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Assunto Especial ­ Doutrinas

Suprimento de Incapacidades

Suprimento da Incapacidade Processual e da Incapacidade Postulatória (I)

ARAKEN DE ASSIS
Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e Professor no Curso de Mestrado
em Direito da PUC/RS.
 

SUMÁRIO:  ­  Parte  I,  Volume  nº  7:  Introdução;1.  Capacidade  processual  e  o


problema  da  representação;2.  Da  capacidade  processual  plena  à  incapacidade
absoluta;2.1  Capacidade  das  pessoas  naturais;2.2  Capacidade  das  pessoas
jurídicas;2.2.1  Pessoas  jurídicas  de  direito  público;2.2.2  Pessoas  jurídicas  de
direito  privado;2.3  Capacidade  dos  entes  despersonalizados;2.4  Integração  da
capacidade  da  pessoa  natural  incapaz;2.5  Integração  da  capacidade  da  pessoa
casada;2.5.1  Integração  da  capacidade  ativa;2.5.2  Integração  da  capacidade
passiva;2.5.3  Suprimento  judicial  da  falta  de  consentimento;2.6  Integração  da
capacidade processual através de curador especial.

SUMÁRIO:  ­  Parte  II,  Volume  nº  8:  3.  Capacidade  postulatória  e  representação
técnica;  3.1  Casos  de  dispensa  da  habilitação  técnica;3.2  Defeitos  relativos  à
habilitação  profissional;3.3  Falta  ou  irregularidade  da  representação  técnica;4.
Natureza  dos  vícios  relativos  às  incapacidades  processual  e  postulatória;  5.
Controle das capacidades processual e postulatória;5.1 Momento de verificação do
defeito;5.2  Regime  do  suprimento  consoante  o  momento  da  constatação  do
defeito;5.3 Iniciativa do conhecimento do defeito;5.4 Campo de atuação do art. 13
do estatuto processual;5.5 Efeitos das incapacidades processual e postulatória;5.6
Efeitos da ausência de sanação pelo interessado;5.6.1  Efeito  perante  o  autor;5.6.2
Efeito  perante  o  réu;5.6.3  Efeito  perante  o  terceiro;5.7  Efeitos  da  sanação  pelo
interessado; Conclusão.

Introdução
Muito embora pareça banal o assunto, os vícios que afetam as capacidades processual e postulatória
são corriqueiros e raramente isentos de dificuldades. Além disto, o regime próprio à erradicação desses
defeitos, e até mesmo a simples possibilidade de fazê­lo, interditada pela Súmula nº 115 do STJ na
"instância especial", suscita dúvida e perplexidade. Foi a necessidade de organizá­lo em bases mais
sólidas que inspirou a presente iniciativa de tratar do suprimento das incapacidades processual e
postulatória.

1. Capacidade processual e o problema da representação
O CPC trata da capacidade para estar em juízo no Capítulo 1 do Título II, relativo às partes e aos
procuradores, do Livro I. Recebeu tal capítulo, justamente, a designação "Da Capacidade Processual".
Desdobra­se em 7 artigos, versando a definição do pressuposto (art. 7º); as modalidades de
representação das pessoas físicas, jurídicas e de outros entes despersonalizados (arts. 8º e 12); as
espécies de integração dessa capacidade (arts. 9º e 10); as formas de suprimento de eventual defeito
(arts. 11, caput, e 13, 1ª parte); e, por fim, as conseqüências da falta de suprimento (arts. 11, parágrafo
único, e 13, 2ª parte, I a III).
Esta localização topográfica do assunto, na acidentada geografia do estatuto processual, em alguma
medida influirá nos regimes de suprimento das capacidades processual e postulatória. À primeira vista,
o legislador cuidou de separá­las, porque reservou à última capítulo diverso.
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Regra básica da capacidade para estar em juízo, governada por aqueles dispositivos, é aquela do art. 7º,
segundo a qual exibe­a "toda pessoa que se acha no exercício dos seus direitos".
Desta proposição fundamental se infere que toda pessoa, natural ou jurídica, capaz de adquirir, exercer
e transmitir seus direitos subjetivos, por si, tem capacidade de estar em juízo (Prozessfähigkeit ou
legitimatio ad processum). É atributo imprescindível para figurar em certa relação processual,
promovendo e submetendo­se, válida e eficazmente, aos atos processuais. 1
Por tal motivo, o pressuposto sob exame constitui problema diverso, e mais concreto, do que a simples
aptidão para, em tese, figurar em relação processual. Designa­se de capacidade de ser parte
(Parteifähigkeit), 2 ou personalidade processual, semelhante aptidão genérica, que investiga quem se
mostraria capaz de figurar, abstratamente, em todo e qualquer processo. Neste sentido, a capacidade
processual pressupõe a personalidade processual, 3 mas representa conceito mais exigente e específico.
Essas considerações aventam a possível correspondência desses pressupostos processuais, diferentes
