Você está na página 1de 13

AULA 1

EPISTEMOLOGIA DA HISTÓRIA

Prof. Emílio Sarde Neto


CONVERSA INICIAL

Entendemos o significado do termo história dependendo do contexto em


que se encontra. Por exemplo, em grego significa “investigação”. Na atualidade,
a explicação mais plausível para esse conceito, no âmbito profissional, é de ser a
ciência que têm como objeto estudar o passado, mediante investigação de fontes
orais, fontes escritas, objetos e arquiteturas do passado.

TEMA 1 – A IMPORTÂNCIA DA TRADIÇÃO ORAL E DA NARRATIVA PARA O


APARECIMENTO DA HISTÓRIA

Por meio da oralidade, os conhecimentos foram transmitidos no transcorrer


da história. A tradição oral é a passagem dos saberes por meio da palavra, esta
foi durante milhares de anos a única maneira de conservar a identidade e a cultura
dos povos. Na atualidade, é a principal forma de comunicação de valores
tradicionais dentre os povos ágrafos e ainda segue sendo de grande importância
para outras comunidades que mantém essa tradição específica.
Sua utilização pode ser encontrada em vários ritos religiosos, nas músicas
cantadas nas festas, nas lendas e histórias dos ancestrais, entre outras
manifestações da cultura. Assim, a tradição oral segue sendo o único modo de
evitar que antigos conhecimentos populares se percam. Esses antigos saberes
são transmitidos de pais para filhos, dos mestres aos seus discípulos, dos mais
velhos aos mais jovens.
Desde o momento em que o ser humano adquiriu sua complexidade
cultural, com a organização de signos próprios da cultura, os narradores estiveram
presentes, precedendo a escrita, na comunicação oral dos conhecimentos, e
mesmo depois do aparecimento do sistema de signos gráficos, caracterizada
como “luxo” de poucos, os contadores seguiam em cantos e prosa, sendo os
grandes propagadores dos saberes.
A narrativa oral continua sendo fundamental para a continuidade ancestral,
pois os seres humanos possuem histórias que são contadas e transmitidas, que
reafirmam identidades coletivas, gerando nos que escutam mundos e imagens,
causando emoções diversas.
A soma de cada história contada permite encontrar-se no tempo em relação
ao passado e ao futuro, por isso, embora tão ligados ao mundo real, antes do

2
aparecimento da escritura, e com ela a história, os feitos do passado se coletavam
nas lendas. A transmissão oral de histórias e tradições tinha uma característica
muito importante, que permitia vencer o paço do tempo e esquecimento com a
repetição.

TEMA 2 – A HISTÓRIA EM HOMERO

Os poetas épicos, logógrafos, em seus contos, remontam uma compilação


de muitos séculos de história, transmitidos em prosa para as gerações seguintes.
O mais famoso deles teria sido Homero (VIII a.C.), autor dos dois grandes poemas
épicos da antiga Grécia, Ilíada e Odisseia. No mundo grego, Homero foi imitado,
admirado, citado por todos os poetas, filósofos e artistas gregos.
Homero nos introduz num mundo muito especial reservado aos heróis, um
mundo em que os sentimentos básicos do ser humano (amor, amizade, ódio,
coragem, vingança, honra, dor, fidelidade, traição etc.), seriam recém-criados em
razão da tranquilidade e da grandeza de cada personagem nos seus dois grandes
poemas.
Em mais de quinze mil versos, Homero retrata na Ilíada a cólera de um
herói, Aquiles, e as consequências que advêm no décimo ano de contenda entre
gregos, aqueus e troianos. Os personagens que povoam os vinte e quatro cantos,
ou rapsódias, da Ilíada, constituem modelos literários e humanos inigualáveis.
Além da Ilíada, Homero também compôs a Odisseia, mais breve e
cronologicamente posterior e diferente em sua essência, possui mais relato, uma
novela puramente de aventuras que de epopeia. Ela nos conta as peripécias de
um herói grego que combateu em Troia, chamado Ulisses ou Odisseu, no retorno
à sua casa na Ilha de Ítaca.
De Homero pouca coisa se sabe; da mesma maneira, os antigos também
o ignoravam e nos legaram as vidas dele, biografias noveladas repletas de
detalhes falsamente precisos. Não é fácil determinar quem são os pais de Homero
ou qual foi sua pátria. Dentre os comentaristas e estudiosos, cada um formula uma
hipótese diferente: uns afirmam que nasceu em Colofón; outros, em Quios; outros,
em Esmirna, entre outras cidades.
Homero era considerado um cosmopolita. Os que o consideram natural de
Esmirna dizem que seu pai se chamava Meon e que nasceu nas margens do rio
Meles, que foi entregue como refém aos habitantes de Quios, e por eles chamado

