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O TRABALHO PEDAGÓGICO COMO REFERÊNCIA PARA

A PESQUISA EM EDUCAÇÃO FÍSICA

Giovanni Frizzo
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano da Escola de Educação Física da UFRGS.

Resumo
O objetivo deste artigo é aprofundar o conceito de trabalho pedagógico como referência para a pesquisa em Edu-
cação Física. Buscamos entender sob quais bases científicas (epistemológicas) e filosóficas (gnoseológicas e ontoló-
gicas) estabelece-se este como um conceito central no trato com o conhecimento da escola, na atual realidade da
educação brasileira. Essa concepção de trabalho pedagógico parte de uma perspectiva de ciência entendida como
produto social histórico, um fenômeno em contínua evolução, incluída no movimento das formações sociais e deter-
minada pelos interesses e conflitos sociais nos quais se produz.
Palavras-chave: trabalho pedagógico – Educação Física

Introdução pode suscitar a revisão de conceitos que são


eixos de sustentação do trabalho pedagógico.

A concepção de trabalho pedagógico


que utilizaremos neste estudo faz refe-
rência a uma noção ampliada do trabalho de-
Segundo Bezerra e Paz (2006), o trabalho
pedagógico, travestido de prática pedagógica,
se afasta da pretensão compreensiva e inter-
senvolvido pelo professor na escola e de suas pretativa aludida e se aproxima muito mais
possibilidades de articulação entre a macro- daquilo que se entende como as diretrizes e
estrutura sócio-política e o cotidiano da do- habilidades profissionais. Há um claro des-
cência nos espaços escolares. Nesse sentido, locamento categorial do magistério e da do-
entendemos que a concepção de trabalho do- cência, comprometido com uma perspectiva
cente, prática pedagógica, ou prática docente filosófica humanista, para o profissionalismo
não é suficiente para dar conta do universo e o tecnicismo na Pedagogia.
de compreensão que o trabalho pedagógico Na medida em que se compreende ou
possibilita na concreticidade do seu desenvol- mesmo se reduz o significado do trabalho de-
vimento e na materialidade da sua práxis. senvolvido nas escolas a uma prática – prática
A escola, por exemplo, ao fragmentar pedagógica, prática docente –, desloca-se o
seu trabalho, parece não só forjar a separação eixo da problematização do trabalho pedagó-
desses conceitos, mas também produzir uma gico, como atividade humana intelectual en-
distância surreal entre eles, levando à frustra- tendida como práxis humana, onde se dissocia
ção o trabalho de professores e estudantes que a relação teoria-prática para um protocolo de
desejam e/ou precisam emancipar sua atuação atividades burocráticas, que podem ser execu-
pedagógica. A reflexão sobre essas questões tadas por indivíduos que sejam treinados para

