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BOLCHEVIQUES: 1917-1921*
Dossiê
Resumo: este artigo lida com o problema da autonomia dos trabalhadores e sua relação
com os bolcheviques no processo da Revolução Russa, entre 1917 e 1921. Através do es-
tudo dos comitês de fábrica, da Oposição Operária e da Revolta de Kronstadt, este estudo
pretende demonstrar como a questão da autonomia foi tratada pelo Partido Bolchevique.
Os bolcheviques, através da repressão estatal e da implantação da gestão nas fábricas,
impediram a ideia do controle operário. Contribuíram para isso, as circunstâncias em
que se encontrava a sociedade russa no pós-guerra, com o descalabro econômico e a
eclosão da Guerra Civil, e também a maneira como o Partido encarava a questão da
organização da produção. Houve um distanciamento entre a vanguarda política e a base
de trabalhadores durante o processo revolucionário.
Abstract: this article deals with the problem of workers' autonomy and its relation with the
Bolsheviks in the Russian Revolution, between 1917 and 1921. Through the study of factory
committees, workers' opposition and the Kronstadt rebellion, this study aims to demonstrate
how the question of autonomy was handled by the Bolshevik Party. The Bolsheviks, by
State repression and the implementation of management in factories, prevented the idea
of workers' control. Contributed to it, the circumstances of Russian society in the postwar
period, with the economic debacle and the outbreak of the Civil War, and also the way the
party was facing the question of organization of production. There was a gap between the
avant-garde and political workers during the revolutionary process.
Comitês de fábrica
O controle operário, que seria o processo produtivo gerido pelos próprios produtores, foi ambi-
cionado pelos comitês de fábrica14. Estes tiveram um significativo desenvolvimento de luta no período
anterior à revolução, principalmente nos últimos meses antes de outubro de 1917.
Quando a produção industrial estava decaindo em meio aos primeiros meses do processo
revolucionário, os comitês tomaram a frente do processo produtivo, sem o que as empresas teriam
parado (MANDEL, 1977). O pensamento era o de que, se havia algo capaz de salvar a revolução de
sua derrota, isso consistia na intervenção do proletariado na vida econômica da Rússia.
Porém, na Rússia revolucionária teve lugar um processo através do qual os trabalhadores per-
deram gradativamente as possibilidades de exercer o controle operário. Desde abril de 1917, ainda
longe de conquistar o poder, Lenin preconizava o governo através do Soviete de Petrogrado. Assim,
Lenin defendia o controle de bancos e corporações através dos sovietes para que posteriormente tivesse
lugar a nacionalização dessas instituições (BRINTON, 1975).
Em maio de 1917, quando os comitês de fábrica passaram a controlar fábricas, houve uma
declaração de que os sovietes não apoiavam tal iniciativa (FERRO, 2004). A esta altura, os sovietes
estavam controlados pelos socialistas-revolucionários e mencheviques. Estes estavam envolvidos em
uma coligação com a burguesia, representada pelo Governo Provisório. Nesse ínterim, os bolchevi-
ques começaram a ganhar mais influência entre os trabalhadores, pois não haviam se imiscuído com
a burguesia (CARR, 1977).
No mesmo mês, Lenin passava a manifestar apoio aberto à ideia do controle operário. Lenin
exortava para a luta pela realização de uma república de trabalhadores e camponeses. Uma milícia
universal substituiria o exército permanente e a polícia, que seriam abolidos (BRINTON, 1975).
Através da “Primeira Conferência dos Comitês de Fábrica”, realizada no dia 30 de maio de
1917 , os bolcheviques assumiram a direção do “Soviete Central dos Comitês de Fábrica”. Foram
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A Oposição Operária
Surgida dos escalões mais baixos do Partido Bolchevique, a Oposição Operária teria como
um de seus motes a crítica à inserção crescente dos especialistas na economia soviética. Tal processo
se dava à medida em que a frente econômica se tornava mais premente do que a frente militar, devido
à gradual derrota das forças estrangeiras invasoras na guerra civil. O que se tornava patente era um
aumento desta camada de especialistas tanto na atividade política quanto na econômica (KOLLON-
TAI, 1977). A Oposição Operária reclamava pela introdução de novas modalidades de organização
do trabalho com vistas a uma maior efetividade para a produção e distribuição, aspecto esse que,
segundo Alexandra Kollontai, a nova camada de especialistas estranha ao comunismo não era capaz
de desenvolver.
Segundo Richard Pipes, os principais locais de suporte à Oposição Operária eram Samara, a
região do Donbass e os Urais. Seu líder, Alexander Shlyapnikov22, liderou a União dos Metalúrgicos.