3
de Homero. Outros asseguram que seu nome advém de uma cegueira, pois a
palavra “cego”, entre os antigos heólios, se traduzia como homeróe.
Antigos estudiosos gregos atribuíam sua linhagem a heróis míticos e
fabulosos, como o cantor Orfeu. Ainda, Geogeas de Leontinos atribui sua origem
ao poeta grego Museu. Sobre sua morte, é narrada a história da sua visita ao
oráculo sobre sua segurança pessoal; na resposta lhe foi revelado que na Ilha de
Íos, pátria da sua mãe, repousaria seu corpo.
A escola de Aristarco estima que Homero fosse contemporâneo à
colonização da Jônia, sessenta anos posterior ao regresso dos heráclidas
(descendentes de Hércules), época em que os dórios dominaram o Peloponeso,
oitenta anos posteriores a época troiana. Crates e seus discípulos situam o poeta
à mesma época da Guerra de Troia. Porém, todas essas versões são hipóteses,
visto que na atualidade sabemos que o século da sua existência foi o IX ou VIII
a.C.
Supõe-se que morreu como ancião, pois possuía um conhecimento
incomparavelmente preciso dos feitos, indicando uma idade bem avançada.
Conheceu grande parte do mundo da época, visto que suas obras revelam um
conhecimento direto dos lugares onde se realizam os acontecimentos dos seus
poemas. Possivelmente era rico, pois as viagens produziam muitos gastos,
principalmente em uma época em que as navegações eram muito perigosas,
pouco acessíveis e bastante escassas, e os homens não se misturavam
facilmente uns com os outros.
Os antigos lhes atribuem todos os poemas relacionados com o ciclo troiano
e alguns poemas festivos. No mundo grego, alguns eruditos menos inclinados às
simplificações, conhecidos como separatistas ou choristés (χωριστές),
consideravam homérica somente a Ilíada. Mas essas hipóteses foram sufocadas
pelos “unitaristas” de Aristarco e pela escola de Alexandria no século III a.C., que
atribuíam os dois poemas a Homero.
Mais tarde, aparece a conhecida “Questão Homérica”, um apego
exagerado à questão filológica. Nesse contexto, surgiu em 1795 a obra
Prolegomena ad Homerum, do filólogo alemão Friedrich August Wolf, que busca
colocar em xeque a autenticidade dos poemas homéricos, gerando durante todo
o século XIX a angustiante especulação sobre o tema. Para seus partidários, uma
equipe de poetas anônimos de épocas diversas havia colaborado na composição
da Ilíada e da Odisseia, conclusão devida ao grande número de interpolações e
4
adaptações, melhoras, repetições, remendos, adições e incoerências, entre
outros argumentos.
No século XX, voltou-se novamente para a forma unitária. Os analistas
admitem que algumas partes são mais antigas que outras quanto ao conteúdo e
à forma, mas mantém-se a exclusividade da Ilíada e da Odisseia. Homero não era
um homem de letras e sua obra circulou entre os rapsodos que recitavam seus
poemas, mas os filólogos separatistas especialistas em crítica textual do século
XIX ignoraram essas coisas tão evidentes.

