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em Psicologia Social
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1
Sumário
1.0 PSICOLOGIA SOCIAL .................................................................................................. 4
1.1 Impacto da ciência na interação social ................................................................... 6
1.2 Viés Prescritivo da Teoria Psicológica .................................................................... 8
1.3 Teoria psicológica e mudança cultural .................................................................. 19
1.4 Implicações para uma ciência histórica do comportamento social ................... 24
2.0 PSICOLOGIA SOCIAL NO BRASIL ............................................................................... 31
2.1 Uma (breve) história da Psicologia Social no Brasil................................................. 32
2.2 A diversidade da Psicologia Social brasileira ............................................................ 37
2.2.1 A análise institucional ............................................................................................ 37
2.2.2 A Psicologia Sócio-Histórica ................................................................................. 39
2.2.3 A Teoria das Representações Sociais ................................................................ 41
2.2.4 Abordagens construcionistas................................................................................ 43
3.0 PSICOLOGIA SOCIAL E DISCIPLNAS AFINS ............................................................ 46
4.0 ABORDAGENS DA PSICOLOGIA SOCIAL E SEU ENSINO .................................... 52
4.1 Ciências naturais, ciências sociais e a Psicologia Social....................................... 56
4.2 As principais "tradições" da Psicologia Social ......................................................... 60
4.3 A "crise" da Psicologia Social: abordagens latino-americanas .............................. 65
4.4 Outras abordagens em Psicologia Social no Brasil ................................................. 71
4.5 Abordagem estrutural .................................................................................................... 73
5.0 IDENTIDADE NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL ................................................... 76
5.1 Identidade Pessoal ........................................................................................................ 77
5.2 Identidade Social ........................................................................................................... 81
5.3 Identidade no Trabalho ................................................................................................. 87
5.4 Identidade Organizacional ............................................................................................ 91
5.5 Distinção e Integração entre os Níveis de Análise ................................................... 96
5.6 Implicações para estudos organizacionais ................................................................ 99
6.0 O PAPEL DAS INSTITUIÇÕES NO DESENVOLVIMENTO..................................... 102
6.1 A influência das leis no meio social .......................................................................... 105
7.0 PSICOLOGIA INSTITUCIONAL .................................................................................... 117
7.1 A Psicologia Institucional de Bleger: uma visão Psicanalítica .............................. 121
7.2 A análise institucional de Lapassade: uma intervenção política .......................... 122
7.3 O Psicólogo e as Instituições ..................................................................................... 126
8.0 PERSEPÇÃO SOCIAL.................................................................................................... 128
8.1 A dimensão social da percepção .............................................................................. 133
8.2 A atenção conjunta ...................................................................................................... 135
2
8.3 Princípios teóricos de interpretação da atenção conjunta..................................... 138
9.0 ATRIBUIÇÃO DA CAUSALIDADE ................................................................................ 143
10.0 TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ......................................................... 147
11.0 A PSICOLOGIA SOCIAL E O PAPEL DO PSICÓLOGO NA SOCIEDADE
CONTEMPORÂNEA .............................................................................................................. 151
12.0 O PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO .......................................................................... 153
12.1 O indivíduo: ser social ............................................................................................... 153
12.2 Cultura ......................................................................................................................... 156
12.3 Agentes socializadores do processo de socialização .......................................... 158
12.4 Papéis sociais ............................................................................................................ 160
12.5 Identidade social e consciência de si mesmo ................................................... 163
13.0 PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO, GRUPOS E PAPÉIS SOCIAIS ...................... 166
14.0 PSICOLOGIA COMUNITÁRIA .................................................................................... 168
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1.0 PSICOLOGIA SOCIAL
4
explicação nas ciências do comportamento, DiRenzo (1966) apontou que uma
"explicação completa" nas ciências comportamentais "é aquela que assumiu o
estatuto invariável de lei" (p. 11). Krech, Crutchfield e Ballachey (1962)
declararam que "enquanto estivermos interessados em psicologia social como
uma ciência básica ou como uma ciência aplicada, um conjunto de princípios
científicos é essencial" (p. 3). Jones e Gerard (1967) propagaram esta visão: "a
Ciência busca compreender os fatores responsáveis por relações estáveis entre
eventos" (p. 42). Como Mills (1969) colocou, "psicólogos sociais querem
descobrir relações causais que permitam estabelecer princípios básicos que
explicarão o fenômeno da psicologia social" (p. 412).
5
químicos, por exemplo, são eventos altamente estáveis ao longo do tempo. São
eventos que podem ser recriados em qualquer laboratório, 50 anos atrás, hoje,
ou 100 anos depois. Porque são tão estáveis, largas generalizações podem ser
estabelecidas com muita confiança, explicações podem ser empiricamente
testadas e formulações matemáticas podem ser desenvolvidas com êxito. Se os
eventos fossem instáveis, se a velocidade da queda dos corpos ou a composição
dos elementos químicos estivesse em fluxo contínuo, o desenvolvimento das
ciências naturais estaria drasticamente impedido. Leis gerais não apareceriam,
e o registro de eventos naturais destinar-se-ia principalmente à análise histórica.
Se os eventos naturais fossem caprichosos, a ciência natural seria amplamente
substituída pela história natural.
Tal como Back (1963) mostrou, a ciência social pode proveitosamente ser
vista como um extenso sistema de comunicações. Na execução da pesquisa, os
cientistas recebem mensagens transmitidas pelo sujeito do experimento. Em sua
forma crua, tais mensagens geram apenas "ruído" para o cientista. Teorias
científicas servem como dispositivo decodificador que converte o barulho em
informação útil. Embora Back tenha usado esse modelo de várias maneiras
instigantes, sua análise termina no ponto da decodificação. Esse modelo precisa
ser estendido além do processo de coleta e decodificação das mensagens. A
tarefa do cientista é também aquela do comunicador. Se suas teorias provam ser
dispositivos úteis de decodificação, elas são comunicadas à população a fim de
que ela possa beneficiar-se de sua utilidade. Ciência e sociedade
retroalimentam-se.
6
Esse tipo de relação do cientista com a sociedade expandiu-se
progressivamente durante a última década. Canais de comunicação
desenvolveram-se rapidamente. No nível da educação superior, mais de oito
milhões de estudantes anualmente deparam-se com cursos oferecidos no
domínio da psicologia, ofertas que se tornaram, nos últimos anos, insuperáveis
em popularidade. A educação liberal de hoje exige familiaridade com as ideias
centrais da psicologia. Os veículos de comunicação de massa vêm também
satisfazer o vasto público interessado em psicologia. A imprensa monitora
cuidadosamente os encontros profissionais tanto quanto os periódicos da
profissão. Editoras acharam rentável apresentar a visão dos psicólogos sobre os
padrões contemporâneos de comportamento, e revistas quase exclusivamente
voltadas à psicologia ostentam hoje um total de mais de 600.000 leitores.
Quando acrescentamos a essas marcas a ostensiva expansão do mercado de
brochuras, a crescente demanda governamental por conhecimento justificando
o investimento público na pesquisa psicológica, a proliferação de encontros
técnicos, o estabelecimento de empreendimentos comerciais vendendo
psicologia através de jogos e pôsteres, e a crescente confiança das grandes
instituições (comerciais, governamentais, militares e sociais) depositada na
competência de seus cientistas comportamentais; começa-se então a sentir a
força do laço pelo qual os psicólogos encontram-se vinculados, em mútua
comunicação, à cultura que lhes envolve.
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Este argumento é mais evidente nas pesquisas sobre disposições
pessoais. A maioria de nós sentir-se-ia insultado se fosse caracterizado como
possuindo baixa autoestima ou alto grau de busca de aprovação, cognitivamente
indiferenciado, autoritário, compulsivo anal, dependente do campo, ou de
mentalidade fechada. Em parte, nossas relações refletem nossa aculturação.
Não é preciso ser psicólogo para ofender-se por tais rótulos. Mas, igualmente
em parte, tais reações são criadas pelos conceitos utilizados na descrição e
explicação de fenômenos. Por exemplo, no prefácio a The Authoritarian
Personality (Adorno, Frenkel-Brunswik, Levinson & Sanford, 1950), os leitores
são informados de que "em contraste com o intolerante de antigamente, (o
autoritário) parece combinar as ideias e as habilidades de uma sociedade
altamente industrializada a crenças irracionais e antirracionais" (p. 3). Discutindo
a personalidade maquiavélica, Christie e Geis (1970) notaram que
9
pelos respeitados acadêmicos como autoritários, maquiavélicos e assim por
diante. A comunicação do conhecimento pode, dessa maneira, homogeneizar os
indicadores comportamentais de disposições subjacentes. Num nível mais
complexo, o conhecimento dos correlatos da personalidade pode induzir o
comportamento a suprimir os correlatos. Não é estranho que muitas pesquisas
sobre diferenças individuais coloquem os psicólogos profissionais em alta conta.
Assim, mais os sujeitos assemelham-se aos profissionais - em termos de
educação, condição econômica, religião, raça, sexo e valores pessoais -, mais
vantajosas suas posições em exames psicológicos. Elevada educação, por
exemplo, favorece diferenciação cognitiva (Witkin, Dyk, Faterson, Goodenough
& Karp, 1962), baixo grau de autoritarismo (Christie & Jahoda, 1954),
mentalidade aberta (Rokeach, 1960) etc. Munidos dessas informações, aquelas
pessoas depreciadas pela pesquisa poderiam contrabalancear a fim de evadir-
se do estereótipo ofensivo. Por exemplo, mulheres que aprenderam que são
mais persuasíveis que homens (cf. Janis & Field, 1959) podem retaliar, e, ao
longo do tempo, a correlação é invalidada ou revertida.
10
levá-lo a ações sociais deploráveis. Com efeito, o conhecimento protege contra
a eficácia futura destes mesmos fatores. Pesquisas sobre mudança de atitude
frequentemente levam a essas mesmas implicações. Saber sobre a mudança de
atitude estimula a crer que se tem o poder de mudar os outros.
Consequentemente, outros são relegados ao status de manipuláveis. Assim,
teorias de mudança de atitude poderiam sensibilizar em direção à proteção
contra fatores que poderiam potencialmente influenciá-lo. Do mesmo modo,
teorias de agressão usualmente condenam o agressor, modelos de negociação
interpessoal desaprovam a espoliação e modelos de desenvolvimento moral
depreciam aqueles abaixo do estágio ótimo (Kohnlberg, 1970). A teoria da
dissonância cognitiva (Brehm & Cohen, 1966; Festinger, 1957) podia parecer
neutra, porém a maioria dos estudos nesta área tem apresentado o redutor de
dissonância em termos nada elogiosos. "Quão estúpido", dizemos, "que as
pessoas tenham que trapacear, tirar notas baixas em exames, mudar suas
opiniões sobre os outros, ou mesmo comer alimentos indesejáveis, apenas para
manter a consistência".
