Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo: ponderações sobre o design de uma parada de ônibus são usadas neste trabalho
como elemento introdutório do conceito de tecnologia social (TS) que é discutido e praticado
em países latino-americanos, como Brasil, México, Argentina e Uruguai. O texto inclui
discussões sobre quais identidades, discursos e imagens podem ser associados às TSs e como
distingui-las enquanto fomentadoras de uma organização diferenciada sem fronteiras, em
constante transformação e que não cessa de se multiplicar, pedindo maior harmonia entre
tecnologia, pessoas e meio ambiente em uma autêntica rede de tecnologias sociais.
Abstract: thoughts of the design of a bus stop are used in this work as preliminary element to
the concept of social technology (ST) discussed and practiced in Latin-American countries,
such as Brazil, Mexico, Argentina and Uruguay. This paper adds discussions on which
identities, discourses and images can be associated to STs as well as how to recognize them as
fomenters of a borderless and differentiated organization that is in constant transformation
and does not cease to multiply, calling for broader harmony between technology, people, and
the environment, within a true network of social technologies.
1
mestranda em Comunicação na Universidade Católica de Brasília.
No ponto de ônibus, à espera da tecnologia social
2
neguem, com argumentos científicos, que atraia descargas elétricas, há o risco e o receio de
que isso ocorra, pois o Brasil é campeão mundial na incidência de raios — 50 milhões ao ano,
ceifando centenas de vidas, anualmente, e deixando outras milhares feridas (FANRAIO
ENGENHARIA). O professor Daniel Paz (2004) que também faz sua crítica ao uso dessas
estruturas, em Salvador, acrescenta: “além do fato de o arrojado ser um contra-senso
funcional, os modelos mais belos são justamente os que, no uso cotidiano, registram as cenas
mais aberrantes”. Em vez de recepcionar bem as pessoas, tornam-se convidativas e
acolhedoras às peças
publicitárias em que,
no caso da parada da
Figura 2 (DKCELL
DESIGN), existe
água disponível para
se regar a planta ao se
apertar um botão, um
ato simbólico em prol
da sustentabilidade, o
que resulta em um
símbolo, peirceano,
evocador da sensação
de sede para quem
estiver na parada.
Saciam-se as necessidades básicas do reino vegetal, frustram-se aquelas do reino animal, a
menos que as pessoas arrisquem-se a beber essa água.
Figura 3 3
projetada e a criatividade encontrada
nesses projetos. O exemplo da parada
de ônibus serve como um zoom in na
realidade quotidiana. Introduz o
discurso de que todo empreendimento
em que o conhecimento exerce um
diferencial, quando o ser humano e o
meio ambiente não são considerados
prioritários na sua concepção, a
imagem da C&T sofre um descrédito,
distanciamo-nos da necessária
“adequação sociotécnica” (NEDER,
2010).
Figura 4
4
tecnológica, durabilidade, tecnologias para o futuro, tecnologias sustentáveis, tecnologias
adequadas aos problemas – e não ao consumo de massa – e tecnologias customizadas, que não
impõem uma única solução, como se fôssemos todos iguais.” (CASTRO, 2009)
Quanto às subculturas e os discursos que advogam a favor das TSs, elas têm no
desenvolvimento local participativo, na ação comunicativa, na defesa da declaração dos
direitos humanos e no discurso da inclusão social, com diversos propósitos de enunciação, um
ponto de interseção, convergência e, sobretudo, identidade.
5
A partir de 2003, “institucionalizou-se” ou “imiscuiu-se”, via constituição de uma
Secretaria de Inclusão Social no Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), nos assuntos de
um organismo maior que o Ministério, denominado Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia
e Inovação (SNCT&I), (ver Figura 5), e para muito além deste, que é orquestrado por um
Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT), presidido pelo titular da Presidência da
República, talvez o único presidente, até então, que tenha sido um usuário freqüente do
transporte coletivo no Brasil e conheça o que é passar fome.
