Atualmente muitos educadores notáveis e com formação
diversa voltam sua atenção para o processo de avaliação educacional. Algumas vezes, ocorre a educadores conscientes do problema apontar aos alunos as falhas do processo, criticá-las a contento e profundidade, exercendo, entretanto, em sua sala de aula, uma prática avaliativa improvisada e arbitrária. De onde decorre essa contradição? Pelas investigações de Hoffman (2000), é possível verificar que a contradição entre o discurso e a prática de alguns educadores e, principalmente, a ação classificatória e autoritária, exercida pela maioria, encontra explicação na concepção de avaliação do educador, reflexo de sua história de vida como aluno e professor. Nós viemos sofrendo a avaliação em nossa trajetória de alunos e professores, havendo a necessidade de tomada de consciência dessas influências para que a nossa prática avaliativa não reproduza, inconscientemente, a arbitrariedade que contestamos pelo discurso. Deve-se desvelar contradições e equívocos teóricos dessa prática, construindo um ressignificado para a avaliação e desmistificando-a de fantasmas de um passado ainda muito em voga.
Nas pesquisas da autora, os professores em geral relacionam
a avaliação a coisas negativas, com imagens como dragões, monstros, guilhotina, túneis escuros, labirintos e carrascos. Raras vezes surgem imagens de cunho positivo relacionadas à palavra. Por que isso acontece? Professores e alunos que usam o termo avaliação atribuem-lhe diferentes significados, relacionados, principalmente, aos elementos constituintes da prática avaliativa tradicional: prova, nota, conceito, boletim, recuperação, reprovação.
Estabelecem uma relação direta entre tais procedimentos e a
avaliação, com uma grande dificuldade em compreender tal equívoco. Dar nota é avaliar, fazer prova é avaliar, o registro das notas denomina-se avaliação. A concepção de avaliação que marca a trajetória de alunos e educadores, até então, é a que define essa ação como julgamento de valor dos resultados alcançados. Daí a presença significativa dos elementos como prova, nota, conceito, reprovação, registro e etc. A DICOTOMIA DA EDUCAÇÃO E AVALIAÇÃO
Educadores, de forma geral, percebem a ação de educar e de
avaliar como dois momentos distintos, não relacionados, exercem essas ações de forma diferenciada. Assim é, por exemplo, a atitude de muitos professores da Educação Infantil e séries iniciais. Seu cotidiano revela um efetivo acompanhamento do desenvolvimento dos alunos a partir de um relacionamento afetivo e busca de compreensão de suas dificuldades. Ao final de um período, entretanto, enfrentam a tarefa de transformar suas observações em registros por vezes anacrônicos, sob a forma de conceitos classificatórios ou listagens de comportamentos estanques. Essa dicotomia é uma grande falácia, já que a avaliação não é mero julgamento de resultados, é sim essencial à educação. Inerente e indissociável enquanto concebida como problematização, questionamento, reflexão sobre a ação. Um professor que não avalia constantemente a ação educativa, no sentido indagativo, investigativo, do termo, instala sua docência em verdades absolutas, pré-moldadas e terminais.
Decisões políticas encaminham a questão no sentido de
eliminar das escolas o fenômeno da reprovação nas séries iniciais. Tais medidas procuram minimizar o prejuízo social decorrente da concepção de avaliação como função burocrática, punitiva e obstaculizante ao projeto de vida de nossas crianças e adolescentes. É necessário a tomada de consciência da contradição existente entre a ação de educar e a concepção de avaliação como resultado e como julgamento. O educador deve refletir sempre sobre sua realidade e acompanhamento passo a passo do educando, na sua trajetória de construção do conhecimento. Um processo interativo, por meio do qual educandos e educadores aprendem sobre si mesmos e sobre a realidade escolar no ato próprio da avaliação.
Ao exercer a avaliação como uma função classificatória e
burocrática, persegue-se um princípio claro de descontinuidade, de segmentação, de parcelarização do conhecimento. O grau, nota, conceito, são conferidos ao aluno sem interpretação ou questionamento do seu significado e poder. Essas “sentenças” periódicas, terminais impedem na escola a compreensão do erro construtivo e de sua dimensão na busca de verdades. Resulta numa relação de antagonismo entre professor e aluno que leva a sofridos episódios de avaliação, sentenças irrevogáveis, juízes inflexíveis, réus na sua maioria culpados. Ambos perdem nesse momento e descaracterizam a avaliação de seu significado básico de investigação e dinamização do processo de conhecimento. Nessa dimensão educativa, os erros, as dúvidas dos alunos, são considerados como episódios altamente significativos e impulsionadores da ação educativa, permitirão ao professor observar e investigar como o aluno se posiciona diante do mundo ao construir suas verdades.
A avaliação deixa de ser um momento terminal do processo
educativo (como hoje é concebida) para se transformar na busca incessante de compreensão das dificuldades do educando e na dinamização de novas oportunidades de conhecimento. Pode-se afirmar que não há começo e nem limites nem fins absolutos no processo de construção do conhecimento, segundo a teoria de Piaget.
O contato da autora com professores de diferentes realidades
educacionais (da educação infantil à universidade) leva a crer que a ação autoritária, exercida pela maioria, encontra explicação na sua concepção de avaliação como julgamento de resultados, reflexo do modelo de avaliação vivenciado enquanto educandos e dos pressupostos teóricos que embasam seu curso de formação.
As discussões e educadores e educandos em relação à
avaliação demonstram uma visão dessa prática. Parecem conceber a ação avaliativa como um processo educativo, ocorrido a intervalos estabelecidos e exigidos burocraticamente, ou seja, reduzem a avaliação a uma prática de registro de resultados acerca do desempenho do aluno em um determinado período do ano letivo.
A prática avaliativa concebida como julgamento de
resultados predeterminados baseia-se na autoridade e respeito unilaterais – do professor. Impõem-se ao aluno imperativos categóricos que limitam o desenvolvimento de sua autonomia moral e intelectual. Essa prática desconsidera a importância da reciprocidade na ação educativa. Reciprocidade entendida não como um perfeito regulamento tanto do mal quanto do bem, mas como a mútua coordenação dos pontos de vista e das ações. É necessário manter-se atento e curioso sobre as manifestações dos alunos e por agir a oportunização de situações de aprendizagem enriquecedores. Perigosamente, a prática avaliativa classificatória parece ainda relacionar julgamento à comparação com modelos e o agir à atribuição de notas e conceitos. Conclui-se então que se as discussões sobre a avaliação não abordarem outra dimensão de questionamento, de levantamento de hipóteses sobre uma tarefa feita pelos alunos, é porque a avaliação está decisivamente atrelada a decisões sobre resultados finais. A abordagem de tais questões exige a concepção da ação avaliativa como interpretação cuidadosa e abrangente das respostas do educando frente a qualquer situação proposta, assim como a visão de acompanhamento, não como um caminho de certezas do professor, mas uma trajetória de entendimento, troca de ideias por ambos os elementos da ação educativa.
REFERÊNCIAS
HOFFMAN, J. Avaliação: mito e desafio, uma perspectiva
construtivista. Porto Alegre: Editora Mediação, 2000. p.11-39.