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10 • O PAÍS O GLOBO Segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

EDUCAÇÃO
O que a Finlândia pode ensinar ao mundo
Receita de sucesso do país, terceiro colocado no ranking do Pisa, é valorização do professor e do ambiente escolar
ENTREVISTA No ranking do Pisa (Pro- reia do Sul. No lugar de toneladas de exercícios e de world learn from educational change in Finland?” (em
grama Internacional de um ritmo frenético de estudo, na Finlândia, há pouco uma tradução livre, Lições finlandesas: o que o mun-
Pasi Sahlberg
Avaliação de Alunos) dever de casa, e a maior preocupação é com a qualida- do pode aprender com a mudança educacional na Fin-
2009, aplicado em 65 países pela Organização para Co- de dos professores e dos ambientes de aprendizado. lândia?), Pasi Sahlberg, diretor de um centro de estu-
operação e Desenvolvimento Econômico, a Finlândia Não há avaliações periódicas padronizadas de alunos dos vinculado ao Ministério da Educação do país, diz
alcançou o 3+ lugar. O país chama a atenção não só pe- e docentes, que não recebem remuneração por de- que o magistério é a carreira mais popular entre os jo-
los bons resultados, mas por apresentar um modelo sempenho. E todo o sistema escolar é financiado pelo vens e que a transformação no Brasil deve começar
diferente dos outros líderes do ranking, China e Co- Estado. Em seu livro, “Finnish lessons: what can the pela igualdade de acesso a um ensino de qualidade.

