Você está na página 1de 7

Síntese do Novo Testamento (Curso de Formação Ministerial, 2014) 1

Prof. Marco Aurélio Correa

A FORMAÇÃO DO CANON DO NOVO TESTAMENTO

Os vinte e sete livros do Novo Testamento provavelmente só foram


preservados por se acharem em conexão com as coleções
eclesiásticas, e não por terem sido copiados diretamente de
originais isolados. A história do cânon tenta entender de que modo
tais coleções e, finalmente a coleção do Novo Testamento tomaram
a forma que possuem. Embora os livros do Novo Testamento só
tenham chegado até nós como parte de uma coleção aprovada pela
igreja, nenhum deles foi incorporado a tal coleção. A revelação de
Deus fora conservada de forma escrita, como se mostrava evidente
para a igreja primitiva bem no início de sua existência.
No final do século I os livros já haviam chegado ao seu destino. Nem
todos se tornaram conhecidos por todos os cristãos logo de início.
Pelo contrário, é muito provável que alguns dos cristãos primitivos
não tivessem visto todos os evangelhos, nem todas as epístolas
antes do fim do século. Além disso, muitos evangelhos, atos e
epístolas apócrifas circulavam durante o segundo século e foram
aceitos por alguns grupos, senão não teriam sequer sobrevivido. A
valiosa literatura dos cristãos primitivos que expressavam sua fé e
dedicação era preservada pelas congregações em todo o império
romano. Esta autoridade canônica repousava sobre o testemunho
ocular de doze homens.

1) DEFINIÇÃO

A palavra “Kanwn” significava primitivamente “vara ou régua” de


Síntese do Novo Testamento (Curso de Formação Ministerial, 2014) 2
Prof. Marco Aurélio Correa

uma maneira especial era usada para medir algo em linha reta, à
semelhança da linha ou régua dos pedreiros e carpinteiros. Passou
a significar metaforicamente um padrão. Em gramática significava
uma regra; em cronologia, uma tabela de datas; em literatura uma
lista de obras que podiam ser corretamente atribuídas a um
determinado autor. O processo bíblico pelo qual os livros foram
escolhidos é então chamado de canonização.

2) O CRITÉRIO CANÔNICO

Em resumo o processo foi o seguinte: os livros que chamamos de


Novo Testamento foram escritos; eles foram amplamente lidos;
foram aceitos pelas igrejas como úteis para a vida e a doutrina;
foram introduzidos na adoração pública da igreja; ganharam
aceitação através de toda a igreja e não apenas das congregações
locais; e foram oficialmente aprovados mediante decisão formal da
igreja. Porém, a igreja estabeleceu alguns critérios para selecionar
os escritos, dentre os quais destacamos:

A Apostolocidade: O material em consideração pela comunidade


eclesiástica deveria ter sido redigido por um dos doze que
conviveram com Jesus, pois eram tanto testemunhas oculares
pessoais do ministério de Cristo como os primeiros líderes da Sua
igreja. Assim sendo o testemunho deles tornou-se a primeira
autoridade nesta nova comunidade de fé. Já que estes ficaram com
a responsabilidade de instruir os novos discípulos seu testemunho
deveria ser aceito pela igreja como possuindo a autoridade de
Síntese do Novo Testamento (Curso de Formação Ministerial, 2014) 3
Prof. Marco Aurélio Correa

Jesus. Logo os seus escritos deveriam ser aceitos. Se o escrito


procedesse de alguém que não estivesse no grupo dos doze, mas
que tivesse alguma relação com estes seria aceito.

A Catolicidade: Este fator envolve a circulação, o uso e a aceitação


do livro. Já que não era fácil comprovar a autenticidade apostólica,
esta característica auxiliou e muito a confecção do Cânon. "Os
autores tinham no geral seguidores em sua igreja e comunidade,
mas só os livros usados pela igreja inteira vieram a ser incluídos no
Cânon. Como os pastores e membros das várias congregações se
comunicavam entre si, os livros mais usados se tornaram
obviamente conhecidos".