TEMA 3 – A HISTÓRIA EM HERÓDOTO E TUCÍDIDES

Com o passar dos tempos, as narrativas advindas da tradição oral


ganharam distorções, muitas haviam se tornado fantasia, no entanto, se tornaram
de vital importância para se compreender o caminhar histórico das civilizações,
em que a realidade se confundia com o mito. Os gregos são, a grosso modo, os
criadores do termo História, utilizado para se referir aos que possuíam
conhecimento, sabedores, testemunho.
Com Heródoto de Halicarnasso (séc. V a.C.), as histórias tornam-se os
resultados dos conhecimentos das experiências adquiridas nas guerras gregas,
adquirem o sentido de descoberta das experiências humanas. Suas narrativas são
o resultado da realidade vivida, contudo, seus pensamentos estão muito ligados
à sua obra, que possui caráter dual, pois vinha de uma tradição de poetas
trovadores.
A importância das relações de Heródoto com outros pensadores da época
nos proporcionam um panorama da trajetória do conhecimento até a ciência
História como a conhecemos na atualidade. Dentre estes, estão os poetas do
estilo trágico, muito conhecidos, Esquilo, Sófocles e Eurípedes, que dão grande
importância para as obras que viriam de Heródoto, Os nove livros das Histórias,
narrados em prosa e considerados a primeira experiência de sistematização dos
feitos humanos.
Protágoras de Abdera, influenciado por Heródoto, foi um sofista que
transformou o sofisma num negócio, ensinando como obter êxito mundano.
Falava muito, com grandiloquência, para defender seus posicionamentos
imprecisos, na maioria das vezes falsos. Sua importância está na primeira

5
constituição de uma colônia, Túlios na Magna Grécia, considerado o primeiro lugar
onde existiu uma educação pública obrigatória.
Anaxágoras, um dos filósofos pré-socráticos mais importantes de Atenas,
também sofreu a influência de Heródoto. Com ele, se inicia um método que
podemos considerar mais científico para a investigação da natureza. Dentre suas
contribuições está a tentativa de explicar o arco-íris; afirmava que a Lua procedia
da Terra, sendo perseguido e exilado, tendo sua liberdade de conhecimento e
opiniões limitados.
Hipódamo de Mileto, filósofo e considerado o primeiro planejador urbanista,
foi responsável pela construção do Porto de Pireu e pelo planejamento de Túlios.
Para entendermos importantes aspectos das experiências de Heródoto: uma
etapa desse processo foi a cidade-Estado de Halicarnasso e seus arredores, sua
segunda viagem chegou até a Babilônia dos persas, também visitou o Egito de
norte a sul, até a ilha de Elefantina no rio Nilo. Também viajou pelo Leste Europeu,
sendo considerado, de modo genérico, o primeiro “turista” da história, visto que
andou pelo mundo narrando suas experiências.
Sua grande contribuição foi a obra Os nove livros das Histórias. Sendo sua
divisão em nove realizada posteriormente por outros estudiosos, esse conjunto de
experiências trata fundamentalmente dos enfrentamentos entre o Ocidente e o
Oriente, Grécia e Pérsia, sendo os seis primeiros livros dedicados à descrição dos
povos e dos lugares por que passava; os três outros livros relatam as Guerras
Médicas.
Os gregos davam mais importância aos medos. Heródoto descreveu os
combates dos 300 de Esparta, entre outros eventos, que ficaram muito bem
registrados pelo historiador, como a Batalha do Cabo Artemísio, de Salamina, de
Maratona, entre outras.
A metodologia de Heródoto, como ele se expressa, suas ferramentas, são
sobretudo galgadas na observação das suas viagens. Tudo era registrado,
pessoas, costumes, plantas, animais, cidades, geografia, tudo que ele julgava
interessante, sendo de relevância fundamental os testemunhos orais. Para ele,
existe uma responsabilidade humana dos feitos e causalidade divina.
Tucídides já era adulto quando morreu Heródoto. Entre seus métodos, é
possível observar uma profunda diferença: viveu entre os anos cruciais para
evolução da cultura grega, em particular a ateniense, também anos de conflitos.

