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Nzau 2022
Sumário
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 3
UNIDADE I- NOÇÕES PRELIMINARES SOBRE A EPISTEMOLOGIA ................................................. 4
1.1-As Origens da Epistemologia ............................................................................................. 4
1.2-Etimologia do Conceito Epistemologia ............................................................................... 5
1.3-Pricipais Questões e Problemas da Epistemologia ............................................................. 6
1.4-Principais Movimentos da Filosofia da Ciência .................................................................. 8
1.4.1-O neopositivismo. ........................................................................................................ 8
1.4.2-A interpretação metafísica........................................................................................... 9
1.4.3-O racionalismo científico. ............................................................................................ 9
1.5-Outros Nomes da Epistemologia e Objectivos ................................................................. 11
1.5.1-Objectivos .................................................................................................................. 11
1.6-Os Métodos da Epistemologia .......................................................................................... 11
1.7-Estudos Recentes Sobre a Epistemologia ......................................................................... 13
1.8-Natureza Interdisciplinar da Epistemologia ..................................................................... 13
UNIDADE II- DEBATE SOBRE COMO É ADQUIRIDO O CONHECIMENTO .................................... 14
2.1-Principais Escolas .............................................................................................................. 14
2.2-Atitudes do Sujeito perante a Questão do Conhecimento .............................................. 15
2.3-Elementos Integrantes do Conhecimento: Sujeito, Acto e Objecto. ............................... 15
2.4-Função do Sujeito e do Objecto ....................................................................................... 16
2.4.1-Função do Objecto ..................................................................................................... 16
2.4.2-Função do sujeito ....................................................................................................... 16
2.5-O Conhecimento Como União Intencional ....................................................................... 17
2.6-Condições Subjectivas e Objectivas do Conhecimento .................................................... 18
2.6.1-Condições do Sujeito.................................................................................................. 18
2.6.2-Condições do Objecto ................................................................................................ 18
UNIDADE III- PSICOLOGIA GENÉTICA.......................................................................................... 19
3.1-Uma Noção Controversa: As Fases do Desenvolvimento da Criança .............................. 19
3.2-A Obra Teórica .................................................................................................................. 21
3.3-Os Princípios Da Psicologia Genética ................................................................................ 22
4.3.1-Adaptação e Inteligência............................................................................................ 22
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Epistemologia. Lubanzilanga M.C. Nzau 2022
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INTRODUÇÃO
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BLANCHÉ, Robert. A Epistemologia, 2ª Edição. Trad. De Natália Couto, Editorial Presença, Lda, Lisboa, S/d. Pp. 9-
16.
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2
CARVALHO, J. Eduardo, Metodologia do Trabalho Científico «Saber-Fazer» da Investigação para dissertações e
Teses», 2ª Edição, Escolar Editora, Lisboa, 2009, pág. 6.
3
DANCY, Jonathan, Epistemologia Contemporânea. Colecção O saber da Filosofia, edições 70, LDA, Lisboa -
Portugal, 2002, pág. 13.
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1.4.1-O neopositivismo.
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Segundo outro grande grupo de autores, a ciência é obra da razão humana, uma espécie
de máquina gerada por ela, cujas estruturas e leis internas é preciso descobrir. Enquanto o
interesse da interpretação metafísica dirigia-se à infra-estrutura ontológica da ciência, e o do
neopositivismo a seus conteúdos como tais, tomados em seu grau máximo de cristalização
objectiva, o esforço do racionalismo científico, por sua vez, tende a clarificar o sentido do
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1.5.1-Objectivos
A Epistemologia tende, pois a integrar-se no próprio sistema das ciências. Mas ela só
poderá então tornar-se científica se precisar os seus próprios métodos e delimitar os seus
problemas de maneira a poder tratá-los segundo os processos dedutivos ou experimentais.
Para se tratar utilmente tal ou tal aspecto do conhecimento matemático ou físico, etc.,
são requeridas com necessidades três condições5:
4
PIAGET, Jean, Lógica e Conhecimento Científico, 1º Volume, Colecção Ponte, Livraria Civilização - Editora, Porto,
Maio de 1980, Pp.62-65.