11
rigidez foi visto por eles como estabilidade; flexibilidade e individualismo na
nossa literatura foram vistos como falta de firmeza e excentricidade. Tais
rotulações enviesadas percorrem nossa literatura. Por exemplo, elevada alta-
estima poderia ser nomeada egoísmo; necessidade de aprovação social poderia
ser traduzida por necessidade de integração social; diferenciação cognitiva como
perfeccionismo; criatividade como desvio; controle interno como egocentrismo.
Do mesmo modo, se nossos valores fossem outros, conformidade social poderia
ser vista como comportamento solidário; mudança de atitude como adaptação
cognitiva; e o desvio em direção ao risco como uma conversão corajosa.
12
produto inevitável da existência social, e como participantes da sociedade
raramente nos dissociamos desses valores ao perseguir metas profissionais.
Além disso, se confiamos na linguagem da cultura para a comunicação científica,
é difícil encontrar termos dizendo respeito à interação social desprovidos de valor
prescritivo. Nós poderíamos reduzir as prescrições implícitas contidas em
nossas comunicações se adotássemos uma linguagem completamente técnica.
Entretanto, mesmo uma linguagem técnica torna-se avaliativa sempre que a
ciência é usada como veículo de mudança social. Talvez nossa melhor opção
seja mantermo-nos tão sensível quanto possível aos nossos vieses e comunicá-
los tão abertamente quanto possível. A defesa de valores pode ser inevitável,
mas podemos evitar mascará-la como reflexões objetivas da verdade.
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Eis aqui uma diferença fundamental entre as ciências naturais e sociais.
Formalmente, o cientista não pode comunicar seu conhecimento aos sujeitos de
seu estudo de tal forma que suas disposições comportamentais sejam
modificadas. Nas ciências sociais tal comunicação pode ter um impacto vital no
comportamento.
14
compreender algo envolve compreender sua contradição, alguém que,
inteligentemente, realiza X deve ser capaz de visualizar a possibilidade de fazer
não-X" (p. 89). Princípios psicológicos também sensibilizam os sujeitos a
influências que agem sobre eles e dirigem sua atenção a certos aspectos do
meio e deles mesmos. Nesse processo, seus padrões de comportamento podem
ser fortemente influenciados. Como May (1971) expôs mais apaixonadamente,
"cada um de nós herda da sociedade um fardo de tendências que nos modelam
inevitavelmente; porém nossa capacidade de ser consciente desse fato salva-
nos de sermos estritamente determinados" (p. 100). Dessa forma, o
conhecimento de signos não-verbais de estresse ou calma (Eckman, 1965)
habilita-nos a utilizá-los toda vez que nos é útil fazê-lo. Saber que pessoas em
problema são menos dispostas a serem ajudadas quando há um grande número
de espectadores (Latané & Darley, 1970) pode aumentar o desejo de oferecer
ajuda em tais condições. Saber que o estado de excitação pode influenciar a
interpretação de eventos (cf. Jones & Gerard, 1967) pode suscitar cautela
quando esse mesmo estado se encontra em grau elevado. Em cada caso, o
conhecimento aumenta as alternativas de ação, e padrões prévios de
comportamento são modificados ou dissolvidos.
15
em termos de "desejo do homem de ser livre", e vincularam esta disposição à
estrutura do desenvolvimento social. Brehm (1966) usou essa mesma disposição
como pedra angular de sua teoria da reatância psicológica. A prevalência desse
valor aprendido teve importantes implicações para a validade, a longo prazo, da
teoria psicossociológica.
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haver um grande valor atribuído à singularidade ou individualidade. A imensa
popularidade de Erikson (1968) e Allport (1965) pode se dever ao grande apoio
que esses autores dão a este valor, e recente pesquisa em laboratório (Fromkin,
1970, 1972) demonstrou a força desse valor na alteração do comportamento
social. A teoria psicológica, na sua estrutura nomotética, é insensível às
ocorrências singulares. Indivíduos são tratados como exemplares de classes
maiores. Uma reação comum é a de que a teoria psicológica é desumanizante,
e como Maslow (1968) notou, pacientes sustentam um forte ressentimento ao
receberem a rubrica ou serem rotulados com termos clínicos convencionais.
Similarmente, negros, mulheres, ativistas, suburbanos, educadores e idosos têm
todos reagido amargamente a explicações sobre seus comportamentos. Dessa
forma, podemos nos esforçar em invalidar teorias que nos seduzem por sua
aparência impessoal.
Até agora discutimos três modos através dos quais a psicologia social
altera o comportamento que ela pretende estudar. Antes de passarmos a um
segundo grupo de argumento em favor da dependência histórica da teoria
psicológica, devemos lidar com um importante meio de combate aos efeitos
descritos até agora. A fim de preservar a validade transhistórica dos princípios
psicológicos, a ciência poderia ser removida do domínio público e a
compreensão científica reservada a uma elite seleta. Essa elite seria,
evidentemente, cooptada pelo Estado, uma vez que nenhum governo poderia
admitir o risco da existência de um estabelecimento privado desenvolvendo
ferramentas de controle público. Para a maioria de nós, tal proposta é
17
repugnante, e nossa inclinação é, ao contrário, procurar uma solução científica
ao problema da dependência histórica. Muito do que se disse aqui sugere uma
resposta desse tipo. Se pessoas que são psicologicamente esclarecidas reagem
aos princípios gerais contra dizendo-lhes, ratificando-lhes, ignorando-lhes, e
assim por diante, então deveria ser possível estabelecer as condições sob as
quais essas várias reações ocorrerão. Baseado em noções de reatância
psicológica (Brehm, 1966), profecias auto realizadoras (Merton, 1948) e efeitos
de expectativa (Gergen & Taylor, 1969), poderíamos construir uma teoria geral
das reações à teoria. Uma psicologia dos efeitos de esclarecimento deveria
habilitar-nos a predizer e controlar os efeitos do conhecimento.
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responder apropriadamente, mas muito frequentemente irá emitir alguma
variação de "você só está dizendo que você não se importa porque você
realmente quer que eu faça". Nos termos de Loevinger (1959), "... um aumento
no controle parental é contrabalanceado por um aumento no controle filial" (p.
149). Em bom português, nomeia-se lhe psicologia reversa, e é frequentemente
malvista. Certamente, pode-se contar com pesquisa sobre reações à psicologia
dos efeitos de esclarecimento, porém rapidamente pode-se ver que essa troca
de ações e reações poderia ser estendida indefinidamente. Uma psicologia dos
efeitos de esclarecimento está sujeita às mesmas limitações históricas como
outras teorias de psicologia social.
19
durante os períodos finais. Parece clara a conclusão de que os fatores
mobilizadores do ativismo político mudaram com o tempo. Assim, qualquer teoria
do ativismo político construída de achados anteriores seria invalidada por
achados posteriores. Pesquisas futuras em ativismo político encontrarão ainda,
indubitavelmente, outros indicadores mais úteis.
20
Contrariamente, devemos concluir que a teoria é preditiva em razão do estado
atual das disposições aprendidas. Do mesmo modo, o trabalho de Schachter
(1959) sobre afiliação está sujeito aos argumentos elaborados a partir da teoria
da comparação social. O fenômeno da obediência de Milgram (1965) é
certamente dependente das atitudes contemporâneas frente à autoridade. Na
pesquisa sobre mudança de atitudes, a credibilidade do comunicador é um
potente fator porque aprendemos a confiar em autoridades na nossa cultura, e a
mensagem comunicada tornar-se dissociada de sua fonte com o passar do
tempo (Kelman & Hovland, 1953) porque, atualmente, não nos parece útil reter
a associação. Em pesquisas sobre conformidade, pessoas conformam-se mais
a amigos do que a não-amigos (Back, 1951) parcialmente porque aprenderam
que amigos punem comportamentos desviantes na sociedade contemporânea.
Pesquisas em atribuição causal (cf. Jones, Davis & Gergen, 1961; Kelley, 1971)
dependem da tendência culturalmente dependente a perceber o homem como a
fonte de sua ação. Essa tendência pode ser modificada (Hallowell, 1958) e
alguns (Skinner, 1971) de fato demonstraram que isso pode acontecer.
21
variações do comportamento humano ao longo do tempo. As pessoas podem
preferir roupas de cores abertas e alegres hoje e fechadas e sóbrias amanhã;
podem valorizar autonomia nessa era e dependência na próxima. Certamente, a
variação das respostas ao meio repousa em variações na função fisiológica.
Todavia, a fisiologia nunca pode especificar a natureza do estímulo ou do
contexto da resposta a que cada indivíduo está exposto. Não pode nunca dar
conta do contínuo deslocamento dos padrões do que é considerado bom e
desejável na sociedade, de uma série de fontes de motivação primária para o
indivíduo. Entretanto, ainda que a psicologia social esteja imunizada do
reducionismo fisiológico, suas teorias não estão isoladas da mudança histórica.
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Esta conclusão peca em dois pontos importantes. Muitos críticos da teoria
do reforço têm sustentado que a definição de recompensa (e punição) é circular.
Reforço é tipicamente definido como aquilo que aumenta a frequência de
resposta; aumento de resposta é definido como aquilo que reforça. Assim, a
teoria parece limitada à interpretação post hoc. Apenas quando a mudança do
comportamento ocorreu pode-se identificar o reforçador. A réplica mais
significante a esse criticismo reside no fato de que recompensas e punições
ganham valor preditivo tão logo são indutivamente estabelecidas. Assim, isolar
a aprovação social como um reforço positivo para o comportamento humano
depende inicialmente de uma observação post hoc. Contudo, uma vez
estabelecida como um reforçador, a aprovação social prova ser, no que concerne
à predição, um bem-sucedido meio de modificação do comportamento (cf.
Barron, Hecknmueller, & Schultz, 1971; Gewirtz & Baer, 1958).
23
gostaríamos que tentassem modelar nosso comportamento através de técnicas
de reforço, e inclinar-nos-íamos a quebrar a expectativa do ofensor. Em suma, a
elaboração da teoria do reforço não é menos vulnerável a efeitos de
esclarecimento do que outras teorias da interação humana.
24
dado à pesquisa pura pelos periódicos de prestígio e pela dependência de
promoção e manutenção de contribuições à pesquisa pura em oposição à
pesquisa aplicada. Esse preconceito baseia-se, em parte, na suposição de que
a pesquisa aplicada é de valor transitório. Enquanto está se limitaria a resolver
problemas imediatos, a pesquisa pura contribuiria para um conhecimento básico
e duradouro. Do ponto de vista atual, o solo no qual se assentam tais
preconceitos não é merecedor de respeito. O conhecimento que a pesquisa pura
se dedica em estabelecer é também transitório; generalizações nessa área de
pesquisa geralmente não perduram. A tal ponto que, quando generalizações da
pesquisa pura têm grande validade transhistórica, podem estar refletindo
processos de interesse periférico ou importantes para o funcionamento da
sociedade.
