Você está na página 1de 18

Inaiá Maria Moreira de Carvalho

CAPITAL IMOBILIÁRIO E DESENVOLVIMENTO URBANO

Inaiá Maria Moreira de Carvalho*

Este artigo analisa como a difusão do padrão de governança centrado na busca de uma
“competitividade urbana” tem levado o Estado a abandonar parte de suas funções tradicionais
de gestão e planejamento urbano, transferindo-as para atores privados, o que constitui uma
afirmação crescente da lógica do capital imobiliário sobre a estrutura das cidades e a vida de
suas populações. Discutindo a evolução recente de três capitais brasileiras, Natal, São Paulo e
Salvador, ele analisa os discursos e procedimentos que vêm sendo utilizados para justificar e
legitimar esse novo padrão de governança, assim como destaca seus efeitos adversos em termos
sociais, ambientais e urbanos.
PALAVRAS-CHAVE: Metrópoles. Capital imobiliário. Desenvolvimento urbano.

INTRODUÇÃO sobre as metrópoles do Brasil e da América Latina.


Tais pesquisas têm evidenciado que, embo-
Este trabalho se propõe a discutir como o ra quase todas essas cidades sejam, de alguma for-
capital imobiliário vem assumindo atualmente um ma, afetadas pelas mencionadas transformações,
novo protagonismo no desenvolvimento das gran- seu envolvimento nelas depende da natureza e do
des cidades brasileiras, a partir da análise da traje- alcance desse processo (que não é uniforme nem
tória recente das cidades de Natal, São Paulo e converge para um modelo único de cidade), e sua
Salvador. Ele se insere no debate sobre a nova or- dinâmica é definida pela continuidade e pela mu-

CADERNO CRH, Salvador, v. 26, n. 69, p. 545-562, Set./Dez. 2013


dem social e espacial que estaria sendo produzida dança, já que o preexistente condiciona a emer-
pelas transformações contemporâneas do capita- gência do novo, o qual, em muitos casos, já come-
lismo nos grandes centros urbanos, debate que, çara a se esboçar no passado (Mattos, 2004).
no plano internacional, foi iniciado com as refle- Notadamente, isso vale para as estruturas urba-
xões de autores como Sassen (1991), Veltz (1996), nas, que, como ressalta Préteceille (2003), não po-
Borja e Castels (1997) ou Marcuse e Kempen (2000), dem ser interpretadas como um efeito direto das
e que tem se desdobrado em numerosas pesquisas transformações recentes, pois constituem uma he-
rança histórica dos efeitos de economia e da socie-
*
Doutora em Sociologia. Professora do Programa de Pós- dade no longo prazo, o que se evidencia tanto nas
Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal
da Bahia (UFBA) e do Mestrado em Políticas Sociais e estruturas materiais do espaço construído como
Cidadania da Universidade Católica do Salvador, Brasil.
Pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Hu- nas formas sociais de valorização simbólica e de
manidades – CRH – da Universidade Federal da Bahia, do apropriação.
CNPq e do Observatório das Metrópoles – Brasil.
Avenida Anita Garibaldi, 2981. Rio Vermelho. Cep: 41940- Por isso mesmo, estudos efetuados sobre as
210. Salvador – Bahia – Brasil. inaiammc@ufba.br
A autora agradece a Marlise Duarte, Maria do Livramen- grandes metrópoles do Brasil, do Chile, do Méxi-
to Clementino, Lúcia Bógus, Suzana Pasternack e João
Marcos pelas contribuições e comentários à análise dos co, do Uruguai e da Argentina têm constatado uma
casos de Natal e de São Paulo. relativa estabilidade de suas estruturas social e

545
CAPITAL IMOBILIÁRIO E DESENVOLVIMENTO URBANO

urbana.1 Contudo, essa estabilidade não impede que dade. Como bem ressaltam Logan e Molotch (1987),
se verifiquem algumas transformações comuns, com nessas sociedades, a produção do espaço urbano
modalidades e alcance específicos em cada cidade. envolve um conflito entre o seu valor de uso e o
Destacam-se, entre elas, mudanças na estrutura eco- seu valor de troca, o que opõe, de um lado, os
nômica e social dessas cidades. Tais mudanças são moradores da cidade, interessados, sobretudo, na
associadas à reestruturação produtiva e a outras defesa da sua qualidade de vida, e, de outro, uma
exigências da nova fase de desenvolvimento capita- coalizão de interesses econômicos, comandada pelo
lista, como uma relativa desindustrialização, um capital imobiliário, que busca um maior retorno
avanço e uma maior diversificação das atividades financeiro e uma ampliação dos seus lucros, com
terciárias, flexibilização das relações de trabalho e a transformação da cidade em uma espécie de “má-
um aumento das desigualdades. Caracterizam-se quina de crescimento”.
pela expansão desses centros para as bordas e para Ao longo do processo de urbanização do
o periurbano, assim como o descenso demográfico, Brasil, como se sabe, os interesses dessa coalizão
o empobrecimento ou a própria deterioração de foram sempre dominantes. Embora o modelo das
antigas áreas centrais, paralelamente ao surgimento grandes cidades europeias estivesse no imaginário
de novas centralidades, muitas vezes associado à de suas elites, nas condições do desenvolvimento
edificação de equipamentos de grande impacto na do país (marcado pelo seu caráter excludente e pela
estruturação do espaço urbano, como shopping sua incapacidade de integrar plenamente as mas-
centers, grandes hospitais, complexos empresari- sas urbanas), as orientações que presidiram a ex-
ais ou centros de convenções. Há ainda a difusão pansão das cidades e o modelo de planejamento
de novos padrões habitacionais, com inversões urbano modernista e funcionalista não chegaram a
imobiliárias destinadas aos grupos de alta e média se generalizar. Definindo os padrões de ocupação
renda e a proliferação de condomínios verticais e e uso do solo e apoiado na centralidade e
horizontais fechados e protegidos por dispositi- racionalidade do aparato do Estado, esse modelo
vos explícitos de separação física e simbólica, como estendeu-se apenas a uma parte das cidades, a
cercas, muros e sofisticados aparatos de seguran- denominada cidade “legal” ou “formal”. Embora a
ça, o que amplia progressivamente a autossegregação maioria delas dispusesse de um Plano Diretor e
dos mais ricos, a fragmentação e as desigualdades de órgãos encarregados de sua aplicação, esses
urbanas. Finalmente, há o abandono, por parte do planos ignoravam a cidade “informal” e suas áreas
CADERNO CRH, Salvador, v. 26, n. 69, p. 545-562, Set./Dez. 2013

Estado, de boa parte das suas funções tradicionais de pobreza, desequipadas e desassistidas, bem
de planejamento e gestão urbana e metropolitana, como questões como circulação, segregação e dis-
que vêm sendo transferidas para atores privados e tribuição dos serviços e equipamentos. O cresci-
levam a uma afirmação crescente da lógica do capi- mento urbano ocorreu à margem desses planos,
tal imobiliário na produção e reprodução dessas que, como assinalam Villaça (2005) e Maricato
cidades, com impactos decisivos sobre a estrutura (2002), transformaram-se em “planos-discurso”,
urbana e a vida de sua população. com um conteúdo genérico e restrita ou nenhuma
No que se refere a essa última transforma- aplicação, cumprindo um papel eminentemente
ção, objeto do presente trabalho, inicialmente é ideológico e ajudando a encobrir o motor que efe-
preciso reconhecer que, nas sociedades capitalis- tivamente comanda os investimentos e a expansão
tas, a interferência do capital imobiliário sobre o urbana: os grupos dominantes locais, o capital
desenvolvimento urbano não constitui uma novi- imobiliário e as empreiteiras.
É verdade que, na fase de redemocratização
1
Ver, por exemplo, Taschner; Bógus, 1999; Ribeiro, 2004;
Mattos, 2004 e 2010 a e b; Shapira, 2000; Janoschka, do Brasil, foi criado e ganhou força um amplo
2002; Duhau, 2005; Sabatini, Cáceres, Cerda, 2004; movimento social com a bandeira da reforma ur-
Bayon, 2008; Carvalho, Pereira 2008 e 2010, Cordera;
Kuri; Zicardi, 2008; Gonzalez, 2010, Veiga, 2010. bana, reunindo movimentos populares por mora-

546
Inaiá Maria Moreira de Carvalho

dia, transporte e saneamento, associações profis- imobiliária, assim como recursos do crime organi-
sionais ligadas à questão urbana, entidades acadê- zado e do narcotráfico) e um novo enfoque de
micas e sindicais, grupos católicos ligados à Teo- governança, que se rege pelos princípios de
logia da Libertação e prefeitos de partidos de es- subsidiariedade estatal, ênfase nos mecanismos de
querda. A atuação desse movimento levou à in- mercado e busca de competitividade urbana, dei-
corporação, na Constituição de 1988, de determi- xando em plano absolutamente secundário o aces-
nados dispositivos e à posterior aprovação do Es- so mais justo aos fundos públicos, a redistribuição
tatuto das Cidades, que se orientava para a preser- de renda e a proteção ambiental.
vação da função social e ambiental e para a gestão Sob a influência do ideário neoliberal, de
democrática desses centros, incluindo instrumen- agências multilaterais e de alguns consultores in-
tos, mecanismos, processos e recursos para a sua ternacionais, em muitas cidades da América Lati-
realização. Contudo, apesar de um reconhecimen- na, a governança vem assumindo um novo signifi-
to internacional, as disposições do Estatuto têm cado, com o abandono da matriz de planejamento
sido muito pouco observadas, persistindo ignora- racionalista e funcionalista e a adoção do denomi-
das, contestadas ou objeto de uma intensa dispu- nado “empreendedorismo urbano”. Discutida por
ta sociopolítica e jurídica. autores como Harvey (2005), Vainer (2002),
Nessas circunstâncias, com as transforma- Maricato (2002), Gonzalez (2010) e Mattos (2010a;
ções econômicas e sociais contemporâneas, o cará- 2010b), essa governança se inspira em conceitos e
ter, a dimensão e os impactos do conflito de inte- técnicas oriundas do planejamento empresarial,
resses em torno do processo de desenvolvimento compreende a cidade, principalmente, como su-
urbano também se modificaram e se ampliaram, jeito ou ator econômico e vê como eixo central da
conforme autores como Duhau (2005) e Mattos questão urbana a busca de uma competitividade
(2010a; 2010b) e a própria observação empírica orientada para atrair os capitais que circulam no
deixam patente. A difusão das tecnologias de co- espaço sem fronteiras do mundo globalizado, de
municação e informação, a ampliação da malha forma a ampliar os investimentos e as fontes gera-
viária e o uso crescente do automóvel têm dores de empregos.
viabilizado novas formas de mobilidade e Para o alcance desse objetivo, competiria aos
conectividade e reduzido o peso do fator distân- governantes locais utilizarem estratégias de marketing
cia, provocando mudanças no comportamento para a promoção e “venda” da imagem de sua cida-