5
Ibid. P. 62.
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1ª É antes de mais naturalmente impossível dizer seja o que for de válido sobre a
natureza dos princípios, noções ou métodos de que se fala sem se conhecer o seu emprego
efectivo na sua disciplina considerada e sem os discutir directamente neste mesmo terreno.
2ª É cada vez mais geralmente aceite, embora não o tenha sido à partida por alguns dos
grandes fundadores da Epistemologia Contemporânea (Ex: Poincaré): toda a questão de
validade formal levantada no decurso da análise epistemológica resulta não de uma simples
intuição, mas da técnica logística (não se poderá pôr de lado a Lógica).
3ª Toda a análise epistemológica encontra, além das questões de validade formal, um
número maior ou menor de problemas de facto respeitantes ao papel e às actividades do sujeito
do conhecimento.
Com a distinção das três condições de toda a Epistemologia Científica, podemos então
classificar os métodos da Epistemologia Contemporânea sob três grupos igualmente. Os
primeiros dos métodos preenchem a primeira condição, os segundos métodos satisfazem as
duas primeiras condições e os terceiros dos métodos se esforçam por respeitar ao mesmo tempo
as três condições. E os métodos são:
1º Métodos de análise directa: são métodos da epistemologia que consistem, em
presença de um novo corpo de doutrinas científicas ou de uma crise que provoque uma
reformulação de certos princípios, em tentar determinar por simples análise reflexiva as
condições de conhecimento em jogo nesses acontecimentos.
2º Métodos de análise formalizantes: são métodos que, como os do empirismo lógico,
juntam a análise directa dos processos de conhecimento em exame das condições da sua
formalização e da coordenação entre esta formalização e a experiência.
3º Métodos genéticos: são métodos da epistemologia que procuram compreender os
processos do conhecimento científico em função do seu desenvolvimento ou mesmo da sua
formação.
E podem-se considerar duas variedades de métodos genéticos:
a)-O método histórico - crítico, que prolonga felizmente os métodos de análise directa,
remontando do exame de um corpo de doutrinas actuais ao estudo da sua formação; mas que,
pondo então o acento no desenvolvimento histórico, despreza frequentemente as considerações
de formalização.
b)-A epistemologia genética, que, por uma combinação de análises psicogenéticas e de
formalização das estruturas, procura atingir as condições psicológicas de formação dos
conhecimentos elementares e coordenar esses resultados com o estudo das condições de
formalização.
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Segundo Lalande
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presente, o que está diante do sujeito do conhecimento. No exemplo referido é óbvio o objecto
é a árvore.
No acto de conhecer, o objecto que está diante do sujeito, sem deixar de permanecer
diante (e como tal, fora dele), torna-se presente dentro do mesmo sujeito ou da consciência. A
árvore, sem que se mova do seu lugar, entrou em mim, tornando-se vista, isto é, conhecida.
O acto de conhecer começa pela determinação que o objecto exerce sobre o sujeito. Sem
esta determinação o sujeito permanece indeterminado ou indiferente para conhecer ou não
conhecer. É pela função que, em face do sujeito, o objecto exerce enquanto ob-jectum (lançado
contra, posto diante) que aquele é determinado a exercer o acto de conhecê-lo. O objecto exerce
esta função pela «impressão» que causa no sujeito.
Os efeitos que esta «impressão» do objecto produz no sujeito são dois rigorosamente, a
saber:
1º Fornece-lhe a determinação ou estímulo (impressiona-o) para emitir, por sua vez, o
acto de conhecer;
2º Fornece-lhe os dados (imprime-os nele), isto é, as características configurantes do
objecto, de que resultará a «imagem» dele: figura, cores dimensões, etc.
Em termos de uma teoria da causalidade, diríamos que o primeiro é efeito de uma
causalidade final (ou na ordem do exercício do conhecimento); e que o segundo é efeito de uma
causalidade exemplar (ou na ordem da especificação do conhecimento).
A esta «impressão» causada no sujeito, com este duplo efeito, chamaram os filósofos
escolásticos de «espécie impressa».
