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Profª Drª Camila Pasqual – CURCEP

Disciplina: Literatura

Obra Literária – Últimos Cantos, de Gonçalves Dias

O AUTOR

Gonçalves Dias (1823-1864), poeta e teatrólogo brasileiro é o grande nome da poesia


indianista da primeira geração romântica. Carregou do romantismo o tema do índio e deu
feição nacional à literatura. É um dos melhores poetas líricos da literatura brasileira.
Gonçalves Dias nasceu em Caxias, no Maranhão, filho de um comerciante português e
uma mestiça. Iniciou seus estudos em seu estado natal e com quinze anos ingressou no
Colégio das Artes em Coimbra. Com 17 anos, na Universidade de Direito de Coimbra, passa a
ter contato com escritores do Romantismo português, como Almeida Garret, Alexandre
Herculano e Feliciano de Castilho.
Formado, o poeta volta ao Maranhão em 1845, ocupa vários cargos no governo e faz
diversas viagens oficiais à Europa. No Rio de Janeiro, em 1847, publica Primeiros Cantos, no
ano seguinte, Segundos Cantos e, em 1851, Últimos Cantos.
De regresso ao Maranhão, conhece Ana Amélia Ferreira do Vale, por quem se
apaixona. Por ele ser mestiço, a família dela proíbe o casamento. Mais tarde, casa-se com
Olímpia da Costa.
Em 1862, Gonçalves Dias vai à Europa para tratamento de saúde. Sem obter
resultados, embarca de volta dois anos depois. No dia 3 de novembro, morre no naufrágio do
navio francês Ville de Boulogne em que viajava. O poeta foi a única vítima do desastre porque
não teve forças para sair do camarote e foi esquecido pela tripulação. Tinha 41 anos.

ESTILO E TEMÁTICA

Intelectual, historiador, político, jurista, teatrólogo, Gonçalves Dias foi o primeiro


grande poeta do Romantismo brasileiro e influenciou fortemente as gerações seguintes de
poetas e escritores.
Seu estilo é marcado pelo amor ao Brasil, pela sensibilidade amorosa e pela exaltação
do herói indígena.
O sentimentalismo e o lirismo amoroso se revelam em apaixonados poemas de amor.
Poemas em que se alternam sentimentos de desejo, angústia, perda e conquista.
A visão romantizada do índio, retrata nosso selvagem como guerreiro nobre, forte e
heroico valorizando seus costumes e sua cultura, ao contrário do homem branco, muitas vezes
visto como explorador, malicioso e sem escrúpulos.
O poeta, em diversos poemas, faz um retrato humano e positivo dos negros.
Seu nacionalismo manifesta-se na exaltação das belezas naturais do Brasil, na
exuberância das paisagens, na delicadeza das cores e dos perfumes, no encantamento dos
ventos e do espaço sideral que ilustram seus textos.
Fiel às tendências do Romantismo, Gonçalves Dias valoriza os ideais cristãos,
religiosos e morais, personificados na dignidade e honradez dos cavaleiros medievais,
transportados e adaptados para o contexto brasileiro.
Quanto à forma, é impressionante a sonoridade, a musicalidade, o ritmo de suas
composições, resultados de sua busca pela perfeição rítmica e formal, através da originalidade
e liberdade com que utiliza a rima, a estrofação e a métrica. Assim, são frequentes os poemas
com versos brancos (sem rima), poemas com variações na métrica e nas estrofes, e
alternância de versos duros e suaves.
Demonstrando amplo conhecimento da literatura universal, Gonçalves Dias introduz a
maior parte de seus poemas com epígrafes em que cita inúmeros poetas.

POESIA LÍRICA

Os poemas de amor são marcados pela dor da separação ou da união impossível.

1. O poema a seguir retoma a tradição da cantiga medieval portuguesa, utilizando o recurso


do refrão da linguagem arcaica:
OLHOS VERDES

São uns olhos verdes, verdes,


Uns olhos de verde-mar,
Quando o tempo vai de bonança;
Uns olhos cor de esperança,
Uns olhos por que morri;
Que ai de mil
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!

Como duas esmeraldas,


Iguais na forma e na cor,
Têm luz mais branda e mais forte,
Diz uma — vida, outra — morte;
Uma — loucura, outra — amor.
Mas ai de mim!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!

São verdes da cor do prado,


Exprimem qualquer paixão,
Tão facilmente se inflamam,
Tão meigamente derramam
Fogo e luz do coração;
Mas ai de mim!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi! [...]

2. Nos excertos de poemas a seguir o tema central que se impõe quase exclusivamente é o
Amor, nas suas mais diversas manifestações e provocando as mais diferentes expansões
líricas e atitudes:

COMO EU TE AMO

Como se ama o silêncio, a luz, o aroma,


O orvalho numa flor, nos céus a estrela,
No largo mar a sombra de uma vela,
Que lá na extrema do horizonte assoma;

Como se ama o clarão da branca lua,


Da noite na mudez os sons da flauta,
As canções saudosíssimas do nauta,
Quando em mole vaivém a nau flutua,

(...)

Como se ama o calor e a luz querida,


A harmonia, o frescor, os sons, os céus,
Silêncio, e cores, e perfume, e vida,
Os pais e a pátria e a virtude e a Deus.

Assim eu te amo, assim; mais do que podem


Dizer-to os lábios meus, — mais do que vale
Cantar a voz do trovador cansada:
O que é belo, o que é justo, santo e grande

Amo em ti. — Por tudo quanto sofro,


Por quanto já sofri, por quanto ainda
Me resta de sofrer, por tudo eu te amo.
OS BEIJOS

Amo uns suspiros quebrados


Sobre uns lábios nacarados
A gemer e soluçar;
Como a onda bonançosa
Que numa praia arenosa
Vem tristemente expirar.

Amo ouvir uma voz pura,


Uns acentos de ternura,
Que trazem vida e calor;
Que se derramam a medo,
Como temendo o segredo
Revelar do oculto amor!

Amo a lágrima que chora


Terna virgem que descora,
Presa de interna aflição;
Amo um riso, um gesto vivo,
Um olhar honesto, esquivo,
Que alvoroça o coração.

Porém mais que o olhar honesto,


Mais que o riso e brando gesto,
Mais do que o pranto a correr,
Mais que a voz quando amor jura,
Que um suspiro de ternura
Que vem aos lábios morrer,

Amo o leve som de um beijo,


Quando rompe o véu do pejo,
Mal sentido a murmurar:
É viva flor de esperança,
Que nos promete bonança,
Como a flor do nenúfar.

Mente o olhar da donzela,


Mente a voz que amor assela,
Mente o riso, mente a dor,
Mente o cansado desejo;
Só não mente o som de um beijo,
Primícias de um longo amor!

MEU ANJO, ESCUTA

Meu anjo, escuta: quando junto à noite


Perpassa a brisa pelo rosto teu,
Como suspiro que um menino exala;
Na voz da brisa quem murmura e fala
Brando queixume, que tão triste cala
No peito teu?
Sou eu, sou eu, sou eu!

Quando tu sentes lutuosa imagem


De aflito pranto com sombrio véu,
Rasgado o peito por acerbas dores;
Quem murcha as flores
Do brando sonho? — Quem te pinta amores
Dum puro céu?
Sou eu, sou eu, sou eu!

Se alguém te acorda do celeste arroubo,


Na amenidade do silêncio teu,
Quando tua alma noutros mundos erra,
Se alguém descerra
Ao lado teu
Fraco suspiro que no peito encerra;
Sou eu, sou eu, sou eu!

Se alguém se aflige de te ver chorosa,


Se alguém se alegra com um sorriso teu,
Se alguém suspira de te ver formosa
O mar e a terra a enamorar e o céu;
Se alguém definha
Por amor teu,
Sou eu, sou eu, sou eu!

