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Resumo: Nas ciências sociais brasileiras, existe um distanciamento entre as pesquisas que
trabalham segurança pública e encarceramento sob a perspectiva das políticas públicas e as que
discutem estas temáticas pelo viés do controle social do crime e da violência. Este trabalho
procurou mapear, nos Grupos de Trabalho da ANPOCS, as principais questões envolvidas neste
distanciamento. Trata-se de um esforço para traçar os limites gerais do cenário onde se formulam
e se disputam conceitos, proposições e perspectivas sobre políticas de segurança pública e
encarceramento. Considera-se que este mapeamento pode fornecer pistas para compreensão de
novas questões colocadas aos pesquisadores de ambas perspectivas, tais como a incursão do setor
privado no campo destas políticas.
Abstract: In Brazilian social sciences, there is a gap between researches that work public security
and imprisonment under the perspective of public policies and those that discuss these isues from
the perspective of social control of crime and violence. This work sought to map, in the working
groups of ANPOCS, the main issues involved in this gap. It is an effort to draw the general
boundaries of the scenario where concepts, propositions and perspectives on public security
policies and incarceration are formulated and contested. It is considered that this mapping may
provide clues for understanding new questionings posed to researchers from both perspectives such
as the private sector incursion in the field of these policies.
1
INTRODUÇÃO
Este artigo analisa a produção acadêmica sobre segurança pública e encarceramento no Brasil a
partir dos encontros anuais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências
Sociais (ANPOCS). O objetivo é mapear a produção científica sobre segurança pública e gestão
prisional, as disciplinas que sustentam esta produção, os principais referenciais teóricos utilizados e
as problemáticas mais frequentes nas ciências sociais. Trata-se de um esforço em sistematizar e
analisar algumas das principais fontes primárias e secundárias da pesquisa de doutorado em curso,
provisoriamente intitulada “Gestão privada e segurança pública: uma análise das relações entre
oferta e demanda de encarceramento em Sergipe”. Posto que o conjunto de teses, dissertações,
relatórios de pesquisas e bancos de dados que subsidiam este doutoramento foi majoritariamente
produzido a partir de programas de pós-graduação em ciências sociais, tornou-se necessário traçar
os limites gerais do cenário onde se formulam e se disputam conceitos, proposições e perspectivas
sobre políticas de segurança pública e encarceramento. A escolha do encontro anual da ANPOCS se
deu em virtude de tratar-se de um dos principais encontros científicos das ciências sociais no Brasil,
cuja regularidade confere um caráter atual ao estudo, e a abrangência nacional, representatividade.
Para tanto, dividiu-se a análise em duas partes. A primeira se refere a um levantamento realizado
no Grupo de Trabalho (GT) sobre Políticas Públicas da ANPOCS, entre os anos de 2002 e 2015, no
sentido de averiguar a presença, a constância e os desdobramentos das temáticas sobre
encarceramento e segurança pública em um dos principais encontros acadêmicos das ciências
sociais no Brasil. A escolha do GT, por sua vez, derivou das inquietações trazidas por parte do corpo
docente do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Sergipe (PPGS-
2
UFS), onde o doutorado em questão se desenvolve. Tais inquietações apontam para a necessidade
de subsidiar a pesquisa em andamento a partir dos referênciais construídos pelas políticas públicas
enquanto área das ciências sociais. Neste sentido, foram levantados, nos arquivos do GT de
políticas públicas da ANPOCS, disponíveis online, tanto papers que trabalham segurança pública
ou gestão prisional como políticas setoriais, quanto outros trabalhos, cujas abordagens, referenciais
téoricos ou temáticas se mostraram pertinentes, ainda que transversais, ao objeto e aos objetivos da
pesquisa de doutorado em curso. O trabalho não se propõe, no entanto, a adentrar estas questões
transversais, limitando-se a apontar quais são e de que maneira elas se revelaram pertinentes ao
presente estudo.