2.4.2-Função do sujeito
Uma vez «impressionado» pelo objecto, o sujeito reage com a sua acção própria. A sua
acção consiste na produção de uma representação do objecto, de uma «imagem», por meio da
qual torna presente a si o objecto enquanto objecto (ob-jectum). A essa forma representativa
chamaram os escolásticos «espécie expressa» (do latim, espécies = o que espelha algo;
speculum = espelho). Ela é a representação do objecto, com a sua carga de intencionalidade.
A análise reflexiva do fenómeno do conhecimento, tal como o experimentarmos, diz-
nos que conhecer implica, de facto, uma reacção da nossa parte, como sujeitos do
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que usamos para dizer que, depois de termos estudado uma dada disciplina, conseguimos
assimilar bem a sua matéria (de estudo). Assimilar é tornar semelhante (latim similis),
transformar o objecto em algo do próprio sujeito.
Para que um ser vivo seja capaz de conhecer precisa de preencher algumas condições.
Como decorre da precedente análise do processo do conhecimento, o ser vivo só se revela
capaz de conhecer na medida em que é dotado de:
a)- Uma certa transparência, isto é, uma abertura ao mundo objectivo, que permita aos
objectos transparecerem dentro dele, entrando em si pelas suas formas representativas, sem que
nada se altere na onticidade dos mesmos objectos. Em linguagem metafórica diríamos: não há
possibilidade de conhecer se o sujeito não possui «janelas» abertas para o mundo objectivo.
b)- Uma certa capacidade de interioriza em si a forma do objecto em matéria, a partir da
«impressão» nela causada pela materialidade do objecto, elabora a forma representativa
imaterial, isso que os escolásticos designam por «espécie intencional ou espécie expressa».
c)- Uma certa capacidade de redigir à impressão recebida ou imaterialização dos dados
dessa impressão. Não haveria produção da «espécie expressa» e, por isso, não haveria
intencionalidade ou referência ao objecto. Não haveria conhecimento.
d)- Tanto a transparência como a capacidade de interiorização imaterial como a
capacidade de reagir imaterializando supõem no ser vivo que conhecer uma certa
imaterialidade. Com efeito, o sujeito deve ter capacidade para de algum modo, imaterializar o
objecto, quando este é material, assumindo dele a forma sem matéria.
2.6.2-Condições do Objecto
Do lado objectivo, para haver conhecimento, requer-se essencialmente que ele seja
dotado de cognoscibilidade, que seja cognoscível. Em linguagem metafórica, diríamos que se
exige certa luminosidade. De facto, conhecer é deixar que o objecto se iluminasse, ou venha à
luz, no sujeito. Mas para que o objecto se faça luz no sujeito, precisa, ele próprio, de ser
luminoso. A luz que aflora na consciência é reflexo ou espelho (speculum, espécies) da
luminosidade do objecto. A cognoscibilidade é, pois, em todo o ser, a sua luminosidade. Nos
seres materiais e sensíveis, esta se traduz por sensibilidade (em sentido passivo = capacidade de
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ser captado pelos sentidos); em todos os seres (materiais e espirituais), traduz-se por
inteligibilidade.
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atingir diferentes equilíbrios que a conduzirão à vida adulta. A concepção piagetiana da fase faz
dela uma passagem gradual e natural pela qual a criança passa de uma inadaptação anterior a
uma nova adaptação, por um sistema de integração. Passa-se assim com o desenvolvimento
intelectual, com o juízo moral, com a génese dos números, com a evolução psicomotora. Cada
operação superior, cada passagem por uma fase se faz dentro de uma continuidade e um
progresso em que as aquisições de uma nova fase integram as aquisições anteriores (por
exemplo, as operações «superiores» -juízo e inteligência-estão em continuidade com operações
«inferiores» -desenvolvimento psicomotor) (MICHEL RICHARD, p.298). Cada uma destas
fases se encaixa por níveis de integração sucessivos que permitem que a criança construa as
aquisições. Esta continuidade e esta complementaridade explicam uma lógica de integração a
que se chamou, em Piaget, o seu «construtivismo». Esta teoria das fases baseia-se na hipótese
do carácter inelutável e necessário da adaptação da criança à mentalidade e à sociedade adulta.