25
acadêmicos são frequentemente mais triviais, a linguagem explicativa é
altamente geral, e assim mais amplamente heurística. É assim que os
argumentos presentes sugerem uma intensa focalização em assuntos sociais
contemporâneos, baseados na aplicação de métodos científicos e ferramentas
conceituais largamente generalizadas.
Da Predição à Sensibilização
26
domínio da política pública ou dos relacionamentos pessoais, a psicologia social
pode aguçar a sensibilidade de um indivíduo para influências sutis e apontar
suposições sobre o comportamento que não se mostraram úteis no passado.
27
conjunto de comportamentos sociais. Simulando a preocupação de psicólogos
experimentais com processos básicos, como visão em cores, aquisição da
linguagem, memória e assim por diante, psicólogos sociais detiveram-se em
alguns processos, tais como dissonância cognitiva, nível de aspiração e
atribuição causal. Entretanto, há uma profunda diferença entre os processos
estudados nos domínios da psicologia geral experimental e no domínio da
psicologia social. No primeiro caso, os processos estão frequentemente
guardados biologicamente no organismo, não estão sujeitos a efeitos de
esclarecimento e não dependem de circunstâncias culturais. Ao contrário, a
maioria dos processos de domínio social é dependente de disposições sujeitas
a modificação ao longo do tempo.
29
normas correntes. Devemos pensar, então, em termos de um contínuo de
durabilidade histórica, com fenômenos altamente suscetíveis à influência
histórica num extremo e processos mais estáveis no outro.
31
psicóloga(o) deve ter. Umas(nos) baseiam-se nas leituras do Materialismo
Histórico e Dialético para estruturar suas pesquisas ou sua prática profissional.
Outras(os) preferem as leituras contracionistas ou ainda a Teoria das
Representações Sociais. Há psicólogos(as) sociais cognitivistas, behavioristas,
psicanalistas, comunitários... (Cordeiro, 2017; Cordeiro & Spink, 2014).
32
de "pulverização metodológica" e "abalo teórico" – afetou também outras áreas
do conhecimento, tal como a Sociologia. De acordo com o autor, as décadas de
1960 e 1970 foram marcadas por uma Sociologia que traduzia, inicialmente, o
declínio do impulso modernizante do pós-guerra. O enfraquecimento da fé na
igualdade de oportunidades, bem como o esgotamento das garantias de coesão
social pelo simples crescimento econômico, fez com que instituições – como a
escola, a prisão e a fábrica – fossem questionadas. No caso específico da
América Latina, o abalo teórico foi impulsionado, sobretudo, pela situação
política vivenciada por alguns países da região. Diante da repressão político-
cultural dos regimes autoritários e de uma profunda crise paradigmática,
começaram a ganhar espaço abordagens sociológicas "alternativas", como a
Sociologia Nacional, a Teoria da Dependência e a Teoria do Novo Autoritarismo
(Liedke Filho, 2003).
33
Foram, portanto, vários movimentos, várias críticas e vários acontecimentos que
criaram o solo epistêmico, social e político para que a chamada "crise de
referência" acontecesse, trazendo à tona a necessidade de refletir sobre o papel
da Psicologia em um contexto marcado pela violência de Estado, pela miséria e
pela desigualdade social.
34
polissêmico, que abriga teorias com posicionamentos epistemológicos,
ontológicos e políticos distintos. Nas palavras de Spink e Spink (2007), a
Psicologia Social Crítica é muito mais "uma frente de luta ampla do que um
movimento articulado; uma aliança de argumentos e práticas em vez de uma
escola." (p. 576). A despeito de suas divergências, no geral, essas abordagens
expressam seu caráter crítico de quatro maneiras: 1) se contrapondo às bases
epistemológicas do conhecimento, "recolocando a ciência como prática social
sujeita às vicissitudes dos fazeres humanos" (p. 577); 2) considerando a
centralidade da linguagem na produção dos conhecimentos (tanto dos científicos
quanto dos do senso comum); 3) radicalizando o potencial transformador da
ciência e 4) rompendo com o paradigma positivista de ciência.
35
Hoje, a ABRAPSO é responsável, entre outras coisas, por organizar
encontros locais, regionais e nacionais, bem como por editar livros e publicar a
revista Psicologia & Sociedade.
36
Quadro 1: Programas de pós-graduação com nome e/ou área básica em Psicologia Social
A história da Análise Institucional (AI) no Brasil não pode ser contada sem
considerar o contexto político dos países latino-americanos – principalmente, da
Argentina. De acordo com Cunha, Dorna e Rodrigues (2006), essa abordagem
37
começou a ser desenvolvida na França na década de 1960. Logo em seguida,
psicanalistas argentinas(os) entraram em contato com as obras de seus
principais expoentes – como René Lourau, Georges Lapassade, Giles Deleuze
e Félix Guatarri –, passando a utilizar as ferramentas teóricas e metodológicas
por eles propostas para promover transformações, de cunho libertário, nos
campos da saúde mental, educação e formação. Mas com o golpe militar de
1976, muitas(os) dessas(es) psicanalistas foram forçados ao exílio e
algumas(ns) se mudaram para o Brasil – tais como Gregório Baremblitt e
Osvaldo Saidón –, o que acabaria imprimido "marcas argentinas e psicanalíticas"
na AI brasileira.
Desde o final dos anos 1960, "o Setor" − alcunha pela qual ficou conhecido
− incorporou a AI francesa como um de seus referenciais, tendo recebido, em
1972, a visita de Georges Lapassade.... Visita "intempestiva", por sinal, para os
tempos ditatoriais, visto que a AI francesa constitui pensamento/prática tendente
ao marxismo libertário e/ou ao anarquismo, e Lapassade fora, além do mais,
ativo militante do movimento de maio de 1968, enfatizando, à época da estada
no Brasil, temas como o anticolonialismo, a afirmação da homossexualidade e a
denúncia do racismo. (Cunha, Dorna & Rodrigues, 2006, p. 3).
38
negados) pela Psicologia de então, tais como alfabetização de adultas(os),
saúde pública, antipsiquiatria, análise de discurso e de conteúdo,
psicossociologia francesa, práticas comunitárias e a relação entre Psicologia e
poder. Além disso, oferecia treinamento em dinâmica de grupos e comunidades
terapêuticas, realizava levantamentos socioeconômicos, intervenções
psicossociologias, pesquisas de opinião e de atitudes, preocupando-se sempre
"em produzir uma psicologia social comprometida com as necessidades da
população, especialmente com as classes populares. E é justamente a partir das
intervenções realizadas junto a diferentes movimentos e grupos que a Psicologia
Social do Setor vai sendo construída." (Cunha, Dorna & Rodrigues, 2006, p. 5).
39
A "Psicologia Sócio Histórica" (ou "escola de São Paulo") começou a ser
desenvolvida por um grupo de professoras(es) e estudantes da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Insatisfeitas(os) com os rumos
que tomavam as pesquisas e intervenções psicossociais na década de 1970,
lideradas(os) por Silvia Lane e fortemente influenciadas(os) pela Psicologia
Histórico-Cultural de Vigotski, essas(es) pesquisadoras(es) buscavam se
contrapor às dicotomias (como indivíduo/sociedade e teoria/prática) sustentadas
pelo modelo positivista de ciência e construir uma Psicologia comprometida com
a transformação da realidade brasileira. Ou seja, buscavam construir uma
Psicologia que considerava o "conhecimento científico como práxis, unidade
entre saber e fazer" (Bock, Ferreira, Gonçalves & Furtado, 2007, p. 48), na qual
teoria e prática deveriam ser vividas sempre como militância. Para isso,
propunham adotar uma nova concepção de "homem": o "homem" social e
histórico, bem como um novo método: o materialismo histórico e dialético (Lane,
1984/2007).
40
e, para isso, propunha o desenvolvimento de ações de caráter educativo-
preventivo e ações de atendimento ambulatorial (Andery, 1984). Segundo Bock,
Ferreira, Gonçalves e Furtado (2007), alunas(os) da PUC-SP naquele período,
os trabalhos de Osasco permitiram um profundo questionamento tanto da
metodologia quanto da teoria da psicologia social. Recuperou-se a experiência
já consagrada de Paulo Freire com sua obra "Pedagogia do oprimido", leu-se
Alberto Merani, debateu-se a necessidade e preponderância do método
qualitativo de pesquisa, falou-se em pesquisa-ação o ou pesquisa participante.
Questionou-se profundamente o parâmetro teórico da psicologia social. De uma
hora para outra, apenas a discussão crítica da Psicologia Social americana não
era mais suficiente. (p. 48, destaque dos autores)
O termo "representações sociais" foi utilizado pela primeira vez por Serge
Moscovici em Psychanalyse: son image et son public (1961) para se referir aos
saberes populares e do senso comum, elaborados e partilhados coletivamente
com o objetivo de construir e interpretar o real (Oliveira & Werba, 2007).
Moscovici havia percebido que os meios de comunicação difundiam uma série
41
de conceitos psicanalíticos e que esses eram incorporados à linguagem
cotidiana de diferentes grupos sociais de uma forma bem "livre", sem fazer
referência alguma à fundamentação teórica original. Havia percebido também
que, nesse movimento, conceitos complexos eram transformados em
conhecimento acessível, útil para dar sentido à realidade e justamente é esse
processo de transformação de noções acadêmicas em ideias do senso comum
que o autor enfoca nessa obra (Álvaro & Garrido, 2006).
42
autônomos em suas atividades de ensino –inicialmente em nível de pós-
graduação, mas hoje também na graduação – e de produção de conhecimento
nesse domínio da psicologia social." (p. 598). Desse modo, segundo o autor,
embora os vários grupos já consolidados de pesquisa ainda mantenham
parcerias com países europeus, há um crescente esforço de associação e
cooperação internas, cujos resultados têm se mostrado mais evidentes nas
atividades do Grupo de Trabalho sobre Representações Sociais, da Associação
Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP) e nas
Jornadas Internacionais sobre Representações Sociais. Esse esforço de
cooperação resultou, também, na criação de centros e redes de pesquisa, tais
como o "Centro Internacional de Estudos em Representações Sociais e
Subjetividade – Educação" (CIERS-ed), o "Centro Internacional de Pesquisa em
Representação e Psicologia Social ‘Serge Moscovici'" e a "Rede Internacional de
Pesquisa sobre Representações Sociais em Saúde" (RIPRES) (Jodelet, 2011) 3.