A segunda parte, por sua vez, deriva das conclusões parciais obtidas na primeira. Dada a
escassez de trabalhos sobre políticas setoriais de segurança pública e encarceramento no GT de
políticas públicas da ANPOCS, buscou-se, então, localizá-las entre os demais grupos de trabalho do
mesmo período para, em seguida, mapear dois conjuntos de variáveis: 1) as disciplinas às quais
pertencem os referenciais teóricos mais utilizados; 2) as principais temáticas levantadas por estes
trabalhos. O GT que se apresentou com maior concentração de análises sobre segurança pública e
encarceramento foi o intitulado Violência, criminalidade e punição no Brasil. A partir desta
constatação, foram catalogados e analisados 44 trabalhos ali expostos, durante o período de 2011 a
2015, marco temporal escolhido por razões que serão apresentadas mais adiante. Trata-se,
certamente, de um mapeamento ainda incompleto, posto que as variáveis escolhidas não resumem
as linhas a serem traçadas para elaborar uma espécie de quadro definitivo do atual estágio das
pesquisas sobre segurança pública e encarceramento nos encontros da ANPOCS. Outras questões,
como a formação acadêmica dos pesquisadores e as subdivisões das próprias políticas setoriais em
comento – não raro dando origem a GT's e Seminários Temáticos (ST's) sobre vitimização, acesso à
justiça, etc – embora igualmente importantes para compor o referido quadro, serão aqui apenas
tangenciadas, dados os limites deste trabalho.
Nas considerações finais, a partir do acúmulo e do confronto do que se apurou nos dois GT's
analisados, foram sistematizadas as considerações apresentadas no decorrer do trabalho para, assim,
apontar algumas reorientações na pesquisa de doutorado em curso enquanto efeito da produção
deste estudo.
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1. GT SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS NA ANPOCS (2002-2015).
Em 2015, no 39º Encontro Anual da ANPOCS, uma análise preliminar, a respeito das mudanças
e avanços ocorridos na produção científica sobre políticas públicas no Brasil, lançou algumas
conclusões parciais sobre o próprio GT referente a este campo de estudos. A primeira delas
concerne às políticas setoriais analisadas pelos papers apresentados no período de 2002 a 2014. No
total de 127 trabalhos completos publicados, depois de identificadas dezenove políticas setoriais, os
autores apontaram saúde (20%), educação (13%), participação (12%) e assistência social (11%)
como as mais frequentes (SUDANO et al., 2015, p. 12). Posto que segurança pública e/ou
administração carcerária não apareceram no referido estudo, mas a totalização dos dados incluiu
uma categoria denominada “outras políticas”, responsável por 17% dos trabalhos, fez-se necessário,
então, recorrer à listagem de todos os artigos para averiguar que, no período analisado, apenas 03 se
ocuparam especificamente de segurança pública. A estes, acrescentou-se mais um trabalho, em
2015.
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Tabela 1 – Trabalhos sobre segurança pública no GT de políticas públicas da ANPOCS (2002-
2015).
Uma das explicações para a escassez de trabalhos sobre segurança pública e gestão prisional no
GT de políticas públicas talvez seja a dinâmica do próprio evento anual ANPOCS. Uma vez que os
grupos de trabalho acontecem de forma simultânea, muitas vezes algumas temáticas acabam se
dispersando por dois ou mais grupos. No caso em questão, observou-se a presença dos seguintes
grupos: Violência, sociedade e cultura (2002, 2003); Violência, conflitos e práticas culturais (2005,
2006); Crime, violência e punição (2008, 2009); Violência, criminalidade e punição no Brasil (2011
a 2015). Em todos estes, a política de segurança pública e gestão do encarceramento foram centrais.
Apesar da referida dispersão, outras questões também parecem contribuir para o reduzido
número de papers sobre segurança e sistema prisional no espaço dedicado às políticas públicas.
Uma delas é abordagem teórica predominante. O estudo apresentado no 39º encontro constatou que
as principais abordagens são provenientes da ciência política, com enfoques em teorias sobre o
federalismo (19%), neoinstitucionalismo (15%) e democracia (5%) (SUDANO et al., 2015, p. 13).
