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A NATUREZA DA IGREJA: MISSÃO E AÇÃO SOCIAL

Rolando Gutierrez Costés

Falar da igreja do Senhor Jesus no mundo secular atual é encontrar-se com diversas atitudes, desde
a hostilidade até a aceitação, passando pela indiferença e a tolerância.

Muitos países do Ocidente estão passando por uma franca reestruturação social. Faze-lo, contudo,
no mundo religioso, alheio à fé cristã, é encontrar-se com atitudes semelhantes, mesmo quando
ocasionalmente os matizes adquirem maior intensidade, devido ao fanatismo que se cultivam. Já no
Oriente muitos países vivem uma hermenêutica estrutural religiosa.

Mas o que quer dizer no âmbito cristão, onde há divisões devidas as tradições históricas ou
litúrgicas, suspeitas institucionais ou doutrinárias, isolamento por falta de informação ou conveniência
particulares? A desinformação sistemática na América Latina é um bom exemplo disso. O que quer dizer
no âmbito cristão, onde a missão é um ponto de discussão e não convergência de trabalho? E isso é
acentuado pelas diversas ênfases das agências paraeclesiásticas. Que dizer no âmbito cristão, onde a
renovação permanente do entendimento não se compartilha com a mesma atenção, mas, pelo contrário,
cada um fala por si? A repetitividade do discurso teológico acusa um estancamento metodológico.

Pois é neste campo secular complexo, religiosamente confuso, eclesiasticamente assimbólico, que
nos situamos para falar da natureza da igreja a partir de três pontos principais: natureza, missão e ação
pastoral. Das duas primeiras já se tem falado muitas vezes, porém da última, muito pouco. Tentarei
esboçar os pontos de vista sobre estes assuntos a partir de uma pequena pastoral.

I. PONTOS CHAVE

A natureza da igreja é nosso objeto de atenção: ver o que a constitui e quais são as suas
características fundamentais. Teremos que nos referir-nos à área do conhecimento, já que em
conhecimento se baseia a confissão dos discípulos. Analisaremos também a relação existente entre este
conhecimento e Jesus Cristo, pois este conhecimento sustenta o conteúdo da tarefa e da ação que exercem
ao proclamar sua mensagem. Mas tentaremos identificar os elementos que se dão nestes processos, a fim
de mostrar nossa perspectiva.

1. Identidade

No evangelho de Mateus, Jesus refere-se à igreja com um pronome possessivo que indica sem
sbterfúgios como ele a considera: “...minha igreja”1. Logo adiante, o apóstolo Paulo, com a imagem de
edifício, refere-se a Jesus Cristo como fundamento, e “...ninguém pode pôr outro". E este mesmo apóstolo
escreve aos coríntios com definida intenção pastoral, conclama esses mesmos cristãos a se considerarem
partes integrantes, tanto na imagem do edifício como na do corpo. Porque são colaboradores “...com
Deus”. Assim, a igreja é para o Senhor como santa edificação de seu próprio corpo, edificação que
“alimenta e cuida”. Com a presença de dons da sua graça.

Agora, já que o próprio Cristo a constitui, são suas características pastorais o amor, o perdão, a
reconciliação, a restauração, o serviço e a exaltação, inerentes à natureza da igreja. Quanto ao amor, é
sacrificial; o perdão, ilimitado; a reconciliação, imediata; a restauração, com espírito de mansidão; o
serviço, solícito e generoso; a exaltação, plena de graça. A igreja é chamada a ser no mundo uma
testemunha fiel de sua natureza, a partir de sua identidade.

Isto situa a igreja como eminentemente pastoral, cujas características são determinantes na missão
transformadora que exerce e na cuidadosa edificação com que se move enquanto desempenha o delicado
ministério da evangelização. È a identidade da igreja que fortalece indistintamente sua ação missionária e
pastoral, com os dois canais por onde marcha seu anúncio evangelizador.

2. Revelação

Mas para entender como Jesus Cristo é a própria identidade da igreja atuando pastoralmente,
convém destacar de que forma chega ao homem este conhecimento.

Não se trata de um conhecimento somente racional, mas de um entendimento pela fé, através do
qual a graça de Deus se revela no Filho como Salvador do mundo. É conhecimento revelado; por
elementos diferentes dos da carne e do sangue; similar ao que nos permite saber que “pela palavra de
Deus...o visível veio a existir das coisas que não aparecem”. Revelação que é “...pela graça” para
encaminhar a glorificação da igreja somente ao Senhor.

No caso concreto de Pedro, quando respondeu ao Senhor a pergunta que este lhe formulara acerca
de si mesmo, as Escrituras o registram com palavras imortais: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”;
porque é na revelação desse conhecimento que jaz sua confissão de fé. Confissão que, através dos
séculos, passa a ser inconfundível critério de avaliação de todos os discípulos que o seguem e lhe servem.
Já que é mister que cada seguidor, além de crer em seu coração que Jesus Cristo é o Filho de Deus e foi
ressuscitado dos mortos por seu poder, também o confesse publicamente com a boca.

