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das páginas
do PÚBLICO
sobre os ataques
terroristas nos
EUA, a invasão do
Afeganistão,
a guerra no Iraque
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e as consequência
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e
11 de Set
O 11 de Setembro
revisitado
Por Bárbara Reis
Na contagem decrescente para o aniversário dos acompanhámos os desenvolvimentos ao longo da
10 anos do 11 de Setembro não faltaram análises noite e na manhã seguinte publicámos uma edição
a tentar demonstrar que nos últimos anos especial de 32 páginas, que escrevemos durante a
houve acontecimentos mais importante do que, madrugada. No ano seguinte, fizemos uma nova
precisamente, o 11 de Setembro. edição especial de 64 páginas exclusivamente
Das guerras do Afeganistão e do Iraque, resultado dedicadas ao tema. “Um ano depois o que mudou
directo do ataque terrorista contra os Estados na América e no mundo? Quase tudo ou quase
Unidos, à falência do banco Lehman Brothers, nada?”.
os últimos dez anos foram marcados por crises Hoje, dez anos depois, sentimos que vale a
e revoluções que mudaram o mapa geopolítico pena olhar para trás e procurar pistas e respostas.
e as mentalidades como o 11 de Setembro não Esta selecção de mais de 1100 páginas da edição
fez. Apenas duas, as mais óbvias: a emergência impressa do PÚBLICO (em formato PDF) narra ao
da China e da Índia, que recentrou o mundo na pormenor a marcha da história. Inclui todas as
Ásia, e o nascimento das redes sociais, que mudou edições de 11 Setembro que fizemos nos últimos dez
para sempre a forma como comunicamos. São anos, mas também o especial de 32 páginas do dia
transformações globais, que tiveram e estão a ter 12 de Setembro de 2001. São reportagens de Nova
impactos estruturais na vida política, económica Iorque a Islamabad, análise, opinião, entrevistas e
e cultural de todo o planeta. Em dimensão comentários de historiadores, escritores, políticos,
semelhante, talvez, a um outro acontecimento filósofos e artistas. Falam Timothy Garton Ash,
anterior a tudo isto – a queda do Muro de Berlim, José Saramago, Robert Frank, Kofi Annan, Jorge
em 1989, que da noite para o dia transformou a vida Sampaio, Henry Kissinger, entre muitos outros.
de milhões de pessoas. E talvez, ainda não sabemos, Escolhemos também trabalhos sobre os momentos
em dimensão semelhante à Primavera Árabe. que anteciparam as guerras do Afeganistão e do
Agora, claro, é fácil dizer isto. Há 10 anos, quando Iraque.
as Torres Gémeas caíram perante os nossos O 11 de Setembro não mudou o mundo, mas
olhos e o nosso horror, começámos por não ter marcou para sempre as nossas vidas. Todos
palavras e num ápice passámos a sentir que o fim sabemos onde estávamos no momento em que as
do mundo vinha aí. Provavelmente, não poderia Torres Gémeas caíram e todos sabemos as horas
ter sido de outra forma. Nos primeiros dias, nos que precisamos para entrar num avião. Esperamos
primeiros anos, o 11 de Setembro definiu as nossas por isso que esta leitura global permita pensar no 11
vidas. Nesse dia, como em todas as redacções do de Setembro com um outro olhar.
mundo, ninguém do PÚBLICO dormiu. No site Directora
Quero lá saber
das torres
Pedem-me para me pôr dentro do texto. Nos dias seguintes, surgiram em Nova Iorque
Estava lá. Vi a segunda torre cair. Mas que painéis efémeros, feitos de quadradinhos de
memória posso eu ter do 11 de Setembro fotografias. Tudo gente a rir, que ninguém
que não tenhamos todos? Os aviões no céu, espera ser fotografado para ir parar a um
o fogo, o fumo, os bombeiros a ir para cima quadro de desaparecidos. Mais uns dias e
quando o prédio já ia para baixo, as mãos na pediram as escovas de dentes, as escovas dos
boca porque quase ninguém conseguia gritar, cabelos, qualquer coisa com ADN.
gente a olhar para a torre perfeita feita de pó
quando a de matéria já estava no chão. Alguns, desapareceram na fornalha dentro
dos prédios. Alguns foram desfeitos por
No World Trade Center entravam todos os milhões de toneladas de betão e vidro e
dias 250 mil pessoas. Entravam para cozinhar ferro. Alguns estatelaram-se – pareciam sacos
no restaurante, para limpar corredores, de cimento a cair. Ouvi depois dizer num
para mudar lâmpadas, para trabalhar nos documentário.
escritórios, para ir a reuniões, para ser turista,
para apanhar o metropolitano, para entrar no Não sabemos o que passaram, o que
comboio, para comprar chocolates na Godiva. sofreram, o que decidiram. Sabemos que
Às oito da manhã, a ocupação média seria de alguns saltaram em voo picado de mais
30, 40, 50 mil pessoas. Lá em baixo, enquanto de cem andares – mil graus lá dentro,
ficar para quê? É de um desses a imagem Iorque. Lembro-me delas. Lembro-me dos
que representa todos os mortos do 11 de mil graus lá dentro, dos sacos de cimento a
Setembro. cair cá fora. Quero lá saber das torres que são
tão recordadas; ou da cidade tão heroicizada;
Um homem em voo picado numa imagem ou das guerras a seguir e das vinganças
horrível e bela. Repare-se no corpo em justiceiras.
pose perfeita, quase num sereno passo de
dança, a perna recolhida, a roupa alinhada, Lembro-me de ouvir as gravações dos
os braços junto ao tronco. Horrenda como telefonemas de despedida e de não haver
é, não basta esta imagem para definir o dia. ilusões, ali.
Há que ver toda a sequência de 12 fotografias
para percebermos que é um voo de agonia do Gostava que mostrássemos aqueles rostos
princípio ao fim. parados no tempo. A rir em festas de família
de há dez anos atrás. Rostos descontraídos
O vento empurra-o para baixo, empurra-o em férias, alegres com os amigos.
para cima, empurra-o para o lado, anda com Não, uma imagem não vale por mil palavras.
ele aos pontapés, como uma onda brava faz Hoje, são precisas 2977* imagens.
a um náufrago no mar. O homem afoga-se no
vazio.
*Número de mortos em Nova Iorque,
Nunca mais se viu, o corpo do 11 de Setembro. Washington e Pensilvânia; terroristas não
Como nunca mais se viram as caras de Nova incluídos
Índice
2001
37 edições, 1 edição especial de 32 páginas
aReportagens da correspondente do PÚBLICO em Nova Iorque, Ana
Gomes Ferreira, e do enviado aos EUA e ao Paquistão, Adelino Gomes.
Reportagens da enviada ao Paquistão, Alexandra Lucas Coelho e da
enviada ao Tajiquistão, Alexandra Prado Coelho.
2003
6 edições, 1 edição especial sobre o início da guerra
aReportagens do correspondente do PÚBLICO em Nova Iorque, Pedro
Ribeiro e dos enviados à região do conflito Adelino Gomes, Paulo Moura,
Alexandra Lucas Coelho e Alexandra Prado Coelho.
2005
1 edição, 4.º aniversário
a Artigos de Adelino Gomes, Alexandra Prado Coelho, Sofia Lorena, Rita
Siza e Teresa de Sousa.
2006
1 edição, 5.º aniversário
a Reportagens da enviada do PÚBLICO a Nova Iorque, Rita Siza.
2007
1 edição, 6.º aniversário
aP2: reportagem de José Pedro Frazão em Shanksville, Pensilvânia, o local
onde caiu o avião do voo 93 da United Airlines.
2008
1 edição, 7.º aniversário
a Artigos de Alexandra Prado Coelho, Sofia Lorena e Teresa de Sousa (P2).
2009
1 edição, 8.º aniversário
a O primeiro 11 de Setembro da era Obama. Texto de Rita Siza,
correspondente em Washington.
2010
1 edição, 9.º aniversário
aA América dividida por causa da construção de uma mesquita perto
do Ground Zero. Reportagem de Kathleen Gomes, correspondente em
Washington.
QUA12SET
E D I Ç Ã O N AC IONAL
12 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4194
100$00 • €0,50 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico.pt
AMÉRICA
PROMETE
VINGANÇA
Imprensa americana empurra
Bush para retaliações | Vendaval
devasta bolsas mas dólar sustém
queda | UE teme consequências de
“acto de guerra” | Porque é que
Bin Laden odeia a América | Os
efeitos no Médio Oriente | Defesa
antimísseis posta em causa
HUBERT MICHAEL BOESL/EPA
2 ESPECIAL
PÚBLICO•QUARTA -FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
2
dso
Rio
14h43 Washington D.C. cai perto de Pittsburgh
1
Pot
Pentágono 15h27 Torre Sul colapsa
om
Avião choca com edifício
ac
Lower do Dep. de Defesa 15h40 Washington D.C.
East Parte do Pentágono colapsa ARLINGTON
Side
Voo 11 American Airlines Voo 77 American Airlines Voo 93 United Airlines Voo 175 United Airlines
Boston para Los Angeles, Washington Dulles para Los Angeles, Newark para San Francisco Boston para Los Angeles,
92 pesssoas a bordo 64 pessoas a bordo 45 pessoas a bordo 56 pessoas a bordo
Choca com o WTC, Nova Iorque Choca com o Pentágono, Washington DC Cai perto de Pittsburgh Choca como o WTC, Nova Iorque
A segurança e a liberdade
Presidente fala em
rança. O primeiro a desapare-
cer foi o Presidente, que optou
por regressar a Washington
porque receou ter tomado uma Hoje, a paisagem de Nova Iorque está diferente. O
decisão “inapropriada”, disse- World Trade Center já não faz parte da linha do hori-
ram às estações de televisão
fontes da sua comitiva que qui-
seram permanecer anónimas.
Na declaração à nação, Bush
zonte de Manhattan. Por enquanto, é a ferida mais
visível da cadeia de atentados de terça-feira de manhã.
Vão aparecer outras. Porque, como disse o Presidente
dos Estados Unidos, não foi apenas a arquitectura que
“milhares” de mortos
admitiu ter dado a ordem pa- foi destruída. “Hoje, o nosso modo de vida foi atacado”, Não há números oficiais, mas o vítimas mortais.
ra accionar os mecanismos de afirmou George W. Bush. número limitado de feridos pode Mais difícil será contabilizar os mortos
alerta máximo, que o levaram Bush disse também que os terroristas podem ter causados pelo desabamento das Twin Towers
para um lugar secreto, assim destruído as estruturas dos edifícios mais altos, mas
significar mortalidade elevada em Nova Iorque, onde trabalham entre 40 a 50
como aos principais membros não conseguiram abalar as estruturas da democracia mil pessoas. Receia-se que os 300 bombeiros
do Governo e aos dirigentes do e da liberdade. Nos próximos tempos, possivelmente Tanto George W. Bush como especialistas da e 78 polícias dados como desaparecidos este-
Congresso. muito tempo, será uma democracia policiada a da polícia e de serviços de emergência citados jam mortos. Também as 266 pessoas — 233
Os congressistas reapare- América. E a liberdade será muito vigiada. pela CNN calculam em “milhares” o número passageiros, 25 tripulantes e oito pilotos —
ceram ao mesmo tempo que Ontem mesmo, dois porta-aviões receberam ordens de vítimas mortais dos atentados de ontem. que os quatro aviões transportavam estarão
Bush. Dick Armey, líder re- para patrulhar a costa leste do país. A Costa Leste está Não há ainda, no entanto, qualquer número mortas.
publicano na Câmara de Re- igualmente a ser patrulhada por navios de guerra. oficial sobre vítimas mortais. Os hospitais da cidade de Nova Iorque esta-
presentantes, explicou que A Força Aérea tem ordens para interceptar e, se for Em relação a portugueses, a agência Lusa vam, ao fim da tarde no local, a receber menos
o Capitólio foi esvaziado — preciso, abater, qualquer avião suspeito. informou que até à 1h30 de Lisboa não ha- pacientes, ainda que o número de pessoas
o que aconteceu pela primei- O espaço aéreo dos Estados Unidos, fechado desde os via notícias de vítimas portuguesas ou luso- mortas nas salas de emergência começassem
ra vez na História do país — ataques dos terroristas, que atiraram aviões contra descendentes. A embaixada de Portugal em a aumentar e os funcionários do hospital
por se recear ser um dos al- alvos civis e militares em Nova Iorque e em Washing- Washington dizia, no entanto, que ainda “era lembrassem que ainda tinham que observar
vos dos terroristas. Disse que ton, só abrirá hoje, ao meio-dia. Os aeroportos vão cedo para haver informações”. parte dos feridos (e mortos). “Acho que muitas
hoje o poder legislativo vol- passar a ser patrulhados por polícas armados. A se- Também o cônsul de Portugal em Newark, pessoas estarão mortas. É mau sinal que não
tava ao trabalho. “Os terro- gurança vai-se notar, para evitar absurdos como o José Gouveia, dizia à Lusa que a partir desta haja chegada de feridos em massa”, disse à
ristas podem abalar a de- de ontem — armas brancas (facas) terão sido usadas hora é que seria “possível verificar se há ví- Reuters um médico a trabalhar no Hospital
mocracia, mas não podem pelos terroristas suicidas para desviar os aviões. Os timas, à medida que as pessoas vão chegando St. Vincents, James Dillard.
fechá-la”, disse Armey. Nas americanos nunca mais entrarão tranquilamente a casa”. Entretanto, a maioria dos hospitais pediu
escadarias do Capitólio, de- dentro de um avião. No Pentágono são confirmadas dezenas de enfermeiros voluntários, assim como doações
mocratas e republicanos re- Ontem, foi o dia do choque. Hoje, será o dia em que a mortes. A estação NBC noticiava 800 mortes, de sangue. Um grande número de pessoas res-
pudiaram os atentados e pe- nova realidade começará a tornar-se visível. “A Amé- sem citar a fonte. Momentos antes, o chefe pondeu ao apelo de emergência do Centro de
diram aos cidadãos que se rica não se pode fechar. É preciso encontrarmos um dos bombeiros em Arlington, Virginia, dizia Sangue de Nova Iorque aos dadores de sangue.
mantenham unidos, apoian- equilíbrio entre a segurança e a liberdade”, advertiu a ao Channel 9 que as estimativas mais pessi- Antes dos acidentes, o centro tinha uma reser-
do qualquer decisão que ex-secretária de Estado Madeleine Albright. A.G.F. mistas apontariam para 800 mortes, mas que va para cinco dias — “uma reserva bastante
Bush venha a tomar. o número real se situaria entre as 100 e 800 boa”, segundo o director do centro. M.J.G.
PETER MORGAN/REUTERS
4 ESPECIAL
PÚBLICO•QUARTA -FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
LARRY DOWNING/REUTERS
A SEGURANÇA
E A LIBERDADE
Hoje, a paisagem de Nova Ior-
que está diferente. O World
Trade Center já não faz parte
da linha do horizonte de Ma-
nhattan. Por enquanto, é a fe-
rida mais visível da cadeia de
atentados de terça-feira de ma-
nhã. Vão aparecer outras. Por-
que, como disse o Presidente
dos Estados Unidos, não foi
apenas a arquitectura que foi
destruída. “Hoje, o nosso mo-
do de vida foi atacado”, afir-
mou George W. Bush. Bush dis-
se também que os terroristas
podem ter destruído as estru-
turas dos edifícios mais altos,
mas não conseguiram abalar
as estruturas da democracia
e da liberdade. Nos próximos
tempos, possivelmente muito
tempo, será uma democracia
policiada a da América. E a li-
berdade será muito vigiada.
Ontem mesmo, dois porta-avi-
ões receberam ordens para pa-
trulhar a costa leste do país. A
Costa Leste está igualmente a
ser patrulhada por navios de
guerra. A Força Aérea tem or-
dens para interceptar e, se for
preciso, abater, qualquer avião
suspeito. O espaço aéreo dos
EUA, fechado desde os ataques
dos terroristas, que atiraram
aviões contra alvos civis e mi-
litares em Nova Iorque e em
Washington, só abrirá hoje, ao
meio-dia. Os aeroportos vão
passar a ser patrulhados por
polícas armados. A segurança
vai-se notar, para evitar absur-
dos como o de ontem — armas
brancas (facas) terão sido usa-
das pelos terroristas suicidas
para desviar os aviões. Os ame-
George W. Bush anunciou ontem à noite que os EUA não distinguirão “entre os terroristas e os que lhes dão refúgio” quando avançarem com uma retaliação ricanos nunca mais entrarão
tranquilamente dentro de um
avião. Ontem, foi o dia do cho-
que. Hoje, será o dia em que
HERWIG VERGULT/EPA
NUNO PACHECO
EDITORIAL
Todos somos
alvos
O
mundo assistiu, ontem, a
um acto abjecto de terror.
Disso poucos terão dúvi-
das. Nem mesmo os ha-
bitualmente anti-EUA (e detestados
pelos norte-americanos) Kadhafi ou
Fidel Castro, que vieram prontamen-
te oferecer os seus préstimos, médicos
ou humanitários, aos Estados Unidos
e às muitas vítimas dos atentados-
relâmpago que dilaceraram a Améri-
ca. Houve quem os festejasse, é certo.
E por isso devemos sentir vergonha.
Por ser possível, depois de todos os
horrores vividos nos últimos séculos,
que o século XXI esteja a caminhar
para uma lógica de barbárie que pode
tornar-se verdadeiramente perigosa
“A UE permanece firme e totalmente ao lado dos Estados Unidos”, afirmou ontem Guy Verhofstadt, primeiro-ministro belga para todos os que amam a paz e distin-
guem diferenças sociais ou políticas
do ódio mais cego e vil.
MÉDIO ORIENTE
À ESPERA DA GUERRA...
OU DA PAZ?
MARGARIDA SANTOS LOPES
Q
uando o edifício Alfred P. Mur- inviabilizando os planos de Washington para
rah, em Oklahoma City, explodiu derrubar o ditador de Bagdad.
em 1995, a comunidade árabe e Para mostrar que não aceita ficar refém
muçulmana dos Estados Unidos dos adversários, Arafat vai hoje à Síria. É
entrou em pânico. Todos os dedos uma visita histórica no oitavo aniversário
acusatórios apontavam na sua direcção. As da assinatura dos Acordos de Oslo. Um modo
desculpas vieram quando o FBI descobriu que subtil de dizer que, a 12 de Setembro de 1993,
o autor do massacre era Timothy McVeigh, estava a apertar a mão de Yitzhak Rabin, e
um americano que odiava o Governo federal. que hoje o vão ver abraçado ao Presidente
Ontem, as suspeitas voltaram a cair sobre Bashar al-Assad, o filho-herdeiro do mais
uma figura islâmica: Osama bin La- tenaz opositor de Oslo. Os tempos mu-
den, o milionário que a família real Análise daram e os seus aliados também.
No campo de Ain al-Hiylweh, crianças, velhos e guerrilheiros festejaram o ataque saudita tornou apátrida. Alguns des- A visita provavelmente só será no-
confiaram também da Frente Demo- tada por especialistas. Na memória
Palestinianos celebram crática de Libertação da Palestina (FDLP), do mundo ficarão apenas as imagens dos pa-
um grupo que recentemente protagonizou lestinianos a celebrar “o dia em que os EUA
um dos mais arrojados ataques contra solda- pagaram o preço pelo seu apoio a Israel”.
dos israelitas na Faixa de Gaza. Se poucos Chegou então o momento de recordar as pa-
com tiros de alegria duvidam que Bin Laden, graças a uma bem lavras do escritor palestiniano de cidadania
estruturada rede mundial de terroristas e israelita Anton Shammas. Em 1990, escreveu
uma gorda conta bancária (alimentada por ele no “New York Times”, quando o Iraque
donativos de empresários ricos e esmolas de invadiu o Kuwait, os palestinianos “foram
Nos campos de refugiados no Líbano, festejou-se os ataques de Nova Iorque pobres nas mesquitas), poderá ser responsá- tentados, com demasiada facilidade, a desem-
e Washington; por todo o mundo houve reacções, na sua maioria de pesar vel pelos ataques em Nova Iorque e Washing- penhar o papel de borboleta perante a falsa
ton, muitos são os que vela de esperança de Sa-
“Sinto que estou num sonho. zenas de jovens também ce- palestinianos do Líbano tam- desvalorizam o envolvi- ddam Hussein. Anos e
Nunca acreditei que um dia lebraram e quem ouvisse as bém se celebrou com tiros pa- mento ou cumplicidade Em 1990, escreveu Anton anos na escuridão dos
os Estados Unidos viriam buzinas dos carros ira pensar ra o ar. Em Ain-El-Ailweh, da FDLP. campos de refugiados,
a pagar um preço pelo seu que se tratava de um cortejo de no sul do país e em Chatila A terceira maior fac- Shammas no “New York debaixo do pesado tai-
apoio a Israel”, disse Musta- casamento ou de uma vitória (Beirute, já era hora da sesta ção da OLP tem um sig- Times”, quando o Iraque pal da ocupação israeli-
pha, um palestiniano de 24 num qualquer jogo de futebol. quando a notícia dos atenta- nificativo aparato mili- invadiu o Kuwait, os ta só podiam fazer com
anos, contente, de arma ao “Estamos tão contentes por dos chegou. Muitos palestinia- tar, mas só a vontade que o papel de borbole-
ombro. Com ele, em Nablus a América ter sido atingida. nos saíram para a rua, alguns de atingir o aliado es-
palestinianos “foram tentados, ta fosse tentador, quan-
(Cisjordânia), estiveram cen- A América está contra nós ao de pijama, para disparar as su- tratégico de Israel não com demasiada facilidade, a do há tão poucas luzes
tenas de palestinianos na rua apoiar Israel”, afirmou Sulei- as armas como sinal de vitória é suficiente. A travar, desempenhar o papel de à volta”.
para celebrar os atentados man à Reuters, para quem os e alegria. Segundo a AFP, tam- em conjunto com outros borboleta perante a falsa vela A tragédia é que a
mortíferos de ontem contra amigos de Israel são os inimi- bém se ouviu fogo-de-artifício grupos, uma “guerra de borboleta queimou as
o Pentágono e o World Trade gos do povo oprimido da Pa- e muitos jovens gritaram, dan- baixa intensidade” con- de esperança de Saddam asas. Mas também foi
Center, nos Estados Unidos. lestina. çando, “os americanos são to- tra o Estado judaico que Hussein. Anos e anos na essa dor que ajudou ára-
Em Jerusalém oriental, de- Nos campos de refugiados dos porcos”. esgota recursos huma- escuridão dos campos de bes e israelitas a jun-
nos e financeiros, não tarem-se na Conferên-
refugiados, debaixo do pesado cia de Paz de Madrid em
KHADAFI OFERECE ... CASTRO DISPONIBILIZA teria capacidade de or-
ganizar a destruição do taipal da ocupação israelita, só 1991 — empurrados por
“AJUDA HUMANITÁRIA”... “APOIO MÉDICO”... World Trade Center. podiam fazer com que o papel dois homens determi-
No entanto, mesmo nados, George Bush e
“Os diferendos políticos e os conflitos com a O Presidente cubano Fidel Castro ofereceu on- que os palestinianos
de borboleta fosse tentador, James Baker.
América não devem constituir um obstácu- tem ao seu tradicional inimigo, os EUA, “apoio estejam isentos de cul- quando há tão poucas luzes à Os ataques de ontem
lo psicológico ao envio médico, plasma ou qualquer coisa de que possam pa, as manifestações de volta”. A tragédia é que a poderão incentivar Sha-
de uma ajuda humani- necessitar”. Falando na regozijo pela humilha- borboleta queimou as asas. ron a desencadear uma
tária ao povo america- inauguração de um com- ção e vulnerabilidade ofensiva total contra os
no e a todas as pessoas plexo escolar em Hava- da única superpotência Mas também foi essa dor que palestinianos na con-
na América que foram na, Castro declarou sentir testemunhadas ontem ajudou árabes e israelitas a vicção de que a Améri-
profundamente afecta- “dor e tristeza em comu- nos campos de refugia- juntarem-se na Conferência ca não o vai condenar
das por estes ataques nhão com o povo norte- dos voltaram a man- nem interferir. Cabe à
terríveis”, declarou on- americano” pelos aten- char a imagem de uma de Paz de Madrid em 1991 União Europeia, que re-
tem o líder líbio Moam- tados em Washington e nação desesperadamen- centemente alertou pa-
mar Khadafi ao conde- Nova Iorque. Vestido com te à procura de reconhe- ra uma “catástrofe imi-
nar os ataques “terríveis” contra os EUA. o seu tradicional unifor- cimento. Em 1991, o mundo já ficara choca- nente”, aconselhar George W. a seguir o
Segundo o coronel líbio, esta vaga de aten- me verde-azeitona, o líder cubano não deixou do com as notícias de danças em Ramallah exemplo do seu pai.
tados “aterradores só pode despertar a cons- de fazer “uma advertência ao adversário”, que enquanto mísseis iraquianos caíam sobre Na ausência dos americanos, os europeus
ciência humana e é o nosso dever humani- considerou “o país mais vulnerável ao terroris- Telavive. aperceberam-se nos últimos meses de que
tário ficarmos ao lado do povo americano mo”: que “actuem com equidade e não se deixem Desde que em Setembro de 2000 a Intifada como os fanáticos de Alá estão a conquistar
apesar do conflito político”. Khadafi referiu arrastar por desafios de ódio”. foi reactivada, o Médio Oriente recuou ao almas para actos de martírio. O ministro
ainda “os apelos dos hospitais dos Estados período da guerra fria. A América voltou alemão dos Negócios Estrangeiros, Joschka
Unidos para que as pessoas dêem sangue a ser “o maior amigo dos judeus e o pior ini- Fischer, estava presente quando um “kami-
aos feridos”, para depois sublinhar a neces- ... E REGIME DE SADDAM CRITICA EUA migo dos árabes”. Para essa hostilidade — kaze” se fez explodir numa discoteca cheia
sidade de “pensar num meio prático para bem visível na recente Conferência de Dur- de jovens israelitas.
enviar a ajuda aos sinistrados”. Algo que Segundo um comunicado difundido na televi- ban sobre o Racismo — muito contribuiu Para arrancar as raízes do terrorismo, é ne-
só poderia ser feito depois das autoridades são iraquiana, os atentados de ontem são “o o desprezo da actual Administração Bush cessário evitar a repetição de erros do passa-
norte-americanas “anunciaram como é que fruto dos crimes americanos cometidos contra em relação ao conflito israelo-palestiniano. do. Não foi Israel que, nos anos 80, incentivou
isso pode ser feito depois de todos os voos a humanidade”. “Os ‘cow-boys’ americanos Arafat, que estabeleceu uma cordial relação os Irmãos Muçulmanos a servir de contra-
terem sido suspensos”. recolhem os frutos dos seus crimes”, afirmou o com o ex-Presidente Bill Clinton, deixou de peso à secular OLP, fornecendo-lhes os meios
Recorde-se que Washington não mantém comentador de Bagdad, citado pela AFP. “É um ter contactos directos com a Casa Branca. para se transformarem no movimento islâ-
relações diplomáticas com a Líbia e conti- dia negro na história dos Estados Unidos, que Privilegiando a confrontação em detrimento mico Hamas, de cujas fileiras saem dezenas
nua a exigir de Tripoli o reconhecimento da experimentam a pior das derrotas devido ao seu da diplomacia, Ariel Sharon e George W. en- de bombistas? E não foram os EUA que for-
responsabilidade pelos atentado de Locker- desprezo pela vontade dos povos que aspiram a fraqueceram os velhos revolucionários laicos neceram armas, treino e logística a Osama
bie em 1998 contra um avião da PanAm que uma vida livre e honesta.” O texto afirma ainda e fortaleceram os jovens suicidas religiosos. bin-Laden quando ele combatia os soviéticos
provocou 270 mortos. que “a destruição dos centros de poder ameri- Arafat afastou-se da América. E não foi o no Afeganistão? E não foi o embaixador ame-
canos é a destruição da política americana que único. O príncipe herdeiro da Arábia Saudita ricano um dos primeiros diplomatas estran-
se desviou dos valores humanos para se pôr recusou uma audiência com Bush em Wa- geiros a, implicitamente, reconhecer o regi-
ao lado do mundo sionista, continuar a massa- shington; o rei Abdallah da Jordânia mostrou me dos taliban quando por eles foi recebido
crar o povo palestiniano e aplicar os planos interesse em comprar armas à Rússia; e to- em Cabul?
americanos para dominar o mundo a coberto dos os regimes árabes, temerosos de revoltas O que esperavam colher quando lançaram
da chamada nova ordem mundial.” populares, estão a reaproximar-se do Iraque, as “sementes do Diabo”?
ESPECIAL 7
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001
SETH MCCALLISTER/EPA
O cenário
impossível
1. Foi prova- tema de defesa an-
velmente Chris ti-míssil (MD) lan-
Patten, o comissá- çada em todas as
rio europeu para latitudes pela no-
as questões exter- va administração
nas, quem usou americana é justi-
as palavras mais ficada pela amea-
simples e, porven- ça que constituem
tura, mais certas T ERESA DE SOUSA para os EUA e pa-
para resumir o sig- ra os seus aliados
nificado do aten- os chamados “Es-
tado terrorista contra os Estados tados-párias” como a Coreia do
Unidos. “Este é um dos raros dias Norte, com capacidade para dispa-
sobre os quais se pode dizer sem rarem mísseis.
risco de exagero que mudaram o Nem o “exercício virtual” do
mundo.” Pentágono nem a nova “guerra das
Talvez fosse esta também a úni- estrelas” puseram a América ao
Não foi com mísseis mas com aviões comerciais que os EUA sofreram o pior ataque de sempre no seu território ca certeza dos analistas interna- abrigo do verdadeiro “massacre”
cionais, parcos em palavras e em que ontem se abateu sobre ela.
comentários, confirmando com o Hoje, a confiança dos america-
A defesa antimíssil
seu silêncio e a sua prudência a nos no seu governo, no seu poder,
verdade contida nas palavras do na inviolabilidade do seu território
comissário britânico. — onde nunca se travaram guerras
Em que cenário encaixa o que — terá provavelmente atingido o
REUTERS
correr e a gritar para quem encontravam para escombros pelas equipas de salvamento. O direcção à Austrália declarou situação de
“A COISA MAIS sairmos dali”, contou. Engel não se recorda salvamento ocorreu já ao fim da tarde e foi emergência quando um passageiro começou
de muitos mais pormenores, a não ser as den- anunciado pelo presidente da Câmara de Nova a comportar-se de uma forma declarada como
HORRÍVEL QUE JÁ VI” sas nuvens de fumo e os gritos de desespero Iorque, Rudolph Giuliani. estranha, afirmou a polícia.
Nas imediações do World Trade Center jun- dos que tentavam encontrar uma saída. Aca- O autarca, que apenas sabia que as vítimas A equipa do voo 815 da UA, a mesma com-
taram-se centenas de pessoas. Muitas delas bou por chegar à rua utilizando as escadas de conseguiram manter contacto com as equipas panhia norte-americana que algumas horas
presenciaram o desespero dos que estavam emergência. de busca utilizando os telemóveis, declarou antes confirmara pertencerem à sua frota
aprisionados nas torres e que, acossados pelas que as mesmas foram internadas num hos- dois dos aviões despenhados durante os in-
chamas, preferiram saltar pelas janelas. Jim pital da cidade. No momento do resgate dos cidentes ocorridos durante o dia de ontem
Zamparelli foi uma das pessoas que presen- ORDEIRAMENTE polícias, centenas de bombeiros vasculhavam nos Estados Unidos, com 110 pessoas a bordo,
ciaram as cenas de horror.
“Foi a coisa mais horrível que já vi. Ao pé LAVADOS EM LÁGRIMAS os destroços entre nuvens de fumo e poeira,
sendo obrigados a respirar oxigénio que trans-
estava destinado a Sydney mas pediu uma
alteração na sua rota para o aeroporto de
de mim havia gente a dizer: meu Deus... há O programador de computadores Jeff Lanka, portavam às costas em botijas. Brisbane, no estado de Queensland. Imedia-
gente a sair pelas janelas... vão saltar... meu de 40 anos, encontrava-se no 58º piso da torre tamente colocado em estado de alerta, foi no
Deus”, contou a testemunha. Sul. Contou que sentiu um grande impacto aeroporto de Brisbane que o voo 815 acabou
Outros, não contendo a emoção ao tentarem mas, devido à intervenção de alguém que tam- PRODUTOR DE TV por aterrar sem que qualquer incidente se
relatar os saltos das torres do World Trade
Center, contaram como viram ruir os dois
bém se encontrava naquele andar, todas as
pessoas permaneceram minimamente cal- E HOQUISTAS ENTRE OS MORTOS registasse.
Segundo informações da polícia local, um
edifícios. “Foi um estrondo imenso, acompa- mas. “Disseram-nos que não havia perigo de Um produtor de televisão e dois jogadores homem foi questionado, sem que quaisquer
nhado de grandes nuvens de poeira e fumo. desmoronamento”, contou. de hóquei dos Los Angeles Kings estão entre acusações lhe fossem, no entanto, feitas.
Era difícil respirar.” “Saímos ao fim de, mais ou menos, 15 minu- as vítimas mortais da colisão de três aviões
Também alguns polícias relataram a tragé- tos. Havia muita gente a chorar, mas sempre contra o World Tarde Center e Pentágono.
dia, salientando as dificuldades para acede- tudo com calma, sempre com alguém a dizer Fontes da indústria da televisão disseram AVIÕES SUL-COREANOS
rem às zonas mais críticas. “Não se via nada,
havia muita confusão e o trânsito estava caó-
para ninguém correr, para ninguém entrar em
pânico.” Quando Jeff Lanka atingiu a rua — e
que além do produtor da série “Frasier”, David
Angell, 54 anos, e sua mulher Lynn, e os dois SOB SUSPEITA
tico, com carros por todo o lado, com muita depois de constatar a dimensão da catástrofe jogadores, também pereceu um executivo do Dois aviões sul-coreanos — um de carga e um
gente a tentar aproximar-se”, disse Timothy — dirigiu-se a uma igreja, onde ficou a rezar fabricante de redes de fibra óptica MRW, de Los de passageiros —, em rota para o Alaska,
Stewart, polícia no Bronx. durante uma hora. “Nunca conseguirei pagar Angeles. Angell, vencedor de vários prémios a região mais a norte dos Estados Unidos,
o preço da minha vida”, declarou mais tarde. Emmy, também escreveu vários episódios para foram ontem obrigados a aterrar no aeroporto
as sérias de televisão “Wings” e “Cheers”. de Whitehorse (em Yukon, no Noroeste do
DA PISCINA PARA Canadá) por se acreditar tratarem-se de voos
A ESCADA DE EMERGÊNCIA OS PRIMEIROS SALVOS dominados por terroristas. Os aparelhos fo-
DOS ESCOMBROS O ESTRANHO PASSAGEIRO ram totalmente revistados sem que nada de
Paul Engel, de 64 anos, estava no 22º andar de
uma da torre Norte. Tinha acabado de sair Dois polícias portuários, força cujas instala- RUMO A SYDNEY anormal fosse descoberto. Na realidade, um
deles, um Boeing 747, terá emitido um sinal
de uma piscina quando sentiu o estrondo do ções se situavam numa das torres destruídas, Já hoje, a equipa de um avião da United Air- de emergência por falta de combustível e pro-
embate de um avião no edifício. “Só via gente a foram as primeiras pessoas resgatadas dos lines (UA) que partira de Los Angeles em blemas de comunicação.
12 ESPECIAL
PÚBLICO•QUARTA -FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
PETER MORGAN/REUTERS
O MISTÉRIO Identificador
DO VOO 93
O que aconteceu ao Boeing
757 da United Airlines é um
do avião de
aparente mistério que, a ava-
liar pelas notícias que dizem
respeito ao voo 93 que saiu de
Newark e tinha como destino
Washington
San Francisco, não levantou
grandes interrogações à im-
prensa mundial e norte-ame-
ricana. Apesar de pouco ou
foi desligado
nada se saber sobre este avião Controladores de voo permite identificar todos os
ou sobre os motivos da sua dados do avião em causa.
queda, a teoria de que poderia
de Washington não Os especialistas contacta-
ter sido abatido por aviões mi- puderam fazer mais do dos pelo diário norte-ameri-
litares para evitar que fosse que assistir ao desastre cano foram unânimes em con-
embater em Camp David (em cluir que esta atitude provava
Maryland), a residência de fé- NUNO SÁ LOURENÇO que quem estava aos coman-
rias do Presidente dos Esta- e INÊS SEQUEIRA dos do avião sabia o que esta-
dos Unidos, foi apenas leve- va a fazer. Ganha, assim, cada
mente abordada. O facto parece confirmar o vez mais força a tese que as-
A informação sobre este nível de preparação dos terro- segura a não participação dos
avião é reduzida e solta. Sa- ristas. De acordo com o diário pilotos no acto final. “Duvido
be-se que levava 45 pessoas “Washington Post”, o emis- que os pilotos estivessem no
(incluindo sete tripulantes). sor-receptor do avião que se comando do avião”, reconhe-
Sabe-se ainda que foi a última despenhou contra o Pentágo- ceu um piloto inglês contac-
das aeronaves a despenhar-se no com 58 pessoas a bordo foi tado pela BBC.
e que caiu em Somerset Coun- destruído quando o aparelho O mesmo aviador acrescen-
ty, na Pensilvânia, poucos mi- seguia ainda a sua rota habi- tou que, caso se visse perante
nutos depois das 10h00 locais. tual. Uma medida que tornou aquela situação, não teria ou-
Sabe-se ainda que o impacto impossível aos controladores tra solução senão fazer des-
provocado pela sua queda de voo a sua identificação. penhar o avião na primeira
foi sentido em Shanksville, A partir desse momento, oportunidade: “Como ex-pilo-
a 16km do local. Mas as ima- os ecrãs do aeroporto de Wa- to teria apontado para o chão,
gens televisivas deste lado da shington-Dulles detectaram mesmo que isso significasse
tragédia são muito reduzidas um avião que voava a alta ve- a morte de todos a bordo.” No
face à cobertura das cadeias locidade em direcção à capi- entanto, outro piloto britâni-
televisivas em Nova Iorque e tal, sem que pudessem con- co levantou uma segunda pos-
em Washington. firmar de que voo se tratava. sibilidade: “Talvez tenham
Está também confirmado Os controladores consegui- abatido os pilotos e tenham
um contacto feito por um ram alertar as autoridades tomado o controlo do avião.”
passageiro do Boeing 757, ainda alguns minutos antes Uma situação plausível pa-
que se teria fechado num de o avião descrever uma cur- ra o editor da revista “Flight
WC e feito uma ligação do va no ar para se posicionar International”, David Lear-
seu telemóvel para o 911 (o contra o Pentágono. mont. Até porque pilotar um
número do centro de opera- A torre foi, contudo, inca- Boeing é mais fácil do que se
ções de emergência), a dar paz de dar qualquer outra in- pensa: “Seria extremamente
conta do desvio do avião por formação adicional, uma vez fácil para o terrorista apon-
piratas do ar, momentos an- que o transponder, o aparelho tar o avião contra alvos da-
tes do impacto. A chamada identificador, se encontrava quela dimensão.” Um piloto
foi feita às 9h58 locais: “Es- inutilizado. Apesar de terem português confidenciou ao
Nos EUA há cerca de 40 mil voos diários internos tamos a ser desviados! Esta- conhecimento que um avião PÚBLICO isso mesmo: “Ima-
mos a ser desviados!”, disse se aproximava perigosamen- gine um carro com a quinta
o homem não identificado, te da capital, as autoridades mudança metida e um miúdo
A
o atingirem o coração dos Estados World Trade Center, em Nova PÚBLICO, realçando o fraco xas das taxas de juro - que tidores, foi seguida pelo Ban-
Unidos pela primeira vez na histó- Iorque, o dólar chegou a tro- volume de transacções. ajudem os Estados Unidos a co Central Europeu. J.A./
ria, os horríveis atentados terroris- car-se por 1,1167 euros, 122,05 Ultrapassada a “loucura” vencer a crise de confiança C.R.C.
tas de ontem abrem uma nova fase
na vida internacional. No plano económico
e financeiro, foi tremendamente abalada a
convicção de que os EUA estariam ao abrigo
das perturbações sociais e políticas que,
por vezes, têm afectado outros países de-
senvolvidos, em particular na Europa. Tal
convicção era uma das razões que faziam
afluir à América capitais de todo o mundo.
Coincidindo esse abalo com a quase recessão
económica que já ali se fazia sentir, torna-
se agora bem real o risco de uma saída em
massa de dinheiro dos EUA, com o dólar
em baixa, tendo como consequência graves
perturbações financeiras internacionais.
Mas serão políticos os efeitos mais pro-
fundos da tragédia de ontem. Os americanos
JEFF CHRISTENSEN/REUTERS
ESPECIAL 17
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001
15h10 Um avião Boeing 757 despenha- cima abaixo como se estivesse a ser descas- 18h27 É declarado o estado de emer- dos negam qualquer envolvimento, dizendo que
se em Somerset County, a 80 milhas de Pitts- cada, largando para o ar uma enorme nuvem gência em Washington D.C. não se tratou de uma retaliação pelos ataques;
burgh, no estado da Pensilvânia. É mais tarde de pó e detritos. a oposição afegã ao regime dos taliban reivin-
identificado pela companhia aérea United Air- 19h30 A FAA anuncia que todos os voos dica as explosões.
lines como tratando-se do voo 93, com destino 15h45 Todos os edifícios federais dos comerciais norte-americanos estarão suspen-
a São Francisco e tendo partido de Newark, Estados Unidos são evacuados. Todos os ae- sos pelo menos até ao meio-dia (hora de Nova 23h54 George W. Bush regressa a Wa-
em New Jersey, com 38 passageiros e sete roportos do país são evacuados e também Iorque) de quarta-feira — a primeira vez que tal shington.
tripulantes a bordo. encerrados. medida é tomada na história dos EUA.
0h02 A CNN anuncia que um outro edi-
15h25 É noticiada a explosão de um 18h04 O Presidente norte-americano, 20h55 Karen Hughes, directora de comu- fício próximo do World Trade Center está em
carro armadilhado às portas do edifício do De- George Bush, garante à nação, numa inter- nicações da Casa Branca, diz que o Presidente risco de desabar.
partamento do Tesouro, em Washington. Mais venção televisiva, que estão a ser tomadas está “em local secreto”; apura-se depois que
tarde há um desmentido. todas as medidas de segurança. E deixa o George W. Bush estava numa base aérea do 0h45 A polícia de Nova Iorque anuncia
aviso: “Não tenham dúvidas, os Estados Uni- Nebraska (Oeste dos EUA). que mais de 70 polícias e 200 bombeiros estão
15h26 Todos os voos com destino para dos vão caçar os responsáveis por este ata- desaparecidos.
os Estados Unidos são desviados para o Cana- que.” 22h20 Um edifício de 47 andares junto ao
dá, segundo ordens da FAA. World Trade Center desaba. 1h30 O Presidente George W. Bush fala à
16h02 O “mayor” Giuliani pede aos no- nação e promete que os EUA e os seus aliados
15h27 A torre norte do World Trade va-iorquinos que fiquem em suas casas e or- 23h Ouvem-se explosões em Cabul, capital “juntos, irão vencer a guerra contra o terroris-
Center acaba também por ruir, desabando de dena a evacuação do Sul de Manhattan. do Afeganistão. Mais tarde, os Estados Uni- mo”. D.F./P.R.
REUTERS
ALEX FUCHS/EPA
18 ESPECIAL
PÚBLICO•QUARTA -FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
Psicólogos falam em “cicatrizes” regressava a Lisboa num voo de televisão centraram as su-
do Aeroporto JFK, em Queens, as emissões em Nova Iorque
Nova Iorque. e Washington. As imagens de
Estive no sábado nas Twin Lower Manhattan mostram
Sensação de segurança trauma Leslie Carrick-Smith. “Nin- psicológicos é a sua natureza ines- Towers. Eram dois edifícios ma- uma região devastada por uma
guém vai voltar a sentir-se realmente perada”, explica Carrick-Smith. O ravilhosos, de linhas perfeitas guerra terrível. A esta hora
nunca mais será a mesma a salvo porque estas torres eram íco- psicólogo diz ainda que este ataque e simples: toda a sua força deri- (14h00 locais) o Pentágono —
para quem assistiu nes, símbolos do comércio mundial e não pode ser comparado com o de Pe- vava da altura a que se levanta- outro símbolo da América —
às imagens de horror de ordem. As pessoas aperceberam- arl Harbour: “Isto não é o mesmo que vam, mais de 110 andares. Não continua em chamas.
se de como estão vulneráveis perante uma guerra. Uma guerra quase pode precisavam de mais arquitec- Com os aeroportos fechados,
PATRICIA REANEY alguém que tenha realmente conse- ser prevista e é, claramente, entre tura que a simplicidade. Eram os comboios parados, as esco-
guido fazer aquilo”, acrescentou. nações definidas.” um dos mais poderosos símbo- las fechadas, os edifícios pú-
Foram cenas piores do que as de O facto de o ataque ter sido repen- “O rebentar de uma guerra é ge- los de Nova Iorque, os edifícios blicos evacuados, o corredor
filmes de catástrofes. Três aviões tino, sem aviso, coordenado e ainda ralmente premeditado e por isso as mais altos da cidade e os mais entre Nova Iorque e Washing-
com passageiros embateram contra o ter utilizado aviões de passageiros pessoas podem prevê-lo. Mas esta si- altos depois do Sears Building ton está refém do terror e do
World Trade Center e contra o Pentá- como bombas suicidas aumenta o tuação aconteceu em segundos, sem em Chicago. ambiente de guerra. Porque é
gono, deixando uma nação e o mundo horror do crime. qualquer aviso, e a reacção psicoló- A arquitectura das torres re- um ambiente de guerra. Foi o
com uma noção diferente de segu- “Isto torna o mundo num local pe- gica de muitas pessoas será: se isto alçava uma transparência inte- que senti nas ruas: olhei rece-
rança. Psicólogos e especialistas em rigoso, onde não podemos prever o pode acontecer em segundos, o que rior. A estrutura de suporte fora oso para o céu de Washington,
experiências traumáticas dizem que que vai acontecer”, diz um psicólogo poderá acontecer a seguir?” projectada nas paredes exterio- como os outros apressados tra-
os sobreviventes da catástrofe nun- clínico inglês, Gerard Bailes. As pes- Quem tenha coordenado e execu- res, pelo que no interior havia seuntes, quando ouvi o ruído
ca mais vão ser os mesmos em ter- soas podem ter receio de bombistas tado o ataque não funciona segundo amplos espaços, o que não suce- de um avião passando por ci-
mos emocionais. E mesmo para os suicidas, mas a ideia de que alguém valores humanos normais e a sua de- de em muitos outros arranha- ma do centro da cidade. Esta-
milhões de outras pessoas que viram possa levar aviões de passageiros e silusão é tão intensa que é impossível céus. Talvez por isso, por esta- ria eu em Pearl Harbour? E, en-
os acontecimentos na televisão as forçá-los a embater em edifícios de prever o que poderão fazer, diz ainda rem suportados principalmente quanto entrava no edifício da
imagens vão ficar para sempre na escritórios está para além do pior Carrick-Smith. “Não será irrealista pela estrutura das paredes ex- imprensa, pensei: o que acon-
sua memória. pesadelo de alguém. dizer que este acontecimento pode- teriores, as Twin Towers eram teceria se os terroristas trou-
“A noção de segurança pessoal vai “A escala disto é maior do que al- rá realmente ameaçar o mundo em mais susceptíveis a um ataque xessem armas nucleares nos
ser abalada e a perspectiva de vida vai guma coisa que alguém tenha visto. termos de comércio e petróleo assim vindo de fora do que a partir de seus ataques suicidas?
ser provavelmente afectada por isso”, O que faz deste acontecimento tão como em termos de repercussões des-
disse o psicólogo e especialista em potencialmente danoso em termos conhecidas”, concluiu. REUTERS
20 ESPECIAL
PÚBLICO•QUARTA -FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
DOUG MILLS/REUTERS
A falência
dos serviços
de informações
A possibilidade de realização de uma operação
desta dimensão no coração dos EUA não pode
deixar de significar um dos maiores fracassos da
história dos serviços de informações.
Twin Towers,
ex-líbris
por 31 anos
Em finais dos anos 70, no auge da trução de duas torres, cujo tama-
paranóia alimentada pela guerra nho a Administração do Porto foi
fria, a CIA elaborou uma lista dos esticando até aos 410 metros, para
edifícios mais sujeitos a atenta- satisfazer plenamente as suas me-
dos terroristas: do top constava, tas de rentabilidade.
obviamente, o imponente comple- Na altura, as Torres Gémeas ba-
xo nova-iorquino do World Trade teram todos os recordes de altitu-
Center, que oferecia um potencial de, quebrados em 1974 pela Torre
de número de vítimas pratica- Sears de Chicago. A estrutura do
mente imbatível. Vinte e tantos complexo de sete edifícios consu-
anos depois, as estatísticas falam miu 200 mil toneladas de aço, che-
por si: aos cerca de 50 mil traba- gou a absorver uma mão-de-obra
lhadores do complexo, há que so- estimada em 3500 operários da
mar o fluxo de 150 mil a 200 mil construção civil e demorou sete
visitantes que diariamente pro- anos a ficar pronta. Depois, passou
curavam o terraço do 110º andar a abrigar mais de 500 empresas e
da Torre 2 para alcançar a melhor sociedades comerciais, agências
vista sobre Manhattan. Desde governamentais diversas, um cen-
1970 que as Twin Towers (“Torres tro comercial, terminais de me-
Gémeas”) dominavam o horizonte tropolitano e comboio e um gigan-
de Nova Iorque. tesco parque de estacionamento.
O World Trade Center foi um Entre as entidades que ali assen-
cavalo de batalha do banqueiro taram arraiais, encontravam-se
David Rockefeller, que passou a o Deutsche Bank, o Bank of Ame-
década de 50 a tentar convencer rica, o Crédit Suisse, a Embaixa-
os poderes públicos a alterar de da da Tailândia, um hotel com 250
vez a imagem de degradação do quartos, serviços alfandegários,
West Side através da instalação áreas de exposições, o gabinete de
do maior e mais concentrado cen- emergência da cidade e a autori-
tro comercial do mundo. A ideia dade de trânsito nova-iorquina.
era centralizar em 406 mil metros A terra escavada para acolher os
quadrados a actividade das mais alicerces do complexo foi deposi-
importantes empresas e agências tada no rio Hudson e serviu para
governamentais com uma pala- alargar artificialmente para oeste
vra a dizer no comércio mundial, o perímetro da cidade, abrindo ca-
estimular o desenvolvimento das minho à instalação de outro pro-
áreas metropolitanas adjacentes jecto megalómano: o complexo ha-
e garantir a reanimação econó- bitacional do Battery Park e o
mica do extremo sudoeste de Ma- vizinho World Financial Center, a
nhattan. A Administração do Por- que o World Trade Center estava
to de Nova Iorque e New Jersey ligado por uma ponte.
encarregou-se do assunto e acabou As últimas notícias sobre o
por entregar ao arquitecto Mino- World Trade Center davam conta
ru Yamasaki a tarefa de mudar da iminência de uma milionária
a face do distrito operação que colo-
financeiro da cida- As últimas notícias caria o complexo
de sem ultrapas- nas mãos da Vor-
sar um tecto or- sobre o World Trade nado Realty Trust:
çamental de 500 Center davam conta a empresa ulti-
milhões de dó-
lares: o projecto
da iminência de uma mara um contrato
de aluguer por 99
desenvolvido pe- milionária operação anos a troco de
la Yamasaki and que colocaria 3,12 mil milhões
Associates, em co- de dólares, mas na-
laboração com a o complexo nas mãos da tinha sido ain-
Emery Roth and da empresa Vornado da assinado. INÊS
Sons, acabou por NADAIS, COM ANTÓ-
O World Trade Center, um dos símbolos de Nova Iorque, e o que restou dele depois do ataque privilegiar a cons-
Realty Trust NIO MELO
ESPECIAL 23
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001
“O mundo que
conhecíamos acabou”
Em Nova Iorque, minutos depois das primeiras explosões, o pânico
instalou-se. Desesperadas, as pessoas tentavam chegar à parte sul de
Manhattan. Muitos dirigiram-se aos hospitais para dar sangue.
Reportagem de Ana Gomes Ferreira, em Nova Iorque
Ontem de manhã, os auto- ma direcção: para Norte, con- O céu mudou de cor. Estava
carros não andaram na zo- forme mandou a polícia, que negro, do fumo dos incêndios
na sul de Manhattan, em No- esvaziou o Sul de Manhattan que consumiram os edifícios.
va Iorque. Os táxis também em tempo recorde. “Eu só que- Ficou branco, de pó de tijolo e
não. Paravam na rua 14, e re- ria sobreviver, sair dali para tinta e todas as coisas de que
cusavam avançar. O metro fora. Quero ir para casa”, diz são feitas os prédios. As torres
tentou a normalidade, por um homem com os pés e as ruiram ordeiramente, andar
STEPHEN JAFFE /REUTERS
instantes. pernas cobertos de poeira, e o por andar. E, durante instan-
“Senhores passageiros, de- cabelo salpicado de cinza. “Eu tes, quando a estrutura não
vido a uma situação de emer- vi. Eu vi. Pelo menos dez pes- passava de um destroço no
gência no World Trade Center, soas a saltar daquele inferno. chão, a forma, o relevo, per-
o tráfico está congestionado. Saltaram mesmo lá de cima, maneceu, como um fantasma
temos que parar. Sejam pa- para o chão”, conta uma mu- branco, feito de pó. Outros pré-
cientes.” No interior da car- lher com as meias salpicadas dios, vizinhos, estão condena-
ruagem — a primeira carrua- de sangue que não é dela. dos. É uma questão de tempo.
gem —, uma mulher começa De repente, a multidão per- [durante a noite a CNN anun-
a chorar. “O meu marido tra- de a ordem. Desata a correr. ciou que o edifício 7 do com-
balha no World Trade Center. plexo do World Trade Center-
Preciso de chegar lá.” tinha acabara de ruir].
Farto de esperar no cubículo As torres gémeas viam-se da
que lhe compete, o condutor As torres gémeas Cleveland Plaza. Agora, o es-
do metro decidiu fazer compa- viam-se da Cleveland paço entre arranha-céus onde
nhia aos passageiros: a mulher os gigantes de prata se desta-
à procura do marido, um casal Plaza. Agora, o espaço cavam, está vazio. “Olha, olha,
muito bem vestido a caminho entre arranha-céus estás a ver. Era ali que estava a
do trabalho, que não sabe de onde os gigantes de primeira. E ali, ali, estás a ver,
nada, um grupo de rapazes de era ali que estava a segunda”,
camisa branca. “Já telefonas-
prata se destacavam explica Manuel, apontando pa-
te à tua família?” “Não, nem está vazio. “Olha, olha, ra o vazio e vendo o que já não
pensei nisso. Assim que ouvi a estás a ver. Era ali que é possível ver. “O mundo mu-
notícia, meti-me no comboio, dou. O mundo que conhecia-
só queria chegar lá”. “Vê lá se
estava a primeira. E ali, mos acabou”.
telefonas, és parvo ou quê?” ali, estás a ver, era ali Junto aos destroços, começa
O Pentágono, onde trabalham 23 mil pessoas, foi atacado às 14h43 (hora de Lisboa)
O condutor do metro decide que estava a segunda”, a definir-se a ordem. A polícia
ser simpático. Vai ouvindo, pe- explica Manuel, abre ruas só de entrada para as
lo intercomunicador, as notí- ambulâncias. Outras só de sa-
cias. Vai passando as notícias apontando para o vazio ída. Faz rotas de fornecimento
e vendo o que já não é
O primeiro ataque ao
aos passageiros. É boa a inten- de água para os socorristas e
ção. É mau o resultado. “Pare- possível ver. vítimas. O céu volta a enegre-
ce que o incêndio é cada vez cer. Os escombros ainda estão
maior. Parece que há bocados a arder. Pelo céu voam papéis,
das torres a caír por todo o la- destroços levezinho que ater-
Uma cidade
perfeita para tragédias
1970
Agosto, 24 — Um
investigador universitário
que trabalhava para o
Exército é morto em
Madison, no Wisconsin,
num atentado assinado por
militantes ditos “pacifistas”
1975
Janeiro, 24 — Uma
explosão num café de Nova
Iorque causa quatro
mortos. É um dos 49
atentados atribuídos entre
1974 e 1977 ao grupo
nacionalista das Forças
Armadas de Libertação
Nacional de Porto Rico
Dezembro, 29 — Atentado à
bomba no aeroporto La
Guardia, de Nova Iorque: 1
morto e 75 feridos
1981
Maio, 16 — Explosão no
terminal do aeroporto
Kennedy assinado pela
“Resistência Armada
Porto-Riquenha”
1993
Fevereiro, 26 — Ataque
O atentado de 1993 contra o World Trade Center causou mais de 330 milhões de euros de prejuízos contra uma das torres
gémeas do World Trade
Center, em Nova Iorque: seis
de ser invulnerável
Na sexta-feira do atentado, Center não estariam de pé se que com uma maior quanti- tado. “Em vez dos seis mortos,
organização egípcia, são
condenados em Maio de
1994 a um total de 240 anos
de prisão pela autoria do
ataque
O primeiro acto
a polícia de Nova Iorque re- eu tivesse dinheiro e explo- dade de explosivos e com a o atentado teria posto em ris- 1995
terrorista contra o cebeu várias chamadas de or- sivos suficientes”, terá dito colocação de duas carrinhas co a vida de 70 mil pessoas”, Abril, 19 — Um atentado
World Trade Center ganizações diferentes a rei- Ramzi Yousef a um agente do armadilhadas em locais es- referiu na altura Robert Ku- com uma viatura
ocorreu em 1993, vindicar a responsabilidade FBI quando regressava aos tratégicos as consequências pperman, especialista em ter- armadilhada contra um
do atentado, incluindo a auto- EUA para ser julgado. A in- poderiam ter sido bem pio- rorismo do Centro de Estudos edifício de Oklahoma causa
causando seis mortos e proclamada Frente de Liber- vestigação levada a cabo na res, tendo em conta a hora Estratégicos e Internacionais 168 mortos e mais de 600
mais de mil feridos tação da Sérvia, e as suspei- altura chegou à conclusão de (12h18) a que ocorreu o aten- de Washington. feridos. Autor: Timothy
tas iniciais apontavam para McVeigh, um antigo
MARCO VAZA uma acção relacionada com o combatente da guerra do
conflito na Jugoslávia. Mas a Golfo, simpatizante de
A 26 de Fevereiro de 1993, uma “pista balcânica” foi rapida- Anos de bombas e mortos milícias e pequenos grupos
carrinha estacionada na ga- mente abandonada e as aten- hostis ao Governo federal
ragem de uma das torres do ções concentraram-se numa África, América, Médio Oriente ou com explosivos no mês anterior, dois em
World Trade Center explodiu, possível autoria de terroris- Ásia, não há praticamente nenhum Moscovo e um em Buynaksk, no Da- Outubro, 9 — Um comboio
causando a morte a seis pes- tas islâmicos. canto do mundo onde um qualquer gru- guestão, além de centenas de feridos. que assegura a ligação
soas e ferimentos a mais de A investigação conduziu as po ou guerrilha não tenha aparecido de Em Março, meia centena de pessoas ti- Miami-Los Angeles
mil, para além de ter provo- autoridades norte-america- surpresa a dizimar sem olhar a nada. nham morrido na explosão de um carro descarrila na sequência de
cado mais de 300 milhões de nas à captura dos suspeitos, Um dos últimos ataques ocorreu em armadilhado num mercado de Vladika- um atentado reivindicado
dólares (330 milhões de euros) que já estariam a preparar Angola, no dia 10 de Agosto, quando a vkaz, no Sul da Rússia. por um grupo desconhecido
em prejuízos, naquele que atentados contra a sede do UNITA, o movimento que combate o Go- O ano de 1998 tinha ficado marcado pelo — “Os Filhos da Gestapo”.
foi o primeiro acto terrorista FBI, da ONU e de pontes e verno do Presidente José Eduardo dos mais violento dos atentados na Irlanda Uma pessoa morre e 80
internacional a ocorrer em túneis que ligam Nova Ior- Santos, atacou um comboio que circula- do Norte nos últimos trinta anos, em outras ficam feridas. As
território norte-americano. A que e New Jersey, no seu pró- va a Sul de Luanda, matando 252 pesso- Omagh, em que morreram 29 pessoas, autoridades relacionam a
explosão abriu uma enorme prio território, confirmando as — um dos piores incidentes da longa assinado pelo Real IRA, dissidência ra- acção com o drama de
cratera na zona subterrâneo as suspeitas que apontavam guerra civil angolana. dical do Exército Republicano Irlandês, Waco, no Texas, em Abril
das “Twin Towers”, provocan- para a existência de uma re- Antes desse ataque, no dia anterior, um e pelos que mataram, nas embaixadas de 1993
do o colapso dos cinco primei- de clandestina formada por palestiniano suicida tinha matado cinco norte-americanas em Nairobi e Dar-es-
ros andares (do qual resulta- fundamentalistas islâmicos pessoas e ferido outras 90 em Jerusa- Salam, 224 pessoas e feriram milhares 1996
ram as seis vítimas mortais), e, destinada a espalhar o terror lém, no âmbito do levantamento palesti- de outras. Julho, 27 — Explosão de
consequentemente, um visível pelo país. niano que começou há quase um ano e Quanto a 1996, atentados mataram bomba no Parque do
abanão das torres. Mais difícil foi a “caça” a tem sido farto de atentados do mesmo quase todos os meses: 300 mortos no Centenário, em Atlanta, na
O xeque egípcio Omar Ab- Ramzi Yousef, que fugiu na tipo. Como o de dia 1 de Junho, quando estado indiano de Assam em Dezem- Geórgia, durante os Jogos
del Rahman, chefe religioso noite a seguir ao atentado um outro combatente palestiniano tam- bro, 125 no desvio de um Boeing 767 Olímpicos: dois mortos e
de uma mesquita em Nova Ior- e chegou a ter a cabeça a bém se matou a si próprio e a outras 21 etíope ao largo das Comores em No- 110 feridos
que, e nove outros militantes prémio, tendo sido, inclusi- pessoas num clube de Telavive. vembro, 21 em Multan, no Paquistão,
islâmicos, um grupo onde se vamente oferecida uma re- O ano passado viu dois grandes atenta- em Setembro, 78 no Sri Lanka em Ju- 1998
incluiam cidadãos do Sudão, compensa de dois milhões de dos à bomba, um no dia 12 de Outubro, lho, 200 feridos num atentado do IRA, Therodore Kaczynski,
Egipto e Jordânia, foram con- dólares (2,2 milhões de euros). contra um “destroyer” dos Estados Uni- em Manchester, em Junho, 26 em Je- conhecido por
denados em 1995 a prisão per- Só em 1995, depois de uma dos no porto de Áden, no Iémen, em que rusalém em Fevereiro, mais 31 no Sri “Unabomber”, é
pétua por conspiração e outras perseguição que se estendeu morreram 17 marinheiros, e outro, em Lanka em Janeiro. condenado a prisão
acusações ligadas ao atenta- por vários países (passou pe- Fevereiro, em Ozamis, nas Filipinas, on- 1995 foi o ano do atentado com gás no perpétua em Maio de 1998
do. Três anos depois, o alegado las Filipinas, onde estaria a de as vítimas mortais ascenderam a 45. metro de Paris, onde morreram oito por ter conduzido uma
cérebro da operação, Ramzi preparar o assassínio do Papa 1999 tinha sido pior: 110 mortos — e 400 pessoas e ficaram intoxicadas outras 86, cruzada antimodernista
Yousef, de nacionalidade in- João Paulo II), é que Yousef feridos — num ataque, em Outubro, e do de Oklahoma, que causou 168 mor- através de cartas
determinada (possivelmente foi capturado em Islamabad, contra um mercado da capital, Grozni, tos. 1994 o da explosão da comunidade armadilhadas que em três
iraquiana), foi também conde- no Paquistão. nunca se soube muito bem perpetrado mutualista judaica em Buenos Aires, anos matou três pessoas e
nado a prisão perpétua. “As torres do World Trade por quem, e 276 outros noutras acções onde uma bomba matou 96 pessoas. feriu outras 23
ESPECIAL 25
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001
Os ataques
Era também manhã em Oklahoma JEFF MITCHELL/REUTERS
da Tanzânia,
Quénia, Iémen
19 DE ABRIL DE 1995,
A 7 de Agosto de 1998
9 HORAS E 03 MINUTOS uma violenta explosão
atingiu a embaixada
Kathy olhou na norte-americana em
Nairobi, capital do Qué-
direcção do infantário, nia. Minutos depois, ou-
onde deviam estar tra explosão produziu
Chase e Cole, e eles um caos e um pânico
idênticos em frente a ou-
não estavam lá tra embaixada america-
na, desta vez em Dar es-
FERNANDO SOUSA Salam, capital da
Tanzânia. Mais de 200
A penúltima vez que uma pessoas morreram e pe-
bomba fez tremer os Estados lo menos cinco mil fica-
Unidos foi a 19 de Abril de ram feridas.
1995, em Oklahoma. O autor Nos Estados Unidos, o
do atentado, Timothy McVei- então Presidente Bill
gh, foi depois condenado à Clinton preparava-se pa-
morte. Morreu por injecção ra ser interrogado pelo
letal há três meses. Grande Júri sobre a sua
Era, como ontem, também relação com a estagiária
manhã, os americanos acor- da Casa Branca Monica
davam e preparavam-se pa- Lewinsky. O escândalo,
ra a escola ou o trabalho. De que se arrastava há me-
repente, passavam três mi- ses, deixara o Presidente
nutos das nove, o edifício fe- profundamente fragili-
deral Alfred P. Murrah, des- zado. A América sentia-
fazia-se em pedaços. se humilhada, dentro e
“Eu e a minha filha fomos fora das suas fronteiras.
para a rua. Havia vidros a vo- Os taliban afegãos avisa-
ar, carros a rebentar. Olhei ram imediatamente Wa-
para o infantário e não esta- shington para que não
va lá. Percebi logo que era tentasse capturar o mi-
mau, que as duas crianças lionário saudita Osama
tinham morrido”, recordou bin Laden, a viver em
mais tarde Kathy McVeigh. território afegão e consi-
Os dois miúdos eram Chase derado o principal sus-
e Cole, os netos, de dois e peito do duplo atentado.
três anos, duas das duas víti- Mas a 20 de Agosto, Clin-
mas mortais do desastre, em ton ordenava uma dupla
que ficaram feridas outras retaliação: aviões norte-
500 pessoas. americanos atacaram al-
O atentado mexeu com os vos no Afeganistão e no
americanos, tomados de as- Sudão. Este segundo pa-
salto por especulações sobre ís era suspeito de estar a
altas conjuras internacio- desenvolver um progra-
nais, talvez neonazis, talvez ma de armas químicas
árabes. Não tinha sido um numa fábrica que foi ar-
árabe, Omar Abdel Rahman, rasada pelos aviões, e
o mentor do atentado, dois que, segundo os sudane-
anos antes, em Fevereiro de ses, nunca produzira
1993, contra o World Trade mais do que produtos
Center? farmacêuticos (mais tar-
Depois, porém, acabaram de os americanos admiti-
por ter de admitir que o cri- ram o erro).
me partira do interior, de Bin Laden tinha mostra-
um dos seus, para mais um do a sua força e a sua ca-
jovem condecorado na guer- pacidade de lançar ata-
ra do Golfo cheio de ódio ques coordenados. A
às instituições. Ao ponto de América elevou-o à cate-
se abandonar à sentença de goria de inimigo número
morte. Questionado pelo juiz um. Mas o milionário
sobre se tinha alguma coisa a voltaria a atacar — ou
dizer em sua defesa, respon- pelo meno seria suspeito
deu seco: “A este tribunal, ne- de outro atentado. A 12
nhuma!” de Outubro de 2000, uma
Com base num acervo do- pequena embarcação
cumental de 25 mil folhas e carregada de explosivos
137 testemunhas, a acusação colidiu com o contra-
provou que Timothy McVei- torpedeiro norte-
gh, de 26 anos de idade, um americano “Cole”, que
antigo sargento do Exército, se encontrava no porto
organizou e realizou o aten- de Áden, capital do Ié-
tado, com a ajuda de outra men. Dezassete mari-
pessoa, mediante um camião nheiros americanos
que tinha alugado no Kan- morreram.
sas com um nome falso e que A Administração ameri-
encheu com uma mistura de cana apontou novamen-
mais de 2 mil quilos de ex- te o dedo a Bin Laden,
plosivos, incluindo nitrato e o Pentágono discutiu
de amónio, enfurecido com a hipótese de lançar
o cerco de Waco, Texas, pela um “ataque preventivo”
polícia, durante o qual mor- contra a organização.
reram 86 pessoas da seita dos Mas Clinton parece ter
davidianos. decidido adiar a puni-
Os sobreviventes de Okla- ção para não provocar
homa City, uma cidade que se a fúria dos muçulmanos
queixava de ali nunca aconte- e não prejudicar aquele
cer nada, disseram que que- que era o seu objectivo
riam ver McVeigh “desapa- prioritário, um acordo
recer”, para poderem “seguir de paz no Médio Orien-
em frente”. Milhares de pessoas prestaram homenagem às vítimas do atentado de Oklahoma te. A.P.C.
26 ESPECIAL
PÚBLICO•QUARTA -FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
AS FRASES
“Não há capacidade
para conseguir uma
protecção total contra
ataques deste género,
não há nenhuma
capital que não seja
vulnerável.”
IDEM
“A própria Europa
pode ser alvo de
atentados, incluindo
Portugal.”
GENERAL LOUREIRO DOS
SANTOS, EX-CHEFE DO
ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO
PAULO PIMENTA
UM SUSTO EM
WASHINGTON
Grupo de médicos
portugueses aterrou
na capital dos EUA
minutos depois do
atentado no Pentágono
A Internet
levada “Estou pronto para
aos limites
Das notícias
às mensagens
a lei marcial. E vocês?”
instantâneas e aos A Internet foi o meio árabe. “O Islão é uma amea-
grupos de ‘chat’, a Web privilegiado para a ça para a América. Trinta
mostrou como nunca a circulação imediata de mil mortos não é uma ra-
sua utilidade ímpar em zão suficientemente forte pa-
rumores, teorias da ra lutar contra eles? Prefe-
momentos de crise conspiração e opiniões rem esperar por mais 100 mil
mortos?”, frisa outro nave-
A Internet, em particular, os
sobre os atentados. gador que resolveu dar a sua
sítios noticiosos, constituiu no “911 - Dia de terror opinião no Yahoo.
dia de ontem um suporte de in- nos EUA” E há quem, embora não di-
formação sobre os ataques aos rectamente, atribua as cul-
EUA procurado por milhões MARCO VAZA pas ao Governo americano,
de pessoas em todo o mundo como foi o caso de David
— pelo que muitos deles atin- Poucas horas tinham passa- Duke, uma conhecida perso-
giram situações de bloqueio do e já circulavam pela World nalidade do estado da Loui-
provocado por verdadeiras va- Wide Web as mais variadas siana, com ligações à organi-
gas de acesso, muito para além opiniões e teorias da cons- zação racista Klu Klux Klan.
do que as respectivas infra-es- piração sobre os atentados, “Se não nos libertarmos das
truturas e as de comunicações que já foram apelidados “911 amarras do poder sionista
podiam suportar. — Dia de terror nos EUA”. que está no meio de nós, os
Os sítios das estações televi- O número faz referência ao americanos vão viver para
sivas CNN, ABC News e Fox e dia da tragédia (o 11º dia do sempre na agonia e no me-
dos jornais diários “New York nono mês) associado ao nú- do do terrorismo”, diz David
Times”, “Chicago Tribune”, mero telefónico de emergên- Duke num longo discurso
“New York Post” e “USA To- cia que está à disposição dos reproduzido no seu site ofi-
day”, bem como as páginas norte-americanos. “O ata- cial (www.davidduke.com)
noticiosas de portais como o que foi demasiado grande intitulado “Um dia de tragé-
Yahoo! foram, desde o início para qualquer organização dia para o coração ferido da
da tarde em Lisboa (da manhã terrorista fora dos EUA. Só América”.
nos EUA), exemplos desta ino- pode ter sido da autoria da- “Fornecer e algumas ve-
peracionalidade motivada por queles grupos que estão zes usar armas e tanques e
cargas de acesso muito para contra o governo america- aviões e bombas contra um
além do que os sistemas esta- no”, considera um cibernau- dos lados numa guerra ex-
vam concebidos para suportar ta num “post” do forum so- terior cria milhões de ini-
ou por saturação da largura de bre os atentado aberto no migos contra nós”, acrescen-
banda disponível. Os respon- site “Afghanistan Online” ta David Duke, que acusa o
sáveis de alguns destes sítios, (www.afghan-web.com). Governo de se envolver em
como o CNN.com, recorreram “Já é tempo de começar conflitos que não lhe dizem
mesmo ao expediente de pres- a matança. Estou pronto
“É óbvio que respeito.
cindir de quase todos os ele- para a lei marcial. E vo- os israelitas O próprio FBI anunciou a
mentos gráficos nas suas pági- cês?”, afirmava outro no de extrema-direita existência de uma página na
nas, deixando apenas os textos forum do www.conspiracy- e a CIA estão internet para recolher infor-
e uma ou outra foto dos trági- net.com. “É óbvio que os is- mações sobre os atentados.
cos acontecimentos. raelitas de extrema direita e combinados No www.ifccfbi.gov, a agên-
Excepção foram sítios como a CIA estão combinados em em tudo isto. cia de investigação federal
o Salon.com ou o do conhecido tudo isto. Para quê preocu- Para quê norte-americana fornece aos
diário financeiro norte-ameri- parem-se com o processo de cibernautas “um mecanis-
cano “Wall Street Journal” — paz quando uma das partes preocuparem-se mo conveniente e fácil de
o que seria de esperar, por se do conflito é riscada do com o processo usar que alerta as autorida-
tratar de um dos poucos sítios mapa pelos EUA? Os pa- de paz quando des de violações civis ou cri-
de jornais que cobra uma assi- lestinianos que vivem no minais”. “É necessário que
natura (cerca de 50 dólares anu- Afeganistão, Líbia ou Síria
uma das partes as pessoas sejam corajosas
ais) pelo acesso à versão inte- estão condenados”, dizia ou- do conflito é em situações como esta. Pe-
gral dos seus artigos “on-line”. tro cibernauta também no riscada do mapa ço a quem quer que tenha
Outros utilizadores, mais expe- www.conspiracy-net.com, pelos EUA?” informações que possam ser
rientes no uso da Web, tiraram um site que tem arquivadas úteis para as autoridades que
partido dela através dos canais centenas de teorias da cons- aproveitem esta oportunida-
de “conversação” em tempo re- piração sobre múltiplos as- de”, frisou John Ashcroft,
al (o chamado “chat”) e dos ser- suntos, desde o assassinato procurador geral dos EUA.
viços de mensagens instantâ- do ex-presidente norte-ame- Na sua página oficial o FBI
neas, bem como do E-mail para ricano John F. Kennedy (um mantém Osama Bin Laden
difundir notícias de outro mo- assunto muito popular na como um dos dez mais procu-
do inacessíveis. rede), até à real existência rados e oferece uma recom-
Para John Quarterman, res- dos famosos “Homens de Ne- pensa de cinco milhões de
ponsável técnico da Matrix.Net gro”, passando por planos dólares por informações que
(uma empresa de métrica na de criação de campos de con- conduzam à sua captura.
Web), os acontecimentos de on- centração no território dos Durante o dia de ontem a
tem constituíram “a maior car- EUA para transformar os ci- página oficial dos Taliban
ga a que a Internet” se viu dadãos americanos em es- (www.taleban.com) esteve
sujeita na sua história. Segun- cravos. inacessível devido a um ata-
do Quarterman e outros espe- Há quem compare os aten- que de um “hacker” russo
cialistas, citados pela Wired tados de ontem ao ocorrido autoproclamado “RyDen”.
News, os “engarrafamentos” em Oklahoma em 1995, pelo Não foi possível determinar
começaram a fazer-se sentir qual Timothy McVeigh foi se o ataque ocorreu ontem,
por volta das 9h30 (14h30 em recentemente executado. “Is- mas o pirata informático
Portugal) mas, algumas horas to tem toda a cara de ser fez questão de tornar impos-
depois, as redes de dados e de terrorismo caseiro, como o sível qualquer tipo de aces-
telecomunicações em que as- que aconteceu com o McVei- so ao site, deixando apenas
senta a Internet davam sinais gh. E na altura estúpidos co- uma mensagem onde se po-
de recuperação. “À tarde, o es- mo vocês culparam logo os dia ler, entre outras coisas,
sencial da infra-estrutura da árabes”, considera um ciber- que os Taliban “não passam
Internet na parte continental nauta de nome “gnavoxy” de macacos estúpidos”.
dos EUA parecia estar a fun- na página de mensagens do Na página de mensagens
cionar a um nível muito pró- Yahoo (www.yahoo.com). Na do www.salon.com, alguém
ximo do normal.” RUI JOR- mesma página há, no entan- sugeria que seria boa ideia
GE CRUZ COM PEDRO RIBEIRO to, quem não tenha dúvidas comprar acções da estação
E MARCO VAZA que os atentados têm origem de televisão CNN...
ESPECIAL 31
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001
04195
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QUA12SET
EDIÇÃO LISBOA
12 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4194
140$00 • €0,70 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico.pt www.publico.pt
O ATENTADO
QUE MUDOU O MUNDO
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DIA DE
GUERRA
13h45 (8h45 locais) Um do um Boeing 767 da United Airlines (partira 14h30 Nas primeiras declarações sobre ton. O edifício, que é o centro nervoso das
avião embate na torre sul do World Trade Cen- de Boston com destino a Los Angeles com 56 o sucedido, George Bush afirma que os Estados forças militares norte-americanas e onde tra-
ter, um dos edifícios mais emblemáticos de passageiros e nove tripulantes a bordo) Unidos sofreram “o que parece ser um ataque balham cerca de 20 mil pessoas (entre civis e
Nova Iorque, à altura do 80º dos seus 110 an- terrorista”. militares), deflagra em chamas com a explo-
dares. O avião é identificado pela cadeia te- 14h05 Na Florida, o presidente norte- são e uma boa parte de um dos cinco lados
levisiva CBS como sendo um Boeing 767 da americano George Bush está a ler para um gru- 14h42 A televisão de Abu Dhabi rela- da estrutura acaba por desmoronar menos de
American Airlines (esta companhia aérea da- po de crianças, na Emma E. Booker Elementary ta ter recebido um telefonema da Frente De- meia hora depois.
ria mais tarde como “desaparecido” um avião School, quando o seu chefe de gabinete, An- mocrática da Libertação da Palestina reivin-
deste modelo, num voo de Boston para Los drew Card, lhe comunica ao ouvido as notícias dicando a responsabilidade dos ataques ao 14h45 A Casa Branca, em Washington
Angeles, com 81 passageiros e onze tripulan- do ataque. World Trade Center. Mais tarde responsáveis D.C., é evacuada. Segue-se de imediato o Ca-
tes a bordo). deste movimento negam ter tido qualquer en- pitólio. O mesmo acontece nos edifícios das
14h17 A Administração Federal da Avia- volvimento no sucedido. Nações Unidas, dos Departamentos do Tesou-
14h03 Já sob o olhar das câmaras ção norte-americana (FAA) fecha os aeropor- ro, de Justiça e de Estado.
de televisão, 18 minutos depois, um segundo tos de Nova Iorque. O mesmo é feito com todas 14h43 Um terceiro avião, muito pro-
avião colide com a outra das Torres Gémeas as pontes e túneis da cidade. vavelmente um Boeing 757, (que tinha sido 15h05 A torre sul do World Trade Cen-
do World Trade Center, aproximadamente à al- dado como “desaparecido” nessa manhã pela ter desmorona sobre as ruas em baixo. For-
tura do 40º andar, causando uma devastadora 14h20 Surgem relatos, não confirmados American Airlines, e que saíra de Washington ma-se uma enorme nuvem de pó e detritos
explosão que deixa então os dois edifícios — oficialmente, de que o FBI estava a investigar com destino a Los Angeles, com 58 passagei- que aos poucos se afasta das ruínas da es-
onde trabalham cerca de 50 mil pessoas — casos de aviões que haviam sido desviados ros e seis tripulantes a bordo), despenha-se trutura. Desde o momento das colisões até
em chamas. O avião é identificado como sen- antes dos ataques ao World Trade Center. junto ao edifício do Pentágono, em Washing- à queda da estrutura foram vistas pessoas
D E S TA Q U E 3
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001
“O mundo que
conhecíamos acabou”
Em Nova Iorque, minutos depois das primeiras explosões, o pânico
instalou-se. Desesperadas, as pessoas tentavam chegar à parte sul de
Manhattan. Muitos dirigiram-se aos hospitais para dar sangue. Reportagem
de Ana Gomes Ferreira, em Nova Iorque
Ontem de manhã, os auto- ma direcção: para Norte, con- O céu mudou de cor. Estava
carros não andaram na zo- forme mandou a polícia, que negro, do fumo dos incêndios
na sul de Manhattan, em No- esvaziou o Sul de Manhattan que consumiram os edifícios.
va Iorque. Os táxis também em tempo recorde. “Eu só que- Ficou branco, de pó de tijolo e
não. Paravam na rua 14, e re- ria sobreviver, sair dali para tinta e todas as coisas de que
cusavam avançar. O metro fora. Quero ir para casa”, diz são feitas os prédios. As torres
tentou a normalidade, por um homem com os pés e as ruiram ordeiramente, andar
instantes. pernas cobertos de poeira, e o por andar. E, durante instan-
“Senhores passageiros, de- cabelo salpicado de cinza. “Eu tes, quando a estrutura não
vido a uma situação de emer- vi. Eu vi. Pelo menos dez pes- passava de um destroço no
gência no World Trade Center, soas a saltar daquele inferno. chão, a forma, o relevo, per-
o tráfico está congestionado. Saltaram mesmo lá de cima, maneceu, como um fantasma
temos que parar. Sejam pa- para o chão”, conta uma mu- branco, feito de pó. Outros pré-
cientes.” No interior da car- lher com as meias salpicadas dios, vizinhos, estão condena-
ruagem — a primeira carrua- de sangue que não é dela. dos. É uma questão de tempo.
gem —, uma mulher começa De repente, a multidão per- [durante a noite a CNN anun-
a chorar. “O meu marido tra- de a ordem. Desata a correr. ciou que o edifício 7 do com-
EUA balha no World Trade Center. plexo do World Trade Center-
O QUE ACONTECEU EM NOVA IORQUE Nova Preciso de chegar lá.” tinha acabara de ruir].
Iorque Farto de esperar no cubículo As torres gémeas viam-se da
100 km 1 km que lhe compete, o condutor As torres gémeas Cleveland Plaza. Agora, o es-
do metro decidiu fazer compa- viam-se da Cleveland paço entre arranha-céus onde
nhia aos passageiros: a mulher os gigantes de prata se desta-
ds
on Central à procura do marido, um casal Plaza. Agora, o espaço cavam, está vazio. “Olha, olha,
CONNECTICUT Hu Park
Rio
muito bem vestido a caminho entre arranha-céus estás a ver. Era ali que estava a
PENSILVÂNIA Times do trabalho, que não sabe de onde os gigantes de primeira. E ali, ali, estás a ver,
Square nada, um grupo de rapazes de era ali que estava a segunda”,
Nova Iorque camisa branca. “Já telefonas-
prata se destacavam explica Manuel, apontando pa-
Long Island te à tua família?” “Não, nem está vazio. “Olha, olha, ra o vazio e vendo o que já não
Manhattan pensei nisso. Assim que ouvi a estás a ver. Era ali que é possível ver. “O mundo mu-
Filadélfia
notícia, meti-me no comboio, dou. O mundo que conhecia-
só queria chegar lá”. “Vê lá se
estava a primeira. E ali, mos acabou”.
NOVA Greenwich
MARYLAND JERSEY Village telefonas, és parvo ou quê?” ali, estás a ver, era ali Junto aos destroços, começa
Broadway
O condutor do metro decide que estava a segunda”, a definir-se a ordem. A polícia
OCEANO ATLÂNTICO ser simpático. Vai ouvindo, pe- explica Manuel, abre ruas só de entrada para as
Washington D.C.
lo intercomunicador, as notí- ambulâncias. Outras só de sa-
cias. Vai passando as notícias apontando para o vazio ída. Faz rotas de fornecimento
Lower East Side
aos passageiros. É boa a inten- e vendo o que já não é de água para os socorristas e
World ção. É mau o resultado. “Pare- possível ver. vítimas. O céu volta a enegre-
Trade Centre ce que o incêndio é cada vez cer. Os escombros ainda estão
Bairro maior. Parece que há bocados a arder. Pelo céu voam papéis,
financeiro das torres a caír por todo o la- destroços levezinho que ater-
do”. A carruagem volta a me- ram no outro lado do rio, em
Battery Park xer-se. A carruagem volta a Brooklyn.
parar. “Senhores passageiros,
“Isto vai começar uma
1 guerra. O inimigo é
WORLD TRADE CENTER estamos em posição de infor- Uma cidade
Primeira torre (417 metros de altura) construída mar que estão a acontecer ata- desconhecido, mas é perfeita para tragédias
em 1972. Segunda torre concluída em 1973 ques noutras zonas do país”. uma guerra. Nunca Dizem os que pairam pelas ru-
2 (415 metros). Cada uma tinha 110 andares A mulher à procura do ma- as que Nova Iorque é uma ci-
de escritórios e acomodava dez mil trabalhadores. rido entra em estado de cho- imaginei que isto dade perfeita para tragédias.
que (antes, já tinha entrado em pudesse acontecer-nos. Está habituada a muita gente,
estado de choro convulsivo). Olhe, sabe o que isto é? a muita confusão. Os nova-ior-
1 13h45 Quer sair do comboio, parado quinos organizaram-se depres-
Boeing 767 da American Airlines, que faria entre estações. Estar às escuras
É a materialização de sa. Rumaram para os hospi-
o voo 11, entre Boston e Los Angeles, não ajuda. Os passageiros es- um pesadelo.” tais, onde era preciso sangue.
com 92 pessoas a bordo, colide com a torre Norte. tão nervosos. Começam a con- O povo parece estar habitua-
versar uns com os outros. “Eu, do a organizar-se. Rumou aos
2 14h03 onde é que estava? Em frente hospitais, para dar sangue. Os
Boeing 757 da American Airlines, voo 77, entre à televisão, a tomar o peque- Corre o mais depressa que po- que tinham rádios, levaram-
Washington Dulles e Los Angeles, com 64 pessoas, no-almoço. Vi o segundo avião de. Alguns atiram-se para o nos para a rua, para se poder
embate contra a torre Sul. chocar com a torre. Fiquei ar- chão. Alguns abrigam-se nas ouvir as notícias.
repiado”. O casal a caminho entradas do metropolitano, Os que tinham moedas, de-
3 4 5 do trabalho não percebe. “O nas fachadas dos edifícios. Nas ram-nas a quem tentava tele-
quê? Não sabem? Os terroris- portadas das lojas, que estão fonar das cabines públicas.
tas atiraram dois aviões contra todas fechadas (e assim fica- habituaram-se à música das
o World Trade Center. Está tu- rão o resto do dia). ambulâncias, que cruzaram
do a arder”. A mulher começa Parece que o tempo andou a cidade todo o dia. Esvazia-
a chorar, o homem enterra as para trás, que Manhattan se ram o Sul, como lhes foi pedi-
mãos no cabelo. chama Londres e está a ser do. Pelo caminho, deixaram
O condutor faz-se ouvir no- atacada pelas bombas de Hi- comentários. “Isto vai come-
vamente. “Devido à situação de tler. Há pessoas agachadas de çar uma guerra. O inimigo
emergência que foi declarada mãos a proteger a cabeça. O é desconhecido, mas é uma
na baixa da cidade, o metro es- que se passa? “Olha, olha. Está guerra. Nunca imaginei que
tá parado. Queiram sair com a cair. Está a cair. Não estou a isto pudesse acontecer-nos.
cuidado”. Os passageiros sal- acreditar no que estou a ver. Mas aquele tipo não faz na-
tam das carruagens, seguem, Isto não é verdade. O World da de jeito. Nem falar sabe.
escoltados por homens de colete Trade Center está a desapare- Ouviu-o falar? Só disse bana-
encarnado, pelos túneis negros, cer”. As torres, que foram pra- lidades. O Clinton, esse sa-
Equipas de emergência tentam 15h05 15h27 até uma saída na Broadway. teadas e um dos símbolos mais bia falar. O Bush não tem jei-
evacuar as torres e a área A torre Sul desaba, cobrindo as ruas Menos de meia depois, a torre Norte reconhecíveis da paisagem de to e só fez porcaria no Médio
circundante, enquanto com toneladas de destroços. também desmorona. “Eu só queria sobreviver” Manhattan, caíram. Uma de Oriente. Olhe, sabe o que isto
os destroços caem sobre as ruas. Há milhares de pessoas nas ru- cada vez, duplicando o horror é? É a materialização de um
REUTERS | PÚBLICO
as. Caminham todas na mes- dos nova-iorquinos. pesadelo.”
D E S TA Q U E 5
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001
Ú LT I M A H O R A
NUNO PACHECO
D I S C U R S O D E G E O R G E W. B U S H EDITORIAL
D
ivididos entre a increduli-
perseguirão e punirão os responsáveis por estes actos cobardes. dade e o horror assistimos,
ontem, ao que julgávamos
Tenho estado em contacto regular com o vice-presidente, o impossível: o coração da
secretário da Defesa, a equipa de segurança nacional e o meu América golpeado por inimigos sem
rosto. A analogia com Pearl Harbor
gabinete. Tomámos todas as precauções de segurança foi imediata, em muitas das análi-
apropriadas para proteger o povo americano. As nossas forças ses produzidas, sobretudo na própria
América. Mas, ao contrário do que
militares na América e por todo o mundo estão em estado de sucedeu nessa altura, os assassinos
alerta máximo e assegurámos as medidas de segurança de hoje não têm face. Vieram da pró-
pria América, em silêncio, infiltran-
necessárias à continuação em funções do vosso governo. Temos do-se em voos internos, e consegui-
estado em contacto com os líderes do Congresso e com os líderes ram aquilo que George W. Bush, na
mundiais para lhes garantir que faremos o que for preciso para
proteger a América e os americanos. Peço ao povo americano A partir de ontem o mundo
jamais será o mesmo.
que se junte a mim no agradecimento a todos os que têm lutado
E ninguém terá razões para
duramente para resgatar os nossos concidadãos e que reze se orgulhar disso
comigo pelas vítimas e as suas famílias. O futuro da nossa grande
nação está a ser testado. Não se iludam. Mostraremos ao mundo sua forma excessivamente esquemá-
tica de ver o mundo, contava receber
que passaremos este teste. Deus vos abençoe. um dia em forma de mísseis ou ar-
mas biológicas. Enganou-se Bush e
engaram-se os que pensavam como
ele, aprovando a fabricação de escu-
Washington,
dos protectores para que o solo ame-
ricano não fosse de novo pejado de
sangue. Foi, e da forma mais bárbara.
Isso prova que os Estados Unidos,
se quiserem sobreviver nesta nova
E se fossem
Twin Towers, “ex-líbris”
armas nucleares? MIKE SEGAR /REUTERS
por 31 anos
privilegiar a construção de duas tor-
res, cujo tamanho a Administração do
Washington é de bombas no Porto foi esticando até aos 410 metros,
uma cidade cal- seu interior. para satisfazer plenamente as suas
ma, calma co- As torres metas de rentabilidade.
mo a Bona do dominavam Na altura, as Torres Gémeas bate-
romance poli- toda a zona ram todos os recordes de altitude, que-
cial de John baixa de Ma- brados em 1974 pela Torre Sears de
Le Carrè. Eu nhattan. Esti- Chicago. A estrutura do complexo de
estava a dois ve ali num con- sete edifícios consumiu 200 mil tone-
quilómetros do EDUARDO CINTRA certo ao ar ladas de aço, chegou a absorver uma
Pentágono on- T ORRES livre, junto de mão-de-obra estimada em 3500 operá-
tem de manhã uma das tor- rios da construção civil e demorou
quando as Twin Towers, em No- res, no sábado, e tomei depois sete anos a ficar pronta. Depois, pas-
va Iorque, e o próprio Pentágo- o metropolitano numa estação sou a abrigar mais de 500 empresas
no foram alvo do maior ataque subterrânea debaixo do World e sociedades comerciais, agências go-
terrorista na história dos Esta- Trade Center. Os edifícios re- vernamentais diversas, um centro co-
dos Unidos. presentavam o comércio livre mercial, terminais de metropolitano
Entrevistava para o PÚBLI- e, por isso, o capitalismo, e em e comboio e um gigantesco parque de
CO um responsável da Federal consequência, simbolizavam o estacionamento. Entre as entidades
Communications Commission, “inimigo” americano. Não ha- que ali assentaram arraiais, encon-
a entidade que atribui licenças via, segundo creio, nenhum de- Um dos símbolos de Nova Iorque ... travam-se o Deutsche Bank, o Bank
de rádio e de televisão nos EUA, partamento oficial nos edifícios. of America, o Crédit Suisse, a Embai-
quando alguém interrompeu Apenas empresas privadas. INÊS NADAIS a tentar convencer os poderes públicos xada da Tailândia, um hotel com 250
dizendo que um avião chocara As primeiras horas nas tele- a alterar de vez a imagem de degrada- quartos, serviços alfandegários, áreas
com uma da torres em Nova Ior- visões locais mostravam o hor- Em finais dos anos 70, no auge da pa- ção do West Side através da instalação de exposições, o gabinete de emergên-
que. Não houve qualquer evacu- ror dos ataques e o silêncio das ranóia alimentada pela Guerra Fria, do maior e mais concentrado centro cia da cidade e a autoridade de trânsito
ação. Passados minutos, sou- autoridades. A perplexidade foi a CIA elaborou uma lista dos edifí- comercial do mundo. A ideia era cen- nova-iorquina. A terra escavada para
bemos do segundo ataque às total. O presidente só apareceu cios mais sujeitos a atentados terro- tralizar em 406 mil metros quadrados acolher os alicerces do complexo foi
Twin Towers — e, poucos minu- às 13h15 locais, e a mensagem ristas: do top constava, obviamente, o a actividade das mais importantes depositada no rio Hudson e serviu
tos depois, levaram-me a uma era gravada. imponente complexo nova-iorquino empresas e agências governamentais para alargar artificialmente para oes-
sala onde uma dezena de pesso- Com o Departamento de Es- do World Trade Center, que oferecia com uma palavra a dizer no comércio te o perímetro da cidade, abrindo ca-
as olhava para o Pentágono em tado evacuado (houve boatos um potencial de número de vítimas mundial, estimular o desenvolvimen- minho à instalação de outro projecto
chamas. O vento levava o fumo de um carro-bomba explodin- praticamente imbatível. Vinte e tantos to das áreas metropolitanas adjacen- megalómano: o complexo habitacio-
para Leste, mesmo em frente à do no edifício, a poucos quar- anos depois, as estatísticas falam por tes e garantir a reanimação económi- nal do Battery Park e o vizinho World
sede da FCC onde me encontra- teirões daqui), este edifício si: aos cerca de 50 mil trabalhadores do ca do extremo sudoeste de Manhattan. Financial Center, a que o World Trade
va. Tinha começado a guerra. onde estou, o National Press complexo, há que somar o fluxo de 150 A Administração do Porto de Nova Center estava ligado por uma ponte.
O edifício continuou em fun- Building, foi transformado em mil a 200 mil visitantes que diariamen- Iorque e New Jersey encarregou-se As últimas notícias sobre o World
cionamento, mas toda a gente centro de imprensa. Os cor- te procuravam o terraço do 110º andar do assunto e acabou por entregar ao Trade Center davam conta da imi-
saía para a rua. Saí também. respondentes de todas as esta- da Torre 2 para alcançar a melhor vista arquitecto Minoru Yamasaki a tarefa nência de uma milionária operação
As ruas de Washington estavam ções e agências noticiosas ins- sobre Manhattan. Desde 1970 que as de mudar a face do distrito financeiro que colocaria o complexo nas mãos
cheias de carros e de gente a pé. talaram-se nos gabinetes aqui Twin Towers (“Torres Gémeas”) domi- da cidade sem ultrapassar um tecto da Vornado Realty Trust: a empresa
As pessoas largaram os empre- disponibilizados pelas pessoas navam o horizonte de Nova Iorque. orçamental de 500 milhões de dólares: ultimara um contrato de aluguer por
gos e partiram para casa. que aqui trabalham. O World Trade Center foi um ca- o projecto desenvolvido pela Yamasaki 99 anos a troco de 3,12 mil milhões de
Dirige-me para o National A sala de imprensa trans- valo de batalha do banqueiro David and Associates, em colaboração com dólares, mas nada tinha sido ainda
Press Building, a três quartei- formou-se em poucos minutos Rockefeller, que passou a década de 50 a Emery Roth and Sons, acabou por assinado. com ANTÓNIO MELO
rões da Casa Branca. O centro num improvisado palco para
comercial dos primeiros an- as habituais conferências de
dares estava fechado. Os ele- imprensa do State Department,
vadores não funcionavam. As no caso de haver uma comuni-
centrais telefónicas estavam cação aos jornalistas, o que po-
Pentágono, o coração
tão sobrecarregadas que só foi derá não acontecer. Colin Po-
possível fazer chamadas locais wel, o Secretário de Estado,
durante mais de uma hora. Só estava esta manhã no Peru
então tomei conhecimento da e não deverá fazer sombra à
dimensão da tragédia em No- equipa do Presidente, que é
HYUNGWON KANG /REUTERS
militar dos EUA ding. Cada uma das suas cinco faces
va Iorque, de onde tinha saí- também o chefe das Forças Ar- exteriores mede quase 300 metros. Os
do domingo ao fim da tarde, madas e o responsável máximo seus corredores totalizam perto de
ao mesmo tempo que a minha pela segurança interna. 30 quilómetros de comprimento, mas
família terminava as férias e A maior parte dos canais foi concebido de modo a que não se-
regressava a Lisboa num voo de televisão centraram as su- jam precisos mais de dez minutos para
do Aeroporto JFK, em Queens, as emissões em Nova Iorque percorrer a distância entre quaisquer
Nova Iorque. e Washington. As imagens de dois pontos do edifício.
Estive no sábado nas Twin Lower Manhattan mostram Os serviços de apoio que coexistem,
Towers. Eram dois edifícios ma- uma região devastada por uma no interior, com as instalações dos
ravilhosos, de linhas perfeitas guerra terrível. A esta hora vários ramos das forças armadas e
e simples: toda a sua força deri- (14h00 locais) o Pentágono — do gabiente do secretário da Defesa,
vava da altura a que se levanta- outro símbolo da América — incluem um gigantesco restaurante,
vam, mais de 110 andares. Não continua em chamas. seis snack-bars e duas cafetarias. E
precisavam de mais arquitec- Com os aeroportos fechados, um outro serviço que poderá ter sido
tura que a simplicidade. Eram os comboios parados, as esco- gravemente afectado pelo ataque de
um dos mais poderosos símbo- las fechadas, os edifícios pú- ontem: uma livraria com 300 mil vo-
los de Nova Iorque, os edifícios blicos evacuados, o corredor Trabalham 23 mil pessoas no Pentágono lumes e colecções de 1700 publicações
mais altos da cidade e os mais entre Nova Iorque e Washing- periódicas de todo o mundo.
altos depois do Sears Building ton está refém do terror e do LUIS MIGUEL QUEIRÓS arquitecto George Edwin Bergstrom, Uma estatística oficial calcula em
em Chicago. ambiente de guerra. Porque é o estranho edifício de cinco corpos 4.500 as chávenas de café servidas dia-
A arquitectura das torres re- um ambiente de guerra. Foi o “O Pentágono é o símbolo das convic- dispostos em torno de um pátio cen- riamente no Pentágono. É apenas uma
alçava uma transparência inte- que senti nas ruas: olhei rece- ções e do poder dos Estados Unidos”, tral em forma de pentágono, começou média. O número terá sido bastante
rior. A estrutura de suporte fora oso para o céu de Washington, resumiu o actual secretário da Defesa a ser construído em 1941 e foi inau- superior em algumas ocasiões críti-
projectada nas paredes exterio- como os outros apressados tra- norte-americano, Colin Powell, num gurado no dia 15 de Janeiro de 1943. cas, a começar pelos último anos da
res, pelo que no interior havia seuntes, quando ouvi o ruído discurso proferido em 1993, por oca- Custou cerca de 90 milhões de contos. Segunda Guerra Mundial, quando
amplos espaços, o que não suce- de um avião passando por ci- sião das comemorações do 50º aniver- Inicialmente previa-se que tivesse três serviu de quartel-general a Eisenho-
de em muitos outros arranha- ma do centro da cidade. Esta- sário da construção do edificio. andares, mas, logo após o ataque a Pe- wer e Marshall.
céus. Talvez por isso, por esta- ria eu em Pearl Harbour? E, en- Erguido em plena Segunda Guerra arl Harbour, em Dezembro de 1941, foi Foi no interior do Pentágono — na
rem suportados principalmente quanto entrava no edifício da Mundial, para reunir num só local decidido acrescentar-lhe mais dois. “Sala de Guerra” dos chefes de Estado-
pela estrutura das paredes ex- imprensa, pensei: o que acon- todos os departamentos do então Mi- Localizado ligeiramente a sul de Wa- Maior — que se traçaram estratégias
teriores, as Twin Towers eram teceria se os terroristas trou- nistério da Guerra, o Pentágono, onde shington, mas já no estado da Virgínia, para as guerras da Coreia e do Viet-
mais susceptíveis a um ataque xessem armas nucleares nos trabalham 23 mil pessoas, entre milita- do outro lado do rio Potomac, é um name, para a invasão de Granada ou
vindo de fora do que a partir seus ataques suicidas? res e civis, transformou-se num verda- dos maiores edifícios de escritórios do do Panamá, e, mais recentemente, se
deiro sinónimo do Departamento da mundo, com uma área útil três vezes desenhou a operação “Tempestade no
Defesa nele sediado. Projectado pelo maior do que a do Empire State Buil- Deserto”, contra o Iraque. L.M.Q.
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O cenário
impossível
1. Foi prova- tema de defesa an-
velmente Chris ti-míssil (MD) lan-
Patten, o comissá- çada em todas as
rio europeu para latitudes pela no-
as questões exter- va administração
nas, quem usou americana é justi-
as palavras mais ficada pela amea-
simples e, porven- ça que constituem
tura, mais certas T ERESA DE S OUSA para os EUA e pa-
para resumir o sig- ra os seus aliados
nificado do aten- os chamados “Es-
tado terrorista contra os Estados tados-párias” como a Coreia do
Unidos. “Este é um dos raros dias Norte, com capacidade para dispa-
sobre os quais se pode dizer sem rarem mísseis.
risco de exagero que mudaram o Nem o “exercício virtual” do
mundo.” Pentágono nem a nova “guerra das
Talvez fosse esta também a úni- estrelas” puseram a América ao
ca certeza dos analistas interna- abrigo do verdadeiro “massacre”
cionais, parcos em palavras e em que ontem se abateu sobre ela.
comentários, confirmando com o Hoje, a confiança dos america-
seu silêncio e a sua prudência a nos no seu governo, no seu poder,
verdade contida nas palavras do na inviolabilidade do seu território
comissário britânico. — onde nunca se travaram guerras
Em que cenário encaixa o que — terá provavelmente atingido o
ontem se passou na América? Em grau zero.
que visão do mundo pós-guerra
fria? Em que filme de ficção produ- 4. Também nos últimos dias, a
zido em Hollywood? imprensa americana dava conta
das críticas generalizadas à inca-
2. Bastou, no entanto, observar pacidade da nova administração
as reacções generalizadas dos go- para dar um rumo à sua política
vernos mundiais e, em particular, externa. A revisão da política
dos governos europeus para que externa que George W. Bush
a dimensão da mudança de que fa- anunciou com fanfarras logo que
lou Chris Patten começasse a ga- chegou à Casa Branca estava a re-
nhar os seus primeiros contornos. velar-se errática, no meio de uma
Não tanto nas palavras de repúdio, “guerra” ainda não resolvida en-
de condenação e de solidariedade, tre as várias “escolas” pelo lugar
mas sobretudo nos actos. preponderante junto do Presiden-
Sucederam-se as reuniões de te. Colin Powell e o departamento
emergência em Londres, Paris, de Estado contra os velhos “fal-
Berlim, Roma, Praga, Atenas... As cões” do vice-Presidente Cheney
forças armadas e de segurança da e os novos “falcões” do Conselho
França, de Itália, do Reino Unido, Nacional de Segurança.
de todos os países, foram colocadas A imprensa fazia o retrato de um
em alerta máximo. O tráfego aéreo Presidente ainda à procura de uma
suspenso ou desviado do centro linha, de um estilo, de uma forma
das grandes cidades europeias. A de se relacionar com o mundo. O
segurança reforçada em todos os pior dos momentos para Bush en-
edifícios públicos. frentar o tremendo desafio à sua
Não se trata apenas da natural capacidade de liderança que o aten-
preocupação dos governos com tado constitui.
uma eventual generalização dos Não será uma retaliação dura
atentados contra os aliados da e rápida contra os principais sus-
América. Trata-se da necessidade peitos da barbárie que ontem se
de contrariar de qualquer forma abateu contra a América — e que
o terrível sentimento de insegu- certamente ocorrerá — que pode
rança e de vulnerabilidade que restabelecer a confiança dos ame-
... e o que restou depois do ataque ontem abalou as democracias eu- ricanos na sua administração.
ropeias, do topo à base, do primei-
WILLIAM PHILPOTT /REUTERS
ro responsável ao mais anónimo 5. A tentação será, provavel-
dos cidadãos. mente, a da segurança em todos os
Como disse Patten, a agenda in- azimutes, alimentando a percep-
ternacional vai mudar e vai desde ção da América contra um mundo
agora ser dominada pela combate hostil, fechada na sua frágil cara-
a uma nova espécie de terrorismo paça de hiperpotência solitária.
para o qual as democracias ociden- Os arautos do unilateralismo — o
tais não estão preparadas. A União isolacionsimo dos tempos moder-
Europeia enfrentará agora, inexo- nos que Roosevelt venceu quando
ravelmente, o seu momento da ver- respondeu a Pearl Harbour — e no
dade para saber que mundo quer e “diktat” internacional vão ganhar
o que pode fazer pelo mundo. provavelmente um novo alento.
“Há uma reflexão a fazer sobre
3. O “International Herald Tri- a forma como as democracias oci-
bune” escrevia há dias na sua pri- dentais (...) mas sobretudo os EUA
meira página: “Jogos de guerra subestimaram o agravamento da
tranquilizam o Pentágono”. O jor- crise do Médio Oriente e o desespe-
nal informava que “um exercício ro de alguns povos do mundo”, disse
de guerra” conduzido pelos altos o Presidente da Comissão dos Ne-
comandos americanos concluira gócios Estrangeiros do Parlamen-
que, com os actuais recursos em to francês, François Loncle, citado
tropas e armamento, as forças ar- pela AFP. Um comentário que, ten-
madas americanas estavam em do todo o fundamento, aponta para
condições de dominar um adver- outro caminho. O “engagement” da
sário e de parar ao mesmo tempo a América é provavelmente a única
ofensiva de um segundo agressor. resposta que pode afastar o cenário
A “batalha” em favor do novo sis- impossível que ontem aconteceu.
JOANA AMORIM, LURDES fraquecer e o petróleo irá cento do euro face ao dólar timular a economia, explica o Banco Português de Investi- leo, com as consequentes im-
FERREIRA E ROSA SOARES disparar, previu. Os núme- é “bastante”, mas nota que presidente do Comité Econó- mento e do Banco Espírito plicações a nível do índice
ros parecem dar-lhe razão. “é preciso ter em conta que mico e Social. Santo (BES): Os atentados nos de preços”, comentou por seu
Ainda é cedo para avaliar as Os mercados accionistas vi- a moeda europeia está subva- “Os ataques terroristas po- EUA “aumentam as possibili- turno a economista chefe do
consequências económicas, veram horas difíceis, o que lorizada e, por isso, é normal derão dar ao presidente Bush dades de a economia mundial BPI, Cristina Casalinho. O
era a frase mais ouvida da motivou a suspensão da nego- que suba”. a oportunidade de aumentar a cair em recessão”, defendeu o aumento do preço do petró-
boca dos economistas poucas ciação em alguns mercados, No que diz respeito ao pe- despesa com o sector de defesa, economista chefe banco con- leo, um dos principais “mo-
horas depois dos “aparentes incluindo Lisboa. A bolsa de tróleo, Miguel Beleza frisa criando uma expansão fiscal trolado pela família Espírito tores” da inflação, terá um
atentados terroristas” nos Es- Frankfurt, que encerrou uma que a Organização dos Paí- que tornará mais moderada a Santo, Miguel Frasquilho, em impacte directo tanto na eco-
tados Unidos da América. hora antes do fecho normal ses Exportadores de Petróleo recessão americana”, precisou declarações à Lusa. Para o nomia norte-americana, co-
“Ainda não consegui pen- devido a uma ameaça de bom- (OPEP) já garantiu que não ao PÚBLICO o economista Sér- analista “ainda é cedo para mo na europeia, precisou a
sar sobre o assunto. O medo ba, esteve a perder chegado haverá rupturas e que os pa- gio Rebelo, a viver e leccionar tirar as conclusões, mas os analista.
que existe é grande, mas nin- a perder 11 por cento. Paris íses ocidentais têm grandes actualmente nos EUA. Para o atentados terão decerto um A juntar a este factor há
guém tem a ideia das conse- recuou mais de sete por cen- “stocks”. Há bem pouco tem- economista, o ataque terroris- efeito de diminuição da con- ainda a “instabilidade que os
quências económicas. Admi- to e Amesterdão 6,9 por cen- po o petróleo esteve a níveis ta de ontem criará “mais tur- fiança dos agentes económi- ataques causarão nos merca-
to que os americanos sejam to. Melhor estiveram Londres bem mais elevados, recordou bulência numa altura em que a cos”, um factor fundamental dos accionistas, que já se en-
capazes de reagir mais de- (menos 5,4 por cento), Madrid ainda. “Para já, o comporta- economia americana atraves- para a economia. A queda dos contravam em dificuldades”,
pressa que o resto do mundo. (menos 4,5 por cento) e Lisboa mento dos mercados não pa- sa uma reestruturação doloro- mercados bolsistas e a subida acrescentou.
Agora o que se vai passar na (menos 4,3 por cento). rece sugerir perigos de adia- sa com o redimensionamento em flecha dos preços do petró- Todos estes factores pode-
economia mundial, não faço Contudo, os analistas recu- mento da recuperação dos do sector de tecnologias de in- leo, que hoje se verificaram, rão “implicar uma maior de-
ideia. Pode ser um ataque de sam a ideia de “crash”, prefe- Estados Unidos”, conclui o formação”. “são reacções a quente, que mora na recuperação econó-
um conjunto de fundamenta- rindo acreditar que se esteja ex-governante. Se a quebra do dólar face ao poderão não se prolongar”, mica” ou, até mesmo, “uma
listas e não ter muitos efei- perante uma reacção emotiva. euro e a subida do ouro são dependendo das “acções que recessão económica”, admi-
tos. Mas, se for um ataque vin- “Não é uma situação de pâni- “Mais turbulência” efeitos evidentes de curto pra- se seguirem”, ressalvou o eco- tiu Cristina Casalinho. Para a
do do Médio Oriente, então co, o que aconteceu na bolsa A não ser que haja uma re- zo, Sérgio Rebelo considera nomista. União Europeia, além do im-
os efeitos serão muito graves, é inferior ao crash de 1987 e a acção psicológica, “do ponto já ser difícil prever o prazo pacte directo por via do pre-
concretamente a nível do pe- queda do dólar é relativamen- de vista dos mecanismos eco- de impacto sobre a economia, Recuperação mais lenta ço do petróleo, os atentados
tróleo”, resumiu ao PÚBLICO te insignificante”, desdramati- nómicos não há razão para o em geral, e sobre os preços Mas “trata-se, sem dúvida, poderão significar também
Alberto de Castro, o professor za Miguel Beleza, ex-ministro atentado afectar a economia”, das acções e do imobiliário, de um acontecimento nega- uma “menor procura dirigida
catedrático da Universidade das Finanças e ex-governador corrobora o economista José em particular. Quanto à Eu- tivo para a economia mun- à Europa, por parte dos EUA,
Católica doi Porto que, recen- do Banco de Portugal. da Silva Lopes, citado pela Lu- ropa e Portugal, o efeito prin- dial”, garantiu Miguel Fras- afectando as relações comer-
temente, recusou um convite Quanto ao mercado cam- sa. Houve milhares de milhões cipal virá de “uma redução quilho, frisando a ausência de ciais externas”, referiu, subli-
de Guterres para ministro da bial, o professor universitá- de dólares de prejuízo e haverá do fluxo de turismo dos EUA”, informação detalhada sobre nhando que se “tratam de me-
Economia. rio e consultor do Banco Co- gastos de milhares de milhões considera. os acontecimentos nos EUA. ras conjecturas, por ser ainda
No plano imediato, as bol- mercial Português reconhece de dólares em segurança e ou- Menos optimista é a visão Os ataques terroristas “farão prematuro avaliar as conse-
sas vão cair, o dólar vai en- que a valorização de dois por tras despesas, o que poderá es- dos gabinetes de estudo do disparar os preços do petró- quências” dos ataques.
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PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001
Corrida ao petróleo
e ao ouro
“Agora só queremos comprar a subida do crude podem não
ouro e petróleo, tudo o resto se prolongar”, o ouro negro
será para vender”. Esta foi a di- mais caro aumenta as pressões
visa adoptada pelos mercados inflacionistas.
após os atentados que abala- Em alta transaccionou-se
ram a América. Mal o primeiro também o “verdadeiro” ouro.
avião embateu numa das tor- Após os atentados a “onça
res do World Trade Center, o troy” — 31,103481 gramas —
preço do barril de Brent para disparou, em Londres, para 287
entrega em Outubro disparou, dólares, contra 271,40 regista-
em Londres, para os 31,05 dóla- dos na abertura da sessão. Com
res, o valor mais alto desde 1 de o decorrer da sessão o ouro ain-
Dezembro de 2000 — mais 13,1 da subiu mais, testou os 293 dó-
por cento — e o maior ganho lares, mas acabaria por recuar
diário desde Março de 1998. Va- para 291 dólares no fecho. Em
lor que contrasta com os 27,26 Portugal, o grama de ouro fino
dólares a que era transaccio- cotou-se a 1951,30 escudos, em
nado antes dos atentados. A alta ligeira face aos 1949,00 es-
memória não deve, no entanto, cudos registados na segunda-
ser curta, sendo conveniente feira.
relembrar que, há um ano, o Na altura dos atentados o
Brent para entrega em Outu- mercado de ouro americano,
bro chegava a cotar-se a 35,19 New York Comex, ainda não
dólares. estava a transaccionar, o que
Especialistas contactados pe- veio a fazer mais tarde, mas
los PÚBLICO justificam esta apenas durante alguns minu-
alta na cotação do petróleo com tos. Localizado nas imediações
BOLSAS
parte os principais produtores iria fazer com que os preços da
da região irá garantir ao mun- onça subissem acima dos 300
do “estabilidade de preços” e dólares”.
“provisões de petróleo suficien- Ainda no mercado de me-
tes”. A OPEP, que cortou recen- tais, a platina também fechou,
INTERNACIONAIS
temente a produção em um mi- em Londres, em alta, valendo a
lhão de barris por dia, reúne-se onça 445 dólares, contra os 438
no próximo dia 26. dólares registados na segunda-
Apesar de os analistas con- feira. A prata seguiu tendência
siderarem que “as reacções a idêntica, fechando em alta.
quente que hoje determinaram JOANA AMORIM
Pearl Harbour II
A
o atingirem o aos americanos, pro-
coração dos tegidos por um escudo
Estados Uni- anti-míssil — situação
dos pela pri- ideal para as tendên-
meira vez na história, cias isolacionistas ho-
os horríveis atentados je prevalecentes em
terroristas de ontem Washington. Ora essa
abrem uma nova fase FRANCISCO visão foi ontem brutal-
na vida internacional. mente desmentida.
No plano económico
S ARSFIELD CABRAL
Os americanos des-
e financeiro, foi tre- COMENTÁRIO cobriram que não es-
mendamente abalada tão ao abrigo de coisa
a convicção de que os alguma, não obstante
EUA estariam ao abrigo das perturba- serem a única superpotência no mun-
ções sociais e políticas que, por vezes, do. E talvez descubram também que,
têm afectado outros países desenvol- hoje, ninguém, nenhum país, pode
vidos, em particular na Europa. Tal viver isolado, por muito forte que seja
convicção era uma das razões que fa- ou julgue ser. Toda a política unilate-
ziam afluir à América capitais de todo ralista de George W. Bush fica, assim,
o mundo. Coincidindo esse abalo com posta em causa. Os EUA precisam da
a quase recessão económica que já cooperação internacional, até para
ali se fazia sentir, torna-se agora bem combaterem eficazmente o terroris-
real o risco de uma saída em massa mo. Não podem continuar a rasgar
de dinheiro dos EUA, com o dólar em tratados internacionais nem a despre-
baixa, tendo como consequência gra- zar as organizações políticas e econó-
ves perturbações financeiras inter- micas multilaterais. Pearl Harbour,
nacionais. há sessenta anos, acordou a América
Mas serão políticos os efeitos mais para a necessidade de cooperar com
profundos da tragédia de ontem. Os os aliados europeus no combate ao
americanos sentem-se hoje muito vul- nazismo. Tenho esperança de que este
neráveis, até porque não estavam ha- segundo Pearl Harbour, não menos
bituados a este tipo de atentados em trágico do que o primeiro, ponha um
sua casa. A grande preocupação era travão nas tendências isolacionistas
um ataque de mísseis por parte de e unilateralistas que se acentuaram
um país “terrorista”. Essa era, pelo com a nova administração Bush e leve
menos, a justificação apresentada por Washington a liderar a edificação
Washington para avançar com o sis- de uma globalização politicamente
tema de defesa anti-míssil, violando o enquadrada. Se assim acontecer, ao
tratado ABM e preocupando russos, menos algo de positivo poderá emer-
chineses e europeus. Aquele siste- gir da tragédia de ontem. Tal como
ma parecia oferecer tranquilidade há sessenta anos.
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PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
RAHIMULLAH YOUSAFAZI/REUTERS
DOUG KANTER/EPA
Os inimigos
da América
Os Estados Unidos são a
única superpotência
mundial. O seu papel
nas relações internacio-
nais criou-lhes muitos
inimigos, alguns dos
quais terão sorrido com
a notícia do ataque de
ontem em Washington e
Nova Iorque. Alguns tal-
vez até gostassem de ter
estado por trás do ata-
que — mas teriam capa-
cidade para isso?
Na lista de suspeitos da
responsabilidade deste
ataque, a primeira pista
é islâmica — Osama bin-
Laden, o “inimigo núme-
ro um” da América.
Mas, no Médio Oriente,
os EUA têm outros ini-
migos. Saddam Hussein
é o mais óbvio: derrota-
do na Guerra do Golfo
por uma aliança inter-
nacional liderada pelos
EUA, o ditador do Iraque
vitupera regularmente o
“grande Satã” de Wa-
shington. Desde há dez
anos que o Iraque vive
no isolamento, e as suas
instalações militares são
periodicamente bombar-
deadas por aviões norte-
americanos.
As torres gémeas do World Trade Center foram reduzidas a cinzas O apoio dos Estados Uni-
dos em Israel valeu-lhes
o ódio do mundo árabe,
1970
Agosto, 24 — Um
investigador universitário
que trabalhava para o
Exército é morto em
Madison, no Wisconsin,
num atentado assinado por
militantes ditos “pacifistas”
1975
Janeiro, 24 — Uma
explosão num café de Nova
Iorque causa quatro
mortos. É um dos 49
atentados atribuídos entre
1974 e 1977 ao grupo
nacionalista das Forças
Armadas de Libertação
Nacional de Porto Rico
Dezembro, 29 — Atentado à
bomba no aeroporto La
Guardia, de Nova Iorque: 1
morto e 75 feridos
1981
Maio, 16 — Explosão no
terminal do aeroporto
Kennedy assinado pela
“Resistência Armada
Porto-Riquenha”
1993
Fevereiro, 26 — Ataque
O atentado de 1993 contra o World Trade Center causou mais de 330 milhões de euros de prejuízos contra uma das torres
gémeas do World Trade
Center, em Nova Iorque: seis
de ser invulnerável
organização egípcia, são
condenados em Maio de
1994 a um total de 240 anos
de prisão pela autoria do
ataque
O primeiro acto Na sexta-feira do atentado, Center não estariam de pé se que com uma maior quanti- tado. “Em vez dos seis mortos,
a polícia de Nova Iorque re- eu tivesse dinheiro e explo- dade de explosivos e com a o atentado teria posto em ris- 1995
terrorista contra o cebeu várias chamadas de or- sivos suficientes”, terá dito colocação de duas carrinhas co a vida de 70 mil pessoas”, Abril, 19 — Um atentado
World Trade Center ganizações diferentes a rei- Ramzi Yousef a um agente do armadilhadas em locais es- referiu na altura Robert Ku- com uma viatura
ocorreu em 1993, vindicar a responsabilidade FBI quando regressava aos tratégicos as consequências pperman, especialista em ter- armadilhada contra um
do atentado, incluindo a auto- EUA para ser julgado. A in- poderiam ter sido bem pio- rorismo do Centro de Estudos edifício de Oklahoma causa
causando seis mortos e proclamada Frente de Liber- vestigação levada a cabo na res, tendo em conta a hora Estratégicos e Internacionais 168 mortos e mais de 600
mais de mil feridos tação da Sérvia, e as suspei- altura chegou à conclusão de (12h18) a que ocorreu o aten- de Washington. feridos. Autor: Timothy
tas iniciais apontavam para McVeigh, um antigo
MARCO VAZA uma acção relacionada com o combatente da guerra do
conflito na Jugoslávia. Mas a Golfo, simpatizante de
A 26 de Fevereiro de 1993, uma “pista balcânica” foi rapida- Anos de bombas e mortos milícias e pequenos grupos
carrinha estacionada na ga- mente abandonada e as aten- hostis ao Governo federal
ragem de uma das torres do ções concentraram-se numa África, América, Médio Oriente ou com explosivos no mês anterior, dois em
World Trade Center explodiu, possível autoria de terroris- Ásia, não há praticamente nenhum can- Moscovo e um em Buynaksk, no Da- Outubro, 9 — Um comboio
causando a morte a seis pes- tas islâmicos. to do mundo onde um qualquer grupo guestão, além de centenas de feridos. que assegura a ligação
soas e ferimentos a mais de A investigação conduziu as ou guerrilha não tenha aparecido de Em Março, meia centena de pessoas ti- Miami-Los Angeles
mil, para além de ter provo- autoridades norte-america- surpresa a dizimar sem olhar a nada. nham morrido na explosão de um carro descarrila na sequência de
cado mais de 300 milhões de nas à captura dos suspeitos, Um dos últimos ocorreu em Angola, no armadilhado num mercado de Vladika- um atentado reivindicado
dólares (330 milhões de euros) que já estariam a preparar dia 10 de Agosto, quando a UNITA, o vkaz, no Sul da Rússia. por um grupo desconhecido
em prejuízos, naquele que atentados contra a sede do movimento que combate o Governo do O ano de 1998 tinha ficado marcado pelo — “Os Filhos da Gestapo”.
foi o primeiro acto terrorista FBI, da ONU e de pontes e Presidente José Eduardo dos Santos, mais violento dos atentados na Irlanda Uma pessoa morre e 80
internacional a ocorrer em túneis que ligam Nova Ior- atacou um comboio que circulava a Sul do Norte nos últimos trinta anos, em outras ficam feridas. As
território norte-americano. A que e New Jersey, no seu pró- de Luanda, matando 252 pessoas — um Omagh, em que morreram 29 pessoas, autoridades relacionam a
explosão abriu uma enorme prio território, confirmando dos piores incidentes da longa guerra assinado pelo Real IRA, dissidência ra- acção com o drama de
cratera na zona subterrâneo as suspeitas que apontavam civil angolana. dical do Exército Republicano Irlandês, Waco, no Texas, em Abril
das “Twin Towers”, provocan- para a existência de uma re- Antes desse ataque, no dia anterior, um e pelos que mataram, nas embaixadas de 1993
do o colapso dos cinco primei- de clandestina formada por palestiniano suicida tinha matado cinco norte-americanas em Nairobi e Dar-es-
ros andares (do qual resulta- fundamentalistas islâmicos pessoas e ferido outras 90 em Jerusa- Salam, 224 pessoas e feriram milhares 1996
ram as seis vítimas mortais), e, destinada a espalhar o terror lém, no âmbito do levantamento palesti- de outras. Julho, 27 — Explosão de
consequentemente, um visível pelo país. niano que começou há quase um ano e Quanto a 1996, atentados mataram bomba no Parque do
abanão das torres. Mais difícil foi a “caça” a tem sido farto de atentados do mesmo quase todos os meses: 300 mortos no Centenário, em Atlanta, na
O xeque egípcio Omar Ab- Ramzi Yousef, que fugiu na tipo. Como o de dia 1 de Junho, quando estado indiano de Assam em Dezem- Geórgia, durante os Jogos
del Rahman, chefe religioso noite a seguir ao atentado um outro combatente palestiniano tam- bro, 125 no desvio de um Boeing 767 Olímpicos: dois mortos e
de uma mesquita em Nova Ior- e chegou a ter a cabeça a bém se matou a si próprio e a outras 21 etíope ao largo das Comores em No- 110 feridos
que, e nove outros militantes prémio, tendo sido, inclusi- pessoas num clube de Telavive. vembro, 21 em Multan, no Paquistão,
islâmicos, um grupo onde se vamente oferecida uma re- O ano passado viu dois grandes atenta- em Setembro, 78 no Sri Lanka em Ju- 1998
incluiam cidadãos do Sudão, compensa de dois milhões de dos à bomba, um no dia 12 de Outubro, lho, 200 feridos num atentado do IRA, Therodore Kaczynski,
Egipto e Jordânia, foram con- dólares (2,2 milhões de euros). contra um “destroyer” dos Estados Uni- em Manchester, em Junho, 26 em Je- conhecido por
denados em 1995 a prisão per- Só em 1995, depois de uma dos no porto de Áden, no Iémen, em que rusalém em Fevereiro, mais 31 no Sri “Unabomber”, é
pétua por conspiração e outras perseguição que se estendeu morreram 17 marinheiros, e outro, em Lanka em Janeiro. condenado a prisão
acusações ligadas ao atenta- por vários países (passou pe- Fevereiro, em Ozamis, nas Filipinas, on- 1995 foi o ano do atentado com gás no perpétua em Maio de 1998
do. Três anos depois, o alegado las Filipinas, onde estaria a de as vítimas mortais ascenderam a 45. metro de Paris, onde morreram oito por ter conduzido uma
cérebro da operação, Ramzi preparar o assassínio do Papa 1999 tinha sido pior: 110 mortos — e 400 pessoas e ficaram intoxicadas outras 86, cruzada anti-modernista
Yousef, de nacionalidade in- João Paulo II), é que Yousef feridos — num ataque, em Outubro, e do de Oklahoma, que causou 168 mor- através de cartas
determinada (possivelmente foi capturado em Islamabad, contra um mercado da capital, Grozni, tos. 1994 o da explosão da comunidade armadilhadas que em três
iraquiana), foi também conde- no Paquistão. nunca se soube muito bem perpetrado mutualista judaica em Buenos Aires, anos matou três pessoas e
nado a prisão perpétua. “As torres do World Trade por quem, e 276 outros noutras acções onde uma bomba matou 96 pessoas. feriu outras 23
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PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001
Os ataques
Era também manhã em Oklahoma JEFF MITCHELL/REUTERS
da Tanzânia,
Quénia, Iémen
19 DE ABRIL DE 1995,
A 7 de Agosto de 1998
9 HORAS E 03 MINUTOS uma violenta explosão
atingiu a embaixada
Kathy olhou na norte-americana em
Nairobi, capital do Qué-
direcção do infantário, nia. Minutos depois, ou-
onde deviam estar tra explosão produziu
Chase e Cole, e eles um caos e um pânico
idênticos em frente a ou-
não estavam lá tra embaixada america-
na, desta vez em Dar es-
FERNANDO SOUSA Salam, capital da
Tanzânia. Mais de 200
A penúltima vez que uma pessoas morreram e pelo
bomba fez tremer os Estados menos cinco mil ficaram
Unidos foi a 19 de Abril de feridas.
1995, em Oklahoma. O autor Nos Estados Unidos, o
do atentado, Timothy McVei- então Presidente Bill
gh, foi depois condenado à Clinton preparava-se pa-
morte. Morreu por injecção ra ser interrogado pelo
letal há três meses. Grande Júri sobre a sua
Era, como ontem, também relação com a estagiária
manhã, os americanos acor- da Casa Branca Monica
davam e preparavam-se pa- Lewinsky. O escândalo,
ra a escola ou o trabalho. De que se arrastava há me-
repente, passavam três mi- ses, deixara o Presidente
nutos das nove, o edifício fe- profundamente fragili-
deral Alfred P. Murrah, des- zado. A América sentia-
fazia-se em pedaços. se humilhada, dentro e
“Eu e a minha filha fomos fora das suas fronteiras.
para a rua. Havia vidros a vo- Os taliban afegãos avisa-
ar, carros a rebentar. Olhei ram imediatamente Wa-
para o infantário e não esta- shington para que não
va lá. Percebi logo que era tentasse capturar o mi-
mau, que as duas crianças lionário saudita Osama
tinham morrido”, recordou bin Laden, a viver em
mais tarde Kathy McVeigh. território afegão e consi-
Os dois miúdos eram Chase derado o principal sus-
e Cole, os netos, de dois e peito do duplo atentado.
três anos, duas das duas víti- Mas a 20 de Agosto, Clin-
mas mortais do desastre, em ton ordenava uma dupla
que ficaram feridas outras retaliação: aviões norte-
500 pessoas. americanos atacaram al-
O atentado mexeu com os vos no Afeganistão e no
americanos, tomados de as- Sudão. Este segundo pa-
salto por especulações sobre ís era suspeito de estar a
altas conjuras internacio- desenvolver um progra-
nais, talvez neonazis, talvez ma de armas químicas
árabes. Não tinha sido um numa fábrica que foi ar-
árabe, Omar Abdel Rahman, rasada pelos aviões, e
o mentor do atentado, dois que, segundo os sudane-
anos antes, em Fevereiro de ses, nunca produzira
1993, contra o World Trade mais do que produtos
Center? farmacêuticos (mais tar-
Depois, porém, acabaram de os americanos admiti-
por ter de admitir que o cri- ram o erro).
me partira do interior, de Bin Laden tinha mostra-
um dos seus, para mais um do a sua força e a sua ca-
jovem condecorado na guer- pacidade de lançar ata-
ra do Golfo cheio de ódio ques coordenados. A
às instituições. Ao ponto de América elevou-o à cate-
se abandonar à sentença de goria de inimigo número
morte. Questionado pelo juiz um. Mas o milionário
sobre se tinha alguma coisa a voltaria a atacar — ou
dizer em sua defesa, respon- pelo meno seria suspeito
deu seco: “A este tribunal, ne- de outro atentado. A 12
nhuma!” de Outubro de 2000, uma
Com base num acervo do- pequena embarcação
cumental de 25 mil folhas e carregada de explosivos
137 testemunhas, a acusação colidiu com o contra-
provou que Timothy McVei- torpedeiro norte-
gh, de 26 anos de idade, um americano “Cole”, que
antigo sargento do Exército, se encontrava no porto
organizou e realizou o aten- de Áden, capital do Ié-
tado, com a ajuda de outra men. Dezassete mari-
pessoa, mediante um camião nheiros americanos
que tinha alugado no Kan- morreram.
sas com um nome falso e que A Administração ameri-
encheu com uma mistura de cana apontou novamen-
mais de 2 mil quilos de ex- te o dedo a Bin Laden, e
plosivos, incluindo nitrato o Pentágono discutiu a
de amónio, enfurecido com hipótese de lançar um
o cerco de Waco, Texas, pela “ataque preventivo” con-
polícia, durante o qual mor- tra a organização. Mas
reram 86 pessoas da seita dos Clinton parece ter deci-
davidianos. dido adiar a punição pa-
Os sobreviventes de ra não provocar a fúria
Oklahoma City, uma cidade dos muçulmanos e não
que se queixava de ali nun- prejudicar aquele que
ca acontecer nada, disseram era o seu objectivo prio-
que queriam ver McVeigh ritário, um acordo de
“desaparecer”, para poderem paz no Médio Oriente.
“seguir em frente”. Milhares de pessoas prestaram homenagem às vítimas do atentado de Oklahoma A.P.C.
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PÚBLICO•QUARTA -FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
15h10 Um avião Boeing 757 despenha- cima abaixo como se estivesse a ser descas- 18h27 É declarado o estado de emer- dos negam qualquer envolvimento, dizendo que
se em Somerset County, a 80 milhas de Pitts- cada, largando para o ar uma enorme nuvem gência em Washington D.C. não se tratou de uma retaliação pelos ataques;
burgh, no estado da Pensilvânia. É mais tarde de pó e detritos. a oposição afegã ao regime dos taliban reivin-
identificado pela companhia aérea United Air- 19h30 A FAA anuncia que todos os voos dica as explosões.
lines como tratando-se do voo 93, com destino 15h45 Todos os edifícios federais dos comerciais norte-americanos estarão suspen-
a São Francisco e tendo partido de Newark, Estados Unidos são evacuados. Todos os ae- sos pelo menos até ao meio-dia (hora de Nova 23h54 George W. Bush regressa a Wa-
em New Jersey, com 38 passageiros e sete roportos do país são evacuados e também Iorque) de quarta-feira — a primeira vez que tal shington.
tripulantes a bordo. encerrados. medida é tomada na história dos EUA.
0h02 A CNN anuncia que um outro edi-
15h25 É noticiada a explosão de um 18h04 O Presidente norte-americano, 20h55 Karen Hughes, directora de comu- fício próximo do World Trade Center está em
carro armadilhado às portas do edifício do De- George Bush, garante à nação, numa inter- nicações da Casa Branca, diz que o Presidente risco de desabar.
partamento do Tesouro, em Washington. Mais venção televisiva, que estão a ser tomadas está “em local secreto”; apura-se depois que
tarde há um desmentido. todas as medidas de segurança. E deixa o George W. Bush estava numa base aérea do 0h45 A polícia de Nova Iorque anuncia
aviso: “Não tenham dúvidas, os Estados Uni- Nebraska (Oeste dos EUA). que mais de 70 polícias e 200 bombeiros estão
15h26 Todos os voos com destino para dos vão caçar os responsáveis por este ata- desaparecidos.
os Estados Unidos são desviados para o Cana- que.” 22h20 Um edifício de 47 andares junto ao
dá, segundo ordens da FAA. World Trade Center desaba. 1h30 O Presidente George W. Bush fala à
16h02 O “mayor” Giuliani pede aos no- nação e promete que os EUA e os seus aliados
15h27 A torre norte do World Trade va-iorquinos que fiquem em suas casas e or- 23h Ouvem-se explosões em Cabul, capital “juntos, irão vencer a guerra contra o terroris-
Center acaba também por ruir, desabando de dena a evacuação do Sul de Manhattan. do Afeganistão. Mais tarde, os Estados Uni- mo”. D.F./P.R.
REUTERS
ALEX FUCHS/EPA
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PÚBLICO•QUARTA -FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
ALI HASHISHO7REUTERS
ANÚNCIO
Nos termos e para os efeitos do disposto nos nrs. 1 e 2 do art. 16.º do DL. 343/98
de 6/11, dá-se conhecimento que esta sociedade, face ao aprovado na Assembleia
Geral Anual realizada em 28 de Março de 2001, vai redenominar as accções re-
presentativas do seu capital social, da seguinte forma:
*IDENTIFICAÇÃO DOS VALORES MOBILIÁRIOS A REDENOMINAR: 10.000
accções, sendo 5.000 representativas da totalidade do capital social desta socie-
dade que é de Esc. 5.000.000$00, e as outras 5.000 através da emissão de novas
acções, para adaptação ao capital social mínimo de 50.000 euros.
*FONTE NORMATIVA EM QUE ASSENTA A DECISÃO: Decreto-Lei n.º 343/98 de 6
de Novembro;
*TAXA DE CONVERSÃO: 200$482;
*MÉTODO DE REDENOMINAÇÃO E O NOVO VALOR NOMINAL: método não
padrão fixando-se: o valor nominal de cada accção em 5 euros e o capital social
em 50.000 euros representado por 10.000 accções;
*DATA DA REDENOMINAÇÃO: 25 DE OUTUBRO DE 2001.
*DATA PREVISTA PARA O PEDIDO DE INSCRIÇÃO DA REDENOMINAÇÃO NO
REGISTO COMERCIAL: 25 DE OUTUBRO DE 2001.
Matosinhos, 10 de Setembro de 2001
REACÇÕES OFICIAIS
DAVID CLIFFORD
EXPECTATIVA
Um cruzeiro NAS LAJES
de sonho, Se houver retaliação,
a base açoriana terá
de medo de caças
NUNO MENDES
Passageiros retidos no que a situação normalizou e A Base das Lajes, na ilha Ter-
pode reencontrar toda a sua ceira, passou o dia de ontem
aeroporto de Lisboa família. Os únicos passageiros em “Alerta Delta”, com to-
vivem horas de a quem a TAP paga estadia, dos os edifícios civis encer-
angústia e incerteza no hotel Altis Park, são os que rados e os militares norte-
vinham de outros destinos e americanos aconselhados a
faziam escala em Lisboa. não abandonarem as insta-
“Um avião vai para todo o lado, só é preciso é que o levem”, diz um comandante da TAP CATARINA GOMES Artur Rodrigues, residente lações. Ao mesmo tempo, foi
nos Estados Unidos desde os reforçada a vigilância em to-
Megan, uma estudante da Ca- cinco anos, só quer que lhe de- do o perímetro militar, ten-
rolina do Norte de 22 anos, ga- volvam Joshua e Jack, os fi- do, contudo, a parte civil do
qualquer hipótese”
finalizar em Lisboa. Foi com aguardou durante mais de du- O fecho dos edifícios e o
a descontracção de umas fé- as horas, com escassas infor- aumento da vigilância cons-
rias bem passadas, à borla, que mações por parte da TAP. À tituíram os únicos registos
fez o “check in”, se sentou no pergunta que se foi repetindo: de anormalidade ao longo do
avião da TAP que a levava de quando poderão apanhar um dia. Segundo uma fonte mi-
volta a Nova Iorque, e daí à Ca- voo de volta?, todos receberam litar contactada pelo PÚBLI-
cisar de saber meter as mu- rolina do Norte. a mesma resposta dos funcio- CO, o movimento de aviões
SEGURANÇA NOS AEROPORTOS QUESTIONADA danças”. Poucos minutos depois, foi nários: “Vá vendo televisão!” foi “o que se pode considerar
convidada, ela e mais cerca de dentro do habitual”, até por-
Os comandantes de aviões portugueses “A rotina leva ao desleixo” 140 passageiros, a regressar à Nível máximo de segurança que o “a nível de actuação da
sentem-se especialmente atingidos “Todos os sistemas são falí- sala de embarque por causa de nos aeroportos portugueses base não faria supor outra
pela tragédia ocorrida. E lembram que veis, nós todos somos alvos ataques terroristas. E voltou Durante o dia de ontem, hou- coisa”.
fáceis”, indicou uma outra o “stress”, misturado com o ve dois voos para Nova Iorque As Lajes são utilizadas,
“todos os sistemas são falíveis” fonte do mesmo sector, sa- medo, com o desnorteamento: que partiram durante a ma- normalmente, sempre que os
lientando que “a rotina leva o seu pai é piloto, não sabe se nhã, um da TAP e outro da Estados Unidos decidem ac-
INÊS SEQUEIRA o lado, é preciso é que o ao desleixo” nos aeroportos. ia num dos aviões, não conse- Continental Airlines, que teve tuar no Médio Oriente ou na
saibam levar”, disse Sot- Todos os pilotos concordam que fazer um único telefone- que aterrar no Canadá, e ou- Europa, o que “não é o caso”.
Com três ou quatro coman- tomayor Cardia. E, para o sobre um aspecto: “Depois do ma para os Estados Unidos. tros dois foram cancelados, o Assim sendo, acrescentou a
dos terroristas dentro de um saberem levar, depois do que sucedeu, muita coisa vai Foi o que aconteceu aos ou- segundo da TAP e um outro mesma fonte, “só é de admi-
avião, “os pilotos não têm aparelho estar já em voo, ter de mudar nos sistemas tros seis americanos, que só da Sata para Boston, que par- tir que o aumento do tráfego
qualquer hipótese” de resis- o necessário “são conheci- de segurança”, afirmaram. ficaram a saber pelo PÚBLICO tia de Ponta Delgada. Vindos aéreo caso o Governo norte-
tência, acredita um coman- mentos básicos”: conhecer “Isto vai obrigar a uma refle- os pormenores dos ataques. dos EUA chegaram durante a americano decida retaliar”.
dante de aviação civil. Quan- o que é uma manche e como xão profundíssima sobre o Margery, uma agente de turis- manhã três voos. Nestas circunstâncias, o ae-
to à possibilidade de terem funciona, controlar a altitu- dinheiro que se gasta”. mo e participante no cruzei- O ministro da Administra- roporto açoriano será de
sido as próprias tripulações de do aparelho... Num caso O ditado “tempo é dinhei- ro, lembra-se de ter vivido a II ção Interna, Nuno Severiano extrema utilidade “para a
a dirigirem as aeronaves sob destes, reconhece António ro” impera hoje na aviação: Guerra Mundial — o seu ma- Teixeira, ordenou a instaura- circulação dos aviões que
coacção dos “piratas do ar”, Ramalho, “nem é preciso sa- a partir do momento em que rido esteve no Pacífico — mas ção do nível máximo de segu- reabastecem caças sobre o
as opiniões dos pilotos on- ber aterrar”. Hoje em dia ti- pára um avião na pista e sa- nunca de os próprios Estados rança nos aeroportos, embora Atlântico”.
tem contactados pelo PÚ- rar um curso de pilotagem em os passageiros, inicia-se Unidos serem alvo de tama- não tenha suspendido o espa- Durante quase todo o dia
BLICO foram unânimes: “É de aviões de grande porte uma corrida contra o tempo nhos ataques. Pergunta-se co- ço Schengen. Ao contrário da as atenções dos militares
mais fácil acreditar que al- pode ser caro, mas está fa- para manter o aparelho em mo podem entre eles especular Itália e da Alemanha, que deci- americanos colocados nas
guém abateu o piloto e to- cilmente ao alcance de uma terra o menor tempo possí- sobre a autoria dos atentados diram encerrar os aeroportos Lajes estiveram, à falta de
mou o controlo do avião”, organização com meios eco- vel. Entram a equipa de lim- se nem os serviços secretos ao tráfego, o Gabinete Coorde- missões a realizar, concen-
afirmou o presidente da As- nómicos para isso. peza, os serviços de ‘catering’ adivinharam nada... nador de Segurança reuniu-se tradas no que se estava a
sociação Portuguesa de Pilo- Indo um pouco mais lon- (refeições a bordo), os téc- No avião com destino a No- de emergência ontem à tarde passar nos Estados Unidos,
tos de Linha Aérea, coman- ge, um dos pilotos compa- nicos de manutenção. Como va Iorque seguiam também e decidiu impor o grau três de já que a rádio que serve a ba-
dante Salvador Sottomayor. rou os aviões naquela si- controlar todos? Existem os vários emigrantes portugue- medidas de segurança. Esta se esteve todo o dia a trans-
Quem vai nos comandos tuação a um autocarro em sistemas de detecção raios X, ses. Leonilde está no aeroporto determinação implica a revis- mitir informações em direc-
do “cockpit” “não é res- andamento. “Imagine um mas são “dezenas de pessoas desde as 5 da manhã, depois ta de todos os passageiros, a to de outras emissoras dos
ponsável por ver se alguém carro com a quinta mudan- que passam todos os dias, às de 10 horas na “carreira” vin- conferência dos passaportes e “States”. A falta de um ini-
entra dentro do aparelho ça metida e um miúdo de mesmas horas, pelos mesmos da de Chaves. Há quem aposte o exame através de raio X de migo, explicou uma fonte
armado”, referiu aquele res- dez anos a conduzi-lo, pode sistemas de segurança e os numa pausa forçada de três todas as bagagens de porão. contactada pelo PÚBLICO,
ponsável, acrescentando que dirigi-lo facilmente sem pre- mesmos guardas”. dias, há quem aponte em se- O cenário de voos cancela- “leva a que neste momento a
isso compete aos aeroportos. “Entra-se na rotina”, os manas. Leonilde é das optimis- dos de e para os Estados Uni- postura seja mais de expec-
E quais as capacidades de re- rostos tornam-se conhecidos tas e recusa-se a voltar a Cha- dos repetiu-se um pouco por tativa”.
sistência de um piloto, quan- e a atenção diminui. Para ves. Fica à beira do aeroporto, todo o mundo, desde todo o Ainda durante o dia, uma
do coagido? Por óbvias re- mais, actualmente nos Esta- na residencial Terminus, à es- espaço europeu a África e à reunião, realizada a meio da
gras de segurança, nenhum Num caso destes, dos Unidos, como em muitos pera que a televisão lhe diga América latina. tarde, entre norte-america-
dos elementos da tripula- reconhece o outros países, “trata-se um nos e portugueses serviu pa-
ção entra armado dentro de comandante avião como um autocarro”: MANUEL DE ALMEIDA/LUSA ra decidir a forma de actu-
uma aeronave, referiu por as passagens são a preços re- ação conjunta. Este tipo de
seu turno o comandante An-
António Ramalho, duzidos, os passageiros che- encontros, explicou a mes-
tónio Ramalho, porta-voz “nem é preciso saber gam ao aeroporto e embar- ma fonte, “é comum sempre
do Sindicato dos Pilotos de aterrar”. Hoje em cam no espaço de meia hora. que é necessário reforçar a
Aviação Civil. A regra prin- dia tirar um curso de Como exercer um controlo segurança na base, uma vez
cipal é apenas uma: “Nun- apertado? Em Portugal, por que alguns dos procedimen-
ca contrariar as ordens dos pilotagem de aviões exemplo, apenas no caso de tos ficam a cargo dos milita-
‘piratas do ar’, embora pa- de grande porte transportarem o Presidente res portugueses”.
ra isto não haja preparação pode ser caro, mas da República é que as malas Tal como na base, também
possível”, indicou outro co- das tripulações entram no nos aeroportos do arquipéla-
mandante de longo curso, está facilmente ao aeroporto de véspera para go foi reforçada a segurança.
Ângelo Felgueiras. alcance de uma serem revistadas. E estender O “check in” e o embarque só
E quanto à capacidade ne- organização com esse procedimento a todos eram realizados com a iden-
cessária para embater uma os voos? “Seria inviável. Ne- tificação de todos os passa-
aeronave de grande porte
meios económicos nhum aeroporto tem capaci- geiros. Passou também a ser
contra um alvo específico? para isso dade para isso”, lembrou a exercida uma maior vigilân-
“Um avião vai para todo mesma fonte. cia sobre as bagagens.
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PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
DANIEL ROCHA
ÁLVARO VASCONCELOS
OPINIÃO
A barbárie que
a todos afecta
s ataques terroristas contra Nova Iorque
Portugal disponível para cos ou políticos por Sharon e pelos islamistas radi-
cais, não podem ter deixado de contribuir para a
cultura de violência total que se desenvolve, e de
alimentar também o antiamericanismo.
O isolacionismo pós-Clinton, o “lavar daí as mãos”,
“esforço conjunto acrescido” não é solução para a resolução dos problemas de segu-
rança que hoje se colocam e que, como se sabe desde
a Bósnia, são essencialmente de natureza interna,
embora tenham muitas vezes uma componente exter-
na. O mundo está sem defesas perante o atentismo
Governo e oposição Numa conferência de im- não apenas na condenação, sam exprimir um sentimen-
prensa realizada três horas mas na luta efectiva contra to de unidade, de tranquili-
repudiam atentados depois dos atentados, o líder o terrorismo”. dade e de segurança”.
A resposta à tragédia não pode ser mais
nos Estados Unidos do Governo português afir- Apesar de ser ainda “pre- Também o presidente do unilateralismo, mais isolacionismo, mas
mou que se deve condenar maturo dizer que formas PSD, Durão Barroso, conde- sim a consciência de que o nacionalismo
PAULO CORREIA “com toda a energia” a “ir- vai revestir uma cooperação nou, “sem qualquer reser- e a barbárie identitária, onde quer que se
E SÃO JOSÉ ALMEIDA racionalidade” manifestada internacional acrescida”, o va”, o atentado terrorista,
através de “formas violentas, primeiro-ministro garantiu que, acrescentou, deve “in- alojem, são uma ameaça para todos, uma
Portugal está totalmente imprevisíveis e totalmente que Portugal está disponível dignar toda a comunidade ameaça que só pode ser prevenida ou
disponível para “participar impiedosas”. para estudar e participar em internacional”. Expressan- contrariada através de respostas globais
em qualquer esforço conjun- António Guterres subli- quaisquer acções conjuntas do a sua “total solidariedade
to acrescido que venha ser nhou que “este é o momento que possam reforçar a segu- ao Governo e ao povo norte-
acordado a nível interna- em que é dever da comunida- rança a nível mundial”. americano”, o antigo minis- americano, a fragilidade da União Europeia no domí-
cional”, anunciou ontem o de internacional, indepen- António Guterres apelou tro dos Negócios Estrangei- nio da defesa e segurança, e a impotência das Nações
primeiro-ministro, António dentemente das suas diferen- ainda, repetidamente, aos ros sublinhou: “Este não é Unidas, fragilizadas pelo unilateralismo de Bush.
Guterres. ças, se unir integralmente “portugueses para que pos- apenas um ataque aos f Nova Iorque e Washington são o Pearl Harbour da
nova situação internacional. Mostram que, ao contrá-
rio do que pensava a administração Bush, os EUA não
Atentado de uma “gravidade sem precedentes”, diz Sampaio podem isolar-se dos graves problemas que enfrentam
as diferentes regiões do mundo. Os horrores das Bós-
CARLOS LOPES nias deste mundo não afectam apenas os outros. Nu-
Classificou o ataque como o mais te tinha já exprimido o seu “pro- ma outra megadimensão, o que aconteceu em Nova
grave de sempre, mas escusou-se fundo choque e incredulidade pe- Iorque e Washington tem paralelo e precedente nos
a dizer o que fazer para punir os rante os bárbaros ataques ataques terroristas contra prédios de habitação em
terroristas. Foi esta a resposta do terroristas”. Numa comunicação Moscovo, ou no sinistro ataque de Oklahoma.
Presidente da República, Jorge feita ao país a partir do Palácio de A resposta à tragédia não pode ser mais unilatera-
Sampaio, quando as notícias che- Belém, o chefe de Estado portu- lismo, mais isolacionismo, mas sim a consciência
gadas do outro lado do Atlântico guês começou por falar na “hora de que o nacionalismo e a barbárie identitária, onde
eram ainda escassas. Depois de de luto” que sentia ser também de quer que se alojem, são uma ameaça para todos,
expressar às autoridades e ao po- todos os portugueses. “Não pode- uma ameaça que só pode ser prevenida ou contra-
vo americano a “total solidarieda- mos deixar de nos sentir directa- riada através de respostas globais.
de” e o “sentimento de profundo mente atingidos com a brutalida- Pode ser que a primeira reacção americana seja
pesar e revolta”, o Presidente da de do que presenciámos e a um ataque fulminante contra um alvo externo de-
República classificou o sucedido dimensão da tragédia.” O Presi- terminado, embora a identificação de um inimigo
ontem como um atentado de uma dente da República apelou ainda preciso deva ser extremamente difícil, dada a carac-
“gravidade sem precedentes”, à calma de todos: “Estou seguro terística fragmentária da acção terrorista. E uma
aproveitando para “reafirmar, que os portugueses saberão viver tal retaliação não resolverá certamente o problema.
com toda a clareza e determina- estes momentos difíceis com cal- Espera-se que, ainda assim, num segundo momen-
ção, a mais veemente condenação ma e serenidade.” O chefe de Es- to, os Estados Unidos, em parceria com a União Eu-
do terrorismo”. Jorge Sampaio tado disse estar em “permanente ropeia, ocupem de novo o seu lugar como actores
recusou, contudo, fazer qualquer contacto” com o primeiro- fundamentais na resolução dos problemas interna-
comentário sobre que medidas ministro, António Guterres, con- cionais e na definição de uma nova ordem multilate-
deveriam ser adoptadas contra os firmando terem sido “accionados ral — começando pela questão do Médio Oriente,
autores dos ataques. Para o Presi- todos os meios para acautelar a que como se sabe há muito tempo é o paiol do mun-
dente, esta era a hora de “cuidar sua [dos portugueses] seguran- do. A paz, como ainda hoje afirmou o ministro dos
dos vivos e enterrar os mortos”, ça.” Para o fim deixou uma espe- Negócios Estrangeiros do Brasil, Celso Lafer, “é
tendo a comunidade internacio- rança: “Que nenhum dos nossos uma esquiva conquista da razão política”.
nal muito tempo para decidir o compatriotas tenha sido vítima
que fazer. Antes disso o Presiden- destes trágicos acontecimentos.”