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isso durante a graduação ou cursado um con- verdadeiro ou não. Concordando com Freitas
junto de disciplinas acadêmicas denominadas (1989), acredito ser importante questionar as
de práticas de estágio, estágio docente, práticas tendências que defendem que a teoria peda-
de ensino e outras. A rigor o que importa é a gógica possa ser gerada na prática da escola, ao
prática da docência: observar o fazer, aprender invés de surgir a partir da prática. Esta dife-
como fazer e fazer. As atividades formativas, renciação significa que a posse da prática não
dentro do percurso formativo do professor têm é suficiente para afirmarmos que nela resida
priorizado, nos currículos, uma profissionali- uma teoria pedagógica alternativa. Como
zação e habilitação profissional que se propõe explicita Kopnin (1978), a teoria, como um
desenvolver a capacidade da docência e habili- momento do pensamento, parte da prática e a
tar para tal (BEZERRA & PAZ, 2006). ela retorna (como critério de veracidade), mas
Uma tendência importante das atuais não antes de empreender o caminho concre-
pesquisas em educação é a ênfase na descri- to-sensorial ao concreto, pela via do abstrato.
ção e análise do trabalho pedagógico nas es- Da mesma forma que o conceito de traba-
colas. Essa tendência, surgida principalmente lho docente vem sendo desenvolvido nas pro-
a partir da década de 1980, não só apresentou duções acadêmicas mais recentes, podemos
inovações metodológicas importantes, como observar uma clara perspectiva da docência
constitui um conjunto de dados que permi- como uma profissão subordinada à esfera da
tem uma compreensão da dinâmica atual da produção, sendo sua função primeira preparar
escola. Nessa caminhada é importante, no en- os filhos dos trabalhadores para o mercado de
tanto, distinguir entre prática e conhecimen- trabalho (TARDIF & LESSARD, 2005). A
to, já que a prática determina o conhecimento própria etimologia e a conceituação do termo
mas não é, em si mesma, o conhecimento. docência dizem respeito ao exercício do ma-
Como afirma Kopnin (1978, p. 171) gistério ou relativo a quem ensina (docente),
trazendo consigo uma perspectiva dos pro-
Não se pode incorporar incondicionalmente a
prática ao conhecimento como degrau deste. cessos de apropriação do conhecimento base-
A importância da prática no conhecimento ada na concepção “bancária” de educação, em
seria apenas diminuída e o prático perderia que a única margem de ação que os educado-
sua especificidade e a diferença radical que res oferecem aos educandos é a de receberem
o distingue do teórico, caso se considerasse a
prática apenas como degrau, como momento
depósitos, guardá-los e arquivá-los.
do movimento do conhecimento. É porque a
prática é a base, o fim e o critério de veracidade Na visão “bancária” da educação, o “saber” é
do conhecimento, que ela não é conhecimento uma doação dos que se julgam sábios aos que
mas determina a atividade radicalmente diver- julgam nada saber. Doação que se funda numa
sa dele. Por isso seria errôneo inserir a prática das manifestações instrumentais da ideologia
no conhecimento, sobretudo no pensamento. da opressão a absolutização da ignorância,
O marxismo não julga a prática um momento que constitui o que chamamos de alienação
subordinado, um degrau do conhecimento e da ignorância, segundo a qual esta se encon-
não a incorpora ao conhecimento, mas à teoria tra sempre no outro. O educador, que aliena
do conhecimento. a ignorância, se mantém em posições fixas,
invariáveis. Será sempre o que sabe, enquanto
os educandos serão sempre os que não sabem.
Consideramos a práxis o fundamento do A rigidez destas posições nega a educação e
conhecimento, pois o homem só conhece o o conhecimento como processos de busca
que é objeto ou produto de sua atividade por- (FREIRE, 2005, p. 67).
que atua praticamente. É nessa ação prática
sobre as coisas que se constroem as teorias e A adoção do termo “trabalho docente”
que se demonstra se nosso conhecimento é para designar a ação desenvolvida por profes-

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sores e alunos na aquisição de conhecimen- la (internet, multimídias, computadores etc)
to sistematizado, nos parece ser restritivo na vai, em geral, no mesmo sentido: o ensino se
medida em que faz referência ao trabalho do assemelha a um processo de “tratamento da
professor, não incorporando o trabalho do es- informação” e se aplicam a ele modelos de
tudante envolvido na ação pedagógica. racionalização tirados diretamente do traba-
Enguita (1991) afirma que a docência lho tecnológico, sem questionar sua validade
está ante uma ambigüidade entre o profissio- e avaliar seu impacto sobre os conhecimen-
nalismo e a proletarização. O autor chama a tos escolares, o ensino e a aprendizagem dos
atenção para o fato de que a profissionalização alunos. O mesmo acontece também com as
não é sinônimo de capacitação, qualificação, novas abordagens do trabalho (flexibilidade,
conhecimento, formação, mas a expressão de competências, responsabilidade, eficácia, ne-
uma posição social e ocupacional, da inserção cessidade de resultados etc) que se procura
em um tipo determinado de relações sociais implantar nas escolas, e que provém, na maio-
de produção e de processo de trabalho. Sendo ria, do contexto industrial e, mais amplamen-
assim, descreve um grupo profissional como te, das organizações econômicas e empresa-
uma categoria auto-regulada de pessoas que riais.
trabalham diretamente para o mercado numa Historicamente, a organização da escola
situação de privilégio monopolista. Ressalta tem sido concebida, tanto nas suas formas
que, diferentemente de outras categorias de quanto no conteúdo, estritamente relaciona-
trabalhadores, os profissionais são plenamen- da aos modelos organizacionais do trabalho
te autônomos em seu processo de trabalho, produtivo e à regulamentação dos comporta-
não tendo de submeterem-se à regulação mentos e atitudes que sustentam a racionali-
alheia. Dentre outras coisas, toda profissão zação das sociedades modernas pelo Estado.
funciona sob princípios, diretrizes, valores Neste, a concepção de educação no modo de
instrumentais e reiterativos: a racionalidade, produção capitalista parte de um pressuposto
a eficiência, a produtividade, as competências. que as desigualdades sociais, os antagonismos
Tais valores fornecem a legitimidade neces- de classes, o conflito capital-trabalho sejam
sária e os fundamentos teóricos da profissão. superados por um processo meritocrático.
A profissão também pressupõe a capacidade Mascara-se o caráter orgânico da acumula-
de manipular meios para atingir fins, deter- ção, concentração e centralização do capital e
minados a priori pelo capital. Hoje, soma-se a própria luta de classes, na medida em que se
a essas categorias a idéia das vantagens com- nivela a capacidade de trabalho dos indivídu-
parativas, a flexibilidade, o dinamismo, a po- os “potenciada” com educação ou treinamento
livalência. Todo profissional deve possuir as ao capital físico; ou seja, a força de trabalho
competências e as habilidades exigidas pelo se apresenta como uma mercadoria. O pró-
mercado se deseja ser valorizado pelo capital. prio estabelecimento de novas orientações ao
Na sociedade (capitalista) do conhecimento o processo educativo fica sob os auspícios do
capital está a exigir com mais impetuosidade mercado. Como uma das conseqüências dis-
a escolarização. so, temos a pedagogia das competências que
Segundo Tardif e Lessard (2005) pode-se orienta a formação do indivíduo pautada pelo
dizer que a escola e o ensino têm sido inva- mercado, sendo a escola uma instituição me-
didos e continuam ainda a sê-lo, por modelos diadora do processo produtivo (KUENZER,
de gestão e de execução do trabalho oriundos 2002).
diretamente do contexto industrial e de ou- As mudanças ocorridas nas relações de
tras organizações econômicas hegemônicas. trabalho e emprego têm sido caracterizadas,
A introdução de novas tecnologias na esco- na atualidade, pela ameaça de um fenômeno