Para ele, esta adaptação é um facto que não põe em causa e corresponde a um tipo de
explicação em psicologia, àquele que consiste em procurar a génese de um comportamento
num sistema de causalidade que o procede (MICHEL RICHARD, pp.298-299).
Ao invés de Piaget, o francês H. Wallon «constata» que o desenvolvimento da criança
se faz a partir de «períodos críticos» que exprimem estados de conflitos sucessivos e de modo
algum observa uma homogeneidade das fases de desenvolvimento, mas, pelo contrário, uma
descontinuidade na qual cada fase elabora comportamentos radicalmente novos em relação às
aquisições antigas. É, pois, por saltos qualitativos que a criança abandona uma fase, onde se
encontrava num equilíbrio provisório, para se empenhar numa nova que não realiza dentro de
uma continuidade, mas em rupturas. Wallon considera que o desenvolvimento da criança tem
um carácter dialéctico que permite pensar que os processos de crescimento conduzem a
mudanças qualitativas e não apenas quantitativas (MICHEL RICHARD, p.299).
À noção de fase, Wallon prefere a de «crise» que marca o carácter conflitual,
imprevisível dos diferentes momentos do desenvolvimento. Aquilo que concebe quanto à
criança, estende-o à espécie animal, às sociedades, à evolução das culturas e à História. Longe
de serem homogéneas e contínuas, as leis do desenvolvimento traduzem descontinuidades e
crises que fazem passar à criança de uma fase a outra por meio de rupturas qualitativas que
engendram comportamentos inteiramente novos em relação às anteriores.
Porém, Piaget rompe com esta teoria que considera demasiado universalizante.
Ao longo das vivas discussões entre os dois grandes filósofos, compreende-se até que
ponto uma teoria explicativa do desenvolvimento da criança pode servir de sistema de
compreensão para as mil observações que os psicólogos podem reunir da criança. Com efeito,
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esta psicologia sempre oscilou entre dois pólos extremos: um que consistia em acumular factos
e descrições dos fenómenos observados sem teoria explicativa global (foi essa a posição das
Escolas inglesa e americana), ao passo que o outro (Wallon) evitava a observação para
construir uma teoria global. Piaget parece ter-se situado num justo ponto de equilíbrio entre
estes dois pólos (MICHEL RICHARD, p.299).
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Piaget descobre que existe, no ser humano, uma analogia entre os principais
mecanismos de adaptação aplicados pela jovem criança e o desenvolvimento da sua
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Actos inteligentes
5ª Dos 12 aos -Descoberta dos meios novos pela experimentação activa do
18 meses sujeito;
-A acomodação prevalece sobre a assimilação;
-Condutas de apoio, da guita e do pau.
Actos inteligentes
6ª Dos18 meses -Invenção de meios novos por combinações mentais;
aos 2 anos -A acomodação é superior à assimilação;
-Acesso à representação.
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Para ele, a efectividade é um fundo energético que não se pode conhecer, pois é
produção pura, uma espécie de força no estado bruto que, sem o influenciar, subentende o
desenvolvimento sensorial-motor e intelectual. A psicologia genética deixa de lado a
efectividade para fazer a análise das estruturas da inteligência que são as únicas
verdadeiramente observáveis. A inteligência não é inata, mas adquirida, não está na origem,
mas é o resultado de uma evolução.
-O objecto é percebido,
0-2 Anos Inteligência sensorial-motora directamente pela percepção;
-Acção, imitação.
2-8 Anos Inteligência pré-operatória ou simbólica -Aquisição da imagem símbolo;
-Acção, imitação interiorizada.
-Representação imaginada e con-
7-12 Anos Inteligência operatória concreta ceptual;
-Irreversibilidade das operações.
12-15 Anos Inteligência operatória formal -Representação conceptual;
-Acesso à abstracção formal.