6
Um importante fator que distingue Tucídides de Heródoto é o influxo do
sofisma e das ciências físicas. Outro motivo determinante é a longa e controversa
passagem da civilização oral à uma época da escrita. Se Heródoto contava a
história, Tucídides a indagava, sua atitude é de tipo científica, com intenções de
identificar causas e efeitos operantes na história.
Tucídides se esforça para desvincular o mítico, e em sua obra propõe um
contrato ao leitor, afirmando a veracidade dos seus escritos. Não existe
intervenção dos deuses, tudo acontece em consequência da causa e efeito
humanos.
Ele narra a Guerra do Peloponeso, sendo sem dúvida o primeiro modelo
de história com pretensões epistemológicas perduráveis para as gerações futuras.
Foram os historiadores gregos que o substituíram como Políbio e Tácito,
preferindo o modo de Tucídides, pela sua pretensa imparcialidade, do que o
presumido parcial Heródoto.
Tucídides objetivou escrever para a posteridade, extraindo lições que
possuíssem validez universal, e logrou um relato exaustivo, metodologicamente
exaustivo e admirável de um pontual conflito, porquanto, mostra as limitações
teóricas da atividade narrativa da história.
A história da Guerra do Peloponeso está circunscrita no âmbito
sociocultural determinado por uma cosmovisão própria de uma época, por uma
corrente de pensamento, e marca uma filosofia do particular. Dentro do seu
projeto, percebe-se uma ideologia oligárquica, e sua crítica à democracia
ateniense, o distanciando muito da imparcialidade.
O objetivo da obra de Tucídides é duplicado em certo censo e é
especulativo: se, de um lado, deseja explicar a história da natureza humana, do
outro, tenta compreender o ser humano e suas ações graças à história. Ao indagar
a natureza do conflito entre Atenas e Esparta, ele distingue entre a causa
ocasional e a causa efetiva. Segundo o histórico, a razão da guerra foi um conflito
entre a Córcira e Corinto, mas as razões efetivas da hostilidade foi o grande
desenvolvimento ateniense e o temor resultante de Esparta. A obra de Tucídides
é de natureza tipicamente política e crê que a história se manifeste no próprio
âmbito político.

7
TEMA 4 – A HISTÓRIA EM POLÍBIO

A história no século II a.C. adquiri outro molde, distanciando-se mais ainda


dos fatos imprecisos advindos de fábulas e lendas. Políbio é colocado a par de
Tucídides e fala do seu método historiográfico com o declarado intento de
demonstrar como se deve operar uma história verdadeira.
Políbio faz seu o conceito de história magistral vitae (história como mestra
da vida), sustentando sua utilidade na formação do ser humano na capacidade de
prever os eventos futuros, sendo o seu método extremamente rigoroso. Segundo
ele, ocorre contar os eventos com o maior grau de veracidade possível, para
apresentar uma realidade objetiva e concentrar-se sobre os fatos políticos e
militares quase que contemporâneos.
De fato, fala-se em história pragmática, em que o histórico deve circundar
atentamente as fontes escritas e controlar pessoalmente os dados topográficos
viajando. O método deve restituir uma história universal, que ilumine as relações
de causa e efeito na história dos povos e apresente uma clara visão geral. O
historiador critica os tratos historiográficos em que se privilegia os fatos
etnográficos e a curiosidade antropológica em vez de expor cientificamente os
fatos que mudaram a história.
Políbio escreveu História, obra historiográfica organizada em 40 livros, dos
quais somente 5 chegou a completar. O tratado geral da obra descreve a rápida
ascensão de Roma no Mediterrâneo; os cinco primeiros livros oferecem um amplo
panorama sobre as importantes nações do século II a.C. Não é um relatório das
primeiras guerras púnicas nem uma organização cronológica de acontecimentos:
seu intento está em mostrar valores que estão encobertos.
Seu sexto livro é dedicado ao ordenamento político de Roma, à descrição
dos cargos públicos e de seus poderes. Elogia suas organizações, que, segundo
ele, deve seu sucesso ao sistema constitucional misto, que possui o melhor da
monarquia, da aristocracia e da democracia, que retarda sua inevitável
degeneração. Na verdade, segundo algumas teorias já expostas no passado,
como a platônica, depois seu discípulo Aristóteles, essas três formas de governo
são destinadas a corromper-se respectivamente em tirania, oligarquia, anarquia e
oclocracia com o domínio das massas. A constituição mista romana em particular
é a que pode melhor resistir a todas as outras.

8
O resto da obra é um tratado tipicamente historiográfico; o período
analisado é aquele que decorre de 264 e 146 a.C., que vem aprofundar sobre as
Guerras Macedônicas, os conflitos que levaram à destruição do império.
Políbio passou a considerar Roma sua pátria de adoção, e fez da sua
potência o objeto da sua obra historiográfica, podendo ser notado na sua história
a sincera admiração por Roma e como soube conquistar o Mediterrâneo em pouco
tempo. Nele é possível identificar as causas que levaram à hegemonia de Roma.
Confrontou o Império Romano com o Império Persa e o Macedônico, salientando
os defeitos desse último.
Emblemático na história de Políbio é o discurso de Cipião ante a destruição
de Cártago, quando o líder se redeu às lágrimas, afirmando que qualquer nação,
por mais potente que seja, cedo ou tarde vai ao encontro da ruína.