2 4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
de choque
em Portugal ADRIANO MIRANDA
ou terça-feira, as audiências do primeiro-
ministro, António Guterres, com os partidos
da oposição que estavam marcadas para ho-
je. Os encontros destinavam-se à preparação
“Choque”, “horror”. Es- Ministério da Defesa da discussão parlamentar do Orçamento
tas são as palavras que do Estado para 2002. Adiado foi também
alguns americanos de
centraliza informações o encontro entre as delegações do grupo
passagem em Lisboa, sobre a crise parlamentar do PS e do PSD, chefiadas pelos
entrevistados pelo PÚ- respectivos líderes parlamentares, Francis-
BLICO no Hotel da La- HELENA PEREIRA co Assis e António Capucho, que iria servir
pa, mais usaram para para acertar os contornos finais da revisão
descrever o que senti- As informações sobre a resposta constitucional em curso. Este encontro de-
ram, face à onda de militar em Portugal aos atentados verá ocorrer na segunda-feira. Para ama-
atentados nos Estados terroristas dos EUA estão a ser cen- nhã, foi transferida a conferência de líderes
Unidos. José Wehnes, de tralizadas pelas relações públicas parlamentares que estava marcada para
viagem a Portugal por do Ministério da Defesa Nacional. ontem à tarde.
razões profissionais — “Estão a ser tomadas todas as medi-
trabalha numa editora das normais nesta situação”, afir-
americana especializa- mou ao PÚBLICO um elemento do
da em assuntos de medi-
cina — tem familiares
MDN, evitando pormenorizar es-
sas medidas e remetendo quais-
GOVERNO NA AR
em Nova Iorque, embo- quer dúvidas para a declaração do O secretário de Estado dos Negócios Estran-
ra não viva lá, mas ex- primeiro-ministro. geiros e Cooperação, Luís Amado, reúne-se
plicou que conseguira As medidas no plano defensivo, hoje à tarde com a comissão parlamentar
falar com eles e estavam no entanto, podem passar pela acti- dos Negócios Estrangeiros, para analisar a
bem. “Estou aliviado vação dos comandos operacionais situação criada ao nível da política interna-
por isso, mas muito cho- das forças, pelo reforço das unidades cional e das relações externas portuguesas
cado com o que aconte- e pela prontidão de meios na defesa pelos atentados terroristas contra os EUA.
ceu”, explicou. de pontos sensíveis não militares, A reunião contará também com a presença
O PÚBLICO tentou per- entre os quais os governamentais. do presidente da Assembleia da República,
ceber se, para este cida- No plano ofensivo, pelo aumento do Segurança de militares americanos em Portugal é prioridade António de Almeida Santos. Em comunicado
dão americano, os aten- grau de prontidão dos meios. assinado pelo seu presidente, Luís Marques
tados têm algo que ver Em termos de estruturas da que ali estão colocados. O Cincsou- todas as informações sobre os voos Mendes, a comissão parlamentar dos Negó-
com a política externa Aliança Atlântica em Portugal, o thlant é um comando regional que comerciais e não comerciais. On- cios Estrangeiros assumia ontem que esti-
do actual Presidente, Comando Atlântico do Sul (Cinc- está directamente sob a dependên- tem, estiveram em trânsito cerca vera reunida para “exprimir publicamente a
George W. Bush. “As coi- southlant), em Oeiras, reforçou a cia orgânica do Comando Aliado de duas dezenas de voos comerciais sua viva condenação pelos graves atentados
sas podiam ser diferen- sua segurança, na sequência dos Supremo do Atlântico (Saclant), com destino aos EUA. Alguns tive- terroristas ocorridos nos Estados Unidos,
tes, realmente”, admi- atentados. Mas o grau de ameaça em Norfolk, EUA. ram que ser desviados, para o Cana- os quais atingiram trágicas proporções e
tiu Whenes, lembrando, calculado — e as medidas tomadas O Centro de Operações Aéreas dá, por exemplo, outros regressaram traduzem acções absolutamente intoleráveis
no entanto, que já hou- em função deste — não foi um dos Combinadas 10 (CAOC 10) da NATO, ao aeroporto de origem. para toda a humanidade”.
ve outro atentado con- mais elevados. A percepção é a de que funciona nas instalações da For- No âmbito da reforma das estru-
tra o World Trade Cen- que os alvos estão em solo norte- ça Aérea em Monsanto, é que regis- turas da NATO, o CAOC 10, que está
ter. “Talvez os culpados americano. A preocupação, em Oei- tou um grande aumento de activida- instalado em Portugal há algumas
sejam os mesmos”,
aventou.
ras, contudo, vai para a seguran-
ça dos militares norte-americanos
de. O CAOC faz o controlo do espaço
aéreo do Atlântico e aqui reúnem-se
décadas, corre o risco de vir a ser LINHA DE EMERGÊNCIA
encerrado. I H.P.
“Estou zangada, muito Os serviços diplomáticos e consulares por-
zangada”, afirmou por tugueses nos Estados Unidos estão a desen-
sua vez Toni Lindstedt,
também americana, de
visita a Lisboa igual-
mente por razões profis-
Militares alertam Governo volver “todos os esforços no sentido de obter
elementos relativos a portugueses envolvi-
dos nos atentados”, informou um comunica-
do do Ministério dos Negócios Estrangeiros
sionais. “Agora fiquei
cheia de medo de viajar,
não sei como vou regres-
sar a casa”, disse, mos-
sobre riscos para o país (MNE) e do gabinete do secretário de Estado
das Comunidades Portugueses. Para tal, a
embaixada portuguesa em Washington e os
consulados-gerais em Boston e Nova Iorque
trando-se também preo-
Portugal não está livre estão a procurar obter informações sobre
cupada por não ter de ser um dia vítima de as listas de passageiros dos voos envolvidos
conseguido contactar ataques como os de ontem nos atentados e sobre a identidade das víti-
com ninguém das suas nos EUA, disseram mas. Em Lisboa, o MNE montou uma linha
relações em Nova Ior- telefónica, a funcionar 24 horas por dia,
que, onde vive. “Não te- ao PÚBLICO dois através da qual é possível obter informa-
nho família, apenas ami- generais portugueses ções sobre a situação dos cidadãos portu-
gos, mas não consigo gueses nos Estados Unidos. Quem quiser
telefonar-lhes. Isto é tu- HELENA PEREIRA saber dos seus familiares ou amigos neste
do um horror.” E JOÃO PEDRO HENRIQUES país deve ligar para os números 213946406
“Não acredito, não acre- ou 213946420.
dito”, diziam sem parar Dois generais portugueses especia-
uma para a outra, aba- listas em análise estratégica — um
nando a cabeça de incre- no activo, outro na reserva — con-
dulidade, duas turistas sideraram ontem, em declarações GAMA NO UZBEQUISTÃO
americanas, instaladas ao PÚBLICO, que Portugal não está
no Hotel da Lapa. Am- livre de um dia ser vítima de ata- Os atentados nos Estados Unidos apanharam
bas moram na zona de ques de origem semelhante à dos o ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime
Nova Iorque e tinham que ontem atingiram os EUA. “Po- Gama, de surpresa, no Uzbequistão, onde se
acabado de regressar de de acontecer-nos a nós”, disse o encontrava de visita, para preparar a presi-
um passeio de um dia in- general Garcia Leandro, director Garcia Leandro Loureiro dos Santos dência portuguesa da Organização para a
teiro por Lisboa. Chega- do Instituto de Defesa Nacional. Segurança Europeia (OSCE). Gama tentou
ram ao hotel carregadas “A própria Europa pode ser alvo gerou muita gente desesperada e as vencido que os EUA estavam pre- de imediato apanhar um avião de regresso
de compras e dirigiram- de atentados, incluindo Portugal”, pessoas mais perigosas são as deses- venidos” para o ataque. Mas “deve a Lisboa, mas foi impedido de o fazer pelo
se de imediato para jun- acrescentou Loureiro dos Santos, peradas. Não têm nada a perder.” ter havido uma falha nos serviços encerramento do espaço aéreo da União Eu-
to de uma televisão, para ex-chefe do Estado-Maior do Exér- Já para Loureiro dos Santos, Por- de informação”. E o “mais estra- ropeia e da Federação Russa, informou o seu
tentar perceber o que se cito, actualmente na reserva. tugal deve a partir de agora alterar nho” são as “falhas nos sistemas porta-voz, Horácio César. Quando soube das
passava, ficando coladas Para Garcia Leandro é impossível “radicalmente a sua política de in- de segurança de centros vitais dos notícias, o ministro, que viaja num Falcon
ao aparelho, a ouvir as prevenir militarmente ataques co- vestimentos na Defesa e deixar de EUA, como o Pentágono e mesmo o da Força Aérea Portuguesa, encontrava-se
notícias da CNN. mo o de ontem. “Não há capacidade sonhar com grandes meios conven- World Trade Center”. “Os atenta- em Tashkent, capital do Uzbequistão, tendo
“Não sabíamos de nada. para conseguir uma protecção total cionais, como os navais, e investir dos são surpreendentes pelos alvos cancelado então as deslocações que tinha pre-
Quando vínhamos no tá- contra ataques deste género, não em meios aéreos, por exemplo, para atingidos, os meios utilizados e a vistas às outras ex-repúblicas soviéticas do
xi, percebemos que há nenhuma capital que não seja responder ao terrorismo, em agen- sua amplitude”, afirmou. No seu Tajiquistão, Quirguistão e Turquemenistão.
acontecera qualquer vulnerável”, afirmou este general tes infiltrados, em operações de entender, “os atentados são uma Gama tentará regressar hoje a Portugal, mas
coisa grave, só que não do Exército. Segundo acrescentou, projecção de forças que actuem em sequência de toda uma série de não a tempo de participar no Conselho Extra-
entendemos o quê, não “é a lógica do sistema de relações áreas de situações de crise e que acções terroristas quer contra in- ordinário dos ministros dos Negócios Estran-
percebemos a língua. internacionais que está a levar a defina num conceito estratégico as teresses norte-americanos, quer geiros da União Europeia, marcado também
Não conseguimos acre- isto”. Para o general, a globalização verdadeiras ameaças”. contra a Europa e mesmo contra para hoje, em Bruxelas, pelo que será substi-
ditar nisto”, explicou gerou lógicas de exclusão de muitos O antigo chefe do Exército portu- a Rússia. A Rússia vem alertando tuído pela secretária de Estado dos Assuntos
uma delas. I.B. milhões de pessoas. “A globalização guês disse ao PÚBLICO estar “con- para isto há muito tempo”. I Europeus, Teresa Moura.
2 6 E S PA Ç O P Ú B L I C O
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001
RECESSÃO REGRESSOU
Para além de todas as perdas humanas e materiais que
o inominável ataque terrorista ontem provocou, vai
também ser necessário contabilizar os danos
económicos que se farão sentir nos próximos tempos
QUI13SET
EDIÇÃO LISBOA
13 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4196
140$00 • €0,70 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico.pt www.publico.pt
O DIA SEGUINTE
Congresso dos EUA dá o primeiro passo para declaração de guerra |NATO
invoca artigo 5º que obriga a acção militar conjunta |Dezenas de portugueses
desaparecidos | FBI descobriu que os terroristas se treinaram na América
PUBLICIDADE
ÍNDICE
George W. Bush
mudou de tom. No
Congresso, já se debate
a aprovação de uma
declaração de guerra. E
Colin Powell quer
países muçulmanos
numa aliança mundial
contra o terrorismo
ANA GOMES FERREIRA
Nova Iorque
TANNEN MAURY/EPA
Incerteza no número
PASSO de portugueses
RA
W. Bush disse, pela primeira
desaparecidos
A prudência obrigou
as autoridades
des portuguesas não se can-
sam de sublinhar que tal po-
de apenas dever-se ao caos
VÍTIMAS
vez, que os ataques foram portuguesas a revelar que ainda existe na cidade e Nova Iorque
“um acto de guerra” contra os apenas 27 que impede o normal funcio- • Números oficiais
Estados Unidos. “Atacaram a “incontactáveis”, namento das comunicações. divulgados pelo
nossa liberdade e a democra- Ao que tudo indica, a lista do presidente da câmara: 55
cia. Pode demorar, mas vamos mas a comunidade fala MNE contempla tanto portu- mortos e quatro
ganhar”, disse Bush sobre a de 50 compatriotas gueses actualmente residen- sobreviventes resgatados
resposta dos EUA ao inimigo que não regressaram tes em Nova Iorque, como tu- dos destroços. Rudolph
nesta nova forma de guerra, ristas que aí se encontravam Giuliani disse, no entanto,
que não está ainda identifica- a casa anteontem de férias. Num comunicado, que o número vai
do. O principal suspeito é o o MNE acrescentou mesmo aumentar e será da ordem
terrorista de origem saudita NUNO SÁ LOURENÇO que durante as últimas horas das centenas. “A melhor
Osama bin Laden, hóspede no tinha sido possível “estabele- estimativa que podemos
Afeganistão do regime tali- Foi o secretário de Estado cer contacto com várias pes- fazer é a de que estarão
ban. Mas ontem surgiram es- dos Negócios Estrangeiros, soas inicialmente incontactá- alguns milhares de
peculações de que os ataques Luís Amado, que, à saída da veis”. pessoas em cada
poderão ter sido orquestra- reunião de ontem do grupo Luís Amado reiterou a ne- edifício.”
dos por uma rede de inimigos de acompanhamento da crise cessidade de prudência, tendo • 202 bombeiros e 258
dos Estados Unidos — alguns norte-americana, confirmou acrescentado que o Executivo pessoas de serviços O atentado mudou a paisagem de Nova Iorque
analistas, poucos, arriscaram aos jornalistas a existência de de Lisboa continuava atento uniformizados (polícia e
nomeá-los e apareceu o nome “alguns casos” de portugue- aos “dados oficiais dos Esta- paramédicos, por
do Iraque.
Nos corredores do Capitó-
lio, alguns congressistas de-
ses nos Estados Unidos que
ainda se encontram incontac-
táveis. Ao mesmo tempo, fi-
dos Unidos da América, quer
em relação à identificação das
vítimas, quer no que respeita
exemplo) estão
desaparecidos,
presumivelmente mortos.
A memória
mocratas e republicanos —
unidos no apoio a qualquer
decisão que Bush vier a to-
mar — consideraram que o
cou confirmado ontem que
não havia registo de passa-
geiros com passaporte portu-
guês nos voos sinistrados da
às listas de passageiros dos
voos sinistrados”.
A esse propósito, Luís Ama-
do referiu a dificuldade de co-
• Quando o primeiro avião
embateu contra uma das
torres, estariam 10 a 20 mil
pessoas nos dois edifícios
da América linda
órgão legislativo deveria ter
ido mais longe na moção que
aprovou. O debate centrava-se
na possibilidade de ser apro-
companhia aérea “American
Airlines”.
Sem querer falar em desa-
parecidos, Luís Amado abor-
municações com o consulado
português em Nova Iorque,
facto que levou já o Governo,
como alternativa, a solicitar à
do World Trade Center.
• Os 170 hospitais da área
de Nova Iorque trataram
1100 pessoas, 200 em
e segura
vada, nos próximos dias, uma dou o assunto com extrema representação do Instituto do estado crítico. Alberto não assistiu e ao falar nas torres que eram
declaração de guerra. Contra cautela: “Há portugueses Comércio Externo Português • Duas mil pessoas apenas à queda um dos ícones da América. Por-
os terroristas que atacaram que têm sido difíceis de con- (ICEP) todo o apoio possível. “andavam feridas” pelas quê? “Eu sei que sou da Costa
os EUA, e contra o país ou pa- tactar, que ainda não foi O consulado de Portugal em ruas e foram sendo de um ícone. Viu um Rica. Que só cheguei aqui há
íses que os apoiam, como pro- possível contactar. Mas não Newark está a funcionar em evacuadas para New mito esvair-se em fumo cinco anos. Mas foi nesta terra
meteu Bush na terça-feira à quer dizer que estejam de- pleno. Jersey. que aprendi a viver em paz”,
noite. saparecidos.” O secretário A prudência das autorida- ANA GOMES FERREIRA explica Alberto.
“Estamos em guerra. Mas de Estado invocou depois ra- des portuguesas reflectiu-se Aviões Nova Iorque O vendedor habituou-se a
temos que esperar até que se- zões de prudência para não também nas declarações do • Todas as 266 pessoas que os Estados Unidos fossem
jam apuradas as ramificações quantificar o número de por- cônsul-geral Cruz de Almei- que iam a bordo dos Alberto, um vendedor de 34 uma almofada de segurança,
internacionais [de uma decla- tugueses procurados pelas da à SIC, em que o diplomata quatro aviões deverão anos, está parado no cruza- primeiro que tudo económi-
ração de guerra]. E temos que famílias. adiantava apenas como possí- estar mortas. mento das ruas Canal e Chur- ca, mas também social, políti-
saber o que quer o Presidente Prudência, contudo, que vel o desaparecimento de um ch, em Mantahhan, Nova Ior- ca. “Aprendi que actos como es-
antes de avançarmos por esse não impediu consulado-geral português que trabalhava no Pentágono que. Com o olhar preso no te não se fazem. Os países que
caminho”, disse o líder da mi- de Newark de divulgar uma complexo do WTC. • Estimativas apontam vazio, faz um exercício de ima- têm problemas, devem resol-
noria republicana no Senado, lista de cidadãos portugueses Um número manifesta- para 100 a 800 mortes. ginação: tenta lembrar-se da vê-los dentro das suas frontei-
Trent Lott. a quem pedia para contactar mente reduzido quando com- • Hospitais da área de normalidade. “Estou aqui a ras. “É uma questão de educa-
O secretário de Estado, Co- o consulado ou os seus fami- parado com as contas feitas Washington trataram 94 olhar para as minhas memó- ção”, vai sentenciando Alberto,
lin Powell, disse estar a criar liares. Uma lista de 27 portu- pela própria comunidade lu- vítimas do ataque ao rias. Na minha imaginação, que trava a torrente de pala-
uma “aliança forte” com os gueses de que não há notí- sa. Em Newark, nos dois par- Pentágono. Nenhum elas ainda lá estão, tão lin- vras porque lhe aparece uma
aliados dos EUA para “coor- cias desde os atentados. Antes ques de estacionamento con- relatou mortes. das”. pergunta para que não tem res-
denar uma abordagem” à res- do pedido do consulado, era tíguos ao restaurante Iberia, Na terça-feira, Alberto saiu posta na ponta da língua. Ain-
posta aos ataques. Powell dis- já adiantada a possibilidade propriedade de João Lourei- OS 27 da loja onde trabalha para com- da se sente seguro, ainda acre-
se ter garantias em como se de serem cerca de 60 os por- ro, natural de Vila Nova de prar café. “De repente entrou dita que vive em paz?
“INCONTACTÁVEIS”
for declarada uma acção ar- tugueses de que o consulado Cerveira, nove automóveis um tipo por ali dentro a gritar. Os atentados de terça-feira
mada, a NATO participará. “A não tinha ainda apurado o pa- não foram reclamados na Vim exactamente para este sí- nos Estados Unidos — quatro
aliança deverá incluir nações radeiro. noite de terça-feira. “Há mui- Nuno Miguel Valente tio e vi tudo”. Viu o fumo negro ao todo, dois em Nova Iorque,
muçulmanas, porque têm tan- Ao que tudo indica, este nú- ta gente que deixa aqui o car- Colaço que saía de uma das torres do um em Washington e um últi-
to a recear dos ataques terro- mero deriva de uma lista en- ro e depois segue para Nova Domitília Santos World Trade Center. Viu um mo falhado, todos cometidos
ristas como as outras nações. viada pelo Ministério dos Ne- Iorque de transportes públi- José Quadros Fernandes avião rasgar o segundo gigante com aviões desviados — foram
Vou falar com os meus homó- gócios Estrangeiros (MNE) cos. Nove carros ficaram cá Olívia Lopes prateado. Viu as torres gémeas classificados de actos de guerra
logos egípcio e jordano”, disse à embaixada portuguesa em toda a noite e há alguns que José e Eduardo Sousa desabarem, depois dos ataques pelos políticos. “Só sei que tive
Powell. Washington. Um valor que são de portugueses. Mas is- Aníbal Pires de terroristas suicidas, que des- que vir aqui hoje, apesar de a
Bush já pediu ao Congresso resultava dos cerca de 170 so pode não querer dizer na- Tomás e Elia Netague viaram aviões comerciais e os loja onde trabalho estar fecha-
que lhe passasse um cheque telefonemas, feitos para os da, porque as pessoas podem Carlos Nascimento, mulher atiraram contra os dois edifí- da. Vim olhar para as últimas
em branco, para pagar a fac- números do ministério, por não ter conseguido sair da e filho cios mais altos de Manhattan. memórias que tinha desta pai-
tura da destruição [que ontem familiares de portugueses cidade”, relatou João Lourei- Robert di Stefano “Passo aqui todos os dias. E sagem tão linda”.
aumentou, quando mais um que se encontravam anteon- ro, ainda mal refeito do cho- Jorge, Luísa e Paulo Jorge todos os dias olhava para elas. Objectivamente, o que Alber-
edifício do complexo do World tem em Nova Iorque. que que abalou os Estados Bastos e Silva Eu adorava as torres gémeas. to tem para ver, na abertura da
Trade Center, o One Liberty Na maioria dos casos, acres- Unidos. José Manuel Vicino de Tão grandes, tão lindas. Espe- Canal com a Church que mos-
Plaza, desabou parcialmente] centou, foi possível falar com Por aquilo que foi ouvindo Morais ro que limpem tudo e constru- trava as torres gémeas, é uma
e planear as acções futuras. as pessoas em causa, quer a no restaurante de New Jer- Maria Conceição Silva am umas ainda maiores, para espiral de fumo amarelado. Os
O Presidente prometeu aju- partir de ligações feitas de sey, que nos últimos dois dias Tomás mostrarmos ao mundo que isto 110 pisos de cada um dos edifí-
da económica a Nova Iorque, Portugal, quer a partir de cha- funcionou “apenas a 25 por Jorge Ferreira é a América e que estamos uni- cios, estão esborrachados no
que prometeu visitar assim madas efectuadas em terri- cento”, João Loureiro fala em Tito Mário Pereira Vitorino dos”, diz Alberto. Fala no plu- chão. Há perto de 24 horas que
que for seguro. Os senadores e tório norte-americano. Mas, cerca de 50 portugueses desa- Maria Fátima Santos ral. Expressa uma indignação o World Trade Center não pas-
congressistas rejeitaram o pe- desses, cerca de 60 continuam parecidos. “É claro que é um Ferreira cheia de sentimentos naciona- sa de um destroço, e ainda está
dido. Prometeram, contudo, incontactáveis, não sendo por número aproximado, mas é o Cremilde Luísa Neves listas. Ao falar do massacre — a arder.
aprovar todos os pedidos de isso de excluir a possibilidade que infelizmente toda a gente Amândio Rocha Santos nas torres trabalhavam 50 mil O acesso ao lugar do desastre
dinheiro do Presidente, desde de terem desaparecido devido diz. Eu não conheço propria- Luísa, Filipe e Miguel pessoas, estima-se que, no mo- e do massacre está vedado. Pelo
que saibam em que é que ele aos atentados. mente ninguém, mas é lógico Varino Ferreira mento dos ataques, estivessem que os nova-iorquinos não po-
será gasto. I Ainda assim, as autorida- que fico muito abalado.” I Albano Seabra lá dentro entre 20 mil e 30 mil — dem ver de perto o cenário pós-
4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 13 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
SAEED KHAN /EPA
Quinze excluem cenário de recessão Também os chefes da di- ficar prisioneira do medo
plomacia europeia quiseram que hoje nos imobiliza a to-
afirmar a sua condição de dos, se se render ao pesadelo
“americanos”, ao assumi- da vulnerabilidade das suas
Calma e serenidade: tal como os polí- repercussões sobre a economia euro- (BCE), que se exprimiu ontem perante rem o ataque contra a Amé- sociedades abertas e demo-
ticos, os responsáveis económicos e peia, embora tenham sublinhado que a comissão dos assuntos económicos rica como “um ataque contra cráticas, se deixar de acre-
monetários da União Europeia (UE) ainda é “cedo” para determinar a sua e monetários do Parlamento Europeu toda a humanidade” e contra ditar que o seu papel de ac-
recusaram-se ontem a ceder ao pânico amplitude. (PE), numa reunião prevista desde há “a vida e o funcionamento tor internacional — ao lado
e procuraram contrariar os profetas Estes acontecimentos constituem muito tempo, reconheceu igualmente das nossas sociedades aber- mas não atrás da América
da desgraça que não hesitam em ante- uma má notícia para os europeus, que que “este choque externo único” terá tas e democráticas.” — pode fazer a longo prazo a
cipar a futura recessão mundial. começavam a detectar os primeiros efeitos sobre a economia, mas consi- Nenhum dos ministros grande diferença, então ca-
Didier Reynders, ministro das Fi- sinais de retoma da actividade econó- derou prematuro determinar as con- presentes na reunião terá minharemos provavelmente
nanças da Bélgica, que preside actual- mica depois de um ano de forte arrefe- sequências. E, perante os apelos de al- conseguido desviar o pensa- para o mundo kafkiano de
mente à UE, e Pedro Solbes, comissário cimento. Segundo Solbes, “os aconte- guns deputados para baixar as taxas mento das imagens dantes- Huntington (que ontem os
europeu responsável pelos assuntos cimentos terão uma incidência clara de juro para relançar o crescimento cas da véspera e da tentação ministros europeus rejeita-
económicos e monetários dos Quinze, pelo menos no consumo dos Estados económico, Duisenberg considerou que de transpô-las para um ce- ram), no limite incompatí-
procuraram emitir uma mensagem de Unidos”, o que o levou a confessar-se uma medida desse tipo teria um efeito nário mais próximo, de uma vel com a natureza aberta e
normalidade e de confiança, esperan- “mais pessimista que há uma semana”. contrário ao pretendido, ou seja, “pro- qualquer capital europeia. multicultural das democra-
do minimizar o impacte negativo dos Isto porque “o impacte do crescimento vocaria uma reacção de pânico em vez Mas acabará por chegar o cias ocidentais. A solução
atentados sobre as economias europeia nos Estados Unidos transmite-se por de estabilidade e calma”. tempo das perguntas. E tam- mais fácil será, então, a pro-
e americana. via da política comercial e dos fluxos Para Duisenberg, aliás, a economia bém das hesitações e das di- tecção da fortaleza militar
“Durante as próximas horas e dias, financeiros”. europeia não está em recessão, fri- visões. americana, por mais frágil e
penso que a melhor coisa que podemos No último ano, os europeus tende- sando que a retoma está em curso, A União Europeia sofreu, vulnerável que ela hoje nos
provar é que é possível manter a con- ram a subestimar de forma sistemática devendo originar uma recuperação porventura, o seu mais du- pareça.
fiança, manter a calma e fazer funcio- os efeitos negativos do arrefecimento vigorosa em 2003. ro abalo desde o fim da guer- Se os europeus souberem
nar correctamente a economia, não americano sobre o crescimento na zona Duisenberg, tal como Reynders e ra fria. Acordou subitamen- entender de outra maneira
apenas no continente europeu, mas euro: em consequência, a Comissão Solbes, considerou que o essencial, te para uma realidade que o que significa a solidarie-
igualmente nos Estados Unidos”, afir- Europeia viu-se obrigada a baixar as nesta fase, é “assegurar o funciona- apenas estava disposta a dade com a América, então
mou Reynders, em nome dos ministros suas previsões de crescimento econó- mento normal dos mercados e a esta- contemplar de soslaio nos a União pode ser o melhor
das Finanças dos Quinze. mico, no espaço de um ano, de três por bilidade do sistema financeiro”, de exaustivos relatórios dos es- antídoto para as tentações
Em apoio da sua mensagem, os dois cento para os dois por cento avançados modo a limitar o impacte económico trategos militares. A partir isolacionistas da América
responsáveis sublinharam a “norma- por Reynders há uma semana. “Não dos atentados. de amanhã, vai ter de en- e o mais poderoso estímulo
lidade” do funcionamento de ontem podemos certamente imaginar que a Logo de manhã, aliás, o BCE, tal co- frentar com uma urgência para a cooperação interna-
das bolsas europeias, depois de terem situação será melhor” depois dos aten- mo vários outros bancos centrais, in- nova as mesmas questões cional contra o terror. A úni-
sido encerradas de emergência na vés- tados, reconheceu o ministro belga, cluindo o americano, injectou liquidez que foi tacteando nos últi- ca forma de verdadeiramen-
pera para evitar a derrocada das co- precisando que os ministros das Finan- no mercado monetário da zona euro mos dez anos e, em parte, re- te o enfrentar, sem perder
tações. ças dos Quinze poderão ter uma ideia de modo a prevenir uma eventual es- solvendo melhor ou pior, em- pelo caminho tudo aquilo
Mas, apesar da serenidade, mais clara do impacte durante a sua cassez. No PE, Duisenberg não excluiu purrada pelos milhares de que hoje faz de todos nós
os dois responsáveis não puderam dei- reunião de 21 e 22 de Setembro. ainda a eventualidade de uma interven- mortos nos Balcãs, pelo re- “americanos”.
xar de reconhecer que os “aconteci- Em paralelo, Wim Duisenberg, pre- ção dos bancos centrais nos mercados
mentos trágicos do terrorismo” terão sidente do Banco Central Europeu cambiais para suster o dólar. I.A.C.
6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 13 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
Reforço
Rússia apela a luta conjunta de medidas
de segurança
nos Balcãs
contra o terrorismo
YANNIS BEHRAKIS/REUTERS
Os devastadores aten-
tados de terça-feira em
Nova Iorque e Washing-
ton tiveram reflexos
MÃO LIVRE DE MOSCOVO centou, porém, que a Casa imediatos nas missões
Branca deve centrar a aten- militares lideradas pe-
NA TCHETCHÉNIA? ção nesses perigos e abando- la NATO nos Balcãs.
nar a ideia da criação do siste- Na Macedónia, onde
ma de defesa antimíssil (MD). cerca de 4500 soldados
Suspeitas de laços “Uma das conclusões dos ac- aliados estão envolvi-
entre Osama bin Laden tuais acontecimentos trágicos dos até finais deste mês
consiste em que os america- na operação “Colheita
e a guerrilha nos desestabilizam a seguran- Essencial” — a recolha
independentista no ça global ao criar o escudo an- de cerca de 3300 armas
Cáucaso do Norte timíssil, mas este escudo não na posse dos rebeldes
os protegeu de tudo aquilo que albaneses do Exército
JOSÉ MILHAZES com eles aconteceu.” de Libertação Nacional
Observadores russos cha- (UÇK) e que decorre em
O Kremlin não tem dúvidas de mam também a atenção para três fases —, a NATO
que os autores dos atentados o perigo das retaliações ame- reforçou as medidas de
nos Estados Unidos têm as mes- ricanas aos atentados terro- segurança mas assegu-
mas raízes ideológicas, políti- ristas. Vitali Tetriakov afir- rou que a missão vai
cas e financeiras da guerrilha ma: “A verdade banal de que é prosseguir de acordo
separatista tchetchena. Por is- preciso dar luta ao terrorismo com o calendário pre-
so, Moscovo apelou ontem à pode desaguar numa tercei- visto. Cerca de 400 nor-
criação de uma frente mundial ra guerra mundial. Se a reac- te-americanos — mili-
única de luta contra o terroris- ção se virar para o interior tares e civis — estão
mo. Em todo o caso, os dirigen- da sociedade americana, os actualmente estaciona-
tes russos pedem ao Presidente Os autores dos atentados nos EUA têm as mesmas raízes dos guerrilheiros tchechenos dirigentes poderão limitar a dos em território da
George W. Bush contenção na liberdade de movimentos, de Macedónia.
resposta aos terroristas. consciência, etc.” No vizinho Kosovo, a
A agência oficial de infor- de fazer levantar um avião civil listas islâmicos permitiram união de esforços da comu- Embora a esmagadora dos província do Sul da Sér-
mação russa ITAR-TASS, ci- com um suicida e atirá-lo con- aos dirigentes russos justifi- nidade internacional na luta políticos russos condene os ac- via com maioria de po-
tando fontes do Serviço de tra o Kremlin.” car uma vez mais a sua guerra contra o terrorismo à escala tos terroristas em Nova Ior- pulação albanesa e pro-
Espionagem no Exterior da contra os independentistas na planetária. Na mensagem de que e Washington, o dirigente tectorado internacional
Rússia (SVR), acusou a organi- Avisos aos EUA Tchetchénia e pedir ao Ociden- condolências enviada ao seu nacionalista Vladimir Jirino- desde Junho de 1999, a
zação fundamentalista islâmi- O jornal russo “Izvestia”, ci- te “compreensão” para com os homólogo americano, Putin vski destoa neste sentido: “Os força multinacional da
ca Gama’at al-Islami de estar tando também fontes no SVR, actos das tropas de Moscovo no escreveu: “Os russos já sen- atentados terroristas nos EUA NATO (Kfor, cerca de
não só por trás dos atentados informou que os espiões rus- Cáucaso. tiram na pele os horrores do são mais uma etapa da terceira 37 mil soldados) tam-
terroristas de terça-feira em sos preveniram há algumas se- Serguei Iastrejembski, porta- terror. Sem dúvida que seme- guerra mundial, que já teve iní- bém reforçou o nível de
Nova Iorque e em Washington, manas os seus colegas ameri- voz do Kremlin, considera que, lhantes acções desumanas não cio. Esta guerra começou com a alerta e foram aplica-
mas também das explosões canos para a possibilidade de depois da tragédia nos EUA, a devem ficar impunes.” ‘Tempestade no Deserto’ [ope- das “medidas de segu-
que, há dois anos, derrubaram atentados terroristas nos EUA: Casa Branca “vai olhar de ou- Também Dmitri Rogozin, ração no Iraque] e a humani- rança suplementares”.
vários edifícios residenciais “Trata-se apenas do início de tra forma para os repetidos avi- presidente do Comité da Duma dade responde sempre com ví- No Sul deste território
em Moscovo e mataram 230 uma acção de grande enverga- sos da Rússia sobre as ameaças para Relações Internacionais, timas aos erros dos políticos.” os Estados Unidos er-
pessoas. dura. Dos planos de Bin Laden do terrorismo internacional”. afirmou a este propósito: “As Mas Jirinovski não está so- gueram uma importan-
A mesma fonte ligou a or- fazem parte ataques contra ob- Na sua opinião, “o próprio ca- autoridades dos EUA devem zinho nesta opinião. Um gru- te base militar, a maior
ganização fundamentalista is- jectivos nucleares no territó- rácter desta ameaça obriga a começar imediatamente con- po de jovens russos ostentava desde a guerra do Vie-
lâmica aos independentistas rio dos EUA, bem como contra abandonar muitos preconcei- versações com a Rússia sobre ontem um cartaz junto da em- tname, onde está con-
tchetchenos, recordando as pa- objectivos espaciais e centros tos face ao que ocorreu no âm- as ameaças reais que existem: baixada norte-americana em centrada a maioria dos
lavras proferidas em 1996 por financeiros americanos.” bito da operação antiterrorista as ameaças de atentados terro- Moscovo: “Lembrem-se de Bel- cinco mil militares dos
Movladi Udugov, porta-voz da As primeiras suposições so- na Tchetchénia”. ristas.” Exprimindo uma ideia grado”, uma clara alusão aos EUA enviados para o
guerrilha na república do Cáu- bre as ligações dos atentados Nesta base, o Presidente rus- apoiada por muitos outros po- bombardeamentos da NATO Kosovo. “As tropas ame-
caso do Norte: “Somos capazes terroristas aos fundamenta- so Vladimir Putin apelou à líticos russos, Rogozin acres- contra a capital jugoslava. ricanas deslocadas no
Kosovo vão prosseguir
normalmente o seu tra-
balho”, assegurou o por-
Bombeiros em dificuldade
oficiais não identificadas situavam
entre 100 e 800, incluindo nesta esti-
mativa as 66 pessoas que se encon-
travam a bordo do avião. Admitiu
que o número de oito centenas se
Ontem, esperava-se que o espaço aéreo canadiano fosse reaberto durante esta noite
8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA -FEIRA, 13 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
NA PRIMEIRA
“É difícil descrever
PETER MORGAN/REUTERS
o medo”
OPERAÇÕES DE RESGATE Sangue para
as vítimas João Guimarães está em
Milhares de polícias, Nova Iorque a fazer um
bombeiros, médicos e Milhares de america- estágio de Cirurgia Plásti-
nos, em vários pontos ca e Reconstrutiva no Me-
militares foram do país, ofereceram-se morial Sloan-Kettering
mobilizados para dar sangue às víti- Cancer Center. Terça-fei-
mas dos atentados ter- ra de manhã, foi acorda-
PAULO CORREIA roristas. Nas dez horas do pelo telefonema da mu-
e LINA FERREIRA que se seguiram à catás- lher, em Portugal. Saiu à
trofe, mais de um mi- rua, na York Avenue, e diz
lhão de americanos que “presenciou o inacre-
Desde a madrugada de on- marcaram o número ditável”. O relato, em dis-
tem que 44 mil polícias, 14 nacional da Cruz Ver- curso directo:
mil bombeiros, centenas de melha oferecendo-se pa- “Após o telefonema, des-
ambulâncias, gruas, “buldo- ra ajudar os sinistrados ci a avenida em direcção
zzers” e escavadoras mecâ- com o seu sangue. On- ao hospital, ante um cená-
nicas participam nos traba- tem, 3200 sacos de san- rio verdadeiramente sur-
lhos de resgate das vítimas gue já tinham sido en- realista. Ao longe, um
dos atentados que destruí- viados para Nova imenso cogumelo de fu-
ram as duas torres do World Iorque e Washington. A mo encobria a cidade.
Trade Center (WTC), em No- afluência de voluntá- Centenas de pessoas cor-
va Iorque. rios registou-se em riam. Nas cabinas telefó-
À luz de potentes projecto- grande número por to- nicas faziam-se filas. As
res e por entre a espessa ca- do o país. Alguns dado- mães fugiam pela aveni-
mada de cinzas, poeiras e fo- res esperaram durante da agarradas às crian-
lhas de papel que cobria o cinco horas em Filadél- ças resgatadas, que insis-
chão em torno do local, milha- fia, a meio caminho en- tiam em perguntas que
res de socorristas começaram tre as duas metrópoles. não têm explicação. O Me-
a escavar, na noite de terça- Mas a onda de solidarie- tro foi imobilizado. A ilha
feira, os cerca de 30 metros dade não se restringiu foi isolada. As sirenes das
de altura de escombros, em aos EUA, estendendo-se ambulâncias alarmavam
busca de sobreviventes. também pela Europa. por todo o lado. Os rostos,
Num cenário até agora ini- Em Rennes, França, o tensos, mudos, escavados,
maginável, vários “ferries” Instituto Francês do vinham a chorar de revol-
juntaram-se às operações de Sangue foi “submerso” ta e indignação. É difícil
socorro, transportando cadá- por apelos de voluntá- descrever o medo. À porta
veres para Nova Jersey, atra- rios particulares. Na dos edifícios as pessoas
vés do rio Hudson. Três com- Rússia e no Kuwait fo- ficavam paradas, a mão
panhias de táxis arrancaram ram anunciadas, ontem amparando o estômago,
os bancos dos automóveis pa- de manhã, campanhas sem saber o que falar.
ra transportar os mortos do de recolha de sangue a Fui para o New York
local da tragédia até ao Ter- favor das vítimas dos Cornell Medical Center,
minal Militar de Bayonne, em atentados. O Kremlin na rua 68, que tem a maior
Nova Jersey. As autoridades propôs mesmo enviar Unidade de Queimados.
improvisaram morgues em equipas de socorristas e Quando subi ao 8º piso do
vários pontos da cidade: nos aviões para os EUA. hospital para me volun-
hospitais, nas docas do Hud- Também o exército po- tariar, já tinham a unida-
son e até em estabelecimentos laco lançou ontem uma de lotada, com casos gra-
comerciais. acção de recolha de san- víssimos de, por exemplo,
gue destinado às víti- 95 por cento de super-
Hospitais longe mas, junto dos seus mi- fície total queimada, o
de estarem sobrelotados litares e soldados. que significa um péssimo
Mas os hospitais de Nova Ior- As equipas não têm mãos a medir entre os escombros do World Trade Center prognóstico. Um deles era
que e Washington, que on- bombeiro e contou que,
tem à noite já tinham rece- quando entrou numa das
bido cerca de 1700 vítimas, em Greenwich Village, tam- WTC”, acrescentou. Grandes empresas que ti- polícia de Nova Iorque, como torres, esta estava oca por
não ficaram sobrelotados, ve- bém ficou em alerta para Para assegurar o rápido nham escritórios no WTC es- prova de “compaixão e sim- dentro e uma enorme bo-
rificando-se mesmo um senti- receber vítimas. Mas a vi- movimento de ambulâncias e tão também a dar o contri- patia” pelo trabalho realizado la de fogo caiu lá de ci-
mento de frustração entre os ce-presidente da instituição, camiões de bombeiros e evi- buto no apoio às vítimas dos depois dos ataques às torres ma, do piso onde estaria o
profissionais de saúde. “Exis- Bernardette Kingham, asse- tar a pilhagem de lojas e edi- atentados. O grupo alemão de gémeas de Manhattan. Para avião, pelo prédio abaixo,
te um cenário de dor e nós gurou que, apesar de estarem fícios, a zona sul de Manhat- media Bertelsmann, que re- além disso, o presidente do cuspindo-o violentamen-
sentimo-nos impotentes. Que- preparados do ponto de vista tan foi fechada ao trânsito a aliza um terço dos seus ne- grupo pediu aos mais de 18 te contra as portas gira-
remos fazer mais”, garantiu médico, o mesmo não sucede partir da Rua 14. A área está gócios nos Estados Unidos, mil empregados da empresa, tórias e queimando-o de
um porta-voz do hospital East ao nível emocional. “Muitos a ser patrulhada pela Guar- anunciou ontem a doação de em especial aos cinco mil que imediato.
Village de Manhattan. de nós tínhamos famílias e da Nacional e pela polícia de dois milhões de dólares às trabalham na “Grande Ma- Na unidade havia cente-
O Hospital de St. Vicent, amigos que trabalhavam no Nova Iorque. corporações de bombeiros e à çã”, que doassem sangue. nas (centenas!) de médicos,
enfermeiros e estudantes
que se voluntariaram, pe-
lo que não fui necessário.
UM PORTUGUÊS ENTRE AS
EQUIPAS DE SOCORRO
João Crisóstomo Júnior não fugiu de Ma-
nhattan assim que se conseguiu libertar
da cave do seu local de trabalho. Em vez
disso, participou nos primeiros trabalhos
de socorro logo a seguir ao atentado. O
português, consultor na multinacional fi-
nanceira Goldman Sachs, cujos escritórios
de Manhattan se situam na Broad Street
— muito próximo do local do atentado —,
sentiu bem de perto as primeiras hora da
tragédia, pois tinha acabado de chegar ao
seu escritório quando sentiu a primeira
explosão. Retirado, com outras pessoas,
para a cave do edifício, todos acabaram por
ficar ali encurralados devido à derrocada
das torres do World Trade Center. Depois
de ter sido tirado da cave pelas equipas de
salvamento, em vez de correr para casa,
decidiu oferecer-se como voluntário no
socorro às vítimas “e lá andou até às 6 da
manhã”, disse o pai à Lusa.
16 HORAS E EM 70 HOSPITAIS dentro de um ano, deixar a cidade e ir viver gravadas por alguns dos socorristas. Na
para a Carolina do Norte, depois de ter CBS, um médico comentava ele mesmo as
À PROCURA DA MÃE casado segunda vez. “Tinha acabado de imagens que ia gravando.
descobrir a felicidade, estava farta de Nova
Desde os ataques ao World Trade Center, Iorque e pensava mudar. Só estaria mais
Passageiros tentam telefonar num terminal da American Airlines terça-feira de manhã, Jarid Maldonado um ano no World Trade Center.” FRANCESES DISPONÍVEIS
gastou 16 horas e telefonou para 70 hospi-
tais de Nova Iorque à procura da mãe, que PARA DAR SANGUE
CASSETES DE
Telefone, um
trabalhava no escritório da Autoridade
Portuária de Nova Iorque, situado no 71º Muitos franceses manifestaram a sua
andar de uma das torres destruídas pelo VÍDEO-AMADORES disponibilidade para dar sangue aos
ataque terrorista. O pesadelo começou hospitais, para ajudar as vítimas dos
INVADIRAM AS TELEVISÕES
instrumento quando Maldonado, 23 anos, conduzia o
seu carro na auto-estrada oeste de Nova
Iorque e viu o primeiro dos dois choques.
“Vi a explosão e fiquei em pânico, a única
Cassetes vídeo gravadas por amadores
durante os atentados suicidas de Nova
ataques suicidas em Nova Iorque e
Washington. Apesar dessa intenção, ne-
nhum pedido oficial nesse sentido foi
feito pelas autoridades americanas, se-
ROOSEVELT OU JFK?
TERESA DE SOUSA
A América descobriu
Quando o imaginário americano faz de Pearl F. D. Roosevelt cumpria o seu terceiro man-
Harbour o termo de comparação do “acto de dato e, sobretudo, sabia exactamente o que
guerra” perpetrado na terça-feira contra a Amé- queria, mesmo antes do ataque a Pearl Har-
rica, então apenas um homem à dimensão de bour.
Franklin D. Roosevelt pode estar à altura de Talvez por isso o “Washington Post” tenha
restituir-lhe a confiança perdida sob os escom- escolhido outro termo de comparação, por-
bros das torres de Nova Iorque e sob os muros ventura mais justo mas não menos exigente:
desfeitos do Pentágono. JFK ante da crise dos mísseis de 1962.
que é vulnerável
George Bush pai combateu na guerra con- Antes de Cuba, Kennedy era apenas o símbolo Os Estados Unidos nunca ti- dadãos. “Isto é um trauma pa- escreveu a sua perplexidade
duzida por Roosevelt para libertar o mundo do de uma América jovem, pujante, livre, excep- nham sido atacados no seu ra toda a gente nos Estados por “o maior país do mundo,
nazismo. O seu filho, fruto de uma geração mi- cional. Mas era ainda um líder por testar, sobre território continental. Sim, já Unidos”, disse à “Newsday” que tem no seu ventre armas
mada pela abundância e pela paz — mesmo que o qual pesavam também inúmeras interroga- houve inúmeros atentados con- Francine Shapiro, especialis- capazes de destruir o mundo
fria —, chegou à Casa Branca para liderar uma ções. Depois da crise de Cuba, a sua liderança tra interesses americanos em ta no tratamento de “stress” várias vezes, não poder fazer
América próspera, tranquila, forte e poderosa sobre a América e a parte do mundo que então todo o mundo; sim, houve Pearl pós-traumático. nada senão assistir horroriza-
como nunca, vitoriosa e inexpugnável. se chamava livre fora confirmada. Harbour; e sim, já houve aten- Desde o auge da guerra fria, do à destruição dos mais sagra-
Vai ter de enfrentar agora o mais im- Estará George W. Bush à altura das tados brutais nos EUA. O aten- quando os americanos cons- dos edifícios dos EUA por uma
provável dos cenários, o de uma guerra Análise circunstâncias? Se não do mito pelo me- tado de Oklahoma City provou truíam abrigos subterrâneos, mão-cheia de terroristas”.
não declarada contra um inimigo sem nos da capacidade de conduzir a América que a América pode ser atingi- aterrados pela perspectiva de Segundo o “New York Ti-
rosto. A prova decisiva de qualquer através da perplexidade e da desorienta- da pelo terrorismo; mas o que uma guerra nuclear, que os mes”, Osama bin Laden, apon-
presidência americana. O teste sem recurso nem ção com a mesma clarividência com que o seu sucedeu na terça-feira não foi americanos não se sentiam tão tado como principal suspeito
apelo sobre a matéria com que se faz um líder. pai a conduziu no primeiro grande teste do pós- um atentado: foi um ataque ou, assustados por uma ameaça ex- pelo ataque, terá dito há dois
George W. Bush terá de atravessar a sua “es- guerra fria? como lhe chamou o Presidente terna. Uma sondagem do “USA anos numa gravação que cir-
trada de Damasco”, todas as análises coincidem, As próximas semanas ditarão a resposta e o George W. Bush, um “acto de Today” efectuada na terça-feira culou pelo Médio Oriente que
em circunstâncias difíceis. Apenas oito meses destino do Presidente americano. guerra”. Os norte-americanos apurou que 48 por cento dos “a América é muito mais fra-
depois de ter cruzado os portais da Casa Branca. Bush cumpriu sem percalços o ritual de uma descobriram, com horror, que americanos vão ter mais receio ca do que parece”. Depois de
Quando procura ainda um estilo, uma imagem, crise com as proporções da actual. Caminhou o seu país é vulnerável. de fazer viagens de avião de- terça-feira, americanos como
um propósito mobilizador para a sua presidência. solitário pelos dos jardins da Casa Branca com “Qualquer noção de que a pois dos ataques de Nova Ior- a professora de História Anna
Quando ainda não conquistou inteiramente a o mundo a vigiar cada um dos seus gestos, dos América é invencível ruiu na que e Washington; 58 por cento Nelson concordam: “A única
confiança dos aliados e o respeito dos adversários, seus passos, cada traço do seu rosto. terça-feira no meio dos mons- dizem sentir-se preocupados coisa que é certa é que este
deixando que pairassem as dúvidas sobre a sua Pronunciou as palavras que provavelmente truosos escombros” das tor- pela hipótese de eles ou alguém país nunca mais vai ser segu-
política externa. Quando ainda não se dissipou a JFK ou Bill Clinton teriam dito nas mesmas cir- res gémeas, escreveu Calvin da sua família serem vítimas ro. Antes estávamos abriga-
dúvida que o perseguiu ao longo de toda a cam- cunstâncias, evocou os mesmos valores. Faltou- Woodward no “Anchorage Dai- de atentados terroristas. dos por dois oceanos; agora fo-
panha eleitoral. Tem ou não o filho de George lhe a capacidade inata de tocar no fundo da alma ly News”. As palavras de Woo- Não é só na América que es- mos atingidos pelo terrorismo
Bush as capacidades intelectuais e humanas para da nação americana que qualquer dos dois teria dward reflectem o sentimento ta sensação perpassa. O diário e nunca mais estaremos segu-
liderar a nação mais poderosa do mundo? transmitido. de muitos dos seus conci- de Nova Deli “Indian Express” ros outra vez”, disse Nelson ao
D E S T A Q U E 11
PÚBLICO•QUINTA -FEIRA, 13 SET 2001
palestiniano nos territórios ocupados por Israel. A doação foi feita no Hospital Al-Chifa, de Gaza,
onde, segundo a sua direcção, centenas de outros palestinianos fizeram doações seme-
ser esquecidas”.
Esta unanimidade mostra
anunciou que a visita de Arafat
foi adiada devido às “actuais
oferece o seu lhantes, e 200 esperavam a sua vez. Inquirido sobre se tinha alguma mensagem para o
povo americano, Arafat, que na véspera se manifestara “chocado” com o que considerou
como as facções palestinia-
nas estão conscientes de que
circunstâncias”. Não deu expli-
cações. Não precisava de o fazer.
“um crime contra toda a humanidade”, respondeu três vezes em inglês: “Deus os uma das consequências dos Bashar é o herdeiro de um dos
sangue às abençoe.” Para não hostilizar Washington, o chefe da OLP adiou ontem uma visita ataques em Nova Iorque e Wa- maiores opositores dos Acordos
histórica à Síria — país governado pelo filho de um defunto rival e que é refúgio de shington poderá ser o endure- de Oslo (assinados em 12 de Se-
vítimas facções palestinianas suspeitas de envolvimento nos atentados ao World Trade Center
(WTC) e ao Pentágono.
cimento do que elas designam
de “políticas racistas”. A par-
tembro) e Damasco é o quartel-
general da FPLP e da FDLP —
americanas tir de agora, os EUA poderão
ser ainda mais indulgentes
suspeitos nos ataques de Wa-
shington e Nova Iorque.
1 4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA -FEIRA, 13 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
JASON COHN/REUTERS
TRAGÉDIAS A BORDO
1º AVIÃO
Primeira colisão contra
a de Ogonowski, em Dracut,
e a de McGuiness, em Ports-
mouth, New Hampshire — pa-
guiu ligar para o pai, em Con-
necticut. A ligação caiu (ou foi
cortada) duas vezes, mas Han-
o WTC ra notificar as famílias. Fren- son conseguiu dar conta de que
te à casa de Ogonowski, o seu homens armados com facas
Às seis da manhã de terça-fei- irmão mais novo, Jim, e um estariam a agredir hospedei-
ra, o piloto John Ogonowski amigo içaram uma bandeira ras, numa tentativa para obri-
deixou a tranquilidade da sua em honra do piloto, e coloca- gar a tripulação a desbloquear
quinta em Dracut, Massachu- ram um retrato de John, sor- as portas do “cockpit”. “Uma
setts, onde dormiam a mulher e ridente, o rosto avermelhado hospedeira foi esfaqueada... o
as três filhas, e partiu rumo ao pelo trabalho no campo. avião está a cair”, alertou, an-
aeroporto de Logan, em Boston. Depois, dirigindo-se aos jor- tes da chamada cair.
Era uma manhã como tantas nalistas que se concentravam Às 9h03 (14h03), 18 minutos
outras: nos últimos três anos, junto à sebe, abriu os braços e depois de o primeiro Boeing
Ogonowski fazia voos regulares declarou: “Reparem bem na be- destruir uma das torres do
entre Boston e Los Angeles. leza à vossa volta — é o legado World Trade Center, o voo 175
Dependendo do modelo (ain- de John.” Explicou que o irmão embatia contra a outra torre.
da não confirmado), o Boeing lutara toda a sua vida contra as
Mark Stahl foi dos únicos a conseguir uma fotografia do voo 93 depois da queda 767 tem capacidade, no mínimo, autoridades locais para manter
para 181 passageiros e, no má- a sua quinta numa vila que se
3º AVIÃO
Esclarecido
ximo, 304. Mas o avião que dei- estava a tornar cada vez mais
xou o terminal B do aeroporto suburbana. E acrescentou: “Es-
de Logan não chegava a meio tou sempre a olhar para os cam- Um “míssil” contra o
da sua capacidade: a bordo pos de milho, na esperança de Pentágono
seguiam 81 passageiros, nove ver aparecer o meu irmão.”
o mistério do voo 93
tripulantes e dois pilotos — O Boeing 757 da American Air-
Ogonowski e o co-piloto Tom lines descolou com o depósito
McGuiness. de combustível cheio — e os lu-
O voo iniciou o seu trajecto
normal rumo a Nova Iorque. 2º AVIÃO
Embate na segunda torre
gares de passageiros bastante
vazios. Um avião deste modelo
Força Aérea dos EUA não abateu nenhum avião, garante o porta-voz No entanto, meia hora depois, pode comportar, no máximo,
os passageiros devem ter pres- 289 passageiros: o voo 77, que
da Força Aérea dos Estados Unidos. Também nunca existiu um quinto sentido que algo não estava Normal, tudo parecia normal partiu do Aeroporto Interna-
avião no ar, como sugeriram algumas cadeias televisivas bem. O avião descreveu uma quando o Boeing 767 da Uni- cional de Dulles, em Washing-
curva e dirigiu-se para sul, se- ted Airlines deixou o terminal ton, levava a bordo 64, mais
guindo o curso do rio Hudson C do aeroporto de Logan, em quatro membros da tripulação
A Força Aérea dos Estados representantes do Congresso teontem aos Estados Unidos. até à baixa de Nova Iorque. Boston, com destino a Los An- e dois pilotos. Los Angeles era,
Unidos (USAF) não abateu ne- americano e da polícia do Ca- Acontece que na terça-feira O “Christian Science Mo- geles. Como o avião da Ameri- mais uma vez, o destino.
nhum dos aviões desviados pe- pitólio. pelas 16h10 (hora de Lisboa) nitor” relatava ontem que os can Airlines, que partira um Quando a Administração
los terroristas, garantiu ontem Mas, entretanto, surgiram — uma hora depois de ter sido controladores do tráfego aéreo quarto de hora antes, as pesso- Federal da Aviação (FAA) or-
ao PUBLICO.PT o tenente-co- novos elementos que indicam confirmada a queda do quar- conseguiram ouvir os seques- as a bordo não chegavam a me- denou o cancelamento de to-
ronel Charles Wynne, porta- que a realidade foi outra — e to avião (o voo 93) —, a CNN tradores a dar instruções aos tade da capacidade: apenas 56 das as operações aéreas, às
voz daquele ramo das Forças que confirmam, em relação anunciava que um aparelho, pilotos em inglês — aparente- passageiros, sete tripulantes e 9h40, o voo 77 era um dos mo-
Armadas americanas. ao voo UA 93, a declaração de que se pensava poder também mente, um dos pilotos terá liga- dois pilotos. Tanto a tripulação tivos de maior preocupação
Recorde-se que anteontem, Charles Wynne. É muito pro- ter sido sequestrado e cujo per- do o microfone para que a con- porque, aparentemente, se es-
por volta das 10h10 de Nova vável que vários passageiros curso as autoridades militares versa pudesse ser ouvida. Um tava a dirigir a grande veloci-
Iorque (15h10 em Lisboa), o tenham tentado dominar os estavam a vigiar de perto, se dos controladores responsáveis dade para a Casa Branca. A
voo 93 da United Airlines terroristas — que segundo a encontrava “a dois minutos pelo voo 11 afirma ter ouvido o “Não cometam imagem do avião desaparece-
se despenhou numa zona Reuters terão sido três –, o de distância” de Washington, comandante John Ogonowski nenhuma loucura. ra dos radares quando este se-
de floresta perto da localida- que teria levado à queda do D. C. Mas, a seguir, ninguém dizer: “Não cometam nenhu- Ninguém vos fará guia ainda a sua rota habitual,
de de Shanksville (Pensilvâ- aparelho antes de ele atingir tornaria a falar daquele avião ma loucura. Ninguém vos fará no cruzamento entre as fron-
nia, EUA). Tratava-se de um o alvo pretendido. Uma pro- nem do seu destino. mal.” Contudo, por essa altura,
mal.” teiras dos Estados de West Vir-
Boeing 757 que fazia a ligação va que aponta nesse sentido Por seu lado, um artigo pu- o piloto já deveria saber que du- ginia, Kentucky e Ohio.
entre Newark (em New Jer- é a conversa que Tom Bur- blicado no sítio Web do di- as hospedeiras tinham sido as- “Uma hospedeira foi De acordo com o “Washing-
sey, ao pé de Manhattan) e São nett, um dos passageiros do ário espanhol “El Mundo” sassinadas. O “Boston Herald” esfaqueada... o avião ton Post”, o emissor-receptor
Francisco, e que caiu a cerca voo teve com a sua mulher, afirmava que, para além dos citou uma fonte anónima des- do aparelho foi desligado — ou
de 130 quilómetros a sudeste com quem conseguiu con- três aparelhos que tinham crevendo que “eles começaram está a cair” destruído —, tornando impos-
de Pittsburgh com 45 pessoas tactar telefonicamente pouco chocado contra as torres em a matar hospedeiras como di- sível a sua identificação pelos
a bordo (38 passageiros e sete antes da catástrofe: “Vamos Manhattan e contra o Pentá- versão. O piloto apareceu para controladores de voo. As comu-
tripulantes). morrer todos”, disse-lhe Bur- gono, “dois aviões de linha ajudar e foi assim que conse- “Somos os próximos” nicações por rádio também es-
O voo UA 93 foi o quarto nett, “mas três de nós vamos foram sequestrados [...], um guiram entrar no ‘cockpit’”. tavam inutilizadas, pelo que os
avião desviado por terroristas fazer qualquer coisa”. deles despenhou-se [...] per- O controlador garante que controladores de Dulles decidi-
a cair naquele dia — a seguir O inquérito no local da to de Pittsburgh; o outro foi também ouviu alguém excla- ram alertar o Reagan National
aos dois que pouco tempo an- queda foi confiado ao FBI (a abatido perto de Camp Da- mar para o piloto: “Temos mais como os pilotos viviam na área Airport, à medida que o avião
tes tinham chocado contra as polícia federal americana), vid[...]”. Teria havido um aviões, temos outros aviões”. de Boston e tinham passado a se aproximava cada vez mais
torres do World Trade Center ao NTSB (National Trans- quinto avião — destinado a Mas quando o Boeing 767 com noite em casa, antes de seguir da Casa Branca.
em Nova Iorque e a um tercei- portation Safety Board), à destruir Camp David e des- destino a L .A. se despenhou para o aeroporto. Sabe-se, através do telefone-
ro que tinha destruído parte FAA (as autoridades fede- truído pela USAF com os contra a primeira torre do Ao fim de meia hora de uma ma que uma das passageiras, a
do edifício do Pentágono, em rais da aviação civil) e à po- seus passageiros a bordo, World Trade Center, às 8h45 viagem que deveria durar seis, comentadora política da CNN
Washington, D.C. lícia estadual, que deverão para impedir que atingisse (10h45 em Lisboa), ninguém o voo 175 dirigiu-se para sul, Barbara Olson, fez para o ma-
O mistério em torno do voo procurar a caixa negra do mais um alvo? suspeitava que a cena se viria rumo ao centro de New Jersey, rido, que a descrição dos se-
93 deveu-se ao facto de ter sido Boeing. Mas o impacto foi de “Disseram-nos que um ou- a repetir, julgando tratar-se de um desvio pouco natural para questradores corresponde aos
o único que não atingiu um al- tal maneira violento que o tro avião estava a caminho”, um “acidente trágico”. um avião com destino à Costa modelos anteriores: homens
vo de importância política ou tamanho dos destroços “não disse-nos a este propósito Wyn- Os responsáveis do aeropor- Oeste. Depois, apontou direc- armados com facas e instru-
militar, tendo mesmo caído a ultrapassa o de uma lista te- ne, contactado telefonicamen- to de Logan asseguram que des- tamente para Manhattan. mentos cortantes dominaram
quilómetros da área povoada lefónica”, dizem os respon- te. “Mas pensámos que se tra- conheciam a rota do avião até Algures entre Filadélfia e toda a tripulação e passageiros,
mais próxima. Isto fez com que sáveis, não havendo quais- tasse do avião que acabaria este embater contra a torre e Newark, a menos de 145 quiló- concentrando-os na parte tra-
fosse avançada a possibilidade quer restos reconhecíveis de por cair em Pittsburgh”. Wyn- que não havia qualquer forma metros de Manhattan, o Boeing seira do avião.
de o avião ter sido abatido por corpos humanos. ne garantiu-nos, depois de tro- de comunicação com o “cock- 767 da United Airlines fez o No Pentágono, centro ne-
caças da Força Aérea para o car impressões com os seus pit” ou os tripulantes. Contudo, seu último contacto por radar, vrálgico das forças armadas
impedir de atingir o seu verda- Avião-fantasma nunca colegas, que “ninguém no ga- uma fonte declarou que um dos de acordo com um comunica- americanas, alguém deixou es-
deiro alvo — que poderia ser existiu binete de imprensa da USAF tripulantes comunicou com o do emitido pela companhia aé- capar, perante as colisões con-
Camp David, residência de Ve- Além do mistério do voo 93, ouviu falar num quinto avião”. centro de operações da Ameri- rea. À mesma hora, o voo 11 tra o World Trade Center, em
rão do Presidente dos EUA, si- subsistiam ainda algumas dú- Para Wynne, um avião que can Airlines em Fort Worth pa- da American Airlines explodia Nova Iorque: “Somos os próxi-
tuada no Estado do Maryland, vidas quanto à eventual exis- nada tinha a ver com os ata- ra dar conta de que havia algo de encontro à torre norte do mos”. Às 9h43 (14h43 em Lis-
a 140 quilómetros do local onde tência — para além dos voos ques terroristas poderá ter si- de errado a bordo — informa- World Trade Center. boa), o Boeing 757 confirma-o,
caiu o voo 93; a própria Casa 11 e 77 da American Airlines do avistado por uma torre de ção que a companhia aérea não Tudo indica que os aconteci- despenhando-se no edifício do
Branca ou o Capitólio. A ques- e dos voos 93 e 175 da United controlo da área, o que terá confirmou. mentos a bordo se assemelham Pentágono. Uma testemunha,
tão chegou aliás a ser levanta- Airlines — de um quinto apa- provocado um falso alarme na Por volta das 11 da manhã aos do primeiro avião: um dos Mike Walter, descreveu à CNN
da, segundo o diário “The Wa- relho, ainda não identifica- confusão daquelas primeiras (16h em Lisboa), agentes fede- passageiros, o empresário Pe- o que viu “como um míssil de
shington Post”, durante uma do, que teria estado envolvido horas. ANA GERSCHENFELD rais de aviação apareceram ter Hanson, que seguia a bordo cruzeiro com asas, que entrou
reunião em Washington entre nos ataques terroristas de an- (PUBLICO.PT) nas casas dos dois pilotos — com a mulher e o bebé, conse- por ali dentro”. K.G.
D E S TA Q U E 1 5
PÚBLICO•QUINTA -FEIRA, 13 SET 2001
Esperança
de investimento “americanos”
SUE OGROCKI/REUTERS
mente para o que se está
a passar na América. De-
pois de dois dias encerra-
das, as bolsas norte-ame-
ricanas reabrem hoje, e
o seu comportamento po-
O DIA SEGUINTE sitivo ou negativo será
um sinal do sentimento
Europa dos cidadãos e dos gran-
Alemanha/Frank. Xetra Dax 1,4% des investidores institu-
Itália/Milão Mibtel 0,70% cionais sobre a confiança
França/Paris Cac 40 1,3% no futuro próximo.
R. Unido/Londres FTSE 100 2,9% Dado o elevado número
Espanha/Madrid Ibex 35 0,11 % de investidores particu-
Portugal/Lisboa Psi 20 -2,9% lares com aplicações em
bolsa, a sua primeira re-
Ásia/Austrália* acção poderá indicar a
Hong Kong Hang Seng -8,9% “confiança de que a Amé-
Japão Nikkei 225 -6,6% rica vai dar a volta por ci-
China Shanhai B -4,2% ma ou o receio de que vai
Nova Zelândia NZSE 40 -4,6% haver uma recessão eco-
Austrália Sidney S&P/ASX -4,1% nómica”, disse ao PÚBLI-
CO um analista finan-
América Latina ceiro, acrescentando que
Brasil Bovespa -2,6% a mesma ilação poderá
México México IPC Fechado ser retirada em relação
Argentina Merval Fechado ao comportamento das
grandes casas de inves-
*Cotações de fecho da sessão de 12 timento, algumas delas
de Setembro directamente “atacadas”
pelo atentado terrorista,
como a J.P.Morgan e a
ção do investidor. Por outro Morgan Stanley, com es-
lado, ao receio de resgate de critórios e um elevado
fundos não é alheia a má “per- número de trabalhado-
formance” que estes fundos res nas torres destruídas.
apresentam, na sequência das Um outro analista alerta
fortes quedas dos mercados para o perigo de os
accionistas mundiais, o que mercados norte-america-
pode contribuir para que os nos apresentarem uma
Em causa estão mais de 25 fundos geridos por, pelo menos, dez bancos investidores tentem resgatar subida “artificial”, em
as suas unidades de partici- resultados das grandes
pação, mesmo por um valor instituições financeiras
CMVM REJEITA SUSPENSÃO GERAL mar cotação das unidades de
participação. Porque a limita-
vestidores, porque “a saída e
entrada dos fundos deve ser
inferior ao da subscrição.
Para a normalidade que se
quererem que tudo re-
gresse à normalidade,
ção é esta, e com a anunciada feita com uma certa estabi- viveu nos mercados financei- pelo que serão necessá-
Os investidores em fundos portugueses mais abertura hoje das bolsas ame- lidade de cotações”, e o res- ros europeus, onde, à excep- rios mais alguns dias pa-
expostos aos mercados dos EUA estão desde ricanas, a suspensão poderá gate parcial poderá prejudi- ção da bolsa portuguesa, to- ra perceber a tendência
ontem impedidos de pedir o reembolso das terminar ainda amanhã. car quem continuar no fundo. das as praças fecharam em dos mercados.
Contactado pelo PÚBLICO, Claro que há opiniões diver- alta, terá contribuído a dis- Depois de uma primeira
respectivas unidades de participação José Maia, presidente da as- gentes, porque os momentos ponibilidade de os princi- reacção de pânico, na ter-
sociação das sociedades gesto- de grande instabilidade dos pais bancos centrais mun- ça-feira, os mercados
ROSA SOARES que tal como a suspensão das ras de fundos de investimen- mercados permitem perdas diais “injectarem” dinheiro europeus tiveram ontem
bolsas não é pacífica, foi de- to, a AFIN, esclareceu que a para uns e ganhos para outros no mercado, de forma a asse- uma sessão com elevada
Um dia após o violento aten- cretada em vários países eu- medida visa proteger os in- e as suspensões limitam a op- gurar liquidez. volatilidade, mas global-
tado terrorista nos Estados ropeus, designadamente em mente positiva. Os volu-
Unidos, os mercados finan- Itália e Inglaterra. mes de transacção não
ceiros europeus viveram on- Em Portugal, a situação A L I S TA foram elevados, o que
tem uma sessão que se pode não foi diferente e, logo na ter- por um lado prova a cal-
REND. EFECTIVA % Valor da UP Valor da UP
considerar “normal”, e essa é ça-feira, as principais socie- Últimos Últimos ma dos investidores, a
a notícia do dia. É que se che- dades gestoras de fundos de 12 meses 24 meses (Euro) (PTE) aguardar mais informa-
gou a temer uma corrida ao investimento, incluindo a as- FUNDOS DE ACÇÕES INTERNACIONAIS ção e, por outro, a ausên-
resgate de fundos de investi- sociação do sector, a APFIN, Fundo (Sociedade gestora) cia de grandes fundos de
mento, à venda de acções, ao entrou em contacto com a Co- AF América (AF Investimentos/BCP) -33,56 — 3,9878 799,48 investimento.
levantamento de depósitos e missão de Mercados de Valo- AF Invest.Acc.América (AF Investimentos/BCP) -33,09 -10,49 5,6200 1126,71 Os ganhos das bolsas
a vários outros recursos para res Mobiliários (CMVM) para AF Portfólio Internac.(AF Investimentos/BCP) -33,14 -13,34 13,0863 2623,57 europeias — que ontem
serem transformados em di- indagar da possibilidade de BBVA Bolsa Internacional (BBV Gest ) -36,63 — 3,2227 646,09 interromperam a nego-
nheiro vivo. suspensão da negociação des- BPI América (BPI Fundos) -38,72 -22,17 6,9119 1385,71 ciação para fazer um mi-
Mesmo perante a ausência ses fundos, o que quer dizer BPI Financeiras (BPI Fundos) -19,59 -0,95 4,9443 991,24 nuto de silêncio em so-
de explicações do que efectiva- que se torna impossível subs- BPI Oportunidades Mundiais (1) (BPI Fundos) — — 3,2831 658,19 lidariedade com o povo
BPI Tecnologias (BPI Fundos) -71,28 — 1,5626 313,27
mente se passou e, mais impor- crever e resgatar as unidades BNU Internacional (Caixagest/CGD) -33,47 3,96 13,4997 2706,45 americano — foram li-
tante ainda, do que se vai pas- desses fundos. Caixagest Acções EUA (Caixagest/CGD) — — 4,1734 836,69 derados por Londres. Os
sar a partir de agora, não se A CMVM acabou por co- Caixagest Gestão Acções EUA (Caixagest/CGD) — — 4,1873 839,48 mercados espanhol e por-
repetiu o pânico de terça-feira, municar às sociedades que Finifundo Blue Chips (Finivalor/Finibanco) -34,77 -17,91 4,3528 872,66 tuguês tinham sido os
parecendo tudo “anormalmen- não considerava justificável a Finifundo Small Caps (Finivalor/Finibanco) -39,26 -13,97 4,8266 967,65 que perderam menos no
te sereno”. A aparente calma adopção de qualquer medida Santander Acções Internac. (Santander Fundos) -28,58 3,46 6,1719 1237,35 dia da tragédia e ontem
não esconde uma grande ex- de suspensão geral, manifes- Santander Telecom (Santander Fundos ) -59,47 -33,11 3,9685 795,61 a bolsa de Madrid conse-
pectativa ou mesmo ansieda- tando disponibilidade para (1) As rendibilidades apresentadas para o F. BPI Oportunidades Mundiais têm como data de referência o dia 6 de Setembro de 2001. guiu fechar ligeiramen-
de sobre a abertura, hoje, dos analisar situações pontuais FUNDOS MISTOS (PREDOMINANTEMENTE ACÇÕES) te positiva, o mesmo não
mercados norte-americanos, e acabou por aceitar a “sus- Caixagest Maxivalor (Caixagest/CGD) -17,70 -9,03 4,9205 986,47 acontecendo com a de
cuja “performance” influencia- pensão” dos fundos expostos Raiz Global (Central Fundos) -15,93 -5,37 4,8768 977,71 Lisboa, que encerrou em
rá de forma decisiva o compor- ao mercado e activos norte- queda de 2,7 por cento.
tamento de investidores e afor- americanos. Desta “abertu- FUNDOS DE FUNDOS As bolsas asiáticas tive-
radores do resto do mundo. ra” da entidade supervisora BBVA Êxito (BBV Gest ) — — 4,8887 980,10 ram uma sessão muito
O receio de que ontem pu- do mercado resultou a sus- BIG Moderado (BIG Fundos) 0,91 — 10,4791 2100,87 negativa — a primeira
desse haver alguma histeria pensão dos fundos de seis BIG Sectores (BIG Fundos) -28,83 — 7,6646 1536,61 após o ataque terrorista
no mercado foi denunciada instituições portuguesas (ver BIG Valorização (BIG Fundos) -9,86 — 9,4419 1892,93 —, com destaque para as
pelos próprios bancos e fun- lista de fundos). Um dos ar- BPI Universal (BPI Fundos) -22,10 -15,32 5,9917 1201,23 perdas de Tóquio.
Privado Agressivo F.F. (Privado Fundos) -34,00 -22,75 3,9400 789,90
dos de investimento, que, gumentos para o pedido de BNC Global 25 (BNC Gerfundos) — — — — Na América Latina, des-
dentro dos enquadramentos suspensão prende-se com o BNC Global 50 (BNC Gerfundos) — — — — taque para a recupera-
legais disponíveis, foram pe- encerramento das bolsas nor- BNC Global 75 (BNC Gerfundos) — — — — ção de S. Paulo, com
dindo a suspensão de cotação te-americanas e, portanto, Fonte: Fundos que comunicaram a suspensão dos resgates à CMVM até às 19 horas de quarta feira;Cotações da APFIN em 7 de Set de 2001 uma subida de 2,6 por
dos fundos. Essas suspensões, com a impossibilidade de for- UP - Unidade da participação; —: não disponível. cento. R.S.
D E S TA Q U E 17
PÚBLICO•QUINTA -FEIRA, 13 SET 2001
Preços
do petróleo e ouro
corrigem em baixa
O BCE injectou 63 mil milhões de dólares no mercado A garantia da Organização dos sua opinião, já não se coloca, de-
Países Exportadores de Petróleo pois das declarações da OPEP,
C AT Á S T R O F E S
N AT U R A I S
poderá estar em risco
ch Re e a Swiss Re, reconhece- garantes da segurança públi- — Furacão Andrew, 1992: 20 mil A Organização Mundial do Co- dos responsáveis da OMC em condolências, solidariedade e
ram ontem a sua quota-parte de ca, serão chamados a assumir milhões de dólares (22,2 mil mi- mércio (OMC) anunciou ontem Genebra desde o início da se- reflexão, e não o momento certo
responsabilidade nas indemni- todas as suas responsabilida- lhões de euros). que pretende manter agendada mana, mas ontem foi decidi- para falar de dólares e de cênti-
JIM BOURG/REUTERS a realização da importante reu- do alterar o encontro sobre es- mos.”
nião bi-anual sobre comércio ta importante questão para a Algumas das principais pre-
internacional prevista para a próxima segunda-feira. Os ar- ocupações sobre o rumo do co-
cidade de Doha, no Qatar, entre gumentos dados relacionam- mércio mundial partiram da
9 e 13 de Novembro. No entanto, se com o “estado de choque” Ásia. O ministro chinês do Co-
fontes diplomáticas disseram à em que se encontra a equipa mércio afirmou recear uma
Reuters que o mais provável é norte-americana presente na descida das exportações asiá-
que a referida reunião não ve- cidade suíça, que desde terça- ticas para os Estados Unidos, e
nha a concretizar-se, no caso de feira pouco tem participado uma retracção do investimen-
o Governo dos EUA vir a atri- nos trabalhos em curso. Além to na China. Já o ministro ja-
buir responsabilidade pelos ata- disso, os funcionários que se ponês do Comércio conside-
ques terroristas de terça-feira encontram em Genebra não rou que é ainda demasiado
a movimentos árabes. As mes- têm conseguido receber orien- cedo para avaliar o impacto
mas fontes não descuraram a tações por parte dos seus su- dos trágicos acontecimentos
hipótese de uma retaliação mi- periores nos EUA. na economia mundial. No Bra-
litar por parte dos EUA num Também ontem, o comissá- sil, por seu turno, o chefe da
dos países vizinhos do Qatar, rio europeu para os assuntos delegação da Comissão Euro-
situado no Médio Oriente. do comércio, Pascal Lamy, an- peia, Rolf Timans, afirmou
Caso o encontro de Doha ve- tecipou o seu regresso do Viet- à Lusa que o comércio inter-
nha a realizar-se, o ponto for- name, onde se encontrava em nacional sofrerá grandes con-
te da agenda das negociações visita oficial, e uma vez chegado sequências depois dos aten-
será a entrada da China na a Bruxelas recusou-se a fazer tados terroristas nos Estados
OMC, um assunto particular- qualquer comentário sobre as Unidos. “Haverá um mudan-
mente caro aos EUA. A ade- consequências da situação nos ça completa no comércio in-
são da China está aliás a ser EUA para o comércio mundial. ternacional”, disse. C.T., com
Pode gerar-se controvérsia sobre a natureza dos actos de terça-feira: terrorismo ou guerra? objecto de análise por parte “É altura de mostrar simpatia, agências
2 0 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 13 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
RAINER JENSEN/EPA
O mundo Breves
do desporto não Governo Três dias
de luto em Portugal
ficou indiferente O Governo de António Guter-
res decretou ontem três dias de
UEFA criticada por só de-semana, globalizando um luto nacional em Portugal em
minuto de silêncio em memó- “sinal de solidariedade para
ontem ter cancelado os ria das vítimas. Em Portugal, a com o povo norte-americano”
jogos das competições federação e a Liga de clubes de- e em memória das “vítimas”
europeias de futebol liberaram no mesmo sentido. dos atentados terroristas de
Nos Estados Unidos foram terça-feira nos Estados Uni-
JOSÉ J. MATEUS suspensos, por respeito ao luto dos. A presidência do conselho
nacional ou por razões de se- de ministros explicou que os
Jogos e provas adiados em gurança, jogos da Liga profis- atentados nos EUA “não po-
todo o mundo foi a reacção sional de basebol, de futebol e dem deixar ninguém indife-
mais comum do desporto aos de ténis, entre outros, e o início rente, exigindo da comunidade
atentados nos Estados Unidos. de alguns torneios de golfe foi internacional uma resposta de
Mas também houve o inver- adiado por um dia ou dois. Por unidade, tranquilidade e segu-
so, com competições a decor-
rerem sem interrupção. Na
decidir está o Grande Prémio
de Fórmula 1 de Indianápolis, Solidariedade Uma jovem alemã junta-se a uma homenagem às vítimas
dos atentados de Nova Iorque e Washington, acrescentan-
rança”. O luto teve efeitos logo
a partir de ontem.
América, a comoção provoca-
da pela tragédia provocou, ob-
de 30 de Setembro. A Federa-
ção Internacional do Automó- em todo do a sua vela a centenas de outras que foram sendo acesas
no chão da nova fábrica de automóveis da Volskswagen,
Protecção Civil
viamente, o cancelamento da
grande maioria dos eventos
vel mantém o GP de Itália, em
Monza, para este domingo, e o mundo em Wolfsburg. Manifestações de solidariedade como esta
repetiram-se ontem em todo o mundo, nomeadamente 58 portugueses a
desportivos, enquanto na Eu- não pensa cancelar a corrida com a deposição de flores junto às embaixadas dos EUA.
ropa e no resto do mundo o res- norte-americana, mas recusou- caminho dos EUA
peito pelos mortos, em alguns se a comentar a hipótese de a
casos, e as dificuldades nas li- deslocar para outro país. I O Serviço Nacional de Protec-
gações aéreas, em outros, con-
duziram a um gesto idêntico,
embora não generalizado. A
União Europeia de Futebol
Receios por Hollywood adia estreias ção Civil (SNPC) tem já quatro
equipas de emergência, com
58 elementos, preparadas para
seguir para os EUA, estando
(UEFA) só ontem se decidiu Salt Lake City Para já, não há dramas para as Bahamas. mas estava agendada para o apenas a aguardar a ordem
por adiar os jogos da Liga dos com temas de A comédia romântica “Si- fim do mês. de partida que será dada pelo
Campeões e da Taça UEFA, e O receio da América de dewalks of New York”, com Possivelmente mais descon- Ministério dos Negócios Es-
recebeu críticas pela demora. novos atentados já deve-
espionagem Ed Burns e Heather Graham, fortável é o primeiro episódio trangeiros. O Governo portu-
“A escala da tragédia, a dor rá estar no horizonte dos e terrorismo também viu a sua estreia, a 21 de “24” da Fox, que retrata guês associa-se assim à dispo-
e a mágoa que ela provoca de- organizadores dos Jogos de Setembro, adiada. Fontes os esforços da CIA para evi- nibilidade da União Europeia
vem levar-nos todos a reflec- Olímpicos de Inverno de BRIAN LOWRY oficiais da Paramount Clas- tar o assassínio de um candi- (UE) para prestar assistência
tir”, justificou Gerhard Aigner, Salt Lake City, que se sics disseram que era preferí- dato presidencial e que contém técnica e sanitária aos EUA
director-executivo da UEFA. realizam dentro de pou- A indústria de entretenimento vel que o filme ficasse de lado uma sequência onde um ter- depois dos atentados de ter-
Mas segundo disse à Reuters cos meses, entre 8 e 24 de de Hollywood e, em especial, as até finais de Novembro. rorista faz explodir um avião. ça-feira. Fonte do SNPC disse
fonte anónima de um canal te- Fevereiro de 2002. Uma cadeias televisivas americanas A Sony anulou um “trai- Estava agendado para o horá- à agência Lusa que serão en-
levisivo europeu, a UEFA op- obsessão que está bem estão a rever as suas estreias e ler” para a megaprodução do rio nobre de Outubro, e a Fox viados quatro grupos multi-
tou desta forma por razões eco- viva na memória dos alinhamentos de programas, filme de acção “Homem-Ara- retirou igualmente o “spot” de disciplinares de intervenção,
nómicas, sobretudo, “já que a norte-americanos devi- que estavam repletos de dra- nha” que contém imagens fa- promoção. sendo eles um de assistência
maior parte dos difusores pen- do ao episódio dos Jogos mas de espionagem com temas miliares do World Trade Cen- Entre outros projectos psicológica, um de assistência
sam consagrar ao final do dia de Atlanta, em 1996, de intriga e terrorismo. ter. Um porta-voz dos estúdios agendados na nova tempora- médica, um de resgate e um
a cobertura especial do que se quando uma bomba ex- Numa indústria especializa- disse que a cena das torres não da há uma minissérie da NBC outro de identificação.
passou nos EUA, riscando a plodiu no Parque do da em fantasia e escapismo, os estará no filme que estreará centrada num acto de terro-
transmissão dos jogos”. Centenário, fazendo um atentados terroristas de ante- no próximo ano. rismo com os EUA, assim co-
Vários clubes europeus con- morto e mais de 100 feri- ontem — que levaram ao adia- Ainda não é claro o efeito mo “The President’s Man:
sideraram que a UEFA devia dos. Não admira, por is- mento, por tempo indefinido, que os ajustes terão nos novos Ground Zero”, com Chuck Repúdio
ter-se decidido pela suspensão so, que o presidente do da cerimónia de entrega dos horários das cadeias de tele- Norris como operacional da Câmara de Lisboa
da jornada europeia no dia da Comité Olímpico Inter- prémios Emmy — provocaram visão, que tinham agendadas Casa Branca.
tragédia — disputaram-se jo- nacional, Jacques Rog- agitação, numa tentativa de três novas séries focalizadas Entretanto, está previsto aprova moção
gos de quatro dos oito grupos ge, tenha dito ontem que atenuar quaisquer sinais de nos esforços da CIA de comba- que o drama da Casa Branca da
da Liga dos Campeões (o Bo- a segurança do evento insensibilidade. te ao crime — “The Agency”, NBC “Os Homens do Presiden- A Câmara Municipal de Lis-
avista, que empatou a um go- vai ser revista em face A Disney desistiu da estreia, da CBS, “Alias”, da ABC e “24” te” arranque para a planeada boa (CML) repudiou ontem os
lo em Liverpool, para o Gru- deste mais recente aten- a 21 de Setembro, da nova da Fox. Por exemplo, a ABC terceira temporada, na próxi- atentados terroristas cometi-
po B, é assim a única equipa tado. Rogge lembrou comédia de Tim Allen, “Big anulou a transmissão do filme ma semana. Aaron Sorkin, re- dos nos Estados Unidos e soli-
portuguesa que já se estreou ainda que a segurança Trouble”, adiando o lançamen- “O Pacificador”, onde se abor- presentante dos criadores da darizou-se com o povo daquele
nas competições uefeiras de está no topo das priori- to para o próximo ano porque da o terrorismo nuclear. série, disse que o principal país. A moção foi aprovada por
2001/2002) e várias partidas da dades dos Jogos desde o um dos pontos principais no Os “spots” promocionais pa- já tinha sido editado, tornan- unanimidade e apresentada pe-
Taça UEFA — e não apenas on- ataque terrorista de um filme está ligado a um plano ra “The Agency”, cujo primei- do impossíveis quaisquer alte- lo presidente do município lis-
tem. O diário alemão “Berliner comando palestiniano nuclear escondido dentro de ro episódio se centra num ata- rações em resposta aos acon- boeta, João Soares, durante a
Zeitung” não deixou passar o que em Munique’72 ma- uma mala que passa a segu- que terrorista, e “Alias” foram tecimentos desta semana. I reunião de câmara que decor-
gesto da UEFA: “Tendo em vis- tou dois atletas israeli- rança do aeroporto e segue suspensos por tempo indefini- EXCLUSIVO PÚBLICO/“LOS AN- reu nos Paços do Concelho.
ta os horríveis atentados nos tas e fez nove reféns. num avião que voa de Miami do. A estreia dos dois progra- GELES TIMES”
EUA, o futebol europeu falhou. Desconfiado está o presi-
O horror que afectou o mundo dente do comité organi- Solidariedade
Autoeuropa parou
não impressionou a UEFA.”
Um minuto de silêncio nos
jogos de terça-feira foi a reac-
ção do futebol europeu, mas
zador dos Jogos, Mitt
Romney, que declarou já
serem insuficientes os 44
milhões de contos (220
AR envia voto de pesar um minuto
ontem foi interrompida a jor- milhões de euros) desti- O secretário de Estado da Co- ma, ainda ausente do país, no o povo americano. A fábrica de automóveis da
nada, e a UEFA adiou o que fal- nados à segurança de operação, Luís Amado, foi on- grupo governamental restrito Marques Mendes, presiden- Autoeuropa, sediada em Pal-
ta da primeira jornada da Liga atletas e espectadores, tem à comissão dos Negócios formado para acompanhar a te da comissão, afirmou, no fi- mela, cumpriu ontem uma
dos Campeões para 10 de Ou- que estará a cargo de Estrangeiros da Assembleia crise, grupo esse que é presi- nal da reunião — que se reali- paragem de um minuto em
tubro, dias depois dos últimos 3500 polícias locais, de da República (AR) informar dido pelo primeiro-ministro zou à porta fechada — que o solidariedade com as vítimas
jogos da fase de qualificação 3000 agentes do FBI e de os deputados sobre a actuação e que, além do representante que sucedeu nos Estados Uni- dos atentados. A paralisação
europeia para o Mundial de mil bombeiros e pessoal do Governo português na cri- do MNE, integra Guilherme dos foi “uma afronta à liber- foi determinada pela admi-
2002 — Portugal recebe nessa sanitário. Mas para o se dos EUA. O “apoio possível d’Oliveira Martins, ministro dade, à tranquilidade e à de- nistração da Volkswagen, que
altura a Estónia e uma vitó- ano há também o Mun- e necessário” dado por Portu- da Presidência, e ainda Rui Pe- mocracia”. “É absolutamente deliberou uma paragem de
ria garantir-lhe-á a entrada di- dial de futebol no Japão gal foi decidido em coordena- na, ministro da Defesa, e Se- intolerável”, sublinhou. um minuto em todas as fá-
recta na competição co-organi- e Coreia do Sul, e os sul- ção com a União Europeia (UE) veriano Teixeira, ministro da Por deliberação da comissão, bricas do grupo às 12h00 da
zada pela Coreia do Sul e pelo coreanos anunciaram e com a NATO e relaciona-se Administração Interna. foi aprovado um voto do parla- Alemanha, 11h00 em Portu-
Japão. A UEFA decidiu ainda ontem que durante o tor- com “material de resgate e sal- O presidente da AR, Almei- mento português, a enviar ao gal continental. A fábrica da
marcar o que resta da primei- neio pretendem interdi- vamento” a entregar às autori- da Santos, assistiu à reunião Congresso norte-americano, Autoeuropa em Palmela foi
ra eliminatória da Taça UEFA tar todo o tráfego aéreo dades americanas “em função da comissão parlamentar dos exprimindo “profundo pesar inaugurada no dia 25 de Abril
para 20 de Setembro. sobre os dez estádios que das solicitações” destas. Negócios Estrangeiros, onde pelas vítimas inocentes” dos de 1995, na sequência de uma
As mais importantes ligas vão receber jogos. E soli- O secretário de Estado re- todos os partidos fizeram de- atentados e manifestando “so- parceria entre os norte-ame-
europeias de futebol decidiram citaram ainda a coopera- presenta o ministro dos Negó- clarações de repúdio aos ata- lidariedade para com o povo ricanos da Ford e o grupo ale-
manter-se na agenda do fim- ção internacional. J.J.M. cios Estrangeiros, Jaime Ga- ques e de solidariedade com americano”. I ISABEL BRAGA mão Volkswagen.
2 4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA -FEIRA, 13 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
Diz-se
“Os atentados terroristas
que atingiram o coração dos
EUA (...) assinalam o fim de
IMPRENSA APOSTOU
EM EDIÇÕES ESPECIAIS
uma fase do equilíbrio mun-
dial assente na hegemonia
político-militar dos Estados
Unidos. E o início de uma no-
va era.”
JOSÉ ANTÓNIO LIMA
“Expresso Online”, 11-9-01 DIÁRIOS DESPORTIVOS “E andamos nós em guerri-
NOVELAS
PORTUGUESAS A televisão americana
MAIS VISTAS
DO QUE perante o horror
INFORMAÇÃO
R
epórteres nos ou ouvi a pergunta ha-
locais. Cente- bitual de repórteres por-
Anjo Selvagem, à nas de teste- tugueses em casos dra-
cabeça, logo seguida de munhos. Câ- máticos: “O que sente?”
maras de turistas e de Nenhuma vez, em mais
Filha do Mar e Olhos de cidadãos anónimos ao de 20 canais, vi ou ouvi
Água, todas da TVI, serviço da informação. entrevistas a familiares
ocuparam as três Imagens em directo. de vítimas durante as
primeiras posições do Sempre em directo. Ima- EDUARDO CINTRA primeiras horas — isto
gens repetidas sem fim TORRES apesar de a tendência
top de audiências com comentários em di- tabloidizante ser igual-
recto. Todos os ângulos mente visível na televi-
ELIZABETE VILAR das notícias. Imagens num pequeno ecrã, são americana desde há algum tempo.
outras imagens num ecrã mais pequeno, As televisões não deram os nomes de
As três novelas portuguesas notícias correndo na parte de cima e na quaisquer vítimas, apesar de saberem
actualmente em exibição na parte de baixo dos ecrãs. Uma cobertu- nomes, porque os familiares ainda não
TVI tiveram anteontem mais ra extraordinária num dia extraordiná- tinham sido informados. Só o nome de
audiência do que os serviços rio. uma conhecida comentadora de televi-
informativos e os programas As televisões nacionais entregaram-se são, Barbara Olson, foi repetidamente
especiais dedicados aos acon- continuamente aos acontecimentos. Os mencionado, porque fez duas chamadas
tecimentos nos Estados Uni- principais apresentadores apareceram telefónicas, do avião que se despenhou
dos. Anjo Selvagem, à cabe- nos ecrãs 10 horas antes do habitual. sobre o Pentágono, para o marido, mem-
ça, logo seguida de Filha do Repórteres entraram no ar nas ruas bro do Governo de George W. Bush.
Mar e Olhos de Água ocupa- ou nos estúdios de No- As emissões prossegui-
ram as três primeiras posi- va Iorque cobertos da ram toda a noite, embora
ções do top de audiências. Só poeira dos edifícios des- tenham abrandado as ope-
depois surgem o Telejornal truídos. A programação Os jornalistas em rações de busca até ao nas-
da RTP1, o especial Ameaça habitual desapareceu. A antena cer do sol. Com a chegada
Mundial, da SIC, e o Jornal publicidade também. da manhã de quarta-feira,
Nacional, da TVI, de acordo As emissões ganha-
contiveram as as estações aceleraram as
com dados fornecidos pela ram títulos sempre mos- emoções próprias suas emissões especiais,
Marktest, a quem cabe fazer trados ou apresentados e dos outros. apresentando muitos de-
a audimetria no país. em separadores de se- poimentos de sobreviven-
Uma análise por canais gundos: “O terrorismo
Nenhuma vez, em tes que tiveram tempo de
mostra que o fenómeno só atinge a América”, ou “A mais de 20 canais, descer dezenas de andares
aconteceu na TVI: SIC e RTP1 América debaixo de fo- vi ou ouvi a antes do colapso das torres.
colocaram programas infor- go”. pergunta habitual De manhã, sim, houve algu-
mativos nas primeiras posi- Os canais locais de No- mas vezes perguntas sobre
ções do top de audiências. Os va Iorque e Washington de repórteres os sentimentos de pessoas
três programas mais vistos fizeram excelentes co- portugueses em que perderam familiares,
da RTP1 foram o Telejornal, berturas sobre os acon- casos dramáticos: mas a forma como as mes-
o Jornal da Tarde e o Infor- tecimentos nas respecti- mas são colocadas é mais
mação Especial — Terror na vas cidades. O canal de
“O que sente?” profissional do que o que
América: na SIC o top é lide- Washington concentrou- costumamos ver em Portu-
rado pelo especial Ameaça se quase totalmente no gal e torna aceitável para
ataque ao Pentágono. Pode parecer es- todas as audiências o diálogo entre os jor-
tranho para espectadores portugueses, nalistas e as testemunhas. Houve igual-
SIC e RTP1 mas o canal tem a missão de dar as notí- mente uma grande diferença entre os
colocaram programas cias locais e sabe que os outros canais depoimentos dos políticos americanos
têm estado a dar a cobertura dos acon- e os portugueses. Enquanto estes são
informativos nas tecimentos, bem mais graves, de Nova verborreicos, intermináveis, os políticos
primeiras posições do Iorque. americanos vão directos ao tema e ex-
top de audiências Vários canais de música, de compras primem as suas opiniões e os seus senti-
e de outro tipo de programação mentos para com as vítimas e familiares
substituíram os seus programas por em 15 ou 20 segundos.
Mundial. avisos (“Devido aos acontecimentos, o As reportagens televisivas concentra-
Sublinhe-se, contudo, que QVC suspende temporariamente a sua ram-se nas entrevistas a testemunhas
quando as telenovelas foram emissão”); a interrupção prosseguiu dia oculares, pessoas que estavam nos edi-
exibidas, os canais de sinal fora. Outros canais, como o MTV ou VH1, fícios e que desceram, algumas delas,
aberto já tinham terminado puseram nas suas próprias emissões a quase uma centena de andares. Polícias
os especiais sobre os Estados emissão de canais de notícias, informan- e bombeiros entraram em estado de cho-
Unidos. No entanto, se, em do em rodapé os espectadores das altera- que com a perda de centenas dos seus
lugar das audiências, se aten- ções. membros nas Twin Towers, mas pouco
tar na quota de mercado, isto As imagens mais mostradas concen- tempo depois retomaram o género habi-
é, a que emissões assistiam traram-se em Nova Iorque, onde a dimen- tual de contacto com a imprensa: profis-
os telespectadores que nesse são da tragédia tomou proporções des- sionais, direitos ao assunto, restringin-
momento viam televisão, o conhecidas na História da humanidade. do-se aos factos.
quadro merece uma interpre- O ataque ao Pentágono, apesar de igual- Nas horas seguintes, os comentadores
tação diferente. mente devastador segundo qualquer cri- (muitos deles antigos políticos, que po-
É o caso do Informa- tério, ficou relegado para segundo lu- dem falar com mais liberdade do que
ção Especial, que a TVI exi- gar. As imagens dos destroços do quarto congressistas ou governantes no activo)
biu depois da meia-noite, e avião em Pittsburgh foram estranhamen- entraram nos estúdios de TV. “Declara-
que foi visto por mais de me- te descuradas, como se não houvesse in- ção de guerra” e “Um novo Pearl Harbor”
tade daqueles que viam tele- teresse em mostrá-las: talvez por razões foram dois dos “slogans” mais repetidos.
visão a essa hora — um valor de segurança. Na verdade, o jornalismo Alguns sublinharam a necessidade de
de “share” (51,6 por cento) in- americano pode ser o mais competitivo mais segurança, de medidas mais aper-
ferior ao que mereceram An- do mundo mas as regras entre as autori- tadas e recordaram medidas que foram
jo Selvajem e Filha do Mar, dades e os jornalistas e entre os próprios postas de lado por porem em causa a co-
por exemplo, embora estas jornalistas são fielmente cumpridas. Só à municação de pessoas e bens, um dos
duas novelas se tenham apro- noite houve imagens dos destroços des- fundamentos da Constituição america-
ximado muito dos 50 por cen- te quarto avião, mas todas captadas de na. Ao fim da noite, outras vozes fizeram-
to. Recorde-se entretanto que muito longe. se ouvir para referir que “seria um erro”
a SIC Notícias, que dedicou Os jornalistas em antena contiveram limitar as liberdades e que o risco de
toda a sua programação aos as emoções próprias e dos outros. ataques terroristas é um “preço a pagar
atentados nos Estados Uni- Nenhuma vez, em mais de 20 canais, vi pela democracia”. I
dos, foi vista por 30 mil espec-
tadores. I
2 6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA -FEIRA, 13 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
C R O N O L O G I A D E U M ATA Q U E - R E L Â M P A G O
7 de Dezembro de 1941 7h02 Uma grande mancha surge no ra- ões da base de Pearl Harbor ou bombardei- 7h30 Uma zona escura obscurece o ecrã.
dar. É identificada como um numeroso grupo ros B-17, vindos da Califórnia. Insistem e Os aviões estão apenas a 47 milhas.
de aviões, localizado a 137 milhas. recebem como resposta: “Não se importem
6h20 A esquadra japonesa está a 250 mi- com isso.” 7h55 Caem as primeiras bombas e torpe-
lhas de Pearl Harbor. Num posto americano de 7h06 Alarmados, os operadores de ra- dos sobre a esquadra ancorada à volta da ilhota
radar em Opana, no Norte da ilha de Oahu, dois dar contactam o Centro de Informação de 7h25 Os aviões japoneses Ford, em Pearl Harbor. O capitão de fragata ja-
soldados estão em alerta, aguardando rendi- Fort Shafter, de onde lhes dizem que os avi- estão a 62 milhas ponês “Fuchida” envia a célebre mensagem em
ção. ões observados poderão ser dos porta-avi- código que deveria indicar o sucesso do ataque:
Sobre um fundo negro, a le- destaque especial da revista Nesse texto da “Newswe- diata de tantos analistas e co- ao império japonês, a 8 de quase tão voluptuosa como
tras brancas, o escritor Ian “Newsweek”, a propósito do ek”, Deford sintetiza as ra- mentadores foi a de falar de Dezembro de 1941, o dia de- Rita Hayworth.
McEwan escrevia ontem, na 50º aniversário de Pearl Har- zões do sucesso do ataque ja- um Pearl Harbor 2 a propó- pois. No Havai, na ilha de Oahu,
capa do segundo caderno do bor. E explicava porquê: “Foi ponês a Pearl Harbor: sito dos atentados em Nova está estacionada a base da
diário britânico “The Guar- o princípio da Era do Ins- a) os americanos estavam Iorque e Washington. Nunca A América cor-de-rosa marinha norte-americana no
dian”: “11.09.2001 — o dia em tante.” A primeira vez que a mal-preparados os Estados Unidos tinham si- Para o americano médio, em Pacífico. 7 de Dezembro é um
que a terra parou.” Entre o América entrou em estado b) os americanos estavam do atacados no seu próprio Dezembro de 1941 a guerra domingo nublado. Pouco de-
que se escreveu sobre Pearl de choque, a nível nacional demasiado confiantes. território antes de Pearl Har- na Europa era uma coisa do pois das seis da manhã, dois
Harbor, podemos encontrar — nem foi precisa a Internet Se juntarmos a estas duas bor. Passaram 60 anos. Se- outro lado do Atlântico. Não operadores de radar detec-
quase exactamente as mes- e quase não foi precisa a te- alíneas o incrível falhanço gunda-feira de manhã foi a lhes entrava em casa, a do- tam numerosos aviões a ca-
mas palavras. levisão: segundo as estatísti- dos serviços secretos, tão dis- segunda vez — e a América er. Vibrava-se com o base- minho. Avisam o comando
“07.12.1941 — o dia em que cas, apenas 4500 famílias nos cutido no pós-Pearl Harbor voltou a invocar a infâmia re- ball de Joe DiMaggio e o central, que se mantém des-
o mundo parou”, resumiu o EUA tinham aparelhos de TV como agora, é fácil perceber ferida por Roosevelt na cé- “swing” de Glenn Miller. A preocupado. Às 7h55 a es-
escritor Frank Deford num em 1941. porque é que a reacção ime- lebre declaração de guerra Coca-Cola era uma garrafa quadra japonesa começa a
AFP/ARQUIVO
Pearl Harbor foi o primeiro ataque aos Estados Unidos, em território dos Estados Unidos
D E S TA Q U E 2 7
PÚBLICO•QUINTA -FEIRA, 13 SET 2001
“Tora! Tora! Tora!” (em português, tigre! tigre! couraçado “Arizona” é atingido por torpedos e couraçados (West Virginia, Tennessee, Nevada, explodem os couraçados Pennsylvania, Cali-
tigre!). O ataque japonês faz-se com 54 bombar- bombas e afunda-se em nove minutos. A banda Maryland) cruzadores e contra-torpedeiros. fornia, muitos cruzadores e navios auxiliares
deiros de voo picado, 50 de voo horizontal e 40 de música preparava-se para a cerimónia de içar
aviões torpedeiros. de bandeira, no convés. Morrem 1177 marinheiros 8h40 Segunda vaga de aviões: 81 bom- 9h45 Pearl Harbor está devastada. Per-
e oficiais. Sobre o couraçado Oklahoma caem bardeiros de voo picado, 54 de voo horizon- das americanas: 2403 mortos, 1178 feridos.
7h58 O contra-almirante americano sete torpedos: afunda-se, com 315 tripulantes. tal, 36 caças atacam o que resta da esquadra 18 navios, 347 aviões. Perdas japonesas: 28
Bellinger admite, perante as evidências: “Um rai- americana. O couraçado “West Virginia” é aviões, três submarinos de bolso, 55 aviado-
de sobre Pearl Harbor! Não é um exercício!” O 8h25 Gravemente danificados quatro atingido em cheio e explode. Pouco depois, res.
BUSH
Em vez de se colocar no papel de presidente de
um império que sofre com os inevitáveis ataques
dos excluídos do seu imenso poder — no fundo
dos monstros que ele próprio criou —, Bush
tentou desempenhar o papel de guardião da
civilização ocidental
Horas após os ataques às “Twins Towers” e ao Pentágono,
quando o estado de choque em que a América inteira
mergulhara se começou a traduzir num cada vez maior desejo
de vingança, quando nos jornais, nas rádios e nas televisões se
multiplicavam os desafios para que se arrasassem os países do
terceiro mundo que acolhem terroristas anti-Estados Unidos,
quando nove em cada dez americanos (segundo uma
sondagem “Washington Post”/ABC) se declaravam a favor de
represálias militares contra os responsáveis dos atentados,
George W. Bush começou por não corresponder aos que
esperavam dele o pior . Não soltou os bombardeiros, não
mandou arrasar cidades em certas partes do mundo.
Pouco antes, porém, quando o correspondente da CNN em
Cabul deu conta de explosões na capital do Afeganistão, todo o
mundo tinha sido varrido pelo mesmo pensamento — “Lá está
o Bush a começar a vingança contra os amigos do Bin Laden.”
Os EUA não tiveram nada a ver com aquilo,
mas, tal como o “El País” titulou ontem na
Editorial sua primeira página, o mundo em peso
estava à espera das represálias do
Presidente americano.
O filho de George Bush, todavia, comportou-se de maneira
diferente. Superada a estupefacção inicial, apareceu compondo
uma imagem de dor contida, de quem acha que é preciso
pensar muito, e muito profundamente, sobre as razões por que
o horror eclodiu no coração da América. E foi com gravidade
que disse que a hora não é de precipitações, mas sim de
“paciência” e de “persistência” para se encontrarem os Cartas ao Director
verdadeiros culpados.
Em vez de um discurso virado para o exterior — esperado por
As cartas destinadas a esta secção — incluindo naqueles encarregues de levar a cabo forma de se descobrir as suas inten-
um planeta que olhava a sua única superpotência sangrando as remetidas por e-mail — devem indicar o nome
da asa —, foi para o interior da América que falou. Não para e a morada do autor, bem como um número algo que todo o Mundo aguarda com ções. Eles não tinham bombas, me-
aquela que esperava um arranque brutal de colosso telefónico de contacto. O PÚBLICO reserva-se o expectativa: a retaliação. E por quê? tralhadoras nem mesmo pistolas. E
momentaneamente humilhado, mas para uma outra América, direito de seleccionar e eventualmente reduzir Porque imediatamente se colocaria a foi esta visível simplicidade que lhes
os textos recebidos. Não se devolvem os origi- questão: como retaliar? permitiu actuar sem levantar suspei-
talvez mais profunda, que, como escreveu Tocqueville, gosta de nais dos textos não solicitados, nem se prestará
pensar que vive “sob o único governo de Deus e das leis”. Para informação postal ou telefónica sobre eles. Bin Laden é um dissidente saudita; tas. O espectacular encadeamento dos
essa nação, Bush utilizou sempre a palavra “liberdade” na está, ao que tudo indica, escondido al- embates é também muito fácil de or-
Endereço electrónico: gures no ambiente irreal do Afeganis- ganizar: basta consultar os horários
primeira frase das suas comunicações: “A liberdade foi atacada cartasdirector@publico.pt
esta manhã por cobardes sem rosto. E a liberdade será tão; acima de tudo, não representa, de dos aviões que diariamente levan-
defendida.”
maneira alguma, qualquer entidade tam destes engarrafados aeroportos e
política legal, nem tão-pouco é alvo de comprar as passagens aéreas. O facto
Em vez de se colocar no papel de presidente de um império que
apoio declarado da parte de uma. É de estes suicidas saberem pilotar es-
sofre com os inevitáveis ataques dos excluídos do seu imenso
poder — no fundo dos monstros que ele próprio criou —, Bush O próximo pesadelo suficientemente seguro, isso sim, que tes aviões demonstra claramente que
lidera, sob diversas formas, uma turba o ataque estava organizado por al-
tentou desempenhar o papel de guardião da civilização
de fanáticos fundamentalistas, sem guém com meios grandes, mas, aten-
ocidental, dos regimes democráticos, das virtudes e das
Sendo certo que não existem palavras qualquer tipo de expressão territorial ção, até manuais destes aviões foram
liberdade cívicas. Não se saiu mal.
para descrever o horrendo ataque per- definida. Surge, logo, uma derradeira encontrados num carro alugado pelos
Se ele tivesse estudado a antiguidade grega (se ao menos
petrado contra os Estados Unidos da questão: sabendo-se que há anos Bin que se suspeita ser os autores mate-
soubesse que os habitantes da Grécia são “gregos” e não
América, não será menos certo afir- Laden é perseguido pelos EUA, será riais do crime. Um piloto experimen-
“grécios”, como disse uma vez…), ou se tivesse lido sobre as
mar que o pesadelo está, presume-se, possível actuar de maneira diferente tado não necessitaria de andar com os
repúblicas italianas renascentistas, teríamos de admirar a sua longe de ter terminado. daquela que, aparentemente fracas- manuais consigo e, como já afirmou
consistência como estadista. Conhecendo-lhe melhor as A prestigiada “The Economist”, na sante, tem sido utilizada? um professor da área aeroespacial,
fragilidades, não podemos, no entanto, deixar de saudar o seu sua edição de 21 Julho, e a propósito MARTIM PEDRO JÚDICE MAIA DE existem bons simuladores que qual-
instinto político — e a moderação com que, nas primeiras da questão do NMD, discutiu a eventu- LOUREIRO quer pessoa pode adquirir e treinar
horas, reagiu à pior crise da América nas últimas décadas. alidade de um ataque terrorista por Lisboa bastante... Uma organização terroris-
Esperemos que nos próximos dias as suas decisões afinem pelo parte de um “tirano excêntrico”; ainda ta pode perfeitamente preparar uma
mesmo paradigma. E que não coloquem em causa o desafio que tenha considerado a hipótese de operação destas, ainda que seja óbvio
mais fundamental que hoje se coloca aos EUA e ao mundo tal suceder como improvável, alertou, E se “nada” tiver falhado? ser esta a componente mais compli-
inteiro: “Encontrar um equilíbrio entre a segurança e a todavia, para o facto de um qualquer cada deste ataque. O que fazer?
liberdade”, segundo a síntese da ex-secretária de Estado tirano poder utilizar essa ameaça (com Depois deste ataque adimensional Sinceramente, penso que há uma
Madeleine Albright. LUÍS MIGUEL VIANA um mínimo de credibilidade) para, de sofrido pelos Estados Unidos, ainda medida de curtíssimo prazo a prepa-
certa forma, condicionar a actuação muito pouco tempo passou para que rar: a segurança dentro dos aviões.
dos governantes do país visado, ou seja, se possa tirar as necessárias conclu- Se até um jogo de andebol, um jar-
contribuinte nº 502265094 dos EUA. Parece, pois, que a improba- sões. Emitir opiniões é tudo o que to- dim público, ou mesmo um aeropor-
depósito legal nº 45458/91
registo ICS nº 114410
bilidade foi substituída pela incredu- dos, desde o comum cidadão até espe- to, contam com polícias armados, não
lidade e a ameaça cedeu o seu lugar ao cialistas em assuntos de terrorismo será absolutamente essencial pen-
E-mail: publico@publico.pt LISBOA: Rua Viriato, 17 – 1069-315 Lisboa; Telef.: 210111000 (PPCA) Fax: horror. e de política internacional, podemos sar em adicionar à tripulação dois
Dir. Empresa 210111005; Dir. Editorial 210111006; Agenda 210111007; Redacção 210111008;
Publicidade 210111013/210111014 • PORTO: Rua João de Barros, 265 – 4150-414; Telef: 226151000 Quando se tenta imaginar a maquia- fazer. ou três homens armados com treino
(PPCA) / 226103214; Fax: Redacção 226151099 / 226102213; Publicidade; Distribuição 226151011• vélica alma que poderá ter planeado Não concordo com a generalidade específico para casos destes? O que
BRAGA: Rua de S. Marcos, 126-1º Esq. Fr. – 4700 Braga Telef: 253619041; Fax: 253617983 • AVEIRO:
Rua Eng. Silvério Pereira da Silva, 16-A, 2º Tr. – 3800 Aveiro Telef/Fax: 234382507 • COIMBRA:
— com mestria, acrescente-se — tal dos comentadores quando afirmam poderiam fazer os piratas do ar com
Avenida Fernão de Magalhães, 153/157- 2º Dto, sala 6 – 3000 Coimbra Telef.: 239829554; Fax: 239829648 ataque, é inevitável que, como tem sido que as entidades responsáveis pela as suas navalhas? Matar uma pessoa,
• ALGARVE: Avenida da República Federal Alemã, bloco C 2 – 8000 Faro Telef.: 289806656; Fax: largamente difundido, se obtenha a fi- segurança dos Estados Unidos falha- acredito. Isto? Nem pensar. Sendo ver-
289806655 • VILA REAL: Rua 31 de Janeiro, 41 - 3º, sala 303, 5000 Vila Real Telef.: 259326262;
Fax.: 259326265 • MADEIRA: Rua dos Ferreiros, 55-2º Dtº – 9000 Funchal Telef.: 291231611 • gura de Osama bin Laden, velho conhe- ram. dade que nenhuma arma de fogo pas-
PROPRIETÁRIO: PÚBLICO Comunicação Social, SA Sede: Rua João de Barros, 265, 4150 Porto • cido dos americanos. Apesar de práti- Ao que parece, os sequestradores sou pela segurança dos aeroportos,
IMPRESSÃO: Unipress, Tv. Anselmo Braancamp, 220-Arcozelo/4405, Valadares; Telef.: 227537030;
Mirandela — Rua Rodrigues Faria, 103, 1300 Lisboa; Telef.: 213613400; Fax: 213613469 • DISTRIBUIÇÃO:
co (isto é, crê-se precisamente aquilo dos aviões não passaram pelos con- penso que uma companhia aérea que
Midesa Portugal - Distribuição de Publicações, S.A.; Lisboa: Rua da República da Coreia, 34, Ranholas, que os EUA não desejam), poder, em trolos de segurança com nada de ver- enveredasse por esta via de seguran-
2710-460 Sintra; Telef.: 219267800, Fax: 219267850; Porto: Rua Engenheiro Ferreira Dias, 1173 a 1177, 4100 tempo útil, descartar Bin Laden do rol dadeiramente ilegal (qualquer pessoa ça devolveria boa parte da confiança
Porto; Telef.: 226191211; Fax: 226191210; Algarve: Estrada de Boliqueime - Fonte de Boliqueime, 8100-070
Boliqueime; Telef. e Fax: 289366361; Coimbra: Beco Olheiro, Armazém 2, Adénia, 3020-028 Coimbra; Telef.: de suspeitos será, ora por ora, a sua pode passar com um canivete ou uma perdida dos passageiros. Caso con-
239430519; Fax: 239431592 • ASSINATURAS: 808200095 grande esperança. navalha) e, assim sendo, nada falhou trário, continuamos à espera que no-
Basicamente, porque, a confirmar-se nos aeroportos. Para além disso, e vos suicidas se preparem nos ditos
que o dissidente saudita está, de facto, tendo em conta os milhares de estran- simuladores e...
Tiragem média total do mês de Agosto por detrás deste pesadelo americano, o geiros que diariamente entram nos FLÁVIO MIGUEL CASTRO DA MOTA
AS SO C I AÇÃO P O R T UGUE SA
D O C O N T R O LO D E T I R AG E M
72.388 exemplares desespero crescerá exponencialmente Estados Unidos, não vejo nenhuma Gondomar
E S PA Ç O P Ú B L I C O 29
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 13 SET 2001
ser surpresa.
Todos os que acompanham, mesmo su-
perficialmente, a questão do terrorismo,
suas ideias, suas origens, seus métodos, seus JOSÉ PACHECO PEREIRA
pareça eficaz, nunca funcionou.
N
só possível, como muito provável. Os pessi- americanos sabem que são alvos de uma
mistas que sabem história conhecem apenas multidão de inimigos, que não mexem um car. Até conseguimos que na
um caso em que beligerantes, detentores essas armas eficazes. Não falta muito até dedo sobre a Europa, enquanto tiverem os terça-feira os rapazes tivessem
de armas de destruição máxima, prescindi- possuírem essas tecnologias. EUA como objectivo preferencial. Eles sabem ficado a leste, cumprindo até
ram voluntariamente de as usar — as armas que são os alvos de grupos terroristas e de com menos teimosia que o habitual as
químicas durante a II Guerra Mundial. No 4. Este tipo de guerra é facilitado pelas nações fora da lei internacional. ordens para ir brincar para o quarto. A
meio dessa “guerra total” que foi a guerra enormes oportunidades que as sociedades Sabem que se houver progressos nessas tua rapariga é que se deixou ficar, ali-
de 1939-45, este foi um dos raríssimos actos industrializadas e urbanas modernas dão. Te- áreas nos sistemas de mísseis, no armamen- nhando carrinhos uns atrás dos outros.
de civilização que subsistiu. lemóveis, sistemas de transporte de massas, a to biológico, químico, ou no armamento nu- — O que é isto?
Não é provável que se venha a repetir esta Internet, concentração de milhares de pessoas clear, será contra eles (e Israel) que tudo isto — Um avião que bateu num prédio.
auto-restrição neste novo tipo de conflitos. em determinadas zonas urbanas, fluxos entre é preparado e será lançado. E, perante uma Foi possível depois fazê-la desandar dali,
fronteiras sem nenhum ou escasso controlo, Europa descuidada e laxista, dependente dos abananada com a lógica da tua autoridade.
2. Isto é guerra, é a guerra moderna do sociedades multiétnicas e multirreligiosas, EUA para a sua defesa, mas não disposta a — Porque é que hoje não podemos brin-
século XXI. onde é sempre possível encontrar ocasiões e ser com eles inteiramente solidária, sabem car na sala?
É uma guerra sem Estados, ou melhor, apa- meios para realizar estes ataques. que têm apenas que contar consigo próprios. — Porque eu não quero e acabou-se.
rentemente sem Estados, porque um atentado De alguma maneira, o que permite o su- Seria bom que isto mudasse. Sabes que eu não deixei o meu ver o “Tita-
deste tipo não se realiza sem apoio de qual- cesso de sociedades como a americana — nic” até ao fim. Assistiu até quando aquilo
quer Estado, do longo braço secreto dos Es- o único “melting pot” verdadeiro do mun- 7. Depois, e por último, por muito que começou a meter água por todos os lados,
tados fundados na apologia da força e da vio- do — é também fonte da sua fragilidade. O isso irrite muita gente, estes atentados não mas às primeiras cenas de pânico mandei-o
lência. Há demasiada sofisticação de meios, mesmo pode ser dito sobre o tipo de bem- são apenas manifestação de “fanatismo”, para a cama.
demasiado “know-how”, muito tempo de pre- estar e progresso tecnológico, que facilita ou de fundamentalismo religioso, têm tam- — Porque é que não deixaste? Aquilo não
paração, para ser uma iniciativa amadora é violência gratuita, houve um acidente, o
qualquer. Aliás, ainda está para se desco- barco chocou com um icebergue.
brir um grupo terrorista, sequer, daqueles E S T E T I P O D E G U E R R A ameaça corromper o tecido da democracia. — Tenho medo dos pesadelos.
que agem mesmo a sério, que não tenha um Agora não sei.
As tensões étnicas, sociais, religiosas, políticas e nacionais que este tipo de — Os miúdos não devem ver isto.
“sponsor”. Isso será a consequência a curto
prazo mais perigosa destes atentados, porque acção sem autor visível exercem sobre as sociedades democráticas são enormes — Mas o que é que a gente faz? Desliga a
os EUA não podem deixar de actuar violen- televisão?
tamente contra os autores, os protectores e os aeroportos, aviões, autocarros, comboios bém ideologia. Foi a ideologia que escolheu — Não devem ver. É o terror.
mandantes. Estes atentados dão-lhe uma su- de alta velocidade, comunicações baratas o alvo mais mortífero: as torres do World — Estão a brincar no quarto, só se aperce-
perioridade moral, que se traduz numa maior e em tempo real, etc., etc. Cada um destes Trade Center, com as suas empresas, as suas beram que houve uma bomba.
margem de manobra política. Também nunca “confortos” é hoje uma arma. bolsas, os seus bancos — o “capitalismo” Agora depois da escola não sei como vai
se viu um Estado deixar de o aproveitar. mundial. Os EUA, simbolizado no Pentágo- ser. Para sossegar o meu, costumo dizer
5. Este tipo de guerra ameaça corromper no, o “capitalismo” simbolizado nas torres que as coisas se passam em sítios muito
3. Esta guerra usará todos os meios — o tecido da democracia. As tensões étnicas, de Nova Iorque, eis os alvos — e isto quer longe e que não chegam aqui.
armas tradicionais, biológicas, químicas e sociais, religiosas, políticas e nacionais que dizer alguma coisa. Os meninos portugueses — Portugal é o me-
nucleares. este tipo de acção sem autor visível, mas atri- que andam aí a fazer de “fedayin”, de lenço lhor país do mun-
Tivessem os terroristas que realizaram buível a uma raça, um povo, uma religião, ao pescoço, e os manifestantes violentos de do, não é? — O que é isto?
os atentados nos EUA acesso a armas nu- exercem sobre as sociedades democráticas Génova estão no mesmo lado. Podem não — É, claro que é. — Um avião que
cleares, e tê-las-iam usado sem nenhuma são enormes. Já não basta transformar os ter o fanatismo suicida, podem, inclusive, — Não havia televi-
hesitação. O mesmo é verdade para armas aviões numa fonte de medo, os aeroportos condenar os atentados, porque a sua adesão são, sabia-se menos. bateu num
biológicas e químicas, que ainda não foram em campos de concentração, as cidades em é demasiado intelectual para não se assus- — Ao menos isso. prédio.
usadas com o seu potencial máximo, porque zonas patrulhadas pela polícia e o exército, tarem com o sangue, ou por táctica política, (O que a gente diz, Foi possível
os grupos terroristas ainda não dominam as viagens com um risco de morte, os edifí- mas ajudam a legitimar o cérebro que esco- Nosso Senhor)
as tecnologias de dispersão que tornariam cios altos como ratoeiras incendiadas, os lhe os alvos e a mão que os destrói. I — Lisboa tinham- depois fazê-la
na os mouros/ desandar dali,
PETER MORGAN/REUTERS Quem a havia de abananada com
tomar/ El-rei D.
Afonso Henriques/ a lógica da tua
e os Cruzados a autoridade.
ajudar. — Porque é que
— O que é isso?
— Vinha no livro da hoje não
terceira classe, já podemos
não é do teu tempo. brincar na sala?
Desapareceu em
1973. — Porque eu não
— Para onde se foge quero e
da idade das trevas? acabou-se.
— Já reparaste que
começou, no povo, a
caça ao árabe?
— Já. Uma senhora do Algarve estava ater-
rorizada com a facilidade de entrada ali em
baixo de mouros e imigrantes do Leste. Vi
na televisão.
— Mas desculpa. Se os Estados Unidos não
conseguiram prever um ataque destes,
quem pode?
— Ninguém.
— Apetece-me arrumar a casa toda.
— Eu é mais fazer compras, não tenho nada
no frigorífico.
— Sabes qual foi o melhor momento do dia
de ontem? Foi quando estávamos a com-
prar os livros para os miúdos na papelaria
da escola.
— Lembras-te de teres saído de casa e dei-
xado de propósito a televisão ligada? O teu
ficou muito espantado.
— Era para ver se as notícias se gastavam.
— Desculpa lá aquilo de eu ter medo de
ficar acordada sozinha. I
2001
14 Setembro
PUBLICIDADE
SEX14SET
EDIÇÃO LISBOA
14 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4197
140$00 • €€0,70 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico.pt www.publico.pt
ROBYN BECK/EPA
DAS 11 ÀS 11H03
TRÊS MINUTOS DE SILÊNCIO
Portugal associa-se a uma ini-
EUA
ciativa europeia de luto pelas
vítimas nos EUA. Governo, Pre-
sidente da República e Assem-
bleia da República subscreve-
CONFIRMAM
BIN LADEN
ram um apelo comum para que
todos os portugueses observem
três minutos de silêncio, entre
as 11h e as 11h03 de hoje.
TIMOR-LESTE
SUPLEMENTO
isto é soul!
Y
S O C I E DA D E
Pedrito de Portugal
mata touro na Moita
P42
ÍNDICE
BARTOON E OPINIÃO 25 A 27
BOLSAS 38 A 40
TELEVISÃO 54/55
CLASSIFICADOS 66 A 73
CINEMAS 74/75
TEMPO E FARMÁCIAS 76
2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA -FEIRA, 14 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
O cheiro da
cinza e da água P&R Amaior caça ao homem na história dos Estados Unidos QUATRO
Há dezenas de “caterpil-
lers”, com os seus moto- O secretário de Estado Colin Powell oficializou a notícia: os ataques de terça-feira contra os Estados Unidos foram
PORTUGUESES
ristas a testarem as pás realizados por terroristas árabes membros da organização de Osama bin Laden. Como conseguiu bin Laden, o
que vão remover os des-
troços que estão espalha-
“inimigo público nº 1” dos EUA, iludir a vigilância e matar milhares de civis? Há sete mil polícias a tentar encontrar
a resposta, e a fazer a maior caça ao homem da História do país. Texto de Ana Gomes Ferreira, em Nova Iorque
PODERÃO TER
dos numa área de dez
quarteirões para cada
lado. A poeira que cobre
Quem eram os terroristas?
Eram árabes. Dezoito deles já foram identificados, mas ape-
Porque não foram detectados?
Nos anos que se seguiram ao fim da guerra fria, os serviços
MORRIDO
o céu é, neste lugar, mais nas foram divulgados os nomes de quatro: Mohamed Atta, secretos dos EUA centraram a sua atenção no destino das
escura. Os destroços dos de 33 anos, Marwan al-Shehhi, de 23 anos, e dois irmãos géme- armas nucleares da extinta URSS. Seguiram a pista das
prédios caídos continu- os Adnan e Ameer Abbas Bukhari. A polícia federal (FBI) armas químicas e recolheram informações sobre a possibi- Consulado conseguiu
am a arder, sangrando estima que o ataque tenha sido realizado por equipas com três lidade de grupos terroristas fabricarem armas de destrui- já encontrar uma boa
fumo negro. Um fumo a seis homens. Nos quartos que os quatro suspeitos identifica- ção maciça. Os terroristas usaram outro tipo de armas:
com cheiro. “Conheço dos ocuparam, nos lugares onde ficaram, foram encontrados aviões. O que não é inédito. Há uns anos, um terrorista
parte dos
este cheiro. É o cheiro da passaportes árabes (os dos irmãos eram dos Emirados Árabes árabe foi preso quando pretendia desviar um aparelho da “incontactáveis”
cinza misturada com a Unidos), cartas de condução (a de Atta era egípcia) e manuais Air France e atirá-lo contra um edifício de Paris. A priori-
água. Vai demorar duas de instrução para pilotar aviões comerciais. Nas casas dos dade dos serviços secretos revelou-se, pois, errada. Houve O Governo português diz ser
ou três semanas a desa- Bukhari foram encontradas licenças de voo de escolas ameri- também negligência. Um dos elementos de uma das equi- “muito provável” que pelo
garrar-se daqui”, diz An- canas. Pelo menos um dos operacionais de cada equipa rece- pas estava na lista de terroristas perigosos do Governo. menos quatro portugueses
dy, reformado da cons- beu treino de pilotagem nos EUA. É comum Entrou no país em Junho com um pas- tenham morrido no atentado
trução civil que quer ser os pilotos sauditas receberem treino de voo saporte saudita. Recentemente, os ser- ao World Trade Center. Às
voluntário. nos Estados Unidos. viços secretos deram aos serviços de 13h00 de ontem Jaime Gama
A entrada da inacessível imigração uma lista de suspeitos de disse que esse número era
zona zero provoca arre- Como entraram nos EUA? actividades terroristas. A imigração de três mas cerca das 20h00
pios. Bush visita hoje o Mohamed Atta apareceu em Venice (Florida), respondeu dizendo que dois deles já António Guterres actualiza-
lugar. Os carros que es- em Junho do ano passado. Apresentou-se nu- estavam no país. Não se procurou sa- va para quatro.
tavam estacionados nas ma escola de pilotagem, onde se inscreveu em ber do seu paradeiro. Mesmo assim as autorida-
estradas no momento do aulas de voo. Disse ter chegado da Alemanha des portuguesas esforçam-
ataque ainda lá estão. e não ter onde ficar. Funcionários da escola Como entraram nos aviões? se por desdramatizar a situ-
Não se percebe de que oferecerem-lhe um quarto. Mais tarde pedi- Os terroristas usaram facas para domi- ação dizendo que já foram
cor eram. Numa esqui- ram-lhe que o abandonasse porque a sua pre- nar as tripulações. Nos EUA, levantam encontradas muitas das pes-
na, e como que saído de sença se “tornara desconfortável”. Ele disse voo diariamente perto de dez mil aviões. soas que se revelaram incon-
um cenário de um filme, que Shehhi era seu primo. Num restaurante, A única medida de segurança é a passa- tactáveis logo após os atenta-
uma carrinha de “do- informou o empregado que não tivesse medo gem das bagagens e dos indivíduos por dos. Jaime Gama disse, após
nuts”, ainda cheia de bo- de os servir, porque tinham dinheiro para pa- máquinas de raio-X. As autoridades da o conselho de ministros, que
los. A porta de um super- gar. “Sou piloto”, sublinhou Atta. Os irmãos aviação civil fizeram, no ano passado, a maioria das pessoas dadas
mercado está decorada Bukhari terão entrado nos EUA mais recente- um relatório a advertir que a segurança como “incontactáveis” nos
com flores e frutas de mente e inscreveram-se numa escola de pilota- nos aeroportos estava a atingir o grau últimos dias deram já sinais
formas conhecidas e co- gem em Vero, também na Florida. Uma das zero: a média de armas não detectadas de vida aos serviços do con-
res que assustam. Como equipas entrou pelo Canadá e dirigiu-se a Bos- era de duas mil por ano. O reforço da sulado português em Nova
se pertencessem a uma ton, cidade de onde partiram os dois aviões Mohamed Atta, um dos suspeitos segurança (que vai ser agora feito) custa- Iorque. Evitando apresen-
cidade que parou no que foram atirados contra as torres gémeas do ria milhões, da parte do Governo e da tar números, o governante
tempo, as caixas de ven- World Trade Center. Os irmãos Bukhari tinham casas aluga- parte das companhias aéreas. acrescentou que o número
da de jornais exibem as das em Vero Beach (Florida). O senhorio disse que eram pesso- de portugueses cujo para-
primeiras páginas do dia as simpáticas, que afirmavam ser pilotos das linhas aéreas Porque não houve alerta de desvio de aviões? deiro é desconhecido “tem
do ataque: “11 de Setem- sauditas e viviam com mulheres e filhos. Os quatro aviões foram desviados na manhã de terça- vindo a diminuir constan-
bro de 2001”. feira. Dois que tinham partido do aeroporto de Boston, temente”, graças à “acção
Passam camiões cheios Agiram sozinhos? um de Newark (perto de Nova Iorque) e o último de Wa- de pesquisa” montada pelo
de detritos. Passa um Cada uma das equipas tinha um líder, mas as células traba- shington. Depois de terem dominado os pilotos, os terro- consulado.
camião com carros que lharam individualmente. As células receberam ordens de um ristas desligaram os aparelhos que identificam os apare- Segundo o ministro dos
foram apanhados pela comandante. Este comandante terá contribuido para a selec- lhos nos radares em terra. Com os aparelhos desligados, Negócios Estrangeiros, o nú-
derrocada — estão es- ção dos alvos e dos voos a serem desviados, e terá coordenado os aviões passaram a ser apenas pontos brilhantes nos mero de cidadãos que as
palmados, completamen- toda a operação. Foram identificados 50 cúmplices em vários radares, em vez de aviões com rota definida (saída e che- autoridades ainda não con-
te espalmados, e o que estados, como Florida, Jersey, e Massachusetts. Foram feitas gada) e número de identificação. Devido ao intenso tráfe- seguiram contactar “não ul-
eram os pneus não passa detenções em Newark e em Boston, entre outras cidades. go aéreo em Washington, Boston e Nova Iorque, terá de- trapassa as dezenas”, subli-
de uma tira negra. Estes cúmplices deram aos terroristas suicidas apoio logisti- morado algum tempo até que se tenha percebido o nhando o sucesso assinalável
A entrada da zona zero co e financeiro. Nos EUA existe uma ramificação da organi- “desaparecimento” dos quatro aparelhos. da acção de pesquisa: “De to-
não é vigiada por polí- zação terrorista de Osama bin Laden. Chegaram ao país dos os pedidos recebidos [no
cias, mas por homens depois do final da guerra no Afeganistão, durante a qual Já foi alguém preso? MNE e nos serviços consu-
que vestem fatos camu- receberam treino militar para uma guerra global a que cha- Foram detidas várias pessoas para interrogatório. Até lares], já foram identifica-
flados. “Não somos Exér- mam santa. Durante anos, estes homens nos EUA seguiram ao final da tarde de eontem, não havia ainda prisões dos mais de 80 casos, núme-
cito, somos da Guarda um líder espiritual muçulmano e terrorista, o xeque Omar oficiais. O FBI estava a investigar duas mil pistas, a ro que está a diminuir a todo
Nacional e não estamos Abdel-Rahman, um cego que foi preso e condenado a várias maior parte delas recebidas de cidadãos que telefonaram o momento.” Jaime Gama
armados.” penas de prisão perpétua pelo atentado de 1996 contra um a relatar as suas suspeitas. Foi aberta um linha de telefo- afirmou que “não tem au-
Nas esquinas das ruas dos túneis que existem nos rios que cercam Manhattan. ne especial. Algumas delas, indicou o FBI, revelaram-se mentado o número de pedi-
há postos de abasteci- Quando perderam o líder, entraram na rede de Bin Laden. essenciais para a reconstrução da rota dos terroristas. dos de paradeiros” chega-
mento de água, sumos, dos às linhas telefónicas de
leite e bolos. Os bombei- emergência do MNE.
ros bebem a maior quan-
Ú LT I M A H O R A O membro do Governo
tidade de líquidos que confirmou também que ain-
podem, ingerem o máxi-
mo de calorias que con-
CAPITÓLIO EVACUADO, VICE-PRESIDENTE LEVADO PARA CAMP DAVID da não chegaram a Portugal
as listas de passageiros dos
seguem, antes de entrar O edifício do Capitólio, sede do Congresso dos EUA, foi evacuado ontem, depois de terem sido encontradas embalagens quatro voos sinistrados, pelo
na fornalha. O capitão suspeitas na zona do Senado, informou a polícia. A evacuação ocorreu quando os congressistas discutiam uma ajuda de que continua por apurar se
Pozze, dos bombeiros de emergência, depois dos ataques de terça-feira. Os três principais aeroportos de Nova Iorque foram encerrados por ordem existem vítimas portugue-
Chicago, prepara os seus do FBI. Segundo a Federal Aviation Administration, a agência responsável pela aviação, foram efectuadas detenções. O sas entre os passageiros.
homens para entrar. Os vice-presidente Dick Cheney terá sido levado para o retiro de Camp David como precaução, anunciou a Casa Branca. Segundo afirmou, Portu-
homens entram de rou- gal “já fez à União Euro-
pa limpa, saem pratea- peia e aos Estados Unidos
dos, como se fossem figu- VÍTIMAS da América uma oferta pa-
ras a preto e branco. ra disponibilizar uma equi-
Ali, as opiniões que se te- N O VA I O R Q U E D E S A PA R E C I D O S bombeiros e pessoal de emergência que pa de protecção civil, tendo
ce sobre o massacre são O número de mortos confirmados era ontem Um total de 4763 pessoas estavam on- se apressou a chegar ao local depois da em vista ajudar nas pesqui-
ainda mais cautelosas. de 94, correspondente ao número de cadá- tem desaparecidas depois da catástrofe queda do primeiro avião. sas em curso para a identi-
Porque já todos viram a veres, mas tinham sido também retirados dos no World Trade Center, informaram as ficação de vítimas”, espe-
destruição e a morte da escombros 70 partes de corpos, informou o autoridades. Um primeiro balanço indi- AV I Õ E S rando agora uma resposta.
violência. “Nós, os que presidente da câmara de Nova Iorque. As esti- ca que muitas das vítimas são estran- Todas as 266 pessoas que iam a bordo dos “Aguardamos a reacção des-
estamos aqui dentro, mativas, cautelosas ainda, apontam para “al- geiros. Estão mortos, desaparecidos ou quatro aviões deverão estar mortas. sas estruturas, porque tam-
percebemos o que esta guns milhares”, havendo registo de mais de incontactáveis desde o atentado con- bém não queremos contri-
destruição significa. 1000 pessoas dadas como desaparecidas, tra as torres gémeas mais de 100 cida- PENTÁGONO buir para que não sejam
Bush tem de ser cautelo- especialmente de empresas no complexo. dãos do Reino Unido, 93 da Austrália, As autoridades afirmam que 126 pessoas resolvidos os problemas por
so. Não podemos pôr Giuliani informou terem sido encomendados 50 do Bangladesh, 34 do Japão, 27 da continuam desaparecidas. O total de ví- causa de uma inserção não
mais vidas em risco”, diz às autoridades federais 6000 sacos para ca- Coreia do Sul, 10 a 15 da Alemanha, timas esperado, incluindo os passageiros articulada nos dispositivos
Pozze, antes de desapa- dáveres, enquanto o “New York Times” no- 9 de Taiwan, 7 de Itália e 7 das Filipi- do avião, é de 190. Foram encontrados que se encontram já no ter-
recer na zona zero. ticiava que 5000 outros estão a caminho. nas. Mais de 300 dos desaparecidos são 60 corpos reno.” N.S.L.
4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA -FEIRA, 14 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
A CONEXÃO ISLAMISTA
FABRIZIO BENSCH/REUTERS
“Criámos um
BIN LADEN monstro no
UM INIMIGO DIFÍCIL DE COMBATER EPA
Afeganistão”
Cada vez mais
popular no EUA deram apoio aos nante série de vitórias mili-
“mujahedin” afegãos tares que os levaram à con-
Afeganistão, Paquistão quista de Cabul, a capital, em
e Médio Oriente, o na luta contra os Setembro de 1996. Para os afe-
milionário dirige uma soviéticos e até 1997 gãos, o seu aparecimento foi,
organização fluida, mantiveram relações de certa forma, um alívio. De-
pois do caos, os “estudantes
com um projecto ambíguas com os de teologia” prometiam esta-
de guerra global taliban bilidade. Mas trouxeram tam-
bém o mais rígido regime is-
lâmico em todo o mundo.
ALEXANDRA PRADO COELHO Osama bin Laden e os seus fa- A 25 de Maio de 1997, o Pa-
náticos seguidores islamistas quistão reconheceu o regi-
Osama bin Laden é, garantem não foram sempre o inimigo me no país vizinho, no dia
os analistas, o único homem número um dos americanos. seguinte foi a vez da Arábia
com capacidade para lançar Quando os afegãos combate- Saudita, e a 27 dos Emira-
uma operação como a que de- ram os soviéticos, a partir de dos Árabes Unidos. Mais ne-
vastou na terça-feira Nova Ior- 1979 e durante nove anos, os nhum país reconheceu os
que e Washington. “Ele tem Estados Unidos apoiaram os taliban como legítimos go-
o fanatismo, os seguidores, o grupos islâmicos, em mais vernantes do Afeganistão.
dinheiro [uma herança fami- uma “guerra por procura- No entanto, segundo Olivier
liar de 300 milhões de dólares] ção”. “A América está hoje a Roy, especialista francês no
e, muito sinceramente, tem a colher os resultados dos seus islão político, os americanos
imaginação para o fazer”, dizia erros de cálculo”, afirma J.N. apoiaram o movimento tali-
John Simpson da BBC. Dixit, antigo embaixador da ban no início, tanto a nível
O milionário de origem sau- Índia em Cabul, citado pela diplomático como político,
dita de 44 anos, que vive actu- Reuters. embora nunca a nível finan-
almente no Afeganistão tem, Então ainda um jovem, Bin ceiro nem militar.
sobretudo, a única organização Laden era um desses entu- “A tomada de Cabul pelos
terrorista a nível global e, se- siásticos “mujahedin” que, guerrilheiros islamistas foi
gundo Yossef Bodansky, autor com o apoio militar e financei- classificada como ‘um passo
de “Bin Laden: o Homem que ro americano, travavam uma positivo’ pelo subsecretário
Declarou Guerra à América”, guerra santa contra o ocupan- de Estado norte-americano na
“é hoje provavelmente o indi- te soviético. Richard Labéviè- Ásia”, recorda Roy numa en-
víduo mais popular no mundo re, autor de “Les Do- trevista recen-
muçulmano”. Como é que trava lars de la Terreur — te ao “Le Mon-
— e como é que se ganha — uma Les États-Unis et les Os EUA deram de”. Uma das
guerra contra este homem? islamistes”, escre- apoio aos taliban razões do in-
Os peritos de terrorismo ve que “nessa época teresse de Wa-
americanos dedicam-se há ele estabeleceu um porque os viam shington era
muito a recolher todas as infor- acordo secreto com como anti- a possibilida-
mações possíveis sobre o seu a CIA”, e continua a iranianos e pró- de de chegar
grupo, Al-Qaeda (A Base), e fi- manter óptimas re- a acordo com
zeram mesmo circular no Afe- lações com os servi-
ocidentais os taliban para
ganistão fotografias de Bin La- ços secretos da Ará- construir um
den com uma recompensa para bia Saudita (o seu oleoduto atra-
quem o entregar: 5 milhões de país de origem, aliado dos vés do Afeganistão, contor-
dólares (5,6 milhões de euros). EUA no Médio Oriente, que o nando assim o grande “inimi-
Mas, apesar destes esforços, expulsou em 1991 e lhe retirou go” dos EUA: o Irão. Ahmed
uma investigação publicada a nacionalidade em 94). Rashid resume: “Os EUA de-
em Fevereiro pela “Newswe- Num recente relatório so- ram apoio político aos tali-
ek” concluía que “o rápido bre o Afeganistão, a Human ban [entre 94 e 97], através dos
crescimento da rede de Bin La- Rights Watch traça um qua- seus aliados Paquistão e Ará-
den parece estar a ultrapassar Bin Laden é hoje uma das figuras mais populares entre os muçulmanos radicais dro diferente, explicando que bia Saudita, essencialmente
os esforços internacionais pa- “embora [Bin Laden] não te- porque Washington via os ta-
ra a destruir”. Nos mais altos poder islamista: dentro de 100 ter uma estrutura fluida, ser mente”. Cartazes com a sua fo- nha trabalhado com elemen- liban como anti-iranianos e
níveis da Administração ame- anos, todo o mundo estaria ver- um conjunto de células espa- tografia são vendidos à beira tos da resistência afegã à pró-ocidentais”
ricana, avisava a revista, “há de, a cor do Islão. lhadas por vários países. O mi- da estrada no Norte do Paquis- URSS apoiados pela CIA, um Só no Outono de 1997, pe-
a sensação desconfortável de Os serviços secretos ameri- lionário saudita é, sem dúvida, tão, no Afeganistão e noutras documento do Departamento rante as claras violações dos
que a ameaça colocada por Bin canos estavam atentos a esta o inspirador, mas segundo um partes do Médio Oriente, acres- de Estado identifica-o como direitos humanos no Afega-
Laden está a aumentar — e a evolução. Mas isso não foi sufi- responsável americano, “se ele centa o “Financial Times”. um importante apoiante dos nistão e a pressão dos mo-
aproximar-se do Ocidente”. E ciente. Tal como não tinha sido caísse de um rochedo no Afega- Bin Laden nunca reivindi- ‘mujahedin’”. vimentos de defesa das mu-
esta sensação traduzia-se num suficiente em 1998 a vigilância nistão, ficaríamos muito con- cou um atentado. No entanto, Derrotada a URSS, os EUA lheres afegãs, é que a então
pensamento: Bin Laden pode sobre indivíduos suspeitos de tentes, mas a sua organização segundo o “Washington Post”, tentaram afastar-se. “Wa- secretária de Estado Made-
atacar a qualquer momento. pertencerem ao Al-Qaeda no continuaria a existir”. há vários meses que circula no shington deu aos seus aliados leine Albright considerou os
Um alto responsável ameri- Quénia — as escutas telefóni- “Quem apanhar Osama, seja Médio Oriente uma cassete de na região, o Paquistão e a Ará- taliban “desprezíveis”, mar-
cano explicava à “Newsweek” cas feitas pelos EUA não impe- de que forma for, por exemplo video em que ele aparece a re- bia Saudita, carta branca pa- cando uma viragem na polí-
que o misterioso milionário diram os atentados de Agosto num ataque aéreo, terá que es- citar um poema sobre o contra- ra lidarem com a guerra civil tica americana. Os atentados
“tem um programa para 100 desse ano contra as embaixa- tar preparado para uma even- torpedeiro americano “Cole”, que se seguiu no Afeganistão. às embaixadas dos EUA no
anos, que só começou há cerca das americanas em Nairobi e tual retaliação”, avisa um di- alvo de um atentado no ano pas- Para os afegãos comuns a sa- Quénia e na Tanzânia no ano
de oito”. “Ele está a consolidar- Dar es-Salam, pelo simples fac- plomata americano citado pelo sado no porto de Áden, no Ié- ída de cena dos EUA consti- seguinte, atribuídos a Osama
se no Afeganistão, a combater to de que os suspeitos falavam “Financial Times”. men. “Em Áden, eles atacaram tui uma enorme traição”, es- bin Laden, e a recusa dos ta-
uma guerra na Tchetchénia em código e usavam sistemas e destruíram um ‘destroyer’ creve Ahmed Rashid, um dos liban em entregarem o seu
que tem feito correr muito san- de criptografia. E tal como não O vídeo e o poema que pessoas sem medo recea- maiores especialistas nos ta- “hóspede” marcaram a rup-
gue russo, e está a avançar nas foram suficientes os ataques Simon Reeve, autor do livro vam, que evoca horror quan- liban, no seu livro “Islam, Oil tura definitiva.
Filipinas, na Indonésia e aqui com mísseis às bases de Bin “The New Jackals: Ramzi Yous- do está parado e quando nave- and the New Great Game in Richard Murphy,
[nos EUA]”. Nos últimos me- Laden no Afeganistão, depois sef, Osama bin Laden and the ga”, recita Bin Laden. O poema Central Asia”. secre++tário de Estado ad-
ses, Bin Laden tem também desses atentados. O milionário Future of Terrorism”, explica é acompanhado por imagens do Foi em 1994, no meio do ce- junto para a Ásia durante a
vindo a consolidar as suas li- terá abandonado um desses lo- num texto publicado no “Guar- navio destruído. O vídeo acaba nário de caos e guerra civil, Administração Reagan, re-
gações com grupos palestinia- cais poucas horas antes dele din” que o homem considerado com um apelo: “A todos os com- que surgiram os taliban. Os conhece, no livro “The New
nos, nomeadamente o Hamas ser atingido. o inimigo público número um batentes: os vossos irmãos na “estudantes de teologia”, “for- Jackals”, de Simon Reeve,
e a Jihad Islâmica. Um grupo Outra enorme dificuldade dos EUA “é hoje sobretudo um Palestina estão à vossa espera; mados” nas escolas islâmi- os erros da política america-
tchetcheno inspirado em Bin que o mundo enfrenta numa líder de culto, que inspira os chegou o momento de penetrar cas (madrassas) do Paquistão, na: “Criámos um monstro no
Laden colocou no seu site na “guerra” contra a organização terroristas a cometer os actos, na América e em Israel e de os surpreenderam o mundo ao Afeganistão.” ALEXANDRA
Internet um mapa global do de Bin Laden é o facto de esta mais do que controlá-los real- atingir onde mais dói.” conseguirem uma impressio- PRADO COELHO
D E S TA Q U E 9
PÚBLICO•SEXTA -FEIRA, 14 SET 2001
O “mullah”
defende o seu
“hóspede”
Paquistão, aliado dos taliban,
O chefe supremo dos ta-
liban afegãos, mullah
Omar, afirmou ontem
promete colaborar com os EUA
que Osama bin Laden Com uma opinião CASAQUISTÃO Almaty seu país, o que em parte acon- tem que o seu apoio ao regime
não pode ser respon- TURQUEMENISTÃO teceu com o apoio de Islama- se justifica por solidariedade
pública antiamericana, Tashkent Bishkek
sável pelos atentados Bukhara bad aos taliban. Esta posição étnica: os taliban são maiorita-
nos EUA. Num comuni-
Islamabad vê-se na Samarcanda seria ainda menos conveniente riamente pashtun, um grupo
QUIRGUÍZIA
cado enviado à agência posição esquizofrénica quando está em vésperas de ob- étnico com milhares de mem-
Afghan Islamic Press, de manter boas Mashhad USBEQUISTÃO Dushanbe ter, em Washington, um apoio bros no Paquistão.
Omar considera que do Fundo Monetário Interna- Um diplomata ocidental re-
“acusar Bin Laden sem
relações com Cabul e TAJIKISTÃO
cional (que por sua vez levará feria à AFP que as relações de
ÍRÃO
razão é uma tentativa Washington Herat
Sheberghan CHINA
a outros auxílios financeiros). poder em Islamabad dificultam
KUSH
dos serviços secretos oci- NDU Mas, por outro lado, existe também a tarefa do Presidente:
HI
dentais para escaparem FRANCISCA GORJÃO AFEGANISTÃO Cabul no Paquistão um forte senti- “Qual é o verdadeiro poder de
K
ao seu próprio fracas- HENRIQUES Farah
A
R mento antiamericano. “Se a Musharraf ? E qual o verdadei-
Khyber Pass A
so”. Os próprios aten- K
O América usar o nosso territó- ro poder do ISI? Quem controla
E R
tados são a prova da Um dos raros aliados do Afega- G A
M rio, então nós teremos perdido quem?” O diário “The News”
N
inocência do seu “hóspe- nistão prometeu ontem prestar Islamabad Srinagar toda a nossa dignidade e sobe- referia ontem que o atentado
RA
Qandahar
AN
de”, argumenta. “Onde ajuda aos Estados Unidos. O rania. Se isso acontecer, 140 mi- de terça-feira terá “graves re-
s
JM
Lahore
Indu
é que estão os pilotos de Presidente paquistanês, Pervez Zahedan Quetta lhões de muçulmanos [do Pa- percussões no mundo muçul-
LA
Bin Laden e onde é que Musharraf, foi duas vezes à te- quistão] vão retaliar contra o mano” e que se o Paquistão
SU
Multan
foram formados?”, per- levisão para comunicar o seu Governo de Musharraf”, prevê “não alterar a sua política para
PAQUISTÃO
gunta, referindo-se aos repúdio perante os atentados ÍNDIA Maulana Sami-ul-Haq, líder de o Afeganistão, o preço a pagar
Bahawalpur
piratas do ar que terão de terça-feira e apelar a uma us uma das facções do partido pró- poderá ser alto demais”.
I nd
conduzido os aviões até luta global contra o terrorismo. Gwadar Sukkur Nova Deli taliban Jamiat Ulema-i-Islam. As inquietações de Mushar-
eles embaterem nos al- No seu país, o único no mundo Hyderabad raf estão a ser partilhadas por
vos. Já antes desta de- com uma embaixada na capital Jodhpur Treino e armas muitos paquistaneses. Basit
Carachi Jaipur
claração, o embaixador afegã, há quem fale em esqui- Há muito tempo que vários re- Hamid, de 53 anos e presidente
taliban no Paquistão, zofrenia. Ajmer latórios confirmam que os tali- de uma empresa de informáti-
Udaipur Kanpur
Abdul Salam Zaeef, ti- Musharraf não mencionou MAR ARÁBICO 0 Km 300 ban são treinados e abastecidos ca, afirma sentir “uma certa es-
nha explicado à Reuters uma única vez o nome de Osa- PÚBLICO de armas no vizinho Paquis- quizofrenia”. A população, que
que o milionário de ori- ma bin Laden, o milionário de tão, nomeadamente pelo po- “detesta o imperialismo ameri-
gem saudita não é culpa- origem saudita que está abriga- mente, que vai “dar ao Presi- outros são os Emirados Árabes deroso ISI (Inter Services In- cano”, o seu apoio incondicio-
do. “Nós perguntámos- do no Afeganistão e a quem as dente [George W.] Bush e ao Unidos e a Arábia Saudita). telligence, considerados “um nal a Israel e a política contra
lhe e ele disse-nos que autoridades americanas acu- Governo norte-americano co- Ainda não se sabe qual o tipo Estado dentro do Estado”). Pa- o Iraque, não deixa de sentir
não tinha nenhuma par- sam de estar por trás dos aten- operação total na luta contra o de colaboração com a Adminis- radoxalmente, este apoio come- “uma secreta admiração” pe-
ticipação nesta acção.” tados contra o World Trade terrorismo”. tração Bush (alguns especulam çou no final dos anos 70 sob a los cérebros que conceberam
Os taliban apressaram- Center e o Pentágono. Também Ou seja, caso os Estados Uni- que poderá ser o uso de espaço égide da CIA norte-americana, os atentados e “deram uma li-
se também a desmentir não pronunciou a palavra ta- dos decidam declarar guerra aéreo). Mas o que Musharraf para combater as tropas sovié- ção” a Washington. Mas tam-
as notícias surgidas ao liban, os “estudantes de teo- ao Afeganistão, os taliban não tem pela frente é, seguramen- ticas no Afeganistão. bém tomou consciência da ne-
princípio do dia de que logia” islâmicos que contro- vão poder contar com a ajuda te, uma decisão política difícil. As autoridades paquistane- cessidade urgente de combater
Bin Laden teria sido de- lam 95 por cento do território de um dos únicos três países Por um lado, não quer agravar sas negam alimentar a máqui- o terrorismo, que afecta igual-
tido no Afeganistão. afegão. Mas disse, inequivoca- do mundo que os apoiam (os o isolamento internacional do na de guerra taliban, mas admi- mente o seu país.
10 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA -FEIRA, 14 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
Na quarta-feira, guerrilhei-
ros palestinianos mataram
entraram no enclave
do lado dos vencidos autónomo de Jericó, na
Cisjordânia e voltaram
uma mulher de 46 anos no colo-
nato judaico cisjordano de Alfei
Menashe, perto da cidade de
COMENTÁRIO
a bombardear Jenin Qalqiliya, sob administração
da AP. Nenhum grupo reivin-
KARIM EL-GAWHARY, GRAHAM USHER dicou a responsabilidade, mas
Cairo Jerusalém a localização e método apontam
para a Fatah, o movimento de
Quando uma região inteira sente Com o olhar do mundo ainda Yasser Arafat na OLP.
transfigurado pelas ruínas de O Exército respondeu ata-
que a tratam de maneira injusta e não pode Nova Iorque e Washington, Is- cando posições das forças de
fazer nada contra isso, rapidamente se tornam rael parece estar a aproveitar- segurança da AP em Qalqi-
heróis aqueles que empreendem acções se da distração para aumentar liya, outra cidade autónoma.
destrutivas. Os terroristas não nascem a sua ofensiva contra os pales- Como vingança, colonos de Al-
tinianos. Pelo menos, é o que fei Menashe também bloque-
terroristas. Tornam-se terroristas estes dizem. aram estradas e destruíram
Depois de “raides” na quarta- campos palestinianos — com
feira, no interior e imediações total impunidade.