Segundo Jodelet (2011), hoje, podemos até mesmo falar em uma "escola
brasileira" da TRS . Afinal, já temos um "um grupo de pesquisadores unido por
um mesmo estilo e uma mesma preocupação ou orientação" (p. 22). Para a
autora, apesar de possuírem divergências teóricas e metodológicas, as(os)
pesquisadoras(es) que fazem parte dessa "escola" têm em comum a
preocupação de entender os (e intervir nos) problemas sociais de seu país. Em
suas palavras: os trabalhos são desenvolvidos essencialmente em torno de
temas ou domínios chamados de "aplicação", mas que em efeito, são domínios
onde surgem problemas sociais importantes: educação, saúde, ambiente,
política e justiça social, movimentos sociais, memória e história... essa
orientação social é característica de uma "escola" radicalmente diferente da
perspectiva das escolas europeias. Estas se dedicam a processos e temas
definidos de maneira teórica para enriquecer a teoria, afinar as metodologias, no
laboratório ou no campo; ou para oferecer novas vias de análise dos fenômenos,
conceitos e temas da disciplina "psicologia social", opondo-se as correntes
tradicionais. (p. 22).
43
Em texto publicado em 1985, no American Psychology, Kenneth Gergen
define a investigação construcionista como aquela que se preocupa com a
explicitação dos processos por meio dos quais as pessoas descrevem e
explicam o mundo em que vivem. Não é propriamente uma teoria, mas um
movimento de questionamento das formulações representacionistas sobre
produção de conhecimento, que perpassa diferentes campos do saber, tais
como a filosofia, a antropologia, a sociologia, a física e a própria Psicologia Social
(Spink & Spink, 2007).
44
elas são. Sustenta que a verdade, o bom e o correto são construções sociais
(Iñiguez, 2008). Essa é, portanto, uma postura relativista, mas não no sentido de
"um idealismo desenfreado porque, ao assumir que nossos critérios para definir
valores e verdades são construções nossas, a nossa responsabilidade de adotar
posturas éticas e assumir valores aumenta." (Spink & Spink, 2007, p. 578).
45
por principal referência. A interlocução com o Taos Institute se deu por meio de
visitas de pesquisadores à Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão
Preto, sobretudo Sheila McNamee, e por meio da realização de estágios
sanduíche em universidades norte-americanas com linhas de pesquisa
inspiradas nas reflexões construcionistas. Nesse âmbito, um marco importante
foi a tradução do livro "Terapia como construção social" publicada em inglês em
1992 e traduzida para o português em 1998 (McNamee & Gergen, 1998).
46
estudo científico da maneira como as pessoas pensam, influenciam e se
relacionam umas com as outras (MYERS, 2000).
47
- A importância da cognição: as pessoas reagem de maneiras diferentes em
parte porque pensam de maneiras diferentes. Sempre importa como
raciocinamos intuitivamente. A maneira como reagimos ao insulto de um amigo
depende de como explicamos o fato: um reflexo de hostilidade ou apenas um
mau dia.
48
• Psicologia social e sociologia
49
• Psicologia social e psicologia da personalidade
51
da qual podemos nos considerar e compreender, mas não é a única (MYERS,
2000).
52
individual, familiar, grupal, comunitário, institucional e até mesmo nacional ou
internacional.
53
Como explicam Ávaro e Garrido (2006, p. 06), tende-se a confundir
abordagens sociais em Psicologia com a disciplina científica Psicologia Social
pela sua própria rotulação. Stralen (2005, p. 94) complementa que, no Brasil, tal
confusão ocorre também: a) pela formação de psicólogos sociais dar-se em
cursos de graduação em Psicologia; b) pela diminuição cada vez maior do
número de disciplinas de Psicologia Social em cursos de ciências humanas e
ciências sociais aplicadas; c) pela ação do Conselho Federal de Psicologia
(CFP), que regulamenta supervisão de estágio supervisionada por psicólogos
inscritos nos Conselhos de Psicologia, o que dificulta a contratação universitária
de psicólogos sociais não graduados como psicólogos.
54
humanas e sociais esbarra na dificuldade de estabelecerem-se limites rigorosos
entre tais ciências. Nessa linha, Rodrigues (1978) expõe aspectos comuns entre
a Psicologia Social e a Sociologia, Antropologia Cultural, Filosofia Social e outros
setores da Psicologia, descrevendo que cada disciplina possui objeto formal
distinto de estudo, que delimita o campo de cada uma delas, mas que por se
tratar de áreas afins, possuem interseção bastante nítida em seu objeto material.
Um exemplo dado por Rodrigues é o da delinquência juvenil: este objeto material
pode ser estudado segundo distintas abordagens disciplinares, variando a
ênfase, a unidade de análise e os métodos empregados, mas "a diferença é,
para todos os efeitos práticos, inexistente" (Rodrigues, 1978, p. 09-10).
55
Diante de tais questões, este artigo visa localizar a emergência da
Psicologia Social em suas diferentes abordagens, contextualizando-a dentro dos
paradigmas das ciências sociais e sua posterior evolução, com o objetivo de dar
subsídios aos estudantes de graduação e pós-graduação a respeito das distintas
vertentes que a disciplina oferece atualmente. Para tanto, faremos uma breve
recapitulação do destacamento das ciências sociais das naturais no final do
século XIX, localizando a Psicologia Social dentro desse cenário. Em seguida,
faremos uma didática apresentação das vertentes mais proeminentes na
disciplina, mostrando período e país de origem, e abordaremos a "crise" na
Psicologia Social nos anos 1960. Então dissertaremos a respeito das linhas
contemporâneas – incluindo aquelas utilizadas na América Latina e Brasil, dando
maior destaque à Psicologia Social comunitária.
56
(1561-1626) os fundadores do método experimental: observação de fatos,
proposição de hipótese e verificação por meio de experiências controladas. O
reforço desse tipo de método veio no século XIX, com a emergência do
Positivismo, com seu rigor e acento na universalidade e objetividade científica.
Álvaro e Garrido (2006) localizam a Psicologia Social nesse contexto mais amplo
da diferenciação das ciências sociais. E relembram dois aspectos importantes,
que destacamos no trecho abaixo:
57
cientistas do que à ciência em si, pois as barreiras entre Psicologia, Sociologia
e Psicologia Social eram tênues e havia muitas intersecções entre elas.
58
No entanto, se levarmos em consideração a Psicologia Social do ponto de
vista da implementação de métodos, técnicas de pesquisa e construção
conceitual (Krüger, 1986, p. 11), remontaremos às obras publicadas por Small e
Vincent em 1894 (num manual de sociologia), Gustave Le Bon em 1895, Gabriel
Trade em 1898, o início do curso de Psicologia Social ministrado por George H.
Mead em 1900, a obra de Charles Ellwood em 1901 e, por fim, Felix Le Dantec
em 1911. No entanto, como lembram Álvaro e Garrido (2006, p. 40), credita-se
o início da Psicologia Social como ciência independente com as obras de William
McDougall e de Edward A. Ross, ambas em 1908 e contendo no título
"Psicologia Social".
Para Corga (1998), a Psicologia Social é uma disciplina que tenta entender o
Homem em seu contexto social, mas entre suas diferentes abordagens parece
59
ter em acordo apenas o nome. Sua pluralidade (que gera tensões e divisões)
deve ser observada segundo dois tipos de diversidade:
60
comunidade, tal qual suas marcas, como as características pertencentes a este
grupo, e que, portanto, o diferencia dos demais (Corga, 1998, p. 70).
61
Farr (1998) aponta Asch como um dos precursores da Psicologia Social
cognitiva, nos EUA. No entanto, por ter boa parte de suas idéias inspiradas na
Gestalt, Corga (1998) o localiza ainda sob as influências desta última, e não da
Psicologia Cognitiva.
62
1974; Festinger et al., 1950/1963), com sua teoria de "comparação social" e
"dissonância cognitiva"; a "teoria do intercâmbio social", de Thibaut e Kelley
(1959/1967); as pesquisas sobre a "Personalidade Autoritária", de Adorno et al.
(1950/1965); os trabalhos do sociólogo Homans (1951), com a teoria do
intercâmbio e a proposta de uma análise sociológica alternativa ao
funcionalismo; e as contribuições de Asch nas investigações sobre as minorias.
63
Émile Durkheim (com seus conceitos de representação individual e coletiva), que
critica duramente a Psicologia, mas que acrescenta:
64
Associação Européia de Psicólogos Sociais Experimentais, que fora liderada por
personalidades proeminentes como Tajfel e Moscovici. Segundo Farr (1998),
Cartwright chega a influenciar até mesmo no apoio ao estabelecimento da
Psicologia Social no Japão.
65
denominado de "crise da Psicologia Social". Os questionamentos vieram de
vários lados e os artigos e livros produzidos nessa linha
Corga (1998, p. 152-154) aponta que tais críticas tinham como foco
principal o questionamento do laboratório como ambiente de produção científica,
complementando que passou-se a problematizar os avanços dos experimentos
em laboratório em detrimento da relevância do que se estava produzindo para o
enfrentamento de problemas sociais. Lane (1981, p. 78-80; 2006, p.67-8)
descreve que as críticas dirigiam-se principalmente ao caráter ideológico e
mantenedor das relações sociais das teorias e técnicas que vinham sendo
produzidas e que, na América Latina, mais um fator veio contribuir para reforçar
os questionamentos sobre teorias e metodologias: o caráter político da
Psicologia Social e da atuação dos psicólogos diante das ditaduras militares.
66
1979, por meio do I Encontro de Psicologia Social, sediado em São Paulo, com
o tema "Psicologia Social e Problemas Urbanos", e sua fundação oficial veio em
Julho de 1980, no Rio de Janeiro, durante a 32ª Reunião Anual da Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) (Abrapso, 2009).
67
Diante desse campo emergente, Freitas (1999, p. 50) agrega que o tipo
de práxis da Psicologia Social comunitária vem se desenvolvendo por duas
preocupações básicas: a) a construção do conhecimento, que configura esse
campo. b) Aquela comprometida explicitamente com a transformação da
realidade. Nessa linha, Montero (2004a, p. 53) argumenta que os modelos
construídos dentro dessa abordagem são tratados em seis frentes: prático-
teórico, ontológico, epistemológico, metodológico, ético e político.