De modo que a identidade em Jesus Cristo e a confissão de fé em virtude da revelação de seu


Espírito são elementos fundamentais da natureza da igreja. Nenhum ativismo, por mais nobre ou
necessário que pareça, pode tomar o lugar que desempenha esta revelação.

3. Reconhecimento

Conhecer a Jesus Cristo pela fé e conhecer-se em Jesus Cristo pela identificação que nele temos em
virtude de seu Espírito é benção inefável que não pode ficar no âmbito da linguagem privada. Além de
conhecer o Filho de Deus, temos de reconhece-lo como Senhor; além de crer no coração que Deus o
ressuscitou dentre os mortos, devemos confessá-lo com a boca; além de segui-lo, temos de ir por todo o
mundo anunciando o Evangelho que ele veio encarnar como o grande mistério a congregação de seus
redimidos é chamada a ser a “coluna e baluarte” que sustém e propaga sua verdade.

Desta forma, Jesus Cristo, o objeto da fé, e a confissão, que é a manifestação do conhecimento que
por sua graça recebe o homem, assinalam o reconhecimento do senhorio em que se sustenta e tem sentido
a proclamação do Evangelho: baseia-se em uma potestade soberana.

Assim, a identidade da igreja de Jesus Cristo se tem pela revelação que o Pai dá por seu Espírito,
porém o reconhecimento de seu senhorio implica um imperativo de evangelização inequívoco. A
evangelização se entende dentro da natureza da igreja, onde palpitam ao mesmo tempo identidade,
revelação e reconhecimento do senhorio de Jesus Cristo, que desembocam nas tarefas específicas de
proclamar, ensinar, discipular as nações, confiar e esperar nele.
4. Transformação

Transformar-se pela renovação do entendimento é inerente à igreja. O apóstolo diz isso ao escrever
aos irmãos de Roma, onde a força do paganismo, legitimado pelos costumes de um império que elevaram
á categoria de civilização, constituía um desafio sem precedentes.

Foi ali que desembocou a diáspora, a qual, iniciando-se em Jerusalém, Samaria, Antioquia e Ásia
Menor, acabou chegando ao próprio coração do campo dos césares. Os determinismos astrológicos
embalados durante séculos foram confrontados com decisão; as correntes filosóficas que, a partir da
Grécia, haviam feito sua morada nos principais pensadores romanos, também foram discutidas porém a
imoralidade dos incestos, homossexualismo, orgias, bebedeiras e seqüestros, foram também considerados
como seqüelas de uma anarquia moral que minava as redes territoriais do Império.

O sistema econômico da época, em que se sustentava o Império, foi questionado pelo evangelho do
amor, que aos senhores chamou a serem escravos com seus escravos. Os ódios políticos que provocavam
a perseguição injusta dos governantes contra os cristãos por causa de sua fé foram canalizados para a
intercessão. A lassidão dos lares ou as crises que sofriam nos momentos em que a conversão afetava a
relação dos conjugues, foi tratada com tato pastoral, orientando as relações.

Por isso insistimos que era um desafio sem precedentes. Porque a “transformação pela renovação do
entendimento” atingia hábitos pessoais, costumes arraigados, a estabilidade dos lares, o sustento
econômico do império ou as justificações legais do comportamento político dos cidadãos. Não era uma
missão superficial, mas afetava as estruturas mentais, ideológicas, morais, econômicas, políticas e
religiosas.

Por isso é que a missão transformadora da igreja tem que ser implantada a fundo, a partir da
perspectiva pastoral em que se situa a identidade com Cristo. Tem de afetar o próprio “ser do Reino”.

5. Edificação

Se há algum lugar onde é duro edificar a igreja é onde emergem ídolos que, a níveis populares, são
seguidos por uma cidade. Duro, pelas crenças populares que se torna difícil penetrar; duro, pelos
interesses que se afetam e não querem submeter-se à vontade de Deus. Porém é edificação necessária para
que haja testemunho do evangelho de redenção, como ocorreu na controvertida cidade consagrada a
Diana dos éfesios. Ídolos religiosos, ideológicos, econômicos, políticos, se distinguem desde então. O
mundo de hoje não está em melhor situação.

