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Uma selecção

das páginas
do PÚBLICO
sobre os ataques
terroristas nos
EUA, a invasão do
Afeganistão,
a guerra no Iraque
s
e as consequência
dos na
dos atenta
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e
11 de Set
O 11 de Setembro
revisitado
Por Bárbara Reis
Na contagem decrescente para o aniversário dos acompanhámos os desenvolvimentos ao longo da
10 anos do 11 de Setembro não faltaram análises noite e na manhã seguinte publicámos uma edição
a tentar demonstrar que nos últimos anos especial de 32 páginas, que escrevemos durante a
houve acontecimentos mais importante do que, madrugada. No ano seguinte, fizemos uma nova
precisamente, o 11 de Setembro. edição especial de 64 páginas exclusivamente
Das guerras do Afeganistão e do Iraque, resultado dedicadas ao tema. “Um ano depois o que mudou
directo do ataque terrorista contra os Estados na América e no mundo? Quase tudo ou quase
Unidos, à falência do banco Lehman Brothers, nada?”.
os últimos dez anos foram marcados por crises Hoje, dez anos depois, sentimos que vale a
e revoluções que mudaram o mapa geopolítico pena olhar para trás e procurar pistas e respostas.
e as mentalidades como o 11 de Setembro não Esta selecção de mais de 1100 páginas da edição
fez. Apenas duas, as mais óbvias: a emergência impressa do PÚBLICO (em formato PDF) narra ao
da China e da Índia, que recentrou o mundo na pormenor a marcha da história. Inclui todas as
Ásia, e o nascimento das redes sociais, que mudou edições de 11 Setembro que fizemos nos últimos dez
para sempre a forma como comunicamos. São anos, mas também o especial de 32 páginas do dia
transformações globais, que tiveram e estão a ter 12 de Setembro de 2001. São reportagens de Nova
impactos estruturais na vida política, económica Iorque a Islamabad, análise, opinião, entrevistas e
e cultural de todo o planeta. Em dimensão comentários de historiadores, escritores, políticos,
semelhante, talvez, a um outro acontecimento filósofos e artistas. Falam Timothy Garton Ash,
anterior a tudo isto – a queda do Muro de Berlim, José Saramago, Robert Frank, Kofi Annan, Jorge
em 1989, que da noite para o dia transformou a vida Sampaio, Henry Kissinger, entre muitos outros.
de milhões de pessoas. E talvez, ainda não sabemos, Escolhemos também trabalhos sobre os momentos
em dimensão semelhante à Primavera Árabe. que anteciparam as guerras do Afeganistão e do
Agora, claro, é fácil dizer isto. Há 10 anos, quando Iraque.
as Torres Gémeas caíram perante os nossos O 11 de Setembro não mudou o mundo, mas
olhos e o nosso horror, começámos por não ter marcou para sempre as nossas vidas. Todos
palavras e num ápice passámos a sentir que o fim sabemos onde estávamos no momento em que as
do mundo vinha aí. Provavelmente, não poderia Torres Gémeas caíram e todos sabemos as horas
ter sido de outra forma. Nos primeiros dias, nos que precisamos para entrar num avião. Esperamos
primeiros anos, o 11 de Setembro definiu as nossas por isso que esta leitura global permita pensar no 11
vidas. Nesse dia, como em todas as redacções do de Setembro com um outro olhar.
mundo, ninguém do PÚBLICO dormiu. No site Directora
Quero lá saber
das torres

Por Ana Gomes Ferreira (correspondente do Público na altura dos ataques)


Uma imagem não vale mais do que mil víamos o desastre, era com esse número que
palavras. Não hoje. trabalhávamos.

Pedem-me para me pôr dentro do texto. Nos dias seguintes, surgiram em Nova Iorque
Estava lá. Vi a segunda torre cair. Mas que painéis efémeros, feitos de quadradinhos de
memória posso eu ter do 11 de Setembro fotografias. Tudo gente a rir, que ninguém
que não tenhamos todos? Os aviões no céu, espera ser fotografado para ir parar a um
o fogo, o fumo, os bombeiros a ir para cima quadro de desaparecidos. Mais uns dias e
quando o prédio já ia para baixo, as mãos na pediram as escovas de dentes, as escovas dos
boca porque quase ninguém conseguia gritar, cabelos, qualquer coisa com ADN.
gente a olhar para a torre perfeita feita de pó
quando a de matéria já estava no chão. Alguns, desapareceram na fornalha dentro
dos prédios. Alguns foram desfeitos por
No World Trade Center entravam todos os milhões de toneladas de betão e vidro e
dias 250 mil pessoas. Entravam para cozinhar ferro. Alguns estatelaram-se – pareciam sacos
no restaurante, para limpar corredores, de cimento a cair. Ouvi depois dizer num
para mudar lâmpadas, para trabalhar nos documentário.
escritórios, para ir a reuniões, para ser turista,
para apanhar o metropolitano, para entrar no Não sabemos o que passaram, o que
comboio, para comprar chocolates na Godiva. sofreram, o que decidiram. Sabemos que
Às oito da manhã, a ocupação média seria de alguns saltaram em voo picado de mais
30, 40, 50 mil pessoas. Lá em baixo, enquanto de cem andares – mil graus lá dentro,
ficar para quê? É de um desses a imagem Iorque. Lembro-me delas. Lembro-me dos
que representa todos os mortos do 11 de mil graus lá dentro, dos sacos de cimento a
Setembro. cair cá fora. Quero lá saber das torres que são
tão recordadas; ou da cidade tão heroicizada;
Um homem em voo picado numa imagem ou das guerras a seguir e das vinganças
horrível e bela. Repare-se no corpo em justiceiras.
pose perfeita, quase num sereno passo de
dança, a perna recolhida, a roupa alinhada, Lembro-me de ouvir as gravações dos
os braços junto ao tronco. Horrenda como telefonemas de despedida e de não haver
é, não basta esta imagem para definir o dia. ilusões, ali.
Há que ver toda a sequência de 12 fotografias
para percebermos que é um voo de agonia do Gostava que mostrássemos aqueles rostos
princípio ao fim. parados no tempo. A rir em festas de família
de há dez anos atrás. Rostos descontraídos
O vento empurra-o para baixo, empurra-o em férias, alegres com os amigos.
para cima, empurra-o para o lado, anda com Não, uma imagem não vale por mil palavras.
ele aos pontapés, como uma onda brava faz Hoje, são precisas 2977* imagens.
a um náufrago no mar. O homem afoga-se no
vazio.
*Número de mortos em Nova Iorque,
Nunca mais se viu, o corpo do 11 de Setembro. Washington e Pensilvânia; terroristas não
Como nunca mais se viram as caras de Nova incluídos
Índice
2001
37 edições, 1 edição especial de 32 páginas
aReportagens da correspondente do PÚBLICO em Nova Iorque, Ana
Gomes Ferreira, e do enviado aos EUA e ao Paquistão, Adelino Gomes.
Reportagens da enviada ao Paquistão, Alexandra Lucas Coelho e da
enviada ao Tajiquistão, Alexandra Prado Coelho.

a Opinião e análise de Álvaro Vasconcelos, Amos Oz, Alfredo Barroso, Ana


Vicente, António Barreto, António Lobo Xavier, Augusto M. Seabra, frei
Bento Domingues, Carlos Gaspar, Cláudio Torres, Eduardo Cintra Torres,
Eduardo Prado Coelho, Fernando Rosas, Francis Fukuyama, Hamed
Rashid, Henry Kissinger, Ivan Nunes, José Manuel Fernandes, José Manuel
Pureza, José Miguel Júdice, José Pacheco Pereira, D. José Policarpo, José
Ramos-Horta, José Saramago, José Souto Moura, José Vítor Malheiros, Jorge
Almeida Fernandes, Kofi Annan, Luís Afonso, Maria Filomena Mónica,
Maria de Lurdes Pintasilgo, Miguel Sousa Tavares, Nuno Pacheco, Paulo
C. Rangel, Pedro Bacelar de Vasconcelos, Pedro Magalhães, Robert Fisk,
Robert Harris, Robert Wright, Teresa de Sousa, Timothy Garton Ash, Vaclav
Havel e Vital Moreira.

a Diário de Nova Iorque do escritor Pedro Paixão.

aO que mudou? Perguntas a várias personalidades portuguesas sobre a


nova ordem mundial depois dos ataques.

a Entrevistas a David S. Landes, Noam Chomsky e Robert Frank.

a 12 de Setembro, o dia depois: edição especial de 32 páginas, com


reportagens da correspondente do PÚBLICO em Nova Iorque, Ana Gomes
Ferreira.

a Infografias dos ataques.

a Cronologia dos acontecimentos.

a Análise de Margarida Santos Lopes.

a Opinião de Francisco Sarsfield Cabral e Teresa de Sousa.


2002
3 edições, 1 edição especial de 64 páginas
a Edição especial - Um ano depois o que mudou na América e no mundo?
As marcas da dor na pele de Nova Iorque e Nova Jérsia; o dilema entre
segurança e liberdade; como Bush quer proteger os EUA; a América e a
Europa, o Ocidente e o Islão; os sinais da cultura popular.

aReportagens da correspondente do PÚBLICO em Nova Iorque, Ana


Gomes Ferreira, e do enviado aos EUA, Pedro Ribeiro.

a Sondagem: os portugueses não querem ataque a Bagdad.

aTexto exclusivo: Jorge Sampaio contra as tentações de uma guerra fora


do quadro da ONU.

aEntrevistas a Abdool Karim Vakil, Ahmed Rashid, Dominique Moïsi,


Nicole Gnesotto, Robert Kagan, William Hopkinson.

a Opinião e análise de Álvaro Vasconcelos, António Barreto, Augusto M.


Seabra, Eduardo Cintra Torres, Eduardo Prado Coelho, Joaquim Fidalgo,
José Manuel Pureza, José Pacheco Pereira, Karim el-Gawhary, Luís Afonso,
Miguel Sousa Tavares, Nuno Severiano Teixeira, Paulo C. Rangel e Teresa de
Sousa.

2003
6 edições, 1 edição especial sobre o início da guerra
aReportagens do correspondente do PÚBLICO em Nova Iorque, Pedro
Ribeiro e dos enviados à região do conflito Adelino Gomes, Paulo Moura,
Alexandra Lucas Coelho e Alexandra Prado Coelho.

a Opinião de António Caeiro, Edgar Correia, Eduardo Prado Coelho,


Eduardo Lourenço, Esther Mucznik, Fernando Rosas, José Pacheco Pereira,
José Vítor Malheiros, Miguel Sousa Tavares, Nuno Pinheiro Torres,
Pedro Paixão, Teresa de Sousa e Timothy Garton Ash.

a Entrevistas a George Joffé, William Hopkinson.


2004
1 edição, 3.º aniversário

aReportagens do correspondente do PÚBLICO em Nova Iorque, Pedro


Ribeiro.

a Entrevista a António Vitorino, Daniel Keohane, Dominique Moïsi.

a Opinião de Eduardo Lourenço, John N. Palmer, Walter Laqueur.

2005
1 edição, 4.º aniversário
a Artigos de Adelino Gomes, Alexandra Prado Coelho, Sofia Lorena, Rita
Siza e Teresa de Sousa.

2006
1 edição, 5.º aniversário
a Reportagens da enviada do PÚBLICO a Nova Iorque, Rita Siza.

aArtigos de Alexandra Prado Coelho, Graham Usher, Isabel Arriaga e


Cunha, Sofia Lorena e Teresa de Sousa.

a Opinião de Pedro Magalhães.

2007
1 edição, 6.º aniversário
aP2: reportagem de José Pedro Frazão em Shanksville, Pensilvânia, o local
onde caiu o avião do voo 93 da United Airlines.

2008
1 edição, 7.º aniversário
a Artigos de Alexandra Prado Coelho, Sofia Lorena e Teresa de Sousa (P2).
2009
1 edição, 8.º aniversário
a O primeiro 11 de Setembro da era Obama. Texto de Rita Siza,
correspondente em Washington.

2010
1 edição, 9.º aniversário
aA América dividida por causa da construção de uma mesquita perto
do Ground Zero. Reportagem de Kathleen Gomes, correspondente em
Washington.

a Textos de Francisca Gorjão Henriques e Rita Siza.


2001
2001
12 Setembro
EDIÇÃO
ESPECIAL10 0$0 0
www.publico.pt

QUA12SET
E D I Ç Ã O N AC IONAL
12 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4194
100$00 • €0,50 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico.pt

AMÉRICA
PROMETE
VINGANÇA
Imprensa americana empurra
Bush para retaliações | Vendaval
devasta bolsas mas dólar sustém
queda | UE teme consequências de
“acto de guerra” | Porque é que
Bin Laden odeia a América | Os
efeitos no Médio Oriente | Defesa
antimísseis posta em causa
HUBERT MICHAEL BOESL/EPA
2 ESPECIAL
PÚBLICO•QUARTA -FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

Bush promete punir “os terroristas


e os países que os acolhem”
BIN LADEN PRINCIPAL SUSPEITO às operações de salvamento. “confiantes” em que os ata- estão prontas”, disse o general que ao edifício. “Não quero
Não se sabe o número de ques foram planeados, e reali- Shelton, a primeira figura do avançar números. Havia gen-
mortos, estima-se que só em zados, pela organização de Osa- Exército e chefe das operações te viva e a mexer a ser levada
Mais importante do que aquilo que disse, foi o Nova Iorque possam ser dez ma Bin Laden, o milionário de emergência do Pentágono. para os hospitais”, disse Ru-
que omitiu. George W. Bush não fez uma mil. Ontem à noite estavam de- saudita que declarou guerra Um último dado importante msfeld, cuja parte principal do
declaração de guerra, mas deixou claro que se saparecidos 200 bombeiros e aos Estados Unidos — primei- no discurso de George W. Bush discurso foi, tal como aconte-
mais de 70 polícias. A ala oeste ro decidiu atacar os alvos mi- diz respeito ao número de ví- ceu com Bush, o que não disse.
Osama bin Laden for o cérebro e o financiador do Pentágono, em Washington, litares, depois juntou-lhes os timas. O Presidente foi o pri- Não disse o que será feito de-
dos atentados nos Estados Unidos, o regime que desapareceu após o impacto civis — e se encontra refugiado meiro a falar nas “milhares de pois de os terroristas estarem
governa o Afeganistão vai ser punido de outro dos aviões. O quarto no Afeganistão, ao abrigo do vidas que foram tiradas”. Até identificados. Não disse se os
aparelho despenhou-se numa regime dos taliban. então, ninguém — nem sequer serviços secretos estavam ou
floresta da Pensilvânia, haven- “Ordenei que sejam activa- o presidente da Câmara de No- não na posse de informações
ANA GOMES FERREIRA lo que disse, foi o que ficou do suspeitas de que tinha co- dos todos os meios policiais e va Iorque, Rudolph Giuliani — que fizessem prever um aten-
Nova Iorque por dizer. mo alvo o Capitólio (a sede do todos os meios dos serviços se- se atrevera a avançar um nú- tado contra os interesses dos
O Presidente não disse órgão legislativo), Camp Da- cretos para que os responsá- mero. Bush também não o fez, EUA, dentro ou fora das suas
O Presidente dos Estados Uni- quem foram os terroristas vid (a residência de férias do veis sejam encontrados, e tra- mas começou a preparar a na- fronteiras: “Não vou comentar
dos, George W. Bush, prome- que, na manhã de ontem, des- Presidente) ou a própria Casa zidos à justiça”, disse Bush. A ção para o número, assustador, essa questão”.
teu punir os autores dos aten- viaram quatro aviões civis Branca. confirmar-se a tese Bin Laden, que deverá surgir nos próxi- Foi ao início da noite que os
tados cometidos ontem no com centenas de pessoas a Bush também não disse como espera Bush encontrá-lo mos dias, quando se tornar cla- membros do Governo dos Esta-
país, mas também os países bordo, fazendo-os chocar com quem são os países suspeitos e julgá-lo? O Presidente ficou a ro quantas pessoas morreram dos Unidos começaram a apa-
que lhes dão abrigo. “Não fa- edifícios repletos de gente. de albergar os terroristas en- um passo de fazer uma decla- ontem nos Estados Unidos. recer, em conferências de im-
remos distinção entre os ter- Ambas as torres do World volvidos nos ataques. Mas, ao ração de guerra, no caso contra O secretário da defesa, Do- prensa. Durante a manhã e a
roristas e os países que os Trade Center, em Nova Ior- fazer a associação — entre “ter- o Afeganistão. nald Rumsfeld, que deu uma maior parte da tarde, estive-
albergam”, prometeu Bush que, ruíram (um avião emba- roristas” e um “país de acolhi- “Não tenho a intenção de re- conferência de imprensa no ram em parte incerta, para on-
num discurso à nação em que, teu contra cada um dos edifí- mento” —, denunciou a suspei- velar o que vai acontecer a se- Pentágono, recusou dizer quan- de foram levados pelos serviços
mais importante do que aqui- cios), enquanto se procediam ta. Os serviços secretos estão guir. Mas as Forças Armadas tas pessoas morreram no ata- secretos, por razões de segu-

COMO OS TERRORISTAS ATACARAM PONTOS-CHAVE NOS ESTADOS UNIDOS


Três aviões despenharam-se em Nova Iorque e Washington na terça-feira, destruindo as enormes torres gémeas do World Trade Center, num ataque dramático e mortal contra os Estados Unidos.
A perda de vidas como consequência dos ataques será catastrófica e poderá atingir milhares de pessoas.

1 km HORÁRIO DO TERROR (HORA DE LISBOA) 6 km


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2
dso

Central 13h45 Nova Iorque 15h05 Nova Iorque


Hu

Park The Mall 3


Rio

World Trade Center World Trade Center


Avião choca com a Torre Norte Torre Sul colapsa Cemitério
Nacional WASHINGTON
14h03 Segunda avião choca 15h10 Pensilvânia de Arlington
MANHATTAN com a Torre Sul O voo 93 da United Airlines

Rio
14h43 Washington D.C. cai perto de Pittsburgh
1

Pot
Pentágono 15h27 Torre Sul colapsa

om
Avião choca com edifício

ac
Lower do Dep. de Defesa 15h40 Washington D.C.
East Parte do Pentágono colapsa ARLINGTON
Side

New York 1 Pentágono


Kings 2 Casa Branca
WTC 3 Capitólio
Torres
Torre Norte gémeas

Torre Sul Boston


São Francisco Nova Iorque
Pittsburgh
E.U.A. Newark
Los Angeles Entrada
Washington D.C. da Alameda
Nív
el d
ar
ua Hotel Vista
WORLD
TRADE CENTER
Est
ac
ion Quando foi completada, em 1972,
am
en Entrada
to a primeira torre era o edifício do Metro
mais alto do mundo Entrada
Est

ão do Rio
de
me
tro
Primeira torre – 417m de altura PENTÁGONO
Segunda torre (completada em 1973) – 415m de altura, ambas com 110 andares Quartel do Departamento de Defesa
om
etr
o
No complexo Trade Center trabalham 50.000 pessoas e um dos maiores edifícios de escritórios do mundo
ld
ne
Tú Trabalham aqui 20.000 pessoas
Nota: A direcção do impacto é apenas figurativa

OS AVIÕES . . . Boeing 767 Boeing 757 Boeing 757 Boeing 767

Voo 11 American Airlines Voo 77 American Airlines Voo 93 United Airlines Voo 175 United Airlines
Boston para Los Angeles, Washington Dulles para Los Angeles, Newark para San Francisco Boston para Los Angeles,
92 pesssoas a bordo 64 pessoas a bordo 45 pessoas a bordo 56 pessoas a bordo
Choca com o WTC, Nova Iorque Choca com o Pentágono, Washington DC Cai perto de Pittsburgh Choca como o WTC, Nova Iorque

Fonte: The Pentagon, http://www.dtic.mil/ref/html/Welcome/Wlcm.htm PÚBLICO


ESPECIAL 3
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001

A segurança e a liberdade
Presidente fala em
rança. O primeiro a desapare-
cer foi o Presidente, que optou
por regressar a Washington
porque receou ter tomado uma Hoje, a paisagem de Nova Iorque está diferente. O
decisão “inapropriada”, disse- World Trade Center já não faz parte da linha do hori-
ram às estações de televisão
fontes da sua comitiva que qui-
seram permanecer anónimas.
Na declaração à nação, Bush
zonte de Manhattan. Por enquanto, é a ferida mais
visível da cadeia de atentados de terça-feira de manhã.
Vão aparecer outras. Porque, como disse o Presidente
dos Estados Unidos, não foi apenas a arquitectura que
“milhares” de mortos
admitiu ter dado a ordem pa- foi destruída. “Hoje, o nosso modo de vida foi atacado”, Não há números oficiais, mas o vítimas mortais.
ra accionar os mecanismos de afirmou George W. Bush. número limitado de feridos pode Mais difícil será contabilizar os mortos
alerta máximo, que o levaram Bush disse também que os terroristas podem ter causados pelo desabamento das Twin Towers
para um lugar secreto, assim destruído as estruturas dos edifícios mais altos, mas
significar mortalidade elevada em Nova Iorque, onde trabalham entre 40 a 50
como aos principais membros não conseguiram abalar as estruturas da democracia mil pessoas. Receia-se que os 300 bombeiros
do Governo e aos dirigentes do e da liberdade. Nos próximos tempos, possivelmente Tanto George W. Bush como especialistas da e 78 polícias dados como desaparecidos este-
Congresso. muito tempo, será uma democracia policiada a da polícia e de serviços de emergência citados jam mortos. Também as 266 pessoas — 233
Os congressistas reapare- América. E a liberdade será muito vigiada. pela CNN calculam em “milhares” o número passageiros, 25 tripulantes e oito pilotos —
ceram ao mesmo tempo que Ontem mesmo, dois porta-aviões receberam ordens de vítimas mortais dos atentados de ontem. que os quatro aviões transportavam estarão
Bush. Dick Armey, líder re- para patrulhar a costa leste do país. A Costa Leste está Não há ainda, no entanto, qualquer número mortas.
publicano na Câmara de Re- igualmente a ser patrulhada por navios de guerra. oficial sobre vítimas mortais. Os hospitais da cidade de Nova Iorque esta-
presentantes, explicou que A Força Aérea tem ordens para interceptar e, se for Em relação a portugueses, a agência Lusa vam, ao fim da tarde no local, a receber menos
o Capitólio foi esvaziado — preciso, abater, qualquer avião suspeito. informou que até à 1h30 de Lisboa não ha- pacientes, ainda que o número de pessoas
o que aconteceu pela primei- O espaço aéreo dos Estados Unidos, fechado desde os via notícias de vítimas portuguesas ou luso- mortas nas salas de emergência começassem
ra vez na História do país — ataques dos terroristas, que atiraram aviões contra descendentes. A embaixada de Portugal em a aumentar e os funcionários do hospital
por se recear ser um dos al- alvos civis e militares em Nova Iorque e em Washing- Washington dizia, no entanto, que ainda “era lembrassem que ainda tinham que observar
vos dos terroristas. Disse que ton, só abrirá hoje, ao meio-dia. Os aeroportos vão cedo para haver informações”. parte dos feridos (e mortos). “Acho que muitas
hoje o poder legislativo vol- passar a ser patrulhados por polícas armados. A se- Também o cônsul de Portugal em Newark, pessoas estarão mortas. É mau sinal que não
tava ao trabalho. “Os terro- gurança vai-se notar, para evitar absurdos como o José Gouveia, dizia à Lusa que a partir desta haja chegada de feridos em massa”, disse à
ristas podem abalar a de- de ontem — armas brancas (facas) terão sido usadas hora é que seria “possível verificar se há ví- Reuters um médico a trabalhar no Hospital
mocracia, mas não podem pelos terroristas suicidas para desviar os aviões. Os timas, à medida que as pessoas vão chegando St. Vincents, James Dillard.
fechá-la”, disse Armey. Nas americanos nunca mais entrarão tranquilamente a casa”. Entretanto, a maioria dos hospitais pediu
escadarias do Capitólio, de- dentro de um avião. No Pentágono são confirmadas dezenas de enfermeiros voluntários, assim como doações
mocratas e republicanos re- Ontem, foi o dia do choque. Hoje, será o dia em que a mortes. A estação NBC noticiava 800 mortes, de sangue. Um grande número de pessoas res-
pudiaram os atentados e pe- nova realidade começará a tornar-se visível. “A Amé- sem citar a fonte. Momentos antes, o chefe pondeu ao apelo de emergência do Centro de
diram aos cidadãos que se rica não se pode fechar. É preciso encontrarmos um dos bombeiros em Arlington, Virginia, dizia Sangue de Nova Iorque aos dadores de sangue.
mantenham unidos, apoian- equilíbrio entre a segurança e a liberdade”, advertiu a ao Channel 9 que as estimativas mais pessi- Antes dos acidentes, o centro tinha uma reser-
do qualquer decisão que ex-secretária de Estado Madeleine Albright. A.G.F. mistas apontariam para 800 mortes, mas que va para cinco dias — “uma reserva bastante
Bush venha a tomar.  o número real se situaria entre as 100 e 800 boa”, segundo o director do centro.  M.J.G.
PETER MORGAN/REUTERS
4 ESPECIAL
PÚBLICO•QUARTA -FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
LARRY DOWNING/REUTERS

A SEGURANÇA
E A LIBERDADE
Hoje, a paisagem de Nova Ior-
que está diferente. O World
Trade Center já não faz parte
da linha do horizonte de Ma-
nhattan. Por enquanto, é a fe-
rida mais visível da cadeia de
atentados de terça-feira de ma-
nhã. Vão aparecer outras. Por-
que, como disse o Presidente
dos Estados Unidos, não foi
apenas a arquitectura que foi
destruída. “Hoje, o nosso mo-
do de vida foi atacado”, afir-
mou George W. Bush. Bush dis-
se também que os terroristas
podem ter destruído as estru-
turas dos edifícios mais altos,
mas não conseguiram abalar
as estruturas da democracia
e da liberdade. Nos próximos
tempos, possivelmente muito
tempo, será uma democracia
policiada a da América. E a li-
berdade será muito vigiada.
Ontem mesmo, dois porta-avi-
ões receberam ordens para pa-
trulhar a costa leste do país. A
Costa Leste está igualmente a
ser patrulhada por navios de
guerra. A Força Aérea tem or-
dens para interceptar e, se for
preciso, abater, qualquer avião
suspeito. O espaço aéreo dos
EUA, fechado desde os ataques
dos terroristas, que atiraram
aviões contra alvos civis e mi-
litares em Nova Iorque e em
Washington, só abrirá hoje, ao
meio-dia. Os aeroportos vão
passar a ser patrulhados por
polícas armados. A segurança
vai-se notar, para evitar absur-
dos como o de ontem — armas
brancas (facas) terão sido usa-
das pelos terroristas suicidas
para desviar os aviões. Os ame-
George W. Bush anunciou ontem à noite que os EUA não distinguirão “entre os terroristas e os que lhes dão refúgio” quando avançarem com uma retaliação ricanos nunca mais entrarão
tranquilamente dentro de um
avião. Ontem, foi o dia do cho-
que. Hoje, será o dia em que

BUSH “HOJE VIMOS O DEMÓNIO”


Num alocução de cinco minutos, repassada de um tom religioso tipicamente norte-americano, o Presidente George W. Bush
a nova realidade começará a
tornar-se visível. “A América
não se pode fechar. É preciso
encontrarmos um equilíbrio
entre a segurança e a liberda-
de”, advertiu a ex-secretária de
Estado Madeleine Albright. 
disse ao princípio da madrugada (20h30 em Nova Iorque) que se perderam milhares de vidas nos quatro atentados “deliberados A.G.F./N.I.
e sangrentos” de ontem, mas que os EUA vão procurar os responsáveis e levá-los perante a justiça. “Não faremos nenhuma
distinção entre os terroristas e os que lhes dão refúgio”, anunciou o Presidente norte-americano, que falava a partir da Sala Oval.
“Hoje vimos o demónio, o que há de pior na natureza humana, e respondemos com o melhor da América”, acrescentou,
ÁRABES
assegurando que esta, com os amigos e aliados, ganhará “a guerra contra o terrorismo”. O texto na íntegra. COM MEDO
As especulações sobre os pos-
“Hoje, os nossos concidadãos, o nosso modo de seu sangue e a seu auxílio de todas as formas que Apreciei muito que os membros do Congresso me síveis autores dos atendados
vida, a nossa própria liberdade estiveram sob ata- puderam. tenham apoiado condenando firmemente estes ata- estão a gerar muitos receios na
que, numa série de deliberados e sangrentos actos Logo após o primeiro ataque, pus em marcha ques. E em nome do povo americano agradeço aos comunidade árabe nos EUA.
terroristas. os nossos planos governamentais de resposta em muitos dirigentes mundiais que me contactaram “Detesto fazer previsões, mas
As vítimas encontravam-se em aviões ou nos seus situações de emergência. As nossas forças armadas apresentando as suas condolências e oferecendo o ele é árabe”, diz Osama Siblani,
empregos. Empregados, homens e mulheres de negó- são poderosas e está preparadas. As nossas equipas seu apoio. natural do Líbano, residente
cios, militares e funcionários federais, pais e mães, de emergência estão a trabalhar em Nova Iorque e A América e os seus amigos e aliados juntam-se no sudeste do estado de Michi-
amigos e vizinhos, milhares de vidas foram subi- Washington D.C. para apoiarem os esforços locais a todos aqueles que querem a paz e a segurança no gan, onde existe a maior con-
tamente ceifadas por diabólicos e vis actos de terror. de resgate. mundo e unem-se para ganhar a guerra contra o centração de árabes nos EUA.
A imagem de aviões voando em direcção a edifícios, A nossa primeira prioridade é ajudar os que fo- terrorismo. A prever uma onda anti-ára-
incêndios, estruturas enormes desmoronando-se ram feridos e tomar todas as medidas de precaução Esta noite convido-vos a rezarem por todos os que be nos EUA, o colectivo das or-
deixaram-nos estupefactos, com uma imensa tris- para proteger os nossos cidadãos de ataques futuros sofrem, por todas as crianças cujos mundos foram ganizações muçulmanas nor-
teza e uma cólera calma mas implacável. aqui e em todo o mundo. destroçados, por todos aqueles cuja segurança foi te-americanas dirigiu ontem à
Estes actos de assassínio em massa pretenderam A administração pública continua em funciona- ameaçada. E rezo para que eles sejam confortados noite uma carta aberta ao pre-
mergulhar o nosso país no caos e na inacção. Mas mento sem interrupção. As agências federais em por um poder maior do que qualquer de nós que sidente George W. Bush, exor-
eles falharam. O nosso país é forte. Um grande povo Washington que tiveram de ser evacuadas terça- nos fala através dos tempos no salmo 23: ‘Ainda tando-o a “unificar a América”
mobilizou-se para defender uma grande nação. feira estão prestes a reabrir com o pessoal essencial que eu caminhe pelo vale das trevas, não temerei o após os atentados. “O tempo
Os ataques terroristas podem abalar as fundações e estarão abertas normalmente quarta-feira. mal porque Tu estás comigo’. não é de acusações especula-
dos nossos maiores edifícios, mas não conseguem As nossas instituições financeiras mantêm-se Este é um dia em que todos os americanos de tivas ou de generalidades di-
atingir a base da América. Estes actos quebram aço, sólidas e a economia americana funciona amanhã todas as posições sociais se unem determinados tadas pelos estereótipos, que
mas não danificam o aço da determinação america- normalmente. na luta pela justiça e pela paz. A América venceu podem causar mal a inocen-
na. A América foi alvejada porque nós somos o mais Estamos à procura dos que estão por detrás destes os seus inimigos antes. Voltaremos a fazê-lo desta tes e pôr em perigo a nossa
rutilante farol de liberdade e de oportunidades do actos diabólicos. Ordenei que todos os recursos dos vez. sociedade e as liberdades ci-
mundo. E ninguém impedirá essa luz de brilhar. nossos serviços secretos e policiais sejam mobili- Nenhum de nós esquecerá este dia, antes avan- vis”, escreveram os dirigen-
Hoje, a nossa nação viu o demónio, o pior da zados para encontrar os responsáveis e trazê-los çaremos para defender a liberdade e tudo o que é tes da comunidade muçulma-
natureza humana, e respondeu com o melhor da perante a justiça. Não faremos nenhuma distinção justo e bom no mundo. na norte-americana, que conta
América, com a coragem das nossas equipas de entre os terroristas que perpretaram estes actos e Obrigado. Boa noite e que Deus abençoe a Amé- com entre seis e sete milhões
salvação, com a coragem dos que vieram dar o os que lhes dão refúgio. rica.” de membros. 
ESPECIAL 5
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001

HERWIG VERGULT/EPA

NUNO PACHECO
EDITORIAL

Todos somos
alvos

O
mundo assistiu, ontem, a
um acto abjecto de terror.
Disso poucos terão dúvi-
das. Nem mesmo os ha-
bitualmente anti-EUA (e detestados
pelos norte-americanos) Kadhafi ou
Fidel Castro, que vieram prontamen-
te oferecer os seus préstimos, médicos
ou humanitários, aos Estados Unidos
e às muitas vítimas dos atentados-
relâmpago que dilaceraram a Améri-
ca. Houve quem os festejasse, é certo.
E por isso devemos sentir vergonha.
Por ser possível, depois de todos os
horrores vividos nos últimos séculos,
que o século XXI esteja a caminhar
para uma lógica de barbárie que pode
tornar-se verdadeiramente perigosa
“A UE permanece firme e totalmente ao lado dos Estados Unidos”, afirmou ontem Guy Verhofstadt, primeiro-ministro belga para todos os que amam a paz e distin-
guem diferenças sociais ou políticas
do ódio mais cego e vil.

União Europeia teme acto de guerra


Os atentados provaram, porém, que
a América não é imune aos golpes
que julgava só atingirem os outros.
A política de defesa que George W.

com graves consequências políticas Bush tão ciosamente preparava, em


nome da paz, será impotente para
deter inimigos sem rosto nem lei, fa-
náticos impiedosos que julgam vin-

e económicas a nível mundial gar os seus mortos numa espiral de


sangue que só trará ainda mais mor-
tos e uma onda irracional de medo,
intolerância e retaliações sem fim.
Ministros dos Negócios Estrangeiros Ontem, vários governos realizaram reu- essa, precisamente, a tentação dos america- É disso que têm vivido movimentos
dos Quinze reúnem-se hoje de niões de crise, enquanto a NATO fez evacu- nos. “Um cenário de castigo indiscriminado apostados no terror, como a ETA, o
ar calmamente, durante a tarde, o pessoal de inocentes acabará por criar solidarieda- Hamas ou os taliban, que puseram
emergência “não essencial” da sua sede, em Bruxelas. des no mundo islâmico com os terroristas”, a ferro e fogo o Afeganistão. Sim-
À noite, as instalações encontravam-se em afirmou. Ora, alertou, é preciso evitar criar plesmente, os Estados Unidos não
ISABEL ARRIAGA E CUNHA estado de alerta, com a polícia belga a re- uma frente islâmica, senão entraremos nu- deviam ignorar as suas responsabili-
Bruxelas forçar as medidas de segurança, embora ma confrontação entre civilizações, e é a dades no despertar de tais monstros.
sublinhando que a Aliança não fora alvo de derrocada”. A moderação será a principal Com recorda Margarida Santos Lo-
Ainda que a história dos atentados de 11 qualquer ameaça directa. contribuição dos europeus para evitar os pes nesta edição, os homens de Osa-
de Setembro de 2001 nos Estados Unidos vá Apesar das manifestações de horror e re- piores cenários.  ma bin-Laden foram treinados pelo
demorar algum tempo a ser escrita, os res- volta pelos atentados expressas por todas as exército norte-americano só porque
ponsáveis europeus não hesitam em con- capitais europeias, os Quinze procuraram combatiam os soviéticos no Afega-
siderá-los um acto de guerra com graves acima de tudo manter uma imagem de se- Teresa Moura em Bruxelas nistão; e Israel, aliado dos EUA, in-
consequências políticas e económicas a renidade: todos sabem que eventuais sinais centivou o movimento que levou à
nível mundial. de pânico tenderão a agravar o sentimento criação do Hamas, só porque podia
“É um daqueles dias de que se pode dizer de insegurança das suas opiniões públicas A secretária de Estado dos Negócios fazer frente à OLP.
que vai mudar tudo” resumiu Chris Patten, face a um inimigo de rosto desconhecido. E, Estrangeiros, Teresa Moura, parti- George W. Bush, apesar de clara-
comissário europeu responsável pelas re- em período de incerteza, é o consumo das cipa hoje na reunião de chefes da mente empurrado por analistas e
lações externas da União Europeia (UE) em famílias que sofre e, com ele, o crescimento diplomacia da União Europeia devi- até pela imprensa para retaliações
entrevista à agência Reuters. Trata-se de económico, ainda muito tímido dos dois do à impossibilidade de Jaime Ga- violentas, reagiu de modo particu-
“um acto de guerra cometido por loucos, lados do Atlântico, que ficará seriamente ma, retido no Uzbequistão. Enquan- larmente brando, embora ambíguo.
do pior ataque contra os Estados Unidos ameaçado. to isso, o secretário de Estado dos “Os ataques terroristas podem aba-
depois de Pearl Harbour” acrescentou. As capitais da UE limitaram-se assim a Negócios Estrangeiros e Coopera- lar as fundações dos nossos maio-
Se o ataque japonês de 7 de Dezembro condenar com um elevado grau de emoção ção, Luís Amado, reúne-se hoje à res edifícios, mas não conseguem
de 1941 contra a base militar americana a “barbaridade intolerável” dos actos ter- tarde com a comissão parlamentar atingir a base da América”, disse.
marcou a entrada dos Estados Unidos na roristas, expressando a sua total solidarie- dos Negócios Estrangeiros, para Porque, acrescentou, “o nosso país é
Segunda Guerrra Mundial, as responsabi- dade com os Estados Unidos e colocando a analisar a situação criada ao nível forte. Um grande povo mobilizou-se
lidades e as consequências potenciais dos ênfase na necessidade de lutar contra o ter- da política internacional e das rela- para defender uma grande nação.”
atentados de ontem são bem mais difusas. rorismo “com todos os meios possíveis”, se- ções externas portuguesas pelos Só que o orgulho dos americanos
A situação vai ser discutida pelos ministros gundo Guy Verhofstadt, primeiro-ministro atentados terroristas contra os pode não se ficar por declarações
dos Negócios Estrangeiros dos Quinze du- da Bélgica. “A UE permanece firme e total- EUA. A reunião contará também de patriotismo. E a espiral de vio-
rante uma reunião de emergência convoca- mente ao lado dos Estados Unidos”, subli- com a presença do presidente da As- lência agora desencadeada pode ter
da para hoje, na qual deverão ser analisadas nhou Solana. sembleia da República, António de sequências imprevisíveis.
as diferentes possibilidades de cooperação Resta saber, no entanto, se a UE, que tem Almeida Santos. Em comunicado as- Um dia, na Alemanha dividida, Jo-
com os Estados Unidos, nomeadamente no procurado reforçar a sua voz na cena inter- sinado pelo seu presidente, Luís hn Fitzgerald Kennedy disse que
plano das investigações. Segundo Javier nacional — como aconteceu durante a Con- Marques Mendes, a comissão parla- “todos somos berlinenses”. Hoje, à
Solana, chefe da diplomacia dos Quinze, os ferência de Durban sobre o Racismo ou com mentar dos Negócios Estrangeiros sua semelhança, podemos dizer que
dois lados do Atlântico estiveram ontem as tentativas de mediação do diálogo israelo- assumia ontem que estivera reunida todos somos alvos. Ontem foi a Amé-
em “consultas”. árabe — conseguirá evitar uma espiral de para “exprimir publicamente a sua rica, amanhã será outro qualquer
“Os acontecimentos são suficientenmte retaliações contra os possíveis autores dos viva condenação pelos graves aten- país, noutro qualquer continente.
dramáticos para reunir o conjunto dos atentados, cujas suspeitas caem, natural- tados terroristas ocorridos nos Es- Vítimas de assassinos sem rosto,
Quinze ministros”, afirmou um porta voz mente, nos meios islamistas do Médio Orien- tados Unidos, os quais atingiram movidos por um ódio cego. Mas é
do ministério dos Negócios Estrangeiros te. “Perante um inimigo difuso, a pior reac- trágicas proporções e traduzem ac- preciso olhar o espelho. E evitar ce-
da Bélgica, cujo país preside actualmente à ção possível é a retaliação indiscriminada ções absolutamente intoleráveis pa- garmos também.
UE, frisando que “haverá uma avaliação da contra alvos na zona”, alertou um especialis- ra toda a humanidade”.
situação e de tudo o que está ligado”. ta dos assuntos europeus, temendo que seja
6 ESPECIAL
PÚBLICO•QUARTA -FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
ALI HASHISHO7REUTERS

MÉDIO ORIENTE
À ESPERA DA GUERRA...
OU DA PAZ?
MARGARIDA SANTOS LOPES

Q
uando o edifício Alfred P. Mur- inviabilizando os planos de Washington para
rah, em Oklahoma City, explodiu derrubar o ditador de Bagdad.
em 1995, a comunidade árabe e Para mostrar que não aceita ficar refém
muçulmana dos Estados Unidos dos adversários, Arafat vai hoje à Síria. É
entrou em pânico. Todos os dedos uma visita histórica no oitavo aniversário
acusatórios apontavam na sua direcção. As da assinatura dos Acordos de Oslo. Um modo
desculpas vieram quando o FBI descobriu que subtil de dizer que, a 12 de Setembro de 1993,
o autor do massacre era Timothy McVeigh, estava a apertar a mão de Yitzhak Rabin, e
um americano que odiava o Governo federal. que hoje o vão ver abraçado ao Presidente
Ontem, as suspeitas voltaram a cair sobre Bashar al-Assad, o filho-herdeiro do mais
uma figura islâmica: Osama bin La- tenaz opositor de Oslo. Os tempos mu-
den, o milionário que a família real Análise daram e os seus aliados também.
No campo de Ain al-Hiylweh, crianças, velhos e guerrilheiros festejaram o ataque saudita tornou apátrida. Alguns des- A visita provavelmente só será no-
confiaram também da Frente Demo- tada por especialistas. Na memória

Palestinianos celebram crática de Libertação da Palestina (FDLP), do mundo ficarão apenas as imagens dos pa-
um grupo que recentemente protagonizou lestinianos a celebrar “o dia em que os EUA
um dos mais arrojados ataques contra solda- pagaram o preço pelo seu apoio a Israel”.
dos israelitas na Faixa de Gaza. Se poucos Chegou então o momento de recordar as pa-

com tiros de alegria duvidam que Bin Laden, graças a uma bem lavras do escritor palestiniano de cidadania
estruturada rede mundial de terroristas e israelita Anton Shammas. Em 1990, escreveu
uma gorda conta bancária (alimentada por ele no “New York Times”, quando o Iraque
donativos de empresários ricos e esmolas de invadiu o Kuwait, os palestinianos “foram
Nos campos de refugiados no Líbano, festejou-se os ataques de Nova Iorque pobres nas mesquitas), poderá ser responsá- tentados, com demasiada facilidade, a desem-
e Washington; por todo o mundo houve reacções, na sua maioria de pesar vel pelos ataques em Nova Iorque e Washing- penhar o papel de borboleta perante a falsa
ton, muitos são os que vela de esperança de Sa-
“Sinto que estou num sonho. zenas de jovens também ce- palestinianos do Líbano tam- desvalorizam o envolvi- ddam Hussein. Anos e
Nunca acreditei que um dia lebraram e quem ouvisse as bém se celebrou com tiros pa- mento ou cumplicidade Em 1990, escreveu Anton anos na escuridão dos
os Estados Unidos viriam buzinas dos carros ira pensar ra o ar. Em Ain-El-Ailweh, da FDLP. campos de refugiados,
a pagar um preço pelo seu que se tratava de um cortejo de no sul do país e em Chatila A terceira maior fac- Shammas no “New York debaixo do pesado tai-
apoio a Israel”, disse Musta- casamento ou de uma vitória (Beirute, já era hora da sesta ção da OLP tem um sig- Times”, quando o Iraque pal da ocupação israeli-
pha, um palestiniano de 24 num qualquer jogo de futebol. quando a notícia dos atenta- nificativo aparato mili- invadiu o Kuwait, os ta só podiam fazer com
anos, contente, de arma ao “Estamos tão contentes por dos chegou. Muitos palestinia- tar, mas só a vontade que o papel de borbole-
ombro. Com ele, em Nablus a América ter sido atingida. nos saíram para a rua, alguns de atingir o aliado es-
palestinianos “foram tentados, ta fosse tentador, quan-
(Cisjordânia), estiveram cen- A América está contra nós ao de pijama, para disparar as su- tratégico de Israel não com demasiada facilidade, a do há tão poucas luzes
tenas de palestinianos na rua apoiar Israel”, afirmou Sulei- as armas como sinal de vitória é suficiente. A travar, desempenhar o papel de à volta”.
para celebrar os atentados man à Reuters, para quem os e alegria. Segundo a AFP, tam- em conjunto com outros borboleta perante a falsa vela A tragédia é que a
mortíferos de ontem contra amigos de Israel são os inimi- bém se ouviu fogo-de-artifício grupos, uma “guerra de borboleta queimou as
o Pentágono e o World Trade gos do povo oprimido da Pa- e muitos jovens gritaram, dan- baixa intensidade” con- de esperança de Saddam asas. Mas também foi
Center, nos Estados Unidos. lestina. çando, “os americanos são to- tra o Estado judaico que Hussein. Anos e anos na essa dor que ajudou ára-
Em Jerusalém oriental, de- Nos campos de refugiados dos porcos”.  esgota recursos huma- escuridão dos campos de bes e israelitas a jun-
nos e financeiros, não tarem-se na Conferên-
refugiados, debaixo do pesado cia de Paz de Madrid em
KHADAFI OFERECE ... CASTRO DISPONIBILIZA teria capacidade de or-
ganizar a destruição do taipal da ocupação israelita, só 1991 — empurrados por
“AJUDA HUMANITÁRIA”... “APOIO MÉDICO”... World Trade Center. podiam fazer com que o papel dois homens determi-
No entanto, mesmo nados, George Bush e
“Os diferendos políticos e os conflitos com a O Presidente cubano Fidel Castro ofereceu on- que os palestinianos
de borboleta fosse tentador, James Baker.
América não devem constituir um obstácu- tem ao seu tradicional inimigo, os EUA, “apoio estejam isentos de cul- quando há tão poucas luzes à Os ataques de ontem
lo psicológico ao envio médico, plasma ou qualquer coisa de que possam pa, as manifestações de volta”. A tragédia é que a poderão incentivar Sha-
de uma ajuda humani- necessitar”. Falando na regozijo pela humilha- borboleta queimou as asas. ron a desencadear uma
tária ao povo america- inauguração de um com- ção e vulnerabilidade ofensiva total contra os
no e a todas as pessoas plexo escolar em Hava- da única superpotência Mas também foi essa dor que palestinianos na con-
na América que foram na, Castro declarou sentir testemunhadas ontem ajudou árabes e israelitas a vicção de que a Améri-
profundamente afecta- “dor e tristeza em comu- nos campos de refugia- juntarem-se na Conferência ca não o vai condenar
das por estes ataques nhão com o povo norte- dos voltaram a man- nem interferir. Cabe à
terríveis”, declarou on- americano” pelos aten- char a imagem de uma de Paz de Madrid em 1991 União Europeia, que re-
tem o líder líbio Moam- tados em Washington e nação desesperadamen- centemente alertou pa-
mar Khadafi ao conde- Nova Iorque. Vestido com te à procura de reconhe- ra uma “catástrofe imi-
nar os ataques “terríveis” contra os EUA. o seu tradicional unifor- cimento. Em 1991, o mundo já ficara choca- nente”, aconselhar George W. a seguir o
Segundo o coronel líbio, esta vaga de aten- me verde-azeitona, o líder cubano não deixou do com as notícias de danças em Ramallah exemplo do seu pai.
tados “aterradores só pode despertar a cons- de fazer “uma advertência ao adversário”, que enquanto mísseis iraquianos caíam sobre Na ausência dos americanos, os europeus
ciência humana e é o nosso dever humani- considerou “o país mais vulnerável ao terroris- Telavive. aperceberam-se nos últimos meses de que
tário ficarmos ao lado do povo americano mo”: que “actuem com equidade e não se deixem Desde que em Setembro de 2000 a Intifada como os fanáticos de Alá estão a conquistar
apesar do conflito político”. Khadafi referiu arrastar por desafios de ódio”.  foi reactivada, o Médio Oriente recuou ao almas para actos de martírio. O ministro
ainda “os apelos dos hospitais dos Estados período da guerra fria. A América voltou alemão dos Negócios Estrangeiros, Joschka
Unidos para que as pessoas dêem sangue a ser “o maior amigo dos judeus e o pior ini- Fischer, estava presente quando um “kami-
aos feridos”, para depois sublinhar a neces- ... E REGIME DE SADDAM CRITICA EUA migo dos árabes”. Para essa hostilidade — kaze” se fez explodir numa discoteca cheia
sidade de “pensar num meio prático para bem visível na recente Conferência de Dur- de jovens israelitas.
enviar a ajuda aos sinistrados”. Algo que Segundo um comunicado difundido na televi- ban sobre o Racismo — muito contribuiu Para arrancar as raízes do terrorismo, é ne-
só poderia ser feito depois das autoridades são iraquiana, os atentados de ontem são “o o desprezo da actual Administração Bush cessário evitar a repetição de erros do passa-
norte-americanas “anunciaram como é que fruto dos crimes americanos cometidos contra em relação ao conflito israelo-palestiniano. do. Não foi Israel que, nos anos 80, incentivou
isso pode ser feito depois de todos os voos a humanidade”. “Os ‘cow-boys’ americanos Arafat, que estabeleceu uma cordial relação os Irmãos Muçulmanos a servir de contra-
terem sido suspensos”. recolhem os frutos dos seus crimes”, afirmou o com o ex-Presidente Bill Clinton, deixou de peso à secular OLP, fornecendo-lhes os meios
Recorde-se que Washington não mantém comentador de Bagdad, citado pela AFP. “É um ter contactos directos com a Casa Branca. para se transformarem no movimento islâ-
relações diplomáticas com a Líbia e conti- dia negro na história dos Estados Unidos, que Privilegiando a confrontação em detrimento mico Hamas, de cujas fileiras saem dezenas
nua a exigir de Tripoli o reconhecimento da experimentam a pior das derrotas devido ao seu da diplomacia, Ariel Sharon e George W. en- de bombistas? E não foram os EUA que for-
responsabilidade pelos atentado de Locker- desprezo pela vontade dos povos que aspiram a fraqueceram os velhos revolucionários laicos neceram armas, treino e logística a Osama
bie em 1998 contra um avião da PanAm que uma vida livre e honesta.” O texto afirma ainda e fortaleceram os jovens suicidas religiosos. bin-Laden quando ele combatia os soviéticos
provocou 270 mortos.  que “a destruição dos centros de poder ameri- Arafat afastou-se da América. E não foi o no Afeganistão? E não foi o embaixador ame-
canos é a destruição da política americana que único. O príncipe herdeiro da Arábia Saudita ricano um dos primeiros diplomatas estran-
se desviou dos valores humanos para se pôr recusou uma audiência com Bush em Wa- geiros a, implicitamente, reconhecer o regi-
ao lado do mundo sionista, continuar a massa- shington; o rei Abdallah da Jordânia mostrou me dos taliban quando por eles foi recebido
crar o povo palestiniano e aplicar os planos interesse em comprar armas à Rússia; e to- em Cabul?
americanos para dominar o mundo a coberto dos os regimes árabes, temerosos de revoltas O que esperavam colher quando lançaram
da chamada nova ordem mundial.”  populares, estão a reaproximar-se do Iraque, as “sementes do Diabo”? 
ESPECIAL 7
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001

SETH MCCALLISTER/EPA

O cenário
impossível
1. Foi prova- tema de defesa an-
velmente Chris ti-míssil (MD) lan-
Patten, o comissá- çada em todas as
rio europeu para latitudes pela no-
as questões exter- va administração
nas, quem usou americana é justi-
as palavras mais ficada pela amea-
simples e, porven- ça que constituem
tura, mais certas T ERESA DE SOUSA para os EUA e pa-
para resumir o sig- ra os seus aliados
nificado do aten- os chamados “Es-
tado terrorista contra os Estados tados-párias” como a Coreia do
Unidos. “Este é um dos raros dias Norte, com capacidade para dispa-
sobre os quais se pode dizer sem rarem mísseis.
risco de exagero que mudaram o Nem o “exercício virtual” do
mundo.” Pentágono nem a nova “guerra das
Talvez fosse esta também a úni- estrelas” puseram a América ao
Não foi com mísseis mas com aviões comerciais que os EUA sofreram o pior ataque de sempre no seu território ca certeza dos analistas interna- abrigo do verdadeiro “massacre”
cionais, parcos em palavras e em que ontem se abateu sobre ela.
comentários, confirmando com o Hoje, a confiança dos america-

A defesa antimíssil
seu silêncio e a sua prudência a nos no seu governo, no seu poder,
verdade contida nas palavras do na inviolabilidade do seu território
comissário britânico. — onde nunca se travaram guerras
Em que cenário encaixa o que — terá provavelmente atingido o

não funciona contra


ontem se passou na América? Em grau zero.
que visão do mundo pós-guerra
fria? Em que filme de ficção produ- 4. Também nos últimos dias, a
zido em Hollywood? imprensa americana dava conta
das críticas generalizadas à inca-

aviões de passageiros 2. Bastou, no entanto, observar pacidade da nova administração


as reacções generalizadas dos go- para dar um rumo à sua política
vernos mundiais e, em particular, externa. A revisão da política
dos governos europeus para que externa que George W. Bush
a dimensão da mudança de que fa- anunciou com fanfarras logo que
A grande prioridade da Administração Bush em termos lhões de dólares por ano [mais de lou Chris Patten começasse a ga- chegou à Casa Branca estava a re-
de Defesa é a criação de um escudo de defesa antimíssil nove mil milhões de euros] em de- nhar os seus primeiros contornos. velar-se errática, no meio de uma
(MD); os ataques a Washington e Nova Iorque relançam fesa antimíssil quando acabámos Não tanto nas palavras de repúdio, “guerra” ainda não resolvida en-
de sofrer um ataque catastrófico a de condenação e de solidariedade, tre as várias “escolas” pelo lugar
o debate sobre a utilidade do projecto envolver aviões e não mísseis.” mas sobretudo nos actos. preponderante junto do Presiden-
Sucederam-se as reuniões de te. Colin Powell e o departamento
PEDRO RIBEIRO pensar o seu sistema de defesa, “Estamos em guerra” emergência em Londres, Paris, de Estado contra os velhos “fal-
o que terá de passar pelo investi- O debate político nos EUA este- Berlim, Roma, Praga, Atenas... As cões” do vice-Presidente Cheney
Ainda antes de ser eleito, George mento num sistema antimíssil. ve dominado recentemente pela forças armadas e de segurança da e os novos “falcões” do Conselho
W. Bush fez do projecto de um es- As “pombas” argumentam que questão dos custos do MD. O pro- França, de Itália, do Reino Unido, Nacional de Segurança.
cudo de defesa antimíssil (MD) o MD constitui um desperdício grama foi suspenso por Bill Clin- de todos os países, foram colocadas A imprensa fazia o retrato de um
a grande prioridade da sua Ad- inútil de recursos que deviam ser ton, porque os primeiros testes em alerta máximo. O tráfego aéreo Presidente ainda à procura de uma
ministração em termos de defe- aplicados no combate ao terroris- não garantiam a sua viabilida- suspenso ou desviado do centro linha, de um estilo, de uma forma
sa. O objectivo do MD é criar um mo sofisticado. de, e por causa dos seus enormes das grandes cidades europeias. A de se relacionar com o mundo. O
“guarda-chuva” para os EUA e Anthony Lake, que foi conse- custos. Embora Bush tenha dele segurança reforçada em todos os pior dos momentos para Bush en-
seus aliados contra mísseis balís- lheiro de Segurança Nacional no feito uma bandeira da sua Admi- edifícios públicos. frentar o tremendo desafio à sua
ticos disparados por “Estados pá- primeiro mandato do Presidente nistração, a oposição democrata Não se trata apenas da natural capacidade de liderança que o aten-
rias” como o Iraque ou a Coreia Bill Clinton, disse à Salon.com: no Congresso já havia feito notar preocupação dos governos com tado constitui.
do Norte. “Dedicámos muitas páginas de que poderia bloquear o investi- uma eventual generalização dos Não será uma retaliação dura
O MD gerou uma chuva de crí- jornal e muitos minutos de ‘talk mento para a pesquisa do MD. atentados contra os aliados da e rápida contra os principais sus-
ticas. Da Rússia, porque o pro- shows’ a debater a defesa anti- O conceituado senador demo- América. Trata-se da necessidade peitos da barbárie que ontem se
jecto viola o tratado ABM (anti- míssil. Devíamos ter usado esse crata Joseph Bidden, presidente de contrariar de qualquer forma abateu contra a América — e que
mísseis balísticos), trave-mestra tempo para pensar em como com- da comissão senatorial dos Negó- o terrível sentimento de insegu- certamente ocorrerá — que pode
do equilíbrio nuclear da era da bater o terrorismo e colocar mais cios Estrangeiros, havia reitera- rança e de vulnerabilidade que restabelecer a confiança dos ame-
guerra fria; da China, que sente recursos na defesa da nossa pá- do recentemente a sua oposição ontem abalou as democracias eu- ricanos na sua administração.
ser o principal alvo desse sistema; tria de ameaças como esta.” ao MD. Aparentemente, os ata- ropeias, do topo à base, do primei-
de sectores políticos nos próprios Joseph Cirincione, analista do ques de ontem reforçariam os crí- ro responsável ao mais anónimo 5. A tentação será, provavel-
EUA, que consideram o MD ex- Fundo Carnegie para a Paz Inter- ticos do MD; mas há quem pense dos cidadãos. mente, a da segurança em todos os
cessivamente dispendioso e inefi- nacional, concorda: “Estes ata- o contrário. Como disse Patten, a agenda in- azimutes, alimentando a percep-
caz contra o tipo de ameaças ter- ques enfraquecem a argumenta- Frank Gaffney, um membro do ternacional vai mudar e vai desde ção da América contra um mundo
roristas do mundo moderno. ção a favor [do MD]. Faz com que Partido Republicano e um dos agora ser dominada pela combate hostil, fechada na sua frágil cara-
Um dos tipos de argumentação as quantias propostas e a atenção mais acérrimos defensores do a uma nova espécie de terrorismo paça de hiperpotência solitária.
mais usados contra o MD é que se dedicada a ameaças remotas pa- MD, disse à Reuters: “[Os ataques para o qual as democracias ociden- Os arautos do unilateralismo — o
o Iraque de Saddam ou a Coreia reçam pouco realistas. É difícil de ontem] sublinham a necessi- tais não estão preparadas. A União isolacionsimo dos tempos moder-
do Norte de Kim Jong-il quises- justificar um gasto de 8,3 mil mi- dade de uma defesa antimíssil. O Europeia enfrentará agora, inexo- nos que Roosevelt venceu quando
sem atacar a América, não usa- único bem que eu vejo possa sair ravelmente, o seu momento da ver- respondeu a Pearl Harbour — e no
riam mísseis balísticos; em vez deste horror é que o povo ame- dade para saber que mundo quer e “diktat” internacional vão ganhar
disso, iriam contrabandear uma A FRASE ricano poderá perceber que há o que pode fazer pelo mundo. provavelmente um novo alento.
bomba atómica, química ou bac- gente que nos quer mal.” “Há uma reflexão a fazer sobre
teriológica para território norte- “É difícil justificar um Gaffney argumenta que o elei- 3. O “International Herald Tri- a forma como as democracias oci-
americano e fazê-la explodir lá. torado norte-americano irá exigir bune” escrevia há dias na sua pri- dentais (...) mas sobretudo os EUA
Os autores dos atentados de on- gasto de 8,3 mil milhões ao Congresso que invista mais meira página: “Jogos de guerra subestimaram o agravamento da
tem, sejam eles quem forem, usa- de dólares por ano em em Defesa, numa altura em que a tranquilizam o Pentágono”. O jor- crise do Médio Oriente e o desespe-
ram uma arma que ninguém ti- contenção orçamental levava al- nal informava que “um exercício ro de alguns povos do mundo”, disse
nha previsto: aviões comerciais defesa antimíssil quando guns congressistas a exigir que as de guerra” conduzido pelos altos o Presidente da Comissão dos Ne-
de passageiros desviados. E não acabámos de sofrer um verbas atribuídas ao MD fossem comandos americanos concluira gócios Estrangeiros do Parlamen-
há dúvida que, contra uma arma ataque catastrófico a transferidas para outras áreas. que, com os actuais recursos em to francês, François Loncle, citado
destas, o MD não oferece qual- “Talvez algumas pessoas con- tropas e armamento, as forças ar- pela AFP. Um comentário que, ten-
quer protecção. Significa isto que envolver aviões e não tinuem a opor-se ao MD, mas sus- madas americanas estavam em do todo o fundamento, aponta para
o debate sobre o MD está defini- mísseis.” peito que a maioria vai perceber condições de dominar um adver- outro caminho. O “engagement” da
tivamente resolvido? que estamos em guerra, e que, sário e de parar ao mesmo tempo a América é provavelmente a única
As primeiras opiniões dividem- como estamos em guerra”, conti- ofensiva de um segundo agressor. resposta que pode afastar o cenário
se. Os “falcões” do MD acham que JOSEPH CIRINCIONE nua Gaffney, tornar-se-á necessá- A “batalha” em favor do novo sis- impossível que ontem aconteceu.
o ataque à América só reforça a analista rio reforçar os orçamentos mili-
necessidade de Washington re- tares. 
8 ESPECIAL
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
RAHIMULLAH YOUSAFAZI/REUTERS

Bin Laden tinha


ameaçado ataque
sem precedentes
Milionário saudita, santa] global contra os gover- aspecto calmo, turbante na ca-
nos seculares corruptos do beça e longa barba. Osama bin
que tem as suas bases Médio Oriente e as potências Laden nasceu em Riad em 1975
no Afeganistão, ocidentais que os apoiam”. e foi o 17º dos 52 filhos de um
é o principal suspeito A estratégia é utilizar os rico construtor civil da Arábia
seus campos no Afeganistão, Saudita. Apesar de ter nascido
ALEXANDRA PRADO COELHO convidando guerrilheiros de numa família religiosa, na sua
todo o mundo para se treina- juventude Osama não era pro-
Há três semanas, Osama bin rem para uma guerra santa. priamente um exemplo. Nos
Laden, o milionário saudita Com este projecto, Bin Laden seus tempos de estudante, em
considerado o inimigo núme- quer reunir as forças disper- Beirute, antes da guerra civil,
ro um dos Estados Unidos, sas em conflitos desde as Fili- era mais visto nos bares do que
avisou que iria lançar um ata- pinas à Argélia e concentrá- nas mesquitas. Discreto, vesti-
que sem precedentes contra los num único objectivo. Desta do à ocidental e sem barba, vi-
interesses norte-americanos “visão” nasceu o grupo “Al Qa- via na sombra de um dos seus
pelo apoio que Washington dá eda”, árabe para “a base”. irmãos mais velhos.
a Israel, revelou ontem à Reu- Este grupo atraiu malaios, Mas aos 22 anos, a sua vida
ters Abdel-Bari Atwan, editor argelinos, filipinos, argelinos, conheceu uma mudança ra-
do jornal “al-Quds al-Arabi”, palestinianos, egípcios, que dical. Aconselhado pelo chefe
baseado em Londres. têm em comum a vontade de dos serviços secretos sauditas
“Pessoalmente recebemos combater em nome do Islão e e ajudado pela fortuna da famí-
informação de que ele estava o ódio aos EUA. “As políticas lia, começou a treinar comba-
a planear ataques muito, mui- nacionais estão por detrás do tentes para lutar contra os so-
to grandes contra interesses que eles fazem, mas é muito viéticos no Afeganistão. Com
americanos”, disse Atwan, mais visionário do que isso”, o tempo, e o fim da guerra afe-
que já entrevistou Bin Laden explica Robert Blitzer, um an- gã, foi-se afastando cada vez
e mantém contactos próxi- tigo especialista do FBI em mais da Arábia Saudita (que
mos com alguns dos seus se- contraterrorismo. “Isto é à es- o expulsou em 1991 e acabou
guidores. cala global”. por lhe retirar a nacionalida-
O Egipto também tinha avi- Os cálculos da CIA apon- de em 1994), acusando-a de se
sado os EUA para a possibili- tam para que “Al Qaeda” pos- ter vendido à América. Bin La-
dade de atentados terroristas sua uma dúzia de campos no den refugiou-se no Sudão, mas,
se a actual política americana Afeganistão, onde já foram pressionadas pela comunidade
no Médio Oriente — evitar um treinados mais de cinco mil internacional, as autoridades
envolvimento directo, apoiar combatentes, que, quando re- de Cartum expulsaram-no. Os
incondicionalmente Israel — gressam aos respectivos paí- taliban afegãos abriram-lhe
continuasse. “Se os EUA não ses, criam células ligadas ao então as portas.
encontrarem uma solução pa- grupo-mãe. Deverão existir Olivier Roy, um especialista
ra a violência [no Médio Orien- pelo menos 50 destas células. francês em islamismo citado
te], esta poderá transformar- Os homens de Bin Laden têm pelo “New York Times”, afir-
se em terrorismo”, tinha dito, à disposição a mais moderna ma que o maior trunfo da Al
no dia 26 de Junho, o Presi- tecnologia de comunicações e, Qaeda é o facto de milhares de
dente egípcio, Hosni Mubarak. segundo peritos, estarão a de- combatentes espalhados pe-
No dia 18 do mês seguinte, senvolver armas químicas. Os lo mundo já não encararem a
Washington lançou um alerta atentados são planeados du- sua luta como nacional, mas
contra riscos de atentados vi- rante meses ou mesmo anos, e sim global, o que os torna
sando interesses americanos o grupo usa “submarinos”, ou “imunes” a pressões políticas
na península arábica. Osama seja, agentes infiltrados entre e militares normais. As ac-
bin Laden esteve sempre sob a população local. ções de Bin Laden, diz Roy,
suspeita. “não são a continuação da po-
No início de Fevereiro, a CIA “Ele não quer negociar” lítica por outros meios”. Bin
divulgou o seu relatório anual O inspirador desta poderosa Laden é diferente. “Ele não
sobre as ameaças à segurança rede é um homem magro, de quer negociar.” 
dos EUA, em que considerava
o milionário de origem saudita
(actualmente a viver no Afe- Taliban negam envolvimento
ganistão sob a protecção dos
ultra-fundamentalistas islâmi- do seu “hóspede”
cos que governam o país, os
taliban) como “a mais imedia- Os taliban convocaram uma conferência de imprensa
ta e séria ameaça à segurança no Paquistão poucas horas depois dos atentados nos
nacional”. EUA, para negarem veementemente o envolvimento do
“Desde 1998, Bin Laden de- seu “hóspede” Osama bin Laden.
clarou todos os cidadãos norte- “Osama é apenas uma pessoa, ele não tem os meios
americanos como alvos legíti- para fazer este tipo de actividades”, afirmou o embaixa-
mos para um ataque”, disse na dor dos taliban (grupo ultrafundamentalista islâmico,
altura o chefe da CIA George no poder no Afeganistão) em Islamabad, Abdul Salam
Tenet, recordando que “como Zaeef. “Queremos dizer ao povo americano que o povo
ficou demonstrado pelos aten- afegão partilha a sua dor. Esperamos que os terroristas
tados nas nossas embaixadas sejam apanhados e julgados”, disse o diplomata, subli-
em África em 1998 [Quénia e nhando mais uma vez que as autoridades afegãs “não
Tanzânia], ele é capaz de pla- permitem que Bin Laden use o território do Afeganis-
near ataques múltiplos com tão contra outro país”.
pouco ou nenhum aviso”. A mesma ideia foi depois repetida em Cabul pelo porta-
Mas o plano de guerra glo- voz dos taliban Abdul Hai Mutmaen: “O que aconteceu
bal de Bin Laden não data nos EUA não é obra de pessoas vulgares. Pode ter sido
de 1998. Vem de muito antes. obra de um governo. Mas Osama bin Laden não podia
Segundo uma investigação ter feito isto. Nem nós.” Interrogado sobre se o Afega-
publicada pelo “New York nistão receia uma retaliação americana, o embaixador
Times”, foi em 1987 que o mi- Zaeef disse esperar que “a América não tome uma
Osama bin Laden lionário saudita “teve uma vi- medida tão rápida e trágica sem completar uma investi-
são”. “O momento tinha che- gação”. Em 1998, após os atentados contra as embaixa-
gado, disse aos amigos, para das no Quénia e na Tanzânia, os EUA bombardearam
iniciar uma ‘jihad’ [guerra o Afeganistão e o Sudão.
ESPECIAL 9
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001

O inimigo número um BIN LADEN EM 1998


“NÃO DISTINGUIMOS
rodeia-se de secretismo STEFAN SMITH ENTRE MILITARES E CIVIS,
Ninguém sabe exactamente onde se es-
conde Osama bin Laden no interior
do Afeganistão. O principal inimigo da
América rodeia-se de secretismo, fala
TODOS SÃO ALVOS”
pouco, aparece raramente em público.
Diz-se que muda de residência frequen- No final de Maio de 1998, Osama bin Laden
temente, e, segundo a Aliança do Norte, recebeu o jornalista norte-americano John Miller,
que luta contra os taliban no poder em
Cabul, em Novembro passado ele terá
da ABC, no seu esconderijo, algures
deixado a cidade de Kandahar numa co- nas montanhas do Afeganistão. A entrevista
luna de veículos que partiu durante a foi feita pouco depois de o milionário de origem
noite, em direcção a uma área monta-
nhosa de difícil acesso.
saudita ter emitido uma “fatwa” (decreto
No entanto, depois disso, foi visto no religioso) apelando a todos os muçulmanos para
casamento de um dos seus filhos, em matarem judeus onde puderem e como puderem.
Kandahar, no final do ano, e terá rece- Miller pergunta-lhe se a “fatwa” é dirigida
bido um jornalista do Middle East Bro-
adcasting Centre (MBC), em Junho. O a todos os americanos, só aos militares,
jornalista, Bakri Attrani, foi levado num ou só aos americanos na Arábia Saudita.
carro, com os vidros escuros de forma a Esta foi a resposta de Bin Laden:
que não se visse o exterior, atravessou
a fronteira do Paquistão para o Afega-
nistão e viajou durante três horas até “Alá ordenou-nos nesta re- ca. Nos massacres de Sabra
chegar ao deserto, onde se realizou o ligião que purificássemos a e Chatila [campos palestinia-
encontro. terra muçulmana de todos os nos no Líbano], uma coope-
Nessa altura, Bin Laden terá dado a não-crentes, especialmente a ração entre forças cristãs e
entender que a sua organização prepa- Península Arábica, onde es- sionistas, casas foram des-
rava atentados contra interesses ameri- tá a Kabaa [pedra sagrada truídas sobre as cabeças de
canos e israelitas. Segundo Attrani, o de Meca]. Depois da II Guer- crianças. Também, de acor-
milionário saudita não fez pessoalmen- ra Mundial, os americanos do com testemunhos de tra-
te nenhuma declaração que o pudesse tornaram-se mais agressivos balhadores humanitários no
comprometer, mas sorriu e acenou com e opressores, sobretudo no Iraque, as sanções lideradas
a cabeça quando os seus ajudantes, que mundo muçulmano. [...] Ca- pelos americanos resultaram
não quiseram ser identificados, fizeram da acção solicita uma reacção na morte de um milhão de
essas ameaças. Embora fontes taliban semelhante. Temos que usar crianças iraquianas.
em Kandahar tivessem garantido à CNN esta punição para manter o Tudo isto foi feito em no-
que o encontro nunca se realizara, o jor- mal afastado dos muçulma- me dos interesses america-
nalista pôde gravar imagens de vídeo nos, das mulheres e crianças nos. Nós acreditamos que os
que o mostram ao lado de Bin Laden. muçulmanas. A história ame- maiores ladrões e terroristas
“As forças de Osama bin Laden estão ricana não distingue entre ci- do mundo são os americanos.
profundamente mobilizadas”, contou At- vis e militares, e nem sequer A única forma de enfrentar-
trani. “Parece que vai haver uma corrida distingue mulheres e crian- mos estes ataques é usando
para saber quem vai atacar primeiro. Se- ças. Foram eles que usaram meios semelhantes.
rão os EUA ou Bin Laden?” Os taliban as bombas contra Nagasaki. Nós não distinguimos en-
garantiram, mais uma vez, que o seu “hós- Podem estas bombas distin- tre os que estão vestidos com
pede” não teria capacidade para realizar guir entre crianças e milita- uniformes militares e civis;
actos terroristas contra outros países e res? A América não tem uma todos são alvos nesta ‘fatwa’.
que as suas acções estavam sob controlo. religião que a impeça de des- [...] A ‘fatwa’ inclui todos os
Um dos argumentos dos dirigentes Os taliban garantiam que as acções de Bin Laden estavam “sob controlo” truir todas as pessoas. que partilham ou participam
afegãos é que num país tecnologicamen- A vossa situação com os na morte de muçulmanos,
te tão atrasado como o Afeganistão, Bin canas no Quénia e na Tanzânia, em 1998, antiaéreas, no interior do esconderijo muçulmanos na Palestina é ataques a lugares sagrados,
Laden não teria meios para lançar ata- o “Sunday Times” publicou um gráfi- haveria, segundo o jornal, uma sala com vergonhosa, se ainda existir ou os que ajudam os judeus a
ques tão espectaculares como os de on- co, nunca confirmado, que mostrava o um centro de alta tecnologia a partir da alguma vergonha na Améri- ocupar terra muçulmana”.
tem, por exemplo. No entanto, depois dos “bunker” do saudita. Apesar de uma en- qual Bin Laden se manteria em contacto
atentados contra as embaixadas ameri- trada primitiva, protegida com baterias com a sua rede mundial.  A.P.C.
Simpatizantes de Bin Laden
detectados em Boston
Porque houve explosões em Cabul? Boston, capital do estado de Massachusetts, de onde
descolaram os dois aviões lançados contra o World Trade
Center de Nova Iorque, é uma cidade tranquila, onde
Era noite cerrada em Cabul, a facto isso que aconteceu. A vivem muitos intelectuais e estudantes. Mas é também
capital do Afeganistão, várias Aliança confirmou a sua res- uma cidade onde existem alguns núcleos de islamistas
horas depois dos atentados ponsabilidade no ataque, que simpatizantes do terrorista Bin Laden. Segundo o chefe
em Nova Iorque e Washing- os próprios taliban reconhe- da polícia local, James Hussey, citado pelo jornal “Boston
ton, quando a CNN mostrou ceram. Globe”, a presença na cidade de dois homens com ligações
imagens de explosões, ao fun- A Aliança parece ter assim a Bin Laden levou os investigadores a supor que esta
do, contra um céu negro e so- reagido — por coincidência organização poderia estar envolvida no desvio dos aviões.
bre uma cidade adormecida. no mesmo dia dos atentados Um ex-agente do FBI radicado em Boston há mais de
O correspondente da cadeia nos EUA — ao atentado suici- uma década, que quis manter o anonimato, afirmou ao
de televisão norte-america- da de domingo passado contra “Boston Globe” que não o surpreendia que uma operação
na em Cabul identificava as Ahmad Shah Massoud, o líder deste tipo fosse preparada em Boston, já que, garante, Bin
explosões como sendo provo- histórico da resistência aos Laden tem membros e simpatizantes na região. “Boston
cadas por mísseis, e localiza- taliban. A confusão em torno tem várias células terroristas”, afirmou, acrescentando
va-as na zona do aeroporto. do destino de Massoud é total. saber que “houve núcleos de seguidores de Bin Laden”,
As imagens não eram verdes, Os seus seguidores garantem que ainda estarão entrincheirados na cidade. O agente
mas faziam lembrar a noite que ele está vivo, enquanto avançou mesmo com os nomes de dois homens que foram
do primeiro ataque america- outras fontes o dão como mor- investigados pelo FBI por, alegadamente, receberem
no contra o Iraque, há dez to. Segundo o “Libération”, ordens e fundos directamente de Bin Laden. Trata-se
anos. O mundo interrogava- responsáveis americanos, a céu de Cabul. o “Leão de Panshir”, como é de dois taxistas, Bassam A. Kanj, que viveu em Boston
se: seria já a retaliação ame- CNN indicou que não se trata- Embora a maioria dos ana- conhecido, estaria hospitaliza- há 15 anos, e Rayed M. Hijazi, que residiu dois anos
ricana contra o país gover- va de uma resposta da Admi- listas considerasse imprová- do em Duchambé, a capital do nas imediações da cidade. Um senador norte-americano
nado pelos taliban, anfitriões nistração Bush aos ataques vel que a Aliança do Norte, Tajiquistão, com ferimentos ouvido pela CNN, e citando peritos do Pentágono, afir-
do milionário saudita Osama terroristas da manhã. Pouco que controla cinco por cento graves, ou mesmo em coma. A mou ontem à noite, já depois do ataque ao aeroporto de
bin Laden, suspeito de estar tempo depois, o Pentágono do território afegão e resiste sua morte poderia, segundo os Cabul, no Afeganistão, que os serviços secretos, embora
por detrás dos atentados con- desmentia formalmente que aos taliban no Norte do país, especialistas, significar o fim ainda sem provas concludentes, possuíam “informações
tra os Estados Unidos? os EUA tivessem alguma coi- tivesse capacidade para lan- da resistência aos taliban e o fragmentárias” que apontavam para a responsabilidade
O “suspense” durou algum sa a ver com as explosões e os çar um ataque desta dimen- controlo total do Afeganistão de Bin Laden, pelo menos ao nível do financiamento da
tempo, até que, citando altos incêndios que iluminavam o são contra a capital, foi de por parte destes.  A.P.C. operação terrorista. J.A.L.
10 ESPECIAL
PÚBLICO•QUARTA -FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

HISTÓRIAS DE UM DIA NEGRO


A TRAGÉDIA
REUTERS

ainda que qualquer dos quatro aviões caísse.


Momentos depois chegou a segunda chamada
PELO PADRE FAWCETT de Barbara. “O que é eu que digo aos pilotos
para fazerem?” Foram estas, segundo o jornal
“As vítimas vão contar-se às centenas, talvez norte-americano “Washington Post”, as suas
aos milhares.” As palavras são do padre Roger últimas palavras.
Fawcett, porta-voz do Centro Médico de S. Vi- A chamada perdeu-se, de novo. Às 9h45 lo-
cente. O religioso em causa estava junto ao cais (14h45, de Lisboa) chegava a hora de cair o
World Trade Center quando a primeira das Boeing em que Barbara Olson estava refém —
torres gémeas se desmoronou e acabou por uma hora depois de iniciado o ataque contra
soterrar um sem-número de pessoas que en- as Twin Towers.
tretanto haviam sido retiradas e estavam a
receber assistência após o embate dos aviões.
“Um centro de triagem dos feridos foi ins- “PARECE QUE
talado sob uma escada fronteira do Trade
World Center e tudo se desmoronou”, contou UM VULCÃO EXPLODIU”
o sacerdote. Roger Fawcett disse ainda que Michael DeVita, um corretor, já estava em
entre as vítimas se encontram muitos ele- segurança, do outro lado do rio Hudson, em
mentos das equipas de salvamento, nomea- Hoboken, New Jersey, transportado por um
damente médicos, enfermeiros, bombeiros e dos “ferries” que fizeram chegar ao terminal
polícias. Estimativas mais tarde avançadas de Hoboken mais de 100 feridos, quando foi
aventam que terão perecido, quando do pri- interpelado por um jornalista da Reuters.
meiro desmoronamento, cerca de 200 bom- Mas pouco tempo antes, quando o primeiro
beiros (dos 400 que se dirigiram para a torre avião foi pilotado contra o World Trade Center,
Norte) e quase 100 polícias. estava no 84º andar do edifício número dois
das Twin Towers.
“Fomos pelas escadas e toda a gente come-
UMA PORTUGUESA çou a abandonar o edifício de forma bastan-
AFORTUNADA te ordeira”, disse DeVita. Mas ele e os seus
colegas apenas tinham chegado ao 60º andar
Diz-se que as bombas não caem duas vezes quando o segundo avião atingiu o edifício em
seguidas no mesmo local. Também se diz que que ele estava. Sentiu todo o prédio tremer e
as possibilidades de um mesmo apostador as escadas começaram a ceder. “É de loucos,
acertar nos seis números do Totoloto em há entulho e pó por todo o lado. Parece que
concursos consecutivos são quase impossí- um vulcão explodiu lá dentro.”
veis de acontecer. Para a luso-americana
Rosalina Baptista estas teorias não são ver-
dade. “O CAOS NÃO
Rosalina, funcionária da cadeia hoteleira
Hilton, trabalhava, em 1993, no 106º andar de PODE SER DESCRITO”
uma das torres do World Trade Center. Nessa Timothy Brooks, um consultor para empresas
ocasião assistiu e escapou a um atentado bom- relacionadas com a Internet, vive no Maine,
bista no maior edifício do mundo. Mas as marcas mas ontem estava em Manhattan, para se en-
psicológicas, o terror, permaneceram. Foi por contrar com um cliente, no número 120 de
isso que resolveu pedir transferência do local de Wall Street. Cerca de quatro horas depois de as
trabalho. Foi para a vizinha Wall Street Court. Twin Towers terem sido atingidas, Brooks e os
Ontem, depois dos atentados, permaneceu restantes trabalhadores desse edifício ainda
nas instalações durante largas horas, rodeada estavam fechados 30 andares acima da rua.
de fumo, poeira, sirenes e gritos de gente em Através de um serviço de correio electrónico
aflição. Acabou por sair sã e salva. “Se ela conseguiu ir contactando com amigos. As suas
tivesse continuado a trabalhar naquele andar descrições de caos indiciam o medo.
era agora uma das vítimas deste atentado”, “O ar lá fora está tão mau que não se pode
disse à Lusa o marido, José Baptista. sair. No nosso escritório, como em muitos
outros da baixa, as pessoas só tentam perceber
como chegar a casa”, escrevia. “Nada aqui
“ESTOU ENCURRALADO está operacional.” Depois: “Havia milhões —
NO 103º ANDAR” e quero mesmo dizer milhões — de pessoas na
rua, apenas a olhar para cima.” Ninguém, tal
Wilder Gomez Piedrahita tinha 38 anos e há com ele, tinha familiares ou amigos nas Twin
cinco que trabalhava num restaurante no 120º Towers, mas Brooks falava de gente “estupe-
andar de uma das torres do World Trade Center. facta” e de “muito choro”. “Vou tentar afastar-
Ontem, quando da primeira colisão na torre me o mais possível de Manhattan ainda hoje,
onde se encontrava, estava 17 pisos abaixo. Sem compreender, deve ter ouvido e enorme com o marido, o procurador-geral do Supremo espero estar em casa amanhã. O caos não pode
“Estamos encurralados no 103º andar, não estrondo do primeiro dos dois aviões a em- Tribunal, no dia de aniversário dele. ser descrito.”
há maneira de sair, há muito fumo e ninguém bater no prédio. E sentido o edifício tremer. Pouco depois Barbara tornar-se-ia num dos
pode vir em nosso socorro.” Este foi o ponto Correu — sem saber que, muito pouco tem- 64 reféns que acabariam por morrer quando
da situação que fez, telefonicamente, para po depois, esse mesmo edifício colapsaria, esse avião da American Airlines foi pilotado “CASO NÃO NOS
o irmão, residente em Cali, na Colômbia. De-
pois, fez-se silêncio e nunca mais os irmãos
desfazendo-se em estilhaços.
A pé, pelas escadas iniciou a fuga que no 50º
para se despenhar contra o Pentágono. Antes
disso, entre o pânico de passageiros e tripula- VOLTEMOS A VER”
se falaram. Presume-se que tenha sido nesse andar o abrigaria a esquivar-se das unidades ção, nos últimos minutos de vida, Barbara fez Mark Bingham, relações públicas do Estado
momento que a torre onde Wilder se encon- de bombeiros em missão de salvamento que dois telefonemas ao marido. da Califórnia, de 31 anos, estava a bordo do
trava começou a ruir. tentavam agrupar todos os trabalhadores do Um minuto de palavras — possivelmente voo 93 da United Airlines que ontem fazia
Wilder nem sequer costumava trabalhar arranha-céus. Teve apenas tempo de chegar ao em condições muito semelhantes àquelas em a ligação entre Newark e São Francisco. Do
de dia mas, recentemente, o patrão pedira- seu carro, estacionado no parque subterrâneo, que, a quilómetros de distância, a bordo de um telemóvel, pouco antes que o avião desviado
lhe para deixar temporariamente o turno da e de parar a duzentos metros das torres — outro avião (o que acabaria por cair nos arre- se despenhasse, ligou à mãe, Alice Hoglan:
noite, com a promessa de que hoje poderia para telefonar à mulher — antes que, atrás dores de Pittsburg), um homem, trancado na “Três homens tomaram o controlo. Dizem que
pegar mais tarde. De resto, tudo parecia correr das suas costas, o edifício de onde acabara de minúscula casa-de-banho de bordo, marcava têm uma bomba.”
pelo melhor no seu emprego no restaurante, sair colapsasse, em pedaços de aço e vidro. o 911, o número de emergência nacional. Atrás dele, contaria a mãe, havia muita agi-
tanto mais que o contrato de trabalho iria ser No primeiro telefonema, Barbara disse ao tação, vozes e gritos indistintos — com certeza
renovado por mais seis meses. marido: “O avião está a ser desviado.” Teve dos restantes 38 passageiros, dois pilotos e
OS DOIS TELEFONEMAS tempo para explicar que os terroristas — eram cinco outros membros da tripulação. Aparen-

A MILAGROSA DE BARBARA OLSON vários, não especificou número ou nacionali-


dade — empunhavam facas e x-actos. E que
temente, relata o jornal “Washington Post”, os
passageiros terão sido obrigados a telefonar
FUGA DE LUCIO CAPUTO Barbara Olson era comentadora política para
a CNN — advogada tornada proeminente fi-
fora com eles que tinham obrigado passagei-
ros e tripulação a agrupar-se na parte traseira
às famílias pelos próprios piratas do ar.
Alice Hoglan ficou, inicialmente, “incré-
O Instituto da Comida e do Vinho de Nova gura televisiva durante o processo de “impe- do avião. A chamada caiu, ou foi cortada. dula”. Mas o filho continuou: “É verdade, fo-
Iorque funcionava no 76º andar de uma das achment” ao ex-presidente Clinton. Ontem Do outro lado da linha, conta a CNN, o ma- mos realmente desviados.” Depois terminou:
torres gémeas dos edifícios do World Trade embarcou num Boeing 757 em rota entre o rido ligou para o centro de comando do de- “Amo-te muito, muito, caso não nos voltemos
Center. Lucio Caputo, o seu presidente, já che- aeroporto de Dulles, em Washington, e o LAX, partamento de Justiça. Disseram-lhe que in- a ver.” Alice teve tempo de lhe responder que
gara ao escritório, cedo, na manhã de ontem. de Los Angeles, para tomar o pequeno-almoço vestigariam o caso — provavelmente antes acreditava: “Disse-lhe que o amava.”
E S P E C I A L 11
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001

REUTERS

correr e a gritar para quem encontravam para escombros pelas equipas de salvamento. O direcção à Austrália declarou situação de
“A COISA MAIS sairmos dali”, contou. Engel não se recorda salvamento ocorreu já ao fim da tarde e foi emergência quando um passageiro começou
de muitos mais pormenores, a não ser as den- anunciado pelo presidente da Câmara de Nova a comportar-se de uma forma declarada como
HORRÍVEL QUE JÁ VI” sas nuvens de fumo e os gritos de desespero Iorque, Rudolph Giuliani. estranha, afirmou a polícia.
Nas imediações do World Trade Center jun- dos que tentavam encontrar uma saída. Aca- O autarca, que apenas sabia que as vítimas A equipa do voo 815 da UA, a mesma com-
taram-se centenas de pessoas. Muitas delas bou por chegar à rua utilizando as escadas de conseguiram manter contacto com as equipas panhia norte-americana que algumas horas
presenciaram o desespero dos que estavam emergência. de busca utilizando os telemóveis, declarou antes confirmara pertencerem à sua frota
aprisionados nas torres e que, acossados pelas que as mesmas foram internadas num hos- dois dos aviões despenhados durante os in-
chamas, preferiram saltar pelas janelas. Jim pital da cidade. No momento do resgate dos cidentes ocorridos durante o dia de ontem
Zamparelli foi uma das pessoas que presen- ORDEIRAMENTE polícias, centenas de bombeiros vasculhavam nos Estados Unidos, com 110 pessoas a bordo,
ciaram as cenas de horror.
“Foi a coisa mais horrível que já vi. Ao pé LAVADOS EM LÁGRIMAS os destroços entre nuvens de fumo e poeira,
sendo obrigados a respirar oxigénio que trans-
estava destinado a Sydney mas pediu uma
alteração na sua rota para o aeroporto de
de mim havia gente a dizer: meu Deus... há O programador de computadores Jeff Lanka, portavam às costas em botijas. Brisbane, no estado de Queensland. Imedia-
gente a sair pelas janelas... vão saltar... meu de 40 anos, encontrava-se no 58º piso da torre tamente colocado em estado de alerta, foi no
Deus”, contou a testemunha. Sul. Contou que sentiu um grande impacto aeroporto de Brisbane que o voo 815 acabou
Outros, não contendo a emoção ao tentarem mas, devido à intervenção de alguém que tam- PRODUTOR DE TV por aterrar sem que qualquer incidente se
relatar os saltos das torres do World Trade
Center, contaram como viram ruir os dois
bém se encontrava naquele andar, todas as
pessoas permaneceram minimamente cal- E HOQUISTAS ENTRE OS MORTOS registasse.
Segundo informações da polícia local, um
edifícios. “Foi um estrondo imenso, acompa- mas. “Disseram-nos que não havia perigo de Um produtor de televisão e dois jogadores homem foi questionado, sem que quaisquer
nhado de grandes nuvens de poeira e fumo. desmoronamento”, contou. de hóquei dos Los Angeles Kings estão entre acusações lhe fossem, no entanto, feitas.
Era difícil respirar.” “Saímos ao fim de, mais ou menos, 15 minu- as vítimas mortais da colisão de três aviões
Também alguns polícias relataram a tragé- tos. Havia muita gente a chorar, mas sempre contra o World Tarde Center e Pentágono.
dia, salientando as dificuldades para acede- tudo com calma, sempre com alguém a dizer Fontes da indústria da televisão disseram AVIÕES SUL-COREANOS
rem às zonas mais críticas. “Não se via nada,
havia muita confusão e o trânsito estava caó-
para ninguém correr, para ninguém entrar em
pânico.” Quando Jeff Lanka atingiu a rua — e
que além do produtor da série “Frasier”, David
Angell, 54 anos, e sua mulher Lynn, e os dois SOB SUSPEITA
tico, com carros por todo o lado, com muita depois de constatar a dimensão da catástrofe jogadores, também pereceu um executivo do Dois aviões sul-coreanos — um de carga e um
gente a tentar aproximar-se”, disse Timothy — dirigiu-se a uma igreja, onde ficou a rezar fabricante de redes de fibra óptica MRW, de Los de passageiros —, em rota para o Alaska,
Stewart, polícia no Bronx. durante uma hora. “Nunca conseguirei pagar Angeles. Angell, vencedor de vários prémios a região mais a norte dos Estados Unidos,
o preço da minha vida”, declarou mais tarde. Emmy, também escreveu vários episódios para foram ontem obrigados a aterrar no aeroporto
as sérias de televisão “Wings” e “Cheers”. de Whitehorse (em Yukon, no Noroeste do
DA PISCINA PARA Canadá) por se acreditar tratarem-se de voos
A ESCADA DE EMERGÊNCIA OS PRIMEIROS SALVOS dominados por terroristas. Os aparelhos fo-
DOS ESCOMBROS O ESTRANHO PASSAGEIRO ram totalmente revistados sem que nada de
Paul Engel, de 64 anos, estava no 22º andar de
uma da torre Norte. Tinha acabado de sair Dois polícias portuários, força cujas instala- RUMO A SYDNEY anormal fosse descoberto. Na realidade, um
deles, um Boeing 747, terá emitido um sinal
de uma piscina quando sentiu o estrondo do ções se situavam numa das torres destruídas, Já hoje, a equipa de um avião da United Air- de emergência por falta de combustível e pro-
embate de um avião no edifício. “Só via gente a foram as primeiras pessoas resgatadas dos lines (UA) que partira de Los Angeles em blemas de comunicação. 
12 ESPECIAL
PÚBLICO•QUARTA -FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
PETER MORGAN/REUTERS

O MISTÉRIO Identificador
DO VOO 93
O que aconteceu ao Boeing
757 da United Airlines é um
do avião de
aparente mistério que, a ava-
liar pelas notícias que dizem
respeito ao voo 93 que saiu de
Newark e tinha como destino
Washington
San Francisco, não levantou
grandes interrogações à im-
prensa mundial e norte-ame-
ricana. Apesar de pouco ou
foi desligado
nada se saber sobre este avião Controladores de voo permite identificar todos os
ou sobre os motivos da sua dados do avião em causa.
queda, a teoria de que poderia
de Washington não Os especialistas contacta-
ter sido abatido por aviões mi- puderam fazer mais do dos pelo diário norte-ameri-
litares para evitar que fosse que assistir ao desastre cano foram unânimes em con-
embater em Camp David (em cluir que esta atitude provava
Maryland), a residência de fé- NUNO SÁ LOURENÇO que quem estava aos coman-
rias do Presidente dos Esta- e INÊS SEQUEIRA dos do avião sabia o que esta-
dos Unidos, foi apenas leve- va a fazer. Ganha, assim, cada
mente abordada. O facto parece confirmar o vez mais força a tese que as-
A informação sobre este nível de preparação dos terro- segura a não participação dos
avião é reduzida e solta. Sa- ristas. De acordo com o diário pilotos no acto final. “Duvido
be-se que levava 45 pessoas “Washington Post”, o emis- que os pilotos estivessem no
(incluindo sete tripulantes). sor-receptor do avião que se comando do avião”, reconhe-
Sabe-se ainda que foi a última despenhou contra o Pentágo- ceu um piloto inglês contac-
das aeronaves a despenhar-se no com 58 pessoas a bordo foi tado pela BBC.
e que caiu em Somerset Coun- destruído quando o aparelho O mesmo aviador acrescen-
ty, na Pensilvânia, poucos mi- seguia ainda a sua rota habi- tou que, caso se visse perante
nutos depois das 10h00 locais. tual. Uma medida que tornou aquela situação, não teria ou-
Sabe-se ainda que o impacto impossível aos controladores tra solução senão fazer des-
provocado pela sua queda de voo a sua identificação. penhar o avião na primeira
foi sentido em Shanksville, A partir desse momento, oportunidade: “Como ex-pilo-
a 16km do local. Mas as ima- os ecrãs do aeroporto de Wa- to teria apontado para o chão,
gens televisivas deste lado da shington-Dulles detectaram mesmo que isso significasse
tragédia são muito reduzidas um avião que voava a alta ve- a morte de todos a bordo.” No
face à cobertura das cadeias locidade em direcção à capi- entanto, outro piloto britâni-
televisivas em Nova Iorque e tal, sem que pudessem con- co levantou uma segunda pos-
em Washington. firmar de que voo se tratava. sibilidade: “Talvez tenham
Está também confirmado Os controladores consegui- abatido os pilotos e tenham
um contacto feito por um ram alertar as autoridades tomado o controlo do avião.”
passageiro do Boeing 757, ainda alguns minutos antes Uma situação plausível pa-
que se teria fechado num de o avião descrever uma cur- ra o editor da revista “Flight
WC e feito uma ligação do va no ar para se posicionar International”, David Lear-
seu telemóvel para o 911 (o contra o Pentágono. mont. Até porque pilotar um
número do centro de opera- A torre foi, contudo, inca- Boeing é mais fácil do que se
ções de emergência), a dar paz de dar qualquer outra in- pensa: “Seria extremamente
conta do desvio do avião por formação adicional, uma vez fácil para o terrorista apon-
piratas do ar, momentos an- que o transponder, o aparelho tar o avião contra alvos da-
tes do impacto. A chamada identificador, se encontrava quela dimensão.” Um piloto
foi feita às 9h58 locais: “Es- inutilizado. Apesar de terem português confidenciou ao
Nos EUA há cerca de 40 mil voos diários internos tamos a ser desviados! Esta- conhecimento que um avião PÚBLICO isso mesmo: “Ima-
mos a ser desviados!”, disse se aproximava perigosamen- gine um carro com a quinta
o homem não identificado, te da capital, as autoridades mudança metida e um miúdo

American Airlines de acordo com uma transcri-


ção da conversa.
Seja pelo lado confidencial
da operação, seja pela como-
norte-americanas nada pude-
ram fazer.
Não possuíam as coordena-
das, nem o número do voo ou
de dez anos a conduzi-lo; po-
de dirigi-lo facilmente sem
precisar de meter as mudan-
ças.” Daí que o presidente

foi multada por ção que provocaria, a ver-


dade é que não se sabe se o
avião foi abatido para evitar
que provocasse a perda de
o nome da companhia. Isto
porque “alguém a bordo ha-
via desligado o transponder”,
escreve o “Washington Post”.
da Associação Portuguesa de
Pilotos de Linha Aérea, Sal-
vador Sottomaior, acabe por
concordar com a ideia dos pi-

negligenciar segurança mais vidas humanas, ou se


foi embater no solo por deci-
são dos piratas do ar ou even-
tual conflito com os pilotos.
O transponder é um conjun-
to de componentes electróni-
cos que responde automatica-
mente a um sinal de radar e
lotos abatidos: “É mais fácil
acreditar que alguém abateu
o piloto e tomou o controlo
do avião.” I
Peritos denunciam do devidamente os passagei- Daniel Plesch, também cita- No “site” da CNN, uma frase WILLIAM PHILPOTT/REUTERS
falhas no controlo ros sobre questões de segu- do pela BBC, disse que “os no meio de um texto esclare-
rança antes de embarcarem. americanos não levam tanto ce que os responsáveis mili-
dos voos internos A companhia disse que ti- a sério a segurança nos aero- tares dos EUA disseram que
norte-americanos nha corrigido imediatamente portos como os ingleses”. E nenhum dos quatro aviões
estes procedimentos, mas a exemplificou: “Em conferên- foi abatido. No parágrafo an-
JOSÉ ALBERTO LEMOS verdade é que a tragédia de cias na América, vi muitas terior a CNN diz, a partir de
ontem provocou uma grande falhas na segurança que me fonte dos serviços secretos,
A American Airlines, a com- polémica sobre as condições puseram os cabelos em pé. Lá que foram feitas tentativas
panhia aérea a que pertencia de segurança aérea nos EUA. não há a mesma cultura que para desviar o avião de Camp
um dos Boeing que se despe- E não faltam peritos a de- existe em Israel ou no Reino David. “Não é claro como este
nharam sobre o World Trade nunciar as falhas no siste- Unido em relação a estes pro- plano pode ter sido evitado”,
Center, em Nova Iorque, tinha ma. David Learmount, editor blemas. A América é dema- escreve o autor do texto.
sido multada em Julho pas- da revista Flight Internatio- siado aberta”. De qualquer forma, a ra-
sado pela FAA, a autoridade nal, especializada em aviação, A política de segurança pa- zão da queda está registada
aeronáutica dos EUA, por não afirmou à BBC: “Já por vá- rece fazer jus ao velho ditado na caixa negra do Boeing. De
cumprir integralmente as re- rias vezes tinha alertado para português de “casa roubada, acordo com especialistas, a
gras de segurança. A FAA que, se eu fosse um terrorista trancas à porta”. Isso mes- caixa negra deste avião pode
multou a American Airlines que quisesse atacar a aviação mo é exprimido por mais explicar parte da tragédia,
em cerca de 20 mil contos por americana, o faria em voos um perito na matéria, Phil pois será praticamente im-
negligência nas condições de internos. Não me surpreen- Hayes: “A segurança na avia- possível recuperar as caixas
segurança dos voos, nomea- de o que aconteceu. É muito ção tende a ser retrospectiva. negras dos outros três aviões.
damente por ter embarcado simples, os EUA têm uma alta Só se adoptam novas medidas As caixas apenas aguentam o
em cinco voos bagagens que segurança nos voos interna- quando algo acontece”. intenso calor durante perío-
não pertenciam aos passagei- cionais, mas uma segurança Refira-se que nos EUA há dos muito curtos e podem ter
ros, por não ter identificado virtual nos voos internos”. cerca de 40 mil voos diários sido destruídas com as explo-
todos os passageiros em dois Idêntica denúncia fez um internos, que transportam 1,6 sões que se sucederam após
voos, e por não ter interroga- especialista em segurança. milhões de passageiros. I os embates. I J.J.M. O avião que saiu de Washington despenhou-se no Pentágono
ESPECIAL 13
TERROR NA AMÉRICA PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001

MASSACRE DAS BOLSAS


CONTINUOU NA ÁSIA KAZUHIRO NOGI/AFPI

TODOS À ESPERA DOS EUA


Cerca das duas da manhã de Lisboa,
o principal índice da capital nipónica mergulhava
6,6 por cento para 9617,09 pontos, o nível
mais baixo desde Agosto de 1984,
enquanto Hong Kong perdia 7,9 por cento.
O mercado de Sidney não escapou à derrocada,
com perdas de 4,4 por cento

CARLOS ROSADO DE CARVALHO Nas outras praças o pa-


norama não era muito dife-
A derrocada bolsista não olha rente. Na China, o Shanghai
a continentes. Depois da Eu- B recuava 6,3 por cento, em
ropa e da América Latina, foi Hong Kong, o Hang Seng ce-
a vez da Ásia. Na Nova Zelân- dia 7,9 por cento e na Aus-
dia, o primeiro mercado da trália, o índice S&P/ASX de
região Ásia/Oceania a abrir Sidey marcava menos 4,4
as portas depois dos ataques por cento do que na véspe-
contra alvos nos Estados Uni- ra. Estamos em presença de
dos da América, o índice Top um teste à ordem económica
40 caía 5,9 por cento, a maior mundial, arriscou um gestor
queda em pontos percentuais de activos citado pela agência
desde Outubro de 1997. Bloomberg.
Pior esteve Tóquio. Apesar A reacção dos mercados
de ter retardado a abertura asiáticos, é praticamente uma
em meia hora e de ter reduzi- fotocópia do que se passou na
do a metade o limite máximo Europa primeiro e na Amé-
de variação das cotações, cer- rica Latina depois. Começan-
ca das duas horas de Lisboa o do pelo Velho Continente, a
maior mercado asiático dava Bolsa de Frankfurt chegou a
um trambolhão de 6,6 por cen- perder mais de 11 por cento, “Dealers” de divisas na praça de Tóquio lendo os jornais desta manhã
to, quebrando a barreira dos tendo a negociação sido inter-
dez mil pontos pela primeira rompida uma hora antes do Paris e Milão ultrapassaram acima dos quatro por cento. de muitos investidores, o que O M A PA D O S
vez desde Agosto de 1984. “Os seu encerramento devido a os sete por cento e a de Lon- Algumas bolsas europeias se traduziu na forte venda de ESTRAGOS
mercados estão dominados pe- uma ameaça de bomba que dres superou os cinco por cen- chegaram a suspender, por títulos de empresas segurado- P E R DAS D O S
la incerteza. A calma não re- se veio a revelar infundada to. Madrid e Lisboa encerra- curto período de tempo, a ne- ras (como a Allianz e a Axa), P R I N C I PA I S
gressará enquanto as praças e fechando com uma queda de ram com as menores quedas gociação, mas isso não evi- ou de aviação, e num “refú- MERCADOS
norte-americanas não abri- 8,6 por cento. As quedas de da Europa, mas, ainda assim, tou o sentimento de pânico gio” em companhias petrolí-
rem e/ou não for conhecida feras (por causa da subida do
a resposta da administração petróleo), ou noutros produ- Ásia/Oceania*
Bush aos atentados”, previu
Suspender ou não suspender tos financeiros de menor ris- Hong Kong Hang Seng 7,9%
um analista da bolsa de Tó- co, como as obrigações do te- Japão Nikkei 225 6,6%
quio citado pela Reuters. Por Nos momentos de grande instabilidade pensão criou ainda maior insegurança e souro. Apesar da forte queda China Shanhai B 6,3%
decisão das respectivas socie- dos mercados, há investidores que en- expectativa. Mas para outros, a interrup- dos mercados, alguns analis- Nova Zelândia NZSE 40 5,8%
dades gestoras, as bolsas dos tram em pânico e tentam vender as suas ção foi positiva e justifica-se sempre que tas e economistas rejeitaram Austrália Sidney S&P/ASX 4,4%
EUA permanecerão hoje pelo posições a qualquer preço, enquanto ou- não há informação disponível. A medida a ideia de que o dia foi de
segundo dia fechadas, facto tros parecem ter verdadeiros “nervos de de suspensão também foi tomada em Es- “crash” — que tecnicamente América Latina
que acontece pela primeira aço” e entram a comprar. Só mais tarde panha, França e Holanda. Uma hora an- designa uma queda diária su- Brasil Bovespa 9,2%
vez desde Agosto de 1945. se percebe se os primeiros perderam uma tes de encerrar, a Bolsa de Frankfurt, a perior a cinco por cento. México México IPC 5,6%
Se o mercado à vista não es- fortuna ou se os segundos fizeram um que mais caiu na Europa, também sus- “Crash” ou não, a verdade Argentina Merval 5,6%
tá bem, o de futuros, que re- bom negócio. Por isso, as opiniões divi- pendeu a negociação. Antes da interrup- é que as quedas nos três prin-
flecte as expectativas dos in- dem-se sobre a legitimidade da suspensão ção completa do mercado, a bolsa alemã cipais mercados da América Europa
vestidores sobre a evolução temporária dos mercados, como ontem tinha suspenso a negociação das empre- Latina também ultrapassa- Alemanha/Frankfurt Xetra Dax 8,6%
das bolsas, também não augu- aconteceu na Bolsa de Lisboa por meia sas norte-americanas. Na América Lati- ram aquela fasquia técnica. Itália/Milão Mibtel 7,8%
ra nada de bom. Na bolsa de hora, pouco depois do atentado em Nova na, as praças de São Paulo e de Buenos O Bovespa de São Paulo, Bra- França/Paris Cac 40 7,30%
Osaka, o contrato de futuros Iorque. A Comissão Executiva justificou Aires também interromperam a cotação, sil, deu um trambolhão de 9,2 Reino Unido/Londres FTSE 100 5,7%
do Nikkei com vencimento em a decisão com a necessidade de dar “al- e no Extremo Oriente a Bolsa de Taiwan por cento, o IPC da cidade do Espanha/Madrid Ibex 35 4,6 %
Setembro foi negociado a cair gum tempo” aos investidores e agentes do fez saber que hoje não abrirá. A bolsa de México, México, caiu 5,6 por Portugal/Lisboa Psi 20 4,4%
mais de 9 por cento para 9360 mercado para se aperceberam do que se Tóquio abriu meia hora mais tarde e re- cento e o Merval de Buenos
pontos, o que levou as autori- estava a passar. A medida não agradou a duziu a metade as variações máximas Aires, Argentina, recuou 5,2 *Cotações pouco depois da abertura de
dades a fecharem o mercado. 12 de Setembro
alguns operadores, que alegam que a sus- permitidas. Rosa Soares por cento. 

Bolsa de Londres evacuada às 15h10


A Bolsa de Londres foi ontem evacuada impulsionadas pelas primeiras notícias da normal e apanhar um táxi era ainda mais ça cumpria a sua habitual tarefa, indife-
passavam 10 minutos das três da tarde e tragédia nos EUA, teria levado a perdas na complicado que habitualmente — e a agita- rente à presença dos jornalistas. Segundo
tinham acabado de chegar as primeiras ordem dos 60 mil milhões de libras. ção era explicada pelos próprios motoristas: Britton, para além da Bolsa de Londres,
notícias sobre as arremetidas do aviões Ao fim da tarde, era já possível comprar, “Está tudo calmo mas não há dúvida que as também o edifício do Lloyds Bank e a torre
comerciais sobre o World Trade Center de em bancas à beira da estrada, a última edição pessoas foram mais cedo para casa”. Nat West, de duas proeminentes institui-
Nova Iorque. A medida foi tomada por pre- do diário “Evening Standard”, um vespertino Eram 19h00 quando Adrian Britton, re- ções financeiras, tinham sido evacuados
caução, numa altura em que se encontra- londrino que trazia na capa uma foto de uma pórter do canal televisivo ITN-Independent por precaução. O mesmo se dizia de Canary
vam no edifício cerca de 700 pessoas. Se- das torres do World Trade Center a arder sob Television News fazia ainda a sua reporta- Whars, grande centro de negócios (infor-
gundo os responsáveis da Bolsa de Londres, o título “Guerra do terror na América”. A gem em directo frente ao edifício da Bolsa mação não confirmada).  ISABEL GORJÃO
as vendas de acções de diversas empresas, azáfama do regresso a casa era maior que o de Londres. Lá dentro, apenas um seguran- SANTOS, em Londres
14 ESPECIAL
PÚBLICO•QUARTA -FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

Riscos de recessão mundial aumentam


com atentados ao coração do capitalismo
Antes dos ataques a situação económica internacional era má, mas os economistas alimentavam esperanças de o mundo poder escapar à recessão. Agora
essas esperanças diminuíram consideravelmente. O primeiro balanço revela estragos consideráveis no dólar e nos mercados accionistas, em especial nas
empresas ligadas aos seguros e à aviação. Os investidores refugiaram-se no franco suíço e no ouro. O petróleo também encareceu
RAY STUBBLEBINE/REUTERS

JOANA AMORIM, LURDES


FERREIRA e ROSA SOARES

Ainda é cedo para avaliar as


consequências económicas
era a frase mais ouvida da
boca dos economistas poucas
horas depois dos “aparentes
atentados terroristas” nos Es-
tados Unidos da América.
“Ainda não consegui pen-
sar sobre o assunto. O medo
que existe é grande, mas nin-
guém tem a ideia das conse-
quências económicas. Admi-
to que os americanos sejam
capazes de reagir mais de-
pressa que o resto do mundo.
Agora o que se vai passar na
economia mundial, não faço
ideia. Pode ser um ataque de
um conjunto de fundamenta-
listas e não ter muitos efei-
tos. Mas, se for um ataque vin-
do do Médio Oriente, então
os efeitos serão muito graves,
concretamente a nível do pe-
tróleo”, resumiu ao PÚBLICO
Alberto de Castro, o professor
catedrático da Universidade
Católica do Porto que, recen-
temente, recusou um convite
de Guterres para ministro da
Economia.
No plano imediato, as bolsas
vão cair, o dólar vai enfraque-
cer e o petróleo irá disparar,
previu. Os números parecem
dar-lhe razão. Os mercados ac-
cionistas viveram horas difí-
ceis, o que motivou a suspen-
são da negociação em alguns
mercados, incluindo Lisboa. A
bolsa de Frankfurt, que encer-
rou uma hora antes do fecho
normal devido a uma ameaça
de bomba, esteve a perder 11
por cento. Paris recuou mais
de sete por cento e Amester-
dão 6,9 por cento. Melhor esti- Os atentados nos EUA “aumentam as possibilidades de a economia mundial cair em recessão”, defende Miguel Frasquilho, do GES
veram Londres (menos 5,4 por
cento), Madrid (menos 4,5 por íses ocidentais têm grandes que tornará mais moderada a cair em recessão”, defendeu o ços”, comentou por seu tur-
cento) e Lisboa (menos 4,3 por “stocks”. Há bem pouco tem- recessão americana”, precisou economista chefe banco con- no a economista chefe do BPI, GANHADORES
cento). po o petróleo esteve a níveis ao PÚBLICO o economista Sér- trolado pela família Espírito Cristina Casalinho. O aumen-
Contudo, os analistas recu- bem mais elevados, recordou gio Rebelo, a viver e leccionar Santo, Miguel Frasquilho, em to do preço do petróleo, um dos
Petróleo
sam a ideia de “crash”, prefe- ainda. “Para já, o comporta- actualmente nos EUA. Para o declarações à Lusa. Para o principais “motores” da infla-
rindo acreditar que se esteja mento dos mercados não pa- economista, o ataque terrorista analista “ainda é cedo para ção, terá um impacte directo
perante uma reacção emoti- rece sugerir perigos de adia- de ontem criará “mais turbu- tirar as conclusões, mas os tanto na economia norte-ame- Títulos de rendimento
va. “Não é uma situação de mento da recuperação dos lência numa altura em que a atentados terão decerto um ricana, como na europeia, pre- fixo, sobretudo dívida
pânico, o que aconteceu na Estados Unidos”, conclui o economia americana atravessa efeito de diminuição da con- cisou a analista. pública de curto prazo
bolsa é inferior ao crash de ex-governante. uma reestruturação dolorosa fiança dos agentes económi- A juntar a este factor há
1987 e a queda do dólar é re- com o redimensionamento do cos”, um factor fundamental ainda a “instabilidade que os Metais preciosos como
lativamente insignificante”, “Mais turbulência” sector de tecnologias de infor- para a economia. A queda dos ataques causarão nos merca- ouro, prata e platina
desdramatiza Miguel Beleza, A não ser que haja uma reac- mação”. mercados bolsistas e a subida dos accionistas, que já se en-
ex-ministro das Finanças e ção psicológica, “do ponto de Se a quebra do dólar face ao em flecha dos preços do petró- contravam em dificuldades”, Divisas alternativas ao
ex-governador do Banco de vista dos mecanismos eco- euro e a subida do ouro são leo, que hoje se verificaram, acrescentou.
dólar como euro, iene e
Portugal. nómicos não há razão para efeitos evidentes de curto pra- “são reacções a quente, que Todos estes factores pode-
franco suíço
Quanto ao mercado cam- o atentado afectar a econo- zo, Sérgio Rebelo considera poderão não se prolongar”, rão “implicar uma maior de-
bial, o professor universi- mia”, corrobora o economis- já ser difícil prever o prazo dependendo das “acções que mora na recuperação econó-
tário e consultor do Banco ta José da Silva Lopes, citado de impacto sobre a economia, se seguirem”, ressalvou o eco- mica” ou até mesmo “uma
Comercial Português reco- pela Lusa. Houve milhares em geral, e sobre os preços nomista. recessão económica”, admi-
nhece que a valorização de de milhões de dólares de pre- das acções e do imobiliário, tiu Cristina Casalinho. Para a
dois por cento do euro face juízo e haverá gastos de mi- em particular. Quanto à Eu- Recuperação mais lenta União Europeia, além do im-
ao dólar é “bastante”, mas lhares de milhões de dóla- ropa e Portugal, o efeito prin- Mas “trata-se, sem dúvida, pacte directo por via do pre- PERDEDORES
nota que “é preciso ter em res em segurança e outras cipal virá de “uma redução de um acontecimento nega- ço do petróleo, os atentados
conta que a moeda europeia despesas, o que poderá esti- do fluxo de turismo dos EUA”, tivo para a economia mun- poderão significar também
está subvalorizada e, por is- mular a economia, explica considera. dial”, garantiu Miguel Fras- uma “menor procura dirigida Dólar
so, é normal que suba”. o presidente do Comité Eco- Menos optimista é a visão quilho, frisando a ausência de à Europa, por parte dos EUA,
No que diz respeito ao pe- nómico e Social. dos gabinetes de estudo do informação detalhada sobre afectando as relações comer- Acções, sobretudo de
tróleo, Miguel Beleza frisa “Os ataques terroristas po- Banco Português de Investi- os acontecimentos nos EUA. ciais externas”, referiu, subli- companhias de seguros
que a Organização dos Paí- derão dar ao presidente Bush mento e do Banco Espírito Os ataques terroristas “farão nhando que se “trata de me- e agências de viagens
ses Exportadores de Petróleo a oportunidade de aumentar a Santo (BES). Os atentados nos disparar os preços do petróleo, ras conjecturas, por ser ainda
(OPEP) já garantiu que não despesa com o sector de defesa, EUA “aumentam as possibili- com as consequentes implica- prematuro avaliar as conse-
haverá rupturas e que os pa- criando uma expansão fiscal dades de a economia mundial ções a nível do índice de pre- quências” dos ataques. I
ESPECIAL 15
TERROR NA AMÉRICA PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001

Pearl Harbour II Dólar estanca perdas


O dólar recuperou ligeiramente ienes e 1,684 francos suíços. pós-atentado, o bilhete verde provocada pelos atentados.
nos mercados asiáticos, estan- Depois do atentado, o pânico acabaria por recuperar ligei- Estas expectativas foram re-
cando as perdas contra as prin- instalou-se e o bilhete verde ramente na Europa, cotan- forçadas por declarações de
cipais divisas na sequência dos caiu para 1,0906 euros, 118,55 do-se às 22 horas de Lisboa responsáveis da Reserva Fe-
atentados de ontem em Nova ienes e 1,638 francos suíços. a 1,0935 euros, 119,17 ienes e deral (Fed) segundo as quais o
Iorque e Washington. No caos Nesta altura, operadores ame- 1,6405 francos suíços. Pouco banco central norte-america-
que se seguiu “aos aparentes ricanos afirmavam que o mer- depois da abertura dos mer- no iria garantir a liquidez dos
ataques terroristas”, aquelas cado estava “louco” e que era cados em Tóquio o dólar ga- mercados. “A Fed está aberta
divisas funcionaram como mo- “o pânico a comprar [divisas nhou ainda mais força valen- e a funcionar. Estamos dispo-
edas de refúgio, um papel nor- alternativas ao dólar]”. do 1,0992 euros, 119,4 ienes e níveis para emprestar dinhei-
FRANCISCO malmente reservado ao bilhete Tratou-se de um reacção 1,6460 francos suíços. ro aos bancos às taxas de des-
SARSFIELD CABRAL verde em épocas de instabilida- “psicológica” aos atentados Os operadores cambiais em conto em vigor”, precisou o
COMENTÁRIO de, resumiu um analista citado e ao clima de insegurança e Tóquio explicaram a trava- banco central norte-america-
pela Agência France Presse no desconfiança entretanto ins- gem na queda do bilhete ver- no em comunicado. Esta ati-
final da tarde de ontem. talado nos mercados, con- de com expectativas de toma- tude da Fed, que visa satisfa-
Antes de os dois aviões te- cordam especialistas por- da de medidas económicas - zer a procura de activos mais
rem atingido as torres do tugueses contactados pelo como, por exemplo, novas bai- líquidos por parte dos inves-

A
o atingirem o coração dos Estados World Trade Center, em Nova PÚBLICO, realçando o fraco xas das taxas de juro - que tidores, foi seguida pelo Ban-
Unidos pela primeira vez na histó- Iorque, o dólar chegou a tro- volume de transacções. ajudem os Estados Unidos a co Central Europeu.  J.A./
ria, os horríveis atentados terroris- car-se por 1,1167 euros, 122,05 Ultrapassada a “loucura” vencer a crise de confiança C.R.C.
tas de ontem abrem uma nova fase
na vida internacional. No plano económico
e financeiro, foi tremendamente abalada a
convicção de que os EUA estariam ao abrigo
das perturbações sociais e políticas que,
por vezes, têm afectado outros países de-
senvolvidos, em particular na Europa. Tal
convicção era uma das razões que faziam
afluir à América capitais de todo o mundo.
Coincidindo esse abalo com a quase recessão
económica que já ali se fazia sentir, torna-
se agora bem real o risco de uma saída em
massa de dinheiro dos EUA, com o dólar
em baixa, tendo como consequência graves
perturbações financeiras internacionais.
Mas serão políticos os efeitos mais pro-
fundos da tragédia de ontem. Os americanos

Serão políticos os efeitos mais profundos da


tragédia de ontem. Os americanos
sentem-se hoje muito vulneráveis, até
porque não estavam habituados a este tipo
de atentados em sua casa.

sentem-se hoje muito vulneráveis, até por-


que não estavam habituados a este tipo de
atentados em sua casa. A grande preocupa-
ção era um ataque de mísseis por parte de
um país “terrorista”. Essa era, pelo menos,
a justificação apresentada por Washington
para avançar com o sistema de defesa anti-
míssil, violando o tratado ABM e preocu-
pando russos, chineses e europeus. Aquele
sistema parecia oferecer tranquilidade aos
americanos, protegidos por um escudo anti-
Ouro brilha menos
“Agora só queremos comprar localizado nas imediações das do fecho desta edição, as agên- por cento — e o maior ganho
míssil — situação ideal para as tendências ouro e petróleo, tudo o resto torres gémeas — deverá per- cias internacionais garantiam diário desde Março de 1998.
isolacionistas hoje prevalecentes em Wa- será para vender.” Esta divisa manecer encerrado. O Banco que os futuros do “ouro ne- Valor que contrasta com os
shington. Ora essa visão foi ontem brutal- adoptada pelos mercados após de Inglaterra justificou ontem gro” na bolsa de mercadorias 27,26 dólares a que era transac-
mente desmentida. os atentados que abalaram a a abertura do mercado londri- de Tóquio tinham aberto em cionado antes dos atentados.
Os americanos descobriram que não estão América já não se aplica to- no com a necessidade de equi- alta, mas não adiantavam nú- Especialistas contactados
ao abrigo de coisa alguma, não obstante talmente, pelo menos no que librar a oferta com a procura meros. Mal o primeiro avião ontem pelos PÚBLICO justi-
serem a única superpotência no mundo. se refere ao ouro. Depois de acrescida. “Tirar 20 toneladas embateu numa das torres do ficaram esta alta na cotação
E talvez descubram também que, hoje, nin- ontem ter fechado em Londres de ouro do mercado iria fazer World Trade Center, o preço do petróleo com base no medo
guém, nenhum país, pode viver isolado, por a 287 dólares a onça, hoje às com que os preços da onça su- do barril de Brent para entre- generalizado de um aumento
muito forte que seja ou julgue ser. Toda a quatro horas de Lisboa a cota- bissem acima dos 300 dólares”, ga em Outubro disparou, em das tensões no Médio Oriente,
política unilateralista de George W. Bush ção do metal precioso em Tó- concordou um operador. Londres, para os 31,05 dólares, região que é o maior produtor
fica, assim, posta em causa. Os EUA preci- quio não ultrapassava os 281,5 Quem manteve a tendência o valor mais alto desde 1 de mundial de crude. Entretan-
sam da cooperação internacional, até para dólares. Operadores atribui- de subida foi o petróleo. À hora Dezembro de 2000 — mais 13,1 to, o secretário-geral da Or-
combaterem eficazmente o terrorismo. Não ram o recuo do ouro a peque- ganização dos Países Expor-
podem continuar a rasgar tratados interna- nas vendas provenientes de Preços da gasolina sobem em flecha tadores de Petróleo (OPEP),
cionais nem a desprezar as organizações Singapura e de Hong Kong, Ali Rodriguez, afirmou que
políticas e económicas multilaterais. Pearl a que não atribuiram grande Em certas áreas dos EUA, o preço da gasolina para o cartel de que fazem parte
Harbour, há sessenta anos, acordou a Amé- importância. A procura con- automóveis e outros veículos está a registar uma infla- os principais produtores da
rica para a necessidade de cooperar com tinuará forte já que o metal ção sem precedentes. Segundo o serviço noticioso região irá garantir ao mun-
os aliados europeus no combate ao nazis- funciona como refúgio dos in- SVNS, um galão (cerca de 4,5 litros) de gasolina — que do “estabilidade de preços”
mo. Tenho esperança de que este segundo vestidores em períodos de cri- normalmente custa entre 1,75 a 1,99 dólares — está, e “provisões de petróleo sufi-
Pearl Harbour, não menos trágico do que o se, previu um analista japonês por vezes, a ser vendido a 5 dólares. A razão para esta cientes”. A OPEP, que cortou
primeiro, ponha um travão nas tendências citado pela Reuters. O ouro de- vertiginosa subida resulta das estritas normas de segu- recentemente a produção em
isolacionistas e unilateralistas que se acen- verá subir cerca de 10 dólares rança impostas à circulação dos camiões-cisterna para um milhão de barris por dia,
tuaram com a nova administração Bush face ao nível actual, mas não distribuição de combustíveis, os quais têm que ser su- reúne-se no próximo dia 26.
e leve Washington a liderar a edificação deverá ultrapassar os 300 dó- jeitos a apertadas operações de verificação antes de Apesar de os analistas con-
de uma globalização politicamente enqua- lares, arriscou. À hora em que procederem ao reabastecimento dos postos de siderarem que “as reacções
drada. Se assim acontecer, ao menos algo esta edição chegar às bancas, venda.Estes cuidados obrigatórios fazem parte do rol a quente que ontem determi-
de positivo poderá emergir da tragédia de as atenções dos operadores já de medidas impostas pelas autoridades para evitarem naram a subida do crude po-
ontem. Tal como há sessenta anos. deverão estar novamente con- a concretização de eventuais acções de sabotagem. dem não se prolongar”, o ou-
centradas na Europa, pois o Exemplo desse receio parece ter sido o rebentamento, ro negro mais caro aumenta
mercado do ouro nos Estados ontem, de uma bomba nas imediações do Departamen- as pressões inflacionistas. 
Unidos — o New York Comex, to de Estado, em Washington. R.J.C. C.R.C./J.A.
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PÚBLICO•QUARTA -FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

CRONOLOGIA E IMAGENS DOS ACONTECIMENTOS


13h45 (8h45 locais) Um de Boston com destino a Los Angeles com 56 sucedido, George Bush afirma que os EUA sofre- 20 mil pessoas (entre civis e militares), deflagra
avião embate na torre sul do World Trade Cen- passageiros e nove tripulantes a bordo) ram “o que parece ser um ataque terrorista”. em chamas com a explosão e uma boa parte
ter, um dos edifícios mais emblemáticos de No- de um dos cinco lados da estrutura acaba por
va Iorque, à altura do 80º dos seus 110 andares. 14h05 Na Florida, o Presidente norte- 14h42 A televisão de Abu Dhabi relata desmoronar menos de meia hora depois.
O avião é identificado pela cadeia televisiva americano está a ler para um grupo de crianças, ter recebido um telefonema da Frente Demo-
CBS como sendo um Boeing 767 da American na Emma E. Booker Elementary School, quando crática da Libertação da Palestina reivindican- 14h45 A Casa Branca, em Washington
Airlines (esta companhia aérea daria mais tar- o seu chefe de gabinete, Andrew Card, lhe co- do a responsabilidade dos ataques ao World D.C., é evacuada. Segue-se de imediato o Ca-
de como “desaparecido” um avião deste mo- munica ao ouvido as notícias do ataque. Trade Center. Mais tarde responsáveis deste pitólio. O mesmo acontece nos edifícios das
delo, num voo de Boston para Los Angeles, com movimento negam ter tido qualquer envolvi- Nações Unidas, dos Departamentos do Tesou-
81 passageiros e onze tripulantes a bordo). 14h17 A Administração Federal da Avia- mento no sucedido. ro, de Justiça e de Estado.
ção norte-americana (FAA) fecha os aeropor-
14h03 Já sob o olhar das câmaras tos de Nova Iorque. O mesmo é feito com todas 14h43 Um terceiro avião, muito prova- 15h05 A torre sul do World Trade Cen-
de televisão, 18 minutos depois, um segundo as pontes e túneis da cidade. velmente um Boeing 757 (que tinha sido dado ter desmorona sobre as ruas em baixo. Forma-
avião colide com a outra das Torres Gémeas como “desaparecido” nessa manhã pela Ame- se uma enorme nuvem de pó e detritos que
do World Trade Center, aproximadamente à al- 14h20 Surgem relatos, não confirmados rican Airlines, e que saíra de Washington com aos poucos se afasta das ruínas da estrutura.
tura do 40º andar, causando uma devastadora oficialmente, de que o FBI estava a investigar destino a Los Angeles, com 58 passageiros e Desde o momento das colisões até à queda
explosão que deixa então os dois edifícios — casos de aviões que haviam sido desviados seis tripulantes a bordo), despenha-se junto ao da estrutura foram vistas pessoas a saltar das
onde trabalham cerca de 50 mil pessoas — antes dos ataques ao World Trade Center. edifício do Pentágono, em Washington. O edifí- janelas do edifício, em fuga do fogo e do fumo e
em chamas. O avião é identificado como sen- cio, que é o centro nervoso das forças militares perante a inevitável derrocada, mas sem qual-
do um Boeing 767 da United Airlines (partira 14h30 Nas primeiras declarações sobre o norte-americanas e onde trabalham cerca de quer esperança de salvamento.