Em outubro de 1917, dirigiu o Comissariado do Trabalho. Alexandra Kollontai era a teórica principal
do movimento. Ao mesmo tempo, surgia o Centralismo Democrático, que se opunha à burocratização
do partido e ao emprego dos “especialistas burgueses”, de modo semelhante à Oposição Operária. A
diferença entre a Oposição Operária e o Centralismo Democrático era que este primava pelo fortale-
cimento dos sovietes, enquanto aquela lutava pela autonomia dos sindicatos (PIPES, 1995).
A Revolta de Kronstadt
Kronstadt era uma fortaleza naval localizada no Golfo da Finlândia. No início de 1921, as gre-
ves de Petrogrado contestavam o Partido Bolchevique, ao lutar pelo restabelecimento dos mercados e
pela eliminação das guarnições militares nas estradas. O inverno de 1920-1921 fora devastador para
o recrudescimento das adversidades econômicas da Rússia. Tal emaranhado de problemas se tornou
o estopim para a Revolta de Kronstadt (ARVON, 1984).
No final de fevereiro de 1921, os marinheiros de Kronstadt faziam conhecer suas reivindicações
através de panfletos próximos dos subúrbios de Petrogrado. Em suas memórias, Victor Serge elenca
algumas delas. Entre os pedidos dos marinheiros estavam: a reeleição dos sovietes por voto secreto;
o pedido para que todos os partidos revolucionários tivessem liberdade de expressão e de imprensa;
total liberdade para os sindicatos; exigia-se a libertação de todos os prisioneiros políticos revolucio-
nários; que a propaganda oficial fosse extinguida; que os camponeses não tivessem mais que ceder
à entrega forçada de víveres; que o artesanato tivesse liberdade; que os destacamentos de portagem
fossem eliminados, pois proibiam o livre abastecimento da população. Ao fim, anunciava-se que o
Notas
1 Do russo рабочий контроль, transliterado como rabochiy kontrol’, traduzido para o inglês como workers’
control e para o português como “controle operário”.
2 7 de novembro no calendário gregoriano. Na Rússia ainda se utilizava o calendário juliano, por isso o dia
25 de outubro.
3 Do russo советский, transliterado como sovetskiy, traduzido para o inglês como soviet e para o português
como soviete, equivalente a conselho.
4 Atual São Petersburgo.
5 Do russo Кронштадт, transliterado como Kronshtadt.
6 O bolchevismo surgiu da cisão na socialdemocracia russa em 1903, ao mesmo tempo que o menchevismo.
Do russo большевистский, transliterado como bol’shevistskiy, que em inglês se translitera em bolshevik e
em português bolchevique, que significa “maioria”, enquanto меньшевик se translitera como men’shevik,
que em português se traduz como menchevique, que significa “minoria”, devido à divisão do comitê central
em relação à ideia de Lênin de que o partido deveria se tornar uma elite de revolucionários profissionais. A
maioria do comitê decidiu apoiar Lênin.
7 Socialista internacional, economista e teórica alemã-polonesa (1871-1919).
8 Vladimir Ilyitch Ulianov (1870-1924), revolucionário desde a década de 80 do século XIX, jornalista, orga-
nizador, teórico e socialista internacional. Líder dos bolcheviques. Chefe do Sovnarkom (Sovet Narodnykh
Kommissarov), o Conselho dos Comissários do Povo e Líder do Estado soviético até ser incapacitado por
derrame em 1922.
9 A invasão das potências estrangeiras coligadas contra a revolução a partir da metade de 1918, também
conhecida como Guerra Civil.
10 Karl Heinrich Marx (1818-1883), economista socialista, sociólogo e filósofo alemão.
11 Foi sobre o surgimento do capitalismo que se deu o famoso debate entre Paul Sweezy e Maurice Dobb, onde
o segundo defende o mesmo ponto de vista mencionado no texto.
12 Aleksandra Mikhaylovna Kollontai (1872-1952), revolucionária desde a década de 90 do século XIX, social-
democrata.
13 Do russo рабочей оппозиции.
14 Do russo фабзавкомы, transliterado como fabzavkomy, traduzido para o inglês como factory committees
e para o português como “comitês de fábrica”.
15 Relatada por Anna Pankratova em um texto chamado “Los Comitês de Fábrica en Rusia en la Época de la
Revolución”, publicado postumamente, em 1967, presente na antologia de Ernest Mandel, Control Obrero,
Consejos obreiros, Autogestión.
16 Grigoriy Evseevich Zinoviev (1883-1936), socialdemocrata desde 1901 e bolchevique desde 1903.
17 Vladimir Pavlovich Milyutin (1884-1937), economista e ativista político.
18 Incluído também na antologia de Mandel.
19 “Socialismo entre comillas”, texto incluído como anexo no livro Kronstadt 1921, de Paul Avrich, na versão
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