Você está na página 1de 2

Feminismo negro

Quando as feministas brancas foram as ruas clamar por direitos de trabalho, as mulheres
negras ficaram sem entender nada, pois sempre estiveram trabalhando, estiveram nas ruas,
nas quitandas, nas lavouras, nos prostíbulos, a elas não foram oferecidos casacos para pisar
em poças da água, na verdade, nem a água lhes foi oferecido. De que mulheres estamos
falando quando nos referimos ao mito da fragilidade feminina que justificou a proteção
paternalista sobre as mulheres? Quem são essas mulheres delicadas e indefesas?
 Aqueles homens ali dizem que as mulheres precisam de ajuda para subir
em carruagens, e devem ser carregadas para atravessar valas, e que
merecem o melhor lugar onde quer que estejam. Ninguém jamais me
ajudou a subir em carruagens, ou a saltar sobre poças de lama, e nunca me
ofereceram melhor lugar algum! E não sou uma mulher? Olhem para mim?
Olhem para meus braços! Eu arei e plantei, e juntei a colheita nos celeiros, e
homem algum poderia estar à minha frente. E não sou uma mulher? Eu
poderia trabalhar tanto e comer tanto quanto qualquer homem – desde que
eu tivesse oportunidade para isso – e suportar o açoite também! E não sou
uma mulher? Eu pari cinco filhos e vi a maioria deles ser vendida para a
escravidão, e quando eu clamei com a minha dor de mãe, ninguém a não ser
Jesus me ouviu! E não sou uma mulher? (Truth,
1851, Women’s  Rights  Convention  em Akron

Ou seja, para essas mulheres, foi lhes dado um papel de não-mulher, identidade de objeto,
fazem parte de um contingente que não tem Adão, coisa do diabo, primitiva. Originárias de
uma cultura marginalizada e violada até hoje reflete o racismo contemporâneo que vivemos.
E ao mesmo tempo que os movimentos negros se uniam para lutar contra o segregacionismo
institucional e estrutural, as mulheres eram responsáveis por organizar os panfletos, servir as
águas e arrumar as cadeiras, também não eram representadas e ouvidas. É nesse contexto
nasce o feminismo negro, novas questões necessitam de novas formas de resistência. O atual
movimento de mulheres negras traz ao plano político uma articulação com várias variáveis de
raça, gênero e classe.

PEC das domésticas

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) assinala que existam atualmente cerca
de 6,6 milhões de empregados domésticos no Brasil, constituindo 92,6% deles mulheres. De
acordo com a Organização Mundial do Trabalho (OIT) em 117 países, o Brasil é o maior
mercado de mão de obra doméstica do mundo, com 7,2 milhões de trabalhadores formais e
informais.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 478/2010, promulgada no congresso em abril de


2013, que estende aos trabalhadores domésticos todos os direitos dos demais trabalhadores
regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) causou grande alvoroço e resistência da
classe média/alta. Nos tempos de escravatura uma família se dizia poderosa pelo número de
escravos que portava, a situação não mudou muito de lá para cá, hoje, se fala sobre o poder de
uma pelo número de domésticos que têm. Faxineiras, cozinheiras, seguranças, esse é o pacote
que garante status a uma família classe média alta.

O disfarce de “Ela é quase da família! ” dilui-se por completo quando olhamos mais a fundo.
Recortando algumas citações do perfil “Eu empregada doméstica”, página virtual que divulga
pequenos relatos, anônimos em sua maioria, de empregadas domésticas por meio do
Facebook.
Trabalhei em uma casa que eu insistia para a patroa separar as roupas
sujas.
E eu falava como vou saber o que tá limpo e o que tá sujo.
E ela respondia: Cheira ué, esse é seu serviço.

Nossa Joyce você faz faxina tão bem. Já nasceu pra isso.
É de família, né?

Um dos dias mais constrangedores da minha vida foi ter que ir


uniformizada de babá para uma festa de casamento. Além da noiva,
somente eu vestia branco, para deixar bem claro para os presentes que
eu não era convidada.

Minha mãe trabalhou de empregada doméstica por meia vida dela. Em


uma das casas que ela trabalhava, ela não podia comer na mesa, nem a
mesma comida e nem sequer dentro de casa. Ela comia a comida com
ovo e comia sentada no degrau da porta, pois não podia ser dentro da
casa.

A página conta hoje com mais de 4 mil relatos. Do mesmo modo, falando em mídias e setores
de comunicação, o longa-metragem “Que horas ela volta?” também escancara a estratificação
social no Brasil e a posição subalterna do empregado. Cômico é pensar que algumas críticas
estrangeiras acharam exagerado o comportamento do patrão-empregado no filme, disseram
ser “forçado” e até mesmo excessivo, quem dera fosse, quem dera aquele não fosse o retrato
da situação das domésticas no Brasil, que sonho seria se a realidade das empregadas não fosse
a de desumanização transvestido por “praticamente da família”. Infelizmente, a senzala
moderna é o quartinho da empregada.

Você também pode gostar