Enquanto isto, nos debates dos grupos de trabalho voltados às questões de segurança pública e
encarceramento, destacam-se abordagens sociológicas e antropológicas, como demonstram os
trabalhos de Sérgio Adorno e Camila Dias (2013), Marcos César Alvarez e Fernando Salla (2010),
Karina Biondi (2008), André Zanetic (2006), dentre outros. Nestes trabalhos, muitos dos
referenciais teóricos são raros, periféricos, quando não totalmente estranhos aos debates travados no
GT de políticas públicas onde, aliás, teorias sociológicas foram encontradas em apenas 4% dos
trabalhos, ao lado de 1% de referenciais orinudos da antropologia (SUDANO et al., 2015, p. 13).
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Gráfico 1 – Distribuição das teorias por disciplinas das Ciências Sociais (GT Políticas
Públicas/ANPOCS – 2002-2014).
Esta via de estranhamento, no entanto, constitui-se em mão dupla. Muitos dos papers
apresentados no GT de políticas públicas da ANPOCS trazem questões e referenciais teóricos que
se mostram atuais e pertinentes aos debates sobre segurança pública e gestão prisional e, no entanto,
permanecem pouco explorados pelos(as) pesquisadores(as) que se dedicam a estas políticas. É o
caso do neoinstitucionalismo, por exemplo, que vem sendo manejado para subsidiar debates sobre
privatização da gestão carcerária nos encontros da Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Administração – ANPAD (CABRAL e AZEVEDO, 2006), mas que na ANPOCS não
se encontra relacionado ao debate de segurança pública ou administração carcerária, nem no GT de
políticas públicas, nem no GT sobre violência, criminalidade e punição.
6
Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), cujos eixos se distribuem pelas
mesmas etapas do ciclo geral de funcionamento das políticas públicas, surgiram tantos trabalhos
sobre segurança quanto se constata em relação às demais questões setoriais.
Em artigo publicado nos Cadernos Adenauer, da Fundação Konrad no Brasil, Sérgio Adorno
oferece uma explicação possível para o distanciamento apontado.
Assim, é possível que um dos motivos pelos quais segurança pública e questões sobre
encarceramento não tenham até hoje recebido maior atenção no espaço dedicado às políticas
públicas seja de cunho normativo-institucional, pois se trata de uma agenda relativamente recente
no país, cujos planos, metas e ações só começaram a ser delineados, segundo Adorno, no primeiro
mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1994.
Porém, uma outra hipótese parece se sustentar, sem exclusividade e ainda de maneira
preliminar. Trata-se da própria trajetória dos estudos sobre violência, punição, criminalidade e
encarceramento no Brasil, que parecem ter se constituído por fora dos referenciais mais habituais
mobilizados no campo das políticas públicas. Mesmo quando se observa a emergência de um curso
de graduação em segurança pública, como ocorreu na Universidade Federal Fluminense em 2012,
constata-se que um dos seus principais idealizadores, ao reconstruir sua própria trajetória
acadêmica, o faz na intersecção entre o direito e a antropologia.
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criar um curso de segurança pública na UFF, assim, nasce (…) de uma experiência
etnográfica que suscita uma elaboração teórica sobre modelos jurídicos para a
sociedade, para a formulação e o exercício dos processos institucionais de controle
social, para administração institucional de conflitos (...) Como a nossa sociedade é
marcada por forte desigualdade social e jurídica, com o Direito reforçando uma
posição tutelar do Estado sobre a sociedade - representada como portadora de
inúmeras hipossuficiências - e, assim, assumindo um caráter propriamente estatal
para a sua área “Pública”, a forma privilegiada para exercício desse controle é a
repressão (LIMA, 2013).
É neste sentido que se passa à segunda parte deste trabalho, com a intenção de averiguar,
também pela presença e regularidade dos trabalhos apresentados na ANPOCS, fora do GT de
políticas públicas, quais as disciplinas dos principais referenciais teóricos mobilizados pelos(as)
autores(as) que se dedicam às temáticas de segurança pública e encarceramento, e quais as
principais temáticas levantadas por eles(as).