Divulgação


Leonardo Cazes
leonardo.cazes@oglobo.com.br

l O GLOBO: A Finlândia ocu-


pa a 3+ posição no ranking
do Pisa (Programa Internaci-
onal de Avaliação de Alu-
As crianças devem
nos), entre 65 países avalia- ser vistas como
dos pelo exame da Organi-
zação para a Cooperação e indivíduos que
Desenvolvimento Econômi- têm diferentes
co (OCDE). No entanto, nem
sempre foi assim. Quando necessidades. Ensinar
começou a transformação
na educação finlandesa? deve ser uma profissão
PASI SAHLBERG: A grande inspiradora.
transformação do sistema edu-
cacional finlandês começou no
início da década de 1970, quan-
do foi criado o sistema de ensi- A lógica de testar
no obrigatório de nove anos.
Todas as crianças do país pas-
estudantes e professores
saram a estudar em escolas pú- aumentou o tédio nas
blicas parecidas e de acordo
com o mesmo currículo nacio- salas de aula.
nal. O principal objetivo desse
modelo era igualar a oportuni-
dade de acesso a uma educa- O magistério é uma das
ção de qualidade e aumentar o
nível educacional da popula- profissões mais
ção. Assim, a reforma educacio- populares entre os
nal não foi guiada pelo sucesso
escolar e, sim, pela democrati- jovens finlandeses.
zação do acesso a escolas de
qualidade. Esse movimento Pasi Sahlberg
continuou nos anos 90, com a PASI SAHLBERG, finlandês especialista em educação, defende que reformas educacionais nos países não podem ser guiadas pelo mercado
necessidade de Olivier Morin/AFP
uma população terminam o ensino
mais preparada pa-
ra o mercado de
trabalho.
médio tem a car-
reira como primei-
ra opção. Há dez
n
a ABrasil
situação do
no Pisa
vezes mais candi- O Programa Internacional de
l Quais foram as datos para progra- Avaliação de Alunos (Pisa) é hoje
bases da revolu- mas de formação o principal exame de avaliação
ção educacional de docentes para da qualidade da educação no
finlandesa? Quais educação infantil mundo. As provas são aplicadas
são seus pontos do que vagas nas a cada três anos, desde 2000. Os
fortes? universidades. A resultados de 2009, sua última
SAHLBERG: O Finlândia tem o edição, mostraram o Brasil em
compromisso da privilégio de poder uma situação delicada: no 53, lu-
sociedade finlan- controlar a quali- gar entre 65 países.
desa pela igualda- dade dos professo- Com 401 pontos (em uma esca-
de de acesso a uma res na entrada e la que vai até 800), o país ficou
educação de quali- depois garantir bem abaixo da média dos países
dade foi decisivo. que só os melho- da OCDE (496) e atrás de Trini-
A Finlândia com res e mais compro- dad e Tobago, Bulgária, México
seus 5 milhões de metidos serão e Turquia. Contudo, o resulta-
habitantes não po- aceitos nessa pro- do, mesmo negativo, represen-
de perder nenhum fissão nobre. tou uma evolução significativa.
jovem. Todos pre- Em relação a 2006 o Brasil su-
cisam ter uma edu- l A inclusão das no- biu 33 pontos, uma melhora
cação de qualida- vas tecnologias nas que só foi menor do que as de
de. Os pontos for- salas de aula vem Chile e Luxemburgo. Em 2000,
tes do sistema fin- sendo muito deba- o país amargou a lanterna na
landês são o foco tida. Como você vê classificação, que na época in-
nas escolas, para esse processo? Co- cluía apenas 45 nações.
que elas possam mo isso é feito na O Pisa avalia três áreas do conhe-
ajudar as crianças Finlândia? cimento: leitura, matemática e
a ter sucesso; edu- SAHLBERG: Tec- ciências. Os resultados são clas-
cação primária de nologia é parte sificados em seis níveis, sendo 1
alta qualidade, que das nossas vidas e o pior e 6 o melhor. Em leitura,
dê uma base sólida SALA DE AULA na Finlândia: país alcançou o terceiro lugar no Pisa 2009, fruto de uma reforma iniciada há mais de 40 anos é usada nas esco- apenas 0,1% dos estudantes al-
para as etapas se- las finlandesas. cançaram o nível 6, enquanto em
guintes do aprendizado; e a nhuma fórmula mágica nem um com a experiência finlandesa, finlandês. Como prepará-los Professores na Finlândia ciências nenhum estudante al-
formação de professores em milagre secreto na educação não reproduzir. Primeiro, a bem? Um salário atrativo é im- usam tecnologia para ensi- cançou esse nível. Em matemáti-
universidades de ponta, que finlandesa. O que fizemos me- experiência da Finlândia mos- portante? nar de maneiras muito dife- ca, o resultado brasileiro, 386
tornaram a profissão uma das lhor do que outros países foi en- trou que é possível construir SAHLBERG: Professores são rentes. Alguns, a utilizam pontos, ficou abaixo até da meta
mais populares entre os jo- tender qual é a essência do bom um modelo alternativo àquele profissionais de alto nível, co- muito e outros raramente. estabelecida pelo Ministério da
vens finlandeses. ensino e do bom aprendizado. que predomina nos Estados mo médicos ou economistas. Aqui a tecnologia é uma fer- Educação (MEC), de 395.
As crianças devem ser vistas Unidos, na Inglaterra e em ou- Eles precisam de uma sólida ramenta, mas o foco conti- Entre os estados brasileiros, o
l No Brasil, muitas políticas como indivíduos que têm dife- tros países. Mostramos aqui formação teórica e treinamen- nua sendo na pedagogia en- melhor resultado foi do Distrito
públicas sofrem com a falta de rentes necessidades e interes- que reformas guiadas pelo to prático. Em todos os siste- tre pessoas, sem tecnologia. Federal, com média geral de
continuidade. Isso acontece ses na escola. Ensinar deve ser mercado, com foco em com- mas educacionais de sucesso, A tecnologia não deve guiar o 439 pontos, seguido por Santa
na Finlândia? O que fazer pa- uma profissão inspiradora com petição e privatizações não professores são formados em desenvolvimento educacio- Catarina (428), Rio Grande do
ra garantir a continuidade? um grande propósito de fazer a são a melhor maneira de me- universidades de excelência e nal e, sim, ser uma ferramen- Sul (424), Minas Gerais (422)
SAHLBERG: A Finlândia man- diferença na vida dos jovens. In- lhorar a qualidade e a equida- possuem mestrado. O salário ta como várias outras. e Paraná (417).
teve uma política pública está- felizmente, esses princípios bá- de na educação. Segundo, é dos professores deve estar no Já a Finlândia atingiu a marca
vel desde a década de 70. Dife- sicos deram lugar a políticas re- importante focar no bem-es- mesmo patamar de outras pro- l Retomando o título do seu li- de 536 pontos em leitura, 541
rentes governos nunca toca- gidas pelo mercado em vários tar das crianças e no aprendi- fissões com o mesmo nível de vro, quais são, afinal, as prin- em matemática e 554 em ciên-
ram nos princípios que nortea- países. Essa lógica de testar es- zado da primeira infância. Só formação no mercado de tra- cipais lições do sistema de cias, com uma média geral de
ram a reforma, apenas fizeram tudantes e professores direcio- saudáveis e felizes elas apren- balho. Também é importante educação finlandês? 543 pontos.
um ajuste fino em alguns pon- nou os currículos e aumentou o derão bem. Terceiro, a Finlân- que professores tenham um SAHLBERG: A mais importan- Entre os dez países mais bem co-
tos. Essa ideia de uma escola tédio em milhões de salas de dia mostrou que igualdade de plano de carreira, com pers- te das lições é que há uma al- locados no ranking, cinco são asi-
pública de qualidade para to- aula. A fórmula para uma refor- oportunidades também pro- pectivas de crescimento e de- ternativa para se chegar ao áticos (China, Coreia do Sul, Cin-
dos os finlandeses foi um con- ma da educação em muitos paí- duz um aumento na qualidade senvolvimento. sucesso prometido por refor- gapura, Japão e Hong Kong),
senso nacional construído ses é parar de fazer essas coisas do aprendizado. É preciso que mas guiadas pelo mercado. A dois ficam na Oceania (Austrália
desde a Segunda Guerra Mun- sem sentido e entender o que é o Brasil combata essa desi- l No Brasil, poucos jovens são Finlândia é o antídoto a este e Nova Zelândia), um nas Améri-
dial. É o que no livro eu chamo importante na educação. gualdade de acesso. Só um atraídos pelo magistério. A movimento que impõe pro- cas (Canadá) e dois na Europa
de “sonho finlandês”. plano de longo prazo para a carreira atrai muitos jovens vas padronizadas, privatiza- (Finlândia e Holanda).
l O que foi feito na Finlândia e educação e compromisso po- na Finlândia? ção de escolas públicas e re- O Pisa é feito por amostragem é
l O mundo parece buscar uma que poderia ser reproduzido lítico possibilitarão que os re- SAHLBERG: O magistério é munera os professores com aplicado a estudantes de 15
fórmula mágica para a educa- em outros países em desenvol- sultados sejam alcançados. uma das profissões mais po- base em avaliações de de- anos, de escolas públicas e priva-
ção. Existe uma fórmula váli- vimento, como o Brasil? pulares entre os jovens fin- sempenho que se tornou típi- das. Em 2009, 20 mil alunos
da para todos? SAHLBERG: A pergunta deve l Os professores ocupam um landeses. Todo ano, cerca de co de diversos sistemas edu- brasileiros participaram.
SAHLBERG: Não, não existe ne- ser o que é possível aprender papel importante no sistema um a cada cinco alunos que cacionais pelo mundo.

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