O
O PSICÓLOGO O LÓGICO EPISTEMÓLOGO
Observação do comportamento Observação do Histórico-crítico e
Método da criança. desenvolvimento da psicogenético.
razão.
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epistemologia científica livre de toda teoria filosófica, assim, como de qualquer contaminação
ideológica do conhecimento. Logo, não é tarefa da epistemologia perguntar “o que é o
conhecimento”, devendo esta constituir-se cientificamente, procurando assim situar-se na
presença das ciências que existem efectivamente. Portanto, para Piaget a questão
epistemológica fundamental é: “Como o conhecimento científico, quando bem delimitado,
procede de um estado de menor conhecimento a um estado considerado de maior
conhecimento?” (JAPIASSU 1986: 46). Nota-se assim que Piaget não concorda com o
posicionamento daqueles que defendem que o conhecimento seja inerente ao próprio sujeito,
como acreditam os inatistas. Por outro lado, ele discorda também da hipótese empirista que
defende que o conhecimento provenha unicamente do contacto do sujeito com seu meio.
O termo Epistemologia Genética adoptado por J. Piaget expressa não apenas um
programa técnico-científico, mas também a área em que ele situa a psicologia cognitiva, na
fronteira da filosofia, entendida principalmente como filosofia da ciência e em sua vertente
lógico-matemática. Ou seja, ao se inquirir se os processos lógicos têm autonomia perante a
cognição e, neste caso, sendo esta só apta a descobri-los, ou se a cognição os constrói, Piaget
opta pela última perspectiva. Afasta, todavia, as variações subjectivas de um psicologismo
ingénuo ou empiricista para buscar os aspectos universais desse “construtivismo”.
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A partir das pesquisas de Piaget o termo vai adquirindo um sentido cada vez mais
específico, como estudo dos processos de transição de estruturas cognitivas menos acabadas e
das próprias leis que governam a organização dessas estruturas que se sucedem ao longo dessa
evolução. Em breve é o estudo da génese e das estruturas do conhecimento. Esta conceituação
de Piaget envolve já uma perspectiva teórica - metodológica definida no sentido de um
estruturalismo genético.
Fontes: Duas ordens de postulações teórico-metodológicas constituem a plataforma dos
estudos que antecederam e preparam o advento da Epistemologia Genética de Jean Piaget: Uma
no plano da história da Epistemologia outra no plano da história da Psicologia.
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sujeito, através da relação activa deste com o mundo (JAPIASSU 1986: 54). Assim, disso
resulta a compreensão de que o conhecimento seja um processo interactivo, envolvendo o
sujeito e o meio onde este está inserido. Piaget fala de “estágios do desenvolvimento”, ou seja,
das etapas fundamentais da maturação cognitiva do sujeito em seu processo de crescimento e
interabilidade com o meio em que está inserido. Assim sendo, a aquisição de conhecimentos
depende tanto das estruturas cognitivas do sujeito quanto de sua relação com os objectos.
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1-Estágio sensório-motor
A criança busca adquirir coordenação motora e aprender sobre os objectos que a
rodeiam. Este é o período em que a criança capta o mundo pelas sensações; a criança ainda não
separa o eu do objecto, pois basicamente ele e o mundo são uma coisa só.
Em linhas gerais este estágio é o período que antecede a linguagem. Do nascimento a
aproximadamente um ano e meio - dois anos, a criança se encontra no estágio sensório-motor.
Nesta fase ainda não existem nem operações propriamente ditas, nem lógicas, mas onde as
acções já se organizam segundo certas estruturas que anunciam ou preparam a reversibilidade e
a constituição das invariantes.
O estágio sensório-motor é o período da "inteligência prática" porque é uma fase do
desenvolvimento cognitivo onde a criança não usa a linguagem, emprega apenas as suas acções
e percepções, daí a razão da denominação desse primeiro estágio, pois é a acção e a percepção
que estimulam o desenvolvimento das estruturas mentais.