Embora trabalhos sobre segurança pública e gestão prisional possam ser encontrados de forma
dispersa em vários espaços da ANPOCS, o GT violência, criminalidade e punição no Brasil é o que
mais concentra estas duas temáticas. Com este título, o GT se firmou apenas recentemente, em
2011. É verdade que, conforme já apontado acima, grupos com denominações semelhantes o
precederam, no entanto, optou-se aqui por seguir estritamente o formtato atual. Além disto, é
importante advertir que, ao contrário do levantamento realizado quanto ao GT de políticas públicas,
esta parte do trabalho possui características ainda muito incipientes, posto que não partiu de um
estudo prévio já elaborado por outros pesquisadores. Seu caráter, portanto, é preliminar. O período
analisado foi de 2011 a 2015, com interrupção em 2013, quando o referido GT não aconteceu, dada
a dinâmica da própria ANPOCS1. Conforme o Anexo I, foram contabilizados 44 trabalhos
completos disponíveis nos anais online.
Neste universo, não foram encontrados trabalhos que não mesclassem duas ou mais disciplinas
das ciências sociais (sociologia, antropologia, ciência politica). Além destas, foram também
encontrados referenciais da filosofia, história, geografia e psicologia. Das chamadas ciências sociais
aplicadas, fizeram-se presentes o direito e a economia. Os principais probemas de classificação por
disciplina encontram-se na criminologia, amplamente utilizada como referencial distinto da
1 Em alguns anos, apenas acontecem Seminários Temáticos, organização que costuma dispersar os debates
concentrados nos GT's.
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sociologia, antropologia ou direito, e da emergente segurança pública como área do conhecimento
nas ciências sociais. Este trabalho não pretende discutir sobre tais fronteiras disciplinares e, assim,
os dados que seguem partem da identificação que os próprios autores dos papers apontaram ao
manejarem seus referenciais téoricos.
Dos 44 trabalhos analisados, 39 (88,6%) se situram a partir de teorias sociológicas. Como este
suporte teórico não se dá de forma exclusiva nas análises apresentadas no GT, 30 (68,1%) papers
também afirmaram se basear no campo da antropologia. A criminologia foi apontada como
disciplina referencial em 16 (36,3%) trabalhos, assim como o direito. Se existe algo que se pode
aferir no conjunto do GT violência, criminalidade e punição no Brasil, é uma espécie de
hetorodoxia que sustenta as elaborações dos autores. Mesmo as análises que se denominam
“sociológicas”, “antropológicas”, “criminológicas” ou “jurídicas”, utilizam autores como Giorgio
Agamben, Gilles Deleuze e Michel Foucault – amplamente rejeitados quando se trata de traçar
fronteiras disciplinares – como recurso teórico fundamental.
Para se ter uma ideia da mescla de referenciais teóricos entre as disciplinas, em 2013, ano em
que ocorreram apenas ST's na ANPOCS, Sérgio Adorno e Camila Dias apresentaram um trabalho
propondo a construção de um novo paradigma para a sociologia das prisões. Este paradigma,
segundo os autores, visa caracterizar a prisão como universo social sui generis, e se sustenta em três
conceitos-chave: o de cultura prisional, de Donald Clemmer, que destaca os efeitos psicológicos da
prisão sobre os encarcerados; o de sociedade dos cativos, desenvolvido por Gresham Sykes, em
uma das obras mais conhecidas da literatura em criminologia; e o de instituições totais, de Erving
Goffman, mais propriamente situado na sociologia (2013, p. 02). Independente de trabalhar ou não
segundo o paradigma proposto, o que se verifica é que ao tratar de questões como segurança pública
e/ou encarceramento, os pesquisadores, de forma geral, apoiam-se em uma combinação de
referenciais teóricos provenientes de variadas disciplinas das ciências sociais e, não raro, de outras
áreas do conhecimento, a exemplo do que fazem Adorno e Dias.
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Gráfico 2 - Temáticas abordadas no GT violência, criminalidade e punição no Brasil/ANPOCS
(2011-2015).