68
Um dos impulsionadores das vertentes críticas aos modelos vigentes em
Psicologia Social foi Martín-Baró (1998; 1999; 2001), com suas contundentes
colocações a respeito da disciplina e do caráter histórico das teorias, do caráter
ideológico das práticas dos psicólogos e do ético-político a ser adotado na
atuação transformadora. Como exposto por Blanco (1998), Martín-Baró propõe
a atuação do psicólogo por meio do compromisso pela emancipação,
desideologização e bem-estar, o que configuram a própria libertação. Adotando
a ideia de conscientização de Paulo Freire, Martín-Baró (2001, p.169-172) afirma
ser este o horizonte primordial do fazer dos psicólogos, trabalhando-se pela
desalienação da consciência social. Ao falar sobre a consciência, o autor a
descreve da seguinte maneira:
69
Dentro dessa perspectiva de atuação comprometida com a realidade,
Montero & Martín-Baró (1987) entendem que este campo teórico e metodológico,
de processos políticos e de formas de intervenção psicopolítica são,
eminentemente, marcantes da Psicologia Política – uma outra vertente da
Psicologia Social. A Psicologia Social comunitária latino-americana (ou
Psicologia Comunitária, como preferem denominar alguns grupos brasileiros)
desenvolveu-se em algumas direções, enquanto a Psicologia Política veio se
desenvolvendo por outros caminhos, apesar de haver intersecções dentro das
perspectivas atuais em ambas, como lembra Freitas (2001).
Como vimos até este momento, após a "crise" da Psicologia Social, muitos
psicólogos passaram a atuar com base em teorias mais condizentes com a
realidade latino-americana. Não obstante já exista produção prático-teórica
70
relevante na área, para Corga (1998) essa vertente não é tratada como "tradição"
por ainda não possuir sedimentação paradigmática suficiente, tal qual aquelas
citadas anteriormente. Em suma, temos mais estas duas correntes compondo a
gama de opções prático-teóricas da Psicologia Social:
71
J) a corrente nomeada como Psicologia Social crítica (ou Psicologia
Crítica), que adota discussões de autores marxistas, neomarxistas e da Escola
de Frankfurt (Lane, 1981, 2006; Lima, 2010; Monteiro, 2006).
72
acima e que recebem o devido valor em seus respectivos centros de estudos,
manuais e livros da área. Todas as tradições e correntes teriam,
paradoxalmente, um mesmo ponto em comum e de litígio: a relação indivíduo-
sociedade. Segundo Corga (1998, p. 240), todas essas abordagens são
consideradas como pertencentes à grande disciplina Psicologia Social por tentar
estudar o indivíduo psicológico e a sociedade num único objeto, deixando de
lado tanto a supremacia do psicologismo quanto do sociologismo, por meio de
metodologias quantitativas e qualitativas.
73
construídas pelo grupo em função do sistema de normas ao qual o mesmo está
sujeito que, por sua vez, estão relacionadas às condições históricas,
sociológicas e ideológicas desse grupo.
74
evitando, assim, que o significado central das representações, para aquele
grupo, seja colocado em questão.
- Função de saber.
-Função identitária.
-Função de orientação.
- Função justificadora.
75
Tais representações podem ser de um determinado grupo quando
práticas, vivências, classe social são elementos partilhados por esse grupo. A
organização dessas “teorias da realidade” pode se relacionar com outras visões
que o humano tem a respeito do tema pesquisado (CARBONE & MENIN, 2004).
76
Embora se estabeleça essa diferenciação para fins de estudo, há uma
ligação entre as distintas formas estabelecidas, pois todas elas estão
embasadas no comportamento de indivíduos ou grupos. Mesmo a identidade
organizacional, que parece mais centrada nas organizações, só pode ser
explicada a partir do comportamento humano nas organizações. Entretanto a
distinção é importante para fins de análise, pois cada uma das classificações
contém elementos próprios, que melhor possibilitam a sua compreensão. Nessa
perspectiva, apresentam-se, a seguir, abordagens sobre cada um desses níveis
e, na sequência, suas interfaces, iniciando-se assim pelas considerações acerca
da identidade pessoal.
77
A dinâmica da identidade é alimentada pela busca constante de unidade
subjetiva por parte dos indivíduos, pois eles adotam frequentemente padrões
comportamentais direcionados para preencher as expectativas do outro sobre
sua própria conduta, contrariando muitas vezes sua autodeterminação (Ricoeur,
1990). Entretanto, se essa dissonância ocorrer com muita intensidade, pode
resultar em fragilidade e em ruptura da unidade subjetiva (Moessinger, 2000).
Construir a própria identidade é, portanto, permanente desafio no sentido de
encontrar o equilíbrio entre aquilo que se é e o que os outros esperam que nós
sejamos. O outro é o espelho social que permite ao indivíduo reconhecer-se,
avaliar-se e aprovar-se. Sob essa perspectiva, o eu não existe, a não ser em
interação com os outros (Whetten e Godfrey, 1998).
78
presença subjetiva, na tentativa de definir as fronteiras de si, de preservá-las e
de reencontrá-las. Nesse sentido, a identidade é resultante de múltiplas
identificações (Maffesoli, 1998; Miranda, 1998).
79
1998). Ao narrar seu autoconceito, o sujeito ordena, segundo sua autoridade, os
eventos que ele selecionou, consciente e inconscientemente, e registrou na
memória. Não só o passado, mas também o futuro age na conformação das
identidades, por meio das representações desejadas de si, ou seja, da
idealização do eu (Markus e Nurius, 1986). O self desejado é, desta forma, fonte
de motivação para novas formas de identidade.
80
5.2 Identidade Social
81
Durand-Delvigne, 1999), pois essa identidade é guiada pela necessidade do
indivíduo de ser no mundo, assim como pela sua necessidade de pertencer a
grupos sociais. Isso ocorre porque a definição do outro e de si mesmo é
largamente relacional e comparativa (Ashforth e Mael, 1989).
82
A representação de um grupo é comum, porque deriva de histórias vividas
em conjunto e de saberes comuns. As crenças constituem a característica
mental de um grupo e exprimem a experiência comum de seus membros
(Deschamps et al., 1999). Elas orientam a escolha dos meios e dos fins para as
ações particulares e servem de critério de avaliação de acontecimentos. Elas
contribuem também para estabelecer as fronteiras simbólicas do grupo (Cuche,
1996). São elas também que colaboram para consolidar a unidade do grupo, a
qual é também definida porelementos como o tamanho e a diversidade (McGarty
apud Sherman, 1999). É por meio do interacionismo, que consiste na premissa
de que as pessoas atribuem um significado simbólico a objetos,
comportamentos, pessoas e outros, que é desenvolvido e transmitido pela
interação dos membros (Howard, 2000), que o grupo assegura a sua coesão.
Dessa forma, o grupo constitui a imagem de uma totalidade unificada; a
identidade social resulta na sua unidade e no processo de identificação e
distinção, pelo qual cada um procura fundar sua coesão e marcar sua posição
em relação a outros grupos.
83
A identidade social é, portanto, "um processo de justaposição na
consciência individual, uma totalidade dinâmica, em que os diferentes elementos
interagem na complementaridade ou no conflito, pois o indivíduo tende a
defender sua existência e sua visibilidade social, sua integração à comunidade,
ao mesmo tempo que ele se valoriza e busca sua própria coerência" (Lipianski
apud Ruano-Borbalan, 1998, p.144).
84
• quando a identidade social for insatisfatória, o indivíduo abandona o seu
grupo e busca vinculação em outros grupos.
85
inimigo, o estrangeiro etc.), "o que permite purificar, unificar e confortar a
comunidade, evitando os elementos que ameaçam a sua coesão social" (Ruano-
Borbalan, 1998, p.146). Dessa forma, a violência e formas de contestação
podem acompanhar certos casos de afirmação identitária. Este autor ressalta
que grupos que se opõem podem influenciar-se mutuamente, num processo de
"aculturação antagonista".
86
5.3 Identidade no Trabalho
87
importantes na construção das identidades no trabalho os tipos de
relacionamentos, aos quais o indivíduo está submetido na empresa, geralmente
mantidos numa hierarquia entre colegas ou com outras pessoas na empresa.
Além desses fatores, os sistemas de representação existentes nas empresas
são variáveis importantes no processo de constituição das identidades na esfera
organizacional. Para Sainsanlieu (1995) as representações ligadas à legitimação
da autoridade na empresa, aquelas ligadas às finalidades do trabalho e da
empresa, estão entre as diretamente relacionadas com o autoconceito no
trabalho.
88
da tentação permanente do favoritismo" (Sainsanlieu, 1977, p.310), que pode se
estabelecer entre os membros da organização, na tentativa de reduzir as
desigualdades e dissonâncias.
89
relação às situações de trabalho e, portanto, diversos tipos de motivação afetam
os indivíduos. Ele classificou seis modelos identitários, ordenados sob a variável
coerência identitária, passando de variável, fraca a extremamente forte nos
seguintes tipos, respectivamente: (1) regulamentar; (2) comunitário; (3)
profissional; (4) profissional de serviço público; (5) temporário; e (6)
empreendedor.
90
nas organizações. Os arranjos sociais que se desdobram nas empresas são
dinâmicos e permeiam a memória dos seus integrantes. Os indivíduos
selecionam, assim, aqueles relacionamentos que constituirão parte de seu
universo relacional, para que, a partir daí, construam as experiências e os
relacionamentos com os quais irão fazer face às pressões que objetivam elevar
os espaços de poder na organização. A identidade no trabalho constitui, dessa
forma, componente importante no processo motivacional, que concorre também
para a construção de uma auto-estima positiva. Conseqüentemente, não só a
realização do trabalho, mas também a esfera social organizacional é
positivamente afetada, podendo resultar em formas de trabalho mais criativas,
que contribuem para integrar a subjetividade, a socialização e o trabalho.
91
baseia essa área é que as organizações e seus grupos são categorias sociais e,
portanto, existe em seus membros a percepção de que são membros dela. De
forma significativa, portanto, as organizações existem na mente de seus
membros e a identidade organizacional é parte da identidade individual deles.
As necessidades e comportamentos são coletivos e a ação dos membros da
organização é influenciada por suas autoimagens organizacionais (Brown,
1997).
92
A representação da organização é expressa por seus membros por meio
de comportamentos, comunicação e simbolismo. A idealização e a fantasia
também fazem parte desse processo e explicam a tendência de as pessoas se
identificarem com as organizações, principalmente quando elas representam
uma possibilidade de conexão com seus atributos e desejos pessoais. Nesse
sentido, a identificação com a organização tem uma associação linear e positiva
com a realização de desejos (Mael e Ashforth, 1992). Entretanto os objetivos, a
missão, as práticas e os valores presentes na organização também contribuem
para dar forma às identidades organizacionais, diferenciando uma da outra, aos
olhos dos seus integrantes (Scott e Lane, 2000).
93
imagem está associada à identidade corporativa (Gioia, Schultz e Corley, 2000).