que sejam entre si, com categorias do direito material, respectivamente a capacidade de direito (ou de
gozo), 4 prevista no art. 2º do CC, relacionada à personalidade, e a capacidade de obrar (ou de
exercício). Mas a sugestiva analogia, amiúde exposta, 5 se mostra antes acidental e contingente do que
real e efetiva, porque a falta de personalidade, naquele plano, não impede o reconhecimento da
capacidade de ser parte. Conforme acentua FRANCISCO RAMOS MENDEZ, a personalidade
implica, automaticamente, a capacidade para ser parte, mas há casos em que, mesmo faltando
personalidade, o direito processual confere esta última. 6
Freqüentes exemplos põem à vista as discrepâncias. O art. 12, VII, dotou a sociedade de fato de
personalidade processual. Esta norma, em virtude de seu caráter genérico, revogou o disposto no art.
20, § 2º do CC, que vedava a tal ente acionar seus membros ou terceiros; por conseguinte, a aptidão é
ativa e passiva. 7 Também órgãos de pessoas jurídicas de direito público, como a Câmara de
Vereadores, porque lhe tocam direitos próprios suscetíveis de defesa em juízo, 8 ou a Mesa do Senado
Federal, habilitada a propor a angusta ação direta de inconstitucionalidade (art. 103, II, da CF/88),
ostentam personalidade judiciária.
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Por esse prisma, a personalidade processual se mostra mais ampla do que a capacidade de direito e, por
necessária decorrência, a capacidade processual regula número maior de situações do que a capacidade
de obrar.
Assentes a distinção e o paralelo, do exame daqueles dispositivos se verifica que a capacidade
processual, no tocante às pessoas naturais, comporta vários graus. Ela vai da capacidade plena,
outorgada a quem se encontra no exercício de seus direitos (art. 7º), às incapacidades relativa ou
absoluta (art. 8º). Embora todo ser humano nasça capaz de direito, e é protegido desde a concepção,
seu extremo desamparo biológico produz importante efeito colateral: nasce incapaz de qualquer ato. 9
Não só a lei estipula o momento em que cessará tal incapacidade, como adota formas de supri­la, para
o bem do comércio jurídico, em geral, e, obviamente, com vistas à instauração ou ao desenvolvimento
do processo.
Igualmente, as pessoas jurídicas, cuja existência legal surge na inscrição do seus atos constitutivos no
registro que lhes é peculiar, a teor do art. 18, caput, do CC, em razão da falência sofrem restrições,
tornando­se inabilitadas "para postular em juízo relativamente às relações patrimoniais compreendidas
na falência, seja como autor ou como réu", 10 pois a lei confere capacidade para ser parte à massa
falida. 11 Efeito idêntico decorre da insolvência (art. 782, 2ª parte, a contrario sensu, do CPC) 12 e na
liquidação extrajudicial (art. 34 da Lei nº 6.024/74 c/c art. 36 do Decreto­lei nº 7.661/45).
Por outro lado, quanto às pessoas jurídicas, aos entes despersonalizados e às pessoas naturais
incapazes, aparece o problema da representação: urge estabelecer quem, concretamente, se habilita a
gerir por sua conta no processo. Fundamentalmente, a atividade processual das partes, no curso da
relação processual, se baseia na representação. 13 E, de acordo com PONTES DE MIRANDA, 14 "não
há representação sem haver 'pessoa' que se presente e pessoa que represente". Adotou­se, entre nós, a
teoria da representação legal. 15
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É conhecida e muito difundida, porém, a tese da representação "orgânica", 16 segundo a qual, na
realidade, as pessoas jurídicas se "presentam" por seus gerentes, diretores ou administradores, porque
"o ato do órgão não entra, no mundo jurídico, como ato da pessoa, que é o órgão", mas "como ato da
pessoa jurídica, porque o ato do órgão é ato seu". 17 É preciso atentar, porém, ao sentido estrito da
expressão: atribuição do poder de representação àquela pessoa natural investida, simultaneamente, na
condição de órgão da pessoa jurídica. 18
Além disto, as partes têm de ser representadas processualmente, originando o duplo sentido da
representação (Stellvertretung), no processo: a dos incapazes e das pessoas jurídicas (e outros entes
despersonalizados); e a técnica, reservada ao advogado, consistindo na capacidade postulatória
(Postulationsfähigkeit). 19 Em síntese, o modo de suprir a incapacidade, como notou, egregiamente,
LOPES DA COSTA, 20 ou de atribuí­la, ocorre através da representação.
Colocadas as premissas, o objetivo do presente estudo, voltado às formas de suprimento da
incapacidade processual e postulatória, reclama a análise das modalidades através das quais pessoas
naturais e jurídicas se representam, regularmente, no processo.