JEFF CHRISTENSEN/REUTERS
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PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001

15h10 Um avião Boeing 757 despenha- cima abaixo como se estivesse a ser descas- 18h27 É declarado o estado de emer- dos negam qualquer envolvimento, dizendo que
se em Somerset County, a 80 milhas de Pitts- cada, largando para o ar uma enorme nuvem gência em Washington D.C. não se tratou de uma retaliação pelos ataques;
burgh, no estado da Pensilvânia. É mais tarde de pó e detritos. a oposição afegã ao regime dos taliban reivin-
identificado pela companhia aérea United Air- 19h30 A FAA anuncia que todos os voos dica as explosões.
lines como tratando-se do voo 93, com destino 15h45 Todos os edifícios federais dos comerciais norte-americanos estarão suspen-
a São Francisco e tendo partido de Newark, Estados Unidos são evacuados. Todos os ae- sos pelo menos até ao meio-dia (hora de Nova 23h54 George W. Bush regressa a Wa-
em New Jersey, com 38 passageiros e sete roportos do país são evacuados e também Iorque) de quarta-feira — a primeira vez que tal shington.
tripulantes a bordo. encerrados. medida é tomada na história dos EUA.
0h02 A CNN anuncia que um outro edi-
15h25 É noticiada a explosão de um 18h04 O Presidente norte-americano, 20h55 Karen Hughes, directora de comu- fício próximo do World Trade Center está em
carro armadilhado às portas do edifício do De- George Bush, garante à nação, numa inter- nicações da Casa Branca, diz que o Presidente risco de desabar.
partamento do Tesouro, em Washington. Mais venção televisiva, que estão a ser tomadas está “em local secreto”; apura-se depois que
tarde há um desmentido. todas as medidas de segurança. E deixa o George W. Bush estava numa base aérea do 0h45 A polícia de Nova Iorque anuncia
aviso: “Não tenham dúvidas, os Estados Uni- Nebraska (Oeste dos EUA). que mais de 70 polícias e 200 bombeiros estão
15h26 Todos os voos com destino para dos vão caçar os responsáveis por este ata- desaparecidos.
os Estados Unidos são desviados para o Cana- que.” 22h20 Um edifício de 47 andares junto ao
dá, segundo ordens da FAA. World Trade Center desaba. 1h30 O Presidente George W. Bush fala à
16h02 O “mayor” Giuliani pede aos no- nação e promete que os EUA e os seus aliados
15h27 A torre norte do World Trade va-iorquinos que fiquem em suas casas e or- 23h Ouvem-se explosões em Cabul, capital “juntos, irão vencer a guerra contra o terroris-
Center acaba também por ruir, desabando de dena a evacuação do Sul de Manhattan. do Afeganistão. Mais tarde, os Estados Uni- mo”. D.F./P.R.

REUTERS

ALEX FUCHS/EPA
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PÚBLICO•QUARTA -FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

IMPRENSA EUROPEIA TELEVISÕES PORTUGUESAS


“Comedimento tem Os atentados
de ser a palavra-chave” em directo
A divulgação da notícia de uma das torres do World Trade Cen-
ter a arder, no que à primeira vista se julgou ser um acidente,
“THE INDEPENDENT” marcou, por volta das duas da tarde em Lisboa (9 da manhã em
Nova Iorque), o arranque de uma maratona informativa nos três
Tal como verificámos tantas principais canais de televisão nacionais: RTP, SIC e TVI. Seguiu-se
vezes no passado, tal como tes- uma sequência de imagens vertiginosa, numa edição que acabou
temunhamos hoje no Médio por entrar pelos jornais da noite adentro: as chamas, o embate
Oriente, os terroristas só po- do segundo avião, a queda da torre sul, as pessoas a saltar das
dem verdadeiramente ser con- janelas, outras a fugir em pânico, a queda da segunda torre, as
siderados vencedores se as na- explosões no Pentágono, os festejos no Médio Oriente...
ções civilizadas abandonarem As três emissões decorreram com muitas semelhanças de
valores civilizados e usarem, conteúdo: a utilização constante de imagens da CNN e da BBC,
elas próprias, violência indis- os directos de Nova Iorque e Washington, os depoimentos de
criminada contra inocentes. testemunhas, a transmissão (e retransmissão) das conferências
Comedimento, mesmo peran- de imprensa de Georges Bush, as reacções de Kofi Annan, de
te tão grave provocação, tem Colin Powell, de Arafat, directos no Aeroporto de Lisboa e na
de ser a palavra-chave. embaixada dos EUA, ligação a correspondentes em Londres
ou em Bruxelas. Algumas vezes a informação diferiu no
“timing” apresenta-
“EL PAÍS” do, outras nem isso:
O ataque terrorista de on- as reacções do pri-
tem, não nos confundamos, é meiro-ministro e do
um ataque à essência da nos- Presidente da Repú-
sa civilização política, e, in- blica puderam ser
dependentemente de serem vistas nas três es-
identificados os seus autores, tações em simultâ-
demonstra o terrível efeito neo; por volta das
contaminante de conflitos tão ainda tentada, até ontem, “ECONOMIST” “LA REPUBBLICA” 21h40, a TVI e a
enquistados como os do Médio pelo neo-isolacionismo. Es- RTP davam conta ao
Oriente. O que se passou nos tamos no direito, efectiva- A devastação em Nova Iorque e Pensávamos numa nova or- mesmo tempo das
Estados Unidos pode repetir- mente, de evocar um efeito Washington é a prova de um fa- dem que mostrava os nossos consequências nas
se na Europa, já que o factor Pearl Harbour para falar lhanço maciço dos serviços se- valores hegemónicos, depois bolsas mundiais.
de emulação do terrorismo, deste acontecimento. Ele cretos não só americanos mas do fim da guerra fria e do Todas as estações
como demonstrou a história desencadeará o melhor ou o ocidentais. [...] Quando o cho- colapso da URSS, o inimigo recorreram aos
recente, é muito grande num pior, segundo o “modus ope- que começar a passar, a Améri- hereditário. E, ao contrário, convidados e co-
mundo mediatizado. [...] Bush randi” que escolher Gorge ca parece estar destinada a um eis a nova “guerra anóma- mentadores em es-
e a sua administração devem W. Bush: a vingança cega prolongado e doloroso processo la”, sem um adversário, sem túdio, sendo o pai-
perseguir os culpados, como antes mesmo da conclusão de auto-exame — sobre a sua se- declarações, sem exército e nel da SIC o mais
prometeu fazer o Presidente, de um inquérito que não fa- gurança, o seu lugar no mundo, sem árbitro reconhecível. alargado (contou
mas não cair na tentação de lhará em sublinhar as incrí- as vantagens e desvantagens de Mas é guerra [...], anómala com as presenças
lançar contra-ofensivas se não veis lacunas de segurança ser a única potência mundial. ao ponto de não sabermos do almirante Fu-
sabem exactamente de onde dos Estados Unidos, ou uma A sua confiança e bem-estar, quem é o inimigo, onde ata- zeta da Ponte, do
partiu o golpe. extrema severidade dirigi- aquilo que muitos “outsiders” car amanhã, que terreno es- analista Vasco Ra-
da a culpados identificados. viram como uma continuada colherá para o confronto, to, do piloto Carlos
Disso dependerá a capaci- inocência, parece perdido, se que arma, que alvo. Leitão, do especia-
“LIBÉRATION” dade americana para mobi- não para sempre, pelo menos Sabemos apenas que a de- lista em estruturas
O drama de 11 de Setembro lizar ou não uma verdadeira para tão longe quanto alguém mocracia é mais forte en- Américo Trinda-
2001 anuncia, não duvide- solidariedade transnacio- consegue ver, através das cha- quanto permaneça ela pró- de). A RTP convi-
mos, uma inflexão radical nal contra o cancro terro- mas e das ruínas de Nova Ior- pria, e por isso a queremos dou para os seus
de uma política “bushiana”, rista. que e Washington. defender.  estúdios Nuno Ro-
geiro, o general
Loureiro dos San-
IMPRENSA AMERICANA tos e Azeredo Lo-
pes. Por seu lado, a
TVI, estação que co-

“Estamos em guerra” meçou o seu Jornal


Nacional às 19h20,
teve no ecrã as
presenças de Pau-
As três emissões
decorreram com muitas
“WASHINGTON POST” “CHICAGO TRIBUNE” Washington sobre o misterioso Osama bin lo Marques e de Mi- semelhanças de conteúdo
Laden, estes acontecimentos vão quase de guel Sousa Tavares,
“O paradoxo é que o terrorismo, um acto “Haverá tempo para traçar metodicamen- certeza dar ao Presidente Bush um man- comentador habi-
particularmente primitivo, tem uma re- te a linha que liga os ataques às suas fontes, dato mais forte para alargar o papel dos tual das terças-feiras. A SIC (e de algum modo também a TVI)
lação simbiótica com a sofisticação dos ou seja, aos grupos terroristas, às nações EUA no Médio Oriente. Talvez lhe dêem utilizou um grafismo apelativo, ao estilo do Bloomberg (canal
seus alvos. E as oportunidades para actos que podem ter ajudado esses terroristas, uma oportunidade para se tornar o herói de informação económica da TV Cabo). O pivot ou os comen-
de macroterrorismo apontados contra que lhes tenham mostrado amizade, ou de uma segunda Guerra do Golfo. ” tadores aparecem numa janela mais pequena do lado direito
populações urbanas e as suas redes de apenas feito um ligeiro favor. Haverá tem- do ecrã, as imagens dos acontecimentos numa janela maior,
água, de abastecimento de alimentos e po, então, para libertar toda a fúria e a tec- em rodapé vão passando notícias de última hora ou o resumo
sistemas de informação multiplicam-se nologia militar dos Estados Unidos contra
“WASHINGTON POST” dos principais acontecimentos e reacções.
à medida que as sociedades se tornam eles. E haverá tempo para libertar todo o “Agora estamos em guerra. Sofremos o Por volta das 21h30, depois de sete horas e meia de emissão,
mais sofisticadas. Não pode haver imuni- poder da América contra os aliados dos primeiro ataque devastador. E de certeza a TVI deu por encerrados os trabalhos e não deixou de agu-
dade contra estas vulnerabilidades, mas terroristas, contra aqueles que lhes sorri- que não foi o último. Resta saber se vamos çar a curiosidade dos espectadores para a saída do segundo
isso não é uma razão para fatalismos. ram, ou lhes deram água, abrigo, comida levar esta guerra a sério, tão a sério como residente do “Big Brother”. A RTP, cerca das 22h, termina
Uma política pró-activa começa com a ou calor, ou uma palavra amiga. Tudo isto qualquer guerra que já combatemos. Não igualmente a edição. José Rodrigues dos Santos promete voltar
antecipação. Por isso a primeira resposta deve acontecer. A última vez que os EUA nos deixemos intimidar pela misteriosa sempre que a informação o justificar. Às 22h25, a SIC retoma a
da política norte-americana deve ser a foram atacados desta forma, o resultado e parcialmente escondida identidade dos sua programação normal e remete para a SIC Notícias, canal
de reavaliar e fortalecer as estruturas final foi que o horror foi retribuído um nossos agressores. Cedo será óbvio que que irá acompanhar os acontecimentos pela noite dentro.
dos serviços secretos nacionais, em par- milhão de vezes ao Japão. Com tantos pre- existem apenas algumas poucas organi- Entretanto, a notícia de explosões em Cabul, no Afeganistão,
ticular a CIA e o FBI, que são o “sine qua sumidos mortos ontem, a nação vai exigi- zações terroristas capazes de executar justifica, por volta das 23h30, a primeira interrupção da progra-
non” do contra-terrorismo. Os ameri- lo. Mais tarde depois de toda a raiva ter uma ataque tão coordenado e maciço. De- mação da RTP (mais prolongada) e da SIC. Na TVI, Cabul dá
canos são lentos a enfurecerem-se mas sido libertada e um qualquer país do ter- vemos canalizar todos os nossos recursos direito a um rodapé e à transmissão de imagens numa peque-
poderosos quando estão furiosos, e agora ceiro mundo tiver sido arrasado, pequenas para um esforço global para perseguir e na janela, a par e passo com a transmissão da nova novela
a sua fúria deve ser fundida com o orgu- vozes irão soar para falar de compaixão e capturar ou matar esses terroristas. Vai- portuguesa. Mais tarde, cerca das 1h30, a TVI retoma a emissão
lho. Eles são alvos por causa das suas danos colaterais. Poucos as ouvirão.” se tornar aparente que essas organizações especial com a presença de Marcelo Rebelo de Sousa — dado
virtudes — principalmente a democra- não podem ter operado sem a assistência que, depois da transmissão às 00h30 do compacto diário da “casa
cia e lealdade para com aquelas nações de alguns governos, governos que têm um mais famosa de Portugal”, a estação decidiu adiar para hoje a
que, como Israel, são defensoras sitiadas
“THE VILLAGE VOICE” (NOVA IORQUE) longo cadastro de hostilidade contra os anunciada expulsão do segundo residente. A SIC transmitiu pela
das nossas virtudes num mundo ainda “Quer os EUA deitem ou não as culpas EUA e um igualmente longo cadastro de noite dentro o filme “Rambo III”, uma aventura com Silvester
perigoso.” pelos ataques de terror em Nova Iorque e apoio ao terrorismo.”  Stalone no Afeganistão.  ANTÓNIO NAVARRO E HELENA MELO
ESPECIAL 19
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001

Um mundo colado à televisão RAMZI HAIDAR/EPA


E se fossem
Ninguém ficou indiferente
às imagens transmitidas
a partir de Nova Iorque
e Washington
armas nucleares?
Washington é bombas no seu
Da África do Sul à Holanda, da Grécia uma cidade interior.
à Espanha, os testemunhos que che- calma, calma As torres do-
gam falam de um mundo paralisado como a Bona minavam toda
e de boca aberta, incapaz de fazer do romance po- a zona baixa
mais do que assistir impotente pelo licial de John de Manhattan.
pequeno ecrã à tragédia norte-ame- Le Carrè. Eu Estive ali num
ricana. Os sentimentos repetiram- estava a dois concerto ao ar
se nos mais diversos países: horror, quilómetros do E DUARDO C INTRA livre, junto de
angústia e incredulidade marcaram Pentágono on- TORRES uma das tor-
o dia 11 de Setembro de 2001. tem de manhã em Washington res, no sábado,
Na vizinha Espanha, Barcelona quando as e tomei depois
era palco de uma conferência de ne- Twin Towers, em Nova Iorque, e o metropolitano numa estação
gócios. Os trabalhos foram suspen- o próprio Pentágono foram alvo subterrânea debaixo do World
sos assim que os líderes económicos do maior ataque terrorista na Trade Center. Os edifícios re-
presentes se aperceberam, pelo ecrã história dos Estados Unidos. presentavam o comércio livre
gigante existente na sala, dos atenta- A televisão pôs o mundo a olhar para a América Entrevistava para o PÚBLI- e, por isso, o capitalismo, e em
dos nas cidades dos EUA. Uma das CO um responsável da Federal consequência, simbolizavam o
presentes não aguentou e rompeu em ao embate do segundo avião numa por meia hora”, disse Anne Fuchs, Communications Commission, “inimigo” americano. Não ha-
lágrimas, nos braços do seu patrão, das torres do World Trade Center. que presidia à sessão. Foi também por a entidade que atribui licenças via, segundo creio, nenhum de-
assim que se lembrou do seu colega “Não faz sentido, é uma estupidez”, essa altura que se tomou a decisão de de rádio e de televisão nos EUA, partamento oficial nos edifícios.
que tinha ficado nos escritórios da balbuciava um empresário natural colocar as bandeiras a meia-haste. quando alguém interrompeu Apenas empresas privadas.
empresa, precisamente no complexo do Estado do Wisconsin. “Não faço O espectáculo televisivo empurrou dizendo que um avião chocara As primeiras horas nas tele-
do World Trade Center. a mais pálida ideia sobre quando po- milhares para a Internet à procura com uma da torres em Nova Ior- visões locais mostravam o hor-
A mais de um milhar de quilóme- deremos regressar. A nossa compa- de mais informação, entupindo as que. Não houve qualquer evacu- ror dos ataques e o silêncio das
tros, as imagens que os televisores nhia afirmou que todos os seus voos ligações telefónicas. A Deutsche Te- ação. Passados minutos, sou- autoridades. A perplexidade foi
do centro comercial BHV, no centro tinham sido cancelados.” lecom confirmou durante o dia que bemos do segundo ataque às total. O presidente só apareceu
de Paris, debitavam eram as mes- Quanto aos correctores gregos, op- as chamadas para os EUA tinham Twin Towers — e, poucos minu- às 13h15 locais, e a mensagem
mas. “Todos os aparelhos estavam taram por ficar no edifício da Bolsa, quadruplicado. “Estamos a tentar tos depois, levaram-me a uma era gravada.
sintonizados para os directos do ata- mesmo depois desta ter encerrado a aumentar a nossa capacidade de sala onde uma dezena de pesso- Com o Departamento de Es-
que”, afirmou um jornalista da Reu- sessão daquele dia. Ninguém queria resposta”, afirmou o porta-voz Ulri- as olhava para o Pentágono em tado evacuado (houve boatos
ters que se deslocara ao centro no perder um segundo das transmissões ch Lissek. O mesmo se passava em chamas. O vento levava o fumo de um carro-bomba explodin-
seu dia de folga. em directo. Muitos tentaram, sem su- França, embora a companhia fran- para Leste, mesmo em frente à do no edifício, a poucos quar-
Nem mesmo os médicos sul-afri- cesso, telefonar a parentes e amigos cesa assegurasse que, mais tarde ou sede da FCC onde me encontra- teirões daqui), este edifício
canos de um hospital de Joanesbur- nos Estados Unidos. “Quando vi o fu- mais cedo, as ligações voltariam à va. Tinha começado a guerra. onde estou, o National Press
go, que se preparavam para entrar mo pensei que fosse um incêndio. De- normalidade. Na Bélgica, a situação O edifício continuou em fun- Building, foi transformado em
numa sala de cirurgias, foram capa- pois vi o avião embater na torre e ge- não era tão complicada: “Existe defi- cionamento, mas toda a gente centro de imprensa. Os cor-
zes de arredar pé da sala de espera. lei”, confessou um dos correctores. nitivamente congestão, mas não a 100 saía para a rua. Saí também. respondentes de todas as esta-
“Parece um filme”, desabafou um “Não estou preocupado com o impac- por cento. Se se continuar a tentar As ruas de Washington estavam ções e agências noticiosas ins-
dos clínicos. to nas bolsas, a perda de vidas parece- pode ser que se consiga a ligação”, cheias de carros e de gente a pé. talaram-se nos gabinetes aqui
A poucos quilómetros, uma confe- me muito mais chocante. Eu tenho encorajou Piet Van Seybroeck, da As pessoas largaram os empre- disponibilizados pelas pessoas
rência de negócios acabou suspensa família em Washington e ainda não operadora belga. gos e partiram para casa. que aqui trabalham.
quando o economista norte-america- consegui contactá-los”, disse outro. Com os serviços telefónicos sobre- Dirige-me para o National A sala de imprensa trans-
no Jeffrey Sachs foi informado em Na Alemanha, a agenda televisiva carregados, os nova-iorquinos vira- Press Building, a três quartei- formou-se em poucos minutos
plena vídeo-conferência que algo de era igual ao resto do mundo. Todas ram-se para o correio electrónico. rões da Casa Branca. O centro num improvisado palco para
errado se passava no seu país. “Ao que as estações transmitiam em directo Foi assim que muitos conseguiram comercial dos primeiros an- as habituais conferências de
tudo indica, foi declarado o estado de aquilo que o diário “Die Welt” apeli- descansar os seus parentes. “Ouvi a dares estava fechado. Os ele- imprensa do State Department,
emergência nessa parte do mundo”, dava já de “Pearl Harbour em 2001”. primeira explosão, que abanou todo vadores não funcionavam. As no caso de haver uma comuni-
disse o presidente da mesa da confe- O debate orçamental, que se encon- o edifício, e depois vi do telhado o centrais telefónicas estavam cação aos jornalistas, o que po-
rência a um atónito Sachs. trava em discussão no parlamento segundo avião ir contra a torre. Es- tão sobrecarregadas que só foi derá não acontecer. Colin Po-
Na Holanda, um grupo de norte- alemão, foi interrompido assim que tou a escrever para dizer que eu e possível fazer chamadas locais wel, o Secretário de Estado,
americanos experimentava o mesmo no plenário se soube que um avião Kathy estamos bem”, escreveu Pat durante mais de uma hora. Só estava esta manhã no Peru
sentimento de incredulidade, senta- comercial tinha mergulhado contra o Bianculli aos seus amigos de Paris. então tomei conhecimento da e não deverá fazer sombra à
do nos sofás de um hotel no centro Pentágono. “Acabámos de saber que Com a mensagem ia uma fotografia dimensão da tragédia em No- equipa do Presidente, que é
de Amsterdão. Pela televisão assisti- se deu uma explosão no Pentágono. digital sua do World Trade Center va Iorque, de onde tinha saí- também o chefe das Forças Ar-
ram em silêncio e vezes sem conta Proponho a suspensão dos trabalhos em chamas.  do domingo ao fim da tarde, madas e o responsável máximo
ao mesmo tempo que a minha pela segurança interna.
família terminava as férias e A maior parte dos canais

Psicólogos falam em “cicatrizes” regressava a Lisboa num voo de televisão centraram as su-
do Aeroporto JFK, em Queens, as emissões em Nova Iorque
Nova Iorque. e Washington. As imagens de
Estive no sábado nas Twin Lower Manhattan mostram
Sensação de segurança trauma Leslie Carrick-Smith. “Nin- psicológicos é a sua natureza ines- Towers. Eram dois edifícios ma- uma região devastada por uma
guém vai voltar a sentir-se realmente perada”, explica Carrick-Smith. O ravilhosos, de linhas perfeitas guerra terrível. A esta hora
nunca mais será a mesma a salvo porque estas torres eram íco- psicólogo diz ainda que este ataque e simples: toda a sua força deri- (14h00 locais) o Pentágono —
para quem assistiu nes, símbolos do comércio mundial e não pode ser comparado com o de Pe- vava da altura a que se levanta- outro símbolo da América —
às imagens de horror de ordem. As pessoas aperceberam- arl Harbour: “Isto não é o mesmo que vam, mais de 110 andares. Não continua em chamas.
se de como estão vulneráveis perante uma guerra. Uma guerra quase pode precisavam de mais arquitec- Com os aeroportos fechados,
PATRICIA REANEY alguém que tenha realmente conse- ser prevista e é, claramente, entre tura que a simplicidade. Eram os comboios parados, as esco-
guido fazer aquilo”, acrescentou. nações definidas.” um dos mais poderosos símbo- las fechadas, os edifícios pú-
Foram cenas piores do que as de O facto de o ataque ter sido repen- “O rebentar de uma guerra é ge- los de Nova Iorque, os edifícios blicos evacuados, o corredor
filmes de catástrofes. Três aviões tino, sem aviso, coordenado e ainda ralmente premeditado e por isso as mais altos da cidade e os mais entre Nova Iorque e Washing-
com passageiros embateram contra o ter utilizado aviões de passageiros pessoas podem prevê-lo. Mas esta si- altos depois do Sears Building ton está refém do terror e do
World Trade Center e contra o Pentá- como bombas suicidas aumenta o tuação aconteceu em segundos, sem em Chicago. ambiente de guerra. Porque é
gono, deixando uma nação e o mundo horror do crime. qualquer aviso, e a reacção psicoló- A arquitectura das torres re- um ambiente de guerra. Foi o
com uma noção diferente de segu- “Isto torna o mundo num local pe- gica de muitas pessoas será: se isto alçava uma transparência inte- que senti nas ruas: olhei rece-
rança. Psicólogos e especialistas em rigoso, onde não podemos prever o pode acontecer em segundos, o que rior. A estrutura de suporte fora oso para o céu de Washington,
experiências traumáticas dizem que que vai acontecer”, diz um psicólogo poderá acontecer a seguir?” projectada nas paredes exterio- como os outros apressados tra-
os sobreviventes da catástrofe nun- clínico inglês, Gerard Bailes. As pes- Quem tenha coordenado e execu- res, pelo que no interior havia seuntes, quando ouvi o ruído
ca mais vão ser os mesmos em ter- soas podem ter receio de bombistas tado o ataque não funciona segundo amplos espaços, o que não suce- de um avião passando por ci-
mos emocionais. E mesmo para os suicidas, mas a ideia de que alguém valores humanos normais e a sua de- de em muitos outros arranha- ma do centro da cidade. Esta-
milhões de outras pessoas que viram possa levar aviões de passageiros e silusão é tão intensa que é impossível céus. Talvez por isso, por esta- ria eu em Pearl Harbour? E, en-
os acontecimentos na televisão as forçá-los a embater em edifícios de prever o que poderão fazer, diz ainda rem suportados principalmente quanto entrava no edifício da
imagens vão ficar para sempre na escritórios está para além do pior Carrick-Smith. “Não será irrealista pela estrutura das paredes ex- imprensa, pensei: o que acon-
sua memória. pesadelo de alguém. dizer que este acontecimento pode- teriores, as Twin Towers eram teceria se os terroristas trou-
“A noção de segurança pessoal vai “A escala disto é maior do que al- rá realmente ameaçar o mundo em mais susceptíveis a um ataque xessem armas nucleares nos
ser abalada e a perspectiva de vida vai guma coisa que alguém tenha visto. termos de comércio e petróleo assim vindo de fora do que a partir de seus ataques suicidas?
ser provavelmente afectada por isso”, O que faz deste acontecimento tão como em termos de repercussões des-
disse o psicólogo e especialista em potencialmente danoso em termos conhecidas”, concluiu.  REUTERS
20 ESPECIAL
PÚBLICO•QUARTA -FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
DOUG MILLS/REUTERS

A falência
dos serviços
de informações
A possibilidade de realização de uma operação
desta dimensão no coração dos EUA não pode
deixar de significar um dos maiores fracassos da
história dos serviços de informações.

ANTÓNIO SILVA RIBEIRO

sucesso das acções dições todas as missões atri-

O terroristas inter- buídas a qualquer serviço de


nacionais é um informações; também é óbvio
sintoma claro e que, quando ocorrem erros por
preocupante da falência dos carências de informações, há
serviços de informações das sempre responsabilidade ins-
sociedades ocidentais, que se titucional do serviço. Contu-
têm revelado impotentes pa- do, as deficiências ligadas aos
ra lidar com a expansão deste ataques terroristas realizados
fenómeno à escala mundial. em Nova Iorque e Washington
Como é possível que os EUA têm uma explicação simples:
não se tenham apercebido da os múltiplos empenhamentos Depois de ter estado em contacto com o seu Governo a partir do Nebraska, George W. Bush regressou a Washington
preparação de um ataque des- estratégicos dos EUA por todo o
ta complexidade, que requer mundo impediram que os pla-

Bush em ambiente de guerra


tempo, dezenas de participan- nos de pesquisa da CIA conside-
tes, movimentações por diver- rassem com idêntica priorida-
sos continentes e esforços de de todas as ameaças. Por isso, a
coordenação a longa distân- Bósnia, o Kosovo e a Macedónia
cia? É incompreensível como seriam agora as suas principais
não foram detectadas e vi- preocupações.
giadas deslocações suspeitas, Dos ataques terroristas re- Entre a Florida, onde estava sidente Bush o tentou con- RETRATO DOS EUA
intercepta- alizados nos à hora dos atentados, e a Ca- tactar, sem sucesso.
das mensa- EUA interes- sa Branca, onde aterrou cer- O país que ontem foi alvo de ataques de terroristas é o
gens elec- Brevemente a CIA sa retirar al- ca da meia-noite e meia (hora Um lugar seguro terceiro maior e mais populoso e o mais influente política,
trónicas gumas lições de Lisboa), George W. Bush no Nebraska militar e economicamente do mundo.
significati- será considerada culpada prelimina- fez paragens em locais de pelo A base de Offutt, no Nebraska,
vas, ou ob- pelos erros, as omissões res. Fica de- menos dois estados, por ra- foi o local onde se recolheu o Situação geográfica — País da América do Norte (9.372.614
tidos avisos e as insuficiências que, monstrado o zões de segurança. Primei- Presidente Bush depois dos quilómetros quadrados) entre o Canadá e o México, banhado
de fontes hu- nível de ame- ro, uma base aérea militar de atentados. Esta base aérea, pelo Pacífico e pelo Atlântico. Reagrupa 50 estados e um
manas. Em-
sendo suas, também aça que orga- Louisiana (no Sul), depois a num dos estados mais remotos distrito federal (Washington DC), a que se juntam os territórios
bora seja re- são imputáveis a todos nizações so- base de Offutt, no Nebraska do Oeste norte-americano, é a exteriores, como o Estado Associado de Porto Rico.
conhecida a os outros departamentos fisticadas e (Oeste), sede do comando es- sede do Comando Estratégico População — 281,4 milhões de habitantes, dos quais 197
excelente or- governamentais que bem finan- tratégico americano. das Forças Armadas dos EUA milhões de brancos (71 por cento).
ganização, a ciadas po- Foi a partir do Nebraska (STRATCOM). É partir desta Minorias — Negros (12, 1 por cento), hispânicos (11,5 por
extraordi- possuem responsabilidade dem lançar à que Bush consultou por te- base que são coordenadas as cento), asiáticos (3,8 por cento), ameríndios (0,7 por cento).
nária flexi- pela segurança dos EUA segurançade leconferência os principais forças nucleares de dissuasão Línguas — Inglês, espanhol
bilidade e a qualquer pa- membros do seu gabinete e do dos EUA (mísseis balísticos in- Religiões — Protestantes (56 por cento), católicos (28 por
grande efici- ís. Está igual- Conselho Nacional de Segu- tercontinentais, submarinos cento), judeus (5,5 milhões), muçulmanos (6 milhões), budismo.
ência das principais organi- mente comprovado que os ter- rança que permaneciam em nucleares e bombardeiros). Cerca de 700 seitas.
zações terroristas, a possibi- roristas operam em grupos Washington. A segurança do Trabalham lá 2100 pessoas. História — 4 de Julho de 1776: proclamação da
lidade de realização de uma difíceis de detectar, controlar e chefe de Estado foi o primeiro O STRATCOM sucedeu, em independência. 17 de Setembro 1787: adopção da
operação desta dimensão no desmantelar. Para além disso, argumento invocado para ex- 1992, ao SAC — Comando Es- Constituição. 1861-65: guerra de secessão entre o Sul (11
coração dos EUA não pode dei- não se pode continuar a tentar plicar a sua ausência durante tratégico dos EUA, que havia estados) agrícola e esclavagista, e o Norte (23 estados)
xar de significar um dos maio- conter o terrorismo com recur- a tarde e princípio da noite na sido criado em 1946, no início industrial e anti-esclavagista. 1866-70: os 11 estados
res fracassos da história dos so exclusivo aos instrumentos capital americana, enquanto da Guerra Fria, com o objec- confederados entram na União. Intervenção dos Estados
serviços de informações. clássicos de coacção: tribunais, ainda fumegava o Pentágono. tivo de centralizar a informa- Unidos durante as duas guerras mundiais (1914-18 e 1939-45),
Brevemente a CIA será con- polícias, serviços de informa- Segundo uma das suas ção militar. durante a Guerra da Coreia (1950-53), a Guerra do Vietname
siderada culpada pelos erros, ções e forças armadas. Só a re- conselheiras políticas, cita- Entre os objectivos listados (1961-73) e a Guerra do Golfo (Janeiro-Fevereiro 1991).
as omissões e as insuficiências solução dos graves problemas da pela AFP, o Presidente pelo STRATCOM no seu site Instituições políticas — Estado federal dotado de um
que, sendo suas, também são políticos e sociais que estão na manteve-se em “comunicação na Internet estão “fornecer Congresso com duas câmaras: a Câmara dos Representantes
imputáveis a todos os outros génese do terrorismo permitirá contínua” com o vice-presi- informação sobre países e ou- e o Senado, que contam respectivamente com 435 e 100
departamentos governamen- erradicar esta ameaça à segu- dente Dick Cheney, bem como tras entidades que possuam membros, renovados a cada dois e seis anos.
tais que possuem responsabili- rança da humanidade. com “membros-chave” da se- ou pesquisem armas de des- Presidente — George W. Bush (43º presidente), investido a 21
dade pela segurança dos EUA. Como elemento de reflexão gurança e do governo. truição maciça”. Ou seja, a de Janeiro 2001. Sucedeu a Bill Clinton, eleito em 1992 e 1996.
Todavia, como a cultura ope- para o futuro realço que, se des- Na Casa Branca, de onde base de Offutt era o local ide- O presidente é chefe de Estado e de governo. Vice-presidente:
racional daquele serviço im- ta vez os ataques terroristas o pessoal foi evacuado de ma- al para o Presidente dos EUA Dick Cheney. Presidente e vice-presidente são eleitos por
pede justificações objectivas, não usaram armas químicas, nhã, Cheney e a conselheira numa situação de emergên- quatro anos por um colégio de 538 “grandes eleitores”, e não
acabará por arcar com o ónus nucleares e biológicas, deve- presidencial para a seguran- cia: um local suficientemente por sufrágio universal directo. Principais partidos políticos:
do desastre perante a opinião se a dificuldades técnicas ine- ça nacional, Condoleezza Ri- longínquo para estar ao abri- democrata e republicano.
pública americana e mundial. rentes à sua produção, armaze- ce, trabalharam a partir de go de eventuais ataques, for- Economia — Após dez anos de crescimento a um ritmo anual
A agitação nos meios políticos namento e transporte. Porém, uma sala de alta-segurança. O temente protegido e especia- superior a quatro por cento desde 1997, os Estados Unidos
de Washington será enorme. um dia essas dificuldades se- secretário da Defesa Donald lizado em informação sobre procuram hoje evitar uma recessão. Em Agosto de 2001, a
Senadores e congressistas as- rão ultrapassadas e a possibili- Rumsfeld informou ter ajuda- fontes de terrorismo. taxa de desemprego atingiu o seu nível mais alto dos últimos
sociarão as deficiências da CIA dade de emprego daquelas ar- do a socorrer os feridos, antes No entanto, o “staff ” de Ge- quatro anos: 4,9 por cento. Os Estados Unidos representam 15
à falta de recursos humanos e mas será uma realidade. Nessa de se dirigir ao sub-solo blin- orge W. Bush preferiu que o por cento do comércio mundial, mais de um terço das
materiais. O Governo adopta- ocasião, provocarão vítimas, dado do Pentágono. Presidente abandonasse este primeiras 500 empresas mundiais e cinco dos dez maiores
rá a tese da falha institucio- estragos materiais e pânico em Quanto ao secretário de refúgio seguro a caminho de grupos mundiais da indústria de armamento.
nal e procederá à substituição níveis muito superiores aos ve- Estado Colin Powell, que se Washington — ao viajar do Taxa de desemprego — 4 por cento da população activa.
dos principais dirigentes da- rificados em Nova Iorque ou encontrava em pleno périplo Nebraska de volta para a Ca- Recursos agrícolas — milho, madeira, cereais, algodão
quele serviço. Ambas as posi- Washington, porque o terroris- pela América Latina, chegou sa Branca, Bush quis fazer Recursos energéticos e minerais — carvão, gás natural,
ções servirão apenas para con- mo internacional é uma nova ao princípio da noite a Wa- passar a mensagem de um re- petróleo, couro, chumbo, ferro, prata, fosfatos, enxofre, urânio.
sumo público. forma de guerra, que tem como shington, vindo do Peru, e gresso à normalidade, evitan- Dívida externa — 680,8 mil milhões de dólares
É óbvio que nunca existem objecto a punição social des- anulou a visita seguinte à do a ideia de que a Adminis- Inflacção — 2,2 por cento em 1999
recursos humanos e materiais tinada a provocar a desagre- Colômbia. Powell disse que tração americana tivesse sido Forças Armadas — 1.401.600 homens (terra, ar, mar). Forças
suficientes para cumprir ple- gação política do opositor.  durante o seu voo de regres- posta em fuga pelos ataques no estrangeiro: mais de 200 mil soldados, a maior parte na
namente e nas melhores con- CAPITÃO-DE-FRAGATA so aos Estados Unidos o Pre- de ontem.  Europa e Nordeste Ásiático.
ESPECIAL 21
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001

“É preciso evitar o risco


da globalização do caos” ÁLVARO VASCONCELOS
OPINIÃO
E N T R E V I S TA C O M
JAIME GAMA
Entrevistado pelo telefone esta madrugada, o chefe da diplomacia portuguesa, que se encontra A barbárie que
em Tashkent, considera que a entrada em cena deste novo tipo de terrorismo exige respostas novas
da comunidade internacional. Por Teresa de Sousa
PEDRO CUNHA
a todos afecta
“Estamos a testar dramatica- s ataques terroristas contra Nova Iorque
mente as consequências do
fim da guerra fria sem que,
entretanto, se tenha criado
uma verdadeira comunidade
internacional”, disse Jaime
O e Washington são o último hediondo mar-
co no processo de emergência do naciona-
lismo e da barbárie que caracteriza a segu-
rança internacional no pós-guerra fria, de transfor-
mação dos civis em vítimas privilegiadas das acções
Gama ao PÚBLICO, duran- de guerra e de terror. É, em tudo, um acto semelhan-
te uma breve entrevista fei- te aos que afectaram já muitas centenas de milhares
ta esta madrugada pelo tele- de vidas nos Balcãs, na Argélia e em muitas regiões
fone para Tashkent, onde se da Ásia, como em Timor. Se os perpetradores de
encontra. actos de terror são por vezes difíceis de identificar,
Retido na capital do Uzebe- a ideologia que os anima é conhecida: os seus com-
quistão até à manhã de hoje ponentes são o ódio, o extremismo identitário, reli-
por dificuldade em reesca- gioso e étnico, o desrespeito absoluta pelos direitos
lar o seu voo de regresso a da pessoa humana, a recusa de que existem limites
Lisboa (o espaço aéreo russo à utilização da força, e a consequente violência total
e de outros países europeus contra os civis. Um dos elementos do ressurgimento
encontrava-se fechado), o mi- do nacionalismo extremo é o anti-americanismo
nistro dos Negócios Estran- primário.
geiros português não estará, Os acontecimentos dos últimos meses na Palesti-
pois, presente na reunião ex- na, a utilização da força sem regra nem limites éti-
traordinária dos chefes da cos ou políticos por Sharon e pelos islamistas radi-
diplomacia europeia que se cais, não podem ter deixado de contribuir para a
realiza em Bruxelas. O mi- cultura de violência total que se desenvolve, e de
nistro cancelou, entretanto, alimentar também o antiamericanismo.
a sua visita oficial a mais O isolacionismo pós-Clinton, o “lavar daí as mãos”,
três repúblicas da Ásia Cen- não é solução para a resolução dos problemas de segu-
tral, que decorria no âmbito rança que hoje se colocam e que, como se sabe desde
da preparação da presidên- a Bósnia, são essencialmente de natureza interna,
cia portuguesa da OSCE, no embora tenham muitas vezes uma componente exter-
primeiro semestre do próxi- na. O mundo está sem defesas perante o atentismo
mo ano.
Na conversa telefónica
com o PÚBLICO, Gama cha-
A resposta à tragédia não pode ser mais
mou a atenção para o facto unilateralismo, mais isolacionismo, mas
de as organizações interna- sim a consciência de que o nacionalismo
cionais de segurança e de de- e a barbárie identitária, onde quer que se
fesa não estarem preparadas
para este novo tipo de amea- alojem, são uma ameaça para todos, uma
ças. “A verdade é que, disse ameaça que só pode ser prevenida ou
o ministro português, a NA- contrariada através de respostas globais
TO não se revelou um instru-
mento susceptível de ser em-
pregue — e, porventura, não americano, a fragilidade da União Europeia no domí-
é essa a sua missão —, nem nio da defesa e segurança, e a impotência das Nações
os instrumentos ao dispor Unidas, fragilizadas pelo unilateralismo de Bush.
dos próprios Estados Unidos Nova Iorque e Washington são o Pearl Harbour da
foram eficazes na prevenção nova situação internacional. Mostram que, ao contrá-
dos acontecimentos.” rio do que pensava a administração Bush, os EUA não
“Uma situação como a que podem isolar-se dos graves problemas que enfrentam
viveram ontem os Estados as diferentes regiões do mundo. Os horrores das Bós-
Unidos também não seria re- nias deste mundo não afectam apenas os outros. Nu-
solúvel com o sistema de de- ma outra megadimensão, o que aconteceu em Nova
fesa anti-mísseis (MD)”, se já Iorque e Washington tem paralelo e precedente nos
estivesse operacional, acres- ataques terroristas contra prédios de habitação em
centou Gama, referindo-se à Moscovo, ou no sinistro ataque de Oklahoma.
questão que mais tem sepa- A resposta à tragédia não pode ser mais unilatera-
rado Washington da maioria Jaime Gama alerta para a necessidade de repensar os sistemas de informação lismo, mais isolacionismo, mas sim a consciência
dos seus aliados europeus de que o nacionalismo e a barbárie identitária, onde
desde que George W. Bush consequência da globalização tar. Exigem, disse o ministro, ça dos aeroportos e a segu- quer que se alojem, são uma ameaça para todos,
chegou à Casa Branca. poder vir a ser a globalização uma “melhor articulação rança dos voos, que não de- uma ameaça que só pode ser prevenida ou contra-
A evolução dos grupos ter- do caos.” à escala in- vem ser exigidas apenas nas riada através de respostas globais.
roristas para organizações A dimen- ternacional ligações internacionais mas Pode ser que a primeira reacção americana seja
suicidas “com capacidade de são do aten- “O que é inédito neste e a activa- também nos espaços domés- um ataque fulminante contra um alvo externo de-
acesso a meios financeiros tado de on-
poderosos e à aquisição de tem obriga,
caso é a existência de uma ção de meios
de coorde-
ticos. “O que é inédito neste
caso é a existência de uma
terminado, embora a identificação de um inimigo
preciso deva ser extremamente difícil, dada a carac-
determinadas capacidades” nomeada- equipa de sequestradores nação que equipa de sequestradores terística fragmentária da acção terrorista. E uma
vem dar ao problema “uma mente, a com capacidade ainda não com capacidade profissio- tal retaliação não resolverá certamente o problema.
dimensão nunca antes vista, “repensar estão elabo- nal para pilotar um avião ci- Espera-se que, ainda assim, num segundo momen-
elevando o seu potencial aci- os sistemas
profissional para pilotar rados com vil e usá-lo como um imenso to, os Estados Unidos, em parceria com a União Eu-
ma das próprias capacidades de informa- um avião civil precisão” ou projéctil numa acção suici- ropeia, ocupem de novo o seu lugar como actores
convencionais de muitos ins- ção à escala e usá-lo como um imenso não estão in- da.” “Um salto qualitativo fundamentais na resolução dos problemas interna-
trumentos militares” clássi- internacio- projéctil numa acção cluídos em nas acções terroristas que cionais e na definição de uma nova ordem multilate-
cos. O risco da entrada em nal e a coo- organiza- nos deve levar a rever todos ral — começando pela questão do Médio Oriente,
cena de novos actores inter- peração en- suicida.” ções como a os esquemas de segurança que como se sabe há muito tempo é o paiol do mun-
nacionais “radicais e extre- tre Estados NATO. e a ter que o fazer com mé- do. A paz, como ainda hoje afirmou o ministro dos
mistas”, minoritários mas neste domínio”. As opções a O chefe da diplomacia todos que também não afec- Negócios Estrangeiros do Brasil, Celso Lafer, “é
detentores de um enorme po- tomar não deverão ser ape- portuguesa chamou tam- tem substantivamente a li- uma esquiva conquista da razão política”.
tencial de violência é, segun- nas de ordem policial ou de bém a atenção para outro berdade de circulação das
do Gama. o de a “principal natureza estritamente mili- ponto essencial: a seguran- pessoas.” 
22 ESPECIAL
PÚBLICO•QUARTA -FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
PETER MORGAN /REUTERS EPA
O World Trade
Center foi um
cavalo de
batalha do
banqueiro David
Rockefeller, que
passou a década
de 50 a tentar
convencer os
poderes públicos
a alterar de vez a
imagem de
degradação do
West Side através
da instalação do
maior e mais
concentrado
centro comercial
do mundo.
MIKE SEGAR /REUTERS

Twin Towers,
ex-líbris
por 31 anos
Em finais dos anos 70, no auge da trução de duas torres, cujo tama-
paranóia alimentada pela guerra nho a Administração do Porto foi
fria, a CIA elaborou uma lista dos esticando até aos 410 metros, para
edifícios mais sujeitos a atenta- satisfazer plenamente as suas me-
dos terroristas: do top constava, tas de rentabilidade.
obviamente, o imponente comple- Na altura, as Torres Gémeas ba-
xo nova-iorquino do World Trade teram todos os recordes de altitu-
Center, que oferecia um potencial de, quebrados em 1974 pela Torre
de número de vítimas pratica- Sears de Chicago. A estrutura do
mente imbatível. Vinte e tantos complexo de sete edifícios consu-
anos depois, as estatísticas falam miu 200 mil toneladas de aço, che-
por si: aos cerca de 50 mil traba- gou a absorver uma mão-de-obra
lhadores do complexo, há que so- estimada em 3500 operários da
mar o fluxo de 150 mil a 200 mil construção civil e demorou sete
visitantes que diariamente pro- anos a ficar pronta. Depois, passou
curavam o terraço do 110º andar a abrigar mais de 500 empresas e
da Torre 2 para alcançar a melhor sociedades comerciais, agências
vista sobre Manhattan. Desde governamentais diversas, um cen-
1970 que as Twin Towers (“Torres tro comercial, terminais de me-
Gémeas”) dominavam o horizonte tropolitano e comboio e um gigan-
de Nova Iorque. tesco parque de estacionamento.
O World Trade Center foi um Entre as entidades que ali assen-
cavalo de batalha do banqueiro taram arraiais, encontravam-se
David Rockefeller, que passou a o Deutsche Bank, o Bank of Ame-
década de 50 a tentar convencer rica, o Crédit Suisse, a Embaixa-
os poderes públicos a alterar de da da Tailândia, um hotel com 250
vez a imagem de degradação do quartos, serviços alfandegários,
West Side através da instalação áreas de exposições, o gabinete de
do maior e mais concentrado cen- emergência da cidade e a autori-
tro comercial do mundo. A ideia dade de trânsito nova-iorquina.
era centralizar em 406 mil metros A terra escavada para acolher os
quadrados a actividade das mais alicerces do complexo foi deposi-
importantes empresas e agências tada no rio Hudson e serviu para
governamentais com uma pala- alargar artificialmente para oeste
vra a dizer no comércio mundial, o perímetro da cidade, abrindo ca-
estimular o desenvolvimento das minho à instalação de outro pro-
áreas metropolitanas adjacentes jecto megalómano: o complexo ha-
e garantir a reanimação econó- bitacional do Battery Park e o
mica do extremo sudoeste de Ma- vizinho World Financial Center, a
nhattan. A Administração do Por- que o World Trade Center estava
to de Nova Iorque e New Jersey ligado por uma ponte.
encarregou-se do assunto e acabou As últimas notícias sobre o
por entregar ao arquitecto Mino- World Trade Center davam conta
ru Yamasaki a tarefa de mudar da iminência de uma milionária
a face do distrito operação que colo-
financeiro da cida- As últimas notícias caria o complexo
de sem ultrapas- nas mãos da Vor-
sar um tecto or- sobre o World Trade nado Realty Trust:
çamental de 500 Center davam conta a empresa ulti-
milhões de dó-
lares: o projecto
da iminência de uma mara um contrato
de aluguer por 99
desenvolvido pe- milionária operação anos a troco de
la Yamasaki and que colocaria 3,12 mil milhões
Associates, em co- de dólares, mas na-
laboração com a o complexo nas mãos da tinha sido ain-
Emery Roth and da empresa Vornado da assinado.  INÊS
Sons, acabou por NADAIS, COM ANTÓ-
O World Trade Center, um dos símbolos de Nova Iorque, e o que restou dele depois do ataque privilegiar a cons-
Realty Trust NIO MELO
ESPECIAL 23
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001

HYUNGWON KANG /REUTERS

“O mundo que
conhecíamos acabou”
Em Nova Iorque, minutos depois das primeiras explosões, o pânico
instalou-se. Desesperadas, as pessoas tentavam chegar à parte sul de
Manhattan. Muitos dirigiram-se aos hospitais para dar sangue.
Reportagem de Ana Gomes Ferreira, em Nova Iorque
Ontem de manhã, os auto- ma direcção: para Norte, con- O céu mudou de cor. Estava
carros não andaram na zo- forme mandou a polícia, que negro, do fumo dos incêndios
na sul de Manhattan, em No- esvaziou o Sul de Manhattan que consumiram os edifícios.
va Iorque. Os táxis também em tempo recorde. “Eu só que- Ficou branco, de pó de tijolo e
não. Paravam na rua 14, e re- ria sobreviver, sair dali para tinta e todas as coisas de que
cusavam avançar. O metro fora. Quero ir para casa”, diz são feitas os prédios. As torres
tentou a normalidade, por um homem com os pés e as ruiram ordeiramente, andar
STEPHEN JAFFE /REUTERS
instantes. pernas cobertos de poeira, e o por andar. E, durante instan-
“Senhores passageiros, de- cabelo salpicado de cinza. “Eu tes, quando a estrutura não
vido a uma situação de emer- vi. Eu vi. Pelo menos dez pes- passava de um destroço no
gência no World Trade Center, soas a saltar daquele inferno. chão, a forma, o relevo, per-
o tráfico está congestionado. Saltaram mesmo lá de cima, maneceu, como um fantasma
temos que parar. Sejam pa- para o chão”, conta uma mu- branco, feito de pó. Outros pré-
cientes.” No interior da car- lher com as meias salpicadas dios, vizinhos, estão condena-
ruagem — a primeira carrua- de sangue que não é dela. dos. É uma questão de tempo.
gem —, uma mulher começa De repente, a multidão per- [durante a noite a CNN anun-
a chorar. “O meu marido tra- de a ordem. Desata a correr. ciou que o edifício 7 do com-
balha no World Trade Center. plexo do World Trade Center-
Preciso de chegar lá.” tinha acabara de ruir].
Farto de esperar no cubículo As torres gémeas viam-se da
que lhe compete, o condutor As torres gémeas Cleveland Plaza. Agora, o es-
do metro decidiu fazer compa- viam-se da Cleveland paço entre arranha-céus onde
nhia aos passageiros: a mulher os gigantes de prata se desta-
à procura do marido, um casal Plaza. Agora, o espaço cavam, está vazio. “Olha, olha,
muito bem vestido a caminho entre arranha-céus estás a ver. Era ali que estava a
do trabalho, que não sabe de onde os gigantes de primeira. E ali, ali, estás a ver,
nada, um grupo de rapazes de era ali que estava a segunda”,
camisa branca. “Já telefonas-
prata se destacavam explica Manuel, apontando pa-
te à tua família?” “Não, nem está vazio. “Olha, olha, ra o vazio e vendo o que já não
pensei nisso. Assim que ouvi a estás a ver. Era ali que é possível ver. “O mundo mu-
notícia, meti-me no comboio, dou. O mundo que conhecia-
só queria chegar lá”. “Vê lá se
estava a primeira. E ali, mos acabou”.
telefonas, és parvo ou quê?” ali, estás a ver, era ali Junto aos destroços, começa
O Pentágono, onde trabalham 23 mil pessoas, foi atacado às 14h43 (hora de Lisboa)
O condutor do metro decide que estava a segunda”, a definir-se a ordem. A polícia
ser simpático. Vai ouvindo, pe- explica Manuel, abre ruas só de entrada para as
lo intercomunicador, as notí- ambulâncias. Outras só de sa-
cias. Vai passando as notícias apontando para o vazio ída. Faz rotas de fornecimento
e vendo o que já não é

O primeiro ataque ao
aos passageiros. É boa a inten- de água para os socorristas e
ção. É mau o resultado. “Pare- possível ver. vítimas. O céu volta a enegre-
ce que o incêndio é cada vez cer. Os escombros ainda estão
maior. Parece que há bocados a arder. Pelo céu voam papéis,
das torres a caír por todo o la- destroços levezinho que ater-

Pentágono, coração do”. A carruagem volta a me-


xer-se. A carruagem volta a
parar. “Senhores passageiros,
estamos em posição de infor-
mar que estão a acontecer ata-
“Isto vai começar uma
guerra. O inimigo é
desconhecido, mas é
ram no outro lado do rio, em
Brooklyn.

Uma cidade
perfeita para tragédias

militar dos EUA ques noutras zonas do país”.


A mulher à procura do ma-
rido entra em estado de cho-
que (antes, já tinha entrado em
estado de choro convulsivo).
uma guerra. Nunca
imaginei que isto
pudesse acontecer-nos.
Dizem os que pairam pelas ru-
as que Nova Iorque é uma ci-
dade perfeita para tragédias.
Está habituada a muita gente,
a muita confusão. Os nova-ior-
Olhe, sabe o que isto é?
“O Pentágono é o símbolo tivesse três andares, mas, lo- ck-bars e duas cafetarias. E Quer sair do comboio, parado quinos organizaram-se depres-
das convicções e do poder go após o ataque a Pearl Har- um outro serviço que pode- entre estações. Estar às escuras
É a materialização de sa. Rumaram para os hospi-
dos Estados Unidos”, resu- bour, em Dezembro de 1941, rá ter sido gravemente afec- não ajuda. Os passageiros es- um pesadelo.” tais, onde era preciso sangue.
miu o actual secretário da foi decidido acrescentar-lhe tado pelo ataque de ontem: tão nervosos. Começam a con- O povo parece estar habitu-
Defesa norte-americano, Co- mais dois. uma livraria com 300 mil vo- versar uns com os outros. “Eu, ado a organizar-se. Rumou aos
lin Powell, num discurso Localizado ligeiramente lumes e colecções de 1700 pu- onde é que estava? Em frente hospitais, para dar sangue. Os
proferido em 1993, por oca- a sul de Washington, mas blicações periódicas de todo à televisão, a tomar o peque- Corre o mais depressa que po- que tinham rádios, levaram-
sião das comemorações do já no estado da Virgínia, o mundo. no-almoço. Vi o segundo avião de. Alguns atiram-se para o nos para a rua, para se poder
50º aniversário da constru- do outro lado do rio Poto- Uma estatística oficial cal- chocar com a torre. Fiquei ar- chão. Alguns abrigam-se nas ouvir as notícias. Os que ti-
ção do edificio. mac, é um dos maiores edifí- cula em 4500 as chávenas de repiado”. O casal a caminho entradas do metropolitano, nham moedas, deram-nas a
Erguido em plena Segunda cios de escritórios do mundo, café servidas diariamente no do trabalho não percebe. “O nas fachadas dos edifícios. Nas quem tentava telefonar das
Guerra Mundial, para reu- com uma área útil três ve- Pentágono. É apenas uma mé- quê? Não sabem? Os terroris- portadas das lojas, que estão cabines públicas. Habitua-
nir num só local todos os zes maior do que a do Empi- dia. O número terá sido bas- tas atiraram dois aviões contra todas fechadas (e assim fica- ram-se à música das ambu-
departamentos do então Mi- re State Building. Cada uma tante superior em algumas o World Trade Center. Está tu- rão o resto do dia). lâncias, que cruzaram a ci-
nistério da Guerra, o Pen- das suas cinco faces exterio- ocasiões críticas, a começar do a arder”. A mulher começa Parece que o tempo andou dade todo o dia. Esvaziaram
tágono, onde trabalham 23 res mede quase 300 metros. pelos último anos da Segun- a chorar, o homem enterra as para trás, que Manhattan se o Sul, como lhes foi pedido.
mil pessoas, entre militares Os seus corredores totali- da Guerra Mundial, quando mãos no cabelo. chama Londres e está a ser Pelo caminho, deixaram
e civis, transformou-se num zam perto de 30 quilóme- serviu de quartel-general a O condutor faz-se ouvir no- atacada pelas bombas de Hi- comentários. “Isto vai come-
verdadeiro sinónimo do De- tros de comprimento, mas Eisenhower e Marshall. vamente. “Devido à situação de tler. Há pessoas agachadas de çar uma guerra. O inimigo
partamento da Defesa nele foi concebido de modo a que Foi no interior do Pentá- emergência que foi declarada mãos a proteger a cabeça. O é desconhecido, mas é uma
sediado. Projectado pelo ar- não sejam precisos mais de gono — na “Sala de Guerra” na baixa da cidade, o metro es- que se passa? “Olha, olha. Está guerra. Nunca imaginei que
quitecto George Edwin Ber- dez minutos para percorrer dos chefes de Estado-Maior tá parado. Queiram sair com a cair. Está a cair. Não estou a isto pudesse acontecer-nos.
gstrom, o estranho edifício a distância entre quaisquer — que se traçaram estraté- cuidado”. Os passageiros sal- acreditar no que estou a ver. Mas aquele tipo não faz na-
de cinco corpos dispostos em dois pontos do edifício. gias para as guerras da Co- tam das carruagens, seguem, Isto não é verdade. O World da de jeito. Nem falar sabe.
torno de um pátio central em Os serviços de apoio que reia e do Vietname, para a escoltados por homens de colete Trade Center está a desapare- Ouviu-o falar? Só disse bana-
forma de pentágono, come- coexistem, no interior, com invasão de Granada ou do encarnado, pelos túneis negros, cer”. As torres, que foram pra- lidades. O Clinton, esse sa-
çou a ser construído em 1941 as instalações dos vários ra- Panamá, e, mais recente- até uma saída na Broadway. teadas e um dos símbolos mais bia falar. O Bush não tem jei-
e foi inaugurado no dia 15 de mos das forças armadas e mente, se desenhou a opera- reconhecíveis da paisagem de to e só fez porcaria no Médio
Janeiro de 1943. Custou cer- do gabiente do secretário da ção “Tempestade no Deser- “Eu só queria sobreviver” Manhattan, caíram. Uma de Oriente. Olhe, sabe o que isto
ca de 90 milhões de contos. Defesa, incluem um gigan- to”, contra o Iraque.  LUÍS Há milhares de pessoas nas ru- cada vez, duplicando o horror é? É a materialização de um
Inicialmente previa-se que tesco restaurante, seis sna- MIGUEL QUEIRÓS as. Caminham todas na mes- dos nova-iorquinos. pesadelo.” 
24 ESPECIAL
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
EVY MAGES/REUTERS
TRINTA ANOS
DE ATENTADOS
NA AMÉRICA

1970
Agosto, 24 — Um
investigador universitário
que trabalhava para o
Exército é morto em
Madison, no Wisconsin,
num atentado assinado por
militantes ditos “pacifistas”

1975
Janeiro, 24 — Uma
explosão num café de Nova
Iorque causa quatro
mortos. É um dos 49
atentados atribuídos entre
1974 e 1977 ao grupo
nacionalista das Forças
Armadas de Libertação
Nacional de Porto Rico

Dezembro, 29 — Atentado à
bomba no aeroporto La
Guardia, de Nova Iorque: 1
morto e 75 feridos

1981
Maio, 16 — Explosão no
terminal do aeroporto
Kennedy assinado pela
“Resistência Armada
Porto-Riquenha”

1993
Fevereiro, 26 — Ataque
O atentado de 1993 contra o World Trade Center causou mais de 330 milhões de euros de prejuízos contra uma das torres
gémeas do World Trade
Center, em Nova Iorque: seis

Quando a América deixou mortos e mil feridos. Quatro


islamistas integristas de um
grupo liderado pelo xeque
Omar Abdel Rahman, guia
espiritual de uma

de ser invulnerável
Na sexta-feira do atentado, Center não estariam de pé se que com uma maior quanti- tado. “Em vez dos seis mortos,
organização egípcia, são
condenados em Maio de
1994 a um total de 240 anos
de prisão pela autoria do
ataque
O primeiro acto
a polícia de Nova Iorque re- eu tivesse dinheiro e explo- dade de explosivos e com a o atentado teria posto em ris- 1995
terrorista contra o cebeu várias chamadas de or- sivos suficientes”, terá dito colocação de duas carrinhas co a vida de 70 mil pessoas”, Abril, 19 — Um atentado
World Trade Center ganizações diferentes a rei- Ramzi Yousef a um agente do armadilhadas em locais es- referiu na altura Robert Ku- com uma viatura
ocorreu em 1993, vindicar a responsabilidade FBI quando regressava aos tratégicos as consequências pperman, especialista em ter- armadilhada contra um
do atentado, incluindo a auto- EUA para ser julgado. A in- poderiam ter sido bem pio- rorismo do Centro de Estudos edifício de Oklahoma causa
causando seis mortos e proclamada Frente de Liber- vestigação levada a cabo na res, tendo em conta a hora Estratégicos e Internacionais 168 mortos e mais de 600
mais de mil feridos tação da Sérvia, e as suspei- altura chegou à conclusão de (12h18) a que ocorreu o aten- de Washington.  feridos. Autor: Timothy
tas iniciais apontavam para McVeigh, um antigo
MARCO VAZA uma acção relacionada com o combatente da guerra do
conflito na Jugoslávia. Mas a Golfo, simpatizante de
A 26 de Fevereiro de 1993, uma “pista balcânica” foi rapida- Anos de bombas e mortos milícias e pequenos grupos
carrinha estacionada na ga- mente abandonada e as aten- hostis ao Governo federal
ragem de uma das torres do ções concentraram-se numa África, América, Médio Oriente ou com explosivos no mês anterior, dois em
World Trade Center explodiu, possível autoria de terroris- Ásia, não há praticamente nenhum Moscovo e um em Buynaksk, no Da- Outubro, 9 — Um comboio
causando a morte a seis pes- tas islâmicos. canto do mundo onde um qualquer gru- guestão, além de centenas de feridos. que assegura a ligação
soas e ferimentos a mais de A investigação conduziu as po ou guerrilha não tenha aparecido de Em Março, meia centena de pessoas ti- Miami-Los Angeles
mil, para além de ter provo- autoridades norte-america- surpresa a dizimar sem olhar a nada. nham morrido na explosão de um carro descarrila na sequência de
cado mais de 300 milhões de nas à captura dos suspeitos, Um dos últimos ataques ocorreu em armadilhado num mercado de Vladika- um atentado reivindicado
dólares (330 milhões de euros) que já estariam a preparar Angola, no dia 10 de Agosto, quando a vkaz, no Sul da Rússia. por um grupo desconhecido
em prejuízos, naquele que atentados contra a sede do UNITA, o movimento que combate o Go- O ano de 1998 tinha ficado marcado pelo — “Os Filhos da Gestapo”.
foi o primeiro acto terrorista FBI, da ONU e de pontes e verno do Presidente José Eduardo dos mais violento dos atentados na Irlanda Uma pessoa morre e 80
internacional a ocorrer em túneis que ligam Nova Ior- Santos, atacou um comboio que circula- do Norte nos últimos trinta anos, em outras ficam feridas. As
território norte-americano. A que e New Jersey, no seu pró- va a Sul de Luanda, matando 252 pesso- Omagh, em que morreram 29 pessoas, autoridades relacionam a
explosão abriu uma enorme prio território, confirmando as — um dos piores incidentes da longa assinado pelo Real IRA, dissidência ra- acção com o drama de
cratera na zona subterrâneo as suspeitas que apontavam guerra civil angolana. dical do Exército Republicano Irlandês, Waco, no Texas, em Abril
das “Twin Towers”, provocan- para a existência de uma re- Antes desse ataque, no dia anterior, um e pelos que mataram, nas embaixadas de 1993
do o colapso dos cinco primei- de clandestina formada por palestiniano suicida tinha matado cinco norte-americanas em Nairobi e Dar-es-
ros andares (do qual resulta- fundamentalistas islâmicos pessoas e ferido outras 90 em Jerusa- Salam, 224 pessoas e feriram milhares 1996
ram as seis vítimas mortais), e, destinada a espalhar o terror lém, no âmbito do levantamento palesti- de outras. Julho, 27 — Explosão de
consequentemente, um visível pelo país. niano que começou há quase um ano e Quanto a 1996, atentados mataram bomba no Parque do
abanão das torres. Mais difícil foi a “caça” a tem sido farto de atentados do mesmo quase todos os meses: 300 mortos no Centenário, em Atlanta, na
O xeque egípcio Omar Ab- Ramzi Yousef, que fugiu na tipo. Como o de dia 1 de Junho, quando estado indiano de Assam em Dezem- Geórgia, durante os Jogos
del Rahman, chefe religioso noite a seguir ao atentado um outro combatente palestiniano tam- bro, 125 no desvio de um Boeing 767 Olímpicos: dois mortos e
de uma mesquita em Nova Ior- e chegou a ter a cabeça a bém se matou a si próprio e a outras 21 etíope ao largo das Comores em No- 110 feridos
que, e nove outros militantes prémio, tendo sido, inclusi- pessoas num clube de Telavive. vembro, 21 em Multan, no Paquistão,
islâmicos, um grupo onde se vamente oferecida uma re- O ano passado viu dois grandes atenta- em Setembro, 78 no Sri Lanka em Ju- 1998
incluiam cidadãos do Sudão, compensa de dois milhões de dos à bomba, um no dia 12 de Outubro, lho, 200 feridos num atentado do IRA, Therodore Kaczynski,
Egipto e Jordânia, foram con- dólares (2,2 milhões de euros). contra um “destroyer” dos Estados Uni- em Manchester, em Junho, 26 em Je- conhecido por
denados em 1995 a prisão per- Só em 1995, depois de uma dos no porto de Áden, no Iémen, em que rusalém em Fevereiro, mais 31 no Sri “Unabomber”, é
pétua por conspiração e outras perseguição que se estendeu morreram 17 marinheiros, e outro, em Lanka em Janeiro. condenado a prisão
acusações ligadas ao atenta- por vários países (passou pe- Fevereiro, em Ozamis, nas Filipinas, on- 1995 foi o ano do atentado com gás no perpétua em Maio de 1998
do. Três anos depois, o alegado las Filipinas, onde estaria a de as vítimas mortais ascenderam a 45. metro de Paris, onde morreram oito por ter conduzido uma
cérebro da operação, Ramzi preparar o assassínio do Papa 1999 tinha sido pior: 110 mortos — e 400 pessoas e ficaram intoxicadas outras 86, cruzada antimodernista
Yousef, de nacionalidade in- João Paulo II), é que Yousef feridos — num ataque, em Outubro, e do de Oklahoma, que causou 168 mor- através de cartas
determinada (possivelmente foi capturado em Islamabad, contra um mercado da capital, Grozni, tos. 1994 o da explosão da comunidade armadilhadas que em três
iraquiana), foi também conde- no Paquistão. nunca se soube muito bem perpetrado mutualista judaica em Buenos Aires, anos matou três pessoas e
nado a prisão perpétua. “As torres do World Trade por quem, e 276 outros noutras acções onde uma bomba matou 96 pessoas. feriu outras 23
ESPECIAL 25
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001

Os ataques
Era também manhã em Oklahoma JEFF MITCHELL/REUTERS
da Tanzânia,
Quénia, Iémen
19 DE ABRIL DE 1995,
A 7 de Agosto de 1998
9 HORAS E 03 MINUTOS uma violenta explosão
atingiu a embaixada
Kathy olhou na norte-americana em
Nairobi, capital do Qué-
direcção do infantário, nia. Minutos depois, ou-
onde deviam estar tra explosão produziu
Chase e Cole, e eles um caos e um pânico
idênticos em frente a ou-
não estavam lá tra embaixada america-
na, desta vez em Dar es-
FERNANDO SOUSA Salam, capital da
Tanzânia. Mais de 200
A penúltima vez que uma pessoas morreram e pe-
bomba fez tremer os Estados lo menos cinco mil fica-
Unidos foi a 19 de Abril de ram feridas.
1995, em Oklahoma. O autor Nos Estados Unidos, o
do atentado, Timothy McVei- então Presidente Bill
gh, foi depois condenado à Clinton preparava-se pa-
morte. Morreu por injecção ra ser interrogado pelo
letal há três meses. Grande Júri sobre a sua
Era, como ontem, também relação com a estagiária
manhã, os americanos acor- da Casa Branca Monica
davam e preparavam-se pa- Lewinsky. O escândalo,
ra a escola ou o trabalho. De que se arrastava há me-
repente, passavam três mi- ses, deixara o Presidente
nutos das nove, o edifício fe- profundamente fragili-
deral Alfred P. Murrah, des- zado. A América sentia-
fazia-se em pedaços. se humilhada, dentro e
“Eu e a minha filha fomos fora das suas fronteiras.
para a rua. Havia vidros a vo- Os taliban afegãos avisa-
ar, carros a rebentar. Olhei ram imediatamente Wa-
para o infantário e não esta- shington para que não
va lá. Percebi logo que era tentasse capturar o mi-
mau, que as duas crianças lionário saudita Osama
tinham morrido”, recordou bin Laden, a viver em
mais tarde Kathy McVeigh. território afegão e consi-
Os dois miúdos eram Chase derado o principal sus-
e Cole, os netos, de dois e peito do duplo atentado.
três anos, duas das duas víti- Mas a 20 de Agosto, Clin-
mas mortais do desastre, em ton ordenava uma dupla
que ficaram feridas outras retaliação: aviões norte-
500 pessoas. americanos atacaram al-
O atentado mexeu com os vos no Afeganistão e no
americanos, tomados de as- Sudão. Este segundo pa-
salto por especulações sobre ís era suspeito de estar a
altas conjuras internacio- desenvolver um progra-
nais, talvez neonazis, talvez ma de armas químicas
árabes. Não tinha sido um numa fábrica que foi ar-
árabe, Omar Abdel Rahman, rasada pelos aviões, e
o mentor do atentado, dois que, segundo os sudane-
anos antes, em Fevereiro de ses, nunca produzira
1993, contra o World Trade mais do que produtos
Center? farmacêuticos (mais tar-
Depois, porém, acabaram de os americanos admiti-
por ter de admitir que o cri- ram o erro).
me partira do interior, de Bin Laden tinha mostra-
um dos seus, para mais um do a sua força e a sua ca-
jovem condecorado na guer- pacidade de lançar ata-
ra do Golfo cheio de ódio ques coordenados. A
às instituições. Ao ponto de América elevou-o à cate-
se abandonar à sentença de goria de inimigo número
morte. Questionado pelo juiz um. Mas o milionário
sobre se tinha alguma coisa a voltaria a atacar — ou
dizer em sua defesa, respon- pelo meno seria suspeito
deu seco: “A este tribunal, ne- de outro atentado. A 12
nhuma!” de Outubro de 2000, uma
Com base num acervo do- pequena embarcação
cumental de 25 mil folhas e carregada de explosivos
137 testemunhas, a acusação colidiu com o contra-
provou que Timothy McVei- torpedeiro norte-
gh, de 26 anos de idade, um americano “Cole”, que
antigo sargento do Exército, se encontrava no porto
organizou e realizou o aten- de Áden, capital do Ié-
tado, com a ajuda de outra men. Dezassete mari-
pessoa, mediante um camião nheiros americanos
que tinha alugado no Kan- morreram.
sas com um nome falso e que A Administração ameri-
encheu com uma mistura de cana apontou novamen-
mais de 2 mil quilos de ex- te o dedo a Bin Laden,
plosivos, incluindo nitrato e o Pentágono discutiu
de amónio, enfurecido com a hipótese de lançar
o cerco de Waco, Texas, pela um “ataque preventivo”
polícia, durante o qual mor- contra a organização.
reram 86 pessoas da seita dos Mas Clinton parece ter
davidianos. decidido adiar a puni-
Os sobreviventes de Okla- ção para não provocar
homa City, uma cidade que se a fúria dos muçulmanos
queixava de ali nunca aconte- e não prejudicar aquele
cer nada, disseram que que- que era o seu objectivo
riam ver McVeigh “desapa- prioritário, um acordo
recer”, para poderem “seguir de paz no Médio Orien-
em frente”.  Milhares de pessoas prestaram homenagem às vítimas do atentado de Oklahoma te. A.P.C.
26 ESPECIAL
PÚBLICO•QUARTA -FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

A Europa em estado de choque BORIS ROESSLER/EPA

ALEMANHA Conferência de Paz sobre o Médio Oriente e


que recentemente Aznar afirmou a disponi-
SCHROEDER CONDENA “GUERRA bilidade para a realização de uma iniciativa
CONTRA O MUNDO CIVILIZADO” idêntica.
Apesar desta postura e das tradicionais bo-
A Alemanha parou, literalmente, à medida as relações que Madrid mantém com várias
que as terríveis notícias chegavam, via tele- capitais árabes, incluindo com o Presidente
visão, do World Trade Center, em Nova Ior- da Autoridade Palestina, Yasser Arafat, tudo
que, e de Washington. Imediatamente a ses- indicia que a Espanha tomará a mesma posi-
são parlamentar do Bundestag (Parlamento) ção que os seus parceiros da União Europeia.
foi suspensa, o chanceler alemão, Gerhard Mas também é difícil admitir que haja uma
Schroeder, convocou o conselho de segurança alteração radical da sua posição de querer
nacional alemão e decretou o “grau de alerta aproximar Israel do mundo árabe e suscitar
máximo”. a paz na região.
Numa primeira reacção, o chanceler con- Ontem, nas delegações diplomáticas acre-
denou o ataque terrorista contra os EUA e ditadas em Madrid, como na sociedade e nos
expressou a “solidariedade ilimitada” da Ale- responsáveis políticos, vivia-se surpresa, in-
manha. “Todos os alemães estão indignados dignação e sob o signo de uma segurança re-
com este acto. Trata-se de uma declaração de forçada nas instalações diplomáticas norte-
guerra contra o mundo civilizado”, afirmou americana e israelita, bem como nas bases dos
Schroeder, “o povo alemão está nesta hora Estados Unidos em solo espanhol. As eventu-
difícil ao lado dos norte-americanos”. “Quem ais repercussões políticas e diplomáticas do
protege os terroristas viola todas as normas 11 de Setembro de 2001 só serão conhecidas
que regem as relações internacionais”. mais tarde.  NUNO RIBEIRO, em Madrid
A seriedade dos acontecimentos do outro
lado do Atlântico levou a que em todos os
edifícios públicos germânicos as bandeiras FRANÇA
fossem colocadas a meia haste em sinal de
respeito pelas vítimas. Inúmeras festividades
“PIOR DO QUE PEARL HARBOUR”
por todo o país — como a abertura prevista “A história do mundo está a mudar perante
para amanhã do salão automóvel de Frank- os nossos olhos. O atentado do World Trade
furt, IAA — assim como espectáculos tea- Center tem o impacto histórico de Pearl Har-
trais e musicais foram cancelados. No maior bour, mas é pior do que Pearl Harbour, porque
aeroporto alemão, Frankfurt, as medidas o alvo é civil e o inimigo sem rosto”: este co-
de segurança foram reforçadas e todos os mentário do presidente do partido centrista
voos transatlânticos para os Estados Unidos UDF, François Bayrou, resumia o sentimento
anulados ou desviados. predominante na classe política francesa em
O Presidente alemão, Johannes Rau, en- reacção aos atentados que abalaram ontem
viou ao seu homólogo George W. Bush um te- os EUA.
legrama de condolências, no qual expressava A embaixada americana foi imediatamente
a “consternação e indignação” dos alemães. fechada e rodeada pelas forças da ordem. Nas
Todas as forças políticas representadas no ruas de todas as cidades francesas, centenas
Bundestag se manifestaram chocadas pela de pessoas aglutinavam-se em torno nos cafés
barbárie do acto e apresentaram condolên- com televisões, ou em frente das montras de
cias familiares das vítimas. A embaixada lojas de electrodomésticos — e a pergunta
norte-americana em Berlim foi encerrada (e incessante era: “Paris será também visada?”
barricada), assim como a israelita. Também Rapidamente, o governo francês reactivou
as bases militares norte-americanas em solo o plano Vigipirate para limitar os riscos de
alemão foram colocadas em estado de alerta atentados terroristas em França, mesmo se o
máximo. ministro do Interior, Daniel Vaillant, conside-
Ao longo de toda a tarde de ontem as tele- ra que “não há ameaças identificadas contra
visões emitiram edições especiais a acompa- a França”. Este plano mobiliza o Exército, as
nhar o desenvolvimento dos acontecimentos forças de polícia e da “gendarmerie” (guarda
no Word Trade Center onde foi possível ver republicana) em patrulhas de rua. O Vigipira-
jornalistas com dezenas de anos de experiên- Um pouco por todo a Europa o drama de Nova Iorque foi seguido com espanto te foi concebido em 1995, depois dos atentados
cia profissional com a voz embargada. terroristas atribuídos ao GIA (Grupo Islâmi-
Na Alemanha, os centros de crise criados co Armado, argelino) e que fez oito mortos e
(no Ministério dos Negócios Estrangeiros e à Reuters o analista de defesa Paul Beaver. continua a ser o aeroporto internacional centenas de feridos.
no Gabinete Federal) estão apreensivos não só Por respeito às vítimas dos atentados norte- mais movimentado de todo o mundo —, Ga- De tarde, houve uma reunião de crise de
relativamente à segurança de edifícios norte- americanos, Blair anulou o seu discurso pre- twick e Stansted.  J.A. todas as polícias, dos serviços secretos e da
americanos e israelitas, mas também, segun- visto frente ao congresso anual dos sindicatos contra-espionagem, mas nenhuma informa-
do um comentador do canal televisivo públi- britânicos, em Brighton. Segundo a AFP, a voz ção foi divulgada. Quatro patrulhas da força
co, ARD, em relação à segurança do próprio do primeiro-ministro britânico estava trémula ESPANHA aérea vigiam permanentemente o céu da re-
ministro dos Negócios Estrangeiros, Joschka
Fischer, pelo seu empenho na tentativa de
quando se declarou “terrivelmente chocado”
pela série de atentados contra os EUA.
EM ESTADO DE ALERTA gião parisiense.
O Presidente Jacques Chirac terminou
pacificação do conflito no Médio Oriente.  Blair transmitiu “as mais profundas con- Todos os serviços de segurança espanhóis de imediato uma deslocação à Bretanha pa-
HELENA FERRO DE GOUVEIA, em Frankfurt dolências ao presidente Bush e ao povo ame- estão em alerta máximo após os atentados co- ra regressar a Paris: “É com uma emoção
ricano da parte do povo britânico” e condenou metidos nos Estados Unidos. A meio da tarde imensa que a França toma conhecimento
REINO UNIDO “o terrorismo em massa que é o novo flagelo
diabólico no nosso mundo actual, que foi per-
de ontem, a embaixada norte-americana em
Madrid, na calle Serrano, estava protegida
dos atentados monstruosos que abalam os
Estados Unidos”, reagiu o chefe de Estado
TERRORISMO É O NOVO petrado por fanáticos que são completamen- por forças especiais da polícia espanhola e francês, que assegurou a “solidariedade”
te indiferentes ao carácter sagrado da vida rodeada por blindados da Guarda Civil. O do povo francês para com o povo americano
“FLAGELO DIABÓLICO” humana”. presidente do Governo espanhol, José Maria “nesta tragédia”.
Na qualidade de aliado privilegiado dos Es- Para o primeiro-ministro britânico é o dever Aznar, que iniciava uma viagem a três países Em Matignon, o primeiro-ministro Lionel
tados Unidos, também o Reino Unido refor- das democracias “unirem-se e combaterem bálticos, regressou urgentemente a Espanha. Jospin condenou “o recurso abominável à
çou ontem o estado de alerta em todos os em conjunto para erradicar totalmente este Numa conferência de imprensa em Tallin, violência terrorista”. Numa conferência de
edifícios governamentais — civis e militares flagelo” que é o terrorismo contemporâneo. capital da Estónia, Aznar atacou “a loucura imprensa improvisada, o chefe do governo ma-
—, bem como em todas as representações “Não conseguimos imaginar a carnificina que terrorista”. nifestou a “emoção profunda” e o “sentimento
diplomáticas britânicas no estrangeiro, se- se passou lá [em Nova Iorque e Washington] e “Disse várias vezes que não devemos dis- de horror” que lhe inspira “esta violência
gundo anunciou o ministro dos Negócios o número muito, muito elevado de inocentes tinguir entre terroristas, o terrorismo é igual inaceitável”.
Estrangeiros, Jack Straw. que perderam a vida”. Jack Straw ofereceu aos em todo o lado e os terroristas devem ser per- Ao cair da noite, Jospin apelou aos france-
O primeiro-ministro britânico, Tony Blair, EUA “toda a ajuda possível” do Reino Unido seguidos onde quer que estejam”, sintetizou ses para “manterem a calma”. Um Conselho
convocou ontem para o número 10 de Downing para encontrar os autores do atentado. o “premier” espanhol. Um discurso com evi- de Ministros restrito, com os ministros dos
Street uma reunião do comité de urgência do O quotidiano da vida de Londres também dente sinal político interno, uma referência Negócios Estrangeiros, do Interior, da De-
seu governo, baptizado como o nome de “Co- foi afectado pelo ambiente de ameaça gene- indirecta de Madrid ao terrorismo etarra. fesa e dos Transportes, foi organizado no
bra”. Para além de Straw, também o ministro ralizada que se viveu ontem em todo o mun- Na capital espanhola, a “célula de crise”, Eliseu ao fim da tarde. O Presidente Chirac
do Interior, David Blunkett, e da Defesa, Geoff do ocidental. A bolsa de Londres foi evacu- intregrada pelos ministros da Defesa, Interior prometia falar ao país de noite. “Mudámos
Hoon, foram convocados para a reunião onde ada, bem como as torres de Canary Wharf, e Negócios Estrangeiros, continuava reunida de mundo. Nada será como antes do ataque
estiveram presentes os responsáveis máximos nas Docklands. A companhia aérea British à hora do fecho desta edição, e a diplomacia contra o World Trade center”, preconiza o de-
militares e dos serviços secretos britânicos. Airways anulou todos os voos de e para os madrilena é parca em declarações, para além putado gaullista Pierre Lelouch, especialista
“As pessoas vão tentar pesar se o Reino Unido Estados Unidos e as medidas de segurança da óbvia condenação dos brutais atentados. de questões estratégicas e antigo cronista
é vulnerável a ataques semelhantes e o que foram reforçadas nos três principais aero- Em 1991, na era dos Governos de Felipe Gon- da revista americana “Newsweek”.  ANA
pode fazer para os evitar ou enfrentar”, disse portos da capital britânica: Heathrow — que zález, a Espanha foi anfitriã e inspiradora da NAVARRO PEDRO, em Paris
ESPECIAL 27
TERROR NA AMÉRICA PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001

AS FRASES

Portugal unido contra “Pode acontecer-nos a

o terrorismo DANIEL ROCHA


nós.”
GENERAL GARCIA LEANDRO,
DIRECTOR DO INSTITUTO DE
DEFESA NACIONAL

“Não há capacidade
para conseguir uma
protecção total contra
ataques deste género,
não há nenhuma
capital que não seja
vulnerável.”
IDEM

“A própria Europa
pode ser alvo de
atentados, incluindo
Portugal.”
GENERAL LOUREIRO DOS
SANTOS, EX-CHEFE DO
ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO

“Os atentados são


uma sequência de
toda uma série de
acções terroristas quer
contra interesses
norte-americanos,
quer contra a Europa
e mesmo contra a
Rússia. A Rússia vem
António Guterres garante que Portugal está disponível para participar em acções que possam reforçar a segurança internacional alertando para isto há
Governo e oposição ças, se unir integralmente escusou-se a fazer qualquer Portas, condenou igualmen- ção” dos atentados que “sa-
muito tempo.”
repudiam atentados não apenas na condenação, comentário sobre acções de te a “barbaridade” dos aten- crificaram muitas centenas IDEM
mas na luta efectiva contra retaliação. Segundo o Presi- tados, manifestou solidarie- de vítimas inocentes”. Já an-
o terrorismo”. dente, a comunidade inter- dade para com as vítimas e tes o secretariado do PCP
PAULO CORREIA Apesar de ser ainda “pre- nacional devia antes de mais defendeu uma punição firme emitira um comunicado em “Há pouco um
e SÃO JOSÉ ALMEIDA maturo dizer que formas preocupar-se em “cuidar dos para os responsáveis. Em fa- que este organismo do comi- especialista
vai revestir uma cooperação vivos e enterrar os mortos”. ce das “vidas ceifadas e do té central do PCP condenava
Portugal está totalmente dis- internacional acrescida”, o Também o presidente do horror generalizado” hoje os atentados terroristas nos americano dizia na
ponível para “participar em primeiro-ministro garantiu PSD, Durão Barroso, conde- vivido, “todos nos sentimos Estados Unidos e lamentava CNN: isto não foi um
qualquer esforço conjunto que Portugal está disponível nou, “sem qualquer reser- nova-iorquinos”, disse Pau- o “sacrifício de vidas de ci- ataque ‘high-tech’, foi
acrescido que venha ser para estudar e participar em va”, o atentado terrorista, lo Portas em conferência de dadãos inocentes”. O secre-
acordado a nível internacio- quaisquer acções conjuntas que, acrescentou, deve “in- imprensa. E defendeu que a tariado do PCP não deixou de um ataque ‘high-
nal”, anunciou ontem o pri- que possam reforçar a segu- dignar toda a comunidade “superioridade moral” das considerar que a “espiral de concept’. Não foi a
meiro-ministro, António Gu- rança a nível mundial”. internacional”. Expressan- democracias obriga a que violência em que estes aten-
terres. António Guterres apelou do a sua “total solidariedade as “nações livres” não conti- tados se inserem só agrava a alta tecnologia, foi o
Numa conferência de im- ainda, repetidamente, aos ao Governo e ao povo norte- nuem a “oferecer tolerância” situação mundial”. alto conceito, no
prensa realizada três horas “portugueses para que pos- americano”, o antigo minis- a terroristas. Por sua vez, o Bloco de sentido de um conceito
depois dos atentados, o líder sam exprimir um sentimen- tro dos Negócios Estrangei- O líder do CDS-PP reco- Esquerda manifestou a sua
do Governo português afir- to de unidade, de tranquili- ros sublinhou: “Este não é nheceu ainda que os Esta- “absoluta consternação” e muito rigoroso e
mou que se deve condenar dade e de segurança”. apenas um ataque aos EUA dos Unidos tinham o direito a “solidariedade com as fa- muito bem elaborado
“com toda a energia” a “ir- Um pedido igualmente fei- — é um ataque contra os va- e o dever de “punir os cri- mílias das vítimas e as co-
racionalidade” manifestada to pelo Presidente Jorge lores da nossa civilização.” minosos” responsáveis pe- munidades atingidas pela e em que as pessoas
através de “formas violentas, Sampaio que ainda ontem Barroso, que ontem mesmo los ataques com “firmeza,” tragédia”. Sustentou que “o funcionaram dentro
imprevisíveis e totalmente exprimiu também a esperan- falou com o primeiro-minis- mas também com a “equida- terror dos atentados” e “o da sua lógica. (...) São
impiedosas”. ça de não se encontrerem tro, sustentou porém que, de” necessária para que civis número de vítimas fazem
António Guterres subli- entre as vítimas quaisquer apesar da gravidade da situa- inocentes não tenham que deste dia uma marca de bar- novos tipos de conflito
nhou que “este é o momento portugueses. Ainda assim, ção, “não há razões para me- pagar por eles. bárie”. O Bloco apelou ainda (...) conceitos de
em que é dever da comunida- apesar de reafirmar a mais didas de carácter alarmista” Carlos Carvalhas, secre- à “condenação da jornada
de internacional, indepen- “veemente condenação do em Portugal. tário-geral do PCP, assumiu de terror” e à “contenção da guerra inteiramente
dentemente das suas diferen- terrorismo”, Jorge Sampaio O líder do CDS-PP, Paulo também a “clara condena- sua espiral”.  novos (...) para os
quais temos de estar
preparados.”

Forças Armadas de prevenção MARIA DE LURDES PINTASILGO

Ministério da Defesa “O discurso de Bush é


lizadas pelas relações públicas do de pontos sensíveis não militares, não foi um dos mais elevados. A per-
pode activar comandos Ministério da Defesa Nacional. “Es- entre os quais os governamentais. cepção é a de que os alvos estão em bem escrito, mas não é
tão a ser tomadas todas as medidas No plano ofensivo, pelo aumento do solo norte-americano. um discurso que dê
operacionais das normais nesta situação”, afirmou grau de prontidão dos meios. O Centro de Operações Aéreas
forças militares ao PÚBLICO um elemento do MDN, Em termos de estruturas da Alian- Combinadas 10 (CAOC 10) da NATO, muita confiança. Foi
evitando pormenorizar. ça Atlântica em Portugal, o Comando que funciona nas instalações da For- lido sem convicção.”
HELENA PEREIRA As medidas no plano defensivo, no Atlântico do Sul (Cincsouthlant), em ça Aérea em Monsanto, é que regis- MARCELO REBELO DE SOUSA
entanto, podem passar pela activa- Oeiras, reforçou a sua segurança, tou um grande aumento de activida-
As informações sobre a resposta mi- ção dos comandos operacionais das na sequência dos atentados. Mas o de. O CAOC faz o controlo do espaço
litar em Portugal aos atentados ter- forças, pelo reforço das unidades e grau de ameaça calculado — e as me- aéreo do Atlântico, tanto de voos co-
roristas dos EUA estão a ser centra- pela prontidão de meios na defesa didas tomadas em função deste — merciais como não comerciais. 
28 ESPECIAL
PÚBLICO•QUARTA -FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

Comunidade lusa assistiu incrédula


aos atentados nas margens de New Jersey
CARLOS LOPES

Clarisse Frias e José MNE em


Gonçalves, dois ligação com
portugueses a viver na
América, tinham razões embaixada
especiais para a sua nos EUA
revolta: ela trabalha O Ministério dos Negó-
numa empresa com cios Estrangeiros por-
sede no World Trade tuguês emitiu ontem
um comunicado em que
Center, ele trabalhou na informava não se ter
sua reconstrução depois verificado até às 19h15
do atentado de 1993 (hora de Lisboa) a exis-
tência de qualquer por-
tuguês entre as vítimas
LUÍSA PINTO dos atentados nos Esta-
e SANDRA SILVA COSTA dos Unidos da Amé-
rica. O MNE colocou
Primeiro foi a estupefacção ainda à disposição do
e a incredulidade. Depois o público dois telefones
terror e o pânico contido. Por para a recolha e
fim, a tentativa de contactar obtenção de informa-
pessoas que pudessem estar ções (213946406/
na área dos atentados, mas /213946420). Para mo-
sem sucesso. As comunica- nitorizar o desenrolar
ções não funcionavam; as li- da situação o ministé-
nhas telefónicas, fixas e mó- rio montou uma “célula
veis, não estavam disponíveis: de acompanhamento”,
o World Trade Center era a a qual ficou em ligação
principal base de todas as an- permanente com a Em-
tenas de comunicações. Os baixada e os consula-
transportes foram cortados, dos de Portugal nos Es-
apenas a ligação náutica do tados Unidos.
ferry poderia trazer “notí- “Está tudo em estado de choque. É impossível perceber como pôde acontecer”, comenta-se nas comunidades
cias” da outra margem, mas
durante longas horas sem su- só pensou em ir buscar os fi- soube do embate do segundo — de onde consegue avistar ca pensarias ver”. Aquilo
cesso. A consternação apode- Aquilo que José lhos à escola. “Uma loucura! avião começou a pensar em Manhattan — sentiu um que viu de manhã, pouco
rou-se de toda a gente, por- Carvalheira viu de Os telefones não funciona- “atentados”, Nunes nunca te- avião a passar por uma área antes de abandonar a sua ca-
que todos conheciam alguém vam, e não foi propriamen- ve dúvidas. A sua estupefac- que sempre lhe esteve proibi- sa de Elisabeth de onde tem
que trabalhasse ou se des- manhã, pouco antes de te a sensação de perigo ime- ção vai toda para o facto de da. Olhou para os céus e viu “uma vista perfeita sobre
locasse diariamente para a abandonar a sua casa diato que nos assolou. Mas a “maior tragédia de sem- o que nunca poderia ter ima- Nova Iorque inteira”, pare-
zona sul de Manhattan. Uns perante o cenário tão trágico pre” ter acontecido no país ginado. “Ninguém consegue ceu-lhe “o princípio do fim”.
limitaram-se a aglomerar-se de Elisabeth, de onde e inimaginável que as televi- “que tem uns serviços secre- descrever como é que o povo “Saí porta fora para esprei-
junto à saída do ferry à espera tem “uma vista sões começaram a mostrar, tos apuradíssimos” e que de- se está a sentir. Portugueses tar o que se passava. Mas
de ver chegar os seus; outros só temos vontade de reunir via estar alerta “porque tem e americanos”, sublinhou. vim-me logo embora a cho-
colaram-se aos televisores, a perfeita sobre Nova toda a gente que nos é queri- já sofrido várias ameaças de Com muitos operários portu- rar, porque achei que não
chorar. Iorque inteira”, da e fecharmo-nos nalgum terroristas”. “Há três sema- gueses, e outros conhecidos, valia a pena estar ali a ver
“Está toda a gente em esta- sítio”, afirmou. nas, alguém avisou de que al- a trabalhar na construção de aquela miséria. A minha se-
do de choque. Ninguém con- pareceu-lhe “o José Nunes, um funcioná- go de colossal iria acontecer túneis na zona mais afecta- nhora até se sentiu mal. Foi
segue acreditar. É impossível princípio do fim” rio de uma empresa de dis- contra a América. Aí está”, da por atentados, Gonçalves uma tragédia muito grande”,
perceber como tudo isto pôde tribuição de sinal televisivo apontou. continuava sem notícias de contou ao PÚBLICO ao fi-
acontecer”. Algumas horas por cabos, que trabalha e re- Também José Manuel Gon- ninguém. E à hora de fecho nal da tarde. Nessa altura, o
depois do primeiro ataque às side na mesma ilha de New çalves, presidente da Casa do desta edição, ainda não sabia agente imobiliário de 70 anos
torres do World Trade Cen-
“Está toda a gente em Jersey, viu da sua janela os Benfica em Newark e super- como é que ia voltar para ca- ainda desconhecia o paradei-
ter, em Nova Iorque, estas fo- estado de choque. aviões a embater nas torres, e visor de uma poderosa em- sa, em New Jersey. Sabia ape- ro de uma afilhada. “Ela tra-
ram as primeiras palavras posteriormente os edifícios a presa de construção civil que nas que todos os seus fami- balha dois edifícios abaixo
que Clarisse Frias conse-
Ninguém consegue ruir. “Não dá para acreditar. desenvolveu, entre outros, os liares se encontravam bem. das torres, mas tenho uma
guiu balbuciar em declara- acreditar. É impossível Olhamos para Manhattan e trabalhos de recuperação das José Carvalheira, um por- grande fé de que ela está
ções ao PÚBLICO. Moradora as Twin Towers já não estão Twin Towers depois do aten- tuguês de Gouveia “pro- bem”. “Deus disse-nos que
em New Jersey, esta correto-
perceber como tudo lá. Ter visto aquele colosso tado de 1993, pensou desde o fundamente religioso”, lem- devemos perdoar, mas isto
ra financeira cuja empresa isto pôde acontecer” a desabar é uma experiência início no pior. A trabalhar ac- brou-se imediatamente das não tem perdão. Morreram
tinha os escritórios mãe nu- indescritível”. Ao contrário tualmente nas obras de am- palavras de Deus: “Um dia milhares de inocentes”, afir-
ma das torres desaparecidas, de Clarisse, que só quando pliação do aeroporto de JFK haveis de ver coisas que nun- mou Carvalheira. 

Ansiedade entre os portugueses de Newark


Em Manhattan estão a trabalhar dezenas vam ansiosamente notícias tados apenas lhes chegaram Alves, de 19 anos, um estu- tes, Igor viu da universida-
de portugueses que vivem em Newark, de parentes e amigos, cujo re- através dos canais portugue- dante da universidade esta- de, localizada em Kearny, do
gresso imediato sabiam ser ses que recebem por cabo tal de New Jersey, que traba- outro lado de Manhattan,
mas os seus familiares não sabiam na noite improvável, dado que as liga- (RTP e SIC), já que o sinal das lha como voluntário na Cruz “duas sombras enormes de
de ontem do seu paradeiro ções de metro com Nova Ior- principais televisões norte- Vermelha de Newark. O PÚ- fumaça” em Nova Iorque.
que estavam cortadas. “Por americanas desapareceu após BLICO também o conseguiu Mas mesmo assim, Igor e os
RAPOSO ANTUNES enquanto não há notícias de a destruição do World Trade contactar. “Não sabemos na- companheiros dirigiram-se
vítimas, mas também não sa- Center. “Só algumas horas de- da dos portugueses. Isto está para a sala de aula, até que
A ansiedade instalou-se na portugueses que foram tra- bemos nada deles”, explicou pois dos atentados é que vol- um caos”, contou este jovem, “entrou uma professora a
comunidade lusa de Newark, balhar para Nova Iorque na João Loureiro, um dos pro- tamos a poder ver as estações que se preparava para ir re- gritar que as torres do World
uma cidade do estado de New manhã da tragédia. prietários do restaurante Ibe- daqui”, afirmou Daniel Mene- colher sangue com uma equi- Trade Center tinham caído,
Jersey, a meia hora de Ma- Reunidos no restaurante ria, precisando que há mui- zes, correspondente do “Cor- pa da Cruz Vermelha. “Os que estava tudo cancelado,
nhattan, onde vivem e traba- Iberia, na Ferry Street, o co- tas empresas de construção reio da Manhã” e frequenta- hospitais de New Jersey es- que não havia aulas”. A par-
lham dezenas de milhares de ração da comunidade portu- sediadas em Newark a efectu- dor habitual do Iberia. tão a receber centenas de ví- tir daí, conta, ficou “colado à
portugueses. Às 20h00 de on- guesa de Newark, muitos des- ar nesta altura trabalhos na Uma das hipóteses de que timas dos atentados de Nova televisão”, a seguir a tragé-
tem (01h00 de hoje em Lisboa), tes emigrantes seguiam os baixa de Manhattan. os portugueses se lembraram Iorque e precisam de san- dia e “à espera de saber qual
não havia ainda qualquer in- acontecimentos pela televi- Durante uma grande parte para saber mais alguma coi- gue”, sublinhou. vai ser a reacção dos Estados
dicação sobre a situação dos são, mas, sobretudo, aguarda- do dia, as imagens dos aten- sa dos conterrâneos foi Igor Tal como outros estudan- Unidos”. 
ESPECIAL 29
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001

PAULO PIMENTA

UM SUSTO EM
WASHINGTON
Grupo de médicos
portugueses aterrou
na capital dos EUA
minutos depois do
atentado no Pentágono

Os médicos portugueses que se


deslocaram a Washington para
frequentar um curso de cardio-
logia e intervenção chegaram
ontem à cidade e acabaram por
ficar divididos em três grupos,
um de quatro clínicos, em Wa-
shington, e outros dois grupos
em Nova Iorque.
O cardiologista Rui Teles es-
tá em Washington e explicou
ao PÚBLICO que aterrou no
aeroporto Reagan de Washing-
ton alguns minutos antes de
o avião embater contra o edifí-
cio do Pentágono, localizado a
cerca de um quilómetro. “Não
se via nada a essa distância,
via-se o fumo”, conta Rui Teles.
“Viemos de Miami e durante
esse voo é que ocorrem os aten-
tados das Twin Towers, por is-
so não soubemos de nada. Só
quando fomos buscar a baga-
gem é que nos apercebemos
que se passava alguma coisa,
quando começaram a evacu-
Enquanto não se define o inimigo, aos militares americanos da base das Lajes resta esperar e seguir os acontecimentos à distância ar o aeroporto.” “Ninguém sa-
bia o que estava a acontecer,
pensava-se que era um ataque

Aguardar é palavra de ordem nas Lajes ao Pentágono, houve alguma


correria no aeroporto, algumas
pessoas a gritar, mas não houve
nada de especial.”
O grupo dirigiu-se então pa-
A base das Lajes está cial, provocado pela presen- surgir, “então as coisas pro- a de não permitir misturas a televisão, ao mesmo tempo ra o “transfer” que os espera-
na expectativa: sem um ça de uma base aérea norte- metem ser diferentes”. e, por isso, ninguém sai da que se lamenta por não saber va — “Houve várias pessoas a
americana a pouco mais de Enquanto esperam, os nor- base, tornando quase impos- se “há ou não Big Brother”. oferecer-nos boleia para fora
inimigo a quem odiar dois quilómetros, não podia te-americanos precaveram- sível perceber como estão os Enquanto comenta as ima- do aeroporto, ninguém sabia
por causa do atentado estar mais enganado — na se. Ontem, não abandonaram militares americanos a re- gens que lhe saem pela televi- o que estava a acontecer”, diz
de ontem não há mais Terceira, durante toda a ma- as instalações militares e a agir ao atentado de ontem. são fora, a brasileira não con- Rui Teles — e aí o condutor ex-
drugada só houve uma certe- rádio local, em língua ingle- Para quem tivesse dúvidas, segue esconder um ar choque plicou o embate contra as Twin
a fazer do que esperar za: “no pasa nada”. sa, fez questão de ir emitin- a rádio americana encar- ao lembrar-se o local onde Towers e contra o Pentágono.
Não era só na Praia da do exaustivamente uma lon- regava-se de ir explicando vive: “Vivemos em cima de “Inicialmente pensei que de-
NUNO MENDES Vitória que imperava o si- ga série de avisos: só alguns as regras a cumprir enquan- uma bomba”, uma ideia que via haver qualquer informação
lêncio. Na zona civil do ae- serviços estarão abertos du- to vigorar o “alerta Delta”, nasce do facto de se lembrar errada, porque pensei que era
Durante toda a noite pratica- roporto os únicos “clientes rante o dia de hoje, mas a uma situação muito pouco que bem perto do seu café fi- impossível isto acontecer. Mas
mente não se ouviu vivalma fiéis” eram os jornalistas, maioria (correios, escolas comum nas Lajes. cam cinco gigantescos tan- quando o condutor explicou,
nas ruas da Praia da Vitó- aguardando que o silêncio e estabelecimentos comer- Nalguns sítios, civis, há ques que servem para forne- percebi que era verdade.” Ago-
ria. Apenas alguns grupos do outro lado da pista fosse ciais) irão continuar encerra- quem não tenha dormido. A cer combustível a todas as ra alojado num hotel no centro
de jovens, saídos dos poucos interrompido pelo som de dos por tempo ainda indeter- falta de sono era denunciada, aeronaves que aterram nas de Washington, o clínico conta
bares abertos, iam contras- reactores em fúria. Nada. minado. noite dentro, pelo brilho das Lajes. É nisso que fica a matu- que “as pessoas saíram tran-
tando com a quietude total. Numa base de ataque há Dentro da base há também televisões, visível através dos tar sem sequer querer pensar quilamente da cidade”, que es-
Umas piadas no ar, um “até “muito pouco para fazer uma ordem lógica para es- vidros das janelas. Nestas cir- quem pode vir a ser o próxi- tava já ontem “meio vazia”.
amanhã”, breve, e pouco quando ainda não se sabe tes casos — sempre que se cunstâncias há sempre quem mo alvo. Ontem, os médicos ainda as-
mais. Também não se ouvia qual o alvo a atingir”, expli- aproximar um veículo mili- pense: “E se fôssemos nós?” É Hoje ninguém sabe como sistiram ao curso, que acabou
falar muito do caso do dia. cou um popular ao PÚBLI- tar, “todos os outros devem o caso de uma senhora brasi- vai ser o dia. Para já, nas La- por se realizar embora com al-
E quem esperava encontrar CO com ar de entendido na dar prioridade imediata”. A leira, a rondar os 50 anos, que jes, não há mais a fazer do que gumas sessões canceladas por
um gigantesco aparato poli- matéria. Quando esse alvo palavra de ordem é também vai olhando estupefacta para aguardar.  impossibilidade de os oradores
chegarem a Washington.
O regresso a Portugal está

Meios diplomáticos continuam sem


marcado para domingo. “Es-
tamos a tentar antecipar o re-
gresso. Eu pessoalmente acho
que não vai ser por viajar
mais cedo que viajaremos em

registar quaisquer vítimas portuguesas maior segurança...”, comenta.