O sangue de Jesus Cristo é de profundo significado. Neste caso concreto, tanto judeus como gentios
haviam de reconhece-lo como seu registro comum de nascimento. Mais que a confrontação a Diana (ídolo
a um só tempo religioso, ideológico, econômico e político), era preciso trabalhar ao mesmo tempo os
alcances da crucificação. Destruir barreiras. Superar as discriminações raciais e de tradição. Ser um no
Senhor e permitir que a edificação afetasse suas vidas pessoais e relações familiares. Levar em conta,
portanto, que cada um estava constituído para que a edificação do corpo de Cristo se cumprisse pela
instrumentalidade de sua submissão. Missão começa com submissão.

Do critério de edificação para cumprir o ministério pastoral na unidade da igreja, disto não se pode
prescindir. Por outro lado, temos de tomar consciência de que se trata de uma obra que tem de ser feita a
partir das diferenças que surgem em congregações locais, para não nos perdermos em abstrações e muito
menos em inalcançáveis utopias de colocações acadêmicas ou conciliares.
É preciso considerar a natureza da igreja a partir da Teologia da igreja: a razão que o Senhor tem,
através desta, para a proclamação de seu evangelho. É preciso não ignora-lo, pensa que podemos cumprir
nossa responsabilidade com o Senhor deixando-nos de fora, esquecendo as responsabilidades locais das
situações domésticas.

Chegou a hora de nos examinarmos a fundo, com coragem, a fim de cumprimos em cada igreja
local nossas responsabilidades de discipulados, compromissos, convívios fraternais, onde o amor, o
perdão, a reconciliação, a restauração, o serviço e a exaltação sejam categorias vividas a cada dia, em
situações concretas e não de longe ou sob controle remoto, via satélite.

Se os grandes edifícios requerem o maior cuidado possível no desenho e cálculo e a construção


meticulosa de cada uma de suas partes, quanto mais o d]edifício de Deus, do qual somos pedras vivas e
onde somos chamados a nos congregar em igrejas locais para nos exercitarmos na grande disciplina da
fraternidade vivida em nome do senhor. A melhor maneira de servir ao Senhor é nas relações de
companheirismo transparente. Desde os primeiros anos da igreja, no cuidado demonstrado no cultivo da
oração e da proclamação apostólica, os apóstolos revelaram a consciência que tinham de que a koinonia
requeria uma koinonia de irmãos espiritualmente capazes, mas que a koinonia, já que esta era sua razão
de ser.

Árdua tarefa é esta, da ação pastoral, pois requer o cultivo do companheirismo, como sinal de um
autêntico serviço cristão. Mas como ser um na fé com quem difere em tradições, raças crenças populares,
sistemas econômicos e políticos? Somente a cruz pode nos unir. Por isso, a identidade última da natureza
da igreja está no significado do sangue de Jesus Cristo.

II. A MISSÃO DA IGREJA

É aqui que os métodos tem sido mais discutidos. Às vezes, analisando respostas a questões
colocadas intencionalmente. Outras, expondo fatos conhecidos para respaldar argumentos e teorias. E
desta forma se tem utilizado, para discutir a área da missão da igreja, o método maiêutico e o histórico.

Também se tem percebido o uso de métodos genéticos, analisando o desenvolvimento de algum


fenômeno missionário e, bem particularmente, o estatístico, baseando-se na observação quantitativa dos
agregados para descobrir uniformidades; destacando sua natureza fáctica, onde, ao invés de ordenar,
selecionar e classificar, se tem operado mensurável e demograficamente. Muito se tem questionado a
confiabilidade teológica atendendo ao critério dos números ou da proporção de fenômenos, se bem que
ninguém possa negar a utilidade que se tem obtido para estudar conjuntos, como para não cair no grande
perigo do século da computação: a impessoalização e a despersonalização, que são radicalmente opostas
ao evangelho.

Mas será que a discussão sobre métodos continuará desviando-nos da transformação que somos
chamados a cumprir como nossa tarefa fundamental?

Somos luz – para iluminar; sal para salgar, fermento, para levedar. Nisto repousa a dignidade do
nosso discipulado e o valor de nosso ministério. É preciso insistir no custo do discipulado, que requer pôr
a mão no arado sem olhar para trás; e insistir no valor da regeneração que garante a transformação que
opera o evangelho na mente, no sentimento e na vontade dos homens, nas relações familiares, nas
vinculações das formações sociais, nos acordos entre as nações, na expectativa de regeneração da mesma
natureza.
1. Adoração

Este assunto não é nada simples. Requer atenção primordial. Porque se o fim da igreja é ser louvor
de sua glória, é preciso cuidar da educação litúrgica. No entanto, descuida-se da vida em comunidade e
também da adoração em comunidade; descuida-se do estilo de nossa maneira de viver e também do culto
que se presta ao Senhor. Não obstante, as ambas as áreas se é chamado a adorar.