CADERNO CRH, Salvador, v. 26, n. 69, p. 545-562, Set./Dez. 2013


locacional de famílias e empresas, com a escolha de, considerando as expectativas e demandas do
de lugares mais distantes do centro urbano e uma mercado nas suas decisões e ações e criando um
ampliação e reconfiguração do território urbano e ambiente favorável e atrativo para os investimentos.
metropolitano. Tais mudanças associam-se à exi- Mirando-se principalmente na experiência de Bar-
gência de novos espaços e de infraestrutura para celona,2 entre outros aspectos, isso envolve uma
abrigar as novas atividades hegemônicas (como mercantilização e uma espetacularização da cidade,
serviços financeiros, consultoria, informática ou com a edificação de grandes equipamentos cultu-
assessoria), o turismo e a moradia, bem como o rais, a gentrificação de certas áreas, a atração de
consumo e o lazer das camadas de alta e média
2
renda, o que tem demandado a ampliação e a Idealizando experiências como as de Baltimore, Frankfurt
e Barcelona, os entusiastas do planejamento estratégico
reconfiguração da malha urbana e estimulado a não levam em conta que, nessas cidades, as principais
demandas coletivas já se encontravam atendidas, sua
construção civil. população desfrutava de um padrão de vida satisfatório e
as novas orientações foram articulados a um planejamento
A isso se soma a aceleração dos fluxos de mais abrangente, o que não ocorre nos grandes centros
capital produzidos pela globalização financeira sob do Brasil e da América Latina. Além disso, como este
trabalho deixa evidente, as formulações sobre as “cidades
o estímulo das políticas de liberalização econômi- globais” e sobre o empreendedorismo urbano também
vêm sendo utilizados para tentar encobrir e justificar ca-
ca (parte não desprezível orientada para a inversão sos patentes e até comprovados de corrupção.

547
CAPITAL IMOBILIÁRIO E DESENVOLVIMENTO URBANO

grandes eventos internacionais, o estabelecimento das orientações e do discurso do “empreendedorismo


de parcerias público-privadas e uma maior flexibili- urbano”.
dade e liberdade para a operação do capital. Como As principais empresas atuantes nesse mer-
bem ressalta Mattos (2010a; 2010b), essas orienta- cado não têm mais um caráter local ou regional.3
ções favorecem especialmente os investimentos Trata-se, agora, de grandes conglomerados, mui-
imobiliários, com os quais os governantes locais vêm tas vezes internacionalizados, que constroem obras
tendendo a negociar as condições para a sua maior como barragens, pontes e metrôs, e que, tendo
expansão, incluindo, entre elas, a flexibilização das participado dos processos de privatização, atuam,
normas relativas ao parcelamento e uso do solo e os hoje, em ramos como a petroquímica, telecomuni-
códigos de edificação antes estabelecidos para ori- cações ou a limpeza pública das grandes cidades.
entar e controlar o desenvolvimento urbano. Exemplos dessas empresas são a Odebrecht e a
Com a restrição dos recursos, das inversões OAS, que, na sua origem, eram empreiteiras
e das ações estatais, a ênfase nos mecanismos de baianas e hoje podem ser caracterizadas como
mercado e a nova primazia do capital imobiliário, multinacionais presentes em diversos setores da
esse desenvolvimento se consolida agora dentro economia, ou a Cyrela, que, em dezembro de 2010,
de uma lógica mais estritamente capitalista, igno- possuía 205 obras em andamento no país, e uma
rando, deixando em segundo plano ou até contra- previsão de vendas de oito bilhões de reais para
riando as necessidades e demandas mais amplas 2011. E, como o tamanho dos empreendimentos é
da maioria da população. proporcional ao dos players, essas empresas pos-
Como assinalam Carvalho e Pereira (2011), suem agora um novo poder de interferência sobre
no caso do Brasil, também é preciso levar em con- a estrutura urbana, conforme será visto nas pági-
ta que o crescimento econômico dos últimos anos nas que se seguem.
tem se refletido especialmente nas funções da ci-
dade e no estímulo à construção civil. As deman-
das por infraestrutura e novos espaços para ativi- O NOVO PROTAGONISMO DO CAPITAL
dades produtivas, habitação, turismo, consumo e IMOBILIÁRIO
lazer (especialmente para as camadas de média e
alta renda), assim como a dimensão da demanda A trajetória de Natal
habitacional reprimida, as políticas nacionais de
CADERNO CRH, Salvador, v. 26, n. 69, p. 545-562, Set./Dez. 2013

incentivo à habitação de interesse social, a amplia- O novo protagonismo do capital imobiliário


ção do crédito, do emprego e da renda, tornaram o foi analisado a partir de um conjunto de documen-
mercado imobiliário brasileiro um dos mais dinâ- tos e entrevistas com informantes qualificados (mem-
micos do mundo. Só o mercado de Hong Kong bros da academia e do Ministério Público, urbanis-
vem apresentando um melhor desempenho. So- tas e participantes de movimentos sociais) sobre a
mado à recente crise financeira e imobiliária dos trajetória recente de três capitais que expressam a
países centrais, isso vem tornando o mercado na- diversidade das características socioeconômicas,
cional bastante atrativo para os capitais internacio- demográficas e urbanas das cidades brasileiras,
nais (The Economist, 2011; Exame, 2011). Natal, São Paulo e Salvador, onde a relevância do
Nesse contexto, o capital imobiliário e a fenômeno em apreço vem se mostrando evidente.
coalisão de interesses por ele comandada vêm ad- A primeira dessas cidades é a capital do
quirindo novo poder e protagonismo no que tange Rio Grande do Norte, um estado com uma partici-
ao desenvolvimento das cidades, acentuados, in- pação pouco significativa na vida econômica do
clusive, pelo seu atual porte e perfil, pela sua maior
3
capacidade de intervenção no espaço urbano e pelo Sobre o perfil das empresas e o processo recente de
reestruturação do setor imobiliário no Brasil, ver Cardo-
grau de liberdade que passaram a desfrutar a partir so e Aragão, 2012.

548
Inaiá Maria Moreira de Carvalho

país, mas que, a partir da década de 1970, experi- no foi elaborado a partir de um extenso e
mentou um significativo crescimento econômico, aprofundado diagnóstico da cidade real e com uma
com a implantação, em seu território, de novas e ampla participação de intelectuais, urbanistas, en-
modernas atividades, a exemplo de um polo têxtil tidades profissionais, movimentos ecológicos e
e de confecções, da carcinicultura e de um polo de movimentos populares locais. Orientando-se para
fruticultura irrigada para exportação, da explora- o pleno desenvolvimento das funções sociais da
ção de petróleo na Bacia Potiguar e de uma grande propriedade urbana e da cidade e procurando as-
expansão do turismo no seu litoral. segurar o uso socialmente justo e ecologicamente
Contando com apenas 359.936 habitantes equilibrado do seu território, ele incorporou vári-
em 1980, Natal foi beneficiada pelos impactos di- os princípios e mecanismos inovadores (que vie-
retos e indiretos dessas novas atividades e, espe- ram, posteriormente, a ser incluídos no Estatuto
cialmente, pela implantação de uma ampla das Cidades), como a outorga onerosa, a transfe-
infraestrutura turística para a exploração de suas rência do potencial construtivo, o IPTU progressi-
características culturais e ambientais. A estrutura vo no tempo, a criação de zonas especiais de inte-
econômica e urbana da cidade se transformou, resse social e ambiental (com destino específico e
experimentando uma significativa expansão e mo- normas próprias de uso e ocupação do solo) e de
dernização. Sua população cresceu bastante, che- um fundo de habitação para investimentos de in-
gando a 712.312 habitantes no ano 2000 e a 803.739 teresse social.
em 2010, além de comandar uma região metropo- Mas nem todas essas disposições se materi-
litana com 1.351.004 moradores segundo o último alizaram.4 Com a mudança do prefeito e da com-
Censo (Clementino, 2003). posição da Câmara, cresceram as pressões para uma
Como seria de esperar, o processo de ex- revisão do Plano, orientadas pelos interesses do
pansão e modernização da cidade foi estreitamen- setor imobiliário. Com o pretexto de que sua rigi-
te articulado com a expansão imobiliária, elevan- dez estaria prejudicando a cidade em termos da
do o preço de terra urbana e dos imóveis e estimu- implantação de uma infraestrutura urbana moder-
lando a especulação, entre outros aspectos, por- na e do recolhimento de impostos, a nova admi-
que os encantos naturais dessa capital começaram nistração municipal assumiu outra postura, pas-
a atrair europeus em busca de uma segunda resi- sando a promover modificações fragmentadas para
dência nos trópicos, com baixos custos, tendo em viabilizar (sem grandes questionamentos e reações)

CADERNO CRH, Salvador, v. 26, n. 69, p. 545-562, Set./Dez. 2013


vista o poder aquisitivo de suas moedas no merca- um maior adensamento das áreas mais valoriza-
do imobiliário local. das e cobiçadas da cidade, cujo crescimento e
Embora a cidade não escapasse dos “planos- modernização continuavam a ser impulsionadas
discurso”, a preservação do meio ambiente e do principalmente pelo turismo. Isso desencadeou
cenário paisagístico é uma antiga preocupação local processos de caráter segregador e elitista, com a
e, por isso, já em 1984, o seu Plano Diretor procu- verticalização de certas áreas, a expansão de con-
rou proteger algumas áreas consideradas como domínios horizontais fechados, a implantação de
patrimônio da sociedade e como áreas especiais tu- grandes equipamentos de comércio e serviços para
rísticas, como o Parque das Dunas, a enseada de as camadas de maior renda e a ocupação de áreas
Ponta Negra e o Morro do Careca. Além disso, con- distantes e frágeis pelos grupos mais pobres.
forme o rico estudo de Duarte (2011), em 1994, Natal Em 2004, iniciaram-se os trabalhos relati-
passou a contar com um Plano Diretor que repre- vos à revisão do Plano Diretor de 1994, que termi-
sentou um marco na construção de direitos e na
4
Como assinala Duarte, no que tange à regularização e
definição de espaços protegidos na cidade. urbanização das ocupações populares, por exemplo, as
Com uma origem política e intelectual vin- intervenções foram pontuais e limitadas, e nem todas as
áreas de proteção ambiental foram realmente
culada ao movimento de reforma urbana, esse pla- institucionalizadas.