POR UM AI

Se me queres ver rendido,


De joelhos, a teus pés,
Por um olhar que me deites,
Por um só ai que me dês;

Se queres ver o meu peito


rugindo como um vulcão,
Estourar, arder em chamas,
Ferver de amor e paixão;

Se me queres ver sujeito,


curvado e preso à tua lei,
Mais humilde que um escravo,
Mais orgulhoso que um rei;

Meus olhos sobre os teus olhos,


Meu coração a teus pés;
Por um olhar que me deites,
Por um só ai que me dês;
[…]

Ouça, feliz, dos teus lábios


Esta só palavra — amor! —
Estrela cortando os ares,
Abelha sobre uma flor.

Não quero palavras falsas,


Não quero um olhar que minta,
Nenhum suspiro fingido,
Nem voz que o peito não sinta.

Basta-me um gesto, um aceno,


Uma só prova, — e verás
Minha alma presa em teus lábios,
Como de amor se desfaz!

Ver-me-ás rendido e sujeito,


Cativo e preso à tua lei,
Mais humilde que um escravo,
Mais orgulhoso que um rei!

O QUE MAIS DÓI NA VIDA

O que mais dói na vida não é ver-se


Mal pago um benefício,
Nem ouvir dura voz dos que nos devem
Agradecidos votos,
Nem ter as mãos mordidas pelo ingrato,
Que as devera beijar!

Não! o que mais dói não é do mundo


A sangrenta calúnia,
Nem ver como se infama a ação mais nobre,
Os motivos mais justos,
Nem como se deslustra o melhor feito,
A mais alta façanha!

O que dói, mas de dor que não tem cura,


O que aflige, o que mata,
Mas de aflição cruel, de morte amara,
É morrermos em vida
No peito da mulher que idolatramos,
No coração do amigo!

Amizade e amor! — laço de flores,


Que prende um breve instante
O ligeiro batel à curva margem
De terra hospitaleira;
Com tanto amor se enastra, e tão depressa,
E tão fácil se rompe!

3. O poeta e a poesia. Nos trechos dos poemas a seguir, vemos o pioneirismo de Gonçalves
Dias, ao utilizar, pelo menos implicitamente, o recurso da metalinguagem.

QUE ME PEDES

Tu pedes-me um canto na lira de amores,


Um canto singelo de meigo trovar?!
Um canto fagueiro já — triste — não pode
Na lira do triste fazer-se escutar.

Outrora, coberto meu leito de flores,


Um canto singelo já soube trovar;
Mas hoje na lira, que o pranto umedece,
As notas d'outrora não posso encontrar!

Outrora os ardores que eu tinha no peito


Em cantos singelos podia trovar;
Mas hoje, sofrendo, como hei de sorrir-me,
Mas hoje, traído, como hei de cantar?

Não peças ao bardo, que aflito suspira,


Uns cantos alegres de meigo trovar;
À lira quebrada só restam gemidos,
Ao bardo traído só resta chorar.

LIRA QUEBRADA
Pede cantos aos ledos passarinhos,
Pede clarão ao sol, perfume às flores,
Às brisas suspirar, murmúrio aos ventos,
Doces querelas ao correr das fontes;
[...]
Mas não peças à lira abandonada
Um alegre cantar, — Já murchas pendem
As grinaldas gentis de que a tocaram
Donzéis louçãos, enamoradas virgens.
[...]
Desejar coisas vãs, viver de sonhos.
Correr após um bem logo esquecido,
Sentir amor e só topar frieza,
Cismar venturas e encontrar só dores;

Fizeram-me o que vês: não canto, sofro!


Lira quebrada, coração sem forças
De poético manto os vou cobrindo,
Por disfarçar destarte o mal que passo.

AS DUAS COROAS

Há duas coroas na terra,


Uma de ouro cintilante
Com esmalte de diamante,
Na fronte do que é senhor;
Outra modesta e singela,
Coroa de meiga poesia,
Que a fronte ao vate alumia
Com a luz d′um resplendor.
[...]
E quando o vate suspira
Sobre esta terra maldita,
Ninguém a voz lhe acredita,
Mas riem dos cantos seus:
Os anjos, não; porque sabem
Que essa voz é verdadeira,
Que é dos homens a primeira,
Enquanto a outra é de Deus!

Visão poética das montanhas à beira mar no Rio de Janeiro.

O GIGANTE DE PEDRA

Gigante orgulhoso, de fero semblante,


Num leito de pedra lá jaz a dormir!
Em duro granito repousa o gigante,
Que os raios somente puderam fundir.

Dormido atalaia no serro empinado


Devera cuidoso, sanhudo velar;
O raio passando o deixou fulminado,
E à aurora, que surge, não há de acordar!
[...]
Banha o sol os horizontes,
Trepa os castelos dos céus,
Aclara serras e fontes,
Vigia os domínios seus:
Já descai para o ocidente,
E em globo de fogo ardente
Vai-se no mar esconder;
E lá campeia o gigante,
Sem destorcer o semblante,
Imóvel, mudo, a jazer!
[...]
Viu primeiro os íncolas
Robustos, das florestas,
Batendo os arcos rígidos,
Traçando homéreas festas,
À luz dos fogos rútilos,
Aos sons do murmuré!
E em Guanabara esplêndida
As danças dos guerreiros,
E o guau cadente e vário
Dos moços prazenteiros,
E os cantos da vitória
Tangidos no boré.
[...]
Mudaram-se os tempos e a face da terra,
Cidades alastram o antigo paul;
Mas inda o gigante, que dorme na serra,
Se abraça ao imenso cruzeiro do sul.

Reflexão sobre a morte

SOBRE O TÚMULO DE UM MENINO

O invólucro de um anjo aqui descansa,


Alma do céu nascida entre amargores,
Corno flor entre espinhos; — Tu, que passas,
Não perguntes quem foi. — Nuvem risonha,
Que um instante correu no mar da vida;
Romper da aurora que não teve ocaso,
Realidade no céu, na terra um sonho!
Fresca rosa nas ondas da existência,
Levada à plaga eterna do infinito,
Como oferenda de amor ao Deus que o rege;
Não perguntes quem foi, não chores: passa.

Virtuosismo rítmico – uma descrição fantástica da fúria da natureza. O poeta utiliza todos os
metros da língua, desde o dissílabo que traduz rapidez, até o endecassílabo que sonoriza o
auge da tempestade, passando por diversos movimentos sonoros como uma sinfonia.

A TEMPESTADE

Um raio
Fulgura
No espaço
Esparso,
De luz;

Vem a aurora
Pressurosa,
Cor de rosa,
Que se cora
De carmim;

O sol desponta
Lá no horizonte,
Doirando a fonte,
E o prado e o monte
E o céu e o mar;

Oh! vede a procela


Infrene, mas bela,
No ar s’encapela
Já pronta a rugir!

Não solta a voz canora


No bosque o vate alado,
Que um canto d’inspirado
Tem sempre a cada aurora;

Fogem do vento que ruge


As nuvens aurinevadas,
Como ovelhas assustadas
Dum fero lobo cerval;

Disseras que viras vagando


Nas furnas do céu entreabertas
Que mudas fuzilam, — incertas
Fantasmas do gênio do mal!

Logo um raio cintila e mais outro,


Ainda outro veloz, fascinante,
Qual centelha que em rápido instante
Se converte d’incêndios em mar.

Um som longínquo cavernoso e oco


Rouqueja, e n’amplidão do espaço morre;
Eis outro inda mais perto, inda mais rouco,
Que alpestres cimos mais veloz percorre,
Troveja, estoura, atroa; e dentro em pouco
Do Norte ao Sul, — dum ponto a outro corre:
Devorador incêndio alastra os ares,
Enquanto a noite pesa sobre os mares.

