetos desenvolvidos pelo poder
público da cidade apresentados por alunos egressos do curós de turismo, Trabalhos de Conclusão de

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Exemplos De Aplicaçôes Das Tecnologias No Turismo Em Penedo: Propostas Apresentadas Por Alunos Dos Cursos De Turismo E Sistema De
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Curso – TCC defendidos por alunos de turismo, proposta de TCC a ser desenvolvida por alunos do curso
de Sistema de Informação , artigos apresentados em eventos etc. Dentre as soluções, destaco:

1- Blog: destinado a divulgar não somente a cidade e os seus atrativos, como também informações
locais que servem como ponto de apoio para o turista. Estão incluídos informações como opções de
hospedagem, restaurantes, pontos rodoviários, unidade de emergência etc. Com isso se obtém
resultado perante moradores e turistas, pela grande diversidade de informações contidas no blog,
tendo visitações tanto dos autóctones como de moradores de outros locais como do México,
Alemanha, Estados Unidos, Portugal, Rússia entre outros. Isto demonstra que o blog é uma ferramenta
de divulgação útil para o desenvolvimento turístico (Lima, Feitosa e Secco, 2013);

2-GuiaTour: perfil em rede social e site voltado para a divulgação da cidade com conteúdo que
contempla pontos turísticos, eventos religiosos, patrimônios culturais e históricos, além de um belo
acervo fotográfico incluindo fotos em 360 graus dos pontos turísticos da cidade.O GuiaTour Penedo,
hospedado no endereço eletrônico http://guiatourpenedo.wixsite.comqguiatourpenedoal, engloba
site e conta na rede social instagram apresentando fotos e informações sobre a cidade de Penedo.
Para analisar sua viabilidade, foi realizada análise da freqüência e quantidade de visualizações, além
da cidade de origem dos visitantes, onde foi observado que em um curto período de tempo, o mês
março de 2019, onde tivemos 138 seguidores das cidades de Penedo, Maceió, São Paulo, Aracaju,
Arapiraca, dentre outras. Tivemos um número bom de interações, 51 no total, bem como comentários
positivos dos usuários acerca da importância das informações ali contidas, bem como do rico acervo
fotográfico disponível.
3-Penedo Ways: site desenvolvido utilizando a plataforma wix,hospedado no endereço eletrônico
https://penedoways.wixsite.com/penedoways, dividido em seis partes diferentes: História da cidade
(contendo inclusive um acervo com fotos), Restaurantes, Hotéis/Pousadas, Atrativos turísticos, Como
Chegar a Penedo e por fim o diferencial que é a Seção onde mostra as promoções de restaurantes e
deliverys da cidade. O site encontra está no ar desde março de 2019 e apresenta um número bom de
visitantes deste então;
4-Plataforma Eventour’s Penedo: contendo informações sobre Penedo, tais como história, eventos e
assessoria turística onde são disponibilizadas informações como pontos turísticos, pousadas e
restaurantes, dentre outras;

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Exemplos De Aplicaçôes Das Tecnologias No Turismo Em Penedo: Propostas Apresentadas Por Alunos Dos Cursos De Turismo E Sistema De
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5-Informatização do transporte público de Pendo: consiste na criação de site, Le Voyage Penedo,


contendo informações como itinerário, valores, horários, pontos de embarque e desembarque etc,
relativas aos meios de transporte público existentes, quer sejam por via terrestre ou fluvial;

6-Plataforma web contemplando locais para lazer e estadia apresentando preços, horário de
funcionamento, localização, opções de serviços etc.. Desta forma, as pessoas escolheram o local que
consideram mais cômodo para sua estadia e lazer;
7-Aplicativo Consulte Aqui: aplicativo contendo informações sobre consultas e exames, apresentando
informações como locais, endereços, disponibilidade de datas e horários, preços etc. Aplicativo
idealizado por alunos que estudavam no segundo período do curso de Sistema de informação e que
será trabalho de conclusão de curso de um deles, o aluno Daniel Gomes Chagas Pereira, com previsão
para defesa em no primeiro semestre de 2020.

8-Plataforma para o comércio (e-simples): proposta para a criação de uma plataforma e – commerce
para gerenciar o comércio local, unificando as principais lojas de vestuário e calçados da cidade,
ajudando o cliente a encontrar produto por preço mais barato em todo o comércio local sem sair de
casa. Comodidade e melhor preço são as vantagens para os clientes, divulgação e aumento das vendas
são as vantagens para os comerciantes, que pagariam uma pequena taxa pelo serviço;

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9-Fan Page com informações sobre a hotelaria em Penedo, apresentando informações como
localização e preços de hotéis, além de fotos, vídeos, eventos da cidade, bem com um espaço para
avaliação de hotéis;

10-Turismando Penedo: blog contendo informações e fotos sobre pontos turísticos da cidade, bem
como outros pontos turísticos localizados perto da cidade, tais como a foz do Rio São Francisco e
passeio até a cooperativa coopertur seguindo as corredeiras que se formam no curso das águas da
barragem da cooperativa, bem como um passeio nas trilhas da mata nativa;

11-Vá as compras Penedo: blog criado para a divulgação do comércio, voltado para vestuário que
contempla informações e fotos relacionadas a lojas de moda e calçados, ambas no segmento
masculino e feminino;

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5-CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento turístico depende de fatores sociais, administrativos e econômicos, não sendo algo
fácil de atingir. Porém, incentivar alunos a pensar e idealizar ações para contribuir com tal
desenvolvimento é fundamental na formação acadêmica de profissionais engajados e preocupados
com a melhoria da cidade onde habitam.
Incentivar o aluno, mesmo que no primeiro período do curso, a elaborar artigo científico, realizar
levantamento de dados, pesquisa bibliográfica etc, contribui bastante a o processo de identidade do
aluno com o curso e em sua formação como um todo.
As soluções propostas aqui são exemplos viáveis do uso da tecnologia como ferramenta a contribuir
no desenvolvimento turístico, sobretudo na divulgação turística da cidade de Penedo, e que
apresentaram resultados satisfatórios como publicação em eventos, elevado número de visitantes em
blogs etc.
Agradeço aos alunos queridos do curso de turismo e sistema de informação, que trabalharam,
pesquisaram e implantaram soluções aparentemente simples, mas capazes de melhorar aspectos
importantes como a divulgação da cidade de Penedo, sobretudo os alunos: Cinthya Santos, Nancy
Feitosa, Adiel Gustavo, Jheimisson Pablo, Dalmaris Lima, Alenilton Santos, Carlos Eugenio, Maria
Regina, José Matheus, Lucas Lima, Tiago Silva, Henrique Silva, Rodrigo Santana, Milleide Ferreira,
Solange Vieira, Elisabete Cristina, Maria Lúcia Vilela, Camila Carla, Larisse Pereira,Fabiana Vieira de
Souza,Sara Fonseca Rocha, Daniel Gomes, dentre outros idealizadores das propostas aqui
apresentadas.

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Exemplos De Aplicaçôes Das Tecnologias No Turismo Em Penedo: Propostas Apresentadas Por Alunos Dos Cursos De Turismo E Sistema De
Informação Da UFAL- Penedo

6-REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZZONI, Carlos Roberto. Desenvolvimento do turismo ou desenvolvimento turístico: reflexões com


base em duas regiões atrasadas em São Paulo. Revista Turismo em Análise – RTA, volume 4, número
2, 1993. Disponível em http://www.revistas.usp.br/rta/article/view/63121

BARROS, Marcelo Oliveira, SILVA, Sibele Castro,GRANERO, Arlete Eni e FILHO, Hélio Braga. O
Desenvolvimento do Turismo: Uma visão sistêmica,Visão Sistêmica do desenvolvimento turístico local
e regional. Anais do 4º Congresso Brasileiro de Sistemas , CentroUniversitário de Franca Uni-FACEF –
29e30deoutubrode2008.Disponível em http://legacy.unifacef.com.br/quartocbs/artigos/F/F_158.pdf

BIZ, Alexandre Augusto e CORREA, Cynthia. Abordagem brasileira sobre turismo e tecnologias da
informação e comunicação: 10 anos de produção do seminário da ANPTUR. Revista Turismo e
Desenvolvimento, número 26, ano 2016, páginas 33 a 45, e-ISSN 2182-1453.

CASTELI, Fátima Regina, SCHMAEDECKE, Marlova e FRANSOLIN, Sandra. Estudo sobre o


Desenvolvimento do Turismo na Chapada dos Guimarães. Revista Turismo, disponível em
http://www.revistaturismo.com./artigos/chapadaguimaraes.html

CASTELLS, M. A Galáxia da Internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2003.

DIAZ LUQUE, P.; GUEVARA, A.; ANTON, S. La presencia en Internet de losmunicipios turísticos de sol y
playa. Mediterráneo y Canarias. In: Congreso Turismo y Ttecnologías de la Información y las
Comunicaciones, 6., 2006. Anais… Málaga, UMA, 2006, p. 1-23.

FLORES, Luiz Carlos da Silva, CAVALCANTE, Leila de Sena e RAYE, Roberta Leal. Marketing turístico:
Estudo sobre o uso da tecnologia da informação e comunicação nas agências de viagens e turismo de
Balneário Camboriú (SC, Brasil). Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo. São Paulo, setembro a
dezembro de 2012, páginas 322 a 339.

FUTSANG,N.Lai,M.,&Law,R.MeasuringEServiceQualityforOnlineTravelAgencies.JournalofTravel&Touri
sm Marketing, 2010, 306-323.

LIMA, Cinthya Santos, FEITOSA, Nancy Roselly Ferreira e SECCO, Rosemeire Lima. A interação entre os
blogs e o turismo na cidade de Penedo. XVIII Seminário de pesquisa do CCSA: construindo a
universidade pública. 20 a 24 de maio de 2013, Natal-RN.

LIMA, Rita de Cássia Santos; PEIXOTO, Vera Lúcia da Silva; SILVA, Maria José Gomes, et al.

Penedo a Ouro Preto do Nordeste. Pedagogia, Alagoas p. 13-18, 2007.

REINERT, Franciane, BOARIA, Francieli e PEDRINI, Luana. Ferramentas de tic e o marketing de


relacionamento eletrônico na hotelaria do município de Balneário Camboriú- SC. VI Fórum
Internacional de Turismo do Iguaçu, junho de 2012, Foz do Iguaçu , Paraná – Brasil.

ROSSI, M. H. W. Imagens que falam: leitura da arte na escola. Porto Alegre: Mediação, 2009.

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635
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 45
10.37423/200702076

LIXO URBANO: QUESTÃO DE EDUCAÇÃO


AMBIENTAL OU CONSTRUÇÃO SOCIAL?

Alécia Maria Rocha Santos Centro Universitário Tiradentes - UNIT/AL

Elenira Lima Pompe Perrelli Teixeira Centro Universitário Tiradentes - UNIT/AL

Tainá Teixeira Cavalcante de Lima Centro Universitário Tiradentes - UNIT/AL


Lixo Urbano: Questão De Educação Ambiental Ou Construção Social?

Resumo: O objetivo deste artigo é debater a responsabilidade das pessoas com seu lixo no meio
comum, observando como e onde as pessoas o descartam quando estão fora de casa. O debate aqui
apresentado trata de questões legais, ambientais e comportamentais, visto que o comportamento é
adquirido ao longo da construção do indivíduo e convivência com outros que o fazem, causando
impactos ambientais, sociais e econômicos e, embora existam leis que penalizam quanto ao descarte
irregular, a lei nem sempre é aplicada. Para ajudar a embasar a problemática, inclui-se aqui uma
avaliação visual por parte das autoras acerca do descarte irregular do lixo pelas pessoas nas ruas
diariamente, além de estudar o que a literatura tem a dizer sobre tal comportamento, como isso
influencia outros, quanto disso é apenas reprodução do que é visto diariamente e como isso nos
prejudica social, econômica e ambientalmente.
Palavras-Chaves: Lixo. Descarte irregular. Consciência Ambiental.

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637
Lixo Urbano: Questão De Educação Ambiental Ou Construção Social?

INTRODUÇÃO

Como conscientizar as pessoas de que elas devem ser responsáveis pelo que produzem e descartam?
Para entender o comportamento humano acerca de como é feito o descarte de resíduos, é preciso
compreender, primeiramente, a relação do sujeito com o lixo ao longo do tempo. Neste artigo, a ideia
é trabalhar as questões que levam o sujeito a jogar seu lixo em qualquer lugar sem a devida
preocupação de como aquilo vai influenciar no meio, e como a legislação atua na proteção do meio
ambiente e na penalização do descarte irregular de resíduos, usando como exemplo, a cidade de
Maceió, na qual as autoras observaram como as pessoas se comportam na rua no momento de jogar
fora seu lixo e quais as implicações legais acerca do ato.
É inerente do ser vivo se afastar de lixo e dejetos, podendo ser visto, inclusive, no mundo animal, uma
vez que a limpeza é algo instintivo. Historicamente, é possível observar em vários momentos do
passado situações em que o lixo era descartado de modo que ficasse distante dos locais de convívio,
comportamento possivelmente motivado pelo mau cheiro, uma vez que o mau cheiro é um dos
principais indicadores de perigo alimentar. Porém, o descarte, ou até queima do lixo, começou a ser
observado em comunidades sedentárias, visto que o lixo não era um problema para os nômades. Uma
vez que a população se fixa num local, todo o resíduo gerado por eles precisa ser descartado longe da
visão e do olfato, e isso engloba desde restos de comida até os mortos. Por outro lado, o lixo também
traz benefícios e, percebeu-se que locais em que eram depositados dejetos o solo era mais fértil. Desta
forma, desde muito tempo atrás, viu-se a dualidade do lixo, a necessidade de separá-lo, transformando
dejetos e restos orgânicos em fertilizante, e demais resíduos sendo transferido para locais afastados
para evitar contato (EIGENHEER, 2009).
Ao longo do tempo, a destinação do lixo se tornou uma questão importante, mesmo ainda não sendo
um tema bem visto. Áreas destinadas a comportar lixo são fontes de informação acerca da formação
de civilizações, além de descrever o modo de vida naquele local e descrever aspectos importantes
sobre de produção e consumo de um grupo. Junto a isso, outras questões devem ser observadas: a
cidade é abastecida de água e suprimentos, e deve ser “desabastecida” do lixo proveniente do
consumo desses itens. Sabemos quem são os responsáveis por trazer os benefícios, mas de quem é a
responsabilidade de varrer a sujeira? Se avaliarmos que, em retrospecto, o lixo estava associado a
insegurança e ameaça, essa visão deveria ser aplicada a quem o recolhe, sendo trabalho dado a
excluídos sociais, como prisioneiros e mendigos e, se pararmos para observar o que acontece
atualmente, o cargo ainda é dado para os inferiores na pirâmide da sociedade (EIGENHEER, 2009).

2
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Lixo Urbano: Questão De Educação Ambiental Ou Construção Social?

Voltando ao contexto histórico, somente no século XIX é que se começou a fazer distinção clara do que
é lixo (resíduo sólido) e águas servidas (fezes, urina, etc.), a partir do qual a coleta separada começou
a ser feita, ainda que as primeiras civilizações tenham começado a surgir por volta de 4.000 a.C. Tem-
se registro de incineração desde o surgimento das civilizações, mas somente no século XIX, na
Inglaterra, se começou a tratar o esgoto, quando doenças começaram a ser associadas a questões
como higiene e destinação incorreta de dejetos. Com o desenvolvimento das cidades no fim do século
XIX e no início do século XX, outros países começaram a adotar o tratamento de esgotos, tendo iniciado
no Brasil em meados dos anos 1970 (OLIVEIRA, 2006).
No entanto, conforme a sociedade evolui e a indústria cresce, o consumo também avança, resultando
em maior geração de resíduo. Assim, tornou-se cada vez mais urgente a criação de mecanismos que
direcionassem a distribuição adequada para o descarte do lixo. Para tanto, foram criadas legislações
nas esferas federal, estadual e municipal, a fim de orientar condutas adequadas, embora, a penalidade
para o descumprimento desta lei ainda seja dificilmente aplicada no Brasil.
A ideia da responsabilidade sobre o lixo produzido ainda não está enraizado na população. O lixo ainda
é visto como algo sujo que deve ser depositado longe dos olhos de quem o gera. Não se tem o cuidado
de “guardar” o que se produz para dar a destinação adequada. Visto isso, é comum que o “lixo” (que
não é associado a algo que pode ser reciclado ou reutilizado) seja descartado em qualquer lugar,
passando a obrigação adiante. Não se tem o entendimento de que o meio em que vivemos é de
responsabilidade de todos, de modo que o cuidado com o que é “nosso” é tido apenas a partir dentro
de casa.

1. MEIO AMBIENTE E SOCIEDADE

Os problemas ambientais acarretados pela disposição inadequada de resíduos são variados,


envolvendo, por exemplo, a contaminação do solo e de lençóis freáticos pelo chorume e geração de
gás metano, ambos decorrentes da decomposição da matéria orgânica. A contaminação da água
subterrânea compromete a água que usamos para consumo, uma vez que ela aflora com níveis
alterados de várias substâncias. Dentro das cidades, o lixo entope bueiros e galerias de águas pluviais.
Isso somado à impermeabilização do solo urbano dá espaço para enchentes, uma vez que a água não
tem por onde escoar nem por onde infiltrar. O lixo é, também, responsável pela concentração de
animais vetores de doenças, como ratos, insetos, e até cães e gatos não vacinados portadores da raiva
(ARAÚJO & PIMENTEL, 2016; SLUM, 2013).

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639
Lixo Urbano: Questão De Educação Ambiental Ou Construção Social?

Um dos fatores que potencializam a disposição inadequada de resíduos é o crescimento desordenado


das cidades, que acontece sem a infraestrutura necessária. Mesmo que os problemas ambientais
urbanos não sejam exclusivos da população mais desfavorecida economicamente, a má distribuição
de infraestrutura urbana atinge com maior intensidade os bairros periféricos e favelas, uma vez que a
concentração de resíduos é maior nesses locais, dada a falta de coleta de lixo, ou mesmo pelo
nascimento desses bairros se dar nos locais onde o lixo é depositado. Outra problemática nesses casos
é que, geralmente, não há ligação com a rede coletora de esgoto ou com a rede distribuidora de água,
e essa população é exposta a esgoto a céu aberto, que infiltra no solo e contamina tanto o próprio solo
quanto lençóis freáticos da região (DAVIS, 2006). Ainda assim, o descarte irregular não é algo existente
apenas entre as classes sociais mais baixas, com a diferença estando na distribuição de serviços, uma
vez que a coleta de lixo é realizada com base no planejamento urbano, e bairros mais pobres nascem
e crescem sem esse planejamento, frutos da desigualdade social.
É comum encontramos o descarte de resíduos de forma inadequada em ruas, praças, terrenos baldios,
que acaba por acarretar em grandes transtornos para a sociedade, como as doenças da dengue, zika
vírus e chikungunya, tão proliferadas atualmente.
As legislações brasileiras acerca da proteção ao meio ambiente começaram mais efetivamente a partir
de 1998. Muitas mudanças ocorreram até então, e as legislações se adequaram à estas mudanças. Mas
o desconhecimento por grande parte da população ainda faz indagar perguntas como: A quem cabe o
papel fiscalizador? Essa questão é tratada com a relevância que merece? Existe o amparo legal para a
realização da fiscalização? É importante que a sociedade tenha essas respostas a fim de levá-la a um
papel mais conscientizador de seus indivíduos.
2. DA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS
2.1. SOBRE A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Conforme a sociedade evolui e a indústria cresce, o consumo também avança, resultando em maior
quantidade de lixo. No Brasil, ao longo da década de 2000, houve um aumento de 9,65% na população
– o lixo produzido, no mesmo período, aumentou em 21%. Esse aumento na quantidade de lixo é
preocupante, sobretudo num contexto em que ¼ dos resíduos no Brasil são descartados de forma
inadequada (O ECO, 2014). Assim, foi se tornando cada vez mais urgente uma legislação que tratasse
do tema, uma vez que a anterior era ineficaz e não era respeitada.
Atualmente o Brasil possui uma lei que regulamenta a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). A
lei 12.605 foi sancionada em 02 de agosto de 2010 e é um importante instrumento que traz muitos

4
640
Lixo Urbano: Questão De Educação Ambiental Ou Construção Social?

benefícios, principalmente para as empresas. Além do mais, coloca o país no caminho da melhoria da
qualidade de vida, da preservação ambiental e da sustentabilidade.
Em 2015 a Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA)
aprovou um projeto de lei (PLS 523/2013) que modificou a Política Nacional de Resíduos Sólidos com
a Lei Nº 12.305/2010 (BRASIL, 2010), em substituição à Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998
(BRASIL, 1998), obrigando os municípios brasileiros e o Distrito Federal a estabelecer multas para quem
jogar lixo na rua e determinando a forma correta de descarte, acarretando em pena de multa aqueles
que infringirem a lei.
Em seu art. 13, a legislação emite uma classificação dos resíduos sólidos, tanto quanto à sua origem
como quanto à sua periculosidade (BRASIL, 2010):

Art. 13. Para os efeitos desta Lei, os resíduos sólidos têm a seguinte
classificação:
I – quanto à origem:
a) resíduos domiciliares: os originários de atividades domésticas em
residências urbanas;
b) resíduos de limpeza urbana: os originários da varrição, limpeza de
logradouros e vias públicas e outros serviços de limpeza urbana;
c) resíduos sólidos urbanos: os englobados nas alíneas a e b;
d) resíduos de estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços: os
gerados nessas atividades, excetuados os referidos nas alíneas b, e, g, h e j;
e) resíduos dos serviços públicos de saneamento básico: os gerados nessas
atividades, excetuados os referidos na alínea c;
f) resíduos industriais: os gerados nos processos produtivos e instalações
industriais;
g) resíduos de serviços de saúde: os gerados nos serviços de saúde, conforme
definido em regulamento ou em normas estabelecidas pelos órgãos do
Sisnama e do SNVS;
h) resíduos da construção civil: os gerados nas construções, reformas,
reparos e demolições de obras de construção civil, incluídos os resultantes
da preparação e escavação de terrenos para obras civis;
i) resíduos agrossilvopastoris: os gerados nas atividades agropecuárias e
silviculturais, incluídos os relacionados a insumos utilizados nessas
atividades;
j) resíduos de serviços de transportes: os originários de portos, aeroportos,
terminais alfandegários, rodoviários e ferroviários e passagens de fronteira;
k) resíduos de mineração: os gerados na atividade de pesquisa, extração ou
beneficiamento de minérios;
II – quanto à periculosidade:
a) resíduos perigosos: aqueles que, em razão de suas características de
inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade, patogenicidade,
carcinogenicidade, teratogenicidade e mutagenicidade, apresentam
significativo risco à saúde pública ou à qualidade ambiental, de acordo com
lei, regulamento ou norma técnica;
b) resíduos não perigosos: aqueles não enquadrados na alínea a (BRASIL,
2010, s/p).

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Lixo Urbano: Questão De Educação Ambiental Ou Construção Social?

Já, em seu art. 47, a lei determina como formas proibidas de disposição ou destinação de resíduos
sólidos o seu lançamento ou queima a céu aberto – exceto para resíduos de mineração –, bem como
seu lançamento no mar e quaisquer outras formas vedadas pelo poder público. A legislação também
determina que além dela própria, estipulando uma Política Nacional de Resíduos Sólidos, haveria
planos estaduais, microrregionais, intermunicipais, municipais e de gerenciamento (BRASIL, 2010).
É importante que haja o entendimento de que a responsabilidade pelos resíduos deve ser
compartilhada por todas entidades e pela população, já que é algo gerado por todos e que, se o
descarte é feito da forma inadequada, afetará a todos. A legislação trata disso, mas, na prática, essa
aplicabilidade não acontece.
Segundo Guerra (2018), a Política Nacional de Resíduos Sólidos mostra pontos importantes que, se
respeitados, trarão grandes avanços para o setor de resíduos sólidos no Brasil. No entanto, falta
efetivar um plano nacional com ações práticas, já que a política em si dá apenas diretrizes para a
elaboração deste.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos estabeleceu como uma das grandes metas a eliminação, em
quatro anos, a contar do início da vigência da norma, de todos os lixões existentes no país. A ideia seria
implantar a construção de aterros sanitários que evitassem a contaminação e promovessem uma
destinação correta. O prazo se encerrou em agosto de 2014, e, infelizmente, não foi cumprido.
Conforme Canto (2014), embora a lei tenha determinado um prazo para a adequação ao Programa
Nacional de Resíduos Sólidos, não havia qualquer perspectiva de funcionamento nos moldes da norma.
Segundo o autor,
Nos dias posteriores ao prazo final para o cumprimento da Lei Nacional de
Resíduos Sólidos, 2 de agosto, foram divulgados relatórios, realizados
eventos e elaboradas inúmeras teorias para justificar o chocante fato de
ainda existirem no Brasil cerca de 3.500 lixões ativos em todas as regiões
brasileiras, número cujo significado é o descumprimento da lei por 60,7%
dos municípios. O resultado a demonstrar o fragoroso descumprimento da
lei pela maioria só surpreendeu os ingênuos. Era notória a falta de
movimento e de ações efetivas de nossas autoridades municipais (CANTO,
2014, s/p).
Assim, trata-se de um problema corriqueiro no Brasil. Os lixões são realidade na maioria dos municípios
brasileiros, inclusive em grandes capitais como Porto Alegre, Belém e Brasília. Neste último caso, o
lixão é o maior da América Latina, conhecido como Lixão da Estrutural, com a dimensão de 170 campos
de futebol e mais de 50 metros de altura nas pilhas de lixo acumuladas por décadas (CANTO, 2014).
Como dito anteriormente, todas essas questões levaram o legislador a prever um período de
adequação de quatro anos (BRASIL, 2010). Canto (2014) demonstrou que essa adequação não ocorreu,

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Lixo Urbano: Questão De Educação Ambiental Ou Construção Social?

e tudo seguiu como se não houvesse qualquer urgência ou uma transformação imposta por lei. Assim,
se a lei fosse aplicada imediatamente após esse prazo, grande parte das atividades econômicas seriam
afetadas e a sociedade colapsaria; por isso, não tardou até que fosse prevista uma prorrogação do
prazo.
Canto (2014) ainda bem enfatizou que a Lei nº 9.605 de 1998, suplantada em 2010, acrescentou, a
essa portaria, a necessidade de obtenção de licenciamento ambiental para o descarte de resíduos. Essa
determinação já decretaria o fim de todos os lixões, que não cumprem requisitos básicos de
sustentabilidade e proteção à natureza.
Em 2019, a PNRS completou nove anos de existência. Porém, a realidade ainda está longe de cumprir
com as expectativas. O Brasil aumentou a produção do lixo em 26%, a reciclagem de todo o volume de
resíduos é de apenas 3%, e os lixões, que deveriam ter deixado de existir, ainda estão presentes. São
mais de três mil deles, espalhados por todas os estados, que continuam contaminando o solo e as
águas (TERA, 2019).
Percebe-se que a postura adotada de adiar o início do cumprimento da norma e da aplicação de suas
sanções apenas retratam uma postura de ignorar o problema, justificando a falta de senso de urgência
de governos, instituições, empresas e da própria população.

2.2 SOBRE A LEGISLAÇÃO DO MUNICÍPIO DE MACEIÓ

Apesar de sempre ouvirmos que não devemos jogar lixo no chão, fazer a coleta seletiva e que devemos
combater o desperdício, é notório que a sociedade, de um modo geral, só se preocupa com algumas
questões se a sua ação ensejar algum tipo de penalidade.
Em alguns bairros do Município de Maceió observa-se um maior descarte de lixos nas ruas do que em
outras. A exemplo da orla de Maceió, cartão postal da cidade, percebemos várias lixeiras instaladas a
uma distância de 50 metros umas das outras, aproximadamente. Também foram instalados postes
publicitários que comportam sacos para lixo pet, a fim de recolher as fezes dos animais que passeiam
na orla, mas esses postes somente são abastecidos pelo anunciante caso ele queira, como uma cortesia
por anunciar no local. Nos bairros mais periféricos é notório observar o quanto o descarte de lixo é
feito de forma inapropriada, mas nos bairros nobres, e até na orla, é possível ver situações em que os
donos de cães não recolhem os dejetos de seus bichos de estimação.
Porém, infelizmente, mesmo as áreas mais turísticas sofrem com o descarte irregular, mas de outra
forma. Esgotos despejados em nossas praias e rios são práticas ainda utilizadas pelos gestores do nosso
Município. Nas principais praias da cidade é possível ver línguas negras provenientes de ligações de

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Lixo Urbano: Questão De Educação Ambiental Ou Construção Social?

esgoto clandestinas nas épocas de maior índice pluviométrico. Mesmo que a maior parte delas tenha
sido desativada, as saídas ainda são visíveis e se tornaram espaço de abrigo para ratos e insetos.
A cidade de Maceió regulou a Lei N° 6.365 (MACEIÓ, 2015), publicada no Diário Oficial em 13 de Março
de 2015, que dispõe sobre a aplicação de multa ao cidadão que for flagrado jogando lixo nos
logradouros públicos fora dos equipamentos destinados para este fim e dá outras providências. A lei
trouxe como sanção para o cidadão que for flagrado sujando as ruas uma multa de R$ 50,00 (cinquenta
reais), sendo o recurso arrecadado destinado para a Superintendência Municipal de Limpeza Urbana
(SLUM).
As penalidades previstas nesta Lei serão estabelecidas através de auto de infração lavrado contra o
infrator, contendo as seguintes informações: local, data e hora da lavratura; qualificação do autuado;
a descrição do fato constitutivo da infração; o dispositivo legal do infringido; a identificação do agente
autuante e, por fim, a assinatura do autuado (Maceió, 2015).
A lei ainda prevê, em seu artigo terceiro, o auxílio da força policial quando o infrator dificultar o
cumprimento da ordem por parte do agente do órgão responsável pela fiscalização e execução das
multas. Esta lei foi vista como uma saída para a diminuição de sujeira na cidade. Ao ser elaborada,
acreditava-se que as punições existentes nas leis são pedagógicas, e que esta legislação contribuiria,
de certo modo, para a mudança neste tipo de comportamento. Mas será que a edição da referida lei
realmente gerou um impacto na mudança de comportamento da sociedade?
Importante frisar que a Casa Legislativa que editou a Lei sequer a possui em seu portal. Ao localizar o
número da lei e clicar para ver a mesma na íntegra, o site direciona para cópia digitalizada do projeto
de lei 36/2013, que trata de assunto diverso: Utilidade Pública. Associação dos Moradores do
Residencial Marechais - Amor e Mar (MACEIÓ, 2015). Se nem na Casa Legislativa criadora da lei há o
cuidado da publicização desta, como esperar que a sociedade saiba que a lei existe?
Os municípios têm que produzir os seus próprios planos municipais, com a finalidade de ajudar o país
a alcançar as metas estabelecidas na PNRS. Porém, além dos instrumentos de punições aos infratores,
é de suma importância capacitar e educar a sociedade. Sem educação ambiental e valorização de cada
ação do gerenciamento, o objetivo dificilmente será alcançado.
Portanto, ao observar todas estas situações que ainda são utilizadas como práticas, difícil acreditar na
efetividade da Lei, pois além desta ser desconhecida da população, não se faz acreditar que a multa
irrisória nela estabelecida seja capaz de conscientizar a população de que devemos ter mais cuidado
com a nossa cidade, com a nossa saúde, e fazer o descarte do lixo corretamente.

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Lixo Urbano: Questão De Educação Ambiental Ou Construção Social?

3. ASPECTOS COMPORTAMENTAIS HUMANOS E O DESCARTE IRREGULAR DE LIXO

Como vimos, historicamente quando uma população se fixa num território, seus resíduos necessitam
de um local adequado para serem descartados e assim permanecerem distantes do alcance visual e
olfativo, pois a eles são atrelados a percepção de desorganização, desleixo e até um prenúncio de
impurezas que podem causar doenças ou mortes (EIGENHEER, 2009).
O lixo descartado em áreas públicas é uma das formas mais visíveis de degradação do meio ambiente.
Considerando as transformações sociais e novas formas de gestão de lixo, a hipótese é de que o simples
ato de “jogar lixo no lixo” impulsiona conceitos como reciclagem, reutilização, ética ambiental,
responsabilização coletiva, entre outros. Porém, isso nos permite pensar alguns aspectos da conduta
humana que conhecemos na contemporaneidade. Em um rápido passeio no Mercado Público e no
Centro Comercial da cidade de Maceió, é perceptível que este descarte nem sempre é feito em locais
apropriados, como as lixeiras. Porém, este comportamento não se restringe a referida capital. E esta é
a principal problemática que queremos tratar neste artigo.
Uma pesquisa realizada com 824 alunos brasileiros e Franceses (São Paulo, Cuiabá e Alta Floresta, no
Brasil, e Saint-Denis e Épinay-Sur-Seine, na França) de 10 a 20 anos de idade, aponta dados importantes
para pensarmos a relação dos jovens com a natureza. As questões foram: “1. Você acredita que a
natureza esteja ameaçada em todo mundo? 2. Você considera que deve haver solidariedade entre
homem e natureza e que o homem necessita desta solidariedade?” Para ambas as perguntas, em
média 94% dos participantes disseram sim. Mostrando assim que há uma consciência coletiva (até
mesmo em países distintos) a respeito dos perigos decorrentes das ações do homem ao meio ambiente
e sobre a importância da natureza para existência humana. (SANTO e CARVALHO, 2009)
Mas, então, o que leva às pessoas tomarem determinados comportamentos, tais como “jogar lixo no
chão”, mesmo sabendo que este ato provocará impactos ambientais, que é proibido por lei e ainda
que isto causará péssima imagem para sí e sua cidade? A psicologia como ciência que estuda o
comportamento humano poderia ter uma perspectiva interessante para responder a esta questão. No
entanto, as pesquisas de psicologia ambiental, ao tratar do relacionamento recíproco entre
comportamento e ambiente físico, atenta-se mais especificamente para impactos subjetivos de
diferentes tipos de ambientes sob o comportamento (AMBIENTAL, 2018), apontando uma necessidade
de pesquisas que aprofundem a discussão interdisciplinar com Engenharia ambiental, para
identificação dos fenômenos comportamentais que se relacionem com tal questão, afinal, os seres
humanos são os maiores e talvez os únicos animais responsáveis pela degradação ambiental em

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Lixo Urbano: Questão De Educação Ambiental Ou Construção Social?

virtude de costumes e hábitos sociais. Estes atos objetivam assegurar maior conforto, praticidade e
status.
Então, seria possível pensar num equilíbrio entre as satisfações pessoais e o uso consciente do
ambiente? Para responder esta questão, seria importante que toda sociedade se inserisse neste
discurso. Desta forma, cabe ressaltar a importância da Educação Ambiental que é uma pedagogia de
ação em respeito a construção da consciência ecológica que através de posturas e métodos objetivam
reduzir o impacto ambiental provocado pela ação humana (ANDRIOLI; KEMPA, 2013).
Bescorovaine (2016) aponta que Educação Ambiental faz parte dos currículos educacionais desde a
década de 70, porém que inicialmente privilegiou o modelo Tecnicista, com formato disciplinar, tendo
dificuldade de integração com outras áreas do saber. Foi a partir da Conferência das Nações Unidas
sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (RIO-92), que a educação ambiental passou a assumir
posturas mais críticas, considerando a dinâmica interdisciplinar e multidisciplinar.
A partir deste entendimento, a escola enquanto parte fundamental na formação de um cidadão não
pode ficar alheia as questões que permeiam a relação homem e meio ambiente, precisa ampliar além
da transmissão deste conhecimento, a possibilidade de condutas coerentes com o que se faz aprender
(ANDRIOLI; KEMPA, 2013).
Os impactos da inserção de Educação ambiental nas escolas, as legislações, as ações de conscientização
e investimento em sistemas e estruturas para traçar caminhos mais sustentáveis sobre a produção do
lixo urbano são de fundamental importância. No entanto, os comportamentos cotidianos da população
são essenciais. São o que de fato podem garantir sua efetividade.

4. MACEIÓ COMO OBJETO DE ESTUDO

Maceió é a capital de Alagoas, sendo uma cidade costeira localizada no Nordeste do Brasil. Possui uma
área de 509,320 km² e uma população estimada de 1.018.948 habitantes, com densidade demográfica
de 1.854,10 hab/km². Cerca de 95% das crianças entre 6 e 14 anos se encontram matriculadas, e o
IHDM da cidade é de 0,721, segundo dados do censo de 2010 (IBGE, 2019). Apenas com esses dados,
nota-se que Maceió não é uma cidade pobre nem com habitantes sem educação (mesmo que básica).
O que, então, falta na população quanto à consciência ambiental?
Sempre que assuntos relacionados ao descarte de resíduos, reciclagem e a importância de se realizar
o descarte adequado, é possível ver confusão nas pessoas, mesmo as de escolaridade mais alta.
Percebe-se que falta educação ambiental e tende-se achar que “descarte correto” é algo longe da
realidade de muitos. Em contrapartida, existe a falta de interesse e a crença de que “outro resolverá”.

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Lixo Urbano: Questão De Educação Ambiental Ou Construção Social?

O contraste da desigualdade social em Maceió não é algo que passa despercebido.É fácil ver onde
começa e onde termina uma região pobre, e os locais em que a população mais rica se encontra. A
parte alta da cidade, é marcada por uma população classe média e classe média-baixa, com “bolsões”
que abrigam condomínios de luxo. A parte baixa da cidade (bairros próximos à praia) concentram a
população classe média e classe média-alta.
Como explicado anteriormente, bairros mais pobres têm a tendência de parecer mais “sujos” e,
justamente nessas áreas, vê-se uma carência de lixeiras e, em geral, menor frequência de passagem
de garis e caminhões de lixo. Já nos bairros mais nobres, as calçadas parecem estar sempre mais limpas,
e não é difícil encontrar garis limpando as ruas, principalmente no início do dia. Porém, devemos levar
em consideração que Maceió é uma cidade turística e que a região da orla é cartão postal, e acabamos
não notando situações como pessoas passeando com seus cachorros e deixando para trás as fezes do
animal, ou até coletando, mas deixando o saquinho no chão.
Em conversas informais, notou-se que: não é de comum conhecimento o significado das cores das
lixeiras seletivas; não se entende porque regiões mais carentes não recebem assistência por parte da
prefeitura (há constantes reclamações acerca da falta de coleta de lixo e saneamento); é consenso que
há poucas lixeiras distribuídas pela cidade; pouco se sabe sobre o porquê da necessidade da seleção
do lixo, além de haver falta de conhecimento sobre o que reciclável e o que não é.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Segundo levantamento realizado no presente artigo, desde muito tempo atrás, existe a dualidade do
lixo, a necessidade de separar restos orgânicos em fertilizantes, e os demais resíduos sendo
transferidos para longe do nosso alcance como forma de evitar a poluição do ambiente particular.
Considerando as transformações sociais, as concentrações populacionais, surgiu a necessidade da
distribuição da atividade de limpeza, juntamente com técnicas para limpeza urbana, como regras e
legislação. Infelizmente, no Brasil, não necessariamente se tem a realização disso de forma efetiva e
generalizada.
Ainda há muito descarte irregular, visto que as pessoas se confiam no fato de ter alguém que fará essa
limpeza por elas, ou por apenas acreditarem que o descarte daquele resíduo produzido por ela não é
responsabilidade dela, talvez ainda a necessidade de se distanciar daquilo que é sinônimo de sujeira.
Isso não é algo medido por pesquisas, mas sim, fenômenos subjetivos que são verbalizados e
demonstrados diariamente quando vemos as pessoas jogando seu lixo pela janela dos carros ou no
chão durante realização de percursos a pé.

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Lixo Urbano: Questão De Educação Ambiental Ou Construção Social?

Atualmente, existe uma visível preocupação com o meio ambiente e sobre questões da
sustentabilidade. São temas que se discutem de forma ampla, principalmente no que concerne ao
descarte dos resíduos sólidos. Quando esse descarte é feito de forma irregular, um crime ambiental é
praticado. Porém, a maioria das pessoas desconhece a tipicidade da conduta ou não dão a devida
importância, achando que não serão descobertas pela prática do ato ilícito e gerando, assim, danos
para a sociedade.
É importante que haja o entendimento de que a responsabilidade pelos resíduos deve ser
compartilhada pela sociedade de forma geral, visto que, tanto as causas quanto os impactos
decorrente disto, afetam tanto a natureza quando o ser humano, enquanto pertencentes desta. Faz-
se necessário também, estudos sobre os fenômenos comportamentais atuais que atuam como fatores
motivacionais para compreender o porquê de que mesmo quando há conscientização das questões
ambientais (legislação, ações sociais ambientais, infraestrutura para descarte regular do lixo, etc.),
ainda assim, as pessoas praticam determinados atos.
A educação ambiental, nesse caso, se faz importante devido à conscientização que ela traz,
apresentando os malefícios do comportamento já existente e os benefícios da mudança. Não se trata
somente de mostrar que o meio ambiente sofre com nossas atitudes, mas mostrar que isso reflete em
nossa sociedade e que isso nos traz prejuízos a curto, médio e longo prazo.
Tem-se muito a concepção dentro do senso comum de que “é só um papel”, no qual as pessoas se
fecham achando que um comportamento isolado não afeta o meio, esquecendo-se de que milhares
de pessoas pensam dessa mesma forma. Somando-se esses casos com os que repetem frases como
“se eu não sujar, garis não terão emprego”, percebe-se claramente que muito disso é ignorância e
egocentrismo por parte da população, que pensa que somente o dela não afetará e que “pessoas
inferiores” precisam que criemos as situações para que elas sejam integradas de alguma forma no
nosso sistema.
Nesse quesito é necessário, primeiramente, mostrar o real propósito dessas pessoas que se encontram
na base da pirâmide da sociedade, que elas têm papel fundamental na manutenção na nossa qualidade
de vida. Depois disso, mostrar como o comportamento unitário pode não surtir tanto efeito assim, mas
os problemas são uma soma de comportamentos unitários. E se tivermos que a réplica desse
comportamento é feita com maior frequência por pessoas dentro de favelas, bairros mais pobres ou
pessoas menos instruídas, mostrar que isso reflete com maior força nessas comunidades, pois são as
menos favorecidas pela infraestrutura básica de coleta de lixo, coleta de esgoto e distribuição de água.

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Lixo Urbano: Questão De Educação Ambiental Ou Construção Social?

A conscientização e educação ambiental deve ser algo empregado massivamente em comunidades


ricas e pobres, para que todos saibam seu papel na sociedade, como o que produzem e consomem
caracteriza os problemas enfrentados daquele local, e como a desigualdade social torna todos os
problemas piores para uns mais que outros. É nosso papel, enquanto pesquisadores, divulgar a
importância de trabalhos e pesquisas que provem esses dados.

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5. REFERÊNCIAS

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15
651
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 46
10.37423/200702079

LIBERDADE ECONÔMICA E A EFICÁCIA DOS


DIREITOS FUNDAMENTAIS

Pollyana Carla Noskoski Taveira Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA


Liberdade Econômica E A Eficácia Dos Direitos fundamentais

Resumo: Ao longo do estudo será abordado como a liberdade econômica reflete na vida em sociedade
do homem contemporâneo, e, com isso, no crescimento individual e coletivo, bem como social e
político-econômico no país. Dar-se-á ênfase na limitação do agir estatal, visando afastar o poder
concentrado que o Estado possui, centralizando o mercado na atividade privada e nos interesses
pessoais. Conclusivamente, conseguiremos não meramente constatar as vantagens de um mercado
liberal para a sociedade como um todo, mas também, os benefícios na vida privada, naquilo que cada
pessoa entende como o livre exercício do direito de liberdade econômica, que lhe é devidamente
assegurado, conforme previsão legal no capítulo I da Constituição Federal, em seu art. 170 caput, I ao
IX e parágrafo único.
Palavras-Chave: Liberalismo econômico, capitalismo, igualdade, Estado mínimo, coerção e supressão
de direitos, avanço econômico, direitos individuais, maximização econômica.

1
653
Liberdade Econômica E A Eficácia Dos Direitos fundamentais

1. INTRODUÇÃO

Ao trabalhar com as concepções de liberdade econômica em um Estado de Direito Democrático, há


de se adentrar na perspectiva individual e coletiva acerca da liberdade. Não basta que seja refutado
acerca das premissas inerentes aos reflexos na esfera individual, entretanto, as repercussões causadas
pela atividade econômica (pessoal/privada) em âmbito comum. A atividade econômica move o mundo
desde os tempos mais primórdios, concretizando o sistema capitalista que se desenvolveu desde
então, basta que nos voltemos à história, desde o artesanato, manufatura, maquino fatura, a indústria
e tantos outros.
Diante disso, entendemos que o mercado rege e determina o bom andamento do país, ora, se o
mercado vai bem, se há demanda o suficiente para suprir a procura pelos serviços,
consequentemente, haverá um desenvolvimento econômico, em contra partida, conquanto que
aquele ‗‘desenvolve‘‘ no que se diz respeito a aspectos financeiros, refere-se tão somente a um
desenvolvimento financeiro do Estado. Desta forma, não basta que o mercado vá bem – que a
máquina se mantenha funcionando -, ou seja, não é o bastante que a lei da oferta e procura esteja
fluindo, nos preocupemos em fazer com que o mercado vá bem de maneira ampla, liberal e condizente
com o ideal de satisfação almejado por cada indivíduo em suas mais intimas pretensões.
O Estado detentor de poder concentrado na economia é justamente o que nos coloca, como indivíduos
portadores de direitos e garantias, em uma situação arriscada. Sendo que os anseios daquele visam
apenas à lucratividade financeira e sua permanência no poder em relação aos indivíduos, enquanto
que na ótica aqui trabalhada; A partir do momento em que ocorre o afastamento do poder
concentrado do estado, passando ao povo o papel de agente econômico, para que possam
desempenhar a atividade econômica como bem queiram e com os recursos em que dispunham, de
maneira a exercer a movimentação no mercado, estaremos então, não só diante de um avanço
econômico, mas também no pleno gozo da liberdade econômica.
Tem-se por finalidade, delinear o estudo visando desenvolver aspectos harmônicos diante do mercado
privado, abordando e analisando como estes poderão repercutir positivamente tanto no direito
individual de liberdade quanto nos impactos comuns a todos. A grande máxima do estudo consiste em
entender o porquê o Estado tem que ser menor do que os agentes da sociedade, ou seja, porque o
poder econômico deve ser coordenado pela corrente do liberalismo. Durante a desenvoltura deste,
desmistificaremos o conceito egocêntrico atribuído ao capitalismo à luz das teses de Milton Friedmann
e Hayek, e, então, construiremos o amplo gozo de direitos fundamentais, especificamente, a liberdade

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Liberdade Econômica E A Eficácia Dos Direitos fundamentais

econômica e liberdade de escolha, e indiretamente, tantos outros que as compõem. Vejamos os


ditames legais:
―Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna,
conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da
propriedade;
IV- livre concorrência;
V- defesa do consumidor;
VI- defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado
conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus
processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
VII- redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno
emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas
sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade
econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo
nos casos previstos em lei.‖
(Grifos meus.)

2.IDEALIZANDO A ATUAÇÃO ESTATAL SOBRE A ÓTICA LIBERAL DE HAYEK.

Como ponto de partida, refutaremos diante das concepções de Hayek, elaborada com o intuito de
delimitar a atuação Estatal, desenhando o Estado no ‘plano de fundo’ da relação econômica. Ou seja,
o ideal almejado pela iniciativa privada é o exercício contemplado ao povo que o exerce coletivamente
sem restrições e contenções advindas do Estado, para tanto, para que os indivíduos façam gozo do
seu direito faz-se necessário que o Estado se volte tão somente às normativas de estabelecimento de
ordens assecuratórias, atuando como um terceiro no que tange a relação de sociedade VS mercado.
Acerca desta concepção, trago um exemplo dentro da esfera do direito privado para que possamos
entender, paralelamente, a condição pela qual o Estado deve manter-se/atuar. Para que um indivíduo
tenha a sua pretensão jurídica atendida, ou até mesmo, ter o seu litígio resolvido, precisa este
provocar o Estado Juiz outorgando- lhe a prerrogativa de ingresso naquilo que visa discutir, ou seja,
no direito privado o particular precisa provocar a máquina estatal para que esta se movimente, tendo
em vista que ela não pode interferir e adentrar na esfera individual daquele sem a devida manifestação
de vontade do mesmo, (via de regra), devendo, portanto, permanecer inerte a não ser quando
manifestamente provocada.

3
655
Liberdade Econômica E A Eficácia Dos Direitos fundamentais

Atrelado a isso, desenvolveremos o ideal de atuação estatal na economia, mantendo o Estado como
um agente inerte até que seja acionado pelo povo. A centralização da economia de mercado deverá
ser das atividades privadas, tendo como agentes ativos do mercado econômico os indivíduos, e
quando se fizer necessário a atuação estatal, provocada há de ser. Desta forma, as iniciativas privadas
seriam a atividade principal para a movimentação da economia, cada qual com seus respectivos
objetivos e ao governo restaria tudo aquilo que tange a segurança estatal, tal como é o Poder Judiciário
em relação a proteção jurídica; manter a ordem, assegurar as leis, estabelecer diretrizes gerais e julgar
os litígios quando fora acionado. O grande ápice do ideal de mercado liberal condiz na expectativa em
enquadrar o governo em uma ‘caixa‘‘ limitada, tornando-o subordinado ao povo e não vice-versa.
Metaforicamente dizendo, funcionaria como se nós – o povo
- enjaulasse o Estado, concretizando a oportunidade de provermos o Estado Liberal de Direito e o tão
ansiado governo em abstenção, como se fosse um ‘’overhead’’, retirando-lhe a soberania e o
colocando em atuação quando necessário. Assim, a economia ficaria nas mãos do individuo e o Estado
entraria “em ação” quando aqueles mesmos necessitassem de proteção.
―A distinção que estabelecemos entre a criação de uma estrutura
permanente de leis – no âmbito da qual a atividade produtiva é orientada
por decisões individuais – e a gestão das atividades econômicas por uma
autoridade central caracteriza- se assim, claramente, como um caso
particular da distinção mais geral entre o estado de Direito e o governo
arbitrário. Sob o primeiro, o governo limita-se a fixar normas determinando
as condições em que podem ser usados os recursos disponíveis, deixando
aos indivíduos a decisão relativa aos fins para os quais eles serão aplicados.
Sob o segundo, o governo dirige o emprego dos meios de produção para
finalidades específicas. As normas do primeiro tipo podem ser estabelecidas
de antemão, como normas formais que não visam às necessidades e desejos
de pessoas determinadas. Destinam- se apenas a servir de meio a ser
empregado pelos indivíduos na consecução de seus vários objetivos. Além
disso, aplicam- se ou deveriam aplicar-se a períodos bastante longos, de
modo que se torne impossível saber se auxiliarão a certas pessoas mais do
que a outras. Poderiam ser definidas como uma espécie de instrumento de
produção que permite às pessoas prever o comportamento daqueles com
que têm de colaborar, e não como meios que visam a atender necessidades
específicas. - O caminho da Servidão‖ – Hayek – pg 90 e 91, cap. 6.
O governo deve ser ativo na medida em que houver necessidade de agir, sendo que é detentor de
alguns deveres, um deles refere-se a uma espécie de tutela de proteção dada aos indivíduos quando
estes “sofrerem dentro da sociedade”, imaginemos aqui uma situação hipotética em que precisa de
tutela jurisdicional para reestabelecer a justiça, isso porque, o exercício do direito de um adentrou na
esfera individual de outrem, causando-lhe malefícios, ou então, prejudicando o livre exercício de seus
direitos. Nesta situação, se faria necessária à atuação estatal, como medida assecuratória para o

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656
Liberdade Econômica E A Eficácia Dos Direitos fundamentais

individuo que teve sua esfera pessoal violada em decorrência da ampla abrangência do exercício de
outro individuo. A questão desenvolvida consiste na limitação dos poderes do Estado, tendo em vista
que como o Estado tem o dever de proteção aos seus indivíduos, é isso que o concebe o agir, é o dever
que o estado possui que o “liberta da jaula” e faz com que deva agir para atender e garantir o bem
comum.

“O planejamento econômico do tipo coletivista implica,


necessariamente, o oposto do que acabamos de dizer. A autoridade
planejadora não pode limitar-se a criar oportunidades a serem utilizadas por
pessoas desconhecidas como lhes aprouver. Não pode sujeitar-se de
antemão a regras gerais e formais que impeçam a arbitrariedade. Ela deve
prover as necessidades reais das pessoas na medida em que forem surgindo,
e depois determinar quais delas são prioritárias. É obrigada a tomar
constantes decisões que não podem basear- se apenas em princípios
formais e, ao tomá-las, deve estabelecer distinções de mérito entre as
necessidades das diferentes pessoas. - Hayek, O caminho da Servidão. pg 90
e 91, cap. 6
Ainda, para que possamos desenhar uma estrutura funcional de uma sociedade liberal econômica, faz-
se necessário abordarmos o bem comum. Seguindo a perspectiva de que o Estado deve atendê-lo,
agindo em prol deste, devemos conceituar minimamente o que não atende por bem comum. Parto de
uma conceituação negativa justamente por não achar prudente estabelecer e limitar o que se entende
por “padrões comuns”, tendo em vista tratar-se de um conceito um tanto quanto subjetivo. Não temos
objetivos e desejos iguais, às vezes, tão pouco parecidos, entendemos o bem comum isoladamente, a
definição é estabelecida através da individualidade. Para que isso se concretize, o governo não pode
ditar aquilo que é bom a todos.
O que podemos entender amplamente como bem comum é o mero agir em comunidade, mesmo que
cada qual esteja em busca do seu próprio objetivo por vias da própria coletividade, por exemplo: a
cooperação de indivíduos pode ser entendida quando um sujeito está competindo com o outro no
mercado, aquela velha máxima dos ditâmes da oferta e procura. Então, mesmo que concorrente, estão
contribuindo entre si para atingir seus próprios objetivos econômicos e fazer com que a “economia
gire”. O que possuímos em comum é justamente as iniciativas de pluralidades, a liberdade de
concepções acerca do que queremos, a individualidade nas escolhas. Não esperamos que a definição
implique em atribuir os mesmos valores a todos, para isso, o bem comum deve ser conceituado pelos
cidadãos, maneira pela qual estará afastando o Estado de o dita-lo.
“Quando o governo tem de resolver quantos porcos é necessário criar,
quantos ônibus terão de ser postos em circulação, quais as minas de carvão
a explorar ou a que preço serão vendidos os sapatos, essas decisões não
podem ser deduzidas de princípios formais nem estabelecidas de antemão

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657
Liberdade Econômica E A Eficácia Dos Direitos fundamentais

para longos períodos. Dependem inevitavelmente das circunstâncias


ocasionais, e ao tomar tais decisões será sempre necessário pesar os
interesses de várias pessoas e grupos. No final, a opinião de alguém
determinará quais os interesses preponderantes; e essa opinião passará a
integrar a legislação do país, impondo ao povo uma nova categoria social. A
distinção que acabamos de fazer entre Direito formal, ou justiça, e normas
substantivas, é muito importante e ao mesmo tempo uma das mais difíceis
de estabelecer com exatidão na prática. No entanto, o princípio em que se
baseia é bastante simples. A distinção existente entre essas duas espécies
de normas é a mesma que haveria entre estabelecer um regulamento de
trânsito e prescrever às pessoas aonde devem ir; ou entre mandar instalar
placas de trânsito e ordenar às pessoas que tomem esta ou aquela estrada.
As normas formais indicam antecipadamente que linhas de ação o estado
deverá adotar em certas situações, definidas em termos gerais, sem
referência a tempo e lugar nem a indivíduos em particular. Referem-se a
situações típicas em que qualquer um pode se encontrar e em que a
existência de tais regras será útil para uma grande variedade de objetivos
individuais. O conhecimento de que em tais situações o estado agirá de um
modo definido ou exigirá que as pessoas procedam de determinada maneira
é oferecido aos indivíduos para permitir- lhes traçar seus próprios planos. As
normas formais são, pois, simplesmente instrumentais no sentido de que
poderão ser úteis a pessoas ainda desconhecidas, para as finalidades que
essas pessoas resolvam dar-lhes e em circunstâncias que não podem ser
previstas em detalhe. Com efeito, o critério mais importante das normas
formais no sentido que aqui lhes atribuímos é não conhecermos seu efeito
concreto, não sabermos a que objetivos específicos atenderão, a que
pessoas específicas servirão – e também o fato de lhes ser dada apenas a
forma mais apropriada, de um modo geral, a beneficiar todas as pessoas a
quem elas dizem respeito. Não implicam uma escolha entre determinados
objetivos ou pessoas, pois não podemos saber de antemão por quem e de
que modo serão usadas - Hayek. O caminho da Servidão pg 90 e 91, cap. 6
Nesta mesma concepção, Hayek em sua obra “O Caminho da Servidão” desenvolve o raciocínio de
ações comuns através da teoria dada por John Finnis, vejamos como podemos atrelar estas
concepções para o Estado de direito liberal visando entender minimamente o bem coletivo/comum.
O poder estatal acerca do bem comum agirá através de soluções dos problemas do seu povo,
desenvolvendo comandos que alcancem da melhor forma possível atingi-lo e solucioná-lo, alinhando
aos objetivos de cada um e não objetivos delimitados e impostos pelo governo de modo a generalizar
aquilo que cada pessoa entende como de sua ‘conveniência‘‘. Uma efinição dada pelo poder estatal
seria um verdadeiro retrocesso, estaríamos diante de um abuso no que tange a liberdade de escolha;
como um ente governamental pode estabelecer aquilo que cada indivíduo tem como concepção? O
máximo que este pode conseguir é organizar de forma ‘geral‘‘, de maneira instrumentalizada,
garantindo aquilo que cada um almeja, mas de maneira alguma, conceituando e delimitando o que
cada um entende e/ou almeja.

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658
Liberdade Econômica E A Eficácia Dos Direitos fundamentais

Reportando-me a metáfora desenvolvida anteriormente, o Estado ao sair “da jaula” deve tão somente
se subordinar àquele em que o possibilitou a “soltura”, atendendo as vontades manifestas de seus
indivíduos e as protegendo de violação. Na verdade, esta proteção refere-se ao próprio ciclo em que
os indivíduos estão inseridos, uns com os outros, também o ciclo entre Estado e sociedade.

3.DESMISTIFICAÇÃO DO CAPITALISMO SOBRE A ÓTICA DE MILTON FRIEDMANN.

É oportuno que possamos trabalhar com o conceito dado pelo senso comum ao capitalismo, aquele
mesmo em que aponta o capitalismo como “”culpado” pela desigualdade mundial existente.
Sendo assim, a tese desenvolvida por Milton Friedmann é a melhor base de sustentação em que
abordaremos.
―Em todos os lugares do mundo há desigualdades flagrantes de renda
e riqueza. Elas escandalizam a maioria de nós. Poucos não se deixam
sensibilizar pelo contraste entre o luxo usufruído por alguns e a pobreza
opressiva sofrida por outros. - Milton Friedmann, Cap 5, Livre para Escolher,
pg 163 – Edição 1°.
Friedmann, em sua obra “Criados Iguais” desconstruiu o conceito de que o capitalismo é egocêntrico,
no sentido de que este seria o responsável por reforçar e maximizar a diferença entre as classes
existentes na sociedade. Não significa que ele não reconheça que há de fato desigualdades astrosas
no mundo, às reconhece, entretanto, não atribui o “agente gerador” ao capitalismo. Sabiamente, o
autor desmistifica esse conceito, (um tanto quanto infundado, diga-se de passagem) e aborda as
realizações feitas através do capitalismo e as possibilidades geradas e alcançadas por todos da
sociedade, como por exemplo, os avanços nos transportes, a tecnologia em prol da medicina,
aprimoramentos mecânicos e industriais, a televisão, o rádio, os investimentos e empreendimentos e
tantos outros. Ou seja, os resultados positivos gerados pelo capitalismo atingiu a esfera de todos,
trazendo-nos progressos nas condições que estão sendo desenvolvidas e aplicadas. Oportunizando e
despendendo esforços para alcançar a todos.
“”No último século, cresceu um mito de que o capitalismo da economia
de mercado — igualdade de oportunidades do modo como interpretamos
este termo aumenta essas desigualdades; de que é um sistema no qual os
ricos exploramos pobres. Nada poderia estar mais longe da verdade. Onde
quer que a economia de mercado tenha tido a permissão de funcionar, onde
quer que qualquer coisa mais próxima de igualdade de oportunidades tenha
existido, o homem comum foi capaz de atingir níveis de vida nunca antes
sonhados. Entre toda a defasagem entre ricos e pobres, em nenhum lugar
os ricos são mais ricos e os pobres mais pobres do que naquelas sociedades
que não permitem o funcionamento da economia de mercado. Isso é válido
para sociedades como as da Europa medieval, a Índia antes da
independência e a maior parte da América do Sul dos tempos modernos
onde o status herdado determina a posição. É igualmente verdade nas

7
659
Liberdade Econômica E A Eficácia Dos Direitos fundamentais

sociedades de economia planificada, como a Rússia, a China ou a Índia desde


a independência, onde o acesso ao governo determina a posição. É válido
até mesmo onde a economia planificada foi adotada, como nesses três
países, em nome da igualdade.” - Milton Friedmann – cap Criados Iguais,
obra Livre para escolher, pag 163 edição .
Ao analisar e contextualizar as fase em que a economia mundial atuou nos países não adeptos ao
capitalismo, já de antemão, concluiremos que os resultados falhos não se fizeram presentes tão
somente nos fins em que foram alcançados, mas também, nos meios dispendidos para as
concretizações. Ou seja, ainda que os resultados fossem positivos o caminho percorrido já estava
contaminado, aqui, refiro-me especificamente a atuação econômica arbitrária, que visa
genericamente nivelar os indivíduos e os conduzir como fantoches de um sistema instituído com a
finalidade de cegueira coletiva.
Agora, explanarei alguns exemplos falhos ocorridos durante a história com o intuito de fortalecer a
tese desmistificada sobre o capitalismo e atribuir (ainda que não seja o objetivo central) os erros
apontados ao sistema capitalista à tese igualitária, leia-se, governamental arbitrária. Na Grã-Bretanha
ocorreu a redistribuição de rendas e riquezas, por meio de políticas igualitárias implantadas, estas se
mostraram falhas nos meios, motivo pelo qual, neste sistema a justiça foi dada para que o governo
atribuísse a cada individuo aquilo que seria entendido como justo, foi a análise do Estado dando ao
povo, como e o que achava ser justo e necessário. O problema principal deste sistema, além de não
ser o ideal almejado pela sociedade, é que há um conflito entre aquilo que o governo entende como
promoção de justiça para com a liberdade pessoal do seu povo. Não poderei deixar de apresentar o
seguinte exemplo prático e marcante na historia onde demonstra as falhas nos resultados; Rússia,
onde a desigualdade é predominantemente politica, entre os governantes e os governados,
(hierarquia de poder) e ainda, materiais, no sentido de padrão de vida (desigualdade de classes).
“”(...) as ações do governo para obter ―porções justas para todos‖
reduzem a liberdade..” Milton Friedam, Livre para escolher, Cap 5, Pg 152.
Além de atribuir ao capitalismo àquilo que comprovadamente exerce, é utópico não perceber que o
sistema rival ao capitalismo não se sustenta por si só, acreditando que de fato proporciona teorias
igualitárias e a efetividade do direito de liberdade concomitantemente.

4.O MERCADO LIBERAL: QUANTO MAIOR O ESTADO, MENOR A ECONOMIA.

Por fim, entrarei no mérito do alcance de riquezas mediante tudo o que percorremos até aqui,
alinhando as teses dos dois autores trabalhados nesta pesquisa; Hayek e Friedmann, a idealização é
justamente o alcance geral e concreto das riquezas. Riquezas no sentido econômico e material, na

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660
Liberdade Econômica E A Eficácia Dos Direitos fundamentais

medida em que os indivíduos são detentores do poder e regem o mesmo. A força da máquina
concentrada nas mãos do povo gerará aquilo que cada um almeja, realizando suas pretensões e
contribuindo com o desenvolvimento como um todo na economia e consequentemente no país. Desta
forma, possibilitar-se-á que todos possam ser livres e capacitados para movimentarem e perseguirem
seus próprios objetivos.

―A ação comum limita-se, assim, aos campos em que as pessoas


concordam acerca de objetivos comuns. Com muita frequência, tais
objetivos comuns não constituirão os objetivos supremos do indivíduo, mas
apenas meios que diferentes pessoas podem utilizar para alcançar
diferentes propósitos. Com efeito, é mais provável que as pessoas
concordem quanto a uma ação comum se o fim visado por todos não
constitui para eles um objetivo supremo, e sim um meio capaz de servir a
uma grande variedade de propósitos.‖ (HAYEK, 2010, p. 77-78).
Além de alcançar o efetivo direito de escolha no tocante a liberdade econômica, sociedades que se
organizem como aqui trabalhamos, alcançarão liberdade e igualdade maiores, uma vez que os meios
serão desenvolvidos por todos e apesar dos objetivos serem particulares, uns movimentarão os
outros, resultando em uma contribuição mútua. Obviamente, o que se pretende é um avanço
econômico nas classes, uma alavancada no processo de lucros e espécies, ademais, um avanço
socioeconômico impactando na cultura da sociedade.

“Por outro lado, a sociedade que põe a liberdade em primeiro lugar


terminará tendo, como um feliz subproduto, liberdade e igualdade maiores.
Apesar de subproduto da liberdade, a maior igualdade não é mero acaso.
Uma sociedade livre libera energia e capacidade das pessoas para
perseguirem seus próprios objetivos. Impede que algumas, arbitrariamente,
oprimam outras. Não impede que algumas pessoas alcancem posições de
privilégio, mas, contanto que a liberdade seja mantida, impede que tais
posições se tornem institucionalizadas; estão sujeitas a ataques contínuos
de outras pessoas capazes e ambiciosas. Liberdade significa diversidade,
mas também mobilidade. Ela preserva a oportunidade para que os
desfavorecidos de hoje se tornem os privilegiados de amanhã e, no
processo, habilita quase todo mundo, do topo à base, a usufruir de uma vida
mais plena e mais rica.” - Milton Friedmann, Livre para Esclher, cap. Criados
Iguais, pg 165 edição 1°.
É mais vantajoso desenvolver um sistema que contribua para que as pessoas alcancem seus objetivos
individuais mediante um trabalho coletivo do que nivelar medianamente e arbitrariamente os
alcances do povo na economia, gerando restrições aos direitos individuais e suprimindo a livre
iniciativa no mercado, além de atrasar o desenvolvimento econômico.

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661
Liberdade Econômica E A Eficácia Dos Direitos fundamentais

5. REFERENCIAS

HAYEK, O caminho da Servidão. cap. 6., p. 90 e 91

MILTON, F. Criados Iguais, obra Livre para escolher, p. 163

MILTON, F. Livre para escolher, cap 5, p.152.

MILTON, F. Livre para Escolher, Criados Iguais, p. 165 Ed., 1°.

10
662
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 47
10.37423/200702081

INICIATIVAS DE INTERDISCIPLINARIDADE NO
PRIMEIRO ANO DO CURSO TÉCNICO EM
CONTROLE AMBIENTAL DO IFSUL CAMAQUÃ

Fedra Gidget Obeso Quijano Kruger Instituto Federal do Rio Grande do Sul -
Alvorada

Sandra Beatriz Salenave de Brito Instituto Federal Sul-rio-grandense -


Camaquã
Iniciativas De Interdisciplinaridade No Primeiro Ano Do Cursotécnico Em Controle Ambiental Do IFSUL Camaquã-2019

Resumo: Um dos fundamentos de um currículo integrado é a interdependência entre a educação


profissional e a educação básica na formação do aluno. O presente trabalho propõe ações que
integram as disciplinas de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira I, Introdução ao Controle
Ambiental, Seminários almejando um ensino menos fragmentado e mais contextualizado. Assim, se
desenvolveu o projeto chamado “TCAlerta” com as duas turmas do 1o ano do curso Técnico em
Controle Ambiental, ao longo do 1º semestre do ano letivo de 2019, do Instituto Federal Sul-rio-
grandense Campus Camaquã (RS). O objetivo era aprimorar a oralidade e a escrita dos alunos, além de
promover a criatividade e o senso crítico em relação ao ambiente em que vivem. As atividades
desenvolvidas basearam-se, fundamentalmente, em duas etapas: sendo a primeira: a elaboração de
uma edição do jornal-mural, desenvolvida em grupos; e a segunda: a criação de vídeos que
evidenciassem a importância da leitura para alunos do Ensino Médio. O resultado principal foi o
progresso na produção textual, seja ela escrita ou oral, a integração entre os grupos de trabalho, bem
como a relevância ambiental e social dos temas abordados.
Palavras-Chave: Interdisciplinar, Ensino Médio Integrado, IFSul Camaquã.

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664
Iniciativas De Interdisciplinaridade No Primeiro Ano Do Cursotécnico Em Controle Ambiental Do IFSUL Camaquã-2019

1.INTRODUÇÃO

O Ensino Médio Integrado (EMI) é uma modalidade de curso que prepara o educando para o mundo
do trabalho, incorporando a educação profissional técnica ao ensino das disciplinas propedêuticas
(básicas). Quando Ramos (2008) discute a conceituação e a operacionalização do EMI, ela afirma que
um dois pilares conceptuais de uma educação integrada é a escola unitária, que expressa o princípio
da educação como direito de todos e não uma educação só para o trabalho manual e para os
segmentos menos favorecidos, ao lado de uma educação de qualidade e intelectual para o outro grupo.
A educação unitária pressupõe que todos tenham acesso aos conhecimentos, à cultura e às mediações
necessárias para trabalhar e para produzir a existência e a riqueza social.
O currículo integrado preconiza uma ruptura da lógica disciplinar e da valorização de determinadas
disciplinas sobre outras, e propõe a integração entre ciências humanas e ciências exatas através da
intensificação do diálogo entre essas, permitindo a compreensão do modo como essas áreas do
conhecimento não se encontram de forma pura na realidade do cotidiano social (FERREIRA, 2015).
Além disso, o currículo integrado se propõe a incentivar potencialidades múltiplas, por meio dessa
abordagem globalizada dos conhecimentos, em que a educação profissional é indissociável da
educação básica, buscando desenvolver uma formação omnilateral (RAMOS, 2008).
Assim, o EMI configura um espaço adequado para o exercício da interdisciplinaridade como mediadora
da integração. A adoção da interdisciplinaridade não suprime a individualidade das disciplinas, ao
contrário, integra-as para a construção do conhecimento, aumentando a probabilidade de sucesso na
aprendizagem (BRASIL, 1999); além disso, permite a percepção de que um determinado conteúdo é
essencial para o aprendizado de outras disciplinas.
Nosso trabalho denomina-se enquanto uma “iniciativa”, pois temos a plena consciência de que o
processo de integração é um desafio permanente. Nos instigamos a sair do método tradicional, em
que cada professor desenvolve a sua disciplina, em seu tempo e espaço determinados, para unir nossos
saberes e inquietações, em planejamentos e aulas compartilhadas, na tentativa de efetuar uma
proposta, se não totalmente integrada, bem mais global. Foi nossa primeira tentativa de muitas, pois
como Marise Ramos alerta, “a integração é um processo que se constrói no fazer cotidiano da escola”
(RAMOS, 2008, p.26).
Os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) exaltam a necessidade de se proporcionar situações em
que os alunos produzam textos autênticos, vinculados a um contexto real. Deste modo, adotamos o
jornal-mural e a produção de vídeos como iniciativas de interdisciplinaridade para atingir nosso
principal objetivo: envolvimento e aprendizado dos estudantes ao longo das atividades.

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665
Iniciativas De Interdisciplinaridade No Primeiro Ano Do Cursotécnico Em Controle Ambiental Do IFSUL Camaquã-2019

2.DESENVOLVIMENTO

No início do ano letivo de 2019, idealizamos maneiras de integrar as disciplinas da formação técnica
de “Introdução ao Controle Ambiental” e de “Seminários” com a disciplina da formação básica de
Língua Portuguesa e Literatura Brasileira I. Estas disciplinas eram inerentes ao 1º ano do curso técnico
em Controle Ambiental, do IFSul – campus Camaquã que ocorria no turno da manhã e da tarde.
A disciplina de Introdução ao Controle Ambiental (ICA) se caracterizava por apresentar no primeiro
semestre fundamentos a aplicações da Ecologia, visando a compreensão da dinâmica do meio
ambiente, a valorização desse ambiente e a reflexão sobre as relações do ser humano com o ambiente;
e no segundo semestre, apresentava e discutia noções sobre a geração de resíduos sólidos, a poluição
atmosférica, os recursos hídricos, o desenvolvimento sustentável, entre outros. Já a disciplina de
Seminários (SEM) buscava incentivar o trabalho coletivo, a oralidade e a argumentação através da
pesquisa, da preparação e comunicação de temas diversos, relacionados principalmente à área de
formação.
E como esses conhecimentos voltados aos componentes profissionais do curso poderiam ser
incorporadas à disciplina de Língua Portuguesa? Por meio da interdisciplinaridade, em que os alunos
pudessem ler, conhecer, se apropriar, refletir, questionar e construir diversos gêneros textuais com a
intermediação das professoras.
Cabe, portanto, ao ensino de línguas (Língua Portuguesa e língua
estrangeira), neste nível de ensino, aprofundar o processo de apropriação
das diversas formas de textos orais e escritos mais complexas, que circulam
em diferentes situações sociais de uso da língua, em atividades de
compreensão ou de produção desses textos, e, em especial, no que se refere
aos textos literários (formação do leitor literário) e aos textos
argumentativos e expositivos ou injuntivos, das diferentes esferas de
circulação dos discursos (jornalística, política, científica, técnica, etc.), em
mídias diversas (impressa, televisiva, digital), práticas letradas essas
necessárias à participação social cidadã e à inserção no universo do trabalho.
Para fazê-lo, é necessário também aprofundar o processo de reflexão sobre
as propriedades e o
funcionamento das línguas e da linguagem nessas situações de uso
compreensivo ou produtivo. (MOITA LOPES & ROJO, 2004, p.15).
Desse modo, começamos a pôr em prática nossas iniciativas.

2.1.O JORNAL-MURAL

A primeira proposta na direção da interdisciplinaridade foi a construção do jornal-mural, uma ótima


técnica de aprendizagem em qualquer modalidade de ensino. Rocha et al. (2017) abordam este tema
e discorreram sobre a possibilidade de adotar o jornal escolar como estratégia para integrar as

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Iniciativas De Interdisciplinaridade No Primeiro Ano Do Cursotécnico Em Controle Ambiental Do IFSUL Camaquã-2019

disciplinas de Artes, Ciências e Língua Portuguesa no Ensino Fundamental; os autores afirmam que o
jornal escolar pode impactar de forma positiva no aprendizado dos alunos e que a prática
interdisciplinar pode colaborar para que o aluno consiga perceber-se inserido num contexto, onde, os
diferentes conceitos de disciplinas distintas estão interligados.
Piastuch et al. (2018) apresentam a concepção e produção de um jornal mural no curso de Tecnologia
em Comunicação Institucional da Universidade Federal do Paraná; para os autores, o desenvolvimento
do jornal mural integrou conhecimentos interdisciplinares e aliou teoria à prática. Abreu & Arena
(2020) dissertam sobre a construção de um jornal mural com crianças em fase de alfabetização visando
criar um real espaço para reais produções; também apontam reflexões sobre a formação leitora e
escritora dos alunos com base nas teorias vigotskyana, volochinoviana e freinetiana, na escola.
Segundo as autoras, a linguagem escrita não é um simples conjunto de sinais, mas especialmente é um
sistema de signos, carregados de sentido, contexto e significação; ademais, as autoras citam que a
utilização da escrita precisa ser vista e incorporada como importante para que os sujeitos se beneficiem
dela em todos os contextos.
Inicialmente, foi necessário conhecer o gênero textual jornal-mural e as partes que o constituem;
assim, o primeiro passo de execução do projeto foi uma conversa dos alunos com a estagiária de
jornalismo do campus Camaquã, em que ela explicou as características do gênero jornalístico, focando-
se principalmente na produção de notícias e reportagens, mas também clarificando a finalidade de um
editorial.
Após a explicação da proposta de trabalho os alunos definiram que o jornal- mural teria como título
“TCAlerta” e formaram pequenos grupos (cinco alunos, no máximo). Cada grupo foi responsável por
compor uma edição do jornal-mural a cada semana durante o primeiro semestre, nos meses de abril
a agosto, seguindo cronograma elaborado com os alunos e alternando um grupo do turno da manhã
com um grupo do turno da tarde. Na produção do jornal, foi utilizado como suporte um quadro de
avisos localizado na entrada do prédio onde ficam as salas de aula e a biblioteca. E no final do semestre,
os alunos escreveram suas opiniões sobre a elaboração do jornal.
Diversas seções constituíram o jornal-mural, como o editorial, o noticiário, a entrevista ou biografia, o
túnel do tempo, os livros recomendados, cultura e arte, turismo, esporte e curiosidades ou diversões.
Cabe descrever a intenção de algumas seções, por exemplo: no “noticiário” os alunos precisavam ler,
interpretar e compor resenhas de notícias com temática ambiental que eram importantes para eles.
Na “entrevista” ou na “biografia” eles selecionavam pessoas destacáveis pela sua atuação na área
ambiental. No “túnel do tempo” podiam relatar episódios considerados por eles relevantes e que

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ocorreram na sala de aula, na escola ou no município. Na seção “livros recomendados”, os alunos


contavam sobre suas leituras. Todos os textos pesquisados tiveram suas fontes citadas para que os
leitores pudessem encontrar mais informações. Desta forma, seções mais científicas coabitaram com
seções livres ou até copiadas (diversões, letras de música), como uma forma de estimular nos alunos
atitudes investigativas e de interpretação do mundo em que vivem, e promover a interação com os
demais alunos.
De início, houve dificuldade em desenvolver a proposta e cativar os alunos, talvez pela intranquilidade
diante de uma atividade nova e diferente na escola, ou pela dificuldade para organizar as atividades,
como citado pelos alunos:
Aluno 1: Achei muito interessante como se desenvolveu. Apesar de estar preparada, estava insegura
por causa da falta de exemplo, isto é, de sermos os primeiros
Aluno 2: Na minha opinião foi legal, mas foi difícil porque nós nos organizamos pouco.
Aluno 3: Preparação foi um pouco em cima da hora, porém ocorreu tudo bem como o previsto.
Aluno 4: Nosso jornal foi bom, mas deveríamos ter nos organizado mais e uns fizeram mais do que
outros.
Entretanto, a persistência, a valorização da reescritura dos textos e a motivação dos alunos
promoveram nítido progresso na produção textual ao longo das sucessivas edições, de maneira que os
estudantes elaboraram notícias mobilizando os conhecimentos de ecologia, das ciências ambientais e
da língua portuguesa; nos editoriais, os alunos produziram textos leves, divertidos e de opinião; e na
seção dos livros recomendados, eles publicaram relatos sobre os livros lidos, estimulando a vontade
dos colegas pela leitura.
Também ocorreram casos que despontaram em diferentes edições, tal como a iniciativa de alunas para
realizarem uma entrevista com um gari do município e elaborarem um texto de opinião sobre a
necessária participação na coleta seletiva e a valorização da profissão de garis no município. Outra
aluna expressou sentimentos e observações na sua narrativa sobre o primeiro dia de aula no curso
técnico. Quando Bonini (2011) descreve sua proposta de trabalho com o jornal escolar no ensino
fundamental aponta para a possibilidade de protagonismo e autoria que o jornal mural pode
proporcionar ao aluno. Por conseguinte, a adoção do jornal-mural como iniciativa de
interdisciplinaridade, permitiu o surgimento de temas geradores para os conteúdos desenvolvidos em
ambas as disciplinas, contribuindo para uma aprendizagem significativa e duradoura. Ainda,
estimulamos a seleção de textos, a leitura crítica da realidade, a produção de escritos autorais e

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resenhas, incentivando a pesquisa e a argumentação em seus trabalhos, através das produções


individuais e coletivas.
O jornal-mural adquiriu importância quando os alunos começaram a comentar oralmente a concepção
e o conteúdo das edições, pois oportunizou aos alunos socializar suas produções, mostraram suas
habilidades criativas no layout e dar vazão às emoções. O intuito inicial era uma comunicação dinâmica,
interativa e visual entre as duas turmas do 1o ano do Curso Técnico em Controle Ambiental (TCA), mas
que acabou se tornando uma ferramenta de comunicação entre diversas turmas, dos variados cursos
do campus. Houve indicações de leitura no formato de folhetos ilustrados, varal com fotografias dos
alunos e servidores contra o tráfico ilegal de fauna, caixinha no canto com frases para levantar a
autoestima do leitor, entre outras artes. Schneuwly e Dolz (apud ABREU; ARENA, 2020, p. 141)
salientam que a escola é um espaço autêntico como lugar de comunicação, e que nessas situações
escolares de produção e recepção de textos, há um favorecimento para a multiplicação da troca que
pode ocorrer dentro de um grupo de alunos, com toda a turma, entre as turmas, e até mesmo entre
escolas.
Por meio de “publicações” semanais, o “quadro de avisos” na entrada do bloco de aulas se tornou um
espaço cheio de cor, de interação, layouts, com assuntos contemporâneos voltados aos conhecimentos
do curso TCA, mas também trazendo curiosidades relacionadas à vida dos jovens dentro e fora da
escola, seus questionamentos e interesses, por meio de textos produzidos em pequenos grupos,
escritos e reescritos com o auxílio das duas professoras. Como destaca Moita Lopes & Rojo, “outros
conhecimentos de meios semióticos estão ficando cada vez mais comuns no uso da linguagem, tendo
em vista os avanços tecnológicos: as cores, as imagens, os sons, o design etc., que estão disponíveis na
tela do computador e em muitos materiais impressos”(2004, p.38), e que também se agregaram na
construção de nosso jornal- mural.
Os resultados com o jornal-mural extrapolaram nossas expectativas iniciais, promovendo um clima de
motivação, envolvimento, reconhecimento e afetividade entre os alunos, que apreciaram a vivência,
conforme citado por eles:
Aluno 5: Na minha opinião o jornal, com certeza, foi uma ótima oportunidade de interação com outras
turmas. Agregou muito no conhecimento em relação à pesquisa e principalmente nos fez expressar a
criatividade.
Aluno 6: Eu achei muito interessante escrever algo com as minhas palavras e foi algo que toda a
comunidade do IFSul gostou.

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Iniciativas De Interdisciplinaridade No Primeiro Ano Do Cursotécnico Em Controle Ambiental Do IFSUL Camaquã-2019

Aluno 7: Foi uma experiência interessante, pude ser criativa, mostrar as coisas pelas quais nos
interessamos. Achei bem válido. Um jeito legal de avaliação.
Aluno 8: Achei uma ideia bem legal que deixa os alunos se expressarem e serem criativos.
Aluno 9: O jornal mural foi uma proposta muito interessante, porque além da gente se empenhar
bastante também expressa a nossa criatividade.
Aluno 10: Eu gostei muito da proposta do jornal mural e também de fazê-lo. Aprendi coisas novas com
as minhas matérias e as dos meus colegas. Gostei muito também da decoração que fizemos.
Aluno 11: O jornal mural foi muito agregador de ser feito porque me possibilitou desenvolver ideias e
expressar a criatividade, além de fazer com que me debruçasse em pesquisas e ter um retorno positivo
dos alunos.
Aluno 12: Foi uma experiência muito boa, gostei de procurar e estudar sobre os temas propostos.
Gostaria de fazer outra vez!
Aluno 13: Achei muito boa, pois nos traz oportunidade de falar sobre vários assuntos virados para o
público jovem.
Aluno 14: Foi muito interessante, podermos aprender mais e colocar em prática as duas disciplinas
Aluno 15: Muito bom, amei! Meus colegas eram ótimos e muito atenciosos para trabalhar.

2.2. A CRIAÇÃO DE VÍDEOS

A leitura é necessária para a aprendizagem de todas as disciplinas e, por isso, é um elemento


fundamental para o aprimoramento do uso da linguagem, como forma de expor e recriar o mundo,
como o desenvolvimento da autonomia e de um posicionamento crítico diante de problemas. Zaora
Failla (2016), esclarece que um leitor proficiente é aquele que dá significado ao processo, desvenda
ideologias, problematiza, relaciona as informações e posiciona-se diante do que está escrito.
A execução da primeira etapa do projeto, com a criação do jornal-mural, fez- nos perceber que, muitas
vezes, os alunos buscam as informações que necessitam nas redes sociais, que, geralmente, trazem
um conhecimento fragmentado, incompleto ou de fonte duvidosa. Sendo assim, não basta apenas,
conduzi-los a ferramentas científicas, como a leitura de artigos, mas antes disso, estimulá-los à prática
da leitura e à criticidade do que estão lendo. Como Failla (2016) evidencia, as mídias, em geral,
possibilitam o acesso a uma leitura utilitária, que informa sobre fatos e dados atualizados, mas não
proporciona uma leitura crítica, ou seja, aquela que desperta diferentes visões de mundo e de
realidade e possibilita criar novos conhecimentos.

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Uma vez que os alunos experimentaram diversas leituras, escritas e reescritas durante a criação do
jornal-mural, propusemos que o encerramento desta atividade integrada seria um relato criativo em
formato de vídeo, em que os alunos refletissem sobre a importância da leitura enquanto estudantes
do Ensino Médio. Dessa maneira, eles poderiam seguir com o trabalho em equipe, com as construções
coletivas, com o desafio à criatividade, mas explicitando que a leitura e a escrita são processos
complementares, que fundamentaram o processo criativo de nossos jovens escritores. “A leitura é
motivada pela vontade do ser humano de aprender, descobrir e trocar experiências.” (Raimundo, 2009,
p.115)
Zaora Failla (2016) reitera que ler significa muito mais que identificar letras e palavras, é necessário
compreender e se apropriar do significado, através da seleção, da organização, da interpretação e da
reelaboração do conhecimento. Isso exige uma maior dedicação por parte do leitor em relação às
informações aleatórias imediatas que passam rapidamente pelos olhos ao arrastar o mouse.
A leitura é capaz de aprimorar o senso crítico, garantindo novas vivências e práticas sociais, abrindo os
horizontes através da imaginação, permitindo experiências enriquecedoras, através da busca pelo
conhecimento e do estímulo à criatividade. Desse modo, textos e leitores precisam ser aproximados,
já que “o sujeito traz para o ato de ler sua própria existência e atribui novos significados ao que foi
lido” (RAIMUNDO, 2009, p.108).
Consonante com este posicionamento, segundo Verônica Silva (2019, p.49), “a leitura crítica permite
ao leitor fazer escolhas equilibradas e conscientes, tornando- se capaz de tomar decisões de maneira
autônoma, afastando-se assim, do conformismo”. Desse modo, para a autora, o leitor crítico trabalha
com questionamentos, é capaz de organizar conflitos e também de se posicionar a partir do que leu.
Pensando nisso, a segunda proposta interdisciplinar foi o planejamento e a execução de um vídeo que
evidenciasse a importância da leitura para os alunos do Ensino Médio. Cada grupo escolheu a sua
forma de apresentação: como programa de entrevista, de auditório, em formato jornalístico, resenha
booktuber, entre outros. Cada grupo relatava dados sobre a leitura no Brasil, curiosidades sobre obras
selecionadas e dicas para os jovens leitores. E essa atividade uniu as disciplinas na criação de vídeos
originais e criativos que estão disponíveis no canal do YouTube "TPLeitor". “O importante é que haja
criatividade para despertar o interesse pela leitura, estimulando o gosto pelos livros e tornando-os
mais acessíveis”. (Raimundo, 2009, p.111).
Primeiramente, os alunos realizaram um roteiro com as suas ideias da temática que iriam abordar
(leitura científica, leitura de ficção, uma obra específica, um relato de experiência), e a seguir definiram

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a maneira que esse tema seria apresentado. Após a apresentação deste pequeno script, os estudantes
se envolveram com a gravação e edição de seus vídeos.
Nesse processo, passamos dessas ideias inicialmente escritas, à prática da gravação e edição. A seguir,
os resultados de suas produções foram apresentados ao grande grupo, realizando uma roda de
conversa, que avaliou cada produção. Assim, na disciplina de Seminários, tópicos de comunicação
foram avaliados, como a questão da postura, dos gestos, da expressão corporal, da fala. Já na disciplina
de Língua Portuguesa, apreciamos a questão da linguagem e do contexto, da adequação ao gênero, e
o uso da oralidade nesta elaboração. Dessa maneira, produtores e espectadores puderam discutir e
argumentar sobre a criação e a recepção, salientando os tópicos mais relevantes do resultado.
Cabe destacar aqui quatro trabalhos:
a)a criatividade da recriação da realidade vivida pela família de Anne Frank (FRANK, Anne, São Paulo:
Editora Principis, 2019), disponível em https://www.youtube.com/watch?v=42PPjOcZZIk&t=16s ;
b)a maneira leve e divertida da recomendação da leitura da obra As Crônicas de Nárnia (LEWIS, C.S,
SãoPaulo:EditoraWMF, 2009), disponível em https://www.youtube.com/watch?v=tSsxfsd8Af4&t=74s ;
c)o uso da linguagem metafórica na retomada da obra de William Shakespeare de Romeu e Julieta para
osdiasdehojeemumprogramadeentretenimento(PortoAlegre:L&PM,2012),disponívelemhttps://www.
youtube.com/watch?v=nLhjFNp07eY&t=5s ;
d)A sensibilidade do relato de experiências e dicas de leitura para jovens, disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=1bny9rK5UaI.
Segundo Silva (2019, p.50), as plataformas de vídeo (como o booktube), trouxe a possibilidade de
usuários debaterem sobre as suas leituras em diversos canais, fazendo indicações de livros e trazendo
curiosidades sobre temas relacionados ao universo da literatura. Assim, alunos e professores poderiam
aproveitar essa alternativa para ampliar o contato dos alunos com a leitura, valendo-se de algo próprio
do convívio juvenil.

3.CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio destas iniciativas, os estudantes puderam conhecer o gênero textual jornal- mural; interagir
com o seu grupo de trabalho e demais colegas, na construção de um texto coletivo; conhecer os
subgêneros que compõem o jornal-mural como: editorial, reportagem, charge, entrevista, entre
outros; usar a norma padrão na escrita dos textos; discutir as produções textuais realizadas pelos
colegas. O resultado principal foi o progresso na produção textual, seja ela escrita ou oral, a integração
entre os grupos de trabalho, bem como a relevância ambiental e social dos temas abordados. Estudos

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Iniciativas De Interdisciplinaridade No Primeiro Ano Do Cursotécnico Em Controle Ambiental Do IFSUL Camaquã-2019

como Retratos da leitura no Brasil 4 evidenciam que a mediação de leitura é a melhor ferramenta de
estímulo ao ato de ler, e que a influência de um colega ou professor é muito importante nesse processo,
como comprova a segunda etapa do projeto, da produção de vídeos, que demonstra a importância da
leitura. “Quanto mais experiências viver o leitor e quanto mais gêneros linguísticos ele conhecer, mais
poderá usufruir da leitura.” (RAIMUNDO, 2009, p.108).
Além disso, nunca foi tão necessário compreender a complexidade das questões ambientais como nos
dias atuais, refletir sobre a relação indissociável entre os ambientes naturais e os seres humanos e
questionar as contradições quando se fala sobre meio ambiente. Neste sentido, a leitura e a divulgação
de livros, notícias, informativos, artigos ou outros, promovida pela integração das disciplinas da
formação técnica e básica, foi essencial para apontar temas geradores e contextos importantes, que
foram usados para a introdução, a compreensão ou a exemplificação de conceitos técnicos e para a
motivação dos alunos pelas ciências do ambiente.
Assim, concordamos com Hornes & Santos (2015) quando afirmam que a prática da leitura facilita
uma aprendizagem significativa e possui grande influência no desenvolvimento intelectual do
educando, incentivando a criatividade e promovendo a capacidade de concentração. Da mesma forma,
estudos como Retratos da leitura no Brasil 4 evidenciam que a mediação de leitura é a melhor
ferramenta de estímulo ao ato de ler, e que a influência de um colega ou professor é muito importante
nesse processo, como comprova a segunda etapa do projeto, da produção de vídeos, que demonstra
a importância da leitura.
Acreditamos que conseguimos trabalhar conteúdos que estavam diretamente relacionados às
disciplinas, mas também, conceitos que trazem sentido para a vida dos educandos, como a criticidade,
o trabalho em equipe, o olhar para si, para o outro e para o meio social, cumprindo o papel previsto
para o Ensino Médio, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96) que
prevê a preparação do estudante para o trabalho e para a cidadania, o aprimoramento do pensamento
crítico, bem como a compreensão dos fundamentos científicos e tecnológicos através da conexão entre
a teoria e a prática.
Estas mesmas exigências atuais do mundo do trabalho e da vida cidadã,
tornam desejáveis pessoas e profissionais com flexibilidade, permanente
capacidade de aprendizado e de adaptação, autônomos e que obedeçam a
uma ética plural e cidadã. (MOITA LOPES & ROJO, 2004, p.15).

Por fim, sabemos que o Ensino Médio Integrado à Educação Profissionalizante (EMI) tem sido um
desafio permanente para os docentes, e que talvez não exista a implementação de um currículo
totalmente integrado em alguma escola. Entretanto, acreditamos também que o diálogo entre

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professores, de modo colaborativo e com base na reciprocidade e no respeito pelos saberes e


experiências do outro, favorece a ação interdisciplinar fomentada pela proposta do EMI.

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4.REFERÊNCIAS

ABREU, Márcia Martins de Oliveira; ARENA, Adriana Pastorello Buim Arena. O jornal- mural como
possibilidade de uso da língua viva. In: ARENA, Adriana Pastorello Buim Arena; RESENDE; Valéria
Aparecida Dias Lacerda. A vida na escrita e a escrita na vida: um encontro entre Vigotsky, Voloshínov
eFreinet.SãoCarlos:Pedro&JoãoEditores,2020.Disponívelemhttps://www.researchgate.net/profile/Ad
riana_Arena2/publication/341458836_O_JORNALMURAL_COMO_POSSIBILIDADE_DE_USO_DA_LING
UA_VIVA/links/5ec285a54585 15626cb0c9dc/O-JORNAL-MURAL-COMO-POSSIBILIDADE-DE-USO-DA-
LINGUA-VIVA.pdf Acesso em 15/07/2020.

BONINI, Adair. Jornal escolar: gêneros e letramento midiático no ensino-aprendizagem de linguagem.


In: Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 11, n. 1, p. 149-175, 2011. Disponível
em: https://www.scielo.br/pdf/rbla/v11n1/v11n1a09.pdf. Acesso em 17/07/2020.

BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares


Nacionais:EnsinoMédio.Brasília:MinistériodaEducação,1999.Disponívelem:<http://portal.mec.gov.br/
setec/arquivos/pdf/BasesLegais.pdf> Acesso em: 26/07/2019

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB. 9394/1996. FAILLA, Zaora (org). Retratos
da leitura no Brasil 4. Rio de Janeiro: Sextante, 2016.

FERREIRA, Letícia Schneider Ensino Médio Integrado: possibilidades de interdisciplinaridade entre os


conteúdos de História e as disciplinas da área técnica nos cursos ofertados no Campus Bento Gonçalves
do Instituto Federal do Rio Grande do Sul. In: Revista do Lhiste, Porto Alegre, n.2, v.2, jan/jun. 2015.
Disponível em:<https://seer.ufrgs.br/revistadolhiste/article/view/55923>. Acesso em: 26/07/2019.

MOITA-LOPES, L. P.; ROJO, R. H. R. Linguagens, códigos e suas tecnologias. In: BRASIL. Ministério da
Educação.Secretaria de Educação Básica. Departamento de Políticas de Ensino Médio. Orientações
curriculares de ensino médio. Brasília, DF, 2004. p. 14-56.

PIASTUCH, Juliana Dias; ANDRADE, Laís Ponciano de; MARTINS, Juliane; SILVA, Ana Carolina de Araújo;
FEGER, José Elmar. O jornal mural como forma de integração e interdisciplinaridade na universidade.
In: CONGRESSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO NA REGIÃO SUL. 19, 2018, Cascavel, PR. (Anais…).
Cascavel: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. 2018. Disponível
em:<https://portalintercom.org.br/anais/sul2018/lista_area_IJ03.htm> Acesso em: 26/07/2019.

RAIMUNDO, Ana Paula Peres. A mediação na formação do leitor. In: CELLI – COLÓQUIO DE ESTUDOS
LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS. 3, 2007, Maringá. Anais... Maringá, 2009, p. 107-117.

RAMOS, Marise. Ensino médio integrado: da conceituação à operacionalização. Cadernos de pesquisa


em Educação – PPGE/UFES. Vitoria, ES.a.11, v.19, n.39, p.15-29. Jan./jun. 2014. Disponível em:
<http://periodicos.ufes.br/educacao/article/view/10243/7029> Acesso em: 26/07/2019.

ROCHA, Laizir Escarpanezi; ROSA, Maria Cristina de Lima; ROCHA, Zenaide de Fátima Dante Correia;
MAGALHÃES JÚNIOR, Carlos Alberto de Oliveira. O jornal escolar como possibilidade de
interdisciplinaridade no ensino básico. In: Arquivos do MUDI. v.21, n.2,p. 132-141, 2017.
Disponívelem:<http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/ArqMudi/article/view/40948>Acessoe
m 17/07/2019.

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Iniciativas De Interdisciplinaridade No Primeiro Ano Do Cursotécnico Em Controle Ambiental Do IFSUL Camaquã-2019

SILVA, Verônica Vitória de Oliveira. Booktube: a resenha literária como estratégia para o letramento
literário.MinasGerais,UFMG,MestradoProfissionalPROF/LETRAS,2019.Disponívelemhttps://repositori
o.ufmg.br/bitstream/1843/32944/1/Disserta%c3%a7%c3%a3o%20Ver%c3%b4nica%20-%20Pronto.p
df Acesso em 14/07/2020.

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Iniciativas De Interdisciplinaridade No Primeiro Ano Do Cursotécnico Em Controle Ambiental Do IFSUL Camaquã-2019

APÊNDICE A.

Fotografias de algumas edições do jornal-mural elaboradas pelos alunos do primeiro ano do Curso
Técnico em Meio Ambiente do IFSul - Camaquã, 2019.

14
677
Iniciativas De Interdisciplinaridade No Primeiro Ano Do Cursotécnico Em Controle Ambiental Do IFSUL Camaquã-2019

Fonte: Fedra G. O. Q. Kruger e Sandra B. Salenave de Brito (2019)

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Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 48
10.37423/200702085

O ITINERÁRIO DE RECONHECIMENTO DAS


COMUNIDADES TRADICIONAIS DO PAE JURITI
VELHO

Lílian Regina Furtado Braga Programa de Pós-Graduação em Sociologia


(PPGSD) e Direito da Universidade Federal
Fluminense (UFF)
Wilson Madeira Filho Programa de Pós-Graduação em Sociologia
(PPGSD) e Direito da Universidade Federal
Fluminense (UFF)
Marcelino Conti de Souza Programa de Pós-Graduação em Sociologia
(PPGSD) e Direito da Universidade Federal
Fluminense (UFF)
O Itinerário De Reconhecimento Das Comunidades Tradicionais Do PAE Juriti Velho

Resumo: Este trabalho tem como objetivo apresentar os caminhos traçados pelas comunidades
ribeirinhas do lago de Juruti Velho, no município de Juriti, no Oeste do Estado do Pará, para o
reconhecimento jurídico-formal da sua forma tradicional de ocupar e utilizar o território. O interesse
das mineradoras na Amazônia, que conflita diretamente com as comunidades tradicionais, é pauta
constante na região, pois a apropriação territorial das comunidades ribeirinhas tradicionais da região
não se limita à forma de exploração dessas atividades econômicas. Os autores acompanharam alguns
momentos desse conflito através da atuação do Ministério Público Estadual e do Laboratório de Justiça
Ambiental, do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal
Fluminense, que atua na Unidade Avançada José Veríssimo em Oriximina PA, os quais, no âmbito de
suas atividades respectivas, vêm mapeando e acompanhando os conflitos socioambientais no
território, em especial aqueles envolvendo a atividade minerária. Articularam-se nesse processo
organizações sociais, religiosas e públicas. Os resultados desse esforço de diversos atores sociais foi o
reconhecimento do Estado e da empresa dos direitos territoriais das comunidades, a importância dos
valores, visões de mundo, simbologias, e tecnologias, como também, a reciprocidade, os saberes
associados à natureza das populações do território de Juruti.
Palavras-Chave: Conflitos socioambientais; Comunidades tradicionais; Amazônia: Mineração; Juriti.

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O Itinerário De Reconhecimento Das Comunidades Tradicionais Do PAE Juriti Velho

INTRODUÇÃO

O município de Juruti, como quase todos os municípios às margens do Rio Amazonas, tem a sua data
de fundação coincidente com a do período de colonização portuguesa, sendo Yuru ti (nome que alude
a uma espécie de pomba, de peito branco) uma área portuária que recebia os vapores que circulavam
o Rio Amazonas. A população local notadamente possui traços indígenas, fruto de uma origem em um
território de nativos Mundurucus. A mineração, que se instalou no local, provoca grande mobilidade
em virtude de suas intervenções, tendo algumas comunidades mudado de lugar em confronto e em
conformação com essa nova realidade econômica.
Pertencente à mesorregião do Baixo Amazonas, o município de Juruti tem um distrito onde,
inicialmente, se localizava sua sede e que, posteriormente, com a mudança da sede para um local que
facilitaria a chegada de embarcações na calha do rio Amazonas, passou a chamar-se de Juruti Velho ou
Vila Muirapinima.

Figura 1. Juruti Velho.

Fonte: http://portaljuruti-velho.blogspot.com

O presente texto pretende destacar o protagonismo das comunidades de Juriti, enquanto ação de
resistência e confronto ao modelo hegemônico de desenvolvimento propugnado pela atividade de
mineração. A força organizativa e reativa das comunidades fez com que o processo fosse diferenciado
em Juruti Velho. Esta, contudo, não pode ser descrita como uma vitória isolada num contexto dual,
mas, outrossim, como a vitória conjugada de várias articulações, que emprestaram ao cenário concreto
dos conflitos socioambientais, um modelo negocial plausível.

1. ECOS DE JURUTI VELHO

Registros de uma rebelião dos povos Mundurucu nos anos de 1795, contida por tropas do governador
Manoel da Gama, que mandara prender os rebeldes, debilitados e doentes, teria causado, um ano

2
681
O Itinerário De Reconhecimento Das Comunidades Tradicionais Do PAE Juriti Velho

depois, o êxodo de milhares de mundurucus que teriam vindo a formar a povoação de Canoma, Maués
e Juruti (CERQUEIRA E SILVA, 1833, p. 139).
Uma forma de controlar essa população fora promover o aldeamento em 1818 na região conhecida
como Juruti Velho, na missão Jesuíta de Juruty, ligada a paróquia de Nossa Senhora da Saúde (FERREIRA
PENNA: 1869, p.46). Em 1883, a então Villa de Juruty foi elevada à categoria de Município, o que durou
até 1900, sendo seu território anexado aos municípios de Faro e Óbidos. Em 1884, essa freguesia foi
transferida por ordem do presidente da Província e do Prelado Diocesano para Maracauassú-Tapera,
na margem direita do rio Amazonas, em frente à ilha de Santa Rita, facilitando o acesso pela navegação;
com uma população contadas em 200 almas, em face da resistência dos moradores de Juruti Velho de
transferir-se para o novo local (FERREIRA PENNA, 1869, p. 49).
O termo almas, ao dissociar raças e etnias, reflete bem a estética jesuíta colonizatória que marcou, e
ainda marca, aquele território. É fato comprovado que Juruti Velho constitui um território com
organizações dos mais diversos tipos: social, cultural, política e econômica. Essa estrutura sociológica
tem uma história enraizada na tradicionalidade, alicerçando a formação de agrupamento coletivo e a
presença da Igreja Católica, por meio das Irmãs Franciscanas de Maristella, que serviram (e ainda
servem) de apoio intelectual capaz de possibilitar às comunidades o acesso a uma leitura social e a
uma perspectiva de projeto de sociedade, além de conectar essas comunidades ao mundo, com a
formação e transmissão de informações para outras redes da sociedade, seja no âmbito regional,
nacional ou internacional. Isso significa que durante muito tempo a vocalização das demandas das
comunidades de Juruti teve a Igreja como principal amplificadora. Fato que ocorreu em diversos
processos na Amazônia e noutras localidades no Brasil e no mundo.
É no distrito de Juruti Velho que se concentra boa parte do platô mineral de bauxita, explorado pelo
Projeto Juruti da Alcoa. O Ministério Público Federal no Pará destacou, na Ação Civil Pública n.
2005.39.02.001667-1, que questiona o licenciamento ambiental do projeto minerador de bauxita de
Juruti, que

É conhecida a vocação minerária do Estado do Pará, que já hospeda


importantes empreendimentos de exploração mineral, alguns deles
representativos dos mais lucrativos negócios da balança comercial brasileira.
Boa parcela de tais empreendimentos, todavia, foi implantada ainda sob a
ótica de um modelo não democrático de participação política, o que retirou
da sociedade a possibilidade de, influindo na decisão, ver repartidos os
lucros da atividade, evitando que apenas os prejuízos viessem a ser
socializados.”1
A discussão trazida para o questionamento da implantação de um projeto minerador é o espelho das
movimentações sociais no Município de Juruti e especialmente no distrito de Juruti Velho, ao

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O Itinerário De Reconhecimento Das Comunidades Tradicionais Do PAE Juriti Velho

vislumbrar a instalação de um empreendimento que ignorou, inicialmente, a existência de pessoas na


região e invisibilizou aquele distrito.
Note-se nas expressões trazidas na ACP2:

Talvez a maior falha, no aspecto socioeconômico, além daquelas


relacionadas às políticas públicas e seu financiamento (como adiante será
comentado), está relacionada ao desconhecimento ou desconsideração dos
impactos potenciais da supressão do ecossistema florestal que se encontram
sobre os platôs a serem explorados e seus efeitos sobre as comunidades
lindeiras. Esses impactos são tão importantes que devem atingir
diretamente a cerca de um terço da população atual do município e não
possuem definição de responsabilidade financeira a cobri-los.
A Vila Muirapinima necessitava trazer a lume suas histórias e especialmente seu projeto de vida dentro
daquele espaço amazônico, lentamente ocupado pela mineração.
A vida do município de Juruti, antes do processo de ocupação minerador, dispunha de 9.000 habitantes
na sede do município e na sua zona rural em torno de 12.000 habitantes, e alguns poucos veículos
automotores. Em 2008, na sede do município havia tão somente uma rua asfaltada.
No cenário cultural, aquele pequeno povoado passou a desenvolver uma festa que remete à histórias
e ritos tribais e que se transformou num dos maiores festivais culturais do Pará, considerado
patrimônio cultural paraense: a FESTRIBAL, disputa entre as tribos folclóricas MUIRAPINIMA e
MUNDURUKU. Porém, no ambiente da economia amazônica, Juruti Velho tinha na produção de farinha
da agricultura familiar destaque no cenário regional, assim como a produção pesqueira que é
referência em toda região do Baixo Amazonas, somando-se aos municípios de Oriximiná e Óbidos e os
redutos pesqueiros de Terra Santa e Faro que abastecem boa parte do que é indicado como produção
pesqueira do Estado do Amazonas.
Lugar de beleza natural indescritível em muitos momentos, pois cada verão se desenham novas praias
e a cada inverno o rio forma novos igapós. Sendo esta realidade não fruto da imaginação poética do
ribeirinho ou do pesquisador, o território Muirapinima passou a sofrer diversas interferências, inclusive
no regime das águas, que começa a causar estranheza entres os habitantes.
A mineração é ambientalmente altamente impactante. A organização das comunidades no distrito de
Juruti Velho é composta de dezenas de comunidades ribeirinhas que ao longo de décadas se agregou,
compartilhando de um mesmo território e formas comuns e próprias de subsistência e utilização
espacial, característico das populações ribeirinhas do interior da Amazônia. Lindomar Silva (2014, p.
211) aponta que a comunidade é “uma forma de pensar, sentir e acreditar”:

É um fenômeno cultural que é construído e possui forte significado para as


pessoas, por meio de recursos simbólicos. A comunidade é um símbolo que
expressa as suas próprias fronteiras, símbolo que é apropriado

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683
O Itinerário De Reconhecimento Das Comunidades Tradicionais Do PAE Juriti Velho

coletivamente pelos seus membros, no entanto os seus significados variam


conforme as perspectivas pessoais.
A economia da vida na Amazônia, em maior ou em menor escala, está esculpida exatamente na
utilização dos recursos naturais distribuídos nos territórios. Porém compreender as complexas relações
comunitárias, é descortinar o itinerário traçado por estas para sair da invisibilidade e trazer a lume o
reconhecimento de sua forma de viver e relacionar-se com o território. Nesse sentido, pode-se
compreender como ponto de inflexão para se estabelecer o conflito, o rompimento das relações de
territorialidade. E, ao contrário da visão funcionalista, para a qual os conflitos são um simples sinal de
que algo não vai bem, trazendo críticas ao sistema e permitindo-lhe autorregulação permanente, há
que se considerar que na recusa dos atores, há também uma positividade. E que esta positividade não
é apenas constitutiva de sujeitos, que se definem com frequência em um movimento de recusa, mas
ela tem efeitos também sobre o modo como se organizam as relações espaciais e as formas de
apropriação do território e seus recursos (ACSERALD, 2004).