É verdade que, ao níveis formais, a área litúrgica tem-se limitado ao chamado campo da Educação
Cristã em nossos meios evangélicos e, de alguma forma, isso tem confundido o campo da Teologia da
Missão. Já quase ninguém considera a adoração que milhões de comunidades cristãs prestam ao redor do
mundo como sendo a ação missionária número um, através da qual se ensina aos homens a erguer suas
almas exclamando com seu próprio Jesus Cristo: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra”, através da
qual o mundo secular, as religiões não-cristãs e do mundo inteiro recebem o testemunho mais profundo de
dois ou três que estão reunidos em nome do Senhor.

Seria injustificável que, ao pensar na natureza em sua dimensão terrestre, se ignorasse o que
continuará sendo sua missão celeste. Ou será que alguém acredita que deixaremos de louvar ao Senhor
nas bodas eternas do Cordeiro?

O culto fervoroso de uma comunidade cristã mostra o anelo feliz com que esta vive sua missão
neste mundo.

As formas de culto podem ser diferentes em cada situação. Mesmo frente à morte, disso têm
testificado os mártires através dos séculos! Mas é preciso estimular o valor do culto como elemento
constitutivo da natureza da igreja de Cristo no exercício primordial de sua missão. Isto já enfatizou Otto
Piper, o teólogo de Princeton, ao dizer que a tema´tica de todo o Novo Testamento parecia girar em torno
do gloriosos canto de Filipenses 2, no qual a igreja se move e proclama “até que toda língua confesse que
Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai”. Mas, vejam bem, até que toda língua adore!

2. Testemunho

É necessário proclamar o evangelho. Zelosamente bíblico. Confiadamente, recordando que a fé


“vem pelo ouvir e ouvir a Palavra de Deus”, sem precisar se entreter com historinhas agradáveis ou levar
a efeito nobres atividades, e sim cultivar-nos no deleite na Palavra de Deus. Isto é fundamental. Mas
temos de ter cuidado com a verbalização ou o ativismo, em que em dado momento podemos cair.

Devemos recordar a dimensão apocalíptica, onde se diz que é preciso ser fiel “até a morte...”, como
receptores que haveremos de ser da coroa da vida. É apocalíptico em Paulo quando este diz aos filipenses
que anela “ser achado nele” e também no apóstolo Pedro quando expressa a mesmíssima carga ao
despedir-se, em sua última carta escrita aos irmãos perseguidos pelo poderoso mecanismo do Império
Romano.

A força moral da proclamação está na santidade de vida dos pregadores. Mas o critério mais
eloqüente para mostrar ao mundo que a transformação que opera o evangelho é real e tangível, é através
do testemunho irrefutável da igreja de Jesus Cristo, em uma determinada comunidade.

Se cada pastor conseguir comunicar esta responsabilidade de fidelidade do testemunho de vida em


cada comunidade de crentes, ela terá continuidade na mística que se encontra na Bíblia através dos
séculos, desde os tempos proféticos, quando Deus chama Israel por meio da mensagem oral e oral, até o
tempo dos apóstolos, em que a mensagem oral encarnada de Jesus Cristo acrescentou, pelo beneplácito
inefável de sua vontade, que através da mensagem escrita e da vivência de todos os seus o mundo
conhecesse abertamente seu desejo de redenção do gênero humano.

3. Companheirismo

Este fator já foi apontado ao tratarmos da natureza da igreja; e agora o fazemos ao tratarmos da
missão da igreja. Não se pode omitir o companheirismo, nem como natureza, nem como missão. Ele está
implícito em todas as imagens da igreja que são apresentadas no Novo Testamento, devido a
interdependência que envolve: os ramos da videira, as pedras vivas de uma edifício comum, os membros
que compõe um sói corpo, etc.

Mas são imagens que respondem a realidades concretas, que se vivem em cada igreja local através
do mundo. É ali que se ama a quem nos rodeia, quer sejamos aqueles que sofrem ou os que sofrem com
eles, ou os que sofrem por causa deles. Por isso insistimos nesta dimensão pastoral da igreja, de relações
que mostram nossas atitudes, ações, trabalhos, sofrimentos, ânimos dispostos.

Se alguém crê que cumprir a missão da igreja difere desse companheirismo, está equivocado. É por
ver “como” se amam que as pessoas procuram a Jesus Cristo nos Atos dos Apóstolos. É porque todos
podem ser um convivendo cotidianamente, que o mundo crê; o próprio Jesus Cristo o declarou. Esta não é
uma condição a priori de um conhecimento formal (como acontece no kantismo filosófico). Não! Trata-se
de um elemento que revelou Jesus Cristo com a mesma urgência que quando exortou seus apóstolos a
orarem, porque se não recebessem esta unção refrescante de seu Espírito não poderiam testificar em Atos
1.8 e não em João 17? Se alguém busca métodos que avaliem e garantam a obra missionária, é preciso
enfocar esta categoria inconfundível do companheirismo que mostra a unidade espiritual da igreja de
Cristo.