De qualquer maneira, não es-
quecerá tão depressa a situa-
ção, já que o avião que embateu
contra o Pentágono partiu do
Dezasseis horas após os aten- ton, New Bedford, Providen- tida do aeroporto JFK, em No- associação cívica portuguesa cidadã portuguesa nos Picos outro aeroporto de Washing-
tados nos Estados Unidos, ce, Newark, São Francisco va Iorque, foram avisados do naquele Estado. da Europa, é accionado este ton (Dulles). “O nosso vinha de
continua a não haver registo e Nova Iorque, sem registos seu cancelamento”, adiantou À semelhança do verificado gabinete. Miami, pode bem ter sido uma
de vítimas portuguesas ou de ocorrências com cidadãos ainda António Freire. nos outros Estados da União No caso concreto dos aten- opção equacionada pelos ter-
luso-descendentes, apurou a portugueses. Apesar de consi- De acordo com o diploma- Europeia, também em Portu- tados terroristas em Nova Ior- roristas”, admite Rui Teles.
agência Lusa junto da Em- derar estas informações “en- ta, “continua de pé a possibi- gal foi accionado o gabinete que e Washington, o gabinete O grupo que ficou em Nova
baixada de Portugal em Wa- corajadoras”, António Frei- lidade de o espaço aéreo nos de emergência consular, pre- disponibiliza “fichas de para- Iorque é que terá “apanhado o
shington. re não deixa de ressalvar que Estados Unidos ser reaberto a visto no Despacho 4.158, de deiro”, que, depois de preen- maior susto”, embora o grupo
O ministro-conselheiro da a qualquer momento podem partir das 17h00 [hora de Lis- 2000, do Ministério dos Negó- chidas com o maior número tenha ficado “longe da confu-
embaixada afirmou que fo- surgir novos dados. boa]”. António Freire salien- cios Estrangeiros. Em situa- de dados relativos a uma de- são”. Esses médicos é que po-
ram feitas três rondas de Da TAP, a embaixada rece- tou que, apesar da dificuldade ções de emergência, risco ou terminada pessoa, são envia- dem estar mais chocados com
contactos com os consulados beu a informação de que “to- verificada nas comunicações catástrofe, como a queda da das aos consulados de forma os acontecimentos. “Já não de-
portugueses nos Estados Uni- dos os passageiros com voos telefónicas com Nova Iorque, ponte de Entre-os-Rios ou o a obter informações, explicou verão querer vir a Washing-
dos, designadamente em Bos- marcados para hoje, com par- foi possível o contacto com a recente desaparecimento da António Freire.  LUSA ton”, conclui.  M.J.G.
30 ESPECIAL
PÚBLICO•QUARTA -FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

A Internet
levada “Estou pronto para
aos limites
Das notícias
às mensagens
a lei marcial. E vocês?”
instantâneas e aos A Internet foi o meio árabe. “O Islão é uma amea-
grupos de ‘chat’, a Web privilegiado para a ça para a América. Trinta
mostrou como nunca a circulação imediata de mil mortos não é uma ra-
sua utilidade ímpar em zão suficientemente forte pa-
rumores, teorias da ra lutar contra eles? Prefe-
momentos de crise conspiração e opiniões rem esperar por mais 100 mil
mortos?”, frisa outro nave-
A Internet, em particular, os
sobre os atentados. gador que resolveu dar a sua
sítios noticiosos, constituiu no “911 - Dia de terror opinião no Yahoo.
dia de ontem um suporte de in- nos EUA” E há quem, embora não di-
formação sobre os ataques aos rectamente, atribua as cul-
EUA procurado por milhões MARCO VAZA pas ao Governo americano,
de pessoas em todo o mundo como foi o caso de David
— pelo que muitos deles atin- Poucas horas tinham passa- Duke, uma conhecida perso-
giram situações de bloqueio do e já circulavam pela World nalidade do estado da Loui-
provocado por verdadeiras va- Wide Web as mais variadas siana, com ligações à organi-
gas de acesso, muito para além opiniões e teorias da cons- zação racista Klu Klux Klan.
do que as respectivas infra-es- piração sobre os atentados, “Se não nos libertarmos das
truturas e as de comunicações que já foram apelidados “911 amarras do poder sionista
podiam suportar. — Dia de terror nos EUA”. que está no meio de nós, os
Os sítios das estações televi- O número faz referência ao americanos vão viver para
sivas CNN, ABC News e Fox e dia da tragédia (o 11º dia do sempre na agonia e no me-
dos jornais diários “New York nono mês) associado ao nú- do do terrorismo”, diz David
Times”, “Chicago Tribune”, mero telefónico de emergên- Duke num longo discurso
“New York Post” e “USA To- cia que está à disposição dos reproduzido no seu site ofi-
day”, bem como as páginas norte-americanos. “O ata- cial (www.davidduke.com)
noticiosas de portais como o que foi demasiado grande intitulado “Um dia de tragé-
Yahoo! foram, desde o início para qualquer organização dia para o coração ferido da
da tarde em Lisboa (da manhã terrorista fora dos EUA. Só América”.
nos EUA), exemplos desta ino- pode ter sido da autoria da- “Fornecer e algumas ve-
peracionalidade motivada por queles grupos que estão zes usar armas e tanques e
cargas de acesso muito para contra o governo america- aviões e bombas contra um
além do que os sistemas esta- no”, considera um cibernau- dos lados numa guerra ex-
vam concebidos para suportar ta num “post” do forum so- terior cria milhões de ini-
ou por saturação da largura de bre os atentado aberto no migos contra nós”, acrescen-
banda disponível. Os respon- site “Afghanistan Online” ta David Duke, que acusa o
sáveis de alguns destes sítios, (www.afghan-web.com). Governo de se envolver em
como o CNN.com, recorreram “Já é tempo de começar conflitos que não lhe dizem
mesmo ao expediente de pres- a matança. Estou pronto
“É óbvio que respeito.
cindir de quase todos os ele- para a lei marcial. E vo- os israelitas O próprio FBI anunciou a
mentos gráficos nas suas pági- cês?”, afirmava outro no de extrema-direita existência de uma página na
nas, deixando apenas os textos forum do www.conspiracy- e a CIA estão internet para recolher infor-
e uma ou outra foto dos trági- net.com. “É óbvio que os is- mações sobre os atentados.
cos acontecimentos. raelitas de extrema direita e combinados No www.ifccfbi.gov, a agên-
Excepção foram sítios como a CIA estão combinados em em tudo isto. cia de investigação federal
o Salon.com ou o do conhecido tudo isto. Para quê preocu- Para quê norte-americana fornece aos
diário financeiro norte-ameri- parem-se com o processo de cibernautas “um mecanis-
cano “Wall Street Journal” — paz quando uma das partes preocuparem-se mo conveniente e fácil de
o que seria de esperar, por se do conflito é riscada do com o processo usar que alerta as autorida-
tratar de um dos poucos sítios mapa pelos EUA? Os pa- de paz quando des de violações civis ou cri-
de jornais que cobra uma assi- lestinianos que vivem no minais”. “É necessário que
natura (cerca de 50 dólares anu- Afeganistão, Líbia ou Síria
uma das partes as pessoas sejam corajosas
ais) pelo acesso à versão inte- estão condenados”, dizia ou- do conflito é em situações como esta. Pe-
gral dos seus artigos “on-line”. tro cibernauta também no riscada do mapa ço a quem quer que tenha
Outros utilizadores, mais expe- www.conspiracy-net.com, pelos EUA?” informações que possam ser
rientes no uso da Web, tiraram um site que tem arquivadas úteis para as autoridades que
partido dela através dos canais centenas de teorias da cons- aproveitem esta oportunida-
de “conversação” em tempo re- piração sobre múltiplos as- de”, frisou John Ashcroft,
al (o chamado “chat”) e dos ser- suntos, desde o assassinato procurador geral dos EUA.
viços de mensagens instantâ- do ex-presidente norte-ame- Na sua página oficial o FBI
neas, bem como do E-mail para ricano John F. Kennedy (um mantém Osama Bin Laden
difundir notícias de outro mo- assunto muito popular na como um dos dez mais procu-
do inacessíveis. rede), até à real existência rados e oferece uma recom-
Para John Quarterman, res- dos famosos “Homens de Ne- pensa de cinco milhões de
ponsável técnico da Matrix.Net gro”, passando por planos dólares por informações que
(uma empresa de métrica na de criação de campos de con- conduzam à sua captura.
Web), os acontecimentos de on- centração no território dos Durante o dia de ontem a
tem constituíram “a maior car- EUA para transformar os ci- página oficial dos Taliban
ga a que a Internet” se viu dadãos americanos em es- (www.taleban.com) esteve
sujeita na sua história. Segun- cravos. inacessível devido a um ata-
do Quarterman e outros espe- Há quem compare os aten- que de um “hacker” russo
cialistas, citados pela Wired tados de ontem ao ocorrido autoproclamado “RyDen”.
News, os “engarrafamentos” em Oklahoma em 1995, pelo Não foi possível determinar
começaram a fazer-se sentir qual Timothy McVeigh foi se o ataque ocorreu ontem,
por volta das 9h30 (14h30 em recentemente executado. “Is- mas o pirata informático
Portugal) mas, algumas horas to tem toda a cara de ser fez questão de tornar impos-
depois, as redes de dados e de terrorismo caseiro, como o sível qualquer tipo de aces-
telecomunicações em que as- que aconteceu com o McVei- so ao site, deixando apenas
senta a Internet davam sinais gh. E na altura estúpidos co- uma mensagem onde se po-
de recuperação. “À tarde, o es- mo vocês culparam logo os dia ler, entre outras coisas,
sencial da infra-estrutura da árabes”, considera um ciber- que os Taliban “não passam
Internet na parte continental nauta de nome “gnavoxy” de macacos estúpidos”.
dos EUA parecia estar a fun- na página de mensagens do Na página de mensagens
cionar a um nível muito pró- Yahoo (www.yahoo.com). Na do www.salon.com, alguém
ximo do normal.”  RUI JOR- mesma página há, no entan- sugeria que seria boa ideia
GE CRUZ COM PEDRO RIBEIRO to, quem não tenha dúvidas comprar acções da estação
E MARCO VAZA que os atentados têm origem de televisão CNN... 
ESPECIAL 31
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001

Congestionamento nos aeroportos canadianos


Os aeroportos do Canadá viveram ontem um dia particular-
mente complicado devido ao desvio dos aviões destinados
aos Estados Unidos. De Vancôver, na costa oeste, à base área
de Goose Bay, no Labrador, dezenas de aviões de grande
porte provenientes principalmente do Extremo Oriente e
da Europa aterraram em vários aeroportos canadianos sob
apertadas medidas de segurança. Depois de desembarcarem,
já dentro dos terminais, os passageiros procuravam infor-
mações junto dos agentes das companhias aéreas e tentavam
a todo o custo disputar os telefones públicos disponíveis
para telefonarem para casa. As filas para alugar viaturas e
para a reserva de quartos foram crescendo ao longo do dia —
só em Vancôver foi necessário encontrar acomodações para
cerca de 5000 pessoas. Os passageiros que desembarcaram
na base aérea de Goose Bay foram instaladas em abrigos
montados em escolas.

Nuvem de fumo visível a 50 quilómetros


Um jornalista da AFP que chegou ontem ao fim da tarde a
Nova Iorque vindo do Norte afirmou que, dez horas depois
do atentando, a nuvem de fumo ainda era visível a 50 qui-
lómetros de distância. Nas proximidades da metrópole, o
trânsito permanecia caótico, com a polícia a proibir o acesso
Na vida como nos filmes
de viaturas a Manhattan, exceptuando os veículos de serviços O mais
de emergência. Por detrás das barreiras policiais, as vias aterrorizador é
expresso, geralmente congestionadas ao fim do dia, estavam
quase desertas, sendo apenas cruzadas pelas ambulâncias que neste
com as sirenes ligadas que se deslocavam do Norte. A essa verdadeiro
hora, um padre que conduzia uma limousine ultrapassou as
barreiras — deslocava-se para a cidade a fim de assistir as
“filme de
vítimas e as suas famílias. terror”,
atacando
Caos no quotidiano da América também
símbolos da
Ontem, os americanos abandonaram à pressa as torres de
escritórios, congestionaram os transportes públicos, retira-
nação
ram as crianças das ecolas e refugiaram-se em suas casas. americana, não
O país virtualmente fechou na ressaca do maior ataque em há Bruce Willis
solo americano desde Pearl Harbour. Os portos entraram
em alerta máximo, os voos comerciais foram cancelados, os ou Harrison
negócios pararam e o controlo das fronteiras com o México Ford para dar a
e o Canadá foi apertado e em alguns casos as fornteiras
estiveram temporariamente encerradas. Imagens de marca
volta à questão
como a sede das Nações Unidas, a Torre Sears em Chicago, o e salvar o
monte Rushmore no Dakota do Sul ou os parques Disney na mundo tal como
Florida encerraram temporariamente. Os sinos das igrejas
soaram por todo o país, as bandeiras foram levantadas a o conhecemos.
meia-haste e em Miami formaram-se filas para dar sangue.
O maior centro comercial da América, o Mall of America, MÁRIO JORGE TORRES não identificada interferên- Inferno”), “Assalto ao Arra- por um grupo russo a bordo
perto de Minneapolis, esteve vazio. cia lança o sistema de comu- nha-Céus” (1988) punha em do avião presidencial.
Desde os tempos mais agudos nicações mundiais num caos, cena um assalto terrorista a Todas estas variações fíl-
da guerra fria que o imaginá- depois há notícias da colisão um edifício em Los Angeles. micas sobre o mesmo medo
BM e FMI pensam em adiar encontros rio americano se forjou na pa- com a terra de numerosos O inimigo soviético dos tem- que se substitui ao terror nu-
ranóia da invasão e do ataque objectos, identificados como pos da Guerra Fria dava lugar clear do imediato pós-guerra
Depois dos ataques terroristas de ontem, os dirigentes do FMI de um inimigo indetermina- meteoros, mas rapidamente a um bem mais terrífico, por- aparecem-nos como evasão e
e do Banco Mundial (BM) consideravam a possibilidade de do, identificado muitas vezes apercebidos como naves es- que quase anónimo, perigo exorcismo, mas acabam por
cancelar ou adiar os seus encontros anuais previstos para o como ameaça proveniente de paciais tripuladas. No dia 3 terrorista. A sequela, “Assalto configurar em filigrana o que
final do corrente mês. “Hoje estamos apenas a pensar na tra- forças extraterrestres. Mes- de Julho os alienígenas des- ao Aeroporto” (1990), voltava veio a acontecer: a realidade
gédia e no que podemos fazer para ajudar”, disse a responsável mo no rescaldo da queda do troem, em simultâneo, Nova à questão e ao herói, protago- imitou o cinema — a univer-
pelas relações públicas do Banco Mundial, Caroline Anstey. A muro de Berlim, manteve-se Iorque, Los Angeles e Wa- nizado por Bruce Willis. Em salidade do cinema america-
duração dos encontros, que serão participados por ministros a possibilidade da destrui- shington. Os sobreviventes registo de paródia, próximo no de acção tornou-o uma es-
das finanças e governadores dos bancos centrais de vários ção simbólica da América co- reúnem-se na secreta Área 51 de um tom surrealista, sur- pécie de modelo perverso.
países, tinha já sido reduzida para dois dias devido a receios mo um motivo forte da ficção e acabam por destruir o ini- gia “Marte Ataca” (1996) de E o mais aterrorizador é
de protestos violentos. A polícia de Washington esperava 100 cinematográfica. migo no dia simbólico da in- Tim Burton, com o assassina- que neste verdadeiro “filme
mil manifestantes para o evento. Em 1996, aparecia “O Dia dependência, o 4 de Julho. to factual do Presidente dos de terror”, atacando também
da Independência” um pou- No entanto, já antes, e na EUA, cuja figura representa- símbolos da nação america-
co como súmula de todos sequência de um sub-género tiva estava ainda no cerne de na, não há Bruce Willis ou
Mais de 200 bombeiros terão morrido os pavores históricos. O ar- importante dos anos 70, o fil- “Air Force One” (1997): Harri- Harrison Ford para dar a vol-
gumento era relativamente me-catástrofe (nomeadamen- son Ford, encarnando o Pre- ta à questão e salvar o mundo
Mais de 200 bombeiros poderão ter encontrado a morte nos dois esquemático: primeiro uma te o modelar “A Torre do sidente, era vítima de rapto tal como o conhecemos. 
atentados que destruíram totalmente o World Trade Center,
de acordo com a previsão de um sindicato de bombeiros citado
pelas televisões. Cerca de 78 polícias estavam dados como
desaparecidos ao final do dia de ontem, de acordo com fontes
do departamento de bombeiros de Nova Iorque.

Ontem foi dia internacional da paz?


Coincidência? Se calhar não. Seja como for, a verdade é que
ontem foi Dia Internacional da Paz, “convocado” pela ONU.
Horas antes dos ataques ao World Trade Center e ao Pentágono,
o secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, produziu
uma declaração que, lida depois à luz da tragédia, resultava
na mais desesperante e patética confissão de impotência
(inutilidade?) da instituição. Annan disse que este ano o Dia
Internacional da Paz prometia ser uma iniciativa “mais do
que simbólica”. E isto porque incluiu um apelo da Assembleia
Geral da ONU para que se observasse “a nível mundial” um
“dia de cessar-fogo e de não-violência”. “Ousemos imaginar
um mundo sem conflitos nem violência. E aproveitemos a
oportunidade para que a paz comece a ter efeitos, dia a dia,
ano a ano, até que todos os dias sejam um dia de paz”, disse
Kofi Annan. J.P.H. Fotogramas de “O Dia da Independência”, “Air Force One” (com Harrison Ford) e “Marte Ataca”
www.publico.pt e-mail publico@publico.pt ISSN : 0872 -1548

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QUA12SET
EDIÇÃO LISBOA
12 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4194
140$00 • €0,70 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico.pt www.publico.pt

O ATENTADO
QUE MUDOU O MUNDO

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HOJE AO FINAL DA MANHÃ, EDIÇÃO ESPECIAL DO PÚBLICO COM 32 PÁGINAS


2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
HUBERT MICHAEL BOESL/EPA

DIA DE
GUERRA

CRONOLOGIA DOS ACONTECIMENTOS

13h45 (8h45 locais) Um do um Boeing 767 da United Airlines (partira 14h30 Nas primeiras declarações sobre ton. O edifício, que é o centro nervoso das
avião embate na torre sul do World Trade Cen- de Boston com destino a Los Angeles com 56 o sucedido, George Bush afirma que os Estados forças militares norte-americanas e onde tra-
ter, um dos edifícios mais emblemáticos de passageiros e nove tripulantes a bordo) Unidos sofreram “o que parece ser um ataque balham cerca de 20 mil pessoas (entre civis e
Nova Iorque, à altura do 80º dos seus 110 an- terrorista”. militares), deflagra em chamas com a explo-
dares. O avião é identificado pela cadeia te- 14h05 Na Florida, o presidente norte- são e uma boa parte de um dos cinco lados
levisiva CBS como sendo um Boeing 767 da americano George Bush está a ler para um gru- 14h42 A televisão de Abu Dhabi rela- da estrutura acaba por desmoronar menos de
American Airlines (esta companhia aérea da- po de crianças, na Emma E. Booker Elementary ta ter recebido um telefonema da Frente De- meia hora depois.
ria mais tarde como “desaparecido” um avião School, quando o seu chefe de gabinete, An- mocrática da Libertação da Palestina reivin-
deste modelo, num voo de Boston para Los drew Card, lhe comunica ao ouvido as notícias dicando a responsabilidade dos ataques ao 14h45 A Casa Branca, em Washington
Angeles, com 81 passageiros e onze tripulan- do ataque. World Trade Center. Mais tarde responsáveis D.C., é evacuada. Segue-se de imediato o Ca-
tes a bordo). deste movimento negam ter tido qualquer en- pitólio. O mesmo acontece nos edifícios das
14h17 A Administração Federal da Avia- volvimento no sucedido. Nações Unidas, dos Departamentos do Tesou-
14h03 Já sob o olhar das câmaras ção norte-americana (FAA) fecha os aeropor- ro, de Justiça e de Estado.
de televisão, 18 minutos depois, um segundo tos de Nova Iorque. O mesmo é feito com todas 14h43 Um terceiro avião, muito pro-
avião colide com a outra das Torres Gémeas as pontes e túneis da cidade. vavelmente um Boeing 757, (que tinha sido 15h05 A torre sul do World Trade Cen-
do World Trade Center, aproximadamente à al- dado como “desaparecido” nessa manhã pela ter desmorona sobre as ruas em baixo. For-
tura do 40º andar, causando uma devastadora 14h20 Surgem relatos, não confirmados American Airlines, e que saíra de Washington ma-se uma enorme nuvem de pó e detritos
explosão que deixa então os dois edifícios — oficialmente, de que o FBI estava a investigar com destino a Los Angeles, com 58 passagei- que aos poucos se afasta das ruínas da es-
onde trabalham cerca de 50 mil pessoas — casos de aviões que haviam sido desviados ros e seis tripulantes a bordo), despenha-se trutura. Desde o momento das colisões até
em chamas. O avião é identificado como sen- antes dos ataques ao World Trade Center. junto ao edifício do Pentágono, em Washing- à queda da estrutura foram vistas pessoas
D E S TA Q U E 3
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001

Um grupo terrorista declarou guerra aos Estados Unidos. Milhares


de pessoas morreram em ataques. Não foram usadas bombas,
não foram usados mísseis. As armas dos terroristas foram aviões,
cheios de passageiros, desviados e atirados contra edifícios.
Bush foi levado para lugar secreto. Os ministros e os dirigentes políticos
também. A América refém dos terroristas, ou em estado de guerra?
Por Ana Gomes Ferreira, Nova Iorque
Caos é uma palavra simples metros de distância. Depois, E, mais do que isso, consegui-
de mais para descrever o que desfizeram-se em pó. Ruiram. ram fechar o país, que ficou
aconteceu, ontem, nos Esta- Possivelmente com 50 mil pes- isolado do mundo.
dos Unidos. Terroristas ain- soas dentro. Algumas pres- “Sofremos um atentado de
da não identificados conse- sentiram a derrocada e prefe- grandes proporções”, disse
guiram, com uma cadeia de riram atirar-se da janela das George W. Bush, que se en-
atentados, tornar refém o torres, do que cair com elas. contrava na Florida quando
Governo dos Estados Uni- Outros saltaram antes, com a cadeia de ataques começou.
dos. O Presidente, George W. os corpos em chamas. Muita Os ataques provaram que os
Bush, foi levado para uma gente viu. Estados Unidos são vulnerá-
base militar no Nebraska e a Enquanto a tragédia de veis a certo tipo de atentados.
Casa Branca foi encerrada. Nova Iorque corria no re- Atentados terroristas, come-
Os principais membros do lógio, materializavam-se ou- tidos por suicidários. Atira-
executivo e do Congresso es- tras, noutros lugares. Um ter- ram aviões contra o World
tavam também sem paradei- ceiro avião desviado — da Trade Center, contra o Pentá-
ro. Em Washington, a capi- United, —, era atirado con- gono — onde se encontrava o
tal, foi decretado o estado de tra o Pentágono, o quartel-ge- secretário da defesa, Donald
emergência e todos os mi- neral dos militares dos EUA. Rumsfeld, que não ficou feri-
nistérios foram esvaziados A ala oeste do edifício ficou do —, mas poderiam ter elegi-
e encerrados. Só em tempo destruída. Um quarto avião do como alvo a Casa Branca,
de guerra medidas de segu- desviado despenhou-se numa ou o Congresso.
rança tão draconianas são floresta perto de Pittsburgh. Já em segurança, o Presi-
declaradas. Aparentemente, falhou o alvo, dente voltou a falar à nação,
Outra situação que só que não se sabe qual era. En- para dizer: “Não se enganem:
acontece quando o país está tretanto, aconteceu uma ex- os Estados Unidos vão perse-
em guerra: a cúpula militar plosão perto do Departamen- guir, e castigar, os responsá-
do Pentágono recolheu, em to de Estado, em Washington. veis por estes ataques cobar-
conselho de urgência, ao Falou-se de um carro arma- des. Estou em contacto com
“bunker” nos subterrâneos dilhado, depois a notícia foi os membros do meu gabinete.
do edifício. Algumas unida- desmentida. Vamos mostrar ao mundo que
des das Forças Armadas pedi- passámos o teste”. Pelas pala-
ram aos seus homens que es- Perseguidos e castigados vras de Bush e pelas acções
tavam de folga, ou em férias, Balanço dos ataques? À hora do Pentágono, percebe-se que
para voltarem aos quartéis. de fecho desta edição, não ha- está montada a máquina da
“Isto é uma guerra. Foi de- via. “Não é possível perceber retaliação. Não se sabe é con-
clarada guerra aos Estados o impacto desta desgraça”, tra quem retaliar. O Presiden-
Unidos. Ainda é cedo para se disse um porta-voz da polícia te optou por não acusar qual-
tomarem decisões. Primeiro, de Nova Iorque. Acrescentou: quer grupo terrorista pelos
temos que saber quem fez is- “O que queremos, agora, é sal- ataques. Os analistas mostra-
to”, disse Samuel Berger, que var quem precisa de ser sal- ram-se igualmente cautelo-
foi conselheiro de Seguran- vo”. Havia 10 mil elementos sos, o que é explicável com o
ça Nacional do anterior Pre- das equipas de socorros na “síndrome Oklahoma”, on-
sidente, Bill Clinton. “Estes baixa de Manhattan. Sabe-se de houve um atentado, em
atentados foram uma decla- que, nos aviões, viajavam pe- 1995, imediatamente atribuí-
ração de guerra”, concordou lo menos 266 pessoas — um do a terroristas árabes quan-
Oliver North. homem num dos voos fechou- do, afinal, foi o acto de um
O inimaginável — é a única se, aterrorizado, na casa de homem cidadão dos EUA, Ti-
palavra possível — começou banho e, com um telefone, avi- mothy McVeigh, para punir
faltavam cinco minutos para sou os serviços de emergên- o Governo federal.
as nove da manhã (quase du- cia do desvio. E que, em Nova Porém, no subtexto de to-
as da tarde em Portugal Con- Iorque, a estimativa é de pelo das as declarações feitas, es-
tinental). Terroristas ataca- menos dez mil mortos. tá um nome: Osama Bin La-
ram as duas cidades mais Todos os aeroportos dos Es- den, o terrorista saudita que
emblemáticas do país: Nova tados Unidos foram fechados. declarou guerra aos Estados
Iorque, o centro económico, O que significa que os terro- Unidos e é protegido pelo re-
e Washington, o centro polí- ristas conseguiram parar o gime dos taliban, no Afega-
tico. Não usaram armas, ou Governo dos Estados Unidos. nistão. I
bombas, ou mísseis. Os ter-
roristas desviaram aviões ci-
vis, cheios de passageiros, e Ainda não há estimativa de vítimas
atiraram-nos contra edifícios
igualmente cheios de gente.
Um avião da American Air- No total, eram 266 as pessoas transportadas pelos quatro
lines, que viajava de Dallas aviões que ontem caíram nos EUA — dois nas torres
para Los Angeles com 54 pas- do World Trade Center, um no Pentágono e outro na
sageiros, chocou contra uma Pensilvânia, perto de Pittsburgh. Os quatro aparelhos,
das torres gémeas do World das duas maiores companhias de aviação dos EUA, a
Trade Center, na baixa finan- American (AA) e a United Airlines (UA), levavam a bordo
ceira de Manhattan, em No- 233 passageiros, 25 tripulantes e oito pilotos. Os aviões
a saltar das janelas do edifício, em fuga do os Estados Unidos são desviados para o Cana- va Iorque. Durante escassos envolvidos da AA foram um Boeing 767 (voo 11 de Boston
fogo e do fumo e perante a inevitável derro- dá, segundo ordens da FAA. momentos, a cidade acredi- para Los Angeles) com 81 passageiros, nove tripulantes
cada, mas sem qualquer esperança de sal- tou ter acontecido um aci- e dois pilotos; e um Boeing 757 (voo 77), que seguia
vamento. 15h27 A torre norte do World Trade dente horrível — um apare- do aeroporto de Washington Dulles para Los Angeles
Center acaba também por ruir, desabando de lho que se preparava para levando 58 passageiros, quatro tripulantes e dois pilotos.
15h10 Um avião Boeing 757 despenha- cima abaixo como se estivesse a ser descas- aterrar no aeroporto de la Os outros dois aviões eram da UA: um Boeing 757 (voo
se em Somerset County, a 80 milhas de Pitts- cada, largando para o ar uma enorme nuvem Guardia, ou no J.F.K., des- 93) que seguia de Newark com destino a São Francisco
burgh, no estado da Pensilvânia. É mais tarde de pó e detritos. viara-se tragicamente da ro- e transportava 38 passageiros, sete tripulantes e dois
identificado pela companhia aérea United Air- ta. Dezoito minutos depois, pilotos; e um Boeing 767 (voo 175) que tinha partido de
lines como tratando-se do voo 93, com destino 15h45 Todos os edifícios federais dos a inocência desfez-se: um Boston rumo a Los Angeles, com 56 passageiros, sete
a São Francisco e tendo partido de Newark, Estados Unidos são evacuados. Todos os ae- segundo avião, também da tripulantes e dois pilotos. Em Washington, um porta-voz
em New Jersey, com 38 passageiros e sete roportos do país são evacuados e encerra- American, também desvia- do departamento de defesa norte-americano admitia
tripulantes a bordo. dos. do, desfez-se contra a segun- a morte de “várias pessoas” no Pentágono. Em Nova
da torre. Fazia o percurso en- Iorque não havia também qualquer ideia do número
15h25 É noticiada a explosão de um 18h04 George Bush garante aos nor- tre Boston e Los Angeles e de vítimas. O presidente da Câmara de Nova Iorque,
carro armadilhado às portas do edifício do De- te-americanos que estão a ser tomadas to- levava 81 passageiros. Rudolph Giuliano, falava vagamente de “um número
partamento do Tesouro, em Washington. Mais das as medidas de segurança. E deixa o avi- Durante a hora que se se- enorme” de mortes. No World Trade Center trabalham
tarde há um desmentido. so: “Não tenham dúvidas, os Estados Unidos guiu, as torres gémeas arde- 40 a 50 mil pessoas. Ao início da tarde (hora local) tinham
vão caçar os responsáveis por este ata- ram, expelindo fumo negro sido tratadas nos hospitais da cidade cerca de 600 pessoas,
15h26 Todos os voos com destino para que”. D.F. visível a dezenas de quiló- entre as quais 150 feridos graves. M.J.G.
4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

“O mundo que
conhecíamos acabou”
Em Nova Iorque, minutos depois das primeiras explosões, o pânico
instalou-se. Desesperadas, as pessoas tentavam chegar à parte sul de
Manhattan. Muitos dirigiram-se aos hospitais para dar sangue. Reportagem
de Ana Gomes Ferreira, em Nova Iorque
Ontem de manhã, os auto- ma direcção: para Norte, con- O céu mudou de cor. Estava
carros não andaram na zo- forme mandou a polícia, que negro, do fumo dos incêndios
na sul de Manhattan, em No- esvaziou o Sul de Manhattan que consumiram os edifícios.
va Iorque. Os táxis também em tempo recorde. “Eu só que- Ficou branco, de pó de tijolo e
não. Paravam na rua 14, e re- ria sobreviver, sair dali para tinta e todas as coisas de que
cusavam avançar. O metro fora. Quero ir para casa”, diz são feitas os prédios. As torres
tentou a normalidade, por um homem com os pés e as ruiram ordeiramente, andar
instantes. pernas cobertos de poeira, e o por andar. E, durante instan-
“Senhores passageiros, de- cabelo salpicado de cinza. “Eu tes, quando a estrutura não
vido a uma situação de emer- vi. Eu vi. Pelo menos dez pes- passava de um destroço no
gência no World Trade Center, soas a saltar daquele inferno. chão, a forma, o relevo, per-
o tráfico está congestionado. Saltaram mesmo lá de cima, maneceu, como um fantasma
temos que parar. Sejam pa- para o chão”, conta uma mu- branco, feito de pó. Outros pré-
cientes.” No interior da car- lher com as meias salpicadas dios, vizinhos, estão condena-
ruagem — a primeira carrua- de sangue que não é dela. dos. É uma questão de tempo.
gem —, uma mulher começa De repente, a multidão per- [durante a noite a CNN anun-
a chorar. “O meu marido tra- de a ordem. Desata a correr. ciou que o edifício 7 do com-
EUA balha no World Trade Center. plexo do World Trade Center-
O QUE ACONTECEU EM NOVA IORQUE Nova Preciso de chegar lá.” tinha acabara de ruir].
Iorque Farto de esperar no cubículo As torres gémeas viam-se da
100 km 1 km que lhe compete, o condutor As torres gémeas Cleveland Plaza. Agora, o es-
do metro decidiu fazer compa- viam-se da Cleveland paço entre arranha-céus onde
nhia aos passageiros: a mulher os gigantes de prata se desta-
ds
on Central à procura do marido, um casal Plaza. Agora, o espaço cavam, está vazio. “Olha, olha,
CONNECTICUT Hu Park
Rio
muito bem vestido a caminho entre arranha-céus estás a ver. Era ali que estava a
PENSILVÂNIA Times do trabalho, que não sabe de onde os gigantes de primeira. E ali, ali, estás a ver,
Square nada, um grupo de rapazes de era ali que estava a segunda”,
Nova Iorque camisa branca. “Já telefonas-
prata se destacavam explica Manuel, apontando pa-
Long Island te à tua família?” “Não, nem está vazio. “Olha, olha, ra o vazio e vendo o que já não
Manhattan pensei nisso. Assim que ouvi a estás a ver. Era ali que é possível ver. “O mundo mu-
Filadélfia
notícia, meti-me no comboio, dou. O mundo que conhecia-
só queria chegar lá”. “Vê lá se
estava a primeira. E ali, mos acabou”.
NOVA Greenwich
MARYLAND JERSEY Village telefonas, és parvo ou quê?” ali, estás a ver, era ali Junto aos destroços, começa
Broadway
O condutor do metro decide que estava a segunda”, a definir-se a ordem. A polícia
OCEANO ATLÂNTICO ser simpático. Vai ouvindo, pe- explica Manuel, abre ruas só de entrada para as
Washington D.C.
lo intercomunicador, as notí- ambulâncias. Outras só de sa-
cias. Vai passando as notícias apontando para o vazio ída. Faz rotas de fornecimento
Lower East Side
aos passageiros. É boa a inten- e vendo o que já não é de água para os socorristas e
World ção. É mau o resultado. “Pare- possível ver. vítimas. O céu volta a enegre-
Trade Centre ce que o incêndio é cada vez cer. Os escombros ainda estão
Bairro maior. Parece que há bocados a arder. Pelo céu voam papéis,
financeiro das torres a caír por todo o la- destroços levezinho que ater-
do”. A carruagem volta a me- ram no outro lado do rio, em
Battery Park xer-se. A carruagem volta a Brooklyn.
parar. “Senhores passageiros,
“Isto vai começar uma
1 guerra. O inimigo é
WORLD TRADE CENTER estamos em posição de infor- Uma cidade
Primeira torre (417 metros de altura) construída mar que estão a acontecer ata- desconhecido, mas é perfeita para tragédias
em 1972. Segunda torre concluída em 1973 ques noutras zonas do país”. uma guerra. Nunca Dizem os que pairam pelas ru-
2 (415 metros). Cada uma tinha 110 andares A mulher à procura do ma- as que Nova Iorque é uma ci-
de escritórios e acomodava dez mil trabalhadores. rido entra em estado de cho- imaginei que isto dade perfeita para tragédias.
que (antes, já tinha entrado em pudesse acontecer-nos. Está habituada a muita gente,
estado de choro convulsivo). Olhe, sabe o que isto é? a muita confusão. Os nova-ior-
1 13h45 Quer sair do comboio, parado quinos organizaram-se depres-
Boeing 767 da American Airlines, que faria entre estações. Estar às escuras
É a materialização de sa. Rumaram para os hospi-
o voo 11, entre Boston e Los Angeles, não ajuda. Os passageiros es- um pesadelo.” tais, onde era preciso sangue.
com 92 pessoas a bordo, colide com a torre Norte. tão nervosos. Começam a con- O povo parece estar habitua-
versar uns com os outros. “Eu, do a organizar-se. Rumou aos
2 14h03 onde é que estava? Em frente hospitais, para dar sangue. Os
Boeing 757 da American Airlines, voo 77, entre à televisão, a tomar o peque- Corre o mais depressa que po- que tinham rádios, levaram-
Washington Dulles e Los Angeles, com 64 pessoas, no-almoço. Vi o segundo avião de. Alguns atiram-se para o nos para a rua, para se poder
embate contra a torre Sul. chocar com a torre. Fiquei ar- chão. Alguns abrigam-se nas ouvir as notícias.
repiado”. O casal a caminho entradas do metropolitano, Os que tinham moedas, de-
3 4 5 do trabalho não percebe. “O nas fachadas dos edifícios. Nas ram-nas a quem tentava tele-
quê? Não sabem? Os terroris- portadas das lojas, que estão fonar das cabines públicas.
tas atiraram dois aviões contra todas fechadas (e assim fica- habituaram-se à música das
o World Trade Center. Está tu- rão o resto do dia). ambulâncias, que cruzaram
do a arder”. A mulher começa Parece que o tempo andou a cidade todo o dia. Esvazia-
a chorar, o homem enterra as para trás, que Manhattan se ram o Sul, como lhes foi pedi-
mãos no cabelo. chama Londres e está a ser do. Pelo caminho, deixaram
O condutor faz-se ouvir no- atacada pelas bombas de Hi- comentários. “Isto vai come-
vamente. “Devido à situação de tler. Há pessoas agachadas de çar uma guerra. O inimigo
emergência que foi declarada mãos a proteger a cabeça. O é desconhecido, mas é uma
na baixa da cidade, o metro es- que se passa? “Olha, olha. Está guerra. Nunca imaginei que
tá parado. Queiram sair com a cair. Está a cair. Não estou a isto pudesse acontecer-nos.
cuidado”. Os passageiros sal- acreditar no que estou a ver. Mas aquele tipo não faz na-
tam das carruagens, seguem, Isto não é verdade. O World da de jeito. Nem falar sabe.
escoltados por homens de colete Trade Center está a desapare- Ouviu-o falar? Só disse bana-
encarnado, pelos túneis negros, cer”. As torres, que foram pra- lidades. O Clinton, esse sa-
Equipas de emergência tentam 15h05 15h27 até uma saída na Broadway. teadas e um dos símbolos mais bia falar. O Bush não tem jei-
evacuar as torres e a área A torre Sul desaba, cobrindo as ruas Menos de meia depois, a torre Norte reconhecíveis da paisagem de to e só fez porcaria no Médio
circundante, enquanto com toneladas de destroços. também desmorona. “Eu só queria sobreviver” Manhattan, caíram. Uma de Oriente. Olhe, sabe o que isto
os destroços caem sobre as ruas. Há milhares de pessoas nas ru- cada vez, duplicando o horror é? É a materialização de um
REUTERS | PÚBLICO
as. Caminham todas na mes- dos nova-iorquinos. pesadelo.” 
D E S TA Q U E 5
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001

Ú LT I M A H O R A

Explosões Às 23h, hora de Lisboa, Nic Robertson, o correspondente


da CNN em Cabul, deu conta em directo de explosões e
incêndios na capital do Afeganistão, provavelmente na
em Cabul zona do aeroporto, e de mísseis a sobrevoarem a cidade.

NUNO PACHECO
D I S C U R S O D E G E O R G E W. B U S H EDITORIAL

A liberdade foi atacada esta manhã por cobardes sem rosto. E a


liberdade será defendida.Quero garantir ao povo americano que
Inimigos
todos os recursos do Governo federal estão empenhados na
assistência às autoridades locais no salvamento de vidas e na
invisíveis
ajuda às vítimas destes ataques. Não se iludam: os Estados Unidos

D
ivididos entre a increduli-
perseguirão e punirão os responsáveis por estes actos cobardes. dade e o horror assistimos,
ontem, ao que julgávamos
Tenho estado em contacto regular com o vice-presidente, o impossível: o coração da
secretário da Defesa, a equipa de segurança nacional e o meu América golpeado por inimigos sem
rosto. A analogia com Pearl Harbor
gabinete. Tomámos todas as precauções de segurança foi imediata, em muitas das análi-
apropriadas para proteger o povo americano. As nossas forças ses produzidas, sobretudo na própria
América. Mas, ao contrário do que
militares na América e por todo o mundo estão em estado de sucedeu nessa altura, os assassinos
alerta máximo e assegurámos as medidas de segurança de hoje não têm face. Vieram da pró-
pria América, em silêncio, infiltran-
necessárias à continuação em funções do vosso governo. Temos do-se em voos internos, e consegui-
estado em contacto com os líderes do Congresso e com os líderes ram aquilo que George W. Bush, na
mundiais para lhes garantir que faremos o que for preciso para
proteger a América e os americanos. Peço ao povo americano A partir de ontem o mundo
jamais será o mesmo.
que se junte a mim no agradecimento a todos os que têm lutado
E ninguém terá razões para
duramente para resgatar os nossos concidadãos e que reze se orgulhar disso
comigo pelas vítimas e as suas famílias. O futuro da nossa grande
nação está a ser testado. Não se iludam. Mostraremos ao mundo sua forma excessivamente esquemá-
tica de ver o mundo, contava receber
que passaremos este teste. Deus vos abençoe. um dia em forma de mísseis ou ar-
mas biológicas. Enganou-se Bush e
engaram-se os que pensavam como
ele, aprovando a fabricação de escu-

Washington,
dos protectores para que o solo ame-
ricano não fosse de novo pejado de
sangue. Foi, e da forma mais bárbara.
Isso prova que os Estados Unidos,
se quiserem sobreviver nesta nova

uma capital ajoelhada


era de guerras travadas no campo do
mais puro terror, têm não só entender
melhor o verdadeiro peso dos confli-
tos com que lidam (o Médio Oriente
em particular) mas aceder à coopera-
ção com outras democracias de modo
Pentágono atingido por talações do Pentágono já tinham Branca com uma fita amarela. A O voo que não a restaurar um mínimo de dignidade
um avião ficou em chamas começado a ser evacuadas. pé e de moto dezenas de polícias humana num mundo onde ameaça
A meio do dia uma imensa co- afastam os turistas, muitos deles chegou ao alvo imperar a barbárie. As imagens de
e parcialmente destruído, luna de fumo negro agigantava- velhotes, que faziam bicha para gente feliz, verdadeiramente feliz, ao
provocando o caos na se ainda nos céus de Washington. visitar a casa por onde passaram Não se sabe e talvez nunca saber dos atentados que mataram um
capital norte-americana As televisões mostram parte do Roosevelt, Kennedy, Nixon,... se venha a saber para onde é número ainda incalculável de inocen-
edifício do Pentágono a ruir. Por “Pouco a pouco é o caos”, afir- que se dirigia o voo 93 da Uni- tes em território americano, é disso
JOANA AMADO esta altura já todos os edifícios ofi- mou Dave Loeb, arrumando as ted Airlines (UA) que ontem exemplo. Que nos devia envergonhar
ciais, Casa Branca, departamento cadeiras do seu restaurante pa- se despenhou numa floresta a todos e nos devia fazer reflectir so-
A capital dos Estados Unidos viveu de Estado, departamento do Te- ra fechar as portas. Já não ia ter no estado da Pensilvânia, a bre o estado miserável a que chegá-
um dia de caos, ficou sitiada, pa- souro, e mesmo Congresso norte- mais clientes. “É uma loucura, mais de 100 quilómetros de mos. Não se trata já de apoiar facções
rou. A capital da nação mais pode- americano tinham sido evacua- toda a gente corre em todas as di- Pittsburg. A bordo seguiam adversas em guerra aberta, de atacar
rosa do planeta ajoelhou-se depois dos. O estado de Emergência foi recções ninguém sabe o que vai 45 pessoas segundo números ou condenar países onde a violência
de um avião se ter despenhado con- declarado. Sucederam-se notícias, acontecer, o melhor mesmo é ir- citados pelas agências e for- é lei, mas sim de festejar a morte de
tra o Pentágono, o centro nevrál- não confirmadas e mesmo des- me embora daqui”. necidos pela companhia aé- milhares de inocentes a troco de nada.
gico da defesa norte-americana. mentidas, de explosões aqui e car- Nas ruas vizinhas o pânico ia-se rea. Não há sobreviventes. Apenas de uma ignominiosa ideia
Ontem ao fim do dia não era ros armadilhados ali. contagiando. Milhares de pessoas O Boeing 757 da UA voava de vingança que só nos conduzirá, a
conhecida ainda a verdadeira di- “Nunca nada será como dan- saíam a correr dos prédios de es- de Newark para São Francis- todos, ao abismo.
mensão dos estragos, nem o núme- tes”, disse à AFP um funcioná- critórios. “Vou para casa...tenho co, mas duas horas depois de De nada vale à América dizer, como
ro exacto de pessoas que se encon- rio do departamento de Estado, a muito medo”, disse uma mulher levantar voo despenhou-se no ontem fizeram alguns analistas, que
travam no edifício, nem o número tremer da cabeça aos pés. “É uma à porta do banco onde trabalha. meio de lado nenhum. Já pas- nenhum grupo de terroristas conse-
de feridos e mortos causados pela viragem da história da Améri- Os prédios foram ficando vazios: sava das 10h da manhã (ho- gue intimidar a maior democracia do
tragédia. Num dia normal, e se- ca”, lançou, antes de se afastar Banco Mundial, Fundo Monetá- ra local). Já o World Trade mundo. Porque, na guerra que hoje
gundo as agências, trabalham nas do edifício de oito andares em rio Internacional, Arquivos Nacio- Center tinha sido ferido de se trava a partir das trevas nenhuma
instalações do Pentágono cerca de passo de corrida ordenado, jun- nais, os museus, o Mall — o relva- morte. E já o poderoso Pen- democracia, nem mesmo a ameri-
24 mil pessoas. O avião sacrificado tamente com centenas de outros do entre o Congresso e o Lincoln tágono se tinha desmorona- cana, está imune ao mais rude dos
era, julga-se, um Boeing 757 com funcionários. Memorial — onde normalmente do parcialmente. Segundo a golpes. Os deploráveis atentados de
58 passageiros e seis tripulantes No Centro da cidade, uma outra se passeiam multidões de pessoas, CNN um passageiro que se- ontem provam-no em absoluto. Como
a bordo. coluna de fumo elevou-se perto ficou vazio. guia a bordo do aparelho terá o prova o proliferar do terrorismo à
No momento em que o avião em- da Casa Branca. Dezenas de car- A sede do FBI foi evacuada e a feito um telefonema a dizer escala mundial, num renascer dos
bateu no edifício de cinco andares, ros de bombeiros, com as sirenes sede do organismo da Segurança que o avião tinha sido desvia- piores fantasmas do passado, agora
muitos curiosos rondavam a zona histéricas, aceleram pela Pensyl- Nacional dos Transportes, que tem do. Por quem? Qual seria o com mais ódio e menos piedade. Per-
porque já tinha sido declarado um vannia Avenue, em direcção à re- por missão investigar as catástro- alvo?  da da inocência, dizem? Talvez seja
incêndio no Pentágono depois da sidência oficial do Presidente dos fes aéreas, também ficou deserta. mais do que isso. A verdade é que,
explosão de um provável — mas EUA. Ao início da noite ainda nin- Por questões de segurança o Pre- como se regista nesta edição em vá-
não confirmado — engenho explo- guém percebia o que se tinha pas- sidente não está no seu posto. No rios textos, o mundo jamais será o
sivo. O número de vítimas mortais sado exactamente. ar, um avião militar e vários heli- mesmo. E nenhum de nós terá razões,
poderá ter sido consideravelmen- Os homens do Secret Service cópteros sobrevoam a capital. Os no futuro, para se orgulhar disso. 
te reduzido porque, na altura em corriam para todo o lado, afastan- olhares para cima eram de medo.
que o avião se despenhou, as ins- do toda a gente e cintando a Casa Ninguém se sentia seguro. 
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PÚBLICO•QUARTA -FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

E se fossem
Twin Towers, “ex-líbris”
armas nucleares? MIKE SEGAR /REUTERS
por 31 anos
privilegiar a construção de duas tor-
res, cujo tamanho a Administração do
Washington é de bombas no Porto foi esticando até aos 410 metros,
uma cidade cal- seu interior. para satisfazer plenamente as suas
ma, calma co- As torres metas de rentabilidade.
mo a Bona do dominavam Na altura, as Torres Gémeas bate-
romance poli- toda a zona ram todos os recordes de altitude, que-
cial de John baixa de Ma- brados em 1974 pela Torre Sears de
Le Carrè. Eu nhattan. Esti- Chicago. A estrutura do complexo de
estava a dois ve ali num con- sete edifícios consumiu 200 mil tone-
quilómetros do EDUARDO CINTRA certo ao ar ladas de aço, chegou a absorver uma
Pentágono on- T ORRES livre, junto de mão-de-obra estimada em 3500 operá-
tem de manhã uma das tor- rios da construção civil e demorou
quando as Twin Towers, em No- res, no sábado, e tomei depois sete anos a ficar pronta. Depois, pas-
va Iorque, e o próprio Pentágo- o metropolitano numa estação sou a abrigar mais de 500 empresas
no foram alvo do maior ataque subterrânea debaixo do World e sociedades comerciais, agências go-
terrorista na história dos Esta- Trade Center. Os edifícios re- vernamentais diversas, um centro co-
dos Unidos. presentavam o comércio livre mercial, terminais de metropolitano
Entrevistava para o PÚBLI- e, por isso, o capitalismo, e em e comboio e um gigantesco parque de
CO um responsável da Federal consequência, simbolizavam o estacionamento. Entre as entidades
Communications Commission, “inimigo” americano. Não ha- que ali assentaram arraiais, encon-
a entidade que atribui licenças via, segundo creio, nenhum de- Um dos símbolos de Nova Iorque ... travam-se o Deutsche Bank, o Bank
de rádio e de televisão nos EUA, partamento oficial nos edifícios. of America, o Crédit Suisse, a Embai-
quando alguém interrompeu Apenas empresas privadas. INÊS NADAIS a tentar convencer os poderes públicos xada da Tailândia, um hotel com 250
dizendo que um avião chocara As primeiras horas nas tele- a alterar de vez a imagem de degrada- quartos, serviços alfandegários, áreas
com uma da torres em Nova Ior- visões locais mostravam o hor- Em finais dos anos 70, no auge da pa- ção do West Side através da instalação de exposições, o gabinete de emergên-
que. Não houve qualquer evacu- ror dos ataques e o silêncio das ranóia alimentada pela Guerra Fria, do maior e mais concentrado centro cia da cidade e a autoridade de trânsito
ação. Passados minutos, sou- autoridades. A perplexidade foi a CIA elaborou uma lista dos edifí- comercial do mundo. A ideia era cen- nova-iorquina. A terra escavada para
bemos do segundo ataque às total. O presidente só apareceu cios mais sujeitos a atentados terro- tralizar em 406 mil metros quadrados acolher os alicerces do complexo foi
Twin Towers — e, poucos minu- às 13h15 locais, e a mensagem ristas: do top constava, obviamente, o a actividade das mais importantes depositada no rio Hudson e serviu
tos depois, levaram-me a uma era gravada. imponente complexo nova-iorquino empresas e agências governamentais para alargar artificialmente para oes-
sala onde uma dezena de pesso- Com o Departamento de Es- do World Trade Center, que oferecia com uma palavra a dizer no comércio te o perímetro da cidade, abrindo ca-
as olhava para o Pentágono em tado evacuado (houve boatos um potencial de número de vítimas mundial, estimular o desenvolvimen- minho à instalação de outro projecto
chamas. O vento levava o fumo de um carro-bomba explodin- praticamente imbatível. Vinte e tantos to das áreas metropolitanas adjacen- megalómano: o complexo habitacio-
para Leste, mesmo em frente à do no edifício, a poucos quar- anos depois, as estatísticas falam por tes e garantir a reanimação económi- nal do Battery Park e o vizinho World
sede da FCC onde me encontra- teirões daqui), este edifício si: aos cerca de 50 mil trabalhadores do ca do extremo sudoeste de Manhattan. Financial Center, a que o World Trade
va. Tinha começado a guerra. onde estou, o National Press complexo, há que somar o fluxo de 150 A Administração do Porto de Nova Center estava ligado por uma ponte.
O edifício continuou em fun- Building, foi transformado em mil a 200 mil visitantes que diariamen- Iorque e New Jersey encarregou-se As últimas notícias sobre o World
cionamento, mas toda a gente centro de imprensa. Os cor- te procuravam o terraço do 110º andar do assunto e acabou por entregar ao Trade Center davam conta da imi-
saía para a rua. Saí também. respondentes de todas as esta- da Torre 2 para alcançar a melhor vista arquitecto Minoru Yamasaki a tarefa nência de uma milionária operação
As ruas de Washington estavam ções e agências noticiosas ins- sobre Manhattan. Desde 1970 que as de mudar a face do distrito financeiro que colocaria o complexo nas mãos
cheias de carros e de gente a pé. talaram-se nos gabinetes aqui Twin Towers (“Torres Gémeas”) domi- da cidade sem ultrapassar um tecto da Vornado Realty Trust: a empresa
As pessoas largaram os empre- disponibilizados pelas pessoas navam o horizonte de Nova Iorque. orçamental de 500 milhões de dólares: ultimara um contrato de aluguer por
gos e partiram para casa. que aqui trabalham. O World Trade Center foi um ca- o projecto desenvolvido pela Yamasaki 99 anos a troco de 3,12 mil milhões de
Dirige-me para o National A sala de imprensa trans- valo de batalha do banqueiro David and Associates, em colaboração com dólares, mas nada tinha sido ainda
Press Building, a três quartei- formou-se em poucos minutos Rockefeller, que passou a década de 50 a Emery Roth and Sons, acabou por assinado.  com ANTÓNIO MELO
rões da Casa Branca. O centro num improvisado palco para
comercial dos primeiros an- as habituais conferências de
dares estava fechado. Os ele- imprensa do State Department,
vadores não funcionavam. As no caso de haver uma comuni-
centrais telefónicas estavam cação aos jornalistas, o que po-
Pentágono, o coração
tão sobrecarregadas que só foi derá não acontecer. Colin Po-
possível fazer chamadas locais wel, o Secretário de Estado,
durante mais de uma hora. Só estava esta manhã no Peru
então tomei conhecimento da e não deverá fazer sombra à
dimensão da tragédia em No- equipa do Presidente, que é
HYUNGWON KANG /REUTERS
militar dos EUA ding. Cada uma das suas cinco faces
va Iorque, de onde tinha saí- também o chefe das Forças Ar- exteriores mede quase 300 metros. Os
do domingo ao fim da tarde, madas e o responsável máximo seus corredores totalizam perto de
ao mesmo tempo que a minha pela segurança interna. 30 quilómetros de comprimento, mas
família terminava as férias e A maior parte dos canais foi concebido de modo a que não se-
regressava a Lisboa num voo de televisão centraram as su- jam precisos mais de dez minutos para
do Aeroporto JFK, em Queens, as emissões em Nova Iorque percorrer a distância entre quaisquer
Nova Iorque. e Washington. As imagens de dois pontos do edifício.
Estive no sábado nas Twin Lower Manhattan mostram Os serviços de apoio que coexistem,
Towers. Eram dois edifícios ma- uma região devastada por uma no interior, com as instalações dos
ravilhosos, de linhas perfeitas guerra terrível. A esta hora vários ramos das forças armadas e
e simples: toda a sua força deri- (14h00 locais) o Pentágono — do gabiente do secretário da Defesa,
vava da altura a que se levanta- outro símbolo da América — incluem um gigantesco restaurante,
vam, mais de 110 andares. Não continua em chamas. seis snack-bars e duas cafetarias. E
precisavam de mais arquitec- Com os aeroportos fechados, um outro serviço que poderá ter sido
tura que a simplicidade. Eram os comboios parados, as esco- gravemente afectado pelo ataque de
um dos mais poderosos símbo- las fechadas, os edifícios pú- ontem: uma livraria com 300 mil vo-
los de Nova Iorque, os edifícios blicos evacuados, o corredor Trabalham 23 mil pessoas no Pentágono lumes e colecções de 1700 publicações
mais altos da cidade e os mais entre Nova Iorque e Washing- periódicas de todo o mundo.
altos depois do Sears Building ton está refém do terror e do LUIS MIGUEL QUEIRÓS arquitecto George Edwin Bergstrom, Uma estatística oficial calcula em
em Chicago. ambiente de guerra. Porque é o estranho edifício de cinco corpos 4.500 as chávenas de café servidas dia-
A arquitectura das torres re- um ambiente de guerra. Foi o “O Pentágono é o símbolo das convic- dispostos em torno de um pátio cen- riamente no Pentágono. É apenas uma
alçava uma transparência inte- que senti nas ruas: olhei rece- ções e do poder dos Estados Unidos”, tral em forma de pentágono, começou média. O número terá sido bastante
rior. A estrutura de suporte fora oso para o céu de Washington, resumiu o actual secretário da Defesa a ser construído em 1941 e foi inau- superior em algumas ocasiões críti-
projectada nas paredes exterio- como os outros apressados tra- norte-americano, Colin Powell, num gurado no dia 15 de Janeiro de 1943. cas, a começar pelos último anos da
res, pelo que no interior havia seuntes, quando ouvi o ruído discurso proferido em 1993, por oca- Custou cerca de 90 milhões de contos. Segunda Guerra Mundial, quando
amplos espaços, o que não suce- de um avião passando por ci- sião das comemorações do 50º aniver- Inicialmente previa-se que tivesse três serviu de quartel-general a Eisenho-
de em muitos outros arranha- ma do centro da cidade. Esta- sário da construção do edificio. andares, mas, logo após o ataque a Pe- wer e Marshall.
céus. Talvez por isso, por esta- ria eu em Pearl Harbour? E, en- Erguido em plena Segunda Guerra arl Harbour, em Dezembro de 1941, foi Foi no interior do Pentágono — na
rem suportados principalmente quanto entrava no edifício da Mundial, para reunir num só local decidido acrescentar-lhe mais dois. “Sala de Guerra” dos chefes de Estado-
pela estrutura das paredes ex- imprensa, pensei: o que acon- todos os departamentos do então Mi- Localizado ligeiramente a sul de Wa- Maior — que se traçaram estratégias
teriores, as Twin Towers eram teceria se os terroristas trou- nistério da Guerra, o Pentágono, onde shington, mas já no estado da Virgínia, para as guerras da Coreia e do Viet-
mais susceptíveis a um ataque xessem armas nucleares nos trabalham 23 mil pessoas, entre milita- do outro lado do rio Potomac, é um name, para a invasão de Granada ou
vindo de fora do que a partir seus ataques suicidas? res e civis, transformou-se num verda- dos maiores edifícios de escritórios do do Panamá, e, mais recentemente, se
deiro sinónimo do Departamento da mundo, com uma área útil três vezes desenhou a operação “Tempestade no
Defesa nele sediado. Projectado pelo maior do que a do Empire State Buil- Deserto”, contra o Iraque.  L.M.Q.
D E S TA Q U E 7
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001

PETER MORGAN /REUTERS

O cenário
impossível
1. Foi prova- tema de defesa an-
velmente Chris ti-míssil (MD) lan-
Patten, o comissá- çada em todas as
rio europeu para latitudes pela no-
as questões exter- va administração
nas, quem usou americana é justi-
as palavras mais ficada pela amea-
simples e, porven- ça que constituem
tura, mais certas T ERESA DE S OUSA para os EUA e pa-
para resumir o sig- ra os seus aliados
nificado do aten- os chamados “Es-
tado terrorista contra os Estados tados-párias” como a Coreia do
Unidos. “Este é um dos raros dias Norte, com capacidade para dispa-
sobre os quais se pode dizer sem rarem mísseis.
risco de exagero que mudaram o Nem o “exercício virtual” do
mundo.” Pentágono nem a nova “guerra das
Talvez fosse esta também a úni- estrelas” puseram a América ao
ca certeza dos analistas interna- abrigo do verdadeiro “massacre”
cionais, parcos em palavras e em que ontem se abateu sobre ela.
comentários, confirmando com o Hoje, a confiança dos america-
seu silêncio e a sua prudência a nos no seu governo, no seu poder,
verdade contida nas palavras do na inviolabilidade do seu território
comissário britânico. — onde nunca se travaram guerras
Em que cenário encaixa o que — terá provavelmente atingido o
ontem se passou na América? Em grau zero.
que visão do mundo pós-guerra
fria? Em que filme de ficção produ- 4. Também nos últimos dias, a
zido em Hollywood? imprensa americana dava conta
das críticas generalizadas à inca-
2. Bastou, no entanto, observar pacidade da nova administração
as reacções generalizadas dos go- para dar um rumo à sua política
vernos mundiais e, em particular, externa. A revisão da política
dos governos europeus para que externa que George W. Bush
a dimensão da mudança de que fa- anunciou com fanfarras logo que
lou Chris Patten começasse a ga- chegou à Casa Branca estava a re-
nhar os seus primeiros contornos. velar-se errática, no meio de uma
Não tanto nas palavras de repúdio, “guerra” ainda não resolvida en-
de condenação e de solidariedade, tre as várias “escolas” pelo lugar
mas sobretudo nos actos. preponderante junto do Presiden-
Sucederam-se as reuniões de te. Colin Powell e o departamento
emergência em Londres, Paris, de Estado contra os velhos “fal-
Berlim, Roma, Praga, Atenas... As cões” do vice-Presidente Cheney
forças armadas e de segurança da e os novos “falcões” do Conselho
França, de Itália, do Reino Unido, Nacional de Segurança.
de todos os países, foram colocadas A imprensa fazia o retrato de um
em alerta máximo. O tráfego aéreo Presidente ainda à procura de uma
suspenso ou desviado do centro linha, de um estilo, de uma forma
das grandes cidades europeias. A de se relacionar com o mundo. O
segurança reforçada em todos os pior dos momentos para Bush en-
edifícios públicos. frentar o tremendo desafio à sua
Não se trata apenas da natural capacidade de liderança que o aten-
preocupação dos governos com tado constitui.
uma eventual generalização dos Não será uma retaliação dura
atentados contra os aliados da e rápida contra os principais sus-
América. Trata-se da necessidade peitos da barbárie que ontem se
de contrariar de qualquer forma abateu contra a América — e que
o terrível sentimento de insegu- certamente ocorrerá — que pode
rança e de vulnerabilidade que restabelecer a confiança dos ame-
... e o que restou depois do ataque ontem abalou as democracias eu- ricanos na sua administração.
ropeias, do topo à base, do primei-
WILLIAM PHILPOTT /REUTERS
ro responsável ao mais anónimo 5. A tentação será, provavel-
dos cidadãos. mente, a da segurança em todos os
Como disse Patten, a agenda in- azimutes, alimentando a percep-
ternacional vai mudar e vai desde ção da América contra um mundo
agora ser dominada pela combate hostil, fechada na sua frágil cara-
a uma nova espécie de terrorismo paça de hiperpotência solitária.
para o qual as democracias ociden- Os arautos do unilateralismo — o
tais não estão preparadas. A União isolacionsimo dos tempos moder-
Europeia enfrentará agora, inexo- nos que Roosevelt venceu quando
ravelmente, o seu momento da ver- respondeu a Pearl Harbour — e no
dade para saber que mundo quer e “diktat” internacional vão ganhar
o que pode fazer pelo mundo. provavelmente um novo alento.
“Há uma reflexão a fazer sobre
3. O “International Herald Tri- a forma como as democracias oci-
bune” escrevia há dias na sua pri- dentais (...) mas sobretudo os EUA
meira página: “Jogos de guerra subestimaram o agravamento da
tranquilizam o Pentágono”. O jor- crise do Médio Oriente e o desespe-
nal informava que “um exercício ro de alguns povos do mundo”, disse
de guerra” conduzido pelos altos o Presidente da Comissão dos Ne-
comandos americanos concluira gócios Estrangeiros do Parlamen-
que, com os actuais recursos em to francês, François Loncle, citado
tropas e armamento, as forças ar- pela AFP. Um comentário que, ten-
madas americanas estavam em do todo o fundamento, aponta para
condições de dominar um adver- outro caminho. O “engagement” da
sário e de parar ao mesmo tempo a América é provavelmente a única
ofensiva de um segundo agressor. resposta que pode afastar o cenário
A “batalha” em favor do novo sis- impossível que ontem aconteceu.

O Pentágono foi atacado às 14h43 (hora de Lisboa)


8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA -FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

RISCOS DE RECESSÃO MUNDIAL AUMEN


COM ATENTADOS AO CORAÇÃO DO CAPITA
Antes dos “aparentes ataques terroristas” a situação económica internacional era má, mas os economistas alimentavam esperanças de poder escapar à
recessão. Agora, o mínimo que se pode dizer é que essas esperanças diminuíram. O primeiro balanço revela estragos consideráveis no dólar e nos
mercados accionistas, em especial nos seguros e aviação. Os investidores procuraram portos mais seguros como o franco suíço, o ouro e o petróleo

JOANA AMORIM, LURDES fraquecer e o petróleo irá cento do euro face ao dólar timular a economia, explica o Banco Português de Investi- leo, com as consequentes im-
FERREIRA E ROSA SOARES disparar, previu. Os núme- é “bastante”, mas nota que presidente do Comité Econó- mento e do Banco Espírito plicações a nível do índice
ros parecem dar-lhe razão. “é preciso ter em conta que mico e Social. Santo (BES): Os atentados nos de preços”, comentou por seu
Ainda é cedo para avaliar as Os mercados accionistas vi- a moeda europeia está subva- “Os ataques terroristas po- EUA “aumentam as possibili- turno a economista chefe do
consequências económicas, veram horas difíceis, o que lorizada e, por isso, é normal derão dar ao presidente Bush dades de a economia mundial BPI, Cristina Casalinho. O
era a frase mais ouvida da motivou a suspensão da nego- que suba”. a oportunidade de aumentar a cair em recessão”, defendeu o aumento do preço do petró-
boca dos economistas poucas ciação em alguns mercados, No que diz respeito ao pe- despesa com o sector de defesa, economista chefe banco con- leo, um dos principais “mo-
horas depois dos “aparentes incluindo Lisboa. A bolsa de tróleo, Miguel Beleza frisa criando uma expansão fiscal trolado pela família Espírito tores” da inflação, terá um
atentados terroristas” nos Es- Frankfurt, que encerrou uma que a Organização dos Paí- que tornará mais moderada a Santo, Miguel Frasquilho, em impacte directo tanto na eco-
tados Unidos da América. hora antes do fecho normal ses Exportadores de Petróleo recessão americana”, precisou declarações à Lusa. Para o nomia norte-americana, co-
“Ainda não consegui pen- devido a uma ameaça de bom- (OPEP) já garantiu que não ao PÚBLICO o economista Sér- analista “ainda é cedo para mo na europeia, precisou a
sar sobre o assunto. O medo ba, esteve a perder chegado haverá rupturas e que os pa- gio Rebelo, a viver e leccionar tirar as conclusões, mas os analista.
que existe é grande, mas nin- a perder 11 por cento. Paris íses ocidentais têm grandes actualmente nos EUA. Para o atentados terão decerto um A juntar a este factor há
guém tem a ideia das conse- recuou mais de sete por cen- “stocks”. Há bem pouco tem- economista, o ataque terroris- efeito de diminuição da con- ainda a “instabilidade que os
quências económicas. Admi- to e Amesterdão 6,9 por cen- po o petróleo esteve a níveis ta de ontem criará “mais tur- fiança dos agentes económi- ataques causarão nos merca-
to que os americanos sejam to. Melhor estiveram Londres bem mais elevados, recordou bulência numa altura em que a cos”, um factor fundamental dos accionistas, que já se en-
capazes de reagir mais de- (menos 5,4 por cento), Madrid ainda. “Para já, o comporta- economia americana atraves- para a economia. A queda dos contravam em dificuldades”,
pressa que o resto do mundo. (menos 4,5 por cento) e Lisboa mento dos mercados não pa- sa uma reestruturação doloro- mercados bolsistas e a subida acrescentou.
Agora o que se vai passar na (menos 4,3 por cento). rece sugerir perigos de adia- sa com o redimensionamento em flecha dos preços do petró- Todos estes factores pode-
economia mundial, não faço Contudo, os analistas recu- mento da recuperação dos do sector de tecnologias de in- leo, que hoje se verificaram, rão “implicar uma maior de-
ideia. Pode ser um ataque de sam a ideia de “crash”, prefe- Estados Unidos”, conclui o formação”. “são reacções a quente, que mora na recuperação econó-
um conjunto de fundamenta- rindo acreditar que se esteja ex-governante. Se a quebra do dólar face ao poderão não se prolongar”, mica” ou, até mesmo, “uma
listas e não ter muitos efei- perante uma reacção emotiva. euro e a subida do ouro são dependendo das “acções que recessão económica”, admi-
tos. Mas, se for um ataque vin- “Não é uma situação de pâni- “Mais turbulência” efeitos evidentes de curto pra- se seguirem”, ressalvou o eco- tiu Cristina Casalinho. Para a
do do Médio Oriente, então co, o que aconteceu na bolsa A não ser que haja uma re- zo, Sérgio Rebelo considera nomista. União Europeia, além do im-
os efeitos serão muito graves, é inferior ao crash de 1987 e a acção psicológica, “do ponto já ser difícil prever o prazo pacte directo por via do pre-
concretamente a nível do pe- queda do dólar é relativamen- de vista dos mecanismos eco- de impacto sobre a economia, Recuperação mais lenta ço do petróleo, os atentados
tróleo”, resumiu ao PÚBLICO te insignificante”, desdramati- nómicos não há razão para o em geral, e sobre os preços Mas “trata-se, sem dúvida, poderão significar também
Alberto de Castro, o professor za Miguel Beleza, ex-ministro atentado afectar a economia”, das acções e do imobiliário, de um acontecimento nega- uma “menor procura dirigida
catedrático da Universidade das Finanças e ex-governador corrobora o economista José em particular. Quanto à Eu- tivo para a economia mun- à Europa, por parte dos EUA,
Católica doi Porto que, recen- do Banco de Portugal. da Silva Lopes, citado pela Lu- ropa e Portugal, o efeito prin- dial”, garantiu Miguel Fras- afectando as relações comer-
temente, recusou um convite Quanto ao mercado cam- sa. Houve milhares de milhões cipal virá de “uma redução quilho, frisando a ausência de ciais externas”, referiu, subli-
de Guterres para ministro da bial, o professor universitá- de dólares de prejuízo e haverá do fluxo de turismo dos EUA”, informação detalhada sobre nhando que se “tratam de me-
Economia. rio e consultor do Banco Co- gastos de milhares de milhões considera. os acontecimentos nos EUA. ras conjecturas, por ser ainda
No plano imediato, as bol- mercial Português reconhece de dólares em segurança e ou- Menos optimista é a visão Os ataques terroristas “farão prematuro avaliar as conse-
sas vão cair, o dólar vai en- que a valorização de dois por tras despesas, o que poderá es- dos gabinetes de estudo do disparar os preços do petró- quências” dos ataques. 
D E S TA Q U E 9
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001

Sector segurador Chamadas


TAM dos EUA pode entrar
para os EUA
aumentaram
LISMO. em crise 2500 por cento
Entre as 14h e as 18h foram feitas
283 mil tentativas de
GANHADORES Prejuízo depende das grupos do sector, as empresas de se- que nas contas finais — cujo apura-
estabelecimento de ligação de
coberturas contra actos guros formam uma espécie de ca- mento pode demorar anos — entra-
deia que lhes permite repartir, umas rão, não apenas os estragos causados Portugal para os Estados Unidos
Petróleo terroristas. Resseguradoras com as outras, o risco financeiro nor- no World Trade Center, mas também
americanas, londrinas e das malmente associado a grandes ca- nos edifícios contíguos, assim como As tentativas de comunicação telefónica entre
Títulos de rendimento ilhas Bermudas deverão ser tástrofes. Por isso, António Reis não as despesas da sua reparação ou re- Portugal e os Estados Unidos aumentaram
descura “a existência de uma crise construção. A somar a essa factura, consideravelmente ao longo da tarde de on-
fixo, sobretudo dívida as mais afectadas no sector nos Estados Unidos, mas a as seguradoras terão ainda de pagar tem, com taxas de concretização muito baixas,
pública de curto nível mundial talvez não”. o realojamento das empresas que ali não só por causa da sobrecarga das linhas
CLARA TEIXEIRA Uma das áreas mais afectadas se- tinham as suas sedes. mas, também, porque o funcionamento das
prazo
rá certamente o ramo vida, uma vez Estima-se que as seguradoras e redes de telecomunicações nos EUA foi par-
Os estragos físicos e a perda de vi- que os EUA são um dos países onde a resseguradoras mais afectadas se- cialmente afectado pelas consequências dos
Metais preciosos das humanas causados pela des- “cultura” dos seguros de vida é mui- jam, além das norte-americanas, as ataques terroristas registados em Nova Iorque
truição das torres gémeas do World to forte. O presidente da APS cal- grandes empresas com sede em Lon- e em Washington. De acordo com dados ofi-
como ouro, prata e
Trade Center, em Nova Iorque, e do cula que a maior parte das pessoas dres e nas ilhas Bermudas. As maio- ciais da Portugal Telecom (PT), o tráfego nor-
platina edifício do Pentágono, em Washing- que morreram no interior dos edifí- res resseguradoras mundiais são a mal para os Estados Unidos é de 2300 chama-
ton, representam certamente uma cios destruídos “teriam seguros de alemã Munich Re e a suíça Swiss Re, das tentadas por hora na rede fixa, com uma
despesa de milhares de milhões de vida individuais”. Assim sendo, as cujos títulos foram ontem fortemen- taxa de concretização (sempre que alguém do
Divisas alternativas dólares para as seguradoras e res- empresas de seguros do ramo vida te penalizados nas bolsas europeias, outro lado da linha atende o telefone) de 65
ao dólar como euro, seguradoras ao nível internacio- “irão ter certamente prejuízos avul- contribuindo para que o índice Dow por cento.
iene e franco suíço nal, mas para já é impossível fazer tados”, acrescentou. Jones European Stoxx para o sector Ontem, registou-se um acréscimo médio de
cálculos com um mínimo de fiabi- Nos Estados Unidos, um dos res- dos seguros caísse 11,5 por cento. A 2500 por cento nas tentativas de chamadas,
lidade. ponsáveis do Instituto de Informa- Loyd’s of London, alojada na City com taxas de concretização que, na cidade de
O presidente da Associação Por- ção dos Seguros, Robert Hartwig, londrina e ontem obrigada a evacu- Nova Iorque, por exemplo, desceram para os
tuguesa de Seguradores (APS), An- estimou os prejuízos em “milhares ar as suas instalações por precau- oito por cento do total. Entre as 14h e as 18h
tónio Reis, disse ontem ao PÚBLICO de milhões de dólares”, explicando ção, não fez qualquer comentário foram feitas 283 mil tentativas de estabeleci-
PERDEDORES que, numa situação como a que ocor- sobre eventuais prejuízos, mas a sua mento de ligação para os EUA, registando-se
reu nos Estados Unidos, “os seguros exposição ao mercado da aviação um pico de utilização, entre as 15h e as 16h,
respondem quando há coberturas Nos Estados Unidos, comercial é elevada. em que o número de tentativas ascendeu a 93
Dólar adicionais para actos terroristas”. No meio de tantas incertezas, sa- mil por hora. Desse total, apenas 9 por cento
Mas, conforme lembrou, o World
um dos responsáveis be-se apenas que os acontecimen- foram concretizadas (8670 chamadas).
Trade Center foi alvo de um ataque do Instituto tos de ontem em Nova Iorque e Wa- Embora sem valores absolutos, que só fica-
Acções, sobretudo de terrorista em 26 de Fevereiro de 1993, de Informação shington poderão significar que rão disponíveis hoje, a rede de Internet do
companhias de causando na altura grande prejuízo dos Seguros, Robert acaba de ser quebrado um triste grupo PT registou uma duplicação das tenta-
seguros e agências de a algumas das maiores segurado- recorde no sector internacional dos tivas de acesso a “sites” internacionais.
ras mundiais. “Não sei se terão con- Hartwig, estimou seguros, envolvendo pagamentos Muitos deles, tanto em Portugal como nos
viagens seguido fazer um novo seguro com os prejuízos em aos três mil milhões de dólares (3,3 EUA, foram abaixo momentaneamente devido
essa cobertura”, afirmou António “milhares de milhões mil milhões de euros), em 1998, ao aumento não previsto do número de utili-
Reis. quando da explosão da plataforma zadores. Na rede móvel da TMN, a informação
De acordo com a lógica de funcio- de dólares” petrolífera Piper Alpha na Grã-Bre- disponível apontava para um aumento de três
namento dos resseguros entre os tanha.  vezes e meia no número de chamadas.  C.T.
10 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA -FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
RALPH ORLOWSKI/REUTERS

Corrida ao petróleo
e ao ouro
“Agora só queremos comprar a subida do crude podem não
ouro e petróleo, tudo o resto se prolongar”, o ouro negro
será para vender”. Esta foi a di- mais caro aumenta as pressões
visa adoptada pelos mercados inflacionistas.
após os atentados que abala- Em alta transaccionou-se
ram a América. Mal o primeiro também o “verdadeiro” ouro.
avião embateu numa das tor- Após os atentados a “onça
res do World Trade Center, o troy” — 31,103481 gramas —
preço do barril de Brent para disparou, em Londres, para 287
entrega em Outubro disparou, dólares, contra 271,40 regista-
em Londres, para os 31,05 dóla- dos na abertura da sessão. Com
res, o valor mais alto desde 1 de o decorrer da sessão o ouro ain-
Dezembro de 2000 — mais 13,1 da subiu mais, testou os 293 dó-
por cento — e o maior ganho lares, mas acabaria por recuar
diário desde Março de 1998. Va- para 291 dólares no fecho. Em
lor que contrasta com os 27,26 Portugal, o grama de ouro fino
dólares a que era transaccio- cotou-se a 1951,30 escudos, em
nado antes dos atentados. A alta ligeira face aos 1949,00 es-
memória não deve, no entanto, cudos registados na segunda-
ser curta, sendo conveniente feira.
relembrar que, há um ano, o Na altura dos atentados o
Brent para entrega em Outu- mercado de ouro americano,
bro chegava a cotar-se a 35,19 New York Comex, ainda não
dólares. estava a transaccionar, o que
Especialistas contactados pe- veio a fazer mais tarde, mas
los PÚBLICO justificam esta apenas durante alguns minu-
alta na cotação do petróleo com tos. Localizado nas imediações

DERROCADA base no medo generalizado de


um aumento das tensões no
Médio Oriente, região que é
o maior produtor mundial de
crude. Entretanto, o secretá-
das torres gémeas, o New York
Comex não deverá funcionar
hoje. O mesmo não acontecerá
com o mercado londrino, pois o
Banco de Inglaterra informou

NAS PRINCIPAIS rio-geral da Organização dos


Países Exportadores de Petró-
leo (OPEP), Ali Rodriguez, afir-
mou que o cartel de que fazem
que hoje haverá transacções,
até porque, conforme explicou
um analista à Reuters, “tirar 20
toneladas de ouro do mercado

BOLSAS
parte os principais produtores iria fazer com que os preços da
da região irá garantir ao mun- onça subissem acima dos 300
do “estabilidade de preços” e dólares”.
“provisões de petróleo suficien- Ainda no mercado de me-
tes”. A OPEP, que cortou recen- tais, a platina também fechou,

INTERNACIONAIS
temente a produção em um mi- em Londres, em alta, valendo a
lhão de barris por dia, reúne-se onça 445 dólares, contra os 438
no próximo dia 26. dólares registados na segunda-
Apesar de os analistas con- feira. A prata seguiu tendência
siderarem que “as reacções a idêntica, fechando em alta. 
quente que hoje determinaram JOANA AMORIM

Os mercados accionistas viveram horas de


pânico. Os analistas preferem acreditar que se
está perante uma reacção emotiva, rejeitando,
cento. Madrid e Lisboa encer-
raram com as menores quedas
da Europa, respectivamente 4,5
empresas seguradoras (como
a Allianz e a Axa), ou de avia-
ção, e num “refúgio” em com-
Dólar perde papel
e 4,3 por cento. panhias petrolíferas, ou nou-
para já, a ideia de um “crash” profundo
ROSA SOARES com uma queda de 8,4 por cen-
Algumas bolsas europeias
chegaram a suspender, por cur-
to período de tempo, a nego-
tros produtos financeiros de
menor risco, como as obriga-
ções do tesouro.
de refúgio
to. A praça de Londres fechou ciação, mas isso não evitou o Apesar da forte queda dos O dólar foi um dos grandes per- fraco volume de transacções.
“Nada vai ser como dantes!” a perder 5,4 por cento. A queda sentimento de pânico de mui- mercados, alguns analistas e dedores dos atentados de ontem Ultrapassada a “loucura”
Esta frase foi dita ontem por um de Paris ultrapassou os sete por tos investidores, o que se tradu- economistas parecem rejeitar em Nova Iorque e Washington, pós-atentado, o bilhete verde
operador contactado pelo PÚ- cento e a de Amesterdão 6,9 por ziu na forte venda de títulos de a ideia de que se está perante ao desvalorizar-se contra todas acabaria por recuperar ligeira-
BLICO, numa reacção a quen- um dia de “crash” — que tec- as moedas, desde o euro ao iene, mente, cotando-se a 1,093 euros,
te e emotiva ao descalabro dos nicamente designa uma que- passando pelo franco suíço. No 119,06 ienes e 1,6420 francos su-
mercados accionistas. As horas O dilema da suspensão da superior a cinco por cento caos que se seguiu “aos aparen- íços. Feitas as contas no final do
que se seguiram ao atentado —, argumentando que os mer- tes ataques terroristas”, aque- dia, o dólar tinha perdido quase
terrorista nos Estados Unidos Nos momentos de grande instabilidade dos mercados, cados não apresentaram um las divisas funcionaram como um por cento face à moeda úni-
foram de pânico para operado- há investidores que entram em pânico e tentam vender volume de transacções muito moedas de refúgio, um papel ca europeia e cerca de 1,5 por
res e investidores, especialmen- as suas posições a qualquer preço, enquanto outros acima do que é normal. Se os normalmente reservado ao bi- cento contra a divisa nipóni-
te pela ausência de dados que parecem ter verdadeiros “nervos de aço” e entram a mercados norte-americanos es- lhete verde em épocas de ins- ca. A queda mais expressiva foi
permitissem descortinar o que comprar. Só mais tarde se percebe se os primeiros per- tivessem abertos, se algumas tabilidade, resumiu um analis- relativamente ao franco suíço
é que se vai passar a partir de deram uma fortuna ou se os segundos fizeram um bom das grandes casas de investi- ta citado pela Agência France (menos 8,2 por cento), que atin-
hoje. Os mercados accionistas negócio. Por isso, as opiniões dividem-se sobre a legi- mento não tivessem sido direc- Presse. giu máximos de sete meses.
reagem mal a atentados terro- timidade da suspensão temporária dos mercados, como tamente afectadas pelo atenta- Antes de os dois aviões terem Os operadores cambiais re-
ristas e este atingiu o coração ontem aconteceu na Bolsa de Lisboa por meia hora, dos — como a Morgan Stanley, atingido as torres do World Tra- ceiam que os ataques empur-
financeiro norte-americano. A pouco depois do atentado terrorista em Nova Iorque. que era uma das maiores “in- de Center, em Nova Iorque, o rem a maior economia do
reacção emotiva, de pânico, fi- A medida de suspensão também foi tomada em Espa- quilinas” de uma das torres do dólar trocava-se por 1,114 euros, mundo para a recessão, expli-
cou visível em todos os mer- nha, França e Holanda, aparentemente sem que a deci- World Trade Center —, a queda 121,88 ienes e 1,6882 francos su- cam os analistas. A provar que
cados que estavam em fun- são tenha sido concertada entre estas praças. Uma hora teria sido muito superior. íços. Depois do atentado, o pâ- os receios são fundados, a Re-
cionamento, especialmente na antes de encerrar, a Bolsa de Frankfurt, a que mais Por isso, existe uma grande ex- nico instalou-se e o bilhete ver- serva Federal (Fed) dos EUA
Europa, mas também na Amé- caiu na Europa, também suspendeu a negociação. pectativa a propósito da aber- de caiu para 1,096 euros, 119,15 fez saber que iria garantir a
rica Central e do Sul. As bolsas Na América Latina, São Paulo e Buenos Aires também tura dos mercados norte-ame- ienes e 1,6510 francos suíços. liquidez dos mercados durante
de Nova Iorque não chegaram interromperam a cotação e, no Extremo Oriente, a Bolsa ricanos. Ontem, existia alguma Nesta altura, operadores ame- a crise americana. “A Fed está
a arrancar, apenas os futuros de Taiwan fez saber que hoje não abrirá. “esperança” de que nos pró- ricanos afirmavam que o mer- aberta e a funcionar. Estamos
estavam em funcionamento, o A Comissão Executiva da Bolsa de Lisboa justificou a ximos dias as bolsas de Nova cado estava “louco” e que era disponíveis para emprestar di-
que evitou maiores perdas nos decisão como uma medida que pretendeu dar “algum Iorque possam estar encerra- “o pânico a comprar [divisas nheiro aos bancos às taxas de
restantes mercados. tempo” aos investidores e agentes do mercado para se das, na medida em que existia alternativas ao dólar]”. desconto em vigor”, garantiu o
A Bolsa de Frankfurt chegou aperceberam do que se estava a passar. Esta interrup- a indicação de que o sistema Tratou-se de um reacção banco central norte-america-
a perder mais de 11 por cento, ção não agradou a alguns operadores, que alegam que de compensação financeira só “psicológica” aos atentados e no em comunicado. Esta atitu-
tendo a negociação sido inter- uma suspensão cria maior insegurança e expectativa, reabriria na próxima segunda- ao clima de insegurança e des- de da Fed, que visa satisfazer a
rompida uma hora antes do seu referindo que isso foi visível no agravamento das que- feira. Por enquanto há a confir- confiança entretanto instalado procura de activos mais líqui-
encerramento devido a uma das, que eram de três por cento antes da suspensão. mação de que as bolsas norte- nos mercados, concordam espe- dos por parte dos investidores,
ameaça de bomba que se veio a E, após a reabertura, chegaram aos cinco por cento, americanas estarão encerradas cialistas portugueses contacta- foi seguida pelo Banco Central
revelar infundada e fechando recuperando pouco antes do encerramento. R.S. hoje.  dos pelo PÚBLICO, realçando o Europeu.  J.A.
D E S T A Q U E 11
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001

Pearl Harbour II
A
o atingirem o aos americanos, pro-
coração dos tegidos por um escudo
Estados Uni- anti-míssil — situação
dos pela pri- ideal para as tendên-
meira vez na história, cias isolacionistas ho-
os horríveis atentados je prevalecentes em
terroristas de ontem Washington. Ora essa
abrem uma nova fase FRANCISCO visão foi ontem brutal-
na vida internacional. mente desmentida.
No plano económico
S ARSFIELD CABRAL
Os americanos des-
e financeiro, foi tre- COMENTÁRIO cobriram que não es-
mendamente abalada tão ao abrigo de coisa
a convicção de que os alguma, não obstante
EUA estariam ao abrigo das perturba- serem a única superpotência no mun-
ções sociais e políticas que, por vezes, do. E talvez descubram também que,
têm afectado outros países desenvol- hoje, ninguém, nenhum país, pode
vidos, em particular na Europa. Tal viver isolado, por muito forte que seja
convicção era uma das razões que fa- ou julgue ser. Toda a política unilate-
ziam afluir à América capitais de todo ralista de George W. Bush fica, assim,
o mundo. Coincidindo esse abalo com posta em causa. Os EUA precisam da
a quase recessão económica que já cooperação internacional, até para
ali se fazia sentir, torna-se agora bem combaterem eficazmente o terroris-
real o risco de uma saída em massa mo. Não podem continuar a rasgar
de dinheiro dos EUA, com o dólar em tratados internacionais nem a despre-
baixa, tendo como consequência gra- zar as organizações políticas e econó-
ves perturbações financeiras inter- micas multilaterais. Pearl Harbour,
nacionais. há sessenta anos, acordou a América
Mas serão políticos os efeitos mais para a necessidade de cooperar com
profundos da tragédia de ontem. Os os aliados europeus no combate ao
americanos sentem-se hoje muito vul- nazismo. Tenho esperança de que este
neráveis, até porque não estavam ha- segundo Pearl Harbour, não menos
bituados a este tipo de atentados em trágico do que o primeiro, ponha um
sua casa. A grande preocupação era travão nas tendências isolacionistas
um ataque de mísseis por parte de e unilateralistas que se acentuaram
um país “terrorista”. Essa era, pelo com a nova administração Bush e leve
menos, a justificação apresentada por Washington a liderar a edificação
Washington para avançar com o sis- de uma globalização politicamente
tema de defesa anti-míssil, violando o enquadrada. Se assim acontecer, ao
tratado ABM e preocupando russos, menos algo de positivo poderá emer-
chineses e europeus. Aquele siste- gir da tragédia de ontem. Tal como
ma parecia oferecer tranquilidade há sessenta anos.
1 2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
RAHIMULLAH YOUSAFAZI/REUTERS

Bin Laden tinha


ameaçado ataque
sem precedentes
Milionário saudita, santa] global contra os gover- aspecto calmo, turbante na ca-
nos seculares corruptos do beça e longa barba. Osama bin
que tem as suas bases Médio Oriente e as potências Laden nasceu em Riad em 1975
no Afeganistão, ocidentais que os apoiam”. e foi o 17º dos 52 filhos de um
é o principal suspeito A estratégia é utilizar os rico construtor civil da Arábia
seus campos no Afeganistão, Saudita. Apesar de ter nascido
ALEXANDRA PRADO COELHO convidando guerrilheiros de numa família religiosa, na sua
todo o mundo para se treina- juventude Osama não era pro-
Há três semanas, Osama bin rem para uma guerra santa. priamente um exemplo. Nos
Laden, o milionário saudita Com este projecto, Bin Laden seus tempos de estudante, em
considerado o inimigo núme- quer reunir as forças disper- Beirute, antes da guerra civil,
ro um dos Estados Unidos, sas em conflitos desde as Fili- era mais visto nos bares do que
avisou que iria lançar um ata- pinas à Argélia e concentrá- nas mesquitas. Discreto, vesti-
que sem precedentes contra los num único objectivo. Desta do à ocidental e sem barba, vi-
interesses norte-americanos “visão” nasceu o grupo “Al Qa- via na sombra de um dos seus
pelo apoio que Washington dá eda”, árabe para “a base”. irmãos mais velhos.
a Israel, revelou ontem à Reu- Este grupo atraiu malaios, Mas aos 22 anos, a sua vida
ters Abdel-Bari Atwan, editor argelinos, filipinos, argelinos, conheceu uma mudança ra-
do jornal “al-Quds al-Arabi”, palestinianos, egípcios, que dical. Aconselhado pelo chefe
baseado em Londres. têm em comum a vontade de dos serviços secretos sauditas
“Pessoalmente recebemos combater em nome do Islão e e ajudado pela fortuna da famí-
informação de que ele estava o ódio aos EUA. “As políticas lia, começou a treinar comba-
a planear ataques muito, mui- nacionais estão por detrás do tentes para lutar contra os so-
to grandes contra interesses que eles fazem, mas é muito viéticos no Afeganistão. Com
americanos”, disse Atwan, mais visionário do que isso”, o tempo, e o fim da guerra afe-
que já entrevistou Bin Laden explica Robert Blitzer, um an- gã, foi-se afastando cada vez
e mantém contactos próxi- tigo especialista do FBI em mais da Arábia Saudita (que
mos com alguns dos seus se- contraterrorismo. “Isto é à es- o expulsou em 1991 e acabou
guidores. cala global”. por lhe retirar a nacionalida-
O Egipto também tinha avi- Os cálculos da CIA apon- de em 1994), acusando-a de se
sado os EUA para a possibili- tam para que “Al Qaeda” pos- ter vendido à América. Bin La-
dade de atentados terroristas sua uma dúzia de campos no den refugiou-se no Sudão, mas,
se a actual política americana Afeganistão, onde já foram pressionadas pela comunidade
no Médio Oriente — evitar um treinados mais de cinco mil internacional, as autoridades
envolvimento directo, apoiar combatentes, que, quando re- de Cartum expulsaram-no. Os
incondicionalmente Israel — gressam aos respectivos paí- taliban afegãos abriram-lhe
continuasse. “Se os EUA não ses, criam células ligadas ao então as portas.
encontrarem uma solução pa- grupo-mãe. Deverão existir Olivier Roy, um especialista
ra a violência [no Médio Orien- pelo menos 50 destas células. francês em islamismo citado
te], esta poderá transformar- Os homens de Bin Laden têm pelo “New York Times” afir-
se em terrorismo”, tinha dito, à disposição a mais moderna ma que o maior trunfo da Al
no dia 26 de Junho, o Presi- tecnologia de comunicações e, Qaeda é o facto de milhares de
dente egípcio, Hosni Mubarak. segundo peritos, estarão a de- combatentes espalhados pe-
No dia 18 do mês seguinte, senvolver armas químicas. Os lo mundo já não encararem a
Washington lançou um alerta atentados são planeados du- sua luta como nacional, mas
contra riscos de atentados vi- rante meses ou mesmo anos, e sim global, o que os torna
sando interesses americanos o grupo usa “submarinos”, ou “imunes” a pressões políticas
na península arábica. Osama seja, agentes infiltrados entre e militares normais. As ac-
bin Laden esteve sempre sob a população local. ções de Bin Laden, diz Roy,
suspeita. “não são a continuação da po-
No início de Fevereiro, a CIA “Ele não quer negociar” lítica por outros meios”. Bin
divulgou o seu relatório anual O inspirador desta poderosa Laden é diferente. “Ele não
sobre as ameaças à segurança rede é um homem magro, de quer negociar”. 
dos EUA, em que considerava
o milionário de origem saudita
(actualmente a viver no Afe- Taliban negam envolvimento
ganistão sob a protecção dos
ultra-fundamentalistas islâmi- do seu “hóspede”
cos que governam o país, os
taliban) como “a mais imedia- Os taliban convocaram uma conferência de imprensa
ta e séria ameaça à segurança no Paquistão poucas horas depois dos atentados nos
nacional”. EUA, para negarem veementemente o envolvimento do
“Desde 1998, Bin Laden de- seu “hóspede” Osama bin Laden.
clarou todos os cidadãos norte- “Osama é apenas uma pessoa, ele não tem os meios
americanos como alvos legíti- para fazer este tipo de actividades”, afirmou o embaixa-
mos para um ataque”, disse na dor dos taliban (grupo ultrafundamentalista islâmico,
altura o chefe da CIA George no poder no Afeganistão) em Islamabad, Abdul Salam
Tenet, recordando que “como Zaeef. “Queremos dizer ao povo americano que o povo
ficou demonstrado pelos aten- afegão partilha a sua dor. Esperamos que os terroristas
tados nas nossas embaixadas sejam apanhados e julgados”, disse o diplomata, subli-
em África em 1998 [Quénia e nhando mais uma vez que as autoridades afegãs “não
Tanzânia], ele é capaz de pla- permitem que Bin Laden use o território do Afeganis-
near ataques múltiplos com tão contra outro país”.
pouco ou nenhum aviso”. A mesma ideia foi depois repetida em Cabul pelo porta-
Mas o plano de guerra glo- voz dos taliban Abdul Hai Mutmaen: “O que aconteceu
bal de Bin Laden não data nos EUA não é obra de pessoas vulgares. Pode ter sido
de 1998. Vem de muito antes. obra de um governo. Mas Osama bin Laden não podia
Segundo uma investigação ter feito isto. Nem nós.” Interrogado sobre se o Afega-
publicada pelo “New York nistão receia uma retaliação americana, o embaixador
Times”, foi em 1987 que o mi- Zaeef disse esperar que “a América não tome uma
Osama bin Laden lionário saudita “teve uma vi- medida tão rápida e trágica sem completar uma investi-
são”. “O momento tinha che- gação”. Em 1998, após os atentados contra as embaixa-
gado, disse aos amigos, para das no Quénia e na Tanzânia, os EUA bombardearam
iniciar uma ‘jihad’ [guerra o Afeganistão e o Sudão.
D E S TA Q U E 1 3
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001

DOUG KANTER/EPA

Os inimigos
da América
Os Estados Unidos são a
única superpotência
mundial. O seu papel
nas relações internacio-
nais criou-lhes muitos
inimigos, alguns dos
quais terão sorrido com
a notícia do ataque de
ontem em Washington e
Nova Iorque. Alguns tal-
vez até gostassem de ter
estado por trás do ata-
que — mas teriam capa-
cidade para isso?
Na lista de suspeitos da
responsabilidade deste
ataque, a primeira pista
é islâmica — Osama bin-
Laden, o “inimigo núme-
ro um” da América.
Mas, no Médio Oriente,
os EUA têm outros ini-
migos. Saddam Hussein
é o mais óbvio: derrota-
do na Guerra do Golfo
por uma aliança inter-
nacional liderada pelos
EUA, o ditador do Iraque
vitupera regularmente o
“grande Satã” de Wa-
shington. Desde há dez
anos que o Iraque vive
no isolamento, e as suas
instalações militares são
periodicamente bombar-
deadas por aviões norte-
americanos.
As torres gémeas do World Trade Center foram reduzidas a cinzas O apoio dos Estados Uni-
dos em Israel valeu-lhes
o ódio do mundo árabe,

Milícias – o inimigo interno


JEFF MITCHELL/REUTERS
particularmente dos en-
volvidos no conflito isra-
elo-palestiniano. As or-
ganizações radicais
armadas que defendem
Antes do ataque de ontem, o a causa palestiniana de-
pior atentado em território votam a Washington o
dos EUA fora levado a cabo mesmo tipo de hostilida-
não por um grupo terrorista de que a Israel; mas tra-
estrangeiro mas por um ci- dicionalmente os movi-
dadão americano: Timothy mentos palestinianos
McVeigh. Em 1995, McVeigh Jihad Islâmica, Hamas
(e cúmplices como Terry ou FPLP, ou o libanês He-
Nichols, ainda à espera de zbollah, não incluem nos
sentença) mataram 168 pes- seus métodos ataques a
soas num edifício federal em objectivos americanos
Oklahoma City. fora do Médio Oriente.
O atentado de McVeigh cha- Moammar Khadafi, o lí-
mou a atenção sobre as milí- der da Líbia, também é
cias paramilitares extremis- um inimigo fidagal dos
tas que existem nos Estados EUA. O enigmático e im-
Unidos. McVeigh, um antigo previsível Khadafi está,
soldado, estava ligado a esse no entanto, num proces-
movimento de grupos que so de reaproximação ao
consideram que as liberdades mundo ocidental. O mes-
individuais dos cidadãos nor- mo se pode dizer de ou-
te-americanos estão a ser pos- tro dos países que fazem
tas em causa por uma conspi- parte da lista americana
ração do Governo federal. de “estados-párias”, a
A ideologia destes extremis- Coreia do Norte — não é
tas é confusa e variada, mas provável que o regime
o que eles têm em comum é a estalinista de Kim Jong-
crença de que o poder central il optasse por uma acção
norte-americano, aliado às Na- deste tipo, particular-
ções Unidas e/ou a uma cons- mente numa altura em
piração sionista internacional, que Pyongyang tem
querem impor um “Governo mostrado abertura ao
sombra” nos EUA, que toma- exterior.
ria medidas como proibir o di- Na Colômbia, os norte-
reito de porte de armas. O atentado de Oklahoma chamou a atenção sobre as milícias paramilitares extremistas que existem nos EUA americanos têm uma
McVeigh, como outros ex- forte presença militar,
tremistas, agiu para se vin- tas milícias? Não é provável. relativamente rudimentares; Sobretudo, as milícias pa- membros, seja pela acção do no âmbito do seu com-
gar de acções das forças poli- Bruce Hoffman, analista nor- nenhuma milícia alguma vez ramilitares entraram clara- FBI que atacou fortemente bate à luta contra as
ciais federais como os cercos te-americano, disse à BBC mostrou capacidade logística mente em decadência depois o movimento de milícias, o drogas. Aí enfrentam
de Waco (em que morreram que “depois de Oklahoma, os para organizar ataques da di- de Oklahoma. Segundo o Sou- número caiu para apenas os cartéis de droga de
vários membros de uma seita media inflacionaram o poder mensão do de ontem. thern Poverty Law Center, 194 actualmente. E a maioria Medellin e Cali, e as
religiosa radical) ou de Ruby [das milícias], atribuiram- Além disso, alguns dos alvos que faz o acompanhamento destes grupos distanciou-se guerrilhas (também as-
Ridge (em que morreu a fa- lhes uma força que elas nunca dos ataques de ontem não se deste fenómeno nos EUA, as do acto de McVeigh, renun- sociadas ao tráfico) das
mília de um radical de extre- tiveram”. enquadram nos objectivos das milícias aumentaram no pe- ciando a acções violentas. Os FARC e do ELN. No en-
ma-direita, Randy Weaver). E Com efeito, o acto mais es- milícias: a luta dos paramilita- ríodo imediatamente após o seus protestos contra o Go- tanto, é duvidoso que
vingou-se atacando um edifí- pectacular destas milícias — res radicais é contra o Governo atentado de McVeigh: chegou verno federal resumem-se a estes movimentos te-
cio federal. Este ano, foi exe- o atentado de Oklahoma — federal, não contra a iniciativa a haver 858 grupos conheci- actos simbólicos como não nham capacidade para
cutado pelo crime. foi levado a cabo por um in- privada (o World Trade Center) dos em 1996. registar as matrículas dos organizar um ataque
Poderão os ataques de on- divíduo solitário ou por um ou a política externa america- Mas depois, seja por desi- seus carros ou não pagar im- com a amplitude do de
tem ser novas ofensivas des- pequeno grupo, e com meios na (o Pentágono). lusão e desinteresse dos seus postos.  P.R. ontem. P.R.
1 4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
EVY MAGES/REUTERS
TRINTA ANOS
DE ATENTADOS
NA AMÉRICA

1970
Agosto, 24 — Um
investigador universitário
que trabalhava para o
Exército é morto em
Madison, no Wisconsin,
num atentado assinado por
militantes ditos “pacifistas”

1975
Janeiro, 24 — Uma
explosão num café de Nova
Iorque causa quatro
mortos. É um dos 49
atentados atribuídos entre
1974 e 1977 ao grupo
nacionalista das Forças
Armadas de Libertação
Nacional de Porto Rico

Dezembro, 29 — Atentado à
bomba no aeroporto La
Guardia, de Nova Iorque: 1
morto e 75 feridos

1981
Maio, 16 — Explosão no
terminal do aeroporto
Kennedy assinado pela
“Resistência Armada
Porto-Riquenha”

1993
Fevereiro, 26 — Ataque
O atentado de 1993 contra o World Trade Center causou mais de 330 milhões de euros de prejuízos contra uma das torres
gémeas do World Trade
Center, em Nova Iorque: seis

Quando a América deixou mortos e mil feridos. Quatro


islamistas integristas de um
grupo liderado pelo xeque
Omar Abdel Rahman, guia
espiritual de uma

de ser invulnerável
organização egípcia, são
condenados em Maio de
1994 a um total de 240 anos
de prisão pela autoria do
ataque
O primeiro acto Na sexta-feira do atentado, Center não estariam de pé se que com uma maior quanti- tado. “Em vez dos seis mortos,
a polícia de Nova Iorque re- eu tivesse dinheiro e explo- dade de explosivos e com a o atentado teria posto em ris- 1995
terrorista contra o cebeu várias chamadas de or- sivos suficientes”, terá dito colocação de duas carrinhas co a vida de 70 mil pessoas”, Abril, 19 — Um atentado
World Trade Center ganizações diferentes a rei- Ramzi Yousef a um agente do armadilhadas em locais es- referiu na altura Robert Ku- com uma viatura
ocorreu em 1993, vindicar a responsabilidade FBI quando regressava aos tratégicos as consequências pperman, especialista em ter- armadilhada contra um
do atentado, incluindo a auto- EUA para ser julgado. A in- poderiam ter sido bem pio- rorismo do Centro de Estudos edifício de Oklahoma causa
causando seis mortos e proclamada Frente de Liber- vestigação levada a cabo na res, tendo em conta a hora Estratégicos e Internacionais 168 mortos e mais de 600
mais de mil feridos tação da Sérvia, e as suspei- altura chegou à conclusão de (12h18) a que ocorreu o aten- de Washington.  feridos. Autor: Timothy
tas iniciais apontavam para McVeigh, um antigo
MARCO VAZA uma acção relacionada com o combatente da guerra do
conflito na Jugoslávia. Mas a Golfo, simpatizante de
A 26 de Fevereiro de 1993, uma “pista balcânica” foi rapida- Anos de bombas e mortos milícias e pequenos grupos
carrinha estacionada na ga- mente abandonada e as aten- hostis ao Governo federal
ragem de uma das torres do ções concentraram-se numa África, América, Médio Oriente ou com explosivos no mês anterior, dois em
World Trade Center explodiu, possível autoria de terroris- Ásia, não há praticamente nenhum can- Moscovo e um em Buynaksk, no Da- Outubro, 9 — Um comboio
causando a morte a seis pes- tas islâmicos. to do mundo onde um qualquer grupo guestão, além de centenas de feridos. que assegura a ligação
soas e ferimentos a mais de A investigação conduziu as ou guerrilha não tenha aparecido de Em Março, meia centena de pessoas ti- Miami-Los Angeles
mil, para além de ter provo- autoridades norte-america- surpresa a dizimar sem olhar a nada. nham morrido na explosão de um carro descarrila na sequência de
cado mais de 300 milhões de nas à captura dos suspeitos, Um dos últimos ocorreu em Angola, no armadilhado num mercado de Vladika- um atentado reivindicado
dólares (330 milhões de euros) que já estariam a preparar dia 10 de Agosto, quando a UNITA, o vkaz, no Sul da Rússia. por um grupo desconhecido
em prejuízos, naquele que atentados contra a sede do movimento que combate o Governo do O ano de 1998 tinha ficado marcado pelo — “Os Filhos da Gestapo”.
foi o primeiro acto terrorista FBI, da ONU e de pontes e Presidente José Eduardo dos Santos, mais violento dos atentados na Irlanda Uma pessoa morre e 80
internacional a ocorrer em túneis que ligam Nova Ior- atacou um comboio que circulava a Sul do Norte nos últimos trinta anos, em outras ficam feridas. As
território norte-americano. A que e New Jersey, no seu pró- de Luanda, matando 252 pessoas — um Omagh, em que morreram 29 pessoas, autoridades relacionam a
explosão abriu uma enorme prio território, confirmando dos piores incidentes da longa guerra assinado pelo Real IRA, dissidência ra- acção com o drama de
cratera na zona subterrâneo as suspeitas que apontavam civil angolana. dical do Exército Republicano Irlandês, Waco, no Texas, em Abril
das “Twin Towers”, provocan- para a existência de uma re- Antes desse ataque, no dia anterior, um e pelos que mataram, nas embaixadas de 1993
do o colapso dos cinco primei- de clandestina formada por palestiniano suicida tinha matado cinco norte-americanas em Nairobi e Dar-es-
ros andares (do qual resulta- fundamentalistas islâmicos pessoas e ferido outras 90 em Jerusa- Salam, 224 pessoas e feriram milhares 1996
ram as seis vítimas mortais), e, destinada a espalhar o terror lém, no âmbito do levantamento palesti- de outras. Julho, 27 — Explosão de
consequentemente, um visível pelo país. niano que começou há quase um ano e Quanto a 1996, atentados mataram bomba no Parque do
abanão das torres. Mais difícil foi a “caça” a tem sido farto de atentados do mesmo quase todos os meses: 300 mortos no Centenário, em Atlanta, na
O xeque egípcio Omar Ab- Ramzi Yousef, que fugiu na tipo. Como o de dia 1 de Junho, quando estado indiano de Assam em Dezem- Geórgia, durante os Jogos
del Rahman, chefe religioso noite a seguir ao atentado um outro combatente palestiniano tam- bro, 125 no desvio de um Boeing 767 Olímpicos: dois mortos e
de uma mesquita em Nova Ior- e chegou a ter a cabeça a bém se matou a si próprio e a outras 21 etíope ao largo das Comores em No- 110 feridos
que, e nove outros militantes prémio, tendo sido, inclusi- pessoas num clube de Telavive. vembro, 21 em Multan, no Paquistão,
islâmicos, um grupo onde se vamente oferecida uma re- O ano passado viu dois grandes atenta- em Setembro, 78 no Sri Lanka em Ju- 1998
incluiam cidadãos do Sudão, compensa de dois milhões de dos à bomba, um no dia 12 de Outubro, lho, 200 feridos num atentado do IRA, Therodore Kaczynski,
Egipto e Jordânia, foram con- dólares (2,2 milhões de euros). contra um “destroyer” dos Estados Uni- em Manchester, em Junho, 26 em Je- conhecido por
denados em 1995 a prisão per- Só em 1995, depois de uma dos no porto de Áden, no Iémen, em que rusalém em Fevereiro, mais 31 no Sri “Unabomber”, é
pétua por conspiração e outras perseguição que se estendeu morreram 17 marinheiros, e outro, em Lanka em Janeiro. condenado a prisão
acusações ligadas ao atenta- por vários países (passou pe- Fevereiro, em Ozamis, nas Filipinas, on- 1995 foi o ano do atentado com gás no perpétua em Maio de 1998
do. Três anos depois, o alegado las Filipinas, onde estaria a de as vítimas mortais ascenderam a 45. metro de Paris, onde morreram oito por ter conduzido uma
cérebro da operação, Ramzi preparar o assassínio do Papa 1999 tinha sido pior: 110 mortos — e 400 pessoas e ficaram intoxicadas outras 86, cruzada anti-modernista
Yousef, de nacionalidade in- João Paulo II), é que Yousef feridos — num ataque, em Outubro, e do de Oklahoma, que causou 168 mor- através de cartas
determinada (possivelmente foi capturado em Islamabad, contra um mercado da capital, Grozni, tos. 1994 o da explosão da comunidade armadilhadas que em três
iraquiana), foi também conde- no Paquistão. nunca se soube muito bem perpetrado mutualista judaica em Buenos Aires, anos matou três pessoas e
nado a prisão perpétua. “As torres do World Trade por quem, e 276 outros noutras acções onde uma bomba matou 96 pessoas. feriu outras 23
D E S TA Q U E 1 5
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001

Os ataques
Era também manhã em Oklahoma JEFF MITCHELL/REUTERS
da Tanzânia,
Quénia, Iémen
19 DE ABRIL DE 1995,
A 7 de Agosto de 1998
9 HORAS E 03 MINUTOS uma violenta explosão
atingiu a embaixada
Kathy olhou na norte-americana em
Nairobi, capital do Qué-
direcção do infantário, nia. Minutos depois, ou-
onde deviam estar tra explosão produziu
Chase e Cole, e eles um caos e um pânico
idênticos em frente a ou-
não estavam lá tra embaixada america-
na, desta vez em Dar es-
FERNANDO SOUSA Salam, capital da
Tanzânia. Mais de 200
A penúltima vez que uma pessoas morreram e pelo
bomba fez tremer os Estados menos cinco mil ficaram
Unidos foi a 19 de Abril de feridas.
1995, em Oklahoma. O autor Nos Estados Unidos, o
do atentado, Timothy McVei- então Presidente Bill
gh, foi depois condenado à Clinton preparava-se pa-
morte. Morreu por injecção ra ser interrogado pelo
letal há três meses. Grande Júri sobre a sua
Era, como ontem, também relação com a estagiária
manhã, os americanos acor- da Casa Branca Monica
davam e preparavam-se pa- Lewinsky. O escândalo,
ra a escola ou o trabalho. De que se arrastava há me-
repente, passavam três mi- ses, deixara o Presidente
nutos das nove, o edifício fe- profundamente fragili-
deral Alfred P. Murrah, des- zado. A América sentia-
fazia-se em pedaços. se humilhada, dentro e
“Eu e a minha filha fomos fora das suas fronteiras.
para a rua. Havia vidros a vo- Os taliban afegãos avisa-
ar, carros a rebentar. Olhei ram imediatamente Wa-
para o infantário e não esta- shington para que não
va lá. Percebi logo que era tentasse capturar o mi-
mau, que as duas crianças lionário saudita Osama
tinham morrido”, recordou bin Laden, a viver em
mais tarde Kathy McVeigh. território afegão e consi-
Os dois miúdos eram Chase derado o principal sus-
e Cole, os netos, de dois e peito do duplo atentado.
três anos, duas das duas víti- Mas a 20 de Agosto, Clin-
mas mortais do desastre, em ton ordenava uma dupla
que ficaram feridas outras retaliação: aviões norte-
500 pessoas. americanos atacaram al-
O atentado mexeu com os vos no Afeganistão e no
americanos, tomados de as- Sudão. Este segundo pa-
salto por especulações sobre ís era suspeito de estar a
altas conjuras internacio- desenvolver um progra-
nais, talvez neonazis, talvez ma de armas químicas
árabes. Não tinha sido um numa fábrica que foi ar-
árabe, Omar Abdel Rahman, rasada pelos aviões, e
o mentor do atentado, dois que, segundo os sudane-
anos antes, em Fevereiro de ses, nunca produzira
1993, contra o World Trade mais do que produtos
Center? farmacêuticos (mais tar-
Depois, porém, acabaram de os americanos admiti-
por ter de admitir que o cri- ram o erro).
me partira do interior, de Bin Laden tinha mostra-
um dos seus, para mais um do a sua força e a sua ca-
jovem condecorado na guer- pacidade de lançar ata-
ra do Golfo cheio de ódio ques coordenados. A
às instituições. Ao ponto de América elevou-o à cate-
se abandonar à sentença de goria de inimigo número
morte. Questionado pelo juiz um. Mas o milionário
sobre se tinha alguma coisa a voltaria a atacar — ou
dizer em sua defesa, respon- pelo meno seria suspeito
deu seco: “A este tribunal, ne- de outro atentado. A 12
nhuma!” de Outubro de 2000, uma
Com base num acervo do- pequena embarcação
cumental de 25 mil folhas e carregada de explosivos
137 testemunhas, a acusação colidiu com o contra-
provou que Timothy McVei- torpedeiro norte-
gh, de 26 anos de idade, um americano “Cole”, que
antigo sargento do Exército, se encontrava no porto
organizou e realizou o aten- de Áden, capital do Ié-
tado, com a ajuda de outra men. Dezassete mari-
pessoa, mediante um camião nheiros americanos
que tinha alugado no Kan- morreram.
sas com um nome falso e que A Administração ameri-
encheu com uma mistura de cana apontou novamen-
mais de 2 mil quilos de ex- te o dedo a Bin Laden, e
plosivos, incluindo nitrato o Pentágono discutiu a
de amónio, enfurecido com hipótese de lançar um
o cerco de Waco, Texas, pela “ataque preventivo” con-
polícia, durante o qual mor- tra a organização. Mas
reram 86 pessoas da seita dos Clinton parece ter deci-
davidianos. dido adiar a punição pa-
Os sobreviventes de ra não provocar a fúria
Oklahoma City, uma cidade dos muçulmanos e não
que se queixava de ali nun- prejudicar aquele que
ca acontecer nada, disseram era o seu objectivo prio-
que queriam ver McVeigh ritário, um acordo de
“desaparecer”, para poderem paz no Médio Oriente.
“seguir em frente”.  Milhares de pessoas prestaram homenagem às vítimas do atentado de Oklahoma A.P.C.
1 6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA -FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

A Europa em estado de choque BORIS ROESSLER/EPA

ALEMANHA Conferência de Paz sobre o Médio Oriente e


que recentemente Aznar afirmou a disponi-
SCHROEDER CONDENA “ACTO DE TERROR bilidade para a realização de uma iniciativa
CONTRA O MUNDO CIVILIZADO” idêntica.
Apesar desta postura e das tradicionais bo-
A Alemanha parou, literalmente, à medida as relações que Madrid mantém com várias
que as terríveis notícias chegavam, via tele- capitais árabes, incluindo com o Presidente
visão, do World Trade Center, em Nova Ior- da Autoridade Palestina, Yasser Arafat, tudo
que, e de Washington. Imediatamente a ses- indicia que a Espanha tomará a mesma posi-
são parlamentar do Bundestag (Parlamento) ção que os seus parceiros da União Europeia.
foi suspensa, o chanceler alemão, Gerhard Mas também é difícil admitir que haja uma
Schroeder, convocou o conselho de segurança alteração radical da sua posição de querer
nacional alemão e decretou o “grau de alerta aproximar Israel do mundo árabe e suscitar
máximo”. a paz na região.
Numa primeira reacção, o chanceler con- Ontem, nas delegações diplomáticas acre-
denou o ataque terrorista contra os EUA e ditadas em Madrid, como na sociedade e nos
expressou a “solidariedade ilimitada” da Ale- responsáveis políticos, vivia-se surpresa, in-
manha. “Todos os alemães estão indignados dignação e sob o signo de uma segurança re-
com este acto. Trata-se de uma declaração de forçada nas instalações diplomáticas norte-
guerra contra o mundo civilizado”, afirmou americana e israelita, bem como nas bases dos
Schroeder, “o povo alemão está nesta hora Estados Unidos em solo espanhol. As eventu-
difícil ao lado dos norte-americanos”. “Quem ais repercussões políticas e diplomáticas do
protege os terroristas viola todas as normas 11 de Setembro de 2001 só serão conhecidas
que regem as relações internacionais”. mais tarde.  NUNO RIBEIRO, em Madrid
A seriedade dos acontecimentos do outro
lado do Atlântico levou a que em todos os
edifícios públicos germânicos as bandeiras FRANÇA
fossem colocadas a meia haste em sinal de
respeito pelas vítimas. Inúmeras festividades
“PIOR DO QUE PEARL HARBOR”
por todo o país — como a abertura prevista “A história do mundo está a mudar perante
para amanhã do salão automóvel de Frank- os nossos olhos. O atentado do World Trade
furt, IAA — assim como espectáculos tea- Center tem o impacto histórico de Pearl Har-
trais e musicais foram cancelados. No maior bor, mas é pior do que Pearl Harbor, porque
aeroporto alemão, Frankfurt, as medidas o alvo é civil e o inimigo sem rosto”: este co-
de segurança foram reforçadas e todos os mentário do presidente do partido centrista
voos transatlânticos para os Estados Unidos UDF, François Bayrou, resumia o sentimento
anulados ou desviados. predominante na classe política francesa em
O Presidente alemão, Johannes Rau, en- reacção aos atentados que abalaram ontem
viou ao seu homólogo George W. Bush um te- os EUA.
legrama de condolências, no qual expressava A embaixada americana foi imediatamente
a “consternação e indignação” dos alemães. fechada e rodeada pelas forças da ordem. Nas
Todas as forças políticas representadas no ruas de todas as cidades francesas, centenas
Bundestag se manifestaram chocadas pela de pessoas aglutinavam-se em torno nos cafés
barbárie do acto e apresentaram condolên- com televisões, ou em frente das montras de
cias familiares das vítimas. A embaixada lojas de electrodomésticos — e a pergunta
norte-americana em Berlim foi encerrada (e incessante era: “Paris será também visada?”
barricada), assim como a israelita. Também Rapidamente, o governo francês reactivou
as bases militares norte-americanas em solo o plano Vigipirate para limitar os riscos de
alemão foram colocadas em estado de alerta atentados terroristas em França, mesmo se o
máximo. ministro do Interior, Daniel Vaillant, conside-
Ao longo de toda a tarde de ontem as tele- ra que “não há ameaças identificadas contra
visões emitiram edições especiais a acompa- a França”. Este plano mobiliza o Exército, as
nhar o desenvolvimento dos acontecimentos forças de polícia e da “gendarmerie” (guarda
no Word Trade Center onde foi possível ver republicana) em patrulhas de rua. O Vigipira-
jornalistas com dezenas de anos de experiên- Um pouco por todo a Europa o drama de Nova Iorque foi seguido com espanto te foi concebido em 1995, depois dos atentados
cia profissional com a voz embargada. terroristas atribuídos ao GIA (Grupo Islâmi-
Na Alemanha, os centros de crise criados co Armado, argelino) e que fez oito mortos e
(no Ministério dos Negócios Estrangeiros e à Reuters o analista de defesa Paul Beaver. continua a ser o aeroporto internacional centenas de feridos.
no Gabinete Federal) estão apreensivos não só Por respeito às vítimas dos atentados norte- mais movimentado de todo o mundo —, Ga- De tarde, houve uma reunião de crise de
relativamente à segurança de edifícios norte- americanos, Blair anulou o seu discurso pre- twick e Stansted.  J.A. todas as polícias, dos serviços secretos e da
americanos e israelitas, mas também, segun- visto frente ao congresso anual dos sindicatos contra-espionagem, mas nenhuma informa-
do um comentador do canal televisivo públi- britânicos, em Brighton. Segundo a AFP, a voz ção foi divulgada. Quatro patrulhas da força
co, ARD, em relação à segurança do próprio do primeiro-ministro britânico estava trémula ESPANHA aérea vigiam permanentemente o céu da re-
ministro dos Negócios Estrangeiros, Joschka
Fischer, pelo seu empenho na tentativa de
quando se declarou “terrivelmente chocado”
pela série de atentados contra os EUA.
EM ESTADO DE ALERTA gião parisiense.
O Presidente Jacques Chirac terminou
pacificação do conflito no Médio Oriente.  Blair transmitiu “as mais profundas con- Todos os serviços de segurança espanhóis de imediato uma deslocação à Bretanha pa-
HELENA FERRO DE GOUVEIA, em Frankfurt dolências ao presidente Bush e ao povo ame- estão em alerta máximo após os atentados co- ra regressar a Paris: “É com uma emoção
ricano da parte do povo britânico” e condenou metidos nos Estados Unidos. A meio da tarde imensa que a França toma conhecimento
REINO UNIDO “o terrorismo em massa que é o novo flagelo
diabólico no nosso mundo actual, que foi per-
de ontem, a embaixada norte-americana em
Madrid, na calle Serrano, estava protegida
dos atentados monstruosos que abalam os
Estados Unidos”, reagiu o chefe de Estado
TERRORISMO É O NOVO “FLAGELO petrado por fanáticos que são completamen- por forças especiais da polícia espanhola e francês, que assegurou a “solidariedade”
te indiferentes ao carácter sagrado da vida rodeada por blindados da Guarda Civil. O do povo francês para com o povo americano
DIABÓLICO” humana”. presidente do Governo espanhol, José Maria “nesta tragédia”.
Na qualidade de aliado privilegiado dos Es- Para o primeiro-ministro britânico é o dever Aznar, que iniciava uma viagem a três países Em Matignon, o primeiro-ministro Lionel
tados Unidos, também o Reino Unido refor- das democracias “unirem-se e combaterem bálticos, regressou urgentemente a Espanha. Jospin condenou “o recurso abominável à
çou ontem o estado de alerta em todos os em conjunto para erradicar totalmente este Numa conferência de imprensa em Tallin, violência terrorista”. Numa conferência de
edifícios governamentais — civis e militares flagelo” que é o terrorismo contemporâneo. capital da Estónia, Aznar atacou “a loucura imprensa improvisada, o chefe do governo ma-
—, bem como em todas as representações “Não conseguimos imaginar a carnificina que terrorista”. nifestou a “emoção profunda” e o “sentimento
diplomáticas britânicas no estrangeiro, se- se passou lá [em Nova Iorque e Washington] e “Disse várias vezes que não devemos dis- de horror” que lhe inspira “esta violência
gundo anunciou o ministro dos Negócios o número muito, muito elevado de inocentes tinguir entre terroristas, o terrorismo é igual inaceitável”.
Estrangeiros, Jack Straw. que perderam a vida”. Jack Straw ofereceu aos em todo o lado e os terroristas devem ser per- Ao cair da noite, Jospin apelou aos france-
O primeiro-ministro britânico, Tony Blair, EUA “toda a ajuda possível” do Reino Unido seguidos onde quer que estejam”, sintetizou ses para “manterem a calma”. Um Conselho
convocou ontem para o número 10 de Downing para encontrar os autores do atentado. o “premier” espanhol. Um discurso com evi- de Ministros restrito, com os ministros dos
Street uma reunião do comité de urgência do O quotidiano da vida de Londres também dente sinal político interno, uma referência Negócios Estrangeiros, do Interior, da De-
seu governo, baptizado como o nome de “Co- foi afectado pelo ambiente de ameaça gene- indirecta de Madrid ao terrorismo etarra. fesa e dos Transportes, foi organizado no
bra”. Para além de Straw, também o ministro ralizada que se viveu ontem em todo o mun- Na capital espanhola, a “célula de crise”, Eliseu ao fim da tarde. O Presidente Chirac
do Interior, David Blunkett, e da Defesa, Geoff do ocidental. A bolsa de Londres foi evacu- intregrada pelos ministros da Defesa, Interior prometia falar ao país de noite. “Mudámos
Hoon, foram convocados para a reunião onde ada, bem como as torres de Canary Wharf, e Negócios Estrangeiros, continuava reunida de mundo. Nada será como antes do ataque
estiveram presentes os responsáveis máximos nas Docklands. A companhia aérea British à hora do fecho desta edição, e a diplomacia contra o World Trade center”, preconiza o de-
militares e dos serviços secretos britânicos. Airways anulou todos os voos de e para os madrilena é parca em declarações, para além putado gaullista Pierre Lelouch, especialista
“As pessoas vão tentar pesar se o Reino Unido Estados Unidos e as medidas de segurança da óbvia condenação dos brutais atentados. de questões estratégicas e antigo cronista
é vulnerável a ataques semelhantes e o que foram reforçadas nos três principais aero- Em 1991, na era dos Governos de Felipe Gon- da revista americana “Newsweek”.  ANA
pode fazer para os evitar ou enfrentar”, disse portos da capital britânica: Heathrow — que zález, a Espanha foi anfitriã e inspiradora da NAVARRO PEDRO, em Paris
ESPECIAL 17
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001

15h10 Um avião Boeing 757 despenha- cima abaixo como se estivesse a ser descas- 18h27 É declarado o estado de emer- dos negam qualquer envolvimento, dizendo que
se em Somerset County, a 80 milhas de Pitts- cada, largando para o ar uma enorme nuvem gência em Washington D.C. não se tratou de uma retaliação pelos ataques;
burgh, no estado da Pensilvânia. É mais tarde de pó e detritos. a oposição afegã ao regime dos taliban reivin-
identificado pela companhia aérea United Air- 19h30 A FAA anuncia que todos os voos dica as explosões.
lines como tratando-se do voo 93, com destino 15h45 Todos os edifícios federais dos comerciais norte-americanos estarão suspen-
a São Francisco e tendo partido de Newark, Estados Unidos são evacuados. Todos os ae- sos pelo menos até ao meio-dia (hora de Nova 23h54 George W. Bush regressa a Wa-
em New Jersey, com 38 passageiros e sete roportos do país são evacuados e também Iorque) de quarta-feira — a primeira vez que tal shington.
tripulantes a bordo. encerrados. medida é tomada na história dos EUA.
0h02 A CNN anuncia que um outro edi-
15h25 É noticiada a explosão de um 18h04 O Presidente norte-americano, 20h55 Karen Hughes, directora de comu- fício próximo do World Trade Center está em
carro armadilhado às portas do edifício do De- George Bush, garante à nação, numa inter- nicações da Casa Branca, diz que o Presidente risco de desabar.
partamento do Tesouro, em Washington. Mais venção televisiva, que estão a ser tomadas está “em local secreto”; apura-se depois que
tarde há um desmentido. todas as medidas de segurança. E deixa o George W. Bush estava numa base aérea do 0h45 A polícia de Nova Iorque anuncia
aviso: “Não tenham dúvidas, os Estados Uni- Nebraska (Oeste dos EUA). que mais de 70 polícias e 200 bombeiros estão
15h26 Todos os voos com destino para dos vão caçar os responsáveis por este ata- desaparecidos.
os Estados Unidos são desviados para o Cana- que.” 22h20 Um edifício de 47 andares junto ao
dá, segundo ordens da FAA. World Trade Center desaba. 1h30 O Presidente George W. Bush fala à
16h02 O “mayor” Giuliani pede aos no- nação e promete que os EUA e os seus aliados
15h27 A torre norte do World Trade va-iorquinos que fiquem em suas casas e or- 23h Ouvem-se explosões em Cabul, capital “juntos, irão vencer a guerra contra o terroris-
Center acaba também por ruir, desabando de dena a evacuação do Sul de Manhattan. do Afeganistão. Mais tarde, os Estados Uni- mo”. D.F./P.R.