549
CAPITAL IMOBILIÁRIO E DESENVOLVIMENTO URBANO

nou sendo aprovado em 2007, mas com uma Grande do Norte, um Plano de Desenvolvimento
tramitação bastante tumultuada. Essa revisão con- do Setor Imobiliário e da Construção Civil, ofere-
tou com uma intensa participação dos diversos cendo-lhe uma série de benefícios em termos tribu-
segmentos da sociedade e discutiu amplamente as tários, ambientais e sociais, além de assinalar a ne-
condições, os problemas e os destinos da cidade. cessidade de “[...] reconciliar a prefeitura de Natal
Contudo, quando o texto com o projeto de lei foi com a totalidade dos mercados imobiliários e da
levado para a apreciação da Câmara, os vereadores construção civil” (Duarte, 2011, p.463).
introduziram um conjunto de emendas de inte- Empenhou-se na divulgação dos atributos
resse do capital imobiliário, suprimindo a prote- positivos e na “venda” da cidade, apresentando-a
ção à paisagem da Via Costeira e a possibilidade como um lugar ideal e seguro para investir e para
de o poder executivo institucionalizar novas áreas viver, em declarações como a que foi publicada em
non edificandi, reduzindo o percentual da outorga um caderno de propaganda da Real Estate
onerosa e prorrogando o prazo para o seu paga- Investiments de Propriedades Imobiliárias, onde
mento, elevando o potencial construtivo de diver- a prefeita enfatiza que:
sas áreas e o gabarito de outras especialmente co-
Los embestidores serán tratados como socios –
biçadas pelos construtores, como o entorno do en una sociedad que debe ser reflejada en
Parque das Dunas e o bairro de Mãe Luiza.5 beneficios para las personas que viven en Natal
tras la generación de empleos mejores, rentas y
Essas emendas foram aprovadas em uma
calidad de vida. En eso contexto el segmento
sessão fechada, à qual tiveram acesso poucas pes- inmobiliario es considerado como un dos más
soas escolhidas e com senhas distribuídas pelos importantes pela la economía de la ciudad de
Natal. El gobierno municipal reconoce ese valor
vereadores, suscitando uma grande indignação da y valonara nuevas inversiones, garantiendo la
sociedade, principalmente quando se descobriu seguridad jurídica a los proyectos que están den-
tro de las reglas y leyes establecidas (Duarte,
que essa aprovação fora viciada pela corrupção dos
2011, p. 468).
16 vereadores que a apoiaram. Essa corrupção foi
comprovada (e cinco anos depois os vereadores Entre outras iniciativas, a referida “reconci-
condenados), o Ministério Público entrou com uma liação” envolveu a realização de um grande mutirão
ação direta de inconstitucionalidade e as referidas para agilizar a concessão de novas licenças cons-
emendas terminaram não surtindo efeitos, com a trutivas (em uma semana, 200 delas foram libera-
afirmação, no novo Plano, dos princípios, deter- das); o envio de um projeto de lei à Câmara Muni-
CADERNO CRH, Salvador, v. 26, n. 69, p. 545-562, Set./Dez. 2013

minações e conquistas do seu antecessor. cipal propondo a alteração de várias prescrições


Mas, na fase de sua implantação, com os efei- do Plano de 2007 e recuperando o que ficou co-
tos da crise global e a retração dos capitais externos, nhecido como a “emenda do Mãe Luiza; além da
a redução da demanda de imóveis por estrangeiros revisão e a liberação de grandes empreendimentos
e a ascensão de uma nova prefeita, os interesses do em zonas especiais de interesse ambiental, con-
capital imobiliário voltaram a ser privilegiados. Ar- trariando frontalmente os dispositivos legais que
ticulada com esse setor e alegando ser preciso ame- asseguram sua proteção. Não por acaso um dos re-
nizar os efeitos da crise, gerando emprego e renda presentantes do setor imobiliário chegou a explicitar
para a população, logo de início, a nova adminis- que “[...] a prefeitura teve uma visão agora muito
tração lançou, na Federação das Indústrias do Rio mais focada no mercado do que simplesmente se
5
prendendo à legislação. Ou seja, adequou a legisla-
No entorno do Parque das Dunas, zona especial de inte-
resse ambiental e turístico, passaria a ser permitida a ção ao mercado. Foi um passo importante, porque
construção de edifícios com até 31 andares. O bairro de
Mãe Luiza, protegido como zona especial de interesse o mercado é muito dinâmico” (2011, p. 46).
social, seria afetado por uma emenda aparentemente ino-
fensiva sobre terrenos lindeiros, cuja aprovação elevaria É verdade que a pronta reação do Ministé-
o seu potencial construtivo, estimulando a compra dos rio Público e a significativa mobilização da socie-
seus modestos imóveis pelas construtoras e a expulsão
branca de sua população. dade organizada barraram algumas das referidas

550
Inaiá Maria Moreira de Carvalho

iniciativas e levaram a prefeitura a retirar sua pro- multiplicação de grandes condomínios residenciais
posta de modificação do Plano Diretor vigente, cujo e multifuncionais, torres de escritório, casas de es-
conteúdo não sofreu alterações substanciais. Con- petáculo, hotéis e centros de convenções.
tudo, na avaliação de Duarte, os embates em torno Ocorre que alto crescimento demográfico e
desse conteúdo e a estreita aliança entre o executi- urbano dos grandes centros tem ocasionado uma
vo municipal e os interesses imobiliários contri- escassez relativa do solo urbano e uma elevação
buíram para fragilizar os direitos e avanços con- do seu preço, levando os setores imobiliários a
quistados desde o Plano Diretor de 1994. Isso se operarem crescentemente através da reconstrução
evidenciaria, por exemplo, pela não regulamenta- e modernização de certas áreas da cidade e a bus-
ção de alguns espaços especiais de interesse social carem uma maior rentabilidade para seus investi-
e ambiental, do processo de outorga onerosa e dos mentos pela intensificação do uso do solo e pela
instrumentos voltados para evitar a retenção edificação de novos e mais lucrativos tipos de
especulativa de imóveis, pela persistente ameaça a empreendimentos (Cobos, 2012). Com isso, au-
zonas especiais de interesse social (como o bairro mentaram as pressões e disputas por um maior
de Mãe Luiza), ou pela liberação de licenças para a acesso ao referido solo e pela ampliação de seus
edificação de grandes empreendimentos em áreas coeficientes de ocupação, notadamente em áreas
de fragilidade ambiental, com riscos de efeitos ad- mais valorizadas ou com potencial para elevar a
versos em termos da paisagem, da circulação dos sua valorização.
ventos, do clima e da contaminação do solo.6 No caso de São Paulo, a intensificação em
apreço vem sendo viabilizada principalmente atra-
vés de parcerias entre o setor público e o privado
A experiência de São Paulo para a reurbanização de determinados espaços da
cidade, com um aumento substancial de seu po-
Processos semelhantes vêm ocorrendo tam- tencial construtivo. Discutidas por autores como
bém em São Paulo, a maior e mais importante das Fix (2001), Ferreira (2007), Pessoa e Bógus (2008)
capitais brasileiras, com uma população de ou Nobre (2009), essas parcerias começaram a ser
11.253.503 habitantes, que, juntamente com sua implementadas na segunda metade da década de
região metropolitana, concentra boa parte da pro- 1980. Apresentadas, na época, como alternativas
dução industrial do país, sedes de grandes empre- para resolver o problema das favelas na capital

CADERNO CRH, Salvador, v. 26, n. 69, p. 545-562, Set./Dez. 2013


sas, bancos, financeiras e serviços mais modernos paulistana, de fato, elas justificaram alterações pon-
e qualificados, articulando a economia nacional com tuais e casuísticas na lei do zoneamento e no Códi-
os circuitos da economia mundializada e sendo go de Obras de interesse do mercado imobiliário,
qualificada por alguns como uma “cidade global” mas tiveram um alcance restrito, pois não foram
ou como candidata a sê-lo. Tanto essas característi- capazes de criar novas zonas de investimento maci-
cas como as transformações e o crescimento recen- ço pelos diversos agentes privados, o que passou a
tes da economia brasileira têm ocasionado uma maior ocorrer a partir de 1995, na gestão Maluf, com as
expansão da cidade e de sua região, estimulando chamadas Operações Urbanas Consorciadas.7
bastante o crescimento das atividades imobiliárias e 7
Conforme estudo de Fix (2001), na segunda metade dos
contribuindo para a emergência de novas formas de anos 1980, foi aprovada a chamada Lei do
Desfavelamento, que garantia aos proprietários de terre-
produção e consumo do espaço urbano, com a nos ocupados por favelas construir mais que o permiti-
do pela lei de zoneamento, destinando parte desse lucro
adicional à construção de casas populares na periferia,
que seriam doadas ao poder público. Em 1987, esse tipo
6
Em uma dessas áreas, o empreendimento residencial River de parceria passou a ser chamado de Operações Interliga-
Side ocuparia 39.191,50 m², com sete torres de 15 pavi- das e, segundo Nobre, na proposta do Plano Diretor de
mentos e uma previsão de 1470 moradores. Um outro, a 1985-2000, a expressão Operação Urbana foi incluída
Nova Petrópolis, envolveria a construção de 14 torres de para denominar um instrumento urbanístico orientado
19 a 21 pavimentos em uma área de 89.099,83 m², onde para a produção de habitação popular, infraestrutura,
poderiam residir 3.808 pessoas (Duarte, 2011, p. 500). equipamentos coletivos e transformações urbanas.