4. Sofrimento

O heroísmo missionário tem inspirado muita gente. Já outros acham inspiração na disseminação do
evangelho: seja por meio de traduções bíblicas, de igrejas organizadas ou de povos inteiros alcançados
pelo evangelho. Mas não se considera o valor do sofrimento. Ele não é visto como ante-sala da
crucificação, nem esta, por sua vez, antecedendo a ressurreição. Mas é necessário que o grão de trigo
“caia na terra e morra” para que possa produzir fruto. Quem não estiver disposto a negar-se a si mesmo e
“tomar sua cruz”, não pode entender esta dimensão do sofrimento no discipulado; esta dimensão de
entrega radical na missão apostólica que se plasma no Novo Testamento. Não se pode seguir a Jesus sem
renúncias radicais.

Acaso não pode servir-nos como postulado comprovado, como nas bases de um método axiomático,
a lista de Hebreus 11, para que nos demos conta de que a característica principal dos heróis da fé foi o
sofrimento baseado em renúncias radicais?

A história conhecida das missões está cheia de pessoas que renunciaram a suas comodidades em
favor de outros. Embora haja milhões que têm cumprido seus ministérios sofrendo em silêncio, morrendo
ignorados, porém produzindo frutos! Alguns nas selvas, outros nas cidades, mas todos cumprindo, em
meio às dores, perseguições, limitações e variadas vicissitudes, as implicações de seus ministérios:
visitando enfermos, dando de comer aos famintos, sarando feridas, ensinando a Palavra, servindo em
silêncio eloqüente diante dos homens, em diálogo aberto com o Senhor.

5. Sacerdócio
Não são muitos os que pensam que a tarefa missionária se cumpre do exercício constante da oração.
Há pouca ênfase nisto; e muito menos na oração comunitária. Quando surge uma atividade especial, é
elogiada com trombetas e flautas, mas não uma que seja realizada fielmente por uma comunidade que se
reúne para orar com regularidade em um lugar determinado. Inclusive em casas particulares. No entanto,
“todos os dias, no templo e nas casas”, é mister ensinar e pregar a Jesus Cristo; orar pela expansão do
evangelho.

Raras são as ocasiões em que se estuda, a níveis populares, sobre os inúmeros homens e mulheres
que através dos séculos se têm dedicado a orar, de forma intensa, pelo trabalho missionário. Nem se
considera a própria oração como uma tarefa apostólica recomendada por Jesus. Mas é um imperativo
faze-lo, a fim de estimular em nosso mundo contemporâneo a oração de todos os santos da igreja
contemporânea, com a lembrança daqueles que nos antecederam.

Lembro-me de haver compartilhado indiretamente com os irmãos da comunidade de Taizé, na


França. Fui apenas um dos que passaram por aquele lugar. Mas fui também apenas mais um dos que se
alegraram em compartilhar com irmãos desconhecidos de uma forma pessoal, porém unidos por vínculos
espirituais em favor da divulgação da fé, por meio do testemunho da igreja ao proclamar a Palavra.

Muitas vezes Deus tem concedido a oportunidade de mobilizar-me a grandes distâncias para
participar do estudo da Bíblia e oração comunitária. Isto é saudável para quem o pratica. Eu mesmo
testifico disso. Mas é saudável também para a igreja de Jesus Cristo, pois nós todos recebemos os eflúvios
de Deus através de um companheirismo espiritual convocado de forma direta, para invocar as luzes de
Deus sobre o ministério missionário. Foi essa a experiência que tivemos, após a reunião em Pataya, na
cidade de Bangkok, com um grupo de missiólogos do terceiro Mundo. E agora esperamos a mesma coisa
nas reuniões de Wheaton; e, embora isto não apareça nos registros dos computadores, convém acentua-lo,
pois a missão da igreja inclui, pela própria natureza de Jesus Cristo, o ministério da intercessão.

Do ponto de vista protestante, é conhecida esta herança quanto à ênfase que se dá ao sacerdócio de
todos os santos. Lancemos mão dela! Tornemos universal!

Os alcances missionários começam com os cristãos nominais ensinando-os a amar a Deus através
da adoração, do testemunho, do companheirismo, do sofrimento e da oração por todo o mundo; porém no
seio da uma vida comunitária, com as implicações de responsabilidades de pastoral fraternal. Isto inclui
muitos cristãos profissionais que se desculpam com suas viagens e atividades para não se comprometerem
com as responsabilidades de sua igreja local (porque a ação pastoral da natureza da igreja se exerce em
termos concretos e não só teoricamente).

Mas também com os vizinhos que cada família cristã tem ao seu redor e com quem cada
comunidade cristã tiver qualquer relação. Porque ali o ministério profético e da oração se mancomunam
com o propósito de anunciar o evangelho. Isto pode envolver o ministério dos membros locais de uma
comunidade, em cooperação com outras agências de apoio (agora chamadas de paraeclesiásticas).