REUTERS

ALEX FUCHS/EPA
1 8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA -FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
ALI HASHISHO7REUTERS

dadosamente planeados e coordenados, e co- pessoal das suas representações diplomáticas


mo tal condeno-os firmemente. O terrorismo nos EUA, por receio de eventuais ataques.
tem de ser combatido resolutamente onde
quer que surja. Em momentos como este um
julgamente frio e racional é mais necessário
do que nunca. Não sabemos quem está por CENTRAIS ELÉCTRICAS E GASODUTOS EM
detrás destes actos ou que objectivo espera ALERTA
alcançar. O que sabemos é que nenhuma cau-
sa justa pode ser conseguida pelo terror.”
Nos EUA, as centrais de energia eléctrica e os
gasodutos foram colocados em alerta máximo,
MEDIDAS DE SEGURANÇA NA RÚSSIA... numa medida definida como “de precaução”.
O rei Abdallah II da Jordânia decidiu anular
As forças de defesa antiaérea da Rússia adop- a visita programada aos EUA, enquanto as
taram medidas antiterroristas e as tropas do autoridades norte-americanas da aviação civil
ministério do Interior foram colocadas em (FAA) ordenaram a suspensão de todos os voos
estado de alerta. O Presidente Putin reuniu comerciais em território norte-americano. Os
no Kremlin os ministros responsáveis pela voos transatlânticos foram desviados para o
segurança e transmitiu diversas ordens sobre Canadá.
o reforço da segurança nacional.
APELO DE ROBERTSON
... E NA POLÓNIA, GRÉCIA E CHINA
O secretário-geral da NATO, George Robert-
A polícia polaca reforçou a protecção das re- son, apelou ao “pessoal não essencial” para
presentações diplomáticas dos EUA e de Is- abandonar o edifício e “não se apresentar
No campo de Ain al-Hiylweh, crianças, velhos e guerrilheiros festejaram o ataque rael, e dos aeroportos polacos. Na Grécia, o quarta-feira [hoje]”. As bases militares norte-
chefe da polícia, general Photis Nasiakos, or- americanas da NATO na Itália foram ainda
denou o reforço das medidas de segurança nos rodeadas por medidas de segurança, á seme-

Palestinianos celebram aeroportos do país e em redor dos edifícios


norte-americanos. A China também adoptou
idênticas medidas, à semelhança de muitos
lhança das instalações do quartel-general da
zona sul da NATO (AFSOUTH) em Nápoles.

com tiros de alegria outros países do mundo.

CANADÁ SUSPENDE TRÁFEGO AÉREO


AL GORE ANULA CONFERÊNCIA
O antigo vice-presidente dos EUA, Al Gore,
Nos campos de refugiados no Líbano, festejou-se os ataques de Nova Iorque anulou uma conferência onde deveria partici-
e Washington; por todo o mundo houve reacções, na sua maioria de pesar À semelhança dos EUA, o vizinho Canadá tam- par na noite de ontem em Viena e preparava-
bém decidiu suspender todo o tráfego aéreo, à se para regressar ao país. “O senhor Gore,
“Sinto que estou num sonho. Nunca acreditei (Beirute, já era hora da sesta quando a notícia excepção dos voos com objectivo humanitário. que estava muito chocado, anulou todos os
que um dia os Estados Unidos viriam a pagar dos atentados chegou. Muitos palestinianos Na Europa, o Eurocontrol, organização que seus compromissos”, declarou um dos orga-
um preço pelo seu apoio a Israel”, disse Mus- saíram para a rua, alguns de pijama, para dis- supervisiona a circulação aérea no espaço aé- nizadores do encontro. “Preparamos o seu
tapha, um palestiniano de 24 anos, contente, de parar as suas armas como sinal de vitória e reo europeu, decidiu suspender todos os voos regresso aos EUA para se juntar à família o
arma ao ombro. Com ele, em Nablus (Cisjor- alegria. Segundo a AFP também se ouviu fogo europeus em direcção aos Estados Unidos. mais depressa possível”, concluiu.
dânia), estiveram centenas de palestinianos de artifício e muitos jovens gritaram, dançan-
na rua para celebrar os atentados mortíferos do, “os americanos são todos porcos”.  J.A.
de ontem contra o Pentágono e o World Trade CONSELHOS DE EMBAIXADAS DOS EUA CUBA OFERECE AJUDA E SOLIDARIEDADE
Center, nos Estados Unidos.
DISCURSO DE KOFI ANNAN AOS EUA
Em Jerusalém oriental, dezenas de jovens A embaixada dos EUA em Paris avisou os cida-
também celebraram e quem ouvisse as buzinas dãos norte-americanos em França para man-
dos carros ira pensar que se tratava de um “Estamos todos traumatizados com esta ter- terem “low profile” e evitarem falar inglês em O ministro cubano dos Negócios Estrangei-
cortejo de casamento ou de uma vitória num rível tragédia. Não sabemos ainda quantas público. “Aconselhamos a que tenham muito ros, Felipe Perez Roque expressou ontem, em
qualquer jogo de futebol. “Estamos tão conten- pessoas foram mortas ou feridas, mas inevi- cuidado, vejam a CNN e televisões locais e nome do governo de Havana, “solidaridade”
tes por a América ter sido atingida. A Améri- tavelmente o número será alto. Os nossos tenham em atenção o que se passa. Tentem e “dor” pelos ataques contra Washington e
ca está contra nós ao apoiar Israel”, afirmou primeiros pensamentos e orações têm de ser manter a máxima discrição possível, evitem Nova Iorque e ofereceu ajuda médica e aérea
Suleiman à Reuters, para quem os amigos de para eles e para as suas famílias. Quero ex- falar inglês nas ruas. Nunca se sabe”, referiu aos Estados Unidos. “Lamentamos profun-
Israel são os inimigos do povo oprimido da pressar-lhes as minhas profundas condolên- a embaixada. E a representação norte-ameri- damente a perda de vidas humanas, e nossa
Palestina. cias, bem como ao povo e ao governo dos Es- cana em Moscovo também emitiu conselhos posição é de total rejeição deste tipo de ata-
Nos campos de refugiados palestinianos do tados Unidos. similares. Em Vilnius, capital da Lituânia, ques terroristas”, declarou Roque, conside-
Líbano também se celebrou com tiros para o ar. Não pode haver dúvidas de que estes ata- procedeu-se à evacuação da embaixada norte- rando “bárbara” a ideia de alguém sugerir o
Em Ain-El-Ailweh, no sul do país e em Chatila ques são actos dliberados de terrorismo, cui- americana. Israel decidiu ainda evacuar o envolvimento do governo cubano.

IMODIVOR - SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, S.A.


Sede: Lugar do Espido, Via Norte, Maia
Capital Social: 5.000.000$00
Matriculada na C.R.C. da Maia sob o n.º 3030
Pessoa Colectiva n.º 502 979 330

ANÚNCIO
Nos termos e para os efeitos do disposto nos nrs. 1 e 2 do art. 16.º do DL. 343/98
de 6/11, dá-se conhecimento que esta sociedade, face ao aprovado na Assembleia
Geral Anual realizada em 28 de Março de 2001, vai redenominar as accções re-
presentativas do seu capital social, da seguinte forma:
*IDENTIFICAÇÃO DOS VALORES MOBILIÁRIOS A REDENOMINAR: 10.000
accções, sendo 5.000 representativas da totalidade do capital social desta socie-
dade que é de Esc. 5.000.000$00, e as outras 5.000 através da emissão de novas
acções, para adaptação ao capital social mínimo de 50.000 euros.
*FONTE NORMATIVA EM QUE ASSENTA A DECISÃO: Decreto-Lei n.º 343/98 de 6
de Novembro;
*TAXA DE CONVERSÃO: 200$482;
*MÉTODO DE REDENOMINAÇÃO E O NOVO VALOR NOMINAL: método não
padrão fixando-se: o valor nominal de cada accção em 5 euros e o capital social
em 50.000 euros representado por 10.000 accções;
*DATA DA REDENOMINAÇÃO: 25 DE OUTUBRO DE 2001.
*DATA PREVISTA PARA O PEDIDO DE INSCRIÇÃO DA REDENOMINAÇÃO NO
REGISTO COMERCIAL: 25 DE OUTUBRO DE 2001.
Matosinhos, 10 de Setembro de 2001

Pelo Conselho de Administração


D E S TA Q U E 1 9
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001

REACÇÕES OFICIAIS

ISRAEL Oriente, mas rejeitou qualquer envolvimento


da sua organização.

O ministro da Defesa israelita, Benjamin Ben


Eliezer, denunciou a ameaça sobre o mundo do HAMAS
que definiu por “Islão extremista”. O Governo
de Ariel Sharon ordenou o encerramento do O Hamas, outro movimento radical palesti-
espaço aéreo do país. A Força Aérea entrou em niano, também negou qualquer relação com os
estado de alerta, segundo referiu a televisão atentados. “A estratégia do Hamas consiste em
pública. lutar contra o ocupante sionista na Palestina e
não fora da Palestina, seja nos Estados Unidos
ou noutro local”, declarou um responsável
AUTORIDADE PALESTINIANA do Hamas em Gaza, Ismaïl Haniyé. Na sua
perspectiva, e após os atentados de ontem,
O Presidente da Autoridade Palestiniana, “Washington deveria rever seriamente a sua
Yasser Arafat, através de uma declaração, política no mundo”.
emitiu as “condolências do povo palestiniano
ao Presidente americano [George W.] Bush,
ao seu Governo e ao povo americano por este EGIPTO
acto terrível”, afirmou em Gaza. “Conde-
namos totalmente esta grave operação [...] O Presidente Hosni Mubarak condenou os
Estamos completamente chocados. É inacre- ataques “horrendos” que conduzem “à morte
ditável, inacreditável, inacreditável”, subli- de um grande número de vítimas inocentes”.
nhou. “Foi com tristeza e pesar que recebi as notícias
dos ataques criminosos”, prosseguiu Muba-
rak, que ofereceu a ajuda do seu país aos EUA
FPLP e disse que os atentados “foram horrorosos e
para além da imaginação”.
A Frente Popular de Libertação da Palestina
(FPLP), a partir da sua sede em Damasco,
rejeitou qualquer envolvimento na série de RÚSSIA
atentados. “Não temos nada a ver com estas
explosões”, referiu Maher Taher, porta-voz e O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, en-
membro da direcção da FPLP. A 27 de Agosto, viou um telegrama ao Presidente George W.
após o assassínio do chefe da FPLP Abu Ali Bush onde afirma que “semelhantes actos
Mustafa num ataque de mísseis lançado por terroristas e bárbaros não devem ficar impu-
Israel na Cisjordânia, Taher tinha apelado a nes” e apelou à “coordenação internacional”
“acções contra os interesses americanos”. contra o terrorismo. Numa missiva iniciada
com a expressão “Caro George”, Putin solici-
ta que “transmita as nossas mais sinceras
JIHAD ISLÂMICA simpatias aos familiares das vítimas desta
tragédia e à totalidade do povo americano em
Em Gaza, um alto responsável do movimento sofrimento”. “Compreendemos a sua mágoa
radical palestiniano Jihad Islâmica conside- e dor, tal como a Rússia já sofreu com o terro-
rou que os atentados nos EUA são uma conse- rismo. Toda a comunidade internacional deve
quência “da política americana na região mais unir-se na luta contra o terrorismo”, refere o
quente do mundo”, numa referência ao Médio texto divulgado em russo pelo Kremlin.
2 0 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

A maior operação aérea


de toda a história
O desvio dos milhares mensões, sobretudo aparelhos ternativos ficaram saturados.”
de aviões que se de empresas. “Qualquer aeró- A maior parte dos aviões des-
dromo que recebe voos deste ti- viados para o Canadá são apa-
encontravam no po tem, em média três ou quatro relhos de quatro reactores, os
espaço aéreo dos EUA centenas de pequenos aviões. quais têm maior autonomia e,
foi uma operação sem É, portanto, natural, que todos portanto, podem manter-se por
estes aparelhos, tentando ater- mais tempo no ar sem terem de
precedentes e arriscada rar de emergência, provoquem aterrar de emergência em pis-
o caos”, adiantou o mesmo res- tas dos EUA. No entanto, mui-
JOSÉ BENTO AMARO ponsável. Qualquer um destes tos outros de apenas dois moto-
aeródromos tem mais movi- res, como o Airbus 310 da TAP
O desvio dos aviões do espaço mento do que a Portela, o prin- que ontem, pelas 9h45, saiu de
aéreo norte-americano para o cipal aeroporto português. Lisboa com destino a Nova Ior-
Canadá — principalmente pa- A complicar ainda mais toda que, também foram desviados
ra as cidades de Toronto e Ota- a gestão do espaço aéreo sur- para o país vizinho. No caso do
va —, efectuado nas horas que giu depois o aviso das autori- aparelho em causa, acabou por
se seguiram aos atentados ter- dades norte-americanas: qual- aterrar em Halifax.
roristas, foi a maior operação quer avião detectado a voar a Um outro voo da TAP, com
mundial de sempre na história menos de 5000 pés (cerca de 1500 destino a Nova Iorque (um Air-
da aviação. Avançar com um metros) seria abatido. bus 340), que deveria ter partido
número relativo às aeronaves Mas, apesar da prontidão das de Lisboa às 14h45, foi cancela-
implicadas era, ontem, impos- ordens para que muito do tráfe- do. O cancelamento dos voos,
sível, uma vez que aos apare- go aéreo dos Estados Unidos fos- de e para os Estados Unidos foi,
lhos de carreiras regulares ha- se encaminhado para o Canadá, aliás, uma regra comum a to-
via ainda que somar os muitos esta foi uma operação classifi- das as companhias de aviação
pequenos aviões privados. cada como “muito arriscada”. É mundiais. Acontece que, quan-
“Para se ter uma pequena que tal significou que determi- do aconteceram os atentados,
ideia da grandiosidade de uma nados corredores aéreos (uma alguns aviões internacionais
operação do género [o desvio espécie de estradas por onde se tinham como pistas mais próxi-
do tráfego aéreo dos EUA para deslocam os aviões) sofressem mas as das ilhas Terceira e San-
o Canadá] basta referir que em um congestionamento fora do ta Maria, nos Açores. Foi para
qualquer aeroporto médio ame- comum. “É sempre uma ope- este segundo aeroporto que fo-
ricano descolam e aterram, ração complicada e arriscada. ram encaminhados 12 aviões,
num período de 45 minutos, en- Com o aumento do número de ficando o controlo do tráfego
tre 35 e 40 aviões”, explicou ao aeronaves em determinados cor- aéreo na região a cargo dos mi-
PÚBLICO um técnico ligado ao redores diminuiu, obrigatoria- litares americanos.
sector da aviação civil. mente, a distância de cada avião A pista das Lajes (Terceira),
A juntar a estes números sur- em voo e, por consequência, au- onde se situa uma base norte-
gem depois os voos de milha- mentaram as hipóteses de aci- americana, ficou reservada a
res de aeronaves de menores di- dentes. Os corredores aéreos al- aparelhos militares. 
D E S TA Q U E 2 1
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001

DAVID CLIFFORD

EXPECTATIVA
Um cruzeiro NAS LAJES
de sonho, Se houver retaliação,
a base açoriana terá

um regresso grande importância


estratégica
no reabastecimento

de medo de caças
NUNO MENDES

Passageiros retidos no que a situação normalizou e A Base das Lajes, na ilha Ter-
pode reencontrar toda a sua ceira, passou o dia de ontem
aeroporto de Lisboa família. Os únicos passageiros em “Alerta Delta”, com to-
vivem horas de a quem a TAP paga estadia, dos os edifícios civis encer-
angústia e incerteza no hotel Altis Park, são os que rados e os militares norte-
vinham de outros destinos e americanos aconselhados a
faziam escala em Lisboa. não abandonarem as insta-
“Um avião vai para todo o lado, só é preciso é que o levem”, diz um comandante da TAP CATARINA GOMES Artur Rodrigues, residente lações. Ao mesmo tempo, foi
nos Estados Unidos desde os reforçada a vigilância em to-
Megan, uma estudante da Ca- cinco anos, só quer que lhe de- do o perímetro militar, ten-
rolina do Norte de 22 anos, ga- volvam Joshua e Jack, os fi- do, contudo, a parte civil do

“Pilotos não têm nhou um cruzeiro de sonho


na Internet. Teve uns relaxan-
tes quinze dias, passando pela
Inglaterra e por França, para
lhos que enviou no voo da TAP
para regressarem às aulas a
tempo. Desde o cancelamen-
to do voo até à sua aparição
aeroporto continuado a fun-
cionar, se bem que com um
maior controlo, dentro da
normalidade.

qualquer hipótese”
finalizar em Lisboa. Foi com aguardou durante mais de du- O fecho dos edifícios e o
a descontracção de umas fé- as horas, com escassas infor- aumento da vigilância cons-
rias bem passadas, à borla, que mações por parte da TAP. À tituíram os únicos registos
fez o “check in”, se sentou no pergunta que se foi repetindo: de anormalidade ao longo do
avião da TAP que a levava de quando poderão apanhar um dia. Segundo uma fonte mi-
volta a Nova Iorque, e daí à Ca- voo de volta?, todos receberam litar contactada pelo PÚBLI-
cisar de saber meter as mu- rolina do Norte. a mesma resposta dos funcio- CO, o movimento de aviões
SEGURANÇA NOS AEROPORTOS QUESTIONADA danças”. Poucos minutos depois, foi nários: “Vá vendo televisão!” foi “o que se pode considerar
convidada, ela e mais cerca de dentro do habitual”, até por-
Os comandantes de aviões portugueses “A rotina leva ao desleixo” 140 passageiros, a regressar à Nível máximo de segurança que o “a nível de actuação da
sentem-se especialmente atingidos “Todos os sistemas são falí- sala de embarque por causa de nos aeroportos portugueses base não faria supor outra
pela tragédia ocorrida. E lembram que veis, nós todos somos alvos ataques terroristas. E voltou Durante o dia de ontem, hou- coisa”.
fáceis”, indicou uma outra o “stress”, misturado com o ve dois voos para Nova Iorque As Lajes são utilizadas,
“todos os sistemas são falíveis” fonte do mesmo sector, sa- medo, com o desnorteamento: que partiram durante a ma- normalmente, sempre que os
lientando que “a rotina leva o seu pai é piloto, não sabe se nhã, um da TAP e outro da Estados Unidos decidem ac-
INÊS SEQUEIRA o lado, é preciso é que o ao desleixo” nos aeroportos. ia num dos aviões, não conse- Continental Airlines, que teve tuar no Médio Oriente ou na
saibam levar”, disse Sot- Todos os pilotos concordam que fazer um único telefone- que aterrar no Canadá, e ou- Europa, o que “não é o caso”.
Com três ou quatro coman- tomayor Cardia. E, para o sobre um aspecto: “Depois do ma para os Estados Unidos. tros dois foram cancelados, o Assim sendo, acrescentou a
dos terroristas dentro de um saberem levar, depois do que sucedeu, muita coisa vai Foi o que aconteceu aos ou- segundo da TAP e um outro mesma fonte, “só é de admi-
avião, “os pilotos não têm aparelho estar já em voo, ter de mudar nos sistemas tros seis americanos, que só da Sata para Boston, que par- tir que o aumento do tráfego
qualquer hipótese” de resis- o necessário “são conheci- de segurança”, afirmaram. ficaram a saber pelo PÚBLICO tia de Ponta Delgada. Vindos aéreo caso o Governo norte-
tência, acredita um coman- mentos básicos”: conhecer “Isto vai obrigar a uma refle- os pormenores dos ataques. dos EUA chegaram durante a americano decida retaliar”.
dante de aviação civil. Quan- o que é uma manche e como xão profundíssima sobre o Margery, uma agente de turis- manhã três voos. Nestas circunstâncias, o ae-
to à possibilidade de terem funciona, controlar a altitu- dinheiro que se gasta”. mo e participante no cruzei- O ministro da Administra- roporto açoriano será de
sido as próprias tripulações de do aparelho... Num caso O ditado “tempo é dinhei- ro, lembra-se de ter vivido a II ção Interna, Nuno Severiano extrema utilidade “para a
a dirigirem as aeronaves sob destes, reconhece António ro” impera hoje na aviação: Guerra Mundial — o seu ma- Teixeira, ordenou a instaura- circulação dos aviões que
coacção dos “piratas do ar”, Ramalho, “nem é preciso sa- a partir do momento em que rido esteve no Pacífico — mas ção do nível máximo de segu- reabastecem caças sobre o
as opiniões dos pilotos on- ber aterrar”. Hoje em dia ti- pára um avião na pista e sa- nunca de os próprios Estados rança nos aeroportos, embora Atlântico”.
tem contactados pelo PÚ- rar um curso de pilotagem em os passageiros, inicia-se Unidos serem alvo de tama- não tenha suspendido o espa- Durante quase todo o dia
BLICO foram unânimes: “É de aviões de grande porte uma corrida contra o tempo nhos ataques. Pergunta-se co- ço Schengen. Ao contrário da as atenções dos militares
mais fácil acreditar que al- pode ser caro, mas está fa- para manter o aparelho em mo podem entre eles especular Itália e da Alemanha, que deci- americanos colocados nas
guém abateu o piloto e to- cilmente ao alcance de uma terra o menor tempo possí- sobre a autoria dos atentados diram encerrar os aeroportos Lajes estiveram, à falta de
mou o controlo do avião”, organização com meios eco- vel. Entram a equipa de lim- se nem os serviços secretos ao tráfego, o Gabinete Coorde- missões a realizar, concen-
afirmou o presidente da As- nómicos para isso. peza, os serviços de ‘catering’ adivinharam nada... nador de Segurança reuniu-se tradas no que se estava a
sociação Portuguesa de Pilo- Indo um pouco mais lon- (refeições a bordo), os téc- No avião com destino a No- de emergência ontem à tarde passar nos Estados Unidos,
tos de Linha Aérea, coman- ge, um dos pilotos compa- nicos de manutenção. Como va Iorque seguiam também e decidiu impor o grau três de já que a rádio que serve a ba-
dante Salvador Sottomayor. rou os aviões naquela si- controlar todos? Existem os vários emigrantes portugue- medidas de segurança. Esta se esteve todo o dia a trans-
Quem vai nos comandos tuação a um autocarro em sistemas de detecção raios X, ses. Leonilde está no aeroporto determinação implica a revis- mitir informações em direc-
do “cockpit” “não é res- andamento. “Imagine um mas são “dezenas de pessoas desde as 5 da manhã, depois ta de todos os passageiros, a to de outras emissoras dos
ponsável por ver se alguém carro com a quinta mudan- que passam todos os dias, às de 10 horas na “carreira” vin- conferência dos passaportes e “States”. A falta de um ini-
entra dentro do aparelho ça metida e um miúdo de mesmas horas, pelos mesmos da de Chaves. Há quem aposte o exame através de raio X de migo, explicou uma fonte
armado”, referiu aquele res- dez anos a conduzi-lo, pode sistemas de segurança e os numa pausa forçada de três todas as bagagens de porão. contactada pelo PÚBLICO,
ponsável, acrescentando que dirigi-lo facilmente sem pre- mesmos guardas”. dias, há quem aponte em se- O cenário de voos cancela- “leva a que neste momento a
isso compete aos aeroportos. “Entra-se na rotina”, os manas. Leonilde é das optimis- dos de e para os Estados Uni- postura seja mais de expec-
E quais as capacidades de re- rostos tornam-se conhecidos tas e recusa-se a voltar a Cha- dos repetiu-se um pouco por tativa”.
sistência de um piloto, quan- e a atenção diminui. Para ves. Fica à beira do aeroporto, todo o mundo, desde todo o Ainda durante o dia, uma
do coagido? Por óbvias re- mais, actualmente nos Esta- na residencial Terminus, à es- espaço europeu a África e à reunião, realizada a meio da
gras de segurança, nenhum Num caso destes, dos Unidos, como em muitos pera que a televisão lhe diga América latina.  tarde, entre norte-america-
dos elementos da tripula- reconhece o outros países, “trata-se um nos e portugueses serviu pa-
ção entra armado dentro de comandante avião como um autocarro”: MANUEL DE ALMEIDA/LUSA ra decidir a forma de actu-
uma aeronave, referiu por as passagens são a preços re- ação conjunta. Este tipo de
seu turno o comandante An-
António Ramalho, duzidos, os passageiros che- encontros, explicou a mes-
tónio Ramalho, porta-voz “nem é preciso saber gam ao aeroporto e embar- ma fonte, “é comum sempre
do Sindicato dos Pilotos de aterrar”. Hoje em cam no espaço de meia hora. que é necessário reforçar a
Aviação Civil. A regra prin- dia tirar um curso de Como exercer um controlo segurança na base, uma vez
cipal é apenas uma: “Nun- apertado? Em Portugal, por que alguns dos procedimen-
ca contrariar as ordens dos pilotagem de aviões exemplo, apenas no caso de tos ficam a cargo dos milita-
‘piratas do ar’, embora pa- de grande porte transportarem o Presidente res portugueses”.
ra isto não haja preparação pode ser caro, mas da República é que as malas Tal como na base, também
possível”, indicou outro co- das tripulações entram no nos aeroportos do arquipéla-
mandante de longo curso, está facilmente ao aeroporto de véspera para go foi reforçada a segurança.
Ângelo Felgueiras. alcance de uma serem revistadas. E estender O “check in” e o embarque só
E quanto à capacidade ne- organização com esse procedimento a todos eram realizados com a iden-
cessária para embater uma os voos? “Seria inviável. Ne- tificação de todos os passa-
aeronave de grande porte
meios económicos nhum aeroporto tem capaci- geiros. Passou também a ser
contra um alvo específico? para isso dade para isso”, lembrou a exercida uma maior vigilân-
“Um avião vai para todo mesma fonte.  cia sobre as bagagens. 
2 2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

Comunidade lusa assistiu incrédula CHUVA DE


TELEFONEMAS
aos atentados nas margens de New Jersey
CARLOS LOPES
NAS AGÊNCIAS
Clarisse Frias e José
Gonçalves, dois DE VIAGENS
portugueses a viver na
América, tinham razões
especiais para a sua A notícia da tragédia
revolta: ela trabalha levou familiares de
numa empresa com turistas a
sede no World Trade procurarem
Center, ele trabalhou na informações e
sua reconstrução depois muitos passageiros
do atentado de 1993 trataram de cancelar
viagens
LUÍSA PINTO
e SANDRA SILVA COSTA
A tragédia nos Estados Uni-
Primeiro foi a estupefacção e a dos reflectiu-se de imediato
incredulidade. Depois o terror nos operadores turísticos e
e o pânico contido. Por fim, a agências de viagens portu-
tentativa de contactar pessoas guesas, que foram inunda-
que pudessem estar na área das com telefonemas a in-
dos atentados, mas sem su- dagar sobre a situação dos
cesso. As comunicações não familiares a gozar uns dias
funcionavam; as linhas telefó- de férias em Nova Iorque.
nicas, fixas e móveis, não esta- Numa ronda que o PÚBLI-
vam disponíveis: o World Tra- CO efectuou na tarde de on-
de Center era a principal base tem junto de mais de duas
de todas as antenas de comuni- dezenas de operadores, não
cações. Os transportes foram havia registo de portugue-
cortados, apenas a ligação náu- ses entre as vítimas. No en-
tica do ferry poderia trazer tanto, algumas dessas agên-
“Está tudo em estado de choque. É impossível perceber como pôde acontecer”, comenta-se nas comunidades
“notícias” da outra margem, cias não tinham conseguido
mas durante longas horas sem ainda contactar com os seus
sucesso. A consternação apo- tecido no país “que tem uns ainda não sabia como é que ia MNE em clientes hospedados em Ma-
derou-se de toda a gente, por- Aquilo que José serviços secretos apuradíssi- voltar para casa, em New Jer- nhattan.
que todos conheciam alguém mos” e que devia estar alerta sey. Sabia apenas que todos os ligação com Um dos operadores que
que trabalhasse ou se deslocas- Carvalheira viu de “porque tem já sofrido várias seus familiares se encontra- conseguiu falar com Nova
se diariamente para a zona sul manhã, pouco antes de ameaças de terroristas”. “Há vam bem. embaixada Iorque pouco tempo depois
de Manhattan. Uns limitaram- abandonar a sua casa três semanas, alguém avisou José Carvalheira, um por- nos EUA dos atentados foi a Carlson
se a aglomerar-se junto à saída de que algo de colossal iria tuguês de Gouveia “profunda- Wagons. Segundo informa-
do ferry à espera de ver chegar de Elisabeth, de onde acontecer contra a América. mente religioso”, lembrou-se ções de um responsável des-
os seus; outros colaram-se aos tem “uma vista Aí está”, apontou. imediatamente das palavras O Ministério dos Ne- ta empresa, os 27 portugue-
televisores, a chorar. perfeita sobre Nova Também José Manuel Gon- de Deus: “Um dia haveis de gócios Estrangeiros ses que viajaram para os
“Está toda a gente em estado çalves, presidente da Casa do ver coisas que nunca pensa- português emitiu on- EUA através da agência “en-
de choque. Ninguém consegue
Iorque inteira”, Benfica em Newark e supervi- rias ver”. Aquilo que viu de tem um comunicado contravam-se todos bem”.
acreditar. É impossível perce- pareceu-lhe “o sor de uma poderosa empresa manhã, pouco antes de aban- em que informava Na Cosmos e na Abreu, dois
ber como tudo isto pôde acon- princípio do fim” de construção civil que desen- donar a sua casa de Elisabeth não se ter verificado dos maiores operadores tu-
tecer”. Algumas horas depois volveu, entre outros, os traba- de onde tem “uma vista per- até às 19h15 (hora de rísticos portugueses, não foi
do primeiro ataque às torres lhos de recuperação das Twin feita sobre Nova Iorque intei- Lisboa) a existência possível obter informações
do World Trade Center, em No- José Nunes, um funcioná- Towers depois do atentado de ra”, pareceu-lhe “o princípio de qualquer portu- quer quanto ao número de
va Iorque, estas foram as pri- rio de uma empresa de distri- 1993, pensou desde o início no do fim”. “Saí porta fora para guês entre as vítimas portugueses que se encon-
meiras palavras que Clarisse buição de sinal televisivo por pior. A trabalhar actualmen- espreitar o que se passava. Mas dos atentados nos Es- tram em Nova Iorque com
Frias conseguiu balbuciar em cabos, que trabalha e reside te nas obras de ampliação do vim-me logo embora a chorar, tados Unidos da Amé- programas de férias, quer
declarações ao PÚBLICO. Mo- na mesma ilha de New Jer- aeroporto de JFK — de onde porque achei que não valia a rica. O MNE colocou no que diz respeito à sua si-
radora em New Jersey, esta sey, viu da sua janela os avi- consegue avistar Manhattan pena estar ali a ver aquela mi- ainda à disposição do tuação.
corretora financeira cuja em- ões a embater nas torres, e — sentiu um avião a passar séria. A minha senhora até se público dois telefo- Na Star não foi também
presa tinha os escritórios mãe posteriormente os edifícios a por uma área que sempre lhe sentiu mal. Foi uma tragédia nes para a recolha possível obter qualquer in-
numa das torres desapareci- ruir. “Não dá para acreditar. esteve proibida. Olhou para os muito grande”, contou ao PÚ- e obtenção de infor- formação porque os escri-
das, só pensou em ir buscar os Olhamos para Manhattan e céus e viu o que nunca poderia BLICO ao final da tarde. Nes- mações (213946406/ tórios deste operador tu-
filhos à escola. “Uma loucura! as Twin Towers já não estão ter imaginado. “Ninguém con- sa altura, o agente imobiliário /213946420). Para rístico foram evacuados na
Os telefones não funcionavam, lá. Ter visto aquele colosso a segue descrever como é que o de 70 anos ainda desconhecia monitorizar o de- sequência da ameaça de
e não foi propriamente a sensa- desabar é uma experiência in- povo se está a sentir. Portugue- o paradeiro de uma afilhada. senrolar da situação bomba no hotel Porto Palá-
ção de perigo imediato que nos descritível”. Ao contrário de ses e americanos”, sublinhou. “Ela trabalha dois edifícios o ministério montou cio, no World Trade Center
assolou. Mas perante o cená- Clarisse, que só quando soube Com muitos operários portu- abaixo das torres, mas tenho uma “célula de acom- do Porto (ver notícia nes-
rio tão trágico e inimaginável do embate do segundo avião gueses, e outros conhecidos, a uma grande fé de que ela está panhamento”, a qual tas páginas). Mas o PÚBLI-
que as televisões começaram começou a pensar em “aten- trabalhar na construção de tú- bem”. “Deus disse-nos que de- ficou em ligação per- CO sabe que o voo utilizado
a mostrar, só temos vontade tados”, Nunes nunca teve dú- neis na zona mais afectada por vemos perdoar, mas isto não manente com a Em- por alguns clientes da Star,
de reunir toda a gente que nos vidas. A sua estupefacção vai atentados, Gonçalves continu- tem perdão. Morreram mi- baixada e os consula- que ontem viajaram para
é querida e fecharmo-nos nal- toda para o facto de a “maior ava sem notícias de ninguém. lhares de inocentes”, afirmou dos de Portugal nos os Estados Unidos, acabou
gum sítio”, afirmou. tragédia de sempre” ter acon- E à hora de fecho desta edição, Carvalheira.  Estados Unidos. por ser desviado para Gan-
der, uma pequena cidade ca-
nadiana próxima do Que-

Médicos portugueses saíram ilesos do ataque beque, isto por força do


encerramento do espaço aé-
reo nos EUA.
O anúncio nas televisões
Clínicos participavam sa uma fonte da Sociedade Portu- O laboratório farmacêutico Novar- vel”. Maria João Dias assegurou que de que os aeroportos na Eu-
guesa de Cardiologia (SPC). tis foi uma das entidades organizado- o congresso está a decorrer no York ropa estavam também a fe-
em reuniões científicas A SPC informou também que os 37 ras do congresso. “Falei há poucos Hilton & Towers, na 13-35 Avenue of char provocou uma outra
clínicos, que viajaram para os Estados minutos com um colega que está em Americas, “a uma longa distância do onda de telefonemas junto
O grupo de médicos que se desloca- Unidos a fim de assistir a congressos Nova Iorque e ele garantiu-me que World Trade Centre”. Pelo lado da No- das agências de viagens,
ram aos Estados Unidos para parti- ligados à área da cardiologia, foram estava tudo bem com toda a gente”, vartis partiram 13 médicos, todos com com dezenas de clientes a
cipar em várias reuniões científicas repartidos por dois grupos: uns esta- disse ao PÚBLICO, ao final da tarde, destino a Nova Iorque. cancelar os respectivos vo-
não sofreram qualquer consequên- vam em Washington, outros em No- Maria João Dias, assessora de impren- Até à hora de fecho desta edição, o os marcados para os próxi-
cia dos acidentes ocorridos ontem va Iorque. A fonte citada pela Lusa sa do laboratório, acrescentando ter PÚBLICO apenas conseguiu apurar mos dias com destino a di-
em Nova Iorque e Washington. “Es- garantiu que os hotéis onde se encon- recebido informações que apontavam que pelo menos três dos médicos par- versas cidades europeias,
tão todos bem, não houve qualquer tram instalados são muito afastados para que o congresso estivesse a de- ticipantes exercem funções no Hospi- especialmente para Lon-
problema com eles”, adiantou à Lu- dos locais afectados. correr “dentro da normalidade possí- tal de Setúbal.  S.S.C. dres e Paris.  R.A.
D E S TA Q U E 2 3
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001

DANIEL ROCHA

ÁLVARO VASCONCELOS
OPINIÃO

A barbárie que
a todos afecta
s ataques terroristas contra Nova Iorque

O e Washington são o último hediondo mar-


co no processo de emergência do naciona-
lismo e da barbárie que caracteriza a segu-
rança internacional no pós-guerra fria, de
transformação dos civis em vítimas privilegiadas
das acções de guerra e de terror. É, em tudo, um acto
semelhante aos que afectaram já muitas centenas
de milhares de vidas nos Balcãs, na Argélia e em
muitas regiões da Ásia, como em Timor. Se os perpe-
tradores de actos de terror são por vezes difíceis de
identificar, a ideologia que os anima é conhecida:
os seus componentes são o ódio, o extremismo iden-
titário, religioso e étnico, o desrespeito absoluta
pelos direitos da pessoa humana, a recusa de que
existem limites à utilização da força, e a consequen-
te violência total contra os civis. Um dos elementos
do ressurgimento do nacionalismo extremo é o anti-
António Guterres apelou à união da comunidade internacional para se unir na luta efectiva contra o terrorismo americanismo primário.
Os acontecimentos dos últimos meses na Palesti-
na, a utilização da força sem regra nem limites éti-

Portugal disponível para cos ou políticos por Sharon e pelos islamistas radi-
cais, não podem ter deixado de contribuir para a
cultura de violência total que se desenvolve, e de
alimentar também o antiamericanismo.
O isolacionismo pós-Clinton, o “lavar daí as mãos”,

“esforço conjunto acrescido” não é solução para a resolução dos problemas de segu-
rança que hoje se colocam e que, como se sabe desde
a Bósnia, são essencialmente de natureza interna,
embora tenham muitas vezes uma componente exter-
na. O mundo está sem defesas perante o atentismo
Governo e oposição Numa conferência de im- não apenas na condenação, sam exprimir um sentimen-
prensa realizada três horas mas na luta efectiva contra to de unidade, de tranquili-
repudiam atentados depois dos atentados, o líder o terrorismo”. dade e de segurança”.
A resposta à tragédia não pode ser mais
nos Estados Unidos do Governo português afir- Apesar de ser ainda “pre- Também o presidente do unilateralismo, mais isolacionismo, mas
mou que se deve condenar maturo dizer que formas PSD, Durão Barroso, conde- sim a consciência de que o nacionalismo
PAULO CORREIA “com toda a energia” a “ir- vai revestir uma cooperação nou, “sem qualquer reser- e a barbárie identitária, onde quer que se
E SÃO JOSÉ ALMEIDA racionalidade” manifestada internacional acrescida”, o va”, o atentado terrorista,
através de “formas violentas, primeiro-ministro garantiu que, acrescentou, deve “in- alojem, são uma ameaça para todos, uma
Portugal está totalmente imprevisíveis e totalmente que Portugal está disponível dignar toda a comunidade ameaça que só pode ser prevenida ou
disponível para “participar impiedosas”. para estudar e participar em internacional”. Expressan- contrariada através de respostas globais
em qualquer esforço conjun- António Guterres subli- quaisquer acções conjuntas do a sua “total solidariedade
to acrescido que venha ser nhou que “este é o momento que possam reforçar a segu- ao Governo e ao povo norte-
acordado a nível interna- em que é dever da comunida- rança a nível mundial”. americano”, o antigo minis- americano, a fragilidade da União Europeia no domí-
cional”, anunciou ontem o de internacional, indepen- António Guterres apelou tro dos Negócios Estrangei- nio da defesa e segurança, e a impotência das Nações
primeiro-ministro, António dentemente das suas diferen- ainda, repetidamente, aos ros sublinhou: “Este não é Unidas, fragilizadas pelo unilateralismo de Bush.
Guterres. ças, se unir integralmente “portugueses para que pos- apenas um ataque aos f Nova Iorque e Washington são o Pearl Harbour da
nova situação internacional. Mostram que, ao contrá-
rio do que pensava a administração Bush, os EUA não
Atentado de uma “gravidade sem precedentes”, diz Sampaio podem isolar-se dos graves problemas que enfrentam
as diferentes regiões do mundo. Os horrores das Bós-
CARLOS LOPES nias deste mundo não afectam apenas os outros. Nu-
Classificou o ataque como o mais te tinha já exprimido o seu “pro- ma outra megadimensão, o que aconteceu em Nova
grave de sempre, mas escusou-se fundo choque e incredulidade pe- Iorque e Washington tem paralelo e precedente nos
a dizer o que fazer para punir os rante os bárbaros ataques ataques terroristas contra prédios de habitação em
terroristas. Foi esta a resposta do terroristas”. Numa comunicação Moscovo, ou no sinistro ataque de Oklahoma.
Presidente da República, Jorge feita ao país a partir do Palácio de A resposta à tragédia não pode ser mais unilatera-
Sampaio, quando as notícias che- Belém, o chefe de Estado portu- lismo, mais isolacionismo, mas sim a consciência
gadas do outro lado do Atlântico guês começou por falar na “hora de que o nacionalismo e a barbárie identitária, onde
eram ainda escassas. Depois de de luto” que sentia ser também de quer que se alojem, são uma ameaça para todos,
expressar às autoridades e ao po- todos os portugueses. “Não pode- uma ameaça que só pode ser prevenida ou contra-
vo americano a “total solidarieda- mos deixar de nos sentir directa- riada através de respostas globais.
de” e o “sentimento de profundo mente atingidos com a brutalida- Pode ser que a primeira reacção americana seja
pesar e revolta”, o Presidente da de do que presenciámos e a um ataque fulminante contra um alvo externo de-
República classificou o sucedido dimensão da tragédia.” O Presi- terminado, embora a identificação de um inimigo
ontem como um atentado de uma dente da República apelou ainda preciso deva ser extremamente difícil, dada a carac-
“gravidade sem precedentes”, à calma de todos: “Estou seguro terística fragmentária da acção terrorista. E uma
aproveitando para “reafirmar, que os portugueses saberão viver tal retaliação não resolverá certamente o problema.
com toda a clareza e determina- estes momentos difíceis com cal- Espera-se que, ainda assim, num segundo momen-
ção, a mais veemente condenação ma e serenidade.” O chefe de Es- to, os Estados Unidos, em parceria com a União Eu-
do terrorismo”. Jorge Sampaio tado disse estar em “permanente ropeia, ocupem de novo o seu lugar como actores
recusou, contudo, fazer qualquer contacto” com o primeiro- fundamentais na resolução dos problemas interna-
comentário sobre que medidas ministro, António Guterres, con- cionais e na definição de uma nova ordem multilate-
deveriam ser adoptadas contra os firmando terem sido “accionados ral — começando pela questão do Médio Oriente,
autores dos ataques. Para o Presi- todos os meios para acautelar a que como se sabe há muito tempo é o paiol do mun-
dente, esta era a hora de “cuidar sua [dos portugueses] seguran- do. A paz, como ainda hoje afirmou o ministro dos
dos vivos e enterrar os mortos”, ça.” Para o fim deixou uma espe- Negócios Estrangeiros do Brasil, Celso Lafer, “é
tendo a comunidade internacio- rança: “Que nenhum dos nossos uma esquiva conquista da razão política”.
nal muito tempo para decidir o compatriotas tenha sido vítima
que fazer. Antes disso o Presiden- destes trágicos acontecimentos.”
2 4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

Embaixadas com segurança envergonhada


EUA — é um ataque con-
tra os valores da nossa civi-
lização.” Barroso, que ontem
mesmo falou com o primeiro-
ministro, sustentou porém CARLOS LOPES

que, apesar da gravidade da Em Portugal,


situação, “não há razões para o atentado reflectiu-se
medidas de carácter alarmis-
ta” em Portugal.
num reforço policial
O líder do CDS-PP, Paulo à porta das
Portas, condenou igualmen- representações israelita
te a “barbaridade” dos aten-
tados, manifestou solidarie-
e norte-americana, que
dade para com as vítimas e a PSP tentou minimizar
defendeu uma punição firme
para os responsáveis. Em fa- NUNO SÁ LOURENÇO
ce das “vidas ceifadas e do
horror generalizado” hoje vi- Reforço policial? Qual refor-
vido, “todos nos sentimos no- ço policial? Era esta a respos-
va-iorquinos”, disse Paulo ta que o PÚBLICO recebia de
Portas em conferência de im- cada vez que se aproximava
prensa; observou que com o de um dos polícias à porta
fim da guerra fria as ame- da embaixada dos Estados
aças ao “mundo livre” vêm Unidos ou de Israel. O apara-
hoje de “grupos e Estados ex- to, no entanto, desmentia a
pressão de fundamentalis- desdramatização feita pelos
mos políticos ou religiosos agentes. À porta da represen-
capazes de violência extre- tação israelita estavam três
ma”. E defendeu que a “su- carros-patrulha e, pelo me-
perioridade moral” das de- nos, um agente de pistola-me-
mocracias obriga a que as tralhadora em punho. Quan-
“nações livres” não conti- to à embaixada dos EUA,
nuem a “oferecer tolerância” teve direito à presença de um
a terroristas. subcomissário.
O facto de os “polícias do Dentro das embaixadas
mundo” terem sofrido um reinava uma serenidade que,
ataque desta dimensão pro- aparentemente, a polícia por-
va a “vulnerabilidade” das tuguesa teve dificuldade em
“nações livres” e o “grau de manter durante a tarde de A segurança das embaixadas dos EUA, Israel e OLP em Lisboa foi de imediato reforçada após os atentados
insegurança de um mundo ontem. A embaixada nor-
em efectiva desordem” e sem te-americana permaneceu sença de um maior número Nem mesmo quando o PÚ- tes nas imediações que ten- mitava às embaixadas. As
“organização política consis- “funcional”, com excepção de agentes da Polícia de Se- BLICO lhe perguntou se a pa- tavam impedir que fossem escolas americanas e britâ-
tente”, considerou Paulo Por- dos serviços de atendimento gurança Pública (PSP). Perto trulha habitual à embaixada recolhidas imagens da em- nicas na zona de Lisboa esta-
tas; defendeu ainda que os ao público. Quem quer que da porta da embaixada dos norte-americana costumava baixada. Enquanto uns pro- vam também sob protecção
Estados Unidos devem “pu- se tenha deslocado a Sete EUA estava estacionado um incluir a presença de um sub- curavam tapar as objectivas policial. Segundo uma fonte
nir os criminosos” responsá- Rios durante a tarde de on- carro-patrulha a que se jun- comissário o responsável mu- das câmaras, outros pediam policial, as medidas de re-
veis pelos ataques com “fir- tem para receber um visto tavam quatro agentes e o sub- dou de discurso. “Eu estou satisfações aos jornalistas forço de segurança previstas
meza,” mas também com a ou qualquer outro documen- comissário Fernandes Dias. sempre na rua”, afirmou an- por estarem ali. para várias instituições bri-
“equidade” necessária para to de identificação obtinha “Não se pode falar em refor- tes de lembrar que fazia parte Os agentes no local nega- tânicas e americanas incluí-
que civis inocentes não te- a mesma resposta: a embai- ço”, dizia vezes sem conta o da 2ª esquadra das instalações vam também que tivesse sido ram a Saint Julian’s School,
nham que pagar por eles. xada não tratava de mais ne- subcomissário aos jornalis- diplomáticas. levado para junto da missão na zona de Cascais, e a Es-
Carlos Carvalhas, secre- nhum assunto até aviso em tas presentes no local. “O que A presença policial à vol- diplomática qualquer tipo cola Americana, no Linhó.
tário-geral do PCP, assumiu contrário. Os serviços essen- se passa é que eu mandei pa- ta da representação israe- de reforço, dizendo ser “nor- Medidas que a Polícia de Se-
também a “clara condena- ciais, contudo, permanece- rar aqui um carro-patrulha lita era ainda mais visível. mal” a presença de um agen- gurança Pública achou por
ção” dos atentados que “sa- ram em funcionamento como que ia a passar, mais nada”, E o nervosismo dos agentes te de pistola-metralhadora e bem estender aos serviços da
crificaram muitas centenas habitualmente. explicava Fernandes Dias à também. Para além dos três de três carros ali, por existir companhia de aviação TWA,
de vítimas inocentes” e apre- O único pormenor que des- medida que repetia que não carros-polícia estacionados, uma esquadra perto. próximo do Marquês de Pom-
sentou condolências às fa- toava no cenário era a pre- havia razões para alarme. encontravam-se seis agen- Mas a vigilância não se li- bal, em Lisboa. 
mílias das vítimas e ao povo
norte-americano. Conside-
rou que os ataques se inse-
rem numa “escalada de vio-
lência a nível mundial”. Já
antes o secretariado do PCP
Ameaça de bomba no WTC do Porto NÉLSON GARRIDO
emitira um comunicado em Edifício no coração vação de Esplosivos (EIE) ins-
que este organismo do comi- peccionava o hotel, no exte-
té central do PCP condenava
da cidade onde estava rior agentes da PSP criavam
os atentados terroristas nos hospedada a equipa um cordão de segurança, afas-
Estados Unidos e lamenta- da Juventus teve tando os mirones do local e
va o “sacrifício de vidas de de ser evacuado cortando o trânsito na via
cidadãos inocentes”, expri- ascendente da avenida. Um
mindo condolências aos fa- porta-voz do estabelecimen-
miliares e ao povo america- ANTÓNIO ARNALDO MESQUITA to hoteleiro explicara antes
no. O secretariado do PCP à comunicação social que a
não deixou de considerar Um forte dispositivo policial evacuação se verificou por de-
que a “espiral de violência foi montado na Avenida da cisão da polícia. “Estamos a
em que estes atentados se in- Boavista, a meio da tarde de obedecer a ordens”, esclare-
serem só agrava a situação ontem, na sequência de uma ceu. O hotel foi reaberto pelas
mundial”. mensagem anónima anun- 18h34, quando os especialis-
Por sua vez, o Bloco de Es- ciando a existência de um tas da PSP concluíram que a
querda manifestou a sua “ab- engenho explosivo no World denúncia anónima não tinha
soluta consternação” e a “so- Trade Center, que funciona fundamento.
lidariedade com as famílias num edifício do Grupo Soane “Entra tudo pela porta prin-
das vítimas e as comunida- e é contíguo ao Porto Palace cipal”, era a ordem recebida
des atingidas pela tragédia”. Hotel. O alarme terá sido fei- pelas dezenas de trabalhado-
Sustentou que “o terror dos to cerca das 15h30 e ambas res do hotel, que pouco depois
atentados” e “o número de as instalações foram evacu- reiniciaram as suas tarefas.
vítimas, que se projecta pa- adas 15 minutos depois por Ao lado, a entrada do WTC
ra dimensões atrozes, fazem inicitiva da PSP, obrigando Mensagem anónima levou PSP a evacuar edifício do World Trade Center no Porto continua vigiada por agentes
deste dia uma marca de bar- a equipa da Juventus, que da PSP. “Ninguém passa!”,
bárie”. O Bloco apela à mo- hoje defronta o FC do Porto, uma hora após o alarme, is- tra no hotel e no World Trade consistência do aviso anóni- intimava um cívico, na por-
bilização da comunidade in- a antecipar em três horas a to é, às 16h.38. “É para ir Center”, ordenava. Em liga- mo. O atraso, apurámos, ter- ta principal do centro de ne-
ternacional e da ONU para a sua deslocação para o Está- para onde?”, indagava um ção com o comando, o mes- se-á ficado a dever ao facto de gócios, acrescentando que a
“condenação da jornada de dio das Antas. agente empunhando uma mo comissário dava conta da terem previamente esquadri- brigada da EIE estava a ins-
terror” e a “contenção da sua Os primeiros operacionais “shot-gun”. “Para a parte de- situação:”Estamos à espera nhado as instalações do con- peccionar o local, após ter
espiral”, já que, faz notar, “a a chegar ao local foram ele- trás”, aconselhou o superior das ‘minas e armadilhas’ pa- sulado dos Estados Unidos, cumprido a sua missão no Pa-
escalada militarista seria a mentos das brigadas à paisa- hierárquico. Dois minutos ra passar tudo a pente fino”. situado a algumas centenas lace Hotel, apesar do WTC ter
pior resposta aos actos in- na daquela força, acabando depois, era apertada ainda Pelas 16h57 chegam os sa- de metros do local. Enquanto sido o alvo anunciado no tele-
qualificáveis” de ontem.  por entrar em acção quase mais a malha: “Ninguém en- padores que iam apurar a a brigada da Equipa de Inacti- fonema anónimo. 
D E S TA Q U E 2 5
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001

Americanos AUDIÊNCIAS ADIADAS


em Lisboa
em estado
Forças Armadas de prevenção Foram adiadas, em princípio para segunda

de choque
em Portugal ADRIANO MIRANDA
ou terça-feira, as audiências do primeiro-
ministro, António Guterres, com os partidos
da oposição que estavam marcadas para ho-
je. Os encontros destinavam-se à preparação
“Choque”, “horror”. Es- Ministério da Defesa da discussão parlamentar do Orçamento
tas são as palavras que do Estado para 2002. Adiado foi também
alguns americanos de
centraliza informações o encontro entre as delegações do grupo
passagem em Lisboa, sobre a crise parlamentar do PS e do PSD, chefiadas pelos
entrevistados pelo PÚ- respectivos líderes parlamentares, Francis-
BLICO no Hotel da La- HELENA PEREIRA co Assis e António Capucho, que iria servir
pa, mais usaram para para acertar os contornos finais da revisão
descrever o que senti- As informações sobre a resposta constitucional em curso. Este encontro de-
ram, face à onda de militar em Portugal aos atentados verá ocorrer na segunda-feira. Para ama-
atentados nos Estados terroristas dos EUA estão a ser cen- nhã, foi transferida a conferência de líderes
Unidos. José Wehnes, de tralizadas pelas relações públicas parlamentares que estava marcada para
viagem a Portugal por do Ministério da Defesa Nacional. ontem à tarde.
razões profissionais — “Estão a ser tomadas todas as medi-
trabalha numa editora das normais nesta situação”, afir-
americana especializa- mou ao PÚBLICO um elemento do
da em assuntos de medi-
cina — tem familiares
MDN, evitando pormenorizar es-
sas medidas e remetendo quais-
GOVERNO NA AR
em Nova Iorque, embo- quer dúvidas para a declaração do O secretário de Estado dos Negócios Estran-
ra não viva lá, mas ex- primeiro-ministro. geiros e Cooperação, Luís Amado, reúne-se
plicou que conseguira As medidas no plano defensivo, hoje à tarde com a comissão parlamentar
falar com eles e estavam no entanto, podem passar pela acti- dos Negócios Estrangeiros, para analisar a
bem. “Estou aliviado vação dos comandos operacionais situação criada ao nível da política interna-
por isso, mas muito cho- das forças, pelo reforço das unidades cional e das relações externas portuguesas
cado com o que aconte- e pela prontidão de meios na defesa pelos atentados terroristas contra os EUA.
ceu”, explicou. de pontos sensíveis não militares, A reunião contará também com a presença
O PÚBLICO tentou per- entre os quais os governamentais. do presidente da Assembleia da República,
ceber se, para este cida- No plano ofensivo, pelo aumento do Segurança de militares americanos em Portugal é prioridade António de Almeida Santos. Em comunicado
dão americano, os aten- grau de prontidão dos meios. assinado pelo seu presidente, Luís Marques
tados têm algo que ver Em termos de estruturas da que ali estão colocados. O Cincsou- todas as informações sobre os voos Mendes, a comissão parlamentar dos Negó-
com a política externa Aliança Atlântica em Portugal, o thlant é um comando regional que comerciais e não comerciais. On- cios Estrangeiros assumia ontem que esti-
do actual Presidente, Comando Atlântico do Sul (Cinc- está directamente sob a dependên- tem, estiveram em trânsito cerca vera reunida para “exprimir publicamente a
George W. Bush. “As coi- southlant), em Oeiras, reforçou a cia orgânica do Comando Aliado de duas dezenas de voos comerciais sua viva condenação pelos graves atentados
sas podiam ser diferen- sua segurança, na sequência dos Supremo do Atlântico (Saclant), com destino aos EUA. Alguns tive- terroristas ocorridos nos Estados Unidos,
tes, realmente”, admi- atentados. Mas o grau de ameaça em Norfolk, EUA. ram que ser desviados, para o Cana- os quais atingiram trágicas proporções e
tiu Whenes, lembrando, calculado — e as medidas tomadas O Centro de Operações Aéreas dá, por exemplo, outros regressaram traduzem acções absolutamente intoleráveis
no entanto, que já hou- em função deste — não foi um dos Combinadas 10 (CAOC 10) da NATO, ao aeroporto de origem. para toda a humanidade”.
ve outro atentado con- mais elevados. A percepção é a de que funciona nas instalações da For- No âmbito da reforma das estru-
tra o World Trade Cen- que os alvos estão em solo norte- ça Aérea em Monsanto, é que regis- turas da NATO, o CAOC 10, que está
ter. “Talvez os culpados americano. A preocupação, em Oei- tou um grande aumento de activida- instalado em Portugal há algumas
sejam os mesmos”,
aventou.
ras, contudo, vai para a seguran-
ça dos militares norte-americanos
de. O CAOC faz o controlo do espaço
aéreo do Atlântico e aqui reúnem-se
décadas, corre o risco de vir a ser LINHA DE EMERGÊNCIA
encerrado. I H.P.
“Estou zangada, muito Os serviços diplomáticos e consulares por-
zangada”, afirmou por tugueses nos Estados Unidos estão a desen-
sua vez Toni Lindstedt,
também americana, de
visita a Lisboa igual-
mente por razões profis-
Militares alertam Governo volver “todos os esforços no sentido de obter
elementos relativos a portugueses envolvi-
dos nos atentados”, informou um comunica-
do do Ministério dos Negócios Estrangeiros
sionais. “Agora fiquei
cheia de medo de viajar,
não sei como vou regres-
sar a casa”, disse, mos-
sobre riscos para o país (MNE) e do gabinete do secretário de Estado
das Comunidades Portugueses. Para tal, a
embaixada portuguesa em Washington e os
consulados-gerais em Boston e Nova Iorque
trando-se também preo-
Portugal não está livre estão a procurar obter informações sobre
cupada por não ter de ser um dia vítima de as listas de passageiros dos voos envolvidos
conseguido contactar ataques como os de ontem nos atentados e sobre a identidade das víti-
com ninguém das suas nos EUA, disseram mas. Em Lisboa, o MNE montou uma linha
relações em Nova Ior- telefónica, a funcionar 24 horas por dia,
que, onde vive. “Não te- ao PÚBLICO dois através da qual é possível obter informa-
nho família, apenas ami- generais portugueses ções sobre a situação dos cidadãos portu-
gos, mas não consigo gueses nos Estados Unidos. Quem quiser
telefonar-lhes. Isto é tu- HELENA PEREIRA saber dos seus familiares ou amigos neste
do um horror.” E JOÃO PEDRO HENRIQUES país deve ligar para os números 213946406
“Não acredito, não acre- ou 213946420.
dito”, diziam sem parar Dois generais portugueses especia-
uma para a outra, aba- listas em análise estratégica — um
nando a cabeça de incre- no activo, outro na reserva — con-
dulidade, duas turistas sideraram ontem, em declarações GAMA NO UZBEQUISTÃO
americanas, instaladas ao PÚBLICO, que Portugal não está
no Hotel da Lapa. Am- livre de um dia ser vítima de ata- Os atentados nos Estados Unidos apanharam
bas moram na zona de ques de origem semelhante à dos o ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime
Nova Iorque e tinham que ontem atingiram os EUA. “Po- Gama, de surpresa, no Uzbequistão, onde se
acabado de regressar de de acontecer-nos a nós”, disse o encontrava de visita, para preparar a presi-
um passeio de um dia in- general Garcia Leandro, director Garcia Leandro Loureiro dos Santos dência portuguesa da Organização para a
teiro por Lisboa. Chega- do Instituto de Defesa Nacional. Segurança Europeia (OSCE). Gama tentou
ram ao hotel carregadas “A própria Europa pode ser alvo gerou muita gente desesperada e as vencido que os EUA estavam pre- de imediato apanhar um avião de regresso
de compras e dirigiram- de atentados, incluindo Portugal”, pessoas mais perigosas são as deses- venidos” para o ataque. Mas “deve a Lisboa, mas foi impedido de o fazer pelo
se de imediato para jun- acrescentou Loureiro dos Santos, peradas. Não têm nada a perder.” ter havido uma falha nos serviços encerramento do espaço aéreo da União Eu-
to de uma televisão, para ex-chefe do Estado-Maior do Exér- Já para Loureiro dos Santos, Por- de informação”. E o “mais estra- ropeia e da Federação Russa, informou o seu
tentar perceber o que se cito, actualmente na reserva. tugal deve a partir de agora alterar nho” são as “falhas nos sistemas porta-voz, Horácio César. Quando soube das
passava, ficando coladas Para Garcia Leandro é impossível “radicalmente a sua política de in- de segurança de centros vitais dos notícias, o ministro, que viaja num Falcon
ao aparelho, a ouvir as prevenir militarmente ataques co- vestimentos na Defesa e deixar de EUA, como o Pentágono e mesmo o da Força Aérea Portuguesa, encontrava-se
notícias da CNN. mo o de ontem. “Não há capacidade sonhar com grandes meios conven- World Trade Center”. “Os atenta- em Tashkent, capital do Uzbequistão, tendo
“Não sabíamos de nada. para conseguir uma protecção total cionais, como os navais, e investir dos são surpreendentes pelos alvos cancelado então as deslocações que tinha pre-
Quando vínhamos no tá- contra ataques deste género, não em meios aéreos, por exemplo, para atingidos, os meios utilizados e a vistas às outras ex-repúblicas soviéticas do
xi, percebemos que há nenhuma capital que não seja responder ao terrorismo, em agen- sua amplitude”, afirmou. No seu Tajiquistão, Quirguistão e Turquemenistão.
acontecera qualquer vulnerável”, afirmou este general tes infiltrados, em operações de entender, “os atentados são uma Gama tentará regressar hoje a Portugal, mas
coisa grave, só que não do Exército. Segundo acrescentou, projecção de forças que actuem em sequência de toda uma série de não a tempo de participar no Conselho Extra-
entendemos o quê, não “é a lógica do sistema de relações áreas de situações de crise e que acções terroristas quer contra in- ordinário dos ministros dos Negócios Estran-
percebemos a língua. internacionais que está a levar a defina num conceito estratégico as teresses norte-americanos, quer geiros da União Europeia, marcado também
Não conseguimos acre- isto”. Para o general, a globalização verdadeiras ameaças”. contra a Europa e mesmo contra para hoje, em Bruxelas, pelo que será substi-
ditar nisto”, explicou gerou lógicas de exclusão de muitos O antigo chefe do Exército portu- a Rússia. A Rússia vem alertando tuído pela secretária de Estado dos Assuntos
uma delas. I.B. milhões de pessoas. “A globalização guês disse ao PÚBLICO estar “con- para isto há muito tempo”. I Europeus, Teresa Moura.
2 6 E S PA Ç O P Ú B L I C O
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 12 SET 2001

FANTASMA DA Bartoon LUÍS AFONSO

RECESSÃO REGRESSOU
Para além de todas as perdas humanas e materiais que
o inominável ataque terrorista ontem provocou, vai
também ser necessário contabilizar os danos
económicos que se farão sentir nos próximos tempos

O mundo dos negócios andava nervoso, irritadiço


e impaciente com o evoluir da conjuntura. Na
manhã de ontem, quando chegou ao conhecimento
do mundo o ataque a um dos símbolos da pujança
económica da América, o World Trade Center,
e ao ícone do seu poderio militar, o Pentágono,
a descrença abateu-se sobre os mercados, que
registaram pesadas perdas, e a histeria, como
sempre, provocou uma intensa corrida aos metais
de refúgio. Não há, nem pode haver, certezas
a frio sobre o impacte da vaga terrorista que
abalou o principal centro financeiro internacional
e deixou os cidadãos da maior economia do planeta
atónitos com a dimensão do horror. Mas que o
acontecimento vai ter sérias repercussões na já de
si periclitante situação da economia mundial, disso
já poucos têm dúvidas.
Sabe-se pela experiência do passado recente que
a economia, seja pelo lado dos mercados, dos
investidores ou dos consumidores,
não se dá bem com o imprevisto.
Editorial Todos os dias milhares de analistas
olham a realidade, e se muitas
vezes as suas previsões saem ao contrário — há
Cartas ao Director
apenas um ano muito poucos ousariam imaginar o
forte abrandamento da economia que afecta os três As cartas destinadas a esta secção — incluindo em frangalhos o ideal de Estado de dermestídeos, depois da morte dos
as remetidas por e-mail — devem indicar o nome
grandes blocos, os EUA, o Japão e a Europa —, e a morada do autor, bem como um número direito. animais, mas antes de as carcaças
quando ocorrem ataques como o de ontem tudo pode telefónico de contacto. O PÚBLICO reserva-se o Sendo o advogado um intermediá- destes terem sido enterradas.
acontecer. E o que ontem aconteceu é motivo para nos direito de seleccionar e eventualmente reduzir rio do cidadão perante a justiça, indis- Mas, como é evidente, o “dinossauro
preocuparmos: o petróleo ultrapassou novamente a os textos recebidos. Não se devolvem os origi- pensável na prática ao seu funciona- de Porto Novo” continua a ser “excep-
nais dos textos não solicitados, nem se prestará
barreira dos 30 dólares, as bolsas europeias reagiram informação postal ou telefónica sobre eles. mento, esta deveria ser exigentíssima cional”.
com fortes quedas — felizmente Nova Iorque esteve na punição dos delitos cometidas no CELESTINO COUTINHO
fechada — e se o afastamento de cenários de recessão Endereço electrónico: exercício das suas funções, propor- Paço de Arcos
cartasdirector@publico.pt
parecia uma possibilidade real apenas ontem, hoje os cionando ao cidadão apoio para avan-
seus fantasmas voltam a impor-se. çar com causas destas de um modo
No segundo trimestre do ano a economia simples e o mais possível isento de Que confiança,
americana cresceu uns tímidos 0,2 por cento. Nas A justiça em Portugal formalidades processuais. sr. primeiro-ministro?
últimas semanas a taxa de desemprego registou um JOÃO COSTA
agravamento, mas a confiança dos consumidores, em De entre os problemas de que enfer- Cacém Parece inverosímil o senhor primei-
boa parte instigada pelos sucessivos cortes nas taxas ma a justiça em Portugal não tenho ro-ministro deixar o seu país chegar
de juro, deixavam antever perspectivas, no mínimo, visto ser debatido aquele que diz res- a uma tal caótica situação de penúria,
razoáveis de recuperação. Com a manifestação de peito à possibilidade de o advogado “Um dinossauro por falta de meios pecuniários, tendo
vulnerabilidade do sistema de segurança dos Estados de uma causa actuar de forma lesiva entalado nas arribas recebido, diariamente e durante anos,
Unidos e com a consequente quebra de confiança dos dos interesses e dos direitos da parte milhões de contos, acumulados com
agentes económicos, dificilmente sobrará margem que teoricamente deve defender e que de Torres Vedras” mais 24 milhões de vendas de imóveis
para grandes optimismos. E se a economia norte- lhe paga para isso. Afinal, parece que estatais, prejudicando o ensino públi-
americana entrar em definitivo em recessão, o resto é uma situação que está longe de ser Em relação ao excelente artigo de co, inclusive o superior, faltando às co-
do mundo sentirá certamente os seus efeitos. pouco comum e dela, estranhamente, divulgação da paleontologia, de que memorações de eventos históricos na-
Para além de todas as perdas humanas e pouco se fala. o PÚBLICO constitui um exemplo cionais, como Aljubarrota, diminuindo
materiais que o inominável ataque terrorista Da minha experiência concluo que é notável, “Um dinossauro está enta- funções das Forças Armadas, colocan-
ontem provocou, vai também ser necessário muito difícil, senão impossível, conse- lado nas arribas de Torres Vedras” do em sobressalto a função pública,
contabilizar os danos económicos que se farão guir um advogado que se encarregue (21/08/01), é referido por Bruno Silva etc., etc. Mas o mais grave tem sido o
sentir nos próximos tempos. Os bancos centrais de levar a tribunal outro advogado, que “o osso (de saurópode) apresenta logro devido ao mesmo primeiro-mi-
poderão e deverão reagir com celeridade para acusado de procedimento ilícito no marcas que revelam que, depois de nistro, ao assegurar à população que
reforçar os estímulos à economia, mas muitos desempenho das suas funções. Corre- o animal estar morto, insectos se ali- tudo estava bem e pedindo a sua con-
investidores dificilmente esquecerão tão cedo o se Ceca e Meca e não se encontra um mentaram da cartilagem na zona dos fiança, enquanto economistas de reno-
horror de ontem. Para que o longo ciclo de advogado disponível que queira encar- tendões. Fizeram pequenas depres- me já há bastante tempo se vinham
prosperidade que vem dos anos 90 se prolongue, não regar-se de tal causa, nem mesmo os sões no osso”. E o dr. Pedro Dantas preocupando e divulgando informa-
basta agora encarar as dificuldades do contraciclo: mais mediáticos paladinos da defesa salienta que “só encontrou referên- ção sobre o agravamento da situação
será também necessário vencer o espírito de da cidadania, militantes em partidos cias a ossos (de dinossáurios) perfu- económica do país e da premente ne-
insegurança e de depressão que os actos terroristas de extrema-esquerda. rados por insectos em fósseis achados cessidade de uma reforma fiscal. No
de ontem deixaram no ar. MANUEL CARVALHO A situação completa-se com o que na Mongólia, com 83 a 72 milhões de entanto, o “estúpido” imposto da sisa
parece ser uma prática usual das se- anos”. continua e o trabalho do dr. Sá Fernan-
cretarias dos tribunais, que só aos ad- De facto, existe pelo menos uma re- des foi para a gaveta. Assim se gere a
vogados facultam o acesso aos proces- ferência à existência de perfurações/ confiança. (...)
contribuinte nº 502265094 sos, tornando impossível o controlo escavações em ossos de dinossáurios, Afirmou o sr. primeiro-ministro
depósito legal nº 45458/91
registo ICS nº 114410
pelo interessado da actuação do ad- igualmente do Jurássico final, in- que tudo iria ser esclarecido quanto
vogado. No meu caso foi-me dito que cluindo ossos de saurópodes, terópo- à “fundação Vara” (FPS). Conclusão?
E-mail: publico@publico.pt LISBOA: Rua Viriato, 17 – 1069-315 Lisboa; Telef.: 210111000 (PPCA) Fax: não se sabia onde estava o processo des e stegossáurios, provavelmente Nada de concreto e a confiança no
Dir. Empresa 210111005; Dir. Editorial 210111006; Agenda 210111007; Redacção 210111008;
Publicidade 210111013/210111014 • PORTO: Rua João de Barros, 265 – 4150-414; Telef: 226151000 que pretendia consultar, nem sabiam produzidas por insectos. Estas per- primeiro-ministro é mais longínqua.
(PPCA) / 226103214; Fax: Redacção 226151099 / 226102213; Publicidade; Distribuição 226151011• quando estaria disponível. A quem furações, circulares a elípticas, com Após as férias, apelou de imediato à
BRAGA: Rua de S. Marcos, 126-1º Esq. Fr. – 4700 Braga Telef: 253619041; Fax: 253617983 • AVEIRO:
Rua Eng. Silvério Pereira da Silva, 16-A, 2º Tr. – 3800 Aveiro Telef/Fax: 234382507 • COIMBRA:
pode recorrer o cidadão numa situa- diâmetro variando entre 0,5 e 5,0 mm, confiança dos portugueses. Será que
Avenida Fernão de Magalhães, 153/157- 2º Dto, sala 6 – 3000 Coimbra Telef.: 239829554; Fax: 239829648 ção destas? surgem em vários elementos esque- já estava a pensar em lançar mão dos
• ALGARVE: Avenida da República Federal Alemã, bloco C 2 – 8000 Faro Telef.: 289806656; Fax: Será possível que num Estado que léticos de dinossáurios dos grupos 700 milhões do Fundo de Capitaliza-
289806655 • VILA REAL: Rua 31 de Janeiro, 41 - 3º, sala 303, 5000 Vila Real Telef.: 259326262;
Fax.: 259326265 • MADEIRA: Rua dos Ferreiros, 55-2º Dtº – 9000 Funchal Telef.: 291231611 • se diz de direito não seja possível fazer referidos encontrados nas jazidas de ção de Pensões, deixando de render
PROPRIETÁRIO: PÚBLICO Comunicação Social, SA Sede: Rua João de Barros, 265, 4150 Porto • prevalecer a lei? Carnegie no Monumento Nacional juros para passar à ordem e serem ra-
IMPRESSÃO: Unipress, Tv. Anselmo Braancamp, 220-Arcozelo/4405, Valadares; Telef.: 227537030;
Mirandela — Rua Rodrigues Faria, 103, 1300 Lisboa; Telef.: 213613400; Fax: 213613469 • DISTRIBUIÇÃO:
Há, afinal, pessoas neste país, que dos Dinossáurios (Utah), de Cleve- pidamente consumidos? Que confian-
Midesa Portugal - Distribuição de Publicações, S.A.; Lisboa: Rua da República da Coreia, 34, Ranholas, na prática, se situam acima da lei? land Lloyd (Utah), na jazida de “Big ça, sr. engº Guterres, com medidas
2710-460 Sintra; Telef.: 219267800, Fax: 219267850; Porto: Rua Engenheiro Ferreira Dias, 1173 a 1177, 4100 Do ponto de vista dos direitos do Al” (Wyoming) e na jazida de Bone destas, para não falar na dualidade
Porto; Telef.: 226191211; Fax: 226191210; Algarve: Estrada de Boliqueime - Fonte de Boliqueime, 8100-070
Boliqueime; Telef. e Fax: 289366361; Coimbra: Beco Olheiro, Armazém 2, Adénia, 3020-028 Coimbra; Telef.: cidadão isto é um atentado gravíssi- Cabin (Wyoming). Vários investiga- de critérios quanto à co-incineração
239430519; Fax: 239431592 • ASSINATURAS: 808200095 mo. A coberto da impunidade que es- dores sugeriram que estas perfura- em que a própria confiança socialista
ta prática garante, o advogado não ções evidenciam comportamentos de também sofreu grande erosão relati-
cumpridor permite-se achincalhar o necrofagia e reprodutor e terão sido vamente a si?
Tiragem média total do mês de Agosto próprio conceito de justiça, reduzir a provavelmente produzidas por adul- LANÇA BRITO
AS SO C I AÇÃO P O R T UGUE SA
D O C O N T R O LO D E T I R AG E M
72.388 exemplares papel higiénico a Constituição e pôr tos e larvas (pupas) de coleópteros Parede
2001
13 Setembro
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QUI13SET
EDIÇÃO LISBOA
13 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4196
140$00 • €0,70 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico.pt www.publico.pt

O DIA SEGUINTE
Congresso dos EUA dá o primeiro passo para declaração de guerra |NATO
invoca artigo 5º que obriga a acção militar conjunta |Dezenas de portugueses
desaparecidos | FBI descobriu que os terroristas se treinaram na América

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ÍNDICE

BARTOON E OPINIÃO 28/29


BOLSA E MERCADOS 38 A 40
TELEVISÃO 53/54
CLASSIFICADOS 56 A 65
CINEMAS 66/67
TEMPO E FARMÁCIAS 68
2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 13 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

CONGRESSO DOS EUA DÁ O PRIMEIRO


PARA UMA DECLARAÇÃO DE GUER
MIKE SEGAR/REUTERS

George W. Bush
mudou de tom. No
Congresso, já se debate
a aprovação de uma
declaração de guerra. E
Colin Powell quer
países muçulmanos
numa aliança mundial
contra o terrorismo
ANA GOMES FERREIRA
Nova Iorque

O Congresso dos Estados Uni-


dos aprovou ontem, por una-
nimidade, uma moção que é
o primeiro passo para uma
declaração de guerra. O docu-
mento, votado pelo Senado e
Câmara de Representantes,
condena os ataques de terça-
feira que, diz, obrigaram o pa-
ís a usar a “guerra para erra-
dicar o terrorismo”.
Enquanto a votação decor-
ria no Capitólio de Washing-
ton, na Casa Branca o Presi-
dente George W. Bush estava
reunido com os seus princi-
pais conselheiros de seguran-
ça. A equipa está a tentar tra-
çar um plano de acção que
responda aos ataques terroris-
tas de terça-feira nos Estados
Unidos. Nesse dia, terroris-
tas desviaram quatro aviões
e mergulharam três deles em
edifícios de Nova Iorque (o
World Trade Center ruiu, ar-
rastando consigo entre 20 e
30 mil pessoas) e Washington
(parte do Pentágono ficou des-
truído e há 800 desapareci-
dos). Um quarto avião desvia-
do caiu na Pensilvânia.
Bush chamou aos ataques
um “acto de guerra” contra
os Estados Unidos. Durante
as horas que se seguiram aos
ataques, o Presidente foi leva-
do para um lugar secreto. O
porta-voz da Casa Branca, Ari
Fleischer, disse ontem que a
medida extrema de seguran-
ça, própria de um país em
guerra e debaixo de ataque,
se justificou.
“Sabemos com toda a cer-
teza que a Casa Branca e o
‘Air Force One’ [avião presi-
dencial] eram alvos dos terro-
ristas. Não vou dar pormeno-
res sobre como conseguimos
esta informação”, disse Fleis-
cher. O porta-voz revelou que o
aparelho atirado contra o Pen-
tágono se destinava, nos pla-
nos iniciais dos terroristas, à
Casa Branca, onde Bush não
estava. No momento dos ata-
ques, de manhã, Bush encon-
trava-se de visita à Florida e,
com ele, estava o ‘Air Force
One’. As revelações motiva-
ram muitas dúvidas nos jorna-
listas, mas Fleischer respon-
deu que estava apenas a passar
“informações confirmadas”.
Ontem, depois das primei-
ras reuniões com os conse-
Milhares de bombeiros e funcionários da protecção civil estão envolvidos nas operações de resgate lheiros de segurança, George
D E S TA Q U E 3
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 13 SET 2001

TANNEN MAURY/EPA

Incerteza no número
PASSO de portugueses
RA
W. Bush disse, pela primeira
desaparecidos
A prudência obrigou
as autoridades
des portuguesas não se can-
sam de sublinhar que tal po-
de apenas dever-se ao caos
VÍTIMAS

vez, que os ataques foram portuguesas a revelar que ainda existe na cidade e Nova Iorque
“um acto de guerra” contra os apenas 27 que impede o normal funcio- • Números oficiais
Estados Unidos. “Atacaram a “incontactáveis”, namento das comunicações. divulgados pelo
nossa liberdade e a democra- Ao que tudo indica, a lista do presidente da câmara: 55
cia. Pode demorar, mas vamos mas a comunidade fala MNE contempla tanto portu- mortos e quatro
ganhar”, disse Bush sobre a de 50 compatriotas gueses actualmente residen- sobreviventes resgatados
resposta dos EUA ao inimigo que não regressaram tes em Nova Iorque, como tu- dos destroços. Rudolph
nesta nova forma de guerra, ristas que aí se encontravam Giuliani disse, no entanto,
que não está ainda identifica- a casa anteontem de férias. Num comunicado, que o número vai
do. O principal suspeito é o o MNE acrescentou mesmo aumentar e será da ordem
terrorista de origem saudita NUNO SÁ LOURENÇO que durante as últimas horas das centenas. “A melhor
Osama bin Laden, hóspede no tinha sido possível “estabele- estimativa que podemos
Afeganistão do regime tali- Foi o secretário de Estado cer contacto com várias pes- fazer é a de que estarão
ban. Mas ontem surgiram es- dos Negócios Estrangeiros, soas inicialmente incontactá- alguns milhares de
peculações de que os ataques Luís Amado, que, à saída da veis”. pessoas em cada
poderão ter sido orquestra- reunião de ontem do grupo Luís Amado reiterou a ne- edifício.”
dos por uma rede de inimigos de acompanhamento da crise cessidade de prudência, tendo • 202 bombeiros e 258
dos Estados Unidos — alguns norte-americana, confirmou acrescentado que o Executivo pessoas de serviços O atentado mudou a paisagem de Nova Iorque
analistas, poucos, arriscaram aos jornalistas a existência de de Lisboa continuava atento uniformizados (polícia e
nomeá-los e apareceu o nome “alguns casos” de portugue- aos “dados oficiais dos Esta- paramédicos, por
do Iraque.
Nos corredores do Capitó-
lio, alguns congressistas de-
ses nos Estados Unidos que
ainda se encontram incontac-
táveis. Ao mesmo tempo, fi-
dos Unidos da América, quer
em relação à identificação das
vítimas, quer no que respeita
exemplo) estão
desaparecidos,
presumivelmente mortos.
A memória
mocratas e republicanos —
unidos no apoio a qualquer
decisão que Bush vier a to-
mar — consideraram que o
cou confirmado ontem que
não havia registo de passa-
geiros com passaporte portu-
guês nos voos sinistrados da
às listas de passageiros dos
voos sinistrados”.
A esse propósito, Luís Ama-
do referiu a dificuldade de co-
• Quando o primeiro avião
embateu contra uma das
torres, estariam 10 a 20 mil
pessoas nos dois edifícios
da América linda
órgão legislativo deveria ter
ido mais longe na moção que
aprovou. O debate centrava-se
na possibilidade de ser apro-
companhia aérea “American
Airlines”.
Sem querer falar em desa-
parecidos, Luís Amado abor-
municações com o consulado
português em Nova Iorque,
facto que levou já o Governo,
como alternativa, a solicitar à
do World Trade Center.
• Os 170 hospitais da área
de Nova Iorque trataram
1100 pessoas, 200 em
e segura
vada, nos próximos dias, uma dou o assunto com extrema representação do Instituto do estado crítico. Alberto não assistiu e ao falar nas torres que eram
declaração de guerra. Contra cautela: “Há portugueses Comércio Externo Português • Duas mil pessoas apenas à queda um dos ícones da América. Por-
os terroristas que atacaram que têm sido difíceis de con- (ICEP) todo o apoio possível. “andavam feridas” pelas quê? “Eu sei que sou da Costa
os EUA, e contra o país ou pa- tactar, que ainda não foi O consulado de Portugal em ruas e foram sendo de um ícone. Viu um Rica. Que só cheguei aqui há
íses que os apoiam, como pro- possível contactar. Mas não Newark está a funcionar em evacuadas para New mito esvair-se em fumo cinco anos. Mas foi nesta terra
meteu Bush na terça-feira à quer dizer que estejam de- pleno. Jersey. que aprendi a viver em paz”,
noite. saparecidos.” O secretário A prudência das autorida- ANA GOMES FERREIRA explica Alberto.
“Estamos em guerra. Mas de Estado invocou depois ra- des portuguesas reflectiu-se Aviões Nova Iorque O vendedor habituou-se a
temos que esperar até que se- zões de prudência para não também nas declarações do • Todas as 266 pessoas que os Estados Unidos fossem
jam apuradas as ramificações quantificar o número de por- cônsul-geral Cruz de Almei- que iam a bordo dos Alberto, um vendedor de 34 uma almofada de segurança,
internacionais [de uma decla- tugueses procurados pelas da à SIC, em que o diplomata quatro aviões deverão anos, está parado no cruza- primeiro que tudo económi-
ração de guerra]. E temos que famílias. adiantava apenas como possí- estar mortas. mento das ruas Canal e Chur- ca, mas também social, políti-
saber o que quer o Presidente Prudência, contudo, que vel o desaparecimento de um ch, em Mantahhan, Nova Ior- ca. “Aprendi que actos como es-
antes de avançarmos por esse não impediu consulado-geral português que trabalhava no Pentágono que. Com o olhar preso no te não se fazem. Os países que
caminho”, disse o líder da mi- de Newark de divulgar uma complexo do WTC. • Estimativas apontam vazio, faz um exercício de ima- têm problemas, devem resol-
noria republicana no Senado, lista de cidadãos portugueses Um número manifesta- para 100 a 800 mortes. ginação: tenta lembrar-se da vê-los dentro das suas frontei-
Trent Lott. a quem pedia para contactar mente reduzido quando com- • Hospitais da área de normalidade. “Estou aqui a ras. “É uma questão de educa-
O secretário de Estado, Co- o consulado ou os seus fami- parado com as contas feitas Washington trataram 94 olhar para as minhas memó- ção”, vai sentenciando Alberto,
lin Powell, disse estar a criar liares. Uma lista de 27 portu- pela própria comunidade lu- vítimas do ataque ao rias. Na minha imaginação, que trava a torrente de pala-
uma “aliança forte” com os gueses de que não há notí- sa. Em Newark, nos dois par- Pentágono. Nenhum elas ainda lá estão, tão lin- vras porque lhe aparece uma
aliados dos EUA para “coor- cias desde os atentados. Antes ques de estacionamento con- relatou mortes. das”. pergunta para que não tem res-
denar uma abordagem” à res- do pedido do consulado, era tíguos ao restaurante Iberia, Na terça-feira, Alberto saiu posta na ponta da língua. Ain-
posta aos ataques. Powell dis- já adiantada a possibilidade propriedade de João Lourei- OS 27 da loja onde trabalha para com- da se sente seguro, ainda acre-
se ter garantias em como se de serem cerca de 60 os por- ro, natural de Vila Nova de prar café. “De repente entrou dita que vive em paz?
“INCONTACTÁVEIS”
for declarada uma acção ar- tugueses de que o consulado Cerveira, nove automóveis um tipo por ali dentro a gritar. Os atentados de terça-feira
mada, a NATO participará. “A não tinha ainda apurado o pa- não foram reclamados na Vim exactamente para este sí- nos Estados Unidos — quatro
aliança deverá incluir nações radeiro. noite de terça-feira. “Há mui- Nuno Miguel Valente tio e vi tudo”. Viu o fumo negro ao todo, dois em Nova Iorque,
muçulmanas, porque têm tan- Ao que tudo indica, este nú- ta gente que deixa aqui o car- Colaço que saía de uma das torres do um em Washington e um últi-
to a recear dos ataques terro- mero deriva de uma lista en- ro e depois segue para Nova Domitília Santos World Trade Center. Viu um mo falhado, todos cometidos
ristas como as outras nações. viada pelo Ministério dos Ne- Iorque de transportes públi- José Quadros Fernandes avião rasgar o segundo gigante com aviões desviados — foram
Vou falar com os meus homó- gócios Estrangeiros (MNE) cos. Nove carros ficaram cá Olívia Lopes prateado. Viu as torres gémeas classificados de actos de guerra
logos egípcio e jordano”, disse à embaixada portuguesa em toda a noite e há alguns que José e Eduardo Sousa desabarem, depois dos ataques pelos políticos. “Só sei que tive
Powell. Washington. Um valor que são de portugueses. Mas is- Aníbal Pires de terroristas suicidas, que des- que vir aqui hoje, apesar de a
Bush já pediu ao Congresso resultava dos cerca de 170 so pode não querer dizer na- Tomás e Elia Netague viaram aviões comerciais e os loja onde trabalho estar fecha-
que lhe passasse um cheque telefonemas, feitos para os da, porque as pessoas podem Carlos Nascimento, mulher atiraram contra os dois edifí- da. Vim olhar para as últimas
em branco, para pagar a fac- números do ministério, por não ter conseguido sair da e filho cios mais altos de Manhattan. memórias que tinha desta pai-
tura da destruição [que ontem familiares de portugueses cidade”, relatou João Lourei- Robert di Stefano “Passo aqui todos os dias. E sagem tão linda”.
aumentou, quando mais um que se encontravam anteon- ro, ainda mal refeito do cho- Jorge, Luísa e Paulo Jorge todos os dias olhava para elas. Objectivamente, o que Alber-
edifício do complexo do World tem em Nova Iorque. que que abalou os Estados Bastos e Silva Eu adorava as torres gémeas. to tem para ver, na abertura da
Trade Center, o One Liberty Na maioria dos casos, acres- Unidos. José Manuel Vicino de Tão grandes, tão lindas. Espe- Canal com a Church que mos-
Plaza, desabou parcialmente] centou, foi possível falar com Por aquilo que foi ouvindo Morais ro que limpem tudo e constru- trava as torres gémeas, é uma
e planear as acções futuras. as pessoas em causa, quer a no restaurante de New Jer- Maria Conceição Silva am umas ainda maiores, para espiral de fumo amarelado. Os
O Presidente prometeu aju- partir de ligações feitas de sey, que nos últimos dois dias Tomás mostrarmos ao mundo que isto 110 pisos de cada um dos edifí-
da económica a Nova Iorque, Portugal, quer a partir de cha- funcionou “apenas a 25 por Jorge Ferreira é a América e que estamos uni- cios, estão esborrachados no
que prometeu visitar assim madas efectuadas em terri- cento”, João Loureiro fala em Tito Mário Pereira Vitorino dos”, diz Alberto. Fala no plu- chão. Há perto de 24 horas que
que for seguro. Os senadores e tório norte-americano. Mas, cerca de 50 portugueses desa- Maria Fátima Santos ral. Expressa uma indignação o World Trade Center não pas-
congressistas rejeitaram o pe- desses, cerca de 60 continuam parecidos. “É claro que é um Ferreira cheia de sentimentos naciona- sa de um destroço, e ainda está
dido. Prometeram, contudo, incontactáveis, não sendo por número aproximado, mas é o Cremilde Luísa Neves listas. Ao falar do massacre — a arder.
aprovar todos os pedidos de isso de excluir a possibilidade que infelizmente toda a gente Amândio Rocha Santos nas torres trabalhavam 50 mil O acesso ao lugar do desastre
dinheiro do Presidente, desde de terem desaparecido devido diz. Eu não conheço propria- Luísa, Filipe e Miguel pessoas, estima-se que, no mo- e do massacre está vedado. Pelo
que saibam em que é que ele aos atentados. mente ninguém, mas é lógico Varino Ferreira mento dos ataques, estivessem que os nova-iorquinos não po-
será gasto. I Ainda assim, as autorida- que fico muito abalado.” I Albano Seabra lá dentro entre 20 mil e 30 mil — dem ver de perto o cenário pós-
4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 13 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
SAEED KHAN /EPA

bombardeamento nos quartei- martelos pneumáticos, camio-


rões que rodeiam o que eram netas de caixa aberta para re-
as torres gémeas. A baixa fi- colher os escombros. Entram
nanceira é um núcleo urbano muitos carros de bombeiros.
relativamente jovem. É feito de Foi pela West que, ontem,
edifícios altos e brilhantes. São sairam as ambulâncias com os
prédios luxuosos, forrados a mortos e feridos retirados dos
vidro, feitos para ostentar po- escombros. “Na última hora
der e dinheiro. Visualmente, o saíram duas ambulâncias”, diz
efeito da destruição neste tipo um dos polícias de serviço à
de arquitectura é repelente. entrada do estaleiro. Mau si-
Porque os focos de incêndio nal. Se não saem ambulâncias,
se multiplicaram, das facha- é porque não estão a ser encon-
das, ou do que sobra delas, trados sobreviventes. O bom-
escorre um lençol de água, beiro Rudy, que terminou um
atirado pelas mangueiras dos turno de 12 horas, feito à noi-
bombeiros. Frequentemente, te, está a contar que só foram
saltam bocados de vidro do que encontradas quatro pessoas.
sobrou das janelas. As derro- “É pouco”, diz. “Isto é muito
cadas cobriram, com uma ca- pior do que aquilo que pode-
pa de pó e cinza, os prédios, mos imaginar. Ainda há mui-
as estradas, os veículos e até tos fogos, ainda há edifícios a
as mesas e as cadeiras das es- caír. E há centenas de bocados
planadas que estavam abertas. de corpos”, diz outro socorris-
Misturada com a água, a mistu- ta. Ao final da manhã de on-
ra poeirenta formou uma pasta tem, tinham sido resgatados
negra que cobre as botas dos nove sobreviventes.
bombeiros e dos socorristas. Os hospitais de Nova Ior-
As operações de salvamen- que divulgaram ter 1700 feri-
to decorrem lentamente. O ce- dos identificados. A Câmara
nário não é seguro. É preciso Municipal anunciou haver 45
cautela. O chão pode desabar, mortos com nome, além das
porque debaixo do World Tra- 266 pessoas que viajavam nos As pressões ocidentais e o receio de ataques militares podem agravar as divisões que existem entre os taliban
de Center existe uma cratera aviões desviados pelos terroris-
gigante onde funcionava um tas. Sabia-se que 235 bombeiros

Taliban pedem aos EUA


centro comercial e um termi- estavam desaparecidos, assim
nal de metro e comboios. Os como quase 80 polícias.
bombeiros esperam que as bol- As famílias dos desapareci-
sas de ar subterrâneas estejam dos, impedidas de se aproxi-
a proteger sobreviventes. Bo- marem do lugar do massacre
cados de edifícios podem caír
— na terça-feira, a derrocada
das torres comeu dezenas de
carros dos polícias, dos bom-
beiros e dos médicos que par-
(toda a parte Sul de Manhattan
esteve fechada à circulação de
pessoas e veículos particula-
res), concentraram-se às portas
dos hospitais. Em São Vicente,
que não os ataquem
ticipavam nas primeiras ope- o hospital que serve a zona on- Dirigentes afegãos Se querem eliminar toda uma dos oprimidos contra as atroci-
rações de socorro. Os veículos, de estava o World Trade Cen- nação, isso é impossível e só dades dos cruéis”. E deixou um
Meio-irmão
dispostos a discutir
entalados entre blocos de aço e ter, os médicos explicaram que
a extradição de Bin
provocaria mais ódio em rela- aviso: não vale a pena tentar de Bin Laden
betão, ainda lá estão. esperavam os casos mais gra- ção aos EUA”, disse. eliminá-lo porque “há muitos
É pela West Street que os so- ves, à medida que as equipas Laden se existirem O porta-voz recordou os ata- Osamas” dispostos a dar a vida condena
corristas entram no lugar do
massacre. A rua é uma boca de
começassem a resgatar gente.
No hospital Bellevue, uma
provas do seu ques americanos contra bases
de Bin Laden no Afeganistão
por uma “causa nobre”.
Mas se os taliban parecem
atentados
estaleiro. Passam autocarros mulher mostrava a fotografia envolvimento em 1998, depois dos atentados querer ganhar tempo — ontem
— terça e quarta-feira não hou- do marido, perguntava se al- nos atentados contra as embaixadas ameri- voltaram a condenar os atenta- Yeslam bin Laden,
ve autocarros e quase todas as guém o tinha visto. “Ele não canas no Quénia e na Tanzâ- dos — os funcionários de agên- meio-irmão do milioná-
pontes e túneis de acesso a Ma- levou a carteira para o traba- ALEXANDRA PRADO COELHO nia, para afirmar que “o único cias humanitárias e diploma- rio saudita suspeito de
nhattan estiveram encerrados, lho na terça-feira. Se estiver em resultado que obtiveram foi a tas começaram ontem a retirar estar por detrás dos
pelo que ontem a ilha viveu o algum hospital, ninguém sabe Os taliban, no poder em Cabul, morte de 15 cidadãos comuns, do território afegão. As Nações atentados de terça-feira
segundo dia de semi-isolamen- quem ele é”. Um reporter de apelaram ontem aos Estados que custou 70 mísseis”. Unidas anunciaram que vão nos Estados Unidos,
to e semi-deserto — e camione- televisão pede-lhe que descre- Unidos para que não ataquem Apesar disso, a segurança transferir temporariamente condenou ontem “este
tas escolares com operários de va, para as cãmaras, o marido. o Afeganistão como retaliação foi ontem reforçada em Cabul, os seus 80 funcionários estran- acto criminoso de terro-
construção civil. Outras car- A mulher começa bem, depois pelos atentados de terça-feira a capital ainda em grande par- geiros para o Paquistão. rismo”. “Toda a vida é
rinhas levam para dentro da desorienta-se. “Michael era al- contra alvos em Nova Iorque e te destruída pela guerra civil As pressões ocidentais e o sagrada e condeno to-
área de desastre as equipas to, tinha o cabelo castanho... ele Washington, noticiou a CNN. afegã, ao mesmo tempo que os receio de ataques militares po- dos os assassínios e ata-
médicas. Passam escavadoras, é uma pessoa maravilhosa.” I Os receios de um bombarde- taliban admitiam a possibili- dem agravar as divisões que ques contra a liberdade
amento americano foram au- dade de extraditar Bin Laden, existem entre uma ala mais e os valores humanos”,
mentando ao longo do dia, caso os EUA tivessem provas “moderada” dos taliban, e os declarou este (também)
Terroristas treinaram-se na América enquanto dos EUA iam surgin- da sua culpa. “Podemos estu- “duros” do regime. Estes “du- milionário saudita que
do cada vez mais indicações dar as provas e tomar medi- ros” são, segundo “Le Monde”, vive em Genebra há 20
Ontem surgiram as primeiras revelações, anunciadas de que a Administração Bush das em função disso”, declarou próximos do movimento in- anos e conseguiu a cida-
pelo secretário da Justiça, John Ashcroft, sobre a investi- suspeita que Osama bin La- o embaixador afegão em Isla- ternacional islâmico radical, dania suíça em Maio
gação aos ataques terroristas de terça-feira nos Estados den, “hóspede” dos taliban, é mabad. Até hoje, os “estudan- de que fazem parte árabes, pa- passado. Evitando cui-
Unidos. Os aviões foram raptados por equipas de terro- o responsável pela gigantesca tes de teologia” que controlam quistaneses, tchetchenos e uz- dadosamente referir-se
ristas com entre três e seis elementos. As armas usadas operação terrorista. 90 por cento do Afeganistão beques. ao seu meio-irmão (no
foram vulgares facas. Os terroristas disseram às tripula- O mullah Omar, líder su- recusaram-se sempre a entre- A enviada do diário francês total Osama tem 51 ir-
ções dos aparelhos, e aos passageiros, que estavam arma- premo dos taliban, apresentou gar o milionário saudita que a Cabul, Françoise Chipaux, mãos), Yeslam diz que
dos com bombas. “Sabemos também que os piratas do através do seu porta-voz algu- tem as suas bases de treino de explica que estes árabes e ou- os seus “pensamentos e
ar receberam treino de voo nos EUA”, disse Ashcroft. mas razões para os EUA não terroristas no país. tros não-afegãos, mais ricos profunda simpatia es-
Responsáveis de uma escola de voo na Florida estavam atacarem o seu país. Uma ope- O próprio Bin Laden terá do que os afegãos e profunda- tão com as vítimas, as
a ser interrogados sobre dois homens, de nomes árabes, ração militar seria “estéril”, também, embora de forma mui- mente hostis em relação aos suas famílias e o povo
que ali receberam lições de voo. Abordaram a escola explicou Omar (um líder de to discreta, negado a sua res- ocidentais, são cada vez mais americano”. Yeslam é
dizendo que tinham chegado da Alemanha e que que- quem muito poucos conhecem ponsabilidade. “O acto terro- visíveis na capital e a sua influ- um empresário pacato,
riam treino em aviões comerciais. Na Florida, o FBI está o rosto, e que nunca fala em pú- rista foi feito por algum grupo ência, no plano militar e polí- grande admirador de ci-
a seguir a pista destes dois homens, ou de outros dois, blico). “Se querem atingir in- americano. Não tenho nada a tico, está a aumentar. Há, neste nema e que, segundo o
que alugaram carros usando os nomes Mohamed Atta divíduos em particular, não ver com isso”, terá dito o mi- momento, dentro do regime seu porta-voz, não man-
e Marwan. Um deles usou uma carta de condução egíp- os encontrarão. Se querem lionário ao jornal paquistanês um braço-de-ferro entre as du- tém contactos com o ir-
cia. E, em Hollywood, foi interrogado o dono de um res- atingir instalações estratégi- “Khabrain” através de “fontes as tendências — e os “duros”, mão Osama desde 1980.
taurante que serviu, há dias, dois homens com quem teve cas militares ou económicas, próximas dos taliban”. Segun- que querem fazer do Afeganis-
um diálogo estranho. “Um dos tipos disse-me que podia não temos nenhuma aqui no do a BBC, ele terá, no entanto, tão uma base para a expansão
pagar a conta, porque era piloto comercial”, disse o dono Afeganistão que valha o pre- dito que apoiava os ataques por- do Islão no mundo, parecem
do restaurante, Tony Amos. Ontem, o FBI entrou, com ço de um míssil de cruzeiro. que “constituem uma reacção estar a ganhar. I
aparato, num hotel onde deteve um homem árabe para
ser interrogado. Foram feitas outras detenções, mas o
director do FBI, Robert Mueller, esclareceu: “Não foram
feitas, até este momento, prisões. Todas as informações
que circulam são especulativas”, disse Mueller. Uma
delas dava conta de uma chamada interceptada pelos
O ATAQUE TERRORISTA AOS EUA NA INTERNET
serviços secretos, em que dois indivíduos comentavam Siga as notícias minuto a minuto em http://ultimahora.publico.pt/
o “sucesso” de uma operação realizada na terça-feira.
D E S TA Q U E 5
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 13 SET 2001

UE tenta minimizar o impacto Hoje somos


político e económico dos ataques todos americanos
em Nova Iorque e Washington 1. Ontem, ain-
da sob o efeito
gresso da guer-
ra ao território
Facto sem precedentes: ge Robertson —, ofereceram toda a sua é preciso ver quem está por trás des- tremendo da europeu, pela
cooperação aos americanos para lutar tes actos bárbaros e depois pensar nas emoção, a Euro- necessidade de
sexta-feira será o primeiro contra o terrorismo, tanto ao nível di- consequências”, afirmou o ministro pa lançou quase participar na re-
feriado “europeu”, com três plomático como judiciário. alemão, Joschka Fischer. “Hoje (ontem) em uníssono um formulação do
minutos de silêncio, às 11 “A UE e os seus Estados-membros é o dia e a hora da solidariedade”, su- veemente grito mundo da era da
horas de Lisboa não pouparão esforços para ajudar a blinhou. de solidarieda- globalização.
identificar, julgar e punir os responsá- De forma implícita, os Quinze mar- de. “Hoje somos
T ERESA
O sentido que
veis: não haverá refúgio para os terro- caram já as suas posições sobre a forma todos america- DE S OUSA conseguir en-
ISABEL ARRIAGA E CUNHA ristas e os seus patrocinadores”, afirma de reagir aos acontecimentos. “É pre- nos.” contrar para a
Bruxelas uma declaração aprovada no final da ciso encontrar uma punição justa e não Foi, no entanto, nas pági- sua relação com a América
reunião, sublinhando os “laços fortes a vingança pela vingança”, defendeu nas do “Le Monde”, insus- será determinante na defi-
A União Europeia (UE) mobilizou-se e duradoiros” que ligam a Europa e os Benita Ferrero-Waldner, a ministra peito diário francês, que a nição do que será amanhã o
ontem em peso para sublinhar a sua Estados Unidos. austríaca. frase foi escrita pela primei- mundo.
profunda solidariedade para com o Go- Facto sem precedentes em toda a his- Na mesma linha, o seu homólogo ra vez. Num editorial assi-
verno e o povo americanos e oferecer tória da UE: os ministros decretaram o francês, Hubert Védrine, considerou nado por Jean-Marie Colom- 3. Nos últimos meses, a
simultaneamente a sua total disponi- dia de amanhã, 14 de Setembro, como necessário evitar estigmatizar o mundo bani e publicado na edição União conseguiu dar alguns
bilidade para colaborar nos esforços um dia de “luto europeu”, pedindo a árabe com eventuais actos de retaliação da catástrofe, onde os mo- passos importantes no es-
de busca e salvamento das vítimas e de todos os cidadãos para respeitarem três indiscriminada. “Não sei qual será a mentos mais trágicos e mais forço de seguir a sua pró-
luta contra o terrorismo. minutos de silêncio às 11 horas de Lis- reacção dos Estados Unidos”, afirmou, decisivos da história recente pria política externa e de
Em Bruxelas, todas as instituições boa (meio-dia na Europa Central). reconhecendo que “o traumatismo, o da França são evocados para assumir na relação transa-
comunitárias — Comissão Europeia, Em paralelo, à hora do fecho desta sofrimento e a humilhação da popula- legitimar o recurso à frase tlântica as responsabilida-
Parlamento Europeu e conselho de mi- edição, prosseguia uma reunião dos ção americana não têm precedentes”. de JFK diante do Muro de des inerentes ao seu peso
nistros dos Quinze — realizaram reu- embaixadores dos dezanove países da Mas, sublinhou, “é preciso evitar o cho- Berlim. económico, aos seus valores
niões de emergência ainda em estado NATO, sobre as medidas de urgência, que das civilizações”. Na véspera, a BBC World e aos ses interesses no mun-
de choque para expressar o seu horror durante a qual foi invocado o artigo 5º “Devemos lutar de forma determi- interrogava analistas e jor- do. Na Macedónia, condu-
pelo que muitos classificaram de “actos do Tratado fundador de Washington, nada contra o terrorismo e contra to- nalistas franceses sobre a re- zindo com sucesso uma ope-
contra toda a Humanidade”. segundo o qual um ataque armado con- dos os que o alimentam, para poder- acção de Paris, procurando ração diplomática e militar
“Hoje (ontem), sentimo-nos todos tra um dos aliados é encarado como um mos erradicá-lo”, continuou o ministro detectar uma diferença, por destinada a evitar a eclosão
um pouco americanos”, afirmou Guy ataque contra todos: ou seja, é sinóni- francês. Mas, frisou, “as democracias mínima que fosse, uma ligei- da quarta guerra dos Balcãs.
Verhofstadt, primeiro-ministro da Bél- mo de solidariedade incondicional em batem-se no quadro da lei, as demo- ra reserva no tom adoptado No Médio Oriente, tentando
gica e presidente em exercício da UE caso de guerra. cracias não devem, na luta contra o por Jacques Chirac ou Lionel ocupar o perigoso vazio po-
perante o PE. Em contrapartida, entre os chefes terrorismo, negar a sua identidade”. Jospin em relação, por exem- lítico deixado pela América
“Nas horas mais sombrias da histó- da diplomacia, o tom foi sobretudo de A presidência belga da UE tratou, plo, a Tony Blair. Em vão. depois de Clinton.
ria da Europa, os Estados Unidos esti- calma e serenidade: todos tiveram o entretanto, de travar os pedidos vindos Como lembrou o director Fê-lo porque foi possível
veram próximos de nós. Hoje, somos cuidado de classificar os atentados não essencialmente da Alemanha para a de outro jornal francês, “Le um entendimento sólido em
nós que estamos próximos dos Esta- como um acto de guerra, mas de terro- realização de várias reuniões, consi- Figaro”, na mesma emissão torno de uma política co-
dos Unidos”, afirmou Romano Prodi, rismo, e, sobretudo, evitaram entrar derando-as, em privado, contraprodu- da BBC, a França nunca ba- mum. Sobreviverá esse en-
presidente da Comissão Europeia, no em especulações sobre eventuais cená- centes: um encontro dos ministros da lança na hora da verdade. tendimento ao abalo? Re-
final da reunião de emergência da sua rios de retaliação. justiça e administração interna e uma Na crise dos mísseis de 1982. agirão, de novo, os países
instituição. “Não vamos agir a quente e de forma cimeira especial de lideres dos Quinze. Na Guerra do Golfo. Agora. europeus em ordem disper-
Já os ministros dos Negócios Estran- precipitada”, afirmou Teresa Moura, As reuniões serão convocadas se se re- sa perante as novas tensões
geiros, que se reuniram de emergência secretária de Estado dos Assuntos Eu- velar necessário e à luz das propostas 2. Ontem, a reunião de que inexoravelmente vão
— incluindo durante alguns momentos ropeus em substituição de Jaime Ga- concretas que forem eventualmente emergência dos chefes da surgir no relacionamento
com o secretário-geral da NATO, Geor- ma, retido na Ásia Central. “Primeiro apresentadas, afirmou.  diplomacia ainda foi o mo- transatlântico?
mento para a emoção e para
a solidariedade. 4. Se a Europa se deixar

Quinze excluem cenário de recessão Também os chefes da di- ficar prisioneira do medo
plomacia europeia quiseram que hoje nos imobiliza a to-
afirmar a sua condição de dos, se se render ao pesadelo
“americanos”, ao assumi- da vulnerabilidade das suas
Calma e serenidade: tal como os polí- repercussões sobre a economia euro- (BCE), que se exprimiu ontem perante rem o ataque contra a Amé- sociedades abertas e demo-
ticos, os responsáveis económicos e peia, embora tenham sublinhado que a comissão dos assuntos económicos rica como “um ataque contra cráticas, se deixar de acre-
monetários da União Europeia (UE) ainda é “cedo” para determinar a sua e monetários do Parlamento Europeu toda a humanidade” e contra ditar que o seu papel de ac-
recusaram-se ontem a ceder ao pânico amplitude. (PE), numa reunião prevista desde há “a vida e o funcionamento tor internacional — ao lado
e procuraram contrariar os profetas Estes acontecimentos constituem muito tempo, reconheceu igualmente das nossas sociedades aber- mas não atrás da América
da desgraça que não hesitam em ante- uma má notícia para os europeus, que que “este choque externo único” terá tas e democráticas.” — pode fazer a longo prazo a
cipar a futura recessão mundial. começavam a detectar os primeiros efeitos sobre a economia, mas consi- Nenhum dos ministros grande diferença, então ca-
Didier Reynders, ministro das Fi- sinais de retoma da actividade econó- derou prematuro determinar as con- presentes na reunião terá minharemos provavelmente
nanças da Bélgica, que preside actual- mica depois de um ano de forte arrefe- sequências. E, perante os apelos de al- conseguido desviar o pensa- para o mundo kafkiano de
mente à UE, e Pedro Solbes, comissário cimento. Segundo Solbes, “os aconte- guns deputados para baixar as taxas mento das imagens dantes- Huntington (que ontem os
europeu responsável pelos assuntos cimentos terão uma incidência clara de juro para relançar o crescimento cas da véspera e da tentação ministros europeus rejeita-
económicos e monetários dos Quinze, pelo menos no consumo dos Estados económico, Duisenberg considerou que de transpô-las para um ce- ram), no limite incompatí-
procuraram emitir uma mensagem de Unidos”, o que o levou a confessar-se uma medida desse tipo teria um efeito nário mais próximo, de uma vel com a natureza aberta e
normalidade e de confiança, esperan- “mais pessimista que há uma semana”. contrário ao pretendido, ou seja, “pro- qualquer capital europeia. multicultural das democra-
do minimizar o impacte negativo dos Isto porque “o impacte do crescimento vocaria uma reacção de pânico em vez Mas acabará por chegar o cias ocidentais. A solução
atentados sobre as economias europeia nos Estados Unidos transmite-se por de estabilidade e calma”. tempo das perguntas. E tam- mais fácil será, então, a pro-
e americana. via da política comercial e dos fluxos Para Duisenberg, aliás, a economia bém das hesitações e das di- tecção da fortaleza militar
“Durante as próximas horas e dias, financeiros”. europeia não está em recessão, fri- visões. americana, por mais frágil e
penso que a melhor coisa que podemos No último ano, os europeus tende- sando que a retoma está em curso, A União Europeia sofreu, vulnerável que ela hoje nos
provar é que é possível manter a con- ram a subestimar de forma sistemática devendo originar uma recuperação porventura, o seu mais du- pareça.
fiança, manter a calma e fazer funcio- os efeitos negativos do arrefecimento vigorosa em 2003. ro abalo desde o fim da guer- Se os europeus souberem
nar correctamente a economia, não americano sobre o crescimento na zona Duisenberg, tal como Reynders e ra fria. Acordou subitamen- entender de outra maneira
apenas no continente europeu, mas euro: em consequência, a Comissão Solbes, considerou que o essencial, te para uma realidade que o que significa a solidarie-
igualmente nos Estados Unidos”, afir- Europeia viu-se obrigada a baixar as nesta fase, é “assegurar o funciona- apenas estava disposta a dade com a América, então
mou Reynders, em nome dos ministros suas previsões de crescimento econó- mento normal dos mercados e a esta- contemplar de soslaio nos a União pode ser o melhor
das Finanças dos Quinze. mico, no espaço de um ano, de três por bilidade do sistema financeiro”, de exaustivos relatórios dos es- antídoto para as tentações
Em apoio da sua mensagem, os dois cento para os dois por cento avançados modo a limitar o impacte económico trategos militares. A partir isolacionistas da América
responsáveis sublinharam a “norma- por Reynders há uma semana. “Não dos atentados. de amanhã, vai ter de en- e o mais poderoso estímulo
lidade” do funcionamento de ontem podemos certamente imaginar que a Logo de manhã, aliás, o BCE, tal co- frentar com uma urgência para a cooperação interna-
das bolsas europeias, depois de terem situação será melhor” depois dos aten- mo vários outros bancos centrais, in- nova as mesmas questões cional contra o terror. A úni-
sido encerradas de emergência na vés- tados, reconheceu o ministro belga, cluindo o americano, injectou liquidez que foi tacteando nos últi- ca forma de verdadeiramen-
pera para evitar a derrocada das co- precisando que os ministros das Finan- no mercado monetário da zona euro mos dez anos e, em parte, re- te o enfrentar, sem perder
tações. ças dos Quinze poderão ter uma ideia de modo a prevenir uma eventual es- solvendo melhor ou pior, em- pelo caminho tudo aquilo
Mas, apesar da serenidade, mais clara do impacte durante a sua cassez. No PE, Duisenberg não excluiu purrada pelos milhares de que hoje faz de todos nós
os dois responsáveis não puderam dei- reunião de 21 e 22 de Setembro. ainda a eventualidade de uma interven- mortos nos Balcãs, pelo re- “americanos”.
xar de reconhecer que os “aconteci- Em paralelo, Wim Duisenberg, pre- ção dos bancos centrais nos mercados
mentos trágicos do terrorismo” terão sidente do Banco Central Europeu cambiais para suster o dólar.  I.A.C.
6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 13 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

Reforço
Rússia apela a luta conjunta de medidas
de segurança
nos Balcãs
contra o terrorismo
YANNIS BEHRAKIS/REUTERS
Os devastadores aten-
tados de terça-feira em
Nova Iorque e Washing-
ton tiveram reflexos
MÃO LIVRE DE MOSCOVO centou, porém, que a Casa imediatos nas missões
Branca deve centrar a aten- militares lideradas pe-
NA TCHETCHÉNIA? ção nesses perigos e abando- la NATO nos Balcãs.
nar a ideia da criação do siste- Na Macedónia, onde
ma de defesa antimíssil (MD). cerca de 4500 soldados
Suspeitas de laços “Uma das conclusões dos ac- aliados estão envolvi-
entre Osama bin Laden tuais acontecimentos trágicos dos até finais deste mês
consiste em que os america- na operação “Colheita
e a guerrilha nos desestabilizam a seguran- Essencial” — a recolha
independentista no ça global ao criar o escudo an- de cerca de 3300 armas
Cáucaso do Norte timíssil, mas este escudo não na posse dos rebeldes
os protegeu de tudo aquilo que albaneses do Exército
JOSÉ MILHAZES com eles aconteceu.” de Libertação Nacional
Observadores russos cha- (UÇK) e que decorre em
O Kremlin não tem dúvidas de mam também a atenção para três fases —, a NATO
que os autores dos atentados o perigo das retaliações ame- reforçou as medidas de
nos Estados Unidos têm as mes- ricanas aos atentados terro- segurança mas assegu-
mas raízes ideológicas, políti- ristas. Vitali Tetriakov afir- rou que a missão vai
cas e financeiras da guerrilha ma: “A verdade banal de que é prosseguir de acordo
separatista tchetchena. Por is- preciso dar luta ao terrorismo com o calendário pre-
so, Moscovo apelou ontem à pode desaguar numa tercei- visto. Cerca de 400 nor-
criação de uma frente mundial ra guerra mundial. Se a reac- te-americanos — mili-
única de luta contra o terroris- ção se virar para o interior tares e civis — estão
mo. Em todo o caso, os dirigen- da sociedade americana, os actualmente estaciona-
tes russos pedem ao Presidente Os autores dos atentados nos EUA têm as mesmas raízes dos guerrilheiros tchechenos dirigentes poderão limitar a dos em território da
George W. Bush contenção na liberdade de movimentos, de Macedónia.
resposta aos terroristas. consciência, etc.” No vizinho Kosovo, a
A agência oficial de infor- de fazer levantar um avião civil listas islâmicos permitiram união de esforços da comu- Embora a esmagadora dos província do Sul da Sér-
mação russa ITAR-TASS, ci- com um suicida e atirá-lo con- aos dirigentes russos justifi- nidade internacional na luta políticos russos condene os ac- via com maioria de po-
tando fontes do Serviço de tra o Kremlin.” car uma vez mais a sua guerra contra o terrorismo à escala tos terroristas em Nova Ior- pulação albanesa e pro-
Espionagem no Exterior da contra os independentistas na planetária. Na mensagem de que e Washington, o dirigente tectorado internacional
Rússia (SVR), acusou a organi- Avisos aos EUA Tchetchénia e pedir ao Ociden- condolências enviada ao seu nacionalista Vladimir Jirino- desde Junho de 1999, a
zação fundamentalista islâmi- O jornal russo “Izvestia”, ci- te “compreensão” para com os homólogo americano, Putin vski destoa neste sentido: “Os força multinacional da
ca Gama’at al-Islami de estar tando também fontes no SVR, actos das tropas de Moscovo no escreveu: “Os russos já sen- atentados terroristas nos EUA NATO (Kfor, cerca de
não só por trás dos atentados informou que os espiões rus- Cáucaso. tiram na pele os horrores do são mais uma etapa da terceira 37 mil soldados) tam-
terroristas de terça-feira em sos preveniram há algumas se- Serguei Iastrejembski, porta- terror. Sem dúvida que seme- guerra mundial, que já teve iní- bém reforçou o nível de
Nova Iorque e em Washington, manas os seus colegas ameri- voz do Kremlin, considera que, lhantes acções desumanas não cio. Esta guerra começou com a alerta e foram aplica-
mas também das explosões canos para a possibilidade de depois da tragédia nos EUA, a devem ficar impunes.” ‘Tempestade no Deserto’ [ope- das “medidas de segu-
que, há dois anos, derrubaram atentados terroristas nos EUA: Casa Branca “vai olhar de ou- Também Dmitri Rogozin, ração no Iraque] e a humani- rança suplementares”.
vários edifícios residenciais “Trata-se apenas do início de tra forma para os repetidos avi- presidente do Comité da Duma dade responde sempre com ví- No Sul deste território
em Moscovo e mataram 230 uma acção de grande enverga- sos da Rússia sobre as ameaças para Relações Internacionais, timas aos erros dos políticos.” os Estados Unidos er-
pessoas. dura. Dos planos de Bin Laden do terrorismo internacional”. afirmou a este propósito: “As Mas Jirinovski não está so- gueram uma importan-
A mesma fonte ligou a or- fazem parte ataques contra ob- Na sua opinião, “o próprio ca- autoridades dos EUA devem zinho nesta opinião. Um gru- te base militar, a maior
ganização fundamentalista is- jectivos nucleares no territó- rácter desta ameaça obriga a começar imediatamente con- po de jovens russos ostentava desde a guerra do Vie-
lâmica aos independentistas rio dos EUA, bem como contra abandonar muitos preconcei- versações com a Rússia sobre ontem um cartaz junto da em- tname, onde está con-
tchetchenos, recordando as pa- objectivos espaciais e centros tos face ao que ocorreu no âm- as ameaças reais que existem: baixada norte-americana em centrada a maioria dos
lavras proferidas em 1996 por financeiros americanos.” bito da operação antiterrorista as ameaças de atentados terro- Moscovo: “Lembrem-se de Bel- cinco mil militares dos
Movladi Udugov, porta-voz da As primeiras suposições so- na Tchetchénia”. ristas.” Exprimindo uma ideia grado”, uma clara alusão aos EUA enviados para o
guerrilha na república do Cáu- bre as ligações dos atentados Nesta base, o Presidente rus- apoiada por muitos outros po- bombardeamentos da NATO Kosovo. “As tropas ame-
caso do Norte: “Somos capazes terroristas aos fundamenta- so Vladimir Putin apelou à líticos russos, Rogozin acres- contra a capital jugoslava.  ricanas deslocadas no
Kosovo vão prosseguir
normalmente o seu tra-
balho”, assegurou o por-

NATO preparada para accionar ta-voz da Kfor.


