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O ATO DE CUIDAR COMO UM DOS NÓS CRÍTICOS "CHAVES" DOS SERVIÇOS DE


SAÚDE

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Emerson Merhy
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1

O ATO DE CUIDAR COMO UM DOS NÓS CRÍTICOS “CHAVES” DOS


SERVIÇOS DE SAÚDE

Emerson Elias Merhy


Professor do DMPS/FCM/UNICAMP
Campinas, abril de 99

Qualquer pessoa que tiver um mínimo de vivência com um serviço de


saúde, nos tempos atuais brasileiros, - seja um consultório médico privado, uma
clínica de fisioterapia privada, um hospital público ou privado, enfim, qualquer tipo
de estabelecimento de saúde - pode afirmar com certeza que as finalidades dos
atos de saúde, marcadas pelos seus compromissos com a busca da cura das
doenças ou da promoção da saúde, nem sempre são bem realizadas, para ser
otimista.
Todos, trabalhadores, usuários e gestores dos serviços, também sabem
que para atingir aquelas finalidades, o conjunto dos atos produzem um certo
formato do cuidar, de distintos modos: como atos de ações individuais e coletivas,
como abordagem clínica da problemática da saúde, conjugam todos os saberes e
práticas implicados com a construção dos atos cuidadores, e conformam os
modelos de atenção à saúde.
Sabemos, por experiências como profissionais e consumidores, que quanto
maior a composição das caixas de ferramentas (que, aqui, é entendida como o
conjunto de saberes que se dispõe para a ação de produção dos atos de saúde),
utilizadas para a conformação do cuidado pelos trabalhadores de saúde,
individualmente ou em equipes, maior será a possibilidade de se compreender o
problema de saúde enfrentado e maior a capacidade de enfrenta-lo de modo
adequado, tanto para o usuário do serviço quanto para a própria composição dos
processos de trabalho.
Entretanto, a vida real dos serviços de saúde tem mostrado que conforme
os modelos de atenção que são adotados, nem sempre a produção do cuidado em
saúde está comprometida efetivamente com a cura e a promoção.
As duras experiências vividas pelos usuários e trabalhadores de saúde
mostram isso cotidianamente, em nosso país.
Creio que poder pensar modelagens dos processos de trabalho em saúde,
em qualquer tipo de serviço, que consigam combinar a produção de atos
cuidadores de maneira eficaz com conquistas dos resultados, cura, promoção e
proteção, é um nó crítico fundamental a ser trabalhado pelo conjunto dos gestores
e trabalhadores dos estabelecimentos de saúde.
Poder explorar esta tensão própria da produção de atos de saúde, a de ser
atos cuidadores, mas não obrigatoriamente curadores e promotores da saúde, é
uma problemática da gestão dos processos produtivos em saúde.
De uma maneira geral, entendo que todos processos atuais de produção da
saúde vivem algumas tensões básicas e próprias dos atos produtivos em saúde, e
que estão presentes no interior de qualquer modelo predominante. Dentre estas,
destaco as tensões entre:

• a lógica da produção de atos de saúde como procedimentos e a da produção


2

dos procedimentos enquanto cuidado, como por exemplo, a tensão nos


modelos médicos centrados em procedimentos, sem compromissos com a
produção da cura;
• a lógica da produção dos atos de saúde como resultado das ações de distintos
tipos de trabalhadores para a produção e o gerenciamento do cuidado e as
intervenções mais restritas e exclusivamente presas as competências
específicas de alguns deles, como por exemplo: as ações de saúde enfermeiro
centradas ou médico centradas, sem ação integralizada e unificada em torno
do usuário, ou a clínica restrita do médico e procedimento centrada e os
exercícios clínicos de todos os trabalhadores de saúde.

Para facilitar a compreensão destas questões e mesmo o entendimento de


que, partindo destas tensões, é possível pensar alternativas aos modelos
ineficientes e ineficazes, que muitas vezes operam nos serviços, irei colocar
adiante trechos de textos já produzidos que permitem refletir e traduzir os temas
destacados acima.

a dimensão cuidadora da produção em saúde: e a tensão procedimento -


cuidado na produção dos modelos de atenção

(O trecho destacado abaixo é parte do capítulo A perda da dimensão cuidadora na


produção da saúde, de Emerson Elias Merhy, publicado no livro O SUS em Belo
Horizonte pela editora Xamã, em São Paulo, no ano de 1998)

A situação mais comum, hoje também podemos registrar que é na


em dia, é lermos sobre a existência área de prestação de serviços, onde
de uma crise no atual modo de o cidadão se sente mais
organização do sistema de saúde, desprotegido.
porém quando são catalogadas as O paradoxal desta história
causas ou soluções, vemos como toda, é que não são raros os estudos
esta constatação e mesmo a e reportagens que mostram os
discussão em torno dela, não é tão avanços científicos - tanto em termos
simples. de conhecimentos, quanto de
Entretanto, se olharmos do soluções - em torno dos problemas
ponto de vista do usuário do sistema, que afetam a saúde das pessoas e
podemos dizer que o conjunto dos das comunidades, e a existência de
serviços de saúde, públicos ou serviços altamente equipados para
privados, com raras exceções, não suas intervenções, o que nos
são adequados para resolverem os estimula a perguntar, então, que crise
seus problemas de saúde, tanto no é esta que não encontra sua base de
plano individual, quanto coletivo. sustentação na falta de
Uma pequena olhada nas conhecimentos tecnológicos sobre os
reportagens da grande imprensa principais problemas de saúde, ou
mostra que o tema saúde é muito mesmo na possibilidade material de
lembrado pelos brasileiros como uma se atuar diante do problema
das questões mais fundamentais da apresentado.
sua vida, ao mesmo tempo que Ao ficarmos atento, do ponto
3

de vista do usuário, sobre as queixas como esta questão está colocada


que estes têm em relação aos para os processos de trabalho em
serviços de saúde, podemos saúde. Imaginemos, em primeiro
entender um pouco esta situação. E, lugar, que o conjunto dos trabalhos
desde já, achamos que este ponto de em saúde produzem um produto, os
vista não é necessariamente atos de saúde, e que estes são
coincidente com os dos governantes considerados como capazes de
ou dirigentes dos serviços, tanto os intervir no mundo do que é
públicos quanto os privados, que denominado de “problema de saúde”,
como regra falam da crise do setor, provocando uma alteração do mesmo
privilegiadamente do ângulo em torno da produção de um
financeiro, tentando mostrar que não resultado: a satisfação de uma
é possível se oferecer boa necessidade/direito, do usuário final.
assistência com o que se tem de Supomos que este processo
recursos - aliás, argumento permita a produção da saúde, o que
mundialmente usado, tanto em não é necessariamente verdadeiro,
países como o EEUU que gasta 1 pois nem sempre este processo
trilhão de dólares no setor saúde, produtivo impacta ganhos dos graus
quanto no Brasil que deve gastar em de autonomia no modo do usuário
torno de 35 bilhões, no total. andar na sua vida, que é o que
Voltando ao ponto de vista do entendemos como saúde em última
usuário, podemos dizer que, em instância, pois aquele processo de
geral, este reclama não da falta de produção de atos de saúde pode
conhecimento tecnológico no seu simplesmente ser “procedimento
atendimento, mas sim da falta de centrada” e não “usuária centrada”, e
interesse e de responsabilização dos a finalidade última pela qual ela se
diferentes serviços em torno de si e realiza se esgota na produção de um
do seu problema. Os usuários, como paciente operado e ponto final, ou em
regra, sentem-se inseguros, um paciente diagnosticado
desinformados, desamparados, organicamente e ponto final, o que
desprotegidos, desrespeitados, não é estranho a ninguém que usa
desprezados. serviços de saúde no Brasil. Nós
Ora, que tipo de crise enquanto usuários podemos ser
tecnológica e assistencial é esta? operados, examinados, etc,, sem que
Será que ela atinge só um tipo com isso tenhamos
específico de abordagem dos necessidades/direitos satisfeitos.
problemas de saúde, como a Vejamos isto no desenho e
expressa pelo trabalho médico, ou é textos adiante:
uma característica global do setor? É
possível a partir desta crise,
diagnosticada em torno do usuário,
propor um modo diferente de se
produzir ações de saúde?
À frente, tentaremos mostrar
4