Nos últimos cimos dos montes erguidos


Já silva, já ruge do vento o pegão;
Estorcem-se os leques dos verdes palmares,
Volteiam, rebramam, doudejam nos ares,
Até que lascados baqueiam no chão.

Da nuvem densa, que no espaço ondeia,


Rasga-se o negro bojo carregado,
E enquanto a luz do raio o sol roxeia,
Onde parece à terra estar colado,
Da chuva, que os sentidos nos enleia,
O forte peso em turbilhão mudado,
Das ruínas completa o grande estrago,
Parecendo mudar a terra em lago.

Inda ronca o trovão retumbante,


Inda o raio fuzila no espaço,
E o corisco num rápido instante
Brilha, fulge, rutila, e fugiu.

Deixando a palhoça singela,


Humilde labor da pobreza,
Da nossa vaidosa grandeza,
Nivela os fastígios sem dó;

Cresce a chuva, os rios crescem,


Pobres regatos se empolam,
E nas turvas ondas rolam
Grossos troncos a boiar!

Os troncos arrancados
Sem rumo vão boiantes;
E os tetos arrasados,
Inteiros, flutuantes,
Dão antes crua morte,
Que asilo e proteção!

Porém no ocidente
Se ergue de repente
O arco luzente,
De Deus o farol;

Nas águas pousa;


E a base viva
De luz esquiva,
E a curva altiva
Sublima ao céu;

Tal a chuva
Transparece,
Quando desce
E ainda vê-se
O sol luzir;

A folha
Luzente
Do orvalho
Nitente
A gota
Retrai:
Vacila,
Palpita;
Mais grossa
Hesita,
E treme
E cai.

4. Poema autobiográfico. O convívio com a irmã, bem mais nova. Sofrimento com a morte do
pai, a quem assistiu no leito de morte. A viagem para a Europa, o sofrimento no exílio como ele
chamava, o clima frio e nublado da Europa. A frustração de não ter filhos, nem poder conviver
com os filhos de sua irmã.

SAUDADES
A minha irmã

Eras criança ainda; mas teu rosto


De ver-me ao lado teu se espanejava
À luz fugaz de um infantil sorriso!
[...]
A luz de uma razão que desabrocha,
As leves graças, que a inocência adornam,
Os infantis requebros, as meiguices
De uma alma ingênua e pura — em ti brilhavam.
[...]
O mudo, amargo pranto que eu vertia,
Anúncio triste foi de uma desdita,
Qual jamais sentirás: teus tenros anos
Pouparam-te essa dor, que não tem nome.
De quando sobre as bordas de um sepulcro
Anseia um filho, — e nas feições queridas
Dum pai, dum conselheiro, dum amigo
O selo eterno vai gravando a morte!
Escutei suas últimas palavras,
Repassado de dor! — junto ao seu leito,
De joelhos, em lágrimas banhado,
Recebi os seus últimos suspiros.
[...]
O encanto se quebrara! — duros fados
Inda outra vez de ti me separavam.
[...]
Parti! sulquei as vagas do oceano;
Nas horas melancólicas da tarde,
Volvendo atrás o coração e o rosto,
Onde o sol, onde a esperança me ficava,
Misturei meus tristíssimos gemidos
Aos sibilos dos ventos nas enxárcias!
[...]
Subitâneo tufão arrebatou-me,
Perdi a verde relva, o brando ninho,
Nem jamais casarei doces gorjeios
Ao saudoso rugir dos meus palmares;
[...]
Largo espaço de terras estrangeiras
E de climas inóspitos e duros
Interpôs-se entre nós!
— Ao ver nublado
Um céu de inverno e as árvores sem folhas,
De neve as altas serras branqueadas,
E entre esta natureza fria e morta
A espaços derramados pelos vales
Triste oliveira, ou fúnebre cipreste,
O coração se me apertou no peito.
[...]
Tão louco estava então, — dores tão cruas,
Mágoas tantas depois me acabrunharam,
Que desse meu passado extinta a ideia,
Deixou-me apenas um sofrer confuso,
Como quem de um mau sonho se recorda!
[...]
Rotos na infância os laços de família,
Os fados me vedavam reatá-los,
Ter a meu lado uma consorte amada,
Rever-me na afeição dos filhos caros,
Viver neles, curar do seu futuro
E neste empenho consumir meus dias;
[...]
Um tufão me expeliu do pátrio ninho.
As tardes dos meus dias borrascosos
Não terei de passar, sentado à porta
Do abrigo de meus pais, — nem longe dele,
Verei tranquilo aproximar-se o inverno,
E por do sol dos meus cansados anos.
Considerações e reflexões sobre o mundo, a vida, o tempo, o amor, a criação em geral.

A HARMONIA
[...]
E o giro perene
Dos astros, dos mundos
Dos eixos profundos
No eterno volver;
Do caos medonho
A triste harmonia,
Da noite sombria
No eterno jazer,
— Quem ouve? — Os arcanjos
Que os astros regulam,
Que as notas modulam
Do eterno girar.
[...]
E as aves trinando,
E as feras rugindo,
E os ventos zunindo
Da noite no horror;
Também são concertos
Mas esses rugidos
E tristes gemidos
E incerto rumor;
— Quem ouve? — O poeta
Que imita e suspira
Nas cordas da lira
Mais doce cantar.

PROTESTO

Ainda quando os homens te odiassem,


E anátema contra ti gritasse o mundo,
Por ti sentira amor, te amara sempre,
Te amara eternamente.

A UNS ANOS

No segredo da larva delicada


A borboleta mora,
Antes que veja a luz, que estenda as asas,
Que surja fora!

A flor, antes de abrir-se, se recata;


No botão se resume,
Antes que mostre o colorido esmalte,
Que espalhe o seu perfume.
[...]
De graças cheia, a delicada virgem
Da vida no verdor,
Semelha à borboleta melindrosa,
Semelha à linda flor.

A HISTÓRIA

Eis a história! um espelho do passado,


Folhas do livro eterno desdobradas
Aos olhos dos mortais; — aqui sem manchas,
Além golfeja sangue e sua crimes.
Tal foi, tal é: retrato desbotado,
Onde se mira a geração que passa,
Sem cor, sem vida, — e ao mesmo tempo espelho,
Que há de ser nova cópia à gente nova,
Como os anos aos anos se sucedem.
Ondas de mar sereno ou tormentoso,
As mesmas na aparência, que se quebram
Sobre as de areia flutuantes praias.

MENINA E MOÇA

É leda a flor que desponta


Sobre o talo melindroso,
E o rebento viçoso
Crescendo em flóreo tapiz;
É doce o romper da aurora,
Doce a luz da madrugada,
Doce o luzir da alvorada,
Doce, mimoso e feliz!
[...]
Porque tudo, quando nasce,
Seja a luz da madrugada,
Seja o romper da alvorada,
Seja a virgem, seja a flor;
Tem mais amor, tem mais vida,
Como celeste feitura,
Que sai melindrosa e pura
Dentre as mãos do criador.

URGE O TEMPO

Urge o tempo, os anos vão correndo,


Mudança eterna os seres afadiga!
O tronco, o arbusto, a folha, a flor, o espinho,
Quem vive, o que vegeta, vai tomando
Aspectos novos, nova forma, enquanto
Gira no espaço e se equilibra a terra.
[...]
Tudo se muda aqui! Somente o afeto,
Que se gera e se nutre em almas grandes,
Não acaba, não muda; vai crescendo,
Com o tempo avulta, mais aumenta em forças,
E a própria morte o purifica e alinda.
Semelha estátua erguida entre ruínas,
Firme na base, intacta, inda mais bela
Depois que o tempo a rodeou de estragos.