11,60%
4,50%
Segurança pública
4,50%
38,60% Gestão prisional
Discursos e representações
sociais da punição
9,00% Poder Judiciário
Direitos da criança e do
adolescente
Outros
31,80%
Dentre os trabalhos sobre segurança pública, os objetos de análise mais frequentes são a
organização do policiamento e a política de drogas. Quando se trata de gestão prisional,
predominam os trabalhos sobre relações de poder e ilegalismos, com destaque para a atuação dos
grupos conhecidos como organizações ou facções criminosas, conforme se pode aferir no Anexo I.
Para retomar a relação com a primeira parte do trabalho, destaca-se que, entre os 17 papers que
abordam segurança pública, apenas 03 o fazem “no sentido de incorporar o debate sobre políticas
públicas no Brasil à reflexão sobre a área da segurança” (SOUZA, 2011, s/p). Destes três, um se
dedica à analise da agenda do PRONASCI (BATTIBUGLI, 2012), outro à formulação e
implementação de políticas de segurança pelas secretarias estaduais responsáveis (COSTA, 2011) e
um terceiro, a partir da constatação de que “estamos longe de ter, para a segurança, os marcos
referenciais das políticas voltadas para a saúde, educação e seguridade social” (SOUZA, 2011, s/p),
procura diagnosticar os motivos para a dissociação entre os debates sobre segurança e as
elaborações próprias do campo das políticas públicas, apontando algumas sugestões para superá-la.
A partir deste momento, volta-se a atenção para o último dos papers citados, posto que
apresenta uma inquietação similar a que justifica este trabalho. Uma das principais dificuldades
10
apontadas pelo autor no debate sobre segurança pública enquanto política pública reside no que ele
identifica como “conceito escorregadio” da primeira. De um lado, a seguraça pública aparece em
fusão com o conceito de criminalidade, notadamente, a chamada criminalidade de rua (crimes
contra o patrimônio, contra a vida e o tráfico de drogas). De outro, não se sabe muito bem se o
conceito se refere à segurança do próprio Estado, modelo que o autor considera ainda predominante
no Brasil, ou à segurança dos cidadãos, projeto que ele identifica como emergente a partir do
processo de redemocratização, porém bastante incipiente. Para avançar na consolidação deste
projeto emergente, Souza assinala que é preciso equilibrar o reforço da segurança pública em certos
aspectos do monopólio da força, a exemplo das iniciativas federais como o PRONASCI, ao mesmo
tempo em que é necessário ampliar a participação da sociedade civil em todas as fases do ciclo
desta política. A partir deste diagnóstico, o autor se própõe a “fazer um esforço de abstração das
questões concretas presentes na bibliografia especializada em segurança pública” (Ibid., s/p), tais
como racismo, ineficiência e letalidade policial, para então elaborar sobre política pública.
Dito isto, talvez a distribuição dos trabalhos sobre políticas públicas e segurança pública na
ANPOCS responda um pouco ao avanço da concepção multicêntrica em relação às primeiras, pois,
a princípio, o que se percebe em parte das elaborações sobre segurança e encarceramento no Brasil
é uma análise bastante profícua sobre suas deficiências, e ao mesmo tempo, uma tentativa de lançar
proposições que não ultrapassem muito a concepção da centralidade e do protagonismo estatal nesta
área, recepcionadas apenas as hipóteses de inclusão da sociedade civil (ZANETIC, 2006).
O segundo desdobramento que se pode pensar a partir das colocações de Souza é um pouco
mais complexo, posto que vai de encontro à sua análise. Para avançar no sentido mais propositivo
que caracteriza as políticas públicas, o autor explicitamente abstraiu questões como racismo,
11
letalidade policial, e o que chamou de “paradoxos da cidadania”. Pode-se afirmar, inclusive, que foi
também abstraída a própria dificuldade em conceituar segurança pública, ainda que apontada no
início do seu paper. Numa linha muito próxima aos pesquisadores do GT de políticas públicas, o
autor afirma que, nos dias atuais, não se pode mais conceber segurança “sob os princípios
burocráticos do state building” (SOUZA, 2011, s/p). Assim, o trabalho parece sugerir aos
pesquisadores do GT violência, criminalidade e punição no Brasil que suas análises, em certa
medida, permanecem apegadas a um referencial ultrapassado de segurança pública. Não à toa,
várias páginas deste paper foram dedicadas a explicar o que são políticas públicas em um marco
democrático.