trabalho produz que produz


atos de saúde, intervenção em saúde sob a
em saúde
como: forma do cuidado atuando
procedimentos, sobre “problemas de saúde
acolhimentos,
responsabilizaçõ
que se supõe que impacta com a produção do
direitos dos usuários finais cuidado à saúde visa-se
tidos como necessidades de como resultado a “cura”, a
saúde, aumentando seus promoção e a proteção
graus de autonomia na vida

tecnologia menos dura1, do que os


(...) aparelhos e as ferramentas de
A visão já muito comum de trabalho, e que está sempre presente
que tecnologia é uma máquina nas atividades de saúde, que
moderna, tem dificultado bastante a denominamos de levedura. É leve ao
nossa compreensão de que: quando ser um saber que as pessoas
falamos em trabalho em saúde não adquiriram e está inscrita na sua
se está se referindo só ao conjunto forma de pensar os casos de saúde e
das máquinas, que são usadas nas na maneira de organizar uma atuação
ações de intervenção realizadas, por sobre eles, mas é dura na medida
exemplo, sobre os “pacientes”. que é um saber-fazer bem
Ao olharmos com atenção os estruturado, bem organizado, bem
processos de trabalho realizados no protocolado, normalizável e
conjunto das intervenções normalizado.
assistenciais vamos ver que - além Entretanto, quando reparamos
das várias ferramentas-máquinas que com maior atenção ainda, vamos ver
usamos, como: raio-x, instrumentos que, além destas duas situações
para fazer exames de laboratórios, tecnológicas, há uma terceira, que
instrumentos para examinar o denominamos de leve.
“paciente”, ou mesmo, fichários para Qualquer abordagem
anotar dados do usuário -, assistencial de um trabalhador de
mobilizamos intensamente saúde junto a um usuário-paciente,
conhecimentos sobre a forma de produz-se através de um trabalho
saberes profissionais, bem vivo em ato, em um processo de
estruturados, como a clínica do relações, isto é, há um encontro entre
médico, a clínica do dentista, o saber duas “pessoas”, que atuam uma
da enfermagem, do psicólogo, etc. O sobre a outra, e no qual opera um
que nos permite dizer, que há uma
1 sobre tecnologias em saúde consultar o livro Agir em Saúde, Hucitec, 1997,

particularmente capítulos 2 e 3.
5

jogo de expectativas e produções, Diante desta complexa


criando-se inter-subjetivamente configuração tecnológica do trabalho
alguns momentos interessantes, em saúde, advogamos a noção de
como os seguintes: momentos de que só uma conformação adequada
falas, escutas e interpretações, no da relação entre os três tipos é que
qual há a produção de uma acolhida pode produzir qualidade no sistema,
ou não das intenções que estas expressa em termos de resultados,
pessoas colocam neste encontro; como: maior defesa possível da vida
momentos de cumplicidades, nos do usuário, maior controle dos seus
quais há a produção de uma riscos de adoecer ou agravar seu
responsabilização em torno do problema, e desenvolvimento de
problema que vai ser enfrentado; ações que permitam a produção de
momentos de confiabilidade e um maior grau de autonomia da
esperança, nos quais se produzem relação do usuário no seu modo de
relações de vínculo e aceitação. estar no mundo.

a dimensão cuidadora da produção em saúde: e a tensão dos núcleos de


competência profissionais na produção dos modelos de atenção

(O trecho destacado abaixo é, também, parte do capítulo A perda da dimensão


cuidadora na produção da saúde, de Emerson Elias Merhy, publicado no livro O
SUS em Belo Horizonte pela editora Xamã, em São Paulo, no ano de 1998)

Consideramos como vital ... seriamente a eficácia desta


compreender que o conjunto dos intervenção, e parodiando-os
trabalhadores de saúde apresentam podemos dizer que a “morte” da ação
potenciais de intervenções nos cuidadora dos vários profissionais de
processos de produção da saúde e saúde tem construído modelos de
da doença marcados pela relação atenção irresponsáveis perante a vida
entre seus núcleos de competência dos cidadãos.
específicos, associados à dimensão Entendemos, que os modelos
de cuidador que qualquer profissional de atenção comprometidos com a
de saúde detém, seja médico, vida devem saber explorar
enfermeiro ou um (vigilante) da porta positivamente as relações entre as
de um estabelecimento de saúde. diferentes dimensões tecnológicas
Cremos que uma das que comporta o conjunto das ações
implicações mais sérias do atual de saúde.
modelo médico hegemônico ... é a de Imaginamos que um
diminuir muito esta dimensão profissional de saúde, quando vai
(cuidadora) ... do trabalho em saúde, atuar, mobiliza ao mesmo tempo os
em particular do próprio médico. Há seus saberes e modos de agir,
autores, que há muito vem definidos em primeiro lugar pela
advogando a noção de que a baixa existência de um saber muito
incorporação do saber clínico no ato específico sobre o problema que vai
médico vem comprometendo enfrentar, sobre o qual coloca-se em
6

jogo um saber territorializado no seu tentaremos mostrar o que estamos


campo profissional de ação, mas dizendo:
ambos cobertos por um território que
marca a dimensão cuidadora sobre
qualquer tipo de ação profissional.
Com o esquema abaixo

n. das ativida- núcleo núcleo


des cuidado- profissional especif. por probl.
ras de saúde específico

Na produção de um ato de pelos modelos de atenção é sempre


saúde coexistem os vários núcleos, um processo que representa ações
como o núcleo específico definido instituintes de forças reais e
pela intersecção entre o problema socialmente interessadas, em certos
concreto que se tem diante de si e o aspectos da realidade, dentro de um
recorte profissional do problema. Por maneira muito particular de valorizar
exemplo, diante de um indivíduo que o mundo para si, entendemos que o
está desenvolvendo um quadro de território tecnológico expresso nas 3
tuberculose pulmonar o recorte passa dimensões apontadas acima, são nos
necessariamente pelo modo como o serviços concretos, antes de tudo,
núcleo profissional médico, ou da produtos das disputas entre os vários
enfermagem, ou da assistente social, atores interessados neste locus de
entre outras, recorta este problema ação social.
concreto, portado pelo indivíduo, e Então, podemos dizer que o
que são núcleos nos quais operam modelo assistencial que opera hoje
centralmente as tecnologias duras e nos nossos serviços é centralmente
leveduras. Mas, seja qual for a organizado a partir dos problemas
intersecção produzida, haverá específicos, dentro da ótica
sempre um outro núcleo operando a hegemônica do modelo médico
produção dos atos de saúde, que é o neoliberal, e que subordina
cuidador, no qual atuam os processos claramente a dimensão cuidadora a
relacionais do campo das tecnologias um papel irrelevante e complementar.
leves, e que pertence a todos os Além disso, podemos também afirmar
trabalhadores em suas relações que neste modelo assistencial a ação
interseçoras com os usuários. dos outros profissionais de uma
Porém, como a conformação equipe de saúde são subjugadas a
tecnológica concreta a ser operada esta lógica dominante, tendo seus
7

núcleos específicos e profissionais nosso ver implica em reconstruir: o


subsumidos à lógica médica, com o modo de se fazer a política de saúde
seu núcleo cuidador também no serviço; a maneira como o mesmo
empobrecido. opera enquanto uma organização; e,
Com isso, devemos entender (o dia a dia) ... dos processos de
que são forças sociais, que tem trabalho que efetivam um certo modo
interesses e os disputam com as de produção dos atos de saúde,
outras forças, que estão definindo as desenhando os reais modelos de
conformações tecnológicas. Isto é, atenção.
estes processos de definição do “para
que” se organizam certos modos
tecnológicos de atuar em saúde, são
sempre implicados social e
politicamente, por agrupamentos de
forças que têm interesses colocados
no que se está produzindo no setor
saúde, impondo suas finalidades
nestes processos de produção. Deste
modo, o modelo médico
hegemônico ... expressa um grupo de
interesses sociais que desenham um
certo modo tecnológico de operar a
produção do ato em saúde, que
empobrece uma certa dimensão
deste ato em prol de outro, que
expressaria melhor os interesses
impostos para este setor de produção
de serviços, na sociedade concreta
onde o mesmo está de realizando.
Vejamos o esquema abaixo2,
desenhado a partir dos recortes que
um médico, uma enfermeira e uma
assistente social, fazem de um certo
usuário de um serviço, para em
seguida analisarmos como serão os
distintos recortes em diferentes tipos
de estabelecimentos e que tensões
eles comportam, que nos permitem
atuar na direção da mudança dos
modelos de atenção à saúde, o que a