Quando o terror vem do Médio Oriente, então é porque é da cidade autónoma de Jenin, Para os palestinianos, o ac-
lá que se encontra a solução para acabar com ele, mas não na Cisjordânia, que mataram tual cerco e abandono evoca
com meios militares. pelo menos dez palestinianos e os tempos da guerra do Golfo
Qual a resposta adequada ao terror em Nova Iorque e feriram 67, tanques israelitas de 1991. Nessa altura, os seus
Washington? Depois dos atentados, os peritos americanos fizeram ontem uma nova incur- líderes perderam o trunfo mo-
em segurança e terrorismo discutem uma possível resposta são, entrando num campo onde ral da primeira Intifada quan-
militar, tendo surgido já duas posições divergentes. Uma, residem 13 mil refugiados. Des- do apoiaram Saddam Hus-
mais moderada, exige que primeiro sejam feitas investiga- ta vez, contabilizaram-se mais sein. Perderam ainda mais
ções para esclarecer os atentados, que a seguir seja apurado três mortos e 13 ficaram feridos. quando alguns cidadãos dan-
quem é o responsável, para que depois se possa agir em Escavadoras também destruí- çaram nos telhados enquan-
termos militares contra ele e os seus apoiantes. Os mais ram um edifício da Autoridade to mísseis iraquianos caíam
radicais, pelo contrário, querem que as tropas ataquem Palestiniana (AP). sobre Telavive.
todos os Estados que fazem parte da lista oficial de países Jenin é refúgio das células Agora, o mundo parece de
que alegadamente apoiam o terrorismo, independentemente dos movimentos Hamas e novo insensível ao facto de a re-
de terem ou não algo de concreto a ver com os últimos Jihad Islâmica de onde saí- O Exército israelita avançou sobre Jericó e Jenin sistência palestiniana ser a de
atentados. ram seis bombistas suicidas um povo em luta contra mais de
De qualquer modo, o alvo deve estar no Médio Oriente. É lá desde que a Intifada começou três décadas de ocupação mili-
que, com certeza, se encontram aqueles que estão por detrás há um ano. Dois deles mata- ou enfrenta a destruição do seu palestiniano foi morto a tiro tar. Em vez disso, a imagem que
do que aconteceu. É lá, com o Iraque, a Líbia e a Síria, que ram três israelitas e feriram governo. pelo Exército depois de tentar prevalece é a dos palestinianos
está a maioria dos Estados que o Departamento de Estado 80 em Nahariya e Beit Lid, no A mensagem não está a ser remover uma barreira numa a “celebrarem”, na terça-feira,
norte-americano define como apoiantes do terrorismo. domingo passado. Israel diz transmitida apenas em Jenin. estrada em Kharbatha, perto de as notícias dos ataques em Wa-
Seja qual for a resposta (moderada, como propõe o pri- que cinco dos mortos durante Numa incursão efectuada on- Ramallah, também na Cisjor- shington e Nova Iorque.
meiro grupo, ou radical, de acordo com o segundo), ela não a incursão em Jenin eram “fu- tem de madrugada, 12 tanques dânia. Muitos analistas palestinia-
contribuirá em quase nada para a solução do problema. Pelo gitivos” do Hamas ou da Jihad. israelitas acompanhados de nos acreditam que foi o in-
contrário, todo e qualquer ataque militar levará a novas e Mas não referiu que os outros “bulldozers” entraram em Je- Cerco e abandono sensato apoio de Arafat a Sa-
refinadas acções terroristas e com um grau de apoio da parte mortos eram civis, incluindo ricó, um enclave controlado pe- A AP tem tentado alertar o Oci- ddam Hussein após a invasão
da população árabe que não será de todo insignificante. uma menina de 11 anos. la AP na fronteira com a Jor- dente para a severidade dos ata- do Kuwait em 1990 que levou a
Para ela, Israel e os EUA (como seu aliado mais impor- A escalada de ataques a Je- dânia. Ocuparam por breves ques israelitas, mas até agora OLP a aceitar os termos humi-
tante em termos políticos e militares) são os principais nin sugere outros objectivos pa- instantes o centro da cidade, tem tido poucas respostas. Ara- lhantes dos acordos de paz de
culpados da miséria quotidiana em que vive. ra além da simples represália destruíram terrenos agrícolas fat também terá ordenado às Oslo. Oito anos passados sobre
Muitos dos comentadores ocidentais descobriram de ou “intimidação”. O objectivo e tomaram de assalto a sede suas forças que mostrem con- o dia em que esse compromisso
novo o conflito entre a civilização democrática ocidental de Israel parece mais político, das forças de segurança locais. tenção, consciente de que no foi assinado — e enfrentando
e a barbárie árabe e muçulmana. Lá voltamos à mesma dizem analistas regionais. Ex- O número de vítimas não está clima pós-World Trade Centre de um lado o “falcão” Sharon e
questão. E como prova apontam para as imagens de árabes plorar a grande sombra criada confirmado, mas a rádio Voz a resistência armada palesti- do outro uma América à caça
manifestando alegria na sequência dos atentados que ape- pelos ataques ao Pentágono e da Palestina, propriedade da niana, seja de que tipo for, não de terroristas — os palestinia-
nas representam uma minoria. Ninguém se pergunta o que ao World Trade Centre é apre- AP, deu conta de “ambulâncias irá obter muita simpatia. Mas nos têm a consciência de que
é que leva as pessoas a essa manifestação tão absurda. sentar a Yasser Ararfat uma transportando feridos” para o também aqui o líder palestinia- poderão perder mais do que
A unilateralidade ocidental e a duplicidade de critérios no escolha: ou acaba com a revolta hospital de Jericó. Um outro no foi ignorado. apenas “a paz”.
conflito israelo-palestiniano ou no Iraque têm produzido um
sentimento de abandono e de impotência no mundo árabe.
A PSICOSE
AMERICANA “Isto parece
Falsas ameaças de
bomba sucedem-se em
várias cidades dos EUA
ISABEL LEIRIA
o ‘Inferno’
Uma onda de ameaças de
bomba em várias cidades dos
Estados Unidos obrigou a
que, durante todo o dia de
de Dante”
ontem, as autoridades nor-
te-americanas procedessem
O DIFÍCIL RESGATE estão as vítimas. Não nos con-
seguimos aproximar, há dema-
à evacuação de uma série de DOS SOBREVIVENTES siados destroços à volta, nas
edifícios governamentais, es- ruas.” Segundo Piazza, é por
critórios e escolas. Nenhum Há milhares e milhares isso que o número de mortos
dos alertas veio a confirmar- confirmados ainda não é muito
se como verdadeiro e serão de toneladas de elevado: “Mas quando come-
antes brincadeiras de mau destroços por retirar. çarmos... oh, meu Deus...”
gosto sugestionadas pelos ata- E escasseiam as O cenário onde está este
ques de terça-feira. bombeiro coberto de cinzas,
Nova Iorque foi natural-
hipóteses de encontrar é, na descrição do repórter da
mente a cidade mais afectada gente com vida AFP, como “um gigantesco mil-
pelos alertas. Segundo a esta- folhas de ferro e entulho, on-
ção de televisão CBS 2 , ao fim ALEXANDRA LUCAS COELHO de as gruas, as pás mecânicas,
da manhã o aeroporto de La os ‘bulldozers’ trabalham sem
Guardia teve de ser evacuado O bombeiro Jo Scarantino che- cessar, afastando os bocados gi-
na sequência de um alerta de gou ao World Trade Center gantes e abrindo caminhos”.
bomba. A Autoridade Aero- uma hora depois do primeiro
portuária, organismo que ge- atentado. Assistiu ao desapa- Entre os destroços
re os três aeroportos de nova- recimento de metade do seu A baixa de Manhattan está ir-
iorquinos, não confirmou a batalhão, quando as duas tor- reconhecível, fechada ao tráfe-
notícia mas uma porta-voz res gémeas desabaram, e ao fi- go desde a 14ª rua. Em torno do
reconheceu que algo se pas- nal da tarde de ontem, sem ter que foi o World Trade Center,
sava, embora não tivesse in- voltado a casa para descansar, amontoam-se carcaças de car-
formações mais precisas. Em ainda lá estava, a tentar salvar ros de polícia e de bombeiros,
Staten Island, o alerta foi da- vidas. “Nesta altura, para en- esmagadas pelos milhares de
do numa escola. contrar sobreviventes espera- toneladas de destroços, alguns
Mas a agitação também vol- mos um milagre”, declarou ao reduzidos a um metro de espes-
tou a instalar-se bem no co- repórter da AFP, “mas os mila- sura. Na poeira de um dos ve-
ração de Manhattan. Pouco gres acontecem. Ninguém nos ículos alguém escreveu: “Vin-
faltava para as 17h00 quando Estados Unidos e no mundo gança! Bombardeiem o Médio
uma ameaça de bomba nas viu qualquer coisa parecida.” Oriente!” Passam camionetas
imediações da Grand Central “É como o ‘Inferno’ de Dan- cheias de civis voluntários,
Station, a maior estação ferro- te”, tentou descrever Giuse- protegidos com capacetes, que
viária de Nova Iorque, levou ppe Sergi, outro trabalhador trazem dezenas de garrafas de
as autoridades a evacuarem nas operações de resgate, por gás para os maçaricos. Orga-
todo o quarteirão. Milhares entre toneladas e toneladas de niza-se um acampamento de Alguns edifícios da zona do World Trade Center já ruíram parcialmente
de pessoas precipitaram-se destroços fumegantes. “Rece- campanha. Grossas camadas
para a rua, causando o caos amos que a temperatura seja de pó e papel — acumuladas
na circulação, segundo rela- tão alta que o metal ainda po- na queda das torres — cobrem Apesar dos meios sofisti-
tos de um jornalista da AFP.
A polícia chegou mesmo a fe-
de ceder.”
À medida que o tempo pas-
as redondezas.
Milhares de bombeiros, polí-
cados, como câmaras, berbe-
quins e serras pneumáticas,
MAIS DOIS EDIFÍCIOS
char todos os acesso à zona e
várias ambulâncias e um car-
sa, escasseiam as hipóteses de
encontrar gente com vida nos
cias e civis, muitos com másca-
ras contra o pó, percorrem os
o que acaba por ser mais útil
na remoção são meios tradi- AMEAÇAM RUIR
ro de bombeiros foram cha- escombros do que foi um dos escombros, com câmaras de- cionais, como pás, baldes e as
mados ao local. ícones de Nova Iorque, onde tectoras de movimento e cães: mãos, como explicou ao “Los Implosão das torres do World Trade
Enquanto isso, centenas de milhares de pessoas ficaram “Quando os cães detectam al- Angeles Times” um perito do
pessoas tentavam telefonar à presas ou soterradas. Segundo go, escavamos”, explica à Reu- departamento de bombeiros Center provocou danos estruturais
família e amigos asseguran- os peritos, as primeiras 24 a ters Lawrence Cleary, o coman- de L.A., um dos vários que nos edifícios de Manhattan
do-lhes que tudo estava bem, 48 horas são fundamentais pa- dante dos bombeiros. “Mas, à se deslocaram para Nova Ior-
no caso de ouvirem falar do ra o resgate de sobreviventes. medida que o tempo avança, é que: “Muitas vezes, o que te- PAULO CORREIA
alerta na televisão. Primeiro Geralmente, as pessoas conse- cada vez mais improvável en- mos aqui são homens a es-
tentaram dos telemóveis, de- guem sobreviver sem água du- contrarmos sobreviventes.” cavarem o entulho com as Mais dois edifícios localizados junto ao World Trade Center
pois correram para as cabi- rante três dias, mas os feridos próprias mãos.” (WTC) estão em risco de ruir na sequência do atentados
nas públicas, já que toda a que tenham perdido sangue Os efeitos da catástrofe não que destruíram, terça-feira, as duas torres gémeas de Nova
rede rapidamente saturou. normalmente não aguentam Cinco estão a ser sentidos apenas na Iorque. O que resta do edifício 5 WTC, uma das mais peque-
Cerca de uma hora depois, a mais do que um dia. baixa de Manhattan. Uma mu- nas estruturas do complexo, está em “colapso parcial” e o
situação começou a voltar à O coronel Bryan Ostendorf, bombeiros dança na direcção do vento le- One Liberty Plaza, um prédio com 54 andares que fica na
normalidade.
E enquanto se multiplica-
do Corpo de Engenheiros do
Exército, desabafava ontem à
salvos vou o cheiro a queimado até
oito quilómetros de distância,
Liberty Street, está também “instável”, anunciaram, ao
final da tarde de ontem, fontes oficiais americanas.
vam os falsos alarmes em AFP: “Não há nenhum meio de mergulhando Central Park nu- Depois de se ter receado o desmoronamento do One Liberty
Nova Iorque, outras cidades quantificar este horror. Como Vivos, e ainda a bordo ma nuvem acre, que os habi- Plaza e de as autoridades nova-iorquinas terem ordenado
também não escapavam à fazer? Em toneladas de destro- de um 4x4, cinco bom- tantes receiam que seja tóxica. a evacuação da área, a empresa proprietária do edifício onde
“brincadeira”. Em Washing- ços? Em vidas humanas?” Os beiros foram retira- O metro estava praticamente está instalado o NASDAQ veio dizer que não se verificaram
ton, foi encerrado todo o cam- serviços de emergência fede- dos dos escombros do deserto, muitas lojas, a maior quaisquer danos estruturais com a implosão das torres gé-
pus da American University, rais informaram que 450 mil World Trade Center, no- parte das escolas e teatros da meas. A Brookfield Properties Corporation assegurou mesmo
depois de duas ameaças de toneladas de destroços tinham ticiou a CNN à hora de Broadway estavam fechados. que, após uma investigação técnica preliminar, os engenhei-
bomba. Em Miami, a polícia de ser retiradas do local onde fecho desta edição. Dois Pelas ruas — e pelos hos- ros concluíram que não havia perigo de desabamento e que
evacuou seis prédios da bai- antes se erguiam as torres gé- deles puderam mesmo pitais — centenas de pessoas tudo não passou de especulação dos órgãos de comunicação
xa, incluindo um tribunal, meas e mais 15 mil toneladas conduzir o veículo pa- mostravam fotografias de fa- social. Os milhares de polícias e bombeiros que participam
dois edifícios governamen- do terceiro edifício que ruiu. ra fora dos destroços, miliares e amigos desapare- nos trabalhos de resgate das vítimas dos atentados foram,
tais, dois prédios de escritó- Ontem, Rudolph Giuliani, o antes de serem trans- cidos. A Reuters encontrou contudo, avisados que a queda do edifício está iminente.
rios e uma farmácia. As au- “mayor” de Nova Iorque, infor- portados ao hospital. A Daphne Bowers, que foi ao Na área que circunda o complexo WTC ainda se estão a
toridades receberam várias mava que três mil toneladas já CBS 2 noticiou ainda Bellevue Hospital com uma verificar os danos colaterais da implosão das torres um e
chamadas telefónicas de pes- tinham sido retiradas. Uma pe- que “muitas pessoas fo- pequena foto emoldurada da dois e a consequente queda da torre sete. O Marriot World
soas que garantiram ter co- queníssima parte, portanto. ram encontradas vivas, sua filha de 28 anos, Veroni- Trade Center Hotel, que ficava na sombra das torres géme-
locado explosivos dentro de “Levará meses, talvez um incluindo uma mulher que: “Ela ligou-me e disse: as, desapareceu. O World Financial Center, localizado em
alguns edifícios. ano, para limpar tudo isto”, cal- de 24 anos”. As autori- ‘Mãe, o edifício está a arder. frente, está gravemente danificado. O Hilton Millennium
“Há pessoas que estão a culava Manny Piazza, um ou- dades não avançaram Há fumo a sair das paredes, Hotel está ainda de pé, mas tem 75 janelas a menos. Um
tentar tirar partido da an- tro bombeiro entrevistado pela dados sobre o número não consigo respirar’. A últi- edifício de escritórios da West Street, erguido em 1907,
siedade em que vive o país”, AFP. “Ainda nem começámos exacto de sobreviven- ma coisa que disse foi: ‘Gosto ficou com as estruturas gravemente abaladas. E várias
lamentou o chefe da polícia verdadeiramente a escavar os tes encontrados nessa muito de ti mãe, adeus’. Eram lojas e escritórios da Broadway e West Street apresentam
de Miami. escombros das torres, lá onde operação. 9h05 da manhã.” as montras e janelas completamente destruídas.
D E S TA Q U E 1 3
PÚBLICO•SEXTA -FEIRA, 14 SET 2001
TODOS
Bolsas dos EUA OS FUNDOS
só reabrem “AMERICANOS”
SUSPENSOS
segunda-feira A impossibilidade
de resgate dos fundos
de investimento
MERCADOS EUROPEUS “ARTIFICIALMENTE” POSITIVOS expostos aos mercados
O “atraso” na reabertura das bolsas é visto como norte-americanos
a principal condição para um arranque “sereno” sobe para 36
da maior praça financeira do mundo O grupo Espírito Santo pas-
sou a engrossar a lista de
ROSA SOARES Aliás, esse é o maior receio bancos e sociedades gesto-
dos principais bancos centrais ras que pediram a suspensão
A entidade supervisora do e das entidades de supervisão dos seus fundos de investi-
mercado norte-americano, a das bolsas mundiais, que es- mento expostos a activos e
Securities Exchange Commis- tão a desenvolver um “esforço” aos mercados norte-ameri-
sion (SEC), e os responsáveis gigantesco na concertação de canos. Na quarta-feira, já 27
das bolsas anunciaram on- meios para garantir norma- fundos tinham sido suspen-
tem que o arranque dos mer- lidade aos mercados. Por en- sos, e, a partir de ontem, pas-
cados só acontecerá na segun- quanto, esse esforço tem tido saram a ser 36, que represen-
da-feira. Completam-se hoje êxito, como o provam o funcio- tam a totalidade deste tipo
quatro dias de paragem de Wall namento sereno das restantes de produto financeiro. Esta
Street, mais do que o inicial- praças internacionais. medida, autorizada pela Co-
mente previsto, o que para As bolsas europeias, apesar missão de Mercado de Va-
muitos é justificável, porque, de muito voláteis, acabaram lores Mobiliários (CMVM),
para além dos problemas téc- ontem por encerrar em alta, à impede os subscritores de
nicos e humanos, consequên- excepção de Paris, que fechou resgatarem as respectivas
cia do atentado terrorista de em queda ligeira. Tal como na unidades de participação
terça-feira, é necessário dar quarta-feira, verificou-se mes- dos fundos em causa (ver
tempo aos investidores para mo uma recuperação de secto- quadro), bem como a sua
que recuperem do choque so- res como os seguros, a banca e subscrição.
frido, evitando uma reacção as telecomunicações, os mais O período de suspensão,
precipitada. massacrados nas poucas horas comum a muitos países eu-
de funcionamento das bolsas ropeus, é temporário, deven-
após o atentado. As praças asi- do ser levantada um dia após
Maior paragem áticas tiveram um comporta- A L I S TA a abertura dos mercados de
nos 80 anos mento misto, mas as duas prin-
cipais —Hong Kong e Tóquio
REND. EFECTIVA % Valor da UP
Nova Iorque, que passou a
estar prevista para a próxi-
Últimos Últimos
de Wall Street — encerraram positivas. 12 meses 24 meses (Euro) (PTE) ma segunda-feira. A medida
Na Europa, apesar da au- FUNDOS DE ACÇÕES INTERNACIONAIS cautelar — que inicialmen-
Os mercados accionistas sência de grande pressão ven- Fundo (Sociedade gestora) te pretendia incluir todos os
norte-americanos estão dedora, os volumes de negó- AF América (AF Investimentos (BCP) - -33,56 3,9878 799,48 fundos, pretensão que não
há quatro dias encerra- cio continuam modestos, o que AF Invest.Acc.América ( AF Investimentos (BCP) -33,09 -10,49 5,62 1126,71 foi aceite pela CMVM — foi
dos, o que representa a mostra o distanciamento de AF Portfólio Internac. (AF Investimentos (BCP) ) -33,14 -13,34 13,0863 2623,57 tomada por se recear uma
maior “paragem” das bol- muitos investidores, particu- BBVA Bolsa Internacional (BBV Gest) -36,63 - 3,2227 646,09 corrida ao resgate destes
sas de Wall Street nos úl- larmente grandes fundos, que BPI América (BPI Fundos) -38,72 -22,17 6,9119 1385,71 produtos.
timos de 80 anos. Segun- estão a aguardar pela tendên- BPI Financeiras (BPI Fundos) -19,59 -0,95 4,9443 991,24 A associação das socie-
do a Reuters, na história cia de Nova Iorque e por no- BPI Oportunidades Mundiais (1) (BPI Fundos) - - 3,2831 658,19 dades gestoras de fundos
BPI Tecnologias (BPI Fundos) -71,28 1,5626 313,27
da New York Stock Ex- vos desenvolvimentos relati- BNU Internacional -33,47 3,96 13,4997 2706,45 de investimento, a APFIM,
change (NYSE) há a regis- vamente à resposta que os Caixagest Acções EUA (Caixagest (CGD)) - - 4,1734 836,69 avança com uma leitura di-
tar a “Gigantesca Para- Estados Unidos possam dar ao Caixagest Gestão Acções EUA (Caixagest (CGD) - - 4,1873 839,48 ferente. Contactado pelo PÚ-
gem”, que durou quatro atentado. O esforço das entida- Finifundo Blue Chips (Finivalor (Finibanco) -34,77 -17,91 4,3528 872,66 BLICO, José Maia, presiden-
meses e meio, e que acon- des supervisoras europeias — Finifundo Small Caps (Finivalor (Finibanco) -39,26 -13,97 4,8266 967,65 te da APFIM, esclareceu que
teceu durante a Primeira confirmado pela própria Co- Santander Acções Internac. (Santander Fundos) -28,58 3,46 6,1719 1237,35 a medida visa “proteger os
Guerra Mundial. Na his- missão de Mercados de Valo- Santander Telecom (Santander Fundos) -59,47 -33,11 3,9685 795,61 investidores”, porque “a sa-
tória da bolsa electrónica, res Mobiliários (CMVM) por- BIG Crescimento Global (BIG Fundos) -66,33 -33,31 7,34 1470,96 ída e entrada dos fundos de-
o Nasdaq, que comemo- tuguesa — para garantir o Esp. Santo All Stars (ESAF) -31,29 -36,33 3,39 679,41 ve ser feita com uma certa
Esp. Sto Acções Global (ESAF) -33,59 -20,45 8,27 1657,85
rou este ano o seu 30º ani- funcionamento normal dos Esp. Sto Acções América (ESAF) -32,61 -17,69 8,68 1739,94 estabilidade de cotações” e o
versário, esta é a maior mercados bolsistas e as tenta- (1) As rendibilidades apresentadas para o F. BPI Oportunidades Mundiais têm como data de referência o dia 6 de Setembro de
resgate parcial poderá pre-
paragem de sempre. tivas dos bancos para garan- 2001.
judicar quem continuar no
tir liquidez levam alguns ana- fundo. Esclarece ainda José
listas a defender que parte da Maia que o pedido de sus-
tranquilidade dos mercados FUNDOS MISTOS (PREDOMINANTEMENTE ACÇÕES) pensão está relacionado com
A MARCHA
está a ser “imposta” ou garan- Caixagest Maxivalor (Caixagest (CGD) -17,7 -9,03 4,9205 986,47 o encerramento das bolsas
DAS BOLSAS E.S. Invest 40 (ESAF) - - 9,5772 1920,06
tida artificialmente. norte-americanas e, portan-
Por isso, as expectativas da Raiz Global (Central Fundos) -15,93 -5,37 4,8768 977,71 to, com a impossibilidade de
Europa reabertura norte-americana formar cotação das unidades
Alemanha/Frankfurt Xetra Dax 1,4% continuam a aumentar. É que, FUNDOS DE FUNDOS de participação.
Itália/Milão Mibtel 0,70% para além dos grandes fundos BBVA Êxito (BBV Gest) - - 4,8887 980,1 Claro que há opiniões
França/Paris Cac 40 -0,01% de investimento, o comporta- BIG Moderado (BIG Fundos) 0,91 - 10,4791 2100,87 divergentes, porque os
R.Unido/Londres FTSE 100 1,26% mento dos investidores indivi- BIG Sectores (BIG Fundos) -28,83 - 7,6646 1536,61 momentos de grande ins-
BIG Valorização (BIG Fundos) -9,86 - 9,4419 1892,93
Espanha/Madrid Ibex 35 0,03 % duais, que canalizam grande BPI Universal (BPI Fundos) -22,1 -15,32 5,9917 1201,23 tabilidade dos mercados per-
Portugal/Lisboa Psi 20 0,81% parte das suas poupanças para Privado Agressivo F.F. (Privado Fundos) -34 -22,75 3,94 789,9 mitem perdas para uns e
a bolsa e para os derivados, po- BNC Global 25 (BNC Gerfundos) - - - - ganhos para outros — e as
Ásia/Austrália derá ser determinante para o BNC Global 50 (BNC Gerfundos) - - - - suspensões limitam a opção
Hong Kong Hang Seng 0,80% comportamento dos restantes BNC Global 75 (BNC Gerfundos) - - - - do investidor. Por outro lado,
Japão Nikkei 225 0,03% mercados. Esp. Sto Op. Dinamica (ESAF) -18,08 -9,15 4,42 885,61 ao receio de resgate de fun-
China Shanhai B -0,49% Há, no entanto, quem alerte Esp. Sto Op. Moderada (ESAF) -7,10 -2,09 4,78 959,03 dos não é alheia a má “per-
Nova Zelândia NZSE 40 1,1% para a possibilidade de as pri- Esp. Sto Top Ranking (ESAF) -22,43 8,05 5,67 1137,53 formance” que estes fundos
Austrália Sidney S&P/ASX 0,58% meiras sessões poderem ser Gestão Activa -3,35 1,66 6,04 1210,57 apresentam, na sequência
“seguradas” por grandes insti- das fortes quedas dos mer-
América Latina tuições, para dar a ideia de que FUNDOS DIVERSOS cados accionistas mundiais,
Brasil Bovespa -6,42% o ataque não abalará a confian- Santander Banca (Santander Fundos) -13,99 11,87 5,99 1201,31 o que pode contribuir para
México México IPC Fechado ça dos americanos. Por isso, na Privado Cresc. F.F. (Privado Fundos) -0,72 12,73 5,49 1100,65 que os investidores tentem
Argentina Merval -2,96 segunda-feira, e se não houver Privado Rendimento F.F. (Privado Fundos) -4,39 -4,79 4,57 916,20 resgatar as suas unidades de
E.S. Invest 90 (ESAF) - - 8,84 1772,16
mais adiamentos, o resto do Fonte: Fundos que comunicaram a suspensão dos resgates à CMVM até quinta-feira; Cotações da APFIN em 7 de Set de 2001
participação, mesmo por um
*Cotações de fecho da sessão de 13 de mundo vai estar suspenso da UP - Unidade da participação; —: não disponível. valor inferior ao da subscri-
Setembro reabertura de Wall Street. I ção. I R.S.
D E S TA Q U E 17
PÚBLICO•SEXTA -FEIRA, 14 SET 2001
Preço do petróleo S. R.
transaccionado 2. As entidades promotoras só serão aceites desde que preencham, cumulativamente, as seguintes
condições:
a) Estejam regularmente constituídas nos termos da lei;
O ouro transaccionou-se on- não era excluída a hipótese b) Disponham de capacidade técnica e logística para desenvolver o projecto a que se candidatam;
tem em margens reduzidas de um movimento de subida c) Incluam nas suas finalidades estatutárias a promoção da saúde e/ou a luta contra a
e fechou nos 280,25 dólares do preço. Um negociante ci- toxicodependência;
(309,190 euros) por onça, em tado pela Reuters lembrava d) Não sejam devedoras à Segurança Social, à Fazenda Pública, nem à entidade financiadora.
alta ligeira face à abertura, a corrida ao ouro que se se-
nos 278,50 dólares (307,259 guiu às notícias do ataque DESPESAS APOIÁVEIS
euros). A negociação carac- terrorista aos Estados Uni- - Obras de remodelação e adaptação, tendo em vista a estrutura respectiva (apartamentos de rein-
terizou-se por um volume re- dos, que levou o preço do me- serção e centros de motivação);
duzidíssimo, o que é expli- tal precioso aos 291 dólares - Equipamento (mobiliário; enxoval; maquinaria de cozinha e de lavandaria);
cado pelos analistas com a por onça (321 euros). A mes-
relutância dos mercados em ma fonte sugeriu que, se o
- Transportes (aquisição de veículos para transporte exclusivo de utentes).
assumir posições até à aber- preço do ouro se suportasse APRESENTAÇÃO DAS CANDIDATURAS
tura da praça norte-ameri- nos 276 dólares (304 euros), As candidaturas encontram-se abertas pelo período de 15 dias úteis, a contar da data desta publicação.
cana. “Enquanto não forem seriam possíveis ganhos fu-
conhecidas as implicações turos. DOSSIER DE CANIDATURA:
a longo prazo dos ataques a Segundo o Deutsche Bank, O dossier de candidatura é constituído por:
Nova Iorque e Washington, o “o ouro pode estabilizar num - Formulário de candidatura (disponível neste Instituto e em www.ipdt.pt);
que se espera é que os baixos preço alto em alturas de ins- - Documentos comprovativos das condições de acesso da entidade promotora do projecto.
volumes sejam a principal tabilidade política e risco
característica do mercado”, acrescido no mercado, mas LOCAL DE APRESENTAÇÃO
dizia ontem o relatório diá- será fundamental que os pre- Instituto Português da Droga e da Toxicodependência - Av. João Crisóstomo, n.º 14 – 1000-179 LISBOA
rio do Barclays Capital. ços se aguentem acima do
Para a maior parte dos nível técnico de 282 dólares A Presidente do Conselho de Administração
operadores, ainda é muito (311 euros) por onça para se Elza M. Deus Pais
cedo para comentar os movi- negociar a níveis ainda mais
mentos futuros do ouro, mas altos”.
1 8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA -FEIRA, 14 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
ANÚNCIO
com medo de recessão devem ser também levados
em conta. Sem contar com os
efeitos dos atentados de ter-
subido de ano para ano,
nos últimos 15 anos, mas
durante o conflito prati-
ça-feira, “uma semana atrás camente estagnaram:
Nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 16º do D.L. n.º Os operadores turísticos portu- lamentos já atingiram 80 por falávamos em perdas de 2,8 1989/90 — mais 19,2 por
343/98, de 06/11, dá-se conhecimento que, em conformidade com o aprovado na gueses receiam uma recessão cento das reservas. mil milhões de dólares no cento (221 mil milhões
Assembleia Geral de 25 de Julho de 2001, esta sociedade vai redenominar as no sector devido ao clima de A World Travel, vocacionada tráfego regular internacio- de dólares-263,4 mil mi-
acções representativas do seu capital social da seguinte forma: insegurança criado pelos aten- para o mercado empresarial, nal este ano. Não há dúvidas lhões)
IDENTIFICAÇÃO DOS VALORES MOBILIÁRIOS A REDENOMINAR: 5.000 acções
representativas do capital social desta sociedade que é de PTE 5.000.000, com a
tados nos Estados Unidos. Para garante que a sua actividade de que serão muito maiores”, 1990/91 — apenas 0,5
consequente alteração da denominação do capital social para euros. além da previsível diminuição caiu 90 por cento. “Tudo o que disse Gaillard. por cento (276,6 mil mi-
FONTE NORMATIVA EM QUE ASSENTA A DECISÃO: Decreto-Lei n.º 343/98, de 6 de tráfego de passageiros para estava marcado para os próxi- lhões).
de Novembro. a América do Norte, as reser- mos dias foi cancelado”, disse Certas companhias 1991/92 — mais 13,9 por
TAXA DE CONVERSÃO: 200$482. vas para viagens com destino a ao PUBLICO.PT Pedro Barata, “vão afundar-se” cento (315,1 mil mi-
MÉTODO DE REDENOMINAÇÃO E O NOVO VALOR NOMINAL: Através do método
Londres, Roma e Paris também presidente do grupo. Uma se- Os analistas avisam que vá- lhões).
previsto no n.º 2 do art.º 13º do D.L. n.º 343/98, de 06/11, arredondando-se (renomi-
nalizando) à unidade (euro) fixando-se o valor nominal de cada acção em 5 euros estão a ser afectadas. mana de viagens canceladas rias transportadoras pode-
e o capital social em 50.000 euros, representado por 10.000 acções, após a reali- Comparando o actual clima poderá custar à empresa 200 rão ir-se abaixo devido à Visitas de norte-america-
zação do aumento de capital social, para o mínimo legal nos termos do D.L. n.º de insegurança com o que mil contos de prejuízos. perda de negócio. Outras em- nos à Grã-Bretanha (só
343/98, de 06/11, a efectuar por incorporação de reservas livres. se gerou após a Guerra do O número de portugueses presas do sector também de- em 1995 é que o número
DATA PREVISTA PARA O PEDIDO DE INSCRIÇÃO DA REDENOMINAÇÃO NO RE-
Golfo, Vítor Filipe, presiden- que viaja para New Iorque e verão ser atingidas, especial- de visitantes voltou aos
GISTO COMERCIAL: 15 de Outubro de 2001.
te do Conselho da Adminis- Newark aumentou de 183.900 mente aquelas que dedicam níveis de 1990)
Maia, 14 de Setembro de 2001
tração da Elovia, associação para 215.500 no ano passado, importantes fatias do negó- 1990 — 1,56 milhões
Pelo Conselho de Administração de agências de viagens, disse segundo Isabel Palma, das rela- cio ao tráfego para os Esta- 1991 — 1,03 milhões
ao PUBLICO.PT que os cance- ções públicas da TAP. D.R. dos Unidos — casos da Bri- 2000 — 1,9 milhões
2 0 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA -FEIRA, 14 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
MIGUEL SILVA
P&R PCP E BE
CONTRA ACÇÃO
— O que mudou no mundo?
MILITAR
— Como devem e podem os Es- Só os partidos à esquerda do
PS estão contra uma eventual
tados Unidos e os seus aliados participação de Portugal numa
acção de retaliação militar pe-
responder a esta situação? los atentados terroristas ocor-
ridos terça-feira, nos EUA.
Em declaração escrita en-
“REALIDADE MUDOU viada aos órgãos de comuni-
cação social, o secretário-ge-
ANTES DE SER ral do PCP, Carlos Carvalhas,
afirma que “Portugal não po-
COMPREENDIDA” de ter uma posição seguidis-
ta, nem contribuir, no plano
1 — Foi uma terrível demonstração de político e militar, para um cli-
que, mais uma vez, a realidade mudou ma de irracionalidade e para
antes de ser compreendida. É sobretudo o agravamento da tensão nas
evidente a incapacidade demonstrada relações internacionais”. “A
Adriano pelos serviços de informação. Jaime Gama: “Estamos disponíveis para cooperar em todos os planos” morte de mais inocentes não
Moreira, redime o sacrifício de milha-
ex-líder 2 — Tem de seguir-se uma firme e severa res de cidadãos dos EUA, víti-
Portugal disponível
do CDS revisão das estratégias em vigor e da mas dos intoleráveis atenta-
solidariedade dos aliados, para que a dos”, acrescenta.
resposta inevitável reponha a confiança Já anteontem, um membro
na ordem e na justiça internacional. da comissão política do PCP
alertava para que as declara-
SÁBADO
EDIÇÃO LISBOA
15 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4198
200$00 • €1 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico.pt
www.publico.pt
MIL FOLHAS
falstaff
tudo no
BUSH MOBILIZA 50 MIL RESERVISTAS
mundo
é farsa
PARA UMA GUERRA LONGA
R E V I S TA X I S
FBI identificou 19 suspeitos de envolvimento
RELATO DE UM NÁUFRAGO
nos ataques em Nova Iorque e Washington
LARS OTTOSSON/REUTERS
Limpa-chaminés,
na Suécia,
perfilado durante
os três minutos de
silêncio cumpridos
na Europa pelas
vítimas nos EUA
AUTÁ RQUICAS 2001 Congresso dos EUA aprova 40 mil milhões de dólares de PUBLICIDADE
BARTOON E OPINIÃO 24 A 26
BOLSA E MERCADOS
TELEVISÃO
CLASSIFICADOS
38 A 40
54/55
65 A 73
INFLAÇÃO EM PORTUGAL PODE CHEGAR AOS 4,4 POR
CINEMAS
TEMPO E FARMÁCIAS
74/75
76
CENTO COM UM CRESCIMENTO DE APENAS 2 POR CENTO
P34
2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
Em Nova Iorque, Bush pegou num megafone e disse: “A nação manda-vos o seu amor”
PRESIDENTE FOI A NOVA IORQUE terminado de raides puni- Bush e relatar a visita — um milhão de reservistas.
tivos. “[Os terroristas] co- onde falou com bombeiros Para já, serão mobilizados 50
meçaram esta guerra. Nós e operários e ouviu gritar: mil. Vão integrar as equipas
Os Estados Unidos continuam a preparar-se para a decidiremos o momento em “EUA, EUA. Não os deixem que vão vigiar o espaço aé-
guerra, que pode ser longa. “Nós decidiremos o que esta guerra acabará”, escapar”. Bush pegou num reo. Os primeiros a ser mo-
momento em que esta guerra acabará”, disse disse ontem Bush em Wa- As fontes do megafone e disse aos ho- bilizados serão especialis-
shington, onde participou mens: “A nação manda-vos o tas — controladores aéreos,
Bush, que ontem visitou os destroços de Nova numa missa a lembrar as ví-
“Washington Post” seu amor”. Estava previsto pilotos, peritos em comuni-
Iorque. Declarou o “estado de emergência timas; ao mesmo tempo, ce- no Pentágono que seguisse, depois, para cações, segundo as fontes
nacional” e chamou os reservistas lebraram-se missas em todo disseram que, no outro local — o centro de re- do Pentágono ouvidas pelo
o país. À cerimónia junta- planeamento da gisto de desaparecidos era “Washington Post”.
ram-se os ex-presidentes Bill uma hipótese, o destino foi A última vez que os milita-
ANA GOMES FERREIRA Clinton, Jimmy Carter, Ge- operação militar, se mantido secreto até ao fecho res na reserva foram mobi-
Nova Iorque rald Ford e George Bush. está a falar numa série desta página. lizados foi em 1991, durante
À tarde, Bush visitou os de países: Afeganistão Seja qual for a opção mili- a Guerra do Golfo. Na Casa
destroços do World Trade tar, os responsáveis pela De- Branca estava o Presidente
Poderá ser longa a “primei- rar uma acção militar con- Center, em Nova Iorque. Ti-
(onde Bin Laden fesa decidiram que ao país George Bush, pai do actual
ra guerra do século XXI”, tínua contra os autores do nha gente à sua espera, nas vive), Iémen, Sudão, não bastam os 1,4 milhões chefe de Estado.
como o Presidente George ataque. E, segundo a edição ruas por onde o seu carro Argélia e Paquistão de militares no activo. Pe- No dia 11 de Setembro, ter-
W. Bush chamou ao conflito de ontem do jornal “The Wa- passou, com bandeiras ame- diram a Bush para activar roristas desviaram aviões
que começou na terça-feira shington Post”, poderá op- ricanas. E havia bandeiras os reservistas. O Presidente comerciais e atiraram-nos
passada, quando terroristas tar por esta estratégia — que dos EUA nas janelas. En- aprovou o pedido, o que im- contra alvos em Nova Iorque
árabes atacaram os Estados prevê ataques de vários gé- trou, depois, na “cidade fan- plicou declarar “estado de (o World Trade Center, que
Unidos. neros — preterindo a outra tasma” — disse o jornalista emergência nacional”. Por ruiu, matando milhares de
O Pentágono está a ponde- hipótese, um número pré-de- escolhido para acompanhar lei, podem ser chamados até civis) e Washington (o Pentá-
D E S TA Q U E 3
PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001
A morte anda nas ruas de Manhat- pasta negra o pó e a cinza que se acu-
tan. Colou-se às paragens dos auto- mulou no chão numa camada de dez
carros. Aos postes da electricidade. centímetros. Até à suspensão dos tra-
Às montras das lojas. Aos muros dos balhos tinham sido retiradas sete
hospitais. Ataca a qualquer momen- toneladas de entulho, uma parcela
to. Sempre que a palavra “desapare- ínfima do que ainda existe.
cido” é substituída por “morto” nos “O meu primo Roland Pacheco de-
cabeçalhos dos cartazes com que os sapareceu. A última vez que falámos
familiares dos que estavam nas tor- com ele foi depois do ataque. Estava
res do World Trade Center forraram numa sala de conferências e ligou à
os espaços públicos. mãe a dizer que alguma coisa tinha
São milhares de cartazes. Cartazes atingido a torre onde estava, queria
improvisados, com fotografias dos saber se ela sabia o que se estava a
desaparecidos, frases escritas à mão passar e disse que estavam a mandá-
e números de telefone, para o caso de los embora. Ela foi acender a televi-
alguém ter visto uma pessoa igual são e, quando voltou, ele já não estava
àquela. “Susan Hai. Estava a traba- na linha”, conta um homem chama-
lhar no 106º andar. Chinesa. Relativa- do Pacheco, que, como os milhares
mente magra. Tem um pequeno sinal acumulados à porta do Armory na
no queixo”. “Isaias Rivera. Tinha ao quinta-feira à noite, exibia uma foto-
pescoço um fio de ouro a dizer ‘Jesus grafia do primo. Tentava mostrá-la
reina”. “Cathrina Robinson. Tam- para as câmaras de todos os canais de
bém conhecida por Patsy Henry”. televisão que estacionaram no local
“Frederick Kuo. Não tem sinais par- precisamente para mostrar as foto-
ticulares, mas tem um filho”. grafias dos desaparecidos e deixar
Incomodam, os cartazes espalha- que os familiares debitassem, por en-
dos por Manhattan. Têm fotogra- tre lágrimas, números de telefone.
fias de pessoas felizes. Há poses Pacheco consegue colocar-se mes-
formais. Mas também gente descon- mo ao lado do governador George
traída. Em casamentos, em jantares Pataki, que foi visitar o Armory. O
de família, a jardinar, em férias. governador fala-lhe, toca-lhe. Faz o
John Schart está ao pé da Torre Ei- mesmo com outros. Quando o go-
ffel de Paris. “É reconhecível por vernador parte, por entre aplausos,
uma tatuagem japonesa na perna Pacheco grita-lhe: “Obrigado sr. Pa-
esquerda e uma bandeira america- taki”. “Este homem veio aqui. Este
na no braço direito”. governador tem estado em todo o la-
Quantas são as caras de Manhat- do”, diz Pacheco, para quem a aten-
tan? Quinta-feira à noite, eram cin- ção do governador tem um efeito vi-
co mil. O número de fichas re- sivelmente consolador. No Armory
cebidas pelo centro de registo de há gente em pé desde a manhã. Há
pessoas desaparecidas, aberto nes- gente que não consegue ir-se embora.
sa manhã no edifício Armory. Mas “Não consigo dormir. Não consigo
vão ser mais. Ao Armory continua estar em casa”, diz um homem com
a chegar gente. o pai desaparecido.
Primeiro, foi-lhes pedido que des- Cadeias de “fast food” mandaram
crevessem, com todos os pormeno- entregar pizzas aos desesperados.
res, os familiares desaparecidos. Empresas de refrigerantes manda-
Depois, foi-lhes pedido que trou- ram água e sumos, e também há bar-
xessem os registos dentários. Por ras energéticas. Foi no Armory que
fim, que levassem as escovas de surgiram os primeiros sinais de pa-
dentes das pessoas que procuram. triotismo. Apareceram cartazes com
E que desapareceram na terça-fei- a bandeira dos Estados Unidos e a
ra de manhã, quando terroristas frase “estamos unidos”. Nos teatros
suspeitos de pertencerem à rede da Broadway que abriram, recupe-
do saudita Osama bin Laden des- rou-se uma tradição que se acredi-
viaram aviões e, usando-os como tava esquecida — os actores e os es-
bombas, “dispararam-nos” contra pectadores cantaram, juntos, o “God
as torres gémeas do World Trade bless America”.
Center, que ruiu com quem lá esta- O centro de registos do Armory
va dentro — 20, 30 mil pessoas? abriu para poupar passos aos familia-
As escovas de dentes são impor- res e amigos dos desaparecidos. Pas-
tantes porque o registo dos arran- saram terça e quarta-feira a correr os
jos nos dentes podem não chegar hospitais, onde há funcionários com
para identificar os corpos. Muitos listas de feridos e mortos. O Armory
corpos não são corpos. São bocados centraliza, agora, toda a informação.
de corpos. São pés, braços, cabeças, Porém, as famílias não desistem dos
troncos. É possível que, em muitos hospitais. É neles que poderão ter
casos, apenas análise de ADN pos- notícias mais depressa.
sam dar-lhes nomes. É por isso tam- No Bellevue, deram à parede
bém que as fotografias incomodam. de fotografias o nome de “wall of
As formas humanas que mostram São milhares os cartazes que forram as ruas de Manhattan, dos postes às montras das lojas prayers” (parede das orações). Perto
podem já não existir. Quando che- das dez da noite, entra uma mulher
gar o momento, pode não haver cor- à procura do marido. Já esteve em
pos para enterrar.
Na madrugada de ontem, caiu uma
Blair pede “prudência” numa resposta “determinada” todos os outros hospitais. Já esteve
no Armory. A funcionária da lista de
tempestade em Nova Iorque, que feridos e mortos tem más notícias
obrigou à interrupção dos trabalhos O primeiro-ministro britânico Tony Blair avi- tempo que for necessário até que esta ameaça e pede ajuda a um sacerdote — há
de remoção dos escombros e procura sou ontem que serão tomadas acções “deter- seja verdadeiramente aniquilada e esta má- sacerdotes de todos os credos nos
de sobreviventes e vítimas, no lugar minadas” contra os responsáveis pelo ataque quina de terror seja erradicada”. Numa clara hospitais e no Armory, assim como
onde existia o World Trade Center. terrorista contra os Estados Unidos, assim que mensagem de que o Reino Unido está dispos- tradutores de castelhano e chinês.
Relâmpagos iluminaram o céu e, de- estes forem indentificados com base em “pro- to a acompanhar uma resposta americana aos O homem está morto.
vido ao perigo, a maquinaria teve vas fortes”. Durante uma sessão extraordiná- atentados de Nova Iorque e Washington, Blair No Beth Israel, duas famílias tro-
que ser desligada. Os bombeiros, so- ria do parlamento, Blair afirmou que após esta afirmou que “para proteger o mundo contra cam informações. “De onde era?”
corristas e operários pararam. fase “as acções serão realizadas”. E irão sê-lo outros actos de terror é necessário agir”: “Va- “Do 104º andar.” “Se lhe servir de con-
Durante a manhã, as operações de uma “forma determinada”, sublinhou o pri- mos agir, como já o fizemos antes, de uma ma- solo, soube agora de uma pessoa que
prosseguiram a ritmo lento, devido meiro-ministro, antes de avisar que essas ac- neira reflectida e prudente, mas as medidas estava no 104 e sobreviveu. A nossa
à chuva forte que transformou em ções “levarão tempo e continuarão a levar o têm que ser tomadas.” filha estava no 106.”
D E S TA Q U E 5
PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001
OS NÚMEROS R E S E R V I S TA S
ORÇAMENTO 30 a 50
A N T I T E R R O R I S TA mil é, segundo fontes oficiais, o número de
reservistas que o secretário da Defesa, Do-
nald Kumsfeld, planeia chamar para de-
20.000 fender o país na iminência de uma respos-
ta armada aos atentados de terça-feira.
... duplo calendário, fases da lua...
milhões de dólares era o montante pedido pe- Um milhão é, no entanto, o número
lo Presidente ao Congresso para aplicar na lu- de reservistas que o Presidente nor-
ta contra o terrorismo e na reconstrução das te-americano está autorizado a chamar,
infra-estruturas destruídas ou danificadas em podendo estes actuar sem a autorização
Washington e Nova Iorque após os atentados. do Congresso durante dois anos.
40.000
milhões de dólares (8,4 milhões de contos)
S O N DAG E N S
19 2,1
terá sido o número de terroristas a controlar
os aviões. Cinco estariam em cada um dos mil milhões de dólares (440 milhões de con-
dois aviões que destruíram as Twin Towers tos) é o valor que, com os ataques terro-
do World Trade Center, em Nova Iorque. ristas, se soma às perdas que as compa-
quatro em cada um dos dois outros aviões. nhias aéreas norte-americanas esperavam
Estão já todos identificados. ter este ano. 4,4 mil milhões de dólares
é o total a que ascende o défice deste ano das
T E R R O R I S TA S companhias que, já antes dos incidentes
de terça-feira, atravessavam graves
problemas económicos. 10 mil milhões é, a
50 nível mundial, o valor estimado das perdas
que sofreram, globalmente, todas as compa-
era o número de terroristas que fontes des- nhias que operam voos de/e para
tes serviços secretos afirmavam estarem os Estados Unidos.
identificadas como envolvidos numa acção 62% de 187 companhias contactadas esta
classificada como “bem financiada”. 52 pes- semana para um inquérito revelaram ter
soas eram, contudo, mencionadas e procura- proibido os seus empregados de viajarem
das para interrogatórios numa lista que o em negócios para os EUA, pelo menos até ao
FBI enviou para os aeroportos. fim da próxima semana.
7 Lakenheath IT GO
CA 30 WA BI
CA IA HE KU Á
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I A E GA M POL RE RQ AE
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O A ND 12 EMA AL 29 IA AR SAUD
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UR 15 18
16 17 20 22 25 EO O
GIC MB 19 21 23 24 26 AR ÂN IPT
5 BÉL U XE NÇA M ERR EG
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FRA 3 LIA 27 T
4
ITÁ E DI
A M Sexta Frota
Sexta Frota NH Sexta Frota (Mar Arábico)
PA
(Mar Mediterrâneo) ES
L
GA Legenda 1 Porta-aviões
1 Cruzador RTU
3 Destroyers
PO 2 1 1 Cruzador
Países
3 Destroyers
1 Fragata da NATO 1 Submarino
2 Submarinos
Países aliados 2 Caçaminas
1 Navio almirante
dos EUA 2 Dragaminas
3 Barcos anfíbios
1 Barco de apoio logístico
2 Barcos de abastecimento
1 Barco de combustível
2 Barcos de resgate e salvamento
2 Barcos de patruhla costeira N 20 Rebocadores
Sede: Pullach
A C
outras áreas áreas de Nova Iorque por aviões dos EUA em os subúrbios para deter
Ano de fundação: 1956
SC
LA
Orçamento: -
terroristas.
Pessoal: 7.000 funcionários
a
si
Ru
A
na
Orçamento: - bombardeiam
A
U
OESTE
A
AW
PERANTE O CONFLITO
Afeganistão
LEGENDA
C
Datos gerais Os talibán governam o país desde 1996. O seu regime político é muito
H
IN
confuso e o seu único aliado reconhecido pela comunidade Efectivos
Superfície: 647.497 km2 Principais
A
internacional é o Paquistão. A protecção a Osama bin Laden – quase Aeroportos Urânio
Exército
População: 21,9 milhões de hab. uma questão de orgulho nacional – motivou sanções internacionais. ÃO Gás Petróleo
inimigos dos
ST Marin
PIB: 20.000 milhões de dólares (1999) UI EUA
F. Aérea
Forma de estado: Emirado islâmico JIQ O
Zona controlada TA TÃ 520.000
350.000
Sistema de governo: Autoritário
pela Aliança do Norte IS
Chefe de Estado reconhecido pela ONU: U 22.000 22.000
(coligação anti-taliban) Q .
PA 45.000 G 45.000
Burhanuddín Rabbani (derrubado) FE O
Poder efectivo: O movimento taliban Feyzaba A Ã
Cidades controladas
Ã
O
I ST 00
controla cerca de 90% do país parcialmente pela IR U N5
. Taloqan E Q 0 .
Aliança do Norte Islamabad U PA Km
EQ Kondo Asadaba A
Q
ZB Baghlan IR
U Pol-e Komri Meatrala
Jalalaba
A
BI
Mazar-e Samanga Charika
O Kabu LÍ
TÃ Kowt-
ÍN
IS Shebergha
D
Bamia Baral Gardey 35.000
EN
IA
Sar-e 375.000
Bakhtia 8.000
EM Zareh 22.000 2.000
U
RQ
Meymane 35.000
TU O Bunker de Bin Laden
Changhchara T Ã
O
IS TÃ
N Tarin IS
Qal'eh-ye A Qala
Q
U
G PA
FE 00
Exército Hera A 2
IR
1
Dividido em facções e K m. Trata-se de um regime autoritário e
Lashkar 0
consumido por uma guerra civil fundamentalista comuna economia
que dura há décadas. Fara muito debilitada por muitos anos de
guerra e isolamento internacional.
População pronta para se alistar: Poderia ser o principal
Zaran aliado do Afeganistão.
3.400.000 Tem arsenal atómico. Crescimento anual (95/00): 2,9%
Exército terrestre de 40.000 pessoas Inflação: 14%
Composição étnica
870 tanques (T-54, T-55, T62) Mortalidade infantil: 151 ‰
Uzbeque Outros Esperança de vida: 45 anos
Aviação 5.000 pessoas
5% 3% Analfabetismo: Homens 49,6%
80 SU-7 SU-17 SU-22, 30 Mig-23, 90 Mig-21 Hazara Mulheres 79,9%
Mig Mig Tayikos 19% Pastun
Escolaridade 12/17 anos: 15,5%
21% 52%
Endereços de Internet: 0,0004 mil/hab.
Paquistão extensa e porosa fronteira, que tem servido de vál- guerra civil em curso, fornecendo armas aos seus da vez mais à ajuda da Rússia. Washington receia
Principal canal de comunicação do regime afegão vula de escape para centenas de milhares de afe- opositores no Norte do país e exortando a uma ac- que o Movimento Islâmico do Uzbequistão — fi-
com o mundo, o Paquistão parece ter relativamen- gãos que fogem da guerra e da seca. ção conjunta com outras potências europeias con- nanciado com dinheiro da droga e treinado pelos
te pouca influência sobre os taliban, cujos líderes tra o regime de Cabul. taliban — represente um braço da organização de
recusam conselhos e pressões externas. Gover- Rússia Osama bin Laden e, por isso, forneceu treino, equi-
nando pelo general Musharraf, que chegou ao po- A ex-União Soviética — que antes incluía o Taji- Ásia Central pamento e apoio político aos governos que o com-
der através de um golpe de Estado, o Paquistão es- quistão, o Uzbequistão e o Turquemenistão — inva- Os países da Ásia Central que foramavam a cintura batem. A Rússia colocou tropas no Tajiquistão.
tá a tentar obter apoio internacional de modo a diu o território afegão em 1989 mas perdeu a guer- da União Soviética emergiram como campo de ba-
projectar uma imagem mais moderada e a recupe- ra e teve de retirar as suas tropas em 1989. Os talha para a insurreição islâmica, ajudados pelo Arábia Saudita
rar a economia, não obstante o seu apoio aos tali- combates contra os soviéticos marcaram o início Afeganistão. Nos últimos dois anos, o Movimento Se há um epicentro na fúria islâmica contra os
ban e aos guerrrilheiros que combatem as forças de duas décadas de carreira de Osama bin Laden, Islâmico do Uzbequistão levou a cabo "raides" para EUA, ele situa-se 60 milhas a Sul de Riade (Arábia
indianas na disputada região fronteiriça de Caxe- que foi para o Afeganistão para combater Moscovo derrubar os novos e quase democráticos governos Saudita), numa base aérea no deserto onde deze-
mira. No entanto, se os EUA decidirem lançar uma juntamente com os seus "mujahedin" (combatentes locais, e impor a lei islâmica no Vale de Ferghana, nas de aviões americanos, de combate e reconhe-
ofensiva aérea ou uma invasão, Islamabad critica- islâmicos) e entretanto se transformou no líder de que engloba partes do Uzbequistão, Tajiquistão e cimento, estão estacionados para policiar o Sul do
rá publicamente essa ofensiva e não permitirá que uma organização terrorista a quem os taliban de- Quirguízia. Os líderes da região responderam refor- Iraque. A aviação dos EUA chegou à Arábia Saudi-
o seu território seja usado como rampa de lança- ram refúgio. A Rússia tornou-se num dos maiores çando as suas forças de defesa, isolando frontei- ta em 1990 quando Saddam invadiu o Kuwait.
mento. O Paquistão e o Afeganistão partilham uma opositores dos taliban, ajudando a financiar uma ras, limitando liberdades internas e recorrendo ca- (Adaptado do "The Washington Post")
Em 1998, o paquistanês Yousufzai entrevistou Bin Laden — foi a última vez que um jornalista teve oportunidade de o fazer. Hoje, garante
que os taliban não entregarão o seu “hóspede”, nem mesmo sob a ameaça de um ataque militar. Por Alexandra Prado Coelho
SAYED SALAHUDDIN/REUTERS
Rahimullah Yousufzai, editor do jornal paquis-
tanês “The News Internacional”, colaborador
da BBC, da ABC e da revista “Time”, foi o último
jornalista a entrevistar Osama bin Laden, o
homem que os EUA acusam de estar por detrás
dos atentados em Nova Iorque e Washington
e que é “hóspede” dos taliban afegãos. Em con-
versa telefónica com o PÚBLICO, a partir de
Peshawar, no Paquistão, conta que nessa altura,
em 1998, Bin Laden respondeu que não tinha
medo dos EUA porque “só há uma superpotên-
cia — Deus”.
PÚBLICO — Os taliban vão alguma vez
entregar Osama bin Laden aos EUA?
RAHIMULLAH YOUSUFZAI — Nunca. Nun-
ca o entregarão. Nunca o expulsarão mesmo que
tenham que sofrer ainda mais. Há alguns meses,
quando entrevistei o “mullah” Omar [líder dos
taliban], ele disse-me ‘metade do meu país está
destruído, se a outra metade for destruída para
proteger Bin Laden, estamos prontos’”.
Por que o defendem desta forma?
Porque deram a sua palavra. Isso faz parte
da nossa religião. Nunca se recusa protecção
a uma pessoa em dificuldades. Ele participou
na guerra contra os soviéticos, pôs a sua vida
em risco, ajudou os “mudjahedin” e as viúvas
destes, dando-lhes dinheiro. Os taliban não o
podem trair.
Pensa então que haverá um ataque dos
EUA ao Afeganistão?
Todos os dedos estão apontados a Bin Laden.
A América já tomou a sua decisão. Só não sabe-
mos como e quando atacarão.
Que tipo de alvos podem ser atacados no
Afeganistão, um país semidestruído?
A maioria das infra-estruturas foram destru-
ídas por mais de 30 anos de guerra. O país está
devastado. Penso que os americanos vão tentar O Afeganistão é um país devastado, com a maioria das infra-estruturas destruídas por mais de 30 anos de guerra
destruir o poder militar dos taliban, porque
acham que se eles forem afastados do poder cem a um homem, Omar, que é o comandante respondeu-me ‘sou rico no coração’. Mas é um
conseguirão apanhar Bin Laden. Vão tentar dos crentes. Enquanto ele estiver vivo, os taliban homem em fuga. Nunca está muito tempo no
“Mullah” Omar
destruir os aeroportos que restam, os quartéis, estarão unidos. mesmo sítio. Sabe que é um homem procurado, apela à resistência
os símbolos do poder em Cabul e Kandahar, as Bin Laden influencia Omar? o inimigo número um dos EUA. Perguntei-lhe
duas principais cidades. Tem havido divergências entre eles. Em 1998, também se tinha medo da superpotência. Disse-
Que consequências terá esta guerra para Bin Laden deu uma conferência de imprensa me que só há uma superpotência: Deus. O líder supremo dos taliban, “mullah”
o Afeganistão? sem autorização, Omar ficou muito zangado e Ele tem um plano de expansão do islamis- Omar, apelou ontem aos afegãos para
Os taliban não estão verdadeiramente com disse que só podia existir um líder no país. Eu mo? reavivarem a chama das batalhas pas-
medo. Os afegãos dizem que já foram atacados, fui autorizado a entrevistar Bin Laden, mas foi O que ele quer é a retirada dos americanos sadas contra os imperialismos britâ-
durante 33 anos, com aviões e mísseis, e pensam a última entrevista que ele deu. da Arábia Saudita e de toda a região do Golfo, nico e russo e resistirem a um eventual
que nem os americanos os conseguirão destruir. Como descreveria Bin Laden? por razões patrióticas [Bin Laden é saudita] e ataque dos EUA. “O povo do Afeganis-
O país vai sofrer mais se os taliban perderem Tem cerca de 40 anos. A sua barba está a ficar religiosas, quer o reconhecimento dos direitos tão deve bater-se contra o seu inimigo
o poder. Mas não sabemos se os EUA consegui- branca. É alto, sofre das costas, e por isso anda dos palestinianos e um governo islâmico na com coragem, segundo as verdadeiras
rão capturar Bin Laden, que é o seu principal com a ajuda de um cajado, parece ter problemas Arábia Saudita e noutros países da região. Penso tradições muçulmanas”, disse Omar
objectivo. Nos últimos bombardeamentos [em de rins, mas não está seriamente doente. É um que os seus planos não vão além disso. numa declaração lida na Rádio Sha-
1998] não conseguiram capturá-lo nem destruir homem de poucas palavras, mas fala apaixona- Sendo, como diz, um homem em fuga, é riat, dos taliban. O dirigente religioso
os seus campos de treino. Isso foi um falhanço. damente dos assuntos que para ele são impor- muito difícil entrevistá-lo? disse ainda que não tomava esta atitu-
Agora querem preparar-se melhor. Não podem tantes: a “jihad” [guerra santa] contra os EUA e É impossível encontrá-lo sem a autorização de “apenas para se manter no poder”,
aceitar outro falhanço. Israel, a defesa dos direitos dos palestinianos. dos taliban. Eu fui levado perto da meia-noite senão “podia facilmente colaborar com
Há divisões entre uma ala mais moderada Percebe algum inglês mas fala em árabe. Tem para o deserto, perto de Kandahar. Não me ve- os americanos”.
dos taliban e a ala mais radical, próxima do quatro mulheres, todas em Kandahar, e disse- daram os olhos, porque era noite e confiaram em
“mullah” Omar? me que tinha perdido a conta aos filhos que mim, mas são bastante rígidos com a segurança
O movimento está unido porque todos obede- tem. Quando lhe perguntei sobre a sua fortuna, dele.
O
horror é indescritível. Tal A OPINIÃO DE do, como ouvi quando estava na univer-
como todos os americanos, RESHMA MEMON YAQUB sidade durante a Guerra do Golfo. Tenho
estou paralisada com a car- medo que o meu filho não compreenda
nificina nos noticiários, nas Ao contrário de quando um por que é que os estranhos não lhe sor- MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
nossas ruas. A minha cabeça lateja a riem como de costume. Receio que seja-
pensar na dor que envolve milhares
acto terrorista é cometido por mos desumanizados por causa da cor da
de famílias cujos entes queridos foram um cristão ou um judeu, pele, das feições ou da roupa. Dói-me o O ICS organiza um Mestrado em Ciências Sociais, especial-
mortos ou feridos na terça-feira. Quan- quando é um muçulmano não coração cada vez que um amigo ou pa- mente vocacionado para a formação de jovens investigadores,
do fecho os olhos, vejo corpos a saltar rente me telefona, com o som da CNN ao a iniciar em Outubro de 2001. Partindo do património
das janelas dos arranha-céus.
é considerado um acto isolado fundo, e tristemente me recorda: “Nós comum às Ciências Sociais, o curso oferece duas especializa-
Entrei em pânico quando se deu o ata- perpetrado por um grupo muçulmanos estamos feitos.” ções temáticas:
que, atravessei os bairros suburbanos isolado de loucos. Toda a nossa Por instantes fiquei animada ao ou-
das redondezas a correr para ir ter com fé é apelidada de bárbara vir o escritor Tom Clancy explicar que PORTUGAL CONTEMPORÂNEO - HISTÓRIA,
o meu filho e a “babysitter” que, como o Islão é uma religião pacífica e que nós
de costume, brincavam num parque ali e desumana americanos não devemos perder os nos-
POLÍTICA E ECONOMIA (SÉCS. XIX E XX) E
PORTUGAL CONTEMPORÂNEO - SOCIEDADES
perto. Implorei ao meu marido, que es- sos ideais de tolerância religiosa. [...] Na
E CULTURAS
tava no seu escritório num edifício de teram actos de terrorismo — ou foram verdade, o Islão proíbe tais actos de vio-
Washington, que viesse para casa. erroneamente considerados culpados, lência. De facto, todos os muçulmanos
[...] Tal como todos os americanos, te- como em Oklahoma — verificaram-se que conheço arrepiam-se com a ideia de As candidaturas ao Mestrado decorrerão entre os dias 17 de
nho medo. Penso qual será o significado inúmeros crimes de ódio contra muçul- a nossa fé estar a ser abusada em nome Setembro e 4 de Outubro de 2001.
disto. Penso se já estará tudo acabado, ou manos americanos que como eles eram de agendas políticas. E embora eu, tal co-
onde e quando será o próximo ataque. É a naturais “dessa parte do mundo”, con- mo os outros americanos, queira que os Para mais informações:
primeira vez que senti o género de medo tra mesquitas americanas, contra crian- autores sejam julgados, eu tremo só de
que imagino que as pessoas noutros pa- ças americanas nas escolas muçulmanas pensar nas vidas de inocentes que se per- Mestrado em Ciências Sociais
íses sentirão quando estão em guerra. que rezam ao mesmo Deus dos judeus e deram desnecessariamente do outro lado Instituto de Ciências Sociais - Dra. Maria Goretti Matias /
Tal como todos os americanos, estou cristãos — um Deus que prega a paz. do oceano nesta perseguição. Crianças Dr.ª Eugénia Rodrigues
indignada. E quero justiça. Mas talvez Agora não receio apenas pela nossa como as nossas. Mães como nós. Avenida das Forças Armadas, Edif. ISCTE, ala Sul, 1º andar
ao contrário de muitos americanos, tam- segurança como americanos. Também Sempre que é noticiado um acto terro- 1600 Lisboa - Telefone 21 799 50 00 - Telefax 21 796 49 53
bém sinto mais qualquer coisa. Um tipo receio pela segurança das minhas cunha- rista, rezo duas orações. A primeira, pelas E-mail: Goretti.Matias@ics.ul.pt
de medo diferente. Sinto o que os restan- das, que andam com a cabeça coberta em vítimas e suas famílias. A segunda, por
tes seis milhões de muçulmanos ameri- público, e imploro-lhes que não andem favor que não tenha sido um muçulmano
canos estão a sentir — o receio de que nós sozinhas pelas ruas da nossa cidade na- a cometê-lo. Porque, ao contrário de quan-
também sejamos considerados culpados tal. Receio pelo meu irmão, advogado de do um acto terrorista é cometido por um
aos olhos da América, se se vier a des- direito civil que defende muçulmanos cristão ou um judeu, quando é um muçul-
cobrir que os loucos que estão por trás em casos mediáticos de discriminação. mano, não é considerado um acto isolado
deste acto terrorista são muçulmanos. Tenho medo de ouvir pessoas declarar perpetrado por um grupo isolado de lou-
Sinto como de repente me tivesse tor- abertamente que o sangue dos muçulma- cos. Toda a nossa fé é apelidada de bár-
nado no inimigo de dois grupos — os nos não vale nada e merece ser derrama- bara e desumana. E, caros americanos,
que pretendem ferir os americanos e os venho dizer-vos, tão chocado como vocês,
que querem ripostar. Encontro-me nu- que não é. Que nós não somos. Que nós
ma encruzilhada assustadora. No passa- Exclusivo PÚBLICO/ “Los Angeles Times” muçulmanos amamos o nosso país tanto
do, quando muçulmanos isolados come- texto integral em www.publico.pt como vocês, e que sofremos convosco.
1 2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
Vaga de
MILHARES DE patriotismo
VOLUNTÁRIOS OFERECEM atravessa
os Estados
AJUDA ÀS EQUIPAS Unidos
Venda de bandeiras
disparou, na sequência
Ao sol e, agora, A maioria aguardou que al- para os bombeiros. Aos rapa- Depois dos atentados, os nor-
guém os chamasse debaixo zes cabe-lhes fazer passar os te-americanos decidiram re-
à chuva, os nova- de um sol abrasador — as caixotes de mão em mão até fugiar-se nos seus símbolos
iorquinos não arredam temperaturas ascenderam chegarem onde são precisos. — a bandeira e o hino na-
pé dos locais de esta semana aos trinta graus À entrada do parque, carros e cional — para afirmarem a
recrutamento, na ânsia —, enquanto agora são as camionetas vão parando para sua solidariedade. As rádios
chuvas que se abateram so- entregar mais donativos, de passaram a tocar com algu-
de poderem colaborar bre a cidade que tornam a es- grandes empresas ou de sim- ma regularidade o hino e des-
nas operações de pera mais difícil. Isto no caso ples cidadãos anónimos. de quinta-feira que houve um
resgate e limpeza daqueles que preferem ficar “Separamos as mercado- verdadeiro assalto às lojas pa-
no próprio local em vez de rias por categorias para que ra comprar bandeiras.
voltarem para cada e aguar- possam de imediato ser en- A cadeia de armazéns Wal-
VALÉRIE LEROUX dar lá que os chamem. caminhadas até ao local da Mart vendeu mais de 200 mil
“Inscrevam-se e indiquem tragédia”, explica Maureen bandeiras na quarta-feira e no
De capacete de obras na mão a vossa profissão para poder- Rahill, 34 anos. Há mais de dia seguinte ficou-se pelas 115
e muita raiva no coração, mi- mos distribuí-los em função dez horas que trabalha sem mil, tendo em conta que há
lhares de nova-iorquinos es- das necessidades”, explica parar, tal como o resto da sua uma semana o seu recorde ti-
tão a apresentar-se como vo- uma jovem que tenta manter equipa. Especialista em or- nha sido apenas de seis mil.
luntários junto das equipas a calma na sala. As ofertas ganização de eventos (deba- As estrelas e as riscas verme-
de socorristas, numa onda de auxílio, no entanto, che- tes, conferências…), acabou lhas, brancas e azuis esvoaçam
generalizada de solidarie- gam rapidamente à satura- por deixar o trabalho para vir por todo o lado: nas casas, au-
dade que rapidamente está ção. “Por agora, temos gente ajudar. “Telefonei logo para tocarros, automóveis ou sim-
a descambar numa grande mais do que suficiente. Mas a empresa a dizer que não ia plesmente são levadas na mão,
confusão. Desde quinta-fei- não se sintam frustrados. Va- trabalhar. Eles compreende- num formato de bolso que é
ra que o Javits Center, lugar mos precisar de vossa ajuda ram logo. Sabe, eles são nova- vendido por todo o lado. Em
normalmente eleito para fei- nas próximas semanas. Isto iorquinos, sabem o que se está São Francisco, certas lojas de-
ras e exposições, se transfor- ainda não acabou”, diz um po- a passar.” cidiram retirar os seus produ-
mou num enorme centro de lícia colocado a algumas ruas Um matulão de feições se- tos das montras e substituí-los
recrutamento, literalmente do local de recrutamento. veras prepara-se para par- pelas bandeiras.
tomado de assalto por pesso- “Esperava que as coisas es- tir para as ruínas do World O próprio Congresso norte-
as dispostas a ajudar de algu- tivessem mais bem organiza- Trade Center. Questionado americano incentiva a popu-
ma forma. das”, lamenta, sem se impa- sobre o seu estado de espíri- lação a adquirir a bandeira
Perante a afluência cres- cientar, Roy Dan Hollander, to, limita-se a levar uma mão americana como “símbolo de
cente de voluntários, os pro- um advogado de 50 anos pron- ao coração e a responder: “A solidariedade”. “Içar a bandei-
fissionais mais necessários, to a ajudar em qualquer sítio. América está mais forte que ra mostra que nós não estamos,
como chefes de obra, carpin- Perto dele, duas jovens habi- nunca”, diz, cerrando os den- nem seremos vencidos”, decla-
teiros e pedreiros, foram en- tuadas a dar apoio psicológico tes. Subitamente, os aplau- rou o senador do estado de No-
caminhados para uma fila são também requisitadas. sos irrompem. Cerca de cin- va Iorque, Charles Schumer.
à parte que vai avançando “Preciso de voluntários. quenta homens conseguem Depois de uma crise, a co-
a conta-gotas. Secretárias, Tragam-me cinco rapazes”, subir, quase à força, para um munidade tende a unir-se,
advogados ou quadros finan- grita um homem do outro la- camião. “Desçam, não po- explica o director do gabi-
ceiros que conseguiram fu- do da rua, num parque de es- dem ir lá fazer nada”, grita nete de gestão de crises da
gir dos seus escritórios no tacionamento transformado um polícia. “Sejam pacien- Universidade de Washing-
World Trade Center e de to- em centro de triagem, onde tes, cooperem connosco e vão ton, Mitch Hammer. Esta
do o quarteirão de Wall Stre- chegam todo tipo de abasteci- descansar”, pede, mais di- união tem por base a aver-
et foram reagrupados no mentos: água mineral, comi- plomaticamente, um outro são a um inimigo comum
outro lado do Javits Center. da, “T-shirts” e roupa lavada agente. AFP que vem do exterior, su-
blinha o professor. Por
SHANNON STAPLETON/REUTERS isso, os muçulmanos
e árabes que vivem
nos EUA correm o ris-
co de sofrer as conse-
quências desta aver-
são, acrescenta.
As agressões a pes-
soas, a edifícios ou a
símbolos árabes já se de-
ram um pouco por to-
dos os estados america-
nos. Uma situação que se
pode agravar se não for fei-
to nada em contrário, avisa
Mitch Hammer: “Sem uma
intervenção, eles [a comuni-
dade árabe] podem apanhar
por tabela porque ainda não
existe um alvo concreto.”
Anteontem, o presidente Ge-
orge W. Bush e o ministro da
justiça, John Ashcroft, apela-
ram aos americanos para que
não transformem os muçulma-
nos e os árabes em bodes ex-
piatórios. “As represálias con-
trariam os princípios e as leis
que defendemos para os EUA,
elas não serão toleradas”, disse
Muitos cidadãos têm vindo a juntar-se, como voluntários, às equipas de socorristas KIERAN DOHERTY/REUTERS Ashcroft. AFP
1 4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
MARCOS TOWNSEND/EPA
ESCOLAS
TENTAM
TRANQUILIZAR
ALUNOS
Professores,
funcionários e
psicólogos prepararam
primeiro dia de aulas
pós-atentado
ISABEL LEIRIA
12 3. Marriott Hotel
dade de expressarem os seus 250m de 450.000 ra ou no pulmão e dão
West Sr
Perímetro estabelecido
sentimentos” e “reassegurar pela Guarda Nacional toneladas 13 4. WTC 4 origem a placas que vão
We
de destroços 5. WTC 5
a segurança dos alunos” são Vesey Street endurecendo. Depois de
st S
6 6. WTC 6
algumas das indicações. O do- 20 5 diagnosticada a doença,
tree
11 7. WTC 7
cumento faz ainda uma refe- MANHATTAN a morte por asfixia é ir-
Church Srree
t
1 8. North Bridge
rência específica à necessida- 8 9. Liberty Plaza reversível”, disse ao “El
City Hall 10
on
de de se prestar muita atenção 2 10. East River Savings Bank Mundo” um responsável
Rio Huds
4 9
oo
possam surgir entre os dife- 3 12. Federal Bldg. mento de Saúde e Higie-
kly
y
wa
idg
Bro
A mulher do Presidente dos Lower 14. Bankers Trust Cárcova. Depois de estar
e
W Liberty Street
a ll East
EUA, Laura Bush, fez tam- St
re Side 18 15. Two World Financial Center exposto ao amianto, um
et 16 14 16. South Bridge
bém questão de endereçar 17 indivíduo leva menos de
CENTRO
Rio 19 17. One World Financial Center
uma carta às crianças das es- Battery Park FINANCEIRO
st
uma década a contrair
Ea Hudson 18. St Nicholas Greek
colas primárias e outra aos es- Rio cancro. Uma situação
Orthodox Church
tudantes do ensino superior, Brooklyn Edifícios que abateram total ou parcialmente não prevista pelos terro-
Estações de 19. 90 West Street
assegurando que o Governo Battery Edifícios com danos graves 20. Three World Financial Center ristas, mas que terá con-
Tunnel Metro danificadas
iria protegê-los. sequências mortais.
Ú
D E S TA Q U E 1 5
PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001
PAULO CARRIÇO/LUSA
CELEBRAÇÕES LITÚRGICAS
SUSPENSAS EM FÁTIMA
As celebrações religiosas no
Santuário de Fátima foram
interrompidas pelo Bispo de
Leiria/Fátima para que se JOSÉ VÍTOR MALHEIROS
cumprissem três minutos de
silêncio. D. Serafim Ferreira
e Silva interrompeu a euca-
ristia na Capelinha das Apa-
rições e pediu aos cerca de
Um memorial da
dois mil peregrinos presen-
tes para rezarem em silêncio
pelas almas dos que falece-
loucura humana
ram vítimas daqueles atenta-
dos. “Provavelmente, vamos
ouvir ruídos. Não queremos
ouvir um avião suicida ou
outros crimes, mas apenas
a voz de Deus”, afirmou o
A destruição das torres do World Trade Cen-
ter não foi apenas uma prova da vulnerabi-
lidade da suposta inexpugnável fortaleza
americana. Quem seguiu na terça e quarta-
feira a detalhada cobertura televisiva do ataque, quem
prelado segundos antes das assistiu incrédulo à derrocada das torres e quem pôde
11h00. ver (mais do que o pânico) o choque espelhado no rosto
dos nova-iorquinos, nunca esquecerá essas imagens.
Em alguns minutos, aquilo que eram das mais orgu-
SIRENE NO INÍCIO DO SILÊNCIO Portugal, durante os três minutos de silêncio: Antómio Guterres com membros do seu “staff” e, lhosas criações humanas, feitas propositadamente para
em baixo, multidão na Baixa portuense e banhistas na praia de Albufeira tocar o céu, para ser um símbolo do poder económico
DO PORTO mas também da capacidade humana de sonhar e de
chegar sempre mais longe, desfizeram-se literalmente
A proposta de fazer três minu- cumprir três minutos de si- avam naquela que é uma das beram que a cidade parava em fumo e em pó. O pó que cobria os passantes e os
tos de silêncio em homenagem lêncio em homenagem às zonas turísticas mais con- por três minutos, ou não elementos das equipas de socorro como neve ou como
às vítimas dos ataques terro- vítimas dos atentados dos corridas da capital mostra- quiseram quebrar o ritmo a cinza de um vulcão era exactamente isso: tudo o que
ristas nos Estados Unidos es- Estados Unidos, durante a ram-se solidários com a ini- do dia. T.L. restava do cimento, do ferro, do vidro, do aço que fazia
teve muito perto de cumprir viagem para Lisboa, onde sá- ciativa, embora muitos deles as torres.
o seu objectivo no Porto. Des- bado defronta o Benfica. O desconhecessem a hora a Quando, após a derrocada, o fumo e as nuvens de pó se
contando alguns condutores autocarro portista encostou que começava. BOMBEIROS TOCARAM dissiparam o suficiente para ver o gigantesco monte
ou transeuntes menos avisa- pouco depois da saída para de escombros que deveria ter ficado, afinal não havia
dos para a importância sim- Santa Maria da Feira e os jo- SIRENES EM SANTARÉM monte de escombros porque tudo se tinha desfeito
bólica do momento, as muitas gadores saíram para a ber- RUÍDO SUSPENSO em pó, como numa história fantástica, como se tudo
centenas de pessoas que acor- ma para cumprir os três mi- NA BAIXA DE COIMBRA Santarém aderiu simbolica- aquilo fosse afinal feito apenas de ar, como se as duas
reram ou simplesmente esta- nutos de silêncio. No seu mente à homenagem às víti- gigantescas torres fossem afinal um balão que se tivesse
vam de passagem pela Baixa estágio, os jogadores benfi- Cerca das 11h03 de ontem, mas dos atentados em Nova esvaziado, um castelo de cartas
portuense respeitaram à risca quistas suspenderam igual- uma revoada de pombas as- Iorque e Washington, ten- reduzido às suas duas dimen-
a solenidade exigida pelo mo- mente a sua preparação pa- sustadas sublinhou o re- do o gesto mais significa- Esse espaço sões.
mento. O som de uma sirene ra se associarem ao gesto de gresso do ruído e do movi- tivo sido protagonizado pe- A derrocada de dois dos maiores
dos bombeiros marcou o iní- solidariedade. mento à Praça 8 de Maio, no los 12 bombeiros municipais deveria ser edifícios do mundo tinha dado
cio e o final desses três mi- coração da Baixa de Coim- em serviço. Os bombeiros transformado origem não ao maior monte de
nutos de silêncio quase total. bra, provavelmente o local perfilaram-se no exterior do em local de ruínas do mundo mas a um es-
De Nuno Cardoso, presidente MUITA AGITAÇÃO público da cidade onde a quartel e tocaram as sirenes
memória. Não pécie de buraco negro, como se
da câmara do Porto, ao tenen- NA BAIXA LISBOETA manifestação foi mais “vi- durante os três minutos. O um destino indiferente não se
te-general Cipriano Alves, co- sível”. Às badaladas que, na comandante dos Bombeiros um memorial importasse de aniquilar até a
mandante da região militar Os três minutos de silêncio Igreja de Santa Cruz, assi- Municipais de Santarém, glorioso, feito de memória do que aí existiu, das
Norte, várias personalidades em solidariedade com o po- nalaram as 11h00, muitas Pedro Carvalho, destacou vidas que aí viveram, devolvendo
associaram-se ao silêncio eu- vo americano estiveram lon- pessoas estancaram, calan- neste gesto uma homena-
uma imensa literalmente a terra à terra, a
ropeu na Praça da Liberdade. ge de perturbar o ritmo ace- do-se, e as outras foram fa- gem particular aos bombei- massa de cinza à cinza, o pó ao pó.
Local que, segundo Cardoso, é lerado da Baixa lisboeta. O zendo o mesmo. Naquela ros mortos depois da queda mármore Além do horror, das vidas des-
“a praça de todas as alegrias, trânsito e as pessoas conti- zona, onde também os fun- das torres do World Trade imaculadamente truídas, do sofrimento que ima-
de todas as lutas, mas também nuaram a circular e as má- cionários da câmara muni- Center. Funcionários e po- ginamos nos últimos momentos
o local onde os portuenses se quinas que esventram, rui- cipal e o presidente saíram pulação aderiram igualmen- polido, mas feito de todos os que morreram, o ata-
reúnem quando querem cho- dosamente, o solo em vários à rua, alguns não interrom- te, de forma geral, à inicia- das ruínas do que terrorista foi insuportável
rar alguma coisa”. M.B. pontos dos Restauradores e peram os passos, mas o si- tiva, saindo para o exterior World Trade — ainda é difícil acreditar que
do Rossio não se detiveram, lêncio só foi quebrado pelo dos edifícios e parando nas não se tratou de um pesadelo —
apesar de o encarregado de ruído dos automóveis e dos ruas.
Center porque nos impôs o vazio e a au-
FC PORTO E BENFICA SUSPENDEM uma das obras ter garanti- autocarros dos serviços mu- sência onde antes tinha havido
do à Lusa que “quem qui- nicipalizados, na Rua da So- uma orgulhosa declaração da
ACTIVIDADES ser parar o trabalho, pára”, fia, ou pelas perguntas de “MEIO” SILÊNCIO NA presença humana. Se as Capelas Imperfeitas da Batalha
mesmo sem instruções nesse uns poucos, que se dirigi- CAPITAL ALGARVIA são o confronto entre a obra e o nada, o exemplo de
A equipa de futebol do FC sentido por parte do emprei- ram aos jornalistas para sa- como um sonho se pode fazer pedra, o vazio deixado
Porto fez uma paragem na teiro. berem o que é que se estava Em Faro nem todas as pes- pelo World Trade Center é a encarnação da destruição
auto-estrada do norte para Os estrangeiros que passe- a passar. G.B.R. soas cumpriram os três mi- absoluta, da indiferença do terror, do vazio do mal.
LUÍS FORRA/LUSA nutos de silêncio — muitas É porque esse vazio é insuportável, mas também porque
revelaram até desconhecer o a memória desta tragédia é indispensável que esse
EM BRAGA APENAS apelo. Ainda assim, um pou- espaço deveria ser transformado em local de memória.
SE BAIXOU O VOLUME co por todo o Algarve a ho- Não um memorial glorioso, feito de uma imensa massa
menagem às vítimas foi as- de mármore imaculadamente polido, mas feito das
No movimentado centro da sinalada, designadamente ruínas do World Trade Center, dessas grelhas retorci-
cidade de Braga, o fim da nas autarquias, organismos das que emergem como espectros das cinzas ainda
manhã é um corrupio de públicos, estabelecimentos fumegantes dos edifícios.
cargas e descargas, de gente comerciais, rádios locais e Só elas poderão materializar esse dever de memória. Só
a fazer compras e de católi- população em geral.A maior elas poderão dar a medida da efemeridade dos homens
cos a participar nas missas parte das rádios que emitem e da sua loucura, da sua capacidade de destruir e de
matutinas. Ontem, pouco a partir do Algarve optaram gerar sofrimento, mas também de recordar e, talvez, de
antes das onze horas, os si- por um “total silêncio” em sobreviver. O orgulho de alguns poderá querer erigir
nos da Igreja de Santa Cruz, antena, enquanto outras as- naquele espaço torres mais altas ainda que as agora
junto à Rua de S. Marcos, sinalaram o momento com derrubadas, mas o mundo inteiro tem direito a esta
anunciaram os três minutos a passagem de música clás- memória.
de silêncio, que não foi to- sica. Na rua, em especial na Tal como Auschwitz é um local de memória e de reco-
tal. Nos cafés, no talho, na “baixa” de Faro, foram mui- lhimento, de prece e de silêncio — e seria insuportável
farmácia, havia gente esta- tos os peões e os automobi- que fosse outra coisa. Tal como seria inconcebível uma
cada ou em pequenos gru- listas que pararam durante Hiroshima sem a presença da sua Cúpula da Bomba
pos a reflectir em voz baixa. os três minutos, tendo al- Atómica.
Por momentos, os ruídos di- guns deles saído das viatu- Os salmos ensinam-nos, à maneira sábia dos salmos,
ários baixaram de volume, ras em total silêncio. Já na que o homem “floresce como uma flor do campo e
mergulhados num instante Avenida Gulbenkian, uma desaparece levado pelo vento, sem deixar sequer uma
de reflexão. Mas também das mais movimentadas ar- memória no lugar que ocupava”. Mas enquanto o últi-
houve muitos distraídos, ab- térias da cidade, foram pou- mo homem não for levado pelo vento, cabe-nos tentar
sortos nos seus afazeres di- cas ou nenhumas as pessoas alimentar o sonho e as esperanças que são a razão de
ários, que, ou não se aperce- que respeitaram o apelo. ser dessa flor do campo.
1 8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SÁBADO, 14 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
RALPH ORLOWSKI/REUTERS
MERCADOS
Euro no máximo
de seis meses
O crescente receio de uma
recessão económica e de
uma forte retaliação dos
EUA são os principais fac-
tores apontados pelos ana-
listas para justificar a contí-
nua valorização do euro face
ao dólar. Ontem, ao fim da
tarde a moeda única ganha-
va 1,06 por cento face à divi-
sa americana, tendo atingi-
do o valor mais elevado dos
últimos seis meses. O euro
cotou-se a 0,9207 dólares, de-
pois de ter atingido um novo
máximo desde 13 de Março
deste ano, nos 0,9247 dólares.
Para esta valorização contri-
buiu também a divulgação,
ontem, de que a produção
industrial norte-americana
caiu, pelo 11.º mês consecu-
tivo, 0,8 por cento em Agosto.
Também o iene está a bene-
ficiar das dificuldades que
se vivem nos EUA. Nos úl-
timos sete dias, o dólar des-
ceu dos 120,10 ienes para os
117,32 ienes. Conforme ex-
plicou um operador citado
pela agência Lusa, “os in-
vestidores estão a fechar as
suas posições em dólares”
e a procurar outras divisas,
como sejam o franco suíço,
que se tem vindo a valorizar
A praça de Frankfurt comandou as perdas das últimas quatro sessões das bolsas europeias, com 13,4 por cento depois dos atentados.
Petróleo sobe
INQUÉRITO
1. O que mudou no mundo?
Isto não é um filme pela violência. A NATO não foi criada para
responder a este tipo de violência e não de-
em três actos de Holywood ve ser envolvida. Suspeito, aliás, que a retó-
rica da solidariedade vai superar em muito
a prática da solidariedade, até porque mui-
1 — Mudou, de um dia para tos países não estarão dispostos a seguir
o outro, o sentimento ilusó- uma interpretação estrita dos tratados inter-
rio de segurança na nossa nacionais a pedido dos Estados Unidos da
civilização. Agora todos sa- América sem terem garantias de que os Es-
bemos que estamos expos- tados Unidos abandonam a política isolacio-
tos aos golpes devastadores nista que em tempos recentes os tem levado
duma internacional fanáti- a denunciar unilateralmente vários tratados
Mário de ca, em qualquer parte do internacionais. Era bom que os Estados Uni-
Carvalho, mundo, a qualquer momento. dos da América não retaliassem pela violên-
escritor Firmou-se a consciência de cia e tomassem medidas activas para neu-
que há uma linha que separa tralizar o crescimento dramático dos
a civilização da barbárie. E com a barbárie sentimentos antiamericanos em várias par- Contribuição militar portuguesa poderá resumir-se à base das Lajes
não se pode transigir. Oxalá sirva de lição tes do mundo. Para isso seria necessário
aos que em nome de interesses geoestraté- que se envolvessem activamente na trans-
gicos animaram, municiaram, treinaram e
propagandearam o lado satânico da Histó-
ria.
formação do actual modelo de globalização
neoliberal que lança na miséria e no deses-
pero tantos milhões de pessoas ao mesmo
tempo que permite escandalosas concen-
Portugal sem meios bélicos
2 — Com a cabeça fria e sentido de Estado.
Vejo com inquietação o irromper de senti-
mentos de histeria colectiva e patrioteira
trações de riqueza. E, aí sim, os Estados Uni-
dos precisam do apoio dos seus aliados que,
neste caso, serão muitos e excederão em
para participar em ofensiva
nos EUA. Isto não é um filme em três actos muito os países da NATO.
de Holywood. Premissa dramática, progres- EUA ainda não lidariedades passivas. Temos como centro de comunicações
são, resolução. Não estamos no princípio do pediram autorização que participar naquilo em que e de reabastecimento de aviões,
segundo acto. Nem haverá um final com a “É importante evitar para utilização das acreditamos e em que vale a embora com a evolução tec-
derrota dos maus e a vitória dos bons. pena participar.” nológica as aeronaves tenham
Impõe-se um ponderado sentido da História a anatemização do Islão Lajes. O pedido pode O director da Direcção-Ge- cada vez mais autonomia. Os
e não um desastrado sentido do espectáculo. no seu todo” ser dispensável ral de Política de Defesa Nacio- EUA podem até dispensar a ba-
Algumas imaginações anseiam por ver Ca- nal, general Pinto Ramalho, se das Lajes. Os seus aviões po-
bul a arder. Não tem o menor interesse. Ca- HELENA PEREIRA por sua vez, sublinhou ao PÚ- dem ser reabastecidos no ar ou
bul é um monte de cacos, onde há mulheres, 1 — Mudou, essencialmente, BLICO que Portugal “já assu- através dos porta-aviões.
crianças e velhos. Gente inocente e já mais a percepção das ameaças. A base das Lajes, nos Açores, miu na plenitude a solidarie- O primeiro acordo com os
que martirizada. De facto, tratou-se da primei- deverá ser o maior contributo dade política com os EUA”. O EUA para a utilização das La-
Qualquer passo precipitado pode levar a des- ra grande demonstração de de Portugal para uma eventual general afirmou que se a situ- jes foi firmado há precisamen-
locamentos imprevisíveis. Há que impor a Is- que se alterou de forma subs- retaliação contra os autores dos ação fosse a contrária o nosso te 50 anos, no dia 6 de Setembro
rael que se abstenha, neste momento, de tirar tancial o conceito de guerra, atentados terroristas. O nosso país seria “o primeiro a desejar de 1951. Em 1995, entrou em vi-
partido da situação. Qualquer provocação algo que já tinha sido anteci- país não tem meios de ataque a solidariedade” dos restantes gor o Acordo de Cooperação e
pode suscitar reflexos solidários no mundo José pado, mas que não tinha sido para acompanhar uma opera- membros da NATO. “O mun- Defesa entre Portugal e os EUA
islâmico. E não é o Islão que está em causa. Manuel ainda verificado na prática. ção ofensiva ao lado dos EUA. do de hoje é um mundo dife- que regula a utilização das La-
É o “Viva a Morte” do terrorismo sem alma. Durão Constatámos como uma ac- Aliás, apesar de ter participado rente do de dia 10”, sustentou, jes e revoga todos os acordos
Barroso, ção terrorista pode, pela am- em várias missões internacio- acrescentando que cada país bilaterais que existiam.
presidente plitude que reveste e pelas nais, os militares portugueses deve ter um discurso firme e Os norte-americanos não pa-
do PSD, consequências que inevita- nunca estiveram directamen- de estabilidade. gam renda pela utilização das
“Retórica da solidariedade antigo velmente gerará, sair dos te envolvidos em operações de De qualquer modo, os prin- instalações, mas há uma sé-
ministro quadros tradicionais de uma combate. cipais meios das Forças Arma- rie de regras que têm que res-
vai superar prática da dos forma específica de criminali- Convém lembrar que Portu- das estão disponíveis. A Força peitar. Os EUA comprometem-
solidariedade” Negócios dade com fins políticos, para gal não tem meios aéreos, nem Aérea tem três F-16 empenha- se, por exemplo, a cooperar no
Estrangeiros entrar na categoria dos actos navais com capacidade de ata- dos no Kosovo, ou seja, estão reforço do desenvolvimento
bélicos de novo tipo. que. A Força Aérea não possui em território nacional, mas económico e social da Região
1 — É evidente que este ata- Para o resto do mundo, a imagem dos EUA bombardeiros e os F-16 de que prontos a actuar nesse territó- Autónoma dos Açores, na mo-
que terrorista contém algo saiu, por um lado, mais vulnerabilizada. Mas, dispõe são de defesa aérea (no rio se a NATO os solicitar. A dernização da indústria e in-
de novo; não se pode, contu- por outro lado, gerou-se ao mesmo tempo uma Kosovo tiveram uma missão de Marinha tem uma companhia vestigação na área da defesa, a
do, exagerar a sua novida- onda de simpatia para com aquele país e de protecção e vigilância). O Exér- de fuzileiros em Timor e um va- não substituir trabalhadores
de. Não é a primeira vez que indignação pela barbárie dos actos que o atin- cito tem efectivos de operações so de guerra na Stanavforlant. portugueses por pessoal norte-
povos poderosos são forte- giram, abrindo uma oportunidade para uma especiais, treinados em reco- Em termos de efectivos, o Exér- americano, a não ser nos casos
mente atingidos ou derrota- acção enérgica de todos quantos quiserem lha de informações em terri- cito tem cerca de mil homens em que não haja candidatos
Boaventura dos por forças reconhecida- combater este novo tipo de ameaças. tório hostil, mas estes nunca fora do país, a maior parte dos qualificados para o posto de
de Sousa mente mais fracas. De facto, participaram em missões inter- quais em Timor-Leste. trabalho, e a não nomear pa-
Santos, essa possibilidade é recor- 2 — Os EUA e os seus aliados devem respon- nacionais. Ao nível logístico, ra comandante das Forças dos
sociólogo, rente e está inscrita no tema der com toda a firmeza, procurando um quadro Portugal pode, por exemplo, dis- Pedido de autorização Estados Unidos nos Açores um
professor bíblico de David contra Go- multilateral tão alargado quanto possível. ponibilizar uma fragata para das Lajes é dispensável oficial com patente militar su-
da lias. O que há de novo é o Os Estados que apoiem as actividades terro- apoio ao comando e controlo. Os EUA ainda não pediram au- perior à do comandante portu-
Universidade facto de aparentemente es- ristas devem ser exemplarmente punidos. “Nós temos capacidades li- torização a Portugal para a uti- guês da base área nº 4 (Lajes).
de Coimbra tarmos perante o primeiro Contudo, é importante evitar a anatemização mitadas em termos de actua- lização da base das Lajes para O número máximo de pessoal
grande acto de uma nova es- do Islão no seu todo, sendo assim condição ções de grande escala, mas pon- uma futura acção militar de norte-americano estacionado
tratégia de confrontação violenta, uma guer- essencial chamar os Estados islâmicos mode- tualmente temos capacidades resposta aos atentados terro- e rotativo, em tempo de paz,
rilha internacional. Até agora, a guerrilha rados a participar neste esforço. que podemos disponibilizar. A ristas de terça-feira. Fonte mi- é de 6500 pessoas. Quanto ao
era marcadamente um fenómeno nacional Mas não tenhamos ilusões: o carácter multila- nossa participação mais pro- litar realçou ao PÚBLICO que, armazenamento de munições
e, aliás, parecia ser um anacronismo que teral do combate às novas formas de terroris- vável será mais em facilidades a ser feito, o pedido deverá che- e explosivos, é que não há limi-
teimava em resistir em alguns países, como, mo não pode dispensar iniciativa e liderança, nas Lajes. Para já, os EUA não gar momentos antes da opera- tes de quantidades. As únicas
por exemplo, a Colômbia, a Espanha, as Fili- as quais neste momento só podem vir dos precisam de meios bélicos de ção e não será divulgado para obrigações são as das regras
pinas, etc. O ataque a Nova Iorque e a Wa- EUA. outros países. Portugal teria não comprometer as acções. de segurança e de comunica-
shington parece indiciar que a guerrilha re- Deve pois procurar-se o consenso, mas não sempre uma dificuldade muito O pedido de autorização, no ção do tipo e quantidade dos
nasce no século XXI com uma estratégia de ficar-se preso desse consenso. Sem iniciativa grande em participar em ter- entanto, poderá nem vir a ser materiais ao comandante da
confrontação internacional. O que há de no- e liderança não há, neste âmbito, acção com mos, por exemplo, de ataques preciso. Segundo o acordo de co- base .
vo nesta guerrilha é poder ser levada a cabo sucesso. com aeronaves. Os F-16 não dis- operação e defesa celebrado en- Se os EUA decidirem aban-
sem armas, com elevada sofisticação tecno- põem ainda das chamadas ar- tre os EUA e Portugal para a donar as Lajes, podem remover
lógica, transformando populações e objec- mas inteligentes”, reconheceu utilização da base das Lajes, o qualquer material móvel (equi-
tos civis não apenas em alvos militares mas o chefe do Estado-Maior-Gene- trânsito de aviões militares nor- pamento, maquinaria, abaste-
também em armas militares. É ainda relati- ral das Forças Armadas, gene- te-americanos em missões de- cimentos, estruturas tempo-
vamente novo o facto de ser cometida com ral Alvarenga de Sousa Santos, correntes de decisões da NATO, rárias) que lhes pertença. No
o zelo paroxístico do suicídio como técnica anteontem à noite, num deba- com as quais Portugal concorde, entanto, Portugal terá que pa-
militar. te sobre os atentados terroris- não necessita de autorização do gar aos EUA o equipamento
tas, na RTP. O general, contu- Governo português. Basta um que considere essencial man-
2 — Se a história nos ensina algo, ensina- do, sublinhou: “Hoje em dia, aviso prévio dos EUA. ter para o funcionamento da
nos que a guerrilha raramente é derrotada não é possível haver mais so- A base das Lajes funciona base aérea das Lajes.
D E S TA Q U E 2 1
PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001
12 de Setembro de 2001
D E S TA Q U E 2 3
PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001
Iraque e daqueles a quem se teima em negar enfim nessa altura as câmaras de televisão não
uma pátria, o povo palestiniano). estarão no terreno a fazer a cobertura em directo,
Ouvem-se repetidas vozes em defesa de Isra- não veremos o horror e a morte provocadas pelos
el e dos seus métodos duros para lidar com a bombardeamentos, não haverá condenações
população palestiniana (aquelas imagens de nem dádivas de sangue, tudo para nós se há-de
crianças palestinianas vieram mesmo a calhar, resumir a imagens de um jogo de vídeo. (...)
mostram que qualquer palestiniano é um ser Veremos explosões de júbilo por parte da
maldoso que deve ser abatido, mesmo que ainda população perante a dureza da retaliação, ou
em criança). O falcão Ariel Sharon aproveitou seja, uma versão ocidental e civilizada daqueles
bem a oportunidade e lançou há poucas noi- palestinianos que vieram para a rua comemo-
tes um ataque a uma cidade palestiniana que rar os ataques. Olho por olho, dente por dente,
causou a morte de 12 pessoas e provocou cem eis o nosso mundo civilizado.
feridos, mas afinal “who cares?” JÚLIA GARRAIO
Aliás, os duros de Israel poderão agora bom- Coimbra
bardear à vontade as cidades palestinianas,
expulsar os árabes das suas quintas, Sharon Antiamericanismo
poderá repetir as suas “façanhas” de Beirute
(lembram-se ainda dos 2 mil palestianaos mas- Acabo de ler o artigo de Pacheco Pereira na
sacrados, sim, com mulheres e crianças tam- edição de 13 de Setembro, com o qual estou de
bém?). Enfim, vemos criar-se um ambiente de acordo. Particularmente na sua parte final,
ódio ao Islão, toma-se a parte pelo todo, divide- na ligação que estabelece com a ideologia an-
se o mundo entre os bons (nós, claro, o mundo tiglobalização e os seus actos. Muitos desses
ocidental) e os maus (eles, os terroristas e com manifestantes, além de não saberem exacta-
eles todo o mundo do Islão). (...) mente contra o que é que lutam (talvez Prado
Contrariamente a algumas opiniões, parece- Coelho lhes possa dar uma infindável lista de
me que a declaração de condenação do aten- bibliografia para ficarem a saber alguma coi-
tado por Arafat foi realmente a mais sincera sa do assunto, embora tenhamos mais perto
de todos os líderes mundiais. Para além dos as crónicas de Pulido Valente), esquecem-se
milhares de vidas de inocentes que se per- que são filhos dela e que pecam e usam os seus
deram, ele bem sabe o que caiu juntamente resíduos, não se importando, muitos deles, de
com os aviões: a esperança de um povo injus- se dirigirem aos paraísos turísticos sexuais e
tiçado há 50 anos ter direito a um princípio divirtirem-se com raparigas de 16 ou 17 anos,
consagrado pelo nosso mundo civilizado, a nessa vida fruto das circunstâncias que julgam
autodeterminação e o direito a uma vida fora combater. (...)
de campos de refugiados. São contra os americanos, como se fossem
Em suma, o nosso mundo civilizado prepara- eles os responsáveis pelas desigualdades que
se para, em nome dos valores ocidentais e para presenciamos. Por isso, apesar de condenarem
vingar a morte dos milhares de inocentes que os atentados, dizem: “Sim, mas os EUA estão de
ontem morreram, efectuar um ataque sem pre- certa maneira a colher os frutos do que semea-
cedentes contra certos Estados, ataque que se ram.” Com um pouco mais de descaramento,
traduzirá inevitalmente numa matança muito diriam que duas torres foi de mais, mas que
superior à de ontem. Que muitos inocentes irão uma até se justificava...
morrer nestes actos de retaliação é indiscutível: RUY REY
civis, crianças, velhos, médicos, bombeiros. Mas Macau
2 4 E S PA Ç O P Ú B L I C O
PÚBLICO• SÁBADO, 15 SET 2001
QUE MARCAM
Marcados pelo século das imagens, que
antecedeu este, encontramos a cada passo sinais
do drama americano: na série televisiva Ally
McBeal, como numa das mais dilaceradas
fotografias de Robert Frank
DOMINGO
EDIÇÃO LISBOA
16 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4199
220$00 • €1,10 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico.pt
www.publico.pt
ALI JAREKJI/REUTERS
E N T R E V I S TA
Líder tribal jordano
assina livro de
condolências
na embaixada
americana em Amã
BUSH
PREPARA
Robert Frank,
AMERICANOS
o fotógrafo da América
P18 A 21
E ALIADOS
T U R I S M O C U LT U R A L
BARTOON E OPINIÃO 23 A 29
Até ao momento, ainda
TELEVISÃO
CLASSIFICADOS
54/55
64 A 73
só foram resgatados cinco
CINEMAS
TEMPO E FARMÁCIAS
74/75
76
sobreviventes
P2 A 17 E 56
2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
Qual é o alvo?
Afeganistão, Paquistão, Argé-
lia, Irão, Iraque, Síria. São os
países de que os comentado-
“ESTAMOS EM GUERRA”
res militares falam, nem sem-
pre da forma mais lúcida.
Com segurança, pode falar-se
em alvos no Afeganistão, do-
minado pelos taliban, os “es-
tudantes de Teologia” que pro-
tegem Osama bin Laden. A
dúvida é, neste momento, se
as armas de Bush vão ser
O Presidente dos Estados Unidos, reunido de emergência com os seus conselheiros apontadas apenas ao terroris-
ta e aos campos onde treina o
de segurança, avisou os americanos para esperarem o pior num “vasto assalto ao terrorismo”. seu exército, ou também ao re-
gime que domina este país da
É uma guerra que não terá “campos de batalha ou praias de desembarque”. Ásia Central. Bush prometeu
Mas é uma guerra. Serão precisos sacrifícios. “Aos que têm uniforme, digo: preparem-se.” erradicar o terrorismo, mas
também castigar os países
Texto de Ana Gomes Ferreira, Nova Iorque que o albergam e apoiam. É
aqui que aparece a Síria, a Ar-
ERIC DRAPER/REUTERS gélia (país que fornece gás na-
“Estamos em guerra.” Foi atra- tural a muitos pontos da Euro-
vés da rádio, como se fazia antiga- pa, Portugal por exemplo), o
mente, quando não havia televi- Paquistão e o Iraque (o Irão
são, que o Presidente dos Estados xiita é inimigo, ideológico e
Unidos, George W. Bush, disse as doutrinal, dos taliban sunitas,
palavras que se esperavam há cin- e destoa do padrão). Osama
co dias. “Estamos em guerra.” bin Laden treina homens e re-
“Será um género diferente de con- cebe ajuda em muitos destes
flito, com um tipo diferente de países. Porém, atacar os terro-
inimigo. Este é um conflito sem ristas nestes países implica a
campos de batalhas ou praias de colaboração dos próprios regi-
desembarque.” mes, a maior parte hostis aos
Bush tentou limpar da cabeça EUA, ou arrasta um risco de-
dos americanos as imagens de ou- masiado alto: a mobilização
tra guerra, a segunda. Não foi por do mundo islâmico, ou de par-
acaso que as usou. Será uma guer- te dele, contra o inimigo ame-
ra diferente. Mas será uma guer- ricano. Os analistas do
ra. Longa e dolorosa. “Não me “think-tank” Strafor conside-
contento com uma acção peque- ram que a opção mais vantajo-
na. A nossa resposta tem de ser sa de Bush é declarar “guerra
arrasadora, sustentada e efectiva. aos militantes islamistas onde
Temos muito para fazer e muito quer que se encontrem”. Por-
para pedir ao povo americano. que evita o problema de nome-
Vamos pedir-vos que sejam pa- ar um país como sendo o res-
cientes, porque o conflito não será ponsável. E, ao mesmo tempo,
curto. Vamos pedir-vos determi- dá aos EUA um mandato mais
nação, porque o conflito não será amplo para lidar com amea-
fácil. Vamos pedir-vos que sejam ças actuais e futuras. O terro-
fortes, porque o caminho para a rismo tornou-se uma ameaça
vitória pode ser longo.” global, e países como as Filipi-
“Este fim-de-semana, estou reu- nas, a Indonésia ou a Malásia
nido em intensas sessões com os — onde está a aumentar — po-
membros do Conselho de Segu- dem vir tornar-se importan-
rança Nacional, e planeamos um tes. Os analistas dizem que o
vasto assalto ao terrorismo”. Com apoio da Índia e da Rússia se-
Bush estão, em Camp David (a rá fundamental. E que é neces-
residência de férias dos presiden- sária uma maior cooperação
tes), o secretário de Estado Colin entre serviços secretos (em
Powell, o secretário da Defesa Do- particular os de Israel).
nald Rumsfeld, a conselheira de
Segurança Nacional Condoleezza Que género de guerra será
Rice. O vice-presidente, Dick Che- feita?
ney, participa nas discussões a Os cidadãos dos EUA exigem
partir de outro lugar — quando uma resposta devastadora —
se está em guerra, e em nome da foi isso que Bush lhes prome-
segurança nacional, o Presidente teu. O Presidente necessita de
e o “número dois” — que ocupa o tempo para ponderar os meios
lugar se o chefe de Estado morrer e os riscos deste novo tipo de
— nunca estão no mesmo lugar. guerra. Vai acontecer em mui-
“Os nosssos opositores acredi- tas frentes. A operação inclui-
tam que são invisíveis. Estão en- rá uma resposta militar con-
ganados. E vão aprender o que vencional, o compromisso de
outros já aprenderam no passado: todos os recursos dos serviços
os que fazem guerra aos Estados sercetos, movimentações di-
Unidos escolhem a sua prórpia plomáticas e sanções políticas
destruição”. Pela primeira vez, o e económicas aos países alvo.
Presidente identificou como sen- Questionado sobre se haverá
do o principal suspeito pelos ata- tropas terrestres envolvidas
ques que começaram a guerra nesta guerra, o porta-voz da
Osama bin Laden, o terrorista Casa Branca disse, ontem:
que os sauditas tornaram apátri- “Nem uma possibilidade foi
da, um fundamentalista islâmico posta de lado.” Os analistas do
que se acredita escondido no Afe- instituto Strafor referem co-
ganistão. No dia 11 de Setembro, mo modelo de intervenção a
pelo menos 19 terroristas árabes ter em conta a resposta de Is-
sequestraram aviões comerciais rael ao massacre dos seus atle-
cheios de civis, e atiraram-nos tas nos Jogos Olímpicos de
contra o World Trade Center, em Munique — atacaram opera-
Nova Iorque, e o Pentágono, em cionais e responsáveis palesti-
Washington. Matando mais de nianos em diferentes países.
cinco mil pessoas (estimativas Com esta opção, o mundo po-
provisórias). “Os nosssos opositores acreditam que são invisíveis. Estão enganados” deria assistir ao regresso de
D E S TA Q U E 3
PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001
teriam que abandonar a lei Defesa de Londres está já a (Kosovo), Líbano, Líbia, Paquistão, Rússia (Tchetchénia), Sudão, Síria e Uzbequistão
que proíbe assassínios por traçar planos para um envol-
membros dos seus serviços se- vimento militar britânico. A
cretos. O Congresso está a de- Alemanha aderiu à ideia de SEXTA FROTA RÚSSIA
bater a possibilidade de sus- participar numa guerra con- 1 Couraçado TURQUIA USBEQUISTÃO
3 Contratorpedeiros 2 mil homens
pender o ponto da Constitui- tra o terrorismo, mas espera Caças F-15 e F-16
2 Submarinos, 12 Navios
ção que proíbe os EUA de ma- mais pormenores. A França na costa de Nápoles, Itália 4 aviões SÍRIA
de combate Jaguar 215 mil soldados TURQUEMENISTÃO
tarem líderes de outros países. disse que não apoiará automa- 4859 tanques Mar CHINA
GRÉCIA AFEGANISTÃO TAJIQUISTÃO
A estratégia, depois de identi- ticamente uma acção militar 675 aviões de combate Cáspio 45 mil taliban,
ficados os indivíduos-chave, porque, explicou o primeiro- Incirlik alguns tanques Áreas de controlo
IRAQUE e aviões de combate anti-taliban
seria de “hunt and kill” (per- ministro, Leonel Jospin, a “so- 375 mil soldados
2200 tanques Teerão
seguir e matar). lidariedade não priva os paí- CHIPRE
2 mil soldados 300 aviões de combate
ses da sua soberania e e aviões
Damasco IRÃO Cabul
Quais são as opções mais liberdade de tomar decisões LÍBANO 325 mil soldados
Mar Mediterrâneo 1135 tanques AFEGANISTÃO Islamabad
arriscadas? próprias”. Jospin pôs o dedo Bagdade
ISRAEL 290 aviões de combate Última localização
1) — Ataques aéreos limitados na ferida: “Não estamos em Kandahar de Osama bin Laden
contra locais suspeitos de se- guerra com o Islão ou com o JORDAN
Cairo
rem bases terroristas (Bush já mundo árabe.” BAHREIN PAQUISTÃO
LÍBIA KUWAIT
Golfo 2 petroleiros de abaste-
os excluiu). A hipótese oferece 45 mil soldados 3 mil soldados,
cimento de aviões VC-10
2200 tanques tanques e aviões
uma satisfação imediata ao Que preparativos já foram 12 aviões de Dhahran
480 aviões de combate QUINTA FROTA
desejo de retaliação dos ame- feitos? combate Tornado
2 porta-aviões ÍNDIA
ricanos de retaliar, e que ofere- George W. Bush declarou o es- EGIPTO QATAR Doha 160 aviões
ce poucos riscos. Mas tem tado de emergência nacional Riyadh 3 couraçados
Al Kharj 5 contratorpedeiros
poucas hipóteses de sucesso. e autorizou a mobilização de E.A.U 1 submarino 9 navios
Foi a estratégia seguida pelos 50 mil reservistas. Para já, se- ARÁBIA SAUDITA
Taif
EUA depois dos atentados às rão 35 mil os chamados: 13 mil 650 soldados
SUDÃO Khamis Caças F-15 e F-16 OMÃ (em exercício)
embaixadas americanas no da Força Aérea, dez mil do 100 mil soldados Mar Força liderada por
Mushayt 6 aviões de
Quénia e na Tanzânia, em Exército, 7500 fuzileiros, três 200 tanques Vermelho combate Tornado 50 aviões HMS
35 aviões de combate 2 submarinos, 2 contra-
1998 (Bin Laden foi o cérebro). mil da Marinha e dois mil
CHADE torpedeiros, 20 navios, Mar
O território afegão (e os supos- da Guarda Costeira. Vão ser incluindo força anfíbia Arábico
tos locais das bases de treino integrados na “defesa territo- Legenda Khartoum
dos terroristas ligados a bin rial”. Para que todos os reser- DIEGO GARCIA
Países que o Departamento IÉMEN Mil homens
Laden) foram bombardeados vistas possam ser mobiliza- de Estado norte-americano aviões
com perto de 80 mísseis de dos (um milhão), é necessária diz apoiarem actos de terror
cruzeiro, mas poucos danos uma declaração de guerra. O Base militar americana ETIÓPIA Golfo de Aden OCEANO ÍNDICO
foram causados às capacida- espaço aéreo dos Estados Uni-
Fonte: The Military Balance PÚBLICO
des operativas e organizativas dos já está a ser vigiado pelos
do grupo. militares. Porta-aviões vão vi-
2) — Operação aérea maciça, giar as costas dos EUA, sobre-
seguida, eventualmente, por
uma operação terrestre. Nesta
opção os riscos são muito
maiores. Trata-se de uma ope-
tudo a leste, para manter a se-
gurança de Nova Iorque e de
Washington. A segurança in-
terna está a ser reforçada a
Rússia demarca-se
ração complexa, que exige me-
ses de preparação. Além disso,
os EUA podem ter dificulda-
des em utilizar bases e apoio
logístico na região onde se si-
níveis draconianos. Militares
vestidos de negro e armados
de metralhadora patrulham
os aeroportos, acompanhados
de cães farejadores. Foi levan-
de acção militar conjunta
tuar o país a atacar. Será fun- tada a hipótese de os terro- Moscovo admite “uso se nomeadamente à necessi- ataques suicidas do início da uma atitude mais “compreen-
damental obter autorização, e ristas terem preparados ou- dade de interromper os fluxos semana. siva” do Ocidente face à sua
ajuda concreta, dos países vi- tros ataques dentro do país.
da força” no combate financeiros canalizados para A indisponibilidade russa actuação na república rebelde
zinhos. A Rússia já disse não Um porta-aviões, o “USS En- ao terrorismo mas os grupos extremistas. Para em participar numa acção mi- da Tchetchénia.
permitir a utilização do terri- terprise”, recebeu ordens pa- exclui envolvimento já, a Rússia parece desejar a litar conjunta foi confirma- Entre os aliados ocidentais,
tório das ex-repúblicas sovié- ra não abandonar o Golfo Pér- numa intervenção formação de um centro de luta da pelo chefe de estado-maior também parecem surgir di-
ticas da Ásia Central. Se du- sico, como estava previsto. O contra o terrorismo no espaço das Forças Armadas, general vergências sobre um ataque
rante a guerra contra o Presidente já tem uma pri- da Comunidade de Estados In- Anatoli Kvashnin, ao sugerir indiscriminado contra o país
Iraque, vários países árabes meira fatia do orçamento de PEDRO CALDEIRA RODRIGUES dependentes (CEI, as repúbli- que a estrutura militar dos dos taliban. Pela primeira vez,
aceitaram dar este apoio, a guerra: o Congresso aprovou cas da ex-URSS à excepção dos EUA “é suficientemente po- a NATO prepara-se para fazer
instabilidade nas relações ac- a libertação imediata de 40 O Presidente da Rússia, Vla- Estados do Báltico), e receia os derosa para efectuar sozinha actuar os mecanismos do arti-
tuais entre os EUA e o mundo mil milhões de dólares; par- dimir Putin, no final de uma efeitos desestabilizadores de essa tarefa”. E Ivanov rejeitou go 5º, que prevê o princípio de
árabe pode criar dificuldades te da verba (10 mil milhões) visita à capital da Arménia um eventual ataque ao Afega- de forma categórica que even- uma assistência mútua entre
desta vez. No caso do Afega- foi destinada à reconstrução destinada a reforçar os laços nistão nas repúblicas ex-sovié- tuais ataques contra o regime todos os Estados-membros. O
nistão, existe a dificuldade de Manhattan, o resto à “luta políticos e económicos com ticas da Ásia central, também dos taliban sejam desencade- secretário-geral da Aliança,
adicional de ser um país só contra o terrorismo”. Na sex- este país do Sul do Cáucaso, confrontadas com o fenómeno ados a partir das fronteiriças George Robertson, defendeu
com fronteiras terrestres. ta-feira à noite, o Congresso, defendeu ontem que “o mal do islamismo radical. ex-repúblicas soviéticas da que “a resposta deve ser pro-
com as duas câmaras reuni- deve ser punido”, numa refe- “Sabemos que no território Ásia central. porcional ao ataque”, mas na
Quem vai participar? das, aprovou por unanimida- rência aos mortíferos atenta- controlado pelos taliban [no declaração de apoio aos EUA
Bush está a formar uma alian- de um decreto de lei que dá dos terroristas que abalaram Afeganistão] existem campos Divergências ocidentais os aliados referem-se a um “ac-
ça mundial contra o terroris- ao Presidente “todos os meios os Estados Unidos. O seu mi- de treino de terroristas e de E existem ainda outros facto- to de barbarismo”, e não a um
mo. Teoricamente, ou retori- apropriados e necessários”. nistro dos Negócios Estran- extremistas, e que é cultivada res em jogo. Para o analista “acto de guerra”, a forma de
camente, conseguiu uma Não é ainda a “declaração de geiros, Igor Ivanov, foi mais droga com destino à Europa, independente em assuntos de o Presidente George W. Bush
coligação de nações maior do guerra”, mas é uma “resolu- longe e ofereceu implicita- Rússia e Estados Unidos”, su- defesa Pavel Felgenhauer, ci- definir os atentados de 11 de
que a unida durante a guerra ção de guerra”. Em Fort Bra- mente o apoio da Rússia a geriu Ivanov. “Trata-se de um tado pela Reuters, “os ame- Setembro.
do Golfo de 1991. Pela primei- gg, na Carolina do Norte, uma uma eventual operação mili- perigo e de uma ameaça pa- ricanos considerariam cer- Apesar da inequívoca so-
ra vez na sua História, a NA- base militar com 42 mil solda- tar contra o Afeganistão, ao ra a segurança dos Estados”. tamente um risco que a in- lidariedade demonstrada pe-
TO activou o artigo 5º, que diz dos entrou em vigilância per- considerar que “na luta con- Putin demonstrou mais pru- formação fosse parar a mãos la Grã-Bretanha de Tony
que um ataque contra um alia- manente, o que quer dizer que tra o terrorismo não pode ser dência, ao prescindir de in- erradas”, numa referência a Blair, a França já referiu que
do é um ataque contra todos os homens podem ser envia- excluído o uso da força”. dicar um alvo preciso para uma eventual participação não apoiará automaticamen-
os membros da Aliança Atlân- dos para um destino a qual- A declarações de Ivanov não as acções de retaliação, subli- militar russa. “Isso significa te uma acção militar, e o pri-
tica. Mas o artigo não obriga quer momento. Este quartel significam que Moscovo se en- nhado antes que a “comuni- quase de certeza que vão actu- meiro-ministro Lionel Jospin
os países a prestarem mais do é a base da 82º Divisão Ae- volva numa acção comum de dade internacional não deve ar sozinhos ou apenas confiar sublinhou que “não estamos
que assistência prática a rotransportada, a primeira retaliação, e parecem antes designar à pressa um culpa- nos seus aliados mais próxi- em guerra contra o Islão ou
Bush. Já surgiram as primei- a ser enviada para a Arábia confirmar a indisponibilida- do, que seria o primeiro res- mos, como a Grã-Bretanha”. o mundo árabe-muçulmano”.
ras dissonâncias às ideias de Saudita em Agosto de 1990, de de uma participação mi- ponsável do que aconteceu”. A Rússia permanece profun- Uma posição similiar à do che-
Bush e os países esperam por- quando o Iraque invadiu o litar russa na “nova guerra” Na quinta-feira, o secretário damente marcada pelos 13 mil fe da diplomacia da Bélgica,
menores sobre a guerra antes Kuwait. Disse Bush na men- anunciada pelo Presidente dos de Estado norte-americano mortos durante a sua inter- Louis Michel, cujo país dirige
de se comprometerem — sagem radiofónica: “Aos que EUA. Para o chefe da diploma- Colin Powell designou bin La- venção de dez anos no Afega- este semestre os destinos da
quem será atacado e como. A têm uniforme, digo: prepa- cia do Kremlin os ataques não den, líder do grupo terrorista nistão, em apoio a um governo UE. Apesar de destacar a mo-
Rússia, qu não faz parte da rem-se.” ANA GOMES FER- resolverão o problema do ter- al-Qaida e instalado no Afe- que combatia os combatentes bilização dos Estados-mem-
NATO, dará apoio (partilha de REIRA, em Nova Iorque, com ALE- rorismo. “É necessário uma ganistão, como o principal islâmicos então apoiados pe- bros, também sublinhou que
informações), mas não parti- XANDRA PRADO COELHO terapia”, sugeriu, referindo- suspeito pela organização dos los EUA. E também aguarda “não estamos em guerra”.
4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
UM TERRORISTA”
A mesquita tem três pisos e cada
piso é uma sala de oração. Noutros
dias, assim que o “muezzin” se faz
ouvir, os fiéis aparecem de todos os
cantos, ajeitando as túnicas e cobrin-
do a cabeça. Ontem, só uma dúzia
de homens entrou na mesquita para
a orar às sete da noite. “Veio pouca
LUCY NICHOLSON/AFP gente”, diz Ahmed. Têm medo de vol-
tar a ser atacados. Ou de ataques mais
ferozes, como os que aconteceram
noutros lugares.
JOHN MACDOUGALL/EPA
FBI efectuou
a primeira prisão
INVESTIGAÇÃO AOS directamente ligado aos atenta-
dos ou porque fará parte de uma
ATAQUES CONTINUA rede terrorista nos EUA.
Na quinta-feira, o FBI des-
A Polícia Federal segue mentiu a detenção de mais de
uma dezena de pessoas rela-
mais de 36 mil pistas e cionadas com o caso, mas di-
tem oito mil homens fundiu uma lista com mais de
em campo cem nomes de pessoas “com as
quais o FBI quer falar, porque
BÁRBARA WONG acreditamos que têm informa-
ções úteis sobre o sucedido”,
A Polícia Federal norte-ame- declarou o director da Polícia
ricana (FBI) anunciou a pri- Federal, Robert Mueller.
meira prisão, depois de terem O director assinalou ainda
começado as investigações aos que, desde que a investigação
atentados terroristas que des- começou, as autoridades con-
truíram as Torres Gémeas do tam com mais de 36 mil pistas
World Trade Center, em Nova e quase oito mil agentes estão
Iorque, e um dos edifícios do em campo, espalhados por to-
complexo do Pentágono, em do o país. Os EUA receiam que
Washington, na passada terça- mais terroristas estejam a pre-
feira. parar novos atentados. Ontem,
Efectuada na sexta-feira à a Polícia Federal deteu dois ho- Centenas de afegãos começaram a deixar o seu país com destino ao Paquistão
noite, esta foi a primeira de- mens em Forth Worth, Texas,
tenção efectiva depois de ter que foram enviados para Nova
começado a investigação. As
autoridades desconfiam que
o suspeito detido possui infor-
mações relevantes para a in-
Iorque para serem interroga-
dos, adianta a BBC “on line”.
Os homens foram detidos num
aeroporto de Chicago porque
Taliban ameaçam vizinhos
vestigação. O Departamento
de Justiça informou que no
mandado de captura se iden-
tificava o suspeito como teste-
munha.
os seus nomes eram semelhan-
tes aos que constavam na lista
de suspeitos.
O FBI já identificou os 19
homens que levaram a cabo
mas Paquistão vai dar
Ao que parece o indivíduo de-
tido tem informação “material”
sobre os atentados. Os agentes
federais adiantaram que a or-
os atentados que destruíram
o World Trade Center e parte
do Pentágono. Todos presu-
midamente mortos durante
“apoio total” aos EUA
dem de prisão foi dada porque os atentados. Estes terroristas Todos os estrangeiros car milhares de pessoas na rua bes Unidos — não queriam ou- escolas de pilotagem, e que Bin
temiam que ele saísse do país. tinham moradas em territó- foram aconselhados contra o Presidente. vir. Especialmente depois de Laden já tinha sido isolado pe-
No entanto, desconhece-se se os rio norte-americano e alguns Depois de se reunir com os avisarem que “se um país vizi- los taliban, que o deixaram
investigadores desconfiam que o eram pilotos qualificados,
a abandonar o chefes militares e com o Execu- nho, ou os vizinhos regionais, sem fax, telefone satélite, tele-
indivíduo seja suspeito de estar apuraram. Afeganistão“para sua tivo, Musharraf chegou a acor- particularmente os islâmicos, móvel, computador e acesso à
própria segurança” do com o Conselho Nacional dessem uma resposta positi- Internet. Por tudo isto, defende,
de Segurança para “um apoio va aos pedidos americanos de o milionário saudita não tinha
MILHARES
DE AFEGÃOS
Jenin, na Cisjordânia, Sharon cancela
encontro
Peres-Arafat
TENTAM FUGIR
DO PAÍS
também enterra os seus mortos O primeiro-ministro de
Israel, Ariel Sharon,
cancelou os planos pa-
Depois da mais prolongada incursão israelita numa cidade autónoma, ainda há tanques à espreita ra o seu ministro dos
A ONU considera que mais de Negócios Estrangeiros,
um milhão de afegãos enfrenta
numa “área de morte”. Os soldados têm ordens para atirar a matar, e nenhuma das 14 famílias Shimon Peres, negociar
o risco imediato de morrer à palestinianas que ali residia se arriscou a voltar. Reportagem de Graham Usher, em Jerusalém tréguas com o presiden-
fome. Se a isto se juntar a guer- SUHAIB SALEM/REUTERS
te palestiniano, Yasser
ra civil e o regime impiedoso Arafat, hoje em Gaza. A
dos taliban é fácil perceber por justificação oficial é a
que é que 2,56 milhões de afe- de que o encontro “se-
gãos deixaram o país para se ria prejudicial neste
refugiarem principalmente no momento”. Mais apro-
Paquistão, mas também no Irão priados terão sido três
e na Índia — países que dizem ataques com mísseis na
já não ter condições para rece- Faixa de Gaza seguidos
ber um único refugiado. de confrontos entre mi-
Agora com a ameaça de um litares e civis junto ao
ataque dos Estados Unidos, Ca- colonato judaico de
bul começa a ficar deserta e mi- Gush Katif, e ainda o
lhares de afegãos concentram- reforço do cerco à cida-
se já junto à fronteira fechada de autónoma de Qalqi-
do Paquistão. Aqui vivem mais lya, na Cisjordânia,
de três milhões de afegãos em com tanques e outros
campos de refugiados miserá- veículos blindados.
veis, onde as pessoas se amon- Nos confrontos em Gaza
toam a perder de vista. foi morto a tiro Imad
A confirmar-se o cenário de Zurub, de 14 anos, que
guerra, o Alto Comissariado das lançava pedras a milita-
Nações Unidas para os Refugia- res posicionados em
dos (ACNUR) alertou que cerca Khan Younis, durante
de 1,5 milhões de afegãos pode- os funerais de dois ou-
rão ser forçados a deixar os seus tros palestinianos víti-
locais de residência para irem mas de um tiroteio na
em busca de comida — comida noite anterior, na área
que até agora é distribuída por dos colonos. Mais 12 pa-
organizações humanitárias que lestinianos, entre eles
começaram já a fdeixar o país. quatro polícias, tinham
“O Programa Alimentar anteriormente ficado fe-
Mundial [PAM] alimenta três ridos em três ataques de
milhões de pessoas nas zonas helicópteros que lança-
rurais do Afeganistão. Se essa ram mísseis sobre insta-
ajuda não poder continuar a ser lações das forças de se-
feita eles poderão deixar as su- gurança e dos serviços
as aldeias para evitar a fome e secretos de Arafat.
procurar sobreviver noutro lo- Crianças palestinianas fogem de tanques israelitas, na Faixa de Gaza, ontem cenário de violentos confrontos O Exército israelita de-
cal do país ou além-fronteiras”, fendeu a ofensiva como
lia-se num comunicado. uma resposta ao “inces-
Com a saída da maioria dos Não houve “celebrações” na nianas que ali residia se arris- et, de 32 anos, e a sua cunha- está a cavar trincheiras por to- sante fogo de morteiro”
ocidentais do Afeganistão, os cidade palestiniana de Jenin, cou a voltar. da, Raja Feiihat, morreu quan- da a parte. Assim que estiver- contra colonatos na re-
oito colaboradores da ONG ale- na Cisjordânia, depois dos ata- Há detritos por toda a parte. do uma granada de um tanque mos totalmente desarmados, o gião e retaliação por
mã Shelter Now International ques ao World Trade Center A Casa do Governador, edifí- caiu sobre a sua casa. “Havia Exército entrará no campo”. outro atentado com
detidos há cinco semanas sob a (WTC) e ao Pentágono. Tam- cio que pertencia à AP, é uma muita gente neste bairro quan- granadas que, na sexta-
acusação de proselitismo (pro- bém não houve manifestações montanha nauseabunda de pe- do os combates começaram”, A evocação de Beirute feira, feriu dois guar-
pagação do cristianismo), ar- de pesar. No mínimo, houve dras e peças de mobiliário des- disse um residente. “Mas nin- Há outro que evoca a guerra das de fronteira junto
riscam-se a transformarem-se uma espécie de empatia, por- feitas cobertas de poeira. Uma guém estava a disparar. Todos no Líbano. Realmente o cená- ao “checkpoint” de
nos últimos estrangeiros de Ca- que também Jenin enterrava escola tem as paredes crivadas estavam a fugir.” rio e o odor é o mesmo de Bei- Erez.
bul. Os três diplomatas — um os seus mortos. de balas. Um carro está parti- O sexto palestiniano que rute. Nas esquinas das ruas, Comentando estas bata-
americano, um australiano e Os palestinianos ainda estão do em dois, “espezinhado por morreu era Khatab Jabareeen, mulheres carregam baldes de lhas e o cancelamento
um alemão — enviados ao Afe- a recuperar de uma invasão is- um tanque”, como descreveu de 33 anos. Enrolado em explo- água. As janelas estão cober- do encontro Peres-
ganistão para dar assistência raelita que durou quatro dias: um palestiniano. A ruas estão sivos, atirou-se para a frente tas de sacos de areia para ser- Arafat, o ministro pa-
aos seus cidadãos, bem como a a mais prolongada incursão totalmente esburacadas. de um tanque israelita M60, vir de abrigo. Na única clínica lestiniano da Informa-
família das duas jovens ameri- numa cidade controlada pela de fabrico americano. O veí- do campo, fazem-se incessan- ção, Yasser Abed Rab-
canas detidas, abandonaram a adinistração de Yasser Arafat “Ataques cirúrgicos” culo esmagou-o com a mesma tes telefonemas para garantir bo, afirmou ontem à
capital afegã na quarta-feira. desde que a Intifada começou com vítimas facilidade com que passou por abastecimentos de farinha, Reuters: “Sharon está a
Helmut Landes disse à en- há um ano. O assalto come- Israel designa estas incursões cima das frágeis barricadas óleo alimentar e leite. Depois mostrar a sua verdadei-
viada de “Le Monde” que os oi- çou na terça-feira, quando tan- de “ataques cirúrgicos”. Mas de blocos de cimento, pneus e de quase um semana de cer- ra face. O que ele quer
to presos não ficarão esqueci- ques, blindados e helicópteros não há nada de cirúrgico nas contentores do lixo que os pa- co total, os “stocks” estão a é continuar a agres-
dos. “Vamos estar sempre em israelitas se apoderaram dos mortes de seis palestinianos e lestinianos ergueram dentro e escassear. Em todo o lado há são.”
contacto a partir de Islamabad montes verdejantes de Jenin nos ferimentos infligidos a ou- em redor de Jenin. uma sensação de vazio. Quase Em Paris, o ministro
(Paquistão) e os taliban são res- e abriram crateras em todas tros 70, só no campo de Jenin, Qual era, afinal, o objecti- não se vêem pessoas nas ruas. francês dos Negócios
ponsáveis pela segurança dos as estradas de acesso. Na quar- esta semana. Uma das vítimas vo? Na sexta-feira, sentados a E, no entanto, Jenin tem 40 Estrangeiros, Hubert
nossos cidadãos”, disse Landes ta-feira, os tanques entraram foi Mohammed Abu Haija, de beber café no campo de refu- mil habitantes. Védrine, considerou
antes de entrar para o avião que na povoação, arrasando com 24 anos, “perseguido” como giados, alguns homens expri- Acima de tudo, Beirute é in- “preocupantes” os ata-
o levaria para longe de Cabul. todas as instalações e “check- activista do Hamas. Um mís- miam diferentes ideias. Todos vocada por dezenas de jovens ques israelitas em Ga-
O pessoal estrangeiro da points” da Autoridade Palesti- sil disparado de um helicópte- concordam que Israel está a guerrilheiros, sejam ou não za, porque “tudo o que
ONU também já partiu, como niana (AP) que encontraram ro atingiu-o mortalmente na usar os ataques ao WTC e ao membros das várias facções é feito deliberadamente
a maioria dos trabalhadores pelo caminho. Na quinta-feira, quarta-feira. Um asassínio tão Pentágono como “cobertura” palestinianas, que agora go- para enfraquecer a Au-
das organizações não governa- bombardearam um campo de preciso que só podia ter sido para intensificar a ofensiva vernam efectivamente Jenin. toridade Palestiniana
mentais. De momento o Comité refugiados onde vivem 13.600 efectuado com a ajuda de “co- militar contra a sublevação pa- “A AP já não funciona aqui e não deve ser feito”.
Internacional da Cruz Verme- pessoas. Na sexta-feira, abri- laboracionistas”, dizem pales- lestiniana. “Sharon quer que alguém teve de assumir o con- Em declarações à Rádio
lha, ainda que tenha reduzido ram novas trincheiras antes tinianos no campo de Jenin. a gente desista da Intifada”, trolo”, salientou um residente de Israel, Peres recusou
as suas actividades, decidiu fi- de se “retirarem”. Não há dúvida de que a loca- observou um deles. “Mas isso do campo. Durante o dia, os comentar eventuais di-
car: apenas 12 dos 70 trabalha- Ainda há tanques à esprei- lização dos colaboracionistas não vai acontecer. Não temos guerrilheiros refugiam-se em vergências com Sha-
dores estrangeiros já deixaram ta num bosque de ciprestes também está agora a ser deter- medo da reocupação de Jenin. garagens, exaustos pelos com- ron, mas deu a enten-
o Afeganistão. e num labirinto de casas de minada. Já estamos ocupados”. bates nocturnos. De madruga- der que a ausência de
Nas ruas de Cabul já são pou- telhas vermelhas. Se alguém Outros dois militantes do Um outro vislumbra um de- da, vigiam a cidade em carros um diálogo com Arafat
cos os que demonstram o seu quiser regressar arrisca-se a Hamas — Iyad al-Masri, de 18 sígnio militar: “Não há uma sem matrículas para verificar poderá prejudicar os
apoio a Osama Bin Laden. “As entrar na “área da morte”: anos, e Ibrahim al Fayed, de 23 só instalação da Autoridade se os israelitas mudaram de esforços dos EUA de in-
pessoas estão furiosas porque uma zona-tampão de 50 metros — foram mortos a tiro quando Palestiniana intacta em Jenin. posições. À noite, assumem po- cluírem países árabes
devido à presença destes ‘con- onde soldados israelitas têm tentavam socorrer um terceiro Fui tudo destruído. Sharon sições de combate, no extremo aliados numa ampla co-
vidados’ arriscam-se a ser ata- ordens para atirar a matar. Ne- numa batalha feroz à volta da quer esgotar as nossas muni- do campo, a cerca de 50 metros ligação na luta contra o
cadas.” JOANA AMADO nhuma das 14 famílias palesti- escola feminina. Fakhri Sle- ções. É por isso que o Exército dos tanques mais próximos. terrorismo. M.S.L.
D E S TA Q U E 7
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Seis portugueses
“provavelmente mortos”
Continua a haver uma pelo próprio primeiro-minis- Builders Construction e en-
dezena de portugueses tro António Guterres. Segun- contrava-se na altura do aten-
do Guterres, o Executivo ti- tado no centésimo sétimo an-
numa situação de nha dados para afir mar que dar da Torre 1 do World Trade
“maior risco” as “vítimas com elevadíssima Center para dirigir um tra-
probabilidade de existirem” balho a efectuar no célebre
NUNO SÁ LOURENÇO eram já cinco, havendo ain- restaurante Windows of the
da outros três casos sobre os World.
O secretário de Estado das Co- quais as autoridades portu- Natural de Vila Nova de
munidades Portuguesas afir- guesas começam a recear o Gaia, Manuel da Mota, casado
mou ontem que existe a “forte pior. e pai de três filhos, é um anti-
probabilidade” de haver cinco Ainda assim, o primeiro- go residente de Angola que,
ou seis portugueses entre as ministro manteve o discurso após o 25 de Abril, emigrou
vítimas do atentados terro- optimista dos últimos dias, para os Estados Unidos.
ristas de terça-feira contra o aproveitando para salientar António Augusto Tomé da
World Trade Center, em No- o “reduzido crescimento” do Rocha, de 34 anos, residia em
va Iorque. Isto, segundo João número de prováveis vítimas East Hanover (New Jersey)
Rui de Almeida, “num uni- mortais, “apesar da dor que, e trabalhava no centésimo
verso de maior risco de cerca por mais pequena que seja, quinto andar da Tor re 1 do
de uma dezena de portugue- provocará sempre”. Guterres World Trade Center para
ses”. chamou ainda a atenção para a empresa financeira Can-
“Os pedidos de confirma- a quantidade de pessoas que tor Fitzgerald Securities. De-
ção de paradeiro por parte foram já encontradas pelos pois de esta tor re ter sofrido
de familiares e amigos atin- serviços do consulado e que o atentado, António da Ro-
giram um número superior há uns dias se encontravam cha ainda teve tempo de te-
a duas centenas”, mas, “nes- incontactáveis. “Esperamos lefonar à mãe, que vive no
te momento, o número dimi- que no fim esse número seja bairro do Soho, em Nova Ior-
nuiu para cerca de quatro de- o mais pequeno possível”, que, nas imediações do Wor-
zenas” disse à Lusa. acrescentou. ld Trade Center, mas pre-
O secretário de Estado das Ao mesmo tempo, o jornal sume-se que essas foram as
Comunidades Portuguesas “Luso-Americano” confir- suas últimas palavras em vi-
embarca segunda-feira num mou ontem três nomes de de- da. António da Rocha per-
avião da TAP para coorde- saparecidos. Segundo a edi- tence a uma família oriunda
nar, no local, com a Embaixa- ção daquele bissemanário de do concelho de Vila Verde,
da de Portugal em Washing- Newark, está confirmado jun- em Portugal, é casado e tem
ton e os consulados-gerais to das famílias o desapareci- três filhos, o mais novo dos
de Portugal em Nova Iorque mento de Manuel da Mota (de quais com apenas seis me-
e Newark, as acções necessá- 43 anos), António Augusto To- ses. Quanto a João Alberto
rias ao processo de localiza- mé da Rocha (34) e João Alber- Fonseca Aguiar, trabalhava
ção dos portugueses que ain- to Fonseca Aguiar (de idade para a empresa Keefe, Bru-
da não foi possível contactar, desconhecida). yette & Woods, com sede no
bem como prestar apoio às Manuel da Mota, residen- octogésimo oitavo andar da
famílias. te em Valley Stream (Long Tor re 2 do World Trade Cen-
Este novo balanço actualiza Island, Nova Iorque), é en- ter, e residia em Hoboken
um outro feito na sexta-feira carregado da empresa Bronx (New Jersey). com E.D.
Que imagens
mostrar?
GIULIANI
ALERTA PARA
FALSOS PEDIDOS
ANTÓNIO MARUJO
DE AJUDA COMENTÁRIO
Autoridades
preocupadas com
mensagens e peditórios
Travar a espiral
falsos e com charlatães da guerra
LINA FERREIRA
INQUÉRITO
1. O que mudou no mundo? Ocorre não poderem nem deverem as democracias invocar Deus venção da NATO como necessária e até fundamental, no quadro
para justificarem qualquer tipo de acção bélica. Aqui reside o ponto do princípio da acção militar colectiva e até para evitar que os
2. Como devem e podem os Estados Unidos e os nevrálgico, que aparta a racionalidade da fé, que nas democracias EUA se fechem sobre si próprios, com consequências de toda a
seus aliados responder a esta situação? é matéria do foro privado de cada um. É por isso que é tão dificil ordem para a Europa. Haverá, seguramente, nos próximos longos
fazer pontes com qualquer tipo de fundamentalismo de base religio- tempos medidas securitárias a que já não estavamos habituados.
sa. Esta dificuldade intrasponível não pode, porém, justificar qual- São bem-vindas e necessárias porque se trata de defender as
“Retaliação cega seria inútil” quer tipo de atitude timorata. Pelo contrário. E a resposta pode e, nossas vidas e o meio de vida que escolhemos. E porque são
porventura, deve tardar o tempo necessário à identificação segura precisas até ao desmantelamento da rede internacional terrorista
1 — O que se passou no dia 11 de Setembro dos responsáveis e dos Estados que os albergam ou apoiam. Mas responsável pelo caos de terça-feira, 11 de Setembro de 2001.
foi uma brutal mudança de escala do terroris- não pode, em nenhum caso, deixar de ser dada. O problema que temos pela frente é tão grave quanto isto: no
mo com consequências sobre todos nós. século passado, à escala global, a vida política era tratada pelas
Abriu-se uma era de incerteza e insegurança Por uma razão muito simples que BELL definiu assim: “a democra- internacionais, socialista, democrata-cristã, liberal. Elas ainda
globais. Ninguém está seguro, nem mesmo a cia tornou-se uma segunda natureza, um meio de vida, um ambien- existem. Mas têm, agora, ao seu lado uma nova internacional : a
nação mais poderosa do mundo. Bush falou da te”. E se assim é, como é, não pode passar impune quem quer internacional terrorista. Não há espaço para todos. Ou ela ou nós.
primeira guerra do século XXI. Mas não é uma destruir este nosso meio de vida. O mesmo que, por toda a Europa O mundo é composto de mudança como, antes de tudo, a poesia
guerra como a conhecíamos do passado. Des- e nos EUA, deu guarida tolerante a quem professa outras crenças. maior acolheu. Mas há mudanças que, nunca por nunca, devem
Helena conhecem-se o inimigo e as suas armas e to- Que acolheu e deu possibilidades de sustento a quem vivia na ocorrer. Uma das matérias que não deve mudar é a que se prende
Roseta, dos podemos ser alvos. miséria e no obscurantismo cego. Que aceitou na sua terra quem com os princípios e critérios estruturantes da democracia e da
deputada Duas grandes mudanças são já visíveis: 1ª - o nunca se integrou no país de acolhimento e fechados sobre si vida colectiva. Se são postos em causa, é tudo posto em causa.
do PS isolacionismo americano deu lugar a um con- mesmos saiem todos os dias para ganhar a vida. É verdade que Sem recuo e sem saída. Do que se trata é de cerrar fileiras, à
senso de solidariedade com os Estado Unidos muitos destes não podem ser confundidos com os extremistas e escala global, para defender aqueles princípios e critérios e este
nunca visto. Veremos como é que a comunidade internacional com os actos terroristas. Mas precisamente por isso e para que meio de vida. É por isso que as medidas securitárias são instru-
vai lidar com este consenso e até que ponto conseguirá trans- se não diga que aqueles decapitam quem lhes dá de comer, é mentais deste objectivo substancial.
formá-lo numa estratégia global contra este hiperterrorismo. preciso responder. Há quarenta anos, bondosamente, houve quem compusesse o
2ª - a nossa consciência colectiva foi abalada por um pesadelo. Não colhem, assim, argumentos que já se vão ouvindo e que, ora “Imagine”. Quem o fez já morreu mas a música dele foi-se ouvindo
Aconteceu à nossa vista. Sentimo-nos todos atingidos e envol- por comiseração pateta, ora por juridismos sem sentido num mo- ao longo dos tempos e nos mais inacreditáveis lugares. O sonho
vidos. Mas se o medo é a principal arma do terrorismo, resistir- mento em que nos querem subverter as regras de vida, parecem dele está hoje mais longe, muito mais longe. A opção é clara: ou
lhe é preciso. Seremos capazes de conjugar segurança e liber- hesitar na necessidade de uma resposta inequívoca. Vejo a inter- se decapita o monstro ou nunca mais se ouvirá música.
dade nas nossas cidades? Talvez tenhamos de sacrificar
algumas das facilidades da vida moderna. Mas o que não pode-
mos é trair os valores em que se baseia a nossa vida em socie-
dade. A lição de coragem, solidariedade e interajuda empreen-
dedora dos nova-iorquinos deve ser um motivo de esperança.
grafar. Usei a polaroid, depois cartas, em forma de fotogra- Penso, hoje em dia, tado de grande sofrimento.
ampliei numa câmara digi- fia ou de video, com os meus Parece-lhe legítimo?
tal e fiz a montagem final em comentários escritos. É uma que os fotógrafos são Nunca o faria. Não conse-
seis painéis. Estou cansado boa ideia, oxalá venha a con- como ratos numa guiria. Era como se estivesse
de montar luzes… cretizar-se. Este projecto, pa- a beneficiar da sua incapaci-
Disse que este trabalho ra responder à sua pergunta,
gaiola. Andam como dade.
não é muito “cool”? Não é dos que ainda me interes- loucos de um lado Quando fotografa pesso-
olhou então “straight”? sam. Mas talvez surjam ou- para o outro, a as na rua, pede-lhes auto-
Não, decididamente não. tras coisas, nunca se sabe. rização?
Tentei olhar para dentro do Fazer só fotografia, agora, pa- tentarem sair e Não. Quando trabalhava
que via e dar a ver o que vi pa- recer-me-ia andar às voltas no encontrar qualquer com uma câmara pequena,
ra depois propor que outros mesmo círculo, quase como nos Estados Unidos, nunca
descubram o que é que se esta- uma repetição, isso é que já
coisa, qualquer coisa pedi licença a ninguém.
va a passar. Isso não é “looking não me apetece. Sabe, tenho nova para mostrarem. Nunca sentiu nenhum
straight”. Se calhar fui sempre pouca coisa a dizer sobre o Seja um novo problema de ordem ética
assim, apesar de ter aprendido meu trabalho. Não sou como por mostrar ao mundo foto-
a “look straight”, a despojar a minha mulher, June, que é formato, seja sei lá o grafias de pessoas que não
até ao limite os elementos sig- uma artista. Falamos muito, quê. É aterrador. (...) sabiam que estavam a ser
nificativos do que queria foto- horas e dias a fio, sobre o nos- fotografadas?
grafar. Não me interessa foto- so trabalho. Ela fala imenso
Isto já não é o meu Nunca senti qualquer pro-
grafar um céu bonito, cheio sobre as coisas que está a fa- território. Já não me blema dessa ordem. Se a ima-
de nuvens, água a correr por zer, o que deveria tentar pa- interessa. Eu também gem que se dá a ver ao mun-
uma imponente cascata abai- ra melhorar isto ou aquilo. É do contiver nela o respeito, a
xo. Não acho que isso mereça como uma fonte. Eu não sou já fui um desses ratos. compreensão e a compaixão
que me aplique com o meu assim. Não tenho essa capa- Agora sou um rato que sentimos pela pessoa que
trabalho. Mesmo se, há trinta cidade. Tenho sempre muito fotografámos, não há que sen-
anos, tenha até conseguido fa- pouco a dizer sobre o que fa-
enorme, com a sorte tir esse problema. Mais difícil
zer boas fotografias de uma ço. A minha primeira mulher de ter um retiro é escolher, quando por exem-
árvore, de uma sombra. Mas também era artista, vivi sem- em Mabou. plo trabalhamos para um jor-
deixou de fazer sentido para pre rodeado de artistas, te- nal ou uma revista, a foto-
mim, acabou. Penso, hoje em nho grande respeito por eles grafia exacta para publicação.
dia, que os fotógrafos são co- e é com eles que mais tenho Há um projecto de Como é que eu fazia a escolha?
mo ratos numa gaiola. Andam aprendido. Mais do que com O primeiro passo tinha a ver
como loucos de um lado para o “looking straight”. São os ar-
uma amiga, uma com a ambição de ter uma boa
outro, a tentarem sair e encon- tistas que mais me têm in- escritora de Beirute a fotografia publicada. Depois
trar qualquer coisa, qualquer fluenciado. viver em Paris, que avaliava a qualidade represen-
coisa nova para mostrarem. Essa influência do traba- tativa da fotografia para que
Seja um novo formato, seja sei lho dos artistas plásticos, me propôs, e ia propor a dignidade de quem foi foto-
lá o quê. É aterrador. Com es- sente-a como um estímulo o mesmo a Godard, grafado fosse melhor revelada.
tes novos meios que permitem ou mais como um desafio? Nunca senti que lhes estava a
a qualquer pessoa fazer milha- Não é que se tente entrar
ir à Palestina e a roubar alguma coisa.
res de fotografias em segun- em competição, é talvez mais Israel para, de cada Procurou sempre o “mo-
dos. Isto já não é o meu terri- a sensação de ter mesmo que um desses sítios, lhe ir tivo” ou também sentiu que
tório. Já não me interessa. Eu se encontrar a saída da gaiola o “motivo” o elegia a si?
também já fui um desses ratos. onde está metida a fotografia. mandando cartas, em Vejo-me como alguém que
Agora sou um rato enorme, Esse empurrão é a melhor in- forma de fotografia reage ao que vem até mim,
com a sorte de ter um retiro fluência que se recebe de um como a água da onda que se
em Mabou. artista com quem vivemos,
ou de vídeo, com os aproxima de nós. Funciono
E o que é que ainda lhe cujo trabalho conhecemos e meus comentários melhor, mais depressa, com
interessa? admiramos. Viver ao lado da escritos. É uma boa mais intensidade e emoção
O único país onde gostaria June, conhecê-la, saber como quando é isso que se passa e
de ir, sem ser como turista, pa- trabalha, o que faz, não sei se ideia, oxalá venha não quando saio à procura de
ra fazer qualquer coisa, para é bom ou mau, sei que o que a concretizar-se. qualquer coisa específica, co-
trabalhar em qualquer coisa, se vê é a alma, é a nossa vida. mo acontece com as encomen-
é Israel. Penso muito em ir a Nada mais. das. Os melhores tempos fo-
Israel. Há muita gente que me Ao ouvi-lo falar em alma, Os melhores tempos ram aqueles em que andava
escreve de lá, pessoas que se lembrei-me de alguns po- foram aqueles em que pelas ruas com a minha câ-
sentem encostadas à parede, vos índios que não se dei- mara e, de repente, ali estava
que precisam de comunicar, xam fotografar para que andava pelas ruas aquele tipo a apertar os sapa-
de dizer o que têm para dizer a alma não lhes seja rou- com a minha câmara tos, encostado a uma esquina!
e que não é o que se ouve di- bada. Compreende esse te- Era como uma lotaria, um jo-
zer. Gostaria de poder ajudá- mor?
e, de repente, ali go de sorte. Será que…? Mas
las. Se ainda me sobrar ener- Senti isso quando, há mui- estava aquele tipo a já não poderia andar pelas ru-
gia e saúde. Penso que é o que tos anos, andei pela Améri- apertar os sapatos, as da mesma maneira com
ainda mais me valia a pena ca do Sul e havia pessoas que uma câmara de video. Não
fazer. Porque é em mim que ressentiam a presença da câ- encostado a uma consigo andar para a frente
estou a pensar, como sempre mara. Claro que se dá sempre esquina! Era como e para trás vezes sem conta
fiz. Há um projecto de uma qualquer coisa de nós quan- para escolher a melhor ima-
amiga, uma escritora de Bei- do nos fotografam a cara, o
uma lotaria, um jogo gem. Faz-me sofrer. Vejo só
rute a viver em Paris, que me corpo, um gesto. Mas, final- de sorte. uma vez e selecciono. O meu
propôs, e ia propor o mesmo mente, tudo isso faz parte da último video foi um longo pe-
a Godard, ir à Palestina e a comunicação. sadelo para a montadora, co-
Israel para, de cada um des- Há quem fotografe mor- mo pode imaginar. O que gos-
ses sítios, lhe ir mandando tos, loucos e pessoas em es- to no cinema, e que o torna tão
D E S TA Q U E 21
PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001
mais interessante do que a fo- lho à sua volta e liga o rádio, Um grande pintor vento. Acho que tive um bom
tografia, é esse trabalho de enquanto está numa fase de pode pintar o mar. arranque. Um começo nor-
equipa, essa permanente re- procura para o seu trabalho. mal, na Suíça. Depois, o pri-
lação com outros, com quem Logo que encontra uma solu- Pode lá chegar. Não meiro passo foi perceber que
temos que partilhar as nossas ção para a sua ideia, desliga-o. creio que a fotografia não me queria instalar, que
dúvidas, os nossos sentimen- Não consente interferências] tinha de me afastar daquele
tos. Há muito tempo de leitu- o consiga. tipo de vida, daquela estreite-
A propósito de cinema ra em Mabou? za, das regras daquele país e
e do tal projecto das “car- Não muito. Já houve um Acho que as daquela autoridade. Essa foi
tas” da Palestina e de Isra- tempo em que eu lia muito. a motivação principal que me
el, que também iria ser pro- Há dois anos, em Paris, com- fotografias podem fez estar pronto para partir e
posto a Jean-Luc Godard, prei um livro que me co- conter silêncio. não ter qualquer intenção de
viu a “História do Cinema” moveu muito, “L’Année de regressar. Nunca pensei vir
que ele realizou para o ca- Rimbaud”. Foi publicado por Acredito que se pode a ser um Cartier-Bresson ou
nal Arte? ocasião do centenário do po- tornar os sons visíveis qualquer outro grande artista.