A teoria crítica de Andrew Feenberg (2010), que abrange mais a tecnologia que a ciência,
fomenta um discurso oposto a esse com uma perspectiva construtivista, incentivadora de uma
nova visão de tecnologia como “campo de luta social, uma espécie de parlamento das coisas,
onde concorrem as alternativas civilizatórias” (NEDER, 2010, p. 76)
2
Tradução livre. No original, o verbete “responsabilité: La science est-elle responsable? (...) La question n´a
guère de sens tant qu´elle n´est pas concrète, c´est-à-dire tant que le terme ‘responsabilité’ ne répond pas à la
question technique: ‘qui est contraint de répondre de quoi?’, et avec les correlats pratiques de cette définition:
‘de quels moyens celui qui doit répondre dispose-t-il pour tenir cette position?’ Sans réponses à ces questions, le
grand thème de la responsabilité, de la science ou des scientifiques, restera matière à dissertations morales. Sans
interêt.”
6
permitem vê-las enquanto máquinas, cérebros, culturas, sistemas políticos, prisões psíquicas,
fluxos e transformações, instrumentos de dominação e, no caso de serem vistas como
organismos vivos, assinala:
Em termos de
7
Em seu primeiro pronunciamento, Lula tentou juntar os dois discursos, hegemônico e
contra-hegemônico, buscando uma identidade que melhore a imagem da CT&I.."Um
indivíduo não comunica; ele se envolve em comunicação ou torna-se parte da comunicação"
(WATZLAWICK, 1993, p. 64) Ao se envolver no discurso, Lula procurou estabelecer uma
ponte entre os dois pólos, ao se referir à TS, nesse caso, iniciais de “tecnologias simples”, no
ato de reinstalação do CCT, realizado no Palácio do Planalto:
"Contamos com o trabalho dos senhores e senhoras integrantes do Conselho
para planejar políticas ousadas e viáveis, e afinadas com os interesses do nosso
País. Nosso objetivo comum é gerar inovação tecnológica que agregue valor
aos nossos produtos, aumentando a sua competitividade nos mercados interno
e externo. Ao mesmo tempo, precisamos incentivar e difundir o uso de
tecnologias simples que cumpram papel insubstituível junto às Regiões e
comunidades menos desenvolvidas" (INOVAÇÃO TECNOLÓGICA, 2003)
8
discurso de coesão ou de identidade regional, bloco latino-americano, nesse movimento, como
é o caso do Brasil, México, Argentina e Uruguai (THOMAS e FRESSOLI, 2009).
"A composição total de um discurso é sempre provisória e única em
cada ato perceptivo (num dado momento, num dado lugar), estando
sujeita a transformações dinâmicas pelo acréscimo de outros signos,
advindos ou obtidos de uma nova informação, uma nova experiência..."
(IASBECK, 1997, p. 53)
9
Resta saber se todos os avanços no dialogismo, conceito de Bahktin −"uma idéia,
qualquer que ela seja, não sobrevive sem dialogar com as idéias dos outros" (IASBECK, 1997,
p. 79) −, desse organismo, gerado enquanto rede sociotécnica, processo comunicativo,
encontra-se em sintonia com as imagens, projetos e ações relacionadas aos anseios dos que
militam em prol das TSs. Será que existe o dialogismo entre o portfólio da C,T&I para o
Desenvolvimento Social e as demais linhas de ação do Ministério, sobretudo com as áreas
estratégicas: biotecnologia e nanotecnologia; tecnologias de informação e comunicação;
insumos para a saúde; biocombustíveis; energia elétrica, hidrogênio e energias renováveis;
petróleo, gás e carvão mineral; agronegócio; biodiversidade e recursos naturais; Amazônia e
Semi-Árido; meteorologia e mudanças climáticas; programa espacial; programa nuclear e
defesa nacional e segurança pública? Como promover esse diálogo? É possível encontrar
afinidades entre tantas diferenças? Os feitos, até então, parecem indicar que essa expectativa,
espera, permanece e não cessa de se manifestar. Eis aí um movimento autopoiético, uma rede
de tecnologias sociais, que se amplia, transforma-se, ganha em complexidade e conquista
novos espaços a cada dia. Refraseando o fragmento de Heráclito: à alma (que espera)
pertence o logos que se amplia.