2 Destacamos como pontos de apoio para este exercício as contribuições

particulares das reflexões sugeridas pelo texto Notas sobre residência e

especialidade médicas, de G.W.S. Campos, M. Chakkour e R. Santos,

publicado nos Cadernos de Saúde Pública, R. Janeiro, dezembro de 1997;

bem como algumas experiências vividas junto da rede de Belo Horizonte e ao

Serviço Cândido Ferreira.


8

este circulo representa um certo


indivíduo submetida a abordagens
produtoras de atos em saúde

este circulo
representa a aborda
gem médica

n.e.m.

n.e.e. ab.enf.
n.e.a.s.

ab.assist. social

este retângulo representa o núcleo


da dimensão cuidadora comum
a qualquer abordagem que produza
atos em saúde

Vamos entender o diagrama de produzir atos de saúde.


acima analisando, inicialmente, uma Em primeiro lugar, temos que
pensão protegida experimentada por entender qual a missão que é
alguns serviços que ousaram esperada para uma pensão
organizar alternativas aos protegida. E, isto, só pode ser
manicômios psiquiátricos, para resolvido ao perguntarmos sobre o
depois usar do esquema explicativo modelo de atenção que se está
para entender um hospital geral, na querendo imprimir e o que se espera
busca de possibilidades de deste equipamento assistencial, pois
intervenções que mudem os modos cada tipo de modelo cria missões
9

diferenciadas para estabelecimentos comprovação de que este processo


aparentemente semelhantes, que se de conformação tecnológica irá ou
traduzem em diretrizes operacionais não obter bons resultados, pois esta
bem definidas. imposição de missão e de desenhos
Podemos, tanto esperar de tecnológicos é dada pelos interesses
uma pensão protegida que ela seja sociais que no momento são mais
organizada de tal modo que os seus poderosos e considerados legítimos.
moradores não tenham mais crises Superar esta conformação
agudas, quanto que seja organizada exige operar com alguns dispositivos
como um equipamento que deve que possibilitam redefinir os espaços
viabilizar uma ampliação da de relações entre os vários atores
socialização, com ganhos nos graus envolvidos nestes processos,
de autonomia para tocar a vida diária, alterando as missões do
e com um enriquecimento das redes estabelecimento, ampliando os
de compromissos de seus moradores modos de produzir os atos em saúde,
com um mundo não-protegido, extra- sem perder as eficácias de
muro das instituições mais fechadas. intervenção dos distintos núcleos de
Do ponto de vista da nossa ação. Deve-se apontar para um modo
análise, podemos dizer que um de articular e contaminar o núcleo
modelo que espera da pensão mais estruturado, o específico, pelo
protegida um papel vital para impedir núcleo mais em ato, o cuidador,
crises, impõe no dia a dia do publicizando este processo no interior
funcionamento do estabelecimento, de uma equipe de trabalhadores.
uma relação entre os núcleos que Entretanto, diante de uma
operam na produção dos atos de missão já a priori distinta, este
saúde, uma articulação que processo se impõe como que mais
possibilita um agir sobre a dimensão naturalmente. É o que ocorre se o
específica do problema, a partir de que se espera da pensão é a
certos recortes profissionais, segunda alternativa, ou seja:
efetivamente mais eficazes no viabilizar uma ampliação da
manejo das crises, por exemplo, de socialização, com ganhos nos graus
usuários psicóticos, e que favorece de autonomia para tocar a vida diária,
um jogo de potências em direção a e com um enriquecimento das redes
certos processos instituintes. de compromissos de seus moradores
Tendencialmente, pelo modo com um mundo não-protegido
como operam as lógicas de poderes Neste caso, vemos que o
(políticos, técnicos e administrativos) núcleo cuidador é o que deverá se
na sociedade contemporânea, estes impor, o que favorecerá inclusive a
núcleos vinculados as tecnologias diminuição das relações de
duras e leveduras, encontram um dominação que se estabelecem entre
processo favorável para acabarem se os vários profissionais, como
impondo sobre os outros núcleos, representantes de certos interesses e
favorecendo um processo de modos de operá-los no interior dos
dominação psiquiátrica diante dos modelos de atenção. E, mais ainda,
outros recortes profissionais. E, o pode-se abrir a partir deste núcleo em
interessante a observar, é que isto comum, o cuidador, um espaço
ocorre mesmo que não haja semelhante e equivalente de trabalho
10

na equipe, que explore a cooperação nesta intervenção, ocupando um


entre os diferentes saberes e o papel de mediador na gestão dos
partilhamento decisório. processos multiprofissionais e
Devemos ficar atento, então, disciplinares que permitem agir em
neste tipo de processo a pelo menos saúde, diante do “caso” concreto
duas questões básicas: a de que todo apresentado, o que nos obriga a
profissional de saúde, independente pensá-lo como um agente
do papel que desempenha, como institucional que tenha que ter poder
produtor de atos de saúde é sempre burocrático e administrativo na
um operador do cuidado, isto é, organização.
sempre atua clinicamente, e como tal Vive, deste modo, a tensão de fazer
deveria ser capacitado, pelo menos, este papel sempre em um sentido
para atuar no terreno específico das “duo”: como um “clínico” por travar
tecnologias leves, modos de produzir relações interseçoras com o usuário
acolhimento, responsabilizações e produtoras de processos de
vínculos; e, ao ser identificado como acolhimento, responsabilizações e
o responsável pelo “projeto vínculos, e como um gerente do
terapêutico”, estará sempre sendo um processo de cuidar através da
operador do cuidado, ao mesmo administração de toda uma rede
tempo que um administrador das necessária para a realização do
relações com os vários núcleos de projeto terapêutico, como procuramos
saberes profissionais que atuam expressar no diagrama abaixo:

PONTO
DE
INTERS
ECÇÃO

OPERADORD
OPERADOR DO GERENTE DO
CUIDADO P.T.I.