Para Rindova e Schultz (apud Whetten e Godfrey, 1998) existe uma
complementaridade entre a identidade organizacional e a identidade corporativa,
que permite conjugar as percepções interna e externa da organização. Nesse
sentido, a identidade corporativa é frequentemente chamada de identidade
visual, pois se utiliza de formas visuais; a identidade organizacional é formulada
e expressa por meio da palavra. A primeira tem foco na externalidade e nas
percepções do mercado; a última tem foco interno nas crenças dos membros da
organização. Além disso, a identidade organizacional cria um senso de
identificação entre os membros da organização, enquanto a identidade
corporativa estimula a diferenciação da empresa no mercado. Esses elementos
caracterizam um processo circular, que envolve dependência mútua entre
cultura, imagem e identidade (Rindova e Schultz apud Whetten e Godfrey, 1998).
94
No âmbito organizacional a identidade pode apresentar diferentes
configurações. Albert e Whetten (apud Pratt e Foreman, 2000) apresentam os
seguintes tipos de identidades: (1) ideográfica, quando não há uma unidade
sobre a identidade da organização; consequentemente diferentes grupos,
subgrupos e unidades da organização mantêm múltiplas identidades; (2)
holográfica, isto é, múltiplas identidades são compartilhadas por todos na
organização. Para Pratt e Foreman (2000) múltiplas identidades organizacionais
podem ser gerenciadas, resultando até mesmo em vantagens para as
organizações, como, por exemplo, a maior possibilidade de satisfazer as
expectativas de seus membros, melhorar a sua capacidade de criatividade e
aprendizado, além de facilidade em reter mão-de-obra diversificada. Outro
aspecto é ponderado por Asforth e Mael (1996), que consideram as identidades
organizacionais como flexíveis e mutáveis. Elas podem passar de positivas a
negativas ou vice-versa, dependendo dos acontecimentos, resultados e
impactos das empresas.
97
resultando que a formação da identidade pessoal, por meio do grupo, do trabalho
ou da organização envolve a todo o momento construção e desconstrução, pois
o contexto social é dinâmico e complexo. Desse modo, a formação do
autoconceito, englobando a noção de grupo, incorporando o trabalho e as
organizações, alicerça-se em etapas gradativas, construídas sobre processos de
identificação, originalidade e conformação, os quais são permeados pela
emoção e pela cognição, conforme demonstra a Figura 1. Dessa maneira, o
indivíduo identifica-se com o grupo ou grupos aos quais pertence, com o trabalho
que realiza e com a organização à qual pertence. Também esses elementos
interagem na configuração do auto representação do indivíduo. Além disso, a
organização é o reflexo do trabalho realizado em seu interior e dos grupos que
a constituem. O grupo ou grupos podem ser conhecidos pelo retrato do trabalho
que realizam; o trabalho, por sua vez, também engloba o imaginário do grupo.
99
associações. Por exemplo, a existência de uma associação entre tempo de
trabalho, identidade organizacional e identidade pessoal. Nessa perspectiva, ao
realizar um estudo com aposentadas que se tornaram empreendedoras,
Machado (1999) constatou que, para aquelas mulheres que trabalharam durante
muitos anos na mesma instituição, a organização era uma referência muito forte
em suas identidades pessoais e a ação empresarial nas empresas que criaram,
estava intensamente ligada às orientações e valores adquiridos na experiência
organizacional anterior. Ao mencionar a organização em seus discursos, as
mulheres a referenciavam como um grupo primário de sua socialização, na
medida em que, a todo o momento, estabeleciam associações entre a empresa,
a figura materna ou paterna.
Outro aspecto ainda pouco explorado nos estudos desta natureza, está
relacionado com a possibilidade de associação entre stress e identidade no
trabalho. Não se sabe até que ponto níveis elevados de identidade no trabalho
resultam em alta dedicação, que pode conduzir ao stress, ou se o exercício de
um trabalho ao qual o indivíduo não se identifica contribui para o stress no
trabalho.
100
Outra associação importante foi estabelecida por Davel e Machado (2001)
entre a liderança e a identificação nas organizações contemporâneas. Trata-se
de uma abordagem da liderança alicerçada sobre questões políticas, cognitivas
e emocionais, envolvendo constantemente reconhecimento e consentimento.
Esse enfoque de estudos demonstra que a identidade e a liderança são
fenômenos a serem estudados em conjunto, principalmente no ambiente de
trabalho atual, orientado para a valorização da autonomia do indivíduo e do
trabalho em grupo.
101
6.0 O PAPEL DAS INSTITUIÇÕES NO DESENVOLVIMENTO
102
A tolerância, entretanto, está longe de ser uma virtude natural. Ela é
construída pelos homens, palmo a palmo, e por eles cultivada através de
instituições capazes de recolher os descontentamentos e harmonizar soluções.
Ocorre que, muitas vezes, as instituições não conseguem garantir uma
transação equilibrada entre liberdade e igualdade. Nessas sociedades, a tarefa
maior não é promover eleições para escolher os novos governantes, mas, sim,
o de fazê-los governar sob o controle de instituições eficientes.
103
As normas que conduzem ao bom governo e ao desenvolvimento justo
não são fáceis de serem produzidas. Muito depende de como as leis são
cunhadas.
As regras justas, que deveriam ser garantidas pela lei como um bem
público, transformam-se, na verdade, na principal fonte dos males públicos.
A teoria dos jogos explica que os seres humanos nascem e crescem com
desejos essencialmente egoístas. Poucas pessoas atuam altruisticamente por
força de sua natureza. São as instituições de boa qualidade que estabelecem as
regras segundo as quais a melhor maneira de satisfazer o egoísmo de cada um
é cumprindo com suas obrigações em relação aos outros. Essa é a matemática
que move a defesa intransigente do interesse individual para o alcance de
resultados coletivos.
104
Numa palavra, a virtude desse tipo de instituição é a de proteger quem
precisa ser protegido e, numa linguagem mais da moda, de incorporar os
excluídos ao mundo dos incluídos.
Assim é a vida dos pobres. Eles têm de procurar fazer pequenos avanços,
de forma calculada e cautelosa, e, com isso, evitar naufragar na sua tênue
existência.
Uma lei é de boa qualidade quando as regras por ela criadas protegem
essas vidas, dando às pessoas condição de administrar sua trajetória com um
mínimo de previsibilidade.
105
Os desprotegidos do mercado informal, quando ficam doentes, não
dispõem de licença remunerada para tratar da saúde; quando ficam
desempregados, não há seguro-desemprego; quando param de trabalhar, não
há FGTS; quando envelhecem, não há aposentadoria; quando morrem, não
deixam nada para seus descendentes.
Por que é assim? Porque as leis foram cunhadas com este viés: os
incluídos contam com direitos; os excluídos contam com destino.
Isso tem a ver com o processo de elaboração das leis. Observem que, na
maioria das vezes, os projetos que visam proteger os excluídos acabam, no final
de sua tramitação, reforçando a proteção dos incluídos. Por que isso acontece?
106
Na discussão de projetos de lei, os excluídos nunca são convocados. Eles
são pretensamente representados por integrantes de corporações que usam a
retórica da igualdade para manter sua liberdade dentro de cidadelas protegidas
por leis anteriores e derivando benefícios das novas proteções. É isso que
mantém a proteção de 40% dos brasileiros e a desproteção de 60% de nossos
irmãos.
107
Será que os juízes japoneses são 2 mil vezes mais rápidos do que os
brasileiros? Não. A diferença está nas leis e nas instituições. No Brasil, as leis
trabalhistas são extremamente detalhadas, o que instiga a desavença e o
conflito. No Japão, as leis estabelecem princípios gerais, deixando os detalhes
para empregados e empregadores, o que instiga a negociação e o consenso.
Culpa de quem? De instituições elitistas e da ação preservacionista de grupos
de elite que vivem do conflito. Toda vez que se pretende reduzir o peso do
detalhismo e aumentar a criatividade da negociação, esses grupos passam a
atuar com argumentos sofisticados a que os excluídos não têm o que dizer – e
nem são chamados para falar. Para o sistema japonês, bastam 14 mil
advogados; para o brasileiro, são mais de 600 mil. Para quem ganha a vida com
o conflito, reduzir as injustiças pela via da negociação constitui séria ameaça.
Por isso preferem – e conseguem – manter instituições obsoletas. Enquanto o
resto do mundo baseia o contrato na negociação flexível, o Brasil continua
insistindo em leis rígidas e detalhadas.
108
4. Neste campo surgiu uma lei de boa qualidade em 2002. Foi a Lei 9.958, que
criou as Comissões de Conciliação Prévia que dão às partes o direito de resolver
seus problemas diretamente, sem a interferência de advogados, funcionários
públicos ou juízes.
109
As fraudes ocorrem em todos os setores e são para ser combatidas e
punidas. Ao que me consta, ninguém propôs acabar com a Justiça do Trabalho
porque o Juiz Nicolau dos Santos Netto participou de um assalto ao Tribunal
Regional do Trabalho de São Paulo – casa que lhe dava o emprego e a
responsabilidade de fazer justiça.
6. Vejam o que ocorre na previdência social: os 20% mais pobres ficam com
apenas 7% do que o País gasta com aposentadorias e pensões; o restante vai
para os não-pobres. Assim é a lei. É mais um exemplo de mal público.
110
previdenciárias são assim. Todos acompanharam o fracasso da pretensão de se
tornar a previdência social mais justa. As corporações agiram com eficiência.
Houve até um voto errado, de autoria do Deputado Antônio Kandir, que foi crucial
para deixar tudo do jeito que está.
111
A qualidade precária da educação dos pobres é um dos principais
determinantes da baixa renda dessa população. E, ficando na pobreza, os
pobres deixam de ter acesso a uma série de outras proteções.
O que impede fazer essa reforma? Leis elitistas que protegem quem já
está protegido e desprotege quem precisa de proteção.
112
Nem tudo está perdido. No meio de tanta desigualdade criada por lei, há
institutos que conseguiram varar a barreira dos "lobbies" e se colocarem como
verdadeiros bens públicos. Lembro aqui a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei
do SIMPLES.
113
Convém ressaltar que estamos em plena cultura do videogame, em que
a juventude não teme a comunicação eletrônica.
114
empresas, nos supermercados, nas farmácias, nos clubes, nos "cyber-cafés" e
em vários outros locais.
115
começarão a controlar os governantes. Quando isso se generalizar, estaremos
diante de um processo de participação que simboliza o mais genuíno bem
público.
Para quem acha que isso é irreal, convém enfatizar que líderes
autoritários já se preocupam com o acesso de seus povos aos órgãos decisórios.
Os governantes da China e Coréia do Norte, por exemplo, estão tentando, sem
sucesso, evitar que seus governados explorem o desconhecido através dos
novos meios de comunicação. Da mesma forma, as oligarquias econômicas e os
representantes do neocorporativismo buscam impedir que seus representados
participem de modo direto de decisões que lhes dizem respeito.