A Ortodoxia: Esta também era um importante fator na questão da


seleção. Nos relatos, livros escritos que para serem canonizados
deveriam possuir no seu bojo um conteúdo doutrinário cristalino.
Nenhum dos escritos que concorriam a uma aceitação canônica
poderia contrariar àquela ortodoxia característica das primeiras
décadas. Isto possibilitou a igreja a expor e repudiar as grandes
heresias dos primeiros séculos e preservar a pureza do Evangelho.
E quando havia erros ou obscuridades nos escritos estes eram
tirados da lista canônica.

Inspiração: A última prova para canonizar era a inspiração. Os livros


escolhidos davam evidências de serem divinamente inspirados e
autorizados. O Espírito Santo guiou a igreja para que ela discernisse
entre a literatura religiosa genuína e a falsa. Houve a necessidade
Síntese do Novo Testamento (Curso de Formação Ministerial, 2014) 4
Prof. Marco Aurélio Correa

de certo período de tempo para se concretizar.

3) OS PRIMEIROS ESCRITOS

Os doze apóstolos eram o cânon e o foram enquanto viveram, já


que a comunidade cristã dos primórdios preferia a mensagem
proferida oralmente por aquelas pessoas que testificaram, estando
presentes e participantes do ministério de Jesus. "Bem cedo na
história da comunidade cristã, quem sabe ainda dentro da quarta
década do primeiro século, surgiram os primeiros escritos que
seriam a semente onde o Novo Testamento procede. Eram
documentos rudimentares, escritos provavelmente em aramaico,
sendo que os testemunhos teriam de ser em hebraico. Esses
testemunhos eram textos do Antigo Testamento catalogados pelos
primitivos missionários com a finalidade de provar o caráter
messiânico da encarnação, ministério, morte e ressurreição de
Cristo. Muito destas listas de textos provas serviu à composição dos
evangelhos".

4) O SURGIMENTO DE UM CÂNON

A coletânea dos textos cristãos primitivos que estava começando a


ser feita trouxe um estímulo à evolução desse processo. Muito
provavelmente, no fim do século I já havia uma coleção das dez
epístolas de Paulo.

Cânon de Marcião - De concreto sabemos que uma coleção de dez


Síntese do Novo Testamento (Curso de Formação Ministerial, 2014) 5
Prof. Marco Aurélio Correa

epístolas paulinas só aparecem claramente confirmada com


Marcião, por volta do ano 140 d.C., mas é bem pouco provável que
Marcião tenha sido o primeiro a reunir tais epístolas. O cânon de
Marcião foi o primeiro a ser adotado por um grupo de seguidores de
Marcião. O cânon de Marcião provocou uma reação violenta no seio
da igreja. O fato de rejeitar certos livros mostrava que tinham sido
considerados como revestidos de autoridade no tempo de Marcião
e os oponentes deste acorreram em defesa dos livros que ele
rejeitava. Irineu atacou-o, e Tertuliano escreveu cinco livros contra
os seus erros. A organização arbitrária de um cânon por Marcião
mostrou que: os livros aceitos deviam ser considerados como
autênticos; e que aqueles que rejeitaram eram aceitos como
canônicos pelos cristãos em geral. Por volta de 150 d.C. a igreja
não tinha o seu cânon formalmente expresso; contudo, referências
prévias mostraram que a maioria dos livros do Novo Testamento
estava praticamente em uso da Síria, na Ásia Menor e em Roma; já
na metade do século II, a força do cristianismo se havia transferido
para Roma, a cidade imperial. Os ensinos heréticos de Marcião, sua
adoção de um cânon e a popularidade dos seus ensinos poderiam
ter forçado a igreja a reconhecer formalmente um Cânon.