em ação clínica e em ação gestora

Cremos, que um modelo em explorar melhor este território comum


defesa da vida está mais baseado para ampliar a própria clínica de cada
nestas possibilidades, mas isto não território em particular, o que levará
deve nos levar a desconhecer a sem dúvida a ampliar a própria
importância dos modos específicos eficácia do núcleo específico de ação.
de se produzir profissionalmente os De posse destas reflexões, se
atos em saúde, pois o que temos que estivéssemos analisando um outro
almejar é esta nova possibilidade de estabelecimento que não uma
11

pensão protegida, mas um hospital profissionais, em certas


geral de clínica, a nossa análise seria circunstâncias são, de fato, mais
semelhante, mas sofreria certos eficazes que outras. Mas, sem fazer
deslocamentos. disso uma lógica de poder na qual
Nestes estabelecimentos, uma profissão se imponha sobre as
esperam-se atualmente em termos de outras.
missões que os mesmos tenham Este modelo deve também
compromisso com a garantia da estar atento aos processos
eficácia dos núcleos específicos de organizacionais, que nestas novas
intervenção profissional, articulações do núcleo cuidador,
particularmente o médico e de possibilitam ampliar os espaços de
enfermagem, só que isto é feito hoje ação em comum e mesmo a
pelo domínio que o agir médico cooperação entre os profissionais,
impõe hegemonicamente para os levando a um enriquecimento do
outros recortes, e o que é pior, dentro conjunto das intervenções em saúde,
de um modelo de ação clínica do tornando-as mais públicas e
médico empobrecedora ou mesmo comprometidas com os interesses
anuladora do núcleo cuidador. dos usuários, acima de tudo, e mais
Um modelo em defesa da vida, transparentes para processos de
para um estabelecimento deste tipo, avaliações coletivas.
deveria pensar como ampliar a Cremos que só a criação institucional
dimensão do núcleo cuidador e sua da responsabilização dos
relação positiva, tanto para profissionais e das equipes por estes
desencadear processos mais atos cuidadores é que poderá
conjuntos e partilhados no interior da redesenhar o modo de trabalhar em
equipe, quanto para melhorar a serviços de saúde, como um todo,
eficácia e adequabilidade da ação através por exemplo de dispositivos
específica com os processos usuários como a “amarração” referencial entre
centrados, assumindo e equipes e usuários, por processos
reconhecendo que certas abordagens terapêuticos individuais....

Creio que a melhor maneira de se aproveitar o que já foi dito, sobre a


produção do cuidado em saúde e as possibilidades de pensa-lo na direção de atos
comprometidos com as necessidades do usuário, é procurar analisar experiências
que têm ambicionado este resultado.
Antes disso, chamo a atenção para 3 questões básicas que até agora
mostraram-se vitais, neste texto:

• uma, diz respeito ao fato de que um dos pontos nevrálgicos dos


sistemas de saúde localiza-se na micropolítica dos processos de
trabalho, no terreno da conformação tecnológica da produção dos atos
de saúde, nos tipos de profissionais que os praticam, nos saberes que
incorporam, e no modo como representam o processo saúde e doença;
• a outra, faz referência aos processos gerenciais necessários para
operar o gerenciamento do cuidado e o modo como os interesses do
12

usuário, corporativos e organizacionais atuam no seu interior;


• e por último, a composição da caixa de ferramentas necessárias para
que os gestores dos serviços de saúde consigam atuar sobre este
terreno tão singular, gerindo estabelecimentos e sistemas de saúde com
ferramentas governamentais complexas para atuar nos terrenos político,
organizacional e produtivo (uma coletânea só sobre este tema está
sendo produzida, tendo como pano de fundo a discussão se o
conhecimento é ou não ferramenta para a gestão).

Além disso, parece-me que um grande desafio dos que se preocupam com
os processos de gerenciamento do cuidado em saúde, no interior dos
estabelecimentos, é procurar a combinação ótima entre eficiência das ações e a
produção de resultados usuários centrados, isto é, é procurar a produção do
melhor cuidado em saúde, aqui considerado como o que resulta em cura,
promoção e proteção da saúde individual e coletiva. Só que para isso, há que se
conseguir uma combinação ótima entre a capacidade de se produzir
procedimentos com a de produzir o cuidado.
Considero, como desafio, ter que pensar sobre o matriciamento necessário,
no dia a dia dos serviços de saúde, entre os processos produtivos -
transdisciplinares e multireferenciados -, tanto os que resultam em procedimentos
bem definidos, quanto os que estão implicados com os atos cuidadores, de tal
maneira que os gestores dos atos cuidadores sejam os responsáveis, perante o
usuário e o estabelecimento de saúde, pela realização das finalidades da
produção do cuidado.
Gerencialmente é possível matriciar toda organização de saúde conforme o
desenho abaixo, procurando construir a figura do gestor do cuidado, que poderá
ou não ser um médico, mas que sempre será um cuidador. Mesmo quem atua
como trabalhador de uma unidade de produção, pelo domínio que tem de uma
certa competência específica, pode ser um cuidador de certos usuários, passando
a responder pela produção do PTI (projeto terapêutico individual), usuário
centrado, perante o estabelecimento, mas quando ligado a uma unidade de
produção de procedimento bem definida, responde pelo produto que esta unidade
tem como sua identidade, ao gestor do cuidado. Este é aquele que o serviço toma
como seu referencial para a produção dos resultados principais do
estabelecimento.
No quadro adiante, esboço um pouco desta idéia para contribuir com a
reflexão proposta, até agora.
13

Unidade de Unida Unida Unidade Unidade Unidade


produção de de de de de de de
procedimento produ produç produçã produçã produçã
ção ão de o de o de o de
de cirurgi exames nutrição internaç
image as de e ão
Gestor do ns laboratór dietética
cuidado io
Gestor do R-x de Exames Alimenta Internaç O gestor do
cuidado do abdo de ção ão na paciente X é o
paciente X men sangue balancea enfermar responsável
com e de da ia de pela produção
laudo urina produzid adulto do PTI, feito
definid realizado a realizada com a ajuda
o s de uma
equipe de
referência e
passa
administrar as
relações com
as unidades
de produção
que necessita
para compor
o cuidado,
além de ser o
cuidador
vinculado ao
paciente X. É
quem
responde pelo
paciente
diante do
estabelecime
nto

alguns relatos de experiências, para a reflexão

Aqui, retira-se trechos de textos que relatam situações vividas em torno de


14

um repensar a lógica dos processos de trabalho em serviços de saúde, que estão


implicadas com a criação de caminhos que apontam na direção do que se
pontuou. O primeiro texto, de Adail Rollo: É possível construir novas práticas
assistenciais no hospital público, que foi publicado no livro Agir em Saúde,
Hucitec, 1997, fala da construção do modelo assistencial no hospital público de
Betim. O segundo, de Sérgio Resende e Gastão Wagner de Sousa Campos:
Reforma dos modelos de atenção à saúde. A organização de Equipes de
Referência na rede básica da Secretaria Municipal de Saúde de Betim/Minas
Gerais, que está para ser publicado por uma revista da área da saúde, fala da
experiência de modelagem de equipes de referências (micro-equipes de Centros
de Saúde desenvolvendo uma atenção interdisciplinar a determinada grupo
populacional adscrito), junto a rede básica de saúde.

A - É POSSÍVEL CONSTRUIR NOVAS PRÁTICAS ASSISTENCIAIS NO


HOSPITAL PÚBLICO ?

Adail Rollo

A ASSISTÊNCIA NOS HOSPITAIS modelo assistencial hegemônico nos


hospitais e a relação deste com o
Quando falamos de hospital sistema de saúde.
público, hoje, vem à nossa mente a (...)
imagem negativa de um serviço no O enfrentamento desta
qual impera a prática profissional problemática requer atuação nos
impessoal, fragmentada, o não- microprocessos organizativos que
envolvimento com os pacientes e geram as práticas e as relações no
familiares, a combinação excesso de cotidiano dos serviços. Um
demanda com ociosidade, o pressuposto importante, para este
sucateamento material e humano, a enfrentamento, é criar nas unidades
não-integração com o sistema loco- de trabalho espaços coletivos que
regional de atenção à saúde, o garantam: a problematização, a
descaso, o desrespeito, o não- discussão de diretrizes, a escuta de
cumprimento de contratos e de usuários, a negociação e
normas técnicas, a não-motivação entendimento entre gestores e
dos trabalhadores, tudo isto trabalhadores acerca do
permeado pelo desespero dos que funcionamento, da rede de pedidos e
necessitam de cuidados hospitalares. compromissos e do sistema de
Estamos apostando que é avaliação de responsabilidades.
possível alterar esta situação, tendo
claro que os hospitais são OS PRINCIPAIS NÓS A SEREM
importantes equipamentos na ENFRENTADOS
garantia da eqüidade, integralidade
da assistência e na defesa da vida, e As questões que estamos
que os defensores da Reforma levantando como centrais para serem
Sanitária devem ter propostas enfrentadas na reconstrução das
concretas que visem à superação do práticas assistenciais nos hospitais
15