As comunidades de Juruti Velho buscam uma forma de organização para garantia de seu modo de vida.
Inicialmente estes grupamentos de famílias se reuniam em torno do cultivo da mandioca, da produção
da farinha e da pesca, com o desenvolvimento de pequena produção típica da agricultura familiar como
feijão, jerimum, melancia, hortaliças. Um segundo aspecto que constitui uma potencialidade presente
nas comunidades é a prática coletiva construída historicamente como alternativa à limitação
tecnológica, econômica e como prática de convivência social e colaboração mútua: o puxirum, como é
conhecido o desenvolvimento de mutirão em Juruti. O puxirum é a grande arte do fortalecimento dos
laços comunitários, especialmente nos fazeres da roça e na construção e/ou melhoramentos das casas
dos membros das comunidades.

2. VIBRAÇÕES ASCENDENTES

A teoria social da crítica da razão indolente (Santos, 2000), sustenta que estamos vivendo em um
momento de transição paradigmática, no qual o paradigma da modernidade se encontra em declínio,
em função do colapso do pilar da emancipação no pilar da regulação, fruto da convergência do
paradigma da modernidade e do capitalismo. Este período transicional possui duas dimensões
principais: uma epistemológica e outra societal. A transição epistemológica ocorre entre o paradigma
dominante da ciência moderna e o paradigma emergente (conhecimento prudente para uma vida
decente). A transição societal ocorre do paradigma dominante (sociedade patriarcal, produção
capitalista, consumismo individualista, identidades-fortaleza, democracia autoritária e

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684
O Itinerário De Reconhecimento Das Comunidades Tradicionais Do PAE Juriti Velho

desenvolvimento global e excludente) para um conjunto de paradigmas que ainda não sabemos
exatamente o que vem a ser - o que o autor vai denominar vibrations ascendences, conceito
emprestado de Fourier (Santos, 2000).
Em sua construção teórica, o autor afirma que o projeto da modernidade possui duas formas de
conhecimento: o conhecimento regulação e o conhecimento emancipação. Os pontos extremos do
primeiro são o caos (ignorância) e a ordem (conhecimento); do segundo são o colonialismo
(ignorância) e a solidariedade (conhecimento). O pilar da regulação é composto pelo Estado, o
mercado e a comunidade, enquanto no pilar da emancipação encontramos três formas de
racionalidade: a estético-expressiva, a cognitivo-instrumental e por último a racionalidade prático-
moral do direito. A absorção do pilar da emancipação pelo pilar da regulação se deu através da
convergência entre modernidade e capitalismo e a consequente racionalização da vida coletiva
baseada apenas na ciência moderna e no direito estatal moderno (Santos: 2000, p. 42).
A sobreposição do conhecimento regulação sobre o conhecimento emancipação, portanto, se deu
através da imposição da racionalidade cognitivo-instrumental sobre as outras formas de racionalidade
e a imposição do princípio da regulação do mercado sobre os outros dois princípios, Estado e
comunidade. Portanto, a emancipação esgotou-se na própria regulação e, assim, a ciência tornou-se a
forma de racionalidade hegemônica e o mercado, o único princípio regulador moderno. É o que o autor
vai definir como a hipercientificização e a hipermercadorização da regulação. Segundo Santos, o
princípio da comunidade e a racionalidade estético-expressiva são as representações mais inacabadas
da modernidade ocidental, e por isso seriam os princípios que poderiam colaborar para a construção
de um novo pilar emancipatório. O princípio da comunidade é “o mais bem colocado para instaurar
uma dialética positiva com o pilar da emancipação” (Santos: 2000, p. 75). Duas são as dimensões
fundamentais deste princípio: participação e solidariedade.
Em função da colonização através do princípio científico, a participação ficou restrita a uma noção de
esfera política entendida a partir da concepção hegemônica da democracia: a democracia
representativa liberal. O Welfare State foi o resultado da colonização do princípio da solidariedade. A
racionalidade estético-expressiva foi a que mais ficou fora do alcance da colonização. Assim como a
colonização do prazer se deu através do controle das formas de lazer e dos tempos livres, o autor
sustenta que:
[...] fora do alcance da colonização, manteve-se a irredutível individualidade
intersubjetiva do homo ludens, capaz daquilo a que Barthes chamou
jouissance, o prazer que resiste ao enclausuramento e difunde o jogo entre
os seres humanos. Foi no campo da racionalidade estético-expressiva que o

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685
O Itinerário De Reconhecimento Das Comunidades Tradicionais Do PAE Juriti Velho

prazer, apesar de semi-enclausurado, se pode imaginar utopicamente mais


do que semi-liberto (Santos, 2000, p. 76).
Essa espécie de copo democrático, metade cheio, metade vazio, permite enxergar a aparente vitória
estrutural da comunidade tradicional de Juriti Velho diante da escalada extrativista do minério também
como uma tutela estilizada, eis que mediada pela Igreja Católica, pelo INCRA e pelo Ministério Público
e até mesmo pela Alcoa. Dessa forma, uma suspensão da sobreposição do conhecimento regulação
sobre o conhecimento emancipação teria sido possível nesse contexto sui generis.

3. O IMPÉRIO DA BAUXITA

O Brasil está entre os cinco primeiros países em reserva de bauxita no mundo. A mina de bauxita de
Juruti tem uma expectativa de exploração para cerca de cinco décadas e, com o melhoramento
industrial na produção do alumínio, ganhou destaque mundial por passar a fazer parte da fabricação
de talheres, utensílios de cozinha e automóveis. A Alcoa, verificando que as redes de relação no
território de mineração se modificam com o surgimento do alumínio, passa a incorporar novos
territórios. Juruti, passa a fazer parte destes territórios “apropriados” pela empresa mineradora, que
se encontra em disputa internacional no mercado de alumínio.
No Brasil, a Alcoa ocupa territórios de mineração desde Santa Catariana, quando iniciou sua atuação
em 1986, em Tubarão SP, até no Pará, quando iniciou em Juruti suas incursões em 2005, porém com
presença bem anterior em Barcarena, onde já se desenvolvia a indústria de beneficiamento da bauxita
extraída no Pará, como possibilidade de aproveitamento do mercado minerador que se descortinava,
ultrapassando tão somente a extração bruta da matéria prima: bauxita. A presença da mineradora no
território de Juruti causa inicialmente confusão, pois em um município muito pequeno que sobrevivia
da agricultura familiar, uma tímida produção de gado para corte e de empregos públicos – na maioria
na sede do município, vê chegar negociadores de panelas e espelhos, que desejavam incialmente
informações da conformação territorial. História muito nova, mas com fazeres muito antigos, como se
pode observar em Costa e Sudério (2009, p. 11).
A espinha dorsal da ocupação portuguesa da Amazônia foi o indígena: seu
braço, seu cérebro e o ventre da mulher índia. O índio amazônico foi à ponta-
de-lança que garantiu à Portugal na época do Tratado de Madri (1750), o
maior território possível na Amazônia. Por isso, como afirmou Joaquim
Nabuco, "os gentios foram às muralhas do sertão". Sua importância não se
restringiu ao papel do soldado ou ao explorador das "drogas da mata", que
só ele sabia onde encontrar. Foi também o remo, a bússola, o provedor de
alimentos e de braços. Em suma, o instrumento para a implementação do
projeto geopolítico da Coroa portuguesa em seus enfrentamentos com
outros colonizadores europeus.

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O Itinerário De Reconhecimento Das Comunidades Tradicionais Do PAE Juriti Velho

Com estes mesmos fazeres se inicia a prospecção mineral em Juruti, que gerou um passivo
socioambiental, discutido em uma mesa de indenização por perdas e danos, que vem se construindo
como um novo paradigma nas relações de empreendimentos mineradores na Amazônia.
Madeira Filho e Taveira (2015) indicam que uma das características específicas da mineração é a rigidez
locacional. De fato, o empreendedor não possui liberdade na escolha do local, no qual desenvolverá
sua atividade, uma vez que as minas, necessariamente, serão lavradas onde a natureza as colocou. Na
Amazônia, em Juruti, o minério da bauxita se encontra sob os pés de populações tradicionais
ribeirinhas. Eis a pauta de conflito! A degradação ambiental é inerente à atividade de mineração. A
utilização dos recursos naturais é a garantia de sobrevivência das comunidades tradicionais. É no
território que essa disputa acontece.
Souza e Azevedo Filho (2018, p.6) citam que as lideranças locais, apoiadas pelo movimento social,
passaram a exigir esclarecimentos da empresa pelas incertezas e dúvidas relativas ao futuro da
população do município. Essas reações vinham principalmente das comunidades rurais que mais se
sentiam prejudicadas, como as comunidades do lago Juruti Velho que, por meio da Associação das
Comunidades da Região de Juruti Velho (ACORJUVE) pressiona ao diálogo com a sociedade jurutiense.
O Projeto Juruti – mineração de bauxita da AWA (ALCOA) - é um empreendimento de exploração
mineral e consiste na exploração da lavra mineral, beneficiamento do minério de bauxita, transporte
do produto e expedição por navio. Seguindo o curso para implantação do projeto minerador em
território de comunidades tradicionais, em 2004 a empresa iniciou processo de licenciamento
ambiental junto à Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (SECTAM) que culminou, em 2007,
na emissão de Licenças de Implantação para atividades de extração de minério, construção de ferrovia
e de instalações portuárias. A reserva de bauxita foi estimada em 205 megatoneladas de minério, um
longo percurso exploratório, o que obrigaria ao empreendimento conviver/relacionar-se com as
comunidades tradicionais que se encontram em processo de regularização fundiária, processo
notadamente marcado pelo incremento de projetos do governo federal e estadual de concessão do
direito real de uso às comunidades tradicionais, em territórios onde houve arrecadação de terras por
parte do Estado.
É o caso do Projeto Agroextrativista (PAE) JURUTI VELHO. O precedente estabelecido em decisão do
STF no caso Raposa Serra do Sol deixou insculpido que

Há perfeita compatibilidade entre meio ambiente e terras indígenas, ainda


que estas envolvam áreas de “conservação” e “preservação” ambiental. Essa
compatibilidade é que autoriza a dupla afetação, sob a administração do

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O Itinerário De Reconhecimento Das Comunidades Tradicionais Do PAE Juriti Velho

órgão ambiental. (Petição nº 3.388, rel. min. Ayres Britto, DJE de


25/09/2009).
Esse diálogo tem como referências legais e doutrinárias, nos esteios da regularização fundiária, a
Convecção 169 da Organização Internacional do Trabalho, detidamente nos dizeres dos artigos 13 e
14, apontando caminhos desse processo. Nesse sentido, para Duprat (2008, p.1): “cabe ao direito
assegurar-lhes o controle de suas próprias instituições e formas de vida e seu desenvolvimento
econômico, e manter e fortalecer suas entidades, línguas e religiões, dentro do âmbito dos Estados
onde moram”. Assim, a defesa da identidade cultural passa a ser, para os estados nacionais, um
imperativo ético, inseparável do respeito à dignidade da pessoa humana.
A presença da empresa Norte-Americana coloca as comunidades de Juruti no rol daquelas que
passaram a vivenciar o conflito ocasionado pela expansão capitalista. No caso, o domínio do território
das comunidades, como sua tradicionalidade, foi amplamente questionada, numa clara tentativa de
“remover obstáculos jurídico-formais e político-administrativos, que reservam áreas para fins de
preservação ambiental ou para atender a reivindicações de povos e comunidades tradicionais”
(ALMEIDA, 2010, p.117). Em sentido correlato, Gottman (2012, p. 526) trata sobre essa perspectiva
territorial e que desafia a comunidade jurídica:

As constantes dificuldades experimentadas pelos juristas demonstram a


necessidade de se aceitar que o território é um conceito, e um conceito
mutável. Como geógrafo, sinto que seja indispensável definir território como
uma porção do espaço geográfico, ou seja, espaço concreto e acessível às
atividades humanas. Como tal, o espaço geográfico é contínuo, porém
repartido, limitado, ainda que em expansão, diversificado e organizado. O
território é fruto de repartição e de organização. Tal como todas as unidades
do espaço geográfico, ele deve ser, em teoria, limitado, embora seu formato
possa ser modificado por expansão, encolhimento ou subdivisão.
Os caminhos traçados pelas comunidades ribeirinhas da região do entorno do lago de Juruti Velho, no
município de Juruti/PA, em busca da regularização fundiária de seu território e o reconhecimento de
sua tradicionalidade, indicam que sua organização foi pressionada pela ocupação territorial e pela
pressão do mercado minerador. O movimento nacional de destinação das áreas públicas, com o fim de
se ter uma definição dos territórios e sua possibilidade de utilização econômica, colocou no cenário
Juruti Velho e os percursos para ter a área do PAE JURUTI VELHO reconhecida em seu Contrato de
Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU) como comunidade tradicional ribeirinha. Todas essas
histórias devem ser colacionadas neste processo, pois não foi apenas o Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA), lançando mão da legislação já existente, que firmou
espontaneamente esse conceito. Tampouco foi a Alcoa que, desejando apresentar no mercado
internacional relações de sustentabilidade, reconheceu que deveria dialogar com as comunidades

9
688
O Itinerário De Reconhecimento Das Comunidades Tradicionais Do PAE Juriti Velho

tradicionais do lago Juruti Velho. Foram, outrossim, as comunidades que se colocaram no debate e
fizeram toda espécie de enfrentamento, não deixando qualquer outra possibilidade ao Estado e ao
empreendedor. As 49 comunidades distribuídas por todo o Projeto de Assentamento Extrativistas, que
são representadas pela ACORJUVE, trouxeram para os debates de mineração no Brasil o
reconhecimento ao pagamento do direito de lavra ao posseiro, aquele que está sob o território.
O território assim concebido, indica espacialidade; o local culturalmente construído a partir de lutas
identitárias. Quer-se com isso trazer presente o conceito de posse agroecológica e a importância de
estudar as regras construídas de legitimação do direito de propriedade nas áreas de apossamento
comum e o funcionamento do direito de propriedade em relação ao homem e a seus usos da natureza,
como fator de implementar uma efetiva proteção dos recursos naturais e respeitar os costumes locais.
Portanto, o território passa a ser concebido como algo que designa a condição de existência, de
produção e reprodução social. Os processos imateriais e as múltiplas formas de conhecimento, como
também a possibilidade de criar alternativas de superação de condições de invisibilidade e silêncios
impostos pela prática colonial do pensamento ocidental, foram fatores que estiveram presentes na
luta e na resistência das comunidades de Juruti Velho, questionando a racionalidade econômica
dominante e o modelo de desenvolvimento e bem-estar, produzindo experiências de articulação e
mobilização, além de afirmar, como base central de sua reivindicação, o binômio território-identidade.
Desta forma, as comunidades subverteram a racionalidade dominante, ao tomarem, como bandeira
de luta, saberes, temporalidades e o reconhecimento do território, contrapostos à sociabilidade
ocidental e ao direito, na sua expressão legal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Ministério Público, por meio da celebração e acompanhamento de um Termo de Ajustamento de


conduta (TAC), promoveu condições institucionais adequadas para a realização do Estudo de Perdas e
Danos do PAE Juruti Velho e o cálculo da indenização devida pela Alcoa em razão de danos e restrições
de utilização dos bens ambientais.
Nesse sentido, ocorreu a articulação de interesses divergentes e opostos para alcançar o melhor
arranjo de resultados. A principal dificuldade encontrada no processo talvez tenha sido justamente
lidar com os limites do licenciamento ambiental enquanto espaço de negociação. Algumas condições
institucionais de participação e controle no processo de discussão pública ambiental auxiliaram a
alcançar esse resultado festejado: a começar pela capacidade organizacional da ACORJUVE,
representativa dos interesses das comunidades ribeirinhas, para defender seus direitos; unida à

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O Itinerário De Reconhecimento Das Comunidades Tradicionais Do PAE Juriti Velho

capacidade técnica e profissional do INCRA Santarém e à capacidade presente no grupo empresarial


da Alcoa, que possibilitou assumir compromissos avançados na solução de conflitos com populações
tradicionais .
Nos dias atuais, muitas organizações comunitárias se estruturam e criam suas próprias redes e
articulações, como os povos indígenas, extrativistas e comunidades quilombolas. Fica então a
pergunta: as comunidades de Juruti conseguiram participar de uma rede capaz de potencializar suas
dimensões sociais, culturais e políticas? Esses aspectos constituem algo emblemático para a
organização das comunidades de Juruti, já que no desenvolvimento do processo ocorreu
espontaneamente uma divisão da tarefa, em que os agentes eclesiais, até pelos recursos disponíveis,
ficavam responsáveis em fazer a ponte entre a comunidade e o mundo; e as lideranças comunitárias,
em organizar e garantir a mobilização. Notadamente, essa divisão não pode ser algo rígido, relacionado
a algum tipo de hierarquia, mas sim como arranjos estruturais de momento, como forma de garantir o
processo. Nesse sentido, as comunidades de Juruti ainda são carentes de uma rede capaz de
retroalimentar, de maneira autônoma, sem tutela, os seus aspectos específicos.
Com organização e mobilização, as comunidades de Juruti Velho alcançaram suas reivindicações, como
o reconhecimento da condição de comunidade tradicional, com participação nos royalties e titulação
coletiva do território de Juruti Velho, através do Projeto de Assentamento Extrativista. Essas conquistas
constituem fato inédito na história das comunidades de Juruti. Acredita-se que as conquistas obtidas
pelas comunidades de Juruti podem ser entendidas a partir da compreensão de que há fatores
externos ou conjunturas que favorecem os avanços das reivindicações. Esses aspectos têm conjuntura
política, com relação histórica com organizações sociais, sindicais, religiosas e comunitárias.
Outro fator importante, foi a existência, desde a década de 1970, da congregação de Irmãs
Franciscanas ligada à Igreja Católica e vinculada à Teologia da Libertação e à Pedagogia do Oprimido, a
qual, durante anos, contribuiu para a formação e organização das comunidades, possibilitando, assim,
o surgimento de lideranças políticas, sindicais e sociais em Juruti. Além dos fatores já relacionados
tem-se, como hipótese, que existem elementos internos, ligados à composição orgânica dessas
comunidades, que servem de potencialidade, possibilitando a coesão capaz de impulsionar as ações
coletivas, dificultado a cooptação e a divisão no interior das comunidades.
Entende-se que todo o processo de mobilização capaz de mover as comunidades em vista de um
interesse comum possui raízes mais profundas que simples objetivos econômicos. Essas raízes são
historicamente construídas a partir de uma relação associativa, materializada na comunidade de
indivíduos que construíram as relações sociais, econômicas, políticas, culturais e ambientais coletivas

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O Itinerário De Reconhecimento Das Comunidades Tradicionais Do PAE Juriti Velho

como estratégia para superar as dificuldades materiais e imateriais. Esse conjunto de forças em
atuação permite espelhar as vibrações ascendentes no caso concreto apresentado. Portanto, a
comunidade constitui uma primeira potencialidade interna presente em Juruti. Tal aspecto permite
uma habilidade associativa capaz de mobilizar os indivíduos para a defesa dos interesses comuns.

12
691
O Itinerário De Reconhecimento Das Comunidades Tradicionais Do PAE Juriti Velho

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crescimento urbano: o caso da cidade de Juruti-PA. Manaus, UEA 2018.

13
692
O Itinerário De Reconhecimento Das Comunidades Tradicionais Do PAE Juriti Velho

NOTAS
1Cfe.http://www.mpf.mp.br/atuacaotematica/ccr6/dadosdaatuacao/acaocivilpubliva1/mineracaoga

rimpo-1/acp_licenciamento_juruti_pa.pdf.

2 Idem.

14
693
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 49
10.37423/200702093

VELHICE E INSTITUIÇÕES DE LONGA


PERMANÊNCIA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

Caroline Brandão Nascimento Centro Universitário Ateneu - UniAteneu

Francisca Mirna da Costa dos Santos Centro Universitário Ateneu - UniAteneu

Luana Lima Angelo Ferreira Centro Universitário Ateneu - UniAteneu

Kelyane Silva de Sousa Centro Universitário Ateneu - UniAteneu


Velhice E Instituições De Longa Permanência: Um Relato De Experiência

Resumo: O presente trabalho visa relatar a experiência de uma visita técnica em um lar de idosas,
localizado na cidade de Fortaleza, CE. O lar de idosas visitado teve início em 1941, em 2018, o lar era
constituído por quarenta e duas idosas e a equipe profissional de cuidado, composta por oito pessoas.
A realização da visita técnica ao lar de idosas buscou visitar e conhecer o espaço institucional, sua
estrutura física, bem como perceber o funcionamento sob a atuação dos profissionais inseridos no
espaço institucional. Esta visita permitiu que as acadêmicas pudessem conhecer um lar de idosas e
refletir quanto ao funcionamento das instituições totais. Possibilitou também o contato com um
profissional da área que estava à disposição para esclarecer dúvidas sobre o funcionamento da
instituição e sobre a rotina das idosas. Para embasamento teórico se utilizou os livros: Manicômios,
prisões e conventos de Erving Goffman (1974) e Vigiar e Punir de Michel Foucault (2002). Trata-se de
uma pesquisa qualitativa, de cunho bibliográfico e de campo. Os métodos utilizados para esta visita
foram: a entrevista semiestruturada e a técnica de observação participante. A visita constatou que as
instituições totais conquistam parte do tempo e interesse dos participantes e no caso desse lar de
idosas, acaba sendo um refúgio para muitas dessas senhoras, refúgio da solidão, do abandono e dos
maus tratos.
Palavra-Chave: Instituição; Idosas; Psicologia.

1
695
Velhice E Instituições De Longa Permanência: Um Relato De Experiência

1. INTRODUÇÃO

O envelhecer é uma fase da vida na qual a pessoa idosa passa por mudanças e adaptações que
influencia seu ciclo vital (PAPALIA, 2006). Nessa etapa da vida geralmente acontece uma sequência de
perdas, sejam elas simbólicas ou físicas, onde muitos idosos acabam perdendo sua autonomia pela
preocupação que a família tem de deixá-los sozinhos ou até mesmo de fazer as coisas sozinhos, a perda
do emprego por conta da chegada da aposentaria ou a qualidade de saúde que não é mais a mesma.
A terceira idade é vista como um momento da vida em que a pessoa idosa precisa de cuidados e
atenção, consequentemente, acaba dando mais despesas e tarefas para os familiares, por conta disso,
muitas famílias acabam optando por colocar os idosos em lares de idosos ou casas de repouso,
pensando em dar uma qualidade de vida melhor para os mesmos. Porém, está atitude pode ser vista
como uma forma de abandono, já que muitas famílias colocam os idosos em casas de repouso e
acabam não visitando ou não se preocupando tanto.
Pensando nisso, e em vista que o envelhecer é também um fenômeno subjetivo, foi feita uma visita
para melhor compreensão da vivência de mulheres idosas, após serem colocadas em um lar de idosas,
bem como o papel e funcionamento das instituições e do psicólogo na vida dessas senhoras. Visto que
o envelhecimento da população brasileira está ocorrendo de forma acelerada devido às
transformações do perfil populacional que estamos vivenciando, além da melhoria da expectativa de
vida da população, torna-se necessária uma maior demanda de profissionais aptos a lidar com as
alterações fisiológicas e sociais que ocorrem com o avanço da idade (OMS, 2005). Nesse cenário, os
profissionais da saúde devem estar capacitados para oferecer uma assistência de qualidade aos idosos,
de forma integral e humanizada (NUNES; et al., 2014.).
Para Bleger (1984), a mudança de paradigma em relação à atuação do psicólogo, do âmbito individual,
privado e, portanto, relacionado aos problemas psicopatológicos, para ingressar no campo da
promoção da saúde, abriu um leque de novas possibilidades de atuação para a prática da Psicologia:
grupos, instituições e comunidades. Assim, a decisão de um psicólogo em trabalhar em uma instituição
implica, antes de mais nada, um levantamento dos objetivos específicos da mesma e os meios pelos
quais ela busca alcançar tais objetivos.
Segundo Goffman (1974), estabelecimentos como asilos, hospitais, prisões, quartéis e conventos são
considerados “instituições totais”, a fim de sistematizar as características gerais e comuns que as
estruturam. O aspecto central das instituições totais que Goffman (1974, p. 18) fala, pode ser descrito
como:

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Velhice E Instituições De Longa Permanência: Um Relato De Experiência

‘’a ruptura das barreiras que comumente separam as três principais esferas
da vida da sociedade moderna: o descanso, o lazer e o trabalho. Em tais
instituições, todos esses aspectos da vida são realizados no mesmo local, sob
uma única autoridade, na companhia imediata de outros coparticipantes e
com um plano racional geral, supostamente planejado para atender aos
objetivos oficiais da instituição’’.
O presente trabalho trata-se de uma visita técnica feita no âmbito institucional, assim, a realização
desta visita buscou conhecer o espaço institucional, sua estrutura física, bem como perceber como
funcionam as instituições e a atuação do psicólogo neste campo de atuação, possibilitando o contato
com profissionais que trabalham dentro das instituições para esclarecer dúvidas sobre o
funcionamento da instituição e acerca das vivências das idosas. Com base nisso, pretende-se trazer
para o centro das discussões, a descrição do funcionamento das instituições totais e descrever sobre
a rotina das senhoras que moram em um lar de idosas, na cidade de Fortaleza- CE.
2. REFERÊNCIAL TÉORICO
2.1 VELHICE E SUAS SUBJETIVIDADES
Segundo Papalia (2006), o envelhecimento é dividido em duas fases: o envelhecimento primário e o
envelhecimento secundário. O envelhecimento primário está ligado a uma consequência inevitável de
ficar velho, ou seja, são os processos de deterioração biológica geneticamente programados, faz parte
da programação natural do sistema biológico humano. Já o envelhecimento secundário refere-se às
doenças, maus hábitos, alimentação, enfim, aquilo que pode ser evitado. Assim, pode-se dizer que o
processo de envelhecimento traz consigo muitas experiências, histórias e lembranças vividas pelos
idosos. Nessa fase da vida acontecem muitas perdas, uma das mais comuns, a morte do cônjuge. Na
vida do idoso, este rompimento pode trazer repercussões físicas e/ou mentais durante o processo de
luto, principalmente quando se trata da morte de seu cônjuge, a pessoa com quem se viveu anos e foi
perdida para uma doença ou até mesmo para a velhice (PAPALIA, 2006).
O luto pode ser definido como uma constelação de reações e comportamentos desencadeados pelo
rompimento de um vínculo existente entre duas pessoas (PARKES, 2009). A vivência desse processo de
luto não tem tempo determinado desde que seja vivenciado o luto normal, que é esperado e bem
caracterizado, em vista que é uma experiência subjetiva e singular para cada sujeito que vivencia. Por
mais que a morte seja um acontecimento natural no ciclo vital, o enfretamento desse luto é um desafio,
em vista que na terceira idade, ainda existe vida para o cônjuge que fica.
A aceitação da perda acontece de forma gradual e singular, muitas vezes, segundo Carvalho (2007),
nesse processo existe a incidência da raiva. Na maioria dos casos, a razão apresentada para a raiva era
que a pessoa em questão teria sido parcialmente responsável pela morte do marido. Isso é muito

3
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Velhice E Instituições De Longa Permanência: Um Relato De Experiência

comum no caso de mulheres que cuidam de seus maridos até o fim da vida, as idosas acham que não
fizeram o suficiente para manter seu parceiro em vida. Falando sobre perdas, podemos citar as perdas
significativas e/ou cognitivas, como a perca de emprego, chegada da aposentadoria, muitos deles
chegam a ficar dependentes da família ou de um cuidador, a capacidade de armazenar informações já
não são mais as mesmas, essas consequências e perdas no processo de envelhecimento também
podem trazer sofrimento para a vida dos idosos (OMS, 2005).
Relacionado ao desenvolvimento cognitivo, nesta fase, o autor Coll, et al., 2004, p. 390, afirma que:

‘’nossa capacidade para lidar e para interagir adequadamente com o


ambiente vai depender, em grande medida, de nossa habilidade para
detectar, para interpretar e para responder de maneira apropriada à
informação que chega até os nossos sentidos. O envelhecimento biológico
do cérebro é, em geral, evidenciado pela perda de intelecto, memória,
capacidade criativa e cognitiva. Mas, ao contrário do que se pensa, esse
processo não acontece de repente, logo que a pessoa atinge uma
determinada idade, trata-se de um processo lento que progride com o passar
dos anos.’’
Ser idoso em si já traz grandes significações para estes sujeitos, por inúmeras questões pessoais, sociais
e culturais que existem e é sempre um ponto forte na sociedade. O processo do envelhecer traz um
certo julgamento para a sociedade, até mesmo pelas pessoas que já estão passando por esse processo.
A grande questão dos julgamentos é por conta de que existe uma figura criada e instalada na sociedade
atual de que as pessoas mais velhas não são mais vistas como experientes, mas sim como uma
inutilidade no mundo atual (COLL; et al, 2004). O processo de envelhecimento traz grandes mudanças
sejam elas mínimas ou culminantes. Este processo é algo totalmente singular, onde o idoso pode se
sentir consciente e habituado pelas perdas que vem sendo encaradas a cada dia, sejam elas perdas
cognitivas, motoras ou pessoais. Porém, este processo para outros é algo angustiante por se sentir
inutilizado e incapaz, por antes resolver atividades que para os próprios eram básicas (PAPALIA, 2006).

2.2.GENÊRO E ENVELHECIMENTO: PROCESSO DO ENVELHECER FEMININO

Este trabalho está associado a um relato de experiência com mulheres idosas, portanto, existe uma
grande consideração para apresentarmos esse processo de envelhecer feminino e suas subjetividades.
Assim, conforme a definição da OMS (2005) considera-se que são “pessoas mais velhas” aquelas com
60 anos ou mais. Reconhece-se, porém, que tal definição de idade cronológica na tentativa de definir
a fase conhecida como velhice não pretende ser, como não é, um marcador que acompanha o
envelhecimento, tornando-se necessário considerar aspectos socioeconômicos e culturais ao se
pensar no envelhecimento de pessoas e populações, especialmente ao se desenvolver políticas sociais

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Velhice E Instituições De Longa Permanência: Um Relato De Experiência

voltadas ao idoso, população esta que tem crescido muito rapidamente, mais que qualquer outra faixa
etária, em todo o mundo (OMS, 2005).
Motta (2006) salienta que a velhice afeta de modo diferente homens e mulheres. Como sujeitos que
viveram processos socializadores muito diversos em seu curso de vida, por mais que tenham, no
processo de envelhecimento, experiências que sejam ou aparentem ser comuns à sua idade, a
condição de gênero enseja experiências e representações distintas. A influência do gênero altera a
saúde e a qualidade de vida nessa etapa do desenvolvimento, e isso pode ser explicado por um
contexto histórico vivenciado especialmente pelas mulheres ao decorrer dos anos. Em uma sociedade
fundada no sistema patriarcado, onde o homem teve historicamente mais direito que as mulheres no
âmbito público e no privado, o crepúsculo da vida reafirma as desigualdades construídas (MOTTA,
2006).
Nessa etapa da vida, existem alguns fatores significantes para tais que trazem angústia e sofrimento
pelas mudanças extensas. Para as idosas, a família é um ponto de tensão pois ocasiona aspectos
positivos ou negativos, como afirma Catusso (2005), a família, muitas vezes, pode ser um fator negativo
para a socialização do idoso, quando esta é demasiadamente protetiva e não incentiva a autonomia
do mesmo. Tem-se a ideia de que a mulher idosa não possui mais nenhum papel social, principalmente
familiar onde é vista com inutilidade, pois, seus filhos já estão independentes, e a imagem de ser o
mais experiente se torna inexistente.
Nas relações sociais Catusso (2005) também destaca a grande importância do convívio com outras
idosas, podendo ser estabelecidos vínculos de confiança e construção de novas autonomias que foram
perdidas durante o envelhecer. Essa autonomia acaba trazendo para elas a sensação de ser útil
novamente, por ir a lugares onde dependia da família ou cuidador para ir, a prática de exercícios em
conjunto, viagens que acontecem com algum grupo de idosas. Muitas mulheres idosas quando não
encontram apoio em si, são afetadas por este apoio em outras idosas, pelo compartilhamento de
histórias e acontecimentos, ocasionando a elas um novo olhar para si, principalmente quando a uma
identificação entre elas. Segundo Almeida (2005, p. 55):

“a identidade é um processo social porque o conhecimento de alguém se dá


no (re)conhecimento recíproco dos indivíduos nos grupos, nas instituições,
na sociedade de que fazem parte”. Portanto, com essa construção social a
um grande levantamento de autoestima e sensação de independência que
por si só não ocorria.’’
Relações sociais são especialmente redes de apoio para essas idosas, ou seja, aquelas pessoas com as
quais as idosas podem contar quando tiverem problemas, elas demonstraram uma maior preferência

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pelos amigos ao invés de familiares. As relações com pessoas da mesma idade se tornam positivas,
assim explica Garcia e Leonel (2007), os quais relatam que muitos idosos se reúnem para facilitar a
transação do processo de crise que enfrentam no trânsito para a velhice.

2.3 A RELIGIÃO COMO PONTO DE PARTIDA

A igreja parece desempenhar um papel importante na vida social das pessoas da terceira idade, pois a
igreja acaba sendo um novo meio de conviver em grupos sociais e até mesmo a religião acaba sendo
um amparo emocional para muitos idosos, pois a fé presente na prática religiosa muitas vezes vem
como um mecanismo de superação relacionado a doenças, na qual o Deus que elas creem ouvem seus
pedidos de cura e libertação. Para Koenig (2001) a religião é vista como crenças, práticas, rituais e
símbolos sagrados de ordem transcendente (Deus, força maior, verdade suprema...). A religiosidade
pode ser praticada de forma praticante: indo as missas, participando de grupos de oração, ou de forma
não praticante: rezar, assistir programas religiosos.
A prática religiosa na terceira idade tende a melhorar o bem estar das idosas, pois é uma forma de
cuidar da saúde mental também, os efeitos da religiosidade são subjetivos, pois depende da maneira
como uma dessas mulheres veem Deus e o tipo de relação que elas mantêm com ele, trazendo uma
atitude promissora e positiva sobre a vida e o envelhecer. Através da religiosidade é possível também
nessa fase da vida tardia lhe dar com situações traumáticas e negativas. Assim como pode ser benéfica,
a religiosidade na terceira idade também pode trazer seus pontos negativos, pois, uma vez em que se
dúvida da existência de sua entidade transcendente (Deus), duvida-se então de seus poderes,
descontentamento espiritual ou se acontece algo ruim acredita-se que Deus está punindo (KOENIG,
1991).
O autor Ellison (1991) coloca que a religiosidade subjetiva traz efeitos tanto cognitivos como afetivos
para a vida do idoso, pois produz um padrão de interpretação para as experiências da vida, amenizando
seus efeitos negativos, trazendo benefícios espirituais como o consolo e psicológico como controle
diante das dificuldades da vida.

3.METODOLOGIA

A pesquisa apresentada é de natureza qualitativa, pois trabalha como significados atribuídos as ações
dos sujeitos, na qual foi realizada uma pesquisa bibliográfica e de campo em um lar de idosas,
localizado na cidade de Fortaleza-Ceará. Para obter os resultados acerca dos objetivos da visita, foi
utilizado o método de pesquisa descritivo com a finalidade de analisar o funcionamento das

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instituições totais a partir do estudo das teorias dos autores Goffman (1974) e Foucault (2002), a partir
da técnica de estudo de campo.
O estudo de campo procura o aprofundamento de uma realidade específica. É basicamente realizada
por meio da observação direta das atividades do grupo estudado e de entrevista com informantes para
as explicações e interpretações do que ocorre naquela realidade (GIL, 2008). A seleção dos sujeitos
atendeu aos critérios estabelecidos, sendo eles: idosas a partir de 60 anos (em vista que no Estatuto
do Idoso, a pessoa idosa é caracterizada com idade igual ou superior a 60 anos - artigo1), do sexo
feminino e que sejam residentes do lar.
A pesquisa foi fundamentada a partir das teorias de Goffma (1974) e Foucault (2002), bem como o
relato de alguns cuidadores, diretoras do lar visitado e da perspectiva das idosas moradoras, sobre as
consequências de morarem um lar de idosos. Como técnica de coleta de dados desta pesquisa optou-
se pela entrevista semiestruturada e a observação participante com embasamento feito em sala de
aula através de livros lidos e discutidos, que se referiam ao conceito de psicologia das instituições,
psicologia das instituições na contemporaneidade e políticas públicas e instituições. A entrevista
semiestruturada foi feita com uma funcionária da instituição.
4. RELATO DE EXPERIÊNCIA NO ÂMBITO INSTITUCIONAL
4.1. BREVE DESCRIÇÃO DA INSTITUIÇÃO
A instituição existente desde 1941, é uma entidade filantrópica, sem fins lucrativos, de longa
permanência que acolhe mulheres da terceira idade, a partir dos 60 anos ou mais, que sejam lúcidas
e que precisam de cuidado especializado, atenção e companhia. A entidade desenvolve atividades
sociais e de lazer que buscam melhorar saúde física e mental das idosas, tais como: educação física,
terapia ocupacional, oficina de dança, fisioterapia, terapias grupais e datas comemorativas do
calendário civil, entre outras, sendo estas assistidas por profissionais voluntários.
As visitas para as idosas acontecem diariamente e ocorrem no horário entre às 08 horas da manhã e
às 16 horas da tarde, algumas idosas possuem vínculos familiares e recebem visitas, outras delas
realmente são sozinhas. A proposta deste lar de idosas visitado, é além de acomodar e proteger, é
ocupar o tempo das idosas com atividades proveitosas para estimular a mente e trazer uma maior
longevidade. Além do mais, a instituição conta com apoio e doações de alimentos, matérias de higiene
pessoal e roupas. Cada idosa residente também contribui com 70% da sua aposentadoria. No ano
dessa visita, moravam 42 idosas e a equipe de cuidadoras, que são 4 cuidadoras e 2 técnicas de
enfermagem, no qual, até mesmo no horário noturno, as idosas não ficam sozinhas em momento
algum.

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Velhice E Instituições De Longa Permanência: Um Relato De Experiência

4.2.RELATO DA VISITA Á INSTITUIÇÃO

A visita técnica foi realizada no dia 12 de dezembro de 2018, a um lar de idosas, localizado em
Fortaleza-CE, com alunas do 6° semestre, do curso de psicologia, de uma universidade privada,
também localizada em Fortaleza-CE. Durante a visita as acadêmicas foram recebidas pela assistente
social, que trabalha tanto na parte administrativa como social da instituição. Inicialmente, foi
observado a atividade que estava acontecendo, um lanche e uma sessão fisioterápica coletiva.
No que foi possível observar, a instituição é muito bem estruturada fisicamente composta por:
recepção, capela de oração, banheiro social para visitantes, refeitório, enfermaria e pequenas casas
onde as idosas residem. Nas pequenas casas moram as idosas que tem uma condição financeira
melhor, para bancar uma moradia sozinha dentro da instituição, grande parte delas tem suas próprias
residências, porém, elas também cumprem os horários estabelecidos pela própria instituição e
possuem tratamento igual as demais. As que dormem na enfermaria são as que moram no coletivo
como um todo ou as que são acamadas, que eram apenas duas.
As idosas possuem uma rotina diária a ser seguida, acordando as 06h para se reunir para o café coletivo
às 06h30. Mesmo tendo uma rotina, existem horários onde elas têm tempo livre, ou seja, todo horário
que não houver atividade planejada. Nesse tempo livre elas podem dormir assistir TV, acessar internet,
ou qualquer outra coisa que desejarem desde que seja dentro da instituição. As visitas na casa são
diárias, inclusive nos fins de semana, bem como recebem voluntários com projetos e atividades para
as idosas, e também recebem doações.
Os quesitos de admissão das idosas são: a idosa ter vontade própria para entrar na instituição,
senhoras que ainda estejam em ação, de classe baixa e a partir de 70 anos de idade. As cuidadoras são
muito carinhosas e atenciosas com as senhoras, em tudo que fazem para e por elas, é perceptível que
se cria um vínculo entre internos e equipe dirigente. As cerimônias institucionais como natal, dia das
mães, dia da mulher, entre outras datas comemorativas, acontecem nesta instituição e a equipe
dirigente participa.
A preocupação das cuidadoras é tão imensurável, que devido a institucionalização e a saudade de casa
e de seus familiares, é organizado uma visita de crianças ao lar, para que as idosas possam receber
carinho e atenção de crianças. No dia do idoso e no natal, as idosas também participam de uma
campanha de doação onde elas escolhem um presente e é feita uma lista de doações que é divulgada
nas redes sociais, com o nome, foto de cada idosa e os informes sobre seu presente desejado. A prática
religiosa é bastante comum na instituição visitada, no lar, tem uma capela, onde diariamente tem missa

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Velhice E Instituições De Longa Permanência: Um Relato De Experiência

e as idosas participam, aquelas que desejam ou que seguem a religião praticada lá dentro, assim como
também, as idosas recebem a ajuda e visitas de irmãs e freiras.
No dia da visita, as acadêmicas poderam participar indiretamente de duas atividades que estavam
sendo feitas com as idosas. A primeira atividade foi feita por voluntários da Escola de Saúde Pública de
Fortaleza, no qual, a atividade consistia em exercícios fisioterápicos, tendo em vista a importância de
não deixar os músculos atrofiarem. Em seguida, houve o café da manhã também preparado pelos
voluntários da escola de saúde pública, onde houve um momento de convivência entre os visitantes e
as idosas residentes. Na hora do café, as idosas fizeram questão que as acadêmicas participassem, pois,
na percepção delas, as mesmas estavam com fome e precisavam comer.
No mesmo dia, no final da tarde, depois do momento de descanso das idosas, por volta das 16 horas
da tarde, aconteceu um desfile de moda organizado por outro grupo de voluntários, estudantes de
moda. Os voluntários prepararam um dia de beleza para essas senhoras, com direito a maquiagem,
manicure e figurinos exclusivos para cada uma delas. O dia de beleza começou logo após o lanche da
manhã, depois houve a pausa para o almoço, em seguida era o horário para o descanso pós almoço,
no qual neste dia elas não queriam descansar, pois estavam ansiosas para o desfile e para vestirem
seus figurinos. No final da tarde, ocorreu o desfile, que foi um sucesso para as idosas, que esbanjaram
simpatia na passarela improvisada, conquistando euforia, elogios e várias palmas dos visitantes que
estavam na plateia. Para elas, foi um dia gratificante, divertido e de muita beleza.
Lembrando-se do que diz Foucault em Vigiar e Punir (2002) pode-se perceber a vigilância, tanto das
idosas para com elas mesmas tanto como das cuidadoras com elas. Foi visível presenciar o auxílio que
ambas dão umas às outras, como elas se preocupam, se precisam de ajuda, se já comeram e as
cuidadoras em alerta para caso alguma delas precise de assistência.

5.CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a visita foi possível atrelar muito da teoria com a prática. Uma vez que muito do que Goffman
(1974) relata em seu livro “Manicômios, prisões e conventos’’ pode ser visto na realidade da instituição
na qual visitamos, facilitando a explanação do conteúdo, aumentando a interpretação e memorização
do assunto pelo aluno. Enquanto profissão a psicologia possui uma diversidade de atribuições que lhes
são próprias e que permite diferenciá-la das demais profissões, pois, possui também uma diversidade
de possibilidades de atuação profissional. A psicologia não é tão ausente nesta instituição, existe um
projeto onde as idosas participam de terapia grupal e as que precisam de atendimento individual
também são atendidas, porém não são todas quem tem esse atendimento individual.

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Velhice E Instituições De Longa Permanência: Um Relato De Experiência

A instituição conquista parte do tempo e interesse dos participantes como afirma Goffman, 1987, p.
17-18:
‘’Os problemas de adesão visíveis nas atividades programadas do
estabelecimento são indicadores do modo como os indivíduos se adaptam
ou não ao papel e definição que o estabelecimento lhes Cada fase da
atividade diária do internado é realizada na companhia imediata de um
grupo relativamente grande de pessoas, todas tratadas da mesma forma e
compelidas a fazer as coisas em conjunto. Todas as atividades são
rigorosamente estabelecidas em horários contínuos, de modo que uma leva
à outra e toda sequência de atividades é imposta de cima, por um sistema
de regras explícitas e pelo grupo dirigente.’’
No caso dessas idosas, as instituições de longa permanência, acabam sendo um refúgio para muitas
dessas senhoras, refúgio da solidão, do abandono, dos maus tratos. Elas apresentam muita alegria em
seu dia a dia, são bastantes unidas e tem uma boa relação com suas cuidadoras. Em relatos pelas
próprias idosas, pode-se identificar grande afeição e sentimentalidade que acontece entre as
integrantes da instituição juntamente com as profissionais de cuidado. Esse vínculo que está em
constante construção é totalmente significativo e acolhedor para muitas delas.
As instituições de longa permanência, acabam tornando-se um local de partilha, das histórias vividas,
muitas vezes dolorosas, para um grande recomeço entre elas. Contudo, esse enigma de novas histórias
e vínculos que acontece é assistencial para vida de cada idosa. Muitos idosos escolhem viver sozinhos,
são abandonados ou por outras causas são colocados em lares de idosos. Algumas idosas vivem na
casa a mais de quatro anos, outras chegaram recentes, isso indica que a procura por lares de idosos
tem cada vez mais aumentado.
Percebeu-se que falar sobre família com as idosas institucionalizadas, é ponto de tensão das relações
sociais, algumas delas foram abandonadas pelas famílias, outras não têm mais família e outras tem
família, mas não tem contato com a mesma. Por contanto disso, elas relatam o tempo todo que família
para elas, são as pessoas que estão lá dentro, ou seja, as idosas residentes e as cuidadoras. Foi possível
perceber que mesmo com os fatores negativos vividos por elas como o abandono, a perda do cônjuge
e as várias perdas significativas, as idosas residentes deste lar, são muito receptivas, acolhedoras,
alegres e unidas, a afetividade entre elas é muito forte.

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Velhice E Instituições De Longa Permanência: Um Relato De Experiência

REFERÊNCIAS

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MOTTA, A. B. As dimensões de gênero e classe social na análise do envelhecimento. Cadernos Pagu,


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Reflexões sobre oscuidados de enfermagem a idosos institucionalizados.Revista Kairós Gerontologia,
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Porto Alegre, RS: Artmed.

PARKES, CM, PrigersonHG:Bereavement:studiesofgriefinadultlife. 4th ed. New York: Routledge; 2009.

11
705
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 50
10.37423/200702095

PERFIL DO ATENDIMENTO DO SAMU NO


ESTADO DE ALAGOAS DURANTE JANEIRO A
NOVEMBRO DE 2017

Beatriz Santana de Souza Lima Centro Universitário Cesmac

Jair Kleyson Souza Leite Centro Universitário Cesmac

Jandson Soares de Oliveira Faculdade Estácio de Alagoas

Alessandra Nascimento Pontes Centro Universitário Cesmac

Noemi Mello Loureiro Lima Universidade Federal de Alagoas


Perfil Do Atendimento Do SAMU No Estado De Alagoas Durante Janeiro A Novembro De 2018

INTRODUÇÃO:

O Atendimento Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) pode ser definido como sendo a
assistência prestada fora do âmbito hospitalar, com a finalidade de dar a melhor resposta às demandas
da população que busca o Sistema Único de Saúde (SUS).
Os serviços de Atendimento pré-hospitalar (APH) móvel, denominados Serviços de Atendimento Móvel
de Urgência (Samu), e acionados por telefonia de discagem rápida (número 192), conhecidos como
Samu 192, foram normatizados no Brasil a partir de 2003. Caracterizam-se por prestar socorro às
pessoas em situações de agravos urgentes, nas cenas em que esses agravos ocorrem, garantindo
atendimento precoce, adequado ao ambiente pré-hospitalar e ao acesso ao Sistema de Saúde.
A decisão do Ministério da Saúde de iniciar a implementação da política pelo componente pré-
hospitalar móvel parte do pressuposto de que as Centrais de Regulação de Urgência, por constituírem
observatórios privilegiados do Sistema de Saúde, são elementos potenciais de organização dos fluxos
da atenção às urgências, e ferramentas importantes de inclusão e garantia de acesso universal e
equânime aos acometidos por agravos urgentes, de qualquer natureza. Além de sua função primeira,
que é a de receber as demandas de agravos urgentes à saúde, oriundas da população e de outros
segmentos, as Centrais de Regulação servem como relevante ferramenta para o planejamento e gestão
dos serviços.
No cenário do atendimento pré-hospitalar móvel, é imperativo que os profissionais tenham formação
polivalente e orientada para a visão da realidade. Daí a importância de se trabalhar a partir da definição
de áreas de competência, possibilitando a integração de diferentes saberes e conhecimentos e a
interação multiprofissional, contribuindo para a formação de um profissional que agregue aptidões
para a tomada de decisões, comunicação, liderança e gerenciamento.
Esta pesquisa norteou-se na seguinte pergunta: Qual é o perfil do atendimento do SAMU no estado
de Alagoas durante janeiro a novembro de 2017? O SAMU é responsável pelo APH no Estado de
Alagoas sendo necessário prestar-lhe atendimento aos usuários acometidos por agravos de traumas
ou clínicos em situações que desestabilizam sua condição vital necessitam de intervenção precoce e
qualificada, sendo um dos motivos de procura por serviços de saúde.

OBJETIVO:

Identificar o perfil do atendimento do SAMU no estado de Alagoas durante janeiro a novembro de


2017.

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707
Perfil Do Atendimento Do SAMU No Estado De Alagoas Durante Janeiro A Novembro De 2018

MÉTODOS:

Trata-se de um estudo epidemiológico retrospectivo de caráter descritivo e exploratório, com


abordagem quantitativa, que se caracterizou nos atendimentos do SAMU no Estado de Alagoas. Os
dados foram obtidos a partir de fontes disponíveis no banco de dados da central do SAMU
disponibilizados pela a coordenação de enfermagem. Foram incluídos no estudo clientes atendidos
pelo serviço de alagoas durante o período de janeiro a novembro de 2017, utilizado para interpretação
dos resultados da pesquisa o método de análise quantitativa, os dados que foram tabulados no
programa Microsoft Excel 2010 Utilizou-se estatística descritiva com medidas de tendência central
(média e desvio padrão).

RESULTADOS:

Notificou-se e registrou-se nos Serviços do SAMU Alagoas 9.753 pessoas que necessitaram do
atendimento do SAMU. Tendo com características agravos clínicos 5.978 (61,29%) dos casos; Trauma
2.127 (21,79%); outros casos 1.649 (16,90%), respectivamente. Das vítimas por trauma ressalta-se o
sexo masculino com 59,27% no atendimento, sendo 61,90% acidentes por automóveis e 39,44% por
outros motivos, estes estando alcoolizados em 40,13% dos casos. Nas vitimas do sexo feminino
notificou-se 40,37% dos casos, sendo 57,78% acidentes por automóveis e 41,33% por outros motivos,
estas estando alcoolizadas em 49,12%.
Das vítimas por agravos clínicos nota-se que 40,80% dos casos são devido às transferências de
hospitais, onde 39,89% consistir em destinado ao Hospital do Açúcar; 15,28% são clientes acometidos
por doenças neurológicas; 19,10% doenças respiratórias e 24,22% a outras causas. Das vítimas por
outros casos analisou-se que os casos de emergências psiquiátricas prevalecem com 75,98%, seguidos
dos óbitos por arma de fogo 10,75%, tentativas de suicídios 9,27% e outros 3,99%.

CONCLUSÃO:

A atuação dos profissionais do SAMU está permanentemente cercada de desafios. Desafios que exigem
prontidão, pois quanto maiores os desafios, maiores são as exigências para superá-los. Não basta
motivar os trabalhadores, é necessário envolver os gestores para que assumam compromissos.
O SAMU é essencial no APH prestados ao estado de Alagoas e percebe-se que os atendimentos, em
sua maioria, são para urgências clinicas de transferências de unidade hospitalar. Em seguida pelas
urgências de traumas devido a acidentes por automóveis tendo prevalência do sexo masculino.

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708
Perfil Do Atendimento Do SAMU No Estado De Alagoas Durante Janeiro A Novembro De 2018

Os resultados do estudo podem contribuir para uma melhor organização do serviço e apontar a
necessidade e qualificação do atendimento de enfermagem, considerando-se que sua participação é
decisiva no cuidado ao paciente. Esses profissionais, na maioria das situações, chegam primeiro à cena
do evento, tomam as primeiras decisões, prestam assistência e mantêm interlocução com o paciente
e a família, com o médico regulador e com os serviços de saúde às portas da urgência.
Portanto, as responsabilidades da atuação da equipe de enfermagem ampliam-se com base no
trabalho no APH móvel, uma vez que confrontadas com as necessidades dos usuários e na relação com
os serviços têm a possibilidade de aumentar sua compreensão sobre essas necessidades e contribuir
para um melhor planejamento da assistência ao usuário.

3
709
Perfil Do Atendimento Do SAMU No Estado De Alagoas Durante Janeiro A Novembro De 2018

REFERÊNCIAS

SOUZA,Whatina Leite de et al. Reflexão sobre a finalidade e área de atuação do serviço de atendimento
móveldeurgência(SAMU)naregiãoaraguaia.Rev.Repositório.2017.Disponívelem:<https://repositorio.u
fsc.br/xmlui/handle/123456789/173431>. Acesso em: 28 maio 2018

COSTA, Francis Ghignatti da et al. Atendimento pré-hospitalar móvel de urgência: facilidades e


dificuldades segundo profissionais de serviços do sul do Brasil. Clinical and biomedical research. Porto
Alegre,2016.Disponivelem:<http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/164391/001004656.
pdf?sequence=1>. Acesso em: 28 maio 2018.

GOMES, Junia Marcia; MOREIRA, Alexandra Dias. Perfil dos motociclistas atendidos pelo Serviço de
Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) de Sete lagoas. Revista Brasileira de Ciências da Vida, v. 5, n.
2,2017.Disponívelem:<http://jornal.faculdadecienciasdavida.com.br/index.php/RBCV/article/view/20
1>. Acesso em: 28 maio 2018.

COUTO, Katriny Guimarães et al. Prevalência de casos de insuficiência renal crônica (IRC) atendidos
pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência de Rio Verde, Goiás. Salusvita, v. 36, n. 1, p. 47-54,
2017.Disponívelem:<https://secure.usc.br/static/biblioteca/salusvita/salusvita_v36_n1_2017_art_04.
pdf>. Acesso em: 28 maio 2018.

LEITE, Hillda Dandara Carvalho Santos et al. RISCO OCUPACIONAL ENTRE PROFISSIONAIS DE SAÚDE DO
SERVIÇO DE ATENDIMENTO MÓVEL DE URGÊNCIA-SAMU. Enfermagem em Foco, v. 7, n. 3/4, p. 31-35,
2016. Disponível em: <http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/view/912>. Acesso
em: 28 maio 2018.

4
710
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 51
10.37423/200702098

BOAS PRÁTICAS NA PREVENÇÃO DE


INFECÇÕES NA UTI NEONATAL: UMA REVISÃO

Élida dos Santos Oliveira

Lara Emanuele Santana Santos

Wellington Manoel Da Silva

Simone Souza de Freitas

Tâmara Mayara Rodrigues Burgos


Boas Práticas Na Prevenção De Infecções Na Uti Neonatal: Uma Revisão

INTRODUÇÃO:

Um dos maiores desafios para todos que trabalham em serviços de saúde, em especial os profissionais
de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) são as infecções hospitalares. Principalmente por se tratarem de
cuidados a uma população de crianças imunodeprimidas, extremamente frágeis, onde qualquer tipo
de agressão é considerado um risco em potencial para o seu sistema de defesa já deficiente. Os
cuidados realizados nesta unidade são desenvolvidos por uma equipe multiprofissional, médicos,
enfermeiros, fisioterapeutas, entre outros. Todos com um único objetivo, que a saúde do recém-
nascido seja restabelecida. Desta forma, os cuidados de enfermagem na UTIN possuem uma natureza
diferenciada, que além de serem minuciosos, são cuidados que exigem técnica, habilidade e destreza.
Por esse motivo estes mesmos profissionais, devem atualizar-se constantemente para garantir uma
assistência de qualidade e com o mínimo de risco. Objetivo: O presente estudo tem como objetivo
analisar como se encontra a publicação científica acerca das boas práticas na prevenção de infecções
em UTI Neonatal. Metodologia: Trata-se de uma revisão sistemática da literatura, com buscas
realizadas nas bases de dados BVS, Lilacs e Medline. Os descritores utilizados foram “unidades de
cuidados intensivos neonatal” e “enfermagem”, utilizando como critérios de inclusão artigos
publicados no período de 2011 a 2016 e trabalhos completos. Resultados e Discussão: As Infecções
Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) configuram um cenário de grande preocupação para a
segurança e qualidade de vida do paciente, além de resultar em prolongamento da hospitalização,
incapacidade a longo prazo, um grande encargo financeiro às instituições de saúde e custo elevado
para o paciente e seus familiares ou até óbito. Devido à alta taxa de incidência de IRAS, no País, a
estimativa é que de 3% a 15% dos pacientes hospitalizados desenvolvem Infecção Hospitalar (IH), o
Ministério da Saúde criou o Programa de Controle de Infecções Hospitalares (PCIH), que é um conjunto
de ações desenvolvidas deliberada e sistematicamente, com o objetivo de reduzir a máxima da
incidência dessas infecções. A Portaria nº 2.616/98 regulamenta o PCIH e a implantação da Comissão
de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH). Dentre as diversas atribuições da CCIH está a educação
permanente que objetiva a prevenção e controle dessas IRAS. A maioria das IRAS nas UTIN’s são
aquelas adquiridas no período intraparto, durante a hospitalização, ou 48 horas pós-alta. Os cuidados
com o recém-nascido devem ser diferenciados e minuciosos, pois sua pele é a principal porta de
entrada dessas infecções. Portanto, a equipe de enfermagem das unidades de tratamento intensivo
neonatal e a CCIH devem trabalhar em conjunto, para detectar falhas e prevenir erros a fim de
melhorar a qualidade de vida do RN. Se destacam como fatores de risco em uma UTIN; o tempo de

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712
Boas Práticas Na Prevenção De Infecções Na Uti Neonatal: Uma Revisão

internação, a realização de procedimentos invasivos, baixo peso ao nascimento, o contato precoce com
os pais, todos estes fatores podem desencadear uma proliferação maior das IRAS, prejudicando a
recuperação e qualidade de vida do RN. Conclusão: Conclui-se que a atuação eficiente e qualificada da
equipe de enfermagem, constitui-se uma importante estratégia de prevenção e controle das IRAS e
contribui de forma ativa para melhorar a qualidade de vida do recém-nascido. Cabe destacar que tais
estratégias devem ser realizados por todos os membros da equipe multiprofissional, atuando em
conjunto para o bem estar do recém-nascido. Descritores: Unidades de cuidados Intensivos Neonatal,
enfermagem.

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713
Boas Práticas Na Prevenção De Infecções Na Uti Neonatal: Uma Revisão

REFERÊNCIAS

World Health Organization (WHO). Report on the burden of endemic health care-associated infection
worldwide - clean care is safer care. Geneva: WHO; 2011.

ADRIANO, Louanna Silva de Macedo; Freire, Izaura Luzia Silvério; PINTO, Juliana Teixeira Jales
Menescal. Cuidados intensivos com a pele do recém-nascido pré-termo. Rev Eletr Enferm [Internet].
2009[Acessoem01.12.2017];11(1):17380.Disponívelem:<http://www.fen.ufg.br/fen_revista/v11/n1/
pdf/v11n1a22.pdf>.

Ministério da Saúde (BR). Portaria n. 2.616, de 12 de maio de 1998 [Internet]. Brasília (DF): 1998
[Acessoem01.12.2017].Disponívelem:http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis../gm/1998/prt2616
_12_05_1998.html.

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714
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 52
10.37423/200702099

LINGUAGEM ACADÊMICA: UMA DESCRIÇÃO DA


TERMINOLOGIA DE RESUMOS DE ARTIGOS
ACADÊMICOS

Taysa Carvalho Ventura Tiengo Centro Universitário do Sul de Minas

Ana Amélia Furtado de Oliveira Centro Universitário do Sul de Minas


Linguagem Acadêmica: Uma Descrição Da Terminologia De Resumos De Artigos Acadêmicos

Resumo: A presente pesquisa aborda a terminologia da linguagem acadêmica, tendo como objetivo
geral a análise e descrição dos termos mais recorrentes em resumos de artigos científicos. Buscando a
análise a partir de textos reais e representativos, o córpus de pesquisa foi composto por 196 resumos
de artigos acadêmicos redigidos em língua portuguesa e publicados em revistas acadêmicas
eletrônicas. Foram selecionados quatro resumos por subárea do conhecimento prevista pela CAPES.
Após a coleta, o córpus foi tratado no software AntConc versão 3.5.8 e analisado considerando os
indicativos de frequência fornecidos pelo programa. A pesquisa justifica-se pela grande diferença entre
a linguagem acadêmica e a linguagem comumente utilizada por brasileiros no cotidiano. Em
decorrência disso, o ensino e aprendizado dessa linguagem mostra-se complexo nas universidades.
Dessa forma, com a discussão dos resultados e sistematização dos dados em um glossário, a pesquisa
pretende trazer contribuições para o ensino e a aprendizagem da linguagem acadêmica. Considerando
ainda que, para a divulgação científica, é frequente o uso de traduções de textos acadêmicos brasileiros
para outras línguas, os resultados desta pesquisa também poderão servir como base para futuras
pesquisas bilíngues e multilíngues.
Palavras-Chave: Terminologia. Linguagem acadêmica. Resumo.

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716
Linguagem Acadêmica: Uma Descrição Da Terminologia De Resumos De Artigos Acadêmicos

1.INTRODUÇÃO

A linguagem acadêmica normalmente é caracterizada pelo uso de uma linguagem formal, dentro dos
padrões da norma culta e, sobretudo, pelo grande uso de termos. Entende-se por termo como sendo
uma “designação, por meio de uma unidade linguística, de um conceito definido em uma língua de
especialidade” (ISO 1087,1990, p.5).
Sendo assim, um texto acadêmico apresenta alta densidade terminológica, pois contém termos da
área da pesquisa, como Biologia, Física, Matemática, dentre outros. Além desses termos específicos
da área, existem termos próprios da linguagem acadêmica, que caracterizam e descrevem o próprio
fazer científico. Assim, essa terminologia independe da área em que a pesquisa se insere.
Visando contribuir para a descrição e caracterização dessa terminologia acadêmica, a presente
pesquisa teve como objetivo geral a análise de termos por meio de um córpus constituído por resumos
de artigos acadêmicos, redigidos em língua portuguesa e publicados em revistas acadêmicas nas áreas
de pesquisa previstas pela CAPES.
A pesquisa justifica-se pela grande diferença entre a linguagem acadêmica e a linguagem comumente
utilizada por brasileiros no cotidiano. Em decorrência disso, o ensino e aprendizado dessa linguagem
mostra-se complexo nas universidades. Dessa forma, com a discussão dos resultados e sistematização
dos dados em um glossário, a pesquisa pretende trazer contribuições para o ensino e a aprendizagem
da linguagem acadêmica.
Considerando ainda que, para a divulgação científica, é frequente o uso de traduções de textos
acadêmicos brasileiros para outras línguas, os resultados desta pesquisa também poderão servir como
base para futuras pesquisas bilíngues e multilíngues.

2.TERMINOLOGIA

Entende-se que a Terminologia é uma ciência “tão antiga quanto à linguagem humana. Desde os
tempos mais remotos, o homem dá nome às coisas e a tudo que lhe está à volta” (BARROS, 2004, p.36).
Seu estudo, porém, intensifica-se no século XVII e a contribuição para a consolidação desta disciplina
não veio por cientistas da linguagem, mas por naturalistas como o sueco Karl Von Lineu. Como
resultados de seus estudos, Karl criou um sistema universal de nomenclatura binominal, que contribuiu
para o processo de nomes científicos como terminologia e nomenclatura (BARROS, 2004).
No Brasil, em 1980, os estudos terminológicos tornaram-se mais compreensíveis, sendo implantados
como uma disciplina científica, porém não se sabe com precisão quando a terminologia passou a fazer
parte de nossos dicionários.

2
717
Linguagem Acadêmica: Uma Descrição Da Terminologia De Resumos De Artigos Acadêmicos

Nos estudos de terminologia e lexicografia, observa-se uma frequente ocorrência dos termos: palavra,
vocábulo e termo, podendo gerar uma confusão entre estes. Observando através do modelo
linguístico, palavra pode ser considerada como um signo pertencente a uma classe gramatical.
Vocábulo, um conjunto de sons articulados, e termo ''uma unidade lexical com um conteúdo específico
dentro de um domínio específico'' (BARROS,2004 p.40). Dessa forma os termos constituem a expressão
lexical dos saberes especializados.
Os termos podem ser tanto unidades simples, formadas somente por um vocábulo, como complexas,
também denominados sintagmas terminológicos. Segundo Krieger e Finatto (2004, p. 81), “há vários
estudos que comprovam a prevalência das terminologias instituídas ao modo de sintagmas, num
percentual que se situa em torno de 70% das ocorrências terminológicas”.

3.TEXTO ACADÊMICO-CIENTÍFICO

Considera-se texto acadêmico-científico aquele produzido em contexto educacional em nível superior,


com o intuito de divulgação de pesquisas científicas. Entende-se por pesquisa científica como “o
procedimento racional e sistemático que tem como objetivo proporcionar respostas aos problemas
que são propostos”(GIL, 1996, p. 19).
Segundo Luís Rey (2014), o texto científico de forma geral é caracterizado por ser redigido de forma
objetiva, clara, e com termos e expressões específicas. A linguagem acadêmica, tanto no artigo quanto
em outros gêneros de divulgação, têm características particulares. Por se tratar de uma linguagem não
muito usual no cotidiano dos brasileiros, existem livros e manuais que ensinam e direcionam seu uso.
Existem diversos gêneros textuais no âmbito acadêmico, como fichamentos, resenhas, apostilas.
Porém, os mais utilizados para divulgação científica são os livros, artigos, monografias, dissertações e
teses. Os livros, mesmo quando de divulgação científica, apresentam um formato mais livre. Já os
artigos, monografias, dissertações e teses apresentam um formato mais padronizado, precisando
seguir as normas da ABNT, como por exemplo, aderir às normas específicas para citações e formatação
textual.
Segundo a NBR 6022 (ABNT 2003), um artigo científico é “parte de uma publicação com autoria
declarada, que apresenta e discute ideias, métodos, técnicas, processos, e resultados nas diversas
áreas do conhecimento”.
O artigo científico é o formato que parece ter se adequado mais à rapidez e agilidade da internet por
apresentar menor extensão. Tem sido o gênero textual mais utilizado para divulgação científica, pois
as revistas eletrônicas cresceram exponencialmente com o avanço da tecnologia.

3
718
Linguagem Acadêmica: Uma Descrição Da Terminologia De Resumos De Artigos Acadêmicos

4.MATERIAL E MÉTODOS

A pesquisa foi desenvolvida, inicialmente, por meio de pesquisa bibliográfica para conhecimentos
básicos de lexicografia, terminologia e terminografia e tratamento de informações terminológicas.
De acordo com Trask (2004, p. 68), o estudo da linguagem a partir de corpora permite “fazer
observações precisas sobre o real comportamento linguístico de gente real”, proporcionando
“informações altamente confiáveis e isentas de opiniões e de julgamentos prévios sobre os fatos de
uma língua”.
Ao organizar um córpus, deve-se, inicialmente eleger os textos importantes para a pesquisa. Definir o
tipo de corpus a ser selecionado é fundamental para cumprir um conjunto de requisitos de forma a
garantir a validade e a segurança do corpus que servirá à pesquisa em foco. Esses requisitos são:
autenticidade, representatividade, balanceamento, amostragem, diversidade e tamanho (KENNEDY,
1998; BIBER; CONRAD; REPPEN, 1998; RENOUF, 1998; SINCLAIR, 2005).
Para cumprir as orientações metodológicas de descrição da língua com base em textos reais, autênticos
e representativos, em uma segunda etapa de pesquisa, foi montado um córpus composto por resumos
de artigos acadêmicos de diferentes áreas do conhecimento e de diferentes revistas acadêmicas.
O gênero resumo foi escolhido por conter conteúdo de diferentes partes do próprio artigo e também
por ser o mais traduzido dentro das publicações acadêmicas, já que se pretende dar continuidade a
esta pesquisa em um nível bilíngue ou multilíngue.
Em resumo, o córpus conta com 196 resumos retirados de artigos publicados em revistas alternadas
de diferentes áreas do conhecimento. É importante esclarecer que, segundo a CAPES, há uma divisão
de quatro níveis, incluindo nove grandes áreas, nas quais se distribuem em subáreas e especialidades.
Buscando a representatividade do córpus para a análise da terminologia da linguagem acadêmica,
foram selecionados 4 resumos de cada grande área e subárea segundo Capes, de acordo com as
tabelas a seguir:

4
719
Linguagem Acadêmica: Uma Descrição Da Terminologia De Resumos De Artigos Acadêmicos

Quadro 1: Áreas e subáreas do conhecimento

Fonte: as autoras

Quadro 2: Áreas e subáreas do conhecimento

Fonte: as autoras

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720
Linguagem Acadêmica: Uma Descrição Da Terminologia De Resumos De Artigos Acadêmicos

Essa coleta variada nos permitiu analisar e afirmar com mais clareza as características da linguagem
acadêmica como um todo, descartando especificidades de textos de uma só instituição ou de somente
uma área.
Após a coleta, o córpus foi tratado no software AntConc versão 3.5.8 (ANTHONY, 2011),
especificamente as funcionalidades concordance, keyword list e clusters, para facilitar a análise dos
dados pela pesquisadora. O software AntConc permitiu a criação de linhas de concordância
(Concordance), possibilitando a visualização de todas as linhas em que um determinado termo ocorre:
Figura 1. Linhas de concordância com o candidato a termo Verificar.

Fonte: córpus da pesquisa


Por meio de indicativos de frequência fornecidos pelo programa, a pesquisadora fez uma análise dos
candidatos a termo, observando as ocorrências mais relevantes. Na análise, optou-se por selecionar
termos da classe gramatical substantivo e verbo. Normalmente, as pesquisas terminológicas se pautam
mais na descrição de substantivos. Por considerar que a linguagem acadêmica tem o objetivo de relatar
ações, experiências, etapas de pesquisa, a classe verbo não poderia deixar de ser analisada.
Para cada candidato a termo, foi aberta uma ficha terminológica, com o uso do programa Excel, com
os seguintes itens descritivos: a) candidato a termo; b) número no rank fornecido pelo programa; c)
frequência; d) categoria gramatical; e) contextos encontrados; f) definição.
Na ficha terminológica, encontra-se a descrição do contexto em que o candidato a termo foi retirado.
Esta descrição foi fundamental durante o fichamento, pois a escolha dos candidatos a termos foi
realizada considerando a representatividade desses contextos. Abaixo, temos um exemplo da ficha
terminológico com o candidato a termo avaliar:

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721
Linguagem Acadêmica: Uma Descrição Da Terminologia De Resumos De Artigos Acadêmicos

Quadro 3. Ficha terminológica com o verbo de ação candidato a termo Avaliar.

Fonte: córpus da pesquisa


A seleção do termo pautou-se pela análise da pesquisadora, considerando a frequência e recorrência
do candidato. Na seleção e descrição do termo, também foram consideradas as informações do
programa em relação às colocações.
Por fim, para que os resultados da pesquisa pudessem ser compartilhados e consultados de forma
sistemática, foi elaborado um glossário organizado por ordem alfabética. As definições dos termos,
neste etapa da pesquisa, foram retiradas de outros dicionários. Em caso de inexistência de definições
em dicionários, foi elaborada uma definição própria a partir dos estudos terminológicos.

5.RESULTADOS

Ao tratar o córpus em um software específico, foi possível extrair 132 candidatos a termos. Com a
análise da representatividade desses termos dentro da linguagem acadêmica chegou-se a uma lista
final de 111 termos.
Pode-se caracterizar a linguagem acadêmica como possuidora de duas grandes terminologias. A
terminologia do campo de estudo em que a pesquisa se situa e a terminologia de divulgação científica,
objeto de estudo deste trabalho.
Para exemplificar a ocorrência de termos específicos da área de estudo, foram recorrentes termos
como: saúde mental, tratamento térmico, transtorno e perfil epidemiológico.
Verificamos que dentro dos candidatos a termos da linguagem acadêmica selecionados, a maioria são
classificados como substantivo. Na presente pesquisa, foram selecionados 81 substantivos:

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722
Linguagem Acadêmica: Uma Descrição Da Terminologia De Resumos De Artigos Acadêmicos

A delimitação de um termo no trabalho terminológico é algo complexo, pois depende da análise da


sua representatividade dentro da área de pesquisa. Além disso, a fronteira entre linguagem comum e
especializada é muito tênue.

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723
Linguagem Acadêmica: Uma Descrição Da Terminologia De Resumos De Artigos Acadêmicos

Um exemplo seria o termo conceito, que é um vocábulo comumente usado em língua geral, porém
constitui-se como termo específico da linguagem acadêmica, já que apresenta representatividade de
uso. Não se faz ciência sem a consideração e reflexão em relação ao conceito dos fenômenos
estudados.
Na análise, consideramos reflexão de Cabré: “os termos não pertencem a um domínio, mas são usados
em um domínio com valor singularmente específico” (CABRÉ, 1999).
Ainda segundo Cabré (2008), um termo não é uma unidade em si mesma, mas apenas um valor
associado a todas as unidades do léxico, de modo que cada uma delas não é por si mesma, como
afirmamos, nem termo ou palavra, mas sim ativa ou não seu valor de termo em função de seu uso
particular em um contexto comunicativo determinado.
De fato, um vocábulo como trabalho normalmente usado no sentido como “atividade profissional”, no
texto acadêmico toma uma especificidade de “produção científica e/ou intelectual, publicação de um
texto como divulgação dessa produção”.
Um termo pode ser simples ou complexo, sendo este último "constituído de dois ou mais radicais"
(BARROS 2004). No quadro abaixo, é possível observar exemplos dos dois tipos de termos:
Quadro 4. Exemplos de candidatos a termo simples e complexos.

Fonte: córpus da pesquisa.

Como é possível observar, o termo complexo geralmente é formado por uma base substantival
acrescida de uma caracterização adjetival, reflexo da especialização terminológica. Essa construção
adjetival pode tomar a forma de substantivo + adjetivo ou substantivo + prep + substantivo:

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Linguagem Acadêmica: Uma Descrição Da Terminologia De Resumos De Artigos Acadêmicos

Figura 2. Exemplos de termos complexos

Fonte: as autoras

Essa estrutura do termo complexo novamente traz à tona a dificuldade de delimitação do termo. Um
questionamento impõe-se: trata-se de um termo complexo ou meramente uma adjetivação oportuna
feita pelo usuário naquele momento em específico de sua produção?
Segundo Barros (2004), o termo complexo é caracterizado "pelo alto grau de lexicalização" em relação
às suas partes integrantes. Uma das estratégias de análise dessa fixidez pode ser a tentativa de inserir
palavras entre essas partes constituintes. Um exemplo desse tipo de análise ocorreu com o candidato
a termo questão científica. É possível inserir advérbios “questão oportunamente científica”, “questão
bem científica”. Nessas tentativas de inserção fica mais claro para o terminólogo que a adjetivação foi
apenas momentânea, ou seja, não se trata de um termo complexo.
Além dos substantivos, na pesquisa, também consideramos importantes a seleção de verbos, já que o
córpus de pesquisa é constituído por textos que pretendem relatar ações, abordagens, atitudes
científicas.
Grande parte dos verbos foi encontrada na voz passiva, como demonstra as passagens do córpus:
"Foram coletadas amostras de água mensalmente em seis pontos, representando diferentes seções
do córrego."

"Resultados numéricos obtidos com o método analítico de ordenadas discretas ADO, para diferentes
formulações das condições de contorno do problema, são discutidos e comparados aos de outros trabalhos
disponíveis na literatura."

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Linguagem Acadêmica: Uma Descrição Da Terminologia De Resumos De Artigos Acadêmicos

"Serão considerados alguns indicadores demográficos como densidade, migrações e pendularidade


interaglomerados."
Também foram encontrados verbos com sujeito indeterminado, com o uso da partícula SE para
indeterminação do sujeito, como no exemplo:
"Constatou-se que existem fortes relações quanto à análise de cocitação; grande variedade de formações dos
membros das bancas e relativamente alta coocorrência destas entre as áreas”.
"Dentre as conclusões do estudo, afirma-se que o ambiente econômico, social e cultural do país tende tanto a
promover o processo de internacionalização dessas empresas através de globalização, novas tecnologias e
políticas publicas quanto a enfraquecê-lo.
Outro uso particular dos verbos nos textos acadêmicos refere-se ao sujeito. Dificilmente o sujeito da
ação (de um procedimento) será o próprio pesquisador, como nas ocorrências:
"Este artigo objetiva apresentar uma discussão a respeito do comportamento prosódico dos advérbios em
mente no Português Arcaico PA e no Português Brasileiro PB sob o viés das Fonologias Prosódica e Métrica."
"Este trabalho vem contribuir para este tema após o processamento de multicamadas de uma liga a base de Ni
IN625 pelo processo MIG/MAG CMT Cold Metal Transfer."
"Uma revisão de escopo da literatura evidenciou os principais usos destas tecnologias para cada estágio da
inovação."
"Este estudo objetivou avaliar o efeito da suplementação da dieta de tilápias com biomassa de Rubrivivax
gelatinosus sobre o desempenho zootécnico e a saúde dos animais histologia e hematologia e sobre as
características de qualidade dos filés pH, composição químicobromatológica, cor e rancidez."
Todos esses usos indicam uma característica particular do fazer acadêmico: o distanciamento do
pesquisador como figura subjetiva. Isso decorre da ideia de ciência como algo objetivo e sistemático.
E essa característica é refletida também na linguagem.
Determinados verbos do córpus podem ser agrupados, considerando seu campo semântico, como é o
caso de verbos que designam atitudes e ações científicas, muitas vezes resumindo o intuito central da
pesquisa:

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726
Linguagem Acadêmica: Uma Descrição Da Terminologia De Resumos De Artigos Acadêmicos

Outros verbos denominam ações relativas a práticas e etapas de pesquisa, como:

Além dos verbos relativos ao fazer científico, os resumos apresentaram termos que remetem a
abordagens e métodos, como: abordagem qualitativa, revisão da literatura, revisão sistemática da
literatura, estudo de caso, estudo comparativo.

5.1.GLOSSÁRIO MONOLÍNGUE DE TERMOS DA LINGUAGEM ACADÊMICA

Segundo Godoi (2007, p. 70), um glossário “pode ser visto também, como um dicionário especial ou
uma lista de palavras que consigna vocábulos sobre os quais um leitor comum pode ter dificuldades
para entendê-las."
O glossário se diferencia de um dicionário terminológico em relação a exaustividade: o glossário não
tem pretensão de exaustividade. (KRIEGER; FINATTO, 2004 P.51)
Nesta pesquisa, os dados da análise foram compilados e organizados em um glossário monolíngue
organizado em ordem alfabética, formado pela seguinte microestrutura:

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727
Linguagem Acadêmica: Uma Descrição Da Terminologia De Resumos De Artigos Acadêmicos

Tem-se assim um verbete composto pelo termo entrada em maiúsculas, seguido da classificação
gramatical e da definição. Para que o consulente conheça o contexto real de uso do termo, incluímos
a abonação extraída de nosso córpus de pesquisa. Abaixo, um exemplo de um verbete completo:

Essa estrutura do verbete será interessante para os trabalhos futuros que envolvam outras línguas, ou
seja, na transformação desse glossário monolíngue em bi ou multilíngue. Poderão ser acrescentadas
informações terminológicas sobre termos equivalentes ou com
Os obras terminográficas podem ser onomasiológicas, ou seja, o percurso do consulente permite a
busca a partir de um conceito para se encontrar uma denominação. E também podem ser
semasiológicas, em que se tem inicialmente a designação para a posterior explanação sobre seu
conceito. O glossário dessa pesquisa tem percurso semasiológico, considerando o perfil do público-
alvo do glossário: os tradutores. Essa organização permite uma busca mais rápida, pois organiza os
verbetes em ordem alfabética.
Um problema que pode resultar da organização por ordem alfabética é o distanciamento semântico-
conceptual dos termos. Termos sinônimos, antônimos, em relação de hiperonímia e sinonímia podem
ficar isolados dentro de uma obra.
Com o objetivo de retomar essas relações semântico-conceptuais, o conjunto de remissivas, ou
referências cruzadas, pode ser encontrado dentro da macroestrutura ou da microestrutura
estabelecendo uma correção do "isolamento das mensagens, ligando variantes, criando campos
semânticos." (BARROS, 2004)
Um exemplo de ocorrência de relações semântico-conceptuais entre termos de nosso córpus foi o
caso de revisão da literatura:

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Linguagem Acadêmica: Uma Descrição Da Terminologia De Resumos De Artigos Acadêmicos

Figura 2 - Mapa conceitual “revisão da literatura”

Fonte: as autoras
O termo revisão da literatura encontra-se em relação de hiperonímia considerando os outros dois
termos revisão sistemática da literatura e revisão integrativa da literatura. Em uma obra lexicográfica,
essa relação é estabelecida na própria definição:

Figura 3 - Verbetes de revisão sistemática e integrativa da literatura

Fonte: as autoras

Trata-se de uma remissiva indireta, pois, ao consultar as definições desse verbete, o leitor verificará
que é um “tipo de revisão da literatura” e poderá, se necessário, procurar o verbete de revisão da
literatura.
Para estabelecer a relação semântica entre revisão sistemática de literatura e revisão integrativa de
literatura, foi colocada a remissiva Cf. (confronte) para que o consulente busca o termo relacionado e
estabeleça relações em sua compreensão sobre o termo.
Outro exemplo de relação de oposição semântica entre termos foi o caso de pesquisa qualitativa e
pesquisa quantitativa. Para esses casos, também foi usado o sistema de remissivas. Para o termo

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Linguagem Acadêmica: Uma Descrição Da Terminologia De Resumos De Artigos Acadêmicos

pesquisa qualitativa, foi encontrada variação, em relação semântica de sinonímia: abordagem


qualitativa. Para esse caso, foi utilizada a remissiva V. (ver) sem a repetição de definição:

Um percalço encontrado na pesquisa foi a falta de ocorrência do termo antônimo abordagem


quantitativa no córpus de pesquisa. Para evitar que o sistema de remissivas ficasse falho,
acrescentamos o verbete deste termo, mesmo não havendo contextos de uso.
Concordamos com Krieger quando a afirma que "a construção de um sistema de referências cruzadas,
segundo critérios estabelecidos, faz com que as obras de referência deixem de ser objetos
heterogêneos, assumindo o caráter de textos analíticos". (KRIEGER, 2001, p.258)

6.CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa teve por objetivo identificar e analisar os termos de resumos de artigos acadêmicos a
fim de descrever a terminologia da linguagem acadêmica. Todo o trabalho iniciou-se com estudos de
lexicologia, lexicografia, terminologia e terminografia. Também foi realizado o estudo sobre a
metodologia do fazer terminológico com base em córpus para conhecimento de critérios de seleção
de textos.
Considerando esses critérios, foram escolhidos resumos de artigos de diferentes áreas para análise. A
busca por um programa que fornecesse tratamento adequado de informações foi trabalhosa, já que
alguns programas como HYPERBASE, requerem o preparo minucioso do córpus, retirando os
caracteres especiais. Mesmo sendo realizada a devida preparação, surgiam erros no tratamento. O
software que melhor atendeu a demanda da pesquisa, sobretudo com a disponibilização de manuais
e explicações, foi AntConc versão 3.5.8 (ANTHONY, 2011).
Como se trata de uma pesquisa inicial na área, toda a compilação, preparação e tratamento do córpus
é muito trabalhosa. Porém, o resultado desse trabalho não se limitará a esta pesquisa, já que os dados
coletados através do córpus poderão servir de base para outras pesquisas, como pesquisas sobre
expressões e colocações recorrentes, pesquisas bibliométricas, inclusive para a pesquisa que
pretendemos realizar em um segundo momento, uma pesquisa bilíngue português-inglês.
Algo que precisa ser analisado na sequência da pesquisa são as causas da não ocorrência de
determinados termos, sobretudo aqueles que apresentam relação semântica estreita com outros

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Linguagem Acadêmica: Uma Descrição Da Terminologia De Resumos De Artigos Acadêmicos

termos presentes no córpus, caso foi o caso apresentado de abordagem quantitativa (item 5.2). Uma
hipótese poderia ser realmente a falta de uso do termo ou então o caráter sintético do gênero resumo.
Se esta for comprovada, talvez seja interessante aumentar o córpus inserindo artigos completos ou
parte do artigo como a metodologia, já que esta apresenta alta densidade terminológica.
Para análise dos termos, o estudo da teoria comunicativa terminológica contribuiu de forma relevante
para a elaboração das etapas metodológicas. A terminologia da linguagem acadêmica pode ser
descrita como uma terminologia rica, com grande parte de seus termos designando conceitos e
atitudes do fazer científico e procedimentos metodológicos. O uso dos verbos em textos real
possibilitou o distanciamento do pesquisador frente ao texto produzido, manifestado pela
impessoalidade da linguagem tradicionalmente praticada nas divulgações científicas. Essa
característica precisa ser considerada para a pesquisa bi ou multilíngua na sequência. Assim, seria
interessante fazer uma análise da escrita de textos em língua estrangeira para verificar se esse tipo de
estrutura da frase acontece igualmente, ou se trata meramente de uma característica brasileira de
redação científica.
O objetivo da pesquisa também foi elaborar um glossário para organizar termos encontrados e
disponibilizar uma ferramenta de fácil utilização aos interessados pelos dados. Assim como a
elaboração do córpus, a organização do dicionário também é trabalhosa. O glossário monolíngue tem
percurso semasiológico e as entradas estão organizadas em ordem alfabética. Para a construção de
uma obra terminográfica, a análise de relações semântico-conceituais entre termos é essencial e essas
relações precisam ser sinalizadas ao consulente da obra por meio do sistema de remissivas.
Para a sequência do aperfeiçoamento do glossário, seria interessante adicionar à obra uma parte
onomasiológica, em que o consulente pudesse partir de um conceito encontrado na ciência para
buscar uma denominação correspondente.
Para as análises terminológicas e terminográficas, foi relevante considerarmos os princípios da TCT,
lexicografia e terminografia, que fornecem informações para entendermos como transcorre o
processo de criação de vocabulários, dicionários e glossários com essa finalidade.
Ao final dessa pesquisa, acreditamos ter contribuído para a descrição e compreensão da linguagem
acadêmica e ter iniciado as pesquisas para contribuir para o trabalho do tradutor, auxiliando, assim, a
divulgação das pesquisas brasileiras no nível internacional.

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Linguagem Acadêmica: Uma Descrição Da Terminologia De Resumos De Artigos Acadêmicos

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 53
10.37423/200702105

OSTEOARTRITE (OA): ESTUDOS


EXPERIMENTAIS DA FISIOPATOLOGIA E
EVOLUÇÃO DO MODELO DE OA INDUZIDA POR
MONOSSÓDIOIODOACETATO (MIA)

Francisco Glerison da Silva Nascimento Universidade Estadual do Ceará

Bianca Feitosa Holanda Universidade Estadual do Ceará

Francisco Savio Machado Lima Gabriel Universidade Estadual do Ceará


Osteoartrite (OA): Estudos Experimentais Da Fisiopatologia E Evolução Do Modelo De OA Induzida Por Monossódioiodoacetato
(MIA)

Resumo: Introdução: As artropatias crônicas estão entre as principais causas de incapacidade


funcional humana. Inclusas nesse grupo se encontra a osteoartrite (OA), a mais prevalente delas, com
elevado número de casos, principalmente relacionada à idade e obesidade. A OA é uma doença
articular degenerativa e progressiva, com fisiopatologia multifatorial, que causa danos à cartilagem e
osso subcondral. Diante da complexidade desta patologia, tem-se desenvolvido modelos animais de
osteoartrite. O maior desafio no desenvolvimento destes modelos animais tem sido a rapidez,
reprodutibilidade e capacidade de mimetizar a OA humana. Dentro do universo desses estudos têm-
se concentrado na hiperalgesia e nas análises histológicas da cartilagem como forma de avaliar danos
estruturais. O modelo de osteoartrite induzida por monoiodoacetato de sódio (MIA) tem sido
apontado por diversos trabalhos como o modelo que mais se aproxima à osteoartrite humana.
Objetivos: Destacar a evolução do modelo de OA induzida por MIA e sua colaboração para elucidação
da fisiopatologia da hipernocicepção e degeneração da cartilagem articular. Método: Foi realizada
pesquisa mediante as plataformas United States National Library of Medicine (PubMed) e Science
Direct. Foram selecionados 18 artigos pelo critério de compatibilidade com o objetivo da pesquisa,
sendo utilizados os seguintes descritores: osteoartrite, monossódioiodoacetato, hipernocicepção e
cartilagem. Resultados: Os dados mostram que os fatores envolvidos nas alterações estruturais e
hipernocicepção na OA são complexos e insuficientemente conhecidos. A hipernocicepção articular na
OA é descrita como exacerbada por atividade ou estimulação mecânica. O modelo de osteoartrite
induzida por MIA é bem estabelecido e tem sido explorado com diversas metodologias e tem sido
bastante utilizado em número diferente de espécies. Experimentalmente a injeção intra-articular de
MIA inativa a gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase, enzima chave para síntese de ATP na via da
glicólise e gliconeogênese, resultando em interrupção do metabolismo de condrócitos e eventual
morte celular. Esta perda progressiva de condrócitos desencadeia alterações histológicas que
mimetizam diversas características notadas na OA humana, incluindo colapso da matriz cartilaginosa,
fibrilação e formação de osteófitos centrais e marginais e marcante hipernocicepção crônica
obviamente similares a OA humana. Os estudos com este modelo demonstraram indução de danos
severos com marcantes aspectos de hiperalgesia inflamatória e neurogênica, liberação articular de
citocinas pró-inflamatórias, tais como interleucina (IL-1β) e fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), bem
como degeneração tecidual induzida por por óxido nítrico (NO), biossíntese e liberação
de metaloproteinases de matriz (MMP-1, MMP2, MMP-3 e MMP-13). Dados de biologia molecular
mais recentes confirmam a ativação de fatores transcrição nucleares (NFκB), o qual modula a
expressão de moléculas pró-inflamatórias na sinalização intracelular de condrócitos apoptóticos,

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Osteoartrite (OA): Estudos Experimentais Da Fisiopatologia E Evolução Do Modelo De OA Induzida Por Monossódioiodoacetato
(MIA)

principalmente em pacientes com OA avançada. O modelo de osteoartrite induzido por MIA tem
demonstrado diversas característica preditivas para estudos de osteoartrite experimental.
Palavras-Chave: Osteoartrite, monossódioiodoacetato, hipernocicepção, cartilagem

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Osteoartrite (OA): Estudos Experimentais Da Fisiopatologia E Evolução Do Modelo De OA Induzida Por Monossódioiodoacetato
(MIA)

INTRODUÇÃO

Artropatias crônicas estão entre as principais causas de incapacidade funcional humana. Inclusas nesse
grupo se encontram a osteoartrite (OA), a mais prevalente delas. Osteoartrite (OA) tornou-se um
problema clínico significativo em todo o mundo e espera-se que piorar com o crescimento do
envelhecimento da população. Os Tratamentos farmacológicos existentes Incluem fármacos anti-
inflamatórios não esteróides e inibidores selectivos da ciclo-oxigenase-2. No entanto, as intervenções
farmacológicas não excedem a dor e não conseguem prevenir danos na cartilagem e destruição
associada de outros tecidos articulares (ZENG et al., 2017). Estima a Organização Mundial de Saúde
(OMS) que cerca de 40% dos adultos acima de 70 anos sejam portadores de (OA) de joelhos, sendo
que 80% desses apresentam limitação de movimentos e 25% encontram-se incapacitados para o
desempenho das principais atividades cotidianas. A freqüência de OA está aumentando,
principalmente relacionada à idade e obesidade (CLAESSENS, SCHOUTEN, VAN DEN OUWELAND,1990;
CROSS et al, 2014). Dados epidemiológicos demonstram maior prevalência desta patologia sobre
idosos, em sua maioria mulheres (ROSIS;MASSABKI;KAIRALLA, 2010; CROSS et al, 2014). Ela afeta
principalmente a cartilagem articular e seus respectivos ossos subcondrais nas articulações sinoviais,
resultando em falha da articulação e dor durante o suporte de peso, incluindo andar e ficar de pé.
Ainda não há cura conhecida para a osteoartrite, uma vez que se torna muito desafiador restaurar
uma cartilagem danificada (SGAGLIONE, 2005). A degeneração da cartilagem articular constitui a
alteração mais característica e importante da (OA), devido ao desarranjo em vias inflamatórias e no
equilíbrio fisiológico entre degradação e síntese dos componentes da matriz extracelular da cartilagem
e osso subcondral, ocasionado por fatores genéticos, metabólicos e traumáticos (SHARMA, KAPPOR &
ISSA, 2006). Apesar da destruição da cartilagem ser o evento mais relevante, a degeneração do
colágeno tipo II é o incidente fundamental que determina a progressão irreversível em associação com
o processo inflamatório (RIGOLOU & PAPAVASSILIOU, 2013). Muito modelos animais de OA tem sido
explorados para compreensão da fisiopatologia e desenvolvimento de tratamentos. O modelo animal
de osteoartrite induzida por MIA é bem estabelecido e tem sido explorado com diversas metodologias
(YIMAM et al., 2015) e tem sido bastante utilizado em número diferente de espécies (VAN DER CRAN
et al.,1989; WILLIAMS; BRANDT, 1985; PENRAAT et al., 2000; FERREIRA-GOMES et al., 2012). Sua
aplicação nos modelos adotados caracteriza-se por induzir danos severos com marcantes aspectos de
hiperalgesia e degeneração tecidual, sendo bastante preditivo para estudos crônicos com animas
(GUZMAN et al., 2003; GOMES et al., 2012).

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Osteoartrite (OA): Estudos Experimentais Da Fisiopatologia E Evolução Do Modelo De OA Induzida Por Monossódioiodoacetato
(MIA)

METODOLOGIA

Foi realizada pesquisa mediante as plataformas United States National Library of Medicine (PubMed)
e Science Direct. Foram selecionados 20 artigos pelo critério de compatibilidade com o objetivo da
pesquisa: principais artigos publicados entre 2003 e 2020 com modelos de osteoartrite induzida por
MIA.Foram utilizados os seguintes descritores: osteoartrite, monossódioiodoacetato, hipernocicepção
e cartilagem.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A osteoartrite (OA) induzida por iodoacetato monossódico (MIA) consiste em um modelo


experimental estabelecido na literatura, com características clinicas e fisiológicas semelhantes a OA
em humanos. Dessa forma, são apresentadas inúmeras pesquisas utilizando o modelo de OA induzida
por MIA na busca por melhor compreensão da fisiopatologia e do tratamento da OA (Tabela 1). Dentre
os tratamentos apresentados, o exercício físico como o de esteira, demonstra seus benefícios a
exemplo o efeito anti-inflamatório na articulação do joelho, o aumentou da expressão do colágeno
tipo II na cartilagem articular e do sequestossomo 1 (SQSTM1) (ZHANG et al., 2019). Além disso, é
demonstrado que a descarga mecânica nas articulações femoropatelar e tibiofemoral inibe a
degeneração, as fissuras, as erosões na patela, na cartilagem articular, no fêmur e na tíbia (TAKAHASHI
et al., 2019). Contudo, os exercícios físicos quando realizados em exposição a partículas, podem
proporcionar a gravidade da OA, por meio da exacerbação do processo inflamatório de forma
sistêmica (PENG et al., 2019).
As pesquisas atuais apresentam inúmeras formas de tratamento para a OA induzidas por MIA em
murinos, dentre eles, as substancias como a curcumina e a isorhamnetina que reduzem
a inflamação e protegem a cartilagem articular (PARK et al., 2019; TSAI et al., 2019). O tratamento com
o fármaco liraglutida prescrito para o controle glicêmico na diabetes do tipo dois, demonstrando sua
atividade anti-inflamatória (QUE et al., 2019). O ácido hialurônico, que demonstra seu efeito
analgésico e de proteção da degeneração da cartilagem articular tibiotársica (JIMBO et al., 2019). O
plasma rico em plaquetas, que por sua vez, apresenta efeito inibidor na apoptose de condrócitos,
dessa forma, prevenindo a perda da altura da cartilagem por inibição da perda da matriz (ASJID et al.,
2019). A terapia por fotobiomodulação, que apresenta durante a fase crônica da OA a recuperação da
cartilagem e a redução da progressão da sensibilização da medula espinhal (BALBINOT et al., 2019).
Além disso, é demonstrado o potencial da terapia genética na OA induzida por MIA em murinos
(TASHKANDI et al., 2019).

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(MIA)

A OA apresenta a dor como principal sintoma clínico. Diante disso, a compreensão dos mecanismos
que impulsionam a dor crônica, bem como fontes analgésicas, são cruciais para a redução da gravidade
da osteoartrite (LOCKWOOD et al., 2019). Nesse contexto, a literatura demonstra que os receptores
CB1 e PPARα estão envolvidos na mediação da nocicepção na OA induzida por MIA em murinos
(ALSALEM et al., 2019) e que os componentes noradrenérgicos e serotoninérgicos contribuem para a
expressão de controles inibitórios nociceptivo na via descente (LOCKWOOD et al., 2019).
Adicionalmente, o bloqueio do receptor σ1R, por meio da modulação da atividade microglial no córtex
pré-frontal medial reduz alterações cognitivas e emocionais associados à nocicepção (CARCOLÉ et al.,
2019). É importante destacar, que a indução da AO por MIA em murinos na articulação do tornozelo
versus joelho apresenta diferentes características, o que é semelhante ao que é encontrado nos
pacientes humanos com osteoartrite (MÖLLERA et al., 2019).

Tabela 1 – Principais pesquisas envolvendo o modelo de osteoartrite induzida por MIA

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Os danos na articulação observados na osteoartrite sendo decorrentes de agravantes á longo prazo,


como o desgaste da cartilagem hialina que recobre o osso subcondral e utilização incorreta das
articulações (MCDOUGALL, 2006), tornam-se difíceis de reproduzi-los num modelo animal
experimental. Outros métodos diferentes de indução se utilizam de administração intra-articular de
papaína (enzima proteolítica) e colagenase bacteriana, por causarem degradação da matriz
cartilaginosa por meio de degradação enzimática. Estudos experimentais recentes apontam para o
monoiodoacetato de sódio (MIA) como um indutor de OA mais próxima da prática clínica por alterar
o metabolismo dos condrócitos (MCDOUGALL, 2006; MORE et al., 2013). Portanto o MIA foi
considerado apropriado para mimetizar lesões de OA humana. A aplicação do MIA intra-articular causa
uma degeneração crônica da cartilagem hialina articular com sinais de hipernocicepção, sendo assim
bastante preditivo para o estudo da osteoartrite. Em relação a dor na osteoartrite, os modelos
clássicos têm favorecido a observação do fenômeno da hiperalgesia sencundária, uma vez que o sítio
primário da lesão encontra-se em tecidos profundas do microambiente articular, sendo este o real
sintoma da morbidez na clínica. Os fatores envolvidos nas alterações estruturais e hipernocicepção
são complexos e insuficientemente conhecidos. A dor articular na OA é tipicamente descrita como
exacerbada por atividade ou estimulação mecânica. Embora a fonte de dor não esteja completamente
determinada, em última análise, a atividade aferente primária é responsável pela geração das dores
nas articulações. Esta atividade neuronal que ocorre na periferia pode inclusive causar alterações no
sistema nervoso central, agravando ainda mais percepção da dor (HUNTER et al., 2008). O modelo de
osteoartrite induzida por MIA é bem estabelecido e tem sido explorado com diversas metodologias

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(YIMAM et al., 2015) e tem sido bastante utilizado em número diferente de espécies, tais como
coelhos, camundongos (PENRAAT et al., 2000) e ratos (FERREIRA-GOMES et al., 2012). Sua aplicação
nos modelos adotados caracteriza-se por induzir danos severos com marcantes aspectos de
hiperalgesia e degeneração tecidual, sendo bastante preditivo para estudos crônicos com animas
(GUZMAN et al., 2003; GOMEZ et al., 2012). A administração intra-articular de MIA provocou claras
evidências histológicas de processo inflamatório local, uma vez observados os fenômenos de expansão
significante da membrana sinovial, larga quantidade de infiltrado celular e edema com fluido
proteináceo, macrófago infiltrante, neutrófilos e macrófagos. A análise histológica com toluidina blue
dos referidos tecidos demonstrou também expressivas perdas de condrócitos e proteoglicanos na
cartilagem articular fêmoro-tibial de ratos (BOVE et al., 2003).

Do ponto de vista histopatológico, a injeção intra-articular de MIA induziu severas alterações


degenerativas, evidenciando áreas de erosão com perda de matriz cartilaginosa na zona superficial e
média, além de focos de denudação com perda de revestimento cartilaginoso. O MIA desencadeou
danos similares ao revestimento cartilaginoso articular, como também os resultados publicados por
(Guzman et al., 2003), demonstrando profundas erosões da cartilagem com exposição óssea em ratos,
todas provocadas por este indutor químico.
A análise histológica com toluidina blue dos referidos tecidos demonstrou também expressivas perdas
de condrócitos e proteoglicanos na cartilagem articular fêmuro-tibial de ratos (BOVE et al.,2003).
Inclusive foi demonstrado com condrócitos in vitro que o MIA inibe a proliferação celular e aumenta
o estresse oxidativo, apoptose e perca de proteoglicanos. Ademais a exposição ao MIA pode ainda
aumentar a expressão de citocinas pró-inflamatóriasd tais como IL-6, IL-17A, TNFα, bem como
metaloproteinases de matriz (MMP1, MMP-3 e MMP-13). Foi inclusive demonstrado que a apoptose
de condrócitos induzida poi MIA foi dependente da organela mitocôndria, e foi devida uma elevação
nos níveis de espécies reativas de oxigênio (ROS) e ativação de caspases (JIANG et al, 2013). Foi ainda
relatado que o MIA poderia induzir elevação transitória de IL-1β, IL-6 e IL-10, fenômeno observado em
ratos. O MIA pode aumentar a expressão de IL-6, IL-17A e TNFα, sugerindo que os condrócitos podem
contribuir para aumentos de citocinas pró-inflamatórias séricas no modelo de osteoartrite induzida
por MIA em roedores. Podemos contatar de maneira geral que o modelo de osteoartrite induzido por
MIA tem demonstrado diversas característica preditivas para estudos de
osteoartrite experimental e exploram diversos protocolos e marcadores relevantes para compreensão
da osteoartrite e desenvolvimento de terapêuticas.