10
Referências bibliográficas:
BAITELLO JUNIOR, Norval. O animal que parou os relógios. 1a edição, São Paulo:
Annablume, 1997. 129 p. Três primeiros capítulos disponíveis em:
<http://books.google.com.br/books?id=_2QZ9eWxrKoC&printsec=frontcover&source=gbs_v2_summ
ary_r&cad=0>. Acesso em 25 jun. 2009.
BYSTRINA, Ivan. Transcrição das aulas do Prof. Bystrina na PUC/SP, feita por Luiz Carlos Iasbeck
para o CISC – Centro Interdisciplinar de Semiótica da Cultura. São Paulo Junho de 1995. Programa de
Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da PUC/SP. 40 p.
CASTRO, Fábio. Falsa neutralidade. Entrevista com Fernando Tula Molina. Agência Fapesp, 16 de
janeiro de 2009. URL:<http://www.agencia.fapesp.br/materia/9971/entrevistas/falsa-
neutralidade.htm>. Acesso em 19 jan. de 2009.
CURVELLO, João José Azevedo. O desvendar das culturas organizacionais. In: DUARTE,
Jorge; BARROS, Antonio. Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. 2a ed. São
Paulo: Atlas, 2006. Cap. 16, p. 253-268.
DAGNINO, Renato (Org.). Tecnologia social: ferramenta para construir outra sociedade. 1ª ed.
Unicamp: Instituto de Geociências da Unicamp, 2009. 183 p. Disponível em:
<http://www.ige.unicamp.br/gapi/old/GAPI%20Tecnologia%20Social%20ferramenta%20para%20con
struir%20outra%20sociedade.pdf>. Acesso em: 5 jun. 2009.
ECO, Humberto. Lector in fabula. 2a edição São Paulo: Perspectiva, 2004. 219 p.
11
FEENBERG, Andrew. Racionalização subversiva: tecnologia, poder e democracia. In: NEDER,
Ricardo. A teoria crítica de Andrew Feenberg: racionalização democrática, poder e tecnologia. 1a
ed. Brasília: Centro de Desenvolvimento Sustentável, 2010. Cap. 2, p. 69-95.
FRUTIGER, Adrian. Sinais e símbolos: desenho, projeto e significado. 1a edição, São Paulo: Martins
Fontes, 1999. 334 p.
MARQUES, Carlos José. Editorial: Famintos e milionários. Istoé: Edição Especial, São
Paulo, v. 2068, n. 32, p.20, 01 jul. 2009. Mensal. Disponível em:
<http://www.terra.com.br/istoe/edicoes/2068/artigo142694-1.htm>. Acesso em: 30 jun. 2009.
MORGAN, Gareth. Imagens da organização. 1a ed. São Paulo: Atlas, 1996. 422 p.
PASSONI, Irma (Org.). Tecnologia Social no Brasil: caderno de debate. 1a ed. São Paulo:
ITS, 2004. 40 p. Disponível em:
<http://www.itsbrasil.org.br/pages/41/caderno_debate.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2009.
12
onstruir%20outra%20sociedade.pdf Acesso em 5 jun. 2009.
WATZLAWICK, Paul et alii. Pragmática da comunicação humana. Ed. Cultrix, São Paulo,
1993. Visualização parcial disponível em:
<http://books.google.com.br/books?id=exKuv0NUDcoC&lpg=PP1&dq=pragm%C3%A1tica%20da%
20comunica%C3%A7%C3%A3o%20humana%20watzlawick&pg=PA5#v=onepage&q=pragm%C3%
A1tica%20da%20comunica%C3%A7%C3%A3o%20humana%20watzlawick&f=false> Acesso em 13
maio 2010.
13