Estes pontos, que anotamos ao falar daquilo que consideramos a natureza da missão da igreja para
desempenhar a tarefa da evangelização, podem ser cumpridos por meio de cada igreja local, no mundo,
independentemente dos diferentes sistemas sociais ou econômicos, políticos e religiosos, em que se move
o mundo atual. Como exemplo contemporâneo podemos dizer que é sobre a infraestrutura das igrejas
locais, funcionou o testemunho das famílias que agora se tornaram conhecidas como “igrejas caseiras”. E
na Nicarágua os cristãos envolvidos em processos seculares lutam a partir de sua identidade.
E em todas elas, aquilo que parecia menos notório tem conservado acesa a chama da proclamação
evangélica: sua adoração, testemunho, companheirismo, sofrimento e oração praticada em favor do
avanço do Reino.

III. A AÇÃO PASTORAL DA IGREJA

Não se trata de uma ação pastoral individual nem de uma abstração do tamanho da igreja universal.
Trata-se da pastoral fraternal que, através dos séculos, se tem exercido na igreja cristã, onde cada um é
guardador de seu irmão, porque tem consciência da paternidade comum com Aquele a quem invocam na
oração de Jesus.

Uma ação que tem como critério a edificação do corpo de Cristo, de modo que cada palavra e ação
são regidas por esse princípio. Ação que aponta para uma renovação da igreja evangélica contemporânea
nas expressões de seu ministério, direcionando as influências benéficas do Espírito Santo para que todas
as conjunturas do corpo sejam fortalecidas. É a unidade e missão que se renova em cada um
corporativamente.

Triste seria se a ação pastoral da igreja não desembocasse na renovação espiritual, com uma
dimensão global em seu ministério. Contudo, mais triste ainda seria se esta dimensão não fosse marcada
de responsabilidades globais, tanto nos ministérios proféticos, como nos de cura dos enfermos ou no
serviço que se deve ao mundo ao nível da criação ou dos poderes opressores que me movem em seu meio.

É difícil manter a ação pastoral em uma congregação que cresce numericamente e não se dá o
tempo necessário para ir discipulando um por um aqueles que o Senhor vem acrescentado. É preciso estar
alerta. Porque o crescimento espiritual é inconfundível para o cristão, tanto quanto o crescimento na
capacidade de dar e de doar-se, afim de que o evangelho continue sendo disseminado por todo o mundo.

É preciso cuidar, pois, para que a influência do Espírito Santo na renovação de cada membro da
igreja cresça em visão de Reino e em missão mundial.

1. Pastores

A realidade do mundo contemporâneo é muito complexa. Guiar a grei a um entendimento mais


profundo dessa realidade é tarefa difícil, devido aos múltiplos planos que se cruzam constantemente na
tomada de decisões dos líderes mundiais, continentes e nacionais. Às vezes os temas predominantes são
militares, outras vezes políticos; porém os econômicos e ideológicos estão na ordem do dia e somente se
consegue uma informação superficial, já que não há uma digestão a fundo, de todos os problemas que se
colocam. Cada contexto demanda conhecimento dele e a direção pastoral volta-se para o fortalecimento
da igreja, de acordo com as necessidades mais prementes que se consegue entender.

Uma tarefa primária é de esclarecimento, pois quando se busca o conselho pastoral é para tentar
esclarecer os problemas e as possíveis soluções. Isto acrescenta à informação, análise; e , à análise,
elementos críticos, em que os conhecimentos bíblicos precisam ser manejados com precisão para iluminar
o caos que paira sobre o mundo. Aqui, ser luz do mundo conta: luzes do Reino que enfocam as forças que
pretendem ocultar-se sob diversos subterfúgios humanos.

Outra tarefa é de identificação de problemas, para ataca-los comas armas da milícia espiritual,
sabendo o que é que estamos atacando. Porque se Deus nos envia a atuar entre mais de duzentas nações
do mundo, que papel desempenhamos como cristãos entre elas, de acordo com as possibilidades de cada
uma? Ás vezes chegamos a pensar que a carga pastoral é tão tremenda no campo da liderança atual, que
muitas vezes ele acaba se enganando. Mas o Senhor envia...ao mundo!

2. Leigos

A distinção entre os pastores como líderes e os leigos como todos os membros da igreja, nós a
fazemos a bem da compreensão. No Novo Testamento, porém, o laos de Deus é composto de todos nós,
os seus redimidos. O pastorado é função de guia, seguindo a imagem dos rebanhos; e a questão é vista
como responsabilidade que se conduz no temor do Senhor. De modo que, quando se fala do laos, é ao
nível de totalidade na visão do Reino, pois é ao laos que cabe a grande responsabilidade de pastoral
fraternal que no seio do mundo tem exercido toda a igreja.