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considerado por alguns autores (HARGRE- em decorrência do desenvolvimento das for-
AVES, 1998; ENGUITA, 1991; BRAVER- ças produtivas, vão assumindo e o trabalho
MAN, 1987) como uma precarização das pedagógico fica subordinado à esfera de pro-
relações de trabalho. Segundo Braverman dução, onde o professor se insere na linha de
(1987), a lógica do processo de trabalho capi- montagem.
talista seria dirigida por uma finalidade clara A essa concepção de trabalho associa-se
– garantir a conversão de força de trabalho em a concepção de ciência: conhecimentos pro-
trabalho real – sob condições que maximizas- duzidos e legitimados socialmente ao longo
sem a acumulação de capital. Dessa finali- da história, como resultados de um processo
dade seguiam-se, como corolários, duas ten- empreendido pela humanidade na busca da
dências: a imanente separação entre trabalho compreensão e transformação dos fenômenos
mental (concepção) e manual (execução) e a naturais e sociais. Assim, a ciência conforma
conseqüente desqualificação do trabalhador. conceitos e métodos cuja objetividade per-
Tal movimento, contudo, não se circunscreve mite a transmissão para diferentes gerações,
às relações de trabalho caracterizadas como ao mesmo tempo em que podem ser questio-
aquelas intrínsecas ao processo de trabalho, nados e superados historicamente, no movi-
mas compreende principalmente as relações mento permanente de construção de novos
de emprego, apresentando uma tentativa de conhecimentos.
flexibilização e até mesmo desregulamentação Sob a perspectiva marxiana, o mundo
da legislação trabalhista. A flexibilidade apa- não muda somente pela prática, requer uma
rece na organização do trabalho nas empresas crítica teórica (que inclui fins e táticas), onde
como necessária às novas formas de produção se torna indispensável a íntima conjugação
comandadas pelo mercado. de ambos fatores, superando esta dicotomia
Ao contrário do modelo fordista de produ- entre teoria-prática. A prática é fundamento
ção em série, voltado para o consumo de mas- e limite do conhecimento empírico: direito
sa, demandando grandes estoques, o momento e avesso “de um mesmo pano” (SANCHEZ
atual sugere formas mais flexíveis de organiza- VAZQUEZ, 2003). As limitações e funda-
ção e gestão do trabalho. A rígida divisão das mentos do conhecimento ocorrem, pois, em
tarefas, característica marcante do fordismo, e pela prática, que marca seus objetos de es-
cede lugar a formas mais horizontais e autô- tudo, seus fins e, ademais, é o critério empí-
nomas de organização do trabalho, permitin- rico da verdade. A práxis opera como funda-
do maior adaptabilidade dos trabalhadores às mento porque somente se conhece o mundo
situações novas, possibilitando a intensificação por meio de sua atividade transformadora, a
da exploração do trabalho. O que temos obser- verdade ou falsidade de um pensamento fun-
vado em nossas pesquisas é que os professores da-se na esfera humana ativa. Logo, a práxis
se sentem obrigados a responder às novas exi- exclui o materialismo ingênuo, segundo o
gências pedagógicas e administrativas. Con- qual sujeito e objeto encontram-se em rela-
tudo eles expressam sensação de insegurança ção de exterioridade, e o idealismo que ignora
e desamparo tanto do ponto de vista objetivo os condicionamentos sociais da ação e reação
– faltam-lhes condições de trabalho adequadas para centrar-se no sujeito como ser isolado,
– quanto do ponto de vista subjetivo. autônomo e não-social.
Nesse sentido, a finalidade do trabalho Segundo a filosofia da práxis, só entende-
pedagógico, articulado ao processo de traba- mos a teoria como “teoria de uma prática” e
lho capitalista, é o disciplinamento para a vida vice-versa, a prática sempre é “prática de uma
social e produtiva, em conformidade com as teoria”. A teoria é entendida como a compre-
especificidades que os processos de produção, ensão da prática. É elaborada a partir da práti-