Na Bósnia-Herzegovi-
na, a Força de Estabili-

o princípio de acção militar colectiva zação da NATO (Sfor),


presente no território
desde 1996 e actual-
mente com 19.500 mi-
Pela primeira vez desde a sua Nova Iorque e Washington, definidos obrigatoriamente uma acção militar podendo a acção comum consistir em litares, referiu que es-
fundação, em 1949, a Aliança pelo Presidente George W. Bush como colectiva. Qualquer decisão em de- medidas políticas e económicas. Nesta tá a encarar seriamente
“actos de guerra”. De acordo com o sencadear ataques conjuntos sobre os perspectiva, diversos ministros dos eventuais acções terro-
Atlântica recupera o artigo Artigo V “um ataque armado contra acusados, no caso de serem identifi- Negócios Estrangeiros da União Euro- ristas e prometeu con-
5º, onde se considera que um um ou mais membros na Europa ou cados, implicaria uma nova delibera- peia (UE) apelaram à contenção, pelo tinuar a assegurar um
ataque contra um Estado na América do Norte será considera- ção da NATO, como seria necessária menos até que os autores dos atenta- clima de segurança no
do um ataque contra todos”. Na tercei- outra decisão para colocar as forças dos sejam identificados. A chefe da país. A divisão norte da
-membro é um ataque contra ra reunião do conselho permanente nacionais sob o comando da estrutura diplomacia sueca Anna Lindh e o seu Sfor baseada em Tuzla,
a organização aliado em menos de 24 horas, Robert- militar aliada. homólogo alemão Joschka Fischer e onde se concentra a
son apresentou um projecto de de- Segundo outro responsável, citado sugeriram ser prematuro falar de ac- larga maioria dos 3300
PEDRO CALDEIRA RODRIGUES claração onde pela primeira vez se pela AFP, Robertson invocou duas ra- ção militar retaliatória enquanto per- soldados dos EUA, refe-
invoca esta cláusula, e que prevê a zões para se socorrer do Artigo V: a manecem muitas dúvidas sobre as riu que “não vai tolerar
O Conselho Permanente da NATO possibilidade de uma resposta mili- solidariedade política com os EUA e origens do ataque coordenado de ter- actividades destinadas
(embaixadores) considerou ontem tar colectiva por parte dos actuais 19 enviar uma mensagem aos terroristas ça-feira, que poderá terá provocado a prejudicar o processo
que a organização militar aliada está Estados-membros às acções terroris- de que “estamos preparamos para vos milhares de mortos. de paz”, e admitiu que
“preparada” para reagir ao lado dos tas. A cláusula, elaborada em plena enfrentar colectivamente”. Em Wa- A NATO não esteve envolvida de as medidas de segu-
Estados Unidos “caso se confirme que Guerra Fria, prevê o uso da força “pa- shington, o porta-voz do Departamen- forma colectiva na Guerra do Golfo rança poderão ter um
os ataques foram organizados a partir ra restaurar e manter a segurança na to de Estado disse que o secretário de em 1991 e promove actualmente mis- “impacte significativo”
do estrangeiro”, declarou ao início área do Atlântico Norte”. Estado Colin Powell contactou por te- sões militares na Bósnia, Kosovo e sobre os civis bósnios
da noite de ontem o secretário-geral, Em declarações à Reuters, um diplo- lefone com Robertson durante o dia de Macedónia mas sem o recurso ao Ar- que trabalham para a
George Robertson, após uma prolon- mata envolvido nas discussões confir- ontem. O chefe da diplomacia norte- tigo V. Durante a cimeira de 1999, que Sfor. Recorde-se que
gada reunião da estrutura política da mou a disposição do secretário-geral americana admitiu accionar ao Arti- legitimou o alargamento da força uma maioria relativa
Aliança. em propor uma declaração “na qual se go V que prevê acção militar colectiva militar aliada, o comunicado final da população da Bós-
Desta forma, e pela primeira vez, inclui este caso [os atentados] entre os apenas quando os EUA determinarem definia o terrorismo como “uma gra- nia, à semelhança dos
a NATO invoca um artigo do seu tra- abrangido pelo Artigo V”. No entan- quem foi responsável pelos ataques. ve ameaça para a paz, a segurança albaneses do Kosovo e
tado fundador de 1949 que apela para to, e apesar deste gesto de forte apoio Um analista citado pela AFP suge- e a estabilidade e pode colocar em da Macedónia, professa
medidas de defesa mútuas, na sequên- político a Washington, a medida não riu ainda que o Artigo V não obriga perigo a integridade territorial dos a religião muçulmana.
cia dos atentados de terça-feira em significa que os aliados desencadeiam a uma reacção militar dos aliados, Estados”.  P.C.R.
D E S TA Q U E 7
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 13 SET 2001

Bombeiros em dificuldade
oficiais não identificadas situavam
entre 100 e 800, incluindo nesta esti-
mativa as 66 pessoas que se encon-
travam a bordo do avião. Admitiu
que o número de oito centenas se

para extinguir incêndio no Pentágono afigurava “totalmente inexacto”,


para acrescentar que “a priorida-
de era cuidar dos feridos, enterrar
os mortos e assistir as suas famí-
HYUNGWON KANG/REUTERS lias”.
O número de vítimas Uma centena de bombeiros lu-
soterradas no Pentágono tam desde anteontem sem parar
contra o incêndio, considerado sob
continua por estabelecer, controlo, mas a enorme quantidade
mas as autoridades já não de combustível do avião derramada
esperam encontrar mais sobre o edifício após o choque não
facilita as operações. Para se ter
ninguém com vida uma ideia da gravidade do sinistro,
basta dizer que tudo o que era re-
CARLOS PESSOA conhecível naquele cenário eram
pequenas peças da aeronave, cuja
Os bombeiros continuavam, ontem “caixa negra” ainda não tinha sido
ao fim do dia, a tentar extinguir o encontrada à hora de fecho desta
incêndio no tecto da ala do Pentágo- edição.
no destruída pela queda do Boeing Cerca de metade dos 27 quilóme-
da American Airlines. Quatro equi- tros de corredores do Pentágono
pas das Urban Search and Rescue permaneceram encerrados duran-
Teams (brigadas urbanas de bus- te o dia de ontem por razões de
ca e salvamento), com cerca de 60 segurança. Apesar disso, Victoria
membros cada uma, começaram a Clarke foi taxativa: “O Pentágono
intervir na área danificada numa está de pé a funcionar”, declarou
tentativa para consolidar os escom- numa conferência de imprensa. E a
bros e encontrar eventuais sobrevi- verdade é que a vida tende a regres-
ventes. Mas essas operações eram sar lentamente à normalidade.
realizadas com enorme prudência, O processo de identificação das
pois não está afastada a possibilida- vítimas já começou e, logo de ma-
de de uma derrocada mais vasta. nhã, alguns milhares dos 23 mil
“É uma espécie de jogo dos pau- funcionários civis e militares que
zinhos”, afirmou à Reuters Mike trabalham no imponente edifício
Tamillow, dirigente de uma das bri- regressaram às suas funções nor-
gadas, explicando a seguir o senti- Ontem, ao fim do dia, os bombeiros tentavam ainda extinguir o incêndio no Pentágono mais. Tiveram de abrir caminho
do da sua metáfora: “Se escolhemos através das artérias interditas à
a peça errada podem cair-nos todas circulação, com passagem pelos nu-
em cima. É isso que nós estamos mento”, confirmou Richard Brid- tes. “Estamos quase certos de que fase de renovação e tinha, por isso, merosos pontos de controlo. Entra-
exactamente a tentar que não acon- ges, director-adjunto de comunica- não há ali ninguém com vida”, con- menor ocupação do que o habitu- vam depois, em silêncio, na parte
teça.” “Onde o avião se esmagou, ção do condado à AFP. A violência cluiu Bridges. al. No entanto, a porta-voz do Pen- do edifício não afectado, percorren-
os andares abateram-se uns sobre do sinistro deixa poucas esperan- A parte destruída, situada no tágono, Victoria Clarke, recusou- do os corredores sem luz e impreg-
os outros, criando condições muito ças quanto à possibilidade de se- flanco oeste do edifício que alberga se ontem a avançar com números nados de um intenso e acre odor a
perigosas para as equipas de salva- rem encontradas mais sobreviven- o Ministério da Defesa, estava em prováveis de vítimas, que fontes fumo. 

Canadá desmente perseguição


de três aviões no seu espaço aéreo
Ao início da tarde de ontem Estados Unidos), o avião que paço aéreo à aviação civil, a
(hora de Lisboa), a CNN noti- atravessou o espaço aéreo ca- exemplo da medida tomada
ciava que as autoridades cana- nadiano foi um avião humani- na véspera pelos EUA após os
dianas perseguiam três aviões tário, desmentindo que as au- atentados. As únicas excep-
suspeitos no Oeste do Canadá. toridades deste país tivessem ções foram precisamente os
Segundo a cadeia de televisão perseguido qualquer outro ti- voos de cariz humanitário e os
norte-americana, que citava po de aparelhos suspeitos. “To- cerca de 250 aviões que, à hora
responsáveis norte-america- do e qualquer avião que sobre- da tragédia, se preparavam pa-
nos não identificados, desco- voe o espaço aéreo do Canadá é ra aterrar em solo norte-ame-
nhecia-se o destino dos apare- um avião humanitário”, decla- ricano, e que foram desviados
lhos ou quem os controlava. rou apenas Peter Coyles, sem para o Canadá.
Porém, de acordo com o que adiantar mais detalhes. A TC O primeiro-ministro cana-
o PUBLICO.PT apuraria junto não adiantou quem era respon- diano, Jean Chrétien, disse em
da Transport Canada, o orga- sável pela ajuda humanitária conferência de imprensa espe-
nismo canadiano incumbido em causa, a origem ou o desti- rar que a reabertura do espaço
do espaço aéreo canadiano (en- no do voo. aéreo ocorresse até ao final da
tidade equivalente à Federal O Canadá manteve ontem tarde de ontem (a meio da noite
Aviation Administration nos a decisão de fechar o seu es- à hora de Lisboa). 
ANDY CLARK/REUTERS

Ontem, esperava-se que o espaço aéreo canadiano fosse reaberto durante esta noite
8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA -FEIRA, 13 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

NA PRIMEIRA

Nova Iorque em estado de sítio PESSOA

“É difícil descrever
PETER MORGAN/REUTERS
o medo”
OPERAÇÕES DE RESGATE Sangue para
as vítimas João Guimarães está em
Milhares de polícias, Nova Iorque a fazer um
bombeiros, médicos e Milhares de america- estágio de Cirurgia Plásti-
nos, em vários pontos ca e Reconstrutiva no Me-
militares foram do país, ofereceram-se morial Sloan-Kettering
mobilizados para dar sangue às víti- Cancer Center. Terça-fei-
mas dos atentados ter- ra de manhã, foi acorda-
PAULO CORREIA roristas. Nas dez horas do pelo telefonema da mu-
e LINA FERREIRA que se seguiram à catás- lher, em Portugal. Saiu à
trofe, mais de um mi- rua, na York Avenue, e diz
lhão de americanos que “presenciou o inacre-
Desde a madrugada de on- marcaram o número ditável”. O relato, em dis-
tem que 44 mil polícias, 14 nacional da Cruz Ver- curso directo:
mil bombeiros, centenas de melha oferecendo-se pa- “Após o telefonema, des-
ambulâncias, gruas, “buldo- ra ajudar os sinistrados ci a avenida em direcção
zzers” e escavadoras mecâ- com o seu sangue. On- ao hospital, ante um cená-
nicas participam nos traba- tem, 3200 sacos de san- rio verdadeiramente sur-
lhos de resgate das vítimas gue já tinham sido en- realista. Ao longe, um
dos atentados que destruí- viados para Nova imenso cogumelo de fu-
ram as duas torres do World Iorque e Washington. A mo encobria a cidade.
Trade Center (WTC), em No- afluência de voluntá- Centenas de pessoas cor-
va Iorque. rios registou-se em riam. Nas cabinas telefó-
À luz de potentes projecto- grande número por to- nicas faziam-se filas. As
res e por entre a espessa ca- do o país. Alguns dado- mães fugiam pela aveni-
mada de cinzas, poeiras e fo- res esperaram durante da agarradas às crian-
lhas de papel que cobria o cinco horas em Filadél- ças resgatadas, que insis-
chão em torno do local, milha- fia, a meio caminho en- tiam em perguntas que
res de socorristas começaram tre as duas metrópoles. não têm explicação. O Me-
a escavar, na noite de terça- Mas a onda de solidarie- tro foi imobilizado. A ilha
feira, os cerca de 30 metros dade não se restringiu foi isolada. As sirenes das
de altura de escombros, em aos EUA, estendendo-se ambulâncias alarmavam
busca de sobreviventes. também pela Europa. por todo o lado. Os rostos,
Num cenário até agora ini- Em Rennes, França, o tensos, mudos, escavados,
maginável, vários “ferries” Instituto Francês do vinham a chorar de revol-
juntaram-se às operações de Sangue foi “submerso” ta e indignação. É difícil
socorro, transportando cadá- por apelos de voluntá- descrever o medo. À porta
veres para Nova Jersey, atra- rios particulares. Na dos edifícios as pessoas
vés do rio Hudson. Três com- Rússia e no Kuwait fo- ficavam paradas, a mão
panhias de táxis arrancaram ram anunciadas, ontem amparando o estômago,
os bancos dos automóveis pa- de manhã, campanhas sem saber o que falar.
ra transportar os mortos do de recolha de sangue a Fui para o New York
local da tragédia até ao Ter- favor das vítimas dos Cornell Medical Center,
minal Militar de Bayonne, em atentados. O Kremlin na rua 68, que tem a maior
Nova Jersey. As autoridades propôs mesmo enviar Unidade de Queimados.
improvisaram morgues em equipas de socorristas e Quando subi ao 8º piso do
vários pontos da cidade: nos aviões para os EUA. hospital para me volun-
hospitais, nas docas do Hud- Também o exército po- tariar, já tinham a unida-
son e até em estabelecimentos laco lançou ontem uma de lotada, com casos gra-
comerciais. acção de recolha de san- víssimos de, por exemplo,
gue destinado às víti- 95 por cento de super-
Hospitais longe mas, junto dos seus mi- fície total queimada, o
de estarem sobrelotados litares e soldados. que significa um péssimo
Mas os hospitais de Nova Ior- As equipas não têm mãos a medir entre os escombros do World Trade Center prognóstico. Um deles era
que e Washington, que on- bombeiro e contou que,
tem à noite já tinham rece- quando entrou numa das
bido cerca de 1700 vítimas, em Greenwich Village, tam- WTC”, acrescentou. Grandes empresas que ti- polícia de Nova Iorque, como torres, esta estava oca por
não ficaram sobrelotados, ve- bém ficou em alerta para Para assegurar o rápido nham escritórios no WTC es- prova de “compaixão e sim- dentro e uma enorme bo-
rificando-se mesmo um senti- receber vítimas. Mas a vi- movimento de ambulâncias e tão também a dar o contri- patia” pelo trabalho realizado la de fogo caiu lá de ci-
mento de frustração entre os ce-presidente da instituição, camiões de bombeiros e evi- buto no apoio às vítimas dos depois dos ataques às torres ma, do piso onde estaria o
profissionais de saúde. “Exis- Bernardette Kingham, asse- tar a pilhagem de lojas e edi- atentados. O grupo alemão de gémeas de Manhattan. Para avião, pelo prédio abaixo,
te um cenário de dor e nós gurou que, apesar de estarem fícios, a zona sul de Manhat- media Bertelsmann, que re- além disso, o presidente do cuspindo-o violentamen-
sentimo-nos impotentes. Que- preparados do ponto de vista tan foi fechada ao trânsito a aliza um terço dos seus ne- grupo pediu aos mais de 18 te contra as portas gira-
remos fazer mais”, garantiu médico, o mesmo não sucede partir da Rua 14. A área está gócios nos Estados Unidos, mil empregados da empresa, tórias e queimando-o de
um porta-voz do hospital East ao nível emocional. “Muitos a ser patrulhada pela Guar- anunciou ontem a doação de em especial aos cinco mil que imediato.
Village de Manhattan. de nós tínhamos famílias e da Nacional e pela polícia de dois milhões de dólares às trabalham na “Grande Ma- Na unidade havia cente-
O Hospital de St. Vicent, amigos que trabalhavam no Nova Iorque. corporações de bombeiros e à çã”, que doassem sangue.  nas (centenas!) de médicos,
enfermeiros e estudantes
que se voluntariaram, pe-
lo que não fui necessário.

Portugueses preparados em caso de catástrofe


Desci para o serviço de
urgência para doar san-
gue, mas não havia capa-
cidade logística para re-
ceber mais. Hoje [ontem]
Em Portugal, há uma equipa te para encontrar corpos nos país qualquer edifício com “O reconhecimento da si- a triagem das várias situa- vou tentar de novo. Os es-
de 36 pessoas, dez toneladas escombros. Estes cães-catás- a dimensão das torres géme- tuação é prioritário”, afirma. ções e a manutenção da vida, combros ainda ardem e o
de equipamento e duas deze- trofe pertencem à GNR e aos as de Nova Iorque, mas este Depois, há que avançar para através da prestação dos pri- drama do ponto de vista
nas de cães treinados prontos bombeiros. grupo da Protecção Civil está salvar os vivos. As equipas meiros socorros no local, a clínico, neste momento, é
para intervir numa situação “Estas pessoas estariam à preparado para participar em cinotécnicas, compostas por assistência, a reanimação e precisamente o não haver
de catástrofe, disse ao PÚBLI- altura de responder a uma operações que possam envol- um cão e um tratador, têm o encaminhamento para os mais doentes para tratar.
CO o inspector do Serviço Na- situação semelhante à que ver prédios de 40 andares, as- um papel fundamental nu- hospitais. Os hospitais não estão a re-
cional de Protecção Civil, Ma- se verifica em Nova Iorque”, segura Manuel Veloso. ma primeira fase de busca. Mas para que a interven- ceber feridos, apesar de te-
nuel Veloso. considera Manuel Veloso, no- Estas acções exigem deter- “São o melhor sistema” para ção numa situação deste tipo rem as equipas a postos, e
Especialistas em transmis- tando que já participaram em minados procedimentos e re- procurar sobreviventes nos seja bem sucedida é impres- com o calor dos escombros
sões e desactivação de minas operações de salvamento na gras, tendo em vista o prin- escombros, defende Manuel cindível um treino “perma- pensa-se que de hora para
e armadilhas, bombeiros, mé- Turquia e em Moçambique, cipal objectivo de resgate de Veloso. Desempenham tam- nente e conjunto”, de forma hora, de dia para dia, vai
dicos e outro pessoal de saúde tendo realizado um “óptimo vítimas. O inspector da Pro- bém um papel indispensável a que se observe a “conjuga- diminuir a probabilidade
são elementos que fazem par- trabalho”. tecção Civil refere algumas as equipas de desobstrução e ção” de todos os esforços de- de recuperar pessoas com
te desse grupo de interven- Em Portugal, jamais se po- das actuações consideradas salvamento constituídas por senvolvidos, considera Ma- vida.
ção, que conta com o apoio de deria verificar uma situação essenciais em caso de catás- bombeiros. nuel Veloso.  PAULA TORRES
cães treinados especialmen- análoga, visto não existir no trofe. Às equipas médicas cabe DE CARVALHO
D E S TA Q U E 9
PÚBLICO•QUINTA -FEIRA, 13 SET 2001

BRIAN SNYDER/REUTERS JEFF KOWALSKY/EPA

UM PORTUGUÊS ENTRE AS
EQUIPAS DE SOCORRO
João Crisóstomo Júnior não fugiu de Ma-
nhattan assim que se conseguiu libertar
da cave do seu local de trabalho. Em vez
disso, participou nos primeiros trabalhos
de socorro logo a seguir ao atentado. O
português, consultor na multinacional fi-
nanceira Goldman Sachs, cujos escritórios
de Manhattan se situam na Broad Street
— muito próximo do local do atentado —,
sentiu bem de perto as primeiras hora da
tragédia, pois tinha acabado de chegar ao
seu escritório quando sentiu a primeira
explosão. Retirado, com outras pessoas,
para a cave do edifício, todos acabaram por
ficar ali encurralados devido à derrocada
das torres do World Trade Center. Depois
de ter sido tirado da cave pelas equipas de
salvamento, em vez de correr para casa,
decidiu oferecer-se como voluntário no
socorro às vítimas “e lá andou até às 6 da
manhã”, disse o pai à Lusa.

16 HORAS E EM 70 HOSPITAIS dentro de um ano, deixar a cidade e ir viver gravadas por alguns dos socorristas. Na
para a Carolina do Norte, depois de ter CBS, um médico comentava ele mesmo as
À PROCURA DA MÃE casado segunda vez. “Tinha acabado de imagens que ia gravando.
descobrir a felicidade, estava farta de Nova
Desde os ataques ao World Trade Center, Iorque e pensava mudar. Só estaria mais
Passageiros tentam telefonar num terminal da American Airlines terça-feira de manhã, Jarid Maldonado um ano no World Trade Center.” FRANCESES DISPONÍVEIS
gastou 16 horas e telefonou para 70 hospi-
tais de Nova Iorque à procura da mãe, que PARA DAR SANGUE
CASSETES DE
Telefone, um
trabalhava no escritório da Autoridade
Portuária de Nova Iorque, situado no 71º Muitos franceses manifestaram a sua
andar de uma das torres destruídas pelo VÍDEO-AMADORES disponibilidade para dar sangue aos
ataque terrorista. O pesadelo começou hospitais, para ajudar as vítimas dos
INVADIRAM AS TELEVISÕES
instrumento quando Maldonado, 23 anos, conduzia o
seu carro na auto-estrada oeste de Nova
Iorque e viu o primeiro dos dois choques.
“Vi a explosão e fiquei em pânico, a única
Cassetes vídeo gravadas por amadores
durante os atentados suicidas de Nova
ataques suicidas em Nova Iorque e
Washington. Apesar dessa intenção, ne-
nhum pedido oficial nesse sentido foi
feito pelas autoridades americanas, se-

de sobrevivência coisa que me veio à cabeça foi salvá-la.


Não estava capaz de pensar, era só emo-
ções. Só rezava para que ela não tivesse
morrido”, disse Maldonado, citado pela
Iorque e Washington começaram ontem a
chegar às televisões americanas, ávidas de
imagens novas. Algumas dessas imagens,
reproduzidas também ontem nos canais
gundo declarou à AFP uma fonte do EFS,
instituto francês do sangue. Em Rennes
(oeste), por exemplo, os serviços do EFS
ficaram “inundados de telefonemas” de
Pessoas soterradas nos escombros do World Reuters. Após várias horas, a mãe não portugueses, mostravam outros ângulos dadores. “É inútil, neste momento, e o
Trade Center usam telemóveis para contactar tinha telefonado e Jarid já não sabia o que do embate do segundo avião. Numa outra Ministério da Saúde francês não recebeu
fazer. Entrevistado enquanto esperava gravação, distribuída pela agência Gam- nenhum pedido dos Estados Unidos”,
equipas de salvamento. PorMarco Vaza num centro montado para recolher infor- ma, via-se mesmo o primeiro avião a cho- disse à AFP Agnés Dutourd, responsável
mação sobre desaparecidos, Maldonado car com a torre do World Trade Center, do EFS para as relações com a imprensa.
Os telemóveis estão a facilitar os entes queridos. E foram mui- acrescentou que ele e a sua família tele- quando ainda ninguém percebia o que se “Os Estados Unidos são um grande país,
o trabalho das equipas de sal- tas as histórias já tornadas fonaram para 70 hospitais da região. Ja- estava a passar. O autor desta gravação lançaram um apelo ao nível nacional
vamento que procuram sobre- públicas de testemunhos de rid também telefonou para o telemóvel estava a filmar uma acção de bombeiros que deve permitir responder às neces-
viventes entre os escombros do pessoas minutos antes dos de- da mãe, sem resposta, caminhou dezenas na rua, quando dirigiu a câmara para o sidades”, acrescentou a mesma porta-
World Trade Center. Das pes- sastres, todas com pontos em de quilómetros e acabou por se dirigir ao céu, alertado pelo barulho de um avião voz. Também a Rússia e o Kuwait anun-
soas que foram retiradas com comum e com o mesmo trágico centro de recolha de informação. Myma que voava a baixa altitude. Na New York ciaram ontem de manhã o lançamento
vida, muitas utilizaram tele- final, como a de Barbara Olson, Agosto, a mãe de Jarid (o pai morrera há One, passaram imagens das operações de de campanhas de recolha de sangue em
móveis para contactar com o comentadora da CNN e mulher um ano, de cancro), preparava-se para, socorro durante a noite, aparentemente favor das vítimas dos atentados. 
mundo exterior, como foi o ca- do Ted Olson, chefe da equipa
so de um homem de negócios jurídica da Casa Branca, que
israelita que ligou para a famí- ligou ao marido duas vezes an-
lia no seu país, de acordo com tes do desastre.
uma informação divulgada pe- Outro relato veio do voo 175
lo ministro israelita dos Negó- da United Airlines que chocou
cios Estrangeiros, que não re- com o World Trade Center, on-
velou, no entanto, a identidade de seguia Peter Hanson, ho-
do sobrevivente. mem de negócios que viajava
Há também relatos de bom- com a mulher e o filho. Ligou
beiros e polícias, soterrados para o pai, em Connecticut, e,
pelos destroços que resultaram apesar da chamada ter caído
do desmoronamento das Twin duas vezes, ainda conseguiu
Towers enquanto conduziam dizer que homens armados es-
operações de salvamento na tavam a esfaquear assistentes
base do edifício, que foram lo- de bordo para entrar no “co-
calizados por terem consegui- ckpit”. “Uma hospedeira foi
do contactar a superfície atra- esfaqueada. O avião vai cair.
vés de telemóveis. Sei que vamos todos morrer”,
Mas estes parecem ser casos foram as últimas palavras de
isolados de pessoas que se en- Peter Hanson.
contravam nos primeiros anda- Uma das chamadas realiza-
res e as autoridades parecem das para o centro de emergên-
cépticas quanto à existência de cias partiu de um passageiro
mais sobreviventes entre as ru- trancado na casa de banho do
ínas do edifício. Como declarou avião que caiu perto de Pitts-
um bombeiro a uma televisão burg. A gravação desta cha-
local, “as pessoas nos andares mada é a única prova torna-
subterrâneos podem estar vi- da pública pelas autoridades
vas, mas, tanto quanto sei, aci- norte-americanas da existên-
ma dos primeiros andares há cia de terroristas a bordo dos
muito pouca esperança”. aviões. “Estamos a ser desvia-
Se os telefones estão a servir dos. Estamos a ser desviados.
como autênticos instrumentos Isto não é nenhuma brincadei-
de sobrevivência, para quem ra”, disse o passageiro, cuja
estava a bordo dos aviões se- identidade não foi revelada e
questrados foi o meio possível que não teve tempo para dizer
para falar pela última vez com muito mais. 
10 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA -FEIRA, 13 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

A escolha de Bush DESTRUAM A REDE


O Presidente dos EUA contida, metódica, deliberada sidente recebe em situações HENRY KISSINGER
terá de decidir se ouve e precisa — se não, irá apenas de emergência. Numa rara de-
piorar a situação.” monstração de unidade, na noi- Um ataque como o de terça-fei- te — com um ataque ao sistema destruição do sistema por ele
os conselhos de A mais elementar prudência te de terça-feira para ontem os ra requer um planeamento sis- que o produz. responsável. Tal sistema é uma
“falcões” ou cautelosos parece recomendar que Bush membros do Congresso ame- temático, uma boa organiza- A resposta imediata tem evi- rede de organizações terroris-
não ataque Bin Laden sem ter a ricano deram as mãos (lite- ção, muito dinheiro e uma base dentemente de ser tratar das tas abrigadas nas capitais de
PEDRO RIBEIRO confirmação de que ele é culpa- ralmente, enquanto cantavam de apoio. Não se pode impro- vítimas e repor a normalidade alguns países. Em muitos ca-
do. Numa sondagem do “USA “God Bless America”) e mani- visar nada como isto, e não se possível. Temos de voltar ao sos, não penalizamos esses paí-
Tudo seria mais fácil para Ge- Today”, só 21 por cento dos festaram total unanimidade no pode planeá-lo quando se está trabalho imediatamente, pa- ses por protegerem essas orga-
orge W. Bush se ele pudesse ter a americanos são a favor de par- seu apoio a Bush. permanentemente em movi- ra mostrar que a nossa vida nizações; noutros, mantemos
certeza de quem é o seu inimigo. tir já para a “acção”. Mas, se Resta saber quanto tempo mento. Dantes, a nossa respos- não pode ser interrompida. Da- com eles um relacionamento
Mas, à hora do fecho desta edi- não houver uma resposta rápi- durará essa unanimidade. Por ta aos ataques consistia, como qui em diante, devemos mos- praticamente normal. [...]
ção, ainda não se sabia quem é da, a paciência dos america- enquanto, Bush está a seguir se compreende, em actos de trar maior solidariedade para É claro que deve haver algu-
o autor do ataque de terça-feira nos pode esgotar-se. Mas uma uma linha prudente, subscri- retaliação que supostamente com as pessoas que estão dia- ma retaliação, e eu certamente
contra alvos em Washington e resposta precipitada pode tra- ta por James Lindsay, ex-mem- restabeleciam o equilíbrio en- riamente sujeitas a este tipo a apoiarei, mas isso não pode
Nova Iorque. Só suspeitas, que zer consequências humilhan- bro do Departamento de Esta- quanto se tentava apanhar os de ataque e às quais continua- ser o fim do processo e nem se-
apontam para o milionário sau- tes — como no atentado de do, que disse ao “Tribune” que autores. mos a dizer para serem mode- quer deve constituir a sua par-
dita radicado no Afeganistão Oklahoma de 1995, atribuído uma acção militar no estran- Isto, contudo, é um ataque no radas nas suas reacções indi- te mais importante. O funda-
Osama bin Laden. pelos EUA a Bin Laden, para geiro que pusesse civis em peri- território dos Estados Unidos, viduais. mental é afugentar o sistema
Assim, as opções do Presi- depois se descobrir que o autor go “seria perpetrar aquilo que o que representa uma ameaça Mas então o governo deve terrorista — e por sistema ter-
dente dos Estados Unidos são fora um radical norte-ameri- os EUA renegam”. Mas a ala ao nosso modo de vida e à nos- assumir uma resposta siste- rorista entendo as partes que
mais complexas. Ao contrá- cano, Timothy McVeigh. mais militarista quer ataques sa existência enquanto socie- mática que, espera-se, acabe estão organizadas numa base
rio do que fez o seu predeces- Mas terá George W. Bush a já, como se lê num editorial do dade livre. Temos portanto de da maneira que acabou o ata- global e que podem operar de
sor Franklin D. Roosevelt pe- paciência do seu pai, que espe- “Rapid City Journal”: “Os nos- lidar com ele de forma diferen- que a Pearl Harbor — com a forma sincronizada.
rante Pearl Harbour, não pode rou cinco meses antes de uma sos líderes devem traçar um
PETER MORGAN/REUTERS
de imediato ordenar um con- aliança internacional sob a égi- curso de acção que envolva as
tra-ataque. Mas há quem quei- de da ONU expulsar Saddam Forças Armadas. As redes ter-
ra que Bush retalie já, mesmo Hussein do Kuwait? Por en- roristas internacionais devem
antes de haver provas conclu- quanto, Bush conta com o “es- ser abatidas, estejam onde es-
dentes de que o ataque foi or- tado de graça” que um Pre- tiverem.” 
questrado por Bin Laden.
“Foi Osama bin Laden, não
haja dúvidas. Ele tem a única
A maior das alianças
organização terrorista que nos
últimos oito anos sistematica- Se a pista Bin Laden se confirmar e se os EUA atacarem
mente visou americanos”, dis- o seu refúgio no Afeganistão, poderá ser criada a mais
se Larry Johnson, perito em inesperada e mais ambiciosa de todas as alianças. São
contraterrorismo, ao “Chicago dois “ses” de peso; mas caso se concretizem numa acção
Tribune”: “As opções [para re- militar dos EUA contra Bin Laden, Washington poderá
taliar contra Bin Laden] vão agir em conjunto, ou pelo menos com a anuência,
desde ataques aéreos conven- de Moscovo e Pequim. Osama bin Laden e o regime
cionais a mísseis de cruzeiro ultrafundamentalista islâmico dos taliban (no poder
até armas nucleares tácticas.” em Cabul) não estão na lista de inimigos apenas de
Armas nucleares? Mais de- Washington. A Rússia acusa o magnata saudita e o
vagar, dizem moderados como regime afegão de patrocinar o integrismo islâmico,
John L. Martin, ex-chefe da Se- nomeadamente na sua região rebelde da Tchetchénia;
gurança Interna do Departa- a China faz acusações idênticas relativamente à sua
mento de Justiça, citado pelo província ocidental do Xinjiang. Russos e chineses
“Washington Post”: “Qualquer têm cooperado com os seus vizinhos da Ásia Central
espécie de retaliação deve ser no combate ao “terrorismo islâmico”.

ROOSEVELT OU JFK?
TERESA DE SOUSA

A América descobriu
Quando o imaginário americano faz de Pearl F. D. Roosevelt cumpria o seu terceiro man-
Harbour o termo de comparação do “acto de dato e, sobretudo, sabia exactamente o que
guerra” perpetrado na terça-feira contra a Amé- queria, mesmo antes do ataque a Pearl Har-
rica, então apenas um homem à dimensão de bour.
Franklin D. Roosevelt pode estar à altura de Talvez por isso o “Washington Post” tenha
restituir-lhe a confiança perdida sob os escom- escolhido outro termo de comparação, por-
bros das torres de Nova Iorque e sob os muros ventura mais justo mas não menos exigente:
desfeitos do Pentágono. JFK ante da crise dos mísseis de 1962.
que é vulnerável
George Bush pai combateu na guerra con- Antes de Cuba, Kennedy era apenas o símbolo Os Estados Unidos nunca ti- dadãos. “Isto é um trauma pa- escreveu a sua perplexidade
duzida por Roosevelt para libertar o mundo do de uma América jovem, pujante, livre, excep- nham sido atacados no seu ra toda a gente nos Estados por “o maior país do mundo,
nazismo. O seu filho, fruto de uma geração mi- cional. Mas era ainda um líder por testar, sobre território continental. Sim, já Unidos”, disse à “Newsday” que tem no seu ventre armas
mada pela abundância e pela paz — mesmo que o qual pesavam também inúmeras interroga- houve inúmeros atentados con- Francine Shapiro, especialis- capazes de destruir o mundo
fria —, chegou à Casa Branca para liderar uma ções. Depois da crise de Cuba, a sua liderança tra interesses americanos em ta no tratamento de “stress” várias vezes, não poder fazer
América próspera, tranquila, forte e poderosa sobre a América e a parte do mundo que então todo o mundo; sim, houve Pearl pós-traumático. nada senão assistir horroriza-
como nunca, vitoriosa e inexpugnável. se chamava livre fora confirmada. Harbour; e sim, já houve aten- Desde o auge da guerra fria, do à destruição dos mais sagra-
Vai ter de enfrentar agora o mais im- Estará George W. Bush à altura das tados brutais nos EUA. O aten- quando os americanos cons- dos edifícios dos EUA por uma
provável dos cenários, o de uma guerra Análise circunstâncias? Se não do mito pelo me- tado de Oklahoma City provou truíam abrigos subterrâneos, mão-cheia de terroristas”.
não declarada contra um inimigo sem nos da capacidade de conduzir a América que a América pode ser atingi- aterrados pela perspectiva de Segundo o “New York Ti-
rosto. A prova decisiva de qualquer através da perplexidade e da desorienta- da pelo terrorismo; mas o que uma guerra nuclear, que os mes”, Osama bin Laden, apon-
presidência americana. O teste sem recurso nem ção com a mesma clarividência com que o seu sucedeu na terça-feira não foi americanos não se sentiam tão tado como principal suspeito
apelo sobre a matéria com que se faz um líder. pai a conduziu no primeiro grande teste do pós- um atentado: foi um ataque ou, assustados por uma ameaça ex- pelo ataque, terá dito há dois
George W. Bush terá de atravessar a sua “es- guerra fria? como lhe chamou o Presidente terna. Uma sondagem do “USA anos numa gravação que cir-
trada de Damasco”, todas as análises coincidem, As próximas semanas ditarão a resposta e o George W. Bush, um “acto de Today” efectuada na terça-feira culou pelo Médio Oriente que
em circunstâncias difíceis. Apenas oito meses destino do Presidente americano. guerra”. Os norte-americanos apurou que 48 por cento dos “a América é muito mais fra-
depois de ter cruzado os portais da Casa Branca. Bush cumpriu sem percalços o ritual de uma descobriram, com horror, que americanos vão ter mais receio ca do que parece”. Depois de
Quando procura ainda um estilo, uma imagem, crise com as proporções da actual. Caminhou o seu país é vulnerável. de fazer viagens de avião de- terça-feira, americanos como
um propósito mobilizador para a sua presidência. solitário pelos dos jardins da Casa Branca com “Qualquer noção de que a pois dos ataques de Nova Ior- a professora de História Anna
Quando ainda não conquistou inteiramente a o mundo a vigiar cada um dos seus gestos, dos América é invencível ruiu na que e Washington; 58 por cento Nelson concordam: “A única
confiança dos aliados e o respeito dos adversários, seus passos, cada traço do seu rosto. terça-feira no meio dos mons- dizem sentir-se preocupados coisa que é certa é que este
deixando que pairassem as dúvidas sobre a sua Pronunciou as palavras que provavelmente truosos escombros” das tor- pela hipótese de eles ou alguém país nunca mais vai ser segu-
política externa. Quando ainda não se dissipou a JFK ou Bill Clinton teriam dito nas mesmas cir- res gémeas, escreveu Calvin da sua família serem vítimas ro. Antes estávamos abriga-
dúvida que o perseguiu ao longo de toda a cam- cunstâncias, evocou os mesmos valores. Faltou- Woodward no “Anchorage Dai- de atentados terroristas. dos por dois oceanos; agora fo-
panha eleitoral. Tem ou não o filho de George lhe a capacidade inata de tocar no fundo da alma ly News”. As palavras de Woo- Não é só na América que es- mos atingidos pelo terrorismo
Bush as capacidades intelectuais e humanas para da nação americana que qualquer dos dois teria dward reflectem o sentimento ta sensação perpassa. O diário e nunca mais estaremos segu-
liderar a nação mais poderosa do mundo? transmitido.  de muitos dos seus conci- de Nova Deli “Indian Express” ros outra vez”, disse Nelson ao
D E S T A Q U E 11
PÚBLICO•QUINTA -FEIRA, 13 SET 2001

Não sabemos se Osama bin


Laden fez isto, apesar de a ope-
ração parecer ter as suas im-
pressões digitais. Mas qualquer
governo que acolha grupos ca-
pazes deste tipo de ataque, quer
possa ser visto como tendo es-
tado envolvido neste ataque JOSÉ VÍTOR MALHEIROS
quer não, tem de pagar um pre-
ço exorbitante.
A questão não é tanto que
tipo de ataque podemos desen-
cadear nesta semana ou na
Onde é que pára
próxima. E a resposta, uma
vez que o nosso sistema de se-
gurança foi ameaçado, não po-
a polícia?
O
de depender de um consenso, s crimes em geral e os atentados terroristas em par-
apesar de este ser um assun- ticular provocam sempre uma reacção instintiva de
to em relação ao qual nós e defesa. Nas sociedades modernas, onde a defesa dos
os nossos aliados devemos en- cidadãos se encontra entregue a corpos especiais, a
contrar uma forma de resis- reacção costuma tomar a forma da pergunta “Mas onde é que
tência concertada, que não pára a polícia?”. Ou, para formular a pergunta de forma mais
seja apenas o mínimo denomi- adequada ao dia: como é que a CIA não sabia de nada? Como
nador comum. é que as dezenas de serviços de informação e de polícias norte-
É algo que devemos fazer americanas, dos vários corpos de “intelligence” ao FBI não sou-
serenamente, com cuidado e beram de nada? Como é que foi possível que um grupo, numeroso
de forma implacável.  Exclu- e bem organizado, tenha conseguido infligir um tão duro golpe no
sivo PÚBLICO/“The Washington coração e na cabeça do país mais poderoso e mais rico do mundo
Post” sem que algo tivesse transpirado? Como é que um destes grupos,
com elementos tão altamente motivados que estão dispostos a
morrer, tão desumanos que não hesitam em matar milhares de
inocentes, pode passar despercebido aos super-espiões america-
nos que gastam por ano 30.000 milhões de dólares?
Como é possível que, neste mundo global, estes terroristas te-
nham passado despercebidos às dezenas de redes de espionagem
dos países aliados dos Estados Unidos?
E pode-se mesmo perguntar como é que os terroristas conse-
guiram introduzir nos aviões as armas que usaram, como é que
conseguiram dominar as tripulações, controlar os aparelhos,
como é que os conseguiram desviar das suas rotas sem que
alguém tenha dado logo pelo desvio, tenha detectado os aparelhos,
tenha adivinhado as suas intenções, tenha impedido que eles se
despenhassem nos seus alvos. As perguntas podem multiplicar-
se até ao infinito mas todas traduzem simplesmente o desejo
de que alguém, fosse como fosse, tivesse
previsto ou adivinhado a tragédia e a
Basta um bisturi e tivesse impedido.
um grupo de E, depois da negação, da perplexidade
pessoas dispostas e do medo, a tentação é a de exigir que se
ponham em prática daqui para a frente
a matar. Um todos os mecanismos de vigilância e de
grupo de homens policiamento necessários para garantir
devidamente que algo semelhante não se voltará a re-
treinados pode petir.
fazê-lo Só que, se é possível que tenha havido
erros grosseiros de segurança que se de-
provavelmente vam evitar no futuro, a verdade é que
sem usar sequer atentados deste tipo são virtualmente
uma faca de impossíveis de evitar. E são impossíveis
sobremesa de evitar porque todos os alvos são pos-
síveis e porque os seus autores são loucos
fanáticos prontos a morrer para matar.
Apesar de ainda não se ter reconstituído totalmente o “puzzle”
da forma como foram levados a cabo os ataques, parece que os
“Washington Post”. “Acreditá- seus autores se encontravam armados apenas com armas bran-
vamos numa América inven- cas. De facto, basta um bisturi e um grupo de pessoas dispostas a
cível. Tornámo-nos descuida- matar. Um grupo de homens devidamente treinados pode fazê-lo
dos no mundo do pós-guerra provavelmente sem usar sequer uma faca de sobremesa.
fria”, disse o historiador Dou- Será possível controlar os gestos de todos os potenciais terro-
glas Brinley ao “Times Pi- ristas através da informação? Programar o Echelon para detectar
cayune” de Nova Orleães. Ape- todas as conversas telefónicas sobre “ramos de flores” só porque
sar do choque do atentado de podem ser um nome de código para “bomba”? Obrigar todos
Oklahoma (que matou 168 pes- os passageiros dos aviões (e dos autocarros) a passar um teste
soas, muitas delas crianças), psicotécnico para detectar eventuais desequilíbrios emocionais?
esse crime não criou a sen- Só um estado autoritário pode pôr em prática as medidas neces-
sação de vulnerabilidade dos sárias para evitar todos os atentados possíveis. E fazê-lo seria
ataques de terça-feira. a suprema vitória dos terroristas, já que significaria instaurar
Da mesma maneira que, na um outro tipo de terrorismo.
II Guerra Mundial, os ame- Quer isto dizer que não se podem evitar ataques terroristas?
ricanos nunca haviam senti- Não. Quer dizer que se podem evitar alguns, mas não todos.
do que a ameaça estava perto: Nunca todos. É é essa uma das razões do choque de ontem. As
“Nunca nos passou pela cabe- armas usadas pelos terroristas de ontem foram uns horários de
ça sequer que os japoneses avião, aparentemente umas quantas facas, dinheiro para bilhetes
pudessem invadir Chicago, e uma resolução fanática.
que entrassem nas nossas es- Que o muro de Berlim tenha caído sem que a CIA se tenha
tradas, desembarcassem nas dado conta é inaceitável e ridículo. Mas é compreensível que a
nossas praias. Isto é tão di- CIA não detecte meia dúzia de loucos encafuados numa cave. É
ferente”, contou ao “Chicago esse o problema novo do mundo de hoje. Um louco pode armar-se
Tribune” Tony Golden, que com um bilhete de avião (conceda-se: cinco loucos) e mudar o
tinha 12 anos quando o Japão mundo.Isto significa que o uso da força e que a ameaça do recurso
bombardeou Pearl Harbour. a meios extremos de pressão pode ser esgrimido por qualquer
“Vivi a minha vida toda com um no actual mundo global. O que permite concluir algo que
estes prédios por paisagem”, todos sabemos mas que é preciso relembrar sem cessar: que
disse ao “LA Times” o advoga- as respostas para os problemas e conflitos actuais têm de ser
do Norman Ohrenstein, que encontradas na mesa da política, com as armas do diálogo, da
trabalhava no 85º andar das tor- razoabilidade, da negociação e da justiça. Para que os loucos,
res gémeas: “Não consigo acre- que vão sempre existir, pelo menos não consigam reunir à sua
ditar que estes edifícios já não volta com tanta facilidade um exército de zombies assassinos
estão aqui.”  P.R. convencidos da santidade da sua causa. 
1 2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA -FEIRA, 13 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

Os fiéis de Alá norte-americanos


Não tratem todos
enfrentam culpabilização os muçulmanos
Ameaças e clima de de apoiar os israelitas.” York Times” que vários cole- de refugiados palestinianos.
hostilidade ainda não
se traduziram em
acções violentas
Vários outros clientes de-
sataram a gritar contra ela,
cada vez mais furiosos até
que o dono da mercearia, ele
gas seus já tinham recebido
várias chamadas telefónicas
carregadas de ódio, incluindo
uma explícita ameaça de mor-
Em Nova Iorque, Ahmed
Shedeed, do Centro Islâmico
de Jersey City, tem estado a
pedir aos membros da sua
como cúmplices
próprio de origem árabe, Ah- te. Ele próprio recebeu um comunidade que dêem san-
JOANA AMADO med Naqi Mater, impôs a cal- telefonema: “É Osama Sibla- gue, que ajudem os feridos e A OPINIÃO DE
ma: “Talvez não tenham si- ni?”, perguntaram-lhe. “Eu os familiares daqueles que já AMOS OZ
Uma mercearia como tantas do os árabes. Lembrem-se de disse que era e eles disseram morreram. “Temos que lhes
outras em Nova Iorque. Na Oklahoma [o atentado levado ‘Reza para que não tenham mostrar que fazemos parte da Talvez seja simplesmente humano que, sob o
Rua 177. Suficientemente lon- a cabo por um americano, Ti- sido os árabes’”, caso contrá- comunidade. Isto afecta-me
ge do local da tragédia das mothy McVeigh, que provo- rio ele próprio iria sofrer as tanto a mim como ao meu vi-
choque e a dor, haja ainda uma pequena voz em
Twin Towers para estar aber- cou a morte de 168 pessoas].” consequências. zinho, este é o nosso país.” alguns de nós, aqui em Israel, a dizer :“Agora pelo
ta ao negócio. Suficientemen- Após essa tragédia, em Não é por acaso que os lí- Mohamed el-Behairy, um menos eles vão entender o que nós estamos a
te perto para que toda a gen- 1995, todos os dedos acusado- deres árabes e muçulmanos professor universitário já na passar.” [...] Com ou sem fundamentalismo, com
te tivesse um único tema de res apontaram para os terro- das comunidades locais um reforma que vive em Buffa-
conversa. Os ânimos aquece- ristas muçulmanos, muitas pouco por todos os Estados lo, tem recebido vários tele- ou sem terrorismo árabe, não há qualquer
ram, quando uma mulher pa- mesquitas foram danificadas, Unidos e também nos vários fonemas de pessoas que pen- justificação para a longa ocupação e supressão do
lestiniana culpou o apoio de muitos muçulmanos detidos países europeus se apressa- sam que ele pode ter respostas povo palestiniano por parte de Israel
Washington a Israel pelo ter- como suspeitos e muitas fa- ram a lançar mensagens de para lhes dar. Um dos árabes
rorismo antiamericano. mílias sentiram-se violenta- pesar pelos atentados, subli- que lhe telefonou perguntou-
“Sou árabe e sou palestinia- das nas suas próprias casas. nhando a sua repulsa por um lhe. “Será que eles nos vão pôr A vaga de fanatismo religio- tamente que não defendem
na e só tenho uma coisa a di- Agora, com um suspeito — acto bárbaro sem desculpa e todos em campos de concen- so e nacionalista está a cres- Israel — antes pelo contrá-
zer”, frisou Yasmeen Hindi, Osama bin Laden — mas sem repetindo que nem todos os tração como fizeram com os cer no mundo islâmico, das rio, tornam a nossa auto-
de 19 anos, uma cliente ha- certezas, o ódio e a revolta vol- árabes e muçulmanos são ter- japoneses?” A memória era a Filipinas a Gaza, à Líbia e defesa muito mais difícil
bitual da Uptown Deli Store. taram-se de novo para os ára- roristas e vice-versa. E mui- dos japoneses residentes na à Argélia, do Afeganistão, e muito mais complicada.
“Sinto-me mal com tudo isto, bes em geral, e os muçulma- tos apelaram às suas comuni- América que foram detidos Irão e Iraque ao Libano e Quanto mais cedo terminar
mas os americanos têm que nos em particular. dades para não se deixarem em campos de internamento Sudão. Aqui, em Israel, es- esta ocupação, melhor tanto
perceber uma coisa: se nós Ontem, Osama Siblani, que contagiar pelas imagens de durante a II Guerra Mundial. tamos na extremidade re- para os ocupados como para
vamos ser mortos, eles tam- publica o jornal “Arab Ame- regozijo chegadas dos terri- “Isso é impensável”, respon- ceptora desta onda fanáti- os ocupantes.
bém vão ser mortos. Deixem rican News”, disse ao “New tórios ocupados e dos campos deu-lhe o professor.  ca letal: quase diariamente Agora também é demasia-
assistimos ao elo entre o in- do fácil e tentador cair em
citamento ao ódio e o mas- todo o tipo de clichés sobre
CARLOS LOPES sacre, entre sermões religio- a “mentalidade muçulma-
sos que celebram a “Jihad” na” ou o “carácter árabe”
[guerra santa] e a sua execu- e outros tantos disparates.
ção em bombistas suicidas e O horrendo crime cometi-
carros-bombas contra civis do contra Nova Iorque e Wa-
inocentes. shington é uma sarcástica
Sendo vítimas dos funda- lembrança de que isto não é
mentalistas árabes e muçul- uma guerra entre religiões,
manos, muitas vezes fica- nem uma luta entre nações.
mos de tal forma cegos que Trata-se, uma vez mais, de
temos tendência a ignorar uma batalha entre fanáticos
a emergência do extremis- para quem o fim — qualquer
mo chauvinista e religioso, fim, seja religioso, naciona-
não só no território do Islão lista ou ideológico — santi-
como em diversas partes do fica os meios, e todos nós que
mundo cristão e entre o povo imputamos santidade à pró-
judeu. Se a terrível provação pria vida.
da América resulta do facto Apesar da aberrante ma-
de que os “mullahs” e “aya- nifestação de júbilo e ale-
tollahs” fanáticos a retra- gria em Gaza e em Ramallah
tam, persistentemente, co- enquanto em Nova Iorque
mo “O Grande Satã” — então as pessoas morriam — que
a América, bem como Isra- nenhum ser humano decen-
el, “O Pequeno Satã”, têm de te se esqueça que a grande
se preparar para uma lon- maioria dos árabes e dos ou-
ga e árdua batalha. Talvez tros muçulmanos não são
seja simplesmente humano nem cúmplices do crime
que, sob o choque e a dor, ha- nem rejubilaram com ele.
ja ainda uma pequena voz Praticamente todos ficaram
em alguns de nós, aqui em chocados e condoídos como
Israel, a dizer: “Agora pelo todo o resto da Humanida-
menos eles vão entender o de. Talvez eles até tenham
que nós estamos a passar.” alguma razão especial para
Muitos muçulmanos receiam ser responsabilizados pelos crimes dos que matam em nome de Deus (foto da mesquita de Lisboa) Ou: “Agora eles finalmente estarem preocupados, uma
ficarão do nosso lado.” vez que desde já ecoam em
Mas esta pequena voz é alguns locais sons terríveis

“Deus não ama os agressores” extremamente perigosa pa-


ra nós: poderá facilmente
seduzir-nos a esquecer que,
com ou sem fundamentalis-
de sentimentos anti-islâmi-
cos indiscriminados. Estas
manifestações não são a res-
posta correcta a este crime
mo, com ou sem terrorismo — pelo contrário, elas caem
Os representantes das comu- dos”, Vakil lembrou que o Is- munidade Ismaili, sublinhou Ásia — que em regra “não se árabe, não há qualquer jus- em cheio nas mãos ávidas
nidades islâmicas em Portugal lão “condena a violência e o que a mesma “condena todas pronuncia sobre actos políti- tificação para a longa ocu- dos seus perpetradores.
mostraram-se consternados desrespeito pelo ser humano”. as formas de violência que tão cos” acabou por ter uma pa- pação e supressão do povo Recordemos que nem o
com os recentes acontecimentos E cita uma passagem do Alco- dramaticamente afectam o pre- lavra de condenação. Imtiaz palestiniano por parte de Ocidente nem o Islão ou os
registados nos Estados Unidos. rão (2:190): “Deus não ama os sente e o futuro de tantos mi- Juma, director executivo da Israel. Não temos o direito árabes são “O Grande Sa-
Profundamente “chocada”, agressores.” lhares de homens, mulheres e fundação, “tendo em conta a de negar aos palestinianos tã”. “O Grande Satã” é per-
a Comunidade Islâmica de Lis- Também os muçulmanos is- crianças”. natureza particularmente vio- o seu direito natural à au- sonificado no ódio e fana-
boa, através de um comunica- mailitas estão “profundamente Até mesmo a Fundação Aga lenta dos trágicos incidentes to-determinação. Dois enor- tismo. Estas duas doenças
do do seu presidente, Abdool chocados com os acontecimen- Khan — agência internacio- ocorridos nos Estados Uni- mes oceanos não puderam mentais ancestrais continu-
Magid Vakil, manifestou o seu tos” na América do Norte e so- nal de desenvolvimento social dos”, exprimiu a solidariedade proteger a América do ter- am a atormentar-nos. Cui-
“repúdio pelos ataques terro- lidários “com a dor de todos apolítica e não denominacio- da organização que representa rorismo; a Cisjordânia e Ga- dado para não nos deixar-
ristas aos Estados Unidos da quantos sofreram e estão a so- nal que trabalha para comuni- “com as famílias das vítimas” e za, ocupadas por Israel, cer- mos contagiar. 
América e lamenta a brutal frer este drama”. Consideran- dades pobres em diversas regi- reiterou “a firme condenação
perda de vidas humanas”. Es- do os atentados uma “tragédia ões do mundo periodicamente de todas as formas de violên-
perando que “os responsáveis terrível”, Fazila Ali, membro atormentadas pela violência, cia como meio para resolver ESCRITOR ISRAELITA
Exclusivo PÚBLICO
sejam rapidamente identifica- do Conselho Nacional da Co- nomeadamente em África e na divergências”.  E.V.
D E S TA Q U E 1 3
PÚBLICO•QUINTA -FEIRA, 13 SET 2001

“Esta é uma guerra entre uma Sharon invade Jenin


e Arafat cancela
perversão do Islão e a potência viagem à Síria
militar-económica dos EUA” Os palestinianos já começaram a sentir o impacte
político dos ataques nos EUA. Tanques e
helicópteros israelitas atacaram uma cidade
E N T R E V I S TA C O M
MIKE ROGIN autónoma da Cisjordânia; o chefe da OLP adiou
uma visita histórica à Síria
Professor de Ciências Políticas na Universidade da Califórnia, em Berkeley, Mike Rogin não dá crédito Por Graham Usher, Jerusalém
aos que vêem nos ataques em Nova Iorque e Washington um choque de civilizações. “Hitler também
Na terça-feira à noite, um gru- face às acções de “contrater-
não foi o “Ocidente”, mas uma perversão do Ocidente”, disse. Por Natalie Levisalles po de homens palestinianos rorismo” de Israel nos terri-
reunido num supermercado de tórios árabes ocupados.
Jerusalém Oriental a ver tele-
Os atentados de terça-fei- foi o “Ocidente” mas uma pôr em perigo o Estado nor- os americanos aperceberam- visão estava espantado com “O mundo livre contra
ra marcam o princípio de perversão do Ocidente. Não te-americano. Vão sem dú- se do que era a guerra. Era o as imagens em câmara lenta as forças da escuridão”
uma guerra entre o Oci- é uma cultura contra outra, vida traduzir-se em milha- efeito procurado. de um avião americano a cair Os líderes israelitas também
dente e o Islão? não é um choque cultural res de mortos e terão um A ideia dos atacantes foi cer- em chamas sobre uma das tor- pensam do mesmo modo. “Os
MIKE ROGIN — Isto não entre o Islão e o Ocidente, custo financeiro muito ele- tamente mostrar aos norte- res do World Trade Center ataques terroristas contra os
é uma batalha entre duas mas entre grupos que têm vado, mas não ameaçam o americanos que não podem (WTC). Parecia um filme de EUA são um ponto de viragem
grandes abastracções: o Oci- objectivos políticos particu- Estado americano. continuar a fazer o que que- Hollywood. Mas não era um na luta internacional do mundo
dente e o Islão. Mas se, como lares. Apesar de haver con- Teria sido diferente se ti- rem pelo mundo fora sem pa- filme. Era Nova Iorque. E era livre contra as forças da escuri-
parece, foi um grupo oposto fusão entre os dois campos, vessem sido utilizadas armas garem um preço por isso. Dito mesmo um avião. dão e aqueles que procuram des-
a Israel e aos Estados Uni- os nova-iorquinos comuns biológicas, que têm um poder isso, é preciso esperar que o A vasta maioria dos palesti- truir os nossos valores e modo
dos que causou este horror, é não são o “Ocidente” e os pa- maciço de destruição de in- Governo americano não ripos- nianos absorveram esta ima- de vida”, disse o primeiro-mi-
uma guerra entre uma per- lestinianos comuns não são fraestruturas e populações. te da mesma maneira. É muito gem — e as notícias de que ou- nistro Ariel Sharon. Discreta-
versão do Islão e a potência o “Islão”. Nos dois casos, são Em compensação, pela pri- mau pensar que se pode ripos- tro avião se despenhou sobre mente, mandou depois encerrar
militar e económica dos Es- apenas pessoas que sofrem. meira vez, o sentimento de tar contra um Estado punin- o Departamento de Defesa dos as fronteiras internacionais de
tados Unidos. Até que ponto estes aten- invulnerabilidade dos ameri- do civis inocentes. Os Estados EUA — com um sentimento de Israel e reforçou os bloqueios
Não foi o “Islão” que ata- tados puseram em perigo canos foi sacudido. As pesso- Unidos fizeram-no no Iraque e irrealidade. Uma minoria — nos territórios ocupados.
cou os Estados Unidos, mas o Estado norte-america- as na rua compararam o que na Sérvia. Arriscam-se a fazê- os que dançaram nas ruas dos Com a Cisjordânia isolada
um movimento político. Da no? viram à Índia, a Kinshasa, a lo no Afeganistão.  EXCLUSI- campos de refugiados em Na- do mundo exterior, tanques is-
mesma forma que Hitler não Estes ataques não podem Beirute. Pela primeira vez, VO PÚBLICO/ “LIBÉRATION” blus e no Líbano e alguns que raelitas e helicópteros Apache
distribuíram doces próximo de fabrico americano invadi-
do supermercado — parecia ram ontem a cidade autónoma
AHMED JADALLAH/REUTERS
ter perdido completamente o de Jenin, que já estava cercada
sentido da realidade. por blindados. O argumento
Estariam eles realmente fe- do exército é que Jenin é um
lizes pelo facto de talvez mi- refúgio de onde seis bombistas-
lhares de pessoas — incluindo suicidas islâmicos saíram nas
árabes e muçulmanos — te- últimas semanas para se faze-
rem morrido por estarem nos rem explodir em Israel.
aviões errados no lado errado Em raides levados a cabo de
de uma torre num dia errado? madrugada, em Jenin e em al-
“Estamos contentes por a Amé- deias palestinianas adjacentes,
rica ter sido atingida. A Amé- foram mortos nove palestinia-
rica está contra nós a apoiar nos (entre eles uma menina de
Israel”, justificou-se um rapaz. nove anos) e várias dezenas fi-
Para ele, tamanha destruição caram feridos. Num dia normal,
humana tornara-se uma ficção uma incursão desta envergadu-
televisiva. ra teria feito manchetes mun-
Outros palestinianos não mi- diais. Ontem, foi ignorada. Tal-
nimizaram a gravidade do mo- vez tenha sido esse o motivo por
mento, se não pela escala do que Sharon entrou em Jenin na
massacre, pelo menos pelas su- quarta e não na terça-feira.
as implicações políticas. “O Os palestinianos de Jenin
que aconteceu nos Estados Uni- também não foram as únicas
dos foi um crime contra toda a vítimas da nova cruzada que
humanidade e não apenas con- os israelitas estão ansiosos por
tra os americanos”, declarou lançar. Na quarta-feira, Arafat
Yasser Arafat, com aparente deveria ter-se encontrado com
sinceridade. o novo Presidente sírio em Da-
Abalados pelas reivindica- masco. A esperança de muitos
ções de responsabilidade que palestinianos era a de que o
estações de televisão árabes jovem Bashar al-Assad enter-
atribuíram à Frente Popular de rasse o ódio que dividia o seu
Libertação da Palestina (FPLP) defunto pai, Hafez, e o velho
e a sua congénere Democrática Arafat. E também que ele faci-
(FDLP), os líderes destes gru- litasse um processo de recon-
pos também se apressaram a ciliação entre a liderança na
desmentir qualquer envolvi- Cisjordânia e Gaza e os cerca
mento das suas facções nos ata- de 600 mil palestinianos que
ques ao WTC e ao Pentágono. agonizam, sem representantes,
Até o líder espiritual do Ha- nos campos de refugiados da
mas, xeque Ahmad Yassin, con- Síria e do Líbano.
denou os ataques, embora com Ontem de manhã, um con-
Presidente O presidente da Autoridade Palestiniana, Yasser Arafat, deu ontem sangue para as
vítimas da “tragédia” dos Estados Unidos e anunciou para breve um minuto de silêncio
a ressalva de que “as políticas
racistas da América não devem
selheiro da Autoridade Pales-
tiniana, Nabil Abu Rudeineh,

palestiniano nos territórios ocupados por Israel. A doação foi feita no Hospital Al-Chifa, de Gaza,
onde, segundo a sua direcção, centenas de outros palestinianos fizeram doações seme-
ser esquecidas”.
Esta unanimidade mostra
anunciou que a visita de Arafat
foi adiada devido às “actuais

oferece o seu lhantes, e 200 esperavam a sua vez. Inquirido sobre se tinha alguma mensagem para o
povo americano, Arafat, que na véspera se manifestara “chocado” com o que considerou
como as facções palestinia-
nas estão conscientes de que
circunstâncias”. Não deu expli-
cações. Não precisava de o fazer.
“um crime contra toda a humanidade”, respondeu três vezes em inglês: “Deus os uma das consequências dos Bashar é o herdeiro de um dos
sangue às abençoe.” Para não hostilizar Washington, o chefe da OLP adiou ontem uma visita ataques em Nova Iorque e Wa- maiores opositores dos Acordos
histórica à Síria — país governado pelo filho de um defunto rival e que é refúgio de shington poderá ser o endure- de Oslo (assinados em 12 de Se-
vítimas facções palestinianas suspeitas de envolvimento nos atentados ao World Trade Center
(WTC) e ao Pentágono.
cimento do que elas designam
de “políticas racistas”. A par-
tembro) e Damasco é o quartel-
general da FPLP e da FDLP —
americanas tir de agora, os EUA poderão
ser ainda mais indulgentes
suspeitos nos ataques de Wa-
shington e Nova Iorque. 
1 4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA -FEIRA, 13 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
JASON COHN/REUTERS

TRAGÉDIAS A BORDO
1º AVIÃO
Primeira colisão contra
a de Ogonowski, em Dracut,
e a de McGuiness, em Ports-
mouth, New Hampshire — pa-
guiu ligar para o pai, em Con-
necticut. A ligação caiu (ou foi
cortada) duas vezes, mas Han-
o WTC ra notificar as famílias. Fren- son conseguiu dar conta de que
te à casa de Ogonowski, o seu homens armados com facas
Às seis da manhã de terça-fei- irmão mais novo, Jim, e um estariam a agredir hospedei-
ra, o piloto John Ogonowski amigo içaram uma bandeira ras, numa tentativa para obri-
deixou a tranquilidade da sua em honra do piloto, e coloca- gar a tripulação a desbloquear
quinta em Dracut, Massachu- ram um retrato de John, sor- as portas do “cockpit”. “Uma
setts, onde dormiam a mulher e ridente, o rosto avermelhado hospedeira foi esfaqueada... o
as três filhas, e partiu rumo ao pelo trabalho no campo. avião está a cair”, alertou, an-
aeroporto de Logan, em Boston. Depois, dirigindo-se aos jor- tes da chamada cair.
Era uma manhã como tantas nalistas que se concentravam Às 9h03 (14h03), 18 minutos
outras: nos últimos três anos, junto à sebe, abriu os braços e depois de o primeiro Boeing
Ogonowski fazia voos regulares declarou: “Reparem bem na be- destruir uma das torres do
entre Boston e Los Angeles. leza à vossa volta — é o legado World Trade Center, o voo 175
Dependendo do modelo (ain- de John.” Explicou que o irmão embatia contra a outra torre.
da não confirmado), o Boeing lutara toda a sua vida contra as
Mark Stahl foi dos únicos a conseguir uma fotografia do voo 93 depois da queda 767 tem capacidade, no mínimo, autoridades locais para manter
para 181 passageiros e, no má- a sua quinta numa vila que se
3º AVIÃO
Esclarecido
ximo, 304. Mas o avião que dei- estava a tornar cada vez mais
xou o terminal B do aeroporto suburbana. E acrescentou: “Es-
de Logan não chegava a meio tou sempre a olhar para os cam- Um “míssil” contra o
da sua capacidade: a bordo pos de milho, na esperança de Pentágono
seguiam 81 passageiros, nove ver aparecer o meu irmão.”

o mistério do voo 93
tripulantes e dois pilotos — O Boeing 757 da American Air-
Ogonowski e o co-piloto Tom lines descolou com o depósito
McGuiness. de combustível cheio — e os lu-
O voo iniciou o seu trajecto
normal rumo a Nova Iorque. 2º AVIÃO
Embate na segunda torre
gares de passageiros bastante
vazios. Um avião deste modelo
Força Aérea dos EUA não abateu nenhum avião, garante o porta-voz No entanto, meia hora depois, pode comportar, no máximo,
os passageiros devem ter pres- 289 passageiros: o voo 77, que
da Força Aérea dos Estados Unidos. Também nunca existiu um quinto sentido que algo não estava Normal, tudo parecia normal partiu do Aeroporto Interna-
avião no ar, como sugeriram algumas cadeias televisivas bem. O avião descreveu uma quando o Boeing 767 da Uni- cional de Dulles, em Washing-
curva e dirigiu-se para sul, se- ted Airlines deixou o terminal ton, levava a bordo 64, mais
guindo o curso do rio Hudson C do aeroporto de Logan, em quatro membros da tripulação
A Força Aérea dos Estados representantes do Congresso teontem aos Estados Unidos. até à baixa de Nova Iorque. Boston, com destino a Los An- e dois pilotos. Los Angeles era,
Unidos (USAF) não abateu ne- americano e da polícia do Ca- Acontece que na terça-feira O “Christian Science Mo- geles. Como o avião da Ameri- mais uma vez, o destino.
nhum dos aviões desviados pe- pitólio. pelas 16h10 (hora de Lisboa) nitor” relatava ontem que os can Airlines, que partira um Quando a Administração
los terroristas, garantiu ontem Mas, entretanto, surgiram — uma hora depois de ter sido controladores do tráfego aéreo quarto de hora antes, as pesso- Federal da Aviação (FAA) or-
ao PUBLICO.PT o tenente-co- novos elementos que indicam confirmada a queda do quar- conseguiram ouvir os seques- as a bordo não chegavam a me- denou o cancelamento de to-
ronel Charles Wynne, porta- que a realidade foi outra — e to avião (o voo 93) —, a CNN tradores a dar instruções aos tade da capacidade: apenas 56 das as operações aéreas, às
voz daquele ramo das Forças que confirmam, em relação anunciava que um aparelho, pilotos em inglês — aparente- passageiros, sete tripulantes e 9h40, o voo 77 era um dos mo-
Armadas americanas. ao voo UA 93, a declaração de que se pensava poder também mente, um dos pilotos terá liga- dois pilotos. Tanto a tripulação tivos de maior preocupação
Recorde-se que anteontem, Charles Wynne. É muito pro- ter sido sequestrado e cujo per- do o microfone para que a con- porque, aparentemente, se es-
por volta das 10h10 de Nova vável que vários passageiros curso as autoridades militares versa pudesse ser ouvida. Um tava a dirigir a grande veloci-
Iorque (15h10 em Lisboa), o tenham tentado dominar os estavam a vigiar de perto, se dos controladores responsáveis dade para a Casa Branca. A
voo 93 da United Airlines terroristas — que segundo a encontrava “a dois minutos pelo voo 11 afirma ter ouvido o “Não cometam imagem do avião desaparece-
se despenhou numa zona Reuters terão sido três –, o de distância” de Washington, comandante John Ogonowski nenhuma loucura. ra dos radares quando este se-
de floresta perto da localida- que teria levado à queda do D. C. Mas, a seguir, ninguém dizer: “Não cometam nenhu- Ninguém vos fará guia ainda a sua rota habitual,
de de Shanksville (Pensilvâ- aparelho antes de ele atingir tornaria a falar daquele avião ma loucura. Ninguém vos fará no cruzamento entre as fron-
nia, EUA). Tratava-se de um o alvo pretendido. Uma pro- nem do seu destino. mal.” Contudo, por essa altura,
mal.” teiras dos Estados de West Vir-
Boeing 757 que fazia a ligação va que aponta nesse sentido Por seu lado, um artigo pu- o piloto já deveria saber que du- ginia, Kentucky e Ohio.
entre Newark (em New Jer- é a conversa que Tom Bur- blicado no sítio Web do di- as hospedeiras tinham sido as- “Uma hospedeira foi De acordo com o “Washing-
sey, ao pé de Manhattan) e São nett, um dos passageiros do ário espanhol “El Mundo” sassinadas. O “Boston Herald” esfaqueada... o avião ton Post”, o emissor-receptor
Francisco, e que caiu a cerca voo teve com a sua mulher, afirmava que, para além dos citou uma fonte anónima des- do aparelho foi desligado — ou
de 130 quilómetros a sudeste com quem conseguiu con- três aparelhos que tinham crevendo que “eles começaram está a cair” destruído —, tornando impos-
de Pittsburgh com 45 pessoas tactar telefonicamente pouco chocado contra as torres em a matar hospedeiras como di- sível a sua identificação pelos
a bordo (38 passageiros e sete antes da catástrofe: “Vamos Manhattan e contra o Pentá- versão. O piloto apareceu para controladores de voo. As comu-
tripulantes). morrer todos”, disse-lhe Bur- gono, “dois aviões de linha ajudar e foi assim que conse- “Somos os próximos” nicações por rádio também es-
O voo UA 93 foi o quarto nett, “mas três de nós vamos foram sequestrados [...], um guiram entrar no ‘cockpit’”. tavam inutilizadas, pelo que os
avião desviado por terroristas fazer qualquer coisa”. deles despenhou-se [...] per- O controlador garante que controladores de Dulles decidi-
a cair naquele dia — a seguir O inquérito no local da to de Pittsburgh; o outro foi também ouviu alguém excla- ram alertar o Reagan National
aos dois que pouco tempo an- queda foi confiado ao FBI (a abatido perto de Camp Da- mar para o piloto: “Temos mais como os pilotos viviam na área Airport, à medida que o avião
tes tinham chocado contra as polícia federal americana), vid[...]”. Teria havido um aviões, temos outros aviões”. de Boston e tinham passado a se aproximava cada vez mais
torres do World Trade Center ao NTSB (National Trans- quinto avião — destinado a Mas quando o Boeing 767 com noite em casa, antes de seguir da Casa Branca.
em Nova Iorque e a um tercei- portation Safety Board), à destruir Camp David e des- destino a L .A. se despenhou para o aeroporto. Sabe-se, através do telefone-
ro que tinha destruído parte FAA (as autoridades fede- truído pela USAF com os contra a primeira torre do Ao fim de meia hora de uma ma que uma das passageiras, a
do edifício do Pentágono, em rais da aviação civil) e à po- seus passageiros a bordo, World Trade Center, às 8h45 viagem que deveria durar seis, comentadora política da CNN
Washington, D.C. lícia estadual, que deverão para impedir que atingisse (10h45 em Lisboa), ninguém o voo 175 dirigiu-se para sul, Barbara Olson, fez para o ma-
O mistério em torno do voo procurar a caixa negra do mais um alvo? suspeitava que a cena se viria rumo ao centro de New Jersey, rido, que a descrição dos se-
93 deveu-se ao facto de ter sido Boeing. Mas o impacto foi de “Disseram-nos que um ou- a repetir, julgando tratar-se de um desvio pouco natural para questradores corresponde aos
o único que não atingiu um al- tal maneira violento que o tro avião estava a caminho”, um “acidente trágico”. um avião com destino à Costa modelos anteriores: homens
vo de importância política ou tamanho dos destroços “não disse-nos a este propósito Wyn- Os responsáveis do aeropor- Oeste. Depois, apontou direc- armados com facas e instru-
militar, tendo mesmo caído a ultrapassa o de uma lista te- ne, contactado telefonicamen- to de Logan asseguram que des- tamente para Manhattan. mentos cortantes dominaram
quilómetros da área povoada lefónica”, dizem os respon- te. “Mas pensámos que se tra- conheciam a rota do avião até Algures entre Filadélfia e toda a tripulação e passageiros,
mais próxima. Isto fez com que sáveis, não havendo quais- tasse do avião que acabaria este embater contra a torre e Newark, a menos de 145 quiló- concentrando-os na parte tra-
fosse avançada a possibilidade quer restos reconhecíveis de por cair em Pittsburgh”. Wyn- que não havia qualquer forma metros de Manhattan, o Boeing seira do avião.
de o avião ter sido abatido por corpos humanos. ne garantiu-nos, depois de tro- de comunicação com o “cock- 767 da United Airlines fez o No Pentágono, centro ne-
caças da Força Aérea para o car impressões com os seus pit” ou os tripulantes. Contudo, seu último contacto por radar, vrálgico das forças armadas
impedir de atingir o seu verda- Avião-fantasma nunca colegas, que “ninguém no ga- uma fonte declarou que um dos de acordo com um comunica- americanas, alguém deixou es-
deiro alvo — que poderia ser existiu binete de imprensa da USAF tripulantes comunicou com o do emitido pela companhia aé- capar, perante as colisões con-
Camp David, residência de Ve- Além do mistério do voo 93, ouviu falar num quinto avião”. centro de operações da Ameri- rea. À mesma hora, o voo 11 tra o World Trade Center, em
rão do Presidente dos EUA, si- subsistiam ainda algumas dú- Para Wynne, um avião que can Airlines em Fort Worth pa- da American Airlines explodia Nova Iorque: “Somos os próxi-
tuada no Estado do Maryland, vidas quanto à eventual exis- nada tinha a ver com os ata- ra dar conta de que havia algo de encontro à torre norte do mos”. Às 9h43 (14h43 em Lis-
a 140 quilómetros do local onde tência — para além dos voos ques terroristas poderá ter si- de errado a bordo — informa- World Trade Center. boa), o Boeing 757 confirma-o,
caiu o voo 93; a própria Casa 11 e 77 da American Airlines do avistado por uma torre de ção que a companhia aérea não Tudo indica que os aconteci- despenhando-se no edifício do
Branca ou o Capitólio. A ques- e dos voos 93 e 175 da United controlo da área, o que terá confirmou. mentos a bordo se assemelham Pentágono. Uma testemunha,
tão chegou aliás a ser levanta- Airlines — de um quinto apa- provocado um falso alarme na Por volta das 11 da manhã aos do primeiro avião: um dos Mike Walter, descreveu à CNN
da, segundo o diário “The Wa- relho, ainda não identifica- confusão daquelas primeiras (16h em Lisboa), agentes fede- passageiros, o empresário Pe- o que viu “como um míssil de
shington Post”, durante uma do, que teria estado envolvido horas. ANA GERSCHENFELD rais de aviação apareceram ter Hanson, que seguia a bordo cruzeiro com asas, que entrou
reunião em Washington entre nos ataques terroristas de an- (PUBLICO.PT) nas casas dos dois pilotos — com a mulher e o bebé, conse- por ali dentro”.  K.G.
D E S TA Q U E 1 5
PÚBLICO•QUINTA -FEIRA, 13 SET 2001

Porque falhou a segurança Reabertura limitada


do espaço aéreo
dos aeroportos? prevista para hoje
Há muito que o alerta
BRIAN SNYDER/REUTERS
EUA SÓ VÃO RECEBER OS res de passageiros olhavam
nervosamente o céu vazio. A
vinha sendo lançado: o VOOS INTERROMPIDOS situação de nervosismo esten-
deu-se ao Canadá e a outros pa-
controlo nos íses, onde os passageiros dos
aeroportos norte- Ainda sem certezas, o
voos desviados e cancelados
americanos é Governo norte- aguardavam por novidades so-
facilmente americano informou a bre o retomar das ligações. Ain-
imprensa que o tráfego da ontem, as autoridades do
ultrapassável Canadá reabriram o espaço
será em breve aéreo para permitir a conti-
ISABEL LEIRIA retomado nuação de mais de 240 voos
desviados, mas avisaram os
A pergunta é inevitável, INÊS SEQUEIRA passageiros que teriam de ob-
ainda que as respostas este- ter permissão das autoridades
jam por encontrar. Como foi O Governo norte-americano norte-americanas antes de des-
possível a terroristas des- avisou que poderia hoje per- colarem.
viar quatro aviões de três mitir uma reabertura limi- Os principais aeroportos eu-
aeroportos diferentes e ati- tada do espaço aéreo nos ropeus estavam cheios e em
rá-los contra dois dos prin- Estados Unidos, depois do en- confusão, mas ainda em ope-
cipais símbolos do poder cerramento sem precedentes ração, enquanto milhares de
político e económico norte- que se seguiu aos atentados passageiros tentando voar pa-
americano? Como é que um cometidos na terça-feira. Essa ra os Estados Unidos, Canadá
dos mais nevrálgicos cen- reabertura destina-se apenas, e Israel eram deixados à espe-
tros da política de Defesa todavia, a permitir que os vo- ra. Israel fechou o Aeroporto
dos EUA — o Pentágono — os que ficaram interrompidos Internacional Ben Gurion a to-
se mostrou tão vulnerável e continuem até aos seus desti- dos os aviões não israelitas e
impotente face ao ataque de nos originais. o Canadá encerrou o espaço
ontem? Num país onde o or- Horas antes desse aviso, o se- aéreo a todos os aviões que não
çamento da Defesa conso- cretário dos Transportes norte- tivessem sido desviados. A Bri-
me anualmente 300 mil mi- americano, Norman Mineta, tish Airways também cancelou
lhões de dólares (330 mil mi- tinha cancelado uma conferên- os voos para Islamabad, no Pa-
lhões de euros) — onze mil cia de imprensa onde se espe- quistão, enquanto a italiana
milhões dos quais destina- rava o anúncio de novas medi- Alitalia cancelou as ligações
dos ao combate ao terroris- das de segurança e o levantar rumo ao Egipto, Síria, Jordão,
mo —, o espanto será ainda da suspensão dos voos. Fica- Líbano e Iraque.
maior. ram assim goradas as expec- O encerramento do espaço
Ou não, têm defendido al- tativas de milhares de passa- aéreo na Europa do Norte e as
guns especialistas em con- geiros, que esperavam ainda expectativas sobre a forma co-
traterrorismo e segurança para ontem a possibilidade de mo irão ser retomadas as ope-
aérea. Se mais razões não retornarem a casa. rações atingiram fortemente
houvesse, só o facto de os A maioria das companhias as acções das companhias aé-
Estados Unidos serem ac- aéreas, norte-americanas e ou- reas. O que está a suceder “sig-
tualmente a única superpo- tras, como a TAP, cancelaram nifica perdas para toda a in-
tência mundial faz do país todos os voos com ligação aos dústria de aviação”, disse aos
um dos alvos mais apete- Estados Unidos previstos pa- jornalistas o administrador-
cíveis para todos os seus ra o dia de ontem e transpor- delegado da companhia alemã
inimigos. No entanto, este tadoras como a Air France e Lufthansa. O sector já estava
estatuto não pode explicar a Lufthansa estenderam essa a sofrer os efeitos do abran-
tudo, dizem os analistas ou- Aeroporto Logan, Boston: depois de casa roubada... suspensão a Israel. damento económico mundial.
vidos pelo “Dallas Morning Nos Estados Unidos, milha- Com Reuters

News”. A verdade é que, nos


últimos anos, têm-se mul- bie em 1988, e que foi convi- que fez Tom Kinton, um dos grupo de Bin Laden, diz.
tiplicado os avisos sobre a
vulnerabilidade dos aero-
portos norte-americanos.
dada a integrar a Comissão
de Aviação da Casa Branca
que investigou o acidente
directores do Aeroporto de
Logan, em Boston, de onde
saíram dois dos aviões des-
Ainda assim, Blitzer sa-
lienta a magnitude do ata-
que que, acredita, terá leva-
TAP divulga medidas
Por várias vezes os ins-
pectores federais deram co-
mo provada a falibilidade
com o aparelho da TWA que
se despenhou em Long Is-
land em 1996, tem sido um
viados.
O aumento das verifica-
ções aleatórias da identida-
do um ano a ser organizado:
“Pensem só em como o pla-
no de acção foi tão bem con-
de segurança
dos sistemas de segurança. dos rostos da luta por um de dos passageiros, a res- cebido que permitiu que
Há três anos, foi a própria novo plano de segurança na- trição do acesso às portas quatro grupos de terroris- Na sequência do reforço das reduzam ao indispensável as
Administração Federal da cional dos aeroportos. “Nos de embarque (actualmente tas furassem a segurança medidas de segurança nos ae- bagagens.
Aviação (FAA) que lançou outros países, a segurança qualquer pessoa pode acom- e, de forma bem sucedida, roportos portugueses, a TAP Os passageiros com voos
o alerta, conhecidas as con- é entregue a profissionais. panhar os passageiros até desviassem quatro aviões divulgou ontem um aviso aos marcados para os Estados
clusões de uma série de ins- Cá, é feita ao mais baixo ní- esta zona) ou a utilização de levando-os até aos alvos de- seus passageiros para que se Unidos devem contactar a
pecções-surpresa levadas a vel”, acusa Cummock. cães para despiste de explo- finidos. O ataque foi bri- apresentem nos balcões com companhia para o número
cabo durante cinco meses. Billie Vincent, uma anti- sivos são algumas das “al- lhantemente planeado.” maior antecedência do que 808205700. A transportadora
Em quatro dos principais ga directora da FAA, con- terações significativas” já Nada parece ter sido dei- habitualmente; sejam sempre alerta ainda para atrasos
aeroportos, os agentes fede- firma as denúncias e apon- anunciadas. xado ao acaso pelos terro- portadores de documentos de “ocasionais” nos voos, devido
rais conseguiram passar 46 ta mais algumas falhas dos ristas. Os alvos, a origem e identificação; todos os passa- às medidas de segurança, e
vezes por portas de seguran- sistemas de controlo. “A Um ataque brilhantemen- o destino dos aviões desvia- geiros com bilhete electróni- que o acesso às aerogares está
ça sem estarem autorizados, maior vulnerabilidade dos te concebido dos foram escolhidos de for- co se façam sempre acompa- “exclusivamente limitado a
andar nas pistas e embarcar aeroportos prende-se actu- Mas, para além das falhas de ma a que, no momento do nhar do respectivo recibo e passageiros”. 
sem qualquer obstáculo em almente com o nível de for- controlo nos aeroportos, os embate, os aparelhos tives-
51 aviões. O chefe de segu- mação do pessoal de se- ataques de ontem são tam- sem ainda no início do voo
rança da FAA alertou então gurança e as constantes bém o testemunho de uma e com os depósitos cheios
os responsáveis pelos aero- renovações das equipas res- enorme falha dos serviços de gasolina. Assim, a explo-
portos de todo o país para a ponsáveis pela inspecção de secretos norte-americanos. são seria, e foi, gigantesca.
necessidade de se atacar o passageiros e bagagens”. Is- Problemas que, no caso de A violência do ataque e, têm
problema. O aviso terá caí- to porque se trata de pessoal Bin Laden, o principal sus- sublinhado vários políticos
do em saco roto. mal pago por um trabalho peito do ataque de terça-fei- e peritos em terrorismo, a
que é rotineiro e entediante, ra, há já algum tempo são falta de preparação do país
Erros e falhas explica. sentidos, explica Robert Blit- para uma ameaça desta na-
na formação de pessoal Expostas as falhas, as di- zer, antigo director dos ser- tureza fizeram o resto, dei-
Victoria Cummock, cujo recções dos aeroportos co- viços antiterrorismo do FBI. xando a descoberto toda a
marido faleceu no ataque meçam agora a anunciar o Os agentes norte-america- vulnerabilidade dos siste-
terrorista que destruiu um reforço das medidas de se- nos têm tido dificuldade em mas de defesa da nação mais
avião da Pan Am em Locker- gurança. Foi isso mesmo localizar e infiltrar-se no poderosa do mundo. 
1 6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA -FEIRA, 13 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

Esperança

Suspensos resgates de fundos e medo


O resto do mundo vai
continuar a olhar atenta-

de investimento “americanos”
SUE OGROCKI/REUTERS
mente para o que se está
a passar na América. De-
pois de dois dias encerra-
das, as bolsas norte-ame-
ricanas reabrem hoje, e
o seu comportamento po-
O DIA SEGUINTE sitivo ou negativo será
um sinal do sentimento
Europa dos cidadãos e dos gran-
Alemanha/Frank. Xetra Dax 1,4% des investidores institu-
Itália/Milão Mibtel 0,70% cionais sobre a confiança
França/Paris Cac 40 1,3% no futuro próximo.
R. Unido/Londres FTSE 100 2,9% Dado o elevado número
Espanha/Madrid Ibex 35 0,11 % de investidores particu-
Portugal/Lisboa Psi 20 -2,9% lares com aplicações em
bolsa, a sua primeira re-
Ásia/Austrália* acção poderá indicar a
Hong Kong Hang Seng -8,9% “confiança de que a Amé-
Japão Nikkei 225 -6,6% rica vai dar a volta por ci-
China Shanhai B -4,2% ma ou o receio de que vai
Nova Zelândia NZSE 40 -4,6% haver uma recessão eco-
Austrália Sidney S&P/ASX -4,1% nómica”, disse ao PÚBLI-
CO um analista finan-
América Latina ceiro, acrescentando que
Brasil Bovespa -2,6% a mesma ilação poderá
México México IPC Fechado ser retirada em relação
Argentina Merval Fechado ao comportamento das
grandes casas de inves-
*Cotações de fecho da sessão de 12 timento, algumas delas
de Setembro directamente “atacadas”
pelo atentado terrorista,
como a J.P.Morgan e a
ção do investidor. Por outro Morgan Stanley, com es-
lado, ao receio de resgate de critórios e um elevado
fundos não é alheia a má “per- número de trabalhado-
formance” que estes fundos res nas torres destruídas.
apresentam, na sequência das Um outro analista alerta
fortes quedas dos mercados para o perigo de os
accionistas mundiais, o que mercados norte-america-
pode contribuir para que os nos apresentarem uma
Em causa estão mais de 25 fundos geridos por, pelo menos, dez bancos investidores tentem resgatar subida “artificial”, em
as suas unidades de partici- resultados das grandes
pação, mesmo por um valor instituições financeiras
CMVM REJEITA SUSPENSÃO GERAL mar cotação das unidades de
participação. Porque a limita-
vestidores, porque “a saída e
entrada dos fundos deve ser
inferior ao da subscrição.
Para a normalidade que se
quererem que tudo re-
gresse à normalidade,
ção é esta, e com a anunciada feita com uma certa estabi- viveu nos mercados financei- pelo que serão necessá-
Os investidores em fundos portugueses mais abertura hoje das bolsas ame- lidade de cotações”, e o res- ros europeus, onde, à excep- rios mais alguns dias pa-
expostos aos mercados dos EUA estão desde ricanas, a suspensão poderá gate parcial poderá prejudi- ção da bolsa portuguesa, to- ra perceber a tendência
ontem impedidos de pedir o reembolso das terminar ainda amanhã. car quem continuar no fundo. das as praças fecharam em dos mercados.
Contactado pelo PÚBLICO, Claro que há opiniões diver- alta, terá contribuído a dis- Depois de uma primeira
respectivas unidades de participação José Maia, presidente da as- gentes, porque os momentos ponibilidade de os princi- reacção de pânico, na ter-
sociação das sociedades gesto- de grande instabilidade dos pais bancos centrais mun- ça-feira, os mercados
ROSA SOARES que tal como a suspensão das ras de fundos de investimen- mercados permitem perdas diais “injectarem” dinheiro europeus tiveram ontem
bolsas não é pacífica, foi de- to, a AFIN, esclareceu que a para uns e ganhos para outros no mercado, de forma a asse- uma sessão com elevada
Um dia após o violento aten- cretada em vários países eu- medida visa proteger os in- e as suspensões limitam a op- gurar liquidez.  volatilidade, mas global-
tado terrorista nos Estados ropeus, designadamente em mente positiva. Os volu-
Unidos, os mercados finan- Itália e Inglaterra. mes de transacção não
ceiros europeus viveram on- Em Portugal, a situação A L I S TA foram elevados, o que
tem uma sessão que se pode não foi diferente e, logo na ter- por um lado prova a cal-
REND. EFECTIVA % Valor da UP Valor da UP
considerar “normal”, e essa é ça-feira, as principais socie- Últimos Últimos ma dos investidores, a
a notícia do dia. É que se che- dades gestoras de fundos de 12 meses 24 meses (Euro) (PTE) aguardar mais informa-
gou a temer uma corrida ao investimento, incluindo a as- FUNDOS DE ACÇÕES INTERNACIONAIS ção e, por outro, a ausên-
resgate de fundos de investi- sociação do sector, a APFIN, Fundo (Sociedade gestora) cia de grandes fundos de
mento, à venda de acções, ao entrou em contacto com a Co- AF América (AF Investimentos/BCP) -33,56 — 3,9878 799,48 investimento.
levantamento de depósitos e missão de Mercados de Valo- AF Invest.Acc.América (AF Investimentos/BCP) -33,09 -10,49 5,6200 1126,71 Os ganhos das bolsas
a vários outros recursos para res Mobiliários (CMVM) para AF Portfólio Internac.(AF Investimentos/BCP) -33,14 -13,34 13,0863 2623,57 europeias — que ontem
serem transformados em di- indagar da possibilidade de BBVA Bolsa Internacional (BBV Gest ) -36,63 — 3,2227 646,09 interromperam a nego-
nheiro vivo. suspensão da negociação des- BPI América (BPI Fundos) -38,72 -22,17 6,9119 1385,71 ciação para fazer um mi-
Mesmo perante a ausência ses fundos, o que quer dizer BPI Financeiras (BPI Fundos) -19,59 -0,95 4,9443 991,24 nuto de silêncio em so-
de explicações do que efectiva- que se torna impossível subs- BPI Oportunidades Mundiais (1) (BPI Fundos) — — 3,2831 658,19 lidariedade com o povo
BPI Tecnologias (BPI Fundos) -71,28 — 1,5626 313,27
mente se passou e, mais impor- crever e resgatar as unidades BNU Internacional (Caixagest/CGD) -33,47 3,96 13,4997 2706,45 americano — foram li-
tante ainda, do que se vai pas- desses fundos. Caixagest Acções EUA (Caixagest/CGD) — — 4,1734 836,69 derados por Londres. Os
sar a partir de agora, não se A CMVM acabou por co- Caixagest Gestão Acções EUA (Caixagest/CGD) — — 4,1873 839,48 mercados espanhol e por-
repetiu o pânico de terça-feira, municar às sociedades que Finifundo Blue Chips (Finivalor/Finibanco) -34,77 -17,91 4,3528 872,66 tuguês tinham sido os
parecendo tudo “anormalmen- não considerava justificável a Finifundo Small Caps (Finivalor/Finibanco) -39,26 -13,97 4,8266 967,65 que perderam menos no
te sereno”. A aparente calma adopção de qualquer medida Santander Acções Internac. (Santander Fundos) -28,58 3,46 6,1719 1237,35 dia da tragédia e ontem
não esconde uma grande ex- de suspensão geral, manifes- Santander Telecom (Santander Fundos ) -59,47 -33,11 3,9685 795,61 a bolsa de Madrid conse-
pectativa ou mesmo ansieda- tando disponibilidade para (1) As rendibilidades apresentadas para o F. BPI Oportunidades Mundiais têm como data de referência o dia 6 de Setembro de 2001. guiu fechar ligeiramen-
de sobre a abertura, hoje, dos analisar situações pontuais FUNDOS MISTOS (PREDOMINANTEMENTE ACÇÕES) te positiva, o mesmo não
mercados norte-americanos, e acabou por aceitar a “sus- Caixagest Maxivalor (Caixagest/CGD) -17,70 -9,03 4,9205 986,47 acontecendo com a de
cuja “performance” influencia- pensão” dos fundos expostos Raiz Global (Central Fundos) -15,93 -5,37 4,8768 977,71 Lisboa, que encerrou em
rá de forma decisiva o compor- ao mercado e activos norte- queda de 2,7 por cento.
tamento de investidores e afor- americanos. Desta “abertu- FUNDOS DE FUNDOS As bolsas asiáticas tive-
radores do resto do mundo. ra” da entidade supervisora BBVA Êxito (BBV Gest ) — — 4,8887 980,10 ram uma sessão muito
O receio de que ontem pu- do mercado resultou a sus- BIG Moderado (BIG Fundos) 0,91 — 10,4791 2100,87 negativa — a primeira
desse haver alguma histeria pensão dos fundos de seis BIG Sectores (BIG Fundos) -28,83 — 7,6646 1536,61 após o ataque terrorista
no mercado foi denunciada instituições portuguesas (ver BIG Valorização (BIG Fundos) -9,86 — 9,4419 1892,93 —, com destaque para as
pelos próprios bancos e fun- lista de fundos). Um dos ar- BPI Universal (BPI Fundos) -22,10 -15,32 5,9917 1201,23 perdas de Tóquio.
Privado Agressivo F.F. (Privado Fundos) -34,00 -22,75 3,9400 789,90
dos de investimento, que, gumentos para o pedido de BNC Global 25 (BNC Gerfundos) — — — — Na América Latina, des-
dentro dos enquadramentos suspensão prende-se com o BNC Global 50 (BNC Gerfundos) — — — — taque para a recupera-
legais disponíveis, foram pe- encerramento das bolsas nor- BNC Global 75 (BNC Gerfundos) — — — — ção de S. Paulo, com
dindo a suspensão de cotação te-americanas e, portanto, Fonte: Fundos que comunicaram a suspensão dos resgates à CMVM até às 19 horas de quarta feira;Cotações da APFIN em 7 de Set de 2001 uma subida de 2,6 por
dos fundos. Essas suspensões, com a impossibilidade de for- UP - Unidade da participação; —: não disponível. cento. R.S.
D E S TA Q U E 17
PÚBLICO•QUINTA -FEIRA, 13 SET 2001

KAI PFAFFENBACH /REUTERS ANDRE KOSTERS /LUSA

Preços
do petróleo e ouro
corrigem em baixa
O BCE injectou 63 mil milhões de dólares no mercado A garantia da Organização dos sua opinião, já não se coloca, de-
Países Exportadores de Petróleo pois das declarações da OPEP,

Moeda americana (OPEP) de manutenção da esta-


bilidade nos preços e no forneci-
mento de petróleo sossegou ontem
“que controla 40 por cento da
oferta mundial de petróleo bru-
to, regula o mercado com vista

volta a cair os mercados, que reagiram com


ordens de compra maciças às no-
tícias dos ataques terroristas que
a maximizar as suas receitas e
defende o seu preço-base de 25
dólares [27,5 euros] por barril”.
Depois da “loucura” de ante- lares no mercado — e do Ban- destruíram os edifícios do World Também no ouro — o outro pre-
ontem nos mercados cambiais, co do Japão — que injectou 17 Trade Center, em Nova Iorque, cioso “tesouro” de que o mercado
com o dólar a perder face a to- mil milhões de dólares — para e do Pentágono, em Washington se socorreu logo após as notícias
das as moedas, desde o euro ao acalmar o mercado cambial. D.C. Apesar do nervosismo e da in- dos atentados — o dia foi de cor-
iene, passando ainda pelo fran- Mesmo assim, o dólar continua certeza que rodeiam a abertura da recção de preços, com as cotações
co suíço, o dia de ontem foi de a recuar face ao iene, tendo-se negociação na praça americana, o a descerem abaixo dos 280 dólares
ligeira correcção. No entanto, cotado abaixo dos 119 ienes por preço do petróleo do Mar do Norte (308 euros) por onça, no merca-
o dólar continuou a desvalori- dólar, abaixo dos valores regis- corrigiu ontem em baixa o valor do londrino. Em Hong Kong, os
zar-se, concretamente face ao tados no dia dos atentados ter- atingido na véspera, fechando nos efeitos da vaga terrorista só se
euro e ao franco suíço, e mais roristas nos EUA. O dólar va- 28,5 dólares (31,35 euros) por barril fizeram sentir ontem, e levaram
ainda face ao rublo. riou ontem entre um mínimo — o que os analistas ainda con- a uma forte subida dos preços:
A divisa americana desvalo- de 118,66 ienes e um máximo sideram “elevado”, mas que fica o ouro abriu a valer entre 282 e
rizou-se 30 por cento face ao ru- de 119,8 ienes. O franco suíço, quase três dólares abaixo do pico 287 dólares por onça, contra os
blo nas principais casas mos- moeda de refúgio em situações de 31,05 dólares (35,15 euros) por 271 dólares do encerramento de
covitas. Na noite de terça para de crise, valorizou-se contra o barril, atingido imediatamente terça-feira, ainda antes do primei-
quarta-feira, o dólar trocava- euro e sobretudo contra o dólar. após a notícia dos atentados. ro embate de um avião desviado
se por 15 rublos, tendo-se regis- A divisa americana variou on- Ontem, na abertura do Merca- contra uma das torres do World
tado na manhã de ontem um tem entre um máximo de 1,6759 do Internacional de Petróleo de Trade Center.
ajuste, com a paridade a fixar- francos suíços e um mínimo Londres, a cotação do Brent já No London Bullion Market, a
se nos 20/22 rublos. Antes dos de 1,6475 francos suíços. assinalava a tendência de baixa, expectativa do dia tinha a ver com
atentados terroristas, o dólar Já o euro, que deu um ar da a perder um dólar relativamen- o resultado do leilão de vinte to-
era trocado por 29,30 rublos. sua graça a 11 de Setembro — te ao encerramento da véspera neladas de ouro promovido pelo
Apesar de o dólar ter recupe- tendo-se cotado acima dos 0,91 (29,06 dólares). Como explicou Banco de Inglaterra. No último
rado ligeiramente, para com- dólares — variou entre um mí- um analista do KBC Securities, a leilão de reservas britânicas, em
pensar as perdas de ontem — nimo de 0,9015 dólares e um subida do preço do barril, verifi- Julho, a onça de ouro foi vendida
chegou a cair para os 1,096 eu- máximo de 0,9149 (às seis ho- cada na terça-feira, “foi uma re- a 267,25 dólares (293,975). Ontem,
ros —, o certo é que foi neces- ras da madrugada de ontem), acção a quente do mercado, que a licitação, cuja procura superou
sária a intervenção do Banco cotando-se, à hora do fecho tem ainda presente os embargos 4,3 vezes a oferta, deixou o preço
Central Europeu — que injec- dos mercados em Lisboa, nos petrolíferos dos anos 70”. Mas nos 280 dólares por onça, o mesmo
tou já 63 mil milhões de dó- 0,9058.  J.A. trata-se de um cenário que, na valor do mercado.  RITA SIZA Garantias da OPEP sossegaram mercado do “ouro negro”
1 8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA -FEIRA, 13 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

Seguradoras “perdem” Perspectivas de recessão


até três mil milhões dividem economistas
de contos George Soros mostra-
se receoso. Daniel
Bessa diz que não é
inevitável que haja
tro da Economia, Daniel Bessa,
afirmou ao PÚBLICO que “há
que recear as implicações ne-
gativas dos atentados, quer seja
Maior indemnização de zações a liquidar nos Estados des”, disse Jean-Philippe Thier- sobre o investimento privado
sempre por catástrofes Unidos. Embora ainda não seja ry. “Trata-se de actos de guerra deterioração quer seja sobre o consumo”.
claro se os edifícios danificados em tempo de paz”, razão pela Quanto a previsões, preferiu
causadas pelo homem tinham ou não cobertura con- qual considerou: “Já não esta-
económica ficar-se por aqui, “pois é pru-
tra actos terroristas, assim co- mos no campo normal da nos- dente esperar”. Quanto à even-
Dez mil milhões a quinze mil mo as companhias aéreas que sa actividade.” Recordou ainda tualidade de uma recessão eco-
milhões de dólares (2,2 mil mi- perderam aviões, a Munich Re que, no seguimento dos atenta- Se antes a maior parte dos eco- nómica mundial, Daniel Bessa
lhões a 3,4 mil milhões de con- estimou a sua despesa em mil dos terroristas de 1985 e 1986, nomistas e fiscalistas frisava explicou que “uma economia
tos) é a primeira estimativa das milhões de euros (200,5 milhões foi o próprio Estado francês que ser muito cedo para prever as de guerra tem que ver com tu-
indemnizações que as empre- de contos), um valor cuja si- “organizou um sistema de in- consequências macroeconómi- do menos com recessão”, sa-
sas de seguros vão ter de pagar tuação financeira lhe permite demnizações para as vítimas”. cas dos atentados terroristas lientando, refira-se, não estar
em consequência dos ataques suportar mas que se reflectirá Jean-Philippe Thierry asse- que abalaram os EUA, hoje o “a querer dizer que se vai criar
terroristas em Nova Iorque e seriamente nos seus lucros. A gurou que as seguradoras estão cenário muda ligeiramente de George Soros uma economia de guerra”. O
Washington. O cálculo reflecte Swiss Re, por seu turno, reco- “habituadas a gerir o acaso e o figura. Muitos são ainda os que economista frisou “que não é
uma relação das verbas a liqui- nheceu a existência de custos risco”, mas encontram-se “des- preferem “esperar para ver”, preferem nem sequer falar em fatal que se saia daqui de uma
dar pelos seguros de vida das aparentemente tão elevados co- providas face a actos voluntá- é certo, mas as declarações do recessão ou crise económica, forma completamente depri-
vítimas, aviões acidentados, es- mo os que teve em consequên- rios intencionais de matança e maior especulador financeiro alegando ser ainda muito cedo mida” e adiantou que “há sim
tragos causados nas torres gé- cia das tempestades de 1999 na de destruição maciça”. do mundo, George Soros, apon- para avaliar as consequências. a recear implicações muito ne-
meas do World Trade Center e Europa, que representaram pa- O Instituto Americano de In- tam para o risco de uma reces- O último ministro das Finanças gativas em matéria de seguran-
nos edifícios contíguos, trans- ra a empresa uma despesa de formação para os Seguros reco- são económica mundial. de Cavaco Silva, Eduardo Ca- ça interna, mas isso não se tra-
ferência das empresas ali aloja- 1,2 mil milhões de francos su- nheceu ontem, através de um À saída de um fórum sobre troga, explicou ser “difícil fazer duz, necessariamente, numa
das e perdas provocadas pela íços (802,2 milhões de euros). responsável, que os contratos as relações internacionais em previsões, na medida em que deterioração da situação eco-
paragem forçada da sua acti- Em bolsa, os títulos da Swiss Re em vigor nos EUA excluem os Pequim, o autor da obra “A Cri- ainda não está definida qual vai nómica”.
vidade. O edifício do Pentágo- caíram ontem 4,4 por cento e os riscos de guerra, mas em seu se do Capitalismo Global” aler- ser a resposta política e militar Vários dirigentes asiáticos
no, parcialmente destruído, não da Munich Re 6,4 por cento, mas entender, só em caso “de guerra tou para o facto de a economia dos EUA em termos de retalia- têm vindo a expressar o seu re-
representa qualquer responsa- foram muitas outras as segura- entre nações”. Quanto ao terro- americana se encontrar “numa ção”. No plano macroeconómi- ceio de uma crise económica,
bilidade para as empresas do doras que registaram quebras rismo, e apesar de “certas apó- fase delicada, porque os con- co, foi adiantando que “todo o tendo mesmo o presidente da
sector, uma vez que o Governo superiores a cinco por cento: lices poderem excluir” os estra- sumidores mantiveram as su- ambiente psicológico será afec- Coreia do Sul, Kim Dae-jung,
dos Estados Unidos não recorre Zurich Financial, AXA, Royal gos resultantes desses actos, é as despesas apesar do declínio tado, e terá a ver com a confian- afirmado que “esta catástrofe
a seguros comerciais para pro- & Sun Alliance, entre outras. quase certo que os seguros de económico”. O presidente da ça das famílias e das empresas terá um tremendo efeito nega-
teger os seus edifícios. Na Lloyd’s of London, outro vida tenham de pagar as indem- Fundação Soros adiantou ain- nos EUA”. Segundo Catroga, a tivo no panorama económico
Os valores ontem adiantados dos maiores grupos mundiais nizações devidas aos familia- da: “Havia já sinais indicando perda de confiança irá “atrasar e de segurança mundial”. En-
colocam os acontecimentos de do sector, impera por enquanto res das vítimas mortais e aos que os consumidores começa- a retoma da economia ameri- tretanto, um porta-voz da Casa
terça-feira no topo da tabela das o silêncio. O grupo está ainda a feridos.  CLARA TEIXEIRA, com vam a ser mais prudentes, e isto cana — de que já havia sinais Branca afirmou ontem que “é
indemnizações que, até ao mo- recuperar das elevadas perdas agências é um choque enorme para todo positivos —, sendo difícil medir preciso dar tempo para que se-
mento, foram pagas pelas segu- sofridas nos anos 80 e 90, quan- o mundo, pelo que penso que irá ainda a dimensão temporal do ja profundamente analisado o
radoras em consequência de do muitos dos seus membros afectar o consumo, com risco atraso”. E isto terá “repercus- impacto dos atentados na eco-
actos provocados pelo homem foram à falência por causa das MAIORES de empurrar a economia para sões na economia internacional nomia americana”. Os minis-
(ver caixa). Ao nível mundial, o indemnizações reclamadas por INDEMNIZAÇÕES uma recessão”. e europeia em termos do revi- térios das Finanças e da Eco-
custo mais elevado para o sec- vítimas de cheias, explosões pe- PAGAS PELOS Os efeitos negativos sobre o goramento das economias, um nomia de Portugal preferem,
tor dos seguros é de três mil mi- trolíferas e doenças. “Muitos SEGUROS NOS EUA consumo são, de resto, corro- processo que ainda não está de- por enquanto, não prestar de-
lhões de dólares (3,3 mil milhões dos sindicados [da Lloyd’s] po- borados por especialistas ou- finido”. clarações sobre esta matéria. 
de euros) e data de 1998, quan- dem ser testados por estes acon- C AT Á S T R O F E S vidos pelo PÚBLICO, mas que Também um antigo minis- JOANA AMORIM
CAU SA DAS P E LO
do se registou uma explosão na tecimentos”, disse à Reuters um HOMEM
plataforma petrolífera Piper Al- perito dos seguros, recordando
pha, na costa da Grã-Bretanha.
Mas os números ontem divul-
gados só têm paralelo com da-
nos materiais e humanos cau-
que a seguradora londrina foi
uma das mais afectadas pelo
atentado bombista de 1993 no
World Trade Center.
— Motins em Los Angeles, 1992:
775 milhões de dólares (861,1 mi-
lhões de euros).
— Atentado ao edifício federal em
Reunião da OMC
sados por catástrofes naturais.
No topo da tabela está o furacão
Andrew, responsável pelo paga-
mento de indemnizações no va-
A posição dos profissionais
do sector perante as responsa-
bilidades que os esperam foi on-
tem assumida pelo presidente
Oklahoma, 1995: 125 milhões de
dólares (138,9 milhões de euros).
— Ataque bombista ao World Tra-
de Center, 1993: 510 milhões de dó-
no Médio Oriente
lor de 20 mil milhões de dólares
(22,2 mil milhões de euros).
Os dois maiores grupos res-
seguradores mundiais, a Muni-
do encontro anual das empre-
sas de seguros e resseguros que
decorre em Monte Carlo. “Os
poderes públicos americanos,
lares (566,7 milhões de euros).