2. Da capacidade processual plena à incapacidade absoluta
Comportando graus, a capacidade processual varia do caráter pleno à incapacidade absoluta, além de
casos em que a lei exige a integração protetiva de outra pessoa.

2.1 Capacidade das pessoas naturais
Em princípio, como dispõe o art. 7º, toda pessoa no exercício de seus direitos goza de capacidade para
estar em juízo. É o caso do ser humano maior de vinte e um anos, ex vi do art. 9º, do CC.
Excepcionalmente, para a tutela de certos direitos, se reduz aquela idade para dezoito anos, no art. 792
da CLT e no art. 8º, § 2º, da Lei nº 9.099/95. Neste último caso, a capacidade processual plena se
restringe à posição ativa no processo, hipótese reveladora da possibilidade de o legislador discriminar
tal espécie de capacidade conforme o pólo ocupado pela parte. 21

2.2 Capacidade das pessoas jurídicas
As pessoas jurídicas, sejam ou não dotadas de existência legal, têm capacidade plena de estar em juízo.
Em vários incisos, o art. 12 identifica quem representa ­ ou melhor: "presenta" 22 ­, as pessoas jurídicas
e os entes despersonalizados, ou seja, ao órgão ou pessoa que, integrando o próprio ser, agirá em juízo.
Convém separar as pessoas de direito público das de direito privado.
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2.2.1 Pessoas jurídicas de direito público
Distingue a regra, claramente, entre as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado. Em
relação às primeiras, há uma ulterior divisão, pois o inc. I atribui aos procuradores da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Territórios (atualmente inexistentes), sua representação em juízo;
diversamente, o inc. II outorga a representação do Município, além do procurador, ao Prefeito.
Essa expressiva diferença de tratamento revela que o Chefe do Poder Executivo da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Territórios, não representa em juízo tais pessoas jurídicas: a tarefa compete,
exclusivamente, aos respectivos procuradores. 23 É que o dispôs, relativamente à União, disciplinando
o art. 131 da CF/88, o art. 1º da LC nº 73/93, incumbindo ao "Advogado­Geral da União pode
representá­la junto a qualquer juízo ou tribunal" (art. 4º, § 1º), embora ele se encontre sujeito "à direta,
pessoal e imediata supervisão do Presidente da República", consoante reza o art. 3º, § 1º, do mesmo
diploma.
Vencido o regime transitório da representação da União, previsto no art. 29 do ADCT da CF/88, ela
continua variada. Além do Advogado­Geral da União, que a representa em "qualquer juízo o tribunal"
(art. 4º, § 1º, da LC nº 73/93) ­ a deliberada amplitude dessa regra visa a permitir sua intervenção, em
qualquer juízo, nas causas de peculiar interesse do governo ­, também, e principalmente, à
Procuradoria­Geral da União e à Procuradoria­Geral da Fazenda Nacional. Esta última representará a
União, ativa e passivamente, nas execuções da dívida ativa (art. 12, II, da LC nº 73/93) e nas causas de
natureza fiscal (art. 12, V), definidas no art. 12, parágrafo único, I a VIII. Os arts. 35 e 36 regulam,
considerando a hierarquia do órgão judiciário em que tramita a ação e a multiplicidade desses órgãos,
quem receberá citação pela União.
Aos procuradores dos Estados e do Distrito Federal, consoante o art. 132, a CF atribuiu sua
representação judicial; mas dependerá das disposições da lei complementar, prevista no art. 37, caput,
da CF/88, a representação judicial do Território.
Como se percebe, o art. 12, I, criou proveitoso e útil anteparo técnico entre o Chefe do Executivo e o
processo, impedindo que seja citado, numa presumível homenagem à prerrogativa de suas funções.
Constitui costume reprovável, anterior até mesmo ao CPC de 1939, requerer a citação do Governador
do Estado. 24
Eventualmente, porém, o constrangimento de ser chamado a juízo em razão de atos próprios de suas
funções atingirá o Prefeito, que, a teor do art. 12, II, representa o Município, 25 na hipótese de não
existir procurador. Ao comentar o análogo art. 87 do CPC de 1939, PEDRO BATISTA MARTINS
revelou a finalidade da regra, asseverando que os "municípios, na sua grande maioria, não têm serviço
contencioso organizado, não havendo inconveniente em atribuir­se ao próprio prefeito sua presentação
judicial". 26 Em tal hipótese, o Prefeito só ostenta capacidade processual, jamais a postulatória, pois o
inc. II não "pretendeu isentar das tão exigentes formalidades da advocacia os cidadãos nomeados
prefeitos, ou eleitos para tal cargo". 27
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Nos demais casos, atribuída a representação ao procurador, ope legis, que é advogado, a capacidade
processual e a capacidade postulatória (rectius: representação material e processual) se conjugam em
idêntica pessoa. 28 Este servidor público "tem título de nomeação, que é o instrumento do mandato", 29
e, portanto, se encontra dispensado de provar sua investidura ­ a falta de procuração, proclamou a 1ª
Turma do STJ, 30 não implica nulidade ­, recaindo ao adversário o ônus de provar ausência de tais
poderes.
O art. 12, I, omitiu­se quanto às autarquias, às empresas públicas e às fundações públicas. Nada
obstante, constituem pessoas jurídicas de direito público, 31 dotadas de personalidade própria, e,
portanto, de capacidade para ser parte. 32 Elas serão presentadas consoante dispuser a lei que as criou,
conforme apontou FREDERICO MARQUES perante lacuna similar do CPC de 1939; 33 em geral, por
seus diretores; 34 e até por seus procuradores, "caso sejam criados esses cargos, com a função expressa
de representá­las em Juízo". 35 Às vezes, a lei exige a citação simultânea do presidente da autarquia e
do procurador da pessoa política (União, Estado ou Município).
Apesar de idêntica omissão do art. 12, os Estados estrangeiros tem personalidade processual, tanto que
podem figurar como partes em litígios de competência do STF (art. 102, I, e, da CF/88),
representando­os seu embaixador acreditado no Brasil, 36 ou seu "órgão encarnado na figura,
individual ou coletiva, que a sua Constituição apontou". 37

2.2.2 Pessoas jurídicas de direito privado
A presentação da pessoa jurídica de direito privado, inclusive da sociedade de economia mista, que
exibe tal natureza, 38 e da Igreja Católica e suas subdivisões, 39 toca às pessoas designadas, para tal
arte, nos estatutos, às vezes dois ou mais órgãos conjuntamente, 40 ou, na falta desta indicação, aos
seus diretores (art. 12, VII).
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Essa ambígua alusão à figura plural de "diretores" deve ser bem entendida. Não é necessário citar a
todos, na ação movida contra a pessoa jurídica, 41 ou, reversamente, exigir que todos os diretores
outorguem mandato ao advogado: no silêncio dos estatutos, a capacidade processual caberá a qualquer
dos diretores. De resto, o diretor que, ao mesmo tempo, é advogado, representa e postula em nome da
sociedade. 42 Em tal situação, sobrepõem­se representação orgânica e a habilitação técnica,
conceptualmente diferentes. 43
Fluem conseqüências dignas de nota dessa reserva às disposições contratuais da disciplina da
capacidade processual. É que os poderes do órgão ­ por exemplo, o de representação "orgânica" do
diretor da sociedade anônima, nos termos do art. 144 da Lei nº 6.404/76 44 ­ e os de representação nem
sempre coincidem; assim, como se afirmou com grande autoridade e correção, caberá ao direito
material estabelecer "até que ponto vão esses poderes, ou até que ponto os estatutos podem estendê­
los, limitá­los, submetê­los a formalidades suplementares, conforme a matéria, ou conforme o valor,
ou conforme a própria categoria jurídica de que se trata, inclusive a atuação do órgão em juízo ou a
representação judicial". 45
Do ponto de vista passivo, já se decidiu que constitui ônus do autor "indicar a pessoa que representa a
pessoa jurídica, sob pena de, realizado o chamamento em pessoa desautorizada, nulificar o ato". 46 Em
virtude disto, é "nula a citação feita em quem não tem poderes de representação do citando, nada
importando que tenha a aparência de ser seu representante e haja admitido, sem protesto, a prática do
ato". 47
Este rigor se justificará, talvez, na existência de contrato social registrado. Na ação movida contra a
pessoa jurídica, o autor deverá exibi­lo ou, no mínimo, conhecê­lo; do contrário, dificilmente se
desincumbirá do ônus de indicar, corretamente, o presentante do réu.
Na perspectiva do autor, infere­se o ônus correspondente de a pessoa jurídica exibir o contrato social
ou seus estatutos, 48 com o fito de o órgão judiciário controlar, desde logo, a regularidade da sua
representação. Também a autorização para demandar, no âmbito interno da sociedade, em alguns casos
se pulveriza em vários órgãos, gerando dificuldades. 49 Na verdade, é ônus da pessoa jurídica provar
sua personalidade, 50 e, conseguintemente, quem a presenta em juízo. Existem julgados em sentido
contrário. 51 Os adeptos desta linha de entendimento ignoram tais particularidades e resolvem a
questão atribuindo à parte adversa o ônus de provar a irregularidade. 52
RDC Nº 7 ­ Set­Out/2000 ­ ASSUNTO ESPECIAL   147
 