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(MIA)

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13
746
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 54
10.37423/200702108

OS MEGAEVENTOS OCORRIDOS NO BRASIL NA


PERSPECTIVA DAS ESTRATÉGIAS DE SAÚDE:
UMA REVISÃO INTEGRATIVA

Maria Adriana Pereira Guimarães Universidade Federal de Pernambuco

Robson Cruz Ramos Da Silva Universidade Federal de Pernambuco

Joseilma de Lima Silva Universidade Federal de Pernambuco

Élida dos Santos Oliveira Universidade Federal de Pernambuco

Maria da Conceição Cavalcanti de Lira Universidade Federal de Pernambuco


Os Megaeventos Ocorridos No Brasil Na Perspectiva Das Estratégias De Saúde: Uma Revisão Integrativa

O Brasil na última década foi sem dúvida o país que mais sediou eventos de massa, principalmente
aqueles ligados aos setores de esporte e cultura. JMJ e Copa das Confederações FIFA (2013), Copa do
Mundo FIFA (2014) e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos (2016) colocaram o país num cenário de alarde
para o grande fluxo de pessoas e mercadorias, exigindo uma preparação consistente e eficaz para
diversas situações possíveis. Diversos setores ligados à saúde trabalharam através do desenvolvimento
prévio de portarias ministeriais, havendo o estabelecimento das Diretrizes Nacionais para
Planejamento, Execução e Avaliação das Ações de Vigilância e Assistência à Saúde em Eventos de
Massa. Objetivos: Descrever de forma breve o esquema de saúde utilizado nos grandes eventos
ocorridos no país nos últimos anos, apontando as suas principais características e especificidades.
Metodologia: estudo do tipo revisão de literatura integrativa, sendo realizada a seleção dos artigos
nos bancos de dados SciELO e BVS, de acordo com a relevância e relação com objetivo proposto, sendo
utilizado ainda como base a portaria PORTARIA Nº 1.139, DE 10 DE JUNHO DE 2013 do Ministério da
Saúde. Resultados: O seguinte documento foi sistematizado de acordo com o funcionamento do
Sistema de saúde público existente no país, sendo dividido em 3 títulos e 6 capítulos: o título um trata
das disposições iniciais, relacionado a finalidade, abrangência, definição e responsabilidades. O dois
trata do planejamento das ações e da execução por parte da Vigilância em Saúde e da Assistência, além
da avaliação. O três traz as disposições finais e transitórias. Nele também é mostrado os diferentes
fatores que caracterizam um evento de massa, além de trazer a relação entre a característica do evento
com o risco e os principais riscos associados a eventos desta proporção. Tal documento foi utilizado
como base no esquema de preparação desses eventos, com o desenvolvimento de um comitê (CEM),
contando com diversos representantes e conselhos e trazendo ainda suas competências e subsídios,
havendo, ainda, o direcionamento das medidas de gerenciamento dos riscos ambientais,
epidemiológicos e os relacionados ao uso ou consumo de produtos ou serviços de interesse à saúde.
Conclusão: Mesmo diante do esquema proposto e trabalhado durante esses eventos, constata-se que
o país ainda necessita de um arcabouço jurídico que fundamente um trabalho mais estruturado, já que
as portarias não abarcam leis que tratem da gestão dos riscos à saúde. O respaldo legal se faz
necessário para que ação dos agentes de Vigilância em saúde possa obedecer a critérios pautados
dentro dessa legalidade, com o desenvolvimento de medidas mais efetivas e rigorosas.
Descritores: Gestão de Riscos; Vigilância; Contenção de Riscos Biológicos.

1
748
Os Megaeventos Ocorridos No Brasil Na Perspectiva Das Estratégias De Saúde: Uma Revisão Integrativa

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2
749
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 55
10.37423/200702124

DIVERSIDADES EM TELA: DISCURSOS E


PERPECTIVAS SOBRE IDENTIDADE, RAÇA E
GÊNERO EM UMA ESCOLA MUNICIPAL DE
PENEDO-AL

Clesiane da Rocha Gomes Universidade Federal de Alagoas

Claudiane dos Santos Barbosa Universidade Federal de Alagoas

Fany Fernanda Alves Valente Universidade Federal de Alagoas

Stephanie Bispo de Lira Universidade Federal de Alagoas

Marcos Paulo de Oliveira Sobral Universidade Federal de Alagoas

Maria Claudenice dos Santos Universidade Federal de Alagoas

Willamis dos Santos Teixeira Universidade Federal de Alagoas


Diversidades Em Tela: Discursos E Perpectivas Sobre Identidade, Raça E Gênero Em Uma Escola Municipal De Penedo-AL

Resumo: O presente trabalho teve como objetivo discutir e refletir sobre as perspectivas de
diversidade, raça e gênero em uma escola Municipal de Penedo-Alagoas, através da percepção de
discursos no âmbito escolar, e por meio de diálogos entre professor, aluno, pois há aceitação das
diferenças na formação e no espaço onde a diversidade sempre prevalece, para isto, foram utilizados
filmes de curta metragem para que os alunos refletissem sobre suas práticas e que pudessem vê que
todos somos diferentes, mais que todos tem o mesmo direito de se sentir bem da forma que é, que
ninguém deve ser excluído por ter qualquer tipo de limitação, respeito do conceito de diversidade no
âmbito escolar pautando-se nos conceitos de identidade, raça e outras temáticas. Buscando
proporcionar uma reflexão sobre, o preconceito, a negação das diferenças e das diversidades que ainda
se fazem presentes em todos os lugares, inclusive no âmbito escolar, causando nas crianças e
adolescentes constrangimentos, autonegação e exposição a todo tipo e forma de preconceito, para
isso, o estudo a base teórica apoia- se nos estudos de Anete Abramowicz, Segundo Louro e outros
autores.
Palavras-Chave: Educação. Diversidade. Discursos.

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751
Diversidades Em Tela: Discursos E Perpectivas Sobre Identidade, Raça E Gênero Em Uma Escola Municipal De Penedo-AL

INTRODUÇÃO

O presente trabalho é de suma importância abordar temáticas que envolvam a diversidade no espaço
escolar. Pois, sabemos que a escola é a instituição social que agrega diariamente a maior representação
da diversidade social brasileira. Assim, justifica-se que todos os alunos possam debater, discutir,
compreender e refletir sobre as identidades, alteridades, e as envolvendo as categorias raça, etnia e
gênero, e sobre os desdobramentos dos discursos, dos saberes e fazeres reproduzidos no âmbito
escolar.
Nos dias atuais há grandes tensões entre a busca pela aceitação da diversidade e da autonomia das
representações e participação social ativa dos sujeitos denominados como minoria. Assim,
desenvolvemos o projeto de extensão Diversidade em Tela em uma escola municipal de educação
básica da cidade de Penedo- Al. Nosso objetivo central pautou-se, na oportunidade de propiciar aos
sujeitos sociais envolvidos em relações antagônicas e de poder, discussões sobre as várias temáticas,
pois apesar da sociedade está passando por mudanças conceituais e operacionais, o preconceito, a
negação das diferenças e das diversidades ainda se fazem presentes em todos os lugares, inclusive no
âmbito escolar, causando às crianças e adolescentes constrangimentos, autonegação e exposição a
todo tipo e forma de preconceito.
Desta forma a Universidade tem como função social a relação intrínseca e estreita com a sociedade, e
para isso as ações extensionistas, oportunizam o aprendizado mútuo, com o intuito promover, uma
formação cidadã e comprometida com as demandas sociais que permeiam as práticas laborativas, e
que através do ensino, da pesquisa e dos projetos de extensão, oportunizam aos discentes e futuros
profissionais conhecimentos necessários de toda realidade. É mediante as ações extensionistas
desenvolvidas que os cidadãos passam a ter um novo olhar sobre um espaço justo e igualitário para
todos.
A convivência com crianças tem mostrado a importância de ouvi-la, de escutar vozes nos silêncios, nos
gestos, nos pequenos corpos que se movimentam com desenvoltura e que nos surpreende com falas
que nos levam a pensar como futuros docentes que postura deve ter diante desses pequenos sábios.

DIVERSIDADE NA ESCOLA

Para Anete Abramowicz 2006, (p.12) “diversidade pode significar variedade, diferença e multiplicidade.
A diferença é qualidade do que é diferente o que distinguir uma coisa da outra, a falta de igualdade e
semelhança”. Nesse sentido podemos afirmar onde á diversidade há diferença.

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Diversidades Em Tela: Discursos E Perpectivas Sobre Identidade, Raça E Gênero Em Uma Escola Municipal De Penedo-AL

Dessa forma, é fundamental que, nas escolas de todo o mundo ocorra a realização de reflexões sobre
temas importantes relacionados a diversidade , como identidade, gênero, raça e etnia, pois, bem como,
os docentes tem o papel essencial na formação de seus discentes com o proposito de estimular
provocações sobre determinados temas, assim abrindo discussões, para que no âmbito escolar, na qual
os alunos são diferentes seja possível, alcançar e compreender as necessidades de cada um,
respeitando o direito de todos.
Segundo Louro (1998) o conceito de gênero passar a ser utilizado a partir do entendimento de que não
se nasce pronto, mas cada ser humano se (re) cria num movimento continuo em formação, de modo
que nos fica a indagação sobre se é de fato correto discutir relações de gênero em sala de aula.
Nessa concepção, levantar questões a respeito de gênero necessita de esclarecimento por parte do
docente, com finalidade de promover um diálogo e reflexão com os discentes, na construção da
formação da identidade de cada aluno, para que todos possam compreender seu papel dentro da
sociedade.
[...] podemos compreender que as raças são na realidade construções sociais politicas e culturais nas
relações sociais e de poder ao longo do processo histórico. Não significam, de forma alguma, um dado
da natureza. É no contexto da cultura que nós aprendemos a enxergar as raças. (GOMES, 2005 , p. 49)
Nesse ponto de vista podemos crer que no espaço de tempo escolar, é muito importante no
desenvolvimento do processo de edificação da identidade dos discentes, de forma, que cuidar das
questões de raça é necessário no processo de aprendizagem do aluno para assumir sua identidade
racial. Assim compreendendo sua história.
Na educação escolar, trabalhar na perspectiva da diversidade significa uma ação pedagógica que vai
além do reconhecimento de que os alunos sentados nas cadeiras de uma sala de aula são diferentes,
por terem suas características individuais e pertencentes a um grupo social, mas é preciso efetivar uma
pedagogia da valorização das diferenças.
Segundo Marisa Vorraber Costa (2008), identidade e diferença são inseparáveis, dependendo uma da
outra. Elas são produzidas na trama da linguagem, a identidade e a diferença são construídas dentro
de um discurso, por isso precisamos compreendê-las como são produzidas em locais históricos e
institucionais por meio do discurso.
Pois, ao se trabalhar com conceitos de gênero, raça e identidade na sala de aula traz uma perspectiva
da valorização da(s) identidade(s) dos múltiplos sujeitos que convivem no mesmo espaço da escolar, a
fim de desconstruir os estereótipos e os estigmas que foram atribuídos historicamente à alguns grupos
sociais.

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Diversidades Em Tela: Discursos E Perpectivas Sobre Identidade, Raça E Gênero Em Uma Escola Municipal De Penedo-AL

Segundo Carvalho (2002), pensar em respostas educativas da escola é pensar em sua responsabilidade
para garantir o processo de aprendizagem para todos os alunos, respeitando- os em suas múltiplas
diferenças.
A heterogeneidade esta presente em todas as escolas, e provoca grandes discussões entre os
educadores, por essa razão e necessário que refletem sobre a importância de identificar, e
proporcionar situações de crescimento intelectual a partir das diferenças entre um sujeito e outro.
Mas, para que situações de diversidade na sala de aula sejam produtivas é necessário um preparo mais
a fundo, para saber lidar com tais diferenças sem deixar que as mesas se tornem uma dificuldade em
sala de aula.
Assim, dentro de um espaço educacional variado surge a necessidade de uma qualificação dos
profissionais, para uma educação eficiente voltada para a construção do saber respeitar as diferenças
e se adeque a todas essas diversidades. Para tanto, é necessário que a educação docente seja mais
dialética, deixando de lado as heranças tradicionais, como cita Paulo Freire em seu livro pedagogia do
oprimido.
[…] aquela que tem de ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta
incessante de recuperação de sua humanidade. Pedagogia que faça da opressão e de suas causas
objeto da reflexão dos oprimidos, de que resultará o seu engajamento necessário na luta por uma
libertação, em que esta pedagogia se fará e refará. (FREIRE, 2011, p. 32).
Abre-se, desta maneira, um espaço de ruptura com o ensino tradicional e permite-se com esta visão
inovadora a atenção à diversidade no âmbito escolar, atendendo os oprimidos, as crianças portadoras
de necessidades especiais, que em última instância ao entender as especificidades individuais são
todas e não algumas.
Mudar não é tarefa fácil e todos sabemos disso, mas o prazer da mudança surge quando a própria
escola se torna espaço o espaço de (trans)formação. E somente através desta prática (trans)formadora
é que poderemos construir uma sociedade mais justa, que inclui e não exclui, que perceba a escola
como espaço de construção, através da valorização das individualidades, do respeito para com as
diferenças, com a cultura de cada um, onde a educação é o elemento essencial para
um mundo melhor. Assim, aprender a ser docente é aprender a refletir, pesquisar, conhecer a
realidade, valorizar o conhecimento prévio, criar, conhecer e trabalhar a cultura individual e coletiva
dos sujeitos, respeitar as diferenças bem como fazer respeita-las, deixando aquelas ideias prontas de
lado e criando novas ideias a partir do conhecimento que se tem da realidade dos alunos.

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Diversidades Em Tela: Discursos E Perpectivas Sobre Identidade, Raça E Gênero Em Uma Escola Municipal De Penedo-AL

De acordo com Perrenoud (2001, p. 69) No início do ano, um professor de ensino fundamental depara-
se com 20 a 25 crianças diferentes em tamanho, desenvolvimento físico, fisiologia, resistência ao
cansaço, capacidades de atenção e de trabalho; em capacidade perceptiva, manual e gestual; em
gostos e capacidades criativas; em personalidade, caráter, atitudes, opiniões, interesses, imagens de
si, identidade pessoal, confiança em si; em desenvolvimento intelectual; em modos e capacidades de
relação e comunicação; em linguagem e cultura; em saberes e experiências aquisições escolares; em
hábitos e modo de vida fora da escola; em experiências e aquisições escolares anteriores; em aparência
física, postura, higiene corporal, vestimenta, corpulência, forma de se mover; em sexo, origem social,
origem religiosa, nacional ou étnica; em sentimentos, projetos, vontades, energias do momento...
Assim percebe-se que a escola de hoje precisa encontrar seu caminho para a diversidade, engajando
as crianças e jovens no mundo das diferenças, preparando-os para ser legítimos cidadãos. Na sala de
aula há alunos de diversas culturas, o que requer do professor um olhar diferenciado para seu
planejamento, bem como para o currículo escolar, através de adaptações aos conteúdos e atividades
desenvolvidas em sala de aula.
A educação deve progredir no mesmo ritmo, acompanhando os progressos e trabalhando em vistas
para diminuir as desigualdades que se originam devido aos avanços, visto que há pessoas que ficam
desprovidas dessas inovações. Para tanto, faz-se necessário proporcionar esses “confortos”, também
para aqueles que não têm acesso, e a ponte mediadora entre essas diferenças é a escola.
Gadotti (2000, p 41) questiona-se quando fala: “que tipo de educação necessitam os homens e as
mulheres dos próximos 20 anos, para viver este mundo tão diverso?” Certamente, eles e elas,
necessitam de uma educação para a diversidade, necessitam de uma ética da diversidade e de uma
cultura da diversidade. Uma escola que eduque para a pluralidade cultural, que perceba o outro como
legítimo outro, o qual possui uma história, uma cultura, uma etnia e que perceba a turma de alunos
como heterogênea, visto que cada aluno possui um diferencial, pois provém de lugares, culturas e
famílias distintas, apresentando ritmos diferentes para aprender, o que caracteriza a pluralidade no
espaço escolar.
Para tanto, é necessário que a sociedade também valorize as diversidades e que os meios de
comunicação também colaborem, ajudando, por exemplo, a não incentivar a violência a homossexuais,
travestis, lésbicas, entre outros, pois a escola não deve ser o único fator de mudança, é preciso que
toda a sociedade se conscientize.

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Diversidades Em Tela: Discursos E Perpectivas Sobre Identidade, Raça E Gênero Em Uma Escola Municipal De Penedo-AL

Segundo Gomes (1999) o reconhecimento dos diversos recortes dentro da ampla temática da
diversidade cultural (negros, índios, mulheres, deficientes, homossexuais, entre outros) coloca-nos
frente a frente com a luta desses e outros grupos em prol do respeito à diferença.
Vivemos hoje em uma época de globalização, tanto da economia quanto das tecnologias e informações
que vêm sendo modificadas constantemente e refletem diretamente na cultura da sociedade. Estes
progressos como os avanços na medicina, os computadores, meios de comunicação, meios de
transporte..., facilitam a nossa vida, trazendo conforto e inovação. A educação deve progredir no
mesmo ritmo, acompanhando os progressos e trabalhando em vistas para diminuir as desigualdades
que se originam devido aos avanços, visto que há pessoas que ficam desprovidas dessas inovações.
Para tanto, faz-se necessário proporcionar esses “confortos”, também para aqueles que não têm
acesso, e a ponte mediadora entre essas diferenças é a escola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos relatar a importância da experiência para nossa formação acadêmica profissional e da


oportunidade de reflexão com relação ao contexto social ao qual o discente está inserido. As atividades
trabalhadas em sala de aula foram aceitas pelos alunos, e a participação dos mesmos, nos faz refletir
sobre toda experiência realizada. Não deixando de citar o real significado da interação do pesquisador
com o meio ao qual o mesmo está incluído. Podemos assim afirmar com clareza que o Projeto
Diversidade em Tela, foi muito significativo para a troca de conhecimentos e de vivências para nosotros,
escutar, pensar novas ações fortalecendo a importância da relação e fortalecimento de vínculos, onde
cada encontro é único e as experiências trocadas pelos grupos fazem com que haja uma aproximação
entre os pesquisadores e os discentes e os educadores que estão no cotidiano do chão da escola.

6
756
Diversidades Em Tela: Discursos E Perpectivas Sobre Identidade, Raça E Gênero Em Uma Escola Municipal De Penedo-AL

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757
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 56
10.37423/200702141

A INFORMAÇÃO CONTÁBIL E O PROCESSO


DECISÓRIO: ESTUDO DE CASO EM
MICROEMPRESAS

Epaminondas de Azevedo Oliveira Universidade Federal do Sul e Sudeste do


Pará

David Nogueira Silva Marzzoni Universidade Federal do Sul e Sudeste do


Pará

Jocildo Pereira dos Santos Junior Universidade Cidade de São Paulo

Antonio Wairan da Silva Ferreira Universidade Estadual de Ponta Grossa


A Informação Contábil E O Processo Decisório: Estudo De Caso Em Microempresas

Resumo: O objetivo desta pesquisa é analisar a utilização das informações contábeis por empresários
de Rondon do Pará/PA. Pois através destes relatórios os gestores podem tomar decisões e diminuir os
riscos inerentes ao negócio. Neste sentido foi realizado um estudo para verificar como as informações
contábeis influenciam nas tomadas decisões. A metodologia utilizada para realizar a pesquisa se
desenvolveu por meio da aplicação de um questionário composto por questões abertas e fechadas
para a coleta de dados. Para o estudo foi utilizado uma amostra aleatória de 20 microempresas de um
universo de 181 empresas segundo dados da Câmera de Dirigentes Lojistas de Rondon do Pará/PA.
Constatou-se que a maior parte dos empreendimentos possuem mais de 5 anos de atividade no
mercado, provando ser empresas estabelecidas no comércio. Verificou-se também o grau de relevância
dado aos relatórios provenientes da contabilidade e que muitos gestores apesar de considerarem esses
relatórios importantes para questões econômicas raramente utilizam-se dessas informações no
processo de tomada de decisões gerenciais.
Palavras-Chave: Informação contábil. Microempresa. Contabilidade.

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A Informação Contábil E O Processo Decisório: Estudo De Caso Em Microempresas

1. INTRODUÇÃO

Em um cenário cada vez mais competitivo no âmbito empresarial, a informação torna- se uma
ferramenta indispensável para as empresas, sendo algo de fundamental importância para a
organização do empreendimento e sua maximização de forma produtiva.
Diariamente as organizações são submetidas a uma quantidade de dados e informações que requerem
uma administração específica (BEUREN, 2000). Os gestores a todo momento precisam tomar decisões
imprescindíveis em relação ao negócio e saber trabalhar com essas informações para lidar com os
problemas com eficácia e ao mesmo tempo ganhar destaque no mercado, este fato transfigura-se
como algo complexo, exigindo atenção dos gestores.
Como bem assegura Carvalho e Nakagawa (2004), pode-se dizer que a contabilidade é a ciência
responsável por mensurar o patrimônio da entidade, assim fica claro que seu principal objetivo é gerar
informações estruturadas e fidedignas para seus usuários a respeito da empresa, não sendo exagero
afirmar que a contabilidade tem como função suprir os gestores de dados a fim de gerar informações
relevantes que aplicadas de maneira eficiente possibilitem aos usuários alcançarem seus objetivos
embasando-se nos relatórios contábeis.
No Brasil as Micro e Pequenas Empresas (MPEs) exercem um papel extremamente importante na
economia do país. Segundo SEBRAE Mato Grosso (2014), existem no Brasil cerca de 9 milhões de MPEs
que correspondem a 27% do Produto Interno Bruto (PIB), percentual este que vem evoluindo nos
últimos anos, dessa forma, constata-se que as pequenas empresas são as principais geradoras de
riqueza no comércio brasileiro.
Para Baty (1994), as pequenas empresas contribuem significativamente para o desenvolvimento
coletivo, colaborando para o crescimento do corpo social e econômico, visto a quantidade de
empregos gerados por essas entidades.
Segundo Stroeher (2005) as micro e pequenas empresas requerem uma atenção diferenciada com
relação a administração, por possuir arcabouço típico com situações inerentes que as tornam
diferentes das grandes empresas, como aspectos tributários, mão de obra específica e questões
relativas a contabilidade e finanças.
Mesmo exercendo grande importância socioeconômica, as MPEs apresentam alto índice de
mortalidade nos primeiros cinco anos de vida, muitas vezes por falta de administração eficaz por parte
dos gestores. Para Marzzoni e Souza (2020) a ausência de consenso relativo ao parecer contábil, reduz
a importância das demonstrações em meras obrigações fiscais, ao invés de servir como instrumento

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760
A Informação Contábil E O Processo Decisório: Estudo De Caso Em Microempresas

de suporte para gestão. Logo, percebe-se a carência dos gestores com relação a uma assessoria eficaz
dos contadores.
Stroeher e Freitas (2006) afirmam que os relatórios contábeis dificilmente servem como auxílio nos
exercícios empresariais, são considerados na maior parte dos casos como obrigações fiscais,
classificados como gastos obrigatórios.
O referido trabalho teve como objetivo identificar a utilização das informações contábeis por
empresários do município de Rondon do Pará/PA. Fica, portanto, evidente a necessidade de discussão
sobre o tema, haja vista, sua atualidade e principalmente pela relevância nas pesquisas relacionadas
às informações contábeis utilizadas para decisões gerenciais.
Diante do exposto, o estudo busca responder a seguinte questão-problema: Como os empresários de
Rondon do Pará fazem uso das informações contábeis como base para o processo de tomada de
decisões?
O artigo é composto por cinco seções. Após essa introdução é apresentada a revisão da literatura, que
aborda os aspectos relacionados à informação contábil, atributos da informação contábil e empresa
escritório de contabilidade aspectos gerenciais. A terceira seção contempla a metodologia da pesquisa.
A quarta trata da análise dos dados. Na quinta, apresenta- se a conclusão.
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1.1.INFORMAÇÃO CONTÁBIL
Baseando-se no método das partidas dobradas para controle e estudo do patrimônio, a contabilidade
tem como objetivo aferir e alocar recursos fundando-se nas informações contábeis evidenciadas
através de demonstrações contábeis, notas explicativas, laudos, livros ou quaisquer outros meios
utilizados pelo profissional ou previstos na legislação.
Conforme Marion (1988), a contabilidade é algo de suma importância para o auxílio nas tomadas de
decisões dentro de uma empresa, visto que através dela são coletados dados pecuniários sobre a
entidade, materializados por meio de relatórios, que de certa forma influenciará na administração.
Simon (1970) comenta que a informação contábil passou a ser uma ferramenta de fundamental
importância que o administrador possui para examinar seu trabalho. As fontes principais da
informação contábil são os fatos financeiros corridos em um empreendimento, o profissional contábil
tem o papel de observar tais eventos e compila-los para apresentar essas informações mediante
relatórios contábeis.

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A Informação Contábil E O Processo Decisório: Estudo De Caso Em Microempresas

Como bem afirma Oliveira, Müller e Nakamura (2000) além de criar informações, a contabilidade
elucida os eventos patrimoniais, dessa forma pode-se planejar exercícios subsequentes, realizar
análises, controlar, entre outras finalidades relativas a administração.
As informações contábeis são divididas nos relatórios em grupos de “contas”, classificadas como
custos, receitas e despesas que uma empresa pode ter. Algumas vezes esse agrupamento pode causar
confusões, algo que muitos gestores não percebem ao analisarem os relatórios contábeis, provocando
erros nos demonstrativos.
Se a informação contábil, por um lado, pode ser considerada relevante na tomada de decisão gerencial,
muitos usuários não conseguem assimilar essas informações evidenciadas nos relatórios por
desconhecerem o conceito de muitos termos utilizados desses demonstrativos (MOREIRA et al. 2013).
Para Beuren (2000) o maior desafio da informação é instruir os administradores do empreendimento
a atingirem seus objetivos dentro da organização, saber lidar com essas informações é primordial para
o sucesso empresarial.
Dessa forma Atkinson et al. (2000) dizem que a função da contabilidade é produzir informação que
venha contribuir nas tomadas de decisões com tempo hábil. A maioria dos gestores não tomam
decisões referente a administração baseando-se nas informações contábeis justamente pela falta de
entendimento das vantagens que essas informações poderiam trazer no gerenciamento da empresa,
com isso fica claro que muitos gestores consideram a contabilidade apenas como uma despesa de
caráter fiscal, sem acrescentar valor ao empreendimento (LIMA et al. 2004).
Assim, a contabilidade para atingir sua função de levar informação adequada aos seus usuários, para
que tomem decisões fundamentais vinculadas à gestão, deve apresentar algumas características
básicas, como ser clara, completa, relevante, íntegra, útil, condigna, e com foco no gerenciamento do
empreendimento.

1.2.ATRIBUTOS DA INFORMAÇÃO CONTÁBIL

A informação contábil, em específico as explicitas nas demonstrações contábeis, especialmente as de


natureza fiscal, devem proporcionar uma visão razoável da empresa e atender satisfatoriamente os
propósitos dos seus usuários. Para que essa informação possa ser consolidada ela precisa possuir
algumas características, tais como, confiabilidade, tempestividade, compreensibilidade e
comparabilidade, além relevante e fidedigna.
Para Paulo (2002) essas características podem ser primárias e secundárias para a informação válida,
considerando uma exceção integral, ou seja, análise de custo benefício da informação, a

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A Informação Contábil E O Processo Decisório: Estudo De Caso Em Microempresas

compreensibilidade sendo características do usuário supondo-se que o mesmo disponha de algum


conhecimento de contabilidade e seguimento da entidade, em escala que o qualifique ao
entendimento das informações presente nos demonstrativos, na hipótese que garanta analisá-los com
profundidade necessária.
A Concretude da informação como linha de autenticação, que é a materialidade, como característica
primária tem-se a confiabilidade e relevância e como características secundárias temos a
comparabilidade, consistência e uniformidade.
A materialidade simboliza um conceito permeável em relação as características, principalmente da
confiabilidade e relevância. Com isso a informação torna-se essencial para o administrador do negócio,
quando faz diferença para gestão empresarial, podendo validar ou corrigir perspectivas (STROEHER e
FREITAS, 2006).
De acordo com o CPC 00 (R1) (2011) a confiabilidade ou representação fidedigna da informação firma-
se na precisão, legitimidade e integralidade dos documentos. Santos (1998) afirma que a
comparabilidade exerce interação com a confiabilidade e relevância, colaborando assim para a
aplicação da informação de modo eficiente.
A comparabilidade envolve a consistência e uniformidade, possibilitando ao usuário a compreensão
do aperfeiçoamento ao longo do tempo, em um mesmo empreendimento ou diversas entidades,
usando como referência os mesmos procedimentos nos períodos (PAULO, 2002).
Segundo Santos (1998), a seleção da união eficaz da qualidade da informação está sujeita a
necessidade do usuário, ou seja, uma informação relevante para um usuário pode não ser relevante
para outro, depende de quem analisa. A contabilidade em sua finalidade de instruir encontra-se inapta
a responder as perspectivas de cada perfil de gestor, encontra-se coagida a municiar de um conjunto
trivial presumindo ser útil a maior parte dos usufruidores da informação.

1.3.ESCRITÓRIO DE CONTABILIDADE E OS ASPECTOS GERENCIAIS

Flippo e Musinger (1970) afirmam que parte dos gestores exercem suas atividades limitados pela
quantidade de materiais (dados) disponíveis por sua agilidade em acessá-los e especialmente aptidão
em examiná-los. O bom desempenho de um gestor está conexo em sua competência em
aproveitamento de informações, na essência e qualidade de suas decisões.
Os empresários estão mais atentos a informação relativa a questões fiscais, procurando sempre meios
para esquivarem-se da carga tributária e esquecendo de aspectos como controle, planejamento,
logística e demais pontos ligados ao gerenciamento.

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Oliveira, Müller e Nakamura (2000) afirmam que na maior parte das empresas sucedem distorções
consideráveis nos demonstrativos contábeis motivados principalmente por fatores de tributação,
transformando a informação contábil em documentos que não agregam nenhum valor para a
administração, algo manifesto particularmente em empresas de pequeno porte.
Para Carvalho e Nakagawa (2004) a maioria dos demonstrativos contábeis declarados dessa forma
configura-se engessada, além de ser altamente influenciados pelas legislações fiscais, fato que dificulta
a apresentação das informações gerenciais necessárias. Ainda para os autores, outro fator que dificulta
seu processo de elaboração é a diversidade de usuários.
Albuquerque (2004) observou que grande parte das decisões gerenciais são tomadas com base na
experiência e palpite dos gestores, e não de uma análise circunstanciada das informações financeiras
e mercadológicas. Assim, caberia ao contador estabelecer uma aproximação, participar e conhecer
mais o cotidiano empresarial de seus clientes demonstrando com convicção a relevância da
contabilidade para uma gestão empresarial de qualidade.
Nesse contexto, justificam-se mais estudos sobre o tema, visto que se torna clara a necessidade de um
suporte contábil que possa auxiliar os gerentes a tomarem suas decisões baseados na realidade do seu
negócio. De certa forma, as micro e pequenas empresas são pouco estudadas, bem como seu processo
de geração e utilização de informações para tomada de decisão, a importância dada à Contabilidade e
a forma como são administradas.

2.METODOLOGIA

Quanto a metodologia o presente estudo caracteriza-se como uma pesquisa descritiva por buscar
descrever e apresentar uma visão do uso da Contabilidade no apoio às decisões gerenciais nas
microempresas da cidade de Rondon do Pará.
Quanto a abordagem do problema, identifica-se por caráter quantitativo por abordar a opinião dos
micro e pequenos empresários a respeito da importância das informações contábeis e ao grau de sua
utilização em seus processos diários, por meio de questionamentos que avaliam, no geral, o perfil e a
percepção destes a respeito dos benefícios gerenciais que poderão ser obtidos com a utilização de
informações contábeis para o suporte às decisões.
Com relação aos procedimentos, o presente estudo caracteriza-se por uma pesquisa de campo, a qual
visa descrever fenômenos, perfis ou características de um grupo de indivíduos, que neste caso é o setor
micro empresarial de Rondon do Pará/PA.

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A população do estudo em questão é o setor micro empresarial da cidade de Rondon do Pará. Quantos
aos procedimentos de análise dos dados, os questionários serão tabulados em software Excel,
evidenciando por meio de estatística descritiva.

2.1.DELIMITAÇÃO DA AMOSTRA

O escopo de estudo são as microempresas operantes no comércio da cidade de Rondon do Pará,


localizada no sudeste do estado do Pará. A princípio foram obtidas informações com relação ao número
de microempresas existentes na cidade junto a Câmera de Dirigentes Lojistas de Rondon do Pará (CDL),
que indicou existir cerca de 181 microempresas da cidade, desse modo optou-se por uma amostragem
composta por 20 empresas de modo aleatório.

2.2.COLETA DOS DADOS

Com relação a coleta de dados foi realizada uma pesquisa de campo mediante questionário composto
por 8 questões abertas e fechadas, aplicados pessoalmente em cada empresa. Além de informações
passadas diretamente por parte dos gestores que se dispuseram a discutir mais sobre a temática da
pesquisa, auxiliando assim com mais clareza na análise.

3.ANÁLISE DOS RESULTADOS

A amostra foi composta por empresas classificadas como microempresas com base nas informações
fornecidas junto a CDL da cidade de Rondon do Pará/PA, os dados da Tabela 1 apresentam o tempo de
atividade das empresas da amostra, apresentando a frequência com relação as 20 empresas
entrevistadas.
Tabela 1 – Tempo de funcionamento da empresa

Tempo Frequência %
De 1 a 3 anos 3 15
De 4 a 6 anos 1 5
De 7 a 9 anos 3 15
10 anos ou mais 13 65
Total 20 100
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).
Observa-se que existem 13 empreendimentos com 10 anos ou mais de exercício no comércio,
apontando uma frequência de 65% em relação a amostra, demonstrando desse modo um percentual
considerável de empresas que conseguiram se estabelecer no mercado.

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A Informação Contábil E O Processo Decisório: Estudo De Caso Em Microempresas

Percebe-se também um número razoável de novos empreendimentos entre 1 a 3 anos, representando


15% da amostra da pesquisa se comparados com a pesquisa realizada por Boas e Morais (2014) em
Tangará da Serra-MT que observou uma porcentagem de 22,5% de estabelecimentos entre 1 a 3 anos.
No que se refere aos relatórios fornecidos pela Contabilidade foi realizada uma pergunta de múltipla
escolha, com a possibilidade de marcar mais de uma alternativa, com o intuito de analisar quais
relatórios estão sendo oferecidos pela contabilidade e após análise dos questionários obteve-se os
seguintes resultados conforme dados da Tabela 2.

Tabela 2 – Relatórios recebidos da contabilidade – Exercício 2019.


Relatórios Frequência %
Balanço Patrimonial, Balancetes, Fluxo de Caixa, DRE 8 40
Relatórios fiscais e Trabalhistas 15 75
Relatórios de entrada/saída de mercadorias, receita e pagamentos 10 50
Informações passadas diretamente do contador 5 25
Outros 5 25
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).

Nota-se que os relatórios fiscais e trabalhistas são os mais fornecidos pela contabilidade com um
percentual de 75%, seguido dos relatórios de entrada/saída de mercadorias, vendas e contas a pagar
com cerca de 50% e por fim 40% dos entrevistados afirmaram receber demonstração de fluxo de caixa,
balanço patrimonial, balancetes e DRE.
Os percentuais se mostram significativos se levarmos em consideração os estudos realizados por Boas
e Morais (2014) que constataram que 24% dos gestores recebiam o balanço patrimonial, 19% a
demonstração do fluxo de caixa e 10% o balancete de verificação.
Indagados sobre a relevância da informação contábil no processo de gerenciamento da empresa, 90%
dos entrevistados atribuíram esta como importante para tomadas de decisões de caráter econômico-
financeiro, conforme Tabela 3.
Tabela 3 – Importância dos relatórios contábeis para gestão empresarial

Alternativas Frequência %
Sim 18 90
Não 2 10
Total 20 100
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).

O que corrobora com o estudo realizado por Freitas (2017) em Sant’Ana do Livramento, revelando que
a maioria dos gestores consideram os relatórios contábeis fundamenteis para o processo de tomada
de decisões gerenciais.

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A Informação Contábil E O Processo Decisório: Estudo De Caso Em Microempresas

Ao avaliar quais os recursos utilizados com maior periodicidade relacionados a questões de


gerenciamento, verificou-se os seguintes resultados de acordo com a Tabela 4. Para isso foi realizada
uma pergunta de múltipla escolha com possibilidade de marcar mais de uma opção.

Tabela 4 – Recursos são utilizados com maior frequência para tomada de decisões

Recursos Frequência %
Pesquisa de Mercado 12 60
Planilhas Excel 6 30
Banco de Dados 4 20
Internet 5 25
Relatórios da Contabilidade 3 15
Experiência 14 70
Intuição 4 20
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).

A pesquisa aponta que 70% dos gestores tomam decisões baseando-se apenas na sua experiência para
administrar o negócio, na sequência a pesquisa de mercado é indicada com 60% como a mais utilizada
no gerenciamento, o que afirma o estudo feito por Moreira et al. (2013) em que pesquisaram 146
empresas da cidade de Teófilo Otoni-MG, e observou os mesmos resultados em que grande percentual
dos entrevistados administram seus negócios tendo como base sua experiência e pesquisa de mercado
como principais recursos para lidar com situações do dia a dia.
Dessa forma, verifica-se que os gestores não compreendem os demonstrativos contábeis da melhor
maneira possível, visto que apesar de considera-los importantes para gestão empresarial não os utiliza
com frequência na administração do empreendimento (KOS et al., 2014).
Apenas 15% dos gestores utilizam com periodicidade os relatórios contábeis como subsídio a tomada
de decisões, frequência preocupante se comparada com a pesquisa realizada por Boas e Morais (2014)
que observaram que 76% dos empresários fazem uso dos demonstrativos contábeis como apoio as
questões gerenciais.
Em contrapartida, os dados corroboram com a pesquisa de Rebouças et al. (2017) realizada da cidade
de Mossoró-RN, em que 17% dos entrevistados afirmaram fazer uso dos relatórios contábeis no que
diz respeito a gestão empresarial.
Com relação a percepção dos entrevistados sobre qual área a informação contábil tem maior
representatividade e destaque, foi realizada uma pergunta aberta dando assim mais autonomia para
o entrevistado refletir sobre a indagação, verificou-se os seguintes resultados conforme Tabela 5.

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A Informação Contábil E O Processo Decisório: Estudo De Caso Em Microempresas

Tabela 5 – Área em que a informação contábil tem mais utilidade

Área Frequência %
Fiscal e Trabalhista 16 80
Controle Gerencial 3 15
Relatórios em Geral 1 5
Total 20 100
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).

Constata-se que 80% dos gestores declararam o setor fiscal e trabalhista como a área na qual a
informação contábil tem maior relevância, que segundo Moreira et al. (2013) isso ocorre por falta de
compreensão por parte dos gestores do potencial apoio a gestão que a contabilidade pode dispor.
Verifica-se que 15% concordam que os demonstrativos contábeis possuem maior utilidade nas
tomadas de decisões e questões associadas ao gerenciamento, contrariando a pesquisa realizada por
Boas e Morais (2014) em que 87% alegaram que a informação contábil é importante para a gestão
administrativa. Por fim, 5% consideram a informação contábil crucial em todos os setores da
instituição.
Sobre continuar o contrato com o seu contador caso fosse simplificado o recolhimento dos impostos
e contribuições sociais de modo que não fosse necessário o auxílio do contador para calculá-los,
conforme Tabela 6.
Tabela 6 – Disposição em manter com os serviços de contabilidade

Alternativas Frequência %
Sim 12 60
Não 8 40
Total 20 100
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).

A pesquisa comprova que 60% dos entrevistados permaneceriam com o contrato de serviços com o
contador e 40% não manteriam os serviços caso simplificassem o recolhimento dos impostos e
contribuições, indicando que alguns empresários veem a figura do contador como o profissional
encarregado de cumprir das obrigações de caráter legislativo.
Em seguida foi perguntado se os gestores se estariam dispostos a pagar a mais ao contador se este
oferecesse relatórios com a finalidade de melhorar o desempenho da empresa, segue dados
consoante Tabela 7.

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Tabela 7 – Disponibilidade em contratar uma assessoria contábil

Alternativas Frequência %
Sim 14 70
Não 8 30
Total 20 100
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).

Muitos gestores afirmaram que estariam dispostos em pagar a mais caso o contador disponibilizasse
relatórios que trouxessem benefícios a gestão, totalizando 70% dos entrevistados, quantidade
expressiva, demonstrando que muitos empresários têm interesse em um serviço além do tradicional
por parte dos escritórios de contabilidade, e cerca de um terço afirmaram que não pagariam a mais
ao profissional por esses serviços.
Comprovando o estudo feito por Brandão e Buesa (2013) na cidade de Vargem Grande Paulista que
verificou que 70% dos pesquisados concordam plenamente que a consultoria é um instrumento
fundamental na gestão empresarial e que a consultoria junto aos serviços tradicionais facilita o
desempenho da empresa.
Por fim, questionados qual o profissional contrataria para mensurar o desempenho da empresa e
gerenciá-la, foi realizada uma pergunta aberta, dando mais imparcialidade de respostas aos
entrevistados, obteve-se resultados conforme Tabela 8.
Tabela 8 – Profissional que a empresa contrataria para avaliar e controlar o seu desempenho
Profissional Frequência %
Administrador 10 50
Economista 3 15
Contador 3 15
Funcionário 1 5
Não Souberam Opinar 3 15
Total 20 100
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).

Pode-se observar que na concepção dos entrevistados, 50% indicam que um administrador pra tal
função seria o mais indicado, e apenas 15% designariam essa função a um contador, desse modo,
segundo Moreira et al. (2013), o profissional de contabilidade não é conhecido como um profissional
que produz informações úteis a gestão empresarial, ou seja, a percepção que se tem a respeito do
profissional de contabilidade está relacionada principalmente aos serviços que têm como objetivo
cumprir as necessidades do fisco.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo buscou analisar como os empresários e gestores das microempresas na cidade de Rondon
do Pará/PÁ estão utilizando-se das informações da contabilidade para as tomadas de decisões e qual
a importância atribuída a esses demonstrativos.
Quanto ao objetivo geral pode-se verificar a compreensão dos entrevistados relativo a contabilidade
e relatórios contábeis e que alguns desses gestores utilizam-se de determinados demonstrativos para
controle empresarial, constatou também quais relatórios são entregues pelo contador com maior
constância. Verifica-se que os escritórios contábeis não oferecem um suporte além do atendimento
convencional o que poderia ser um diferencial, visto o percentual considerável de gestores
embasando-se nos próprios conhecimentos, sendo uma fonte duvidosa para garantir a continuidade
no mercado.
Outro ponto interessante foi que alguns entrevistados não souberam responder qual profissional
contratariam para avaliar o desenvolvimento da empresa, revelando a carência de uma assessoria a
esses empresários. Dessa forma, fica evidente que os escritórios de contabilidade além dos serviços
tradicionais precisam disponibilizar aos clientes um serviço de assessoria, buscando atender essa
carência específica.
Com relação as limitações, a pesquisa abrangeu apenas as microempresas do comércio varejista de
Rondon do Pará/PA, excluindo os outros segmentos, houve também muita dificuldade com relação a
coleta de dados, os questionários foram aplicados pessoalmente com finalidade de melhor
preenchimento e mesmo assim sucedeu ocasiões dificultosas com resistência por parte dos
entrevistados, contudo foi possível finalizar a pesquisa com eficiência. Para estudos futuros aconselha-
se abranger o leque de segmentos para efeito de comparação entre os setores e porte empresarial.

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A Informação Contábil E O Processo Decisório: Estudo De Caso Em Microempresas

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13
771
A Informação Contábil E O Processo Decisório: Estudo De Caso Em Microempresas

u.br/index.php/rsd/article/view/3874>.Dateaccessed:21may2020.doi:http://dx.doi.org/10.33448/rs
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Tecnologia e Sistemas de Informação - CONTECSI, 3. São Paulo, 2006.

14
772
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 57
10.37423/200702143

A CONTRIBUIÇÃO DA JURIMETRIA PARA A


CELERIDADE PROCESSUAL E A RAZOÁVEL
DURAÇÃO DO PROCESSO

WAGNER ANDRE JOHANSSON Centro Universitário UniCuritiba


A Contribuição Da Jurimetria Para A Celeridade Processual E A Razoável Duração Do Processo

Com o início da utilização do computador no mundo jurídico, um novo conceito começa a nascer: a
Jurimetria. Seu inventor, o advogado de Minessota, Dr Lee Loevinger, no início dos anos 60, escreveu
o artigo: “ Jurimetrics: the metodology of legal inquiry” no qual, sugere que as decisões judiciais podem
ser objeto de experimentação, ponderando que a tal jurimetria poderia utilizar a lógica matemática no
direito. Em suas próprias palavras: “Jurimetria preocupa-se com questões como a análise quantitativa
do comportamento judicial, a aplicação da teoria da comunicação e da informação à expressão legal,
o uso de lógica matemática da lei, recuperação de dados legais por meios eletrônicos e mecânicos, e a
formulação de um cálculo de previsibilidade legal”. Esta dita previsibilidade poderia contribuir
positivamente na segurança jurídica e na celeridade processual. Com efeito, se é verdade que “a lei
não excluirá do Poder Judiciário lesão ou ameaça do direito” (CR/88, art. 5º, XXXV), é mais verdade
ainda que justiça tardia não será justiça ou será injustiça, razão porque a duração razoável do processo
é garantia constitucional (CR/88, art. 5º, LXXVIII). A partir desta nova perspectiva, a revolução
tecnológica alcançou o direito, e a informática é ferramenta destinada a uma jurisdição célere e efetiva.
Nas palavras de HADDAD, a jurimetria, desta forma, pode ser um ótimo elemento em prol da
efetividade da jurisdição, algo tão desejável como a segurança jurídica, a previsibilidade das decisões
judiciais e ainda o impacto e a contribuição para o desenvolvimento político, social, econômico e
democrático. Mônica Couto, ao dissertar sobre o papel da jurimetria, complementa ressaltando que
ela pode oferecer às autoridades subsídios para uma produção de leis mais consentâneas com a
realidade social, assim como, funcionar como ferramenta fundamental para o desenvolvimento das
instituições jurídicas mais justas, capazes de assimilar a natureza viva do direito e prestar à sociedade
uma tutela jurisdicional célere e pacificadora, ou, alternativamente, apontar os meios não
jurisdicionais de solução de controvérsias mais adequados para cada caso (mediação, arbitragem
etc.).Ela mesma ressalta ainda, que a jurimetria surge como disciplina do Direito que utiliza a
metodologia estatística para estudar o funcionamento da ordem jurídica, sendo capaz de apontar a
direção para o alcance do tempo razoável para a solução de litígios. Em resumo, a jurimetria é a
ferramenta usada para aplicar métodos quantitativos no direito. Aqui, se conclui ser possível atingir a
celeridade processual por meio deste instrumento.
Palavras-Chave: jurimetria, celeridade processual, informática.

1
774
A Contribuição Da Jurimetria Para A Celeridade Processual E A Razoável Duração Do Processo

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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JURIMETRIAPARAAADMINISTRAÇÃODAJUSTIÇA.Disponivelem:http://revista.unicuritiba.edu.br/index.
php/RevJur/article/download/1869/1239. Acesso em 08 de outubro de 2019.

COUTO,MONICABONETTI.RAZOÁVELDURAÇÃODOPROCESSOEMOROSIDADEJUDICIAL:ajurimetriacom
osubsídioparaogerenciamentodeprocessosjudiciaisDisponivelem:http://www.lo.unisal.br/direito/sem
ifce/publicacoes/ARTIGOS%2020Estado%20Constitucional%20e%20Teoria%20da%20Constitui%C3%A
7%C3%A3o%20I/Monica%20Bonetti%20Couto%20e%20Simone%20Pereira%20de%20Oliveira.pdf.
Acesso em 08 de outubro de 2019.

HADDAD,RICARDONUSSRALA.Amotivaçãodasdecisõesjudiciaiseajurimetria:contribuiçõespossíveis.Dis
ponívelem:http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3389.pdf.
Acesso em 08 de outubro de 2019.

LOEVINGER, Lee. Jurimetrics: the methodology of legal inquiry. Published by: Duke University School
of Law. Law and Contemporary Problems, Vol. 28, No. 1, Jurimetrics (Winter, 1963), p. 8.

ZABALA,FILEPEJAEGER.JURIMETRIA:ESTATISTICAAPLICADAAODIREITO.Disponívelem:https://www.nu
mberscare.com/wp-content/uploads/2017/07/estatistica-aplicada-direito.pdf.Acessoem08deoutubro
de 2019.

2
775
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 58
10.37423/200702160

“PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO:


FERRAMENTA TECNOLÓGICA PARA FINS DE
ACESSIBILIDADE À JUSTIÇA DO TRABALHO DA 1ª
REGIÃO

Daiana Ataíde da Silva Renato Teresa das Chagas

Amanda Leal Castelo-branco Universidade Estadual do Norte Fluminense


Darcy Ribeiro - UENF

Carlos Henrique Medeiros de Souza Universidade Estadual do Norte Fluminense


Darcy Ribeiro - UENF
Processo Judicial Eletrônico: Ferramenta Tecnológica Para Fins De Acessibilidade À Justiça Do Trabalho Da 1ª Região

INTRODUÇÃO

O presente trabalho intenciona propor um processo de reflexão acerca da implementação de novas


tecnologias no âmbito do Poder Judiciário Trabalhista, utilizando-se como principal ferramenta o
processo judicial eletrônico – Pje, instrumento tecnológico de acessibilidade social às demandas
jurídicas propostas perante a Justiça do Trabalho da 1ª Região – Rio de Janeiro, bem como a
consolidação do princípio constitucional de duração razoável do processo. Nesse sentido, com a
reforma tecnológica introduzida pela globalização, surgiu a necessidade de adequação do Judiciário às
novas inquietações sociais, impelindo a Administração Pública a rever o mecanismo de prestação de
tutela jurisdicional no tocante à substituição de autos de processos físicos pelos eletrônicos.
O escopo do trabalho valeu-se da metodologia qualitativa, por meio de pesquisa bibliográfica com
enfoque na concepção de processo judicial, sobretudo eletrônico. Em prol do objetivo traçado,
empregou-se como fontes de pesquisa: a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, bem
como de literaturas bibliográficas que possam subsidiar o caráter interdisciplinar na abordagem do
tema pesquisado.
Palavras Chave: Evolução Tecnológica; Processo Judicial Eletrônico; e Justiça do Trabalho.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A materialização do processo judicial há tempos esteve relacionada ao papel, denominados autos


físicos. Contudo, a evolução tecnológica impeliu ao Poder Judiciário uma necessidade de adaptação
aos meios digitais, incorrendo como consequência a implementação do Processo Judicial Eletrônico
(PJe), objetivando-se a tramitação de demandas judiciais mais céleres e de maior acessibilidade a toda
sociedade.
Nesse contexto, a primeira legislação a mencionar a utilização de meio eletrônico para a prática de
atos processuais foi a Lei nº 8.245/91 (Lei de Locação), que previa a utilização de fac-símile para a
citação do réu. Em 1999, a Lei nº 9.800/99 passou a prever a possibilidade de se admitir o recebimento
de petição através de fac-símile ou meio similar para qualquer processo judicial. E, no ano de 2001 foi
editada a medida provisória 2.200, por meio da qual foi criada a infraestrutura de chaves públicas do
Brasil (ICP BRASIL), regulamentando a assinatura e a certificação digital.
No ano de 2004, com a positivação do princípio da “duração razoável do processo” no ordenamento
jurídico brasileiro (o que se deu por meio da Emenda Constitucional nº 45, com a inclusão do inciso

1
777
Processo Judicial Eletrônico: Ferramenta Tecnológica Para Fins De Acessibilidade À Justiça Do Trabalho Da 1ª Região

LXXXVIII, ao art. 5º, da Constituição Federal), o processo eletrônico passou a ser visto como algo
realmente voltado à celeridade processual.
No entanto, o grande marco para a legislação do processo judicial eletrônico se deu no ano de 2006,
com a Lei nº 11.419/06, através da qual foi regulamentada a informatização do processo judicial em
todo território nacional.
Essa legislação efetivamente impulsionou o desenvolvimento da informatização nos tribunais
brasileiros, a começar pelos tribunais superiores.
Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, por meio da Resolução nº 344/2007, implantou o sistema E-
STF, programa de peticionamento e prática de atos processuais através do meio eletrônico.
Ainda em 2007, pela Resolução nº 2, foi a vez de o Superior Tribunal de Justiça instituir a via eletrônica
na tramitação dos seus processos. Em 2009, através da Resolução nº 1, foi criado o E-STJ, ao passo que,
no ano de 2010, o próprio Superior Tribunal de Justiça (pela Resolução de número 427) estabeleceu a
obrigatoriedade de tramitação do processo pela via eletrônica nas ações de sua competência.
Todavia, não obstante a primeira legislação específica sobre o tema tenha surgido somente em 2006,
faz-se oportuno o registro da primeira experiência de processo eletrônico no país, a partir da
implantação do sistema de tramitação processual E-Proc, desenvolvido pelo Tribunal Regional Federal
da 4ª Região, em 2003.
Acerca do processo judicial eletrônico, Marcelo Mesquita Silva (SILVA, Marcelo Mesquita. Processo
Judicial Eletrônico Nacional. São Paulo: Milenium,2012, p.13) afirma que:
O processo eletrônico visa à eliminação do papel na tramitação das mais diversas ações, afastando a
tradicional realização de atos mecânicos, repetitivos, como o ato de protocolar uma inicial, a autuação
do processo, a numeração de folhas. Acaba a tramitação física dos autos da distribuição para secretaria
(ou cartório), desta para o gabinete do promotor ou do magistrado, e a necessidade de cargas dos
autos. Facilita a comunicação dos autos processuais com a intimação de advogados e de partes,
realizada diretamente no sistema, agiliza a confecção de mandados, ofícios, publicações, expedição de
precatórias, carta de ordem e entre outros.
Gleber Freitas (http://freitaspje.blogspot.com.br/p/o-que-e-o-pje.html, acesso em 03 de junho de
2019), por seu turno, assim apresentou as características do processo judicial eletrônico: a publicidade;
a velocidade; a comodidade; a facilidade de acesso às informações; a diminuição do contato pessoal;
a automação das rotinas e das decisões judiciais; a digitalização dos autos; a preocupação com a
segurança e autenticidade dos dados processuais; reconhecimento da validade das provas digitais e,
por fim, o surgimento de uma nova categoria de excluídos processuais.

2
778
Processo Judicial Eletrônico: Ferramenta Tecnológica Para Fins De Acessibilidade À Justiça Do Trabalho Da 1ª Região

Além das questões suscitadas, a temática sob exame apresenta uma característica deveras peculiar ao
processo tecnológico: constante evolução. Nesse contexto, cabe registrar que desde a primeira versão
do processo judicial eletrônico implementado na Justiça do Trabalho da 1ª Região até os dias atuais,
várias foram as substituições, tendo em vista que o objetivo dessas novas versões traduz-se na
aplicação de soluções às demandas anteriormente identificadas.

CONCLUSÃO

Ante o exposto, não há falar-se em retrocesso sob a perspectiva de mecanismo processual, mas sim
em progresso constante, assim, o processo judicial eletrônico assume protagonismo no cenário jurídico
nacional, uma vez que a sua implementação na Justiça do Trabalho apresenta como alguns dos seus
argumentos a celeridade processual, materialização do princípio da duração razoável do processo, bem
como a acessibilidade da sociedade à casa da Justiça.
Nessa perspectiva, a tecnologia assume papel imprescindível como instrumento de viabilização dos
anseios sociais no tocante à produção de melhores resultados acerca da atividade jurisdicional, já que
o processo eletrônico permite observação de dados, os quais podem ser acompanhados pela
sociedade, incorrendo, assim, e uma efetiva fiscalização social.

3
779
Processo Judicial Eletrônico: Ferramenta Tecnológica Para Fins De Acessibilidade À Justiça Do Trabalho Da 1ª Região

PRINCIPAIS REFERÊNCIAS

ABRÃO, Carlos Henrique. Processo eletrônico e processo digital. 3 ed. São Paulo: Atlas. 2011.

ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Processo eletrônico e teoria geral do processo eletrônico: A
Informatização Judicial no Brasil. 4ed. São Paulo: Forense, 2012.

BRASIL.Leinº11.419/96,instituioprocessojudicialeletrônico.Disponívelem<http://planalto.gov.br/ccivil
_03/ato2004-2006/lei111419.htm> Acesso em 12 de novembro de 2017.

FREITAS, Gleber. O que é o processo judicial eletrônico: processo judicial eletrônico e sua implantação
no poder judiciário brasileiro. Disponível em:<http://freitaspje.blogspot.com.br/p/o-que-eo-pje.html>
Acesso em 14 de novembro de 2014.

SILVA, Marcelo Mesquita. Processo Judicial Eletrônico Nacional. São Paulo: Milenium, 2012.

4
780
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 59
10.37423/200802190

AVALIAÇÃO DOS AGRAVOS NO CICLO


GESTACIONAL QUE RESULTARAM EM ÓBITO
MATERNO

Rayane da silva Arruda

Laudivania Claudio de Andrade

Ellen Carolyna Silva Bezerra

Marya Taynah França Gomes

Juliana Santos silva


Avaliação Dos Agravos No Ciclo Gestacional Que Resultam Em Óbito Materno

Resumo: A mortalidade materna é todo óbito ocorrido durante uma gestação, parto ou 42 dias após o
término da gestação, independentemente da localização ou da duração da gravidez, devida a qualquer
causa relacionada ao agravo da gestação, com exceção de fatores incidentais ou acidentais, sendo
classificado conforme suas causas originárias em: Causas obstétricas diretas ou indiretas. As mortes
maternas por causas obstétricas diretas vêm respondendo por cerca de dois terços desses óbitos,
denotando a baixa qualidade da atenção obstétrica e ao planejamento familiar prestadas às mulheres
brasileiras. Esse estudo tem o intuito de investigar as patologias mais comuns que desencadearam
morte materna em Alagoas no ano de 2015, analisar as causas originárias dos óbitos, identificar os
municípios que tem mais ocorrência e descrever as características sócio demográficas, disponíveis nos
sistemas de informação, das mulheres que foram a óbito pelas patologias em questão.Trata-se de um
estudo epidemiológico, exploratório e com abordagem quantitativa. Os dados foram obtidos através
do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), a partir do Sistema de
Mortalidade (SIM), bem como em periódicos indexados em bases de dados da Biblioteca Virtual de
Saúde (BVS).
Descritores: Parto Obstétrico. Planejamento Familiar. Período Pós-Parto.

1
782
Avaliação Dos Agravos No Ciclo Gestacional Que Resultam Em Óbito Materno

INTRODUÇÃO

Esse estudo tem o objetivo de investigar as patologias mais comuns que desencadearam morte
materna em Alagoas no ano de 2015, analisar as causas originárias dos óbitos, identificar os municípios
que tem mais ocorrência e descrever as características sócio demográficas, disponíveis nos sistemas
de informação, das mulheres que foram a óbito pelas patologias em questão.
Pois, diante da literatura apreciada para a construção deste estudo, nota-se que existe uma lacuna
para a notificação correta dos óbitos nesse período, ficando escassos os dados sobre as patologias
mais comuns que causam morte materna para que assim desenvolvam-se estudos para prevenção,
evitando intervenções futuras, pois, de acordo com a literatura, em nosso meio, a maioria dos óbitos
maternos decorre de causas diretas, ou seja, totalmente evitáveis.
Este trabalho trata-se de um estudo epidemiológico, exploratório e com abordagem quantitativa. Os
dados foram obtidos através do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS),
a partir do Sistema de Mortalidade (SIM), bem como em periódicos indexados em bases de dados da
Biblioteca Virtual de Saúde (BVS).
As variáveis estudadas dizem respeito às patologias que desencadearam óbitos maternos em 2015
(agravos, ocorrência do óbito, tipo de causa), bem como, às características sócio demográficas,
disponíveis nos sistemas de informação, das mulheres que foram a óbito pelos agravos em questão
(município de residência, faixa etária, cor/raça/etnia, escolaridade e estado civil). O ano em questão
(2015) se refere ao último em que os dados estão disponíveis nos sistemas de informação.
Foi realizado a análise dos resultados com base nos dados colhidos do DATASUS, esses dados foram
dispostos em tabelas por meio do programa Excel® para Windows. A etapa seguinte foi realizar a
análise manual e acurada dos dados e eles foram separados por características sociodemográficas e
características relacionadas aos tipos de agravos. Esses resultados serão apresentados durante o
desenvolvimento em forma de tabelas e gráficos, respectivamente.

MORTALIDADE MATERNA

A mortalidade materna é todo óbito ocorrido durante uma gestação, parto ou 42 dias após o término
da gestação, independentemente da localização ou da duração da gravidez, devida a qualquer causa
relacionada ao agravo da gestação, com exceção de fatores incidentais ou acidentais, sendo
classificado conforme suas causas originárias em: Causas obstétricas diretas ou indiretas.
O óbito materno por causa direta, é definida como a ocorrência de óbito por complicações durante a
gravidez, parto ou puerpério decorrente de intervenções incorretas, de omissões ou de uma cadeia

2
783
Avaliação Dos Agravos No Ciclo Gestacional Que Resultam Em Óbito Materno

de eventos resultantes de qualquer uma dessas razões. Como por exemplo: Gravidez ectópica, mola
hidatiforme e aborto e as complicações destes agravos (infecções, hemorragias), hipertensão
gestacional, pré- eclâmpsia, eclâmpsia, tromboses, infecções por outras causas, diabetes mellitus
gestacional, ruptura prematura de membranas, descolamento prematuro de placenta, hemorragias,
obstrução do trabalho de parto, ruptura de útero, complicações pulmonares ou cardíacas devido ao
TP, complicações da anestesia, infecção puerperal, etc. Neoplasia de placenta, transtornos mentais
associados ao puerpério, osteomalácia puerperal (OPAS,2018).
Já as causas indiretas resultam de doenças que vieram antes da gestação ou que se desenvolveram
durante esse período, sendo agravadas pelos efeitos fisiológicos da gravidez. Como por exemplo
Hipertensão pré-existente, doenças cardíacas e renais pré- existentes ou adquiridas, diabetes mellitus
pré-existente, desnutrição na gravidez, doenças infecciosas e parasitárias complicando a gravidez,
anemia, doenças endócrinas, etc. Tétano e AIDS (OPAS,2018).
Segundo o Ministério da saúde, 95% dos óbitos maternos no mundo poderiam ser evitados, caso os
serviços de saúde privado e público aumentassem os direitos sexuais e reprodutivos à mulher, além
de garantir uma assistência obstétrica segura e respeitosa (BRASIL,2018).

DADOS SOCIODEMOGRÁFICOS DAS MULHERES QUE FORAM A ÓBITO POR MORTE MATERNA

Foram identificados 30 óbitos no ano de 2015. Os óbitos foram caracterizados como: 26 (86,6 %) por
causas diretas, 3 (10%) indiretas e 1 (3,3%) não especificado. A faixa etária acometida foi de 15-49
anos, sendo mais comum no período de 20-29 anos, a etnia (branco, pardo, amarelo e negro), sendo
as mulheres pardas as que mais foram a óbito, com relação ao estado civil as solteiras predominaram
e a escolaridade como esperado, evidenciou que quanto menor o grau de escolaridade, maior a
vulnerabilidade, esses dados estão representados na Tabela 1.

3
784
Avaliação Dos Agravos No Ciclo Gestacional Que Resultam Em Óbito Materno

Tabela1- Variáveis sociodemográficas da mortalidade materna em Alagoas- Brasil distribuídas por


cidades no ano de 2015.

Variáveis: Númer Causa Faixa Etnia Estado Escolari


o de obstétrica etária civil dade
óbitos
Anadia 1 Direta 20-29 Parda Casada 4-7 anos

Arapiraca 3 Direta 15-19 Parda Casada 1-3 anos


20-29 (3) Viuva (2)
30-39 8-11

Colônia 1 Direta 20-29 Parda Casada 8-11


leopoldina

Chã preta 1 Não 30-39 Parda Não id Não id


especificada
Delmiro 2 Direta 20-29 (2) Parda Solteira 1-3 anos
Gouveia Casada 8-11

Flexeiras 1 Direta Não id Parda Não id 4-7 anos

Igreja nova 1 Direta 40-49 Não id Não id Não id

Maceió 9 Direta 15-19 (3) Preta Solteira 4-7 anos


20-29 Parda (4) (4)
30-39 (3) (4) Casada
40-49 (2) (3)

Monteirópolis 1 Direta 20-29 Parda Casada Não id

Palmeira dos 1 Direta 20-29 Parda Não id 1-3 anos


índios

4
785
Avaliação Dos Agravos No Ciclo Gestacional Que Resultam Em Óbito Materno

Passo de 1 Direta 20-29 Não id Não id 1-3 anos


Camaragibe
Rio largo 2 Direta 15-19 Parda Solteira 4-7 anos
30-39 (2) (2)

São José da 1 Direta 15-19 Parda Solteira Não id


laje
União dos 2 Direta 15-19 Parda Solteira 4-7 anos
palmares 20-29 (2) (2) 8-11

1 Indireta 20-29 Parda Solteira Não id


Campo alegre

Coqueiro seco 1 Indireta 15-19 Parda Não id 4-7 anos

Marechal 1 Indireta 15-19 Parda Não id Não id


Deodoro

Fonte: DATASUS, 2019.

As causas obstétricas diretas e evitáveis, chamam atenção nesse artigo por serem responsáveis por
mais da metade dos óbitos que ocorrem nesse período, resultado esse que corrobora com a literatura.
No Brasil, as causas obstétricas diretas são responsáveis por dois terços dos óbitos maternos,
evidenciando a baixa qualidade da assistência obstétrica durante o parto e puerpério e do
planejamento reprodutivo ofertados às mulheres brasileiras. Esse quadro evidencia que esses óbitos
englobam o perfil materno de menor status social e as baixas condições socioeconômicas, com o
acesso debilitado à educação, bens e serviços, incluindo serviços de saúde (FERRAZ,2012).
Com relação aos dados sociodemográfico, o número de morte em mulheres pardas foi maior, sendo
23 casos em 29 casos investigados e isso já é dito pelo Ministério da saúde desde 2009, o órgão do
poder Executivo preconiza que, a maior concentração dos óbitos maternos na região Nordeste,
encontra-se entre as mulheres de cor parda, observando-se ainda que, no período de 2002 a 2006,
estas morriam em sua maioria por causas obstétricas diretas (ALMEIDA, 2008).
A escolaridade também é uma variável que deve ser considerada na atenção à saúde da mulher, pois
a pesquisa mostra, de forma contundente, que as mulheres com menor escolaridade são as maiores

5
786
Avaliação Dos Agravos No Ciclo Gestacional Que Resultam Em Óbito Materno

vítimas da mortalidade materna. Esse dado indica que as mulheres com baixa escolaridade,
possivelmente, não estão sendo assistidas de forma adequada, e nem os riscos de morte estão sendo
corrigidos (DIAS,2015).

PATOLOGIAS QUE TIVERAM DESFECHO PARA O ÓBITO MATERNO

As patologias que tiveram desfecho para o óbito materno foram eclampsia, infecção puerperal,
hipertensão gestacional sem proteinúria significativa, falha na tentativa de aborto, gravidez ectópica,
hemorragia pós-parto, distúrbios hipertensivos pré- existentes com proteinúria superposta, infecções
do trato geniturinário, outros transtornos maternos relacionados predominantemente à gravidez,
outras doenças da mãe que complicam a gestação, parto e puerpério, morte obstétrica por causa não
identificada, complicações não identificadas, anormalidades na contração uterina e outras
complicações no trabalho de parto e parto.

Dessas, se destacam a eclampsia com 4 casos, outras doenças da mãe classificadas em outra parte,
mas que complicam a gravidez o parto e o puerpério com 3 casos, infecções puerperais com também
3 casos, infecções do trato geniturinário e casos hipertensão gestacional com e sem proteinúria
significativa com 3 óbitos, como está exposto no Gráfico 1.

Gráfico 1- Óbitos maternos em Alagoas por causa declarada (grupo CID – 10) em 2015.

Fonte: DATASUS,2019.

As causas mais comuns dos óbitos maternos no Brasil, nos anos de 2000 a 2009 foram: outras doenças
da mãe que complicaram a gravidez, o parto e o puerpério (17,10%); eclampsia (11,88%); hipertensão
gestacional com proteinúria significativa (6,22%); hemorragia pós-parto (5,86%); infecção puerperal
(5,18%); descolamento prematuro de placenta (4,28%)13. Na contemporaneidade o Ministério da

6
787
Avaliação Dos Agravos No Ciclo Gestacional Que Resultam Em Óbito Materno

Saúde do Brasil cita que as principais causas da mortalidade materna são a hipertensão arterial, as
hemorragias, a infecção puerperal e o aborto (MARTINS,2018).
As doenças hipertensivas da gravidez e, em particular, pré-eclâmpsia e eclampsia continuam entre as
três principais causas de mortalidade e morbidade materna, em nível global (MENEZES,2015). A
eclampsia é responsável por um grande número de óbitos no Brasil, devido à falta de identificação dos
seus sinais ou com atendimento hospitalar pouco resolutivo. E isso é demonstrado no referente artigo
que expõe a eclampsia como a principal causa de morte materna.
Alguns dos fatores de risco relacionados a infecção puerperal são: amniorexe, trabalho de parto
prolongado, desnutrição ou obesidade, manipulação vaginal excessiva, traumas cirúrgicos, más
condições de assepsia, cesáreas, debilidade imunológica e retenção de restos ovulares. Um estudo de
revisão integrativa evidenciou a relevância do papel do enfermeiro no controle dessas infecções,
citando como principais ações a avaliação frequente de sinais vitais, escuta assídua das queixas das
puérperas e prestação de cuidados adequados as incisões cirúrgicas (MENEZES,2015).

ATENÇÃO PRESTADA À MULHER

As mortes maternas por causas obstétricas diretas vêm respondendo por cerca de dois terços desses
óbitos, denotando a baixa qualidade da atenção obstétrica e ao planejamento familiar prestadas às
mulheres brasileiras isso se relaciona a um maior grau de injustiça social, que é a violação dos direitos
humanos, sexuais e reprodutivos das mulheres.
O direito à maternidade segura é ameaçado e violado quando há essas situações de falta de
empoderamento das mulheres (RESENDE,2016). Para a Organização Mundial da Saúde (OMS) as
normas de gênero e a condição social da mulher desempenham um papel importante na
vulnerabilidade aos riscos associados à maternidade. A falta de poder das mulheres para a tomada de
decisão é um dos fatores que afetam negativamente nos desfechos relacionados à maternidade.
A mortalidade materna é intolerável. Em torno de 830 mulheres morrem todos os dias por
complicações relacionadas à gravidez, parto ou puerpério no mundo todo. Estima-se que, em 2015,
cerca de 303 mil mulheres morreram durante a gravidez, no parto e puerpério.
A maioria dessas mortes aconteceram em ambientes com recursos escassos; a maioria delas poderia
ter sido evitada (BRASIL,2009). É uma estimativa justamente porque os sistemas de informações
diferem muito da realidade.
Essas mulheres estão desassistidas, quando deveriam ser acompanhadas integralmente nos
programas de saúde. A falta de preparação dos profissionais principalmente durante o pré-natal, traz

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Avaliação Dos Agravos No Ciclo Gestacional Que Resultam Em Óbito Materno

consequências nesses indicadores, pois se as mulheres conhecessem o período de gestação e pós-


parto, poderiam ajudar em seu próprio cuidado, pedindo ajuda quando necessário ou prevenindo
futuros agravos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse artigo teve objetivo de evidenciar as patologias mais comuns que acarretaram em morte materna
no Estado de Alagoas e esse objetivo foi alcançado e discutido. Mas infelizmente, devido a
subnotificações das informações esse tema ainda é prejudicado, porque não é conhecida a real
grandiosidade da mortalidade materna. Os erros nas diretrizes políticas, nos profissionais de saúde e
na sociedade interferiram no desenvolvimento de saúde do Brasil e ajudaram a não cumprir a meta
do milênio, que é a redução em três quartos da mortalidade materna. Essa grande mortalidade por
causas diretas pode ser evitada com programas de prevenção que não necessitam de grandes
tecnologias, como: o planejamento reprodutivo, a vinculação do pré-natal ao parto, educação sexual,
assistência no puerpério e educação sexual para homens e principalmente para mulheres que estão
tendo seus direitos roubados e sua vida ceifada e assistência no puerpério. Isso evidencia que a
mortalidade materna ainda é um caso de saúde pública nos países em desenvolvimento, inclusive no
Brasil.

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789
Avaliação Dos Agravos No Ciclo Gestacional Que Resultam Em Óbito Materno

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Avaliação Dos Agravos No Ciclo Gestacional Que Resultam Em Óbito Materno

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Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 60
10.37423/200802202

ANÁLISE DO LIVRO PINTURA AVENTURA DE


KATIA CANTON E SUA APLICABILIDADE NAS
AULAS DE ARTE EDUCAÇÃO NA EDUCAÇÃO
INFANTIL

ELIZANDRA SIRLEI DEL ZOTTO RITTER Universidade Federal de Pelotas UFPEL

Gisele do Rocio Cordero Centro Universitário Uninter


Análise Do Livro Pintura Aventura De Katia Canton E Sua Aplicabilidade Nas Aulas De Arte Educação Na Educação Infantil

Resumo:Este trabalho tem como objetivo uma análise a respeito da arte educação e sua relevância no
desenvolvimento de alunos na etapa da Educação infantil. A ampliação da compreensão sobre este
tema acontece mediante uma revisão bibliográfica sobre o assunto e a análise do livro Pintura Aventura
da autora Katia Canton, que trata da pintura enquanto linguagem visual que perpassa a história da
arte, constituindo registros de aspectos sociais e políticos da humanidade. Durante a análise das
informações e imagens trazidas pela autora, atividades artísticas são propostas a fim de evidenciar sua
aplicabilidade em sala de aula, já que o tema discutido neste texto discorre sobre a importância da
arte no desenvolvimento infantil.
Palavras-Chave: Arte-educação, Educação Infantil, Desenvolvimento Infantil, Katia Canton, livro
Pintura Aventura.

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Análise Do Livro Pintura Aventura De Katia Canton E Sua Aplicabilidade Nas Aulas De Arte Educação Na Educação Infantil

1. INTRODUÇÃO

A arte é uma manifestação da expressão humana desde os primórdios e é, através dela, que
registramos nossa história no propósito de que, quando a apreciarmos, possamos conceitualizar
aspectos culturais, sociais e políticos de determinada época.
A arte educação, por sua vez, é reconhecida na escola contemporânea enquanto uma forma elevada
de expressão que possibilita o envolvimento do aluno de maneira a desenvolver suas capacidades de
análise e resolução de seus problemas. Sendo assim, Conforme Brittain (2002, p.35) “cada desenho
reflete os sentimentos, a capacidade intelectual, o desenvolvimento físico, a acuidade perceptiva, o
envolvimento criador, o gosto estético e até a evolução social da criança, como indivíduo”.
Nesta perspectiva, este artigo, baseado a partir de uma análise de referenciais teóricos sobre o assunto
proposto à discussão, busca a ampliação de conceitos relativos à arte educação, através da linguagem
da pintura, e sua relevância nas salas de aulas da Educação Infantil. Para que esta análise proposta
tenha sua devida aplicabilidade, o livro Pintura Aventura da escritora Katia Canton será utilizado, já
que possui informações em linguagem acessível para crianças menores e imagens ampliadas de obras
de arte de determinados artistas, descrevendo, de uma forma simplificada e significativa, a história da
arte. Além disso, propostas de atividades plásticas são propostas efetivando a aplicabilidade do
material em sala de aula.
Conforme a construção da análise vai sendo proposta e as atividades listadas, referenciais teóricos
possibilitam a fundamentação das práticas de arte na educação, principalmente na etapa da Educação
Infantil, onde a experimentação e exploração de materiais e espaços são fundamentais ao
desenvolvimento infantil, assim como o envolvimento de toda a comunidade escolar.
Esta metodologia utilizada de revisão bibliográfica possibilita que o tema de análise e aplicabilidade
em sala de aula do livro Pintura Aventura de Catia Kanton seja entendido a partir de aspectos
diferenciados, embora todos sejam relacionados à prática da arte educação em sala de aula. As
questões pertinentes a uma Educação Infantil de qualidade envolvem o planejamento dos professores,
acesso a informações sobre a área do conhecimento em questão, envolvimento de toda a comunidade
escolar no processo do desenvolvimento infantil, assim como a relevância de cada proposta envolvida
no processo, já que, a partir destas vivências, o indivíduo terá condições de conhecer-se a si mesmo e
o mundo, condições imprescindíveis ao seu aprimoramento pessoal integral.
A alfabetização e exploração dos elementos na linguagem visual da arte, mediante o livro analisado e
as atividades propostas para a Educação Infantil fornecem condições do entendimento da relação
estabelecida entre o desenvolvimento integral do indivíduo e a arte educação nas escolas.

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Análise Do Livro Pintura Aventura De Katia Canton E Sua Aplicabilidade Nas Aulas De Arte Educação Na Educação Infantil

2. PINTURA AVENTURA

Conceber a prática educativa equivalente à educação moral do indivíduo pressupõe um enfoque do


processo na formação de caráter desse sujeito. Contudo, as discussões contemporâneas permeiam a
disposição de responsabilidades relacionadas à família e à instituição escolar, convergindo na ideia de
que um contexto total e as experiências as quais é submetido esse sujeito são os fatores constituintes
de suas capacidades e habilidades no decorrer de seu desenvolvimento. A educação, portanto,
perpassa a ênfase sobre a aplicabilidade de conhecimentos teóricos, já que o sujeito enquanto ser
social precisa ser capaz de subsidiar suas próprias relações em sociedade, percebendo seus deveres
consigo mesmo e com aqueles que constituem a diversidade cultural na qual está envolvido.

Mas a aceitação de si mesmo e o autorrespeito não se dão se os afazeres de


uma pessoa não são adequados ao viver. Como posso aceitar-me e
respeitar-me se o que sei, quer dizer, se o meu fazer não é adequado ao meu
viver e, portanto, não é um saber no viver cotidiano, mas sim no viver
ficcional de um mundo distante? (MATURANA, 2001, p.31).
Maturana trata da importância de uma educação abastecida de recursos da realidade humana
cotidiana enquanto combustível para o amadurecimento das relações interpessoais e os resultados
delas advindos. Neste processo, a arte educação surge para instigar conflitos entre o homem e o
mundo, vinculando educação e cultura, dispondo da questão da corporalidade como meio de vivência
sobre elementos, possibilidades e percepção do mundo. Por sua vez, “a forma plástica, nas artes, é
instauradora de um mundo e, como o mito, depende de que cada sujeito a atualize, a construa como
imagem, segundo seus próprios significados, individuais e sociais.” (PILLAR, 2001, p.126).
A criança da Educação Infantil se encontra em processo de desenvolvimento global, onde são
necessárias formas de intervenções variadas para que o processo estabeleça ligações apropriadas das
capacidades. “A dimensão estética é diferente da psicomotora, embora sejam relacionadas”
(ZABALZA, 1998, p.52), mas de alguma forma o indivíduo aprende através de seus sentidos e sua forma
de expressão reflete o modo como compreende seu meio. “A expressão procede da criança total e
constitui um reflexo desta” (BRITAIN, 2002, p.21), sendo seus sentimentos, interesses e pensamentos
expostos em sua arte, em suas pinturas, em seus desenhos como um reflexo de sua personalidade.
Uma mente criadora afirma sua identidade ao passo em que lhe são fornecidas maneiras para que
esse processo aconteça de forma espontânea, através de atitudes positivas e encorajadoras.
Para promover a formação da cidadania, o ensino de Arte deve abranger não
só a razão, mas também os sentimentos, as sensações e a intuição,
considerando o imaginário, os desejos e os sonhos dos alunos, de modo que
todos possam colocar-se como “sujeitos da história”. (ZAGONEL, 2008,
p.81).

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Análise Do Livro Pintura Aventura De Katia Canton E Sua Aplicabilidade Nas Aulas De Arte Educação Na Educação Infantil

Nesta perspectiva da importância do ensino de Arte como instrumento de desenvolvimento da


capacidade criadora e crítica do ser humano, será colocada em pauta a estimulação do olhar referente
à linguagem visual através dos sentidos, antecedendo a leitura das imagens, acrescentando um valor
estético à arte através da apreciação, sem desmerecer o valor estimável de retóricas a respeito da
história da arte e sua relevância na constituição social dos povos através dos tempos. A atividade
gráfico-pictórica na infância favorece a expressão do sujeito capaz de representar elementos da
linguagem visual como cor, luz, superfície e volume que determinam um potencial produtivo que não
tem fim.

A criança pré escolar aprende de modo mais ativo do que passivo, isto é, sua
interação real com o meio, o tocar, ver e manipular fazem parte do seu
progresso total, estando intimamente ligados ao seu desenvolvimento
cognitivo e o perceptivo. (BRITAIN, 2002, p.381).
Atribuindo-lhe um autovalor visual e tátil dentre as artes plásticas, acrescidas possibilidades criadoras
relevantes e abrangentes dentro da história da arte, a pintura é uma manifestação a qual nos
remetemos quase que diretamente quando tratamos sobre imagens. Além disso, imagens pintadas
contam a história da humanidade desde nossos primórdios que se utilizavam de elementos visuais
para expressarem suas intencionalidades de acordo com a época na qual viviam. De acordo com Bueno
(2008, p.75) “a pintura é uma manifestação visual, com a qual, desde criança, temos contato na escola
ou em casa”, já que consiste na representação de assuntos diversos materializados em um plano
bidimensional no qual são aplicados pigmentos de cor.
Existem diferentes técnicas de pintura desenvolvidas ao longo do tempo, contudo é relevante
observar que na escola, normalmente devido às dificuldades de aquisição, os professores ficam
limitados a pouca variedade de material para poder explorar esta atividade artística. Isto não significa
que a experiência tenha que ser restrita, pois há possibilidades de constituição de pigmentos, inclusive
naturais que estão acessíveis no próprio meio. Portanto a pintura merece um lugar de destaque no
ensino da arte por suas particularidades.
Na série Aventura, pensada pela escritora Katia Canton, a pintura tem seu espaço no livro Pintura
Aventura, constituído de imagens importantes da história da Arte, relacionadas a seus pintores, assim
como imagens de crianças explorando esta atividade. A autora ainda enfatiza alguns temas dentro da
pintura e relaciona com as experiências de André, aparentemente em idade pré escolar, que se
apropria das informações do livro e explora a pintura de forma espontânea e criativa. Dentro desta
perspectiva é possível utilizar esse material em sala de aula, já que sua aplicabilidade nas atividades

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Análise Do Livro Pintura Aventura De Katia Canton E Sua Aplicabilidade Nas Aulas De Arte Educação Na Educação Infantil

de arte educação vai ao encontro de uma metodologia baseada na exploração de materiais e


experiências críticas dentro da linguagem visual.
Para mim, a arte é uma grande aventura. A gente olha para as obras de arte,
percebe suas cores, formas e texturas. Elas nos provocam sensações,
emoções e ainda nos contam sobre a história da nossa própria civilização.
(CANTON, 2011, p.60).
Assim como em todo e qualquer nível de ensino, na Educação Infantil a relevância de um planejamento
baseado na estrutura curricular da instituição nos remete aos objetivos formativos preestabelecidos.
O professor de arte educação é orientado pelo Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
(RCNEI), especificamente no eixo de trabalho referente às artes visuais-pintura, tomando-a como
atividade constante na prática educativa, já que possibilita maneiras prazerosas de expressão da
criatividade das crianças e seu aprendizado instantâneo (ZAGONEL, 2008, p.58-60). A escola, por sua
vez, constitui seu Plano Político Pedagógico e relaciona as áreas de conhecimento a serem trabalhadas
e os objetivos do currículo. O professor, dentro desta perspectiva, planeja o processo de seu trabalho,
apostando na continuidade das propostas e na formação integrada das áreas, já que a criança desta
etapa aprende de forma global.

O Projeto de Ensino-Aprendizagem está atrelado a uma concepção de


educação, que, por sua vez, está relacionada às concepções de
conhecimento e de currículo. (VASCONCELLOS, 2000, p.98).
O planejamento necessita de um sentido, baseado em uma realidade dinâmica e objetivos
relacionados à resolução de problemas do público alvo. A significação do processo engloba aspectos
da realidade cotidiana, delegando aos indivíduos envolvidos tarefas desafiadoras e complexas que
exigem pensamento, raciocínio e execução conscientes. E a arte, por possibilitar o desenvolvimento
do indivíduo ao analisar sua realidade, tem um papel social fundamental na sociedade de integrar o
sujeito a sua totalidade, tanto emocional quanto objetiva. Conforme Zagonel (2008, p.30) “o indivíduo
expressa, por meio da arte, seus sentimentos, suas angústias, suas alegrias e se sente participativo na
sociedade na qual está inserido”.
Tendo como instrumento o livro Pintura Aventura, já citado, o planejamento destinado à Educação
Infantil poderia ser sistematizado através de propostas que enfatizariam a pintura enquanto atividade
artística com o foco principal de exploração de materiais pelas crianças, autonomia e crítica sobre
estas propostas, além de sua doação na expressão plástica.
Em primeira instância, a proposta estaria relacionada às ideias sobre pintura de Canton (2011, p.4), “a
pintura está em toda parte. É vida, é arte!”. A imagem que segue mostra um grupo de crianças que
rodeiam uma mesa grande e dispõem de materiais diversos para realizarem uma pintura qualquer. E

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Análise Do Livro Pintura Aventura De Katia Canton E Sua Aplicabilidade Nas Aulas De Arte Educação Na Educação Infantil

não há proposta inicial mais exploratória referente à pintura na Educação Infantil do que a de
simplesmente pintar e se expressar. Com os menores ou com os maiores, com os dedos, pincéis ou
em grandes painéis com o corpo todo é fato que as crianças se envolvem quando dispõem de
condições e motivação para tal. Logo, após a proposta da pintura em si, um mural com as produção
individuais ou coletivas pode ser constituído e socializado em uma conversação sobre sentimentos,
atitudes solidárias e representações através dessas primeiras pinturas. É importante que possam ser
expressas ideias sobre a atividade também com relação aos materiais utilizados, o lugar onde a pintura
aconteceu e se poderia acontecer em outro espaço e em outras bases, já que as crianças gostam de
explorar folhas, paredes, chão e tantas outras superfícies as quais são expostas. Quando convidadas a
isso, tornam-se sujeitos proprietários de seu espaço e dispostos a criar residualmente sobre ele.
O personagem principal desse contexto exposto por Canton aparece na próxima imagem do livro.
André está concentrado em sua pintura junto aos seus amigos. Sobre a mesa, folhas de jornal, folhas
brancas, água, lápis colorido, pincéis e tintas. E um mundo todo a ser retratado.
Desde o tempo das cavernas até os dias de hoje, as pessoas se expressam
por meio da pintura. Existem vários gêneros de pintura, como o retrato, a
paisagem, a natureza-morta e a pintura histórica. Assim como também
existem diversas técnicas para expressar esta arte. A pintura está nos
museus e nas galerias de arte. E também nos grafites dos muros da cidade,
em tecidos, madeiras, cerâmicas, papel machê, nas ruas, casas e escolas. Ela
colore o mundo. (CANTON, 2011, p.6).
As palavras de Canton explicam, de uma forma simples, a importância da pintura em nossa história e
podem promover um diálogo aprimorado sobre o tema ao passo em que o professor instigue as
crianças a comentarem sobre o que conhecem de pintura, além das atividades que realizam na escola.
Dessa maneira, o professor consegue informações pertinentes para seguir em alguns aspectos da
discussão. Nesse momento, algumas imagens de pinturas feitas ao longo da história podem ser
consultadas em um livro da história da arte como, por exemplo, “Tudo sobre arte: os movimentos e
obras mais importantes de todos os tempos”, de Stephen Farthing. Esta obra nos remete ao imenso
mundo representado através da pintura, revelando perspectivas a respeito da produção de arte nas
mais diversas sociedades ao longo dos tempos.
É imprescindível que nesta etapa possa ser feito um reconhecimento do meio onde a comunidade
aprendente em questão está inserida para que outras formas de pintura possam ser reconhecidas e
analisadas pelas crianças, como um muro grafitado no bairro ou até mesmo obras pintadas por artistas
locais que refletem a realidade da própria comunidade. Assim, o indivíduo torna-se capaz de
posicionar-se mediante sua realidade de forma crítica e analítica, buscando alternativas na resolução
de suas inquietudes. De acordo com Zagonel (2008, p.94) “o indivíduo precisa ter autonomia de

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Análise Do Livro Pintura Aventura De Katia Canton E Sua Aplicabilidade Nas Aulas De Arte Educação Na Educação Infantil

pensamento e de escolhas, posicionar-se diante das ocorrências do dia a dia e questionar diferentes
pontos de vista para poder seguir o seu próprio”.
Canton coloca sua perspectiva sobre a pintura dentro da história da arte tratando de uma forma muito
antiga de pintar.
As primeiras pinturas foram feitas pelos homens das cavernas. Faz muito
tempo. Eles misturavam o líquido de plantas com o pó de argila, sementes e
outros materiais que encontravam na natureza. E assim desenhavam com
carvão vegetal e pintavam nas cavernas cenas do dia a dia ou de animais. As
imagens ficaram protegidas da chuva e do sol. A até hoje podemos apreciar
as pinturas feitas cerca de 15.000 a.C. (antes de Cristo). (CANTON, 2011,
p.8).
De acordo com Farthing (2011, p.16), “o termo ‘arte rupestre’ é usado para descrever a prática que os
povos antigos tinham de pintar e entalhar a rocha e empilhar pedras para formar grandes desenhos
no chão”. Nesta perspectiva, a imagem que Canton (2011, p .90) traz em seu livro de uma pintura
rupestre que representa um animal instiga de forma imediata a imaginação das crianças a pensarem
na espécie representada e sua significância para o povo que o havia pintado, como havia feito isso e
porque. Este diálogo provoca a identidade social das pessoas de uma época rústica que pode ser
comparada à atualidade, traçando diferenças e semelhanças que perpassaram a história. Como
Canton já identificou uma obra rupestre bem definida, uma proposta de atividade plástica que
pudesse aproximar os alunos às práticas da época rupestre seria escolher uma parede de pedra como
base e, apropriando-se deste espaço, pintar elementos do dia a dia dos alunos. Os materiais para
pintura nesta proposta são recolhidos da própria natureza como sementes, terra e folhas de
colorações diferenciadas, assim como pedras de texturas rígidas que, em atrito com a superfície,
deixam resíduos.
Assim como a pesquisa e a apropriação de materiais diferentes foram necessários no processo da
atividade citada acima, também são relevantes no trabalho relacionado à incidência das imagens
religiosas na história da arte, mencionado por Canton.
Na Europa, houve um tempo que durou quase mil anos, a Idade Média.
Nessa época, a maioria das pessoas acreditava que Deus controlava todas as
coisas. E assim, muitos artistas faziam quadros sobre temas religiosos. Nas
paredes e nos tetos das igrejas, Usava-se a técnica do afresco. Assim, as
tintas eram aplicadas direto nas paredes, com a argamassa ainda molhada.
(CANTON, 2011, p.10).
Para representar este tipo de pintura citado por Canton, a imagem que o livro nos traz é uma parte do
afresco da Capella degli Scrovegni, em Padua, Itália, feita pelo artista Giotto di Bondone, denominada
Juízo Final, onde o próprio encontra-se representado na espera do julgamento de Deus. É importante
ressaltar que esta pintura foi uma das primeiras obras de arte que apresentou um autorretrato do

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Análise Do Livro Pintura Aventura De Katia Canton E Sua Aplicabilidade Nas Aulas De Arte Educação Na Educação Infantil

artista, algo novo na época. Por tal relevância, o livro Pintura Aventura de Canton traz a imagem de
André, personagem já apresentado nesta análise, exibindo a pintura de seu autorretrato.
A observação de sua própria imagem refletida em espelho proporciona às crianças, desde muito
pequenas, a identificação de suas características físicas, comparando-as com as dos colegas e
sistematizando as diferenças a partir de elementos da linguagem visual. A percepção visual de si
próprio afirma a sua existência enquanto sujeito de seu meio, facilitando sua construção plástica
posterior, sua apropriação de significados e experiências sensoriais. Além disso, há um envolvimento
emocional que se torna diretamente relacionado à intensidade com que o autor se identifica e com o
que produz, desenvolvendo sua capacidade criadora. Conforme Brittain (2002, p.39) “com a inclusão
direta do eu, a criança participa, com efeito, de seu desenho; pode aparecer diretamente em sua obra
criadora ou representar alguém com quem se identifique”.
Para a atividade de arte desta etapa são enfatizados a ideia de pintura em afresco e o autorretrato,
representando a identidade individual de cada criança, constituída após sua experiência sensorial.
Para tal, a superfície pode ser de escolha variada, pois será revestida de barro umedecido ou argila
sobre o qual o desenho do autorretrato acontece, podendo ser feito com qualquer material de ponta,
até mesmo pequenos galhos de árvores, facilmente encontrados na natureza. Como estamos
trabalhando com afresco, a pintura do desenho será feita com a superfície ainda molhada e com
utilização de tintas e pincéis.
Seguindo na perspectiva de Canton, o ser humano tem um destaque em si mesmo dentro da história
da arte, primeiro autorretratando-se e, posteriormente, representando outras pessoas de acordo com
suas próprias características físicas, além de um significado emocional expressivo através de detalhes.
Durante um período que ficou conhecido como Renascimento, as pessoas
passaram a acreditar que não era mais Deus que controlava tudo. E assim
quiseram representar o ser humano, muito mais do que as imagens
religiosas. (...) A obra Mona Lisa é cheia de beleza e mistério. E foi ficando
famosa em todo o mundo. (...) O olhar parece longe e ela dá um sorriso com
os lábios quase fechados. É fantástico! É difícil saber se ela, quando foi
retratada, estava alegre ou triste. É como se o sorriso dela aparecesse e
desaparecesse na tela. (CANTON, 2011, p.14-17).
Ao retratar Madonna Lisa di Antonio Maria Gherardini, o artista Leonardo da Vinci evidenciou seu
sorriso enigmático, apesar da personagem ter uma postura séria. O artista ainda abusa de cores
escuras e tons fortes, evidenciando ainda mais a expressão da mulher retratada. Canton traz duas
imagens da obra em seu livro, sendo uma ampliada do retrato e outra do detalhe do rosto de Mona
Lisa para que sua expressão possa ser discutida ao ser analisada pelas crianças. Pela sua importância
histórica e característica da sociedade da época, sobre esta representação de Da Vinci, Bueno (2008,

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Análise Do Livro Pintura Aventura De Katia Canton E Sua Aplicabilidade Nas Aulas De Arte Educação Na Educação Infantil

p.119) afirma que “naquele período, era muito comum retratar pessoas nobres em uma pose clássica:
sem sorrir, mantendo uma postura e uma elegância”.
A partir da apropriação da ideia de que o jogo simbólico é de fundamental importância na Educação
Infantil devido às provocações criativas que evoca nas crianças, a utilização da imagem da Mona Lisa
em sala de aula pode ter uma aplicação efetiva sobre significado do indivíduo em si, os ornamentos
que usa, suas atitudes e o ambiente onde vive. Os alunos iriam ser convidados a experimentarem
vestimentas (fantasias) para que pudessem simular comportamentos mais sérios e elegantes
conforme a época que está em pauta. A culminância acontece com uma fotografia de uma pose
escolhida por cada criança que será exposta, posteriormente, juntamente à pintura dos retratos que
os alunos farão com o objetivo de representar algum colega em seu ambiente atual, realizando alguma
atividade rotineira que lhe dá prazer. Essa pintura pode ser feita com giz colorido para quadro negro
sobre uma base de papel pardo. A comparação entre as duas atividades propostas garante às crianças
condições de perceberem que a arte possibilitou o registro das pessoas daquela época e de nós
mesmos, atualmente.
Quanto maiores forem as possibilidades de expressão de uma criança, mais conheceremos sobre sua
personalidade, seus receios e suas capacidades que definirão os meios com os quais utilizará seu
enfoque inventivo em qualquer etapa de sua existência. Brittain (2002, p.216) trata da relação da
criança com sua capacidade criadora, afirmando que “sua sensibilidade para com as experiências
perceptivas, adquiridas através da observação, do ouvido, do tato, tanto como a descoberta da beleza
contribuirão muito para o enriquecimento de sua vida”.
O artista catalão Salvador Dalí pinta um retrato, intitulado O sono, onde um rosto gigante é sustentado
por varetas, representando o estado de dormir e sonhar de acordo com a imaginação do artista.
Canton (2011, p.20) provoca seus leitores sobre as “sensações humanas provocadas por sonhos,
medos, lembranças, desejos e fantasias”.
Como muitas crianças da Educação Infantil permanecem em turno integral na escola, costumam
dormir em algum horário entre meio os turnos e as atividades rotineiras. Assim sendo, o sono é uma
temática bastante presente nesta realidade. Neste espaço físico destinado ao sono das crianças
acontece a atividade plástica que instiga cada aluno a imaginar uma situação prazerosa que poderia
acontecer durante um sonho na escola. Para esta pintura feita em folha branca, recortada em forma
de balões de pensamento, procuramos uma proposta tranquila, criando as representações com
pincéis e tintas feitas com cascas de legumes coloridos, como aquarela. As obras são coladas no chão
ou nas camas onde cada criança dorme, no intuito de identificar o espaço sereno de dormir.

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Análise Do Livro Pintura Aventura De Katia Canton E Sua Aplicabilidade Nas Aulas De Arte Educação Na Educação Infantil

Os que sonham acordados têm conhecimento de mil coisas que fogem


àqueles que sonham adormecidos. (WOLS apud TREVISAN, p.5).
Na sequência, Canton cita a obra As meninas, pintada pelo espanhol Diego Velásquez que aparece em
sua própria tela retratando Margarida Teresa (filha dos reios da Espanha). Como, nesta obra, o rei e
rainha aparecem refletidos no espelho como se estivessem observando o artista trabalhar, além de
outras pessoas que conviviam com a família e um cachorro, o tema relevante nesta obra é a família.
Temática que também está ao encontro do nosso público alvo, ao passo em que escola e família
buscam dia a dia apoiarem-se no desenvolvimento infantil.
Uma solução efetiva para o tratamento com esta obra de arte e o que ela representa poderia estar em
um encontro entre famílias, professores e alunos em horário alternativo, para que pudessem, em um
grande painel de papelão, pintar, como o material que preferissem, toda a comunidade escolar
envolvida nesse processo de desenvolvimento pessoal.
Esse tipo de participação enriquece o trabalho educativo que é desenvolvido
na escola (a presença de outras pessoas adultas permite organizar
atividades mais ricas e desenvolver uma atenção mais personalizada com as
crianças), enriquece os próprios pais e mães (vão sendo conhecidos aspectos
do desenvolvimento infantil, descobrindo características formativas em
materiais e experiências, inclusive o jogo, conhecendo melhor os filhos,
aprendendo questões relacionadas com a forma de educar) e enriquece a
própria ação educativa que as famílias desenvolvem depois em suas casas.
(ZABALZA, 1998, p.55).
Na obra de Francisco de Goya, 03 de Maio de 1808, a temática do sofrimento das pessoas é evidente.
Canton (2011, p.24) cita que “nela, um grupo de espanhóis tenta resistir à invasão do exército francês,
chefiada por Napoleão Bonaparte. (...) A cena mostra uma noite de grande medo, de terror”. Por ser
uma imagem forte, com pessoas caídas e sangue por todo o chão, merece uma atenção especial e uma
discussão a respeito do que foi representado na obra. A história pode ser contada às crianças de forma
simplificada, permitindo que eles próprios tenham suas conclusões sobre os aspectos positivos e
negativos da pintura de Goya analisada.
Assim como na obra anterior, a imaginação dos alunos e sua capacidade de análise sobre as imagens
apresentadas por Canton na sequência do livro Pintura Aventura são importantes no processo.
Tempestade de Neve, pintada por William Turner e Almoço na Relva, pintada por Edouard Manet são
exemplos de obras que representam paisagens naturais. Contudo, são representações diferentes ao
passo em que Turner expressa-se de forma mais emotiva e tempestiva e Manet traz mais elementos
com detalhes e personagem bem figurativos em sua obra.
Apresentar uma pintura um tanto abstrata com a de Turner às crianças menores envolve uma gama
de interpretações diferenciadas, mas é imprescindível que os alunos não sejam subestimados, já que

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Análise Do Livro Pintura Aventura De Katia Canton E Sua Aplicabilidade Nas Aulas De Arte Educação Na Educação Infantil

seu potencial investigativo e sua imaginação lhes permitem extrair significados apesar da obra ser
abstrata. E não há dúvidas de que a crítica sobre a mulher que aparece sem roupas na obra de Manet
também será trazida pelos alunos durante o diálogo, já que está em discordância com os demais
elementos e personagens na pintura e causa estranhamento.
Com ambas as obras que retratam paisagens diferenciadas conhecidas pelas crianças e o incentivo da
imagem que Canton traz do André mostrando a paisagem que pintou, já é momento de realizar uma
pintura ao ar livre, representando a paisagem do meio ambiente no qual nos inserimos. Esta pintura
será realizada com tinta guache de cores diversas e a superfície será o piso de pedras ou a calçada da
própria escola. É uma obra de apreciação da natureza e expressão pessoal, cujo tempo de existência
também estará condicionado às forças e elementos da naturais.
As pinturas de imagens ao ar livre ganharam força com os artistas impressionistas que “pintavam as
impressões do que viam, e não a realidade. Seus temas preferidos eram cenas de rua, edifícios,
paisagens e flores” (CANTON, 2011, p.32). Claude Monet era um artista impressionista e retratava o
brilho e a incidência da luz sobre paisagens em diferentes horários do dia.
Como Canton escolhe em seu livro apenas a obra Catedral de Rouen, Fachada Oeste, Luz do Sol (1892),
pintada por Monet no início da tarde, a comparação do efeito da luminosidade entre as outras telas
da série Catedral de Rouen não é possível. Para que a pintura desta época da história seja assimilada,
uma experiência que envolve luz e a falta dela é necessária e uma comparação entre uma imagem
representada durante o dia e outra durante a noite seria pertinente. Contudo, apesar de muitas
crianças chegarem muito cedo à escola e saírem dela no final da tarde, uma atividade pictórica em
horários muito extremos torna-se praticamente inviável em muitas realidades. Uma alternativa seria
imagens filmadas de uma paisagem escolhida pelo grupo, como, por exemplo, a fachada da escola,
durante o dia e durante a noite para ser analisada pelas crianças que teceram seus comentários. A
proposta plástica envolve a pintura da paisagem em questão em duas telas coletivas, sendo estas
diferenciadas entre si: a primeira de tecido claro, em tom amarelado e a segunda em tecido escuro.
Com auxílio de uma luminária exposta atrás das obras feitas pela turma, as percepções sobre a
luminosidade nas pinturas levariam a um diálogo que concluiria que, com a incidência da luz artificial
da qual dispomos na atualidade, a luminosidade do sol ainda se sobressai ao passo em que o tecido
claro e amarelado que o representa faz transparecer a pintura e o escuro ainda permanece opaco.
Esta atividade abrange a análise sobre a realidade da interferência de fatores naturais no meio e
demanda imaginação e prospecção sobre a experimentação em sala de aula.

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Análise Do Livro Pintura Aventura De Katia Canton E Sua Aplicabilidade Nas Aulas De Arte Educação Na Educação Infantil

Os elementos da linguagem visual englobam a linha, superfície e volume, logo também estão
presentes na pintura que é uma manifestação desta linguagem. Na Educação Infantil as crianças,
apesar de estarem mais intimamente apropriadas das cores, começam a reconhecer a simbologia
necessária à representação dos objetos e espaços referentes ao seu contexto.
Nas pinturas de Paul Cézanne, conforme Canton (2011, p.34), sua arte era baseada em objetos
representados em “formas geométricas, organizando-os na cena”, citando a obra Natureza-Morta
com Maçãs e Pêssegos em seu livro Pintura Aventura. Vários elementos como jarras e frutas estão
representados sobre uma mesa como se tivessem sido colocados ao acaso no espaço. Como o próprio
Cézanne deixou como lição “pintar não é copiar o tema servilmente, mas encontrar a harmonia entre
numerosas relações” (ARTE, 1972, p.1445), a representação de natureza morta possibilita ao aluno
descobrir, por si próprio, as relações que deve estabelecer entre os elementos que representa em sua
produção.
A atividade plástica a ser proposta em sala de aula, após a observação e conversação sobre a obra de
Cézanne apresentada por Canton em seu livro e sua indagação “que tal você pintar sua própria
natureza morta? Pegue, por exemplo, algumas frutas da cozinha e arrume-as numa cena”, poderia ser
realizada no espaço da escola onde as refeições são feitas pelos alunos, como os refeitórios. Para tal,
o cardápio da escola poderia auxiliar o processo, onde os alunos identificam alguns alimentos que
costumam comer, de olhos fechados, apenas através do tato e do cheiro. Este momento também
provoca os demais a silenciarem e respeitarem o momento de cada colega, aprendizado importante
aos menores.
A pintura da atividade citada acima pode ser realizada ao passo em que cada criança construa sua
própria montagem com as frutas, em espaço também definido por ela, identificando cores a serem
utilizadas. A tinta será feita com cola colorida com pequenas porções de tinta guache, já que, após
experimentarem alguns dos alimentos identificados, poderá servir de superfície adesiva a pedaços das
cascas que sobraram após as refeições, fortalecendo ainda mais a construção. A conversação sobre a
constituição deste trabalho torna-se fundamental, pois cada criança poderá comentar e sinalizar onde
representou cada elemento e porque assim o fez.
O desenho fornece-nos um excelente registro das coisas que se revestem de
importância para a criança, durante o processo de desenhar. Ela sabe
muitíssimo mais, de forma passiva, do que usa em qualquer momento dado.
Faz parte das responsabilidades do professor tornar esse conhecimento
mais ativo. (BRITTAIN, 2002 p.53).
Os atos de desenhar e pintar na Educação Infantil são atividades que se entrelaçam ao passo em que
permitem a expressão cotidianamente, principalmente quando o espaço favorece uma prática

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Análise Do Livro Pintura Aventura De Katia Canton E Sua Aplicabilidade Nas Aulas De Arte Educação Na Educação Infantil

constante, não apenas em sala de aula, mas em ambiente familiar inclusive. O envolvimento da família
nas atividades infantis não apenas demonstram interesse por parte dos familiares pelo
desenvolvimento da criança, como também os tornam sujeitos do processo.
Canton (2011, p.38 e 39) descreve a obra O Quarto do Artista de Vincent Van Gogh como uma
representação angustiante de um dos ambientes de sua casa. Contudo, conforme Bueno (2008,
p.109), admiramos esta obra porque conhecemos a história de uma espera que ela representa, além
da dedicação do artista pela obra. Apesar disso, para as crianças esta obra, sem mesmo saberem da
história envolvida, as remete aos seus próprios quartos, às semelhanças e diferenças que percebem
de imediato. Assim sendo, com auxílio dos familiares, a proposta plástica envolve a construção de uma
maquete do quarto de cada criança, com o máximo de detalhes possíveis, para que, em sala de aula,
possam socializar com os colegas. E a pintura ocorre em grupos, uma casa por vez em cada grupo e a
tinta escolhida seria a acrílica, que poderá ser conseguida com os próprios pais, já que muitas casas
são pintadas com essa variedade de tinta. Assim as relações são ainda mais intensificadas.
A obra Dança de Henri Matisse é apresentada por Canton (2011, p.40 e 41), onde a autora descreve
que o artista começou a pintar por volta dos vinte anos. E a obra trazida retrata pessoas em um
momento conjunto de dança (atividade constantemente utilizada na Educação Infantil), com cores
fortes e bem definidas. Estes dois últimos aspectos serão os pontos de exploração na proposta de
atividade plástica, já que cada aluno poderá escolher três formas/desenhos de elementos quaisquer
e recortá-los, na quantidade que desejar. Aqui a realidade define os materiais a serem utilizados, pois
os recortes podem ser feitos em papel de seda, crepom ou mesmo jornal. O objetivo é dispor estes
elementos, anteriormente recortados, sobre uma base de madeira (restos de MDF, tábuas,...) e colá-
los com uma massa feita de água e farinha de trigo, criando ainda mais textura entre os elementos da
obra. A tinta utilizada para pintura quando a colagem estiver seca terá características parecidas com
a aquarela, já que será composta de água e elementos que servem de pigmento colorido, como por
exemplo, chás, café, urucum ou anilina. A pesquisa de pigmentos pode envolver a família conforme as
atividades que encontrarem em suas residências. Para enfatizar a produção desta arte, a exposição
destes trabalhos para a comunidade escolar torna-se relevante, já que o envolvimento dos alunos na
proposta e sua apropriação sobre elementos e materiais deve ser reconhecido. Toda a dinâmica que
demandam às atividades com crianças é efetiva nesta produção e, tal qual Matisse, cada aluno
colocará sua energia nesta expressão artística, pois são seus elementos recortados, dispostos e
coloridos conforme sua intensão.