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ca e, uma vez analisada e compreendida, deve ou do trabalhador. Isso exige que se diferencie
voltar sobre esta em formas de estratégias de criticamente o trabalho humano em si – por
ação. Desta maneira, cumpre-se um circui- meio do qual o homem transforma a natureza
to em que o conhecimento parte da prática e se relaciona com os outros homens para a
e volta sobre ela mesma, estabelecendo dessa produção de sua própria existência, portanto,
forma, um critério de verdade que exige uma como categoria ontológica da práxis humana
tensão dialética entre esses dois pólos contrá- – do trabalho assalariado, forma específica da
rios (GAMBOA, 2007). Uma teoria é válida produção da existência humana sob o capita-
à medida que transforma a prática, e a prática lismo, portanto como categoria econômica da
também é verdadeira à medida que transfor- práxis produtiva.
ma a teoria. Dessa relação dialética surge o O trabalho pedagógico é uma prática
princípio da validade do conhecimento como social que atua na configuração da existên-
fonte de transformação da realidade.1 cia humana individual e grupal para realizar
A terceira tese sobre Feuerbach, de Marx nos sujeitos humanos as características de
(1983), nos possibilita a compreensão de seres humanos. Essa prática social é munida
trabalho pedagógico como práxis humana, de forma e conteúdo, expressando dentro das
quando afirma que suas possibilidades objetivas as determinações
políticas e ideológicas dominantes em uma
A doutrina materialista de que os seres huma- sociedade. Evidencia-se que essas determina-
nos são produtos das circunstâncias e da edu-
ções assumem uma ordem geral que corres-
cação, [de que] seres humanos transformados
são, portanto, produtos de outras circunstân- pondem aos movimentos da economia, tanto
cias e de uma educação mudada, esquece que no sentido do modo de produção quanto das
as circunstâncias são transformadas precisa- forças produtivas. A escola, espaço institucio-
mente pelos seres humanos e que o educador nal de formação humana, cumpre determina-
tem ele próprio de ser educado. Ela acaba, por
isso, necessariamente, por separar a sociedade
ções desta prática social e o trabalho pedagó-
em duas partes, uma das quais fica elevada aci- gico procura dar conta dessa tarefa. Kuenzer
ma da sociedade. A coincidência do mudar das (2002) afirma que em uma sociedade dividida
circunstâncias e da atividade humana só pode em classes, na qual as relações sociais são de
ser tomada e racionalmente entendida como
exploração, o trabalho pedagógico desempe-
práxis revolucionária (MARX, 1983, p. 23).
nhará a função de desenvolver subjetividades
tais como são demandadas pelo projeto hege-
Partimos do conceito de trabalho pelo
mônico, ou seja, pelo capital.
fato de o compreendermos, como o faz
Compreendemos a função social da edu-
Mészáros (2006), como uma mediação de
cação física a partir do conceito de formação
primeira ordem no processo de produção
humana, utilizando a referência de Manacorda
da existência e objetivação da vida humana.
(1991, p. 78), onde desenvolvimento da for-
A dimensão ontológica de automediação do
mação humana omnilateral deve ser entendi-
trabalho é, assim, o ponto de partida para a
da como “o chegar histórico do homem a uma
produção de conhecimentos e de cultura pe-
totalidade de capacidades e, ao mesmo tempo,
los grupos sociais. Devemos ter claro, contu-
a uma totalidade de capacidades de consumo
do, que o trabalho pode ser assumido como
e gozo, em que se deve considerar sobretudo o
princípio educativo na perspectiva do capital
usufruir dos bens espirituais (plano cultural e
intelectual), além dos materiais”.
1
Nesse sentido, a tese número onze de Marx (1983) A educação, entendida como o processo
sobre Feuerbach é significativa: “As filosofias têm de formação humana, atua sobre os meios para
interpretado a realidade de diferentes maneiras, o
que importa é transformá-las”. a reprodução da vida – e essa é sua dimensão