O problema, assim, parece ser um eterno retorno ao ponto de partida, pois é pertinente indagar
em que medida é possível pensar políticas públicas de segurança sem resolver minimamente a
conceituação desta última. Colocado de outra forma: será que os elementos que o autor precisou
abstrair de sua análise não são inextrincáveis da própria definição de segurança pública? E não seria
estes um dos motivos do estranhamento entre os pesquisadores desta área e os que se dedicam ao
campo das políticas públicas na ANPOCS? Ou ainda, será que os trabalhos dos pesquisadores
concentrados no GT violência, criminalidade e punição no Brasil só podem ser lidos, ao não
partilharem dos referenciais das políticas públicas, pela falta de acúmulo teórico, instrumental
analítico e outras modalidades de carência científica? Seria possível afirmar que, em pelo menos
uma dimensão deste debate, reside uma profunda divergência que parece não se resolver pela
redistribuição de protagonismo, embora este seja um ponto sensível da questão?
De uma lado, pelo conjuntos das disciplinas e referenciais teóricos levantados neste trabalho a
partir do GT violência, criminalidade e punição no Brasil, é preciso considerar, pelo menos
enquanto hipótese, que os papers ali apresentados se orientam por uma concepção de segurança
pública que será sempre, em alguma medida, segurança do Estado, e por isto, são abundantes as
análises sobre racismo, letalidade policial, encarceramento em massa, dentre outras. Não cabe aqui
conferir ou não razão a esta perspectiva, mas apenas levantar um possível redimensionamento do
debate que parece não se resumir às fronteiras da cientificidade. Onde se lê carência, precariedade
ou inépcia, talvez exista divergência, recusa e afirmações que merecem ser analisadas ao invés de
interceptadas por uma suposta inadequação aos marcos disciplinares desta ou daquela ciência
social. Inclusive porque, a despeito de qualquer carência que se possa apontar, o problema está
representado na ANPOCS, espaço que se define, de qualquer forma, por sua científicidade.
Por outro lado, ainda que determinadas pesquisas voltadas para segurança pública e
12
encarceramento possam ser lidas pelo prisma da recusa a certos referenciais das políticas públicas,
parece acertado afirmar que o distanciamento assim produzido afeta o próprio avanço destas
pesquisas, uma vez que não se dão ao trabalho de averiguar questões fundamentais, como por
exemplo, os limites da participação da sociedade civil frente à incursão do setor privado nestas
áreas, ou ainda, se for o caso, de demonstrar que uma concepção multicêntrica da segurança pública
não tem o condão de extirpar o que seria próprio da noção de segurança, ou seja, o racismo, a
seletividade criminal e outros problemas. O que este tipo de recusa à aproximação têm gerado
parece ser um engessamento dos pesquisadores em afirmações peremptórias que, em parte, pode
redundar na acusação de defasagem de suas análises. Um último exemplo pode ser elucidativo.
O que interessa ao o trabalho ora apesentado, porém, não é o escrutínio dos dados ou das
conclusões de Cabral, mas apenas apontar que, em reitradas edições do GT violência, criminalidade
e punição no Brasil não surgiu um trabalho sequer sobre neoinstitucionalismo e políticas públicas,
seja para acatar ou refutar, no todo ou em parte, construções teóricas e empíricas que afetam
diretamente seu campo de pesquisa, e das quais a tese acima mencionada é apenas um exemplo.
Tampouco no GT de políticas públicas este debate apareceu. Desta forma, é possível afirmar que o
estranhamento, a distância e as recusas recíprocas apontadas aqui, entre os cientistas sociais que se
debruçam sobre segurança e encarceramento e os que pesquisam políticas públicas, em vários
sentidos, têm deixado sem resposta questões fundamentais para o objeto e objetivos de pesquisa na
qual esta análise preliminar se insere.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho se dedicou a mapear os debates sobre segurança pública e gestão prisional nos
encontros da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS).