DESALENTO

Nascer, lutar, sofrer — eis toda a vida:


De esperança e de amor um raio breve
Se mistura e confunde
Às cruas dores d′um viver cansado,
Como raio fugaz que luz nas trevas
Para as tornar mais feias!
[...]
Se a mão do poderoso, a mão dourada
Do crime impune — esbofeteia as faces
Do homem vil, que a beija!
Oh! Meus irmãos não são, não são os filhos
Desta pátria que eu amo, — torce o rosto
De os ver a humanidade.

DESESPERANÇA

Que me importa do mundo a inclemência


E esta vida cruel, amargada?
Desde que os olhos abri à existência
Um vislumbre de amor não achei!
Nem uma hora tranquila e fadada,
Nem um gozo me foi lenitivo;
Mas no mundo maldito em que vivo
Quantas ânsias, meu Deus, não provei!

TESTES
01. A respeito da poesia de Gonçalves Dias, analise as afirmativas a seguir:

1. Marcada pela temática e pela proposta estética da fase inicial do Romantismo, a poesia de
Gonçalves Dias abre caminho para a formação de nossa identidade cultural através da busca
de nossas raízes históricas.
2. Além de apresentar uma poesia voltada para os valores medievais os variados recursos
estilísticos utilizados pelo poeta reforçam a ideia de liberdade de expressão defendida pelos
românticos.
3. Em Gonçalves Dias, ressalta-se o sentimento da morte próxima, a religiosidade e o erotismo
intenso.
4. A criação do herói, a valorização do passado, dos valores nacionais, o lirismo amoroso,
fazem parte das propostas estéticas e temáticas do autor.

Estão corretas apenas as proposições:

a) 1, 2 e 3; b) 2, 3 e 4; c) 1, 2 e 4; d) 2 e 4; e) 1 e 4.

02. (UEL-PR) Gonçalves Dias se destaca no panorama da primeira fase romântica pelas suas
qualidades superiores de artista. Nele,
a) a pátria é retratada de maneira que se tenha um registro fiel da sua fauna e flora, sem
interferência da emoção do poeta.
b) a persistência de traços do espírito clássico impede o exagero do sentimentalismo.
c) o indianismo é fiel à verdade da vida indígena, não apresentando a distorção poética
observada em outros escritores.
d) protótipo do byroniano, convivem lado a lado o humor negro e o extremo idealismo.
e) predomina a poesia lírica de recuperação da infância, com acentuado tom saudosista.

03. (UFOP) A afirmativa correta é:

a) Gonçalves Dias em sua poesia busca a perfeição formal e o absoluto rigor da métrica, de
acordo com o que preconiza a estética romântica.
b) Gonçalves Dias, quase unanimemente considerado pela crítica o nosso primeiro grande
poeta romântico, explorou o tema indianista como afirmação da nossa nacionalidade, segundo
a crença romântica, e foi mais além ao mostrar-se talentoso na exaltação da natureza e
profundamente lírico.
c) Para Gonçalves Dias a poesia não narra, não descreve e não é didática. A poesia deve
apenas sugerir, pois faz uso da linguagem poética em oposição à linguagem utilitária da prosa,
da filosofia e da ciência que faz uso dos signos ordinários do cotidiano.
d) Talvez tenha sido Gonçalves Dias o único grande poeta brasileiro a alcançar almejado ideal
da “impassibilidade”, possibilitando, com isso, uma poesia reveladora da realidade exterior,
formando, com Castro Alves, a verdadeira poesia empenhada de nossa literatura.
e) Nenhuma das alternativas está correta.

04. Avalie as seguintes afirmações a respeito de Gonçalves Dias e sua obra:


1. A religiosidade foi o principal tema da poesia de Gonçalves Dias, inspirada na infância
marcada pelo espiritualismo e pela juventude passada no convento.
2. Em Gonçalves Dias presenciamos traços de uma herança clássica que o consagrou como
refinado artífice do verso ao compor de forma original algumas das mais belas poesias escritas
em língua portuguesa.
3. Norteado por uma polidez de sentimento, Gonçalves Dias não se entregou de todo aos
exageros do sentimentalismo exacerbado, ao pessimismo implacável de que tanto fizeram uso
outros poetas pertencentes à segunda geração de românticos.
4. Gonçalves Dias se consagrou como o primeiro poeta autêntico a compor a estética
romântica. Como característica primordial, a qual se aplica à chamada primeira geração, tem-
se o nacionalismo, ecoando ruídos de um Brasil recém-libertado e, portanto, rico, repleto de
belezas naturais, de paisagens, de cultura.

Estão corretas apenas as afirmações

a) 1, 2 e 3; b) 2, 3 e 4;
c) 1, 3 e 4; d) 2 e 3; e) 3 e 4.

05. Assinale a alternativa correta em relação à poesia de Gonçalves Dias:

a) Gonçalves Dias, acreditando na missão profética e salvadora do artista, julgava que seus
versos extinguiriam a miséria humana.
b) Sua poesia amorosa fala da mulher real, próxima, de carne e osso, desejada e passível de
ser conquistada.
c) Poeta do ultrarromantismo, sua obra é fortemente marcada pela imaginação.
d) A exaltação da pátria foi motivada sobretudo pela presença do índio, habitante primeiro
destas terras.
e) Em muitos de seus poemas está presente o lirismo, recurso manifestado pela visão de um
amor realizado, impassível, marcado pelos encontros e alegrias.

06. (PUC-RS) Para responder à questão, leia o texto que segue, extraído do poema Amanhã,
de Gonçalves Dias:

Amanhã! – é o sol que desponta,


É a aurora de róseo fulgor,
É a pomba que passa e que estampa
Leve sombra de um lago na flor.

Amanhã! – é a folha orvalhada,


É a rola a carpir-se de dor,
É da brisa o suspiro, – é das aves
Ledo canto, – é da fonte – o frescor.

Amanhã! – são acasos da sorte;


O queixume, o prazer, o amor,
O triunfo que a vida nos doura,
Ou a morte de baço palor.

Amanhã! – é o vento que ruge,


A procela d’horrendo fragor,
É a vida no peito mirrada,
Mal soltando um alento de dor.

Amanhã! – é a folha pendida.


É a fonte sem meigo frescor,
São as aves sem canto, são bosques
Já sem folhas, e o sol sem calor.

Amanhã! – são acasos da sorte!


É a vida no seu amargor,
Amanhã! – o triunfo, ou a morte;
Amanhã! – o prazer, ou a dor!

Amanhã! – o que vale, se hoje existes


Folga e ri de prazer e de amor;
Hoje o dia nos cabe e nos toca,
De amanhã Deus somente é Senhor!

Sobre o texto, pode-se afirmar que:

I. A imprevisibilidade do tempo é o tema do poema.


II. O poeta constrói várias metáforas relacionando o tempo à natureza.
III. A imagem recorrente da dor reforça o tom negativo do poema.
IV. O poeta atribui aos homens a responsabilidade pelo controle do tempo.
V. O homem deve aproveitar o presente, porque esse é o tempo de que dispõe.

Pela análise das afirmativas, conclui-se que estão corretas, apenas,


a) I e II. b) I e III.
c) II e III. d) II, III e IV.
e) I, II e V.

07. Marque a alternativa que não corresponde à obra de Gonçalves Dias:

a) Velhice e mocidade representa bem o seu ideal literário; beleza na simplicidade; fuga ao
adjetivo, procura da expressão de tal maneira justa que outra seria difícil.
b) A partir dos Últimos Cantos, o que antes era tema — saudade, melancolia, natureza, índio
— se tornou experiência, nova e fascinante, graças à superioridade da inspiração e dos
recursos formais.
c) No poemeto I- Juca Pirama, a crítica, unânime, tem admirado a ductilidade dos ritmos que
vão recortando os vários momentos da narração.
d) Tanto nos romances nativistas como naqueles em que o bom selvagem se desdobra em
heróis regionais, o selo da nobreza é dado pelas forças do sangue que o autor reconhece e
respeita.
e) A edição de alguns poemas seus, em Leipzig, no ano de 1857, em língua portuguesa, se
explica pelo fato de que dificilmente se poderia esperar que uma edição inteira em português
fosse vendida na Europa.