C AT Á S T R O F E S
N AT U R A I S
poderá estar em risco
ch Re e a Swiss Re, reconhece- garantes da segurança públi- — Furacão Andrew, 1992: 20 mil A Organização Mundial do Co- dos responsáveis da OMC em condolências, solidariedade e
ram ontem a sua quota-parte de ca, serão chamados a assumir milhões de dólares (22,2 mil mi- mércio (OMC) anunciou ontem Genebra desde o início da se- reflexão, e não o momento certo
responsabilidade nas indemni- todas as suas responsabilida- lhões de euros). que pretende manter agendada mana, mas ontem foi decidi- para falar de dólares e de cênti-
JIM BOURG/REUTERS a realização da importante reu- do alterar o encontro sobre es- mos.”
nião bi-anual sobre comércio ta importante questão para a Algumas das principais pre-
internacional prevista para a próxima segunda-feira. Os ar- ocupações sobre o rumo do co-
cidade de Doha, no Qatar, entre gumentos dados relacionam- mércio mundial partiram da
9 e 13 de Novembro. No entanto, se com o “estado de choque” Ásia. O ministro chinês do Co-
fontes diplomáticas disseram à em que se encontra a equipa mércio afirmou recear uma
Reuters que o mais provável é norte-americana presente na descida das exportações asiá-
que a referida reunião não ve- cidade suíça, que desde terça- ticas para os Estados Unidos, e
nha a concretizar-se, no caso de feira pouco tem participado uma retracção do investimen-
o Governo dos EUA vir a atri- nos trabalhos em curso. Além to na China. Já o ministro ja-
buir responsabilidade pelos ata- disso, os funcionários que se ponês do Comércio conside-
ques terroristas de terça-feira encontram em Genebra não rou que é ainda demasiado
a movimentos árabes. As mes- têm conseguido receber orien- cedo para avaliar o impacto
mas fontes não descuraram a tações por parte dos seus su- dos trágicos acontecimentos
hipótese de uma retaliação mi- periores nos EUA. na economia mundial. No Bra-
litar por parte dos EUA num Também ontem, o comissá- sil, por seu turno, o chefe da
dos países vizinhos do Qatar, rio europeu para os assuntos delegação da Comissão Euro-
situado no Médio Oriente. do comércio, Pascal Lamy, an- peia, Rolf Timans, afirmou
Caso o encontro de Doha ve- tecipou o seu regresso do Viet- à Lusa que o comércio inter-
nha a realizar-se, o ponto for- name, onde se encontrava em nacional sofrerá grandes con-
te da agenda das negociações visita oficial, e uma vez chegado sequências depois dos aten-
será a entrada da China na a Bruxelas recusou-se a fazer tados terroristas nos Estados
OMC, um assunto particular- qualquer comentário sobre as Unidos. “Haverá um mudan-
mente caro aos EUA. A ade- consequências da situação nos ça completa no comércio in-
são da China está aliás a ser EUA para o comércio mundial. ternacional”, disse.  C.T., com
Pode gerar-se controvérsia sobre a natureza dos actos de terça-feira: terrorismo ou guerra? objecto de análise por parte “É altura de mostrar simpatia, agências
2 0 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 13 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

POR QUE CAÍRAM AS TORRES?*


ASTRONAUTAS
Militares das A Choque dos aviões corta pilares
de sustentação das torres,
no ponto do embate
B
Incêndio subsequente
sobreaquece o metal,
C
Sustentação cede no ponto
do embate e andares
DA ISS
Lajes longe 1
provocando a perda
de consistência de outras
partes da estrutura
superiores colapsam,
provocando um efeito dominó
que arrasa as torres.
VÊEM FUMO
DO ESPAÇO
das atenções 2 3 4 5
Sobrevoavam a Terra
a 384 quilómetros
ar. A rádio local que serve a
DECRETADO base — e que transmite em
de altitude e passavam
“ALERTA DELTA” contínuo a emissão da CNN por cima dos
— tem constituído o único Estados Unidos
ponto de contacto do exte-
Na Terceira é muito rior. É pelos sucessivos ape- TERESA FIRMINO
difícil encontrar los a cuidados extraordiná- 1 - 13h45 2 -14h03 3 - Equipas 15h05 15h27
Boeing 767, colide Boeing 757 embate de emergência tentam A torre Sul desaba, A torre Norte
norte-americanos. rios de segurança que se Do espaço, as enormes nu-
com a torre Norte. contra a torre Sul. evacuar as torres cobrindo as ruas também
consegue perceber o que es- vens de fumo provocadas pe-
Estão quase todos tá a acontecer dentro do pe-
no 80º andar no 60º andar e a área circundante com destroços. desmorona.
la colisão de dois aviões com
dentro do perímetro rímetro militar. World Trade Center ANDAR PADRÃO DO WORLD TRADE CENTER as Twin Towers, em Nova
militar das Lajes Uma voz masculina vai Primeira torre (417 m de altura) construída Estrutura em tubo, com parte da sustentação Iorque, não escaparam aos
lembrando que foi decreta- em 1972. Segunda torre concluída na malha de colunas de aço da fachada, e três astronautas a bordo da
do o “Alerta Delta” devido em 1973 (415 m). Cada uma tinha parte na área central dos elevadores. Estação Espacial Internacio-
NUNO MENDES “a uma ameaça terrorista 110 andares de escritórios Na zona dos escritórios não nal (ISS, na sigla inglesa).
e acomodava dez mil havia pilares estruturais.
mundial”, pelo que todos Ao sobrevoar a Terra a 384
trabalhadores.
Mary entrou no restauran- os militares são convidados quilómetros de altitude, os
te, na Praia da Vitória, com a adoptar comportamentos habitantes da única estação
a família, oito pessoas, pas- que minimizem os riscos. espacial em órbita viram an-
savam poucos minutos das Na base, fica-se a saber, a Colunas teontem as nuvens de fumo
externas
15h. Queriam apenas beber maioria dos serviços públi- em aço que deitaram abaixo as du-
qualquer coisa antes de se- cos permanecem encerra- as torres e agitaram o plane-
guir caminho para conhecer dos. Aos soldados, e seus ta inteiro, quando passavam
Área central
a ilha. Ao princípio, quando familiares, pede-se que “evi- de sustentação por cima do Nordeste dos Es-
percebeu que eram ameri- tem o contacto com pessoas tados Unidos.
canos, a empregada ainda desconhecidas” e que “aler- Área dos escritorios “À medida que passávamos
tentou ser simpática per- tem as autoridades sempre \em open space sobre o Maine, vimos a cidade
guntando se queriam que li- que notarem movimenta- *Explicação hipotética, com base nos depoimentos de especialistas à imprensa norte-americana de Nova Iorque e o fumo dos
gasse a televisão para ver as ções ou pacotes estranhos e dados recolhidos pelo PÚBLICO. incêndios”, disse o comandan-
notícias. junto às instalações milita- te da estação, Frank Culbert-
“Não”, escusou-se a nor- res”. son, aos engenheiros da agên-

Impacto e fogo uniram-se


te-americana gentilmente, cia espacial norte-americana
explicando depois que toda Vigilância tardou NASA no Centro de Controlo
a família tinha chegado na no aeroporto civil de Missão em Houston, no Te-
segunda-feira à noite e que o Com o lado militar protegi- xas. Ao lado de Frank Cul-
primeiro dia de férias tinha
sido passado, precisamente,
“em frente a uma televisão
a chorar compulsivamente”.
do e longe das atenções, é no
aeroporto civil que mais se
notam as apertadas medidas
de vigilância, se bem que as
para derrubar as torres bertson estão os cosmonautas
russos Vladimir Dezhurov e
Mikhail Turin, que partiram
a 10 de Agosto para uma per-
“Agora queremos esquecer mesmas só tenham começa- Ainda levará algum tempo pa- cada aeronave foi brutal. Basta tada pelo choque e pelo fogo, manência de quatro meses na
o que está a acontecer. Não do a ser adoptadas mais de ra que se explique, com preci- imaginar o peso do tipo de apa- a torre sul acabou por cair pri- estação internacional. São as
aguentamos ver tudo isso, 24 horas depois dos atenta- são, o que fez com que as duas relhos que colidiu com o World meiro, embora atingida 18 mi- únicas pessoas que testemu-
ainda por cima, estando lon- dos nos Estados Unidos. On- torres do World Trade Center, Trade Center, o Boeing 767: 180 nutos depois da torre norte. nharam do espaço o que acon-
ge”, explicou. tem, o primeiro embarque em Nova Iorque, se desmoro- toneladas, na sua menor con- Para o investigador Eduardo teceu cá em baixo. “As nossas
Neste sentimento de tor- da TAP, rumo a Lisboa, foi nassem como se se tratasse de figuração, quando tem plena Cansado de Carvalho, do De- orações e condolências vão
tura, há coisas ainda mais feito dentro da mais abso- uma implosão. Mas tudo leva carga. Além disso, as duas aero- partamento de Estruturas do para todos os envolvidos”,
complicadas. Por exemplo, luta das normalidades. Só a suspeitar que os terroristas naves saíram de Boston com os Laboratório Nacional de Enge- acrescentou o comandante
foi muito mais difícil expli- depois das rádios terem co- sabiam como e onde deveriam tanques de combustível cheios, nharia Civil (LNEC), em Lis- da estação, citado no “site”
car às duas crianças que os meçado a divulgar que nas atingir os enormes arranha- pois iriam fazer um voo relati- boa, a conjugação das duas Space.com, na Internet.
acompanhavam que a caixa Lajes não existiam precau- céus, de modo a danificá-los ao vamente longo, até Los Angeles. circunstâncias — o embate des- Depois dos ataques às
preta “é parecida com uma ções especiais é que a PSP máximo, como se compreen- A capacidade de combustível truidor e um forte incêndio — Twin Towers e também ao
televisão, mas não é bem decidiu alterar os procedi- dessem bem a sua estrutura de do Boeing 767 é de 90 mil litros, terá sido determinante para Pentágono, perto da cidade
uma televisão”: “Não serve mentos. O acesso ao aero- sustentação. o que significa que uma fracção o colapso das torres. O World de Washington, a NASA en-
para nada.” As crianças per- porto passou a ser apenas O que mantinha as torres gé- ligeiramente inferior explodiu Trade Center, opina Carvalho, cerrou o Centro Espacial
ceberam facilmente. Prova- possível a passageiros, os meas de pé era a combinação com o embate e espalhou-se, em eventualmente poderia resistir Kennedy, na Florida, e en-
velmente, não queriam mes- Correios foram encerrados de uma espécie de armadura ex- chamas, pelas torres. a rupturas na rede externa de viou para casa as 12 mil pes-
mo descobrir que aquilo era e ninguém podia entrar sem terior com uma segunda estru- Os choques rasgaram parte sustentação. Os edifícios esta- soas que lá estavam a tra-
uma televisão. se identificar. tura central na zona dos eleva- da estrutura metálica externa riam preparados para isolar balhar. O Centro Espacial
O desconforto de Mary de- Todas estas precauções le- dores. Ao longo das fachadas de dos edifícios e possivelmente um incêndio e combatê-lo. Kennedy é a casa da frota
ve ser muito semelhante ao varam a polícia à beira do 63 metros de largura, por fora, danificaram também a zona Mas os choques e as explo- de vaivéns dos EUA — Co-
que sentem centenas de ou- desespero quando apareceu havia uma sucessão de colunas central de sustentação. Mas os sões iniciais terão inutilizado lumbia, Endeavour, Atlantis
tros norte-americanos que na única porta de entrada... de aço de alto a baixo. As jane- incêndios que se seguiram te- parte destas defesas e espalha- e Discovery — e, após os ata-
se encontram a residir tem- uma banda filarmónica, que las ocupavam os estreitos vãos rão tido um efeito mais nefasto. do facilmente as chamas por di- ques, passou a estar em esta-
porariamente na ilha. Isto tinha de apanhar um dos vo- de um metro entre estas colu- A alta temperatura das chamas versos andares, comprometen- do de alerta máximo. Todos
apesar de nada fazer suspei- os da transportadora aérea nas, que, interligadas entre si, terá amolecido as colunas de do a estrutura das torres. “Não os centros da agência espa-
tar a agitação que deve per- regional. A coisa explica-se formavam um tubo rígido que aço que sustinham as torres tenho dúvidas de que foram as cial espalhados pelos Esta-
correr os militares. Na base facilmente: para cada pes- envolvia cada torre. no ponto do embate e os anda- duas coisas associadas”, afir- dos Unidos foram também
das Lajes continua a viver- soa que entrava era neces- Em cada andar, só na área res que estavam por cima ce- ma o investigador do LNEC. encerrados.
se dentro da normalidade sário apontar as mais varia- dos elevadores é que havia deram. A partir daí, os edifí- De acordo com o jornal “Chi- É no Centro Espacial Ken-
possível — fora das instala- das coisas como o nome, a mais colunas de sustentação. cios desmoronaram-se como cago Tribune”, Leslie Robertson, nedy que fica o terceiro maior
ções é raro ver americanos, morada, o destino, hora de Este tipo de estrutura tinha di- um baralho de cartas — cada que projectou a estrutura das tor- edifício do mundo em volume
já que a totalidade dos mili- entrada, entre muitos outros ferentes funções. Por um lado, andar que caía acrescentava res gémeas do World Trade Cen- — o Vehicle Assembly Buil-
tares ali estacionados tem pormenores. Ora, só em re- a zona destinada aos escritó- mais energia aos escombros ter, terá afirmado, há uma sema- ding, onde os vaivéns são co-
seguido à risca os conselhos lação à banda filarmónica rios ficavam livres de pilares. que já vinham de cima. na, na Alemanha, que tinham locados em cima de plata-
vindos de Washington man- eram cerca de trinta pessoas Por outro, o tubo em redor das Neste ponto, os terroristas sido concebidas para aguentar formas móveis de lançamen-
tendo-se longe das atenções, e outros tantos instrumen- fachadas servia como uma cas- parecem ter escolhido pontos o embate de um Boeing 707 — o to e equipados com tanques
e, visto do exterior, é raro tos. ca que não deixava o prédio certeiros para arremessar as avião com quatro reactores nor- externos de combustível e
perceber movimentações es- E a essa hora a PSP nem abanar em demasia sob a força aeronaves contra o World Tra- malmente utilizado para voos propulsores. Construído nos
tranhas na placa. Os únicos sequer se tinha lembrado de fortes ventos ou de um sis- de Center, talvez tentando o em- intercontinentais, até à década anos 60 para a montagem dos
aviões que se movimentam que daí a três horas estava mo. Com isto, as colunas cen- bate no nível mais baixo possí- de 70. Mas nenhum especialista foguetões lunares Saturno 5,
fazem-no sempre no lado previsto um voo da TAP pa- trais praticamente só arcavam vel. Cercada por outros prédios citado pela imprensa norte-ame- o edifício tem 52 andares e
mais distante da pista. ra Lisboa. Contas por alto, com o peso dos andares. altos, a torre norte acabou por ricana, ontem, admitiu que um 160 metros de altura. Pelo me-
Assim sendo, os únicos si- seria necessário controlar O embate dos aviões seques- ser atingida na altura aproxi- edifício pudesse resistir às au- nos um dos vaivéns, segun-
nais do que se passa no in- mais de 200 pessoas. E aí é trados sobre as torres compro- mada do 80º andar e a torre sul, tênticas bombas voadoras que os do a agência Reuters, estava
terior das instalações mi- que as coisas prometiam ser meteu o funcionamento deste ao nível do 60º andar. Com 50 a aviões de terça-feira represen- dentro do gigantesco edifício
litares vão chegando pelo muito complicadas.  sistema. O simples impacto de andares por cima da zona afec- tavam.  RICARDO GARCIA na altura dos ataques. 
2 2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA -FEIRA, 13 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

O DIA QUE ABALOU AS CRIANÇAS


Apanhadas pelo poder das imagens em directo, as crianças portuguesas viveram com uma ansiedade
invulgar o atentado em Nova Iorque. Especialistas avisam que os medos podem estar camuflados e
que é urgente responder às perguntas. Por Graça Barbosa Ribeiro

“Quando vi o avião a chocar


[na segunda das Torres Gé-
meas do World Trade Cen-
ter], pensei: ‘É o fim do
mundo.’” E o que é que fizes-
te? “Desliguei a televisão”,
responde a Joana. Com 11
anos de idade, não fez per-
guntas aos pais, passou o
resto do dia a ler, e ontem,
quando falou com o PÚ-
BLICO, recusou-se a contar
mais sobre o que viu ou sen-
tiu: “Não quero pensar nis-
so.” O mais provável é que a
reacção desta criança, resi-
dente no concelho de Mon-
temor-o-Velho, seja comum
a muitas outras. E perigosa,
na perspectiva de Cristina
Villares Oliveira, psiquiatra
da infância e adolescência
nos Hospitais da Universi-
dade de Coimbra, e de Nél-
son Lima, neuropsicólogo
no Instituto da Inteligência,
que defendem que os pais e
professores devem mesmo permita entender ou distan- den Pissarro, de três anos e contra o mal, quem são os
provocar o diálogo com as ciar-se do problema…”, su- meio e residente na Alema- maus? E porque é que eles
crianças sobre o atentado blinha. nha, pediu à mãe para ligar não atacaram a estátua da
terrorista em Nova Iorque. A psiquiatra Cristina Oli- para o pai, em Portugal, pa- Liberdade, que era a mesma
“Sem se aperceberem disso, veira acrescenta um outro ra o descansar: “Um avião coisa, mas matavam muito
alguns pais podem ter em dado: “As reacções dos adul- bateu numa casa, depois ou- menos gente?”
casa crianças em pânico”, tos ajudam a modelar a das tro avião também foi contra Também João Afonso, com
avisa Nélson Lima. crianças…” Nélson Lima su- a casa e ela caiu. Mas está a mesma idade, se absteve
Joana Almeida desligou blinha-o: “Muitas assistiram tudo bem, porque já lá estão de discutir o assunto com a
a televisão. João Santos, de a reacções de extrema ansie- os bombeiros”, explicou, em família mas estava tomado
sete anos, devorou as letras dade dos pais, ou seja, foram alemão. “Nunca, na vida, ti- por uma dúvida: “Não se de-
gordas e as fotografias dos espectadores de duas cenas nha visto os meus pais tão ve matar ninguém. Mas se
jornais, assim que chegou ao em simultâneo, a da TV e a preocupados”, dizia ontem eles não tinham o direito de
quiosque onde passa parte que ocorria em própria ca- Daniel Silvestre, de 11 anos. matar tanta gente, os Esta-
do dia com os pais, na Ave- sa, e essas são foram duas Contava quem nem tinha ti- dos Unidos não têm o direito
nida Fernão de Magalhães, frentes que se sentiram in- do ocasião de fazer, na vés- de retaliar?” Já Sofia Rocha,
em Coimbra. “[Anteontem], capazes de atacar ao mesmo pera, perguntas que agora de sete anos, de quem a mãe
disse-me que não queria ir tempo.” o assaltavam: “Se o Bush dissera que não se mostra-
para a escola, porque a sala A verdade é que Luca Wal- diz que haverá uma guerra ra demasiado abalada com
dele vai ser numa cave e o assunto, vivia ontem com
tinha medo de ficar preso, uma imagem, a dos palestia-
se um avião chocasse [con- nos a festejarem as mortes:
tra o edifício]”, conta a mãe, “Eu acho que eles estavam
Celeste Santos. Ontem, es- contentes porque ainda não
tava mais descansado, por- tinham percebido que havia
que ‘percebeu’ que os aviões pessoas a sofrer. Ou então
só tinham chocado contra os achavam que era bem feito.
prédios porque “eles eram Mas, se era bem feito, era
tão altos, tão altos, que até porque os Estados Unidos
tocavam no céu”. Quanto a lhes tinham feito muito mal
Carolina Ilheu, de 11 anos, só e eu não sei o que foi…”
se acalmou um pouco depois São questões que exigem
de uma noite em claro, ao resposta, na perspectiva de
longo da qual a mãe, médi- Cristina Oliveira e Nélson
ca, a fez acreditar que a fra- Lima. “Os próximos dias se-
se “ameaça mundial”, que rão de grande desafio para
acompanhou todas as notí- os pais e professores”, prog-
cias da SIC, não significava, nostica o neuropsicólogo. I
para ambas, perigo de morte
imediato.
O que é que fez com que Como reagir em casos como este?
o atentado em Nova Iorque
tenha abalado de uma forma
especial as crianças? Nélson Nélson Lima, neuropsicólogo no Insti- quências.”
Lima não hesita: “O facto de tuto da Inteligência, e Cristina Villares Apesar de admitirem que a conversa
estarem a assistir aos acon- Oliveira, psiquiatra da infância e ado- poderá dar origem a perguntas muito
tecimentos em directo, o que lescência nos Hospitais da Universida- difíceis, os especialistas consideram
lhes retira a noção da dis- de de Coimbra, não hesitam em afirmar que é essencial que seja dada, aos mais
tância em relação ao local que a última coisa que os pais devem pequenos, a possibilidade de verbaliza-
da tragédia, bem como a sua fazer é fugir ao tema do atentado ou rem os medos, de forma a que possam
dimensão e natureza (pouco evitar que as crianças revejam as ima- “ser apaziguados”. “Como? Dando ex-
compreensível, mesmo pa- gens que as impressionaram. “Elas já plicações e fornecendo informações, o
ra os adultos) contribuiram as viram, a realidade é incontornável: que tem de ser feito à medida da capaci-
para que as imagens da TV tentar camuflá-la não irá ajudar nada, dade de compreensão de cada criança”,
adquirissem contornos fan- pelo contrário “, avisam. diz Nélson Lima. Ambos aconselham
tásticos, medonhos. Isto já Ambos aconselham os pais e professo- também os adultos, a aproveitarem “o
abala um adulto. Imagine- res a, nos próximos dias, abordarem o único lado positivo” dos acontecimen-
se o que é esta visão para al- assunto com as crianças. Com duas con- tos: “É uma excelente oportunidade pa-
guém que recebe os dados dições, segundo Nélson Lima: “Fazê-lo ra abordar as questões dos princípios
fragmentados e não possui num abiente calmo e sem dramatizar os e dos valores.”
informação de base que lhes acontecimentos ou as eventuais conse- G.B.R.
D E S TA Q U E 23
TERROR NA AMÉRICA PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 13 SET 2001

RAINER JENSEN/EPA

O mundo Breves
do desporto não Governo Três dias
de luto em Portugal
ficou indiferente O Governo de António Guter-
res decretou ontem três dias de
UEFA criticada por só de-semana, globalizando um luto nacional em Portugal em
minuto de silêncio em memó- “sinal de solidariedade para
ontem ter cancelado os ria das vítimas. Em Portugal, a com o povo norte-americano”
jogos das competições federação e a Liga de clubes de- e em memória das “vítimas”
europeias de futebol liberaram no mesmo sentido. dos atentados terroristas de
Nos Estados Unidos foram terça-feira nos Estados Uni-
JOSÉ J. MATEUS suspensos, por respeito ao luto dos. A presidência do conselho
nacional ou por razões de se- de ministros explicou que os
Jogos e provas adiados em gurança, jogos da Liga profis- atentados nos EUA “não po-
todo o mundo foi a reacção sional de basebol, de futebol e dem deixar ninguém indife-
mais comum do desporto aos de ténis, entre outros, e o início rente, exigindo da comunidade
atentados nos Estados Unidos. de alguns torneios de golfe foi internacional uma resposta de
Mas também houve o inver- adiado por um dia ou dois. Por unidade, tranquilidade e segu-
so, com competições a decor-
rerem sem interrupção. Na
decidir está o Grande Prémio
de Fórmula 1 de Indianápolis, Solidariedade Uma jovem alemã junta-se a uma homenagem às vítimas
dos atentados de Nova Iorque e Washington, acrescentan-
rança”. O luto teve efeitos logo
a partir de ontem.
América, a comoção provoca-
da pela tragédia provocou, ob-
de 30 de Setembro. A Federa-
ção Internacional do Automó- em todo do a sua vela a centenas de outras que foram sendo acesas
no chão da nova fábrica de automóveis da Volskswagen,
Protecção Civil
viamente, o cancelamento da
grande maioria dos eventos
vel mantém o GP de Itália, em
Monza, para este domingo, e o mundo em Wolfsburg. Manifestações de solidariedade como esta
repetiram-se ontem em todo o mundo, nomeadamente 58 portugueses a
desportivos, enquanto na Eu- não pensa cancelar a corrida com a deposição de flores junto às embaixadas dos EUA.
ropa e no resto do mundo o res- norte-americana, mas recusou- caminho dos EUA
peito pelos mortos, em alguns se a comentar a hipótese de a
casos, e as dificuldades nas li- deslocar para outro país. I O Serviço Nacional de Protec-
gações aéreas, em outros, con-
duziram a um gesto idêntico,
embora não generalizado. A
União Europeia de Futebol
Receios por Hollywood adia estreias ção Civil (SNPC) tem já quatro
equipas de emergência, com
58 elementos, preparadas para
seguir para os EUA, estando
(UEFA) só ontem se decidiu Salt Lake City Para já, não há dramas para as Bahamas. mas estava agendada para o apenas a aguardar a ordem
por adiar os jogos da Liga dos com temas de A comédia romântica “Si- fim do mês. de partida que será dada pelo
Campeões e da Taça UEFA, e O receio da América de dewalks of New York”, com Possivelmente mais descon- Ministério dos Negócios Es-
recebeu críticas pela demora. novos atentados já deve-
espionagem Ed Burns e Heather Graham, fortável é o primeiro episódio trangeiros. O Governo portu-
“A escala da tragédia, a dor rá estar no horizonte dos e terrorismo também viu a sua estreia, a 21 de “24” da Fox, que retrata guês associa-se assim à dispo-
e a mágoa que ela provoca de- organizadores dos Jogos de Setembro, adiada. Fontes os esforços da CIA para evi- nibilidade da União Europeia
vem levar-nos todos a reflec- Olímpicos de Inverno de BRIAN LOWRY oficiais da Paramount Clas- tar o assassínio de um candi- (UE) para prestar assistência
tir”, justificou Gerhard Aigner, Salt Lake City, que se sics disseram que era preferí- dato presidencial e que contém técnica e sanitária aos EUA
director-executivo da UEFA. realizam dentro de pou- A indústria de entretenimento vel que o filme ficasse de lado uma sequência onde um ter- depois dos atentados de ter-
Mas segundo disse à Reuters cos meses, entre 8 e 24 de de Hollywood e, em especial, as até finais de Novembro. rorista faz explodir um avião. ça-feira. Fonte do SNPC disse
fonte anónima de um canal te- Fevereiro de 2002. Uma cadeias televisivas americanas A Sony anulou um “trai- Estava agendado para o horá- à agência Lusa que serão en-
levisivo europeu, a UEFA op- obsessão que está bem estão a rever as suas estreias e ler” para a megaprodução do rio nobre de Outubro, e a Fox viados quatro grupos multi-
tou desta forma por razões eco- viva na memória dos alinhamentos de programas, filme de acção “Homem-Ara- retirou igualmente o “spot” de disciplinares de intervenção,
nómicas, sobretudo, “já que a norte-americanos devi- que estavam repletos de dra- nha” que contém imagens fa- promoção. sendo eles um de assistência
maior parte dos difusores pen- do ao episódio dos Jogos mas de espionagem com temas miliares do World Trade Cen- Entre outros projectos psicológica, um de assistência
sam consagrar ao final do dia de Atlanta, em 1996, de intriga e terrorismo. ter. Um porta-voz dos estúdios agendados na nova tempora- médica, um de resgate e um
a cobertura especial do que se quando uma bomba ex- Numa indústria especializa- disse que a cena das torres não da há uma minissérie da NBC outro de identificação.
passou nos EUA, riscando a plodiu no Parque do da em fantasia e escapismo, os estará no filme que estreará centrada num acto de terro-
transmissão dos jogos”. Centenário, fazendo um atentados terroristas de ante- no próximo ano. rismo com os EUA, assim co-
Vários clubes europeus con- morto e mais de 100 feri- ontem — que levaram ao adia- Ainda não é claro o efeito mo “The President’s Man:
sideraram que a UEFA devia dos. Não admira, por is- mento, por tempo indefinido, que os ajustes terão nos novos Ground Zero”, com Chuck Repúdio
ter-se decidido pela suspensão so, que o presidente do da cerimónia de entrega dos horários das cadeias de tele- Norris como operacional da Câmara de Lisboa
da jornada europeia no dia da Comité Olímpico Inter- prémios Emmy — provocaram visão, que tinham agendadas Casa Branca.
tragédia — disputaram-se jo- nacional, Jacques Rog- agitação, numa tentativa de três novas séries focalizadas Entretanto, está previsto aprova moção
gos de quatro dos oito grupos ge, tenha dito ontem que atenuar quaisquer sinais de nos esforços da CIA de comba- que o drama da Casa Branca da
da Liga dos Campeões (o Bo- a segurança do evento insensibilidade. te ao crime — “The Agency”, NBC “Os Homens do Presiden- A Câmara Municipal de Lis-
avista, que empatou a um go- vai ser revista em face A Disney desistiu da estreia, da CBS, “Alias”, da ABC e “24” te” arranque para a planeada boa (CML) repudiou ontem os
lo em Liverpool, para o Gru- deste mais recente aten- a 21 de Setembro, da nova da Fox. Por exemplo, a ABC terceira temporada, na próxi- atentados terroristas cometi-
po B, é assim a única equipa tado. Rogge lembrou comédia de Tim Allen, “Big anulou a transmissão do filme ma semana. Aaron Sorkin, re- dos nos Estados Unidos e soli-
portuguesa que já se estreou ainda que a segurança Trouble”, adiando o lançamen- “O Pacificador”, onde se abor- presentante dos criadores da darizou-se com o povo daquele
nas competições uefeiras de está no topo das priori- to para o próximo ano porque da o terrorismo nuclear. série, disse que o principal país. A moção foi aprovada por
2001/2002) e várias partidas da dades dos Jogos desde o um dos pontos principais no Os “spots” promocionais pa- já tinha sido editado, tornan- unanimidade e apresentada pe-
Taça UEFA — e não apenas on- ataque terrorista de um filme está ligado a um plano ra “The Agency”, cujo primei- do impossíveis quaisquer alte- lo presidente do município lis-
tem. O diário alemão “Berliner comando palestiniano nuclear escondido dentro de ro episódio se centra num ata- rações em resposta aos acon- boeta, João Soares, durante a
Zeitung” não deixou passar o que em Munique’72 ma- uma mala que passa a segu- que terrorista, e “Alias” foram tecimentos desta semana. I reunião de câmara que decor-
gesto da UEFA: “Tendo em vis- tou dois atletas israeli- rança do aeroporto e segue suspensos por tempo indefini- EXCLUSIVO PÚBLICO/“LOS AN- reu nos Paços do Concelho.
ta os horríveis atentados nos tas e fez nove reféns. num avião que voa de Miami do. A estreia dos dois progra- GELES TIMES”
EUA, o futebol europeu falhou. Desconfiado está o presi-
O horror que afectou o mundo dente do comité organi- Solidariedade
Autoeuropa parou
não impressionou a UEFA.”
Um minuto de silêncio nos
jogos de terça-feira foi a reac-
ção do futebol europeu, mas
zador dos Jogos, Mitt
Romney, que declarou já
serem insuficientes os 44
milhões de contos (220
AR envia voto de pesar um minuto
ontem foi interrompida a jor- milhões de euros) desti- O secretário de Estado da Co- ma, ainda ausente do país, no o povo americano. A fábrica de automóveis da
nada, e a UEFA adiou o que fal- nados à segurança de operação, Luís Amado, foi on- grupo governamental restrito Marques Mendes, presiden- Autoeuropa, sediada em Pal-
ta da primeira jornada da Liga atletas e espectadores, tem à comissão dos Negócios formado para acompanhar a te da comissão, afirmou, no fi- mela, cumpriu ontem uma
dos Campeões para 10 de Ou- que estará a cargo de Estrangeiros da Assembleia crise, grupo esse que é presi- nal da reunião — que se reali- paragem de um minuto em
tubro, dias depois dos últimos 3500 polícias locais, de da República (AR) informar dido pelo primeiro-ministro zou à porta fechada — que o solidariedade com as vítimas
jogos da fase de qualificação 3000 agentes do FBI e de os deputados sobre a actuação e que, além do representante que sucedeu nos Estados Uni- dos atentados. A paralisação
europeia para o Mundial de mil bombeiros e pessoal do Governo português na cri- do MNE, integra Guilherme dos foi “uma afronta à liber- foi determinada pela admi-
2002 — Portugal recebe nessa sanitário. Mas para o se dos EUA. O “apoio possível d’Oliveira Martins, ministro dade, à tranquilidade e à de- nistração da Volkswagen, que
altura a Estónia e uma vitó- ano há também o Mun- e necessário” dado por Portu- da Presidência, e ainda Rui Pe- mocracia”. “É absolutamente deliberou uma paragem de
ria garantir-lhe-á a entrada di- dial de futebol no Japão gal foi decidido em coordena- na, ministro da Defesa, e Se- intolerável”, sublinhou. um minuto em todas as fá-
recta na competição co-organi- e Coreia do Sul, e os sul- ção com a União Europeia (UE) veriano Teixeira, ministro da Por deliberação da comissão, bricas do grupo às 12h00 da
zada pela Coreia do Sul e pelo coreanos anunciaram e com a NATO e relaciona-se Administração Interna. foi aprovado um voto do parla- Alemanha, 11h00 em Portu-
Japão. A UEFA decidiu ainda ontem que durante o tor- com “material de resgate e sal- O presidente da AR, Almei- mento português, a enviar ao gal continental. A fábrica da
marcar o que resta da primei- neio pretendem interdi- vamento” a entregar às autori- da Santos, assistiu à reunião Congresso norte-americano, Autoeuropa em Palmela foi
ra eliminatória da Taça UEFA tar todo o tráfego aéreo dades americanas “em função da comissão parlamentar dos exprimindo “profundo pesar inaugurada no dia 25 de Abril
para 20 de Setembro. sobre os dez estádios que das solicitações” destas. Negócios Estrangeiros, onde pelas vítimas inocentes” dos de 1995, na sequência de uma
As mais importantes ligas vão receber jogos. E soli- O secretário de Estado re- todos os partidos fizeram de- atentados e manifestando “so- parceria entre os norte-ame-
europeias de futebol decidiram citaram ainda a coopera- presenta o ministro dos Negó- clarações de repúdio aos ata- lidariedade para com o povo ricanos da Ford e o grupo ale-
manter-se na agenda do fim- ção internacional. J.J.M. cios Estrangeiros, Jaime Ga- ques e de solidariedade com americano”. I ISABEL BRAGA mão Volkswagen.
2 4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA -FEIRA, 13 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

Diz-se
“Os atentados terroristas
que atingiram o coração dos
EUA (...) assinalam o fim de
IMPRENSA APOSTOU
EM EDIÇÕES ESPECIAIS
uma fase do equilíbrio mun-
dial assente na hegemonia
político-militar dos Estados
Unidos. E o início de uma no-
va era.”
JOSÉ ANTÓNIO LIMA
“Expresso Online”, 11-9-01 DIÁRIOS DESPORTIVOS “E andamos nós em guerri-

“A ameaça de uma vaga de


DESTACARAM ATENTADOS nhas por causa de um penal-
ti.”
terrorismo global fica pai- A outra sur-
rando sobre os países pacífi- Os diários presa veio
cos aliados aos Estados Uni- generalistas da revista
dos.” corresponderam “ Vi s ã o ” .
MOTA AMARAL Este maga-
“A Capital”, 12-9-01
àquilo que deles se zine sema-
esperava. A maior nal, que ha-
“Que não haja dúvidas — es- surpresa veio da bitualmente
tamos em guerra.” revista “Visão”, que sai à quinta-
VASCO PULIDO VALENTE feira, fez uma
“Diário de Notícias”, 12-9-01 pôs ontem uma edição edição espe-
especial nas bancas cial que pôs
“Parado frente ao televisor, o nas bancas on-
mundo viu o que nem o mais JOSÉ ALBERTO LEMOS tem. Uma edi-
perturbado realizador ou ar- ção de 68
gumentista alguma vez ima- A imprensa escrita portuguesa páginas, inteira-
ginara. Em directo.” reagiu com bastante dinamis- mente dedicada
NUNO GALOPIM mo aos atentados nos Estados à tragédia, onde
Ibidem Unidos. Dos diários, o “Correio se podem encon-
da Manhã” fez uma edição es- trar inúmeras fo-
“A América não é só nos fil- pecial na própria terça-feira, à fotografia e à infografia, ou- ror” ou “Horror”, O Jogo tografias que não
mes que está vulnerável a que começou a ser vendida nas tros mais analíticos e explica- foi mais original e escre- surgem nas outras
atentados e não está imune à ruas de Lisboa ao fim da tarde. tivos da tragédia, em coerência veu em manchete “Nun- publicações e uma
guerra.” Eram 16 páginas, ocupadas es- com a respectiva linha edito- ca Visto” com uma foto boa infografia. Não
JOÃO PAULO GUERRA sencialmente com fotografias rial. Uns mais sóbrios, outros de Nova Iorque e outra do em- há nenhum tema
“Diário Económico”, 12-9-01 da tragédia. Ontem, quarta-fei- mais exuberantes na exibição pate do Boavista em Liverpool ção”. O “Record”ocupa que não tenha sur-
ra, PÚBLICO, “Diário de No- das imagens trágicas e na ex- — dois acontecimentos, de fac- cinco páginas com o assunto, gido nos jornais de
“Bush ficará na História co- tícias” e “24 Horas” puseram ploração da dor. Mas, em geral, to, nunca vistos. Este diário todas encabeçadas por uma tar- referência, mas a qualidade de
mo o senhor que estava na também na rua segundas edi- pode dizer-se que cumpriram, desportivo fez um suplemento ja com pequenas notícias re- impressão proporcionada por
Casa Branca quando os bár- ções dedicadas ao assunto. En- para os respectivos leitores, de oito páginas dedicado à lacionadas com os atentados. É uma revista marca a diferença.
baros atacaram a América.” tre os diários, só “O Comércio aquilo que lhes competia. tragédia e ouviu a reacção em “A Bola”, contudo, que sur- E sobretudo revela um dina-
JOÃO BARBOSA do Porto”, “O Primeiro de Ja- A surpresa veio dos jornais da basquetebolista portugue- ge a frase que melhor justifica a mismo editorial e uma capaci-
“A Capital”, 12-9-01 neiro” e o “Diário Económico” desportivos. Todos — e são três sa radicada nos EUA Ticha opção editorial e que dá a ima- dade de produção que surpre-
fizeram edições únicas. — dedicaram a parte mais no- Penicheiro. “A Bola” dá as su- gem da mesquinhez com que ende num semanário. Foi uma
“Não foi a América que foi De um modo geral, os diários bre da sua primeira página ao as primeiras oito páginas aos por vezes o mundo desportivo edição especial que não subs-
atacada, mas toda uma civili- corresponderam àquilo que de- acontecimento, com fotogra- atentados e justifica a opção em se compraz. É dita por Eduar- titui a edição normal desta se-
zação ocidental que, tendo os les se esperava, cada um no fia. Se “A Bola” e o “Record” editorial de primeira página, in- do Bettencourt, administrador mana, que surgirá nas bancas
EUA como ponta de lança — seu estilo. Uns recorrendo mais usam títulos banais, tipo “Ter- titulado “Uma edição de excep- executivo da SAD do Sporting: amanhã, sexta-feira. I
e tantas vezes, infelizmente,
como polícia do mundo — se

COMO O MUNDO ANALISOU OS ATENTADOS


viu atingida num ponto ful-
cral: a segurança, afinal, não
existe.”
Editorial do “Jornal de Notícias”,
12-9-01 O FIM DO ABENÇOADO ISOLAMENTO Satã que vai para além do que seria possível imaginar racional. É, por definição, a negação da humanidade,
— e para além do que a ND [defesa antimíssil], de 100 o oposto da vida, do sentido e da sensibilidade. [...] O
“Hoje, o mundo civilizado está AMERICANO mil milhões de dólares, poderia impedir. momento do colapso será recordado nos próximos anos
ainda estupefacto com o que “Apesar de todos os horrores do século XX — duas gran- O que fará ao moral dos americanos? É isso que o como o momento em que o terrorismo internacional
sucedeu. E espera que se lhe di- des guerras, a guerra fria, as guerras terroristas contra mundo tem medo de descobrir. Nada de bom, teme-se. se tornou, indubitavelmente, a principal ameaça à
ga o que será o novo mundo.” Israel —, o território norte-americano permaneceu A urgência em retaliar será grande — apesar de, até segurança global.”
Idem virtualmente intocável. Este abençoado isolamento se saber contra quem, a escala, dimensão e perigo em Editorial do “The Guardian” (Londres)
americano acabou na terça-feira. [...] Com estes ataques, seguir esse instinto serem desconhecidos.
os EUA vão inevitavelmente perder o sentimento de POLLY TOYNBEE,
“O atentado do World Trade
Center sacode-nos da apatia invulnerabilidade que, para o bem e para o mal, se “The Guardian”
REVER A POLÍTICA PARA O MÉDIO ORIENTE
e indiferença perante a into- tornou parte do carácter americano. Os terroristas “Nesta fase, a única conclusão é a de que os bombistas-
parecem ter alcançado o que o Kaiser, Hitler e o pode- suicidas [...] atacaram os símbolos mais visíveis do
lerância que, salvaguardadas
as proporções, também gras- roso arsenal nuclear soviético nunca conseguiram — A PRINCIPAL AMEAÇA À SEGURANÇA poder americano. Isto não é outra coisa senão um acto
sa em algumas franjas da so- atingir o solo americano com ataques sangrentos que MUNDIAL de guerra. [...] Bush deveria rever a sua política para
ciedade em que vivemos e causam milhares de vítimas. ” o Médio Oriente. Não foi descoberta qualquer ligação
cuja ‘religião’ é, precisamen- DAVID IGNATIUS, “Os soldados americanos da frota estacionada em Pearl entre os actos de ontem [anteontem] e os ataques se-
te, um clubismo obcecado e “International Herald Tribune” Harbour em 1941 perceberam, tarde de mais, por quem melhantes efectuados por palestinianos contra civis
cada vez mais perigoso.” estavam a ser atacados. Quando perceberam o que israelitas. Mas a falta de interferência da Administra-
estava a acontecer, sabiam por quê. E sabiam como ção americana e a sua tolerância face à dura linha de
JOÃO QUERIDO MANHA
“Record”, 12-9-01
A CORAGEM POLÍTICA É A ÚNICA DEFESA responder. Uma parte do horror dos acontecimentos actuação do primeiro-ministro++ Ariel Sharon enco-
“Os analistas americanos sempre pensaram que o de ontem [anteontem] reside na ausência de um rosto, rajou o extremismo na região, que procura qualquer
seu opositor os iria atacar de uma forma idêntica às de um nome, a ausência de um significado — a falta de desculpa para diabolizar os americanos.”
“É verdade que a democracia defesas que eles já tinham, ou planeavam ter. [...] Uma uma razão. Mas o terrorismo nunca foi uma actividade Editorial do “Financial Times”
não pode responder ao terro- das lições a reter é a de que [...] não existe uma verda-
rismo com o terrorismo. Mas deira defesa contra um ataque anónimo que faz uso do
não pode também ceder pe- funcionamento normal da sociedade civil. [...] Outra, QUEM É O INIMIGO?
rante a violência e o terror. e mais profunda, será mais difícil para o Governo, em “As acções terroristas contra símbolos do poderio
Um milímetro que seja.” particular, aceitar. É a de que a única defesa contra económico e militar americano deverão acabar pa-
JOSÉ ANTÓNIO LIMA um ataque externo é um esforço sério, contínuo e ra sempre com a ideia de que os EUA podem viver
“Expresso Online”, 11-9-01 corajoso para encontrar soluções políticas para os num isolamento seguro. Na verdade, as atrocidades
conflitos nacionais e ideológicos que envolvem os vêm mostrar o contrário: que a sociedade ameri-
“Por mais irritante que seja Estados Unidos.” cana — altamente urbanizada, tecnologicamente
a americanização do planeta, WILLIAM PFAFF, dependente, móvel e aberta — é especialmente
não pode haver contempla- “International Herald Tribune” vulnerável ao tipo de horror que ontem reinou.
ções para os comandantes [...] Se os ataques forem vistos como uma declara-
desta nova guerra.” ção de guerra, então resta perguntar: quem é o
PAULO REGO
OS RECEIOS DE UMA RETALIAÇÃO inimigo?”
“24 Horas”, 12-9-01 “A maior superpotência mundial de sempre foi humi- STEPHEN FIDLER,
lhada. Este é um ataque gigantesco contra o grande “Financial Times”
D E S TA Q U E 2 5
PÚBLICO•QUINTA -FEIRA, 13 SET 2001

NOVELAS
PORTUGUESAS A televisão americana
MAIS VISTAS
DO QUE perante o horror
INFORMAÇÃO
R
epórteres nos ou ouvi a pergunta ha-
locais. Cente- bitual de repórteres por-
Anjo Selvagem, à nas de teste- tugueses em casos dra-
cabeça, logo seguida de munhos. Câ- máticos: “O que sente?”
maras de turistas e de Nenhuma vez, em mais
Filha do Mar e Olhos de cidadãos anónimos ao de 20 canais, vi ou ouvi
Água, todas da TVI, serviço da informação. entrevistas a familiares
ocuparam as três Imagens em directo. de vítimas durante as
primeiras posições do Sempre em directo. Ima- EDUARDO CINTRA primeiras horas — isto
gens repetidas sem fim TORRES apesar de a tendência
top de audiências com comentários em di- tabloidizante ser igual-
recto. Todos os ângulos mente visível na televi-
ELIZABETE VILAR das notícias. Imagens num pequeno ecrã, são americana desde há algum tempo.
outras imagens num ecrã mais pequeno, As televisões não deram os nomes de
As três novelas portuguesas notícias correndo na parte de cima e na quaisquer vítimas, apesar de saberem
actualmente em exibição na parte de baixo dos ecrãs. Uma cobertu- nomes, porque os familiares ainda não
TVI tiveram anteontem mais ra extraordinária num dia extraordiná- tinham sido informados. Só o nome de
audiência do que os serviços rio. uma conhecida comentadora de televi-
informativos e os programas As televisões nacionais entregaram-se são, Barbara Olson, foi repetidamente
especiais dedicados aos acon- continuamente aos acontecimentos. Os mencionado, porque fez duas chamadas
tecimentos nos Estados Uni- principais apresentadores apareceram telefónicas, do avião que se despenhou
dos. Anjo Selvagem, à cabe- nos ecrãs 10 horas antes do habitual. sobre o Pentágono, para o marido, mem-
ça, logo seguida de Filha do Repórteres entraram no ar nas ruas bro do Governo de George W. Bush.
Mar e Olhos de Água ocupa- ou nos estúdios de No- As emissões prossegui-
ram as três primeiras posi- va Iorque cobertos da ram toda a noite, embora
ções do top de audiências. Só poeira dos edifícios des- tenham abrandado as ope-
depois surgem o Telejornal truídos. A programação Os jornalistas em rações de busca até ao nas-
da RTP1, o especial Ameaça habitual desapareceu. A antena cer do sol. Com a chegada
Mundial, da SIC, e o Jornal publicidade também. da manhã de quarta-feira,
Nacional, da TVI, de acordo As emissões ganha-
contiveram as as estações aceleraram as
com dados fornecidos pela ram títulos sempre mos- emoções próprias suas emissões especiais,
Marktest, a quem cabe fazer trados ou apresentados e dos outros. apresentando muitos de-
a audimetria no país. em separadores de se- poimentos de sobreviven-
Uma análise por canais gundos: “O terrorismo
Nenhuma vez, em tes que tiveram tempo de
mostra que o fenómeno só atinge a América”, ou “A mais de 20 canais, descer dezenas de andares
aconteceu na TVI: SIC e RTP1 América debaixo de fo- vi ou ouvi a antes do colapso das torres.
colocaram programas infor- go”. pergunta habitual De manhã, sim, houve algu-
mativos nas primeiras posi- Os canais locais de No- mas vezes perguntas sobre
ções do top de audiências. Os va Iorque e Washington de repórteres os sentimentos de pessoas
três programas mais vistos fizeram excelentes co- portugueses em que perderam familiares,
da RTP1 foram o Telejornal, berturas sobre os acon- casos dramáticos: mas a forma como as mes-
o Jornal da Tarde e o Infor- tecimentos nas respecti- mas são colocadas é mais
mação Especial — Terror na vas cidades. O canal de
“O que sente?” profissional do que o que
América: na SIC o top é lide- Washington concentrou- costumamos ver em Portu-
rado pelo especial Ameaça se quase totalmente no gal e torna aceitável para
ataque ao Pentágono. Pode parecer es- todas as audiências o diálogo entre os jor-
tranho para espectadores portugueses, nalistas e as testemunhas. Houve igual-
SIC e RTP1 mas o canal tem a missão de dar as notí- mente uma grande diferença entre os
colocaram programas cias locais e sabe que os outros canais depoimentos dos políticos americanos
têm estado a dar a cobertura dos acon- e os portugueses. Enquanto estes são
informativos nas tecimentos, bem mais graves, de Nova verborreicos, intermináveis, os políticos
primeiras posições do Iorque. americanos vão directos ao tema e ex-
top de audiências Vários canais de música, de compras primem as suas opiniões e os seus senti-
e de outro tipo de programação mentos para com as vítimas e familiares
substituíram os seus programas por em 15 ou 20 segundos.
Mundial. avisos (“Devido aos acontecimentos, o As reportagens televisivas concentra-
Sublinhe-se, contudo, que QVC suspende temporariamente a sua ram-se nas entrevistas a testemunhas
quando as telenovelas foram emissão”); a interrupção prosseguiu dia oculares, pessoas que estavam nos edi-
exibidas, os canais de sinal fora. Outros canais, como o MTV ou VH1, fícios e que desceram, algumas delas,
aberto já tinham terminado puseram nas suas próprias emissões a quase uma centena de andares. Polícias
os especiais sobre os Estados emissão de canais de notícias, informan- e bombeiros entraram em estado de cho-
Unidos. No entanto, se, em do em rodapé os espectadores das altera- que com a perda de centenas dos seus
lugar das audiências, se aten- ções. membros nas Twin Towers, mas pouco
tar na quota de mercado, isto As imagens mais mostradas concen- tempo depois retomaram o género habi-
é, a que emissões assistiam traram-se em Nova Iorque, onde a dimen- tual de contacto com a imprensa: profis-
os telespectadores que nesse são da tragédia tomou proporções des- sionais, direitos ao assunto, restringin-
momento viam televisão, o conhecidas na História da humanidade. do-se aos factos.
quadro merece uma interpre- O ataque ao Pentágono, apesar de igual- Nas horas seguintes, os comentadores
tação diferente. mente devastador segundo qualquer cri- (muitos deles antigos políticos, que po-
É o caso do Informa- tério, ficou relegado para segundo lu- dem falar com mais liberdade do que
ção Especial, que a TVI exi- gar. As imagens dos destroços do quarto congressistas ou governantes no activo)
biu depois da meia-noite, e avião em Pittsburgh foram estranhamen- entraram nos estúdios de TV. “Declara-
que foi visto por mais de me- te descuradas, como se não houvesse in- ção de guerra” e “Um novo Pearl Harbor”
tade daqueles que viam tele- teresse em mostrá-las: talvez por razões foram dois dos “slogans” mais repetidos.
visão a essa hora — um valor de segurança. Na verdade, o jornalismo Alguns sublinharam a necessidade de
de “share” (51,6 por cento) in- americano pode ser o mais competitivo mais segurança, de medidas mais aper-
ferior ao que mereceram An- do mundo mas as regras entre as autori- tadas e recordaram medidas que foram
jo Selvajem e Filha do Mar, dades e os jornalistas e entre os próprios postas de lado por porem em causa a co-
por exemplo, embora estas jornalistas são fielmente cumpridas. Só à municação de pessoas e bens, um dos
duas novelas se tenham apro- noite houve imagens dos destroços des- fundamentos da Constituição america-
ximado muito dos 50 por cen- te quarto avião, mas todas captadas de na. Ao fim da noite, outras vozes fizeram-
to. Recorde-se entretanto que muito longe. se ouvir para referir que “seria um erro”
a SIC Notícias, que dedicou Os jornalistas em antena contiveram limitar as liberdades e que o risco de
toda a sua programação aos as emoções próprias e dos outros. ataques terroristas é um “preço a pagar
atentados nos Estados Uni- Nenhuma vez, em mais de 20 canais, vi pela democracia”. I
dos, foi vista por 30 mil espec-
tadores. I
2 6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA -FEIRA, 13 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

C R O N O L O G I A D E U M ATA Q U E - R E L Â M P A G O
7 de Dezembro de 1941 7h02 Uma grande mancha surge no ra- ões da base de Pearl Harbor ou bombardei- 7h30 Uma zona escura obscurece o ecrã.
dar. É identificada como um numeroso grupo ros B-17, vindos da Califórnia. Insistem e Os aviões estão apenas a 47 milhas.
de aviões, localizado a 137 milhas. recebem como resposta: “Não se importem
6h20 A esquadra japonesa está a 250 mi- com isso.” 7h55 Caem as primeiras bombas e torpe-
lhas de Pearl Harbor. Num posto americano de 7h06 Alarmados, os operadores de ra- dos sobre a esquadra ancorada à volta da ilhota
radar em Opana, no Norte da ilha de Oahu, dois dar contactam o Centro de Informação de 7h25 Os aviões japoneses Ford, em Pearl Harbor. O capitão de fragata ja-
soldados estão em alerta, aguardando rendi- Fort Shafter, de onde lhes dizem que os avi- estão a 62 milhas ponês “Fuchida” envia a célebre mensagem em
ção. ões observados poderão ser dos porta-avi- código que deveria indicar o sucesso do ataque:

PEARL HARBOR O DIA EM QUE A GUERRA


ENTROU EM CASA DOS AMERICANOS
Em 1941, os americanos vibravam com o baseball de DiMaggio e o “swing” de Glenn Miller. A Coca-Cola era uma garrafa quase tão voluptuosa como Rita
Hayworth. Depois, a 7 de Dezembro, aconteceu Pearl Harbor. Foi o primeiro ataque contra os EUA, em território dos EUA. A guerra entrou-lhes em casa.
Passaram 60 anos. Segunda-feira de manhã aconteceu outra vez. Por Alexandra Lucas Coelho

Sobre um fundo negro, a le- destaque especial da revista Nesse texto da “Newswe- diata de tantos analistas e co- ao império japonês, a 8 de quase tão voluptuosa como
tras brancas, o escritor Ian “Newsweek”, a propósito do ek”, Deford sintetiza as ra- mentadores foi a de falar de Dezembro de 1941, o dia de- Rita Hayworth.
McEwan escrevia ontem, na 50º aniversário de Pearl Har- zões do sucesso do ataque ja- um Pearl Harbor 2 a propó- pois. No Havai, na ilha de Oahu,
capa do segundo caderno do bor. E explicava porquê: “Foi ponês a Pearl Harbor: sito dos atentados em Nova está estacionada a base da
diário britânico “The Guar- o princípio da Era do Ins- a) os americanos estavam Iorque e Washington. Nunca A América cor-de-rosa marinha norte-americana no
dian”: “11.09.2001 — o dia em tante.” A primeira vez que a mal-preparados os Estados Unidos tinham si- Para o americano médio, em Pacífico. 7 de Dezembro é um
que a terra parou.” Entre o América entrou em estado b) os americanos estavam do atacados no seu próprio Dezembro de 1941 a guerra domingo nublado. Pouco de-
que se escreveu sobre Pearl de choque, a nível nacional demasiado confiantes. território antes de Pearl Har- na Europa era uma coisa do pois das seis da manhã, dois
Harbor, podemos encontrar — nem foi precisa a Internet Se juntarmos a estas duas bor. Passaram 60 anos. Se- outro lado do Atlântico. Não operadores de radar detec-
quase exactamente as mes- e quase não foi precisa a te- alíneas o incrível falhanço gunda-feira de manhã foi a lhes entrava em casa, a do- tam numerosos aviões a ca-
mas palavras. levisão: segundo as estatísti- dos serviços secretos, tão dis- segunda vez — e a América er. Vibrava-se com o base- minho. Avisam o comando
“07.12.1941 — o dia em que cas, apenas 4500 famílias nos cutido no pós-Pearl Harbor voltou a invocar a infâmia re- ball de Joe DiMaggio e o central, que se mantém des-
o mundo parou”, resumiu o EUA tinham aparelhos de TV como agora, é fácil perceber ferida por Roosevelt na cé- “swing” de Glenn Miller. A preocupado. Às 7h55 a es-
escritor Frank Deford num em 1941. porque é que a reacção ime- lebre declaração de guerra Coca-Cola era uma garrafa quadra japonesa começa a
AFP/ARQUIVO

Pearl Harbor foi o primeiro ataque aos Estados Unidos, em território dos Estados Unidos
D E S TA Q U E 2 7
PÚBLICO•QUINTA -FEIRA, 13 SET 2001

“Tora! Tora! Tora!” (em português, tigre! tigre! couraçado “Arizona” é atingido por torpedos e couraçados (West Virginia, Tennessee, Nevada, explodem os couraçados Pennsylvania, Cali-
tigre!). O ataque japonês faz-se com 54 bombar- bombas e afunda-se em nove minutos. A banda Maryland) cruzadores e contra-torpedeiros. fornia, muitos cruzadores e navios auxiliares
deiros de voo picado, 50 de voo horizontal e 40 de música preparava-se para a cerimónia de içar
aviões torpedeiros. de bandeira, no convés. Morrem 1177 marinheiros 8h40 Segunda vaga de aviões: 81 bom- 9h45 Pearl Harbor está devastada. Per-
e oficiais. Sobre o couraçado Oklahoma caem bardeiros de voo picado, 54 de voo horizon- das americanas: 2403 mortos, 1178 feridos.
7h58 O contra-almirante americano sete torpedos: afunda-se, com 315 tripulantes. tal, 36 caças atacam o que resta da esquadra 18 navios, 347 aviões. Perdas japonesas: 28
Bellinger admite, perante as evidências: “Um rai- americana. O couraçado “West Virginia” é aviões, três submarinos de bolso, 55 aviado-
de sobre Pearl Harbor! Não é um exercício!” O 8h25 Gravemente danificados quatro atingido em cheio e explode. Pouco depois, res.

bombardear Pearl Harbor.


Afundam couraçados em mi-
nutos. Só o Arizona tinha
Em Tóquio crescia a pro-
paganda antiamericana. O
espírito do “bushido” — có-
O ATAQUE JAPONÊS EM DUAS VAGAS
Pouco depois da alvorada de 7 de Dezembro de 1941,
Na manhã
1177 marinheiros e oficiais a
bordo. O comandante da base
americana no Pacífio reco-
digo militar dos samurais —
imperava. Até a banda dese-
nhada era bélica. Em 1937, o
uma força de mais de seiscentos aviões japoneses
atacou a base naval americana de Pearl Harbor Aichi D3 A1
ou bombardeiro
do ataque
nhece a evidência e envia o Norte da China é invadido,
famoso telegrama: “Ataque a pela Manchúria, e começam 07h55 de voo picado “Como de costume, corria
Pearl Harbor! Não é um exer- oito anos de combates com os 1ª Fase uma brisa quente naquela
cício!” chineses. Nas vésperas da II Caças "Zero" manhã.” Assim poderia co-
Já o código de vitória ecoa Grande Guerra, os Estados meçar um relato sobre o prin-
entre os japoneses: “Tora!, Unidos são o único país que, Bombardeiros cípio do dia 11 de Setembro
Tora!, Tora!” Tora quer di- no Pacífico, pode travar a ân- de voo picado de 2001. Mas esta é a descri-
zer tigre — o sinal de que o sia expansionista do império ção de uma outra manhã que
Bombardeiros Base Aérea dos Marines
objectivo de surpreender os de Hirohito. de voo horizontal na Baía de Kanehoe
entrou para a história norte-
americanos fora alcançado. E Quando a II Guerra reben- Schofield Wheeler americana: aquela que levou
às 8h40 dá-se o segundo ata- ta, o Almirante Isoroku Ya- Aviões os EUA a entrar na II Guer-
que. Só muito tempo depois mamoto assume o comando torpedeiros PEARL HARBOUR Bellows ra Mundial. O mecânico de
os americanos vieram a sa- da marinha japonesa. Viveu aviação George D. Phraner
ber o número exacto de bai- vários anos nos Estados Uni- Ewa contou à “National Geogra-
Honolulu
xas: 2043. Mais 1178 feridos. dos, conhece bem os america- phic” como foram os primei-
E dezenas de couraçados ao nos. Algures entre Janeiro e Hickam ros momentos após o ataque
fundo e centenas de aviões Março de 1940, começa a con- ILHA DE OAHU das forças japonesas a Pearl
destruídos. Demorou pouco ceber um plano que permita Harbor, a 7 de Dezembro de
mais de duas horas a batalha afastar os EUA do caminho, 1941.
aero-naval. No dia seguinte, na rota triunfante que o im- 08h40 “Tínhamos mesmo acaba-
num discurso que começava pério nipónico sonhava cum- do de tomar o pequeno-almo-
com a célebre frase sobre “o prir até à Austrália.
2ª Fase Aviões torpedeiros ço e saído do compartimen-
dia que viverá na infâmia”, A 26 de Novembro de 1941, Caças "Zero"
to para apanhar um pouco
Roosevelt declarou guerra ao uma imensa frota de subma- de ar. Esta era a nossa rotina
Japão. E os rapazes da Amé- rinos e porta-aviões deixa o habitual aos fins-de-semana,
rica começaram a trazê-la pa- Japão, na direcção de sudes- uma vez que não havia tra-
ra casa, a doer. te. Param para abastecimen- Schofield Wheeler balho. Foi uma sorte termos
to a 4 de Dezembro. No dia Bombardeiros podido dormir até às 6h30,
Kaneohe de voo picado
As teorias seguinte recebem a confir- PEARL HARBOUR uma vez que a maior parte de
da conspiração mação do ataque e avançam nós tinha estado fora até tar-
O trauma de Pearl Harbor para velocidade máxima nos Bellows de na noite anterior. Assim
Ewa
foi tão forte e tão prolonga- mares do Pacífico. 7 será um Honolulu que deixámos o refeitório ou-
do que ainda hoje se especu- “bloody sunday” para os Es- vimos um barulho. Fomos lá
la sobre como puderam os tados Unidos e um retum- Hickam fora ver o que era porque nor-
americanos ser assim apa- bante sucesso para os japo- ILHA DE OAHU malmente estava tudo calmo.
nhados de surpresa. As teo- neses, a partir daí reduzidos Quando lá chegámos, podí-
REUTERS / Peter Sullivan | PÚBLICO
rias da conspiração são va- no imaginário americano a amos ver e ouvir que havia
riadas. Churchill e Roosevelt um exército de homenzinhos AFP/ARQUIVO
aviões. Olhei pelo navio e vi
sabiam dos planos japone- amarelos e traiçoeiros. Mas enormes colunas de fumo a
ses? Só sabia Churchill e não seis meses depois, em Gua- sair de Ford Island.
avisou Roosevelt? Roosevelt dalcanal, os americanos re- A princípio, não percebe-
só estava à procura de um cuperam da humilhação. As mos que era um bombardea-
pretexto para entrar na guer- bombas em Hiroxima e Na- mento. Não significou nada
ra e por isso não procurou gasáqui foram o fim do Japão até que um enorme grupo de
acautelar o ataque? O que militarista, o fim da guerra e aviões se aproximou do navio
se tem como certo é que tan- o fim de um tempo. I e pela primeira vez vimos o
to americanos como britâ- emblema do sol nascente nas
nicos tinham informações asas dos aviões. O bombar-
sobre o ataque que os japo- deamento tornava-se mais
neses esta- pesado à nossa volta e sou-
riam a pre- bemos que desta vez era a sé-
parar, mas rio!
não havia A princípio houve um as-
certezas so- salto de medo, o sangue co-
bre o alvo. meçou a correr realmente
A ambição depressa. Foi então que os
expansionista membros do quartel-general
e militarista do soaram nos altifalantes e tu-
império japonês do se tornou automático. [...]
vinha a crescer Ali estávamos, os japoneses
desde os anos 20. a largar bombas e nós não
Por essa altura, tínhamos munições. Tanto
criptólogos ame- treino durante um ano e
ricanos decifra- quando a coisa é a sério as
ram códigos japo- munições não estavam onde
neses que deviam. Por infeliz que isto
revelavam a evolu- tenha sido, este simples facto
ção de preparações salvou-me a vida. Por acaso,
militares. Na noite o capitão apontou para mim
de 6 de Dezembro de e disse: ‘Vai buscar munições
1941, Roosevelt terá ti- ao armazém.’
do acesso a uma or- Poucos momentos depois,
dem descodificada em estava muito abaixo da linha
que o Japão ordenava do mar, numa parte do navio
à sua embaixada nos onde nunca tinha ido. [...] Mil
EUA que destruísse li- e quinhentos quilos de pól-
vros de código. Conta- vora explodiram e desinte-
se que Roosevelt terá di- graram a parte da frente do
to: “Isto significa guerra. navio. [...] Toda a minha tri-
Mas onde?” No dia seguinte ao “dia da infãmia”, o Presidente Roosevelt declarou guerra ao Japão pulação morreu.” I
2 8 E S PA Ç O P Ú B L I C O
PÚBLICO• QUINTA-FEIRA, 13 SET 2001

DESCONCERTANTE Bartoon LUÍS AFONSO

BUSH
Em vez de se colocar no papel de presidente de
um império que sofre com os inevitáveis ataques
dos excluídos do seu imenso poder — no fundo
dos monstros que ele próprio criou —, Bush
tentou desempenhar o papel de guardião da
civilização ocidental
Horas após os ataques às “Twins Towers” e ao Pentágono,
quando o estado de choque em que a América inteira
mergulhara se começou a traduzir num cada vez maior desejo
de vingança, quando nos jornais, nas rádios e nas televisões se
multiplicavam os desafios para que se arrasassem os países do
terceiro mundo que acolhem terroristas anti-Estados Unidos,
quando nove em cada dez americanos (segundo uma
sondagem “Washington Post”/ABC) se declaravam a favor de
represálias militares contra os responsáveis dos atentados,
George W. Bush começou por não corresponder aos que
esperavam dele o pior . Não soltou os bombardeiros, não
mandou arrasar cidades em certas partes do mundo.
Pouco antes, porém, quando o correspondente da CNN em
Cabul deu conta de explosões na capital do Afeganistão, todo o
mundo tinha sido varrido pelo mesmo pensamento — “Lá está
o Bush a começar a vingança contra os amigos do Bin Laden.”
Os EUA não tiveram nada a ver com aquilo,
mas, tal como o “El País” titulou ontem na
Editorial sua primeira página, o mundo em peso
estava à espera das represálias do
Presidente americano.
O filho de George Bush, todavia, comportou-se de maneira
diferente. Superada a estupefacção inicial, apareceu compondo
uma imagem de dor contida, de quem acha que é preciso
pensar muito, e muito profundamente, sobre as razões por que
o horror eclodiu no coração da América. E foi com gravidade
que disse que a hora não é de precipitações, mas sim de
“paciência” e de “persistência” para se encontrarem os Cartas ao Director
verdadeiros culpados.
Em vez de um discurso virado para o exterior — esperado por
As cartas destinadas a esta secção — incluindo naqueles encarregues de levar a cabo forma de se descobrir as suas inten-
um planeta que olhava a sua única superpotência sangrando as remetidas por e-mail — devem indicar o nome
da asa —, foi para o interior da América que falou. Não para e a morada do autor, bem como um número algo que todo o Mundo aguarda com ções. Eles não tinham bombas, me-
aquela que esperava um arranque brutal de colosso telefónico de contacto. O PÚBLICO reserva-se o expectativa: a retaliação. E por quê? tralhadoras nem mesmo pistolas. E
momentaneamente humilhado, mas para uma outra América, direito de seleccionar e eventualmente reduzir Porque imediatamente se colocaria a foi esta visível simplicidade que lhes
os textos recebidos. Não se devolvem os origi- questão: como retaliar? permitiu actuar sem levantar suspei-
talvez mais profunda, que, como escreveu Tocqueville, gosta de nais dos textos não solicitados, nem se prestará
pensar que vive “sob o único governo de Deus e das leis”. Para informação postal ou telefónica sobre eles. Bin Laden é um dissidente saudita; tas. O espectacular encadeamento dos
essa nação, Bush utilizou sempre a palavra “liberdade” na está, ao que tudo indica, escondido al- embates é também muito fácil de or-
Endereço electrónico: gures no ambiente irreal do Afeganis- ganizar: basta consultar os horários
primeira frase das suas comunicações: “A liberdade foi atacada cartasdirector@publico.pt
esta manhã por cobardes sem rosto. E a liberdade será tão; acima de tudo, não representa, de dos aviões que diariamente levan-
defendida.”
maneira alguma, qualquer entidade tam destes engarrafados aeroportos e
política legal, nem tão-pouco é alvo de comprar as passagens aéreas. O facto
Em vez de se colocar no papel de presidente de um império que
apoio declarado da parte de uma. É de estes suicidas saberem pilotar es-
sofre com os inevitáveis ataques dos excluídos do seu imenso
poder — no fundo dos monstros que ele próprio criou —, Bush O próximo pesadelo suficientemente seguro, isso sim, que tes aviões demonstra claramente que
lidera, sob diversas formas, uma turba o ataque estava organizado por al-
tentou desempenhar o papel de guardião da civilização
de fanáticos fundamentalistas, sem guém com meios grandes, mas, aten-
ocidental, dos regimes democráticos, das virtudes e das
Sendo certo que não existem palavras qualquer tipo de expressão territorial ção, até manuais destes aviões foram
liberdade cívicas. Não se saiu mal.
para descrever o horrendo ataque per- definida. Surge, logo, uma derradeira encontrados num carro alugado pelos
Se ele tivesse estudado a antiguidade grega (se ao menos
petrado contra os Estados Unidos da questão: sabendo-se que há anos Bin que se suspeita ser os autores mate-
soubesse que os habitantes da Grécia são “gregos” e não
América, não será menos certo afir- Laden é perseguido pelos EUA, será riais do crime. Um piloto experimen-
“grécios”, como disse uma vez…), ou se tivesse lido sobre as
mar que o pesadelo está, presume-se, possível actuar de maneira diferente tado não necessitaria de andar com os
repúblicas italianas renascentistas, teríamos de admirar a sua longe de ter terminado. daquela que, aparentemente fracas- manuais consigo e, como já afirmou
consistência como estadista. Conhecendo-lhe melhor as A prestigiada “The Economist”, na sante, tem sido utilizada? um professor da área aeroespacial,
fragilidades, não podemos, no entanto, deixar de saudar o seu sua edição de 21 Julho, e a propósito MARTIM PEDRO JÚDICE MAIA DE existem bons simuladores que qual-
instinto político — e a moderação com que, nas primeiras da questão do NMD, discutiu a eventu- LOUREIRO quer pessoa pode adquirir e treinar
horas, reagiu à pior crise da América nas últimas décadas. alidade de um ataque terrorista por Lisboa bastante... Uma organização terroris-
Esperemos que nos próximos dias as suas decisões afinem pelo parte de um “tirano excêntrico”; ainda ta pode perfeitamente preparar uma
mesmo paradigma. E que não coloquem em causa o desafio que tenha considerado a hipótese de operação destas, ainda que seja óbvio
mais fundamental que hoje se coloca aos EUA e ao mundo tal suceder como improvável, alertou, E se “nada” tiver falhado? ser esta a componente mais compli-
inteiro: “Encontrar um equilíbrio entre a segurança e a todavia, para o facto de um qualquer cada deste ataque. O que fazer?
liberdade”, segundo a síntese da ex-secretária de Estado tirano poder utilizar essa ameaça (com Depois deste ataque adimensional Sinceramente, penso que há uma
Madeleine Albright. LUÍS MIGUEL VIANA um mínimo de credibilidade) para, de sofrido pelos Estados Unidos, ainda medida de curtíssimo prazo a prepa-
certa forma, condicionar a actuação muito pouco tempo passou para que rar: a segurança dentro dos aviões.
dos governantes do país visado, ou seja, se possa tirar as necessárias conclu- Se até um jogo de andebol, um jar-
contribuinte nº 502265094 dos EUA. Parece, pois, que a improba- sões. Emitir opiniões é tudo o que to- dim público, ou mesmo um aeropor-
depósito legal nº 45458/91
registo ICS nº 114410
bilidade foi substituída pela incredu- dos, desde o comum cidadão até espe- to, contam com polícias armados, não
lidade e a ameaça cedeu o seu lugar ao cialistas em assuntos de terrorismo será absolutamente essencial pen-
E-mail: publico@publico.pt LISBOA: Rua Viriato, 17 – 1069-315 Lisboa; Telef.: 210111000 (PPCA) Fax: horror. e de política internacional, podemos sar em adicionar à tripulação dois
Dir. Empresa 210111005; Dir. Editorial 210111006; Agenda 210111007; Redacção 210111008;
Publicidade 210111013/210111014 • PORTO: Rua João de Barros, 265 – 4150-414; Telef: 226151000 Quando se tenta imaginar a maquia- fazer. ou três homens armados com treino
(PPCA) / 226103214; Fax: Redacção 226151099 / 226102213; Publicidade; Distribuição 226151011• vélica alma que poderá ter planeado Não concordo com a generalidade específico para casos destes? O que
BRAGA: Rua de S. Marcos, 126-1º Esq. Fr. – 4700 Braga Telef: 253619041; Fax: 253617983 • AVEIRO:
Rua Eng. Silvério Pereira da Silva, 16-A, 2º Tr. – 3800 Aveiro Telef/Fax: 234382507 • COIMBRA:
— com mestria, acrescente-se — tal dos comentadores quando afirmam poderiam fazer os piratas do ar com
Avenida Fernão de Magalhães, 153/157- 2º Dto, sala 6 – 3000 Coimbra Telef.: 239829554; Fax: 239829648 ataque, é inevitável que, como tem sido que as entidades responsáveis pela as suas navalhas? Matar uma pessoa,
• ALGARVE: Avenida da República Federal Alemã, bloco C 2 – 8000 Faro Telef.: 289806656; Fax: largamente difundido, se obtenha a fi- segurança dos Estados Unidos falha- acredito. Isto? Nem pensar. Sendo ver-
289806655 • VILA REAL: Rua 31 de Janeiro, 41 - 3º, sala 303, 5000 Vila Real Telef.: 259326262;
Fax.: 259326265 • MADEIRA: Rua dos Ferreiros, 55-2º Dtº – 9000 Funchal Telef.: 291231611 • gura de Osama bin Laden, velho conhe- ram. dade que nenhuma arma de fogo pas-
PROPRIETÁRIO: PÚBLICO Comunicação Social, SA Sede: Rua João de Barros, 265, 4150 Porto • cido dos americanos. Apesar de práti- Ao que parece, os sequestradores sou pela segurança dos aeroportos,
IMPRESSÃO: Unipress, Tv. Anselmo Braancamp, 220-Arcozelo/4405, Valadares; Telef.: 227537030;
Mirandela — Rua Rodrigues Faria, 103, 1300 Lisboa; Telef.: 213613400; Fax: 213613469 • DISTRIBUIÇÃO:
co (isto é, crê-se precisamente aquilo dos aviões não passaram pelos con- penso que uma companhia aérea que
Midesa Portugal - Distribuição de Publicações, S.A.; Lisboa: Rua da República da Coreia, 34, Ranholas, que os EUA não desejam), poder, em trolos de segurança com nada de ver- enveredasse por esta via de seguran-
2710-460 Sintra; Telef.: 219267800, Fax: 219267850; Porto: Rua Engenheiro Ferreira Dias, 1173 a 1177, 4100 tempo útil, descartar Bin Laden do rol dadeiramente ilegal (qualquer pessoa ça devolveria boa parte da confiança
Porto; Telef.: 226191211; Fax: 226191210; Algarve: Estrada de Boliqueime - Fonte de Boliqueime, 8100-070
Boliqueime; Telef. e Fax: 289366361; Coimbra: Beco Olheiro, Armazém 2, Adénia, 3020-028 Coimbra; Telef.: de suspeitos será, ora por ora, a sua pode passar com um canivete ou uma perdida dos passageiros. Caso con-
239430519; Fax: 239431592 • ASSINATURAS: 808200095 grande esperança. navalha) e, assim sendo, nada falhou trário, continuamos à espera que no-
Basicamente, porque, a confirmar-se nos aeroportos. Para além disso, e vos suicidas se preparem nos ditos
que o dissidente saudita está, de facto, tendo em conta os milhares de estran- simuladores e...
Tiragem média total do mês de Agosto por detrás deste pesadelo americano, o geiros que diariamente entram nos FLÁVIO MIGUEL CASTRO DA MOTA
AS SO C I AÇÃO P O R T UGUE SA
D O C O N T R O LO D E T I R AG E M
72.388 exemplares desespero crescerá exponencialmente Estados Unidos, não vejo nenhuma Gondomar
E S PA Ç O P Ú B L I C O 29
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 13 SET 2001

As guerras do século XXI


lgumas notas sobre o que aconte- cafés e discotecas em campos de exercício
ANA SÁ LOPES

A ceu nos Estados Unidos:

1. Não foi surpresa, não podia


de explosivos, mas ainda se verá a tentação
de pegar fogo às liberdades e à democracia
em nome da paz e da ordem. Por muito que
PÃO E ROSAS

ser surpresa.
Todos os que acompanham, mesmo su-
perficialmente, a questão do terrorismo,
suas ideias, suas origens, seus métodos, seus JOSÉ PACHECO PEREIRA
pareça eficaz, nunca funcionou.

6. Este atentado dá razão aos americanos


nas suas preocupações de segurança, tantas
O terror
meios, seus alvos, sabiam que isto era não vezes ridicularizadas pelos europeus. Os
ão sei como lhes vamos expli-

N
só possível, como muito provável. Os pessi- americanos sabem que são alvos de uma
mistas que sabem história conhecem apenas multidão de inimigos, que não mexem um car. Até conseguimos que na
um caso em que beligerantes, detentores essas armas eficazes. Não falta muito até dedo sobre a Europa, enquanto tiverem os terça-feira os rapazes tivessem
de armas de destruição máxima, prescindi- possuírem essas tecnologias. EUA como objectivo preferencial. Eles sabem ficado a leste, cumprindo até
ram voluntariamente de as usar — as armas que são os alvos de grupos terroristas e de com menos teimosia que o habitual as
químicas durante a II Guerra Mundial. No 4. Este tipo de guerra é facilitado pelas nações fora da lei internacional. ordens para ir brincar para o quarto. A
meio dessa “guerra total” que foi a guerra enormes oportunidades que as sociedades Sabem que se houver progressos nessas tua rapariga é que se deixou ficar, ali-
de 1939-45, este foi um dos raríssimos actos industrializadas e urbanas modernas dão. Te- áreas nos sistemas de mísseis, no armamen- nhando carrinhos uns atrás dos outros.
de civilização que subsistiu. lemóveis, sistemas de transporte de massas, a to biológico, químico, ou no armamento nu- — O que é isto?
Não é provável que se venha a repetir esta Internet, concentração de milhares de pessoas clear, será contra eles (e Israel) que tudo isto — Um avião que bateu num prédio.
auto-restrição neste novo tipo de conflitos. em determinadas zonas urbanas, fluxos entre é preparado e será lançado. E, perante uma Foi possível depois fazê-la desandar dali,
fronteiras sem nenhum ou escasso controlo, Europa descuidada e laxista, dependente dos abananada com a lógica da tua autoridade.
2. Isto é guerra, é a guerra moderna do sociedades multiétnicas e multirreligiosas, EUA para a sua defesa, mas não disposta a — Porque é que hoje não podemos brin-
século XXI. onde é sempre possível encontrar ocasiões e ser com eles inteiramente solidária, sabem car na sala?
É uma guerra sem Estados, ou melhor, apa- meios para realizar estes ataques. que têm apenas que contar consigo próprios. — Porque eu não quero e acabou-se.
rentemente sem Estados, porque um atentado De alguma maneira, o que permite o su- Seria bom que isto mudasse. Sabes que eu não deixei o meu ver o “Tita-
deste tipo não se realiza sem apoio de qual- cesso de sociedades como a americana — nic” até ao fim. Assistiu até quando aquilo
quer Estado, do longo braço secreto dos Es- o único “melting pot” verdadeiro do mun- 7. Depois, e por último, por muito que começou a meter água por todos os lados,
tados fundados na apologia da força e da vio- do — é também fonte da sua fragilidade. O isso irrite muita gente, estes atentados não mas às primeiras cenas de pânico mandei-o
lência. Há demasiada sofisticação de meios, mesmo pode ser dito sobre o tipo de bem- são apenas manifestação de “fanatismo”, para a cama.
demasiado “know-how”, muito tempo de pre- estar e progresso tecnológico, que facilita ou de fundamentalismo religioso, têm tam- — Porque é que não deixaste? Aquilo não
paração, para ser uma iniciativa amadora é violência gratuita, houve um acidente, o
qualquer. Aliás, ainda está para se desco- barco chocou com um icebergue.
brir um grupo terrorista, sequer, daqueles E S T E T I P O D E G U E R R A ameaça corromper o tecido da democracia. — Tenho medo dos pesadelos.
que agem mesmo a sério, que não tenha um Agora não sei.
As tensões étnicas, sociais, religiosas, políticas e nacionais que este tipo de — Os miúdos não devem ver isto.
“sponsor”. Isso será a consequência a curto
prazo mais perigosa destes atentados, porque acção sem autor visível exercem sobre as sociedades democráticas são enormes — Mas o que é que a gente faz? Desliga a
os EUA não podem deixar de actuar violen- televisão?
tamente contra os autores, os protectores e os aeroportos, aviões, autocarros, comboios bém ideologia. Foi a ideologia que escolheu — Não devem ver. É o terror.
mandantes. Estes atentados dão-lhe uma su- de alta velocidade, comunicações baratas o alvo mais mortífero: as torres do World — Estão a brincar no quarto, só se aperce-
perioridade moral, que se traduz numa maior e em tempo real, etc., etc. Cada um destes Trade Center, com as suas empresas, as suas beram que houve uma bomba.
margem de manobra política. Também nunca “confortos” é hoje uma arma. bolsas, os seus bancos — o “capitalismo” Agora depois da escola não sei como vai
se viu um Estado deixar de o aproveitar. mundial. Os EUA, simbolizado no Pentágo- ser. Para sossegar o meu, costumo dizer
5. Este tipo de guerra ameaça corromper no, o “capitalismo” simbolizado nas torres que as coisas se passam em sítios muito
3. Esta guerra usará todos os meios — o tecido da democracia. As tensões étnicas, de Nova Iorque, eis os alvos — e isto quer longe e que não chegam aqui.
armas tradicionais, biológicas, químicas e sociais, religiosas, políticas e nacionais que dizer alguma coisa. Os meninos portugueses — Portugal é o me-
nucleares. este tipo de acção sem autor visível, mas atri- que andam aí a fazer de “fedayin”, de lenço lhor país do mun-
Tivessem os terroristas que realizaram buível a uma raça, um povo, uma religião, ao pescoço, e os manifestantes violentos de do, não é? — O que é isto?
os atentados nos EUA acesso a armas nu- exercem sobre as sociedades democráticas Génova estão no mesmo lado. Podem não — É, claro que é. — Um avião que
cleares, e tê-las-iam usado sem nenhuma são enormes. Já não basta transformar os ter o fanatismo suicida, podem, inclusive, — Não havia televi-
hesitação. O mesmo é verdade para armas aviões numa fonte de medo, os aeroportos condenar os atentados, porque a sua adesão são, sabia-se menos. bateu num
biológicas e químicas, que ainda não foram em campos de concentração, as cidades em é demasiado intelectual para não se assus- — Ao menos isso. prédio.
usadas com o seu potencial máximo, porque zonas patrulhadas pela polícia e o exército, tarem com o sangue, ou por táctica política, (O que a gente diz, Foi possível
os grupos terroristas ainda não dominam as viagens com um risco de morte, os edifí- mas ajudam a legitimar o cérebro que esco- Nosso Senhor)
as tecnologias de dispersão que tornariam cios altos como ratoeiras incendiadas, os lhe os alvos e a mão que os destrói. I — Lisboa tinham- depois fazê-la
na os mouros/ desandar dali,
PETER MORGAN/REUTERS Quem a havia de abananada com
tomar/ El-rei D.
Afonso Henriques/ a lógica da tua
e os Cruzados a autoridade.
ajudar. — Porque é que
— O que é isso?
— Vinha no livro da hoje não
terceira classe, já podemos
não é do teu tempo. brincar na sala?
Desapareceu em
1973. — Porque eu não
— Para onde se foge quero e
da idade das trevas? acabou-se.
— Já reparaste que
começou, no povo, a
caça ao árabe?
— Já. Uma senhora do Algarve estava ater-
rorizada com a facilidade de entrada ali em
baixo de mouros e imigrantes do Leste. Vi
na televisão.
— Mas desculpa. Se os Estados Unidos não
conseguiram prever um ataque destes,
quem pode?
— Ninguém.
— Apetece-me arrumar a casa toda.
— Eu é mais fazer compras, não tenho nada
no frigorífico.
— Sabes qual foi o melhor momento do dia
de ontem? Foi quando estávamos a com-
prar os livros para os miúdos na papelaria
da escola.
— Lembras-te de teres saído de casa e dei-
xado de propósito a televisão ligada? O teu
ficou muito espantado.
— Era para ver se as notícias se gastavam.
— Desculpa lá aquilo de eu ter medo de
ficar acordada sozinha. I
2001
14 Setembro
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SEX14SET
EDIÇÃO LISBOA
14 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4197
140$00 • €€0,70 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico.pt www.publico.pt
ROBYN BECK/EPA

DAS 11 ÀS 11H03
TRÊS MINUTOS DE SILÊNCIO
Portugal associa-se a uma ini-
EUA
ciativa europeia de luto pelas
vítimas nos EUA. Governo, Pre-
sidente da República e Assem-
bleia da República subscreve-
CONFIRMAM
BIN LADEN
ram um apelo comum para que
todos os portugueses observem
três minutos de silêncio, entre
as 11h e as 11h03 de hoje.

TIMOR-LESTE

D. Ximenes Belo diz que


COMO
a Igreja não deixará de
intervir na vida política SUSPEITO
NÚMERO UM
Na primeira entrevista após as elei-
ções, o bispo de Díli, Ximenes Belo, diz
não estar muito preocupado sobre se
a Igreja vai ser ou não ouvida na ela-
boração da Constituição, lembrando
que quase a maioria os 88 deputados
eleitos é católica. Concorda com um
Estado laico, mas deixa claro que a
Igreja não deixará de intervir na vida
Lançada
política. Do nosso enviado Luciano
Alvarez, em Díli P33
a maior caça
ao homem
AMANHÃ NO PÚBLICO
da história
PORTUGAL DAS CIDADES
americana
Vila Real P2 A 24

SUPLEMENTO

isto é soul!
Y
S O C I E DA D E

Pedrito de Portugal
mata touro na Moita
P42

HOJE COM O PÚBLICO


ESTRATÉGIAS XXI – TRANSPORTES
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ÍNDICE

BARTOON E OPINIÃO 25 A 27
BOLSAS 38 A 40
TELEVISÃO 54/55
CLASSIFICADOS 66 A 73
CINEMAS 74/75
TEMPO E FARMÁCIAS 76
2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA -FEIRA, 14 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

“Se foi o Bin Laden, que o fuzilem”


Como Berlim depois da II Guerra Mundial, o Sul de Manhattan foi retalhado em zonas. Da zona zero, a da fornalha, a da ferida
na paisagem da ilha de Nova Iorque, continua a sair o que sobrou do ataque aos Estados Unidos. Quanto mais percebem o horror,
mais cautelosos os cidadãos se tornam. Querem retaliação. Mas não a qualquer preço. Por Ana Gomes Ferreira, em Nova Iorque
ROBERTO SCHMIDT/EPA

Paul Horscroft passou a tarde de se-


gunda-feira fechado em casa. Caía, em
Manhattan, uma tempestade diluvia-
na. Na manhã seguinte, percebeu que
o dia ia ser de sol. Pôs os patins em
linha nos pés e deslizou, pelo asfalto,
em direcção a Battery Park. “Não sabia
dos atentados. Estava quase a chegar
ao World Trade Center quando me caiu
uma manta de pó em cima. Durante
dez minutos, não vi nada. Fiquei cego.
Senti uma mão apanhar-me pela cin-
tura. Um homem gritou-me para ir
com ele. Arrastou-me para uma pare-
de, ordenou-me que fosse tacteando a
parede, seguindo-o. Uma porta abriu-
se e as pessoas que estavam lá dentro
obrigaram-nos a entrar. Foi quando
me disseram o que se tinha passado.”
Como muitos nova-iorquinos, Paul
Horscroft está ansioso por contar onde
estava, e o que fazia, quando um grupo
de terroristas atacou os Estados
Unidos, na terça-feira. Foi a segunda
vez que o país foi atacado por uma for-
ça estrangeira. A primeira aconteceu
em Pearl Harbor, a 7 de Dezembro
de 1941 — o “dia da infâmia”, como
lhe chamam os livros de História. Os
japoneses bombardearam Pearl Har-
bor e, em consequência, o Presidente
Franklin Roosevelt declarou guerra ao
Japão e entrou na II Guerra Mundial.
No ataque de terça-feira, 11 de Se-
tembro, morreu muito mais gente do
que em Pearl Harbor. As bombas ja-
ponesas mataram 2403 pessoas, 1178
ficaram feridas. Os terroristas mata-
ram tanta gente que não há, ainda,
quem saiba quantas. A Câmara de
Nova Iorque pediu seis mil sacos pa-
ra cadáveres ao Governo federal. Só
em Manhattan, podem ter morrido
10 mil pessoas, quando as torres do
World Trade Center caíram depois de
terem sido atingidas por dois aviões
comerciais.
Na terça-feira de manhã, um grupo
de terroristas desviou quatro aviões
cheios de civis e fê-los chocar contra
as torres gémeas, contra o Pentágono
de Washington (perto de 800 desapa-
recidos, mais de cem mortos confir-
mados). Um terceiro avião caiu sem
chegar ao alvo. Dentro dos aparelhos
havia 266 pessoas.
Como irá George W. Bush respon-
der à “declaração de guerra” dos ter-
roristas? Contra quem irá contra-
atacar (as suspeitas apontam para o
terrorista saudita Osama bin Laden,
aliado dos taliban do Afeganistão)?
Noventa e quatro por cento dos ci-
dadãos do país disseram, numa son-
dagem, querer uma retaliação. “Os
Estados Unidos têm sido muito be- Tropas norte-americanas foram mobilizadas para as operações de resgate
nevolentes para com o terrorismo.
Agora têm que ser firmes. Temos que cretos do Senado. Manhattan, o Empire State Building, ton Square está dentro da zona três quem for.
ir atrás deles”, diz Paul Horscroft. Nas ruas de Nova Iorque, encontra- foi esvaziado. Os quarteirões em re- do Sul de Manhattan. Este naco da Ontem, e porque o vento soprou de
Não perde muito tempo a acrescentar: se a mesma cautela. “O que se passou dor, que incluem a Penn Station, a de ilha de Nova Iorque (representa um sul para norte, um nevoeiro pertur-
“Só espero que a decisão que for to- trouxe-me os kamikaze à memória. E maior movimento da ilha, também. quarto do território de perto de 24 bador, feito de fumo e cinza, alastrou-
mada não provoque a morte de civis. a ideia de que as pessoas que fizeram Por causa de um pacote suspeito. “Eu quilómetros de comprimento por qua- se. Obrigando ao uso de máscaras,
Nós não somos como eles, não somos isto não são humanas. Estou muito vivo entre o World Trade Center e o se cinco de largura) foi retalhada em de lenços e mesmo de camisolas para
iguais aos terroristas.” zangada. Se foi o Bin Laden, que o Empire. Senti-me totalmente cercada. sectores, como Berlim depois da II proteger a boca.
Os nova-iorquinos, que foram os cacem e fuzilem. O problema é o que Em 1993, quando houve o primeiro Guerra Mundial. No sector dois — as barreiras poli-
mais afectados pelo massacre de ter- fazer com os países que albergam os atentado contra o World Trade Cen- O sector três começa na Rua 14 e ciais foram montadas de leste a oeste
ça-feira, são capazes de manter a lu- terroristas. Se for preciso fazer guer- ter, senti-me segura. Agora não. Não alastra-se por alguns quarteirões. O —, polícias armados e voluntários não
cidez nestes dias de tragédia. Respon- ra... não sei responder. Neste momen- tenho a certeza se estes ataques aca- trânsito é limitado, a maior parte das deixam passar quem não tem uma
dem com sofisticação, quando se lhes to, só saberia responder com a minha baram”, conclui Toby, que está em lojas estão fechadas, a distribuição creditação apropriada ou um docu-
pede que exponham sentimentos. “As raiva, o que é perigoso”, explica Toby, Washington Square (outro emblema de jornais ontem ainda não estava a mento a provar que reside na zona.
investigações vão mostrar que hou- 63 anos, reformada de uma empresa da cidade), onde surgiu um memorial ser feita. O lixo está acumulado nas A área está repleta de camiões prepa-
ve gente de muitas nacionalidades de computadores. às vítimas dos atentados. ruas. Mas algumas das rotinas foram rados para entrar no sector zero — o
envolvidas nisto. Vamos encontrar Toby tece críticas aos serviços se- Há velas a arder, mensagens dei- retomadas: o correio reapareceu nas do “impacto”, o lugar onde caíram as
muitos cúmplices, talvez mais do que cretos, aos “que deviam proteger-nos xadas por turistas e nova-iorquinos, caixas, os cafés abriram as esplana- duas torres do World Trade Center e
um país cúmplice. Talvez seja difícil e não souberam evitar isto”. Conta muitas flores e postais com a imagem das, algumas lojas de roupa levanta- mais três arranha-céus adjacentes;
encontrar alvos para retaliar”, disse que vive insegura. Na quarta-feira à das torres prateadas do World Trade ram as portadas, ainda que comprar ontem, a meio da tarde, mais um ame-
Jon Kyl, da comissão dos serviços se- noite, o outro símbolo da paisagem de Center, que já não existem. Washing- camisolas não seja prioridade seja de açava ruir — e recolher o entulho. I
D E S TA Q U E 3
PÚBLICO•SEXTA -FEIRA, 14 SET 2001

O cheiro da
cinza e da água P&R Amaior caça ao homem na história dos Estados Unidos QUATRO
Há dezenas de “caterpil-
lers”, com os seus moto- O secretário de Estado Colin Powell oficializou a notícia: os ataques de terça-feira contra os Estados Unidos foram
PORTUGUESES
ristas a testarem as pás realizados por terroristas árabes membros da organização de Osama bin Laden. Como conseguiu bin Laden, o
que vão remover os des-
troços que estão espalha-
“inimigo público nº 1” dos EUA, iludir a vigilância e matar milhares de civis? Há sete mil polícias a tentar encontrar
a resposta, e a fazer a maior caça ao homem da História do país. Texto de Ana Gomes Ferreira, em Nova Iorque
PODERÃO TER
dos numa área de dez
quarteirões para cada
lado. A poeira que cobre
Quem eram os terroristas?
Eram árabes. Dezoito deles já foram identificados, mas ape-
Porque não foram detectados?
Nos anos que se seguiram ao fim da guerra fria, os serviços
MORRIDO
o céu é, neste lugar, mais nas foram divulgados os nomes de quatro: Mohamed Atta, secretos dos EUA centraram a sua atenção no destino das
escura. Os destroços dos de 33 anos, Marwan al-Shehhi, de 23 anos, e dois irmãos géme- armas nucleares da extinta URSS. Seguiram a pista das
prédios caídos continu- os Adnan e Ameer Abbas Bukhari. A polícia federal (FBI) armas químicas e recolheram informações sobre a possibi- Consulado conseguiu
am a arder, sangrando estima que o ataque tenha sido realizado por equipas com três lidade de grupos terroristas fabricarem armas de destrui- já encontrar uma boa
fumo negro. Um fumo a seis homens. Nos quartos que os quatro suspeitos identifica- ção maciça. Os terroristas usaram outro tipo de armas:
com cheiro. “Conheço dos ocuparam, nos lugares onde ficaram, foram encontrados aviões. O que não é inédito. Há uns anos, um terrorista
parte dos
este cheiro. É o cheiro da passaportes árabes (os dos irmãos eram dos Emirados Árabes árabe foi preso quando pretendia desviar um aparelho da “incontactáveis”
cinza misturada com a Unidos), cartas de condução (a de Atta era egípcia) e manuais Air France e atirá-lo contra um edifício de Paris. A priori-
água. Vai demorar duas de instrução para pilotar aviões comerciais. Nas casas dos dade dos serviços secretos revelou-se, pois, errada. Houve O Governo português diz ser
ou três semanas a desa- Bukhari foram encontradas licenças de voo de escolas ameri- também negligência. Um dos elementos de uma das equi- “muito provável” que pelo
garrar-se daqui”, diz An- canas. Pelo menos um dos operacionais de cada equipa rece- pas estava na lista de terroristas perigosos do Governo. menos quatro portugueses
dy, reformado da cons- beu treino de pilotagem nos EUA. É comum Entrou no país em Junho com um pas- tenham morrido no atentado
trução civil que quer ser os pilotos sauditas receberem treino de voo saporte saudita. Recentemente, os ser- ao World Trade Center. Às
voluntário. nos Estados Unidos. viços secretos deram aos serviços de 13h00 de ontem Jaime Gama
A entrada da inacessível imigração uma lista de suspeitos de disse que esse número era
zona zero provoca arre- Como entraram nos EUA? actividades terroristas. A imigração de três mas cerca das 20h00
pios. Bush visita hoje o Mohamed Atta apareceu em Venice (Florida), respondeu dizendo que dois deles já António Guterres actualiza-
lugar. Os carros que es- em Junho do ano passado. Apresentou-se nu- estavam no país. Não se procurou sa- va para quatro.
tavam estacionados nas ma escola de pilotagem, onde se inscreveu em ber do seu paradeiro. Mesmo assim as autorida-
estradas no momento do aulas de voo. Disse ter chegado da Alemanha des portuguesas esforçam-
ataque ainda lá estão. e não ter onde ficar. Funcionários da escola Como entraram nos aviões? se por desdramatizar a situ-
Não se percebe de que oferecerem-lhe um quarto. Mais tarde pedi- Os terroristas usaram facas para domi- ação dizendo que já foram
cor eram. Numa esqui- ram-lhe que o abandonasse porque a sua pre- nar as tripulações. Nos EUA, levantam encontradas muitas das pes-
na, e como que saído de sença se “tornara desconfortável”. Ele disse voo diariamente perto de dez mil aviões. soas que se revelaram incon-
um cenário de um filme, que Shehhi era seu primo. Num restaurante, A única medida de segurança é a passa- tactáveis logo após os atenta-
uma carrinha de “do- informou o empregado que não tivesse medo gem das bagagens e dos indivíduos por dos. Jaime Gama disse, após
nuts”, ainda cheia de bo- de os servir, porque tinham dinheiro para pa- máquinas de raio-X. As autoridades da o conselho de ministros, que
los. A porta de um super- gar. “Sou piloto”, sublinhou Atta. Os irmãos aviação civil fizeram, no ano passado, a maioria das pessoas dadas
mercado está decorada Bukhari terão entrado nos EUA mais recente- um relatório a advertir que a segurança como “incontactáveis” nos
com flores e frutas de mente e inscreveram-se numa escola de pilota- nos aeroportos estava a atingir o grau últimos dias deram já sinais
formas conhecidas e co- gem em Vero, também na Florida. Uma das zero: a média de armas não detectadas de vida aos serviços do con-
res que assustam. Como equipas entrou pelo Canadá e dirigiu-se a Bos- era de duas mil por ano. O reforço da sulado português em Nova
se pertencessem a uma ton, cidade de onde partiram os dois aviões Mohamed Atta, um dos suspeitos segurança (que vai ser agora feito) custa- Iorque. Evitando apresen-
cidade que parou no que foram atirados contra as torres gémeas do ria milhões, da parte do Governo e da tar números, o governante
tempo, as caixas de ven- World Trade Center. Os irmãos Bukhari tinham casas aluga- parte das companhias aéreas. acrescentou que o número
da de jornais exibem as das em Vero Beach (Florida). O senhorio disse que eram pesso- de portugueses cujo para-
primeiras páginas do dia as simpáticas, que afirmavam ser pilotos das linhas aéreas Porque não houve alerta de desvio de aviões? deiro é desconhecido “tem
do ataque: “11 de Setem- sauditas e viviam com mulheres e filhos. Os quatro aviões foram desviados na manhã de terça- vindo a diminuir constan-
bro de 2001”. feira. Dois que tinham partido do aeroporto de Boston, temente”, graças à “acção
Passam camiões cheios Agiram sozinhos? um de Newark (perto de Nova Iorque) e o último de Wa- de pesquisa” montada pelo
de detritos. Passa um Cada uma das equipas tinha um líder, mas as células traba- shington. Depois de terem dominado os pilotos, os terro- consulado.
camião com carros que lharam individualmente. As células receberam ordens de um ristas desligaram os aparelhos que identificam os apare- Segundo o ministro dos
foram apanhados pela comandante. Este comandante terá contribuido para a selec- lhos nos radares em terra. Com os aparelhos desligados, Negócios Estrangeiros, o nú-
derrocada — estão es- ção dos alvos e dos voos a serem desviados, e terá coordenado os aviões passaram a ser apenas pontos brilhantes nos mero de cidadãos que as
palmados, completamen- toda a operação. Foram identificados 50 cúmplices em vários radares, em vez de aviões com rota definida (saída e che- autoridades ainda não con-
te espalmados, e o que estados, como Florida, Jersey, e Massachusetts. Foram feitas gada) e número de identificação. Devido ao intenso tráfe- seguiram contactar “não ul-
eram os pneus não passa detenções em Newark e em Boston, entre outras cidades. go aéreo em Washington, Boston e Nova Iorque, terá de- trapassa as dezenas”, subli-
de uma tira negra. Estes cúmplices deram aos terroristas suicidas apoio logisti- morado algum tempo até que se tenha percebido o nhando o sucesso assinalável
A entrada da zona zero co e financeiro. Nos EUA existe uma ramificação da organi- “desaparecimento” dos quatro aparelhos. da acção de pesquisa: “De to-
não é vigiada por polí- zação terrorista de Osama bin Laden. Chegaram ao país dos os pedidos recebidos [no
cias, mas por homens depois do final da guerra no Afeganistão, durante a qual Já foi alguém preso? MNE e nos serviços consu-
que vestem fatos camu- receberam treino militar para uma guerra global a que cha- Foram detidas várias pessoas para interrogatório. Até lares], já foram identifica-
flados. “Não somos Exér- mam santa. Durante anos, estes homens nos EUA seguiram ao final da tarde de eontem, não havia ainda prisões dos mais de 80 casos, núme-
cito, somos da Guarda um líder espiritual muçulmano e terrorista, o xeque Omar oficiais. O FBI estava a investigar duas mil pistas, a ro que está a diminuir a todo
Nacional e não estamos Abdel-Rahman, um cego que foi preso e condenado a várias maior parte delas recebidas de cidadãos que telefonaram o momento.” Jaime Gama
armados.” penas de prisão perpétua pelo atentado de 1996 contra um a relatar as suas suspeitas. Foi aberta um linha de telefo- afirmou que “não tem au-
Nas esquinas das ruas dos túneis que existem nos rios que cercam Manhattan. ne especial. Algumas delas, indicou o FBI, revelaram-se mentado o número de pedi-
há postos de abasteci- Quando perderam o líder, entraram na rede de Bin Laden. essenciais para a reconstrução da rota dos terroristas. dos de paradeiros” chega-
mento de água, sumos, dos às linhas telefónicas de
leite e bolos. Os bombei- emergência do MNE.
ros bebem a maior quan-
Ú LT I M A H O R A O membro do Governo
tidade de líquidos que confirmou também que ain-
podem, ingerem o máxi-
mo de calorias que con-
CAPITÓLIO EVACUADO, VICE-PRESIDENTE LEVADO PARA CAMP DAVID da não chegaram a Portugal
as listas de passageiros dos
seguem, antes de entrar O edifício do Capitólio, sede do Congresso dos EUA, foi evacuado ontem, depois de terem sido encontradas embalagens quatro voos sinistrados, pelo
na fornalha. O capitão suspeitas na zona do Senado, informou a polícia. A evacuação ocorreu quando os congressistas discutiam uma ajuda de que continua por apurar se
Pozze, dos bombeiros de emergência, depois dos ataques de terça-feira. Os três principais aeroportos de Nova Iorque foram encerrados por ordem existem vítimas portugue-
Chicago, prepara os seus do FBI. Segundo a Federal Aviation Administration, a agência responsável pela aviação, foram efectuadas detenções. O sas entre os passageiros.
homens para entrar. Os vice-presidente Dick Cheney terá sido levado para o retiro de Camp David como precaução, anunciou a Casa Branca. Segundo afirmou, Portu-
homens entram de rou- gal “já fez à União Euro-
pa limpa, saem pratea- peia e aos Estados Unidos
dos, como se fossem figu- VÍTIMAS da América uma oferta pa-
ras a preto e branco. ra disponibilizar uma equi-
Ali, as opiniões que se te- N O VA I O R Q U E D E S A PA R E C I D O S bombeiros e pessoal de emergência que pa de protecção civil, tendo
ce sobre o massacre são O número de mortos confirmados era ontem Um total de 4763 pessoas estavam on- se apressou a chegar ao local depois da em vista ajudar nas pesqui-
ainda mais cautelosas. de 94, correspondente ao número de cadá- tem desaparecidas depois da catástrofe queda do primeiro avião. sas em curso para a identi-
Porque já todos viram a veres, mas tinham sido também retirados dos no World Trade Center, informaram as ficação de vítimas”, espe-
destruição e a morte da escombros 70 partes de corpos, informou o autoridades. Um primeiro balanço indi- AV I Õ E S rando agora uma resposta.
violência. “Nós, os que presidente da câmara de Nova Iorque. As esti- ca que muitas das vítimas são estran- Todas as 266 pessoas que iam a bordo dos “Aguardamos a reacção des-
estamos aqui dentro, mativas, cautelosas ainda, apontam para “al- geiros. Estão mortos, desaparecidos ou quatro aviões deverão estar mortas. sas estruturas, porque tam-
percebemos o que esta guns milhares”, havendo registo de mais de incontactáveis desde o atentado con- bém não queremos contri-
destruição significa. 1000 pessoas dadas como desaparecidas, tra as torres gémeas mais de 100 cida- PENTÁGONO buir para que não sejam
Bush tem de ser cautelo- especialmente de empresas no complexo. dãos do Reino Unido, 93 da Austrália, As autoridades afirmam que 126 pessoas resolvidos os problemas por
so. Não podemos pôr Giuliani informou terem sido encomendados 50 do Bangladesh, 34 do Japão, 27 da continuam desaparecidas. O total de ví- causa de uma inserção não
mais vidas em risco”, diz às autoridades federais 6000 sacos para ca- Coreia do Sul, 10 a 15 da Alemanha, timas esperado, incluindo os passageiros articulada nos dispositivos
Pozze, antes de desapa- dáveres, enquanto o “New York Times” no- 9 de Taiwan, 7 de Itália e 7 das Filipi- do avião, é de 190. Foram encontrados que se encontram já no ter-
recer na zona zero. ticiava que 5000 outros estão a caminho. nas. Mais de 300 dos desaparecidos são 60 corpos reno.”  N.S.L.
4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA -FEIRA, 14 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

A CONEXÃO ISLAMISTA
FABRIZIO BENSCH/REUTERS

FBI interroga med Bensakhria, considerado um


dos “lugares-tenentes” de Bin La-
den. De acordo com as polícias fran-
cesa e alemã, a área de Alicante é
uma plataforma de entrada de ra-

iranianos detidos dicais do GIA argelino na Europa.


Quando foi detido há três meses,
Bensakhria vivia numa garagem e
fazia-se passar por um trabalhador

com passaportes agrícola magrebino.