Trata-se de um esforço em compreender como se organizam e se distribuem os papers sobre estas
temáticas no espaço do encontro, posto que parte significativa das fontes secundárias que
constituem o doutoramento em curso, já referido, advém de pesquisas ali inseridas.
Pelas razões já expostas, foram escolhidos dois GT's da ANPOCS: o de políticas públicas e o de
violência, criminalidade e punição no Brasil. Constatou-se, assim, que onde se discute política
pública, pouco se fala em segurança e encarceramento, ao mesmo tempo, no espaço dedicado a
segurança e encarceramento, poucos das políticas públicas é acionado. Algumas razões para este
distanciamento foram elencadas ao longo do trabalho, dentre as quais, destacam-se:
1) A dinâmica do evento anual da ANPOCS pode dispersar temáticas e áreas de interesses por
vários grupos de trabalho ou seminários temáticos.
2) Os referenciais teóricos distribuídos por disciplinas das ciências sociais implicam no arranjo
dos GT's. Nas políticas públicas, as teorias trabalhadas são, em sua maioria, provenientes da ciência
política (federalismo, neoinstitucionalismo, etc), enquanto isto, quem trabalha com violência,
criminalidade e punição recorre com mais frequência a teorias sociológicas e antropológicas (teoria
das subculturas criminais; teoria do desvio; estruturalismo, cultura do controle do crime, etc).
4) A relação apontada no item anterior é menos uma questão de defasagem científica do que
uma divergência quanto ao conceito e às finalidades da política de segurança pública. Os recursos
mobilizados por uma abordagem multicêntrica abrem espaço para que se discuta o protagonismo da
política em questão, o que implica, dentre outras coisas, recepcionar os interesses de novos atores, a
exemplo das empresas privadas, sem que estejam muito claros em que termos, sob quais condições,
e menos ainda, quais os impactos desta recepção sobre a demanda por segurança e encarceramento.
Esta divergência se relaciona com o distanciamento verificado entre os GT's da ANPOCS
analisados.
14
5) No GT sobre violência, criminalidade e punição, os poucos trabalhos apresentados a partir
dos referenciais das politicas públicas reconhecem o distanciamento acima referido. No entanto,
suas próprias análises operam pela suspensão de questões específicas relacionadas à segurança e
encarceramento, tais como letalidade policial, autoritatismo e racismo. Assim, ao mesmo tempo em
que procuram assimilar a segurança pública aos marcos das políticas públicas, encontram
dificuldades em fazê-lo a partir dos principais problemas e caracterizações apontados pela
bibliografia especializada em segurança, criminalidade, controle do crime, etc.
6) Este distanciamento, nas ciências sociais, não favorece a produção de pesquisas sobre gestão
privada do encarceramento, posto que os processos de formulação, negociação e implementação
deste modelo, não raro, como já se pode encontrar em outras áreas do conhecimento, utilizam
referenciais teóricos das políticas públicas para redefinir os limites do protagonismo estatal neste
âmbito. Portanto, indepentende de ratificar, criticar ou rejeitar o modelo, analisá-lo passa a ser
fundamental para quem pesquisa segurança e encarceramento, áreas com forte tradição de
abordagens state-centered.
Tais considerações possuem caráter preliminar e incipiente, uma vez que, como apontado de
início, outras variáveis relevantes não foram consideradas neste momento. Porém, ao selecionar as
disciplinas que fornecem os principais referenciais téoricas e as temáticas mais abordadas, tanto no
GT de Políticas Públicas, quanto no GT sobre violência, criminalidade e punição no Brasil, buscou-
se responder, de forma prioritária, a questionamentos sobre a localização do doutorado em curso no
âmbito das ciências sociais.