08. TEXTO

No meio das tabas de amenos verdores,


Cercadas de troncos – cobertos de flores,
Alteiam-se os tetos da altiva nação;

O ritmo empregado no excerto acima pode ser definido como

a) amplo e distendido para descrever o cenário;


b) ondeante pois mostra um episódio em que se movem grupos humanos;
c) martelado na manifestação de coragem do índio;
d) cadenciado em versos breves expressando valores bélicos;
e) cadenciado na alternância de sons duros e vibrantes.

POESIA INDIANISTA

Com suas obras, de poesia lírica e intimista, em que se encontram I-Juca-Pirama,


Marabá, Canção do Tamoio, Leito de Verdes Folhas e tantas outras poesias de um exaltado
americanismo, Gonçalves Dias consolida o Romantismo Brasileiro.
O indianismo é o mais importante tema da poesia de Gonçalves Dias. Inspirado no
“mito do bom selvagem”, de Rousseau, o poeta atribui qualidades magníficas ao seu herói
indígena, como se fosse um cavaleiro medieval das novelas românticas europeias. É o que se
vê em: Canção do tamoio, Leito de folhas verdes, Marabá e principalmente em I-Juca-
Pirama.
Para esse herói, a luta é fator de dignidade e justificativa da existência da nação
indígena. É ela que tempera o guerreiro, que prepara o forte.
A vida é uma epopeia constante, na qual só há lugar para os fortes, única condição de
sobrevivência das nações indígenas. O uso da forma épica, adaptada às novas condições,
revela a grande preocupação de Gonçalves Dias: não deixar que caiam no esquecimento as
grandes tradições dos nossos índios, as raízes nativas da pátria.
O poema a seguir ilustra bem essas ideias — como um filósofo ou conselheiro, o índio
ensina ao filho uma lição de bravura, perseverança e audácia:

CANÇÃO DO TAMOIO

Não chores, meu filho;


Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que aos fracos abate,
Que os fortes, os bravos,
Só pode exaltar.
[...]
Domina, se vive;
Se morre, descansa
Dos seus na lembrança,
Na voz do porvir.
Não cures da vida!
Sê bravo, sê forte!
Não fujas da morte,
Que a morte há de vir!

E pois que és meu filho,


Meus brios reveste;
Tamoio nasceste
Valente serás.
Sê duro guerreiro,
Robusto, fagueiro,
Brasão dos tamoios
Na guerra e na paz.
[...]
Porém se a fortuna,
Traindo teus passos,
Te arroja nos laços
Do inimigo falaz!
Na última hora
Teus feitos memora,
Tranquilo nos gestos,
Impávido, audaz.

E cai como o tronco


Do raio tocado,
Partido, rojado,
Por larga extensão;
Assim morre o forte!
No passo da morte
Triunfa, conquista
Mais alto brasão.

As armas ensaia,
Penetra na vida;
Pesada ou querida,
Viver é lutar.
Se o duro combate
Aos fracos abate,
Aos fortes, aos bravos,
Só pode exaltar.

I-JUCA-PIRAMA O poema épico I-Juca-Pirama é considerado um dos mais bem elaborados


do Romantismo brasileiro.
O título do poema, uma expressão na língua tupi que significa “o que há de ser morto, e
que é digno de ser morto”, é utilizada, por vezes, para designar o personagem central.
Apesar da forma narrativa e dramática, predomina no poema um lirismo fácil e
espontâneo, perpassado das emoções e subjetividade do poeta, lirismo que brota do coração e
da “imaginação criadora” e expressa bem o sentimentalismo romântico. Merece destaque a
musicalidade dos versos, característica marcante de Gonçalves Dias.
O poema nos dá uma visão mais próxima do índio, ligado aos seus costumes,
idealizado e moldado ao gosto romântico. Assim, integrado ao ambiente e caracterizado pelo
sentimento de honra, o herói indígena reflete os valores burgueses de integridade moral típico
das novelas de cavalaria medievais. Diferentemente dos europeus que cultuavam seus heróis
e encontravam na Idade Média as origens da nacionalidade, os brasileiros buscam suas raízes
no primitivismo indígena, mesclado ao culto do bom selvagem, e encontram na figura do
indígena o símbolo perfeito e adequado para cultuar sua nacionalidade.

ENREDO

O poema narra o drama de I-Juca Pirama (aquele que vai morrer), último descendente
da tribo tupi, que é feito prisioneiro de uma tribo inimiga. Movido pelo amor filial, pois o índio
tupi era arrimo de seu pai, velho e cego, I-Juca Pirama, contrariando a ética indígena, implora
ao chefe dos timbiras pela sua libertação. O chefe timbira a concede, não sem antes humilhar o
prisioneiro: “Não queremos com carne vil enfraquecer os fortes.” Solto, o prisioneiro reencontra-
se com seu pai, que percebe que o filho havia sido aprisionado e libertado. Indignado, o velho
exige que ambos se dirijam à tribo timbira, onde o pai amaldiçoa violentamente o jovem
guerreiro que ferido em seus brios, põe-se sozinho a lutar com os timbiras. Convencido da
coragem do tupi, o chefe inimigo pede-lhe que pare a luta, reconhecendo sua bravura. Pai e
filho abraçam-se: estava preservada a dignidade dos tupis.

ANÁLISE DO POEMA

Apresentação e descrição da tribo dos Timbiras. São numerosos, valentes, guerreiros


que inspiram medo aos inimigos.
Um jovem tupi, feito prisioneiro por invadir as regiões de caça dos timbiras, é
condenado à morte. O corpo é pintado e enfeitado, as fogueiras são acesas. Ele será morto e
devorado pelos vencedores para que sua força fortaleça os vencedores.
Como está descrevendo o ambiente, o autor usa um verso mais lento e caudaloso, que
é hendecassílabo (onze sílabas). A estrofe é sempre de seis versos (sextilha) e as rimas
obedecem ao esquema: AA (paralelas) e BCCB (opostas ou intercaladas).

I-JUCA-PIRAMA

No meio das tabas de amenos verdores,


Cercadas de troncos – cobertos de flores,
Alteiam-se os tetos d’altiva nação;
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes,
Temíveis na guerra, que em densas coortes
Assombram das matas a imensa extensão.

São rudos, severos, sedentos de glória,


Já prélios incitam, já cantam vitória,
Já meigos atendem à voz do cantor:
São todos Timbiras, guerreiros valentes!
Seu nome lá voa na boca das gentes,
Condão de prodígios, de glória e terror!
[...]
Por casos de guerra caiu prisioneiro
Nas mãos dos Timbiras: – no extenso terreiro
Assola-se o teto, que o teve em prisão;
Convidam-se as tribos dos seus arredores,
Cuidosos se incubem do vaso das cores,
Dos vários aprestos da honrosa função.

Acerva-se a lenha da vasta fogueira


Entesa-se a corda da embira ligeira,
Adorna-se a maça com penas gentis:
A custo, entre as vagas do povo da aldeia
Caminha o Timbira, que a turba rodeia,
Garboso nas plumas de vário matiz.

Em tanto as mulheres com leda trigança,


Afeitas ao rito da bárbara usança,
O índio já querem cativo acabar:
A coma lhe cortam, os membros lhe tingem,
Brilhante enduape no corpo lhe cingem,
Sombreia-lhe a fronte gentil canitar.