Vi só o livro. Admiro mui- eta, creio. É um livro espan- através de uma Tinha era que continuar em
to o que Godard faz, desde há toso, com muita informação frente. “To keep it going!” O
muito tempo. Em tudo o que sobre a extraordinária vida imagem. que eu sabia era que não que-
faz, o que quer que seja, há lá de Rimbaud. Incrivelmente ria ficar pela mentalidade da
sempre qualquer coisa mui- bem documentado. Foi esse classe média suíça, a desejar
to boa, muito interessante. cuidado editorial que mais Não estou em luta segurança e sucesso para o
Somos tão diferentes! Duvi- me impressionou. contra o fim dos meus dias. Tinha uma
do que ele esteja interessado Stig Dagerman, escritor esquecimento. Nunca outra vida a chegar e a partir.
em fazer qualquer coisa “a sueco, escreveu em 1955 E é aí que ainda hoje estou.
meias” comigo. Veremos. um livrinho com o seguinte acreditei, de resto, que Não quero ter, nem pensar em
Penso agora em Mabou, título — “A nossa necessi- o que quer que fiz ou ter, mais e mais. Quero apenas
na vossa casa com o ocea- dade de consolação é im- continuar.
no em frente. Acha que é possível de satisfazer”. Es- faça, tivesse ou tenha Se uma instituição portu-
possível captar, pela foto- tá de acordo? qualquer efeito no guesa o convidasse para se
grafia, a força do mar e do Necessidade de consola- mundo. Também não meter à estrada e fotogra-
vento? ção? Nunca pensei nisso. Há far o que quisesse, quem
Tentei. Deixei de o fazer. É alturas em que precisamos de é a mim que compete quisesse, com todas as con-
tão bom poder estar ali, es- ajuda. Ter alguém ao lado é mudar a direcção do dições de tempo e de orça-
tar simplesmente ali a olhar muito importante. Para mim, mento, para efeitos da edi-
durante muito tempo para por exemplo, seria terrivel- vento. ção de um livro intitulado
o mar, para a linha do hori- mente difícil viver sem a Ju- — “Os Portugueses”, acei-
zonte. Um grande pintor po- ne. Mas não se trata de con- Nunca pensei vir a ser tava?
de pintar o mar. Pode lá che- solação. Temos uma vida a Não, de modo algum. Está
gar. Não creio que a fotografia dois, vivemos a vida a dois. Às um Cartier-Bresson ou fora de questão voltar à ve-
o consiga. Só se pode tentar vezes boa, às vezes má. Temos qualquer outro grande lha estrada, mesmo sendo as
chegar lá de um modo mais que ser fortes e andar para a estradas portuguesas novas
conceptual. Pense só nas es- frente. É esse o meu lema. É artista. Tinha era que para mim. A única velha es-
pantosas gravuras do mar sempre melhor fazer alguma continuar em frente. trada que guardo para atra-
que os japoneses faziam. Es- coisa do que não fazer coisa “To keep it going!” O vessar é a que me faz entrar e
sas é que são “cool”. nenhuma. Consolação soa-me sair de casa.
Pode uma fotografia re- a religião. que eu sabia era que [June percebeu que a conver-
velar sons? [Perante o olhar enternecido não queria ficar pela sa ia acabar. Correu então a
Acho que sim, acho que as de Robert, June volta a inter- outro quarto e trouxe um rolo
fotografias podem conter si- vir, depois de eu ter explicado mentalidade da classe grosso. Abriu-o com grande
lêncio. Acredito que se pode melhor a ideia de Dagerman média suíça, a desejar cautela e começou a alinhar
tornar os sons visíveis atra- sobre a consolação: um leni- segurança e sucesso várias fotografias, por cima do
vés de uma imagem. Mas… tivo para o terrível sentimen- tapete. Foi-me assim revelada,
volto ao respeito que tenho to de perda que carregamos para o fim dos meus em cópia, a nova e espantosa
pela pintura, onde tudo isso dentro de nós, sem remissão. dias. Tinha uma outra peça, a tal que já está exposta
é mais possível, porque o la- Há quem consiga encontrar em Lisboa. Pensei reproduzir
do mecânico está afastado e formas de consolação para vida a chegar e a aqui as palavras que Robert
o que domina é o conceptual. aguentar melhor a dor que es- partir. E é aí que escreveu nela, como título-le-
Foi talvez por isso que passei sa perda representa, outros há ainda hoje estou. Não genda: atravessam os três pai-
a usar palavras para acom- que não, como ele próprio, que néis de baixo na horizontal,
panhar as minhas polaroids. lhe não soube resistir. Segun- quero ter, nem pensar em duas linhas e a toda a di-
Para compensar. do June, os artistas devem ter em ter, mais e mais. mensão. Mas acho melhor que
Quando passou a fazer um qualquer mecanismo au- vão ao CCB vê-la. Lê-la. En-
filmes e vídeos, como é que tomático de consolação. Por Quero apenas quanto a improvisada monta-
integrou a linguagem dos isso é que são artistas. Como- continuar. gem se desenrolava no chão,
sons, da música? vida com a pequena história Robert explicou-me algumas
Recusei sempre a incorpo- de Dagerman e sentindo-se nos coisas. Que a “mise-en-scène”,
ração da música nos meus fil- antípodas de um pensamento sobre a qual eu o questionara,
mes. A música é a última cria- e de uma vida tão depressi- estava na escolha das fotogra-
ção artística de que preciso vos, adiantou que também há fias. Que a seguir tinham che-
para eles. Era como acrescen- formas de aprendizagem da Polaroids de Albano da Silva gado as palavras que escreve-
tar açúcar num bolo. O que consolação, para quando o tal Pereira, tiradas durante a ra por baixo, de acordo com
interessa é a música que es- mecanismo automático não entrevista: na página ao lado, as ideias que o iam assaltan-
tá na minha cabeça, feita de funcionar. Deu um exemplo — Frank, June e Maria João do. Que não tinha querido fa-
ideias, do meu olhar intelec- antigamente, quando metia Seixas com Robert Frank zer uma espécie de filme so-
tual sobre aquelas imagens. uma peça no forno e a via de- bre aqueles dois personagens,
São elas que devem poder pois queimada ou partida, fi- aquele homem e aquela mu-
contar o que eu verdadeira- cava inconsolável. Agora, se lher que, a um dado momento,
mente sinto. isso lhe acontece, pensa que até entraram pela sua vida den-
Gosta de música? Ouve foi bom, porque ficou a saber tro. Disse ainda que as fotogra-
música regularmente? mais do que sabia, ficou a sa- fias não era a eles que se refe-
Gosto. Especialmente em ber o que não deve voltar a fa- riam, mas aos pensamentos
Mabou. Sento-me e ouço re- zer. E, como ouviu um inven- que ele próprio ia tendo sobre
petidamente as mesmas mú- tor dizer — “o insucesso não eles. E que ficou contente quan-
sicas. existe, o que existe é apenas um do pensou que era em Lisboa,
Tem alguns favoritos? adiamento do sucesso”] com o Albano, que a peça, tal-
Gosto de música contempo- Considera que o seu tra- vez a sua última, deveria ser
rânea: Van Morrison, Dylan. balho é, de algum modo, mostrada. Como trabalha com
Gosto das palavras. Fazem uma forma de luta contra grande lentidão, precisou de
sentido para mim. São par- o esquecimento? acelerar o ritmo para a trazer
te da cultura americana de Não. É um fenómeno natu- com ele. Robert, June e a peça
que eu gosto. Quando a June ral, é como ver a chuva a cair, chegaram a Lisboa na manhã
se põe a ouvir aquele cantor ou lavar a louça em que come- do dia 11 de Setembro.]
italiano cego, Bocelli, é ópti- mos. Não estou em luta contra Dê-me uma palavra de
mo sentar-me perto e ouvi-lo o esquecimento. Nunca acre- eleição.
também, através da porta do ditei, de resto, que o que quer Uma palavra? Não sei. Veio-
seu atelier. que fiz ou faça, tivesse ou te- me agora à ideia um verso de
[June, muito atenta à con- nha qualquer efeito no mun- uma das canções de Van Mor-
versa, salta para dentro dela do. Também não é a mim que rison — “Let the gold fish go”.
e explica que gosta de baru- compete mudar a direcção do É essa a eleição.
E S PA Ç O P Ú B L I C O 23
PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001
Diz-se
“Os atentados de Nova Iorque e
Resistir à tentação da vingança
Washington confirmaram que de Vincent Cannistraro e o apelo à Administração Não se pode esquecer que as sanções impostas
o perigo não está confinado às Bush para que “finalmente assuma um papel acti- ao Iraque, depois da guerra do Golfo, continuam
regiões e países em guerra ou vo e positivo antes que haja mais inocentes assas- a matar mais inocentes do que toda a história do
ao submundo das grandes me- sinados, em ambos os lados, e que o papel dos EUA terrorismo moderno. E servem, além disso, para
trópoles. O perigo chega até on- no mundo seja desacreditado”. manter Saddam, um tenebroso ditador, no poder.
de chegarem os braços da into- A conferência de Durban contra o racismo mos-
lerância e da raiva.” trou que existe um antiamericanismo directo e 3. Diz-se que os EUA têm desenvolvido, com os
JOÃO PAULO GUERRA indirecto bastante globalizado. A razão é simples: recursos da mais sofisticada tecnologia, infalíveis
“Diário Económico”, 15-9-01 FREI BENTO DOMINGUES, O.P. o poderio económico e militar, sem uma ética de e invencíveis meios de combate e trabalham nu-
solidariedade mundial — que exija para todos um ma imbatível cobertura de protecção antimíssil
“De uma certa forma, a déca- mínimo de respeito, de justiça e de oportunidades de todo o território norte-americano. Poderão
da de 90 acabou, de uma forma “Podemos estar a assistir a uma retoma- —, torna a política externa dos EUA, com ou sem atingir o mundo inteiro e não serão atingidos por
brutal, no dia 11 de Setembro
de 2001.”
ÁLVARO SANTOS PEREIRA
ibidem
A
notícia chegou em final de jornal televisi- a ser, cenário previlegiado das ficções apocalípticas saber se exclusiva) da acção de 11 de Setembro, não
se a tirar do abismo a RTP que
vo. Incrédulos, víamos a torre norte do ou de invasão de alienígenas, da pacotilha patrioteira será o cenário do choque das civilizações por demais
ele próprio ajudou a atirar para
World Trade Center a arder: como era de “O Dia da Independência” ao recente futurismo esquemático para compreender as sementes de um
lá.”
possível que um avião se tivesse despe- digital de “Final Fantasy”? Seria o ataque um “re- terror inominável?
JOSÉ FONSECA E COSTA
“Diário Economico”, 15-9-01 nhado aí? Estávamos a ver “em directo”, mas dir-se- make” de “Pearl Harbour”, o acontecimento históri- No meu pessoal imaginário, volto ainda a Nova
ia que também em “diferido”, apenas as consequên- co mas também o filme? Iorque, a mais fabulosa das cidades. A efervescência
“Uma ‘rangelização’ da RTP só cias e não o evento em si. Tudo mudou quando no Era fácil pensar que os eventos se sucediam “como que lhe é apanágio, não se fundamenta ela num
pode provocar uma fragiliza- ecrã vimos um segundo avião ir de encontro à torre que num filme”. Só que ineludivelmente a banalida- tecido multicultural, um mosaico de tantos povos,
ção do sector da televisão pri- sul. Era sem dúvida um atentado coordenado e não de do imaginário desses e de tantos outros filmes anglo-saxónicos ou judeus, chineses ou italianos,
vada.” um inimaginável acidente, implicando uma esfera ainda mais era posta em relevo pelo que víamos e com as suas especifidades e também religiões? Não
J.M.NOBRE-CORREIA política mas também um imaginário e um modo de também pelo que não víamos, sabendo ser propria- supõe isso uma ordem de valores?
“Expresso”, 15-9-01 recepção. mente inimaginável: a extensão da realidade supera- Ninguém esperará que não haja uma resposta
Quem perpetrou uma operação desta envergadura va qualquer ficção e, ao contrário dos filmes, estava americana — houve uma agressão. A solidariedade
“A RTP é um barco à deriva em deverá ter previsto também o “choque mediático” vedado às câmaras o acesso aos interiores, os das não se pode negar. Mas a constatável falência de
vias de soçobrar.” que iria suscitar. Horas mais tarde, quando também Twin Towers ou do Pentágono. imaginários americanos, cinematográficos, vaga-
id., ibid. em directo surgiram imagens de confrontos em Este desfasamento do imaginário implica outros mente literários e mesmo teóricos, define também
Cabul, para além das interrogações e perplexidades códigos de percepção, políticos e teóricos. “O Fim da a extensão da ferida simbólica e essa é também uma
“Os grandes erros do mundo (como, seria já uma resposta?), a visão era como que História”, a receita neo-hegeliana de Francis questão para as acções políticas.
da televisão, nos últimos anos, de uma ordem já “institucionalizada”, qual “re- Fukuyama, ou a prometida “nova ordem mundial” Pearl Harbour — II? A clássica lógica de guerra,
aconteceram quando cada um make” do Golfo, essa guerra que todos vimos e que de Bush pai finaram-se, perante a evidência de um de ataque e de resposta, os próprios conceitos de
dos canais se desorientou e per- afinal foi como poucas opaca. Foi uma visão que tipo novo de conflito, para mais de dimensão certa- segurança e defesa não são modelos a prosseguir
deu a noção do seu papel. As- ainda mais veio acentuar o absoluto ineditismo de mente global. “O Choque de Civilizações”, profetiza- perante a extensão do terror inimaginável. E muito
sim aconteceu com a RTP — tudo aquilo em que nas horas anteriores tínhamos do por Samuel Huttington, torna-se perspectiva menos os fundamentos da nossa cultura podem ser
quando começou a querer imi- comparticipado enquanto telespectadores. ainda mais inquietante: as pistas logo apontadas sacrificados numa lógica de retaliação cega e intole-
tar a SIC, no momento em que a Todos somos por certo suficientemente americani- evocam o cenário do confronto entre as civilizações rância.
SIC crescia. E aconteceu com a zados para que o inaudito espectáculo de 11 de Setem- ocidental-judaico-cristã e islâmica. Para mais, Nova Não basta olhar para a América, podemos come-
SIC — quando começou a que- bro não se tivesse confrontado com as memórias de Iorque, e até mais concretamente Manhattan, não é çar à nossa volta. Não há já quem à carteira das
rer imitar a TVI.” um imaginário americano sobretudo cinematográfi- o paradigma de um nosso modo de viver, urbano e habituais falsificações históricas tenho ido buscar
JOSÉ ANTÓNIO SARAIVA co. O paradigma dos filmes-catástrofe dos anos 70 não ocidental? a ladainha da corresponsabilidade nos actos de ter-
ibidem se chamava “A Torre do Inferno”? Nova Iorque, Em Abril de 1995, tinha chegado há poucas horas ror dos que são solidários com os palestinianos ou
Manhattan em particular, não foi, e tem continuado em Nova Iorque quando se deu o atentado de Oklaho- buscam alternativas à globalização vigente?
ES PAÇ O P ÚB L I C O 25
PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001
O perdão e a piedade
que tenha como alvo um rico, um europeu, um
americano ou um branco. Ou antes, a esquerda
moderada e europeia, incluindo os comunistas
revisitados, não desculpa o terrorismo, mas
tem uma irresistível tendência para o “com-
ciais”, estão a legitimar o terrorismo. Da pior preender” nas suas causas sociais. Já a esquer-
maneira. Não se trata dos excitados que, por da antiglobalização é mais descarada: ETA,
Das “causas profundas do terrorismo”, da pobreza demagogia, estão ao lado dos que se voltam IRA, FIS, Bin Ladden, Sendero Luminoso, Ta-
à filosofia, da religião ao racismo, da ambição contra os ocidentais e os americanos. Nem dos libans, Saddam Hussein, Hamas, Hezbollah,
imbecis que usufruem dos benefícios do cos- Khadafi e Khomeini fazem parte do quadro de
ao nacionalismo, do petróleo aos armamentos, mopolitismo, mas que sugerem que os povos honra dos desesperados da fome.
da inveja à exploração, deve tratar-se depois. Antes, menos desenvolvidos sejam “protegidos da glo-
tem de se tratar do terrorismo ele próprio. Quanto balização” e reduzidos a sociedades fechadas. NADA JUSTIFICA O TERROR. NEM A POLÍ-
Não. Trata-se de gente que dá uma legitimi- tica externa americana, nem os colonatos israe-
à cavalaria: que ela vá! Espero que seja certeira e radical. dade superior ao terrorismo. O que sugerem, litas, nem os bombardeamentos da Sérvia, nem
em poucas palavras, é que “enquanto houver os ataques ao Sudão. Nada. Nem sequer a fome
desigualdades sociais haverá terrorismo”. O e a exclusão. Muito menos a escravatura, o ca-
A NTÓNIO BARRETO
que o desculpa e incentiva. pitalismo ou o racismo. Por mais condenáveis
que estes factos sejam. Justificar o terrorismo
á se sabe. Os Estados Unidos vão re- cem”, “eles também bombardearam a Sérvia”, QUARTO, A CONDENAÇÃO DO GOLPE TER- e aceitá-lo como a consequência necessária da
Banca
de Jornais
O cuidadoso
planeamento
da nova guerra
h t t p : / / w w w. m e n s a g e n s . p t Inquérito
Osama
twin.towers@atentados.com o profissionalismo de uma estratégia minu- nho a sociedades mais vigiadas, espiadas, Extrema-direita
Bin Laden
americana
ão, meu caro, felizmente, es- ciosamente planificada, embora inexequível policiadas. Mal iriam os Estados Unidos
N
(20%) 720 (55%) 1938
tou dispensado de repetir as sem o fanatismo suicida dos autores. e os regimes democráticos se, como re-
frases clássicas de horror que Não é justo reduzir o sucedido ao sim- ceia Alexander Cockburn (“Los Angeles
correspondem a uma espécie bolismo do ataque aos sinais exteriores Times”, 13 do corrente), “a próxima baixa” Iraque
de necessidade ritual dos comentaristas da de poder norte-americano. Não estavam for, no plano interno, o “Bill of Rights” — (6%) 224
primeira hora. Na divisão de trabalho jor- apenas em causa símbolos, mas seres hu- ou seja, as liberdades públicas e os direitos Coreia
nalístico, o colunista a quem o calendário manos. É exemplar a afirmação do escritor dos cidadãos — enquanto se procuram, no Líbia do Norte
concede alguns dias de recuo pode dar-se norte-americano Jerome Charyn: “Já não Afeganistão ou no Iraque, “os suspeitos do Outro movimento (0%) 23
(1%) 38 islâmico extremista
ao luxo de ser menos solene, até porque es- se encara os homens como humanos mas costume”...
trategistas lusitanos, não só manifestaram, apenas como alvos políticos. Se alguém está Em qualquer caso, afigura-se provável (8%) 282
e nisso os acompanho, a sua solidariedade cheio de ódio até este ponto é porque já está que o evidente fracasso dos serviços de in-
Total de votantes: 3492
com as vítimas, os seus familiares e o povo morto. Tudo isto nos afasta do simbolismo, formação da CIA e do FBI, desencadeará,
americano, mas também já providencia- que seria demasiado fácil na ocorrência. nos Estados Unidos e em muitos dos seus
ram todos os conselhos necessários ao Pre- Tudo isto nos devolve à humanidade” (“Li- aliados europeus, o reforço de mecanismos
sidente dos Estados Unidos, ao Pentágono, bération”, 14 do corrente). de segurança interna e a compressão da Consulta realizada na página da Internet do
à CIA e ao FBI, tarefa em que o meu auxílio publico.pt. Cada leitor só pode votar uma vez. Ca-
seria de todo inútil. MICHAEL BOESL/EPA
so vote uma segunda vez, o segundo voto irá subs-
Podemos por isso conversar, nestas men- tituir o primeiro. Este inquérito não obedece aos
sagens, com a tranquilidade resultante critérios de validade científica das sondagens e
de duas evidências: primeiro, esta prosa não pretende representar com rigor as opções do
nenhuma influência terá nos destinos do público em geral nem as dos utilizadores da Inter-
mundo; segundo, os nossos compatriotas net. Ele tem um valor meramente indicativo das
entendidos na matéria já orientaram no preferências dos nossos leitores.
melhor sentido as grandes instâncias de
decisão norte-americanas, europeias e in-
ternacionais. Não iremos por isso adensar
a propaganda de guerra contra o inimigo
incerto, à semelhança dos jornais popula-
res de Nova Iorque e outros comentaristas
que, no dizer irónico do media crítico Ho-
Carta Aberta
ward Kurtz, transformaram “as suas penas
em espadas” (“The Washington Post”, 13
do corrente). A falsa questão
Como sabes a imprensa periódica nas-
ceu, no século XVII, muitas vezes associada
à guerra. Enquanto as tropas se preparam
de “Os Lusíadas”
para avançar para o campo de batalha, os
escribas cuidam da moral “na retaguarda”. Em artigo de 2 de Setembro, neste mesmo PÚ-
Neste caso dos atentados de Washington BLICO, Mário Mesquita lembra que já não
e Nova Iorque, muitos escribas norte-ame- é sem tempo que a efervescência em torno
ricanos, europeus e outros, já inscreveram da questão de Camões no ensino secundário
as suas palavras no domínio da retórica A maior parte dos cidadãos norte-ame- esfera de liberdades individuais. As demo- parece acalmar e que o nosso épico também
guerreira, mau grado a impossibilidade ricanos espera, naturalmente, a retaliação, cracias são regimes frágeis. Os ataques tem direito a férias. Tem razão, até porque
evidente de designar o alvo a atingir. a resposta, para não escrever cruamente a brutais às Twin Towers e ao Pentágono a questão de “Os Lusíadas” foi, desde o iní-
O problema reside apenas em saber locali- “vingança”, que reponha o orgulho ferido prenunciam tempos difíceis. cio, uma falsa questão, já suficientemente
zar ou escolher o “inimigo” e descobrir onde da “superpotência” subitamente atingida Ainda não é fácil determinar, em toda esclarecida. Mas o problema é outro e, para
fica o campo de batalha. Stendhal deixou- no mito da sua invulnerabilidade. Os seus a sua extensão, as repercussões históri- usar as palavras de Vítor Aguiar e Silva, no
nos, na Cartuxa de Parma, a cruel história — aliados europeus e não-europeus compre- cas dos atentados de Nova Iorque e de Wa- excelente artigo que MM cita, ele é bem mais
por vezes evocada a propósito da guerra do endem esta necessidade, simultaneamen- shington. As imagens de horror ficarão complexo e preocupante. Como tal, é bom
Golfo — de Fabrizio del Dongo, desejoso de te, estratégica e psicológica. Abundam as gravadas na nossa memória, mas ainda é que muitas das reais questões levantadas se
combater ao lado de Napoleão, que chegou fórmulas do tipo a III Guerra Mundial já cedo para determinar, de forma precisa, mantenham vivas e possam contribuir para
a estar no meio da batalha de Waterloo, sem começou, mesmo que não se saiba exacta- as consequências da nova fase histórica aqueles ajustes e equilíbrios a que se referia
disso se aperceber, se não nos dias seguintes mente contra quem. que, possivelmente, inauguram. Não pa- o senhor secretário de Estado, João Praia,
quando leu os jornais. Na presente situação, A invisibilidade do “inimigo” tenderá a rece realista esperar nada de bom deste quando assegurou que o Ministério da Edu-
o défice de conhecimentos do jovem Fabrizio fazê-lo encarnar nos estereótipos do “ára- acontecimento. Está feita a demonstração cação se encontrava receptivo a sugestões
alarga-se aos sofisticados quartéis-generais be” ou do “mundo islâmico”. “A necessi- da vulnerabilidade dos Estados Unidos, no que a tal conduzissem. Porque, de facto, só
norte-americanos, cujo símbolo máximo, o dade de encontrar o inimigo — escreveu seu próprio solo, mas não creio que daí com esta polémica se abriu um pouco de dis-
Pentágono, foi directamente atingido por um Felipe González — de dar um rosto ao mal, advenha qualquer resultado positivo. O cussão pública, se ouviram vozes diferen-
dos aviões pilotados pelos suicidas. Já não é pode levar-nos a criminalizar o outro, a mais provável é que todos os “falcões” e ciadas, e só agora se conheceram algumas
o candidato a guerreiro que não reconhece quem é diferente pelas crenças religiosas, todos os “extremismos” saiam reforçados (muito parcelares) respostas, inclusivamente
o campo de batalha. É o estado-maior que coordenadas culturais ou na cor da pele desta crise, dentro e fora dos Estados Uni- a de Maria da Conceição Coelho, coordenado-
não consegue localizá-lo. (...)” (“El País”, 15 do corrente). As estraté- dos, na Europa, na Ásia e, principalmente, ra dos programas de Língua Portuguesa e de
gias antiterroristas, recentrando as ques- no Médio Oriente, no “mundo ocidental” e Literatura Portuguesa, ainda que nem sem-
simbolismo@humanidade.af tões de defesa, sobretudo, na segurança no “mundo islâmico”. pre com a serenidade que o caso requeria. E,
ens razão. As imagens televisivas interna, podem conduzir a sociedades mais Afiguram-se, por isso, muito adequadas no entanto, há muito que se ouviam sérias
T transformam em espectáculo a
impotência da “superpotência
mundial”, num universo supos-
tamente unipolar, perante esta terrível as-
particularistas, racistas e policiescas.
inimigo@interno.us
ilhares de “pistas” — na sua
as palavras de George Carey, arcebispo de
Canterbury, ao lembrar, na Catedral de
S.Paulo, em Londres, que, apesar das per-
das humanas e dos valores simbólicos atin-
apreensões relativas à revisão curricular, no
que ao assunto diz respeito, particularmente
pela desvalorização dos estudos literários a
que agora se assistia. A título de exemplo,
sociação entre terrorismo e suicídio. Os
últimos meses familiarizaram-nos com aten-
tados “kamikazes” na Palestina, mas havia
qualquer coisa de artesanal nesses actos
terroristas da Intifada. Nos mega-atentados
M maior parte não fundamenta-
das — fornecidas por particu-
lares ao FBI para encontrar os
criminosos traduzem não só o legítimo de-
sejo de encontrar os culpados, mas a ten-
gidos, houve outro ícone da América que
não foi atingido: “O Sol daquela manhã de
Setembro continuou a brilhar na estátua da
Liberdade, como um farol, símbolo de tudo
o que há de melhor na América.” Oxalá não
lembro os testemunhos vários de que se fez
eco o “Jornal das Letras”, mas que, pelos
vistos, foram (essas e outras) vozes clamando
no deserto. (...)
MARIA LUÍSA URBANO
dos Estados Unidos, confrontámo-nos com dência para delação que pode abrir cami- tenha pregado em vão. I Coimbra
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PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001
uso do “directo” em todas as suas potencialidades, com cuidados dignos de registo, mas e Olga Barreiros (Porto);
REDACÇÃO DE LISBOA Redactores principais: Adelino Gomes, Jorge Almeida
mostrou também como é insubstituível — se bem entendido e praticado — o papel Fernandes e Teresa de Sousa • Secretariado: Alexandra Galvão, Ana Lúcia
Zacarias, Francisca Sacadura, Isabel Anselmo, Paula Dias • Nacional: Eduardo
complementar da imprensa escrita no enquadramento aprofundado da informação. Dâmaso (editor, Ana Sá Lopes (grande repórter), Eunice Lourenço, Helena Pereira,
Isabel Braga (grande repórter), João Pedro Henriques, Luciano Alvarez, Nuno Sá
Lourenço, São José Almeida • Mundo: Margarida Santos Lopes (editora), Pedro
Ribeiro (subeditor), Jorge Heitor (grande repórter), Alexandra Prado Coelho, Bárbara
Reis, Fernando Sousa, Francisca Gorjão Henriques, Joana Amado, Pedro Caldeira
Rodrigues • Enviados permanentes: Ana Gomes Ferreira (Nova Iorque), Ana
Navarro Pedro (Paris), Isabel Arriaga e Cunha (Bruxelas), Nuno Ribeiro (Madrid) •
Economia: Carlos Rosado de Carvalho (editor), Paulo Madeira (subeditor), Anabela
Campos, Artur Neves, Clara Teixeira, Cristina Ferreira, Diana Ralha, Inês G. Sequeira,
João Ramos de Almeida, Lurdes Ferreira • Sociedade: Luís Francisco (editor),
António Marujo, Carlos Pessoa, Catarina Gomes, Joana Ferreira da Costa, José
Bento Amaro, Maria João Guimarães, Paula Torres de Carvalho, Ricardo Dias Felner
• Educação: Bárbara Simões (editora), Andreia Sanches, Bárbara Wong, Isabel
Leiria • Ciência & Ambiente: Ana Fernandes (editora), Ana Machado, Clara Barata,
Ricardo Garcia, Teresa Firmino • Cultura: Isabel Salema, Alexandra Lucas Coelho
JOAQUIM FIDALGO (editoras), Tiago Luz Pedro (subeditor), Rui Ferreira e Sousa (grande repórter), António
Curvelo, Carlos Câmara Leme, Fernando Magalhães, Joana Gorjão Henriques,
Kathleen Gomes, Lucinda Canelas, Vanessa Rato, Vasco Câmara • Desporto: Carlos
Filipe (editor), Cristina Oliveira (secretária), Ana Paula Gouveia, Filipe Escobar de
uma semana em que
N
Lima, Jorge Miguel Matias, José Mateus, Manuel Abreu, Marco Vaza, Paulo Curado
• Media: João Manuel Rocha (editor), Cristina Silva (secretária), Elisabete Vilar,
o trágico atingiu pro- Maria Lopes, Sofia Rodrigues • Local: Ana Henriques (editora), José António Cerejo
porções inimaginá- (grande repórter), Anabela Mendes, Clara Viana, Fernanda Ribeiro, Francisco Neves,
Luís Filipe Sebastião, Nuno Ferreira • Fotografia: Adriano Miranda (editor), Isabel
veis, mostrando como Amorim e Nuno Santos (arquivo), Carlos Lopes, Daniel Rocha, David Clifford, Dulce
a realidade pode ultrapassar a mais Fernandes, Luís Ramos, Miguel Madeira, Miguel Silva, Pedro Cunha, Rui Gaudêncio
fantasiosa das ficções, a abordagem • Agenda: António Navarro (coordenador), Carlos Mendes, Diego Santos, Helena
Melo, Maria José Pombo, Nuno Conceição • Roteiros: Mercês Magalhães • Centro
mediática dos atentados terroristas de Documentação: João Vasconcelos e Sá (editor), Anabela Anselmo, Ângela
nos EUA foi compreensivelmente Carrascalão, Leonor Sousa, Paula Paço, Susana Meireles • Copy-Desks: José
Imaginário (coordenador), André Lopes, Eurico Monchique, João Palma, Manuela
dominada pela televisão. Há situa- Barreto, Rita Pimenta • Paginação e grafismo: Miguel Dias (editor), Gil Lourenço
ções em que o “directo” — hoje tão (subeditor), Ana Carvalho, Alexandra Sousa, Helena Cabral, Hugo Pinto, Ivone Ralha,
Joana Lima, Jorge Guimarães, Luís Ramalho, Pedro Costa, Sandra Silva • Infografia:
facilitado por tecnologias que per- João Lázaro (editor), Célia Rodrigues, Joaquim Guerreiro • Produção: Delfim
mitem acesso imediato aos locais Machado (coordenador), Carmo Correia (secretária), Anabela Duarte, Cláudia Sofia,
dos eventos — se justifica de todo Fátima Farinha, Fátima Rita, Gonçalo Jara, José António Fernandes, José Miguel
Amorim, Manuel Coelho, Paula Martins, Paula Salvador, Paulo Lopes, Ruben Guiomar,
e ocupa um insubstituível lugar. Rui Cruz, Rui Hilário, Rui Teixeira, Valter Vicente, Vítor Gaspar • Controlo de
Assim, com os acontecimentos a Qualidade: Maria do Céu; Serviços Gerais: Manuel Duarte • SUPLEMENTOS
Computadores: Rui Jorge Cruz (editor), Isabel Gorjão Santos; Economia: Paulo
desenrolarem-se minuto a minuto Madeira (subeditor); Fugas: Jorge Marmelo (editor-adjunto), David Lopes Ramos
frente aos nossos olhos, o trabalho (editor Prazeres) e Aníbal Rodrigues (editor Motores), Lucinda Vasconcelos (secretária),
Luís Maio; Mil Folhas: Filipa Melo (editora); Pública: João Carlos Silva (editor),
jornalístico de mediação com os mas que, como disse, muitas publi- em diversas zonas dos EUA), con- opinião, ler o mundo. Maria Antónia Ascensão (secretária), Dulce Furtado, Dulce Neto, Isabel Coutinho,
espectadores torna-se menos visí- cações decidiram não usar. Nem firma-o o aumento de tiragens. Esta é uma nobre e decisiva vo- Paulo Moura; Y: Vasco Câmara (editor), Vitor Belanciano • DEPARTAMENTO
vel, por vezes até totalmente silen- era necessário, tão abundante e ex- Isto parece sugerir, mais uma cação da imprensa escrita, e não PROJECTOS ESPECIAIS Fernando Correia de Oliveira (editor), António Melo,
Manuela Gomes • PÚBLICO na ESCOLA Luís Costa (director), Eduardo Jorge
cioso, embora decisivo na escolha pressivo da dimensão do horror era vez, que os diferentes suportes por apenas da semanária — que abor- Madureira (director pedagógico), António Santos e Manuel Pinto (colaboradores),
do que se mostra: a preocupação é o material divulgado pelas agências que é veiculada a informação (e no- da os assuntos com vários dias de Olga Barreiros (produtora).
REDACÇÃO DO PORTO Redactores principais: José Alberto Lemos, José
captar a maior quantidade possível fotográficas. Talvez a própria con- te-se, além da TV, a utilização inten- recuo e pode ir mais longe neste Queirós, Luís Costa Secretárias de Redacção: Paula Fidalgo, Paula Leite,
de ângulos e pontos de vista, mas tenção das televisões tenha favore- síssima da Internet para actualizar esforço de interpretação e ponde- Sónia Gouveia • Nacional: Raposo Antunes (editor-adjunto), Filomena Fontes •
Sociedade: Amílcar Correia (editor), Alexandra Campos, António Arnaldo Mesquita
não esquecendo nunca que o propó- cido, aqui, alguma prudência. dados ao minuto...), ao contrário ração dos acontecimentos. Não. (grande repórter), Cesaltina Pinto, Leonete Botelho • Educação: Sandra Costa
sito é informativo, com as inerentes Mesmo no caso da imprensa por- de se anularem, se complementam. Nos tempos de hoje, com a omni- • Ciência & Ambiente: Pedro Garcias • Economia: Carlos Romero (editor),
exigências profissionais e éticas. tuguesa, praticamente todos os jor- Ou seja, têm vocações diversas e presença de rádio, televisão e “net” Joana Amorim, Rita Siza, Rosa Soares • Desporto: Bruno Prata (editor), Fernando
Marques (grande repórter), José Augusto Moreira, Luís Octávio Costa, Manuel
Ancorados nas grandes cadeias nais escolheram outras imagens tanto melhor (sobre)viverão quan- — cujas vocações primeiras, nestas Assunção, Manuel Mendes • Cultura: Sérgio Andrade (editor-adjunto), Inês Nadais,
televisivas americanas que esta- — fortíssimas, terríveis, mas por to melhor souberem aprofundar situações específicas, são “dar” o Luís Miguel Queirós, Maria José Oliveira, Óscar Faria • Local: José Manuel Rocha
(editor), António Moura, Ana Cristina Pereira, Andrea Cunha Freitas, Luísa Pinto,
vam no local, os canais portugueses assim dizer menos “individualiza- o seu papel específico, em vez de que se está a passar, temperando-o Margarida Gomes, Mário Barros, Nuno Corvacho • Fotografia: Paulo Ricca (editor),
fizeram globalmente um trabalho das” no retrato da tragédia —, dan- tentarem batalhar todos no mesmo com um ou outro comentário ne- Alexandra Domingos (digitalização), Fernando Veludo, Manuel Roberto, Mário
Marques, Nélson Garrido, Paulo Pimenta • Agenda: Irene Leite, Luísa Moreira,
atento, proporcionado e correcto. A do exemplos de um respeito pela terreno. Aos anos que se prediz que cessariamente rápido, “a quente” e Paula Moreira • Roteiros: Ana Mendes • Centro de Documentação: Laura
isso ajudou certamente o material dignidade de pessoas concretas que os jornais vão acabar, e eles, apa- tantas vezes interrompido por no- Santos • Copy-Desks: Aurélio Moreira, José Luís Baptista, Ricardo Neves •
de base que recebiam de estações se assinala. Até porque não têm rentemente, não acabam. Vão-se vos dados daqui e dali —, a distân- Paginação e grafismo: Pedro Almeida (subeditor), João Almeida, José Maia, José
Soares, Maria Branco • Produção: Artur Cunha (coordenador), Jorge Moreira,
como a CNN, a CBS ou o Sky News, faltado exemplos de sinal contrário modificando, não são insensíveis cia face aos eventos já não se mede Carlos Calçada, Eduardo Lucas, Emanuel Pinho, Filipe Mota, Lúcia Santos,
e que, como nas páginas do PÚBLI- na cobertura de acontecimentos aos desenvolvimentos tecnológi- em dias, mas em horas. Assim, os Pedro Ribeiro, Vanessa Praça • Controlo de Qualidade: Jorge Silva
DELEGAÇÕES Aveiro: Patrícia Coelho Moreira, Rui Baptista; Braga: Alexandre
CO já sublinhou Eduardo Cintra trágicos mais próximos da nossa cos que atravessam todo o panora- próprios jornais diários, sob pena Praça, Teresa Lima; Coimbra: Álvaro Vieira, Graça Barbosa Ribeiro, Nélson Morais;
Torres, foram muito cuidadosas casa. ma mediático, confrontam-se com de deixarem o seu trabalho apenas Faro: Idálio Revez; Funchal: Tolentino de Nóbrega; Vila Real: Celeste Pereira;
CORRESPONDENTES NACIONAIS Alexandra Barata, Ana Fragoso, Ana
e contidas, procurando mostrar e O trabalho da imprensa escrita novos desafios, podem vir a tomar meio feito, e ultrapassado, não po- Peixoto Fernandes, Ângelo Teixeira Marques, António Gonçalves, Carlos
informar sem ceder a sensaciona- no acompanhamento noticioso des- formas diversas das de hoje no dem bastar-se com a repetição do Cipriano, Carlos Dias, Emília Monteiro, Florindo Cardoso, Francisco Fonseca,
lismos ou à crua exploração emo- te invulgar atentado permite, en- correr do tempo, mas preenchem que já se viu e ouviu; precisam de Gustavo Brás, Jorge Humberto, Jorge Talixa, José Guilherme Lorena, José
Parreira, José Pinto de Sá, Luís Bonixe, Manuel Fernandes Vicente, Miguel
cional de sentimentos — o que nem tretanto, atentar num ponto inte- uma função particular que, se bem dar mais resposta, mais desenvol- Moiteiro Marques, Nélson Mingacho, Nuno Mendes, Sara Dias Oliveira
seria difícil na situação, tantas as ressante: a televisão, ainda que entendida e cultivada, os torna vida, mais enquadrada, à necessi- CORRESPONDENTES INTERNACIONAIS Ancara: Dogan Tiliç; Atenas:
Slobodan Markovic; Beirute: Jim Quilty; Belgrado: Stevan Niksic; Bissau:
tragédias pessoais que, imagina- omnipresente e em directo, nem insubstituíveis. dade das pessoas de saberem me- António Soares Lopes; Bona: Helena Ferro de Gouveia; Cairo: Karim El-
mos, se sucederam naqueles dias de longe esgota a sede de informa- lhor o que se passou, mas também Gawhari; Cidade da Praia: José Vicente Lopes; Jacarta: John Aglionby;
Jerusalém Ocidental: David Landau; Jerusalém Oriental: Graham Usher;
terríveis. ção das pessoas, sobretudo nos mo- QUE PROCURA UM LEITOR quan- como, porquê, em que contextos, Joanesburgo: Adrian Hadland; Luanda: Reginaldo Silva; Maputo: Arnaldo
As imagens mais chocantes que mentos que se seguem ao impacto do, horas depois de uma tragédia com que bases e efeitos. De outro Abílio; Moscovo: José Milhazes; Rio de Janeiro: Mário Negreiros; Roma:
vimos terão sido as de uma ou ou- inicial que nos deixa, boquiabertos, que acompanhou em directo pela modo, arriscam-se a ser dispensá- Carlos Picassinos; São Tomé: Manuel Barros; Sarajevo: Zoran Pirolic; Tirana:
Lulzim Çota; Varsóvia: Gemma Aizpitarte; Zagreb: Zarko Puhovski
tra pessoa saltando para o vazio (e colados ao ecrã. Confirma-o a enor- televisão ou pela rádio, se apressa a veis — e, nesse cenário, não seriam COLUNISTAS e CARTOONISTAS Álvaro Domingues, Ana Paula Tavares, António
para uma morte certa) das janelas me procura de jornais no próprio comprar o seu jornal, ou até diver- as televisões (então pelo que vamos Barreto, Augusto M. Seabra, Carlos Lopes, Eduardo Cintra Torres, Eduardo Prado
Coelho, Fernando Rosas, Francisco Sarsfield Cabral, Francisco Teixeira da Mota, Frei
do World Trade Center. Mesmo dia e nos imediatos, confirma-o a sos jornais? Em parte, quer rever o vendo entre nós...) a colmatar essa Bento Domingues, Gaspar Martins Pereira, Germano Almeida, Graça Franco, Helena
essas, quase não as vimos, pois profusão de edições especiais com que de algum modo já sabia, agora importante lacuna de uma infor- Matos, José Eduardo Agualusa, José Manuel Moreira, José Pacheco Pereira, Luís
Afonso, Luís Fernando Veríssimo, Luís Pessoa, Luís Salgado Matos, Maria Filomena
diversas cadeias parecem ter opta- que tantos títulos avançaram (algu- mais devagar, com mais atenção, re- mação mais serena, mais funda, Mónica, Mário Mesquita, Mário Pinto, Mia Couto, Miguel Sousa Tavares, Miguel
do por não as mostrar — ou, mos- mas até com distribuição gratuita, lendo isto e aquilo, voltando atrás, mais larga, mais reflexiva. Veloso, Rui Cardoso Martins, Rui Macedo, Vasco, Vital Moreira
trando-as em curto “flash”, não as detendo-se em aspectos que a TV dá Eis um desafio grande para os COLABORADORES Alexandre Delgado, Ana Vaz Milheiro, André Barata, André
Carrilho, André Ruivo, António Pinto, António Tomás, Conceição Celeiro, Cristina
repetir morbidamente vezes sem EM SÍNTESE de raspão e em imagens que nunca jornais diários — a que eles, mesmo Fernandes, Cristina Sampaio, Epifânio da Franca, Estevão de Moura, Fernando
conta, como noutras situações te- páram. Mas isso é só uma parte. de forma desigual, vêm tentando Ilharco, Fernando Lapa, Fernando Pinto Amaral, Francisco Melro, Gonçalo Morna,
Gonçalo Ruivo, Helena Amaral, Helena Vasconcelos, Henrique Saias, Isabel Salavisa,
mos visto. Há outra, mais relevante do que a dar resposta — e uma exigência
Televisão No “directo, “repetição do mesmo por outros suplementar para os jornalistas. É
Isabel Vila Nova, João Barreiros, João Barrento, João Fragoso Mendes, João Paulo
Cotrim, João Pinharanda, Joaquim Caetano, Jorge Anjinho, Jorge Gomes Miranda,
ESTA IMAGEM, DE RESTO, GE- o jornalista está menos meios”: há o ir mais longe e mais mais, muito mais, do que simples- Jorge Guimarães, Jorge Humberto, José Carlos Alvarez, José Luís Leitão, José
Manuel Cordeiro, José Manuel Cortês, José Maria Castro Caldas, José Paulo Viana,
rou polémica no terreno da impren- visível, mas nem por fundo na compreensão do que acon- mente “levar a mensagem” daqui Linda Santos Costa, Luís Félix, Luís Lopes, Luís Miguel Duarte, Luís Miguel Oliveira,
sa escrita americana, pois (como teceu, o tentar perceber as causas e para ali. I Luísa Soares de Oliveira, Mafalda Ivo Cruz, Marcelino Nunes, Margarida Medeiros,
isso ausente das opções Margarida Santos, Maria Antónia Lima, Maria Antónia Oliveira, Maria Cardeira da
se soube nos dias seguintes, pela prever as consequências, o analisar Silva, Maria José Fazenda, Mário Jorge Torres, Mário Santos, Máximo Ferreira,
troca de perguntas e respostas en- com a ajuda das opiniões já mais “a Maya, Miguel Crespo, Nelson Saúte, Nogueira Gil, Nuno Bernardo, Nuno Franco,
tre provedores do leitor de todo o Jornal A vocação da frio” de terceiros, o descobrir rela- CONTACTOS DO PROVEDOR Nuno Pombo Costa, Nysse Arruda, Octávio Gameiro, Pedro Barreto, Pedro Barros,
Pedro Burgos, Pedro Galvão, Pedro Keul, Pedro Rosa Mendes, Regina Louro, Ricardo
mundo) diversos jornais optaram imprensa é, cada vez ções próximas ou longínquas entre Cartas: Rua de João de Barros, Jorge Costa, Rita Taborda Duarte, Rodrigo Cordoeiro, Rui Santos, Silvina Rodrigues
Lopes, Simões Monteiro, Teresa Cascudo, Virgílio Melo, Virgílio Vargas
por a publicar, com mais ou menos estes e aqueles factos, enfim, o en- 265 — 4150-414 PORTO
destaque. Foi o tema da chamada
mais, contextualizar quadrar a “notícia” num contexto Telefones: 226151000; 210111000
DIRECÇÃO ADMINISTRATIVO-FINANCEIRA Directora: Ana Cristina Soares •
DIRECÇÃO COMERCIAL Director: André Ornelas • DIRECÇÃO de MARKE-
“suicide photo”, que suscitou pro- e aprofundar a muito mais vasto que nos permite Fax: 226151099; 210111008 TING Director: Nuno Franco • DIRECÇÃO DE PRODUÇÃO Directora: Manuela
Vilarinho • DIRECÇÃO de CIRCULAÇÃO Director: Luís Ferreira • DIRECÇÃO
testos de leitores em diversos locais informação reflectir, aprender, criticar, formar E-mail: provedor@publico.pt de SISTEMAS de INFORMAÇÃO Director: Luís Paulino dos Santos
2001
17 Setembro
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SEG17SET
EDIÇÃO LISBOA
17 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4200
140$00 • €0,70 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico.pt www.publico.pt
ECONOMIA
SRI LANKA
Ataque suicida
da guerrilha
Os poderosos Tigres de Libertação do
Eelam Tamil (LTTE), que lutam por
um Estado no Norte e no Leste do Sri
Lanka, lançaram uma acção suicida
em pleno mar, enviando mais de 20
embarcações contra o navio de guerra
“The Pride of the South“, que trans-
portava cerca de 1200 soldados. P24
CENTENÁRIO
Fernando Pinto
do Amaral escreve
sobre José Régio
P38/39
INCÊNDIOS
C O M P U TA D O R E S Bolsa de Wall Street Durante todo o dia de ontem, envolvidos por uma
apertada vigilância policial, milhares de trabalha-
Iorque possa abrir hoje às 9h30 em ponto (14h30 em
Lisboa). A interrupção da maior praça financeira
dores limparam as ruas e as fachadas da zona de do mundo foi a mais longa desde a I Guerra Mun-
Recuperar dados depois abre hoje Wall Street, a apenas três quarteirões das torres
do World Trade Center, para que a Bolsa de Nova
dial e, segundo os analistas, poderá haver uma
queda nas cotações durante o dia de hoje.
do ataque ao WTC
PUBLICIDADE
ÍNDICE
BARTOON E OPINIÃO 18 A 20
TELEVISÃO 46/47
CLASSIFICADOS 54/61
CINEMAS 62/63
TEMPO E FARMÁCIAS 64
2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 17 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
ALEXANDER NEMENOV/REUTERS
O funeral do general Ahmad Shah Massoud, líder da resistência contra os taliban, juntou ontem milhares de pessoas em Saricha, no vale do Panchir
BEHROUZ MEHR/EPA
COREY LEWIS/REUTERS
Não tenho
cara de polícia
A “zona zero” de Ma-
ANA GOMES FERREIRA lavras — “Identificação
nhattan é território proi- de Jornalista”.
bido. É a “cena do cri-
em Nova Iorque O rapaz de camufla-
me”. Só lá chega gente CRÓNICA do, por alguma razão,
autorizada: bombeiros, não viu a linha mais im-
operários, polícias, ho- portante do cartão azul,
mens dos serviços secretos, médicos com a que fala em jornalista. Assim que leu
ambulâncias e o “mayor” Giuliani. “polícia”, dá passagem. Um jornalista
Quem não pode lá estar, e é apanhado passa. O Adelino Gomes, que é “só jor-
a rondar as 430 mil toneladas de destro- nalista”, fica para trás.
ços que eram o World Trade Center, é A hora era tardia. Dentro da “zona
preso. No sábado à noite, o PÚBLICO zero”, a escuridão mostrava relevos es-
entrou na “zona zero” e não foi preso. curos, mas poucos pormenores. Os des-
Um bocadinho por causa da escuridão. troços estão já na rua seguinte. Há ca-
Muito graças a um rapaz de camuflado, miões com entulho a circular (ainda
que no fim da história aprendeu a não só saíram 22 toneladas). Em algumas
se deixar intimidar pela frase “Depar- esquinas, há postos de alimentos com
tamento da Polícia”. refeições quentes. Um bombeiro escolhe
A polícia criou um corredor para os o jantar — antes, só havia bolos e “fast-
jornalistas entrarem na parte sudoes- food”, agora há massa, arroz, rolo de
te de Manhattan que ainda está veda- carne, puré de batata, beringela estu-
da a não moradores. Vai da rua Canal fada. E algumas mesas e cadeiras de
(o centro da Chinatown) até ao fim da plástico, para o pessoal estafado comer
ilha. Os jornalistas são obrigados a descansado.
parar na Read, a três ruas da “zona Cinco dias depois do ataque, os des-
zero”. Ali, a barrar a passagem, e troços ainda expelem uma fumarada
ao longo de toda a largu- espessa. Ainda cheira a
ra da ilha, estão os ho- incêndio e a pó na “zo-
mens da Guarda Nacio- na zero”. Não é possível
nal. Deve dizer-se que Quem não pode ir mais longe, ir perto
as autoridades da cida- lá estar, e é apanhado dos homens que cortam
de se preocuparam com a rondar as 430 mil aço, removem nacos de
os jornalistas — reser- parede, desviam lâmi-
varam-lhes um naco de toneladas de destroços nas de vidro e recolhem Praça Francisco Sá Carneiro, 10-D (Pç. do Areeiro) • 1000 Lisboa
terreno de onde se vê que eram o World bocados de corpos. Na Tel.: 21 845 30 10 • Fax. 21 845 30 18 • E-mail: chavareeiro@mail.telepac.pt • site: www.chavesareeiro.pt
um bocado de entulho, Trade Center, é preso. rua onde começam os
as máquinas e os ho- destroços, há mais um
mens em movimento. No sábado à noite, “checkpoint”, de polí-
Sabe-se que, dali em o PÚBLICO entrou cias, que não se intimi-
diante, os passos são dam ao verem escrito
proibidos. Não tem mal
na “zona zero” o nome do seu próprio
tentar ir em direcções e não foi preso. departamento. Mal se
proibidas. Algumas ru- Um bocadinho por avança para a zona da
as ao lado, tenta-se o gol- luz, onde centenas de
pe. Aproximamo-nos da
causa da escuridão. holofotes iluminam os
Guarda Nacional. “Po- Muito graças a um homens que desconstro-
demos passar?” Dentro rapaz de camuflado, em o que resta do World
do camuflado está uma Trade Center, aparece a
pessoa com uma cara
que no fim da história ordem. “Saia daqui.”
que não se adequa à far- aprendeu a não Já fora da “cena do
da — um rosto jovem, se deixar intimidar crime”, aparece uma
sem o olhar firme de carrinha da polícia, da-
outros que já tínhamos pela frase quelas de levar pessoas
visto por ali. O mesmo “Departamento para a esquadra. O con-
vale para o corpo, que da Polícia” dutor sai, diz “boa noi-
é pequeno e muito ma- te”. Responda-se e siga-
gro. O capacete, que pa- se. “Não, não. Ande cá.
rece enorme, quase lhe Entrou onde não podia.
esconde os óculos redondos, metálicos, Não se mexa, fique aí. O polícia pede
daqueles que noutros tempos se dizia que me identifique. Agarra no cartão-
serem “à intelectual”. Tem um bigodi- zinho azul, dá-lhe a volta. Vai conversar
nho muito ralo a nascer. com o rapaz dos óculos. Nem vale a pena
Noutras tentativas, a resposta à per- tentar meter conversa com o segundo
gunta “pode-se passar?” saiu sempre polícia na carrinha, uma mulher. Está
rápida e determinada: “Não. Mostre alerta e zangada: “Anda a dizer que é
identificação.” Acostumados, já, à or- polícia.” O homem regressa. O jovem
dem, antes mesmo de ouvirmos a per- guarda civil acreditou que o PÚBLICO
gunta, atirámos com os cartões para era da polícia. Disse-o, aliás. “Você tem
a frente do rapaz dos óculos. Não há um cartão a dizer que é da polícia, pode
muita luz. “Tu podes passar. Tu não.” entrar.” Não teve resposta, nem para
Em Nova Iorque, jornalista sem car- confirmar, nem para desmentir.
tão da polícia não trabalha. Não pode ul- “Não disse que era polícia. Não se
trapassar as barreiras policiais quando fez passar por polícia. Ele lembra-se
há manifestações. Não pode aproximar- que foi ele quem disse que você era po-
se de lugares onde se cometeram cri- lícia, e que você não respondeu. Vá-se
mes. Não pode atravessar os primeiros lá embora.” Será que o rapaz dos óculos
“checkpoints” a caminho do sítio onde vai ter problemas. “Ninguém vai ter
existia o World Trade Center, que caiu problemas. Ninguém”, sublinha o po-
e engoliu perto de cinco mil pessoas lícia. “Ele não está habituado aos car-
num ataque terrorista. O cartãozinho tões. São muitos. Foi só isso”, diz, mais
poderoso está encimado pela frase “De- descontraído. Arrisque-se uma pergun-
partamento da Polícia de Nova Iorque”. ta. “Como é que perceberam?” “Eles
Umas linhas abaixo, tem o nome e a as- informaram-nos que tinha entrado uma
sinatura do que foi, até à poucos meses, pessoa com um cartão da polícia, mas
Howard Safir. No meio, tem outras pa- que não tinha cara de polícia.” I
8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 17 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
RHONA WISE/EPA
Para cá da
“Zona Zero”
O que falta
Há alguma coisa que falta, e não é preciso
atingirmos Canal Street e sermos parados
pela Guarda Nacional para o sentirmos no
fundo da melhor memória que guardamos
da cidade. Da janela do que corre na pista do
aeroporto Kennedy, no lugar da clássica visão,
subindo em contra-luz no horizonte vermelho
do pôr-do-sol, uma núvem de fumo eleva-se no
lugar da visão clássica.
Duas horas depois, passada uma primeira
barreira policial montada antes da portagem
a seguir ao desvio para Canal Street - a linha
divisória para além da qual só militares, bom-
beiros, socorristas e repórteres credenciados
podem passar — nova visão da nuvem, ago-
ra lembrando a cratera fumarenta de algum
vulcão entrado em actividade.
Quem esqueça os restaurantes já abertos, a
azáfama que nas últimas horas tomou as ruas
e avenidas, e avance a pé por Canal Street até
à última perpendicular antes do rio Hudson,
terá á sua espera a única verdadeira hipótese
de atingir a zona 1. Ao esperar que a sorte de
um perigoso jogo do gato e do rato lhe abra o
sanctus sanctorum onde as autoridades guar-
dam de olhares estranhos a real dimensão O complexo de apartamentos em Coral Springs foi a última morada conhecida de Mohamed Atta
da tragédia, esta noite de sábado, 15, oferecer-
lhe-á a imagem de dezenas de pessoas, na sua
maioria jovens, abrindo alas e aplaudindo as
carrinhas que entram ou saiem do local da
tragédia carregadas de bombeiros, polícias,
socorristas - oss novos heróis da América.
“Eles eram o tipo de pessoas que não me
Da primeira fila, elevam-se as bandeiras e
ouvem os gritos de crianças que os pais man-
tiveram protegidas nos primeiros quatro dias
mas que agora deixam participar, de bom gra-
importava de levar a um jogo de basebol”
do, na grande celebração patriótioca em que Muitos dos 19 suspeitos mais que não faziam muito baru- mais que isso. Betty Egger, que vi- dada pela mulher de Abdulaziz:
as operações de salvamento e limpeza de Wall lho. Se eles eram perigosos, nunca via ao lado da familia Alomari, fi- “É costume organizar uma festa
Street se tornaram. Cem metros mais à frente,
dos ataques de terça-feira o mostraram enquanto aqui vive- cava incomodada quando dezenas antes de partir, para deixar boas
vencida pela manha mais uma barreira, a já identificados ram. Mas agora fico bastante ner- de carros estacionavam na rua, e memórias.”
imagem que só as potentes “zooms” das tele- pelo FBI levavam vidas voso só de pensar que viveram aqui alguns em cima do seu relvado. “Eles sabem muito bem que po-
visões consegue captar: elevando-se de uma insuspeitas dentro ao pé de mim” recorda Hank Ha- De forma inesperada, Abdulaziz dem usar os valores ocidentais pa-
massa negra de ferro queimado, as baforadas bora, vizinho de Amer Mohamed Alomari disse ao senhorio que em ra se organizarem”, considera o
de fumo que alguém diz se podem avistar a 50 do território dos EUA Kamfar, um dos suspeitos de envol- Agosto iria abandonar a casa, pela estudioso francês Jean Francois
quilómetros. vimento nos atentados, que está qual pagava 1400 dólares de renda Daguzan, da Fundação de Estudos
Os residentes, aparentemente recuperados MARCO VAZA ainda a monte. mensal, no final de Agosto para Estratégicos de Paris, para quem
do trauma, regressam a casa, restaurantes re- Nos inquéritos que estão a ser regressar com a família à Arábia democracias ocidentais como os
abrem. O perímetro proibido reduz-se de hora Durante meses, anos em alguns conduzidos pelas autoridades nor- Saudita. Pouco depois, organiza- EUA, são os palcos perfeitos para a
a hora, nos últimos dois dias. Como quem se casos, passaram por cidadão ame- te-americanas, os vizinhos pouco ram uma festa de despedida para implantação de organizações ter-
preparasse para fazer surgir por um qualquer ricanos normais. Não eram pro- recordam da actividade diária dos a qual convidaram toda a vizi- roristas clandestinas. “As demo-
passe de mágica, do lugar da infâmia onde as priamente iguais aos outros, mas presumíveis terroristas, mas as nhança, onde se serviram pizzas, cracias do Ocidente apresentam
torres ruiram, um novo símbolo do orgulho também não chamavam atenções frequentes reuniões entre eles apa- “Happy Meals” do McDonalds. um respeito tradicional pela priva-
dos nova-iorquinos. E o que falta voltasse ao sobre si. “Não tinham nada a es- recem como um dado comum em “Convidaram todos os miúdos das cidade individual, especialmente
lugar a que pertence no imaginário da grande conder. Até deixavam a porta da todos os relatos. Para os vizinhos, redondezas, até aqueles que nunca aquelas que são liberais nas leis de
maçã e dos que a habitam. garagem aberta quando saíam”, estes encontros até altas horas da tinham visto”, relembra um vizi- imigração e asilo político”, acres-
recorda Ray DeFossez, vizinho de manhã eram incómodos mas não nho. A justificação para a festa foi centa o investigador. I
Abdulaziz Alomari, um dos 19 sus-
A dor de cabeça
VENCEU A “HIGH-TECH”
lo então Presidente dos EUA,
Bill Clinton, e reconfirmada
pelo seu sucessor, George W.
Bush. A notícia foi dada esta
semana pelo jornal “The Wa-
shington Post (WP)”. Agora,
além de poder usar uma “for-
REUTERS ça letal em casos de autodefe-
sa”, terá também luz verde pa-
ra proceder a assassínios de
suspeitos estrangeiros. Por di-
versas vezes este ano, os es-
piões americanos vigiaram o
terrorista milionário que os
sauditas tornaram apátrida o
que, segundo as fontes do WP,
sugere que poderá haver uma
intervenção militar dirigida
contra ele. O problema é que
informações credíveis sobre o
paradeiro de Bin Laden têm si-
do raras. “Temos um terrível
problema de alvo”, disse uma
das fontes, notando que os ana-
listas do Pentágono estão a ten-
tar conciliar os dados obtidos
com as capacidades militares
para atacar grupos terroristas.
Esses analistas estão a tentar
determinar se devem atingir
directamente Bin Laden, enve-
redar por uma acção punitiva
contra os seus colaboradores,
campos de treino ou a sua rede
global (Al Aqeda/A Base), que
tem ligações com outros gru-
pos islamistas. As informações
recolhidas desde terça-feira in-
dicam que os campos de Bin
Laden no Afeganistão e ou-
tros centros de treino no Médio
Oriente já foram evacuados.
As inúmeras missões dos aviões-espiões americanos não foram suficientes para evitar o ataque de terça-feira
Os elevados investimentos Como diz Stella Rimington, a ex- que conseguem imagens de campos quistão e o Afeganistão. Um sofisti- sulados, têm equipamentos para
americanos em sofisticados directora dos serviços secretos bri- de treino e perceber se estes estão cado sistema consegue identificar interceptar chamadas.
tânicos (MI5), nas suas memórias, ou não a ser utilizados. Todas as in- vozes, por exemplo, de pessoas que Muita tecnologia, mas faltam ho-
aparelhos e métodos recentemente publicadas, a inten- formações conseguidas por estes es- são procuradas. mens no terreno, lamentava recen-
de vigilância não foram ção do contra-terrorismo não é ti- piões espaciais são imediatamente temente um antigo agente da CIA,
suficientes para evitar rar instantâneos das actividades enviadas para Washington. O Echelon e a Internet Reuel Marc Gerecht. Enquanto o
dos inimigos, mas evitar os seus Ainda antes dos ataques terroris- O controverso Echelon, um siste- MI5 conseguiu infiltrar-se nos gru-
os ataques em Nova Iorque ataques. Prever as suas acções. tas de terça-feira, todas as agências ma que controla as “comunicações pos terroristas da Irlanda do Nor-
e Washington Uma missão quase impossível ape- norte-americanas e dos aliados es- civis”, desde as chamadas telefóni- te e os serviços secretos israelitas
sar do enorme investimento que, tavam atentas. No Reino Unido, os cas ao correio electrónico, fornece fizeram o mesmo em relação às or-
BÁRBARA WONG por exemplo, os EUA fazem nos ser- satélites estavam apontados para o informações actualizadas de hora ganizações palestinianas, os ame-
viços secretos. Médio Oriente, a estação de Menwi- a hora que é enviada de Inglaterra ricanos têm dificuldade em chegar
Quando os visitantes passam o sis- Não só os orçamentos são gigan- th Hill, em Yorkshire, emprega dú- para os EUA. A NSA está também aos seguidores de Bin Laden sem
tema de segurança da Agência de tescos — 30 mil milhões de dóla- zias de linguistas especializados em atenta à Internet, às mensagens serem detectados, reforça.
Segurança Nacional (National Se- res —, mas também o número de árabe e hebraico. Além dos satélites, enviadas pelos norte-americanos. Uma das razões por que os EUA
curity Agency — NSA), em Forth pessoas que trabalham nesta área existem aviões-espiões, sob o nome A marinha norte-americana usa não optam por agentes no terreno
Meade, Maryland, os seus anfitri- é significativo: 100 mil pessoas. de código “papermate”, da Força Aé- submarinos e algumas embaixadas é por recearem traições de agen-
ões costumam passar uma fita onde Na principal agência de espiona- rea Australiana que espiam o Pa- americanas, assim como os con- tes duplos. Uma situação que vive-
se ouve Osama Bin Laden à conver- gem (Central Intelligence Agency ram durante a guerra fria. Além
sa com a mãe. As chamadas que faz — CIA) trabalham mais de 16 mil disso, os agentes que vivem no Mé-
pelo seu telefone-satélite são inter- funcionários e na Polícia Federal OS ESPIÕES OS dio Oriente continuam a fingir que
ceptadas pela mais poderosa agên- (Federal Bureau of Investigation — AMERICANOS... T E R R O R I S TA S . . . são homens de negócios e não vão
cia de espionagem do mundo. A in- FBI) existem quase 12 mil agentes e às mesquitas rezar, nem se mistu-
tenção da NSA é clara: demonstrar cerca de 16 mil trabalhadores com Agência de Espionagem (CIA): 3,1 mil Orçamento de Osama Bin Laden, o sus- ram com a população local, refere
que se consegue ouvir o inimigo outras funções. A NSA tem 21 mil milhões de dólares; peito número um dos ataques nos EUA, Gerecht ao “Guardian”.
número um dos Estados Unidos a funcionários, de onde sobressaem Polícia Federal (FBI): 3 mil milhões de é estimado em 205 milhões de dólares Pelo contrário, os árabes apos-
falar com a família, ele não pode as maiores equipas de linguistas e dólares; (fortuna, empresas e donativos) tam na “low-tech”. Em vez de faze-
ir à casa de banho sem que em Wa- de matemáticos do mundo, refere Agência de Segurança Nacional (NSA): rem telefonemas, ou enviarem “e-
shington se saiba. o jornal londrino “The Guardian”. 3,6 mil milhões de dólares; ... E AS SUAS TÁCTICAS mails”, optam por mandar alguém
Mas, depois da catástrofe da pas- Além destes organismos, os EUA Serviços Nacionais de Reconhecimen- — uma rede frágil sem qualquer estru- por terra com instruções. Mas a
sada terça-feira, a NSA vai ter me- têm outras agências que estão en- to: 6,2 mil milhões de dólares. tura, espalhada por vários países; tecnologia também é utilizada: os
nos legitimidade para continuar volvidas na espionagem. — não se infiltram facilmente; agentes terroristas são treinados
a usar este cartão de visita. O que ... E OS SEUS MÉTODOS — as mensagens importantes são en- para fazer reconhecimentos, por
aconteceu veio demonstrar que os Satélites, submarinos — Satélites espiões; viadas em código pela Internet ou exemplo, utilizando pequenas câ-
EUA e os seus aliados têm um pro- e aviões-espiões — Aviões espiões; pessoalmente; maras de filmar. E assumem um
blema. Apesar de disporem de sis- Só que o orçamento não é gasto em — Submarinos; — adoptam soluções simples; personagem: rapam a barba, ves-
temas de vigilância únicos e de salários, mas investido em tecnolo- — Descodificação; — não é necessário utilizar planos de tem fato e põem gravata, usam água
utilizarem as mais recentes tec- gia. Alguns exemplos: os satélites- — Intercepção de mensagens de rádio, fuga quando os terroristas são sui- de colónia e andam com tabaco.
nologias, tudo parece inútil para espiões que interceptam conversas Internet, fax e telefone. cidas; Depois de conseguirem atravessar
combater o terrorismo. Os agentes telefónicas, detectam sinais de rá- — optam pelo caminho mais trabalho- fronteiras, onde ludibriam agentes
norte-americanos dizem que Bin dio, telemóveis e conseguem fazer so, um plano é preparado com anos com passaportes e personalidades
Laden sabe que as suas comunica- a distinção entre material de rádio- de antecedência; falsas, chegam ao Ocidente e, co-
ções estão sob escuta, mas não está amador e profissional. Existem tam- — utilizam planos ambiciosos e inima- mo aconteceu com os terroristas-
preocupado porque envia mensa- bém satélites que tiram fotografias, gináveis pelos inimigos. suicidas dos atentados nos EUA,
gens codificadas pela Internet. mesmo numa noite com nevoeiro, Fonte: “The Guardian” tiram cursos de pilotagem. I
D E S T A Q U E 11
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 17 SET 2001
RUSSELL BOYCE/REUTERS
Famílias americanas
preparam-se para a guerra
Antigos combatentes situação de Barbara estão mi- jovens alistam-se. A América
criam rede de apoio lhares de outras famílias que, começa a viver um ambiente de
já num verdadeiro ambiente guerra e as próprias famílias
Barbara Bronson acende, com de guerra, preparam-se para o dos soldados começam a recear
a família, três velas numa vigí- pior. Foram entretanto criados o pior.
lia na Virgínia, pelas vítimas do serviços de ajuda. Melissa Beaucamp, casada
atentado de terça-feira. Até que Por enquanto, parece parti- com um sargento do exército,
se ouve um grito: “Hei, Milita- lhar o sentimento nacionalis- não sabe o que pode vir a acon-
res! Nós adoramo-vos! Obriga- ta americano. “Ele está muito tecer. “Estou preocupada com
da!” Barbara não ficou indife- orgulhoso por ter sido cha- ele e estou preocupada com o
rente a estas palavras. Casada mado. Tem tanto do orgulho país”, afirmou. “Por que é que
com um militar, já alertado pa- americano.” Os jornais cha- isto aconteceu? A última vez
ra a possibilidade de ser cha- mam o conflito de “inevitá- que fomos atacados começou a
mado, prepara-se agora para vel”, a população dá o apoio a II Guerra Mundial. É isto que
uma eventual separação. Na uma intervenção militar e os mais me assusta”, afirma. I
1 2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 17 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
nos escombros
Towers, não apresentam por edifícios quatro e seis. De ameaça”. “São apenas peri- nhum desses estragos implica
enquanto danos estruturais acordo com os especialistas gosos devido aos vidros que- que fiquem inutilizados”.
e os riscos de desabamento destacados para averiguar brados e certos destroços que Além das inspecções aos
parecem reduzidos, segundo quais as condições actuais possam vir ainda a cair, mas edifícios, o presidente da Câ-
diminuem
perto de 40 especialistas que das estruturas, são estes três actualmente não há razão pa- mara de Nova Iorque referiu
se encontram no local a anali- edifícios que podem consti- ra pensar que eles vão aba- que foram realizados testes
sar os estragos de há seis dias. tuir perigo para as equipas ter”, sustentou o responsá- de vibrações na zona dos de-
Por enquanto, os únicos ris- de socorro que trabalham vel, citado pela AFP. sabamentos ao fazer circu-
cos recaem sobre as equipas cercadas pelos imóveis. Por sua vez, a companhia lar o metro. Esses testes mos-
Seis ou sete dias são ganismo começa a funcionar de socorro que trabalham nos Por outro lado, foi afasta- Brookfield Properties, que é traram não existir ameaça de
pior — as infecções são nor- destroços a tentar resgatar da a hipótese de que outros proprietária de quatro edifí- novas derrocadas.
o limite físico normal malmente a causa da morte, sobreviventes ou vítimas do edifícios situados na mesma cios próximos do local do aten- Mesmo assim, os bombei-
para viver sem água já que o sistema imunitário ataque terrorista. área do World Trade Center tado — um dos quais é o One ros preparam um sistema de
fica muito debilitado. Pneu- Do World Trade Center de- desabem nas horas mais pró- Liberty Plaza, já considera- alerta com sirenes, para que,
JOANA AMARAL CARDOSO monias e infecções urinárias sabaram por completo as tor- ximas devido ao impacto do do como um dos edifícios com em caso de uma derrocada
(PUBLICO.PT) são as mais comuns. res um e dois e ficaram bas- desmoronamento das duas mais probabilidades de ruir iminente, todas as equipas no
e MARIA JOÃO GUIMARÃES Já a falta de líquidos é in- tante danificados os edifícios torres. O presidente da Câ- depois das duas torres, mas local sejam avisadas de uma
contornável porque o corpo cinco e sete do complexo, mara de Nova Iorque, Rudol- agora tido como seguro — ex- imediata evacuação. I
As hipóteses, em termos clí- não consegue fabricar água.
nicos, de sobreviver sob os es- O corpo defende-se retendo
combros do World Trade Cen- urina no rim. Só que não é
ter estão a diminuir de dia possível reter completamente
para dia. Nova Iorque con- a urina, pois há uma série
tinua consumida pela busca de substâncias que têm de ser
pungente de sobreviventes, eliminadas com a água. A de-
mas apenas nove pessoas fo- sidratação provoca normal-
ram resgatadas do cenário de mente um choque: a circula-
destruição, o “ground zero”. ção sanguínea não é suficiente
Os manuais ditam que seis e a hipotensão profunda cau-
ou sete dias são o máximo da sa a morte.
sobrevivência sem água, por Mas a verdade é que as con-
exemplo, mas em algumas ca- dições em que potenciais so-
tástrofes pelo mundo inteiro, breviventes da queda e explo-
uma ou duas semanas debai- são de um avião em cada torre
xo da terra permitiram a al- do World Trade Center podem
gumas pessoas sobreviver. É estar não serão as melhores.
entre os factos clínicos e a es- E os ferimentos sofridos no
perança de milagres que os- momento da queda das torres
cilam os nova-iorquinos. reduzem as hipóteses de so-
“As horas agora são precio- brevivência, porque dirigem
sas. Se não os tirarmos de lá as energias do corpo para ten-
hoje ou amanhã, as hipóte- tar sarar esses ferimentos e
ses de que alguém seja trazi- a retiram das necessidades
do vivo vão ser escassas ou de manutenção. Os fogos que
nenhumas”, disse Will Har- continuam a arder no coração
vey, radiologista do Hospital dos escombros estão, por sua
de Bellevue, em Nova Iorque, vez, a consumir oxigénio e a
citado pelo “Miami Herald”. produzir monóxido de carbo-
Factores-chave para assegu- no, altamente tóxico. O que
rar réstias de vida são a água “mata lentamente”, confor-
e o oxigénio. Sem água, disse me disse ao jornal da Flori-
o clínico, uma pessoa só po- da Corneliu T. Vulpe, médi-
de viver durante alguns dias. cos no Hospital de St. Vincent,
“Quatro dias” já seriam de- em Manhattan. Apesar de um
mais, frisou. Por isso mesmo, quadro feito de hipóteses ne-
a chuva de sexta-feira foi vista gras, muita esperança reside
como uma bênção por alguns nos milhares de pessoas que
nova-iorquinos. Prejudican- procuram os seus familiares.
do os esforços de salvamento, E Corneliu Vulpe ajuda. “Os
pode por outro lado ter aju- milagres acontecem, mas ...
dado algumas vítimas sob os um ou dois”.
escombros, chegando até se- A experiência dita que a
res humanos necessitados de capacidade de resistência do
gotas de água. corpo humano pode ser gran-
A capacidade de resistên- de, como exemplifica o Co-
cia a um jejum prolongado de- missário da Polícia de Nova
pende também do estado pré- Iorque, Bernard Kerik, deter-
vio do indivíduo. É mais bem minado no seu trabalho de es-
tolerado, por exemplo, numa cavar as ruínas do World Tra-
pessoa obesa. Quando não são de Center. Noutras tragédias
ingeridos alimentos, o orga- como esta, lembra “já foram
nismo “ataca” a gordura e retiradas pessoas seis ou sete
depois os músculos para fa- dias depois, e ainda vivas”.
bricar a glucose que falta. A Nas Filipinas, o dasabamento
nível fisiológico, a alteração de um hotel, em 1990, permi-
básica, dentro de um conjun- tiu a duas pessoas sobreviver
to vasto de alterações hor- durante onze dias, na sequên-
monais, é que passa a ser o cia de um sismo que matou
próprio organismo a fabricar 1600 pessoas.
uma substância que substitui As bolsas de ar sob tonela-
a glucose — os corpos cató- das de betão, cimento, ferro
nicos, produzidos pelo fíga- retorcido e pedaços de mobi-
do. Há um certo ponto, no en- liário são a grande esperan-
tanto, em que a capacidade ça no vocabulário daqueles
de resposta do organismo se que têm familiares e amigos
esgota, normalmente quando desaparecidos na rua West.
o corpo já perdeu 50 a 55 por Mas a perspectiva de encon-
cento do seu peso (nos casos trar alguém com vida nesses
de jejuns prolongados). espaços que surgem no meio
Das alterações provocadas da destruição diminui de dia
por esta situação — todo o or- para dia. I
D E S TA Q U E 1 5
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 17 SET 2001
INQUÉRITO
A tempo e a contratempo
1. terrorista nos Estados Unidos da meu ver por isso que esses pais fundadores
América. Por mim, penso que é sem- ficaram dignos de reverência, e não apenas
pre necessário voltar ao fundamen- porque defenderam a independência ou ga-
tal. A questão que nos é colocada dramatica- nharam batalhas.
mente por este terrível acontecimento não Por outro lado, o Ocidente desenvolveu
legítima defesa. Mas, se tal é ainda necessário,
cada vez mais claramente se pode duvidar de
que seja a solução final. Com o fim da guerra
fria houve uma certa descompressão; mas foi
ilusória — porque o poder de um ataque que
amos estupidamente descansados, pois
caíra o comunismo russo — que muitos
identificavam com o “império do mal”. O
mundo estava numa boa.
A 11 de Setembro ficámos também a saber
é nova: é velha. É a questão da guerra. Sem uma civilização onde a racionalidade e a fé destrua a humanidade não está mais longe, que haverá novos atentados do género. O
dúvida, em novas e temerosas formas. em Deus, o humanismo e os direitos huma- e, às vezes, parece até mais perto. Quando se gás sarin ou armas biológicas são mais
A guerra é, essencialmente, um problema nos, desempenharam e ainda desempenham chega a esta manifestação suicida, pergunta- baratas e manuseáveis do que as armas
ético e de cultura: de pessoas, de comunidades, um grande papel. Que não foram anulados se onde está aquela reserva de equilíbrio que usadas a 11 de Setembro. Porque as mes-
de Estados. É necessário acentuar isto, para pelos crimes de Hitler e de Estaline, nem por reside na vontade de viver do atacante? Os mas causas produzem os mesmos efeitos.
evitar que à guerra se responda apenas com quaisquer outros; pelo contrário. suicidas vêm tornar ainda mais evidente que Podemos fazer alguma coisa ou devemos
meios de organização ou de tecnologia. a defesa tecnológica não basta. esperar a desgraça? Mesmo que não pos-
É contudo verdade que as novas formas tec- 4. Entretanto, recentes estudos sobre a samos, devemos fazê-lo: assegurar a sobre-
nológicas e organizatórias da guerra a colocam inteligência revelam que ela se não desliga 6. Portanto, a conclusão é a de que não basta vivência da humanidade é um dos nossos
em patamares qualitativamente diferentes. da afectividade. E esta continua para nós que a guerra se oponha à guerra. O equilíbrio primeiros deveres. Para isso, temos que
Pensar que um dia, um homem sozinho, ou um uma força que só as experiências religiosas do poder não resolve a questão do poder. A responder a duas perguntas: quais as cau-
pequeno grupo, por determinação sas deste horror? Quais os modos de o com-
suicida ou erro de cálculo, possa bater?
destruir o mundo com uma bomba S E Q U I S ER M O S SE R F IÉI S às nossas matrizes filosóficas e espirituais, Este terror é o da globalização. A facilida-
atómica superpoderosa facilmente de das viagens in-
transportável, ou possa contaminar não poderemos, numa esquina dramática da história como esta, ter gestos instintivos dividuais, a lassi-
mortalmente a população do globo ou precipitados que substituam a justiça ou exprimam o ódio dão dos controlos O castigo dos
por meios bacteriológicos, significa fronteiriços, a des- autores dos
pensar a vitória final da guerra. truição das soli- atentados de 11 de
BOBBY YIP/REUTERS
Os atentados nos Estados Uni- dariedades locais, Setembro não deve
dos fizeram-nos pressentir a vero- o anonimato das
similhança de ataques semelhan- grandes metrópo-
estimular o
tes mas acrescentados de efeitos les possibilitam a aparecimento de
químicos ou biológicos capazes acção de bandos novos criminosos
de matarem uma cidade, ou ainda criminosos que, do mesmo género
mais. Não se apagará facilmente na sociedade fe-
da nossa lembrança que o podero- chada de há meio
so presidente da poderosa nação século, seriam rapidamente identificados
americana andou horas voando a pelos vizinhos, denunciados e presos.
doze mil metros de altura para se O novo horror tem outras causas. As anti-
proteger contra o que não se sabia gas colónias são independentes. Têm eli-
que poderia ser, mas se imaginava tes próprias de grande capacidade técnica.
que poderia ser. Um exemplo: o sr. Bin Laden prepara-se
para fazer uma bomba nuclear. Há meio
2. Há uma dimensão prática e século, só grandes Estados podiam cons-
tecnológica de defesa, sobre a qual truir essa arma.
não direi nada, uma vez que é maté- Essas elites estão divididas entre os que
ria muito especializada. Mas há dois querem colaborar com a Aliança Atlânti-
outros aspectos que estão ao alcance ca para fazer um mundo pacífico e os que
dos cidadãos comuns. Referem-se à querem destruir violentamente a ordem
justiça e ao amor entre os homens. mundial — pois julgam que assim ganha-
Já em Platão que, no século quinto rão o Céu. Por isso, os terroristas são se-
antes de Cristo, se discutiu, de modo cretamente acalentados por vários Esta-
ainda hoje admirável no plano filo- dos soberanos — daqueles que têm hino,
sófico, precisamente sobre a justiça companhia aérea nacional, assento nas
e sobre o amor. Em Jesus Cristo, Nações Unidas e lugar nas sessões sobre
numa dimensão humana e trans- direitos humanos.
cendental, todos os homens são convidados a mostram ser capazes de orientar e superar, única força que resolve radicalmente a questão A causa imediata do terror é, assim, a exis-
pensar e a viver na justiça e no amor, numa não sem dificuldades, aliás conhecidas. da tentação do poder é a virtude. A virtude pes- tência de Estados criminosos. Temos que
relação pessoal com a vida e o mundo, com Ainda hoje, a intolerância política e ide- soal e a virtude colectiva. Que pode resumir- os neutralizar se queremos evitar o ter-
Deus e os outros homens. ológica, não raro instrumentalizando re- se numa palavra, fraternidade. Palavra aliás ror. Para os neutralizarmos, temos que os
Se quisermos ser fiéis às nossas matrizes ligiões de grande elevação espiritual por já (inconsequentemente) inscrita no lema de responsabilizar. Um Estado membro das
filosóficas e espirituais, não poderemos, nu- via de um fundamentalismo fanático, con- uma grande revolução ideológica e política, Nações Unidas tem que combater o terro-
ma esquina dramática da história como esta, tinua a reemergir constantemente. Mesmo a Revolução Francesa: liberdade, igualdade, rismo — e aceitar o castigo dos terroristas
ter gestos instintivos ou precipitados que na Europa. À escala de grupos, regiões ou fraternidade. seus nacionais. Se o não fizer, será objecto
substituam a justiça ou exprimam o ódio. A países, os extremismos, os ódios políticos, A questão da fraternidade pôs-se logo no de sanções. Para a humanidade sobreviver
América e o mundo civilizado, nesta terrível ideológicos, rácicos ou nacionalistas, não início da nossa história humana, no primeiro tem que criar uma quadrícula de seguran-
situação em que se misturam vários senti- se extinguiram. par de irmãos filhos de Adão e Eva, pela per- ça e justiça em todo o planeta.
mentos fortíssimos (de sofrimento, de horror, Este fenómeno é cada vez mais grave, por- gunta que Deus fez a Caim, que tinha matado Este método reforça o elemento pacífico
de insegurança, de ódio...), deve acima de que, como já se disse, o poder do homem au- seu irmão Abel: “Que fizeste de teu irmão?” E das elites do Sul. As represálias reforçam
tudo dominar o medo e o instinto da vingança mentou, e continua a aumentar quase expo- continua a pôr-se ainda hoje. o elemento violento e aumentam a proba-
cega. É nos momentos mais difíceis da nossa nencialmente. Desde o poder de se deslocar Só que a fraternidade entre todos os ho- bilidade de novas acções terroristas.
vida que mais se requer a referência fiel aos rapidamente e por vários meios; até ao poder mens exige uma paternidade comum. Temos É isto que devemos dizer aos Estados Uni-
valores, isto é, a virtude heróica. de comunicar a distância e penetrar em luga- ouvido, na televisão, o Presidente dos Esta- dos e ao Presidente Bush: somos solidários
res difíceis ou inacessíveis. Desde manipular dos Unidos, e muitos cidadãos americanos, com o vosso sofrimento. Louvamos a vossa
3. Os Estados Unidos deram, ao longo da as mais potentes substâncias explosivas até dizer: “God bless America!” Impressiona contenção. Lembrai-vos que sois tão gran-
sua história, mas de modo muito especial provocar a fissão nuclear. Desde a manipula- esta oração pública e geral num país que des, que quase podeis dirigir o mundo, mas
com a geração dos seus “founding fathers”, ção biológica que pode matar a humanidade não tem carácter confessional. Por mim, não tão grandes como o mundo. Aproveitai
provas de possuírem uma sabedoria que lhes até a manipulação genética que pode desna- respondo: assim seja. Mas acrescento: e Deus a desgraça para criardes um sistema de
permitiu inclusive fazer a guerra sem perder turar ou salvar. abençoe o mundo! I justiça mundial. I
2 0 E S PA Ç O P Ú B L I C O
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 17 SET 2001
Diz-se Ultravioleta
“Nas questões mais estrutu-
rantes, mais fundamentais,
o Partido Socialista não se
tem distanciado da política
As ideias não se matam com mísseis
do PSD.” do Paquistão. Há alunos das ex-repúblicas soviéticas
CARLOS CARVALHAS O que atemoriza mais neste atentado à América é perceber que, contrariamente como do Casaquistão, Tadjiquistão e Usbequistão
“Grande Júri”/TSF, 15-9-01 aos jovens e mulheres palestinianas que se matam, matando, porque “preferem bem como da Tchechénia, o que alimenta o pânico
morrer na frente da batalha em vez de esperar a morte em casa”, daqueles que prevêem uma revolução islâmica (su-
“Durão Barroso é um exce- nita).
lente chefe de família, toda
numa tentativa final de libertar a sua terra, os seguidores de Bin Laden O que atemoriza mais neste atentado à América
a gente o diz; como chefe de e outros que tais querem “tão-só” acabar com o Ocidente é perceber que contrariamente aos jovens e mulhe-
partido, ou improvável pri- res palestinianas que se matam, matando, porque
meiro-ministro, é um infati- “preferem morrer na frente da batalha em vez de
gável medíocre.” Corão e recebem uma versão estreita e violenta do esperar a morte em casa”, numa tentativa final de
BAPTISTA-BASTOS, Islão. São alimentados, as famílias são pagas para os libertar a sua terra, os seguidores de Bin Laden e
“Diário Económico”, 15-9-01 ter a estudar. No Paquistão poucos possuem dinhei- outros que tais querem “tão-só” acabar com o Oci-
ro para ter os filhos a estudar por isso são recebidos dente. Como isso é impossível, então querem apenas
“A prolongar-se por muito com bons olhos os convites dos muçulmanos do Irão, castigar; quanto mais vítimas houver, melhor.
tempo o receio da instabilida- por exemplo: oferecem escola, alimento e religião Tudo isto para dizer que não podemos lidar com
de, o clima não será favorável aos jovens e ainda pagam uma mesada aos pais. o terrorismo se não o entendermos. E será um erro
à ideia de grandes mudanças Propostas difíceis de recusar e que também surgem pensar que este é um fenómeno limitado a um sítio
políticas. E a esperança das DULCE NETO quer junto à fronteira com o Afeganistão quer no no mapa: das Filipinas e Sri Lanka a Gaza e a Líbia
oposições numa forte censu- Punjab, mais a sul. e à Argélia, do Afeganistão e Irão e Iraque ao Líbano
ra ao Governo nas próximas Olhemos para o Paquistão, por exemplo. A escola e Sudão. Há fanatismo em todos os credos (é preciso
M
eleições autárquicas bem po- ohamed tem 14 anos e está muito con- não é obrigatória. O Banco Mundial estima que lembrar o que os protestantes fizeram às meninas
de sair-lhes frustada.” centrado no lápis que risca o papel. apenas 40 por cento dos paquistaneses sabe ler e católicas de Belfast?) e povos. E é essa batalha que é
FERNANDO MADRINHA Faz um auto-retrato. À volta do seu escrever e em muitas zonas rurais não há escolas preciso travar. Esta não é uma guerra entre religiões
“Expresso“, 15-9-01 corpo desenha uma série de explosi- públicas. Mas as madrasas são entre 40 a 50 mil e a ou uma luta entre nações. Como dizia Amoz Oz, de
vos. Quando o jornalista lhe pergunta se quer ser um maioria oferece apenas instrução religiosa. Ignoram Israel, “esta é uma guerra entre fanáticos para quem
“A América andou durante bombista suicida (numa exemplar reportagem que matemática, ciências ou outras disciplinas seculares o fim — qualquer fim, seja ele religioso, nacionalista
décadas a preparar-se para o a BBC transmitiu este Verão) ele responde que está fundamentais para se viver numa sociedade moder- ou ideológico — santifica os meios, e os outros que,
inimigo errado.” pronto a morrer para libertar a Palestina. Passa- na. Pior ainda: algumas madrasas extremistas pre- como nós, atribuem a santidade à própria vida”.
JUDITE DE SOUSA se tudo num curso de Verão promovido pela Jihad gam a jihad sem perceberem o conceito: equiparam Volto ao Paquistão. Os Estados Unidos pediram
“Jornal de Notícias”, 15-9-01 Islâmica em Gaza. A escola ensinava aos rapazes os a “guerra santa” — e que a maioria dos muçulmanos ao governo paquistanês para combater os grupos
benefícios de se tornarem bombas (em geral estes e dos estudiosos do Islão (que é pacífica, insista-se, militantes e fechar certas madrasas.Um oficial per-
ensinamentos e preparativos são feitos nas próprias e que lembra que o Corão condena o suicídio e a guntou então: “A América espera que nós enviemos
“O fundamentalismo e a ame- casas dos palestinianos). Tinham entre 12 e 15 anos, morte de inocentes, crianças e mulheres) interpreta tropas para fechar as madrasas? A jihad é uma
aça que ele constitui ao Oci- nasceram e crescem num ambiente de conflito e como uma luta pela justiça (principalmente uma mentalidade. Cresceu ao longo de muitos anos du-
dente não vai ser detido com violência. São ensinados não só que é bom matar, luta interior, de vencer dentro de si os pecados) — rante a guerra afegã. Não se muda uma mentalidade
operações militares tradicio- mas que é bom morrer. E aprendem que esta é a à guerrilha. Estas escolas encorajam os seus “di- em 24 horas”.
nais, nem com porta-aviões es- única arma para bater os israelitas. Para além de plomados”, que não conseguem arranjar emprego O que os EUA e o mundo ocidental podem e devem
tacionados no golfo Pérsico.” ser a forma suprema de se tornarem mártires, terão devido à sua falta de formação prática, a cumprirem fazer não é bombardear um povo para exterminar
CLARA FERREIRA ALVES lugar assegurado no Paraíso onde haverá 70 virgens as suas obrigações espirituais lutando contra os uma cultura e muito menos repetir Hiroxima [por-
“Expresso”, 15-9-01 à sua espera. hindus em Cachemira ou outras seitas muçulmanas que é que se insiste na comparação com Pearl Har-
Os bombistas suicidas na Palestina são solteiros, no Paquistão. Ou, como bin Laden prega, contra os bor que não foi um ataque terrorista sem rosto e
estão no fim da adolescência ou têm 20 anos. Nem americanos e judeus e seus amigos. contra civis, e se esquece o dia seguinte, o ataque
“No meio da torrente de pro- todos são pobres, surgem de um largo espectro social Não há só paquistaneses ou afegãos nas madrasas atómico americano a civis inocentes? O paralelo (for-
sa e de paleio que o ataque a e não matam porque são loucos ou lunáticos. Matam
Nova Iorque e a Washington porque, para lá do seu fervor religioso, estão deses-
inspirou nem uma só vez se perados, porque esgotaram todos os recursos de N E M TO D O S OS B O M B I STAS são pobres, surgem de um largo espectro social
ouviu ou se escreveu a pala- esperança. Como disse um psiquiatra palestiniano, e não matam porque são loucos ou lunáticos. Matam porque, para lá do seu fervor religioso,
vra proibida: petróleo. O que a sua vida está tão no fim da linha que é de espantar estão desesperados, porque esgotaram todos os recursos de esperança.
diz tudo sobre a profunda hi- que não haja mais atentatos com estas bombas hu-
pocrisia da ‘Europa’. manas. Desde que se reacendeu a guerra israelo-
VASCO PULIDO VALENTE palestiniana que estes “mártires” aumentaram, MUSA AL SHAER/AFP
“Diário de Notícias”, 15-9-01 incluindo mulheres. A morte é o seu quotidiano. çado, os japoneses têm razão
Acreditam que ou eles ou alguém próximo vai ser em se indignar) servirá tam-
“Os americanos não sabem morto. Trata-se apenas de escolhar a forma. Ou bém para a retaliação?]. Mas
nem contra quem travam a com uma bala, disparada pelo inimigo, ou com uma é começar pelo princípio. Pela
guerra nem como a travam, bomba, que também mata o inimigo e lhes dá a escola. Pela educação. É aju-
e a Europa não existe como glória. Com a morte ganham a vida, aquela que já dando estados com alguma
uma entidade política única não têm. abertura como o Paquistão, on-
e coesa. O mundo ficou mais Os palestinianos usam esta arma de modo estra- de se “fabricam” muitos des-
perigoso, infinitamente mais tégico: argumentam que se trata de uma resposta tes homens bomba a fortalecer
perigoso, e vamos todos vi- directa para a ocupação israelita e que quando esta o seu sistema educativo secu-
ver com medo e suspeita, e a deixar o território as crianças não mais aprenderão lar. É verdade que os esque-
olhar por cima do ombro.” a cartilha da violência ou sonharão em ser bombis- mas corruptos no Paquistão
CLARA FERREIRA ALVES tas suicidas. têm desviado muita da ajuda
“Expresso”, 15-9-01 Se assim for, este “sacrifício” é bem diferente do internacional. Mas será inge-
dos suicidas-assassinos que estão a ser alimentados nuidade pedir que o auxílio vá
“O atentado em Nova Iorque em muitos países islâmicos e que confundem a jihad em géneros e não em dinheiro?
transmitiu-nos a história em com terrorismo. É nestes que o mundo ocidental põe Que os bens e serviços presta-
directo. Provavelmente, a his- agora os olhos acusadores, para onde dirige a sede dos sejam livros, professores
tória do século XXI começou de vingança. Podem ser iguais os rituais prévios e formação, edifícios? Ajudar
agora.” à morte (tal como há uma estética da morte nos estes países a educar os seus
PAQUETE DE OLIVEIRA kamikases japoneses), tanto uns como os outros jovens poria um fim a uma cul-
“Jornal de Notícias”, 16-9-01 são isolados, separados das famílias, ungidos e per- tura de violência.
fumados (devem vestir roupa nova nesse dia), como Olhar para o que sobra desta
“O papel da RTP não pode dei- se se preparassem para um casamento, e apenas semana de morte é olhar para
xar de ser fazer serviço públi- conhecem o alvo que deverão atingir com o seu o medo do invisível. É perce-
co. O destino da TVI é ser a corpo armadilhado um ou dois dias antes. Também ber que a superioridade tec-
estação mais popular. O lugar as suas famílias os honram como heróis, também nológica militar não significa
da SIC é entre uma e outra.” gravam vídeos antes de se matarem para que outros qualquer vantagem. Que um
JOSÉ ANTÓNIO SARAIVA sigam os seus exemplos (este ano circulou um vídeo corpo com uma ideia vale mais
“Expresso”, 15-9-01 de uma criança “mártir” palestiniana que chamava do que todo um arsenal sofisti-
outros do além, falando-lhes das delícias do paraíso cado. É, como dizia um comen-
“Os clubes têm de viver com e incitando-os a fazer o mesmo). tador americano nestes dias, “a
as suas próprias receitas e em Mas a preparação é diferente. Na Palestina a guerra do fraco contra o forte”.
conformidade com a lei. Têm escola das crianças é a rua e a casa (e agora estes Com a mais temível das armas:
de ser financeiramente equi- “cursos” de Verão…) e a motivação (não a justifica- a da vontade sem limites.
librados sem depender de me- ção) a morte em que já vivem. Em países como o Irão Uma das cabeças mais sá-
cenatos transitórios.” ou o Paquistão há verdadeiras escolas de ódio. São bias do Pentágono disse ontem:
JORGE SAMPAIO as escolas religiosas, os seminários muçulmanos, “Não podemos extinguir fana-
“A Bola”, 15-9-01 as madrasas. Durante seis a três anos as crianças tismo religioso com mísseis.”
(desde os oito a nove anos) e jovens memorizam o Que alguém o oiça. I
2001
18 Setembro
PUBLICIDADE
TER18SET
EDIÇÃO LISBOA
18 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4201
140$00 • €0,70 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico.pt www.publico.pt
BOLSAS “RESISTEM”
ORÇAMENTO 20 02
Guterres
encontrou-se
com Campelo
no Alto Minho Wall Street evita pânico e Europa fecha em alta
P26
devido a intervenções dos bancos centrais
KAI PFAFFENBACH
M A N I F E S TA Ç Ã O
Taliban decidem hoje sobre extradição de Osama bin Laden | Bush diz que quer o magnata
Famílias ciganas ficam saudita “vivo ou morto” | Qual a legitimidade jurídica de um ataque ao Afeganistão? |
no Olival e buzinão pode Europa pondera respostas ao terror | Os casos esquecidos de Abu Nidal e Carlos, “o Chacal”
regressar a Gaia | Os novos “sem-abrigo” de Nova Iorque | Michael Jackson prepara disco a favor das vítimas
O presidente da Câmara de Gaia, Luís Reportagens do nosso enviado Adelino Gomes e da nossa correspondente Ana Gomes Ferreira, em Nova Iorque P2 A 25 E 52
Filipe Menezes, afirma que não recua
“um milímetro” na sua decisão de re-
alojar 27 famílias de etnia cigana na
freguesia do Olival. LOCAL
O FACTOR DEUS UM T E X TO E XCLUSI VO DE JO SÉ SARAMAG O
PUBLICIDADE
ÍNDICE
BARTOON E OPINIÃO 23 A 25
BOLSA E MERCADOS 32 A 34
TELEVISÃO 49/50
CLASSIFICADOS 56 A 61
CINEMAS 62/63
TEMPO E FARMÁCIAS 64
2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
PETER MORGAN/REUTERS
CRÓNICA DA MA
por cento. O índice terminou a sessão a tidores, foi também acompanha pela “puxados” para evitar maiores perdas.
perder 678,52 pontos a maior queda de decisão da autoridade de supervisão O anúncio tardio da decisão do Banco
sempre em pontos. O Nasdaq, o índice norte-americana, a Securities Exchan- Central Europeu, de corte das taxas em
que agrupa as empresas electrónicas, da ge Commission (SEC), que permitiu meio ponto (ver texto na pág . 4) já não
chamada nova “econonia”, abriu com que as empresas comprassem acções ajudou os mercados accionistas euro-
uma queda superior a três por cento, próprias para segurar a cotação. O peus. Hoje tudo depende dos desenvol-
rapidamente duplicou esse valor, man- mesmo aconteceu com grandes corre- vimentos políticos, sendo certo que os Na manhã do regresso ao trabalho, Wall Street
tendo esse nível de perdas durante toda toras, como a Merril Lynch, que em mercados vão continuar, nas primeiras
a sessão. conjunto com outras empresas, publi- cinco horas do dia, à espera da abertura ofereceu o grande e simbólico espectáculo de que
Apesar de muitos analistas defende- cou um anúncio no New York Times, a de Nova Iorque. I os norte-americanos precisavam para acreditar
que os negócios prosseguem como
COMO WALL STREET ENFRENTOU AS CRISES habitualmente: a reabertura da Bolsa, com
Giuliani, a estrela de novo ascendente na Câmara,
I Guerra II Guerra Guerra Guerra do Guerra 8.920,70
Mundial Mundial da Coreia Vietname do Golfo e a antiga primeira dama, Hillary Clinton,
Crash de Bomba no Bomba em discreta e sempre sorridente.
Wall Street World Trade Center Oklahoma
10000
Crash DO NOSSO ENVIADO ADELINO GOMES, EM NOVA IORQUE
"Segunda-feira
5000 Negra"
Assassinato do Franklin D. Roosevelt Assassinato Guerra de
Presidente McKinley eleito presidente do Presidente Yom Kippur
Japão ataca
Kennedy O petróleo
sobe
Bombas em
07h00 “Hoje vamos
comprar e
táculo da vitalidade do siste-
ma financeiro.
07h30
Pearl Harbor vender na Bolsa ao mesmo Muito antes
1000 embaixadas dos
EUA entram tempo como país e como in- do cruzamen-
na guerra EUA em África
500 vestidores”, incita num ca- to da Water com o 75 da Wall
Invasão nal de televisão o comenta- Street, uma nuvem de fumo
soviética do
dor financeiro de um jornal envolve já os prédios mais al-
Afeganistão
Crise dos EUA Ataque terrorista ao de Nova Iorque. “A abertura tos. Quase todos os transeun-
mísseis bombardeiam World Trade Center de Wall Street”, explica, “sig- tes e muitos polícias colocam
de Cuba a Líbia e Pentágono nifica que o nosso estilo de máscaras brancas sobre a bo-
50
Demissão de vida sobrevive”. Como tudo ca e o nariz.
50 Gorbachov neste pedaço da América que
se estende de El Paso, Texas,
a Niagara Falls, na fronteira
07h45 Caminhando
determinada
pelo meio da massa imponen-
1896 1905 1915 1925 1935 1945 1955 1965 1975 1985 1995 2001 com o Canadá, a reabertura te de arranha-céus que fazem
1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 da Bolsa promete tornar-se o fundo da Wall Street parecer
Fonte: Finantial Times no grande e simbólico espec- um beco sem saída, Bárbara,
D E S TA Q U E 3
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001
A conexão
portuguesa
“O que está aqui a fazer? Não pode
entrar na Bolsa!”, grita a detective
gorda que faz frente a uma fila de gen-
te com cartões de múltiplas cores de-
pendurados ao pescoço.
— “Não posso? Mas a Bolsa reabre
hoje. E já vi entrar jornalistas.”
— “Isso não é comigo. Pergunte à
Mar-guê-ri-tá.”
— “Quem é a Mar-guê-ri-ta?”
— Aquela morena vestida de preto
do outro lado da rua.
Mar-guê-rita, aliás Margarida Cor-
reia, resolve o impossível. Um quarto
de hora não é passado, e já o nome do
PÚBLICO conta da lista milagrosa
que há-de abrir aos “happy-few” as
portas da Bolsa, ali tão perto e inaces-
sível.
Margarida nasceu nos EUA há
41anos, e trabalha há um ano como
editora da revista da Bolsa de Nova
Iorque. O nome e o apelido vêem-lhe
dos pais, oriundos de Valença do Mi-
nho. A “conexão portuguesa” que se
estabelece nos breves minutos do con-
tacto de rua, no passeio em frente da
Bolsa revelar-se-ão utilíssimos daí a
duas horas quando, frustrado por não
ter conseguido pisar o mesmo chão so-
bre o corretores e operadores traçam
o destino das finanças mundiais, me
preparo para abandonar o edifício.
— “Não saia já. Dentro de cinco mi-
nutos começarão a organizar visitas
para os que estiverem por cá ainda”,
diz como quem convida um amigo pa-
ra beber um café. E parte a atender
mais uma consulta de um repórter
qualquer. I A.G.
08h10 As cabeças
voltam-se pa-
09h29 Toda a gente
se precipita
pelos corredores fora, com
para nós mais do que ape-
nas negócio”, proclama o pre-
sidente da Bolsa, Richard
tagonizam a histórica reaber-
tura da Bolsa de Nova Iorque,
apenas uma vez fechada por
mes bandeiras nacionais sus-
pensas das paredes, em ca-
da um dos ecrãs para onde
timentos não estaria aqui”. ra o fundo da rua. Neil Osna- medo de perder o momento Grasso, que dentro de minu- tanto tempo na sua história os corretores olham antes de
Caren, uma colega de 46 anos to, 23 anos, fato escuro e gra- mais simbólico do dia. Abre- tos se deslocará aqui para de 209 anos. Pisando milha- darem as ordens, por baixo
“feitos quinta-feira”, diz que vata, camisa branca, cabelo se uma porta, surge um sa- exprimir mais ou menos pe- res de papéis rectangulares das números que indicam o
acima de tudo se sente feliz curto, avança no seu passo gi- lão de paredes altas e... um las mesmas palavras, uma fé onde corretores nervosos ra- valor de cada papel e através
“por estar viva”. Ambas tra- nasticado agitando uma ban- ecrã gigante onde um grupo inquebrantável na capacida- biscaram ordens de compra e dele a pulsação da saúde de
zem bandeiras na mão. Mais deira acima da cabeça para de senhores cumpre solene de do sistema financeiro pa- venda que logo rasgam e dei- cada empresa, de cada fun-
expansiva, Caren abre um sa- que o acto não passe desper- três minutos de silêncio pe- ra sobreviver a todos os ata- tam fora, os jornalistas per- do, os únicos caracteres que
co de plástico e estende uma cebido a ninguém. “Por que é los mortos de há uma sema- ques. Bombeiros, polícias e correm, uma a uma, as quatro nunca mudam formam uma
tira de pano com uns elásti- que faço isto?”, responde ao na. O que vemos, neste sexto socorristas — “os nossos he- salas (a última inaugurada frase de três palavras, a men-
cos ao repórter do PÚBLICO: PÚBLICO a dois passos já da andar do edifício mais guar- róis”, como os políticos di- em Outubro passado) donde sagem que os responsáveis
“Você não deve estar aqui a entrada no edifício. “Porque dado esta manhã em Nova zem a propósito de tudo e de partem e onde chegam via da Bolsa fizeram inscrever
falar com as pessoas sem uma este é o meu país e vieram cá Iorque, é o mesmo que um nada — acompanham Gras- informática e por interven- hoje em todos os panéis de
máscara”. tentar destruí-lo”. camponês do Punjab ou um so, que tem ao lado Rudolph ção directa dos corretores todos os andares com a pro-
07h55 No cruza-
mento com o
Broad Street, as televisões
09h00 Está marca-
da para da-
qui a 15 minutos a cerimónia
trolha de Fornos de Algodres
pode seguir no seu televisor.
A cantora já acabou de en-
Giuliani, cada dia uma es-
trela de maior brilho, e, dis-
creta, sorridente, surpreen-
junto dos operadores as or-
dens que vão determinar a
saúde da economia mundial.
gramação do dia: “God Bless
America”. Surpreendente-
mente ou talvez não para
montaram já os seus equipa- que assinalará a reabertura toar o hino nacional, as pal- dentemente pequena mas tão “Sim, sim. Bons negócios. quem ouviu proclamar que o
mentos e fazem-se os primei- da Bolsa líder do mundo, e mas já estalaram, entre os sedutora como nas imagens Alguns ganhos, alguns ga- capital não tem pátria, com-
ros directos. O ângulo é exce- ainda falta um cão polícia fa- corretores tanto como entre que dela a televisão espalha- nhos”, tem tempo de dizer ao pra-se e vende-se com a na-
lente. A toda a extensão das rejar saco a saco os pertences os jornalistas, como daqui a ram pelo mundo, a senadora PÚBLICO antes de ser afas- turalidade de quem acredita
seis colunas neo-góticas da dos repórteres, uma funcio- minutos voltarão a irromper, Hillary Clinton. tado por uma funcionária do que o mercado vem primeiro,
imponente varanda da Bol-
sa desfralda-se uma bandei-
ra dos EUA. Podem obter-se
nária entregar o salvo-con-
duto vermelho e branco que
haveremos de colar bem vi-
quando o paramédico Ma-
nuel Delgado tocar uma cam-
painha e com esse simples
11h56 A insistência
desesperada
dos repórteres mais teimosos
gabinete de imprensa um dos
poucos jovens que se avistam
entre a massa de homens e
mas com a raiva e a determi-
nação de quem entende que
nas situações limite como es-
imagens igualmente interes- sível na camisa, novo magote e mágico gesto as ordens de dá frutos, por fim. Seis anda- quase nenhuma mulher com ta, mais mercado significa
santes do passeio em frente de agentes de autoridade á compra e venda voltarem a res abaixo do local onde se vi- mais de 40 anos que se cru- mais Estados Unidos. I
4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
Há uma semana, Alice, uma senhora aproxima-se. Quer saber como está o
de “meia-idade”, vivia num aparta- bairro. “Estão a limpar a bom ritmo.”
mento elegante no Battery Park Cen- O homem do capacete tem vivido em
ter, bairro na ponta sul de Manhattan. casas de amigos. “O problema é que
Tinha um roupeiro cheio de saias, temos dois gatos. As pessoas dizem-
camisolas e malinhas de mão. Ago- nos que sim, mas quando sabem dos
ra, tem umas calças de ganga velhas, gatos...” O casal está, também, em ca-
uma “t-shirt” verde, com mangas sa de amigos, na Greenwich Village.
compridas, e uma mochila pequenina. Mas vão ter que mudar, para casa de
Dorme nos abrigos que a Cruz Ver- outros. Andam aos saltos pela cidade,
melha abriu por Nova Iorque, para os novos “homeless” que conseguem
alojar os novos sem-abrigo. evitar os abrigos da Cruz Vermelha.
O ataque terrorista contra os Esta- O grupo prossegue a conversa. O
dos Unidos, no dia 11 de Setembro, casal ouviu dizer que as autoridades
deitou abaixo o World Trade Center, da cidade vão dar, a cada família, 1500
matou mais de cinco mil pessoas e dólares (1650 euros), para pagar des-
desalojou perto de 25 mil nova-iorqui- pesas. Outros ouviram falar em três
nos: os moradores dos três bairros do rendas de casa. Havia quem dissesse
Sul da ilha de Manhattan — Battery que eram só 900 dólares (quase mil
Park Center, Tribeca e Financial Dis- euros). E será que vai haver compen-
trict. No domingo, pela primeira vez sações para estragos nos móveis? E
desde o ataque, puderam ir a casa. quem pagará o que alguns já gasta-
Por breves instantes. Entraram na ram em roupas, e em restaurantes,
“zona do impacto” por dez minutos. porque é obrigatório comer fora? E
Puderam levar uma mala e um amigo, quanto tempo vai “isto” durar? Um
ou familiar, que os ajudasse a reco- mês, respondem uns. Menos, garan-
lher, rapidamente, roupas, coberto- tem outros.
res, fotografias, animais de estimação
deixados para trás. O que quisessem. Viver à beira de um cemitério
O que precisassem para sobreviver, No recinto, os sem-abrigo revelam
por tempo indeterminado, num lugar preocupações. Alice fixou-se no frigo-
ainda mais incógnito. rífico. Hemant Bayjal, financeiro de 40
“Estou a dormir nos abrigos”, diz anos, estava preocupado com o esta-
Alice. “Já fiquei em mais do que um, do da casa. “Conseguimos entrar por
mas a regra é ficar-se no mesmo.” Alice uns instantes, só para retirar algumas
sofre de “stress” pós-traumático. Tal- coisas. A casa está muito bem. Tem
vez por isso, por estar um destroço, não muito pó, tem detritos. Mas está tudo
soube dos preciosos dez minutos que perfeito”, diz. Está alojado em casa de
lhe foram dados, e que desaproveitou. familiares, começa a explicar.
É, provavelmente, a única pessoa A mulher não o deixa continuar.
zangada com o presidente da Câma- Quer que Hemant Bayjal dê atenção
ra de Nova Iorque, Rudolph Giulia- ao que está a ser anunciado. A comis-
ni, cujo comportamento já foi hon- são de moradores vai arranjar cartões
rado pelos jornais ao chamarem-lhe de telefone, mas só os distribuirá a
“o Churchill de Nova Iorque”. “Ele quem precisar mesmo deles. Algumas
anda a deixar os turistas passear por escolas já abriram, muitas delas nou-
ali, e não me deixa ir a casa.” Não é tros locais, 562 estudantes ainda não
verdade. O sítio onde estava o World têm onde ir às aulas.
Trade Center e os bairros vizinhos, A comissão de moradores não tem
que foram esvaziados, continuam a resposta para a maior parte das per-
ser lugares interditos. guntas que são feitas. “Se vos parecer-
mos um bocado burocratas, pedimos
“Estou sozinha” desculpa. Mas estamos a fazer o me-
Alice não esconde a depressão. Se qui- lhor que podemos”, diz um elemento
sesse, não conseguiria. As palavras da comissão de moradores, Ben To-
denunciam que está muito perturba- wnlei, que começa a reunião lendo
da. “Por que é que não posso ir a casa? uma declaração em nome de todos
Em que estado estará o meu frigorífi- os que vivem em Tribeca, Financial
co?” O que tem dentro do frigorífico District e Battery Park Center. “Esta-
tornou-se o centro da preocupação de mos prontos para dar apoio aos que
Alice. Está sozinha em Nova Iorque perderam as famílias, para ajudar
desde que a polícia a mandou sair de os sem-abrigo e os que ficaram sem
casa, à pressa. trabalho. Estamos prontos para re-
“O meu marido estava na Europa construir casas, lojas e escolas. Vamos
numa viagem de negócios. Ainda não regressar a casa, a uma comunidade
conseguiu regressar. Estou sozinha.” maior e melhor.”
Diz que não consegue trabalhar (é Optimismo a mais. Tudo o que al-
inspectora de edifícios de profissão): guns dos novos “homeless” de Ma-
“Passo o dia a falar com a terapeuta nhattan pedem é poder voltar a dor-
[há psicólogos, psiquiatras e sacerdo- mir nas suas camas. Outros, querem
tes nos abrigos]. Nos dias em que me as torres gémeas; porque não se sabe viagem de marca. Têm telemóveis. São fugir do Sul da ilha. Não querem viver
sinto melhor, venho aproveitar a rua”, se as casas foram contaminadas pela quase todos brancos e abastados — numa casa com um estaleiro de obras
diz Alice, que tem a cabeça protegida poluição provocada pelos fumos vene- Tudo o que alguns uma casa de dois quartos na Lower colado — primeiro, há que destruir;
por um chapéu de palha. nosos dos incêndios. As autoridades dos novos “homeless” Manhattan custa em média três mil depois, há que reconstruir (já se de-
No topo do chapéu colou duas ban- ainda não deram informações sobre de Manhattan pedem euros (600 contos) por mês. Saem da bate o que erguer no lugar onde esteve
deiras dos Estados Unidos. Numa de- a qualidade do ar (ver pág. 12). zona sul e concentram-se num campo o World Trade Center).
las, pregou uma fotografia, roubada No domingo, milhares de pessoas é poder voltar a dormir de basquetebol na esquina da Rua Ca- O barulho não é, contudo, o princi-
aos jornais, dos destroços do World alinharam-se junto às docas do Sudo- nas suas camas. nal com a Sexta Avenida, para uma pal motivo dos que anunciam a deser-
Trade Center. Na outra escreveu “Não este de Manhattan. Esperam, na fila, o Outros querem fugir do Sul reunião convocada pelas comissões de ção. Não querem morar ao pé do bu-
se esqueçam dos moradores do Bat- momento de poderem visitar as suas moradores dos três bairros. raco. À beira de um cemitério de mais
tery Park Center”. É o bairro mais casas. Os antigos sem-abrigo, mendi-
da ilha. Não querem No recinto, entra um homem com de cinco mil corpos. Há três dias que
atingido pelo desastre. O que demora- gos, arrastam carrinhos de supermer- viver com um estaleiro um capacete de obras na cabeça. Nos não sai um corpo vivo dos destroços.
rá mais tempo a ser reaberto — por- cado, que vão enchendo com os restos de obras colado pés, tem umas botas sujas de cinzas. Faruck Amin, investidor, morador
que está muito próximo da “zona ze- dos outros. Os novos sem-abrigo fize- Quer dizer que a sua casa é muito per- da Lower Manhattan há seis meses:
ro”, o nome do lugar onde estavam ram deslizar, pelos passeios, malas de to, ou dentro, da “zona zero”. Um casal “Não vou voltar para ali.” I
6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
ANA GOMES FERREIRA O Presidente explicou que Osama juntar-se à Força Aérea, revistar na- chegar ao alvo; a CIA divulgou que o quando a operação terrorista já ti-
Nova Iorque bin Laden é o “centro do alvo”. “Mas vios que entram e saem dos portos, aparelho se dirigia à Casa Branca ou nha terminado.
há outros terroristas no mundo. Va- integrar os serviços secretos. ao Capitólio em Washington. Até quarta-feira da semana pas-
George W. Bush, o Presidente dos mos travar várias batalhas, mas esta A 11 de Setembro, terroristas ára- No domingo, o vice-presidente, sada, a política anti-terrorismo da
Estados Unidos, continua a prepa- é uma guerra que não tem um só bes — os serviços secretos já sabem Dick Cheney, disse ao canal de tele- Casa Branca consistia em responder
rar os cidadãos para a guerra. Ao alvo.” Pela primeira vez, Bush falou que todos tinham ligações a Osama visão NBC que assim que se tornou proporcionalmente - com bombarde-
mesmo tempo, pede paciência ao po- em possíveis baixas humanas. “A bin Laden — desviaram quatro avi- claro que o país estava a ser ataca- amentos de curta duração a campos
vo, porque a guerra ao terrorismo liberdade tem um preço e estamos ões civis, com passageiros, e lança- do, Bush autorizou a Força Aérea a de terroristas. Bush declarou que
demora tempo a preparar. Mas on- dispostos a pagar esse preço.” ram-nos contra edifícios de Washing- abater aviões civis que se dirigissem os ataques constituíam um “acto de
tem decidiu, muito dramaticamente, ton e Nova Iorque. O Pentágono, na à Casa Branca e ao Capitólio. Foi guerra”. E é com uma guerra, global,
contentar os ímpetos de vingança A “decisão mais difícil” capital, ficou parcialmente destruí- a “decisão mais difícil” da Admi- que vai responder. Está a ser consti-
dos americanos. Disse que quer o George W. Bush deu ainda porme- do. As duas torres do World Trade nistração, disse Cheney. “O Presi- tuída uma aliança mundial que os
suspeito número um, Osama bin La- nores sobre o que foi destinado aos Center de Manhattan ruíram, assim dente tomou-a, eu concordei”. Foi EUA vão “liderar”, disse Bush.
den, “vivo ou morto”. 35 mil reservistas que já mobilizou. como prédios adjacentes. Só em No- uma opção “horrenda”, confessou O que significa que poderão ser
Foi durante uma conferência de Vão reforçar a polícia militar, parti- va Iorque morreram perto de cinco o vice-presidente, mas necessária, atacados países diferentes. Donald
imprensa no Pentágono, onde se reu- cipar em projectos de engenharia, mil pessoas. O quarto avião caiu sem acrescentou. Os caças levantaram Rumsfeld disse que a rede terrorista
niu com o “conselho de guerra”. Per- pode ter alastrado a 60 países. Há
guntaram a Bush o que quer de Bin três estratégias de acção em discus-
Laden, um saudita que vive sob a
protecção dos taliban no Afeganis-
tão. “Quero justiça. Há um velho car-
Osama diz que é inocente são. Atacar, continuadamente, os
centros de operações dos terroris-
tas. Atacar os países que acolhem
taz no Oeste que diz ‘procura-se vivo Osama bin Laden, o milionário de origem saudita primeira vez que o fez de forma tão explícita. O os terroristas — o Afeganistão está
ou morto’”, respondeu o Presidente apontado como principal suspeito do ataque contra comunicado marca, aliás, uma ruptura de Bin La- no topo da lista de países inimigos,
dos Estados Unidos. Nova Iorque e Washington da semana passada, recu- den com a sua habitual estratégia de manipulação que é longa. Até quarta-feira, tinha
Bush mostrou-se pouco à vontade sou qualquer ligação aos atentados que destruíram dos “media”. apenas seis inscritos: Iraque, Síria,
frente aos jornalistas. A seu lado, ti- o World Trade Center e parte do Pentágono. Num O magnata apátrida já fora acusado de outros ata- Sudão, Irão, Coreia do Norte e Cuba.
nha a conselheira de Segurança Na- comunicado citado pela agência taliban, a Afghan ques — nomeadamente às embaixadas americanas Poderá ainda ser enviada uma força
cional, Condoleezza Rice, e o secre- Islamic Press, Bin Laden diz que o chefe supremo no Quénia e na Tanzânia em 1998 e ao navio “USS militar para o Afeganistão — não foi
tário da Defesa, Donald Rumsfeld. dos taliban, o “mullah” Omar, não lhe permitiria Cole”, no Iémen, em 2000; mas, até agora, optara posta de lado a hipótese de a guerra
Demorou muito tempo a responder às “exercer tais actividades” em território afegão. sempre por desmentidos vagos, que, por um lado, envolver tropas terrestres.
perguntas, e usou demasiadas vezes No documento, escrito em árabe e assinado pelo o isentavam de um reconhecimento das acusações Ontem, a Administração Bush fez
frases já ditas, que leu ao país: “Sei “xeque Osama bin Laden”, lê-se: “Após as recentes que lhe eram feitas mas, por outro, lhe permitiam saber que, uma vez formada a alian-
que um acto de guerra foi cometido explosões que se registaram nos EUA, alguns dedos manter a sua popularidade entre os islamistas ra- ça antiterrorismo e aprovado o pla-
[contra os EUA]. Este será um tipo acusadores americanos apontaram-nos como estando dicais como o inimigo principal do “Grande Satã” no de acção, não esperará por uma
de guerra diferente. No passado, vi- por detrás [do ataque]. Os EUA habituaram-nos a este norte-americano. resolução das Nações Unidas (ONU)
mos desembarcar tropas em praias, género de acusações, sempre que os seus inimigos, Neste comunicado, Bin Laden protesta veemen- a autorizar o uso da força. Não seria
assaltos a ilhas, armas sofisticadas que são numerosos, fazem um golpe contra si. Afirmo temente a sua inocência: “Quanto a mim, vivo no a primeira vez que os Estados Uni-
atingirem edifícios. Pode haver disto. categoricamente que não levei a cabo esta acção e Afeganistão. Sou um fiel do comandante dos crentes dos agiriam à margem da ONU: foi
Mas este é um inimigo diferente, que que, aqueles que a fizeram, fizeram-na segundo os [o “mullah” Omar, líder espiritual dos taliban], a sem autorização desta organização
gosta de se esconder, que faz parte de seus interesses pessoais.” quem devo respeito e obediência em todas as coisas. que a guerra do Golfo começou. O
uma rede extensa. Não tem regras. Não foi a primeira vez que Bin Laden se distan- O comandante dos crentes não me permite exercer mesmo aconteceu quando os EUA
São bárbaros”, disse Bush. ciou da responsabilidade pelos ataques, mas foi a tais actividades a partir do Afeganistão.” P.R. accionaram a NATO no Kosovo.
D E S TA Q U E 7
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001
A
lgures na Índia. Uma fi- tor Deus”, esse, está presente na
Durante as próximas duas semanas, uma la de peças de artilha- vida como se efectivamente fosse
das mais importantes artérias de Tela- ria em posição. Atado à o dono e o senhor dela. Não é um
vive, a rua Kaplan, chamar-se-á Rua do boca de cada uma delas deus, mas o “factor Deus” o que se
Pentágono, uma decisão tomada depois há um homem. No primeiro plano exibe nas notas de dólar e se mos-
de Jerusalém se ter associado à onda de da fotografia um oficial britânico tra nos cartazes que pedem para
homenagens aos EUA: durante um mês ergue a espada e vai dar ordem de a América (a dos Estados Unidos,
a principal avenida da Cidade Santa será fogo. Não dispomos de imagens do JOSÉ SARAMAGO não a outra…) a bênção divina.
conhecida por Rua de Nova Iorque. O efeito dos disparos, mas até a mais E foi o “factor Deus” em que o
ministro israelita da defesa, Benjamin obtusa das imaginações poderá deus islâmico se transformou que
Ben Eliezer, inaugurou a nova rua em “ver” cabeças e troncos dispersos iraquianos sepultados vivos debai- tos descarados a uma inteligência atirou contra as torres do World
Telavive, na presença do embaixador pelo campo de tiro, restos san- xo de toneladas de areia, daquelas e a um sentido comum que tanto Trade Center os aviões da revolta
norte-americano, que classificou este ac- guinolentos, vísceras, membros bombas atómicas que arrasaram trabalho nos deram a criar. Disse contra os desprezos e da vingança
to como “um símbolo de amizade entre os amputados. Os homens eram re- e calcinaram Hiroxima e Nagasá- Nietzsche que tudo seria permitido contra as humilhações. Dir-se-á
dois povos”, acrescentando que os EUA beldes. Algures em Angola. Dois qui, daqueles crematórios nazis a se Deus não existisse, e eu respondo que um deus andou a semear ven-
vão “agir para combater o terrorismo”. soldados portugueses levantam vomitar cinzas, daqueles camiões a que precisamente por causa e em tos e que outro deus responde ago-
Por seu lado, Eliezer lembrou que este pelos braços um negro que talvez despejar cadáveres como se de lixo nome de Deus é que se tem permiti- ra com tempestades. É possível,
acto simbólico não é mais do que “uma não esteja morto, outro soldado se tratasse. De algo sempre havere- do e justificado tudo, principalmen- é mesmo certo. Mas não foram
pequena homenagem pela enorme dívi- empunha um machete e prepara- mos de morrer, mas já se perdeu te o pior, principalmente o mais eles, pobres deuses sem culpa, foi
da que Israel tem para com os EUA”. se para lhe separar a cabeça do a conta dos seres humanos mor- horrendo e cruel. Durante séculos o “factor Deus”, esse que é terri-
corpo. Esta é a primeira fotogra- tos das piores maneiras que seres a Inquisição foi, ela também, como velmente igual em todos os seres
fia. Na segunda, desta vez há uma humanos foram capazes de inven- hoje os taliban, uma organização humanos onde quer que estejam
Ministro italiano quer que segunda fotografia, a cabeça já foi tar. Uma delas, a mais criminosa, a terrorista que se dedicou a inter- e seja qual for a religião que pro-
a NATO se abra à Rússia cortada, está espetada num pau, e mais absurda, a que mais ofende a pretar perversamente textos sagra- fessem, esse que tem intoxicado o
os soldados riem. O negro era um simples razão, é aquela que, desde dos que deveriam merecer o res- pensamento e aberto as portas às
guerrilheiro. Algures em Israel. o princípio dos tempos e das civi- peito de quem neles dizia crer, um intolerâncias mais sórdidas, esse
Face ao terrorismo, a NATO deve alterar Enquanto alguns soldados israeli- lizações, tem mandado matar em monstruoso conúbio pactado en- que não respeita senão aquilo em
a sua composição e integrar o mais rapi- tas imobilizam um palestino, outro nome de Deus. Já foi dito que as tre a Religião e o Estado contra a que manda crer, esse que depois
damente possível a Rússia e os países de militar parte-lhe à martelada os religiões, todas elas, sem excepção, liberdade de consciência e contra o de presumir ter feito da besta um
Leste, defende o ministro da Defesa ita- ossos da mão direita. O palestino nunca serviram para aproximar mais humano dos direitos: o direito homem acabou por fazer do ho-
liano, Antonio Martino, numa entrevista tinha atirado pedras. Estados Uni- e congraçar os homens, que, pelo a dizer não, o direito à heresia, o mem uma besta.
publicada ontem no diário “La Stampa”. dos da América do Norte, cidade contrário, foram e continuam a direito a escolher outra coisa, que Ao leitor crente (de qualquer
O dirigente defende mesmo a mudança de Nova Iorque. Dois aviões comer- ser causa de sofrimentos inenarrá- isso só a palavra heresia significa. crença…) que tenha conseguido
de nome da organização mundial: “A zo- ciais norte-americanos, sequestra- veis, de morticínios, de monstruo- E, contudo, Deus está inocente. suportar a repugnância que estas
na de referência vai deixar de ser o Atlân- dos por terroristas relacionados sas violências físicas e espirituais Inocente como algo que não exis- palavras provavelmente lhe ins-
tico Norte para ser do Alasca a Moscovo”, com o integrismo islâmi-
justificou. O ministro apoia o projecto co, lançam-se contra as tor-
norte-americano de criar um escudo an- res do World Trade Center
timíssil: “Depois do que vimos, ninguém e deitam-nas abaixo. Pelo D I R - S E - Á Q U E U M D E U S andou a semear ventos e que outro deus responde agora com
pode excluir o lançamento de um mís- mesmo processo um tercei- tempestades. É possível, é mesmo certo. Mas não foram eles, pobres deuses sem culpa, foi o “factor
sil nuclear ou uma arma bacteriológica ro avião causa danos enor- Deus”, esse que é terrivelmente igual em todos os seres humanos onde quer que estejam
contra uma cidade norte-americana ou mes no edifício do Pentá-
europeia — até mesmo italiana”. Sobre a gono, sede do poder bélico DAMIR SAGOLJ/REUTERS
participação italiana contra o terroris- dos States. Os mortos, so-
mo, Martino garante que a Itália estará terrados nos escombros,
presente, mas não com meios militares. reduzidos a migalhas, vo-
latilizados, contam-se por
milhares.
Leis antiterroristas vão ser As fotografias da Índia,
reforçadas no Canadá de Angola e de Israel ati-
ram-nos com o horror à ca-
ra, as vítimas são-nos mos-
A abertura do ano parlamentar no Cana- tradas no próprio instante
dá tem como prioridade a discussão de de tortura, da agónica ex-
projectos-lei que venham reforçar a luta pectativa, da morte ignóbil.
contra o terrorismo e a criminalidade. Em Nova Iorque tudo pa-
Ontem, foi aprovada uma moção de apoio receu irreal ao princípio,
aos EUA pelos atentados e a determina- episódio repetido e sem no-
ção em ajudar a “encontrar os autores vidade de mais uma catás-
e a levá-los à barra do tribunal”, afir- trofe cinematográfica, re-
mou Don Boudria, líder da câmara dos almente empolgante pelo
comuns. Na agenda parlamentar está grau de ilusão conseguido
ainda a discussão do reforço da lei de pelo engenheiro de efeitos
imigração, proposta pelo actual governo. especiais, mas limpo de es-
Este projecto tem a intenção de proibir a tertores, de jorros de san-
entrada de presumíveis simpatizantes de gue, de carnes esmagadas,
grupos terroristas e de retirar a cidada- de ossos triturados, de mer-
nia canadiana aos imigrantes que dêem da. O horror, agachado co-
declarações falsas. No ano passado, o mo um animal imundo, es-
Canadá viu-se a braços com um relatório perou que saíssemos da
que dava conta de grupos terroristas que estupefacção para nos sal-
usavam o Canadá para angariar fundos tar à garganta. O horror dis-
e para planificar e preparar atentados. se pela primeira vez “aqui
estou” quando aquelas pessoas sal- que constituem um dos mais tene- te, que não existiu nem existirá piram, não peço que se passe ao
taram para o vazio como se tives- brosos capítulos da miserável his- nunca, inocente de haver criado ateísmo de quem as escreveu. Sim-
Amnistia Internacional sem acabado de escolher uma mor- tória humana. Ao menos em sinal um universo inteiro para colocar plesmente lhe rogo que compreen-
apela à justiça te que fosse sua. Agora o horror de respeito pela vida, deveríamos nele seres capazes de cometer os da, pelo sentimento se não puder
aparecerá a cada instante ao remo- ter a coragem de proclamar em to- maiores crimes para logo virem ser pela razão, que, se há Deus, há
ver-se uma pedra, um pedaço de das as circunstâncias esta verda- justificar-se dizendo que são ce- só um Deus, e que, na sua relação
A Aministia Internacional (AI) está so- parede, uma chapa de alumínio re- de evidente e demonstrável, mas lebrações do seu poder e da sua com ele, o que menos importa é
lidária com as vítimas dos ataques ao torcida, e será uma cabeça irreco- a maioria dos crentes de qualquer glória, enquanto os mortos se vão o nome que lhe ensinaram a dar.
World Trade Center e ao Pentágono, mas nhecível, um braço, uma perna, um religião não só fingem ignorá-lo, acumulando, estes das torres gé- E que desconfie do “factor Deus”.
alerta que a “procura da justiça para abdómen desfeito, um tórax espal- como se levantam iracundos e into- meas de Nova Iorque, e todos os Não faltam ao espírito humano ini-
as vítimas deste crime hediondo” deve mado. Mas até mesmo isto é repe- lerantes contra aqueles para quem outros que, em nome de um Deus migos, mas esse é um dos mais per-
ter em conta o respeito pelos direitos titivo e monótono, de certo modo já Deus não é mais que um nome, na- tornado assassino pela vontade tinazes e corrosivos. Como ficou
humanos. “A solidariedade internacional conhecido pelas imagens que nos da mais que um nome, o nome que, e pela acção dos homens, cobri- demonstrado e desgraçadamente
para com as vítimas dos atentados não é chegaram daquele Ruanda-de-um- por medo de morrer, lhe pusemos ram e teimam em cobrir de terror continuará a demonstrar-se. ES-
sinónimo de procura de vingança, mas milhão-de-mortos, daquele Viet- um dia e que viria a travar-nos o e sangue as páginas da História. CRITOR, PRÉMIO NOBEL DA LITERATU-
de cooperação para levar os responsáveis name cozido a napalme, daquelas passo para uma humanização real. Os deuses, acho eu, só existem no RA © El Pais Internacional, SA/ El Pais/
a responder perante a justiça. Arranjar execuções em estádios cheios de Em troca prometeram-nos paraísos cérebro humano, prosperam ou Todos os direitos reservados. Este texto
bodes expiatórios não vai levar a nada”, gente, daqueles linchamentos e es- e ameaçaram-nos com infernos, tão definham dentro do mesmo uni- é publicado hoje, em exclusivo, nos jornais
diz em comunicado a AI. pancamentos daqueles soldados falsos uns como os outros, insul- verso que os inventou, mas o “fac- “El Pais” e PÚBLICO
8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
Reticências
Arafat ordenou cessar-fogo
ODD ANDERSEN /EPA
de Barghouti
O chefe da Fatah na
Ariel Sharon diz que só tiu ontem à rádio militar do Cisjordânia, Marwan
haverá conversações seu país não colocar de parte a Barghouti, considerou
com o presidente hipótese de um encontro com ontem que um encontro
Arafat, mas só num futuro lon- entre Arafat e Peres não
palestiniano depois de gínquo. levaria para já a lado ne-
48 horas sem violência Por outro lado, em entrevis- nhum e seria puramente
ta ao “Jerusalem Post”, indi- “táctico”. Aquele quadro
JORGE HEITOR cou que Israel não está dispos- da organização dirigida
to a pagar o preço da formação por Arafat garantiu que a
O presidente da Autoridade Pa- de uma coligação antiterro- Intifada continuará e se
lestiniana (AP), Yasser Arafat, rista dirigida pelos Estados intensificará até, preven-
anunciou ontem ter “dado or- Unidos e que inclua países do mesmo que ela durará
dens estritas para um cessar- árabes: “Dificilmente poderão ainda mais dois a cinco
fogo total” com o Estado de Is- integrar nessa coligação um anos, o tempo necessário,
rael, e esperar que o Governo país como a Síria, enquanto segundo ele, para afastar
de Ariel Sharon responda a es- esta não tiver expulso os ter- dos territórios palestinia-
te apelo. Na carta aberta dirigi- roristas das organizações que nos os colonos judaicos e
da ao povo israelita por ocasião acolhe no seu território.” o Exército de Israel. Bar-
do novo ano judaico, Arafat ma- O primeiro-ministro disse, ghouti disse à AFP nada
nifestou a esperança de que es- entretanto, estar disposto a fa- esperar do tantas vezes
ta ocasião marque “o início de zer importantes concessões, adiado encontro entre
um novo século de paz e de se- “e mesmo concessões doloro- Yasser Arafat e Shimon
gurança para as duas nações, a sas”, aos palestinianos, mas Peres e esperar mesmo
israelita e a palestiniana, e pa- não aceitou descer a pormeno- que o presidente da AP
ra todas as nações da região”. res: “Depois de um conflito de não o concretize. Seme-
De acordo com a AFP, o pre- mais de 120 anos, não se pode lhante posição dá uma vez
sidente da AP aproveitou a Um jovem palestiniano mostra as suas feridas depois de combates nos territórios ocupados resolver tudo de uma só vez.” mais a entender que no
oportunidade para confirmar Sharon acrescentou que é âmbito da Fatah e da Or-
ao povo israelita a sua firme mingo, estar empenhado num menos 48 horas, o que quer di- sições palestinianas perto de necessário ter em conta o con- ganização de Libertação
opção pela paz e por negocia- cessar-fogo com Israel, respon- zer que elas não se deverão con- Ramallah, depois do ataque junto dos elementos políticos e da Palestina (OLP), na
ções com vista a uma resolu- dendo assim à proposta do pri- cretizar antes de quinta-feira, ao soldado. E pelo menos qua- militares da situação: “É uma qual ela se integra, exis-
ção política de todas as ques- meiro-ministro Sharon para uma vez que ainda ontem a vio- tro guardas palestinianos fica- luta complexa. É preciso agir tem sensibilidades bem
tões em aberto. Yasser Arafat que se conseguisse tréguas nos lência prosseguia. Um palesti- ram feridos. A violência em com prudência, e a contenção é diferentes, não sendo fácil
reafirmou estar disposto a reu- territórios de Israel e da Pales- niano foi morto por fogo israe- Ramallah surgiu entre a cóle- também uma forma de força.” a Arafat fazer triunfar os
nir-se com o ministro israeli- tina. No entanto, Sharon ainda lita no Sul da Faixa de Gaza, ra dos palestinianos quanto O chefe do Governo de Israel seus pontos de vista e as
ta dos Negócios Estrangeiros, ontem dizia à rádio israelita enquanto um soldado de Israel ao facto de Israel ter isolado a criticou o mundo árabe e os suas iniciativas. Talvez
Shimon Peres, com vista à apli- não ter informações suficien- ficou gravemente ferido por um cidade, para as celebrações do palestinianos por ainda não por isso é que Ariel Sha-
cação do acordo de cessar-fo- temente claras sobre o cessar- franco-atirador perto da cidade ano novo judaico. terem reconhecido de modo ron não se apressa a lan-
go elaborado pelo director da fogo ordenado por Arafat. cisjordana de Ramallah. Mais de 800 pessoas, na sua inequívoco o direito do povo çar foguetes depois de ter
CIA, George Tenet, do relató- Sharon afirmou que só per- maioria palestinianos, morre- judaico a um Estado, apesar lido a carta aberta do pre-
rio da comissão Mitchell e “de mitirá conversações entre Pe- Fogo na Cisjordânia ram desde o início da nova In- de o Egipto, a Jordânia e a AP sidente da AP, com votos
todos os acordos assinados.” res e o presidente da AP depois Tanques e helicópteros isra- tifada palestiniana, há cerca já terem relações formais com de “chana tova”, “bom
Arafat garantira já, no do- de haver calma durante pelo elitas abriram fogo sobre po- de um ano. Ariel Sharon admi- esse mesmo Estado. ano” em hebraico.
10 D E S TA Q U E
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
JEFF HAYNES/EPA
Para cá da
“Zona Zero” Atentados reacendem temores
Eu sei, tu sabes, sobre terror ambiental
ele sabe Colapso das torres não
poluiu tanto quanto se
MIKE SEGAR/REUTERS
COLIN BRALEY/REUTERS
M O R T O S E D E S A PA R E C I D O S P O R PA Í S E S
Os atentados de 11 de Setembro nos EUA fizeram mais de 5500 mortos ou desaparecidos, muitos dos
quais não são norte-americanos. A contagem das vítimas prossegue à volta do planeta e ao todo,
incluindo Portugal, há 59 países que podem ficar de luto.
HISTÓRIAS
o trânsito, situada a cinco quarteirões multidão e oiço uma salva de palmas:
do World Trade Center, centenas de re- as pessoas saúdam espontaneamente
sidentes na área afectada ou evacuada qualquer grupo de voluntários que tra-
recebem instruções da protecção civil. balha nas ruínas das Twin Towers. Nesse
Centenas de turistas e de americanos momento, os passageiros deixam de ser
da cidade ou de outras cidades circulam indivíduos isolados para serem um con-
DE NOVA IORQUE
por esta rua tentando ver as ruínas da junto que partilha uma emoção. Por todo
destruição. Mas apenas podem ver o o lado rebentam salvas de palmas para
movimento das operações de salvamento os que procuram vidas nos escombros
e de limpeza do gigantesco entulho e, do World Trade Center.
lá ao fundo, no fim da Broadway ou de As bandeiras americanas surgem em to-
Greenwich Street, o fumo que ainda sai do o lado e em todas as formas: de papel,
do ventre da cidade como de um vulcão de pano, de plástico, grandes ou peque-
em constante fervura. É ali, debaixo nas (“one dollar! one dollar!”) e as elec- EXPULSOS JORNALISTAS mento não é para progra- FUTEBOLISTA INGLÊS
daquele vulcão, que jazem os restos mor- trónicas nos ecrãs gigantes que titilam mas de entretenimento, mas
tais de quase cinco mil pessoas. noite e dia em Times Square. CHINESES QUE sim para a informação. Para SOLIDÁRIO COM AS
Um voluntário das equi- A bandeira aparece por um “APLAUDIRAM” ATENTADOS o director de programas da VÍTIMAS...
pas de salvação — as úni- impulso. Richard Burkhol- ABC, Jeff Bader, o horário
cas pessoas que passam As ruínas de um der, investigador principal O Governo norte-americano nobre precisa de, pelo me- O futebolista Tim Sherwood,
para lá da Reade Street expulsou um grupo de jorna- nos, uma hora para o te- médio do Tottenham, equipa
— disse nessa fronteira
conjunto urbano maior na Gallup, a empresa de
estudos de opinião e de listas chineses de visita aos lejornal. “Não faz sentido da Premier League inglesa,
guardada pelo exército a do que a Baixa lisboeta mercado, disse-me que não Estados Unidos, por terem nesta altura fazer qualquer anunciou que vai doar os seus
um grupo de jornalistas propagam os sinais da aprecia nada o patriotis- “aplaudido” os atentados estreia”, conclui. Já a cadeia prémios de jogo às famílias das
entre os quais me encon- mo fácil, pelo caminho que de Nova Iorque e Washing- CBS decidiu que os novos vítimas dos atentados de 11 de
trava que se sente o calor destruição e da pode tomar. Mas na terça- ton, anunciaram responsá- programas só irão para o ar Setembro e instou os seus pa-
enorme que vem do fundo paralisia por uma área feira do ataque chegou a veis da Administração nor- a partir do dia 24 deste mês. res a fazerem o mesmo. “Tal
da terra: “Aquilo ainda es- te-americana. “Em 14 de como toda a gente, fiquei triste
tá tudo a arder lá em bai-
vastíssima, que inclui casa, algures perto de Prin-
ceton, a uma hora de Ma- Setembro, decidimos inter- e horrorizado com os aconte-
xo.” A chuva, disse, não todo o maior centro nhattan, e pendurou uma romper a visita de um grupo UM REPÓRTER “POR SUA cimentos da semana passada
apagou o fogo, mas lim- financeiro bandeira na porta de casa. vindo da China através de nos EUA”, explicou ele à agên-
pou o ar de muita poeira, No dia seguinte, ao atraves- um programa internacional CONTA E RISCO” cia inglesa Press Association,
facilitando o trabalho. sar as inúmeras zonas ha- de convites, devido às cir- NO AFEGANISTÃO citada pela AFP. “Queria fazer
Mas muitos familiares bitadas de vivendas a cami- cunstâncias actuais”, afir- qualquer coisa para ajudar e
mantêm ainda a esperança. Por todo o nho de Princeton, a cidade universitária, mou um responsável, que No sábado, quando se come- esta foi a melhor maneira que
lado, nas paredes, nas redes dos parques, viu centenas de bandeiras em centenas pediu o anonimato. Segun- çava a falar de ataques de re- encontrei de o fazer. Espero que
nas cabines telefónicas, mas principal- de outras casas. do outra fonte, alguns dos taliação norte-americanos, isto possa encorajar outros fu-
mente nos acessos dos dois hospitais mais Uma empresa da Georgia já fabricou 14 jornalistas que integra- a CNN confiava em Nic tebolistas a fazerem algo pelas
próximos, centenas de folhas A4 com mais de 750 mil bandeiras desde o ataque vam o grupo aplaudiram e Robertson para dar infor- pessoas que sofrem nos EUA e
fotografias e descrições de pessoas desa- terrorista, mais do que durante a guerra aclamaram as imagens de mações das operações. Ro- pelas famílias britânicas que
parecidas sugerem ainda a incapacidade do Golfo. O Presidente dos Estados Uni- televisão que mostravam os bertson é o único repórter também perderam entes que-
de aceitar a brutal realidade. dos pediu aos americanos para arvora- aviões a embater nas torres televisivo americano no Afe- ridos nos atentados”, acrescen-
Nas ruas desertas da Baixa de Manhattan rem a bandeira até ao final da próxima do World Trade Center. O ganistão. Mas, segundo o tou o futebolista. Se o apelo
circulam apenas a polícia, o exército e semana. Além das bandeiras, há velas grupo de visitantes era con- próprio, está no país por sua pegar, pode estar em cima da
muitos residentes, autorizados a passar acesas por todo o lado. vidado do Instituto de Edu- conta e risco, depois de, na mesa uma verba próxima dos
a pé até mais próximo da zona do desas- Os americanos de outras raças que não cação Internacional, com terça-feira, ter recebido or- 160.000 euros (32.000 contos),
tres. Ei-los que regressam, ruas fora, brancas também manifestam a sua re- sede em Nova Iorque. Os jor- dens dos taliban para se re- o montante global de prémios
de malas de viagem na mão, a caminho volta e pesar pelas vítimas, surgindo nas nalistas, de várias televisões tirar do país. “Recebi uma de jogo que deverão ser atri-
das casas de familiares ou amigos ou cerimónias e memoriais, mas não é sufi- locais chinesas, efectuavam chamada do Nic Robertson buídos esta época na Premier
até de centenas de desconhecidos que se ciente para evitar injustas acções como uma visita de 28 dias aos Es- às duas e meia da manhã League.
disponibilizaram para receber esta nova ataques violentos nas ruas, disparos para tados Unidos, no quadro de a dizer que qualquer jorna-
espécie de sem-abrigo. as suas lojas ou insultos. um programa financiado pe- lista que permanecesse no
No cruzamento das ruas Reade e Gre- O dirigente da comunidade muçulma- lo Departamento de Estado, Afeganistão enfrentava uma ... E ASSOCIAÇÃO ITALIANA
enwich, entre o final da zona fechada na dos Estados Unidos esteve presente que organiza encontros en- ameaça de morte, devendo,
ao público e o início da zona totalmente numa cerimónia religiosa de todas as tre profissionais norte-ame- por isso, sair imediatamen- AJUDA FILHOS DE
evacuada, está montado o aparato das confissões e disse com emoção e firmeza: ricanos e homólogos estran- te do país”, afirmou Eason BOMBEIROS
televisões. É neste local que melhor se “Eu sou mulçulmano. Eu sou america- geiros. Jordan, da CNN. “Às cinco
pode observar uma parte minúscula das no. Eu amo a América. Deus abençoe da manhã voltou a telefonar, A associação humanitária ita-
ruínas do World Trade Center, julgo que a América.” O ataque a Washington e afirmando que tinha falado liana Together for Peace Foun-
do edifício 7, que também se esboroou Nova Iorque, o primeiro de facto em ter- TELEVISÕES DA AMÉRICA com alguns oficiais taliban, dation anunciou que vai pro-
sobre os seus 40 e tal andares. Os restos ritório americano desde que os ingleses e que estes o deixaram ficar, ceder a uma recolha de fundos
ainda quentes da fachada, do betão e do queimaram a Casa Branca em 1812, veio ADIAM NOVOS PROGRAMAS mas tomando conhecimen- para oferecer bolsas de estu-
aço levantam-se a uma altura de três ou criar um novo país: em vez de Estados to — por escrito — que não do aos filhos dos bombeiros
quatro andares e lançam das entranhas Unidos, haverá agora um Estado Unido, As principais cadeias televi- poderia ser protegido pelos mortos em Nova Iorque quan-
uma nuvem de fumo que não deixa ver como escreveu Francis Fukuyama no sivas norte-americanas, co- taliban.” Segundo o “LA Ti- do socorriam as vítimas dos
nada para além. “Financial Times” de sábado. Em Lower mo a ABC, CBS e NBC, de- mes”, a ameaça de “evacua- atentados. A presidente da as-
O vento de norte leva o fumo e o pó pa- Manhattan, o fumo dum vulcão calmo cidiram adiar a estreia de ção ou morte” não foi confir- sociação, Maria Pia Fanfani,
ra a foz do Hudson e para a Staten Is- de morte e as ruínas de uma cidade que novos programas devido aos mada por outros jornalistas. adiantou que a fundação en-
land. Para norte, o resto da cidade já não existe é o testemunho trágico da atentados. Segundo o jornal As equipas da Associated traria com 25.000 euros (5000
retoma a normalidade com desassose- mudança que se anuncia. “Daily Variety”, na sua edi- Press e da Reuters no Afe- contos) e apelou aos bombei-
ção de sábado, que cita um ganistão afirmaram não ter ros italianos para que se jun-
responsável televisivo, o mo- recebido qualquer ameaça. tassem à iniciativa.
1 6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
A guerra já começou
na rede
Um pouco por todo o pera a do FBI, de apenas cin- capaz de levar a cabo uma
mundo, os piratas co milhões, que está em vigor operação desta complexidade
desde 1998. Como previsto, a tivesse deixado para trás este
informáticos estão a resposta ao apelo de Schmidtz tipo de provas tão óbvias. Até
mobilizar-se para um está a ser massiva e milhões os piratas do ar, que tinham
conflito no ciberespaço de cibernautas estão a acor- muito pouco a perder, iriam
e alguns “sites” de rer ao site de Schmitz (www. querer adiar a investigação
kimble.com, uma referência — e a resposta militar dos
inspiração muçulmana à personagem de “O Fugi- EUA — o mais tempo pos-
já estão a ser atacados tivo”) para obter mais infor- sível”, afirma. Mais influen-
mações. ciado por filmes de ficção
MARCO VAZA Para as empresas que for- científica ou por séries como
necem serviços de Internet “Ficheiros Secretos”, um ou-
As autoridades norte-ameri- (ISP), os dias que se segui- tro cibernauta afirma que
canas prosseguem as inves- ram aos atentados de ter- “a cidade de Nova Iorque, co-
tigações para identificar os ça-feira passada têm sido mo outras grandes cidades
responsáveis pelos atenta- preenchidos a analisar os do mundo, é uma grande col-
dos terroristas ocorridos na conteúdos das páginas cons- meia de extra-terrestres”.
passada terça-feira nos EUA. truídas pelos respectivos Há ainda quem encontre
Se ainda não foram apon- clientes. Empresas como a nas profecias de Nostrada-
tados os reais culpados, no American On-Line (AOL) ou mus um sinal do que iria
ciberespaço a guerra já co- o Geocities do Yahoo já de- acontecer e pela rede tem cir-
meçou, com uma mobiliza- sactivaram alguns “sites” de culado uma versão das suass
ção geral de piratas infor- conteúdo proibido pelos res- profecias, que corresponde
máticos um pouco por todo pectivos regulamentos, co- em traços gerais ao que acon-
o mundo, tendo até já sido mo alguns que sejam de- teceu na passada terça-feira.
criado um vírus com o nome dicados à Jihad islâmica e “Na Cidade de Deus haverá
WTC. Nos “newsgroups”, outros que promovam dis- um grande trovão, Dois Ir-
fóruns e “chatrooms”, os cursos de ódio contra os mu- mãos separados pelo Caos, en-
“hackers” já escolheram os çulmanos. quanto a fortaleza persiste,
alvos a abater: páginas de o grande líder irá sucumbir.
conteúdo islâmico de países Teorias e profecias A terceira grande guerra irá
muçulmanos como o Afega- Continuam, entretanto, a pro- começar quando a grande ci-
nistão, o Irão, o Iraque, ou o liferar pela rede as teorias de dade estiver a arder”, diz esta
Paquistão. conspiração, desta vez mais versão, que já foi considerada
“Se querem voltar a ter In- elaboradas e com os mais pelos especialistas como uma
ternet, entreguem-nos o se- variados protagonistas. Para fraude. Não é, no entanto,
nhor Osama bin Laden e cin- um cibernauta que expressou de estranhar, que “As Profe-
co milhões de dólares num a sua opinião na “message cias Completas de Nostrada-
saco de papel castanho”, é board” do www.conspiracy- mus” seja o livro mais vendi-
o apelo feito por um “ha- net.com, a operação de reco- do no site de vendas on-line
cker” autodenominado “Flu- lha de sangue que está em Amazon.com, que tem ainda
ffi Bunni” (coelhinho de pe- curso para ajudar as vítimas mais cinco títulos dedicados
luche), que garante já ter do atentado não passa de um ao famoso profeta do século
atacado com sucesso cente- pretexto para o governo “alar- XVI no seu top-25.
nas de “sites” islâmicos, fa- gar a sua base de dados de
zendo acompanhar os seus ADN dos cidadãos norte-ame-
ataques com uma imagem ricanos”.
de um coelho cor-de-rosa. No “newsgroup” alt.conspi Internet banida
Nesta sua “guerra santa”,
os “hackers” já tiveram algu-
racy, os visitante envolvem os
“media” de todo o mundo nu-
no Afeganistão
ma ajuda das agências gover- ma grande conspiração glo-
namentais. No início do mês, bal, questionando a razão da No Afeganistão, só se pode
ainda antes dos atentados, o comunicação social ter deixa- aceder à Internet com
FBI fechou a InfoCom Corpo- do de investigar o papel da for- uma permissão especial
ration, uma empresa no Te- ça aérea norte-americana na do governo taliban. No
xas que funcionava como ser- queda do avião que teria Wa- mês passado, o regime re-
vidor de vários sites árabes, shington como destino, mas forçou a proibição na uti-
incluindo um que era tido co- que acabou por cair numa flo- lização da rede já decreta-
mo o maior portal de notícias resta nos arredores de Pitts- da anteriormente e
do mundo árabe. E a “jihad” burg. “Terá sido abatido?”, ordenou a perseguição da-
dos “hackers” está ainda pergunta um cibernauta. queles que não cumpri-
a passar pela recompensa No mesmo “newsgroup”, rem estas ordens. Segun-
oferecida pelo alemão Kim outro visitante lançou uma do o site Newsfactor.com,
Schmitz, um ex-pirata infor- discussão onde expressa as a única ligação autorizada
mático transformado em mi- suas dúvidas relativamente à rede permitida no país
lionário das novas tecnolo- à enorme facilidade com que está em poder do gabinete
gias, que oferece dez milhões o FBI está a encontrar pro- do líder do regime. “Esta-
de dólares por informações vas do envolvimento de ára- belecer um sistema no
que conduzam à captura de bes nos atentados. “É inacre- Afeganistão através do
Bin Laden, uma oferta que su- ditável que uma organização qual podemos controlar
tudo o que é errado, obsce-
no, imoral e contra o Is-
lão”, é a justificação dada
por Mauli Wakil Ahmad
Muttawakil, ministro dos
Negócios Estrangeiros do
Afeganistão, que é um dos
países com piores infra-
estruturas em termos de
telecomunicações do mun-
O do. A restrição ao acesso
não se resumiu apenas aos
multiplica os seus pontos por 5 afegãos, tendo sido igual-
mente estendidas às orga-
CÓDIGO do dia 18 de Setembro nizações humanitárias,
que, para acederem à re-
8WH766FE5 de, têm de se deslocar ao
vizinho Paquistão.
D E S TA Q U E 17
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001
INQUÉRITO
ALGUÉM SE LEMBRA
DO “MESTRE
TERRORISTA”
ABU NIDAL?
O palestiniano que matou ou feriu pelo menos 900 pessoas
em 20 países está vivo ou morto? Era apenas um mercenário ao serviço
de ditadores árabes ou deixou-se também manipular por Israel?
Os americanos terão procurado capturá-lo, mas desistiram.
“Era como pintar um comboio em movimento.”
