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O QUE PODE SER CONHECER HOJE EM DIA, NA ATUALIDADE?

COMO FALAR COM PROPRIEDADE DE NOSSOS OBJETOS DE ESTUDO E DE PESQUISA?


Laura Soares Maffei

Para falar sobre o conceito de “conhecer” hoje em dia, iniciarei buscando o


entendimento da palavra do ponto de vista etimológico, vinda do latim,
conhocer, cognōsco,is,ōvi,ĭtum,cognoscĕre que significa: 'aprender a conhecer,
procurar saber, reconhecer'. As definições de significado na língua portuguesa
perpassam todas por “perceber e incorporar à memória (algo), ou ainda ficar
sabendo”.
Platão, ao discorrer sobre suas teorias, nos ofereceu uma divisão de mundo
que propunha um Mundo Sensível e um Mundo Inteligível. No primeiro estaria tudo
o que vemos, temos, somos imersos num período de tempo que corre à revelia de
nosso controle. Sendo assim pressupunha que nada é exatamente igual, sendo,
portanto, impossível replicarmos as coisas. No Mundo Inteligível estão as coisas que
foram legitimadas, aquelas que são as ideais, que são os modelos devidamente
reconhecidos como tal. Dito isto, vale ressaltar que só podemos nos referir a este
nosso mundo, se aceitarmos uma mediação com o Mundo Inteligível. É como se
armazenássemos um modelo ideal de tudo, uma vez que no Mundo Sensível em
que vivemos imersos no tempo como estamos, tudo se transforma e sofre ações
temporais, estando tudo portanto sendo modificado a cada segundo para nunca
mais tornar a ser o que foi.
Ao longo da história da humanidade três momentos nos remetem a
diferentes percepções do entendimento do ato de “conhecer” algo. Num
primeiro momento, o da TRADIÇÃO, considerava a razão teológica, ou seja, Deus
como o centro de todas as respostas e nos impelia a crer na verdade e sentido
das coisas como algo único, absoluto. Que uma vez desvelados, conservar-se-iam
desta forma definitivamente. O segundo momento, vivido pela MODERNIDADE, foi
marcado pela transição entre a razão teológica e a humana, o homem passou a
ser considerado o sujeito do conhecimento e a verdade e o sentido permaneciam
plenos, últimos, reforçando o caráter absoluto vivido no momento anterior.
Fato é que a Revolução Científica iniciada no século XVI provocou
metamorfoses nas bases do conhecimento. Revelou entre este século e o século
XVIII sucessivas provas incontestáveis de incertezas sobre verdades que até então
eram consideradas absolutas ao olhar teocêntrico, trazendo luz a um novo tipo de
entendimento centrado no conhecimento científico produzido pelo homem que
nessa condição galgou sua posição de sujeito do conhecimento. O ego do
homem, ciente e tomador da consciência de ser o próprio sujeito do
conhecimento antecederam um momento de afundamento, de queda, onde a
ausência de verdade e sentido promovem uma sensação de esvaziamento.
Afinal, a busca da “verdade” fora desde sempre uma problemática que alicerçou
o pensamento humano. Desde os primeiros filósofos, até a contemporaneidade, os
questionamentos retroalimentam essa busca e concomitantemente, dão sentido a
ela.
Já o terceiro momento, designado PÓS-MODERNISMO, que podemos
considerar como sendo ainda o que vivemos, é um momento que reconhece o
sentido e a verdade como algo mutável, onde se percebe que nada é absoluto,
muito se tem de relativo em tudo o que nos cerca. No período pós-moderno, a
ânsia por pensar outras maneiras, outros modos de vida e novas maneiras de
conhecer favoreceram o niilismo, cinismo, ceticismo, relativismo. Parece
imprescindível uma releitura da ética, da estética, da política, precisamos nos
permitir adentrar essa seara considerando, como sugere Deleuze: “o mundo não é
verdadeiro nem falso, ele é vivo.” Ainda sob o prisma do olhar de Deleuze,
havemos de nos questionar se nós temos do pensamento a mesma imagem que
Platão, Descartes ou Kant. Sim, porque Kant, considerado o principal filósofo da Era
Moderna, em pleno século XVIII, perguntava-se sobre o que significaria orientar-se
no pensamento em seu tempo.
O Pós Modernismo tem como característica a ruptura com o rigor da filosofia e das
práticas do Modernismo, mas não abandonou totalmente seus princípios, uma vez
que faz referências a elementos e técnicas de estilos do passado, favorecendo a
liberdade formal, o ecletismo e a imaginação. Além da prevalência da
mentalidade relativista, a enorme troca de bens imateriais como informação e
serviços caracteriza o período atual. Embora o pensamento contemporâneo não
defenda totalidades e absolutismos, como valores universais e conhecimentos
imutáveis, o mundo atravessa literalmente uma crise com a ausência de valores e
sentido para a vida. Todavia, continua a mostrar-se cético sobre verdades
absolutas, não aceita ser subserviente a cultura elitista, pelo contrário, aprecia o
relativismo cultural, apoia o pluralismo, a descontinuidade e a heterogeneidade.

Pode-se entendê-lo como um movimento que “passou por uma profunda


mudança na estrutura do sentimento” como sugere David Harvey ao citar os
editores de PRECIS 6 (1987), ou por que não trazer outro trecho de sua obra onde
transcreve o que nomeia como uma “declaração mais cautelosa” de Huyssens
(1984):

“O que aparece num nível como o último modismo, promoção publicitária e


espetáculo vazio é parte de uma lenta transformação cultural emergente nas
sociedades ocidentais, uma mudança da sensibilidade para a qual o termo pós-
moderno” é na verdade, ao menos por agora, totalmente adequado. A natureza
e a profundidade dessa transformação são discutíveis, mas transformação ela é.
Não quero ser entendido erroneamente como se afirmasse haver uma mudança
global de paradigma nas ordens cultural, social e econômica; qualquer alegação
dessa natureza seria um exagero. Mas, num importante setor da nossa cultura, há
uma notável mutação na sensibilidade, nas práticas e nas formações discursivas
que distingue um conjunto pós-moderno de pressupostos, experiências e
proposições do de um período precedente.”

Cabe trazer aqui, a título de enriquecer o trabalho, a definição de Pós-


modernidade atribuída a Eagleton T; em sua obra as Ilusões do Pós modernismo,
nela ele sugere que: “é uma linha de pensamento que questiona as noções
clássicas de verdade, razão, identidade e objetividade, a ideia de progresso ou
emancipação universal, os sistemas únicos, as grandes narrativas ou os
fundamentos definitivos de explicação. Contrariando essas normas do iluminismo,
vê o mundo como contingente, gratuito, diverso, instável, imprevisível, um
conjunto de culturas ou interpretações desunificadas gerando um certo grau de
ceticismo em relação à objetividade da verdade, da história e das normas, em
relação às idiossincrasias e a coerência de identidades.”

Tanto no primeiro quando no segundo trecho ora transcrito, fica


incontestável a percepção que se pode ter ao olhar de forma analítica e crítica o
momento que vivemos. Havemos então de aproveitar a amplitude e abrangência
de reconhecimentos desse movimento, como oportunidade de legitimar novas
maneiras de pensar e agir, que nos desvinculem dos pressupostos anteriormente
utilizados, trazendo apenas aquilo que nos for viável e proveitoso.

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