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Análise Do Livro Pintura Aventura De Katia Canton E Sua Aplicabilidade Nas Aulas De Arte Educação Na Educação Infantil

Matisse passa a ideia de energia contida em meio à ação distorcendo os


contornos sinuosos das pernas e dos pés da dançarina na extremidade
esquerda da tela. Além disso, ao comprimir as pernas e os pés do
personagem para que caibam no canto da tela retangular, Matisse nos dá a
impressão de que ele está apoiando seu corpo contra a moldura.
(FARTHING, 2011, p. 373).
Canton (2011, p. 42-45) introduz as perspectivas do cubismo e da constituição de obras pelos artistas
com representação de elementos e contextos através de formas geométricas. De forma mais
figurativa, onde os elementos são identificados e podem ser nomeados, Canton trata da obra de Pablo
Picasso, Les Demoiselles d’Avignon, e de forma abstrata a obra Broadway Boogie-Woogie de Piet
Mondrian. Ambos os artistas utilizam as formas geométricas, contudo representam os elementos de
sua realidade da forma com a qual mais se identificam e, embora não sejam obras que apresentam
elementos figurativos pintados em proporções reais como em uma pintura acadêmica, trazem o
público a analisar as perspectivas de expressão de cada artista e sentir a sua intenção.
Do ponto de vista da exploração artística na Educação Infantil, a pintura possibilita a experimentação
e a utilização dos elementos de qualquer realidade neste processo. Conforme Lowenfeld (2000, p.106)
“a mera compreensão das diferenças entre os materiais artísticos e o desenvolvimento de recursos
particulares nenhuma utilidade terão para a criança, se não existirem, em primeiro lugar, a
necessidade e o anseio de expressão pessoal. A expressão do eu, o interesse de transmitir experiências
que são significativas, o desejo de representar de forma artística as frustrações ou as alegrias da vida,
eis o que deve estar presente antes de se desenvolverem as aptidões e os recursos”.
Aplicando o conceito analisado acima, após a observação das obras trazidas por Canton e definidas
suas características de semelhança e diferenças, os alunos, coletivamente, representam conforme
suas intenções. E para esta proposta a tinta será à base da gema de ovos e pigmentos coloridos, como
as tintas de canetão hidrográfico, normalmente encontradas nas escolas. A tinta à base de ovo, apesar
de ter aparência, textura e cheiro que podem causar repulsa nos alunos, ao secar, tem como resultado
uma pintura com intensidade de cor e muito brilho, encantando os olhos do expectador e do próprio
autor.
Esta obra coletiva pode ser feita com esponjas e em papel reutilizável, como é o caso de cartazes de
propaganda. Ela servirá como papel de parede e completa a proposta seguinte em sua amplitude. Isto
acontecerá devido à atividade de reconhecimento e escolha, entre os brinquedos e objetos da sala de
aula que sejam em formas geométricas e poderão ser utilizados como carimbos sobre tecido. A
transformação desta obra em uma casa dentro da sala de aula, com a agregação do papel de parede,
possibilitará que as crianças, através deste jogo simbólico, constituam novas experiências, já que,

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Análise Do Livro Pintura Aventura De Katia Canton E Sua Aplicabilidade Nas Aulas De Arte Educação Na Educação Infantil

conforme Lowenfeld (2000, p.106) “uma vez despertado o desejo do trabalho criador, o impulso para
maiores conhecimento sobre o emprego dos materiais é algo que se seguirá naturalmente”.
E a exploração do impulso criador é instigada por Canton (2011, p.46 e 47) ao passo em que trata de
Jackson Pollock e sua pintura Number 1, 1950 (Lavander Mist), que é uma abstração gestual que
sugere envolvimento e análise do observador. Trechos do filme Pollock, a saga do maior pintor
expressionista da América (HARRIS, 2000), facilita o entendimento do processo de pintura deste artista
que derramava as tintas em camadas sobre as telas dispostas no chão de seu atelier. Conforme
Farthing (2011, p. 458), “embora sua técnica pareça favorecer ao acaso, Pollock garantia que tudo em
sua pintura era tudo planejado e explícito: ‘Não há nada fortuito’. Ele acreditava que a contemplação
de seus quadros propiciava respostas pessoais e inconscientes do observador ao mundo moderno”.
Lona preta ou plástico bolha, dispostos na areia ou na grama, conforme o contexto da instituição, são
a base perfeita para a experimentação das crianças na proposta de Pollock. Primeiro o exercício da
pintura é com as mãos e pés e depois com o corpo todo e tintas a base de água. Neste momento a
comunicação com as famílias e a explanação do objetivo da proposta torna-se fundamental ao passo
em que a exploração favorecerá o envolvimento integral dos alunos. Será um trabalho feito com
emoção.
Para promover a formação da cidadania, o ensino de Arte deve abranger não
só a razão, mas também os sentimentos, as sensações e a intuição,
considerando o imaginário, os desejos e os sonhos dos alunos, de modo que
todos possam colocar-se como ‘sujeitos da história’. (ZAGONEL, 2008, p.81).

A Arte Pop mudou a maneira de se fazer e entender a arte. Conforme Canton (2011, p.50) o artista
norte americano Andy Warhol iniciou este movimento, retratando imagens divulgadas em cartazes,
nos supermercados, nas revistas de moda, como foi o caso de sua pintura Marilyn Diptych, retratando
a atriz Marilyn Monroe. Uma série de imagens da atriz é pintada na sequência e provoca sensação de
repetição ao mesmo passo em que alguns apontamentos sobre elementos encontrados nas imagens
e que as diferenciam entre si. Nesta perspectiva e no entendimento do mundo contemporâneo e suas
praticidades, principalmente tecnológicas, abraçam a próxima proposta. Através de fotografias
aproximadas das feições dos alunos e sua impressão ou fotocópias em preto e branco, cada um poderá
escolher os materiais de pintura a serem utilizados a fim de caracterizarem suas próprias imagens que,
posteriormente, serão adicionadas a um grande álbum que contextualiza os personagens deste
processo, da turma em questão. Quando este estiver completo, dia a dia seguirá com um de seus
personagens a sua casa para que, junto à família, analisem a proposta e forneçam um parecer

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Análise Do Livro Pintura Aventura De Katia Canton E Sua Aplicabilidade Nas Aulas De Arte Educação Na Educação Infantil

descritivo no verso das obras sobre o personagem da vez. Neste momento não há roteiro para o que
será descrito, pois deve representar o diálogo e as percepções de cada grupo familiar sobre as obras.
Tratando da arte brasileira, Canton traz a imagem da obra de Tarsila do Amaral, Abaporu, assim como
Cabeça de Mulher de Beatriz Milhazes. Ambas, novamente, possuem elementos e representações
tanto semelhantes quanto diferentes. Tarsila misturava técnicas europeias de pintura e sua percepção
sobre o povo brasileiro e assim, pinta Abaporu que se torna conhecida e facilmente reconhecida
devido as diferentes proporções observadas no corpo de uma mesma personagem. Milhazes, por sua
vez, de forma abstrata, utiliza-se de cores exuberantes e formas arredondadas para representar a
condição humana.
Neste processo de envolvimento das crianças com o universo da pintura proposta neste texto, a
percepção sobre si próprio, sobre os colegas e sobre seu contexto já é algo efetivo, pois foi instigado
a cada atividade e análise proposta. Sendo assim, a prática plástica final coloca à prova as condições
de doação dos indivíduos envolvidos neste processo. Isso acontece a partir da última obra citada por
Canton em seu livro Pintura Aventura, Retrato, de Leda Catunda.
Na obra Retrato (2002), a artista desenhou gotas em vários tecidos claros.
Depois as recortou e em algumas delas estampou seus olhos, suas orelhas e
o nariz de seu marido. Em outras gotas, retratou a paisagem de sua casa e
da praia que frequenta. O resultado é uma mistura de detalhes do rosto do
casal e dos lugares onde circulam. (CANTON, 2011, p.56).
Uma das maiores dificuldades ao trabalharmos com as crianças em etapa de Educação Infantil relativa
a alguma atividade de arte, é a proposta de cobrir o rosto, seja com tinta, máscaras adesivas ou
qualquer material do qual eles não consigam se livrar com facilidade, pois há uma sensação de receio
e apreensão com aquilo que lhes é desconhecido e agregado a seu corpo. Eis o ponto em que esta
proposta estará tocando. A ideia remete a constituição de uma cortina enorme, da qual cada um será
responsável por uma parte. Nesta parte, cada aluno utilizará a monotipia para se representar
enquanto sujeito desta história que está sendo construída. As marcas dos membros podem anteceder
a monotipia do rosto e que será o ponto culminante nesta atividade. A segurança com a qual o farão
determinará o sucesso de todo este processo, já que é através dela que podemos identificar até que
ponto cada aluno sente-se confiante e capaz de realizar suas próprias ações, enfrentando seus medos
e receios. Ao passo em que isso acontecer, a contextualização da obra através de outras manifestações
de pintura serão os lucros desta criança. A cortina estará na entrada da escola e, para que possam
adentrar ao recinto, a comunidade escolar precisará passar por ela, no ato simbólico de pertencer a
esta realidade.

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Análise Do Livro Pintura Aventura De Katia Canton E Sua Aplicabilidade Nas Aulas De Arte Educação Na Educação Infantil

A escola não possui recursos para enfrentar sozinha o desafio de construir


um “novo mundo” para as crianças, mas constitui um recurso social básico
que fará parte de uma rede mais ampla capaz de ir avançando na direção de
melhorar as condições de vida infantis. (ZABALZA, 1998, p.18).
Dentro desta perspectiva, a apropriação da arte pelos alunos torna-os agentes do processo de
transformação de sua realidade ao passo em que reconhecem a si próprios e interagem com seu meio.
Do ponto de vista pedagógico, as crianças da Educação Infantil se desenvolvem de forma global e as
atividades artísticas criativas são de fundamental relevância neste processo. Conforme Brasil,
Ministério da Educação e Cultura (1982, p.61), “à medida em que elas vão surgindo, os pequenos
artistas-artífices vão percebendo o resultado de seu trabalho, como também vão aprendendo o
domínio do real, que eles manipulam”. Assim sendo, a sociedade a qual estes sujeitos pertencem é a
maior beneficiada de uma educação efetiva, baseada na análise de aspectos e produtos de sua própria
cultura, onde a instituição escolar e a instituição familiar trabalham com um objetivo comum de
melhora de sua própria qualidade de vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo da Educação Infantil é o desenvolvimento integral e global das crianças, de forma que cada
indivíduo possa interagir em seu meio conforme suas capacidades e percepções. O ambiente no qual
as vivências acontecem e o processo se dá interferem diretamente na qualidade de apropriação de
conhecimento dos indivíduos envolvidos. Assim sendo, momentos planejados pelo professor de forma
a englobar propostas diferenciadas em contextos e elementos propiciarão a incorporação dos alunos
ao processo.
A arte educação, por sua vez, envolve uma série de linguagens capazes de motivarem os alunos a se
manifestarem e transformarem sua própria realidade. A expressão de seus sentimentos, receios,
angústias e ambições os trazem para o universo real do enfrentamento de seus problemas e da
dinâmica da vida, dos acontecimentos. O professor é o agente mediador deste processo ao passo em
que rege os momentos de exploração e discussão em sala de aula. A família também é peça importante
neste processo, já que a criança continua seu crescimento pessoal quando não está no espaço restrito
da instituição escolar. Portanto, a comunidade aprendente na qual o processo acontece é beneficiada
na mesma proporção em que se dedica a ele.
A linguagem visual analisada neste texto era a pintura já que possibilitou registros da humanidade ao
longo dos tempos. Assim sendo, o livro Pintura Aventura da autora Katia Canton vinha ao encontro da
proposta e foi de total aplicabilidade nas aulas da Educação Infantil. Além das informações estarem
em uma linguagem acessível às crianças, através da leitura do professor, as imagens citadas pela

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Análise Do Livro Pintura Aventura De Katia Canton E Sua Aplicabilidade Nas Aulas De Arte Educação Na Educação Infantil

autora embasavam as colocações sobre a história da arte e os artistas que representaram cada época
através de suas obras. O livro se parece com um livro que poderia ser encontrado junto aos livros de
história de uma biblioteca de uma creche, por exemplo. Não é um livro grosso ou pesado, mas de fácil
manuseio pelos pequenos, o que facilita a interação dos mesmos durante as propostas, já que
elementos palpáveis e concretos são de interesse imediato das crianças. Por fim, nada impossibilita
que o professor disponha ao olhar curioso dos alunos outras imagens de livros mais abrangentes de
história da arte a fim de embasar ainda mais as informações de Catia Kanton.
O progresso das informações no livro analisado traz a relevância da história da arte para as sociedades,
conforme os diferentes estilos de pintura de forma a explorar as características de cada época, sem
evidenciar nomenclaturas utilizadas para identificar cada manifestação artística. A importância da
autora com relação às informações do livro agregam elementos visuais utilizados pelos artistas,
contextos envolvidos de acordo com a época em que a obra era produzida e os sentimentos propostos
por elas. Ou seja, na Educação Infantil o aprendizado não envolve memorização dos títulos das obras,
nomes dos artistas ou das manifestações artísticas, mas, sobretudo, o envolvimento sensitivo com a
expressão e a linguagem visual eminente, buscando a análise do que é perceptível aos olhos e o
significado particular a cada um.
O personagem André aparece em imagens, pintando suas próprias obras de arte, e outras crianças
também aparecem retratadas durante este processo. A evidência neste ponto traz a aplicabilidade
integral da atividade de pintar às crianças, obviamente, relacionada, no livro, às informações e
indagações da autora. Contudo, o professor deve ser capaz de romper barreiras e propor atividades
que envolvam as possibilidades infinitas do exercício da pintura, jamais se prendendo à utilização da
favorita tinta guache, mais acessível e normalmente encontrada nas escolas. Ainda, não somente a
sala de aula em si ou o espaço para atividades de arte da escola sejam os únicos lugares de explorar a
pintura.
Katia Canton instiga a prática da pintura e o professor, por sua vez, motiva seus alunos a explorarem
as opções que seu próprio meio proporciona, assim como a descoberta de novos materiais e o
envolvimento das famílias no reconhecimento das situações de aprendizagem.
As atividades propostas neste texto, embasadas pela orientação temporal da história da arte no livro
Pintura Aventura e as obras representadas, são audaciosas e demonstram engajamento do professor
que as for colocar em prática. Isso se dá devido ao fato da crença sobre as possibilidades aplicadas em
prática e encontradas em realidades bem diferenciadas, de uma arte educadora que acredita no
benefício da expressão pela arte. Enquanto professora de Educação Infantil, fortaleci minha prática na

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perspectiva de que o meio proporciona condições à exploração da arte e, sobre ele, que as
transformações ocorrem. Por isso que os muros e as calçadas servem de superfície as propostas
apresentadas neste texto, assim como elementos da natureza como pigmento das tintas.
A pintura acontece além da tinta guache e uma folha de papel branca. Ela pode ser aplicada sobre um
trabalho que utiliza outra técnica para sua constituição ou apenas de exploração do espaço e dos
materiais. Além disso, a escola precisa ter um plano de trabalho que embase e apoie o professor, para
que aspectos irrisórios não interfiram no processo como delimitação do espaço para atividades de arte
ou vestimenta apropriada para tal. Ora, se a atividade de arte possibilita a expressão do indivíduo em
sua plenitude, como pode, de antemão, regrar tão indevidamente atitudes e ações?
Conforme Canton, (2011, p. 59), “vale pintar com os dedos, pintar o rosto, os muros, tecidos, madeiras,
cerâmicas, papel machê...”, e as reticências representam as infinitas possibilidades da pintura. E na
Educação Infantil, os bebês não dialogam e analisam verbalmente sobre imagens das obras dos artistas
ou sobre as perguntas do professor, mas respondem curiosamente através dos gestos e sons. Nas
propostas de atividades deste texto, o figurativo está presente às crianças que já se encontram nessa
fase de desenvolvimento criador, contudo são facilmente adaptadas aos bebês, pois eles exploram os
materiais e são capazes de identificar elementos presentes em sua realidade. Ao passo em que são
motivados às atividades de expressão criativa e observação visual dos elementos da pintura, passam
da recusa a manusear a tinta à experimentação corporal efetiva.
As temáticas das imagens das obras de arte representadas no livro Pintura Aventura merecem ser
abordadas, pois, ao serem dispostas a observação de crianças precisam significar algo a elas. Assim,
obras como as de autorretratos evocam o reconhecimento sobre si mesmos, as de elementos de
natureza-morta são facilmente identificados por toda a escola e os de formas geométricas e
composições instigam os alunos a perceberem, em seu próprio ambiente, quais objetos que também
possuem formas parecidas e que podem ser representados de acordo como são observados. No
entanto, temáticas como as que são propostas pelo surrealismo de Dalí, o abstracionismo de Pollock
e as percepções conforme interferência de fatores naturais de Monet, buscam o envolvimento dos
alunos ao ponto de exercitarem sua imaginação com o objetivo de identificarem a proposta de cada
pintura. Outras temáticas são ainda mais delicadas à socialização com o público da Educação Infantil,
como é o caso da cena histórica pintada por Goya (03 de Maio de 1808) ou Almoço na Relva de Manet.
Temáticas como morte e nudez envolvem julgamento de valor quando discutidos entre as crianças,
pois constituem seu caráter e sua personalidade conforme as ações e práticas de seu cotidiano, que

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são determinadas a partir de percepções sobre o certo e o errado, normalmente afirmadas pelos
adultos.
A expressão artística torna-se tão relevante quanto à discussão das temáticas diversas com as crianças
ao passo que uma completa a outra e permite ao sujeito envolvido nessas problemáticas a sua
independência, a sua autonomia de pensamento, consciência de seus atos e, principalmente, a
felicidade decorrente do que lhe agrega.
Por fim, é constatada a aplicabilidade do livro Pintura Aventura de Katia Canton, em sala de aula e a
relevância da arte educação na etapa da Educação Infantil de acordo com as potencialidades que esta
área do conhecimento tem no desenvolvimento infantil. Contudo, um livro com informações
acessíveis e imagens pertinentes, por si só não determina o sucesso das atividades plásticas e a
apropriação de conhecimento por parte dos alunos. O planejamento do professor e o seu
engajamento, assim como de toda a comunidade escolar, na disposição e na relevância das propostas
é o fator determinante da qualidade da aprendizagem dos sujeitos envolvidos no processo e, portanto,
das características de uma sociedade sejam elas culturais, políticas ou sociais.

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Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 61
10.37423/200802203

A MORTE NA ATUALIDADE: POSSÍVEIS


CONTRIBUIÇÕES DE MARTIN HEIDEGGER PARA
A CLÍNICA FENOMENOLÓGICA-EXISTENCIAL

Alissa Costa Venuto Centro Universitário Estácio do Ceará

Felipe Saraiva Nunes de Pinho Centro Universitário Christus - UNICHRISTUS


A Morte Na Atualidade: Possíveis Contribuições De Martin Heidegger Para A Clínica Fenomenológica-Existencial

Resumo: A morte é um processo natural na vida do homem, vem sendo discutida por muitos autores
e vem passando por várias mudanças ao longo de nossa história. O objetivo deste trabalho é vê-la
numa perspectiva existencial, fundamentando-se na filosofia de Martin Heidegger. Este estudo tem
como preocupação proporcionar reflexões e posicionamentos sobre a inautenticidade e a angústia, e
de como seria, possivelmente, a relação do Dasein com um outro conceito criado por Martin
Heidegger, o de ser-para-a-morte, e de como ele poderia ser visto dentro da clínica fenomenológica-
existencial. Ao trazer, portanto, a concepção de ser-para-a-morte, este trabalho possibilita uma relação
reflexiva de como o ser-para-a-morte de maneira assertiva se faz importante dentro da clínica
fenomenológica-existencial, e de como o homem enxergaria sua finitude, fazendo com que ele a
reconheça de modo positivo, que ele se veja e se perceba no mundo como pura possibilidade. Assim,
mesmo estando ciente de sua morte, o ser humano consiga viver de maneira mais autêntica em sua
cotidianidade.
Palavras-Chave: Morte. Heidegger. Inautenticidade. Clínica fenomenológica-existencial.

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INTRODUÇÃO

(...) Uma parte de mim


É só vertigem
Outra parte
Linguagem
Traduzir-se uma parte
Na outra parte
Que é uma questão
De vida ou morte
Será arte?
(Ferreira Gullar).
É certo que o homem há tempos desafia a morte, em busca da imortalidade, o que é percebido na
criação de mitos de algumas famosas lendas que existem pelo mundo, onde heróis conseguem em
alguns casos a imortalidade, diferentemente do que acontece com o homem. O humano aparece
sempre como um ser mortal, finito, cuja principal característica é exatamente esta, de ter plena
consciência da sua própria finitude (KOVÁCS, 2013).
Na sociedade em que vivemos, onde não temos tempo para pensar ou conversar sobre a morte, torna-
se ainda mais distante e difícil abordar algo sobre o tema. E parece muito claro que não há muita
curiosidade das pessoas sobre essa uma realidade que tentamos esconder e dela fugir a qualquer
custo. Como somos seres humanos, portanto, limitados biologicamente, estudar sobre a finitude da
vida se torna relevante pelo fato de ter que entender a raiz do homem, de como a morte era vista
pelos nossos antepassados e de como ela está sendo abordada hoje.
Morin (1970 apud KOVÁCS, 2013, p. 29) relata que

É nas atitudes e crenças diante da morte que o homem exprime o que a vida
tem de mais fundamental. A sociedade funciona apesar da morte, contra
ela, mas só existe enquanto organizada pela morte, com a morte e na morte.
Para a espécie humana, a morte está presente durante a vida toda e se faz
acompanhar de ritos. Desde o homem de Neanderthal são dadas sepulturas
aos mortos. A morte faz parte do cotidiano, é concreta e fundamental,
qualquer grupo, mesmo mais primitivos, não abandonam seus mortos. A
crença na imortalidade sempre acompanhou o homem.
A morte, apesar de ser a única certeza da condição humana, é na maioria das vezes recusada e
desaceita ou até mesmo “não lembrada”. Morremos durante toda a vida, passamos por perdas, seja
por términos, por doenças, seja por qualquer outro acontecimento, o que significa que morrer não
representa só o fim, ou a morte propriamente dita, mas também recomeços, ressignificados, fins de

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ciclos. Dantas (2010, p. 907) descreve: “morre-se todos os dias, a cada instante de cada dia. A criança
que eu era está morta no adulto que eu sou, aquele que eu era ontem, está morto hoje”.
As mudanças no contexto histórico da morte vêm sendo percebidas ao longo dos anos até a
atualidade. A medicina avança, mas com ela não alcançamos a imortalidade. Partindo dessa premissa,
serão explorados os contextos do tema da morte desde a idade média até os dias atuais, discutindo
sobre a angústia do homem diante da morte e a compreensão da relação do homem com seu próprio
fim ao longo dos tempos. Nossa reflexão sobre o tema parte da visão do Filósofo Martin Heidegger,
buscando compreender as possíveis contribuições do ser-para-a-morte na clínica fenomenológica-
existencial e como a morte pode ser interpretada pelo homem.
Foi realizada uma pesquisa ensaio, uma vez que “no ensaio a orientação é dada não pela busca das
respostas e afirmações verdadeiras, mas pelas perguntas que orientam os sujeitos para as reflexões
mais profundas” (MENEGHETTI, 2011, p. 321).
A investigação tem caráter qualitativo, pois “preocupa-se, portanto, com aspectos da realidade que
não podem ser quantificados, centrando-se na compreensão e explicação da dinâmica das relações
sociais” (GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 32). Tem o objetivo de acrescentar conhecimentos sobre o
tema da morte na contemporaneidade e propor uma compreensão com base na fenomenologia
existencial de Martin Heidegger, buscando um possível diálogo sobre esses temas citados.
O estudo terá como suporte teórico os autores Philippe Ariés (2017), Martin Heidegger (2008), Maria
Júlia Kovács (2013). Os artigos selecionados foram retirados das plataformas SciELO, PePSIC, e Google
Acadêmico, utilizando os descritores ser-para-a-morte Heidegger; morte e finitude; morte e
contemporaneidade, no período entre 2002 e 2013.

A MORTE NA IDADE MÉDIA E SUA NEGAÇÃO NA ATUALIDADE

“Existirmos: a que será que se destina?”


(Caetano Veloso – “Cajuína”, 1979).
Para Martin Heidegger, o homem é formado de mundo, considerando-o histórico quando assume seus
modos de ser. Segundo Duarte e Naves (2011, p. 76) “em sua estrutura existencial o homem é ser-no-
mundo, inautêntico e que traz em si a capacidade de angustiar-se, de contemplar toda sua estrutura
existencial, além de temporal e de ser-para-a-morte”. Assim, Heidegger considera o homem um ser-
para-a-morte, pois ele está determinado à finitude, única certeza impregnada na existência humana.
Para Dastur (2002, p. 62) “essa relação que Heidegger chama de Sein zum Tode, que se traduz

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habitualmente por ‘ser-para-a-morte’ ou de ‘ser em direção da morte’, mas que significa


simplesmente um ser em “relação com a morte”.

No contexto atual, a morte ainda é um tema a ser compreendido, pelo mistério e pelas incertezas que
carrega, e por isso é negada. Embora seja um evento natural, ainda se torna difícil e muito doloroso
falar sobre esse assunto. Negamos a morte de todas as formas possíveis, mesmo sabendo que ela faz
parte do nosso dia a dia.
A morte causa questionamentos sobre nossa vida e sobre o mundo, ela nunca deixa de ser atual, mas
sempre queremos evitá-la. Por mais que sejamos visitados por ela quando perdemos pessoas
próximas não nos acostumamos (PESSINI, 2009) a ela. Por mais que ela esteja presente em nossa
rotina, seja por mortes de pessoas próximas ou não, nunca estamos preparados para receber esse
acontecimento, e ele sempre gera desalento.
Santos (2009, p. 14) descreve que “parece uma ironia do processo evolutivo que quanto mais
tentamos negar a morte, mais ela nos aparece, como a nos desafiar e a nos dizer, como a esfinge
tebana da mitologia grega: Decifra-me ou devoro-te!”. Não tem com evitá-la, ela está presente na
nossa vida, e um dia irá chegar. Philippe Ariés autor do livro A história da morte no ocidente: da idade
média aos nossos tempos, procura observar como tem sido as mudanças na percepção sobre a morte
ao longo dos tempos, desde a idade média até o século XX.
Ariés (2017, p. 2009) afirma que,

As novas ciências do homem, bem como a Linguística, introduziram no uso


corrente as noções de diacronia e sincronia, que talvez venham a nos
ajudar. Como muitos outros fatos da mentalidade que se situam em um
longo período, a atitude diante da morte pode parecer quase imóvel
através de períodos muito longos de tempo. Aparece como uma crônica.
Entretanto em certos momentos intervêm mudanças, frequentemente
lentas, por vezes despercebidas, hoje mais rápidas e mais conscientes.
Ariés (2017) elucida as atitudes diante do morrer, apresentando algumas concepções de como ela era
vista naquele tempo. A morte domada, a morte de si mesmo, a morte do outro, e a interdita. Na idade
média, no século XII, a morte era considerada como morte domada. Era vista como natural e familiar,
que chegaria com o passar dos tempos, considerada então como entendível. As pessoas pressentiam
quando esse momento estava prestes a acontecer. O moribundo sabia da aproximação da sua morte
por sinais físicos, e havia todo um cerimonial para esse momento. Segundo Ariés (2017, p. 31),
“observamos que o aviso era dado por signos naturais ou, ainda com maior frequência, por uma
convicção íntima, mais do que uma premonição sobrenatural ou mágica”. A morte pressentível
proporcionava a preparação para ela de maneira natural. Por muitos séculos essa percepção da morte

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permaneceu entre as civilizações cristãs do Ocidente. Para Ariés (2017, p. 31) “era algo de muito
simples e que atravessava as idades, algo que reencontramos ainda em nossos dias, ao menos como
uma sobrevivência, no interior das sociedades industriais”. O moribundo, rodeado de seus parentes e
amigos, cumprem seus últimos atos de cerimonial tradicional: o lamento da vida, sendo muito
discreto, o perdão dos companheiros, e a prece para Deus.
A cerimônia da morte nessa época era pública e feita pelo próprio moribundo, havendo a participação
de crianças. Para eles, o mundo dos vivos teria que ser separado do mundo dos mortos, portanto os
cemitérios eram sempre fora das cidades (ARIÉS, 2017). A simplicidade de como os ritos eram feitos e
aceitos, sem gestos dramáticos, sem dúvidas era uma das características que mais chamavam atenção
nesse período. Tudo se fazia de maneira muito simples, seguiam-se rituais, e assim a morte chegava
como um acontecimento corriqueiro.
Durante a segunda fase da idade média, séculos XI e XII, a morte passou por algumas mudanças sutis,
que de alguma forma daria um novo significado e sentido dramático de como o homem tratava a
morte. A morte de si mesmo aparece com uma percepção de separação de si e do outro que está vivo,
o que levava as pessoas a uma racionalização de seu mundo.
Segundo Ariés (2017, p. 64) “a partir do século XVIII, o homem das sociedades ocidentais tende a dar
à morte um sentido novo. Exalta-a, dramatiza-a, deseja-a impressionante e arrebatadora”. No final
desse mesmo século, a dificuldade de aceitar a morte chega ao ápice. A partir dos séculos XIX e XX, a
morte do outro, que antes era desinteressada e vista como algo comum, agora aparecia como objeto
de inconformação. Nas palavras de Oigman (2007, p. 248),

A morte transforma-se em acontecimento detestável no século XIX, pois


representa uma ruptura no andamento normal da vida. As práticas
funerárias são apropriadas pela família, pela medicina e pelo poder público.
Desenvolve-se uma estética fúnebre em que predomina a concepção de
beleza do morto (signo de ausência de sofrimento) que é a dissimulação do
medo da própria morte.
A morte interdita ou selvagem se expõe numa sociedade que deixa de acreditar numa morte mística
e que passa a acreditar na ciência como um meio para “fugir” da morte com a vontade de se tornar
eterno. A tristeza trazida pela morte faz com que o homem dessa época a veja como algo mal e ruim,
tornando-se um receio para todos. Deixa de ser tratada e vista como natural e passa a ser
inconveniente, um fracasso, sendo repugnada e temida pela sociedade. A medicalização aparece como
algo que vai ocultar a doença e a morte, colocando um silêncio sobre as duas (KOVÁCS, 2013). Portanto
ela deixa de ser vista como bela e idealizada e passa a ser repulsiva e impactante pelas pessoas da
época, o medo da morte começa a se tornar muito presente nesse momento.

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Oigman (2007, p. 2248) entende que

O século XX traz uma transformação revolucionária da morte, que deixa de


ser “tudo”, parte constituinte da vida normal e do ciclo pessoal, para se
tornar “nada”, ocultada do dia-a-dia, tratada com aparente indiferença. O
luto é abandonado às práticas individuais, com a finalidade de poupar a
coletividade. É um luto privatizado. A neutralização dos ritos funerários e
ocultação da morte fazem parte dessa incapacidade social de se lidar com
ela. Isso explica ainda a transferência do ato de morrer para o hospital, onde
o doente se despersonaliza, ao mesmo tempo em que se protege a família
da morte, o doente das pressões emocionais dessa família e a sociedade da
publicidade da morte. Esta passa a ser uma espécie de responsabilidade
técnica passível de ser controlada. Nasce o mito da amortalidade humana
(versão moderna da imortalidade) e uma nova escatologia.
Como já dissemos, fazemos de tudo para ignorar a morte no século XXI, como se ela nunca fosse nos
alcançar, ou que só chegará para o outro, de forma que a morte do outro não nos toca, pois ela está
muito longe de chegar para nós ou só nos atingirá na velhice. Kovács (2013, p. 02) retrata: “engana-se
quem acredita que a morte só é um problema no final da vida, e que só então deverá pensar nela.
Podemos, é claro tentar esquecer, ignorar, ou mesmo ‘matar’ a morte”.

Em outros termos, a morte enquanto tal é praticamente impensável e


quando, por alguma razão de força maior, ela se impõe à consciência e à
elaboração, isso só se dá com muito sofrimento, em situações de
vulnerabilidade e através as experiências sofridas do desamparo, que de
fato são experiências dos seres humanos vivos que vivenciam a
precariedade da condição humana, mas não a morte (SCHRAMM, 2002, p.
18-19).
Atualmente, nossa sociedade move-se cada dia procurando e criando fórmulas para a juventude,
tentando se enganar e afastar a estranha e irreversível morte, Para Franco (2007, p. 110) “a morte traz
a dura realidade da limitação biológica: tudo possui um ciclo e o findar é parte desse ciclo”. Kovács
(2011, p. 31) refere que, “como humanos que somos, sabemos que a morte existe, e esse
conhecimento dá significado a nossa vida”. A morte hoje se torna triste demais para nós porque a
encaramos como algo solitário, desumano, e por essas razões não conseguimos encará-la como
natural e que atravessa a nossa existência (KOVÁCS, 2013). O medo que a morte proporciona é
gigantesco e isso paralisa as pessoas e lhes causa perplexidade.
Preocupações em torno do significado da morte e do que acontece depois dela são umas das
curiosidades que aparecem em todas as culturas; logo, a finitude da vida tem aspectos culturais,
religiosas, sociais, filosóficas entre outros. Essas questões tornam a morte cada vez mais um evento
esotérico (SANTOS, 2009).

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Desse modo, a sociedade está a cada dia tentando conter essa angústia e esse medo universal que o
tema da morte traz, fazendo com que ela pareça estar distante, um acontecimento pavoroso,
medonho. Segundo Kubler-Ross (2008, p. 09) “a morte constitui ainda um acontecimento medonho,
pavoroso, um medo universal, mesmo sabendo que podemos dominá-la em vários níveis”.
O homem não quer se angustiar, nem pensar que a morte se aproxima a cada momento, portanto não
quer que a morte apareça para não causar sofrimento, pois este na atualidade não tem tempo para
sentir. Recordamos a Macabéa, personagem de Clarice Lispector, no livro A hora da estrela, para
ilustrar esse modo de compreensão:
Talvez a nordestina já tivesse chegado a conclusão de que a vida incomoda
bastante...achava que cairia em grave castigo e até risco de morrer se tivesse
gosto. Então defendia-se da morte por intermédio de um viver de menos,
gastando pouco de sua vida, para não acabar. Essa economia lhe dava
alguma segurança pois, quem cai, do chão não passa. Teria ela a sensação
de que vivia para o nada? Nem posso saber, mas acho que não (LISPECTOR,
1977, p. 32).
Macabéa, personagem desse livro, acreditava que se vivesse a vida, tivesse gosto em vivê-la, a morte
se aproximaria mais rapidamente, portanto a mesma vivia de uma forma impessoal, comum. Temia
ser penalizada caso estivesse tomando gosto pelo viver, então poupava-a para não ser gasta.
No entendimento de Franco (2007, p. 114) “a morte passa a atuar no antifluxo da vida e não como um
processo natural da mesma. A morte, ironicamente, tornou-se apartada, e o que é pior, adversária, da
vida”. Nesse sentido a morte na atualidade aparece como odiada, triste perante a sociedade, como
algo que realmente não fizesse parte da vida, e que aparece como aterrorizante para a população.
Falar de morte, também é falar da vida, e é um tema que sempre traz curiosidade e temor. Enquanto
estamos vivos somos marcados pela temporalidade, esse estado provisório, essa incompletude.
Temos muita dificuldade em lidar com nossa própria finitude, ainda mais na modernidade. Assim, a
morte acaba causando certa estranheza, por fazer esse rompimento com a vida (DANTAS, 2010), de
modo que falar da finitude ou pensar sobre ela causa muita insegurança e angústia. Apesar disso,
sabemos que a morte é a única certeza que o homem traz em sua vida.
Por sua vez, Franco (2007, p. 116) nos diz que

Hoje, ao contrário, elementos simbólicos, como luzes, velas, poemas, flores


estão sendo utilizados quase como recursos para nos livrarmos da incômoda
proximidade com a morte. Os rituais de morte estão cada vez mais
empobrecidos. Como se vê, na modernidade, até a morte deve passar
apressada, acomodando-se ao tempo atual. Ora, quem mais pode dedicar
meses em um processo de luto? Quem mais consegue organizar um ritual
criativo de morte, que envolve toda a coletividade em torno do morto? Não

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há mais tempo para isso. A morte moderna tem de ser fast, como tudo mais
na vida.
Na Idade Média, o moribundo contava com a presença de todas as pessoas de sua comunidade, num
momento que era vivido com muito de respeito por todos. Hoje esse tempo de morrer também se faz
reduzido, e se tornou incômodo para as pessoas. Tudo é feito com pressa, o sentir se tornou líquido,
não temos tempo para sentir! Portanto quanto mais rápido ocorrer o funeral, melhor para os
familiares.
Pensar a morte traz medo, insegurança, fragilidade, uma sensação que não se é nada diante da vida.
Mas por outro lado, pensar no morrer, na própria morte, traz uma abertura de possibilidades para o
viver, experienciar mais modos de viver a vida. Saber que um dia a morte virá faz com que se pense
em viver com mais intensidade.
O pensamento da morte como um fim ajuda o homem a crescer, mas vivenciá-la traz muita dor, faz
lembrar a perda, e do quanto isso toca o homem. Uma das imagens mais fortes da morte é a da velhice,
frágil, triste, sem dentes, estranha. Essa é uma visão da sociedade que traz muita dor e desespero
(KOVÁCS, 2013). Pensamos muitas vezes que a morte só chegará na velhice, mas quando temos algum
tipo de aproximação com ela em pessoas que não estão no fim da vida isso é bastante assustador e
doloroso. Nossa sociedade idealiza muito a morte como algo que se é apenas quando se está velho.
Kovács (2011) entende que a morte também pode ser vista de várias outras formas:

Durante nosso processo vital, passamos por várias mortes: fases do


desenvolvimento, separações, doenças e psicose. Algumas dessas situações
são universais, como a fase do desenvolvimento e as separações; outras não,
como as psicoses e as doenças; mas em nenhuma delas ocorre a morte
concreta e a pessoa sobrevive, muitas vezes mais do que sobrevive, ela
reorganiza e ressignifica a vida como em algumas doenças e perdas. Sem
dúvidas isso ocorre na evolução do desenvolvimento. Morremos várias
vezes, mas não definitivamente, e continuamos a viver com os significados
adquiridos (KOVÁCS, 2011, p. 30).
Morremos todos os dias de várias formas: perdemos coisas de que gostamos, terminamos relações,
fechamos ciclos, entre outras perdas. Morremos por várias vezes ao longo da vida e com isso temos a
oportunidade de ressignificar esses momentos, dando-lhes novos significados e visões. Meireles
(2003, p. 12, apud FERNANDO; BRUN, 2012, p. 106) ilustra bem essa realidade em seu poema:

Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.

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Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.
Para Santos (2009, p. 24), “ao fazermos um retrospectivo sobre as maneiras como a humanidade tem
lidado com esse tema, somos tomados de assalto por várias dúvidas e perguntas aparentemente sem
respostas ao longo da História”. Portanto podemos afirmar que a morte ainda se faz um mistério para
toda a humanidade, para todas as religiões, culturas, e na atualidade essa evidência vem se fazendo
mais presente. Continuamos sem resposta para nossas incertezas, mas sabemos com exatidão que a
finitude é um fato que um dia chegará para qualquer um de nós.
A questão da negação da morte é uma das alienações do Dasein no seu modo cotidiano e impessoal.
Esse esquecimento da morte, essa negação na cotidianidade em nossa sociedade, causa esse
alienamento. A seguir, faremos uma breve exposição do pensamento do filósofo Martin Heidegger.

ANGÚSTIA E SER-PARA-A-MORTE EM MARTIN HEIDEGGER

Martin Heidegger, filósofo alemão, coloca que o ser humano é histórico. Nessa condição, Heidegger
cria o conceito de Dasein, um ser-no-mundo, sendo esse homem que está em abertura, acontecendo,
esse ente que é privilegiado porque é o único capaz de se questionar sobre tudo e sobre a vida. O
homem sendo esse ser-aí é considerado com uma abertura, em que lhe é permitido compreender que
ele existe no mundo (AZEVEDO; PEREIRA, 2013).
O Dasein é o único ente que faz escolhas a todo o momento, por isso é considerado privilegiado. É o
único ser que se coloca e está lançado ao mundo. Para Costa (2011, p. 152), “justamente nesse sentido
que o homem é o único ente capaz de escolher a si próprio, de escolher seu modo de se posicionar
frente ao mundo, de questionar ou não pelo sentido do Ser”.

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Heidegger cria esse conceito, pois para ele os conceitos que já existiam sobre o homem estavam
carregados de preconceitos e significados e também estariam imbuídos de ideias contrárias do
pensamento do autor.
Segundo Werle (2003, p. 101), “o ser-aí, o Dasein imerso em sua existência, é um ser-no-mundo [In-
der-Welt-sein].” Esse homem é cooriginário, não se separa do mundo em que vive, e o mundo não se
separa do homem, há sempre uma relação entre os dois. Para Werle (2003, p. 101), “o conceito de
ser-no-mundo é uma estrutura ontológica fundamental do ser-aí, que indica a inseparabilidade do
homem e do mundo e igualmente do mundo em relação ao homem”. O ser-aí então aparece como
um ser lançado às possibilidades, que se relaciona de forma direta com o mundo, é cooriginário a ele,
em um mundo que é compartilhado com os outros. Ainda segundo Werle (2003, p. 99), “o Dasein é o
homem na medida em que existe na existência cotidiana, do dia a dia, juntos com os outros homens
e em seus afazeres e preocupações”.
O Dasein é o ente mundano, uma vez que sem abertura ao sentido não há mundo. Nessa condição de
ser-no-mundo, a angústia é sinalizada como uma disposição que torna manifestas as possibilidades do
ser (DANTAS, 2011, p. 10). A angústia aparece como um sentimento fundamental do ser-aí, não é uma
angústia de coisa, de mundo, é a angústia do nada, ela que faz o ser-aí se questionar, se movimentar.
Segundo Werle (2003, p. 104-105),
(...) este traço totalizante que define a essência do ser-humano se encontra
no conceito de angústia, enquanto disposição compreensiva que oferece o
solo fenomenológico-hermenêutico para a apreensão explícita da totalidade
originária do Dasein. A angústia não é então somente um fenômeno
psicológico e ôntico, isto é, que se refere somente a um ente ou a algo dado,
e sim sua dimensão é ontológica, pois nos remete à totalidade da existência
como ser-no-mundo.
O Dasein se angustia por pensar no seu passado e no seu futuro, a angústia faz o Dasein se remeter a
uma indagação sobre o sentido da existência, e do seu existir, e é por isso que lhe traz um enorme
estranhamento.
Werle (2003, p. 105) também descreve que “só o homem se angustia, não o animal, bem como apenas
o homem existe e tem uma compreensão do ser”. Portanto o Dasein não é um ente simplesmente
dado, ele é considerado como uma abertura de sentidos.
A propósito do que estamos discutindo, Heidegger (2008, p. 254) defende que
A angústia não é somente angústia com... mas, enquanto posição, é também
angústia por... O por quê a angústia se angustia não é um modo determinado
de ser e de possibilidade da presença. A própria ameaça é indeterminada,
não chegando, portanto, a penetrar como ameaça nesse ou naquele poder-
ser faticamente concreto. A angústia se angustia pelo próprio ser-no-
mundo. Na angústia perde-se o que se encontra à mão no mundo

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circundante, ou seja, o ente intramundano em geral. O “mundo” não é mais


capaz de oferecer alguma coisa, nem sequer a co-presença dos outros. A
angústia retira, pois, da presença a possibilidade de, na decadência,
compreender a si mesmo a partir do “mundo” e da interpretação pública.
Ela remete a presença para aquilo por que a angústia se angústia, para seu
próprio poder-ser-no-mundo. A angústia singulariza a presença em seu
próprio ser-no-mundo que, em compreendendo, se projeta essencialmente
para possibilidades.
Heidegger pensa na angústia como algo positivo para o homem, por causar esse movimento, fazendo
com que o homem pense na sua existência e tome decisões sobre sua vida que talvez nunca tomasse
se não tivesse passado por isso.
Segundo Werle (2003, p. 106) “na angústia, enquanto disposição fundamental, não sabemos diante
de que nos angustiamos; ela começa a se apresentar quando, em meio a nossas ocupações do dia a
dia, nos sobrevém um certo tédio”.
A angústia é um sentimento que te leva aos seguintes questionamentos: o que você é? Por que você
vive? Fugir do mundo não é angústia, e nós não suportamos a experiência dela.
Nas palavras de Doescher e Henriques (2012, p. 719),
O ser mortal, condição universal a todo ser humano, implica em ter que lidar
com os limites impostos pela condição de mortal, de não poder fazer tudo,
de não poder ter e ser tudo, remetendo este homem a fazer escolhas, a se
responsabilizar por estas e arcar com as perdas (mortes) das outras
possibilidades. Neste sentido, este ser-aí se angustia pelas suas
possibilidades de ser neste mundo. A angústia, desta forma, é inerente da
condição humana, mas também ela arremessa este homem para seu próprio
poder-ser-no-mundo e revela o ser-aí como ser possível.
A angústia causa um movimento no Dasein, despertando assim, de alguma forma, um certo
estranhamento nele.
Para Dantas (2011, p. 28), a angústia poderia ser interpretada como
O fenômeno da angústia não precisa ser despertado por nenhum outro
acontecimento inusitado, não necessita e não tolera ser apenas uma
contraposição à alegria, e tampouco um mero desviar-se da agradável
diversão do abandono à deriva. Ele está presente no ser-aí, na presença do
ser-no-mundo, está atento e sempre à espreita, embora apenas raramente
salte sobre nós para nos arrastar para as situações em que nos sentimos
suspensos.
Nesse sentido, o angustiado se angustia com o nada, mas esse nada não vem como um niilismo, ele
aparece como uma forma de abertura para as possibilidades que o ser-aí tem. A angústia é uma forma
de abertura para o encontro da autenticidade, uma forma de o Dasein se singularizar (DANTAS, 2011).

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O homem em sua cotidianidade se mantém na maioria das vezes encoberto, no seu modo de
inautenticidade, portanto passa a ter uma interpretação errada da sua existência, o que o leva ao
esquecimento do seu ser no seu dia a dia.
Sobre isso, Costa (2011, p. 153) acrescenta que
A existência inautêntica é, segundo Heidegger, um desvio, uma vertigem
existencial do homem causada em primeira instância pelo modo de ser mais
próximo do ser-aí. O que se quer dizer com esse mais “próximo” se refere à
própria condição existencial do ser-aí, que é o ser-no-mundo, no qual todos
os entes lhe vêm ao encontro de forma imediata. Nesta acepção,
encontramos os entes em seu caráter instrumental.
Quando o Dasein se angustia ele tem a possibilidade de sair do modo inautêntico em que se encontra,
que é o modo como ele vive na cotidianidade, e assim passa a ter a possibilidade de estar no modo de
autenticidade, onde o ser-aí passa a se questionar sobre o que está se passando pela sua vida.
O ser-aí é essencialmente finito. Nesse sentido, na sua vivência da cotidianidade o Dasein sente medo
de experienciar a angústia, e isso afeta o seu envolvimento e a relação com o mundo, e vai permitindo
o seu não confronto com seu destino mais próprio e com sua única certeza na vida (DUARTE; NAVES,
2011). Nessa percepção, o ser-aí foge do seu destino mais próprio pelo medo do desconhecido,
desejando sempre mais ser seguro e ser infinito. O Dasein então nunca será algo acabado, será sempre
um vir-a-ser, que estará sempre cheio de possibilidades, as quais podem lhe causar constantes
repulsas.
Duarte e Naves (2011, p. 80) descrevem que “Caberá ao ser-aí dar o devido sentido a sua existência,
dentro deste período histórico”. Porém, o Dasein deve projetar-se tendo em vista a autenticidade,
pois é por meio dela que ele realiza a verdadeira temporalidade que dá sentido à existência.
A angústia dá a possibilidade ao Dasein de tomar consciência de si e do mundo, e principalmente da
sua finitude. Segundo Werle (2003, p. 110), “o fato de que o homem tem um fim, que ele morre e que
sua existência acaba, ou seja, remete a um outro conceito fundamental de Heidegger, que é o ser-
para-a-morte [Sein-zum-Tode]”.
Segundo Dantas (2010, p. 901), “a morte é uma possibilidade humana que finda todas as outras, e,
por isso, merece destacada importância no Pensamento de Heidegger. Tal estrutura, por ele definida
como ontológica do Dasein, denominou-se ser-para-a-morte”
Assim, o Dasein é considerado um ser-para-a-morte, pois ele está determinado à finitude, impregnada
na existência humana, em que o homem não escolhe morrer, mas nasce sabendo que essa é sua única
certeza. A única certeza que o Dasein tem em toda sua vida é a de sua morte. Heidegger (2008, p. 321)

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826
A Morte Na Atualidade: Possíveis Contribuições De Martin Heidegger Para A Clínica Fenomenológica-Existencial

afirma que, “no sentido mais amplo, a morte é um fenômeno da vida. Deve-se entender vida como
uma espécie de ser ao qual pertence um ser-no-mundo”.
Heidegger vê a finitude como algo que possibilita o Dasein a ter dimensão de si enquanto ser-no-
mundo e enquanto projeto. O filósofo tem esse interesse de estudar e falar sobre a morte, pois ela se
faz presente em toda a nossa vida. Para ele, a morte auxilia o ser a entender que ele é cheio de
possiblidades. Mallmann (2009, p. 46) diz que “podemos notar que o Dasein é finito e limitado, é um
ser-no-mundo em processo de construção e de busca. Ele busca antes de mais nada a si mesmo”.
A morte constitui a nossa existência, e consequentemente limita a existência do ser-aí. Sobre isso,
Dastur (2002, p. 66) comenta que
Heidegger ressalta: ‘Seu morrer, todo Dasein deve, necessariamente, a cada
instante, tomá-lo sob sua responsabilidade. A morte, na medida em que
‘existe’, é, a cada momento, essencialmente a minha. Não há mais, então,
essência ‘geral’da morte, pois não há essência geral existência ou do Dasein,
mas há, a cada vez, uma experiência intransferível do existir e do morrer.
O Dasein busca sair do modo de ser em que ele se encontra, que é a inautenticidade, quando ele
entende que a morte faz parte de sua vida, e que ele é um ser finito, Heidegger vai chamar o Dasein
de ser-para-a-morte. Quando o ser-aí entende que é esse finito ele ser ver como um ser de
possibilidades no mundo.
Quando o ser-aí assume a morte, que é um ser-para-a-morte, ele consegue ver como algo positivo,
percebe que a morte faz parte da existência e se faz importante para a vida. Werle (2003, p.111)
aponta que “assumir o ser para a morte, porém, não significa pensar constantemente na morte e sim
encarar a morte como um problema que se manifesta na própria existência”.
Oliveira (2015, p. 53) entende que,
Para Heidegger, tornar visível a morte na vida trata-se de se abrir às
condições de possibilidade de sermos-para-a-morte, em uma atitude de
superação do encobrimento e da fuga até então presentes. Tal atitude
implica em assumir o poder-ser próprio da morte. Isso não significa cumprir
a promessa e enfim efetivar a morte, nem tampouco tomá-la ao
pensamento como um objeto a qual se deva meditar. A proposta seria toma-
la em sua possibilidade e suportá-la como tal.
Então o ser aí, sabendo da sua finitude, se vê como um ser de possibilidades. Heidegger vê a finitude
não como algo ruim e derradeiro, ao contrário, ele a positiva, como uma abertura para o Dasein
entender que até chegar ao seu fim ele terá muitas possibilidades em sua vida. Mallmann (2009, p.
48) defende que “O Dasein é finito e só é possível que ele se compreenda autenticamente na medida
em que ele compreende a sua finitude”.

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827
A Morte Na Atualidade: Possíveis Contribuições De Martin Heidegger Para A Clínica Fenomenológica-Existencial

CONSIDERAÇÕES E CONTRIBUIÇÕES DO SER-PARA-A-MORTE PARA A CLÍNICA


FENOMENOLÓGICA-EXISTENCIAL

O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na


nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela.
(Fernando Pessoa).
Como visto anteriormente, Heidegger coloca que o Dasein é um ser-para-a-morte, atribuindo assim
que somos finitos. Então se faz claro que o ser do Dasein é um antecipar-se-a-si-mesmo. Segundo
Mallmann (2009, pp. 70-71), “esse antecipar-se-a-si-mesmo já estando no mundo, dá condições de
que o Dasein se compreenda em sua autenticidade, sendo que essa antecipação é um momento
essencial da estrutura...”.
Desse modo, a morte não aparece como algo que seja desassociado do mundo e da cotidianidade, é
algo como existencial, que o ser-aí perceba que ela está como possibilidade, para uma abertura de sua
autenticidade e compreensão de si.
Heidegger (2008, p. 339) descreve que “o ser para a possibilidade enquanto ser-para-a-morte, no
entanto, deve relacionar-se para com a morte de tal modo que ela se desvela nesse ser e para ele
como possibilidade”. Esse conceito criado por Heidegger de ser-para-a-morte atravessa o Dasein como
forma de ele se revelar e ter consciência de si como um ser de pura possibilidade no mundo, para que
ele possa se tornar mais próprio em suas escolhas.
Werle (2003, p. 11) nos diz que “Assumir o ser-para-a-morte, porém, não significa pensar
constantemente na morte e sim encarar a morte como um problema que se manifesta na própria
existência”. Heidegger fala que quando encaramos que a morte se faz presente na nossa vida, seja
pela morte de pessoas conhecidas ou não, nos desperta a consciência de si, a compreensão de quem
nós somos, tornando-nos assim o Dasein um ser autêntico.
Werle (2003, p. 111) descreve que
Há na morte um elemento de transcendência capaz de nos tirar das
ocupações cotidianas. A tomada de consciência do ser-para-a-morte leva a
um questionamento de todo o ser, no sentido de que o ser-humano se
coloca radicalmente diante de seu ser. Assim como a angústia, “a
antecipação da morte singulariza o ser-aí”.
Essa aceitação de que somos um ser-para-a-morte, tomados pela finitude, se desvela na clínica
fenomenológica como positiva para o cliente. Mallmann (2009, p. 75) descreve que, “em outras
palavras, o Dasein, ao assumir a sua morte, dar-se-á conta do seu poder ser mais próprio, pois estará
assumindo a sua possibilidade extrema que o auxiliará a ter uma visão de seu todo estrutural…”. Dessa
forma, o cliente, entendendo e aceitando o seu findar, poderá criar uma consciência de si e despertar
para as suas possibilidades. Esse despertar para o mundo faz com que ele veja, aceite e entenda que

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828
A Morte Na Atualidade: Possíveis Contribuições De Martin Heidegger Para A Clínica Fenomenológica-Existencial

ele é finito. Portanto, junto com seu terapeuta, estará aberto a lançar-se no desconhecido, perceba-
se como existência e amplie seu modo ver o mundo buscando sua autenticidade, o seu modo mais
próprio. Em relação às práticas psicológicas Sá e Barreto (2011, p. 392) buscam sintetizar em três, as
consequências principais de se compreender o se do homem como “existência”:
o abandono de qualquer redução do humano a dimensões meramente
orgânicas, psicológicas ou sociais, naturalmente compreendidas, isto é, o
abandono de qualquer cientificismo objetivante do sofrimento existencial;
a suspensão de toda postura técnica e voluntarista, em que o terapeuta se
coloca no lugar daquele que conduz a dinâmica do processo clínico a partir
de suas representações técnico-conceituais sobre a existência do paciente
ou a partir de seu desejo pessoal de impor mudanças; o exercício da atenção
e do cuidado livre de expectativas, em que o outro é convidado a uma
lembrança de si como pura “existência” para, a partir daí, perspectivar seus
limites e suas possibilidades mais próprias e singulares.
Desse modo, a clínica oferece, a partir de seus pressupostos, novas possibilidades de abordar os
fenômenos psicológicos de cada cliente. Podemos então perceber como é a clínica fenomenológica-
existencial. Ela nasce numa cultura que é dirigida pela técnica, mas essa perspectiva fenomenológica
se diferencia por ver o homem como um ser que é indefinido, o que a afasta totalmente dos padrões
e da objetificação do homem vistos por essa cultura.
Dutra (2013, p. 208) defende que
(…)a fenomenologia-hermenêutica heideggeriana considera a
indeterminação do Dasein e sua impermanência; e tal modo de pensar
sugere uma formação do psicólogo que rompa os modelos ancorados no
domínio das teorias e técnicas psicoterápicas. Assim sendo, o fazer clínico
seria norteado pela abertura do psicólogo às possibilidades que se desvelam
na sua existência, na sua condição de ser-no-mundo-com-outros, cujos
sentidos de ser não poderão ser dados a priori, o que significa arriscar-se na
aventura de ser-no-mundo com todas as implicações da sua condição
existencial. Uma delas é a disponibilidade de lançar-se no desconhecido, na
experiência originária de ser-com-o-outro, ou seja, lançar-se ao nada, ao
não-saber.
Entendendo sobre a importância da postura, do cuidado e da relação que o psicólogo tem para o seu
cliente, esse movimento de atenção, de estar disponível olhando o cliente como singular e como
existência e acompanhando-o na tarefa de apropriar-se de si, de enxergar as suas possibilidades.
Assim, possibilita que o cliente se perceba e tenha a sua atitude mais própria e singular de ser.
Camasmie (2014, p. 64) expõe que “sendo assim, uma clínica que se propõe a uma ampliação do
horizonte de possibilidades, deve estar atenta ao surgimento das atmosferas desestabilizadoras e até
paralisante…”. Ela entende que a clínica fenomenológica abre para o cliente a possibilidade para o
encontrar-se, para ser a cada encontro e em cada relação mais próprio consigo e com os outros e com

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829
A Morte Na Atualidade: Possíveis Contribuições De Martin Heidegger Para A Clínica Fenomenológica-Existencial

isso aumentar a aproximação do homem com seu modo mais autêntico. Dessa maneira, amplia o seu
modo de ver as coisas no mundo, tematizando-as e ressignificando-as.
A clínica busca essa abertura de sentidos para o cliente, não o impedindo das tonalidades afetivas,
como a angústia. Feijoo (2008, p.315) descreve que “o psicólogo deve ater-se ao estudo da condição
própria do existir humano: a angústia, através da qual pode o homem emergir em sua singularidade
e, assim, não se perder no geral”.
Na perspectiva fenomenológica-existencial, a angústia não é vista como ruim, é um movimento
necessário dentro dessa prática. A angústia é vista como positiva no processo da clínica e se faz
importante nesse processo para o deslocamento do cliente em seu movimento de singularização,
desde que ela mobiliza o paciente a suas apropriações de sentidos mais autênticos. Então a clínica
psicológica se faz relevante para essa abertura do cliente com seu terapeuta, no sentido de o cliente
se ver e se perceber no mundo como pura possibilidade, mesmo sabendo de sua finitude, e assim viver
uma vida com mais abertura às suas possibilidades e sendo mais autêntico consigo e com os outros.
Costa (2010, p. 156), sobre o ser-para-a-morte, relata que “assumir originariamente o findar significa,
portanto, compreender antes de tudo que o ente que nós mesmos somos se fundamenta num ser-
para-a-morte em sentido positivo”.
Por fim, estudar sobre a morte é algo obscuro ainda nos dias de hoje, vista como interdita ou longe de
acontecer por conta dos avanços da medicina. É importante dizer que Heidegger, ao criar esse
conceito de ser-para-a-morte, ele não o quis direcionar como algo negativo para o homem, mas sim
como algo que traria para o homem possibilidades de viver sua vida de modo mais autêntico, em um
mundo que está a cada dia mais sobrecarregado e sem tempo para pensar na morte ou na vida. É
importante também se fazer pensar sobre essas contribuições desse conceito de Heidegger e como
isso se intercala junto do atendimento psicológico nos dias atuais, para podermos entender sua
importância e para provocar esse despertar, esse modo mais autêntico do cliente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento do presente artigo possibilitou analisar como a morte é vista em nossa sociedade
e como era nos tempos passados, para termos uma melhor compreensão sobre o tema e o que está
sendo discutido sobre o assunto nos dias de hoje. Sabendo da nossa finitude, e que essa é a nossa
única certeza ao longo de nossas vidas, a pesquisa permite também compreender de que forma Martin
Heidegger e seu conceito de ser-para-a-morte contribuiria possivelmente para o cliente na perspectiva
da prática da clínica fenomenológica-existencial e para o homem.

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830
A Morte Na Atualidade: Possíveis Contribuições De Martin Heidegger Para A Clínica Fenomenológica-Existencial

Durante o desenvolvimento deste artigo, foi possível observar que o homem, ao ter consciência de
sua própria finitude, não deve se sentir numa forma de aprisionamento, pelo contrário, tem a chance
de continuar vivendo com mais clareza e consciência de suas possibilidades, de viver em sua
cotidianidade de forma mais autêntica, e mais própria consigo e com os outros, e ter essa ampliação
de sentidos a partir do seu entendimento do ser-para-a-morte.
A clínica fenomenológica-existencial dá a abertura para que o Dasein possa se ver diante desse
conceito e entendê-lo não como uma forma negativa, mas como uma forma dele sair do modo
inautêntico que ele se apresenta, e passe para o modo de autenticidade. Esse modo inautêntico é
recorrente ao Dasein, é onde ele se encontra em maior parte de seu tempo.
Pela observação dos aspectos analisados, espera-se que o trabalho possa contribuir para além da área
da Psicologia e para outras pessoas que tenham o interesse sobre o tema e que ele possa despertar
mais curiosidade em ser estudado. Almeja-se que o assunto possa provocar curiosidade a outras
pessoas que gostem desse assunto e que assim torne possível a escrita de mais artigos sobre ele, para
termos uma melhor compreensão e mais ampliadas contribuições sobre esse tema que se faz tão atual
e relevante em nossa sociedade.

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831
A Morte Na Atualidade: Possíveis Contribuições De Martin Heidegger Para A Clínica Fenomenológica-Existencial

REFERÊNCIAS

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19
833
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 62
10.37423/200802206

A PSICOLOGIA E A INFLUÊNCIA DA
IRRACIONALIDADE NOS MÉTODOS DE
AUTOCOMPOSIÇÃO

Aparecida Rodrigues de Sá Silva Centro Universitário Curitiba - Unicuritiba


A Psicologia E A Influência Da Irracionalidade Nos Métodos De Autocomposição

O Código de Processo Civil tem como um de seus princípios a busca da autocomposição, que visa evitar
ou dar fim a disputas judiciais – o que pode acontecer com a participação de terceiros (mediadores ou
conciliadores). Em vista deste novo paradigma, busca-se no presente trabalho analisar quais os
mecanismos psicológicos que podem levar a atitudes não racionais e que são capazes de dificultar ou
mesmo inviabilizar a aplicação de métodos de autocomposição. Para isso são analisados aspectos
atinentes ao comportamento social do ser humano e de sua vulnerabilidade emocional, tendo em vista
a interdisciplinaridade da temática e a formação acadêmica anterior desta pesquisadora (psicologia).
Em especial, investiga-se como a irracionalidade inerente ao ser humano concomitantemente com a
dificuldade de olhar além de si mesmo (e para os seus próprios conflitos internos e,
consequentemente, para os conflitos do outro) dificultam a resolução do litígio e a celebração de um
acordo emocionalmente saudável para ambas as partes. Segundo o psicólogo norte-americano,
Burrhus Frederic Skinner (1904-1990): “Pensar é comportar-se”. Nesse sentido, percebe-se que, as
pessoas não estão acostumadas a pensar efetivamente, já que em muitas vezes o comportamento não
é condizente com ações racionais numa situação na qual teriam em tese que esforçar a mente para
decidir algo acerca de suas próprias vidas, como ocorre na tentativa da composição de um acordo, isso
porque ser racional seria justamente ajustar o comportamento com a mente, proporcionalmente à
pressão psicológica subjetiva em que se vive numa audiência de mediação ou conciliação. Portanto, é
importante ressaltar que a falta de empatia, o egoísmo, o individualismo exacerbado e a falta de
inteligência emocional podem tirar o foco do problema central do litígio em questão, refletindo direta
ou indiretamente na tomada de decisões: a repetição irracional de determinados comportamentos
leva a resultados absolutamente imprevisíveis, inconscientes e muitas vezes indesejáveis, acarretando
frustrações diversas. Assim, a irracionalidade humana não é apenas a maior influenciadora para o início
de um conflito, mas, é, também, muitas vezes, o que impede que esses conflitos sejam superados.
Nesta perspectiva, observa-se que a celebração de um acordo considerado justo e pacífico dentro de
uma audiência que vise a autocomposição é um momento carregado de subjetividades, no qual
instrumentos e estudos da área da psicologia podem contribuir para a amenização das angústias entre
as partes visando o fim do conflito.

Palavras-Chave: Irracionalidade Humana, Psicologia, Direito, Conflito, Mediação.

1
835
A Psicologia E A Influência Da Irracionalidade Nos Métodos De Autocomposição

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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Martins Fontes, 2001. Traduzido do russo.

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NEVESAMORIM, José Roberto. O CNJ, A MEDIACAO E A CONCILIACAO.RevistadeArbitragemeMediação.


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p.mp.br/portal/page/portal/documentacao__divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bib
li_boletim/bibli_bol_2006/RDPriv_n.69.01.PDF> Acesso em: 14/10/2019.

2
836
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 63
10.37423/200802217

IMPACTOS DO DISCURSO DA “IDEOLOGIA DE


GÊNERO” NAS PAUTAS EDUCACIONAIS PARA OS
DIREITOS LGBTQI+

Thais Guimarães Mendes Universidade Estadual de Montes Claros

Rosana dos Santos Martins Universidade Estadual de Montes Claros

Luci Helena Silva Martins Universidade Estadual de Montes Claros


Impactos Do Discurso Da “Ideologia De Gênero” Nas Pautas Educacionais Para Os Direitos Lgbtqi+

Resumo: O intuito do presente artigo é contribuir para o diálogo democrático, especialmente diante
da atual conjuntura política, cujas prioridades na tomada de decisões institucionais no tocante às
diretrizes educacionais têm se mostrado contrárias aos preceitos normativos vigentes, uma vez que a
retirada das pautas de “gênero” e “sexualidade” dos Planos Nacionais de Educação e da Base Nacional
Comum promove o agravamento dos processos de exclusão e violência sofridos pelos grupos LGBTQI+.
Além disso, a medida foi vigorosamente acompanhada de discursos fundamentalistas, sob o espectro
infundado de uma “ideologia de gênero”. Objetiva-se, em específico, delimitar como as relações de
poder contribuem para a manutenção de uma heterossexualidade compulsória e qual a importância
da educação no processo de interrupção do silenciamento que ainda recai aos grupos LGBTQI+. Assim,
buscou-se estabelecer a intima ligação entre educação e assimilação do direito à diversidade, e como
tais constituem-se como meios de conceder a grupos excluídos lugar de sujeitos em espaços políticos,
no intuito de salvaguardar direitos e impedir a homofobia e a transfobia.
Palavras-Chave: Democracia. Exclusão Social. Educação.

1
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Impactos Do Discurso Da “Ideologia De Gênero” Nas Pautas Educacionais Para Os Direitos Lgbtqi+

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal estabelece constituir objetivo fundamental desta República a promoção do


bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação (art. 3º, IV). Em mesmo sentido, demais legislações infraconstitucionais, consoante se
infere do Estatuto da Juventude (Lei nº 12.852) prevê que o poder público deverá agir para efetivar o
direito do jovem à diversidade e à igualdade.
No entanto, muito embora a educação universal seja direito fundamental, estabelecido pela
Declaração Universal dos Direitos Humanos e com redação própria no texto constitucional, nota-se
que as atuais diretrizes educacionais nacionais tem se furtado de promover mecanismos de
reconhecimento à diversidade de gênero, ocorrência que somente aprofunda processo de exclusão e
contribui para violência LGBTfóbica.
Isso porque os direitos atinentes à orientação sexual e identidade de gênero, que vinham em franca
ascensão nos últimos anos, sofreram forte ofensiva não somente pela retirada da pauta de questões
centrais ao respeito das liberdades fundamentais, mas também pelo teor moralista dos embates que
se sucederam às elaborações dos Planos Educacionais, cujos ataques retratam a retomada de valores
fundamentalistas, pautados em modelos tradicionais de família.
O silêncio do debate nas salas de aulas, importante espaço de construção de identidades e
incorporação de valores de cidadania, denota a insuficiência de ações concretas dos Poderes Públicos
para a concretização de direitos fundamentais e enfrentamento da violência. Relatório do Ministério
dos Direitos Humanos (2018), quanto a violência LGBTFóbicas no Brasil, aponta para um cenário de
violência sistêmica no país, tendo sido registrado, no ano de 2016, total de 2.964 atos de violência de
caráter homofóbico. Números que, embora expressivos, não sintetizam o quadro geral de violência de
gênero no Brasil, dada a dificuldade de denúncias e identificação destes crimes.
Destarte, o presente trabalho visa analisar como a narrativa da “ideologia de gênero” e subsequente
aura de “pânico moral” serviram aos propósitos de grupos conservadores nas pautas educacionais,
inclusive com a emblemática retirada das discussões de gênero do Plano Nacional de Educação-PNE,
em 2014, e da Base Nacional Comum Curricular, aprovada em 2017, que suprimiram as expressões
“orientação sexual” e “identidade de gênero” dos planos para a política educacional brasileira e
reacenderam discurso reacionário que coloca em risco direitos LGBTQI+.
Assim é que o atual direcionamento da política educacional nacional, à contramão das formulações
dos direitos humanos, dos postulados constitucionais e dos tratados internacionais dos quais o Brasil
é signatário, tem evidenciado não somente não residir a busca pela livre orientação sexual e identidade

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de gênero como objetivo do Estado, como também aquele que deveria zelar por tais direitos tem sido
o próprio propagador de ações discriminatórias, em grave violação aos princípios democráticos.
Deste modo, a essencialidade da narrativa mostra-se pelo retrocesso normativo nas pautas
educacionais quanto a igualdade de gênero, uma vez que a proliferação de discursos tradicionalistas
nos últimos anos tem apenas contribuído para a mantença da hegemonia de um discurso
heterorregulador, que ocasiona em uma realidade opressora e antidemocrática, com o
aprofundamento da marginalização e vulnerabilidade de tais grupos.
Para tanto, a metodologia utilizada nessa pesquisa é de caráter dedutivo, pois foram analisadas
premissas gerais para se chegar a conclusões específicas acerca do tema, de caráter analítico-
exploratório uma vez que se analisou as informações e o contexto em que as premissas se inserem.
Ademais, empregou-se o método de pesquisa bibliográfico e documental, baseando- se as
bibliografias, pesquisas, doutrinas e legislações atinentes ao tema.

DAS DIRETRIZES EDUCACIONAIS

Com a ampliação do acolhimento das reivindicações dos movimentos feministas e LGBTQI pelo
ordenamento jurídico pátrio, no campo jurídico, e larga expansão do exercício das garantias individuais
de orientação sexual, na esfera social, a ofensiva conservadora tem atuado de forma incisiva para a
manutenção do discurso heteronormativo nos espaços públicos, cuja força discursiva avolumou-se
diante do atual cenário político-social.
Assim é que o conservadorismo sexual contemporâneo buscou novamente os holofotes para mantença
do discurso tradicionalista, com forte viés ideológico, especialmente no campo educacional, consoante
largamente exposto na mídia com a emblemática formulação do Plano Nacional de Educação (PNE),
marco que simbolizou um revés na consecução da igualdade de gênero (tendo como parâmetro a
parábola de ascensão de conquistas legais das últimas décadas).
O Plano Nacional de Educação – PNE é o documento que formaliza as diretrizes da política educacional
com periodicidade decenal e visa, além de traçar metas e estratégias de atuação nas escolas, aprimorar
a gestão educacional em cooperação com os demais entes federativos, no intuito de direcionar
investimentos dos recursos públicos para a melhoria e progresso do sistema educacional. O Plano, que
articula o sistema nacional de educação, deriva de determinação constitucional (Emenda
Constitucional nº 59/2009 (EC nº 59/2009) e intende a promoção do desenvolvimento do ensino em
seus diversos níveis, etapas e modalidades, por intermédio de ações integradas dos poderes públicos

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dos entes federados, de sorte que a elaboração dos planos estaduais, municipais e distrital dever-se-á
ocorrer em articulação com o Plano Nacional (BRASIL, 2009).
Visa, portanto, mediante sistema de colaboração no planejamento educacional, romper com as
dificuldades advindas da complexidade do modelo federativo e das históricas desigualdades que
assolam o Brasil, com a estratégica avaliação periódica para acompanhamento de implementação das
metas definidas (MEC, 2014).
O Plano vigente, proposto pelo Projeto de Lei nº 8035/2010 pelo Poder Executivo, perpassou
complexas discussões política-pedagógicas no seu processo de elaboração, tendo por destaque a
Conferência Nacional de Educação – CONAE, ocorrida em 2010, cujo tema fora “Construindo o Sistema
Nacional Articulado de Educação: O Plano Nacional de Educação, Diretrizes e Estratégias de Ação”. Em
documento final, apresentaram proposições para confecção do PNE subsequente, tendo por
fundamento geral, atrelada às questões de gênero, as seguintes premissas: a superação de práticas
opressoras, por meio da inclusão de grupos historicamente excluídos, dentro os quais se incluem
mulheres, lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT); a promoção do direito à diversidade
mediante o reconhecimento e respeito “das diferentes expressões, histórias, ações, sujeitos e lutas no
contexto histórico, político, econômico, cultural, social brasileiro marcado por profundas
desigualdades” e desenvolvimento de políticas e práticas públicas que visam à correção de
“desigualdades e injustiças históricas” face à determinados grupos, aos quais se destacam, para fins
deste trabalho, “mulheres/homens, lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais – LGBT” (BRASIL,
2015).
Deste modo, tendo em vista os paradigmas acima delineados, o projeto de Lei do PNE– 2014 incluiu
em sua redação original a estratégia de implementar políticas de prevenção à evasão motivada por
preconceito e discriminação à orientação sexual ou à identidade de gênero, criando rede de proteção
contra formas associadas de exclusão.
Constata-se, pois, que a redação original do PNE 2014 visou, portanto, tão somente alinhavar-se às
garantias formais prescritas pela Constituição Federal de 1988, às legislações infraconstitucionais e aos
tratados internacionais aos quais encontram-se o Brasil como signatário, na busca pelo exercício dos
direitos LGBTQI.
Todavia, em que pese a relevância da inserção da pauta no campo educacional, a tentativa de
introdução desta temática nas escolas sofreu forte resistência, especialmente de congressistas
religiosos. Votações polêmicas seguiram o curso da elaboração do PNE entre 2011 a 2014 no Congresso
Nacional, tendo, por fim, após várias emendas, culminado na supressão do enfoque na igualdade de

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gênero, mediante substituição das metas de busca pela“igualdade racial, regional, de gênero e de
orientação sexual”, para “cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação”.(BORGES
RO,2018; BORGES ZN, 2018).
Como consequência imediata, Estados e Municípios, na elaboração dos planos estaduais e municipais,
articularam-se de modo a compatibilizar as respectivas diretrizes com o Plano Nacionali, com a retirada
em massa da seara educacional de questões atinentes à diversidade, sexualidade e gênero. O embate
seguiu a toda força nos demais entes federativos e reavivou o discurso fundamentalista não somente
nos espaços políticos de debate, mas também junto ao espaço midiático e da sociedade civil.
As exclusões das matérias sobre gênero, contudo, não se encerraram em tal discussão. Conforme
previsão do Plano Educacional de Educação e disposto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996), fora homologada em dezembro de 2017 a Base Nacional Comum
Curricular, documento de cunho normativo norteador do sistema de ensino para as unidades públicas
e privadas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio do Brasil.
A discussão para elaboração da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), à esteira das polêmicas que
permearam a confecção do PNE, desembocou na retirada do texto dos termos “gênero” e “orientação
sexual”.
Deste modo, os debates para elaboração dos Planos Educacionais tiveram como principais pontos de
dissenso a polarização entre os discursos fundamentalistas da bancada religiosa, de um lado, e os
defensores da igualdade de gênero, de outro. De pontuar que congressistas contrários ao enfoque na
diversidade de gênero como pauta nas escolas tinham como argumento central o desmantelamento
da família tradicional, acrescidas das narrativas de busca do esvaziamento dos conceitos de homens e
mulheres e forte incentivo à homossexualidade, que poderiam ser ocasionados pelo debate escolar.
Criou-se a falácia da “ideologia de gênero”, com fortes recursos apelativos e não raros desprovidos de
correlação fática, no afã de impedir o diálogo democrático como objetivo das instituições de ensino.
Instaurou-se verdadeiro pânico moral, especialmente com a divulgação de notícias deturpadas e
sensacionalistas, conferindo à tentativa do diálogo democrático nas instituições de ensino status
ideológico de destruição das famílias e construção impositiva de identidade sexual nas crianças.
A partir desse ponto, o dantes burburinho, até então adstrito às esferas políticas, avolumou-se de tal
modo a ensejar embates entre a sociedade civil e os profissionais de ensino, especialmente com o que
veio a se denominar movimento do “Escola sem Partido”. A intensão de inserção das questões de
gênero e sexualidade nas escolas, cujo intuito era promover o debate igualitário e impedir, dentre
outros aspectos, o bullying e a evasão escolar, passou a ser desenhado como um pacote de doutrinação

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político-ideológico de pautas tidas como de esquerda, de modo a desenhar no imaginário social que
passariam os professores a manipular os alunos, mediante informações “distorcidas”, para amoldá-los
às suas concepções morais e religiosas.
Tamanha foi a repercussão que proliferaram modelos de notificações extrajudiciais a serem
direcionadas pelos pais aos professores que de alguma forma fugissem do modelo heteronormativo
de ensino, bem como a recomendação de gravação das aulas. A guerra declarada à liberdade de ensino
teve como cerne a propagação de informações descompassadas de que estariam atuando os
professores como “militantes partidários”, cujo intuito seria “fazer a cabeça” dos alunos para
conformá-los aos seus próprios ideais ideológicos, numa tentativa de “usurpar” os valores morais
direcionados pelos pais aos filhos.
A temeridade no exercício do ensino, contudo, coloca em risco não somente a liberdade dos
profissionais, mas também o direito dos alunos a um ensino de qualidade, na medida em que a mera
exposição de informações e/ou fatos que fugiriam à conformação principiológica conservadora e
fundamentalista, mesmo que desprovida de qualquer juízo de valor, já seria o suficiente para sobre
estes pairar o estigma da doutrinação ideológica. Assim, à mera neutralidade e estímulo ao
pensamento crítico (fatores típicos do espaço de ensino) foram imputados o estigma do intitulado
“espectro ideológico”, cujo intuito subversivo seria o de causar deliberada “confusão mental” nas
crianças.
A dimensão alcançada pela “ideologia de gênero” e seus desdobramentos (como o supramencionado
movimento “escola sem partido”) tomou proporções grandiosas, a ponto de influenciar diretamente
nas eleições presidências de 2018, na medida em que o candidato eleito teve seu nome alçado como
grande expoente da chamada “luta contra a ideologia de gênero”.
Inclusive, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 867/2015, cujo intuito seria o de incluir
entre as diretrizes e bases da educação nacional, o "Programa Escola sem Partido", a fim de que a
educação nacional atendesse alguns princípios, a qual se destaca o direito dos pais a que seus filhos
recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções (art.2º, VII), devendo o
professor se abster de veicular conteúdos e realizar atividades que possam estar em conflito com as
convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes (art. 3º). O projeto em
questão, apresentado pelo Deputado Izalci (PSDB-DF) guarda a seguinte justificativa:
Esta proposição se espelha em anteprojeto de lei elaborado pelo movimento
Escola sem Partido (www.escolasempartido.org) – “uma iniciativa conjunta
de estudantes e pais preocupados com o grau de contaminação político-
ideológica das escolas brasileiras, em todos os níveis: do ensino básico ao
superior” –, cuja robusta justificativa subscrevemos:

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“É fato notório que professores e autores de livros didáticos vêm-se


utilizando de suas aulas e de suas obras para tentar obter a adesão dos
estudantes a determinadas correntes políticas e ideológicas; e para fazer
com que eles adotem padrões de julgamento e de conduta moral –
especialmente moral sexual – incompatíveis com os que lhes são ensinados
por seus pais ou responsáveis” (BRASIL, 2015).
Notório, portanto, que a discussão reacendida pela elaboração do PNE levou à exclusão da pauta de
gênero das diretrizes educacionais em todos os âmbitos federativos, cujo discurso fora marcadamente
permeado por concepções religiosas e moralistas.

IDEOLOGIA E GÊNERO

Assim é que a discussão sobre gênero, reacendida pela elaboração das diretrizes educacionais, ganhou
relevo pela contraofensiva conservadora, oriunda de grupos religiosos e agentes políticos, que,
utilizando-se da mídia, disseminaram que os objetivos da inserção da pauta de gênero seriam, modo
geral, acabar com as famílias, extirpar com os conceitos de homem e mulher advindos da biologia,
promover a sexualização das crianças e estimulá-las à homossexualidade. Trataria, segundo à ótica
desacertadamente propagada, portanto, de uma ideologia impositiva de gênero com vistas a extinguir,
mediante doutrinação infantil, o modelo tradicional de família e o conceito binário de gênero.
Embora fundado em premissas rasas e insubsistentes, a falácia da ideologia de gênero criou o alarde
social necessário para culminar com a exclusão das questões atinentes a gênero e sexualidade das
diretrizes educacionais. Inclusive, a narrativa da ideologia de gênero encontrou-se vinculada às
amplamente propagadas “fake News”, à exemplo do chamado “kit gay”, que fora largamente retratado
como cartilha de incentivo à homossexualidade, embora se tratasse de documento do projeto Escola
sem Homofobia que visava a promoção do respeito à orientação sexual.
O efeito causado no imaginário social serviu aos interesses dos grupos conservadores, eis que
propagado que o intuito das metas educacionais seria a indução dos alunos a determinadas opções
politicas e ideológicas, com vistas a beneficiar determinados movimentos, partidos e candidatos
políticos.
A falsidade deliberada com que se expõe a matéria se apresenta de tal modo a não destoar da razão,
eis que a sequência fática narrada podia ser perfeitamente da forma como apresentada, e neste ponto
reside também motivo tentador de sê-la. Assim é que as inverdades atribuídas mostram-se mais
criveis, “plausíveis”, na medida em que “o mentiroso tem a grande vantagem de saber de antemão o
que a plateia deseja ou espera ouvir”. (ARENDT, 1972; p. 16). No entanto, ao atribuir à busca pela
igualdade de gênero a incidência de elementos ideológicos, “furtaram-se” os conservadores da própria

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ideologia primeva, anterior, sustentadora do pensamento hegemônico no qual se encontram. Como


se não notassem que as acusações ideológicas servem a justificar, modo inverso, o próprio
fundamentalismo sobre o qual fundam suas convicções. Ou como denuncia Zizek (1996), quando algo
é posto como“ideológico por excelência”, certo é que seu inverso não será menos ideológico.
A ideia de ideologia pressupõe, deste modo, a imposição de interesses particulares de determinada
classe hegemônica por meio de um conjunto de representações e normas que direcionam os
indivíduos à determinada forma de pensar, agir e sentir, de modo a produzir uma universalidade
imaginária. Objetiva, deste modo, mediante a generalização do particular, encobrir a origem, a pré-
forma, com a construção de um imaginário coletivo que invisibiliza (ao mesmo tempo que legitima) a
divisão da sociedade em classes. (CHAUI, 2016).
Deste modo, constata-se que o cenário de pânico moral ocasionado pela imputação de doutrinação
dos professores aos alunos, advém, modo inverso, da própria construção ideológica heterorreguladora
das relações sociais, paulatinamente inserida no individuo por um conjunto de constituições
normativas (jurídico-sociais) oriundas de uma matriz heterossexual (BUTLER, 2003).
A fantasia da “ideologia de gênero” se esvazia quando analisado as relações de poder e construção
social do gênero, na medida em que a heterossexualidade compulsória compõe o significado de gênero
para impor-lhe um aspecto binário do sexo, atrelado à noções simplistas e biológicas (SCOTT, 1995).
O gênero, na perspectiva de aparato de construção social, mostra-se como recurso discursivo para
mantença das estruturas de poder, de modo a ocultar a própria gênese da produção discursiva. Tal
ocultamento leva à concepção de advir a conformação organizativa atual de uma lei natural inexorável,
de uma linguagem racional universal, de modo que a “coerção é introduzida naquilo que a linguagem
constitui como o domínio imaginável do gênero” (BUTLER, 2003; p. 28).
O que se percebe é a limitação das “possibilidades dialógicas” pelos detentores do poder, eis que de
outra forma demais agentes discursivos ocupariam iguais posições de espaço e fala, o que ocasionaria
na expansão dos conceitos de identidade e acabaria por abarcar complexidades “alternativamente
instituídas e abandonadas”, encerrando a conformação compulsória a um “telos normativo e
definidor” (BUTLER, 2003; p. 37).
Desta feita, Butler (2003) assinala que a matriz cultural somente identifica como gênero cognoscível
aqueles que advêm do desejo sexual heterossexual, sob a linha correspondente entre “sexo, gênero,
prática sexual e desejo”. Fugir à este padrão normativo, em descompasso à coerência culturalmente
imposta, faz recair àquele gênero espectro de incoerência, eis que iria de encontro à existência de um
gênero verdadeiro e natural. Assim a constituição de gêneros tidos como desviantes advém da própria

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lei que o proíbe e se assentam na premissa de que, por serem inteligíveis, isto é, por não decorrerem
as práticas sexuais ou desejo do sexo ou do gênero, não devem existir (BUTLER, 2003; p. 39).
Portanto, sendo o gênero uma unidade imposta pelas práticas reguladoras que visam a uniformidade
exigida pela heterossexualidade compulsória, a sua própria constituição já se cerca de elementos
ideológicos, de modo que se trata de verdadeira inversão discursiva tentar atribuir caráter de ideologia
ao exercício de direitos igualitários, para promoção da participação de grupos excluídos nos espaços
públicos, especialmente no campo educacional.

ESPAÇO EDUCACIONAL E VIOLÊNCIA

Embora formalmente constituam como metas a busca pela qualidade e equidade no ensino, os direitos
constitucionalmente assegurados têm sido negligenciados por importantes atores sociais e
institucionais, sob uma pretensa aura ideológica atribuída equivocamente ao direcionamento das
pautas de ensino à promoção de valores que buscam a não-discriminação em virtude da orientação
sexual.
Neste seguimento, aqueles que se posicionam de forma contrária às discussões de gênero e
sexualidade fecham os olhos à realidade alarmante que permeiam grupos historicamente
marginalizados e que sofrem toda sorte de infortúnios, discriminações, exclusões, bullying e violências
de outros tipos. Isso porque o ambiente escolar é o local ideal para entender as diversidades que
caracterizam a sociedade e, assim, dimensionar o respeito ao próximo, por meio do diálogo e da
“compreensão das diferenças, não apenas buscando entender como elas surgem ou como se
estabelecem, mas proporcionando formas de convívio com igualdade de condições e sem
discriminações”. (MEC, 2018).
O processo educacional é, pois, fator constituinte e constituidor das relações sociais e visa a
propagação, de forma sistemática, dos conhecimentos produzidos no desenrolar histórico da
humanidade, sendo, assim, direito social a ser concretizado mediante educação democrática, inclusiva,
que ostenta acesso igualitário e que busca a permanência dos alunos em ambiente escolar em todas
as fases e estágios. É, deste modo, direito universal que se processa mediante gestão democrática do
ensino, com a promoção e desenvolvimento de projetos educacionais de qualidade, que buscam a
construção do aluno enquanto cidadão no espaço social e respeito à igualdade e à diversidade.
O ensino do direito à diversidade perpassa a exposição da complexidade que abrange o contexto
histórico-político que conferiu ao outro aspecto divergente, cujo intuito é a eliminação das
desigualdades de grupos historicamente injustiçados e a consequente permanência destes no

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ambiente escolar, tendo em vista que o sexismo e homofobia têm sido fatores perpetuadores da
exclusão e evasão escolar. É, portanto, dever do Estado promover o combate às discriminações
existentes e garantir, mediante conjunto de politicas educacionais, o acesso equitativo ao ensino, além
de atuar para a permanência no ambiente escolar de grupos vitimados pela desigualdade.
É a escola lugar para estimular a tolerância pela desconstrução das “ortodoxias” e desnudar o que se
mostra como uniforme para conceder espaço à pluralidade, a fim de que se desenvolva ideias de
respeito e (re)conhecimento do Outro. Assim sendo, “se a tolerância é algo que se aprende e ensina,
seu lugar preferencial é a Escola”. (MATOS, 1998; p. 93).
Neste aspecto, sendo a escola o lugar do diálogo por excelência, Matos (1998) pontua que a
contraposição à tal prática conduz à permanência de dogmas que geram preconceitos, na medida em
que “diálogo supõe movimentar-se num campo semântico e conceitual que leva em conta o
discernimento, a distinção, a diferença”. (MATOS, 1998; p. 97). O diálogo é a manifestação da própria
consciência.
Ignorar o dissenso é ter os conflitos sociais como ilegítimos e apagar “a noção de sociedade civil”, eis
que o “Outro é sempre só o provocador a ser isolado e, no limite, considerado como desviante ou anti-
social”. O não reconhecimento do Outro cria o imaginário do medo, que, por sua vez, leva a equivoca
noção de que aquele constitui-se como o opressor e, sendo assim, mostra-se justificável torna-se o
sujeito agora, de modo concreto, o “próprio opressor”.
Se os princípios de identidade e de não contradição determinam um
“terceiro excluído”, rever este “princípio de Razão” significa apreender um
pensamento eclético e plural que recusa a lógica binária das ortodoxias.
Nesse sentido, o outro não é nosso limite externo, mas o que nos pluraliza e
através de quem podemos nos totalizar. Restritos a uma única identidade de
origem, diminuímos em ser, em realidade, em humanidade. (MATOS, 1998;
p. 100).
Deste modo, se a formulação de “gênero e sexualidade” é uma complexa construção social que possui
em seu cerne composições advindas de concepções históricas, familiares e culturais, o saber eclético
e plural por meio de um ensino democrático é a forma de construir uma sociedade fundada em laços
de amizade e fraternidade, que assimila as diferenças e “amplia nossa identidade” (MATOS,
1998;p.100).
Neste aspecto, pontua Châtel (2006) que ignorar as diferenças resulta na indiferença, eis que seria uma
forma de fusão entre Eu e o Outro, de sorte que tal unificação ocasionaria na existência do Um e, por
lógica, na absorção do primeiro e exclusão do outro.

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As assimetrias levariam ao principio ético da “responsabilidade-pelo-outro” como elemento basilar


dos laços sociais e também como precursor da confiança, no qual as diferenças não resultariam numa
situação de inferioridade/superioridade, mas sim na preocupação pelo outro. O cuidado com o outro,
acima de qualquer imperativo de desenvolvimento pessoal, relega ao “eu” posição de obrigação
personalíssima e inalienável, na medida em que a preocupação com o outro não pode ser delegada.
A responsabilidade-pelo-outro, portanto, não visa categorizá-lo, coloca-lo numa escala social, mas se
assenta na perspectiva da humanidade, independentemente do lugar que o Outro pertença. A
responsabilidade para com o Outro é ilimitada e não se encerra na resposta ao infortúnio ou à miséria
de alguém. É um princípio preliminar, que deve preceder toda relação/interação.
“A questão da pluralidade humana coloca-se justamente a partir deste
despertar para o Outro, para a responsabilidade-pelo-outro que se
desmultiplica infinitamente, mas coloca-se por referencia a um horizonte de
sentido que é a humanidade do Homem, do Outro homem, horizonte de
sentido que ultrapassa o mero quadro da pluralidade das heranças culturais
ou das pertenças sociais e, sobretudo, da sua incompatibilidade”. (CHÂTEL,
2006; pág. 57).
Além disso, ausente o ensino democrático e com a negação das pluralidades, não somente não se
desenvolve a “responsabilidade-pelo-outro”, como ainda há o silenciamento – mediante a retirada do
poder de fala – destes grupos e, deste modo, nega-se o outro enquanto cidadão, enquanto “homem”.
Para Arendt (2007), os homens só se mostrariam enquanto tais, em suas identidades pessoais e
singulares, por meio da ação e do discurso, os quais somente existem em razão da pluralidade humana,
sob o duplo aspecto da igualdade e da diferença. “É a paradoxal pluralidade de seres singulares”, cuja
distinção vem à tona no discurso e na ação. (ARENDT, 2007; p.189).
Mostra-se a ação não somente como um elemento da liberdade (na dimensão da “liberdade pública
de participação democrática”), mas também como expressão da identidade singular, ao passo que o
isolamento leva à destruição da possibilidade do ato e, por conseguinte, da “ação política” (ARENDT,
2007; p. 345).
Se é com palavras e atos que ocorre a inserção do homem na sociedade, é somente com a convivência
humana (isto é, de estar-se umas com as outras e não “pró ou contra as outras”) na esfera pública que
se opera a constituição do ser e a revelação do “quem” (ARENDT, 2007; p. 193).
Sobre este aspecto, Telles (1998) desnuda que a controvérsia social não estaria no reconhecimento de
direitos humanitários destes grupos oprimidos ou tampouco na constatação da violência por este
sofridas, uma vez que o reconhecimento formal de garantias igualitárias passa sem maiores
consequências ou disputas. O que traria o dissenso e a indignação social seria a imagem “falante”

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destes sujeitos no espaço político por meio da tomada do espaço de fala e exigência, pelos meios
institucionalmente disponíveis, de reconhecimento e igualdade material. Seria a anunciação de novos
valores e aspirações para romperem com o modelo hegemônico opressor que predefinem lugares
específicos na sociedade para estes cidadãos que geraria o conflito.
O resultado deste silenciamento institucional, qual poderia ter nas escolas importante meio de
promoção efetiva de valores igualitários democráticos, é a permanência da vulnerabilidade da
população LGBT, cujo fator de risco pode ser medido pelos altos índices de violência a este grupo
direcionada.
Os dados utilizados para o presente trabalho foram colhidos pelo Ministério dos Direitos Humanos
(2016), analisados a partir do relatório produzido pela Ouvidoria de Direitos Humanos (Disque 100),
Grupo Gay da Bahia (GGB) e Rede Trans Brasil (RedeTrans).
Deste modo, embora sejam inúmeros os atos de transgressões aos direitos humanos e violência
LGBTfóbica (esta tida como conjunto de sentimentos como ira, desconforto, desprezo endereçado
àqueles que fogem do rígido modelo binário de gênero, ditados pela heteronormatividade), os dados
apresentados, ainda que expressivos, não indicam a real violência direcionada à estes grupos, eis que
diversos são os fatores que levam a não comunicação do ato às autoridades, como a ausência de
delegacias especializadas, desconhecimento dos direitos que possuem, vulnerabilidade social que
impedem acesso ao serviço ou até mesmo não classificação correta dos crimes como homofobia ou
transfobia.
Assim, em 2016, foram registrados 2.964 atos criminosos e de violação de direitos humanos de
natureza LGBTfóbico. Os dados apontam para um quadro de violência LGBTfóbica sistêmica e estrutural
no Brasil, ocorrida nos espaços públicos e privados, com predominância de agressores do sexo
masculino, o que mais uma vez confirma a decorrência deste panorama do padrão heternormativo de
culto à masculinidade socialmente construída.
Nota-se, por decorrência, que a violência LGBTfóbica no Brasil não é mera contingência, sendo, pois,
consequência direta das carências de medidas voltadas ao reconhecimento de orientações sexuais e
identidades de gênero que fogem ao modelo de homogeneidade binária.
Neste esteio, silenciar as diferenças e impedir o lugar de fala do Outro no espaço público significa ser
tolerante e conivente com os crimes cometidos contra gays, lésbicas, bissexuais e transexuais.
A ausência de diálogo para construção de sociedade mais justa e igualitária, especialmente no espaço
escolar, tem como consequência direta a permanência de valores excludentes e a constante
marginalização de grupos que não se enquadram nas rígidas concepções heteronormativas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Deste modo, a despeito de residir como dever do Estado a promoção de sociedade justa e igualitária,
sem discriminação de qualquer tipo, constata-se sua omissão deliberada nos últimos anos no tocante
às ações públicas voltadas à igualdade de gênero, especialmente no campo educacional.
Nota-se flagrante inversão discursiva com vistas à perpetuação das relações de poder excludentes e
autoritárias, na medida em que amplamente propagado que a tentativa de inserção de matérias de
gêneros nas diretrizes educacionais trataria de uma “ideologia de gênero”, isto é, espécie de
doutrinação voltada aos alunos no intuito de destruir valores morais e religiosos. Noutras palavras,
atos que visavam tão somente o acesso igualitário nas instituições de ensino, atendendo-se, portanto,
a fins democráticos, foram desenhados de forma desacertada no imaginário social, de modo a criar
verdadeiro pânico moral.
Portanto, a consecução de direitos igualitários tem sofrido forte ofensiva pelo impedimento do diálogo
plural e democrático nas instituições de ensino, eis que a educação é relevante motor de inclusão
social.
Vive-se o paradoxo do direito adquirido cujo exercício é impedido, na medida em que reconhecê-lo
materialmente significaria romper, em maior ou menor medida, com o caráter hegemônico regulador
da sociedade tal como se apresenta. É nessa medida que o exercício da democracia por grupos
historicamente excluídos, mediante a tomada da fala nos espaços políticos, toma feição transgressora.
Como consequência, tem-se a destituição de direitos que nem mesmo chegaram a se efetivar e estes,
ao mesmo tempo, levam ao encolhimento do espaço político e silenciamento de tais grupos.
De pontuar serem nefastas as consequências da ausência do diálogo plural no campo educacional, eis
que o silêncio escolar sobre determinados sujeitos, com a predominância do discurso
heteronormativista, serve à prevalência do pensamento hegemônico de identidades binárias e
excludentes. O resultado é a uma contribuição negativa à construção das diferenças, desenvolvimento
insuficiente de sentimentos solidários de responsabilidade pelo o outro, e violência estrutural e
sistêmica, cujos índices alarmantes evidenciam a invisibilidade destes grupos no espaço institucionali.

13
850
Impactos Do Discurso Da “Ideologia De Gênero” Nas Pautas Educacionais Para Os Direitos Lgbtqi+

REFERÊNCIAS

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Impactos Do Discurso Da “Ideologia De Gênero” Nas Pautas Educacionais Para Os Direitos Lgbtqi+

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15
852
Impactos Do Discurso Da “Ideologia De Gênero” Nas Pautas Educacionais Para Os Direitos Lgbtqi+

NOTAS
i O art. 8º da lei n. 13.005/2014: Art. 8º. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão elaborar

seus correspondentes planos de educação, ou adequar os planos já aprovados em lei, em consonância


com as diretrizes, metas e estratégias previstas neste PNE, no prazo de em 1 (um) ano contado da
publicação desta lei. (Brasil, 2014a)

16
853
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 64
10.37423/200802230

NUTRITIONAL INTERVENTION IN THE


TREATMENT OF OSTEOARTHRITIS

Stefanny Cavalcante Costa Centro Universitário Fametro-UNIFAMETRO

Diego Freitas de Araujo Universidade Estadual do Ceará

Mariana Ribeiro Domingos Centro Universitário Fametro-UNIFAMETRO

Francisco Glerison da Silva Nascimento Universidade Estadual do Ceará


Nutritional Intervention In The Treatment Of Osteoarthritis

Abstract: Chronic arthropathies are among the main causes of human functional disability presenting
degenerative and progressive characteristics, multifactorial pathophysiology and cartilage and
subchondral bone damage, which can produce severe pain and physical activity decrease.
Epidemiological data show the prevalence of osteoarthritis (OA) in elderly, mainly women, and a strong
relationship with obesity and metabolic syndrome (MS). Therefore, nutritional intervention is essential
for the management of osteoarthritis, aiming weight loss, decrease in chronic inflammation, symptoms
and evolution of the disease. Objectives: To highlight the relevance of the nutritional intervention in
the treatment of osteoarthritis. Method: The research was performed using the United States National
Library of Medicine (PubMed) and Scientific Electronic Library Online (SciELO) platforms. The papers
were selected according to the compatibility criterion with the research objective, using the following
descriptors: osteoarthritis, nutritional intervention, nutritional status, nutritional treatment,
nutritional assessment, osteoarthritis and metabolic syndrome. Results: Obesity was considered one
of the main risk factors for OA, due to the excess of weight triggering changes in synovial joints, such
as the tibio-tarsal and femur-tibial joints. This condition produces stiffness and intense joint
hyperalgesia. The relationship between knee OA and the body mass index shows to be relevant, since
the increase in obesity was related to progression of the disease, increased pain and functional
disability. Besides, the relationship between metabolism alteration and chronic systemic inflammation
by diseases associated with MS increases the chances of OA progression, evidencing the close
correlation between obesity, MS and OA. Diets with low content of saturated fatty acids associated
with the practice of regular physical exercises reduce the pathophysiology of OA. Regular intake of the
mineral calcium associated with antioxidant foods, such as vitamin C, can reduce the evolution of OA.
Furthermore, 3 to 5 portions of fruits and vegetables per day have been recommended for OA patients.
Monounsaturated and polyunsaturated fatty acids, especially omega 3, have been considered
protective against OA because they exhibited a potent anti-inflammatory activity. Conclusion: The
balanced diet associated with antioxidants and anti- inflammatory nutrients, calcium and vitamin D
intake, caloric reduction and physical exercises can help on reducing weight, metabolic syndrome and
the pathophysiology of OA.
Keywords: Osteoarthritis, nutritional intervention, nutritional status, nutritional treatment, nutritional
assessment, osteoarthritis and metabolic syndrome.

1
855
Nutritional Intervention In The Treatment Of Osteoarthritis

INTRODUCTION

Osteoarthritis (OA), a chronic arthropathy, are among the main causes of human functional disability,
presenting high number of cases and are related to age and obesity (Cross et al, 2014). OA
epidemiological data show prevalence among the elderly, mostly women, and a strong relationship
with obesity, especially in North America and Europe (Rosis; Massabki; Kairalla, 2010; Allen; Golightly,
2015), reaching predominantly in joints of the knee, hips and secondarily hands (Cros et al, 2014). The
metabolism influences the cartilage and synovial joint function. Under adverse microenvironmental
conditions, mammalian cells undergo change in cell metabolism from a resting regulatory state to a
highly metabolically active state (Loftusp; Finlay, 2016). This phenomenon also leads to increase in
metabolic intermediates for the biosynthesis of inflammatory and degrading proteins, which, in turn,
activates the main transcription factors and inflammatory signaling pathways involved in catabolic
processes and pathogenic factors amplification (Loftusp; Finlay, 2016). Regarding the nutritional factor,
adipocytes and chondrocytes produce adipokines that stimulate the metabolism of adipose tissue and
the inflammatory and immune response (Sven et al, 2020). The association between MS and OA is
linked to the correlation between altered metabolism and inflammation, since the pathogenesis of
these diseases involves an inflammatory process and elevation of inflammatory mediators (Rocha et
al, 2016). Nutritional intervention as a non- pharmacological treatment for OA addition of adequate
nutrients has been shown efficiency in weight loss and symptom relief. Thus, changes in lifestyle may
bring benefits, such as the feeling of control of the disease (Mazocco; Chagas, 2015). Healthy and
balanced diet combined with an energy restriction can have effective results in the symptoms of OA
(Thomaz, 2017). Therefore, nutritional intervention is essential for the treatment of the OA, aiming the
weight loss, decreasing the chronic inflammation, symptoms and the evolution of the disease.

METHODOLOGY

The research was performed using the United States National Library of Medicine (PubMed) and
Scientific Electronic Library Online (SciELO) platforms. Nineteen papers were selected according to the
compatibility criterion, using the following descriptors: osteoarthritis, nutritional intervention,
nutritional status, nutritional treatment, nutritional assessment, osteoarthritis and metabolic
syndrome.