116
As novas tecnologias vão surpreender os cépticos quando começarem a
colaborar na solução dos mais intrincados problemas sociais, como a
criminalidade, a corrupção, o abuso de poder, as injustiças e as desigualdades
entre os seres humanos.
117
Argentina na década de 60 e difundiu-se no Brasil através do estado de Rio
Grande do Sul.
118
psicoterapias, treinamento e seleção profissional, predominantemente. Por
currículo e por lei, ora mais e ora menos contraditoriamente1, o ensino e a
atuação profissional vão produzindo o desenho de uma psicologia que não
parece querer ficar à margem das reflexões filosóficas e sociológicas, feitas nas
salas de aula, ou à margem de ações políticas das agremiações estudantis e dos
movimentos sociais e comunitários em geral.
119
carro-chefe, multiplicaram-se, quase às raias da dispersão, os modos de
compreensão e intervenção. Estamos falando agora do estado das coisas no
final da década de 1980 e início da de 1990. Isto de tal forma que parecia haver
tantos modelos de trabalho quantos fossem os mestres e supervisores em
campo. Uns se diziam socio psicanalistas, outros psicólogos institucionais,
outros ainda, analistas institucionais (e aqui, agrupava-se a maior variedade de
posições, desde os adeptos de Lapassade até os de seu parceiro intelectual,
Lourau; ou, desde os que assinavam uma autoria pessoal até os que se filiavam
à orientação de Delleuze e Guattari; e assim por diante).
120
7.1 A Psicologia Institucional de Bleger: uma visão Psicanalítica
121
essa compreensão às ideias de M. Klein a respeito de posições nas relações de
objeto; mais do que ao conceito de narcisismo em Freud (Bleger, 1977/1987).
122
imediatamente política. Desalojado do lugar de intérprete dos movimentos
grupais ou interpessoais, ele não se delega a tarefa diferenciada da interpretação
ou de assinalamentos; ele é, acima de tudo, um instigador da autogestão dos
grupos nas organizações, um favorecedor da revelação dos níveis institucionais,
desconhecidos e determinantes do que se passa nesses grupos. É um
provocador de rachaduras e rupturas na burocracia das relações instituídas. Está
do lado do instituinte, ainda que se questione sempre esse lugar e a própria
análise como facilitadores da “liberação da palavra social dos grupos”
(Lapassade, 1974/1977).
Tal chamado, porém, como uma segunda voz nos escritos de seu livro
mais conhecido entre nós (Lapassade, 1974/1977), traz já a ambiguidade,
assumida por ele, de apresentar e criticar radicalmente a Análise Institucional
que ele mesmo propõe. No “Prólogo à Segunda Edição” dessa obra, acaba por
dizer, enfaticamente, sobre a ineficácia da Análise Institucional, na medida em
que conta com a ação de técnicos como coordenadores e preceptores de
mudança; a menos que se queira considerar, por um artifício, que a análise se
dá no nível da palavra e, portanto, não tem relação automática com uma
mudança na ação concreta. Por isso, não menos enfaticamente, afirma que o
que se deve fazer é a Ação Direta (análise em ato), por aqueles mesmos que
constituem os grupos de uma determinada instituição e/ou organização, com as
123
lideranças nascidas de seu interior. Segundo ele, essa é a verdadeira revolução
permanente que “decapita o rei”, as instituições sociais dominantes. Tudo, por
inspiração dos momentos históricos da revolução de 1968, na França, e ainda
visando à liberação da palavra social. Ora, poucos anos mais tarde, registra-se
em um “Prólogo à Terceira Edição”, que a liberação a ser feita é a do corpo e
que o que, então, se sustenta como ação de um profissional da psicossociologia
e da psicologia é Crise Análise.
124
regidas por estatutos e acontecem no interior de estabelecimentos, espaços
físicos determinados. A instituição é o nível da lei ou da Constituição que rege
todo o tecido de uma formação social; está acima dos estatutos das
organizações. Ainda, segundo Lapassade, a instituição pode ser considerada o
brique-braque das determinações daquilo que atravessa os grupos de relação
face a face numa organização social. A sala de aula é exemplar nesse sentido:
a relação entre as pessoas é regida por normas que, em última instância, estão
apoiadas no que prevê a lei maior para o ensino; nesse contexto, o professor
poderá ser considerado um representante do Estado frente a seus alunos.
125
os psicanalíticos. De tal forma que, hoje, a referência comum tem sido o fato de
se tratar de trabalhos institucionais e/ou junto a instituições. Em geral, quando
conduzidos na forma de supervisão do trabalho de profissionais de ação direta.
126
Para Bleger o objetivo do psicólogo institucional é proporcionar a psico-
higiene, ou seja, qualidade de vida para as pessoas que estão naquele ambiente,
principalmente nesse ponto em específico os objetivos do psicólogo instituição
se opõe, as instituições que visam apenas números e lucros desconsiderando o
sujeito biossocial.
baixo:
127
• Exteriorização: É exterior a vontade do indivíduo, que a aprende sem
questionar e é primordial para se inserir na sociedade.
• Objetividade: Reproduz as ações, determinadas coisas só existem se
estiverem no exterior, no campo objetivo, para maioria das pessoas.
• Coercitividade: Impõe dificuldades para que as mudanças não possam
acontecer, caso for contra a algo instituído pode ser lembrado pelas
regras, normas de forma agressiva e punitiva.
• Autoridade moral: Só a coerção não é o suficiente para manter a ordem
da instituição é preciso torna-la legitima, criando ameaças de sofrimento.
• Historicidade: A instituição já existia antes do indivíduo nascer e
provavelmente continuará após. A história é contada de geração, a
geração, através de conversas, escritos se mantendo na história.
128
Conceitualmente, a percepção social estuda a forma como formamos
impressões sobre outras pessoas e sobre como fazermos inferências sobre elas.
As conclusões mostram a importância de abordar o papel dos valores no
processo subjetivo-objetivo e nas relações do indivíduo e da sociedade.
Portanto, é através desses aspectos que podemos dá sentido ao mundo social
que nos rodeia, é também, através dela que podemos ter a capacidade de formar
impressões de maneira rápida e objetiva sobre esse mundo.
129
Na psicologia, o estudo da percepção é de extrema importância porque o
comportamento das pessoas é baseado na interpretação que fazem da realidade
e não na realidade em si. Por este motivo, a percepção do mundo é diferente
para cada um de nós, cada pessoa percebe um objeto ou uma situação de
acordo com os aspectos que têm especial importância para si própria, ou seja, é
através da percepção que um indivíduo faz do outro que se pode notar a forma
de como esse indivíduo organiza e interpreta as suas impressões sensoriais para
atribuir significado ao seu meio. Portanto a percepção tem uma grande
importância, ela pode ser relacionada pela a imagem que se faz do outro, pelo
conteúdo da memória, conceitos de valor e normas sócios culturais, ou seja, a
percepção está ligada a valores específicos do indivíduo ou de grupos distintos.
130
O radialista traz consigo o peso da culpa pela morte da mulher do mendigo
e tentando reparar seu erro tentando ajudá-lo, em todos os sentidos desde o
financeiramente até o de tentar protegê-lo e com o passar do tempo acabam se
tornando amigos. Até que um dia o mendigo se apaixonou por uma mulher que
ele via na rua, quando ela ia ao trabalho, a partir daí ele passou a observá-la,
seguindo-a, mas não tenha como ter uma aproximação dela e Jack ao saber
disso resolveu a ajudá-lo, convidando os dois para a sua casa, para um jantar
na tentativa de aproximá-los. No começo a mulher por nome Lydia Sinclair não
queria aceitar o convite, mas com muita insistência acabou aceitando, dessa
forma os dois se apaixonaram um pelo outro, Parry se curou de seus traumas e
problemas mentais, e passou a viver uma vida nova. Tudo com a ajuda de Jack
que mostrou que os valores e atitudes podem mudar o comportamento das
pessoas, e daí por diante ele passou a não se sentir mais culpado e começou de
novo a viver a sua vida normal se tornando uma pessoa bem melhor.
131
superação das desigualdades e das situações de opressão, demandava uma
construção teórica que permitisse compreender o homem como participante do
processo social. Nesse sentido, entendia que o conhecimento da psicologia
deveria levar à compreensão dos mecanismos que provocam a alienação e
contribuir para ampliar a consciência dos homens. Sua teoria sobre o psiquismo
teve essa direção.
[...] abrindo esse espaço para todo mundo, para quem quiser
aprender e mais: fazendo o esforço de falar a linguagem de todo o
mundo. Transmitir nosso saber numa linguagem do cotidiano. É um
desafio. Mas é uma briga entre o poder autoritário e o poder
democrático. Acho que esta é a questão fundamental da academia.
(LANE, 1995, p.9)
132
se despediu de nós, deixando um legado de dignidade e de grande força
intelectual. Viva Sílvia Lane!
133
Essa distinção aparece na literatura filosófica e científica contemporânea
na forma dos problemas da cognição social, relativos a "como compreendemos
os outros" (Gallagher, 2010, p.112), e da realização participativa de sentido
(participatory sense-making), que diz respeito a "como compreendemos o mundo
circundante com e mediante os outros" (Gallagher, 2010, p.112, grifos do autor).
De acordo com Gallagher, trata-se de duas questões intimamente relacionadas,
mas que, todavia, merecem ser diferenciadas. Pode-se afirmar que a diferença
fundamental concerne ao objeto intencional em cada tipo de circunstância. Na
realização participativa de sentido, o objeto central é o mundo e as coisas
mundanas. O interesse recai, nesse caso, sobre a constituição de sentido no
campo da interação intersubjetiva, ou, de modo mais geral, sobre a "Co
constituição de um mundo significativo [meaningful world]" (Gallagher, 2010,
p.113). No âmbito da cognição social, o objeto são os outros agentes, as
pessoas, e o seu comportamento.
134
realização participativa de sentido. Por meio do exame dos problemas
envolvidos na atenção conjunta, é possível desenvolver temas relativos a um
importante aspecto da percepção: a sua dimensão corpórea, que demanda que
as ideias de cognição e de sentido sejam discutidas com base em elementos da
esfera sensório-motora, principalmente a ação e o movimento.
135
eventos ou situações, ora com outra pessoa. No esquema diádico, a criança,
engajada atentamente na manipulação de algum objeto, não interage com o
sujeito que por acaso esteja à sua volta. Ou, no caso de regozijar-se com a
presença de alguém, não concede atenção aos objetos do ambiente. A partir dos
nove meses de idade, passam a ser cada vez mais frequentes atividades em
que a criança partilha com outrem um objeto de interesse, configurando, então,
esquemas triádicos de interação, ou seja, ações que abarcam, além da criança,
um parceiro e um objeto de percepção conjunta. Nessa nova estrutura de
coordenação da percepção e da ação, a criança e o adulto conjugam sua
atenção em relação a objetos e eventos (Tomasello, 1999; Moll & Meltzoff, 2011).
