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S U L - G L O B A L

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AS VEIAS DO SUL CONTINUAM ABERTAS
Debates sobre o imperialismo do nosso tempo

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EMILIANO LÓPEZ (ORG)

AS VEIAS DO SUL CONTINUAM ABERTAS


Debates sobre o imperialismo do nosso tempo

1a edição
Expressão Popular
São Paulo – 2020

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Copyright © 2020, by Editora Expressão Popular Ltda.

Revisão: Aline Piva e Lia Urbini


Tradução: Paulo Henrique Pappen e João Pompeu
Projeto gráfico e diagramação: Zap Design
Capa: Fernando Badharó – Cpmídias

1ª edição: agosto de 2020

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Sumário

Introdução: uma caixa de ferramentas


para fechar as nossas veias. ......................................................7
Emiliano López

Imperialismo na era da globalização..........................................13


Utsa Patnaik e Prabhat Patnaik

Exploração e superexploração na teoria do imperialismo. ...........33


John Smith

C apitalismo moribundo e competitivo.........................................75


E. Ahmet Tonak

Notas sobre a atualidade do imperialismo e a nova


estratégia de segurança nacional dos Estados Unidos. ...............95
Atilio A. Boron

A reconfiguração imperial dos estados unidos e


as fissuras internas diante da ascensão da China........................141
Gabriel E. Merino

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Introdução
Uma caixa de ferramentas para
fechar as nossas veias
Emiliano López

“Nessas terras, não estamos assistindo à infância


selvagem do capitalismo, mas sua decrepitude”
As veias abertas da América Latina, Eduardo
Galeano

“Ali pernoitou a Cerca: de madrugada rastejou


para o itararé por onde afunda a estrada de Huánuco.
Dois montes intransponíveis vigiam o desfiladeiro: o
avermelhado Pucamina e o enlutado Yantacaca, inaces-
síveis até para os pássaros.
No quinto dia a Cerca derrotou os pássaros”.
Bom dia para os defuntos, Manuel Scorza

O conceito de imperialismo tem má reputação. Sem dúvida,


no mundo intelectual e acadêmico hegemônico, ele é tratado
como um termo démodé, centralmente ideológico e com pouca
capacidade explicativa sobre nossa realidade atual. Nesta “Era
da Globalização”, não precisamos reeditar categorias de outros
momentos históricos que nos levariam a velhas receitas para me-
lhorar a vida de nossos povos, mas sim reconhecer o tempo em
que vivemos e fazer prevalecer o realismo.
Esta visão, mesmo quando motivada por nobres intenções, nos
imobiliza e nos conduz a deixar-nos convencer de que este mundo
desigual só pode ser transformado em sua dimensão molecular.
No entanto, o fato de que boa parte do pensamento crítico tenha

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8 Emiliano López (org)

abandonado certas categorias a favor de explicações mais amigáveis


em relação ao establishment acadêmico e político de nosso tempo
faz parte do triunfo do modelo civilizatório ocidental e capitalista
após a queda do Muro de Berlim.
Para onde quer que olhemos no Sul Global, encontramos
situações que requerem explicações globais. A apropriação de
bens comuns na África e na América Latina, a expansão das
fábricas têxteis em condições sub-humanas de trabalho na Ásia,
o domínio da produção dos países do Sul da Europa e Norte
da África por empresas radicadas na Alemanha e na França; a
dominação do Estado de Israel sobre a Palestina; a imposição da
propriedade privada sobre espaços comunais, transformando-os
em espaços para a acumulação de capital; as incontáveis inter-
venções militares no Oriente Médio; a imposição do American
Way of Life através da indústria cultural estadunidense; isso
não passa de expressões de que o capitalismo global é, como
diz Samir Amin, um “sistema gerador de desigualdade entre
países e regiões”. Essa desigualdade não é uma abstração, não é
pura elucubração teórica: ela é vivida nos corpos dos oprimidos
e oprimidas do Sul.
É por isso que consideramos que a categoria mais adequada
para entender essa desigualdade global é o imperialismo. Consi-
deramos urgente voltar a dar conteúdo, atualizado para o nosso
tempo e para as nossas lutas, a um conceito potente em termos
explicativos e historicamente associado às lutas dos povos pela
liberação. Imperialismo é tanto um conceito quanto uma cate-
goria nativa dos nossos projetos de emancipação do Sul.
A trajetória desse conceito teórico-político é amplamente
difundida. Até o fim do século XIX, a Grã-Bretanha viveu seu
período de expansão capitalista mais intenso. Após sofrer uma
crise econômica de peso, o reimpulso de seu próprio capitalismo
implicou uma nova onda de expansão global da civilização ca-
pitalista ocidental. Nesse caso, a novidade mais significativa em
relação às práticas coloniais prévias foi que a expansão respondeu,

