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Festival de Cine
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O lugar das pessoas? A


re e s t r u t u ra ç ã o d o e s p a ç o
em Que Horas Ela Volt a?,
por Marília Mar ie Goular t

Aclamado em festivais, o longa-metragem Que horas ela

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Apresentação Filmes Programaçã


casa grande e senzala. No filme, a empregada doméstica Val
(Regina Casé) vive a esdrúxula posição de ser “quase da
família” de Dona Bárbara (Camila Márdila), para quem
trabalha a mais de uma década. Entre faxineira, cozinheira e
lavadeira, Val talvez tenha se tornado de fato parte da família,
ao menos para Fabinho (Michel Joelsas), filho da patroa que
foi criado desde pequeno por Val. Sem a mesma sorte, sua
filha Jéssica (Karine Teles) cresceu no nordeste, afastada da
mãe.

Nesse núcleo doméstico, situado em uma mansão em bairro


nobre da cidade de São Paulo, o longa constrói em tom
naturalista, entre o drama, o humor e a ironia, contundente
crítica sobre a absurda relação entre patroa e empregada
que, como vemos no documentário Doméstica (Gabriel
Mascaro, 2012), pode ser encontrada em diversos cantos do
país.

Para o
espanto de
todos,
Jéssica viaja
para São
Paulo para
participar da
prova de seleção na mais concorrida universidade do país.
Com sua chegada serão colocados em suspenso a
naturalização de estranhos costumes, como o de comer na
minúscula mesa da cozinha e de dormir em apertado
quartinho em meio a uma mansão repleta de suítes. Alheia à
dinâmica de ser declarada membro da família ao mesmo
tempo em que é subjugada e desprezada, Jéssica encabeça
ações relativamente sutis que provocam fissuras profundas
na dinâmica familiar. O simples fato da jovem de mesmo
sotaque de Val não estar ali para ser submissa ou para servir,
resulta em explícito incômodo e estranheza – e também em
patética paixão de Dr Carlos (Lourenço Mutarelli), o plácido
marido de Dona Bárbara.

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entre
personagens
e espaços é
um dos
aspectos
mais fascinantes de Que horas ela volta? A relação tanto com
os espaços da casa quanto com os da cidade terá papel
central na trama. Mais: a própria construção dos espaços
fílmicos é fundamental na elaboração da denúncia e da
crítica lançadas. A chegada da jovem provoca uma
reviravolta que é, também, visual, resultando em uma
transformação sensível na decupagem do filme. No primeiro
momento, antes de Jéssica, estamos presos juntos a Val nos
espaços habitados pela personagem. Assim permanecemos
na área de serviço, no soturno corredor e na cozinha, de
onde assistimos, com Val, às refeições da família da patroa.
Com a chegada de Jéssica teremos acesso ao que se passa
da cozinha para lá; “segura demais de si”, a jovem não
reconhece a demarcação espacial que todos parecem
compreender tão bem. Essa transformação ocorre não
apenas no espaço doméstico: com as reviravoltas da trama a
própria cidade irá se abrir e ganhar expressão na tela.

Não por
acaso o filme
se situa na
zona sul de
São Paulo,
área que
bem
expressa o abismo social que ainda marca o país. Na região,
diversas vizinhanças são compostas por mansões e prédios
de luxo rodeados de gigantescas favelas. No contraste entre
os espaços abastados e populares, o filme apresenta uma
comunidade do Campo Limpo extremamente vívida.
Divergindo da fria e vazia mansão e das ruas do Morumbi
onde se situa, vemos no colorido Campo Limpo a expressão

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laços parecem mais firmes.

Ao optar por uma construção atenta aos espaços, o filme dá


visualidade a uma dinâmica que, a despeito de sua força e
violência, a rigor, não parece ser fisicamente demarcada. Tal
como a casa dos patrões, a cidade também não é acessível
aos empregados e trabalhadores, não por serem
explicitamente proibidos de permanecerem em certos
espaços, mas por serem extremamente constrangidos a não
o fazer – basta lembrar do que acontece quando um grupo
de jovens da periferia tenta dar uma volta pelas alamedas de
um shopping center. Nosso apartheid não precisa de leis;
violentamente ele segue se expressando através de inúmeros
meios, do jurídico ao convívio social.

Que horas ela volta? lembra-nos do poder da ficção em


denunciar situações, especialmente as mais veladas. Mesmo
demarcada por um comportamento que se espera “natural”
dos trabalhadores – e que portanto não precisaria ser
explicitado – a fronteira que Jéssica ultrapassa é bastante
visível, basta observar a planta das casas, estruturadas entre
o lugar do trabalhador e o lugar do patrão. Levantando-se
contra esse rígido esquema que é ao mesmo tempo visível e
invisível, Jéssica se impõe contra a submissão em que é
hereditariamente colocada pela família da patroa.
Inconformada com o quartinho onde a mãe dorme, Jéssica
ousa habitar os demais espaços, tanto domésticos quanto
sociais. É bastante simbólica a carreira que a personagem
quer seguir: arquitetura, profissão que, nos explica, é um
instrumento de transformação social.

Relativamente sutil e extremamente contundente, a


construção visual do filme escancara essa violência que se
espelha do ambiente doméstico para a vida pública em uma
sociedade cindida não mais entre casa grande e senzala,
mas entre trabalhadores e empregados separados por um
abismo de classe altamente estruturante e brutalmente
excludentes. Na superfície, a convivência pode ter uma

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não se sustenta. A libertação dos trabalhadores da
submissão à casa grande passa, também, por uma
conquista de espaços, tanto sociais quanto físicos.

Marcado
pelo
entusiasmo
de seu
tempo, o
filme exibe
também as
fissuras provocadas por políticas inclusivas que buscaram,
de alguma forma, minimizar o fosso social. Não é de se
estranhar que muitos espectadores se emocionaram ao se
reconhecer na figura de Jéssica e mesmo na de Val. Nesse
curto lapso de tempo entre o lançamento do filme e o
presente, esperamos que, sem temer, mais Jéssicas possam
questionar e transgredir o lugar onde são colocadas,
reestruturando assim o espaço dessa segregadora cidade.

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