Por Margarida Santos Lopes
Se ainda estiver vivo, Abu Nidal deve estar Aluno medíocre, desistiu do curso e instalou-
desconsolado: perdeu o estatuto de “terroris- se em Nablus para ser professor numa escola
ta mais perigoso do mundo”. O palestiniano local. O salário era muito pequeno para a sua
descrente em Deus e acusado de matar ou grande ambição e decidiu viajar para a Ará-
ferir pelo menos 900 pessoas em 20 países foi bia Saudita. Foi contratado como assistente
substituído na lista dos piores inimigos da de electricista numa empresa de construção
Humanidade pelo integrista islâmico de ori- civil.
gem saudita Osama bin Laden. Neste percurso sem datas definidas, o pa-
Pelo menos desde os Acordos de Oslo, as- lestiniano rico-pobre casou-se com uma jovem
sinados em 1993 por Israel e pela OLP, que de Nablus. Teve três filhos: duas raparigas e
ninguém tem ouvido falar de Abu Nidal ou um rapaz a quem chamou Nidal (A Luta). Abu
da sua camaleónica organização: a Fatah- Nidal significa, em árabe, “o pai de Nidal” e
Conselho Revolucionário (F-CR). Será porque foi este nome de guerra que ele adoptou em
o mundo da guerra fria onde ele se movimen- 1965 quando a Fatah — a maior facção da OLP
tava acabou? Ou haverá algo de verdade na — realizou a sua primeira operação de guer-
teoria de conspiração de que o misterioso Abu rilha.
Nidal, de quem apenas se conhecem duas fotos Com a humilhante derrota árabe na “Guer-
desfocadas, era um mercenário sem causa, ra dos Seis Dias” de 1967, Abu Nidal torna-se
ao serviço de muitos patrões — incluindo Is- um “radical”. Enviado para o Sudão como
rael? “embaixador”, começa a recrutar palestinia-
A teoria ganha forma quando se lê a biogra- nos para uma força de combate. Em 1971, mu-
fia do homem obcecado por dinheiro que dizia: da-se para Bagdad e, em 1973, com a ajuda do
“Com 400 milhões de dólares eu mudarei a Governo iraquiano, um grupo treinado por
face do Médio Oriente”. O nome verdadeiro ele viaja até Paris para ocupar a embaixada
de Abu Nidal será Sabri Khalil al-Banna. Ou da Arábia Saudita.
Hasan Sabri al-Banna? Ou Muhammad Sabri Não tardou muito a que se consumasse a
al-Banna? Ou Mazan Sabri al-Banna? Nasceu ruptura com Yasser Arafat. Abu Nidal cria a
em Jaffa, na Palestina pré-Israel. Em 1939 ou sua Fatah-Conselho Revolucionário e ameaça Desde 1993 que ninguém ouve falar de Abu Nidal, outrora o mais temido terrorista do mundo
em 1937? matar o rival. A OLP condena-o à morte, à
Era um dos 11 filhos dos 13 casamentos de revelia. A sentença nunca foi executada. A
um próspero empresário e devoto muçulmano, F-CR reivindica ataques com pelo menos dez Por que razão Abu Nidal assassinou siste- 1991, com o assassínio de Salah Khalaf (Abu
dono de mais de 6000 hectares de pomares nomes diferentes: “Junho Negro”, “Brigadas maticamente os elementos moderados que Iyad), em Tunes, por um “agente duplo” pa-
que se estendiam de Jaffa até Majdal, cidade Revolucionárias Árabes”, “Organização dos Israel mais temia dentro da OLP (designada- lestiniano, que pertencia à Fatah de Arafat
depois hebraizada para Ashkelon. A família Muçulmanos Socialistas”... mente Issam Sartawi, em Portugal)? Como se e à F-CR de Abu Nidal. Os israelitas, que já
al-Banna vivia numa casa de três andares e 21 Tal como o grupo, também o chefe conse- explicam as ligações de membros da F-CR à tinham eliminado, em 1988, Khalil al-Wazir
assoalhadas com vista para o mar. guiu iludir todos os que o perseguiam. Em Mossad, os serviços secretos israelitas? (Abu Jihad), o chefe militar da OLP, tinham
O pai de Abu Nidal, Haj Khalil al-Banna era 1986, a agência de espionagem americana CIA Se Seale consegue vislumbrar “uma relação “interesse em afastar um operacional expe-
amigo íntimo do primeiro Presidente de Isra- acreditou ter encontrado a base de Abu Nidal operacional” entre Abu Nidal e a Mossad — riente” num momento crucial como era o da
el, Chaim Weizman, e também de Avraham no Vale de Bekaa, no Líbano. Não houve tempo porque “ele era um instrumento dos israeli- guerra do Golfo.
Shapira, fundador do Haganah, a resistência de preparar uma operação de captura. “Era tas ou porque a sua organização tinha sido “Não há, e provavelmente nunca haverá”,
que serviu de base à criação do exército isra- como pintar um comboio em movimento”, infiltrada pela Mossad”—, outro jornalista concluíram Black e Morris, “uma prova defi-
elita (a F-CR imitaria muitos dos seus méto- reconheceu um responsável da então Admi- britânico, Ian Black, e o historiador israelita nitiva” de que a morte de Abu Iyad foi “uma
dos). Mohammed al-Banna, um dos irmãos de nistração Reagan. Benny Morris apenas admitem que muitos clássica operação da Mossad: o assassino acre-
Abu Nidal, era um comerciante que mantinha Abu Nidal não usava passaporte. Não par- ataques do “mestre terrorista” serviram os ditar que estava a levar a cabo instruções de
“relações cordiais” com os colonos e as forças ticipava em reuniões ou comícios. As suas interesses do Estado judaico. Abu Nidal quando, de facto, cumpria cega-
militares de ocupação na Cisjordânia, onde ordens eram mensagens escritas. Vivia em Uma das vezes que isso aconteceu foi em mente uma directiva secreta israelita”.
vivia. reclusão total, de esconderijo em esconderijo.
Criança privilegiada, Abu Nidal frequen- Não falava ao telefone nem ouvia rádio —
tou as melhores escolas privadas, em Jaffa, receando que estes fossem armadilhados ou B I B L I O G R A F I A C O N S U LTA D A
Nablus e Jerusalém, onde aprendeu francês e que através deles pudesse ser localizado.
inglês. Tinha um motorista particular e não Até hoje Abu Nidal permanece um enigma. — “Paix ou Guerres - Les secrets des négocitions
lhe faltava dinheiro para gastar. A vida de As últimas informações, depois de desmentida israélo-arabes 1917-1997), de Charles Enderlin (Ed.
luxo e conforto acabou dramaticamente em a sua morte, davam-no como doente terminal Stock, Paris, 1997);
29 de Novembro de 1947, quando as Nações na Jordânia. Foi escorraçado por Moammar — “Abu Nidal, A Gun for Hire, The Secret Life of
Unidas partiram a Palestina em dois Estados: Khadafi de Trípoli e a sua F-CR ter-se-ia de- the World’s Most Notorious Arab Terrorist”, de
um judaico e um árabe. sintegrado. Devido à paranóia de segurança Patrick Seale (Ed.Hutchinson, Londres, 1992);
Os combates que se seguiram transforma- do líder, que o fez matar dezenas de colabora- — “Israel’s Secret Wars - A history of Israel’s
ram Abu Nidal num refugiado. A enorme ri- dores, e à falência financeira. Muitos dos seus intelligence services”, de Ian Black e Benny
queza que usufruía rapidamente se trans- patronos — a Líbia, a Síria, o Iraque, o Irão Morris (Ed. Futura, Londres, 1991);
formou em abjecta pobreza. Todos os bens — deixaram de recorrer ao seu trabalho sujo — “Inside the PLO”, de Neil C. Livingstone e David
da família foram confiscados pelo Estado de para liquidar adversários. Halevy (Ed. William Morrow and Company, Inc.,
Israel que os declarou “propriedade de ausen- O mais intrigante na carreira do oitavo fi- Nova Iorque, 1990);
tes”. Uma parte das terras serviu para alojar lho de Haj al-Banna continua a ser, todavia, a — “The Master Terrorist — The true story behind
imigrantes judeus. A casa paterna chegou a sua relação com Israel. Patrick Seale, jorna- Abu Nidal”, de Yossi Melman (Ed.Adama Books,
funcionar como esquadra da polícia e tribunal lista britânico que investigou as acções de Nova Iorque, 1986).
militar israelitas. Abu Nidal (ver bibliografia), lançou várias
Protegido pelos irmãos mais velhos, Abu interrogações: Por que motivo a F-CR unca de-
Nidal foi parar ao Líbano. Há versões contra- sencadeou ataques nos territórios ocupados,
ditórias quanto a ter-se matriculado na pres- nem mesmo durante a Intifada de 1987-1994?
tigiada Universidade Americana de Beirute. Por que é que as suas bases nunca foram bom-
Certo é que estudou dois anos na Universida- bardeadas por Israel em retaliação pelos seus
de do Cairo para ser engenheiro mecânico. atentados contra alvos israelitas e judeus? Abu Nidal, à direita
D E S TA Q U E 2 1
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001
Fundamentalismo e terrorismo:
sintomas duma crise global
A OPINIÃO DE
MARIA DO CÉU PINTO
BEAWIHARTA/REUTERS
O
ataque de 11 de Setem-
bro faz já parte dos
acontecimentos mar-
cantes deste século que
ainda há pouco se iniciou. Ainda
esta tragédia não assumiu as su-
as verdadeiras proporções e come-
çam já a emergir as pistas que per-
mitem indiciar os responsáveis.
E os responsáveis são invariavel-
mente os árabes e, em concreto,
esse “empresário” do terrorismo
internacional, o cidadão apátrida
Osama bin Laden, refugiado no
Afeganistão.
Antes que se desencadeie a onda
de ódio antiárabe, convém reflectir
sobre as causas deste fundamenta-
lismo que motiva actos de loucura
extrema. Essas causas são comple-
xas e antigas, mas também conjun-
turais. O mundo árabe vive hoje
mergulhado numa crise profunda.
Crise económica, política e social
que, tal como noutros lugares do
mundo, é acentuada pelo fenómeno
da globalização.
Não existe hoje no mundo árabe
uma única democracia. O único re-
gime democrático do Médio Oriente
é Israel, mas dessa democracia só
beneficiam os israelitas porque os
palestinianos vivem como párias,
não gozam da cidadania do país on-
de nasceram e, por isso, estão su-
jeitos a múltiplas formas de maus
tratos e de discriminação.
A maior parte dos regimes árabes/
muçulmanos é do tipo autoritário. O
grande desafio que se põe ao mundo rupto e utilizar meios violentos, se contra o Iraque são interpretados Bin Laden combateu no Afega-
árabe neste final de século — à parte tal for necessário, para derrubar a A maior parte dos regimes pelas massas árabes como mais um nistão durante a guerra contra a
o desafio do desenvolvimento econó- ordem vigente. Esta posição funda- episódio que atesta a tentativa do ocupação deste país pelas tropas
mico — é o da democracia. Será es- menta, por exemplo, os assassínios árabes/muçulmanos Ocidente de neutralizar o poderio russas. Ao apelo de guerra santa —
ta parte do mundo imune à onda de por membros dos grupos islâmicos é do tipo autoritário. árabe e de humilhar os muçulma- “jihad” — responderam cerca de 25
democratização que varre o globo, radicais. O grande desafio que se põe nos. A política americana de hege- mil muçulmanos vindos de mais de
numa época em que as populações É abusiva a ideia que se tem no monia no Médio Oriente, princi- 40 países do Norte de África à Ásia.
se tornam cada vez mais exigentes e Ocidente de que a generalidade dos
ao mundo árabe neste final palmente no pós-guerra fria, é um Estes combatentes foram treinados
conscientes dos seus direitos? E se- árabes é fundamentalista ou fanáti- de século — à parte o desafio factor de crescimento do extremis- e equipados pela CIA e financiados
rá o mundo árabe capaz de gerar as ca e que aprova os actos terroristas. do desenvolvimento mo religioso. Daí a retórica profun- por países como a Arábia Saudita
suas próprias forças democráticas A maior parte dos muçulmanos são económico — é o da damente antiocidental do discurso ou os Estados do Golfo Pérsico.
numa altura em que quem monopo- crentes que praticam a religião no fundamentalista. Acabada a guerra, em 1988, estes
liza o discurso político são as corren- seu dia-a-dia, mas que não se envol- democracia. Será esta parte Exemplo desta atitude é Osama militantes voltaram para os seus pa-
tes do fundamentalismo religioso? É vem em actividades políticas e que do mundo imune à onda bin Laden, o famoso terrorista (ori- íses, onde integraram grupos violen-
neste contexto de crise generalizada não concordam com o uso da vio- de democratização que ginariamente) saudita, considera- tos. Outros foram combater em ou-
que surge o fundamentalismo islâ- lência. O que acontece, no actual do o “inimigo nº 1” dos EUA, pelo tras causas islâmicas, como a guerra
mico. contexto, é que os fundamentalistas varre o globo, numa época qual as autoridades americanas da Tchetchénia, Tajiquistão, Filipi-
É também importante ter em con- desfrutam de uma posição privile- em que as populações oferecem a recompensa de 5 mi- nas, Bósnia, Argélia e Kosovo. Estes
ta o impacto do Ocidente na explica- giada porque são a única oposição se tornam cada vez mais lhões de dólares (5,5 milhões de eu- militantes são amigos de Bin Laden;
ção dos movimentos a que se costu- que se apresenta à maior parte dos ros). Bin Laden é responsável pelos formam uma vasta rede que se man-
ma chamar fundamentalistas. Para regimes árabes existentes.
exigentes e conscientes atentados terroristas no Verão de tém em contacto utilizando meios
os muçulmanos, é ofensiva a manei- Estes regimes, repressivos e au- dos seus direitos? 1998 às embaixadas americanas do de comunicação como o correio elec-
ra como o Ocidente tenta impor es- toritários, foram ao longo dos anos Quénia e da Tanzânia, e por uma trónico. Eles estão disponíveis para
tes valores à escala mundial, prin- eliminando as forças de oposição, série de ataques terroristas contra combater a presença americana no
cipalmente através dos meios de como os liberais e os comunistas. tropas americanas em várias par- mundo, pois consideram esta potên-
comunicação, cujo raio de alcance Naquela altura, esses regimes não talista e da sua agressividade. Os tes do mundo. cia uma ameaça à cultura islâmica e
não conhece barreiras. Os funda- julgavam que o movimento de revi- muçulmanos sentem-se ultrajados Ele emitiu várias “fatwas” (de- que tenta subjugar o mundo muçul-
mentalistas consideram que as ac- valismo religioso produzisse uma pela injustiça infligida aos seus ir- cretos religiosos) em que legitima mano.
tuais sociedades se desviaram dos camada de islamistas politicamen- mãos palestinianos por Israel e pelo e exorta os seus compatriotas mu- O mundo islâmico está certamen-
preceitos do islão, que adoptaram as te empenhados. Eles constituem Ocidente, principalmente os EUA çulmanos a assassinarem cidadãos te em crise e essa crise é o resultado
maneiras do Ocidente e que se tor- hoje uma formidável força com a que, através do apoio que prestam americanos onde quer que estejam de pressões externas e de dificul-
naram corruptas e materialistas. qual estes poderes se defrontam. àquele Estado, escudam as posições e independentemente de serem ci- dades internas a que estes países
Daí concluem que é não só o di- Estes mesmos regimes são respon- intransigentes dos israelitas. vis ou militares. Bin Laden diz que não conseguiram responder. É um
reito mas também o dever de todo sáveis pela criação dos islamistas A Guerra do Golfo de 1991 e os vai usar a violência até conseguir o mundo encravado entre os seus va-
o crente lançar a “jihad” (que tem porque, durante os anos 60 e 70, en- sucessivos “rounds” de ataques seu objectivo de expulsar as tropas lores tradicionais e as exigências
o significado original de esforço in- corajaram o movimento de reisla- americanas da Terra Santa por- descomunais da modernidade. Para
terior de conversão, podendo tam- mização como forma de combater o que, segundo o Corão, não é permi- alguns analistas, o Islão estaria a
bém ser entendido, como geralmen- comunismo, que era muito popular tida a presença de infiéis junto dos atravessar um processo de transi-
te acontece, como guerra em nome entre as classes jovens e universi- Professora auxiliar da Universidade lugares santos de Meca e Medina. ção comparável ao movimento da
do islão), de forma a transformar a tárias. do Minho, autora de “Islão, Fundamentalismo Bin Laden acusa os EUA de come- Reforma na cristandade, na sequên-
e Revolução Iraniana” (Estratégia, 1997)
sociedade. Para os radicais, todo o O “problema de Israel” e a sorte e “Political Islam and the United States:
terem atrocidades contra a popula- cia do qual a religião reformulou o
muçulmano está autorizado, consti- dos palestinianos nos territórios A Study of U. S. Policy Towards the Islamist ção iraquiana e de apoiarem Israel, seu papel social e político e aceitou,
tui mesmo sua obrigação, revoltar- ocupados tem sido um dos mais for- Movements in the Middle East” que é responsável pela opressão e nomeadamente, a separação da es-
se contra o Estado muçulmano cor- tes motores da retórica fundamen- (Ithaca Press, Reading, 1999) morte de muitos palestinianos. fera política e religiosa.
E S PA Ç O P Ú B L I C O 23
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001
DE GUTERRES
Quanto mais retaliações os EUA levarem à
prática, quantos mais atentados ocorrerem, mais
a vida do Governo português será fácil e doce
Diz-se
A nova guerra Tragédia
“Que raça, que nação, foi
morta nas Torres Gémeas?
Pela aflição que vi nos nova-
iorquinos, sei a resposta: ho- Por estes dias começa a ganhar contornos
e punição
mens e mulheres.” uma outra resposta visivelmente mais sofis- IVAN NUNES
FERREIRA FERNANDES ticada, que, sem abandonar a utilização da
“Focus”, 17-9-01 força, põe o acento no desenvolvimento de
acções não militares. É indescritível o horror, a incompreensão e até o pâni-
“Além do crime, o que os fun- Collin Powell, o secretário de Estado ame- co que sentimos perante as imagens dos atentados nos
damentalistas islâmicos co- ricano, enfatizava há três dias que o ter- EUA. Talvez em particular as imagens de Nova Iorque,
meteram foi um erro. Não EDGAR CORREIA rorismo “é um inimigo diferente, que se porque aprendemos a amar a “skyline” de Manhattan
se atacaram a um símbolo encontra em muitos locais, que procura quanto mais não fosse através dos filmes de Woody Al-
do imperialismo, atacaram o esquivar-se” e que “está frequentemente len. Mas depois há pior do que isso: há a noção de pas-
sorriso que acolhia o mundo. omecemos pelo fundamental: a aqui, no nosso próprio país”, para concluir sageiros civis em aviões dirigidos à morte violenta pela
Atacaram o mundo.”
IDEM, ibidem
QUA19SET
EDIÇÃO LISBOA
19 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4202
140$00 • €0,70 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico.pt www.publico.pt
SONDAGEM DA
Participação militar
RECENSEAMENTO
CATÓLICA PARA
708.159 O PÚBLICO, A RTP
FUNCIONÁRIOS E A ANTENA 1
PÚBLICOS contra o terrorismo 48,8 por cento dos portugueses
concorda com a participação na-
cional num ataque militar con-
EM PORTUGAL
divide portugueses
tra o terrorismo. 40 por cento são
contra. 63,4 por cento dos inqui-
P28 ridos considera os ataques na
América “atentados” e não “ac-
tos de guerra”. P10/11
E N T R E V I S TA AKBAR BALOCH/REUTERS
Paquistão encerrou
Comunistas entram Manifestação pró-Bin Laden
ontem no Paquistão todas as fronteiras
no governo basco
com o Afeganistão
Os federalistas estão desde ontem
mais fortes no País Basco, onde os
comunistas da Esquerda Unida entra-
ram pela primeira vez num governo.
Os taliban admitem
Os separatistas, esses estão cada vez
mais isolados: “Com a ETA não se po-
pela primeira vez
de falar de política”, disse ao PÚBLI- que Osama bin
CO o presidente do governo regional,
Juan José Ibarretxe. P26/27 Laden possa ser
culpado
LIGA DOS CAMPEÕES
PUBLICIDADE
ÍNDICE
BARTOON E OPINIÃO 20 A 22
BOLSA E MERCADOS 30 A 32
TELEVISÃO 49/50
CLASSIFICADOS 57 A 69
CINEMAS 70/71
TEMPO E FARMÁCIAS 72
2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 19 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
Afeganistão
A cumprir-se a promessa dos Um inferno nas ruas
principais líderes religiosos E, de facto, se o apoio da po-
do Paquistão, são tempos con- pulação aos líderes religio-
turbados os que esperam o sos islâmicos parece não ser
país. Pelo menos 50 dos mais muito forte, os sentimentos
conservadores chefes islamis- antiamericanos estão a espa-
tas reuniram-se na segun- lhar-se pelo país. É por isso
da-feira para anunciar que, que observadores regionais
durante as próximas duas se- prevêm que as ruas do país se
manas, irão organizar uma transformem num inferno se
série de greves e manifesta- os Estados Unidos atacarem
ções contra o regime militar. mesmo o Afeganistão. Os ata-
Primeiro em Islamabad, a ques a alvos ocidentais serão
Factor de desestabilização na Ásia
capital, e depois um pouco então inevitáveis, estimam
por todo o país, os líderes reli- os observadores. Do Tajiquistão à Índia, A mais populosa das antigas O líder espiritual do Irão, o combate ao terrorismo. Por-
giosos esperam mobilizar mi- Entretanto, ontem saíram muitos países asiáticos repúblicas soviéticas, e com ultraconservador Ayatollah que está inquieta com o isla-
lhares de paquistaneses para já para as ruas de Karachi, as mais poderosas forças ar- Ali Khamenei, condenou on- mismo radical entre os seus
exprimirem, nas ruas, a opo- capital económica do Paquis-
têm razões para se madas regionais (50 mil ho- tem, com raro vigor, os ata- muçulmanos turcófonos. Pa-
sição a um possível ataque tão, mais de cinco mil estu- preocupar: um novo mens), é governada por um ques terroristas em Nova Ior- ra colaborar, Pequim exige,
norte-americano dantes islamistas êxodo de refugiados, antigo líder comunista, Islam que e Washington. Avisou, no porém, como contrapartida,
contra o regime radicais, na que guerra e instabilidade Karimov, eleito em 1991 e de- entanto, que não apoiará uma ajuda dos norte-americanos
amigo dos taliban foi a maior mani- pois reeleito. O regime perse- eventual guerra contra o Afe- na guerra contra os separatis-
no vizinho Afega- festação anti-ame- regional. Texto de gue sem piedade o Movimento ganistão, país governado por tas da província de Xinjiang
nistão. ricana desde a Isabel Leiria Islâmico do Uzbequistão, che- um regime islâmico inimigo e contra os independentistas
Será mais uma tomada de posi- fiado por Djouma Namagani, de Teerão, porque o envio de Taiwan. “Não podemos
prova de fogo pa- ção de Mushar- Tajiquistão que procura instaurar um Es- de tropas americanas apenas ter dois pesos e duas medi-
ra o Governo, sob raf. “Abaixo os 143.100 quilómetros quadrados/6,6 tado com base na lei corânica multiplicará os problemas re- das”, explicou o ministro dos
pressão desde que Estados Unidos”, milhões de habitantes (Sharia). Este grupo actua no gionais. Há muito que esta de- Negócios Estrangeiros, Zhu
o general autopro- “Afeganistão e Pa- Norte e Ocidente do país, e sus- claração era esperada. Kha- Bangzao, reclamando tam-
movido a Presiden- quistão, túmulos O Tajiquistão, a única das ex- peita-se que alguns dos seus menei, o sucessor do defunto bém que a ONU seja seja con-
te, Pervez Mushar- da América”, “So- repúblicas da URSS na Ásia estimados 1500 militantes são Khomeini, é a autoridade su- sultada antes de qualquer
raf, decidiu apoiar mos Osamas, so- Central que se exprime em treinados nos campos de Osa- prema iraniana e a posição acto de retaliação. Mais: qual-
uma eventual reta- mos taliban”, fo- persa (as outras são maio- ma bin Laden no Afeganis- que ele assumir neste conflito quer ataque tem de basear-se
liação norte-ame- Um ataque dos ram algumas das ritariamente turcófonas), é tão. O Governo de Karimov determinará a política do país em “provas concretas”, não
ricana aos ataques EUA ao palavras de ordem dirigido desde 1992 por um mostrou-se disposto a discutir com o qual os EUA não têm deve afectar pessoas inocen-
terroristas do dia entoadas pelos es- Presidente pró-Moscovo, Emo- “qualquer assunto que condu- relações diplomáticas desde tes e tem de ser conduzido no
11 em Nova Iorque Afeganistão tudantes que, de nali Rakhmonov, que derru- za à erradicação do terrorismo 1980. “Os massacres de seres respeito pelo direito interna-
e Washington. será mais uma paus em punho, bou um governo islamo-de- e ao reforço da estabilidade”. humanos, onde quer que ocor- cional, frisou Zhu.
“Acreditamos prova de fogo saíram da mes- mocrata. A uma longa guerra ram, sejam quais forem os au-
que o alvo dos ame- quita de Binroi, a civil que fez 50 mil mortos, se- Turquemenistão tores ou as vítimas, são actos Índia
ricanos não é o
para o maior escola co- guiram-se acordos de paz assi- 448.100 quilómetros quadrados/4,4 catastróficos que devem ser 3,3 milhões de quilómetros qua-
Afeganistão, nem Governo do rânica do Paquis- nados em 1997, que concedem milhões de habitantes condenados”, disse Khame- drados/1000 milhões de habitantes
Osama bin Laden [ general tão. aos islamistas um terço dos nei, citado pela BBC. Alertou,
a quem são atribu-
ídos os atentados
autopromovido umTambém ontem
eminente líder
postos ministeriais. A capital
do país, Duchambé, poderá ser
Rico em jazidas de petróleo e
quarto produtor mundial de
porém, contra os planos dos
EUA de “expandirem o seu
A “maior democracia do mun-
do” e inimiga do Paquistão,
suicidas ao World a Presidente, espiritual paquis- um ponto vital para o apoio gás, esta antiga república da poder” na Ásia e sublinhou com o qual travou duas guer-
Trade Center e ao Pervez tanês, o “mufti” a uma qualquer força lidera- URSS tem um Presidente vi- que o povo do Afeganistão ras desde a separação dos dois
Pentágono]”, disse Musharraf Nizamuddin Sha- da pelos EUA que se queira talício, Saparmourada Niazov, não merece ser mais casti- países em 1949 após o fim da
Sami-ul Haq, que mzai, assinou um infiltrar no Afeganistão. Na um antigo dirigente comunis- gado depois das imensas tra- colonização britânica, já ofe-
presidiu à reunião (na foto) decreto apelando à fronteira estão em alerta 11 ta local que se fez eleger em gédias que já sofreu. Alguns receu as suas bases militares
e dirige uma das “jihad” no caso de mil guardas e uma divisão de 1999 e cultiva um culto de per- responsáveis em Washington aos EUA caso pretendam ata-
madrassas (esco- ser desencadeada 6500 soldados. O facto de o país sonalidade tipo Estaline. Im- defendem que o Irão deveria car alvos terroristas no Afe-
las religiosas) por onde passa- alguma acção militar contra ter fortes laços com a Aliança placável com a oposição, em ser incluído numa coligação ganistão. Um apoio que os
ram muitos dos actuais líde- o Afeganistão, noticiou a AFP. do Norte, que combate os tali- particular com os islamistas, contra os taliban mas ontem, analistas vêem como extre-
res taliban. “O alvo principal “Se forças não muçulmanas ban e é sobretudo constituída o homem que se autodenomi- num sinal de que uma reapro- mamente importante já que
é o Paquistão. Porque esta é atacarem o Afeganistão, é por elementos de etnia tajique, na “Turkmenbachi” (o pai do ximação está longe, a polícia dá a Washington uma flexibi-
uma guerra contra o mundo dever de todo o muçulmano permite antever alguma dis- povo turquemeno), eliminou de Teerão proibiu que uma lidade militar e estratégica
muçulmano e o Paquistão é juntar-se à ‘jihad’ ao lado dos ponibilidade para se colocar qualquer hipótese de envolvi- centena de jovens exprimisse muito maior, no caso de Isla-
a única potência nuclear islâ- seus irmãos afegãos”, disse ao lado de Washington. No en- mento militar contra o regime na rua a sua simpatia pelas mabad não facilitar uma in-
mica”. Shamzai. “Os dirigentes que tanto, as autoridades já afir- de Cabul, reafirmando a neu- vítimas americanas. tervenção. A Índia enfrenta
A lealdade das forças ar- ajudarem os não-muçulma- maram que só alinharão se a tralidade. Niazov tem manti- na Caxemira sob seu contro-
madas será também testada nos serão considerados co- Rússia apoiar essa decisão. O do contactos regulares com os China lo uma guerrilha separatis-
se os protestos se tornarem mo traidores da nação islâ- Tajiquistão estará também in- taliban e quererá manter bo- 9,6 milhões de quilómetros qua- ta, apoiada por islamistas pa-
violentos. “O exército do Pa- mica”. teressado em evitar um novo as relações com o Afeganis- drados/1200 milhões de habitantes quistaneses. Desde 1989 este
quistão tem estado tradicio- O Paquistão, que já se dis- fluxo de refugiados afegãos, tão, país que poderá constituir conflito já causou pelo menos
nalmente ao lado da popula- ponibilizou para cooperar situação que teve enfrentar no uma boa rota para a exporta- Tradicionalmente aliada do 30 mil mortos. Se as tropas
ção. Se a nação abandonar com os EUA no campo da in- passado. ção dos seus enormes recursos Paquistão contra o inimigo dos EUA chegarem ao terri-
o seu líder, então o exército formação, apoio logístico e energéticos. indiano, a China — que tem tório indiano será a primei-
alinhará ao lado da nação”, utilização do espaço aéreo, Uzbequistão algumas dezenas de quilóme- ra vez que isso acontece na
prevê Hamid Gul, um gene- deverá preparar-se, pois, pa- 447.400 quilómetros quadrados/24,3 Irão tros de fronteira com o Afe- história do país. (Fontes: “Li-
ral reformado também cita- ra a vingança dos islamis- milhões de habitantes 1.633.000 quilómetros quadrados/66,2 ganistão — manifestou inte- bération”, BBC, “The Washington
do pelo diário britânico “The tas. milhões de habitantes resse em apoiar os EUA no Post”, Reuters)
4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 19 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
Os empregados
CANTOR da Cantor
Fitzgerald
encontravam-se
entre o 101º
e o 105º andar
FITZGERALD e foram as
primeiras
vítimas do
ataque de11
de Setembro
A firma que
perdeu dois
terços dos
empregados
700 MORTOS, 1400 ÓRFÃOS tor internacional da Cantor.
“Cada um de nós perdeu o co-
lega que trabalhava do seu
Eram 970, são agora 270. Só escaparam os que lado direito, perdeu o colega
estavam de férias, de baixa, ou se tinham que trabalhava do seu lado
atrasado. Da administração aos paquetes, 700 esquerdo”, lamentava o pre-
empregados do grupo de corretagem e comércio sidente da empresa, Howard
Lutnick, momentos depois da
electrónico Cantor Fitzgerald — entre os quais se tragédia, na televisão. “Te-
encontrava um português —morreram todos no mos que fazer tudo para pre-
primeiro ataque terrorista de 11 de Setembro à encher o vazio deixado na vi-
da daqueles que dependiam
torre norte do World Trade Center. No futuro, dos que morreram”.
promete a empresa, os lucros serão empregues no Lutnick, que perdeu um ir-
apoio às viúvas e aos órfãos mão e só escapou com vida ele
próprio porque nessa manhã
decidiu levar a filho à escola,
Do nosso enviado ADELINO GOMES, em Nova Iorque para o primeiro dia de aulas,
tem fama de duro e insensível.
Numa mensagem que enviou
No salão nobre do luxuoso Ho- “Temos de preencher aos empregados, transcreveu
tel Plaza, construído há um o vazio” um extracto do poema de Hen-
século em estilo renascentista O embate do primeiro avião ry Scott-Holland manifestan-
junto da entrada sul do Cen- contra a torre matou todos os do a fé numa vida melhor para
tral Park, não resta mais espa- que se encontravam naquela além da morte - “A morte não
ço para as mensagens de sau- manhã na torre - 700 (entre significa absolutamente nada.
dade, os convites para vigílias os quais oito dos seus 15 mais Apenas que deslizámos para
e orações, os anúncios do local altos responsáveis). O correc- a sala ao lado”.
e data dos novos serviços fú- tor António Rocha, de 34 anos, Desde aquele dia, porém, é
nebres. Primeiro nas instala- natural de Vila Verde no Dis- traído pela comoção sempre
ções de outra unidade de lu- trito da Guarda e a viver nos que fala em público dos 1400
xo situada a cerca de cem me- Estados Unidos desde 1970, orfãos deixados pelos mortos.
tros, na 5ª Avenida, o Hotel encontra-se também entre as Normal segundo os psicólo-
Pierre, mas que tiveram que vítimas. O seu funeral realiza- gos, um sentimento de culpa
ser abandonadas porque al- se hoje para a cidade de Kear- cresce entre os sobreviventes.
guém as alugara previamente ney, após uma missa de corpo Como Lutnick, outros execu-
para uma festa de casamento, presente na catedral de Newa- tivos do topo da firma sal- refugiam-se em declarações
e agora no Plaza, a firma Can- rk. Segundo os números on- varam a vida por terem che- A FRASE vagas de Lutnick quando o
tor Fitzgerald oferece desde a tem divulgados oficialmente, gado mais tarde naquele dia PÚBLICO pretende saber se
primeira hora aos familiares a empresa dispóe agora ape- ao escritório. Gary Lambert, “A morte não significa absolutamente nada. a Cantor corre o risco de ban-
e amigos dos seus empregados nas de 270 funcionários em cunhado de Lutnick, deam- carrota. O tempo é de avaliar
desaparecidos nos ataques ter- Nova Iorque. São os que, na bula pelos salões do Centro de Apenas que deslizámos para a sala ao lado” o impacto das perdas na em-
roristas de 11 de Setembro um fatídica manhã, tinham en- Apoio com um emblema em presa e de “redefinir” objecti-
Centro de Apoio que centrali- contros de trabalho fora da que escreveu: “Procuro todos Extracto de um poema de HENRY SCOTT-HOLLAND, enviado como vos e programa, dizem.
za toda a informação disponí- torre, se encontravam de fé- os que amei”. mensagem aos colaboradores pelo presidente da Cantor Fitzgerald Perdidas em definitivo as es-
vel e por onde passaram, até rias, de baixa, ou se tinham peranças de encontrar sobre-
ontem, centenas de pessoas ca- atrasado. Milagres de arreganho e viventes entre os 700 desapare-
rentes de apoio psicológico. A tragédia do World Trade determinação cidos, a empresa desmantelou
O grupo Cantor Fitzgerald, Center provocou a morte de Lambert, que é solteiro, acha gar um ano de seguro de do- As operações da eSpeed — esta terça-feira o Centro de
especializado em corretagem mais de cinco mil pessoas, a que devia ter estado “lá em ença a cada família. cujas acções já tinham desci- Apoio no Plaza Hotel. Todos os
e comércio electrónico e que perda de biliões de dólares e cima”, onde os seus colegas Inteiramente sintonizados do 45 por cento, desde o iní- esforços se dirigem agora para
conta com cerca de dois mil abriu uma crise financeira e morreram. Muitos deles ti- com Lutnick, os seus traba- cio do ano — foram suspensas um programa especial da Fun-
empregados em três conti- económica cujas consequên- nham mulher e filhos. Ele não lhadores protagonizaram “um “temporariamente”, a pedi- dação da Cantor Fitzgerald,
nentes, possuía escritórios cias se começam já a esten- tem, e não se perdoa pelos que dos maiores milagres” do ar- do do Howard Lutnick. Ape- cujo primeiro milhão de dóla-
em quatro andares da torre der muito para lá da saúde sofrem o que o acaso o poupou reganho e determinação que sar de dispor um escritório res foi doado pelo próprio pre-
norte do World Trade Center. das empresas da área, onde de sofrer . invadem por estes dias Wall de apoio e substituição a 35 sidente do grupo, Howard Lut-
Localizados na parte mais al- trabalhavam cerca de 400 mil A seguradora do grupo ga- Street, de que, no dizer de um quilómetros de Nova Iorque, nick. As viúvas e os 1400 orfãos
ta - pisos 101, 103, 104 e 105 - os pessoas. rante, verbalmente, que con- analista, a Cantor “é um dos criado por precaução após o dos homens e mulheres mortos
escritórios mobilizavam dia- Proporcionalmente, po- sidera os falecimentos como pilares”. Dois dias depois da primeiro atentado terrorista, no World Trade Center cons-
riamente o trabalho de cerca rém, a dimensão do desastre “morte acidental”, o que im- tragédia, os sobreviventes en- em 1993, ao World Trade Cen- tituem, desde o dia 11 passa-
de mil funcionários das sedes que atingiu a Cantor Fitzge- plicará, a ser cumprido, o pa- contravam-se nos seus postos ter, o grupo decidiu transfe- do, a única razão que mantém
em Nova Iorque das três com- rald não tem paralelo em ne- gamento de 100 mil dólares quando recomeçaram as tran- rir a execução das principais Lutnick no mundo dos negó-
panhias do grupo - a empresa nhuma das empresas de Wall por cada pessoa, o dobro do sacções de obrigações do Te- transacções para Londres, on- cios. “Ajudar as 700 famílias.
mãe, Cantor Fitzgerald L.P., Street. “Toda a gente que eu seguro contratado. Lutnick souro, um dos ramos de negó- de funcionam os segundos 700 famílias. Tenho 700 famí-
e as associadas eSpeed Inc. e conhecia estava naquele edi- promete por seu lado ir fazer cio em que o grupo é líder nos maiores escritórios da empre- lias”, disse à ABC News, por
TradeSpark, L.P. fício”, diz Lee Amaitis, direc- “todos os possíveis” para pa- EUA e na Europa. sa. Cautelosos, os porta-vozes entre lágrimas.
6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 19 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
Os 12 minutos que
car, e derrotar, a ameaça terrorista. O CONSELHO
Aconteceu a Bush o mesmo que a DE GUERRA
Woodrow Wilson e a Franklin Roo-
sevelt. Ambos começaram por ser
presidentes vocacionados para pro- DICK CHENEY
Q U E M A P O I A E Q U E M N Ã O A P O I A A R E TA L I A Ç Ã O A M E R I C A N A
Blair tenta remendar O Presidente dos EUA, George W. Bush, ajuda, mas sem especificar. recebeu qualquer pedido formal.
está a tentar reunir uma “ampla coliga- Autoridade Palestiniana: Yasser Turquia: Disse-se pronta a apoiar
coligação de Bush ção” para apoiar uma retaliação militar
pelo ataque terrorista a Washington e
Nova Iorque. Eis uma lista das respostas
Arafat ofereceu os seus préstimos aos
EUA, nomeadamente a convencer
países árabes a juntar-se à coligação;
Washington, mas não é claro qual
será o seu papel.
Uzebequistão: Vizinho do Afeganistão,
O primeiro-ministro do Reino contactos — hoje fala com de alguns dos principais países à pers- mas alguns palestinianos festejaram diz-se disposto a dialogar com os
Unido, Tony Blair, prosseguiu o chanceler alemão, Gerhard pectiva de uma retaliação americana. nas ruas o ataque à América. EUA, mas não ofereceu
ontem uma maratona diplo- Schroeder, amanhã com Chi- Bangladesh: País muçulmano com 127 explicitamente o uso das suas bases.
mática no sentido de reunir rac. Nas últimas 24 horas, se- milhões de pessoas, ofereceu o seu
consenso junto dos aliados dos gundo a AFP, encontrou-se
APOIO FORTE apoio aos EUA; ontem, fontes
EUA quanto à operação de re- com o chefe de Governo italia- OU ESPECÍFICO norte-americanas disseram estar à NEUTRAIS
taliação contra os responsáveis no, Silvio Berlusconi, e falou ao espera de uma resposta do Governo
pelo ataque terrorista a Nova telefone com os presidentes do Bélgica: o ministro dos Negócios interino de Daca sobre o eventual uso Irão: Teerão condenou o ataque
Iorque e Washington da sema- Paquistão, da China e do Irão. Estrangeiros, Henri Michel, disse que do espaço aéreo e marítimo. terrorista, mas avisou que punir o seu
na passada. Blair, que é ama- Como é tradicional na “rela- enviará tropas para cooperar numa Emirados Árabes Unidos: Um dos três vizinho Afeganistão pode conduzir a
nhã recebido pelo Presidente ção especial” entre EUA e Rei- retaliação militar dos EUA. países que reconhecem os taliban uma catástrofe humanitária.
George W. Bush, procurou sen- no Unido, Blair tem sido o alia- Índia: ofereceu aos EUA o uso de prometeu rever os seus laços aos ONU: O Conselho de Segurança
sibilizar os seus parceiros eu- do mais próximo de George W. todas as bases e instalações taliban e ajudar “no que seja possível”. expressou a sua “disposição a tomar
ropeus e também países islâ- Bush, esperando simultanea- necessárias; no entanto, segundo França: O Presidente Jacques Chirac todos os passos para responder a
micos para a “necessidade de mente evitar uma acção mili- diplomatas americanos, Washington diz que a França “apoia ataques terroristas”, o que fica aquém
agir contra o terrorismo de tar desproporcionada de Wa- não deverá precisar das bases totalmente”, mas o de uma autorização formal para uma
massas”. Previa-se que ontem, shington e reunir o apoio para indianas. primeiro-ministro Lionel retaliação militar.
depois da hora de fecho desta a tal “ampla coligação” deseja- Israel: fontes americana dizem que Jospin remete a
edição, o Presidente francês, da pelos EUA. Israel fornece informações participação francesa
Jacques Chirac, fosse o primei- A França, como também é confidenciais vitais sobre militantes para uma decisão do Parlamento CONTRA
ro estadista estrangeiro a ser tradicional, é menos entusi- islamistas; o secretário de Estado dos nacional.
recebido depois do ataque pelo ástica. Chirac declarou que a EUA, Colin Powell, diz que Washington Indonésia: Megawati Sukarnoputri, China: Dispõe-se a colaborar com
seu homólogo americano. França “apoiará totalmente” não encontra um papel para Israel Presidente do mais populoso país Washington no combate ao
Segundo Andrew Brookes, uma retaliação dos EUA contra numa retaliação militar. muçulmano do mundo, ofereceu ajuda terrorismo, mas diz que uma
analista do Instituto Interna- a “loucura assassina” do ata- Kuwait: Libertado em 1991 da aos EUA, sem especificar. retaliação militar “só agravará a
cional de Estudos Estratégicos que. Mas o primeiro-ministro, ocupação iraquiana por uma aliança NATO: Invocou o seu artigo nº5, que violência”.
citado pela CNN, os EUA “não Lionel Jospin, disse que Paris liderada pelos EUA, ofereceu total assegura a defesa mútua entre Egipto: Aliado-chave dos EUA no
precisam de uma força militar não irá integrar-se em eventu- cooperação. Estados-membros, pela primeira vez Médio Oriente, o Presidente Hosni
maciça” para levar a cabo uma ais acções militares “sem que o Reino Unido: O mais próximo aliado na sua história; mas vários membros Mubarak disse que ainda é muito
retaliação, mas vão necessitar Parlamento [francês] seja ple- dos EUA, prometeu pela manifestaram reservas. cedo para falar numa aliança contra o
de “um apoio político inter- namente consultado”. Posição voz do seu primeiro- Paquistão: Reconhece e é o principal terrorismo e que Washington deve
nacional maciço”. A cimeira semelhante foi assumida pela ministro, Tony Blair, ficar apoio do governo taliban no pensar duas vezes antes de tomar
extraordinária da União Eu- Alemanha. O ministro da De- “lado a lado” de Bush; Afeganistão, mas ofereceu acções que possam matar civis.
ropeia da próxima sexta-feira fesa alemão, Rudolf Scharping, Blair está a tentar cooperação total aos EUA. Iraque: Alvo possível, juntamente com
ajudará a concertar posições, havia admitido na segunda-fei- convencer os Estados europeus mais Rússia: O Presidente Vladimir Putin o Afeganistão, o regime
tal como os encontros bilate- ra que Berlim poderá partici- relutantes a cooperar. ofereceu o seu apoio, mas de Saddam Hussein
rais de Blair e Chirac com par numa resposta militar, mas insiste numa investigação acusa os próprios EUA
Bush. Mas a “coligação ampla” o seu colega dos Negócios Es- prévia; Moscovo deverá de terrorismo e afirma
não se pode ficar apenas pelos trangeiros, Joschka Fischer, APOIO LIMITADO OU VAGO colaborar, mas não de que o ataque da semana
tradicionais aliados dos EUA. recordou que é primeiro neces- forma militar. passada foi perpetrado por
O primeiro-ministro britâ- sária uma aprovação do Parla- Arábia Saudita: O rei Fahd, cujo país Tajiquistão: Vizinho do Afeganistão, dissidentes americanos.
nico tem-se multiplicado em mento. P.R. reconhece o regime taliban, ofereceu ofereceu ajuda mas diz que não REUTERS
8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 19 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS -Força Delta: unidade de contraterroris- -160ºSOAR: O Special Operations Avia- -75º regimento de Rangers: Força de Aquartelados em San Diego (Califórnia)
Coordenadas a partir do Comando mo secreta do Exército, cujos elementos tion Regiment (Regimento de Aviação pa- vanguarda de elite do Exército, infantaria e Norfolk (Virginia)
Central de Operações Especiais vêm sobretudo dos Boinas Verdes e dos ra Operações Especiais), também conhe- de assalto considerada capaz de se -Boinas Verdes: Termo genérico para
dos EUA, na base aérea de MacDill, Rangers. A sua especialidade é o resga- cido como os “Nightstalkers” (“caçado- colocar em qualquer parte do mundo forças especiais do Exército. A maior
em Tampa (Florida), boa parte delas te de reféns e outras operações antiter- res da noite”), faz missões nocturnas de em apenas 18 horas a partir da sua base parte deles está aquartelada em Fort
já estão colocadas no Golfo Pérsico, roristas. Julga-se serem apenas2500, helicóptero até território inimigo para aí em Fort Benning (Georgia). Bragg, na Carolina do Norte.
para a protecção dos interesses aquartelados num canto remoto da base colocar forças especiais. Aquartelado -Navy SEALs: Comandos de mar, ar e 82ª brigada aerotransportada: força
económicos americanos na região. de Fort Bragg, na Carolina do Norte. em Fort Campbell (Kentucky) e no aeró- terra (Sea, Air, Land — SEAL) especiali- de reacção rápida aquartelada em
dromo de Hunter (Georgia). zados em assaltos marítimos. Fort Bragg, na Carolina do Norte.
Se a operação de retaliação dos Estados Unidos contra os militar dos EUA em Tampa, na Florida. De acordo com o célula antiterrorismo. Peritos militares citados pelo
autores do ataque a Nova Iorque e Washington tiver por diário britânico “The Guardian”, é esta estrutura que tem “Guardian” afirmam que os norte-americanos já começa-
alvo o Afeganistão, ela será coordenada pelo general a seu cargo a coordenação das operações militares dos ram a colocar tropas em duas esquadras na região e nas
Tommy Franks, a partir do comando central (Centrecom) EUA no Médio Oriente, além de contar com a sua própria suas bases na Arábia Saudita e na Turquia.
Osama é terno
e vê as horas O QUE É E NÃO É “JIHAD”
Os taliban que governam o Afeganistão declararam formalmente “jihad” aos Estados Unidos
num Rolex depois das ameaças de retaliação pelos devastadores ataques em Nova Iorque e Washington
atribuídos ao “hóspede” de Cabul Osama bin Laden. Mas o que significa “jihad”?
Mohammad Omar Bakri, porta-voz em Londres EPA
1. OS ATENTADOS
Acha que este ataque deve ser
considerado como um verdadeiro Acha que ataques como estes poderiam Acha que os verdadeiros responsáveis Até agora, como acha que o governo
"acto de guerra" ou como um atentado ter sido mais bem prevenidos, ou que se por este ataque virão alguma vez americano tem lidado com a situação?
terrorista como já houve outros? fez tudo o que era humanamente possível? a ser capturados?
Ns/Nr Muito bem
Ns/Nr - 8,8% Ns/Nr - 13,6% Poderiam Ns/Nr - 19,4% 11,8% 7,6%
Muito Mal
Um atentado ter sido
terrorista mais bem 1,9%
como outros prevenidos Sim Mal Bem
63,4% 49,2% 44,9% 4,9% 43,6%
Fez-se tudo
o que era Não
Um verdadeiro humanamente 35,7%
acto de guerra possível Assim-assim
27,7% 37,1% 30,2%
N
inguém esperava que os por- sentem para abraçar esta causa como
tugueses respondessem como uma batalha civilizacional. E o povo por-
os britânicos, mas a sonda- tuguês, que da Europa ainda recente-
gem que a Universidade Ca- mente ambicionava pouco mais do que
FICHA TÉCNICA tólica realizou nestes dias para o PÚ- confortáveis subsídios (de preferência a
BLICO, a Antena 1 e a RTP — e que hoje fundo perdido), ainda não encara a Euro-
Esta sondagem foi realizada divulgamos — revela um povo cauteloso pa — essa Europa que aos Estados Uni-
pelo Centro de Sondagens e Es- e sobretudo pouco empenhado em pactos dos diz agora sim, categórica, caso seja
tudos de Opinião da Universi- inequívocos com os Estados Unidos, após preciso pegar em armas — como a sua
dade Católica (CESOP) para os atentados terroristas de que foram casa comum. Talvez apenas como a dona
o PÚBLICO, Antena 1 e RTP, alvo. E isto não terá nada a ver com a de uma mansão na qual lhe coube uma
entre os dias 15 e 17 de Setem- solidariedade com as vítimas. Para isso, assoalhada, certamente digna, mas pe-
bro de 2001. O universo alvo os portugueses parecem sempre estar de quena. Ao surgir nesta sondagem com
é composto pelos indivíduos braços abertos. Como se viu quando se uma posição idêntica à dos austríacos
com mais de 18 anos residen- tratou de receber crianças bósnias ou (também na Áustria, como cá, só 48 por
tes em Portugal continental adultos (muitos) do Leste na sequência cento são favoráveis à participação dos
em habitações com telefone. da guerra da Jugoslávia (em contraste exércitos nacionais num eventual con-
Os números de telefone foram com o menor empenho ou até desconfian- flito armado), os portugueses confirmam
escolhidos aleatoriamente das ça em para lá enviar soldados); ou com a sua faceta não-belicista (a herança de
listas telefónicas nacionais, Timor, onde a situação desesperada de Salazar também aí estará presente) mas
e em cada habitação foi inqui- um povo mártir levantou entre a opinião também um afastamento em relação aos
rida a próxima pessoa a fazer pública portuguesa a maior onda de soli- povos europeus para quem o fantasma da
Menos de 49 por cento dos portugueses anos. Obtiveram-se 916 inqué- dariedade efectiva de que há memória. guerra só se exorciza de armas em pu-
ritos válidos, o que correspon- Simplesmente, uma coisa é sentir a nho. No momento das grandes decisões,
aceitam a participação de tropas nacionais de a uma taxa de resposta de dor dos outros como sua e de seguida é provável que Portugal conte pouco ou
numa retaliação, enquanto em Itália esse 61,3 por cento. 52,5 por cento abrir os braços; e outra é, devido a essa nada. Mas por vezes as intenções pesam
valor atinge os 88 pontos percentuais. dos inquiridos eram do sexo dor, ter força para engrossar exércitos mais do que as armas. A nossa, a julgar
Também em França os números são mais feminino e a margem de erro punitivos. Se em países que ao longo dos por estes dados, será ter ainda mais pena.
máximo da amostra é de 3,24 anos têm sido vítimas directas de ou- E assistir ao resto pela televisão.
elevados, atingindo os 68 por cento por cento, com um nível de
confiança de 95 por cento.
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PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 19 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
HAVIA MAIS
“Há por aí muitos Bin Ladens” AVIÕES NA LISTA
DAVID CLIFFORD DOS ATENTADOS
AEROPORTO DE LISBOA
EM ALERTA 3 FBI detectou alegados
piratas do ar noutros
Restrições de voos do dia 11, que
segurança criam filas acabaram por ser
de espera na zona das cancelados
partidas. Não se sabe
LINA FERREIRA
quando será levantado
o estado de alerta A manhã do dia 11 poderia ter
sido muito mais negra para
CATARINA GOMES os americanos. O FBI descon-
fia que estavam preparados
É despedir e andar. O pedaço outros atentados. Nos Estados
de passeio à entrada da zona Unidos, a polícia federal (FBI)
de partidas do aeroporto de está a centralizar a investiga-
Lisboa povoou-se de apressa- ção nesta hipótese, mas a “ca-
dos beijos e abraços. Depois ça ao homem” já se estende
dos atentados nos Estados por quatro continentes
Unidos, a situação é de aler- O FBI está a investigar pes-
ta 3 e é proibida a entrada a soas que estavam a bordo de
não passageiros. Por essa ra- outros voos no dia dos aten-
zão, avolumam-se as filas de tados. Outro grupo de terro-
passageiros à porta e a sala ristas teria comprado bilhetes
de espera é agora em pé e ao para um voo transcontinental,
ar livre. com partida em Boston, reve-
Diamantino Moreira e lou ao “Chicago Tribune” um
António Abreu, dois refor- agente sob anonimato. O voo
mados, esperam no exterior acabou por ser cancelado de-
das partidas que os familia- vido a um problema mecânico.
res, de partida para a África Nenhum destes passageiros
do Sul, cheguem ao aeropor- procurou novos voos quando
to para se poderem despedir as ligações aéreas americanas
deles. No aeroporto de Lisboa é agora proibida a entrada a não passageiros foram restabelecidas, no final
Poucos minutos depois de da semana passada.
terem chegado, gabam as “Estavam outros ataques em
restrições de segurança: “Já tudo muito fácil, têm que é que ver se montam uma tradas, as filas e a espera tive em França na semana preparação. Mas, os voos em
deveriam existir há muito controlar em condições”, diz casa de banho no exterior e vão-se alongando. Paulo Ro- passada e não é assim. Os causa foram cancelados”, afir-
tempo. Um pouco mais de ri- António. “É preciso estar de já agora um barzinho, por- drigues, que vai viajar daí a acompanhantes vão até ao mou Peter Crooks, especialis-
gor não faz mal a ninguém”, olho”, concorda o amigo. Pa- que tanto tempo em pé não pouco, acha que as modifi- local do ‘check-in’.” ta do FBI. Segundo a AFP, o
comenta António. Como di- ra António Abreu, a partir se aguenta sem um cafezi- cações têm a ver com a ima- O aeroporto de Lisboa está FBI está a interrogar cinco es-
zia alguém durante o fim- de agora aquelas limitações nho. Já não tão inflexível, gem. Por todo o aeroporto em estado de alerta 3, com trangeiros que poderiam estar
de-semana, relembra Dia- devem manter-se, sempre. E Diamantino sempre vai di- encontram-se membros do os passageiros a serem con- a preparar ataques semelhan-
mantino Moreira, “há por se fosse Inverno e choves- zendo que “sofre quem não Corpo de Intervenção da Po- trolados de uma forma mi- tes. Já na segunda-feira se des-
aí muitos Bin Ladens”. Se a se? “Qual era o problema?” tem culpa”. lícia de Segurança Pública. nuciosa e o estacionamento confiava que cúmplices de bom-
frase parece que se aplicava desdramatiza, não estão eles Ao lado, três cidadãos do Seja a segurança efectiva condicionado no perímetro bistas permaneciam no país.
a árbitros e jornalistas, os debaixo de um telheiro com Bangladesh esperam tam- ou não, as medidas “servem das aerogares. No aeroporto Se a investigação nos EUA
dois reformados concordam uma largura considerável? bém, mas por outra razão. O para as pessoas acalmarem de Lisboa, é possível a entra- é gigantesca — o FBI quer ou-
que, de há 25 anos para cá, O colega lembra que a chuva colega pediu-lhes 30 minu- um pouco”. Mas duvida que da de não passageiros nas vir 200 testemunhas —, ela es-
“a gente má” tem vindo a au- cai de través e que a meia ho- tos para ver se consegue em- se evite alguma coisa. Afi- chegadas, mas está proibida tende-se agora também a ou-
mentar e “a boa” a diminuir. ra passada ali não seria as- barcar com toda a carga de nal, os Estados Unidos, com a circulação interior para tros continentes. Em Macau a
“Eu sei lá se não estão infil- sim tão seca. O que interessa champô com que quer pre- todos os seus esquemas de as partidas. Neste local, ca- polícia tem uma lista de três
trados em Portugal à espe- é a segurança, mantenham- sentear as mulheres da fa- segurança, nada puderam da companhia aérea tem cá indivíduos considerados sus-
ra de fazer uma avaria”, diz se as restrições, sublinha o mília. Estão de plantão para fazer. “Se forem profissio- fora uma representante que peitos pelo FBI e sete paquis-
Diamantino. primeiro. ver se têm que levar parte nais e fizerem a coisa bem presta informações. Não se taneses foram detidos, numa
Cerca de vinte minutos de- Uma boa hora passada, o de volta. feita...” prevê quando será levanta- operação conjunta com as au-
pois, continuam a conside- paciente e securitário Antó- Mas nem os passageiros Já o casal Manuela Viei- do o estado de alerta, infor- toridades americanas.
rar que a espera não é nada, nio relembra que, a continu- passam indiferentes às al- ra e João Ferreira acha tu- mam as Relações Exteriores As buscas continuam nos
comparada com os cuidados arem as limitações (a segu- terações. Com apenas dois do “ridículo” e “exagerado”. da ANA (Aeroportos e Na- 35 países até onde os america-
que é preciso ter. “Estava rança acima de tudo), têm polícias a controlar as en- “Em Portugal, para quê? Es- vegação Aérea). I nos desconfiam estender-se a
rede de Bin Laden. No Reino
Unido, onde cinco terroristas
receberam treino de voo, “de-
JIM WATSON/AFP
Com a área à volta do World Trade Center Letterman Show”, Dan Rather, um antigo jor-
(WTC) fechada à circulação, os nova-iorquinos nalista da casa (CBS), esvaiu-se em lágrimas,
estão a reunir-se para as homenagens num ao contar pormenores do atentado. “Sei que
parque da cidade. O Union Square Park está és um óptimo jornalista, mas também és um
cheio de velas e flores em homenagem às víti- ser humano”, afirmou Letterman. O “Late
mas. Há quem deixe tributos escritos à mão. Late Show”, de Craig Kilborn, começou com
Ao visitar o local, o actor David Colbert não um monólogo com pouca graça e, para a en-
conseguiu conter as lágrimas. “Não sei quem trevista, foi escolhido um convidado pouco
é que teve a ideia de fazer esta homenagem, convencional para aquele tipo de programas:
mas está bonito...”, afirmou à televisão ABC, um especialista em assuntos internacionais.
enquanto recordava a tragédia. “Com tanta
gente morta é uma forma de ficarmos juntos,
para nos consciencializarmos da tragédia.”
UM CENTÉSIMO DE HIROSHIMA
Colbert perdeu um amigo de liceu no atentado Frank Moscatelli, um físico norte-americano
e à sua volta outras 200 pessoas na mesma si- de Swarthmore College, calculou em joules,
tuação procuravam algum conforto. Apesar da a unidade de energia do sistema internacio-
chuva miudinha que cai, continuam a chegar, nal, a força do impacto e consequente desmo-
abrigados por chapéus, muitos com a bandeira ronamento das duas torres do World Trade
norte-americana a sair dos bolsos. Center. Cem mil milhões de joules de energia
despendida explicam por que é que as torres
BRASILEIRO COM “CARA DE ÁRABE” nunca poderiam ficar de pé, explicou o físico à
BBC Online. Moscatelli usa ainda outro termo
A vida não está fácil para os árabes nos Es- de comparação — a energia é a mesma que
tados Unidos... nem para quem é parecido a despendida na detonação de 0,2 quilotone-
com os árabes. Que o diga Hermes Barbosa ladas de TNT. O impacto e desmoronamento
de Lima, um brasileiro de 23 anos, a viver em dos arranha-céus sobre si próprios equivale
Nova Iorque. Segundo o jornal “O Globo”, ainda a apenas cem vezes menos o impacto
Hermes telefonava para a família no Brasil de uma bomba atómica como a que caiu em
quando foi abordado por um grupo de jovens, Hiroshima.
que lhe chamou “árabe”. Ainda tentou gritar
que era brasileiro, mas não adiantou: come-
çaram as agressões, acabando o brasileiro
ÓPERA AIDA CANCELADA
por ficar com um braço partido. Hermes, que O Governo egípcio cancelou este ano a repre-
tinha chegado a Nova Iorque para ficar por sentação anual de “Aida”, a célebre ópera de
quatro anos, acaba de ver o seu sonho ameri- Verdi, no cenário natural das pirâmides de
cano desfeito. Vai regressar ao Brasil. Gizé, devido à situação provocada pelos san-
grentos atentados do dia 11 nos Estados Uni-
HUMORISTAS EM TOM SÉRIO dos. É a segunda vez que os organizadores
cancelam este evento anual por razões de se-
Com as televisões generalistas norte-ameri- gurança, depois de em Outubro do ano passado
canas a darem destaque total aos atentados os espectadores terem também sido privados
da semana passada, a emissão de muitos pro- de apreciar o espectáculo. A ópera “Aida”, que
gramas foi congelada. Esta semana as televi- conta a história de amor entre Radamés, chefe
sões responderam ao apelo de um regresso das tropas do faraó do Egipto, e Aida, filha do
à normalidade feito pelo “mayor” Giuliani. seu inimigo, rei da Etiópia, foi composta em
Mas mesmo os humoristas de serviço não 1871 pelo músico italiano Giuseppe Verdi, para
conseguem passar ao lado da tragédia. Por a inauguração do canal Suez, que liga o Mar
isso, em vez de convidarem estrelas do “show- Mediterrâneo ao Mar Vermelho.
1 4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 19 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
Testemunho
O mundo sem ordem
A torneira
O
dia 11 de Setembro foi considerado por mui- cuja demoníaca influência querem erradicar da face
tos analistas e responsáveis políticos como da Terra.
o dia que mudou o mundo — data mais Nenhuma religião, nenhuma nação, nenhuma co-
marcante ainda que a da queda do muro munidade humana, pode ser confundida com o grupo
Nova Iorque — 11 de Setem- de Berlim, que fez ruir a divisão do mundo em dois ou a constelação de grupos que espalharam o terror
bro de 2001, 8h30 blocos. O 11 de Setembro de 2001 não foi, porém, o na América e no mundo, por mais que dela se recla-
Em risco de atraso para a primeiro dia da nova ordem internacional, mas sim mem. É abusiva e contrária a referência que fazem
reunião das nove e meia, nada uma manifestação de extrema gravidade dos desafios ÁLVARO VASCONCELOS ao Islão, repudiada aliás pela esmagadora maioria
pior do que tentar abrir a tor- e problemas do pós-guerra fria. O que pode fazer dele dos muçulmanos. No entanto, a diversidade entre os
neira para um duche rápido um dia que mudará o mundo é a natureza da resposta grupos é enorme, tanto no que respeita aos métodos
e verificar que não funciona. dos Estados Unidos (e da comunidade internacional) de Saddam Hussein, causa privação e sofrimento à pacíficos ou violentos, como ao grau de ligação com
Depois da pronta assistência aos atentados de Nova Iorque e Washington. Essa, população —, ou no Afeganistão, onde se instalou a população e aos objectivos políticos. As correntes
de um funcionário do hotel, sim, pode moldar de forma decisiva a ordem interna- um regime teocrático que comete as maiores bar- islamistas radicais têm, regra geral, por principal
desci ao piso térreo para cional. Mas pode também contribuir para agravar os baridades sem uma oposição internacional séria e inimigo os regimes da maioria dos países árabes,
tomar o pequeno-almoço, factores de desordem internacional e de anarquia, determinada? considerados apóstatas e servis perante o Ocidente,
resmungando interiormente nomeadamente numa das regiões mais sensíveis do É evidente que a situação, que se vive nesta re- e as suas vítimas mais numerosas, como acontece na
contra o episódio da tornei- globo, o Médio Oriente e o Golfo. Tudo dependerá da gião, de conflitualidade sem saída, de imensa miséria Argélia, são civis dos seus próprios países. Grupos
ra. Completamente ensonado natureza e dos objectivos políticos da resposta, e por humana e de prolongado sofrimento de populações como o de Bin Laden, por seu lado, não têm objectivos
e estremunhado — o incon- isso a intervenção militar que se avizinha encerra inteiras, agravado pelo facto de a maioria dos regimes políticos precisos para além do combate contra os
tornável “jet lag” —, nem me todos os perigos e também alguma esperança. serem autoritários e num caso ou noutro integristas, Estados Unidos. Estes grupos, claramente minoritá-
apercebi da pequena televisão Se este foi de longe o mais grave e sangrento aten- facilitou o desenvolvimento de correntes extremistas, rios, formados na guerra do Afeganistão contra a
instalada no elevador, ouvin- tado terrorista em território americano, não deixa com ou sem apoio popular, cujo recurso a actos de União Soviética, fizeram do terrorismo a sua única
do o relato distante de uma de tipificar, num cúmulo de horror, os desafios que se terror fez já dezenas de milhares de vítimas no Norte arma e, se gozam de alguma aura mítica, têm fracas
colisão de um avião com uma colocam à segurança internacional e pôr simultane- de África e no Médio Oriente, actos de terror que se raízes populares.
das torres do World Trade amente em trágica evidência o facto de que vivemos verificaram também em menor escala na Europa Se é evidentemente necessário envolver países
Center com a indiferença de ainda num mundo sem ordem. Finda a ordem bipo- e atingiram agora, em proporções nunca vistas, os árabes e islâmicos na resposta à tragédia americana,
quem pensa tratar-se de uma lar, a predominância das potências democráticas Estados Unidos. não é menos necessário evitar legitimar uma política
ficção “made in USA”, qual no sistema internacional criou fundadas de autoritarismo e repressão contra todas
Guerra dos Mundos de Orson — mas cedo goradas — esperanças de que as forças, inclusive as democráticas, que
Welles. o mundo se regeria de então em diante por A R E S P O S TA ao hediondo crime de Nova Iorque e contestam a legitimidade de muitos regimes
Os meus dois companhei- uma ordem multilateral. A solene promes- nesses países. E não é menos preciso impedir
ros de viagem, que me aguar- sa de transformar as Nações Unidas, sob a Washington coloca-nos perante duas alternativas: ainda maior a continuação da política de Ariel Sharon,
davam com impaciência, in- égide e com particular responsabilização anarquia ou, finalmente, uma nova ordem internacional e condenar liminarmente a sua tentativa
terromperam a sua conversa, do Conselho de Segurança, no pilar da nova para utilizar a indignação mundial contra
olhando-me na expectativa de ordem internacional — feita por George AKBAR BALOCH/REUTERS o terrorismo para confundir Yasser Arafat
um comentário sobre o terrí- Bush pai na altura da guerra do Golfo — foi- com Bin Laden e destruir assim todas as
vel acontecimento (na altura, se desfazendo aos poucos. A comunidade possibilidades de criação de um Estado pa-
ainda só ocorrera o primeiro internacional, órfã da liderança da superpo- lestino viável, condição indispensável para
dos embates). Assistiram, in- tência democrática, tolerou o intolerável, que o Estado de Israel tenha paz e seguran-
crédulos, a um discurso infla- como o genocídio no Ruanda, à medida que ça. Em caso algum pode a coligação que
mado sobre a qualidade das crescia a onda de isolacionismo e unilate- os americanos estão a constituir contra o
torneiras do hotel e respecti- ralismo, de aversão pelas Nações Unidas, terrorismo servir de álibi a novos abusos
vos reflexos negativos, provo- em que cabe a maior responsabilidade ao dos direitos humanos pelas tropas russas
cando atrasos involuntários Congresso americano, de maioria republi- na Tchetchénia, por exemplo, em nome da
na comparência a reuniões cana, e diminuía a margem de manobra do luta contra o islamismo radical.
importantes e meticulosa- Presidente Clinton. A convicção de que o A resposta ao hediondo crime de Nova
mente planeadas. mundo necessitava de ser regulado, de que Iorque e Washington coloca-nos perante
De volta à insólita realida- a paz sem ordem era necessariamente pre- duas alternativas: ainda maior anarquia ou,
de, incrédulo e envergonhado cária, foi-se no entanto impondo em muitos finalmente, uma nova ordem internacional.
fiquei, quando, já fora do ho- países, e inclusive entre muitos norte-ame- Na primeira hipótese, os Estados Unidos,
tel, nos juntámos às restantes ricanos. E assistiu-se então a um impulso sem fazer as distinções referidas, assumem
pessoas que, com espanto e humanitário generalizado que permitiu, sob de uma forma que não deixa margem de ma-
angústia estampados no ros- liderança ou com forte empenho americano, nobra aos seus aliados, inclusive europeus, a
to, observavam uma das tor- travar, na Europa, a limpeza étnica na Bós- liderança de uma retaliação anti-terrorista
res em chamas ao fundo da nia e no Kosovo e, no seu seguimento, como concebida mais como um acto de reparação
avenida. Uma pequena multi- por milagre, travar o terror em Timor. de que um acto de justiça internacional e
dão aglomerou-se à volta das Foram lançadas também grandes inicia- de início de um longo processo para erra-
televisões disponíveis para tivas, com sorte variada, destinadas a fundar dicar o terrorismo, sem se empenharem
tentar perceber o que se pas- uma ordem internacional multilateral — seriamente, em paralelo, na resolução dos
sava... ali mesmo, em Manhat- desde a proibição das minas antipessoal, graves problemas do Médio Oriente. Assim
tan. Não mais se falou de tor- à tentativa de instaurar um tribunal inter- se reforçaria o isolacionismo ou a crença de-
neiras, atrasos ou reuniões. nacional para julgar crimes contra a huma- sajustada de que, numa ordem hegemónica,
Nova saída à rua para fumar nidade (TPI). Em todas essas iniciativas, os Estados Unidos estariam ao abrigo das
um cigarro. Ao fundo da ave- destinadas a criar e fazer cumprir normas consequências dos problemas mundiais. Se
nida, já não se avistava a torre comummente aceites, que fossem constran- assim for, o Mundo continuará sem ordem
em chamas... gendo prevaricadores, proliferantes, ditado- por muito tempo e da acção militar resultará
Tão perto e tão longe, tor- res, os Estados Unidos foram no mínimo o reforço do sentimento antiamericano e
na-se difícil traduzir o esta- recalcitrantes, por pressão do anterior Congresso ou A justa resposta aos atentados de Nova Iorque e um aumento da base social de apoio dos movimentos
do de espírito reinante pe- do actual Presidente. Dado o predomínio mundial Washington depara-se com a dificuldade de definir totalitários e mesmo dos grupos terroristas.
rante a situação que se vivia de que gozam em todas as frentes, o empenho dos com precisão o inimigo e fazer para isso uma série de A outra alternativa é combinar a firmeza inteli-
a uns quarteirões de distân- Estados Unidos é indispensável para que uma ordem complexas distinções. A grande distinção a operar gente contra o terrorismo, que pode incluir acções
cia, misturando-se a perple- mundial multilateral venha um dia a imperar, e a sua é evidentemente entre grupos terroristas e mundo militares, no apoio sério à luta armada contra os
xidade com o choque, a tris- falta fragiliza todas as iniciativas nesse sentido. E se árabe e islâmico, mas outras há: distinção entre is- Taliban, com medidas políticas (apoio às reformas
teza com a revolta, o pasmo não existe por ora ordem multilateral, também não lamismo político mais ou menos radical e grupos democráticas, designadamente), económicas (maior
com a adrenalina de pre- existe ordem hegemónica, benigna ou não, dos Esta- terroristas como o de Ossama Bin Laden; distinção abertura dos mercados) e sociais (combate à pobreza,
senciar tal enormidade, de dos Unidos. A ordem tem sido construída, e ocasio- entre movimentos de oposição reclamando-se ou não maior abertura à imigração) para debelar os graves
consequências incomensu- nalmente imposta, apenas ou quase exclusivamente do islamismo político, que legitimamente se opõem problemas da região em consequência dos quais se
ráveis. na Europa. a governos autoritários, e grupos totalitários que gera a insegurança, e fazê-lo numa perspectiva que
Será que, de futuro, deve- O Norte de África, o Médio Oriente e o Golfo são recorrem ao terror contra as populações civis. permita um reforço do multilateralismo. Esta orien-
mos admitir como provável regiões particularmente afectadas pela falta de ini- O que os movimentos islamistas radicais têm de tação significa um empenhamento em conjunto com a
a ocorrência de situações tão ciativa e de ordem internacional. É verdade que Clin- característico é uma mesma ideologia política, o Europa, e não a solo, dos Estados Unidos na resolução
absurdas, violentas e cruéis, ton tentou em vão resolver o conflito do Médio Orien- totalitarismo identitário, que considera os valores da crise israelo-palestina, “internacionalizando” de-
de total desprezo pela vida hu- te. Com Bush, o deliberado alheamento americano universais e a cultura ocidental uma terrível ameaça cididamente a resolução do conflito. Significa também
mana? deixou o conflito entre Israel e a Palestina escalar à preservação da civilização de que se reclamam, que considerar que todas as vítimas do terror, americanas,
Há uns bons anos, nas li- perigosamente, fazendo assim pender a balança, como há que extirpar por todos os meios. Este extremismo argelinas, israelitas, palestinas, ou quaisquer outras,
ções de direito penal, alerta- sempre acontece, para o lado do mais forte. E que dizer identitário é em tudo semelhante ao de Milosevic, merecem a mesma solidariedade. Apesar do discurso
ram-me para o facto de que da Argélia, onde a orgia de violência fez perto de cem por exemplo, e aparentado com a extrema direita que Colin Powell tem vindo a fazer neste sentido,
“a realidade é sempre mais mil mortos, e do lento genocídio em curso no Sudão, europeia, que vê nos imigrantes uma ameaça à iden- esta não é, infelizmente, a mais provável resposta à
fértil do que a imaginação dos em que a cifra macabra se aproxima dos dois milhões? tidade. Se os Estados Unidos impusessem aos aliados, tragédia de Nova Iorque, a mais cosmopolita cidade
homens”. Ou de outros problemas graves que permanecem por designadamente à Europa, uma aliança do “Ociden- do Mundo, mas é certamente a que as suas vítimas,
Mas pode alguém estar pre- resolver, seja no Iraque — onde americanos e ingleses te” contra os outros, especialmente o mundo islâmico, de todas as nacionalidades e crenças, merecem como
parado para isto? PEDRO prolongam por mais de uma década uma política confortariam plenamente os autores dos atentados homenagem. Director do Instituto de Estudos Estraté-
DORDIO, ADVOGADO de sanções e retaliações que, sem beliscar o regime terroristas, para quem de facto o Ocidente é o inimigo gicos e Internacionais (IEEI)
1 6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 19 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
Ganhar a paz
s primeiras re- o único verdadeiro líder
A acções ao ataque
terrorista aos Es-
tados Unidos cen-
traram-se numa primeira
fase na condenação do ac-
político americano — foi
claro numa das suas con-
ferências de imprensa: a
luta contra o terrorismo
não se pode ganhar apenas
to, na manifestação de so- no campo militar. Tem de
lidariedade e na oferta de JOSÉ VÍTOR MALHEIROS se combater também com
ajuda nas operações de so- medidas políticas, diplomá-
corro e na procura dos responsáveis. Após ticas, financeiras e económicas.
o choque inicial, os comentários começa- O terrorismo não é um crime que se possa
ram a abordar o fenómeno de uma pers- tolerar. O terrorismo não é um tipo de
pectiva analítica, examinando as suas ra- crime com que uma sociedade possa viver.
zões políticas e as consequências possíveis O que significa que, no caso do terrorismo,
das várias respostas. não basta parar o criminoso, é preciso
É preocupante verificar que alguns co- acabar com o crime.
mentadores políticos profissionais — tal O ataque terrorista aos EUA não é um
como muitos cidadãos anónimos nos fó- caso de polícia; é um caso de política. E
runs de discussão que se criaram pela tem de se combater com uma estratégia
Portugal tem que estar Internet (ver, a título de exemplo, http:// política e com medidas políticas, em todas
foruns.publico.pt ) — começaram a consi- as frentes enunciadas por Powell, a nível
derar a dada altura a mínima referência nacional, regional e global. Combatendo
às “causas” ou “razões” do terrorismo os terroristas directamente mas também
preparado para represálias como uma justificação ou uma pretensão as razões do ódio, a iniquidade, a duplici-
de branqueamento do terrorismo. Esta dade de critérios da política internacional,
posição constitui em si uma operação de a miséria. Atacando a hidra e as suas se-
terrorismo intelectual pois pretende inti- mentes. É claro que os passos imediatos
Ex-CEME comenta gurança e defesa na viragem bou por recuar à última hora. midar e impor o silêncio. Dizer a alguém têm de ser a identificação dos responsá-
eventual participação do milénio”, em que o general Assim que usou da palavra, que tenta compreender as causas do ter- veis por este ataque, a sua detenção e a
do Exército voltou a criticar Loureiro dos Santos explicou rorismo que essa atitude está na raiz da destruição das suas bases, mas enquanto
em ofensiva militar o poder político. Questionado que Sampaio o mandou cha- existência do próprio fenómeno, que aque- for apenas a cavalaria a ganhar a batalha
pelos jornalistas sobre se Por- mar na segunda-feira para di- les que o tentam compreender são seus nada estará ganho.
O ex-chefe do Estado-Maior do tugal tem condições para par- zer-lhe que afinal não iria ao aliados — “aliados objectivos”, é claro — é O ataque aos EUA não foi fruto da decisão
Exército (CEME), general Lou- ticipar numa ofensiva militar lançamento do livro por “ra- uma táctica conhecida mas intolerável. de um tipo louco ou de uma quadrilha
reiro dos Santos, alertou ontem ao lado dos EUA, Loureiro dos zões políticas”. Devido às crí- Podemos dizer que o terrorismo é “irracio- de malfeitores, não foi fruto do desejo de
para a necessidade de Portugal Santos afirmou que o país “tem ticas ao poder político, leia- nal” — além de desumano ganhos pessoais ou de um
estar preparado para represá- muito poucas condições, como se, Governo, contidas na obra, e ignóbil — porque não ser- ataque de loucura absolu-
lias se se envolver numa opera- resultado da política desastro- o Presidente alegou querer ve os interesses que os seus O ataque aos EUA não tamente imprevisível. Há
ção militar de retaliação contra sa sistematicamente efectuada “preservar a imagem de inde- agentes pretendem defen- milhares de indivíduos dis-
os autores dos atentados que sobre a Defesa”. pendência”. O ex-CEME acres- der. Mas isso não significa foi fruto da decisão de postos a morrer para cas-
atingiram os EUA. O Presidente da República, centou que Sampaio, ainda que ele não possua razões um tipo louco, de uma tigar os EUA (e outros pa-
O aviso foi deixado no lança- Jorge Sampaio, que confirmou assim, tinha elogiado o seu e causas. E compreendê-las quadrilha ou de um íses) pelo sofrimento que
mento, em Lisboa, do livro “Se- a presença na cerimónia, aca- trabalho. HELENA PEREIRA permite-nos combatê-las de a sua política lhes causa e
forma a prevenir suas mani- ataque de loucura milhões dispostos a ajudá-
festações. É preciso compre- imprevisível. Há los mais ou menos activa-
ender para poder prevenir. milhares de indivíduos mente. Ainda que se tratas-
Não é possível deixar de se apenas de um puro “erro
nos perguntarmos porque
dispostos a morrer de percepção” da sua parte
é que tantos no mundo para castigar os EUA (e e não houvesse na política
odeiam tanto os Estados outros países) pelo americana e ocidental em
Unidos. E não é possível fa- sofrimento que a sua geral nada que pudesse jus-
zer esta pergunta sem ten- tificar um tal sentimento,
tar analisar aquilo que po- política lhes causa e tratar-se-ia na mesma de
de e deve ser alterado no milhões dispostos a uma questão de âmbito po-
mundo. Não é possível dei- ajudá-los mais ou lítico. Imaginar que uma
xar de nos perguntarmos expedição punitiva pode re-
porque é que um monstro menos activamente solver o problema é uma
como Bin Laden tem um fantasia de Hollywood.
apoio tão imenso, porque é Mesmo um campo tão dis-
que tantos o consideram um herói e um tante da abordagem bélica como o financei-
santo, porque é que tantos estão dispostos ro se pode revelar de uma eficácia surpre-
a morrer às suas ordens. endente. Desde o Watergate que sabemos
Pintar o terrorismo como o Mal que ataca que uma das regras de qualquer investiga-
o Bem, representado pela bandeira ame- ção é “Follow the money”. Todos os perfis
ricana, é um maniqueísmo que não leva de Osama bin Laden o definem como um
a lado algum. A demonização do inimigo “multimilionário saudita”, ainda que não
permite uma maior margem de manobra se saiba bem se a sua fortuna está hoje nos
durante a batalha, mas não é ela que per- 200 ou nos 300 milhões de dólares. Mas
mite ganhar a guerra. este dinheiro, que serve para alimentar
Tentar compreender as razões do ódio não operações terroristas, não está certamente
significa tolerá-lo. É importante do ponto debaixo da enxerga de bin Laden. Exis-
de vista puramente militar — é importante tem aliás informações segundo as quais o
conhecer o inimigo — mas é também im- saudita terá feito um belo lucro, “selling
portante do ponto de vista político, porque short”, na semana antes do atentado, ac-
é função da política evitar a guerra. É ções das empresas que desceram depois. Ou
importante por razões práticas: porque é seja: pondo provavelmente a Bolsa de Nova
preciso prevenir novos ataques. Iorque a financiar os próximos ataques.
Não pode haver hesitação na luta contra o A vaga de patriotismo primário que está
terrorismo. Essa luta terá provavelmente actualmente a varrer os Estados Unidos é
de envolver acções militares e tem riscos compreensível mas é preocupante, por ser
(baixas, retaliações). Mas pretender que contrária a qualquer forma de reflexão,
a luta contra o terrorismo exige apenas a por confortar os americanos na sua etno-
determinação de lançar a cavalaria quan- cêntrica auto-estima, por justificar a sua
do os cartazes de “Procura-se - Vivo ou agressividade passada e futura, por assentar
Morto” não funcionam, como pensa o xe- na ideia de que apenas a irracionalidade
rife George W. Bush, é de uma enorme justifica os ataques de que são alvo porque a
ingenuidade. Que isso é ingénuo sabemo-lo América representa o Bem, por transmitir
hoje de fonte segura: provam-no as torres a ideia de que tudo o que há a fazer é apenas
do World Trade Center. Por muitas ban- capturar uns bandidos — duros de roer, mas
deiras que se acenem e por muitos “God apenas bandidos. Ora o que é necessário
save America” que se cantem. ganhar não é apenas a guerra: é principal-
Colin Powell — que começa a surgir como mente a paz.
D E S TA Q U E 1 9
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 19 SET 2001
INQUÉRITO
Tentar perceber
Ambiguidadesalando aos seus concidadãos desproporcionados (ou mesmo inaceitá-
ALFREDO BARROSO
QUI20SET
EDIÇÃO LISBOA
20 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4203
140$00 • €0,70 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico.pt www.publico.pt
TARIK TINAZAY/EPA
CRISE
EM MARCHA P29
TELEMEDICINA
Sucesso na primeira
operação transatlântica
Cem caças Médicos em Nova Iorque operaram
uma mulher de 68 anos em Estrasbur-
go, naquela que foi a primeira cirurgia
e bombardeiros feita a longa distância. O sucesso levou
os especialistas a dizer que a técnica
venceu a barreira da distância. P38
norte-americanos
a caminho LIGA DOS CAMPEÕES
“Roosevelt” E S PA N H A
enviado para o Escândalo financeiro
Mediterrâneo leva irmã de ex-
-governante à prisão
O escândalo financeiro que envolve
a corretora Gescartera, o primeiro es-
cândalo de seis anos de governo do
Taliban decidem hoje destino de Bin Laden | Proposta do comissário conservador José Maria Aznar, tam-
bém já obrigou a “chefe da polícia” das
bolsas à demissão. P28
António Vitorino implica revisão da Constituição portuguesa |
Sondagem revela que portugueses admitem redução das liberdades ÍNDICE
COMEÇOU A OPERAÇÃO
“JUSTIÇA INFINITA”
Administração Bush deu
nome à operação de
par. Segundo a CNN, o Pentágo-
no já tem nome para a operação
“USS Roosevelt”, que se encon-
trava na Virginia, recebeu ordem
operação “Justiça Infinita”. Se-
rá assim que se vai chamar a
Taliban decidem hoje
retaliação contra os de retaliação contra o ataque à para se fazer ao mar — o seu des- guerra contra o terrorismo, que, futuro de Bin Laden
América do dia 11 — operação tino será o Mediterrâneo. disse Bush, será longa. O seu se-
ataques a Washington e “Justiça Infinita”. No Golfo Pérsico estão, neste cretário da Defesa, Donald Ru- Reunidos em Cabul, os “ulemas” (douto-
Nova Iorque, e enviou Analistas militares disseram momento, dois porta-aviões. Um msfeld, acrescentou ontem que, res da fé) não conseguiram ainda chegar
que os cem aviões deverão estar deles, o “USS Enterprise”, prepa- além de longa, pode provocar a uma conclusão sobre que destino dar
mais de cem aviões de a caminho do Golfo Pérsico, a re- rava-se para regressar a casa no baixas. ao seu “hóspede”, Osama bin Laden. Se-
guerra para o Médio gião para onde o país pode enviar dia do ataque. Cada porta-aviões A guerra vai ter várias fren- gundo a Afghan Islamic Press, a sessão
Oriente tropas no Médio Oriente mais transporta 75 aparelhos, 45 deles tes, repetiu ontem o secretário de deverá continuar hoje. O líder supremo
próxima do Afeganistão, onde aviões de ataque. Estado, Colin Powell. Será eco- taliban, “Mullah” Mohammad Omar,
ANA GOMES FERREIRA se acredita que esteja o suspeito Os Estados Unidos têm 1,4 mi- nómica, diplomática e militar. não compareceu, tal como estava previs-
Nova Iorque pelo ataque de terça-feira contra lhões de militares em alerta má- Não foi excluído o envio de tro- to, mas enviou uma comunicação aos
os Estados Unidos, Osama bin ximo. O Presidente dos Estados pas para o terreno. 600 membros, afirmando que Bin Laden
O Governo dos Estados Unidos Laden. A 11 de Setembro, terro- Unidos já tinha, na semana pas- O Paquistão tem um papel vi- não pode usar o Afeganistão como base
começou a enviar aviões de guer- ristas árabes sequestraram avi- sada, mobilizado 35 mil reser- tal nos planos de guerra: é um de ataque contra ninguém. Mas que
ra para o Médio Oriente. Os apa- ões civis e, com eles, derrubaram vistas que, para já, serão in- país com fronteiras com o Afe- também não poderá ter cometido os cri-
relhos, mais de cem, deverão co- o World Trade Center (Nova Ior- corporados nas unidades que já ganistão. Ontem, os EUA asse- mes de que é acusado pelos Estados Uni-
meçar a chegar aos seus destinos que) e parte do Pentágono (Wa- começaram a fazer a defesa ter- guraram ao Paquistão que será dos. “Ele não está em contacto com nin-
já hoje. “As forças dos Estados shington). O ataque matou perto ritorial. Para poder mobilizar recompensado pelo seu apoio a guém”, lê-se no documento citado pela
Unidos começaram a movimen- de seis mil pessoas. todos os reservistas, um milhão, uma eventual acção militar no Reuters. “Dissemos aos EUA que tirá-
tar-se”, disse o subsecretário da A frota aérea que recebeu or- terá que ser declarado formal- Afeganistão. “Os Estados Unidos mos todos os recursos a Osama e ele não
Defesa, Paul Wolfowitz. O desti- dem de marcha é composta por mente — com um documento — apoiam os seus aliados. Ajuda- pode contactar o mundo exterior”.
no desta força não foi nem será caças F15 e F16, superbombar- o estado de guerra. mos os amigos que nos apoiam”, Omar disse ainda que está pronto para
revelado, assim como não serão deiros B1, aviões de reabasteci- A Administração Bush deu, disse a embaixadora dos EUA em negociar com as autoridades america-
divulgados pormenores sobre as mento e aviões de reconhecimen- ontem, nome à operação contra Islamabad, a capital paquistane- nas que já responderarm que não dese-
operações em que vão partici- to, entre outros. O porta-aviões o terrorismo internacional — sa, Wendy Chamberlin. jam diálogo, “mas acção”.
D E S TA Q U E 3
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 20 SET 2001
Últimas
Paquistão prepara-se para a maior BUSH RECEBE
Megawati Sukarnoputri,
MACDOUGALL/EPA Presidente do maior país
Presidente Musharraf Bin Laden é também um dos islâmico do mundo, a Indo-
justifica à nação o grandes patrocinadores dos nésia, foi ontem recebida
taliban, os fundamentalistas na Casa Branca por Geor-
apoio aos EUA, islâmicos que estão no poder ge W. Bush. À entrada para
enquanto islamistas no Afeganistão (reconhecidos o encontro, Bush disse à
protestam nas ruas apenas pelo Paquistão, Ará- sua homóloga indonésia
bia Saudita e Emirados Ára- que a resposta dos EUA
bes Unidos). A perseguição ao ao terrorismo “não é uma
FRANCISCA GORJÃO milionário de origem saudita guerra contra os muçul-
HENRIQUES é entendida como uma per- manos nem contra os ára-
seguição à própria religião bes”. Megawati condenou
O Paquistão está a atraves- islâmica. os ataques a Nova Iorque e
sar o seu pior período desde Para além disso, e apesar Washington como “desu-
a última guerra com a Índia, de o Paquistão ter sido um manos”.
há 30 anos. Quem o disse foi aliado de Washington duran-
o Presidente Pervez Mushar- te a guerra fria, existe um for- FA H I M É O
raf, num discurso que ontem te sentimento anti-america- SUCESSOR DE
dirigiu ao país através da tele- no no território. E esse ficou MASSOUD
visão. As palavras de Mushar- expresso nas manifestações
raf pareciam querer prepa- que há dias ocorrem, sobre- O novo
rar os paquistaneses para um tudo em Islamabad, Karachi líder da
conflito no outro lado da fron- e Peshawar (junto à fronteira Aliança
teira. O autoproclamado Pre- com o Afeganistão, onde on- do Norte,
sidente disse ainda que os tem se queimaram bandeiras o grupo de
EUA pediram para utilizar o americanas, se gritou “morte resistên-
espaço aéreo paquistanês. aos EUA” e “Osama é o nos- cia ao re-
Ao anunciar o seu “apoio so herói”). Uma sondagem gime tali-
total” a Washington na luta também revelou que dois em ban, é um general de 44
contra o terrorismo, Mushar- cada três paquistaneses se anos. Muhammad Fahim
raf criou no país uma onda opõem à participação numa foi companheiro de luta de
de contestação que se tem re- aliança militar contra o Afe- Ahmed Shah Massoud, o
velado difícil de conter. On- ganistão. “Leão do Panchir”, vetera-
tem, o Presidente vestiu o Ontem, Musharraf (que se no da guerra contra a in-
uniforme militar e foi pedir tem reunido com líderes po- vasão soviética e herói da
aos 140 milhões de paquista- líticos, religiosos e civis) pro- oposição aos fundamenta-
neses (na sua grande maio- curou acalmar os ânimos e listas islâmicos. Massoud
ria muçulmanos) que procu- realçar a necessidade de o pa- foi vítima de um atentado
rassem compreender a sua ís estar ao lado do Ocidente. a 9 de Setembro (suposta-
decisão. Uma das justificações foi a de mente cometido por com-
“O Paquistão está a atra- que assim estaria em posição batentes de Osama bin La-
vessar um período muito crí- de proteger Bin Laden e os ta- den, “hóspede” dos taliban)
tico”, alertou Musharraf, que liban dos raides americanos. e Fahim tornou-se o su-
discursou em urdu e tinha Foi isso mesmo que preten- cessor natural. Isto, ape-
atrás de si a fotografia do fun- deu, segundo salientou, quan- sar de analistas regionais
dador da nação, Mohammad do enviou uma delegação a considerarem que lhe falta
Ali Jinnah. O Presidente fa- Cabul, na segunda-feira, pe- o carisma político do seu
lou várias vezes na Índia, o dindo a entrega de Bin Laden mentor. Não fala nenhuma
vizinho inimigo, que “tudo para que se evitasse um con- língua estrangeira; nunca
ofereceu em matéria de coo- flito militar. saiu do seu país. O general
peração”. Se Islamabad não O Presidente garantiu que desempenhava o cargo de
fizesse o mesmo, disse, arris- a sua opção “não vai contra os ministro da Segurança do
cava-se a tornar-se num es- princípios do Islão, a verdade deposto Presidente Rabba-
tado pária. “Eles [indianos] e a justiça”, respondendo as- ni desde 1992 até os taliban
querem que o Paquistão seja sim aos líderes islâmicos do terem conquistado Cabul
considerado um estado terro- Paquistão que se ofereceram quatro anos depois.
rista e perca a luta sobre Ca- Manifestantes em Peshawar gritam palavras de ordem contra os EUA e de apoio a Bin Laden para participar numa “jihad”
xemira”, o principal factor da caso haja um conflito arma-
discórdia indo-paquistanesa, no fornecimento de informa- Mas não adiantou muito mais Muitos no país não gosta- do contra os taliban. “O exér- PA Q U I S TA N E S E S
que contribuiu para arrastar ções secretas, acesso ao espa- quanto a esta cooperação. ram que o chefe de Estado se cito e o povo paquistaneses PREFEREM O
os dois países para uma cor- ço aéreo e apoio logístico para “Ainda não existe nenhum tivesse colocado ao lado dos estão dispostos a arriscar a AFEGANISTÃO
rida ao armamento nuclear. encontrar os responsáveis pe- plano operacional”, garantiu. EUA na caça a Osama bin La- vida pela segurança do país.
O Presidente adiantou que los atentados cometidos a 11 “Por isso, ainda não conhe- den, o principal suspeito da O Paquistão está em primeiro Uma sondagem Gallup in-
a Administração norte-ameri- de Setembro contra o World cemos os detalhes do nosso Casa Branca pelos actos ter- lugar, tudo o resto é secundá- dica que, em caso de guer-
cana pediu a sua colaboração Trade Center e o Pentágono. apoio”. roristas da semana passada. rio.” ra, 63 por cento dos paquis-
taneses preferem aliar-se
ao Afeganistão do que aos
Frankfurt uma moção que autoriza a (hi- lhões de marcos (mais de 300
potética) participação militar milhões de contos) no Orça-
O primeiro-ministro britâni- do Bundeswehr (exército) na mento do Estado de 2002 pa-
co, Tony Blair, chegou à chan- operação de retaliação e ainda ra o programa antiterroris-
celaria federal em Berlim, um conjunto de medidas que mo. Por seu turno, a ministra
ao princípio da noite de on- incluem “apoio político e eco- da Justiça, Herta Daeubler-
tem, para um jantar de traba- nómico ao combate ao terro- Gmelin, anunciou que será
lho com o chanceler Gerhard rismo internacional”. aditada uma alínea no artigo
Schroeder, centrado na luta “A Alemanha está disposta 129 do Código Penal alemão
internacional contra o ter- a correr riscos militares, mas que permita combater o ter-
rorismo depois dos ataques não a entrar em aventuras”, rorismo não apenas na Ale-
suicidas nos Estados Unidos. afirmou Schroeder perante os manha, mas também trans-
Do outro lado do Atlântico, o deputados, deixando transpa- fronteiras. Outra decisão do
ministro germânico dos Ne- recer que Berlim não passa Governo, divulgada pelo mi-
gócios Estrangeiros, Joschka um cheque em branco à Ad- nistro do Interior, Otto Schily,
Fischer, reuniu-se com o seu ministração norte-americana foi a revisão da lei das asso-
homólogo americano, Colin no tocante às opções de res- ciações, abolindo o chamado
Powell, a quem assegurou posta aos atentados. Uma pos- privilégio das religiões, para
a “solidariedade incondicio- tura semelhante à manifesta- impedir que sejam formados
nal” da Alemanha e subli- da por muitos dirigentes na grupos extremistas prote-
nhou a firmeza do compro- Europa e Médio Oriente, que gidos pelo quadro legal actu-
misso para com “a coligação têm apelado aos EUA para al. O catálogo de resoluções
internacional antiterroris- que optem por uma resposta abrange também o reforço da
mo”. Hoje, Fischer desloca-se “reflectida, comedida, focali- segurança no tráfego aéreo,
a Nova Iorque, onde deverá zada”, como sintetizou o mi- designadamente no que se re-
visitar a chamada “zona ze- nistro belga dos Negócios Es- fere ao controlo do pessoal
ro”, a área devastada no Sul trangeiros, Louis Michel, cujo dos aeroportos e à inspecção
de Manhattan. país preside actualmente à de bagagens, que será mais
O encontro entre Schroeder União Europeia. rigoroso. I Jacques Chirac com George W. Bush ontem na Casa Branca
ABDEL NABY/REUTERS
CHEFE DA CIA
PRESSIONADO Adeus luso-americano
A DEMITIR-SE
O senador Richard Shelby (republi-
cano) criticou o director da CIA,
George Tenet, considerando que o
a António da Rocha em Newark
fracasso dos serviços secretos dos
EUA na prevenção do ataque terro-
rista à América deve levar a uma
reestruturação da agência de espio-
nagem. “[Tenet] é um bom homem,
mas acho que para a função dele é
necessário alguém com a estatura
de um Colin Powell [secretário de
Estado] ou de um Donald Rumsfeld
[secretário da Defesa], alguém a ní-
vel ministerial que possa coorde-
nar todos [os serviços de informa-
ção]”, disse à Reuters Shelby,
membro do comité senatorial dos
serviços secretos. Shelby recusou-
se, no entanto, a pedir a cabeça de
Tenet, dizendo que a nomeação ou
demissão do director da CIA cabe
exclusivamente ao Presidente.
Imagens da saída do funeral de António da Rocha da catedral de Newark, transmitidas ontem à noite pela TVI
GRUPO DE BIN
LADEN TEM BASES ENTREGUE NO CONSULADO LISTA COM MAIS 14 NOMES do 7º dia a todos. Portugueses e não
portugueses”, explicou ao PÚBLICO
Missa portuguesa com uma breve oração em inglês, terça-feira à noite. Missa em António Bico, pouco antes do início
NOS BALCÃS inglês com uma breve “encomendação” em português, ontem de manhã. Familiares da cerimónia, transmitida em directo
por uma estação local de televisão
Al Qaeda (em árabe, A Base), rede de e companheiros do país de origem juntaram-se aos novos amigos do país de que retrasmite programas da SIC.
Osama bin Laden, tem células terro- acolhimento no adeus religioso a António da Rocha, 34 anos, casado, dois filhos — o Apostado em lutar contra “sen-
ristas nos Balcãs, garantiu ontem o timentos de ódio e rancor” que pa-
ministro do Interior sérvio, Dusan
único morto até agora confirmado de uma lista de luso-americanos desaparecidos, e recem prevalecer em largos secto-
Mihajlovic, citado pela agência Be- que afinal pode ser mais elevada. Do nosso enviado Adelino Gomes, em Nova Iorque res da opinião pública, António Bico
ta. “A organização de Bin Laden tem aproveitou o episódio de um filho que
duas bases na Bósnia, duas no Koso- Portugueses e norte-americanos jun- de transportar a urna para e da ca- Santa Lucia. Mas os planos mudaram telefonou à mãe de um dos andares
vo e também está presente na Albâ- taram-se em emocionadas mas conti- tedral; velhos amigos como a profes- com os acontecimentos “terrivelmen- atingidos pelo segundo avião só para
nia”, declarou, citando “numerosas das cerimónias de adeus religioso ao sora de línguas Elena Martins da Ro- te dramáticos”.”Deus tinha outros lhe dizer que a amava para incitar
informações sobre as actividades do luso-americano António Martins da cha, já nascida nos EUA mas que com planos, não para uns dias felizes a os paroquianos a perdoarem. “Até
promotor do terrorismo mais conhe- Rocha, que encontrou a morte em 11 ele estudou na escola portuguesa da Santa Lucia, mas para uma viagem àqueles que não pedem perdão”.
cido do mundo” e sugerindo que to- de Setembro no World Trade Center, secção do Soho, em Nova Iorque; e que durará para todo o sempre”. À semelhança do rapaz, António
dos os dados podem ser transmiti- onde trabalhava como corretor da muitos dos novos amigos, como Peter, Rocha telefonou à mulher logo a se-
dos aos investigadores americanos. empresa Cantor Fitzgerald. o seu médico de família e que com ele, Incitamento ao perdão guir ao embate do primeiro avião na
“Nós conhecemos os homens que O secretário de estado das Comu- disse ao PÚBLICO de lágrimas nos Horas antes, numa outra parte da ci- torre onde trabalhava. “Aconselhou-a
dirigem as filiais da organização nidades, João Rui Almeida, partici- olhos, “adorava jogar golf”. dade, a memória de António da Rocha a ligar a televisão e a não ter medo
global de Bin Laden, que também pou em ambas as cerimónias, horas Apesar de não conhecerem pessoal- e de todos os outros mortos de 11 de porque ia conseguir sair do edifício”,
está presente na Macedónia”, disse depois de ter estado presente tam- mente António da Rocha, numerosos Setembro atraíra à paróquia de Nossa contou ao PÚBLICO Augusto Ama-
Mihajlovic. Belgrado declarou-se bém numa missa com semelhantes membros da comunidade portuguesa Senhora de Fátima uma multidão dor, vereador em New Jersey.
preparado para participar “plena- objectivos na Igreja de Santo António de Newark compareceram também que não deixou um lugar vago nos A localização do seu escritório den-
mente” na luta internacional contra de Pádua, em Nova Iorque. “Foram na cerimónia. “É um português, é a bancos da igreja matriz. A iniciativa tro da torre (fora promovido em Ju-
o terrorismo, oferecendo aos EUA gestos de solidariedade por parte do nossa gente”, justificou Maria João, partiu do pároco local, António Bi- nho e enviado para o 105º) revelar-se-
“toda a ajuda necessária”. O primei- Governo, tanto para com a comunida- desempregada, em nome de um gru- co, também presente nas exéquias de ia, porém, fatal. Tanto como a todos os
ro-ministro sérvio, Zoran Djindjic, de portuguesa, como para com as ví- po de amigas. “Tony”, como lhe cha- ontem na catedral. “Ao longo destes outros 700 colegas — um deles tam-
deu conhecimento desta posição du- timas em geral desta tragédia”, disse mou monsenhor Francis R. Seymour dias, muita gente vinha pedir-me que bém português, a trabalhar no sector
rante uma reunião na capital com ao PÚBLICO João Rui Almeida, que na homilia em inglês, planeara atra- incluisse os nomes de variadíssimas informático — que naquela manhã
representantes do Departamento de se manterá até amanhã nos EUA em vés da Internet viajar em férias com pessoas da lista dos desaparecidos. com ele iniciavam mais um dia de
Estado norte-americano. contactos com os serviços consulares a mulher, “esta semana”, até à ilha de Achei que devíamos dedicar a missa trabalho na Cantor Fitzgerald.
e com representantes das comunida-
des e familiares das vítimas.
A família de António da Rocha —
GEÓRGIA DISPOSTA bastante conhecida e segundo amigos
presentes no funeral “muito respei-
Desaparecidos luso-americanos podem ser muitos mais
A EXTRADITAR tada” na comunidade local — pediu
que a imprensa local e os enviados
portugueses não captassem imagens
Ascende pelo menos a seis, mas pode chegar a 40,
a lista dos luso-portugueses desaparecidos e pre-
de segurança. A maior parte dos desaparecidos,
revelou ao PÚBLICO, viviam fora das comunidades
sumivelmente mortos nos atentados às duas torres de língua portuguesa, em Hoboken, Jersey City,
TCHETCHENOS da cerimónia religiosa de ontem de
manhã, que decorreu na catedral-
do World Trade Center (WTC), em Nova Iorque. O
jornal”Luso-Americano”, que se publica em Newa-
Hillside, Union e Piscattaway, revelou ao PÚBLI-
CO. Este facto bem como a eventualidade de não
O Governo da Geórgia dispôs-se a basílica de Newark. No longo cortejo rk, publicou na primeira da sua edição de ontem constarem dos registos consulares pode explicar
responder favoravelmente a qual- fúnebre que transportou a urna de o nome e a fotografia de Christopher Mello, um a ausência destes nomes das listas do Ministério
quer pedido de extradição de rebel- Kearney — uma cidade cujo presi- luso-americano que seguia no voo 11 da American dos Negócios Estrangeiros.
des tchetchenos que lhe seja feito dente de Câmara é português e onde Airlines, desviado da rota Boston-Los Angeles e que Somados aos 25 nomes de desaparecidos que cons-
por Moscovo, segundo a AFP. A Rús- os pais da vítima habitam — incor- se despenhou contra a torre norte do WTC. Descen- tam da lista oficial do MNE — cinco turistas, onze
sia pretende obter a extradição de 13 poraram-se cerca de uma centena e dente de portugueses que emigraram dos Açores residentes nas áreas de Nova Iorque e de Newark, e
rebeldes detidos ao atravessarem a meia de pessoas, muitas das quais os- para Massachusets no início do século XX, Mello nove noutras zonas dos EUA — os 14 novos nomes
fronteira entre a Geórgia e a Tche- tentando na lapela fitas com as cores era analista financeiro numa empresa de Boston. apurados por Luís Pires e o de Christopher Mello,
tchénia, com o objectivo de reentrar da bandeira nacional dos EUA. O jornalista Luís Pires, correspondente da TVI nos revelado pelo “Luso-Americano” perfazem um to-
naquela província russa no Cáuca- EUA e ele próprio um luso-americano, recolheu por tal de quarenta presumíveis desaparecidos. Algo
so. As relações entre Moscovo e Tbi- Emoção na catedral seu lado um conjunto de nomes de desaparecidos que Luís Pires considera “altamente provável”,
lissi têm sido turvadas pela relutân- Detentor das duas nacionalidades, que lhe chegaram através de contactos directos baseado no conhecimento vivencial que tinha da
cia das autoridades georgianas em símbolo de uma segunda geração que decorrentes do seu trabalho ou de informações afluência regular ao WTC de numerosos luso-des-
extraditar tchetchenos que os russos mantém ainda raízes em Portugal dispersas nas diferentes comunidades portuguesas cendentes.
descrevem como terroristas. A Rús- mas que foi educada já num caldo da região. A lista contém 14 novos nomes e foi en- O secretário de Estado das Comunidades, João Rui
sia acusa os separatistas tchetche- de cultura do país de acolhimento, tregue ontem à tarde ao chanceler do Consulado- Almeida, disse ao PÚBLICO que se sente “incapaz”
nos de receberem apoio de Bin La- António da Rocha juntou nos bancos Geral de Portugal em Newark, António Gouveia. de confirmar ou não estes números — e fez um
den. Ontem, tropas russas do transepto de altas colunas da basí- Da lista de Luís Pires constam pessoas que traba- apelo para que todos os que estejam na posse de
vasculharam a Tchetchénia, em res- lica familiares como Vítor Antunes, lhavam nas duas torres destruídas em empresas informações “as façam chegar, com o maior núme-
posta a ataques de rebeldes à cidade empregado numa companhia aérea de corretagem e em actividades de restauração ou ro de dados”, às autoridades portuguesas. A.G.
de Gudermes, na segunda-feira. que, muito emocionado, fez questão
D E S TA Q U E 7
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 20 SET 2001
Reflexões sobre um mundo que mudou (I)
O que está em causa
“As liberdades cívicas
Q
uando Jean-
Marie Colom- que tornam a vida tão
bani escreveu, agradável no Ocidente —
num cristalino que permitem aos indi-
editorial do “Le víduos inventar, inves-
Monde”, logo no dia se- tir e realizar os seus so-
guinte ao ataque a Nova JOSÉ MANUEL nhos ao mesmo tempo
Iorque e Washington, que que estão livres de qual-
agora “somos todos ame-
F ERNANDES
quer interferência gover-
ricanos”, não o fez por um EDITORIAL namental nas suas vidas
simples exercício de retó- — assentam num com-
rica — o paralelo com “Ich bin ein berliner” promisso social delicado” — recordava,
(“sou um berlinense”) de John Kennedy no dia a seguir à catástrofe, o “Wall Street
era muito mais profundo. O que o antigo Journal”. “Os terroristas querem per-
Presidente dos Estados Unidos quis dizer, turbar este equilíbrio porque se sentem
face ao Muro de Berlim, é que, ao tornar- especialmente afrontados pelo simples
se um berlinense, colocava-se na primeira facto de gozarmos dessas liberdades.”
linha do combate entre o mundo livre e o Este é o ponto. Quando se fala de perce-
sistema iníquo que se protegia por detrás ber as raízes do fenómeno terrorista é neste
desse muro. O que Jean-Marie Colombani ponto que devemos focar a nossa atenção: o
estabeleceu, ao escrever o seu editorial, foi que os terroristas não aceitam é o princípio
de novo uma fronteira clara — escolheu da convivência numa sociedade aberta.
um campo. O campo da América, que é Eles não são pobres que querem vingar
também o campo da nossa civilização. os pobres — antes são milionários, como
Regressado a Portugal uma semana de- Bin Laden, ou viviam em sociedades ricas,
pois do ataque, confrontado com o debate como os operacionais vindos dos emirados
público sobre o seu significado, verifico ou da Arábia Saudita (de resto, se fosse
com tristeza a dificuldade que no nosso país a pobreza e as desigualdades que alimen-
há em escolher um campo, em perceber de tavam o terrorismo, como entender que,
que lado estamos e o que está em causa. E a na vizinha Espanha, ela se centre num
facilidade com que, passados os primeiros território, o País Basco, que é dos mais ricos
momentos de emoção — em que o pudor e socialmente equilibrados?). Eles também
recomendou alguma contenção —, um an- não desejam a emancipação dos povos que
tiamericanismo primário e vesgo vem à dizem representar, antes pretendem impor-
tona, e velhos estereótipos substituem o lhes um jugo absoluto e “redentor”.
raciocínio claro e a análise fria dos factos. Não se misture pois o que não deve ser
Por isso não resisto a regressar ao misturado. O mal não está nos males do
princípio de tudo, a procurar clarificar mundo, que são muitos: o mal está em ideo-
o que foi posto em causa com o atentado logias de cariz totalitário e exclusivista
de 11 de Setembro de 2001. que inspiram o niilismo redentor dos bom-
bistas-suicidas. Essas ideologias podem
O ataque ao World Trade Center e ao Pen- alimentar-se de uma visão extremista de
tágono não foi motivado pela globalização, dogmas religiosos, ou assentar em identi-
pela existência de pobres e ricos, por Wa- dades nacionais ou culturais extremadas
shington ter recusado o Protocolo de Quioto (as “identidades assassinas” de que fala
ou por a administração Bush se ter distan- Amin Malouf). Essas ideologias odeiam
ciado da crise no Médio Oriente. A América sobretudo as sociedades abertas e plurais,
foi atacada porque — regressemos a Jean- que não obedecem ao seu dogma, que não
Marie Colombani — os movimentos terro- são puras nem uniformes.
ristas são movidos por “uma lógica política Não se procurem pois explicações ou des-
que, ao tornar-se extremista, visa obrigar as culpas ou “enquadramentos”. A “culpa”
opiniões públicas islâmicas a ‘escolherem o da ascensão de Hitler ao poder, como tantos
seu campo’ contra os que são correntemente estudos recentes têm comprovado, não foi
designados como o ‘grande Satã’”. Quando a hiperinflação ou os erros do tratado de
não falam do “grande Satã”, os seus dirigen- Versalhes: foi a adesão do povo alemão a
tes falam de cristãos e judeus, e cobrem com uma ideologia assassina. Assim como a
essa designação toda a cultura ocidental e culpa do violador não deve ser atenuada
todo o nosso mundo. A América é apenas o por a mulher vir de mini-saia, a responsa-
seu expoente mais forte e mais visível — e, bilidade dos terroristas não pode passar
por isso, o que polariza as paixões. dos agressores para as vítimas em nome
A maior parte dos dirigentes europeus das injustiças do mundo.
percebeu isso com clareza: “Isto é uma de-
claração de guerra a todo o mundo civiliza- Agora que realmente entrámos no sé-
do” (Gerhard Schroeder); “as democracias culo XXI devíamos não esquecer a lem-
têm de se unir para derrotar e erradicar brança desse curto século XX marcado
o terrorismo de massa” (Tony Blair). Em pelo extremismo de algumas ideologias.
Portugal, pelo que agora constato, nem Devíamos não esquecer o papel mobili-
por isso. O resultado, junto da opinião pú- zador e mortífero das ideias. Devíamos
blica, já está a ver-se: na sondagem que não insistir no erro de colocar no mesmo
ontem o PÚBLICO revelava os entrevista- plano os erros e os defeitos das sociedades
dos mostravam-se, de todos os europeus, abertas e democráticas e os crimes que,
os menos dispostos a marchar, ombro com invocando esses erros e defeitos, conduzem
ombro com os nossos aliados, na guerra inevitavelmente à tragédia.
que nos foi declarada. Porquê? Porque até Devíamos, sobretudo, ter consciência
acham que não foi declarada guerra ne- de que temos uma civilização a defender,
nhuma (acham eles e acha boa parte da sem complexos de culpa, sem cedências
nossa intelectualidade)... ao “politicamente correcto”. As socieda-
Mas o ponto, realmente, é que os radi- des que construímos no Ocidente são, com
cais islamistas que comandaram este ata- todos os seus defeitos, as mais humanas,
que odeiam a nossa civilização e odeiam a equilibradas, ricas e progressivas que a hu-
sua hegemonia — é isso que eles querem manidade conheceu. Os pobres do mundo
destruir. Eles querem destruir as nossas não as odeiam: sonham com emigrar para
democracias e não suportam aquilo que elas. Os que falam em nome dos pobres do
Nova Iorque representava acima de qual- mundo e invocam uma redenção final é que
quer outra cidade no mundo: o cosmopoli- as odeiam e gostariam de destruir.
tismo, a abertura, a convivência de cente- É isto que está em causa desde 11 de
nas de comunidades e culturas diferentes Setembro, apesar de muitos parecerem
sob a ordem de uma democracia respei- não o entender e só terem chorado lágri-
tadora da lei, da diferença e dos direitos mas de crocodilo. Os terroristas obrigam-
individuais (em que outra cidade, em que nos a escolher o campo em que estamos
outro edifício se não nas “torres gémeas”, — e ao fazê-lo devemos lembrar-nos do
seria possível matar, num só golpe, cida- destino dos que contemporizaram com os
dãos civis de 60 países diferentes?). totalitarismos do século que passou.
8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 20 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
TIM SHAFFER/REUTERS
Os rostos da tragédia
Os dias vão passando e a dimensão dos números da tragédia quase faz esquecer os dramas pessoais que atingem dezenas de milhares de pessoas,
todas aquelas que no dia 11 tinham familiares e amigos na rota do terrorismo. Cada uma das vítimas tem a sua história,
o seu percurso até ao momento fatal. O “Sunday Times” foi à procura das pessoas por trás dos números.
E encontrou dezenas de casos, impressionantes pela certeza que deixam: podia ter acontecido a qualquer um de nós
A BORDO DO VOO 93, A B O R D O D O V O O 7 7, Não se trata apenas de mim e da minha mãe, Melissa
QUE SE DESPENHOU Q U E F O I AT I R A D O trata-se de um ataque terrorista que atinge Harrington-Hughes
toda a gente.”
EM PITTSBURGH CONTRA O PENTÁGONO Enquanto estava presa no
edifício, telefonou ao ma-
Tara Creamer, rido, que estava em São
Jason Dahl, Charles Burlingame, 30 anos, empresária Francisco, e deixou uma
43 anos, piloto 51 anos, piloto mensagem na caixa de voz.
Mãe de duas crianças, Co- O marido só a ouviu quan-
A mulher esteve para ir com lin, de 4 anos, e Nora, de 15 do voltou do trabalho: “Sean, sou eu. Só queria
Entrou para a United Airli- ele no voo, já que tinham pla- meses, Tara Creamer esta- dizer que te amo e que estou presa no World
nes em 1993 e vivia no Colo- neado comemorar o aniver- va em viagem de negócios Trade Center. Um avião ou uma bomba explo-
rado com a mulher e o filho sário de Charles assistindo juntamente com seis cole- diu — não sabemos, mas há muito fumo e só
de 15 anos. Tentou trocar de a uma partida de basebol no gas de trabalho. Tara não queria que soubesses que gosto muito de ti.”
voo com outro piloto, pois queria tirar o dia estádio dos Anaheim Angels. Como não con- gostava de andar de avião e estava com medo Desde então, ninguém mais a viu.
para ficar com a família. seguiram arranjar bons lugares na bancada, de deixar os filhos em casa. “Ela era tudo para
o piloto disse à mulher que era melhor fazer mim”, desabafou o seu marido.
outro programa e não viajar com ele. Derek Sword,
Mark Bingham, 29 anos, bancário
31 anos, publicitário
Kenneth e Jennifer MORTOS E FERIDOS Trabalhava no piso 89 da
Telefonou à mãe quando es- Lewis, DENTRO DO WORLD torre sul. Depois do pri-
tava no avião: “Olá mãe, gos- comissário de bordo meiro ataque, telefonou
to muito de si. O aparelho e hospedeira TRADE CENTER aos pais e à namorada, de
foi desviado. Três homens di- quem tinha ficado noivo
zem que têm uma bomba. No Este casal de Culpepper, há apenas oito dias, para dizer que estava
caso de não nos voltarmos a ver, queria que Virginia, estava de servi- Donna Bernaerts, bem: “Não se preocupem comigo — estou
soubesse que gosto muito, muito de si”, contou ço no mesmo voo. 44 anos, na outra torre.” “Estou numa sala segura e
a sua mãe, Alice Hoglan. “Depois pareceu- empregada na firma estamos todos bem”, disse ainda à namorada,
me que alguém começou a falar com ele e a Accentura Consulting Maureen Sullivan. Minutos depois, Derek,
chamada caiu.” inglês, ligou novamente para a namorada
A B O R D O D O V O O 11 , Donna estava no World Tra- para dizer que a torre onde estava não tinha
Q U E E M B AT E U N A de Center em 1993 quando sido atingida e que estava a tentar sair do
Thomas Burnett, um carro armadilhado ex- edifício. Foi a última vez que alguém ouviu a
38 anos, vice-presidente TORRE NORTE DO plodiu numa das garagens. Nesse dia, o mari- sua voz. Sullivan ainda tenta ligar-lhe. “Ligo-
da Thorarec Corp. WORLD TRADE CENTER do esperou por si à porta do edifício. Desta vez, lhe de hora a hora, mas atende-me sempre
Ed Bernaerts, correu para casa, esperando a caixa de voz. Quando já não aguento mais
Ligou do telemóvel para a junto ao telefone. O filho, autista, não compre- ficar em casa, saio para a rua e vou pendurar
mãe: “Sei que vamos todos Jeffrey Coombs, ende que a sua mãe já não voltará. fotos com a cara dele por todo o lado.”
morrer. Três de nós vamos 42 anos, projectista
tentar fazer alguma coisa.
Gosto muito de si.” A chamada foi interrom- Coombs tentou convencer David Campbell, Ron Gilligan,
pida e pouco depois o avião despenhou-se. a sua mulher, Christie, a 53 anos 43 anos, empresário
viajar com ele para pas-
sarem uma semana de fé- Estava no piso 89 da torre O seu escritório ficava no
rias na Califórnia. Chris- sul quando a primeira torre piso 103 da torre norte. In-
A B O R D O D O VO O 17 5 , tie decidiu que era melhor ficar em casa, já sofreu o ataque. Telefonou à glês de origem, em 1982 Ron
Q U E E M B AT E U N A que os três filhos do casal estavam quase a irmã e ao cunhado e deixou Gillian decidiu ir viver pa-
começar as aulas. uma mensagem a dizer que ra os Estados Unidos com
TORRE SUL DO WORLD estava bem, que a outra torre tinha sido atin- a mulher, Elizabeth, em busca de melhores
TRADE CENTER gida por alguma coisa e que estavam todos à oportunidades de trabalho. Arranjou empre-
Robert janela para ver o que pensavam então tratar-se go na Cantor Fitzgerald — empresa de cor-
e Jackie de um acidente. Na segunda mensagem disse retagem e comércio electrónico que perdeu
Ruth Clifford McCourt, Norton que a sua torre também tinha sido atingida e todos os 700 trabalhadores que naquela ma-
45 anos, empresária, que o aconselharam a deitar-se no chão e cobrir nhã estavam a trabalhar no edifício. Há dois
e a filha, Juliana, 4 anos O casal estava a cabeça com a camisa, de forma a conseguir anos o casal decidiu regressar a Inglaterra,
de viagem para respirar. “Não está a resultar”, foram as suas mas os seus filhos Ashley, 16 anos, e Dherran,
Ruth McCourt tinha planea- Santa Barbara, últimas palavras. A família, incluindo os filhos 6 anos, tiveram dificuldade em adaptar-se.
do umas férias em Los Ange- na Califórnia, para assistir ao casamento do Chip, 18 anos, e Tim, 16 anos, e um colega, que Voltaram todos para Nova Iorque.
les com a filha e a sua amiga Paige Hackel, 46 filho. Depois do acidente, Jason exprimiu a abandonou o edifício logo a seguir ao primeiro
anos. Quando chegaram ao aeroporto de Lo- sua raiva: “Isto é algo que nos afecta a todos. ataque, ainda estão à sua procura.
gan, os voos estavam cheios. Hackel conseguiu PRESTON KERES/EPA
Mychal Judge,
embarcar no voo 11 da American Airlines (um 68 anos, capelão
dos aviões desviados), enquanto McCourt e a do Departamento
filha arranjaram lugares no voo 175 da United de Bombeiros
Airlines. Ronnie Clifford, irmão de McCourt, de Nova Iorque
estava no World Trade Center quando os avi-
ões embateram nas torres mas saiu ileso. Quando já tudo ruía à volta
do edifício, Mychal Judge re-
cusou-se a abandonar o local e continuou a
Fred Rimmele, ministrar a extrema unção ao seu colega bom-
médico beiro Bill Feehan, que morreu ao ser atingido
por uma mulher que caíra de um dos andares
Estava de viagem para assis- do edifício. Previsivelmente, Mychal Judge
tir a uma conferência em Los acabou também por ser apanhado pelo entu-
Angeles. Era suposto a mu- lho que não parava de cair. O “Padre Mike”,
lher ir consigo para jantarem como era conhecido pelos companheiros, não
com uma amiga de lá. Só que o encontro foi resistiu aos ferimentos. Filho de imigrantes
cancelado. A amiga do casal, assim que soube irlandeses, Judge entrou no seminário aos 14
do atentado, e pensando que ambos tinham anos — antes ocupava-se a engraxar sapatos
então ficado em Boston, enviou um e-mail à nas ruas de Manhattan —, iniciando assim a
mulher de Fred, dizendo que “tinham motivos carreira religiosa. Tanto era convidado a pre-
para celebrar”. Ela respondeu-lhe apenas com sidir a cerimónias religiosas na Casa Branca
uma frase: Fred Rimmele ia no voo 175. como no dia seguinte preferia ir ajudar os
doentes seropositivos.
10 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 20 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
TIMOTHY A. CLARY /EPA
FANÁTICOS DE NOVA IORQUE
O dilema
Esperança e inquietação no subsolo dos salvadores
Passada a primeira semana sobre a
OPERÁRIOS LUSO-AMERICANOS
confundem FBI ADIANTARAM-SE AO ATENTADO
Cinquenta empregados da companhia
Terroristas usaram afirma que a investigação sur- luso-americana Avanti Demolition Car-
documentos roubados giu quando, na sexta-feira, um ting Corp, de Newark, devem a vida à
homem que afirmava conhe- execução rápida de uma empreitada.
a pessoas que agora são cer Bin Laden terá sido preso “Tivemos 50 dos nossos empregados a
surpreendidas quando no aeroporto JFK. trabalhar até às 2h00 da madrugada do
vêem o seu nome nos A divulgação dos cinco no- dia 11 no andar 52 da Torre 2 e saímos a
mes parece clarificar uma in- essa hora porque foi quando acabámos o
jornais vestigação em que as próprias trabalho”, disse ao jornal “Luso-Ame-
testemunhas são portadoras ricano” Victor Santos, co-proprietário
LINA FERREIRA de documentos falsos. Já on- da empresa que cumpria aí um contrato
tem foram presos três árabes, de demolição para a companhia finan-
Hussein al-Ghmadi foi surpre- com documentos de identifi- ceira Stanley Morgan. “Os empregados
endido por ver a sua fotogra- cação falsos, no aeroporto de ficaram em estado de choque quando,
fia na CNN, enquanto alguém Michigan. Os detidos traziam no dia seguinte, souberam do aconte-
o identificava como um dos apontamentos sobre Colin Po- cido, mas às 5h00 da tarde de quarta-
terroristas suicidas do ataque well e uma base norte-ameri- feira estavam novamente prontos para
de terça-feira. A situação cari- cana escritos em árabe. iniciar um turno de trabalho, evidente-
cata já aconteceu a pelo menos E é aqui que surgem as di- mente noutro local onde a companhia
três pessoas. A investigação ficuldades: há falta de agen- tem obras”, disse Victor Santos. Menos
do ataque — anunciada como tes que falem árabe, estando de 24 horas depois do atentado contra
a maior de sempre — pode es- o FBI a aceitar candidaturas. as torres gémeas, a companhia Avanti
tar a ser mais complicada do Um apelo semelhante está ser estava de novo no local, desta vez para
que o que se esperava. As po- feito noutros países por onde ajudar no enorme esforço lançado para
lícias de todo o mundo pedem passa a investigação. A polícia encontrar sobreviventes e remover os
reforços. italiana queixa-se de uma falta escombros. A Avanti, que agora está
Al-Ghmadi encontra-se há terrível de agentes para zonas a trabalhar na área sob contrato, colo-
seis meses na Tunísia, onde como o Paquistão ou o Afega- cou gratuitamente no terreno, no dia
frequenta um curso de forma- nistão. seguinte ao atentado, 50 a 60 homens e
ção com oito outros pilotos, es- “Vai ser como uma missão, 15 camiões.
crevia o jornal árabe “Asharq sabe, como uma missão do
al-Awsar”. Para a Polícia Fe- 007?”, pergunta o jovem ame-
deral americana (FBI), Al-Gh- ricano de origem árabe Wale- OFICIAIS LUSO-AMERICANOS
madi foi um dos terroristas ed Mohamed. Uma porta-voz ESTAVAM NO PENTÁGONO
do voo que se despenhou na do FBI em Washington garan-
Pensilvânia. Outro dos suspei- tiu que a resposta ao apelo a O major Cândido Mendes e o tenente-
tos do atentado, Abdelazziz al- candidatos a agentes secretos coronel António Rebello estavam no
Omari, está vivo e trabalha tinha sido “muito encorajado- Pentágono quando a meio da manhã do
numa companhia de aviação ra”. Mas Mohamed ainda não dia 11 de Setembro o Voo 77 da Ameri-
na Arábia Saudita. O jornal, a está convencido: “Esta guerra can Airlines se esmagou contra o Sector
que deu uma entrevista, traz não vai ser rápida. Preciso de Norte do Ministério da Defesa dos Es-
uma fotografia sua a ler o jor- tempo para pensar....” tados Unidos. Segundo disse à agência
nal, precisamente do dia dos Lusa António Rebello, ambos se encon-
atentados. Em Washington, TESTEMUNHAS travam no Sector Sul, a uns 300 metros
um diplomata saudita afir- OU SUSPEITOS? do local do impacto. O atentado, para
mou que o seu filho, Walid Al- além de custar a vida aos 64 passageiros
Sheri — apesar de constar na O FBI revelou ontem es- do Voo 77 da AA, provocou 124 mortos
lista dos 19 terroristas —, es- tar particularmente inte- nas Alas E, D e C, no Sector Norte do
tá vivo e trabalha como piloto ressado em cinco tes- edifício. No Pentágono trabalham dia-
nas linhas aéreas sauditas. temunhas. São pessoas riamente 20.000 pessoas, entre milita-
À partida poderia ser uma que conheceram alguns res e civis. “Pensei inicialmente que se
coincidência de nomes — mui- dos 19 terroristas. Alguns tratava de um sismo” — disse o tenente- dos fundadores da secção de futebol Face a isto, nós, compositores, não so-
tos árabes têm nomes seme- são suspeitos por terem coronel Rebello, que na altura do im- juvenil. Tinha feito o percurso do 43º mos nada”, acrescentou. Stockhausen
lhantes — mas dados, como conhecimento ou colabo- pacto se encontrava ao telefone. “Senti ao 23º andar da Torre 1 quando ocorreu terá pedido aos jornalistas que não as
data de nascimento, das pesso- rado nos atentados. o gabinete e o edifício a estremecer co- o impacto do segundo avião, contra a transcrevessem e afirmou, posterior-
as envolvidas também são os mo quando se trata de um sismo, pois Torre 2 do WTC. “Vi cair um dos bancos mente, que tinham sido descontextua-
mesmos. “Perdi o passaporte Habib Zacarias Moussaoui não ouvi o ruído de qualquer avião”, do avião com duas pessoas sentadas e lizadas. Em comunicado, escreveu: “In-
em Denver [Estados Unidos] Este franco-argelino, de 33 explicou o oficial, que trabalha no ga- o que me pareceu ser parte de um mo- terrogado sobre o carácter histórico
em 1995”, justifica Hussein. anos, foi preso quando tentou binete de ligação da Força Aérea com tor. Aí é que ficámos realmente a saber de algumas das minhas personagens,
Esta complicação de nomes inscrever-se num curso de pi- os adidos aeronáuticos das embaixadas que algo de muito grave se passava e respondi que elas eram sempre actuais,
está a confundir os investiga- lotagem nos EUA. Em 1999 foi em Washington. Seguidamente, aban- começou a instalar-se o pânico. Houve como ‘Lúcifer em Nova Iorque’. Recor-
dores. As autoridades filipi- acusado de contra-espiona- donou as instalações, para ser surpre- gente que tentou passar para a frente, dei o papel da destruição na arte. Qual-
nas indicam que quatro dos gem. endido no exterior com colunas de fu- empurrões, pessoas que começaram quer palavra fora deste contexto não se
terroristas teriam passado pe- mo, sirenes, alarmes e helicópteros no a discutir. Uma confusão terrível”, re- relaciona com o que penso.”
los seus aeroportos. Mas dois Ayoub Ali Khan e Mohamed ar. A presença do avião suicida sobre cordou Joe Salgado.
dos referenciados são Ahmed Azmath o Pentágono não causou alarme, aten-
Ghamdi e al-Omari, os mes- No dia do atentado seguiam dendo à vizinhança do Reagan National “SITE” AMERICANO ARRANJA
mos que garantem não ser ter- num voo com origem em Airport. O direccionamento das pistas “A MAIOR OBRA DE ARTE”, 58 MILHÕES DE DÓLARES
roristas... Newark que teve de aterrar. faz com que o Pentágono seja sobrevo- DIZ STOCKHAUSEN
Detidos num comboio no Te- ado pelas aeronaves que ali aterram Um “site” da Internet subsidiado por
“Uma missão do 007?” xas, traziam consigo x-actos. e levantam. Há documentação oficial Os atentados terroristas nos Estados gigantes da tecnologia norte-americana
Nos EUA, o FBI está a centrar Os inquéritos revelam que te- que salienta o facto de a colocação do Unidos da América foram “a maior obra conseguiu recolher cerca de 58 milhões
a investigação em cinco ho- riam a intenção de sequestrar aeroporto pôr em causa a segurança do de arte jamais realizada. Que esses espí- de dólares em donativos para ajudar no
mens das testemunhas deti- o avião. Pentágono. ritos tenham conseguido, num só acto, esforço de recuperação dos ataques da
das, que conheceram os ter- o que os músicos apenas ousam sonhar semana passada em Nova Iorque e em
roristas ou teriam mesmo Al-bader al-Hazmi — ensaiar como loucos durante 10 anos Washington. O American Liberty Par-
conhecimento dos ataques. To- Este radiologista saudita, de DIRIGENTE DE ASSOCIAÇÃO para um concerto e depois morrer —, tnership irá entregar a quantia a quase
dos têm origem árabe e com- 34 anos, poderá ter fornecido PORTUGUESA ESTAVA NUMA TORRE essa é a maior obra de arte de todo o 30 associações de caridade, incluindo a
portamentos suspeitos. Ali ajuda técnica e financeira aos cosmos.” Foram estas as polémicas pa- Cruz Vermelha, o Exército de Salvação
Khan e Azmath traziam cai- piratas do ar. O “Dallas Mor- O vice-presidente da associação portu- lavras proferidas pelo compositor ale- e o New York State World Trade Center
xas com x-actos — instrumen- ning News” indicava que ele guesa Lar dos Leões de Nova Jersey, mão Karlheinz Stockhausen durante Relief Fund. Os donativos recebidos de
to de ameaça utilizado pelos tinha lugar reservado para um Joe Salgado, foi um dos ocupantes da uma conferência de imprensa que de- organizações públicas ou comerciais
piratas do ar —, Moussaoui voo da United Airlines com Torre 1 do World Trade Center (WTC) correu no domingo, em Hamburgo, que serão utilizados para ajudar na recons-
já tinha sido preso por contra três outros suspeitos. O seu que conseguiu sobreviver ao atentado, levaram a organização do Festival de trução dos edifícios e na assistência
espionagem, suspeita-se que nome indicia a possibilidade apesar de a sua fuga para o exterior Música daquela cidade a cancelar os médica e financeira aos sobreviventes.
outro seja da família de um de ser familiar de um dos pi- ter demorado “40 longos minutos”. A dois concertos do compositor agenda- O site faz actualizações constantes re-
dos piratas do ar. ratas do ar. fuga deste funcionário do banco First dos para anteontem e ontem, conside- lativamente à evolução dos esforços de
Os agentes realizaram bus- Union, no 43º andar da Torre 1, é conta- rando-as “imperdoáveis”. “Imaginem recuperação e dos próximos passos do
cas no complexo residencial Incógnita da na edição de ontem do bissemanário o que se passou. Cinco mil pessoas con- processo. Os parceiros da American
onde vários familiares de Bin Do quinto suspeito apenas se “Luso-Americano”. Embora natural centradas numa representação são le- Liberty Project incluem a Amazon.com,
Laden vivem, escrevia ontem sabe que é um homem de ne- da Galiza, Joe Salgado tem-se mantido vadas, num instante, através da ressur- a AOL Time Warner, a Cisco Systems,
o “Boston Herald“. O jornal gócios de Orlando. ligado ao Lar dos Leões, onde foi um reição. Não poderia jamais consegui-lo. o eBay, a Microsoft e o Yahoo!.
D E S TA Q U E 1 3
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 20 SET 2001
A PRIMEIRA MENSAGEM
Arafat, que muitos acusam de não ter
estratégia, agiu desta vez metodicamente.
Minutos depois de os pilotos kamikazes
supostamente recrutados por Bin Laden
se terem feito explodir contra o World
Trade Center e o Pentágono, o líder pa-
lestiniano enviou uma mensagem para a
Casa Branca a exprimir condolências. As
palavras perderam força devido às ima-
gens televisivas que mostravam palesti-
nianos a celebrar a tragédia americana.
Embaraçada, explicou o diário britânico
“The Guardian”, a liderança palestiniana
enviou uma segunda mensagem, subli-
nhando que os celebrantes eram uma
pequena minoria de “ignorantes” não
representativos do povo. A seguir, Arafat
fez questão de ser filmado e fotografado a
dar sangue para as vítimas dos atentados.
Insensível a estes gestos, Sharon enviou Arafat decidiu dar sangue para as vítimas americanas de modo a apagar
tanques para Jenin, Jericó, Ramallah e as imagens de palestinianos a celebrar os ataques contra os EUA
Gaza, provocando dezenas de vítimas,
entre civis e guerrilheiros. O seu ministro
da Defesa, Benjamin ben-Eliezer, chegou
a vangloriar-se: “Sim, matámos palesti-
se inicialmente relutante. Ele não tinha
concordado com a passividade de Israel
O PONTO DE VIRAGEM
nianos e o mundo nem piou.” em 1991, quando mísseis iraquianos caí- O fim-de-semana terá sido o ponto de vira-
ram sobre Telavive — a contenção tinha gem. O Presidente do Egipto e o rei da Jor-
OS CONTACTOS DE POWELL sido pedida pelo então Presidente George
Bush (pai de George W.) — para garantir
dânia, conscientes de que Sharon come-
tera um erro de cálculo, endureceram as
Não foi bem assim. Nesse preciso ins- a presença da Síria e de outros árabes suas posições. Hosni Mubarak foi à CNN,
tante, o secretário de Estado norte-ame- na coligação anti-Saddam. Powell fez pos- em horário nobre, dizer que Bush lhe pro-
ricano, Colin Powell, estava a iniciar teriormente mais quatro telefonemas a metera pessoalmente ser mais activo na
contactos exploratórios com países mu- Arafat, a quem terá dito: “Apesar do vosso procura de um cessar-fogo, mas que Sha-
çulmanos do Médio Oriente e da Ásia sofrimento, peço-lhes que façam avan- ron “estava a aproveitar a oportunidade de
para os convencer a integrar uma vasta çar o processo de paz.” O líder da OLP, lançar ataques que terão terríveis reper-
coligação, semelhante à que ele ajudara adiantou o “Guardian”, insistiu numa cussões”. Abdallah bin Hussein comentou
a formar em 1990-91 no Golfo. Powell sa- cessação da ofensiva militar israelita nas que os ataques nos EUA não teriam aconte-
be como é importante obter este apoio áreas autónomas palestinianas, e Powell cido se Bush tivesse ajudado a reconciliar
num eventual ataque ao Afeganistão, go- telefonou a Sharon. israelitas e palestinianos.
vernado pelo mais fundamentalista dos
regimes islâmicos. Porque lutar contra
Cabul não é o mesmo que lutar contra
A DESOBEDIÊNCIA DE “ARIK” A “CHANTAGEM” DO DINHEIRO
Bagdad. No caso do Iraque era mais fácil, A resposta de “Arik” Sharon chegou no Na segunda-feira, Sharon recebeu outro
os árabes justificaram o alinhamento com sábado, quando decidiu cancelar um en- telefonema. Bush ter-lhe-á lembrado que
o “parceiro estratégico de Israel” pelo fac- contro entre Peres e Arafat, marcado para Israel é o maior receptor mundial de ajuda
to de irem socorrer um “irmão” (Kuwait) domingo, e fazer o seguinte comentário ao dos EUA (3000 milhões de dólares anu-
invadido por outro “irmão” (Iraque). “Yediot Ahronot”, o mais influente diário ais). E terá recordado também que, em
hebraico: “É inconcebível conceder [a 1991, o seu pai reteve garantias de mui-
A INTERVENÇÃO DE BUSH Arafat] legitimidade só porque alguém
pensa que pode facilitar a inclusão de
tos milhões de dólares de créditos bancá-
rios para forçar Yitzhak Shamir, o então
Os árabes — sobretudo o Egipto, a Jordâ- países árabes na sua coligação. Não paga- primeiro-ministro do Likud (partido de
nia e a Arábia Saudita — aproveitaram remos o preço da criação desta aliança.” Sharon), a iniciar negociações de paz com
as suas declarações de pesar para lem- Ordenou de seguida o estabelecimento os árabes. Na terça-feira, Arafat enviou
brar a Powell que foi o desprezo a que de uma zona-tampão na Cisjordânia, en- mais uma mensagem à Casa Branca. Es-
o seu Governo votou o conflito israelo- cerrada a todos os palestinianos, excepto tava disponível para fornecer segredos
palestiniano que permitiu uma escalada os camponeses locais. Justificou a acção sobre os laços de facções islamistas pa-
no sentimento antiamericano. Foi então como sendo a sua própria “luta contra o lestinianas com a rede de Bin Laden: “O
que George W. Bush terá telefonado a Sha- terrorismo”. Bush terá dito que sentia in- nosso objectivo é garantir um mundo em
ron, exortando-o a autorizar um encontro sultado por Sharon ter comparado Arafat que prevaleçam a segurança, a paz e a
entre Arafat e Peres, porque isso seria a Bin Laden. Sobretudo porque os EUA justiça, e faremos o possível para atingir
de “interesse, a longo prazo, na guerra tinha perdido, num só dia, mais vidas do esse fim”. No mesmo dia, Sharon ordenou
contra o terrorismo”. Sharon mostrou- que Israel em décadas de conflito. às suas tropas um cessar-fogo.
1 4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 20 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
13:58 - RTP2
RTP1 RTP2 SIC
20:48 - RTP1
lidera, concorrência
TVI inicia telenovelas
Internacional 15
primeiro canal
a dar a notícia
SIC
emite publicidade
13:11
13:32
13:53
14:14
14:35
14:56
15:17
15:38
15:59
16:20
16:41
17:02
17:23
17:44
18:05
18:26
18:47
19:08
19:29
19:50
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20:32
20:53
21:14
21:35
21:56
12:50
dades ou sem elas, por co- que foi encetada uma in-
mentadores com prepara- vestigação policial para
Fonte: Marktest Período Horário
ção específica ou por simples cidadãos. descoberta dos autores dos crimes. A sequên-
Na terça-feira, passei por uma sequência de cia de tal investigação é que, de algum modo,
sentimentos que iam da mais viva surpresa à poderá ser, digamos, “atípica”.
mais revoltada das indignações, como suponho A qualificação dos ataques como actos de
que aconteceu com a maioria esmagadora das guerra, a mobilização de 50 mil reservistas
pessoas. Tudo isto à mistura com uma sensação das Forças Armadas e o anunciado cenário de
de incredulidade sobre o que se estava a desen- ofensivas militares são sinais claros de que
SIC liderou, mas RTP2
noticiou primeiro
rolar e de impotência face à impossibilidade de não se prevê como fácil fazer sentar nenhum
travar o que de mal pudesse ainda acontecer. arguido perante o tribunal.
Acontece que poucos dias antes da catástrofe A repressão penal irá, portanto, ceder à
eu estava lá. Lá em Manhattan, lá nas “Twin retaliação militar. O que aconteceu à América
Towers”. Vivi, portanto, estes acontecimentos vai com certeza ser objecto de aturados estu-
condicionado por recordações bem recentes e dos, nos anos vindouros, sobre as fronteiras
vergado sob o peso do aleatório que se inscreve do Direito Penal, incluindo os crimes de ter- A RTP conseguiu finalmen- Trade Center, a RTP2 esteve
nas nossas vidas. rorismo e os conflitos armados, próprios do
ESTUDO SOBRE te liderar as audiências, ainda sempre em último lugar nas
À certeza de que após 11 de Setembro o mun- estado de guerra. INFORMAÇÃO TELEVISIVA que por poucos minutos, às contagens. O “share” diário
do não será o mesmo somam-se prudentes dú- O ataque de 11 de Setembro, pelos propósitos 20h48 (com 37,3 por cento, con- de 5,4 por cento foi até infe-
vidas sobre qual será o rumo da mudança. que se supõe lhe subjazem, pelo país atingido, tra 24,8 da SIC e 24,9 da TVI), rior ao registado na terça-fei-
Obviamente que a pretensão de invulnera- pelas vítimas causadas, ou pela metodologia A informação da SIC mas não por mérito próprio: ra da semana anterior (5,7) e
bilidade por parte de um Estado, qualquer que utilizada, é inusitado e abalou os parâmetros foi a mais vista no dia nessa altura, as duas estações à média dos meses de Julho e
ele seja, bem como de completa segurança por relativamente claros dentro dos quais nos habi- dos atentados. A RTP1 concorrentes fizeram inter- Agosto. Segundo os dados da
parte de cada um de nós, simples cidadãos, tuámos a raciocinar. Por um lado, os actos come- valo para publicidade. O mes- Marktest, a categoria vídeo/
surge agora como assustadora e terrivelmente tidos dificilmente se enquadrarão na definição só conseguiu liderar mo aconteceu precisamente outros, onde se inclui a TV
ridícula. Só que uma coisa é a humildade de tradicional de guerra ou de conflito armado quando a concorrência uma hora depois, mas então Cabo e a parabólica, registou
reconhecer limitações e outra a desistência internacional, não tanto por falta de emprego passava publicidade. a diferença em relação à SIC um aumento em relação à mé-
de combater o mal que nos atinja. E digo nos de uma violência, que neste caso até foi espan- e à TVI não chegou a superar dia de “share” dos últimos
atinja, porque os aviões que se despenharam tosa, mas sobretudo por se tratar, até ver, de
Foi a RTP2 a primeira a um por cento. meses — que não tem fugido
nos EUA também, de certo modo, caíram em ocorrência isolada. Por outro lado, a dimensão dar a notícia A TVI retomou as rédeas dos oito por cento —, cifran-
qualquer dos países que se reclamam da cha- da catástrofe resiste a um tratamento próprio só das audiências a partir das do-se em 10,1 por cento. Para
mada civilização ocidental. Quanto mais não de Direito Penal, ainda que internacional. MARIA LOPES 21h56 para não mais as largar, este crescimento terá contri-
seja porque uma cultura que nos envolve torna- Quer se trate de um acto de guerra a que não com informação mas com buído o facto de a SIC Notí-
nos próximos, sem necessidade de grandes se ripostará em termos também bélicos, quer O primeiro canal português três telenovelas: Anjo Selva- cias ter sido vista por 30 mil
opções, daqueles que foram agora vítimas di- se trate de um acto terrorista que provoca o de sinal aberto a noticiar o gem, à cabeça, logo seguida espectadores, quando a média
rectas da catástrofe. E também não tenhamos desencadear de uma guerra, ou ainda de um embate dos dois Boeing nas de Filha do Mar e Olhos de costuma rondar os dez mil.
dúvidas de que nem todas as culturas se equi- crime, vários crimes, a que se reage em termos torres gémeas do World Tra- Água. Apesar da liderança da SIC
valem, porque nem todas apostam na coexis- de Direito Penal Internacional, reclama-se uma de Center foi a RTP2, dois mi- O sucesso das novelas do no “share” global do dia, o
tência pacífica da diferença. resposta firme. nutos antes da SIC e quatro quarto canal deram-lhe o canal de Carnaxide continua
Um ponto entre muitos outros poderá reque- Quanto ao que possa ou deva ser tal resposta, antes da RTP1 e TVI. A RTP2 maior “share” global do dia sem conseguir inverter a ten-
rer reflexão e provavelmente mudança nos parece haver amplo consenso no sentido de que transmitia na altura o bloco (32,3 por cento contra 29,9 da dência descendente dos últi-
conceitos e estratégia de actuação. não deve ser protagonizada só pelos EUA. Ao noticioso “Euronews”, em si- SIC e 22,3 da RTP1), mas nos mos meses — 35,5 por cento
Será a questão da fronteira entre o mundo invés de uma liderança “sobre”, interessaria multâneo com a estação por serviços noticiosos ocupou em Julho, 34,7 em Agosto, 31,4
da repressão do crime e o da guerra. Ou seja, uma liderança deste país “com” os outros Es- cabo do mesmo nome, como é apenas o segundo lugar (27,9 a 4 de Setembro.
do Direito que se socorre da força e o da força tados, e ver qual o papel do Conselho de Segu- habitual. Os principais blocos por cento), seguida de perto O estudo da Marktest me-
que se pretende não esqueça o Direito. rança da ONU em tudo isto. Os Estados Unidos noticiosos dos quatro canais pela RTP1 (27,2). Mesmo ten- diu ainda o índice de fide-
Nos sistemas penais de ressonância ética da América têm a seu lado neste momento não de sinal aberto ocuparam, no do sido a primeira a dar a no- lidade dos telespectadores,
como o nosso, crime, na sua expressão mais só quantos poderão ser apelidados de seus alia- dia do atentado, 29h02m07s de tícia dos atentados no World concluindo que a RTP1 con-
simples, será toda a acção humana que causa dos em termos geopolíticos como todos aqueles emissão. seguiu “agarrar” mais o pú-
um mal reputado grave a outrem, indivíduo ou que estão contra o terrorismo internacional. Nesse dia, durante os perí- blico, com uma taxa de 60,7
sociedade. Os chamados crimes de guerra são E não são nada poucos. odos de emissão de notícias, NÚMEROS por cento, seguida pela TVI
simplesmente crimes cometidos durante ou A reacção que se vier a levar a cabo, como qual- a SIC liderou as audiências com 58, enquanto a SIC se fi-
na prática da guerra, mas não se confundem quer comportamento humano, não pode prescin- com 33,5 por cento de “sha- 37,3 por cento de “share” cou pelos 49,4, e a RTP2 com
com ela. O actual crime de agressão, também dir de uma dimensão ética. Um procedimento re”, mas a maior fidelização Momento de maior 42,6.
previsto desde Nuremberga na área do Direi- punitivo será “selvagem” se ceder à tentação do de público coube à RTP1. liderança, na RTP1, às Quando a notícia surgiu, os
to Internacional Penal, assumir-se-ia na sua puro mecanismo de bode expiatório e será inútil, De acordo com um estudo 20h48 blocos informativos da hora
dimensão mais estrita como emprego da força quando não contraproducente, se se limitar a realizado pela Marktest com de almoço estavam pratica-
por parte de um Estado, contra a soberania, acrescentar a um sofrimento outro sofrimento, o objectivo de identificar as 60,7 por cento mente na recta final e, de re-
a integridade territorial ou a independência em ambos os casos de vítimas inocentes. mudanças de liderança e os Maior grau de fidelização, pente, tiveram de, literalmen-
política de outro Estado, ou por qualquer ou- Mas a reacção pode e deve alcançar objectivos picos de audiência mais sig- na RTP1 te, ser esticados. E acabaram
tro modo incompatível com a Carta das Na- utilitários. Extirpar o terrorismo, qualquer que nificativos ao longo da emis- por durar a tarde inteira. O
ções Unidas. Esta aproximação à definição de ele seja, passa pela punição dos responsáveis são do dia 11 nos quatro ca- 29h02m07s mais longo foi o Jornal da
agressão, proporcionada por uma resolução sem hesitações. Porque nada, absolutamente nais, a tarde informativa, até Tempo de informação nos Tarde da RTP1 (seis horas e
da Assembleia Geral da ONU de 1974, revela nada, justifica uma estratégia de terror. às 19h30, foi liderada pela SIC, quatro canais 50 minutos), seguido pelo TVI
as dificuldades com que todos se têm debatido A “riqueza” da realidade, neste caso horro- embora a diferença de “ra- Jornal (seis horas e oito mi-
para se circunscrever o crime de agressão, rosa, suplanta claramente a ficção. ting” (audiência média em de- “Share” (%) nutos), e só depois pelo Pri-
ou contra a paz, como também já se apelidou. Um grupo de indivíduos, ao que parece me- terminado momento) entre notícias global dia meiro Jornal da SIC ( cinco
A ponto de o Estatuto de Roma que criou o nos de seis, domina em cada avião dezenas de os três principais canais não SIC 33,5 29,9 horas e 57 minutos). O Jornal
Tribunal Penal Internacional se ter abstido de pessoas. Usa para tanto, também ao que pare- tenha sido muito significati- TVI 27,9 32,3 da Tarde da RTP1 terminou
definir, por ora, esse crime, e diferido, portanto, ce, instrumentos cortantes aparentemente de va. A interrupção para publi- RTP1 27,2 22,3 oito segundos antes do início
a efectivação da competência do tribunal nessa utilização banal. A sequência são milhares de cidade às 19h32 foi fatal para RTP2 10,3 5,4 do Telejornal, enquanto a SIC
matéria para mais tarde. vítimas, incluindo os próprios, danos materiais a SIC, fazendo o seu “share” fez um intervalo de 11 segun-
Seja como for, estaremos ainda aqui a movi- e morais incomensuráveis. cair dos 34,4 por cento para dos entre o Primeiro Jornal
mentar-nos no domínio do Direito Penal. A Morrer voluntariamente matando ou é insa- 26,7 no minuto seguinte, ao e o especial que chamou de
raciocinar em termos de uma resposta repres- nidade mental ou é desespero. Como é que será passo que a TVI subia de 31,9 Ameaça Mundial — que subs-
siva clássica, assente na tríade investigação/ possível olhar de frente esta realidade? para 36 por cento. Até às 20h25 tituiu o Jornal da Noite. Mais
a liderança foi alternando en- longa foi a pausa entre o TVI
tre a TVI e a estação de Car- Jornal (almoço) e o Jornal Na-
Procurador-Geral da República naxide. cional: 12m43s.
D E S TA Q U E 17
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 20 SET 2001
INQUÉRITO
Sampaio diz que segurança não pode 1. O que mudou no mundo?