Como povo de Deus, a igreja requer preparar-se e crescer no conhecimento da vontade do Senhor,
para cumprir o ministério que corresponde a cada caso. Exige exercer sua influência pastoral, guiando ao
amor, ao perdão, à reconciliação, à restauração, ao serviço, e à exaltação. Desta forma afetará, através de
cada membro espalhado pelo mundo, as relações econômicas, as justificações jurídicas, as decisões
políticas, os ocultamentos ideológicos. Cada cristão é um “ser do Reino” neste mundo que demanda a
influência benéfica do evangelho.

E esta influência depende do poder espiritual que em todos deve operar, através da oração unânime
pelo cumprimento de sua missão. Tem de ser um poder que supere od as democracias populares ou das
democracias parlamentares e, no caso de muitíssimas nações, o poder dos autoritarismos militares. A
dependência do Senhor é exaltada, mas é, acima de tudo, a soberania diante de quem todos os sistemas e
governos da terra haverão de prestar contas no final dos tempos.

Para que o povo do Senhor atue com segurança, é preciso estar consciente do senhorio de Cristo,
que prometeu estar com os seus todos os dias!.

3. Programas

A ação pastoral da igreja tem guias e povo de Deus, tanto para esclarecer problemas, identificando
os campos de batalha atuais, como de programas com os quais desempenhar tais empreendimentos para
influenciar com o poder do Espírito Santo. As lutas requerem estratégias e táticas, mas, antes de estrutura-
las cuidadosamente, é necessário encomenda-las ao Senhor, que tem a última palavra.

Nenhum programa funciona sem gente adequadamente preparada e que não tenha uma lealdade
comprovada. Pó isso, a preparação de líderes é prioritária para esclarecer problemas, identificar campos
de luta, influenciar com o poder do Espírito Santo, utilizando cada cristão e com todos os recursos
disponíveis.

Mas não se deve descuidar da lealdade. Por isso a adoração é básica, exaltando o senhorio de Deus.
Ninguém ignora como os “profissionais da fé” são procurados por sistemas filosóficos, econômicos,
políticos, ideológicos, internacionais, regionais, empresariais, inclusive muitas personalidades enfermiças,
que o fazem com justificativas religiosas.

É nos programas da ação pastoral da igreja, em que a interpretação da revelação de Deus para o
contexto onde se serve, se manifesta de maneira prática. Ali a igreja se torna eco da voz profética de seu
pastor, ao esclarecer e identificar os problemas à luz da Bíblia, ao mesmo tempo em que manifesta com
maturidade à igreja que dá ou dá a si mesma para ser eco vivo da voz de Deus no mundo.
Os objetivos e avaliações dos programas da igreja têm que ser teológicos; os outros auxílios são
apenas apoio para um melhor cumprimento da tarefa. Ai da igreja que permite que os ativismos
obscureçam a lucidez teológica!

4. Agências

Tanto para cumprir o propósito de Deus entre a igreja como em relação ao mundo existem, hoje,
agências paraeclesiàsticas com possibilidades de influência em muitas áreas, devido aos respaldos
econômicos e a diversas infraestruturas que se têm de mobilizar. Os compromissos sociais, políticos,
econômicos e ideológicos em que muitas delas se envolvem têm afetado a obra missionária evangélica em
muitos países. Há agências que chegam a ser expulsas ou a terem canceladas suas permissões para
continuar desempenhando seus ministérios em certos lugares. Isto tem acontecido principalmente na
segunda metade deste século.

É preciso o significado da igreja: a importância da adoração comunitária, a fidelidade do


testemunho, o companheirismo fraternal, a disposição para o sofrimento e a prática da oração sacerdotal
por intermédio de todos os santos. Isto inclui o viver comunitariamente a experiência da Ceia do Senhor,
como um só corpo.

Muitas vezes pode parecer débil a tarefa de esclarecimento e identificação de problemas por parte
do guia de uma comunidade de crentes; outras, é também muito fraca a influência de uma congregação e
mesmo seu poder espiritual para encarar uma avalanche de problemas. Mas, se é a igreja do Senhor, ele
estará com eles todos os dias até o fim do mundo!

O auxílio fraternal tem o seu lugar, mas não deslocamento por autoritarismo. Em tudo o que se faz é
necessário avaliar o que vale a igreja que se congrega em nome do Senhor. As agências são de auxílio,
apoio, socorro, estímulo, mas não empresas com fachada de superpoderosas. Isto vale para todos os
níveis: socorros de emergência, estímulos de liderança. Promoções eclesiásticas, trabalhos juvenis,
extensões de serviço, assistência a órfãos, desvalidos, etc.