II

Narração da festa antropofágica dos timbiras e a aflição do guerreiro tupi que será
sacrificado. Começa a bebedeira. Os timbiras percebem que o prisioneiro está meditativo. E o
aconselham a ficar alegre para morrer honrosamente. O poeta alterna o decassílabo (dez
sílabas) com o tetrassílabo (quatro sílabas), o que sugere o início do ritual com o rufar dos
tambores. As estrofes são de quatro versos (quarteto) e o poeta só rima os tetrassílabos.

Em fundos vasos d’alvacenta argila


Ferve o cauim;
Enchem-se as copas, o prazer começa,
Reina o festim.

O prisioneiro, cuja morte anseiam,


Sentado está,
O prisioneiro, que outro sol no ocaso
Jamais verá!
[…]

Que tens, guerreiro? Que temor te assalta


No passo horrendo?
Honra das tabas que nascer te viram,
Folga morrendo.

Folga morrendo; porque além dos Andes


Revive o forte,
Que soube ufano contrastar os medos
Da fria morte.
III

Apresentação do chefe guerreiro timbira, que anuncia os motivos da condenação do


jovem tupi à morte e insiste para que ele se apresente. Sem se preocupar com rimas e
estrofação, o poeta volta a usar o decassílabo (com algumas irregularidades), novamente num
ritmo mais lento, que se casa bem com a apresentação feita do chefe Timbira.
"Eis-me aqui", diz ao índio prisioneiro;
"Pois que fraco, e sem tribo, e sem família,
"As nossas matas devassaste ousado,
"Morrerás morte vil da mão de um forte."

Vem a terreiro o mísero contrário;


Do colo à cinta a muçurana desce:
"Dize-nos quem és, teus feitos canta,
"Ou se mais te apraz, defende-te." Começa
O índio, que ao redor derrama os olhos,
Com triste voz que os ânimos comove.

IV

I-Juca-Pirama declama o seu canto de morte e pede aos Timbiras que o deixem ir
cuidar do pai alquebrado e cego.
O verso pentassílabo (cinco sílabas), num ritmo ligeiro, dá a impressão do rufar dos
tambores. As estrofes com exceção da primeira (sextilha), têm oito versos (oitavas), e as rimas
seguem o esquema AAA (paralelas) e BCCB (opostas e intercaladas).

Meu canto de morte,


Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo tupi.

Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.

Já vi cruas brigas,
De tribos imigas,
E as duras fadigas
Da guerra provei;
Nas ondas mendazes
Senti pelas faces
Os silvos fugazes
Dos ventos que amei.

[...]

Meu pai a meu lado


Já cego e quebrado,
De penas ralado,
Firmava-se em mi:
Nós ambos, mesquinhos,
Por ínvios caminhos,
Cobertos de espinhos
Chegamos aqui!

O velho, no entanto,
Sofrendo já tanto
De fome e quebranto,
Só queria morrer!
Não mais me contenho,
Nas matas me embrenho,
Das frechas que tenho
Me quero valer.

[..]

Então, forasteiro,
Caí prisioneiro
De um troço guerreiro
Com que me encontrei:
O cru dessossego
Do pai fraco e cego,
Enquanto não chego
Qual seja, – dizei!

Eu era o seu guia


Na noite sombria,
A só alegria
Que Deus lhe deixou:
Em mim se apoiava,
Em mim se firmava,
Em mim descansava,
Que filho lhe sou.

Ao velho coitado
De penas ralado,
Já cego e quebrado,
Que resta? – Morrer.
Enquanto descreve
O giro tão breve
Da vida que teve,
Deixai-me viver!

Não vil, não ignavo,


Mas forte, mas bravo,
Serei vosso escravo:
Aqui virei ter.
Guerreiros, não coro
Do pranto que choro:
Se a vida deploro,
Também sei morrer.

V
Os timbiras entendem que o choro e lamento do jovem tupi são manifestações de
covardia e desqualificam-no para o sacrifício.
Dando a impressão do conflito que se estabelece e refletindo o diálogo nervoso, entre o
chefe Timbira e o índio Tupi, o poeta altera o decassílabo com versos mais ou menos livres.
Não há preocupação nem com estrofes nem com rimas.

Soltai-o! — diz o chefe. Pasma a turba;


Os guerreiros murmuram: mal ouviram,
Nem pode nunca um chefe dar tal ordem!
Brada segunda vez com voz mais alta,
Afrouxam-se as prisões, a embira cede,
A custo, sim; mas cede: o estranho é salvo.
Timbira, diz o índio enternecido,
Solto apenas dos nós que o seguravam:
És um guerreiro ilustre, um grande chefe,
Tu que assim do meu mal te comoveste,
Nem sofres que, transposta a natureza,
Com olhos onde a luz já não cintila,
Chore a morte do filho o pai cansado,
Que somente por seu na voz conhece.
— És livre; parte.
— Eu voltarei.
— Debalde.
— Sim, voltarei, morto meu pai.
— Não voltes!
É bem feliz, se existe, em que não veja,
Que filho tem, qual chora: és livre; parte!
— Acaso tu supões que me acobardo,
Que receio morrer!
— És livre; parte!
— Ora não partirei; quero provar-te
Que um filho dos Tupis vive com honra,
E com honra maior, se acaso o vencem,
Da morte o passo glorioso afronta.

— Mentiste, que um Tupi não chora nunca,


E tu choraste!... parte; não queremos
Com carne vil enfraquecer os fortes.

VI

O filho volta ao pai trazendo comida. O velho cego estranha a demora, que o rapaz
justifica dizendo que se perdera. O pai sente que algo de errado aconteceu. O filho está
trêmulo. Apalpa o filho e percebe que está pintado com tintas frescas e que está sem cabelo. O
filho confessa a verdade e resolvem voltar à aldeia inimiga.
Reproduzindo o diálogo entre pai e filho e também a decepção daquele, o poeta usa
decassílabo juntamente com passagens mais ou menos livres. Não há preocupação com rimas
ou estrofes.

— Tu prisioneiro, tu?
— Vós o dissestes.
— Dos índios?
— Sim.
— De que nação?
— Timbiras.
— E a muçurana funeral rompeste,
Dos falsos manitôs quebrastes a maça...
— Nada fiz... aqui estou.
— Nada!
Emudecem;
Curto instante depois, prossegue o velho:
— Tu és valente, bem o sei; confessa,
Fizeste-o, certo, ou já não foras vivo!
— Nada fiz; mas souberam da existência
De um pobre velho, que em mim só vivia....
— E depois?...
— Eis-me aqui.
— Fica essa taba?
— Na direção do sol, quando transmonta.
— Longe?
— Não muito.
— Tens razão: partamos.
— E quereis ir?...
— Na direção do acaso.
VII

O velho pai entrega o filho aos timbiras para que seja sacrificado de acordo com os
costumes. Sob a alegação de que os tupis são fracos, o chefe dos timbiras não permite a
consumação do ritual.
Num ritmo constante, marcado pelo heptassílabo (sete sílabas), o poeta reproduz a fala
segura do pai humilhado e do chefe Timbira. A estrofação e as rimas são livres.

Por amor de um triste velho,


Que ao termo fatal já chega,
Vós, guerreiros, concedestes
A vida a um prisioneiro.

[...]

Aqui venho, e o filho trago.


Vós o dizeis prisioneiro,
Seja assim como dizeis;
Mandai vir a lenha, o fogo,
A maça do sacrifício
E a muçurana ligeira:
Em tudo o rito se cumpra!

[...]

— Nada farei do que dizes:


É teu filho imbele e fraco!
Aviltaria o triunfo
Da mais guerreira das tribos
Derramar seu ignóbil sangue:
Ele chorou de cobarde;
Nós outros, fortes Timbiras,
Só de heróis fazemos pasto.