O panorama já inquietante se complica ainda mais trazendo à tona, na área que lhe é própria, atinente à
capacidade para estar em juízo, regras anômalas de citação do réu. Com duvidoso senso de
oportunidade, o legislador pretendeu simplificar o chamamento do réu em certas situações especiais,
alterando a representação passiva, portanto: em primeiro lugar, encontrando­se o réu ausente, e
originando­se a ação de atos praticados por seu mandatário, administrador, feitor ou gerente, estas
pessoas representarão aquele (art. 215, § 1º); ademais, o locador, que se ausentar do Brasil sem deixar
procurador com poderes especiais para receber citação (art. 38 do CPC), será representado pela
"pessoa do administrador do imóvel encarregado do recebimento dos aluguéis" (art. 215, § 2º).
São três os elementos de incidência do art. 215, § 1º: ausência do réu; presença de mandatário,
administrador, gerente ou feitor; natureza da causa. Todos têm de concorrer para tornar válida a citação
do terceiro. 53
Esse dispositivo se interpreta, convenientemente, com as luzes indiscretas e reveladoras do art. 119, e
parágrafo único, da Lei nº 6.404/76, segundo o qual o acionista residente ou domiciliado no exterior ­
e, destarte, ao efeito da regra, "réu ausente" do País, 54 temporária ou permanentemente, pois o réu
domiciliado e "presente" em qualquer localidade brasileira aí receberá citação ­ deverá manter
representante com poderes para receber citação, presumindo­se autorizado a recebê­la o mandatário ou
representante que, no Brasil, exerce seus direitos sociais. Pouco importa a nacionalidade desse
acionista, e sua condição de pessoa natural ou jurídica; 55 ausente do território brasileiro para receber,
56
 pessoalmente, a citação (art. 215, caput), mas realizando negócios aqui, através de representante ­ a
informalidade predomina nos negócios mercantis, de modo que a natureza deste último tem escasso
relevo, com se dessome da menção à imagem desgastada e retrógrada do "feitor" ­, atribui­lhe a lei
poder para receber citação, transmissível ao seu eventual sucessor, 57 garantindo a efetividade da
jurisdição brasileira. Entre a hipótese versada e a do art. 12, § 3º, há diferenças: por primeiro, não
presume autorização para recebê­la; ademais, exige­se relação entre a causa e o ato do representante. 58
148   RDC Nº 7 ­ Set­Out/2000 ­ ASSUNTO ESPECIAL
 
Quanto à representação anômala do locador, a ausência transitória ou definitiva do País passa a
elemento expresso de incidência do art. 215, § 2º ­ valioso reforço à correta exegese do parágrafo
anterior ­, recaindo a representação na pessoa que recebe os aluguéis, o "administrador" profissional
dos imóveis locados. Distintas que sejam, na prática, as funções de administrador e da pessoa
encarregada de receber os aluguéis, só a última, consoante a fórmula conjugada do texto em vigor, 59
representa o locador. Promovendo o locador prévia notificação do locatário, indicando seu
representante legal no lugar em que se situa o imóvel, então esta pessoa deverá ser citada, sendo
inválido o chamamento do administrador da coisa.
Por sua vez, a pessoa jurídica estrangeira se presentará pelo gerente, representante, ou administrador
de sua filial, agência ou sucursal ­ conceitos diferentes, 60 porém sem relevo no tocante à capacidade
para estar em juízo ­, aberta ou instalada no Brasil (art. 12, VIII), que se presume autorizado, por força
de lei, a receber citação em seu nome (art. 12, § 3º). O dispositivo assegurou tratamento igualitário à
capacidade processual ativa e passiva; 61 quer dizer, além de poder demandar no Brasil, a sociedade
estrangeira aqui igualmente poderá ser acionada. Mas a representação prevista no art. 12, § 3º é
somente passiva. Para demandar, tal sociedade haverá de se representar pelas pessoas designadas nos
seus estatutos ou por seus diretores. 62
Considera­se "estrangeira" a sociedade cuja sede social se localiza fora do território nacional. 63 A
incidência do art. 12, VIII, pressupõe que a sociedade estrangeira haja se personificado no Brasil. A
representação em juízo da sociedade sem personificação no estrangeiro, 64 ou no Brasil, observará o
disposto no inc. VII. 65 Ao invés, a sociedade apenas personificada no estrangeiro, e sem filial,
sucursal ou agência no Brasil, terá sua capacidade processual regulada pelo art. 12, VI, ou seja,
consoante a regra geral das pessoas jurídicas, 66 observada a ressalva do art. 215, § 1º.

2.3 Capacidade dos entes despersonalizados
Finalmente, o art. 12 confere capacidade plena, explicitamente, a vários entes sem personalidade: a
massa falida (inc. III), as heranças jacente e vacante (inc. IV), o espólio (inc. V), a sociedade de fato
(inc. VII) e o condomínio (inc. IX).
RDC Nº 7 ­ Set­Out/2000 ­ ASSUNTO ESPECIAL   149
 