IV. OBSERVAÇÕES FINAIS

A identidade da igreja nega-se a executar sacrifícios pastorais. Tem no Filho de Deus o reflexo de
um mundo carente de redenção, que, mais que arrancar lágrimas de dor, explicam o derramamento de
sangue. Motivada pelo senhorio de Jesus Cristo, passa a dimensão da responsabilidade a todos os poderes
do mundo. Sua missão transformadora tem como objetivo o mundo, a história e o homem, em todas as
suas manifestações. A edificação do corpo de Cristo, então, identifica a natureza da igreja com sua tarefa
pastoral.

A missão da igreja para transformação do mundo, da história e do homem, canaliza os meios em


que dispõe: a adoração, para que se glorifique a Deus, atraindo o mundo e mudando as forças da história
em benefício do homem; a fidelidade do testemunho, para que a igreja seja “achada nele” e não escândalo
para os incrédulos; o companheirismo unânime, para que agrade ao Senhor, como método de fraternidade
para seus filhos e de atração no mundo; o sofrimento redentor e a oração intercessória, para que mantenha
viva em cada geração, de maneira vívida, a chama da fé.

A atual crise da igreja se dá no exercício de sua ação pastoral fraternal, frente a um volume confuso
de cargas que torna difícil para os guias que se encontram na liderança o esclarecimento e a identificação
das áreas de conflito. Frente a uma avalanche de propagandas de diferentes classes, poderosamente
sustentadas, que expulsam, neutralizam e ofuscam suas possibilidades de influência através de seus
membros. Frente à competência de lealdades que nulificam programas ou absorvem suas lideranças nas
comunidades em que servem. Frente a dificuldade de orientar as agências paraeclesiásticas para que
sirvam de apoio e não de obstáculo, no cumprimento da expansão do Reino através da proclamação do
evangelho que o Senhor recomendou à sua igreja. Frente a uma carência de informação verídica sobre o
mundo, a história, o homem...e as atividades da igreja.

1. Prioridades

A natureza da igreja requer que se continue servindo a Deus na perspectiva pastoral do amor, do
perdão, da reconciliação, da restauração, do serviço e da exaltação, ainda que por isso sofra o menosprezo
do mundo secular, os desabafos desesperados dos megalômanos religiosos e a realidade que entranha a
debilidade física ante a tarefa imposta pela evangelização.

A missão da igreja requer que se continue transformando o mundo para fins eternos, através de
meios de adoração comunitária, do testemunho fiel dos crentes, do cultivo do companheirismo fraternal,
do sofrimento redentor nas tribulações, mas sempre constantes na oração.

A ação pastoral da igreja requer que se siga edificando o corpo de Cristo, iluminando o caminho das
congregações, ao identificar os campos de batalha por meio da proclamação da Palavra, preparando
líderes espirituais, leais ao Senhor, apesar das atraentes competições de pressupostos forâneos;
sustentando com dignidade o ministério da igreja, para que o apoio de agências paraeclesiásticas seja
direcionado para o fortalecimento do ministério das igrejas e não para obstaculizá-los.

A ação pastoral requer que se esclareça o significado da fé cristã, como foi o caso dos primeiros
séculos; que se identifique a crise de unidade, missão e renovação que se tem vivido ultimamente; ou que
se canalizem as possibilidades e recursos para solucionar situações temporais, como o destacam
tendências por um estabelecimento pragmático das atividades da igreja.

2. Vínculos

A natureza da igreja tem relação com sua missão transformadora e sua ação pastoral de edificação.
A evangelização circula por suas artérias e seus mais finos capilares, irrigando todos os sistemas. E graça
ao alcance dos homens: vida em nossa vida, para vida eterna. Vida em Jesus Cristo. Vida transformadora.
Vida edificante.

Precisamos enfocar a crise de ação pastoral fraternal, a bem de todos os vínculos possíveis que
concernem à igreja: os do contexto em que se move; a pobreza em que vive; as injustiças de que é causa
do objeto, participante e testemunha; as desgraças que a rodeiam; as opressões que sofre; as chagas que
até mesmo supuram entre os homens maltratados.

Os vínculos tudo sofrem por amor; por perdão, tudo esperam; por reconciliação, tudo suportam.
Dispostos a restaurar, que vínculo não perdura? Solícitos em servir, que relação não se desenvolve
saudável? Generosos em exaltar o humilde, que sociedade não progride para o bem?

Precisamos entender adequadamente as necessidades do presente para que, como igreja, possamos
servir de diferentes maneiras, com ações pertinentes. Seja a níveis pessoais, como institucionais: cuidando
pastoralmente, compartilhando como congregação ou suportando como irmãos no sofrimento. É preciso
que nossa realidade de fé penetre transformadoramente a realidade do mundo.

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