TEMA 5 – A HISTÓRIA NO MEDIEVO

No século III d.C., o Império Romano entra em plena decadência. Dentre


os acontecimentos mais relevantes que aceleraram a crise está a expansão do
cristianismo e as invasões bárbaras; para nosso ponto de vista, a revolução
cultural, filosófica, religiosa e fundamental. A religião que se formava do culto
judaico se fortaleceu até adquirir poder para modificar as bases que sustentavam
a cultura e as civilizações antigas. O cristianismo pretendeu ser a solução de todos
os problemas advindos dos seres humanos antigos.
O cristianismo impôs uma nova visão de mundo e enriqueceu a história,
pois atribuiu a ela uma visão filosófica, que até então estava confinada à tradição
greco-romana. A nova religião caracterizava-se por ser uma religião histórica,
sendo os livros sagrados – Bíblia – baseados na sucessão cronológica de
acontecimentos.
A Patrística compreende o período cultural do cristianismo dos três
primeiros séculos. A história se apresentou nos primeiros tempos cristãos como
um conhecimento praticamente impossível dentro da nova religião. A concepção
de um sistema cronológico no qual se combinassem todas as histórias conhecidas
e a defesa da autonomia da história ante a nova doutrina se deve a Eusébio de
Cesaréia (263-339 d.C.), pai da Igreja, que escreveu em grego os Cânones
Cronológicos e Epítome da História dos Gregos e dos Bárbaros. Nessa obra, ele
substituiu a cronologia baseada na história de Roma e adotou uma cronologia