Porém, o catálogo não é exaustivo: além de órgãos de pessoas jurídicas de direito público, como já
recordado, a exemplo da Câmara de Vereadores, disposições extravagantes outorgam capacidade para
ser parte; dentre outras situações, avulta a da Comissão de Representantes, 67 que, a teor do art. 63, §
5º, da Lei nº 4.591/64 poderá "receber citação, propor e variar de ações". Em certa oportunidade, a 3ª
T. do STJ admitiu a personalidade processual da Comissão de Representantes e sua legitimidade para
defender interesses individuais homogêneos dos condôminos, interpretando a Lei nº 4.591/64 "em
consonância com o contexto normativo em que estão hoje inseridas, a admitir as ações coletivas". 68
Na verdade, conforme assentou a 4ª T. do STJ, "podem litigar em juízo as 'pes­soas formais', as
sociedades de fato, ainda sem personalidade jurídica, ou já sem personalidade jurídica". 69 Neste
último caso, a representação se regulará pelo disposto no art. 12, VII, seja qual for a causa da extinção
da personalidade ­ convencional, administrativa, legal ou natural 70 ­, a teor do art. 21 do CC. Em
curso liquidação, a representação caberá ao liquidante; 71 da mesma forma, decretada a falência,
representará a massa o síndico (art. 12, III) ­ a personalidade do falido, em si, subsiste à quebra, pois se
encontra revogado o art. 335, 2ª parte, do CCom. 72
Às vezes se manifesta uma ou outra episódica restrição à capacidade para ser parte de órgãos carentes
de personificação; por exemplo, a 6ª T. do STJ negou tal capacidade a TJ. 73 Ante a tendência
dominante, não parece razoável o alvitre desse julgado, tanto mais que a 1ª T. do STJ admitiu a
capacidade do Poder Judiciário para defender "os direitos relativos ao seu funcionamento e
prerrogativas". 74
Em síntese, toda comunidade de fato ­ por exemplo, o Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST)
e congêneres ­, ou órgão de pessoa jurídica, goza de personalidade judiciária, ao menos para tutela
própria, da sua existência e direitos.
Expressamente, coerente à ampliação da personalidade judiciária, o art. 12, VII, regulou a capacidade
processual da sociedade sem personalidade jurídica, nada importando se irregular, ou seja, dotada de
ato constitutivo desprovido de registro, ou de fato. 75
Representará a sociedade de fato, reza o inc. VII, "a pessoa a quem couber a administração dos seus
bens". Como já se afirmou, tal capacidade é ativa e passiva; e não se concebe, outrossim, que a falta de
personificação seja brandida como matéria de defesa (art. 12, § 2º), no sentido de a tornar imune ao
processo. 76 É claro que, a despeito do art. 12, § 2º, a irregularidade da representação da sociedade de
fato representa questão admissível. Por exemplo, "a qualquer dos interessados cabe redargüir que o
citado de modo nenhum administra os bens da sociedade". 77
150   RDC Nº 7 ­ Set­Out/2000 ­ ASSUNTO ESPECIAL
 
A fórmula simplista do inc. VII do art. 12 suscita várias e graves dúvidas.
Em princípio, a sociedade não personificada se distingue por atos exteriores de seus sócios; em alguns
casos, talvez, haverá notoriedade da sua existência, ou ela se evidencia mediante indícios seguros e
convergentes, como a utilização de firma social. 78 Dependendo de prova, pode acontecer controvérsia
sobre a existência da sociedade, bem como acerca de quem administra seus bens, e, conseguintemente,
habilitado a representá­la em juízo. Na sociedade irregular, o problema se simplifica, conhecido o teor
do contrato: "será administrador aquele que conste de um contrato, embora não registrado". 79
Tudo quanto acima se ponderou também se aplicará, mutatis mutandis, às demais hipóteses de entes
despersonalizados previstos no art. 12. Facilitará o controle da capacidade processual, eliminando toda
dúvida quanto à representação, a prova da investidura formal do síndico, do condomínio (inc. IX) e na
falência (inc. III), do curador (inc. IV) e do inventariante (inc. V). Porém, "o cônjuge supérstite de
casamento, no regime de separação de bens, não é necessariamente o administrador provisório da
herança, salvo se, de fato, estiver na posse da massa hereditária, hipótese em que representará o
espólio, ativa e passivamente, até o compromisso do inventariante". 80 É que, a teor do art. 985 do
CPC, até o compromisso do inventariante, cuidará do acervo hereditário administrador provisório,
representante ativo e passivo do espólio (art. 986). Também nesta hipótese, obviamente, há delicada
questão de fato, concebendo­se acesas controvérsias entre os herdeiros quano à verdadeira qualidade
de quem se irroga administrador, bem representada pelo precedente há pouco transcrito.
Eventualmente, aliás, pessoa estranha se encontrará na posse e na administração dos bens da herança,
devendo a ela se aplicar a restrição do art. 12, § 1º. 81
Superada a questão probatória, em geral o móvel da objeção porventura oferecida (art. 301, VIII),
escassos obstáculos existem à compreensão dos vários incisos do art. 12 que conferem capacidade para
ser parte aos entes sem personalidade.
Nos limites examinados no item precedente, o síndico representará a massa falida (art. 12, III). De
igual modo dispõe o art. 63, XVI, do Decreto­lei nº 7.661/45. E representará a massa do insolvente seu
administrador (art. 766, II, do CPC). 82
É jacente a herança nos casos dos arts. 1.591 e 1.592 do CC. Trata­se de estado provisório da
universidade de bens, que passará a vacante se não surgirem herdeiros, e nas duas hipóteses ficará ela
sob "a guarda, conservação e administração de um curador" (art. 1.591, caput). Essa curadoria decorre
da prévia arrecadação dos bens, ex officio ou a requerimento de algum interessado, e de designação do
juiz. 83 Então, o curador representará a herança jacente ou vacante em juízo (art. 12, IV).
RDC Nº 7 ­ Set­Out/2000 ­ ASSUNTO ESPECIAL   151
 