551
CAPITAL IMOBILIÁRIO E DESENVOLVIMENTO URBANO

Constituindo um instrumento legal de re- gualdades sociais e urbanas, como deixa patente a
novação e (ou) de ampliação da infraestrutura ur- mais conhecida dessas operações.
bana, essas operações são definidas como um con- Trata-se da Operação Urbana Faria Lima, que
junto de intervenções e medidas coordenadas pelo começou a deslanchar em 1995, quando o então
poder público municipal, com a participação da prefeito Paulo Maluf aprovou, na Câmara, uma pro-
iniciativa privada, visando a alcançar transforma- posta de extensão dessa avenida e de criação de
ções estruturais, melhorias sociais e a valorização uma centralidade terciária de alto nível na marginal
ambiental de uma determinada área da cidade, com do rio Pinheiros (região valorizada que ainda dis-
mudanças nos seus padrões de ocupação. Levan- punha de terrenos relativamente extensos e bara-
do o município a atuar como indutor e regulador tos, com um valor fundiário bastante promissor),
dessas transformações, viabilizando melhorias ur- com a justificativa de que era necessário atender às
banas e a apropriação pública de parte dos ganhos novas demandas das grandes empresas globalizadas
gerados pelos investimentos privados mediante a para ampliar a competitividade urbana de São Pau-
cobrança do potencial adicional de construção, em lo e viabilizar sua vocação de cidade mundial.
tese, essas operações teriam um caráter progressis- Com esse discurso e a realização de grandes
ta, redistributivo e coerente com as disposições do obras públicas, a área dessa operação se transfor-
Estatuto da Cidade. Na prática, porém, não é isso mou na maior frente de negócios e de consumo,
que vem se dando, conforme pesquisas dos auto- cercada por bairros residenciais de alto padrão, con-
res acima mencionados. centrando novas torres, “edifícios inteligentes” e
A implementação dessas operações não tem outros megaempreendimentos e experimentando
ocorrido a partir de um planejamento que leve em uma significativa valorização. Mas essas transfor-
conta as necessidades e prioridades urbanísticas mações também envolveram a erradicação de algu-
mais amplas da cidade, e sim como respostas a mas favelas que ocupavam as margens do córrego
interesses específicos do mercado, restritos às áre- de Águas Espraiadas (onde foi construída uma via
as mais valorizadas e melhor equipadas do espaço expressa) e a substituição de antigas residências
urbano, no caso de São Paulo, ao quadrante sudo- unifamiliares das classes médias por edifícios de
este, onde se concentram a infraestrutura, os ser- alto padrão, com a expulsão ou deslocamento de
viços e os bairros de maior renda. Para que a inici- pelo menos 20.000 dos antigos moradores8 e a
ativa privada venha efetivamente a participar des- elitização da área, com impactos sobre a conforma-
CADERNO CRH, Salvador, v. 26, n. 69, p. 545-562, Set./Dez. 2013

sas operações e arcar com parte de seus custos, ção da cidade e sobre os seus padrões de segrega-
também vem sendo preciso que o Estado amplie ção. Finalmente, a expectativa de que a operação
sua atratividade, com a realização de investimen- seria autofinanciável não teve confirmação. Confor-
tos prévios e grandes obras públicas, concentran- me avaliação de Ferreira (2007), em outubro de 2002,
do recursos em áreas já privilegiadas, funcionan- ela já teria custado aos cofres públicos mais de meio
do como um grande empreendedor imobiliário e, bilhão de reais e, de acordo com Nobre (2009), em-
na expressão de Fix, como o principal “sócio” da bora o município tenha arrecadado 306 milhões com
iniciativa privada na renovação de grandes áreas a venda de quase um milhão de m² adicionais, os
da cidade, de forma a reduzir seus riscos e ampli- gastos com as obras públicas chegaram a 715 mi-
ar suas possibilidades de lucro. Ademais, lhões, beneficiando, fundamentalmente, proprietá-
melhorias sociais e ambientais e maiores ganhos rios de terrenos, construtoras e outras empresas e
para as finanças municipais não têm sido observa- usuários do transporte individual.
dos, registrando-se, antes, uma elitização das áre- 8
Conforme pesquisa de Fix (2001), sem outras alternati-
vas de moradia, uma parte dos moradores das favelas
as afetadas pelas transformações em apreço (com a terminou sendo transferida para as margens da empresa
expulsão de parte de seus moradores), uma maior Billings, área de proteção de mananciais, em caminhões
da própria prefeitura, que promoveu a ocupação e a trans-
concentração da riqueza e um aumento das desi- gressão da lei nas margens da referida empresa.

552
Inaiá Maria Moreira de Carvalho

Apresentam uma lógica similar as medidas mercado, tampouco inclui mecanismos para res-
recentemente tomadas para a requalificação da re- tringir a expulsão dos atuais ocupantes da região.
gião da Luz, área degradada do Centro, que se tor- Além disso, os cofres públicos municipais deveri-
nou mais conhecida e vem sendo estigmatizada am repassar até R$355 milhões à empresa que ven-
como a “Cracolândia”. Há anos que o poder públi- cesse a licitação para restaurar a área, uma vez que
co vem investindo nessa área, principalmente em os cálculos de viabilidade econômica não consi-
equipamentos culturais, visando a modificar sua deraram o quanto o negociador dos futuros prédi-
imagem negativa, atrair um novo público e desen- os iria lucrar com a venda dos imóveis e a trans-
cadear um ciclo de investimentos privados pela formação da área em um bairro moderno e com
valorização imobiliária de seu entorno. Em 2005, equipamentos públicos de primeira qualidade,
porém, essas iniciativas foram ampliadas e sofre- apesar de o faturamento previsto chegar a R$5,1
ram uma reorientação. Sem qualquer consulta ou bilhões em um período de 15 anos (Folha de
discussão com os moradores, pequenos proprie- S.Paulo, 12 ago. 2012).
tários ou comerciantes locais, o então prefeito Gil- Em agosto de 2011, o prefeito apresentou o
berto Kassab lançou um projeto denominado Nova projeto final de revitalização, anunciando que a
Luz, declarando de utilidade pública 362 hecta- empresa que faria a reforma seria escolhida no pri-
res, com a previsão de 30% de demolição dos quar- meiro semestre de 2012 e que as obras começariam
teirões ali incluídos. Também foi anunciado um logo em seguida. Contudo, ameaçados pela
programa de abatimentos e isenções fiscais para gentrificação e pela expulsão, a Associação de Co-
atrair possíveis investidores e desencadeadas ações merciantes do bairro de Santa Ifigênia ajuizou uma
para combater o consumo de crack e a concentra- ação popular contra a Prefeitura do município de
ção na área de seus consumidores. São Paulo, acolhida pela justiça com uma liminar
Mas é a partir de 2009, segundo Mourad que suspendeu a concessão urbanística em discus-
(2012), com a introdução da concessão urbanística são. Apesar da insistência do poder local e do assé-
e a aprovação da Operação Urbana Nova Luz, que dio de investidores nacionais e estrangeiros para a
vai se cristalizar uma articulação entre o poder local compra de imóveis, a população continuou mobili-
e o mercado, colocando a área em apreço no centro zada contra o projeto, e o enfrentamento persistiu,
das atenções do capital imobiliário. Levando em inclusive com a acolhida pelo judiciário de uma
conta não um projeto pré-elaborado, mas a experi- ação civil pública proposta pela Defensoria Pública

CADERNO CRH, Salvador, v. 26, n. 69, p. 545-562, Set./Dez. 2013


ência dos candidatos na recuperação de espaços de São Paulo, visando à sua anulação (Mourad,
degradados, a concessão urbanística transferiu para 2012). Com as eleições e a mudança recente da ad-
a iniciativa privada o poder de desapropriar imó- ministração municipal, porém, o projeto foi parali-
veis residenciais e comerciais (cujo valor se encon- sado, sendo anunciado que, embora a requalificação
tra atualmente bastante depreciado) para reformar, da área continue a ser prioritária, ela será revista,
demolir, construir e lucrar com sua valorização imo- deixando de delegar poderes a expropriatórios da
biliária e venda. Em troca, deveria ser implementado iniciativa privada, procurando dialogar como todos
um processo de revitalização urbana que inclui a os interessados e investindo principalmente na pro-
recuperação ou a edificação de (novas) calçadas, dução de novas moradias populares. (Folha de
praças, creches, postos de saúde e ciclovias, assim S.Paulo, 16 dez 2012;1 e 16 fev. 2013).
como a implementação de um polo de comércio e A tentativa de venda de um terreno público
de serviços e de uma área de cultura e entreteni- no Itaim Bibi e a reação de moradores contra o
mento, com cinemas, teatros e cafés na região. avanço do capital imobiliário em diversos bairros
A proposta dessa revitalização não privile- paulistanos são igualmente ilustrativas do novo
gia a produção de habitações de interesse social, poder desse capital e de suas relações estreitas com
orientando-se pela lógica seletiva e excludente do o governo local. Em 2011, por sugestão do sindi-