2
856
Nutritional Intervention In The Treatment Of Osteoarthritis

RESULTS AND DISCUSSION

Osteoarthritis (OA) is a degenerative and progressive joint disease (Zeng et al., 2017) presenting
damage to the cartilage and subchondral bone (Guzman, 2003) due to a physiological imbalance
between extracellular matrix degradation and synthesis (Goldrin, 2000) of metabolic, genetic,
traumatic and inflammatory origin (Sharma; Kappor; Issa, 2006). Intra-articular treatments such as
hyaluronic acid, steroids, growth factors and platelet-rich plasma; drugs such as non-steroidal anti-
inflammatory (NSAIDs), glucocorticoids and opioids are used in the practice to the symptoms relief and
maintaining of joint mobility, thus minimizing the disabling effects (Zeng et al., 2017). The current
treatments for OA are palliative, that is, there is no treatment. The classic drugs used are widely
available, but do not cure or prevent the course of OA. The National Institute for Health and Care
Excellence (NICE) and Osteoarthritis Societ International (OARSI) recommend, as the first line for OA
therapy, changes in lifestyle with weight loss, exercise, strength training (Conaghan et al., 2008).
Currently, several studies show that metabolism plays a key role in inflammatory joint diseases. In
particular, metabolism is dramatically altered in OA, and aberrant immunometabolism may be a
feature of several OA phenotypes (Mobashery et al., 2017). The interest in this new field of research is
the discovery of metabolic disorders underlying to obesity- induced inflammation, insulin resistance
and type 2 diabetes mellitus, adding to a variety of chronic diseases and comorbidities (Mathis;
Shoelson, 2013). Inflammatory diseases, including OA, are associated with physical inactivity, obesity
and inflammation. Thus, in OA, poor diet, obesity, physical problems and inactivity directly contribute
to metabolic changes that promote inflammation and cellular senescence (Kraan; Matta; Mobasheri,
2016). According to the immunometabolic hypothesis, aberrant metabolism, inflammatory mediators,
disorders of circadian rhythm and biological clock are closely involved in several inflammatory
responses (Early; Curtis, 2016). The ability to control and manipulate cellular metabolism could
therefore lead to new approaches for the treatment of inflammatory diseases. Emerging evidences
suggest that the metabolism presents an essential role in the regulation of inflammatory, immune and
cellular function responses, with different immune cells showing distinct metabolic signs that regulate
their biological functions (Loftus; Finlay, 2016). Obesity was considered one of the main risk factors for
OA, due to excess weight triggering changes in the synovial joints that support the body weight, such
as the tibio-tarsal and femoral-tibial joints. This condition produces stiffness and intense joint
hyperalgesia. It was observed that the intensity of pain and physical disability was greater for patients
with knee OA and obesity grades I and II, compared to overweight patients (Raud et al., 2020). This
information shows the strong relationship between the progression of obesity and the evolution of

3
857
Nutritional Intervention In The Treatment Of Osteoarthritis

OA. The relationship between MS and OA was evident in the results of this research. There was also a
significant association between MS, females and OA. The pathogenesis of the OA and obesity includes
low-grade inflammatory conditions with a high presence of systemic inflammatory mediators, such as
interleukin 1-β (IL1-β) and tumor necrosis factor-α (TNF-α) (Rocha et al., 2016). It is possible to notice
that the presence of MS increases the OA evolution. The weight loss as one of the main factors that
contribute in the reduction of clinical and pathophysiological consequences. According to Thomaz,
2017, dietary intervention with caloric restriction of 250 to 500 kcal along with the practice of regular
physical exercise, promote weight loss and reduce the body fat, which was associated with pain
reduction and improvement quality of life, providing an improvement in functional capacity. It is known
that calcium is the most important nutrient for bones. The calcium role in dietary intervention is related
to the development of bone mass, protecting the skeleton against mineral loss over the years
(Mazocco; Chagas, 2015). Vitamin D is important for calcium homeostasis and in the regulation of bone
metabolism. Inadequate concentrations of vitamin D in the body interfere in the bone ability to
respond to the pathophysiological process of OA and directly influence the evolution of the disease
(Thomas et al., 2018), therefore, it is important that vitamin D concentrations are adequate in the OA
patients, and can be supplemented if there are not enough amounts in the body. The influence of
antioxidants against OA has been suggested. The reactive oxygen and nitrogen species may be involved
in the pathophysiology of OA, and therefore, antioxidant foods consumption can delay the onset and
progression of the arthropathy (Thomas, et al, 2018). Vitamins such as A, C and E are highlighted in the
literature, however, vitamin C was greater associated with reduction of pain and the risk of disease
progression. It was observed that vitamin E was associated with pain reduction and in the presence of
circulating antioxidants in the body, as well as its deficiency can increase the components of the
inflammatory response, showing the importance of antioxidants in the nutritional management of OA
(Mazocco; Chagas, 2015; Thomas; 2018). It has been suggested the consumption of 3 portions of fruits
and 5 portions of vegetables per day (Mazocco; Chagas, 2015). Fruits and vegetables, including berries,
have antioxidant compounds and phytochemicals and nutrients, which may explain their potent
antioxidant and anti-inflammatory effect (Basu et al., 2018). The intake of monounsaturated and
polyunsaturated fatty acids is associated with of the disease progression reduction, due to the anti-
inflammatory effect and decline of systemic inflammatory mediators. The use of fish oils demonstrated
clinical improvement in relation to pain and evidence of benefits for cardiovascular health, which may
be relevant to the association between MS and OA (Thomas et al., 2018). Therefore, the consumption

4
858
Nutritional Intervention In The Treatment Of Osteoarthritis

of omega 3, which is found in fish such as sardines, tuna, mackerel and salmon, may be a viable
nutritional strategy to OA, exerting a great anti-inflammatory effect (Mazocco; Chagas, 2015).

CONCLUSION

A balanced diet plan, with a daily emphasis on reducing calories, adding antioxidant and anti-
inflammatory foods, adequate intake of calcium, vitamin D and monounsaturated or polyunsaturated
fatty acids, associated with regular exercise can help in the regulation of body weight, metabolic
syndrome and osteoarthritis pathophysiology, consequently acting as an alternative therapeutic
strategy.

5
859
Nutritional Intervention In The Treatment Of Osteoarthritis

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Nutritional Intervention In The Treatment Of Osteoarthritis

Thomaz, A. C. Efeito do aconselhamento nutricional no emagrecimento e consumo alimentar de idosas


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7
861
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 65
10.37423/200802233

... E A AIDS CHEGOU À POPULAÇÃO DE IDOSOS


EM ALAGOAS: UM GRAVE PROBLEMA DE SAÚDE
PÚBLICA PARA O ESTADO

Cecílio Argolo Junior

Cristina Maria de Souza Brito Dias

Liliane Amaral Janguiê Bezerra Diniz

Silvana Maria de Macedo Uchôa

Silvania de Souza Santos


... E A Aids Chegou À População De Idosos Em Alagoas: Um Grave Problema De Saúde Pública Para O Estado

Resumo: O presente estudo tem como objetivo mostrar o atual perfil epidemiológico da população
soropositiva com idade igual ou maior a 60 anos, em Alagoas. Foi desenvolvido a partir de revisão de
literatura com busca eletrônica em diversas bases de dados virtuais publicadas nos últimos 20 anos,
além de consulta a boletins epidemiológicos HIV/aids dos últimos três anos, 2016, 2017 e 2018. A
vulnerabilidade natural dessa população tem sido apontada como uma das principais causas de
transmissão do vírus HIV e, consequentemente, do agravamento do quadro por doenças oportunistas.
Ter conhecimento tardio da infecção e a baixa adesão ao tratamento antirretroviral (TARV) constituem
os principais motivos do aumento no número de óbitos. Por fim, é necessário que os órgãos públicos
criem estratégias e políticas públicas de saúde que propiciem a essa população mais conhecimento
das ações preventivas, das formas de transmissão do HIV e do tratamento da aids para, assim,
efetivamente diminuir o número de casos em Alagoas.
Palavras-Chave: HIV/aids. Idosos. Alagoas.

1
863
... E A Aids Chegou À População De Idosos Em Alagoas: Um Grave Problema De Saúde Pública Para O Estado

INTRODUÇÃO

A aids é uma grave infecção crônica. Há quatro décadas vem disseminando pânico por todo o mundo.
Desde 1986 faz parte das notificações compulsórias de doenças acometidas em pessoas de todo o
território nacional. Essa obrigatoriedade mantém o Ministério da Saúde informado do número de
casos registrados diariamente no Brasil. (BRASIL BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO, 2018).
A epidemia é apresentada como de grandes proporções. Essa enfermidade é manifestada após a
infecção do organismo pelo vírus HIV podendo levar o portador à morte, caso não seja diagnosticado
e tratado adequadamente em virtude das inúmeras infecções oportunistas enfraquecerem o
organismo (SILVA et al., 2018). Atualmente, observam-se os fenômenos da heterossexualização,
feminização, interiorização e pauperização da epidemia que vem demonstrando não possuir mais
grupo de risco uma vez que atinge a população de forma geral. (ARGOLO JUNIOR et al., 2014).
Embora as pesquisas sobre esse tema estejam avançadas não existe, ainda, cura definitiva para a
enfermidade. A eficácia do Tratamento Antirretroviral (TARV) vem permitindo aos soropositivos uma
maior sobrevida (ARGOLO JUNIOR et al., 2014). Admite-se que mais investimento em pesquisas poderá
levar ao controle total da epidemia. Enquanto isso não chega, a prevenção ao contágio continua a ser
a melhor forma de evitar o adoecimento pela aids. Essa profilaxia dispositiva de controle social,
segundo Lima (2015), assume uma condição necessária para a manutenção da vida. Para isso, a
população em geral precisa disciplinar os hábitos e ter mais conhecimento das formas de contágio
desse vírus, para somente assim viabilizar mudanças em suas crenças e valores que atravessam suas
relações sociais e sexuais. (LIMA, 2015).
No Brasil, a transformação da pirâmide etária vem sendo acompanhada por uma série de mudanças
na vida da população com idade igual ou maior a 60 anos. Essas alterações são fruto dos avanços
científicos e tecnológicos apresentados principalmente no campo da medicina. O surgimento de
potentes e eficientes fármacos tornaram-se os responsáveis pelo aumento na expectativa de vida
desse grupo, trazendo-lhes benefícios e proporcionando uma sexualidade mais ativa. (BRITO;
CASTILHO; SZWARCWALD, 2000).
Em Alagoas, o número de casos registrados de HIV/aids em pessoas com idade igual ou superior a 60
anos vem crescendo nos últimos tempos. Entretanto, a falta de diagnóstico precoce, a adesão
insuficiente ao tratamento e, muitas vezes, o abandono deste vem causando preocupação aos gestores
da saúde pública do referido estado em virtude da aceleração do processo de adoecimento por
infecções oportunistas ligadas à aids, consequentemente, causando-lhes à morte. (ALAGOAS, SESAU,
2019).

2
864
... E A Aids Chegou À População De Idosos Em Alagoas: Um Grave Problema De Saúde Pública Para O Estado

O presente estudo busca responder à questão disparadora ao saber: qual o atual perfil epidemiológico
da população de idosos, soropositiva, em Alagoas? Para isso, foi realizada uma revisão de literatura
através de busca eletrônica em diversas bases de dados publicados nos últimos 20 anos e consulta nos
boletins epidemiológicos dos últimos três anos.
Por fim, este artigo objetiva mostrar como a população soropositiva com idade igual ou maior a 60
anos vive, em Alagoas, atualmente, após os avanços tecnológicos, da medicina e da farmacologia.

1.A EPIDEMIA DA INFECÇÃO PELO HIV EM ALAGOAS

Alagoas é um importante polo turístico do Nordeste brasileiro. Praias paradisíacas ladeadas por
extensas faixas de coqueirais contornam um mar de águas mansas, quentes e cristalinas fazendo de
seu território um lugar ideal para o descanso e lazer em todas as épocas do ano. Possui área territorial
de 27.848.000 km2, com 3.322.820 habitantes. É formada por 102 municípios sendo Maceió, o mais
populoso, que é a sua capital. (BRASIL, IBGE, 2019).
Segundo o Boletim Epidemiológico HIV/aids (2018), de 1986, ano de registro do primeiro caso em
solo alagoano, a novembro de 2018, contabilizaram-se 9.797 casos, com 2.241 óbitos. De 2006 a junho
de 2017 foram notificados ao Sistema Nacional de Atendimento Médico, por capital de residência, 31,3
casos de aids (por 100.000 hab.). O estado ocupa o terceiro lugar na região Nordeste. A maior
concentração encontra-se na faixa etária de 30 a 39 anos, com 2.405 pessoas infectadas com HIV/aids;
seguida de 40 a 49 anos, com 1.550 casos. (BRASIL, BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO HIV/AIDS, 2018).
Para Araujo et al. (2018), estudos têm apontado o aumento de casos de HIV/aids em idosos. Essa maior
exposição ao vírus pode estar relacionada à falta de implementação de políticas públicas de prevenção
específicas para esse grupo etário. A falta de informação, comportamentos promíscuos e desviantes
aliados à sexualidade reprimida vêm expondo os idosos a uma série de riscos (LIMA, 2015). Em 2013
já se evidenciava um aumento significativo na taxa de detecção de HIV/aids entre mulheres com idade
maior ou igual a 60 anos, 40,4% no Brasil. (ARGOLO JUNIOR et al., 2014).
De fato, os boletins epidemiológicos, desde 2016, vêm dando destaque ao avanço da epidemia em
pessoas com idade igual ou maior a 60 anos (BRASIL, BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO HIV/AIDS, 2016,
2017, 2018). As próprias vulnerabilidades naturais desse grupo etário, aliadas às práticas sexuais
inseguras contribuem para o risco iminente de contágio pelo vírus HIV. (ARAÚJO et al., 2018).
Em Alagoas esse crescimento vem chamando a atenção da Vigilância Epidemiológica. De acordo com
a Secretaria Estadual de Saúde (2019), no período de 2016 a junho de 2019, foram registrados 203
casos de HIV/aids, sendo 134 casos em homens e 64 casos em mulheres (ALAGOAS, SESAU, 2019).

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... E A Aids Chegou À População De Idosos Em Alagoas: Um Grave Problema De Saúde Pública Para O Estado

Assim, como no Brasil, a principal forma de contaminação pelo vírus se dá, basicamente, por vias
sexuais, condição natural da existência humana. (FORESTO et al., 2017; ALAGOAS, SESAU, 2019; SILVA
et al., 2018).
O perfil epidemiológico da epidemia, ao longo desses anos, vem sofrendo modificações em todo o
estado, atualmente, com maior predominância entre heterossexuais, mulheres, pobres, jovens, com
baixa escolaridade, e do interior. Trata-se de uma população que apresenta grande tendência a
alcançar o envelhecimento, caso adira ao protocolo terapêutico. (BRASIL, BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO
HIV/AIDS, 2018; SANTOS; ASSIS, 2011; MENEZES et al., 2018; SILVA et al., 2018).
A eficácia do tratamento antirretroviral justifica o possível envelhecimento desse grupo. Desde 2013,
a Organização Mundial de Saúde vem apresetando orientações consolidadas sobre o uso correto para
tratamento e prevenção da infecção pelo HIV. Esses documentos resumem as principais característica
e recomendações que devem ser, vitaliciamente, cumpridas pela pessoas que vivem com HIV. A
literatura vem apontando o sucesso desse tratamento que, além de melhorar o estado da saúde do
soropositivo, evita o adoecimento pela aids. (SANTOS; ASSIS, 2011; MENEZES et al., 2018; BRASIL,
BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO HIV/AIDS, 2018).
Por fim, a literatura tem mostrado que as medidas de prevenção e controle contra as infecções
sexualmente transmissíveis, em especial, a aids, na terceira idade, especificamente, se constituem um
importante panorama de apoio para estudos sobre o tema. (SILVA et al., 2018).

2. A EVOLUÇÃO DO HIV/AIDS NA POPULAÇÃO COM IDADE IGUAL OU MAIOR A 60 ANOS

O envelhecimento é um fenômeno fisiológico e natural do corpo. Importante ciclo no desenvolvimento


humano, progressivo, inevitável e universal, prepara a chegada da idade avançada. É uma condição
intrínseca a todo indivíduo. Compreende a integração e interação de várias condições e alterações
físicas, biológicas, psicológicas, sociais, espirituais e, também, culturais. (ARAÚJO et al., 2018).
À lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003, classifica como idosas as pessoas com idade igual ou maior
a 60 anos. Entretanto, o estado atual de saúde não está relacionado tão somente à idade cronológica
do indivíduo. Outras condições são imperativas no processo, dentre essas, o estilo de vida construído
em todos os anos e os hábitos saudáveis cultivados definem a forma de envelhecer. Além disso, boa
alimentação, lazer, atividade física regular, relacionamentos interpessoais, sexo, espiritualidade
assumem dimensões que ultrapassam a própria organização natural do tempo, proporcionando à
pessoa idosa o equilíbrio tridimensional, corpo, mente e alma. (SILVA et al., 2015).

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... E A Aids Chegou À População De Idosos Em Alagoas: Um Grave Problema De Saúde Pública Para O Estado

Essas condições são importantes por englobarem um conjunto de aspectos funcionais, familiares,
emocionais e sociais (COSTA et al., 2018). Por essas razões, doenças crônicas negligenciadas,
fragilidades, condições físicas reduzidas, diminuição da autonomia, declínio funcional, recursos sociais
e financeiros escassos são vulnerabilidades que podem afetar a população de idosos. (SOARES et al.,
2017).
Desde 2012, aos dias atuais, o Brasil registra uma população de mais de 30 milhões de idosos. Nesse
grupo, o número de mulheres idosas soma 16,9 milhões, superando o número de homens idosos, 13,3
milhões. A região Sudeste é a que mais concentra pessoas com idade igual ou maior a 60 anos,
destacando-se os estados de Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (BRASIL, IBGE, 2018). Diante desse
aumento na população de idosos no Brasil, o bem-estar subjetivo, psicológico e emocional tem sido
amplamente estudado em virtude da necessidade de conhecer mais profundamente esse fenômeno.
(SOARES et al., 2017).
Quando o assunto é a aids o problema passa a ser de todos. Por ser, também, um fenômeno social, se
faz necessário levar o indivíduo a repensar suas atitudes, rever seu cotidiano e modificar a sua conduta
(ARAUJO et al., 2018). Evitar o adoecimento é um ato de responsabilidade e cuidado de si. Condição
importante para a manutenção da vida. Por isso, não há como negar os danos que essa epidemia vem
causando em todo o planeta. (IBIAPINA et al., 2016).
No campo da terceira idade o tema envolve um rol de questões e polêmicas relacionadas às suas
necessidades próprias de autoconhecimento, percepção, atenção e, sobretudo, cuidados com à
própria saúde e do meio em que está inserido (ARAÚJO et al., 2018). A invisibilidade dos idosos de
outrora, estigmatizada jocosamente pela sociedade e estereotipada na falsa ilusão de não terem vida
sexual ativa e constante, vem mostrando uma realidade fisiológica diferente, muito embora, ainda,
arraigada de preconceitos. (SANTOS; ASSIS, 2011).
A questão diretamente relacionada ao envelhecimento com HIV e dos novos casos nessa faixa etária
vêm permitindo a esse grupo de indivíduos soropositivos redescobrir experiências até então apagadas
pelo diagnóstico de uma enfermidade, ainda, repleta de barreiras. Nesse cenário, Ibiapina et al. (2016)
mostraram em revisão integrativa, com recorte dos últimos dez anos, a necessidade de inclusão dos
idosos em estratégias de prevenção e controle da enfermidade.
Menezes et al. (2018) afirmam que o aumento nas taxas de infecção por HIV/aids é mais evidenciado
ao confrontar a população pesquisada com o seu poder socioeconômico. Assim, quanto mais baixas a
renda e a escolaridade do indivíduo, maior a probabilidade e o risco de ser contaminado pelo HIV. Esse
aspecto fundamenta as elevadas taxas de contaminação encontradas em seu estudo (MENEZES et al.,

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2018). Estatisticamente isso é comprovado nos últimos boletins epidemiologicos de HIV/aids através
da interiorização e pauperização da epidemia em Alagoas. (BRASIL, BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO
HIV/AIDS, 2016, 2017, 2018).
Assim, em que pese essa fácil contaminação pelo vírus HIV e sua complexa magnitude de difusão
geográfica e temporal isso vem mostrando que a enfermidade se tornou um dos maiores problemas
de saúde pública de todos os tempos, revelando-se uma epidemia concentrada, tal como ocorre em
alguns países da América do Sul, Sudão, Tailândia e Etiópia, diferente da África que possui uma
epidemia generalizada. (BRITO; CASTILHO; SZWARCWALD, 2000).

3. CONDIÇÃO SOROLÓGICA PARA O HIV EM PESSOAS IDOSAS

A condição sorológica para o HIV do idoso traz consigo um amplo espectro carregado de manifestações
clínicas que vai da fase aguda à fase avançada da enfermidade. Em virtude disso surgem uma série de
mudanças e situações difíceis de serem enfrentadas e administradas no dia a dia, fato dificultado,
ainda, por preconceitos e sofrimentos apensos ao próprio estado sorológico. (PROTOCOLO CLÍNICO,
2018; CASTANHA et al., 2007; TEIXEIRA; SILVA, 2008).
Ressalta-se que o impacto psicoemocional e social do diagnóstico, muitas vezes, associado ao medo
de morrer juntam-se ao estigma da aids, afetando a identidade do portador, causando-lhe o próprio
isolamento interpessoal. Esse comportamento pode levar a transtornos psiquiátricos recorrentes
interferindo na adesão ao TARV e influenciando negativamente as condições orgânicas e clínicas do
soropositivo atingindo sua qualidade de vida. (SILVA et al., 2015).
O avanço do HIV em pessoas com idade igual ou maior a 60 anos passou a ser, no Brasil, um problema
de ordem pública em decorrência da falta de diagnóstico precoce, o que inclui o estado de Alagoas.
(SILVA et al., 2018).
Quando o assunto ligado à epidemia é à morte, Guimarães et al. (2017) apresentam em seu estudo
uma tendência nacional de redução de óbitos por HIV/aids, entre os anos de 2000 e 2014/2015.
Entretanto, não deixou de apontar sua preocupação ao analisar casos específicos de algumas unidades
da federação, dentre essas, na região Sudeste do país, ao serem evidenciados altos coefiecientes de
mortalidade por HIV/aids nos anos ora apresentados. Alagoas verificou um quadro de 2,4 óbitos por
100 mil hab., em 2007, e 4 óbitos por 100 mil hab, em 2017. (GUIMARÃES et al., 2017; BRASIL, BOLETIM
EPIDEMIOLÓGICO, 2018).
A morbimortalidade vem sendo marcada pelo crescente avanço no desenvolvimento de novos
fármacos. Drogas mais potentes e eficazes vêm sendo utilizadas na imunização dos soropositivos e no

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... E A Aids Chegou À População De Idosos Em Alagoas: Um Grave Problema De Saúde Pública Para O Estado

combate às infecções oportunistas causadas pelo vírus HIV. (FERREIRA; ALESSANDRO; SANTA’ANA,
2010).
Nessas razões, o aparecimento de novos casos de HIV/aids em pessoas idosas e a diminuição da
mortalidade por HIV/aids no estado vêm proporcionando a esse grupo o aumento da sobrevida,
resultado da eficiência do tratamento oferecido, gratuitamente, pelo Sistema Único de Saúde (SUS),
um dos melhores do mundo segundo a UNAIDS. (BRASIL, BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO HIV/AIDS, 2018;
GUIMARÃES et al., 2017; UNAIDS, 2018).
Por fim, viver na condição de soropositivo traz a essa população etária uma série de mudanças em sua
vida, cujo enfrentamento da infeção é bastante árido em decorrência das inúmeras barreiras e
sofrimentos implícitos na própria enfermidade (CASTANHA et al., 2007; TEIXEIRA; SILVA, 2008). A
rejeição social é classificada como um dos maiores problemas enfrentados por esse grupo. Em
decorrência disso, o isolamento, a depressão e, até mesmo, o suicídio, vêm se tornando fatos
corriqueiros na vida dessas pessoas soropositivas. (CHELES, 2010).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do entendimento construído a partir da análise de artigos relacionados ao tema, publicados


nos últimos 20 anos, verificou-se que os novos recursos tecnológicos, médicos e farmacêuticos vêm
permitindo à população de idosos o prolongamento da vida e, consequentemente, a devolução a suas
atividades sexuais regulares, muito embora mitos, preconceitos e estereótipos continuem
alimentando pejorativamente a falsa crenças tem torno desse assunto.
Em contrapartida, a partir desses aspectos, emerge um novo fenômeno preocupante diretamente
ligado a essa grupo etário, ou seja, o aumento da incidência de casos de HIV/aids. Essa enfermidade,
sem mais hierarquização de risco, e, atualmente, com maior número de casos registrados na população
heterossexual, vem contaminando os idosos devido à sua vulnerabilidade física, psicológica, emocional
e social. A invisibilidade desse problema à luz de sua própria exposição ao risco vem dificultando o
diagnóstico e, consequentemente, retardando o tratamento, fazendo com que aumente o coeficiente
de óbitos por infecções oportunistas ligadas à aids.
A epidemia vem avançando impiedosamente nos 102 municípios alagoanos, sem exceção,
principalmente, em pessoas idosas, com baixo poder econômico e de escolaridade reduzida. O
diagnóstico tardio da enfermidade vem dificultando a adesão à TARV expondo os idosos a um rol de
enfermidades oportunistas diretamente ligadas a aids. Trata-se de uma situação preocupante, uma vez
que pode trazer sérias consequências à saúde do soropositivo e, inclusive, levá-lo à morte.

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Por fim, necessita-se de mais efetividade do setor público nas políticas de prevenção ao HIV/aids para
a população de idosos. Estratégias educativas voltadas ao plano de promoção da saúde e prevenção
da enfermidade podem ser o caminho para instigar mudanças no comportamento de risco desse grupo
etário. Tornam-se necessários e urgentes mais estudos epidemiológicos voltados para esse fenômeno
diretamente relacionado à terceira idade em virtude de, ainda, existir o desconhecimento em domínios
básicos relativos à prevenção, transmissão e tratamento da enfermidade. Dessa forma, é imperativo
que esse grupo promova mudanças de comportamentos e atitudes e, consequentemente, garanta uma
vida plena e saudável, com mais qualidade.

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11
873
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 66
10.37423/200802238

A ECONOMIA COMPORTAMENTAL VERSUS


ECONOMIA DE BAIXO CONTATO NO PÓS-
PANDEMIA

Michele Lins Aracaty e Silva Universidade Federal do Amazonas

Fernanda Kelly Pereira da Silva Universidade Federal do Amazonas


A Economia Comportamental Versus Economia De Baixo Contato No Pós-Pandemia

Resumo: a análise dos hábitos de consumo dos agentes econômicos enfoca os meios racionais ou
ótimos pelos quais eles podem atingir seus objetivos, dada a escassez de recursos, o indivíduo toma
sua decisão comparando racionalmente os custos e os benefícios, tendo sempre em mente a
maximização de sua satisfação e ganhos. Há uma simplicidade atraente na ideia de que os
consumidores escolhem aquilo que preferem mais, que são tomadores de decisões lógicas e visão
abrangente em relação aos fatores que determinam suas escolhas. A Economia Comportamental
propõe-se a entender e modelar as decisões dos agentes de forma mais realista. Em meio a uma
pandemia sem precedentes que modificou a forma como vivemos e consumimos surgem as previsões
para o mercado de bens e serviços após a pandemia. Para tanto, temos como objetivo analisar o
comportamento do consumidor, das empresas e do mercado no pós-pandemia, levantando as
principais características da economia de Baixo Contato ou Low Touch Economy analisando seus
comportamentos no retorno às atividades. Quanto aos aspectos metodológicos fez-se uso de uma
revisão de literatura, com método descritivo e explicativo com o uso de material bibliográfico e
documental já publicados cerca da Economia Comportamental e da Economia de Baixo Contato ou Low
Touch Economy analisando um cenário de pós-pandemia. Vimos que muitas mudanças já começam a
fazer parte do cotidiano dos consumidores, empresas e mercado de bens e serviços uma vez que o
baixo contato será praticado pelo menos até uma certeza de uma vacina para imunização em massa.
Palavras-Chave: Economia Comportamental. Economia de Baixo Contato. Pós-pandemia

1
875
A Economia Comportamental Versus Economia De Baixo Contato No Pós-Pandemia

INTRODUÇÃO

O comportamento de um indivíduo tem influência primária em seu círculo familiar ou do modelo


familiar tradicional o qual está inserido. No Brasil, o modelo familiar está embasado no seguimento de
ordens e autoritarismo, de forma que impede a criança de formular ideias e, por consequência,
gerando uma deficiência para a tomada de decisões em situações que exigem ousadia e que saia do
seu meio de comodidade.
O comportamento do consumidor e suas escolhas sai do plano individual e entra no aspecto coletivo,
influenciando o mercado e deixando-se influenciar por este. Assim, o artigo busca explanar um pouco
acerca do que é a economia comportamental, onde surgiu e suas aplicações básicas. Em como as
pessoas reagem a incentivos e tomam suas decisões desde as mais simples até as mais complexas,
levando em conta pressupostos básicos para sua satisfação, ponderando seus prós e contras em busca
do melhor resultado possível. Em tempos difíceis, como o que estamos vivenciando com a pandemia
de Covid-19, enfrentamos um cenário econômico caótico e preocupante.
A pandemia colocou em xeque a maneira como vivemos, nos alimentamos, interagimos e consumimos.
Obrigando-nos ao processo doloroso do isolamento, distanciamento social e da incerteza acerca do
futuro da sociedade, da economia, do mercado de trabalho, dos hábitos de consumo e por que não,
da necessidade de se isolar para não ser infectado.
Esse novo momento da economia também nos apresenta novas nomenclaturas a serem explorados, é
o caso da Economia de Baixo Contato ou Low Touch Economy, termo que foi primeiramente usado num
estudo realizado pela Boad of Innovation (conselho de inovação), sendo definida como um novo estado
socioeconômico provocado pela pandemia de covid-19 que será caracterizado por interações com
menos contato, medidas mais restritas de saúde, segurança, novos comportamentos humanos e
mudanças na indústria.
Mediante isso, os agentes econômicos precisam se reinventar e se adaptar às mudanças exigidas para
que continuemos a levar a vida da melhor forma possível e acima de tudo minimizando os riscos, as
perdas e maximizando os seus ganhos. Embora o pânico tenha se instalado de maneira avassaladora,
aos poucos os indivíduos estão aprendendo e se adaptando.
Com um começo preocupante o resultado é a escassez de produtos nas prateleiras, instabilidade em
mercados financeiros e amplificação da situação de crise. Mesmo sem muitas informações os
indivíduos tendem a imitar o comportamento alheio com a tentativa de se resguardar da maneira mais
eficiente, seja passando a utilizar máscaras respiratórias sem nem mesmo conhecer a real eficácia do
uso, ou comprando produtos de forma exorbitante.

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876
A Economia Comportamental Versus Economia De Baixo Contato No Pós-Pandemia

Após o choque e tomadas de decisões enviesadas, buscam encontrar formas de “parar” o sistema mais
automático e acionar o sistema mais racional para avaliar melhor a situação. Assim, tentam impedir
que o pânico e a histeria tomem conta e optam por escolhas mais coerentes.
Muito se fala num início de um novo capitalismo ou o fim de uma era de consumismo. A nossa única
certeza é que teremos que aprender cotidianamente e conviver com este inimigo invisível até que uma
imunização em massa possa ser disponibilizada e que seja acessível a todos.
Para tanto, temos como objetivo analisar o comportamento do consumidor, das empresas e do
mercado no pós-pandemia, levantando as principais características da economia de baixo contato de
forma a explanar as principais características do retorno às atividades.
Quanto aos aspectos metodológicos fez-se uso de uma revisão de literatura, com métodos de pesquisa
descritiva e explicativa usando material bibliográfico e documental já publicado com uma breve
caracterização na discussão acerca da Economia Comportamental e Economia de Baixo Contato ou
Low Touch Economy bem como das transformações no comportamento do consumidor, das empresas
e do mercado neste período de pandemia e pós-pandemia.
Assim, este artigo está dividido da seguinte forma: Introdução, Referencial Teórico, Aspectos
Metodológicos, Análise de Dados e Resultados, Conclusão e Recomendações e Referências.

ECONOMIA COMPORTAMENTAL

Segundo Ávila e Bianchi (2015), a Economia Comportamental é um ramo da economia relativamente


novo que usa conhecimentos da psicologia e de outras áreas para entender como indivíduos e
instituições tomam decisões e raciocinam em termos econômicos. A economia supôs por muito tempo
que o ser humano tomava decisões de forma racional pensando nos prós e contra das suas decisões,
sempre buscando maximizar seus ganhos, levando em conta seus hábitos, experiências, com
capacidade ilimitada de processar informações.

Economia Comportamental é um campo de pesquisas relativamente


recente, proveniente da incorporação, pela economia, de desenvolvimentos
teóricos e descobertas empíricas no campo da psicologia. A esses se
somaram, mais recentemente, as contribuições da neurociência e de outras
ciências humanas e sociais. Parte-se de uma crítica à abordagem econômica
tradicional, apoiada na concepção do “homo economicus”, que é descrito
como um tomador de decisão racional, ponderado, centrado no interesse
pessoal e com capacidade ilimitada de processar informações. (ÁVILA;
BIANCHI,2015, p. 13)

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877
A Economia Comportamental Versus Economia De Baixo Contato No Pós-Pandemia

Ainda segundo as autoras (2015), a Economia Comportamental surgiu com o intuito de unir as
descobertas da psicologia com a economia para criar modelos que representem de maneira mais
enfática as escolhas dos indivíduos.
A partir de 1950, houve uma tentativa de mudança por parte de alguns autores. Entre eles, Herbert
Simon defendeu o uso de modelos que optavam por mecanismos cognitivos para analisar o
comportamento dos indivíduos.
A principal noção que fundamenta o modelo de racionalidade ilimitada ou substantiva é a de que não
há conclusões sem premissas, o que torna o uso da lógica indispensável para a construção de uma
teoria normativa, na medida em que o estabelecimento de regras de inferência permite obter leis
gerais imutáveis com base em axiomas ou pressupostos induzidos de observações empíricas. (FUCIDJI;
MELO, 2016).
Ao final dos anos 70 temos dois trabalhos importantes que são considerados
grandes marcos para a Economia Comportamental. O primeiro, a chamada
Teoria da Perspectiva (Prospect Theory), dos psicólogos Daniel Kahneman e
Amos Tversky, busca descrever de maneira mais realista o processo de
decisão dos agentes corrigindo e explicando anomalias detectadas na teoria
econômica tradicional. O segundo, o trabalho do economista Richard Thaler
(Toward a Positive Theory of Consumer Choice), publicado já em 1980,
descreve uma série de anomalias não explicadas pelo mainstream da
economia abrindo, assim, um novo campo de estudo. (ÁVILA; ÁVILA, 2014,
p. 1).
Em 2017, o economista Richard Thaler ganhou o Nobel de Economia ressaltando em suas análises
econômicas pressupostos psicologicamente realistas às escolhas dos agentes econômicos, explanando
que as decisões são afetadas pela racionalidade limitada, pelas referências sociais e pela falta de
autocontrole.
O reconhecimento da relevância da Economia Comportamental, pelos quais foram anteriormente
laureados Herbert Simon, em 1978, Vernon Smith e Daniel Kahneman em 2002, e Angus Deaton, em
2015, especialista numa ramificação da economia comportamental, as finanças comportamentais.
(MACHADO,2017). Richard H.Thaler também desenvolveu a teoria da contabilidade mental, onde
podemos notar a influência da neuroeconomia.
Herbert Simon, Ph.D. em Ciências Políticas (e não em Economia), recebeu o
Prêmio Nobel em 1978, pelo seu trabalho sobre racionalidade limitada. A
exploração das consequências da racionalidade limitada constituiu a base
das pesquisas de Daniel Kahneman, Prêmio Nobel de Economia em 2002, a
lamentar, a ausência de Amos Tversky entre os laureados de 2002.
Inseparável parceiro intelectual de Kahneman, Tversky faleceu
prematuramente, em 1996, aos 59 anos de idade. (ÁVILA; ÁVILA, 2014, p. 2).

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A Economia Comportamental Versus Economia De Baixo Contato No Pós-Pandemia

PANDEMIA DE COVID-19

A Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ (2020), no documento intitulado "Impactos sociais, econômicos,
culturais e políticos da pandemia", afirma que, A pandemia de Covid-19, causada pelo vírus SARS-CoV-
2 ou Novo Coronavírus, vem produzindo repercussões não apenas de ordem biomédica e
epidemiológica em escala global, mas também repercussões em impactos sociais, econômicos,
políticos, culturais e históricos sem precedentes na história recente das epidemias.
A FIOCRUZ (2020), no documento supracitado sustenta que, a necessidade de ações para contenção
da mobilidade social como isolamento e quarentena, bem como a velocidade e urgência de testagem
de medicamentos e vacinas evidenciam implicações éticas e de direitos humanos que merecem análise
crítica e prudência.
Recomendações da OMS, do Ministério da Saúde do Brasil, do Centers for
Diseas e Controland Prevention (CDC, Estados Unidos)2 e outras
organizações nacionais e internacionais têm sugerido a aplicação de planos
de contingência de influenza e suas ferramentas, devido às semelhanças
clínicas e epidemiológicas entre esses vírus respiratórios. Esses planos de
contingência preveem ações diferentes de acordo com a gravidade das
pandemias. (FREITAS, NAPIMOGA, DONALISIO, 2020, p. 1).
Estamos passando pela mais importante pandemia da história mundial recente causada por um vírus,
com alto impacto na economia, na saúde pública e na saúde mental de toda a sociedade. (MEDEIROS,
2020):
O vírus é altamente transmissível por gotículas e contato, estima-se que uma
pessoa possa transmitir de forma exponencial, o período de encubação é em
média de 5 dias podendo varias de 2 a 14 dias, são sintomas leves, mas em
pacientes com comorbidades podem evoluir para quadros graves, como:
insuficiência respiratória, falência de múltiplos órgãos e morte. (p. 1).

As medidas de isolamento social vêm sendo avaliadas constantemente, pois, se forem suspensas antes
do momento adequado, o estrago pode ser maior com crescimento dos casos de infecção e caso as
medidas não sejam cumpridas de forma adequada fazendo com que o isolamento seja prolongado por
um tempo maior do que o necessário, o impacto na economia pode ser ainda mais desastroso.

OS IMPACTOS DA PANDEMIA NO COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR, DAS EMPRESAS E NO


MERCADO

Kahneman (2012), propõe que há dois sistemas de processamento cerebral, O sistema 1 que opera
automática e rapidamente, com pouco ou nenhum esforço e nenhuma percepção de controle
voluntário. E o Sistema 2, que aloca atenção as atividades mentais laboriosas que o requisitam,

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A Economia Comportamental Versus Economia De Baixo Contato No Pós-Pandemia

incluindo cálculos complexos. As operações do sistema 2 são muitas vezes associadas com a
experiencia subjetiva de atividade escolha e concentração.
O sistema 1, que é rápido, paralelo, automático, inconsciente e dirigido por emoções e associações é
acionado em resposta às preocupações iniciais, gerando desespero inconsciente fazendo com que o
consumidor não pense de forma racional para suprir suas necessidades, ele age apenas por impulso,
sendo influenciado pelo meio.
Após o primeiro choque, também de forma automática o “Sistema 1” aciona o “Sistema 2” ao qual já
é mais lento, sequencial, deliberativo, baseado em regras e que utiliza cálculos conscientes para
chegar às decisões, seria o eu consciente, raciocinador, que tem crenças, faz escolhas e decide o que
pensar a respeito de algo. (KAHNEMAN, 2012).
Logo, a insegurança diminui e as decisões não são mais tão impulsivas, fazendo com que o indivíduo
volte a agir de forma mais pautada e cautelosa, em busca de satisfazer seus interesses de forma mais
eficiente e menos danosa.
Na tentativa de encontrar soluções suficientemente boas para os problemas
que enfrenta, o agente procura estabelecer determinadas regras
heurísticas, com o intuito de amenizar os efeitos da incerteza. Para
Gigerenzer (2008), este processo de seleção de heurísticas deve ser
analisado com base na ferramenta adaptativa, isto é na capacidade da
mente de adaptar o comportamento presente ao comportamento passado,
resgatando heurísticas utilizadas no passado para resolver problemas atuais
ou mesmo criando novas regras de comportamento a partir de padrões de
solução de problemas já conhecidos e utilizados. (FUCIDJI; MELO, 2016, p.
9)
Segundo Wingard (2020), como o coronavírus causou estragos na economia global, muitas empresas
se viram obrigadas a mudar para sobreviver. Designers estão fazendo máscaras. Destilarias estão
fazendo álcool em gel, escolas e universidades adotando vídeo aulas, bares, restaurantes e
supermercados diversificando no delivery e assim todos vão tentando se adaptar usando recursos e
habilidades que possuem.

A Denny’s, cadeia multinacional de lanchonetes, não é exceção: as vendas


de março caíram 19%. Para estancar as perdas, a empresa adotou uma
abordagem multifacetada: oferecendo entrega gratuita, entrega de comida
na calçada e, em breve, kits de refeições em casa com ingredientes e receitas
simples. O que é mais notável, no entanto, é sua nova opção de compras.
Em mais de 30 locais em Oregon e Califórnia, os clientes agora podem
encomendar uma variedade de itens de supermercado abaixo de US$ 10
para retirada. (WINGARD, 2020, p. 2).
Os agentes econômicos precisaram se adequar, e agora tentarão se posicionar previamente para as
mudanças que ocorreram e permanecerão futuramente, as quais buscam eficiência, menor custo e

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A Economia Comportamental Versus Economia De Baixo Contato No Pós-Pandemia

maior agilidade. Existe uma crise de saúde, que impacta na economia global, entretanto são nos
momentos de crises que surgem o ambiente propício para as novas práticas na economia.
(COMUNIQUE-SE, 2020).
E como a Economia Comportamental pode contribuir para reduzir a propagação do vírus e frear a
contaminação? podemos começar a analisar o comportamento do consumidor no momento em que
este é mobilizado, entende a necessidade de seguir as regras, confia no conhecimento científico e
observa as ações do setor público e da iniciativa privada, uma vez que a orientação deve ser:
Conforme a pandemia se espalha pelo mundo, governos tomam medidas a
fim de conter a propagação do vírus. Entre as primeiras atitudes estão as
campanhas de conscientização pela higiene. Não só governos, mas
empresas e organizações privadas adotam, dentro de suas dependências,
mensagens reiterando a importância de lavar as mãos, sanitizar ambientes,
evitar contato pessoal e aglomerações etc. (ÁVILA, 2020, p. 2).
Ainda para a autora (2020), a contribuição da Economia Comportamental também se fortalece com a
aplicação de nudges, que são:
um nudge, conceito teorizado por Richard H. Thaler, um dos pais da
Economia Comportamental e que tem ganhado grande destaque ao redor
do mundo, tem como objetivo alterar o comportamento das pessoas de um
modo previsível, mas sem proibir quaisquer opções e nem alterar
significativamente seus incentivos econômicos. Nudges podem ser
traduzidos como “empurrõezinhos” que estimulam as heurísticas certas nos
momentos certos a fim de que tomemos as decisões desejadas naquele
momento. (p.3).
Nas campanhas sobre higiene, um dos exemplos de nudge mais conhecidos é o de facilitar e sinalizar
o acesso a recipientes com álcool em gel nas empresas. Sem dificuldades para encontrar, e com
constantes estímulos visuais, as pessoas acabam quase que automaticamente esterilizando as mãos e
objetos. Podemos usá-los também para incentivar as medidas básicas e urgentes como: ficar em casa
e adotar o distanciamento social; evitar contato pessoal: beijos, abraços, apertos de mão; manter uma
vida saudável, fazer exercícios ao ar livre (evitar academias), se alimentar e dormir bem; evitar viajar
em meios de transporte coletivo e seguir as orientações do governo em caso de sintomas (ÁVILA, 2020,
p. 4).

nudges e outras técnicas também podem ser aplicadas a fim de controlar os


vieses que estimulam o pânico. Assim, uma das dicas mais simples da
Economia Comportamental é: restrinja suas fontes. Evite grupos de
mensagens que compartilhem muitos links e redes sociais não confiáveis.
Fique restrito aos canais sérios e fontes confiáveis de informação e “feche”
os olhos para os demais. Medidas pontuais como as campanhas de
conscientização e o controle do fluxo de informações funcionam com
poderoso auxílio da Economia Comportamental, até certo ponto. O limite,
defendido por mim e por outros estudiosos da Economia Comportamental,

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A Economia Comportamental Versus Economia De Baixo Contato No Pós-Pandemia

são as políticas públicas baseadas em evidências científicas e empíricas.


(ÁVILA, 2020, p.5).
É nesse cenário de incerteza, aprendizado diário e adaptação que surge a Economia de Baixo Contato
ou Low Touch Economy, empresas, consumidores e o mercado terão que se adaptar a este novo
modelo de desafios e superações.

ECONOMIA DE BAIXO CONTATO OU LOW TOUCH ECONOMY

O termo Economia de Baixo Contato ou Low Touch Economy foi usado pela primeira vez num estudo
realizado pela Boad of Innovation (conselho de inovação), a Economia de Baixo Contato é um novo
estado socioeconômico provocado pela pandemia de covid-19. Sendo caracterizado por interações
com menos contato, medidas mais restritas de saúde e segurança, novos comportamentos humanos
e mudanças na indústria.
As mudanças ocorrerão no meio social, na economia, no mercado de trabalho e afetará
principalmente o modo como consumimos e interagimos no mercado de bens e serviços.
Segundo Melo (2020), a pandemia será a responsável por mudanças profundas, não apenas no
cotidiano, mas será a responsável por transformações que devem moldar a realidade à nossa volta e
no nosso cotidiano.
Os mais otimistas olham para a crise de Covid-19 como um acelerador de futuros, uma vez que a
pandemia provocará a antecipação de inúmeras mudanças que já estavam em curso, mas que com a
crise tiveram a sua aceleração em termos de serem uma opção em tempos de isolamento social, como
por exemplo, a educação à distância, o trabalho remoto, a busca incessante dos trabalhadores por
melhores condições de trabalho a necessidade de fugir dos transportes públicos precários, dos longos
engarrafamentos, bem como a busca pela qualidade de vida em família.
Outras mudanças que não eram tão perceptíveis, mas que agora estão ganhando a sua importância e
o seu valor, são a solidariedade e a empatia. Além disso, a pandemia colocou em xeque o atual modelo
de sociedade baseada no consumismo e no lucro a qualquer custo.
A vida depois do vírus será diferente”, “Temos uma escolha a fazer:
queremos confrontar crenças e fazer mudanças significativas para o futuro
ou simplesmente preservar o status quo? (MELO, 2020 apud WELL, 2020,
p.2).
Levando-se em consideração que o Covid-19 é um vírus novo, pouco se sabe acerca do seu
comportamento em diferentes continentes e com uma possibilidade de que a humanidade deva
esperar em torno de 18 meses para que as primeiras vacinas comecem a serem fornecidas pelos
laboratórios, segundo a ONU, até lá, todos nós devemos tomar medidas de precaução contra um

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A Economia Comportamental Versus Economia De Baixo Contato No Pós-Pandemia

inimigo que pode provocar um colapso na saúde, na economia bem como na sociedade de todos os
países.

“O mundo mudou, e aquele mundo (de antes do coronavírus) não existe


mais. A nossa vida vai mudar muito daqui para a frente, e alguém que tenta
manter o status quo de 2019 é alguém que ainda não aceitou essa nova
realidade”, disse nesta entrevista para a BBC Brasil Átila, que é doutor em
microbiologia pela Universidade de São Paulo e pós-doutor pela
Universidade Yale. “Mudanças que o mundo levaria décadas para passar,
que a gente levaria muito tempo para implementar voluntariamente, a
gente está tendo que implementar no susto, em questão de meses", diz ele.
(MELO, 2020 apud LAMARINO, 2020).
Falar de tendências não é uma tarefa fácil, principalmente quando se trata de prevê uma situação que
nunca antes a humanidade imaginaria que pudesse acontecer, onde toda a atividade econômica ficou
paralisada por dias ou meses e que a necessidade de isolamento social e distanciamento é
recomendada até que tenhamos uma vacina. Assim, para um futuro próximo, ou para que a atividade
possa ir voltando aos poucos apontam-se algumas tendências que farão parte do nosso cotidiano:

Quadro 1 – Tendências do Cenário de Covid-19

Sociais Econômicas Ambientais


a) aumento da espiritualidade e a) reconfiguração de espaços a) prioridade para atividade ao ar livre
fortalecimento da fé; comerciais, dando preferência a locais e viagens que necessitarão de
b) mudanças no hábito de consumo e abertos, menores, reuniões virtuais e quarentena;
educação financeira. encontros presenciais com medidas de b) valorização de espaços verdes;
c) cuidados com a alimentação e restrições; c) viagens com experiências rurais e
cultivo de hortas evitando b) novos modelos de negócio para contato com a natureza e o meio
industrializados; alimentação, restaurantes fantasmas e ambiente;
d) cuidados com a saúde e aumento do delivery (ou entregas agrupadas) as d)maior engajamento com a
consumo de vitaminas, exposição plataformas vão se multiplicar. preservação da fauna da flora;
solar, atividades físicas, e necessidade c)experiências culturais imersivas, e) luta para conter o avanço do
de apresentar e compartilhar históricos shows culturais, jogos online e tour desmatamento;
médicos. virtuais. f) sustentabilidade empresarial e
f) mais interação e convivência com a f) shopstreaming, com o uso do logística reversa será prioridade;
amigos e familiares Instagram e suas funções para vendas h) reciclagem terá o seu espaço e
g) nas moradias, espaços mais online, shopping e centros comerciais ganhara mais importância;
convidativos como áreas de serão apenas vitrines para produtos; i) destinação correta dos resíduos é
convivência familiar, hortas, jardins e h) ausência de se morar na mesma primordial;
um espaço para trabalho. cidade onde fica o seu trabalho ou j) preocupação com o uso de animais
h) busca pela companhia de animais de empresa: o trabalho pode e será cada na produção industrial e em testes de
estimação; vez mais remoto. produtos;
i) aumento da solidariedade e empatia
ajudando os mais vulneráveis;
j) deslocamento mais seguro para o
trabalho e lazer (a pé ou de bicicleta);
k) busca por conhecimento através de
cursos online e educação à distância;
l)necessidade de se manter a limpeza
nos lares mantendo calçados do lado de
fora e uso de produtos para o combate
a vírus e bactérias;
m)refeições em casa e necessidade por
adquirir produtos para as preparações;
n) consumo mais consciente e
reciclagem do lixo;

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A Economia Comportamental Versus Economia De Baixo Contato No Pós-Pandemia

o) necessidade de um plano mais


adequado de acesso à internet;
p) redução da intolerância,
individualidade e a consciência sobre
as condições de classe;
q) isolamento e proteção para os grupos
mais vulneráveis;
Fonte: Boad of Innovation, (2020)

Melo, (2020) apud Schwarcz (2020) analisa a pandemia de Covid-19 como o fim de um ciclo ou uma
era e o início de uma nova, ainda sem direcionamento para a humanidade, assim:

havia uma visão entre especialistas de que faltava um símbolo para o fim do
século 20, uma época altamente marcada pela tecnologia. E esse marco é a
pandemia do coronavírus, “[O historiador britânico Eric] Hobsbawm disse
que o longo século 19 só terminou depois da Primeira Guerra Mundial
[1914-1918]. Nós usamos o marcador de tempo: virou o século, tudo
mudou. Mas não funciona assim, a experiência humana é que constrói o
tempo. Ele tem razão, o longo século 19 terminou com a Primeira Guerra,
com mortes, com a experiência do luto, mas também o que significou sobre
a capacidade destrutiva. Acho que essa nossa pandemia marca o final do
século 20, que foi o século da tecnologia. Nós tivemos um grande
desenvolvimento tecnológico, mas agora a pandemia mostra esses limites”.
(p.3).
Não temos dúvida que estamos vivendo um novo momento para a sociedade, para a economia e para
o meio ambiente, ou seja, estamos observando um novo ciclo do capitalismo, onde o pós-pandemia
remete um mundo novo e novos desafios (MELO, 2020).
De acordo com a Board of Innovation, (2020), a necessidade e a desconfiança em relação ao padrões
de higiene levará a uma onda necessária de compartilhamento de históricos médicos. Uma vez que, a
economia pós-Covid 19 terá uma economia moldada por novos hábitos e regulamentos baseados na
interação reduzida com contato próximo e restrições mais rígida de viagens e higiene.
A interrupção atual mudará a maneira como nos alimentamos, trabalhamos, compramos, nos
exercitamos, administramos a nossa saúde, nos socializamos e passamos nosso tempo livre – a um
ritmo sem precedentes de mudança.
Sabemos que após centenas de experimentos em andamento global as melhores práticas serão
copiadas para outras regiões e inúmeras indústrias, sempre buscando a melhor opção e a mais viável
para a empresa e seus colaboradores e seu bem-estar passarão a ser a prioridade da empresa.
Pessoas e organizações descobrirão os benefícios de uma nova maneira de viver e trabalhar,
desafiando os negócios tradicionais e normas de estilo de vida.
O consumidor está mais arisco. Será necessário avaliar os impactos da
economia do baixo contato no seu negócio. Desenvolver uma estratégia a
partir dos novos hábitos do seu cliente. Partindo do que você já tem ao seu

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A Economia Comportamental Versus Economia De Baixo Contato No Pós-Pandemia

alcance para depois ver como é que você vai indo para soluções mais
complicadas (Baccarini, 2020 apud STRACK, 2020, p.4).
Levando-se em consideração que a pandemia é um cenário novo para o mercado, bem como para os
consumidores ainda não temos certeza de como ficará o mercado com o afrouxamento das medidas
de isolamento social a única coisa que temos certeza e que infelizmente será um desfio para todas as
nações são os efeitos da crise no mercado de emprego. Estima-se que pelo menos 1/3 da população
mundial sentirá direta ou indiretamente as consequências do desemprego ou redução da renda
familiar em decorrência de falências em massa de grandes grupos empresariais e de mudanças
geopolíticas como por exemplo, fechamento de fronteiras e leis que contribuirão para aumentar a
xenofobia, o nacionalismo (Board of Innovation, (2020).
Mudanças esperadas no comportamento do consumidor que já ocorriam, foram aceleradas para se
tornarem mudanças de comportamento mais imediatas: a) na macroeconomia: acesso limitado ao
capital; b) na geopolítica: protecionismo; c) no comportamento humano: certificação imunológica
(status imunológico); d) dinâmica da indústria: interrupções na cadeia de suprimentos; e) tecnologia:
tudo sem contato e no regulamento: novas leis de privacidade.
Ou seja, tudo aquilo que os agentes puderem fazer para evitar o contato com as pessoas físicas será
muito bem vindo e provavelmente vai fazer com que o mercado possa retomar a sua demanda mais
rápido.
Ainda segundo o estudo da Board of Innovation, (2020), os impactos da Covid-19 na indústria podem
ser analisados a partir dos seguintes pontos, conforme podemos observar na figura:
Figura 1 – Características da Industria no Cenário de Pandemia

Fonte: Boad of Innovation, (2020)


A regra para o mercado é, se o segmento tinha a necessidade de aglomeração, interação social ou
muito contato entre pessoas, este precisa buscar alternativas viáveis e ir se adaptando a um novo
modelo com baixo contato e interação social até que se tenha uma vacina que imunizará parte da
sociedade e reduzirá a transmissão do vírus. Do lado do consumidor, estes buscarão se proteger e
continuar consumindo, mas com risco reduzido de contágio.

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A Economia Comportamental Versus Economia De Baixo Contato No Pós-Pandemia

O grande desafio será para todos, mas a grande preocupação para a economia mundial é o
desemprego que conforme observamos nas estimativas atingirá 1/3 da mão de obra mundial e afetará
o mercado de bens e serviços.

ASPECTOS METODOLÓGICOS

Os procedimentos metodológicos deste trabalho são de uma pesquisa de base qualitativa por ser uma
forma adequada para entender a relação teórica para a discussão acerca do assunto e análise do
comportamento do consumidor, das empresas e do mercado no pós-pandemia.
Em relação aos fins, esta pesquisa foi definida como exploratória, visto que buscou obter maiores
informações sobre o assunto do tema por meio de material já publicado e por estudos que estão sendo
desenvolvidos por institutos de pesquisa, universidades e demais grupos que buscam analisar ou ter
uma previsão acerca de como o consumidor, as empresas e o mercado se comportará após a
pandemia.
Quanto ao material utilizado para a construção da pesquisa, fez-se uso de material de caráter
bibliográfico para a construção da base teórica para a discussão acerca da Economia Comportamental
e Economia de Baixo Contato. Quanto aos documentos, trabalhou-se com relatórios de previsão de
mercado, com destaque para o estudo realizado pela Boad of Innovation (conselho de inovação), que
definiu a Economia de Baixo Contato ou Low Touch Economy.

ANÁLISE DE DADOS E RESULTADOS

A Economia Comportamental busca entender as decisões dos indivíduos em relação ao consumo e ao


investimento, os meios racionais ou ótimos aos quais eles podem atingir seus objetivos, partindo do
pressuposto de que os recursos são escassos ele calcula os custos de oportunidade de suas decisões
tentando otimizá-las
A partir do pensamento proposto por Kahneman, a respeito dos dois sistemas de processamento
cerebral (1 e 2), nos permite ter outra percepção acerca do comportamento dos agentes econômicos.
É possível perceber que o Sistema 1, como denomina o autor, é o que está presente na maior parte
do tempo na tomada de decisões, quando o indivíduo toma uma decisão nem sempre ele está
tomando essa decisão de forma racional, na maioria das vezes é de forma associativa e irracional,
existem vários gatilhos mentais por detrás de uma escolha.

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A Economia Comportamental Versus Economia De Baixo Contato No Pós-Pandemia

Mediante um cenário de incertezas, como o qual estamos vivenciando em decorrência da pandemia


de Covid-19, os agentes se comportam a princípio, de forma demasiada, o que impacta de maneira
significativa nas decisões e na economia, seja pelo lado da oferta ou da demanda.
Em um primeiro momento o medo se instala favorecendo o caos e a crise, os indivíduos passam a agir
de maneira “egoísta” afim de resguardar seus interesses, sob comando do Sistema 1. Por um lado, os
consumidores se desesperam e correm para garantir que não os faltem nada, lotando as filas dos
supermercados, as farmácias compram remédios impulsivamente temendo o que possa acontecer,
passam a desacelerar o consumo de bens não essenciais e essas atitudes trazem impactos negativos
para a comunidade, causando desabastecimento e instabilidade nos mercados. É importante ressaltar
que muitas dessas atitudes, são respostas do aspecto emocional que se encontra o indivíduo.
Do outro lado, temos os fornecedores de produtos/ serviços essenciais que não estavam preparados
para uma demanda tão alta e não dispõem de estrutura suficiente para atender conforme as
determinações exigidas e os não essenciais se deparam com a falta da demanda, pois agora as pessoas
passaram a não demandar seus serviços. Com isso, os fornecedores precisam se reinventar para
atender nas condições necessárias, com intuito de garantir sua permanência no mercado e a demanda.
Mas em momentos de crise surgem também oportunidades de crescimento e aprendizado, apesar de
tudo, o ser humano é adaptável e por isso ele consegue realocar os seus recursos para maximizar sua
satisfação e voltar para uma zona de conforto aceitável. Por conta desse momento tivemos várias
mudanças e principalmente no cenário econômico, todos tiveram que se adequar.
Como vimos, as empresas passaram a mudar seu enfoque produtivo para contribuir e conseguir se
manter, autônomos buscaram atender as demandas ao seu alcance usando a necessidade e a
criatividade a seu favor, bares e restaurantes inovaram em Delivery e consumidores mudaram seus
hábitos de consumo. Nunca as mídias sociais foram tão importantes e úteis como nesse momento.
Com o passar do tempo, as pessoas conseguem agir de forma mais racional e menos imediatista (sob
comando do sistema 2), elas se encontram a partir de agora em um cenário onde conseguem fazer
estimativas e uma análise um pouco menos incerta da situação, o que causa menos pânico e decisões
mais pautadas. Não se sabe ao certo quando a pandemia vai passar, mas há certeza de que teremos
um período de longos meses até a retomada de todos os setores.
Mas como todo período de tensão deixa entreaberto oportunidades para um bom crescimento, vários
setores estão se desenvolvendo, em especial os de vendas online, outros estão sendo menos afetados,
como farmácias e supermercados, mas de qualquer forma, hoje temos um ambiente de negócios
muito mais flexível.

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A Economia Comportamental Versus Economia De Baixo Contato No Pós-Pandemia

Muitos modelos de trabalhos que precisaram ser adotados nesse momento, permanecerão,
principalmente as opções online, seja de venda, entregas, ensino, entretenimento, bancários,
atendimentos psicológicos, entre outros. Muitas reuniões ocorrerão através de plataformas, o home
office, fará parte do mercado de trabalho. Muitas pessoas optarão por fazer compras por meio de
aplicativos e as lojas físicas talvez passem a ser apenas um ponto de demonstração de produtos para
muitos.
Os hábitos de consumo que já estavam passando por metamorfose, esta mudança será mais intensa
e direcionada. É possível que ocorra uma ruptura no modelo capitalista de consumo de massa e uma
necessidade de se buscar urgentemente a educação financeira.
Em meio à incerteza, as pessoas se voltarão para o convivência familiar, ocorrerá uma reaproximação
com a espiritualidade, com a fé e o fortalecimento da religião.
Teremos uma revolução no que se entende por cuidados com a alimentação e com a saúde, com o
cultivo de hortas em casa, alimentação mais saudável, evitar produtos industrializados, uso de
vitaminas, produtos naturais, exposição solar, atividades físicas ao ar livre. Isso porque já existe entre
as grandes empresas uma proposta da necessidade de apresentar e ou compartilhar ao empregador
o histórico médico comprovando as boas condições de saúde.
Se prevê também, o fortalecimento de hábitos de higiene, com o uso de produtos mais eficientes e
confiáveis destinados ao combate a vírus e bactérias isso tanto no ambiente domiciliar como no
ambiente coletivo, o hábito de lavar as mãos, não adentrar espaços domésticos com o uso de calçados,
uso de álcool em gel e a limpeza de produtos que possam estar contaminados.
Nos espaço domiciliar, veremos uma busca para adequar espaços ou áreas de convivência familiar,
hortas, jardins e um espaço para trabalho, a busca por companhia de animais de estimação e por locais
que possam proporcionar a prática de exercícios físicos e uma interação com a natureza.
Nas empresas, as mudanças ficarão ligadas às experiências positivas deste período, a adaptação ao
home office, a necessidade por espaços mais adequados ou a interação e possibilidade de realizar
reuniões à distância com o auxílio da tecnologia o que evita o custo do deslocamento e o tempo que
deve ser mais bem aproveitado.
A solidariedade e empatia, as experiências culturais imersivas, os jogos online, as viagens para o meio
rural, o recebimento de bens e serviços através de compra por plataformas e aplicativos, os cursos
online, a educação à distância, deslocamentos a pé ou com o uso de bicicletas, a redução da
intolerância, da individualidade ou a consciência sobre as condições de classes, a necessidade de

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888
A Economia Comportamental Versus Economia De Baixo Contato No Pós-Pandemia

proteger os grupos mais vulneráveis, a necessidade de acesso à internet ou a prioridade por praticar
exercícios ao ar livre serão práticas ao nosso novo cotidiano.
O comportamento das pessoas passa a ser mais “seletivo”, elas começam a se questionar se realmente
precisam daquilo que querem e se preocupar com coisas mais relevantes, talvez a percepção com os
cuidados de saúde também mude, passando a darem mais importância para coisas básicas que
estavam sendo negligenciadas ressignificando suas perspectivas de vida.

CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante que os consumidores deem mais importância para algumas áreas e tentem compreender
os motivos que os levam a tomar determinadas decisões, buscar a inteligência emocional para que
seja possível minimizar as decisões impulsivas e completamente irracionais, tentar entender como as
coisas funcionam e ponderar de forma mais coerente e consciente seus pró e contra de forma
eficiente.
Até o surgimento de uma vacina que possa ser acessível e imunizar a humanidade contra o Covid-19
teremos que conviver com novas regras que modificarão a nossa rotina em casa, no trabalho, na
produção (oferta) ao longo das aquisições de bens e serviços (demanda) e cabe a cada um de nós de
forma responsável observar as regras para que possamos retomar nossas atividade com segurança
pensando em reduzir a propagação da doença e evitar prejuízo para a atividade econômica e para a
saúde de forma coletiva.
Este novo momento para o capitalismo, definido como Economia de Baixo Contato ou Low Touch
Economy deve ser visto por todos, empresas, consumidores a mercado como momento de evolução
e de crescimento impulsionado por novos hábitos e oportunidades.

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889
A Economia Comportamental Versus Economia De Baixo Contato No Pós-Pandemia

REFERÊNCIAS

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2020. Disponível em: https://forbes.com.br. Acesso em: 02 de junho de2020

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890
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 67
10.37423/200802253

MUDANÇAS DA COBERTURA FLORESTAL E


SUAS INTERFERÊNCIAS NOS ATRIBUTOS
FÍSICOS DO SOLO SUL TOCANTINENSE

Josué Luiz Marinho Junior

Moacyr Cunha Filho

Victor Casimiro Piscoya

Ana Luiza Xavier Cunha

Thaísa Oliveira Folha Piscoya

Raimundo Rodrigues Gomes Filho

Dario Costa Primo

Alceu Pedrotti

Francisco Sandro Rodrigues Holanda

Renisson Neponuceno de Araújo Filho


Mudanças Da Cobertura Florestal E Suas Interferências Nos Atributos Físicos Do Solo Sul Tocantinense

Resumo: O plantio de Eucalyptus representa 72,7% da área total de árvores plantadas no Brasil, e está
em constante crescimento no bioma Cerrado. Com isso o presente estudo teve como objetivo avaliar
as qualidades físicas do solo sob um plantio de Eucalyptus sp. e um fragmento de cerrado sensu stricto.
O estudo foi desenvolvido na fazenda experimental da Universidade Federal do Tocantins – UFT,
campus Gurupi, TO, sobre as coordenadas 11º 46’’ 25’ de latitude S e 49º 02’’ 54’ de longitude O, em
solo classificado como Plintossolo pétrico. As coletas foram realizadas na camada com profundidade
de 0–20 cm, com onze repetições para cada área. Os atributos avaliados foram: a textura do solo, a
densidade (Ds), densidade de partículas (Dp) e a porosidade total (Pt). A composição granulométrica
do solo nas duas áreas estudadas houve predomínio da fração arenosa. Os valores de Ds, Dp e Pt não
apresentaram diferenças significativas pelo teste de Tukey (5%), que pressupõe que a mudança de
cobertura de cerrado sensu stricto para floresta plantada com Eucalyptus sp. não favorece problemas
físicos para o solo em estudo.
Palavras-Chave: Eucalyptus, cerrado sensu stricto, qualidades físicas do solo

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Mudanças Da Cobertura Florestal E Suas Interferências Nos Atributos Físicos Do Solo Sul Tocantinense

1. INTRODUÇÃO

A área total de árvores plantadas no Brasil chega a quase 8 milhões de hectares, crescimento devido
exclusivamente ao aumento das áreas com Eucalyptus que ocupa 72,7% da área total de árvores
plantadas no País [1]. A silvicultura de Eucalyptus está em constante crescimento no domínio Cerrado,
motivada principalmente pela presença de empresas floresto-industriais. Com isso ressalta a
importância dos efeitos da cobertura das florestas plantadas nos atributos do solo [2]. A cobertura
florestal age como barreira natural para intempéries como vento e a chuva reduzindo o impacto das
gotas no solo, o que diminui o escoamento e o processo de erosão do solo [3].
Além disso, a cobertura também promove uma melhor qualidade das características físicas do solo,
com a contribuição da matéria orgânica, que auxilia na redução da compactação, aumenta a
porosidade e dá maior estabilidade aos agregados [4]. As gotas de chuva caem diretamente no solo
causando maior impacto e consequentemente maior compactação no solo, causando diminuição de
poros, que reduz a aeração, percolação de água e dificultando o desenvolvimento radicular das plantas
[5].
A qualidade física do solo é conceituada como a capacidade de exercer funções sustentáveis em
relação a produção biológica, qualidade ambiental e proporcionar condições saudáveis para as
plantas, animais e o homem [6]. Dentre os principais indicadores físicos utilizados na avaliação da
qualidade dos solos, têm-se utilizado, com frequência a densidade e a porosidade total do solo, estes
indicadores estão relacionados à organização das partículas e do espaço poroso do solo, refletindo
assim, limitações ao crescimento radicular, à emergência das plântulas, à infiltração e percolação da
água no perfil terrestre [7].
Visto a importância das coberturas vegetais na manutenção das propriedades físicas para um solo de
qualidade, esse estudo tem como objetivo avaliar a influência da floresta plantada de Eucalyptus sp.
sobre as alterações nos atributos físicos do solo em comparação a um fragmento de cerrado sensu
stricto no sul de Tocantins.
2. MATERIAL E MÉTODOS
CARACTERIZAÇÃO DAS ÁREAS AVALIADAS
O estudo foi desenvolvido na fazenda experimental da Universidade Federal do Tocantins – UFT,
campus de Gurupi, Tocantins, sob as coordenadas geográficas 11º 46’’ 25’ de latitude S e 49º 02’’ 54’
de longitude O. O clima característico da região segundo Thornthwaite é do tipo C2wA “a”, clima
úmido subúmido com moderada deficiência hídrica, tendo duas estações bem definidas, com cerca de

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Mudanças Da Cobertura Florestal E Suas Interferências Nos Atributos Físicos Do Solo Sul Tocantinense

seis meses de seca compreendendo o período de inverno e seis meses de chuva que correspondem
ao verão. A temperatura média anual varia entre 25º a 29º C°, a precipitação média anual de 1.650
mm e a altitude média de 287 metros [8].
O solo da região é classificado como Plintossolo Pétrico, com horizonte diagnóstico B plíntico ou
concrecionário, formado por solos minerais, ácidos e que tem como características terrenos com
lençol freático alto ou que pelo menos apresente restrição temporária à percolação da água,
favorecendo o desenvolvimento de horizonte plíntico, por permitir que o terreno permaneça saturado
com água, pelo menos, uma parte do ano, os solos possuem coloração variável, com predomínio de
cores pálidas [9].
As áreas estudadas foram um fragmento de cerrado sensu stricto e um povoamento de Eucalyptus sp.
cada área apresenta as seguintes características:
A área de Eucalyptus sp. possui área de 0,65 ha e 11 anos de idade e foi implementada com a utilização
de um sistema de posicionamento global (GPS). O alinhamento de esquadrejamento do plantio feito
pelo método do triângulo reto (3/4/5) com o auxílio de uma trena e baliza. As covas foram escavadas
manualmente, com auxílio de cavadeiras, e espaçamento adotado foi de 3 x 2 m, seguida de adubação
de NPK na formulação 5-25-15. O plantio foi realizado com auxílio de uma estaca de madeira para
fazer a cova e acondicionar as mudas [10].
O fragmento de cerrado sensu stricto foi utilizada como testemunha, e é um fragmento preservado e
sem histórico de perturbação antrópica. Com uma área de 22,82 ha e alta biodiversidade, onde as
famílias que apresentaram o maior índice de valor de importância (IVI) são: Anacardiaceae (12,97%),
Fabaceae (11,36%), Vochysiaceae (7,12%), Burseraceae (6,55%), Myrtaceae (5,85%), Rubiaceae
(4,84%), Sapindaceae (4,56%) e Malvaceae (4,33%) totalizando 57,58% do IVI (SILVA; SOUZA, 2016).
Das espécies encontradas, as que tinham maior número de indivíduos foram: Myrcia splendens (Sw.)
DC. (13,04%), Qualea multiflora Mart. (9,87%), Protium heptaphyllum (Aubl.) Marchand (7,53%),
Magonia pubescens A.St.-Hil. (5,35%), Qualea grandiflora Mart. (5,02%), Qualea parviflora Mart.
(4,35%), Byrsonima pachyphylla A.Juss. (3,01%), Tapirira guianensis Aubl. (2,87%), Antonia ovata Pohl
(2,51%), Byrsonima stipulacea A.Juss. (2,51%), Luehea grandiflora Mart. & Zucc. (2,51%), Terminalia
argentea Mart. (2,17%), [11].

3
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Mudanças Da Cobertura Florestal E Suas Interferências Nos Atributos Físicos Do Solo Sul Tocantinense

AMOSTRAGEM DO SOLO

As coletas foram realizadas nos meses de outubro de 2018 a maio de 2019, as amostras indeformadas
foram utilizadas para a densidade do solo e amostras deformadas para a densidade de partículas,
ambas as coletas foram feitas na profundidade de 0-20 cm, com onze repetições.
As amostras deformadas foram secas em temperatura ambiente e passadas em peneira de 2 mm para
análises físicas. As amostras não deformadas foram coletadas com o anel volumétrico (com medidas
de 3x8 cm, diâmetro e altura respectivamente), após coletadas foram envolvidas com filme PVC e,
colocados em caixas com espuma para o transporte.

ANÁLISES FÍSICAS DO SOLO

A densidade do solo foi determinada pelo método do anel volumétrico (Kopecky) e a densidade de
partículas foi determinada pelo método do balão volumétrico e a partir dos resultados foram
calculados a porosidade total do solo, e a granulometria do solo [12]. A classe textural do solo foi
encontrada utilizando o triangulo textural do Departamento de Agricultura dos EUA.

ANÁLISES ESTATÍSTICAS

Os dados de estimativa da densidade e da densidade de partículas do solo das áreas em estudos serão
submetidos a análise de variância e a comparação das médias foram realizadas pelo teste de Tukey a
5% de significância, utilizando o software estatístico SISVAR [13].

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A composição granulométrica do solo nas duas áreas estudadas houve predomínio da fração arenosa,
o que está relacionado com a natureza do material de origem. Sendo que o solo da área de cerrado
sensu stricto apresentou textura franco-argilo-arenosa e na área de plantio de Eucalyptus sp. argilo-
arenosa (Tabela 1). O predomínio de areia em ambos os solos pode indicar uma baixa capacidade de
captação de nutrientes, devido ao tamanho de seus agregados relativamente grandes, o que faz com
que tenha pouca capacidade de reter água e não aderir uns aos outros. Já a presença da textura franca
pode indicar que a porcentagem de argila contida no solo apesar de reduzida consegue induzir suas
propriedades argilosas no solo [14].

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Mudanças Da Cobertura Florestal E Suas Interferências Nos Atributos Físicos Do Solo Sul Tocantinense

Tabela 1. Granulometria e textura nas áreas de cerrado sensu stricto e Eucalyptus sp.

Cobertura Florestal Areia Grossa Areia Fina Silte Argila Textura

Franca argila
cerrado sensu stricto 45,08 ±2,96 12,73 ±1,64 7,61 ±0,55 34,58 ±2,45
arenosa
Eucalyptus sp. 46,38 ±2,27 10,39 ±2,69 6,59 ±1,42 36,64 ±2,02 Argila arenosa

Solos sob diferentes usos diferem quanto a seus atributos físicos, em relação a vegetação nativa, sendo
essas diferenças mais evidentes na camada superficial do solo [15].
Dentre as duas coberturas florestais, a área de Eucalyptus sp. apresentou maiores valores para
densidade do solo (Ds) e porosidade total (Pt) entretanto, os números não apresentaram diferença
significativa entre as coberturas florestais. A densidade média do solo na profundidade 0–20 cm,
apresentou 1,66 g cm–3 para a área de Eucalyptus sp. e 1,63 g cm–3 para a área de cerrado sensu
stricto (Tabela 2), dados que estão dentro do intervalo considerado normal para solos arenosos que
variam de 1,2 a 1,9 g cm–3[16]. Os resultados encontrados neste estudo podem ser justificados devido
a sua granulometria similar que ambos apresentaram e ao baixo teor de matéria orgânica que
influenciam diretamente na densidade, visto que a área estudada não apresenta trânsito de veículos
ou animais que justifiquem os altos valores de densidade encontrados. Contudo, os dados de
densidade apresentados, podem indicar a ocorrência de degradação do solo, o que indica uma
provável compactação e/ou adensamento do solo [5]. O maior valor de Ds para o solo sob o plantio
de Eucalyptus em relação ao cerrado sensu stricto evidencia que a área ainda se encontra em processo
de regeneração, devido processo de preparo da terra, adubação e plantio. Entretanto destaca-se a
capacidade de regeneração do solo sob o plantio de Eucalyptus, pois apresenta valores próximos a um
solo sem interferência antrópica (cerrado sensu stricto).
Brizi, Souza e Costa (2017) [17] e Almeida et al. (2015) [18] encontraram números similares ao exposto
neste estudo, onde a densidade encontrada em áreas que apresentaram condições originais
(vegetação nativa) era menor em comparação a florestas plantadas. Rosa et al. (2018) [19] confirma
nos resultados expostos em seu estudo, que os menores valores de Ds são encontrados nas áreas sob
mata nativa.
A Dp apresentou resultados semelhantes nos solos em ambas as áreas, 2,59 g cm–3 para o Eucalyptus
e 2,58 g cm–3 para o cerrado sensu stricto (Tabela 2). Não se observou efeitos significativos sobre dos
tratamentos sobre a Dp sendo que, os resultados estão bem próximos ao intervalo encontrado para
maioria dos solos minerais onde a Dp varia entre 2,60 e 2,75 g cm–3 [20]. Esses números se devem

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Mudanças Da Cobertura Florestal E Suas Interferências Nos Atributos Físicos Do Solo Sul Tocantinense

provavelmente a presença de minerais como quartzo, feldspato, mica e coloides silicatados, no solo,
e possuem valores de densidade próximos a esse intervalo [17].
Tabela 2. Valores médios de densidade (Ds), densidade de partículas (Dp) e porosidade total (Pt) em
área de cerrado sensu stricto e de Eucalyptus sp.

Ds Dp Pt
Cobertura Florestal Profundidade (cm)
(g cm–3) (g cm–3) (%)
cerrado sensu stricto 0 – 20 1,63a* 2,58a 35,77ª
Eucalyptus sp. 0 – 20 1,66a 2,59a 36,93ª
*Médias seguidas pela mesma letra não diferem estatisticamente entre si, a 5% de significância, pelo
teste Tukey.

Em relação ao estudo, apesar de apresentar características argilosas em sua textura, os solos de ambas
as coberturas florestais analisadas apresentam predominância de areia grossa e areia fina o que
justifica sua alta densidade. Solos arenosos possuem maior densidade em relação aos solos com
textura fina (teores consideráveis de argila), pois apresentam baixa quantidade de matéria orgânica e
partículas sólidas menos predispostas a formarem agregados. Solos arenosos e argilosos apresentam
quantidades similares de poros, com a diferença de que os solos arenosos possuem menos poros no
interior de seus agregados o que justifica uma menor porosidade total [7].
Assim os números de Pt encontrados vão de acordo com o exposto por Brady e Weil (2013) [20], pois
o solo estudado apresenta predominância de areia e possivelmente baixo teor de matéria orgânica, o
que justifica a porcentagem total de poros para os solos sob o plantio de Eucalyptus sp. de 36,93% e
para o cerrado sensu stricto 35,77% (Tabela 2).
A Ds e Pt são menos influenciadas pelos diferentes tipos de manejo, em solos com teor de argila
variável entre 9,6 e 66,4% [21]. O que pode explicar a igualdade nos resultados encontrados de Ds e
Pt em ambas as coberturas florestais, pois o teor de argila encontrado, 36,64% para os solos sob o
plantio de Eucalyptus sp. 34,58% para apresentou-se dentro do intervalo proposto.
A proximidade dos valores encontrados de Ds, Dp e Pt nos solos sob o Eucalyptus sp. e o cerrado sensu
stricto mostra que manejos florestais como o de Eucalyptus sp. contribuem para a manutenção dos
atributos físicos dos solos, muito provável em função da ausência das práticas de aração e gradagem
e no aumento de teores de matéria orgânica.

4. CONCLUSÃO

Frente aos resultados obtidos pode-se concluir que:

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Mudanças Da Cobertura Florestal E Suas Interferências Nos Atributos Físicos Do Solo Sul Tocantinense

•O solo sob o plantio de Eucalyptus apresentou maiores valores de densidade do solo, densidade de
partículas e porosidade total, contudo em comparação a mata nativa, essas diferenças não foram
expressivas;

•O plantio de Eucalyptus contribui para a manutenção dos atributos físicos dos solos;

•A densidade do solo encontrada para ambas as coberturas florestais, se deve principalmente aos
altos teores de areia presente em sua granulometria, fazendo com que o solo apresente valores de
densidade mais elevados.

5. AGRADECIMENTOS

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão da bolsa de


estudos.

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898
Mudanças Da Cobertura Florestal E Suas Interferências Nos Atributos Físicos Do Solo Sul Tocantinense

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Fernando Lepsch. Porto Alegre: Bookman, 2013. 716 p.

21.Reichert JM, Suzuki LEAS, Reinert DJ. Compactação do solo em sistemas agropecuários e florestais:
identificação, efeitos, limites críticos e mitigação. Tópicos em Ciência do Solo, 2007:5:49-134.

9
900
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 68
10.37423/200802305

ANÁLISE DA PREVALÊNCIA DE HANSENÍASE NO


ESTADO DO TOCANTINS ENTRE OS ANOS DE
2014 E 2017

Wanessa Araújo Machado Universidade de Gurupi

Thaynara Rodrigues Pontes Fabbrin Universidade de Gurupi

Rayssa de Oliveira Glória Universidade de Gurupi


Análise Da Prevalência De Hanseníase No Estado Do Tocantins Entre Os Anos De 2014 E 2017

Resumo: Objetivo: Analisar a situação epidemiológica da doença no Tocantins, bem como destacar a
necessidade de medidas públicas para melhorias no diagnóstico e acompanhamento do tratamento
dos hansenianos. Importância do trabalho: A hanseníase é uma doença infecciosa de manifestação
dermatoneurológica e de evolução crônica, considerada ainda um caso grave de saúde pública
nacional, o que justifica a sua notificação compulsória e cujo programa de eliminação está entre as
ações prioritárias do Ministério da Saúde. A hanseníase precisa ser tratada quando um ou mais dos
seguintes achados encontram-se presentes: lesão de pele com alteração de sensibilidade,
espessamento de tronco nervoso ou baciloscopia positiva na pele. A descoberta do diagnóstico e o
tratamento são imprescindíveis para o bem estar do paciente, além disso, o estado do Tocantins é uma
região endêmica, fazendo com que os profissionais da saúde tenham atenção redobrada com a
possibilidade de diagnosticar a hanseníase. Conclusão: No período estudado, ou seja, de 2014 a 2017,
o número de novos casos de hanseníase no Tocantins aumentou consideravelmente. A forma clínica
predominante foi a dimorfa (53,75%; 2.498/4.647), seguida da forma indeterminada (15,64%;
727/4.647), subsequente vem a virchowiana (12,37%, 575/4.647) e por último, a tuberculóide (11,75%,
546/4.647).

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902
Análise Da Prevalência De Hanseníase No Estado Do Tocantins Entre Os Anos De 2014 E 2017

1. INTRODUÇÃO

A hanseníase é uma doença infecciosa de manifestação dermatoneurológica e de evolução crônica,


granulomatosa, causada pelo Mycobacterium leprae, considerada ainda um caso grave de saúde
pública nacional, o que justifica a sua notificação compulsória. A entrada do bacilo no organismo
ocorre principalmente pelas vias aéreas superiores, podendo ocorrer também por via
transplacentária; contudo a contaminação por meio do contato da pele integra com as lesões ainda é
muito contestada e não foi totalmente elucidada. Vários estudos indicam que a manifestação da
doença depende da resposta imunológica do paciente.
Estudos de MAGALHÃES, C. C. M. et al indicam que várias das principais áreas, historicamente
endêmicas, no mundo, encontram-se sob clima tropical, elevadas temperaturas e precipitações
pluviométricas. O ranking mundial de prevalência da hanseníase é: em 1º lugar é a Índia, em 2º, o
Brasil e em 3º colocação, aparece a África.
A classificação de Madrid, instituída em 1953, divide a hanseníase em 4 categorias, sendo elas:
Tuberculóide (T), Virshowiana (V) ou Lepromatoso (L), Indeterminado (I) e Borderline (B) ou Dimorfa
(D). Essa classificação leva em consideração os aspectos clínicos, bacteriológicos, imunológicos e
histológicos da hanseníase. O Ministério da Saúde define como caso de hanseníase para tratamento,
quando um ou mais dos seguintes achados encontram-se presentes: lesão de pele com alteração de
sensibilidade, espessamento de tronco nervoso ou baciloscopia positiva na pele.
Segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia, a hanseníase é dividida em paucibacilar e
multibacilar. A hanseníase é classificada em paucibacilar quando apresenta menos de 5 lesões de pele
e/ou apenas 1 tronco nervoso acometido. São classificados como paucibacilar a forma indeterminada
e a tuberculóide. A hanseníase multibacilar se manifesta com mais de 5 lesões de pele e/ou mais de 1
tronco nervoso acometido, e, engloba, a forma dimorfa e virchowiana da doença.

2. METODOLOGIA

Estudo epidemiológico retrospectivo-analítico, no período de 2014 a 2017, no qual foi identificada a


incidência de casos de hanseníase no estado do Tocantins, na faixa etária de 10 a 79 anos, em sexo
feminino e masculino, com análise do número de lesões cutâneas, de nervos acometidos e da forma
clínica da doença. Os dados obtidos a partir de consulta ao Departamento de Informática Do Sistema
Único de Saúde (DATASUS).

2
903
Análise Da Prevalência De Hanseníase No Estado Do Tocantins Entre Os Anos De 2014 E 2017

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Entre o período de 2014 a 2016, houve aumento de 116,63% de casos de hansenianos com 5 ou menos
nervos acometidos. Já os pacientes com mais de 5 nervos acometidos, acresceram em 230%. No ano
de 2017, constatou-se 368 casos de pacientes com 5 ou menos nervos acometidos e 43 casos com
mais de 5 nervos acometidos (Figura 1).

Figura 1. Prevalência de hanseníase em menos de 5 nervos acometidos e mais de 5 nervos


acometidos em 2017.
Fonte: o próprio autor.
A forma clínica, predominante na área do estudo de 2014 a 2017 foi a dimorfa (53,75%; 2.498/4.647),
a indeterminada, que se constitui na forma inicial da doença, foi a segunda em prevalência (15,64%;
727/4.647), seguido da virchowiana (12,37%, 575/4.647) e pela tuberculóide (11,75%, 546/4.647),
(Figura 2). Nos pacientes contabilizados no estudo, 35,57% tinham menos de 5 lesões de pele, 15,45%,
com mais de 5 lesões e 48,9% deles, não entraram na classificação (Figura 3).

Figura 2. Formas clínicas predominantes no período entre 2014 e 2017.


Fonte: o próprio autor.

3
904
Análise Da Prevalência De Hanseníase No Estado Do Tocantins Entre Os Anos De 2014 E 2017

Figura 3. Prevalência de pacientes com lesões de pele e não classificados, entre 2014 e 2017.
Fonte: o próprio autor.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos dados colhidos, é possível observar que houve um aumento expressivo na prevalência de
hanseníase no estado do Tocantins entre os anos de 2014 e 2016, com predominância da forma
dimorfa. No ano de 2017 constataram-se valores menores de diagnóstico de hanseníase, devido a
possíveis subnotificações. A descoberta do diagnóstico e o tratamento são imprescindíveis para o bem
estar do paciente, além disso, o estado do Tocantins é uma região endêmica, fazendo com que os
profissionais da saúde necessitem de atenção redobrada para realizar o diagnóstico de hanseníase de
maneira precoce.

4
905
Análise Da Prevalência De Hanseníase No Estado Do Tocantins Entre Os Anos De 2014 E 2017

5. REFERÊNCIAS

MAGALHÃES, C.C.M. et al. Epidemiologia e Serviços de Saúde. n. 16, v. 2, p.75 – 84, 2007.

Ministério da Saúde. Portaria Nº 1073/GM de 26 de setembro de 2000. Publicada no D.O.U. - 188-E,


p. 18, Seção 1, 28 de setembro, 2000.

SOCIEDADEBRASILEIRADEDERMATOLOGIA.Disponívelem:<https://www.sbd.org.br/dermatologia/pel
e/doencas-e-problemas/hanseniase/9/> Acesso em: 23 de agosto de 2019.

SOUZA, C.S. Hanseníase: formas clínicas e diagnóstico diferencial. Medicina, Ribeirão Preto, n. 30: p.
325-334, jul./set. 1997.

5
906
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 69
10.37423/200802335

SEPSE: ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA NO ESTADO


DO TOCANTINS ENTRE 2015 E 2019

Thaynara Rodrigues Pontes Fabbrin Universidade de Gurupi

Wanessa Araújo Machado Universidade de Gurupi

Rayssa de Oliveira Glória Universidade de Gurupi

Camilla Macedo Abreu Universidade de Gurupi


SEPSE: Análise Epidemiológica No Estado Do Tocantins Entre 2015 E 2019

Resumo: Objetivo: Realizar uma análise epidemiológica dos casos de sepse no estado do Tocantins no
período entre janeiro de 2015 e junho de 2019, correlacionando às cidades de Gurupi e Palmas.
Importância do trabalho: A sepse é um importante problema de saúde no brasil, incluindo os serviços
públicos e privados, com altos custos de tratamento e grande índice de mortalidade. A população
precisa ser melhor informada sobre as causas, as consequências e a ampla taxa de mortalidade que a
sepse e o choque séptico pode provocar no estado do Tocantins e no Brasil. Diante disso evidencia-se a
importância de estudar seu perfil epidemiológico de uma maneira geral. Conclusão: No período
estudado, de janeiro de 2015 a junho de 2019, as internações, geradas pela sepse, seguidas de óbito
no estado do Tocantins foram de 55,05%. Esse dado demonstra como a doença é complexa e precisa
da atenção dos profissionais da saúde, além do diagnóstico precoce e tratamento adequado.

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908
SEPSE: Análise Epidemiológica No Estado Do Tocantins Entre 2015 E 2019

1.INTRODUÇÃO

A sepse é um importante problema de saúde no Brasil, incluindo serviços públicos e privados, com
altos custos de tratamentos. Atualmente, os dados nacionais apontam altas taxas de mortalidade por
sepse, principalmente em hospitais públicos do Sistema único de Saúde (SUS).
Essa síndrome clínica caracterizada pela presença de mecanismos inflamatórios, em que ocorrem
alterações circulatórias e celulares: vasodilatação e aumento da permeabilidade capilar. Esses fatores
colaboram para a hipovolemia e hipotensão no paciente, além de redução da densidade capilar e
coagulação intravascular disseminada, resultando em uma redução da oferta de oxigênio tecidual.
Como consequência, há o aumento do metabolismo anaeróbico e a hiperlactatemia. A diminuição da
oferta de oxigênio e alterações celulares são os mecanismos fisiopatológicos que precedem a
disfunção orgânica.
Segundo o Instituto Latino Americano de Sepse (ILAS), a mortalidade nos hospitais privados brasileiros
para sepse e choque séptico é de 23,4% e 56,2%, respectivamente, e nos hospitais públicos, de 44,2%
e 72,9%. A partir desses dados institui-se a necessidade de uma análise local para compreeder as
características e desfechos da sepse na região, que podem influenciar nos alarmantes dados nacionais.
A rápida identificação da sepse, associada à terapêutica adequada, traz resultados favoráveis para o
paciente, o que seria essencial para a diminuição da taxa de mortalidade da sepse.

2. METODOLOGIA

Estudo epidemiológico retrospectivo desenvolvido a partir de consulta ao Departamento de


Informática do Sistema de Saúde (DATASUS). Foram analisados o número de internações e óbitos por
Sepse no estado do Tocantins entre Janeiro de 2015 a Junho de 2019, na faixa etária de menor de 1
ano de idade à 79 anos e nos sexos feminino e masculino.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Entre o período de janeiro de 2015 e junho de 2019, o estado do Tocantins teve 1671 internações por
septicemia, sendo que 920 desses casos resultaram em óbito. A taxa de mortalidade por sepse
subsequente a internação é de 55,05% (920/1671), como mostra a figura 1.

2
909
SEPSE: Análise Epidemiológica No Estado Do Tocantins Entre 2015 E 2019

Figura 1. Óbitos e recuperações no estado do Tocantins entre 2015 e 2019.


Fonte: o próprio autor.
A terceira maior cidade do estado do Tocantins é Gurupi, nela ocorreram 116 internações causadas
pela sepse e 72 pacientes vieram a óbito devido as consequências da doença. No intervalo estudado,
62% (72/116) dos pacientes faleceram e 38% se recuperaram (Figura 2). A capital do estado, Palmas,
nesse mesmo período analisado, obteve 862 internações e 459 óbitos provocados pela sepse,
apresentando uma taxa de mortalidade de 53,25% (459/862).

Figura 2. Recuperações e óbitos provocados pela sepse na cidade de Gurupi entre janeiro de 2015 e
junho de 2019.
Fonte: o próprio autor.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos dados obtidos, é plausível observar que a taxa de mortalidade é alta para os pacientes que
são internados devido a sepse. A porcentagem de óbitos ultrapassa os 50% no estado do Tocantins
entre janeiro de 2015 e junho de 2019. Somente na capital do estado, Palmas, 53,25% das internações
totalizam em óbito. O diagnóstico precoce da sepse e os cuidados que se devem ter com o paciente

3
910
SEPSE: Análise Epidemiológica No Estado Do Tocantins Entre 2015 E 2019

para que não chegue ao ponto de ocorrer um choque séptico são fundamentais para o bem-estar do
mesmo.

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911
SEPSE: Análise Epidemiológica No Estado Do Tocantins Entre 2015 E 2019

5. REFERÊNCIAS

BARROS, L.L.S.: MAIA, C.S.F.: MONTEIRO, M.C. Fatores de risco associados ao agravamento de sepse
em pacientes em Unidade de Terapia Intensiva. Caderno de Saúde Coletiva. v.24, n.4, p. 388-396. 2016.

DELLINGER, R.P.: LEVY, M.M.: RHODES, A, et al. Campanha de sobrevivência à sepse: diretrizes
internacionais para o tratamento de sepse grave e choque séptico. Critical Care Medicine. v.41, n.2,
p.580-637. 2013.

GÁRCIA, M.G.: CÉSAR, I.C.O.: BRAGA, C.A, et al. Perfil epidemiológico das infecções hospitalares por
bactérias multiresistentes em um hospital do norte de Minas Gerais. Revista de Epidemiologia e
Controle de Infecção. v.3, n.2, p.45-49. 2013.

ILAS - Instituto Latino-Americano de Sepse. Campanha Sobrevivendo à Sepse: Relatório nacional. São
Paulo: ILAS; 2015.

Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Situação epidemiologia da septicemia.


DATASUS. Disponível em: Data de acesso: 23 de agosto de 2019.

5
912
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 70
10.37423/200802348

A IDENTIDADE DA MULHER SURDA: AS


RELAÇÕES DE PODER E AS PRÁTICAS SOCIAIS
DISCURSIVAS REPRESENTADAS ATRAVÉS DA
LITERATURA

Carla Georgia Travassos Teixeira Pinto Universidade da Amazônia

Monique de Araujo Elias Universidade do Estado do Pará


A Identidade Da Mulher Surda: As Relações De Poder E As Práticas Sociais Discursivas Representadas Através Da Literatura

Resumo: O presente trabalho focaliza um estudo junto a jovens surdas que utilizam a literatura como
materialidade artística discursiva, analisado a partir da condição social destas entre mundo sociais e
culturais diferentes, construindo intricados caminhos buscando o artefato cultural visual, elas recorrem
aos contos e fábulas para produzir arte, sintetizar suas emoções, suas histórias, suas subjetividades e
sua cultura na comunidade Parque União. Criam a arte com a intenção de revelar ao mundo o que elas
pensam, divulgar as convicções da comunidade surda legitimada pela língua de sinais como sendo a
língua natural dos surdos. O presente estudo possui como objetivo principal, divulgar a cultura surda
e retratar a mulher interconectada a uma multiplicidade de identidades. No referencial teórico
elencamos Skiliar (2011) e Strobel (2008). A metodologia do presente estudo foi desenvolvida com 4
(quatro) jovens surdas, com idades entre 12 a 17 anos, todas alunas de Escola pública. O percurso
metodológico foi construído em três etapas: leitura de textos usando a Língua Brasileira de Sinais
(Libras), produção textual e finalizando com a dramatização. Os resultados observados foram a
transformação do espaço educacional traçando caminhos para uma pedagogia surda e o currículo
surdo que contribui na formação de identidades culturais positivas de pessoas surdas. Concluímos que
neste processo há a constituição de uma mulher emergente que requer reflexões sobre como se
constitui os saberes sobre a surdez na atualidade, como a mulher surda se referi a si própria e como
ela é revelada, as coisas que são faladas sobre ela.
Palavras-Chave: Cultura Surda; Identidade; Literatura; Jovens; Artes.

1
914
A Identidade Da Mulher Surda: As Relações De Poder E As Práticas Sociais Discursivas Representadas Através Da Literatura

1.INTRODUÇÂO

Nossa pesquisa possui como ponto central os “Estudos Culturais”, é conduzido em busca da emersão
da mulher surda, e equipara-se com o pensamento apontado por Hall (1997), que revela que são as
identidades que, por um tempo prolongado, mantiveram o mundo social em decadência e
desagregada. Para o autor, isso é intitulado por “crise de identidade” que é entendida como um
componente de um processo mais extenso de mudança, que está desviando os pilares e processos
centrais das sociedades modernas e desestabilizando os quadros de referência que forneciam aos
sujeitos um porto seguro equilibrado no mundo moderno.
Essas identidades em tensão estão sendo interpeladas, “descentradas”, ou seja, “deslocadas ou
fragmentadas”, visto que o sujeito, até então simbolizado e experimentado como condutor de uma
identidade unificada e definitiva, entre em ameaça e não se identifica mais como uma identidade
estável e homogênea, cria-se o portal das várias identidades, por vezes contraditórias ou não
resolvidas. (ibidem, p. 12-13).
Os deslocamentos de uma identidade para a multiplicidade de identidades desorganizam aspectos e,
também, as concepções de gênero e sexualidade, entre outros, bem como altera, ainda, o diagrama
arquitetônico desse campo de conhecimento. Diante disso, a paisagem, o lugar em que esse sujeito
multifacetado caminhará é composto, e se organiza como uma teia, que é estruturada nas relações de
saber e poder, contudo, com a flexibilidade necessária para consentir cada detalhe, cada
especificidade, como uma nova face, que está eternamente aberta para um novo contemplar.
Neste instante, inicia novos formas de instituir as “paisagens” culturais de gênero, classe, sexualidade,
etnia, raça e nacionalidade, que ignoram à construção do homem na qualidade de sujeito e objeto da
história, representada e vivida como história ininterrupta.
Interromper com a linearidade histórica é estar localizado em outro espaço e, se situar neste novo
espaço, é essencial se identificar como habitante de uma perspectiva fora do estruturalismo da
modernidade. Um novo panorama pode ser encontrado imerso nos Estudos Culturais, que possuem,
como uma das incumbências, efetivar o processo de desconstruir todo e qualquer limite centralizador,
globalizante, homogêneo e permanente. Outra missão é de finalizar, com as narrativas que direcionam
para refutação binárias, tendo como exemplo, surdos/ouvintes, masculino (homem/ feminino
(mulher). O procedimento de desconstrução pertence, porquanto, a esse lugar, semelhante a um dos
instrumentos que:
Permitem perturbar essa ideia de revelação de via única e observar que o
poder se exerce em várias direções. (...) Os sujeitos que constituem a

2
915
A Identidade Da Mulher Surda: As Relações De Poder E As Práticas Sociais Discursivas Representadas Através Da Literatura

dicotomia não são, de fato, apenas homens ou mulheres, mas homens e


mulheres de várias classes, raças, religiões, idades, etc. (LOURO, 1997, p.33).
A importância deste trabalho está relacionada a introduzir aos Estudos Culturais os Estudos Surdos e
o assunto de gênero, buscamos esse caminho para aprofundar esse tema, simultaneamente que
recorremos a desconstrução das narrativas que se direcionam à mulher surda.
A justificativa da nossa pesquisa é centrada no entendimento da concepção de identidade para situar
a mulher surda. Dentro do conjunto de identidades plurais, múltiplas; que se modificam que não são
inertes, estáticas ou imobilizadas, podem até mesmo ser contraditórias, todavia, não são identidades
prontas e acabadas. Pretendemos falar desta identidade com referência de construção móvel,
transformação, movimento que conduz essa mulher a diversos caminhos possíveis na busca do direito
de ser surda e ter suas prerrogativas legais respeitadas pela cultura hegemônica ouvinte.
A Relevância deste trabalho consiste em compreender a identidade surda fora da visão da deficiência
e relacionar os Estudos Surdos aos Estudos Culturais, desejamos desconstruir a concepção de
incapacidade que é atribuída ao surdo. E entender o corpo como um ponto para inserir a questão de
gênero, conectada à sexualidade da mulher surda. E neste intento contribuir de forma significativa
com o Grupo de Pesquisa Linguagens, Culturas, Tecnologias e Inclusão, do Instituto Federal Castanhal/
PA, principalmente na linha de pesquisa da Educação Inclusiva.
Os objetivos desta pesquisa fundamentam-se na possibilidade de divulgar a cultura surda e retratar a
mulher interconectada a uma multiplicidade de identidades

2.A PARTIR DE QUE INTERPRETAÇÃO: OS ENUNCIADOS QUE DESCREVEM A MULHER SURDA

As concepções que apontamos a mulher surda advém da transversalidade, na interceptação de três


eixos: os Estudos Surdos, os Estudos Culturais, e o de gênero e sexualidade, numa interpelação pós-
estruturalista em educação.
Louro (1997) chama atenção para a configuração desta mulher surda que será evidenciada é a mulher
interconectada a várias identidades, em que o ser mulher surda representa apenas uma delas. Desta
forma, entendemos que não há apenas um tipo de mulher surda ao contrário há várias mulheres
surdas, divergentes, que não são iguais entre si, que podem ser companheiras, cúmplices ou
adversárias.
Esta mulher surda será analisada no território dos Estudos Culturais, proporcionando-lhe uma reflexão
conectando-a, nos Estudos Surdos, no acervo de conhecimentos, destacando a surdez como questão
epistemológica e não mais como patologia. Neste sentido, discutiremos essa questão epistemológica

3
916
A Identidade Da Mulher Surda: As Relações De Poder E As Práticas Sociais Discursivas Representadas Através Da Literatura

no contexto de refletir o modo como encaramos as formas pelas quais se criam e foram criadas como
artefatos verdadeiros, o que entendem e afirmam sobre a mulher surda.
Os teóricos Wrigley (1996) e Davis (1995), abordam a surdez no campo da epistemologia e não como
patologia.
Wrigley (1996) sinaliza para a análise dos aspectos etnográficos das culturas dos surdos. Todavia, esta
não significa uma etnografia da surdez. É, sim:
Um estudo de inclusão e exclusão, da disponibilidade e administração de
identidades aceitáveis; dá detalhes da construção das percepções pelas
quais as diferenças particulares são mais efetivamente excluídas e outras
mais efetivamente incluídas. Os surdos – suas experiências e suas
representações como “surdos” - representam uma interseção peculiar de
questões que ressoam em terrenos aparentemente bastante separados.
(Wrigley, 1996, p. 13)
Neste sentido, Wrigley (1996) estabelece relação com os estudos de Hall (1997) no que concerne ao
processo de identificação, tornando esse processo “provisório”, mais “variável”, assumindo a
identidade como uma “celebração móvel” (Wrigley, 1996, p. 13).
Nesse contexto, foram formados estereótipos que fortalecem a hegemonia discriminatória de sua
produção cultural. A retórica de poder do ouvinte conserva-se firme e normaliza estes estereótipos.
Essa ideologia dominante conduz a suposição que pessoas surdas e neste quadro está inserido o
gênero feminino não são capazes de desenvolver-se e ascender nos âmbitos educacional, profissional.
Neste sentido, a cultura surda entra e contesta e inverte o discurso normalizante ouvintista.