Para Piaget, os dois primeiros anos de vida do ser humano são extremamente essenciais,
do ponto de vista do desenvolvimento, porque neste período a criança percorre uma evolução
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absolutamente complexa. Tudo leva a crer, segundo Piaget, que a criança quando nasce não
tem noção de que o universo em que ela se encontra é feito de objectos e que inclusive ela é um
objecto entre esses objectos.
Um bebé com 5 ou 6 meses de idade, "não apresenta nenhuma conduta de busca de
objecto que desaparece de seu campo visual". Com esse tempo de vida a criança ainda não
construiu a ideia de "objecto permanente", ou seja, ela ainda não atribuiu a noção de existência
aos objectos que não estão no seu campo perceptivo. A construção da ideia de que o universo
tem uma objectividade própria começa por volta dos 9 meses de idade e entre os 12 a 18 meses
aproximadamente o objecto se tornou permanente e dá lugar a uma conduta de busca
sistemática dos objectos que não se encontram ao alcance da sua visão. A constituição dessa
primeira invariante, que é o objecto permanente no espaço próximo, está ligada a uma
organização dos próprios movimentos e dos deslocamentos do objecto. Piaget, afirma que aí
existe, portanto, um início observável da reversibilidade prática.
2-Estágio pré-operatório
A criança adquire a habilidade verbal e simbólica. É o momento em que a criança
começa a nomear os objectos e a raciocinar intuitivamente; no entanto, ainda não consegue
realizar operações lógicas. Segundo postula Piaget, esta fase da criança é bastante egocêntrica e
ela já consegue fazer representações mentais de objectos.
Por volta dos dois anos de idade a qualidade da inteligência se modifica, ao contrário do
primeiro estágio onde agir e saber eram uma realidade só, na transição para o segundo eles se
separam e dá-se o início do "pensamento com linguagem, o jogo simbólico, a imitação
diferenciada, a imagem mental e as outras formas de função simbólica". Este estágio é também
conhecido como o estágio da representação e a criança permanecem nele, aproximadamente,
por cinco anos.
A representação é a capacidade que a criança adquire, por meio das construções
cognitivas, de pensar um objecto através de outro objecto. Além disso, esta representação é
crescente e consiste, em boa parte, numa interiorização progressiva daquelas acções que eram
executadas de forma senso-motora.
Neste estágio, a inteligência ainda é prática, mas agora, além de prática ela é uma inteligência
em representação e Piaget denominou de Pré-operatório porque significa que a criança utiliza a
representação, mas ela tem todo um trabalho de assimilação, acomodação e equilibração de
organizar essas representações num todo. E estas operações significam exactamente a
capacidade de organizar esse mundo das representações de forma coerente e estável, embora
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ela ainda não seja capaz de reverter essas operações; a reversibilidade só acontecerá nos
próximos estágios, os operatórios concreto e formal.
Segundo Piaget, neste segundo estágio, com a introdução ao mundo da linguagem, ao
jogo simbólico e as outras formas de função simbólica há um desenvolvimento notável das
estruturas mentais.
Enquanto no primeiro, "os esquemas da inteligência ainda não são, de fato, conceitos", no
segundo, a situação se altera "de uma forma notável; às acções simples, que asseguram as
interdependências directas entre o sujeito e os objectos, sobrepõe-se, em certos casos, um novo
tipo de acções, o qual é interiorizado e mais precisamente conceitualizado". E esta "passagem
das condutas sensório motoras para as acções conceitualizadas deve-se não apenas à vida
social, mas também aos progressos da inteligência pré-verbal em seu conjunto e à
interiorização da imitação em representações".
Piaget utilizou com frequência o termo egocentrismo associado a este estágio e foi
muito criticado por isso. Em sua obra, este termo não deve ser encarado como o da forma
habitualmente utilizado. Para ele, dizer que uma criança é egocêntrica não quer dizer que ela se
comporte como estivesse totalmente centrada nela, significa que ela tem dificuldades de
perceber o ponto de vista do outro. Em outras palavras ela percebe o ponto de vista do outro a
partir do seu próprio ponto de vista.
mundo, trabalhar o mundo e agir sobre o mundo; se no pensamento pré-operatório esta acção
passou a ser interiorizada, ou uma acção por representação; com o advento do pensamento
operatório a criança adquire a habilidade de pensar uma acção e reverter esse pensamento. Em
outras palavras, operação é uma acção interiorizada reversível e coordenada.