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Introdução: uma caixa de ferramentas para fechar as nossas veias 9

sobretudo, às necessidades da acumulação de capital dos centros


industriais da Europa. Como apontou Hobson, um liberal crítico
das imposições do governo inglês ao resto do mundo,
Todos os homens de negócios admitem que o crescimento dos
poderes produtivos em seus países excede o crescimento do con-
sumo, que se podem produzir mais bens do que os que podem
ser vendidos com lucros, e que existe mais capital do que o que
pode ser investido rentavelmente. Esta situação econômica é a
que forma a raiz do Imperialismo.

Esta leitura motivou os pensadores marxistas como Lenin,


Rosa Luxemburgo, Kautsky, entre outros, a prestar atenção a
essa nova etapa que se abria no mundo. O trabalho de Lenin,
Imperialismo, estágio superior do capitalismo, marcou sem dúvidas
um antes e um depois na discussão sobre o imperialismo. Esse
conceito não apenas explicava a concentração de poder e de renda
nos países do Norte, mas também o mecanismo de concentração
e monopolização do capital, baseado na exportação de capital
dos países imperialistas para as periferias do mundo, favorecida
pelo desenvolvimento do capital financeiro e, ao mesmo tempo,
se apropriando dos recursos provenientes do Sul para garantir
as condições de produção do Norte.
Em grande medida, podemos ver esses anos de expansão
global do capital do Norte, em particular do inglês, como um
emaranhado de capitalismo e colonialismo. De fato, boa parte
da operação deste suposto processo civilizatório do Norte se
baseou na liberalização econômica e na dependência política de
um quarto do mundo. A Ásia, a África e o Oriente Médio foram
divididos como propriedade de diferentes países imperialistas da
Europa. Assim, um quarto do mundo foi distribuído em colônias
às quais as corporações capitalistas transnacionais impuseram
o novo dever ser. No caso da América Latina, o imperialismo
tomou a forma de dependência econômica em um contexto de
suposta independência política nacional. Como o apresentava
Manuel Scorza em sua magnífica e angustiante história, o capital

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10 Emiliano López (org)

estrangeiro se instalou em nossas terras se apropriando da água,


das montanhas e até mesmo da própria vida.
Para além dessa expansão, o capital global entrou em uma
nova e terrível fase de crise. Uma guerra sem precedentes até aquele
momento, que destroçou os centros do imperialismo clássico, foi a
expressão mais desumanizante desta nova fase de desenvolvimento
da ordem mundial geradora de desigualdade. É nesse contexto que
surge uma nova hegemonia global que termina de se consolidar
após a Segunda Guerra Mundial: os Estados Unidos. Longe de
tentar atiçar o conflito entre potências, os Estados Unidos conse-
guiram ser o melhor representante do capital estadunidense e do
capital global por pelo menos 50 anos. Apostaram na reconstrução
da Europa para alcançar mercados rentáveis para sua expansão
industrial doméstica, viabilizaram negociações para impulsionar
fluxos de investimentos produtivos nos países do Sul, exportaram
seus padrões culturais de consumo pelo mundo, participaram
abertamente nas operações militares contra os projetos de esquerda
de vários países e impuseram regimes ditatoriais em uma série de
países do Sul. Como disse oportunamente o historiador Perry
Anderson, os Estados Unidos basearam sua nova lógica imperial
em uma combinação da força produtiva de sua economia, da sua
capacidade de domínio militar e da sua capacidade hegemônica
através da legitimidade que sua democracia e seu modelo cultural
alcançaram. É, em boa medida, “uma luva de veludo que tem
dentro uma mão de ferro”.
Para além desse sucesso do imperialismo estadunidense, as
resistências populares em todo o Sul global nos anos 1960, a Re-
volução Cubana e a derrota do império no Vietnã marcaram uma
nova crise política dessa ordem desigualitária; ao mesmo tempo,
se desenvolvia uma nova crise econômica global, talvez uma das
mais significativas para explicar o mundo em que hoje vivemos.
A crise da década de 1970 encontrou, novamente, uma saída
no imperialismo revigorado. Neoliberalismo e imperialismo se
­associaram para dar lugar a um novo ciclo de imposições financei-