3.A IDENTIDADE FEMININA: A MULHER SURDA E SUAS NARRATIVAS DE GÊNERO E SEXUALIDADE

Posicionar a mulher surda fazendo a relação entre gênero e sexualidade tendo como base uma
abordagem Pós-estruturalista demanda um grande desafio no campo dos Estudos Surdos.
Principalmente por ser um tema com reduzido número de publicações e mais exíguo ainda quando
tratamos de relacionar Estudos Surdos e os Estudos Culturais.
A pergunta que fazemos é a seguinte: o que pode ser gênero?
Louro (1997), responde nossa pergunta.
Um sinônimo de “mulheres” e é também usado para sugerir que qualquer
informação sobre as mulheres é necessariamente informação sobre os
homens, que estudar um implica olhar para o outro. Scott enfatiza o fato de
que ele é criado nesse e por esse mundo masculino. (LOURO, 1997, p. 24).
Todas essas reflexões realizam uma intima ligação entre os Estudos Surdos e Estudos Culturais na
direção dos processos de identidade, diferenciação e alteridade. Esses processos possuem

4
917
A Identidade Da Mulher Surda: As Relações De Poder E As Práticas Sociais Discursivas Representadas Através Da Literatura

características de transitoriedade dentro de três eixos respectivamente citados acima, harmonizados


neste fundamento e, por conseguinte, estão conectados à composição de sujeitos multifacetados.
Louro (1997), enfatiza a questão de gênero sendo este considerado como “constituinte” da identidade
dos sujeitos, negando qualquer tipo de determinismo biológico. Em contrapartida, é um componente
integrante das relações de poder, rigorosamente do exercício de poder.
Então, a formação de sujeitos “generificados” desenrola-se de maneira relacional e tanto o gênero
feminino e o gênero masculino se desenvolvem um em relação ao outro. Importante salientar que
essa relação gera um sistema de diferenciação, contudo não quer dizer que sejam polos opostos.
Silva (1996), fala que as “diferenças” não tem valor fora de um conjunto de concepções que servem
para constituir e tornar firme esse sistema de poder. A distinção é subordinada à representação de
poder, afirma Silva.
Foucault (1998), fala sobre a sexualidade dentro um “dispositivo histórico”:
O dispositivo de aliança este se articula aos parceiros sexuais; mas de um
modo inteiramente diferente (...) O dispositivo de aliança se estrutura em
torno de um sistema de regras que define o permitido e o proibido, o
prescrito e o ilícito; o dispositivo da sexualidade funciona de acordo com
técnicas móveis, polimorfas e conjunturais de poder. (FOUCAULT, 1998, p.
100)
A sexualidade compreendida desta forma encontra-se relacionada ao processo de formação de
sujeitos estereotipados. Estes sujeitos ao se instituírem geram posicionamentos, comportamentos,
que descrevem e originam os chamados “papéis sexuais”. Segundo Louro (1997):
Esses papéis seriam, basicamente padrões ou regras arbitrárias que uma
sociedade estabelece para seus membros e que definem seus
comportamentos, suas roupas, seus modos de se relacionar ou de se portar.
(LOURO, 1997, p. 24).
A internalização desses papéis adequa a construção de gênero como artefato e desenvolvimento tanto
da representação quanto da autorepresentação. O gênero como sugere Scott (1996):
Uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado. (...) O uso de
“gênero” enfatiza todo um sistema de relações que pode incluir sexo, mas
não é diretamente determinado pelo sexo, nem determina diretamente a
sexualidade. (SCOTT, 1996, p. 75-76).
É instigante constatar que a sexualidade (sexo) é discutida pela perspectiva biológica funcional e
psicológica, em condição normativa e reguladores. Ou seja, a sexualidade surge sempre associada à
maternidade e aos órgãos sexuais.
No entanto, verifica-se, na argumentação textual, que as pesquisas ao indicarem para a sexualidade,
se dissolve e o sujeito surdo é declarado como o “incapacitado” de receber informações e vivenciar
relações no seu cotidiano. A apreensão da sociedade hegemônica ouvinte retorna ao “fazer/falar”,

5
918
A Identidade Da Mulher Surda: As Relações De Poder E As Práticas Sociais Discursivas Representadas Através Da Literatura

centralizada no sujeito surdo, reduzido a um ouvido doente. Desta forma, podemos afirmar que o
corpo da mulher surda também é refletido e constituído como um “órgão patológico” e esse corpo
deficiente, doente, incapacitado, não pode ser aceito, conhecido, antes da sua “normalização”.
Normalização imposta por padrões no qual este corpo possui requisitos pré-estabelecidos por esta
sociedade.
Na tessitura dessa narrativa a pergunta que instiga e como efetuar o processo desconstrutivo que não
provoque uma nova concentração no entendimento entre as narrativas construídas sobre os gêneros,
a sexualidade, a surdez, em relação à mulher surda? E, como as identidades sociais hegemônicas
podem ser questionadas e reclamadas?. Questionamentos estes que serão respondidos e analisados
na conclusão do respectivo artigo.
Continuando, se faz necessário um olhar direcionado para analisar como se percebe os saberes sobre
a “surdez” envolvendo as relações de gênero e sexualidade que se organizaram na modernidade,
verificar as afirmações e crenças que são proferidas em relação a ela, sobre ela; como ela é
exteriorizada e como ela refere a si própria.

4.A LITERATURA: O DESENVOLVIMENTO DA MULHER NA RELAÇÃO APRENDIZADO, CONVÍVIO E


TRAÇOS INTERCULTURAIS

Artefatos culturais são segundo (STROBEL, 2008, p. 37) “não se referem apenas a materialismo
culturais, mas àquilo que na cultura, constitui produções do sujeito que tem seu próprio modo de ser,
ver, entender e transformar o mundo”. Neste sentido, iremos aqui destacar a literatura surda que
representa um dos artefatos culturais da comunidade surda.
A literatura surda materializa a memória do conhecimento adquirido com experiências vividas pelo
povo surdo que perpassa por várias gerações. A literatura se pluraliza em diferentes gêneros: poesia,
história de surdos, piadas, literatura infantil, clássicos, fábulas, contos, romances, lendas e outras
manifestações culturais. Karnopp nos chama atenção para: Karnopp (1989, p. 102) “[...] utilizamos a
expressão “literatura surda” para histórias que têm a língua de sinais, a questão da identidade e da
cultura surda presentes na narrativa [...]”.
Outrossim, acresce o americano surdo Dr. Andersson:
[...] pessoas surdas de talento já tentaram criar poesia ou humor em língua
de sinais. Essas inovações culturais aconteceram em muitos países. O
recente “Deaf Way Festival” na Universidade Gallaudet provou claramente
que a língua de sinais funciona como um enriquecimento cultural ideal.
(ANDERSSON, 1992, p. 158).

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919
A Identidade Da Mulher Surda: As Relações De Poder E As Práticas Sociais Discursivas Representadas Através Da Literatura

A literatura surda relata as inúmeras experiências pessoais da comunidade surda que, reiteradamente
expõem as complexidades ou as conquistas das opressões ouvintes, de como se sobressaem em
diversos acontecimentos inesperados, testemunhando as atuações de grandes líderes e militantes
surdos e com relação a valorização de suas identidades surdas.
Strobel (2008), ressalta que comumente parte dessas narrativas em língua de sinais tem sido gravadas
em CD- ROOM, vídeos e DVD, servindo no momento atual como fontes para diversas pesquisas
executadas por pessoas surdas e ouvintes nas universidades, produzindo este artefato cultural
Literatura Surda, que é nativa e incomum:
Diferentes artefatos culturais são produzidos no sentido de dar sustentação
a determinados discursos sobre os surdos. Entre eles, destacamos a
literatura infantil que está presente em diferentes contextos sociais, sendo
a escola um espaço privilegiado da leitura desses materiais. Nos últimos
anos, essa literatura tem sido foco de pesquisas na área da educação
justamente por sua inserção e disseminação nas escolas, entre professores
e alunos, tanto como material de instrução como lazer. (KARNOPP, 2006, p.
101).
Importante ressaltar que diversos escritores e poetas surdos também possuem suas produções
literárias transcritas para a língua portuguesa, com o objetivo de compartilhar de suas identidades
culturais e, assim, a cultura surda alcançou espaço literário com difusão de livros e artigos com
questões nunca antes pensados.
A escritora surda brasileira Gladis Perlin escreveu muitos artigos, por exemplo “As identidades Surdas”
(1998); “O ser e o estar sendo surdos: alteridade diferença e identidade” (2003); “O local da cultura
surda; (2004); “Surdos: o discurso do retorno” (2005); “Surdos: por uma pedagogia da diferença”
(2006); “Surdos: cultura e pedagogia” (2006); que contribuíram significativamente a compreensão da
cultura surda na construção de identidades. Nesse contexto percebemos um encadeamento de
respeito do “ser surdo”, modificando a perspectiva da história que assegura o valor dos direitos
culturais para a comunidade surda, convertendo as relações de poder, iniciando pela vida cotidiana,
até os ambientes mais públicos.
A literatura permite que diversas gerações divulguem muitas histórias, entre esses encontramos a
comunidade surda que através de língua de sinais, compartilha seus valores e orgulho da cultura surda
fortalecendo os vínculos que os ligam-se as gerações surdas mais jovens. Os escritores Padden;
Humphries destacam:
[...] Primeiro, como em outras culturas, elas são carregadores de história,
maneiras de repetir e reformular o passado para o presente. E segundo, nas
circunstancias especiais da Comunidade Surda, estas histórias assumem um
outro peso: elas são um meio vital de ensinar a sabedoria do grupo para
aqueles que não têm formulas[...] (PADDEN; HUMPHRIES, 2000, p. 38)

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A Identidade Da Mulher Surda: As Relações De Poder E As Práticas Sociais Discursivas Representadas Através Da Literatura

A literatura surda compreende piadas surdas que utilizam a expressão facial e corporal, o poder da
língua de sinais e a forma de contar piadas espontaneamente. São classificadas como excepcional na
comunidade surda. A arte literária representa para a comunidade surda a oportunidade de registrar
suas ações do cotidiano, vitórias, celebrar e valorizar a língua de sinais, tradições culturais, entre
outros, e a reunião de todos esses princípios surgiu a literatura surda.

5.LITERATURA: INSTRUMENTO DE REFLEXÂO E PRÁTICAS SOCIAIS

A língua de sinais possui uma composição dissemelhante da língua portuguesa, não é fonêmica, nem
oral, tal pouco alfabética, tal como a escrita. De forma que, a segmentação das palavras orais ou
escritas para o sujeito surdo não possui relevância.
O conjunto e o contexto são essenciais, a memória visual da palavra representa grande significado e é
evocada no instante da elaboração da produção textual. A segmentação da escrita, a relação
fonética/grafema, efetiva-se como questão de memória visual, e não auditiva.
Quadros (1999), ratifica que a escrita alfabética da língua portuguesa não possui importância para
expressar significados relacionados a conceitos produzidos pela língua brasileira de sinais, logo, um
grafema, uma sílaba e uma palavra escrita em português não indicam nenhuma correlação com um
fonema, uma sílaba e uma palavra em língua brasileira de sinais.
Santana (2007), chama nossa atenção para a importância de compreendermos que para o sujeito
surdo aprender a língua de sinais representa a possibilidade real de aprendizagem da linguagem
escrita.
Diante dessa temática, Santana (2007), aborda três grandes mitos que envolve o aprendizado da língua
brasileira de sinais:
•Supor que a língua brasileira de sinais pouco ajuda na aquisição do
português escrito, já que a escrita é a da língua portuguesa oral e não da
língua de sinais: toma-se aqui uma relação de independência entre a língua
oral e a língua de sinais. (SANTANA, 2007, p. 198)
•Supor que basta adquirir a língua de sinais para que o surdo consiga
escrever bem: toma-se aqui também uma relação direta entre a língua de
sinais e escrita. (SANTANA, 2007, p. 198)
•Supor que, para adquirir a língua escrita, o surdo deve adquirir
primeiramente a linguagem oral: toma-se aqui uma relação direta entre
oralidade e escrita. (SANTANA, 2007, p. 198)
Segundo Santana (2007), precisamos compreender o verdadeiro papel da língua de sinais e da
oralidade na aprendizagem do português escrito. Nesta narrativa a autora afirma que a língua de sinais
não pode ser entendida a partir de um registro intimo ou mesmo uma relação direta com a língua

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A Identidade Da Mulher Surda: As Relações De Poder E As Práticas Sociais Discursivas Representadas Através Da Literatura

escrita. Ela enfatiza que a língua de sinais viabiliza ao sujeito surdo “entrar na linguagem escrita” por
formas um pouco diferente que os sujeitos ouvintes.
Santana (2007), afirma que a língua de sinais possui modalidade e estrutura diferente da língua
portuguesa. E que é engano pensar que para o sujeito surdo adquirir a fala possibilitará a escrever
melhor e com relação a surdez, não há associação direta entre escrita e oralidade. Por conseguinte, os
sujeitos surdos não se respaldam na fala para conquistar a escrita.
O Autor Guarinello (2007), chama nossa atenção para o fato de o surdo ser capacitado para escrever
e tornar seu texto fronteiriço do português padrão, uma vez que sejam oferecidos espaços de
relacionamentos, contatos com a escrita por intermédio de atividades significativas, e acima de tudo
que detenha um trabalho de combinação outorgada de sentidos concretos para o leitor. Desta forma,
o processo de conquista da linguagem escrita está fundamentado na interação com o outro e nessa
sinergia reconstroem-se os sentidos dos textos.
Santana (2007), reitera que a escrita do sujeito surdo não deve ser comparada com a escrita do sujeito
ouvinte, pois a língua de sinais como já mencionado acima possui uma estrutura diferenciada da língua
portuguesa. E que escrever e ler estão relacionados intimamente com o contexto de vida de cada
sujeito envolvendo os textos escritos e com sua incorporação na sociedade letrada.
A partir de nosso diálogo com os autores acima citados organizamos a metodologia

6.METODOLOGIA

A metodologia adotada para nosso trabalho é de caráter qualitativo e exploratório. Para a coleta de
dados, fez-se uso de análises de produções textuais.
No desenvolvimento teórico desta produção acadêmica o caminho da pesquisa qualitativa, é
orientada a partir de um estudo exploratório, com o objetivo básico de desenvolver, elucidar e
transformar conceitos e imagens para a elaboração de abordagens posteriores. Dessa forma, este tipo
de estudo possui como escopo de possibilitar um maior conhecimento para o pesquisador acerca do
assunto (GIL, 1999).
A pesquisa qualitativa investiga uma compreensão particular daquilo que estuda; o cerne da atenção
é alinhado no específico, promove a formação de questões que podem originar futuras averiguações,
auxiliando para a compreensão da educação de áreas afins, aumentando o objeto de estudo. Esse tipo
de estudo valoriza o ser humano, entusiasma os entrevistados a refletirem sobre determinado tema
ou objeto de estudo. Elas manifestam aspectos subjetivos e tocam em estímulos não explícitos, ou

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A Identidade Da Mulher Surda: As Relações De Poder E As Práticas Sociais Discursivas Representadas Através Da Literatura

mesmo lúcido, de maneira natural. São usadas quando se procura entendimento sobre a natureza
geral de um assunto abrindo caminho para interpretação (GODOY, 1995).
A metodologia de pesquisa qualitativa costumeiramente aponta para o Estudo de Caso por realizar o
levantamento mais complexo de determinado caso ou grupo humano de acordo com as suas
concepções.
Para Trivinos (1987, p. 133), o Estudo de Caso “é uma categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade
que se analisa profundamente”. Assim sendo, escolhemos o método Estudo de Caso para melhor
procurar entender a realidade interpretando as diversas informações representadas a partir de
diferentes pontos de vista das respectivas jovens surdas.
A pesquisa foi realizada nas dependências de uma Escola Municipal de Ensino Fundamental, nos anos
de 2017 a 2018. A casuística foi composta por quatro jovens surdas, todas alunas regularmente
matriculadas na respectiva escola municipal. Com idades que variaram entre 12 e 17 anos. Foram
empregados os seguintes critérios para inclusão das jovens na pesquisa:
•Ser surda
•Estar regulamente matriculada no Ensino Fundamental I e II na Escola Municipal de Ensino
Fundamental Gabriel Lage da Silva
Todas as jovens estavam devidamente incluídas em classes regulares do Ensino Fundamental, as quais
mostravam grandes dificuldades de leitura, compreensão de textos literários incluindo os infantis.
Para a presente pesquisa, foi usada a demarcação do tipo pré e pós intervenção como abordam as
autoras Tawney e Gast (1984). Diante dessa metodologia de demarcação foi possível realizar a
comparação do desempenho em relação aos textos literários trabalhados antes e após a leitura de
textos usando a Língua Brasileira de Sinais (Libras), produção textual e finalizando com a dramatização.
Ressaltamos que foi enviada uma carta de apresentação às escolas, pedindo a autorização para a
execução da pesquisa, deixando claro os aspectos éticos deste trabalho, ou seja, o sigilo entre os
envolvidos e a garantia do anonimato dos dados pessoais entre as partes.

7.PROCEDIMENTOS

Para o prosseguimento do estudo foi selecionado os livros “OS ECO PIRATAS”, “CINDERELA SURDA”,
“ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS” e questionário harmonizado (com perguntas diretas e perguntas
abertas relacionadas ao texto proposto), sendo que todas as perguntas elaboradas foram conciliadas
com o nível de linguagem que se achavam o grupo de jovens surdas.
Dando sequência ao nosso trabalho que foi dividido em três etapas descritas:

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A Identidade Da Mulher Surda: As Relações De Poder E As Práticas Sociais Discursivas Representadas Através Da Literatura

•Na primeira fase, cada jovem surda, individualmente, realizou a leitura da obra sugerida e
posteriormente foi requisitado que respondessem o questionário.
•Na segunda fase, as jovens participaram da apresentação da respectiva obra traduzida em Libras pela
Professora Monique Araújo Elias. Continuando, as professoras Carla Georgia e Monique Araújo
abriram o grupo para uma conversa comentando o texto por meio da língua de sinais. Logo em
seguida, o grupo junto com as respectivas professoras iniciaram o desenvolvimento da produção
textual, em que cada jovem iria registrar a sua compreensão da literatura proposta.
•Na terceira fase, iniciamos o processo de dramatização, em que cada jovem elegeu um personagem
da história. Importante ressaltar que nesta fase as jovens incluindo as professoras, escolheram os
personagens levando em consideração os estudos anteriores do texto, buscando nossas identidades,
semelhanças e atitudes nos personagens da respectiva obra literária.
•Na quarta fase, convidamos a comunidade escolar para assistir o espetáculo, dessa maneira ocorreu
a dramatização em que o texto foi interpretado de forma prática por cada participante. Dentro dessa
narrativa, nossa grande intenção neste momento foi realizar as trocas interculturais na prática,
trazendo para o centro as questões que norteiam a inclusão, questões de gênero, as diferenças
culturais estudadas por meio dos estudos culturais.
•Na quinta fase, individualmente aplicamos o mesmo questionário acima citado.

8.DOS RESULTADOS

Evidenciamos após todo o desenvolvimento da metodologia o aumento considerável de acertos nas


perguntas fechadas em que era obrigatório responder com “C” para afirmações corretas e “E” para
afirmações erradas. Em relação as perguntas abertas as jovens elaboraram respostas utilizando
palavras (substantivos e verbos, dificuldades com o uso de conectivos, uso de preposições), que
apontam para o entendimento do texto. Todavia, por conta da imensa dificuldade que as respectivas
jovens possuem no campo sintático e gramatical, as ordenações das frases ficaram um pouco
comprometidas.
O que nos leva a considerar que o trabalho com a Libras, produção textual e finalizando com a
dramatização e por conseguinte apresentação para a comunidade com a intenção de realizar trocas
de experiências possui efeito positivo com as participantes, melhorando consideravelmente a
compreensão e interpretação textual.

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A Identidade Da Mulher Surda: As Relações De Poder E As Práticas Sociais Discursivas Representadas Através Da Literatura

Diante da experiência, podemos considerar a relevância de estudar textos de forma concreta com
pessoas surdas objetivando que os mesmos vivenciem as diversas possibilidades que os textos
oferecem e proporcionando um avanço no processo de interpretação e compreensão.

9.CONCLUSÃO

A luz dos fatos citados acima podemos concluir que no caso da mulher surda torna-se algo ainda mais
complexo pois persistem ideias rígidas e preconcebidas que alimentam a desigualdade não apenas
pelo estigma de surdez, mas também pela desigualdade de gênero, em que a mulher é considerada
de menor valor social.
De acordo com as indagações realizadas tendo como base as leituras que respaldaram todo nosso
estudo analisamos que: a separação entre gêneros é produzida socialmente, assim como sua
integração, visto que toda forma de preconceito, toda discriminação, todo comportamento humano
está relacionado à cultura dominante que os incorpora, dissemina, veicula e fortalece. Importante
ressaltar que, são as normas e práticas sociais que “autorizam” essa desagregação, normas que
impõem modos de falar, de vestir-se, de atuar no mundo, de pensar etc.
A mulher surda possui identidade e luta pelos seus direitos como cidadania, educação e empenha-se
arduamente para afastar-se do conceito de “anormalidade”. Ela é capaz de transformar esse conceito
de “anormalidade” em normalidade a partir do momento que é respeitado o seu direito de ser mulher,
fazer suas escolhas, poder frequentar uma escola e também o seu direito de aprender tendo acesso à
Língua Brasileira de Sinais, porque é justamente a língua por excelência instrumento de constituição
de luta contra práticas sociais desiguais.
Concluímos que, o trabalho utilizando a língua de sinais, produção textual e dramatização como
método para aprendizagem de leitura e, em consequência a escrita resulta em benefícios na
compreensão e interpretação de textos pelas respectivas jovens surdas. Evidenciamos que a
habilidade do aprendizado provém da ação de implementar experiências com atividades concretas
conectadas ao contexto. Desta forma, a nossa produção é uma maneira de alcançarmos maior
compreensão e aprendizado em relação ao processo de aprendizagem de jovens surdos.

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925
A Identidade Da Mulher Surda: As Relações De Poder E As Práticas Sociais Discursivas Representadas Através Da Literatura

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A Identidade Da Mulher Surda: As Relações De Poder E As Práticas Sociais Discursivas Representadas Através Da Literatura

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927
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 71
10.37423/200802356

ANÁLISE DA MANUTENÇÃO PREDITIVA


UTILIZANDO O ESTUDO DE VIBRAÇÕES EM
MOTORES ELÉTRICOS

Jean Paulo de Oliveira Centro Universitário do Sul de Minas - UNIS

Jonathan Oliveira Nery Centro Universitário do Sul de Minas - UNIS


Análise Da Manutenção Preditiva Utilizando O Estudo De Vibrações Em Motores Elétricos

Resumo: Introdução: O estudo sobre os métodos de manutenção preditiva se faz cada dia mais
presente, a fim de evitar falhas inesperadas, aumentar a confiabilidade nos equipamentos, diminuir
gastos desnecessários e aumentar a vida útil de máquinas. Os motores elétricos é a parte fundamental
de uma máquina e deve-se ter o controle assíduo do funcionamento para garantir confiabilidade.
Tal abordagem justifica devido a necessidade de máquinas confiáveis com alto rendimento, vem cada
dia aumentando e com este foco a manutenção preditiva oferece benefícios as indústrias evitando
trocas de peças indevidas. Objetivo: O trabalho em questão foi desenvolvido utilizando a análise
de vibração como modelo de manutenção preditiva em motores elétricos. Material e Métodos: A
utilização de um analisador Vibxpert II, da PRÜFTECHNIK para coleta de dados, foi a metodologia
adotada. A análise foi feita mediante a um motor com dois discos, sendo que foram coletados
dados do motor balanceado e posteriormente do motor com uma massa adicional desbalanceada.
Os efeitos de ressonância e transmissibilidade, juntamente com a força centrípeta gerada pelo
desbalanceamento foram os assuntos abordados. Resultados: A frequência natural do motor foi
possível ser identificada a partir desta análise. Os resultados mostraram que quando se aplica uma
frequência que coincide com a frequência natural o motor tende a entrar em ressonância. O efeito
de ressonância foi ainda mais intenso no motor desbalanceado. Conclusão: Sendo assim é de grande
importância evitar a frequência em que acontece a ressonância para diminuir os efeitos de
desgastes prematuros de peças do motor, e é essencial manter os equipamentos balanceados para
diminuir as vibrações do motor e de todo conjunto de fixação.
Palavras-Chave: Análise vibracional; Ressonância; Força centrípeta; Desbalanceamento.

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Análise Da Manutenção Preditiva Utilizando O Estudo De Vibrações Em Motores Elétricos

1.INTRODUÇÃO

Na indústria é possível perceber que a tecnologia avançada vem causando impactos. Desta forma,
tem gerado processos significativos na manufatura e informatização das máquinas. Tal
informatização possibilitou o desenvolvimento de painéis que funcionam como computadores e o
setor de manutenção teve que se adequar a estas inovações (GONÇALVES, 1994). A manutenção
preditiva faz parte destas adequações e tem se tornado importante na indústria em decorrência destas
inovações. A análise de manutenção preditiva visa especificar as condições reais dos equipamentos
de máquinas, coletando dados que indicam a vida útil dos componentes (ANDRADE et al, 2015).
O intuito desta aplicação é que todos os equipamentos de motores elétricos sejam bem aproveitados
e um melhor controle de intervenções em máquinas. Este modelo de manutenção preditiva visa
diminuir gastos para uma empresa evitando manutenção corretiva e aumentando controle de
qualidade e produtividade. Uma vez que, os motores elétricos é uma parte fundamental de uma
máquina e deve-se ter um controle assíduo de seu funcionamento para garantir a confiabilidade.
Além de que, há poucos estudos relacionados às análises de condições reais de motores elétricos
demonstrando a importância para as condições financeiras de uma empresa (GONGORA et al, 2016).
A necessidade de máquinas confiáveis e com alto rendimento, vem a cada dia aumentando, e com
este foco a manutenção preditiva é a que mais oferece benefícios as indústrias neste sentido. Ela tem
uma alta confiabilidade e uma economia considerável em relação à manutenção corretiva, onde se
tem paradas de produção e possíveis danos mais graves pela falta de reconhecimento das peças
de desgaste das máquinas, gerando prejuízos consideráveis, e também em relação à manutenção
preventiva onde muitas das vezes efetuam trocas de peças de desgaste sem a devida necessidade
(ANDRADE et al, 2015).
O motor elétrico é um dos principais componentes da maioria das máquinas industriais, sendo assim
a implantação da manutenção preditiva, é de alta viabilidade e importância, para uma produtividade
sem imprevistos indesejados (IMMOVILLI et al, 2010). A manutenção preditiva irá utilizar de
equipamentos tecnológicos para a análise das peças de desgaste do motor, assegurando que seu
tempo de funcionamento seja estendido, e também se detecta qualquer avaria no início, garantindo
que não haverá danos maiores ao equipamento (GONÇALVES NETO et al, 2013). Uma destas técnicas
de análise das peças é análise vibracional, na qual é possível verificar a vibração mecânica do motor
e determinar a frequência natural do mesmo. Um dos grandes problemas é quando o motor trabalha
com altos níveis de vibração e entra em processo de ressonância, neste caso pode ocorrer que os danos
nos componentes do mesmo ocorram com mais rapidez (HOLANDA, 2016).

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Análise Da Manutenção Preditiva Utilizando O Estudo De Vibrações Em Motores Elétricos

Uma pergunta se faz necessário para a condução deste estudo. Como aumentar a vida útil de motores
elétricos e a confiabilidade de funcionamento de máquinas? Com a implantação de uma análise
sistemática da manutenção preditiva se detecta a vida útil de um equipamento gerando menos gastos
e aumentando o controle de qualidade e confiabilidade evitando possíveis danos à máquina. Desta
forma,objetivo geral do trabalho é apresentar um estudo de vibrações em motores elétricos. Os
objetivos específicos são; verificar qual é a frequência natural do motor em estudo, através do teste
de run up, alterando a frequência de operação de forma progressiva até que ela incida com a
frequência natural gerando a ressonância. Apresentar simulações com o motor balanceado e
desbalanceado com o propósito de analisar o efeito da amplificação dinâmica na ressonância.
Para isto o trabalho foi realizado a partir de simulações em um motor elétrico trifásico analisando o
efeito de vibrações estando balanceado e desbalanceado. Ao final do estudo propor propostas para
evitar eliminar desmontagens desnecessárias dos motores e podendo determinar a utilização de
maior vida útil total dos componentes de motores elétricos.
2..MATERIAIS E MÉTODOS
2.1.ANÁLISE DE VIBRAÇÃO POR VARIAÇÃO DE FREQUÊNCIA EM MOTOR TRIFÁSICO
BALANCEADO
Para a realização da análise de vibração por variação de frequência em motor trifásico da marca
WEG de 0,25 KW, 1720 RPM e Carcaça 63 com dois discos de nylon acoplados ao seu eixo, um em cada
extremidade juntamente com um inversor de frequência da marca YASKAWA do modelo V1000. Os
testes foram realizados na seguinte maneira: Foi analisado primeiramente o motor balanceado
colocando o sensor do analisador de vibração da marca PRÜFTECHNIK modelo VIBXPERT II na
tampa lateral do motor trifásico paralelamente ao seu rolamento. Após, o motor ligado, foi
realizada uma variação de 10 a 60 Hz e coletado os níveis de vibração passando de Hz a Hz. A partir
deste teste (Run Up) foi possível identificar a frequência natural do motor gerando um gráfico no qual
demonstra a rotação em RPM e valor (da Vibração em velocidade RMS, dada em mm/s) Médio
Quadrático (VRMS).

2.2.PROCEDIMENTO DE DESBALANCEAMENTO

O motor trifásico utilizado neste experimento contém dois discos de nylon em cada extremidade de
seu eixo. Nos discos contém vários furos roscáveis, que foram utilizados para adicionar uma massa
para simular o desbalanceamento na bancada. Aos discos foram adicionados duas arruelas e dois

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Análise Da Manutenção Preditiva Utilizando O Estudo De Vibrações Em Motores Elétricos

parafusos idênticos, um em cada disco afim de simular o desbalanceamento. Os dois parafusos foram
colocados com o alinhamento nos dois discos.

2.3. ANÁLISE DE VIBRAÇÃO POR VARIAÇÃO DE FREQUÊNCIA EM MOTORTRIFÁSICO


DESBALANCEADO

Para a realização da análise de vibração por variação de frequência em motor trifásico desbalanceado
este procedimento foi realizado conforme a técnica descrita no item 2.2. Fez-se a identificação do
defeito de desbalanceamento por meio da análise do sinal de vibração. O defeito de
desbalanceamento pode ser caracterizado por meio da análise espectral, seguindo alguns pontos
característicos do sinal (vibração e amplitude).

2.4.INTERPRETAÇÃO DA ANÁLISE DE VIBRAÇÃO EM MOTOR TRIFÁSICO BALANCEADO E


DESBALANCEADO

A partir dos gráficos gerados pelo software da marca PRÜFTECHNIK foi possível analisar a amplitude
dos espectros de vibração nas diferentes frequências geradas pelo inversor.

3.RESULTADOS E DISCUSSÃO

A figura 1 monstra que foram realizados testes com frequências específicas em motor balanceado para
detectar o nível de vibração nestes pontos como observados no gráfico. Os resultados obtidos foram,
que inicialmente o ponto 0 quando o motor entra em rotação existe um pequeno pico decorrente
do conjunto rolante estar em inercia. Logo após, foi feito uma medição na frequência de 10 Hz do
inversor de frequência. A frequência analisada é a de rotação que é metade da frequência do inversor,
então na frequência de 5 Hz observa-se uma amplitude de vibração de 0,26 mm/s. Posteriormente,
foi realizado uma medição na frequência de 10 Hz e nota-se uma amplitude de vibração de 0,16 mm/s.
Então, foi medido na frequência de 20 Hz e observou-se um pico máximo de amplitude de vibração
de 6,56 mm/s neste caso sugere-se que esta é a frequência natural. Por fim, fez-se uma medição
da frequência de 30 Hz e obteve-se uma amplitude de vibração de 2,14 mm/s. Notando-se que nas
frequências de (5,10 e 30 Hz) as amplificações foram menores, pois a frequência de operação está
distante da frequência natural.

4
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Análise Da Manutenção Preditiva Utilizando O Estudo De Vibrações Em Motores Elétricos

Figura 1: Testes com frequências específicas em motor trifásico balanceado

Já na figura 2 monstra que foi realizado testes com frequências específicas em motor desbalanceado
para detectar o nível de vibração nestes pontos como observados no gráfico. No início da medição
houve uma pequena oscilação no nível de amplitude decorrentes do motor estar em inercia.
Primeiramente, fez-se a medição na frequência em 5 Hz e tendo-se uma amplitude de vibração de 4,33
mm/s. Em seguida, realizou-se a medição na frequência de 10 Hz e obteve uma amplitude de
vibração de 4,26 mm/s. Fez-se também a medição em 20 Hz e observou-se uma amplitude de vibração
de 19,38 mm/s. Por fim, fez-se a medição da frequência de 30 Hz e a amplitude de vibração de 20,04
mm/s. A partir destes dados, infere-se que em todas as medições as amplitudes de vibração foram
maiores do que em um motor balanceado notando-se que, após, passar pela frequência natural os
níveis de vibração continuam alto devido a massa desbalanceada do disco.

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933
Análise Da Manutenção Preditiva Utilizando O Estudo De Vibrações Em Motores Elétricos

Figura 2: Testes com frequências específicas em motor trifásico desbalanceado

No gráfico 1 demonstra-se a correlação entre os dados obtidos de motor balanceado e desbalanceado,


observando diferentes amplitudes de acordo com a frequência de operação. É possível entender que
quando a ressonância ocorre à amplitude é máxima no motor balanceado, porém, no motor
desbalanceado a força gerada pela distribuição desigual da massa está ligada diretamente com a
rotação do motor, sendo assim quanto maior a rotação maior será a amplitude. Desta forma, mesmo
que a frequência de operação não coincida com a frequência natural do motor a amplitude se torna
elevada.

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Análise Da Manutenção Preditiva Utilizando O Estudo De Vibrações Em Motores Elétricos

Gráfico 1: Correlação das frequências em motor trifásico balanceado e desbalanceado

A figura 3A e 3B representa os dados obtidos através da análise de vibração utilizando o teste de


run up. Os resultados da figura 3A foram obtidos do motor balanceado. Entre as rotações de 300 a
1000 rpm a amplitude não houve alterações significativas, porém, no intervalo de 1001 a 1300
rpm observa- se um aumento significativo na amplitude, sendo seu pico em 1158 rpm com 6,76 mm/s,
com uma frequência de rotação de 19,3 Hz. Verificando estes dados pode-se deduzir que o pico
indicado no gráfico é onde está localizada a frequência natural do conjunto, que está relacionado
a rigidez no eixo de menor momento de inércia da estrutura do motor, e com a massa do motor,
pois, quando a frequência de operação coincide com a frequência natural do motor ele tende a
entrar em ressonância. Na figura 3B os resultados foram obtidos após, o desbalanceamento do motor.
Nota-se que entre as rotações de 300 a 950 rpm houve um aumento considerável na amplitude
variando em aproximadamente 5 mm/s. A partir de 951 rpm observa-se um aumento na amplitude
no gráfico sendo que o pico está em 1076 rpm com amplitude de 20,55 mm/s, com uma frequência
de rotação de 17,9 Hz.

No motor desbalanceado em baixas rotações até 950 rpm verifica-se que a amplitude de
desbalanceamento é em torno de 5 mm/s. Comparando ao motor balanceado onde o pico de
desbalanceamento é de 6,76 mm/s os níveis de vibração já se encontram em um estado crítico.
No motor desbalanceado após, 950 rpm que é próximo a rotação que coincide com a frequência
natural do motor à amplificação da amplitude é de aproximadamente de 60% comparando ao motor

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935
Análise Da Manutenção Preditiva Utilizando O Estudo De Vibrações Em Motores Elétricos

balanceado. Desta forma, pode-se sugerir que acarretará em um desgaste prematuro dos
componentes.

Figura 3- Análise da amplitude de velocidade do motor trifásico em ressonância

Legenda: A – Motor balanceado. B- Motor Desbalanceado.

Os resultados da figura 4C e 4D representa a amplitude de vibração do motor em sua rotação


máxima de 1800 rpm. A figura 4C representa o motor balanceado, observando uma amplitude de
VRMS de 2,11 mm/s. Já na figura 4D representa o motor desbalanceado e nota-se uma amplitude
de VRMS de 20,04 mm/s.

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Análise Da Manutenção Preditiva Utilizando O Estudo De Vibrações Em Motores Elétricos

Figura 5: Análise da amplitude de velocidade do motor trifásico em sua rotação máxima 1800 rpm

Legenda: A – Motor balanceado. B- Motor Desbalanceado.

Na tabela 1 observa-se os resultados encontrados nas figuras anteriormente descritas. Na figura 3A


e 3B indica que a ressonância se encontra próxima a rotação de 1117 rpm e o valor de
desbalanceamento no motor desbalanceado é aproximadamente 3 vezes maior que no motor
balanceado. Na figura 4C onde a rotação do motor é máxima observa-se um desbalanceamento de
2,1 mm/s o que é 3 vezes menor comparado aos níveis de vibração do motor balanceado em
sua ressonância. A figura 4D indica o motor desbalanceado em sua rotação máxima, com um
desbalanceamento de 20,4 mm/s o que é próximo a amplitude da frequência natural do motor em
desbalanceamento. Este fato ocorre pela força gerada pelo desbalanceamento, onde a massa pontual
é diretamente relacionada à rotação do motor, portanto, a amplitude é elevada decorrente a rotação
elevada.

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937
Análise Da Manutenção Preditiva Utilizando O Estudo De Vibrações Em Motores Elétricos

Tabela 1: Valores do espectro do motor

FIGURA CONDIÇÃO ROTAÇÃO VRMS

3A BALANCEADO 1158 RPM 6,76 mm/s

3B DESBALANCEADO 1076 RPM 20,55 mm/s

4C BALANCEADO 1797 RPM 2,11 mm/s

4D DESBALANCEADO 1797 RPM 20,4 mm/s

Na figura 5 é possível observar o espectro de velocidade do motor balanceado em 30 Hz. Os dados


representam uma onda no tempo em função da aceleração. Em um período de 33,21 ms a
aceleração média é de 0,0815g.

Figura 5: Espectro de aceleração do motor trifásico balanceado em 30 Hz

Já na figura 6 também é possível observar o espectro de velocidade do motor, mas em um motor


desbalanceado em 30 Hz. Os resultados representam uma onda no tempo em função da aceleração.
Ao analisar em um período de 33,25 ms da aceleração média foi de 0,563g.

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938
Análise Da Manutenção Preditiva Utilizando O Estudo De Vibrações Em Motores Elétricos

Figura 6: Espectro de aceleração do motor trifásico desbalanceado em 30


Hz

Ao comparar os resultados obtidos das figuras 5 e 6 a amplitude da senoíde de aceleração no motor


balanceado é menor se comparado ao motor desbalanceado. Desta forma, isto pode resultar em
maiores níveis de vibração no motor desbalanceado.
Quando observamos o espectro de velocidade em baixa frequência (5 Hz) como demonstrado na
figura 7 em um motor balanceado o gráfico não se resulta em uma onda no tempo. Assim,
demonstrando que a força de aceleração é basicamente nula.
Figura 7: Espectro de velocidade em um motor trifásico balanceado em 5 Hz

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939
Análise Da Manutenção Preditiva Utilizando O Estudo De Vibrações Em Motores Elétricos

No motor desbalanceado (Figura 8) em um período de 200 ms obtém-se uma força de aceleração


média de 0,015g que também é baixo para se ter uma vibração que causará impacto no motor.
Figura 8: Espectro de velocidade em um motor trifásico desbalanceado em 5 Hz

Na tabela 2 representa os valores do espectro nas duas frequências de 30 e 5 Hz. Nela fica evidente
a relação de que a frequência é inversamente proporcional ao tempo dado pela fórmula:T = 1/F

Tabela 2: Valores do espectro de velocidade do motor trifásico.

CONDIÇÃO FREQUÊNCIA PERÍODO ACELERAÇÃO


DESBALANCEADO 30 HZ 33,2 ms 0,563 g
BALANCEADO 30 HZ 33,2 ms 0,0815 g
DESBALANCEADO 5 HZ 200,2 ms 0,015 g
BALANCEADO 5 HZ - 0,003 g

O motor trifásico é o mais utilizado em indústrias pela sua simplicidade de construção e baixa
complexidade para manutenção (IMMOVILLI et al, 2010). Ao utilizarmos o motor trifásico neste
estudo foi necessário realizar a simulação do desbalanceamento para avaliar os efeitos da
vibração. Desta forma, foi realizada uma adição de massas nos discos acoplados ao eixo do motor,
sendo elas idênticas. O valor da massa adicionada não foi levado em consideração devido que o
propósito deste trabalho é o estudo dos efeitos do desbalanceamento e não a correção do mesmo.
Sobre os estudos de ressonância mecânica é essencial o conhecimento da frequência natural de cada
equipamento para evitar que as vibrações geradas pela frequência de operação do motor não

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940
Análise Da Manutenção Preditiva Utilizando O Estudo De Vibrações Em Motores Elétricos

coincidam com a mesma (BEZERA et al, 2014). Uma vez que, quando há a incidência destas
frequências o nível de vibração é amplificado e irá gerar desgastes em componentes como, por
exemplo, (rolamentos, empenamento de eixo, desgaste na tampa do motor onde o rolamento
é acoplado, aquecimento do motor e outros). Também, pode haver rupturas por fadiga nos materiais
que compõe os demais componentes da estrutura da máquina (RAO, 2010).
Conforme os resultados apresentados neste estudo o efeito do desbalanceamento eleva a
degradação dos componentes que compõe o motor. Visto que, os índices de vibrações são elevados
em todas as faixas de rotações. Quando a frequência de operação é a mesma da frequência natural
do motor, ocorre a ressonância e os níveis de vibração são ainda mais altos pela amplificação
dinâmica, e não se abaixam conforme ocorre quando com motor que está balanceado, pelo fato da
força centrípeta gerada pelo desbalanceamento aumentar exponencialmente.
Na manutenção preditiva tanto na construção de equipamentos deve-se conhecer as vibrações
do mesmo, a fim de evitar desgastes prematuros e futuras paradas indesejadas (HOLANDA, 2016). A
análise de vibração é a responsável por identificar as frequências de vibrações que são prejudiciais ao
equipamento (GONGORA et al, 2016).
Nos resultados que foram apresentados o modelo de estudo foi de um motor isolado, porém, quando
este está acoplado em uma máquina que gera outras frequências de vibrações a análise deve ser
interpretada cuidadosamente. Uma vez que, quando se tem diferentes níveis de rigidez e de massa
cada componente tem suas frequências naturais diferentes e, portanto, é necessário conhecer a
amplitude e frequência de vibração de cada componente. As variações de tensão na rede de
alimentação elétrica tanto quanto o aterramento da máquina pode interferir na interpretação dos
dados. Sendo assim, faz-se necessário levar em consideração todas estas variáveis (GONGORA et al,
2016).
Segundo Garcia, 2005 a análise de vibração tendo como base a amplitude versus frequência, que na
maioria das vezes é adequadamente usada para identificar falhas em equipamentos rotativos, em
casos específicos são necessárias informações adicionais, como por exemplo, o comportamento
dinâmico de um equipamento dentro de condições específicas, pois, alguns componentes
mecânicos geram frequências idênticas À análise do espectro de frequências ao tempo possui a
vantagem de demonstrar uma resposta imediata da condição real da máquina. Desta forma, esta
análise é crucial para determinadas circunstâncias.

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Análise Da Manutenção Preditiva Utilizando O Estudo De Vibrações Em Motores Elétricos

Diante dos resultados encontrados por este estudo quando o motor entrou em ressonância o seu
desempenho não foi alterado aparentemente. No entanto, a partir dos resultados observados, é
perceptível que existe uma amplificação no nível de vibração. Com o passar do tempo se o motor
permanecer nesta frequência, os seus componentes terão sua vida útil reduzida.
Para um motor que está desbalanceado o nível de vibrações sofre uma alteração ainda maior, e neste
caso a uma perca de eficiência do motor, pois se gera uma força paralela ao movimento de
rotação, isto demanda uma potência extra do motor. Então, se faz necessário utilizar a análise de
vibração para que tenha maior durabilidade dos componentes do motor e de uma máquina de
modo geral, mesmo que não tenha alterações em seu desempenho, mas que seja possível reduzir
gastos no setor de manutenção e paradas indesejadas em uma rotina de trabalho.
Em estruturas onde são fixados os motores e os mesmos sejam de alguma forma obrigados a trabalhar
em uma frequência de ressonância, pode se fazer alterações na estrutura, a fim de evitar a degradação
da mesma (BEZERA et al, 2014). Dois fatores que são ligados diretamente com a frequência natural é
a massa do conjunto e a rigidez do material (CAVALCANTE E JESUS, 2011).
Alterando estes valores a frequência natural do equipamento é mudada, fazendo que não ocorra mais
a ressonância. A forma mais simples é a variação da rigidez, que pode ser alterada mediante cálculos,
observando se a necessidade é de aumento ou diminuição da mesma, onde cada caso em específico
tem que ser analisado criteriosamente (LIMA, 2014).
A transferência da vibração pode ser atenuada quando se muda o fator de amortecimento de fixação
do equipamento, podendo ele passar por frequência de ressonância e mesmo assim, a
transmissibilidade de força de vibração também ser baixa. O fator de amortecimento reduz a
transferência de vibração para a base de fixação, porém não reduz a força gerada pela excitação ou
pelo desbalanceamento (CAVALCANTE E JESUS, 2011).

4.CONCLUSÃO

A partir dos resultados encontrados conclui-se que foi possível identificar a frequência natural
do motor. Desta forma, quando foi aplicada uma frequência que coincidiu com a frequência natural
este entrou em ressonância. O efeito da ressonância foi ainda mais intenso quanto simulou o
desbalanceamento do motor, pois a força centrípeta gerada pela massa desbalanceada aumenta
exponencialmente com o aumento da rotação. Sendo assim, é possível concluir que se faz necessário
evitar que o motor trabalhe em uma frequência que coincida com a frequência natural justamente
para não entrar em processo de ressonância. Também é muito importante que o motor e

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942
Análise Da Manutenção Preditiva Utilizando O Estudo De Vibrações Em Motores Elétricos

acoplamentos não esteja desbalanceado, pois, tal efeito intensifica os níveis de vibrações e como
consequência ocorrem maiores defeitos nos motores. Desta forma, uma das alternativas para o setor
industrial é que os investimentos em equipamentos para análises de manutenção preditiva se
fazem muito importantes, pois, evitam trocas desnecessárias de peças nos motores e reduz o tempo
de máquina parada e principalmente aumenta a vida útil dos equipamentos e toda estrutura onde
estão fixados.

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943
Análise Da Manutenção Preditiva Utilizando O Estudo De Vibrações Em Motores Elétricos

5.REFERÊNCIAS

Andrade, D.R.R. de et al. Termografia aplicada na manutenção preditiva de sistemas elétricos. RIT-
Revista Inovação Tecnológica, São Paulo, v. 5, n. 1, p. 85-106, 2015.

Bezerra, I.S. et al. Ressonância em uma viga engastada sob um carregamento harmônico periódico.
XX Seminário de Iniciação Científica da UFERSA, 2014.

Cavalcante, P.F.; Jesus, S.S. Utilização de bancadas de ensaio para estudo do com-portamento
dinâmico de máquinas rotativas-vibrações mecânicas. Holos, Natal, v. 3, p. 18-40, 2011.

Garcia, M.S. Análise de defeitos em sistemas mecânicos rotativos a partir da monitoração de


vibrações. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio Janeiro, 2005.

Gonçalves, J.E.L. Os impactos das novas tecnologias nas empresas prestadoras de serviços. Artigo
publicado na Revista de Administração de Empresas. São Paulo, v. 34, n. 1, p. 63-81 Jan./Fev. 1994.

Gonçalves Neto, W. et al. Manutenção preditiva através de análises em equipamentos rotativos


monitorado por sensores de vibração. Revista de Controle e Automação, Campinas, v. 1, n. 1, p. 1-8,
2013.

Gongora, W.S. et al. Neural approach to fault detection in three-phase induction motors. IEEE Latin
America Transactions, New York, v. 14, n. 3, p. 1279-1288, 2016.

Holanda, S.M.S; Rolim, T.L. Aplicação da manutenção preditiva por análise de vibrações em
equipamentos de trens urbanos com plano de manutenção proposto. 2016. 96f. Dissertação
(Mestrado)– Universidade Federal de Pernambuco, Pernambuco, 2016.

Immovilli, F. et al. Diagnosis of bearing faults in induction machines by vibration or cur-rent signals:
a critical comparison. IEEE Transactions on Industry Applications, New York, v. 46, n. 4, p. 1350-1359,
2010.

Lima, I.A.M. de; Nunes, M.A. de A. Proposição de uma bancada didática para análise de vibração em
manutenção preditiva. 2014. 103f. Monografia (Graduação) – Universidade de Brasília Faculdade do
Gama, Brasília, 2013.Rao, S.S. Mechanical Vibrations. 5 th.ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2010.

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944
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 72
10.37423/200802367

UTILIZANDO DESENHOS BIOLÓGICOS PARA O


ESTUDO DE ESTRUTURAS MORFOLÓGICAS
FLORAIS

Laryany Farias Vieira Fontenele Instituto Federal de Educação do Pará - IFPA

Érica Gomes dos Reis Instituto Federal de Educação do Pará - IFPA


Utilizando Desenhos Biológicos Para O Estudo De Estruturas Morfológicas Florais

Resumo: Esse trabalho propôs o estudo das espermatófitas classificadas como um grupo de plantas
do reino Plantae, caracterizado por organismos capazes de produzir flores e, consequentemente frutos
e sementes. São considerados vegetais evoluídos, e estão divididos entre gimnospermas, onde suas
flores originam apenas sementes e angiospermas que possuem sementes protegidas pelo fruto,
oriundos da flor. Tendo como objetivo a construção de desenhos biológicos como forma de identificar
as partes florais e suas estruturas morfológicas, como: pedúnculo, receptáculo, cálice, corola,
androceu, gineceu, óvulos e ovários, facilitando a significação dos nomes, funções e formas botânicas.
Foi produzido um portfólio didático que poderá ser utilizado em outras turmas do ensino médio
durante o semestre letivo. A metodologia consistiu em quatro etapas: aulas teóricas sobre as
espermatófitas; coleta das flores; corte e identificação botânica e construção dos desenhos florais. Na
primeira etapa, selecionamos cinco flores para o estudo e descrição de sua ocorrência no Brasil. A
Turnera L. conhecida como flor do guarujá, tem forma de vida do tipo arbusto, erva ou subarbusto,
com substrato tipo rupícola, com origem nativa e não é endêmica do Brasil. A Bauhinia brachycalyx
Ducke conhecida como pata de vaca tem forma de vida do tipo arbusto, é nativa e endêmica do Brasil.
A Hippeastrum Herb. conhecida como lírio cacau ou lírio do dia tem forma de vida do tipo erva,
substrato: aquática, epífita, rupícola e terrícola. É nativa e não é endêmica do Brasil. A Hibiscus L.
conhecida como flor de hibisco tem forma de vida do tipo arbusto, árvore, subarbusto e substrato do
tipo terrícola, com origem nativa e não é endêmica do Brasil. A Plumeria L. conhecida como jasmim do
caribe ou buquê de noiva, nativa e não é endêmica do Brasil, tem forma de vida do tipo arbusto, árvore,
liana, trepadeira, cipó e subarbusto. Possui substrato do tipo aquático, epífita, rupícola e terrícola. A
maioria das espécies coletadas possui uma distribuição nativa e não endêmica do Brasil encontradas
em boa parte dos domínios fitogeográficos. A caracterização das partes florais foi descrita juntamente
com a coleta das flores e corte para identificação. O desenho floral proporcionou um contato maior
com o objeto de estudo assim como facilitou a aprendizagem das partes auxiliadas pelas cores e
texturas das flores.
Palavras-Chave: Botânica. Espermatófitas. Flores.

1
946
Utilizando Desenhos Biológicos Para O Estudo De Estruturas Morfológicas Florais

INTRODUÇÃO

As principais áreas de interesse da Biologia, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 2002)
são:
1.Interação entre os seres vivos
2.Qualidade de vida das populações humanas
3.Identidade dos seres vivos
4.Diversidade da vida
5.Transmissão da vida, ética e manipulação gênica
6.Origem e evolução da vida
O quarto tema, com auxílio da zoologia, da botânica e das ciências ambientais, os alunos poderão
entender como a vida se diversificou a partir de uma origem comum e dimensionar os problemas
relativos à biodiversidade e suas características. Tendo como unidade temática a caracterização dos
ciclos de vida de animais e plantas, relacionando- os com a adaptação desses organismos aos
diferentes ambientes (PCN, 2002).
Em um senso stricto, a Botânica é o estudo científico da vida das plantas, é um ramo da Biologia
conhecida como Biologia Vegetal. Essa área estuda as plantas sob diversos aspectos, como fisiológico,
anatômico e morfo anatômico, entre outros. É uma ciência que traz benefícios para toda a população
com os produtos gerados por elas, mas poucos conhecem a extensão dos recursos vegetais, daí a
importância dos estudos botânicos (ESTEVES, 2015).
Segundo Vygotsky (1991), a construção de conhecimentos é resultante das relações dos indivíduos
com o meio social e cultural a que pertencem. Biologia é uma ciência que estuda os seres vivos e
explica os fenômenos ligados à vida e à sua origem. Além disso, é uma ciência que busca entender o
funcionamento do nosso ecossistema, que por sua vez, se torna essencial para a sobrevivência humana
(LOPES, 2010).
Devemos levar em consideração que as imagens ilustradas nos livros didáticos são elementos que
também constituem a linguagem não verbal, e ganham cada vez mais, um papel de destaque e
importância no âmbito escolar. Uma vez que a utilização de desenhos biológicos traz compreensão dos
conceitos abordados nas diversas áreas, funcionando como um elemento de interação entre a língua
e o indivíduo. Entretanto, a imagem não traduz a palavra, ela traduz a ideia (NOVAES et. al., 2009).
Com isso, esse trabalho objetivou o estudo das espermatófitas classificadas com um grupo do reino
Plantae, caracterizado por organismos capazes de produzir flores e,consequentemente frutos e
sementes. São considerados vegetais evoluídos por possuírem raízes, caules e folhas, e estão divididos

2
947
Utilizando Desenhos Biológicos Para O Estudo De Estruturas Morfológicas Florais

entre gimnospermas, onde suas flores originam apenas sementes e angiospermas que possuem
sementes protegidas pelo fruto, oriundos da flor (ALVES, 2013).
As gimnospermas são o grupo de ancestrais das plantas com flores. Assim como as pteridófitas, as
gimnospermas são plantas vasculares, com raiz, caule e folhas. Uma novidade evolutiva é a presença,
no caule, de ramos com folhas especializadas na produção de esporos. Esses esporos germinam na
própria planta, originando os gametófitos (LINHARES, 2016).
A grande diferença entre as gimnospermas e as angiospermas é em relação à estrutura. As
gimnospermas possuem sementes, porém nuas, por não produzirem frutos. As angiospermas possuem
flor e fruto. Isso faz com que suas sementes sejam protegidas pelo fruto, o que não ocorre com as
gimnospermas (MAGALHÃES, 2017).
A flor é um órgão encontrado somente nos vegetais denominadas como fanerógamas (gimnospermas
e angiospermas), ou seja, em plantas que possuem órgãos reprodutores macroscópicos. Geralmente
definida como estrutura de crescimento formada por ramos e folhas altamente modificados
(LINHARES, 2016).
As flores podem ser polinizadas (processo em que os grãos de pólen produzidos na antera são
transportados ao estigma) por diversos tipos de agentes polinizadores: pelo vento (anemófila), por
insetos (entomofilia), por pássaros (ornitófila), por morcegos (quiropterofilia), pela água (hidrófila), ou
mesmo pelos seres humanos quando empregam procedimentos artificiais na polinização de espécies
cultivadas (antropófila) (AMABIS e MARTHO, 2015).
Por isso, utilizaremos o desenho biológico como uma ferramenta didática para o estudo das partes
morfológicas florais, evidenciando a interação da parte teórica e prática que é permitido através da
descrição de suas partes. O ato de desenhar proporciona um contato maior com o objeto além de
auxiliar na memorização das estruturas de uma flor (NOVAES et. al., 2009).

OBJETIVO GERAL

Construir desenhos biológicos das partes morfológicas florais, facilitando a significação dos nomes,
funções e formas botânicas.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

•Relacionar o conteúdo teórico e prático utilizando o desenho biológico como ferramenta de ensino e
aprendizagem;

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Utilizando Desenhos Biológicos Para O Estudo De Estruturas Morfológicas Florais

•Identificar e caracterizar as partes florais de algumas espécies do IFPA Campus conceição do Araguaia
e do município;
•Realizar a exposição dos desenhos biológicos como forma de dinamizar a arte, criatividade e
incentivar o uso de imagens visuais para a compreensão do estudo da Biologia.

METODOLOGIA

Após a finalização das aulas teóricas sobre as Angiospermas, filo Anthophyta, caracterizamos as partes
florais e suas funções. A próxima etapa foi coletar dez espécies florais, localizadas no Campus IFPA,
Conceição do Araguaia e na cidade. Durante a coleta foram anotados dados das flores como: cor das
pétalas, quantidade de pétalas e nome popular. Em seguida foi realizado o corte e identificação das
partes florais no laboratório de Botânica.
Para a identificação botânica confeccionamos etiquetas contendo dados da flor, como: nome popular,
nome científico, família botânica, características da flor, data da coleta e nome do coletor (Figura 1).
As partes florais estudadas foram: pedúnculo = responsável por ligar a flor a planta; receptáculo =
porção dilatada do pedúnculo a qual está ligada a flor; cálice (conjunto de sépalas = localizadas abaixo
das pétalas com coloração geralmente verde), corola (conjunto de pétalas = folhas modificadas e
coloridas com função de atrair polinizadores), androceu (filete= haste longa e fina em sua extremidade
encontra-se a antera; antera= responsável pela produção de pólen), gineceu (carpelos = estrutura
feminina da flor formada por ovário estilete e estigma; pistilos = pode ser constituído por um ou mais
carpelos; estigma = porção que recebe o grão de pólen; estilete = liga o estigma ao ovário), óvulos e
ovário = parte que se transformará em fruto (LINHARES, 2013).

Figura 1 – Etiqueta de identificação botânica floral.

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949
Utilizando Desenhos Biológicos Para O Estudo De Estruturas Morfológicas Florais

Para a caracterização das estruturas florais foi utilizado estilete para o corte, lâminas de suporte, lupa
ou microscópio (visualização de estruturas menores), lápis e folhas de desenho (A4) e livros didáticos
de Biologia vol. 2 (LINHARES, 2016; AMABIS & MARTHO, 2015).
Os desenhos biológicos foram produzidos como forma de identificar as partes florais e suas estruturas
morfológicas, gerando um portfólio didático que poderá ser utilizado em outras salas do ensino médio
durante o semestre letivo.

RESULTADOS

A Turnera L. conhecida como flor-do-guarujá (família Turneraceae) (Figura 2) tem forma de vida do tipo
arbusto, erva ou subarbusto, com substrato tipo rupícola (vivem sobre paredes, muros, rochedos ou
afloramentos rochosos), com origem nativa e não é endêmica do Brasil. Sua distribuição geográfica
possuem ocorrências confirmadas nos estados do Norte (Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia,
Roraima, Tocantins) Nordeste (Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio
Grande do Norte, Sergipe) Centro-Oeste (Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso)
Sudeste (Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo) Sul (Paraná, Rio Grande do Sul, Santa
Catarina). Domínios Fitogeográficos: Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa, Pantanal
(FLORA DO BRASIL, 2018).
É uma planta herbácea perene, varia de 30 a 50 cm de altura, com flores branco- amareladas ou
amarelas com base arroxeada. Possui flor pentâmera acíclica ou espiralada e rotada, com cinco pétalas
branco-amareladas arroxeadas na base, totalmente livres entre si (dialipétalo); quatro sépalas; cinco
estames; três estiletes livres com seus respectivos estigmas; ovário súpero do tipo unicarpelar (AMABIS
e MARTHO, 2015; LINHARES, et. al. 2016).
Apresenta flor perfeita, contendo os dois verticilos de reprodução (androceu e gineceu) e diclamídea
(cálice e corola), por isso é considerada uma flor completa. Androceu isostêmone, dialistêmone e
incluso, com cinco estames. Gineceu gamocarpelar com três estiletes livres e seus respectivos
estigmas. Ovário súpero e unicarpelar (HARRI, 2013; RAVEN, 2001).

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Utilizando Desenhos Biológicos Para O Estudo De Estruturas Morfológicas Florais

Figura 2 – Flor-do-Guarujá (Próprio autor, 2018).


A Bauhinia brachycalyx Ducke conhecida como pata de vaca (família Fabaceae)

(Figura 3) tem forma de vida do tipo arbusto é nativa e endêmica do Brasil, sua distribuição geográfica
possuem ocorrências confirmadas nos estados do Norte (Acre, Amazonas e Pará). Domínios
Fitogeográficos: Amazônia (FLORA DO BRASIL, 2018). É uma planta do tipo arbusto ou árvore com seis
a doze metros de altura, perene,com flores acíclicas ou espiraladas e dialipétalas, pentâmeras de cor

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Utilizando Desenhos Biológicos Para O Estudo De Estruturas Morfológicas Florais

rosa a lilás, com uma pétala superior modificada; botão floral liso canescente, oblanceolado; possui
cinco estames excertos e dialistêmone; gineceu gamocarpelar com ovário estipitado, súpero, com
aproximadamente 13 óvulos. É considerada uma flor incompleta, pois não apresenta cálice. Perfeita
por apresentar os dois verticilos de reprodução e monoclamídea, apresentando apenas um verticilo
de proteção (HARRI, 2013; RAVEN, 2001).

Figura 3 – Flor pata de vaca (Próprio autor, 2018).


A Hippeastrum Herb. conhecida como Lírio cacau ou Lírio do dia (família Amaryllidaceae) (Figura 4)
tem forma de vida do tipo erva, substrato: aquática, epífita, rupícola e terrícola. É nativa e não é
endêmica do Brasil. Sua distribuição geográfica possuem ocorrências confirmadas nos estados do
Norte (Amazonas, Amapá, Pará, Roraima, Tocantins), Nordeste (Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão,
Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe), Centro-Oeste (Distrito Federal, Goiás, Mato
Grosso do Sul, Mato Grosso), Sudeste (Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo) e Sul
(Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina). Domínios Fitogeográficos: Amazônia, Caatinga, Cerrado,
Mata Atlântica, Pampa, Pantanal (DUTILH, 2015).
É uma planta do tipo erva com raízes perenes, folhas anuais ou perenes, com cerca de 50 cm de altura
flores laranja esverdeadas na base. Possui flores pediceladas, cíclicas, com seis pétalas laranja com

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952
Utilizando Desenhos Biológicos Para O Estudo De Estruturas Morfológicas Florais

base esverdeada, do tipo gamopétalo; androceu isostêmone e dialistêmone com seis estames; ovário
ínfero, do tipo tri carpelar, possuindo aproximadamente 22 óvulos. Considerada uma flor incompleta,
pois não apresenta cálice e perfeita por apresentar os dois verticilos de reprodução e monoclamídea,
apresentando apenas um verticilo de proteção (HARRI, 2013; RAVEN, 2001).

Figura 4 – Flor Lírio Cacau ou Lírio do dia (Próprio autor, 2018).

A Hibiscus L. conhecida como flor de Hibisco ou Hibisco da China (família Malvaceae) (Figura 5) tem
forma de vida do tipo arbusto, árvore, subarbusto e substrato do tipo terrícola. Tem origem nativa e

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953
Utilizando Desenhos Biológicos Para O Estudo De Estruturas Morfológicas Florais

não é endêmica do Brasil. Sua distribuição geográfica possuem ocorrências confirmadas nos estados
do Norte (Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins), Nordeste (Alagoas, Bahia,
Maranhão, Paraíba, Piauí), Centro-Oeste (Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso),
Sudeste (Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo) e Sul (Paraná,Rio Grande do Sul, Santa
Catarina). Domínios Fitogeográficos: Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica (FLORA DO BRASIL,
2018).
Árvore pequena com cerca de dois a cinco metros de altura, flores solitárias vermelhas, pentâmeras.
Flor acíclica ou espiralada com cinco pétalas vermelhas dialipétalas; cálice formado por cinco sépalas
totalmente soldadas entre si; gineceu gamocarpelar com estilete alongado (5 cm) com cerca de cinco
estigmas; androceu polistêmone com aproximadamente 30 estames dialistêmones e ovário súpero do
tipo unicarpelar. Considerada uma flor perfeita, pois apresentam os dois verticilos de reprodução e os
dois verticilos de proteção (HARRI, 2013; RAVEN, 2001).

Figura 5 – Flor de Hibisco ou Hibisco da China (Próprio autor, 2018).

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Utilizando Desenhos Biológicos Para O Estudo De Estruturas Morfológicas Florais

Fitogeográficos: Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa, Pantanal (FLORA DO BRASIL,
2018).
Planta do tipo arbusto de dois a quatro metros de altura, perene, com flores aglomeradas em forma
de buquê, brancas com toque leve amarelado no centro. Flor pentâmera cíclica e gamopétala; possui
cinco pétalas brancas, com um toque amarelado na base; androceu oligostêmone com cinco estames
dialistêmone e inclusos; gineceu gamocarpelar com um estigma e ovário súpero do tipo unicarpelar.
Flor perfeita apresentando os dois verticilos de reprodução e monoclamídea, apresentando apena um
verticilo de proteção, tornando-se uma flor incompleta, pois não apresentam os dois verticilos de
proteção (HARRI, 2013; RAVEN, 2001).

Figura 6 – Flor jasmim do Caribe ou buquê de noiva (Próprio autor, 2018).

CONCLUSÃO

O estudo morfológico das flores permitiu identificar nomes e formas florais assim como estudar sobre
a distribuição dessas espécies no Brasil. Foi possível relacionar o conteúdo sobre as angiospermas

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955
Utilizando Desenhos Biológicos Para O Estudo De Estruturas Morfológicas Florais

vistas nas aulas teóricas e práticas de Botânica e construir um álbum biológico como apoio didático
para as próximas aulas de Biologia. O desenho floral proporcionou um contato maior com o objeto de
estudo assim como facilitou a aprendizagem das partes auxiliadas pelas cores e texturas das flores.

11
956
Utilizando Desenhos Biológicos Para O Estudo De Estruturas Morfológicas Florais

REFERÊNCIAS

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BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. SECRETARIA DE

Apocynaceae in Lista de Espécies da Flora do Brasil. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponivel
em:<http://floradobrasil.jbrj.gov.br/jabot/floradobrasil/FB48>.

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DUTILH, J.H.A.,Oliveira, R.S. Amaryllidaceae in Lista de Espécies da Flora do Brasil. Jardim Botânico do
Rio de Janeiro, 2015.

ESTEVES, L. M. A importância da Botânica em nossa vida. Secretária do Meio Ambiente-SP, [S.L], abr.
2015. Acesso em: 27 out. 2018.

Fabaceae in Lista de Espécies da Flora do Brasil. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponivel
em:<http://floradobrasil.jbrj.gov.br/jabot/floradobrasil/FB115>. 2015.

HARRI, L et.al. Introdução à Botânica: morfologia. São Paulo. Editora Instituto Plantarum de Estudos
da Flora, 2013.

Hibiscus in Flora do Brasil 2020 em construção. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível
em:<http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora/floradobrasil/FB9079>. Acesso em: 25 Out. 2018 Plumeria
in Lista de Espécies da Flora do Brasil. Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

Disponivel em:<http://floradobrasil.jbrj.gov.br/jabot/floradobrasil/FB26470>. Spina, A.P. 2015.


Turnera in Flora do Brasil 2020 em construção. Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

Disponível em:<http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora/floradobrasil/FB14994>. Acesso em: 21 Out.


2018

LINHARES, S. et. al. Biologia Hoje. 3 ed. v.2. Os seres vivos. São Paulo: Ática, 2016. LOPES, Sônia; ROSSO,
Sergio. BIO – volume 2. São Paulo: Saraiva. 2010.

NOVAES, Maria Helena. Compromisso ou alienação frente ao próximo século. Rio de Janeiro: Nau,
2009.

RAVEN, Peter; EVERT, Ray F.; EICCHORN, Susan E. Biologia Vegetal (6ª ed.), Ed. Guanabara Koogan, RJ.
2001.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos


superiores. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

12
957
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 73
10.37423/200802440

FITOTERÁPICOS: ASPECTOS TOXICOLÓGICOS

Saulo José de Lima Júnior Universidade de Gurupi-TO

Leila de Freitas Pires Universidade Montes Belos-GO

Vanderson Ramos Mafra Universidade de Gurupi-TO

Natallia Moreira Lopes Leão Universidade de Gurupi-TO

Gabryelle Cristhina Mendes Sousa Universidade de Gurupi-TO

Pamela Cristina Coelho dos Reis Universidade de Gurupi-TO

Thamires Ferreira dos Santos Universidade de Gurupi-TO

Vitor Sousa Santos Universidade de Gurupi-TO


Fitoterápicos: Aspectos Toxicológicos

Resumo: As plantas medicinais vêm sendo utilizadas com finalidades terapêuticas há milhares de anos.
A partir do desenvolvimento da química orgânica, tornou-se possível obter substâncias puras através
do isolamento de princípios ativos de plantas e impulsionaram a substituição de pôr fármacos
sintéticos, resultando em desinteresse pela pesquisa de substâncias de origem vegetal o que levaram
poucas plantas terem estudos pré-clínicos e clínicos para comprovar sua eficácia e segurança e
divulgada na farmacopeia brasileira. O objetivo deste trabalho foi avaliar a relação das plantas
medicinais como fitoterápicos em feira livres do Brasil, que apresente informações toxicológica e de
eficácia comprovada pela Agência de Vigilância Sanitária do Brasil e fontes públicas de informação.
Trata-se de uma pesquisa exploratória com abordagem qualitativa, abordando as bibliografias num
recorte temporal de 2001 a 2020. Avaliados os testes toxicológicos para fitoterápicos segundo
recomendações da ANVISA (2016) e sites indexado como Scielo, Biblioteca Virtual de Saúde, Guideline,
Medline, Lilacs-Bireme. Foram selecionadas 13 plantas medicinais citadas na comercialização na forma
de medicamentos fitoterápicos: Unha de gato, barbatimão, gengibre, babosa, alecrim pimenta,
espinheira santa, cavalinha, aroeira, sucupira, melão de são caetano, quebra pedra, arruda e romã. Das
13 plantas selecionadas foram avaliadas as informações toxicológicas em ensaios pré-clínico e clínicos
observou que somente 7 plantas, apresentaram resultados para os testes toxicológicos necessários
para sua validação segundo a ANVISA e 6 plantas medicinais ainda precisa de testes toxicológicos
relevante para ser aprovado pelo órgão regulador do Brasil, ANVISA. Foi observado que as plantas Unha
de Gato, Barbatimão, Gengibre, Babosa, Alecrim-pimenta, Espinheira Santa e Cavalinha apresentaram
resultados para os testes toxicológicos necessários para sua validação segundo a ANVISA. Porém,
percebe-se que a Unha de Gato, Gengibre e Espinheira Santa não apresentou informação toxicológica
o que implica eficácia e segurança para o uso da população diferente da planta Barbatimão que
demonstrou efeito tóxico em duas dosagens. A planta Quebra-Pedra, Melão de são Caetano e Romã
apresentaram teste toxicológicos importante, e poderá ser avaliada para compor a farmacopeia
brasileira de fitoterápicos. Logo, a aroeira e sucupira não apresentam estudos suficiente colocando em
risco a população brasileira. Mesmo perante uma legislação vigente que estabeleça as indústrias
farmacêuticas a comprovarem dados de eficácia e segurança das plantas medicinais ainda há lacunas
de testes toxicológicos de vários fitoterápicos vendido em feira livre para aceitação da ANVISA.
Palavra-Chave: NOME DA PLANTA + TOXICIDADE PRÉ-CLÍNICA E CLÍNICA, MEDICAMENTOS
FITOTERÁPICOS, EFEITOS ADVERSOS.

1
959
Fitoterápicos: Aspectos Toxicológicos

1. INTRODUÇÃO

Há relatos da utilização dos recursos das plantas medicinais como fonte de tratamento das diversas
patologias a mais de 3.000 a. C. É através destes escritos que fazemos observações e experimentações
das propriedades terapêuticas das plantas, assim segue-se uma propagação de geração em geração
dessa cultura popular. Como exemplo dessa síntese química, o marco de início do processo de extração
de princípios ativos, temos o isolamento da morfina da Papaver somniferum em 1803 pelo
farmacêutico Friedrich Wilhelm Adam Sertürner. Daí em diante, outras substâncias foram isoladas, a
quinina e a quinidina obtidas da Cinchona spp, em 1819, e a atropina da Atropa Belladona, em 1831,
que começaram a ser utilizadas em substituição aos extratos vegetais (Schulz, Hänsel, Tyler, 2001; Tyler
1996).
A produção de fármacos utilizando a via da síntese química, o crescimento econômico das indústrias
farmacêuticas e a ausência de comprovações científicas de eficácia das substâncias de origem vegetal
aliada às dificuldades de controle químico, físico-químico, farmacológico e toxicológico dos extratos
vegetais até então utilizados, impulsionaram a substituição destes por fármacos sintéticos (Rates,
2001).
Com o desenvolvimento dos laboratórios farmacêuticos e dos fármacos sintéticos, as plantas
medicinais resistem como forma alternativa de tratamento em várias partes do mundo e nota-se que
nas últimas décadas houve a revalorização do emprego de preparações fitoterápicas (Turolla &
Nascimento, 2006). Observa-se que o mercado farmacêutico de medicamentos fitoterápicos estima de
US$ 43 bilhões por ano, sendo o setor de maior crescimento norte-americano. Na África, os
fitoterápicos são amplamente utilizados e 80% da população depende do uso destes medicamentos,
os quais representam alternativa frente ao alto custo dos fármacos sintéticos. (Aschwanden, 2001)
Valeriano (2017) descreve que o uso tradicional de diversas plantas medicinais baseado em
conhecimentos populares, aliado à crença de que, por ser natural não causa reações adversas, fez com
que poucas plantas medicinais fossem avaliadas através de estudos pré-clínicos e clínicos, a fim de
comprovar sua eficácia e segurança. Klein et al. (2009) retrata que os fitoterápicos diferentes dos
medicamentos alopáticos apresentam, frequentemente, variações. Isto ocorre devido à complexidade
de sua composição e à diversidade na qualidade das drogas obtidas a partir de uma mesma espécie
vegetal. Tal variabilidade está relacionada com fatores referentes às condições do local de plantio,
processo de coleta, manuseio e processamento da matéria-prima. As possíveis alterações inerentes a
sua origem justificam a preocupação atual em relação à segurança dos fitoterápicos.

2
960
Fitoterápicos: Aspectos Toxicológicos

A legislação vigente aos medicamentos fitoterápicos vem sofrendo modificações nos últimos anos no
Brasil.A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) vem elaborando normas para a
regulamentação destes medicamentos, desde a Portaria n. 6 de 1995, que estabeleceu prazos para
que as indústrias farmacêuticas apresentassem dados de eficácia e segurança dos medicamentos
fitoterápicos, passando pela RDC n. 17 de 2000, e a Resolução RDC n. 48 de 16 de março de 2004,
atualmente em vigor, que dispõe sobre o registro de medicamentos fitoterápicos (TUROLLA &
NASCIMENTO, 2006)
Além disto, sabe-se que muitas plantas medicinais apresentam substâncias que podem desencadear
reações adversas, seja por seus próprios componentes, seja pela presença de contaminantes ou
adulterantes presentes nas preparações fitoterápicas, exigindo um rigoroso controle de qualidade
desde o cultivo, coleta da planta, extração de seus constituintes, até a elaboração do medicamento
final. (VALERIANO,2017; TUROLLA & NASCIMENTO, 2006).
Assim, o objetivo do presente trabalho foi avaliar as informações sobre a toxicidade de ensaio pré-
clínico e clínico de plantas medicinais comercializadas nas feiras livres brasileira como medicamentos
fitoterápicos junto aos principais bancos de dados da Agência da Vigilância Sanitária (ANVISA) e sites
indexados.

2. MATERIAIS E METODO

Trata-se de uma pesquisa exploratória com abordagem qualitativa, abordando as bibliografias num
recorte temporal de 2001 a 2020. Para a realização deste trabalho foram avaliados os testes
toxicológicos para fitoterápicos segundo recomendações da ANVISA (2016) e análise de estudos
científicos buscados em sites indexado como Scielo, Biblioteca Virtual de Saúde, Guideline, Medline,
Lilacs-Bireme com as palavras chave NOME DA PLANTA + TOXICIDADE PRÉ-CLÍNICA E CLÍNICA,
MEDICAMENTOS FITOTERÁPICOS, EFEITOS ADVERSOS.
O caminho metodológico procedeu-se primeiramente com a seleção de 13 plantas medicinais citadas
na comercialização na forma de medicamentos fitoterápicos nas diversas feiras livres de regiões
brasileiras segundo informações Borges et al (2020) das Plantas medicinais utilizadas em feiras livres
em diferentes regiões do Brasil. As plantas selecionadas são as seguintes: Unha de gato, barbatimão,
gengibre, babosa, alecrim pimenta, espinheira santa, cavalinha, aroeira, sucupira, melão de são
caetano, quebra pedra, arruda e romã.
Como método de inclusão foram avaliadas quanto aos aspectos toxicológicos nas bases de dados do
Memento de fitoterápicos da farmacopeia brasileira na 1º edição (2016) e Formulário de fitoterápicos

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961
Fitoterápicos: Aspectos Toxicológicos

farmacopeias Brasileira 1ª edição (2018) da ANVISA avaliando a toxicidade de ensaios pré-clínico e


clínicos.

3. RESULTADO

Para as 13 plantas selecionadas neste trabalho, foram avaliadas as informações toxicológicas em


ensaios pré-clínico e clínicos numa importante fonte de informação a farmacopeia brasileira regida
pela ANVISA (2016) e sites de busca cientifica. Pode-se observar que somente 7 plantas, apresentaram
resultados para os testes toxicológicos necessários para sua validação segundo a ANVISA, órgão
regulamentador do país. Sendo a unhas de gato, barbatimão, gengibre, babosa, alecrim pimenta,
espinheira santa e cavalinha. Porém, ocorreu que 6 plantas medicinais como aroeira, sucupira, melão
de são caetano, quebra pedra, arruda, romã, ainda precisa de testes toxicológicos relevante para ser
aprovado pelo órgão regulador do Brasil, ANVISA.
As informações toxicológicas e efeitos já comprovados das 13 plantas selecionadas podem ser
observados nos Quadros 1 a 13.
Quadro 1- Informações Toxicológicas e efeitos comprovados de Unha de Gato
Nome Popular Informações Toxicológicas Efeito comprovado
/Nome científico
Unhas de Gato O extrato aquoso das cascas de U. Ensaios clínicos com dois grupos
(Uncaria tomentosa, foi administrado em utilizando o extrato aquoso de U.
tomentosa) voluntários na dose de 0,350 g/ kg tomentosa na forma de cápsu- las,
pelo período de seis semanas contendo 20 mg de extrato, com
consecutivas, sendo que não houve teor de 14,7 mg/g de alcaloides
alterações hematológicas, peso oxindólicos pentacíclicos, livre
corporal, diarreia, constipação, Uncaria tomentosa (Willd. DC.)
náuseas, cefaleia, edema e dor, Memento Fitoterápico da
sendo observados apenas aumento Farmacopeia Brasileira - 1ª edição
de glóbulos brancos. de alcaloides oxindólicos
No estudo utilizou-se o extrato tetracíclicos para a artrite
aquoso de U. tomentosa na dose de reumatoide, na fase 1 os
0,350 g/kg (2 vezes/dia), ad- pacientes tratados com U.
ministrado em humanos durante tomentosa apresentaram menos
dois meses. Foi observada melhora dores articulares em relação ao
da imunidade dos pacientes tratado com placebo (redução de
(elevação de linfócitos e 53,2% versus 24,1%). Na fase 2,
neutrófilos). Durante o experimento nos pacientes que receberam o
não houve sinais clínicos e extrato de U. tomentosa se
laboratoriais de toxicidade observou redução da dor e edema
articular, do índice Ritchie em
relação aos tratados com o
placebo
Fonte: ANVISA, 2016

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962
Fitoterápicos: Aspectos Toxicológicos

Quadro 2- Informações Toxicológicas e efeitos comprovados do Barbatimão


Nome Popular Informações Toxicológicas Efeito comprovado
/Nome científico
Barbatimão Em estudo da toxicidade Cicatrizante
(Stryphnodendron subcrônica de extrato acetônico
adstringens) das entrecascas dos caules de S.
adstringens em ratos Wistar
machos tratados durante 30 dias
por via oral nas concentrações
de 0,80 g/kg (N=17) e 1,60 g/kg
(N=17), demonstrou-se que o
extrato nas concentrações de
0,80 g/kg e 1,60 g/kg, é tóxico
aos animais após 30 dias de
tratamento, ocorrendo efeitos
indesejáveis proporcionais ao
aumento da dose. Houve
decréscimo do ganho de peso
corporal a partir do 15º dia,
provavelmente por
interferência do extrato na
absorção de alimentos ou por
causar anorexia. Houve
alteração em relação à
concentração plasmática de
glicose e aspartato amino
transferase.
Fonte: ANVISA, 2016

Quadro 3- Informações Toxicológicas e efeitos comprovados do Gengibre


Nome Popular Informações Toxicológicas Efeito comprovado
/Nome científico
Gengibre Nenhum efeito teratogênico foi Antiemético, antidispéptico, e nos
(Zingiber observado em bebês cujas mães casos de cinetose.
officinale Roscoe) usaram Z. officinale para o alivio da
hiperêmese gravídica.
Em estudo clínico duplo-cego,
randomizado, foi evidenciada a ação
efetiva do gengibre (250 mg por via
oral, 4 vezes ao dia) no tratamento
de vômito pernicioso na gravidez.
Efeitos teratogênicos não foram
observados em crianças nascidas
durante esse estudo, e todos os
recém-nascidos apresentaram
APGAR de 9 ou 10 após 5 minutos.
Fonte: ANVISA, 2016

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963
Fitoterápicos: Aspectos Toxicológicos

Quadro 4- Informações Toxicológicas e efeitos comprovados da Babosa


Nome Popular Informações Toxicológicas Efeito comprovado
/Nome
científico
Babosa Encontram-se relatos de Queimaduras de primeiro e
(Aloe vera) ocorrência de dermatite de segundo graus, e como
contato e sensação de cicatrizante
queimação, em decorrência do
uso tópico de gel de A. vera.
Possivelmente, essas reações
devem-se à presença de resíduos
de antraquinonas no gel
utilizado.
Fonte: ANVISA, 2016

Quadro 5- Informações Toxicológicas e efeitos comprovados do Alecrim


Nome Popular Informações Toxicológicas Efeito comprovado
/Nome científico
Alecrim – Nos estudos de toxicidade aguda do Anti-inflamatório, antisséptico da
pimenta (Lippia óleo essencial das folhas em dose cavidade oral, afecções da pele e
sidoides) única via oral, em camundongos, couro cabeludo. Antisséptico
foram observados valores de DL50 tópico, antimicótico e escabicida
que variaram de 0,1 a 7,1
g/kg.(33,38,39) Quando realizada a
reexposição dos animais, a DL50
passou a 1,8 g/kg.(33) Ainda foram
observados sintomas após a
administração do óleo essencial
como letargia e anestesia.(39) Nas
doses de 0,15; 0,3; 0,6; 1,25; 2,5; 5 e
10 g/kg foram observadas
taquicardia e perda de peso e na
dose de 6 g/kg os animais
apresentaram espasmos,
piloereção, coma, arritmia, seguido
de morte após o 50° dia.(33) A
administração do óleo essencial nas
doses de 0,1 a 3 g/kg induziu
miotonia, taquipneia e dispneia, não
demonstrando outros sinais de
toxicidade até 3 g/kg.(38) Outro
estudo não observou alterações
comportamentais até a dose de 0,5
g/kg
Fonte: ANVISA, 2016

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964
Fitoterápicos: Aspectos Toxicológicos

Quadro 6- Informações Toxicológicas e efeitos comprovados da Espinheira Santa


Nome Popular Informações Toxicológicas Efeito comprovado
/Nome científico
Espinheira Santa Em dois estudos foram avaliados os Antidispéptico, antiácido e
(Maytenus efeitos de M. ilicifolia em seres protetor da mucosa gástrica.
ilicifolia) humanos sadios, um com sete(30) e
o outro com 24 sujeitos de
pesquisa.(31) Nos dois estudos não
foram encontradas alterações
significativas que pudessem
contraindicar o uso da espécie
vegetal. No primeiro estudo foi
testada a infusão utilizando se o
dobro da dose popular: 6 g/150 mL
de água. Foi realizada a
administração diária por 14 dias. O
extrato não causou toxicidade, os
voluntários não tiveram dificuldades
em ingeri-lo e não relataram efeitos
colaterais. Não houve alteração no
ECG, nas dosagens bioquímicas,
hematológicas e no exame de urina
em relação às dosagens basais.(30)
No segundo estudo foi testado o
extrato aquoso, seco por aspersão,
em 24 sujeitos, sadios (12 homens e
12 mulheres) por 6 semanas, doses
crescentes intervaladas de uma
semana: 0,10 g, 0,20 g, 0,50 g, 1,0 g,
1,5 g e 2,0 g . Doses de até 2,0 g
foram bem toleradas, sem
apresentar efeitos tóxicos e nem
eventos adversos significativos.
Dentre os encontrados, os mais
comuns foram: boca seca, náuseas,
tremor nas mãos e poliúria. Não
houve alterações na avaliação
neuropsicológica, exames
laboratoriais (hematológicos,
bioquímicos, hormonais e de sais) e
função renal e hepática
Fonte: ANVISA, 2016

7
965
Fitoterápicos: Aspectos Toxicológicos

Quadro 7- Informações Toxicológicas e efeitos comprovados da Cavalinha


Nome Popular Informações Toxicológicas Efeito comprovado
/Nome
científico
Cavalinha No estudo realizado em ratas Diurético
(Equisetum Wistar tratadas por via oral, com
arvense) três diferentes doses de extrato
etanólico de Equisetum arvense
(30 mg/kg, 60 mg/kg e 120
mg/kg) por um período de 30
dias, não foram observados
efeitos tóxicos referentes aos
sinais clínicos, o peso corporal e
peso de órgãos. Na dose de 60
mg/kg foi encontrado diferença
significativa em relação ao grupo
controle para os parâmetros
hemato-bioquímicos. Os
parâmetros histológicos do
tecido hepático de todos os três
grupos mostraram arquitetura
celular normal. A análise
histopatológica do osso do fémur
mostrou diminuição na largura
trabecular, sugerindo efeito
tóxico do extrato na dose de 60
mg/kg. Assim, o estudo concluiu
que o extrato etanólico de E.
arvense produz efeito tóxico de
forma dose-dependente
Fonte: ANVISA, 2016

8
966
Fitoterápicos: Aspectos Toxicológicos

Quadro 8- Informações Toxicológicas e efeitos comprovados da Arruda


Nome Popular Informações Toxicológicas Efeito
/Nome científico comprovado
Arruda Estudo realizado em camundongos, fêmeas, que Abortiva;
(Ruta graveolens) receberam 1000 mg/kg de extrato aquoso de antibacteriano;
R.graveolens em quatro momentos pós fecundação. contraceptivo
Resultados: foi observada morte fetal e não foi FERNANDES et
observada atividade estrogênica pela planta al,2016)
(FREITAS; AUGUSTO; MONTANARI, 2005).
Estudo realizado em ratos e hamsters fêmeas de 1 a
10 dias pós-coito, com a administração, por via oral,
da raiz em pó (4g/kg) e extrato aquoso das folhas
(4mL/kg) de R.graveolens. Resultados: todas as
partes da planta apresentaram potencial
anticoncepcional em ratos. Em hamsters não foram
observadas atividades anticoncepcionais (GANDHI et
al., 1991).

Quadro 9- Informações Toxicológicas e efeitos comprovados da Aroeira


Nome Popular Informações Toxicológicas Efeito comprovado
/Nome
científico
Aroeira Estudos não encontrado Observou-se efeito favorável da
(Myracrodruon Aroeira, a nível microscópico,
urundeuva) no processo de cicatrização de
anastomoses de cólon
(COUTINHO et al 2006)

Quadro 10- Informações Toxicológicas e efeitos comprovados do Quebra-Pedra


Nome Popular Informações Toxicológicas Efeito comprovado
/Nome científico
Quebra-Pedra P. niruri ocasionou toxicidade estudo experimental, com o
(Phyllanthus materna durante a gestação e modelo de cálculo vesical por
niruri) lactação. O tratamento em ratas oxalato de cálcio, estudando-se
gestante provocou sinais clínicos de ratos em grupo controle e grupo
toxicidade materna sistêmica, onde tratado com chá de P. niruri,
os animais apresentaram frêmito visando detectar possíveis
vocal, tremores, agressividade, alterações na bioquímica urinária
hemorragia nasal e hemorragia e no ritmo de crescimento dos
vaginal, inclusive com registro de um cálculos vesicais. Após 42 dias, no
óbito no 20º dia de tratamento. final do experimento, o grupo de
(ALVES, 2018) ratos tratados apresentou
elevação no volume urinário e na
creatinina, e no sódio urinário,
além de uma redução significativa
no crescimento do cálculo vesical.
(MARQUES, 2009)

9
967
Fitoterápicos: Aspectos Toxicológicos

Quadro 11- Informações Toxicológicas e efeitos comprovados do Melão de São


Caetano
Nome Popular Informações Toxicológicas Efeito comprovado
/Nome
científico
Melão de São Estudo conduzido em ratos Hipoglicemiante (FERNANDES
Caetano Sprague-Dawley, machos, com et al, 2016)
(Momordica administração diária, por via oral,
charantia) de 2,1, 5,7 e 9,2 mg/100g de
extrato aquoso de M.charantia e
13,4, 24,8 e 36,2 mg/100g de
extrato etanólico de M.charantia,
por durante 3 meses. Resultados:
observados sinais de toxicidade e
óbito. BATRAN; ELGENGAIHI;
SHABRAWYA (2006).
Estudo realizado com ratos
Wistar, machos, com a
administração diária, por via oral,
de 400 e 800 mg/kg de extrato
etanólico de M.charantia, por
durante 42 dias. Resultados:
foram encontradas alterações
tóxicas no túbulos seminíferos,
epidídimos e diminuição do baixo
nível de testosterona
TUMKIRATIWONG et al. (2014).

Quadro 12- Informações Toxicológicas e efeitos comprovados da Sucupira


Nome Popular Informações Toxicológicas Efeito comprovado
/Nome
científico
Sucupira Estudos não encontrados Na avaliação sobre o
(Pterodon desenvolvimento micelial de
emarginatus) fungos, o extrato de sucupira e
o fungicida tebuconazole
reduziram significativamente o
crescimento micelial de
Alternaria brassicae, Fusarium
oxysporum, Rhizoctonia solani
e Ceratocystis fimbriata.
Entretanto, tebuconazole foi
significativamente superior ao
extrato de sucupira, exceto
para o fungo A. brassicae.
(SILVA et al 2007)

10
968
Fitoterápicos: Aspectos Toxicológicos

Quadro 13- Informações Toxicológicas e efeitos comprovados da Romã

Nome Popular Informações Toxicológicas Efeito comprovado


/Nome
científico

Romã (Punica Estudo realizado em Antifúngico, antioxidante,


granatum) camundongos, machos e fêmeas, cicatrização de pele
com a administração única, por (FERNANDES et al 2016)
via oral, de 2000 mg/kg de extrato
etanólico de P.granatum.
Resultados: não foram
observados sinais de toxicidade,
óbito ou alteração em órgãos.
(BHANDARY et al., 2013).

4. DISCUSSÃO

Foi observado que as plantas Unha de Gato, Barbatimão, Gengibre, Babosa, Alecrim-pimenta,
Espinheira Santa e Cavalinha apresentaram resultados para os testes toxicológicos necessários para
sua validação segundo a ANVISA, órgão regulamentador do país. Para as demais plantas ainda são
necessários realizar alguns testes toxicológicos para que haja a liberação pela ANVISA e,
consequentemente, seu uso em humanos e/ou nos animais.
Percebe-se que a Unha de Gato, Gengibre e Espinheira Santa não apresentou informação toxicológica
relevantes após testes comprovando sua eficácia e segurança para o uso da população. Porém foi
relatado informações toxicológicas para Barbatimão que demonstrou efeito tóxico nos extratos com
concentrações de 0,80 g/kg e 1,60 g/kg, após 30 dias de tratamento. Também se encontram relatos
de ocorrência de dermatite de contato e sensação de queimação, em decorrência do uso tópico de gel
de A. vera como citado no relato de caso DE CARVALHO et al, 2018 no uso de Aloe vera com argila
para tratamento de psoríase. Já o Alecrim-Pimenta na administração do óleo essencial nas doses de
0,1 a 3 g/kg induziu miotonia, taquipneia e dispneia, não demonstrando outros sinais de toxicidade
até 3 g/kg. E Cavalinha mostrou diminuição na largura trabécula, sugerindo efeito tóxico do extrato na
dose de 60 mg/kg e tendo eficácia comprovada como diurético.

11
969
Fitoterápicos: Aspectos Toxicológicos

Nas demais plantas os resultados como Quebra-Pedra, Melão de são Caetano e Romã apresentaram
teste toxicológicos importante e pode ser avaliada para compor a farmacopeia brasileira de
fitoterápicos. Já planta arruda apresentou informações toxicológicas limitada sob a toxicidade
reprodutiva podendo apresentar risco a individuas que utilizem podendo ocasionar abortos. Logo, a
aroeira e sucupira não apresentam estudos suficiente colocando em risco a população brasileira que
somente utiliza essas plantas como fitoterápicos de forma empírica.
Nota-se que nas referências pesquisadas, o uso tradicional das plantas medicinais não garante a
segurança do medicamento fitoterápico, sendo necessário realizar ensaios pré-clínicos e clínicos
principais plantas comercializada em feiras livres. Os testes para avaliação de toxicidade das
substâncias químicas estão bem detalhados segundo os protocolos sugeridos pela OECD (1996). No
Brasil, a Resolução RDC n. 48 e a Resolução - RE n. 90, publicadas em 16 de março de 2004, tratam do
registro dos medicamentos fitoterápicos e apresentam um guia para a realização de estudos de
toxicidade pré-clínica de fitoterápicos, respectivamente. A resolução RE n. 90 foi elaborada em
conformidade com as normas da Organização Mundial de Saúde (OMS), e recomenda estudos de
toxicidade aguda e de doses repetidas (TUROLLA & NASCIMENTO, 2006)
Além dos ensaios de toxicidade aguda e de doses repetidas, a RE n. 90 de 2004 também sugere estudos
de genotoxicidade, quando houver indicação de uso contínuo ou prolongado do medicamento em
humanos, e a avaliação toxicológica de fitoterápicos de uso tópico, porém não detalha os métodos
para a realização destes testes. Assim, levando-se em consideração o estágio de desenvolvimento que
já foi atingido pelos protocolos da OECD, os quais especificam somente os testes de toxicidade para
substâncias químicas, ainda há dificuldades em se estabelecer os testes mais adequados para os
fitoterápicos, principalmente diante da dificuldade de padronização das preparações fitoterápicas
(FERNANDES & FELIX, 2016). Enquanto toda a legislação para os medicamentos de fármacos sintéticos
encontra-se bem estabelecida, os medicamentos fitoterápicos ainda carecem de maior esforço
regulatório.
O trabalho apresentado ressalta a grande oportunidade de utilização das plantas fitoterápicas como
uma alternativa para situações em que os medicamentos alopáticos tradicionais são ineficazes e de
alto custo, todavia os testes de toxicidade dos órgãos regulatórios são necessários para garantir o uso
seguro e o uso racional dessas plantas, e com a finalidade de comprovar sua eficácia e segurança.

12
970
Fitoterápicos: Aspectos Toxicológicos

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os testes toxicológicos são extremamente necessários para consolidar essa lacuna frente ao uso de
plantas medicinais. Sendo de suma importância que sejam feitos mais testes, tanto pré-clínico, clínicos
e pós-clínico de todas as classes de farmacoterápicos e suas diversas formas de apresentações, como
forma de garantia de eficácia e toxicidade.

13
971
Fitoterápicos: Aspectos Toxicológicos

5. REFERÊNCIAS

ALVES, Maciel da Costa. Efeitos do extrato aquoso de quebra-pedra (Phyllanthus niruri L.) na gestação
e lactação de ratas e no desenvolvimento somático de sua prole. 2018. 50 fl. (Trabalho de Conclusão
de Curso – Monografia), Curso de Bacharelado em Farmácia , Centro de Educação e Saúde,
Universidade Federal de Campina Grande, Cuité – Paraíba – Brasil, 2018.

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1ºedição,2016.Disponívelem:http://portal.anvisa.gov.br/documents/33832/2909630/Memento+Fito
terapico/a80ec477-bb36-4ae0-b1d2-e2461217e06b

ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Formulário de fitoterápicos farmacopeias Brasileira.


1ªedição,2018.Disponívelem:http://portal.anvisa.gov.br/documents/33832/259456/Suplemento+FF
FB.pdf/478d1f83-7a0d-48aa-9815-37dbc6b29f9a

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Fitoterápicos: Aspectos Toxicológicos

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do SUS, Uma Revisão Sistemática. ID on line Revista De Psicologia, v. 10, n. 33, p. 219-236, 2017.

15
973
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 74
10.37423/200802445

QUAL O PAPEL DA MÚSICA NO ESTUDO?

Paulo Damasceno Nepomuceno Centro de Ensino Médio Integrado à


Educação Profissional Técnica do Gama
Qual O Papel Da Música No Estudo?

Resumo: Considerada uma ferramenta de aprendizagem, a música estimula o conhecimento de


diversos assuntos, podemos destacar a questão da catequização os escravos através da música.
Quando Fröebel (1810) propôs a música como recurso pedagógico, ele acreditava que era possível
despertar e estimular o interesse por determinados assuntos, e como isso influenciava no
comportamento. O alemão Friedrich Froebel (1782-1852) foi um dos primeiros educadores a
considerar o início da infância como uma fase de importância decisiva na formação das pessoas.
A implantação da música na educação, principalmente na educação infantil, é importante para o
desenvolvimento cognitivo. O monitoramento cerebral em músicos de jazz estão envolvidas em
complexas atividades cerebrais durante a improvisação musical, o que demonstra uma estreita relação
entre a criatividade, raciocínio lógico, estruturação da linguagem, memória operacional, sensações e
emoções.
A música não é somente uma associação de sons e palavras, mas sim, um rico instrumento que pode
fazer a diferença na disciplina de ciências naturais, despertar a sensibilidade, incentivar a criatividade
e aumentar a integração dos alunos no ambiente escolar.
Este projeto terá como objetivo principal divulgar o resultado de uma pesquisa bibliográfica e de
campo com mais ou menos 70 pessoas para mostra se a música é ou não contributiva para o estudo e
assim ajudando nessa busca do método mais efetivo de estudo.
Palavras-Chave: Música, Estudo, Educação, Métodos.

1
975
Qual O Papel Da Música No Estudo?

1)INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA

A música faz parte do nosso cotidiano, sobretudo da nossa linguagem, transformando-se em uma das
manifestações culturais da sociedade. Por esse motivo, pode ser utilizada para enriquecer e contribuir
no vocabulário e no conhecimento lingüístico, pois, ao ouvir e cantar uma música, o aluno estará
familiarizando com sons de forma prazerosa e natural, assim desenvolverá a audição e a fala por meio
do envolvimento com a mesma. Nesta perspectiva, a música pode ser um auxiliar eficiente na
aprendizagem de uma segunda língua, pois através dela é possível um contato com novas culturas e
novos conhecimentos. (MARINEIA ANALIA)
“A música na medicina traz vários benefícios, tanto no campo físico com o alívio da dor e a diminuição
de sedativos e anestésicos em 50%...” de acordo com(RALPH SPINTGE) , presidente da sociedade
internacional de música na medicina. Como também no campo psicológico fazendo com que pessoas
com Alzheimer se lembre de fatos com detalhes, explica Cléo Coreia musico terapeuta do ambulatório
de Musicoterapia de Neurologia do Comportamento da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
“A música é reconhecida por muitos pesquisadores como uma modalidade que desenvolve a mente
humana, promove o equilíbrio, proporcionando um estado agradável de bem-estar, facilitando a
concentração e o desenvolvimento do raciocínio, em especial em questões reflexivas voltadas para o
pensamento.” Diz Amanda Ferreira, da escola Villare.
A música habilita os alunos para que possam realizar funções motoras e intelectuais, bem como
relacionar-se com o meio social. Essas ferramentas de trabalho caem para os professores como meios
facilitadores deste método.
2)OBJETIVOS
2.1) OBJETIVO GERAL
Investigar se o papel da música é contribuitivo ou não para o auxilio da aprendizagem

2.2)OBJETIVOS ESPECÍFICOS

✓Analisar as vantagens da música nos estudos com pesquisas bibliográficas.

✓Realizar um levantamento com os alunos do CEMI,para saber se a música é realmente contribuitiva


ou não.

✓Averiguar impactos positivos que a musica traz sobre os estudos,com um questinário que será
repassado aos alunos do CEMI.

2
976
Qual O Papel Da Música No Estudo?

3)REFERENCIAL TEÓRICO

“A música, ao longo da história, sempre “desempenhou, um importante papel no desenvolvimento do


ser humano, seja no aspecto religioso, moral e social, o que contribuiu para a aquisição de hábitos e
valores indispensáveis ao exercício de sua cidadania” (LOUREIRO, 2011, p. 5).
“De acordo com pesquisas ,é fundamental que a música seja incluída como atividade vital ao
desenvolvimento do ser humano, porque ele proporciona à ao ser humano se movimentar, se
socializar, criar o hábito de respeito mútuo, o espírito de criatividade e de solidariedade e a
compreensão de conviver com os conflitos mais facilmente, tem chance de fazer experiências
sensoriais no ambiente, tanto mais se desenvolvem as suas células cerebrais e a sua inteligência”
(BELOTTI apud Mello, 2011, p.19).
“Segundo pesquisa britânica, escutar música durante o estudo pode melhorar o desempenho dos
alunos. Para atingir bons resultados, o estilo de música deve ser selecionado conforme a disciplina a
ser estudada.A pesquisa mostra que os estudantes que escutaram música clássica durante seus
estudos tiveram um desempenho em média 12% melhor em suas provas de matemática.” (EDUCAÇÃO
UOL).
“A música pode nos remeter a lembranças, cheiros, sabores, e imagens; pois ela pertence, em grande
parte, ao mundo dos sonhos” (BEAINE apud ARTEN; ZANCHETA; LOURO, 2007).

4)METODOLOGIA

O projeto teve início em março de 2018 e as pesquisas continuaram até o início de agosto do mesmo
ano. O ápice da pesquisa do projeto é um questionário realizado através de uma plataforma chamada
“Google Formulários”, e através desse questionário buscou-se analisar a relevância do projeto por
meio de comparação dos resultados obtidos e os objetivos tanto no geral com nos específicos, o
questionário foi passado aos alunos do CEMI e buscou ter a noção se os alunos da escola utilizavam a
musica para estudar e se eles acham que a música pode ter uma boa influencia sobre o estudo.
Os meios e procedimentos a serem adotados envolvem a pesquisa bibliográfica feita a partir de análise
de fontes secundárias com livros, artigos, documentos monográficos, periódicos e textos disponíveis
em sites na internet. Além da pesquisa de campo: que procede a observação de fatos e fenômenos.
Todas as pesquisas foram realizadas no Centro de Ensino Médio Integrado á Educação Profissional
Técnica do Gama-CEMI e nas casas dos participantes do grupo.

3
977
Qual O Papel Da Música No Estudo?

5)RESULTADOS E DISCUSSÃO

No contexto educacional, o Brasil apresenta problemas graves tanto no sentido comportamental como
também no sentido de aproveitamento e rendimento escolar. As instituições educacionais estão
sempre buscando métodos pedagógicos que possibilitem a melhoria na aprendizagem e estímulo
motivacional do estudante, principalmente os adolescentes. A introdução da música no ambiente
escolar, propicia maior interação entre o aluno e professor, estimular o aprendizado e favorecer um
ambiente mais tranquilo.
Além de contribuir para deixar o ambiente escolar mais alegre, a música oferece um efeito calmante
após períodos de atividades físicas e atividades que exigem esforços como visitas a ambientes
externos, reduz o estresse em momentos de avaliação, e também pode ser usada como um método
no aprendizado de todas as disciplinas.
O professor pode escolher várias músicas que tratem do assunto que será trabalhado em sua aula,
isso tornará a aula atrativa, dinâmica e vai ajudar a rememorar as informações repassadas para as
atividades posteriores.
Com o propósito de pesquisar a importância da música no ambiente escolar, elaboramos um
questionário online com sete perguntas para os alunos do Centro de Ensino Médio Integrado a
Educação Profissional (CEMI) e pedimos que eles respondessem. Tais questões foram colocadas para
saber o que cada pessoa acha e se elas gostam da musica como uma forma de aprendizagem.
Analise de dados é de extrema importância para a realização do projeto, então segue abaixo análise
e comentário de cada questão.

PERGUNTAS:

Pergunta 01 – Você ouve música ao estudar?

Pergunta 02- Qual disciplina você considera melhor com música? Pergunta 03- Qual estilo você ouve
ao estudar?

Pergunta 04- Você considera que o estilo musical tem relação com o conteúdo? Cite exemplos.
Pergunta 5: Qual intensidade (volume) sonora você considera ideal
para estudar?
Pergunta 06- Você já utilizou músicas ou paródias para aprender um
conhecimento ou decorar uma fórmula?

4
978
Qual O Papel Da Música No Estudo?

Perguntam 07- Quais o nível de efetividade de zero a cinco (zero- nada efetivo; cinco- muito efetivo)
do aprendizado por paródias ou música? *

RESULTADOS E DISCUSSÕES:

Pergunta 01 → Considerando que 55% dos alunos tem o hábito de escutar música enquanto estudam,
observamos que os 46% restantes, na sua maioria, já testaram, mas não mantém o hábito com
frequência.
Pergunta 02 → As disciplinas de exatas e artes tiveram maior destaque, a primeira requer
concentração e a outra distração. Levando-se em conta que cada uma certamente, terão estilo de
música diferentes, como mostrar a pergunta 04.
Pergunta 03 → Os estilos de músicas Funk, MPB e músicas internacionais ficaram na preferência dos
entrevistados.
Pergunta 04 → A maiorias das respostas foram “não”. Como a pergunta pedia exemplos, aquelas que
responderam “sim”, citaram músicas calmas, para maior concentração e músicas agitadas para
matérias didáticas, como português e artes.
Pergunta 05 → Considerando o ambiente escolar, é necessário manter a disciplina em sala de aula,
nesse caso, os próprios entrevistados tiveram essa consciência, e 69% responderam que preferem
“som ambiente” e 17,2% preferem volume baixo.
Pergunta 06 → Quase 80% dos entrevistados já utilizaram a música para algum tipo de aprendizado.
Podemos destacar o SARAU, onde através da música, cada turma expõe um problema social, culturas
das regiões, danças típicas, linguagem e outros.
Pergunta 07 → 25% entrevistados deram a nota 4 e apenas 10% deram nota 5. Percebemos que 65%
ficaram entre 1 a 3 de nota. Podemos constatar que atualmente, os alunos não tem noção da função
da música no cotidiano escolar.