são: responsabilização e vínculo, criação de vínculo das equipes com


abordagem do doente como cidadão os usuários nos hospitais, citamos:
sujeito do seu processo de
recuperação, resolutividade e - constituir nas unidades de
integração com o sistema loco- internação equipes que sejam
regional de saúde. responsáveis pelo acompanhamento
de oito a dez pacientes compostas
a) responsabilização e por um médico, um enfermeiro, dois
vínculo técnicos ou auxiliares de enfermagem
É possível modificar o atual (por turno de trabalho, fixando um
padrão de responsabilização e para cada quatro ou cinco pacientes),
vínculo que existe entre os servidores com retaguarda de outros
e seus pacientes? é possível suportar profissionais quando solicitada pela
por mais quanto tempo este padrão? equipe básica, de assistentes sociais,
Vários autores têm se ocupado psicólogos, nutricionistas,
com esta questão tão ruidosa da farmacêuticos, fisioterapeutas,
impessoalidade e fragmentação da terapeutas ocupacionais e outros.
assistência nos hospitais. Trabalhos Assim, uma equipe básica que
em hospitais norte-americanos assiste um paciente é composta por
revelam que os profissionais um médico, um enfermeiro e um
responsáveis pela assistência técnico ou auxiliar de enfermagem.
(médicos e enfermagem), dedicam Logo, o médico e a enfermeira
apenas 20% de seu tempo a participam de duas equipes básicas.
atividades de contato direto com os Esta equipe é responsável pela
pacientes e, em média, 67 pessoas elaboração do plano terapêutico
diferentes entram em contato com personalizado para cada paciente
estes, em uma internação de quatro a com a participação de outros
cinco dias (Lathrop, J.P. 1992). membros da equipe multiprofissional
Podemos supor que esta realidade, quando for necessário, com definição
em nossos hospitais públicos, deva clara das tarefas de cada membro da
ser bem pior, considerando as equipe durante a internação. Esta
jornadas da enfermagem de 12 trinca deve interagir no dia-a-dia
horas de trabalho por 36 , 48 ou 60 acerca de suas impressões sobre a
horas de descanso, e a tendência evolução do paciente socializando as
atual dos médicos organizarem a dificuldades e as opções de
jornada nas enfermarias em plantões abordagem do caso. Os registros no
de 12 ou 24 horas, em vez da prontuário devem ser feitos no
jornada como diarista. mesmo local, ou seja, na folha de
(...) evolução diária, evitando a
A seguir, apresentaremos fragmentação dos registros a partir
diretrizes/dispositivos que temos das várias profissões, facilitando
acumulado em experiências práticas análises da situação do doente a
e em estudos e reflexões teóricas no partir de registros bem feitos pelos
LAPA, que visam ao enfrentamento vários profissionais que assistem o
da problemática acima levantada. paciente. Desta forma, todo paciente
Como mecanismos que terá um médico e um enfermeiro
favorecem a responsabilização e como referência e de quatro a seis
16

técnicos ou auxiliares de enfermagem Não é possível reproduzir nos


e outros membros da equipe hospitais a relação que os médicos
multiprofissional de retaguarda estabelecem com os pacientes no
(quando se fizer necessário), que consultório de sua clínica privada,
devem realizar e articular todas as onde a situação de risco, a
ações voltadas para a recuperação complexidade da abordagem
do doente. Em casos de reinternação, diagnóstica e terapêutica é
o paciente volta para a mesma infinitamente menor e a relação
equipe; monopolizada entre o médico e o
- os pacientes cirúrgicos paciente é suficiente na condução do
devem ter o pré, a operação e o pós- caso. Em uma enfermaria, no pronto-
operatório realizados pelo mesmo socorro, a situação é muito diferente,
profissional; a instabilidade clínica é grande, os
- nas áreas de assistência procedimentos diagnósticos e
intensiva ou semi-intensiva, como terapêuticos exigem reavaliações e
CTI, UTI, berçário de risco, observações constantes, os saberes
enfermarias de retaguarda de pronto- e as atribuições profissionais estão
socorro, deve haver equipes de fragmentados nos vários
acompanhamento diário (horizontal) profissionais. Isto impõe o trabalho
dos doentes, isto é, além dos em equipe com ações coordenadas
plantonistas (acompanhamento e complementares dos vários
vertical), faz-se necessária a profissionais como um pressuposto
responsabilização de profissionais básico para a qualidade da atenção.
pelo seguimento horizontal;
- no pronto-socorro, o médico b) o doente como cidadão,
e o profissional da enfermagem que como sujeito em seu processo de
realizaram o primeiro atendimento recuperação e cura
devem ser responsáveis pelo (...)
paciente até a resolução ou A permanência do
encaminhamento do caso, ou seja, paciente/familiar no hospital abre uma
respondem por tudo que diz respeito possibilidade ímpar para os
ao paciente como avaliação de profissionais de saúde estabelecerem
exames e terapêutica, solicitação de um processo de interação com tais
interconsultas, contato com pessoas, de forma a envolvê-los na
familiares, passagem do caso para o recuperação e cura através da
próximo plantonista e as rotinas de transferência de saberes, melhorando
observação, internação e seu entendimento sobre seu corpo e
transferência. Nos casos de seu agravo, a relação deste com seu
pacientes em estado de emergência/ modo de levar a vida e o meio social,
politraumatizados, a equipe contribuindo assim para que se tenha
multiprofissional designa um posturas e atitudes que diminuam
responsável em função da riscos e melhorem a qualidade de
especificidade do agravo. vida. Os hospitais classificados como
AMIGOS DAS CRIANÇAS pela
A diretriz é : todo paciente tem UNICEF são um exemplo concreto da
um profissional responsável por ele. potencialidade desta prática. Nestes
(...) hospitais há uma série de atividades
17

voltadas para as mães, incentivando reflexão quando discute a


o aleitamento materno e orientação reformulação da clínica indicando a
sobre cuidados básicos às crianças, importância da valorização da fala e
com redução da morbimortalidade da escuta pelos profissionais em seus
nestes grupos ( Segal, A.,1996). contatos com os doentes, ou seja, na
Pensem no caso de um interação com os pacientes valorizar
paciente diabético internado com uma a subjetividade procurando revelar as
ferida infectada em membro inferior, falas ocultas (representações,
quantas informações podem ser pensamentos, juízos) que este tem
repassadas a este cidadão e a acerca de sua doença, do
membros de sua família acerca de prognóstico, da terapêutica, o que
como realizar os curativos, dos significa o agravo em sua vida
cuidados que se deve ter com as (profissional/social/afetiva), qual é o
extremidades, dos sinais de hipo e seu estado de ânimo para a cura, que
hiperglicemia, como administrar a pedidos tem à equipe, que
insulina, dos sintomas e sinais de compromissos pode assumir no seu
alerta para a procura de serviços de processo de recuperação, qual é sua
assistência. Isto vale para a maior rede de ajuda, de apoio.
parte das patologias que requerem (...)
internação. O cotidiano das relações dos
O plano terapêutico ou profissionais de saúde com os
contrato de cuidados ao doente deve pacientes é a matéria-prima para se
prever atividades de envolvimento do trabalhar as novas práticas. Há
paciente e família no processo de vários saberes acumulados pelas
cura, além de informá-los do áreas da psicologia, educação,
diagnóstico, dos objetivos das sociologia e antropologia que podem
condutas diagnósticas e terapêuticas enriquecer a prática dos
e dos prognósticos mais prováveis. trabalhadores da saúde, habilitando-
Um dispositivo facilitador desta os a abordarem o ser humano de
interação, além da responsabilização modo integral em sua dimensão
já citada acima, é a garantia da biológica, sociocultural, psicológica e
presença de um acompanhante de cidadão com direitos.(...)
durante 24 horas por dia junto ao Esta abordagem é bem distinta
doente internado. da abordagem da gestão de
(...) qualidade com o seu artificialismo,
A proposta é que médicos, hipocrisia e mistificação acerca do
corpo de enfermagem, e demais cliente que é apresentado como um
profissionais que têm contato com os ser soberano, como um rei, como a
pacientes sejam habilitados a abordar razão de ser do serviço, mascarando
os pacientes de um modo mais a lógica do lucro e da sobrevivência
integral, valorizando sua econômica. É distinta também da
subjetividade, percebendo-os como abordagem do paciente como pessoa
pessoas que têm medos, que tem necessidades e que
sentimentos, que gostam de falar e passivamente aguarda que os
ouvir, que julgam, que tomam profissionais de saúde as satisfaçam
atitudes e que têm potencialidades. como se isto fosse um favor. A lógica
Campos (1992) contribui nesta aqui é a do doente como cidadão
18