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Introdução: uma caixa de ferramentas para fechar as nossas veias 11

ras, produtivas e militares do Norte para o Sul. A nova (des)ordem


global nascida dessa crise capitalista dos anos 1970 multiplicou
as desigualdades previamente existentes e gerou uma tendência à
financeirização e ao saqueio sem precedentes. Depois de declarar
a “morte das ideologias” e o “fim da história” a favor de um novo
mundo global livre, democrático e capitalista, o suposto novo sé-
culo estadunidense está, novamente, em uma crise inegável. Mas
essa crise não tem como contrapartida necessária as condições de
maior dignidade para os povos do Sul. Ao contrário, a crise do
imperialismo estadunidense acentua a barbárie: intervém mili-
tarmente de maneira direta no Oriente Médio, multiplica suas
imposições financeiras, absorve as massas de capital do mundo e
as converte em capital financeiro, desenvolve novos formatos de
guerra híbrida contra os países que não querem ceder sua sobera-
nia, da Síria até a Venezuela.
Este livro tenta, com diálogo e debate coletivo, construir
uma nova leitura acerca do imperialismo de nosso tempo. É uma
caixa de ferramentas para entender o tempo que nos cabe viver e
renovar o nosso compromisso militante contra todas as formas
de opressão. Compreender como opera hoje o imperialismo,
através de que mecanismo, delimitar a profundidade de sua crise
e as possibilidades de hegemonias alternativas permite reeditar
o compromisso com a liberação de nossos povos a partir do Sul
Global. Permite pensar que, em boa medida, devemos estancar
o sangramento causado pela espoliação dos nossos corpos, da
nossa cultura, dos nossos bens comuns e do nosso trabalho.
Permite reconstruir uma base histórica sobre a qual possamos
ficar de pé, o que Che sintetizava dizendo que, para além dos
desacordos táticos, “quanto ao grande objetivo estratégico, a
destruição total do imperialismo por meio da luta, temos que
ser intransigentes”.
Incluímos aqui cinco capítulos que atravessam uma série de
pontos de debate contra as leituras comemorativas da globalização
neoliberal, contra o “não existe alternativa”. Colocam em dúvida

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12 Emiliano López (org)

o papel que os países imperialistas concedem às nossas economias


do Sul como garantidoras de alimentos baratos, as novas (velhas)
formas da exploração trabalhista, as características da competi-
ção entre capitais em escala global, a nova estratégia militar dos
Estados Unidos no contexto de crise de seu projeto hegemônico
e os pontos nodais para interpretar a sucessão hegemônica que
vivemos como uma oportunidade, ao mesmo tempo que como
um grande risco.
Esperamos que estas linhas sejam uma contribuição para com-
preender a monstruosidade do inimigo, mas, ao mesmo tempo,
que nos levem a aprimorar nossas ferramentas e fortalecer nossas
trincheiras. Porque, definitivamente, por mais terrível que seja a
forma de operar do inimigo, sempre lutaremos por nossos sonhos
de justiça. Como nos dizia o poeta palestino Samih Al-Qassem
em seu “Informe de uma bancarrota”,
ainda que apagues teus fogos em meus olhos,
ainda que me enchas de angústia,
ainda que falsifiques minhas moedas,
ou cortes pela raiz o sorriso dos meus filhos,
ainda que levantes mil paredes,
e enfie pregos em meus olhos humilhados,
inimigo do homem,
não haverá trégua
e hei de lutar até o fim.

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