553
CAPITAL IMOBILIÁRIO E DESENVOLVIMENTO URBANO

cato de empresas construtoras, o então prefeito moradores, para quem esses empreendimentos
Gilberto Kassab conseguiu aprovar na Câmara, na
[...] às vezes acabam ocupando o quarteirão intei-
calada da noite,9 uma lei que o autorizava a negociar ro, sem diálogo com a rua, o bairro e o entorno. As
o chamado “quarteirão da cultura”, então em proces- pessoas que moram nesses condomínios não têm
nenhuma relação com o bairro, nenhuma história
so de tombamento, contra o parecer dos órgãos de
de vida com o bairro... Simplesmente pegam o
preservação do patrimônio, o repúdio dos morado- carro e vão para o trabalho, e quando querem se
res do bairro e os protestos da sociedade mais am- divertir se dirigem ao shopping. (entrevista com
integrante do movimento da Vila Sônia).
pla. Tratava-se de um valioso terreno municipal de
20.000 m², localizado no Itaim Bibi (área nobre da Por isso mesmo, organizados em entidades
cidade) e densamente arborizado, onde estão instala- e comunidades na internet, moradores de diver-
dos serviços públicos que atendem a milhares de sos bairros paulistanos têm se mobilizado em de-
usuários e são reconhecidos pela sua excelência, como fesa de sua qualidade de vida e declarado uma
escolas, postos de saúde, teatro e biblioteca. verdadeira guerra contra os grandes lançamentos
A entrega desse terreno, onde uma constru- imobiliários, alcançando algumas vitórias. No
tora pretendia edificar quatro prédios, cada um com Butantã, por exemplo, associações do bairro obti-
25 apartamentos de alto luxo, seria deita com a veram uma liminar na justiça que paralisou a ope-
troca da construção de 200 creches na periferia, ração urbana Vila Sônia. Sem consultar a popula-
com o argumento de que a iniciativa privada teria ção, essa operação estimulava a construção de pré-
mais agilidade que o poder público para localizar dios e previa a atração de mais 37 mil pessoas para
áreas, comprá-las e edificar essas creches. Mas a a área, permitindo que as construtoras elevassem
população reagiu (entre outras iniciativas, com um empreendimentos residenciais e comerciais em tro-
abaixo assinado com 12 mil assinaturas e um grande ca de taxas antecipadas pagas à prefeitura.
“abraço” ao quarteirão), descobriu-se que a venda Na Vila Mariana, cujo valor do metro qua-
de terrenos municipais só poderia servir para o drado foi dos que mais cresceu na cidade, grupos
pagamento de precatórios, e a transação foi barrada como o “Salvem os quintais” ou “Do outro lado do
pela justiça, considerando que a referida lei pode- muro” se mobilizam para tentar frear a edificação
ria trazer prejuízos irreversíveis para a cidade (Fo- de espigões em suas ruas arborizadas e ainda chei-
lha de S.Paulo, 08 jul; 05 ago 2011). A área foi as de casinhas. Na Vila Romana, têm ocorrido pro-
tombada (impedindo a construção de torres e dei- testos contra as construtoras e seu “espetáculo
CADERNO CRH, Salvador, v. 26, n. 69, p. 545-562, Set./Dez. 2013

xando de interessar às construtoras), e a prefeitura imobiliário”, que vendem o bairro como “[...] re-
terminou desistindo do plano, alegando não ha- pleto de cultura local, casinhas charmosas”, en-
ver tempo hábil para implementá-lo nessa gestão. quanto tratores e escavadeiras o exterminam” (Fo-
Embora São Paulo seja uma cidade bastante lha de S.Paulo, 22 nov. 2011).
verticalizada, com a construção de prédios eleva- Em Pinheiros, moradores procuraram im-
dos desde a década de 1920, ela também possui pedir a demolição de um casarão tradicional e de
bairros tradicionais, onde predominam residênci- significativo valor arquitetônico, localizado em uma
as unifamiliares ao lado de um comércio local. Com área de 2.000 m², comprado por uma construtora
o crescimento econômico, a escassez de terrenos e para a edificação de prédios, propondo sua trans-
a ampliação do crédito imobiliário nos últimos formação em um centro cultural. Um grupo deno-
anos, porém, vários desses bairros vêm sendo as- minado “Moradores de Pinheiros contra a
sediados e ameaçados de descaracterização por verticalização desenfreada” conseguiu obter uma
empresas imobiliárias interessadas na edificação liminar contra essa demolição, mas o casarão foi
de megacondomínios, repudiados pelos antigos derrubado na calada da noite, e o grupo luta agora
pela sua transformação em um parque público (Fo-
9
Mais precisamente, às 23:30 horas. lha de S.Paulo, 30 abr. 2012).

554
Inaiá Maria Moreira de Carvalho

O caso extremo de Salvador xamente pelo denominado planejamento estraté-


gico, “doado” por empresas do setor imobiliário à
Em nenhuma dessas cidades, porém, o fenô- cidade, que, com o pretensioso título de “Salva-
meno em discussão chegou aos extremos registrados dor Capital Mundial” (Prefeitura Municipal de
em Salvador, capital do Brasil na fase colonial, que Salvador, 2010), propunha um amplo conjunto de
hoje constitui a terceira maior cidade do país, com intervenções para direcionar o seu desenvolvimen-
uma população de 2.675.656 habitantes. to, com singelas declarações do alcaide:
Em Salvador, o poder da coalisão de inte-
Recentemente apresentamos a empresários, à im-
resses privados sobre o desenvolvimento da cida- prensa e à sociedade o masterplan intitulado Sal-
de cresceu bastante nos últimos anos, como anali- vador Capital Mundial, um plano completo de
reconfiguração urbana para Salvador, com 22 pro-
sam Carvalho e Pereira (2012), inclusive pela sua
jetos estruturantes, incluindo novas avenidas, via-
estreita e agora explícita articulação com a prefeitu- dutos, requalificação da Orla Marítima, da Cidade
ra local. Essa articulação se expressou na aprova- Baixa e Península Itapagipana, elaborados por um
grupo de arquitetos e urbanistas [...].
ção, em 2004, de um novo Plano Diretor de De- As diversas empresas participantes, dos setores de
senvolvimento Urbano, gestado e orientado para arquitetura, urbanismo, construção pesada e ou-
tras, contribuíram da forma que entenderam como
os interesses do mercado imobiliário, flexibilizando
mais eficaz para a elaboração deste trabalho. Um
e alterando normas e instituindo outros mecanis- projeto que a Prefeitura de Salvador não teria como
mos para facilitar (ainda mais) a apropriação por encomendar e pagar a famosos escritórios de pla-
nejamento urbano (João, 2010b. Conforme Carva-
esses setores de mais valia urbana. Pouco preocu- lho e Pereira, 2011. Grifo dos autores).
pado com os grandes problemas da cidade, como
a carência de infraestrutura e serviços básicos, a Como ressaltam Carvalho e Pereira (2012),
habitação popular ou o transporte e a mobilidade, esses projetos não formavam um corpo coerente
o Plano visou basicamente à modificação de nem integravam um plano único, sendo a expres-
parâmetros construtivos e a elevação do gabarito são de interesses pontuais e direcionados para áreas
na “área nobre” da cidade, como desejavam os da cidade sobrevalorizadas e saturadas (caso das
empreendedores imobiliários. áreas onde o adensamento construtivo foi além da
Bastante questionado, esse Plano foi apro- capacidade de suporte da infraestrutura instala-
vado pelos vereadores na calada da noite, recebeu da), ou para áreas do centro tradicional, com me-
muitas e suspeitas emendas e terminou sendo ob- nor valorização do solo e onde, como forma de

CADERNO CRH, Salvador, v. 26, n. 69, p. 545-562, Set./Dez. 2013


jeto de uma ação por parte do Ministério Público, viabilizar seu uso, o projeto justificaria a desapro-
entre outros motivos porque desrespeitava as dis- priação dos imóveis dos atuais proprietários. Como
posições do Estatuto da Cidade no que tange à seria de esperar, a localização dessas intervenções
participação popular. Mas esse processo não teve ignorava as áreas socialmente carentes da cidade,
efeitos práticos, pois o Ministério Público só ga- concentrando-se naquelas onde a especulação imo-
nhou a ação quatro anos depois, quando o referi- biliária pode ampliar seus ganhos.
do Plano já tinha sido revisado, com o mesmo Nem o detalhamento das propostas nem a
tipo de motivação. O eixo central dessa revisão foi identificação dos seus financiadores foram divul-
um claro incremento nos parâmetros urbanísticos gados, com os projetos circulando na forma de
de aproveitamento do solo (Sampaio, 2010), au- vistosas publicações elaboradas por agências de
mentando a intensidade de ocupação por zonas, publicidade. Mas, apesar da tentativa de manipu-
sem apresentar estudos técnicos que justificassem lação da opinião pública, essa “doação” teve uma
as mudanças, ou ao menos avaliassem os seus repercussão bastante negativa, com pronunciamen-
impactos em termos sociais, ambientais e logísticos. tos contrários de vereadores da oposição, da im-
Além disso, no início de 2010, a Prefeitura prensa e de organizações da sociedade civil. Essa
lançou um conjunto de projetos alinhavados frou- reação foi tão significativa, que uma fundação liga-

555
CAPITAL IMOBILIÁRIO E DESENVOLVIMENTO URBANO

da a empresas construtoras, que “doara” um dos Visando ao crescimento imobiliário da cidade


de Salvador e estreitar o relacionamento com os
projetos, veio a público desautorizando sua utili- empresários do ramo de construção, a SUCOM
zação pela prefeitura, considerando-se mal com- firmou na tarde desta quinta-feira (06) um con-
vênio com a Associação de Dirigentes de Empre-
preendida e injustiçada pelas críticas.
sas do Mercado Imobiliário (ADEMI). A assina-
Nesse processo de flexibilização e desres- tura do documento aconteceu no auditório do
peito às normas de uso do solo e construção, des- Empresarial Niemeyer e teve como público os
associados da ADEMI (SUCOM, 2009).
taca-se a instituição de um instrumento urbanísti-
co como o TRANSCON, que cria a “transferência
Esse convênio significou, segundo as pró-
do direito de construir” sem o mapeamento das
prias palavras do então superintendente, “[...] tra-
áreas cujos direitos de construir podem ser trans-
balhar junto com a ADEMI [...] uma parceria como
feridos (“áreas doadoras”) para outras áreas (“áre-
essa nasce em consonância com o novo modelo de
as aptas a receber adensamento”), possibilitando a
gestão que o prefeito João Henrique vem trazendo
realização de qualquer operação independentemen-
para a cidade desde 2005”. Além disso, em maio
te de haver restrições urbanísticas, constituindo
de 2011, por ocasião do aniversário da cidade, o
uma espécie de licença para transgredir qualquer
prefeito declarava que,
norma restritiva10 (Sampaio, 2010). Os resultados,
para a cidade, tendem a ser a maior saturação das [...] para transformar Salvador em uma capital
mundial (sic), é preciso projetos arrojados, mo-
áreas já saturadas e os problemas ocasionados pelo
dernos, que integrem o meio ambiente e as
adensamento excessivo em termos ambientais, de edificações à paisagem urbana, garantindo a
infraestrutura, transportes, etc. Sampaio (2010, mobilidade e mais qualidade de vida para a sua
população.
p.174) mostra que uma área infraestruturada e O projeto batizado de Salvador Capital Mundial
adensada como a Pituba recebeu 33,7 % dos em- prevê soluções para o transporte, trânsito e cres-
cimento da cidade. Serão abertas novas vias de
preendimentos TRANSCON aprovados entre 1997
tráfego, implantados sistemas modernos de trans-
e 2009. Também é notável a elevação do número porte, revitalização da orla, requalificação e
de empreendimentos que tem usado esse instru- ampliação da estrutura turística.
A participação do mercado imobiliário neste
mento após 2004, ano de aprovação do novo PDDU, processo de alavancagem do crescimento econô-
que foi revisto em 2008. Passou-se de uma média mico de Salvador tem sido fundamental para
consolidar o novo momento em que vivemos. Nos
de 33,8 empreendimentos aprovados por ano, en-
últimos anos a cidade teve alterada sua dinâmi-
tre 1997 e 2004, para uma média de 56,2 por ano, ca com o ingresso de empreendimentos arroja-
CADERNO CRH, Salvador, v. 26, n. 69, p. 545-562, Set./Dez. 2013