6)CONCLUSÃO

Através da aplicação do questionário aos alunos do CEMI, o qual será nosso público-alvo, constatamos
que a introdução da música nos estudos é apenas uma mania. Percebemos que eles sequer, percebem
que a música tem função terapêutica e de forma correta pode trazer bons resultados no desempenho
escolar.
Além de contribuir para deixar o ambiente escolar mais alegre, a música oferece um efeito calmante
após períodos de atividades físicas e atividades que exigem esforços como visitas a ambientes

5
979
Qual O Papel Da Música No Estudo?

externos, reduz o estresse em momentos de avaliação, e também pode ser usada como um método
no aprendizado de todas as disciplinas.
O projeto visa que as matérias introduzam a música no conteúdo programático, como Geografia,
quando estudamos danças típicas e manifestações culturais; Física, nas variações dos movimentos;
Inglês, na fixação da língua e compreensão de texto; Português e Literatura, no conhecimento das
Figuras de linguagem; etc.
A participação da escola será fundamental, pois proporcionará ambiente adequado, como sala de
estudo com música, ou instalar em cada sala uma caixa de som, com volume baixo. Tudo de forma, a
fazer a interação passiva do educador e o estudante.

6
980
Qual O Papel Da Música No Estudo?

7)REFERÊNCIAS

ANDRADE, Mário. Pequena História da Música. São Paulo: Martins Editora, 1980.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Nº 9.394 de 20 de Dezembro de 1996. Brasília,
1996.

BRÉSCIA, Vera Lúcia Pessagno. Educação Musical: bases psicológicas e ação preventiva. São Paulo:
Átomo, 2003.

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GARCIA, Vitor Ponchio; SANTOS, Renato dos. A importância da utilização da música na educação
infantil. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, n. 169, 2012.

Disponível em:< http://www.efdeportes.com/efd169/a-musica-na-educacao-infantil.htm>. Acesso


em: 28 jul. 2018.

GAIO, Roberta, MENEGHETTI, Rosa G. Krob. Caminhos Pedagógicos da Educação Especial,2. ed.
Petrópolis: Vozes, 2004. Disponível em:<http://www.faesi.com.br/nucleo- de-pesquisa-cientifica/75-
portal-do-saber/238-a-musica-como-recurso-pedagogico-no-contexto-da-educacao-especial>.Acesso
em: 28 jul. 2018.

INVERTA.InfluenciadaMúsicanaSociedadeDisponivelem:<https://inverta.org/jornal/edicaoimpressa/
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JEANDOT,Nicole.ExplorandooUniversodaMúsica.2.ed.SãoPaulo:Scipione,1997.

VEJA.ComoamúsicapodeajudarnacuraDisponivelem:<https://veja.abril.com.br/saude/como-amusica-
pode-ajudar-na-cura/> Acesso em: 25jul.2018.

BLOG. Vinculo da Música e Medicina Disponivel em: < https://blog.livrariaflorence.com.br/o-vinculo-


entre-musica-e-medicina/ > . Acesso em: 28 jul.2018.

7
981
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 75
10.37423/200802447

CÁRIE DENTÁRIA E ANSIEDADE ODONTOLÓGICA


EM ESCOLARES DE 5 A 12 ANOS NO MUNICÍPIO
DE GURUPI, TOCANTINS, BRASIL.

Maressa Borges dos Reis Universidade de Gurupi

Aline Peixoto Oliveira Santos Universidade de Gurupi

Murilo Palhares Teixeira Universidade de Gurupi

Joana Estela Rezende Vilela Universidade de Gurupi

Rise Consolação Iuata Costa Rank Universidade de Gurupi


Cárie Dentária E Ansiedade Odontológica Em Escolares De 5 A 12 Anos No Município De Gurupi, Tocantins, Brasil.

Resumo: Introdução: A cárie dentária tem perpetuado durante séculos e quando em estágio avançado
gera dor, medo e ansiedade frente ao tratamento odontológico curativo, persistindo o estereótipo
negativo do cirurgião dentista, na população de menor poder socioeconômico. Objetivo: Verificar a
prevalência da cárie dentária e ansiedade em escolares de escolas públicas e privadas na cidade de
Gurupi, Estado do Tocantins, Região Norte do Brasil, no período de 2016 e 2017. Método: Trata-se de
um estudo epidemiológico, transversal, quantitativo, com amostra total de 646 escolares de ambos os
sexos, 5 e 12 anos de idade selecionados aleatoriamente em escolas públicas e privadas. As crianças
realizaram escovação supervisionada na escola e foram examinadas sob iluminação natural e espátulas
de madeiras descartáveis, o estudo foi aprovado pelo Comite de ètica em Pesquisa em seres humanos
(CAEE: 54866316.2.0000.5518). Os índices de levantamento epidemiológico utilizados foram o ceo-d
e CPO-D. Resultados: O índice de ceo-d e CPO-D nas escolas públicas foi de 2,71 classificado como
moderado, sendo, 68% cariados, 16% obturados e 16% com extração indicada. Nas escolas particulares
o índice de ceo-d e CPOD foi muito baixo com 0,66, sendo 78% cariado, 22% obturados e nenhuma
indicado para extração. Quanto ao gênero 49% masculino e 51% feminino. Entre as crianças das
escolas públicas 59% relataram ter sentido dor e 33% ter medo de dentista, enquanto que, as crianças
da escola privada 47% ter sentido dor e 76% não ter medo de ir ao dentista. Conclusão: O índice de
cárie dentária em crianças de escolas públicas é maior que as da escola particular, constatando que o
nível socioeconômico influenciou diretamente na saúde bucal das crianças desta região.
Descritores: Epidemiologia; Cárie dentária; Índice CPO-D.

1
983
Cárie Dentária E Ansiedade Odontológica Em Escolares De 5 A 12 Anos No Município De Gurupi, Tocantins, Brasil.

INTRODUÇÃO

A cárie dentária é uma doença crônica muito frequente que afeta as estruturas dentárias de forma
lenta e progressiva (MASSONI et al., 2005). É considerada pela Organização Mundial de Saúde como
um grande problema de saúde oral na maioria dos países afetando grande parte da população em
geral, constituindo um problema de saúde pública. Porém, tem sido observado em alguns países o
declínio na prevalência da cárie dentária, sendo resultado de uma série de medidas de saúde pública,
juntamente com mudanças do estilo de vida e melhoras das práticas de cuidado (SCABAR et al., 2014).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o índice CPO-D e ceo-d para mensurar e verificar
a prática da doença cárie, além de permitir comparar a experiência de cárie dentária em populações.
Seu valor expressa a média de dentes cariados, perdidos e obturados em um grupo de indivíduos
(WHO, 1997; AMARAL et al., 2013; BERT et al., 2013). Através desse índice é possível determinar a
necessidade de tratamento odontológico, orientações de higiene bucal e quando possível adotar
medidas preventivas a fim de inibir o progresso da doença.
O primeiro estudo epidemiológico em saúde bucal de abrangência nacional foi realizado em 1986 pelo
Ministério da Saúde, e desvendou que a cárie dentária atingia um índice CPO-D de 6,7 aos 12 anos de
idade (MS, 1988)
O último levantamento nacional foi o projeto SBBRASIL 2010 onde foi constatado que em todas as
regiões do Brasil houve melhora na redução do índice de cárie entre 2003 e 2010, exceto a região Norte
com um pequeno aumento no Índice CPO-D aos 5 anos foi de 3,22 para 3,37 e aos 12 anos foi de 3,13
para 3,16. Porém os resultados obtidos a nível nacional apresentaram que o índice ceo-d entre crianças
com idade de 5 anos em 2003 foi de 2,80 e 2010 foi de 2,43; enquanto que aos 12 anos em 2003 foi
de 2,78 e em 2010 2,07 apresentando uma diminuição mínima a nível nacional (VASCONCELOS et al.,
2018).
No Brasil a cárie é uma doença comum da infância (PERES, 2005). Apesar disso, existem poucos dados
relacionados ao tema na dentição decídua. Vários estudos sobre a prevalência de cárie dentária em
escolares foram publicados nos últimos anos (LIMA, 2001; BRASIL, 2004; MOREIRA et al., 2007; TOBIAS
et al., 2008; KITAMURA, LEITE 2009; BRASIL, 2010; VASCONCELOS et al., 2018;).
Estudar periodicamente o comportamento da principal doença bucal a cárie é importante para os
municípios, pois permite estabelecer a realidade social e epidemiológica traçando o perfil e as
diferentes necessidades de acordo com a faixa etária, viabilizando o planejamento de ações de
promoção de saúde bucal e a avaliação das mesmas (NUNES, 2017).

2
984
Cárie Dentária E Ansiedade Odontológica Em Escolares De 5 A 12 Anos No Município De Gurupi, Tocantins, Brasil.

O presente estudo tem como objetivo verificar a prevalência de cárie dentária na população escolar
de 5 e 12 anos de idade, de escolas públicas e privadas na cidade de Gurupi.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo epidemiológico, transversal, quantitativo e aprovado pelo Comitê de Ética em


Pesquisa em Seres humanos sob o protocolo 54866316.2.0000.5518. A pesquisa foi realizada em
escolas públicas e privadas selecionadas aleatoriamente por sorteio, conforme a quantidade de escolas
no município de Gurupi, localizada no estado de Tocantins, com e 1.836 km2 e população de 83.707
habitantes (IBGE, 2015). Dentre as 4 escolas privadas e 14 públicas, o percentual equivalente foi de
uma escola privada (Educandário Evangélico Ebenézer) e quatro públicas (Escolas Municipais: Orlindo
Pereira, Joel Ferreira, Costa e Silva e Antônio Lino).
A amostra deste estudo foi composta por crianças com faixa etária de 5 a 12 anos, no ano de 2016 e
2017.
Os critérios de inclusão constituíram de crianças matriculadas nas devidas escolas e cujos responsáveis
concordaram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido fornecido pelos
pesquisadores. Como critérios de exclusão, considerou-se ausência da escola nos dias das coletas de
dados, alunos em tratamentos ortodônticos, com presença de agenesia dentárias, supranumerários,
fissuras labiopalatinas e displasia ectodérmica.
Para a prevalência da doença cárie utilizou-se o índice de ceo-d e CPO-D, segundo metodologia
proposta pela Organização Mundial de Saúde – OMS (WHO, 1997). O cálculo foi realizado pela
somatória (CPO-D dos dentes cariados, perdidos e obturados na dentição permanente) e (ceo-d dos
dentes cariados, extração indicada e obturados na dentição decídua) e o total foi dividido pelo número
de crianças avaliadas.³ Os valores do índice CPO-D e ceo-d correspondem aos grau de severidade e
são classificados em: muito baixo (0,0 a 1,1); baixo (1,2 a 2,6); moderado (2,7 a 4,4); alto (4,5 a 6,5) e
muito alto (6,6 e mais).9
Os pesquisadores receberam a colaboração de 2 acadêmicas do último período do curso de
odontologia do Centro Universitário UNIRG para entrevistar as crianças com questões fechadas, se já
haviam ido a um consultório odontológico, se já sentiram dor de dente e se tinham medo de ir ao
dentista. As crianças realizaram escovação supervisionada e após eram examinadas por 2
observadores, previamente treinados para avaliação do ceo-d ou CPO-D, que ocorreram com a criança
sentada sob iluminação natural com auxílio de lanternas portáteis, utilizando espátulas de madeiras
descartáveis.

3
985
Cárie Dentária E Ansiedade Odontológica Em Escolares De 5 A 12 Anos No Município De Gurupi, Tocantins, Brasil.

Os dados foram analisados e relatados de forma descritiva, nas correlações dos dados houve aplicação
do teste qui-quadrado com nível de significância p <0,05.

RESULTADOS

A amostra final do estudo incluiu 646 crianças do 1º ao 5º ano (Ensino Fundamental I) entre 5 e 12
anos de idade de ambos os sexos. Deste 537 pertenciam a rede de ensino pública e 109 a rede
particular. Em relação ao gênero participaram 314 (49%) crianças do gênero masculino e 332 (51%)
crianças do gênero feminino (Tabela 1). Não houve diferença significativa entre os sexos das crianças
participantes das escolas públicas e privadas (p=0,059).
Tabela 1. Distribuição dos participantes segundo o gênero.
Gênero Masculino % Feminino % Valor de p

Pública 270 50% 267 50%

Privada 44 40% 65 60%

Total 314 49% 332 51% 0,059


* Teste Qui-quadrado com nível de significância p<0.05;
A prevalência de cárie encontrada na população total estudada foi 2,71 nas escolas públicas, valor
considerado médio, sendo 68% cariados, 16% obturados e 16% com extração indicada. Nas escolas
particulares obteve-se valor considerado muito baixo, índice de 0,66, sendo 78% cariado, 22%
obturados e nenhum indicado para extração (Tabela 2).

4
986
Cárie Dentária E Ansiedade Odontológica Em Escolares De 5 A 12 Anos No Município De Gurupi, Tocantins, Brasil.

Tabela 2. Distribuição da prevalência doença carie nas crianças de escolas Pública e particular de
Gurupi-To.
Pública Privada Total

N % N % N %

Cariado 986 68% 56 78% 1042 66%


P=0,111

Obturado 237 16% 16 22% 253 17%


P=0,27

Extração 233 16% 0 0% 233 17%


P<0,001

Índice de Médio 2,71 Muito 0,66 Baixo 2,36


cárie baixo

•Teste Qui-quadrado com nível de significância p<0.05;


As crianças foram questionadas se já haviam ido a um consultório odontológico, se já sentiram dor de
dente e se tinham medo de ir ao dentista. Todas da rede particular responderam com clareza todas as
perguntas, porém os da rede pública 118 (22%) não estavam presentes no dia em que foram realizadas
as perguntas.
Tabela3.Distribuição em número e percentual da Percepção infantil quanto à experiência
odontológica em crianças de escolas públicas e privadas.
Pública Privada Valor de p
Visita ao N % N %
dentista
sim 255 61 96 88 <0,001
não 163 39 13 12
Experência de
Dor
sim 246 59 51 47 <0,001
não 172 41 58 53
Medo de
dentista
sim 137 33 26 24
não 281 67 83 76 <0,001

* Teste Qui-quadrado com nível de significância p<0.05;

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987
Cárie Dentária E Ansiedade Odontológica Em Escolares De 5 A 12 Anos No Município De Gurupi, Tocantins, Brasil.

DISCUSSÃO

Ao se comparar os resultados do último levantamento do projeto SB Brasil 2010 da região norte, em


que apresentaram índices moderado de 3,37 aos 5 anos e 3,16 aos 12 anos (VASCONCELOS et al.,
2018), este estudo evidenciou uma redução no índice para 2,36 na faixa etária (5 a 12), que foi
significativa com a classificação média segundo a OMS (WHO, 1997). Porém ao se comparar a nível
nacional, onde os resultados em 2010 foram de 2,43 aos 5 anos e 2,07 aos 12 anos classificado como
baixo (VASCONCELOS et al., 2018), este estudo verificou que ainda temos que a melhorar, pois nas
escolas públicas obtivemos um índice de 2,71 classificado como moderada. Nas escolas privadas este
cenário é positivo com um índice de 0,66 com classificação muito baixa.
Ao analisar os resultados das escolas públicas com a privada suspeita-se que o nível sócio econômico
pode influenciar no autocuidado com a saúde bucal. A renda familiar dos responsáveis das crianças
nas escolas públicas estuda é em média de 1 a 2 salário mínimo mês, enquanto que na escola privada
é de mais de 2 salários. Estes resultados corraboram com Mendes & Bernardo (2015), que relatam o
nível socioeconômico associado a realização de autocuidado, ao acesso aos serviços de saúde e pode
afetar a existência da doença cárie com maior gravidade, em uma população pertencente ao nível sócio
econômico mais baixo. No entanto, a relação entre a cárie e o nível socioeconómico encontrada no
presente estudo é apoiada por vários autores que também demonstraram a mesma relação em
pesquisas com crianças da mesma idade (MENDES, 2015; MCMAHON et al., 2010; PIEPER et al., 2012;
CAMPUS et al., 2009). Indivíduos com menor nível socioeconômico parecem apresentar uma menor
percepção da necessidade de prevenção, utilizando menos os serviços de saúde preventivos e
procurando acesso quando a doença cárie já encontra instalada e/ou agravada.
Controlar os fatores relacionados ao surgimento e progressão do agente patológico como a presença
de microrganismos específicos, ingestão de sacarose, acesso a cuidados odontológicos, ações de
prevenção e promoção da saúde bucal e mudanças de hábitos reduzem significativamente os níveis de
CPO-D e isso tem sido observado em vários países onde medidas de saúde pública são implantadas
com o objetivo de melhorar as práticas de cuidado (SCABAR et al., 2014; VASCONCELOS et al., 2018;
AVELLAR et al., 2012; MOTTA et al.,2016).
As crianças das Escolas pública 255 (61%) disseram ter ido ao consultório odontológico, e 163 (39%)
nunca foram a um consultório odontológico. Enquanto, na rede particular 96 (88%) relataram já terem
ido ao consultório odontológico, e 13 (12%) nunca foram a um consultório odontológico. A visita ao
dentista foi extremamente significante (<0,001) em relação a ser ou não da escola privada (Tabela 3).
O que se pode observar é que parte das crianças de escolas públicas ainda não tiveram oportunidade

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988
Cárie Dentária E Ansiedade Odontológica Em Escolares De 5 A 12 Anos No Município De Gurupi, Tocantins, Brasil.

de irem a uma consulta com dentista, seja pela pequena oferta de serviços públicos ou pelo baixa
escolaridade de seus responsáveis, já que em estudo realizado por Motta et al. (2016) expõe que o
nível de escolaridade e a presença de doenças bucais como a cárie, está inversamente proporcional,
isto é, quanto maior o tempo de estudo menor será o índice de ceo-d e CPO-D.
Em relação a experiência de dor 246 (59%) da pública declararam que já haviam sentido dor, e 172
(41%) não sentiram. Entre os da rede particular 51 (47%) declaram ter dor, enquanto 58 (53%) não
sentiram dor. Observou-se uma diferença significativa quanto às crianças terem experiência de
odontalgia na infância (Tabela 3). A expectativa de dor frente ao tratamento odontológico perpetua
durantes séculos, gerando medo e ansiedade, embora a odontologia tem progredido no controle da
dor em todo o mundo, ainda persiste o estereótipo negativo do cirurgião-dentista (CARVALHO et al.,
2012; NUNES et al., 2012). Portanto as longas jornadas de trabalhos dos responsáveis pelas crianças, a
incompatibilidade de horários, a falta de acesso ao serviço público de saúde, ausência de profissionais
nas escolas e de dinheiro para procura do atendimento particular faz com que os indivíduos das classes
econômicas menos favorecidas procurem o atendimento odontológico apenas em situações extremas
de dor (LUCAS et al., 2014; MARTINS et al., 2017).
Quando questionados sobre o medo de dentista, na rede pública 137 (33%) crianças relataram sentir
medo, e 281 (67%) declararam não sentir medo. Na rede particular 26 (24%) confirmaram ter medo, e
83 (76%) disseram não ter medo de ir ao dentista. O teste qui-quadrado evidenciou dados altamente
significantes em relação ao medo odontológico entre crianças de escolas privadas e públicas (Tabela
3). o medo pode estar relacionado a experiências ruins que essas crianças podem ter passado em
alguma emergência odontológica dolorosa ou por tratamentos dentários prolongados aonde o uso de
anestesia foi frequente (POSSOBOM et al., 2007; OLIVEIRA et al., 2012). Estes resultados corroboram
a pesquisa de Martins et al. (2107); Carvalho et al. (2012), onde verificou que a probabilidade do
paciente apresentar medo e ansiedade ao tratamento dentário, aumenta progressivamente quando o
individuo possui menor escolaridade, baixa renda familiar, baixa frequência de higiene bucal e buscam
o atendimento somente no caso de odontalgias ou tratamentos curativos.
A necessidade de um levantamento epidemiológico de nível regional é importante, pois há poucos
levantamentos epidemiológicos no Brasil, e poucos levantamentos abrangem todo o país. Estudar
periodicamente o comportamento da principal doença bucal a cárie é importante para os municípios,
pois permite o planejamento e a avaliação das ações desenvolvidas na atenção básica no SUS.

7
989
Cárie Dentária E Ansiedade Odontológica Em Escolares De 5 A 12 Anos No Município De Gurupi, Tocantins, Brasil.

CONCLUSÃO

•O índice de cárie dentária em crianças de escolas públicas é maior que as da escola particular;
•O nível socioeconômico influência na saúde bucal da população infantil;
•Cabe aos gestores de saúde implantarem e incentivarem a saúde bucal na escola, já que a maioria
dos escolares de instituição pública fazem parte de um grupo socioeconômico desfavorável;
•É necessário ampliar o acesso da comunidade escolar a atenção primária de saúde em saúde bucal;
•Novos estudos, epidemiológicos devem ser realizados para acompanhar as políticas públicas, tendo
em vista que a saúde é um direito de todos e dever do estado.

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990
Cárie Dentária E Ansiedade Odontológica Em Escolares De 5 A 12 Anos No Município De Gurupi, Tocantins, Brasil.

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Cárie Dentária E Ansiedade Odontológica Em Escolares De 5 A 12 Anos No Município De Gurupi, Tocantins, Brasil.

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10
992
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 76
10.37423/200802458

QUALIDADE DE VIDA DE MÉDICOS DA


ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA E RELAÇÃO
COM O CONTEXTO DE TRABALHO

Leonardo Henrique da Silva Alves Centro Universitário de Maringá -


UNICESUMAR

Vinicius Malaman Souza Silva Centro Universitário de Maringá -


UNICESUMAR

Ludimila Lopes Maciel Bolsoni Centro Universitário de Maringá -


UNICESUMAR

Aliny de Lima Santos Centro Universitário de Maringá -


UNICESUMAR
Qualidade De Vida De Médicos Da Estratégia Saúde Da Família E Relação Com O Contexto De Trabalho

Resumo: Objetivou-se analisar a qualidade de vida dos médicos atuantes na Estratégia Saúde da
Família de um município do sul do Brasil e sua relação com o contexto de trabalho. Foram utilizados:
questionários sociodemográfico e profissional, o instrumento WHOQOL-Breve para avaliar a qualidade
de vida, e Avaliação de Contexto de Trabalho (EACT). Ao analisar a qualidade de vida dos médicos
constitui um importante meio de avaliação da saúde do trabalhador. Neste sentido, ficaram evidentes
que todos os domínios foram classificados como regular levando em conta o questionário WHOQOL-
breve, recebendo a pior média o domínio Psicológico em contrapartida, o domínio social e o domínio
físico ficaram com a maior média. Espera-se possibilitar uma reflexão entre médicos, gestores e
comunidade acadêmica quanto à importância da melhoria da qualidade de vida desses profissionais
que atuam na atenção primária à saúde.
Palavras-Chave: Atenção Primária à Saúde, Qualidade de Vida, Saúde do Trabalhador.

1
994
Qualidade De Vida De Médicos Da Estratégia Saúde Da Família E Relação Com O Contexto De Trabalho

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define o conceito de qualidade de vida como a percepção do
indivíduo de sua inserção na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais ele vive e em
relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações1. Desta forma, torna-se de suma
importância a avaliação de tal parâmetro em médicos da Atenção Primária do SUS por meio de
questionários preestabelecidos.
O WHOQOL-100 e o WHOQOL-bref foram propostos pelo Grupo de Qualidade de Vida da divisão
Saúde Mental da OMS, baseando-se nos pressupostos de que qualidade de vida é um constructo
subjetivo (percepção do indivíduo em questão), multidimensional e composto por vertentes positivas
e negativas2.
O WHOQOL-bref avalia a qualidade de vida a partir dos domínios físico, psicológico, das relações
sociais e do meio ambiente, integrando aspectos importantes para uma visão ampliada do processo
saúde-doença. A compreensão da saúde como resultado de um processo de produção social que
expressa a qualidade de vida de uma população constitui uma importante motivação que justifica a
investigação da qualidade de vida no contexto de médicos da Estratégia Saúde da Família (ESF), uma
vez que o trabalho destes profissionais interfere ativamente na sociedade contemporânea3.
O contato próximo com a comunidade faz com que o médico, muitas vezes, sinta-se mais cobrado e
pressionado a dar respostas às demandas e necessidades em seu cotidiano laboral. Além disso, a
produtividade, resolutividade e a extensa carga de trabalho são três fatores agravantes no processo
de trabalho, visto que existem empecilhos como a carência de recursos humanos, materiais,
infraestrutura e uma cultura curativista e imediatista, que diverge dos ideais da Atenção Primária,
além de fragilizar o processo de trabalho do médico e sua equipe4,5.
Estudos sobre qualidade de vida (QV) voltada para os médicos da ESF são escassos. Todavia, aqueles
encontrados evidenciam níveis intermediários de qualidade de vida, quando avaliados
individualmente; e quando correlacionados com aspectos relativos ao ambiente de trabalho, verifica-
se que um pior contexto laboral resulta em menores escores de qualidade de vida e maior situação de
estresse6.
Dessa maneira, entende-se que a avaliação da QV dos médicos da ESF oferece subsídios para melhorar
o processo de trabalho em saúde, a prática clínica, a relação profissional-usuário e orientar a
redefinição de políticas públicas específicas para esses profissionais no desempenho de suas funções.
A melhoria das condições de vida e de trabalho pode gerar um impacto positivo na saúde, favorecendo
a qualidade da assistência prestada na Atenção Primária5.

2
995
Qualidade De Vida De Médicos Da Estratégia Saúde Da Família E Relação Com O Contexto De Trabalho

Tomando por base a importância da participação ativa dos médicos nas questões relativas às suas
vidas, saúde e trabalho, o presente estudo fundamentou-se no seguinte questionamento: como é a
qualidade de vida e as condições de trabalho dos médicos vinculados à ESF de Maringá? Há relação
entre estes indicadores? Assim, a finalidade desta pesquisa foi avaliar a qualidade de vida dos médicos
na ESF do município de Maringá, Paraná.

METODOLOGIA

Estudo observacional, transversal, de abordagem quantitativa realizada junto aos médicos vinculados
às equipes mínimas da ESF do município de Maringá-PR. Deste modo, a população estudo foram
médicos, distribuídos nas UBSs do município. Salienta-se que foram incluídos apenas médicos da ESF
que foram certificadas e receberam títulos de reconhecimento às equipes da atenção primária, com
amplo processo de qualificação dos serviços básicos de saúde; tendo em vista que, entre os aspectos
avaliados para certificação, um deles foi a qualidade no processo de trabalho e ambiente laboral das
mesmas. Assim, foram incluídas no estudo 13 Unidades Básicas de Saúde da Família, quais sejam: UBS
Céu Azul e Jardim Universo, que receberam selo ouro na certificação; e UBSs Doutor Primo
Monteschio, Iguaçu, Internorte, Mandacaru, Morangueira, Jardim Olimpico, Piatã, Quebec, Tuiuti, Vila
Operária e Zona 6, que receberam selo bronze. Foram excluídas do estudo as UBSs localizadas em
distritos.
Inicialmente foi realizado um levantamento junto à Secretaria de Saúde do município quanto ao
número de equipes da ESF implantadas atualmente em cada uma destas UBSs, bem como endereço e
telefone para contato. De posse do número de equipes da ESF, foi então levantado o número de
médicos, sendo considerada apenas a equipe mínima.
Foram excluídos da amostra médicos ausentes, de férias ou licença durante todo o período previsto
para coleta de dados no estudo; e foram realizadas até três tentativas de entrevista em dias e horários
distintos, com um mesmo médico, sendo excluído da amostra, caso que não obtivesse-se sucesso
mediante as tentativas.
Para operacionalização da coleta de dados, foram feitas ligações iniciais às UBSs definidas para
conversa com os gestores das UBSs e posteriormente com os médicos integrantes das equipes, de
modo a apresenta-los a pesquisa, seu objetivo, tipo de participação desejada e então convidá-los. Em
caso de aceite, as entrevistas foram agendadas conforme disponibilidade dos médicos. Foram
realizadas na própria UBS, em sala a ser definida pelo entrevistado.

3
996
Qualidade De Vida De Médicos Da Estratégia Saúde Da Família E Relação Com O Contexto De Trabalho

A coleta de dados ocorreu no período de fevereiro a maio de 2019, por uma equipe composta por
docentes e discentes do curso de Medicina e Enfermagem do Centro Universitário de Maringá –
UniCesumar. Para tanto, os mesmos receberam capacitação acerca do objeto do estudo, seus
objetivos, relevância, abordagem desejada, utilização dos instrumentos de coleta de dados e aspectos
éticos relacionados à pesquisa.
Para levantamento dos dados foram utilizados: questionário sociodemográfico e profissional, o
instrumento o WHOQOL-Bref para avaliar a qualidade de vida, e Escala de Avaliação de Contexto de
Trabalho (EACT).
O primeiro, para caracterizar a população de estudo, foi composto por: sexo, idade, estado civil
(casado/amasiado, solteiro/separado e viúvo), escolaridade (curso técnico, graduação, pós-
graduação, mestrado e doutorado), renda mensal individual (em reais) e renda mensal familiar (até 1
SM, até 5 SM, até 10 SM e acima de 10 SM). Em relação ao trabalho, considerar-se-á: cargo (médico,
equipe de enfermagem, ACS); supervisão (sim e não); tempo de serviço na unidade (em anos e
messes); tempo de serviço no cargo atual (em anos e messes); número de vínculos empregatícios;
carga horária semanal na APS e em outras funções; modalidade contratual (estatutário e outros);
equipe da ESF completa (sim e não). As demais para autoavaliação do estado de saúde foi composto
por: frequência da prática de atividade de lazer (sempre, quase sempre, às vezes, quase nunca e
nunca) e frequência da prática de exercício físico (nunca, ≤2, de 3 a 4 e ≥ 5 vezes na semana).
Por sua vez, o WHOQOL-bref é um instrumento da Organização Mundial de Saúde (OMS), validado e
traduzido para o português7 com a finalidade de avaliar a qualidade de vida por meio de 26 questões.
As duas primeiras questões tem caráter geral e as outras 24 representam as facetas do instrumento
original que avaliam quatro domínios: Físico (dor e desconforto, energia e fadiga, sono e repouso,
mobilidade, atividades da vida cotidiana, dependência de medicação ou de tratamentos e capacidade
de trabalho); Psicológico (sentimentos positivos, pensar, aprender, memória e concentração,
autoestima, imagem corporal e aparência, sentimentos negativos, espiritualidade, religião e crenças
pessoais); Relações Sociais (relações pessoais, suporte social e atividade sexual) e Meio Ambiente
(segurança física e proteção, ambiente no lar, recursos financeiros, cuidados de saúde e sociais:
disponibilidade e qualidade, oportunidade de adquirir novas informações e habilidades,
participação/oportunidades de recreação/lazer, ambiente físico: poluição, ruído, trânsito, clima e
transporte)7,8. As respostas foram obtidas através da escala tipo Likert com pontuação variando de 1
a 5, de modo que quanto maior a pontuação, melhor o profissional se sente a respeito de sua QV.
Foram consideradas as médias de cada domínio.

4
997
Qualidade De Vida De Médicos Da Estratégia Saúde Da Família E Relação Com O Contexto De Trabalho

Por fim, o segundo instrumento, a EACT, já validado, analisa as representações que os profissionais
têm do seu contexto laboral. É composta por três fatores: Organização do Trabalho (OT), que expressa
a divisão das tarefas, normas, controle e ritmo (composto por 11 itens); Condições de Trabalho (CT),
que se refere à qualidade do ambiente físico, equipamentos e materiais disponibilizados para a
execução das atividades (composto por 10 itens)9; Relações Socioprofissionais (RS), que expressa os
modos de gestão, da comunicação e da interação profissional (composto por 10 itens)9. Trata-se de
uma escala do tipo Likert, cujas opções de resposta são: 1 - nunca, 2 - raramente, 3 - às vezes, 4 –
frequentemente e 5 – sempre.
A análise da EACT se deu considerando a média de cada fator, onde resultados igual ou superior a 3,7
foram considerados avaliação negativa, indicando que o contexto de trabalho possibilita de forma
grave o adoecimento do profissional; entre 2,3 e 3,69, avaliação moderada, crítica, indicando que o
contexto de trabalho favorece moderadamente o adoecimento do profissional; e abaixo de 2,29 como
avaliação positiva, satisfatória, indicando contexto de trabalho que favorece a saúde do profissional (9).
Após a coleta de dados, os mesmos foram codificados e duplamente digitados no software Microsoft
Office Excel® 2010 para correção de possíveis erros de digitação.
A pesquisa teve início após a aprovação da Assessoria de Formação e Capacitação Permanente dos
Trabalhadores de Saúde (CECAPS) da Secretaria Municipal de Maringá e, do Comitê de Ética em
Pesquisa com seres humanos (CEP), do Centro Universitário de Maringá - UniCesumar. Os indivíduos
participantes do estudo foram convidados a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em
duas vias, de modo que uma fique de posse dos mesmos e outra com os pesquisadores.

RESULTADOS

Dos 12 médicos avaliados desse trabalho 67% era do sexo masculino, 75% são casados/amasiado, 50%
tinham entre 24-44 anos, ademais 67% possuem pós-graduação. Em relação à renda individual 50%
afirma ganharem entre R$10.000-12.000 tendo 92% afirmado terem renda familiar acima de 10
salários mínimo, 50% não eram supervisionados, e 50% possuem apenas 1 vínculo empregatício
(Tabela 1).
No que diz respeito à carga horária de trabalho semanal 58% tinham uma jornada de trabalho de 40
horas. Em relação ao tempo de serviço 33% estavam colaborando a 1-5 anos, e 25% estavam no cargo
atual entre 1 á 5 anos, 25% entre 5 á 10 anos e 25% entre 10 á 15 anos. No que diz respeito à
modalidade contratual 83% foram através da CLT e 50% não possuíam as suas equipes completas
(Tabela 1).

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Qualidade De Vida De Médicos Da Estratégia Saúde Da Família E Relação Com O Contexto De Trabalho

Tabela 1. Caracterização sociodemográfica e perfil profissional de médicos atuantes da ESF. Maringá,


Paraná, 2019.

Caracterização da população de estudo


Variáveis Categorias N (%)

Sexo Masculino 8 67%


Feminino 4 33%

Estado civil Casado/amasiado 9 75%


Solteiro/separado 3 25%

Idade 24-44 6 50%


45-64 1 8%
65-84 1 8%
Não responderam 4 34%

Escolaridade Graduação completa 4 33%


Pós-graduação 8 67%

Renda Mensal individual 10.000-12.000 6 50%


12.001-14.000 2 17%
14.001-16.000 1 8%
16.001-18.000 1 8%
Não responderam 2 17%

Renda familiar Até 10 SM 1 8%


Acima de 10 SM 11 92%

Supervisão Sim 5 42%


Não 6 50%
Não responderam 1 8%

Numero de vínculo 1 6 50%


empregatício 2 4 33%
Não responderam 2 17%

Carga horária semanal na 38 horas 1 8%


APS e em outras funções 40 horas 7 58%
60 horas 3 25%
Não responderam 1 8%

Modalidade contratual CTL 10 83%


(estatuário e outros) Não responderam 2 17%

A equipe da ESF está Sim 6 50%


completa Não 6 50%

Tempo de serviço Menos de 12 meses 2 17%


Até 5 anos 4 33%
Até 10 anos 2 17%
Até 15 anos 3 25%
Mais que 15 anos 1 8%

Tempo de serviço no cargo Até 5 anos 3 25%


atual Até 10 anos 3 25%
Até 15 anos 3 25%
Não responderam 3 25%
Fonte: Elaborada pelos autores, 2019.

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Qualidade De Vida De Médicos Da Estratégia Saúde Da Família E Relação Com O Contexto De Trabalho

Em relação a auto avaliação do estado de saúde, 42% dos médicos entrevistados afirmaram realizar a
prática de atividade de lazer sempre. Além disso, no que disso respeito à prática de exercícios físicos,
33% dos médicos realizam atividade física uma ou duas vezes semanais (Tabela 2).
Tabela 2. Autoavaliação do estado de saúde de médicos atuantes da ESF. Maringá, Paraná, 2019.
Autoavaliação do estado de saúde
Variáveis Categoria N (%)

Sempre 5 42%
Frequência de pratica de Quase sempre 1 8%
atividade de lazer Às vezes 4 33%
Quase nunca 1 8%
Nunca 1 8%

Nunca 3 25%
Frequência de pratica de ≤ 2 vezes na semana 4 33%
exercício físico 3-4 vezes na semana 2 17%
≥ 5 vezes na semana 3 25%

Fonte: Elaborada pelos autores, 2019.


Baseando-se nos dados coletados a partir do questionário WHOQOL-Bref, pode-se perceber que 8%
dos entrevistados consideram sua qualidade de vida ruim, enquanto 17% julga como nem ruim/nem
boa. Em contra partida, 25% dos participantes consideram ter uma boa qualidade de vida, e 50% muito
boa (Tabela 3).
Na variável satisfação com a saúde, 17% estão muito insatisfeitos, enquanto 33% se consideram
insatisfeitos. Ademais, 8% estão nem satisfeitos/nem insatisfeitos. Por outro lado, 17% dos
entrevistados estão satisfeitos com sua saúde, e 25% muito satisfeitos (Tabela 3).
Tabela 3. Qualidade de vida geral de médicos atuantes da ESF. Maringá, Paraná, 2019.
Qualidade de vida geral

Variável Categoria N (%)

Autoavaliação da QV Muito ruim 0 0%


1 8%
Ruim 2 17%
Nem ruim/nem boa 3 25%
Boa 6 50%
Muito boa
Satisfação com a Muito insatisfeito 2 17%
4 33%
saúde: Insatisfeito 1 8%
Nem satisfeito/nem insatisfeito 2 17%
Satisfeito 3 25%
Muito satisfeito
Fonte: Elaborada pelos autores, 2019.

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1000
Qualidade De Vida De Médicos Da Estratégia Saúde Da Família E Relação Com O Contexto De Trabalho

Em relação ao resultado do questionário WHOQOL-Breve, no que diz respeito ao domínio físico, 42%
dos médicos entrevistados possuem uma classificação considerada boa, assim como no domínio
social, em que 33% possuem o mesmo resultado. Isso não se repete quando o domínio psicológico é
analisado e 50% dos médicos são classificados como regular. Os profissionais classificaram o Domínio
Meio Ambiente como regular e bom em igual quantia (Tabela 4).

Tabela 4. Análise do nível de qualidade de vida de médicos atuantes na Estratégia Saúde da Família.
Maringá-PR, 2019.

WHOQOL-Bref
Necessita Regular Boa Muito Boa
Melhorar
Domínios N % N % N % N %
Físico 2 17% 4 33% 5 42% 1 8%
Psicológico 2 17% 6 50% 2 17% 2 17%
Social 3 25% 2 17% 4 33% 3 25%
Ambiente 0 0% 6 50% 6 50% 0 0%
Fonte: Elaborada pelos autores, 2019.

O resultado da tabela apresenta coeficientes inter-relacionados. O domínio de maior satisfação entre


os entrevistados é o meio ambiente, que, apesar de não apresentar a maior média (3,84), apresenta
o menor desvio padrão e discrepância. Enquanto isso, o domínio das relações sociais apresenta a maior
taxa de desvio padrão (0,98), expressando uma polarização dos profissionais. Os domínios físico e
psicológico apresentam desvio padrão próximo (0,81 e 0,80 respectivamente), sendo o psicológico o
de menor média (3,6). Dessa forma, conclui-se que a mudança de políticas e manejo no trabalho é
imperativamente necessária para a evolução da qualidade de vida, trabalho e serviço prestado pelos
médicos (Tabela 5).

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Qualidade De Vida De Médicos Da Estratégia Saúde Da Família E Relação Com O Contexto De Trabalho

Tabela 5. Distribuição de médias relacionadas à qualidade de vida de médicos atuantes na Estratégia


Saúde da Família. Maringá-PR, 2019.
WHOQOL-Bref

Domínios Mínimo Máximo Média Mediana Desvio Coef. de


Padrão variância
Físico 2,28 5 3,86 4 0,81 4,92
Psicológico 2,66 5 3,6 3,58 0,80 4,44

Relações 2 5 3,86 4 0,98 4,04


sociais
Meio 3 4,75 3,84 3,87 0,53 7,19
ambiente
TOTAL 9,94 19,75 15,25 15,45 3,12 20,59
Fonte: Elaborada pelos autores, 2019.

No que diz respeito à analise da EACT, 42% dos médicos entrevistados apresenta condições de
trabalho considerados satisfatórios. Já quanto à organização dos trabalhos 84% dos médicos
classificaram o item como moderado. Por fim, 58% dos entrevistados a respeito das relações sócio-
profissionais classificaram-na como moderada (Tabela 6).
Tabela 6. Análise da Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho. Maringá, 2019.
Positivo Moderado Negativo
N (%) N (%) N (%)

Condições de 5 42% 7 58% 0 0%


trabalho

Organização dos 1 8% 10 84% 1 8%


trabalhos

Relações sócio- 3 25% 7 58% 2 17%


profissionais
Fonte: Elaborada pelos autores, 2019.
No que diz respeito aos resultados da tabela de contexto de trabalho e qualidade de vida, pode-se
compreender que escore acima de 3,7 é considerado um ambiente negativo que pode causar
conseqüências negativas para a saúde do profissional. Valores entre 2,3 e 3,69 caracterizam uma
margem meio-termo. No entanto, ainda assim o adoecimento do profissional é favorecido. Por fim,
inferior a 2,29 é avaliado de forma positiva não contribuindo para o adoecimento dos médicos e se
apresentando como um local de trabalho agradável (Tabela 7).

9
1002
Qualidade De Vida De Médicos Da Estratégia Saúde Da Família E Relação Com O Contexto De Trabalho

Com isso, conclui-se que no resultado da media do questionário no que se refere às condições de
trabalho recebeu o valor 2,41, relações sócio-profissionais recebeu 2,77 e organização dos trabalhos
recebeu 3,18. Todos os valores classificados de forma meio-termo de acordo com a pesquisa, no
entanto as relações sócio-profissionais possui o pior desvio padrão (0,92) expressando uma
polarização dos profissionais. (Tabela 7).
Tabela 7. Distribuição de médias relacionadas à Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho.
Maringá, 2019.
Mínimo Máximo Mediana Média Desvio Coef. de
Padrão variância
Condições de 1,3 3,6 2,5 2,41 0,62 3,8
trabalho
Organização dos 2,1 4,2 3,18 3,18 0,54 5,8
trabalhos
Relações sócio- 1,2 4,3 3 2,77 0.92 3
profissionais
TOTAL 4,6 12,1 8,68 8,36 1,49 12,6
Fonte: Elaborada pelos autores, 2019.

DISCUSSÃO

Este estudo revelou a prevalência de homens (67,0%) atuando como médicos na ESF. Esse aspecto foi
compatível com os dados encontrados no estudo de qualidade de vida dos médicos da atenção básica
no estado de Roraima (Brasil) e ao estudo Demografia Médica 2018 (54,4%)10,11. No entanto, essa
diferença vem caindo a cada ano, as mulheres já são maioria entre médicos mais jovens e a tendência
é a mulher entrar cada vez mais no mercado de trabalho de acordo com as previsões de Scheffer
(2018)11.
O estudo demonstrou também que os médicos são otimistas quanto a auto-avalição da qualidade de
vida apresentando relação com a frequência muito grande em atividades de lazer, no entanto o
julgamento em relação à saúde dos médicos é, em grande parte, caracterizado como insatisfatório
relacionado à baixa prática de atividade física. O estudo realizado com egressos das primeiras 38
turmas da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP, obteve resultados distintos, cujo 80% dos
egressos apresentaram uma avaliação favorável em relação a sua saúde mental e também física. Esse
estudo, não realizado apenas com médicos da ESF, mostrou ainda que a autoavaliação da saúde física
está relacionada com a renda e com a prática de atividade física de pelo menos três vezes por semana.
De acordo com os dados coletados na autoavaliação do estado de saúde de médicos da ESF, apenas

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Qualidade De Vida De Médicos Da Estratégia Saúde Da Família E Relação Com O Contexto De Trabalho

42% praticam ao menos 3 dias de atividade física por semana. Em consonância, a mesma porcentagem
classifica sua satisfação com a saúde em satisfeito (25%) e muito satisfeito (17%)12.
Em relação à QV os profissionais médicos apresentaram as maiores médias relacionado ao domínio
físico e o menor ao domínio psicológico divergindo do encontrado na pesquisa realizada entre
profissionais da atenção primária da cidade de Montes Claros, em que o domínio físico foi o que mais
impactou negativamente a qualidade de vida dos trabalhadores13, assim como o encontrado no Rio
Grande do Sul com médicos ortopedistas14. As menores médias no domínio psicológico podem ter
relação com a carga horária semanal na APS e outras funções. A maior parte dos profissionais possuem
carga horária de 40 horas semanais (58,0%) e alguns deles chegam a destinar 60 horas semanais à
profissão (25,0%). É evidente que o excesso de carga de trabalho acarreta consequências aos
profissionais e prejudica a vida pessoal, assim como diminui o tempo disponível para lazer com família,
amigos e filhos.
Quanto ao domínio físico os médicos auto avaliam-se como satisfatório visto que possuem baixas
queixas de dor ou desconforto, apresentam energia para o trabalho e consideram o sono como muito
satisfatório. Sendo importante destacar que estudos apontam alterações no sono como principal
agente da baixa QV15,16.
O domínio social dos médicos se mostrou predominantemente satisfatório, conferindo aspecto
positivo para a qualidade dos serviços prestados, uma vez que os desequilíbrios na vida pessoal podem
interferir diretamente no desempenho das atividades e processo de trabalho em saúde 17.
O domínio do meio ambiente julgado como moderado e regular, igualmente, mostra que uma
avaliação insatisfatória pode estar relacionada ao pouco tempo disponível para atividade de lazer e
também quanto à saúde do ambiente físico, interferindo em um ambiente saudável, tanto social
quanto profissional17.
Em relação ao domínio psicológico a avaliação predominante é classificada como regular, isso devido
a média baixa em quase todos os fatores, mas principalmente na frequência com que os médicos
apresentam sentimentos negativos, tais como mau humor, desespero, ansiedade e depressão. Esse
contexto exalta o pessimismo dos médicos e isso contribui para a criação de um ambiente de
insatisfação que interfere na relação médico-paciente18.
Referente aos itens avaliados pela EACT observa-se que para os médicos a organização do trabalho
compreendida como a disposição de normas, controles, ritmos de trabalho, jornadas, hierarquia,
divisão do trabalho e das atividades, modelo de gestão e responsabilidades é o item mais questionável
dentro da análise recebendo a maior média, sendo classificado como moderado para a maioria dos

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Qualidade De Vida De Médicos Da Estratégia Saúde Da Família E Relação Com O Contexto De Trabalho

profissionais, fator evidenciado em outras pesquisas entre enfermeiros que trabalham em UTI em
hospitais privativos na cidade do Rio de Janeiro19 e também em uma pesquisa realizada com residentes
do Programa de residência Multiprofissional em Saúde da Família (PRMSF), da Universidade Federal
do Paraná19. Além disso, nesse presente estudo 50% das equipes não estavam completas e sendo um
dos motivos da sobrecarga dos profissionais.
Dentre toda a avalição da EACT, as condições do trabalho receberam as menores médias. Este domínio
pode ser definido como a qualidade do ambiente físico e materiais disponibilizados para oficio. Um
bom ponto a se discutir, levando em conta que as condições estruturais e materiais precárias acarreta
riscos para saúde dos pacientes e médicos21. Contrapondo a pesquisa realizada no Rio de Janeiro, que
vincula os resultados desse fator à rede privada19, mostrando que a rede pública de saúde pode ser
organizada perante a esse item. Já o estudo realizado em Roraima apresenta resultado semelhante ao
encontrado, onde a satisfação com o ambiente de trabalho, correspondente à muito pouco e médio,
representaram 80,6% das opiniões10. As condições de trabalho inadequadas, falta de contribuições e
de medicamentos nas unidades básicas de saúde podem contribuir com o aparecimento de doenças
físicas e mentais nos profissionais e impactar na QV22.
Na avaliação das relações sócio-profissionais este item apresentou resultados com o maior desvio
padrão sendo o item com maior discrepância na amostra classificados moderados pela maioria dos
médicos, salienta- se que a avalição negativa foi pautada pela falta de integração no ambiente de
trabalho, disputas profissionais e comunicação entre funcionários são insatisfeita. Em um estudo
realizado com médicos do Estado da Paraíba relata que equipes mais comunicativas e integradas,
melhora as condições de saúde dos empregados, aspectos que contribuem para a melhoria da QV23.

CONCLUSÃO

Ao analisar a qualidade de vida dos médicos vinculados às equipes mínimas da ESF do município de
Maringá-PR constitui um importante meio de avaliação da saúde do trabalhador. Neste sentido,
evidenciou-se que todos os domínios ficaram classificados como regular levando em conta o
questionário WHOQOL-bref, recebendo a pior média o domínio Psicológico em contrapartida, o
domínio social e o domínio físico ficaram com a maior média.
Neste estudo, foi possível identificarmos a percepção dos médicos sobre sua QV que referiram como
muito boa e esta pode influenciar de forma positiva na realização de seu trabalho. Destaca-se, assim,
a importância de criar estratégias para que seja possível minimizar níveis de estresse tanto em nível
organizacionais quanto pessoais, principalmente relacionados ao domínio Psicológico, os quais

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Qualidade De Vida De Médicos Da Estratégia Saúde Da Família E Relação Com O Contexto De Trabalho

envolvem autoestima, espiritualidade, sentimentos positivos, entre outros, visto que o estresse não
acontece apenas no ambiente laboral, mas está associado a diversos fatores da vida dos médicos.
Por fim, espera-se possibilitar uma reflexão entre médicos, gestores e comunidade acadêmica quanto
à importância da melhoria da QV desses profissionais que atuam nas principais portas de entrada ao
sistema de saúde. Almeja-se maior atenção das políticas públicas voltadas para a proteção da saúde
do trabalhador e ações que lhe promovam uma melhor QV.
Este estudo tem como limitação seu delineamento transversal, o que impossibilita estabelecer uma
relação causal e o número de participantes, que não foi amplo, devido à baixa adesão por meio dos
médicos, além da ausência de análise estatística inferencial, limitada pelo número reduzido de
participantes. Contudo, traz resultados válidos, no contexto do município estudado, pois evidencia
que os médicos da APS vivenciam boa qualidade de vida, sendo potencializada pelo contexto de
trabalho salutar.

13
1006
Qualidade De Vida De Médicos Da Estratégia Saúde Da Família E Relação Com O Contexto De Trabalho

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16
1009
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 77
10.37423/200802459

O USO DO REGISTRO LINGUÍSTICO NA


ATENÇÃO HUMANIZADA – UMA ESTRATÉGIA
PARA OS PROFISSIONAIS DA SAÚDE

Clara Beatriz Marrafon Universidade de Gurupi- Unirg

Silvia Helena da Silva Marrafon Universidade de Gurupi- Unirg

Ygor Marçal Neves Universidade de Gurupi- Unirg

Felipe Heiji Hamasaki Bontempo Universidade de Gurupi-Unirg


O Uso Do Registro Linguístico Na Atenção Humanizada – Uma Estratégia Para Os Profissionais Da Saúde

Resumo: Sendo a saúde uma área que requer do profissional o trato direto com pessoas, é de suma
importância entender que essa atuação não é só embasada em conhecimentos científicos, mas
também na atenção humanizada. Diante disso, o registro linguístico é ferramenta fundamental para
um resultado positivo, uma vez que a adaptação da linguagem de médicos e enfermeiros aos pacientes
interlocutores é uma das estratégias para efetivar uma comunicação eficiente e, ainda, promover a
afetividade durante o diálogo. Isso posto, são objetivos deste trabalho discutir a forma de comunicação
utilizada pelo profissional da saúde e sua influência no cuidado com o paciente.

1
1011
O Uso Do Registro Linguístico Na Atenção Humanizada – Uma Estratégia Para Os Profissionais Da Saúde

1. INTRODUÇÃO

Quando se fala em atendimento a pessoas enfermas, é importante que se destaque que o profissional
de saúde deve sempre considerar o bem estar e a satisfação do paciente, possibilitando uma relação
mais próxima com o mesmo ouvindo sempre o que ele tem a dizer. “O processo comunicativo é
definido como um ato caracterizado não por relações de poder, mas por atitudes de sensibilidade,
aceitação e empatia entre os sujeitos, [...] que envolvem tanto a dimensão verbal como a não verbal.”
(Braga e Silva, 2007)
Nesse sentido, o registro linguístico é uma das ferramentas mais pontuais no momento do
atendimento ao paciente, uma vez que nem todos conseguem compreender a linguagem técnica dos
profissionais da saúde. Antes de esclarecermos essa importância, faz-se necessário descrever o
conceito de registro.
Pode-se afirmar que registros são as variações que ocorrem de acordo com o grau de formalismo
exigido dependendo da situação de fala. Por exemplo, há ocorrências em que a variante padrão, ou
norma culta, é a melhor opção, ou seja, a que proporcionará uma maior sintonia entre os
interlocutores como é o caso das redações oficiais, palestras ou mesmo entrevistas de emprego. No
entanto, esta mesma norma deixa de ser eficiente em situações menos formais, em que os falantes
demonstram maior intimidade e menor necessidade de monitoramento linguístico. A respeito disso,
corrobora conosco Travaglia (2005) ao dizer que registro são “as variedades que ocorrem em função
do uso que se faz da língua, ou como preferem alguns, dependem do recebedor, da mensagem ou da
situação”. Afirma ainda que uma das dimensões do registro é a sintonia, que é definida como o
ajustamento que o falante faz de seus textos. Sobre esse ajustamento, cabe mencionar aqui que “A
cortesia é a variação que acontece devido à dignidade que o falante considera apropriada aos(s) seu(s)
ouvinte(s) e/ou à ocasião.” (Travaglia, 2005.p.57)
Levando em consideração que os profissionais da saúde possuem um dialeto próprio, composto por
um vocabulário técnico e direcionado aos estudantes e profissionais da área, é evidente que a maioria
dos pacientes não terão um bom entendimento durante a consulta e/ou visita hospitalar se não forem
direcionadas a eles palavras passíveis de compreensão e interpretação. Vale lembrar que ao utilizar
um dialeto menos formal, o médico ou enfermeiro promoverá um diálogo mais afetivo, o que
contribuirá também para que o paciente sinta-se mais confiante para relatar suas queixas.
Ao se falar de Enfermagem, Wanda Horta (1973) afirma que esse profissional deve assistir o indivíduo
no grau de suas necessidades básicas de forma a satisfazer o paciente oferecendo conforto e bem-
estar. Já na Medicina o atendimento humanizado é um conceito novo, mas que deve ser seriamente

2
1012
O Uso Do Registro Linguístico Na Atenção Humanizada – Uma Estratégia Para Os Profissionais Da Saúde

reverenciado. Segundo Porto (2018), a humanização não fica restrita à relação dos profissionais de
saúde com os pacientes e seus familiares. Todos os participantes de todos os ambientes devem ser
protagonistas, desde a portaria até a unidade de tratamento intensivo. Receber cordialmente um
paciente que chega ao hospital é tão importante como saber comunicar uma notícia ruim.”

2.METODOLOGIA

Como procedimento metodológico, buscou-se desenvolver estudo exploratório descritivo de natureza


bibliográfica, além desta, também foi feita observação participativa por meio de estágios, permitindo
comparação entre teoria e prática.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Durante estágios, visitas técnicas e aulas práticas, foi observado que o paciente usa expressões que
fogem da linguagem técnica, como por exemplo, “batedeira, pé da barriga, nó na tripa”. Em casos
assim, se o profissional ou estagiário não estiver preparado para o diálogo elaborado com vocabulário
popular, o atendimento se torna complicado e ineficaz. Além disso, observamos uma certa carência
em pacientes, os quais demonstraram uma necessidade de falar não só sobre a patologia, mas também
sobre sentimentos e desejos. No processo da comunicação, o que é realmente relevante é a clareza na
transmissão da mensagem e o entendimento da fala de ambas as partes. Assim, é notório que a
comunicação é um grande constituinte para que haja uma prática mais humanizada entre os
profissionais da saúde e seus usuários, fazendo necessário com que tenhamos uma superação nessa
relação de poder, auxiliando na interação e engajamento entre ambas as partes. Nesse quesito, cabe
ao trabalhador da saúde medir esforços e palavras para obter melhores relações pessoais e uma
comunicação mais efetiva.
Isso posto, foi possível notar que, tanto pela observação participativa, quanto pela revisão bibliográfica
que a adequação da linguagem permite que o paciente entenda com clareza a patologia e o
procedimento necessário para o tratamento humanizado, além de possibilitar uma conexão
profissional-paciente. Observamos também que a falta de diálogo dificulta a ação dos profissionais em
questão durante o tratamento

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluímos que o atendimento humanizado é imprescindível no tratamento médico, pois é ele que
permite que ocorra o diálogo entre profissional-paciente. Nesse sentido, torna-se necessário vincular

3
1013
O Uso Do Registro Linguístico Na Atenção Humanizada – Uma Estratégia Para Os Profissionais Da Saúde

o estudo da Linguística, no que diz respeito aos registros, com o da Teoria das Necessidades Humanas
Básicas, pois é por meio desses conhecimentos que os profissionais da saúde obterão melhores
resultados.

4
1014
O Uso Do Registro Linguístico Na Atenção Humanizada – Uma Estratégia Para Os Profissionais Da Saúde

5. REFERÊNCIAS

BRAGA, Eliana Mara; SILVA, Maria Júlia Paes. Comunicação competente: visão de enfermeiros
especialistas em comunicação. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 20, n. 4, p. 410-414, 2007.

CORIOLANO-MARINUS, Maria Wanderleya de Lavor et al. Comunicação nas práticas em saúde: revisão
integrativa da literatura. Saude soc., São Paulo, v. 23, n. 4, p. 1356-1369, Dec. 2014.

HORTA, Wanda de Aguiar. Estudo preliminar sobre o grau de satisfação do paciente hospitalizado em
relação à assistência de enfermagem. Rev. Bras. Enferm. vol.26 no.1-2 Brasília Jan./Feb. 1973.

PORTO, Celmo Celeno. Humanização e medicina de excelência. IBMEXPORTO – Instituto Brasileiro de


Medicina de Excelência. Goiânia, Maio 2018.

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e Interação: uma proposta para o ensino da gramática. 10 ed. São
Paulo: Cortez, 2005.

5
1015
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 78
10.37423/200802465

O EXERCÍCIO DO DIREITO DE CIDADANIA E


SUAS IMPLICAÇÕES À FORÇA NORMATIVA DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL/88

Renato da Silva Neris Faculdade Estácio Castanhal

Adriano Rodrigues Remor Faculdade Estácio de Castanhal


O Exercício Do Direito De Cidadania E Suas Implicações À Força Normativa Da Constituição Federal/88

Resumo: A presente pesquisa, que foi objeto de um trabalho de conclusão de curso, tem por escopo
abordar sobre o direito de cidadania, princípio atualmente expresso no art. 1º, inciso II, da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988, dialogando acerca do exercício do mesmo, os obstáculos
que os cidadãos brasileiros encontram para efetivar esta prerrogativa e como tais fatos implicam na
sustentabilidade normativa constitucional. A problemática do estudo se dá em virtude de comumente
se visualizar como a sociedade não se mostra consciente, habituada e principalmente educada a
respeito das leis do nosso país, não podendo dessa forma ser competente como deveria se esperar
para exercitar sua cidadania, justificado tal ato pela falta de conhecimento sobre a Constituição
Federal/88, o que acarreta em enfraquecimento da força normativa constitucional que, inicialmente,
deveria se estender de forma plena a todos os indivíduos do território brasileiro. Para desenvolver esta
pesquisa fez-se necessário a coleta e análise de dados a partir da aplicação de um questionário para
alunos e colaboradores da Faculdade Estácio de Castanhal.
Palavras-Chave: Cidadania; Exercício; Direito; Constituição; Força Normativa.

1
1017
O Exercício Do Direito De Cidadania E Suas Implicações À Força Normativa Da Constituição Federal/88

INTRODUÇÃO.

O Estado Democrático de Direito, elemento fundante da Constituição da República Federativa do


Brasil de 1988, pressupõe, além da obediência a regras formais impostas pela legislação, a participação
popular nas decisões fundamentais do País. Dialogar sobre a cidadania, relacionada ao âmbito social
brasileiro, diz respeito não apenas a esclarecer sua estrutura conceitual e doutrinária, mas como
exercer esta prerrogativa e entender no que acarreta seu vínculo subjetivo ao indivíduo, objetivando
demonstrar as multifaces deste direito/dever cabível, em regra, a todas as pessoas sujeitas à soberania
do Brasil.
Neste intuito, será analisado o contexto histórico da cidadania, fato que possibilitou a construção da
mesma como princípio e garantia expressa na Constituição Federal de 1988, bem como analisar de
que forma as revoluções e movimentos capitalistas acontecidos no âmbito internacional fortaleceram
e moldaram o que se entende hoje por cidadania, conhecimento este que em muito se diversifica do
inicialmente proposto.
A partir da abordagem histórica e social sobre a cidadania, inicia-se a segunda seção que afere sobre
a discussão problemática que é objetivo do presente trabalho e em mais se aproxima da pesquisa
jurídica desempenhada: aferir sobre a violação a este direito inerente motivado pela ausência de
conhecimento da Constituição Federal/88 e suas diretas implicações à força normativa da mesma.
Depreende-se neste questionamento as dificuldades enfrentadas pela população brasileira que
poderiam ser supridas – em parte - com o efetivo exercício da cidadania, considerando que cada
indivíduo tem o instrumento necessário para fazer valer seus direitos e deveres, sendo este a própria
Carta Magna.
Na terceira seção, será apresentada a intervenção pautada no valor do acesso educativo a Constituição
e a revigoração de sua força normativa, objetivando analisar como a implementação do estudo básico
da Carta Magna nas escolas, já nos anos iniciais do ensino fundamental, podem modificar
positivamente as adversidades encontradas para o exercício pleno do direito de cidadania bem como
fortalecer a sustentabilidade normativa da Constituição, atribuindo maior obediência da sociedade ao
que a mesma preceitua.
A quarta seção aponta a metodologia escolhida para desenvolvimento da parte teórica e da pesquisa
de campo do presente trabalho, haja a vista a problemática de violação do direito de cidadania gerada
pela ausência de conhecimento da Constituição Federal, dialogando sobre os autores e suas
respectivas bibliografias, princípios, doutrinas e, com relação à pesquisa, a forma como ocorreu, o
público-alvo e o local realizado.

2
1018
O Exercício Do Direito De Cidadania E Suas Implicações À Força Normativa Da Constituição Federal/88

Em seguida é apresentada a demonstração da análise de dados por meio dos questionários aplicados
em pesquisa, evidenciando a importância dos resultados colhidos para o tema abordado através da
indicação de gráficos como ferramentas de apoio para maior facilitação de entendimento.
O trabalho será de relevante discussão afim de investigar as formas de exercício da cidadania, como
se pode sanar a violação a tal direito e os métodos que podem melhorar a convivência social e jurídica
de todos os brasileiros.

1. A CONSTRUÇÃO DO SENTIMENTO CIDADÃO: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA

Abordar sobre o significado da cidadania, semelhante ao que ocorre com direitos intrínsecos como a
dignidade da pessoa humana, identifica-se uma reflexão de percepções principalmente no que tange
ao seu exercício. Pode-se aferir que a cidadania, de forma básica possui dois aspectos que irão regular
sua análise, sejam eles: a vertente política e a social (NOVO, 2018).
Antes, porém de se esmiuçar as divisões conceituais da cidadania, é relevante compreender como esta
prerrogativa sofreu alterações de entendimento ao decorrer da história, singularmente devido à
ocorrência de determinados eventos que impulsionaram a construção do sentimento cidadão, o que
resultou no direito-princípio atualmente expresso no art. 1º, inciso II, da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 (CANOTILHO, MENDES, et al., 2013, p. 244)
Etimologicamente a palavra cidadania deriva do latim civitas que significa “cidade”, o que está de
acordo com a origem estimada da condição de cidadão atribuída à Grécia antiga, sendo a pólis grega
composta por homens livres que viviam sob um sistema democrático puro 1 , cabendo aos mesmos à
responsabilidade de administrar os andamentos que aconteciam na cidade bem como solucionar
juridicamente os conflitos existentes (COVRE, 2013, p.22).
Segundo MELO (2013) ser cidadão de fato na época supracitada era fazer parte das decisões tomadas
em uma cidade, vinculado a naturalidade do indivíduo com o solo, algo que se aproxima com o que se
entende hoje pela cidadania política – que será analisada posteriormente -, e evidenciava a primeira
manifestação de um sentimento de mérito por fazer parte de determinado grupo que, como restrito,
concedia o exercício de alguns direitos e deveres ainda que de forma despretensiosa para o período.
Conforme entendimento de COVRE (2013, p.24) em sua obra “O que é cidadania”, a principal
influência para o entendimento e consolidação desta prerrogativa cidadã se deu com a ascensão da
classe burguesa somada ao advento da Revolução Francesa (1789), que em seu memorável escopo
“Liberdade, Igualdade e Fraternidade” já tornava possível à reflexão sobre os direitos e garantias
individuais e a luta por uma democracia liberal ou constitucional. Por esta razão, “a cidadania passa,

3
1019
O Exercício Do Direito De Cidadania E Suas Implicações À Força Normativa Da Constituição Federal/88

por fim, a manter íntima vinculação com o relacionamento entre a sociedade política e seus membros”
(MELO, 2013).
A evolução da compreensão dos direitos humanos, e consequentemente da cidadania, se deu não
apenas pelos ideais da Revolução Francesa, mas particularmente em face de notáveis eventos a nível
global que foram os responsáveis por ampliar as liberdades individuais atualmente conhecidas,
causando modificações nos sistemas sociais e políticos, a citar a 1ª e 2ª Guerra Mundial (NOVO, 2018),
entendimento homogêneo ao que dispõe MELO (2013):
As duas guerras mundiais foram decisivas para a mudança de ideologia
sobre a cidadania e o medo advindo das atrocidades praticadas e alicerçadas
pela legalidade fez com que órgãos internacionais e a própria sociedade civil
passassem a entender cidadania como algo indissociável dos direitos
humanos.
Dessa forma, o conceito de cidadania da pólis grega que antes estava vinculado ao território habitado
alterou-se para uma garantia que permitia ao indivíduo ser reconhecido como sujeito de direitos e
deveres, compreendido na sociedade em que vive, responsável politicamente pelas decisões
soberanas do seu país e, em resumo, o autor da força republicana.
Quanto ao Brasil, território em que mais se importa ressaltar o exercício da cidadania no presente
artigo, a transição se deu de forma lenta e trabalhosa haja vista o histórico de formação brasileira ser
marcado pela exploração portuguesa e subalternamente inglesa, o escravismo, a pobreza de grande
parte da população em face de luxos similares aos vividos na Europa por uma pequena parte da elite,
aspectos que interrompiam não só a concepção cidadã como também qualquer exercício pleno dos
direitos de dignidade humana (COVRE, 2013, p. 69).
Ao se refletir sobre o processo histórico constitucional brasileiro conclui-se não haver dúvidas de que
a Constituição Federal promulgada em 05 de outubro de 1988 foi a mais atuante em estabelecer
garantias a todos, principalmente se analisada a previsão expressa da cidadania como princípio da
CF/88 em seu art. 1º, inciso II, o que legitima diretamente que seja efetivada esta prerrogativa,
exercício que deve ser protegido pelo Estado para o seu pleno exercício, possibilitando tal Carta Magna
o mais longo período de estabilidade no que diz respeito ao sistema republicano adotado no Brasil.
(BARROSO, 2005, p.3).
Não se pretende, contudo tornar válido o entendimento de que atualmente a cidadania seja exercida
de forma integral no território brasileiro, pois, caso o fosse, não haveria objetivo na produção do
presente trabalho, que pretende demonstrar o quanto se está distante o efetivo exercício do direito
de cidadania e como esta prerrogativa encontra-se sob constante violação, especialmente por parte

4
1020
O Exercício Do Direito De Cidadania E Suas Implicações À Força Normativa Da Constituição Federal/88

daquele que deveria possibilitar seu acesso – leia-se o Estado/Governo -, circunstâncias que serão mais
bem esclarecidas ao longo do artigo.

2. A OFENSA AO DIREITO DE CIDADANIA E SUAS CONSEQUÊNCIAS CONSTITUCIONAIS

Formalmente, o direito de cidadania está bem representado como objetivo constitucional do artigo
1º, inciso II, da Carta Magna de 1988, além das demais disposições ao longo da Constituição que já
foram citadas anteriormente. Contudo, tal fato não representa entender que esteja efetivado o
exercício do poder cidadão de forma plena, pelo contrário, a participação política através do voto, por
exemplo, não evidencia a única forma de participação do indivíduo na democracia cidadã do país
(MELO, 2013), levando-se em consideração que nem todos possuem conhecimento acerca de seus
direitos e deveres constitucionais.
A compreensão da cidadania, até os dias atuais, continua fortemente vinculada à manifestação dos
direitos políticos (MADRIGAL, 2016), o que sustenta a crença de que os cidadãos brasileiros são
ativamente participantes do regime democrático vivido, ignorando-se a ausência de atuação nas
demais modalidades que englobam o exercício do direito de cidadania como a reinvindicação por
melhorias na educação, saúde, segurança - direitos expressos no rol das garantias sociais do artigo 6º
da CF/88 – e que acaba acarretando violação a prerrogativa supracitada.
A inexistência do exercício da condição de cidadão não implica apenas em perca de nacionalidade em
si, mas a princípio significa estar suprimido de suas responsabilidades para com a sociedade e também
governo. Ser cidadão representa entender como as leis e demais normas funcionam em sua
aplicabilidade básica, ou seja, como lhe atingem diretamente, e a partir de tal premissa obedecê-las,
sem omitir-se em questiona-las, argumento defendido por DALLARI (1998):
A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a
possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo.
Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da
tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo
social.
Conforme dispõe o art. 3° da Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro - LINDB é defeso se
escusar de cumprir a lei alegando que não a conhece. Ora, se o conhecimento às leis é obrigatório,
presume-se que todos tenham pleno acesso para, assim, estar em conformidade com o artigo
supracitado. Ocorre que não é fato consumado a facilitação e aprendizagem a este acesso,
principalmente se analisado por parte do Estado que, como será demonstrado em resultados do
presente trabalho, é um dos responsáveis por não possibilitar que o exercício cidadão aconteça.

5
1021
O Exercício Do Direito De Cidadania E Suas Implicações À Força Normativa Da Constituição Federal/88

O cidadão, muito embora em sua grande maioria não saiba o conteúdo da


Carta Magna, tem assegurado por meio dela não só o princípio da cidadania
através dos direitos fundamentais, além da certeza de que ser cidadão não
é apenas ter o direito a votar e ser votado, mas, principalmente, ter direitos
e garantias individuais, políticos, sociais, econômicos e culturais.
(MADRIGAL, 2016).
A falta de conhecimento da população sobre a Constituição ocasiona diretamente a não observância
de muitos preceitos da mesma. Não se tem o intuito de justificar integralmente as ilicitudes ocorridas
no Brasil, mas demonstrar que existem fatores colaboradores para que elas ocorram, e que muito mais
que a preocupação com violações a lei, a ausência de compreensão da Carta Magna ofende o exercício
da cidadania e impossibilita que a sociedade tenha voz ativa para os acontecimentos de seu país,
impedindo que a Lei Maior faça constar sua força normativa.
Analisando-se que o direito de cidadania, previsto na Constituição de 88, sofre constante violação de
exercício, repercute salientar que não se está havendo atenção da sociedade para específicas normas
legais. Uma Constituição que não consegue obter respeito ao que dispõe para seus subordinados no
mínimo não está atingindo sua função de forma eficaz, e é sob esse aspecto que a força normativa
deve ser vislumbrada: como a essência da Constituição, atrelada “a soma dos fatores reais do poder
que regem uma nação” (LASSALE, 1988, p.37).
Diante de um enfraquecimento da sustentabilidade constitucional, torna-se necessário a busca por
quais fatores influenciam para que a norma não seja exercida, atribuindo-se responsabilidade, à priori,
aos indivíduos que não estejam a obedecendo, aos governantes que centralizam o poder
constitucional e assim impedem o acesso da classe subordinada ou ainda por ambos os pressupostos.
É certo que o Direito Constitucional deve atingir a maior eficácia possível e que por meio desta matéria
que a vontade da Constituição se vê preservada. (HESSE, 1991, p.11).
LASSALE (1988, p.47), ao dialogar sobre a “essência constitucional”, já explicitava a importância da
norma escrita estar de acordo com a “constituição real e efetiva”, em outras palavras, que as
remissões escritas traduzissem o que os fatores reais de poder já expressavam na nação. Nada
adiantaria, portanto que uma Constituição disponha direitos e deveres se estes não possam ser
exercidos por contrariarem a vontade de quem os controla, o que no caso brasileiro se manifesta
através da democracia, do Governo e demais entes públicos.
Não se percebe preocupação aparente daqueles que estão a zelar pela população para com o
ensinamento dos mecanismos constitucionais. A Constituição não pode ser entendida apenas como
uma folha de papel (LASSALE, 1988, p. 37) que está bem escrita, mas que possui um entendimento
complexo para aqueles que precisam utilizá-la – os cidadãos. Mais do que técnica, a Carta Magna

6
1022
O Exercício Do Direito De Cidadania E Suas Implicações À Força Normativa Da Constituição Federal/88

precisa despertar avanço para uma sociedade, simbolizando sua força normativa em benefícios para
todos. (BARROSO, 2005, p. 04).
Em face da violação ao direito de cidadania ressalta-se o papel fundamental dos entes públicos
enquanto governo em desempenhar políticas públicas que possam facilitar o exercício da cidadania,
ato que não se evidencia na prática, e que problematiza o precário acesso da população as leis em
sentindo amplo. Tal omissão do poder público, como será vislumbrada na pesquisa de campo, decorre,
entre outros fatores, de uma falta de interesse dos governantes em conscientizar indivíduos opinativos
e participativos nas decisões do país.
3. O VALOR DO ACESSO EDUCATIVO À CONSTITUIÇÃO
3.1 O ENSINO DO DIREITO CONSTITUCIONAL NAS ESCOLAS
Mas a população um dia, cansada de ver os assuntos nacionais tão mal
administrados e pior regidos e que tudo é feita contra sua vontade e os
interesses gerais da nação, pode se levantar contra o poder organizado,
opondo-lhe sua formidável supremacia, embora desorganizada. (LASSALE,
1988, p. 43)
A educação jurídica é essencial e indissolúvel à formação da cidadania, e o que deveria ser um
conhecimento comum é caracterizado como uma especialidade. O acesso inicial-educativo à
Constituição permitiria que cada indivíduo pudesse fazer valer um dever que já está expresso sobre o
mesmo, que seja de cumprir as leis por um resultado lógico: ter conhecimento a cerca delas.

Ninguém nasce cidadão, mas torna-se cidadão pela educação, porque a


educação atualiza a inclinação potencial e natural dos homens à vida
comunitária ou social. (MADRIGAL, 2016)
Através da educação diversas problemáticas sociais e jurídicas podem ser sanadas, e é com tal intuito
que se reflete que o ensino do Direito Constitucional nas escolas, com incidência já no ensino
fundamental, poderia ser o instrumento propulsor que influenciaria no fortalecimento do direito de
cidadania, vislumbrando que seu exercício se desse de forma muito mais facilitada na vida adulta, por
exemplo, daqueles que já estavam submetidos aos conhecimentos da norma constitucional.
O artigo 227 da Constituição Federal/88 respalda ser “dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação(...)”. Dessa forma, compreende-se o papel fundamental da educação para a formação do
indivíduo, possibilitando o exercício do direito de cidadania em face dos conhecimentos que seriam
adquiridos sobre os direitos e deveres cabíveis, em regra, a todos.
A cidadania e a educação são temáticas relacionadas e indissociáveis. A primeira evidencia a existência
do indivíduo, a sua contribuição para a sociedade e para as tomadas de decisões políticas; a segunda

7
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O Exercício Do Direito De Cidadania E Suas Implicações À Força Normativa Da Constituição Federal/88

permite que todas essas ações sejam possíveis de se realizar, visando “à formação de cidadãos livres,
responsáveis, autônomos e solidários (...)” (MACHADO, 2016, p.80). Pode-se inferir logo que a
cidadania deriva da educação do indivíduo.
O estudo do Direito Constitucional na escola possibilitaria a iniciação do indivíduo em conhecer e
aprender elementos do Estado, levando as crianças e adolescentes a expandirem suas ideias,
adquirirem noções críticas e principalmente se tornarem conscientes de seus compromissos em
sociedade. Com o tempo, o interesse pelos ramos da ciência jurídica apareceriam naturalmente, e a
ânsia em influenciar e participar democraticamente traria consequências positivas para o país, além
de que efetivaria o exercício da cidadania. (OLIVEIRA, 2016)
A prerrogativa de exercício da cidadania encontra-se em respaldo no ambiente da educação no artigo
1º da Resolução CNE nº 04, de 13 de julho de 2010, elaborada pelo Ministério da Educação, que tem
o escopo de definir as diretrizes curriculares nacionais gerais para a educação básica, dispondo:
Art. 1º A presente Resolução define Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais
para o conjunto orgânico, sequencial e articulado das etapas e modalidades
da Educação Básica, baseando-se no direito de toda pessoa ao seu pleno
desenvolvimento, à preparação para o exercício da cidadania e à
qualificação para o trabalho, na vivência e convivência em ambiente
educativo(...). (grifo nosso).
Logo se pode depreender que o ensino constitucional seria bem vindo às diretrizes curriculares
brasileiras, haja vista que o exercício cidadão é um dos objetivos da educação. A ausência do
conhecimento constitucional, portanto gera violação não só ao direito de cidadania, mas também ao
direito social a uma educação plena, efetiva e de qualidade a todos.
A realidade, entretanto é que se possui a ideia de não haver preocupação aparente do poder público
de tornar acessível o estudo do direito constitucional, possibilitando que dessa maneira houvesse
cidadãos conscientes em compreender a Constituição. Algumas decisões políticas descabíveis
permitem visualizar que até mesmo os representantes eleitos não possuem amplo conhecimento
sobre a Constituição, e deixa a indagação de quão precisa é a legislação brasileira por não ter sua
sustentabilidade normativa exercida por àqueles que estão incumbidos de aplica-la. (OLIVEIRA, 2016).
Conforme demonstrado no Gráfico nº 08 em anexo, 42,0% (quarenta e dois por cento) dos
participantes informaram que não há obediência da Constituição Federal/88 pela classe política, o que
evidencia o descontentamento com os eleitos pela democracia do sufrágio. Interpreta-se que não mais
é aceitável apenas ser o mais votado e eleito, necessitando também que este tenha aptidão e
competência suficiente para se manter no poder representando àqueles que lhe deram tal condição.

8
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O Exercício Do Direito De Cidadania E Suas Implicações À Força Normativa Da Constituição Federal/88

Salienta-se então que tanto para a população quanto para a classe política que representa a primeira,
o estudo do direito constitucional desempenharia importante avanço na educação e condição de
cidadania. Tal estudo propicia o conhecimento sobre as leis, o que resulta em menor perca de direitos,
haja vista se considerar que a população brasileira em sua maior parte é leiga quanto a conhecimentos
jurídicos. (BOTERO, 2018).
Com o conhecimento sobre a Constituição, depreende-se que a população elevaria os índices de
obediência ressaltados na pesquisa de campo apresentada, evidenciando uma revigoração à força
normativa constitucional já que “a Constituição adquire força normativa na medida em que logra
realizar essa pretensão de eficácia” (HESSE, 1991, p.5), o que significa que sua efetividade depende do
alcance que tal Lei maior se compromete em atingir, fator que não representa problemas para a
Constituição de 1988, que respalda uma ampla variedade de direitos e deveres a serem observados.
Outro aspecto que conforta melhoras para o país a partir do exercício da cidadania e efetivo
entendimento da Constituição se institui no poder que o povo detém em suas mãos, sendo
considerado por Lassale (1988, p.60) como um “poder invencível”, que embora desorganizado em sua
estrutura, pode modificar as mais diversas adversidades contempladas em uma sociedade, o que no
caso brasileiro por exemplo, é muito destacado nos obstáculos causados pela corrupção.
4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
4.1 MÉTODO.
Serão demonstrados na presente sessão os fatores relacionados à metodologia da pesquisa, seu tipo,
o lócus bem como as ferramentas e procedimentos utilizados para a coleta de dados.
Quanto à abordagem ao problema adotou-se a pesquisa quali-quantitativa, levando-se em
consideração tanto a análise bibliográfica pautada em princípios, doutrinas e dados descritivos bem
como o estudo estatístico, avaliando a representatividade numérica de determinados aspectos do
tema, buscando analisar diferentes situações a partir da coparticipação dos envolvidos na pesquisa.
(CHIZZOTI, 2001, p.97).
Quanto ao procedimento técnico de levantamento e pequisa-participante, o intuito é de se descrever
os grupos sociais e possibilitar um contato direto com o ambiente onde à problemática se desenvolve.
Dessa forma, realizaram-se questionários, tabulados posteriormente em tabelas computadorizadas,
com explicações sobre os resultados obtidos, em uma forma de “pesquisa-ação” instrumentalizada
em gráficos, indicando-se a resolução dos problemas. (MANZATO, 2012, p.6)

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O Exercício Do Direito De Cidadania E Suas Implicações À Força Normativa Da Constituição Federal/88

4.2. FERRAMENTAS DE PESQUISA

Para a coleta de dados da pesquisa, utilizou-se como ferramenta metodológica a aplicação de um


questionário2 – com modelo disponível em anexo no presente trabalho - dividido em três blocos para
melhor análise: a) Bloco 1, composto por oito perguntas acerca do perfil do candidato; Bloco 2,
contendo quatro perguntas sobre o conhecimento específico da Constituição Federal/88 e Bloco 3,
dispondo de nove perguntas sobre assuntos relativos a “Cidadania e Sociedade”, aferindo também
sobre o uso cotidiano da Constituição.
O questionário foi primeiramente impresso e após aplicado diretamente para alunos e colaboradores
da Faculdade Estácio de Castanhal, sendo as indagações respondidas pelos próprios participantes, sem
tempo mínimo ou máximo para resolução.
Com a conclusão dos questionários realizou-se a análise para, através das respostas, argumentar com
melhor precisão sobre os fatores que ocasionam a violação do direito de cidadania e afetam a força
normativa da Constituição, podendo-se ponderar sobre medidas interventivas para tal problemática.

4.3 LÓCUS, CRITÉRIO PARA SELEÇÃO DE AMOSTRAS E UNIVERSO DA PESQUISA.

O lócus da pesquisa foi realizado na Faculdade Estácio de Castanhal, com endereço na rodovia BR-316,
Km 60, S/n - Apeú, 68745-000, localizada no município de Castanhal que, segundo o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), se encontra na região norte do estado do Pará. A Faculdade foi
escolhida para ser o campus da pesquisa haja vista a facilidade de se encontrar grupos sociais
necessários para participarem da investigação.
As amostras foram selecionadas no método aleatório simples, ou seja, as unidades foram escolhidas
ao acaso, uma a uma, a partir de um grupo homogêneo (acadêmicos e transeuntes da Faculdade
Estácio de Castanhal). A pesquisa conta com 207 amostras em um universo de 2311 acadêmicos
matriculados no segundo semestre de 2018, o que representa cerca de 8,95% (oito vírgula noventa e
cinco por cento) dos acadêmicos da instituição.

4.4 DADOS COLETADOS E RESULTADOS.

Para se aferir de melhor forma a incidência da ofensa ao exercício do direito de cidadania na


sociedade, detectando as consequências para a sustentabilidade normativa constitucional, realizou-
se pesquisa de campo através da aplicação de um questionário aos alunos e colaboradores da
Faculdade Estácio de Castanhal, com o objetivo de apurar conhecimentos específicos da Constituição
Federal/88, seu uso no cotidiano, e qual a percepção sobre a prerrogativa de ser cidadão.

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O Exercício Do Direito De Cidadania E Suas Implicações À Força Normativa Da Constituição Federal/88

A elaboração do questionário, com exceção do Bloco 1 que versava sobre o perfil pessoal do
participante, foi pautada em fonte exclusivamente de matéria constitucional nas perguntas nº 1, 2, 3
e 4 do Bloco 2, se indagando diretamente sobre o conhecimento do participante de forma ampla sobre
o artigo 5º, 6º, 12 e 14 da Constituição Federal/88 respectivamente.
As assertivas de nº 5 a 13, pertencentes ao Bloco 3 “Cidadania e Sociedade", tiveram como fonte
temáticas relacionadas as problemáticas do referido artigo e vislumbraram examinar as opiniões
acerca do tema “cidadania” no contexto democrático brasileiro, refletindo sobre o índice de
obediência e relevância da Constituição para a população bem como dialogando sobre quais fatores
influenciam para que a mesma não seja respeitada em sua integralidade. Ponderou-se por fim se o
ensino da Constituição Federal/88 contribuiria para a formação do indivíduo como cidadão e se o
participante era a favor do ensino da Carta Magna nas Escolas.
Utilizou-se três formas de assertivas no questionário aplicado. A primeira delas oferecia respostas em
escala de 1 (índice mínimo) a 10 (índice máximo); a segunda, alternativas sem letras ou número
aparentes e a última modalidade era composta das escolhas de “SIM” ou “NÃO”. Dessa forma, foi
possível adequar que a indagação feita tivesse uma maior incidência de aproveitamento e opções para
os participantes bem como para a pesquisa.
O público alvo da pesquisa foi composto por colaboradores – aqui tipificados professores,
coordenadores e demais membros administrativos da instituição Faculdade Estácio de Castanhal – e
alunos pertencentes a um contingente de 10 (dez) cursos de ensino superior, do 2º ao 8º semestre,
da mesma academia de ensino, sendo estes: Administração, Análise e Desenvolvimento de Sistemas,
Ciências Biológicas, Ciências Contábeis, Direito, Enfermagem, Engenharia Civil, Farmácia, História e
Pedagogia. Ressalta-se que não houve número padrão de participantes por curso considerando-se que
os questionários foram aplicados, em sua grande parte, de forma aleatória aos indivíduos da
Faculdade.
O curso de Direito, divergindo dos demais, foi limitado a acadêmicos cursando até o segundo
semestre, haja vista o objetivo em aferir a incidência de elementos constitucionais e cidadãos para
participantes não pertencentes a área jurídica, que é a mesma do presente artigo. Ponderou-se na
hipótese que as respostas poderiam ser demasiadamente genéricas quanto ao conhecimento sobre a
constituição, já que os acadêmicos da ciência jurídica teriam inicialmente maior noção sobre o que a
Carta Magna dispõe.
Para análise dos dados coletados foi criada uma planilha (que está em anexo no trabalho) através do
programa Microsoft Office Excel, editor de planilhas produzido pela empresa Microsoft, que permitiu

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O Exercício Do Direito De Cidadania E Suas Implicações À Força Normativa Da Constituição Federal/88

a tabulação dos dados de maneira mais célere e exata, informando rapidamente a porcentagem do
índice de respostas por número de participantes da pesquisa.
Utilizando-se do mesmo software, criaram-se gráficos em formatos de barras para representar os
dados adquiridos na pesquisa, distribuídos de modo crescente de acordo com a pergunta selecionada,
atribuindo mais praticidade na exposição dos dados e proporcionando melhor forma didática de
relacionar os resultados com as problemáticas evidenciadas ao longo da pesquisa.
Para que se possa aferir de forma mais razoável os dados coletados, e assim também explicar
satisfatoriamente o tema, escolheu-se 5 das 13 perguntas do questionário (Bloco 2 somado ao 3) para
apresentação dos gráficos a seguir, ressaltando que os gráficos das demais está disponível em anexo.
A lógica será a demonstração do resultado, identificando a porcentagem de escolha dos participantes
pelas opções que a questão disponibilizava e após, discorrer sobre quais entendimentos são possíveis
de se compreender para a problemática analisada.

GRÁFICO 1 – “BLOCO 2 : CONHECIMENTO ACERCA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL/1988”

01. Quanto ao seu nível de conhecimento sobre o art. 5º da Constituição Federal de 1988, que
estabelece os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, que nota atribui? (Assinale 1 para “Nenhum
Conhecimento” e 10 para “Conhecimento Total”).

25,1%

15,9%
12,1%
7,2% 7,7% 7,7% 8,2%
6,3%
4,3% 4,8%
0,5%

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 NULO

Legenda: a) De 1 a 4 > Conhecimento Insuficiente.


b) De 5 a 7 > Conhecimento Regular.
c) De 8 a 10 > Conhecimento Bom.
Fonte: Autor

Conforme demonstrado acima, ao ser questionado sobre o conhecimento do art. 5º da Constituição


Federal/88, obteve-se o resultado de que 25,1% (vinte e cinco vírgula um por cento) não possuíam
nenhum conhecimento ou, de acordo com a classificação em gráfico, 47,8% (quarenta e sete vírgula

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O Exercício Do Direito De Cidadania E Suas Implicações À Força Normativa Da Constituição Federal/88

oito por cento)3 teriam conhecimento insuficiente sobre o referido artigo. Do mesmo modo 34,3%
(trinta e quatro vírgula três por cento) detém conhecimento regular. Por fim, apenas 17,4% (dezessete
vírgula quatro por cento) alegou possuir conhecimento bom, tendo 4,8% (quatro vírgula oito por
cento) destes respondido ter conhecimento total sobre o artigo.
Dada à importância do art. 5º da Constituição/88 que estipula os direitos e garantias fundamentais a
todos os cidadãos, é um tanto preocupante perceber o maior percentual da pesquisa entre
participantes que não possuíam nenhum conhecimento do artigo. Como esperar dessa forma que haja
um pleno exercício do direito de cidadania se os próprios cidadãos não possuem ciência de uma das
disposições mais relevantes da Carta Magna? Esta indagação fortalece a posição de que a cidadania e
o relativo conhecimento das leis não são levados tão a sério no Brasil, e que a Constituição pode não
estar exercendo seu papel normativo de forma eficiente como deveria de ser, conforme problemática
normativa interpretada por Lassale (1998) e Hesse (1991) no referencial teórico exposto inicialmente.

GRÁFICO 2 – “BLOCO 3: CIDADANIA E SOCIEDADE”

06. Quais das opções abaixo melhor identifica sua opinião em ser um cidadão?

A) Ser sujeito de direitos e deveres. 86,0%

B) Ter nascido no Brasil 0,5%

C) Conhecer a Legislação. 6,3%

D) Ter direito a votar e ser votado. 2,9%

E) Outros 1,9%

NULO 2,4%

Fonte: Autor

Perguntados sobre qual sua opinião em ser um cidadão de fato, a maioria representada em 86%
(oitenta e seis por cento) afirmou a opção “ser sujeito de direitos e deveres”. As demais alternativas,
com exceção da categoria “NULO”, somadas entre si atingiram 11,6% (onze vírgula seis por cento).

Tal questão asseverou como, embora ausentes de conhecimento amplo sobre a Constituição
Federal/88, os participantes possuem noção sobre seu papel participativo nas decisões democráticas
do país, e o compromisso em resguardar seus direitos e cumprir com seus deveres. Vislumbra-se que
a concepção política vinculada ao exercício cidadão obteve apenas 2,9% (dois vírgula nove por cento)

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das escolhas, o que demonstra que o direito ao sufrágio não é suficiente para categorizar a
prerrogativa cidadã, divergindo do acontecido na prática que se realiza conforme as palavras de DE
ULHÔA (2018, p.3) “Em época de eleição, repito, fala-se demais em cidadão, em cidadania e todos, de
repente, nos tornamos “cidadãos””.

GRÁFICO 3 – “BLOCO 3: CIDADANIA E SOCIEDADE”

07. Você acredita que a CF/88 é obedecida pela população? (Assinale 1 para “Não, totalmente.” e 10
para “Sim, totalmente”).

29,5%

16,9% 16,9%
11,6%
8,7% 8,2%
4,3%
2,4% 1,4%
0,0% 0,0%

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 NULO

Legenda: a) De 1 a 4 > Obediência Insuficiente.


b) De 5 a 7 > Obediência Regular.
c) De 8 a 10 > Obediência Excelente
Fonte: Autor

De acordo com a análise dos dados, 29,5% (vinte e nove vírgula cinco por cento) afirmaram “não,
totalmente” para obediência da Constituição por parte da população ou, de acordo com a classificação
em gráfico, 66,7% (sessenta e seis vírgula sete por cento) declararam que há “obediência insuficiente”.
Do mesmo modo, 27,5% (vinte e sete vírgula cinco por cento) informaram haver “obediência regular”.
Por fim, apenas 1,4% (um vírgula quatro por cento) designou haver “obediência excelente”. Ressalta-
se que as notas nº 9 e 10, esta última representando “sim, totalmente”, não pontuaram em nenhum
dos questionários aplicados.
A coleta de dados da questão supracitada corrobora uma das problemáticas evidenciadas acerca da
violação ao direito de cidadania: que não obstante a desobediência à Constituição ser um fator
negativo para a sociedade, é demasiadamente difícil que tal população cumpra com suas disposições
se não há acesso facilitado e educativo sobre a mesma.

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O Exercício Do Direito De Cidadania E Suas Implicações À Força Normativa Da Constituição Federal/88

Além do mais, com o índice elevado de desobediência da Carta Magna, percebe-se que sua força
normativa está abalada e aquém da eficácia pretendida, fatores que podem ser expressivamente
melhorados, conforme especificará o capítulo seguinte.

GRÁFICO 4 – “BLOCO 3: CIDADANIA E SOCIEDADE”

09. Em caso de nota inferior a 5 na pergunta anterior, qual das assertivas abaixo melhor representa o
motivo de desobediência à CF/88?

A) Desconhecimento sobre a Constituição


Federal 27,1%
B) Desinteresse dos Governantes em ensinar
sobre a CF 16,4%
C) Falta de interesse em cumprir as leis do
país. 36,2%

D) Outros 11,6%

NULO 8,7%

Fonte: Autor

A assertiva em destaque estava vinculada a resposta da questão de nº 7 e 8; esta última com gráfico
representado em anexo. Na apuração, 36,2% (trinta e seis vírgula dois por cento) informaram que o
motivo de desobediência da Constituição por parte da população se deve a “falta de interesse em
cumprir as leis do país”; 27,1% (vinte e sete vírgula um por cento) alegaram ser o “desconhecimento
sobre a Constituição Federal” o principal fator; 16,4% (dezesseis vírgula quatro por cento) que se deve
ao “desinteresse dos Governantes em ensinar sobre a CF” e 11,6% (onze vírgula seis por cento)
assinalaram “outros”.
Como destacado nos capítulos anteriores, o exercício da cidadania exige conhecimento de suas
atribuições previstas constitucionalmente e em face de tal suposição compete aferir que a ausência
de interesse em obedecer a Constituição Federal, alternativa mais votada entre os participantes,
deriva da falta de ciência sobre suas disposições. Não é lógico haver interesse de um indivíduo sobre
um tema que este desconhece e que lhe parece confuso, de difícil interpretação e pouco acessível.
Tanto é fato comprovado o disposto acima que a segunda opção com maior índice de resultados foi o
fator de “desconhecimento sobre a Constituição Federal”, o que identifica a compreensão sobre as

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O Exercício Do Direito De Cidadania E Suas Implicações À Força Normativa Da Constituição Federal/88

dificuldades de se exercer os direitos e deveres cidadãos sem o respaldo do maior instrumento para
tal: a própria Carta Magna.
A terceira alternativa mais escolhida pelos participantes, que dispõe o “desinteresse dos Governantes
em ensinar sobre a CF”, retrata uma das problemáticas já mencionadas que influenciam na ofensa ao
direito de cidadania, seja ela a falta de empenho do poder público em tornar o acesso constitucional
facilitado e educativo, haja vista a pouca probabilidade de zelo por cidadãos conscientes e
participativos, o que é uma triste evidência brasileira.

GRÁFICO 5 – “BLOCO 3: CIDADANIA E SOCIEDADE”

12. Se você fosse incentivado a estudar a Constituição Federal já no aprendizado básico (Ensino
fundamental), quanto isso contribuiria para sua formação como cidadão? (Assinale 1 para “Nenhuma
contribuição” e 10 para “Contribuição Total”).

60,4%

5,8% 5,8% 3,4% 3,4% 7,7% 6,3%


1,4% 2,9% 1,9% 1,0%

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 NULO

Legenda: a) De 1 a 4 > Pouca Contribuição.


b) De 5 a 7 > Média Contribuição.
c) De 8 a 10 > Ótima Contribuição.
Fonte: Autor
Na presente indagação, depois de feita coleta de dados aferiu-se que 60,4% (sessenta vírgula quatro
por cento) dos participantes atribuíram que o incentivo ao estudo da Constituição já no ensino
fundamental teria “contribuição total” para sua formação como cidadão ou, de acordo com a
classificação em gráfico, 74,4% (setenta e quatro vírgula quatro por cento) optaram por uma “ótima
contribuição” para tal ensino. Da mesma forma, 12,6% (doze vírgula seis por cento) declararam que o
incentivo possuiria “média contribuição” e por fim 12,1% (doze vírgula um por cento) atribuiu “pouca

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contribuição” para a formação cidadã, sendo que desta porcentagem 5,8% (cinco vírgula oito por
cento) atestou não haver “nenhuma contribuição”.
Os resultados da questão são suficientemente satisfatórios para se ponderar que os participantes
possuem consciência da importância de sua cidadania, estando de acordo que tais conhecimentos e
acessos constitucionais fossem implementados já no ensino fundamental, ou seja, no momento de
construção da base de educação de todo indivíduo. Isto resulta aferir que o sentimento cidadão
abordado no primeiro capítulo, embora esteja um tanto perdido quanto a sua relevância no ambiente
brasileiro, se mantém aceso naqueles que buscam fazer parte da democracia de seu país.
O índice elevado de apoio ao ensino da Constituição no ensino fundamental permite analisar um
resquício de insatisfação dos participantes com a ausência de conhecimento da Carta Magna que
possuem, bem como o interesse em efetivar sua condição de cidadão. Vislumbra-se no estudo da
Constituição um dos instrumentos de combate à violação do exercício de cidadania.
A intervenção por meio do ensino da Constituição nas Escolas se finaliza através da pergunta de nº 13
do questionário em anexo, que dispõe “Você é a favor de que a CF/88 seja ensinada nas Escolas?”,
obtendo como resposta dos participantes (no gráfico também anexado) o resultado de que 93,2%
(noventa e três vírgula dois por cento) assinalaram “SIM” contra apenas 3,4% (três vírgula quatro pro
cento) “NÃO”, um índice alto e positivo de aprovação da matéria na formação básica da educação
brasileira e que fortaleceu a confiança do debate deste presente trabalho bem como da referida
temática.
Salienta-se novamente que todos os demais resultados apurados na pesquisa estão disponíveis em
anexo para visualização e comparação de dados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise de dados da pesquisa de campo elaborada compreendeu-se que a violação do


direito de cidadania trata-se de uma temática atual, que implica na ausência de aplicabilidade de
diversos direitos – a citar os artigos 5º, 6º, 11 e 18 da CF/88 indagados no questionário – e deveres,
haja vista o baixo conhecimento da população sobre os dispositivos constitucionais. Não obstante, a
metodologia também demonstrou a disponibilidade positiva de cidadãos conscientes de que possuem
direitos e responsabilidades (ainda que desconhecidos) e que partilham da ideia de que um ensino
facilitado e educativo da Constituição Federal/88, se possível já no ensino fundamental, pode melhorar
as condições de exercício cidadão.

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De tal maneira, pode-se aferir que o exercício do direito de cidadania melhor aplicar-se-ia com o
aprendizado e conhecimento da Constituição Federal/88, e que tal norma atingiria seus objetivos
propostos na medida em que cada cidadão, conhecedor de seus dispositivos, obedeceria a sua força
normativa e não hesitaria em participar das responsabilidades sociais que um sistema democrático
impõe aos seus adeptos.
O cumprimento da legalidade está intrinsecamente ligado com o discernimento do que é lícito e o que
não o é. Muitas práticas de injustiça como abusos de autoridade, erros de procedimento judicial,
fraudes e demais procedimentos corruptos bem como direitos e deveres relacionados ao consumidor
também poderiam ter melhoras evidentes caso as prerrogativas jurídicas ligadas a tais casos fossem
de conhecimento de cada cidadão. Ser cidadão é exercer cidadania, é ter a Constituição “embaixo do
braço” e melhorar seu país praticando o lícito, defendendo seus direitos e honrando com seus deveres.

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O Exercício Do Direito De Cidadania E Suas Implicações À Força Normativa Da Constituição Federal/88

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HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. trad; Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio
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LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. 3. ed, São Paulo: Atlas, p. 66-85, 1991.

LASSALE, Ferdinand, 1825-1864. A essência da constituição. I Ferdinand Lassale; prefácio de Aurélio


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LIMA, A. O. Redação essencial para concursos: descobrindo os segredos teoria e prática. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2011.

MACHADO, Nílson José. Educação: cidadania, projetos e valores. São Paulo: Escritura Editoras, 2016.

19
1035
O Exercício Do Direito De Cidadania E Suas Implicações À Força Normativa Da Constituição Federal/88

MADRIGAL, Alexis. O exercício da cidadania no desenvolvimento da sociedade. Revista Jus Navigandi,


ISSN15184862,Teresina,ano21,n.4673,17abr.2016.Disponívelem:<https://jus.com.br/artigos/48124>
. Acesso em: 8 out. 2018.

MANZATO, A.J e Santos, A. B. A elaboração de questionários na pesquisa quantitativa. UNESP. São


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MELO, Getúlio Costa. Evolução histórica do conceito de cidadania e a Declaração Universal dos Direitos
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juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13959>. Acesso em: 08/10/2018.

NOVO, Benigno Núñez. Direitos Humanos e Cidadania. Conteúdo Jurídico, Brasilia-DF: 22 mar. 2018.
Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.590479&seo=1>. Acesso em:
21/09/2018.

OLIVEIRA, Marco Antônio Cezário de. A necessidade do ensino de direito constitucional nas escolas de
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ensino-fundamental-e-medio-brasileiras-para-a-construcao-da-cidadania>.Acessoem:25/10/2018.

20
1036
O Exercício Do Direito De Cidadania E Suas Implicações À Força Normativa Da Constituição Federal/88

NOTAS
1A pólis grega se constituía em decidir todas as divergências por meio da dialética, não se aplicando
formas de violência, o que se considera o próprio espírito da democracia. Contudo, tal democracia era
especificamente restrita às crianças, mulheres e escravos. (COVRE, 2013, p.23)

2A referente metodologia de pesquisa por meio de questionários, por se tratar de consulta de opinião
pública com participantes não identificados, está tipificada em uma das hipóteses de inexigibilidade
do crivo de avaliação pelo sistema CEP/CONEP, conforme dispõe o artigo 1º, parágrafo único, inciso I,
da Resolução nº 510, de 07 de abril de 2016.

3Representa a soma de porcentagens da nota 1 a 4 do gráfico.

21
1037
O Exercício Do Direito De Cidadania E Suas Implicações À Força Normativa Da Constituição Federal/88

ANEXOS
ANEXO I. QUESTIONÁRIO

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1038
O Exercício Do Direito De Cidadania E Suas Implicações À Força Normativa Da Constituição Federal/88

23
1039
O Exercício Do Direito De Cidadania E Suas Implicações À Força Normativa Da Constituição Federal/88

ANEXO II. GRÁFICOS DE DADOS

24
1040
O Exercício Do Direito De Cidadania E Suas Implicações À Força Normativa Da Constituição Federal/88

25
1041
O Exercício Do Direito De Cidadania E Suas Implicações À Força Normativa Da Constituição Federal/88

ANEXO III. PLANILHA DE ANÁLISE


BLOCO 1

BLOCO 2-3

26
1042
O Exercício Do Direito De Cidadania E Suas Implicações À Força Normativa Da Constituição Federal/88

BLOCO 3 (CONTINUAÇÃO)

27
1043
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 79
10.37423/200802488

NEOPLASIA MALIGNA DA PRÓSTATA: PERFIL


EPIDEMIOLÓGICO E ÓBITOS DOS PACIENTES
INTERNADOS ENTRE 2009 E 2018 NO ESTADO
DE TOCANTINS

Caroline Barros Figueira Universidade de Gurupi-Unirg

Julia Andressa Ferro e Silva Universidade de Gurupi-Unirg

Walmirton Bezerra D'Alessandro Universidade de Gurupi-Unirg

Vanessa das Graças Pinto Universidade de Gurupi-Unirg

Manuela Bandeira da Silva Filha Universidade de Gurupi-Unirg


Neoplasia Maligna Da Próstata: Perfil Epidemiológico E Óbitos Dos Pacientes Internados Entre 2009 E 2018 No Estado De
Tocantins

Resumo: Objetivo: analisar o perfil epidemiológico do câncer de próstata no Tocantins, no período


compreendido entre 2009 e 2018. A neoplasia maligna da próstata é o segundo tipo de
câncer com maior prevalência entre os homens. A elevação da taxa de incidência no Tocantins pode
ser parcialmente justificada pela evolução do métodos diagnostico, pelo desenvolvimento dos sistemas
de informação do país, além do aumento na expectativa de vida. É um câncer que tem a idade e carga
genética como fatores de risco para sua ocorrência. Conclusão: Tais resultados sugerem que o câncer
de próstata representa importante causa de internações e óbitos pela sua acentuada incidência. Sendo
de grande vália identificar os fatores de risco para possibilitar sua detecção precoce e encontrar o
tumor em fase inicial e, assim, possibilitar melhor chance de tratamento. Faz se necessária a reflexão
sobre a qualidade do registro desse agravo e da eficácia do atendimento médico prestado no serviço
de saúde.

Palavras-Chave: neoplasias da Próstata; epidemiologia; Tocantins.