com direitos e sujeito em seu resolutividade hospitalar. O desafio é


processo de recuperação. tornar acessível a todos esta
tecnologia, em um país onde ainda
c) resolutividade temos óbitos por peritonites,
Quando levantamos a questão insuficiência renal crônica, por
da resolutividade, estamos obstrução prostática e por aí afora. O
defendendo que todo cidadão tenha à hospital público tem tido e deve
sua disposição, nos casos de doença, ampliar o seu papel na garantia da
o acesso a toda tecnologia que a eqüidade do acesso à assistência
humanidade acumulou em defesa da resolutiva.
vida, ou seja, o hospital deve ter a (...)
capacidade de dar respostas efetivas A diretriz não passe para outro
aos agravos de saúde de seus o que você mesmo pode fazer pelo
usuários com resolutividade seu paciente é de muita valia no
diagnóstica e terapêutica no tempo enfrentamento desta problemática e o
ótimo que o caso exija, eliminando ou seu desdobramento através da rede
diminuindo o sofrimento, os riscos, e de pedidos e compromissos entre os
promovendo a recuperação e cura. É diferentes profissionais e equipes, de
evidente que a maioria dos hospitais forma a precisar claramente os
não tem capacidade tecnológica compromissos com a resolutividade
instalada para resolver todos os assistencial dos profissionais e
casos que nele chegam. Impõe-se equipes e os pedidos que fazem aos
que estes se articulem em parceria e demais profissionais. Explicitando
complementariedade com outras assim o contrato de
unidades de saúde, de modo a responsabilidades, diminuindo a
garantir a continuidade da fragmentação, agilizando
assistência, compatibilizando a atendimentos resolutivos e pondo as
gravidade dos casos com os recursos especialidades médicas no seu
tecnológicos disponíveis definidos devido lugar. A história da medicina e
pela missão de cada hospital no experiências atuais demonstram que
sistema de saúde. isto é possível de ser realizado sem
Hoje, com os dados perda na qualidade da atenção.
disponíveis de mortalidade geral, das
demandas da rede ambulatorial e da d) integração do hospital
morbidade hospitalar, é possível com o sistema de saúde
estimar-se, com razoável margem de Outra marca dos atuais
segurança, o perfil tecnológico dos hospitais é a sua pequena integração
hospitais para que se garanta a com o Sistema Loco-Regional de
resolução da maioria dos casos. Os Saúde. Os diretores e trabalhadores
modernos equipamentos de dos hospitais, não o concebem como
diagnose e terapêutica, associados um equipamento de saúde que, em
às facilidades de atualização e função de sua capacidade
difusão do conhecimento médico tecnológica e perfil assistencial, têm
através de intercâmbios diretos entre determinados compromissos na
pesquisadores e via informática cadeia de cuidados aos doentes.
(MEDLINE, infovias de comunicação), De fato, o entendimento que se
têm permitido grandes avanços na tem é que o hospital é o vértice, o
19

topo da pirâmide das unidades longo tempo, constituindo uma


assistêenciais, quer dizer, ele é a referência objetiva para este e tendo
principal unidade do sistema, as a responsabilidade de articular os
demais gravitam em torno dele. demais níveis de atenção à saúde
Simbolicamente, para os médicos toda vez que se fizer necessário.
que atuam nos hospitais, o resto do Como outras estratégias que
sistema de saúde é primário, é visam a diminuir a força de atração
elementar, é algo muito básico, enfim, centrípeta dos hospitais e valorização
é o resto. A relação, da rede ambulatorial, temos as
conseqüentemente, com as demais equipes de assistência domiciliar, os
unidades, é de subordinação e não hospitais-dia e ambulatórios de
de parceria e complementaridade, especialidades vinculados à unidades
dando margens para o exercício da ambulatoriais de maior complexidade
arrogância, da prepotência e que funcionem como referência
desprezo por outras ações de saúde regional.
que não as hospitalares, levando a Entender hoje o hospital como
uma articulação inadequada na importante fonte de informações
integração e continuação da epidemiológicas tanto no que se
assistência aos doentes. refere à morbimortalidade hospitalar
O grande desafio sugerido é o como principal, por ser um local onde
de inverter esta centralidade que o se concentram os eventos sentinelas,
hospital tem hoje no sistema de ou seja, o aparecimento de doenças
saúde, redefinindo o seu papel ”(...) que deveriam surgir por existirem
para el caso del rol del hospital, cuyo ações preventivas e ou curativas que
eje y capacidad de gravitación deben garantem a sua não-ocorrência e/ou
ser radicalmente modificados y la óbito por esta causa, como por
correlación de recursos reorientada exemplo tétano, sífilis congênita,
hacia los establecimientos de menor óbito por apendicite aguda, etc.
complejidad. Es decir, el poder debe (Rutstein e col., 1970), e os
transferirse del “centro a la periferia” processos traçadores entendidos
y apoyarse la creación de poder de como doenças que apresentam
esta última. (...) Se trata de que el quadro clínico bem definido, de fácil
hospital base se transforme en diagnóstico, alta prevalência e
hospital de apoyo (...)” (Pardo, terapêutica definida e consensual,
1990). como: hipertensão arterial, câncer de
(...) mama e colo de útero, asma, anemia,
Outra estratégia que favorece perda da audição e visão, entre
a redefinição do papel do hospital no outras, que podem ter boa evolução e
sistema de saúde é a adscrição dos cura a partir do diagnóstico precoce e
usuários por profissional e/ou equipe tratamento adequado (Kessner,1973).
nas unidades básicas, de forma que (...)
os usuários possam matricular-se às A subordinação do hospital às
equipes das unidades de sua região necessidades do sistema não quer
de moradia, permitindo assim a dizer perda de autonomia
criação do vínculo e administrativa financeira, que é
responsabilização pelo fundamental em função da
acompanhamento do usuário por um especificidade deste equipamento
20

(funcionamento ininterrupto, necessidade de atuação no tempo


imprevisibilidade das demandas, a ótimo na defesa da vida). (...)