a partir de 2005. dos e de ponta, liderados por construtoras de gran-


de porte oriundas de outros estados. A capital
Significativamente, a estreita articulação entre fervilha na área da construção. São empreendi-
o governo local e o capital imobiliário é explicitada mentos residenciais e comerciais que vão toman-
do forma e ampliando a oferta de mão de obra
pelo próprio órgão responsável pelo licenciamento
em um segmento que não para de crescer (A
de construção e atividades, a Superintendência de Tarde, mar. 2011).
Controle e Ordenamento do Uso do Solo do Muni-
cípio (SUCOM). Em seu site, em 2009, constava que: Com esse discurso sobre a cidade mundial,
a competitividade urbana e o crescimento econô-
10
Com base nesse instrumento, uma incorporadora obteve
um alvará para a construção de um luxuoso edifício mico, ele procurava obscurecer os efeitos devasta-
residencial de três torres com 19 andares em frente ao
mar de Piatã, na Orla Marítima, onde o PDDU restringe a dores desse novo padrão de governança sobre a
altura máxima dos prédios a 39 metros para evitar o cidade, onde se incluem a degradação do meio
sombreamento da praia e facilitar a ventilação nas qua-
dras interiores. Esses edifícios têm 60 metros, sua área ambiente, com a destruição de diversas áreas ver-
construída foi irregularmente ampliada e os padrões de
recuo mínimo não foram obedecidos (A Tarde, 25/05/ des e dos últimos resquícios da mata atlântica,11 o
011, p.A9). Ações judiciais do Ministério Público da Bahia
levaram à paralisação da obra e à proibição da autorização 11
Segundo estudos de Santos (2009), a área no entorno
para uso do potencial construtivo em empreendimentos da Av. Paralela, onde hoje se localiza a expansão imobili-
residenciais na orla atlântica, que viabilizam a construção ária mais vigorosa, havia perdido 247 hectares de flores-
de grandes edifícios nessa área (A Tarde, 29/09/2010). ta densa entre 1989 e 2002.

556
Inaiá Maria Moreira de Carvalho

aterramento de nascentes e lagoas, a criação de vam como “forças do antagonismo” e “do atraso”
obstáculos à circulação dos ventos, a elevação da (incluindo, entre elas, o Ministério Público, os ór-
temperatura, a perda da mobilidade urbana e o gãos de fiscalização e defesa do meio ambiente e do
aumento dos congestionamentos, a degradação dos patrimônio histórico, a imprensa e os movimentos
espaços públicos e do patrimônio histórico-cultu- sociais), que estariam gerando “uma insegurança
ral da cidade, o crescimento da segregação, da frag- jurídica”, impedindo a construção de “parcerias
mentação, das desigualdades sociais e urbanas. saudáveis com a iniciativa privada”, a geração de
Em junho do mesmo ano, alegando que, empregos e o próprio desenvolvimento da cidade.
para receber novos hotéis e sediar algumas parti- Finalmente, quando restavam apenas dois
das do campeonato mundial de futebol em 2014, meses para o fim do seu mandato, mais uma vez
ainda “era preciso mudar as regras”, o prefeito sem maior publicidade ou qualquer discussão, ele
aprovou na Câmara uma nova Lei de Ocupação, enviou à Câmara um conjunto de projetos que le-
Ordenamento e Uso do Solo, alterando dispositi- galizavam e institucionalizavam as transformações
vos do Plano Diretor de Desenvolvimento Urba- urbanísticas perseguidas ao longo do referido man-
no. Entre outros aspectos, essa lei reduziu a dato. Tais projetos recuperavam as disposições do
representatividade e alterou os poderes do Conse- PDDU e da LOUS (que se encontravam sub judice
lho da Cidade e do Conselho Municipal do Meio no Tribunal de Justiça da Bahia, em decorrência
Ambiente, extinguiu o Parque Ecológico do Vale de Ação Direta de inconstitucionalidade proposta
Encantado, ultima reserva da Mata Atlântica do pelo Ministério Público); definiam as condições
município, localizado em um cobiçado espaço na para aplicação da outorga onerosa e do uso de trans-
área nobre da cidade, e ampliou bastante o gabari- ferência onerosa do direito de construir de forma
to da Orla Atlântica, permitindo a construção de adversa às finanças municipais; ampliavam o ga-
grandes edifícios e hotéis nesse valorizado espaço barito das edificações na Orla e em quadras próxi-
urbano, mesmo à custa do sombreamento das prai- mas e o coeficiente de aproveitamento de diversas
as e de uma redução da aeração da cidade. áreas; regularizavam construções embargadas por
Além disso, no primeiro semestre de 2012, o não atenderem às normas vigentes; atingiam nega-
executivo municipal elaborou um polêmico projeto tivamente o patrimônio ambiental e cultural da ci-
de revitalização do centro antigo, denominado como dade. Eram feitas tamanhas concessões a interes-
Santa Tereza, denominado “Humanização do Bair- ses privados, que um dos participantes da equipe

CADERNO CRH, Salvador, v. 26, n. 69, p. 545-562, Set./Dez. 2013


ro”, ignorando os diversos pedidos de audiência e de transição do novo prefeito eleito chegou a afir-
diálogo com os moradores tradicionais e de baixo mar que, se aprovados, “esses projetos permitiri-
poder aquisitivo daquela área, que tenderiam a ser am um verdadeiro saque na prefeitura” (A Tarde,
expulsos para dar lugar a empreendimentos de luxo 12 nov; 18 nov. 2012).
destinados ao turismo. Apresentado no 20º Congres- Ainda assim, esses projetos foram aprova-
so Centro Ibero-americano de Desenvolvimento Es- dos pela grande maioria de uma Câmara também
tratégico Urbano (CIDEU), não por acaso esse proje- em fim de mandato e com um alto nível de renova-
to tinha uma poligonal similar à traçada por projetos ção. Essa aprovação ocorreu na madrugada de uma
gestados por empreendedores privados e suscitava sessão, na qual foram agregadas novas e suspeitas
diversas outras questões, levando a uma reação e emendas, que não chegaram a ser lidas e, muito
mobilização dos moradores e de movimentos da so- menos, foram objeto de discussão. Solicitada por
ciedade organizada e à abertura de um inquérito civil uma das vereadoras, essa leitura foi negada pelo
na 6ª Promotoria de Habitação do Ministério Público presidente da sessão.
da Bahia. (A Tarde, 29 jul. 2012). Com essas características, como ressaltam
Frente a essas reações, o prefeito e seus as- Carvalho e Pereira (2012), no caso de Salvador,
sessores passaram a bradar contra o que denomina- consolidou-se um processo que pode ser conside-

557
CAPITAL IMOBILIÁRIO E DESENVOLVIMENTO URBANO

rado como uma terceirização do planejamento e tas e mobilizadas no sentido de reverter os retro-
da gestão da cidade, com a transferência de atri- cessos dos últimos anos.
buições de controle do uso e da ocupação do solo
e da formulação de política, planos e projetos de
desenvolvimento urbano da esfera pública para a ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
esfera privada. Todos os seus grandes projetos têm
em comum a falta de transparência, de discussão, As evidências e análises apresentadas ao lon-
de participação pública, com o repasse das atri- go deste trabalho deixam patente como, entre as
buições tradicionais do Estado para uma coalizão mudanças mais recentes e relevantes das cidades
de interesses econômicos. Contrariando ou dei- brasileiras, se inclui o abandono de boa parte das
xando em plano absolutamente secundário os in- funções tradicionais de gestão e planejamento de
teresses e necessidades da grande maioria da po- responsabilidade do Estado e uma afirmação cres-
pulação, esse processo transforma a cidade em um cente da lógica da coalizão de interesses privados
negócio, na acepção mais crua do termo, em que nos processos do seu desenvolvimento. Para isso
poucos ganham e quase todos perdem. tem contribuído a influência do ideário neoliberal e
Alguns projetos foram apresentados de for- a difusão do chamado “empreendedorismo urba-
ma mais direta e imediata, a exemplo projeto San- no”, que enfatiza, como questão central, a busca de
ta Tereza, situação em que os residentes na área do uma competitividade para atrair os capitais que cir-
bairro Dois de Julho tenderiam a ser expulsos com culam no espaço sem fronteiras do mundo
a gentrificação pretendida. Ou os moradores do globalizado, conformando um novo padrão de
bairro de Itapagipe, que receberam com surpresa a governança e propiciando um novo poder e
notícia de um decreto de desapropriação de suas protagonismo à mencionada coalizão.
antigas moradias para a “revitalização” da área, que Como assinalam Carvalho e Pereira (2012),
passou a despertar a cobiça do capital imobiliário embora a mercantilização do desenvolvimento ur-
pela sua localização nas bordas da Baía de Todos bano não constitua uma novidade na trajetória do
os Santos, com indenizações calculadas não pelos Brasil e de outros países, o que se configura agora é
preços de mercado de seus imóveis, e sim pelos um padrão de governança no qual as opções e deci-
defasados valores do IPTU.12 sões vêm deixando de fazer parte das atribuições
Como seria de se esperar, a percepção dos do poder público. Ele passa a operar como um ator
CADERNO CRH, Salvador, v. 26, n. 69, p. 545-562, Set./Dez. 2013