A permeabilidade da fronteira es-
panhola à entrada de radicais islâmi-
cos foi um dos temas que as adminis-
trações espanhola e norte-americana

falsos nos Açores negociaram arduamente quando pre-


pararam a recente visita do presiden-
te George W. Bush a Madrid. Os Esta-
dos Unidos comprometeram-se, então,
O oficial de ligação do FBI teiras em Ponta Delgada. Os dois a “passar” informação aos espanhóis
iranianos são agora alvo de um pro- sobre os contactos internacionais da
em Lisboa interrogou os cesso de expulsão administrativa. ETA a “troco” de uma vigilância atu-
iranianos, mas não há ainda A contrariar esta versão, fontes rada sobre os movimentos dos radi-
suspeitas fundadas de oficiais do Governo afirmaram ao cais islâmicos em Espanha. 
qualquer tipo de ligação PÚBLICO terem informações de
que pelo menos um dos indivíduos
aos atentados nos em questão tem no seu passado li-
Estados Unidos gações a organizações terroristas. TRÊS DOS PRESUMÍVEIS
ISABEL BRAGA Agentes americanos PIRATAS DO AR RESIDIAM
em Ponta Delgada
Dois iranianos detentores de pas- Ontem era o dia em que os irania- EM HAMBURGO
saportes falsos foram detidos na nos se deviam apresentar nestes
passada quinta-feira no Aeroporto serviços e, quando o fizeram, fica- Polícia alemã deteve
Internacional de Ponta Delgada, ram detidos para averiguações. Pa-
nos Açores, quando tentavam apa- ra tirar a limpo qualquer dúvida, o suspeito de envolvimento
nhar um voo da SATA com destino oficial de ligação do FBI em Lisboa nos atentados contra os
a Toronto, no Canadá, mas os dois mostrou interesse em interrogar Estados Unidos
indivíduos são, para já, apenas sus- os indivíduos e partiu de imediato
peitos de tentativa de emigração para Ponta Delgada. HELENA FERRO DE GOUVEIA
ilegal. O FBI e CIA possuem oficiais de Bona
“Os elementos disponíveis não ligação em Portugal e as razões des-
permitem estabelecer qualquer ti- sa presença têm fundamentalmente A polícia de Hamburgo prendeu on-
po de ligação entre os referidos in- a ver com o combate ao terrorismo tem preventivamente um trabalha-
divíduos e o atentado perpetrado e ao tráfico de droga. dor aeroportuário, residente na ci-
no dia 11 nos Estados Unidos”, afir- As autoridades portuguesas es- dade, e interrogou uma mulher, no
ma uma nota divulgada ontem ao tão a cooperar com as autoridades âmbito das investigações aos aten-
princípio da noite pelo Gabinete norte-americanas dentro do quadro tados terroristas de terça-feira, con-
Coordenador de Segurança, que que é normal accionar em situações tra as cidades norte-americanas de
integra as várias polícias portu- de emergência como aquela que se Washington e Nova Iorque. As auto-
guesas e tem como principal res- vive actualmente: os serviços secre- ridades confirmaram também que
ponsável o ministro da Adminis- tos norte-americanos, FBI e CIA, três dos prováveis sequestradores
tração Interna. pedem aos serviços de informações viveram até Fevereiro deste ano na
“Não é crível que aqueles indiví- congéneres dos países com os quais cidade hanseática e pertenciam a
duos estejam envolvidos nos aten- os Estados Unidos possuem acor- uma célula terrorista.
tados nos Estados Unidos, quem dos bilaterais ou multilaterais — “Detivemos um homem que traba-
preparou essas acções estava há no caso o SIS e o SIEDM (Serviço lha num aeroporto e que se encontra
meses naquele país, não podia che- de Informações Estratégicas e de em situação legal na Alemanha”,
gar nas vésperas”, disse, por sua Defesa Militar) — para reavaliarem afirmou Gerhard Mueller, chefe da
vez, ao PÚBLICO uma fonte ligada todos os incidentes suspeitos à luz polícia criminal de Hamburgo. A
ao Serviço de Informações de Se- do que aconteceu. detenção ocorreu na sequência de
gurança (SIS). Na situação actual, o procedi- uma troca de informações entre a
No SIS ainda não há, portanto, mento de rotina foi accionado, ape- polícia judiciária germânica e o FBI,
razões de peso para pensar que os nas tendo chegado às autoridades que conduziram à revista de qua-
dois indivíduos sejam algo mais do portuguesas um pedido para tudo A polícia de Hamburgo deteve um suspeito de relação com o atentado tro apartamentos, ainda na noite de
que candidatos a emigrantes clan- se processar “com urgência”.  COM quarta-feira, junto à zona portuária
destinos, com a ajuda de documen- JOÃO PEDRO HENRIQUES da cidade.
tos falsos — um deles tinha um pas- possibilidade de Madrid ser alvo de gundo alvo seria um hotel da capi- Além desta detenção, as autorida-
saporte americano e o outro um atentados com aviões suicidas. O en- tal espanhola onde estava sediada des procuram localizar um outro
passaporte holandês —, embora ti- tão ministro da Defesa, o socialista uma das delegações directamente suspeito — de origem marroquina e
vessem sido interceptados quando POLÍCIA ESPANHOLA Julián Garcia Vargas, confirmou, on- implicada na situação do Médio conhecido da polícia — e investigam
tentavam apanhar um voo com des- tem, estes factos. Oriente. uma associação de fundamentalis-
tino ao Canadá e se ponha a hipó- FOI ALERTADA EM 1991 “Houve uma informação nesse sen- Em Madrid foi também ontem tas islâmicos, activa desde o início
tese de este país ter sido a via de tido, mas não vou dar detalhes”, sin- revelado que esta operação, mon- do ano na cidade hanseática. O ob-
entrada dos terroristas nos Estados PARA AVIÕES SUICIDAS tetizou, ontem, à rádio SER, Garcia tada por sectores radicais islâmi- jectivo desta associação seria apa-
Unidos. Vargas. “Era uma hipótese que então cos, foi abortada onde estava a ser rentemente executar, em coordena-
“Muitos mais casos semelhantes Serviços de segurança [há dez anos] parecia pouco provável planeada: no Sudão, onde, de acor- ção com outros grupos, “actos de
vão ser detectados nos próximos mas depois do que aconteceu na terça- do com as mesmas fontes, estava violência e destruição contra edi-
tempos, graças ao estado de alerta vigiam zona de Alicante, feira nos Estados Unidos tem outro então refugiado Osama bin Laden, fícios simbólicos nos Estados Uni-
máximo que vigora nos aeroportos onde foi detido um “lugar- significado”, precisou o antigo minis- o multimilionário árabe principal dos”, afirmou o procurador-geral
desde o ataque terrorista de terça- tenente” de Bin Laden tro de Felipe González. O ex-titular da suspeito dos múltiplos atentados federal, Kay Nehm. Este sublinhou,
feira, nos Estados Unidos, em que pasta da Defesa afirmou, ainda, que da passada terça-feira. Em Outu- no entanto, que não existem quais-
aviões comerciais cheios de passa- então foram tomadas medidas, sobre- bro de 1991, durante a Conferência quer indícios que permitam ligar es-
geiros foram utilizados como bom- NUNO RIBEIRO tudo através de um drástico controlo de Paz, a capital espanhola foi lite- te grupo ao milionário saudita Osa-
bas”, considerou a mesma fonte do Bilbau do espaço aéreo espanhol. ralmente “ocupada” por serviços ma bin Laden.
SIS. De acordo com as informações, secretos de vários países, ao ponto Desde que descobriu uma viatura
O Gabinete Coordenador de Se- Na Outono de 1991, quando em Ma- os aviões suicidas tinham dois al- do controlo sobre os jornalistas es- Mitsubishi alugada no Aeroporto
gurança informa também, na nota drid se celebrava a Conferência de vos concretos. O Palácio do Orien- tar delegado aos agentes e peritos de Logan, Boston, de onde descola-
divulgada ontem, que os dois ira- Paz sobre o Médio Oriente que reu- te, a sede da Conferência de Paz, à norte-americanos. ram dois dos aviões desviados, o FBI
nianos foram levados a tribunal no niu na capital espanhola dirigentes qual compareceram, entre outros Entretanto, os serviços de segu- procurava Mohamed Atta e Marwan
dia seguinte à sua detenção e que políticos de todo o mundo, houve um dirigentes mundiais os presidentes rança espanhóis dedicam uma espe- Al-Shehi, ambos com passaporte dos
lhes foi aplicada a medida de coac- alerta. Serviços secretos de um país americano George Bush e sovié- cial vigilância à zona de Alicante Emirados Árabes Unidos. Os dois
ção de apresentação semanal nas não revelado informaram o Centro tico Mikhail Gorbatchov, o líder onde, em Junho último, numa acção homens estavam inscritos na Esco-
instalações da Direcção Regional Superior de Informação da Defesa palestiniano Yasser Arafat e as au- conjunta do CESID e dos serviços la Superior Técnica de Hamburgo
do Serviço de Estrangeiros e Fron- (CESID), a “secreta” espanhola, da toridades políticas de Israel. O se- secretos franceses, foi detido Moha- (juntamente com um terceiro sus-
D E S TA Q U E 5
PÚBLICO•SEXTA -FEIRA, 14 SET 2001

peito cujo nome e nacionalidade não de atentados contra Estrasburgo e


Como a América
foram ainda revelados) e residiam
de forma legal na Alemanha. Ambos
receberam treino de pilotagem na
Escola Internacional de Huffman,
na Florida. No interior do veículo
a capital francesa. Este inquérito
orienta-se em quatro direcções di-
ferentes: redes próximas de Bin La-
den desmanteladas na Alemanha e
plena preparação de um atentado
pode retaliar KEVIN LAMARQUE/REUTERS

abandonado no aeroporto de Boston


foram encontrados manuais de voo
contra Estrasburgo; redes opera-
cionais argelinas; uma rede filipi-
POWELL QUER CONSTRUIR
em língua árabe, uma cópia do Co- na; e uma rede afegã. “AMPLA ALIANÇA”
rão e um calculador de consumo de Numa rádio regional bretã, o
combustível. presidente da associação Afeganis- Bush pode ordenar
Segundo a edição “online” da tão-Bretanha, Ashmat Froz, um
“Der Spiegel”, Mohamed Atta, de arquitecto instalado em Rennes, bombardeamentos
33 anos, pilotava o Boeing 767–200, afirmou que “segundo um prisio- cirúrgicos aos campos
da American Airlines, que colidiu neiro taliban” que encontrara a 5 de Bin Laden; um ataque
com a primeira torre do World Tra- de Agosto, “o objectivo de Bin La-
de Center, e Marwan Al-Shehi, de den é o de atingir os EUA e a Fran-
maciço ao Afeganistão;
23 anos, viajava a bordo do voo 175 ça”. Froz diz ter gravado estas de- ou o assassínio do
da American Airlines, que chocou clarações e explica que a França principal suspeito
com a segunda torre do World Trade seria um alvo por causa da Argé-
Center.  lia.
PEDRO RIBEIRO
Um avião desviado em 1994 por
um comando argelino do GIA (Gru-
po Islâmico Armado) tinha por ob- A Administração dos Estados Uni-
EUA IGNORARAM jectivo final despenhar-se em Paris, dos está a estudar as opções de re-
com os depósitos cheios de combus- taliação, caso se confirme que a
INFORMAÇÕES FRANCESAS tível. A intervenção musculada das responsabilidade do ataque a No-
forças especiais francesas teve por va Iorque e Washington é da rede
Paris avisou que um missão principal impedir esse de- terrorista do milionário saudita
senlace: os polícias tinham ordens Osama bin Laden. O secretário de
islamista de origem argelina para disparar contra os pneus do Estado dos EUA, Colin Powell, dis-
preso em Boston tinha avião se este tentasse levantar voo se que o seu país está a construir
ligações a Osama bin Laden — mesmo se isso implicava baixas “uma ampla aliança” para comba-
entre os passageiros.  ter o terrorismo, que inclua não
ANA NAVARRO PEDRO apenas os países da NATO, mas
Paris também nações islâmicas, a Rússia
e a China.
A polícia federal norte-americana POLÍCIA TAILANDESA Desde terça-feira, as altas ins-
(FBI) prendeu, há um mês, um mi- tâncias políticas e militares de Wa-
litante islamista franco-argelino, PROCURA 15 ÁRABES shington estão a analisar opções
em Boston, e foi avisado pelos ser- para contra-atacar. Entre as respos-
viços secretos de Paris das liga- Uma lista fornecida pela CIA tas possíveis (e isto num cenário
ções entre o prisioneiro e a rede de em que o culpado seja de facto Bin
Osama bin Laden, mas não reagiu aponta-os como suspeitos de Laden) estão ataques “cirúrgicos”
às informações, revelou ontem a envolvimento nos ataques aos campos militares do milioná-
O Presidente Bush tem o apoio total do Congresso dos EUA
rádio Europe 1. ao WTC e ao Pentágono rio saudita, uma invasão maciça
No momento da prisão, o franco- do Afeganistão, ataques não só ao
argelino, de 31 anos, tinha vários Afeganistão mas a outros países
passaportes, uma abundante docu- A caça aos responsáveis pelos aten- que possam estar ligados à rede autores [do ataque à América] e muitos argumentam também que
mentação técnica sobre aviões de tados terroristas contra os EUA es- terrorista e o assassínio de Bin La- também para perseguir o terroris- seria inútil fazê-lo, pois a sua orga-
linha Boeing, vários manuais de voo tendeu-se à Tailândia, onde, depois den e/ou dos seus colaboradores mo onde quer que ele exista no nização poderá continuar a funcio-
e andava a tirar lições de pilotagem. de uma operação de reforço de se- mais próximos. mundo”. nar mesmo sem líder.
Os serviços secretos franceses rece- gurança, a polícia anunciou estar A primeira opção não seria nova; Powell diz que esta coligação de- Mas, do lado legal, não seria di-
beram então um pedido de informa- à procura de 15 árabes que a CIA depois dos atentados a embaixadas ve incluir não apenas os tradicio- fícil revogar essa disposição (que
ções do FBI e identificaram imedia- suspeita terem estado envolvidos americanas no Quénia e na Tanzâ- nais aliados mais próximos dos é uma ordem executiva presiden-
tamente o prisioneiro como sendo nos ataques. nia, em 1998, os norte-americanos EUA mas também países islâmicos, cial e não uma lei federal ou cons-
um possível membro da rede de Bin A falta de controlo nas fronteiras bombardearam campos de Bin La- porque “as nações muçulmanas titucional), tendo em conta o apoio
Laden. “Ele tinha um ‘pedigree’ bem tailandesas faz deste país um terre- den no Afeganistão — sem grande também têm muito a recear do ter- total que o Congresso oferece ao
comprido”, confiou um oficial dos no escolhido por muitos daqueles efeito. Uma invasão do território rorismo que ataca civis inocentes”. Presidente George W. Bush.
serviços secretos à Europe 1, mas que querem escapar às malhas da lei afegão implicaria a cooperação de O secretário de Estado reuniu-se “O mundo deve saber que os
um cadastro judiciário virgem. e, segundo a BBC, já serviu, no pas- países vizinhos, pois os custos hu- ontem com diplomatas paquistane- membros de ambas as câmaras [do
Nascido em Saint-Jean de Luz, no sado, de abrigo a membros de vários manos seriam muito altos se a inva- ses, e esperava-se que falasse tam- Congresso dos EUA] estão unidos
País Basco francês, o franco-argeli- grupos de militantes islamistas. são fosse feita com uma vanguarda bém com os líderes da Liga Árabe. nisto”, disse o líder do Partido De-
no, cujo nome não foi revelado, vivia Segundo a imprensa local, alguns de pára-quedistas e não por tropas O Presidente George W. Bush mocrata no Senado, Tom Daschle,
na Grã-Bretanha, e efectuara várias dos visitantes mais recentes in- terrestres. tem estado em contacto com os lí- durante uma sessão destinada a
viagens ao Afeganistão nos últimos cluem colaboradores de Osama bin Para isso, era necessário que o deres de várias nações, inclusive aprovar uma resolução que dê ao
anos. A espionagem francesa consi- Laden e membros de outros grupos Paquistão — principal patrocina- com os presidentes da China (Jiang Presidente autorização para o uso
dera que ele trabalhava para o movi- de activistas do Médio Oriente. Ago- dor do regime taliban — cooperas- Zemin) e da Rússia (Vladimir Pu- da força, e que deverá ser seme-
mento islamista radical Jihad. Estas ra, as autoridades norte-americanas se, nem que passivamente, com a tin). Segundo a Casa Branca, tanto lhante à redigida na véspera da
informações não alertaram as auto- consideram que a Tailândia é um operação militar. Segundo o “Wa- Jiang como Putin prometeram co- guerra do Golfo.
ridades americanas. O FBI pediu dos sítios onde devem ir procurar shington Post”, diplomatas ameri- operar com os EUA no combate ao Do lado dos republicanos, o sena-
aos seus colegas franceses que lhes suspeitos. canos já estão em contacto com os terrorismo. dor John McCain declarou: “Digo
transmitissem de novo as informa- A CIA já terá fornecido à polícia líderes paquistaneses nesse sen- aos nossos inimigos — estamos a
ções sobre o militante islamista e tailandesa fotografias e informação tido: “A mensagem ao Paquistão A “opção Rambo” chegar. Deus poderá ter piedade de
decidiram adiar a sua expulsão, pa- relativa a pelos menos 15 suspeitos é: de que lado é que vocês estão Uma ofensiva contra o Afeganistão, vós, mas nós não.” 
ra o interrogarem. árabes, incluindo cidadãos do Ié- quanto ao terrorismo?”, disse um com tropas terrestres ou mísseis,
Ainda segundo a emissora fran- men, da Arábia Saudita e da Pales- elemento do Departamento de Es- não exclui uma operação militar
cesa Europe 1, este homem “é um tina. Os homens terão sido vistos tado ao “Post”. visando outros países que apoiem
soldado sem fronteiras” e tem o per- a visitar o World Trade Center em Bin Laden — e aí é colocada a QUATRO HIPÓTESES
fil de “um organizador de actos ter- Nova Iorque antes dos ataques. Uma coligação contra hipótese do regime iraquiano de
roristas”. Ainda segundo a imprensa lo- o terrorismo Saddam Hussein, praticamente o
DE RETALIAÇÃO
À margem do inquérito ameri- cal, o primeiro-ministro tailandês, Segundo o “Guardian”, a NATO único em todo o mundo que se re-
cano, as autoridades de Paris abri- Thaksin Shinawatra, colocou todas já está a trabalhar num plano de gozijou abertamente pelo ataque • Ataques “cirúrgicos” aos
ram um inquérito judiciário anti- as agências de segurança em estado emergência para uma eventual in- de terça-feira. campos militares de Bin Laden
terrorista que cria as condições de alerta para a possível presença vasão do Afeganistão. E a Adminis- Pode colocar-se ainda a “opção no Afeganistão
necessárias para justificar todo o de suspeitos terroristas estrangei- tração Bush encetou contactos com Rambo” — o Exército dos EUA en- • Uma invasão maciça do
tipo de acções policiais no âmbito ros no país. Mas a caça pode ser lon- as principais chancelarias mun- viar comandos de elite da sua Força Afeganistão
das investigações sobre as ligações ga e infrutífera, porque as longas diais, numa actividade diplomáti- Delta numa operação-relâmpago • Ataques não só ao Afeganistão
com os atentados americanos. Já fronteiras marítimas e terrestres ca comparada pelo “Los Angeles com o objectivo de assassinar Osa- mas a outros países que
na segunda-feira tinha sido ins- da Malásia, incluindo a fronteira Times” à que precedeu a guerra do ma bin Laden. O assassínio seria possam estar ligados à rede de
taurado um primeiro inquérito ju- com a Malásia de população maiori- Golfo. contrário a uma disposição legal Bin Laden
diciário, nas mesmas condições, tariamente muçulmana, já fizeram Colin Powell anunciou à impren- norte-americana de 1976 que proí- • O assassínio de Osama Bin
mas desta feita para averiguar in- fracassar anteriores operações de sa que está a tentar construir uma be aos EUA visar individualmente Laden e/ou dos seus
formações recentes sobre planos captura de suspeitos.  “coligação forte para perseguir os dirigentes políticos estrangeiros; colaboradores mais próximos.
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PÚBLICO•SEXTA -FEIRA, 14 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

A GUERRA NO AFEGANISTÃO QUE PÔS FIM


AO IMPÉRIO SOVIÉTICO
O carácter orgulhoso de um povo, uma vasta área montanhosa e a falta de caminhos tornaram o Afeganistão um país de difícil
conquista. O pesadelo da URSS começou em 1980, com uma invasão para tentar impor o socialismo. Texto de José Milhazes
STEFAN SMITH/EPA

A Rússia soviética, dirigida Os ingleses e os Mas a guerra contra o inva-


por Vladimir Lenine, foi o pri- sor externo — que está entre
meiro Estado a reconhecer a montanheses as causas do desmoronamento
independência do Afeganis- invencíveis do império soviético — rapi-
tão em 1919. Dois anos depois, damente se transformou num
os dois países assinaram um confronto civil, e novamente
acordo de amizade e coopera- Não obstante a popula- com conotações étnicas. O Afe-
ção. Os laços bilaterais foram ção do Afeganistão ser de ganistão foi dividido entre
tão excelentes durante qua- diversas etnias — pa- vários comandantes da guer-
se seis décadas do século XX chtuns, tadjiques, uzbe- rilha que antes combatiam
que, quando Leonid Brejnev ques ... —, estas encon- contra os soviéticos. É assim
visitou Cabul, em 1961, foi ca- tram sempre forças para que, em 1993, surge o movi-
lorosamente recebido pelo rei se unirem quando a sua mento dos jovens fundamen-
Muhammed-Zahir. liberdade é posta em cau- talistas sunitas taliban, com
A relação complicou-se, em sa. Que o digam os colo- o apoio do Paquistão, da Ará-
1973, quando Zahir foi destro- nizadores ingleses ,que bia Saudita, da CIA dos EUA.
nado pelo seu primo Muham- sofreram três pesadas Em dois anos, este movimen-
med Daud, que decidiu pôr derrotas militares nos sé- to, que se apresentava não co-
fim à monarquia e transfor- culos XIX e XX. Na pri- mo um monumento étnico ou
mar o Afeganistão numa re- meira guerra anglo- tribal mas religioso e ideoló-
pública. O receio de que um afegã (1838-1842), os gico, ocupou 9/10 do território
país vizinho da URSS enve- montanheses do Afega- nacional.
redasse por uma via de de- nistão venceram um des- Os taliban rapidamente fize-
senvolvimento ocidental e se Helicóptero russo no Afeganistão: face ao invasor externo, todos os afegãos pegaram em armas tacamento de 16 mil inva- ram mergulhar o país no mais
transformasse em mais um sores. Em 1880, durante negro obscurantismo medie-
aliado dos Estados Unidos los afegãos. Assim ninguém mada por B. Karmal, não con- 1920”, aponta outra razão pa- a II Guerra, os ingleses val, obrigando chefes da guer-
levou os estrategas soviéti- saberá de nada. As vossas tro- venceu a oposição armada, a ra a vitória dos afegãos con- voltam a sentir o sabor rilha anti-soviética — como
cos a apoiar um golpe militar pas poderiam avançar de Ku- qual, não obstante as diferen- tra os ingleses, que pode ser da derrota. Em honra da o tajique Ahmad Massud e o
que, em Abril de 1978, levou chka [na fronteira soviético- ças étnicas, criou uma frente aplicada à invasão dos soviéti- vitória afegã no lugar de uzbeque Abdurachid Dustum
ao poder o Partido Popular afegã] e de Cabul.” contra o invasor soviético. cos: “A falta de caminhos não Meivand, a rua central — a refugiar-se nas montanhas
Democrático do Afeganistão Moscovo declinou o pedido Savik Chuster, jornalista permite ao invasor manter da capital do país, Cabul, do Norte do Afeganistão.
(PPDA, marxista). de intervenção militar, mas que trabalhou no Afeganis- ligações entre os vários des- tem esse nome. Em 1919, Recentemente, a imprensa
A situação não melhorou, um golpe no PPDA — que le- tão durante mais de três tacamentos. O carácter orgu- durante a terceira guer- russa noticiou o provável as-
porém, nem para a URSS, vou ao assassínio de Nur Ta- anos após a invasão soviéti- lhoso e independente do povo ra anglo-afegã, as tropas sassínio de Massoud, o que po-
nem para os seus aliados afe- raki e à tomada do poder por H. ca, aponta uma das principais e a enorme área montanho- inglesas voltam a sofrer derá ter sérias consequências
gãos. As violentas batalhas Amin —, bem como ofensivas razões da derrota das tropas sa fazem harmonia comple- uma pesada humilhação para o futuro da aliança con-
entre duas facções rivais no da oposição armada, levaram da URSS: “Quando apareceu o ta com a falta de caminhos, militar e Londres viu-se tra os que governam Cabul. A
seio do PPDA, com forte ma- os dirigentes da URSS a tomar invasor externo, todos os afe- tornando o país muito difícil obrigada a reconhecer a sua morte, comentou o jornal
tiz étnica, as tentativas dos uma decisão que foi fatal pa- gãos começaram a pegar em para a conquista, e especial- independência do Afega- “Izvestia”, de Moscovo, “con-
marxistas-leninistas de im- ra o destino da antiga super- armas, mesmo as que tinham mente para a manutenção do nistão. J.M. duzirá à desintegração da frá-
por a colectivização da agri- potência. A pretexto de “aju- ficado das guerras contra os poder.” gil coligação e à inevitável vi-
cultura, de eliminar secula- dar o povo afegão” e derrubar ingleses. Por um lado, parecia Os Estados Unidos, os seus tória militar dos taliban”.
res tradições islâmicas e de “o agente da CIA Amin”, as estar-se numa civilização bí- aliados ocidentais e países mu- O aparecimento Em todo o caso, se os EUA
implantar o ateísmo provoca- tropas soviéticas invadiram blica. Por outro, num museu çulmanos, como a Arábia Sau- de Bin Laden considerarem que, depois dos
ram o cao. E assim apareceu o Afeganistão em Dezembro de armas.” dita e o Paquistão, não perde- É neste contexto que, em Ja- atentados terroristas em No-
uma oposição que viu na via de 1980, mataram Amin e colo- Os generais e políticos so- ram mais esta oportunidade neiro de 1980, aparece Bin va Iorque e Washington, a sua
da guerrilha a forma de resis- caram no poder uma criatura viéticos não tiveram também para enfraquecer a URSS — o Laden à frente de um desta- segurança poderá ser garanti-
tir ao novo regime. sua: Babrak Karmal. em conta os resultados das seu mais sério adversário na camento de dois mil muçulma- da com medidas de retaliação
Em 20 de Março de 1979, campanhas inglesas no Afe- guerra fria. Rem Krasilnikov, nos. Em 1989, ele participa no contra os taliban, os estrategos
Nur Taraki, chefe do Governo Entre “civilização bíblica” ganistão. Além da união dos general do KGB, escreveu a cerco da cidade de Djelalaba- americanos devem estudar a
de Cabul, deslocou-se a Mos- e “museu de armas” povos do Afeganistão (pu- propósito: “Atribui-se a [Ro- de, cuja vitória das forças afe- triste experiência de ingleses
covo para pedir a ajuda mili- A política de “reconciliação chtuns, tadjiques, uzbeques...) nald] Reagan a “célebre” frase: gãs determinou a retirada das e soviéticos no Afeganistão.
tar aos soviéticos: “Proponho nacional”, que previa algu- contra os invasores, O histo- “É necessário transformar o tropas soviéticas, acelerada pe- Como afirma o herói de um
que nos vossos tanques e avi- mas cedências aos sectores riador russo A . Snessariov, Afeganistão num Vietname la “nova política” de Mikhail filme soviético: “O Oriente é
ões sejam desenhados símbo- tradicionais afegãos, procla- na sua obra “Afeganistão em para os russos.” Gorbatchov. uma coisa delicada.” I

UM PAÍS SUBESTIMADO pública do Afeganistão HISTÓRIA:


Derrotaram os soldados ingleses no século XIX, levaram
O à exaustão as tropas soviéticas, no século XX, e agora suspeita-se
ken
QU Su fície: 647.497 km2 que estejam envolvidos no maior ataque alguma vez infligido ao
RQ (região seca e rochosa, com um conjunto de terras altas território da única superpotência mundial. A história dos afegãos
compartimentadas por cadeias montanhosas; as principais é também a de erros de cálculo: se Washington decidir atacar
cidades encontram-se nos vales do Leste) o Afeganistão por dar refúgio a Osama bin Laden estará a seguir
AQU lação: 21.354.000 outros países que tentaram o mesmo e saíram derrotados.
Com receio de que a Rússia tomasse o controlo do país,
Línguas: pashtu, dari, uzbeque...
a Grã-Bretanha decidiu invadir o território, em 1838, e impor
Moeda: afghani um governo fantoche. A revolta da população causou milhares
PIB: 7.613 milhões de dólares de mortos. As forças inglesas voltaram a atacar 40 anos depois.
O desfecho foi semelhante.
DISTRIBUIÇÃO DO EMPREGO:
r P Um século mais tarde, o líder soviético Leonid Brejnev tentou
Agricultura: 47% instaurar um regime comunista em Cabul. Subestimou
Indústria: 10,8% a complexidade do país: não recebeu apoio dos grupos tribais
Serviços: 19,2% do interior. Os EUA deram então apoio às forças afegãs, através
Poder político: O chefe de Estado reconhecido pela ONU é, do Paquistão. A guerra tornou-se no Vietname dos soviéticos.
e
desde Junho de 1992, Burhanuddin Rabbani; o Governo foi Em 1988, Moscovo decide retirar as suas tropas. Agora,
deposto em Setembro de 1996 pelos taliban. o Afeganistão é controlado pelos fundamentalistas islâmicos
taliban, que chegaram a receber armas e treino daqueles
Forças Armadas: Não há números disponíveis que agora poderão estar prestes a atacá-los.
aw
PÚBLICO
D E S TA Q U E 7
PÚBLICO•SEXTA -FEIRA, 14 SET 2001

O medo, a raiva NATO e Rússia apelam


e a compaixão dos civis à união na luta
de Cabul contra o terrorismo
“Os afegãos não devem dera que o que se passou foi pessoas aqui nem sequer sa- Comunicado da terrorismo”, acrescenta o co- “Existe a possibilidade cre-
pagar pelas torres de “uma boa lição” para os Esta- bem onde é que ficam os Es- Aliança admite opção municado. Desta forma, pare- dível que terroristas ou aque-
dos Unidos. “A insolência dos tados Unidos num mapa. Se ce ultrapassado o período de les a quem o Presidente [Vla-
Nova Iorque” americanos atingiu o seu pon- houver uma ataque contra o
militar para punir os grande tensão entre Moscovo dimir] Putin designou por
to culminante, eles deviam sa- Afeganistão serão os inocentes autores dos atentados e a Aliança, na sequência dos ‘Estados-párias’ possam uti-
JOANA AMADO ber que depois de uma subida a pagar o preço”, continuou o em Nova Iorque e ataques da NATO contra a Ju- lizar tecnologia de mísseis
há sempre uma descida”, disse professor. “O nosso povo só es- goslávia na Primavera de 1999 balísticos para lançar armas
O medo é dos ataques, a raiva Haji. “A Jihad [guerra santa] tá preocupado em encontrar
Washington e que mereceram a forte repro- de destruição maciça, armas
é contra os Estados Unidos e é autorizada contra os infiéis. um pouco de pão, todos os dias vação do Kremlin. químicas e biológicas, no co-
a compaixão é para com as ví- Para mim aqueles que fizeram é possível ver as pessoas que PEDRO CALDEIRA RODRIGUES Na quarta-feira, o Governo ração de cidades”, disse Ro-
timas inocentes que não de- estes ataques são heróis.” fazem bicha para conseguirem dos Estados Unidos obteve dos bertson à televisão britânica.
viam ter pago um preço tão Hashmatullah, de 29 anos, o pão fornecido pelas padarias Na sequência do apoio político seus 18 aliados da NATO a pos- O dirigente político da NATO
elevado pelos erros cometidos está ao balcão de uma loja de da ONU.” sem precedentes por parte dos sibilidade de activar, pela pri- considerou ainda que “a fic-
pelos seus líderes. O centro de doces semivazia. Para ele, “a Nos arredores de Cabul era seus aliados da NATO, os Esta- meira vez desde a fundação ção científica se tornou reali-
Cabul começa a ficar vazio — dor é sempre a dor” e não con- possível ver algumas trinchei- dos Unidos garantiram ontem da Aliança em 1949, o artigo 5º dade esta semana”e que os
quem podia já partiu, ou seja, segue concordar com o que ras já a serem escavadas, en- a total solidariedade da Rússia, do tratado que prevê um envol- líderes mundiais “têm a res-
os árabes e outros não afegãos, disse Haji. “Não devemos fes- quanto o Alto-Comissariado que também admitiu todas as vimento militar conjunto caso ponsabilidade de assegurar a
mas a população civil afegã tejar a dor das pessoas. O im- das Nações Unidas para os Re- opções, incluindo militares, pa- um dos Estados-membros seja contenção dessas ameaças”.
permanece na cidade, expec- portante é que eles são seres fugiados (ACNUR) já avisou ra punir os mentores dos mor- atacado. O conselho perma- Sugeriu ainda que Moscovo
tante e com muito pouca infor- humanos”, diz. “Talvez o Go- que países como o Irão deverão tíferos ataques aéreos suicidas nente aliado considerou que pode “figurar na lista” de ci-
mação sobre aquilo que se está verno americano tenha feito preparar-se para receber novas de terça-feira em Nova Iorque o artigo 5º, apesar de ter sido dades em risco de serem ata-
a passar nos EUA. qualquer coisa de mal, mas não vagas de refugiados afegãos. e Washington. redigido durante a guerra fria, cadas no futuro.
Por causa dos rígidos de- as pessoas inocentes; é como “Com invasão ou sem inva- Na sequência de uma reu- permanece válido e pode apli- Em declarações separadas
cretos dos taliban, as televi- aqui, as pessoas não são res- são, a situação é grave no Afe- nião extraordinária em Bru- car-se a actos de terrorismo, e à CNN, o dirigente da NATO
sões são proibidas e apenas ponsáveis por aquilo que o Go- ganistão, com a fome, a guerra xelas do conselho permanen- não apenas no hipotético cená- tinha já considerado que cabe
alguns jornais paquistaneses verno faz.” e as consequências do atenta- te conjunto NATO-Rússia, um rio de invasão por um Exército aos Estados Unidos determi-
circulam em Cabul. Há tam- Antecipando uma represália do” no domingo contra o líder organismo consultivo criado inimigo. nar em primeiro lugar se o ata-
bém alguns rádios mas estes norte-americana, Saifu Rah- da resistência antitaliban, o co- em 1997, as duas partes asse- Em declarações à BBC, o se- que foi proveniente do exterior
não mostram as imagens dos man, um professor de 41 anos, mandante Ahmad Shah Mas- guraram “permanecer unidas cretário-geral da NATO George e depois decidir como deve re-
atentados em Nova Iorque e explica que as pessoas que soud, disse ontem Bo Schack na sua determinação em não Robertson — que hoje se des- agir, antes de a NATO se en-
Washington. Ninguém tem a poderão ter organizado um do ACNUR. Uma deterioração deixar impunes os responsá- loca à Macedónia — congratu- volver numa eventual opera-
noção da amplitude da tragé- ataque como o de terça-feira da situação “não irá afectar veis de actos tão desumanos”, lou-se com o reforço da coope- ção de retaliação: “De acordo
dia. E também não parecem contra os EUA “têm abrigos apenas o Afeganistão ou o Irão fornecendo de forma implíci- ração anti-terrorista entre a com as suas regras e de acor-
ter a noção da amplitude que seguros para se esconder”. E mas todos os países da região”, ta o seu apoio a uma eventual NATO e a Rússia, e avisou que do com a lei internacional, a
pode vir a ter a dimensão da deixa um apelo: “Os afegãos incluindo naturalmente o Pa- operação militar de represá- futuros cenários de terror po- NATO tomará as acções que
resposta norte-americana. inocentes não devem pagar pe- quistão, o país onde se concen- lias. “A NATO e a Rússia pedem dem incluir ataques com mís- nas circunstâncias considerar
Interrogado por um repórter las torres de Nova Iorque.” tram o maior número de refu- à comunidade internacional seis balísticos a cidades ociden- apropriadas para ajudar o país
da AFP, Haji Abdullah consi- “Nós somos inocentes. As giados afegãos.  para se unir na luta contra o tais ou da Rússia. que foi atacado.” 

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8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA -FEIRA, 14 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

“Criámos um
BIN LADEN monstro no
UM INIMIGO DIFÍCIL DE COMBATER EPA
Afeganistão”
Cada vez mais
popular no EUA deram apoio aos nante série de vitórias mili-
“mujahedin” afegãos tares que os levaram à con-
Afeganistão, Paquistão quista de Cabul, a capital, em
e Médio Oriente, o na luta contra os Setembro de 1996. Para os afe-
milionário dirige uma soviéticos e até 1997 gãos, o seu aparecimento foi,
organização fluida, mantiveram relações de certa forma, um alívio. De-
pois do caos, os “estudantes
com um projecto ambíguas com os de teologia” prometiam esta-
de guerra global taliban bilidade. Mas trouxeram tam-
bém o mais rígido regime is-
lâmico em todo o mundo.
ALEXANDRA PRADO COELHO Osama bin Laden e os seus fa- A 25 de Maio de 1997, o Pa-
náticos seguidores islamistas quistão reconheceu o regi-
Osama bin Laden é, garantem não foram sempre o inimigo me no país vizinho, no dia
os analistas, o único homem número um dos americanos. seguinte foi a vez da Arábia
com capacidade para lançar Quando os afegãos combate- Saudita, e a 27 dos Emira-
uma operação como a que de- ram os soviéticos, a partir de dos Árabes Unidos. Mais ne-
vastou na terça-feira Nova Ior- 1979 e durante nove anos, os nhum país reconheceu os
que e Washington. “Ele tem Estados Unidos apoiaram os taliban como legítimos go-
o fanatismo, os seguidores, o grupos islâmicos, em mais vernantes do Afeganistão.
dinheiro [uma herança fami- uma “guerra por procura- No entanto, segundo Olivier
liar de 300 milhões de dólares] ção”. “A América está hoje a Roy, especialista francês no
e, muito sinceramente, tem a colher os resultados dos seus islão político, os americanos
imaginação para o fazer”, dizia erros de cálculo”, afirma J.N. apoiaram o movimento tali-
John Simpson da BBC. Dixit, antigo embaixador da ban no início, tanto a nível
O milionário de origem sau- Índia em Cabul, citado pela diplomático como político,
dita de 44 anos, que vive actu- Reuters. embora nunca a nível finan-
almente no Afeganistão tem, Então ainda um jovem, Bin ceiro nem militar.
sobretudo, a única organização Laden era um desses entu- “A tomada de Cabul pelos
terrorista a nível global e, se- siásticos “mujahedin” que, guerrilheiros islamistas foi
gundo Yossef Bodansky, autor com o apoio militar e financei- classificada como ‘um passo
de “Bin Laden: o Homem que ro americano, travavam uma positivo’ pelo subsecretário
Declarou Guerra à América”, guerra santa contra o ocupan- de Estado norte-americano na
“é hoje provavelmente o indi- te soviético. Richard Labéviè- Ásia”, recorda Roy numa en-
víduo mais popular no mundo re, autor de “Les Do- trevista recen-
muçulmano”. Como é que trava lars de la Terreur — te ao “Le Mon-
— e como é que se ganha — uma Les États-Unis et les Os EUA deram de”. Uma das
guerra contra este homem? islamistes”, escre- apoio aos taliban razões do in-
Os peritos de terrorismo ve que “nessa época teresse de Wa-
americanos dedicam-se há ele estabeleceu um porque os viam shington era
muito a recolher todas as infor- acordo secreto com como anti- a possibilida-
mações possíveis sobre o seu a CIA”, e continua a iranianos e pró- de de chegar
grupo, Al-Qaeda (A Base), e fi- manter óptimas re- a acordo com
zeram mesmo circular no Afe- lações com os servi-
ocidentais os taliban para
ganistão fotografias de Bin La- ços secretos da Ará- construir um
den com uma recompensa para bia Saudita (o seu oleoduto atra-
quem o entregar: 5 milhões de país de origem, aliado dos vés do Afeganistão, contor-
dólares (5,6 milhões de euros). EUA no Médio Oriente, que o nando assim o grande “inimi-
Mas, apesar destes esforços, expulsou em 1991 e lhe retirou go” dos EUA: o Irão. Ahmed
uma investigação publicada a nacionalidade em 94). Rashid resume: “Os EUA de-
em Fevereiro pela “Newswe- Num recente relatório so- ram apoio político aos tali-
ek” concluía que “o rápido bre o Afeganistão, a Human ban [entre 94 e 97], através dos
crescimento da rede de Bin La- Rights Watch traça um qua- seus aliados Paquistão e Ará-
den parece estar a ultrapassar Bin Laden é hoje uma das figuras mais populares entre os muçulmanos radicais dro diferente, explicando que bia Saudita, essencialmente
os esforços internacionais pa- “embora [Bin Laden] não te- porque Washington via os ta-
ra a destruir”. Nos mais altos poder islamista: dentro de 100 ter uma estrutura fluida, ser mente”. Cartazes com a sua fo- nha trabalhado com elemen- liban como anti-iranianos e
níveis da Administração ame- anos, todo o mundo estaria ver- um conjunto de células espa- tografia são vendidos à beira tos da resistência afegã à pró-ocidentais”
ricana, avisava a revista, “há de, a cor do Islão. lhadas por vários países. O mi- da estrada no Norte do Paquis- URSS apoiados pela CIA, um Só no Outono de 1997, pe-
a sensação desconfortável de Os serviços secretos ameri- lionário saudita é, sem dúvida, tão, no Afeganistão e noutras documento do Departamento rante as claras violações dos
que a ameaça colocada por Bin canos estavam atentos a esta o inspirador, mas segundo um partes do Médio Oriente, acres- de Estado identifica-o como direitos humanos no Afega-
Laden está a aumentar — e a evolução. Mas isso não foi sufi- responsável americano, “se ele centa o “Financial Times”. um importante apoiante dos nistão e a pressão dos mo-
aproximar-se do Ocidente”. E ciente. Tal como não tinha sido caísse de um rochedo no Afega- Bin Laden nunca reivindi- ‘mujahedin’”. vimentos de defesa das mu-
esta sensação traduzia-se num suficiente em 1998 a vigilância nistão, ficaríamos muito con- cou um atentado. No entanto, Derrotada a URSS, os EUA lheres afegãs, é que a então
pensamento: Bin Laden pode sobre indivíduos suspeitos de tentes, mas a sua organização segundo o “Washington Post”, tentaram afastar-se. “Wa- secretária de Estado Made-
atacar a qualquer momento. pertencerem ao Al-Qaeda no continuaria a existir”. há vários meses que circula no shington deu aos seus aliados leine Albright considerou os
Um alto responsável ameri- Quénia — as escutas telefóni- “Quem apanhar Osama, seja Médio Oriente uma cassete de na região, o Paquistão e a Ará- taliban “desprezíveis”, mar-
cano explicava à “Newsweek” cas feitas pelos EUA não impe- de que forma for, por exemplo video em que ele aparece a re- bia Saudita, carta branca pa- cando uma viragem na polí-
que o misterioso milionário diram os atentados de Agosto num ataque aéreo, terá que es- citar um poema sobre o contra- ra lidarem com a guerra civil tica americana. Os atentados
“tem um programa para 100 desse ano contra as embaixa- tar preparado para uma even- torpedeiro americano “Cole”, que se seguiu no Afeganistão. às embaixadas dos EUA no
anos, que só começou há cerca das americanas em Nairobi e tual retaliação”, avisa um di- alvo de um atentado no ano pas- Para os afegãos comuns a sa- Quénia e na Tanzânia no ano
de oito”. “Ele está a consolidar- Dar es-Salam, pelo simples fac- plomata americano citado pelo sado no porto de Áden, no Ié- ída de cena dos EUA consti- seguinte, atribuídos a Osama
se no Afeganistão, a combater to de que os suspeitos falavam “Financial Times”. men. “Em Áden, eles atacaram tui uma enorme traição”, es- bin Laden, e a recusa dos ta-
uma guerra na Tchetchénia em código e usavam sistemas e destruíram um ‘destroyer’ creve Ahmed Rashid, um dos liban em entregarem o seu
que tem feito correr muito san- de criptografia. E tal como não O vídeo e o poema que pessoas sem medo recea- maiores especialistas nos ta- “hóspede” marcaram a rup-
gue russo, e está a avançar nas foram suficientes os ataques Simon Reeve, autor do livro vam, que evoca horror quan- liban, no seu livro “Islam, Oil tura definitiva.
Filipinas, na Indonésia e aqui com mísseis às bases de Bin “The New Jackals: Ramzi Yous- do está parado e quando nave- and the New Great Game in Richard Murphy,
[nos EUA]”. Nos últimos me- Laden no Afeganistão, depois sef, Osama bin Laden and the ga”, recita Bin Laden. O poema Central Asia”. secre++tário de Estado ad-
ses, Bin Laden tem também desses atentados. O milionário Future of Terrorism”, explica é acompanhado por imagens do Foi em 1994, no meio do ce- junto para a Ásia durante a
vindo a consolidar as suas li- terá abandonado um desses lo- num texto publicado no “Guar- navio destruído. O vídeo acaba nário de caos e guerra civil, Administração Reagan, re-
gações com grupos palestinia- cais poucas horas antes dele din” que o homem considerado com um apelo: “A todos os com- que surgiram os taliban. Os conhece, no livro “The New
nos, nomeadamente o Hamas ser atingido. o inimigo público número um batentes: os vossos irmãos na “estudantes de teologia”, “for- Jackals”, de Simon Reeve,
e a Jihad Islâmica. Um grupo Outra enorme dificuldade dos EUA “é hoje sobretudo um Palestina estão à vossa espera; mados” nas escolas islâmi- os erros da política america-
tchetcheno inspirado em Bin que o mundo enfrenta numa líder de culto, que inspira os chegou o momento de penetrar cas (madrassas) do Paquistão, na: “Criámos um monstro no
Laden colocou no seu site na “guerra” contra a organização terroristas a cometer os actos, na América e em Israel e de os surpreenderam o mundo ao Afeganistão.”  ALEXANDRA
Internet um mapa global do de Bin Laden é o facto de esta mais do que controlá-los real- atingir onde mais dói.”  conseguirem uma impressio- PRADO COELHO
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PÚBLICO•SEXTA -FEIRA, 14 SET 2001

O “mullah”
defende o seu
“hóspede”
Paquistão, aliado dos taliban,
O chefe supremo dos ta-
liban afegãos, mullah
Omar, afirmou ontem
promete colaborar com os EUA
que Osama bin Laden Com uma opinião CASAQUISTÃO Almaty seu país, o que em parte acon- tem que o seu apoio ao regime
não pode ser respon- TURQUEMENISTÃO teceu com o apoio de Islama- se justifica por solidariedade
pública antiamericana, Tashkent Bishkek
sável pelos atentados Bukhara bad aos taliban. Esta posição étnica: os taliban são maiorita-
nos EUA. Num comuni-
Islamabad vê-se na Samarcanda seria ainda menos conveniente riamente pashtun, um grupo
QUIRGUÍZIA
cado enviado à agência posição esquizofrénica quando está em vésperas de ob- étnico com milhares de mem-
Afghan Islamic Press, de manter boas Mashhad USBEQUISTÃO Dushanbe ter, em Washington, um apoio bros no Paquistão.
Omar considera que do Fundo Monetário Interna- Um diplomata ocidental re-
“acusar Bin Laden sem
relações com Cabul e TAJIKISTÃO
cional (que por sua vez levará feria à AFP que as relações de
ÍRÃO
razão é uma tentativa Washington Herat
Sheberghan CHINA
a outros auxílios financeiros). poder em Islamabad dificultam
KUSH
dos serviços secretos oci- NDU Mas, por outro lado, existe também a tarefa do Presidente:
HI
dentais para escaparem FRANCISCA GORJÃO AFEGANISTÃO Cabul no Paquistão um forte senti- “Qual é o verdadeiro poder de
K
ao seu próprio fracas- HENRIQUES Farah
A
R mento antiamericano. “Se a Musharraf ? E qual o verdadei-
Khyber Pass A
so”. Os próprios aten- K
O América usar o nosso territó- ro poder do ISI? Quem controla
E R
tados são a prova da Um dos raros aliados do Afega- G A
M rio, então nós teremos perdido quem?” O diário “The News”

N
inocência do seu “hóspe- nistão prometeu ontem prestar Islamabad Srinagar toda a nossa dignidade e sobe- referia ontem que o atentado

RA
Qandahar

AN
de”, argumenta. “Onde ajuda aos Estados Unidos. O rania. Se isso acontecer, 140 mi- de terça-feira terá “graves re-

s
JM
Lahore

Indu
é que estão os pilotos de Presidente paquistanês, Pervez Zahedan Quetta lhões de muçulmanos [do Pa- percussões no mundo muçul-

LA
Bin Laden e onde é que Musharraf, foi duas vezes à te- quistão] vão retaliar contra o mano” e que se o Paquistão

SU
Multan
foram formados?”, per- levisão para comunicar o seu Governo de Musharraf”, prevê “não alterar a sua política para
PAQUISTÃO
gunta, referindo-se aos repúdio perante os atentados ÍNDIA Maulana Sami-ul-Haq, líder de o Afeganistão, o preço a pagar
Bahawalpur
piratas do ar que terão de terça-feira e apelar a uma us uma das facções do partido pró- poderá ser alto demais”.
I nd

conduzido os aviões até luta global contra o terrorismo. Gwadar Sukkur Nova Deli taliban Jamiat Ulema-i-Islam. As inquietações de Mushar-
eles embaterem nos al- No seu país, o único no mundo Hyderabad raf estão a ser partilhadas por
vos. Já antes desta de- com uma embaixada na capital Jodhpur Treino e armas muitos paquistaneses. Basit
Carachi Jaipur
claração, o embaixador afegã, há quem fale em esqui- Há muito tempo que vários re- Hamid, de 53 anos e presidente
taliban no Paquistão, zofrenia. Ajmer latórios confirmam que os tali- de uma empresa de informáti-
Udaipur Kanpur
Abdul Salam Zaeef, ti- Musharraf não mencionou MAR ARÁBICO 0 Km 300 ban são treinados e abastecidos ca, afirma sentir “uma certa es-
nha explicado à Reuters uma única vez o nome de Osa- PÚBLICO de armas no vizinho Paquis- quizofrenia”. A população, que
que o milionário de ori- ma bin Laden, o milionário de tão, nomeadamente pelo po- “detesta o imperialismo ameri-
gem saudita não é culpa- origem saudita que está abriga- mente, que vai “dar ao Presi- outros são os Emirados Árabes deroso ISI (Inter Services In- cano”, o seu apoio incondicio-
do. “Nós perguntámos- do no Afeganistão e a quem as dente [George W.] Bush e ao Unidos e a Arábia Saudita). telligence, considerados “um nal a Israel e a política contra
lhe e ele disse-nos que autoridades americanas acu- Governo norte-americano co- Ainda não se sabe qual o tipo Estado dentro do Estado”). Pa- o Iraque, não deixa de sentir
não tinha nenhuma par- sam de estar por trás dos aten- operação total na luta contra o de colaboração com a Adminis- radoxalmente, este apoio come- “uma secreta admiração” pe-
ticipação nesta acção.” tados contra o World Trade terrorismo”. tração Bush (alguns especulam çou no final dos anos 70 sob a los cérebros que conceberam
Os taliban apressaram- Center e o Pentágono. Também Ou seja, caso os Estados Uni- que poderá ser o uso de espaço égide da CIA norte-americana, os atentados e “deram uma li-
se também a desmentir não pronunciou a palavra ta- dos decidam declarar guerra aéreo). Mas o que Musharraf para combater as tropas sovié- ção” a Washington. Mas tam-
as notícias surgidas ao liban, os “estudantes de teo- ao Afeganistão, os taliban não tem pela frente é, seguramen- ticas no Afeganistão. bém tomou consciência da ne-
princípio do dia de que logia” islâmicos que contro- vão poder contar com a ajuda te, uma decisão política difícil. As autoridades paquistane- cessidade urgente de combater
Bin Laden teria sido de- lam 95 por cento do território de um dos únicos três países Por um lado, não quer agravar sas negam alimentar a máqui- o terrorismo, que afecta igual-
tido no Afeganistão. afegão. Mas disse, inequivoca- do mundo que os apoiam (os o isolamento internacional do na de guerra taliban, mas admi- mente o seu país. 
10 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA -FEIRA, 14 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

O mundo árabe não se Sharon ataca enquanto


libertou do sentimento o mundo está distraído
de estar eternamente Tanques israelitas
REUTERS

Na quarta-feira, guerrilhei-
ros palestinianos mataram
entraram no enclave
do lado dos vencidos autónomo de Jericó, na
Cisjordânia e voltaram
uma mulher de 46 anos no colo-
nato judaico cisjordano de Alfei
Menashe, perto da cidade de
COMENTÁRIO
a bombardear Jenin Qalqiliya, sob administração
da AP. Nenhum grupo reivin-
KARIM EL-GAWHARY, GRAHAM USHER dicou a responsabilidade, mas
Cairo Jerusalém a localização e método apontam
para a Fatah, o movimento de
Quando uma região inteira sente Com o olhar do mundo ainda Yasser Arafat na OLP.
transfigurado pelas ruínas de O Exército respondeu ata-
que a tratam de maneira injusta e não pode Nova Iorque e Washington, Is- cando posições das forças de
fazer nada contra isso, rapidamente se tornam rael parece estar a aproveitar- segurança da AP em Qalqi-
heróis aqueles que empreendem acções se da distração para aumentar liya, outra cidade autónoma.
destrutivas. Os terroristas não nascem a sua ofensiva contra os pales- Como vingança, colonos de Al-
tinianos. Pelo menos, é o que fei Menashe também bloque-
terroristas. Tornam-se terroristas estes dizem. aram estradas e destruíram
Depois de “raides” na quarta- campos palestinianos — com
feira, no interior e imediações total impunidade.
Quando o terror vem do Médio Oriente, então é porque é da cidade autónoma de Jenin, Para os palestinianos, o ac-
lá que se encontra a solução para acabar com ele, mas não na Cisjordânia, que mataram tual cerco e abandono evoca
com meios militares. pelo menos dez palestinianos e os tempos da guerra do Golfo
Qual a resposta adequada ao terror em Nova Iorque e feriram 67, tanques israelitas de 1991. Nessa altura, os seus
Washington? Depois dos atentados, os peritos americanos fizeram ontem uma nova incur- líderes perderam o trunfo mo-
em segurança e terrorismo discutem uma possível resposta são, entrando num campo onde ral da primeira Intifada quan-
militar, tendo surgido já duas posições divergentes. Uma, residem 13 mil refugiados. Des- do apoiaram Saddam Hus-
mais moderada, exige que primeiro sejam feitas investiga- ta vez, contabilizaram-se mais sein. Perderam ainda mais
ções para esclarecer os atentados, que a seguir seja apurado três mortos e 13 ficaram feridos. quando alguns cidadãos dan-
quem é o responsável, para que depois se possa agir em Escavadoras também destruí- çaram nos telhados enquan-
termos militares contra ele e os seus apoiantes. Os mais ram um edifício da Autoridade to mísseis iraquianos caíam
radicais, pelo contrário, querem que as tropas ataquem Palestiniana (AP). sobre Telavive.
todos os Estados que fazem parte da lista oficial de países Jenin é refúgio das células Agora, o mundo parece de
que alegadamente apoiam o terrorismo, independentemente dos movimentos Hamas e novo insensível ao facto de a re-
de terem ou não algo de concreto a ver com os últimos Jihad Islâmica de onde saí- O Exército israelita avançou sobre Jericó e Jenin sistência palestiniana ser a de
atentados. ram seis bombistas suicidas um povo em luta contra mais de
De qualquer modo, o alvo deve estar no Médio Oriente. É lá desde que a Intifada começou três décadas de ocupação mili-
que, com certeza, se encontram aqueles que estão por detrás há um ano. Dois deles mata- ou enfrenta a destruição do seu palestiniano foi morto a tiro tar. Em vez disso, a imagem que
do que aconteceu. É lá, com o Iraque, a Líbia e a Síria, que ram três israelitas e feriram governo. pelo Exército depois de tentar prevalece é a dos palestinianos
está a maioria dos Estados que o Departamento de Estado 80 em Nahariya e Beit Lid, no A mensagem não está a ser remover uma barreira numa a “celebrarem”, na terça-feira,
norte-americano define como apoiantes do terrorismo. domingo passado. Israel diz transmitida apenas em Jenin. estrada em Kharbatha, perto de as notícias dos ataques em Wa-
Seja qual for a resposta (moderada, como propõe o pri- que cinco dos mortos durante Numa incursão efectuada on- Ramallah, também na Cisjor- shington e Nova Iorque.
meiro grupo, ou radical, de acordo com o segundo), ela não a incursão em Jenin eram “fu- tem de madrugada, 12 tanques dânia. Muitos analistas palestinia-
contribuirá em quase nada para a solução do problema. Pelo gitivos” do Hamas ou da Jihad. israelitas acompanhados de nos acreditam que foi o in-
contrário, todo e qualquer ataque militar levará a novas e Mas não referiu que os outros “bulldozers” entraram em Je- Cerco e abandono sensato apoio de Arafat a Sa-
refinadas acções terroristas e com um grau de apoio da parte mortos eram civis, incluindo ricó, um enclave controlado pe- A AP tem tentado alertar o Oci- ddam Hussein após a invasão
da população árabe que não será de todo insignificante. uma menina de 11 anos. la AP na fronteira com a Jor- dente para a severidade dos ata- do Kuwait em 1990 que levou a
Para ela, Israel e os EUA (como seu aliado mais impor- A escalada de ataques a Je- dânia. Ocuparam por breves ques israelitas, mas até agora OLP a aceitar os termos humi-
tante em termos políticos e militares) são os principais nin sugere outros objectivos pa- instantes o centro da cidade, tem tido poucas respostas. Ara- lhantes dos acordos de paz de
culpados da miséria quotidiana em que vive. ra além da simples represália destruíram terrenos agrícolas fat também terá ordenado às Oslo. Oito anos passados sobre
Muitos dos comentadores ocidentais descobriram de ou “intimidação”. O objectivo e tomaram de assalto a sede suas forças que mostrem con- o dia em que esse compromisso
novo o conflito entre a civilização democrática ocidental de Israel parece mais político, das forças de segurança locais. tenção, consciente de que no foi assinado — e enfrentando
e a barbárie árabe e muçulmana. Lá voltamos à mesma dizem analistas regionais. Ex- O número de vítimas não está clima pós-World Trade Centre de um lado o “falcão” Sharon e
questão. E como prova apontam para as imagens de árabes plorar a grande sombra criada confirmado, mas a rádio Voz a resistência armada palesti- do outro uma América à caça
manifestando alegria na sequência dos atentados que ape- pelos ataques ao Pentágono e da Palestina, propriedade da niana, seja de que tipo for, não de terroristas — os palestinia-
nas representam uma minoria. Ninguém se pergunta o que ao World Trade Centre é apre- AP, deu conta de “ambulâncias irá obter muita simpatia. Mas nos têm a consciência de que
é que leva as pessoas a essa manifestação tão absurda. sentar a Yasser Ararfat uma transportando feridos” para o também aqui o líder palestinia- poderão perder mais do que
A unilateralidade ocidental e a duplicidade de critérios no escolha: ou acaba com a revolta hospital de Jericó. Um outro no foi ignorado. apenas “a paz”. 
conflito israelo-palestiniano ou no Iraque têm produzido um
sentimento de abandono e de impotência no mundo árabe.

Actos de violência provam crescente


Uma impotência diariamente vivida, que só se desvanece
quando um Bin Laden mostra aos EUA ou a Israel como
é que é, segundo a divisa: se nós sofremos, então aqueles
que são responsáveis pelo nosso sofrimento também devem
sofrer como nós. Isto não justifica as esporádicas manifes-
tações de alegria nas ruas árabes, mas explica-as.
Alguns comentadores árabes fizeram, na manhã seguinte
ao atentado, uma proposta construtiva para parar com a
sentimento anti-islâmico
escalada do terror. No centro da solução proposta não está Aconteceu o mesmo na altura da guerra Mais organizada parece ter sido a mani- denunciou que a sua congregação tem sido
uma resposta militar, mas sim um levantamento das causas. do Golfo e, mais tarde, depois do atentado festação de ódio e intolerância em Chicago, alvo de insultos e mensagens de ódio no
Em vez de responder com mísseis de cruzeiro e todo o seu de Oklahoma, em 1995: um pouco por todo onde 300 pessoas, algumas com bandeiras atendedor de chamadas. “Temos gravações
potencial militar, os EUA e a Europa deveriam juntar todos o lado, desde os ataques terroristas ocorri- americanas, tentaram entrar em marcha que dizem coisas como: ‘Odiamo-vos, bem
os esforços e trabalhar para resolver de um modo justo dos nos Estados Unidos na terça-feira, um dentro da mesquita de um dos subúrbios como a todos os muçulmanos, e esperamos
o conflito do Médio Oriente. Há meio século que se tenta crescente sentimento anti-islâmico tem situados a sudoeste da cidade — depois que morram.’” Tamara Alfson, um ame-
solucionar o problema pela força e o resultado tem sido vindo a revelar-se em actos de violência que de um “cocktail molotov” ser atirado con- ricano que trabalha na Embaixada do
sempre o mesmo. Quando uma região inteira sente que a se somam e não poupam sequer escolas e tra um outro centro comunitário. “Tenho Kuwait em Washington, passou todo o dia
tratam de maneira injusta e não pode fazer nada contra isso, crianças de origem árabe — apesar de até orgulho de ser americano, odeio todos os de quarta-feira a aconselhar estudantes
rapidamente se tornam heróis aqueles que empreendem agora nenhum grupo étnico, político ou árabes e sempre odiei”, gritava Colin Za- kuwaitianos que estudam no país e que,
acções destrutivas. Os terroristas não nascem terroristas. religioso ter sido apontado como culpado. remba, um jovem de 19 anos. segundo explicou, estão absolutamente
Tornam-se terroristas. Enquanto houver campos em que Pode-se dizer que sobre as comunidades A milhares de quilómetros, na Austrália, aterrorizados. Têm razões para tal: no
vivem refugiados palestinianos nas mais miseráveis con- árabes paira neste momento uma sentença acontecia uma manifestação semelhante: Canadá, em Oakville, no estado de Ontá-
dições, enquanto a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e os montes de “presumível culpada”, e, num país que um grupo de agressores reuniu-se atirando rio, cinco crianças com nomes de origem
Golã continuarem ocupados pelos israelitas e a construção tem três milhões de habitantes de origem pedras e garrafas contra uma escola para árabe foram agredidas, e em Nova Iorque,
dos colonatos avançar, enquanto assim for, o mundo árabe árabe, os mais exaltados começaram uma crianças muçulmanas. Em Brisbane, hou- um homem de 75 anos, que conduzia bê-
não se libertará do sentimento de estar eternamente do lado verdadeira caça às bruxas: no Texas, em ve ainda um autocarro de transporte esco- bedo no parque de estacionamento de
dos vencidos. Quem é tratado de maneira injusta aplaude Denton, uma bomba rebentou numa escola lar que foi atacado enquanto em Sydney, um centro comercial, tentou atropelar
terroristas como Bin Laden ou outros, independentemente islâmica; na mesma cidade, outra explodiu uma igreja libanesa foi coberta de suásti- uma mulher paquistanesa, seguindo-a
de quão sanguinolenta a sua obra possa ser.  num centro comunitário frequentado por cas, antes de uma tentativa incendiária. depois até ao interior de uma das lojas
150 muçulmanos, e, em Dallas, um outro Abu Nahidiuan, director da mesquita de ameaçando matá-la por, gritava, “destruir
desses centros era alvo de tiros. Manassas, no estado da Virgínia, nos EUA, o [seu] país”.  VANESSA RATO
D E S T A Q U E 11
PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 14 SET 2001

Atentados poderão alterar a política


de Washington nos Balcãs
Desde 1996 que a superpotência mun- e obtiveram estatuto de cidadania, na e durante os ataques da NATO contra ex-aliados que se tornam nos piores
dial está envolvida em complexas qualidade de membros do exército ou a Jugoslávia, liderados pelos EUA. inimigos. O extremismo islâmico es-
operações militares muitinacionais por se terem casado com mulheres Foi então referido que islamistas tá implantado mas permanece algo
de grande envergadura nos Balcãs, muçulmanas bósnias. radicais egípcios da organização de marginal. Os ex-elementos do UÇK
para “proteger” as populações de re- O ministro do Interior da federa- Bin Laden se instalaram em cam- preferem envolver-se nas actividades
ligião muçulmana, na Bósnia, no Ko- ção croato-muçulmana da Bósnia, pos de treino do UÇK no Norte da relacionadas com diversos tráfegos,
sovo, mesmo na Macedónia, eleitas Mohammed Besic, negou as recentes Albânia, visitando com frequência e manterem algumas cumplicida-
como as principais vítimas das guer- informações de um jornal local, que o Kosovo. Após o final da “guerra do des políticas com Washington. Os
ras que na década de 90 assolaram garantiu ter sido fornecido a Osama Kosovo”, os EUA pressionaram o Go- EUA ainda são considerados como os
essas regiões da Europa. bin Laden — o principal suspeito dos verno de Tirana para expulsar estes “principais libertadores da tirania
Durante o conflito na Bósnia, não ataques terroristas de terça-feira nos elementos, e a embaixada dos EUA sérvia” e permanecem muito popu-
foi o apoio de diversos Estados ára- EUA — um passaporte bósnio du- chegou a ser encerrada por razões lares entre os albaneses kosovares.
bes e islâmicos, incluindo o Irão e o rante a guerra civil (1992-95), atra- de segurança. A questão decisiva reside na de-
Afeganistão, à liderança de Sarajevo, vés da embaixada da Bósnia em Vie- À semelhança de Bin Laden, o lí- finição do estatuto da província do
que impediu os Estados Unidos de na. Através deste “contacto”, foram der político do UÇK, Hashim Thaçi, é Kosovo, principal tema das eleições
também apoiarem política, financei- emitidos centenas de passaportes considerado uma “criação” da CIA, e legislativas de Novembro próximo. E
ra e militarmente os di- e “canalizados” para a Bósnia os muitos dos seus homens foram trei- podem então registar-se importantes
rigentes muçulmanos combatentes islâmicos envolvidos nados, apoiados e financiados pelo alterações políticas internas, caso os
Análise bósnios. Sabia-se que na “guerra santa” contra os sérvios ocidente, sobretudo pelos EUA, na partidos albaneses radicais voltem a
centenas, milhares de eslavos e ortodoxos, ou contra os cro- sua guerra contra os sérvios. Um as- ser derrotados nas urnas pela facção
combatentes muçulmanos estrangei- atas católicos. Hashim Thaçi pecto aliás sempre “sublinhado” pela independentista mais moderada. Ou
ros, os “mudjahedin”, estavam a refor- No entanto, a influência muçulma- propaganda nacionalista do regime se os responsáveis internacionais
çar as fileiras do VII corpo da Armija, na nos Balcãs é mais “turca”, mais de Milosevic. que administram a província não
provenientes da Argélia, do Médio “otomana”, agora mais “laicizante”, À semelhança de Bin Laden, A abordagem “imediatista e sim- elegerem a questão da independên-
Oriente, do Afeganistão. Factos então e por isso menos árabe. A Turquia, o líder político do UÇK, plista” dos EUA arrisca-se a deixar cia como uma prioridade.
ocultados, em nome do combate con- aliada decisiva dos EUA, ocupou du- uma herança de difícil resolução. Os atentados terroristas nos EUA
tra o “inimigo comum”, nesse caso os rante muito tempo a região balcâ-
Hashim Thaçi, é As alterações políticas em Belgrado também poderão implicar uma signi-
nacionalistas sérvios bósnios. nica, como também subjugou por considerado uma “criação” após o derrube de Slobodan Milose- ficativa alteração da política da Casa
Após o fim da guerra na Bósnia, a muitos séculos o mundo árabe, e per- da CIA, e muitos dos seus vic significaram uma reaproxima- Branca nos Balcãs. E neste aspecto
então Força de Implementação da NA- manece uma referência determinan- ção da Jugoslávia ao Ocidente e à é de prever preocupações acrescidas
TO (Ifor) conseguiu “descobrir” em te entre os muçulmanos locais.
homens foram treinados, NATO, com quem passou a colaborar com a insurreição albanesa na Ma-
pouco tempo muito material militar A ligações de Bin Laden aos ex- apoiados e financiados pelo militarmente, como no Sul da Sérvia cedónia, ou com o facto de radicais
na posse destes elementos. Os acordos tremistas albaneses do Exército de Ocidente, sobretudo pelos onde estava activo o UÇPMB, outro islâmicos permaneceram envolvidos
de Dayton assinados em 1995 ordena- Libertação do Kosovo (UÇK) também EUA, na sua guerra contra grupo armado albanês entretanto nos exércitos da Bósnia, nas estrutu-
ram a todos os combatentes estran- foram sugeridas em 1998 e 1999 por “desmantelado”. ras que sucederam ao ex-UÇK do Ko-
geiros que abandonassem o país, mas responsáveis da Jugoslávia e diver- os sérvios Contudo, não é provável que suce- sovo, ou no actual UÇK macedónio.
muitos “mudjahidin” permaneceram sos “media”, sobretudo nas vésperas da nos Balcãs se repita o cenário dos  PEDRO CALDEIRA RODRIGUES
1 2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA -FEIRA, 14 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
JOHN MOTTERN/EPA

A PSICOSE
AMERICANA “Isto parece
Falsas ameaças de
bomba sucedem-se em
várias cidades dos EUA
ISABEL LEIRIA
o ‘Inferno’
Uma onda de ameaças de
bomba em várias cidades dos
Estados Unidos obrigou a
que, durante todo o dia de
de Dante”
ontem, as autoridades nor-
te-americanas procedessem
O DIFÍCIL RESGATE estão as vítimas. Não nos con-
seguimos aproximar, há dema-
à evacuação de uma série de DOS SOBREVIVENTES siados destroços à volta, nas
edifícios governamentais, es- ruas.” Segundo Piazza, é por
critórios e escolas. Nenhum Há milhares e milhares isso que o número de mortos
dos alertas veio a confirmar- confirmados ainda não é muito
se como verdadeiro e serão de toneladas de elevado: “Mas quando come-
antes brincadeiras de mau destroços por retirar. çarmos... oh, meu Deus...”
gosto sugestionadas pelos ata- E escasseiam as O cenário onde está este
ques de terça-feira. bombeiro coberto de cinzas,
Nova Iorque foi natural-
hipóteses de encontrar é, na descrição do repórter da
mente a cidade mais afectada gente com vida AFP, como “um gigantesco mil-
pelos alertas. Segundo a esta- folhas de ferro e entulho, on-
ção de televisão CBS 2 , ao fim ALEXANDRA LUCAS COELHO de as gruas, as pás mecânicas,
da manhã o aeroporto de La os ‘bulldozers’ trabalham sem
Guardia teve de ser evacuado O bombeiro Jo Scarantino che- cessar, afastando os bocados gi-
na sequência de um alerta de gou ao World Trade Center gantes e abrindo caminhos”.
bomba. A Autoridade Aero- uma hora depois do primeiro
portuária, organismo que ge- atentado. Assistiu ao desapa- Entre os destroços
re os três aeroportos de nova- recimento de metade do seu A baixa de Manhattan está ir-
iorquinos, não confirmou a batalhão, quando as duas tor- reconhecível, fechada ao tráfe-
notícia mas uma porta-voz res gémeas desabaram, e ao fi- go desde a 14ª rua. Em torno do
reconheceu que algo se pas- nal da tarde de ontem, sem ter que foi o World Trade Center,
sava, embora não tivesse in- voltado a casa para descansar, amontoam-se carcaças de car-
formações mais precisas. Em ainda lá estava, a tentar salvar ros de polícia e de bombeiros,
Staten Island, o alerta foi da- vidas. “Nesta altura, para en- esmagadas pelos milhares de
do numa escola. contrar sobreviventes espera- toneladas de destroços, alguns
Mas a agitação também vol- mos um milagre”, declarou ao reduzidos a um metro de espes-
tou a instalar-se bem no co- repórter da AFP, “mas os mila- sura. Na poeira de um dos ve-
ração de Manhattan. Pouco gres acontecem. Ninguém nos ículos alguém escreveu: “Vin-
faltava para as 17h00 quando Estados Unidos e no mundo gança! Bombardeiem o Médio
uma ameaça de bomba nas viu qualquer coisa parecida.” Oriente!” Passam camionetas
imediações da Grand Central “É como o ‘Inferno’ de Dan- cheias de civis voluntários,
Station, a maior estação ferro- te”, tentou descrever Giuse- protegidos com capacetes, que
viária de Nova Iorque, levou ppe Sergi, outro trabalhador trazem dezenas de garrafas de
as autoridades a evacuarem nas operações de resgate, por gás para os maçaricos. Orga-
todo o quarteirão. Milhares entre toneladas e toneladas de niza-se um acampamento de Alguns edifícios da zona do World Trade Center já ruíram parcialmente
de pessoas precipitaram-se destroços fumegantes. “Rece- campanha. Grossas camadas
para a rua, causando o caos amos que a temperatura seja de pó e papel — acumuladas
na circulação, segundo rela- tão alta que o metal ainda po- na queda das torres — cobrem Apesar dos meios sofisti-
tos de um jornalista da AFP.
A polícia chegou mesmo a fe-
de ceder.”
À medida que o tempo pas-
as redondezas.
Milhares de bombeiros, polí-
cados, como câmaras, berbe-
quins e serras pneumáticas,
MAIS DOIS EDIFÍCIOS
char todos os acesso à zona e
várias ambulâncias e um car-
sa, escasseiam as hipóteses de
encontrar gente com vida nos
cias e civis, muitos com másca-
ras contra o pó, percorrem os
o que acaba por ser mais útil
na remoção são meios tradi- AMEAÇAM RUIR
ro de bombeiros foram cha- escombros do que foi um dos escombros, com câmaras de- cionais, como pás, baldes e as
mados ao local. ícones de Nova Iorque, onde tectoras de movimento e cães: mãos, como explicou ao “Los Implosão das torres do World Trade
Enquanto isso, centenas de milhares de pessoas ficaram “Quando os cães detectam al- Angeles Times” um perito do
pessoas tentavam telefonar à presas ou soterradas. Segundo go, escavamos”, explica à Reu- departamento de bombeiros Center provocou danos estruturais
família e amigos asseguran- os peritos, as primeiras 24 a ters Lawrence Cleary, o coman- de L.A., um dos vários que nos edifícios de Manhattan
do-lhes que tudo estava bem, 48 horas são fundamentais pa- dante dos bombeiros. “Mas, à se deslocaram para Nova Ior-
no caso de ouvirem falar do ra o resgate de sobreviventes. medida que o tempo avança, é que: “Muitas vezes, o que te- PAULO CORREIA
alerta na televisão. Primeiro Geralmente, as pessoas conse- cada vez mais improvável en- mos aqui são homens a es-
tentaram dos telemóveis, de- guem sobreviver sem água du- contrarmos sobreviventes.” cavarem o entulho com as Mais dois edifícios localizados junto ao World Trade Center
pois correram para as cabi- rante três dias, mas os feridos próprias mãos.” (WTC) estão em risco de ruir na sequência do atentados
nas públicas, já que toda a que tenham perdido sangue Os efeitos da catástrofe não que destruíram, terça-feira, as duas torres gémeas de Nova
rede rapidamente saturou. normalmente não aguentam Cinco estão a ser sentidos apenas na Iorque. O que resta do edifício 5 WTC, uma das mais peque-
Cerca de uma hora depois, a mais do que um dia. baixa de Manhattan. Uma mu- nas estruturas do complexo, está em “colapso parcial” e o
situação começou a voltar à O coronel Bryan Ostendorf, bombeiros dança na direcção do vento le- One Liberty Plaza, um prédio com 54 andares que fica na
normalidade.
E enquanto se multiplica-
do Corpo de Engenheiros do
Exército, desabafava ontem à
salvos vou o cheiro a queimado até
oito quilómetros de distância,
Liberty Street, está também “instável”, anunciaram, ao
final da tarde de ontem, fontes oficiais americanas.
vam os falsos alarmes em AFP: “Não há nenhum meio de mergulhando Central Park nu- Depois de se ter receado o desmoronamento do One Liberty
Nova Iorque, outras cidades quantificar este horror. Como Vivos, e ainda a bordo ma nuvem acre, que os habi- Plaza e de as autoridades nova-iorquinas terem ordenado
também não escapavam à fazer? Em toneladas de destro- de um 4x4, cinco bom- tantes receiam que seja tóxica. a evacuação da área, a empresa proprietária do edifício onde
“brincadeira”. Em Washing- ços? Em vidas humanas?” Os beiros foram retira- O metro estava praticamente está instalado o NASDAQ veio dizer que não se verificaram
ton, foi encerrado todo o cam- serviços de emergência fede- dos dos escombros do deserto, muitas lojas, a maior quaisquer danos estruturais com a implosão das torres gé-
pus da American University, rais informaram que 450 mil World Trade Center, no- parte das escolas e teatros da meas. A Brookfield Properties Corporation assegurou mesmo
depois de duas ameaças de toneladas de destroços tinham ticiou a CNN à hora de Broadway estavam fechados. que, após uma investigação técnica preliminar, os engenhei-
bomba. Em Miami, a polícia de ser retiradas do local onde fecho desta edição. Dois Pelas ruas — e pelos hos- ros concluíram que não havia perigo de desabamento e que
evacuou seis prédios da bai- antes se erguiam as torres gé- deles puderam mesmo pitais — centenas de pessoas tudo não passou de especulação dos órgãos de comunicação
xa, incluindo um tribunal, meas e mais 15 mil toneladas conduzir o veículo pa- mostravam fotografias de fa- social. Os milhares de polícias e bombeiros que participam
dois edifícios governamen- do terceiro edifício que ruiu. ra fora dos destroços, miliares e amigos desapare- nos trabalhos de resgate das vítimas dos atentados foram,
tais, dois prédios de escritó- Ontem, Rudolph Giuliani, o antes de serem trans- cidos. A Reuters encontrou contudo, avisados que a queda do edifício está iminente.
rios e uma farmácia. As au- “mayor” de Nova Iorque, infor- portados ao hospital. A Daphne Bowers, que foi ao Na área que circunda o complexo WTC ainda se estão a
toridades receberam várias mava que três mil toneladas já CBS 2 noticiou ainda Bellevue Hospital com uma verificar os danos colaterais da implosão das torres um e
chamadas telefónicas de pes- tinham sido retiradas. Uma pe- que “muitas pessoas fo- pequena foto emoldurada da dois e a consequente queda da torre sete. O Marriot World
soas que garantiram ter co- queníssima parte, portanto. ram encontradas vivas, sua filha de 28 anos, Veroni- Trade Center Hotel, que ficava na sombra das torres géme-
locado explosivos dentro de “Levará meses, talvez um incluindo uma mulher que: “Ela ligou-me e disse: as, desapareceu. O World Financial Center, localizado em
alguns edifícios. ano, para limpar tudo isto”, cal- de 24 anos”. As autori- ‘Mãe, o edifício está a arder. frente, está gravemente danificado. O Hilton Millennium
“Há pessoas que estão a culava Manny Piazza, um ou- dades não avançaram Há fumo a sair das paredes, Hotel está ainda de pé, mas tem 75 janelas a menos. Um
tentar tirar partido da an- tro bombeiro entrevistado pela dados sobre o número não consigo respirar’. A últi- edifício de escritórios da West Street, erguido em 1907,
siedade em que vive o país”, AFP. “Ainda nem começámos exacto de sobreviven- ma coisa que disse foi: ‘Gosto ficou com as estruturas gravemente abaladas. E várias
lamentou o chefe da polícia verdadeiramente a escavar os tes encontrados nessa muito de ti mãe, adeus’. Eram lojas e escritórios da Broadway e West Street apresentam
de Miami.  escombros das torres, lá onde operação. 9h05 da manhã.”  as montras e janelas completamente destruídas. 
D E S TA Q U E 1 3
PÚBLICO•SEXTA -FEIRA, 14 SET 2001

Aviões não americanos continuam SEGURANÇA


ATRAPALHA
sem autorização para aterrar nos EUA JOSE MANUEL RIBEIRO/REUTERS
EM LISBOA
Armados com metralhado-
APARELHO DA TAP Pais e filhos ras, cerca de duas dezenas
de elementos do Corpo de In-
REGRESSOU A LISBOA adoptivos querem tervenção da PSP patrulha-
ir para casa vam, ontem, o aeroporto de
Apesar da reabertura Lisboa, à hora em que foi re-
do espaço aéreo, vários tomada a ligação aérea com
Entre os muitos milha- os EUA, após os atentados de
aparelhos tiveram res de passageiros reti- terça-feira. Com três horas
de voltar para trás dos em aeroportos de to- de atraso, o voo 1315 da TAP,
do o mundo devido ao com destino a Nova Iorque,
ISABEL LEIRIA fecho do espaço aéreo previsto para as 14h45, des-
dos EUA, alguns forma- colou às 17h25 com 122 pas-
Não duraram muito os primei- vam um grupo muito es- sageiros a bordo.
ros voos que partiram com pecial. No aeroporto de O tráfego aéreo nos Esta-
destino aos Estados Unidos de- Hong Kong, vivendo no dos Unidos reabriu às 16h00
pois de anunciada a reabertu- desconforto e na angús- de Lisboa, mas foi depois no-
ra do espaço aéreo norte-ame- tia das horas que se se- vamente encerrado e o apa-
ricano. Um avião da TAP, com guiram aos atentados relho acabou por ser obriga-
122 passageiros a bordo e che- de terça-feira, estavam do a regressar a Portugal.
gada prevista ao aeroporto in- cerca de duas dezenas de As excepcionais medidas
ternacional John F. Kennedy, pais norte-americanos de segurança que foram, en-
em Nova Iorque, e um outro acompanhados dos seus tretanto, adoptadas em todos
aparelho da companhia Alita- filhos chineses recém- os aeroportos portugueses, à
lia, que partira de Roma, re- adoptados. Karen Arndt, semelhança do que aconte-
ceberam ordens para voltar, da Califórnia, acabara ceu nos outros países euro-
pouco tempo depois da desco- de chegar da província peus, têm provocado atrasos
lagem. De acordo com as jus- de Guangdong com a sua na partida dos aviões.
tificações dadas por ambas as nova filha, Rose, e ficou No aeroporto de Lisboa,
companhias, a alteração de retida em Hong Kong. onde foi decretado “alerta
planos foi forçada pela Fede- “Têm sido tempos difí- 3”, só os passageiros podiam
ral Aviation Administration ceis“, desabafava ela on- entrar, estando, por isso, no-
(FAA), a autoridade aeronáu- tem, “E, como estou sozi- toriamente diminuído o mo-
tica norte-americana. nha, tenho, por exemplo, vimento, o que era encarado
Segundo um comunicado de esperar que ela dur- com um certo alívio por al-
da TAP, emitido ontem ao final ma até poder ir à casa de guns funcionários. Um deles
do dia, a FAA tinha ordenado o banho...” A verdade é dizia ao PÚBLICO que “de-
encerramento do espaço aéreo que muitos destes ameri- via ser sempre assim”.
a todos os aviões que não pos- canos olham para o reló- As recomendações eram
suíssem matrícula america- gio e por outros motivos para que os passageiros pos-
na. O problema é que a trans- — ao fim de sete dias, os suíssem sempre um docu-
portadora portuguesa só teve vistos de Hong Kong ca- mento de identificação e
acesso a essa informação às ducam e as crianças te- reduzissem a bagagem. O re-
18h40. Ou seja, uma hora de- riam de voltar à China. forço da segurança foi apli-
pois de o voo TP1315 ter desco- “[As crianças] só se tor- cado aos procedimentos an-
lado do aeroporto da Portela, nam cidadãos america- tes do embarque. Mas não
explica a administração. Fal- nos quando pisarem solo se adoptaram medidas es-
tavam, pois, poucos minutos dos EUA, qualquer sítio, peciais no interior dos avi-
para as 21h00 quando o apare- já nem me importo”, de- ões. As filas de embarque es-
lho voltou a aterrar. sabafava Lori Genovese, tendiam-se por toda a área
A companhia aérea infor- de Denver. Voo TP1315 rumo a Nova Iorque descola de Lisboa: horas depois, estava de volta reservada às partidas, com
mou ainda que retomará os centenas de pessoas aparen-
voos para os EUA “assim que temente calmas.
receba garantias para a sua tiu, também hoje à tarde, de nistro dos Transportes norte- nal do dia de ontem, a FAA vol- na sequência dos ataques de Mas se lá dentro o am-
efectivação”, pedindo a todos Roma com destino a Nova Ior- americano, Norman Mineta, tava a afirmar que apenas os terça-feira, têm autorização biente era mais tranquilo, à
os passageiros com viagens que — teve, naturalmente, a ao anunciar ontem a reabertu- voos internacionais executa- para deixarem os Estados Uni- porta a situação complica-
programadas para que con- mesma sorte. A viagem ia ain- ra do espaço aéreo nunca che- dos por companhias dos Es- dos, anunciou ainda a porta- va-se para polícias e funcio-
tactem o centro de atendimen- da na sua primeira hora quan- gou a fazer qualquer referên- tados Unidos tinham autori- voz da FAA, Alison Duquette. nários, obrigados a respon-
to da TAP. do os 120 passageiros, entre os cia a restrições sobre os voos zação para aterrar nos seus Esta foi a primeira vez na der a mil e uma solicitações
O primeiro voo europeu su- quais muitos jornalistas, fo- estrangeiros que para lá se di- aeroportos. história dos EUA que o país e a dar as mais diversas in-
postamente autorizado a diri- ram avisados que o aparelho rigissem. Mas se as causas des- No entanto, todas as compa- manteve todo o tráfego aéreo formações. Alguns desaba-
gir-se para os Estados Unidos iria regressar. ta descoordenação continuam nhias internacionais que fica- encerrado durante mais de 24 favam: “Não será exagero
— o avião da Alitalia que par- Segundo a Reuters, o mi- por explicar, certo é que, ao fi- ram retidas nos aeroportos, horas. I tanta segurança?” I P.T.C.

Caixa negra do avião de Pittsburgh foi encontrada


FBI não descarta roristas que não atingiu qual- ontem vigorosamente que as em Lisboa), para São Francis- mou dos ataques suicidas no cou com a impressão que o
quer edifício norte-americano. forças militares nacionais te- co, e manteve o seu curso nor- World Trade Center. “Ele ficou seu marido iria tentar resis-
a possibilidade A Força Aérea dos EUA já ga- nham abatido o avião como mal até Cleveland. Aí, o apa- muito preocupado quando lhe tir aos piratas do ar, junta-
de o aparelho rantiu que não abateu, durante uma forma de evitar que atin- relho mudou bruscamente de disse e começou a fazer-me per- mente com outros passageiros
ter sido abatido essa tarde, nenhum avião sus- gisse o seu alvo, talvez em Wa- rota para sul, o que, segundo guntas. Dei-lhe toda a informa- do compartimento de primei-
peito. Mas o FBI não põe de par- shington. os investigadores, marca o mo- ção que podia e ele depois disse ra classe, o mais perto da ca-
A caixa negra do avião que te essa hipótese. Chamadas realizadas por mento em que os terroristas se que tinha que desligar”, contou bina do piloto.
se despenhou na Pensilvânia Os investigadores do FBI dis- passageiros a partir do avião, apoderaram do avião. à Reuters Deena Burnett. “Eu Outra das hipótese avança-
na passada terça-feira foi on- seram ontem que não punham poucos momentos antes de o É nesse momento que al- apercebi-me que ele estava a das aponta para a resistência
tem encontrada pelas equipas de parte a hipótese de o voo da aparelho cair, gritos ouvidos guém no interior do Boeing magicar um plano.” do próprio piloto. Especula-se
de busca, anunciou a National United Airlines ter sido abati- pelos controladores aéreos — contacta via rádio a Adminis- Aterrorizada com a possi- que o avião se tenha despenha-
Transportation Safety Board, do. “Não descartámos essa hi- que podem indiciar a existên- tração Federal de Aviação nor- bilidade de o seu marido, em- do na Pensilvânia porque o pi-
a agência americana encarre- pótese”, disse o agente do FBI cia de uma luta a bordo — e o te-americana referindo que te- pregado numa firma de mate- loto, Jason Dahl, terá negado
gue da gestão das catástrofes Bill Crowley em conferência barulho de uma explosão são ria um novo plano de voo, cujo rial médico, estar a chamar ceder o controlo do aparelho,
aéreas. de imprensa, quando questio- algumas das pistas recolhidas destino era Washington. a atenção dos sequestradores preferindo despenhar-se numa
Os dados contidos na caixa nado sobre informações de que e que podem explicar a queda Entretanto, apercebendo-se quando telefonava, suplicou- zona pouco populosa.
negra do avião deverão ajudar a aeronave teria sido abatida do Boeing 757-200, com 38 pas- do que se está a passar a bordo, lhe para se manter discreto. Mick McGeady, um amigo de
os investigadores na tentativa por um caça americano. “Ain- sageiros a bordo e sete tripu- alguns dos passageiros come- Nessa altura, ele disse-lhe: “Se Dahl, sugere que o piloto pode,
dereconstruir os acontecimen- da não pusemos de parte ne- lantes. çam a fazer chamadas por te- vão despenhar o avião, então na verdade, ter forçado o avião
tos a bordo do voo 93 da United nhuma hipótese”, reforçou. De acordo com a ABC News, lemóvel. Thomas Burnett, um vamos ter que fazer alguma a despenhar-se, ou, pelo menos,
Airlines — o único dos quatro Contudo, o Departamento o avião seguia de Newark, de deles, fez quatro telefonemas coisa.” No quarto e último te- tentado evitar que os terroris-
aparelhos desviados por ter- de Defesa americano negou onde saiu às 8h01 locais (13h01 para a sua mulher, que o infor- lefonema, Deena Burnett fi- tas tomassem o controlo. I
1 4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA -FEIRA, 14 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

HISTÓRIAS DE NOVA IORQUE


COLIN BRALEY/REUTERS

THORPE ESCAPA POR POUCO explosão. Depois, só voltei os olhos


AO ATENTADO NO WTC para lá quando já ia no ‘ferry’. Eu
estava completamente
Uma máquina fotográfica esquecida concentrado, acho, na tarefa de
acabou por salvar a vida a uma das sobreviver.” O relato deste
maiores estrelas da natação financeiro britânico de 36 anos à
mundial, o australiano Ian Thorpe, BBC não esconde o estupor em que
que estava na manhã de terça-feira ele, como toda a cidade de Nova
preparado para visitar as torres Iorque, mergulhou após o atentado
gémeas do World Trade Center. ao World Trade Center. Ele vagueou
Thorpe esqueceu-se da câmara no pelas ruas, sozinho, em silêncio.
hotel onde estava hospedado e Mas isso foi depois de ter fugido a
resolveu voltar atrás para ir toda a pressa do 95º andar da torre
buscá-la. Minutos depois o primeiro sul, assim que se deu conta da
avião colidiu contra o edifício explosão no prédio ao lado. Mal o
norte-americano. Thorpe “estava primeiro avião embateu na torre
provavelmente a 15 ou 20 minutos norte do World Trade Center, Gould
do local”, disse ontem o seu agente, saiu do seu gabinete, juntou as
Frank Turner, a uma rádio pessoas que estavam à vista e
australiana. “Ele viu os aviões meteu-se num elevador para um
dirigirem-se para o edifício e está piso onde depois apanharam o
bastante chocado”, acrescentou ascensor directo ao piso térreo. A
Turner, que entretanto deixou de sua rapidez salvou vidas, porque o
estar em contacto com o nadador segundo avião embateu na torre sul
devido aos problemas de perto do 60º andar e muitas pessoas
comunicações com Nova Iorque. O que ficaram a ver o “acidente” já
campeão de natação — conquistou não puderam escapar. Na altura, os
três medalhas de ouro nos Jogos vigilantes de incêndio acharam que Na sequência dos atentados, cães treinados revistam agora as bagagens nos aeroportos
Olímpicos de Sydney 2000 e seis nos era seguro ficar por ali.
últimos Mundiais, realizados no
Japão — estava em Nova Iorque vidro até cassetes vídeo do comercialização estende-se a Anthony Perkins, vivia em Los
para participar num evento “SITE” DE LEILÕES PROÍBE desastre. “Estamos a agir por artigos “normais”, como livros, Angeles e seguia a bordo de um
promocional do estilista Giorgio “SOUVENIRS” DOS ATENTADOS respeito às vítimas, às suas famílias postais e imagens mostrando as dos dois aviões que se despenhou
Armani, que acabou por ser adiado. e a todos os que sobreviveram”, torres gémeas. “Nunca fomos tão contras as torres gémeas do World
O eBay é um dos maiores sites explicou o porta-voz da eBay, Kevin longe”, reconheceu Pursglove. Trade Center, em Nova Iorque.
mundiais de leilões na Internet e Pursglove, que ainda reconheceu a Berenson regressava de uma férias
FUGIR, FUGIR SEMPRE, decidiu tomar aquilo a que chamou existência de preços “para todos os passadas em Cape Cod no voo 11
SEM OLHAR PARA TRÁS “medidas extraordinárias” gostos” nos artigos que apareceram ACTRIZ BERRY BERENSON da American Airlines. Eram 266 os
destinadas a proibir a transacção de no mercado. Não é a primeira vez ENTRE AS VÍTIMAS passageiros que seguiam nos
Anthony Gould só voltou a olhar “souvenirs” dos atentados ao World que o site de leilões trava iniciativas quatro aviões que na terça-feira
para as torres do World Trade Trade Center e ao Pentágono. Nas de gosto discutível — fez o mesmo A actriz e fotógrafa Berry foram utilizados como bombas
Center quando já se encontrava no horas que se seguiram aos ataques em Julho de 1999, com a morte de Berenson, de 53 anos, encontra-se voadoras pelos terroristas — dois
“ferry” que o levava para fora de kamikaze contra Nova Iorque e John Kennedy Jr, e com o acidente entre as vítimas que resultaram da atingiram o World Trade Center, um
Mannhatan. “Nunca olhei para trás. Washington, apareceram no que vitimou o piloto Dale Earnhardt, série de atentados terroristas que o Pentágono e o quarto
A última vez que vi os prédios foi mercado um sem-número de em Fevereiro passado. Só que, atingiu o território americano. despenhou-se numa região de
quando olhei para cima para ver a artigos, desde bocados de betão e desta vez, a proibição de Berry Berenson, viúva do actor floresta na Pensilvânia.

KUWAIT PALESTINIANOS PRESOS trados nos Estados Unidos deram origem a


uma rara onda de solidariedade russa.
POR FESTEJAREM ATENTADOS
Vinte palestinianos foram presos no Kuwait ÁFRICA DO SUL CONCORRENTES DO
por terem manifestado a sua alegria perante
os atentados terroristas nos Estados Unidos.
“BIG BROTHER” NÃO SABEM DO ATAQUE
Segundo o diário “al-Watan”, os serviços de Os concorrentes do “Big Brother” sul-africa-
segurança agiram no bairro de Bneid al-Gar, no não foram ainda informados do ataque
no centro da cidade, onde os palestinianos terrorista contra os Estados Unidos. Fecha-
festejavam os trágicos acontecimentos de dos num apartamento de Joanesburgo desde
INFORMAÇÃO AOS PASSAGEIROS Washington, Nova Iorque e Shanksville (a
130 quilómetros de Pittsburgh). “O Kuwait
o dia 26 de Agosto, não têm qualquer conhe-
cimento dos trágicos atentados de terça-feira.
não permitirá tais comportamentos e não Segundo o diário “The Star”, a decisão dos
A TAP Air Portugal, na sequência do reforço das medidas de aceitará celebrações semelhantes no seu ter- produtores de não informar os 11 concorren-
ritório”, garantiu um responsável dos servi- tes do programa, difundido pela cadeia DSTV,
segurança accionadas nos aeroportos portugueses, solicita aos ços de segurança. O Kuwait mantém ligações foi tomada na sequência de uma sondagem
seus passageiros que: privilegiadas com os EUA, que, em 1991, lide- realizada na Internet. Mais de 70 por cento
raram as tropas aliadas que expulsaram do dos telespectadores manifestaram-se contra
• se apresentem nos balcões de check-in com maior ante- território o exército iraquiano, depois de sete a possibilidade de lhes ser dada a conhecer
meses de ocupação. Dezenas de milhares de a série de acontecimentos que actualmente
cedência que habitualmente; palestinianos, acusados de apoiar a invasão dominam a agenda internacional. Apesar
iraquiana que conduziria à Guerra do Golfo, dos resultados da sondagem, a produção do
• sejam sempre portadores de documentos de identificação; foram expulsos do emirado. programa garantiu ter verificado se algum
dos residentes tinha familiares ou amigos
• todos os passageiros com bilhete electrónico se façam acom- entre a lista de vítimas já divulgada.
panhar do respectivo recibo;
RÚSSIA SANGUE DE MOSCOVITAS
NÃO DEVERÁ CHEGAR AOS EUA FRANÇA PARIS “DESACTIVA”
• reduzam ao indispensável as suas bagagens.
Ontem, alguns jovens russos participaram na
recolha de sangue destinada às vítimas dos
CAIXOTES DE LIXO PÚBLICOS
A TAP recomenda que os passageiros com voos marcados para atentados nos EUA. No entanto, os lotes reco- Um terço dos caixotes de lixo públicos pari-
os Estados Unidos contactem previamente a Companhia através lhidos têm poucas probabilidades de chegar sienses foi fechado ou retirado para evitar
ao território americano. Uma responsável dos que neles sejam eventualmente colocadas
do telefone número 808 20 57 00 serviços de saúde moscovitas, Lioubov Jomo- bombas, disse hoje o presidente da câmara de
va, afirmou à AFP que o sangue não deverá Paris, Bertrand Delanoe. Já foram retirados
Avisa-se ainda que as medidas de segurança respeitantes ao ser enviado: “O presidente [Vladimir] Putin ou fechados “5.689 caixotes de lixo em 16 mil”
reforço na identificação de bagagem podem ocasionar atrasos ofereceu ajuda médica aos Estados Unidos, e todos serão “progressivamente colocados
mas eles ainda não responderam.” “Dissemos em local seguro”, adiantou durante uma
nos voos, que lamentamos, e que o acesso às aerogares está aos dadores que o seu sangue não iria para a conferência de imprensa, dois dias depois
exclusivamente limitado a passageiros. América, mas que seria utilizado em Mosco- dos atentados que terão provocado milhares
vo para responder às necessidades locais”, de mortos nos Estados Unidos. Por outro
acrescentou a responsável russa. Perante lado, o dia sem carros, previsto para 22 de
TAP Air Portugal a possibilidade de os lotes não virem a ser Setembro, poderá ser adiado, devido à im-
enviados para os EUA, uma das dadoras de- portância do dispositivo de segurança que
12 de Setembro de 2001 clarou à agência noticiosa francesa: “Se esse exige. Para Delanoe, o estado de espírito nes-
for o caso, não é grave. Nós respondemos a um tas circunstâncias deve ser de “vigilância,
apelo do nosso coração.” Os atentados perpe- segurança, mas sem psicose”.
D E S TA Q U E 1 5
PÚBLICO•SEXTA -FEIRA, 14 SET 2001

“Parece um dia feriado, A pergunta


mas um feriado muito ruim” mais idiota
Lentamente, a comunidade portuguesa nos Estados Unidos tenta refazer-se dos acontecimentos
de terça-feira. Depoimentos recolhidos por Luísa Pinto e Sandra Silva Costa

AMÉLIA COUTO ISABEL GOMES verdade”, contou ao PÚBLICO. Nos últi-


mos dois dias, os restaurantes de João
Pensávamos que vivíamos As pessoas andam tristes Loureiro funcionaram “apenas a 25 por
num país poderoso e seguro e com medo cento”. “Parece um dia feriado, mas um
feriado muito ruim”, desabafou o portu- EDUARDO CINTRA TORRES
“É uma tragédia. Pensávamos que viví- Ainda mal refeitos dos acontecimentos guês, salientando que, apesar de tudo, em Washington
amos num país poderoso e seguro, mas de terça feira, alguns habitantes regres- “as coisas começam a voltar à normali-
afinal viu-se a sua vulnerabilidade. Não saram aos seus postos de trabalho. É dade”. “Este é um país que está prepara- Dezenas e dezenas de sobreviventes e de familiares de
sabemos onde é que isto vai parar.” Amé- o caso de Isabel Gomes, uma jovem na- do para tudo. É impressionante como é vítimas e de desaparecidos são entrevistados diaria-
lia Couto, uma portuense que vive na tural de Viseu que reside em Nova Ior- que as pessoas se mobilizaram logo para mente por cerca de uma dezena de canais nacionais e
cidade de Yonkers, distrito de Nova Ior- que há quatro anos e que trabalha num ajudar, embora muitas ainda estejam em regionais de televisão em Nova Iorque e Washington.
que, desde 1974, viveu um dia dramático, escritório próximo da área financeira de estado de choque”, sublinhou Loureiro, Na quarta-feira à noite, a célebre apresentadora de
sempre a temer pela vida da irmã que Manhattan, violentamente atingida pe- dando como exemplo “as filas de quiló- televisão da ABC Barbara Walters foi ao noticiário
trabalhava no terceiro edifício que veio los atentados.“Estávamos no escritório metros” que se formaram à porta dos contínuo dirigido pelo “anchor” Peter Jennings para
a ruir após os atentados de terça-feira quando tudo aconteceu. Não queríamos hospitais para dar sangue. apresentar fotografias de pessoas mortas ou desapare-
no World Trade Center (WTC). Amélia acreditar. Hoje estamos aqui outra vez, cidas e revelar as conversas que teve com familiares.
trabalha num banco no centro de Ma- mas ninguém está a trabalhar. Continua O sentido da sua intervenção era o de mostrar a
nhattan e estava envolta nos seus afa- tudo paralisado, em estado de choque. JOSÉ CARVALHEIRA variedade de pessoas atingidas e a crueldade de todos
zeres quando uma colega entrou pelo A tentar perceber o que aconteceu e o serem civis, pessoas normais, alguns pobres, outros
escritório a gritar que um avião tinha que ainda pode acontecer”, afirmou, Não conseguia sair classe média, e de todas as raças. O diálogo entre
batido no WTC. A surpresa foi tanta que consternada. O seu relato é elucidativo: de frente da televisão Barbara e Jennings foi, como tantos outros nestes
no imediato nem sequer se lembrou da “Vim no Metro, desde a rua 88, onde vi- dias, emotivo ao mais alto grau, mas as palavras nun-
irmã. Foram para a janela, pensando vo, até Canal Street, onde a circulação Três horas. Foi este o tempo que José ca deixaram de se limitar estritamente ao informa-
que estavam a assistir a um acidente está interrompida. A primeira coisa que Carvalheira, residente em Elisabeth tivo. Quando Barbara Walters terminou, Jennings
inusitado. A visão de um segundo avião senti de diferente é que as pessoas já há 35 anos, conseguiu dormir na noite agradeceu-lhe muito em especial o facto de ela nunca
a colidir com a segunda torre desfez essa não falam. Estão remetidas ao silêncio, de terça-feira. “Não conseguia sair de ter perguntado nem dito o que os familiares sentiam.
possibilidade. Só aí se lembrou da irmã. porque não há nada para dizer. Nota-se frente da televisão. Deitei-me às duas, E o apresentador da ABC aproveitou para informar
Dirigiu-se ao telefone e já lá tinha uma que estão tristes e com medo.” De entre levantei-me às cinco e continuei a ver os espectadores de que nesta cadeia de televisão é
mensagem dela, a dizer que tinha con- as vítimas que podem estar debaixo dos as notícias.” Depois foi trabalhar. “Te- “proibido” perguntar aos familiares de vítimas de
seguido fugir do edifício após o embate escombros, Isabel tem um conhecido: mos que reagir. Foi uma grande desgra- acidentes “o que sentem”. Referiu que “noutros tem-
do primeiro avião. Amélia ficou retida um bombeiro americano que está desa- ça, claro que foi, mas não podemos ficar pos” a pergunta era feita mas passou a ser política
no local de trabalho até meio da tarde, parecido desde o desmoronamento da de braços cruzados.” Quando se aper- desta rede de TV nunca mais a voltar a colocar.
altura em que o “mayor” pediu às pesso- primeira torre do WTC. cebeu que em “cada rua há uma família E Jennings comentou: interrogar numa situação
as para começarem a regressar a casa. a chorar”, voltou para casa e chorou destas “o que sente” a um familiar de uma vítima é
Entretanto, nunca mais voltou a conse- também. Primeiro pede “perdão a Deus a “pergunta mais idiota” que se pode fazer. É uma
guir contactar a irmã e já tinha visto JOÃO LOUREIRO por pensar assim” e depois, sem papas “pergunta estúpida”, disse ainda, para uma audiências
ruir os dois edifícios. “Mas agora tudo na língua, diz que é “1000 por cento da de muitos milhões de pessoas. Este caso é apenas
está bem. Sei que os meus familiares Este é um país preparado opinião de que os Estados Unidos têm um sinal da maturidade que atingiu a informação
não sofreram nada. Estou em casa com para tudo que destruir quem cometeu este acto”. televisiva americana. Apesar da perplexidade geral
os meus filhos de 8 e 11 anos, porque a E acrescenta que é esse o sentimento perante a dimensão devastadora dos ataques, as ca-
escola deles fechou. E com a árdua ta- No dia “da grande tragédia”, João Lou- “de 90 por cento do povo americano”. deias televisivas e as estações regionais reagiram
refa de lhes tentar explicar o que acon- reiro, proprietário de dois restaurantes “Eu sou crente e acredito que Jesus imediatamente, mesmo aquelas que ficaram sem an-
teceu e porque é que alguém não gosta em New Jersey, estava “no hospital a fa- perdoou a quem o matou. Mas nós não tenas devido à destruição da torre de comunicações
dos americanos. Mas é difícil explicar zer uns exames”. “Quando lá cheguei, vi somos Jesus, somos humanos. E há um na torre norte do World Trade Center.
o que não tem explicação. Tento mantê- toda a gente de olhos postos na televisão. ditado que diz que, quando se mata o
los ocupados com brinquedos e longe da Quando percebi o que estava a acontecer, bicho, mata-se a peçonha”, sentencia
televisão”, afirmou. recusei-me a acreditar que pudesse ser José Carvalheira. I Nesta cadeia de televisão é “proibido”
perguntar aos familiares de vítimas

Vigília pela paz hoje em Lisboa de acidentes “o que sentem”


As transmissões foram bastante diferentes do que
conhecemos em Portugal em vários sentidos, de que
Papa condena “terrível afronta cia sem exprimir a minha profunda dor Na carta do responsável da secção destaco estes quatro: — uma quantidade de imagens
depois dos ataques terroristas que ensan- americana deste movimento, Dave Ro- dos acontecimentos em Nova Iorque impossível em
à dignidade humana” e pede guentaram a América, fazendo milhares binson afirma que, neste momento, o Portugal, dada a quantidade de estações situadas em
fim da espiral de violência de mortos e um grande número de feri- sofrimento dos seus compatriotas “des- Nova Iorque e Washington e devido a enorme quantida-
dos”, declarou, no início da audiência liza para a raiva”. Mas Robinson acres- de de empresas de produção e até de turistas munidos
ANTÓNIO MARUJO das quartas-feiras, perante cerca 25.000 centa que ser uma pessoa de paz, neste de câmaras em Manhattan; — muito pouca intervenção
pessoas, na Praça de São Pedro. momento, nos Estados Unidos, “é talvez emocional por parte dos apresentadores e repórteres,
A Secção Portuguesa da Pax Christi — Foi com uma expressão triste, segundo o maior desafio”. que procuram integrar essa dimensão da comunicação
o mais importante movimento católico a descrição da Reuters, que João Paulo num discurso verbal praticamente reduzido aos factos;
internacional pela paz — está a organizar II afirmou: “Foi um dia sombrio para a Patriarca também — total inexistência de comentadores não especializa-
para logo à noite, na Capela do Rato, em história da humanidade, uma terrível se manifestou “horrorizado” dos: foram ouvidos prioritariamente especialistas em
Lisboa, uma vigília pela paz no mundo. A afronta à dignidade humana.” O Papa Em Portugal, o patriarca de Lisboa, D. aviação civil, terrorismo, Médio Oriente, segurança
iniciativa, a partir das 21h30, é aberta “a pediu ainda aos fiéis que se juntassem a José Policarpo, já se manifestara “horro- civil, aeroportos, engenharia, assuntos militares, po-
todas as pessoas de paz e de boa-vontade” e ele numa prece para que “a espiral da vio- rizado com os extremos a que a violência líticos retirados, etc; — inexistência total de “reacções”
pretende responder ao apelo do responsá- lência e do ódio não triunfe” e para que os pode levar”. O cardeal falou à comunica- de políticos sem relação com o assunto, personalidades
vel da secção norte-americana do mesmo líderes mundiais não se deixem dominar ção social no final da reunião do conselho mediáticas e “conhecidos”, o que é habito nas televisões
movimento. “pelo espírito do ódio e da retaliação”. permanente da Conferência Episcopal, e também na imprensa portuguesa.
Numa carta dirigida aos grupos da Pax No próprio dia dos atentados, o Papa terça-feira ao fim do dia, em Fátima, ma- Nenhum político é ouvido sem que haja uma razão
Christi de todo o mundo, Dave Robinson Wojtyla enviara um telegrama ao Presi- nifestando solidariedade com os norte- institucional (por ser líder da maioria ou da minoria
afirma que os seus compatriotas devem dente americano, George Bush, em que americanos e afirmando-se preocupado no Congresso, por representar Nova Iorque, etc.). Isso
ter, agora, “a força de resistir ao impulso afirmava que “a violência nada constrói”. com o que se seguirá. “Os decisores, agora, reduz ao mínimo a quantidade de comentários inúteis
da vingança, resistir à tendência para “Estou chocado pelo horror indizível dos terão que ter uma calma muito grande e de verborreia nas emissões televisivas. Quanto a
satanizar e desumanizar ‘o inimigo’”, bem ataques terroristas contra inocentes em para a reacção que, evidentemente, é nor- pessoas mediáticas e “conhecidas”, só vi num canal
como “a coragem de quebrar a espiral de diferentes partes dos Estados Unidos”, mal que tenham.” de TV um dos actores da série Sopranos, mas com
violência” que, receia, muitos compatrio- escrevia João Paulo II. Surpreendido com os meios que o terro- uma forte razão: vive em Lower Manhattan, a parte
tas “abraçarão rapidamente”. Também o secretariado da Pax Chris- rismo é capaz de utilizar, D. José afirmou afectada pelos ataques terroristas.
Os argumentos de Dave Robinson se- ti condenou as “macabras acções terro- que os acontecimentos de dia 11 “mos- As emissões revelaram-se, entretanto, como quase
guem de perto as posições do Papa. Na ristas”, pedindo aos líderes que reajam tram-nos, e à consciência mundial, que toda a televisão americana, muito “integradas” no
manhã de quarta-feira, João Paulo II con- “racionalmente, com deliberação mais a violência só é caminho de nova violên- sistema político existente e com um nacionalismo
denou os ataques suicidas perpetrados do que com pressa, sem ódio”, de modo a cia”. E sublinhou que, no início de um acentuado, típico do país, que as velhas nações euro-
nos Estados Unidos, dizendo que dia 11 foi resistir “à escalada de violência, à pressão novo milénio, “a humanidade tem que peias já não necessitam de arvorar. I
“um dia sombrio da história da huma- para encontrar um bode expiatório e à in- abandonar completamente a violência
nidade”. “Não posso começar esta audiên- tensificação do ódio e dos preconceitos”. como solução dos problemas”. I
1 6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA -FEIRA, 14 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
SHANNON STAPLETON/REUTERS

TODOS
Bolsas dos EUA OS FUNDOS
só reabrem “AMERICANOS”
SUSPENSOS
segunda-feira A impossibilidade
de resgate dos fundos
de investimento
MERCADOS EUROPEUS “ARTIFICIALMENTE” POSITIVOS expostos aos mercados
O “atraso” na reabertura das bolsas é visto como norte-americanos
a principal condição para um arranque “sereno” sobe para 36
da maior praça financeira do mundo O grupo Espírito Santo pas-
sou a engrossar a lista de
ROSA SOARES Aliás, esse é o maior receio bancos e sociedades gesto-
dos principais bancos centrais ras que pediram a suspensão
A entidade supervisora do e das entidades de supervisão dos seus fundos de investi-
mercado norte-americano, a das bolsas mundiais, que es- mento expostos a activos e
Securities Exchange Commis- tão a desenvolver um “esforço” aos mercados norte-ameri-
sion (SEC), e os responsáveis gigantesco na concertação de canos. Na quarta-feira, já 27
das bolsas anunciaram on- meios para garantir norma- fundos tinham sido suspen-
tem que o arranque dos mer- lidade aos mercados. Por en- sos, e, a partir de ontem, pas-
cados só acontecerá na segun- quanto, esse esforço tem tido saram a ser 36, que represen-
da-feira. Completam-se hoje êxito, como o provam o funcio- tam a totalidade deste tipo
quatro dias de paragem de Wall namento sereno das restantes de produto financeiro. Esta
Street, mais do que o inicial- praças internacionais. medida, autorizada pela Co-
mente previsto, o que para As bolsas europeias, apesar missão de Mercado de Va-
muitos é justificável, porque, de muito voláteis, acabaram lores Mobiliários (CMVM),
para além dos problemas téc- ontem por encerrar em alta, à impede os subscritores de
nicos e humanos, consequên- excepção de Paris, que fechou resgatarem as respectivas
cia do atentado terrorista de em queda ligeira. Tal como na unidades de participação
terça-feira, é necessário dar quarta-feira, verificou-se mes- dos fundos em causa (ver
tempo aos investidores para mo uma recuperação de secto- quadro), bem como a sua
que recuperem do choque so- res como os seguros, a banca e subscrição.
frido, evitando uma reacção as telecomunicações, os mais O período de suspensão,
precipitada. massacrados nas poucas horas comum a muitos países eu-
de funcionamento das bolsas ropeus, é temporário, deven-
após o atentado. As praças asi- do ser levantada um dia após
Maior paragem áticas tiveram um comporta- A L I S TA a abertura dos mercados de
nos 80 anos mento misto, mas as duas prin-
cipais —Hong Kong e Tóquio
REND. EFECTIVA % Valor da UP
Nova Iorque, que passou a
estar prevista para a próxi-
Últimos Últimos
de Wall Street — encerraram positivas. 12 meses 24 meses (Euro) (PTE) ma segunda-feira. A medida
Na Europa, apesar da au- FUNDOS DE ACÇÕES INTERNACIONAIS cautelar — que inicialmen-
Os mercados accionistas sência de grande pressão ven- Fundo (Sociedade gestora) te pretendia incluir todos os
norte-americanos estão dedora, os volumes de negó- AF América (AF Investimentos (BCP) - -33,56 3,9878 799,48 fundos, pretensão que não
há quatro dias encerra- cio continuam modestos, o que AF Invest.Acc.América ( AF Investimentos (BCP) -33,09 -10,49 5,62 1126,71 foi aceite pela CMVM — foi
dos, o que representa a mostra o distanciamento de AF Portfólio Internac. (AF Investimentos (BCP) ) -33,14 -13,34 13,0863 2623,57 tomada por se recear uma
maior “paragem” das bol- muitos investidores, particu- BBVA Bolsa Internacional (BBV Gest) -36,63 - 3,2227 646,09 corrida ao resgate destes
sas de Wall Street nos úl- larmente grandes fundos, que BPI América (BPI Fundos) -38,72 -22,17 6,9119 1385,71 produtos.
timos de 80 anos. Segun- estão a aguardar pela tendên- BPI Financeiras (BPI Fundos) -19,59 -0,95 4,9443 991,24 A associação das socie-
do a Reuters, na história cia de Nova Iorque e por no- BPI Oportunidades Mundiais (1) (BPI Fundos) - - 3,2831 658,19 dades gestoras de fundos
BPI Tecnologias (BPI Fundos) -71,28 1,5626 313,27
da New York Stock Ex- vos desenvolvimentos relati- BNU Internacional -33,47 3,96 13,4997 2706,45 de investimento, a APFIM,
change (NYSE) há a regis- vamente à resposta que os Caixagest Acções EUA (Caixagest (CGD)) - - 4,1734 836,69 avança com uma leitura di-
tar a “Gigantesca Para- Estados Unidos possam dar ao Caixagest Gestão Acções EUA (Caixagest (CGD) - - 4,1873 839,48 ferente. Contactado pelo PÚ-
gem”, que durou quatro atentado. O esforço das entida- Finifundo Blue Chips (Finivalor (Finibanco) -34,77 -17,91 4,3528 872,66 BLICO, José Maia, presiden-
meses e meio, e que acon- des supervisoras europeias — Finifundo Small Caps (Finivalor (Finibanco) -39,26 -13,97 4,8266 967,65 te da APFIM, esclareceu que
teceu durante a Primeira confirmado pela própria Co- Santander Acções Internac. (Santander Fundos) -28,58 3,46 6,1719 1237,35 a medida visa “proteger os
Guerra Mundial. Na his- missão de Mercados de Valo- Santander Telecom (Santander Fundos) -59,47 -33,11 3,9685 795,61 investidores”, porque “a sa-
tória da bolsa electrónica, res Mobiliários (CMVM) por- BIG Crescimento Global (BIG Fundos) -66,33 -33,31 7,34 1470,96 ída e entrada dos fundos de-
o Nasdaq, que comemo- tuguesa — para garantir o Esp. Santo All Stars (ESAF) -31,29 -36,33 3,39 679,41 ve ser feita com uma certa
Esp. Sto Acções Global (ESAF) -33,59 -20,45 8,27 1657,85
rou este ano o seu 30º ani- funcionamento normal dos Esp. Sto Acções América (ESAF) -32,61 -17,69 8,68 1739,94 estabilidade de cotações” e o
versário, esta é a maior mercados bolsistas e as tenta- (1) As rendibilidades apresentadas para o F. BPI Oportunidades Mundiais têm como data de referência o dia 6 de Setembro de
resgate parcial poderá pre-
paragem de sempre. tivas dos bancos para garan- 2001.
judicar quem continuar no
tir liquidez levam alguns ana- fundo. Esclarece ainda José
listas a defender que parte da Maia que o pedido de sus-
tranquilidade dos mercados FUNDOS MISTOS (PREDOMINANTEMENTE ACÇÕES) pensão está relacionado com
A MARCHA
está a ser “imposta” ou garan- Caixagest Maxivalor (Caixagest (CGD) -17,7 -9,03 4,9205 986,47 o encerramento das bolsas
DAS BOLSAS E.S. Invest 40 (ESAF) - - 9,5772 1920,06
tida artificialmente. norte-americanas e, portan-
Por isso, as expectativas da Raiz Global (Central Fundos) -15,93 -5,37 4,8768 977,71 to, com a impossibilidade de
Europa reabertura norte-americana formar cotação das unidades
Alemanha/Frankfurt Xetra Dax 1,4% continuam a aumentar. É que, FUNDOS DE FUNDOS de participação.
Itália/Milão Mibtel 0,70% para além dos grandes fundos BBVA Êxito (BBV Gest) - - 4,8887 980,1 Claro que há opiniões
França/Paris Cac 40 -0,01% de investimento, o comporta- BIG Moderado (BIG Fundos) 0,91 - 10,4791 2100,87 divergentes, porque os
R.Unido/Londres FTSE 100 1,26% mento dos investidores indivi- BIG Sectores (BIG Fundos) -28,83 - 7,6646 1536,61 momentos de grande ins-
BIG Valorização (BIG Fundos) -9,86 - 9,4419 1892,93
Espanha/Madrid Ibex 35 0,03 % duais, que canalizam grande BPI Universal (BPI Fundos) -22,1 -15,32 5,9917 1201,23 tabilidade dos mercados per-
Portugal/Lisboa Psi 20 0,81% parte das suas poupanças para Privado Agressivo F.F. (Privado Fundos) -34 -22,75 3,94 789,9 mitem perdas para uns e
a bolsa e para os derivados, po- BNC Global 25 (BNC Gerfundos) - - - - ganhos para outros — e as
Ásia/Austrália derá ser determinante para o BNC Global 50 (BNC Gerfundos) - - - - suspensões limitam a opção
Hong Kong Hang Seng 0,80% comportamento dos restantes BNC Global 75 (BNC Gerfundos) - - - - do investidor. Por outro lado,
Japão Nikkei 225 0,03% mercados. Esp. Sto Op. Dinamica (ESAF) -18,08 -9,15 4,42 885,61 ao receio de resgate de fun-
China Shanhai B -0,49% Há, no entanto, quem alerte Esp. Sto Op. Moderada (ESAF) -7,10 -2,09 4,78 959,03 dos não é alheia a má “per-
Nova Zelândia NZSE 40 1,1% para a possibilidade de as pri- Esp. Sto Top Ranking (ESAF) -22,43 8,05 5,67 1137,53 formance” que estes fundos
Austrália Sidney S&P/ASX 0,58% meiras sessões poderem ser Gestão Activa -3,35 1,66 6,04 1210,57 apresentam, na sequência
“seguradas” por grandes insti- das fortes quedas dos mer-
América Latina tuições, para dar a ideia de que FUNDOS DIVERSOS cados accionistas mundiais,
Brasil Bovespa -6,42% o ataque não abalará a confian- Santander Banca (Santander Fundos) -13,99 11,87 5,99 1201,31 o que pode contribuir para
México México IPC Fechado ça dos americanos. Por isso, na Privado Cresc. F.F. (Privado Fundos) -0,72 12,73 5,49 1100,65 que os investidores tentem
Argentina Merval -2,96 segunda-feira, e se não houver Privado Rendimento F.F. (Privado Fundos) -4,39 -4,79 4,57 916,20 resgatar as suas unidades de
E.S. Invest 90 (ESAF) - - 8,84 1772,16
mais adiamentos, o resto do Fonte: Fundos que comunicaram a suspensão dos resgates à CMVM até quinta-feira; Cotações da APFIN em 7 de Set de 2001
participação, mesmo por um
*Cotações de fecho da sessão de 13 de mundo vai estar suspenso da UP - Unidade da participação; —: não disponível. valor inferior ao da subscri-
Setembro reabertura de Wall Street. I ção. I R.S.
D E S TA Q U E 17
PÚBLICO•SEXTA -FEIRA, 14 SET 2001

Dólar perdeu para BCE manteve juros


tante junto da Fed, e esta pode
sacar aquele valor em euros
junto do BCE.

o euro e o iene Acordo com a Fed visa


garantir liquidez em
surpresa, pois na véspera o
seu presidente, Wim Duisen-
lhões de euros (22,5 mil mi-
lhões de contos) desde quar-
Fed de Nova Iorque muda-se
para New Jersey
O Banco da Reserva Federal
berg, advertiu em Bruxelas ta-feira. Procedimentos deste de Nova Iorque, que tem à sua
O euro corrigiu ontem em al- lado dos mercados cambiais,
euros e dólares dos dois contra uma acção “precipi- tipo estão também a ser se- guarda parte das reservas de
ta face ao dólar, cotando-se que continuam à espera dos lados do Atlântico tada”, que poderia dar aos guidos por outros bancos cen- ouro dos bancos centrais es-
acima dos 0,91 dólares à ho- Estados Unidos, parados des- mercados uma impressão de trais, como a Reserva Federal trangeiros, anunciou ontem
ra dos fechos dos mercados de a passada terça-feira na O Banco Central Europeu pânico. Além disso, no comu- dos Estados Unidos (familiar- que decidiu transferir tempo-
em Lisboa. O dólar perdeu sequência do ataque terro- (BCE) deixou ontem inaltera- nicado emitido ontem o BCE mente conhecida por “Fed”) rariamente todas as suas ope-
também face ao iene, desva- rista ainda sem rosto. Se as das as suas taxas de juro, na afirma que “a solidez funda- e o Banco do Japão, para res- rações para o estado vizinho
lorizando-se de 119,44, na vés- agendas não tivessem sofri- reunião quinzenal do conse- mental do sistema económi- ponder a um eventual acrés- de New Jersey.
pera, para 118,74 ienes. Um do sobressaltos, hoje seriam lho de governadores dos ban- co americano não será afec- cimo da procura de dinheiro Um porta-voz da Reserva
analista citado pela agência divulgados os números de cos centrais dos países mem- tada pelos acontecimentos de líquido (em notas e moedas). Federal, em Washington, dis-
Lusa acredita no entanto que três importantes indicadores bros da moeda única, em que terça-feira”. Com o mesmo objectivo, o se no entanto que o banco
a moeda americana vai voltar americanos — produção in- são tomadas as decisões re- Para garantir a acalmia dos BCE e a Reserva Federal anun- de Nova Iorque vai continu-
a valorizar-se nos próximos dustrial, preços na produção e lativas à política monetária mercados financeiros, a ins- ciaram ontem terem estabele- ar a supervisionar os mer-
dias. A divulgação dos valores vendas a retalho —, o que não da instituição. Assim, a sua tituição continuou ontem a cido um acordo de permuta de cados e intervirá em função
da taxa de crescimento eco- deverá acontecer, tanto mais principal taxa directora, a de injectar liquidez nos merca- divisas no montante de 50 mil das necessidades, acrescen-
nómico na União Europeia que o Presidente americano refinanciamento, mantém-se dos: 40,9 mil milhões de eu- milhões de dólares (55 mil mi- tando que “numerosas opera-
e a manutenção da principal decretou para hoje a homena- nos 4,25 por cento fixados no ros (10,2 mil milhões de con- lhões de euros) a vigorar por 30 ções do banco já tinham sido
taxa directora do Banco Cen- gem às vítimas do atentado fim de Agosto. tos) à taxa fixa de 4,25 por dias. Deste modo, o BCE pode transferidas esta semana”. 
tral Europeu passou quase ao terrorista.  R.S. A decisão não constituiu cento, o que perfaz 110 mil mi- sacar dólares até àquele mon- PÚBLICO/LUSA/AFP

Preço do petróleo S. R.

oscila em Londres PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS


Os preços do petróleo subi-
INSTITUTO PORTUGUÊS DA DROGA E DA TOXICODEPENDÊNCIA
ram imediatamente logo de-
pois de o Iraque ter dito que
aviões americanos e britâni-
cos tinham lançado bombas
AVISO
na província de Wasit, na re-
gião Sul do país, a 170 quiló-
metros da capital, Bagdad. A Apoio à Criação de
notícia motivou algumas or- CENTROS DE MOTIVAÇÃO
dens de compra, mas o pânico
durou pouco tempo, com Wa- E
shington e Londres a desmen- APARTAMENTOS DE REINSERÇÃO
tirem a existência dos ata-
ques. Na Bolsa Internacional O Instituto Português da Droga e da Toxicodependência torna público que pretende comparticipar finan-
de Petróleo de Londres, o bar- ceiramente, na aquisição de equipamento, transportes e realização de obras no âmbito da Reinserção
ril de “crude” Brent para en-
Social da Toxicodependência, na Região de Lisboa e Vale do Tejo, através de verbas PIDDAC, nos termos
trega em Novembro subiu on- feira. Na abertura do merca-
tem 32 cêntimos, para 28,55 do londrino, o preço do barril do Regulamento disponível na sede do Instituto e em www.ipdt.pt, e das condições que abaixo se
dólares por barril (31,5 euros), de Brent do Mar do Norte re- descrevem:
movimento que nada teve a gistava uma tendência de bai- PROGRAMA:
ver com a subida de três dóla- xa relativamente ao fecho do
res depois do primeiro ataque dia anterior, negociando-se a
Verbas PIDDAC para apoio na área da Reinserção Social da Toxicodependência.
de um avião sequestrado às 27,60 dólares (30 euros), con- OBJECTIVOS:
torres do World Trade Cen- tra os 28,02 do dia anterior Comparticipação financeira no âmbito da reinserção social de cidadãos ex-toxicodependentes ou em
ter de Nova Iorque, na terça- (30,9 euros). 
tratamento.
ÁREA GEOGRÁFICA ABRANGIDA PELO PROGRAMA:
Região de Lisboa e Vale do Tejo.