9
baseada na Bíblia; também escreveu História Eclesiástica e deixou várias obras
históricas, bem como um panegírico à piedade do imperador Constantino.
Foi conselheiro do Imperador Constantino (272-337 d.C.), e o concílio de
Nicéia foi presidido pelo próprio imperador no ano de 325, em que o cristianismo
passou da época das perseguições para consolidação das suas forças. As
crônicas de Eusébio contêm um resumo da história profana e quadros que
mostram paralelamente feitos profanos e religiosos, servindo de modelo durante
toda a Idade Média. A história eclesiástica, que se ocupa da história da Igreja
desde Cristo até Constantino, precedeu uma introdução no livro I, que expõe
precedentes no Antigo Testamento; a importância esteve em separar a história da
teologia, ele mesmo se dá conta da novidade do seu trabalho.
Sendo ele o primeiro a trabalhar o assunto, tentou avançar por um novo
caminho, esperando e desejando que todos acompanhem o mesmo Deus,
parecendo haver empreendido seu trabalho impulsando certamente a
autenticidade de Deus-Homem. Justificou seu interesse pelo passado
argumentando que tudo está preparado em função da redenção.
Outro grande nome desse período foi o bispo Agostinho de Hipona (354-
430 d.C), que traçou uma verdadeira linha divisória entre os mundos e contribuiu
notavelmente para a construção orgânica da religião cristã. Escreveu Cidade de
Deus, obra constituída de 22 livros; nos 10 primeiros, rebate a acusação dos
pagãos romanos contra os cristãos, que responsabilizam estes pelos desastres
do império. Ele afirma que Roma já havia sofrido numerosas calamidades antes
da vinda de Cristo, reflexos da vontade divina, sendo a história inteira determinada
pela providência.
Os últimos 12 livros abarcam a parte histórica desde a criação até os fins
dos tempos. Destes, os quatro primeiros explicam as origens das cidades no céu
e na terra: primeiro, no céu, com a rebelião dos anjos; depois, com o assassinato
perpetrado por Cain, origina-se uma cidade na terra. São, portanto, duas cidades
opostas. Narra episódios bíblicos dando ênfase em algumas passagens como o
Dilúvio, o cativeiro na Babilônia. Para ele, com Cristo haverá a redenção de toda
a humanidade, sendo esta convertida em um jogo de equilíbrio.
O domínio da religião cristã produziu uma sujeição da cultura clássica
greco-romana. O Império Romano do Ocidente sofreu sucessivos ataques de
invasores germânicos no início do século V. Roma, a capital do Império, capitulou,
sendo esse episódio o marco inicial para o período medieval. A única instituição
10
que resistiu à invasão foi a Igreja Católica Apostólica Romana. O Império do
Oriente foi o que mais sofreu a influência da cultura grega e resistiu às invasões
das tribos bárbaras.
A Idade Média (séculos de V a XV) possuía como característica a convicção
profunda de que a única realidade autêntica é Deus. O cristianismo incorporou
muitas ideias ecléticas. A primeira era a afirmação de um Deus todo-poderoso,
que assinala uma finalidade aos seres humanos, criados por Deus, em um modelo
especial, à sua imagem e semelhança, criatura sui generes, ao contrário do
conceito grego de ser humano como imagem.
O cristão acredita em um privilégio da liberdade que o separa dos animais.
Ele é autônomo, se diferenciando do homem antigo que buscava o ser das coisas.
No cristianismo, se conhece por revelação, a via primária do conhecimento
constitui a fé, toda a noção de conhecimento fica reduzida à hermenêutica, sendo
a visão da história no medieval um castigo obrigado para alcançar a salvação.
Jesus é a figura mais importante, o centro da história; não se deve buscar
a verdade, pois o cristianismo a conhece, a história é somente a manifestação de
Deus com momentos importantes como o passado, a criação, o presente, a
redenção, o drama da crucificação e o futuro, e o fim dos tempos com o juízo final.
A história está dividida em idades, em linha reta que conduz a um destino
único. No cristianismo, a história acontece somente uma vez, não se repete;
desaparece o azar, pois os sucessos são dirigidos por uma inteligência superior.
Antes dos acontecimentos, existiam duas histórias: a sagrada, que
preparava a vinda de Cristo, e a profana, que só possui sentido na sua relação
com a sagrada. Depois da vinda de Cristo, as duas históricas constituem uma
única história. A narração vai perdendo seu objetivo de precisão em quanto há
tempo e espaço. A história posterior dá uma contribuição à historiografia medieval,
pois a cronologia passa a ser baseada no nascimento de Jesus, originada no
empenho de dividir os tempos de acordo com o ponto da história cristã.
O Império Bizantino e seu contato com a tradição historiográfica grega
deixou evidente sua superioridade crítica e se manteve apegado aos interesses
mundanos. Seu principal historiador foi Procópio de Cesareia (c.500-c.565 d.C.),
que nos legou duas obras: História da Guerras e História Secreta ou Cânicas. A
primeira obra relata os feitos presenciados por ele, com informações de primeira
ordem, facilitados pelo cargo que possuía: conseguiu ter acesso a todo tipo de
doutrina da época.
11
Porfirogênito, Constantino VII (905-959 d.C.) organizou uma equipe de
eruditos para escrever uma enciclopédia histórica que chegou a compreender 53
livros, desempenhando um papel muito importante para a história. No Império
Bizantino, a influência decisiva que se desenvolveu com a expansão da cultura
grega para Itália nos anos posteriores é sentida em todo o Ocidente na atualidade.
Evidente que não podemos tratar da Idade Média como uma unidade,
também é certo que, entre suas diferenças, é indubitável a persistência de certas
convicções fundamentais dos grandes períodos da Alta Idade Média, da Baixa
Idade Média e do início do Renascimento. Por meio das cruzadas, se verifica
mudanças nas crenças que fazem da Baixa Idade Média um verdadeiro período
de transição. Os ideais cristãos afirmaram que as pessoas deixaram os interesses
mundanos; isso não tem importância para a historiografia, porém, o interesse
histórico esteve sempre determinado pela religião. A produção medieval é um
tanto pobre e se reduz a duas formas, crônicas e annales, em que se fazia o
registro dos acontecimentos importantes do ano, maneira dos registros da época
dos romanos.
Os próprios acontecimentos fizeram com que os seres humanos voltassem
outra vez a centrar seus olhares nas próprias pessoas e neste mundo. A luta entre
a igreja e o Estado, bem como os contatos mais próximos entre os diversos grupos
europeus, vão estimular o progresso de uma nova historiografia profana.

12
REFERÊNCIAS

CUENCA, L. A. de. La historia y la literatura. In: CONFERÊNCIAS DE HISTORIA


DE LA REAL ACADEMIA DE HISTORIA, 3., Madri. Anais... Madrid, 2018.

FINLEY, M. I. Grécia primitiva: a Idade do Bronze e a Idade Arcaica. São Paulo:


Martins Fontes, 1990.

GLÉNISSON, J. Iniciação aos estudos históricos. São Paulo: Difel, 1993.

PLATÃO. A república. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1949.

13

Você também pode gostar