1
1045
Neoplasia Maligna Da Próstata: Perfil Epidemiológico E Óbitos Dos Pacientes Internados Entre 2009 E 2018 No Estado De
Tocantins

1.INTRODUÇÃO

A neoplasia maligna da próstata é o segundo tipo de câncer com maior prevalência entre os
homens. E ao considerar o sexo masculino e feminino, é o segundo tipo mais comum. A elevação da
taxa de incidência no mundo pode ser parcialmente justificada pela evolução dos métodos
diagnostico, pelo desenvolvimento dos sistemas de informação do país, além do aumento na
expectativa de vida. ¹
A idade, raça, história familiar, excesso de gordura corporal (acentua o risco de câncer de próstata
avançado), arsênio (usado como conservante de madeira e como agrotóxico), fuligem, dioxinas,
produtos de petróleo, hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPA) e exposições a aminas
aromáticas são consideradas fatores de risco ao câncer de próstata. ²
É considerado um câncer que acomete pessoas de faixa etária mais avançada, onde foi observado que
cerca de 75% dos casos no mundo ocorrem a partir dos 65 anos. A maior parte do tumor cresce de
forma lenta e não chega a dar sinais durante a vida e nem causa sequelas importantes. Mas, alguns
pacientes podem ter o crescimento da neoplasia de forma rápida e caracterizar a metástase.
Espalhando-se para outros órgãos e podendo levar à óbito. ²
A estratégia de diagnóstico precoce contribui para a redução do estágio de apresentação do câncer,
onde a sobrevida é influenciada pela extensão da doença no momento do diagnóstico, além do que,
se o câncer estiver nos estágios iniciais é possível um melhor tratamento e até a cura. Esses são pontos
que demonstra a importante da população e os profissionais estarem aptos para o reconhecimento
dos sinais e sintomas suspeitos de câncer, além do acesso rápido e facilitado aos serviços de saúde. ¹
Esse estudo tem o objetivo de analisar o perfil epidemiológico do câncer de próstatano Tocantins, no
período compreendido entre 2009 e 2018.

2.METODOLOGIA

Estudo descritivo, retrospectivo em 1352 pacientes internados com diagnostico de Neoplasia Maligna
da Próstata, coletados da base de Dados DATASUS, que relaciona faixa etária, raça, óbitos, além de
quantificar o custo total desses pacientes no Estado de Tocantins, entre 2009 e 2018.

3.RESULTADOS E DISCURSÃO

De 1352 pacientes diagnosticado com Neoplasia maligna da próstata (Figura 1), a faixa etária de maior
incidência foi os pacientes entre 70 a 79 anos (n=505; 37,35%) (Figura 2A) e a raça prevalente foi a de

2
1046
Neoplasia Maligna Da Próstata: Perfil Epidemiológico E Óbitos Dos Pacientes Internados Entre 2009 E 2018 No Estado De
Tocantins

cor parda (n= 940; 69,52%) (Figura 2B). Foram relatados 170 óbitos pela patologia e teve um custo
total nos hospitais do SUS de 1.451569,73 reais entre os períodos analisados.

189 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
200 177
174
156 152
180
129 135121
160 111

140

120
29
21 14241724
100 111414
8 2
80
ANO DE ATENDIMENTO OBITOS

Figura 1- PACIENTES INTERNADOS COM NEOPLASIA MALIGNA DA


PRÓSTATA entre os anos de 2009 à 2018.

Figura 2- (A)- FAIXA ETÁRIA DOS PACIENTES INTERNADOS COM NEOPLASIA


MALIGNA DE PROSTATA e (B) RAÇA DOS PACIENTES INTERNADOS COM
NEOPLASIA MALIGNA DE PROSTATA.

3
1047
Neoplasia Maligna Da Próstata: Perfil Epidemiológico E Óbitos Dos Pacientes Internados Entre 2009 E 2018 No Estado De
Tocantins

4.CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tais resultados sugerem que no Tocantins o câncer de próstata representa importante causa de
internações e óbitos pela sua acentuada incidência. É uma patologia que acomete predominante a
faixa etária avançada, pacientes acima dos 60 anos e que tem alto custo para o cofre público estadual,
cerca de 1.451.569,73 reais com as internações.
Nota-se que é de grande valia identificar os fatores de risco para possibilitar sua detecção precoce e
encontrar o tumor em fase inicial e, assim, possibilitar melhor chance de tratamento, onde muitas das
internações esta relacionadas com as sequelas do câncer avançados. Faz se necessária a reflexão sobre
a qualidade do registro desse agravo e da eficácia do atendimento médico prestado no serviço de
saúde.

4
1048
Neoplasia Maligna Da Próstata: Perfil Epidemiológico E Óbitos Dos Pacientes Internados Entre 2009 E 2018 No Estado De
Tocantins

5.REFERÊNCIAS

1-OLIVEIRA, T.L., NUNES, L.C.; LOPES, T.S. Neoplasia Maligna da Próstata: Tendência da Mortalidade
em Petrópolis-RJ, 1980-2012. Rev. Brasileira de Cancerologia; 62(4): pg 315-320. Petrópolis- RJ, 2016.

2-BRASIL. Ministério da Saúde. Câncer de Próstata. Instituto Nacional de Câncer - INCA. 2018.

3-World Health Organization. World cancer report 2014. Lyon: WHO; 2014.

4 - Cremers RG, Karim-Kos HE, Houterman S, Verhoeven RH, Schröder FH, van der Kwast TH, et al.
Prostate cancer: trends in incidence, survival and mortality in the Netherlands, 1989 – 2006. Eur J
Cancer. 2010; 46(11):2077-87.]

5-Gomes FBC. Sistema de Informações sobre mortalidade: considerações sobre a

qualidade dos dados. Inf Epidemiol SUS. 2002;11(1):5-6.

6-Ministério da Saúde – Sistema de informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) – DATASUS.

5
1049
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 80
10.37423/200802467

COMPONENTES DE RENDIMENTO DE GRÃOS DE


GLYCINE MAX SOB APLICAÇÃO DE FONTES E
DOSE DE COBRE

Hanrara Pires de Oliveira Universidade Federal do Tocantins

Lucas Eduardo Morais Brito Universidade Federal do Tocantins

Eduarda Veríssimo dos Santos Universidade Federal do Tocantins

Bruno Henrique Di Napoli Nunes Universidade Federal do Tocantins

João Henrique Silva da Luz Universidade Federal do Tocantins

Evandro Alves Ribeiro Universidade Federal do Tocantins

Indira Rayane Pires Cardeal Universidade Federal do Tocantins

Rubens Ribeiro da Silva Universidade Federal do Tocantins


Componentes De Rendimento De Grãos De Glycine Max Sob Aplicação De Fontes E Dose De Cobre

Resumo: A adubação via solo com micronutriente pode demonstrar baixa eficiência agronômica, com
isso via foliar vem sendo difundido devida a rápida absorção e baixo custo. Porém, pouco se sabe quais
fontes são mais eficazes e seus possíveis efeitos sobre a fisiologia da cultura cultivada em condições de
Cerrado. O objetivo foi avaliar morfofisiológica da cultura da soja sob aplicação foliar de fontes e doses
de Cu. Os tratamentos foram dispostos em blocos casualizados, com quatro repetições e sete
tratamentos, sendo eles: carbonato de cobre (0,3 g L-1), sulfato de cobre (0,1 g L-1), Quelato (0,300;
0,220; 0,150 e 0,075 g L-1) e uma testemunha. A característica do NV o Quelato obteve melhor
desempenho á 16,3 em relação aos demais tratamentos se destacando na dose 0,22 g L-1 tendo um
incremento de 43 % em relação a testemunha (9,2). No NG pode se observar que o Quelato também
se destacou sobre os demais tratamentos á 36,1 tendo um aumento de 47% em comparação com a
testemunha (19,0). Já para gs notamos que o Quelato se sobressaiu na dose de 0,30 g L-1, com aumento
de 10,38% em relação a testemunha. O Quelato se destacou entre as demais fontes e promoveu
aumentos positivos nas características fisiológicas da soja.

1
1051
Componentes De Rendimento De Grãos De Glycine Max Sob Aplicação De Fontes E Dose De Cobre

1. INTRODUÇÃO

A soja se encontra entre as quatros principais commodity brasileira e é tida como um grão essencial
na alimentação de animais e humanos. A área plantada cresceu 1,8% no último ano, equivalente a 35
milhões de hectares. A produção prevista para a safra 2019/2020 é de 113,8 milhões de toneladas
(CONAB, 2019).
Nas últimas décadas, a área cultivada com soja tem aumentado significativamente. Nesse contexto, o
gerenciamento eficiente e o uso de tecnologias visando a reduzir custos e a aumentar a produtividade,
passam a ter uma especial importância para os produtores participarem em mercados cada vez mais
globalizados e competitivos (MOTERLE et al. 2011).
Este aumento de área pode ser representado na região do cerrado, mais precisamente a nova fronteira
agrícola chamada de MATOPIBA, composta pelos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, onde
está região é responsável por mais de 12 % da área plantada com soja do país e está em constante
aumento ano após anos (CONAB, 2019). Dessa forma o desenvolvimento e a introdução de novos
manejos e tecnologias são de suma importância para aumentar o potencial produtivo das cultivares
de soja.
O uso de micronutrientes tem se tornado cada vez mais importante para o incremento na
produtividade agrícola brasileira. (CERETTA et al, 2005). A adubação via solo pode demonstra baixa
eficiência, no entanto a aplicação via foliar vem sendo usada intensamente devido sua rápida absorção
e apresentando baixo custo de aplicação (GONÇALVEZ et al, 2017).
As fontes de micronutrientes diferem quanto à solubilidade e translocação na planta. Porém, pouco se
sabe quais fontes são mais eficazes e seus possíveis efeitos sobre as características de produção da
cultura cultivada em condições de Cerrado.
Diante do exposto, o presente trabalho tem como objetivo avaliar as características agronômicas e a
condutância estomática da soja submetida a aplicação foliar de diferentes fontes e doses de cobre.

2.METODOLOGIA

O experimento foi conduzido em casa de vegetação, na estação experimental da Universidade Federal


do Tocantins – UFT, campus de Gurupi. A área está localizada nas coordenadas de 11°44’44,16” S e
49°03’04,17” W, a 280 m de altitude no sul do estado do Tocantins. Segundo KÖPPEN (1948), o clima
regional é do tipo B1WA “a” úmido com moderada deficiência hídrica. A temperatura média anual é
de 27° C e precipitação média anual de 1.600 mm, sendo verão chuvoso, inverno seco e elevado déficit
hídrico entre os meses de maio a setembro.

2
1052
Componentes De Rendimento De Grãos De Glycine Max Sob Aplicação De Fontes E Dose De Cobre

O experimento foi conduzido em delineamento em blocos casualizados, com quatro repetições. Os


sete tratamentos são constituídos por diferentes fontes e doses de Cu, sendo o carbonato de cobre
(0,300 g L-1), sulfato de cobre (0,100 g L-1), Quelato (0,300; 0,220; 0,150 e 0,075 g L-1) e com a adição
de uma testemunha.
Fornecidos com auxílio de pulverizador manual, os tratamentos foram aplicados via foliar nos estágios
V4, V6 e R1. Os parâmetros avaliados foram realizados no estágio R8 determinado o número de vagens
por planta (NV) e o número de grãos por planta (NGP) sendo estabelecido pela contagem direta. Já
para a análise da fisiologia foi quantitificado a condutância estomática (CE - mmol CO2 m-2 s-1) com
auxílio do IRGA (InfraRed Gas Analyzer – analisador de gases no infravermelho), modelo LI-6400 (Li-
Cor).
Os dados foram submetidos a análise de variância (ANOVA) e as médias comparadas pelo teste de
Tukey (p≤ 0,05) utilizando o software R® versão 4.0 (TEAM, 2010) adotando-se 5% de probabilidade de
erro. Os gráficos foram plotados utilizando o programa SigmaPlot versão 10® (SYSTAT, 2006).

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dentre os parâmetros avaliados o número de vagens por planta (NV) é um dos importantes
componentes para a determinação da produtividade da soja. Nota-se que dentre as fontes de cobre,
o Quelato deteve melhor desempenho com 16,4 vagens planta-1 na dose 0,22 g L-1. Assim, obtendo
um incremento de 43 % em relação a testemunha com 9,2 vagens planta-1 (Figura 1).
Na Figura 1 a outro componente importante, o número de grão que também se destacou com a fonte
Quelato (36,1 grãos planta-1) determinado na dose de 0,30 g L-1 com acréscimo de 47% em
comparação com a testemunha (19 grãos planta-1).

3
1053
Componentes De Rendimento De Grãos De Glycine Max Sob Aplicação De Fontes E Dose De Cobre

Figura 1: Efeito de fontes e doses de cobre sobre o número de vagens e de grão da cultura da soja.
Gurupi – TO, 2020.

**Médias seguidas de letras minúsculas na barra não diferem entre si pelo Teste de Tukey (P<0,05

Verificando a condutância estomática, constatou-se a máxima eficiência na fonte Quelato em 0.154


mmol H2O m-2 s-1 obtido na dose de 0,30 g L-1, sendo superior a 10,38 % ao comparar com a ausência
de aplicação de cobre, tendo 0,138 mmol H2O m-2 s-1 (Figura 2).

Figura 2: Efeito de fontes e doses de cobre sobre a condutância estomâtica. Gurupi – TO, 2020.

Podemos notar que nas caraterísticas de rendimento de produtividade da soja se sobressaiu na dose
de 0,22 g L-1, podendo relacionar com a abertura e fechamento dos estômatos. Quanto maior a
abertura e fechamento maior a fixação de carbono, porém maior perda de água pela transpiração.
Assim, na dose de 0,22 g L-1 os estômatos estavam parcialmente abertos o que pode ter gerado menor

4
1054
Componentes De Rendimento De Grãos De Glycine Max Sob Aplicação De Fontes E Dose De Cobre

perda de água, que resultou no aumento no número de grão e no número de vagens por planta
provocando aumento na produtividade (FERREIRA et al, 2018).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os tratamentos compostos pela fonte Quelato proporcionaram melhores resultados para as


características de componentes de rendimentos de grãos e para a fisiologia.

5
1055
Componentes De Rendimento De Grãos De Glycine Max Sob Aplicação De Fontes E Dose De Cobre

REFERÊNCIAS

CERETTA, C. A.; PAVINATO, A.; PAVINATO, P. S.; MOREIRA, I. C. L.; GIROTTO, E.; TRENTIN, E. E.
Micronutrientes na soja: produtividade e análise econômica. Ciência RuraL, v. 35, n. 3, p. 576-581,
2005.

CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento. Acompanhamento da safra brasileira de grãos.


Brasília: CONAB, 2019.

GONÇALVEZ, F. A. R.; XAVIER, F. O.; OLIVEIRA, T. F.; JUNIOR, D. G.; AQUINO, L. A. Aplicação foliar de
doses e fontes de cobre e manganês nos teores foliares destes micronutrientes e na produtividade da
soja. Cultura Agronômica, Ilha Solteira, v. 26, n. 3, p. 384-392, 2017.

FERREIRA, LUCAS; RODRIGUES, MARIA GABRIELA FONTANETTI; APARECIDO, LUCAS. Fotossíntese,


condutância estomática e eficiência do uso da água em seis cultivares de figos.

KÖPPEN, W. Climatologia: con un estudio de los climas de la tierra. Fondo de Cultura Econômica.
México. 479p. 1948.

MOTERLE, L. M.; SANTOS, R. F.; SCAPIM, C. A.; LUCCA, A. B.; BONATO, C. M. CONRADO, T. Efeito de
biorregulador na germinação e no vigor de sementes de soja. Rev. Ceres, Viçosa, v. 58, n.5, p. 651-660,
2011.

SYSTAT. Sigmaplot User’s Guide, version 10.0. Systat Software Inc., Chicago, IL. 2006.

TEAM, R. C. R: A language and environment for statistical computing. Disponível em: <http://www.r-
project.org>. Acesso em: 10. julho. 2020

6
1056
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 81
10.37423/200802468

ANÁLISE SOBRE O USO DE OBJETOS DE


APRENDIZAGEM NO ENSINO DE FÍSICA

WEBERSON NAZARENO SILVA DOS REIS UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

EDILENE DA SILVA E SILVA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ


Análise Sobre O Uso De Objetos De Aprendizagem No Ensino De Física

Resumo: Este trabalho apresenta uma análise sobre o uso de Objetos de Aprendizagem na disciplina
Tecnologia de Informação e Comunicação no Ensino de Física inserida no projeto pedagógico do curso
de Física da Universidade Federal do Pará do campus Salinópolis/Pa. Os alunos tiveram acesso ao sítio
do Núcleo de Construção de Objetos de Aprendizagem (NOA) da Universidade Federal da Paraíba-
UFPB, onde o mesmo é utilizado como ambiente virtual de aprendizagem. Um dos objetivos do Núcleo
é motivar os estudantes ao uso das Tecnologias de Informação atrelados a física escolar despertando
o interesse por simuladores e softwares e contribuindo na aquisição de novos conhecimentos. A
metodologia empregada consistiu em observações das atividades avaliativas nas aulas da respectiva
disciplina que se consolidou através do uso dos objetos de aprendizagem como ferramenta
fundamental e inédita e que potencializaram um ambiente de estudos e formação aos graduandos,
além de permitir a prática do ensino de física durante o manuseio dos simuladores. Durante as aulas
notou-se pontos significativos e relevantes para a contribuição na formação profissional dos
graduandos, a autonomia durante as atividades avaliativas, os conhecimentos científicos e interação
contribuíram de forma significativa. Assim, durante a disciplina as atividades resultaram no
desenvolvimento de novas metodologias a serem trabalhadas com os conteúdos específicos da física
escolar.
Palavras-Chave: Objetos de aprendizagem; Física; Metodologia.

1
1058
Análise Sobre O Uso De Objetos De Aprendizagem No Ensino De Física

INTRODUÇÃO

Este artigo apresenta uma breve análise sobre o uso de Objetos de Aprendizagem (OA), utilizados
durante a disciplina Tecnologia de Informação e Comunicação no Ensino de Física, inserida no projeto
pedagógico do curso de Física da Universidade Federal do Pará do Campus Salinópolis/Pa. Os objetivos
dos Objetos de Aprendizagem consiste em motivar os estudantes ao uso das Tecnologias de
Informação e Comunicação (TIC) atrelados aos temas de física e, com isso despertar nestes o interesse
por simuladores e softwares que podem ser utilizados futuramente na física escolar, haja vista que os
OA podem contribuir também na formação e aquisição de novos conhecimentos na disciplina de física.
Atualmente, percebemos que os maiores desafios da prática docente é o envolvimento dos alunos no
processo de ensino e de aprendizagem. Esta realidade torna-se tão próxima não somente no ensino
básico, mas também nas disciplinas que compõem PPC dos cursos de licenciatura em física.
O processo de ensino e de aprendizagem perpassa por todos os níveis e modalidades de ensino escolar
e desse modo é necessário que o professor seja responsável pela elaboração de metodologias
relevantes e que motivem os estudantes a aprender de modo significativo, a construir e manipular,
assegurando a formação pautada no interesse pela disciplina a ser ensinada.
Contudo, sabe-se das dificuldades de aprendizagem na disciplina de física e muitas vezes vindas da
complexidade dos objetos de ensino, das metodologias adotadas pelos professores e até da falta de
interesse e desmotivação dos próprios estudantes para com a disciplina de física.

REFERENCIAL TEÓRICO

A realidade escolar para Carvalho (2010, p. 57), é que o ensino de física de forma tradicional é voltado
para o acúmulo de informações e o desenvolvimento de habilidades operacionais, em que o
formalismo matemático necessitam de contextualização de conteúdos, fato que não ocorre em sala de
aula, podendo ser uma das causas do desinteresse do estudante pela aprendizagem, pois não
entendem o que cada elemento significa. Sabe-se, também, que, mesmo abordando os objetos da
física de forma contextualizada, esta nem sempre é a garantia da aprendizagem.
A física é uma disciplina importante, seja no ensino fundamental e médio regular ou profissional
(integrados à educação profissional) e em currículos de nível superior. Contudo, devido à abordagem
pedagógica com que é apresentada aos alunos, o resultado nem sempre é satisfatório, ocorrendo em
muitas situações reprovação e, consequentemente, evasão do ambiente de aprendizagem. Essa
constatação cada vez mais crescente faz com que os alunos quando chegam às universidades e/ou ao

2
1059
Análise Sobre O Uso De Objetos De Aprendizagem No Ensino De Física

mercado de trabalho levem as deficiências de aprendizagem adquiridas nos diversos níveis de ensino
(TEODORO E NEVES, 2011).
Ainda existem muitas definições do que seja um Objeto de Aprendizagem quanto aqueles que o
produzem. O OA pode ser qualquer fonte digital que poderá ser reutilizada para a aprendizagem. Esta
definição inclui imagens, fotos, clips de vídeos, animações. Um dos mais comuns tipos de OA são as
simulações computacionais de experimentos de física, disponíveis para utilização em diversos
contextos, sejam educacionais ou não, haja vista que estes nem sempre substituem experimentos
reais. (ARANTES, MIRANDA E STUDART, 2010).
Contudo, algumas pesquisas revelam que os OA com o uso combinado à atividade experimental podem
se tornar um eficiente processo de aprendizagem dos alunos. estimulam o desenvolvimento da
imaginação e da criatividade.
Assim, um objeto virtual de aprendizagem pode tanto contemplar um único conceito quanto englobar
toda uma teoria. Pode ainda “compor um percurso didático, envolvendo um conjunto de atividades,
focalizando apenas determinado aspecto do conteúdo envolvido” (ARANTES, MIRANDA E STUDART,
2010, p.28).
Os OA devem seguir padrões e formas para serem disponibilizados. Além disso, possibilita repensar o
processo de desenvolvimento do mesmo, considerando o espaço da virtualidade e suas possibilidades
(BARROS E WAGNER, 2005).
As características específicas que um OA deve apresentar são: Acessibilidade: acessível via Internet;
Atualizável: com o uso de metadados torna-se fácil fazer atualizações; Interoperabilidade:
possibilidade de operar através de vários hardwares, sistemas operacionais e buscadores;
Granularidade: para um maior grau de reutilização. Adaptabilidade: adaptável a qualquer ambiente de
ensino; Flexibilidade: podendo ser utilizado em múltiplos contextos; Reutilização/reusabilidade: várias
vezes reutilizável em diversos ambientes de aprendizagem; Durabilidade: podendo ser usado por longo
período independente da mudança da tecnologia (TAROUCO ET AL, 2004).
Além destas características, destaca-se que os OA deveriam ter: conexão com a realidade e incentivo
à experimentação e observação de fenômenos; favorecer a interdisciplinaridade; oferecer alto grau de
interatividade e possibilitar alternativas para soluções de problemas; apresentar retroalimentação e
dicas que ajudem o aluno no processo de aprendizagem; estar identificados por área de conhecimento
e nível de escolaridade; apresentar facilidades de uso, possibilitando acesso intuitivo por parte de
professores e alunos não familiarizados com o manuseio do computador; apresentar fácil
funcionamento e execução para que de fato possam ser incorporados ao cotidiano do professor nos

3
1060
Análise Sobre O Uso De Objetos De Aprendizagem No Ensino De Física

tempos atuais. Apesar de potencialmente eficientes, a tarefa de produção dos OA constitui um desafio
para os profissionais envolvidos em tecnologia educacional (ARANTES, MIRANDA E STUDART, 2010).
As simulações instigam os alunos a construir o conhecimento e estruturação conceitual de cada tema
trabalhado sem o uso de equações matemáticas, pois consiste em mostrar que é possível explorar os
conceitos físicos sem aprofundamento matemático.
Para Cavalcanti (2006), a inserção da informática nas aulas de física, bem como, o uso de programas
de simulação entre outros softwares, proporcionam realizar experimentos virtuais, além de reproduzir
com precisão situações reais, oportunizando ao professor e ao aluno um trabalho moderno, rico em
novas oportunidades diante do conhecimento da física escolar.
Para Ferreira (2000), softwares que trabalham a simulação e modelagem promovem uma maior
viabilidade do processo de ensino e aprendizagem da física, pois através de situações observáveis da
vida real e modeláveis por programas computacionais, o aluno poderá correlacionar os conceitos vistos
em sala de aula e aplicá-los com o uso do software.
Um dos mais disseminados tipos de OA são as simulações computacionais de experimentos de física
que estão disponíveis para utilização em diversos contextos. Mas infelizmente, seu uso em sala de aula
está longe de ser uma realidade, particularmente no ensino médio. Ainda que elas não devam
substituir experimentos reais, pesquisas indicam que seu uso combinado à atividade experimental
pode tornar mais eficiente o processo de aprendizagem dos alunos (ARANTES, MIRANDA E STUDART,
2010, p.27).

MATERIAIS E MÉTODOS

Durante as atividades avaliativas que foram apresentadas com o uso dos OA nas aulas da disciplina
Tecnologia de Informação e Comunicação no Ensino de Física ministrada pela professora no curso de
licenciatura em Física (noturno) na Universidade Federal do Pará campus Salinópolis realizou-se a
observação participativa
Durante o período da disciplina os discentes tiveram acesso ao sítio1 do Núcleo de Construção de
Objetos de Aprendizagem (NOA) da Universidade Federal da Paraíba-UFPB e através do mesmo
planejaram e apresentaram as respectivas atividades avaliativas juntamente com o uso dos
simuladores do NOA. Para cada atividade foi requerido um planejamento de aula constituído de
Objetivos, Metodologia, Recursos utilizados e Atividades propostas.

4
1061
Análise Sobre O Uso De Objetos De Aprendizagem No Ensino De Física

As atividades respeitaram um tempo estimado de 45 a 50 minutos referente a uma aula de física no


ensino médio e em seguida foi apresentado uma atividade proposta a ser realizada com o uso dos
simuladores.
O NOA apresenta inúmeros OA divididos em vários tópicos: cinemática, dinâmica, conservação da
energia,conservação do momento linear e angular, hidrostática, termodinâmica, ondas,
eletromagnetismo e física moderna.
A intenção desse conjunto de OA é introduzir o estudante na estruturação conceitual de cada um dos
temas apresentados. Eles tentam aguçar a curiosidade do aluno e instigar a sua intuição, de modo a
facilitar a construção pessoal de significados sobre cada um dos conteúdos específicos.
Os OA evitaram a utilização de fórmulas e equações para a descrição dos fenômenos e construção dos
modelos pertinentes. Essa escolha tem um duplo viés; por um lado mostrar que apesar da matemática
ser de grande importância para expressar e elaborar conceitos de física, pode-se expor as facetas
qualitativas desses conceitos sem o uso de equações. Por outro lado, quando não se usa as equações
para expor conceitos, o aluno é instigado a construir a sua percepção intuitiva do fenômeno, o seu
modelo da situação.
De posse de uma percepção intuitiva sobre determinado conteúdo o aluno terá mais facilidade em
entender os modelos científicos relacionados a esse tema, e em particular perceber esses modelos
como uma construção humana, e desse modo como algo impermanente.
A figura 1 apresenta a tela inicial de acesso ao NOA e seus respectivos comandos e informações
necessária, além de propósitos e artigos e a equipe que integra a plataforma.
FIGURA 1 – TELA INICIAL DO SÍTIO DO NOA

Fonte: http://www.fisica.ufpb.br/~romero/objetosaprendizagem/index.html.

5
1062
Análise Sobre O Uso De Objetos De Aprendizagem No Ensino De Física

As simulações no sítio do NOA totalizam um número de 21 e para cada uma está disponível um material
complementar, composto de: guia para o professor, texto de apoio, texto aprofundado, mapa
conceitual, questões desafio para os alunos e a animação interativa.
Para utilizar os OA disponibilizados pelo Núcleo não é necessário fazer downloads, haja vista que
podem ser executados on-line, basta ter o plug-in do Adobe Flash Player. As aplicações são de fácil
entendimento e as ferramentas de simples manuseio e todo o conteúdo encontra-se em língua
portuguesa.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

As atividades propostas foram resolvidas mediante a orientação de um dos componentes de cada


equipe e o resultado foi satisfatório, haja vista que uma apresentou um tema específico da física
fazendo as conexões com cada situação-problema apresentada.
No desenvolvimento das atividades foi observado que os alunos conseguiram interagir e assimilar de
forma satisfatória os conteúdos atribuídos e houve interesse e intensa participação dos mesmos,
simulando de fato uma aula de física para o ensino médio.
Durante as apresentações, os alunos realizavam atividades no próprio simulador afim de estimular a
participação dos demais alunos. As atividades obedeciam ao plano de aula elaborado pelas equipes e
a participação das demais afim de simular a também as participações em turmas de ensino médio
através de dúvidas.
No momento das aulas notou-se pontos significativos e relevantes para a contribuição na formação
profissional dos graduandos, a autonomia durante as atividades avaliativas, os conhecimentos
científicos e interação.
Nas palavras de Moreira (2012, p.8) “É o aluno que atribui significados aos materiais de aprendizagem
e os significados atribuídos podem não ser aqueles aceitos no contexto da matéria de ensino.
Naturalmente, no ensino o que se pretende é que o aluno atribua aos novos conhecimentos,
veiculados pelos materiais de aprendizagem, os significados aceitos no contexto da matéria de ensino,
mas isso normalmente depende de um intercâmbio, de uma “negociação”, de significados, que pode
ser bastante demorada.”
Com os objetos organizados por temas teve-se maior padronização, facilitando, assim, a utilização e
aplicações das ferramentas virtuais. Com isso, foi possível notar que a distribuição dos temas
específicos mediante os OA poderá ser melhor planejada, de modo que no sítio do NOA há outros
recursos disponíveis para estruturar o melhor as aulas.

6
1063
Análise Sobre O Uso De Objetos De Aprendizagem No Ensino De Física

Outro aspecto observado consiste em mediar a interação com o número de participantes, pois a aula
poderá ser ministrada em um laboratório de informática afim de aumentar o número de participantes
sem comprometer o uso dos OA pelos alunos.
Moreira (2012, p. 9) aborda que “a clareza, a estabilidade e a organização do conhecimento prévio em
um dado corpo de conhecimentos, em um certo momento, é o que mais influencia a aquisição
significativa de novos conhecimentos nessa área, em um processo interativo no qual o novo ganha
significados, se integra e se diferencia em relação ao já existente que, por sua vez, adquire novos
significados fica mais estável, mais diferenciado, mais rico, mais capaz de ancorar novos
conhecimentos”.
Quando o conteúdo escolar a ser aprendido consegue ligar-se a algo já conhecido, ocorre o que
Moreira (2012) aborda como a perspectiva da aprendizagem significativa ausubeliana, ou seja, a
estrutura cognitiva prévia é o principal fator, a variável isolada mais importante, afetando a
aprendizagem e a retenção de novos conhecimentos - novas informações são aprendidas interagindo
com os conceitos relevantes existentes na estrutura cognitiva prévia do indivíduo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os OA constituíram-se como ferramenta fundamental e inédita para o desenvolvimento das aulas e


das atividades, onde o mesmo potencializou um ambiente de estudos e formação aos graduandos,
além de permitir a experiência de uma prática do ensino de física durante o manuseio dos simuladores
e softwares nas atividades acadêmicas.
Desse modo, aprofundar a vivência dessa experiência durante a vida acadêmica é um desafio novo
para os graduandos, pois o uso das TICs na disciplina de física possibilitou o desenvolvimento de novas
habilidades e permitiu a apropriação de novos saberes aproximando-os de aprendizados significativo
e tecnológico.
O ensino de física tem sido tema de várias discussões e produções científicas recentes. E, mesmo diante
do intenso desenvolvimento tecnológico, ainda tem sido um desafio despertar a curiosidade do aluno,
o que torna a prática pedagógica desafiadora.
Neste contexto, o fato de a física tratar das coisas e dos fenômenos da natureza, da tecnologia e de
situações da vivência do aluno, deveriam ser motivos suficientes para despertar o interesse pela
mesma, porém é necessário apresentar novos elementos afim motivá-los ao praticá-la diante de novas
metodologias que lancem mão de soluções de situações-problemas através do uso dos OA, já que este

7
1064
Análise Sobre O Uso De Objetos De Aprendizagem No Ensino De Física

proporciona um complemento à prática pedagógica docente e permitiu trabalhar as possíveis


dificuldades de no ensino e na aprendizagem da física escolar.
Diante do grande avanço tecnológico, o professor da educação básica precisa estar informado e
adaptado aos rumos do desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e se
dispor a novos desafios preparado para as mudanças previstas no atual cenário tecnológico do século
XXI, pois futuramente podem estar diante de um cenário diferenciado e contribuir de forma
promissora ao desenvolvimento da aprendizagem da física escolar.

8
1065
Análise Sobre O Uso De Objetos De Aprendizagem No Ensino De Física

REFERÊNCIAS

ARANTES, A. R.; MIRANDA, M. S.; STUDART, N. Objetos de aprendizagem no ensino de física: usando
simulações do PhET. Física na Escola, 11, n. 1, 27-31, 2010.

ARAUJO, I. S. Simulação e modelagem computacionais como recursos auxiliares no ensino de física


geral. 2005. 238 f. Tese (Doutorado em Ensino de Física) - Instituto de Física. Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005.

ARAUJO, I. S.; VEIT, E. A.; MOREIRA, M. A. Modelos computacionais no ensino-aprendizagem de Física:


referencial de trabalho. Investigações em Ensino de Ciências, v. 17, p. 341-366, 2012.

BARROS, D. M. V.; WAGNER, A J. Objetos de aprendizagem virtuais: material didático para a educação
básica.2005. Disponível em: < http://www.abed.org.br/ congresso2005/por/pdf/006tcc1.pdf >. Acesso
em 25 de março de 2019.

BULEGON,M.A.ContribuiçõesdosObjetosdeAprendizagem,no ensino de Física, para o desenvolvimento


do Pensamento Crítico e da Aprendizagem Significativa. Tese (Programa de Pós-Graduação em
Informática na Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Santa Maria, 2011.

CARVALHO, A. M. P. (et al.). Ensino de Física. São Paulo: Cengage Learning, 2010.

CAVALCANTI, F. O uso das simulações computacionais no ensino da Física. Revista Brasileira de Ensino
de Física, v. 28, n.4, 2006

FERREIRA, A. Estratégias Pedagógicas em Aulas de Ciências e de Física e a Teoria de Ausubel, 2000.

MOREIRA, M. A. O que é afinal Aprendizagem significativa? Aula Inaugural do Programa de Pós-


Graduação em Ensino de Ciências Naturais, Instituto de Física, Universidade Federal do Mato Grosso,
Cuiabá, MT, 23 de abril de 2020. Aceito para publicação, Qurriculum, La Laguna, Espanha, 2012.

NúcleodeConstruçãodeAprendizagem:ObjetodeAprendizagem.Disponívelem:<http://www.fisica.ufpb
.br/~romero/objetosaprendizagem/index.html>. Acesso em: 24 de março. de 2019.

TEODORO, V. D.; NEVES, R. G. Mathematical modelling in science and mathematics education.


Computer Physics Communications, v. 182, n. 1, p. 8-10, 2011.

TAROUCO, L. M. R; DUTRA, R. Padrões e interoperabilidade, Objetos de aprendizagem: Uma proposta


de recurso pedagógico, Brasília, p.81-92, 2007.

TAROUCO, L. M. R.; FABRE, M. C. J. M.; KONRATH, M. L. P.; GRANDO, A R.. Objetos de Aprendizagem
para M-Learning. 2004.

TAROUCO, L. M. R.; FABRE, M.C J. M.; TAMUSIUNAS, F. R. Reusabilidade de objetos educacionais.


RENOTE - Revista Novas Tecnologias na Educação. Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 1-11, fev. 2003.

PRATA, Carmem Lúcia; NASCIMENTO, Anna Christina Aun de Azevedo. Objetos de aprendizagem: uma
proposta de recurso pedagógico/Organização: Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação
a Distância. – Brasília : MEC, SEED, 2007.

9
1066
Análise Sobre O Uso De Objetos De Aprendizagem No Ensino De Física

NOTAS
1Sítio de acesso ao NOA: http://www.fisica.ufpb.br/~romero/objetosaprendizagem/

10
1067
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 82
10.37423/200802470

DESENVOLVIMENTO DA CULTURA DA SOJA


(GLYCINE MAX L.) EM FUNÇÃO DA APLICAÇÃO
DE SUBSTÂNCIAS HÚMICAS VIA FOLIAR.

César Henrique Borges Gomes UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS

Igor Ricardo Barbosa Teixeira UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS

Laynne Lopes Guimarães Ribeiro UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS

Hugo Vitor Alves Costa UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS

JÚLIO CÉSAR BORGES GOMES UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS


Desenvolvimento Da Cultura Da Soja (Glycine max L.) Em Função Da Aplicação De Substâncias Húmicas Via Foliar.

Resumo: O trabalho teve o objetivo de avaliar o desempenho da cultura da soja aos 60 dias após
emergência (DAE) com aplicação de ácidos fúlvicos e húmicos via foliar. Foi realizada a condução do
experimento na casa de vegetação da Universidade Federal do Tocantins, com 6 tratamentos com
diferentes concentrações de ácidos húmicos e fúlvicos e uma testemunha, com quatro repetições. Esta
é uma possibilidade de redução e ou substituição de nutrientes não renováveis, por uma fonte
renovável de adubação na agricultura. Concluiu-se com o trabalho que os tratamentos não
diferenciaram significativamente, exceto número de vagens e número de nódulos. O tratamento T6
(0H 30 F) foi o mais representativo, onde teve melhor resultado para altura de planta, diâmetro de
coleto, número de vagens, e matéria seca da parte aérea, com incremento em relação a testemunha
de 9,94%; 11,30%; 9,94%; 17,37%; respectivamente. Para o número de nódulos, e matéria seca dos
nódulos, o tratamento que teve maiores médias foi o T4 ¬(10H 20F) com aumento em relação a
testemunha de 92,30% e 55,30% respectivamente. Em relação a variável: matéria seca da parte
radicular, o tratamento T5 (5H 25F) foi o que teve incremento de 11,11% em relação a testemunha.

1
1069
Desenvolvimento Da Cultura Da Soja (Glycine max L.) Em Função Da Aplicação De Substâncias Húmicas Via Foliar.

1. INTRODUÇÃO

O Brasil é o segundo maior produtor mundial do grão, levantamento da safra 2017/18 o país teve uma
produção de 116,996 milhões de toneladas em uma área de 35,100 milhões de ha-1 e com uma
produtividade média de 3.333 kg/ha-1 (CONAB, 2018).
O Brasil é o quarto maior consumidor de fertilizantes do mundo. No ano de 2017, foram consumidos
34,144 milhões de toneladas (ANDA, 2018). Pensando em reduzir a utilização de fontes de nutrientes
não renováveis na agricultura, é importante idealizar alternativas que viabilizem a maior longevidade
das reservas mundiais, principalmente de fósforo. Uma delas é a utilização de fertilizantes mais
eficientes agronomicamente, sendo substâncias húmicas uma alternativa.
As substâncias húmicas, compostas por ácidos fúlvicos (AF) e húmicos (AH), são os principais
componentes da matéria orgânica e influenciam nas propriedades químicas, físicas e biológicas do
solo.Silva et al. (2012) destacam, que as substancias húmicas influenciam na fertilidade do substrato
pela liberação de nutrientes, pela melhoria das condições físicas e biológicas e pela produção de
substâncias fisiologicamente ativas. O presente trabalho teve por objetivo avaliar o desenvolvimento
da soja sob diferentes concentrações de ácidos húmicos e fúlvicos aplicada via foliar.

2. METODOLOGIA

O experimento foi conduzido na Universidade Federal do Tocantins (UFT), campus Gurupi, ao sul do
estado do Tocantins (11°43’45” S e 49°04’07” W e altitude 280 m) em casa de vegetação, do dia 15 de
setembro a 15 de novembro, utilizando sacos de polietileno com capacidade de 6,3 litros, com duas
plantas por saco, utilizando solo homogeneizado e adubado. A adubação foi realizada de acordo com
análise química, sendo o solo classificado como Latossolo Vermelho-Amarelo distrófico de textura
média.
Neste experimento foi utilizado o cultivar Brasmax Bônus IPRO, após 25 dias da emergência foi feita a
aplicação dos tratamentos, foram utilizadas diferentes concentrações de ácidos húmicos e fúlvicos
(25H/5F; 20H/10F; 15H/15F; 10H/20F; 5H/25F; 0H/30F; água destilada como testemunha) com 5 ml
de cada concentração diluída em 195 mL de água e aplicados através de pulverizações nas mudas com
1,2 ml da concentração por vaso.
Nas avaliações, a parte aérea, mediu-se o comprimento entre o solo até a extremidade da inserção do
último trifólio. Foi realizado a medida do diâmetro do coleto com o auxílio de um paquímetro digital.
O número de vagens, os nódulos das raízes foram determinados por contagem manual. Todas as
plantas foram retiradas dos sacos, e a parte radicular foi lavada em água corrente sobre uma peneira

2
1070
Desenvolvimento Da Cultura Da Soja (Glycine max L.) Em Função Da Aplicação De Substâncias Húmicas Via Foliar.

de malha n° 2 para a limpeza das impurezas. Para a determinação da massa seca da parte aérea
(MSPA), da parte radicular (MSPR), dos nódulos (MSN), as partes foram acondicionadas em sacos de
papel em estufa de circulação forçada de ar a 65°C até atingirem peso constante. Posteriormente,
utilizou-se uma balança analítica eletrônica (0,001g), para determinação da MSPA, MSPR, MSN.
O delineamento experimental utilizado foi o inteiramente casualisado (DIC), constituído de sete
tratamentos e quatro repetições, totalizando 28 parcelas. As análises estatísticas foram realizadas
através de análise de variância pelo teste Scott-knott utilizando o software SISVAR - (FERREIRA, 2011).

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para as variáveis analisadas altura de planta, diâmetro de coleto, massa seca da parte aérea, massa
seca dos nódulos, não tiveram grande influência. Para número de vagens, número de nódulos, massa
seca dos nódulos diferença significativa entre os tratamentos. Os resultados das avaliações são
apresentados na Figura 1.

3
1071
Desenvolvimento Da Cultura Da Soja (Glycine max L.) Em Função Da Aplicação De Substâncias Húmicas Via Foliar.

a) b)

c) d)

e) f)

g)

Figura 1. a) altura de planta (AP), b) diâmetro de coleto (DC), c) número de vagens (NV), d) número de
nódulos (NN), e) massa seca da parte aérea (MSPA), f) massa seca parte radicular (MSPR), g) massa
seca nódulos (MSN), avaliados em cultivar de soja (Glycine max L.) em função da aplicação foliar de
soluções húmicas aos 60 dias após emergência. Gurupi – TO, 2018.
Uma possível explicação para tal comportamento dos dados pode ser atribuída a época em que foi
avaliado o experimento, aos sessenta dias após emergência, a cultura desenvolve primeiramente a
parte radicular, e depois a parte aérea, não expressando diferenças entre as características de altura
de planta, diâmetro do coleto, massa seca da parte aérea e massa seca radicular.

4. CONCLUSÃO

Para as características de altura de planta, diâmetro do coleto, massa seca da parte aérea e massa
seca radicular, não diferiram entre si em relação a testemunha. Nas avaliações de número de nódulos
e massa seca dos nódulos o tratamento T4 obteve melhor resultado. Para a característica números de

4
1072
Desenvolvimento Da Cultura Da Soja (Glycine max L.) Em Função Da Aplicação De Substâncias Húmicas Via Foliar.

vargem o T6 se destacou como melhor tratamento. Portanto o T4 foi considerado o melhor tratamento
para as características avaliadas na cultura da soja em casa de vegetal.

5
1073
Desenvolvimento Da Cultura Da Soja (Glycine max L.) Em Função Da Aplicação De Substâncias Húmicas Via Foliar.

5. REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃONACIONALPARADIFUSÃODEADUBOS.Disponívelem:<http://anda.org.br/index.php?mpg
=03.00.00> Acesso em 24 de nov. 2018.

CENTRO DE INTELIGÊNCIA DA SOJA. Disponível em: <http://www.cisoja.com.br/index.php?p=historico


>. Acesso em 13 dez 2018.

COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO. Acompanhamento da safra brasileira: Grãos safra


2017/2018. 2017. Disponível: < http://www.conab.gov.br/>. Acesso em: 18 mar. 2018.

EMPRESABRASILEIRADEPESQUISAAGROPECUÁRIAMATOPIBA,2014.Disponívelem:<https://www.emb
rapa.br/gite/projetos/matopiba/matopiba.html > Acesso em: 18 mar. 2018

6
1074
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 83
10.37423/200802493

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DAS NEOPLASIAS


MALIGNAS DA PELE NA ILHA DO BANANAL DE
2008 A 2018

Camilla Macedo Abreu Universidade de Gurupi - UnirG

Nathália Barros Trovo Universidade de Gurupi - UnirG

Wanessa Araújo Machado Universidade de Gurupi - UnirG

Meire Aparecida Jacinto Gundim Universidade de Gurupi - UnirG


Perfil Epidemiológico Das Neoplasias Malignas Da Pele Na Ilha Do Bananal De 2008 A 2018

Resumo: Este estudo tem como objetivo, traçar um perfil epidemiológico das neoplasias malignas da
pele na região de saúde Ilha do Bananal no período de 2008 a 2018. Trata-se de um estudo
epidemiológico, retrospectivo e de caráter transversal, onde objetivou-se traçar o perfil
epidemiológico das neoplasias malignas na região de saúde Ilha do Bananal entre os anos de 2008 a
2018. Para isso, foi realizada uma pesquisa junto ao Departamento de Informática do Sistema Único
de Saúde (DATASUS). As neoplasias correspondem a um crescente problema de saúde pública do
Brasil, principalmente em decorrência da maior expectativa de vida no país, desta forma, urge a
necessidade de uma maior atenção a esta e a outras comorbidades crônicas não transmissíveis, de
modo a permitir embasar estratégias no âmbito de promoção e prevenção de saúde na luta contra
estes novos entraves da qualidade de vida do brasileiro. O perfil epidemiológico da neoplasia da pele
na Ilha do Bananal é caracterizado por pacientes idosos, com oitenta anos ou mais, de cor/raça parda,
sem distinção entre os sexos. Todavia, diversos fatores devem ser considerados ao analisar este perfil.

1
1076
Perfil Epidemiológico Das Neoplasias Malignas Da Pele Na Ilha Do Bananal De 2008 A 2018

INTRODUÇÃO

Os avanços na promoção e prevenção em saúde no Brasil permitiram uma significativa diminuição nos
índices de mortalidade por causas infecciosas e/ou agudas, o que aumentou a perspectiva de vida da
população brasileira, todavia, ainda que estas mudanças geraram uma importante mudança no
cenário da saúde do país, pode-se observar que amiúde as doenças crônicas não contagiosas tem
crescido, podendo ser o reflexo desta maior longevidade. Dentre estas novas comorbidades que
afetam a população do Brasil, pode-se observar uma alta incidência de neoplasias (SIMONETI et al.,
2016).
De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA, 2016), está doença terá um impacto em até 80%
da população na próxima década, principalmente das neoplasias de pele, as quais já ocupa posição
entre os tipos de câncer mais prevalente no país, aproximadamente 25% dos tumores malignos
diagnosticados e registrados, tendo uma previsão de 175.760 casos novos por ano. Este aumento no
número de neoplasias no Brasil segue o previsto em relação a maior frequência de doenças crônicas
não transmissíveis, se apresentando de forma heterogênea no território nacional, sendo mutável por
variáveis como a diversidade cultural, densidade populacional, aspectos socioeconômicos e atuação
política, principalmente no que cerne às políticas públicas de saúde.
As neoplasias, inclusive as de pele, não tem etiologia definida, todavia, tem-se certos fatores de risco
bastante relacionados com a gênese desta doença além de fatores genéticos e ambientais. Estas
alterações celulares são didaticamente divididas em benignas e malignas, sendo que a principal
diferença se encontra na evolução da doença e em seu prognóstico. No que cerne às neoplasias da
pele, tem-se outros dois tipos, o não melanoma e o melanoma, onde o primeiro tem melhor
prognóstico e maior incidência, enquanto que o segundo apresenta um desfecho desfavorável, em
geral, todavia com baixa incidência (POMPIM et al., 2008; CASTILHO, 2010; SOCIEDADE BRASILEIRA DE
DERMATOLOGIA, 2019). Assim, este estudo tem como objetivo, traçar um perfil epidemiológico das
neoplasias malignas da pele na região de saúde Ilha do Bananal no período de 2008 a 2018.

1.METODOLOGIA

Trata-se de um estudo epidemiológico, retrospectivo e de caráter transversal, onde objetivou-se


traçar o perfil epidemiológico das neoplasias malignas na região de saúde Ilha do Bananal entre os
anos de 2008 a 2018. Para isso, foi realizada uma pesquisa junto ao Departamento de Informática do
Sistema Único de Saúde (DATASUS), na seção Morbidade Hospitalar do SUS – Por Local Hospitalar.
Foram selecionadas as variáveis: Região de Saúde (CIR): Ilha do Bananal; Lista Morb CID-10: Neoplasia

2
1077
Perfil Epidemiológico Das Neoplasias Malignas Da Pele Na Ilha Do Bananal De 2008 A 2018

Maligna da pele; Faixa Etária 1: 20-29 anos, 40-49 anos, 50-59 anos, 60-69 anos, 70-79 anos; Sexo:
masculino e feminino; Cor/raça: Branca, Parda, Negra e Sem Informação. Os dados obtidos foram
analisados por teste estatístico Qui-quadrado, com nível de significância de 5%, sendo considerados
como relação de significância aqueles com p<0,05 e sem relação de significância os de p>0,05.
Após a análise dos dados, foi realizada uma revisão da literatura em bancos de dados virtuais, como:
SCieLO, LILACS e Biblioteca Virtual em Saúde, publicações científicas que elucidem quanto as
neoplasias malignas da pele, suas repercussões e seu perfil epidemiológico em outras regiões do país
a fim de comparar resultados e gerar discussões sobre o tema, esclarecendo conceitos e embasando
a construção deste artigo.

2.RESULTADOS E DISCUSSÃO

No período analisado, a partir das variáveis selecionadas, foram registrados apenas 32 casos de
neoplasias malignas da pele. A faixa etária de maior prevalência foi a de maior que 80 anos,
correspondendo a 25% dos casos (n=8) e a de menor prevalência a de 20-29 anos, com 3,13% (n=1).
Não houve diferença entre os sexos, sendo 50% dos casos registrados em pacientes do sexo masculino
e feminino. A cor/raça mais prevalente foi a parda, com 65,7% dos casos (n=21) e a menos prevalente
a branca, com 9,3% dos casos (n=3).
De acordo com Souza e colaboradores (2009), o sexo masculino é um fator de risco para o
desenvolvimento de neoplasias da pele, uma vez que os indivíduos deste sexo geralmente têm menor
cuidado com a pele, principalmente na proteção contra raios UV. Todavia, as mulheres apresentam
maior preocupação com a saúde, destarte, pode-se suspeitar que há uma parcela de homens que
desenvolveram neoplasia maligna da pele, mas que não foram diagnosticados (OLIVEIRA et al., 2013).
O fato de a faixa etária com idade mais avançada ser a mais prevalente condiz com o fator de risco
relacionado ao maior tempo de exposição solar, todavia, deve-se ater aos casos ainda não
diagnosticados, principalmente devido a negligência a saúde em pacientes jovens, faixa etária menos
acometida neste estudo (CASTILHO, 2010; POZIOMCZYKL et al., 2011).

3.CONSIDERAÇÕES FINAIS

O perfil epidemiológico da neoplasia da pele na Ilha do Bananal é caracterizado por pacientes idosos,
com oitenta anos ou mais, de cor/raça parda, sem distinção entre os sexos. Todavia, diversos fatores
devem ser considerados ao analisar este perfil. Não foi encontrado um serviço de prevenção, controle
ou tratamento específico ou de referência para o tratamento de neoplasias na região de saúde

3
1078
Perfil Epidemiológico Das Neoplasias Malignas Da Pele Na Ilha Do Bananal De 2008 A 2018

analisada, assim, dever-se-á considerar que algumas das variáveis disponíveis no DATASUS e
analisadas pelos pesquisadores podem não representar a realidade da região, o que configura um
grave problema de saúde pública devido as dimensões críticas que esta doença pode causar nos
indivíduos acometidos.

4
1079
Perfil Epidemiológico Das Neoplasias Malignas Da Pele Na Ilha Do Bananal De 2008 A 2018

4.REFERÊNCIAS

CASTILHO, I.G. et al. Fotoexposição e Fatores de Risco para Câncer da Pele: Uma avaliação de Hábitos
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de suporte. Rev Interc e Soc, v.2, n.1, 2013.

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Risco na Cidade de Botucatu. Ciênc e Saúd col, v. 13, n. 4, p 1331-1336, 2008.

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ambulatório de cirurgia plástica de serviço secundário no interior de São Paulo. Rev Fac Ciênc Méd
Sorocaba. v. 18, n.2, p. 98-102, 2016.

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http://www.sbd.org.br/doencas/cancer-da-pele.

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de São Paulo – Brasil. An Bras Dermatol. v.84, n. 3, p.237-243, 2009.

5
1080
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 84
10.37423/200802515

ABORDAGENS FISIOTERAPÊUTICAS EM
PACIENTES COM TCE EM UNIDADES DE
TERAPIA INTENSIVA: REVISÃO SISTEMÁTICA

Agrinazio Geraldo Nascimento Neto Universidade de Gurupi- UnirG

Wellington Carlos da Silva Universidade de Gurupi- UnirG

Amanda Aguiar Barros Universidade de Gurupi- UnirG

Aline Gomes da Silva Sousa Universidade de Gurupi- UnirG

Fábio Alves Barros Universidade de Gurupi- UnirG

Lucas Coelho da Silva Universidade de Gurupi- UnirG

Bianca de Andrade Nery Universidade de Gurupi- UnirG

Marcella Soares Carreiro Sales Universidade de Gurupi- UnirG


Abordagens Fisioterapêuticas Em Pacientes Com TCE Em Unidades De Terapia Intensiva: Revisão Sistemática

Resumo: O Traumatismo Cranioencefálico (TCE) é a principal causa de mortalidade e incapacidade


funcional. Todo ano, cerca de 1,5 milhão de pessoas morrem e centenas de milhões requerem
tratamento emergencial. Logo, a intervenção fisioterapêutica é fundamental para o paciente TCE grave,
mostrando resultados positivos na função pulmonar, reduzindo o tempo no ventilador mecânico,
prevenindo e diminuindo as complicações musculoesquelética e neurológicas causadas pela lesão
encefálica. Objetivo: identificar as principais abordagens e benefícios da fisioterapia no paciente critico
com diagnostico de TCE. Material e métodos: A revisão da literatura foi realizada a partir das bases de
dados online Scielo (Scientific Electronic Library Online), Lilacs (Literatura Latino-Americano e do
Caribe em Ciências da Saúde), BVS (Biblioteca Virtual em Saúde). Resultados: A análise do material
coletado, permitiu observar que a abordagem do fisioterapeuta é essencial na evolução do paciente
crítico com TCE, demonstrando melhora no encurtamento e contratura muscular, oferecendo suporte
ventilatório necessário e como consequência evitando complicações desde a admissão até a alta do
paciente na UTI. Conclusão: A fisioterapia se mostra efetiva a nível terciário de saúde pública do
paciente critico com traumatismo cranioencefálico sem provocar efeitos deletérios nos sinais vitais do
traumatizado.
Palavras-Chave: UTI, Lesões Encefálicas Traumáticas e Fisioterapia.

1
1082
Abordagens Fisioterapêuticas Em Pacientes Com TCE Em Unidades De Terapia Intensiva: Revisão Sistemática

INTRODUÇÃO

O Traumatismo Cranioencefálico (TCE) é uma lesão da calota craniana que pode ser aberta ou fechada,
sendo a principal causa mundial de morbimortalidade e incapacidade funcional, com maior
predominância nos indivíduos adultos jovens com idade inferior a 45 anos e do sexo masculino (SILVA.,
2017).
As lesões podem desencadear uma série de eventos que resultam em dano celular. O trauma pode ser
caracterizado como aberto e fechado e classificado como difuso ou focal. As lesões focais são
macroscópicas e em um só local. As difusas são pequenas, caracterizadas como microscópicas e estão
associadas a disfunção difusa do cérebro. O TCE pode levar a déficits físicos, cognitivos e
comportamentais (ALMEIDA et al., 2012).
Todo ano, cerca de 1,5 milhões de pessoas morrem e centenas de milhões requerem tratamento
emergencial decorrentes do TCE. Ocorre em cerca de 40% das vítimas de trauma, sendo que 20% delas
falecem no local ou no primeiro dia de internação e os outros 80% entre os primeiros sete dias
posteriores ao evento (OLIVEIRA et al., 2018).
A fisioterapia tem papel relevante na manutenção das vias aéreas, prevenindo complicações
pulmonares e implementando a ventilação mecânica que propiciam o aumento da sobrevida de
pacientes TCE, através das manobras respiratórias. Além disso, a fisioterapia também realiza a
mobilização precoce deste paciente crítico, sendo uma intervenção segura e viável após a estabilização
hemodinâmica do paciente, que tende a reduzir o tempo de desmame da ventilação mecânica e é a
base para a recuperação funcional (PADOVANI et al., 2017).

1.1.FISIOTERAPIA MOTORA

A mobilização precoce é um método viável para a prevenção de problemas físicos e mentais gerados
pelo imobilismo (MIRANDA et al., 2013). Atualmente, tem se destacado como atuação benéfica para
impedir a incidência dos fatores adversos consequentes do imobilismo. Nesse contexto, recomenda-
se o início precoce da mobilização em pacientes críticos com objetivo de prevenir os problemas
provenientes do repouso no leito, inclui atividades terapêuticas progressivas, tais como exercícios
motores na cama, sentar à beira do leito, ortostatismo, transferência para cadeira e deambulação
(NEEDHAM et al., 2009).
No entanto, manobras realizadas no leito por si só não evitam todos os efeitos adversos do repouso.
Esse achado está relacionado à mudança do fluído intravascular das extremidades para a caixa torácica
pela remoção do estresse gravitacional. Entretanto o ato de assumir a posição vertical ajuda a

2
1083
Abordagens Fisioterapêuticas Em Pacientes Com TCE Em Unidades De Terapia Intensiva: Revisão Sistemática

prosseguir com a distribuição de fluídos adequadamente (PERME et al., 2009). Assim, é recomendado
que o ortostatismo seja integrado no programa de mobilização precoce, com o objetivo de minimizar
os efeitos adversos da imobilidade (BAILEY., 2009).
O ortostatismo, como processo terapêutico, pode ser adotado de forma passiva ou ativa para
estimulação motora, melhora da função cardiopulmonar e do estado de alerta. O uso da prancha
ortostática é designado para readaptar os pacientes à posição vertical enquanto o mesmo é incapaz
de manter essa postura com segurança sozinho ou até mesmo com considerável assistência (JERRE,
2007; CHANG, 2004; LUQUE, 2010).
Este método tem sido adotado por fisioterapeutas em doentes críticos com base em seus supostos
benefícios, que incluem melhora do controle autonômico do sistema cardiovascular, prevenção de
contraturas articulares, facilitação de resposta postural antigravitacional, melhora da oxigenação,
aumento da ventilação, melhora do estado de alerta, estimulação vestibular, e lesão por pressão
(JERRE, 2007; CHANG; 2004).
A eletroestimulação neuromuscular (EENM) é uma técnica que vem sendo utilizada como coadjuvante
ao exercício ativo e na prevenção da perda da força muscular em pacientes críticos. Sobretudo, os
principais benefícios da mobilização precoce são: Diminuição do tempo de VM; Manutenção/
recuperação do grau prévio de funcionalidade do indivíduo; Aumento da força muscular; Redução do
Delirium; Diminuição do tempo de internação na UTI e hospitalar; Diminuição do número de infecções;
Melhor qualidade de vida (MIRANDA et al., 2013).

1.2.FISIOTERAPIA RESPIRATÓRIA

A Fisioterapia respiratória faz parte do atendimento multidisciplinar oferecido aos pacientes críticos
vítimas de TCE internados em unidade de terapia intensiva (UTI), visando o processo de reabilitação e
restauração do desempenho funcional (PADOVANI et al., 2017).
A importância da fisioterapia respiratória no paciente TCE começam com os ajustes da Ventilação
Mecânica (VM) com o intuito de regular os parâmetros adequados para que ocorra o desmame
precoce e este amplia-se até a permanência da ventilação espontânea (REIS et al., 2016). A atuação do
fisioterapeuta abrange várias técnicas e formas de intervenção dentre elas a higiene brônquica,
reexspanção pulmonar, exercícios respiratórios e a utilização da Ventilação Não Invasiva (VNI);
condutas estas, que devem ser realizadas com cautela devido aos inúmeros cuidados exigidos do
paciente vítima de TCE (VNI) (ROSA et al., 2015).

3
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Abordagens Fisioterapêuticas Em Pacientes Com TCE Em Unidades De Terapia Intensiva: Revisão Sistemática

METODOLOGIA

Para identificar os artigos que falam sobre a atuação do fisioterapeuta no trauma cranioencefálico, foi
realizado buscas nas bases de dados online: Scielo (Scientific Electronic Library Online), Lilacs
(Literatura Latino-Americano e do Caribe em Ciências da Saúde), BVS (Biblioteca Virtual em Saúde). No
presente estudo a estratégia de pesquisa sobre o assunto tratado consistiu no uso das palavras-chave:
1.UTI; 2. Lesões Encefálicas Traumáticas; 3. Fisioterapia.
Após consultar todas às bases de dados e utilizar a estratégia de busca adotada, foram identificados
artigos repetidos entre as diferentes fontes de dados. Os critérios e filtros para a inclusão dos artigos
neste trabalho foram: Artigos originais de pesquisa que conceituem a atuação o fisioterapeuta no
traumatismo cranioencefálico em pacientes graves, em diferentes tipos de campos de pesquisa,
abrangendo pesquisas finalizadas nos presentes idiomas: português, inglês e espanhol.
Os trabalhos retirados do estudo foram agrupados na seguinte ordem: repetidos, irrelevantes, outros
formatos de publicação (edital, short communications, perspectives, letters), e outros idiomas que não
foram bem compreendidos.
Além disso, as buscas manuais foram realizadas em referências bibliográficas dos artigos de revisão
encontrados com as palavras-chave pré-determinadas anteriormente.

RESULTADOS

Diante as diferentes buscas nas bases de dados, foi encontrado 31 artigos que abrangem o tema
abordado neste estudo. Após a remoção dos artigos em duplicata foram aplicados os critérios de
exclusão, como mostra a Figura 5. Do total de artigos estudados, 11 deles foram removidos de acordo
com os critérios adotados. Foram excluídos 3 artigos em duplicata e recuperados 2 artigos originais de
pesquisa. Por fim, através da busca manual foram recuperados mais 2 artigos.

4
1085
Abordagens Fisioterapêuticas Em Pacientes Com TCE Em Unidades De Terapia Intensiva: Revisão Sistemática

PESQUISA NO BANCO DE
DADOS: PUBMED, PEDRO,
SCIELLO, GOOGLE
SCHOLAR:
31

REMOVIDO POR
ARTIGOS INCLUÍDOS:
REPETIÇÃO:
19
3

ARTIGOS RECUPERADOS: EXCLUÍDO POR CRITÉRIO:


2 11

DISCUSSÕES

Constatou-se um número reduzido de trabalhos publicados nos últimos 10 anos que evidenciem a
atuação do fisioterapeuta na abordagem ao paciente critico vítimas de TCE. Todos os estudos citados,
demostram a prática da terapia precoce na unidade de terapia intensiva.
O Ministério da saúde caracteriza o momento do trauma até a evolução dos sintomas nos sete
primeiros dias como a fase aguda do TCE; a fase subaguda para aqueles com sequelas mais
prolongadas. Ressalta-se que em ambas as fases, o fisioterapeuta é o profissional que atua diretamente
com as questões cinético-funcionais e respiratórios deste indivíduo.
O acesso à reabilitação precoce deve ocorrer já no ambiente hospitalar, assim que o indivíduo
apresentar estabilidade clínica. Os benefícios da tomada terapêutica precoce viabilizam menor tempo
de internação, desenvolvimento no aspecto motor e respiratório do paciente e menor gasto público
(MIRANDA et al., 2013). Estão descritos no Quadro 1 as principais abordagens fisioterapêuticas ao
paciente crítico.

5
1086
Abordagens Fisioterapêuticas Em Pacientes Com TCE Em Unidades De Terapia Intensiva: Revisão Sistemática

Quadro 1: Abordagens Fisioterapêuticas em Pacientes com TCE nas Unidades de Terapia Intensiva

BIBLIOGRAFIA METODOLOGIA RESULTADOS


Ensaio clínico, prospectivo, em pacientes com Manobras de vibrocompressão manual não determinou
idade de 41 anos (média), vítimas de TCE aumento da pressão intracraniana em nenhum dos dias
TOLEDO, internadas na UTI do hospital de base de São Jose avaliados. A Pressão Intracraniana (PIC) aumento de
GARRIDO, do Rio Preto- SP. Foram avaliados os efeitos das forma significante após as manobras de aspiração
TRONCOSO, manobras de vibrocompressão manual e aspiração intratraqueal.
2009 intratraqueal com e sem soro fisiológico.
Atendimento fisioterapêutico motor e respiratório A fisioterapia motora neste paciente obteve melhora dos
foi realizado em um paciente de 15 anos vítima de encurtamentos e contraturas muscular, da
SILVA et al., 2015 TCE durante sete dias, as sessões perduraram 60 expansibilidade torácica, melhora da higiene brônquica,
minutos na UTI do hospital municipal de Santarém além de promover suporte ventilatório adequado
no Pará. aliviando o desconforto de complicações.
Foram observadas 35 pacientes vítimas de TCE, A mobilização precoce foi positiva em 92,5% dos
internados na UTI do hospital das clínicas da pacientes, atuando como fator determinante nas
Universidade Federal de Uberlândia durante um complicações físicas e mentais causadas pela síndrome
SILVA., 2017 ano, os pacientes recebiam fisioterapia motora de 40 do imobilismo.
a 60 minutos.
Estudo de caráter exploratório, descritivo realizado Foi observado que a taxa de mortalidade dos pacientes
PADOVANI, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina TCE diminuiu quando mantidos em PacO2 entre 30 a 39
SILVA, da USP onde 17 pacientes vítimas de TCE acima de mmHg e PIC de 20 mmHg, além da saturação acima de
TANAKA., 2017 18 anos receberam atendimento fisioterapêutico 95%.
motor e respiratório duas vezes ao dia durante 40
minutos.
Amostra realizada no hospital de Santa Casa de Houve melhoria do padrão respiratório, do controle de
Misericórdia de Ourinhos no período de agosto a cabeça, redução do padrão espástico e do clônus
SILVA., 2018 setembro onde eram realizadas 5 sessões semanais muscular além do desmame de O2 com sucesso no final
durante 25 minutos em paciente com TCE. do tratamento.
Estudo prospectivo, randomizado e cruzado Durante a intervenção houve um aumento da PIC média
realizado em 46 pacientes vítimas de TCE em 95% no grupo A, o grupo B apresentou resultados
internados em UTI entre 18 a 75. Duas técnicas menores em comparação. Em contrapartida o grupo A
TOMAR et al, foram realizadas por um único fisioterapeuta apresentou um aumento da pressão arterial média e
2019 treinado. O tratamento A foi uma técnica de batimentos cardíacos durante a fase de intervenção em
percussão torácica manual e o tratamento B utilizou relação ao grupo B. No entanto, os valores médios da
um vibrador mecânico de parede torácica. Cada pressão de perfusão cerebral ou seu grau de alteração
tratamento foi aplicado por 10 minutos alternados, foram estatisticamente comparáveis em ambos os
separados por um intervalo de 4 horas. grupos de tratamento.
A seleção da amostra se fez a partir de critérios não Valores individuais dos parâmetros cardiorrespiratórios,
probabilísticos. Foram incluídos na pesquisa antes e após o ortostatismo passivo. Na comparação entre
pacientes com TCE, de ambos os gêneros, com idade os valores médios totais, verificou-se uma tendência a
igual ou superior a 18 e inferior ou igual a 65 anos, diminuição das variáveis Pressão Arterial Média (PAM)
intubados e/ou traqueostomizados, em ventilação e Frequência Respiratória (FR) após o ortostatismo
SILVA et al., 2016 mecânica invasiva por mais de 5 dias, estáveis passivo. Contudo, sem diferença estatística significativa,
hemodinamicamente capazes de tolerar o uma vez que se obteve, respectivamente, p=0, 096/ p=0,
ortostatismo. A intervenção ocorreu apenas uma vez, 110. Já a SpO2 (p=0,114) e o VC (p=0,418) evidenciaram
onde foi possível analisar os parâmetros um aumento, porém não estatisticamente significativos.
cardiorrespiratórios, antes e após o ortostatismo
passivo.
Fonte: elaborado pelos autores (2020)

Dois estudos aqui avaliado objetivou as alterações da PIC em relação as abordagens fisioterapêuticas
na UTI. O primeiro estudo avaliou duas manobras comumente usadas por fisioterapeutas intensivistas
que foram a manobra de vibrocompressão manual e aspiração intratraqueal com e sem soro
fisiológico. O desfecho clínico do estudo observou-se que a manobra de higiene brônquica manual não

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Abordagens Fisioterapêuticas Em Pacientes Com TCE Em Unidades De Terapia Intensiva: Revisão Sistemática

obteve o aumento da PIC, podendo ser realizada com segurança pelos profissionais. Já a aspiração
intratraqueal teve um aumento significante (com ou sem o soro fisiológico, observando então, a
importância de realizá-la com critérios. No entanto o segundo estudo as abordagens realizadas foram
a percussão torácica manual e vibrador mecânico de parede torácica. Obteve-se aumento de 95% da
PIC em ambas as técnicas aplicadas, porém na percussão torácica o aumento foi maior na técnica de
percussão torácica manual em relação ao vibrador mecânico.
Duas pesquisas realizadas no ano de 2017 avaliou o atendimento motor nos pacientes vítima de TCE
internados na unidade de terapia intensiva. Os dois apresentaram conjuntamente benéficos atuando
diretamente nas complicações físicas e mentais causadas pelo período grande de internamento. As
técnicas motoras associadas com parâmetros mantidos em mantidos em PacO2 entre 30 a 39 mmHg
e PIC de 20 mmHg, além da saturação acima de 95% reduziram significantemente o óbito destes
indivíduos.
Outras duas amostras idealizaram o atendimento motor e respiratório em conjunto, onde os pacientes
com TCE internados na UTI recebiam cuidados fisioterápicos diariamente. As manifestações benéficas
nestes pacientes englobaram a melhora do encurtamento e contraturas, de suporte ventilatório
adequado, redução do clônus e o desmame de O2 com sucesso no final das pesquisas.
Uma única pesquisa buscou averiguar as alterações clinicas dos pacientes internados na UTI com TCE
utilizando o ortostatismo passivo como abordagem. O desfecho da pesquisa observou a redução da
PAM e FR. Demostrou-se então que critérios clínicos hemodinâmicos devem ser observados para a
realização da técnica.
Um estudo realizado por Costa et al., (2020) de caráter exploratório, transversal, descritivo com o
objetivo de avaliar desfecho funcional do paciente de trauma cranioencefálico após a alta da unidade
de terapia intensiva. A amostra compôs de 54 indivíduos, sendo que houve 14 óbitos durante o estudo
com a média idade de 37,32 ± 18,13 anos. As escalas de avalição usadas foram a Medical Research
Council (MRC) e a Escala de medida de Independência Funcional (MIF), após a avaliação observou-se
que apenas três pacientes foram classificados com independência funcional após a alta,
enquanto100% da amostra apresentaram valores abaixo da normalidade da força muscular. O estudo
teve como desfecho que os pacientes com TCE após alta da UTI manifestam fraqueza muscular grave
além, do nível de independência prejudicado afetando a qualidade de vida.
Apesar da dificuldade das buscas de literaturas atualizadas para realização do estudo, foi possível
observar as abordagens do fisioterapeuta intensivista com os pacientes críticos vitima de TCE. Vale

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1088
Abordagens Fisioterapêuticas Em Pacientes Com TCE Em Unidades De Terapia Intensiva: Revisão Sistemática

ressaltar que, a reabilitação deste paciente é continua após a alta da UTI, devido as sequelas causadas
pelo trauma. A interação interdisciplinar é necessária para um melhor prognostico do paciente.

CONCLUSÃO:

A fisioterapia é fundamental no processo de reabilitação do paciente crítico com diagnóstico de TCE.


A mesma auxilia precocemente o paciente pós TCE com uma intervenção motora e respiratória, depois
atua nas fases sub agudas e crônicas com o objetivo de recuperar as amplitudes de movimento,
proporcionando mais independência funcional e autoconfiança do paciente. No entanto, ainda se
vislumbra a necessidade de mais pesquisas sobre as condutas do fisioterapeuta no ambiente de terapia
intensiva no que se refere aos cuidados do paciente com TCE.

8
1089
Abordagens Fisioterapêuticas Em Pacientes Com TCE Em Unidades De Terapia Intensiva: Revisão Sistemática

REFERÊNCIAS

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traumatismo crânio encefálico: revisão integrativa. Revista uningá, v. 55, n. 2, p. 33-46, 2018.

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9
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2009.

10
1091
Ensino, pesquisa e extensão: uma abordagem pluralista

Capítulo 85
10.37423/200802519

PESQUISA E AÇÕES EXTENSIONISTAS:


RELAÇÃO TRANSFORMADORA ENTRE O CURSO
DE BACHARELADO EM ADMINISTRAÇÃO E O
TERRITÓRIO DE IDENTIDADE DE IRECÊ

André de Oliveira Alves Universidade do Estado da Bahia,


Departamento de Ciências Humanas e
Tecnologias - Campus XVI - Irecê
Bruna da Silva Gomes Universidade do Estado da Bahia,
Departamento de Ciências Humanas e
Tecnologias - Campus XVI - Irecê
Claudio Roberto Meira de Oliveira Universidade do Estado da Bahia,
Departamento de Ciências Humanas e
Tecnologias - Campus XVI - Irecê
Pesquisa E Ações Extensionistas: Relação Transformadora Entre O Curso De Bacharelado Em Administração E O Território De
Identidade De Irecê

Resumo: Este trabalho é um relato de experiência que descreve a importância da pesquisa e da


extensão universitária para o processo construtivo do saber, para a formação acadêmica, crítica e
reflexiva dos estudantes, bem como as contribuições para a comunidade externa à Universidade. O
relato se refere a três experiências, sendo a primeira: a implantação e regulamentação da Empresa
Júnior; a segunda: o processo de constituição do Diretório Acadêmico de Administração; e, a terceira:
a participação em um projeto de Iniciação Científica. No percurso da escrita, busca-se para a
centralidade da discussão, a “relação teoria-prática”, o “processo ensino-aprendizagem” e a
“indissociabilidade entre o ensino, pesquisa e extensão”, uma vez que estes pautam a relação entre a
Universidade e a Sociedade. Conclui-se que, as ações realizadas evidenciam a importância do Campus
XVI-Irecê para o TII enquanto desenvolvimento social, econômico e ambiental.
Palavras-Chave: Formação acadêmica. Formação do sujeito crítico e reflexivo. Papel social da
Universidade.

1
1093
Pesquisa E Ações Extensionistas: Relação Transformadora Entre O Curso De Bacharelado Em Administração E O Território De
Identidade De Irecê

INTRODUÇÃO

A extensão universitária é entendida como um processo interdisciplinar, educativo, cultural, científico


e político, que, sob o princípio da indissociabilidade, promove a interação transformadora entre
universidade e outros setores da sociedade (FÓRUM DE PRÓ-REITORES DE EXTENSÃO DAS
UNIVERSIDADES PÚBLICAS BRASILEIRAS, 2010).
Segundo Saraiva (2007), a extensão possibilita ao acadêmico a experiência de vivências significativas
que lhe proporciona reflexões acerca das grandes questões da atualidade, tendo como pilar os
conhecimentos produzidos e acumulados no desenvolvimento de uma formação compromissada com
as necessidades nacionais, regionais e locais, considerando-se a realidade brasileira.
Diante das explanações feitas, este trabalho consiste em um relato de experiência onde é apresentado
de maneira crítica e reflexiva práticas de extensão realizadas por estudantes do curso de Bacharelado
em Administração, do Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias (DCHT) - Campus XVI - Irecê,
da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) no qual, essas ações exerceram contribuições para os seus
processos formativos, além de desenvolvimento socioeconômico e socioambiental para o Território
de Identidade de Irecê.
O Campus XVI – Irecê – UNEB, está localizado na cidade de Irecê, a 478 km de Salvador, na região da
Chapada Diamantina Setentrional, possui além dos cursos de Licenciatura em Pedagogia e Licenciatura
em Letras e Bacharelado em Agroecologia, também o curso de Bacharelado em Administração que
passa por processo de implantação permanente, sendo atualmente uma extensão do Campus XII,
Guanambi-BA.
A necessidade de implantação do curso de Bacharelado em Administração, surgiu a partir do anseio
do TII, ao identificar demandas relacionadas a questões socioeconômicas, socioambientais e sociais
da região. Irecê é polo comercial do TII, composto por 20 municípios, sendo eles: América Dourada,
Barra do Mendes, Barro Alto, Cafarnaum, Canarana, Central, Gentio do Ouro, Ibipeba, Ibititá, Ipupiara,
Irecê, Itaguaçu da Bahia, Joao Dourado, Jussara, Lapão, Mulungu do Morro, Presidente Dutra, São
Gabriel, Uibaí e Xique-Xique. Possui extensão territorial de 26.638,489 Km2 e população total de
404.411 habitantes, conforme registro do último senso (2010) (PTDRS, 2010).
Irecê possui um contexto predominantemente comercial. Segundo o IBGE (2016), Irecê tem o número
de 1.986 empresas atuantes, de pequeno e médio porte. De acordo com pesquisa de campo realizada,
os empreendimentos situados na região em sua maioria são geridos por profissionais que não
possuem formação específica na área de administração, e por não terem o conhecimento necessário
de gestão, podem ocasionar o fechamento de algumas empresas, tendo como consequência a redução

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Pesquisa E Ações Extensionistas: Relação Transformadora Entre O Curso De Bacharelado Em Administração E O Território De
Identidade De Irecê

do número de emprego e diminuição do Produto Interno Bruto (PIB), impactando diretamente na sua
arrecadação econômica do município.
Outro aspecto relevante no TII é o seu destaque frente a produção agrícola (tomate, cenoura, cebola),
que por outro lado tem provocado a degradação ambiental e desmatamento de sua vegetação,
provocada pela retirada da cobertura vegetal e pela captação da água do subsolo de maneira
indiscriminada e irregular para o uso no cultivo, e assim causando impactos para o meio ambiente e
para a comunidade local (NEPOMUCENO, LOBÃO e VALE, 2011).
Frente a essas situações, cabe o curso de Bacharelado em Administração traçar estratégias junto à
comunidade local para enfrentamento das problemáticas locais, e as ações de caráter extensionistas
promovidas pela universidade se fazem fundamentais para a concretização dessa proposta.
Diante disso, nos anos de 2016 a 2018 foram desenvolvidas três ações visando atuar sobre essas
problemáticas, sendo a primeira: a fundação da Empresa Júnior, chamada posteriormente de
Consultoria e Soluções Organizacionais – CONSOL, com o objetivo de permitir aos estudantes o
exercício de forma prática dos conhecimentos adquiridos em sala de aula, buscando assim, capacitá-
los para atuarem posteriormente na gestão dos empreendimentos no TII. A segunda ação se
caracterizou pela criação do Diretório Acadêmico nomeado como Diretório Acadêmico de
Administração Adalberto Chiavenato – DAAIC, essa foi uma demanda especifica dos discente, onde
permite a inserção dos estudantes na política estudantil, além de estabelecer relações com entidades
em defesa dos interesses da coletividade. Por fim, a terceira ação foi a participação em um projeto de
pesquisa com caráter extensionista intitulado “Avaliação de Deposição de Material Sólido Particulado
sobre Processos Fisiológicos de Espécies da Caatinga”, desenvolvido após a identificação de
problemáticas ambientais, visando assim, exercitar o papel que cabe ao curso de Bacharelado em
Administração que é de apresentar resoluções para o enfrentamento das adversidades, com objetivo
de obter melhorias nas condições de vida da comunidade local.

REFERENCIAL TEÓRICO

O papel da Universidade e das agências formadoras é de desenvolver projetos de apoio à gestão social
do desenvolvimento através do conhecimento científico e difusão dos saberes entre os trabalhadores,
gestores e comunidades (MUTIM, 2007, apud MIRANDA, 2010). Dessa forma, a Universidade como
responsável pelo apoio ao desenvolvimento local, cabe fazer reflexões envolvendo o papel que exerce
na sociedade, e assim trazer estratégias tendo a centralidade as discussões sobre as questões políticas,

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Pesquisa E Ações Extensionistas: Relação Transformadora Entre O Curso De Bacharelado Em Administração E O Território De
Identidade De Irecê

ambientais, culturais, históricas e econômicas, entre outras, afim de orientar a natureza das suas
ações, sejam elas do ensino, da pesquisa e da extensão.
Segundo Gadotti (2007 apud, MIRANDA, 2010), as universidades públicas, como instituições de
pesquisa são co-responsáveis pela construção de saberes com embasamento científico, é concebida
como lugar para suscitar reflexões sobre os conhecimentos produzidos pela humanidade e lugar de
produção de novos conhecimentos, inserem-se no campo de atuação como um dos meios de criar
condições favoráveis para a emancipação do indivíduo.
A abordagem teórica se constitui aliada para a realização de ações universitárias, em especial para a
realização de práticas extensionistas. Para Vazquez (1968), a teoria pode contribuir para a
transformação do mundo, mas para isso tem que sair de si mesmo e, em primeiro lugar, tem que ser
assimilada pelos que vão ocasionar, com atos reais, efetivos, tal transformação.
O Ensino, Pesquisa e Extensão como tripé fundamental da Universidade, e a sua relação indissociável,
precisam estar intrínsecos nessa discussão. Para PUCCI,

a expressão “indissociabilidade entre Ensino, Pesquisa e Extensão”


consagrada pela Constituição de 1988, não deve ser considerada como uma
fraseologia de efeito, mas como uma síntese atual da história educacional
brasileira que aponta diretamente para a construção de uma Universidade
de um bom nível acadêmico, pública, autônoma, democrática, que se coloca
a serviço da realização de uma sociedade independente e soberana
científica, tecnológica e culturalmente, voltada para os interesses concretos
da população brasileira (PUCCI, 1991, p. 19).
Nessa perspectiva, tendo em vista a importância do Ensino, Pesquisa e Extensão para a construção do
conhecimento universitário e para uma sociedade independente, cabe fazer a caracterização de cada
termo distintamente.
O Ensino é o processo de construção do saber e objetiva proporcionar ao aluno a apropriação do
conhecimento historicamente produzido pela humanidade, ou em outras palavras, a obtenção da
informação respaldada no conhecimento científico. Conforme dispõe sobre o ensino superior no
Estatuto das Universidades Brasileiras, obedecerá ao sistema universitário, como apresentado no seu
artigo primeiro:
o ensino universitário tem como finalidade: elevar o nível da cultura geral,
estimular a investigação científica em quaisquer domínios dos
conhecimentos humanos; habilitar ao exercício de atividades que requerem
preparo técnico e científico superior; concorrer, enfim, pela educação do
indivíduo e da coletividade, pela harmonia de objetivos entre professores e
estudantes e pelo aproveitamento de todas as atividades 22 universitárias,
para a grandeza na Nação e para o aperfeiçoamento da Humanidade
(FORPROEX, 1998).

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Pesquisa E Ações Extensionistas: Relação Transformadora Entre O Curso De Bacharelado Em Administração E O Território De
Identidade De Irecê

Pesquisa é caracterizada pela intervenção e investigação da comunidade acadêmica junto à sociedade,


onde deve ser respaldado na produção crítica do conhecimento científico, econômico, tecnológico,
político, étnico-cultural, artístico e literário (REGIMENTO UNEB, 2012, p. 6-7). Dentro dessa
perspectiva, além da Pesquisa, a Inovação respaldada no conhecimento científico também é essencial
para a materialização do saber, e a seguinte normativa regulamenta como será o seu
desenvolvimento:
Art. 145. A pesquisa e inovação serão desenvolvidas pelos Departamentos,
articulados com os Núcleos de Pesquisa e Extensão, Órgãos Suplementares
e Órgãos de Apoio Acadêmico Administrativo, em atendimento às
demandas emergentes da comunidade acadêmica ou externa, com vistas à
indissociabilidade entre o ensino, pesquisa e extensão, sob a supervisão da
Pró-reitora de Pesquisa e Ensino de Pós-Graduação, tendo como referencial
as diretrizes traçadas pelo CONSU, ouvido o CONSEPE (REGIMENTO UNEB,
2012, p. 65).
A extensão universitária constitui como um processo educativo, cultural e científico que articula o
Ensino e a Pesquisa e viabiliza a relação transformadora entre universidade e sociedade (FORPROEX,
1998). O objetivo da Extensão é garantir a relação transformadora entre Universidade e Sociedade,
em uma perspectiva de:
I-integração entre Universidade e sociedade;
II-trabalho interdisciplinar que favoreça a visão integrada do social;
III-produção e socialização de conhecimentos, oriundos do encontro de
saberes sistematizados, acadêmico e popular;
IV - instrumentalizadora do processo dialético de teoria/prática na formação
do cidadão; V - inserção da Universidade no contexto histórico social, com a
finalidade de propiciar ações acadêmicas de promoção e garantia dos
valores democráticos, de igualdade e de direitos humanos;
VI-organismo legítimo universitário para acompanhamento, implementação
e avaliação de políticas públicas voltadas para a maioria da população; e,
VII-difusora na circulação dos saberes históricos, artísticos e culturais
produzidos socialmente, mediadas pelas Tecnologias da Informação e
Comunicação (TIC) (REGIMENTO UNEB, 2012, p.67).
Não obstante, a Lei 9.394, de 1996, estabelece as diretrizes e bases da educação nacional e em seu
Art. 43. define que a educação superior deve: VII - promover a Extensão, aberta à participação da
população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa
científica e tecnológica geradas na instituição (MEC, 1996).

METODOLOGIA

Os procedimentos metodológicos empregados, utilizam um estudo descritivo do tipo relato de


experiência. Fachin (2003) afirma que, nesse tipo de estudo o pesquisador ao observar os fenômenos,

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Pesquisa E Ações Extensionistas: Relação Transformadora Entre O Curso De Bacharelado Em Administração E O Território De
Identidade De Irecê

busca conseguir resultados ao término da pesquisa, que permitam o entendimento destes


acontecimentos.
O conhecimento gerado e discutido no ambiente acadêmico deve fundamentar qualquer ação de
cunho acadêmico, dessa forma, se fez necessário se fundamentar a partir da abordagem teoria-
prática, do processo ensino-aprendizagem e da indissociabilidade entre o Ensino, Pesquisa e Extensão,
uma vez que estes pautam a relação transformadora entre a Universidade e a Sociedade.
O trabalho segue com três tópicos onde são descritas as experiências vivenciadas pelos estudantes. A
primeira diz respeito à participação na fundação da Empresa Júnior (EJ), chamada posteriormente de
Consultoria e Soluções Organizacionais – CONSOL; a segunda, a atuação na constituição do Diretório
Acadêmico (DA), nomeado posteriormente como Diretório Acadêmico de Administração Adalberto
Chiavenato; e a última experiência, sendo à participação em uma ação de natureza interdisciplinar,
sendo um projeto de Iniciação Científica com caráter extensionista, intitulado “Avaliação de Deposição
de Material Sólido Particulado sobre Processos Fisiológicos de Espécies da Caatinga” e por último o
tópico de considerações finais.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
EMPRESA JÚNIOR
Para consolidação do curso de Bacharelado em Administração na UNEB – Irecê e a garantia da
capacitação e preparação dos futuros profissionais para atuarem no mercado de trabalho, a
Consultoria e Soluções Organizacionais – CONSOL, foi fundada no ano de 2016, pela comunidade
acadêmica do curso de Bacharelado em Administração e Grupo Gestor do Campus XVI. A concretização
da implantação da empresa é resultado da busca incessante e permanente dos discentes, que se deu
também pela preocupação com a permanência do Curso de Bacharelado em Administração no
Campus XVI, por entender que exerce importância significativa para o TII.
De modo geral, as Empresas Juniores (EJs) incentivam o desenvolvimento de competências e aptidões
profissionais nos seus participantes, permitindo exercitar o espírito de liderança e a formação crítica
e reflexiva, devido à incorporação de hábitos e valores inerentes a seu campo de atuação através das
experiências vivenciadas. Nesse sentido, as EJs visam potencializar as experiências acadêmicas dos
estudantes, buscando formar alunos mais preparados para a entrada no mercado de trabalho.
Segundo o Estatuto CONSOL, no seu Art. 3º, a EJ tem por finalidade proporcionar a seus membros
efetivos as condições necessárias à aplicação prática de seus conhecimentos teóricos relativos à sua
área de formação profissional, aprimorar as suas habilidades e incentivar a capacidade
empreendedora dos discentes, proporcionando a ele uma visão profissional ainda na Universidade.

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Pesquisa E Ações Extensionistas: Relação Transformadora Entre O Curso De Bacharelado Em Administração E O Território De
Identidade De Irecê

Dessa forma, Emmendoerfer, Carvalho, & Pereira; Oliveira (2005) e Peres, Carvalho, & Hashimoto
(2004), a escolha de alunos de graduação a participar de EJs pode ser interpretada como parte de um
planejamento, no âmbito da construção da identidade profissional, voltado à futura inserção e
progressão no mercado de trabalho.
Segundo a Brasil Júnior (2015), a universidade possibilita ao empresário júnior inserir no ambiente a
cultura empreendedora na qual ele está imerso, nesse sentido, são responsáveis, não apenas pela
manutenção e crescimento da EJ, meio em que ocorre a vivência empresarial, como também se
relaciona com diversas instâncias no curso e na universidade.
Os autores participaram de forma integral e prática dos procedimentos para fundação da empresa,
citam-se os encontros para redigir o Estatuto Social, as Assembleias Gerais, as eleições, todos os
trâmites legais para o registro formal da Associação Civil junto ao Cartório de Registro de Pessoas
Jurídicas, além do pagamento de diversas taxas para a legalização da empresa, no qual, a UNEB – Irecê,
mediante parcerias estabelecidas, contribuiu para a concretização desta etapa. Essas experiências
vivenciadas foram semelhantes às abordagens teóricas de sala de aula, relacionadas a todo o processo
de regulamentação de uma empresa, sendo abordado pelos componentes curriculares: “Instituições
de Direito Público e Privado” e a disciplina de “Direito Empresarial”. “Teoria é prática intelectualmente
elaborada e Prática é teoria concretamente aplicada e significada” (NONATO JÚNIOR, 2009, p. 29).
No período do registro da CONSOL, foram realizados diversos eventos para sua promoção, tendo como
participantes os seus integrantes de fundação como também estudantes e comunidade acadêmica.
Após o seu registo foram firmadas parcerias com instituições do segmento empresarial, dentre elas,
Empresas Juniores, empresas locais, além de instituições que fomentam a política e desenvolvimento
empresarial, a exemplo do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - SEBRAE e a
Secretaria de Indústria e Comércio de Irecê. Dentre as contribuições da EJ para o desenvolvimento
econômico do TII, destaca-se a prestação de serviços de alta qualidade, realizado por futuros
profissionais da área de Administração, inteirados de estratégias de inovação e de gestão empresarial.
Após o registro da CONSOL foram realizadas algumas ações no âmbito acadêmico, a exemplo da
Primeira Semana Acadêmica que aconteceu no auditório do Campus XVI – Irecê, que recepcionou os
estudantes ingressantes do semestre 2018.1, das turmas dos cursos de Bacharelado em
Administração, Licenciatura em Letras e Pedagogia da Universidade do Estado da Bahia – Campus XVI,
recebendo também toda a comunidade acadêmica e comunidade externa, proporcionando um
ambiente receptivo e reflexivo, com abordagens e discussões de temas relevantes e atuais.

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Identidade De Irecê

Dentre as atividades realizadas após o seu registro, destacam-se os minicursos, cine-debates, oficinas
e palestras trazendo temas inerentes à sociedade atual, e ainda a participação na “IX EXPOAGRI” de
Irecê onde foi apresentado os serviços de suporte empresarial para os trabalhadores do campo. Todas
essas ações vivenciadas possuíram o objetivo de despertar os participantes de forma crítica,
incentivando-os a apresentarem questionamentos e indagações sobre as temáticas abordadas, onde
esses momentos ficaram marcados pela interação entre os participantes.
No âmbito das atividades oferecidas a comunidade do TII, a Empresa Júnior visa contribuir
significativamente sobre o desempenho da gestão das micro e pequenas empresas locais,
consequentemente aumentando os resultados organizacionais. Estas empresas usufruem de serviços
prestados com qualidade, adquiridos por um valor mais acessível ao do mercado.
Segundo o SEBRAE, as Empresas Juniores contemplam as necessidades de três clientes principais: os
Alunos, que se utilizam da interação entre os membros da empresa e da troca de conhecimento e
experiências para se desenvolverem pessoal, profissional e academicamente; as Empresas, que se
beneficiam com os projetos desenvolvidos pelos alunos, cujas características são a alta qualidade dos
trabalhos, garantida pela orientação dos professores, e o baixo investimento, uma vez que as
empresas juniores não visam ao lucro, assim, as empresas conseguem bons projetos a um custo muito
baixo; e o terceiro, as Universidades, que são favorecidas pela promoção da imagem institucional,
devido à divulgação realizada pelas Empresas Juniores.
Dessa forma, a experiência relatada contribuiu tanto para a formação acadêmica, quanto para o
exercício do sujeito crítico e reflexivo, pela integração que houve com atores sociais de áreas distintas
e que ocorreram nos seus espaços de atuação. Destaca-se ainda o engajamento frente as questões
socias, o que se torna relevante em aspectos de atuação da universidade à frente as problemáticas
existentes.

DIRETÓRIO ACADÊMICO DE ADMINISTRAÇÃO

Na sociedade há diversas entidades de representação dos mais variados segmentos sociais, porém
ambas possuem o mesmo caráter no que tange o objetivo, sendo ele respaldado na construção da
cidadania e na busca por ideais próprios. Na universidade não é diferente, os centros acadêmicos e
diretórios acadêmicos, dentre outras instituições semelhantes, são movimentos de representação
estudantil que atuam de forma a evidenciar o protagonismo dos estudantes, os incentivando a uma
formação cidadã e na busca por condições ideais para o desenvolvimento das atividades acadêmicas.
Para Ferreti, Zibas e Tartuce “[...] o protagonismo dos jovens/alunos, é um conceito passível de

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Pesquisa E Ações Extensionistas: Relação Transformadora Entre O Curso De Bacharelado Em Administração E O Território De
Identidade De Irecê

diferentes interpretações e, além disso, implica outros conceitos igualmente híbridos, como
participação, responsabilidade, social, identidade, autonomia e cidadania” (FERRETI; ZIBAS; TARTUCE,
2004, p. 413).
Se tratando especificamente do Diretório Acadêmico (DA), esta é uma entidade estudantil sem fins
lucrativos, formada por estudantes de um ou mais cursos. “Como qualquer modelo associativo, o DA
tem origem na movimentação conjunta de indivíduos que, pelo menos em princípio, declarem a
existência de interesses comuns” (BARNARD apud BASTOS et al., 2004; BASTOS; PEIXOTO, 2015).
Por definição da Lei n. 7.395, de 31 de outubro de 1985 (BRASIL, 1985), um DA é uma entidade
estudantil inserida dentro da Universidade, que atende e representa, inclusive juridicamente,
estudantes universitários de determinado curso.
No ano de 2018 os estudantes do curso de Bacharelado em Administração se mobilizaram com o
intuito de criar o DA do curso, incentivados pelo entendimento que essa instituição seria um espaço
que promoveria a defesa de seus interesses.
Durante o momento de elaboração do estatuto da entidade e constituição da comissão para conduzir
o processo eleitoral, aconteceram encontros periódicos que suscitam em discussões, debates e
reflexões de temas relevantes para os estudantes. Dewey destaca que “refletir é olhar para trás sobre
o que foi feito e extrair os significados positivos, que irão constituir o capital para lidar
inteligentemente com posteriores experiências” (DEWEY, 1938, p. 92).
No processo eleitoral, sempre se buscava um maior ajuntamento de pares para garantir a diversidade,
representatividade e diálogo, o que se constitui relevante em termos de ampliação de horizontes para
a criação de ideias. A comissão constituída conduziu o processo eleitoral de forma a garantir a
imparcialidade, organização e legitimidade, ficando incumbida por definir as regras da eleição,
incluindo a data limite para as inscrições das chapas e para a realização da eleição. Logo após as chapas
definidas, ocorreu o processo eleitoral, que envolveu a apresentação das propostas, através de
diálogos dos estudantes com as respectivas chapas.
Em seguida aconteceu a eleição e posteriormente a posse da primeira Coordenação do DA do curso
de Bacharelado em Administração. Esse momento representou muito para os estudantes
empenhados na causa, pois significou a concretização de todo o engajamento que houve em torno da
criação dessa entidade.
Destaca-se ainda que durante a assembleia de posse do DA do curso de Bacharelado em Administração
do UNEB – Irecê a entidade foi intitulada “Diretório Acadêmico de Administração Idalberto Chiavenato
(DAAIC)”, na oportunidade a coordenação ainda definiu o objetivo geral da sua gestão, que se

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Pesquisa E Ações Extensionistas: Relação Transformadora Entre O Curso De Bacharelado Em Administração E O Território De
Identidade De Irecê

constituiu em estimular a participação dos estudantes nas questões diretamente relacionadas ao


curso, a fim de despertar a sua criticidade e o incentivo a uma formação política. Bento e Ribeiro dizem
que “[...] um dos fundamentos filosóficos da criação do sistema formal de educação superior é a
preparação de líderes para o serviço à comunidade” (BENTO; RIBEIRO, 2009, p. 3).
Dentre as pautas de luta do DAAIC, estão a permanência do curso de Bacharelado em Administração
no Campus XVI em Irecê, por entender a sua significativa importância para o TII e o incentivo à
formação política dos estudantes enquanto geradora de autonomia e emancipação, além da
preocupação sobre as questões econômicas e sociais locais.
Em todos os momentos para a criação do DAAIC, desde as mobilizações discentes até as Assembleias
Gerais houve a participação integral por parte dos autores, por entender que esse movimento, além
de representar os interesses discentes, também seria um instrumento capaz de incentivar a formação
crítica e reflexiva.
Contudo, mediante a participação nessa experiência foi possível exercitar a formação política e cidadã,
através do incentivo a participação em mobilizações coletivas, respaldadas no princípio que rege os
direitos e deveres dos estudantes.

PROJETOS DE EXTENSÃO E DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA

O TII está inserido no semiárido baiano, localizado no Polígono da Seca, apresentando uma estação de
estiagem que perdura aproximadamente nove meses no ano, as chuvas são irregulares, podendo
variar de 200 a 1.000mm por ano. A escassez pluviométrica é o problema mais grave que a região
enfrenta, gerando a redução da produtividade ou a perda de plantações (MIRANDA, 2010).
Conforme Bastos (2006 apud MIRANDA, 2010), o bioma pertencente a Caatinga, vegetação que
permanece a maior parte do tempo na seca e aparentemente morta, na qual preponderam os
mandacarus, os xique-xiques, os facheiros, os umbuzeiros, as aroeiras, as quixabeiras, barrigudas entre
outras.
Quanto ao relevo, a região apresenta três áreas: o platô, área de localização de Irecê, ocupando cerca
de 60% da região, com solos férteis, onde se, porém, dependentes do período pluviométrico e
concentra a maior área de produção regional; os baixios, que contornam o platô do lado oeste e leste,
possuem água subterrânea e superficial, mas solos fracos; e a serra próxima à Chapada Diamantina
Setentrional, com clima frio e úmido, também com solos de baixa fertilidade.

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Identidade De Irecê

O INPE (2015) considera desmatamento "a conversão de áreas de floresta primária por atividades
antropogênicas para o desenvolvimento de atividades agropecuárias detectadas por plataformas
orbitais". Essa é a definição de desmatamento que se usará.
A região de Irecê, sempre foi destaque na produção agrícola, e o modelo de cultivo utilizado era
totalmente dependente das características biofísicas e climáticas, não havendo um manejo adequado
do solo com uso de práticas rudimentares, sendo a a mais comum a retirada da cobertura vegetal. O
Estado viabilizou financiamentos para aumentar a produção e atingir excelentes resultados na
colheita. Segundo Macêdo (2010), nas décadas de 60-70, teve o iniciou o desmatamento na região em
larga escala, o resultado em curto prazo foi o aumento da produtividade das culturas tradicionais
(feijão, milho e mamona) e a rápida propagação das técnicas e tecnologias consideradas responsáveis
por tal feito, ainda que isso fosse mais verdadeiro para aqueles proprietários de terras que já
dispunham de alguma soma de capital acumulado.
Pela falta de assistência técnica para um manejo adequado do solo, aliada a retirada da água do
subsolo de forma indiscriminada e irregular para ser utilizada na agricultura irrigada, observa-se um
acelerando processo de salinização e desertificação das áreas da Caatinga do TII. Nepomuceno, Lobão
e Vale, (2011) relatam que esses fatores foram culminantes para a situação atual da degradação dos
solos na região.
Diante deste contexto de desmatamento e degradação ambiental do bioma Caatinga no TII, foram
ofertados pelo Campus XVI projetos de pesquisas e de caráter extensionistas com a finalidade de
intervir sobre as problemáticas ambientais existentes.
O projeto de pesquisa no qual houve a participação foi intitulado: “Avaliação de Deposição de Material
Sólido Particulado sobre Processos Fisiológicos de Espécies da Caatinga”. As atividades foram
desenvolvidas de 2017 a 2018, pelos discentes do curso de Bacharelado em Administração, por meio
de bolsas de Iniciação Científica e contribuição voluntária, e teve como público-alvo, estudantes da
UNEB e a comunidade do TII onde os projetos foram realizados. A pesquisa versou sobre a análise da
degradação ambiental do TII e seus impactos para o meio ambiente e sociedade local. Dentre as ações
desenvolvidas estão à conscientização na comunidade local quanto a problemática, propagação e
plantio de mudas de espécies da Caatinga, frutíferas e as exóticas adaptadas buscando melhorias no
replantio de mudas e revegetação de áreas degradadas, apresentando ainda a comunidade onde o
estudo foi realizado os efeitos nocivos à saúde humana e natureza da deposição de material
particulado decorrente do desmatamento das áreas da Caatinga.

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As ações/etapas do projeto foram realizadas de forma planejada e gradual. Na primeira etapa, foi feito
a socialização de conhecimentos prévios relacionados à temática, tendo a presença dos discentes
vinculados ao projeto e a supervisão do professor orientador. Posteriormente foi feito o estudo
bibliográfico relacionado à temática, envolvendo áreas degradadas na região de Irecê, os aspectos
geo-ambientais e espécies de plantas típicas da região, em especial as resistentes a deficiência hídrica.
Em um segundo momento, já de posse de informações que foram assimiladas e fundamentais para
possibilitar a aproximação com a comunidade interna e externa a Universidade, aconteceu
mobilizações, inicialmente no DCHT – Campus XVI e logo após nas cidades circunvizinhas. Foram
realizados plantios de espécies nativas e adaptadas à Caatinga em recipientes reutilizados (GOMES;
AMORIM; OLIVEIRA, 2018).
Para o prosseguimento do projeto, na terceira etapa, os pesquisadores analisaram o Plano Territorial
de Desenvolvimento Rural Sustentável – PTDRS, onde é citado que os solos do TII estão degradados e
erodidos, vulneráveis ao processo de desertificação, os principais fatores culminantes foram:
desmatamentos e queimadas oriundos da agricultura irrigada; compactação dos solos, decorrentes do
uso de maquinário e equipamentos agrícolas; salinização dos solos, resultante da abertura de poços
artesiano para irrigação; e a comercialização irregular de madeira. Segundo Nascimento; Gonçalves
(2015 apud GOMES, AMORIM E OLIVEIRA, 2019) “em 2015, o TII registrou cerca de 524.000 hectares
de sua vegetação desmatada, resultante, sobretudo ao processo histórico de degradação, que ocorreu
principalmente pela ação do homem”.
Na quarta etapa da execução, os bolsistas e voluntários plantaram mais de 700 mudas de diferentes
espécies, entre elas: quixabeira (Sideroxylon obtusifolium), tamarindeira (Tamarindus), algaroboeira
(Prosopis juliflora), pinheira (Annona squamosa), goiabeira (Psidium guajava), mamoeiro (Carica
papaya), gravioleira (Annona muricata). As mudas foram distribuídas entre plantios no Campus XVI da
UNEB e em duas comunidades de duas cidades do TII. É importante destacar a importância da
participação dos discentes e da comunidade como um todo, pois estas ações têm o objetivo de
produzir conhecimentos complementares, a fim de possibilitar diversificação do conhecimento, além
de intervir sobre problemas que exercem influencias sobre a sociedade. De acordo com Gomes,
Amorim e Oliveira (2018), ao adentrar nos projetos interdisciplinares oferecidos pela Universidade, os
discentes, além de obter conhecimentos de outras áreas, puderam participar do processo de
recuperação e revitalização dos solos da região, dessa forma, contribuindo para o reequilíbrio do meio
ambiente e proporcionando uma melhor qualidade de vida aos indivíduos beneficiados pelos plantios

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de espécies nativas e frutíferas, além de gerar renda no longo prazo aos pequenos agricultores
familiares do TII.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As ações realizadas foram importantes para reafirmar a importância do curso de Bacharelado em


Administração para o Território de Identidade de Irecê, frente a atuação para resolução de
problemáticas locais. Embora o curso de Bacharelado em Administração seja caracterizado por se
dedicar as questões econômicas, percebe-se ainda o seu engajamento sobre as questões sociais,
políticas, ambientais e culturais, uma vez que estas devem estar diretamente interdependentes.
As vivências relatadas possuíram uma natureza interdisciplinar, pela integração de diversos campos
do conhecimento, a exemplo da área ambiental, de gestão e da educação, onde foi permitido adentrar
de forma planejada e focalizada em abordagens distintas da área habitual de estudo e atuação,
contribuindo assim para um maior conhecimento geral.
Conclui-se que, as experiências vivenciadas incentivam a formação de um sujeito crítico, reflexivo e
autônomo, preocupados com as questões sociais, exercitando assim, o papel que cabe ao estudante
e a Universidade na construção de uma Sociedade mais igualitária e que ofereça oportunidades e
condições digna de vida aos cidadãos.

FOMENTO

Os autores agradecem a Pró-Reitoria de Pesquisa e Ensino de Pós-Graduação (PPG), o Grupo de


Pesquisa em Administração e Desenvolvimento Territorial – GP ADT / CNPq, a Universidade do Estado
da Bahia (UNEB) pelo apoio na publicação deste trabalho.

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REFERÊNCIAS

BASTOS, Antônio Virgílio Bittencourt; PEIXOTO, Adriano de Lemos Alves. Organização. In:
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