VIII

O pai envergonhado maldiz o suposto filho covarde. Para expressar a maldição


proferida pelo velho pai, num ritmo bem marcado e seguro, o poeta usa o verso eneassílabo
(nove sílabas), distribuindo-os em oitavas, com rimas alternadas e paralelas.

Tu choraste em presença da morte?


Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de vis Aimorés.

Possas tu, isolado na terra,


Sem arrimo e sem pátria vagando,
Rejeitado da morte na guerra,
Rejeitado dos homens na paz,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenham alma inconstante e falaz!

Não encontres doçura no dia,


Nem as cores da aurora te ameiguem,
E entre as larvas da noite sombria
Nunca possas descanso gozar:
Não encontres um tronco, uma pedra,
Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,
Padecendo os maiores tormentos,
Onde possas a fronte pousar.

Que a teus passos a relva se torre;


Murchem prados, a flor desfaleça,
E o regato que límpido corre,
Mais te acenda o vesano furor;
Suas águas depressa se tornem,
Ao contacto dos lábios sedentos,
Lago impuro de vermes nojentos,
Donde fujas com asco e terror!

Sempre o céu, como um teto incendido,


Creste e punja teus membros malditos
E oceano de pó denegrido
Seja a terra ao ignavo tupi!
Miserável, faminto, sedento,
Manitôs lhe não falem nos sonhos,
E do horror os espectros medonhos
Traga sempre o cobarde após si.

Um amigo não tenhas piedoso


Que o teu corpo na terra embalsame,
Pondo em vaso d’argila cuidoso
Arco e frecha e tacape a teus pés!
Sê maldito e sozinho na terra.
Pois que a tanta vileza chegaste,
Que em presença da morte choraste,
Tu, cobarde, meu filho não és.

IX

Enraivecido, o guerreiro tupi lança o seu grito de guerra, enfrenta e derrota a todos,
valentemente, em nome de sua honra.Casando-se com o tom narrativo e a reação altiva do
índio Tupi, o poeta usa novamente o decassílabo com estrofação e rimas livres.

— Alarma! alarma! — O velho para!


O grito que escutou é voz do filho,
Voz de guerra que ouviu já tantas vezes
Noutra quadra melhor. — Alarma! alarma!
— Esse momento só vale a pagar-lhe
Os tão compridos transes, as angústias,
Que o frio coração lhe atormentaram

De guerreiro e de pai: — vale, e de sobra.


Ele que em tanta dor se contivera,
Tomado pelo súbito contraste,
Desfaz-se agora em pranto copioso,
Que o exaurido coração remoça.

A taba se alborota, os golpes descem,


Gritos, imprecações profundas soam,
Emaranhada a multidão braveja,
Revolve-se, enovela-se confusa,
E mais revolta em mor furor se acende.
E os sons dos golpes que incessantes fervem,
Vozes, gemidos, estertor de morte
Vão longe pelas ermas serranias
Da humana tempestade propagando
Quantas vagas de povo enfurecido
Contra um rochedo vivo se quebravam.

— Basta! Clama o chefe dos Timbiras,


— Basta, guerreiro ilustre! Assaz lutaste,
E para o sacrifício é mister forças. —

O guerreiro parou, caiu nos braços


Do velho pai, que o cinge contra o peito,
Com lágrimas de júbilo bradando:
Este, sim, que é meu filho muito amado!

O velho Timbira (narrador) rende-se frente ao poder do tupi e diz a célebre frase:
"meninos, eu vi".
Alternando o hendecassílabo com pentassílabo, o poeta fecha o poema, de forma
harmoniosa e ordenada, o que reflete o fim do conflito e a serenidade dos espíritos.
Casando com essa ordem restabelecida, as estrofes vêm arrumadas em sextilhas e as
rimas obedecem ao esquema AA (paralelas) e BCCB (opostas e intercaladas).

Um velho Timbira, coberto de glória,


Guardou a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi!
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Dizia prudente: — "Meninos, eu vi!"

Eu vi o brioso no largo terreiro


Cantar prisioneiro
Seu canto de morte, que nunca esqueci:
Valente, como era, chorou sem ter pejo;
Parece que o vejo,
Que o tenho nesta hora diante de mi.

Eu disse comigo: Que infâmia d’escravo!


Pois não, era um bravo;
Valente e brioso, como ele, não vi!
E à fé que vos digo: parece-me encanto
Que quem chorou tanto,
Tivesse a coragem que tinha o Tupi!

Assim o Timbira, coberto de glória,


Guardava a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi.
E à noite nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Tornava prudente: "Meninos, eu vi!"

TESTES
09. Assinale a alternativa correta em se tratando da poesia de Gonçalves Dias:

a) O sonho é nele tão forte quanto a realidade; os mundos imaginários, tão atuantes quanto o
mundo concreto; e a fantasia se torna experiência mais viva que experiência do dia a dia.
b) romântico exaltado, seus escritos colocam à mostra uma sensibilidade aguda, um sofrimento
profundo. O sonho e a imaginação são levados às últimas consequências.
c) O nacionalismo cultuado pelo poeta refletia os sentimentos de uma nação recentemente
liberta das amarras de Portugal. O ufanismo era fruto das belezas aqui encontradas, sobretudo
as da natureza, aquelas ligadas à cultura indígena, reveladoras das origens, das raízes da
nacionalidade.
d) Seus escritos apresentam uma certa melancolia, lirismo suave e terno, extrema sensibilidade
e profundo saudosismo.
e) O tom vigoroso de seus poemas, a ressonância de seus versos, a indignação e a
expressividade são elementos que o consagraram como poeta dos escravos.

10. Gonçalves Dias vale-se, em alguns poemas, de uma estrutura épica popular que
valoriza a história de povos extintos, transmitida oralmente. Aponte o excerto que melhor
representa este mecanismo de transmissão.

a) Eu vivo sozinha;
ninguém me procura!
Acaso feitura
Não sou de Tupá?
Se algum dentre os homens
de mim não se esconde,
— “Tu és”, me responde,
— “Tu és Marabá”. (Marabá)

b) Não chores, meu filho;


Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos
Só pode exaltar. (Canção do Tamoio)

c) No meio das tabas de amenos verdores,


Cercadas de troncos – cobertos de flores,
Alteiam-se os tetos d’altiva nação;
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes,
Temíveis na guerra, que em densas coortes
Assombram das matas a imensa extensão.(I-Juca-Pirama)

d) Não me escutas, Jatir! nem tardo acodes


À voz do meu amor, que em vão te chama!
Tupã! lá rompe o sol! do leito inútil
A brisa da manhã sacuda as folhas! (Leito de folhas verdes)

e) Um velho Timbira,
coberto de glória,
guardou a memória
do moço guerreiro,
do velho Tupi!
E à noite, nas tabas,
se alguém duvidava
Do que ele contava,
Dizia prudente:
— "Meninos, eu vi". (I-Juca-Pirama)

11. TEXTOS

Do tamarindo a flor jaz entreaberta,


Já solta o bogari mais doce aroma,
Também meu coração, como estas flores,
melhor perfume ao pé da noite exala! (Leito de folhas verdes)

Ação tão nobre vos honra,


Nem tão alta cortesia
Vi eu jamais praticada
Entre os tupis, — e mais foram
Senhores em gentileza. (I-Juca-Pirama)

Os excertos acima indicados, dos Últimos Cantos, exemplificam a seguinte afirmação sobre a
poesia de Gonçalves Dias:

a) A contemplação da natureza leva à expressão de convicções religiosas, assim como os


valores cristãos sobrepõem-se sutilmente à rudeza da vida selvagem.
b) Não se distingue a donzela branca da amante indígena, tanto quanto não se opõe a bravura
do índio à bravura de um cavaleiro medieval.
c) O amor da índia espelha a força da própria natureza, mas código de conduta dos guerreiros
indígenas reflete os valores dos fidalgos medievais.
d) A sublimação do amor implica a idealização da morte, assim como o código de conduta dos
guerreiros indígenas idealiza os valores dos fidalgos medievais.
e) O amor da índia espelha a força da própria Natureza, tanto quanto se apresentam como
naturais e próprios os valores de conduta do guerreiro indígena.