B - REFORMA DOS MODELOS DE ATENÇÃO À SAÚDE: A ORGANIZAÇÃO


DE EQUIPES DE REFERÊNCIA NA REDE BÁSICA DA SECRETARIA
MUNICIPAL DE SAÚDE DE BETIM/MINAS GERAIS

Sérgio Resende Carvalho e Gastão Wagner de Sousa Campos

Introdução ações em micro-espaços,


consideradas estratégicas para a
Há um amplo debate no Brasil mudança, sem com isto desconhecer-
sobre qual seria o Modelo de Atenção se o papel dos determinantes macro-
ideal para organizar a denominada estruturais; b) o entendimento de que
Rede Básica (Atenção Primária) sem a participação dos
viabilizando, na prática, as diretrizes trabalhadores, médicos incluídos,
do Sistema Único de Saúde (SUS). não é possível mudanças do setor
Entre as diversas propostas público de saúde; c) o resgate do
experimentadas no país – Ações usuário como sujeito da mudança
Programáticas (Schraiber,1995)), valorizando o papel dos mesmos no
Vigilância à Saúde(Mendes,1994), dia-a-dia dos Serviços de Saúde e
Saúde da Família(MS,1994; em fóruns de deliberação coletiva tais
Mendes,1996; CRM,1998) –, durante como os Conselhos de Saúde; d)
a década de noventa desenvolveu-se reconhecimento da demanda como
uma formulação, denominada de expressão legítima das necessidades
Modelo de Atenção em Defesa da de saúde, sem com isto negar a
Vida (MDV), resultado de uma importância de outros saberes para a
elaboração coletiva (...) organização dos serviços
O MDV está pautado na defesa (Epidemiologia, etc.); e) a
das diretrizes básicas dos SUS necessidade de se reformular a
procurando constituir dispositivos e Clínica e a Saúde Pública a partir das
arranjos institucionais que têm como reais necessidades dos usuários; e f)
objetivo garantir a gestão a importância de se utilizar, de
democrática dos estabelecimentos de maneira conseqüente e criativa,
Saúde, o acolhimento humanizado da tecnologias disponíveis em outros
clientela, o acesso a serviços projetos assistenciais.
resolutivos e realizar uma (...)
reorganização de processos de O Projeto de Equipe de
trabalho que busque fortalecer os Referência (PER) foi gradativamente
vínculos entre profissionais e implantado tendo como eixo a
usuários com a clara definição de reorganização do processo de
responsabilidades. trabalho centrada no trabalho das
A estes princípios acrescentar-se- micro-equipes multiprofissionais, o
iam determinadas concepções com fortalecimento da Gestão Colegiada ,
importantes conseqüências a informatização dos prontuários e o
operacionais: a) a valorização de aperfeiçoamento de dispositivos
21

organizacionais tais como o responsabilização e vínculo entre


Acolhimento. profissionais e usuários através da
Neste processo foi fundamental constituição de equipes
amplo processo de discussão com os interdisciplinares que buscariam, com
trabalhadores onde se debateu as autonomia, garantir o melhor
premissas do Projeto e se constituiu atendimento possível a um
coletivamente as Equipes de determinado grupo populacional
Referência (E.R.). Ao mesmo tempo adscrito.
agentes treinados realizaram um (...)
cadastramento casa por casa onde,
além de coletarem dados socio- O processo de adscrição dos
economicos-sanitários, informavam usuários às Equipes de Referência
aos usuários sobre o PER
orientando-os a procurarem a Proposta constante do Projeto
unidade de saúde mais próxima com original
o intuito de se adscreverem a uma A adscrição deveria ser voluntária
E.R.. para os usuários, em geral; e
(...) induzida para aqueles que fizessem
parte de algum grupo de risco.
O Projeto de Equipe de Referência: Mulheres em idéia fértil poderiam
da teoria à prática optar por se adscrever em duas E.R:
(...) da mulher (gineco-obstetrícia) e do
Partindo do diagnóstico de que, adulto (Clínica Médica).
apesar de todos os esforços A adscrição da clientela por local
realizados, os serviços ambulatoriais de moradia (territorialização) seria
prestado pelo SUS/Betim ainda se induzida, procurando otimizar ações
mantinham pouco eficazes o grupo extra muros, mas não obrigatória
dirigente da SMS coordenou o buscando preservar dentro das
processo de formulação do PER possibilidades do serviço o direito de
tendo como objetivo principal livre escolha do usário.
aumentar a resolutividade da rede Pretendia-se realizar uma
ambulatorial básica. adscrição gradativa da clientela
procurando não criar desequilíbrios
Ao considerar que este quadro
numéricos entre as diferentes E.R.
tinha como causas relevantes a
tendo sido sugerido uma meta inicial
existência de um processo de
de 500 usuários adscritos por Equipe.
trabalho fragmentado, alienado e
Quando esta meta fosse atingida por
pouco solidário marcado, entre
todas as E.R. se faria a abertura de
outros, pela pouca incorporação da
novas vagas.
categoria médica nas mudanças que
vinham se processando, a SMS
Proposta implementada
buscou, através do Projeto de Equipe
Processo de adscrição
de Referência, construir um arranjo
Várias unidades constituíram
que alterasse com profundidade
suas Es.R. no primeiro semestre de
estas características do sistema.
1998 iniciando a adscrição apenas
Para isto traçou, como objetivos pelos usuários que espontaneamente
intermediários, resgatar a relação de procuravam a unidade. A demora e a
22

falta de homogeneidade no processo conta de que mais de 100.000


obrigaram a se realizar um ajuste usuários haviam escolhidos o médico
operativo no Projeto que se traduziu e a equipe (Normand, 1998).
na decisão de se realizar um O ritmo de adscrição por equipe
cadastramento ativo de toda foi bastante desigual conforme
população do munícipio paralela a realidades específicas (maior tempo
uma maior divulgação do Projeto. dos profissionais na rede, vínculos
Desta forma um grupo de 60 existentes entre usuário e médico,
funcionários, especialmente organização interna, grau de adesão
contratados e treinados, realizaram a ao projeto, etc.) levando a medidas
partir de julho a dezembro de 1998 gerenciais posteriores com o intuito
cadastro ativo de aproximadamente de reequilibrar o fluxo da demanda de
270.000 habs residentes em 68.000 acordo com a oferta de serviços pela
moradias do município. (Normand, unidade.
98). No ato do cadastramento Foi observado que apenas uma
informava-se sobre o Programa minoria de usuários optou pela não
Saúde para Todos e entregava-se ao adscrição (menos de 2% na UBS
usuário um canhoto de identificação o Angola) e que os usuários residentes
qual deveria ser apresentado à em outros municípios continuaram a
unidade ambulatorial da região no ato ser normalmente atendidos mas sem
de escolha do médico e da equipe que os mesmos fossem adscritos a
que iria cuidar de sua saúde. qualquer equipe em conformidade
Em 4 UBS os usuários passaram com o projeto original da Secretaria..
a receber um cartão personalizado
informatizado, tipo código de barra, Composição e papéis da Equipe de
contendo o número do prontuário e Referência
os nomes do usuário e dos membros
da E.R. responsável por seu Proposta original
acompanhamento. Nas demais As equipes deveriam se constituir a
unidades foi entregue um cartão partir de três área básicas de atenção
provisório não informatizado a ser (criança, adulto, mulher), devendo ser
substituído pelo cartão informatizado constituídas, no mínimo, por um
até julho de 1999. médico proveniente de uma destas
A expectativa é de que quando especialidades (Clínico, Pediatra ou
totalmente implementado o sistema, Gineco-obstetra), um auxiliar de
as informações de relevância do enfermagem e um enfermeiro.
usuário (dados de identificação e Os enfermeiros (e eventualmente
dados clínicos) possam ser outros profissionais de nível superior
facilmente acessadas pelos como assistentes sociais, psicólogos,
profissionais da rede, através da etc) deveriam apoiar matricialmente
utilização de máquinas de leitura mais de uma Equipe de Referência.
ótica e impressoras, viabilizando ao Cada Equipe deveria se
mesmo tempo o acesso o usuário ao responsabilizar pela saúde de um
dados de seu prontuário . grupo populacional adscrito, de 1200
a 2000 usuários, número que poderia
Resultados do processo de adscrição variar segundo a morbidade,
Dados de dezembro de 1998 davam características tecnológicas da
23