Nenhum As autoridades
dos anteriores palestinianas
8,3% O governo 10,9%
de Israel
4,6%
Ns/Nr
Não 6,1%
7,1%
Sim
86,8%
Ns/Nr
10,5%
Sim
40,5%
Não
49,0%
Tal como aconteceu com os norte-americanos, o receio de um atentado fez com que os portugueses admitissem limitar direitos
D E S TA Q U E 1 9
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 20 SET 2001
NERVOSISMO
Estados Unidos preparam pacote DOMINA BOLSAS
de relançamento económico RICK WILKING/REUTERS
Os principais mercados
bolsistas voltaram
ontem às quedas, por
receio de uma recessão
NOVA REDUÇÃO DE pela OCDE apontam mesmo nos Estados Unidos
para um crescimento nulo (ver
IMPOSTOS EM ESTUDO pág. 29). Um relatório da Re- ROSA SOARES
serva Federal ontem publica-
Republicanos e do indicava claramente que Os mercados accionistas eu-
não havia sinais de retoma na ropeus encerraram ontem no
Democratas unidos economia antes dos ataques “vermelho”, à excepção da bol-
contra a recessão. terroristas de 11 de Setembro. sa de Lisboa, demonstrando
Congresso aconselha- Mais, um inquérito sobre o nervosismo e apreensão em re-
estado do consumo privado lação a uma eventual recessão
se com Greenspan e realizado no dia 10 mostrava económica nos Estados Unidos.
encontra-se com que este se encontrava estag- Os receios de que a resposta
George Bush nado ou mesmo em contrac- norte-americana aos atenta-
ção. Uma revelação particu- dos terroristas possa desenca-
larmente grave, quando se dear uma guerra prolongada,
INÊS SEQUEIRA, com agências sabe que é o desempenho des- envolvendo armas químicas
te agregado macroeconómico e nucleares, também está a
Os dirigentes do Congresso que tem impedido a economia condicionar as decisões dos
norte-americano lançaram-se dos EUA de entrar em con- investidores.
ontem num processo de con- traccção. Muitos economistas As bolsas europeias estive-
sultas, que incluiu audiências acreditam que depois dos ata- ram muito voláteis durante a
com o presidente da Reserva ques, a confiança dos consumi- manhã e agravaram as perdas
Federal (a autoridade monetá- dores irá entrar numa espiral depois da abertura das bolsas
ria dos Estados Unidos) e ou- de descida e afectar especial- nova-iorquinas, que ainda se
tras personalidades-chave — mente as companhias de avia- conseguiram aguentar positi-
como o principal assessor eco- ção, a indústria de turismo e vas durante uns minutos, mas
nómico do Presidente George as seguradoras. depois inverteram para for-
Bush, Lawrence Lindsey, e o tes perdas. A meio da sessão, o
antigo secretário do Tesouro Companhias aéreas pedem principal índice de Wall Stre-
Robert Rubin, que fazia parte 17,5 mil milhões de dólares et, o Dow Jones, perdia três
do Executivo do ex-Presidente As transportadoras aéreas dos por cento, e o Nasdaq, habitu-
Bill Clinton. Estados Unidos, que já antes almente mais nervoso e que
Objectivo: preparar um pa- dos atentados previam um agrupa as empresas da chama-
cote de medidas que ajudem a mau ano para o sector a nível da “nova economia”, recuava
relançar a economia, perante mundial, pedem agora ajudas 4,5 por cento. Os analistas ad-
receios de recessão na sequên- estatais no valor de 17,5 mil mitem que nos próximos dias
cia dos atentados terroristas milhões de dólares. O núme- se vai continuar a assistir a
de dia 11. Desenha-se assim ro terá sido ontem apresenta- uma forte volatilidade, até por-
um período de tréguas entre do por um representante da que as notícias que vão surgin-
os dois tradicionais oposito- norte-americana Associação do sobre as empresas não são
res no Congresso. Os líderes de Transporte Aéreo numa au- muito animadoras e vão con-
republicanos e democratas no dição realizada pelo Congres- tinuar as revisões em baixa
Senado e na Câmara de Repre- so, que está a ponderar o lança- de resultados previstos, como
sentantes — respectivamente, mento de um pacote de ajudas aconteceu ontem com a Kodak
câmara alta e baixa do Con- de emergência destinado espe- ou a Adobe Systems.
gresso — puseram, por en- cificamente ao sector.
quanto, de parte as divergên- Os valores ontem apresen- Petróleo recua
cias sobre o orçamento e o tado aos congressistas pelo ad- A volatilidade também é a pa-
destino a dar aos excedentes do ministrador-delegado da Delta lavra de ordem na fixação do
sistema de Segurança Social. Air Lines, Leo Mullin, signi- preço do petróleo e nos merca-
O eventual lançamento de fica todavia um pequeno re- dos cambiais. No caso do petró-
um pacote de ajudas económi- trocesso face às ajudas de 24 leo, a cotação já recuou para
cas está a ser bem acolhido pe- mil milhões de dólares inicial- níveis inferiores aos da semana
lo Presidente norte-america- As medidas em preparação podem abranger redução de contribuições para a Segurança Social mente pedidas pela indústria. anterior ao atentado. Ontem,
no, que irá tomar uma decisão A proposta anterior incluía 7,8 o preço do barril de Brent do
definitiva depois de discutir mil milhões de dólares em cor- Mar do Norte, para entrega em
o assunto com os seus assesso- descida dos impostos era ainda sobre os rendimentos de ca- na cresceu apenas 0,2 por cen- tes de impostos específicos da Novembro, referência na Bolsa
res económicos e os membros antes dos atentados conside- pital com a venda de acções, to no segundo trimestre deste actividade — como a suspen- de Londres, caiu logo a seguir
do Congresso, afirmou ontem rada um passo necessário por ideia que continua a não ser ano, mostrando já sinais de in- são da taxa sobre o combustí- à abertura, transaccionando-
um porta-voz da Casa Branca. alguns congressistas — os Re- bem acolhida pelos seus opo- disposição antes dos atentados vel utilizado pelas companhias se a 26,85 dólares (28,951 euros),
Os dirigentes tinham já ontem publicanos defenderam uma sitores. terroristas do passado dia 11. (“jet fuel”) — que os juristas contra o encerramento a 27,27
um encontro agendado com redução temporária das taxas A economia norte-america- Estimativas ontem divulgadas indicaram não estarem garan- dólares (29,404 euros) na terça-
Bush, a realizar-se na sequên- tidos. feira. Esta tranquilidade pode
cia das consultas aos analistas Outros 11,2 mil milhões de ser explicada pela posição da
económicos. DESPEDIMENTOS EM MASSA NO SECTOR AÉREO dólares exigidos pelo sector di- OPEP, que está a dar sinais de
“Estou confiante em que po- zem respeito a garantias de querer estabilizar o preço à vol-
demos trabalhar com o Con- Boeing — O maior fabricante aeronáutico nor- Continental Airlines — A companhia norte- empréstimo que seriam supor- ta dos 25 dólares (26,957 euros)
gresso para formar um paco- te-americano prevê entre 20 mil e 30 mil des- americana anunciou 12 mil despedimentos e tadas pelo Governo Federal, por barril, mas também pela
te de estímulos económicos pedimentos, cerca de 15 por cento da sua força redução da actividade. enquanto os restantes cinco expectativa e queda de consu-
que envie um sinal claro que o de trabalho, devido a uma revisão em baixa das mil milhões seriam ajudas di- mo da aviação comercial.
Governo vai actuar”, afirmou entregas previstas até 2003. Virgin Atlantic Airways — A companhia do rectas em dinheiro, especifi- Nos mercados cambiais con-
Bush no início desta semana. britânico Richard Branson anunciou 1200 des- cou o vice-presidente da asso- tinua a assistir-se a uma pe-
Uma das principais medidas American Airlines — A maior companhia aé- pedimentos. Ficarão em terra cinco Boeing ciação, Michael Wascom. “Isto nalização do dólar face ao eu-
em cima da mesa são novos rea mundial avisou que pode declarar falência 747-200. Supressão de um quinto dos voos não é uma fiança”, disse. “É de ro. O euro recuperou para os
“cortes” de impostos, mas a se não tiver ajudas do Estado. transatlânticos. sobrevivência que estamos a 0,9302 dólares, uma alta tam-
Casa Branca tem indicado nos falar”. bém acompanhada pela libra,
últimos dias ser ainda muito United Airlines — A segunda maior companhia Lufthansa — Supressão de três rotas intercon- As estimativas da ATA apon- que se fixou nos 0,6332 euros. Já
cedo para especificar em que aérea dos EUA estará preparada para anun- tinentais no horário de Inverno (final de Outu- tam para mais de 100 mil des- o iene caiu, durante a manhã,
termos isso iria ser realizado. ciar a supressão de 20 mil empregos — 20 por bro). pedimentos no sector durante pela primeira vez em quatro
A redução das contribuições cento da sua força de trabalho. A informação, os próximos meses. Dezenas dias contra o dólar, na sequên-
pagas pelos trabalhadores pa- avançada pela CNN, não foi ainda confirmada Air France — Redução dos investimentos e de milhares de despedimen- cia da intervenção do Banco do
ra o fundo de Segurança So- pela empresa. despesas não ligadas à segurança e à ope- tos e redução das operações fo- Japão.
cial e o sistema de saúde norte- ração. Redução da capacidade em cinco por ram anunciados pela indústria No mercado do ouro, em Lon-
americano (Medicare) é uma US Airways — A sexta maior transportadora cento no frete face ao ano passado. Reajusta- de transporte aéreo na última dres, assistiu-se a uma queda
das “muitas opções” em aná- aérea dos Estados Unidos anunciou 11 mil des- mento da frota área. semana (ver caixa), que antes na cotação, com a onça a cair
lise pelo governo federal, ad- pedimentos, quase dez por cento dos seus dos atentados previa um mau para os 289 dólares (312,473 eu-
mitiram já os porta-vozes da efectivos. Redução das operações em 23 por British Airways — Deverá reduzir os efectivos ano devido ao abrandamento ros), contra 290 dólares (313,069
Presidência. Uma eventual cento. e a actividade. da economia mundial. euros) na véspera.
E S PA Ç O P Ú B L I C O 21
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 20 SET 2001
As péssimas ideias
uma semana dos atentados terro- ca vez que o atentado tem autores, como se
ANA SÁ LOPES
Os ‘kamikazes’
O primeiro-ministro, como é costume, deu silgo fala da intenção de Bush, Blair, Barak
o exemplo negativo, mais negativo de todos
porque veio de cima, de um discurso hipó-
crita, retórico nas palavras mas temeroso
JOSÉ PACHECO PEREIRA (Barak? — o primeiro-ministro de Israel é
Sharon já há muito tempo...) e Putin quere-
rem conduzir uma “batalha dos países livres
cá de casa
nos actos e que objectivamente deixa os EUA e democráticos contra o terrorismo”. Pinta-
texano Bush filho não terá ul-
O
isolados. Mas não esteve sozinho, esteve bem tasilgo escreveu na “Visão” de 12/9/2001. A silgo põe entre aspas esta última frase para
acompanhado pela ausência de vozes cla- primeira coisa que incomoda a quem o lê é se distanciar ainda mais de classificações trapassado a fase dos livros e
ras que mobilizassem os portugueses para que, sendo o artigo escrito imediatamente que a incomodam — ela acha que os EUA filmes de “cowboys”: o “procu-
um combate que é também o seu. A guerra a seguir aos atentados terroristas, não há ou o Reino Unido ou Israel não devem ser ra-se vivo ou morto” lançado
que vem aí não é dos americanos, é do nosso nele um átomo de qualquer genuíno senti- chamados de “países livres e democráticos”, esta semana atira-nos para dentro de
modo de vida, cultura e civilização, contra mento pelos mortos. Estes não têm direito nem o terrorismo de “terrorismo”. O que um “saloon” e, também de repente, pa-
o intransigente “espírito da morte” como a qualquer “dor” que não seja ela própria Pintasilgo deseja são “fronteiras de paz”, ra o lendário Roy Bean, autoproclama-
instrumento político e os interesses que o enunciada como parte de um argumento “que não sejam novas linhas divisórias entre do juiz por ter toda a sabedoria da lei,
manipulam. político: a “mesma dor que sinto perante os que podem viver uma vida digna e livre” aquela que assiste a quem mais vezes a
Nessa resposta medíocre — e perigosa, todos os injustiçados”. Percebe-se, lendo o e os que “são rejeitados para as margens da infringiu. (Com esta frase ameaçadora,
pois deixa as portas abertas ao terrorismo artigo, que os terroristas vêm também do história”. Estes mecanismos da dualidade segundo a falcoaria emergente, já esta-
—, avultam um conjunto de posições daquilo lado dos “injustiçados” e que, por ironia traem de novo Pintasilgo, porque apresen- rei a legitimar a destruição do World
que a nossa imprensa às vezes chama de cruel, as vítimas só têm direito à “dor” por- tam mais uma vez uma justificação moral Trade Center. Resta-me um telefonema
“senadores”. A designação, mesmo nos ter- que partilham do qualificativo desresponsa- dos atentados. urgente a um psiquiatra: serei eu, dou-
mos ambíguos com que é usada, mistura bilizante com que a autora classifica os seus Quem se lembre do modo como de há muito tor, Osama bin Laden?)
políticos, como Mário Soares, que estão com- assassinos. Se não fora assim, seriam apenas se justifica o terrorismo à esquerda reconhece A coisa não se prestaria a graças se não
pletamente no activo, com outros que vivem americanos, alvos legítimos. imediatamente esta maneira de pensar. Não tivesse emergido na habitualmente ter-
numa espécie de limbo de onde, de vez em É um artigo escrito do princípio ao fim adianta repetir sequer pela milionésima vez na Lusitânia uma onda ‘kamikaze’, que
quando, se dignam regressar para nos eluci- para criticar os EUA, culpabilizando-o do que o terrorismo profissional pouco tem a quer a guerra total (a definitiva, segun-
dar com a sua sabedoria do mundo. As suas do Pacheco Pereira, a que acabará com
intervenções públicas são rodeadas de uma tudo, e, no entanto, imprescindível, es-
espécie de pomposidade reverencial, que as N Ã O É A P O B R E Z A N E M A I N J U S T I Ç A que geram o sencial, urgente). Aparentemente, a on-
protege do escrutínio crítico. Manifesta-se da, se pudesse, fazia uma caça às bruxas
terrorismo, mas a intolerância política e religiosa, as razões de alguns Estados choronas: o estranho é que, entre essas
aqui, como noutros lados, o horror à política
que o salazarismo nos deixou de herança, a pouco recomendáveis, e, acima de tudo, a recusa da democracia, da liberdade bruxas, para além de uns meninos de
enorme incomodidade com a opinião desa- lenço ao pescoço, também se incluem
frontada, com o confronto político e partidá-
ERIC DE CASTRO/REUTERS uma quantidade de veteranos com histó-
rio fundado em posições sem rodriguinhos e ria pró-americana, portanto, com currí-
não envoltas em dez mil desculpas. Não são culo devidamente legitimado e cadastro
“senadores”, nem discursos “senatoriais” limpo junto da CIA.
pairando no Olimpo que faltam na política Os ‘kamikazes’ cá de casa que querem
portuguesa, mas uma vida partidária quali- a guerra, implacável e inadiável, ma-
ficada que, mais uma vez, se mostrou não nifestam misteriosamente mais pressa
existir, em consonância com uma opinião que o insuspeito Co-
pública actuante. lin Powell. Contra
O caso de Maria de Lurdes Pintasilgo é quem, parece coisa Os ‘kamikazes’
típico. A engenheira é uma das personagens de somenos. Con- cá de casa que
que a esquerda portuguesa acha inatacáveis, tra os países que
sejam as suas opiniões das mais sinistras, albergam terroris- querem a
como se verifica no caso vertente. Antiga tas? Evidentemen- guerra,
primeira-ministra, não se lhe conhece qual- te que a guerra, co- implacável e
quer obra governativa, a não ser uma insis- mo já lhe chamam
tência obsessiva em tomar à letra a obriga- os americanos e ou- inadiável,
ção inscrita na Constituição de 1975 de que tros democratas, te- manifestam
devia haver um plano para a economia por- rá de começar no in- misteriosamente
tuguesa. Só Pintasilgo insistia nesta sobre- terior dos próprios
vivência do PREC, com origem nos planos Estados Unidos, on- mais pressa que
quinquenais soviéticos, que nunca ninguém de foram treinados o insuspeito
pensou implementar. Depois de sair do poder os ‘kamikazes’ da Colin Powell.
— onde esteve por escolha presidencial e barbárie de 11 de
Setembro. Evidentemente
não por ter ganho qualquer eleição —, criou
um movimento “pintasilguista”, ao modelo Com a invasão do que a guerra terá
das reuniões da Tupperware, que mereceu Afeganistão pela ca- de começar no
a reverência entusiasmada de tudo quanto que aconteceu. Mas, pior ainda: há no artigo ver com “as margens da história”, nem com valaria (e diz o jor-
nalista Robert Fisk, interior dos
era intelectual da esquerda. um elogio implícito dos terroristas, escrito qualquer causa dos pobres ou dos humilhados
As ideias desse movimento são as mesmas obviamente numa linguagem rebuscada, deste mundo. Os terroristas de Nova Iorque e e não está sozinho, próprios
que Maria de Lurdes Pintasilgo ainda tem disfarçando sempre com argumentos elípti- Washington eram gente educada, movimen- que dificilmente se- Estados Unidos,
hoje e assentam numa crítica severa à demo- cos a posição de fundo da autora. Pintasilgo tando cartões de crédito, usando os pontos rá uma operação
militar triunfante) onde foram
cracia representativa e parlamentar, a favor descreve um confronto entre, de um lado, os obtidos nas viagens aéreas como qualquer
de uma imprecisa e nunca definida “parti- EUA, que tem “high tech”, do outro os que homem de negócios e tendo os conhecimen- espera-se, evidente- treinados os
cipação”, sem qualquer legitimidade demo- têm “high concept” como os terroristas. No tos técnicos necessários para pilotar um jac- mente, a continua- ‘kamikazes’ da
crática, e numa ideologia terceiro-mundista combate entre os dois “high”, ganham os que to comercial. Como os seus precursores no ção da barbárie, do
espírito da cruzada, barbárie de 11
e anticapitalista. Todas estas ideias são com- tem “high concept” porque é “nos conceitos terrorismo extremista europeu dos anos 70,
pletamente difusas e confusas quando se tra- sofisticados, rigorosos, bem elaborados, que não são os esgotos a céu aberto dos campos da espiral que, co- de Setembro
ta de precisar os modelos de poder alternati- mesmo os que não têm tecnologia encon- palestinianos, ou a vida dura das montanhas mo o nosso Pache-
vo que propõe e as fontes da sua legitimidade, tram a força com que penetram no âmago afegãs, ou os bairros de lata do México que co Pereira anteviu
mas particularmente precisas no apontar do inimigo”. Pintasilgo está a descrever os geram estes homens, mas sim o fanatismo prodigiosamente, no que Miguel Portas
dos adversários: a economia de mercado, o terroristas, e mesmo expressões como “pe- ideológico ou religioso, associado ao mundo disse poder ser chamada “a crónica dos
modo de vida ocidental, as tecnologias mo- netrar no âmago do inimigo”, como os aviões dos serviços secretos, ao fluxo dos dinheiros últimos dias”, prepara-se para prosseguir
dernas, as grandes nações democráticas. nas torres de Nova Iorque, traem a frieza do da droga, e onde estão presentes os operacio- com a matança de civis inocentes e poderá
Estas ideias, em conjunto com as concep- pensamento. Por trás deste vocabulário de nais das cruéis ditaduras árabes e não só. reduzir, se quiser, tudo a pó.
ções semelhantes do chamado “eanismo”, Pintasilgo, mistificador na sua procurada Não é a pobreza nem a injustiça que geram Evidentemente, os ‘kamikazes’, os funda-
constituíram a última vaga de resistência obscuridade, está uma ideia muito simples: o terrorismo, mas a intolerância política e mentalistas da guerra, parecem neste mo-
à normalização democrática em Portugal. os terroristas têm ideologia, causas e moti- religiosa, as razões de alguns Estados pouco mento estar-se nas tintas. Faz parte da es-
Mário Soares, na primeira volta da cam- vação, as suas vítimas americanas não têm. recomendáveis, e, acima de tudo, a recusa da trutura ‘kamikaze’. E já agora, alguém o
panha presidencial de 1985-86, e Cavaco Sil- Só têm telemóveis, computadores e mísseis democracia, da liberdade e de um modo de disse antes mas é bom repeti-lo: as imagens
va, combatendo pela revisão económica da de cruzeiro. E, por muito que Pintasilgo ne- vida que dá a milhões de seres humanos uma que vimos na televisão do 11 de Setembro
Constituição, venceram-nas politicamente. gue, isto significa dar aos terroristas uma vida decente e que, pouco a pouco, tem vindo não lembram, a não ser o facto geográfico
Mas, mais uma vez, a esquerda não apren- superioridade moral sobre as suas vítimas. a tirar biliões da mais abjecta miséria. de se situarem em território americano, o
de nada, como se vê pelo artigo sobre os aten- Não há parágrafo do artigo — que, por Mas nada disto chega para o “high concept” ataque japonês a Pearl Harbour. Lembram,
tados terroristas que Maria de Lurdes Pin- singular coincidência, não nomeia uma úni- que motiva Maria de Lurdes Pintasilgo. I evidentemente, Hiroxima. I
2001
21 Setembro
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SEX21SET
EDIÇÃO LISBOA
21 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4204
140$00 • €0,70 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico.pt www.publico.pt
TELEVISÃO
Rangel confirmado
na direcção da RTP
Washington e Islamabad consideram medida “insuficiente”
P55 e Bush tenta gerir divergências sobre forma de retaliação
ZAHID HUSSEIN/REUTERS
Refugiados
afegãos no
Paquistão
SUPLEMENTO Y Paquistão dividido entre apoio aos EUA e a lealdade a “irmãos afegãos” | Inglaterra
OLIVEIRA EM ESTREIA e França reafirmam empenho na luta antiterrorista | Bolsas agravam descidas e
AMANHÃ NO PÚBLICO
Bruxelas admite ajudas às companhias aéreas | Noam Chomsky ao PÚBLICO: “Para
P O R T U G A L DA S C I DA D E S o resto do mundo”, o ataque à América “não parece uma grande atrocidade”
Aveiro Reportagens de Ana Gomes Ferreira, em Nova Iorque, e de Alexandra Lucas Coelho, em Islamabad P2 A 24
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ÍNDICE
BARTOON E OPINIÃO 22 A 25
BOLSA E MERCADOS 34 A 36
TELEVISÃO 57/58
CLASSIFICADOS 67 A 77
CINEMAS 78/79
TEMPO E FARMÁCIAS 80
2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO À PROCURA DE BIN LADEN
PATRICK DE NOIRMONT/REUTERS
Taliban
pedem a Bin
Laden que
deixe o
Afeganistão
Os Estados Unidos insistem na entrega do
principal suspeito dos atentados; o Paquistão
também considera “insuficiente” a decisão dos
taliban. O secretário de Estado dos EUA, Colin
Powell, admite “conversações” com o regime
afegão, mas só se “entregarem Bin Laden e os
seus subordinados”
FRANCISCA GORJÃO HENRIQUES
O MISTERIOSO Últimas
“MULLAH” OMAR Administração Bush dividida VÉDRINE NÃO
turo do Afeganistão é segura- Presidente pede tentar corrigir o tom dos dis- será longa e, provavelmente, Já não há O ministro francês dos Ne-
mente um dos mais misterio- paciência a “falcões” cursos feitos após o ataque. implicará baixas. gócios Estrangeiros, Hu-
sos líderes do mundo. Pouco O Presidente traçou objecti- Bush deveria ainda falar da “Justiça bert Védrine, disse ontem
que querem ataques a
se sabe do “mullah” Omar, o
líder supremo dos taliban, ou bases terroristas no
vos muito ambiciosos, ao pro-
meter encontrar e castigar os
situação económica do país,
que continua a deteriorar-se,
Infinita” que “nada está excluído”
quanto a uma participa-
“comandante dos fiéis”, co- Líbano e no Iraque responsáveis pelo ataque — e previa-se que especificasse ção militar da França nu-
mo o intitulam, que exortou o prometeu, literalmente, a ca- as ajudas que vão ser dadas às A guerra de George W. ma retaliação dos Estados
povo a preparar-se para uma beça de Bin Laden, ao dizer companhias de aviação. Não Bush contra o terroris- Unidos. “Tudo depende do
“guerra santa”. ANA GOMES FERREIRA “quero-o vivo ou morto”. Pon- foi dito se o Presidente iria mo internacional já plano [militar dos EUA].
As últimas notícias in- Nova Iorque do de lado as questões de di- mencionar o início da opera- não se chama operação Isso será decido no mo-
dicam que terá deixado o reito internacional que a fra- ção antiterrorismo. Ontem, “Justiça Infinita”. On- mento oportuno. Somos
seu quartel-gene- O Governo dos Estados Uni- se levanta, não será fácil, nem centenas de caças, bombar- tem, foi emitido um verdadeiros aliados dos
Perfil ral na cidade de dos está dividido quanto ao rápida, a caça aos terroris- deiros e navios de guerra co- aviso: tratava-se de um EUA, não atrás deles mas a
Kandahar, no Sul momento e ao tipo de acção tas. meçaram a dirigir-se para zo- nome provisório, que seu lado”, disse Védrine.
do Afeganistão. que deve iniciar a anunciada Ontem à noite, Bush discur- nas próximas dos “alvos”. Os terá que ser abandona-
Mas são muito poucas as cer- guerra contra o terrorismo. A sou à nação, a partir do Con- destinos não foram revelados, do. Porque a Adminis- ARGÉLIA
tezas acerca do paradeiro do facção dos “falcões” — inclui gresso (reunido em sessão mas os analistas arriscaram tração Bush quer paí- COOPERA
homem que nunca aparece o vice-secretário da Defesa, conjunta do Senado e Câma- falar em Mediterrâneo, Golfo ses muçulmanos na COM ALIANÇA
em público e do qual não exis- Paul Wolfowitz, e Louis Libby, ra de Representantes), para Pérsico e Ásia. aliança que está a for- ANTITERRORISMO
tem fotografias. chefe de gabinete do secretá- pedir paciência aos ameri- “Não vou dizer que forças mar para combater o
Mesmo em Kandahar, on- rio de Estado Colin Powell — canos. Segundo a antecipa- estamos a movimentar. Não é terrorismo. E nos paí- A Argélia está a cooperar
de se instalou em 1996, numa defende operações militares ção do discurso divulgada pe- tudo um grande segredo, mas ses muçulmanos a “jus- com os EUA na coligação
casa supostamente mandada alargadas e de rápido início. la Casa Branca, o Presidente não vou dar pormenores sobre tiça infinita” é prerro- internacional antiterro-
construir por Bin Laden, o Segundo o jornal “New iria voltar a explicar que es- quem está a fazer o quê, onde gativa exclusiva de Alá. rismo, segundo a BBC. As
“mullah” Omar nunca é vis- York Times”, este grupo pre- te será um tipo diferente de ou quando”, disse o secretário Os homens não a po- autoridades de Argel terão
to pelos habitantes da cida- tende que a Administração guerra. Não será uma guer- da Defesa, Donald Rumsfeld, dem fazer. Mais uma entregado a Washington
de, conta o “Nouvel Obser- do Presidente George W. Bush ra para se ver na televisão. na conferência de imprensa dificuldade para Bush. uma lista de 350 militantes
vateur”. Quando sai, é numa inicie uma campanha con- Demorará a ser preparada, diária no Pentágono. I islamistas argelinos no es-
coluna de carros japoneses tra a rede terrorista de Osa- trangeiro, que poderão ter
com os vidros escurecidos, ma bin Laden, que começa KEVIN LAMARQUE/REUTERS
laços a Osama Bin Laden.
e protegido por dezenas de no Afeganistão. Mas também De acordo com a BBC, os
guarda-costas. Diz-se que foi contra outras bases terroris- argelinos partilharam pe-
a Cabul apenas duas vezes. tas identificadas no Iraque e la primeira vez todas as su-
Segundo Ahmed Rashid, no Líbano, e pretende incluir as informações sobre a re-
autor de “Taliban — Islam, o Iraque na lista de alvos. de al-Qaeda (“a base”) de
Oil and the New Great Game Na quarta-feira, circulava Bin Laden.
in Central Asia”, Omar nunca em Washington, nos círcu-
se encontrou com jornalistas los mais conservadores, um UMA CAIXA
ocidentais e o seu primeiro documento pedindo ao Presi- NEGRA
encontro com um diplomata dente que “faça um esforço ILEGÍVEL
da ONU foi em 1998, quatro determinado para retirar Sa-
anos depois do aparecimento ddam Hussein [o Presidente Um responsável do FBI
dos taliban no Afeganistão. iraquiano] do poder”, mesmo confirmou ontem que uma
Sabe-se que nasceu em No- que ele não possa ser relacio- das caixas negras do avião
deh, na região de Kandahar, nado com os terroristas que, que, no passado dia 11, co-
numa família de camponeses no dia 11 de Setembro, ataca- lidiu contra o Pentágono
de etnia pashtun, em 1959. ram Nova Iorque e Washing- está ilegível. As autorida-
Tornou-se “mullah” e abriu a ton, matando mais de seis mil des recolheram as duas
sua própria “madrassa” (es- pessoas. caixas, mas não foi possí-
cola religiosa). Lutou, duran- A equipa de Segurança vel apurar quaisquer gra-
te a guerra civil afegã, entre Nacional de Bush é com- vações da que recolhera as
1989 e 1992, contra o regime de posta por figuras com pro- vozes da cabina. Não fo-
Najibullah, e foi ferido quatro fundas divergências polí- ram prestadas declarações
vezes, acabando por ficar ce- tico-ideológicas, a que se relativas à caixa que con-
go do olho direito. Rashid des- acrescentam algumas inimi- tém os registos do plano
creve-o como um homem al- zades. Nos primeiros meses de voo. Estas revelações
to, bem constituído, com uma da presidência Bush, as di- foram feitas durante uma
longa barba negra, um tur- vergências entre Powell — conferência de imprensa
bante também negro, e “um que dirigiu a aliança contra realizada em Shankesville,
sentido de humor seco”. o Iraque formada durante na Pensilvânia, próximo
Omar governa o Afeganis- a guerra do Golfo — e o se- do local onde se despenhou
tão a partir de um pequeno cretário da Defesa, Donald o quarto avião desviado
escritório na sua mansão de Rumsfeld, foram públicas. pelos terroristas. As cai-
Kandahar, mas se ao princí- Rumsfeld colocou-se ao lado xas negras desse aparelho
pio se sentava no chão ao lado da maioria — contra Powell estão, actualmente, a ser
dos outros taliban, depois pas- — que defende que o Iraque analisadas por peritos do
sou a sentar-se numa cama, deve ser deixado de lado, pelo FBI e do Instituto Nacio-
um pouco acima dos outros menos nas primeiras fases da nal de Transportes e Se-
para acentuar o seu estatuto operação, assim como outros gurança. Continuam sem
de líder. países. Um alto-funcionário aparecer os registos dos
As suas relações com Bin citado pelo “New York Times” dois aviões que colidiram
Laden remontam à luta con- disse que Paul Wolfowitz “es- contra as torres do World
tra a ocupação soviética. tá mais interessado em bom- Trade Center.
Acredita-se ainda que Bin La- bardear o Iraque do que o Afe-
den financiou, pelo menos ganistão”. Os papéis parecem
parcialmente, a luta dos tali- ter-se invertido. Antes do ata-
ban pela conquista do poder que, Powell era conotado com MORTOS
no Afeganistão. Mas as liga- a facção moderada do Gover-
ções vão mais longe, acres-
centa a BBC. Pensa-se que
Omar terá casado com a fi-
no, que pretendia redefinir a
política externa em função do
fim da guerra fria. Rumsfeld,
623
lha mais velha de Bin Laden com a ala radical da equipa
e que este, por sua vez, tomou das relações externas, mais
DESAPARECIDOS
uma filha de Omar como sua militarista e centrada na ve-
quarta esposa. Supostamente,
falam todos os dias por telefo-
ne por satélite e encontram-
lha estratégia de definição de
países inimigos.
A unificação das vozes dis-
5422
Vítimas dos atentados contra o World Trade
se regularmente para umas sonantes é uma prioridade de Center e o Pentágono e da queda de um
idas à pesca. I A.P.C./I.L. George W. Bush, que está a George W. Bush tem de gerir os conflitos dentro da sua Administração sobre como retaliar avião na Pensilvânia. Números oficiais.
4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO MUNDO ISLÂMICO
TARIQ MAHMOOD/EPA
PAQUISTÃO
Dia santo com um
fantasma de guerra
Primeiro a oração, depois greve geral e manifestações. Os islamistas paquistaneses chamam os fiéis ao
protesto antiamericano e pró-Afeganistão à saída da mesquita. Em dia santo, a guerra civil é um fantasma.
Da nossa enviada Alexandra Lucas Coelho, em Islamabad
DR
Aqil Mohyddin é um dos muitos mi- campo de batalha, todas as guerras
lhões de paquistaneses que hoje, sex- lá nos afectaram. Creio que o discur-
ta-feira, dia santo no Islão, vai en- so [anteontem] de Musharraf foi útil
trar numa mesquita para a oração das para fazer crer que o Paquistão não
13h30, a principal das cinco que os tinha outra escolha, para prevenir a
fiéis mais rigorosos cumprem diaria- paz.”
mente. Não será uma oração comum: E terá sido suficientemente con-
30 grupos islamistas uniram-se para vincente para combater o ódio encar-
convocar, a seguir à prece, uma gre- niçado ao longo de anos à América
ve nacional e manifestações contra a como “Grande Satã”? Na redação do
aliança Paquistão-Estados Unidos e “The News”, a braços com uma edi-
em solidariedade com o Afeganistão. ção especial a propósito da decisão
A mesquita deste muçulmano — dos “ulema” taliban de pedirem a
sunita, como três quartos dos paquis- Bin Laden que saia do Afeganistão,
taneses e praticamente todos os afe- o jovem editor é categórico, quase
gãos — fica no coração de Islamabad, brutal: “Se os paquistaneses recebes-
à beira do fervilhante mercado Abara, sem um visto iriam todos a correr
onde os “mullah” (líderes religiosos) para a América! Adoram a música,
vão passear e tomar refescos depois da adoram os filmes, este país está cheio
oração. É considerada uma das mes- de América. O filho de Musharraf
quitas mais “fortes” (leia-se: radical) está nos Estados Unidos, o filho do
da capital paquistanesa. Foi aqui que, líder da Jamiat e-Islam [o maior par-
no início da semana, aconteceram tido islâmico paquistanês, um mi-
os primeiros protestos contra a deci- lhão de apoiantes] também... Não
são do autoproclamado Presidente acredito numa revolta geral, de for-
Musharraf de apoiar a coligação in- ma nenhuma.”
ternacional na luta anti-terrorista. especialmente do ‘mullah’ Omar [lí- O cenário-catástrofe Também jornalista do “The News”,
Ontem, à hora a que o PÚBLICO der dos taliban] tem sido um grande Fontes diplomáticas contactadas pe- mas na delegação de Peshawar (a mí-
encontrou Aqil Mohyddin, os fiéis de- feito.” lo PÚBLICO em Islamabad não só tica cidade de fronteira com o Afega-
bandavam depois da oração. Circula- Pedimos a Aqil que explique me- falam em crise, como alertam para a nistão), Rahimullah Yusufzsai, pro-
va o rumor de um protesto anunciado, lhor, que dê exemplos dos grandes fei- possibilidade de uma guerra civil no fundo conhecedor dos taliban e um
mas a única concentração visível era tos taliban. A resposta é imediata: “O Paquistão, em caso de ataque ao Afe- dos últimos entrevistadores de Osama
de polícias, às dezenas, aparentemen- governo deles é livre, não está sob ganistão. Estes observadores calcu- Bin Laden, é prudente quanto a um
te descontraídos, sentados nos bancos pressão de nenhum outro.” lam que um terço das forças armadas cenário de guerra civil: “Se houver
e nos muros dos jardins. Pelo menos Crítica implícita ao presidente — base de sustentação de Mushar- um ataque ao Afeganistão vai haver
cinco jogavam às cartas, e outros tan- Musharraf, que ainda na véspera vie- raf — esteja próximo dos grupos is- mais divisão, mais protestos, mesmo
tos estavam estendidos na relva, com ra a televisão confirmar o apoio aos lamistas, o que tornaria muito im- nas Forças Armadas. Serão tempos
as suas camisas azuis engomadas e as Estados Unidos? Aqil não confirma, previsível a repressão de tumultos difíceis, mas não creio numa guerra
armas à cintura. realça as “nuances” do discurso de que venham a rebentar num cenário civil.”
Aqil, 38 anos, não pertence à metade Musharraf, o cuidado que teve em di- de ataque ao Afeganistão. Alertam Questionado pelo PÚBLICO so-
iletrada dos homens paquistaneses zer que “se quer paz, também quer ainda estas fontes para o armamento bre a decisão dos “ulema” afegãos,
(entre as mulheres a percentagem so- uma boa relação com os taliban”. E em posse dos grupos islâmicos, re- no quadro desta crise, Yusufzai des-
be para três quartos). Apresenta-se resume: “Toda a gente no Paquistão lembrando o confisco, há três meses, monta a ideia de se tratar de algo
como médico homeopata e fala um está farta de guerra e de crises finan- por parte do governo, de milhares de inédito: “É uma atitude muito inte-
inglês mais do que razoável. É um dos ceiras. Estamos a desenvolver-nos, é armas. Isto, numa curta acção. ligente. Não o expulsam, tornam da
muitos casos que contrariam a ideia fundamental evitar uma situação de Outros observadores no terreno sua conta arranjar um sítio para ir.
de que os apoiantes dos taliban são guerra. Sendo muçulmanos, os afe- consideram esta leitura claramente Toda a gente sabe que não há um sí-
sobretudo gente analfabeta ou pre- gãos são nossos irmãos, mas percebo exagerada. Najum Mushttaq, editor- tio para ele ir. Mas deixa de ser culpa
cariamente alfabetizada — para as que o Presidente procure uma relação adjunto de política internacional do deles. O que os taliban estão a dizer
“guerras santas” — nas mais de 50 pacífica com a América.” diário “The News”, um dos mais pres- ao mundo é: têm de falar connosco
mil madrassas (escolas corânicas) do Aqil parece encerrar aqui o nó da tigiados e bem informados jornais em vez de nos atacarem. E caso ha-
Paquistão. actual crise paquistanesa, que o pró- paquistaneses, afirma que “só nos ra- ja ataque, podem sempre dizer ao
É então diante de um apoiante dos prio presidente Musharraf admitiu mos mais baixos do Exército há isla- povo afegão: tentámos pedir a Bin
taliban que estamos? Aqil expõe a ser a maior dos últimos 30 anos, e que mistas radicais, quem dá as ordens Laden, causador de tudo isto, que
sua “modesta opinião”, calma e ine- os observadores mais cépticos temem está com Musharraf ”. saísse. Não vejo esta decisão como
quivocamente: “Não conheço os fac- que seja a antecâmara de uma guer- E desvaloriza tanto os protestos de uma grande mudança, é uma mu-
tos sobre quem tem a culpa [dos ata- ra civil: não ser terra (e carne) para rua como as sondagens que afirmam dança ligeira.”
ques contra a América]. Se Osama canhão dos americanos — logo, estar que dois terços dos paquistaneses re- Quanto à expectativa em torno da
[bin Laden] é culpado, se houver pro- com eles — e simultaneamente não cusam uma colaboração com os Es- ratificação do líder, que ainda falta,
vas, o Afeganistão deve entregá-lo a trair o irmão islâmico dominado pe- tados Unidos: “A opinião pública no Yusufzai é sintético: “Está automati-
um país neutral. Os líderes afegãos los taliban (crias, sempre protegidas Paquistão não interessa. O governo camente ratificada. O ‘mullah’ Omar
têm agido muito bem, de acordo com do Paquistão), o que faria explodir a não a leva em conta. Claro que nin- nunca se opôs a uma decisão dos ‘ule-
o Islão. Nos últimos anos, a luta deles, ira dos grupos islâmicos. guém quer que o Afeganistão seja um ma’.” I
D E S TA Q U E 5
PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001
ONU pede a
Islamabad que
abra fronteiras
UM MILHÃO EM “RISCO IMEDIATO” DE VIDA
Alerta de emergência das Nações
Unidas sobre os refugiados afegãos,
ameçados pela fome
NAYEF HASHLAMOUN/REUTERS
Apesar do cessar-fogo, voltou a haver funerais de vítimas de confrontos nos territórios ocupados
Violado cessar-fogo
no Médio Oriente
Morte de israelita na dúvida as esperanças de uma Belém, tendo o marido ficado
Cisjordânia leva reunião, desde há semanas em gravemente ferido.
suspenso, entre o presidente da Entretanto, a Frente do Exér-
Sharon a convocar AP e o ministro israelita dos cito Popular-Batalhões do Re-
gabinete de segurança. Negócios Estrangeiros, Shi- gresso, outra facção afecta à
Encontro Peres-Arafat mon Peres. Fatah, reivindicara dois ata-
Os palestinianos mais che- ques lançados quarta-feira à
em risco gados a Arafat afirmam que noite e durante os quais dois
estão a fazer grandes esforços colonos tinham ficado feridos,
O primeiro-ministro do Esta- para garantir a continuação do na Cisjordânia.
do de Israel, Ariel Sharon, de- cessar-fogo, mas nem dentro Por seu turno, o exército is-
cidiu convocar ontem o seu da Fatah — e muito menos em raelita efectuou uma incur-
gabinete para os assuntos de organizações mais radicais — são no Sul da Faixa de Gaza,
segurança, a fim de debater o todos estão de acordo em que onde arrasou algumas terras
incidente em que pistoleiros se deponha as armas. cultivadas, antes de se retirar,
palestinianos das Brigadas Al- A polícia palestiniana pa- indicou um responsável dos
Aqsa, afectas à Fatah (facção trulhava ontem os locais mais serviços de segurança pales-
de Yasser Arafat na OLP) ma- problemáticos, como o acam- tinianos.
taram a tiro, perto de Belém, pamento de refugiados de Ra- O evoluir da situação foi tra-
Sarit Amrani, de 25 anos, habi- fah, na Faixa de Gaza, e a ci- tado durante um contacto tele-
tante de um colonato judaico. dade dividida de Hebron, na fónico que o primeiro-ministro
Sharon acusou a Autorida- Cisjordânia. Sharon teve na noite de quarta-
de Palestiniana (AP) de não O assassínio de Sarit Amra- feira com o secretário de Es-
respeitar os compromissos as- ni verificou-se quando circula- tado norte-americano, Colin
sumidos no início da sema- va ontem logo de manhã per- Powell, com o qual combinou
na, quando Arafat prometeu to do colonato de Tekoa, não que voltariam a falar durante
que respeitaria um cessar-fo- longe da cidade cisjordana de o dia de ontem. J.H.
go, para acabar com a Intifada
(revolta) desencadeada há um
ano e durante a qual já morre- Ataques aéreos ao Iraque
ram 817 pessoas.
O correspondente da BBC
em Jerusalém, James Reynol- Aparelhos americanos e britânicos atacaram ontem
ds, noticiou a existência de duas posições de artilharia antiaérea no Sul do Iraque,
uma forte pressão internacio- em resposta a “ameaças recentes“ aos aparelhos da
nal para que tanto os pales- coligação que garantem o respeito pela zona de exclu-
tinianos como os israelitas são aérea ali instalada, anunciou o Pentágono.
saibam respeitar aquilo a que Bagdad adoptou entretanto um tom alarmista ao evocar
há quatro dias se comprome- o risco de uma guerra mundial de “graves consequên-
teram. cias“, na altura em que os serviços secretos americanos
A Administração norte- tentam estabelecer um vínculo entre o regime de Sa-
americana pretende limitar o ddam Hussein e os atentados contra os Estados Unidos.
mais possível o conflito isra- “Esta guerra afectará todas as partes e as suas conse-
elo-palestiniano, de modo a quências maléficas tocarão mesmo os que se julgam
que ele não seja mais um facto ao abrigo das mesmas“, escreveu o jornal “As-Saoura“,
a perturbar a difícil conjuntu- órgão do Partido Baas, no poder. “Bush quer lançar a
ra internacional, que se cen- sua cruzada à margem do quadro do direito internacio-
tra agora no Afeganistão e no nal e sem fornecer provas concretas das acusações
Paquistão, com repercussões feitas contra 60 Estados considerados em Washington
no Iraque e em mais alguns como terroristas, abrigando terroristas ou apoiando
países. e encorajando o terrorismo.” Os serviços secretos mili-
O reacender da violência nas tares israelitas suspeitam de que o Iraque se encontra
terras da Palestina coloca em em conluio com o milionário saudita Osama bin Laden.
8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001 G U E R R A A O T E R R O R I S M O O PA P E L D A E U R O PA
VINCENT WEST /REUTERS
Mandado de
captura europeu
coloca problemas
a Portugal
UNIÃO DEBATE COMBATE um país recusar a extradição de um
dos seus nacionais, o que pressupõe
AO TERRORISMO que, em matéria penal, os cidadãos
passarão a ser “europeus”.
O principal problema português
Ministros da Justiça dos face a esta proposta resulta da proibi-
Quinze encontram ção, consagrada na Constituição, de
obstáculo na proibição da extraditar pessoas para países onde
são susceptíveis de ser condenadas a
Constituição portuguesa de uma pena superior ao máximo de 25
penas de prisão superiores a anos permitido em Portugal.
25 anos Segundo o ministro, sem uma revi-
são da Constituição nesta área, uma
responsabilidade exclusiva da Assem-
ISABEL ARRIAGA E CUNHA bleia da República, “não nos podere-
Bruxelas mos vincular a esta decisão”. E, sem
o acordo português, não será possível
A Constituição portuguesa está em reunir a necessária unanimidade dos
risco de se tornar o principal obstácu- Quinze para a sua aprovação.
lo à aprovação de um arsenal jurídico Embora reconheça que Portugal
de luta contra o terrorismo na União não tem qualquer obrigação de alte-
Europeia (UE), que consagrará uma rar a Constituição nesta frente, Antó-
verdadeira revolução no conceito de nio Costa sublinhou igualmente que
cidadania. o país tem de decidir se quer “ser um
Esta situação foi ontem sublinhada território de excepção” na UE sem
por António Costa, ministro da Jus- fronteiras, “uma zona de punibilida-
tiça, durante a primeira discussão de privilegiada para um conjunto de
dos seus homólogos e dos titulares crimes”.
da Administração Interna da UE “É uma decisão totalmente legíti-
sobre as novas propostas da Comis- ma, mas que tem de ser consciente-
são Europeia destinadas a harmoni- mente tomada.” Ou seja, “não é aceitá-
zar a legislação nacional dos Quinze vel que hoje tomemos uma decisão em
em matéria de luta contra a grande nome de valores, e depois no primeiro
criminalidade. dia em que apareça um terrorista fo-
Embora não estejam directamente ragido para obter melhores condições
ligadas aos atentados terroristas nos de punibilidade, deitemos as mãos à
Estados Unidos, as propostas, da res- cabeça e digamos ‘aqui d’el rei que
ponsabilidade de António Vitorino, os deixam entrar’”, afirmou, numa
comissário europeu responsável pela mensagem cristalina aos deputados
Justiça e Assuntos Internos, permiti- que estão a negociar a revisão consti- Os Quinze discutiram formas de harmonização das legislações nacionais de combate ao terrorismo
rão à UE eliminar as diferenças nas tucional.
suas legislações nacionais que têm nacionais no quadro dos delitos liga- das discussões dos ministros ao su- Durante a reunião de ontem, con-
permitido a existência de “refúgio” “Um longo dos à criminalidade organizada — blinhar que, nesta frente, os Quinze vocada de emergência no rescaldo dos
no espaço comunitário. caminho a percorrer” nomeadamente terrorismo, explora- ainda têm “um longo caminho a per- atentados de 11 de Setembro, os Quin-
Segundo António Costa, Portugal Para o Governo, a solução ideal passa ção sexual de crianças ou tráfico de correr”. ze acordaram em reforçar o papel da
foi “o único país” a levantar impedi- pela combinação de dois procedimen- droga — quando o mandado de cap- Em contrapartida, mesmo nos pon- Europol, o embrião da futura polícia
mentos de natureza constitucional tos: a revisão da Constituição para tura europeu proposto por Vitorino se tos mais difíceis para Portugal, o co- europeia, na recolha e tratamento de
à proposta de Vitorino que visa subs- distinguir a figura da extradição em aplica a todo o tipo de crimes passíveis missário considerou “encorajador” informações sobre o terrorismo, en-
tituir os processos de extradição de geral da “entrega” de pessoas no seio de penas de prisão superiores a quatro o debate dos ministros sobre a ques- durecer os controlos nas fronteiras
criminosos ou suspeitos entre os paí- da UE — que, segundo António Costa, meses. tão do mandado europeu e sobre a externas da UE e os controlos de iden-
ses da UE pela figura do “mandado de deverá passar a processar-se como no Outros países, como Alemanha, sua segunda proposta, destinada a tidade no espaço comunitário e tornar
busca e captura europeu”. interior do país —, em paralelo com a Holanda ou Áustria, levantaram por harmonizar a definição do crime de mais exigente a concessão de vistos
Esta proposta estipula que as de- introdução na decisão dos Quinze de seu lado obstáculos ao desapareci- terrorismo e das penas aplicáveis em de entrada a cidadãos de países ter-
cisões do poder judicial de um país um mecanismo de revisão periódica mento, no quadro do “mandado eu- toda a UE. ceiros.
passarão a ser automaticamente reco- das penas de prisão perpétua, de modo ropeu”, da obrigação da “dupla in- Pressionados pelos atentados ter- Em paralelo, a UE e os Estados Uni-
nhecidas e executadas em todos os a prever uma possibilidade real de criminação” de um suspeito nos dois roristas nos Estados Unidos, os mi- dos contam reforçar a sua cooperação
outros, o que elimina toda a compo- reinserção dos condenados. países envolvidos num processo de nistros assumiram o compromisso na luta contra o terrorismo, nomeada-
nente política dos processos de ex- O segundo problema para Portugal extradição. Estas dificuldades espe- de desenvolver todos os esforços para mente através da partilha de informa-
tradição. O mandado europeu acaba tem a ver com o facto de a Constitui- cíficas motivaram a “avaliação me- alcançarem um acordo político no seu ções entre a Europol e as “agências”
igualmente com a possibilidade de ção apenas permitir a extradição de nos positiva” de António Vitorino encontro de 6 e 7 de Dezembro. americanas, CIA e FBI.
“O IMPÉRIO
O movimento antiglobalização PROCURA
UM INIMIGO”
está baralhado Num “cartoon” da “Non”
(zonanon.org), Bush filho te-
lefona, desesperado, a Bush
pai: “Demos-lhes instrução
militar, cursos de pilotagem,
Dizem frases que, segundos depois, querem corrigir. Como a que compara a guerra de Osama bin Laden à do aviões e até filmes... e agora
movimento antiglobalização. O movimento antiglobalização americano redefine prioridades e promete agora uma papá?” O “cartoon” é ilustra-
tivo da habitual posição dos
luta contra o “racismo global”. Por Ana Gomes Ferreira, em Nova Iorque movimentos antiglobalização
em relação ao poder político e
KAI PFAFFENBACK/REUTERS económico. Um tom que vol-
Por culpa do terrorista inter- preciso acautelar os discur- ta a repetir-se em relação aos
nacional Osama bin Laden, o sos. “Não estou a dizer que atentados nos EUA, com o Fó-
movimento antiglobalização defendo Bin Laden ou os ta- rum Social Mundial (FSM) a
está baralhado. Como deve, liban. Não temos os mesmos agregar a luta contra a guer-
depois dos ataques de terça- objectivos. Eles são reaccio- ra, que considera consequên-
feira, manifestar-se contra o nários. Eles não procuram a cia do capitalismo.
consumo, destruir lojas e in- paz e a justiça.” A destruição do coração do
cendiar carros para denun- Kevin deveria estar a fazer capitalismo americano pode-
ciar a uniformização econó- as malas, para rumar a Wa- ria ser simbólica para os movi-
mica, combater o “imperia- shington, cidade que o movi- mentos que combatem o neo-
lismo”? Como irão os Esta- mento antiglobalização pro- liberalismo. Mas, por todo o
dos Unidos e o mundo tolerar meteu incendiar — como já mundo, os movimentos anti-
a desobediência civil, a des- aconteceu a Seattle, nos Esta- globalização expressaram soli-
truição e a violência que tor- dos Unidos, ou a Génova, em dariedade para com as vítimas.
nou o movimento famoso? Itália — durante a reunião No dia seguinte aos atentados,
Kevin, um “trabalhador e conjunta do Banco Mundial a Attac — associação mundial
activista antiglobalização” e do Fundo Monetário Inter- pela taxa Tobin, associada do
de 38 anos, já encontrou o fio nacional. O encontro, previs- FSM — associou-se “ao luto do
condutor que pode evitar a to para o final deste mês, foi povo americano”.
erosão do movimento na se- cancelado. Apesar da onda de solida-
quência do ataque de 11 de Os antiglobalistas, unidos riedade, a Attac não deixa im-
Dezembro contra os Esta- na Coligação para a Justiça punes os Estados Unidos, con-
dos Unidos, em que terroris- Global, fez terça-feira saber siderando o atentado como
tas raptaram aviões civis e, que os protestos foram, tam- consequência da sua política
usando-os como mísseis, dei- bém, desmarcados. Um dos neoliberal. Considera-se que
taram abaixo o World Tra- grupos da coligação, o Inter- o crime remete para “proces-
de Center de Nova Iorque e national Action Center, que sos em andamento há déca-
uma ala do Pentágono de Wa- passou estes dias a “redefi- das”, para as “desigualdades
shington. Morreram perto nir estratégias”, encontrou crescentes e crises não resol-
de seis mil pessoas. uma forma de não desapare- vidas”. “Mas faz isso da pior
Na terça-feira à noite, o cer do mapa. Marcou para maneira, assimilando um po-
dia da passagem da primei- 29 de Setembro uma marcha vo a um Estado e assassinan-
ra semana desde o massacre, em Washington contra o “ra- do milhares de inocentes”,
Kevin e uma dúzia de mili- cismo global”. “O centro do acrescenta o comunicado.
tantes antiglobalização jun- nosso protesto é, agora, o pe- Após os atentados, os mo-
taram-se a uma vigília na rigo de eclodir uma guerra vimentos encontraram uma
Union Square de Manhattan, no Médio Oriente, a globa- nova causa: a luta contra a
em Nova Iorque. Levaram fo- lização do racismo e os ata- posição militarista dos Esta-
lhetos a dizer “parem o terro- ques racistas de que os ára- dos Unidos. Sob o título “Um
rismo dos taliban e do Banco bes e os muçulmanos deste Império procura um novo ini-
Mundial”, “parem o terro- país estão a ser alvo”, disse migo”, o “site” oficial do Fó-
rismo económico do Fundo o porta-voz do centro, Brian rum Social de Porto Alegre,
Monetário Internacional”. Becker. reunião agora anual dos mo-
“Estamos aqui para falar Kevin está convencido de vimentos antiglobalização,
do nosso papel nesta guerra que, dentro de pouco tempo, posiciona-se contra Bush e
imperialista”, explica Kevin. o “povo” vai começar a fa- contra a decisão de guerra,
Está pouco à vontade. Não zer a “ligação” que ele já fez através de um conjunto de
está seguro das palavras que entre os ataques e a globa- textos sob o título “O império
deve dizer. Às vezes, precisa lização. “O povo ainda está procura um inimigo”.
de corrigir as ideias, como a cheio da propaganda do Es- Num texto de Thalif Deen,
que liga o ataque às teorias tado, que diz que isto foi um é lembrada a situação de um
da antiglobalização. ataque contra o ‘farol de li- milhão de deslocados afegãos,
“A ligação entre estes ata- berdade que a América é’. número que piorará após a
ques e a globalização deve ser Mas as pessoas vão entender retirada de todos os organis-
feita com subtileza. Não, es- Na Union Square de Manhattan, houve vígilias pacifistas e contramanifestações com cartazes que foi a CIA que pôs os tali- mos humanitários no país. Ci-
pere lá. Não há nada subtil incluindo a imagem de Bin Laden dizendo “Procura-se vivo ou morto” ban no poder, e começar a ti- tando funcionários da ONU,
nisto. Há muita desigualdade rar conclusões”, diz Kevin. chama aos taliban um grupo
naquela zona do mundo. E é o O activista começa a expor de estrangeiros “psicóticos”
petróleo que a provoca. O de- Pacifistas contra vingadores a sua solução para o proble- e vê o povo afegão como “fa-
sequilíbrio e as companhias ma do terrorismo. É contra a minto e exausto”.
de petróleo do Ocidente ge- guerra anunciada pelo Presi- Hector Mondragón, um eco-
raram regimes autocráticos Na Union Square de Manhattan, em Milhares de pessoas juntaram-se na dente George W. Bush. Con- nomista colombiano persegui-
que arrasaram os valores tra- Nova Iorque, aconteceu, terça-feira à Union Square. Os católicos cantaram sidera que devem ser as Na- do pelos paramilitares, mos-
dicionais dos povos árabes.” noite, uma batalha silenciosa. De paci- músicas sobre Jesus, os sikhs rezaram ções Unidas, apoiadas por tra como a crise também está
Kevin explica que o fim des- fistas contra vingadores. Foi assim: (andam a ser insultados, porque os governos e organizações não a servir para criticar o neo-
tes valores criou correntes uns decoraram a praça com cartazes americanos não percebem as religiões, governamentais, a fazer a lu- liberalismo. No jornal alterna-
extremistas. Como a do ter- apelando à paz; os outros vieram a se- ou a geografia do mundo, e confun- ta contra o terrorismo. Um tivo sul-americano “Nodo50”,
rorista Osama bin Laden — guir e, por cima do “amor”, colaram dem-nos com os árabes, que também homem aproxima-se. Está fu- escreve que a guerra serve pa-
protegido pelo regime tali- papéis a dizer: “Matem-nos todos. Já!” decidiram hostilizar), os judeus mos- rioso. “Eu estive no Vietna- ra “acumular mais capitais e
ban do Afeganistão — que, Ou os cartazes que o “New York Post” traram-se, os protestantes ofereceram me, onde os americanos an- no auge resolver crises”. Mon-
por isso, contra-ataca. ofereceu com a edição do dia, com a panfletos, os “hippies” agitaram flores. daram a aterrorizar gente. dragón considera que “não é
Kevin percebe que está a imagem de Osama bin Laden entalada Os vingadores foram tentar convencer Isto é diferente. Há pessoas por acaso que Bin Laden é
um passo de defender a vio- entre as frases “Procura-se. Vivo ou os outros de que a paz nem sempre é que nos odeiam e temos um burguês” que “detesta os
lência como arma contra a morto”. possível. Passou-se tudo na praça de que encontrá-las. Enquanto trabalhadores”. Vendo a guer-
desigualdade. Está a um pas- Não houve troca de insultos. Não houve Manhattan que mais memórias tem de isso não acontece, temos que ra como consequência das
so de atirar para o mesmo sa- pancada. A vigília pacifista não chocou manifestações. Entre a Primeira e a Se- nos proteger”, diz o homem. contradições do capitalismo,
co a violência terrorista e a com a contramanifestação. Afinal, trata- gunda Guerra Mundial, a Union Squa- “Pois”, diz Kevin, “ponha aí aponta como alternativa “ele-
violência do movimento an- va-se de assinalar a passagem da primei- re (praça dos sindicatos) foi o centro que nós achamos que pri- var as reivindicações de justi-
tiglobalização. São tempos ra semana do ataque à América, a 11 de dos protestos operários, anarquistas e meiro temos de apanhar os ça verdadeira, social e paz”. I
complexos, estes, em que é Setembro. comunistas. Outros tempos. maus”. I LINA FERREIRA
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PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001
Muçulmanos em Portugal:
E a luz brilhou nas “Minorias sofrem mais”
trevas (Jo. 1,5) SHEIK MUNIR, IMÃ DA
DULCE FERNANDES
MESQUITA DE LISBOA
D. JOSÉ POLICARPO
A comunidade islâmica
portuguesa é pacífica.
A crueldade dos acontecimentos, expressão dramática Mas tem medo. Não quer
do desrespeito pela pessoa humana falar. O imã de Lisboa
e pela sua dignidade, alerta-nos para a injustiça e desdramatiza. Mas teme a
inutilidade da violência como caminho para encontrar confusão que possa existir
soluções para os problemas da humanidade entre política e religião.
ANABELA MENDES
1. Não posso deixar de meditar con- que enfrenta o drama dos países Na Mesquita de Lisboa a calma reina
vosco nos dramáticos acontecimen- pobres, nas injustiças praticadas fora das horas das orações. A porta
tos das últimas semanas, que ten- em nome de políticas de sucesso está trancada e a polícia bem visível
do atingido directamente o Povo e de lucro, na humilhação, tantas no local. Já recebeu uma ameaça de
dos Estados Unidos da América, vezes gratuita, de povos e Nações. bomba, já lhe escaqueiraram alguns
encerram um significado para toda Ou o Ocidente aparece claramente vidros, mas até ao momento a comu-
a humanidade, neste início do séc. com projectos generosos, ao servi- nidade islâmica portuguesa não se
XXI. É que um dos frutos da nossa ço da outra parte da humanidade, sente verdadeiramente ameaçada.
fé cristã é ser luz que nos permite ou isto é apenas o início de uma Em teoria, porque na prática per-
ler os acontecimentos da história longa luta, em que a vitória, se pa- cebe-se que está temorosa. Ninguém
humana, captando-lhe as interpre- ra ela houver lugar neste género de quer falar. A qualquer pergunta sim-
tações e exigências para a edifica- conflito, não é certa para ninguém. ples, a resposta é que a ocasião não é
ção do Reino de Deus. Uma nova ordem mundial acabará propícia a qualquer declaração.
O primeiro elemento significati- por surgir: ela pode ser fruto da Sheik Munir, o imã da Mesquita
vo é a sua brutal surpresa. A ordem generosidade ou de um sofrimento de Lisboa, é a excepção. Abre as por-
mundial decorria na sua rotina as- colectivo de consequências impre- tas do templo e fala sem qualquer
sumida e eis que de repente tudo visíveis. Em dezenas de conflitos reserva. É um homem calmo e afável.
é posto em questão, obrigando-nos que retalham a humanidade, esta- Reconhece que a a preocupação e o
a pôr questões sobre o sentido da mos ainda a tempo de encontrar choque se abateu sobre a comunida-
civilização que edificamos, sobre soluções justas e criativas. Que ao de islâmica, mas principalmente a
as injustiças e desarmonias a que menos aprendamos isso: uma solu- estupefacção. “Ninguém consegue
nos habituámos, sobre movimentos ção injusta em qualquer ponto da perceber o que aconteceu nos Esta-
de fundo que desconhecíamos. O humanidade, globaliza-se nas con- dos Unidos. Transcende a compreen-
Senhor Jesus avisou-nos que a hora sequências do drama. As Nações são de qualquer um, pois nada tem
do Reino virá de surpresa, como poderosas têm de ser audazes nas a ver com a nossa religião. O Islão
um ladrão! propostas, generosas nas soluções, é a paz, a tolerância, a religião do
A crueldade dos acontecimentos, se querem ser protagonistas de respeito e do diálogo. Nada tem a ver
expressão dramática do desrespei- uma nova ordem que inevitavel- com ataques terroristas”, afirma. Sheik Munir, imã da Mesquita: “Atentados nada têm a ver com religião”
to pela pessoa humana e pela sua mente surgirá. Quanto à comunidade islâmica
dignidade, alerta-nos para a injus- portuguesa, Sheik Munir conside-
tiça e inutilidade da violência como 3. A violência dos últimos dias ra-a pacífica e perfeitamente integra- T-shirts em que ele aparece represen-
caminho para encontrar soluções tem sido relacionada com pessoas da na sociedade. Mas considera, tam- A FRASE tado como um herói, apesar de ainda
para os problemas da humanida- e países de religião islâmica. Com o bém, que o choque do que aconteceu não ter sido morto, não é inocente.
de. Dos nossos corações perturba- Santo Padre João Paulo II acredito pode levar a que algumas pessoas “Ninguém consegue Em Lisboa a comunidades islâmica
dos tem de brotar um grito decisivo que o diálogo inter-religioso é uma começem a confundir religião com não é composta por muitos árabes.
contra a violência, que se traduza pedra fundamental desse mundo política. “Vou começar a desconfiar perceber o que aconteceu Aliás, são uma minoria. A maior par-
nos nossos comportamentos diá- novo, mais harmónico e mais jus- do meu vizinho e o meu vizinho de nos Estados Unidos.O te dos membros são africanos — gui-
rios, na construção generosa da to. Temo que este ambiente o com- mim. É comum nestas situações e as neenses, moçambicanos —, magrabi-
harmonia, da fraternidade e da prometa, acentuando, em todos os minorias são quem mais sofre com
Islão é a paz, a tolerância, nos, asiáticos e convertidos.
paz. quadrantes, a intolerância cultural estes fenómenos”, explica. a religião do respeito e do Para já, a Mesquita de Lisboa con-
No momento em que escrevo to- e religiosa. Não confundamos os Sheik Munir considera que a situ- diálogo. Nada tem a ver tabiliza só alguns vidros partidos e
dos nos perguntamos qual vai ser a criminosos e os extremistas com ação se está a precipitar, em parte uma ameaça de bomba. Quando se
reacção do país atacado, exercen- as centenas de milhões de irmãos porque os norte-americanos culpa- com ataques terroristas.” sai do templo o sol continua a quei-
do, aliás, o seu legítimo direito de nossos que praticam pacificamente ram desde logo a comunidade islâ- mar e a quietudo no local é total. Os
defesa. Oxalá não se traduza em a sua fé num Deus único. mica. Na sua opinião, uma acusação SHEIK MUNIR, imã da Mesquita Estados Unidos parecem muito lon-
mais uma manifestação de violên- Peço a Deus que ilumine os nos- simplista demais. “Há fanatismo em de Lisboa ge. A polícia continua a rondar. Ao
cia estéril e ineficaz, sacrificando sos irmãos islâmicos em todo o todas as religiões e deveria ser óbvio fundo da Av. José Malhoa, artéria
mais vítimas inocentes. É preciso mundo, lideres religiosos e chefes que quem pratica actos de terroris- onde se situa a mesquita, ironia das
interpretar, sábia e corajosamente, políticos, para se distanciarem de mo vai contra todos os princípios da como ficou demonstrado durante a ironias, um cartaz anuncia um novo
os factos, para poder agir sobre as interpretações abusivas e violentas religião que diz professar e defender. ocupação soviética”, afirma. Sheik empreendimento: Twin Towers...
causas, sem deixar de julgar com do seu livro sagrado. O Deus único Isso nada tem a ver com o Islão. Tem Munir conhece de perto essa a rea-
justiça os culpados. Uma grande em Quem todos acreditamos, não a ver com a loucura de quem pratica lidade. Licenciou-se em teologia no
Nação, como os Estados Unidos, pode ser fundamento para meios esses actos e se afirma muçulmano e, Paquistão e viveu de perto a luta no
Confiança
tem a oportunidade de dar à histó- violentos, na luta por causas, por- por isso, não se pode generalizar. Um Afeganistão e o êxodo daquele povo. nos portugueses
ria uma lição de grandeza, reagin- ventura justas. português matou seis compatriotas “No mundo árabe segue-se à regra
do de modo a marcar positivamente no Brasil e ninguém diz que os por- o princípio islâmico de acolher quem Sheik Munir, como imã da Mes-
a humanidade na superação dos 4. Neste início de ano pastoral, tugueses são assassinos”, diz. nada tem, seguindo o exemplo do que quita Lisboa, ouve os desabafos
seus problemas e conflitos. que a nossa oração se eleve em me- Sheik Munir reconhece que ac- aconteceu quando o profeta Maomé, dos que a frequentam e tam-
mória de tantas vítimas inocentes, tualmente assusta a preparação de no ano 623 da era cristã, fugiu de Me- bém ele está inquieto. Segue
2. As clivagens entre a Civiliza- em auxílio das pessoas retalhadas uma guerra santa no Afeganistão, ca para Medina sem nada. E, por isso, com atenção o noticiário inter-
ção Ocidental, marcada pela liber- pela dor e perdidas na confusão. assim como assusta os preparativos a hospitalidade muçulmana não se nacional e compreende o medo
dade democrática e pelo sucesso Sejamos incansáveis na recusa da da retaliação norte-americana con- compara com qualquer outra. É sob contido da sua comunidade.
económico, e o resto do mundo, violência, na construção da fra- tra países muçulmanos. Quanto a essa óptica, em parte, que se tem de Até ao momento não lhe chega-
marcado pela pobreza e pelo sub- ternidade e da paz, na construção guerra santa, explica que tem por analisar a recusa afegã em entregar ram queixas de desagravos ou
desenvolvimento, é mais profundo corajosa da justiça. Só assim cada fim a defesa da religião e nunca o Osama Bin Ladem, um hóspede no insultos contra muçulmanos
do que parecia. A amplitude dos cristão e a Igreja toda serão sinal ataque a ninguém. O Islão não aben- seu país, sem que haja provas con- em Lisboa. Mas considera que
acontecimentos revelou-nos uma anunciador de uma civilização do çoa agressores. cretas contra ele”, explica. toda a cautela é pouca.
ampla organização, porventura a amor. Patriarca de Lisboa; texto a “O Afeganistão não tem meios pa- Sheik Munir considera ainda que No entanto, confia. Acha que os
plano mundial, da reacção contra a publicar no semanário “Voz da Verda- ra se defender. É um Estado sem Es- se está a mexer em sensibilidades des- portugueses não são extremis-
Sociedade Ocidental, que não está de”, do Patriarcado de Lisboa, no dia tado, onde é possível os líderes ma- conhecidas ao mundo ocidental e afir- tas e que não vão confundir as
isenta de culpas, na tibieza com 23 de Setembro nipularem a população em nome de ma que, se por um lado Bin Ladem coisas: religião com política, ou
uma causa, apelando ao seu espírito não é apoiado pela maior parte dos fundamentalistas com simples
de sacrifício, que não tem paralelo, paquistaneses, por outro a venda de crentes.
1 4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001 G U E R R A AO T E R R O R I S M O P O N TO S D E V I S TA
INQUÉRITO
O renascimento da
Guerra global 1. O que mudou no
mundo?
2. Como devem e
Idade Média: poder,
Os EUA declararam guerra
ao terrorismo internacional.
A OPINIÃO DE
ANTÓNIO SILVA RIBEIRO
a elementos de grupos radi-
cais islâmicos, originários
podem os Estados
Unidos e os seus
aliados responder a
risco e segurança
Será o prenúncio da III Guer- de países tão diversos como esta situação
ra Mundial? É provável, por- O sucesso dependerá da a Argélia, o Egipto, a Jordâ- A Opinião de
que o conflito contra uma determinação, da nia, o Paquistão, o Sudão, PAULO C. RANGEL
complexa teia de organiza- a Síria e o Iémen, entre ou-
ções multinacionais com mi-
paciência, da subtileza e tros. Com efeito, os níveis de “Responder
lhares de membros e apoian- do segredo que os planeamento, organização com a dignidade O mundo não mudou em 11 de Setembro de 2001. O mundo
tes em todo o globo será uma responsáveis políticos e e experiência, associados às já havia mudado antes: 11 de Setembro foi o momento da
tarefa monumental, de longa
militares, os planeadores capacidades operacionais e de seres consciencialização de uma nova ordem política global.
duração, que exigirá total financeiras requeridas pa- A nova ordem — insisto, “ordem” e não “desordem” —
coesão e um tremendo esfor- e os executantes ra concretizar os atentados
humanos que começou na queda do Muro de Berlim e do império russo.
ço de todos os países que con- conseguirem garantir de Nova Iorque e Washing- defendem a São eles os seus factos “constituintes”. Depois deles, assis-
sideram os direitos huma- ton, denunciam claramente timos a uma crescente e progressiva “medievalização”
nos, o respeito das minorias, a existência de uma coliga- liberdade e a do poder e das sociedades (Alain Minc). Basicamente,
a primazia do direito e a de- ção informal que envolve,
mocracia como valores essenciais à segurança para além dos executantes materiais e dos seus
democracia” o poder deixou de assentar única e exclusivamente no
território e no domínio de um aparelho organizado sobre
da humanidade. comandantes, milionários, funcionários gover- o território. A sede do poder já não é formal e não está
Como os responsáveis políticos dos EUA têm namentais, diplomatas, militares, membros (necessariamente) localizada nas máquinas estaduais e
afirmado, a principal resposta será militar e de serviços de informações e especialistas em nas suas vinculações territoriais.
empreendida por uma coligação. Embora a es- tecnologias diversas, todos envolvidos num Maria Luísa França Todos temos consciência do poder irresistível de certas
tratégia americana esclareça a lógica da coli- propósito comum. Secção Portuguesa da multinacionais, da influência decisiva de instituições inter-
gação, essencial para garantir adequados ní- Será extremamente difícil utilizar forças mi- Pax Christi, Movimento nacionais (aparentemente inócuas como a FIFA ou o Comité
veis de relacionamento com o mundo árabe e litares contra entidades tão dispersas sem uma Católico Internacional Olímpico) ou da cadeia de solidariedades transnacionais
muçulmano, não indica as formas de emprego estrutura ou um núcleo central de comando pela Paz de certos credos religiosos (a começar pela Igreja Católica).
das forças armadas no combate ao terrorismo. e controlo, cuja destruição desarticule a capa- A par disso, vemos que simples indivíduos ou cartéis de
Todavia, a chave para o sucesso de qualquer cidade de empreender novas acções. Por isso, indivíduos são capazes de influenciar ou mesmo determinar
acção militar passa por identificar, desarticu- em complemento das acções militares clássi- o rumo da sociedade internacional. Todos temos a experiên-
lar e destruir as capacidades operacionais que cas destinadas a dissuadir os governantes dos 1— Julgo que todo o mun- cia de que a acção concertada de um grupo de especuladores
permitem ao inimigo actuar de forma eficaz. países que apoiam os grupos terroristas, será do ocidental ficou mais de Chicago é capaz de atacar uma qualquer divisa ou de pôr
Nas actuais circunstâncias, esta tarefa reveste- indispensável realizar operações especiais em fragilizado e inseguro com em apuros segmentos da economia mundial. Ou então, do
se de grande dificuldade, porque o inimigo não diferentes pontos do globo, através do emprego o sentimento de que não génio informático que logra ameaçar o sistema mundial de
é evidente nem as suas capacidades têm uma de pequenas unidades, com grande mobilidade, há povos nem governos in- comunicações, entrando nos mais reservados santuários
expressão material perfeitamente delimitada. altamente treinadas e com armamento sofisti- vulneráveis. Talvez por isto ou espalhando vírus à escala universal. Nem será preciso
O inimigo tem vindo a ser associado ao go- cado. O sucesso dependerá da determinação, vamo-nos sentir mais pró- lembrar o cientista que, contra tudo e contra todos, avança
verno dos Estados que promovem o terrorismo da paciência, da subtileza e do segredo que os ximos e mais humanos. com a clonagem humana ou cede o seu “know-how” em
como instrumento da política internacional. responsáveis políticos e militares, os planea- Avivou mais as consciên- armamento nuclear a qualquer grupo terrorista de vão de
Como é possível negociar, bombardear ou inva- dores e os executantes conseguirem garantir. cias de que a ciência e a escada. Aquelas instituições e estes indivíduos são, a par
dir o Iraque e o Afeganistão, a manobra militar Dependerá igualmente da existência de infor- técnica, que são um bem dos Estados, sujeitos “de facto” dessa nova ordem política.
mais previsível será do tipo clássico. Porém, os mações actualizadas sobre o comportamento ao serviço da Humanida- Todos eles fazem parte integrante de um novo equilíbrio
ataques aéreos, rápidos e maciços, por si sós não das organizações e dos indivíduos ligados ao de, podem por vezes vol- em que os Estados tradicionais têm a primazia, mas não
serão eficazes contra os terroristas que se po- terrorismo. Para isso, é essencial garantir um tar-se contra ela. dispõem do monopólio.
dem ocultar em grandes centros populacionais grande empenhamento e uma superior coorde- Quem imaginaria que avi- A nova ordem é composta, portanto, por um complexo
ou nas montanhas, para se reagruparem mais nação entre os membros da NATO. Por outro ões comerciais se trans- proteiforme de organizações e sujeitos “políticos”, com
tarde noutros países, de onde desencadearão lado, será indispensável desenvolver esforços de formavam em mísseis? estruturas, lógicas e intenções muito diversas, que se
novos ataques. Para além disso, uma manobra consensualização de interesses com a Rússia, relacionam reciprocamente e de cuja articulação resulta
militar que só inclua ataques aéreos demons- Israel e Índia, que procurarão utilizar as infor- 2 — É urgente identificar e um certo equilíbrio. Essa diferenciação de forças políticas
trará que os aliados não pretendem desenvolver mações para direccionar as operações militares punir os responsáveis, e o tecido resultante da sua imbricação recordam inapela-
esforços decisivos para eliminar os grupos ter- sobre as suas ameaças específicas. imaginar formas de luta velmente o mundo político medieval, a sua estrutural di-
roristas. Por outro lado, uma invasão terrestre Tal como aconteceu nos grandes conflitos não violenta contra o terro- versidade e a sua condição radicalmente interdependente.
não será uma hipótese plausível, quer pela di- do século XX, os EUA envolver-se-ão nas hos- rismo internacional, não É neste contexto (embora com um apoio estadual sólido)
ficuldade em obter as bases necessárias para tilidades com algumas limitações operativas, respondendo da mesma que se enquadra e pode enquadrar o ataque armado da
edificar e apoiar as forças combatentes, quer porque os seus serviços de informações so- forma, mas com a dignida- passada semana. Se esse ataque significar uma revolução
porque terá custos materiais e humanos difi- frem de problemas decorrentes dos desequi- de de seres humanos que na ordem internacional, terá sido, à guisa das teses de
cilmente aceitáveis para as opiniões públicas líbrios entre a análise e a pesquisa, da grande defendem a liberdade e a Ortega y Gasset, uma “revolução pós-revolucionária”.
ocidentais. compartimentação que impede visões de con- democracia. É importante Com efeito, já a revolução do Leste de 1989-1991 fora, ela
O inimigo também é caracterizado por uma junto e de severas condicionantes políticas também não confundir jus- própria, imprevista e dramaticamente radical nas suas
rede amorfa e flexível de pequenos grupos con- para a realização de operações ofensivas co- tiça com violência. Esta consequências.
trolados de forma imprevisível, sem ligações bertas. Contudo, as reformas serão rápidas tem de ser, antes de mais, O irónico “renascimento” da Idade Média faz-nos acor-
geográficas ou políticas particulares ou per- e profundas, porque elites políticas e milita- atacada nas suas causas, rer à mente, de forma inevitável, o paradigma da “socie-
manentes. Bin Laden e o Al-Qaida são apenas res americanas, dotadas de elevada cultura e não apenas nos seus dade de risco” (Ulrich Beck). O risco assente em decisões
elementos de uma superestrutura complexa de estratégica, não terão dificuldade em perceber efeitos. Creio também que colectivas não controláveis, com efeitos espacial e tem-
organizações terroristas. A sua relevância de- que quem controlar as informações coman- será cada vez mais a no- poralmente não limitados e de alcance cientificamente
corre de possuírem campos de treino no Afega- dará e vencerá a guerra contra o terrorismo ção crescente da respon- imprevisível, como nota distintiva da nossa sociedade.
nistão, onde ensinam as técnicas dos atentados internacional. Capitão-de-fragata sabilidade individual na vi- Esta nova ordem do risco — ainda e sempre ancorada na
GENT SHKULLAKU/REUTERS da quotidiana a fomentar dignidade humana, mas profundamente marcada por uma
uma cultura de paz, onde o incerteza e insegurança estruturais — já não se reverá
diálogo, a tolerância e ou- decerto na trilogia de 1789: liberdade, igualdade, fraterni-
tros valores podem jogar dade. Poderá, porventura, filiar-se na trilogia alternativa
um papel importante na mas não contraditória: segurança, diversidade e solida-
procura da justiça e da paz. riedade (de que nos dá conta o investigador coimbrão João
Gonçalves Loureiro).
A resposta das sociedades democráticas e da ordem
internacional à materialização do risco, ocorrida em 11 de
Setembro, deve, pois, pautar-se por tais valores fundamen-
tais. A segurança exige, primeiro, uma resposta militar
firme e inequívoca (assente em evidências de autoria do
ataque e dissuasora de ataques análogos). A segurança
reclama depois um reforço e uma mudança das políticas
de defesa. O valor da diversidade impõe uma atitude ine-
quívoca de respeito pela religião islâmica e pelos seus
seguidores, que evite a identificação do extremismo com a
moderação. O valor da solidariedade exige a continuidade
imediata do processo de paz israelo-palestiniano, o apoio
sistemático aos líderes moderados dos países menos de-
senvolvidos e uma maior atenção dos Estados mais ricos
ao desequilíbrio das relações económicas internacionais.
Sem descurar o terreno puramente político, não pode
porém esquecer-se a lição: a segurança inscreve-se expres-
samente na comunidade de fins da nova ordem. Assistente
da Faculdade de Direito da Universidade Católica no Porto
D E S TA Q U E 1 5
REFLEXOS NA ECONOMIA PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001
Dólar ignora
“Marcha atrás” Wall Street Bruxelas admite
nas bolsas mundiais
O dólar aguentou on-
tem as perdas do
mercado bolsista e
chegou mesmo a su-
ajudas públicas
WIN MCNAMEE /REUTERS
os cem mil — e o aumento da
“factura” que as seguradoras
terão de pagar por causa do aten-
bir ligeiramente face
ao euro. Nos últimos
dias, os receios de
uma recessão econó-
às companhias
tado. Este ambiente negativo foi
agravado pelo bombardeamen-
to feito pelos Estados Unidos e
Reino Unido ao Sul do Iraque
mica e o nervosismo
em volta do início de
ataques retaliatórios
por parte dos Esta-
aéreas europeias
— que o Pentágono esclareceu, dos Unidos puxaram
mais tarde, não estar relaciona- a moeda europeia Comissária dos ajudadas pelo Governo Fe-
do com a retaliação aos ataques para cima, uma ten- Transportes a favor de deral. A maior companhia
ao World Trade Center. dência que ontem se aérea mundial, a American
O nervosismo dos investi- inverteu, o que foi auxílios. Assunto vai Airlines (AA), é uma das
dores ficou patente no encer- classificado mais co- ser discutido pelos empresas afectadas. A AMR
ramento em forte queda da mo uma correcção ministros de Economia Corp anunciou ontem, pelo
bolsas europeias. O mercado do que propriamente menos, 20 mil despedimen-
alemão, o último a fechar na como uma quebra. O e Finanças tos nas suas participadas —
Europa, desvalorizou 5,74 por euro fechou a valer além da AA, a American Ea-
cento. A bolsa holandesa acu- 0,9245 dólares, um INÊS SEQUEIRA gle e a TWA.
mulou uma perda de 5,1 por valor sensivelmente Os apelos a auxílios finan-
cento. A de Londres, a de Pa- a meio do apertado A União Europeia (UE) está ceiros ao sector nos Estados
ris e a de Madrid fecharam a intervalo em que ne- disposta a reconsiderar as Unidos estão a dar resulta-
perder mais de três por cento. gociou durante o dia. regras que restringem forte- do: a Casa Branca propôs
A praça portuguesa foi a que Forte valorização te- mente as ajudas de Estado às aos líderes do Congresso,
menos perdeu, essencialmente ve o iene, contra o companhias aéreas, “face a quarta-feira ao final do dia,
por causa do peso da Portugal dólar e o euro, de- circunstâncias inauditas e ex- para avançarem com uma
Telecom, que fechou positiva. pois de o ministro cepcionais” como as dos aten- assistência directa de cinco
das Finanças nipóni- tados do passado dia 11, nos mil milhões de dólares (5,5
SEC investiga co ter desmentido Estados Unidos, afirmou on- mil milhões de euros) em
“insider trading” uma alegada ordem tem a comissária europeia dinheiro para as transpor-
O discurso do presidente da Re- de venda de divisas que tem a tutela dos transpor- tadoras. A associação na-
serva Federal (Fed) norte-ameri- do país. tes, Loyola de Palacio, à saída cional de transporte aéreo
cana, Alan Greenspan, feito on- No mercado petrolí- de uma reunião com repre- exige ainda outros 12,5 mil
tem no Senado, foi seguido com fero, as preocupa- sentantes do sector. milhões de dólares (13,75
muita atenção por todos os mer- ções com uma even- Loyola de Palacio entende mil milhões de euros) em
cados, e se para uns não piorou o tual quebra da pro- que os Governos da UE deve- garantias a empréstimos
A preocupação de Paul O’Neill e Alan Greenspan pessimismo dos investidores, pa- cura motivada por riam suportar os custos das bancários. O Secretário dos
ra outros não conseguiu dar-lhes uma crise económica medidas de segurança extra Transportes, Norman Mi-
tróleo e bancos, as áreas mais grande alento. Alan Greenspan foram mais fortes do no sector da aviação. Quanto neta, disse que um plano de
WALL STREET penalizadas pelo atentado ter- remete para a próxima semana que o medo de corte à forte subida dos prémios de ajudas às companhias deve-
PERDEU 4,3 POR CENTO rorista de 11 de Setembro. Os dados mais concretos sobre o im- nos fornecimentos seguro para riscos de guer- rá estar pronto no início da
receios de uma eventual reces- pacte, no curto prazo, dos aten- no caso de acções mi- ra, garantiu que irá fazer pro- próxima semana.
são económica mundial tam- tados na economia americana, litares. Enquanto as postas de ajuda no âmbito do
O ritmo dos mercados bém continuam em aberto, admitindo que esses aconteci- notícias davam con- Ecofin (conselho europeu de Seguradoras
prejudicando a confiança dos mentos não irão afectar o cresci- ta das movimenta- ministros da Economia e Fi- impõem prazos
financeiros continua investidores. mento a médio prazo. ções da força aérea nanças), que se realiza hoje e Segunda-feira à noite é o pra-
marcado por más A bolsa de Wall Street encer- As incertezas quanto ao mo- norte-americana pa- amanhã em Liège. zo estabelecido pelas segura-
notícias e pela ausência rou negativa pela quarta sessão mento e à duração de uma ra o Golfo Pérsico, o A prestação de auxílios de doras para que as companhias
consecutiva — o Dow Jones per- eventual retaliação dos Esta- “crude” esteve a ser Estado às companhias aéreas aéreas europeias assinem no-
de informação sobre o deu 4,3 por cento e o Nasdaq dos Unidos continuam a gerar negociado com o pre- é apoiada pelos Governos bri- vos contratos, onde os pré-
que se vai passar a curto 3,9 por cento —, o que agrava muito insegurança nos merca- ço em alta, mas mais tânico e francês, o primeiro mios para riscos de guerra
prazo as perdas desde o atentado (ver dos. E esta indefinição leva os tarde não resistiu dos quais está a braços com aumentaram fortemente. Se
quadro) e “arrasta” os restan- investidores a terem receio de aos anúncios de uma a perspectiva de milhares de os novos contratos não forem
ROSA SOARES tes mercados. Por outro lado, que ela possa acontecer duran- queda drástica na despedimentos na British Ai- assinados, grande parte da
os investidores voltaram on- te o próximo fim-de-semana, procura (e nos lu- rways. “Enfrentamos condi- frota europeia pode ficar em
Os mercados accionistas mun- tem a acordar com muitas no- altura em que as bolsas estão cros) da aviação co- ções excepcionais que nos terra, alertou ontem o presi-
diais viveram ontem mais um tícias negativas, como o cres- encerradas, não sendo possí- mercial. Pela quarta forçaram a tomar medidas dente da associação europeia
dia muito negativo, com forte cente número de despedimentos vel vender acções. Uma dúvida sessão consecutiva, o muito duras”, afirmou o ad- do sector, no encontro com a
pressão vendedora em sectores nas maiores companhias aéreas que nem o secretário do Tesou- petróleo caiu, acu- ministrador-delegado (CEO) comissária Loyola de Palacio.
como os seguros, aviação, pe- mundiais — que já ultrapassa ro Paul O’Neill, esclarece. mulando já uma per- da maior companhia aérea O presidente da Portugália,
Um analista financeiro re- da de 3,40 dólares britânica, Rod Eddington, ao Ribeiro da Fonseca, admitiu
laciona também a queda das (3,665 euros) desde o anunciar ontem um corte de num encontro com jornalis-
bolsas, especialmente a de Lon- início da semana. dez por cento nos voos e sete tas que esta subida (mais 1,25
O BALANÇO DAS PERDAS dres e a de Frankfurt, com o tri- Em Londres, o barril mil perdas de empregos — um dólares ou 1,37 euros por pas-
(valores em percentagem) plo encerramento de contratos de Brent do Mar do em cada oito trabalhadores — sageiro) deverá representar
Fecho Queda desde Desvalorização de futuros, um dos segmentos Norte, para entrega mais 5200 do que os já anun- mais um milhão de dólares
de ontem 10 de Set. anual onde se tem admitido a pos- em Novembro, fe- ciados este mês. anuais de custos para a com-
EUROPA sibilidade de especulação de chou nos 26,02 dóla- Os despedimentos anuncia- panhia aérea do Grupo Espí-
Portugal — PSI-20 1,51 -0,80 -35,97 Bin Laden, o suspeito número res (28,055 euros). dos no sector, a nível mundial, rito Santo. Quanto à TAP, com
Espanha — Ibex-35 -3,00 -12,04 -26,18 um dos atentados terroristas, O dia foi ainda de já ultrapassaram 76 mil na cinco milhões de passageiros
Inglaterra — FTSE 100 -3,49 -0,90 -26,77 designadamente em títulos de perdas para o ouro. O última semana, mas os ana- transportados no ano passa-
França — Cac-40 -3,88 -14,70 -36,92 seguradoras e companhias de metal precioso pare- listas da indústria acreditam do, a transportadora pública
Alemanha — Dax Xetra* -5,10 -18,80 -40,29 aviação. A entidade superviso- ce ter deixado de fun- que as supressões de postos poderá enfrentar uma subida
ra da bolsa norte-americana, cionar como refúgio de trabalho poderão chegar de custos superior a seis mi-
Itália — Mib 30 -4,93 -19,03 -41,80
a SEC, ainda ontem disse que para os investidores, acima das 100 mil. Na sequên- lhões de dólares. Os atentados
Suíça — Suiss Market -4,48 -11,80 -33,63
está a recolher informação so- contrariando assim cia dos atentados, o tráfego afectaram também o merca-
EURO STOXX50 -4,27 -13,80 -37,7 bre alguns movimentos bolsis- as expectativas dos de passageiros diminuiu num do de combustíveis: além da
tas que possam estar ligados analistas que acredi- sector com margens já aperta- subida dos preços do barril,
ÁSIA
a “insider trading” (utilização taram numa forte das. Os lucros das transporta- companhias petrolíferas co-
Japão — Nikkei -1,55 -0,40 -29,02
de informação privilegiada) procura de ouro — doras áreas representam em mo a Exxon-Mobil passaram
Hong Kong — Hang Seng -2,51 -10,10 -32,27 antes e depois do antentado. como aconteceu logo média apenas três por cento a exigir pagamentos a pronto
AMÉRICA LATINA Ontem, o sector das teleco- após os atentados nos do total de receitas. às transportadoras, que até
Brasil — Ibovespa* -1,22 -12,20 -30,41 municações europeu recupe- Estados Unidos. A aqui compravam a crédito. Ri-
Argentina — Merval -3,82 -18,00 -41,74 rou um bocadinho, enquanto onça voltou a desva- EUA mais avançados beiro da Fonseca afirmou ain-
os bancos, as companhias pe- lorizar-se no merca- Grande parte dos despedi- da que os aeroportos perspec-
NOVA IORQUE trolíferas e seguradoras vol- do londrino, de 289,8 mentos cabe às transporta- tivam a criação de uma nova
Dow Jones* -3,57 -12,60 -21,70 taram a registar fortes que- dólares (312,473 eu- doras norte-americanas, que taxa de segurança a pagar pe-
Nasdaq* -3,46 -13,10 -40,31 das. As seguradoras Allianz, ros) para 288,4 dóla- falam em “cortes” operacio- las companhias aéreas, desti-
Dow Jones Transportes* -5,46 -24.00 -30,82 Muenchener Rueck e Axa che- res (310,962 euros). nais da ordem dos 20 por cen- nada a suprir o aumento de
garam a perder mais de seis Rita Siza to e ameaçam declarar falên- despesas com o transporte de
*valores às 18 horas de Lisboa por cento. I cia se não forem rapidamente carga. I COM AFP E REUTER
1 6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001 G U E R R A A O T E R R O R I S M O O P E R A Ç Õ E S D E S A LV A M E N T O
TOM SPERDUTO/REUTERS
VOLTAR AO
TRABALHO NÃO Investigadores portugueses preparam
É VOLTAR À
NORMALIDADE robô para salvar pessoas soterradas
PEDRO CUNHA
OCIDENTE VULNERÁVEL
centro universitário sobre do-
enças infecciosas.
Block enfatiza esta “nova
inquietação geopolítica: a to-
mada de consciência de que
os grandes países desenvolvi-
dos tem uma infra-estrutura
A UM ATAQUE BIOTERRORISTA
incrivelmente frágil. “Isso não
é só verdade para o World Tra-
de Center ou para a bolsa, é
também verdade relativamen-
te às reservas de electricidade,
às telecomunicações, ao con-
JIM BOURG/REUTERS trolo aéreo.”
AGENTES CONTAGIOSOS Um ataque bioterrorista, em
que “um país industrializado
SÃO OS MAIS TEMIDOS perdesse 10 por cento da sua po-
pulação, seria um drama nunca
Basta que o vírus conhecido; por contraste, se a
Líbia ou o Afeganistão perdes-
da varíola se espalhe sem essa população, a vida con-
no sistema de tinuaria mais ou menos como
ventilação de um voo antes”, comentou o professor.
Em consequência, os espe-
para que haja uma cialistas receiam actualmente
epidemia grave a possibilidade de que um esta-
do ou uma organização terro-
PASCAL BAROLLIÉ rista sejam “tentados a propa-
gar um agente biológico pelo
Os países mais desenvolvidos planeta, que atingiria mais
são também os mais vulnerá- duramente as nações mais frá-
veis a um ataque bioterrorista, geis, ou seja os países indus-
devido à mobilidade das suas trializados, num acto de loucu-
populações e à interdependên- ra destinado a criar uma nova
cia das suas infra-estruturas, ordem mundial”, aduziu o pro-
segundo cientistas e especia- fessor de Stanford.
listas americanos que julgam Em Julho último, o director
este tipo de ataque altamente do centro de investigação de
provável. doenças infecciosas Centro de
O arsenal químico e bacterio- Controlo de Doenças (CDC),
lógico que poderá ser utilizado de Atlanta, já havia avisado
divide-se em duas categorias: os os responsáveis americanos
agentes não contagiosos, como contra os riscos de um ataque
o antrax, que atingiria muitas bacteriológico. “Vários espe-
vítimas mas numa zona limi- cialistas estão convencidos
tada; e os agentes contagiosos, que a questão não é mais sa-
como o vírus da varíola, com ber se um tal ataque se irá
um poder de devastação muito produzir mas quando ele irá
maior, explicou à AFP o biofísi- ocorrer”, declarou James Hu-
co Steven Block, da Universida- Agentes do FBI com máscaras antigás: o mundo não está preparado para um ataque com agentes biológicos ghes à comissão de seguran-
de de Stanford, na Califórnia. ça nacional da Câmara dos
Block, membro do Projecto agente altamente contagioso clado, infectará vários pas- anos. “Pode-se produzi-la de no- bacteriológica contra os que Representantes.
Jason — que integra outros como a varíola de se dissemi- sageiros, que poderão depois vo mas não estará pronta antes com ele convivem. “Num ata- A 10 de Julho de 2001, o secre-
especialistas frequentemente nar por um país”. passá-lo para outras à che- de 2002 ou 2003 e só terá efeitos que bioterrorista, o resultado tário da saúde, Tommy Thomp-
consultados pelo Pentágono e “Bastam alguns indivídu- gada ao solo”, acrescentou limitados a uma epidemia lo- poderá ser de 250 a 400 mil mor- son, pediu o aconselhamento
outros ministérios sobre estes os infectados. Se alguém es- ainda o cientista. cal”, sublinha o biofísico. tos”, referiu por sua vez o an- em matéria de bioterrorismo
assuntos —, estima que “a som- palhar o vírus da varíola no Este tipo de ataque será ain- O perigo dos agentes conta- tigo responsável do centro de ao médico Scott Lillibridge, do
bra negra da guerra bacterio- sistema de ventilação de um da mais perigoso, uma vez que giosos reside no seu efeito do- epidemiologia do Minnesota, CDC, por forma a dar uma res-
lógica” para os países desenvol- voo internacional, onde as a vacina contra a varíola não minó, que transforma cada in- Mike Osterholm, um dos prin- posta coordenada em caso de
vidos é a “possibilidade de um pessoas respirem o ar reci- está disponível desde há 25 divíduo afectado numa arma cipais especialistas americanos um ataque em massa. AFP
GOVERNO
O acompanhamento é fei-
E MESSIANISMO
Os que tendem a acreditar que é da pobreza que
nasce a revolta organizada (em forma de terrorismo
ou revoluções) insistem num erro que a História se
encarregou de demonstrar ao longo dos anos.
Nada é simples
á os que insidiosamente tentam zem circular o seu dinheiro — curiosamente,
Diz-se Diário
“A maioria dos portugueses
com opinião acha muito bem
que Portugal participe num es-
forço de guerra contra o ter-
rorismo (...). Certamente que
Luzes de presença TERESA DE SOUSA
SEM FRONTEIRAS
esta maioria confortável, e re- deixou a escova de dentes ou onde está a arca
confortada, entende que ou-
tros portugueses — que não
eles próprios, os familiares ou
congeladora? Ou que, caso não existam, a
mulher irá meter a dita arca congeladora
dentro da escova de dentes? Já agora, por que
“Apaziguamento”
amigos — vão para a guerra.” motivo os manuais, que acompanham estes
JOÃO PAULO GUERRA
“Diário Económico”, 20-9-01
aparelhos, são incompreensíveis? Não conhe-
ço um único ser à superfície da terra que te-
nha sido capaz de ler um deles até ao fim.
à portuguesa
“A maioria que manda avan-
MARIA FILOMENA MÓNICA Como ninguém é capaz de responder à
çar fica na retaguarda, a se- questão da utilidade das luzinhas de presen- primeira vista, não há nas declarações
guir a guerra pela televisão e
a dar ‘bitaites’ sobre a condu-
ção das operações.” m vésperas de partir de férias, an-
ça, dei largas à imaginação, o que, dada a mi-
nha tendência para o negro, é perigoso. Rapi-
damente passei do problema da utilidade À políticas do Governo português sobre
a crise internacional em que mergu-
lhámos nada que as distinga dos seus
IDEM, ibidem
SÁBADO
EDIÇÃO LISBOA
22 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4205
200$00 • €1 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico.pt
www.publico.pt
MIL FOLHAS
UE OFERECE APOIO
INEQUÍVOCO A
RETALIAÇÃO MILITAR
DE WASHINGTON
Paquistão:
islamistas dispostos
a morrer por
Bin Laden
TOULOUSE
PUBLICIDADE
ÍNDICE
BARTOON E OPINIÃO 23 A 25
BOLSA E MERCADOS 35 A 37
TELEVISÃO 57/58
CLASSIFICADOS 68 A 77
CINEMAS 78/79
TEMPO E FARMÁCIAS 80
2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SÁBADO, 22 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO MUNDO ISLÂMICO
AKBAR BALOCH/REUTERS
Dezenas de milhares de
muçulmanos desceram às
ruas de Islamabad para
gritar por Bin Laden e
contra os EUA: “Deus é
grande, a América é cão!”
D E S TA Q U E 3
PÚBLICO•SÁBADO, 22 SET 2001
Últimas
Taliban rejeitam
par aproxima-se, bem distinto líder, que Alá proteja o Afega-
entre a multidão: pólos bran- nistão e os seus líderes taliban
cos de marca, calças de ganga da América, Alá, só olhamos
vincadas, impecáveis, e lenços para ti, dá-nos força!”
pretos atados por cima do na- Dezenas de crianças rezam POWELL DIZ
BIN LADEN
disputa violenta entre a Ín- ceiros ocidentais, nomeada-
dia e o Paquistão, Vassalo mente o Reino Unido. Come-
admite que “é o problema çou por dispensar dois dos
mais negativo”. cinco portugueses que tra-
O diplomata português re- balhavam na missão e tem
feriu como “muito feliz” o prevista uma saída terres-
discurso de Musharraf à tre pela Índia, caso a situa-
nação, quarta-feira à noite,
por “ter apaziguado a sim-
patia do fundamentalismo
islâmico”. No entanto, Ale-
xandre Vassalo sublinha
que não se pode subestimar
ção se complique. Além dos
nove jornalistas vindos de
Lisboa, e dos três funcioná-
rios da embaixada, vivem
em Carachi 40 portugueses,
com dupla nacionalidade,
AQUI, ALI E EM TODA A PARTE
a expressão do islamismo vindos de Goa em 1961. Depois de ter sido “visto” há quase uma sua saída.” Uma fonte taliban afirma que Stephen Coates, da AFP, estende o le-
radical num país que “tem A.L.C., EM ISLAMABAD semana a abandonar Cabul, a cavalo, em “um relutante ‘mullah’ Omar aceitou o que de refúgios eventuais à Quirguízia,
SUPRI/REUTERS direcção a oeste, o homem mais procurado pedido de Bin Laden de sair antes da deci- Uzbequistão e Tajiquistão (“desestabili-
do mundo parece multiplicar-se em pelo são”, sublinhando que a opção de sair foi zados o ano passado por uma onda de
menos uma dezena de destinos possíveis, dele próprio, “tendo em conta as ameaças ataques nas fronteiras por parte de guer-
sem que haja algum dado seguro que per- do Governo americano”. rilhas apoiadas por Bin Laden”), ao Ira-
mita concluir sequer que já deixou o Afe- O correspondente do “The News” refere que (por causa das contínuas alegações
ganistão. ainda “fontes próximas de partidos reli- de conluio com o regime de Saddam Hus-
Das remotas regiões montanhosas da giosos”, segundo as quais “o Líbano e a sein, embora um “perito paquistanês”
Tchetchénia ao Líbano, do Iémen ao Ira- remota região montanhosa da Tchetché- fragilize essa hipótese, ao lembrar que
que, do Daguestão ao trio Tajiquistão, Uz- nia serão lugares possíveis onde Osama há dois anos os iraquianos lhe terão ofe-
bequistão e Quirguízia, vários cenários pode ter optado por ficar”. recido asilo e ele terá recusado) e, final-
do Médio Oriente e Ásia Central estão a Ainda segundo este jornalista do “The mente, ao Iémen (onde a sua Al-Qaeda
ser considerados como refúgio possível de News”, “um afegão próximo de Bin La- terá tido bases em 1998, antes dos aten-
Osama bin Laden, o homem que a Arábia den afirmou que o ‘xeque’ estava de boa tados contra as embaixadas americanas
Saudita tornou apátrida em 1994, que os saúde e rodeado pelos seus jovens árabes, no Quénia e na Tanzânia.
taliban abrigaram nos últimos anos e que que sacrificaram as suas vidas para o O Iémen tem ainda um ponto a favor (é
agora se tornou a presa da América. defender”. A mesma fonte acrescenta o cenário romântico): uma das senhoras
A edição de ontem do “The News”, um que “estes cultos e empenhados árabes Bin Laden será iemenita.
dos principais diários paquistaneses, tra- sabem de biologia, química e física nu- Além de todas estas especulações, os is-
zia na primeira página uma investigação clear e estão prontos a usar o seu conhe- lamistas paquistaneses têm defendido (ou
do correspondente em Peshawar, com um cimento para defender os muçulmanos procurado acreditar) que Bin Laden ainda
título categórico: “Bin Laden já saiu do de todo o mundo”. está e estará no Afeganistão. Quanto aos
Afeganistão”. O repórter Behroz Khan Reforçando a sua manchete, o corres- afegãos citados pelos jornais, talvez seja
cita fontes taliban e paquistanesas, am- pondente em Peshawar cita também um mais útil à causa taliban fazer acreditar
bas convergentes nessa tese: “Ele saiu de antigo ministro do Interior, Naseerullah que ele já saiu. Mas o contrário também
território afegão pelo menos quatro dias Babar, que confirma saber da saída de Bin seria argumentável... Da nossa enviada
Para já, diz o embaixador, não há risco de guerra civil antes de os ‘ulema’ terem recomendado a Laden, há quatro dias, do Afeganistão. ALEXANDRA LUCAS COELHO, em Islamabad
D E S TA Q U E 5
PÚBLICO•SÁBADO, 22 SET 2001
SINEAD LYNCH/EPA
EUA empenhados
no derrube
dos taliban
REGRESSO DE REI EXILADO cujo dobre a finados parece es-
tar a começar.
PODE SER HIPÓTESE Rumsfeld recordou que não
vai haver cobertura mediáti-
Washington em ca dos preparativos para uma
guerra que poderá durar bem
contactos com os seus mais de cinco anos, mas é sa-
aliados europeus e com bido que os Estados Unidos co-
nações da Ásia Central; meçam mesmo a infiltrar-se
nas repúblicas da Ásia Central,
o objectivo é substituir com grande pesar da Rússia,
os taliban por uma que bem gostaria de as man-
administração interina ter sob a sua alçada, como nos
da ONU tempos da União Soviética.
Da estratégia para o Afe-
ganistão faz parte, segundo o
JORGE HEITOR “Guardian”, ajudar o regresso
ao poder do exilado rei Zahir
O Governo dos Estados Uni- Shah, de 86 anos, com o apoio
dos anda a pressionar cada vez da Aliança do Norte, grupo que
mais os seus aliados europeus até este mês teve como coman-
no sentido de concordarem dante operacional o malogrado
com uma campanha militar cabo-de-guerra Massoud, víti-
que derrube inexoravelmente ma de um atentado. Jack Straw: o ministro dos Negócios Estrangeiros do principal aliado dos EUA vai a Teerão
o regime afegão dos taliban e o A partir da sua base em Ro-
Tom Rigde vai dirigir Reflexões sobre um mundo que mudou (III)
Segurança Interna O que é mais difícil
O Presidente dos Estados Unidos esco- los. Os serviços secretos disseram que o uando Samuel P. dade se nos lembrarmos, por
lheu um ex-militar, que é seu amigo ín-
timo, Tom Ridge, para dirigir um novo
gabinete, o Departamento da Segurança
do Território Nacional. Equivale a um
ministério e Ridge dependerá directa-
avião estava a caminho do Capitólio ou
da Casa Branca.
Tom Ridge combateu no Vietname.
Nos anos 80, opôs-se ao auxílio dos EUA
a El Salvador e aos contras da Nicarágua
Q Huntington escre-
veu o seu livro “O
Choque das Civili-
zações” não propôs
um caminho para o mundo,
exemplo, que foi em países is-
lâmicos que foram acolhidos
muitos dos judeus que Por-
tugal e Espanha expulsaram
nos séculos XV e XVI.
mente do chefe de Estado. e defendeu o “congelamento” do inves- antes tentou mostrar que as O problema não é religioso,
Tom Ridge é o governador da Pensil- timento em armas nucleares. É um con- clivagens pós-guerra fria po- JOSÉ MANUEL e por isso também foram im-
vânia, posição que abandona no início servador moderado nas questões sociais, diam ter uma natureza bem FERNANDES portantes as palavras que on-
de Outubro. Republicano de 56 anos, vai defendendo o aborto em determinadas diferente das clivagens ideo- EDITORIAL tem o Presidente norte-ameri-
dirigir as operações antiterrorismo den- circunstâncias. Recentemente, defendeu lógicas que haviam marcado o cano, George W. Bush, dirigiu
tro dos EUA, gerindo um gabinete equi- a redução das forças dos EUA estaciona- século XX. Huntington falou- aos muçulmanos de todo o
valente a um Ministério do Interior. “La- das na Europa e na Ásia. Em 1982 foi elei- nos das diferentes culturas, no fundo, das di- mundo e aos “muitos milhões de muçulmanos
mento que este cargo seja necessário. to para o Congresso, onde esteve 12 anos. ferentes civilizações que as clivagens do século da América”.
Mas é. E estou honrado por servir o meu Quando se candidatou à presidência, Ge- XIX e XX tinham esbatido e que neste novo
país”, disse Ridge após a nomeação, feita orge W. Bush levantou a hipótese de con- século se preparavam não apenas para convi- SENDO ASSIM, PORQUE FALAMOS ENTÃO
por George W. Bush quinta-feira à noite, vidar Ridge para seu vice-presidente. ver, mas também para combater. do risco de um “choque de civilizações”? Em
durante o discurso no Congresso. Ridge irá criar um centro de opera- O mundo descrito por Huntington não é um primeiro lugar, porque esse é o objectivo con-
Ridge e Bush tornaram-se amigos em ções, e uma estratégia, para limpar mundo bonito — mas o choque de que fala re- fesso dos autores dos atentados de Nova Iorque
1988, ao trabalharem juntos na campa- os Estados Unidos do terrorismo — presenta o maior risco que hoje todos enfren- e Washington.
nha presidencial de George H. Bush, pai Bush disse que a teia do terrorismo tamos. O ensaísta norte-americano enganou- O que eles desejam — e o que praticam, sem-
do actual Presidente. A escolha de Ridge internacional toca 60 países, e os EUA se na data e no local do atentado que poderia pre que têm acesso ao poder — é uma teocracia
tem um lado simbólico — um dos aviões são um deles. Vai coordenar, com as inaugurar a nova guerra — disse que podia universal regida por regras que recusam toda
desviados pelos terroristas no dia 11 de agências de serviços secretos, o pla- ser apenas em 2010 e que a cidade destruída a modernidade e não toleram a diferença, o
Setembro despenhou-se na Pensilvânia, no de segurança traçado por Bush no pelo terrorismo islamista, então já possuidor pluralismo e os direitos individuais. É esse
porque os passageiros, sabendo que os discurso — até aqui, foi o ministro da da bomba nuclear, seria Marselha e não Nova modelo de mundo que opõem à “corrupção”
raptores pretendiam atacar um edifí- Justiça, John Ashcroft, quem assumiu Iorque. Mas isso é, reconheçamos, um detalhe. ocidental, ao nosso estilo de vida e às nossas
cio com o aparelho, decidiram enfrentá- esse papel. A.G.F., EM NOVA IORQUE O importante é recordar que se cumpriu o sociedades.
essencial da sua negra previsão: que os “tre- Não haveria nesse programa risco subs-
mores de terra” mais perigosos iam ocorrer tancial não se desse o caso de as sociedades
nos limites e tendo como foco o único bloco islâmicas estarem disponíveis para escutar as
OS ÁRABES ESCANDALIZADOS civilizacional em expansão, o islamista. palavras dos radicais — por razões históricas
Se olharmos para a actual crise à luz desta (acreditam poder reviver a glória dos seus
análise, então o ataque às torres gémeas pode tempos áureos, antes de séculos de derrotas e
PELA “CRUZADA” ser muito mais parecido, no seu significado, humilhações), por razões culturais (são socie-
a Sarajevo 1914 do que a Pearl Harbour 1940. dades que nunca valorizaram os direitos dos
O atentado de Sarajevo em 1914 deu origem à indivíduos e sempre veneraram um poder
Uma “cruzada” para libertar o mundo tos sauditas falsificados, sendo dois de- I Guerra Mundial e marcou superior), por razões so-
das forças do mal foi como o Presidente les, Walid as-Shehri e Walil as-Shehri, o início de uma nova era — ciais (a explosão demográ-
dos Estados Unidos, George W. Bush, possivelmente os filhos de um diploma- uma era que, nas décadas se- Os terroristas gostariam fica acentuou as situações
denominou a nova guerra contra o ter- ta saudita que tinha estado anterior- guintes, aproximar-se-ia de que este conflito fosse, de pobreza relativa) e por
rorismo. Uma escolha de vocabulário mente em serviço em Washington. Se- uma nova idade das trevas. razões políticas (nenhum
muito pouco feliz. A referência às or- gundo informações divulgadas pelos Ao atentado de Sarajevo
mais do que um choque destes países é uma demo-
dens de cavaleiros da Idade Média que “media” sauditas, o pai trabalha actu- reagiu na altura um impé- de civilizações, uma cracia laica).
se atiraram sobre o mundo árabe em almente na Índia e já renegou os filhos rio relativamente benigno, o guerra de religiões. Evitar Por isso é-lhes indiferen-
nome do cristianismo desencadeia as- há muito tempo. austro-húngaro, com uma de- te que as últimas batalhas
sociações de ideias um tanto ou quanto Os americanos precisam da coopera- claração de guerra que, con-
que o consigam é a nossa em que o Ocidente, e a NATO
desagradáveis. ção da segurança saudita. Mas esta já tra a expectativa dos estadis- tarefa mais difícil, o que em particular, se envolveu te-
Esta escolha de vocabulário não muito cometeu graves erros no passado. Por tas da época, não foi curta torna esta guerra mais nham sido para acabar com
subtil é um símbolo do difícil relaciona- exemplo, depois dos atentados à bomba nem fácil, antes mergulhou urgente e mais complexa o sofrimento de dois povos
mento americano-árabe, agora que se es- de 1995 a um edifício em Riad, em que a Europa inteira numa san- muçulmanos, na Bósnia e no
tá a forjar por todo o mundo uma cinco americanos perderam a gueira interminável. Kosovo. Por isso estão dispo-
coligação antiterrorismo. Mas os vida. Os agentes do FBI já não Por isso, quando olhamos para as opções níveis para escutar o discurso dos que dizem
EUA necessitam precisamente Análise chegaram a tempo de presenciar que temos pela frente, convém recordar a lição que o objectivo último do Ocidente não é acabar
da ajuda desses Estados árabes o julgamento. As autoridades já de 1914 — e compreender que um “choque de com o terrorismo, mas acabar com o Islão.
se quiserem efectivamente lutar tinham mandado decapitar os civilizações” não é inevitável, mas o maior A existência desta multiplicidade de facto-
contra Bin Laden e a sua rede. Embora cinco presumíveis autores do crime. risco que corremos. res torna muito difícil construir uma coliga-
a maioria destes Estados tenham anun- Não só a Arábia Saudita, mas também ção internacional que conte não apenas com o
ciado a sua cooperação com a Adminis- outros Estados que mantêm um relacio- QUANDO TERMINOU A GUERRA CIVIL apoio de governos de países muçulmanos, mas
tração Bush, o que se deve depreender namento amigável com os EUA, como americana, o Presidente Lincoln dirigiu-se aos também das suas opiniões públicas. Muitos
daí concretamente está neste momento o Egipto ou a Jordânia, lançam actual- seus concidadãos para lhes dizer: “Recordem- desses países são ditaduras, mas fazer deles
a ser negociado em todas as frentes. mente um olhar céptico a Washington, já se, eles rezam ao mesmo Deus.” Referia-se ao democracias está longe de ser uma tarefa de
Quando a cooperação se tiver que en- para não falar de Estados como a Síria, o Deus dos cristãos, é certo, mas que é também o sucesso imediato — para além dos riscos de
cher de conteúdo, o dilema dos regimes Sudão ou a Líbia. Todos os países árabes Deus dos judeus e dos muçulmanos. Isso mes- curto prazo que envolve, como se viu na des-
árabes tornar-se-á evidente. A Arábia condenaram os atentados nos EUA, com mo lembrou D. José Policarpo, na mensagem graçada experiência argelina.
Saudita é um exemplo típico dos sala- excepção do Iraque. que o PÚBLICO ontem transcrevia: “O Deus Isto para além de que há o risco de impor-
maleques com que o mundo árabe trata Agora estão todos em posição de aler- único em Quem todos acreditamos não pode tarmos alguns desses conflitos para o interior
as questões relacionadas com os EUA. ta, à espera da reacção militar de Wa- ser fundamento para meios violentos, na luta dos nossos países, onde mesmo a adesão de
Tenta-se pôr dentro do mesmo saco os shington. A conclusão comum a todos por causas, porventura justas.” O Deus único largas comunidades muçulmanas ao estilo
interesses dos aliados com uma oposição os regimes árabes é sempre a mesma. de Abraão. de vida ocidental não impede que por aqui se
interna própria, contra aqueles mesmos Em primeiro lugar, os EUA devem fina- Num tempo em que o risco maior é o acen- ramifiquem os braços do polvo.
parceiros da aliança. O mesmo serve para lizar os inquéritos em curso e apresen- der de paixões religiosas, ter a coragem de Mesmo assim, o maior risco vem da inacção:
países como o Egipto ou a Jordânia. tar provas sensatas e depois reagir com lembrar que o Deus de cristãos e muçulmanos ela seria interpretada como uma rendição.
Dentro da Arábia Saudita, Bin Laden prudência. Não convém haver precipi- é o mesmo é importante. Ajuda a colocar a
tem algum apoio por ter exigido que tações, aconselhou o Presidente egípcio, discussão não no domínio das religiões — que LEVAR A CABO ESTA GUERRA QUE NÃO
as tropas norte-americanas fossem ba- Hosni Mubarak, na segunda-feira, nas é o domínio para onde desejam conduzi-la os declarámos mas que nos foi declarada, perse-
nidas dos Estados islâmicos da Terra entrevistas que deu às estações televisi- extremistas — mas no domínio das ideias que guir e isolar os criminosos, isolar e combater
Santa. Muitos sauditas associaram-se, vas norte-americanas CNN e NBC e à se escondem por detrás das religiões. os Estados que apoiam o terrorismo, realizar
em nome pessoal, à opinião de Bin La- britânica BBC. Nada autoriza, no Islão ou no seu livro sa- um esforço que terá de ser o contrário de uma
den, de que se devia pôr fim à presença Ao mesmo tempo, o lado árabe vai grado, a leitura radical e intolerante que de- mera retaliação, vai implicar um empenha-
de cerca de 20 mil soldados que se en- chamando a atenção para o facto de que le fazem os fundamentalistas taliban ou os mento global e não apenas dos Estados Unidos.
contram estacionados no Golfo Pérsico as coisas seriam mais fáceis com a coo- homens de Bin Laden — como nada autoriza Mas temos de travá-la já para evitar que a
desde a guerra de 1991 contra Saddam peração antiterrorismo se não houvesse ou autorizava, no cristianismo e no seu livro escalada desejada pelos radicais a transfor-
Hussein. o conflito israelo-palestiniano. Não se sagrado, as leituras criminosas que dele foram me naquilo que realmente não desejamos e
pode pedir aos árabes uma colaboração feitas ao longo da História. O Sheik Munir, imã vai contra os nossos valores: mais do que um
A conexão saudita incondicional e ao mesmo tempo dar da mesquita de Lisboa, é pertinente quando choque de civilizações, ser uma guerra de
A monarquia saudita encontra-se numa liberdade aos israelitas para atacarem a defende (PÚBLICO de ontem) que “o Islão é religiões. Temos também de travá-la em nome
situação difícil. Segundo informações Intifada palestiniana. Uma mensagem a paz, a tolerância, a religião do respeito e dos que, dentro do Islão, a travam já de modo
do FBI, 14 dos 19 presumíveis seques- que possivelmente terá sido compreen- do diálogo” — e nós sabemos como isso é ver- isolado, difícil e perigoso.
tradores tinham ligações com a Arábia dida agora em Washington. KARIM EL-
Saudita. A maioria possuía documen- GAWHARY, NO CAIRO
8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SÁBADO, 22 SET 2001 G U E R R A A O T E R R O R I S M O N A E U R O PA E N O M U N D O
YVES HERMAN/REUTERS
O discurso de Bush
Â
nimo, firmeza, determinação, pondera-
ção, sentido estratégico, mensagens para
o público interno e para o mundo, abra-
ços aos aliados, avisos aos terroristas,
mensagens para os muçulmanos, distinção entre
o povo afegão e o regime taliban — o discurso de
Bush perante o Congresso teve tudo o que devia ter,
com um texto no tom e na medida certa, e reconfor-
tou todos aqueles que sabem que a existência nos
Estados Unidos de uma liderança determinada mas
ponderada, inteligente e conhecedora, apostada na
cooperação internacional e não no isolacionismo, é
algo indispensável para nos separar do caos.
A linguagem corporal de Bush continua a não
ser adequada, a inflexão da sua voz não tem a devi-
da convicção e até põe alguma ênfase nos lugares
errados, as suas sobrancelhas continuam em acento
circunflexo como um mau actor que quer mostrar-se
“cool”, o seu olhar continua a não ter a segurança que
se espera de um líder confrontado com uma crise da
actual dimensão (Bush não olha a câmara nos olhos,
o que é fundamental para falar com os americanos, o Guterres (com Jospin, à esquerda, Fontaine e Chirac, à direita): “O testemunho americano” sobre Bin Laden “é verdadeiro”
mundo e os terroristas), mas o essencial estava lá.
Foi um texto claro, com a dose certa de senti-
mento, com coerência política, bem estruturado,
com objectivos definidos, com uma noção de longo
prazo (“Como é que vamos combater e ganhar esta
guerra? Dedicaremos todos os recursos ao nosso
UE dá luz verde a resposta militar
alcance, todos os meios da
diplomacia, todas as ferra-
mentas da informação, to-
A perspectiva dos os instrumentos da
ao ataque à América
lei, todas as influências fi-
de Colin Powell nanceiras e todas as ne- Líderes dos Quinze da-feira, visitar várias capitais do Tendo o cuidado de nunca men- bém desenvolver um programa de
afirmam ter indícios Médio Oriente — Cairo, Amã, Da- cionar a palavra “militar”, os lí- ajuda económica aos refugiados
é tão evidente cessárias armas de guer- masco, Riad e Teerão. Islamabad, deres afirmam assim que “com afegãos que fogem do Afeganistão.
ra para desfazer e derrotar
sobre a responsabilidade capital do Paquistão, não foi men- base na resolução 1368 das Nações A cimeira adoptou igualmente um
no discurso de Osama bin Laden;
a rede global de terror”); cionada nesta lista. Questionado Unidas [que reconhece o direito plano de acção contra o terrorismo
que poderia com uma ideia de justiça, União lançou também por um jornalista paquistanês a es- à legítima defesa], uma resposta que marca o seu acordo político pa-
ter sido ele com uma correcta identi-
iniciativa para o conflito te respeito, Louis Michel explicou americana é legítima. Cada um ra a harmonização das legislações
ficação dos inimigos (“Os que Islamabad não está excluída dos países-membros da União es- nacionais dos Quinze na matéria
a escrevê-lo Estados Unidos respeitam israelo-palestiniano do itinerário da missão europeia, tá pronto a, segundo os seus pró- e que inclui, igualmente, a instau-
o povo do Afeganistão mas mas ainda não está definido se po- prios meios, empenhar-se nessas ração de medidas de combate às
condenam o regime Tali- ISABEL ARRIAGA E CUNHA derá ser encaixada no itinerário. acções”. Ao mesmo tempo, frisam suas fontes de financiamento.
ban”, “o povo afegão tem sido brutalizado, muitos Bruxelas O objectivo desta missão, se- que as “acções” de resposta pode- Em causa está, nomeadamen-
morrem de fome e muitos fugiram, as mulheres gundo Verhofstadt, é “tranquilizar rão ser “igualmente dirigidas con- te, a luz verde sem reservas dos
não podem ir à escola. Pode-se ser preso por ter Os líderes da União Europeia (UE) as duas partes e eliminar dificul- tra os Estados que ajudem, apoiem Quinze para a criação de um man-
um televisor”); com as mensagens certas para consideraram ontem “legítima” dades na busca de uma solução ou alberguem terroristas”. dado de captura europeu para os
os muçulmanos (“Os terroristas praticam uma uma resposta militar dos Estados pacífica; para criar um clima de Mas têm igualmente o cuidado crimes ligados à grande crimina-
versão marginal de extremismo islâmico que foi Unidos aos atentados terroristas segurança, esta viagem é absolu- de sublinhar os limites destas ac- lidade organizada — que acabará
rejeitado pelos eruditos muçulmanos e pela vasta de 11 de Setembro e afirmaram tamente necessária”. Verhofstadt ções, que terão assim de ser “di- com os processos de extradição
maioria dos teólogos muçulmanos — são movi- que cada um dos seus países está sublinhou que este processo vem reccionadas” para alvos precisos, entre os Estados-membros —, a
mentos marginais que pervertem os ensinamentos pronto a empenhar-se nessas ac- no quadro de uma “concertação ou seja, não poderão ser indiscri- par da definição comum em todos
pacíficos do Islão”) e até com as mensagens certas ções “segundo os seus meios”. reforçada com EUA, Rússia e ou- minadas. Ou, como frisou Nicole os países do crime de terrorismo
para os terroristas. Assumida durante uma cimeira tros actores interessados”. Fontaine, presidente do Parlamen- e das penas mínimas aplicáveis.
A perspectiva de Colin Powell é tão evidente no realizada de emergência ontem to Europeu, “os Estados Unidos Enquanto os ministros da Justiça
discurso que poderia ter sido ele a escrevê-lo. E foi à noite, em Bruxelas, para anali- “Testemunho verdadeiro” têm o direito de se defenderem, e Administração Interna expres-
curioso ver, durante a intervenção presidencial, sar as consequências políticas e A abertura dos líderes face à re- mas não nos podemos enganar no saram algumas hesitações quanto
pontuada com aplausos entusiásticos de ambas as económicas dos atentados, esta é a taliação americana, muito mais alvo: matar inocentes para vingar a estas medidas na quinta-feira,
câmaras a cada minuto, que Colin Powell se limitava, primeira vez que os Quinze assu- vigorosa do que estava previsto no outros inocentes é uma solução os líderes encerraram o debate e
nos parágrafos-chave, a um quase imperceptível mem uma posição clara sobre uma início, parece resultar da convic- que ninguém quer”. ordenaram-lhes que definam as
assentimento satisfeito, como se algum pudor o im- resposta militar. Para trás ficaram ção crescente sobre a responsabi- suas modalidades concretas até
pedisse de acenar vigorosamente em sintonia com as hesitações que marcaram du- lidade de Osama bin Laden nos Sintonia com Moscovo ao início de Dezembro.
o discurso. rante vários anos as suas discus- atentados. Esta convicção parece, Aliás, e perante a iminência da Igual firmeza foi assumida face
Do ponto de vista formal, o discurso possui sufi- sões sobre o tipo de acção a assu- por seu lado, ter resultado dos re- resposta americana, os Quinze fi- à necessidade de acabar com as
cientes grandes tiradas para ocupar a posição que mir nos conflitos da ex-Jugoslávia, latos feitos aos seus parceiros por zeram questão de sublinhar que fontes de financiamento do terro-
a História lhe poderá reservar e nem lhe falta a defi- devido nomeadamente à neutra- Tony Blair, primeiro-ministro bri- rejeitam “solenemente qualquer rismo, nomeadamente através da
nição de um objectivo quase inalcançável: “A nossa lidade militar de quatro dos seus tânico, e Jacques Chirac, Presi- amálgama entre os grupos de ter- ameaça de aplicação de sanções
guerra contra o terror começa com a Al-Qaeda mas membros, e que os levou a passar dente francês, sobre as discussões roristas fanáticos e o mundo ára- contra os paraísos fiscais pouco
não acaba aí. Ela não acabará enquanto todos os sistematicamente a bola à NATO. que mantiveram esta semana com be e muçulmano”, de modo a su- cooperantes na luta contra o bran-
grupos terroristas de acção global não forem locali- Ao mesmo tempo, os chefes dos George W. Bush, em Washington. blinhar que a guerra é contra o queamento de capitais.
zados, detidos e derrotados”. governos anunciaram uma inicia- “Os americanos adquiriram terrorismo. E apelaram, assim, a Outras medidas incluem a de-
É evidente que não houve referências à situação tiva sobre o conflito israelo-pales- uma certeza sobre o papel da or- uma “coligação tão global quanto finição de listas de organizações
do Médio Oriente em geral nem às posições aí defen- tiniano, de modo a conseguir “um ganização do senhor Bin Laden”, possível contra o terrorismo sob a terroristas, e o reforço das medi-
didas pelos EUA. Mas o facto de não ter havido uma entendimento duradouro com ba- afirmou ontem Chirac. “Os nossos égide das Nações Unidas”, convi- das de segurança aérea. Os líderes
única frase no discurso capaz de lançar gasolina na se nas resoluções das Nações Uni- próprios serviços em França e na dando os países de Leste candida- fizeram igualmente questão de
fogueira deve ser visto, em si, como positivo. das”, afirmou Guy Verhofstadt, UE não têm a certeza absoluta mas tos à adesão, os “parceiros árabes enviar uma mensagem de encora-
Quem as palavras de Bush não terá conseguido primeiro-ministro da Bélgica e pre- tudo converge para a confirmação e muçulmanos” e a Rússia a parti- jamento sobre os efeitos negativos
cativar terão sido alguns cronistas portugueses mais sidente em exercício da UE. dessa ideia”, acrescentou. cipar nela. Verhofstadt sublinhou dos atentados para a economia
marciais, que teriam certamente apreciado ordens A missão de alto nível da UE, “Não temos dúvidas de que o tes- que as tomadas de posição da ci- europeia e mundial, consideran-
de contra-os-canhões-marchar-marchar, já e em for- presidida por Louis Michel (mi- temunho que é dado pelos ameri- meira estão “totalmente na mes- do que existem boas razões para
ça, e menos rodriguinhos com os sentimentos dos nistro belga dos Negócios Estran- canos a esse respeito é verdadeiro”, ma linha” que as assumidas por acreditar que as dificuldades do
muçulmanos. Mas felizmente que não foi um desses geiros) e Javier Solana (chefe de corroborou o primeiro-ministro Moscovo. momento poderão ser brevemen-
que escreveu o discurso de Bush. diplomacia) irá, a partir de segun- português, António Guterres. Os líderes da UE decidiram tam- te ultrapassadas.
D E S TA Q U E 9
PÚBLICO•SÁBADO, 22 SET 2001
ODD ANDERSEN/EPA
TERCEIRO RAIDE
AÉREO SOBRE Unidos contra
O IRAQUE
NUMA SEMANA
o terrorismo
Os terroristas As Nações
que atacaram Unidas estão
Conservadores norte- os Estados Uni- numa posição
americanos pedem dos a 11 de Se- inigualável pa-
a Bush para ir atrás tembro tinham ra promover
como objectivo esse esforço.
de Saddam Hussein uma nação mas Constituem o
feriram o mun- fórum necessá-
CARLOS MARTINHO do inteiro. Mui-
A OPINIÃO DE rio para formar
to poucas vezes, K OFI A NNAN uma coligação
Aviões americanos e britâni- talvez mesmo universal e po-
cos atacaram ontem sistemas nunca, o mundo esteve tão uni- dem fornecer um enquadra-
de defesa antiaérea na zona do como nesse dia terrível. Foi mento jurídico às medidas que
de exclusão do Sul do Iraque, uma unidade nascida do hor- têm de ser tomadas para er-
em resposta às “novas amea- ror, do medo, da indignação radicar o terrorismo, nomea-
ças” aos aparelhos da coliga- e da profunda solidariedade damente a extradição e julga-
ção internacional que ga- As tréguas nos territórios ocupados têm sido perturbadas por actos esporádicos de violência com o povo dos Estados Uni- mento dos perpetradores, bem
rante o respeito por aquela dos. Essa unidade também se como a eliminação do bran-
zona de exclusão, anunciou deveu ao facto de no World queamento de capitais. É pre-
ontem em comunicado o Mi-
nistério da Defesa britânico.
“As novas ameaças na zona
de exclusão aérea do Sul do
Activistas palestinianos Trade Center trabalharem ho- ciso que estas convenções se-
mens e mulheres de todas as jam plenamente aplicadas.
crenças e de mais de 60 nações. No entanto, para esta res-
Tratou-se verdadeiramente de posta é essencial que a unida-
Iraque tornaram necessária
uma operação defensiva hoje
(ontem) de manhã”, adianta
ainda o ministério.
detidos por Israel um ataque a toda a humanida- de mundial de 11 de Setembro
de e toda a humanidade tem se fortaleça e não se quebre.
interesse em derrotar as for- Se bem que o mundo deva re-
ças que estão por detrás dele. conhecer que há inimigos co-
“Esta acção não tem nenhu- Dois elementos da madilhadas num parque de Quinta-feira, reunida em Quando os Estados Unidos muns a todas as sociedades,
ma ligação com as atrocidades FPLP-CG são acusados estacionamento existente no Ramallah, a AP acusara Isra- decidirem as medidas que irão deve compreender igualmen-
cometidas na semana passada subsolo do edifício, em cujo el de estar a sabotar o cessar- tomar em defesa dos seus ci- te que esses inimigos não se
nos Estados Unidos, e apenas
de querer atacar um centro comercial teriam aliás fogo proclamado no dia 18 por dadãos e quando todo o mun- definem nunca pela sua ori-
reflecte as ameaças perma- arranha-céus em chegado a trabalhar. Arafat; e pedira ao Estado ju- do compreender bem as re- gem religiosa ou nacional. Ne-
nentes do regime iraquiano à Telavive daico que levante o bloqueio percussões mundiais desta nhum povo, nenhuma região
nossa missão de vigilância hu- Sharon bloqueia encon- dos territórios palestinianos calamidade, a unidade de 11 de e nenhuma religião devem ser
manitária”, concluiu o comu- tro Peres-Arafat ocupados. Seis dos 14 minis- Setembro será invocada e pos- condenados, atacados ou vi-
nicado do Ministério da Defe- Dois elementos da Frente Po- Esta denúncia das intenções tros presentes quinta-feira à ta à prova. Expressei ao Pre- sados devido aos actos inqua-
sa, que classificou a operação pular de Libertação da Pales- terroristas da FPLP-CG coin- noite numa reunião do con- sidente George W. Bush e ao lificáveis de uns indivíduos.
como “defensiva”. Este é o ter- tina-Comando Geral (FPLP- cidiu com a rejeição pelo pri- selho de segurança de Sha- Presidente da Câmara Rudol- Como disse o presidente da
ceiro raide no Sul do Iraque CG), de Ahmed Jibril, foram meiro-ministro israelita, Ariel ron manifestaram-se contra ph Giuliani — e aos nova-ior- câmara Giuliani, “é exacta-
depois dos atentados do dia detidos há um mês por Israel Sharon, das propostas da ala a ideia de qualquer encontro quinos, nos serviços religiosos mente contra isso que lutamos
11 de Setembro nos Estados e acusados de terem projec- ultra-nacionalista do seu go- com o presidente da AP, mas celebrados em igrejas, sinago- aqui”. Ele e o Presidente Bush
Unidos — houve um raide na tado a destruição de um arra- verno no sentido de não autori- Peres sublinhou que os pales- gas e mesquitas — a total soli- demonstraram uma admirá-
terça e outro na quinta-feira, nha-céus de Telavive, indica- zar o previsto encontro entre o tinianos estão a fazer esforços dariedade das Nações Unidas vel liderança, ao condenarem
e todos foram realizados con- ram ontem fontes militares ministro dos Negócios Estran- para reduzir a violência. com os Estados Unidos e o seu os ataques aos muçulmanos
tra as posições de artilharia citadas pela AFP. geiros, Shimon Peres, e o pre- O chefe da diplomacia is- povo, nesta hora de dor. Em nos Estados Unidos, e outros
antiaérea iraquiana perto de Mahmoud Salim Jibril e sidente da Autoridade Palesti- raelita declarou ontem que o menos de 48 horas, o Conse- dirigentes fizeram o mesmo.
Bassorá, no Sul do Iraque. Rami Fawzi Bensaíd, natu- niana (AP), Yasser Arafat. país tem um dever moral de lho de Segurança e a Assem- Agir de outro modo e permi-
Também ontem, conserva- rais de um campo de refugia- Sharon continua a dizer ajudar os Estados Unidos a bleia Geral juntaram-se a mim tir que as divisões entre as so-
dores norte-americanos da li- dos perto de Naplus, no Norte que não é, em princípio, con- constituir uma grande coli- para condenar os ataques e ciedades e no seio delas sejam
nha dura afirmaram que Ge- da Cisjordânia, foram detidos tra tal reunião, mas que a gação internacional, devendo votaram no sentido de apoiar exacerbadas por esses actos
orge W. Bush deve usar a sua ao regressar da Síria e acusa- mesma só se deverá concre- para isso abrandar as tensões as medidas que se venham a seria trabalhar a favor dos ter-
“guerra contra o terrorismo” dos de terem frequentado um tizar depois de um mínimo com os palestinianos. Peres adoptar contra os responsá- roristas, e ninguém pode dese-
para perseguir o Presidente treino militar para cometer de 48 horas consecutivas sem já conferenciou quinta-feira veis e contra os Estados que os jar tal resultado.
do Iraque, Saddam Hussein, e atentados. Um dos seus objec- qualquer acto de violência. O com o negociador palestinia- ajudam, apoiam ou protegem. Hoje, o terrorismo ameaça
assim acabar o trabalho que tivos seria a destruição da tor- primeiro-ministro referiu-se no Saeb Erakat e com o presi- Que ninguém ponha em dúvi- todas as sociedades e todos
Bush pai iniciou há dez anos, re Azriéli, de 49 andares, onde ontem a Arafat como um “ter- dente do conselho legislativo da essa solidariedade. os povos e, no momento em
na Guerra do Golfo. Entre funcionam escritórios e um rorista“, mas acrescentou es- palestiniano, Ahmad Qorei. Também ninguém deve du- que o mundo toma medidas
estes conservadores estará o importante centro comercial, perar que as duas partes ini- O ministro britânico dos vidar de que o mundo inteiro contra os seus autores, foi-
subsecretário de Estado Paul perto do quartel-general do ciem conversações durante Negócios Estrangeiros, Jack está determinado a lutar con- nos recordada a todos a ne-
Wolfowitz, que no passado de- Exército israelita. a próxima semana, de modo Straw, visita na próxima se- tra este flagelo, durante todo o cessidade de enfrentar toda
fendeu, em conjunto com o Segundo a acusação, de- a transformar o cessar-fogo mana Israel, os territórios pa- tempo que seja necessário. Na a série de condições que per-
actual secretário da Defesa, veriam colocar viaturas ar- numas tréguas duradoiras. lestinianos e a Jordânia. I realidade, a resposta mundial mitem o crescimento desse
Donald Rumsfeld, uma acção mais eloquente que foi dada ódio e dessa depravação. Te-
militar contra o Iraque para até agora aos ataques da sema- mos de opor-nos à violência,
destronar Saddam Hussein
do poder iraquiano.
No entanto, a mesma fonte
Manila quer coligação regional na passada foi o compromisso, ao fanatismo e ao ódio. As
assumido pelos Estados de to- Nações Unidas devem pros-
das as crenças e todas as regi- seguir o seu trabalho, ao mes-
referiu também que Rumsfeld ões, de actuarem com firmeza mo tempo que combatemos
se juntou ao vice-presidente O Conselho de Segurança ria de uma cruzada contra o embora o primeiro-ministro, contra o terrorismo. os males do nosso tempo —
Dick Cheney e ao secretário Nacional das Filipinas pro- islão. Ao abrigo da proposta, Mahatir Mohamad, recorra Num momento como este, o conflito, a ignorância, a po-
de Estado Colin Powell na lu- pôs uma coligação trilateral os três países partilhariam ao perigo islamista por mo- o mundo define-se não só afir- breza e a doença. Ao fazê-lo,
ta contra o terrorismo, e cen- contra o terrorismo, com a informações secretas sobre tivos políticos internos e te- mando-se a favor de algo mas não estaremos a acabar com
tra agora todas as atenções em Malásia e a Indonésia, para actividades terroristas e man- nha mandado para a cadeia também contra algo. As Na- todas as fontes de ódio e todos
Bin Laden e no Afeganistão. combater o crescendo de radi- teriam um rígido controlo das políticos do Partido Islâmico ções Unidas — e a comuni- os actos de violência — have-
Na verdade, um ataque pre- calismo islâmico naquela re- suas fronteiras marítimas, Pan-Malásia, alegando que o dade internacional — devem rá sempre quem odeie e ma-
cipitado e sem provas contra gião do globo. O presidente do para acabar com o fluxo de queriam derrubar. ter a coragem de reconhecer te, mesmo que estas injusti-
o Iraque iria fragilizar a posi- Congresso, José de Venécia, armas e de terroristas. A Indonésia, que é o mais que, tal como há objectivos co- ças sejam corrigidas. Mas se
ção americana, especialmen- declarou que o grupo tomaria As Filipinas lutam para populoso país muçulmano de muns, há inimigos comuns. o mundo conseguir demons-
te no mundo árabe. “Não po- em conta o teatro imediato de conter o grupo separatista is- todo o mundo, tem tido uma Para os derrotar, todas as na- trar que continuará a andar
demos fazê-los pensar que cooperação e daria assim o lâmico Abu Sayyaf, que regu- posição algo ambígua. A Pre- ções de boa vontade devem para a frente, que persevera-
esta é mais uma desculpa pa- seu contributo para a coliga- larmente faz reféns e coloca sidente Megawati Sukarno- juntar as suas forças num es- rá para criar uma comunida-
ra bombardear Saddam Hus- ção internacional proposta bombas em centros comer- putri considerou os ataques forço conjunto que abranja de internacional mais forte,
sein, temos que arranjar pro- pelos EUA. ciais. Esse e outros grupos aos Estados Unidos “desuma- todos os aspectos do sistema mais justa, mais generosa e
vas”, disse à agência Reuters “Temos aqui muitos anti- têm alegadamente laços com nos e bárbaros“, mas o vi- mundial aberto e livre que os mais autêntica, superando
outra fonte oficial norte-ame- gos combatentes da guerra os seguidores de Osama bin ce-presidente Hamzah Haz autores das atrocidades da se- todas as diferenças de reli-
ricana que confessou que tu- afegã e há quem pense como Laden, tal como acontece com observou que os mesmos po- mana passada tão perversa- gião e raça, o terrorismo terá
do indica que o Iraque não te- os taliban”, afirmou o presi- grupos radicais indonésios, derão ter sido uma forma mente exploraram. fracassado. I
rá participado nos atentados dente do Congresso, que teve, incluindo o Laskar Jihad. de redimir “os pecados dos
ao World Trade Center e ao no entanto, o cuidado de es- A Malásia não tem uma EUA”. I JOHN AGLIONBY, EM
Pentágono. I clarecer de que não se trata- tão grande ameaça terrorista, JACARTA Secretário-geral das Nações Unidas
10 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SÁBADO,22 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO OS EUA DEPOIS DO CHOQUE
EMPRESÁRIO
A EMOÇÃO DO SECRETÁRIO DE LEIRIA
REMOVE LIXO
DE ESTADO DIANTE DAS TORRES DO WORLD
TRADE CENTER
O secretário de Estado das Comunidades, João Rui Almeida, esteve a menos de 100 metros dos escombros do World Trade O destino de Vítor Santos
Center. O PÚBLICO acompanhou o governante português nesta visita, que ocorreu a poucas horas do seu regresso a Portugal, não podia estar mais liga-
após uma estada de vários dias nos EUA. Nas instalações do BCP, em Wall Street, ainda há vestígios dos momentos de angústia do às torres do World Tra-
de Center. Dono, com o seu
daquela manhã de 11 de Setembro. Só dentro de duas semanas, os escritórios deverão reabrir ao público. compatriota António Go-
Do nosso enviado Adelino Gomes, em Nova Iorque mes, de uma empresa de de-
molições e remoção de lixos,
PETER MORGAN/REUTERS foi no 92º andar da Torre 2
Ela aí está, a menos de 100 me- uma nova etapa se vai iniciar que obteve a primeira enco-
tros, a imagem que as televi- dentro em pouco. “Pediram- menda, há 11 anos, para o
sões já nos tornaram familiar. nos que a partir de agora só seu novo negócio. Passada
Por detrás do passeio em fren- enviemos para aqui pessoal uma década, a sua empre-
te, sobre um monte de escom- ‘emocionalmente forte’”, con- sa voltará a cruzar os seus
bros enegrecidos pelas cha- ta Vítor Santos. As autorida- interesses com as torres gé-
mas e pelo fumo, ergue-se o des que superintendem nos meas. Na madrugada de ter-
esqueleto de uma parede de trabalhos de remoção dos es- ça-feira 11, poucas horas an-
alumínio retorcido, tão fina, combros acham que — retira- tes do embate do segundo
tão frágil que um golpe de das as primeiras 80 mil das avião, meia centena de ope-
vento a pode dobrar e fazer 500 mil toneladas de lixo acu- rários da sua firma — gran-
cair em qualquer momento. mulado — começa a chegar a de número de portugueses
“É o que resta da torre 1 do altura em que um maior nú- entre eles — trabalhara nos
World Trade Center”, explica mero de restos humanos será andares 36 e 52 da mesma
o empresário português Ví- encontrado pelas brigadas de torre.
tor Santos ao secretário de Es- salvamento e resgate. Desde quarta-feira da se-
tado das Comunidades, João A visita do governante por- mana passada, cerca de me-
Rui Almeida. tuguês à zona reservada de tade do efectivo da empresa,
Poucos metros adiante, Wall Street ocorreu a poucas que atinge os 250 homens,
por detrás do arranha-céus horas do seu regresso a Por- foi desviado para nova tare-
do American Express (de tugal, após uma estada de vá- fa: a remoção dos escombros
pé ainda, depois de ter sido rios dias nos EUA, em que do edifício onde estava o seu
dado como perdido), uma se encontrou com represen- primeiro cliente. Compro-
nesga ainda mais escura de tantes consulares e dirigentes missos anteriores em Nova
ferros e cimento e lixo fume- das comunidades locais en- Iorque e em vários outros
gante também, no lugar on- volvidos nas acções de apura- estados levaram-no a con-
de há duas semanas ainda se mento das vítimas e de apoio tratar mais meia centena de
levantava a torre gémea que às respectivas famílias. operários, de forma a poder
completava o World Trade Vítor Santos, que dispõe de manter em funcionamento
Center, até ao passado dia 11 um livre-trânsito de acesso à os 80 camiões e os seis mil
o ponto mais alto de Nova “zona zero”, entrou na área contentores de que a empre-
Iorque. restrita como se os restantes sa dispõe.
“Medonho. Terrível. A pior cinco passageiros do “jeep” Natural de Barreiro, Col-
imagem que já vi. Tanto mais — todos sem gravata e com meias, no concelho de Lei-
impressionante quanto sa- vestuário desportivo — per- ria, onde trabalhava numa
bemos que tudo isto tem pes- tencessem aos quadros da oficina de mecânico, Vítor
soas”, comenta o governante “Avanti”. Juntamente com o Santos emigrou para os EUA
português. “Milhares de cor- secretário de Estado das Co- em 1977. Depois de uma ex-
pos, um enorme cemitério munidades e um adjunto, se- periência em supermerca-
naquele espaço tão curto en- guiam o cônsul-geral de Por- dos, empregou-se numa em-
tre os arranha-céus”, acres- tugal em Nova Iorque e o presa de lixos e demolições.
centa Vítor Santos, com a director-geral do BCP, Pedro Apesar da sua empresa con-
autoridade de quem desde Belo, além do PÚBLICO. correr num mercado domi-
a manhã do dia seguinte à Nas instalações do BCP, si- nado por italianos — “por
tragédia outra coisa não faz tuadas no número 2 da Wall isso é que pus à firma o no-
do que dirigir 120 operários, Street, a pouco mais de uma me de Avanti, para passar
17 camiões e quatro máqui- centena de metros das tor- mais despercebido”, explica
nas escavadoras da empresa res que se desmoronaram, ao PÚBLICO — , o governo
“Avanti”, de que é co-proprie- pastas abandonadas e uma de Nova Iorque chamou-o lo-
tário com outro português, gravata esquecida sobre um go a seguir à tragédia para
nas tarefas de remoção dos corrimão testemunham os participar na remoção dos
escombros (ver texto nestas momentos de angústia vivi- escombros.
páginas). dos durante mais de duas ho- “Temos aqui seis meses pa-
Durante momentos, por ras pelos cerca de de 40 fun- ra limpezas”, calcula, apon-
proposta do secretário de Es- cionários do banco e outros tando os escombros onde os
tado português, a pequena tantos clientes e cidadãos em seus homens trabalham dia
comitiva que o acompanha busca de refúgio após o des- e noite. Mas em toda a zona
recolhe-se num silêncio co- moronamento das duas tor- de Wall Street, onde alguns
movido, quebrado pelas or- res gémeas e de outros dois dos arranha-céus mais pró-
dens policiais para que os arranha-céus ao lado. ximos do local dos atentados
transeuntes — centenas de Apesar de não ter sido atin- não irão manter-se de pé, as-
pessoas, algumas com máqui- gido fisicamente, o BCP viu- segura, o trabalho “vai de-
nas fotográficas, presumivel- se obrigado a encerrar as morar anos”.
mente funcionários de empre- instalações de Wall Street de- “É a vida”, diz para o se-
sas que começam a reabrir na vido ao corte das linhas te- cretário de Estado, à saída
área — não parem diante das lefónicas e do sistema infor- da “zona zero”, nos breves
ruínas. mático. Até à sua reabertura, intervalos em que as chama-
Reduzida agora a um espa- que não deverá ocorrer antes das do escritório lhe deixam
ço não superior a 300 metros de duas semanas — tudo de- espaço para conversar com o
de diâmetro, a chamada “zo- pendente da reparação das grupo de que esta manhã foi
na zero” vai das proximida- avarias causa pela tragédia guia privilegiado. “Alguém
des da Trinity Church até à na empresa telefónica Veri- tinha que fazer o serviço” in-
Liberty Plaza, e é nesse espa- zon — o BCP funcionará em siste, como quem pede des-
ço, tornado mais exíguo pela New Jersey, num local de re- culpa pela oportunidade gi-
altura gigantesca dos prédios cuperação previsto parta si- gantesca que a tragédia abriu
que resistiram em volta, que tuações de emergência. à sua empresa. A.G.
D E S T A Q U E 11
PÚBLICO•SÁBADO,22 SET 2001
MANUEL CARVALHO
COMENTÁRIO
Mas será que, depois de nos indignar- E é apenas pelo prazer de pensar li-
mos, depois de manifestarmos de mil e vremente, sem ter medo de ser acusado
uma maneiras o nosso desprezo e o nosso de estar do lado errado do mundo, que
protesto contra os autores sem rosto do devemos tentar perceber por que é que a
inominável crime de Nova Iorque e Wa- barbárie regressou tão inusitada e vio-
shington, não podemos invocar a nossa lentamente ao nosso quotidiano. Deve-
capacidade reflexiva para tentarmos en- mos fazê-lo porque a procura da causa
contrar enquadramentos e explicações das coisas é uma obrigação moral à luz
para o horror que nos acometeu? Será dos valores humanistas das nossas cul-
que, pelo simples facto de querermos turas e dos princípios de cidadania das
responder à pergunta “como foi possível nossas democracias. E, ao fazê-lo com
este acto tresloucado”, que combina sui- o mínimo de honestidade intelectual, te-
cidas sem esperança e homens, mulheres mos de questionar o “factor Deus”, como
e crianças sem culpa, passamos a ser sugeriu com pertinência José Sarama-
suspeitos de simpatia pelo terrorismo? go, o desprezo absoluto pelos valores da
Será que, por tentarmos explicar o que, Humanidade de seitas, grupos e líderes
aparentemente, não tem explicação ou fanáticos, e a paixão pela violência san-
por procurarmos motivos improváveis guinária que os alimenta. Teremos tam-
para um crime que nos escapa ao en- bém de procurar saber como é que
tendimento, temos de este universo sem va-
correr riscos de ser co- lores que nos horrori-
notados com os que Será que, por tentarmos za ganha adeptos nos
odeiam os valores ma- explicar o que, campos de refugiados
triciais da nossa civi- da Cisjordânia ou nos
lização?
aparentemente, não tem bairros de terra bati-
As perguntas são explicação ou por da dos desertos da ve-
obviamente absurdas, procurarmos motivos lha Pérsia ou do Afe-
mas em muitas das ganistão. E seria uma
opiniões publicadas
improváveis para um crime imensa hipocrisia ar-
nos últimos dias nos que nos escapa ao redar da reflexão as
jornais portugueses entendimento, temos de inequidades da polí-
pressente-se que um correr riscos de ser tica externa do Oci-
muro de intolerância dente, principalmente
se começa a erguer. conotados com os que dos Estados Unidos,
De um lado ficaram os odeiam os valores procurando aí fun-
que, para além de con- matriciais da nossa damentos capazes de
denarem os atentados nos explicar as razões
e de reclamarem a sua
civilização? que levam pacíficos
punição, querem en- pastores transformar-
tender por que é que se em guerrilheiros
o século XXI se inaugurou com esta vio- ou estudantes em mártires, de saber por-
lência; do outro lado os que condenaram que é que muitos seguidores de uma teo-
os atentados e reclamam a sua punição logia pacífica trocaram a universalidade
sem que a procura de explicações possa da paz pelo ódio cego ao que o Ocidente
ultrapassar o grau zero da reflexão. é e defende.
Neste lado, a tarefa é simples: “nós” É, aliás, interessante constatar que em
somos as vítimas, os “bons”, e os terro- nenhum outro país como nos Estados Uni-
ristas são os maus porque odeiam os nos- dos esta vontade de perguntar e este dese-
sos confortos, não suportam a opulência jo de encontrar respostas se exercem com
material das nossas sociedades, não são tanta intensidade. Ouvimos, por exemplo,
capazes de encaixar a superioridade mo- especialistas independentes, universitá-
ral dos nossos regimes e hão-de fazer rios e ex-altos responsáveis da adminis-
tudo ao seu alcance para nos aniquilar. tração, como Alexander Haig, dizer que,
Ponto final. Há depois quem se arrisque depois deste atentado, os Estados Unidos
a procurar respostas mais profundas. terão de repensar a sua política para o Mé-
Neste caso, não está em causa qualquer dio Oriente. Não foi por isso que ficaram
tentativa de justificar o terror ou de tem- sujeitos à suspeição. Os “consensos de
perar com condescendência as suas ma- Washington” que Noam Chomsky não se
nifestações de extremismo em caldos cansa de denunciar nem em Washington
de pobreza, injustiça e abandono. Em são consensuais. E ainda bem.
muitos casos, também, não se trata de Não são, pois, valores de uma esquerda
imolar a política externa das potências caduca ou de uma direita invertebrada e
ocidentais, atribuindo à sua mundivisão nacionalista que fomentam o debate que
arrogante e sua tolerância às condições recusa a divisão do mundo entre bons e
de vida miserável em que se encontram maus, cabendo aos primeiros a urgente
milhões de seres humanos a resposta tarefa de aniquilar os segundos sem mais
fácil e ideologicamente confortável para nem porquê. É por se viver em democra-
os males do mundo. O que releva desta cia e por se celebrar a sua essência que
atitude não são, portanto, simpatias dis- se pode e deve procurar explicações para
farçadas com os que odeiam o “grande os crimes de Nova Iorque e Washington.
satã”. O que está, antes de mais, em causa Sem temas tabu nem constrangimentos
é o recurso a um exercício que faz de intelectuais. Querer cercear a liberdade
nós, ocidentais, cidadãos diferentes de de quem lança livremente perguntas,
muitos outros: o exercício da razão, de todas as perguntas, com o anátema de
querer saber tudo sem cair em dogmas, fazer o jogo do inimigo, isso sim, é aten-
de procurar o entendimento individual tatório à nossa civilização e aproxima-
dos factos sem recear retaliações, de pen- nos do mundo bárbaro que agora se quer
sar livremente sem o medo da censura. combater.
1 2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SÁBADO, 22 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO OS EUA DEPOIS DO CHOQUE
PRESTON KERES/REUTERS
Para cá da
“Zona Zero”
Poder sem
inteligência
Julio Rojas está assustado. “Esta cidade não
volta mais a ser o que era antes dos atentados”.
Dominicano a viver há mais de 20 anos nos
EUA, cidadão norte-americano desde finais
dos anos 80, motorista de táxi em Nova Iorque
(há sempre a história de um motorista de tá-
xi a espreitar nas reportagens dos enviados
especiais, mas algumas são mesmo irresistí-
veis), Julio tem uma certeza — “os Estados
Unidos são o país mais poderoso da Terra”.
Mas os atentados das torres gémeas deixaram-
no descrente, e por isso receoso.
“Como é possível um avião dirigir-se ao
World Trade Center e não ser detectado? E ao
Pentágono? Lá, onde nada pode haver entre a
terra e o céu sem que os militares autorizem?”
O episódio do avião a despenhar-se sobre este
edifício em Washington choca-o em particular.
“Encontravam-se lá os generais que desenham
e dirigem a defesa dos EUA!...”
Daqui à conclusão demolidora vai menos
do que a passagem do vermelho para o verde
num semáforo nas cercanias da Grand Ter-
minal Station: “Sabem usar as armas, mas
não sabem usar a cabeça. Se a utilizassem,
perceberiam que não se pode lançar bombas
sobre Saddam Hussein, andar aí pelo mundo
a dar ordens, sem que isso provoque vontade
de vingança nos outros. Têm poder. Mas não
acha que lhes falta inteligência?”. Em maré de
perguntas, aproveita o final da corrida para
esclarecer uma outra, de menor actualidade
mas com preocupações igualmente globais:
“Em Portugal também há mulatas, como no
Brasil e na República Dominicana, ou são
todos brancos como você?”.