referidos impactos e a deterioração das condições coadjuvante, referendando decisões privadas,


da cidade passaram a suscitar protestos e manifes- priorizando grandes obras e ajustando o arcabouço
tações, levando o prefeito a experimentar uma enor- jurídico urbanístico às demandas do capital, a pre-
me rejeição, e entidades da sociedade civil a toma- texto de que isso é indispensável para atrair inves-
rem diversas iniciativas para ampliar e qualificar o timentos e ampliar o volume de emprego.
debate sobre o planejamento e a gestão municipal. Nesse contexto, a avaliação das prioridades
Embora os frutos dessas iniciativas ainda não se- e impactos urbanísticos, sociais e ambientais da
jam perceptíveis e algumas condições se mostrem implementação de grandes empreendimentos e
desfavoráveis,13 essas entidades permanecem aten- equipamentos e das transformações urbanas deixa
12
Um dos projetos do conjunto “Salvador Capital Mundi- de ser um critério válido, mesmo quando esses
al”, lançado em 2010, era justamente uma intervenção
na área de Itapagipe, tendo sido o projeto elaborado por impactos venham a se traduzir na falência do sis-
uma fundação privada, controlada por uma grande tema de transportes, na degradação ambiental, na
empreiteira, que, a partir da reação da imprensa e de
setores organizados da sociedade, desautorizou sua uti- destruição do patrimônio cultural e arquitetônico,
lização pela Prefeitura, conforme antes mencionado.
13
Acossada pela precariedade habitacional, pelo desem-
prego e pela pobreza, boa parte da população tindo sobre o perfil dos prefeitos, a composição e atua-
soteropolitana transformou-se em presa fácil para o ção da Câmara de Vereadores e a própria capacidade de
populismo e o clientelismo político, e isso vem se refle- organização e mobilização social.

558
Inaiá Maria Moreira de Carvalho

na dispersão incontrolada do tecido urbano, no dário e unificado, capaz de envolver os diversos


adensamento de áreas saturadas e no aumento da segmentos da população.
exclusão e da segregação sócio-residencial.
É verdade que o tempo se encarregou de des-
fazer as ilusões do planejamento normativo e Recebido para publicação em03 de março de 2013
Aceito em 15 de agosto de 2013
racionalista quanto à sua capacidade de modelar as
cidades, ignorando ou minimizando determinantes
estruturais, a lógica e os conflitos mais amplos da REFERÊNCIAS
dinâmica urbana no capitalismo. Mas isso não sig-
nifica que o caminho para o alcance daqueles obje- BAYON, Maria Cristina. Desigualdad y procesos de
exclusion social. Concentracion socioespacial de
tivos seja tentar repetir (agora como farsa) experiên- desvantajas en el gran Buenos Aires y la Ciudad de Méxi-
cias como a de Barcelona, replicando formas e arte- co. Estúdios Demográficos y Urbanos. Mexico, El Colégio
de México, v. 23, n.1, p.123-150, enero-abril, 2008.
fatos difundidos e generalizados globalmente, mul- BORJA, Jordi; CASTELS, Manuel. Local e global. La
tiplicando os “não lugares”, mercantilizando e gestión de las ciudades en la era de la información. Madrid:
Taurus, 1997.
espetacularizando a cidade e entregando seus desti-
CARDOSO, Adauto Lúcio; ARAGÃO, Themis Amorim.
nos ao capital, sem levar em conta sua qualidade de Reestruturação do setor imobiliário e o papel do Programa
Minha Casa Minha Vida. In: SEMINÁRIO DA RED
vida, sustentabilidade e coesão social. IBEROAMERICANA DE INVESTIGADORES SOBRE
Por isso mesmo, têm se multiplicado os con- GLOBALIZACIÓN
2012. 23 p.
Y TERRITORIO, 12, Belo Horizonte,

flitos entre os que vivem na cidade, interessados, CARVALHO, Inaiá M. M. de; PEREIRA, Gilberto Corso. A
sobretudo, na sua qualidade de vida, e a coalizão cidade como negócio. Salvador: EDUFBA, 2012. 23 p.
de interesses econômicos, que a consideram como _______; _______ (Org.) Como anda Salvador. 2.ed. Sal-
vador: EDUFBA, 2008.
uma máquina de crescimento e de produção de _______; _______. Dinamica de una metrópoli periferica
lucros, levando à mobilização de grupos mais ou en Brasil. Estudios Demograficos y Urbanos. Mexico, El
Colegio de Mexico, v.25, n.2, p.395-427, 2010.
menos amplos de moradores e suscitando protes-
COBOS, Emilio Pradilla. Formas productivas, fraciones
tos e contestações. de capitaly reconstrucion urbana em America Latina. In:
SEMINÁRIO DA REDE IBEROAMERICANA DE PESQUI-
Com o respaldo das disposições constituci- SADORES SOBRE GLOBALIZAÇÃO E TERRITÓRIO, 12,
onais do Estatuto da Cidade e a intervenção do Belo Horizonte, 2012.
Ministério Público, algumas delas têm crescido e CLEMENTINO, Maria do Livramento M. Rio Grande do
Norte: novas dinâmicas, mesmas cidades. In: GONÇAL-
obtido sucesso, conseguindo barrar ou reverter VES, Flora; BRANDÃO, Carlos A.; GALVÃO, Antonio C.

CADERNO CRH, Salvador, v. 26, n. 69, p. 545-562, Set./Dez. 2013


(Org.) Regiões e cidades. Cidades nas regiões. São Paulo:
certas mudanças, como exemplifica a trajetória de UNESP, 2003. p. 387-404.
Natal. Mas como, no Brasil, o conflito entre a coa- CORDERA, Rolando; KURI, Patrício R.; ZICARDI, Alícia
(Coord.). Pobreza, desigualdad y exclusion social en la
lizão de interesses imobiliários e os usuários da ciudad del siglo XXI. Mexico: Siglo XXI: UNAM, 2008.
cidade não atinge a todos da mesma forma e as 438 p.
DUARTE, Marise C. de Souza. Espaços especiais urba-
disputas se dão principalmente em torno dos re- nos. Desafios à efetivação dos direitos ao meio ambiente e
cursos públicos entre os moradores da cidade for- à2011. moradia. Rio de Janeiro: Observatório das Metrópoles,
528 p.
mal e da cidade informal, muitas das reações não DUHAU, Emílio. As novas formas de divisão social do
alcançam uma maior amplitude, ficando restritas espaço nas metrópoles latino americanas: uma visão a
partir da cidade do México. Caderno CRH: revista do Cen-
a movimentos pontuais e defensivos em bairros tro de Recursos Humanos da UFBA, Salvador, v.18, n. 45,
set./dez., 2005.
residenciais das classes médias, sem maiores im-
FERNANDES, Ana. Salvador, uma cidade perplexa. Carta
pactos sobre os rumos da cidade. Explicitando a Maior, Salvador, 08 dez 2012.
dimensão política dos fenômenos analisados, isso FERREIRA, João Sette. Wbitaker. O mito da cidade global.
também deixa patente como, na luta pela qualida- O papel da ideologia na produção do espaço urbano.
Petrópolis: Vozes; São Paulo: UNESP; Salvador: ANPUR,
de de vida e por uma gestão democrática e justa da 2007. 248 p.
cidade, essas mobilizações precisam pensá-la como FIX, Mariana. São Paulo, cidade global: fundamentos fi-
nanceiros de uma miragem. São Paulo: Boitempo, 2007.
um todo, assumindo um caráter mais amplo, soli- 191 p.