É justamente essa forma de interação, e os comportamentos a ela associados,
que foi designada como atenção conjunta, desde os trabalhos pioneiros de
Bruner (1983).
136
acontecimentos aos seus pares, dirigindo, então, a atenção e o comportamento
destes.
138
Os princípios norteadores da posição adotada por precursores, como
Bruner (1983) e Tomasello (1999), acerca dos problemas da ontogênese
envolvidos na atenção conjunta advêm da filosofia da mente e dos seus
desdobramentos nas ciências cognitivas, principalmente no que se
convencionou chamar de teoria da mente. Admite-se, nesse contexto teórico,
que o sujeito da cognição, em suas relações com outrem, ocupa-se
predominantemente com a explicação do comportamento alheio, sobretudo com
a previsão do curso ulterior das ações desse agente físico e das suas
consequências no ambiente. Concorda-se, além disso, em atribuir a esse
sistema comportamental, externo ao sujeito cognoscente, estados internos
prováveis. De acordo com Petit (2004), a relação intersubjetiva, nesse enquadre
filosófico, é sintetizada em um sujeito que, na interação com um outro, torna-se
"'um atribuidor de propriedades mentais' a um 'objeto-alvo' do ambiente e do qual
ele quer 'predizer o comportamento' afim de antecipá-lo" (p.128)4. No que diz
respeito aos processos internos do sujeito perceptivo que estariam envolvidos
na interação com outrem, trata-se, para os pesquisadores, de investigar os
mecanismos representacionais que possibilitariam a compreensão, constituída
perceptivamente, da vida mental do outro. As hipóteses explicativas acerca
desse processo passam, sem pretensão a uma listagem exaustiva, pela
suposição de módulos mentais especializados na detecção da direção ocular de
alguém, em mecanismos de compartilhamento da atenção, que seriam
responsáveis pela formação de representações triádicas, além das teorias
inferencial e da simulação, que tiveram grande aceitação nos programas de
pesquisa voltados à atenção conjunta (Fuchs & De Jaegher, 2009; Bimbenet,
2010, 2011; Seemann, 2011).
139
crianças desde fases bastante precoces da ontogênese. Das protoconversações
em que os bebês se engajam junto com os seus cuidadores à capacidade do
recém-nascido de imitar comportamentos dos adultos, como protusões da língua
e abertura da boca, constata-se a tendência das crianças de se identificar com
seus coespecíficos (Tomasello, 1999), ainda que com base em expedientes
exclusivamente sensório-motores, destituídos de uma faculdade categorizadora.
Meltzoff (1999), contudo, chega a assumir que os bebês, bem cedo, mediante
os jogos de imitação recíproca na interação com outros agentes, adquirem
informação sobre "(...) como o outro é 'igual a mim' [like me]" (Meltzoff, 1999,
p.256). Concorda-se em afirmar, de todo modo, a capacidade do bebê de se
identificar em profundidade com seus Co específicos, fato que constitui uma
importante diferença na comparação comportamental entre os seres humanos e
outros primatas.
140
origem bem cedo em nosso desenvolvimento. Meltzoff (1999) afirma: "é
nossa teoria de que crianças têm teorias" (p.253, grifos do autor), sobretudo no
que concerne à compreensão do comportamento intencional de outrem. Na
teoria da simulação, defendida por Tomasello, o processo representacional de
leitura das intenções estrangeiras baseia-se na ação mental de "colocar-se no
lugar do outro". O pressuposto, nesse caso, é que o funcionamento psicológico
das outras pessoas é compreendido com base no psiquismo do próprio
percipiente, conhecido mais direta e intimamente por ele mesmo. Tomasello
(1999) considera que, nesse sentido, as crianças, na medida em que adquirem
a capacidade de se compreender como entes intencionais, no sentido de seres
com propósitos referidos ao meio circundante, passam a aplicar esta
compreensão ao comportamento de outrem. O outro pode, então, ser tratado
como um agente psicológico, possuidor de interesses próprios e centro de uma
atenção voltada a entidades que lhe são exteriores (Carpenter, Nagell &
Tomasello, 1998).
141
Consideramos as pesquisas em torno da atenção conjunta ricas em
descrições e reflexões sobre a dimensão social da percepção. Desses estudos
sobressai a inscrição da relação às coisas e ao mundo no contexto da
sociabilidade, principalmente a emergência da consciência "de um ver em
comum" (Bimbenet, 2011, p.309). Não se trata, simplesmente, do ponto de vista
da criança, de olhar para aquilo que o outro olha, mas de tomar consciência de
que o outro olha uma mesma coisa. O olhar conjunto constitui um ato, ao mesmo
tempo, de referência e de comunicação, constatado ainda mais claramente
quando a criança passa "a 'declarar' a coisa para o outro" (Bimbenet, 2011,
p.309), apontando-a e mostrando-a para ele, quando se volta àquilo que
interessa o outro, quando interroga sua atitude em relação ao objeto,
expressivamente e, mais tarde, verbalmente.
142
Em suma, tomado como parâmetro acerca das discussões
contemporâneas sobre a percepção social, o conceito de atenção conjunta
expressa a preocupação científica com a dimensão comum da nossa relação
com o mundo. As interpretações preponderantes da atenção conjunta denotam,
contudo, a primazia de um ideário mentalista capaz de comprometer a
apreensão da conotação propriamente social da percepção.
Com isso, parece ficar clara a ideia trazida por Heider de que mesmo sem
a psicologia científica, o ser humano teria suficiente compreensão de si mesmo
para explicar o que lhe ocorre. Seria capaz inclusive de atribuir causas para
explicar e justificar fatos que observa ou vivencia (SÁ, 2009).
Portanto, é possível inferir dessa afirmação que o ser humano não fica
satisfeito em apenas observar os eventos que o cercam; ele tem necessidade de
ligar os acontecimentos, buscando uma relação fixa de causa e efeito entre eles.
143
O resultado dessa relação permite, segundo Heider (1970, p. 97), “um mundo
mais ou menos estável, previsível e controlável”.
De acordo com Weiner (1985), Heider foi o primeiro a propor uma análise
sistemática das estruturas causais. A ideia inicial era de que a atribuição de
causas ao resultado de uma ação poderia ser dirigida a duas condições: fatores
do ambiente e fatores pessoais (SÁ, 2009).
144
Assim, pode-se dizer que o relacionamento entre as características
estáveis da força pessoal (habilidade, capacidade) e as forças do ambiente
comporiam a disposição de “ser capaz”. O sujeito faria a atribuição de “ser capaz”
ao acreditar que as forças ambientais são menores que suas forças pessoais. O
contrário, com forças ambientais maiores que sua habilidade ou capacidade, o
levaria a associação de “não ser capaz” (HEIDER, 1970).
145
uma tendência para atribuir atos próprios com consequência positiva a aspectos
pessoais (capacidade, esforço) e atos próprios com resultado negativo a
características do ambiente (dificuldade da tarefa, azar) (SNYDER, STEPHAN &
ROSENFIELD, 1978).
146
10.0 TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
147
A Representação Social produzida na construção do cotidiano de cada
indivíduo, a teoria das Representações Sociais, tenta entender as lutas,
batalhas, espaços, formas de comunicação desses indivíduos e o que eles
produzem de saberes no e pelo cotidiano.
148
que sejam acessíveis a cada um do Universo Reificado das ciências e deve ser
transferido ao Universo consensual do dia a dia para, assim, ser representado.
149
sendo que esta recebe seu significado a partir de uma situação multi-individual,
em que os indivíduos se expressam, ou são chamados a se expressar, a favor
ou contra alguma condição específica, alguma pessoa ou proposta de
importância geral, em tal proporção de número, intensidade e constância, que
isso dê origem à probabilidade de afetar, direta ou indiretamente, a ação em
direção ao objeto referido, diferenciando-se, assim, das Representações Sociais,
as quais têm a ver com as dimensões de construção e de mudança, ausentes
na opinião pública (GUARESCHI, 1996).
150
A psicologia social trabalha com as representações sociais no âmbito do
seu campo, do seu objeto de estudo – a relação indivíduo-sociedade – e de um
interesse pela cognição, embora não situado no paradigma clássico da
psicologia: ela reflete sobre como os indivíduos, os grupos, os sujeitos sociais
constroem seu conhecimento a partir da sua inscrição social, cultural, etc., por
um lado e, por outro, como a sociedade se dá a conhecer e constrói esse
conhecimento com os indivíduos. Logo, como interagem sujeitos e sociedade
para organizar a realidade, como terminam por construí-la numa estreita parceria
que passa pela comunicação (ARRUDA, 2007).
A Psicologia Social é vista como uma senhora de pouco mais de 100 anos,
cujo período mais vindouro é caracterizado pelas últimas seis décadas, sendo
sua gênese marcada por uma dupla paternidade, ora pautada na Psicologia, ora
fundamentada na Sociologia.
151
científica remetem à segunda metade do século XIX, momento em que a
Psicologia e a Sociologia estão se estabelecendo como disciplinas científicas,
independentes da Filosofia, influenciadas, assim como as demais ciências
humanas, pelo desenvolvimento do positivismo. É neste contexto de reflexão
acerca destas duas disciplinas que se manifestará uma perspectiva psicossocial.
Outra abordagem que tem sido foco do psicólogo social é a atuação frente
as políticas públicas, colaborando para que as pessoas possam desenvolver e
compreender suas habilidades e utilizá-las para romper com a vulnerabilidade.
Ou seja, instrumentalizar as pessoas para que rompam com a situação de
manipulação e opressão.
152
A especialidade de Psicologia Social fica instituída com a seguinte
definição: I - Atua fundamentada na compreensão da dimensão subjetiva dos
fenômenos sociais e coletivos, sob diferentes enfoques teóricos e
metodológicos, com o objetivo de problematizar e propor ações no âmbito social.
O psicólogo, nesse campo, desenvolve atividades em diferentes espaços
institucionais e comunitários, no âmbito da Saúde, Educação, trabalho, lazer,
meio ambiente, comunicação social, justiça, segurança e assistência social. Seu
trabalho envolve proposições de políticas e ações relacionadas à comunidade
em geral e aos movimentos sociais de grupos étnico-raciais, religiosos, de
gênero, geracionais, de orientação sexual, de classes sociais e de outros
segmentos socioculturais, com vistas à realização de projetos da área social e/ou
definição de políticas públicas. Realiza estudo, pesquisa e supervis