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Ao elaborar os contornos gerais deste mapa sobre as pesquisas que abordam segurança pública e
encarcemento surgiram, portanto, para o doutorado em curso, questões que a princípio não haviam
sido levantadas. A primeira delas é em que medida é possível falar de política pública de segurança
sem superar os problemas da própria definição e dos limites do que se chama segurança pública. A
segunda, por sua vez, são as implicações de uma concepção de segurança pública state-centered
sobre os problemas frequentemente apontados (racismo, letalidade policial, seletividade penal, etc)
pelos pesquisadores ligados a esta tradição. E a terceira é como localizar e analisar a incursão de
gestores privados do encarceramento nas rupturas e continuidades entre a segurança pública como
segurança do Estado (ou ordem pública) e a política pública de segurança como segurança dos
cidadãos. Considera-se, por fim, que é necessário superar o distanciamento apontado neste estudo,
menos no sentido de se filiar a qualquer paradigma posto, e mais como forma reunir as
contribuições existentes, de ambos os lados, para avançar em novas formulações capazes de
responder às questões colocadas pelas novas práticas de segurança pública e encarceramento, agora,
também agenciadas pelo setor privado.
BIBLIOGRAFIA
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ANEXO I
1 2011 Discurso antidrogas e biopoder: a constituição do homo sacer André Saldanha Costa
como forma punitiva
3 2011 Controle disciplinar e relações de poder nas prisões em São Fernando Salla; Camila Nunes
Paulo
19
Fronteiras da Sanidade: “Periculosidade” e “Risco” na
9 2011 articulação dos discursos psiquiátrico forense e Francis Moraes de Almeida
jurídico no Instituto Psiquiátrico Forense Maurício
Cardoso de 1925 a 2003
10 2011 Políticas Públicas e a área da segurança no Brasil. Debate em Luís Antônio Francisco de Souza
torno de um novo paradigma
“Quem quer manter a ordem, quem quer criar desordem”: Luiz Claudio Lourenço; Odilza
13 2011 dinâmicas das gangues prisionais no estado da Lines de Almeida
Bahia
16 2012 As dinâmicas das fronteiras e os jovens vítimas de homicídios Eric Gustavo Cardin
no município de Foz do Iguaçu/PR (2001-2010)
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Jacqueline Sinhoretto; Giane
18 2012 Dinâmicas sociais do encarceramento em massa em São Silvestre; Felipe Athayde Lins de
Paulo Melo
19 2012 Disciplina, controle social e punição: o entrecruzamento das Camila Caldeira Nunes Dias
múltiplas redes de poder no espaço prisional
20 2012 Drogas e mecanismos de segurança em São Paulo (2004- Marcelo da Silveira Campos
2009)
24 2012 Novas dimensões da militarização da segurança pública no Luís Antônio Francisco de Souza
Brasil
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Drogas e sociedade carcerária no sistema prisional baiano:
Um estudo das condições para implantação do Herbert Toledo Martins;
28 2014
programa de redução de danos na Colônia Penal de Franklin da Silva Peixinho
Simões Filho – Bahia
32 2014 Pela metade: as representações sociais dos parlamentos sobre Marcelo da Silveira Campos
o uso e comércio de drogas na lei 11.343 de 2006
34 2014 Vidas em Jogo: Um Estudo sobre mulheres envolvidas com o Sinita Soares Helpes
tráfico de drogas
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37 2015 A inversão da ordem na vida policial: sociabilidade prisional Antônio Marcos Sousa Silva
e práticas ilegais
Democratização do Sistema de Justiça Criminal (SJC)? Uma Tacyana Karoline Araújo Lopes;
38 2015 análise da participação feminina no crime de tráfico Ludmila M. L. Ribeiro
de drogas em Montes Claros (MG).
Discutindo elementos para a definição e a atuação de Camila Nunes Dias; Luiz Claudio
39 2015 coletivos de internos do sistema prisional de São Lourenço
Paulo e da Bahia (1995-2015)
Excesso de prisão provisória no Brasil: um estudo empírico Rogerio Dultra Santos; Douglas
40 2015 sobre a duração da prisão nos crimes de furto, roubo Guimarães Leite
e tráfico
Jovens em conflito com a Lei e a maioridade penal: uma Izaura Rodrigues Nascimento; José
41 2015 reflexão sobre o Amazonas Vicente de Souza Aguiar
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