559
CAPITAL IMOBILIÁRIO E DESENVOLVIMENTO URBANO

_______. Parceiros da exclusão. São Paulo. Boitempo, Tokyo. New Jersey: Princeton University Press, 1991.
2001. 207 p.
SHAPIRA, Marie France Prevot. Segregação, fragmenta-
GONZALEZ, Luis Maurício Cuervo. América Latina: ção, sucessão: a nova geografia social de Buenos Aires.
metropoles en mutación? In: SEMINÁRIO INTERNACI- Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n.56, mar., p.169-
ONAL DE LA RED DE INVESTIGADORES EN 183, 2000.
GLOBALIZACIÓN Y TERRITORIO,11, Mendoza, 2010.
TASCHNER, Suzana P.; BÓGUS, Lúcia M. M. São Paulo
HARVEY, David. Do admistrativismo ao como Patchwork: fragmentos de uma cidade segregada.
empreendedorismo: a transformação da governança ur- Cadernos Metrópoles. São Paulo, n.1, 1999.
bana no capitalismo tardio. In: _______. A produção ca-
pitalista do espaço. São Paulo: Anablume, 2005. 252 p. VAINER, Carlos. Pátria, empresa e mercadoria. Notas so-
bre a estratégia discursiva do planejamento urbano. In:
JANOSCHKA, Michael. El nuevo modelo de la ciudad ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia.
latinoamericana: fragmentacion y privatizacion. EURE, A cidade do pensamento único. 3.ed. Petrópolis: Vozes,
Santiago do Chile, v.28, n.85, 2002. 2002.
LOGAN, John R., MOLOTCH, Harvey L. Urban fortunes. VEIGA, Danilo. Estratificación social y desigualdades
California: University California Press, 1987. territoriales en la globalización: estudios de caso. In: SE-
MINÁRIO INTERNACIONAL DE LA RED
MARCUSE, Peter; KEMPEN, Ronald. Globalizing cities: a IBEROAMERICANA DE INVESTIGADORES SOBRE
new spatial order? London: Backwell, 2000. GLOBALIZACIÓN Y TERRITORIO, 11, Mendoza, 2010.
MARICATO, Ermínia. As idéias fora do lugar e o lugar VELTZ, Pierre. Mondialisation, villes et territoires.
fora das idéias. Planejamento urbano no Brasil. In: L´economie d´archipel. Paris: Press Universitaires de
ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. France, 1996.
A cidade do pensamento único. 3.ed. Petrópolis: Vozes,
2002. VILLAÇA, Flávio. As ilusões do Plano Diretor. São Paulo,
2005. Disponível em: www.flaviovillaça.arq.br. Acesso em:
_______ . O impasse da política urbana no Brasil. ago. 2011.
Petrópolis: Vozes, 2011. 219 p.
MATTOS, Carlos A. Santiago do Chile, globalizacion y
expansion metropolitana: lo que existia sigue existiendo.
EURE, Santiago do Chile, v.25, n.76, 1999. REFERÊNCIAS DOCUMENTAIS
_______. Redes, nodos e cidades: transformação da me-
trópole latino americana. In: RIBEIRO, Luiz César Q. (Org.) A TARDE. Nome do Projeto remete a crime que assustou
Metrópole: entre a coesão e a fragmentação, a cooperação Salvador. 29 jul. 2012. C1.
e o conflito. São Paulo: Perseu Abramo; Rio de Janeiro:
FASE/Observatório das Metrópoles, 2004. A TARDE. João critica órgãos de fiscalização e Caetano.
Salvador, 24 jul 2012. p. B1.
_______. Globalización y metamorfosis metropolitana en
América Latina: de la ciudad e lo urbano generalizado. A TARDE. 28/06/2012
Documentos de Trabajo CEDEUR. Madrid, n.8, 2010a. A TARDE. Caderno Muito, Salvador, 29 fev 2011.
_______. Globalización y metamorfosis metropolitana en A TARDE. Alvará de prédio não segue gabarito, diz PM.
América Latina. Quito: OLACCHI; Município del Distrito Salvador, 22 maio 2010. p. A4.
Metropolitano de Quito, 2010b. 374 p.
A TARDE. Suspensas licenças de prédios altos na orla.
MOURAD, Laila N. Notas sobre o Projeto Nova Luz. Sal- Salvador, 22 set. 2010. p. A5.
vador: 2012. 14 p.
A TARDE. Um mês depois, prefeitura omite quem patroci-
NOBRE, Eduardo A. G. Quem ganha e quem perde com na projetos da “Capital Mundial”. Salvador 28 fev. 2010.
CADERNO CRH, Salvador, v. 26, n. 69, p. 545-562, Set./Dez. 2013

os grandes projetos urbanos? Avaliação da Operação Ur- p. B2.


bana Consorciada Água Espraiada em São Paulo. Cader-
nos IPPUR, Rio de Janeiro, v.23, n.1, p.203-219, 2009. EXAME. A maior alta do mundo. São Paulo, Ed. Abril:
Ed. 992, v.45, n.9. 2011. p. 34-50.
PRÉTECEILLE, Edmond. A evolução da segregação social
e das desigualdades urbanas: o caso da metrópole parisiense FOLHA DE SÃO PAULO. O projeto Nova Luz deve ser
nas últimas décadas. Caderno CRH: revista do Centro de repensado? São Paulo, 16 fev. 2013. p. A3.
Recursos Humanos, Salvador, n. 36, p.27-48, 2003.
FOLHA DE SÃO PAULO. Praga de sete anos. São Paulo,
RIBEIRO, Luiz César Q. (Org.). Metrópole: entre a coesão 26 jan. 2013. p. A2.
e a fragmentação, a cooperação e o conflito. São Paulo:
Perseu Abramo; Rio de Janeiro: FASE/Observatório das FOLHA DE SÃO PAULO. Prefeitura “engaveta” o projeto
Metrópoles, 2004. Nova Luz. São Paulo, 24 jan. 2013. p. C5.

SABATINI, Francisco; CÁCERES, Gonzalo; CERDA, Jor- FOLHA DE SÃO PAULO. Desapropriação na Nova Luz
ge. Segregação residencial nas principais cidades chilenas: cabe à Prefeitura, diz Haddad. São Paulo, 16 dez. 2012. p.
tendências das três últimas décadas e possíveis cursos de C1.
ação. Espaço & Debates: revista de Estudos Regionais e FOLHA DE SÃO PAULO. Imobiliária Prefeitura S. A. São
Urbanos. São Paulo, v. 24, n. 45, jan./jun., p. 64-74, 2004. Paulo, 08 jul 2011. p. A3.
SAMPAIO, A. Heliodório. 10 necessárias falas: cidade, FOLHA DE SÃO PAULO. Juiz barra venda de área no
arquitetura e urbanismo. Salvador: EDUFBA, 2010. Itaim.São Paulo, 05 ago. 2011. p.CI.
SANTOS. C. E. da S. A expansão urbana sobre os rema- FOLHA DE SÃO PAULO. Novos empreendimentos imo-
nescentes florestais situados no entorno da Avenida Luiz biliários têm tendência a se fechar para a cidade. São
Viana Filho, Salvador – Bahia. 2009. Dissertação Paulo, 22 nov. 2011. p. C3.
(Mestrado de Engenharia Ambiental Urbana) - UFBA.
Salvador, 2009. FOLHA DE SÃO PAULO. Moradores se unem e barram cres-
cimento de bairro paulistano. São Paulo, 22 nov. 2011. p. C1.
SASSEN, Saskia. The global city: New York, London,

560
Inaiá Maria Moreira de Carvalho

FOLHA DE SÃO PAULO. Casarão vira ícone de ação con- OCEPLAN, Orgão Central de Planejamento/PMS. EPUCS:
tra a verticalização. São Paulo, 24 maio 2012. uma experiencia de planejamento urbano. 1976.
Http//movimentodesocupa.wordpress.com/ . Acesso em: PREFEITURA MUNICIPAL DE SALVADOR – PMS. Ál-
24 abr. 2012. bum EPUCS. Salvador: OCEPLAN/PLANDURB, 1976.
JOÃO Henrique acusa barraqueiros de intransigência e PREFEITURA MUNICIPAL DE SALVADOR – PMS. Sal-
advogado rebate. Disponível em: http:// vador capital mundial: a cidade do nosso futuro. Salva-
w w w. a t a r d e o n l i n e . c o m . b r / c i d a d e s / dor: PMS, 2010.
noticia.jsf?id=5611798. Acesso em: 20 maio 2011, 2010a
SUCOM firma convênio em prol do crescimento imobi-
JOÃO Henrique defende Capital Mundial. Disponível em: liário da cidade. Disponível em: http://
http://www.teiadenoticias. com.br/noticia/cidade/jo-o- www.sucom.ba.gov.br/noticias/sucom-firma-convênio-
henrique-defende-capital-mundial. Acesso em: 20 maio em-prol-do-crescimento-imobiliário-da-cidade.aspx. Aces-
2011, 2010b. so em: 16 maio 2011. 2009.
JORNAL METRÓPOLES, Salvador, 17 jun. 2011. THE Economist. A special report in property. London,
v.398, n.8723. 2011.
MOVIMENTO VOZES DA CIDADE. Denúncia. Salva-
dor, jan. 2012.

CADERNO CRH, Salvador, v. 26, n. 69, p. 545-562, Set./Dez. 2013

561
CAPITAL IMOBILIÁRIO E DESENVOLVIMENTO URBANO

REAL ESTATE CAPITAL AND URBAN CAPITAL IMMOBILIER ET DÉVELOPPEMENT


DEVELOPMENT URBAIN

Inaiá Maria Moreira de Carvalho Inaiá Maria Moreira de Carvalho

This article analyzes how the diffusion of a Cet article analyse la façon dont la diffusion
pattern of governance centered on a search for a du modèle de gouvernance centré sur la recherche
“competitive urbanism” has led the State to d’une “compétitivité urbaine” a mené l’Etat à
abandon some of its traditional management and abandonner une partie de ses fonctions
urban planning functions, transferring these traditionnelles de gestion et de planification urbaine
instead, to private actors, which constitutes a et à les transférer à des acteurs privés. Ceci permet
growing affirmation of the logic of real estate capi- à la logique du capital immobilier de s’affirmer de
tal over the structure of cities and the life of their plus en plus quant à la structure des villes et à la
populations. Discussing the recent evolution of vie de leurs populations. A partir de débats
three Brazilian capitals, Natal, São Paulo and Sal- concernant l’évolution récente de trois capitales
vador, it analyzes the discourses and procedures brésiliennes, Natal, Sao Paulo et Salvador, cet article
that are used to justify and legitimate this new analyse les discours et les procédés utilisés pour
pattern of governance, and equally underlines its justifier et légitimer ce nouveau modèle de
adverse effects in social, environmental and urban gouvernance, tout en soulignant ses effets néfastes
terms. en termes sociaux, environnementaux et urbains.

KEY-WORDS: Metropolis. Real estate capital. Urban MOTS -CLÉS : Métropoles. Capital immobilier.
development. Développement urbain.
CADERNO CRH, Salvador, v. 26, n. 69, p. 545-562, Set./Dez. 2013

Inaiá Maria Moreira de Carvalho - Doutora em Sociologia, Professora do Programa de Pós-Graduação em


Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e do Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania da
Universidade Católica do Salvador, Brasil. Pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades
– CRH – da Universidade Federal da Bahia, do CNPq e do Observatório das Metrópoles – Brasil. Tem experi-
ência na área de Sociologia, com ênfase em Sociologia do Desenvolvimento e Sociologia Urbana, atuando
principalmente nos seguintes temas: mercado de trabalho, transformações urbanas, pobreza e políticas
sociais. Publicações recentes: Algumas Considerações sobre o Trabalho Precoce no Brasil. Revista de Politicas
Publicas (UFMA), v. 16, p. 463-472-472, 2012; Mercado de Trabalho e Vulnerabilidade em Regiões Metropo-
litanas Brasileiras. Caderno CRH (UFBA. Impresso), v. 24, p. 397-412, 2011; Dinamica de una metrpoli
periferica en Brasil. Estudios Demográficos y Urbanos de El Colegio de México, v. 25, p. 395-427, 2010

562

Você também pode gostar