Cânon Moratoriano - O cânon Muratoriano embora seja um


documento fragmentário revela que já havia uma lista do Novo
Testamento, provavelmente em oposição ao cânon herético de
Marcião. O Cânon Muratoriano omite Tiago, I e II Pedro e Hebreus,
o próprio manuscrito não é mais antigo do que o século VII, mas o
seu conteúdo pertence provavelmente ao último terço do século II,
Síntese do Novo Testamento (Curso de Formação Ministerial, 2014) 6
Prof. Marco Aurélio Correa

cerca de 170 d.C. O fragmento muratoriano representa uma coleção


oficial de livros que difere do Novo Testamento atual apenas pela
exclusão de quatro e a inclusão de um. Nomes como Irineu,
Tertuliano e Clemente de Alexandria são mencionados pela história
da igreja como defensores de um Cânon do Novo Testamento. Os
três grandes teólogos do fim do século II, pois, reconhecem um
Novo Testamento que contém os quatro evangelhos e uma parte
apostólica, a qual pertencem incontestavelmente as 13 epístolas de
Paulo, os Atos dos apóstolos, a 1ª carta de Pedro, a 1ª carta de
João e o Apocalipse, ao passo que a canonicidade das cartas gerais
e Hebreus não estavam determinadas, e ocasionalmente outros
escritos eram encarados e abordados canônicos. Vale salientar que
uma outra lista foi preparada por Cirilo de Jerusalém contendo todos
os livros atuais do Novo Testamento com exceção de Apocalipse.
O Cânon do Novo Testamento que obteve finalmente a aprovação
em toda a igreja foi estabelecido por Atanásio, bispo de Alexandria,
em 367 d.C. que em sua carta pascal desse ano fez uma declaração
importante para a história do Novo Testamento. Esta lista foi mais
tarde aprovada pelos concílios da igreja reunidos em Hippo Regius
em 393 e Cártago em 397, e permanece sendo o cânon do Novo
Testamento hoje. O que os Concílios da igreja fizeram não foi impor
algo novo sobre as comunidades cristãs, mas codificar o que já era
a prática geral daquelas comunidades.

5) A CONCLUSÃO DO CÂNON DO NOVO TESTAMENTO

O cânon, lista dos volumes pertencentes a um livro autorizado,


surgiu como um reforço à garantia centralizada no bispo e à fé
Síntese do Novo Testamento (Curso de Formação Ministerial, 2014) 7
Prof. Marco Aurélio Correa

expressa num credo. As pessoas, equivocadamente, supõem que


o cânon é uma lista de livros sagrados vindos diretamente dos céus
ou, imaginam que o cânon foi estabelecido pelos concílios
eclesiásticos. Não foi assim, pois os vários concílios que se
pronunciaram a respeito do problema do cânon do Novo
Testamento apenas o tornavam públicos, porque já tinham sido
aceitos amplamente pela consciência da igreja. A história do cânon
estava concluída no Ocidente no começo do século quinto, cem
anos mais cedo que no Oriente.
É evidente que nem todos os livros do atual Novo Testamento eram
conhecidos ou aceitos por todas as igrejas do Oriente e do Ocidente
durante os primeiros quatro séculos da era cristã. As variações do
cânon eram devidas a condições e interesse locais. O cânon
existente surgiu de um vasto corpo de tradição oral e escrita e de
especulação, e impôs-se às igrejas devido a sua autenticidade e
poder dinâmico inerentes. Sendo, portanto um fruto do emprego de
vários escritos que provavam o seu mérito e a sua unidade pelo seu
dinamismo interno. Alguns foram reconhecidos mais lentamente do
que os outros devido ao seu pouco tamanho ou devido ao caráter
remoto ou particular do seu destino ou até mesmo ao anonimato no
tocante a autoria, ou falta de aplicabilidade às necessidades da
igreja naquele período. Porém, nenhum desses fatores trabalham
contra a inspiração divina destes livros ou contra o seu direito de
possuir um lugar na palavra autorizada do Deus Todo-Poderoso.

Você também pode gostar