Compromissado o inventariante, haja ou não administrador provisório (art. 986 do CPC), mediante
escolha realizada pelo juiz dentro da ordem legal (art. 990, I a IV), representará ele o espólio, ativa e
passivamente, em juízo e fora dele (art. 991 e art. 12, V), até a partilha dos bens e o encerramento do
inventário.
Em circunstâncias especiais, o juiz delibera investir na função pessoa estranha, o inventariante judicial
(art. 990, V) ou pessoa idônea (art. 990, VI). Neste último caso, "não será correto deixar aos seus
cuidados a defesa dos direitos" da herança, 84 motivo por que, reza o art. 12, § 1º, "todos os herdeiros e
sucessores do falecido serão autores ou réus nas ações em que o espólio for parte". Por conseguinte,
parte ativa ou passiva são os herdeiros, 85 e não o espólio, pois indivisível o direito daqueles (art. 1.580
do CC). De acordo com PONTES DE MIRANDA, 86 a possibilidade de representação não evoluiu até
pessoa estranha. É claro que, do ponto de vista ativo, atalhando os inconvenientes da obrigatoriedade
do litisconsórcio ativo, qualquer dos herdeiros poderá reivindicar (art. 623, II, e 1.580, parágrafo
único, do CC) ou pleitear a prestação (art. 892, caput, 1ª parte, do CC). Nesta linha de raciocínio, é
vedado ao inventariante dativo suprir a falta de iniciativa de todos os herdeiros, 87 porque, faltando­lhe
a titularidade do direito material, não lhe cabe opor­se à sua disposição (v.g., mercê da inércia dos
herdeiros, a prescrição do crédito).
Finalmente, representará o condomínio de unidades autônomas ou em incorporações seu síndico ou
administrador (art. 22 da Lei nº 4.591/64 c/c art. 12, IX). 88 A representação do síndico, e a do
administrador durante a fase de construção do edifício, se cinge aos interesses comuns; porém,
compreende ainda os direitos individuais homogêneos, a exemplo de vícios de construção, que afetam,
indistintamente, toda a edificação. 89 Deverá o síndico, em tal hipótese, exibir a ata de eleição
juntamente com a inicial ou a contestação. Ao invés, o proprietário da unidade autônoma deverá
postular, ou contra ele ser demandado, todo e qualquer direito particular.
Na propriedade comum, co­propriedade ou condomínio clássico (art. 623 do CC), quando não for
possível o uso e gozo em comum, a administração da co­propriedade caberá ao administrador,
escolhido pela maioria (art. 635, § 2º, do CC), que o representará em juízo. Por tal motivo,
seguramente, o inc. IX do art. 12 alude a síndico ou administrador, abrangendo, nesta última figura, a
situação comentada. 90 Mas, inexistindo administrador, qualquer dos condôminos representará o
conjunto, ativamente, e todos hão de ser chamados a juízo, passivamente.
152   RDC Nº 7 ­ Set­Out/2000 ­ ASSUNTO ESPECIAL
 

2.4 Integração da capacidade da pessoa natural incapaz
São relativamente capazes, tocando aos pais, tutores e curadores assisti­los em juízo (art. 8º), sejam
autores, réus, ou terceiros intervenientes, as pessoas previstas no art. 6º do CC: os maiores de dezesseis
e os menores de vinte e um anos (inc. I); os pródigos (inc. II); e os silvícolas (inc. III). Cessará a
menoridade (art. 6º, I, do CC) em razão de algum dos eventos arrolados no art. 9º, § 1º, dentre os quais
avulta a emancipação. No que concerne à capacidade para estar em juízo, existem exceções à
menoridade, consubstanciadas em normas extravagantes: o art. 792 da CLT concede capacidade plena
no processo trabalhista; o art. 8º, § 2º, da Lei nº 9.099/95, capacidade ativa nos juizados especiais; o
art. 50, § 2º, da Lei nº 6.015/73, para requerer o registro de seu nascimento.
De outro lado, são absolutamente incapazes, a teor do art. 5º, do CC: os menores de dezesseis anos
(inc. I); os loucos (inc. II): os surdos­mudos, que não exprimam sua vontade (inc. III); e os ausentes,
assim declarados através de pronunciamento judicial (inc. IV).
Como se percebe, desde a remissão do art. 8º do CPC, incumbe ao direito material disciplinar a
integração da capacidade processual dos incapazes. Ressalva feita ao caso dos menores sob pátrio
poder, existirá investidura formal do representante, como sucede no caso do ausente (art. 463 do CC),
cabendo exibi­la em juízo, ou suprir sua falta e irregularidade (art. 13, caput, do CPC); ademais, para o
tutor (art. 427, VII, do CC) 91 ou o curador (art. 453, c/c art. 527, VII, do CC) 92 propor ou se defender
em demanda há que apresentar autorização judicial. Esta última regra se aplica ao curador do nascituro
(art. 462 do CC).
Em relação aos menores sob pátrio poder do pai e da mãe, qualquer um deles o representará em juízo,
93
 sejam ou não casados. 94 Divergências entre os pais se resolverão mediante provimento judicial, nos
termos do art. 21 da Lei nº 8.069/90, não mais vigorando, todavia, a prevalência da vontade do pai,
prevista no art. 380, parágrafo único, do CC.
No caso de separação judicial, representará o cônjuge incapaz seu curador, ascendente ou irmão (art.
3º, § 1º, da Lei nº 6.515/77). 95
Existindo colisão entre os interesses do incapaz e de seu representante, a integração da capacidade
processual far­se­á através de curador especial (art. 9º, I).
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2.5 Integração da capacidade da pessoa casada
Nada obstante a capacidade plena da parte, certas demandas reclamam a intervenção conjunta de outra
pessoa. Configura­se, nesses casos, capacidade objetivamente limitada e, subjetivamente, suprida pelo
cônjuge. 96
Realmente, o estado civil da pessoa natural interfere na capacidade processual. Nenhuma restrição
atinge o homem ou a mulher capazes, mas solteiros, desquitados, divorciados ou viúvos. Eles se acham
no pleno exercício dos seus direitos (art. 7º do CPC). Ao invés, o homem ou a mulher casados sofrem
de uma limitação bilateral, 97 perante as causas arroladas no art. 10 do CPC. Razões idênticas, ante o
reconhecimento da união estável como entidade familiar, promovido pelo art. 226, § 3º, da CF/88,
prolonga a restrição aos companheiro, 98 a despeito das consideráveis dificuldades para se apurar a
existência deste tipo de relação informal.

2.5.1 Integração da capacidade ativa
Em sintonia firme e precisa com a disciplina material, que só consente na alienação de imóveis, e na
demanda sobre tais bens, em conjunto pelas pessoas casadas (arts. 235, I e II, e 242, I, do CC),
objetivo preliminar da integração da capacidade para estar em juízo pelo consorte reponta na defesa do
patrimônio do casal ou de cada cônjuge, individualmente considerado; por isso, não interessa a
natureza do regime patrimonial do casamento.
Em conseqüência, o art. 10, caput, prevê o consentimento do cônjuge para propor ações "que versem
sobre direitos reais imobiliários", ou seja, cujo objeto seja imóvel próprio ou alheio. Por óbvio, a
locução legal é ampla e abrange, além das ações diretamente relacionadas aos direitos reais
catalogados no art. 674 do CC ­ incluindo, destarte, ações envolvendo hipoteca, porque o alvitre
doutrinário de LIEBMAN não derroga o texto legal 99 ­, quaisquer outras, ainda que indiretamente
relacionadas com aqueles direitos. Exemplificativamente, a indenização por benfeitorias ou acessões, a
demolitória, a divisória, a nunciação de obra nova e a usucapião ensejam a aplicação do art. 10, caput,
e § 1º, I. 100 E incide a regra nas demandas envolvendo o direito real previsto no art. 5º do Decreto­lei
nº 58/37, 101 como a adjudicação compulsória, 102 que se adscreverá o rito sumário (art. 275, II, g). 103
154   RDC Nº 7 ­ Set­Out/2000 ­ ASSUNTO ESPECIAL
 