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mais visível e prática. Essa compreensão da do processo educativo, ações que contribuam
relação entre educação e formação humana para a humanização plena do conjunto dos
encontra em Saviani (1991, p. 55-56) uma homens em sociedade. O trabalho pedagó-
formulação importante no interior do campo gico deve partir da análise de problemati-
marxista de análise social, quando afirma que zações, visando a conscientização de valores
o trabalho é o elemento que diferencia o ho- humanos, a vivência constantemente recria-
mem dos demais animais, sendo a educação, da de conteúdos culturais e buscando formas
simultaneamente, “uma exigência do e para o democráticas de interação social. Portanto, a
processo de trabalho, bem como é ela própria, concepção de educação deve contemplar uma
um processo de trabalho”. Esse mesmo autor visão de futuro que considera a condição hu-
defende a idéia do trabalho como princípio mana como objeto essencial de todo trabalho
educativo pedagógico.
Ao propormos o trabalho pedagógico
Num primeiro sentido, o trabalho é princípio como referência para a pesquisa em educação
educativo na medida em que determina, pelo
física, também o fazemos através de conside-
grau de desenvolvimento social atingido his-
toricamente, o modo de ser da educação em rações gnoseológicas e ontológicas que defi-
seu conjunto. Nesse sentido, aos modos de nem quais são as bases filosóficas de sustenta-
produção [...] correspondem modos distintos ção desta afirmação.
de educar com uma correspondente forma do- O processo lógico-gnoseológico, segundo
minante de educação. [...]. Num segundo sen-
a maneira de relacionar o real com o abstrato
tido, o trabalho é princípio educativo na me-
dida em que coloca exigências específicas que e com o concreto, se refere às concepções de
o processo educativo deve preencher em vista sujeito e objeto e a sua relação no processo
da participação direta dos membros da socie- de conhecimento. No trabalho pedagógico, o
dade no trabalho socialmente produtivo. [...]. sujeito ativo e agente transformador é o pro-
Finalmente o trabalho é princípio educativo
num terceiro sentido, à medida que determina
fessor e o objeto é a realidade ou o mundo con-
a educação como uma modalidade específica e creto da necessidade.
diferenciada de trabalho: o trabalho pedagógi- Por se tratar de uma abordagem que tem
co (SAVIANI, 1991, p. 56). na perspectiva dialética seus fundamentos,
centralizamos a relação sujeito-objeto no pro-
Para que a educação seja um instrumen- cesso. Pretendendo a concretude que se cons-
to do processo de humanização, o trabalho trói através de um processo que se origina na
deve aparecer como princípio educativo. Isto percepção empírico-objetiva, passa pelo abs-
quer dizer que a educação não pode estar vol- trato de características subjetivas, até cons-
tada para o trabalho de forma a responder truir uma síntese convalidada no próprio pro-
às necessidades adaptativas, funcionais, de cesso do conhecimento (GAMBOA, 2007).
treinamento e domesticação do trabalhador, A dialética como processo de construção do
exigidas em diferentes graus, pelo mundo do concreto do pensamento a partir do concreto
trabalho na sociedade moderna, mas sim que real, onde o que se denomina concreto não é
a educação pode ter como preocupação fun- mais do que a síntese de múltiplas determi-
damental o trabalho em sua forma mais am- nações mais simples, é o resultado, no pensa-
pla. Analisar o processo educacional a partir mento de numerosos elementos cada vez mais
de reflexões empírico-teóricas para compre- abstratos que vão ascendendo até construir o
endê-lo em sua concretude, significa refletir concreto.
sobre as contradições da nossa sociedade, Segundo Gamboa (2007), diferentemente
sobre as possibilidades de superação de suas das abordagens fenomenológico-hermenêu-
condições adversas e empreender, no interior ticas que para compreender o fenômeno dão