Como este é o estágio da inteligência operacional concreta, e como dito anteriormente
se refere aos primórdios da lógica, a criança faz uso da capacidade das operações reversíveis
apenas em cima de objectos que ela possa manipular, de situações que ela possa vivenciar ou
de lembrar a vivencia, ainda não existe, por assim dizer, a abstracção. Mas, estas operações,
"enquanto transformações reversíveis modificam certas variáveis e conservam outras a título de
invariantes". Percebe-se com isso um salto de qualidade essencial, uma diferença de natureza
do estágio anterior no desenvolvimento cognitivo e mais uma vez sem um começo absoluto
pois "o que é novo decorre ou de diferenciações progressivas, ou de coordenações graduais, ou
das duas coisas ao mesmo tempo."
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organização. É neste sentido experimental que a lógica depende da observação psicológica tal
como os outros fenómenos psíquicos. A psicologia genética não se limita a detectar fases de
desenvolvimento do pensamento, mas também explica os seus processos de construção.
Esta psicologia do conhecimento estabelece as formas e o devir das categorias lógicas, o
que explica que também seja um método. Se o pensamento da criança se desenvolve por
encaixes sucessivos, o desenvolvimento da inteligência implica uma espécie de filiação de
fases formais que organizam esse desenvolvimento, o que levou Piaget a deduzir da lógica
aquilo que constatava, empiricamente, no desenvolvimento do intelecto infantil.
Esta dimensão formal explica por que razão a psicologia de Piaget não é apenas
experimental, mas também «logicista», na medida em que estuda os conteúdos do
conhecimento, mas, sobretudo, as «formas a priori», os contornos lógicos. Foi em duas obras,
Tratado de Lógica (1942) e Ensaio de Lógica Operatória (1971) que tentou formalizar as
estruturas intelectuais da criança e foi levado a pesquisas lógicas.
Idade de
Desenvol- Inteligência Objecto Espaço Causalidade Tempo
vimento
-Não há -Espaço -Contactos -Não perma-
-Primeiros conduta com corporal e entre o meio nência das
reflexos os objectos; heterogéneo interno e séries de
1ª Fase: 1 -Coordenação pelos externo; objectos.
mês dos esquemas sentidos -Não há
visuais e (vista, tacto) ligações entre
auditivos. os espaços;
-sentimento
de eficiência.
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-Primeiros
hábitos adqui-
dos; -Idem. -Idem. -Idem. -Idem.
2ª Fase: -Dissociação
1-4 meses assimilação/ac
omodação;
-Reacções
respeitantes ao
corpo próprio;
-Olhar, escuta,
sucção;
-Conservação
de um
resultado que
se produz por
acaso.
-Adaptação -Início de Coordenação -Casualidade -Surgimento
senso-motora permanência dos grupos; mágica, de sérios
intencionais; que prolonga -Grupos eficácia do objectivos
-Diferenciação os movimentos subjectivos; desejo e da antese depois
assimilação/ac de -Não retorno intenção; e relativos à
3ª Fase: omodação; acomodação; ao biberão. -A casualida- acção
4-9 meses -Repetição e -Percepção da de é resultado própria.
intencionalidad permanência da acção
e; do objecto própria.
-Conservação dado à acção
dos resultados do sujeito:
de acção no
meio exterior;
-Sugar,
balouçar,
entregar.
-Coordenação -Procura activa -Passagem Exterioriza- -Início de
dos movimen- do objecto aos grupos ção e objecti- objectivação;
tos; desaparecido; objectivos; vação da -Séries e
4ª Fase: -Igualdade -Início de -Operações causalidade. sucessões
9-12 entre assimi- permanência reversíveis; marcadas da
meses lação e acomo- objectiva. -Grandeza acção própria
dação; constante dos do sujeito.
-Não acessibi- sólidos.
dade do objecti Reviravoltas
vo; sistemáticas.