Também as ações possessórias implicam a integração da capacidade processual "nos casos de
composse e de atos por ambos praticados" (art. 10, § 2º). 104 Em geral, as pessoas casadas possuem
conjuntamente seus bens comuns, particulares ou reservados, e, haja vista tal fato, atos possessórios
individuais são raros. Então, a generalidade das hipóteses calha ao disposto no art. 10, caput, e § 1º,
inc. I, exceção feita a situações particulares (v.g., sozinho, o marido esbulha outra pessoa). Em
princípio, a integração é indispensável. 105

2.5.2 Integração da capacidade passiva
Do ponto de vista passivo, além da obrigatoriedade de chamamento dos cônjuges nas ações há pouco
recordadas (art. 10, § 1º, I), 106 às quais se acrescentam a hipótese expletiva da ação visando à
constituição ou à extinção de ônus real "sobre imóveis de um ou de ambos os cônjuges" (art. 10, § 1º,
IV) ­ por exemplo, a confessória e a negatória de servidão ­, 107 a integração é imprescindível nos
seguintes casos: ações cujo objeto comprometa fatos ou atos respeitantes a ambos os cônjuges (inc. II);
e ações "fundadas em dívidas contraídas pelo marido a bem da família, cuja execução tenha de recair
sobre o produto do trabalho da mulher ou seus bens reservados" (inc. III).
Embora a fórmula seja vaga, 108 o grupo de demandas contempladas no art. 10, § 1º, II, inclui as ações
de reparação de dano em que o ato ilícito se mostra imputável a ambos os consortes ­ v.g., doestos
assacados contra vizinho ­, ou o fato de outrem (por exemplo, dano causado por animal, ex vi do art.
1.527, caput, do CC) seja de comum responsabilidade. 109
E o inc. III do § 1º do art. 10 respeita às dívidas contraídas pelo marido em benefício da família, pelas
quais responde a mulher, nos termos do art. 246, parágrafo único, do CC e do art. 3º da Lei nº
4.121/62, com sua meação, produto do seu trabalho e bens reservados ou particulares. Forra­se a
mulher dessa responsabilidade por dívida alheia, provando que ela não lhe beneficiou, nem à família.
110
 Não obtendo sucesso, e porque integrou a relação processual que originou o título, se tornará parte
passiva legítima na futura execução (art. 568, I), e, por tal motivo, ficará vedado o emprego dos
embargos de terceiro (art. 1.046, § 3º).

2.5.3 Suprimento judicial da falta de consentimento
Estabelecendo­se divergência entre os cônjuges quanto à necessidade de propor a demanda, o juiz
poderá supri­la, avaliando a justa recusa do consorte ou superando sua impossibilidade de
consentimento (art. 11, caput), sob pena de invalidade do processo, entrementes iniciado, e no qual não
deliberou favoravelmente ao cônjuge (art. 11, parágrafo único). Vários aspectos merecem destaque
neste contexto.
RDC Nº 7 ­ Set­Out/2000 ­ ASSUNTO ESPECIAL   155
 
Em primeiro lugar, o art. 11 se aplica ao pólo ativo da demanda. Na perspectiva do autor, pretendendo
demandar marido e mulher, simplesmente inexiste espaço para a questão: promoverá a citação do
marido e da mulher, que figurarão como litisconsortes (art. 10, § 1º).
Ademais, o suprimento da vênia marital ou uxória poderá ser prévio, através de procedimento de
jurisdição voluntária, 111 ou incidental, defluente de alegação do interessado ­ réu ou cônjuge preterido
­, 112 ou de ato ex officio do juiz, observado o disposto no art. 13. 113 Em qualquer circunstância,
cuidar­se­á de remediar a falta de consentimento, 114 motivo por que a falta de terminologia unívoca no
art. 11, que alude à "autorização do marido" e à "outorga da mulher", não deve impressionar a
ninguém. No pedido prévio, "apenas o cônjuge poderá pedir o suprimento da autorização ou da
outorga do outro", acentuou a 3ª T. do STJ. 115
O art. 11, caput, considera duas conjunturas diferentes em que o assentimento do cônjuge poderá
faltar: a recusa e a impossibilidade de consentir.
Examinará o juiz os fundamentos da recusa, porventura alegados pelo consorte relutante, vale dizer,
sua justiça intrínseca. Outra vez a verba legislativa utiliza conceito jurídico indeterminado, perante o
qual só uma solução é a correta, inconfundível com as raias flexíveis da discricionariedade. 116 Tudo
dependerá do caso concreto, da dinâmica da relação conjugal e dos valores em jogo. Nessas condições,
motivo justo para certo casal talvez não seja para outro. 117 Mas o prognóstico sobre o desfecho do
litígio carece de relevo nesta avaliação. 118 Ele se afigura assaz reprovável no suprimento incidental, de
resto, na medida em que denotaria pré­julgamento da causa.
O art. 11, caput, alude à impossibilidade de assentimento de olho na realidade da vida. Em vários
casos, apesar de capaz, 119 o cônjuge se encontra inacessível, ausente, doente ou perturbado, tornando
inviável colher sua declaração de vontade. Nesta contingência, o juiz suprirá a momentânea falta de
autorização.