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ênfase à categoria espaço (situando em seu de um lado, a causalidade posta, e de outro
meio ambiente natural e/ou cultural o cenário, o pôr teleológico, constituem, sob a forma da
o lugar, o contexto geográfico), a dialética co- determinação reflexiva, o fundamento ontoló-
loca a ênfase nas categorias da temporalidade gico da dinamicidade de complexos próprios
(tempo) e na historicidade (origem, evolução, apenas ao homem, na medida em que a tele-
transformação) para explicar e compreender o ologia é uma categoria existente somente no
fenômeno. Nesse sentido, a preocupação com âmbito do ser social. Deste modo, definindo
o tempo significa que para a compreensão de o pôr teleológico como célula geratriz da vida
um fenômeno é preciso articular as diferentes social, e vislumbrando no seu desenvolvimen-
fases de sua evolução, de tal maneira que as to e complexificação o conteúdo dinâmico da
mais desenvolvidas são a chave para as menos totalidade social, impossibilita a confusão en-
desenvolvidas e vice-versa. Segundo o método tre as diretrizes e princípios que regem a vida
da economia política, a anatomia do macaco da natureza e a vida da sociedade: “a primeira
é a chave da anatomia do homem e a econo- é dominada pela causalidade espontânea, não
mia escravista é a chave da economia capita- teleológica por definição, enquanto a segunda
lista, numa relação histórica entre o presente é constituída por obra dos atos finalistas dos
(supostamente a fase mais desenvolvida) e o indivíduos”.
passado (fase menos desenvolvida). Tanto a questão do trabalho quanto a
Dentre os pressupostos ontológicos fun- complexificação da dinâmica da sociedade hu-
damentais do trabalho pedagógico estão a mana com o advento das formas superiores da
concepção de homem, de história e realidade; vida social como a formação humana, ou seja,
concepções que revelam a cosmovisão con- os processos educativos, entendidos no sentido
tida nas formas de produzir o conhecimento. mais lato do termo, são tratadas a priori a par-
A ontologia é a parte da filosofia que trata da tir da determinação recíproca e da superação
natureza do ser, da realidade, da existência dos da heterogeneidade entre teleologia e causali-
entes e das questões metafísicas em geral. A dade. Essas categorias formam a base analítica
ontologia trata do ser enquanto ser, isto é, do ser de toda e qualquer ação do ser social.
concebido como tendo uma natureza comum Por fim, faremos uma síntese do que foi
que é inerente a todos e a cada um dos seres. exposto que possibilitará uma melhor com-
O que caracteriza e determina a especi- preensão do trabalho pedagógico como refe-
ficidade da atividade humana é o fato de ser rência para a pesquisa em educação física.
uma “atividade posta”, ou seja, é a configura- Esta concepção de trabalho pedagógico
ção objetiva de um fim previamente ideado parte de uma perspectiva de ciência enten-
– teleológico. O trabalho passa a ser entendi- dida como um produto social histórico, um
do assim como a unidade entre a efetivação fenômeno em contínua evolução, incluída no
de uma dada objetividade e a atividade ideal movimento das formações sociais e determi-
prévia diretamente regida e mediada por uma nada pelos interesses e conflitos sociais na
finalidade específica. Neste sentido, Lukács qual se produz. O critério de cientificidade se
(in LESSA, 1997) define o resultado final do materializa na prática histórica, a explicação e
trabalho como uma “causalidade posta”, o que a compreensão do objeto se obtêm na medida
significa dizer que se trata de uma causalidade em que recuperamos sua gênese e seu desen-
que foi posta em movimento pela mediação de volvimento, onde os fenômenos se explicam
um fim humanamente configurado. Na ativi- pela história dos próprios fenômenos. A re-
dade laborativa, estas duas categorias, embo- lação entre sujeito e objeto é definida como
ra antagônicas e heterogêneas, formam uma concreticidade que se constrói como síntese
unidade no interior do complexo. Portanto, da relação entre sujeito-objeto.