Preencher o vazio
Vista do comboio ou da linha de metro que
liga Nova Iorque a Newark, Manhattan resti-
tui ao Empire State Building o protagonismo
de outrora. Para quem conheceu a ilha nas
últimas três décadas, porém, a imagem das
torres gémeas ali na linha do horizonte, dois
palmos para a direita do Empire State Buil-
Os trabalhos na área de seis hectares da baixa de Manhattan continuam a ser considerados “operação de buscas e socorro”, ding, mostra-se difícil de apagar.
apesar de não ter sido encontrado qualquer sobrevivente Como um fantasma, o vazio deixado pelo
desaparecimento físico dos dois mais altos
arranha-céus da cidade começa a pairar so-
ANJA NIEDRINGHAUS
HISTÓRIAS
DE NOVA IORQUE
DESPORTO VOLTOU Iraque e os países mais pobres para Yusuf Islam — condenou
AO MADISON SQUARE GARDEN “não salvará as vítimas de 11 esta semana os atentados ter-
de Setembro ou tornará as ci- roristas dos extremistas islâ-
Tal como em tantos outros sí- dades americanas e europeias micos e lembrou que a religião
tios, respeitou-se um minuto mais seguras”: “O terroris- muçulmana promove a paz e
de silêncio antes do espectácu- mo não pode ser derrotado condena o suicídio. “Uma das
lo desportivo. Mas aqui, a três por bombas, balas ou espiona- primeiras coisas que aprendi
quilómetros do World Trade gem.” Na carta, os artistas te- é que a palavra islão deriva de
Center, a emoção do momento cem críticas às políticas oci- ‘salam’, que significa paz.” Uma
era muito especial. No regresso dentais para o Afeganistão e crença, diz, “que se afasta da
das competições desportivas ao Iraque e afirmam que os direi- violência, destruição e terro-
mítico Madison Square Garden tos humanos e as liberdades rismo”. Para Yusuf Islam, que
de Nova Iorque, na quinta-feira civis foram “espezinhados” vive em Londres, o Corão, o li-
à noite, as equipas de hóquei pelos políticos, “que atiçaram vro sagrado dos muçulmanos,
no gelo dos New York Rangers as chamas da intolerância foi usado por uma minoria de
e dos New Jersey Devils entra- com as suas preparações para fanáticos ávidos de violência. O
ram juntas em campo, os joga- a guerra”. Termina com um antigo cantor afirma ainda que
dores de cabeça baixa — um de- apelo para que se faça guer- “certos extremistas, entre eles
les, o canadiano Eric Lindros, ra “à pobreza” e não aos esta- os auto-proclamados dignatá-
que se estreava pelos Rangers, dos que dão abrigo aos terro- rios islâmicos, citam passagens
homenageava a polícia nova- ristas. do livro sagrado fora de contex-
iorquina ao usar um boné com to, o que é muito perigoso”.
as iniciais NYPD. Os mais de
14.000 espectadores presentes CRANBERRIES SUSPENDEM
foram obrigados a passar por REVISTA OFERECE RECOMPENSA
rigorosíssimos controlos de se- “VIDEOCLIP” COM AVIÕES
gurança e acabaram a noite a O grupo de rock irlandês The POR NOTÍCIAS DE BIN LADEN
fazer coro com a voz de Frank Cranberries decidiu suspen- Uma conhecida revista se-
Sinatra, entoando o tema “New der a divulgação do seu últi- manal de Hong Kong oferece
York, New York”. No final da mo videoclip — onde aviões uma recompensa de 128 mil
partida, os Rangers venceram sobrevoam arranha-céus — dólares por informações ex-
por 6-1 e, portanto, nem sequer na sequência dos atentados clusivas sobre o homem mais
é uma figura de estilo dizer que terroristas nos EUA. “As ima- procurado do mundo — o mi-
Nova Iorque ganhou. gens [do videoclip] foram con- lionário Bin Laden, que os
sideradas demasiado simila- EUA identificaram como o
res aos acontecimentos da principal responsável pelos
ARTISTAS BRITÂNICOS semana passada”, diz a edito- atentados terroristas de 11 de
ra discográfica MCA. O vídeo, Setembro. Num anúncio de
CONTRA A GUERRA gravado em Agosto pelo re- página inteira de um jornal
Nove figuras britânicas do alizador Keir McFarland em local, a “East Week” pede a
meio teatral britânico, in- Londres, mostra a vocalista do quem tenha informações re-
cluindo o dramaturgo Harold grupo, Dolores O’Riordan, no levantes que contacte a revis-
Pinter e o actor Corin Redgra- cimo de um edifício. Ao longe ta: “Se é um correspondente
ve, lançaram um apelo aos lí- vêem-se dois arranha-céus so- de guerra, um perito militar,
deres mundiais para que não brevoados por um avião. Nou- especialista em assuntos in-
desencadeassem uma guerra tras cenas vêem-se dois aviões ternacionais ou se conhece
em resposta aos ataques da a sobrevoar cidades e edifí- amigos ou familiares de Bin
semana passada aos Estados cios e uma pessoa a caminhar Laden ou afegãos... e se tiver
Unidos. Em carta enviada ao ao lado de um cadáver. notícias ou imagens surpre-
jornal “Daily Telegraph”, as- endentes de Bin Laden... po-
sinada também por Maggi derá ganhar este generoso
Hambling e Lynn Farleigh, os CAT STEVENS, CONVERTIDO AO prémio.” A revista não di-
artistas fazem um apelo ao vulga o número de pessoas
que classificam a “loucura” ISLÃO, CONDENA ATENTADOS que responderam ao anúncio,
de uma “nova guerra mun- Cat Stevens — a vedeta da mú- mas a informação reunida se-
dial”. Argumentam que uma sica britânica que se converteu rá publicada na sua edição de
guerra contra o Afeganistão, ao Islão, mudando o seu nome 3 de Outubro.
1 4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SÁBADO, 22 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO REFLEXOS DA ECONOMIA
CLIMA DE
“PSICOSE” NOS Profissionais do turismo nos EUA
AEROPORTOS
Buscas minuciosas,
interrogatórios
falam em situação “catastrófica”
STEVE MARCUS/REUTERS
INQUÉRITO
CAUSAS E PRINCÍPIOS
Guterres e Durão Barroso ainda não defendem a
prisão perpétua. Acham, no entanto, que se pode
transigir com a sua possibilidade, que se deve
abdicar do princípio, suspender a causa, adiá-la…
O
ções e as dos outros. E revelaram, sobretudo, um la sociedade de que a segurança tem um preço, Papa já se reuniu com os car- rem a Londres esse é o preço natural
enorme respeito pelas pessoas — pelas vítimas, não só na comodidade das viagens aéreas como deais e bispos para decidir que os britânicos têm de pagar pelo
pelas suas famílias e pelos telespectadores. Não no uso das liberdades. do destino do teólogo cristão apoio dado aos EUA. Se alguma bomba
mostraram imagens de horror que nada acres- que terá inspirado os atenta- explodir em Paris também não é de es-
centariam à informação, nem colocaram aos fa- Ora a comunicação social e, sobretudo, a tele- dos contra as cidades muçulmanas. tranhar. Salta à evidência que os fran-
miliares das vítimas a pergunta idiota, tão cor- visão podem ajudar a compreender a realidade, Nas igrejas, os pregadores não cessam ceses, povo reconhecidamente mal-
rente entre nós, “o que sente?”. E não revelaram se não ficarem apenas à espera do “espectáculo de apelar à guerra contra os infiéis mu- educado, ainda sonha com as doçuras
os nomes das ví- çulmanos.” Como seria a nossa vida, da vida na Argélia colonial. Na Espa-
timas antes de as no Ocidente, se o nosso quotidiano fos- nha, claro que existem imensas razões
famílias serem A LV E J A R C A M P O S de terroristas e instalações de quem os se assim determinado? Como seria a para fazer explodir o que quer que se-
informadas. No apoia é, nesta circunstância, moralmente legítimo e juridicamente nossa vida se o nosso Código Penal fos- ja: desde a solidariedade com a ETA à
meio de uma se substituído por interpretações dos forma inqualificável como gerações de
imensa tragédia, correcto. Mas será o menos importante Dez Mandamentos? Não queremos nem espanhóis têm descrito o comporta-
este foi mais um imaginar, mas este mundo que já foi o mento dos “mouros” que acompanha-
DR
sinal de esperança nosso existe agora noutras culturas. vam o general Franco...
para uma civiliza- Os atentados de Setembro puseram Em nós, portugueses, se tudo correr
ção que os terro- frente a frente dois mundos. A separá- bem ninguém reparará. Há aquele
ristas pretendem los não está o nome que dão aos seus pormenor da base das Lajes, mas diga-
destruir. deuses mas sim os limites que os Esta- mos que cedê-la aos americanos foi
dos marcam ao que se pode fazer em inevitável. É verdade que o contexto
A televisão vai nome de Deus ou de Alá. O mundo islâ- era outro. Estava-se na II Guerra Mun-
continuar no cen- mico não é nenhuma tribo de guaranis dial. Portugal, como é óbvio, não tinha
tro desta guerra perdida na Amazónia que um dia viu nada a ver com isso. Havia um homem
global e não con- o seu território invadido por criadores que pensava por nós e nos manteve
vencional contra de gado e que agora vem vingar-se da neutros e que teve de ceder ao imperia-
o terrorismo. destruição a que o seu território e as lismo americano na questão das Lajes.
Mas, agora, há no- suas gentes foram sujeitas. O mundo E ponto final. Aliás, isso já foi há tanto
vos riscos. Um dos islâmico negoceia, investe e dialoga tempo. Nessa altura, nessa Europa que
perigos está em, com o mundo ocidental há séculos e ficava lá tão longe do nosso sossego,
na ânsia de pren- séculos. Os fundamentalistas islâmi- esperava-se desesperadamente pelo
derem as audiên- cos não sabem apenas como estabele- auxílio dos americanos para combater
cias, as televisões cer redes terroristas no Ocidente. Sa- Hitler. Claro que isso era lá muito lon-
fomentarem uma bem que, nas famílias ocidentais, a ge. Nós, aqui no nosso cantinho, ainda
psicose de desfor- perda dum filho, mesmo que no mais continuávamos sem perceber o que te-
ra imediata, for- justificado dos combates, é uma perda ria acontecido depois do senhor
çando os políticos irreparável, sem remédio nem conso- Chamberlain vir de Munique com a
a decisões insensatas. Por isso as autoridades dos mísseis” (sabe-se como tal espectáculo foi lo, terreno ou divino; sabem como paz numa pasta. É claro que o senhor
americanas desde há mais de uma semana pas- enganador na guerra do Golfo) ou se dedicarem Marrocos paralisou o exército espa- Chamberlain, pela Grã-Bretanha, e o
sam a mensagem de que o combate ao terroris- a excitar a tensão própria da gravidade do mo- nhol enviando não tropas mas sim mi- senhor Daladier, pela França, tinham
mo vai ser duro e longo: a coisa não se resolve, mento, para vender papel e conquistar audiên- lhares de pessoas desarmadas, nomea- cedido na questão dos Sudetas. Mas
obviamente, com uma chuva de mísseis. Pois se cias. Esta crise pode dar a oportunidade aos EUA damente mulheres e crianças ia-se reacender a agressividade alemã
nem no Vietname a força bélica dos EUA conse- para liderarem a construção de um mundo mais brandindo o Corão; sabem como o Oci- só por causa da Checoslováquia? Dis-
guiu levar a melhor... É claro que, do ponto de regulado, mais enquadrado politicamente, mais dente, descrente e céptico, olha assus- parates dos belicistas. Gente feita com
vista da popularidade de Bush, dá jeito agitar o cooperante internacionalmente. Nenhum país tado esses homens que se dizem dis- os comunistas ou então palhaços, co-
estandarte da guerra, unindo os americanos em isolado, nem os EUA, consegue combater o terro- postos a morrer e a matar quando e mo justamente a imprensa portuguesa
torno do seu Presidente, até porque a sede de rismo. Assim, em vez de se fecharem sobre si como lhes for ordenado pelos que con- chamara ao senhor Churchill.
vingança é compreensível. E, para compensar o próprios e tomarem posições unilaterais, como sideram seus líderes. Sabem como o “O Século” até escreveu, em Outubro
tremendo abalo na confiança até aqui depositada estava a acontecer, os americanos podem, agora, Ocidente estanca, entre perplexo e fas- de 1939, aquele belo editorial em que
na capacidade de segurança e defesa dos Estados abrir-se ao mundo e à cooperação com os outros cinado, diante dessa gente em que ri- dizia: “Chamberlain, na sua eloquên-
Unidos, convém psicologicamente uma retalia- países. Claro que já se levantam vozes contra a cos imensamente ricos se misturam cia fleumática e serena, ergueu, diante
ção espectacular (é isto que explica, creio, a fúria liderança americana neste processo — mas ela com pobres imensamente pobres nos dos representantes das comunas britâ-
guerreira que na semana passada se apossou de não só é natural, tratando-se da única superpo- gritos de ódio e de fé. Sabem que o Oci- nicas, o quadro glorioso da sua inter-
alguns intelectuais portugueses, normalmente tência, como é indispensável a um mundo menos dente tem medo. E têm razão. venção num conflito, que não era de
liberais). Mas, se os políticos não podem ignorar perigoso. Vozes dessas também se fizeram ouvir A Europa, velha senhora passada pa- molde a justificar mais uma guerra in-
os estados de alma da opinião pública, é sua obri- há meio século, quando os EUA lideraram a edifi- ra segundo plano, aceita mal o volunta- ternacional. Os seus amigos vitoria-
gação levarem as pessoas a compreender que a cação internacional do pós-guerra, dando ori- rismo norte-americano. Qual família ram-no como era justo. Cobriram as su-
questão do terrorismo exige muito mais de que gem ao mais longo período de paz e prosperidade aristocrática arruinada, a Europa co- as palavras de aplausos e colocaram o
um gesto de desforra. A tal obrigação não escapa, que o Ocidente viveu. Desde a queda do muro de menta o mau gosto do novo-riquismo seu chefe político no lugar que lhe era
também, a informação televisiva. No caso da Berlim que se aguardava uma iniciativa seme- norte-americano e, por aqui e por ali, devido.”
americana, impõe-se uma maior atenção aos lhante, mas adequada ao mundo pós-guerra fria: vai-se sugerindo que aquelas torres Meses depois, Hitler invadia a Boé-
problemas do mundo, fora dos EUA — nos últi- só que os americanos pareciam relutantes em eram dum exibicionismo atroz, que o mia, a Eslováquia, a Polónia... Começa-
mos anos, o noticiário internacional tem vindo assumir o papel que lhes cabe. A 4 de Agosto Bush tem cara de estúpido, que os ame- va a II Guerra Mundial. Chamberlain
a ocupar ali cada vez menos tempo. escrevi aqui: “Washington só irá acordar para ricanos são umas bestas... e que, contra saiu de cena e Churchill, o homem que
a realidade de um mundo cada vez mais interde- nós, europeus, cultos e elegantes, os a neutral imprensa portuguesa chama-
A lvejar bases de terroristas e instalações de pendente — mesmo para uma superpotência — fundamentalistas islâmicos nunca dis- va palhaço, personificou a vontade de
quem os apoia é, nesta circunstância, moralmen- quando uma desgraça lhe bater à porta.” Eu esta- pararam uma bala mas vão disparar se ser livre.
te legítimo e juridicamente correcto (existem va a pensar numa crise financeira, não numa embarcarmos em mais esta aventura Mas, pelos vistos, ainda hoje continu-
decisões unânimes do Conselho de Segurança tragédia provocada pelo terrorismo. Mas a Amé- belicista dos EUA. amos a acreditar que a paz se transpor-
das Nações Unidas não só para levar Osama bin rica está a acordar. Assim vistas as coisas, o melhor se- ta na pasta do senhor Chamberlain.
2001
23 Setembro
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DOMINGO
EDIÇÃO LISBOA
23 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4206
220$00 • €1,10 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico.pt
www.publico.pt
ECONOMIA
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ÍNDICE
BARTOON E OPINIÃO 27 A 32
CULTURA 56 A 58
TELEVISÃO 62/63
CLASSIFICADOS 73 A 81
CINEMAS 82/83
TEMPO E FARMÁCIAS 84
2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•DOMINGO, 23 SET 2001 G U E R R A AO T E R R O R I S M O À E S P E R A D A R E TA L I A Ç Ã O
Aliança Últimas
do Norte
ganha terreno
EUA definem regime afegão AV I Õ E S
região devem fornecer O Senado norte-americano decidiu liado em mais de 345 mil milhões de de 1000 milhões de dólares ao progra-
um auxílio militar à revogar um corte de mais de 1300 mi- dólares. “Operamos de forma dife- ma, colocando em risco a sua prosse- MORTOS
Aliança do Norte uma lhões de dólares no orçamento anual rente quandos os tempos são de emer- cução. Contudo, depois dos atentados,
vez que ela representa o
governo afegão legíti-
mo”, cita a AFP.
do sistema de defesa antimísseis (MD)
proposto pela Administração Bush,
que poderá ser utilizado para o desen-
gência. Pusemos de lado as nossas
divergências”, explicou o presidente
da comissão das Forças Armadas, o
ambos os partidos acabaram por che-
gar a um compromisso onde é dada a
Bush carta branca para gerir aqueles
623
volvimento do programa do escudo democrata Carl Levin, que liderou, números. O Presidente passa a ter au-
antimíssil ou transferido para o com- até 11 de Setembro, a oposição ao pro- torização do Senado para utilizar os
DESAPARECIDOS
bate ao terrorismo. grama de escudo antimíssil de Geor- recursos, tanto no desenvolvimento
Foi esta a resposta da câmara alta
do Congresso aos atentados a Nova
Iorque e Washington. O compromisso
ge W. Bush.
Os senadores democratas que ti-
nham assento naquela comissão ha-
do programa militar, como na luta
contra o terrorismo. “Este é um mo-
mento de unidade e conseguimo-la
6333
Vítimas dos atentados contra o World Trade
elimina o último potencial obstáculo viam conseguido quatro dias antes aqui, no Senado”, resumiu o senador Center e o Pentágono e da queda de um
ao orçamento anual de defesa, ava- dos ataques aprovar um corte de mais republicano John Warner. avião na Pensilvânia. Números oficiais.
4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•DOMINGO, 23 SET 2001 G U E R R A AO T E R R O R I S M O À E S P E R A D A R E TA L I A Ç Ã O
M O V I M E N TA Ç Õ E S D I
PLOMÁTICAS
Reflexões sobre um mundo que mudou (IV)
Imad Awad, em Ramallah, envolvido lent Ecevit, garante “que o Governo res-
em confrontos com o Exército israeli- pondeu positivamente ao pedido dos
ta. Outro homem, faleceu depois de ter
sofrido um ataque de coração devido à
inalação de gás lacrimogéneo.
EUA para que as bases aéreas e o espaço
aéreo turcos sejam utilizados sempre
que necessário”. Apesar de a Turquia
Agora, que ficámos todos menos livres
já permitir que aviões de guerra bri-
P
PUTIN REJEITA “GUERRA tânicos e norte-americanos utilizem enso que foi a Ezio o pescoço num lenço “fedayin”
DE GRANDE ENVERGADURA” a base de Incirlik, no sudeste do país, Mauro, o director do nem deixam crescer a barba pa-
O Presidente russo, Vla- para patrulhas no norte do Iraque, es- diário independente ra além dos cânones da moda.
dimir Putin, afirmou on- ta é a primeira vez que as autoridades italiano “La Repubbli- Detectá-los não é fácil — como
tem estar convicto de que turcas garantem um apoio específico ca”, que ouvi pela primeira vez, nunca teria fácil detectar as in-
as represálias norte-ame- aos EUA. num debate numa rádio, verbali- tenções dos cidadãos sauditas
ricanas não conduzirão O documento, que resume o conteúdo zar uma das ideias que me bailou que tomaram os comandos dos
a “uma guerra de grande de uma carta enviada, sexta-feira, por na cabeça ao longo desse terrí- JOSÉ MANUEL aviões suicidas.
envergadura” e reiterou Ecevit ao presidente norte-americano vel 11 de Setembro de 2001: a de FERNANDES É esta realidade que cria a
a sua proposta de coope- George W. Bush, não esclarece que tipo que uma das vítimas — das pri- EDITORIAL insegurança e que recomenda
ração “no âmbito dos compromissos de aviões de transporte estão envolvi- meiras vítimas — dos atentados uma acção mais determinada
internacionais da Rússia”. dos no acordo, no entanto, o primeiro- de Nova Iorque e Washington, dos Estados democráticos —
Foi esta a mensagem que saiu da reu- ministro turco afirmou sexta-feira que tinha sido a nossa liberdade. Naquele momento, uma acção de que já se notam os primeiros si-
nião do conselho de segurança do Go- era “natural” que os EUA quisessem perante aquele horror, tínhamos todos ficado nais positivos.
verno russo, especialmente organizado utilizar o país para passagem e abaste- menos livres. Na União Europeia, as iniciativas desencade-
durante as férias de Putin para debater cimento de aviões. A mesma ideia vi mais tarde expressa, adas pelo comissário com o pelouro dos assuntos
os recentes desenvolvimentos relativos A Turquia está, ainda, segundo o co- numa forma mais crua, por Fareed Zakaria na internos, António Vitorino, e que visam unifor-
à provável retaliação norte-americana. municado, a aumentar o apoio às forças “Newsweek”: “Por todo o mundo veremos os mizar os códigos civis dos diferentes Estados-
“Não há razão para temer que a humani- anti-Taliban no norte do Afeganistão. governos tornarem-se mais poderosos, mais in- membro no que toca à definição de terrorismo e
dade se encaminhe para uma guerra de Ecevit considerou, contudo, que qual- trusivos e mais importantes. Isso poderá não ciar uma espécie de “mandato de captura euro-
grande envergadura, pois os dirigentes quer acção terrestre no Afeganistão agradar aos libertários e a alguns activistas dos peu” válido em todos os países, são de saudar.
dos países mais poderosos não o permiti- seria imprudente, e a Turquia não está direitos humanos, mas pouco importará. O Esta- Mostram que o caminho que se quer seguir é o
rão”, declarou o Presidente russo numa preparada para participar com tropas do está de regresso, e pela mais antiga das razões da integração de políticas, não o de deixar cada
entrevista a uma televisão alemã. nesse tipo de ataque. que Hobbes viu para a sua existência: garantir país fechar-se na sua concha e adoptar as suas
Putin reafirmou ainda a sua vontade A Turquia é o estado-membro mais a segurança dos cidadãos.” próprias medidas de segurança. Mostram que é
de “cooperar ao máximo com os EUA oriental da Aliança Atlântica e faz fron- Estas coisas devem ser ditas assim, com esta melhor, para a liberdade e segurança, dar mais
na luta contra o terrorismo, no sentido teira com o Iraque, a Síria e o Irão. É crueza, para que não tenhamos ilusões. Para força à justiça do que à desconfiança (descon-
lato”, precisando que esta ajuda será também um dos países candidatos a que tenhamos consciência de que a liberdade fiança que se poderia traduzir, por exemplo, num
conduzida exclusivamente “no quadro entrar para a União Europeia. não é um valor independente da segurança: se retrocesso na livre circulação de cidadãos e na
das leis russas e dos compromissos in- um cidadão não se sentir seguro para falar, para denúncia do tratado de Schengen).
ternacionais assumidos pela Rússia”. O REUNIÃO DOS GOVERNOS reunir, para investir, para viajar, a liberdade
chefe de Estado russo voltou, contudo, a DO GOLFO de falar, reunir, investir ou viajar encontrar- Ao colocar perante os deputados os problemas
frisar a necessidade de a resposta norte- Os ministros dos Negócios Estrangeiros se-á esvaziada de sentido. O medo não convive que estas medidas colocam a Portugal, o ministro
americana se reger pelos códigos das da Arábia Saudita e de outros cinco pa- bem com a liberdade — e o que os terroristas António Costa recordou correctamente a ligação
leis internacionais. O Kremlin confir- íses do Golfo vão discutir, hoje, formas quiseram criar foi um clima de medo. É essa íntima entre liberdade e segurança e alertou para
mou também que Putin terá conferen- de apoiar uma luta liderada pelos EUA a sua lógica onde quer que actuem, colocando o erro que seria o nosso país funcionar como
ciado pelo telefone com o Presidente contra o terrorismo. uma bomba numa livraria zona-refúgio. No entanto, tal
norte-americano, não tendo precisado A reunião dos países do Conselho do País Basco ou atirando como quando da discussão so-
o que foi discutido. de Cooperação do Golfo (CCG) em Je- um avião comercial contra o O ideal, como todos bre a nossa adesão ao Tribunal
ddah, Arábia Saudita, surge alguns dias World Trade Center. Querem
FIDEL “CONTRA O depois de o ministro dos Negócios Es- criar a ilusão de que ninguém
sabemos, seria um mundo Penal Internacional, há quem
se oponha a estas medidas ape-
TERRORISMO E A GUERRA” trangeiros saudita ter alertado, em Wa- está livre de um dia ser uma sem prisões e sem nas porque noutros países eu-
Durante uma manifes- shington, para a necessidade dos EUA das suas vítimas — a ilusão polícias. Infelizmente, ropeus ainda está em vigor a
tação que juntou mais procurarem a justiça e não a vingança de que nenhum de nós se pode esse mundo não existe. E pena de prisão perpétua.
de 50 mil pessoas que o contra os autores dos atentados de 11 de sentir seguro onde quer que Na altura da discussão so-
líder cubano, Fidel Cas- Setembro. nos encontremos. se queremos defender a bre o TPI, interrogávamos-nos
tro, proclamou a sua in- Os países do CCG condenaram vee- O Estado tem, por isso, para nossa civilização — as aqui (PÚBLICO, 17 de Feverei-
tenção de lutar contra mentemente os atentados de Nova Ior- garantir as liberdades essen- nossas democracias ro de 2001): “Se a oposição à
o terrorismo e o ódio. que e Washington e apoiaram um esfor- ciais, de exercer a tal função pena de morte decorre de um
“Cuba, que é o país que ço conjunto contra o terrorismo, mas primordial de “garantir a se- liberais —, com actos e não princípio inalienável de res-
mais sofreu com ataques terroristas, não especificaram que tipo de papel que- gurança dos cidadãos”. Isso apenas com palavras, peito pela vida humana, pode-
proclama que está contra o terrorismo rem desempenhar nessa luta. vai ter consequências nas fron- então é bom que remos colocar no mesmo ní-
e contra a guerra”, respondeu Fidel O encontro entre os governantes da teiras, nos aeroportos, na pas- vel a oposição à pena de prisão
Castro ao discurso de quinta-feira de Arábia Saudita, Emirados Árabes Uni- sagem de documentos, na vi-
percebamos até que perpétua (que é sempre rever-
George W. Bush. dos (EAU), Kuwait, Qatar, Bahrein e gilância, na coordenação das ponto, contra nossa sível)? Será a questão tão ir-
O líder da ilha acrescentou que o Omã chega também entre inúmeros polícias. E será sempre melhor vontade, o ataque de 11 redutível, enquanto princípio
seu país estava disposto a “cooperar pedidos dos países do Golfo para que que seja o Estado democrático de Setembro, fez com que de civilização, como se quer
com todos os países com vista à erra- se crie uma aliança internacional ca- a tomar as medidas necessá- apresentar, sobretudo quando
dicação total do terrorismo”, tendo paz de travar os ataques israelitas aos rias do que assistirmos à cria- ficássemos todos um falamos de crimes [contra a
assegurado ainda que “jamais alguém palestinianos. ção de um clima de suspeita pouco menos livres. humanidade]?”
será autorizado a utilizar o territó- Na reunião do CCG será debatida pública que fará com que mui- Não é, de forma alguma, tão
rio de Cuba para actos de terrorismo uma proposta do Executivo dos EAU tos passem a desconfiar do seu irredutível. Há mesmo crimes
contra o povo dos Estados Unidos”. para estabelecer uma “aliança que en- vizinho ou do seu colega por causa do seu credo imperdoáveis, mesmo que possamos um dia per-
Fidel não evitou, contudo, uma crítica contre uma solução justa e duradoura ou da sua cor de pele. doar aos seus autores — e essa tem sido, de resto,
à conduta do actual Presidente norte- para o conflito no Médio Oriente”. a prática jurídica dos países europeus onde ain-
americano: “Cuba não será nunca ini- Nos Estados Unidos sempre teve provimento da existe a pena de prisão perpétua. Por outro
miga do povo americano, que está ho- BENAZIR QUER QUE uma noção de liberdades públicas mais libertária lado, Portugal tem hábitos demasiado hipócritas
je submetido a uma campanha sem OCIDENTE EXIJA REGRESSO do que a europeia, mais avessa à interferência para quem quer dar lições de civilização. Ainda
precedentes para semear o ódio e a DA DEMOCRACIA do Estado e dos governos. Essa é uma das razões há pouco mais de 25 anos, com o banimento da
vingança.” AO PAQUISTÃO porque nos Estados Unidos nem sequer existe o prisão perpétua em vigor, a prática do regime
Fidel aconselhou o Governo dos EUA “Islamabad poderá ficar equivalente ao nosso “bilhete de identidade”, pois de então era, para os crimes políticos, transfor-
“a não enviar jovens soldados para uma tentada a pedir aos EUA tal documento era visto como uma intromissão mar penas temporárias em perpétuas através de
guerra incerta e longínqua, cujos re- que abandonem o apoio no espaço de liberdade de cada indivíduo. Foi “medidas de segurança”, e não teve para isso de
sultados serão secretos e inacessíveis”. à democracia do Paquis- também esta desregulação, a facilidade de mo- mudar a Constituição. E mesmo hoje, apesar das
Fidel Castro encerrou o seu discurso de tão em troca da ajuda vimentos que é possível no interior do imenso nossas excelentes e civilizadíssimas leis, temos
20 minutos, alertando as autoridades na guerra contra o ter- território, a informalidade dos contratos e a li- taxas de prisão preventiva e de cumprimento
norte-americanas para o perigo de a rorismo”, alertou a ex- beralidades consentidas nos aeroportos que tor- de longas penas de prisão que são superiores a
operação militar se poder transformar primeira-ministra do Pa- naram possível o ataque de 11 de Setembro. Tudo países com maiores índices de criminalidade e
numa “carnificina sem fim”. quistão, Benazir Bhutto, num artigo isso fazia parte da ingenuidade cândida de um com o tal de pecado venial de preverem nos seus
publicado no “site” norte-americano país que se julgava protegido pela sua insulari- códigos a prisão perpétua.
TURQUIA Slate.com. Segundo a antiga governante dade e pelo seu poder — mas essa ingenuidade O ideal, como todos sabemos, seria um mundo
ABRE ESPAÇO AÉREO paquistanesa, o ditador militar general também desapareceu com o atentado. sem prisões e sem polícias. Infelizmente, esse
A Turquia, Estado-membro da NATO, Zia utilizou com sucesso o mesmo mé- Como há uns anos se escrevia no diário espa- mundo não existe. E se queremos defender a nos-
abriu ontem as suas bases e espaço aéreo todo nos anos 80, mas “a pressão para nhol “El Pais” a propósito dos terroristas da sa civilização — as nossas democracias liberais
aos aviões de transporte norte-america- o retorno da democracia ao Paquistão ETA, os seus operacionais são aqueles de que — com actos e não apenas com palavras, então é
nos que possam participar numa res- deve continuar”. Benazir Bhutto recor- nunca iremos desconfiar, os que se comportam bom que percebamos até que ponto, contra nossa
posta aos atentados terroristas de 11 de dou mesmo “as lições horriveis do Afe- como o mais comum dos cidadãos, os que nunca vontade, o ataque de 11 de Setembro fez com que
Setembro a Nova Iorque e Washington. ganistão da década de 90” para alertar mostram as suas crenças, os que nunca enrolam ficássemos todos um pouco menos livres.
Um comunicado divulgado pelo gabi- os EUA para o perigo de uma cedência
nete do primeiro-ministro turco, Bu- perante Islamabad. P.C. E N.S.L.
6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•DOMINGO, 23 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO MUNDO ISLÂMICO
Um senhor da
O factor Paquistão
Tanto Yusufzai como o antigo
diplomata Khan alertam para
a possibilidade de um volte-fa-
ce no apoio que o Paquistão
tem dado à causa americana
antiterrorista. “Se as tropas
americanas atacarem daqui o
Afeganistão, ou se o Paquistão
disponibilizar bases e homens,
os protestos que estamos a ver
agora dispararão como fogo”,
prevê o jornalista.
“Se acontecer uma situação
em que afegãos inocentes se-
jam atingidos, a reacção do Pa-
quistão será muito, muito se-
vera”, calcula por seu turno o
ex-embaixador. “A posição do
Paquistão será sempre diferen-
te em diferentes cenários. Tive-
mos a reacção ao ataque, quan-
do era preciso salvaguardar
o país, ser cauteloso. Tudo de-
pende das opções da América.
Há acções cirúrgicas possíveis,
e se elas forem equilibradas
com um apoio humanitário ge-
neralizado ao povo afegão po-
dem ser bem aceites.”
Humeyum Khan não só
acredita que a primeira toma-
da de posição do presidente Na Índia, a venda de imagens do “skyline” de Nova Iorque disparou em flecha, agora que as torres gémeas são apenas uma recordação
Musharraf era a mais certa,
como defende que este pode
ser um bom momento para REUTERS CHRIS HELGREN/REUTERS
O BRAÇO DIREITO DE
BIN LADEN ERA O LÍDER DO
GRUPO QUE MATOU SADAT
Aiman Zawahiri teve de abandonar a chefia da Al-Jihad e juntou-se ao
inimigo número um da América no Afeganistão. É uma figura maior
na complexa rede de islamistas que lutam contra os EUA
Por Karim el-Gawhary, no Cairo
Osama bin Laden não é nenhum “one man se contam alguns egípcios no círculo mais pró-
show”, mas sim uma complexa rede, não ximo de Bin Laden — entre os quais o antigo
tanto de grupos de combatentes islâmicos, dirigente militar de Al-Gama’at Al-Islamiya, Os iraquianos preparam-se para uma eventual retaliação contra Saddam
mas de indivíduos que desistiram de lutar Ahmad Taha, ou o irmão do assassino de Sa-
contra o seu próprio regime, por eles clas- dat, Muhammad Al-Istanbouli. O mais conhe-
Saddam Hussein,
sificado de “infiel”, e que agora, a partir de cido de todos é, no entanto, o médico egípcio
esconderijos nas montanhas do Afeganis- e antigo chefe de Al-Jihad, Aiman Zawahiri,
tão ou nas capitais ocidentais, se dedicam à que perdeu a sua posição de chefia nesta orga-
luta contra os Estados Unidos. O que se vê nização, pois a maioria dos militantes crê que
nitidamente devido à mistura de nacionali- ele foi longe de mais. Grande parte dos apoian-
dades árabes de todos aqueles que agora são tes de Al-Jihad ainda vê o regime “infiel” do
suspeitos de ter participado nos atentados Egipto como sendo o seu inimigo principal,
em Nova Iorque e Washington.
Paradoxalmente, a relação de alguns
e não os EUA.
Zawahiri passou três anos nas prisões
combatentes com Bin Laden parece ser um egípcias a seguir à morte de Sadat. Depois
alvo possível?
resultado directo do êxito que os regimes da sua libertação, em 1994, deixou o país Algumas pistas apontam para um envolvimento Os iraquianos
árabes obtiveram ao combater os seus pró- para se juntar aos seus irmãos afegãos e, a de Bagdad no ataque à América. O regime do
prios islamistas com brutais meios milita- partir do estrangeiro e em segurança, poder preparam-se
res. Quando a luta no próprio país se torna continuar a mexer alguns cordéis no Egipto.
Iraque recusa as acusações, mas o seu povo
difícil, as pessoas viram-se simplesmente Três anos mais tarde, abriu um escritório prepara-se para uma possível guerra
para causas maiores. de recrutamento na cidade de Peshawar, Apesar de o Iraque não
Um exemplo: o Egipto, do qual se suspeita na fronteira paquistanesa, e fundou uma ser actualmente o alvo
que também alguns dos seus compatriotas revista com o nome “A Conquista”. número um da ira nor-
estarão implicados nos desvios dos avi- O nome de Zawahiri voltou a apa- CARLOS MARTINHO niyeh. Acredita-se, inclusi- te-americana, o povo ira-
ões nos EUA. A primeira vez que os Análise recer mais tarde entre os nomes ve, que um dos agentes ira- quiano prepara-se já pa-
combatentes islâmicos se apresenta- dos 17 colaboradores de Bin Laden Ainda que o Presidente dos quianos, Salah Suleiman, ra uma possível guerra,
ram ao público foi há cerca de 20 anos, que são acusados pelos EUA de te- EUA, George W. Bush, e to- tenha sido detido em Outu- embora acredite na ino-
quando o Presidente egípcio, Anwar al-Sadat rem participado nos atentados à bomba dos os órgãos de comunica- bro pelos serviços secretos cência do seu líder, Sa-
foi assassinado. Mais tarde, nos anos 90, foram contra as embaixadas americanas em Nai- ção social à escala mundial paquistaneses. ddam Hussein, no ataque
sempre dois grupos de combatentes que en- robi (Quénia) e Dar-es-Salam (Tanzânia), centrem as suas atenções Outra das pistas para uma à América. “Os iraquia-
traram em acção, em nome de Al Gama’at Al- em 1998. Este cidadão egípcio é frequen- no magnata de origem sau- eventual participação ira- nos vêem estes ataques
Islamiya e da Jihad, na maior parte das vezes temente designado como sendo o “braço dita Osama bin Laden como quiana nos acontecimentos como um assunto envol-
contra polícias egípcios, coptas cristãos mas direito” de Bin Laden e, em caso da morte o primeiro suspeito dos ata- de 11 de Setembro é Moham- vendo extremistas islâ-
também contra turistas. deste, seu possível sucessor. O advogado ques terroristas nos Esta- mad Atta, um dos piratas do micos, quando nós so-
O sistema de segurança egípcio ripostou egípcio Muntasir Zayat, outrora conside- dos Unidos, algumas vozes ar que tomou conta de um mos um Estado mais
e de uma forma não muito gentil. Dezenas rado o porta-voz não oficial dos combaten- voltam-se para um suspei- dos aviões que embateu no antigo. Por outro lado,
de milhares de supostos islamistas e os seus tes islâmicos no Egipto, chega mesmo a to mais familiar para o po- World Trade Center, que, se- já passámos por isto tan-
simpatizantes foram parar às prisões sem afirmar que Zwahiri está para Bin Laden vo americano: Saddam Hus- gundo o “Boston Globe”, teve tas vezes que sabemos o
qualquer apresentação de queixa. Outros como o cérebro para o corpo. sein. reuniões com os serviços se- que fazer — armazenar
foram misteriosamente mortos ao serem O Governo egípcio já prometeu aos EUA Para os serviços secretos cretos iraquianos no Verão, combustível, comida e
presos. Assim se foram empurrando os com- que iria cooperar na luta contra o terroris- militares israelitas, não se- aquando das suas visitas pe- outros bens essenciais”,
batentes para a defensiva. mo, já que se trata de lutar contra um ini- rá de descartar uma colabo- riódicas à Europa. disse um bancário de
O golpe final teve lugar a 17 de Novembro de migo comum. O que é uma sorte para Wa- ração entre o Iraque e a al- Apesar das especulações Bagdad, citado pela Reu-
1997, quando 58 turistas foram brutalmente shington, pois os serviços secretos egípcios Qaeda, (organização de Bin israelitas, o ministro dos ters. Outro iraquiano
assassinados frente ao templo devem estar bem fornecidos Laden), nomeadamente por Negócios Estrangeiros ira- disse acreditar que “a
Luxor por combatentes islâ- de informações sobre os seus parte dos serviços secretos quiano, Naji Sabri, negou operação foi feita para
micos. Com esta acção esses Aiman Zwahiri compatriotas de conduta du- iraquianos (SSO). Fontes is- qualquer relação com os além das capacidades
mesmos combatentes perde- está para Bin Laden vidosa que se encontram no raelitas, citados pela revista atentados: “Os Estados Uni- do Iraque. Não estamos
ram toda e qualquer base po- Afeganistão. militar britânica “Jane’s In- dos e os seus aliados sabem descansados mas sabe-
lítica em casa. Num país em como o cérebro Ao mesmo tempo, porém, o telligence Digest”, sugerem bem que não temos qualquer mos que o Iraque não
que um em cada dez postos de para o corpo Governo de Hosni Mubarak que o regime de Bagdad po- relação com os grupos que é responsável”. Ontem,
trabalho depende, directa ou vê com grande preocupação derá ter “patrocinado ou fi- estão a ser acusados de co- o jornal iraquiano “Ba-
indirectamente do turismo, aquela que é proclamada pelos nanciado” os ataques terro- meter os atentados.” bel”, dirigido por um
eles tinham-se posto a si mesmo fora de jogo. EUA como a primeira guerra do século XXI. ristas contra o World Trade Um porta-voz do Ministé- dos filhos de Saddam
Depois não se ouviu falar mais dos combaten- Os EUA deveriam reflectir sobre a sua reacção Center e o Pentágono. rio do Exterior iraquiano Hussein, Uday, referia
tes. Só em Fevereiro do ano seguinte é que aos atentados e não se deveriam precipitar, Os israelitas indicam co- acusou ainda o “movimen- que um eventual ata-
voltaram a aparecer. Mas não no Egipto. avisou o ministro dos negócios estrangeiros mo principais “cérebros” to sionista internacional de que de Washington ao
egípcio, Ahmad Mahler, quando deixou o seu dos atentados dois homens incitar os Estados Unidos Afeganistão “semeará a
Aliança Al-Jihad-Al-Gama’at nome no livro de condolências da embaixada com possíveis ligações ao a desencadear uma guerra destruição” no mundo,
Al-Islamiya-Al Qaeda americana no Cairo. Se o Presidente George Iraque: o libanês Imad Mu- mundial contra árabes e mu- e traria consequências
O grupo egípcio “Al-Jihad” e pouco depois W. Bush mandar bombardear o Médio Oriente ghniyeh, chefe das operações çulmanos”. mesmo para os Estados
também Al-Gama’at Al-Islamiya anuncia- de uma maneira imprudente como reacção internacionais de guerrilha É sabido que não existi- Unidos. “As tentativas
ram, a partir do Afeganistão, o seu pacto aos atentados de Nova Iorque e Washington, islâmica libanesa Hezbollah, rá consenso entre os prin- da administração ame-
com a organização de Osama bin Laden, Estados árabes, como o Egipto, em breve terão e o egípcio Aiman Zawahiri, cipais governantes ameri- ricana e dos sionistas de
Al Qeada (A Base), sob o nome de Frente um problema de política interna. responsável pela al-Qaeda canos sobre uma pretensa acusar os muçulmanos
Islâmica Internacional, contra os cruzados No pior dos casos, é de contar com distúr- no Egipto e, porventura, fora implicação do Iraque nos dos atentados resulta de
cristãos e os judeus. O seu novo alvo: os bios em acções de protesto antiamericanas. do Afeganistão. atentados terroristas, ain- um novo ‘complot’ con-
Estados Unidos da América. Esta semana, os médicos nos hospitais egíp- Segundo as informações da que o secretário da defe- tra o Islão”, completa
Ao contrário, todos os combatentes islâ- cios e todos os colaboradores do sistema de militares de Telavive, agen- sa norte-americano, Donald o jornal iraquiano, que
micos que ficaram no Egipto, na maior par- segurança viram as suas férias canceladas. tes secretos iraquianos te- Rumsfeld, quando questio- já na passada quinta-fei-
te dos casos atrás das grades, proclamaram A abertura do semestre na Universidade do riam viajado para o Afe- nado sobre o assunto, tenha ra tinha afirmado que
a deposição das armas. Alguns até queriam Cairo foi protelada por motivos de seguran- ganistão durante os dois deixado cair, laconicamen- os Estados Unidos ata-
tentar a via institucional e decidiram criar ça. Se outrora o Egipto se libertou do pro- últimos anos para se reuni- te: “Sei muito sobre isso, cariam o Iraque com a
partidos políticos que, contudo, nunca fo- blema que eram os combatentes islâmicos, rem com Zawahiri — apon- mas só posso dizer que há mesma intensidade com
ram aceites. agora aproxima-se um outro, possivelmente tado como possível sucessor Estados que ajudam estas que o fizeram em 1991,
Mas voltemos ao Afeganistão. Entretanto já maior, neste país nas margens do Nilo. de Bin Laden — e Mugh- pessoas [terroristas].” na guerra do Golfo.
D E S TA Q U E 9
A INVESTIGAÇÃO PÚBLICO•DOMINGO, 23 SET 2001
Parte I
O Islão de A a Z
A Texto de dados até cristãos coptas e turistas
Assassiyun, os que são fiéis ao “As- estrangeiros. O regime lançou en-
sass” ou “fundamento” da fé, terão
MARGARIDA SANTOS LOPES tão uma ofensiva que neutralizou e
sido, provavelmente, os primeiros decapitou a organização. Os chefes
suicidas do Islão. O grão-mestre e tornar o “Mensageiro de Alá”, já a E estão no exílio ou na cadeia. Sem re-
pregador supremo desta seita me- Caaba era lugar de culto a mais de Ertogruhl era líder de uma tribo de cursos financeiros, eles propuseram
dieval que existiu durante 166 anos 360 divindades. Era prática corrente turcos nómadas islamizados que, em tréguas às autoridades, em Março
(séc. XII e XIII) foi Hassan Sabbah. dar sete voltas ao santuário e atirar 1921, ajudou um sultão seljúcida a de 1998, embora alguns militantes
A sua base era o castelo de Alamut, pedras aos “djinns”, pequenos e ma- vencer uma batalha contra um exér- tenham sido entretanto recrutados
a sul do mar Cáspio, uma fortaleza liciosos génios que se encontravam cito de tribos mongóis provenientes por Osama Bin Laden. Outras orga-
sobre um rochedo, a dois mil me- em toda a parte. Diz a tradição que da Pérsia. Como recompensa, Er- nizações extremistas são a também
tros de altitude. “Não basta matar os a Caaba foi edificada por Adão após togruhl recebeu o Centro-Norte da egípcia Al-Jihad, cujo antigo líder,
nossos inimigos”, dizia Hassan aos a sua expulsão do Paraíso. Levada Anatólia. A Ertogruhl sucedeu Os- Ayman Zwahri, se tornou no “braço
seus fiéis. “Não somos homicidas, pelo Dilúvio, teria sido reconstruída man, um dos seus filhos, que con- direito” do “hóspede” dos taliban
mas executores. Devemos agir em por Abraão e seu filho Ismael, que quistou o resto da Anatólia bizanti- no Afeganistão; e ainda os Grupo(s)
público, para servir de exemplo. Ma- aqui embutiram, na esquina sues- na e chegou até Constantinopla. Na Islâmico(s) Armado(s) na Argélia,
tamos um homem, aterrorizamos te, a “Pedra Negra” (possivelmen- segunda metade do século XIV, os onde uma guerra quase civil já cau-
outros cem mil. Todavia, não basta te um meteorito) trazida pelo anjo “osmanlitas” eram donos de Bizân- sou mais de 100 mil mortos desde
executar e aterrorizar, é igualmente Gabriel. A palavra significa “cubo” cio e dominavam toda a Ásia Menor, que os militares anularam eleições
indispensável saber morrer. Morrer e designa com bastante fidelidade a a Grécia e os Balcãs. No século se- legislativas de 1991 ganhas pela
é mais importante do que matar. forma do edifício, que tem 15 metros guinte, dedicaram-se a conquistar o Frente Islâmica de Salvação (FIS).
Matamos para nos defendermos, de altura e dez de largura, e está mundo árabe. Devido a uma detur-
morremos para converter, para con- inteiramente coberto por uma tinta pação do nome de Osman (os ingle- H
quistar. Conquistar é o nosso ob- negra, a “kiswa”. ses chamavam-lhe Othman), o seu Hanafita é uma das quatro escolas
jectivo; defendermo-nos é apenas gigantesco império tornou-se conhe- clássicas da lei islâmica que devem
um meio.” Os assassínios levados D cido, no Ocidente, como Império Oto- o seu nome aos juristas escolhidos
a cabo pelos homens de Sabbah pa- Drusos são uma das muitas sub- mano. Os turcos preferiam chamar- pelos primeiros imperadores abás-
reciam tão irreais que, no Ociden- seitas dos ismailitas assassinos, tal lhe “Domínios Bem Guardados”. sidas para clarificar e aplicar essa
te, lhes chamavam “haschichiyun” como os alauitas. Uns e outros con- legislação. Assim, a escola Malikita,
(fumadores de haxixe), sobretudo centram-se agora sobretudo na Sí- F a mais velha, foi fundada em Medina
para os insultar. Alguns orientalis- ria e no Líbano. A crença dos drusos Fatiha é o primeiro dos 114 “suras” por Maliki ibn Anas, que alterou o
tas julgaram ver naquele termo a já tem muito pouco a ver com o Is- (capítulos) do Corão. Também se direito alegado pelos califas omêia-
origem da palavra “assassino”, mas lão, embora eles ainda sejam cata- chama “Abertura do Livro” ou das de fazer leis sem referências ao
outros garantem que as únicas dro- logados como “muçulmanos”. Esta “Liminar”. Breve, em forma de Corão, reforçando a importâncias
gas dos discípulos de Hassan eram seita foi criada em 1021 no Cairo oração, foi assim traduzida para da “hadith” (tradição oral). A escola
uma fé inabalável e a vontade de quando um grupo de ismailitas de- português: “Louvado seja Deus, Se- Shafita, a maior e mais importante
sacrifício. Como explicar a capaci- clarou o “imã” fatimida al-Hakim nhor do Universo/o Clemente, o durante o período dos abássidas, foi
dade que eles tinham de se infiltrar como sendo a reincarnação de Ali, Misericordioso,/o Soberano no Dia fundada por Idris al-Shafi em Bag-
num meio hostil, aí se fundir duran- o primeiro “imã” xiita. Foram ex- do Juízo,/ Servimos-Te e invoca- dad. Ele ensinou, por exemplo, que o
“De modo a preservar, te meses, estudar com precisão e pulsos do Cairo para a Síria pela mos-Te em nosso auxílio; /Guia-nos conhecimento perfeito da “sharia”
na Ciência Política, a travar relações com a sua presa até maioria dos ismailitas que os con- pelo caminho direito,/ Pelo cami- só podia ser conseguido através da
liberdade de espírito a chegar o momento de a executar? sideraram hereges. O primeiro líder nho dos que auxiliaste; / Não pelo revelação divina do Corão ou em pre-
druso, al-Dazari, foi um turco. No dos que incorreram na Tua cólera, cedentes de inspiração divina (“sun-
que nos habituámos na B início do século XIII, os drusos pas- nem pelo dos que se perderam”. na”) do profeta Maomé, através de
Matemática, tenho sido “Burqa” é uma expressão persa que saram a aceitar apenas os descen- relatos autênticos (“hadith”). A ra-
cuidadoso em não designa a longa túnica que cobre as dentes directos dos fiéis originais, G zão humana seria apenas usada nos
mulheres muçulmanas, excepto os tornando-se assim uma tribo e um Gama’at Islamiya ou Grupo Islâ- casos em que não se aplicasse a reve-
ridicularizar o olhos. O “chador”, palavra igualmen- grupo religioso secretos. Aceitam mico é um dos mais violentos gru- lação divina. A escola Hanifita tam-
comportamento te persa, inclui o manto e o lenço que uma parte do Corão, adoptaram a pos integristas. Nasceu em 1973 nas bém nasceu em Bagdad, criada por
humano, nem a tapam todo o corpo feminino. O “hi- crença judaica de que o seu Deus universidades egícpcias e foi das Abu al-Hanafah. Este foi o que me-
deplorar ou condenar, jab” é apenas o véu/lenço. O rígido é exclusivo deles e aceitam a dou- suas fileiras que saiu Khalid al-Is- nos aceitou basear regimes legais in-
código de vestuário no Islão destina- trina da reincarnação de Jesus. Os tambouli, o jovem de 24 anos que teiramente no Livro Sagrado ou nos
mas a compreender” se supostamente a preservar a “mo- alauitas, por seu turno, apareceram assassinou o Presidente Anwar Sa- “hadith”, aconselhando, por exem-
déstia” e a respeitar os rituais reli- no século XIII como um grupo dissi- dat quando este assistia a um desfile plo, a que os duros castigos corânicos
BARUCH DE ESPINOSA giosos (“salat”). Há no entanto maior dente da ala síria dos Assassinos (os militar em 6 de Outubro de 1981. (“Hadd”) fossem aplicados muito ra-
Membro da comunidade hebraica flexibilidade em relação aos homens, ismailitas Nizariyah). Constituem Renascido após várias campanhas ramente e apenas para servirem de
portuguesa de Amsterdão, e que também deveriam respeitar as hoje 10 por cento da Síria, mas são a de repressão, o Gama’at Islamiya exemplo. Finalmente, a escola Han-
figura maior da história regras de “esconder as partes que classe política dominante. As suas chegou a constituir, de 1992 a 1997 balita — de longe a mais fundamen-
intelectual do Ocidente. A ética vão do umbigo ao joelho”. origens estão envoltas em lenda e uma verdadeira ameaça ao Gover- talista das quatro — foi fundada por
e a metafísica constituíram a mistério. É uma seita que se identi- no de Hosni Mubarak, o sucessor Ahmad ibn Hanbal, um jurista para
essência dos seus ensinamentos. C fica abertamente com alguns aspec- de Sadat que também tentou ma- quem a “sharia” se deveria basear
Foi excomungado como herege por Caaba, ou Casa de Deus, é um dos tos da teologia cristã, ao ponto de tar. Lançou uma violenta campanha exclusivamente no Corão.
criticar a religião e os textos principais locais de peregrinação celebrarem a Páscoa, mas seguem para impor um Estado baseado na
sagrados. O seu Deus era o dos muçulmanos. Fica em Meca, na igualmente as tradições dos xiitas “sharia”, a lei islâmica, massacran- Amanhã
Universo Arábia Saudita. Antes de Maomé se iranianos. do mais de 1200 pessoas, desde sol- De Ithna-Ashariyah a Rashid
D E S TA Q U E 11
OS EUA DEPOIS DO CHOQUE PÚBLICO•DOMINGO, 23 SET 2001
28/9/1985
No México, dois recém-nascidos são retirados vivos dos
escombros, nos seus berços, nove dias após um tremor de
terra no México que matou 5000 pessoas.
26/6/1990
No Irão, quatro dias após um violento sismo que resultou em
40 mil mortos, uma criança de seis anos é encontrada viva
pelo seu pai, no meio de toneladas de destroços, refugiada no
Os bombeiros e restantes ele- frigorífico da sua casa.
mentos das equipas de bus- 30/7/1990
ca e salvamento começaram Nas Filipinas, três pessoas são retiradas vivas das ruínas de
ontem a utilizar maquina- um hotel destruído, duas semanas antes, por um tremor de
ria pesada para remover os terra que fez 2600 vítimas. Sobreviveram graças à água que
escombros do World Trade escorria no sítio onde se encontravam.
Center. Tal significa que, 9/7/1995
aparentemente, já são pou- Na Coreia do Sul, um jovem é retirado vivo das ruínas de uma
cas as esperanças de encon- grande loja de Seul que tinha ruído dez dias antes, fazendo
trar com vida algumas das mais de 500 mortos. Dois dias mais tarde, uma rapariga de 18
6.333 pessoas ainda dadas co- anos foi retirada viva dos escombros. Afirma ter sobrevivido
mo desaparecidas. lambendo as gotas de chuva que escorriam no seu rosto.
O recurso à maquinaria pe- 29/6/1998
sada justifica-se com a neces- Na Áustria, um mineiro é salvo depois de ter estado bloqueado
sidade de limpar uma área Bombeiros analisam os destroços: as máquinas permitirão avançar mais depressa durante nove duas na mina de Lassing, sozinho, na
com cerca de 6,5 hectares, on- obscuridade, a 60 metros de profundidade.
de até ao dia 11 se erguiam Essen, a propósito do princí- ra de Nova Iorque, é uma das ras fugas de gás e é desconhe- 26/9/1999
as torres gémeas e que agora pio das remoções com recurso individualidades que justifica cida a existência de bolsas de Em Taiwan, dois irmãos são tirados dos escombros, onde
não passa de um amontoado a maquinaria pesada. a utilização de maquinaria oxigénio e qual a sua duração. passaram mais de cinco dias após um sismo. Sobreviveram
de destroços. Além disso, te- As equipas empenhadas pesada com base nas opiniões Além disso, não há certezas ingerindo maçãs podres e a sua própria urina.
me-se que os corpos em de- nas buscas, apesar de quase dos peritos de salvamento. quanto à existência ou não de 17/11/1999
composição possam vir a pro- todas ainda acalentarem uma Mesmo sabendo-se que nas reservas de mantimentos. Na Turquia, uma mulher de 42 anos é retirada das ruínas de
vocar problemas de saúde. pequena esperança de pode- caves das torres haveria menos Até ontem haviam sido re- um prédio de sete andares, mais de quatro dias depois de um
“É, na verdade, o início da rem vir a encontrar sobrevi- riscos de as pessoas terem si- tirados dos destroços 252 ca- tremor de terra que matou perto de 900 pessoas.
transição dos trabalhos. Pen- ventes, estão conscientes que, do atingidas pelos destroços, dáveres, dos quais apenas 5/2/2001
so que é uma solução que to- dez dias após o ataque e o des- todos têm agora consciência 183 já foram identificados. Na Índia, duas vítimas de um sismo são descobertas vivas nos
dos devem aceitar uma vez moronamento das torres, são que dez dias são tempo dema- O número total de desapare- restos da sua casa, dez dias após a catástrofe que fez 25 mil
que este é o melhor caminho quase nulas as hipóteses de siado para que eventuais so- cidos é de 6333, enquanto os mortos. Os socorristas encontraram sobreviventes cinco e
a seguir”, disse o comissário salvar mais vidas. Rudolph breviventes consigam resistir, feridos contabilizados ascen- seis dias após o sismo, entre os quais uma mulher de 102 anos
dos bombeiros, Thomas von Giuliani, presidente da Câma- tanto mais que existem inúme- dem a 6408. e um bebé de 12 meses.
1 2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•DOMINGO, 23 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO OS EUA DEPOIS DO CHOQUE
UM DIA NA VIDA DE UM
EMBAIXADOR NA ONU
As ruas foram cortadas ao trânsito. A sessão especial sobre a criança passou para data mais oportuna. Washington pediu o adiamento
da Assembleia Geral. No palácio de vidro de Nova Iorque, a palavra terrorismo instalou-se na agenda diária de contactos mútuos
entre diplomatas de 189 países. Um dia na vida de Francisco Seixas da Costa, representante permanente de Portugal
nas Nações Unidas. Do nosso enviado Adelino Gomes, em Nova Iorque
DANIEL ROCHA
Reconstruir
o WTC ou plantar HISTÓRIAS DE NOVA IORQUE KAI PFAFFENBACH/REUTERS
O
elevado valor. Se me é permitido ser valores só pode ser sustentável ritária exige uma acrescida luta nesse século XX termi- militar é uma reacção unidi-
injusto — não destacando outros —, se os cidadãos acreditarem sentido. nou com a queda mensional para um problema
os textos de Miguel Sousa Tavares, do Muro de Ber- multidimensional.” Pode-se
Pacheco Pereira e José Manuel Fer- que os valores são o fim 6. A rigorosa e exemplar punição dos lim. O século XXI bombardear o terrorismo in-
nandes são disso exemplo. e não apenas um instrumento autores morais e dos cúmplices e en- começa com o atentado ter- ternacional? Ou mais a sério:
No entanto, e apesar de um conjun- cobridores dos atentados deve ser fei- rorista a Washington e Nova a resposta militar às teias fun-
to de consequências jurídicas esta- ta no total respeito da “rule of law”, Iorque. Mas o que este século das do terrorismo internacio-
rem em curso, salvo erro — de que de protecção contra violações de Di- por tribunal internacional (seria tal- virá a ser depende em larga nal contribui para a resolu-
por antecipação me penitencio —, reitos. vez a altura adequada para os EUA medida do que for a reacção ção ou para o agravamento do
não me lembro de ter lido nenhum aderirem ao TPI) e em termos que as- aos trágicos acontecimentos problema a prazo?
comentário feito do ponto de vista do 2. As medidas de protecção não po- segurem avanço na criação de uma de 11 de Setembro. Arrasar o Casal Ventoso
direito e do advogado. dem, no entanto, servir de pretexto verdadeira comunidade internacio- O que está em jogo são, acaba com o hipermercado de
As características do atentado, a para desnecessárias limitações de di- nal regida pelo direito. pois, os cenários do nosso fu- droga em Lisboa? Claro que
rede clandestina sofisticada que re- reitos (maxime no processo penal) e turo planetário. Vale a pena não. A não ser enquadrada
vela, a atmosfera de ansiedade que devem ser apenas as necessárias ao 7. Os actos de guerra — que são perfei- reflectir — seguindo a leitura num trabalho de mediação
gera na opinião pública, a inexistên- fim público. tamente justificados no caso em apre- de Thimoty Garton Ash em e de promoção pessoal e
cia de um alvo concreto para atacar, ço — devem ser efectuados no respeito artigo publicado na imprensa comunitária de curto, médio
o anúncio de uma guerra “marato- 3. A luta contra o terrorismo — nas dos tratados e convenções internacio- internacional do passado fim e longo prazos, a destruição
na”, tudo isso está a desencadear um sociedades abertas e democráticas — nais em vigor. de semana — sobre três hipó- do Casal Ventoso é, tão só, um
(compreensível) movimento no sen- deve ser feita em nome dos valores da teses mais plausíveis. mecanismo de eternização do
tido do reforço da segurança de pes- liberdade, da justiça e dos direitos do 8. A CCBE e a American Bar Associa- A primeira é a da vingan- problema: o que antes se ven-
soas e bens, mesmo que para tal seja homem, pois só assim é possível mo- tion deveriam criar um comité de acom- ça privada. A América para a dia naquele bairro degrada-
necessário sacrificar liberdades e bilizar de forma duradoura a opinião panhamento para monitorar — do ponto qual o mundo se situa entre do passa a vender-se noutro
direitos consolidados. Uma recente pública. de vista dos direitos dos cidadãos, como o Canadá e o México, a Amé- qualquer bairro degradado.
sondagem feita em Portugal confir- lhes compete — o cumprimento destes rica que desdenha os apelos O tratamento militar do ter-
ma de modo claro esta factualidade. 4. Uma guerra longa baseada em va- princípios. do mundo civilizado para pôr rorismo internacional — des-
De uma forma esquemática — úni- lores só pode ser sustentável se os cida- fim à pena de morte, a Améri- te terrorismo que arranca de
ca compatível com a vastidão do te- dãos acreditarem que os valores são o 9. A Ordem dos Advogados portuguesa ca que boicota financeiramen- um ódio ressentido e cego
ma e a limitação do espaço — gosta- fim e não apenas um instrumento. deve assumir e exigir um protagonismo te as Nações Unidas e apelida contra a política externa dos
ria de deixar registado o seguinte: durante este processo e estar em condi- o Tribunal Penal Internacio- Estados Unidos, de um terro-
5. As limitações de direitos democrati- ções de analisar e decidir com rapidez, nal de monstro, a América rismo que não tem pátria e
1. As liberdades consolidam-se camente aceites, mesmo no estrito limi- serenidade e coerência sobre os inúme- de Rambo ou de Chuck Nor- que está largamente dissemi-
quando as sociedades são capazes de ros e muito complexos problemas que ris, essa América exige dos nado pelo planeta inteiro em
dar resposta às ansiedades dos Cida- períodos de guerra endémica sempre seus líderes actuação pronta e redes globais desterritoriali-
dãos, encontrando formas adequadas ADVOGADO provocam. arrasadora sobre quem quer zadas — arrisca-se a ser um
que possa ser suspeito. Bin erro do mesmo tipo. Ou pior.
Laden, Saddam ou qualquer Porque, não só não tem qual-
outro servem. Desde que se- quer hipótese de extirpar o
jam esmagados como os ex- problema já, como, a prazo,
tra-terrestres foram em “In- conduzirá a novas ondas de
dependence Day”. ódio, mais cego e mais ressen-
O segundo cenário é o do tido ainda.
Ocidente contra o resto do É por isso que o terceiro ce-
mundo. A invocação do artigo nário — a activação dos me-
5 do Tratado do Atlântico — canismos de reacção multila-
que consagra o princípio da teral do sistema das Nações
legítima defesa colectiva dos Unidas — é crucial. Bush filho
países membros da OTAN tem uma oportunidade única
— pressupõe a identificação de retomar agora aquilo que
precisa de um inimigo agres- Bush pai, nos ecos da crise
sor. Os saudosistas da Guerra do Kuwait em 1991, anunciou
Fria, do tempo em que havia ao mundo e que, evidentemen-
inimigos precisos e institu- te, nunca cumpriu: uma nova
cionalizados, reinventaram o era, em que a resposta à vio-
mesmo espírito com outros lência será a lei, em que a res-
rostos: onde antes havia o pe- posta à agressão unilateral se-
rigo vermelho há agora o pe- rá a concertação multilateral,
rigo islâmico. A já manifesta- em que a resposta às generali-
da disponibilidade da NATO zações indiscriminadas será o
para uma intervenção mili- julgamento dos responsáveis
tar, reeditando seguramente a concretos. A ONU é o único fo-
completa subalternização das rum mundial que pode propi-
Nações Unidas já registada na ciar um desenvolvimento con-
crise do Kosovo, faz crer que tinuado desta ordem e em que
se quer agora dar expressão se podem lançar as bases de
militar a esse horrendo dis- um trabalho multidimensio-
parate que é a percepção do nal — isto é, político, económi-
mundo islâmico como um blo- co, social, cultural e também
co inimigo. policial — para atacar a sério
Há nestes dois cenários o flagelo do terrorismo inter-
uma falta de senso profunda. nacional.
Uma falta de senso que a con- Os líderes políticos e as so-
gressista democrata Barbara ciedades civis do mundo intei-
Lee, que votou sozinha contra ro estão postos à prova. Das es-
a declaração de guerra apro- colhas que venham a fazer em
vada pelas duas câmaras do relação a estes três cenários de-
Congresso dos Estados Uni- pende, em muito, o que vai ser
dos, elucidou de forma cris- o novo século. A cultura da paz
talina: “Este é um assunto ou a eternização do terrorismo
muito complexo e a iniciativa — em que apostamos?
INQUÉRITO
COMUNICADO
A Associação para o Planeamento da Famí-
lia informa que devido aos trágicos aconte-
cimentos ocorridos nos EUA, o Fundo das
Nações Unidas para a Actividade e Popula-
ção decidiu adiar a apresentação pública
do “Relatório sobre a População Mundial
2001" para o próximo dia 7 de Novembro.
Pelo que fica sem efeito a iniciativa progra-
mada para o dia 26 de Setembro no Palácio
Galveias em Lisboa.
1.
Bruce Wills já não apareceu Nenhum povo tem o monopólio do sofri- dias, nem as sociedades pré-colombianas, nem a gans” dos taliban — corre o perigo de continuar
nos aviões suicidas, nem Syl- mento humano. As tragédias étnicas não Grécia, nem a Roma da República ou do Império, uma série de triste memória: Coreia, Vietname,
vester Stallone vai ser largado são mensuráveis. Como diz A. Safieh: “Se se importavam com as vítimas que, sem conta, sa- Irão, Iraque, Somália, Líbano, etc.
nas montanhas afegãs.” eu fosse um judeu ou um cigano, a barbá- crificavam aos deuses, à honra da pátria, à ambição O que está provado é que a hegemonia militar,
ANTÓNIO PINTO LEITE rie nazi seria o acontecimento mais atroz da histó- dos conquistadores, pequenos ou grandes. económica e cultural norte-americana — com gran-
“Expresso”, 22-9-01 ria. Se fosse um negro africano, esse acontecimento Nietzsche, no seu agudo anticristianismo, captou des bases militares em 62 países — não basta para
seria a escravatura e o ‘apartheid’. Se fosse um
“Que lugar iremos reservar à americano nativo, seria a descoberta do Novo Mun-
sociedade aberta, ao respeito do pelos exploradores e colonos europeus. Se eu S E A S R E TA L I A Ç Õ E S contra os responsáveis dos atentados não constituírem lições
pelas diferenças culturais e ét- fosse um arménio, seria o massacre praticado pelos mundiais de exigência ética e de salvaguarda dos inocentes, são elas que retomam o terrorismo,
nicas, a partir do momento em otomanos. Se eu fosse um palestiniano, seria a derrotam os valores que o Ocidente diz defender e agravam o ressentimento entre povos
que estivermos inevitavelmen- Nqba/Catástrofe de 1948.”
te envolvidos numa terceira Não existem filhos de um Deus maior e filhos de
guerra mundial contra um ini- um Deus menor. Gosto muito, por isso, de uma per- como poucos o contributo cristão para o reconheci- garantir a paz. Passadas as emoções do sobressalto
migo oculto e sem rosto?” gunta divina, referida na Bíblia, nessa biblioteca mento da dignidade absoluta de cada ser humano: actual perante o horror, não vai ser possível conti-
VICENTE JORGE SILVA onde nem tudo é recomendável: — “Que fizeste (ou “No cristianismo, o indivíduo foi tomado tão a sério, nuar a reunir o mundo em torno da bandeira do
“Diário Económico”, 22-9-01 vais fazer) ao teu irmão?” (Cf. Gen. 4,1-16). elevado a um ponto tão absoluto, que não era possível EUA e da sua política imperial.
É uma passagem admirável. Nela, irmão não se continuar a sacrificá-lo. Mas a espécie não sobrevive O combate ao terrorismo disseminado será com-
“Imaginários? São terroristas restringe ao membro da família, da etnia ou da senão graças aos sacrifícios humanos… A verdadei- patível com a multiplicação dos focos de guerra, de
reais, têm cara, nome, organi- nação. É uma forma como Deus pede contas de um ra filantropia exige o sacrifício para o bem da espé- violência, de anarquia e de catástrofes humanitá-
zação. E crueldade para usa- ser humano a outro ser humano. cie: é dura, obriga a se dominar a si mesma, porque rias que a “Justiça Infinita” parece anunciar? E
rem milhares de civis como ar- Invocar Deus para abençoar um povo contra ou- tem necessidade do sacrifício humano. E esta pseu- quem se vai lembrar de Angola, há mais de 25 anos
ma e como alvos a abater.” tro ou contra outra pessoa é uma blasfémia. Invocá- do-humanidade chamada cristianismo quer precisa- entregue a todas as formas de guerra e de terroris-
JOSÉ ANTÓNIO LIMA lo para exercer a vingança sobre uma pessoa, um mente impor que ninguém seja sacrificado…” mo, com diamantes e petróleo para pagar o renova-
“Expresso”, 22-9-01 povo ou uma cultura é sacralizar o crime. Como diz 3. Se não há várias espécies humanas, é tempo de mento do armamento e da corrupção?
Tomás de Aquino, Deus não pode ser directamente nos ocuparmos, com inteligência, da humanidade O eurodeputado José Ribeiro e Castro teve o
ofendido. É atingido quando agimos contra o bem de todos. A ONU, nas suas diversas instâncias, devia mérito de desencadear o processo da candidatu-
“O inimigo que temos pela das pessoas. existir para garantir um mínimo de paz, liberdade, ra do bispo Zacarias Camuenho — um incansá-
frente (...) deixou com toda 2. Simone Weil, uma filósofa judia, sugere que de justiça e de solidariedade no mundo. Se não fun- vel lutador pela paz — ao prémio Sakharov 2001
a clareza mortífera e bár- os Evangelhos, antes de serem uma teoria sobre ciona ou funciona mal, que seja reformada e presti- do Parlamento Europeu. É fundamental apoiar
bara o seu recado: custe o Deus, são uma teoria sobre o homem. É o que tam- giada — e não esvaziada — para poder garantir uma esta voz de “Angola pela positiva”. Tentarei mos-
que custar, ele prefere mor- bém sustenta o antropólogo René Girad (Cf. “Je nova ordem mundial baseada no direito e na procu- trar o que isto significa, o que implica e o que
rer em holocausto contra o vois Satan tomber comme l’éclair”, Paris, Grasset, ra da justiça para todos. Sem isso, viveremos segun- exige. Dentro e fora de Angola. I
mundo que abomina do que
deixá-lo sobreviver.”
VICENTE JORGE SILVA
“Diário Económico”, 22-9-01
Bin Laden como metáfora
“Hoje, impõe-se uma resposta treinador do FC Porto? Precisamente o recurso a Bin
cuidada, segura e convincen- Laden como metáfora. Isso é transparente naquelas
te, até no aspecto ético. (...) Res-
O que têm em comum Ariel Sharon, primeiro-ministro israelita deploráveis declarações de Octávio ameaçando que
posta não de retaliação — e e suspeito de crimes de guerra e contra a humanidade, “os Bin Laden do futebol terão a sua hora”, e tem
não só dos EUA —, mas, antes, e Octávio Machado, actual treinador do FC Porto? consequências políticas e humanitárias de enorme
resposta de presença e dissua- gravidade no caso de Sharon: “ a cada um o seu Bin
são.”
Precisamente o recurso a Bin Laden como metáfora Laden. O nosso chama-se Arafat”, disse (aparente-
RAMALHO EANES mente chocando até Bush), e justificando-se nessa
“Diário de Notícias”, 22-9-01 AUGUSTO M. SEABRA retórica agiu; “É um facto que matámos 14 palestinia-
nos, sem que o mundo desse por nada”, exclamou
“O terrorismo não se vence nu- compositor Karlheinz Stockhausen quali- cultura”, a sua conexão com o wagnerianismo não triunfante o ministro da Defesa Ben-Eliezer.
ma guerra clássica por uma
razão óbvia: o que caracteriza
o terrorismo é a surpresa e a
guerra clássica assenta sobre
cenários previsíveis.”
O ficou os recentes ataques terroristas como
“a maior obra de arte jamais realizada”;
“Que esses espíritos tenham conseguido,
num só acto, o que os músicos apenas ousam sonhar
— ensaiar como loucos durante dez anos para um
foi um mero acidente. A concepção da “obra de arte
total”, por genial que tenha sido dramatúrgica e
musicalmente, não deixa de ser virtualmente totalitá-
ria — e isto não é apenas um jogo de palavras. Neste
contexto, sendo ainda por demais chocante não é de
Usar Bin Laden, na sua qualidade de principal
suspeito pela mais horrorosa das acções terroristas,
como metáfora, de adversários explicitamente nome-
ados ou delirantemente imaginados e inomeáveis é
o prolongamento de uma outra forma de agressão,
JOSÉ ANTÓNIO SARAIVA concerto e depois morrer —, essa é a maior obra de todo surpreendente a obscena comparação feita por a de ordem verbal. É uma “monstruosidade semioló-
“Expresso”, 22-9-01 arte de todo o cosmos”! Stockhausen: a “destruição” (total) seria parte culmi- gica”, como diria Barthes, o mesmo que nos precaveu
Estas afirmações podem ser enquadradas num esfor- nante da “obra de arte” (total)! de que a linguagem pode ser fascista. O esforço de
“A candidatura de Fernando ço de “compreensão” da evolução estética, cultural e Proceder a um exercício racional de enquadramen- compreensão das circunstâncias em que se originam
Gomes parece estar motivada ideológica de Stockhausen. Foi ele seguramente o to e “compreensão” desta inqualificável agressão tais dislates não pode nunca ser deles justificativo.
por razões que pouco têm a ver compositor mais influente do terceiro quartel do século verbal feita não é o mesmo que “justificá-la” — e esta As expressões verbais não são neutras nos seus
com o Porto. É uma candidatu- XX. Um tal lastro tem consideravelmente diminuído é uma ponderação que importa muito para além do fundamentos culturais e ideológicos. Não foi mesmo
ra posicionada para ser uma nos últimos 20 anos, fruto da radicalização megalóma- episódio concreto. E insisto que a conexação ideológi- noticiado que a operação militar não pode ser desig-
retaliação e um ajuste de con- na e “totalizante” do seu projecto, desde meados dos ca de concepções “totalizantes” da “obra de arte” não nada por “Justiça Infinita” por isso ofender os muçul-
tas com o secretário-geral do anos 70. Foi então que Stockhausen encetou o ciclo pode ser apenas um jogo de palavras. Se outras razões manos que consideram a expressão uma prerrogati-
PS.” “Licht/Luz”, um conjunto de sete acções cénicas, cor- não houvesse, é a conjuntura presente, com a retórica va de Alá, ou que os árabes sentiam como ofensiva a
NUNO CARDOSO respondentes a cada um dos dias da semana. própria que originou, a ainda mais nos precaver das metáfora de “cruzada” para a resposta ao terror?
ibidem A irritação com que o autor reage sempre que é assimilações públicas, e algumas mesmo directamen- Quando o “Diário de Notícias”, galvanizado pelo
abordada a possibilidade de uma matriz wagneriana te políticas, de certos jogos de palavras. belicismo, tem como manchete para a partida das
“Se me candidatar [à Câmara em “Licht” é um daqueles casos em que a negação Nem que seja por uma campanha publicitária em tropas americanas “Até à vitória” (o que, a meu co-
do Porto], ganho as eleições.” acaba por confirmar a dúvida. A obra maior de Wag- curso, não estamos esquecidos de quanto tem sido nhecimento, nenhum jornal americano ousou),
idem, ibidem ner foi “O Anel do Nibelungo”, com um prólogo e três glosada no discurso corrente “a mãe de todas as quando o “Expresso” faz título com a “A ameaça do
jornadas? Stockhausen “vence-o” nesse mesmo terre- guerras”, cunhada por Saddam Hussein. Agora veri- Islão” (quando os dirigentes políticos tentam fazer a
“[António Guterres] é o pudim no, com uma heptologia no lugar da tetralogia wagne- fica-se uma síndrome de Bin Laden. Explico-me: Bin destrinça entre o todo da religião islâmica e o funda-
flam. (...) Abana e parece que riana, prosseguindo à sua maneira a concepção de Laden, enquanto homem e principal suspeito dos mentalismo terrorista), quando no PÚBLICO Pache-
cai para um lado ou para o ou- “obra de arte total” do outro. atentados, tem uma existência real, mas adquiriu co Pereira se arma em justiceiro contra as “péssimas
tro, mas não cai — volta ao seu Acontece que a Europa veio a conhecer do modo entretanto uma outra, metafórica. ideias” dos que não pensam como ele, então teremos
lugar.” mais trágico “O Crepúsculo dos Deuses” (derradeira O que têm em comum Ariel Sharon, primeiro- que concluir, olhando para o nosso mais imediato
NUNO MORAIS SARMENTO jornada de “O Anel”). Tendo o nazismo certamente ministro israelita e suspeito de crimes de guerra e círculo mediático, que as palavras vão tecendo o
“24 Horas”, 22-9-01 fermentado num mais lato e explosivo “caldo de contra a humanidade, e Octávio Machado, actual arsenal retórico e metafórico do ódio. I
2001
24 Setembro
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SEG24SET
EDIÇÃO LISBOA
24 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4207
140$00 • €0,70 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico
www.publico.pt
ECONOMIA
PININFARINA
MOBILIZA INDÚSTRIA
TALIBAN DIZEM NÃO SABER DE BIN
AUTOMÓVEL
DE PORTUGAL
E DA GALIZA
LADEN MAS EUA APERTAM O CERCO
Aumenta o dispositivo militar à volta do Afeganistão
CIDADANIA TIMOTHY CLARY/EPA
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ÍNDICE
BARTOON E OPINIÃO 21 A 23
CULTURA 44/45
TELEVISÃO 50/51
CLASSIFICADOS 61 A 69
CINEMAS 70/71
TEMPO E FARMÁCIAS 72
2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 24 SET 2001 G U E R R A AO T E R R O R I S M O À E S P E R A D A R E TA L I A Ç Ã O
ALEXANDER NEMENOV/EPA
Taliban afirmam
desconhecer
paradeiro de Bin
Laden, mas EUA
não acreditam
Secretário norte-americano da to tempo”. A mesma responsável afirma
Defesa diz que milionário saudita que os fundamentalistas têm “um regime
repressivo e terrível” e que os afegãos
não agiu sozinho nos atentados “estariam melhor sem elesß. Veremos que
meios temos ao nosso dispor para fazer
FRANCISCA GORJÃO HENRIQUES isso.” E acrescentou: “Os taliban terão
de entender que têm uma escolha difícil
Os taliban afirmaram ontem que Osama para fazer”.
bin Laden, o homem mais procurado do Respondendo também ao alegado desa-
mundo, desapareceu. E que, por isso, os parecimento de Bin Laden, o secretário
“ulemas” (doutores da fé) não consegui- da Defesa, Donald Rumsfeld, foi ainda
ram comunicar-lhe o pedido para que dei- mais longe: não só os taliban sabem onde
xe o Afeganistão. ele está, como ele “não agiu sozinho” nos
“Não foi possível fazer-lhe chegar a atentados. “É claro que eles sabem onde
mensagem dos ‘doutores da fé’ porque ele está, é o seu país. É impensável que não
não o conseguimos encontrar”, afirmou à saibam onde estão as redes” de terroris-
Reuters o porta-voz dos taliban, Abul Hai mo, disse Rumsfeld à televisão CBS. “Não
Mutmaen. Quando questionado sobre se há nenhuma forma no mundo para que
Bin Laden estava ainda no Afeganistão, o uma rede possa funcionar sem ser apoiada
mesmo responsável afirmou: “Não o sei por estados, empresários, organizações
dizer.” não-governamentais”.
Bin Laden, o milionário de origem sau-
dita que os EUA acusam da autoria do Taliban preparam a guerra
ataque de 11 de Setembro contra o World Totalmente isolados, os taliban terão co-
Trade Center e o Pentágono, vive há cinco meçado a distribuir por todo o país me-
anos como “hóspede” dos taliban. Desde tralhadoras AK-47, segundo informações
os atentados que Washington tem vindo não confirmadas de Cabul. As armas es-
a pressionar os “estudantes de teologia” tarão a ser entregues a civis recrutados
para que o entreguem, ameaçando reta- para uma “jihad” (guerra santa), que os Guerrilheiros da
liar contra os que lhe dão guarida. Mas fundamentalistas islâmicos prometeram Aliança do Norte
o regime de Cabul afirma que seria um como resposta à “cruzada” americana. recebem agora apoio
desrespeito para com o Islão virar as cos- Os responsáveis taliban afirmam que estrangeiro para
tas a este homem, que desde a invasão mais de 100 mil pessoas estão a ser treinadas combater os taliban
soviética alimenta a máquina de guerra e armadas. A BBC adianta que foram colo-
dos fundamentalistas. cados reforços militares junto à fronteira
Por isso, os “ulemas” limitaram-se a com o Paquistão. Os refugiados que chegam
pedir a Bin Laden que deixe o país. A me- ao país vizinho confirmam que muitos ho-
dida, considerada de compromisso, rece- mens se estão a alistar na “jihad”.
beu finalmente a aprovação do “mullah” As autoridades de Cabul ameaçaram os Os taliban têm SAS britânicos alvejados
Mohammed Omar, o líder supremo dos
taliban. “Estamos a tentar encontrá-lo, e,
países da região de que sofreriam sérias
consequências caso manifestassem o seu
um “regime por taliban perto de Cabul
quando for encontrado apresentamos-lhe apoio a Washington. Mas até o Paquis-
excessivo e
a decisão dos ‘ulemas’”, declarou Mutma- tão, o único país do mundo onde há uma terrível” e os Membros da força especial britâ- navios, incluindo o submarino
en à Afghan Islamic Press (AIP, a agência embaixada taliban, se colocou ao lado do afegãos nica SAS terão sido alvejados por nuclear “HMS Superb”, já pas-
taliban com base no Paquistão). “Depois, “Grande Satã”. soldados taliban, perto de Cabul. sou o canal de Suez.
cabe-lhe a ele decidir se deixa ou não o Os taliban não só lutam sozinhos contra
“estariam A notícia, avançada pelos jornais Esta operação, que conta com
Afeganistão”. Mutmaen não teme que Bin a força dos americanos e seus aliados, melhor sem londrinos “Sunday Times” e a participação de 20 mil solda-
Laden esteja a atravessar dificuldades: como ainda têm de dar resposta a uma eles”, disse a “Mail on Sunday”, não foi ainda dos, já estava planeada para uma
“Ele nunca está sozinho. Tem os seus se- guerra interna, travada pelos resistentes conselheira de confirmada pelo Ministério bri- série de manobras em Omã, pro-
guidores consigo. Ele também sabe tomar da Aliança do Norte. tânico da Defesa. gramadas antes do ataque terro-
conta de si.” Nos últimos dias, os combates têm-se Bush para a Os quatro elementos de uma rista contra o World Trade Cen-
O desconhecimento do paradeiro do seu intensificado, particularmente no Norte do Segurança. equipa de reconhecimento a ter e o Pentágono. Mas há quem
suspeito “número um” não alterou em país. A Aliança afirmou ontem ter captura- “Veremos que operar no Afeganistão conse- diga que agora se dirige para o
nada a determinação norte-americana. do o distrito de Zari, na província de Balkh, guiram sair ilesos dos disparos Afeganistão, como apoio a uma
Os Estados Unidos, que vão reunindo um matando 80 soldados taliban, noticiou a
meios temos ao das tropas taliban. Os dois jor- retaliação dos EUA contra o regi-
forte dispositivo militar à volta do Afega- AIP. Um responsável de Cabul confirmou nosso dispor nais adiantam que os SAS esta- me taliban.
nistão, continuavam ontem decididos a os confrontos, mas negou as baixas reivin- para fazer isso.” vam na região há cinco dias e O secretário da Defesa norte-
avançar com as suas represálias. “Não dicadas pela oposição. Segundo a mesma que já tinham mantido contac- americana, Donald Rumsfeld,
acreditamos” no seu desaparecimento, de- agência, as forças taliban foram também
E acrescentou: tos com os guerrilheiros da reconheceu que o Exército per-
clarou a conselheira do Presidente George atacadas em Takhar e Samangan, mas con- “Os taliban Aliança do Norte, o único grupo deu contacto com um avião es-
W. Bush para a Segurança Nacional, Con- seguiram vencer duas operações nos pla- terão de de resistência aos “estudantes pião telecomandado que partici-
doleezza Rice. E garantiu que Washington naltos de Shakh Palang. entender que de teologia”. pava na operação de retaliação
não se vai deixar convencer com comentá- A Aliança afirma ter estado em con- Citando “questões operacio- contra o Afeganistão. Isto, um
rios de que ele poderá estar desaparecido. tacto com o departamento de estado nor- têm uma escolha nais”, o porta-voz do ministério dia depois de os taliban terem
“Simplesmente, não acreditamos”, disse te-americano e que está preparada para difícil para da Defesa recusou-se a confirmar dado conta do abate de um apa-
numa entrevista à Fox News. ajudar os EUA numa operação contra os fazer.” o sucedido. “Há muito material relho do mesmo tipo no Norte
Rice lembrou ainda o ultimato já feito fundamentalistas islâmicos. O seu con- especulativo no ar. Nunca discu- do país. No entanto, Rumsfeld
por Bush: ou os taliban “entregam Bin tributo poderá ser valioso para as forças timos assuntos referente às for- afirmou não haver razões para
Laden, ou terão de enfrentar a cólera da americanas, uma vez que os guerrilheiros ças especiais”, afirmou. O mes- deduzir que se trata do mesmo
coligação internacional, que sabe que os conhecem detalhadamente a região e as mo responsável adiantou que avião. “Isso acontece de vez em
taliban dão abrigo a terroristas há mui- capacidades militares dos taliban. I uma frota de Royal Navy, com 13 quando”, explicou.
D E S TA Q U E 3
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 24 SET 2001
EUA Últimas
ONU APOIA
levantam REGRESSO DO
ANTIGO REI DO
AFEGANISTÃO
MUZAMMIL PASHA/REUTERS
NA ESCOLA COM OS TALIBAN ros. O “mullah” ainda explicará que a
América não pode culpar Bin Laden
sem provas, que não se trata de prote-
ger Bin Laden mas de exigir provas.
No que lhe diz respeito, está seguro
da sua inocência.
Pedimos para visitar a madrassa
e conversar com estudantes. Ele per-
mite. Saímos, guiados por um velho
professor. Primeiro a biblioteca, com
“15 mil livros, todos islâmicos, al-
guns com mais de 200 anos”, depois
as salas de aulas das várias etapas:
tapetes no chão, umas secretárias
baixinhas, sem pés (não há cadei-
ras, toda a gente se senta ou ajoelha
no chão), ardósias, giz e exemplares
do Corão. Na sala dos mais velhos, a
maior, estão a almoçar (milho cozido)
numas telas estendidas no chão.
Tudo está tranquilo. Velhos profes-
sores lêem o jornal, pequenos taliban
sorriem, à porta. A porta está aberta,
vêem-se árvores. Mansa manhã de
domingo.
Espiões americanos
ou israelitas?
É quando nos voltamos a ajoelhar,
agora diante dos estudantes, que o
ar subitamente se torna pesado. Não
há conversas a sós. No chão de uma
pequena sala de aulas, as posições são
as seguintes: o PÚBLICO ao canto, e
vinte jovens taliban em semi-círculo
à frente. O pequeno Abdul Nassir na
primeira linha.
Perguntamos-lhe o nome, a idade
(11 anos), onde vivem os pais (aqui
mesmo, em Peshawar), se ele vive na
madrassa (vive, vê os pais uma vez
por semana), o que faz o pai (é pro-
As crianças das madari aprendem a sabedoria taliban em cinco fases, cada uma das quais leva entre dois a três anos fessor de pashtum). Os mais velhos
escutam em silêncio. Mesmo por trás
de Abdul, um deles vai puxando os
Foi também daqui que eles saíram, para tomar o Afeganistão. Destas escolas os professores? “Ex-estudantes desta fios da barba.
em que se aprende o Corão de cor, palavra a palavra. As escolas corânicas são madrassa ou de outras.” É a quadra- É então que fazemos a pergunta sus-
tura do círculo. peita: quem o trouxe à madrassa? O
as madaris, e os estudantes dessas escolas são os taliban. “A América não percebe E que aprendem os estudantes? Es- que puxava os fios da barba pára e pro-
que taliban somos todos.” O PÚBLICO passou a manhã de ontem na madrassa ta é a resposta mais demorada. Porque testa, num inglês rudimentar: “Não,
do bazar Ramdaz. Foi interrogado, até provar que não era americano ou israelita. tem cinco fases a sabedoria taliban, e não, não. Não pode perguntar isso.
cada uma leva entre dois a três anos: Quem é você? Porque está a fazer per-
Da nossa enviada ALEXANDRA LUCAS COELHO, em Peshawar “Primeiro, a Mutawasita: noções bási- guntas? O ‘mullah’ não devia permitir
cas de inglês, urdu, biologia, química, isto.” Agita-se, volta-se para os com-
Para chegar ao bazar Ramdaz passa- também lhes chegue. gressivamente difícil. Devem estar estudos paquistaneses, matemática; panheiros, em busca de um coro. Ex-
se o bazar Dabgari (dos cirurgiões) e Direita, esquerda, estacionamos. uns 40 graus. depois a Amma, conhecimentos bási- plicamos que passámos duas horas a
o bazar Shuba (dos mecânicos), aos Há uma entrada em arco para um cos de árabe, gramática árabe e persa; conversar com o “mullah”, que que-
ziguezagues entre carros de bois, au- jardim. É a madrassa. Entramos. O Taliban somos todos depois a Khaza, tradução, explicação e remos saber quem são, como vieram
tocarros e motociclos com capotas jardim é fresco e descuidado, a gran- O “mullah” começa por desmontar “a interpretação do santo Corão, através aqui ter, o que estudam, o que pensam
de lata muito amolgadas. Os autocar- de casa térrea, com muitas portas nomenclatura americana que chama dos quatro cânticos do santo profeta... do que se passa no Afeganistão.
ros (esfuziantes templos de pintura correndo ao longo de um pátio exte- taliban só aos islâmicos no poder no é um conhecimento imenso; depois “Foi a América que mandou,
“naif”, com borboletas, rosas, heróis rior, tem a pintura a cair aos boca- Afeganistão”. “É erróneo, taliban so- a Aliea, a lógica do Islão, as leis, as hum?”, lança ele, “vêm interrogar-
da guerra e fitas ao vento, tudo sobre dos. Três jovens estudantes estão a mos todos que estudamos nas escolas regras e regulamentos a aplicar na nos.” Falamos em Portugal, dizemos o
rodas) vão cheios a deitar por fora descansar na erva, outros, entre os corânicas, aqui, ou no Afeganistão. vida quotidiana que os profetas re- nome do jornal, insistimos. Mas ele já
(pernas e braços) e, se calha ficarem 10 e os 30 anos — saberemos depois, ‘Talib’ é o singular para estudante.” comendam; e por fim a Alamia, em não está a ouvir. Fala para os lados, os
parados lado a lado, quem vai em pé começo e fim da aprendizagem corâ- Nesta escola há 700 taliban, dos que a educação se completa, com o colegas olham-no e olham-nos. Desa-
nos tejadilhos festeja ruidosamente, nica — circulam entre as salas, de quais 100 são afegãos. O quotidiano, conhecimento superior do Islão.” tam todos a falar pashtum. O tradutor
com um fogo-cruzado de lentilhas (ou porta aberta, e o pátio. segundo o “mullah”: “Levantam-se Pedimos-lhe que especifique me- do PÚBLICO tenta interromper, escla-
algo parecido, não temos a certeza). Um dos estudantes, todo de bran- às cinco, vão rezar, juntam-se na mes- lhor esta última etapa. O “mullah” recer o equívoco. Enquanto discutem,
Esquerda, direita, esquerda, direi- co, barba negra, lava o rosto cá fora. quita — temos uma mesquita, aqui —, suspira. “É um conhecimento supe- um estudante de rosto muito tranqui-
ta, as ruas de dentro são estreitas, toda Vê-nos, limpa lentamente as mãos. depois tomam o seu chá, comem o seu rior. O que é que estudou?”, pergunta. lo e voz suave pergunta em inglês: “E a
a gente com buzinas buzina, e os pas- Havemos de nos encontrar, para um pequeno-almoço. Às sete começam as “Jornalismo”, respondemos. Sorri religião? Qual é?”. Respondemos que
seios estão repletos: velhos sentados interrogatório, daqui a pouco. Ele fará aulas, até à uma da tarde. Vão almoçar para o círculo de homens à sua volta: Portugal tem uma grande maioria de
em caixotes, lendo o jornal e bebendo as perguntas. e à tarde revêem o santo Corão.” “Ah, jornalismo.” Pausa. O “mullah” católicos.
chá, marceneiros a cortar tábuas, má- Mas primeiro o “mullah”, o líder Não pagam nada, mesmo os que prossegue: “Ao fim destas cinco fases O líder do tumulto pára de discutir
quinas de costura pré-históricas ao la- espiritual desta madrassa, Khalid Ah- vivem dentro da própria madrassa, há um exame. Quem é bem sucedido em pashtum e olha-nos de olhos muito
do de gaiolas a abarrotar de pássaros, mad Banoori, “cerca de 56 anos”. Es- que são a maioria: “Não temos men- tem o grau equivalente ao mestrado abertos. Ouviu a resposta. Atira: “O
bancas de legumes, de fruta fresca, tudou “Ciências Gerais: zoologia, bio- salidade na nossa educação islâmi- em árabe.” seu livro é o Talmude, hum? Veio de
de fruta seca, de sementes, ferreiros logia e física”, mas nunca chegou a ca. Apenas aceitamos um pequeno Vem chá, muito quente e doce. Israel?” Nem temos tempo de emen-
a tratarem das patas dos cavalos, um exercer. Herdou esta escola do pai, donativo dos adultos que vêm para Bebemos. dar o equívoco. Nova discussão em
formigueiro de homens a acenderem também “mullah”. um departamento especial aprender E fora das aulas, o que fazem os pashtum.
lume, a carregarem sacos de farinha, Está sentado no tapete da grande de cor o santo Corão, o que leva três a estudantes? “Não permitimos acti- Até que o rapaz da voz suave come-
a pendurarem borregos e frangos. sala de visitas, de pernas cruzadas, quatro anos. A madrassa sobrevive de vidades extra-curriculares.” Pausa. ça a puxar-lhe as calças para o calar.
Algumas crianças em bando, algu- com “vários professores e amigos”, contributos das pessoas que nos co- O “mullah” espeta o dedo indicador: Outros fazem o mesmo. Ele volta a co-
mas crianças pela mão. É o que vemos quase todos já com barbas grisalhas. nhecem e que têm fé em nós. Trazem- “E não permitimos que se envolvam fiar a pequena barba negra, inquieto.
das mulheres, às vezes, as mãos sain- Ajoelhamo-nos. O tradutor ficará em nos esse presente.” em partidos políticos.” Pausa. “Claro Mas quando voltamos a explicar por-
do dos panos azuis, rosa, cinza enfai- silêncio. O “mullah” Banoori fala in- Não vale a pena querer saber quem. que se houver algo contra o Islão, que estamos ali, a tensão já não está
xados em todo o corpo. Se chegarmos glês. E falará ao longo de duas horas, Mas é possível saber de alguns cus- eles vão querer juntar-se e lutar, mas lá. Vemos a porta aberta, as crianças à
mesmo perto, notamos que no lugar tornando a posição (de joelhos) e a tos: “Gastamos 0,4 milhões de rupias nós não os incentivamos, de maneira porta, Abdul à nossa frente, a sorrir.
dos olhos, nariz e boca há uma rede de circunstância (espesso lenço à volta [um euro são 55 rupias] nos salários nenhuma.” Em espera de guerra, todos os gatos
buraquinhos para que o ar, e o bazar, da cabeça e pescoço) da repórter pro- dos nossos professores.” Quem são As chávenas voltam aos tabulei- são pardos. I
D E S TA Q U E 5
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 24 SET 2001
MIAN KHURSHEED/REUTERS
O Islão de A a Z
pos xiitas (ver letra X), ao qual pertence e obedece, conduziu ao termo português Maomé, um “inimigo interno”.
cérebro, mas nenhuma para cima de 90 por cento da população “muçulmano”.
religião, e os que têm do Irão e metade da do Iraque. Também O
uma religião, mas predomina na antiga república sovié- L Omar Khayyâm (439-1048) nasceu em
tica do Azerbaijão e tem minorias nas Lots, Salomão e Job são alguns dos pro- Nishapur, no Irão. Foi astrónomo, ma-
nenhum cérebro” monarquias árabes do Golfo Pérsico. fetas que o Corão cita. O Livro Sagrado temático, físico e discípulo do seu com-
Este grupo acredita que os descenden- dos muçulmanos ignora Oseías, Eze- patriota Avicena ou Ibn Sina, médico
ABDUL-ALA AL-MAARI tes directos do profeta Maomé — a sua quiel, Isaías e Jeremias, mas faz referên- e filósofo, cuja obra, influenciada por
Poeta e um dos maiores vultos da filha Fátima e o seu genro Ali — são os cia a Jesus e São João Baptista. A gran- Aristóteles e Platão, constituiu uma re-
literatura árabe, escreveu estas legítimos governantes do mundo islâ- de novidade é que Abraão e Ismael são ferência que chegou até à Europa. Foi
linhas antes de morrer em 1057, mico, porque estão “limpos de pecado considerados “patriarcas dos árabes”. no entanto como poeta, possivelmente
quando os cruzados cristãos e do erro” e têm a mesma autoridade um sufita (místico islâmico) que Omar
devastaram a sua cidade de do Mensageiro de Alá. Os “Duodecima- M Khayyâm alcançou a sua maior fama.
Maara, na Síria nes” devem o seu nome a Muhammad Maomé ibn (filho de) Abdallah nasceu Sobretudo no Ocidente, graças às suas
ibn al-Askari, o décimo segundo “imã” na cidade de Meca, na Arábia, por volta quadras (“Robâiyât”), desconhecidas
(guia espiritual) desde Ali. Após a mor- de 570 d.C. Não se conhece o ano exacto durante quase cinco séculos. Nos seus
te do seu pai, Hasan, em 873, al-Askari do seu nascimento e muitos pormenores versos abundam as referências ao vinho,
tornou-se “imã” aos quatro anos, mas da sua infância continuam obscuros. mas os exegetas tendem a explicar isso
desapareceu misteriosamente da sua Alguns historiadores dizem que o seu como “um símbolo” que representa a
casa em Samara, actual Iraque, e nunca pai morreu antes de ele nascer, outros êxtase religiosa, a procura de uma união
foi encontrado. Como não tinha irmãos, que morreu tinha Maomé dois meses de com Deus.
a sua dinastia extinguiu-se. Os xiitas vida. Até aos seis anos, ficou com a mãe
recusam-se, porém, a acreditar que ele e depois desta falecer foi entregue aos P
tenha morrido e confiam que regressa- cuidados do avô, Abdel Muttalib, e mais Pahlavi foi a útlima dinastia da Pérsia
rá como “al-Mahdi” ou “O Escolhido” tarde à tutela do tio Abu Talib, chefe do antes de o país se transformar em Repú-
que, segundo o Corão, voltará pouco clã Hashim. Ser órfão na Meca do sécu- blica Islâmica do Irão. Substituiu a dos
depois do fim do mundo. lo VII era um terrível defeito, mesmo Qajar quando um sargento analfabeto
para os homens mais talentosos. Pro- chamado Reza Khan (ou Mestre Reza) se
J vavelmente por ser pobre, Maomé fi- tornou um temível chefe militar, pôs fim
Jihad “deriva da raiz trilítera J-H-D cou solteiro até aos 25 anos. A sua pri- ao caos no país, se fez nomear sucessi-
(de onde provém também a palavra mu- meira mulher — e primeira crente — vamente ministro da guerra, primeiro-
JaHiDin) que indica acções relativas foi a sua prima Kadhija bin Khuwaylid, ministro e finalmente xá (rei). Foi em
a esforço”, explicou ao PÚBLICO Fer- uma próspera viúva de 40 anos. Este ca- 1926 que ele adoptou o apelido “Pahlavi”
nando Branco Correia, do Gabinete de samento, por volta de 595 d.C., teve gran- e se sentou no Trono do Pavão. Ao seu
Estudos Árabes do Departamento de de importância porque Khadija abriu lado, no dia da coroação, estava Shapour
História da Universidade de Évora. Pode a Maomé as portas da vida comercial Mohammed Reza, o primeiro princípe
significar “esforçar-se por”, “batallhar”, de Meca e os seus negócios floresceram herdeiro da dinastia Pahlavi e também
“aplicar-se”, mas também “ir ao limite permitindo-lhe tempo livre para a me- o seu último imperador (foi derrubado
do possível, não excluindo, porém, a pos- ditação. Foi num desses momentos de em 1979 pelo ayatollah Khomeini).
sibilidade de haver luta. A identificação, isolamento que Alá (Deus, em árabe) se
automática e simplista, do termo com teria revelado por intermédio do arcanjo Q
“guerra santa”, acrescenta Branco Cor- Gabriel (Djibril). Foi então que ele se Qutb (Sayyid), o egípcio que aos 10 anos
reia, “é redutora na medida em que se assumiu como “mensageiro” divino, de idade declamava sem ler todos os ver-
dá, como única, a interpretação mais escolhido para convidar outros a aban- sículos do Corão, tornou-se o ideólogo
radical desse conceito”. donar o mal antes do Juízo Final. da Sociedade dos Irmãos Muçulmanos
logo após a morte, em 1949, de Hasan al-
K N Banna, o fundador desta organização.
Karim (O Generoso) é um dos 99 nomes Nadhir era o nome de uma das duas tri- Qutb foi enforcado pelo Presidente Nas-
árabes de Deus. Alá é o mais conhecido, bos judaicas (a outra era a dos Qorayza) ser em 1966, mas continua a ser uma
mas há outros, que os pais muçulmanos de Medina que declararam abertamente das principais fontes de inspiração de
dão aos filhos, como Hakim (O Sábio) ou a sua hostilidade ao profeta do Islão. Ma- grupos integristas (sejam argelinos ou
Aziz (O Poderoso). Com o Islão assiste-se omé declarou-lhes guerra e, a partir do paquistaneses) que procuram destruir
à transformação da escrita numa arte mês de Fevereiro de 624, exortou os seus as sociedades ímpias ou pagãs (“jahi-
suprema: a caligrafia. A partir daqui, discípulos a rezar, já não em direcção liyya”). Entre 1951 e o ano da sua exe-
as letras do alfabeto árabe citariam as a Jerusalém mas sim na de Meca. Em cução, o homem que mais tarde se tor-
palavras sagradas do Corão e reprodu- Agosto ou Setembro de 625, ele ordena nou líder da Irmandade Muçulmana
Texto de ziriam graficamente o nome de Alá e do aos Nadhir que abandonem Medina. Os escreveu oito obras doutrinais, cinco
seu Profeta. A palavra “islam” significa judeus, que eram abastados proprietá- delas na prisão, traduzidas em várias
MARGARIDA SANTOS “submissão” à vontade de Deus. É um rios de terras ou comerciantes, decidem línguas. A mais importante, “Sinais”,
LOPES substantivo tirado do verbo árabe “as- resistir. Os muçulmanos bloqueiam-nos, é um manifesto em que denuncia os im-
perialistas ocidentais, os comunistas
russos e chineses e os muçulmanos lai-
cos. O seu objectivo é “a instauração da
lei corânica, em todos os aspectos da
vida e da política, como solução para os
problemas da humanidade”.
R
Rashid (Harum al-), o quinto califa abás-
sida, é a figura mais representativa do
período da civilização islâmica conheci-
do como o das “Mil e Uma Noites”. Com
capital em Bagdad, esta dinastia trans-
formou a cidade num gigantesco centro
cultural. Um dos filhos de al-Rashid fun-
dou a “Casa da Sabedoria” onde foram
traduzidas, pela primeira vez, para a
língua árabe obras como as de Ptolomeu,
Arquimedes, Aristóteles e Platão. Foi
neste reinado que foram publicados tra-
balhos sobre óptica, música, alquimia,
astrologia e filosofia, Também foram
divulgadas as primeiras descrições clí-
nicas que se conhecem sobre a varíola
e o sarampo. Mas os abássidas nunca
foram militarmente poderosos e um dos
erros que cometeram foi confiar mais
nos turcos do que nos árabes. A partir do
século IX, os califas entraram em declí-
nio e, em 1055, os seljúcidas apoderaram-
se da actual capital do Iraque.
Amanhã
Última parte — De Septimanes
a Zaynab, com bibliografia
FOTO: AAMIR QURESHI/EPA consultada
D E S TA Q U E 9
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 24 SET 2001
M O V I M E N TA Ç Õ E S D I P L O M Á T I C A S
EUA DIZEM QUE HÁ do Afeganistão. O primeiro 11 de Setembro, e a sua orga- em Solo, próximo de Java, e dos Unidos para combater o te, pretende convencer as au-
RISCO EM FICAR de seis aviões deverá desco- nização, al Qaeda, não fazem, exigiram ver a lista de hós- terrorismo internacional. A toridades iranianas a junta-
NO UZBEQUISTÃO lar hoje do Turquemenis- contudo, parte dessa lista. pedes, em busca de qualquer Indonésia é a nação mundial rem-se aos EUA numa “luta
tão, mas aguarda-se ainda De acordo com a CNN, americano ou europeu. com maior número de mu- global contra o terrorismo”.
Os Estados Unidos avisa- a autorização do governo Bush, que esteve este fim-de- “Foram bastante cordiais, çulmanos. No comunicado, que foi en-
ram os seus cidadãos dos desta antiga república sovi- semana na sua residência de disseram que queriam ape- viado aos media pela embai-
potenciais perigos de via- ética. “A situação das crian- férias em Camp David, para nas saber a nacionalidade STRAW QUER IRÃO xada britânica, o governante
jar para ou permanecer no ças no Afeganistão é uma uma videoconferência com dos nossos hóspedes, se havia NA LUTA CONTRA diz que a sua visita ao Irão
Uzbequistão, país que faz das piores do mundo”, su- o Conselho de Segurança Na- americanos ou europeus”, O TERRORISMO “vai ser o começo de um diá-
fronteira com o Norte do blinhou a porta-voz da ONU cional, poderá ter assinado afirmou Dewi Romlah, ge- logo que poderá levar a uma
Afeganistão. Segundo o De- para o Afeganistão, Stepha- ainda ontem a ordem para o rente do Novotel, o maior “A guerra con- cooperação mais próxima en-
partamento de Estado, “o nie Bunker. congelamento dos bens dos hotel de Solo. Romlah disse tra o terroris- tre os dois países”. A carta
ataque de 11 de Setembro Nigel Fisher, represen- terroristas. ainda que os radicais islâmi- mo não é uma salienta ainda o contraste en-
aos Estados Unidos e a tante especial da Unicef pa- cos deixaram panfletos onde guerra contra tre o repúdio manifestado pe-
proximidade do Uzbequis- ra a região, sublinhou que RADICAIS ISLÂMICOS ameaçavam voltar, em caso o Islão”, garan- los iranianos após os aten-
tão com o Afeganistão, que “se não tivermos acesso INDONÉSIOS de um ataque americano ao te o ministro tados de 11 de Setembro e a
continua a proteger o terro- [ao território afegão], esta- AMEAÇAM TURISTAS Afeganistão. dos Negócios alegria do líder iraquiano,
rista internacional Osama remos a enfrentar um gra- AMERICANOS Estas ameaças surgem pou- Estrangeiros Saddam Hussein. Jack Straw
bin Laden, levantou pre- ve problema”. As iminen- cos dias depois de a Presi- britânico, Jack Straw, numa é o mais alto representante
ocupações com a seguran- tes represálias americanas, Membros de grupos islâmi- dente indonésia, Megawati carta enviada ao povo do britânico a visitar o Irão de-
ça de americanos no Uzbe- que se seguem a uma inter- cos radicais indonésios in- Sukarnoputri, ter prometido Irão. Straw, que visita hoje pois da revolução islâmica de
quistão”. “Os americanos minável guerra civil e três vadiram ontem seis hotéis o apoio do seu país aos Esta- aquele país do Médio Orien- 1979. S.P., P.C. E C.M.
que decidirem permanecer anos consecutivos de seca,
ou visitar o Uzbequistão de- levaram centenas de milha-
verão usar da máxima cau- res de afegãos a fugirem das
tela e tomar medidas pru- suas casas. “As nossas esti-
dentes.” mativas apontam para cer-
Outra declaração oficial ca de 900 mil refugiados que
dizia também que uma or- tentam atravessar a fron-
ganização ligada ao gover- teira com o Paquistão. Jul-
no norte-americano (não gamos ainda que possam
identificada), instalada fo- estar 300 mil no Irão e 150
ra da capital do Uzbequis- a 200 mil no Turquemenis-
tão, Tashkent, se prepa- tão”, acrescentou. “A ne-
rava para deixar o país. cessidade mais urgente é
Foram também impostos li- assegurar que a ajuda hu-
mites à circulação do pes- manitária chegue ao pa-
soal da embaixada dos Es- ís”, disse o porta-voz da
tados Unidos em Tashkent. Unicef no Paquistão, Gor-
Na sexta-feira, o Departa- don Weiss.
mento de Estado tinha já
aconselhado os cidadãos BIN LADEN
americanos a cancelarem JÁ ESTAVA NA MIRA
viagens à vizinha Quirguí- DE CLINTON
zia e sugerido a alguns
funcionários da embaixada “Autorizei a
que saíssem do país. captura e, se
necessário,
FÍSICO NUCLEAR a morte de
IRAQUIANO APONTA Osama bin
O DEDO A SADDAM Laden. Che-
gámos a
Segundo contactar
Chidhir Ha- um grupo no
msa, antigo Afeganistão para o fazer”,
responsá- revelou anteontem Bill Clin-
vel pelo pro- ton, ex-Presidente dos Esta-
grama nu- dos Unidos.
clear no Clinton referiu também
Iraque, Sa- o treino de comandos para
ddam Hus- uma operação que não terá
sein é o único no Médio sido concluída por falta de
Oriente que “dispõe das es- informação. Fontes do go-
truturas necessárias” para verno confirmaram que a
organizar um ataque como Administração Clinton deu
o de 11 de Setembro. Refu- à CIA, em 1998, aprovação
giado no Ocidente, o físico para conduzir operações se-
nuclear disse ainda, em en- cretas com Bin Laden como
trevista ao jornal alemão alvo. O milionário saudita
“Bild”, que Saddam Hus- era tido por Washington
sein, por intermédio dos com o autor dos atentados
serviços secretos iraquia- desse ano a duas embaixa-
nos, dispõe de contactos das dos Estados Unidos na
com o milionário saudita África Oriental.
Osama bin Laden, o ho- Clinton sublinhou ainda:
mem a quem Washington “Na altura, fizemos o que po-
atribui a autoria dos aten- díamos fazer.” Considerou
tados. Chidhir Hamsa dis- ainda que uma acção contra
se também que o Iraque é o Bin Laden tem hoje mais hi-
“quartel-general” dos ter- póteses de sucesso, dado o
roristas no Médio Oriente: extenso apoio internacional
“Eles dispõem de campos aos Estados Unidos.
de treino em todo o país, on-
de também podem formar BUSH QUER
pilotos.” E Saddam Hus- CONGELAR BENS
sein “pode já ter uma bom- DE TERRORISTAS
ba atómica”. “Quando saí,
já estávamos muito perto”, O Presidente dos EUA, Ge-
acrescentou. orge W. Bush, pretende con-
gelar os bens de alguns
UNICEF ENVIA AJUDA terroristas e de organiza-
HUMANITÁRIA PARA ções ligadas ao terrorismo,
O AFEGANISTÃO anunciou uma fonte presi-
dencial à CNN. Osama bin
A Unicef quer enviar ajuda Laden, o principal suspeito
humanitária às populações da autoria dos atentados de
10 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 24 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO A INVESTIGAÇÃO
Fuga a pé,
O HOMEM QUE NASCEU OUTRA VEZ por escadas,
Regressou ao trabalho no seu banco. Mas ainda não consegue dormir. Nem se vê a subir para lá do sexto andar
de um arranha-céus. Sempre que ouve um avião, só desvia os olhos quando ele desaparece. A lenta recuperação ruas e pontes
de Joe Salgado, o homem que desceu 46 andares, andou de gatas numa nuvem de poeira, caminhou mais
de 20 quilómetros em fuga e agora não consegue sair de casa sem dar “dois ou três beijos à mulher, A jornada de trabalho de Joe Salga-
do iniciara-se, como habitualmente,
dois ou três abraços aos filhos”. Do nosso enviado Adelino Gomes, em Nova Iorque pelas 8h30, com uma reunião para
SHANNON STAPLETON/REUTERS definir a agenda do dia da equipa em
Duzentas pessoas irromperam em que se integra, enquanto corretor do
aplausos quando ele apareceu em First Union Bank. Um quarto de hora
Glen Rock com a equipa dos infantis depois, sente a torre mexer, “como
do Lar dos Leões, filial 17 do Spor- se alguém a estivesse a virar”. Atóni-
ting Clube de Portugal, de que é vice- tos, ele e os quatro companheiros não
presidente e treinador em Newark. tardam a ver passar pelas janelas do
Os seus jogadores, entre os quais se 47º andar da torre 1 do World Trade
encontram dois dos três filhos, não Center, onde funciona a delegação,
conseguirão mais do que um empa- bancos, pessoas, pedaços de avião. “Al-
te, no primeiro jogo do campeonato, guma avioneta que chocou”, dizem
este sábado, mas a recepção que os uns para os outros, ainda longe da
apoiantes da equipa adversária lhe dimensão da tragédia.
fizeram nunca mais a vai esquecer. Na Porth Authority, responsável pe-
“Coisa assim só aos Presidentes dos la gestão da torre e para onde telefo-
Estados Unidos”. As pessoas, acima nam de imediato, ninguém percebe
dos resultados, são o que conta mais o que se passa. Acha estranho que os
para ele agora. E por isso, na palestra altifalantes de emergência se mante-
que faz sempre aos miúdos antes do nham calados, ao contrário do que
jogo, não lhes falou desta vez de tác- acontece durante os exercícios de sal-
ticas apenas. “Vocês têm que obrigar vamento em que ele e os outros 43 em-
os vossos pais a apoiar-vos. Não só pregados do banco participam com-
um dia, todo os dias.” pulsivamente a intervalos regulares.
Joe Salgado, 39 anos, bancário, é o Sai para o corredor, onde há um
típico cidadão norte-americano, fruto cheiro intenso a gasolina e começam
de uma mistura étnica e cultural cujas a infiltrar-se as primeiras baforadas
raízes mergulham longe na história de fumo. Porque o calor aumenta e o
e na geografia. Mãe de Melgaço, pai fumo dificulta a respiração, decidem
da Galiza, nasceu do lado espanhol da dividir-se em dois grupos e iniciar a
fronteira, veio para os EUA aos qua- descida pelas escadas.
tro meses, e casou com uma espanho- Quando o segundo avião se esma-
la da Corunha. A sua nacionalidade é ga contra a torre 2, vai Joe no 21º an-
a do país de acolhimento, mas sente-se dar, num rio de gente que engrossa
ao mesmo tempo também espanhol, a cada momento mas que respeita o
português, “e, às vezes, brasileiro”. lado esquerdo pedido pelos bombeiros
A ida com a equipa a Glen Rock re- (“Passavam por nós, carregados de
presentou mais um passo na lenta re- material, os rostos alagados em suor,
cuperação do trauma do World Trade nós a descermos para nos salvarmos,
Center, onde viveu há duas semanas eles a subirem para a morte”) e pelo
uma experiência limite que lhe pou- pessoal das equipas de resgate.
pou a vida mas lhe está a transformar Há gente que pára, sem fôlego, Joe
o modo como encara a existência e o e um colega rasgam uma t-shirt, mo-
relacionamento com os outros. lham-na na água que salta das bocas
Na primeira semana, fechou-se no de incêndio e inunda os andares, fa-
quarto, incapaz de retirar os olhos do zendo-os escorregar, a um grito de al-
televisor, onde passavam, em emissões guém a multidão afasta-se a abranda
contínuas, as imagens dos atentados. a fuga para deixar passar um cego
Terça-feira, 19, oito dias após a tra- que ouviu a notícia no 78º andar, onde
gédia, aceitou o convite do banco e to- vivia, e a quem o cão guia, sem paran-
mou um autocarro para Filadélfia. É ça até ao rés-do-chão. Uma rapariga do
aqui, a duas horas e meia de distância, escritório fica para trás, Joe e o com-
que ele e os seus colegas passaram panheiro ainda conseguem colocar
a trabalhar provisoriamente. Nem uma senhora numa cadeira de rodas
todos compareceram. Quatro conti- e levá-la até às equipas de salvação.
nuam “desaparecidos” (um eufemis- Sai da torre com a água quase pela
mo a que ninguém parece disposto barriga da perna, corre por entre pe-
a renunciar, mesmo quando se sabe daços de avião, carros esmagados, o
que se está a falar de mortos), cinco braço de um homem nas mãos de um
encontram-se feridos, e uma dezena polícia que o tentara puxar de debaixo
sofrem um processo mais demorado de uma viatura, e o colega do banco
de recuperação psicológica. a chorar, aos gritos: “Por que é que
O trauma, contudo, não poupa ne- fazem prédios tão grandes?”
nhum deles. No próprio momento da Não passaram ainda dois minutos e
partida, quando o motorista rodou ouve um clamor imenso de gente que
a chave de ignição do autocarro e se foge em pânico diante de uma bola de
ouviu o primeiro ronco do motor, to- Joe Salgado é um dos trabalhadores que conseguiram fugir do World Trade Center fumo que rola como onda gigantesca
das pessoas do grupo com quem con- na sua direcção, o envolve e o deita
versava deram um salto instintivo de ao chão. Gatinha ainda, na escuri-
medo no passeio. “Ficámos para ali a tar a trabalhar para lá do quinto ou atentados. “São malucos, não tem na- ria, desesperado, escadas abaixo, pa- dão total. Quando o fumo se dissipa
olhar uns para os outros, you know”. sexto andar de um prédio. Por causa da a ver com religião. Islão quer dizer ra salvar a vida — a dos bombeiros, um pouco mais, uns cinco minutos
O reencontro permitiu-lhes com- da altura, mas sobretudo por causa paz. Tenho dois colegas muçulmanos, rostos molhados do suor e da água, depois, não sabe onde está. Segue a
parar problemas. “Oiço um avião, po- do falhanço da segurança. “Lá no e eles estão totalmente contra o que o a subir ofegantes, com o material às pessoa que vai à frente, atinge a ponte
nho-me a olhar para ele e tenho que banco já começámos a discutir sobre Bin Laden está a fazer.” costas, as escadas que os haveriam de de Brooklyn, donde avista o desmoro-
o ver passar. Sei que eles a descer e a as próximas instalações, mas a pri- Percebeu já que “nada vai ser igual conduzir à morte. Assalta-o também namento de mais uma torre ao lado de
subir são iguaizinhos ao que eram há meira coisa que as pessoas exigem nunca mais” na sua vida. O sentido com insistência a visão apocalíptica um engenheiro que conseguiu fugir
duas semanas, mas por mim acho que conhecer é as saídas.” da existência e os pequenos gestos do momento em que a torre implodiu do andar 79 e já tinha vivido a experi-
andam mais baixo agora. Falei disto Ontem, domingo, foi à missa das do quotidiano adquirem outro sig- e uma onda de pó o fez vergar e cair. ência dos atentados de 1993.
a um colega. Disse-me que se passava oito da manhã. Duas horas depois, nificado. “Uns foram escolhidos pa- “Uma pessoa pensa se verá alguma Cobertos de pó empapado em suor,
o mesmo com ele.” participava, como convidado, numa ra morrer, outros para viver. Os que vez mais a família, e pergunta: ‘Por os dois homens erram a pé por ruas
À semelhança de um corretor — outra cerimónia religiosa. Amanhã nos salvámos nascemos outra vez. A que é que não dei um beijo mais à mi- e pontes até à uma da tarde, quando
“um homem cheio de experiência, lá estará, na vigília com que Newark gente ver uma fotografia, bebermos nha mulher e aos meus filhos, hoje? encontram um telefone em funciona-
esteve na guerra do Vietname” — quer encher Ferry Street, a rua mais um copo mesmo de água, damos-lhe Não vai passar um dia, acredite, sem mento num restaurante.
que se recusa a regressar a Manhat- portuguesa dos EUA. agora outro valor.” que eu dê dois ou três beijos à minha Estão a mais de 20 quilómetros de
tan, onde não só trabalhava como No regresso a casa, uma residência Tem dificuldade em dormir. uma mulher antes de sair para o traba- Manhattan. Joe fala para a mulher,
residia, a maior parte dos sobrevi- de madeira na rua Elm, fala da difi- imagem persegue-lhe a memória da- lho. Nunca mais vou sair sem dar um que angustiada segue a tragédia pela
ventes não encara a hipótese de vol- culdade em compreender a razão dos queles longos 40 minutos em que cor- abraço aos meus filhos.” I televisão, junto do filho mais velho. I
D E S T A Q U E 13
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 24 SET 2001
O D I Á R I O D E P E D R O PA I X Ã O E M N O V A I O R Q U E
fatos — está um vestido tão lindo que apetece Garcia. Os comerciantes da zona, especializa-
casar. Em vez de um ramo, o vestido quase dos em “souvenirs”, queixam-se de “grandes
branco tem uma bandeirinha americana. prejuízos”. Os empregados das casas de bifes
Na Donna Karan circula uma dezena de — a tradição diz que “ir à Broadway” signifi-
pessoas. “Depois do ataque, estivemos fecha- ca um musical e um jantar — dizem que vai
dos dois dias. Reabrimos e isto tem estado às haver “muita falência”. Será que os lucros do
moscas. A avenida toda (a Madison, o centro resto do ano, que são grandes, não chegam
do comércio de luxo) tem estado igual”, diz para compensar duas ou três semanas de pre-
Michelle, a gerente. As colecções de Outono juízo? “Não está a ver — diz Juan Garcia —,
tinham acabado de chegar às lojas nas vés- não andava aqui ninguém.”
peras do ataque terrorista.
Muitas lojas da 5ª Avenida, e do SoHo, aque-
las onde o que existe para consumir é mais
acessível, reabriram com saldos. Saldos es-
NO HOTEL
quisitos. Porque estão fora do tempo. E por-
NO MUSEU que são ordeiros: não há filas monumentais
à porta dos gabinetes de provas, não são pre-
Como se fossem agentes secretos, detento-
res de informações classificadas, os fun-
cisos empurrões para se chegar às calças e cionários do Hotel Ritz não podem falar. A
A sala François Boucher está vazia. Não há às saias e, nas secções de sapatos, ainda há gerência distribui-lhes “pins” com a ban-
quem olhe para as mulheres de pele rosada e números 36, os primeiros a desaparecer. Pode deira dos EUA, que puseram, obedientes,
formas carnudas que o pintor desnudou para dizer-se: é um bom momento para visitar na lapela. O porteiro que tem como mis-
que todos as pudessem olhar. Fragonard está Nova Iorque. Mas saldos sem enchente são são chamar táxis para os hóspedes, está
também sozinho. Filipe IV de Espanha, saído tão desconfortáveis — porque anormais — tranquilamente em frente à escadaria de
do pincel de Velasquez, parece ter perdido a como museus vazios. entrada deste hotel de luxo perto do Central
majestade e acusar o abandono. Há objectos Park.
que morrem se não forem olhados. Abana a cabeça à ordem de silêncio e con-
O museu Metropolitan, em Manhattan, está ta que o movimento baixou muito. “Isto é o
deserto. Os seguranças, que habitualmente Ritz, sobreviverá sempre. Não está a sair-
não sabem para onde olhar porque é demasia- se mal, mas o movimento não se compara
da a gente para vigiar, continuam sem saber ao que era há três semanas atrás”, diz. Os
para onde olhar porque não têm pessoas para turistas, os ricos e os remediados, fugiram
seguir. “Só aparecem europeus e asiáticos. da cidade. Muitos cancelaram as viagens.
As pessoas que ficaram ‘presas’ na cidade. Outros ficaram sem voo, pois as compa-
Os nova-iorquinos têm mais que fazer. Estão nhias reduziram o número de viagens. O
com as famílias, a tentar fazer avançar as suas aeroportos de Nova Iorque estão vazios. No
vidas”, diz Gio Crisafulli, de 23 anos, que co- Hotel Peninsula, próximo do Ritz mas mais
meçou a trabalhar no Met uma semana antes em conta, cinco carrinhos de transportar
do ataque. malas estão parados num lado da porta.
A cafetaria está vazia. Aos sábados, quando No outro lado, cinco funcionários fumam
chegava a hora do almoço, chegava a ser pre- cigarros. O átrio do New Yorker, um hotel
ciso esperar 20 minutos para se tirar um prato com cheiro a casa fechada que é um vaza-
de sopa do balcão. Das três grandes portas de douro de turistas — daqueles que, no es-
vidro da entrada do Met, só uma está aberta. trangeiro, compram pacotes com a viagem
Só entra quem se deixa revistar. e a estadia —, está deserto. O pessoal do
No Whitney não há seguranças à entrada. New Yorker diz que o ritmo das entradas
É um museu mais pequeno, onde o vazio é diminuiu “muito”.
menos visível. A exposição de Wayne Thie-
baud, que encerrava ontem, está cheia. A sala
“Miers na América” acusa a deserção. No
Whitney compravam-se os postais mais bo- NO EMPIRE STATE
nitos com as torres do World Trade Center.
Esgotaram. E as “Três bandeiras” (dos EUA,
NA BROADWAY Tammy, canadiana de 35 anos, visitou Nova
sobrepostas) de Jasper Jones também. Iorque pela primeira vez há cinco semanas.
Sete pessoas estão paradas na porta de entrada “Tentei, nessa altura, subir o Empire State
dos artistas do Teatro Longacre. Têm máqui- Building. Mas era preciso esperar duas horas
nas fotográficas porque querem tirar retratos na fila e desisti. Agora tive que voltar à cidade
a Tom Selleck, o protagonista de “A Thousand e queria tentar outra vez, mas está fechado.”
Clowns”. Sábado foi o penúltimo dia em que O Empire, que a destruição do World Trade
a peça com Selleck esteve em cena. Fechou, Center tornou no edifício mais alto de Ma-
domingo à noite, por falta de espectadores. nhattan, foi esvaziado de forma dramática
Outras três estavam condenadas, pelo mesmo no dia a seguir aos atentados, devido a uma
motivo. suspeita de bomba. Desde então, já abriu e
Os ataques terroristas aconteceram numa reabriu “uma série de vezes”, conta Jenni-
terça-feira, a Broadway reabriu na quinta, fer, empregada de mesa no “diner” do rés-do-
com salas quase desertas. As bilheteiras anun- chão do prédio. O restaurante está aberto, a
ciam ter entradas para todos os dias, de todos farmácia está aberta e as empresas sediadas
os preços. “Os produtores dizem que têm que no Empire também.
fechar os espectáculos porque os terroristas O observatório, tem dias. “Tem sido uma
os arruinaram. É mentira. É uma desculpa. confusão. Os funcionários das empresas têm
Os musicais que vão fechar, já estavam a dar que passar por detectores metálicos. Alguns
prejuízo”, explica o “veterano” da Broadway queixam-se de ter que esperar mais de uma
Juan Garcia, 38 anos, funcionário da banca de hora antes de os deixarem entrar nos escritó-
NAS COMPRAS bilhetes com desconto para a Broadway em
Times Square.
rios”, diz Jennifer. À porta do Empire State
Building está uma carrinha da polícia, com
Juan Garcia conta que esteve sempre no seu seis homens fardados dentro. Outros tantos
As montras das lojas estão enlutadas com posto de trabalho, mesmo nos dias em que funcionários do observatório estão à porta,
bandeiras dos EUA e frisos de pano azul, ver- não houve teatro. “Isto esteve morto. Times impedindo a passagem aos visitantes. Dizem
melho e branco. Na montra de Vera Wang Square estava morta. As pessoas só começa- não saber o motivo do encerramento, nem
— é para as noivas o que Armani é para os ram a reaparecer na sexta-feira passada”, diz quanto tempo durará.
D E S TA Q U E 15
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 24 SET 2001
EUA mergulhados na
psicose dos atentados
RUMORES CIRCULAM e-mail que parecia ter sido en-
viado pelo FBI de Dallas e que
ditou os balões dirigíveis de
sobrevoarem os estádios, du-
VIA E-MAIL se espalhou a velocidade-re- rante o decurso de eventos des-
lâmpago pelos meios milita- portivos no fim-de-semana.
res. O FBI desmentiu estar na Quanto ao FBI, tem sob vi-
Estúdios de Hollywood origem deste alerta. gilância os proprietários de
suspendem visitas, O jornal “Washington Post” cerca de 3500 aviões usados na
balões não podem informou também que o mi- agricultura para pulverizar
nistro da Justiça, John Ash- insecticidas sobre as culturas.
sobrevoar estádios, croft, telefonou pessoalmente Estes aviões são considerados
aviões pulverizadores ao presidente da câmara de o melhor meio disponível de
sob vigilância Boston, Thomas Menino, e à dispersão de um agente tóxico
governadora interina de Mas- em caso de ataque químico e
Os Estados Unidos estão mer- sachusetts, Jane Swift, para bacteriológico.
gulhados num clima de pa- os advertir do perigo de possí- O Departamento Federal de
ranóia colectiva. O medo de veis ataques durante o fim-de- Justiça pediu igualmente aos
novos atentados é alimentado semana. Os dois responsáveis grandes estúdios de cinema de
pelos vários rumores que vão confirmam ter recebido este Hollywood para suspenderem
surgindo. Um pouco por todo aviso, mas minimizaram o pe- as visitas guiadas ao público.
o país, as medidas de seguran- rigo de uma ameaça imedia- O concurso da Miss América
ça, já muito reforçadas na se- ta, explicando que as informa- decorreu no sábado no meio de
quência dos atentados de 11 ções na origem deste alerta um impressionante dispositi-
de Setembro, foram de novo foram tidas como não fiáveis. vo de forças da ordem e de bri-
intensificadas. Como sinal do “Se nós tivessemos infor- gadas caninas especializadas
nervosismo instalado, a US mações sobre uma ameaça em detecção de explosivos.
Air Force, que tinha interrom- credível e específica, o públi- A psicose terrorista tomou
pido as suas patrulhas aéreas co seria avisado”, assegurou conta da população, como ilus-
em quinze cidades america- ao “Washington Post” Susan tram vários incidentes ocorri-
nas, decidiu retomá-las este Dryden, porta-voz do Ministé- dos nos últimos dias em aero-
fim-de-semana. rio da Justiça. portos do país. Por exemplo,
Sábado foi considerado um De qualquer forma, foram em Minneapolis, na quinta-fei-
dia especialmente sensível. postos sob vigilância um certo ra, três indivíduos que pare-
Circulou a informação que número de locais, como por ciam ser originários do Próxi-
no dia “22 de Setembro” have- exemplo os reservatórios ur- mo Oriente foram obrigados
ria novas ondas de atentados banos de água potável, confor- a abandonar um avião da Nor-
em várias cidades dos Estados me divulgou o FBI, na sequên- thwest Airlines. Os outros pas-
Unidos, entre as quais Boston, cia de uma ameaça anónima. sageiros recusaram-se a desco-
Atlanta e Richmond. A fonte Por outro lado, a Adminis- lar com eles a bordo. I FRANCIS
aparente deste rumor foi um tração de Aviação Civil inter- TEMMAN, AFP
1 6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 24 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO OS EUA DEPOIS DO CHOQUE
vítimas da guerra
desconhecida
EDUARDO CINTRA TORRES
Washington
INQUÉRITO
Q
líptico do ataque terrorista às torres do WTC uanto mais acompanho o no- A América precisa fazer ela nova escalada e apoio americano ao
com o mesmo sentimento de trauma, cons- ticiário dos grandes jornais terrorismo fundamentalista. O grupo
ternação e incredulidade das primeiras ho- e cadeias de televisão norte-
um grande exame mais contemplado foi o de Gulbuddin
ras. Vêem-me à memória manchas sinistras, americanas a respeito dos de consciência como decerto Hekmatyar, amigo de Bin Laden, líder
gritos surdos e cores infernais idênticas às ataques medonhos que o país não fez, ou não foi capaz dos Taliban, responsável pela maior car-
que observo nos quadros de Jerónimo Bos- sofreu, mais me interrogo: conseguirão
de fazer, depois da derrota nificina dos últimos tempos contra po-
ch, de Monsù Desiderio ou do pintor seis- os EUA — a sua população, a sua classe pulações indefesas. A tomada de Kabul,
centista português Diogo Pereira, todos eles política dirigente, as chefias militares no Vietname. Precisa entender segundo relatos de jornalistas conceitu-
Vitor Serrão tratando os temas da catástrofe e do casti- do Pentágono, os grandes empresários, que a responsabilidade pela ados, fez-se com armas e conselheiros
Professor go divino como apelos à boa consciência banqueiros e agentes financeiros de Walt actual desordem mundial é, americanos e saldou-se entre 1990 e 1994
universitário, dos homens e pretextos para a humaniza- Street, e também uma boa parte das eli- pela matança de 45.000 civis e fuga de
historiador ção dos públicos. tes intelectuais — entender o que real- antes de tudo, sua 300.000 habitantes para o Paquistão. Um
de arte Ora tendo em vista os inenarráveis apoca- mente lhes aconteceu? verdadeiro furacão de terror que jamais
lipses da História, de Sodoma e Gomorra a Desde sempre as políticas das admi- perturbou as chamadas democracias
Hiroshima ou a Saigão, alguma coisa mu- nistrações norte-americanas me causa- ocidentais, na medida em que — confor-
dou certamente no nosso mundo depois do 11 de Setembro: ram um profundo cepticismo. Especial- do as lideranças governamentais para me se pensava — enquanto o terrorismo
a situação do terror, o seu grau de eficácia e de fanatismo, mente a política externa, já que para as tornar subservientes, e também as tiver um carácter institucionalizado e se
são diferentes, mais refinados e, por assim dizer, globali- qualquer cidadão de outros Estados so- próprias oposições (sendo o caso mais voltar contra os mais fracos, nada havia
zados — e neste aspecto (correndo embora o perigo de beranos os efeitos dessa política são recente e exemplar o da Sérvia, onde a temer. As maiores potências podiam
vir engordar o campo das “péssimas ideias” há dias aqui sempre os mais sensíveis. O modo co- os EUA, depois dos bombardeamentos dormir descansadas.
escalpelizadas por José Pacheco Pereira) se centra a minha mo os EUA convivem com os restantes “humanitários” da NATO, injectaram Vezes sem conta me coloco na pele dos
breve reflexão. Não posso deixar de pensar que, à globa- Estados, o modo como há mais de uma milhões de dólares provocando a queda palestinos que há décadas suportam a
lização da economia sob tutela do ultra-liberalismo e do década exercitam as suas políticas de de Slobodan Milosevic e semeando a humilhação da opressão israelita e cujas
“pensamento único” se sucede agora um outro nível de grande potência, quer desprezando as discórdia entre as formações políticas casas e aldeias são destruídas por mís-
globalização: um sentimento de insegurança que toca a normas do Direito Internacional, quer que compõem o quase esfrangalhado seis americanos ou assassinados no Lí-
todos e se estende à escala do planeta. recorrendo sistematicamente à violên- bloco no Poder); ou ainda treinando, bano e noutras partes por milícias pa-
O rescaldo deste horror sem freios leva a que se multiplique cia directa contra os outros países, é um financiando e armando grupos terroris- gas e equipadas por Israel; ou na pele
a dor e também a que, à sua sombra, ressurjam (dentro e dado preocupante que cada vez mais tas para combater os poderes políticos dos iraquianos que morrem aos mi-
fora dos EUA) práticas que a História recente conheceu bem, coloca as relações internacionais à bei- adversos a Washington. lhares ceifados pelos “bombardeamen-
desde a intolerância contra a “diferença” (a saga anti-árabe OSWALDO RIVAS/REUTERS
tos cirúrgicos” ame-
aí está a demonstrá-lo), aos processos de desumanização so- ricanos; ou na pele
cial e exclusão dos “outros” (caso da agudização do conflito dos curdos mortos
no Médio Oriente) e, enfim, os apelos à chamada “repressão com armas america-
justificada” (que os “media” creditam e que as razões da nas pelo regime de
“democracia global” impõem). Ancara; ou na pele
Por isso, um segundo aspecto novo será o reforço da consciên- dos camponeses co-
cia de que, sendo este modelo de globalização que nos domina lombianos, cujas co-
despótico nos seus interesses, valores e lógica monetarista, lheitas de coca são de-
a resposta que se impõe não pode mais ser a da “cirurgia vastadas por aviões
militar”, defendida pelos “falcões” e “lobbies” da indústria de pilotados por ameri-
armamentos, mas sim aquela que decorre do foro da Política, canos; ou na pele dos
entendida como instrumento regulador de liberdades, direitos sudaneses que mu-
e deveres fundamentais dos povos. dos assistiram ao ar-
rasamento de uma
2 — Torna-se clara a necessidade de se criar ao nível dos fábrica sua de pro-
aliados dos EUA (e de toda a comunidade internacional) uma dutos farmacêuticos
resposta política exigente (e, por isso, democrática) que ex- por bombas america-
tirpe as raízes do terror, confrontando o egoísmo e cinismo nas. A África, de res-
decorrentes do “pensamento único” (cuja responsabilidade to, geme moribunda.
nesta tragédia é atestável: quem armou, educou e financiou Os grandes actores
os Bin Ladens do mundo?) com uma agenda responsável que da política interna-
intervenha nas esferas económica, social, cultural e ambiental cional, longe de aju-
ao nível de todos os países, seja a Ocidente seja a Oriente. Falo dar este continente a
do estabelecimento de uma espécie de “Carta Internacional resolver os seus dra-
dos Deveres da Cidadania” que consensualize medidas de mas internos, san-
combate à exclusão, à intolerância, à injustiça, ao depaupe- gram-no ainda mais.
ramento e à exclusão social. Esse seria o modo mais eficaz Tudo isto me incomo-
de isolar “este” terrorismo (admitindo-se, o que de resto não da terrivelmente. Por
é claro, que o móbil anti-americano dos assassinos de 11 de isso, me pergunto: co-
Setembro radique no “protesto dos pobres e excluídos”) e de mo se sentiriam os
combatê-lo com firmeza. Definitivamente, sou contra a justiça franceses, cuja polí-
feita pelas próprias mãos, como querem os “falcões” da glo- tica externa contra o
balização, ditada por interesses especulativos e pela cegueira ra de uma hecatombe. O frágil equilí- Das redes de terror criadas, por exem- Terceiro Mundo é das mais agressivas,
apátrida de “lobbies” monopolistas. brio entre os Estados, mesmo os mais plo, pela CIA no Médio Oriente, destaca- se as agressões e constrangimentos a
É mais do que legítimo defender a neutralização e castigo dos fortes, tem-se vindo degradar a ponto se a de Osama bin Laden que os EUA uti- que sujeitam outros povos se virassem
focos de terrorismo responsável pelo 11 de Setembro, e dos da anarquia crescer a todos os níveis. lizaram como um poderoso aríete contra contra eles?
seus mentores, a fim de os isolar, submeter a julgamento e As piores vítimas, como sempre, são as a presença das tropas soviéticas no Afe- Temo e compunge-me que a morte
travar as suas acções de barbárie, mas esse leque de acções, nações situadas na periferia ou na sub- ganistão. Ao todo sete grupos fundamen- das pessoas inocentes sepultadas nos
que tem de ser encontrado em consenso alargado (e, sempre, periferia do sistema político mundial. talistas muçulmanos, cuja preparação escombros do Trade World Center e no
na esfera da Política), nunca deve ser confundido através da Detentoras de recursos estratégicos — militar decorreu dentro das próprias Pentágono tenha sido em vão. A Amé-
retaliação e da repressão indiscriminada contra países e po- como o petróleo, urânio, ouro, ferro, fronteiras dos Estados Unidos, em Con- rica precisa fazer um grande exame de
vos. É de elementar justiça reconhecer-se, enfim, que todos nós etc. — que alimentam as riquezas e o necticut e na Virgínia, segundo um or- consciência como decerto não fez, ou
temos alguma quota-parte de responsabilidade nesta tragédia, desenvolvimento do Primeiro Mundo, çamento votado em 1980 na presidência não foi capaz de fazer, depois da derro-
no modo como ainda não soubemos criar alternativas de rosto essas comunidades nacionais perma- de Ronald Reagan, avaliado em cinco mil ta no Vietname. Precisa entender que
humano ao “modelo único” do neo-liberalismo e como tantas nentemente se vêem confrontadas com milhões de dólares. Contudo, dias piores a responsabilidade pela actual desor-
vezes esquecemos o dever da indignação com o espectácu- todo o arsenal de violências e intimida- esperavam o Afeganistão. Consumada a dem mundial é, antes de tudo, sua. Cer-
lo vil da injustiça social, do crescimento da xenofobia e da ções — militar, diplomática e financeira retirada soviética, a aliança e unidade tamente não será com terapêuticas de
mancha de exclusão dos “outros” em nome de “interesses” e — por parte dos EUA e seus parceiros entre as várias facções “mujahedin” que guerra, menos ainda com receitas eco-
razões de diversidade (fosse de credo religioso, de língua, de europeus que procuram assim impor os haviam feito a cruzada contra os russos, nómico-financeiras, como as que são
cultura, de cor de pele ou de posicionamento político). seus interesses exclusivos. Na impossi- rompeu-se. Veio a guerra civil. E com aplicadas pelo FMI e pelo Banco Mun-
Que os horrores de 11 de Setembro, ao menos, sirvam para bilidade de, pelo menos para já, se apos- dial, que se corrigem os gritantes de-
reabrir um debate em nome da defesa das dignidades huma- sarem totalmente da soberania desses sequilíbrios que separam os Estados
nas — que para os povos do mundo já tarda, e é imperioso Estados, os EUA fomentam a subversão ricos dos Estados pobres. A América
levar a cabo. política, e até mesmo o caos, corrompen- Historiador angolano será mesmo capaz de entender isto? I
E S PA Ç O P Ú B L I C O 21
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 24 SET 2001
ESTÃO A GANHAR
Aumenta, a cada dia que passa, a necessidade de
um contra-ataque que restabeleça algum
equilíbrio. Mas é tarefa complicada e
possivelmente de pouco efeito
Um amigo pergunta ao telefone se é seguro viajar para a
Índia. Um outro não sabe se há-de ir aos Estados
Unidos, porque o concerto, há tantos meses
programado, pode vir a não se realizar. Uma conhecida
admite vir de Los Angeles, mas pede para não lhe
marcarem voo na American Airlines ou na United
Airlines. A forma como o ataque terrorista aos Estados
Unidos fez tremer o mundo sente-se mesmo nas nossas
relações pessoais.
A segunda vitória dos terroristas está no medo que
conseguiu infiltrar-se no nosso dia-a-dia. Vive em nós,
não só como cidadãos do mundo, mas nos nossos
pequenos gestos. Como, à porta de um arranha-céus,
perguntarmo-nos se será arriscado subir. O
visionamento em directo dos terríveis atentados criou
na nossa consciência colectiva uma imagem de
destruição tal que se tornou quase insuportável rever as
orgulhosa torres gémeas. O grupo pop Cranberries
retirou um teledisco porque tinha prédios altos e aviões
num cenário tétrico, apagam-se as
Editorial torres dos jogos e os publicitários
interrogam-se sobre a necessidade de
cancelar os anúncios que têm a cidade de Nova Iorque
como cenário. Com esta vaga de temor quem continua a Cartas ao Director
sofrer é a “Grande Maçã”. Antes cenário de eleição da
agitação humana, tem agora as ruas, os hotéis, os As cartas destinadas a esta secção — incluindo dexadas ao tempo que se digna continuar será o mais forte? O israelita furioso a
restaurantes e os teatros vazios. as remetidas por e-mail — devem indicar o nome
e a morada do autor, bem como um número a fluir. Como ficou demonstrado e desgra- quem chamam Iavé ou o não menos beli-
Aumenta, a cada dia que passa, a necessidade de um
telefónico de contacto. O PÚBLICO reserva-se o çadamente continuará a demonstrar-se. coso Alá dos terríveis ulemas afegãos?
contra-ataque que restabeleça algum equilíbrio, direito de seleccionar e eventualmente reduzir MANUEL CARLOS LOPES, Este levou recentemente umas quantas
conferindo aos americanos e ao mundo alguma os textos recebidos. Não se devolvem os origi- V.N. Famalicão pancadas mas é duro e não desiste, ani-
nais dos textos não solicitados, nem se prestará
confiança na esperança de que os culpados pagarão. informação postal ou telefónica sobre eles. mado por vitórias mais antigas.
Será quase inevitável a tendência de tentar, num golpe A coisa torna-se mais confusa ainda
de mão, estabelecer algum equilíbrio neste guerra Endereço electrónico: O nome de Deus em vão quando, de ambos os lados, os crentes
cartasdirector@publico.pt No PÚBLICO de 18 do corrente, Sarama- produzem imagens bem mais pacíficas
contra a medo. Mas é tarefa complicada e possivelmente
de pouco efeito. Foi isso que Bill Clinton fez com os go escreve sobre as violências que, em destas mesmas divindades. Bush reco-
nome de Deus, os homens vêm cometen- nhece o pacifismo islâmico tendo presen-
bombardeamentos contra Bin Laden, após os ataques a Graças a Deus pelo do ao longo dos séculos. Essa tem sido, de te no espírito os ensinamentos cristãos.
embaixadas norte-americanas em África, e os
resultados estão à vista. PÚBLICO facto, uma das piores maneiras de “usar Tudo isto me leva a confirmar a sus-
o nome de Deus em vão”. Mas a prosa de peita de que essa coisa chamada “Deus”
Até agora os americanos parecem ter percebido isso. Foi com extrema curiosidade, previa- Saramago suscita dois contrapontos. não passa de uma projecção imaterial
Foi esse o caminho que trilhou Bush no seu último mente aguçada pelas cartas ao director O primeiro é o do bom uso que tem sido dos sentimentos humanos que lhe dão
discurso, ao avisar que se trata de uma guerra longa e, do PÚBLICO de 20/9, que procurei o ar- também feito em nome de Deus. Teresa forma. Esse deus, a menos que haja mais
muitas vezes, sem vitórias visíveis. Até porque a tigo do Prémio Nobel José Saramago de de Calcutá, Gandhi e toda uma série in- do que um, é um ente ambíguo. Bom e
ameaça neste momento mede-se com palavras como 18/9 neste mesmo jornal. A leitura ávida contável de homens e mulheres de todas mau, conforme as circunstâncias. Justo,
“armas bioquímicas”. Daí a necessidade de uma dos textos e o tempo que se dignou conti- as raças e credos têm-no provado com as injusto ou nem por isso. Amante invejoso,
primeira resposta certeira e eficaz que ponha nuar a fluir para além deles quase me fi- suas vidas. tem todas qualidades e todos os defeitos
decididamente em marcha esta campanha extenuante. zeram dar graças a Deus pelo PÚBLICO, A outra nota é a de que, se o “factor daqueles que o (os?) inventaram e dos
não fosse o riso súbito de alguém na sala Deus” tem sido responsável por tantas quais se alimenta(m).
Um ataque cego, que atinja as populações civis afegãs,
a plagiar o riso dos soldados — colar no desgraças, “o factor Homem” não o tem Deus é um pretexto como qualquer ou-
só servirá para, com o ódio, alimentar a terceira vitória
monitor, ainda há um instante negro, a sido menos. E, neste plano, é talvez sinto- tro para que certos homens subjuguem
dos terroristas: a de colocar em confronto o mundo imagem de “uma cabeça cortada, espe- mático que Saramago tenha silenciado as a vontade de outros com o fito de os obri-
ocidental com o mundo islâmico. A repetição de ataques tada num pau”. violências de toda ordem que, no regime garem a tomar partido de forma abso-
à comunidade islâmica nos Estados Unidos, ou as Facto dolorosamente fácil de compro- soviético, se abateram sobre os povos que lutamente irracional, trazendo à tona
manifestações antiamericanas nos países árabes são os var nos degraus abjectos, submersos pelo o experimentaram. com demasiada frequência o que de mais
primeiros sinais disso. Nesta altura, em que todos nos tempo, da escada evolutiva da humanida- HENRIQUE V. RAMOS inumano existe dentro de nós. (...)
sentimos algo impotentes perante o correr da história, é de é o de que a religião tem sido usada Coimbra Lamento a violência e a morte mas
bom não esquecermos que na batalha do medo e do ódio para matar em nome do seu Deus. Fácil rejeito a diabolização daqueles que são
será também, e não tão doloroso com cer- diferentes de mim, a acusação sem pro-
cabe também a cada um garantir que a vitória será do
teza, demonstrar, contrariando Sarama- A fúria de Deus vas, a condenação baseada em suspeitas.
mundo civilizado. DAVID PONTES
go, que muitas das monstruosas violên- Em toda esta questão dos ataques terro- Esta guerra é a guerra da fome contra
cias físicas e espirituais não adquiriram ristas e (até agora) consequentes amea- a vontade de comer. Misturar deus, li-
proporções inimagináveis de monstros ças de guerra, algo que me impressiona berdade e democracia no mesmo saco e
jurássicos antropófagos, porque degraus é o papel que Deus vem tomando em am- atirar tudo isto para cima do inimigo que
contribuinte nº 502265094 houve, e há, onde as doutrinas religiosas bos os lados da contenda. O soberbo texto agita bandeiras tão confusas como esta é
depósito legal nº 45458/91
registo ICS nº 114410
dão sinais de respeito pela vida como ve- de José Saramago divulgado na edição de um acto leviano e muito pouco civilizado.
lhos faróis nas tormentas e em nome de 18 de Setembro no PÚBLICO, expõe uma Eu não sou americano, por isso “stars
E-mail: publico@publico.pt LISBOA: Rua Viriato, 17 – 1069-315 Lisboa; Telef.: 210111000 (PPCA) Fax: um Deus se justificam a beleza e o amor. perspectiva sólida sobre o assunto, mas, and stripes” abanando ao sabor do vento
Dir. Empresa 210111005; Dir. Editorial 210111006; Agenda 210111007; Redacção 210111008;
Publicidade 210111013/210111014 • PORTO: Rua João de Barros, 265 – 4150-414; Telef: 226151000 A beleza e o amor agradecem. mesmo assim, arriscaria mais umas pa- não me chegam.
(PPCA) / 226103214; Fax: Redacção 226151099 / 226102213; Publicidade; Distribuição 226151011• Sim. Todos temos direito a defender lavras. P.S. — Justiça infinita? Valha-me
BRAGA: Rua de S. Marcos, 126-1º Esq. Fr. – 4700 Braga Telef: 253619041; Fax: 253617983 • AVEIRO:
Rua Eng. Silvério Pereira da Silva, 16-A, 2º Tr. – 3800 Aveiro Telef/Fax: 234382507 • COIMBRA:
a relação com o nosso Deus ou com a Ouvir Bush arengar sobre o mal e o Deus!
Avenida Fernão de Magalhães, 153/157- 2º Dto, sala 6 – 3000 Coimbra Telef.: 239829554; Fax: 239829648 sua ausência, tal como escolhemos as bem causa-me arrepios. Do outro lado, o RUI SILVARES CARVALHO
• ALGARVE: Avenida da República Federal Alemã, bloco C 2 – 8000 Faro Telef.: 289806656; Fax: relações com as pessoas, e essas parecem- invisível Omar tem ideias concretas sobre Cova da Piedade
289806655 • VILA REAL: Rua 31 de Janeiro, 41 - 3º, sala 303, 5000 Vila Real Telef.: 259326262;
Fax.: 259326265 • MADEIRA: Rua dos Ferreiros, 55-2º Dtº – 9000 Funchal Telef.: 291231611 • me infinitamente mais importantes. A a existência de um deus verdadeiro que,
PROPRIETÁRIO: PÚBLICO Comunicação Social, SA Sede: Rua João de Barros, 265, 4150 Porto • verdade reside na natureza aos nossos sem sombra de dúvidas, protege os justos, O PÚBLICO errou
IMPRESSÃO: Unipress, Tv. Anselmo Braancamp, 220-Arcozelo/4405, Valadares; Telef.: 227537030;
Mirandela — Rua Rodrigues Faria, 103, 1300 Lisboa; Telef.: 213613400; Fax: 213613469 • DISTRIBUIÇÃO:
olhos perfeita, bela, mas não será ela um por ele liderados. Os americanos do Nor-
Midesa Portugal - Distribuição de Publicações, S.A.; Lisboa: Rua da República da Coreia, 34, Ranholas, colossal capítulo de miséria, morte, de- te inscrevem o nome da sua divindade No artigo “Timor, Angola, Bush, do
2710-460 Sintra; Telef.: 219267800, Fax: 219267850; Porto: Rua Engenheiro Ferreira Dias, 1173 a 1177, 4100 masiado tenebrosa para ser? O Homem, nas notas de dólar e acreditam, tal como pequeno-almoço ao jantar” publica-
Porto; Telef.: 226191211; Fax: 226191210; Algarve: Estrada de Boliqueime - Fonte de Boliqueime, 8100-070
Boliqueime; Telef. e Fax: 289366361; Coimbra: Beco Olheiro, Armazém 2, Adénia, 3020-028 Coimbra; Telef.: mesmo num trono déspota de raciona- os fundamentalistas islâmicos, que essa do na nossa edição de ontem, o di-
239430519; Fax: 239431592 • ASSINATURAS: 808200095 lidade, está condenado a essa natureza entidade protege sem hesitações a sua plomata português Nuno Brito vem
sanguinária, a beber dela enquanto o seu nação, que têm por sagrada. Aguarda-se, erradamente identificado como “Rui
próprio âmago é sugado, num vício de portanto, um combate entre deuses, que, Brito”. Pelo erro, que não é da res-
Tiragem média total do mês de Agosto ciclo interminável. decerto, não deixará pedra sobre pedra à ponsabilidade do autor do texto, as
AS SO C I AÇÃO P O R T UGUE SA
D O C O N T R O LO DE T I R AG E M
72.388 exemplares As páginas da história permanecem in- face do planeta. Qual destes entes eternos nossas desculpas.