2.6 Integração da capacidade processual através de curador
especial
O art. 9º, I e II, do CPC contempla três casos de integração através de curador especial, chamado de
curador à lide no art. 1.149: a) na inexistência de representante legal de incapaz (inc. I); b) no conflito
de interesses entre o representante legal e o incapaz (inc. II); c) ao réu preso ou revel citado por edital
ou hora certa (inc. III). Este dispositivo se aplica, nos termos da Súmula nº 196 do STJ, ao processo
executivo, consoante apregoava a doutrina dominante. 120
156   RDC Nº 7 ­ Set­Out/2000 ­ ASSUNTO ESPECIAL
 
Antes de mais nada, a leitura das hipóteses em que o juiz designará curador especial revela, de modo
inequívoco, condição distinta e alheia à de parte. 121 No processo em que se dá curador especial, com
efeito, parte é o incapaz, o réu preso, o réu revel citado por edital ou por hora certa. O ingresso do
curador, nesses casos, restabelece a paridade de armas e o equilíbrio, 122 rompido pelo handicap
intrínseco da posição do incapaz e do réu preso ou revel. Essencialmente, a função do curador é
defensiva, atuando "em proteção e ou em defesa daqueles a quem é chamado a representar". 123
De olhos postos no art. 9º, I, 1ª parte, lição muito difundida sustenta que o curador exercerá "todas as
funções que teria o pai, tutor, ou curador, se tivesse de acionar ou defender em juízo o incapaz". 124
Esta singular representação, sem pejo da dificuldade de harmonizá­la com a presença do verdadeiro
representante, embora com interesse divergente do representado (art. 9º, I, 2ª parte), se aplica, mutatis
mutandis, ao réu preso e ao réu revel (inc. II).
Exercerá o curador tal representação "dentro dos limites objetivos e temporais" do processo. 125 É
natural que lhe socorram todos os poderes inerentes à parte. Tem legitimidade para recorrer, por sem
dúvida, para bem desempenhar seu munus. 126 Conseqüência lógica da possibilidade de interpor
recursos chancelou o uso, contra os provimentos judiciais, das "ações autônomas de impugnação, tais
como o mandado de segurança contra ato judicial". 127 Vencida a barreira da legitimação
extraordinária, como se percebe na ação especial de segurança, tudo se concedeu ao curador: poderá
embargar a execução (Súmula nº 196 do STJ) ou oferecer reconvenção. 128
Consoante o art. 9º, parágrafo único, existindo, na comarca, representante judicial de incapazes, "a este
competirá a função de curador especial". Dependeria da lei de organização judiciária 129 a existência
deste "estranho personagem", conforme lhe chamou PONTES DE MIRANDA; 130 tradicionalmente,
incumbia a função ao MP. 131 Entretanto, o art. 4º, VI, da LC nº 80/94 definiu como função
institucional do defensor público "atuar como Curador Especial, nos casos previstos em lei", 132 e,
desta maneira, dissociou o MP da dupla função protetiva e fiscalizadora. Entretanto, para a 3ª T. do
STJ o MP pode funcionar, residualmente, como representante judicial de incapazes, existindo "norma
local nesse sentido". 133 Quando a curadoria for do defensor público, goza ele todas as prerrogativas do
seu cargo, a exemplo do prazo em dobro (art. 44, I, da LC nº 80/94). 134
RDC Nº 7 ­ Set­Out/2000 ­ ASSUNTO ESPECIAL   157
 
Disto resulta que a presença de curador de modo algum exclui ­ e, na verdade, jamais afastou ­ a
obrigatória intervenção do MP na demanda em que figurar incapaz, por força do art. 82, I. 135 O ofício
do MP é diferente daquele delineado para o curador, cabendo­lhe fiscalizar a atuação deste último e a
dos demais figurantes no processo. 136
Deverá o juiz, constatando uma das situações contempladas no art. 9º, designar o curador especial,
justamente o defensor público, ou, na sua falta, qualquer advogado, 137 ex officio ou a requerimento da
parte ou do MP. 138 Assinala a doutrina pátria a desnecessidade de o curador ostentar a condição
simultânea de advogado; 139 no entanto, convém que o seja, evitando a subseqüente e dispendiosa
contratação de causídico para promover os atos processuais.
Passando à análise dos casos em que o juiz designará curador especial, consiste o primeiro na
inexistência de representação legal do incapaz (art. 9º, I, 1ª parte), seja absoluta ou relativa a
incapacidade. É claro que, dotado o juiz da demanda de competência em razão da matéria, proverá de
modo permanente, compromissando tutor ou curador para o incapaz, e, assim cortando o problema
pela raiz. Esta providência é útil e proveitosa inclusive fora do processo. Mostrando­se inviável a
solução no momento, por qualquer motivo, então o juiz ordenará o comparecimento do curador
especial.
Aplica­se o dispositivo comentado ao réu demente, cuja impossibilidade de receber a citação mereceu
diagnóstico do médico nomeado pelo juiz (art. 218, § 1º). Nesta hipótese, reza o art. 218, § 2º, "dará ao
citando um curador", escolhido com a observância da lei civil, restrito à causa. Em razão do fato,
igualmente intervirá no processo o MP. 140
Em seguida, o juiz chamará curador quando houver colisão entre os interesses do representante e do
representado (art. 9º, I, 2ª parte). Dissensão desse naipe surge das circunstâncias do litígio. É imperioso
assegurar a melhor representação do incapaz, sob pena de correr o risco de prejudicar­lhe o
patrimônio, denotando a demanda, por exemplo, maior benefício para o representante do que para o
incapaz. Segundo a 3ª T. do STJ, o conflito de interesses reclamado pela norma não resulta de simples
descaso do representante quanto ao bom andamento do processo, porque falhas deste tipo podem ser
compensadas pela atuação do MP. 141
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O juiz dará curador especial ao réu preso (art. 9º, II, 2ª parte). Neste caso, prescinde a norma da
revelia, 142 inovando relativamente ao art. 80, § 1º, b, do CPC de 1939. 143 Tampouco a circunstância
de preso constituir advogado afasta a incidência da regra. 144 Lembra ARRUDA ALVIM que a posição
do preso se distingue dos demais réus, 145 motivo pelo qual representa elemento necessário e suficiente
o fato da prisão.
O art. 9º, II, 2ª parte, concede curador especial ao réu citado por edital ou por hora certa. Em ambos os
casos, há chamamento ficto, recomendando a medida. Presume­se que o chamamento a juízo não
atingiu o réu, 146 causando a contumácia.
Concebe­se o desaparecimento superveniente dos elementos de incidência do art. 9º, I e II. Talvez o
incapaz se torne capaz e o revel compareça ao processo, "recebendo­o no estado em que se encontra"
(art. 322, 2ª parte). Nesta contingência, o curador especial se torna desnecessário, cessando sua
atuação, 147 a partir de provimento do juiz neste sentido, aproveitados os atos até então realizados.
 

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