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Nessa perspectiva o homem é concebido Esta concepción de trabajo pedagógico parte de una
como ser social e histórico que, embora deter- perspectiva de ciencia comprendida como un producto
social histórico, un fenómeno en continua evolución,
minado por contextos econômicos, políticos e incluida en el movimiento de las formaciones sociales e
culturais, é seu criador e agente transformador determinada por los intereses y conflictos sociales en los
da realidade. O conhecimento da realidade, e cuales se produce.
a apropriação de elementos que possibilitem Palabras-clave: trabajo pedagógico – Educación Física
uma análise mais avançada do contexto, das
dinâmicas sociais e a ação transformadora
Referências
dos homens se orientam para a obtenção de
maiores níveis de liberdade, autonomia e de-
BEZERRA, C.; PAZ, S. R. Profissionali-
salienação adquiridos através de permanentes
zação e formação docente: dimensões e di-
lutas e da superação das contradições sociais.
ferenciações epistemológicas entre prática
Este mesmo homem, uma totalidade históri-
pedagógica e trabalho pedagógico. In: EN-
ca concreta, que se distingue dos demais ani-
mais e da natureza, e se constrói pelas relações CONTRO INTERNACIONAL TRABA-
sociais de trabalho (produção) que estabelece LHO E PERSPECTIVAS DE FORMA-
com os demais homens, no modo de produ- ÇÃO DOS TRABALHADORES, 1., 2006,
ção capitalista, reduz-se e transfigura-se num Fortaleza. Anais... Fortaleza: LABOR/UFC,
indivíduo abstrato, cujas características fun- 2006. p. 1-23
damentais são o egoísmo e a racionalidade. BRAVERMAN, H. Trabalho e capital mo-
nopolista: a degradação do trabalho no século
Pedagogical work as a reference for research in
Physical Education
XX. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.
ENGUITA, M. F. A ambigüidade da docên-
Abstract
cia: entre o profissionalismo e a proletarização.
The aim of this article is to deepen the concept of
pedagogical work as a reference for physical education Revista Teoria & Educação, [s.l.], n. 4, 1991.
research. We try to understand the scientific/ FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 42. ed.
epistemologic and philosophical (ontologic and
gnoseologic) bases under which pedagogical work is São Paulo: Paz e Terra, 2005.
established as a core concept in dealing with school FREITAS, L. C. A organização do trabalho
knowledge in the current state of Brazilian education.
This concept of pedagogical work comes from a
pedagógico: elementos para a pesquisa de no-
perspective in which science is understood as a social vas formas de organização. In: ENCONTRO
and historical product, an ever-evolving phenomenon NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTI-
included in the movement of social formations and CA DE ENSINO, 5., 1989, Belo Horizonte.
determined by the social interests and conflicts in which Anais... Belo Horizonte: [s. e.], 1989.
it is produced.
Keywords: pedagogical work – Physical Education GAMBOA, S. S. Pesquisa em educação: méto-
dos e epistemologias. Chapecó: Argos, 2007.
El trabajo pedagógico como referencia para la
investigación en Educación Física HARGREAVES, A. Os professores em tempos
de mudança: o trabalho e a cultura na idade
Resumen
pós-moderna. Alfragide, Portugal: McGraw-
El objetivo de este artículo es profundizar el concepto
de trabajo pedagógico como referencia para la pesquisa Hill, 1998.
en Educación Física. Buscamos comprender cuáles
KOPNIN, P. V. A dialética como lógica e teoria
son las bases científicas (epistemológicas) y filosóficas
(gnoseológica y ontológica) se establece esto como un do conhecimento. Rio de Janeiro: Civilização
concepto central en el trato con el conocimiento de la Brasileira, 1978.
escuela en la actual realidad de la educación brasileña.

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KUENZER, A. Z. Exclusão includente e in- SANCHEZ VAZQUEZ, A. Filosofia da prá-
clusão excludente: a nova forma de dualidade xis. São Paulo-SP: Expressão Popular, 2003.
estrutural que objetiva as novas relações entre
SAVIANI, D. Sobre a natureza e a especi-
educação e trabalho. In: LOMBARDI, José
ficidade da educação. In: ______. Pedagogia
Claudinei; SAVIANI, Dermeval; SANFE-
histórico-crítica: primeiras aproximações. São
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Endereço para correspondência
MÉSZÁROS, I. A teoria da alienação em
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PENSAR A PRÁTICA 11/2: 159-167, maio/ago. 2008 167

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