unidade, realidade socio-econômica Equipes de Referência


local e outros fatores. Para projetar
este cálculo a SMS/Betim tomou Proposta original
como referência parâmetros que Nos casos em que o paciente não se
vinham sendo utilizados em outras adscrevesse às Es.R. (usuários em
experiências (Sumaré, 1997). trânsito, ou que optaram por não se
adscrever, etc.) o atendimento seria
Proposta implementada garantido através do cardápio
Em 18 UBS e 2 Unidades de tradicionalmente ofertado nas
Atendimento Imediato organizaram- unidades de Betim tais como
se, até dezembro de 1998, cerca de consultas individuais, procedimentos
100 Equipes de um total de 172 de enfermagem e atendimento
previstas. prestado pelas Equipes de
Ao contrário do inicialmente Acolhimento (Carvalho, 1997,
planejado, decidiu-se que a mulher Franco,1997).
em idade fértil deveria se adscrever No caso dos usuários adscrito a
apenas a uma E.R (do adulto ou da E.R. buscaria se responsabilizar pela
mulher) tendo em vista a otimização integralidade e qualidade do
do trabalho médico e o temor de que atendimento prestado. Para isto
a duplicidade na adscrição seria um deveria designar um profissional de
fator para a desresponsabilização referência para o usuário e
com os problemas do usuário. disponibilizar um cardápio de
Este projeto está induzindo tecnologias (Equipe de Acolhimento
mudanças importantes no processo por área, consulta individual; grupos
de trabalho das unidades. Os educativos; atendimento domiciliar;
gerentes entrevistados relataram que trabalhos comunitários; ações
médicos passaram a realizar visitas programáticas; vigilância à saúde;
domiciliares a casos complicados; a etc.) abrangente e de qualidade.
coordenar discussões clínicas na Recomendava-se, sempre
esfera das Es.R além de terem uma quando possível, o acompanhamento
participação mais ativa junto a dos usuários através de um projeto
instâncias gestoras das unidades. terapêutico elaborado no âmbito da
Auxiliares de enfermagem ampliaram E.R com o objetivo de se realizar um
seu campo de atuação ao atendimento mais qualificado pautado
intercalarem tarefas de Acolhimento na premissa do trabalho
com coleta de exames, curativo, interdisciplinar e de integralização
vacinação, esterilização, atividades dos esforços dos profissionais tendo
extra-muros e outros. O mesmo se como centralidade as necessidades
passou com enfermeiras as quais dos usuários.
além do tradicional trabalho As equipes de referência
administrativo e de supervisão deveriam orientar a sua clientela
passaram a se envolver com práticas adscrita sobre os horários em que os
assistenciais, individuais e coletivas, profissionais estivessem na unidade
apoio ao Acolhimento e com de Saúde. A Equipe trabalharia com
atividades de capacitação em serviço. atendimento individual, ações
coletivas, atividades junto à
Processo de trabalho do Projeto de comunidade, assim como participaria
24

em fóruns de gestão de seu local de unidades de produção. Apenas a


trabalho. UBS Angola manteve uma Equipe de
Complementando a maneira do Acolhimento dando cobertura para
usuário relacionar-se com a unidade, casos não cobertos pelas E.R.
e mudando a maneira da unidade Independente do formato específico
relacionar-se com a clientela, sugeriu- ocorreu uma abertura de novas vias
se também que o prontuário ficasse, de acesso às unidades de saúde.
de fato, sob a guarda de cada
usuário, o qual deveria trazê-lo à A agenda das Equipes de
consulta tanto no serviço onde se Referência
inscreveu, como em qualquer outro
que freqüentasse. Acreditava-se que Apesar dos questionamentos e
esta dinâmica contribuiria para temores surgidos na etapa de
aumentar a autonomia do usuário. discussão prévia à implantação do
As E.R. deveriam desenvolver Projeto a organização das agendas,
ações de vigilância à saúde dentro de nas unidades investigadas, não se
suas possibilidades, bem como configurou em um problema
solicitar apoio de outros profissionais relevante. A partir da autonomia
especificamente encarregados da conquistada as Es.R. criaram
saúde coletiva. diferentes formatos de
Recomendava-se a adoção de “agendamento” de acordo com a
critérios de avaliação, bem como a especificidades locais, ao objeto da
escolha de um representante por unidade de produção, às
equipe, o qual deveria ter assento no caracteristicas internas das Equipes e
Colegiado Gestor da unidade. ao modo que se reorganizaram para
responder às diretrizes do modelo
Proposta implementada assistencial do SUS/Betim.
O acesso e o acolhimento aos Neste novo formato cabia ao
usuários médico e a sua Equipe planejar as
O cadastramento ativo e divulgação atividades diárias de cada profissional
casa por casa do Projeto gerou um segundo as necessidades dos
aumento da demanda no primeiro usuários e a disponibilidade de
mês de funcionamento do Projeto profissionais. O compromisso com os
devido, entre outros, a um aumento resultados e não com os meios faz
significativo de usuários que com que tenha começado a ocorrer
procuravam a unidade pela primeira um mudança radical da lógica
vez sendo relatado pela gerente da anterior de funcionamento baseada
UBS Angola a adscrição importante quase que unicamente no grau de
de usuários conveniados a Planos de produtividade do profissional.
Saúde Complementares. (...)
Nas 3 unidades pesquisadas
constatou- se que o primeiro Considerações finais
atendimento, antes realizados por
uma Equipes de Acolhimento, As propostas de organização de
passara a ser realizado pelas serviços aqui apresentadas têm sua
diversas Equipes de Referência potencialidade aumentada se
formadas segundo a lógica de entendidas como projetos em
25

construção, sujeitos a alterações no monta. Julgamos que a ampliação do


que se refere a aspectos conceituais conceito de Médico Generalista para
e à sua aplicação pratica devedoras o Brasil se justifica pelas
de realidades histórico-sociais complexidade de demandas, pela
específicas. necessidade de se garantir
A proposta de Equipe de organicamente a integralidade do
Referência buscou a atendimento primário-secundário,
superação/aperfeiçoamento do assim como pela diversidade das
modelo existente em Betim e, embora realidades locais;
respondendo a uma realidade - insiste na pertinência de se valorizar
concreta, parece-nos que se insere as experiência acumuladas nos
com bastante propriedade no debate milhares de Centros de Saúde
contemporâneo sobre formas de existentes em nosso país,
organizações dos serviços de Saúde particularmente no que se refere ao
no qual vem ganhando espaço, sobre contexto das cidades de médio e
o impulso das políticas oficiais e o grande porte;
apoio de agências multilaterais, - critica as concepções que trabalham
propostas como Cidade Saudável, com rigidez os diferentes níveis
Médico da Família, Vigilância à hierárquicos de prestação de serviços
Saúde. (primário, secundário, terciário);
Ao coincidir com elementos - valoriza a co-gestão dos serviços de
substantivos destas últimas saúde tanto no espaço das micro-
formulações no que se refere à crítica equipes quanto no do coletivo do
ao modelo biologicista médico- Centro de Saúde;
centrado e à fragmentação das - considera a demanda por serviços
prática em saúde, à valorização de como forma legítima de expressão
ações de promoção e prevenção, à das necessidades dos usuários sem
importância do trabalho com isto negar a pertinência da
interdisciplinar e do fortalecimento do utilização de outros instrumentais
vínculo entre profissionais e usuários comumente utilizados no processo de
para qualificar as ações de saúde a diagnóstico, avaliação e
proposta de Equipes de Referência monitoramento dos serviços de
apresenta peculiaridades quando: Saúde;
- propõe a constituição de um novo - trabalha o processo de adscrição
formato de equipe de saúde a partir com flexibilidade procurando, otimizar
da valorização dos campos e núcleos recursos e favorecer vínculo ao
de saberes (Campos, 1997) dos mesmo tempo que garante um
diferentes profissionais e da espaço de liberdade de escolha ao
constituição de projetos terapêuticos usuário buscando respeitar a sua
preconiza a participação, nas individualidade e favorecer o
equipes, de profissionais com exercício do micro-controle social
especialidades médicas básicas sobre as ações de saúde.
(Pediatra, Clínico, Gineco-obstetra), o (...)
que tem conseqüência operacional de
26

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