-Dissociação
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meio/fim.
-Descoberta de -Representação -Representa- -Causalidade -Séries repre-
novos meios das ções representativ sentativas.
por pesquisas deslocações espaciais a.
activas; invisíveis; entre as
5ª Fase: -Compreensão -Permanência coisas;
12-18 das novidades do objecto; -Representa-
meses por elas -O objecto é ção das
mesmas; constituído. deslocações
A acomodação do corpo
dirige-se para a próprio.
assimilação.
Ao mesmo tempo em que as questões de lógica, Piaget está igualmente em busca das
condições do conhecimento e das leis do se desenvolvimento e organização (epistemologia) em
si mesmo e não apenas na criança. Como chegou a estas pesquisas que são habitualmente, o
domínio dos filósofos e dos epistemólogos? Na teoria piagetiana tudo se junta. Se o psicólogo
observa o desenvolvimento da inteligência, encontra, necessariamente, o problema da origem
do conhecimento. Além disso, vimos que, ao desprezar o desenvolvimento afectivo, Piaget é
levado a interrogar o que o sujeito conhecedor é, já não na criança, mas também no adulto em
geral. O que lhe interessa é a actividade prática e cognitiva do sujeito que acede ao
conhecimento e constrói a sua organização. Esta pesquisa das leis do conhecimento chama-se
«ciências cognitivas» ou «epistemologia genética».
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Evita duas tendências explicativas que para ele são escolhos. Recusa que o
conhecimento não passe de «empírico», ou seja, o simples reflexo (MICHEL RICHARD,
p.308) do mundo exterior. A inteligência não é passiva, pois conduz, activamente, a sua
organização e possui as suas leis próprias de desenvolvimento. Porém, inversamente, recusa
uma concepção «espiritualista» do sujeito conhecedor que afirma o inatismo do espírito e a
existência de um «cogito puro» (Descartes) anterior a qualquer prática, a qualquer
desenvolvimento concreto.
Nem empirista nem idealista, a posição piagetiana baseia-se no método histórico-crítico
(é na História que o pensamento existe) e psicogenético (o psicólogo pode observar a génese do
pensamento nos diferentes momentos originais, sensorial-motor, representativo, simbólico,
etc.). Ao retomar no conhecimento em geral aquilo que descobriu na elaboração da inteligência
na criança, concebe uma teoria, a da «abstracção que reflecte», que compreende o
desenvolvimento dos conhecimentos humanos não apenas como sendo uma acumulação de
saberes ou uma generalização de modelos ou leis; também não são descobertas súbitas, mas
construções trans-históricas de metas sistemas. Estes indicam os progressos da ciência e do
pensamento sob a forma de acções de descentrarem, de reconstrução e de coordenação que
permitem ao Homem a tomada de consciência de cortes e de saltos epistemológicos novos que
o saber humano produz. (MICHEL RICHARD, p.309)
Estes saltos (ou descontinuidades) não de devem ao acaso, nem estão submetidos à
arbitrariedade; indicam que a progressão do conhecimento da Humanidade se faz tal como o
desenvolvimento intelectual na criança: cada nova etapa no progresso do conhecimento se faz
pela coordenação de novas estruturas que engendram um novo momento do saber.
Assiste-se, assim, a uma mudança de escala, a uma organização do pensamento que
rompe com fase anterior, mas dentro de um processo de continuidade. Aqui, estamos no centro
da dialéctica de Piaget. Nem o espírito tal como em Hegel, nem oposição dos contrários tais
como em Marx, o pensamento é a interacção constante de um progresso do conhecimento que
produz, ao mesmo tempo, uma mudança real. Não há pensamento sem real, mas não há real
sem conhecimento. É este o «círculo epistemológico fundamental» onde pensamento e real são
relativizados um em relação ao outro numa concepção dialéctica. É por isso que Piaget é um
genetista, pois entre os indivíduos, tal como na História universal do conhecimento, indica que
(MICHEL RICHARD, p.309) há osmose, homogeneidade entre o que se conhece e aquilo pelo
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BIBLIOGRAFIA
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