12. Sobre a poesia de Gonçalves Dias é correto afirmar que

a) cantou a natureza brasileira como cenário das correrias e aventuras do indígena bravo e
leal.
b) denunciou a iniquidade da escravidão em poemas altissonantes e repletos de metáforas
aladas.
c) elogiou os esforços do colonizador português em suas campanhas militares.
d) cantou a bondade da mãe e da irmã, esteios femininos do núcleo familiar patriarcal.
e) elogiou a dissipação e os excessos do vinho em orgias noturnas marcadas pela devassidão
e crueldade.

13. (ITA-SP) — A questão refere-se ao poema a seguir:

Leito de folhas verdes

“Por que tardas, Jatir, que tanto a custo


À voz do meu amor moves teus passos?
Da noite a viração, movendo as folhas,
Já nos cimos do bosque rumoreja.

Eu sob a copa da mangueira altiva


Nosso leito gentil cobri zelosa
Com mimoso Tapiz de folhas brandas,
Onde o frouxo luar brinca entre flores.

Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco,


Já solta o bogari mais doce aroma!
Como prece de amor, como estas preces,
No silêncio da noite o bosque exala.

Brilha a lua no céu, brilham estrelas,


Correm perfumes no correr da brisa,
A cujo influxo mágico respira-se
Um quebranto de amor, melhor que a vida!

A flor que desabrocha ao romper d’alva


Um só giro do sol, não mais, vegeta:
Eu sou aquela flor que espera ainda
Doce raio do sol que me dê vida.

Sejam vales ou montes, lagos ou terra,


Onde quer que tu vás, ou dia ou noite,
Vai seguindo após ti meu pensamento;
Outro amor nunca tive: és meu, sou tua!

Meus olhos outros olhos nunca viram,


Não sentiram meus lábios outros lábios,
Nem outras mãos, Jatir, que não as tuas
A Arazóia na cinta me apertaram.

Do tamarindo a flor jaz entreaberta,


Já solta o bogari mais doce aroma;
Também meu coração, como estas flores,
Melhor perfume ao pé da noite exala!

Não me escutas, Jatir! Nem tardo acodes


À voz do meu amor, que em vão te chama!
Tupã! Lá rompe o sol! Do leito inútil
A brisa da manhã sacuda as folhas!

Sobre o poema anterior, considere as afirmativas a seguir:

I. As marcas românticas do poema ficam evidentes na exaltação da atitude heroica do índio,


sempre disposto a partir para as batalhas grandiosas, ainda que tenha que ficar longe da
amada.
II. Apresenta traços em comum com as cantigas de amigo trovadorescas, a saber: o sujeito
lírico é feminino e canta a ausência do amado, que está distante.
III. Em todo o poema a transformação da natureza revela a passagem das horas, marcando
com isso a angústia do sujeito lírico pela espera de seu amado, a exemplo do que ocorre com
os versos Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco e Do tamarindo a flor jaz entreaberta.
IV. É possível observar, no poema, a ocorrência de momentos marcados pela ilusão da
chegada do amado, como em Eu sob a copa da mangueira altiva, Nosso leito gentil cobri
zelosa ou um momento de clara desilusão: Tupã! Lá rompe o sol! Do leito inútil/A brisa da
manhã sacuda as folhas!
Estão corretas apenas as afirmativas:

a) I e II. b) I e III.
c) II e IV d) I, III e IV.
e) II, III e IV.

TEXTO

MARABÁ

Eu vivo sozinha; ninguém me procura!


Acaso feitura
Não sou de Tupá?
Se algum dentre os homens de mim não se esconde
— Tu és, me responde,
Tu és Marabá!

— Meus olhos são garços, são cor das safiras,


— Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar;
— Imitam as nuvens de um céu anilado,
— As cores imitam das vagas do mar!

Se algum dos guerreiros não foge a meus passos:


— Teus olhos são garços,
Responde anojado, mas és Marabá:
Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes,
Uns olhos fulgentes,
Bem pretos, retintos, não cor d’ anajá!

— É alvo meu rosto da alvura dos lírios,


— Da cor das areias batidas do mar;
— As aves mais brancas, as conchas mais puras
— Não têm mais alvura, não têm mais brilhar.

Se ainda me escuta meus agros delírios:


— És alva de lírios,
Sorrindo responde, mas és Marabá:
Quero antes um rosto de jambo corado,
Um rosto crestado
Do sol do deserto, não flor de cajá.

— Meu colo de leve se encurva engraçado,


— Como haste pendente do cacto em flor;
— Mimosa, indolente, resvalo no prado,
— Como um soluçado suspiro de amor!

Eu amo a estatura flexível, ligeira,


Qual duma palmeira,
Então me respondem; tu és Marabá:
Quero antes o colo da ema orgulhosa,
Que pisa vaidosa,
Que as flóreas campinas governa, onde está.

— Meus loiros cabelos em ondas se anelam,


— O oiro mais puro não tem seu fulgor;
— As brisas nos bosques de os ver se enamoram,
— De os ver tão formosos como um beija-flor!

Mas eles respondem : — Teus longos cabelos,


São loiros, são belos,
Mas são anelados; tu és Marabá;
Quero antes cabelos bem lisos, corridos,
Cabelos compridos,
Não cor de ouro fino, nem cor de anajá.

E as doces palavras que eu tinha cá dentro


A quem as direi
O ramo d’acácia na fronte de um homem
Jamais cingirei:

Jamais um guerreiro da minha arazóia


Me desprenderá:
Eu vivo sozinha, chorando mesquinha,
Que sou Marabá!

1. marabá: mestiço de francês com índia.


2. Tupá ou Tupã (v. 3)
3. engraçado (gracioso) (v. 27)
4. arazóia ou araçóia: saiote de penas usado pelas mulheres indígenas.
14. (UNIRIO/RJ) — Após leitura, análise e interpretação do poema Marabá, algumas
afirmações como as seguintes podem ser feitas, com exceção de uma. Indique-a.
a) O poema se inicia com uma pergunta de ordem religiosa e termina com uma consideração
de aspecto sensual.
b) O poema é um profundo lamento construído com base na estrutura dialética, apresentando-
se argumentação e contra-argumentação.
c) Ocorre interlocução registrada em discurso direto, estrutura que enfatiza assim o desprezo
preconceituoso dado à Marabá.
d) A ocorrência de figuras de linguagem e o emprego da primeira pessoa marcam,
respectivamente, as funções da linguagem poética e emotiva.
e) Marabá é poema representante da primeira fase que cultua o aspecto físico da mulher.

15. (UNIRIO) — A leitura dos versos abaixo permite a identificação de figuras de linguagem.
Aquela que está em desacordo com o contexto do poema é

a) Eu vivo sozinha, chorando mesquinha — gradação


b) Se algum dentre os homens de mim não se esconde — hipérbato
c) Não têm mais alvura, não têm mais brilhar — comparação
d) O ouro mais puro não tem seu fulgor; — hipérbole
e) E as doces palavras que eu tinha cá dentro — sinestesia

16. A unidade dramática vivenciada pelo eu-lírico no poema Marabá concentra-se em


a) tristeza e compreensão.
b) aflição e frustração.
c) amargura e comedimento.
d) indignação e passividade.
e) decepção e aceitação.

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