2001
25 Setembro
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TER25SET
EDIÇÃO LISBOA
25 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4208
140$00 • €0,70 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico
www.publico.pt
ALEXANDER NEMENO/EPA
MÊS DE CIDADANIA
“Somos mais
empresários do que
empreendedores”
BUSH CONGELA
P28
ECONOMIA
FINANÇAS DOS
Cenário macroeconómico
do Governo sofrerá
reajustamentos
O cenário macroeconómico
TERRORISTAS
apresentado pelo Governo
nas Grandes Opções do Plano, elabo-
Ofensiva militar da
rado antes de 11 de Setembro, que con-
templa para 2002 uma taxa de cresci-
oposição em direcção
mento do PIB situada entre dois e 2,75
por cento, será reajustado consoante a a Cabul | A resistência
evolução da economia internacional.
Essas metas foram consideradas um das mulheres afegãs |
“desastre” pela UGT e “desanimado-
ras” por João Salgueiro. P31 Dicionário do Islão
(conclusão)
DEFESA
Reportagens dos nossos
PSD tenta “forcing” enviados Alexandra Lucas
Coelho, em Peshawar,
para travar nova Lei de e Adelino Gomes,
Programação Militar em Nova Iorque
P2 A 25 E 64
Guerrilheiros da
VAC A S L O U C A S Aliança do Norte, que
combatem o regime
Manada irregular taliban, montam
em terrenos do Estado guarda a um
aeródromo a 25
Herdade no Ribatejo arrendada pelo quilómetros de Cabul
Ministério da Agricultura foi alvo do
que poderá ser um dos maiores ca-
sos de incumprimento das normas de
identificação do gado bovino. P38
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ÍNDICE
BARTOON E OPINIÃO 23 A 25
BOLSA E MERCADOS 33 A 35
TELEVISÃO 53/54
CLASSIFICADOS 62 A69
CINEMAS 70/71
TEMPO E FARMÁCIAS 72
2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 25 SET 2001 G U E R R A AO T E R R O R I S M O À E S P E R A D A R E TA L I A Ç Ã O
ligações ao terrorismo
financiamento”, disse Bush,
que não revelou os países por
onde passa a rede, mas con-
siderou ter criado “o equiva-
lente financeiro de uma lista
de pessoas mais procuradas
pela polícia”.
“Se fazem negócios com os terroristas, não fazem negócios com os Estados Unidos”, disse o Presidente Bush. Foi uma
ordem, e quem a desrespeitar deixará de poder fazer transacções financeiras e comerciais com Washington. Colin Powell As provas
A rota do dinheiro dos ter-
já tem documentos das rotas do dinheiro que financia o terror. Existem dois relatórios. Um, incompleto, que será passado roristas está no relatório de
aos “media”. Outro pormenorizado, que só chegará aos governantes de alguns países, como o Egipto, Jordânia, Arábia provas reunidas pelo Gover-
Saudita e Paquistão. Texto de Ana Gomes Ferreira, em Nova Iorque no contra Bin Laden. Parte do
documento vai ser divulgado
publicamente, porque a Ad-
Os Estados Unidos querem companhias que servem de Está identificada a rota fi- lionário de origem saudita sam de fachadas para a lava- ministração Bush foi adverti-
destruir a rede que financia fachada para o terrorismo, nanceira que alimenta Al-Qa- que, nos anos 80, começou a gem de dinheiro destinado ao da de que não deveria agir mi-
o terrorismo internacional. e a várias organizações não eda (A Base), organização ter- financiar grupos que comba- terrorismo. litarmente — no Afeganistão,
Ontem, o Presidente George lucrativas”. rorista de Osama bin Laden, tiam no Afeganistão, depois Os bens — os da Al-Qae- onde se crê estar Bin Laden
W. Bush anunciou o congela- Para infligir um “golpe nas acusado de ter orquestrado o da invasão soviética neste pa- da, mas também de outros — antes de provar a culpa do
mento dos bens que 27 indiví- fundações financeiras” do ataque contra os Estados Uni- ís da Ásia Central. A fortuna grupos — são movimentados suspeito número um.
duos e organizações possuem terrorismo, será adoptada dos a 11 de Setembro. Há duas de Bin Laden foi avaliada pe- em bancos de muitos países. “A maior parte das provas
no país. E disse aos bancos, uma lei a pormenorizar to- semanas, 19 terroristas des- los serviços secretos dos EUA Muitas vezes, são pequenas é secreta”, disse, ontem, o se-
às empresas e aos países por das as medidas que devem viaram quatro aviões comer- em 300 milhões de dólares (330 transacções, difíceis de detec- cretário de Estado, Colin Po-
onde passa o dinheiro, para ser aplicadas. “Não é só a ac- ciais e atiraram-nos contra al- milhões de euros). tar. A forma mais usada para well. Existem dois relatórios.
fazerem o mesmo. ção de um homem que faz vos no país. Dois destruíram A “conta bancária” come- fazer chegar o dinheiro aos Um, incompleto, que será pas-
Não foi um pedido. Foi funcionar [as redes terroris- o World Trade Center de No- çou a ser alimentada por pa- operacionais são os “hawa- sado aos meios de comunica-
uma ordem, e quem a des- tas]. É o acesso a fluxos de va Iorque, onde terão morri- íses islâmicos e, na última la”, postos de movimentação ção social. Outro pormeno-
respeitar será castigado — dinheiro, que lhes permitem do 6430 pessoas (oficialmen- década, o processo de multi- de vales, muito usados pela rizado, que só chegará aos
deixará de poder fazer tran- comprar treino militar, com- te, ainda estão desapareci- plicação do dinheiro sofisti- população dos países muçul- governantes de alguns países,
sacções (financeiras, comer- prar acesso”, explicou a con- das). Um atingiu uma ala do cou-se. O terrorismo interna- manos para enviar ou rece- como o Egipto, a Jordânia, a
ciais) com os EUA. “Se fazem selheira de Segurança Nacio- Pentágono, em Washington. cional vive, financeiramente, ber pequenas quantidades de Arábia Saudita, o Paquistão
negócios com os terroristas, nal, Condoleezza Rice. Bush O quarto falhou o alvo — os dos negócios de Bin Laden e dinheiro. (onde deveria ter chegado on-
não fazem negócios com os tinha explicado que a guerra passageiros enfrentaram os de outros empresários simpa- O anterior Presidente dos tem uma delegação dos EUA)
Estados Unidos da América”, contra o terrorismo não seria terroristas — e despenhou-se tizantes do movimento. São EUA, Bill Clinton, iniciou e outros países a quem Bush
disse Bush, frisando estar a apenas militar, teria muitas na Pensilvânia. negócios legais e ilegais, exis- uma política destinada a re- tem que provar existir uma
dirigir-se “aos indivíduos, às frentes. Osama bin Laden é um mi- tindo empresas que não pas- gular e vigiar movimentações justificação para a acção mi-
Voo 11 American Airlines Voo 175 United Airlines Voo 77 American Airlines Voo 93 United Airlines TWA 674 Al-Qaeda (Afeganistão)
Boston para Los Angeles, Boston para Los Angeles, Washington Dulles para Los Angeles, Newark para San Francisco Fazia a ligação entre Grupo Abu Sayyaf (Filipinas)
92 pesssoas a bordo 56 pessoas a bordo 64 pessoas a bordo 45 pessoas a bordo Newark e San Antonio. Grupos Islâmicos Armados (Argélia)
Choca com o WTC, Nova Iorque Choca como o WTC, Nova Iorque Choca com o Pentágono, Washington DC Cai perto de Pittsburgh Suspeita-se que poderia Harakat ul-Mujahidin (Caxemira)
ser alvo de um quinto Al-Jihad - Jihad Islâmica (Egipto)
Também no voo: Também no voo: Também no voo: Também no voo: sequestro. Foi desviado Movimento Islâmico do Uzbequistão (Uzbeq.)
Abdulaziz al-Omari Fayez Ahmed, Mohald al-Sheri, Nawaq al-Hamzi, 25 anos, saudita; Saleed al-Gahmdi, saudita; Ahmed para Saint Louis depois Asbat al-Ansar (organização extremista
Walid e Wail-al-Sheri Hamza al Ghamdi, Marwan al-Shehhi Hani Hanjour, saudita; Salem al-Hamzi, al-Nami, 23 anos, saudita; Ahmed dos ataques em Nova libanesa liderada pelo palestiniano
21 anos, saudita; Majed Moged al-Haznawi, 20 anos; Ziad Jarrah Iorque e Washington Abdul Karim al-Saaedi)
Grupo Salafita para a Prédica
e o Combate (Argélia)
Grupo Islâmico Armado Líbio (Líbia)
Mohamed Atta Satam Al-Suqami Ahmed Al-Ghamdi Kahlid Al-Midhar Mohammed Jawez Al-Itihaad al-Islamiya (Somália)
33, Egipto 25, Arábia Saudita 21, Arábia Saudita Filmado em Kuala Lumpur no final e Azmathayub Ali-Khan Exército Islâmico de Áden (Iémen)
de Outubro do ano passado num Passageiros do voo TWA 679.
Suspeito líder dos grupos O FBI considera que Mantinha ligações Indivíduos
encontro com um suspeito
de sequestradores e piltoto do AA 11. mantinha ligações com com Hijazi
no ataque ao USS Cole Foram detidos quando viajavam
Membro da Jihad Islâmica no Egipto o suspeito Nabil al-Marah Osama bin Laden
de comboio perto de Fort Worth.
Tinham em sua posse x-atos e uma Mohammad Atef (um dos lugares-tenente
Iraque grande quantia em dinheiro. da Al-Qaeda, também conhecido como
Continuam ambos detidos. Jawez Subhi Abu Sitta e Abu Hafs al-Masri)
Autoridades afirmam ter-se USS Cole Albader A-Hamzi está habilitado a voar aviões comerciais. Saif al-Adel (alegado membro da Al-Jihad
encontrado com elementos e do comando da Al-Qaeda)
Os suspeitos detidos pelo Pensa-se que terá usado o nome
dos serviços secretos Xeque Sai'id (também conhecido
ataque aquele navio de de al-Midhar. Não compareceu
iraquianos na Europa. como Mustafa Mohammad Ahmad)
guerra americano no seu posto de trabalho em San
O Iraque nega estas Abu Hafs, o mauritano (também conhecido
afirmaram às autoridades Antonio no dia dos ataques.
acusações como Mahfouz Ould al-Walid e Khalid
sauditas que al-Zawahiri Actualmente detido como Nova Jersey al-Shaqiti)
planeou um ataque testemunha material
Os dois homens tinham estado Ibn al-Shaykh al-Libi
alojados num apartamento em Abu Zubaudah (também conhecido como
Jersey situado junto a uma Zayn al-Abidin Mohammad Husayn e Tariq)
Alemanha Abd al-Hadi al-Iraqi (também conhecido
Nabil al-Marabh mesquita usada pelos autores
Atta estudou em Hamburgo Raed Hijazi dos ataques terrrorista contra como Abu Abdallah)
juntamente com outros dois Suspeito de ser o principal Detido numa prisão jordana o World Trade Center em 1993 Ayman al-Zawahiri (número dois e médico
sequestradores Mawran elo de ligação entre de Bin Laden, ex-líder e fundador
al-Shehhi (UA 175) e Ziad Suspeito de ter planeado da Al-Jihad)
Al-Qaeda e as células nos
Jarrah (UA 93). Informações um falhado ataque contra Thirwat Salah Shihata
EUA. Detido na passada
divulgadas dão conta de mais lugares sagrados Tariq Anwar al-Sayyid Ahmad (também
quinta-feira. Conhecido
de 30 células terroristas activas. na passagem do Milénio conhecido como Fathi e Amr al-Fatih)
colaborador de Raed Hijazi
Fontes dos serviços secretos Mohammad Salah (também conhecido
consideram a Alemanha como como Nasr Fahmi Nasr Hasanayn)
um "refúgio da Al-Qaeda" Ayman al-Zawahiri Ramzi Yousef
Organizações sem fins lucrativos
Líder da Jihad Islâmica do Egipto, considerado o "número dois" da Condenado pelo atentado
organização de Bin Laden. Filmado no casamento de um dos filhos contra o World Trade Makhtab al-Khidamat/Al-Kifah (ligada
de Bin Laden no início deste ano e identificado como o coordenador Center, em 1993, que se à Al-Qaeda, de Bin Laden)
do ataque ao USS Cole. Os serviços secretos israelitas descrevem-no pensa ter sido coordenado Organização humanitária WAFA
como "cérebro operacionalprincipal" da Al-Qaeda. por al-Zawahiri Al-Rashid Trust (sediada no Paquistão)
Maamoun Darkazanli - Import-Export
Fonte: The Military Balance, IISS / Andrew Brookes, IISS REUTERS | PÚBLIC
D E S TA Q U E 5
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 25 SET 2001
OS SENHORES
AFEGÃS EM REVOLUÇÃO
DEBAIXO DOS PANOS
Ocultas sob a “burqa”, o pano que as tapa, duas mil afegãs lutam clandestinamente contra o regime taliban nas principais cidades do Afeganistão.
Ensinam as mulheres a ler, ajudam-nas a lançar uma actividade de subsistência, asseguram cuidados médicos, recrutam as mais combativas.
Ao exterior, fazem chegar imagens, testemunhos e relatórios. Arriscam a vida todos os dias. Nunca foram apanhadas.
Da nossa enviada Alexandra Lucas Coelho, em Pershawar
ROMEO GACAD/EPA
O empurrão de Ophra
Foi com ajuda do “show” de Ophra Winn- pelo KGB. Na origem, em Cabul, era uma
frey, uma das mais célebres anfitriãs da organização para os direitos das mulhe-
televisão americana, que a RAWA ga- res e direitos políticos em geral.” A inva-
nhou notoriedade e centenas de câmaras são russa centrou a actividade da RAWA
vídeo, para poder registar a violência do na luta pela independência: “Agitação po-
regime taliban. lítica, demonstrações nas universidades,
“Uma das nossas activistas foi convidada, o início da revista, em várias línguas.”
subiu ao palco totalmente coberta, e, em O trabalho com as mulheres prosseguiu
SAEED KHAN/EPA sobretudo no
Paquistão, ao
longo dos anos
80, com grande
afluxo de refu-
giados. “Fun-
dámos delega-
ções em Quetta
e Pershawar,
escolas de ra-
parigas e um
hospital.”
Os fundos da
associação vêm
“das revistas
vendidas, de
trabalhos de
bordados e ta-
peçarias, e de
individuais.
Depois do
directo, despiu a ‘burqa’. No final da en- ‘show’ da Ophra, houve um interesse tão
trevista, Ophra fez um apelo para que nos grande no nosso trabalho, que raparigas
mandassem câmaras. A partir do dia se- por todo o mundo mandavam-nos as me-
guinte, começámos a receber uma média sadas. Era muito pouco dinheiro, mas
de 700 ‘mails’ por dia, oferecendo câma- com grande significado para nós.”
ras. A polícia paquistanesa chegou mes- Agora, 60 por cento das activistas estão
mo a interrogar-nos na fronteira...”, con- no Afeganistão e 40 por ecnto no Paquis-
ta Marina, a responsável em Pershawar tão. Para além do trabalho com os refu-
com quem o PÚBLICO conversou. giados (Quetta e Pershawar são as zonas
Mas a história da RAWA vinha muito de de maior concentração), a RAWA não so-
trás, de 1977. “A fundadora, Mina, foi as- breviveria sem uma plataforma no exte-
sasinada em 1997, em Quetta [Paquistão], rior. A.L.C.
Nas casas das famílias, ou em “ateliers” de lá? Temos muita pena dos budas de Bamyan
bordados e tapeçarias usados como fachada, [região vizinha de Hazarat], mas não mais do
acompanhou as activistas da RAWA que ensi- que das pessoas que morrem de forma bár-
nam as mulheres afegãs a ler. Um crime, en- bara todos os dias. Quando os budas foram
tre os taliban: “Estamos sempre a mudar as destruídos, o mundo indignou-se, os primeiros-
escolas de sítio. As crianças têm de ter muito ministros queriam ir a correr salvá-los... Por
cuidado. Somos muito prudentes.” Até aqui, favor, há tragédias humanas a acontecer.”
nunca foram apanhadas. Os taliban sabem da RAWA mas, segundo esta
Há equipas de alfabetização nas zonas de jovem activista, nunca conseguiram apanhar
Cabul (Nordeste), Mazar-i Sharif (Norte), Ba- nenhum membro: “Há uma pena de prisão só
dakhshan (extremo Nordeste), Herat (Oeste), para quem estiver a ler a nossa revista. Como há
Farah (Sudoeste), Nimruz (Sudoeste), Kan- mulheres que foram espancadas só por usarem
dahar (Sudeste), e Jalalabad (Leste). sapatos brancos, uma afronta, porque a cor da
“Para além disso, temos entre 50 e 100 equi- bandeira é branca. E se não for a cor é o barulho
pas médicas móveis, só nas regiões de Cabul dos saltos dos sapatos, que pode corromper os
e da fronteira noroeste com o Paquistão, e aju- homens... Porque eles saltam quando vêem uma
damos as pessoas a desenvolver recursos agrí- mulher! Multiplique por milhões o olhar fixo
colas ou criação de galinhas. Tudo isto é uma que há aqui em Pershawar para uma mulher
fonte de contacto com a população, e é através que não esteja coberta: é o olhar deles. Os taliban
destas actividades que encontramos as mulhe- são totalmente iletrados, ignorantes, selvagens,
res que se podem juntar a nós, também.” assassinos. E entretanto, têm bordéis de prosti-
Além de um site (rawa@rawa.org) e de uma tutas, geridos e frequentados por taliban.”
revista com relatórios actualizados e fotogra-
fias, vários filmes vídeos são passados para ONU e o regresso do rei
fora. Outro crime, num regime que aboliu as A RAWA, segundo esta responsável em Per-
imagens, incluindo televisão e fotografias: “Um shawar, defende que a única solução para um
dos nossos membros filmou a execução de uma Afeganistão “livre de taliban ou ‘mujhaeddin’”
mulher no estádio deportivo de Cabul, em No- seria “uma força de paz das Nações Unidas
vembro de 1999. Ela chamava-se Zermina. Ti- para desarmar os dois lados e organizar um
nha assassinado o marido, mas a família do plebiscito”. Num cenário de vazio de governa-
marido tinha-lhe perdoado, porque ela era mãe ção — “não há nenhuma organização política
de sete crianças.” popular entre os afegãos” —, Marina acredita
Há imagens de outros castigos: “Se uma ra- que o futuro deveria passar pelo regresso do
pariga virgem tem relações sexuais leva 40 antigo rei, que vive exilado em Roma: “Zaircha
chicotadas, mas se for uma mulher casada é é a única forma de poder que seria aceite agora.
apedrejada até à morte. Tudo isto é terrív el Costumamos dizer que preferimos o cão de
nas zonas rurais, mas ainda mais nas cidades Zaircha aos taliban e aos mujhaeddin.”
grandes. E aí, muitas das mulheres que vemos A ferocidade antitaliban de Marina não deve
agora, todas cobertas, como fantasmas, eram ser traduzida como um sentimento pró-ameri-
professoras, cantoras, bailarinas, advogadas, cano, como ela faz questão de explicar: “Nós
cobrirem-se nem fazia parte da sua cultura.” temos muita pena do que aconteceu em Nova
Iorque, solidarizamo-nos com eles, com a sua
Têm pena dos budas? dor, e somos contra qualquer forma de terro-
Marina fala também em imagens do massacre rismo. Mas os Estados Unidos têm de tentar
de Hazarat, em Setembro de 1998. Hazarat é um descobrir qual é a forma certa de combater o
bastião xiita no centro do Afeganistão (85 por terrorismo, e diferenciar uma nação de quem a
cento sunita): “Vinte aldeias foram arrasadas, domina, destruindo-a de forma criminosa.”
243 pessoas morreram, dois rapazes foram esfo- No lugar em que estamos, começa a ouvir-
lados vivos. As mulheres e crianças foram pou- se o canto de chamada para a oração. Sem
padas, mas só três dos homens sobreviveram, parar de falar, Marina leva as mãos ao lenço Praça Francisco Sá Carneiro, 10-D (Pç. do Areeiro) 1000-160 LISBOA
e as colheitas foram destruídas. Elas ficaram que traz no vestido e cobre um pouco a cabe- Tel.: 21 845 30 10 • Fax 21 845 30 18
sem nada.” ça. É uma revolucionária. Não deixa de ser e-mail: chavareeiro@mail.telepac.pt • site: www.chavesareeiro.pt
Pergunta Marina: “Quanto ‘media’ foram muçulmana. I
8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 25 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO MUNDO ISLÂMICO
TARIQ MAHMOOD/AFP
O ex-rei que
quer voltar
O ex-rei do Afeganistão, Mo- nias minoritárias. Zahir Shah
hamed Zahir Shah, de 86 anos, frisou que o primeiro acto du-
que alguns meios ocidentais ma futura reorganização polí-
e afegãos encaram como uma tica será a convocação da as-
figura-chave para a constru- sembleia tradicional, a “Loia
ção de uma alternativa ao Jirga”, composta pelos chefes
poder dos taliban, está a de- tribais, intelectuais, autorida-
senvolver uma intensa activi- des religiosas e outros.
dade. No exílio em Roma des- Nascido em Cabul em 1914,
de 1973, Zahir Shah recebeu Zahir Shah ascendeu ao poder
recebeu no domingo Francesc em 1933, após o assassínio de
Vendrell, o enviado das Na- seu pai, Mohamed Nader Shah.
ções Unidas ao Afeganistão. Nos anos 20, o Afeganistão foi
No sábado, encontrou-se com objecto de um projecto acele-
uma delegação da frente opo- rado de modernização e laici-
sicionista Aliança do Norte, o zação, inspirado na Turquia
principal adversário dos tali- kemalista e protagonizado pe-
ban nos terreno. lo rei Amanulah. A reforma
Na quinta-feira lançara, na foi parcialmente abortada pela
rádio Voz da América, um ape- revolta islamista de 1929, que
lo ao povo afegão para que se levou à abdicação do rei e a
liberte dos “terroristas estran- um curto período de domínio
geiros”, visando Bin Laden. fundamentalista.
Numa entrevista ao diário ro- O reinado seguinte, de Na-
mano “La Repubblica”, o ex- der Shah, foi rapidamente in-
rei declarou-se pronto a regres- terrompido pelo seu assas-
sar a Cabul para ajudar sínio. Com o fim da
a restabelecer a norma- Perfil II Guerra Mundial e a
lidade no país. “O povo guerra fria, o Afeganis-
afegão é a primeira víti- tão de Zahir Shah op-
ma do terrorismo”, disse. “De- tou por uma política de equi-
pois de anos de guerra civil im- líbrio entre os dois blocos. Em
posta pelo exterior, depois de 1966, o rei lança o projecto de
dez anos de luta de libertação uma monarquia constitucio-
contra os soviéticos, o nosso nal, que mesmo não autorizan-
povo está cansado. O povo es- do os partidos políticos, trou-
tá solidário com as vítimas do xe uma certa liberalização e a
terrorismo. [Contudo] a minha eleição de um parlamento. As
dor é profunda pelo que acon- mulheres passaram a ter direi-
teceu ao povo americano.” to de voto e chegaram mesmo
Depois do encontro com o a fazer parte do governo.
monarca, Vendrell afirmou Abriu-se depois uma fase de
Antes da fronteira que Zahir Shah poderá ter instabilidade, com a ascensão
um importante papel político de forças islamistas, comunis-
nos próximos tempos. Mas “tal tase maoistas. A grande seca
não significa automaticamente de 1972 e a incapacidade de res-
a restauração da monarquia, posta do governo foi fatal pa-
O Islão de A a Z
Islam”, de Ian Richard
Netton (Curzon Press,
Londres, 1992); “As
Cruzadas vistas pelos
Árabes”, de Amin Maalouf
(Difel, Lisboa, 1983); “A
Vingança de Deus -
Cristãos, Judeus e
muçulmanos à
reconquista do mundo”,
de Gilles Kepel
(Publicações Dom
Quixote, Lisboa 1992);
“Daughter of Persia — A
Woman’s Journey from
her Father’s Harem
through the Islamic
Revolution”, de Sattareh
Farman Farmaian (Anchor
Books, Nova Iorque, 1993);
“God has Ninety-Nine
Names —Reporting from
a Militant Middle East”, de
Judith Miller (Simon and
Schuster, Nova Iorque,
1996); “L´Échec de l’Islam
Politique”, de Olivier Roy
S Texto de com uma filha de Ibn Saud. A liderança (Ed. Seuil, Paris, 1985);
Septimanes, também conhecidos como do movimento wahabita passou assim “Intelectuels et Militants
ismai’iliyah ou ismailitas, são a segunda
MARGARIDA SANTOS LOPES para Ibn Saud e o seu clã. Em estado de de l’Islam Contemporain”,
maior seita xiita (ver letra X). Tem gran- permanente rebelião com os otomanos sob a direcção de Gilles
des concentrações no Egipto, Síria, Pa- ele avistou pela primeira vez, deve-lhe o até conquistarem toda a península ará- Kepel e Yann Richard (Ed.
quistão, Bangladesh e Índia. Seguem a sua nome. Em árabe, designa-se “Jabal Tarik” bica e proclamarem o reino da Arábia Seuil, Paris, 1990); “Islam
própria linha de governantes hereditários, ou “Monte de Tarik”. Saudita (em 1934), foram estes que impu- — Le Grand Malentendu”,
os Aga Khans. Os ismailitas (com uma seram a versão hanbalita da “sharia” sob a direcção de Olivier
importante comunidade em Portugal) de- U adoptada pelos taliban. Mongin e Olivier Roy (Ed.
vem o nome a Ismail, o filho mais velho Uthman foi o terceiro califa do Islão, de Autrement, Paris, 1992);
do sexto “imã”, Jaafar as-Sadiq. Em 762, 644 a 656. Foi ele que empreendeu a orga- X “Islam — A Westerner’s
Ismail morreu antes do seu pai, causando nização do Corão, a tarefa imensa, que Xiitas são os “partidários de Ali”. Depois Guide, from business and
uma grave crise de sucessão no seio do demorou todo o seu reinado, de reunir os da morte de Maomé, em 632, consuma-se the law to social customs
xiismo. Os duodecimanes apoiaram o ir- fragmentos dispersos da Mensagem con- o primeiro grande cisma no Islão. Uma and family life”, de D.S.
mão mais novo de Ismail, Musa-’l-Kazim, servados nos suportes mais variados. De- parte da comunidade dos crentes insistia Roberts (Hamlyn
como sétimo “imã”, mas osismailitas re- pois da morte de Maomé foram encontra- em que os sucessores do profeta deveriam Paperbacks, Londres,
cusaram-se a reconhecê-lo, proclamaram a dos e ordenados 114 capítulos, chamados ser escolhidos entre os membros da sua 1981); “L’Islam dans le
linha original de “imãs” extinta e adop- “suras”, por sua vez divididas em versos família e por isso apoiaram Ali, o marido Monde”, sob a direcção
taram os descendentes de Ismail como (“ayat”). Foram precisos 20 anos para se de Fátima, filha de Maomé. A outra parte de Paul Balta (Ed. Le
a sua nova dinastia de “imãs”. Esta dis- ter uma versão definitiva. da comunidade, fiel à “sunna”, tradição Monde, Paris, 1991);
puta fez reviver o culto pré-islâmico do árabe, designou Abu Bakr, o primeiro dis- “L’Islam Laïque ou Le
“sagrado número sete” que vigorou até os V cípulo de Maomé como seu herdeiro. Ali Retour à la Grande
imperadores abássidas terem definido as Vilayat-i Faqhi é a expressão persa para ainda chegou a ser califa, mas o seu cali- Tradition”, de Olivier Carré
doutrinas da ortodoxia sunita nos século “governo do jurista” ou a predominância fado será contestado e breve. Ali é morto (ed. Armand Colin, Paris,
XIX e X d.C. Os descendentes de Ismail e do chefe religioso sobre os políticos eleitos. em 661 por um jovem kharidjita (“seces- 1993); “Les Assassins —
os seus “imãs” formaram então a dinastia Foi um conceito elaborado pelo defunto sionista”) à saída de uma mesquita. Tam- Terrorisme et Politique
Fatimida (o nome vem de Fátima, a filha ayatollah Khomeini para justificar a sua bém o seu filho, Hassan, é assassinado em dans l’Islam Médieval”, de
de Maomé e mulher de Ali). Perseguida acumulação de poder espiritual e tempo- 680, o mesmo acontecendo ao seu irmão, Bernard Lewis (Ed.
pelos califas abássidas e pelos Duodeci- ral. Antes do “sábio de Qom” derrubar a Hussein. O Islão sunita torna-se a doutrina Complexe, Paris, 1984);
manes, foi bem sucedida numa rebelião monarquia do xá Reza Pahlavi para trans- do poder e da conquista; o Islão xiita a “Les Islamistes Algériens
desencadeada no século X. No auge do formar a Pérsia na primeira República Is- doutrina da oposição e do martírio. — Entre les Urnes et le
poder, no século XI, o seu Estado estendia- lâmica do mundo, os “mullahs” — palavra Maquis”, de Séverine
se de Tunes até ao ocidente da Palestina, que significa “mestre” e é usada como títu- Y Labat (Ed. Seuil, Paris,
controlando a maior parte dos territórios lo de respeito por teólogos — confinavam- Yathrib, cerca de 500 quilómetros a norte 1995); “Maomé, a palavra
do moderno Egipto e da Líbia. A sua des- se às mesquitas e “madaris” (plural de de Meca, foi onde Maomé e os seus fiéis de Alá”, de Anne-Marie
truição chegou com os cruzados cristãos “madrassa”, escolas corânicas). Quem se refugiaram quando começaram a ser Delcambre (Ed.
no século XII. Isso obrigou os tolerantes governava era o “rei dos reis”. perseguidos devido à mensagem que pro- Civilização/Círculo de
xiitas fatimidas — foram eles que criaram, pagavam. O lugar ficou conhecido como Leitores, 1992); “Muslim
para formar leais “ulemas” (doutores da W Medina — “A Cidade do Profeta” ou sim- Extremism in Egypt — The
lei), a Universidade de Al-Ahzar, no Cai- Wahhab (Muhammad ibn) pode ser con- plesmente “A Cidade”. A data desta “emi- Prophet and Pharaoh”, de
ro, a maior instituição do Islão sunita — siderado o primeiro “fundamentalista” gração” (Hégira) é um acontecimento capi- Gilles Kepel (University of
a retomar uma existência de guerrilha moderno. Era um negociante de camelos, tal na História do Islão. Não é uma simples California Press, 1986);
clandestina, tornando-se famosos como de Uyaynad, próximo de Meca, na antiga deslocação geográfica. É uma verdadeira “Political Islam —
“Assassinos” (ver letra A, em PÚBLICO província otomana de Hejaz, actual Ará- ruptura com a família, o clã e uma ligação Religion and Politics in the
de domingo). bia Saudita. Depois de ter estudado no a outros. O tempo passa a dividir-se em Arab World”, de Nazih
Iraque e na Pérsia, Wahhab instalou-se duas eras. Antes era a época da organiza- Ayub (Ed. Routledge,
T em Meca, onde pregou que os otomanos ção tribal; depois nasce a comunidade Londres, 1993);
Tarik ibn Ziad é uma das maiores figuras e seus colaboradores tinham “usurpado” dos crentes como organização religiosa. “Robâiyât”, de Omar
do Islão no continente africano, onde a o lugar dos guardiões da Caaba (ver letra Assim, o ano cristão de 622 d.C. tornou-se Khayyâm (Ed. Imprimerie
dinastia omêiada substituiu, no século C) e se “tornaram pagãos”. Wahhab via- no ano muçulmano de AH 1. Nationale, Paris, 1992);
“Que homem jamais VIII, o poder bizantino. Inicialmente, os se a si próprio como um defensor da pu- “Samarcanda”, de Amin
transgrediu a Tua berberes, primeiros habitantes da região, rificação da religião e de um regresso Z Malouf (Ed. Difel, Lisboa,
opuseram-se ao domínio dos árabes, mas às tradições da escola sunita hanbalita Zaynab foi uma das mulheres de Maomé, 1988); “The Iranians —
Lei, diz-me! não tardaram a engrossar as fileiras dos (ver letra H), rejeitando o hanafismo dos que por ela nutriu uma “louca paixão” Persia, Islam and the Soul
Uma vida sem vitoriosos muçulmanos. Em 711, uma for- otomanos. Começou então a propagar não obstante ser casada com o filho adop- of a Nation”, de Sandra
pecado, que gosto ça de 7000 berberes e sarracenos, coman- a sua versão austera do Corão às tribos tivo do profeta, Zayd. Além de Khadija, Mackey (Dutton Book,
dada por Tarik, invadiu o Sul de Espanha da Arábia que vinham em peregrinação prima e primeira crente, o Mensageiro 1996); “The Political
tem ela, diz-me! e derrotou o último rei visigodo, acres- a Meca. Em pouco tempo conseguiu jun- de Alá casou ainda com Sauda, Aïcha (su- Language of Islam”,
Se punes pelo mal o centando uma nova província ao império tar um pequeno, mas dedicado, grupo de postamente a sua preferida), Hafsa, Umm de Bernard Lewis (The
mal que eu fiz, do califa. Chamaram-lhe “al-Andalus” — “wahabitas”. Capturou o quartel-general Salama, Saffyya (jovem de origem judia), University of Chicago
Qual a diferença Andaluzia, em homenagem aos anterio- do governador da cidade e assassinou-o, Jowayyriya, Ummm Habiba e Maymuna. Press, Londres, 1991);
res senhores, os vândalos. Conta-se que, destruindo os depósitos de vinho que Teve ainda várias concubinas, as mais “Um Péril Islamiste?”,
entre Ti e mim, quando chegou à Europa, Tarik deitou ele guardava em caves. Procurou depois célebres das quais são Maria, uma cristã sob a direcção de Alain
diz-me! fogo aos barcos que transportavam as suas formar uma confederação tribal, come- copta enviada pelo governador do Egipto, Gresh (ED. Complexe,
tropas. E virando-se para os seus soldados, çando com uma importante aliança com e Rayhana, uma judia. Muitos destes ca- Paris, 1994); “What is
OMAR KHAYYÂM disse-lhes: “O mar está atrás de vós e o Muhammad ibn Saud, o emir da região samentos serviram para dar protecção a Islam”, de Chris Horrie
Poeta, astrónomo, inimigo à vossa frente. Por Deus não há de Nedj, no Centro da Arábia. A aliança viúvas e outros para consolidar alianças e Peter Chippindale
matemático, físico e filósofo outra saída do que lutar com valor e de- consolidou-se com o casamento de Wah- políticas e tribais em períodos turbulentos (Ed. Observer”/Star,
iraniano terminação”. O rochedo de Gibraltar, que hab, pouco antes da sua morte em 1787, para os muçulmanos. Londres, 1990)
D E S T A Q U E 11
M OV I M E N TA Ç Õ E S D I P LO M Á T I C A S PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 25 SET 2001
EM BUSCA DA COLIGAÇÃO
Moscovo dá “apoio humanitário” KOFI ANNAN
DEFENDE PAPEL
Casa Branca. “Temos um
hino “We Shall Overcome” cantado como o antigo Presidente Clinton rica mantém-te unida porque só a
pelo coro dos rapazes e raparigas (ovações sempre que o seu nome é unidade faz a força”.
de Harlem e ecoado por milhares de pronunciado, gritos de saudação de Na hora do regresso a casa, o go-
vozes, mãos nas mãos ao alto; os ofi- todas as bancadas da assistência), verno da cidade põe o metro à dis-
ciantes, que a prendem bem visível sua mulher Hillary, o supermediá- posição de toda a gente. Como antes
nas vestes; Clinton que a põe e tira tico presidente da câmara, Rudol- distribuíra rosas, ursos de peluche,
do bolso esquerdo do casaco. ph Giuliani; e os novos “heróis da bandeira, pacotes de lenços “klee-
O governo do estado e a câmara América”, bombeiros e polícias, na nex”. Num dos muros do estádio,
de Nova Iorque convidaram os fami- primeira fila ao lado de cardeais, familiares das vítimas colam carta-
liares das vítimas do World Trade imãs, e pregadores. zes com a fotografia do desaparecido
Center para uma celebração colec- Três horas de catarse deixam es- nos intervalos deixados por dese-
tiva da dor no estádio crito para a memória colectiva um nhos da bandeira feitos por crian-
Yankee, em Keyspan Park, poema de amor à bandeira, de amor ças: Edna, Betsedy, Godwin Ford.
Brooklyn. O levantamento dos bi- ao Estados Unidos, de amor a Nova Passaram já 12 dias sobre os aten-
lhetes apenas em esquadras de polí- Iorque, acerca de cujo futuro o bem tados, mas a mãe de Godwin con-
cia, as fortes medidas de segurança, amado Giuliani diz que não será tinua a contar nas paredes, nas ár-
o medo de sair à rua que paralisa nunca mais o mesmo porque “será vores, nos muros dos jardins que
ainda muitos nova-iorquinos, algum melhor”. o filho tinha um defeito na mão e
cansaço, eventualmente, deixam os A multidão reza, canta, chora, levava um cordão de ouro ao peito
60 mil lugares do estádio a menos de exibe as fotos dos desaparecidos. quando deixou de ser visto no 9º an-
dois terços. As televisões, porém, Irrompe em aplausos ao ouvir o re- dar da Torre 2. E a pedir que quem
haverão de dar à iniciativa grandeza verendo Calvin Butts, num tom que dele tiver notícia telefone para o
nacional em retransmissões repeti- evoca a oratória arrebatadora de 718-221-4222.
das pelo dia e madrugada fora. Martin Luther King: “Alguém le- Alex, 27, acompanhou a mãe no
A cerimónia combina a solenida- vantou um muro para dividir o Les- interior do estádio. “Gostei da ceri-
de das orações ecuménicas — reza- te e o Oeste, o muro caiu e nós ven- mónia. Com ela quisemos exprimir
das em inglês, espanhol, hebreu, cemos; morremos nos desertos da tristeza, mas também esperança.”
árabe, hindi — com os elementos de Arábia, morremos em Tripoli, ir- Olha no vazio quando o PÚBLICO
sedução que a sociedade do espec- mãos e irmãs nossas morreram no lhe pergunta como é possível ela e os
táculo aperfeiçoou nos EUA como World Trade Center, mas nós va- familiares dos outros 6400 desapare-
em mais lado nenhum: actores e mos vencer porque não temos me- cidos esperarem ainda o impossível
vedetas da televisão como James do”. Estremece de orgulho patrió- milagre. “Esperança, ou o princí-
Earl Jones e Oprah Winfrey, apre- tico quando o imã Pasha proclama pio da resignação”, diz baixando a
sentadores da cerimónia; cantores “Nós somos muçulmanos, mas so- voz, enquanto a mãe cola mais um
como Bette Miller (“Winds Beneath mos também americanos.” Amai- selo com a bandeira nacional entre
My Wings”), Lee Greenwood (“God na os demónios da vingança cega a parede e a fotocópia a cores com a
Bless America”) e Marc Anthony quando o pandita Sukhram do tem- fotografia e as características físicas
(“América the Beatiful”); políticos plo hindu de Sreeraam grita “Amé- de Godwin. I
D E S TA Q U E 1 3
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 25 SET 2001
devia ser suspensa temporariamente desiludido com a desistência de Linda IAN THORPE PRESTA HOMENAGEM
Bandos de turistas passava em frente do Trade”, porque a sociedade não pode integrar tão Powell, mas que compreendia perfeita- AOS NOVA-IORQUINOS
circulam pela zona da conta o analista financeiro. rapidamente o número actual de pessoas mente a sua decisão. “Jitney” esteve em
A um ou dois quarteirões, dessa religião, disse o bispo luterano da cena durante 18 meses em Nova Iorque, O campeão de natação australiano Ian
catástrofe, entre a na Maieden Street, o horror diocese de Hadersley, Niels Arendt. Em tendo ganho vários prémios da crítica. Thorpe, que escapou por pouco ao aten-
fascinação e o respeito. surge em grande plano. Um entrevista concedida domingo ao jornal O jornal britânico “Daily Mirror” dizia tado contra o World Trade Center, pres-
“Vê, é a guerra”, diz pedaço de parede sob tonela- “Jyllands Posten”, Arendt afirmou que na sua edição de ontem que Colin Powell tou homenagem ao estoicismo dos nova-
das de aço e betão. Quem aí os dinamarqueses estão assustados e insistiu com a sua filha, de 35 anos, e com iorquinos durante os atentados. Thorpe,
um pai à sua filha passa perde, subitamente, o preocupados com a presença muçulma- a sua irmã e irmão para que não viajem que conquistou várias medalhas de ouro
ar de turista. Uma mulher na no país, posição que também parti- de avião nos próximos tempos. nos Campeonatos do Mundo de Fukuoka
Centenas de norte-america- aperta o braço do amigo. lha por considerar que o
nos e turistas estrangeiros Uma outra diz a um des- Islão pode acabar por ser MIKE SEGAR/REUTERS
chegam todos os dias em pe- conhecido: “O meu marido um perigo para os valores
regrinação à zona onde há esteve ali dentro.” Um ho- cristãos. O bispo de Hader-
duas semanas se erguia o mem diz à filha: “Vê, é a slev, sul da Dinamarca, é
World Trade Center (WTC). guerra.” de opinião que se suspen-
Querem ver os destroços De tempos a tempos, uma da a chegada de imigran-
com os próprios olhos. Para nuvem de fumo, ergue-se das tes desta religião até que
poderem acreditar. ruínas. Resignados, os polí- “os que já cá estão estejam
De máquinas fotográficas cias e militares que barram plenamente integrados”.
e vídeo em punho, como o acesso ao WTC ajustam as “Cada vez que se integram
se tratasse de uma simples máscaras à cara. A rotina cinco imigrantes, chegam
atracção turística, avançam só é quebrada por bandos de mais 500”, alertou o bis-
em bandos para o “Ground curiosos, que os agentes, de po, que, apesar de tudo,
Zero”, a área de seis hecta- megafone em punho, obri- se mostra favorável à imi-
res que envolve os escom- gam a circular. gração controlada. O bispo
bros das torres gémeas e que Apesar da mesma imagem mostrou-se céptico quanto
até sábado esteve interdita a de destruição se ter repetido ao futuro do cristianismo
todos os que não pertences- vezes sem conta nas televi- na Europa e, nesse senti-
sem a equipas de socorro. sões, chegam pessoas de ou- do, declarou que não se
A polícia obriga os visitan- tras cidades para ver o local pode garantir até quando
tes a circular enquanto dá onde terroristas suicidas fi- continuará a ser a religião
indicações sobre o melhor zeram explodir as torres gé- dominante no continente.
local para ver o que sobrou meas, matando cerca de sete Niels Arendt escreveu em
do WTC. “Sempre em frente, mil pessoas. 1994 o livro “Deus é Gran-
depois na quarta ou quinta Lee Brooks, aproveitou o de”, em que reflectiu acer-
rua vira à direita”, explica fim-de-semana para viajar ca das relações entre o cris-
amavelmente um dos agen- de Boston até Nova Iorque tianismo e o islão.
tes. com a família: “Queria ver
E aí, na Fulton Street, tem- o que restou. É um choque.
se o primeiro choque. A pou- Não posso imaginar que ha- AUSTRALIANO
cas dezenas de metros, es- via pessoas no interior [do CONDENADO POR FALSO
ventrado mas ainda em pé, WTC], esses milhares de ino-
está que resta do edifício cin- centes. Estou muito triste.” ALARME DE BOMBA
co do WTC. A visão faz pa- Mesmo tendo assistido à Um músico australiano foi
rar um grupo de franceses, tragédia do topo do seu apar- condenado a 60 dias de
a viver em Nova Iorque. “É tamento, do outro lado do prisão no Canadá por ter
inacreditável”, diz Olivier rio, Mary Weeks, uma letris- provocado o pânico no
Philippart, apontando com o ta, quis visitar os escombros. aeroporto de Toronto ao
dedo o local onde se erguiam “É pior do que imaginei. Não declarar que tinha uma
as torres gémeas. “Eu costu- estava filtrado pelas lentes bomba nas suas bagagens,
mava ir à loja World of Golf. de uma câmara de televisão. declarou ontem a sua mãe.
Mesmo em frente existia a Não chorei, não senti que fos- Sinan Safet Acar, 21 anos,
Century 21. Todas as manhãs se um sítio para chorar.” I violinista de origem curda
e que reside em Melbour-
ne, Austrália, fez o regis-
to das suas bagagens no
Cidades americanas
mal preparadas para ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
Portugal não
controla todo o seu
espaço aéreo
Radares passa no nosso espaço aéreo em
dos arquipélagos termos de defesa aérea e poli-
ciamento”, reconheceu na RTP
são limitados o chefe do Estado-Maior da For-
ça Aérea, general Vaz Afonso.
HELENA PEREIRA Portugal deu aos EUA autori-
zação para sobrevoo do espaço
Portugal não tem meios para aéreo português. Quando um
vigiar todo o seu espaço aéreo. país necessita de deslocar gran-
As zonas que escapam à vigilân- des massas de aviões, normal-
cia da Força Aérea situam-se mente faz uma reserva de bloco
no espaço da responsabilidade de espaço aéreo (um corredor a
dos comandos dos Açores e da determinadas altitudes duran-
Madeira. Aqui, o controlo de trá- te um determinado período de
fego é feito de modo convencio- tempo), mas não terá sido isso
nal. Os radares têm um alcan- que aconteceu em Portugal.
ce muito limitado e destinado Quando os voos são tácticos,
a apoiar as operações de aterra- ou seja, numa acção ofensiva,
gem. Para a vigilância de todo podem não ser comunicados
o espaço aéreo atlântico faz-se os tipos de aeronaves que en-
uma cobertura rádio e comuni- tram em espaço aéreo de outro
cações. Cada avião comunica ao país. O espaço aéreo português
controlador aéreo onde está e é mais frequentemente utiliza- António Guterres vai apelar hoje a um consenso mínimo em torno da resposta a dar aos atentados terroristas nos EUA
para onde vai para que este pos- do para voos estratégicos, ou
sa fazer a separação de tráfego. seja, em fase de preparação de
INQUÉRITO
A
defesa de uma “resposta pro- terrorismo, para impedir que ele se
porcional” dos Estados Uni- torne a forma de expressão de eleição
dos ao ataque terrorista de 11 seja onde for e seja de quem for.
de Setembro começou a ser Os Estados Unidos têm o direito de “Que se confunda com terrorismo
defendida pelos líderes políticos ame- atacar militarmente as bases de treino
ricanos mal se desvaneceram as pri- de terroristas e de deter os seus agen- a luta revolucionária
meiras ondas de choque. tes e financiadores, se tiverem provas
“Proporcional” é um adjectivo posi- JOSÉ VÍTOR MALHEIROS da sua actividade. Mas não o direito de
dos deserdados do mundo”
tivo e parece à primeira vista e sem bombardear alvos civis. Têm o direito
mais análise adequado a todos. Uma A resposta deve ser proporcional mas, de defender e impor medidas contra 1 — Muita coisa. O acto monstruoso de fa-
“resposta proporcional” tem de ser como os líderes europeus têm repeti- países que apoiam, acolhem ou sim- natismo religioso que se traduziu em cinco
medida, controlada, contida e isso damente afirmado, não pode ser uma plesmente toleram grupos terroris- mil mortos e a todos comoveu compreen-
parecem atitudes razoáveis quando resposta terrorista, nem pode ser uma tas. Mas não o direito de espalhar a sivelmente mostrou a vulnerabilidade dos
se prepara uma reacção que vai pro- resposta que sacrifique os civis dos fome entre as suas populações. Têm Estados Unidos. O terrorismo pode estar em
vavelmente ter uma componente bé- países atingidos. o direito de deter e exigir a detenção toda a parte, especialmente nos próprios
lica e, principalmente, quando ainda A resposta de países civilizados e de- de suspeitos de terrorismo (da prática Estados Unidos.
não se sabe bem nem contra quem mocráticos tem de ser moldada pelos de actos terroristas ou da sua prepa- É legítimo e necessário que se combata o
se combate nem onde, e quando há o seus valores e tem de ser exemplar ração) e de os apresentar à justiça — Urbano terrorismo e se criem defesas eficazes em
risco de um alargamento do conflito daquilo que se defende. Da mesma estejam onde estiverem. Mas não o Tavares defesa da humanidade, mas não que se con-
a uma parte importante do mundo maneira que não se pode responder direito de bombardear as cidades onde Rodrigues, funda eventualmente com terrorismo a luta
islâmico. ao homicídio com a pena de morte se escondem. escritor revolucionária dos deserdados do mundo
A expressão parecia sem dúvida mais sem reforçar a ideia de que se deve A resposta deve ser proporcional em como, por exemplo, os palestinianos ou as
racional e civilizada que a “retalia- responder à violência com a violência, termos políticos, ao nível diplomáti- FARC (Forças Armadas Revolucionárias da
ção” que esteve nos lábios de alguns não se pode responder ao terrorismo co, ao nível da informação, ao nível Colômbia) ou os Sem Terra do Brasil ou as
nas primeiras horas. com o terrorismo. Os escrúpulos e económico e ao nível financeiro — forças de contestação que protestam con-
A partir de um momento, porém, os os valores humanistas são um fardo não apenas proprocional em termos tra os desmandos e crueldade do capita-
responsáveis americanos — para ga- das sociedades democráticas: elas não militares. E ela deve ser, antes de mais, lismo global. E receio muito que a onda de
rantir aos temperamentos mais be- podem usar toda a panóplia de armas adequada (proporcional) aos valores vingança possa alastrar a essas áreas no
licistas que não haveria tibieza na à disposição dos seus inimigos. Mas da civilização. século que assim principiou.
reacção dos EUA e para preparar os são a sua razão de ser. Ela tem de envolver acordos inter-
temperamentos mais pa- nacionais de partilha 2 — A meu ver com serenidade, com in-
cifistas para algo mais de informações so- teligência e com firmeza, procurando os
do que uma semana de bre terrorismo; com- responsáveis pelo crime hediondo e desar-
bombardeamentos de al-
O ataque aos EUA não foi fruto da decisão de um tipo promissos interna- mando novos atentados, sem bombardear
titude — começaram a cionais sobre o con- populações civis, sem punir ao acaso, sem
sublinhar que uma “res- louco, de uma quadrilha ou de um ataque de loucura trolo dos fluxos fi- aumentar o ódio, que o mundo da pobreza já
posta proporcional” a imprevisível. Há milhares de indivíduos dispostos a nanceiros (ratificar vota aos Estados Unidos. O fundamentalis-
um ataque tão brutal morrer para castigar os EUA (e outros países) pelo a Convenção Inter- mo islâmico é, de facto, uma praga do nosso
não seria de forma al- nacional das Nações tempo (veja-se o comportamento dos tali-
guma um ataque restri- sofrimento que a sua política lhes causa e milhões Unidas para a Supres- ban para com as mulheres ou os morticínios
to no tempo, no espaço dispostos a ajudá-los mais ou menos activamente são do Financiamen- na Argélia), mas seria igualmente desuma-
ou nos alvos e teria de to do Terrorismo e no por parte dos Estados Unidos atear uma
ter, pelo contrário, uma REUTERS implementar as reco- guerra religiosa (Bush já falou em cruzada)
dimensão considerável. mendações do Grupo ou esmagar a Líbia e o Iraque, isto é, os seus
Tratava-se de uma ver- de Acção Financeira povos, pelo facto de lá poderem encontrar-
dadeira guerra, longa, sobre o Branqueam- se umas dúzias de terroristas.
global, com sacrifícos e neto de Capitais da Estamos perante uma situação realmente
com baixas. OCDE, por exemplo); inédita e é muito grande o risco de os jus-
Afinal, “proporcional” a imposição de san- ticeiros poderem ultrapassar no crime os
significa antes de mais ções contra países próprios criminosos. Em última análise, há
que corresponde em di- que apoiam, acolhem que analisar a fundo as causas do terroris-
mensão, grau ou inten- ou toleram terroris- mo, para a fundo o combater.
sidade a um termo de re- tas dirigidas a fazer E a meu ver Portugal não deveria envolver-
ferência — e esse termo os seus líderes com- se em acções de retaliação.
de referência é, aqui, o preender as vanta-
desumano ataque terro- gens de alterar a sua
rista. política e não a fazer “O que emerge depois deste crime
Será então que uma “res- sofrer as suas popula-
posta proporcional” é ções; um enorme tra- é o medo”
afinal o mesmo que uma balho de informação
retaliação — a aplicação junto das populações 1 — Com o ataque aos EUA tornou-se evi-
da lei de Talião? onde os terroristas dente que o mundo se volveu num lugar de
Significa que os Estados Unidos devem Enérgico defensor (e eficaz executor) recrutam os seus militantes (a popu- múltiplos perigos, tanto mais perturbadores
fazer a mesma coisa que lhes fizeram? da pena de morte, George W. Bush terá lação afegã, proibida de ver TV, sabe quanto deixaram de ser protagonizados à
Que devem bombardear alvos civis, de alguma dificuldade em perceber isto, realmente o que se passa no mundo? escala internacional por actores estaduais
surpresa se possível, espalhando o ter- mas é fundamental que os Estados Ou só conhece os argumentos dos ta- para serem actuados por simples indivíduos
ror e causando milhares de mortos? que se aliam aos EUA nesta coliga- liban?); e, “last but not least”, uma que podem viver ao nosso lado, passear o
Que devem matar cegamente homens, ção contra o terrorismo — em parti- política internacional que privilegie a cão ao domingo, ter uma família e fazer as
mulheres e crianças só porque são de cular os países da União Europeia — paz, a democracia e o desenvolvimen- Victor de Sá suas orações. O que se quebrou foi o laço
uma dada nacionalidade, só porque façam vingar estes pontos de vista. to (que cumpra o objectivo definido Machado, que desde sempre e apesar de tudo tem uni-
estão no sítio errado, só porque o Go- Até agora, parece ter sido isso que tem pelas Nações Unidas de dedicar 0,7 presidente do do os homens numa relação de confiança
verno do país onde estão tem uma acontecido, mas é depois da violência por cento do PIB dos países ricos ao conselho de cujo fundamento mais autêntico é a adesão
política que os Estados Unidos consi- começar, depois da opinião pública desenvolvimento do Terceiro Mundo, administração ao princípio da santidade da vida.
deram ser a causa do seu sofrimento dos países envolvidos - de todos os por exemplo). da Fundação O que emerge depois deste crime é o medo,
actual? lados - começar a cheirar o sangue, Os países só agem movidos pelo inte- Calouste e o medo é, quer queiramos quer não, fon-
Se for essa a interpretação de “respos- que essa contenção será mais difícil e resse próprio. E, até agora, uma es- Gulbenkian te de quase todos os males que afligem os
ta proprocional” — numa espécie de mais necessária. pantosa miopia não lhes tem permi- homens: a intolerância religiosa, a discrimi-
travesti da louca “retaliação maciça” A resposta ao ataque aos EUA deve tido ver que o crescimento do ódio nação e a violência contra o outro.
dos anos 50 — é evidente que o resul- ser proporcional, mas não pode ser numa região do mundo não é do in-
tado será uma escalada de violência proporcional em ódio; deve ser pro- teresse de ninguém. A aliança inter- 2 — Esta é uma guerra nova que tem a ver
de consequências desastrosas para o porcional ao risco do terrorismo, mas nacional contra o terrorismo, para com o carácter diferente da ameaça que
planeta. É evidente que os movimen- não pode ser indiferente aos “danos responder de forma proporcional à hoje impende sobre o mundo. Não creio que
tos terroristas vão receber vagas de colaterais”. ameaça, não pode limitar-se a atacar haja experiência anterior de combate em
novos recrutas cegos de ódio e com a Uma resposta proporcional à enormi- os campos dos actuais terroristas. De- larga escala a um terrorismo planetário.
certeza da justiça da sua causa; que a dade do ataque não é um ataque mili- ve atacar as raízes do ódio. A aliança Os EUA e seus aliados têm de defender-se,
espiral de violência será alimentada tar nem um inimigo morto (ainda que global antiterrorismo é uma oportu- mas têm de fazê-lo de maneira eficaz, isto é,
pelas retaliações, pelos mortos, pelas possa envolver medidas militares). É nidade única de colaboração, em prol em relação aos alvos responsáveis e utili-
“vendette” e que será difícil, a partir um compromisso de longo prazo, de do desenvolvimento, da compreensão zando a força na medida em que as circuns-
de um momento, encontrar uma rés- ataque nas várias frentes, de envolvi- entre os povos e da democracia. Esta tâncias aconselharem.
tea de justiça em qualquer das partes, mento em esforços internacionais, é formidável resposta é a resposta pro-
de tal maneira todas estarão mergu- o compromisso de dedicar o tempo e porcional que os cidadãos do mundo
lhadas na sombra das vinganças. os meios necessários para vencer o devem exigir.
D E S TA Q U E 2 1
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 25 SET 2001
O dia seguinte
A OPINIÃO DE
MARIA CARRILHO
H
á uma questão Uma operação com a — cuja rapidez significa-
que não tem si- ria imprecisão, e que, atin-
do claramente
envergadura da que ocorreu, gindo provavelmente um
debatida: qual que exigiu cumplicidades grande número de civis,
o plano, as expectativas, activas e passivas, que exigiu teria acelerado a definição
enfim, a estratégia dos res- anos de preparação, não pode de campos opostos, fede-
ponsáveis pelos actos ter- rando adesões através do
roristas para o “day after”? deixar de estar inscrita num mundo muçulmano. Por-
Uma operação com a en- processo que tem um antes e que não tenhamos ilusões:
vergadura da que ocorreu, um depois se nós não temos interes-
que exigiu cumplicidades se num choque civilizacio-
activas e passivas, que exi- nal, se os povos árabes e
giu anos de preparação, do mundo muçulmano em
não pode deixar de estar inscrita num pro- geral não têm qualquer vantagem com isso,
cesso que tem um antes e um depois. os promotores destes actos terroristas jogam
A acção seguiu algumas regras “clássicas” nessa linha.
do terrorismo, embora aplicadas ao contexto E talvez uma primeira derrota dessa linha
das sociedades tecnologicamente avançadas, tenha sido a resposta reflectida, não preci-
altamente complexas e vulneráveis — o que pitada, a contenção da força e preparação
potenciou os seus efeitos. Uma delas é o mi- da mesma através de apoios internacionais.
metismo dos executores, e de tal forma foi Pela parte europeia, creio que desde a pri-
meira hora contri-
JIM BOURG/REUTERS buímos para isso. Pe-
la parte do Governo
norte-americano, on-
de ao longo dos úl-
timos meses eram
evidentes as diferen-
ças de orientação na
área da defesa, evi-
denciou-se imediata-
mente a figura de Co-
lin Powell, ou seja,
uma linha modera-
da, que é também a
mais sólida e consis-
tente.
A luta contra o ter-
rorismo será longa e
vai desenrolar-se em
várias frentes, desde
a financeira, à poli-
cial, passando pela
militar. Sem esque-
cer aquela que é
especificamente polí-
tica, que consiste no
isolamento do terro-
rismo, retirando-lhe
o pretexto de ser
uma arma dos de-
serdados. Este isola-
mento já está a
acontecer, principal-
mente através de
esforços diplomáti-
cos que põem em
evidência o beco sem
saída que é o terro-
rismo: é difícil que
qualquer governo
não tenha consci-
ência dos efeitos
negativos para si pró-
prio que resultariam
de uma desestabili-
zação generalizada.
aplicado à letra que deixou quase incrédulos Acções localizadas com apoio militar eficaz
os que com eles contactaram, pois que em começam agora a ser possíveis e even-
tudo pareciam normais, estudavam, tinham tualmente constituirão um instrumento
namoradas, dançavam. Sabe-se também que importante, principalmente se forem ao en-
as acções terroristas têm, para além do objec- contro da luta dos opositores afegãos ao
tivo de paralisação do inimigo pelo terror, um regime dos taliban de forma a criar uma pers-
objectivo de provocação, destinado a definir pectiva para o povo desse país.
campos, a acentuar e a fazer estalar conflitos Por outro lado, na frente da acção políti-
latentes, através de respostas condiciona- ca, os países mais ricos, apesar das dificul-
das pelo próprio terror. Neste jogo violento, dades económicas que se desenham, devem
os promotores esperam controlar o inimigo redobrar os esforços no domínio da ajuda
através da surpresa e vencer, trazendo para de emergência, da cooperação e da ajuda ao
a sua “causa” outras forças. desenvolvimento, apostando também no re-
É assim possível que os responsáveis pela forço das próprias democracias através do
tragédia do 11 de Setembro esperassem uma apoio a outros povos na procura de liberdade
resposta militar imediata dos Estados Unidos e de condições de vida dignas. I
NO BOM CAMINHO
Uma nova política está a ser construída, em frente
aos nossos olhos, por uma administração e por
um Presidente que têm mostrado serem capazes
de aprender depressa e privilegiar o longo prazo.
Editorial
assinalável êxito, obtendo a colaboração
de Estados que ainda há poucos dias
Cartas ao Director
podiam ser descritos como hostis.
A sua preocupação parece ser a da
eficácia: não vale a pena enviar alguns mísseis de
As cartas destinadas a esta secção — incluindo
as remetidas por e-mail — devem indicar o nome “O factor Deus” Roménia”; onde se lê “Estados Unidos da
e a morada do autor, bem como um número América do Norte” poderia ler-se “União
cruzeiro para destruir tendas vazias, é necessário ter a das Repúblicas Socialistas Soviéticas”.
telefónico de contacto. O PÚBLICO reserva-se o
coragem de correr o risco de colocar soldados no terreno, direito de seleccionar e eventualmente reduzir Como leitor do PÚBLICO, tenho en- O artigo do sr. José Saramago é um
em missões difíceis mas que são as únicas que podem ter os textos recebidos. Não se devolvem os origi- contrado muito interesse nos diversos verdadeiro “Ensaio sobre a cegueira”
nais dos textos não solicitados, nem se prestará
êxito sem implicarem demasiados “danos colaterais”. informação postal ou telefónica sobre eles. artigos sobre os ataques terroristas de do olho direito e já agora míope do es-
A sua determinação tem sido a de actuarem em todas as 11 de Setembro nos EUA. querdo, que o é por natureza.
frentes, e as medidas económicas ontem anunciadas Endereço electrónico: Li com atenção “O factor Deus”, de Depois dos acontecimentos do passado
cartasdirector@publico.pt
pelo Presidente Bush mostram que não são ocas as José Saramago. Não nego a influên- dia 11 de Setembro em Nova Iorque e em
promessas de que nesta guerra se tomarão medidas cia nefasta da religiosidade em certas Washington, quer o sr. José Saramago
inéditas e enfrentarão os inimigos ocultos. mentes fanáticas. virar o bico ao prego e fazer com a sua
Mas a essência do mal não está nesta lapiseira um julgamento público da his-
Na verdade a estratégia americana — explicada e
coroada pelo notável discurso do Presidente Bush Votei no Bloco de Esquerda ou naquela religião, mas nos homens tória das nações ocidentais civilizadas ou
que violam os seus princípios. Cristo, de quem a elas possa estar ou ter estado
perante o Congresso dos Estados Unidos — tem sido Sim, confesso, votei no Bloco de Es- Maomé, Buda não pregaram “cruza- aliado — Hiroxima, Vietname, iraquia-
um percurso, até ao momento, sem faltas. Mesmo querda. Mas não posso estar mais em das”, “jihads” ou “progroms”. nos sepultados vivos, execuções em está-
pequenas “gaffes” secundárias não devem iludir o desacordo com a asserção de que o José Saramago deve saber — certa- dios cheios de gente, crematórios nazis,
essencial: o que está a ser feito parece estar a ser feito atentado de Nova Iorque não foi um mente o sabe mas não o diz — que a etc. De facto uma prosa absolutamente
com planeamento, determinação, sensatez e sem acto de guerra mas sim uma mera (?) intolerância e a violência não são ex- imparcial, como é de seu bom tom.
pressas. Uma nova política está a ser construída, em acção terrorista (curioso eufemismo) clusivo de sociedades onde existe a li- Continua o sr. José Saramago dizendo
frente aos nossos olhos, por uma administração e por e de que, por isso, os portugueses se berdade religiosa; seria conveniente que “de algo haveremos de morrer”.
um Presidente que têm mostrado serem capazes de devem manter alheados do problema. não esquecer os milhares de vítimas de Pois haveremos: de fome na Coreia
aprender depressa e privilegiar o longo prazo. Nem É uma posição confortável mas des- sociedades ateístas e comunistas como do Norte de Kim Yong Il ou na Roménia
houve reacções à bruta, nem se claudicou perante os leal (muito ao gosto, aliás, do nosso a antiga União Soviética, a República de Ceausescu, assassinados na ilha de
desafios. Explicou-se a um povo americano em estado primeiro-ministro). Popular da China e outras de similar Fidel Castro ou a atravessar a fronteira
Começou por ser defendida por regime. ocidental da RDA de Honneker, de frio
de choque que esta seria sempre uma batalha de longo
Francisco Louçã para mais tarde ser Pena é que no álbum de fotografias nas estepes geladas da Sibéria de Esta-
prazo e não uma vingança cega sem consequências.
assumida por grande parte dos por- de José Saramago não figurem nenhu- line, esmagados por tanques em Praga
Depois do choque, não se lhe prometeu a redenção, mas tugueses, a avaliar pela sondagem mas dos “Gulags” soviéticos, das cha- ou Pequim ou ainda fuzilados, por ter
avisou-se que lhe seriam pedidos sacrifícios. divulgada pelo PÚBLICO. A discus- cinas de angolanos brancos por ango- ideias próprias, no Camboja de Pol Pot
“As grandes batalhas — escreveu Winston Churchill — são parece-me inútil. O fundamental lanos pretos em 14 de Fevereiro de 1961 ou qualquer dos países atrás referidos.
são capazes de mudar radicalmente o curso dos é compreender se o “mullah” Omar, ou de palestinianos a assassinar civis O sr. José Saramago deveria estar muito
acontecimentos, de criar novos quadros de valores, o supremo líder, o que faz a lei, quer israelitas, ou de brancos a matar bran- ocupado a escrever o “Evangelho Segun-
novos estados de espírito, nos exércitos e nas nações.” ou não colaborar para acabar com o cos, ou de negros a matar negros... do Jesus Cristo” ou a pensar como “re-
É isso que parece estar a passar-se nos Estados Unidos. ciclo de terror. Para já, parece que Nas sociedades livres e democráti- modelar” a redacção de um centenário
Possam os próximos dias confirmar a justeza das não. Exigiu primeiro provas que se cas, existe a liberdade de se ser ateu jornal português, para se lembrar des-
decisões tomadas — é isso que desejam todos os sabe nunca aceitará; propôs-se depois ou de professar uma qualquer religião, tes acontecimentos quase insignifican-
sentiram o ataque de dia 11 como um ataque a nós todos usar Bin Laden como moeda de troca, o que não acontece nas sociedades to- tes, inspirados por um “Factor Deus”
o que é uma forma particularmente talitárias. Nem sempre foi em nome com nome e ainda com corpo, nascido
e ao nosso modo de vida. JOSÉ MANUEL FERNANDES
estranha de exprimir convicções; ad- de Deus que se permitiu e justificou Vladimir Ilyich Ulyanov, mumificado e
mite agora convidar o “hóspede” a tudo. Em nome do ateísmo — creio ser endeusado numa Rubra Praça.
retirar-se para evitar problemas. inegável — tantas atrocidades se co- Para terminar o artigo, o Nobel autor
contribuinte nº 502265094 Para o bem e para o mal, são os líde- meteram, mas Saramago prefere não diz: “Ao leitor crente que tenha consegui-
depósito legal nº 45458/91
registo ICS nº 114410
res que representam os povos (o que as mencionar. Talvez por ser “política do suportar a repugnância que estas pa-
se passaria igualmente numa clássica ou ideologicamente incorrecto”. lavras provavelmente lhe inspiram não
E-mail: publico@publico.pt LISBOA: Rua Viriato, 17 – 1069-315 Lisboa; Telef.: 210111000 (PPCA) Fax: “declaração de guerra”), por mais Deus não manda matar. Há homens peço que se passe ao ateísmo de quem
Dir. Empresa 210111005; Dir. Editorial 210111006; Agenda 210111007; Redacção 210111008;
Publicidade 210111013/210111014 • PORTO: Rua João de Barros, 265 – 4150-414; Telef: 226151000 que, por trás dos dirigentes fanáti- que matam, ateus ou não. as escreveu.” Descanse que não passo,
(PPCA) / 226103214; Fax: Redacção 226151099 / 226102213; Publicidade; Distribuição 226151011• cos, haja pessoas com as quais temos ÓSCAR GOMES DA SILVA e quanto a suportar a repugnância da-
BRAGA: Rua de S. Marcos, 126-1º Esq. Fr. – 4700 Braga Telef: 253619041; Fax: 253617983 • AVEIRO:
Rua Eng. Silvério Pereira da Silva, 16-A, 2º Tr. – 3800 Aveiro Telef/Fax: 234382507 • COIMBRA:
afinidades insuspeitas. Não se trata Linda-a-Velha quelas palavras, já poucas pessoas dão
Avenida Fernão de Magalhães, 153/157- 2º Dto, sala 6 – 3000 Coimbra Telef.: 239829554; Fax: 239829648 aqui, portanto, de um “choque de ci- importância a semelhantes raciocínios
• ALGARVE: Avenida da República Federal Alemã, bloco C 2 – 8000 Faro Telef.: 289806656; Fax: vilizações”, longe disso. Trata-se sim- de um só sentido.
289806655 • VILA REAL: Rua 31 de Janeiro, 41 - 3º, sala 303, 5000 Vila Real Telef.: 259326262;
Fax.: 259326265 • MADEIRA: Rua dos Ferreiros, 55-2º Dtº – 9000 Funchal Telef.: 291231611 • plesmente de não nos refugiarmos “O factor Deus” — 2 MANUEL C. C.
PROPRIETÁRIO: PÚBLICO Comunicação Social, SA Sede: Rua João de Barros, 265, 4150 Porto • atrás de querelas conceptuais para Vouzela
IMPRESSÃO: Unipress, Tv. Anselmo Braancamp, 220-Arcozelo/4405, Valadares; Telef.: 227537030;
Mirandela — Rua Rodrigues Faria, 103, 1300 Lisboa; Telef.: 213613400; Fax: 213613469 • DISTRIBUIÇÃO:
justificarmos o nosso tradicional ata- No artigo do sr. José Saramago do dia
Midesa Portugal - Distribuição de Publicações, S.A.; Lisboa: Rua da República da Coreia, 34, Ranholas, vismo. Tenho um amigo que, em ple- 18 de Setembro de 2001 no jornal PÚBLI- O PÚBLICO ERROU
2710-460 Sintra; Telef.: 219267800, Fax: 219267850; Porto: Rua Engenheiro Ferreira Dias, 1173 a 1177, 4100 na crise de Timor, passou uma noite CO, “O factor Deus”, onde se lê “algures
Porto; Telef.: 226191211; Fax: 226191210; Algarve: Estrada de Boliqueime - Fonte de Boliqueime, 8100-070
Boliqueime; Telef. e Fax: 289366361; Coimbra: Beco Olheiro, Armazém 2, Adénia, 3020-028 Coimbra; Telef.: à porta da embaixada dos EUA a re- na Índia” também se poderia ler “... na No texto “N’Gola O que é feito da Liber-
239430519; Fax: 239431592 • ASSINATURAS: 808200095 clamar uma atitude dos americanos. Coreia do Norte, China ou Cuba”; onde dade?”, publicado na página 40 da nossa
Espero que ele desta vez não fique a se lê “algures em Angola” também se edição de domingo, a data do envenena-
olhar para o umbigo. poderia ler “... no Tibete, Camboja ou mento do rei N’Gola Kiluange apareceu
Tiragem média total do mês de Agosto ARMANDO GONÇALVES PEREIRA Sibéria”; onde se lê “algures em Israel”, mal grafada. Em vez de 1924 deveria ter
AS SO C I AÇÃO P O R T UGUE SA
D O C O N T R O LO DE T I R AG E M
72.388 exemplares Lisboa também se poderia ler “... na RDA ou aparecido 1624.
2001
26 Setembro
PUBLICIDADE
QUA26SET
EDIÇÃO LISBOA
26 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4209
140$00 • €0,70 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico
www.publico.pt
PODER LOCAL
CIDADÃOS TÃO
LONGE E TÃO PERTO
P26
Arábia Saudita também já cortou
NACIONAL
FC Porto perde
em Glasgow
P40
EDUCAÇÃO
C O N TA S P Ú B L I C A S
REGIME TALIBAN
ISOLAMENTO QUASE TOTAL
A Arábia Saudita cortou relações diplomáticas com o regime que governa quase 90 por cento do Afeganistão.
Os EmiradosÁrabes Unidos já o tinham feito. O Paquistão é agora a única porta de comunicação
dos “estudantes islâmicos” com o mundo. Texto de Isabel Leiria
EMMANUEL DUNAND/EPA
Omar pronto
para a guerra
Indiferentes às ameaças
e crescente isolamento,
os taliban voltaram a
afirmar que todos aque-
les que colaborem com
os Estados Unidos terão
de enfrentar a fúria dos
seus guerrilheiros.
“Qualquer pessoa que
nos ataque ou ajude a
atacar é nosso inimigo e
por isso atacaremos de
volta”, garantiu um por-
ta-voz do ministro da
Defesa.
Para isso, os taliban
anunciaram terem já
mobilizado 300 mil ho-
mens, “experientes e
bem equipados”. Para
alguns especialistas, o
número estará segura-
mente muito inflaciona-
do. Segundo Ahmed
Rashid, um eminente
analista das questões do
Afeganistão, o exército
dos taliban não terá
mais de 45 mil homens e
muitos destes já terão
desertado.
O conflito que se arrasta
com asforças rebeldes da
Aliança do Norte estará
também a provocar algu-
mas baixas. Mesmo as-
Depois de a Arábia Saudita também ter cortado os seus laços diplomáticos, o regime taliban está quase totalmente isolado do mundo sim, é uma guerra “inú-
til e sangrenta” que o
líder espiritual dos tali-
Enfrentando a oposição de quase toda a comu-
nidade internacional e a resistência interna
Paquistão é agora o único canal agradecido ao Governo saudita por ter toma-
do a decisão acertada”. O Paquistão tornou-
ban, “mullah” Omar, an-
tecipa caso os Estados
dos guerrilheiros que, no Norte do Afeganis- de comunicação com o mundo se assim, a partir de ontem, no único Estado a Unidos decidam retaliar.
tão, lhe continuam a recusar obediência, os reconhecer o regime dos taliban. No entanto, “A América não se deve
taliban sofreram ontem mais um duro golpe: por motivos de segurança, Islamabad viu-se iludir. Nunca poderá sair
a Arábia Saudita, berço do islamismo e um O corte de relações diplomáticas do Paquistão com já obrigada a mandar retirar os seus repre- desta crise matando-me
dos poucos que reconheciam o Governo do os taliban seria estrategicamente impossível, neste sentantes diplomáticos de Cabul — aumen- ou eliminando Bin La-
“mullah” Omar, cortou as relações diplomá- momento, segundo a análise de Shireen Mazari, di- tando os rumores de que uma intervenção den”, afirmou o chefe su-
ticas com Cabul. rectora do Instituto de Estudos Estratégicos de Isla- militar pode estar iminente. premo numa declaração
Os Emirados Árabes Unidos tinham feito o mabad, contactada ontem pelo PÚBLICO: “Ainda é Mas se a condenação saudita é clara, falta emitida pelo seu gabine-
mesmo há poucos dias e agora nem o apoio do do interesse do Paquistão manter relações com o ainda perceber até onde está disposto a ir o te oficial, instalado no
Paquistão parece muito seguro. O movimento regime taliban. É o único canal de comunicação que Governo no apoio à vasta coligação contra seu quartel-general em
dos “estudantes de teologia” ganhou inimigos agora eles têm com o mundo. Creio que a decisão do o terrorismo erguida pelos Estados Unidos. Kandahar. De resto, os
em todo o lado e está a um passo de enfrentar Presidente Musharraf foi muito sensata. Islamabad Irá o país do rei Fahd autorizar a utilização taliban continuam a ga-
o isolamento total. nunca cortou laços com os governos de Cabul, mesmo das suas bases militares por parte da aviação rantir que desconhecem
“O Reino da Arábia Saudita lamenta que quando estes governos lhe eram hostis. Somos vizi- norte-americana para um possível ataque o paradeiro do principal
o governo dos taliban tenha transformado o nhos muçulmanos.” ao Afeganistão? Em 1991, durante a guerra suspeito dos ataques ter-
país num centro de recrutamento e treino Além de ter 1400 quilómetros de fronteira com o do Golfo, a resposta foi positiva. Aliás, par- roristas do dia 11 e que,
de pessoas mal formadas de todas as nacio- Afeganistão, o Paquistão aloja dois milhões de refu- te do contingente norte-americano perma- nos últimos anos, fez do
nalidades, sobretudo de cidadãos sauditas, giados afegãos e tem um plano de emergência para nece no território. Só que Fahd, ou melhor Afeganistão a sua resi-
para levarem a cabo actos criminosos. Estes um afluxo de mais um milhão, em caso de ataque. o seu príncipe herdeiro, Abaddlah, — em dência.
actos violam todos os credos. Além disso, Num artigo que publicou a semana passada num funções de regência porque o soberano está Segundo a Reuters, o úl-
o regime taliban tem recusado entregar es- diário paquistanês, Shireen Mazari, escrevia que “se gravemente doente — não quererá despertar timo sinal de vida de Bin
ses criminosos para que sejam julgados. Isto está à vista um fim para o Governo do ‘mullah’ Omar, a oposição dos sectores mais fundamentalis- Laden terá sido dado na
feriu o Islão e prejudicou a reputação dos então o Paquistão precisa de garantir que tem algo tas. Estes seguramente se mobilizarão contra segunda-feira, quando
muçulmanos de todo o mundo”. Foi esta a de substantivo para dizer quanto a qualquer novo uma decisão desse tipo, sobretudo se a vida fez chegar um fax, supos-
justificação apresentada por Riad para o corte cenário em Cabul.” de muçulmanos estiver em risco. tamente da sua autoria,
de laços, numa declaração oficial revelada Como terá algo a dizer, acrescentava ontem esta peri- Tão renitente como esta monarquia, — um a uma estação de televi-
pela agência noticiosa do país. ta ouvida pelo PÚBLICO, “se houver algo contra mu- apoio que vários analistas consideram vital são do Qatar. Nele apela-
Mas a pressão de Washington também terá çulmanos inocentes no Afeganistão”. Terá sido tam- para o lançamento de um ataque —, estão ou- va à “jihad” contra o que
pesado na decisão. Pouco depois do anúncio, bém esse aviso que europeus e americanos levaram tros países do Golfo Pérsico, como o Bahrain, chamou de “cruzada ju-
o porta-voz da Casa Branca, Ari Fleisher, das reuniões com os militares de Istambul. A.L.C. em que também hesitam em pôr à disposição da daica levada a cabo pelos
afirmou que o “Presidente Bush louva e está Peshawar América as suas instalações militares. I americanos”.
D E S TA Q U E 3
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 26 SET 2001
Quetta
Paquistão
• Aqui estão abrigados cerca de dois milhões
de refugiados e esperam-se mais um milhão
651
PAQUISTÃO
• O ACNUR tem 30 mil tendas e está a lançar, DESAPARECIDOS
Principais fluxos
por ar, lonas para um milhão de pessoas.
Resistência anti-taliban
Principais campos de refugiados 200 km
KANDAHAR
O posto fronteiriço de Chamam reabriu
ontem para permitir que milhares
• A Cruz Vermelha e o Crescente Vermelho
têm dois aviões, 2.000 tendas e suficientes
equipamentos médicos e cirúrgicos para
6403
de refugiados entrassem no Paquistão tratar cerca de 7.000 feridos Vítimas dos atentados contra o World Trade
Fonte: ACNUR/Reuters/ "Courrier International" PÚBLICO Center e o Pentágono e da queda de um
avião na Pensilvânia. Números oficiais.
4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 26 SET 2001 G U E R R A AO T E R R O R I S M O M OV I M E N TA Ç Õ E S D I P LO M Á T I C A S
Decisão histórica
do. O Kremlin comprometeu-se
também a aumentar o seu apoio
militar à Aliança do Norte.
mir Putin esteve reunido com
o chanceler alemão, Gerhard
Schroeder, para debater a for-
Oriente tem de ser con-
siderada parte integran-
te do combate ao ter-
a Blair
visão do Tratado ABM e o pro-
jecto MD (defesa antimísseis),
sendo porém mais claro ao ex-
Uma nação amiga que ofereceu
uma cooperação sem preceden-
tes à Administração Bush ao
Se até há dois meses a Rússia
e Estados Unidos se olhavam
com desconfiança é agora ex-
ma mais eficaz de coordenar
as reacções internacionais aos
atentados contra os EUA. “To-
dos os países que apoiam o ter-
rorismo. Por seu turno, o
anfitrião sublinhou que
“o Egipto é um país-cha-
ve” na coligação interna-
se e
rorismo deverão prestar contas cional contra o terroris- O esforço conjugado das di-
perante a comunidade inter- mo. “Face ao terrorismo, plomacias britânica e fran-
NATO debate modalidade de apoio nacional e isto abarca também não pode haver seguran- cesa foi ontem decisivo para
aqueles que oferecem possibi- ça no mundo, só através evitar um novo adiamento do
Os ministros da Defesa da NATO reúnem- expressa na evocação do artº 5 do Tratado lidades de formação aos terro- da paz no Médio Oriente encontro entre o chefe da di-
se hoje em Bruxelas, na sede da organi- de Washington. Contam, no entanto, com ristas”, afirmou Schroeder nu- se pode conquistar o ter- plomacia israelita, Shimon
zação, para debater as modalidades do o apoio militar britânico — cujas forças ma conferência de imprensa reno ao terrorismo”, disse Peres, e o líder palestiniano,
seu apoio aos Estados Unidos no âmbito especiais já estão no terreno e cujo dispo- conjunta. “ Os terroristas de- Mubarak aos jornalistas Yasser Arafat, que chegou a
da resposta militar americana em prepa- sitivo aeronaval já está na região — e com vem sentir-se isolados política presentes na Chancelaria ser anunciado por Ariel Sha-
ração. Será a primeira reunião da NATO o apoio logístico das generalidades das e financeiramente”, acentuou Federal. Advertiu tam- ron.
a nível ministerial desde o ataque de 11 bases americanas em território europeu Putin. bém que, se o conflito is- O encontro, que se realiza
de Setembro contra a América, conside- (incluindo a Base das Lajes). A França O Presidente russo tem, além raelo-árabe não for resol- hoje no aeroporto de Gaza, é
rado pela Aliança 24 horas depois como pode também vir a pôr à disposição de da solidariedade, vários moti- vido, com o apoio firme — crucial para os Estados Uni-
um ataque a todos os seus membros. Washington algumas das suas unidades vos para se empenhar na coli- e pressão política — dos dos, nos seus esforços actuais
O secretário da Defesa norte-americano, especiais, treinadas para a luta antiter- gação global antiterrorismo. O Estados Unidos e da União para incluir o maior núme-
Donald Rumsfeld, não estará presente rorismo. primeiro é a guerra que man- Europeia, “haverá uma ro possível de Estados islâmi-
na reunião, mas far-se-á representar pe- Hoje, os aliados devem também discutir tém na Tchetchénia contra os nova geração a prosseguir cos na coligação que querem
lo seu adjunto, o “falcão dos falcões” do as formas de melhor a coordenação dos “fundamentalistas islâmicos” o terrorismo”. Uma visão liderar contra o terrorismo.
Pentágono, Paul Wolfowitz. respectivos serviços de informações. — com supostas conexões a Bin partilhada por Schroeder, Ontem, um porta-voz de Do-
O representante americano deverá for- A cooperação russa vai também ser ana- Laden —, que passará ser vista ao declarar que o encon- wning Street anunciou que o
necer aos seus aliados europeus “mais lisada hoje, em Bruxelas, para onde par- “noutra perspectiva”, e a críti- tro entre o presidente pa- primeiro-ministro israelita
detalhes” sobre a operação militar que tiu já o ministro russo da Defesa, Serguei ca internacional “amenizada”. lestiniano, Yasser Arafat, tinha garantido ao seu homó-
se encontra eminente, segundo disse on- Ivanov. Em declarações ao diário italiano Outro motivo não menos im- e o ministro dos Negó- logo britânico, Tony Blair, a
tem o próprio secretário-geral da NATO, “La Repubblica”, Robertson disse que a portante é o facto de Moscovo cios Estrangeiros israeli- luz verde para o encontro, de-
George Robertson, citado pela AFP. Até crise internacional desencadeada pelo pretender ter uma palavra a di- ta, Shimon Peres, suces- pois de se ter recusado a rece-
agora, os EUA não solicitaram nenhum ataque à América tinha aproximado a zer quando se tratar de recom- sivamente adiado, “tem ber o chefe da diplomacia
apoio militar específico à organização, Rússia da NATO a um ponto inimaginá- por as peças do mosaico da Ásia obrigatoriamente de ter de Londres, Jack Straw, e de
apenas a máxima solidariedade política vel apenas há duas semanas. T. DE S. Central. I lugar”. ter brindado a presença do
D E S TA Q U E 5
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 26 SET 2001
para compensar o país que das escolhas políticas que os O ministro dos
“teve a coragem” (Louis Mi- respectivos regimes têm pela Negócios Estrangeiros
chel) de tomar o partido da lu- frente.
ta contra o terrorismo desen- Os esforços diplomáticos Jack Straw apresenta a
cadeada pelos Estados Unidos desenvolvidos ao nível da Teerão provas contra
depois dos atentados de 11 de União decorrem em conjuga- Bin Laden esperando
Setembro. ção com as iniciativas de al-
Os responsáveis europeu guns dos seus Estados-mem- obter informações
encontraram-se com o Pre- bros — especialmente da secretas sobre o
sidente Pervez Mousharraf França e do Reino Unido — Afeganistão
e com os ministros dos Ne- junto de alguns países do Gol-
gócios Estrangeiros e das Fi- fo e do Médio Oriente (ver no- MARGARIDA SANTOS LOPES
nanças. Na frente económica, tícias nesta página).
Islamabad quer uma maior A Europa parece agora dis- Jack Straw só deveria visitar
abertura dos mercados euro- posta a assumir com maior o Irão em Novembro, mas os
peus aos têxteis paquistane- determinação as suas res- ataques terroristas aos Estados
ses e a abertura europeia ao ponsabilidades internacio- Unidos anteciparam a sua che-
rescalonamento da gigantes- nais — e não apenas a diplo- gada para ontem, tornando-o
ca dívida externa do Paquis- macia económica que a tem no primeiro ministro dos Ne-
tão (36 mil milhões de dóla- caracterizado —, nomeada- gócios Estrangeiros britânico a
res). Na frente política, as mente junto do mundo árabe deslocar-se à República Islâmi-
autoridades paquistaneses e islâmico, com o qual algu- ca desde a revolução de 1979. Khatami e Straw tentam que o Irão e o Ocidente não estejam de costas voltadas
procuraram sensibilizar a mas das suas principais po- Na bagagem, noticiou a BBC,
“troika” para os riscos de tências mantêm fortes liga- Straw levou provas que en- ensão. Os “duros” fiéis do líder bênção, e poderá até autorizar consideravam escandalosa. A
destabilização da região que ções históricas e acumulam volvem o magnata de origem espiritual Ali Khamenei vêem uma certa cooperação no inter- nacionalização da Anglo-Ira-
pode vir a ter a imposição uma grande experiências di- saudita Osama bin Laden nos um ataque ao Afeganistão co- câmbio de informações de es- nian Oil Company levou os ser-
externa de um novo governo plomática. As múltiplas ini- atentados do dia 11 contra o mo “mais uma tentativa de os pionagem. O Irão, que fornece viços secretos MI-6, com a ajuda
afegão. ciativas diplomáticas que World Trade Center, em Nova EUA expandirem a sua hege- armas às forças da oposição da CIA americana, a derrubar
A ronda diplomática da está a desenvolver visam Iorque, e o Pentágono, em Wa- monia na região”. Os pragmá- afegã da Aliança do Norte, aco- um primeiro-ministro laico e
“troika” europeia foi cuida- também reduzir o risco de shington. Com estas provas, ticos ligados ao Presidente da lhe mais cerca de 1,5 milhões europeísta, Mohammed Mos-
dosamente articulada com que o combate contra o ter- o chefe da diplomacia de Lon- República, Mohammad Khata- de refugiados e receia um novo sadegh. Com a queda deste lí-
Washington durante o encon- rorismo, que vai ter de travar dres espera obter o apoio dos mi, vêem na actual crise uma influxo. Foi isso, e o contraban- der carismático, que se opunha
trcom o secretário de Esta- ao lado da América, seja per- iranianos — “uma importante oportunidade de a grande civi- do de ópio, com que os taliban ao Xá Reza Pahlavi, Londres e
do americano Colin Powell, cebido pelos países árabes co- fonte de conselho sobre o Afe- lização persa descongelar os financiavam a guerra civil, que Washington exacerbaram os
na semana passada. Em ca- mo um combate contra a ci- ganistão”, segundo as suas pró- laços com o Ocidente e retomar levou ao encerramento da fron- sentimentos religiosos de uma
pitais até agora incluídas na vilização islâmica. Um risco prias palavras — para uma luta o seu lugar no mundo. teira comum. nação desconfiada dos seus
lista norte-americana dos pa- a que os europeus são parti- contra o terrorismo. Todos os líderes iranianos Para já, o que os analistas muitos invasores estrangeiros
íses acusados de patrocina- cularmente sensíveis, dada O problema é que o regime condenaram os ataques atribu- britânicos realçam é o facto de e abriram caminho aos “funda-
rem grupos terroristas, a a sua situação geográfica na xiita dos “mullahs” não se dá ídos a Osama bin Laden. Ali- Straw estar a servir, indirecta- mentalistas” de Khomeini.
União estará, porventura, em fronteira com o mundo islâ- bem nem com o “Grande Satã” ás, o discurso de Khamenei era mente, como mediador entre As relações azederam mais
melhores condições de ser fa- mico e a composição multi- (a América) nem com os waha- muito aguardado como indica- a Administração norte-ameri- com a “fatwa” (édito) de Kho-
zer ouvir os seus argumen- cultural da maior parte das bitas sunitas taliban, que consi- dor da tendência política que cana e o Governo de Teerão, meini que condenava à mor-
tos em favor da importância suas sociedades. I deram uma criação do inimigo iria prevalecer. Ele denunciou de relações cortadas desde há te, por “blasfémia ao Islão”,
Paquistão. Por outro lado, quer o “massacre de inocentes” nos 22 anos. A sua deslocação mar- o escritor britânico Salman
os conservadores como os refor- EUA, mas deixou bem claro que ca também uma reaproxima- Rushdie. Foi Khatami quem
madores em Teerão preferem também não aceitará “a morte ção entre ingleses e iranianos, amenizou as tensões durante
Elizabeth Jones, responsável por didos têm processos para resolver os seus
questões euroasiáticas do problemas diplomaticamente.
[Sobre o papel dos EUA no Médio Orien-
Departamento te:] A comunidade internacional tem tra-
de Estado dos EUA, respondeu a balhado com israelitas e palestinianos. [O
questões da imprensa europeia conflito israelo-árabe] é um assunto com-
pletamente separado do combate a Bin La-
den e à al-Qaeda.
PEDRO RIBEIRO
O papel do Irão
A embaixada dos Estados Unidos em Lisboa “É importante que os nossos aliados estejam
convidou a imprensa portuguesa a fazer parte em contacto com o Irão, de forma a pressionar
de uma teleconferência, em que também parti- [Teerão] a não apoiar grupos terroristas como o
ciparam jornalistas franceses e italianos, com [libanês] Hezbollah. Nesta altura, mais impor-
a responsável por Assuntos Europeus e Euroa- tante [do que o passado] é o que cada um fizer, e
siáticos do Departamento de Estado, Elizabeth estaremos atentos à actuação [do Irão].”
Jones. Durante uma hora, Jones respondeu
às questões de jornalistas europeus sobre o ata- O dilema dos regimes
que à América de 11 de Setembro, a eventual árabes moderados
retaliação americana e a guerra ao terrorismo. “A única coisa que pedimos foi que os países
Excertos: tomassem partido a favor ou contra o terro-
rismo. A Jordânia ou o Egipto são aliados
Derrubar os taliban próximos dos EUA, e temos estado em con-
“Não posso falar sobre questões militares, mas tacto com eles. Reitero que o objectivo desta
não haverá uma ‘invasão’ do Afeganistão. Não guerra é o combate ao terrorismo, contra
é assim que os EUA e os seus aliados vão agir. “A diferença é que esta coligação é mais abrangente [que a da guerra do Golfo]” a al-Qaeda, não contra o povo afegão nem
Não há qualquer discussão sobre a presença de contra o Islão.”
tropas americanas nem no Afeganistão nem no A coligação internacional decidido uma série de medidas para fechar
Paquistão, pelo menos uma presença a longo “A diferença entre esta coligação e a aliança os canais de financiamento do terrorismo e Uma longa guerra
prazo. A guerra não é contra o povo afegão mas para combater o Iraque [na guerra do Golfo] é para reforçar a segurança comum. Os países “Como disse o vice-presidente Dick Cheney,
sim contra a al-Qaeda [rede terrorista de Osama que essa era uma coligação militar. Esta é mais europeus participaram numa iniciativa sem esta vai ser uma guerra nas sombras. Um co-
bin Laden]. O objectivo desta guerra será fazer abrangente. Os países que decidiram apoiar a precedentes, a activação do artigo 5º da NA- lega meu comparou esta guerra aos esforços
com que o novo invasor [do Afeganistão], Osama coligação poderão dar o seu apoio a nível político TO. Estamos em consultas constantes com os há muitos séculos para livrar os mares de
bin Laden, seja expulso. ou de intercâmbio dos serviços secretos. nossos aliados europeus e agradecemos todo piratas; os países com interesses na navegação
Os EUA têm programas, através de organi- Os países da Ásia Central, ou a Ucrânia ou o apoio que nos deram até agora.” marítima uniram-se e, ao fim de muito tempo,
zações não governamentais, para promover a os países dos Balcãs demonstraram o seu apoio conseguiram livrar-se deles.
democracia no Afeganistão. Não sei se o rei à coligação, o que cada um fará ainda não está Críticas à política externa dos EUA Não sei quanto tempo é que esta guerra vai
[afegão no exílio, Zahir Shah] terá um papel definido.” “Essa assunção [de que erros na política demorar, mas sei que este é momento para
nisso, mas acho que os afegãos conhecidos in- externa dos EUA tenham fomentado movi- desencadear a luta contra o terrorismo. Trata-
tencionalmente devem falar sobre o tipo de Go- O papel da Europa mentos islamistas radicais] é errada. se de uma guerra global contra todos os tipos
verno que o país deve ter. O povo afegão sofreu “A Europa está a fazer tudo o que pode. Es- A definição de terrorismo é a de actos de terrorismo, não apenas contra Osama bin
muito nas últimas décadas, e tem direito a paz tamos muito impressionados por os minis- criminosos contra pessoas inocentes; aque- Laden e a sua rede al-Qaeda. [A captura de
e liberdade.” tros [da União Europeia] se terem reunido e les que tenham queixas ou se sintam ofen- Bin Laden] não será o seu fim.” I
8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 26 SET 2001 G U E R R A AO T E R R O R I S M O O P O N TO D E V I S TA A M E R I C A N O
PRIMÁRIAS DE
NOVA IORQUE Presidente forçado a remodelar os
DECIDEM
FUTURO DE
pilares da sua agenda conservadora
STEPHEN JAFFE/EPA
NÚMEROS DE UMA
CO M U N I DA D E A M E A Ç A DA
Área População
Los Angeles, California 283.355
Nova Iorque, NI 162.692
Nordeste de Nova Jersey 92.080
Chicago, Illinois 91.260
Washington, D.C. 69.350
Mesquitas
À esquerda, os árabes; à direita, os muçulmanos. Cartoon de Mattjood no “Al Quds al-Arabi”, de Londres
País de origem dos árabes-americanos (%)
“A MILÍCIA PAQUISTANESA
OS AFEGÃOS QUE TENTAM ZAINAL ABD HALIM/REUTERS
PASSAR”
ao fim da tarde, num contacto pelo PAM”. Depois do ataque,
ÀS PORTAS DE CHAMAN telefónico com o PÚBLICO, e da retirada de todo o pesso-
Rupert Colville, o novo porta- al das Nações Unidas e das
Duas afegãs deram voz do ACNUR. ONG, o Programa Alimentar
Há relatos de pelo menos Mundial, que está a trabalhar
à luz na fronteira duas afegãs terem dado à luz em conjunto com o ACNUR,
e, depois de serem nesta fronteira, terem sido conseguiu manter operacio-
assistidas, foram transportadas para o lado pa- nal apenas uma parte da rede
tinua: “Ninguém sabia que quistanês, de forma a recebe- de distribuição de alimentos,
eles eram como animais. Co-
obrigadas a voltar rem cuidados médicos, e se- a suficiente para chegar a um
meçaram o seu terror. As para o lado afegão rem de novo reencaminhadas milhão, dos quatro que esta-
barbas dos homens eram para o lado afegão — o que vam a ser auxiliados.
medidas com um candeeiro, Da nossa enviada não é propriamente um bom “Amanhã [hoje] vêm mais
as que eram mais curtas le- ALEXANDRA LUCAS COELHO, prognóstico quanto à disponi- equipas de Peshawar”, indi-
vavam a um castigo. Quan- em Peshawar bilidade real do Paquistão pa- cou Colville, ele próprio um
do proibiram as mulheres de ra abrir as suas fronteiras. dos protagonistas deste re-
trabalhar e ir à escola, pro- No dia em que a ONU voltou O ACNUR tem duas mil ten- forço das equipas do ACNUR
metemos usar sempre a ‘bur- a alertar para uma “catástro- das, onde cabem de 10 a 12 mil no Paquistão — chegou há
qa’, mas que nos deixassem fe humanitária de enormes pessoas, e 17 mil toneladas de dias de Genebra, onde estava
ir. Não deixaram. Dizem que proporções” no Afeganistão, comida preparadas, na fron- destacado, depois de durante
a escola é a porta de entra- uma equipa reforçada do Al- teira. anos ter sido o responsável da
da no inferno.” Esta afegã to-Comissariado das Nações Segundo disse ao PÚBLI- organização em Islamabad.
de Cabul nunca mais tirou a Unidas para os Refugiados CO, Colville calculava em cer- A abertura de fronteiras
sua “burqa”: “Costumamos (ACNUR) passou ontem o dia ca de 20 mil os afegãos ime- era um dos dois principais ob-
dizer que em Roma sê roma- na fronteira de Chaman (en- diatamente do outro lado da jectivos da ONU no Paquistão,
no. Antes, eu só usava a ‘bur- tre o Centro-Sul do Paquis- fronteira (a primeira que a desde o início desta emergên-
qa’ para ir ao campo. Não na tão e o Sul do Afeganistão), ONU julgava poder reabrir), cia. O outro, o compromisso
cidade.” pressionando as autoridades não pondo de parte a possibi- governamental para a aber-
Se a escola leva ao inferno, paquistanesas a deixarem en- lidade de haver outros milha- tura de campos, está aparen-
a rádio, relata Iasmina, é “a trar os 20 mil refugiados afe- res a caminho. Por todo o Afe- temente no bom caminho,
caixa do mal” para os tali- gãos que estavam do outro ganistão, em várias direcções com a promessa de cem novos
ban: “Toda a gente ouve rá- lado, muitos deles depois de (das cidades para o campo, ou, campos, para um total de um
dio, é a única forma de saber- caminhadas de horas, ou mes- directamente, para as frontei- milhão de pessoas.
mos o que acontece. Mesmo mo dias, sob um sol escaldan- ras), estão deslocadas cerca O acesso dos “media” aos
os taliban a usam para os seus te e sem água. de um milhão de pessoas, se- campos de refugiados e a
anúncios. Mas não querem “Pedimos-lhe que deixas- gundo a ONU. qualquer posto fronteiriço
que as pessoas ouçam músi- sem entrar pelo menos os “Para além disso”, recor- continua completamente in-
ca.” Nem querem a BBC, que mais velhos e os doentes, esta- dou Colville, “desde os ata- terdito pelas autoridades pa-
tem emissões em pashtun e mos em conversações, mas es- ques, três milhões de pessoas quistanesas. I
farsi, as duas principais lín-
guas do Afeganistão: “Só a rá-
dio deles, a Shariat. Ouvimos
a BBC baixinho.”
Quando Iasmina ia com-
prar algo à rua, perguntavam-
lhe onde estava o homem. Ela
explicava que era viúva: “Ba-
tiam-me, com um chicote.”
A Comissão do Vício e da
Virtude, que em determina-
dos dias sai à rua, com um
chicote, também bate nas pes-
soas quando a bainha das cal-
ças não está justa ao tornoze-
lo, pára gente na rua para ver
se as axilas estão limpas, e pu-
ne as mulheres por pintarem
as unhas: “Antes das orações,
temos de limpar as mãos, a ca-
ra, os pés. Eles dizem que por
causa do verniz a água não
toca na unha.”
Batem “nas mãos, na cabe-
ça, nos joelhos, nos pés”.
Não há nenhuma forma
de resistência? “O povo afe-
gão tem as mãos vazias. Não
há armas. Foram confisca-
das. E os taliban só entendem
armas. Mas ouvir música é
uma forma de resistência.
Eu ainda tinha uma televi-
são em casa e de vez em quan-
do apanhávamos um filme. É
uma forma de resistência.”
E depois, conta Iasmina,
“as pessoas não estão unidas,
estão esfomeadas, cada qual
se tenta salvar, se lhes dão di-
nheiro fazem tudo, os taliban
têm espiões por toda a parte”.
Em quem é que ela confia?
“Em ninguém. Fomos traídos
muitas vezes.” Só se viessem
pessoas de fora, pessoas que
partiram para o estrangeiro,
há 20 anos, “nem taliban, nem
mujahidines”.
O que está para trás, aca-
tudo, os taliban têm espiões por toda a parte” bou. Cá fora. I
1 2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 26 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO OS EUA DEPOIS DO CHOQUE
TED WARREN/EPA
O D I Á R I O D E P E D R O PA I X Ã O E M N O V A I O R Q U E
Muito pouco
provável encontrar
sobreviventes
“É muito pouco provável que reconhecer que os seus fami-
se encontre alguém vivo” sob liares estão mortos e que nun-
os escombros do World Tra- ca os recuperem poderão as-
de Center, disse o director sinar certificados de morte,
da agência federal de gestão uma operação que começa
de urgências, Joe Allbaugh. hoje, diz a Reuters. É que, co-
Ontem passaram duas sema- mo explicou Giuliani, “vamos
nas sobre os atentados, subli- acabar numa situação onde
nhou, numa entrevista ao ca- não recuperaremos um nú-
nal de televisão CNN. mero significativo de restos
Entretanto, de 1400 a 1500 humanos”.
salvadores ficaram feridos O presidente da Câmara
nas operações de resgate de voltou ainda a afirmar que
corpos, acrescentou Joe All- seria “um milagre” encontrar
baugh. E, para piorar o cená- alguém vivo nos escombros
rio, espera-se que comece a ainda fumegantes. “Os bom-
chover em Nova Iorque, o que beiros estão ainda a conduzir
tornará as buscas mais peri- uma operação de salvamento,
gosas: “Vamos perder tempo... mas a realidade é a realidade.
vamos rezar e esperar um mi- E já passou algum tempo. Te-
lagre.” mos mesmo de passar à ope-
Nenhum sobrevivente foi ração seguinte.”
encontrado depois do dia se- O “mayor” Rudolph Giulia-
guinte aos ataques, ou seja, 12 ni insistiu ainda num outro
de Setembro, há exactamente ponto: de que Nova Iorque é
duas semanas. Até ontem fo- neste momento a cidade mais
ram retirados 276 corpos dos segura da América. A crimi-
Cães feridos
e deprimidos
Os amantes dos animais têm avalancha de ofertas, muitas
revelado preocupação espe- delas recusadas.
cial com os cães destacados As autoridades têm alerta-
para a busca de vítimas entre do os voluntários para as dife-
os escombros das torres do renças entre o salvamento de
World Trade Center. Na cida- pessoas em ambiente urbano e
de têm circulado endereços em ambiente rural, vincando
e os números de telefone de a perigosidade e complexida-
clínicas veterinárias onde os de do primeiro. Por outro la-
animais podem ser tratados e do, alguns animais são treina-
estão a ser recolhidas doações dos só para encontrar pessoas
de pequenas botas para evitar com vida, outros só detectam
os cortes que os cães salva- as mortas; uns comunicam-no
dores têm sofrido, vítimas do de forma diferenciada aos do-
aço e do vidro. nos, outros não.
A preocupação com as Os amigos dos animais têm-
equipas de cães que procu- se mostrado ainda preocupa-
ram sobreviventes tem au- dos com os sintomas depressi-
mentado ao mesmo tempo vos dos caninos. “Os cães são
que cresce o esforço de recu- como as pessoas; ficam depri-
peração. O director da asso- midos se só encontram pesso-
ciação nacional para buscas as mortas”, fez notar Roger
e salvamentos disse que a or- Fox, da Federação de Busca e
ganização tem recebido uma Salvamento. I
1 4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 26 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO PRÓXIMAS AMEAÇAS
DOUG WILSON/REUTERS
Londres será
a próxima?
de famílias, pessoas pedem
BRITÂNICOS PREPARAM-SE máscaras para crianças”, dis-
PARA O PIOR se à Reuters Tony Bullock, da
Springfields, um armazém de
Com a Grã-Bretanha a excedentes do exército. Nas
duas últimas semanas ven-
aparecer como grande deu 2500 máscaras — dez ve-
aliado dos americanos, zes mais do que o costume.
a sua capital torna-se “Estão a começar a soar
campainhas de alarme. Nes-
um alvo evidente para tas circunstâncias seria im-
acções terroristas prudente não começar a pen-
sar e planear o mais possível”,
PAUL MAJENDIE disse o director executivo da
OMS, David Nabarro. A Grã-
A manchete arrepiante diz Bretanha está já a rever os
tudo para a cidade que sobre- planos de resposta a ataques
viveu aos bombardeamentos com antrax ou com pragas.
alemães e depois a uma cam- “Os acontecimentos nos Es-
panha concertada dos bom- tados Unidos mudaram um
bistas do IRA (Irish Republi- pouco as coisas”, disse Nigel
can Army): “Londres será a Lightfoot, do departamento
próxima?” As máscaras de de Saúde.“O risco é baixo,
gás esgotaram-se, os turistas mas existe.”
desapareceram e os arqui- “O ataque a Nova Iorque
tectos ponderam a constru- mostrou que acções indiscri- Os aviões pulverizadores utilizados na agricultura poderiam servir para espalhar agentes biológicos em zonas povoadas
ção de mais arranha-céus. minadas numa escala de mas-
Os grandes bancos já cance- sas são agora aceitáveis para
laram as festas de Natal das esta gente e isso é uma pre- QUATRO POTENCIAIS
companhias.
Até a actriz filha do secre-
tário de Estado americano,
Colin Powell, teve de cancelar
ocupação”, disse uma fonte
governamental ao “Sunday
Times”. I REUTERS
OMS lança alerta AMEAÇAS BIOLÓGICAS
Antrax
a sua participação num espec-
táculo em Londres. O pai teve
medo de que Linda Powell pu-
desse ser um alvo para os ter-
Máscaras de
gás esgotam-se
sobre bioterrorismo A inalação dos esporos do “Bacillus
anthracis” — bactéria encontrada no
solo e que normalmente afecta o gado —
provoca, inicialmente, sintomas de uma
roristas. Com a Grã-Bretanha seria necessário produzir, armazenar e simples gripe e depois pode evoluir para
na “guerra ao terrorismo” ao
em Lisboa ATAQUES QUÍMICOS E BIOLÓGICOS despejar grandes quantidades das subs- problemas respiratórios graves. Nesta
lado dos Estados Unidos, os tâncias mais temidas — como o ciane- fase, a morte ocorre em um a dois dias. O
medos relativamente à segu- Não é só em Londres que Direcção-Geral de Saúde to ou o gás sarin — para provocar um tratamento faz-se com antibióticos. Existe
rança de Londres começaram o medo de um ataque acompanha a situação efeito de grandes proporções. Para as uma vacina, que, nos EUA, é
inevitavelmente a aparecer. químico ou biológico es- e garante que não há ameaças biológicas, a situação é menos sistematicamente ministrada aos
O chefe da polícia John tá a provocar uma corri- complicada. Multiplicar bactérias não militares. A doença não é contagiosa. O
Stevens, que pôs a capital da às máscaras de gás. razões para alarme é uma operação difícil num laboratório. Iraque já admitiu ter criado armas
britânica no maior alerta em Em Lisboa, o único esta- A disseminação pode continuar natu- contendo antrax.
tempo de paz na sua história, belecimento que vende RICARDO GARCIA ralmente numa população infectada,
é o primeiro a admitir: “Lon- estas máscaras a civis es- no caso de doenças contagiosas, como a Varíola
dres está em risco porque é gotou o seu “stock” em A Organização Mundial de Saúde varíola ou a peste pneumónica. Doença contagiosa, cuja erradicação
uma das maiores capitais do poucos dias. As másca- (OMS) lançou um alerta para que os Mesmo assim, é preciso ter capaci- mundial foi certificada em 1980, o que fez
mundo”. Não existiu qual- ras custam sete contos, países reforcem a sua capacidade para dade técnica para preparar um ataque suspender a vacinação preventiva. Os
quer ameaça concreta mas são um modelo israelita responder às consequências de even- biológico. O antrax, por exemplo, é uma “stocks” do vírus da varíola foram
as autoridades não estão a e servem para protecção tuais ataques terroristas com armas bactéria que pode ser encontrada no confinados a dois laboratórios, nos EUA e
correr riscos. Se os extremis- contra gases tóxicos e químicas ou biológicas. A directora- solo, mas que “tem de ser isolada por na Rússia, mas não se sabe se noutros
tas usam aviões como mís- contra ataques químicos geral da OMS, Gro Harlem Brundtland, um microbiologista com alguma expe- países não haverá amostras
seis, o inimaginável é agora e biológicos. O estabele- disse, segunda-feira, em Washington, riência”, com equipamentos adequa- clandestinas. Não há um tratamento
possível. cimento que vende este que a comunidade internacional deve dos, segundo o investigador Carlos Cor- específico para a varíola. Um único caso
O pesadelo que persegue ca- modelo de máscara, a estar preparada para acções delibera- deiro, do Departamento de Química e da doença é suficiente para ser
da planeador de resposta a “Soldiers”, esgotou em das com agentes daquela ordem, mas Bioquímica da Faculdade de Ciências considerado como emergência sanitária.
catástrofes é um ataque quí- poucos dias as mais de assegurou que existem mecanismos efi- de Lisboa.
mico ou biológico. A Orga- uma dezena de máscaras cientes para detectar e lidar com even- Em Portugal, a Direcção-Geral de Botulismo
nização Mundial de Saúde que tinha de reserva. O tuais casos. Saúde vem acompanhando a situação, A toxina do botulismo, produzida pela
(OMS) avisou já os governos uso de máscaras não é, “Durante a semana passada, actua- mas não tomou qualquer medida adi- bactéria “Clostridium botulinum”, é a
ocidentais para se prepara- contudo, suficiente para lizámos os nossos procedimentos para cional às que já existem no país para a substância com maior potencial mortífero
rem para possíveis ataques. uma total protecção, se- auxiliar os países a lidarem com inci- vigilância de doenças infecciosas. “Este de que se tem notícia. Vários países já
As vendas de máscaras de gundo o vendedor da dentes suspeitos”, disse Brundtland, problema não é novo”, afirma o sub- desenvolveram armas para a pulverizar
gás aumentaram na Grã-Bre- “Soldiers” Ricardo Mar- durante uma reunião da Organização director geral, Francisco George. Os sob a forma de aerossol. O botulismo
tanha devido ao medo de um reiros, já que é necessá- Pan-Americana de Saúde. A OMS man- mecanismos de alerta e resposta de que afecta o sistema nervoso e pode ser fatal,
ataque com armas químicas ria a utilização de fatos tém uma rede mundial de alerta e de o país dispõe são apropriados, segundo ao paralisar a respiração. A proporção de
ou biológicas. “Toda a gente de protecção, esses mais resposta a surtos de doenças infeccio- o mesmo responsável, que considera re- doentes que morrem, no entanto, caiu de
está a fazer pedidos de másca- caros — cerca de 15.000 sas, que tem actuado em situações mota a possibilidade de um ataque ter- 50 por cento para 8 por cento, nos últimos
ras de gás. Normalmente, te- escudos — e sem a mes- como a recente epidemia de cólera, rorista com recurso a armas biológicas 50 anos, devido à evolução dos cuidados
ríamos encomendas de profis- ma saída, pelo menos até no Uganda. Gro Brundtland insistiu, ou químicas. “Não é provável que isto médicos e ao desenvolvimento de
sionais. Mas agora há pedidos agora. LUSA anteontem, na ideia de que que uma aconteça”, diz Francisco George. “Os anti-toxinas.
monitorização atenta e uma resposta cidadãos podem estar tranquilos.”
rápida são vitais para lidar com o O Serviço Nacional de Protecção Ci- Peste pneumónica
bioterrorismo vil também não vê necessidade de medi- Esta doença é contraída sobretudo por
As preocupações da OMS coincidem das excepcionais, em função dos alertas inalação da bactéria “Yersinia pestis”.
com as suspeitas de que possam vir a de agora para o bioterrorismo. “Não Daí que a sua disseminação sob a forma
ser perpetrados novos ataques terro- temos nenhum plano específico para de aerossol seja preocupante. Mas o
ristas, utilizando agentes químicos ou um ataque deste género”, afirma a as- bacilo é sensível à luz solar e não
biológicos. Nos Estados Unidos, por sessora de imprensa, Gisela Oliveira. sobrevive mais do que uma hora ao ar
exemplo, foi reforçado o controlo so- A actuação da protecção civil orienta- livre. Instala-se nos pulmões e, sem
bre o uso de avionetas de pulverização se de acordo com o Plano Nacional de tratamento adequado, pode ter efeitos
O de campos agrícolas — que eventual-
mente poderiam ser utilizadas para
Emergência, que vale para qualquer
tipo de catástrofe ou acidente.
letais. Para evitar uma alta mortalidade, a
administração de antibióticos deve ser
multiplica os seus pontos por 5 lançar bactérias de doenças altamente O PÚBLICO contactou o Conselho feita nas primeiras 24 horas depois do
infecciosas sobre áreas densamente Nacional de Planeamento Civil de aparecimento dos sintomas.
CÓDIGO do dia 26 de Setembro povoadas. Emergência e o Ministério da Defesa
O sucesso de uma operação como es- Nacional, mas não conseguiu falar so-
BGR79U6G3 ta, no entanto, dependeria de muitos bre este assunto com qualquer respon- Fonte: Centers for Disease Control and
factores. No caso das armas químicas, sável, até ao fecho desta edição. I Prevention/EUA
1 6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA,26 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO PORTUGAL
Militares: Governo adia prova de fogo para 2002 brou mais do que uma vez
que Portugal não figura na
lista de países que foram pal-
co de transacções financeiras
Lei de Programação Militar O primeiro-ministro, António Guter- tado do PCP João Amaral afirmou, an- através dos deputados do PS, ainda pro- ou que albergaram os presu-
aprovada amanhã com res, justificou-se dizendo que é preciso tes do debate com o primeiro-ministro, pôs várias alterações à LPM, revelou míveis autores dos atentados
aprovar a LPM para não criar “instabi- “estranhar” a aprovação da lei, numa ontem António Guterres. Face à pressão nos EUA.
os votos do CDS-PP lidade nas Forças Armadas” e lembrou altura em que “há razões acrescidas” de Sampaio para que aquela lei fosse O líder parlamentar do PP,
que daqui a um ano será feita a revisão para a sua reponderação. aprovada pelos dois maiores partidos Basílio Horta, apelou tam-
A Lei de Programação Militar (LPM) é da lei (tal como fez o ministro Rui Pena A LPM a aprovar amanhã foi apre- como sempre aconteceu no passado, en- bém à “coordenação e con-
aprovada amanhã, em votação final glo- na comissão de Defesa). sentada pelo ex-ministro da Defesa Cas- viou essas propostas ao PSD para tentar centração” dos serviços de
bal, na Assembleia da República (AR), No entanto, actualmente está em vi- tro Caldas, na altura em que devia ser encontrar um consenso. informação e defendeu “mais
com os votos a favor do CDS-PP e os votos gor a 3ª LPM (1998-2003). Todos os anos feita apenas a revisão da que está em Os sociais-democratas consideraram meios técnicos, humanos e
contra dos restantes partidos. pares, a lei tem que ser revista, de mo- vigor. O ministro introduziu então um desde logo “insignificantes” as altera- jurídicos para assegurar efi-
A proposta do PSD de uma LPM in- do a que o planeamento em Portugal planeamento a 18 anos, em vez do habi- ções propostas e não viram satisfeita a cácia dos serviços de infor-
tercalar para os próximos dois anos acompanhe os ciclos bienais de plane- tual que era feito para seis anos (por exigência de um “plafond”. O PS propôs mação”.
— apresentada segunda-feira ao Pre- amento da NATO. causa da compra dos submarinos, o um maior acompanhamento do Parla- O líder do PSD, Durão Bar-
sidente da República e na sequência Vários deputados admitem que até quadro de investimentos é estendido mento das dotações de cada programa roso, por sua vez, lembrou a
de um apelo de Jorge Sampaio para a ao momento dessa revisão o reequipa- até ao ano 2035). e na transferência de verbas e fixou li- crise Veiga Simão, altura em
“adequação” da lei à luz das novas ame- mento militar não deverá avançar. O O que, no entanto, justificou a nova mites orçamentais para o “leasing” em que foram divulgados na co-
aças tornadas visíveis com os atentados programa que está mais avançado é o proposta foi a compra em regime de “le- cada ano. No entanto, esses limites são municação social o nome dos
terroristas aos EUA — caiu em saco dos helicópteros para busca e salvamen- asing” de vários equipamentos militares estabelecidos em contos e não em per- espiões do SIEDM. E apelou à
roto. Os sociais-democratas queriam to da Força Aérea, cujo concurso está sem limites, quando o que estava previs- centagem do investimento total, como reestruturação e à devolução
que nesses dois anos avançassem só os prestes a ter uma conclusão. to era apenas a aquisição de submarinos pretendia o PSD. Entre 2011 e 2035, o “lea- de operacionalidade.
programas de reequipamento conside- Sendo assim, o debate sobre a “ade- e num valor que não poderia ultrapassar sing” corresponde a mais de 99 por cento Tanto o PCP como o BE
rados prioritários. quação” da LPM às novas ameaças, os 20 por cento de todos os programas. das compras. abordaram a questão da se-
Ontem, o PSD voltou a insistir no que o Presidente quis suscitar com a O PSD opôs-se desde o início ao re- Essas propostas foram ontem também gurança interna realçando
assunto, transformando a LPM num mensagem enviada à AR na semana curso ao “leasing”, quando viu que a aprovadas na especialidade com os vo- os perigos das novas medi-
dos temas centrais do debate com o passada e a que o PSD procurou dar proposta de LPM fazia desaparecer a tos do CDS-PP. “Não havia alternativa das a este nível poderem vir
primeiro-ministro. “Em alguns casos, continuidade, vai acabar por ser trans- cláusula dos 20 por cento. Numa das suas para a compra de todos os equipamen- a atentar contra os direitos
as Forças Armadas estão à beira do ferida para o próximo ano. primeiras intervenções, Rui Pena aca- tos militares necessários”, justificava o democráticos. Carlos Carva-
colapso. Por que razão se obstinam em “Não há LPM intercalar, mas há um baria por responder que estava disposto deputado do PP, João Rebelo. O desfecho lhas alertou para um “des-
avançar com a LPM que já está desa- período intercalar”, admitia ao PÚBLI- a fixar um “plafond” para o “leasing” era previsível, pois desde o início que vario securitário” enquanto
dequada face às novas ameaças? (...) É CO o deputado do PS Eduardo Pereira. operacional. os democratas-cristãos disseram sim à Fernando Rosas falou mes-
um absurdo”, defendeu o presidente PCP e BE votam contra a LPM por dis- Durante o Verão, e depois de dois adia- LPM em troca da regularização das pen- mo na tentação de um “big
do PSD, Durão Barroso. cordar dos programas inscritos. O depu- mentos da votação da LPM, o Governo, sões dos ex-combatentes. H.P./S.J.A. brother securitário”.
D E S TA Q U E 17
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA,26 SET 2001
INQUÉRITO
PCP E BE
Finalmente REJEITAM 1. O que mudou no mundo?
2. Como devem e podem os Estados Unidos e os seus aliados responder
ANÁLISES a esta situação?
A
ntónio Guterres desfez ontem perante a tecer. Viver habitualmente nhamos esquecido. Reflectimos na nossa nova con-
Assembleia da República qualquer ambi- O PCP e o Bloco de Esquerda essa probabilidade é durís- dição. Valorizamos, de repente, aquilo, aquilo que se
guidade ou dúvida que poderia subsistir surgiram ontem em plenário Maria José simo. Obriga a duvidar das tinha subalternizado: a nossa matriz civilizacional,
— no fundo ou na forma, no geral ou no com uma posição idêntica: a Nogueira Pinto, certezas, a rever os concei- a nossa herança comum, o sentido das coisas, os
particular — sobre a posição do Governo português rejeição de que a crise inter- responsável pela tos, a reformular as práti- códigos de conduta, o bem e o mal em claro con-
em relação à barbárie terrorista que se abateu sobre nacional criada pelos atenta- área de relações cas. Reintroduz a necessi- fronto. A mão de Deus. Alguns, como sempre acon-
a América do dia 11 de Setembro. dos terroristas aos Estados internacionais da dade de reflectir sobre as tece, tentam reduzir a questão aos Estados Unidos.
O essencial é que estamos perante “actos de dimen- Unidos tem apenas duas saí- Secretaria de grandes questões que afli- É um pobre exercício em que nem eles acreditam.
são e consequências sem precedentes” que consti- das, ou a inacção conivente Cooperação gem a humanidade, incluin- Inofensivo, portanto, mas elucidativo de uma deso-
tuem “uma ameaça à segurança e à paz internacio- com o terrorismo ou a retalia- Ibero-Americana do a da sua própria sobre- nestidade intelectual que tanto tem prejudicado, nos
nais”. ção belicista. vivência. E a aceitar o facto nossos tempos, a reflexão sobre o que realmente
O essencial, disse o primeiro-ministro, é que Por- António Filipe, deputado de não existirem respostas para todas as perguntas. é importante, em benefício da constante projecção
tugal, membro da UE, da NATO e “aliado dos Esta- comunista, na sua interven- A nova bipolaridade que emergiu no passado dia 11 de falsas questões e problemas.
dos Unidos nos bons e nos maus momentos”, está ção de fundo garantiu que o de Setembro é profundamente inquietante porque,
disposto a assumir as suas responsabilidades no PCP condena sem equívocos ao contrário da guerra fria, esta parece não ter outra 2 — Como responder e quem está envolvido nesta
combate sem tréguas ao lado da América contra o qualquer forma de terroris- saída que o confronto. Qual? Como? Com quem? A resposta? Este é, realmente, o combate desigual por
terrorismo e os Estados que, de uma forma ou de mo, mas não aceita ficar re- NATO aplica o artigo 5º pela primeira vez, põe em excelência: meios, alvos, procedimentos, tudo dife-
outra, o patrocinam. Sem distanciamentos prudentes fém, nem da reacção mani- marcha a aliança com um Estado agredido e a co- re. Onde está o ponto nevrálgico do inimigo? E se é
nem qualquer espécie de teorias interpretativas dos queísta de George W. Bush, ligação das democracias ocidentais declara o ter- certo que não se recomenda a prática simples da lei
acontecimentos que pudessem perturbar a mensa- segundo a qual,”ou se está rorismo o seu principal inimigo. Mas na prática o de Talião, também é certo que a resposta aos actos
gem que quis finalmente passar para o país. É aqui com ele ou se está com os que significa isto? Tratar o terrorismo como uma terroristas de 11 de Setembro tem de ser exemplar
que estamos. São estas as nossas responsabilidades. terroristas”. E defendeu que realidade abstracta, sem território ou vinculação por uma questão de quase sobrevivência civiliza-
É a partir daqui que temos de reflectir sobre o mundo qualquer resposta tem de ser com Estados, é transformar um inimigo impiedoso cional. Mas, dada a natureza desta resposta, estarão
de injustiças e de conflitos em que vivemos, sobre as dada “no respeito pelo Direito numa espécie de fantasma. Combatê-lo como um os Estados habilitados para tal? Ou o modelo político
novas responsabilidades europeias, sobre a sombra Internacional, e em particu- inimigo clássico, utilizando estratégias e tácticas, é e económico é impeditivo de qualquer coisa próxima
de uma recessão que é preciso evitar, sobre os meca- lar pela Carta das Nações Uni- uma inutilidade. E, muito provavelmente, os Estados de um estado de excepção? E a opinião pública?
das e pela Declaração Univer- e as organizações internacionais não estão prepara- E o factor mediático? Como é que se desmantela
sal dos Direitos do Homem”. das para esta realidade. O mundo institucionalizado uma rede terrorista num mundo globalizado? Como
É legítimo perguntar porque esperou Também Fernando Rosas, está obsoleto e confundido face a uma ameaça que pode o Estado regulamentar em economias de mer-
falando em nome do BE, foi assenta na destruição de alvos civis e urbanos, na cado? Também neste ponto pisamos um terreno
António Guterres tantos dias para dizer peremptório em afirmar-se criação do pânico e na exploração dos sentimen- experimental. A excepcionalidade da situação vai
aos portugueses que há escolhas que têm como representante de “uma tos de insegurança dos cidadãos. Se podemos ser requerer medidas excepcionais. A novidade vai exi-
de ser feitas e responsabilidades esquerda que se sente no di- mortos nas nossas casas, nos nossos locais de tra- gir inovação. Mas o certo é que neste novo estado
reito de não ter de escolher balho, nas nossas ruas, e a arma que arremetem de coisas, as prioridades são diferentes. Saídos de
nacionais que têm que ser assumidas entre o sr. Bush e os talibã. contra nós, tão eficaz e destrutiva é, afinal, um avião uma espécie de bem-estar letárgico, os cidadãos
Uma esquerda que acredita comercial cheio de passageiros, então alguma coi- passaram a valorizar e a exigir outras coisas, a co-
na paz e numa ordem inter- sa mudou. Revive o conceito quase esquecido do meçar pela sua integridade física e segurança das
nismos de segurança que é preciso reforçar. nacional baseada na solução “salus populi”. Quem nos defende? Onde está o Es- suas famílias. Reforçaram o seu sentimento de per-
É legítimo perguntar porque esperou António Gu- dos conflitos, na justiça social tado? Para que serve? Depois de tantos anos em tença a uma comunidade de valores, a uma pátria, a
terres tantos dias para transmitir ao país esta men- e na democracia”. Já antes que o pensamento abusivamente dominante tratou uma solidariedade com um sofrimento muito próxi-
sagem. Para dizer aos portugueses que nada mais de Rosas, o outro deputado do os perigos como fantasmas, proclamou a morte das mo. E tendo visto os perigos, certamente estão, hoje,
será como dantes, que há escolhas que têm de ser Bloco, Francisco Louçã trata- ideologias, declarou a inevitabilidade do modelo glo- mais dispostos a correr os riscos de defenderem o
feitas e responsabilidades nacionais que têm que ser ra de rejeitar a classificação bal, aceitou a fragmentação dos poderes, desqua- que lhes pertence. E a pagar o preço.
assumidas. de neutralidade que tem sido
Portugal assumiu as suas responsabilidades “sem dada à posição assumida por
se pôr em bicos de pés”, disse também o primeiro- este partido.
ministro, respondendo, porventura, a algumas crí- Por sua vez, o líder do PCP,
ticas mais ou menos abertas sobre a forma como Carlos Carvalhas, tratou de
estava a liderar a crise. levar ao hemiciclo de São
Haverá também outras explicações de natureza in- Bento a tese das causas so-
terna, europeia e internacional para explicar a re- ciais do terrorismo. Ou seja,
lativa ausência do governo da primeira linha do questionou-se sobre se fosse Instituto da Comunicação Social
esclarecimento público sobre os acontecimentos e erradicada a fome, o analfa-
sobre a posição de Portugal face a eles. betismo, a mortalidade infan-
Internamente, foi preciso que Jorge Sampaio en- til “o mundo não seria mais
viasse uma mensagem à Assembleia e anunciasse
a convocação do Conselho de Estado e do Conselho
seguro”.
O primeiro-ministro fez INFORMAÇÃO
Superior de Defesa Nacional para que os aconteci- questão de separar os planos
mentos fossem colocados na sua verdadeira dimen- e, por mais de uma vez, sus-
são política. tentou que o combate ao ter- Em cumprimento do disposto no artigo 14.º, do Decreto-Lei
A posição comum da União, também ela sem ambi- rorismo não passa pelo com-
guidades sobre onde está a Europa neste combate, bate às injustiças, embora n.º 237/98, de 5 de Agosto, torna-se público que se encontra
assumida no Conselho Europeu extraordinário da se tenha assumido como um
passada sexta-feira, também ajudou António Guter- defensor do fim dessas mes- pendente de autorização para exercício da actividade de tele-
res. Finalmente, o facto de a própria América ter re- mas injustiças. “Independen-
agido com a “racionalidade” a que ontem o primeiro- temente das injustiças no visão, via cabo e satélite, a candidatura apresentada pela TVI
ministro apelou — rejeitando a via da vingança e mundo, há outros factores
do unilateralismo e deixando sem argumentos os que geram a irracionalida- - Televisão Independente, SA, com sede em Lisboa, para
que, por cá, precisavam de um qualquer “ataque de”, disse Guterres, subli-
justiceiro” para justificar o seu anti-americanismo nhando que “se alguém não explorar o canal temático de cobertura nacional, denominado
— permitiu a Guterres avançar em terreno seguro. tem qualquer legitimidade
Seja como for, sabemos agora onde estamos. Só foi pe- para representar as vítimas TVI Eventos.
na que Durão Barroso tenha, uma vez mais, perdido da fome é o multimilionário
a oportunidade única para esclarecer o Parlamento saudita, Bin Laden”. E insis-
qual é a posição do seu partido. É muito pouco dizer tindo na necessidade de estar Lisboa, 12 de Setembro de 2001
que, “de uma maneira geral” está de acordo com a ao lado dos EUA, respondeu
posição do governo. As palavras são armas poderosas a Carvalhas: “De alguma for-
e indispensáveis em ocasiões extraordinárias como ma era como se estivessemos A Presidente
aquela em que hoje vivemos. a desculpar o que foi feito e
causou horror a todos nós.” Teresa Ribeiro
S.J.A./H.P.
1 8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 26 SET 2001 G U E R R A AO T E R R O R I S M O P O N TO S D E V I S TA
A OPINIÃO DE
L
ogo a seguir aos atentados ter- Porém, o problema da classificação não é
SHLOMO AVINERI roristas contra as Twin Towers e apenas uma questão teórica. Os principais
o Pentágono, foi posta a questão dirigentes norte-americanos e europeus
P&R
A cruzada dos Estados Unidos contra
o terrorismo financeiro internacional Governo obrigado
De onde vem o dinheiro de Bin Laden?
De acordo com dados do Departamento de
O congelamento decidido por Bush será
eficaz?
a garantir coberturas
Estado citados pela revista “The Econo-
mist”, Osama bin Laden terá “herdado” do
seu pai, dono do maior grupo de construção
saudita, cerca de 300 milhões de dólares
Para já, muitos governos de países ociden-
tais, incluindo o português, têm dado mos-
tras de apoio à ofensiva do Presidente nor-
te-americana de controlar o dinheiro sujo,
de seguros nos aeroportos
(326 milhões de euros ou 65 milhões de con- mas esta “nova guerra” depende muito Seguradoras cancelam “A companhia de seguros tos de financiamento e “lea-
tos). Mas fontes próximas do reino conside- mais dos bancos, uma vez que, em última unilateralmente cancelou, a partir das 00.00 sing” dos aviões impõem às
ram este número exagerado. Em todo o ca- instância, são eles que detêm a identifica- horas de hoje [ontem], a cláu- companhias coberturas su-
so, qualquer que seja o montante, a parte ção dos titulares das contas e dos “domicí-
coberturas relativas a sula especial no contrato re- periores a 50 milhões de dó-
de Osama no grupo de seu pai foi confisca- lios” criados em países com sistemas mais actos de guerra e ferente à cobertura dos danos lares, nos casos de danos a
da e as suas contas bancárias congeladas favoráveis. terrorismo no sector causados a terceiros por ac- terceiros.
depois de o actual suspeito número dos É uma investigação difícil mas não impos- tos terroristas ou de guerra”, O despacho aprovado na se-
atentados nos EUA ter caído em desgraça sível, admitem analistas contactados pelo
aeroportuário. disse à Lusa Zew Blaufuks, gunda-feira afirmava que o
junto da família e do Governo no início dos PÚBLICO, dando o exemplo de situações de Prémios da TAP sobem porta-voz da gestora aeropor- Estado “assumirá transitó-
anos 90. A “fortuna” perdida terá sido re- “insider trading”, ou uso de informação 15 mil por cento tuária ANA. O mesmo pro- ria e excepcionalmente a res-
constituída e aumentada com doações se- privilegiada. Apesar de essas operações blema terá sido sentido pela ponsabilidade pela indemni-
cretas de milionários do Médio Oriente bolsistas já estarem liquidadas, pensam NAV-Navegação Aérea, que zação” dos seguros de riscos
amantes da causa e de organizações não que uma articulação concertada permitiria O Governo português alar- controla o tráfego aéreo no de guerra ou terrorismo, na
governamentais islâmicas, além de activi- descobrir os compradores. gou ontem às empresas gesto- território nacional. vertente de danos a terceiros,
dades ligadas ao crime, designadamente ras de aeroportos e de contro- Assim, as medidas toma- quando a sua cobertura ultra-
tráfico de droga e fraudes financeiras. A decisão afecta investidores honestos? lo do tráfego aéreo as medidas das pelo Governo são seme- passar 50 milhões de dólares
Sim. Se o congelamento é entendido como de garantia nos seguros que lhantes às que tinham sido “por ocorrência e agregado
“genericamente positivo”, por ser uma for- já tinha determinado para as anteontem adoptadas em re- anual, até ao limite anterior-
Onde está? ma de combater o terrorismo financeiro companhias aéreas, também lação às companhias aéreas, mente estabelecido”. Dois mil
Dada a sua proveniência no mínimo duvi- que sustenta acções de guerra ou atentados com efeitos a partir da meia- garantindo aos beneficiários milhões de dólares (2,1 mil
dosa, uma parte do dinheiro obtido é cana- como os de 11 de Setembro, também pode noite da passada segunda-fei- o pagamento de indemniza- milhões de euros), segundo a
lizada para bancos e outras instituições fi- mexer com os direitos individuais de um ra e pelo prazo de um mês. ções, em caso dos riscos visa- TAP, valor que inclui danos
nanceiras em países e paraísos fiscais onde grande número de investidores que até ago- Em causa está o cancela- dos pelas seguradoras, até ao contra aviões e passageiros.
a supervisão não existe ou é muito rudi- ra beneficiavam do sigilo bancário e dos mento unilateral a partir da limite anteriormente estabe- A subida de despesas com
mentar. Outra parte, depois de devidamen- regimes de “off-shore”, vulgarmente desig- mesma data, da parte das se- lecido. os prémios de seguros já se
te lavada, designadamente através de em- nados por paraísos fiscais, para desenvol- guradoras, das coberturas re- No caso do transporte aé- está a fazer sentir: Os encar-
presas criadas por bin Laden quando se verem as suas actividades. lativas a riscos de guerra e reo, o mercado de seguros op- gos anuais suportados pela
instalou no Sudão em 1991, é aplicada em terrosismo no que respeita tou por limitar a cobertura TAP para cobertura de riscos
grandes centros financeiros internacio- às empresas gestoras de ae- dos danos a terceiros devi- de guerra vão crescer 15 mil
nais, desde Nova Iorque a Londres, passan- roportos, prestadores de ser- dos a actos de guerra ou ter- por cento, de acordo com esti-
do por Zurique, Paris e Frankfurt. Aliás, há viços de controlo de tráfego rorismo a um “tecto” de 50 mativas de uma fonte da em-
fortes indícios de que organizações terro- aéreo e outros prestadores de milhões de dólares (54,3 mi- presa, ao passarem de 11,6 mil
ristas efectuaram operações vultuosas, es- serviços nos aeroportos por- lhões de euros), aumentando contos (57,8 mil euros) para
pecialmente na Europa e Japão, antes dos tugueses, explica o preâmbu- ao mesmo tempo os respec- 1,750 milhões de contos anu-
atentados terroristas de 11 de Setembro. lo do despacho conjunto dos tivos prémios. Uma medida ais (8,730 milhões de euros)
Finalmente, uma terceira parte do dinhei- Ministérios das Finanças e que estava a pôr em causa a devido ao aumento do prémio
ro é conservada em “cash”, não entrando do Equipamento Social, a que operação das companhias aé- imposto pelas seguradoras. I
no circuito financeiro. o PÚBLICO teve acesso. reas, uma vez que os contra- INÊS SEQUEIRA, COM LUSA
em colaboração com a
Diz-se
“A crise político-económica
Falta de ar
que o mundo vive depois dos funciona e o capitalismo não alimenta as coisas da
ataques terroristas aos Esta- alma. “God Bless America”, comedidamente, Alá LURDES FERREIRA
dos Unidos constitui, para o é grande e Maomé o seu profeta. Que se entendam
O U S I M O U S O PA S
Governo português, um segu- os deuses na ociosidade da corte celestial e que
ro de vida e um álibi.“ tratem de domesticar os seus diabos e não nos
NICOLAU SANTOS chateiem. Nós não somos Pókemones e o nosso
“Expresso on-line“, 25-9-01
O
fotos dos jornais e a imagem das televisões
provar a inocência, mas que, sidente Bush não se cansa de pregar Sentir do fim a apanharam. Um jornalista escrevia que,
em vez disso, precipitam a põe-nos numa nervoseira de miolos quase um começo à primeira vista, era difícil suspeitar de
condenação.” fritos. A geo-estratégia, a globalização, O grão de areia na base do rochedo uma mulher com um discreto ar de dona-
MANUELA FERREIRA LEITE a guerra santa, as torres, o terrorismo, o livro de Sob a grossa capa do tronco, de-casa de meia-idade, a quem a justiça
“Jornal de Notícias“, 25-9-01 S. Cipriano, o Apocalipse, o Corão, o petróleo, os um fungo a remoer secreto espanhola acusa de ser uma das responsá-
israelitas, o Dow(n) Jones, os milhares de mortos, o O impossível acto de pensar veis do maior escândalo financeiro dos úl-
“Num quadro de guerra, os frenesim televisivo, crónicas para todos os gostos, a lisura perpétua da pedra timos anos no país. Com tantas descrições,
cidadãos querem governos sondagens, um ambiente indisfarçável de racismo, a árvore do triunfo da vida também cabia a da avó tranquila de pele
estáveis. E só aceitarão a sua a NATO, tudo, tudo, mais as coisas cá de casa, a e cabelo bem cuidados, ela que dirigia uma
substituição, se a alternativa torneira que pinga, o orçamento, as autárquicas, o Não mais um passo sem temer sociedade de investimentos de ilustres
for tão forte que se imponha futebol, o Big Breda, os Olhos d’Água, o Rangel na que falso pode ser clientes, mas atingida por uma descapitali-
com toda a evidência. Como RTP, a conta do telemóvel, o IRS, o começo das au- A moinha tomada por acaso, zação rápida e encoberta até ao impossí-
não é esse o caso...” las, a cidade sem carros,… a vida é difícil, que bem um sobressalto vel, através de uma alegada teia de influ-
NICOLAU SANTOS que se estava no campo a enrolar mensagens em Sem percalço ou indiferença ências. O buraco, dizem as autoridades
“Expresso on-line”, 25-9-01 canudos para pôr nas patas dos pombos-correio e não mais espanholas, é de 18 mil milhões de pesetas
nas garrafas flutuantes dos náufragos da vida. Que o tempo corra (21,6 milhões de contos, ou 108 milhões de
“Antes mesmo da distracção feliz que é aquele jovem do anúncio do champô euros), pelo menos. Ou seja, dinheiro que
Bin Laden, uma maioria de que diz que os cabelos são a coisa mais importante Os dias todos por desconto se esfumou em ruinosos negócios consecu-
portugueses possivelmente da vida dele. Também o Sansão pensava e depois na imperfeita matemática tivos, como só os períodos de especulação
distraídos (...) deu a Durão foi o que foi. Qualquer “skinhead” devia saber. da vida a subtrair, financeira e a sua respectiva ressaca sa-
Barroso o primeiro lugar nas Não há capacidade para processar esta infor- a esvaziar a taça bem fazer. Em qualquer época ou país.
intenções de voto para elei- mação toda, é o que eu acho. Já sabemos, desde o nunca cheia O rol de acusados no processo é tão impres-
ções legislativas. Que maior velho Testamento, que as torres são um assunto sionante como o dos clientes da famosa
prova de distracção poderiam que irrita os deuses e disso a Babilónia tem ampla Cegos de futuro Gescartera que perderam o rasto ao seu
dar os portugueses?” experiência e se “altas são as torres, o poder é os olhos, dinheiro. De um lado, gente do mundo da
JOÃO PAULO GUERRA alto”, também já o poeta escreveu e o poder em à brancura das noites finança, um ex-secretário de Estado demiti-
“Diário Económico”, 25-9-01 doses excessivas dá sempre bronca da grossa. Para condenados do, irmãos, noivos, um cantor-manager,
guerras santas já tivemos as Cruzadas e já nessa ligações políticas e partidárias e a última
“Com este Governo desorien- altura a coisa deu para o torto e Portugal não per- A negação da luz presidente do órgão regulador do mercado
tado e esta oposição tres- tencia à NATO, não havia NATO mas conquistou- na breve chama bolsista, que resistiu à demissão também
malhada, não sei se consigo se Lisboa aos mouros. A História, afinal, repete-se, acesa até ao impossível. Do outro, investidores
refrear por mais tempo, o pe- a Geografia é que muda. David arrumou o Golias que procuravam apenas o alto lucro pelo
queno e ágil terrorista que há no primeiro assalto com uma pedrada. As pedras A vida dos remorsos alto risco, al-
em mim...” da Palestina convertem-se em aviões, parece que Nos armários, guns deles sur-
CARTOON DE MAIA com alguma facilidade porque é tudo uma questão preendentes, O livrinho que
“24 Horas”, 25-9-01 de balística com menor ou maior virtuosismo a peste! como a Igreja adolescentes
tecnológico e disponibilidade orçamental. Guerra católica. E no
“Por mim, pelo que estou a química já fez Jeová quando quis tirar o seu povo Saiu negro como os tições. Não correm os tem- meio, quem se
transformam na
ver, pelo potencial que vejo do Egipto com os gafanhotos transgénicos e a pos de feição e as intrusões poéticas requerem ou- situou nos dois porta para a sua mais
que tem, (...) o Sporting, este tinturaria vermelha do Nilo. De mártires e suici- tra pedalada. Foi o que se pôde arranjar e escrevê- lados do tabu- secreta intimidade
ano, tem equipa, tem trei- das estão as religiões cheias. O ecumenismo não lo aqui já é arriscar muito. I leiro, como a
nador, tem dirigentes e tem
também foi o
poderosa fun-
massa associativa para ser dação ONCE. esconderijo de uma
campeão.” P A R A G U E R R A S S A N TA S já tivemos as Cruzadas e já nessa altura a coisa mulher cuja idade as
A discreta do-
JORGE COELHO deu para o torto e Portugal não pertencia à NATO, não havia NATO mas conquistou-se na-de-casa, fotos confundem,
“O Jogo”, 25-9-01 Lisboa aos mouros. A História, afinal, repete-se, a Geografia é que muda avó-tranquila,
com mais de 20
mas que andará nos
anos de experi- finais dos 50
“O conto do vigário de Vale e ência do mun-
Azevedo parece não ter limi- STEPHEN HIRD/REUTERS
do financeiro,
tes. Mesmo em prisão preven- presidente da Gescartera, tinha um diá-
tiva, o ex-presidente consegue rio. Partes dele circulam na Internet e
tirar partido de tramitações constitui até à data a principal prova da
processuais para enganar a acusação.
justiça e criar um novo pesa- O livrinho que adolescentes transformam
delo ao Benfica.“ na porta para a sua mais secreta intimidade
MANUEL TAVARES também foi o esconderijo de uma mulher
ibidem cuja idade as fotos confundem, mas que an-
dará nos finais dos 50. Em vez de páginas
imaculadamente limpas, ela, a principal
“Já há adeptos do Benfica suspeita, tomou por diário uma agenda de
a exigir uma chicotada psi- várias linhas e horas, com dias e meses em
cológica. Estes tipos nunca inglês, de produção industrial. Pelas várias
estão satisfeitos com o que linhas ao alto, escrevia a correr uma intimi-
têm. Querem um estádio no- dade feita de reuniões de negócios, de esta-
vo, querem um treinador no- dos de espírito, nas datas certas. “Preocupa-
vo...” ção! Não param a investigação”, escreveu
“CARTOON” DE LUÍS AFONSO quando percebeu onde tinha chegado a in-
(Barba e Cabelo) vestigação da comissão do mercado de valo-
“A Bola”, 25-9-01 res mobiliários. Também anotou que estava
“pessimista”, confessa revelações tardias,
“Esta ânsia desesperada de comenta reuniões urgentes e num dos dias
entrar na faculdade ou no aponta: “Começámos a limpar.”
politécnico tem a ver com As frases breves de, pelo menos, um ano de
uma realidade que se tor- escândalo saíram da sua existência reser-
nou particularmente clara vada e fazem agora parte de um conjunto
há já vários anos: o país de documentos judiciais a que o mundo
quer, à força, ser uma nação inteiro tem acesso, através das páginas do
de doutores.” elpais.es. O diário de Pilar, longe de ser
GONÇALO PEREIRA literário, é uma porta aberta à intimidade
“24 Horas”, 25-9-01 do dinheiro. I
E S PA Ç O P Ú B L I C O 23
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 26 SET 2001
Guerra
contra incertos EDUARDO PRADO COELHO
O FIO DO HORIZONTE
N
ão creio que se possa falar,
tanto a nível da opinião pú-
blica nacional como interna-
cional, em unanimismo nas
ritário. Em Portugal, bate-nos até preco-
cemente à porta com a revisão extraordi-
nária da Constituição, negociada entre
os partidos do Governo e da direita parla-
A interrupção
reacções ao ataque terrorista de que, há mentar: vai cair do seu texto, sob proposta
A
duas semanas, foi alvo a população dos do PP, ultrapassada em zelo policial pelo primeira reacção perante os
EUA. É claro que o terrorismo que elege PS, a norma emblemática que garantia acontecimentos recentes nos
“raças” e povos como alvos globais e ataca FERNANDO ROSAS o princípio da inviolabilidade nocturna Estados Unidos da América, fa-
gente inocente, ainda por cima da forma do domicílio pelas polícias. E o PS e o ce à tendência para se procla-
inusitadamente selvática como o fez em PSD parecem ter chegado a acordo para, mar de imediato (talvez com razão) que
Nova Iorque e Washington, que dá de ban- de alguma forma, anular ou esvaziar o tínhamos entrado de facto no século XXI
deja aos meios mais agressivos e belicis- aliados e os serventuários dos EUA. Fi- art.º 33.º da Constituição, que impede a e que nos encontrávamos em guerra, foi
tas, dentro e fora dos EUA, o pretexto para nalmente, mas principalmente, responde extradição para países que apliquem a a de procurarmos ver o maior número
a escalada armamentista e securitária à morte de inocentes com mais morte prisão perpétua. Para que Portugal não possível de imagens, agarrados desespera-
e para todas as aventuras de expansão e de inocentes: ainda não começaram os se torne num santuário de terroristas! damente às televisões, e a de devorarmos
domínio, é claro que tal cegueira fanáti- famigerados “bombardeamentos cirúr- Como se durante mais de um século de jornais em todas as línguas acessíveis. Os
ca não defende os mais pobres e os mais gicos” e já no Afeganistão há milhares diferença entre o nosso país e o geral dos dois movimentos tinham algo de compen-
fracos, não luta por um mundo menos de vítimas de fome e de doença causadas demais, algo de similar tivesse aconteci- satório: das imagens, vinha a nossa im-
iníquo e mais justo. O terrorismo funda- pelo abandono das ONG, cuja segurança do. Como se não houvesse leis e tribunais possibilidade de compreender, a dificul-
mentalista não é desculpável e os seus os EUA não garantem. Sorte cruel esta a em Portugal capazes de agir, também em dade em integrar o ocorrido nas redes de
responsáveis devem ser punidos. E aqui do povo mártir afegão, entalado sem saí- cooperação internacional, contra a crimi- representação habituais. Da leitura, che-
se dividem irremediavelmente as águas: da entre a opressão do regime dos taliban nalidade organizada. Como se esta dife- gavam esquemas interpretativos que, par-
como, em nome de que valores e com e a iminência de um ataque americano, rença não fosse honrosa e demonstradora tilhando mais ou menos o mesmo trauma,
que métodos, se pode responder inter- de que será sempre o mais castigado e o de uma visão precocemente progressista procuravam superá-lo através de argu-
nacionalmente à desordem, à injustiça, mais indefeso dos alvos. da sociedade e do direito penal, que agora mentações relativamente sustentadas.
ao desespero, à frustração onde o obscu- É este carácter gratuito e de desforço se quer fazer recuar em nome de critérios O que menos interessava era o que remetia
rantismo fundamentalista recruta esse que torna a guerra americana não só de eficácia policial. para o passado. Podemos afirmar (como
“lumpen-islamismo” que é o seu terreno inútil operacionalmente, como moral- Mas, sob proposta do comissário euro- notou Diogo Pires Aurélio entre nós) que
social de apoio? No meu entender, a reta- mente injusta. O que faz de qualquer peu António Vitorino (candidato à duvi- alguns tinham previsto em termos muito
liação militar e política para que o Gover- comparação entre ela e a guerra anti- dosa fama de matamouros das liberda- claros e incisivos que isto poderia aconte-
no dos EUA está a arrastar cer: é o caso de Paul Virilio (veja-se a sua
a UE, e não só, é a pior e a entrevista recente em “El País”). Mas, tal
mais perigosa das respos- como Emmanuel Todd previu, através da
tas a esta crucial interro- O S G O V E R N A N T E S A M E R I C A N O S introduziram como estratégia de reacção leitura das taxas de mortalidade infantil,
gação. a queda da URSS, e ninguém acreditou,
Em primeiro lugar, por- um novo e inquietante conceito: o da guerra contra incertos, uma vez que, no caso podemos dizer que Virilio previu qualquer
que os governantes ameri- presente, o inimigo não coincide com um regime, um Estado ou um território precisos coisa que ele próprio acharia que, se ou-
canos introduziram como tros começassem também a prever, surgi-
estratégia de reacção um riam condições que a iam tornar impossí-
novo e inquietante concei-
to de política internacional: o da guerra
contra incertos, uma vez que, como to- nazista um exercício absurdo e anti- des públicas), está a chegar o pacotão das Esta guerra já não é a guerra
da a gente percebeu, no caso presente o demagógico. Hoje, os que se opõem ao medidas UE, já aprovado pelos chefes de que conhecíamos antes da
inimigo não coincide com um regime, terrorismo islâmico e ao contraterror Estado e de governo: generosa definição interrupção. É a guerra em que
um Estado ou um território precisos. Ao retaliatório não capitulam, combatem. padrão do crime de terrorismo em termos ninguém sabe o que é a guerra
furtarem-se a considerar o atentado de Dizem que as respostas existem e são de abarcar o que foi sendo preciso, manda-
que foram vítimas como um ataque terro- necessárias, desde as mais imediatas em to europeu de busca e captura que passa
rista típico (a despeito da anormalidade termos de fazer justiça com justiça, às por cima das restrições à extradição, etc. vel. Isto é, previu, mas de certo modo não
das suas trágicas proporções), a escla- mais graduais. Mas, em qualquer caso, Decididamente, esta Europa que não con- viu, pela simples razão de que ninguém
recer e punir no quadro da cooperação, para se obter uma paz durável, elas são segue pôr em comum salários mínimos, era capaz de ver o que nos foi dado ver, e
da informação e justiça internacionais, indissociáveis do advento de uma nova nem direitos sociais, nem pleno emprego, que nós começámos por remeter para o
ao preferir a guerra contra incertos, os ordem mundial. nem taxa Tobim, só mostra ser eficaz com domínio da ficção e do cinema.
EUA deixam claro que querem atacar Em segundo lugar, como bem suge- o mercado, a banca e as polícias. Estas Há— é inevitável que assim seja— uma
quem, como e quando quiserem, durante riu M. Villaverde Cabral (“DN”, 21/09), duas sem controlo político-parlamentar, compreensível tendência para utilizarmos
o tempo que quiserem, completamente porque este tipo de guerras, as guerras e as polícias com uma mais do que duvi- a fórmula “como íamos dizendo”. Assim,
à margem dos sistemas de segurança co- contra incertos, sobretudo quando se dosa eficácia do controlo judicial trans- uns afirmarão que, como íamos dizendo,
lectiva das Nações Unidas ou de qualquer lhes dá fumos de santidade, convivem nacional. o acumular de contradições no espaço do
outra fiscalização política ou judicial mal com as instituições das sociedades Talvez sem se darem conta disso, os capitalismo mundializado, e a inexistência
que não seja a decorrente dos seus inte- democráticas. Por um lado, com o seu governantes actuais da UE, lamentavel- de uma alternativa política estruturada,
resses imperiais. E arrastam a Europa tom de cruzada, revisitam o pior mani- mente dobrados sob a pressão americana, criava as condições para que este grito inar-
não tanto para que ela combata, mas para queísmo da guerra fria. Usando de uma repetem o erro trágico daqueles liberais ticulado que é o terrorismo ganhasse uma
que se cale e colabore na “retaguarda” límpida lógica texana, Bush encarregou- que, nos anos 20 e 30 do século passado, em inquietante e criminosa expressão. Outros
com o reforço da “segurança interna”, se se de comunicar ao Congresso dos EUA e nome da luta contra perigos e vícios vá- afirmarão que, como íamos dizendo, o en-
necessário à custa das liberdades. A mui- ao mundo que nesta sua guerra ou se rios, em nome da segurança, ou da eficá- fraquecimento dos valores da defesa da
to provável ineficácia militar da guerra está com os EUA ou se está com o terro- cia, ou da moralidade, aceitaram, sempre liberdade e do capitalismo, que g