Ouro pouco ENTIDADES PROMOTORAS:


1. Podem ser promotoras de projectos as entidades particulares sem fins lucrativos (IPSS/ONG’S), devi-
damente licenciadas e autorizadas pelas entidades competentes.

transaccionado 2. As entidades promotoras só serão aceites desde que preencham, cumulativamente, as seguintes
condições:
a) Estejam regularmente constituídas nos termos da lei;
O ouro transaccionou-se on- não era excluída a hipótese b) Disponham de capacidade técnica e logística para desenvolver o projecto a que se candidatam;
tem em margens reduzidas de um movimento de subida c) Incluam nas suas finalidades estatutárias a promoção da saúde e/ou a luta contra a
e fechou nos 280,25 dólares do preço. Um negociante ci- toxicodependência;
(309,190 euros) por onça, em tado pela Reuters lembrava d) Não sejam devedoras à Segurança Social, à Fazenda Pública, nem à entidade financiadora.
alta ligeira face à abertura, a corrida ao ouro que se se-
nos 278,50 dólares (307,259 guiu às notícias do ataque DESPESAS APOIÁVEIS
euros). A negociação carac- terrorista aos Estados Uni- - Obras de remodelação e adaptação, tendo em vista a estrutura respectiva (apartamentos de rein-
terizou-se por um volume re- dos, que levou o preço do me- serção e centros de motivação);
duzidíssimo, o que é expli- tal precioso aos 291 dólares - Equipamento (mobiliário; enxoval; maquinaria de cozinha e de lavandaria);
cado pelos analistas com a por onça (321 euros). A mes-
relutância dos mercados em ma fonte sugeriu que, se o
- Transportes (aquisição de veículos para transporte exclusivo de utentes).
assumir posições até à aber- preço do ouro se suportasse APRESENTAÇÃO DAS CANDIDATURAS
tura da praça norte-ameri- nos 276 dólares (304 euros), As candidaturas encontram-se abertas pelo período de 15 dias úteis, a contar da data desta publicação.
cana. “Enquanto não forem seriam possíveis ganhos fu-
conhecidas as implicações turos. DOSSIER DE CANIDATURA:
a longo prazo dos ataques a Segundo o Deutsche Bank, O dossier de candidatura é constituído por:
Nova Iorque e Washington, o “o ouro pode estabilizar num - Formulário de candidatura (disponível neste Instituto e em www.ipdt.pt);
que se espera é que os baixos preço alto em alturas de ins- - Documentos comprovativos das condições de acesso da entidade promotora do projecto.
volumes sejam a principal tabilidade política e risco
característica do mercado”, acrescido no mercado, mas LOCAL DE APRESENTAÇÃO
dizia ontem o relatório diá- será fundamental que os pre- Instituto Português da Droga e da Toxicodependência - Av. João Crisóstomo, n.º 14 – 1000-179 LISBOA
rio do Barclays Capital. ços se aguentem acima do
Para a maior parte dos nível técnico de 282 dólares A Presidente do Conselho de Administração
operadores, ainda é muito (311 euros) por onça para se Elza M. Deus Pais
cedo para comentar os movi- negociar a níveis ainda mais
mentos futuros do ouro, mas altos”. 
1 8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA -FEIRA, 14 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

Empresas do WTC Transporte aéreo


pode perder dez mil
prosseguem as actividades TIMOTHY A. CLARY/EPA
milhões de dólares
VÍTIMAS POR CONTAR Banif perdeu ESTIMATIVAS tish Airways e da Canadian
Airlines.
As torres gémeas
instalações PARA ESTE ANO O banco de investimentos
Schroeders Salomon Smith
albergavam mais de O Banif foi a instituição Descida inicial de 20 Barney indicou que a indús-
trezentas empresas financeira portuguesa por cento no tráfego de tria enfrenta três importan-
mais afectada com o tes riscos: redução da procu-
ELZA GONÇALVES atentado ocorrido nas passageiros, aumento ra do tranporte aéreo, talvez
(PUBLICO.PT) Twin Towers do World da recessão e na ordem de menos 20 por
Trade Center, em Nova encarecimento dos cento numa fase inicial; com-
Várias grandes empresas já Iorque. O escritório da bustível mais caro; um maior
conseguiram arranjar escritó- representação do Banif,
combustíveis são risco de recessão mundial.
rios alternativos em Nova Ior- que se situava no 80º an- os maiores riscos Mesmo em alturas boas as
que para garantir o essencial dar da Torre Sul do empresas do sector são ex-
dos seus serviços, mas o am- World Trade Center, foi As companhias aéreas pode- tremamente vulneráveis ao
biente de trabalho é de grande totalmente dizimado rão enfrentar este ano perdas aumento de custos, porque
tensão, pois pelo menos 4763 dias antes ser sido inau- globais de dez mil milhões de em regra retêm apenas cer-
pessoas são dadas como desapa- gurado, facto que impe- dólares (cerca de 11 mil mi- ca de três por cento como lu-
recidas. diu baixas mortais, já lhões de euros) devido à má cros, em relação ao total de
O banco de investimento que toda a equipa se en- situação do sector, acresci- receitas.
Morgan Stanley tinha 3500 fun- contrava em Portugal a da dos custos extraordiná- Mesmo quando o transpor-
cionários nas torres do WTC, ultimar pormenores da rios imediatos dos ataques te aéreo se regularizar nova-
ocupando 25 andares e ainda inauguração do escritó- terroristas nos Estados Uni- mente, prevê-se que a procu-
não conseguiu saber do para- rio. Os 48 trabalhadores dos, afirmou ontem a IATA- ra turística permaneça fraca.
deiro de todos os funcionários do Banco Comercial Associação Internacional de “Tantas pessoas cancelaram
que aí trabalhavam na área ad- Português na Wall Stre- Transporte Aéreo. O sector as férias”, disse um agente
ministrativa e de marketing. et também não foram di- poderá arcar com “perdas re- de viagens em Hong Kong.
“É claro que perdemos muitos rectamente atingidos cordes” este exercício, disse “Estão todos tão assustados...
amigos e colegas” declara Phi- pelos atentados. A su- ontem William Gaillard, por- A não ser pessoas em negó-
lip Purcell, o presidente da com- cursal mantém-se encer- ta-voz da organização que re- cios, ninguém quer viajar.”
panhia. rada, mas a sua activi- úne 276 transportadoras a ní- Caso o reforço dos sistemas
Purcell mostra-se triste e dade foi transferida em vel mundial, entre as quais de segurança nos aeroportos
chocado pelos ataques perpe- menos de 24 horas para a TAP. seja passado para as compa-
trados contra os Estados Uni- instalações provisórias, As perdas globais estima- nhias e seus passageiros, as
dos, mas garante que as acti- Ruínas do World Trade Centre: companhias perderam um terço em New Jersey. O Banco das devido às interrupções expectativas podem ser ain-
vidades da empresa não serão dos seus funcionários no desastre de terça-feira Espírito Santo, a Caixa de voos após os atentados da piores.  INÊS SEQUEIRA,
interrompidas. “Quero que os Geral de Depósitos e o “variam entre 350 milhões COM AGÊNCIAS
nossos clientes saibam que, de trabalho da empresa. dor da história do World Trade Banco Totta — institui- de dólares e mil milhões de
apesar da tragédia, todos os A Cantor Fitzgerald Inter- Center durante sete anos, fez ções com representa- dólares”, indicou o mesmo
nossos negócios estão a funcio- nacional, corretora de obriga- questão de lembrar que não ha- ções em Nova Iorque — porta-voz. A associação teme
nar e continuarão a funcionar” ções sediada em Londres, e a via apenas grandes grupos em- não foram atingidos. que as previsões sejam am- EFEITOS
afirma o presidente, asseguran- sua unidade de comércio elec- presariais no edifício. “Várias plamente ultrapassadas por DA G U E R R A
do aos clientes que “os seus ac- trónico, e-speed, ocupavam o pequenas empresas de uma ou um eventual “efeito dominó” DO GOLFO
tivos estão seguros”. 101º, o 103º, o 104 e o 105º andares duas pessoas” tinham os seus dade das grandes firmas. e que os dez mil milhões de
Mais de 300 pessoas traba- e continuam a tentar apurar escritórios no WTC e havia Jim Simon, administrador dólares de perdas calculados Analistas comparam a fu-
lhavam para o Deutsche Bank o que terá acontecido aos seus mesmo “alguns artistas que ti- da SunGard, outra empresa de para um ano inteiro sejam tura situação financeira
no WTC e a empresa não sabe colegas de Nova Iorque. “Nes- nham lá os seus estúdios”, re- cópias de segurança, disse ao atingidos apenas numa se- das indústrias de trans-
quantos dos seus empregados te momento, todos os nossos fere o autor de “Divided We “Los Angeles Times” que as mana. porte aéreo e de turismo
se terão salvo. No seguimento pensamentos e orações estão Stand, a Biography of New grandes companhias possuem, Cerca de quatro mil aviões às perdas que se fizeram
da tragédia foram dispensados com os nossos colegas e seus York’s World Trade Center”. normalmente, cópias dos re- — total da frota comercial sentir devido à guerra do
os trabalhadores cuja presença familiares”, disse Howard Lut- As pequenas unidades de ne- gistos armazenados em sítios dos Estados Unidos — das do- Golfo
em Manhattan não era indis- nick, presidente da empresa, ao gócios deverão ter mais difi- distantes. Na maioria dos ca- ze mil aeronaves comerciais
pensável. O banco de investi- “USA Today”. Entre as grandes culdades em reiniciar as suas sos, as cópias são realizadas de existentes no mundo ficaram Transporte aéreo
mento Keefe, Bruyette & Woods companhias afectadas pelo de- actividades, sendo previsível, se- hora a hora, semanalmente ou em terra desde terça-feira até O sector sofreu pesadas
Inc publica no seu sítio uma lis- sastre em Manhattan, figura gundo estima Mary Moster, por- uma vez por mês. É o caso do ontem, quando o espaço aé- perdas entre 1990 e 1994.
ta com o nome dos funcionários o gigante informático Sun Mi- ta-voz da empresa de cópias de Deutsche Bank cujo sítio in- reo norte-americano foi rea- Mas o pior ano foi o que
desaparecidos. A companhia, crosystems e o grupo bancário segurança Comdisco, que não forma os clientes de que os da- berto mas funcionando ape- se seguiu à guerra do
que emprega 225 pessoas nos Crédit Suisse. possuam duplicados dos seus dos estão a ser recuperados “de nas numa lógica de caso a Golfo: em 1992, as com-
Estados Unidos, poderá ter per- Contactado pelo PUBLI- documentos. Este problema, no acordo com os planos de con- caso. O mercado dos Esta- panhias associadas da
dido quase um terço da força CO.PT, Eric Darton, investiga- entanto, não afecta a generali- tingência”.  dos Unidos vale cerca de IATA registaram perdas
mil milhões de dólares por combinadas de 7,5 mil
dia, segundo a IATA. Mas o milhões de dólares.
CELDATA – INFORMÁTICA, S.A.
Lugar do Espido, Via Norte, Maia
Capital Social: PTE 5.000.000
Matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Maia sob o n.º 8.413
Agências de viagens abrandamento dos mercados
canadiano e mexicano, tal co-
mo do tráfego transoceânico,
Turismo
As receitas turísticas têm
Pessoa Colectiva: 503 961 175

ANÚNCIO
com medo de recessão devem ser também levados
em conta. Sem contar com os
efeitos dos atentados de ter-
subido de ano para ano,
nos últimos 15 anos, mas
durante o conflito prati-
ça-feira, “uma semana atrás camente estagnaram:
Nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 16º do D.L. n.º Os operadores turísticos portu- lamentos já atingiram 80 por falávamos em perdas de 2,8 1989/90 — mais 19,2 por
343/98, de 06/11, dá-se conhecimento que, em conformidade com o aprovado na gueses receiam uma recessão cento das reservas. mil milhões de dólares no cento (221 mil milhões
Assembleia Geral de 25 de Julho de 2001, esta sociedade vai redenominar as no sector devido ao clima de A World Travel, vocacionada tráfego regular internacio- de dólares-263,4 mil mi-
acções representativas do seu capital social da seguinte forma: insegurança criado pelos aten- para o mercado empresarial, nal este ano. Não há dúvidas lhões)
IDENTIFICAÇÃO DOS VALORES MOBILIÁRIOS A REDENOMINAR: 5.000 acções
representativas do capital social desta sociedade que é de PTE 5.000.000, com a
tados nos Estados Unidos. Para garante que a sua actividade de que serão muito maiores”, 1990/91 — apenas 0,5
consequente alteração da denominação do capital social para euros. além da previsível diminuição caiu 90 por cento. “Tudo o que disse Gaillard. por cento (276,6 mil mi-
FONTE NORMATIVA EM QUE ASSENTA A DECISÃO: Decreto-Lei n.º 343/98, de 6 de tráfego de passageiros para estava marcado para os próxi- lhões).
de Novembro. a América do Norte, as reser- mos dias foi cancelado”, disse Certas companhias 1991/92 — mais 13,9 por
TAXA DE CONVERSÃO: 200$482. vas para viagens com destino a ao PUBLICO.PT Pedro Barata, “vão afundar-se” cento (315,1 mil mi-
MÉTODO DE REDENOMINAÇÃO E O NOVO VALOR NOMINAL: Através do método
Londres, Roma e Paris também presidente do grupo. Uma se- Os analistas avisam que vá- lhões).
previsto no n.º 2 do art.º 13º do D.L. n.º 343/98, de 06/11, arredondando-se (renomi-
nalizando) à unidade (euro) fixando-se o valor nominal de cada acção em 5 euros estão a ser afectadas. mana de viagens canceladas rias transportadoras pode-
e o capital social em 50.000 euros, representado por 10.000 acções, após a reali- Comparando o actual clima poderá custar à empresa 200 rão ir-se abaixo devido à Visitas de norte-america-
zação do aumento de capital social, para o mínimo legal nos termos do D.L. n.º de insegurança com o que mil contos de prejuízos. perda de negócio. Outras em- nos à Grã-Bretanha (só
343/98, de 06/11, a efectuar por incorporação de reservas livres. se gerou após a Guerra do O número de portugueses presas do sector também de- em 1995 é que o número
DATA PREVISTA PARA O PEDIDO DE INSCRIÇÃO DA REDENOMINAÇÃO NO RE-
Golfo, Vítor Filipe, presiden- que viaja para New Iorque e verão ser atingidas, especial- de visitantes voltou aos
GISTO COMERCIAL: 15 de Outubro de 2001.
te do Conselho da Adminis- Newark aumentou de 183.900 mente aquelas que dedicam níveis de 1990)
Maia, 14 de Setembro de 2001
tração da Elovia, associação para 215.500 no ano passado, importantes fatias do negó- 1990 — 1,56 milhões
Pelo Conselho de Administração de agências de viagens, disse segundo Isabel Palma, das rela- cio ao tráfego para os Esta- 1991 — 1,03 milhões
ao PUBLICO.PT que os cance- ções públicas da TAP.  D.R. dos Unidos — casos da Bri- 2000 — 1,9 milhões
2 0 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA -FEIRA, 14 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
MIGUEL SILVA

P&R PCP E BE
CONTRA ACÇÃO
— O que mudou no mundo?
MILITAR
— Como devem e podem os Es- Só os partidos à esquerda do
PS estão contra uma eventual
tados Unidos e os seus aliados participação de Portugal numa
acção de retaliação militar pe-
responder a esta situação? los atentados terroristas ocor-
ridos terça-feira, nos EUA.
Em declaração escrita en-
“REALIDADE MUDOU viada aos órgãos de comuni-
cação social, o secretário-ge-
ANTES DE SER ral do PCP, Carlos Carvalhas,
afirma que “Portugal não po-
COMPREENDIDA” de ter uma posição seguidis-
ta, nem contribuir, no plano
1 — Foi uma terrível demonstração de político e militar, para um cli-
que, mais uma vez, a realidade mudou ma de irracionalidade e para
antes de ser compreendida. É sobretudo o agravamento da tensão nas
evidente a incapacidade demonstrada relações internacionais”. “A
Adriano pelos serviços de informação. Jaime Gama: “Estamos disponíveis para cooperar em todos os planos” morte de mais inocentes não
Moreira, redime o sacrifício de milha-
ex-líder 2 — Tem de seguir-se uma firme e severa res de cidadãos dos EUA, víti-

Portugal disponível
do CDS revisão das estratégias em vigor e da mas dos intoleráveis atenta-
solidariedade dos aliados, para que a dos”, acrescenta.
resposta inevitável reponha a confiança Já anteontem, um membro
na ordem e na justiça internacional. da comissão política do PCP
alertava para que as declara-

“TODOS OS PAÍSES para cooperar ções do Presidente Bush e de


outros chefes de Governo de
países-membros da NATO in-
diciavam “um claro propósito
SÃO VULNERÁVEIS”
em retaliação
de, a pretexto da luta contra
o terrorismo que, em alguns
1 — No imediato, o que basicamente casos, é comandado por anti-
mudou foi a generalizada tomada de gos aliados e serventuários dos
consciência de que todos os países são EUA, acentuar e agravar nas
Octávio vulneráveis, incluindo a maior potência O Governo ainda não agressão a um dos Estados- ontem, existia apenas em ci- relações internacionais uma
Teixeira, mundial que, com pesporrência, se con- membros como um acto de ma da mesa a possibilidade política arbitrária, agressiva,
membro siderava inexpugnável e inatacável.
decidiu como, mas está violência contra todos os ou- de “cooperação judicial e hostil aos direitos dos povos e à
da Comissão Mas também a tomada de consciência de pronto para colaborar tros. Por isso mesmo, cada policial” com o fim de aju- soberania dos países, violadora
Política do PCP que o terrorismo é em si mesmo inaceitá- na punição dos Estado da Aliança “decidirá dar na identificação dos res- da Carta das Nações Unidas”.
vel em quaisquer circunstâncias e luga- responsáveis a modalidade em que presta- ponsáveis pelo ataque. “Nes- O Bloco de Esquerda (BE) con-
res, exigindo um combate sem tréguas pa- rá assistência ao país agredi- te momento, a preocupação sidera também que é tempo de
ra a sua erradicação, sem considerações do, para que sejam repostas prioritária é prestar assis- acabar a escalada de violência.
políticas interesseiras e oportunistas. NUNO SÁ LOURENÇO as condições de segurança no tência aos Estados Unidos “O Governo português não deve
espaço do Atlântico Norte”. na medida em que nos for so- disponibilizar a base das Lajes
2 — A resposta a este ataque terrorista hediondo tem de Disponível para cooperar em O titular da pasta diplomá- licitado.” Lembrou depois a para qualquer operação militar
assentar na serenidade e na inteligência. todos os níveis, incluindo o tica esclareceu, no entanto, “posição de total solidarie- nem deve envolver os seus mili-
A resposta através de um escalada de violência seria o militar. Foi esta a decisão que ser ainda muito cedo para se dade” já manifestada quar- tares em operações de guerra
maior erro. E é o principal perigo neste momento. Tal saiu ontem da habitual reu- saber em que resultaria essa ta-feira pela NATO. da NATO”, afirmou Miguel Por-
como o terrorismo sempre se virou contra as causas que nião do conselho de minis- cooperação militar. “Não há Entretanto, depois de con- tas, em conferência de impren-
alegadamente pretende defender, igualmente a escalada tros, depois de o Governo ter nada decidido nesse senti- frontado com a oposição do sa, acrescentando que a justiça
de violência não serviria o combate ao terrorismo, antes analisado os acontecimentos do, nem mesmo ao nível de Bloco de Esquerda a uma norte-americana tem condições
o iria alimentar. e desenvolvimentos relativos uma coligação mais alarga- eventual participação por- para julgar e punir os respon-
A resposta que se impõe é a de dar resposta às causas aos atentados nos EUA. da do que os países da Alian- tuguesa numa acção de re- sáveis pelo atentado e que exis-
dos povos de que o terrorismo se serve. Dar resposta Ainda que o ministro dos ça Atlântica.” Jaime Gama taliação , Jaime Gama mini- tem meios legais que permitem
rápida e justa aos conflitos existentes no Médio Oriente, Negócios Estrangeiros não acrescentou que, como não mizou a declaração daquele a sua captura envolvendo a coo-
como nos Balcãs, em África e noutras zonas do planeta. tenha especificado de que tinha ainda sido desencade- partido. “Isso é pura cena- peração internacional.
Com determinação, criar as condições necessárias para forma se poderia processar o ada “nenhuma acção mili- rização política”, disse Ga- À tarde, os responsáveis do
que todos os povos sejam livres e para a erradicação da apoio português, a verdade é tar”, era muito cedo para ma, e, como tal, “qualquer BE não gostaram de ouvir o
miséria e da fome no mundo. Criar, de facto, uma nova que Jaime Gama confirmou elaborar sobre a matéria. O resposta do Governo seria ministro dos Negócios Estran-
ordem internacional mais justa e mais livre. E a Europa ontem, à saída da reunião do governante explicou que, até anacrónica”, concluiu. I geiros classificar como mera
tem aqui um papel primordial a desempenhar. conselho de ministros, a dis- “cenarização” a hipótese de
ponibilidade das autorida- Portugal se envolver numa es-
des portuguesas para ajudar António Guterres garante: calada militar. Para Francis-
os Estados Unidos no esforço co Louçã, o Presidente norte-
punitivo contra os responsá- “Portugal não está em guerra” americano, George W. Bush, ao
Douro – Centro de Produções Artísticas, Lda veis pelos atentados. invocar o artigo 5º da Aliança
Avenida Senhora da Hora, Edifício Metrópolis, Senhora da Hora
“A nossa disposição é pres- António Guterres opôs-se ontem a uma reacção aos Atlântica, “quer fazer a guer-
Capital Social: PTE 31.000.000 tar assistência em todos os atentados baseada em “belicisismos contra inimi- ra”. “Só Jaime Gama ainda
Pessoa Colectiva: 502 747 617 planos, tanto relativamente gos imaginários”. Falando em Belém após uma au- nem sequer percebeu em que
à cooperação policial, como diência com o Presidente da República, o primeiro- planeta está”, lamentou.
judicial e também coope- ministro pediu “racionalidade” nessa reacção, a PSD e PP é que não têm
ANÚNCIO ração militar.” Segundo o qual deve, no seu entender, não só envolver a NATO dúvidas de que Portugal está
Nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 16º do D.L. n.º responsável pela diplomacia como a China, a Rússia e “os países árabes mode- obrigado a participar numa
343/98, de 06/11, dá-se conhecimento que, em conformidade com o aprovado na portuguesa, o Governo por- rados”. eventual operação da NATO
Assembleia Geral de 31 de Agosto de 2001, esta sociedade vai redenominar as tuguês encontra-se “total- Guterres desdramatizou a situação dizendo: “Por- de retaliação aos atentados
acções representativas do seu capital social da seguinte forma: mente solidário com a NATO tugal não está em guerra nem há na NATO nenhu- nos EUA.
IDENTIFICAÇÃO DOS VALORES MOBILIÁRIOS A REDENOMINAR: cinco quotas e, em particular, com os Es- ma operação militar em desenvolvimento. A coope- Portugal tem um “dever de
representativas do capital social desta sociedade que é de PTE 31.000.000, com a tados Unidos da América, ao ração que está a decorrer na NATO é só ao nível de reciprocidade” para com o pa-
consequente alteração da denominação do capital social para euros. nível da cooperação humani- ‘intelligence’ [troca de informações]. É nessa fase ís-membro da NATO atacado,
FONTE NORMATIVA EM QUE ASSENTA A DECISÃO: Decreto-Lei n.º 343/98, de 6 tária, política, diplomática, que estamos”. E afirmar outra coisa é “prematuro uma vez que os acontecimen-
de Novembro.
judicial, policial ou militar. e alarmista”. tos de terça-feira foram “um
TAXA DE CONVERSÃO: 200$482.
Se nos for pedido envolvi- O chefe do Governo aproveitou a oportunidade pa- acto de guerra”, disse Carlos
MÉTODO DE REDENOMINAÇÃO E O NOVO VALOR NOMINAL: Através do método
mento [no plano militar], es- ra pedir aos portugueses “unidade, tranquilidade e Encarnação, porta-voz do PSD
previsto no n.º 2 do art.º 13º do D.L. n.º 343/98, de 06/11, arredondando-se (renomi-
nalizando) à unidade (euro) fixando-se o valor nominal das quotas em, respectiva-
tamos disponíveis para coo- solidariedade”. Segundo acrescentou, Portugal tem para a área da Defesa.
mente, 86.250, 25.000, 23.750, 10.000_ e 10.000, e o capital social em 155.000.
perar em todos os planos”, tido nas instâncias internacionais uma postura de O eurodeputado do CDS-
DATA PREVISTA PARA O PEDIDO DE INSCRIÇÃO DA REDENOMINAÇÃO NO RE- disse Jaime Gama. “grande firmeza e clareza”. Segundo disse, é “pre- PP Luís Queiró afirmou à Lu-
GISTO COMERCIAL: 16 de Outubro de 2001. O governante chegou mes- ciso apurar os culpados e puni-los”. Mas nenhuma sa que Portugal tem “o dever
mo a justificar a decisão com retaliação poderá deixar-se contagiar pela “irracio- de agir com firmeza contra
Maia, 14 de Setembro de 2001
o facto de a NATO ter invoca- nalidade” dos próprios autores dos atentados. Daí o terrorismo e de cooperar
Pela Gerência do o artigo 5º do seu tratado, a recusa pelo Governo português de “belicismos na punição dos autores”. I
onde se reconhece qualquer contra inimigos imaginários”. J.P.H. HELENA PEREIRA
D E S TA Q U E 2 3
PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 14 SET 2001

Cartas dos leitores


Voltará a acontecer? vizinho do lado estiver submisso a um
poder despótico. Uma eventual retaliação
que um dia, eventualmente, nos cairão
em cima.
Menos dia, mais dia, iria acontecer... pela força devido a um ataque sofrido tem NUNO GOUVEIA,
É curioso que, apesar da reprovação contornos infantis e demonstra uma vi- Porto
inequívoca por parte da generalidade dos são a muito curto prazo. O caldo primor-
líderes ocidentais, e mesmo do mundo dial que criou estes criminosos apenas
árabe, se encontrem opiniões, tal como se tornará mais num meio óptimo para Separação de pilotos
aquelas que já me foram manifestadas novos seres ignóbeis, quer tratando-se e passageiros nos aviões
por alguns amigos portugueses ditos “an- de facções islâmicas, de organizações in-
tiamericanos”, que o que aconteceu foi dependentistas em outros países, ou de A história da aviação civil ficará marcada
“bem feito”, ou “foi merecido”... Como quaisquer outros grupos. de forma indelével por uma data: 11 de
pode ser “bem feito” assassinar milhares O ataque não foi perpetrado por um Es- Setembro de 2001.
de pessoas inocentes, entre elas centenas tado soberano mas eventualmente por um Sem prejuízo de outras considerações
de brilhantes jovens com um futuro ver- grupo ou grupos de pessoas sem grande que o atentado contra a liberdade e a de-
dadeiramente promissor, cujo único pe- respeito pela vida humana, fanáticos de mocracia que ocorreu na referida data
cado foi ter ido trabalhar no dia de ontem? uns quaisquer princípios. Estes grupos possam merecer, a realidade é que aqueles
Como pode isto ser “bem feito”? desenvolvem-se justamente apenas onde tristes acontecimentos vêm colocar im-
O que poderá ser dito, e isto é total e as sementes da indignação possam proli- portantes questões sobre a própria avia-
completamente diferente, é que isto é ferar, devido a injustiças várias contra as ção civil. De facto, em 11 de Setembro de
provavelmente o resultado directo da populações. 2001, mentes assassinas gizaram a junção,
maneira como os Estados Unidos têm Enquanto várias regiões do globo es- no mesmo momento, de duas formas de
gerido a sua política externa nas ultimas tiverem em situações de insegurança e acção violenta anteriormente bem conhe-
décadas, a qual, na minha opinião, tem miséria, os poderosos nunca poderão des- cidas: a acção de pirata do ar e a acção
sido mal gerida. Na realidade, se bem cansar nem augurar uma maior liberda- suicida de tipo kamikaze. Ambas eram
que os Estados Unidos, com a sua po- de mesmo dentro dos seus espaços físicos. sobejamente conhecidas, sendo a origi-
lítica claramente pró-israelita e antiá- Enriquecer entre pobres e à custa destes, nalidade a sua junção e o resultado ime-
rabe, tenham obtido enormes lucros e aproveitando e incentivando governos diato um elevadíssimo número de mortos,
poder no Médio Oriente, estes nunca oligárquicos e desumanos, explorando prejuízos materiais de grande relevo e
compensarão a sensação de insegurança mão-de-obra e matérias-primas alheias, é um impacto marcado em todo o mundo,
agora criada ao cidadão comum norte- apenas um processo de isolamento e não nomeadamente no plano económico.
americano. Há milhões de fundamenta- de aumento da felicidade global dos elei- O exemplo em apreço poderá ser imi-
listas islâmicos dispostos a morrer para tores. Na realidade, muita da liberdade tado em futuras ocasiões se não forem
realizar atentados como estes, e milha- dos americanos foi
res de milionários que, tal como Osama já sendo gradual- RAY STUBBLEBINE/REUTERS
bin Laden, estão dispostos a financiar a mente perdida de-
morte destes últimos... Milhares de vezes vido aos próprios
o tentaram e não conseguiram: desta vez contrastes sociais
aconteceu. (...) que a sociedade li-
A meu ver, os próximos tempos serão beral criou.
determinantes para o futuro dos Estados Não existem só
Unidos, e mesmo a um nível global. Ou guetos de pobres e
os Estados Unidos têm um líder visioná- minorias, existem
rio, que compreenderá que isto voltará a também de ricos. A
acontecer se a sua política externa per- Europa conseguiu
manecer exactamente igual, ou tem um mitigar melhor es-
líder que, tal como os fundamentalistas tas situações, refre-
islâmicos, vai apenas ser guiado pela ando o acesso me-
sede de vingança, querendo castigar o teórico à riqueza
mais rápido, e da pior maneira possível, e com políticas de
os fundamentalistas e seus associados — distribuição de ri-
o que, no fundo, significa todo o mundo queza mais justas
árabe, criando assim ainda mais ódio por parte dos Es-
antiamericano por parte deste, e, assim, tados. As sociais-
certamente, novos futuros atentados co- democracias eu-
mo o de ontem. ropeias têm pelo
RUI DIOGO, menos estas van-
Washington DC tagens nos seus
meandros buro-
cráticos. Contudo,
Sem preconceitos mesmo a Europa
ninguém se tem de pé! está gradualmente
a cair num aumen-
Diz-me o meu lúcido, rigoroso e objectivo to daquelas liber-
aluno de Filosofia que, “neste caso [ata- dades individuais
que nos EUA]”, condena o acto, embora que permitem um
compreenda as razões que imagina que aumento do fosso
lhe estejam subjacentes. Mas não aceita entre ricos e po-
preconceitos como o meu de, à partida, bres, maiorias e minorias. A posse de tomadas medidas para impossibilitar a
repudiar os actos terroristas. muita riqueza acaba por se tornar num sua repetição.
À distância de algumas horas do cho- factor de isolamento se se estiver num Salvo melhor opinião, a solução adop-
que que me/nos paralisou desde o outro meio menos abonado. tada em muitos comboios, ou seja, a se-
lado do Atlântico, consigo alcançar este Hoje, proliferam os condomínios priva- paração física da cabine de pilotagem
discernimento, com o qual lhe respon- dos e o isolamento de grupos de popula- do compartimento dos passageiros, é a
do: Sem preconceitos ninguém se tem ção não heterogéneos ao nível cultural, e medida necessária para impedir novas
de pé! Que os nossos preconceitos (em isto é, na minha opinião, muito perigoso. acções do mesmo tipo. A separação deve
geral, refiro-me ao conteúdo da Declara- Estes contrastes tendem a criar senti- ser constituída de tal forma que seja im-
ção Universal dos Direitos Humanos) mentos de violência entre grupos que possível a sua abertura durante o decur-
possam ser os mais justos e que assim se se vêem como mútuos inimigos. Os que so da viagem, implicando, portanto, a
universalizem. Talvez o caminho tenha assentam a sua actuação na lei vigente existência de uma porta própria para os
que ser feito através de males menores usam de uma violência dissolvida no po- pilotos.
em direcção a alguma saudável utopia der político democrático, na aceitação Implicando, obviamente, um aumen-
(a democracia?). dos contrastes sociais e da guetização da to de encargos na operação dos actuais
Assim saibamos todos dar à realidade sociedade em bairros e zonas; os outros aviões, a implementação de uma medida
pacífica configuração. A paz começa em usam de uma violência visível e artesanal deste tipo levaria a que futuros modelos
cada um de nós. Exijamo-la àqueles que pa- mas igualmente eficaz em relação aos de aviões fossem construídos tendo em
recem ser do mundo os todos-poderosos. seus objectivos distorcidos. conta tal imperativo.
MARIA JOSÉ PESSOA A solução a maior longo prazo para Não obstante a solidariedade para com
Coimbra os contrastes de riqueza e consequen- as actuais vítimas, a comunidade inter-
tes contrastes sociais passa por políti- nacional civilizada e democrática deve de
cas de distribuição de riqueza ao nível imediato encontrar respostas para estes
Atentados são fruto do mundial, não baseadas na iniciativa novos problemas, sob pena de ferir de
fosso entre ricos e pobres individual, e que considerem a perda morte a confiança na aviação civil e de se
de direitos económicos adquiridos. Isto sujeitar a novos 11 de Setembro.
Na aldeia global não podemos usufruir é muito mais difícil de fazer do que JOSÉ PEDRO L. NUNES,
de uma democracia em liberdade se o uma bomba. Por isso fazemos bombas Porto
2 4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA -FEIRA, 14 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

Um “quilt” feito com jornais na Internet


Iniciativa do Poynter às vítimas do World Trade Center, e a importância dada ao aconte- de jornalismo”. Com sede em St.
do Pentágono e dos aviões desvia- cimento, nas suas capas, pela im- Petersburg, na Florida (EUA), é
Institute nos dos durante os atentados. A gale- prensa escrita mundial. “Impensá- uma entidade “financeiramente in-
Estados Unidos pode ser ria de imagens está acessível a par- vel”, “Dia the terror”, “Quem fez dependente” e sem fins lucrativos
vista na Web tir da homepage do instituto, em isto?”, “Atacados”, “Acto de Guer- cuja missão é “ajudar os jornalistas
http://www.poynter.org . ra”, “E agora?”, “Guerra”, foram a fazer o seu melhor”. Foi fundado
Sob o título “Primeiras páginas alguns dos títulos escolhidos pelas por Nelson Poynter, director do di-
No sítio Web do Poynter Institute do dia seguinte” (“Front Pages redacções. ário “St. Petersburg Times”.
encontra-se patente uma série de from the day After”), são aí apre- Numa outra página, também O instituto também faz investi-
imagens das primeiras páginas de sentadas as primeiras páginas de acessível a partir da “homepage” gação sobre jornalismo online, ten-
dezenas de jornais de todo o mun- cerca de 150 publicações, distribuí- do Poynter Institute, os responsá- do realizado, nomeadamente, um
do, publicadas na quarta-feira 12 das por várias páginas e ordenadas veis incluíram ainda as capas das conhecido estudo sobre a maneira
de Setembro, a seguir aos ataques de forma relativamente alfabética. edições especiais, nos dias 11 e como as pessoas lêem as notícias
terroristas do dia anterior a Nova Do “Baltimore Sun” ao “Jornal do 12 de Setembro, por cerca de 120 online através da análise dos mo-
Iorque e Washington. Tal como o Brasil”, passando pelo PÚBLICO, jornais — entre os quais o PÚBLI- vimentos oculares. O sítio Web
já célebre “aids-quilt” — a imensa “El País”, “The Times”, “USA To- CO. Globalmente, os títulos mais do Poynter fervilha ainda de di-
manta de retalhos em que cada qua- day”, “The Guardian” e “Libéra- frequentes parecem ser “Terror” e cas e conselhos aos jornalistas so-
drado simboliza uma vítima da si- tion” — além de outros diários me- “Atacados”. bre como tratar um acontecimento
da —, este “quilt” virtual de pri- nos conhecidos, locais, regionais e O Poynter Institute é uma escola da envergadura do ataque terroris-
meiras páginas jornalísticas pode nacionais —, esta mostra permite de jornalismo para “jornalistas, ta aos EUA.  ANA GERSCHENFELD
ser vista como uma homenagem comparar as manchetes, as fotos futuros jornalistas e professores (PUBLICO.PT)

Anuário das Organizações Não Governamentais


O Terceiro Sector em Portugal
O PÚBLICO, com o apoio do Montepio Geral, vai editar, no último
trimestre de 2001, um anuário das organizações não governamentais em
Portugal.
Trata-se de um trabalho inédito no País, já que apenas parcelarmente e
em relação às ONG do ambiente ou do desenvolvimento, havia direc-
tórios minimamente actualizados.
Para o trabalho de levantamento dos vários sectores em que as ONG
têm exercido actividade já foram feitos milhares de contactos e rece-
bidas centenas de respostas. Mas só uma adesão maciça a este projecto
por parte do Terceiro Sector fará do anuário uma obra de referência, no
País e no estrangeiro.
Se a sua ONG já foi contactada e respondeu ao inquérito, o nosso obri-
gado. Se já recebeu o inquérito e ainda não respondeu, recordamos-lhe
que o poderá fazer até 30 de Setembro. Se é dirigente de uma ONG que
não tenha sido contactada e a quer ver incluída no anuário, poderá
pedir os elementos de contacto e o inquérito a
Departamento de Projectos Especiais - dpe@publico.pt
Telefone - 210 111 276/277
Fax - 210 111 006/007/008
PÚBLICO
Rua Viriato, 17
1069-315 Lisboa
2001
15 Setembro
PUBLICIDADE

SÁBADO
EDIÇÃO LISBOA
15 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4198
200$00 • €1 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico.pt
www.publico.pt

MIL FOLHAS

falstaff
tudo no
BUSH MOBILIZA 50 MIL RESERVISTAS
mundo
é farsa
PARA UMA GUERRA LONGA
R E V I S TA X I S
FBI identificou 19 suspeitos de envolvimento
RELATO DE UM NÁUFRAGO
nos ataques em Nova Iorque e Washington
LARS OTTOSSON/REUTERS

Limpa-chaminés,
na Suécia,
perfilado durante
os três minutos de
silêncio cumpridos
na Europa pelas
vítimas nos EUA

AUTÁ RQUICAS 2001 Congresso dos EUA aprova 40 mil milhões de dólares de PUBLICIDADE

O PORTUGAL DAS CIDADES


ajuda | Paquistão pressionado a abrir o seu espaço aéreo
Vila Real para eventual ataque ao Afeganistão | Chuva complica
Nas mãos dos empreiteiros operações de resgate | Com Clinton teria sido diferente?
P30/31 E FUGAS
— o que dizem os analistas | Europa cumpriu três minutos
ÍNDICE de silêncio | Sexta-feira negra nas bolsas europeias
P2 A 23

BARTOON E OPINIÃO 24 A 26
BOLSA E MERCADOS
TELEVISÃO
CLASSIFICADOS
38 A 40
54/55
65 A 73
INFLAÇÃO EM PORTUGAL PODE CHEGAR AOS 4,4 POR
CINEMAS
TEMPO E FARMÁCIAS
74/75
76
CENTO COM UM CRESCIMENTO DE APENAS 2 POR CENTO
P34
2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

BUSH MOBILIZA 50 MIL


MILITARES NA RESERVA
WIN MCNAMEE/REUTERS

Em Nova Iorque, Bush pegou num megafone e disse: “A nação manda-vos o seu amor”

PRESIDENTE FOI A NOVA IORQUE terminado de raides puni- Bush e relatar a visita — um milhão de reservistas.
tivos. “[Os terroristas] co- onde falou com bombeiros Para já, serão mobilizados 50
meçaram esta guerra. Nós e operários e ouviu gritar: mil. Vão integrar as equipas
Os Estados Unidos continuam a preparar-se para a decidiremos o momento em “EUA, EUA. Não os deixem que vão vigiar o espaço aé-
guerra, que pode ser longa. “Nós decidiremos o que esta guerra acabará”, escapar”. Bush pegou num reo. Os primeiros a ser mo-
momento em que esta guerra acabará”, disse disse ontem Bush em Wa- As fontes do megafone e disse aos ho- bilizados serão especialis-
shington, onde participou mens: “A nação manda-vos o tas — controladores aéreos,
Bush, que ontem visitou os destroços de Nova numa missa a lembrar as ví-
“Washington Post” seu amor”. Estava previsto pilotos, peritos em comuni-
Iorque. Declarou o “estado de emergência timas; ao mesmo tempo, ce- no Pentágono que seguisse, depois, para cações, segundo as fontes
nacional” e chamou os reservistas lebraram-se missas em todo disseram que, no outro local — o centro de re- do Pentágono ouvidas pelo
o país. À cerimónia junta- planeamento da gisto de desaparecidos era “Washington Post”.
ram-se os ex-presidentes Bill uma hipótese, o destino foi A última vez que os milita-
ANA GOMES FERREIRA Clinton, Jimmy Carter, Ge- operação militar, se mantido secreto até ao fecho res na reserva foram mobi-
Nova Iorque rald Ford e George Bush. está a falar numa série desta página. lizados foi em 1991, durante
À tarde, Bush visitou os de países: Afeganistão Seja qual for a opção mili- a Guerra do Golfo. Na Casa
destroços do World Trade tar, os responsáveis pela De- Branca estava o Presidente
Poderá ser longa a “primei- rar uma acção militar con- Center, em Nova Iorque. Ti-
(onde Bin Laden fesa decidiram que ao país George Bush, pai do actual
ra guerra do século XXI”, tínua contra os autores do nha gente à sua espera, nas vive), Iémen, Sudão, não bastam os 1,4 milhões chefe de Estado.
como o Presidente George ataque. E, segundo a edição ruas por onde o seu carro Argélia e Paquistão de militares no activo. Pe- No dia 11 de Setembro, ter-
W. Bush chamou ao conflito de ontem do jornal “The Wa- passou, com bandeiras ame- diram a Bush para activar roristas desviaram aviões
que começou na terça-feira shington Post”, poderá op- ricanas. E havia bandeiras os reservistas. O Presidente comerciais e atiraram-nos
passada, quando terroristas tar por esta estratégia — que dos EUA nas janelas. En- aprovou o pedido, o que im- contra alvos em Nova Iorque
árabes atacaram os Estados prevê ataques de vários gé- trou, depois, na “cidade fan- plicou declarar “estado de (o World Trade Center, que
Unidos. neros — preterindo a outra tasma” — disse o jornalista emergência nacional”. Por ruiu, matando milhares de
O Pentágono está a ponde- hipótese, um número pré-de- escolhido para acompanhar lei, podem ser chamados até civis) e Washington (o Pentá-
D E S TA Q U E 3
PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001

gono, o centro do poder mi-


litar dos Estados Unidos).
Bush prometeu aos cidadãos
retaliar contra os autores do
ataque — os homens que pi-
lotaram os aviões estavam
As pistas da maior caça
ligados ao terrorista saudita
Osama bin Laden —, e con-
tra os países que albergam
ou apoiam, financeira ou lo-
gisticamente, o terrorismo.
As fontes do “Washington
internacional de sempre
Post” no Pentágono disse- O FBI tem em campo 4000 agentes e 3000 apoiantes, na maior investigação da sua história. As pistas passam
ram que, no planeamento da
operação militar, se está a por vários estados norte-americanos e vários países europeus. Por Alexandra Lucas Coelho
falar numa série de países:
Afeganistão (onde Bin La-
OS 19 PIRATAS DO AR
den vive), Iémen, Sudão, Ar-
gélia e Paquistão.
HAMBURGO
Oficialmente, não há Pelo menos três dos 19 piratas do ar Os 19 suspeitos identificados pelo
quem avance dados sobre a suspeitos [ver lista] viveram em Ham- FBI são todos dados como mortos e
operação em planeamento. burgo, incluindo Mohammad Atta e estarão ligados à organização
As cautelas entendem-se. O al-Shehhi, que estiveram inscritos na al-Qäida, do milionário saudita
Presidente dos Estados Uni- universidade local como estudantes Osama bin Laden, através de
dos, que quer “erradicar o de electrónica. Segundo a revista ale- movimentos islamistas,
terrorismo”, tem que encon- mã “Der Spiegel”, Atta e al-Shehhi nomeadamente a Jihad Islâmica
trar uma forma de punir os compraram um bilhete de ida e tenta- egípcia. Julga-se que, dos 19, sete
culpados, mas não pode de- ram obter um lugar o mais próximo teriam pilotado os aviões desviados.
clarar guerra ao mundo mu- possível do “cockpit” nos dois voos
çulmano. Boston-Los Angeles. No voo da United Voo 11 da American Airlines, que
“O inimigo está em todo o Airlines, al-Shehhi ocupava o 6C, e chocou contra a torre norte do
lado. O inimigo está escon- no voo da American Airlines, Atta World Trade Center
dido. O inimigo está no nos- ocupava o 8D.
so próprio país. Temos que Anteontem, o procurador-geral ale- Mohammad Atta, Walid al-Sheri e
traçar um plano de acção”, mão anunciara a abertura de um in- Wahil al-Sheri (provável residência
disse ontem o secretário de quérito sobre “uma associação terro- na Florida e em Hamburgo)
Estado, Colin Powell, numa rista constituída no princípio do ano Abdul al-Omari e Satam Sugami
conferência de imprensa. em Hamburgo por pessoas de origem (última residência conhecida nos
Perguntaram a Powell se ti- árabe, com convicções fundamenta- Emirados Árabes Unidos)
nha uma mensagem para listas islâmicas”, com “o objectivo de
os taliban, os senhores do lançar acções contra os Estados Uni- Voo 175 da United Airlines, que
Afeganistão que são aliados dos” e liderada por Atta e al-Shehhi. chocou contra a torre sul do World
de Bin Laden. “Estão a dar Um agente do FBI chegou ontem a Trade Center
apoio a organizações que es- Hamburgo para cooperar no inquéri-
tão a atacar a civilização, co- to local. Entretanto, a polícia alemã Marouan al-Shehhi (piloto, estava
mo a de Bin Laden, e têm que libertou um funcionário de aeroporto, nos EA com visto, viveu em
entender que não podem se- depois de 24 horas de detenção para Hollywood e na Florida)
parar a vossa actividade das averiguações sobre a sua ligação aos Fayez Ahmed, Mohald al-Shehri,
actividades destes homens”, piratas do ar dos voos suicidas de No- Hamza al-Ghamdi e Ahmed
respondeu Powell. va Iorque e Washington. O indivíduo al-Gahamdi (todos viveriam em
Ontem, o Congresso apro- vive no mesmo apartamento de Ham- Delray Beach, Florida)
vou uma medida crucial na burgo que Atta e al-Shehhi usaram
preparação de guerra que como base antes de partirem, este ano, Voo 77 da American Airlines que
está em curso nos Estados para a Florida, para treino de voo. caiu no Pentágono
Unidos. Aprovou a disponi-
bilização de 40 mil milhões Khalid al-Mihdhar (estava nos EUA,
de dólares — o dobro do FLORIDA com visto)
que Bush pedira —, que têm Há 400 agentes a investigar neste es- Majed Moqed
muitos destinos. Um deles tado, onde — segundo o FBI avançou Nawaq al-Hazmi e Salem al-Hazmi
(perto de 10 mil milhões) se- ontem em conferência de imprensa — (possíveis residentes em Fort Lee,
rá ajudar a financiar a re- 12 dos piratas do ar suspeitos viveram New Jersey)
cuperação do lugar onde o e alguns se aperfeiçoaram como pilotos indivíduo fazia parte de um grupo de sageiros de um dos aviões desviados”. Hani Hanjour (piloto, provavelmente
World Trade Center caíu. de avião. Em Vero Beach, foram fei- quatro pessoas detidas quinta-feira na Mas os três omanitas partiram da capi- viveu em Phoenix e San Diego)
Parte substancial do restan- tas buscas a quatro apartamentos, in- capital belga, pertencentes ao “movi- tal filipina a 9 de Setembro em direcção
te será para a luta antiterro- cluindo o ocupado por Adnan Bukhari, mento islâmico radical”, e das quais a Bangkok. Voo 93 da United Airlines que caiu
rismo. inicialmente supeito de envolvimento duas já foram libertadas. A polícia local pôs 2500 agentes de na Pensylvannia
Segundo o “Washington no desvio dos aviões. O advogado de Segundo as autoridades locais, o sus- prevenção nos pontos vitais de Manila
Post”, o Pentágono quer Bukhari garante que a sua identifica- peito é ainda acusado de “detenção de e nas instalações relacionadas com os Ahmed al-Haznawi, Ahmed al-Nami
investir urgentemente em ção foi roubada e que ele não tem nada armas de guerra” e de “infracção à lei Estados Unidos e está a vigiar a ilha e Said al-Ghamdi (possíveis
tecnologia porque, revelou a ver com os sequestros. sobre as milícias privadas”. Mas a jus- de Mindanao, onde se crê que viva um residentes em Delray Beach,
uma fonte, existe um fosso tiça belga não avançou dados sobre uma familiar de Bin Laden. Os serviços de Florida)
entre as capacidades milita- eventual ligação com os atentados de imigração foram alertados para a pos- Ziad Jarrah (piloto)
res e as capacidades dos ser- NOVA IORQUE terça-feira. sibilidade de o milionário saudita se
viços secretos. A fonte disse O FBI garantiu ontem que nenhuma tentar refugiar nas Filipinas.
que, este ano, a CIA conse- das detenções feitas em Nova Iorque
guiu detectar “várias vezes” está ligada aos atentados de terça-feira, ROTERDÃO
Osama bin Laden. Mas se informou a AFP. Quinta-feira tinha sido Os investigadores holandeses anuncia- FRANÇA
houver ordem para o abater, noticiada a detenção de oito indíviduos ram a detenção de quatro extremistas Segundo o diário francês “Libéra-
não há capacidade tecnoló- nos aeroportos de La Guardia e JFK, muçulmanos, dois franceses, um ho- tion”, um franco-argelino, detido o
gica. As operações de vigi- portadores de facas e documentos de landês e um argelino, que estarão liga- mês passado nos Estados Unidos co-
lância da CIA permitiram identidades falsos, suspeitos de envolvi- dos aos detidos em Bruxelas. Segundo mo militante islâmico suspeito, está
saber que, desde terça-feira, mento numa possível segunda vaga de as autoridades locais, ainda “não há agora sob vigilância em França. Sabe-
as bases de Osama bin La- atentados. Mas o senador Joseph Biden, nenhum elemento que indique a impli- se que visitou várias vezes o Afega-
den, dentro e fora do Afega- da comissão dos Negócios Estrangeiros, cação destes detidos nos atentados dos nistão recentemente e que em Boston
nistão, estão desertas. afirmou à televisão NBC que não havia Estados Unidos”. teve aulas de voo.
Na quinta-feira, o Con- “nenhuma prova” sobre a preparação
gresso anunciou que não irá de uma segunda vaga terrorista, nem
ter a iniciativa de aprovar de uma ligação dos detidos aos aconte- MANILA INTERPOL
uma declaração de guerra. cimentos de terça-feira. Um piloto das Linhas Aéras Sauditas A organização anunciou ter recebi-
Irá sim aprovar o que Bush foi interrogado pelas autoridades fili- do de mais de 50 países informações
lhe pedir. “Teremos que agir pinas, por presumivelmente ser irmão úteis relacionadas com os atentados
para dar ao Presidente aqui- de um dos piratas do ar dos aviões que de terça-feira. “Pela primeira vez na
lo de que ele precisar e pedir. BRUXELAS atingiram o World Trade Center. história, a Interpol formou um gabi-
Será legislação a autorizá-lo Um homem “de origem magrebina”, Três omanitas foram também inter- nete de crise”, anunciou o secretário-
a tomar acções contra os que suspeito de envolvimento num “aten- rogados por terem filmado a embaixada geral da organização, Ronald Noble.
fizeram estes ataques”, disse tado contra interesses americanos na dos Estados Unidos em Manila, três Com sede em Lyon, França, a equipa
o líder da minoria democra- Europa”, foi ontem detido em Bruxelas dias antes dos atentados. As autorida- intitulada “11 de Setembro” trabalha-
ta na Câmara de Represen- por “tentativa de destruição de um edi- des americanas informaram que “o no- rá ininterruptamente, 24 horas sobre
tantes, Dick Gephardt.  fício por explosão”, noticiou a AFP. O me de um deles estava na lista de pas- 24, sete dias por semana.  Marwan al-Shehhi, um dos suspeitos
4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

A morte anda nas ruas de Nova Iorque


Milhares de cartazes com desaparecidos forram as ruas de Manhattan. Em alguns, a palavra “desaparecido”
foi substituída por “morto”. Reportagem de Ana Gomes Ferreira, em Nova Iorque
REUTERS

A morte anda nas ruas de Manhat- pasta negra o pó e a cinza que se acu-
tan. Colou-se às paragens dos auto- mulou no chão numa camada de dez
carros. Aos postes da electricidade. centímetros. Até à suspensão dos tra-
Às montras das lojas. Aos muros dos balhos tinham sido retiradas sete
hospitais. Ataca a qualquer momen- toneladas de entulho, uma parcela
to. Sempre que a palavra “desapare- ínfima do que ainda existe.
cido” é substituída por “morto” nos “O meu primo Roland Pacheco de-
cabeçalhos dos cartazes com que os sapareceu. A última vez que falámos
familiares dos que estavam nas tor- com ele foi depois do ataque. Estava
res do World Trade Center forraram numa sala de conferências e ligou à
os espaços públicos. mãe a dizer que alguma coisa tinha
São milhares de cartazes. Cartazes atingido a torre onde estava, queria
improvisados, com fotografias dos saber se ela sabia o que se estava a
desaparecidos, frases escritas à mão passar e disse que estavam a mandá-
e números de telefone, para o caso de los embora. Ela foi acender a televi-
alguém ter visto uma pessoa igual são e, quando voltou, ele já não estava
àquela. “Susan Hai. Estava a traba- na linha”, conta um homem chama-
lhar no 106º andar. Chinesa. Relativa- do Pacheco, que, como os milhares
mente magra. Tem um pequeno sinal acumulados à porta do Armory na
no queixo”. “Isaias Rivera. Tinha ao quinta-feira à noite, exibia uma foto-
pescoço um fio de ouro a dizer ‘Jesus grafia do primo. Tentava mostrá-la
reina”. “Cathrina Robinson. Tam- para as câmaras de todos os canais de
bém conhecida por Patsy Henry”. televisão que estacionaram no local
“Frederick Kuo. Não tem sinais par- precisamente para mostrar as foto-
ticulares, mas tem um filho”. grafias dos desaparecidos e deixar
Incomodam, os cartazes espalha- que os familiares debitassem, por en-
dos por Manhattan. Têm fotogra- tre lágrimas, números de telefone.
fias de pessoas felizes. Há poses Pacheco consegue colocar-se mes-
formais. Mas também gente descon- mo ao lado do governador George
traída. Em casamentos, em jantares Pataki, que foi visitar o Armory. O
de família, a jardinar, em férias. governador fala-lhe, toca-lhe. Faz o
John Schart está ao pé da Torre Ei- mesmo com outros. Quando o go-
ffel de Paris. “É reconhecível por vernador parte, por entre aplausos,
uma tatuagem japonesa na perna Pacheco grita-lhe: “Obrigado sr. Pa-
esquerda e uma bandeira america- taki”. “Este homem veio aqui. Este
na no braço direito”. governador tem estado em todo o la-
Quantas são as caras de Manhat- do”, diz Pacheco, para quem a aten-
tan? Quinta-feira à noite, eram cin- ção do governador tem um efeito vi-
co mil. O número de fichas re- sivelmente consolador. No Armory
cebidas pelo centro de registo de há gente em pé desde a manhã. Há
pessoas desaparecidas, aberto nes- gente que não consegue ir-se embora.
sa manhã no edifício Armory. Mas “Não consigo dormir. Não consigo
vão ser mais. Ao Armory continua estar em casa”, diz um homem com
a chegar gente. o pai desaparecido.
Primeiro, foi-lhes pedido que des- Cadeias de “fast food” mandaram
crevessem, com todos os pormeno- entregar pizzas aos desesperados.
res, os familiares desaparecidos. Empresas de refrigerantes manda-
Depois, foi-lhes pedido que trou- ram água e sumos, e também há bar-
xessem os registos dentários. Por ras energéticas. Foi no Armory que
fim, que levassem as escovas de surgiram os primeiros sinais de pa-
dentes das pessoas que procuram. triotismo. Apareceram cartazes com
E que desapareceram na terça-fei- a bandeira dos Estados Unidos e a
ra de manhã, quando terroristas frase “estamos unidos”. Nos teatros
suspeitos de pertencerem à rede da Broadway que abriram, recupe-
do saudita Osama bin Laden des- rou-se uma tradição que se acredi-
viaram aviões e, usando-os como tava esquecida — os actores e os es-
bombas, “dispararam-nos” contra pectadores cantaram, juntos, o “God
as torres gémeas do World Trade bless America”.
Center, que ruiu com quem lá esta- O centro de registos do Armory
va dentro — 20, 30 mil pessoas? abriu para poupar passos aos familia-
As escovas de dentes são impor- res e amigos dos desaparecidos. Pas-
tantes porque o registo dos arran- saram terça e quarta-feira a correr os
jos nos dentes podem não chegar hospitais, onde há funcionários com
para identificar os corpos. Muitos listas de feridos e mortos. O Armory
corpos não são corpos. São bocados centraliza, agora, toda a informação.
de corpos. São pés, braços, cabeças, Porém, as famílias não desistem dos
troncos. É possível que, em muitos hospitais. É neles que poderão ter
casos, apenas análise de ADN pos- notícias mais depressa.
sam dar-lhes nomes. É por isso tam- No Bellevue, deram à parede
bém que as fotografias incomodam. de fotografias o nome de “wall of
As formas humanas que mostram São milhares os cartazes que forram as ruas de Manhattan, dos postes às montras das lojas prayers” (parede das orações). Perto
podem já não existir. Quando che- das dez da noite, entra uma mulher
gar o momento, pode não haver cor- à procura do marido. Já esteve em
pos para enterrar.
Na madrugada de ontem, caiu uma
Blair pede “prudência” numa resposta “determinada” todos os outros hospitais. Já esteve
no Armory. A funcionária da lista de
tempestade em Nova Iorque, que feridos e mortos tem más notícias
obrigou à interrupção dos trabalhos O primeiro-ministro britânico Tony Blair avi- tempo que for necessário até que esta ameaça e pede ajuda a um sacerdote — há
de remoção dos escombros e procura sou ontem que serão tomadas acções “deter- seja verdadeiramente aniquilada e esta má- sacerdotes de todos os credos nos
de sobreviventes e vítimas, no lugar minadas” contra os responsáveis pelo ataque quina de terror seja erradicada”. Numa clara hospitais e no Armory, assim como
onde existia o World Trade Center. terrorista contra os Estados Unidos, assim que mensagem de que o Reino Unido está dispos- tradutores de castelhano e chinês.
Relâmpagos iluminaram o céu e, de- estes forem indentificados com base em “pro- to a acompanhar uma resposta americana aos O homem está morto.
vido ao perigo, a maquinaria teve vas fortes”. Durante uma sessão extraordiná- atentados de Nova Iorque e Washington, Blair No Beth Israel, duas famílias tro-
que ser desligada. Os bombeiros, so- ria do parlamento, Blair afirmou que após esta afirmou que “para proteger o mundo contra cam informações. “De onde era?”
corristas e operários pararam. fase “as acções serão realizadas”. E irão sê-lo outros actos de terror é necessário agir”: “Va- “Do 104º andar.” “Se lhe servir de con-
Durante a manhã, as operações de uma “forma determinada”, sublinhou o pri- mos agir, como já o fizemos antes, de uma ma- solo, soube agora de uma pessoa que
prosseguiram a ritmo lento, devido meiro-ministro, antes de avisar que essas ac- neira reflectida e prudente, mas as medidas estava no 104 e sobreviveu. A nossa
à chuva forte que transformou em ções “levarão tempo e continuarão a levar o têm que ser tomadas.” filha estava no 106.” 
D E S TA Q U E 5
PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001

OS NÚMEROS R E S E R V I S TA S

ORÇAMENTO 30 a 50
A N T I T E R R O R I S TA mil é, segundo fontes oficiais, o número de
reservistas que o secretário da Defesa, Do-
nald Kumsfeld, planeia chamar para de-
20.000 fender o país na iminência de uma respos-
ta armada aos atentados de terça-feira.
... duplo calendário, fases da lua...
milhões de dólares era o montante pedido pe- Um milhão é, no entanto, o número
lo Presidente ao Congresso para aplicar na lu- de reservistas que o Presidente nor-
ta contra o terrorismo e na reconstrução das te-americano está autorizado a chamar,
infra-estruturas destruídas ou danificadas em podendo estes actuar sem a autorização
Washington e Nova Iorque após os atentados. do Congresso durante dois anos.

40.000
milhões de dólares (8,4 milhões de contos)
S O N DAG E N S

foi a cifra que foi aprovada e cedida por esse


órgão legislativo — 10.000 milhões deverão
70%
ser disponibilizados imediatamente; 10.000 dos cidadão norte-americanos apoiará Geor-
milhões mais poderão estar disponíveis nos ge W. Bush caso este opte por uma acção mi-
próximos 15 dias; os 20.000 milhões finais litar contra as pessoas ou países considera-
poderão ser solicitados depois disso. dos responsáveis pelos ataques terroristas,
ainda que essa acção implique um guerra
INVESTIGADORES prolongada, com milhares de vitimas.
86% é, por sua vez, a percentagem do eleito-

4000 rado que aprova a resposta que Bush tem


vindo, até agora, a dar aos atentados.
72 horas antes dos atentados apenas 55% dos
é, para já, o número de agentes do FBI em americanos apoiavam a estratégia Bush, en-
acção naquela que é tida como a maior caça quanto 41% a criticavam.
ao homem lançada na história dos Estados El Primero, o primeiro movimento automático
Unidos. 3000 ajudantes apoiam os agentes. para cronógrafo produzido no mundo. É o
VÍTIMAS único a medir tempos curtos ao décimo de
segundo. Uma prestação inigualável tornada
DENÚNCIAS
266 possível graças à utilização de um balanço que
oscila à frequência de 36.000 alternâncias por

2055 pessoas, ou seja todas as que viajavam a


bordo dos quatro aviões desviados, são ví-
hora. Desenvolvido em 1969, o lendário mecan-
ismo El Primero tornou-se rapidamente na
maior referência do universo relojoeiro. As suas
qualidades técnicas permitem-lhe ultrapassar
foram as chamadas recebidas até ontem pe- timas mortais já garantidas pelas autori- com sucesso os exaustivos testes do certificado
los assistentes das linhas telefónicas espe- dades. 190 mais terão morrido no Pentágo- de cronómetro atribuído pelo COSC (Controlo
ciais do FBI, onde se procuram recolher no, de onde foram recuperadas 60 partes Oficial Suíço dos Cronómetros).
pistas. 22000 outras hipotéticas pistas chega- mutiladas das vítimas. 94 corpos foram
ram através de sites instalados na Internet. encontrados no World Trade Center, mas
em Manhattan as vítimas podem subir aos
10.000. 6000 foi o número de sacos para ca- J. Borges Freitas, Lda. Importador e Distribuidor
A L E R TA S D E B O M B A À sua disposição um Catálogo sobre a Colecção de Relógios Zenith
dáveres pedidos pela Câmara de Nova Ior-
que ao Governo federal.
90 100 indivíduos de origem britânica
foram confirmados como mortos.
foi o número de falsos alertas de bomba ocor- 259 membros de equipas de socorros con-
ridos até ontem ao meio-dia de Nova Iorque. tinuavam desaparecidos sendo também
dados como mortos.
P I R ATA S D O A R
C O M PA N H I A S A É R E A S

19 2,1
terá sido o número de terroristas a controlar
os aviões. Cinco estariam em cada um dos mil milhões de dólares (440 milhões de con-
dois aviões que destruíram as Twin Towers tos) é o valor que, com os ataques terro-
do World Trade Center, em Nova Iorque. ristas, se soma às perdas que as compa-
quatro em cada um dos dois outros aviões. nhias aéreas norte-americanas esperavam
Estão já todos identificados. ter este ano. 4,4 mil milhões de dólares
é o total a que ascende o défice deste ano das
T E R R O R I S TA S companhias que, já antes dos incidentes
de terça-feira, atravessavam graves
problemas económicos. 10 mil milhões é, a
50 nível mundial, o valor estimado das perdas
que sofreram, globalmente, todas as compa-
era o número de terroristas que fontes des- nhias que operam voos de/e para
tes serviços secretos afirmavam estarem os Estados Unidos.
identificadas como envolvidos numa acção 62% de 187 companhias contactadas esta
classificada como “bem financiada”. 52 pes- semana para um inquérito revelaram ter
soas eram, contudo, mencionadas e procura- proibido os seus empregados de viajarem
das para interrogatórios numa lista que o em negócios para os EUA, pelo menos até ao
FBI enviou para os aeroportos. fim da próxima semana.

O ATAQUE TERRORISTA NA WEB


Siga as notícias minuto a minuto no sítio do PÚBLICO na Internet
http://ultimahora.publico.pt/
Consulte o dossier do PUBLICO.PT sobre o ataque terrorista
http://dossiers.publico.pt/atentado_estados_unidos/

Diga-nos a sua opinião e os seus sentimentos sobre o ataque terrorista


Participe no nosso fórum na Internet
http://foruns.publico.pt/forumdisplay.php?forumid=26
6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

O poder militar aliado


OS PROTAGONISTAS
As bases da NATO
As bases militares dos EUA no Médio Oriente
Espanha Holanda Itália 22 Pratica di Mare Estados Unidos
Turquia Kuwait
1 Rota 8 Eindhoven 15 Brescia 23 Amendola 28 Whiteman
DÀ 30 Incirlik 31 Ali Al Salem
16 Vicenza 24 Grazzanise Albâni NA
2 Morón Alemanha CA
Arábia Saudita
9 Brügge 17 Aviano 25 Gioia dell Colle 29 Tirana 28
França A 32 Eskan Village
EU
10 Geilenkirche 18 Istrana 26 Brindisi
3 Istres
11 Landsberg 19 Piacenza 27 Sigonella
4 Avord
ÃO
12 Rhein-Main 20 Ancora IA IST
Reino Unido SS AN
RÚ EG
5 Fairford 13 Spangdahlem 21 Trapani AF Quinta frota
6 Mildenhall 14 Ramstein

7 Lakenheath IT GO
CA 30 WA BI
CA IA HE KU Á
AR ÓN P. C UIA L 32
AR
I A E GA M POL RE RQ AE
ND RU A 11 RIA TU ISR AR
 NO DIN 10 14 NG NI
A IA M
ISL A 9 13 NH
A HU BÂ 31 ÁB ITA
O A ND 12 EMA AL 29 IA AR SAUD
ID OL L ÉC
N H 8 A O GR
R. U 6
7 A
G
UR 15 18
16 17 20 22 25 EO O
GIC MB 19 21 23 24 26 AR ÂN IPT
5 BÉL U XE NÇA M ERR EG
L
FRA 3 LIA 27 T
4
ITÁ E DI
A M Sexta Frota
Sexta Frota NH Sexta Frota (Mar Arábico)
PA
(Mar Mediterrâneo) ES
L
GA Legenda 1 Porta-aviões
1 Cruzador RTU
3 Destroyers
PO 2 1 1 Cruzador
Países
3 Destroyers
1 Fragata da NATO 1 Submarino
2 Submarinos
Países aliados 2 Caçaminas
1 Navio almirante
dos EUA 2 Dragaminas
3 Barcos anfíbios
1 Barco de apoio logístico
2 Barcos de abastecimento
1 Barco de combustível
2 Barcos de resgate e salvamento
2 Barcos de patruhla costeira N 20 Rebocadores

Total: 15 barcos e 2 submarinos Total: 1 porta-aaviões, 30 barcos e 1 submarino


Datos a 10 de septiembre de 2001 Tipo de aparelhos dos porta-aviões: F-14, F-18, A-6, E-2C Hawkeye, S-3 Vikings, SH/HH-60

Serviços secretos Os aliados e adversários dos taliban


CIA
Serviços secretos americanos CHINA IRÃO
Sede: Langley No dia dos atentados em Nova Iorque e Washington, Pequin e Cabul Partilhando uma longa fronteira com o Afeganistão, o Irão ocupa uma
Ano de fundação: 1947 assinaram um memorando para uma maior cooperação técnica posição estratégica entre o Médio Oriente e a Ásia Central e do Sul.
Orçamento: 2.530 milhões de euros e económica com os taliban. A China é, desde há dois anos, o país não Mantém, no entanto, más relações quer com o regime de Cabul quer
Pessoal: 4.000 aprox. muçulmano que mantém as mais estreitas relações com o isolado regime com os EUA. Algumas das mais profundas divergências entre iranianos
dos taliban. Os chineses ajudaram a formar a Organização de Cooperação e afegãos são ideológicas e doutrinais. Os líderes religiosos conservado-
Mossad de Xangai, da qual faz parte a Rússia e quatro países da Ásia Central, e res do Irão baseiam a sua legitimidade no Islão xiita, enquanto os
Serviços secretos israelitas
um dos objectivos desta aliança é combater o terrorismo transfronteiriço, dirigentes igualmente conservadores taliban pertencem à ortodoxia
sobretudo o do Afeganistão. No entanto, simultaneamente, a China tem sunita. Os dois países também têm disputas fronteiriças. O Irão é um
Sede: Tel Aviv
Ano de fundação: 1951
colaborado com os taliban num esforço para os persuadir a encerrar anfitrião relutante de 1,4 milhões de refugiados afegãos e está a travar
Orçamento: - campos em território afegão que são usados para treinar os separatistas uma violenta campanha para encerrar essa fronteira aos carregamentos
Pessoal: 1.500 a 2.000 muçulmanos da turbulenta região de Xingjiang. Diplomatas dizem de ópio provenientes do Afeganistão. Os dois Estados quase se envolve-
que, para garantir a cooperação da liderança taliban, a China admitiu ram numa guerra em 1998, quando soldados taliban mataram dez diploma-
a possibilidade de ajudar no desenvolvimento económico tas e um jornalista iranianos na cidade de Mazar-e Sharif, no Norte do
MI6 e na reconstrução das infra-estruturas. Afeganistão. Alguns analistas argumentam que os EUA deveriam restabe-
Serviços secretos britânicos lecer, o mais rapidamente possível, os laços com Teerão, para conter
Sede: Londres os regimes mais hostis do Afeganistão e do Iraque.
Ano de fundação: 1911
SEMPER
Orçamento: 240 milhões de euros Protecção dos EUA depois do ataque Últimas acções dos EUA
Pessoal: 2.303
FORÇAS AÉREAS COSTA ESTE Ataques contra outros
BND F-15 e F-16 sobre Dez barcos de guerra
Nova Iorque, dois porta-aviões 1 Abril, 1986 2 Dezembro, 1989
Serviços secretos alemães
á
ad

Washington e para proteger as Tripoli. Bombardeada Panamá. Bombardeados


an

Sede: Pullach
A C

outras áreas áreas de Nova Iorque por aviões dos EUA em os subúrbios para deter
Ano de fundação: 1956
SC
LA

e Washington. represália por atentados a Manuel A. Noriega.


A

Orçamento: -
terroristas.
Pessoal: 7.000 funcionários
a
si
Ru

DGSE N 3 Janeiro, 4 Junho, 1993


Serviços secretos franceses Radare Começa Somália. Bombardeada
Sede: Orleans a Guerra do Golfo. pelos EUA com o apoio
S
A
M

A
na

Ano de fundação: 1942


H

EUA e aliados da ONU.


A
Ca

Orçamento: - bombardeiam
A
U

Pessoal: 2.500 o Iraque.


E

Cesid 5 Agosto, 1998 6 Agosto, 2000


co

Serviços secretos espanhóis COSTA


i
éx

Afganistão e Sudão. Iraque.


M

OESTE
A
AW

Sede: Madrid Bombardeadas para Um bombardeiro


H

Ano de fundação: 1977 Um porta-aviões dos EUA e R. Unido


acabar com a guerrilha
Orçamento: 34 milhões de euros e nove barcos de causa dois mortos.
de Bin Laden.
Pessoal: 1.000 aprox. guerra com radares.
D E S TA Q U E 7
PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001

PERANTE O CONFLITO
Afeganistão
LEGENDA

C
Datos gerais Os talibán governam o país desde 1996. O seu regime político é muito

H
IN
confuso e o seu único aliado reconhecido pela comunidade Efectivos
Superfície: 647.497 km2 Principais

A
internacional é o Paquistão. A protecção a Osama bin Laden – quase Aeroportos Urânio
Exército
População: 21,9 milhões de hab. uma questão de orgulho nacional – motivou sanções internacionais. ÃO Gás Petróleo
inimigos dos
ST Marin
PIB: 20.000 milhões de dólares (1999) UI EUA
F. Aérea
Forma de estado: Emirado islâmico JIQ O
Zona controlada TA TÃ 520.000
350.000
Sistema de governo: Autoritário
pela Aliança do Norte IS
Chefe de Estado reconhecido pela ONU: U 22.000 22.000
(coligação anti-taliban) Q .
PA 45.000 G 45.000
Burhanuddín Rabbani (derrubado) FE O
Poder efectivo: O movimento taliban Feyzaba A Ã
Cidades controladas
Ã
O
I ST 00
controla cerca de 90% do país parcialmente pela IR U N5
. Taloqan E Q 0 .
Aliança do Norte Islamabad U PA Km
EQ Kondo Asadaba A
Q
ZB Baghlan IR
U Pol-e Komri Meatrala
Jalalaba
A
BI
Mazar-e Samanga Charika
O Kabu LÍ
TÃ Kowt-

ÍN
IS Shebergha

D
Bamia Baral Gardey 35.000
EN

IA
Sar-e 375.000
Bakhtia 8.000
EM Zareh 22.000 2.000
U
RQ
Meymane 35.000
TU O Bunker de Bin Laden
Changhchara T Ã
O
IS TÃ
N Tarin IS
Qal'eh-ye A Qala
Q
U
G PA
FE 00
Exército Hera A 2
IR

Qandaha N 00 Dados sócio-económicos


A

Poder militar limitado.


N

1
Dividido em facções e K m. Trata-se de um regime autoritário e
Lashkar 0
consumido por uma guerra civil fundamentalista comuna economia
que dura há décadas. Fara muito debilitada por muitos anos de
guerra e isolamento internacional.
População pronta para se alistar: Poderia ser o principal
Zaran aliado do Afeganistão.
3.400.000 Tem arsenal atómico. Crescimento anual (95/00): 2,9%
Exército terrestre de 40.000 pessoas Inflação: 14%
Composição étnica
870 tanques (T-54, T-55, T62) Mortalidade infantil: 151 ‰
Uzbeque Outros Esperança de vida: 45 anos
Aviação 5.000 pessoas
5% 3% Analfabetismo: Homens 49,6%
80 SU-7 SU-17 SU-22, 30 Mig-23, 90 Mig-21 Hazara Mulheres 79,9%
Mig Mig Tayikos 19% Pastun
Escolaridade 12/17 anos: 15,5%
21% 52%
Endereços de Internet: 0,0004 mil/hab.

Paquistão extensa e porosa fronteira, que tem servido de vál- guerra civil em curso, fornecendo armas aos seus da vez mais à ajuda da Rússia. Washington receia
Principal canal de comunicação do regime afegão vula de escape para centenas de milhares de afe- opositores no Norte do país e exortando a uma ac- que o Movimento Islâmico do Uzbequistão — fi-
com o mundo, o Paquistão parece ter relativamen- gãos que fogem da guerra e da seca. ção conjunta com outras potências europeias con- nanciado com dinheiro da droga e treinado pelos
te pouca influência sobre os taliban, cujos líderes tra o regime de Cabul. taliban — represente um braço da organização de
recusam conselhos e pressões externas. Gover- Rússia Osama bin Laden e, por isso, forneceu treino, equi-
nando pelo general Musharraf, que chegou ao po- A ex-União Soviética — que antes incluía o Taji- Ásia Central pamento e apoio político aos governos que o com-
der através de um golpe de Estado, o Paquistão es- quistão, o Uzbequistão e o Turquemenistão — inva- Os países da Ásia Central que foramavam a cintura batem. A Rússia colocou tropas no Tajiquistão.
tá a tentar obter apoio internacional de modo a diu o território afegão em 1989 mas perdeu a guer- da União Soviética emergiram como campo de ba-
projectar uma imagem mais moderada e a recupe- ra e teve de retirar as suas tropas em 1989. Os talha para a insurreição islâmica, ajudados pelo Arábia Saudita
rar a economia, não obstante o seu apoio aos tali- combates contra os soviéticos marcaram o início Afeganistão. Nos últimos dois anos, o Movimento Se há um epicentro na fúria islâmica contra os
ban e aos guerrrilheiros que combatem as forças de duas décadas de carreira de Osama bin Laden, Islâmico do Uzbequistão levou a cabo "raides" para EUA, ele situa-se 60 milhas a Sul de Riade (Arábia
indianas na disputada região fronteiriça de Caxe- que foi para o Afeganistão para combater Moscovo derrubar os novos e quase democráticos governos Saudita), numa base aérea no deserto onde deze-
mira. No entanto, se os EUA decidirem lançar uma juntamente com os seus "mujahedin" (combatentes locais, e impor a lei islâmica no Vale de Ferghana, nas de aviões americanos, de combate e reconhe-
ofensiva aérea ou uma invasão, Islamabad critica- islâmicos) e entretanto se transformou no líder de que engloba partes do Uzbequistão, Tajiquistão e cimento, estão estacionados para policiar o Sul do
rá publicamente essa ofensiva e não permitirá que uma organização terrorista a quem os taliban de- Quirguízia. Os líderes da região responderam refor- Iraque. A aviação dos EUA chegou à Arábia Saudi-
o seu território seja usado como rampa de lança- ram refúgio. A Rússia tornou-se num dos maiores çando as suas forças de defesa, isolando frontei- ta em 1990 quando Saddam invadiu o Kuwait.
mento. O Paquistão e o Afeganistão partilham uma opositores dos taliban, ajudando a financiar uma ras, limitando liberdades internas e recorrendo ca- (Adaptado do "The Washington Post")

Osama bin Laden


Actos terroristas contra os EUA
Fortuna: Filho de um magnata da construção, de origem saudita.
1 Fevereiro, 2 Novembro, 1995 Fortuna calculada em 300 milhões de dólares (330,5 milhões de euros).
Nova Iorque. Carro Riad, Arábia Saudita.
Poder: O seu grupo, Al Qeada (A Base) pode ter entre centenas a vários
bomba World Trade Carro bomba próximo
milhares de membros (afegãos veteranos da guerra, uns 50 mil).
Center. Seis mortos, de colégio americano.
Há quem aponte para entre cinco mil e 15 mil guerrilheiros.
milhares de feridos. Sete mortos.
Área de operação: O regime taliban deu-lhe refúgio e encontra-se em paradeiro
3 Junho, 1996 4 Agosto, 1998 desconhecido. Mas Al Qeada tem células na Argélia, Síria, Paquistão, Líbano,
Dhahran, Arábia Saudita. Tanzânia e Quénia. Iraque, Indonésia, Gaza, Filipinas, Tchetchénia, Kosovo e Uzebequistão.
Camião-bomba, numa Dois carros bomba Treinado pela CIA: Em 1979 deixa a Arábia Saudita para lutar no Afeganistão
base aérea americana. frente às embaixadas contra a invasão soviética. Recebe treino de segurança por parte da CIA.
19 soldados mortos. dos EUA. 230 mortos. Funda o Maktab al-Khichmat (MAK) e recruta homens para ajudar
400 feridos. na resistência contra Moscovo. Quando termina a invasão soviética,
Bin Laden vira-se contra os EUA e os seus aliados no Médio Oriente devido
5 Outubro, 2000 6 Setembro, 2001 ao encerramento dos campos de treino e a uma ajuda económica prometida
Iémen. Lancha bomba Nova Iorque. Aviões pelos americanos, mas que nunca chegou.
contra el destroyer USS lançados contra: Torres Recompensa: Cinco milhões de dólares.
Cole da Armada. 17 Gémeas, Pentágono
Desde os atentados de 1998 que está classificado pelo FBI como
mortos y 39 feridos. e Pittsburgh.
o “inimigo público número um”.
Informação: Enrique García, Cote Villar, Gracia Iglesias, Luis A. Sanz, Quico Alsedo, Patricia Villalobos y Marta Cabrera Infografia: Marta Muela, Maite Vaquero, Rafa Estrada, Chiqui Esteban, Emilio Amade, Beatriz Santacruz, Modesto J. Carrasco, Rodrigo Silva, Isabel González / EL MUNDO
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PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
AZIZ HAIDARI/REUTERS

Estados Unidos querem provas


da cooperação paquistanesa
Islamabad poderá abrir o saudita Osama bin Laden, mentadas durante a invasão na luta contra o terrorismo. Tropas turcas em estado de alerta
o seu espaço aéreo aos o homem que os EUA acredi- das tropas soviéticas, com a Na quinta-feira, o Presidente
tam estar por trás dos ataques ajuda de Washington — o país recebeu um telefonema do se- A Turquia manifestou ontem o seu total apoio aos EUA
americanos de terça-feira. A colaboração parece em boa posição para cretário de Estado americano, e garantiu ainda que as suas tropas — que formam
de Islamabad será um teste ao fornecer pistas sobre os ata- Colin Powell, com uma lista o segundo maior exército dos Estados membros da
FRANCISCA GORJÃO seu empenho na luta contra o ques ao World Trade Center e de pedidos para que a sua co- NATO — se encontram “em estado de alerta”. O país,
HENRIQUES terrorismo, indicaram à AFP ao Pentágono. Em particular operação passe à prática. na fronteira com o Médio Oriente, tem também uma
fontes próximas dos serviços o ISI, que segundo vários rela- Maulana Samiul Haq, um forte presença de forças americanas. “Vamos colaborar
Os Estados Unidos terão pe- secretos paquistaneses — o tórios alimenta a máquina de dos principais dirigentes fun- na luta contra o terrorismo seja de que forma for”,
dido ao Paquistão para abrir o ISI (Inter-Service Intellegen- guerra fundamentalista afegã dametalistas no Paquistão, declarou à CNN o primeiro-ministro, Bulent Ecevit. O
seu espaço aéreo, caso venha ce), um dos mais bem organi- (há também quem diga que avisou que as consequências chefe de Governo disse ainda que “não quer especular
a realizar-se um ataque con- zados do Terceiro Mundo). são eles quem formam as mi- poderão ser terríveis, caso o sobre probabilidades” e que pretende “esperar para ver
tra o Afeganistão. A notícia As atenções viram-se agora lícias que combatem em Ca- país autorize a utilização do quem é o responsável pelo terrível ataque terrorista
foi avançada pelo paquista- para o ISI, que controla uma xemira contra a presença in- seu território para uma res- aos Estados Unidos”. Mas adiantou que a Turquia “vai
nês “The Nation”, mas ainda rede sofisticada de informa- diana). posta dos EUA contra Osama cooperar com os países da NATO e com os aliados”.
não foi confirmada pelas au- dores no Afeganistão. As au- A Casa Branca exige agora bin Laden — segundo o “The
toridades paquistanesas. No toridades norte-americanas saber todas as informações Nation” já houve luz verde.
entanto, ontem de manhã, o querem que os serviços dispo- que possam conduzir a Bin Da reunião com os milita-
Presidente Pervez Musharraf nibilizem “toda a agenda de Laden: a sua rede, o sistema res, que durou sete horas, aca- Índia oferece apoio logístico
reuniu-se com todos os chefes endereços” daqueles que tra- de comunicações, as relações bou por sair um comunicado
das suas forças armadas: um balham junto dos taliban co- com o próprio Paquistão, a lacónico, que não confirma es- O primeiro-ministro da Índia apelou ontem às potên-
sinal de que está pelo menos mo prova da sua boa fé, adian- partir de onde o milionário ta notícia, mas que manifesta cias mundiais que se unam e utilizem a força militar
a estudar as exigências ame- tou por sua vez uma fonte saudita passará mensagens “unanimidade em condenar para acabar com o terrorismo. Atal Behari Vajpayee
ricanas. ocidental. para os seus colaboradores firmemente os actos de terro- afirmou que a Índia já há muito avisara o mundo
Para além da possível utili- O Paquistão é um dos três em várias partes do mundo. rismo que provocaram uma sobre o aumento do terrorismo, e que agora chegou o
zação do território paquista- países a reconhecer o regi- As autoridades americanas tragédia humana” nos EUA. momento de lutar contra os países que o alimentam
nês, Washington quer saber me dos fundamentalistas is- terão ainda pedido a Islama- “Foi feito um determinado nú- e apoiam. As declarações sugem depois de o Governo
informações precisas sobre lâmicos no Afeganistão (os bad o encerramento das fron- mero de recomendações e es- indiano ter decidido conceder todo o apoio logístico que
as redes dos taliban — os “es- outros são a Arábia Saudita e teiras com o Afeganistão. tas serão apresentadas ao Go- as forças militares norte-americanas considerarem
tudantes de teologia” que do- os Emirados Árabes Unidos). Musharraf, que repudiou o verno e ao Conselho Nacional necessário para as suas operações de retaliação contra
minam o Afeganistão e aco- Devido às suas relações pró- ataque, apressou-se a garantir de Segurança”, adianta o do- Osama bin Laden, o principal suspeito dos atentados
lhem em parte incerta do país ximas com os taliban — sedi- aos EUA a sua colaboração cumento.  ao World Trade Center e ao Pentágono.
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PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001

“Os taliban nunca entregarão Bin Laden”


E N T R E V I S TA C O M
R A H I M U L L A H YO U S U F Z A I

Em 1998, o paquistanês Yousufzai entrevistou Bin Laden — foi a última vez que um jornalista teve oportunidade de o fazer. Hoje, garante
que os taliban não entregarão o seu “hóspede”, nem mesmo sob a ameaça de um ataque militar. Por Alexandra Prado Coelho
SAYED SALAHUDDIN/REUTERS
Rahimullah Yousufzai, editor do jornal paquis-
tanês “The News Internacional”, colaborador
da BBC, da ABC e da revista “Time”, foi o último
jornalista a entrevistar Osama bin Laden, o
homem que os EUA acusam de estar por detrás
dos atentados em Nova Iorque e Washington
e que é “hóspede” dos taliban afegãos. Em con-
versa telefónica com o PÚBLICO, a partir de
Peshawar, no Paquistão, conta que nessa altura,
em 1998, Bin Laden respondeu que não tinha
medo dos EUA porque “só há uma superpotên-
cia — Deus”.
PÚBLICO — Os taliban vão alguma vez
entregar Osama bin Laden aos EUA?
RAHIMULLAH YOUSUFZAI — Nunca. Nun-
ca o entregarão. Nunca o expulsarão mesmo que
tenham que sofrer ainda mais. Há alguns meses,
quando entrevistei o “mullah” Omar [líder dos
taliban], ele disse-me ‘metade do meu país está
destruído, se a outra metade for destruída para
proteger Bin Laden, estamos prontos’”.
Por que o defendem desta forma?
Porque deram a sua palavra. Isso faz parte
da nossa religião. Nunca se recusa protecção
a uma pessoa em dificuldades. Ele participou
na guerra contra os soviéticos, pôs a sua vida
em risco, ajudou os “mudjahedin” e as viúvas
destes, dando-lhes dinheiro. Os taliban não o
podem trair.
Pensa então que haverá um ataque dos
EUA ao Afeganistão?
Todos os dedos estão apontados a Bin Laden.
A América já tomou a sua decisão. Só não sabe-
mos como e quando atacarão.
Que tipo de alvos podem ser atacados no
Afeganistão, um país semidestruído?
A maioria das infra-estruturas foram destru-
ídas por mais de 30 anos de guerra. O país está
devastado. Penso que os americanos vão tentar O Afeganistão é um país devastado, com a maioria das infra-estruturas destruídas por mais de 30 anos de guerra
destruir o poder militar dos taliban, porque
acham que se eles forem afastados do poder cem a um homem, Omar, que é o comandante respondeu-me ‘sou rico no coração’. Mas é um
conseguirão apanhar Bin Laden. Vão tentar dos crentes. Enquanto ele estiver vivo, os taliban homem em fuga. Nunca está muito tempo no
“Mullah” Omar
destruir os aeroportos que restam, os quartéis, estarão unidos. mesmo sítio. Sabe que é um homem procurado, apela à resistência
os símbolos do poder em Cabul e Kandahar, as Bin Laden influencia Omar? o inimigo número um dos EUA. Perguntei-lhe
duas principais cidades. Tem havido divergências entre eles. Em 1998, também se tinha medo da superpotência. Disse-
Que consequências terá esta guerra para Bin Laden deu uma conferência de imprensa me que só há uma superpotência: Deus. O líder supremo dos taliban, “mullah”
o Afeganistão? sem autorização, Omar ficou muito zangado e Ele tem um plano de expansão do islamis- Omar, apelou ontem aos afegãos para
Os taliban não estão verdadeiramente com disse que só podia existir um líder no país. Eu mo? reavivarem a chama das batalhas pas-
medo. Os afegãos dizem que já foram atacados, fui autorizado a entrevistar Bin Laden, mas foi O que ele quer é a retirada dos americanos sadas contra os imperialismos britâ-
durante 33 anos, com aviões e mísseis, e pensam a última entrevista que ele deu. da Arábia Saudita e de toda a região do Golfo, nico e russo e resistirem a um eventual
que nem os americanos os conseguirão destruir. Como descreveria Bin Laden? por razões patrióticas [Bin Laden é saudita] e ataque dos EUA. “O povo do Afeganis-
O país vai sofrer mais se os taliban perderem Tem cerca de 40 anos. A sua barba está a ficar religiosas, quer o reconhecimento dos direitos tão deve bater-se contra o seu inimigo
o poder. Mas não sabemos se os EUA consegui- branca. É alto, sofre das costas, e por isso anda dos palestinianos e um governo islâmico na com coragem, segundo as verdadeiras
rão capturar Bin Laden, que é o seu principal com a ajuda de um cajado, parece ter problemas Arábia Saudita e noutros países da região. Penso tradições muçulmanas”, disse Omar
objectivo. Nos últimos bombardeamentos [em de rins, mas não está seriamente doente. É um que os seus planos não vão além disso. numa declaração lida na Rádio Sha-
1998] não conseguiram capturá-lo nem destruir homem de poucas palavras, mas fala apaixona- Sendo, como diz, um homem em fuga, é riat, dos taliban. O dirigente religioso
os seus campos de treino. Isso foi um falhanço. damente dos assuntos que para ele são impor- muito difícil entrevistá-lo? disse ainda que não tomava esta atitu-
Agora querem preparar-se melhor. Não podem tantes: a “jihad” [guerra santa] contra os EUA e É impossível encontrá-lo sem a autorização de “apenas para se manter no poder”,
aceitar outro falhanço. Israel, a defesa dos direitos dos palestinianos. dos taliban. Eu fui levado perto da meia-noite senão “podia facilmente colaborar com
Há divisões entre uma ala mais moderada Percebe algum inglês mas fala em árabe. Tem para o deserto, perto de Kandahar. Não me ve- os americanos”.
dos taliban e a ala mais radical, próxima do quatro mulheres, todas em Kandahar, e disse- daram os olhos, porque era noite e confiaram em
“mullah” Omar? me que tinha perdido a conta aos filhos que mim, mas são bastante rígidos com a segurança
O movimento está unido porque todos obede- tem. Quando lhe perguntei sobre a sua fortuna, dele. 

França anuncia morte de Massoud


Líder da resistência aos um atentado suicida, e desde então dementido. Esta confusão reflecte a áreas sob o controlo dos taliban. um islamista moderado, foi recebido
taliban tinha sido vítima encontrava-se em estado muito gra- importância de Massoud, o último Ahmed Shah Massoud, de etnia na Europa. Veio pedir apoio para a
ve. Às informações sobre a sua mor- senhor da guerra anti-taliban, cujo tajique, foi um dos símbolos da re- sua luta contra os taliban.
de um atentado suicida te seguiam-se os desmentidos. Mas desaparecimento poderá revelar-se sistência afegã aos soviéticos no Va- Mas veio também repetir aquilo
no domingo as palavras de Védrine parecem dis- fatal para a Aliança do Norte. É tam- le de Panshir (daí a sua alcunha). que escreveu num texto reproduzi-
sipar as dúvidas. “Tinha-o recebido bém, por isso mesmo, uma vitória Em Abril de 1992 entrou, vitorioso, do pelo “Courrier Internacional”:
Depois de vários dias de informa- em Paris em Abril passado. Este as- para os taliban. em Cabul, onde se tornou ministro “Desejei, como a maioria dos meus
ções contraditórias sobre o estado de sassínio provoca-me uma grande O atentado suicida de domingo da Defesa, cargo que deixou no ano compatriotas, que depois da nossa
saúde do líder da resistência afegã tristeza”, declarou. foi cometido por dois voluntários seguinte. Desde que os taliban apa- vitória sobre o comunismo rece-
aos taliban, o ministro dos Negócios Antes disso, a Afghan Islamic islamistas árabes, que se fizeram receram e começaram a conquistar bêssemos algum reconhecimento e
Estrangeiros francês, Hubert Védri- Press, uma agência baseada no Pa- passar por jornalistas interessados território, Massoud tornou-se o seu ajuda para sarar as nossas feridas.
ne, disse ontem em Paris que “pare- quistão, tinha já dado como certa a em entrevistar Massoud. Os explo- principal opositor. Infelizmente, o Paquistão apunha-
ce confirmar-se que o comandante morte do homem a quem chamavam sivos estavam escondidos na câmara Em Abril , este estudante do liceu lou-nos pelas costas, Washington
Ahmed Shah Massoud morreu”. o “Leão de Panshir”, mas fontes da de filmar e os dois homens terão, francês de Cabul, leitor de Mao Ze- confiou em Islamabad e a Europa
Massoud foi vítima, domingo, de oposição afegã tinham mais uma vez segundo o “Libération”, vindo das dong e Che Guevara e considerado escolheu a indiferença.”  A.P.C.
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PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

CRIAÇÃO DA SEMENTE, Lda Bush pressiona Sharon


Curso
“Canalização Energética”
a aceitar encontro
(MEDITAÇÃO)
Local e Data - O Curso realiza-se na “Criação da Semente”, Lda,
Peres-Arafat
dia 29/Setembro/01, (Sábado) às 14.30 h.m Pela primeira vez, o resse sem condições prévias
e nós concordámos”.
Presidente americano Assim, com a atenção do
Objectivo - Despertar e Disparar toda a Componente Energética que pediu ao primeiro- mundo centrada nos EUA, no-
existe em nós ( Eu Ter., Eu Sup.,…) com grandes benefícios em todas ministro israelita que vos actos de violência passa-
ram despercebidos na Faixa
as áreas da nossa vida real (profissional, afectiva, amorosa, amistosa, se esforce para pôr fim de Gaza, onde soldados is-
social, lazer,..............). à violência raelitas mataram a tiro um
palestiniano durante mani-
Através da Canalização Energética obter Orientação, e Percepção, Num telefonema que durou festações em que veículos do
dos caminhos adequados a seguir, obtendo “orientações” sobre os dez minutos, o Presidente Exército foram atacados com
dos Estados Unidos, George pedras e granadas.
novos e verdadeiros desafios Universais e Terrenos . W. Bush, exortou ontem o Num outro incidente, Israel
Finalidade - Desenvolver Autonomia própria e Independência própria, primeiro-ministro israelita, criticou ontem o embaixador
Ariel Sharon, a aproveitar francês em Telavive, Jacques
para a resolução dos problemas do dia-a-dia, desde os mais ele- os canais diplomáticos entre Huntzinger, por ter afirmado
mentares até aos mais complexos. o seu chefe da diplomacia, que era “totalmente irrespon-
Shimon Peres, e o líder pa- sável” comparar os ataques
[Normalmente, quando somos jovens temos ambições para a nossa lestiniano, Yasser Arafat, de
Ariel Sharon
nos EUA com a luta dos pales-
vida futura. modo a pôr fim à violência. tinianos contra mais de três
Segundo o porta-voz da Ca- [Osama] bin Laden, porque décadas de ocupação da Cisjor-
Contudo poucos são aqueles que na idade adulta se sentem comple- sa Branca, Sean McCorma- bin Laden também tem uma dânia e Gaza. “O terror aqui
tamente realizados. ck, Bush recomendou tam- coligação de terror; a dife- [no Médio Oriente] está liga-
Por que razão existem fracassos, embora a maior parte das pessoas bém a Sharon que comece rença é que Arafat tem uma do a uma situação de conflito
a “aplicar o Relatório Mi- alternativa e ainda pode mu- entre Israel e o povo palesti-
passam grande parte da sua vida a enfrentar desafios e combates? tchell”, um documento ela- dar de rumo”, afirmara Sha- niano”, disse o diplomata, em
Provavelmente porque estivemos metidos em desafios errados, fize- borado por um senador ame- ron, na quarta-feira, atra- comentários à rádio nacional
ricano e que a maioria dos vés do seu porta-voz, Raanan israelita. “Não é a mesma si-
mos na nossa melhor boa intenção opções que embora aparente- analistas considera a melhor Gissin. tuação nos Estados Unidos.”
mente certas, deveriam estar de facto erradas, escolhemos amigos e receita para a paz nas actuais O Presidente de Israel, Moshe
circunstâncias. O relatório Críticas judaicas ao Katzav, que era anfitrião de uma
pessoas mais íntimas, julgando que eram as melhores, e que provavel- pede aos palestinianos que embaixador francês recepção onde o embaixador fez
mente nos foram conduzindo, etapa a etapa, a caminhos sinuosos e cessem os ataques contra Is- Os palestinianos condena- os seus comentários, criticou
escorregadios, que embora nos parecesse ser a melhor orientação, rael e pede a Israel que desis- ram as declarações de Sha- Huntzinger por ter “legitimado,
ta da colonização judaica dos ron e os atentados nos EUA, dado luz verde à continuação
lentamente nos conduziu a uma destruição sem darmos conta dela.] territórios ocupados. exortando os árabes a junta- dos ataques de terror [no Mé-
Aparentemente, o líder is- rem-se numa coligação inter- dio Oriente]”. Também a co-
Estrutura e Conteúdo do Curso – O Curso será constituído por uma raelita ignorou o apelo de nacional contra o terror. O munidade judaica em França
parte Teórica, na qual serão dados os Elementos Indispensáveis para Bush, que até agora tem ape- chefe da OLP até se deslocou exigiu um pedido de desculpas
nas exercido pressões sobre a uma clínica para dar san- oficial, considerando as pala-
uma compreensão rigorosa do Sistema Energético do Ser Humano, e Arafat para acabar com a re- gue às vítimas americanas. vras do seu diplomata “um in-
uma outra parte Prática, para a aplicação do Processo da Canalização volta palestiniana. “Sharon “Estávamos preparados sulto à memória de homens,
Energética. disse a Peres para não se para um encontro entre Pe- mulheres e crianças que têm
encontrar com Arafat no res e Arafat no domingo”, sido vítimas dos actos de terro-
domingo porque o ‘timing’ disse à Reuters o ministro ristas palestinianos”.
Temas Técnicos do Curso das conversações é prejudi- palestiniano da Informação, Face às pressões, a embai-
- O Corpo Energético; O Sistema Energético; As Glândulas; O cial a Israel”, revelou à Reu- Yasser Abed Rabbo. “Sha- xada de França emitiu um co-
ters uma fonte israelita não ron conseguiu obstruir o municado em que Huntzinger
Método para Canalizar Energia; Metodologia para Canalizar Energia; identificada. encontro porque quer explo- esclareceu que tinha havido
Recomendações após a Canalização Energética; Finalidade da A fonte referia-se aos ata- rar os trágicos ataques co- “um mal-entendido” porque
Canalização Energética ques terroristas de terça-fei- metidos nos EUA de modo a na entrevista à emissora isra-
ra nos Estados Unidos e aos continuar a sua guerra ter- elita se exprimiu em inglês.
Suporte: Aulas Teóricas, Sessões Práticas, e Manual do Curso comentários que o dirigen- rorista contra o povo pales- O que ele quis dizer era: “Se-
te do Estado judaico fez no tiniano. [...] Os americanos ja em Nova Iorque, Paris ou
(Teórico + Prático) dia seguinte sobre o chefe esforçaram-se ao máximo Israel, o terrorismo deve ser
Monitores: As Aulas Teóricas e Práticas serão orientadas por Maria da OLP. “Ele [Arafat] é como para que esta reunião decor- condenado.”  M.S.L.

Justina F. Nunes e Leonardo Fernandes


Programação do Curso: OS BOMBISTAS-SUICIDAS NÃO SÃO LOUCOS NEM DESESPERADOS
14.30 h.m - 16.00 h.m (Aula Teórica); Os kamikazes que na terça-feira lançaram aviões jovens que foram mobilizados depois de terem
16.00 h.m - 16.30 h.m (Comentários + Esclarecimentos); cheios de passageiros contra o World Trade manifestado desejo de ser mártires pela causa
16.30 h.m - 17.00 h.m (Pausa); Center, em Nova Iorque, e contra o Pentágono, árabe. Tinham idades entre os 17 e os 38 anos.
em Washington, são pessoas “perfeitamente Em termos de estatuto socioeconómico, abran-
17.00 h.m - 18.00 h.m (Aula Teórica + Prática); saudáveis”. Quem o garante são peritos em giam “um largo espectro, de famílias pobres a
18.00 h.m - 18.30 h.m (Sessão Prática) psicologia do terrorismo ontem citados pelo jornal famílias muito ricas”.
“New York Times”. Depois de recrutados, os voluntários são
Embora estes ataques sejam frequentemente sujeitos a intensos treinos militares e pro-
Sessões Adicionais de Apoio à Prática e Esclarecimentos descritos como suicidas, os atacantes não o são, longados retiros religiosos, que podem durar
(Teóricos + Prática) no sentido corrente do termo. Não precisam de semanas ou meses. Antes dos ataques são
- Dia 3 / Outubro (Quarta-Feira) ...............21.00 h.m - 22.00 h.m psiquiatra. Não são impelidos por depressão, de- afastados das famílias e amigos. É prática cor-
sespero ou uma baixa auto-estima. rente os seus mentores só os informarem dos
- Dia 6 / Outubro (Sábado) ........................15.30 h.m - 16.30 h.m “Não podemos compreender isto”, admitiu Jer- alvos no próprio dia em que eles têm de se
rold Post, professor de Psicologia e Assuntos Inter- fazer explodir.
Preço do Curso – 30.000$00 + IVA (17%) nacionais na Universidade de George Washington. Quando morrem, os bombistas-suicidas são
Segundo o “NY Times”, estudos sugerem que os celebrados como heróis. Neste sentido, disse ao
Inscrições - A Inscrição para o Curso poderá ser efectuada, enviando a que estão dispostos a sacrificar as suas vidas em “NY Times” Clark McCauley, professor de Psi-
ataques desta natureza são frequentemente mem- cologia no Bryn Mawr College, os bombistas-
Ficha de Inscrição pelo correio, ou contactando telefonicamente, com uma bros de grandes organizações que os recrutam, suicidas não são diferentes dos membros de gru-
antecedência de uma semana, para “Criação da Semente, Lda”- Rua Er- testam a sua coragem e os treinam para levar a pos de militares de elite formados para sacrificar
cabo missões com absoluta precisão. o seu próprio bem-estar a favor do que conside-
nesto Veiga de Oliveira , n º 16-A -2780-052 Oeiras -, tel. 21 440 98 28/7 Ariel Merari, um psicólogo da Universidade ram um bem comum.
(das 10.00 h.m às 13.00 h.m) ou pelo Fax: 21 440 98 27 de Telavive que analisou os casos de mais de “Se fosse verdade que só os psicopatas são
60 bombistas-suicidas palestinianos e libane- terroristas, o terrorismo não seria um problema”,
ses, descreve os seus objectos de estudo como concluiu McCauley.
D E S T A Q U E 11
PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001

Eu não sou o inimigo UNIVERSIDADE DE LISBOA


INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

O
horror é indescritível. Tal A OPINIÃO DE do, como ouvi quando estava na univer-
como todos os americanos, RESHMA MEMON YAQUB sidade durante a Guerra do Golfo. Tenho
estou paralisada com a car- medo que o meu filho não compreenda
nificina nos noticiários, nas Ao contrário de quando um por que é que os estranhos não lhe sor- MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
nossas ruas. A minha cabeça lateja a riem como de costume. Receio que seja-
pensar na dor que envolve milhares
acto terrorista é cometido por mos desumanizados por causa da cor da
de famílias cujos entes queridos foram um cristão ou um judeu, pele, das feições ou da roupa. Dói-me o O ICS organiza um Mestrado em Ciências Sociais, especial-
mortos ou feridos na terça-feira. Quan- quando é um muçulmano não coração cada vez que um amigo ou pa- mente vocacionado para a formação de jovens investigadores,
do fecho os olhos, vejo corpos a saltar rente me telefona, com o som da CNN ao a iniciar em Outubro de 2001. Partindo do património
das janelas dos arranha-céus.
é considerado um acto isolado fundo, e tristemente me recorda: “Nós comum às Ciências Sociais, o curso oferece duas especializa-
Entrei em pânico quando se deu o ata- perpetrado por um grupo muçulmanos estamos feitos.” ções temáticas:
que, atravessei os bairros suburbanos isolado de loucos. Toda a nossa Por instantes fiquei animada ao ou-
das redondezas a correr para ir ter com fé é apelidada de bárbara vir o escritor Tom Clancy explicar que PORTUGAL CONTEMPORÂNEO - HISTÓRIA,
o meu filho e a “babysitter” que, como o Islão é uma religião pacífica e que nós
de costume, brincavam num parque ali e desumana americanos não devemos perder os nos-
POLÍTICA E ECONOMIA (SÉCS. XIX E XX) E
PORTUGAL CONTEMPORÂNEO - SOCIEDADES
perto. Implorei ao meu marido, que es- sos ideais de tolerância religiosa. [...] Na
E CULTURAS
tava no seu escritório num edifício de teram actos de terrorismo — ou foram verdade, o Islão proíbe tais actos de vio-
Washington, que viesse para casa. erroneamente considerados culpados, lência. De facto, todos os muçulmanos
[...] Tal como todos os americanos, te- como em Oklahoma — verificaram-se que conheço arrepiam-se com a ideia de As candidaturas ao Mestrado decorrerão entre os dias 17 de
nho medo. Penso qual será o significado inúmeros crimes de ódio contra muçul- a nossa fé estar a ser abusada em nome Setembro e 4 de Outubro de 2001.
disto. Penso se já estará tudo acabado, ou manos americanos que como eles eram de agendas políticas. E embora eu, tal co-
onde e quando será o próximo ataque. É a naturais “dessa parte do mundo”, con- mo os outros americanos, queira que os Para mais informações:
primeira vez que senti o género de medo tra mesquitas americanas, contra crian- autores sejam julgados, eu tremo só de
que imagino que as pessoas noutros pa- ças americanas nas escolas muçulmanas pensar nas vidas de inocentes que se per- Mestrado em Ciências Sociais
íses sentirão quando estão em guerra. que rezam ao mesmo Deus dos judeus e deram desnecessariamente do outro lado Instituto de Ciências Sociais - Dra. Maria Goretti Matias /
Tal como todos os americanos, estou cristãos — um Deus que prega a paz. do oceano nesta perseguição. Crianças Dr.ª Eugénia Rodrigues
indignada. E quero justiça. Mas talvez Agora não receio apenas pela nossa como as nossas. Mães como nós. Avenida das Forças Armadas, Edif. ISCTE, ala Sul, 1º andar
ao contrário de muitos americanos, tam- segurança como americanos. Também Sempre que é noticiado um acto terro- 1600 Lisboa - Telefone 21 799 50 00 - Telefax 21 796 49 53
bém sinto mais qualquer coisa. Um tipo receio pela segurança das minhas cunha- rista, rezo duas orações. A primeira, pelas E-mail: Goretti.Matias@ics.ul.pt
de medo diferente. Sinto o que os restan- das, que andam com a cabeça coberta em vítimas e suas famílias. A segunda, por
tes seis milhões de muçulmanos ameri- público, e imploro-lhes que não andem favor que não tenha sido um muçulmano
canos estão a sentir — o receio de que nós sozinhas pelas ruas da nossa cidade na- a cometê-lo. Porque, ao contrário de quan-
também sejamos considerados culpados tal. Receio pelo meu irmão, advogado de do um acto terrorista é cometido por um
aos olhos da América, se se vier a des- direito civil que defende muçulmanos cristão ou um judeu, quando é um muçul-
cobrir que os loucos que estão por trás em casos mediáticos de discriminação. mano, não é considerado um acto isolado
deste acto terrorista são muçulmanos. Tenho medo de ouvir pessoas declarar perpetrado por um grupo isolado de lou-
Sinto como de repente me tivesse tor- abertamente que o sangue dos muçulma- cos. Toda a nossa fé é apelidada de bár-
nado no inimigo de dois grupos — os nos não vale nada e merece ser derrama- bara e desumana. E, caros americanos,
que pretendem ferir os americanos e os venho dizer-vos, tão chocado como vocês,
que querem ripostar. Encontro-me nu- que não é. Que nós não somos. Que nós
ma encruzilhada assustadora. No passa- Exclusivo PÚBLICO/ “Los Angeles Times” muçulmanos amamos o nosso país tanto
do, quando muçulmanos isolados come- texto integral em www.publico.pt como vocês, e que sofremos convosco.
1 2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

Com Clinton teria sido diferente? KEVIN LAMARQUE/REUTERS


Giuliani: o rosto
da tragédia
colectiva
Até alguns republicanos
começam a temer que Bush Foi Rudolph Giuliani,
não George W. Bush,
não esteja à altura do desafio. quem se transformou no
E poucos duvidam de que rosto da tragédia colec-
o carisma de Clinton teria tiva nos Estados Uni-
dos. Sobretudo para os
mobilizado mais depressa nova-iorquinos, os mais
um mais vasto mundo atingidos pelo ataque
terrorista da passada
ADELINO GOMES terça-feira.
Giuliani, o presidente da
E ao terceiro dia, Bush tentou superar- Câmara de Nova Iorque,
se e aparecer como o homem em quem praticamente não tem
os norte-americanos e aliados dos EUA dormido. Está em todo o
podem confiar na resposta à crise ter- lado: a responder às per-
rorista. “Agora que a guerra nos foi guntas dos jornalistas, a
declarada, vamos conduzir o mundo fazer apelos à população,
até à vitória”, disse o Presidente norte- dando-lhe orientação e
americano, no meio de um conjunto de a evitar que o estado de
iniciativas mediáticas — deslocação choque s etransformas-
a Nova Iorque, convocação de um dia se em estado de pânico, a
nacional de oração pelas vítimas — visitar hospitais, a con-
com que se esforçou por passar a men- solar os familiares dos
sagem de que está à altura do desafio. que estão provavelmente
O comportamento inseguro das 48 ho- mortos, a visitar o lugar
ras imediatas aos ataques às duas tor- da derrocada do World
res gémeas do World Trade Center e Trade Center, onde os so-
ao Pentágono, contudo, torna a tarefa corristas procuram cor-
quase impossível. pos e sobreviventes e ti-
Quem está a governar o país? Onde ram entulho, a prometer
pára o Presidente?, perguntam analis- abrir, na segunda-feira
tas e políticos dos EUA, entre os quais George W. Bush com o pai e o predecessor nas orações de ontem: Clinton teria inspirado mais confiança aos americanos? próxima, a zona de Wall
vários republicanos influentes, alar- Street.
mados com o clamoroso défice de li- a quem chegaram informações segun- manhã, ao telefone com o presidente ta semana decorrem do agravamento “Rudy brilha debaixo da
derança que Bush patenteou após os do as quais o avião presidencial seria o da câmara de Nova Iorque, Rudolph da crise no Médio Oriente, Álvaro Vas- pressão”, escreveu o
ataques terroristas sobre Nova Iorque próximo alvo dos ataques terroristas. Giuliani, “que dá há três dias uma concelos lembra que a sua preparação “Daily News”. “Rudy
e Washington. Estas explicações aumentaram em lição de comunicação apropriada, mo- se iniciou “certamente” ainda no tempo Giuliani é uma rocha”,
Presidente e comandante-chefe das vez de apaziguarem, o criticismo inter- desta e traquilizadora”. de Clinton, durante cujo mandato, de sentenciou o “New York
forças armadas do país mais poderoso no. Um senador republicano que pe- As hesitações e a insegurança de resto, ocorreram múltiplos atentados Post”, que não gosta do
do mundo, George W. Bush zigueza- diu o anonimato garante ter-lhe dito Bush face à dimensão do desafio que sangrentos. “O ódio aos americanos é “mayor”. Quando Giu-
gueou pelo país durante toda a manhã ao telefone, irritado com a ausência do lhe é colocado por aquela que ele pró- alimentado pela crise no Médio Oriente, liani aparece num local,
e tarde do dia do ataque e das duas ve- Presidente no palco dos acontecimen- prio já designou como “a primeira guer- mas é anterior a este agravamento. Está é aplaudido.
zes em que falou em público ofereceu tos, : “O seu lugar é em Washington. ra do século XXI” fazem os analistas ligado a uma corrente que se foi desen-
aos seus concidadãos e ao mundo, que Compete-lhe comandar os militares e perguntarem-se que diferenças essen- volvendo em rede, em países islâmicos,
sintonizava em contínuo as emissões não obedecer-lhes”. ciais marcariam a liderança da crise a partir dos ‘mujahedin’ do Afeganis-
das grandes cadeias norte-americanas por Clinton. tão e que não aceitam qualquer tipo de
de televisão, a imagem de um dirigente Efeito Bush não explica tudo Jonathan Freedland não duvida que compromisso com Israel.”
errático, indeciso, ultrapassado pela Necessitado de recuperar o tempo per- Clinton teria querido deixar claro des- O unilateralismo da política prota-
dimensão dos acontecimentos. dido, o Presidente norte-americano vol- de o primeiro minuto da crise que era gonizada pelo actual presidente nos
“Parece que estudou na mesma es- taria a ficar longe do que as dramáti- ele quem se encontrava ao comando, primeiros seis meses do seu mandato
cola de Vladimir Putin”, ironizava on- cas novas circunstâncias criadas pelos “negando aos terroristas, sem medo agravou o sentimento anti-americano.
tem o analista britânico Jonathan Fre- ataques lhe exigiam quando se dirigiu e desafiador, o prazer de estarem a es- Amigos árabes de Álvaro Vasconcelos
edland. Numa arrasadora análise no pela primeira vez ao país e ao mundo, vaziar a capital”. Acima de tudo, subli- exprimiram-lhe isto mesmo ao telefo-
diário “The Guardian”, Freedland re- na madrugada de quarta-feira. “Bush nha, “o seu quase sobrenatural talento ne por estes dias, falando-lhe da situ-
cordou a irritação dos russos, há um pestanejou frequentemente e apare- para a empatia” ter-lhe-ia ensinado a ação “paradoxal e contraditória” em
ano, ao verem Putin continuar na sua ceu pequeno por detrás de uma mesa encontrar o tom certo para se dirigir ao que muitos se encontram, horrorizados
“datcha” de fim-de-semana enquanto grande”, nota o “Washington Post”, país e o mobilizar. com os crimes, ao mesmo tempo que se
os marinheiros do Kursk agonizavam enquanto Smitt lamenta, no mesmo Álvaro Vasconcelos, do Instituto de sentem aliviados com o abalo causado
no mar Báltico. E apontou o tempo que jornal: “Apesar de adequado [o discur- Estudos Estratégicos, está de acordo à “arrogância da América, que faz so-
Bush levou a comparecer em pessoa so] não agarrou a ocasião”. com a enorme capacidade de gerar sim- frer as crianças iraquianas, as crianças O ataque mudou a forma
em Nova Iorque, “que sofreu em menos Faltou-lhe convicção, observou no patia do anterior presidente mas acres- palestinianas”. como os nova-iorquinos
de uma hora, terça-feira, aquilo que os momento Marcelo Rebelo de Sousa, na centa-lhe o factor político. “Clinton teria Se o “efeito Bush” dá a esta acção um olham para o seu
londrinos suportaram durante anos ao TVI. Foi como se, “apesar de das pala- mais consciência da necessidade de impacto de natureza diferente daquela “mayor”. Giuliani pre-
longo da [última] guerra”. vras terem sido escritas para ele”, Bush integrar os países árabes na resposta que teria no tempo de Clinton, o acto parava-se para terminar
“O primeiro dia foi perturbador pa- não entendesse o texto no monitor, volta ao desafio e faria um “linkage” entre em si poderia ter ocorrido sob o seu o mandato com o rótulo
ra muita gente. Parecia que o Gover- a ironizar o analista do “Guardian”. a crise no Médio Oriente, Iraque inclu- mandato, conclui Álvaro Vasconcelos. de controverso — há
no tinha entrado na clandestinidade”, George W. Bush perde, quando com- ído, e a resposta a dar ao terrorismo. Daí que a solução do “terrível proble- quem goste dele; há
disse Gary Smitt, do “Projecto para o parado com o pai e com Clinton: “Ele A dimensão do desafio colocado pelo ma” trazido ao mundo pelos ataques quem o odeie, mesmo
Novo Século Americano” (tendência não tem nem a competência do pri- terrorismo exige uma resposta mul- de terça-feira não passe “apenas” pelo que concorde com as su-
“falcão”) ao “Washington Post”. Porta- meiro, nem o instinto político do se- tilateral. Uma solução que não tenha combate brutal ao terrorismo. “É pre- as políticas. Deixará o
vozes de Bush justificaram esta “entra- gundo”, nota Patrick Jarreau, em “Le em conta estas realidades pode ser al- ciso enfrentar os problemas que estão “City Hall” como o
da na clandestinidade” dizendo que se Monde”. E perdeu mesmo ao deixar-se tamente contraproducente”. na origem deste tipo de corrente que “mayor” que uniu os no-
tratou de uma exigência da segurança, mostrar na televisão, quinta-feira de Aos que pensam que os atentados des- cresce no mundo”.  va-iorquinos e, como dis-
se o “Post”, o presidente
da Câmara certo num
tempo de crise.
Até Bill Clinton, o ex-
Presidente que reside
em Nova Iorque, subli-
nhou as diferenças nos
comportamentos das fi-
guras públicas perante a
tragédia. “
“Acho que o ‘mayor’ fez
um trabalho brilhante,
acho que o governador
[George Pataki] fez um
bom trabalho, acho que
o Presidente [Bush] e a
sua equipa em Washing-
ton fizeram o que tinha
que ser feito”, disse Clin-
ton. A.G.F., em Nova Iorque
D E S TA Q U E 1 3
PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001

Vaga de
MILHARES DE patriotismo
VOLUNTÁRIOS OFERECEM atravessa
os Estados
AJUDA ÀS EQUIPAS Unidos
Venda de bandeiras
disparou, na sequência

DE SOCORRISTAS de um apelo dos


políticos aos cidadãos

Ao sol e, agora, A maioria aguardou que al- para os bombeiros. Aos rapa- Depois dos atentados, os nor-
guém os chamasse debaixo zes cabe-lhes fazer passar os te-americanos decidiram re-
à chuva, os nova- de um sol abrasador — as caixotes de mão em mão até fugiar-se nos seus símbolos
iorquinos não arredam temperaturas ascenderam chegarem onde são precisos. — a bandeira e o hino na-
pé dos locais de esta semana aos trinta graus À entrada do parque, carros e cional — para afirmarem a
recrutamento, na ânsia —, enquanto agora são as camionetas vão parando para sua solidariedade. As rádios
chuvas que se abateram so- entregar mais donativos, de passaram a tocar com algu-
de poderem colaborar bre a cidade que tornam a es- grandes empresas ou de sim- ma regularidade o hino e des-
nas operações de pera mais difícil. Isto no caso ples cidadãos anónimos. de quinta-feira que houve um
resgate e limpeza daqueles que preferem ficar “Separamos as mercado- verdadeiro assalto às lojas pa-
no próprio local em vez de rias por categorias para que ra comprar bandeiras.
voltarem para cada e aguar- possam de imediato ser en- A cadeia de armazéns Wal-
VALÉRIE LEROUX dar lá que os chamem. caminhadas até ao local da Mart vendeu mais de 200 mil
“Inscrevam-se e indiquem tragédia”, explica Maureen bandeiras na quarta-feira e no
De capacete de obras na mão a vossa profissão para poder- Rahill, 34 anos. Há mais de dia seguinte ficou-se pelas 115
e muita raiva no coração, mi- mos distribuí-los em função dez horas que trabalha sem mil, tendo em conta que há
lhares de nova-iorquinos es- das necessidades”, explica parar, tal como o resto da sua uma semana o seu recorde ti-
tão a apresentar-se como vo- uma jovem que tenta manter equipa. Especialista em or- nha sido apenas de seis mil.
luntários junto das equipas a calma na sala. As ofertas ganização de eventos (deba- As estrelas e as riscas verme-
de socorristas, numa onda de auxílio, no entanto, che- tes, conferências…), acabou lhas, brancas e azuis esvoaçam
generalizada de solidarie- gam rapidamente à satura- por deixar o trabalho para vir por todo o lado: nas casas, au-
dade que rapidamente está ção. “Por agora, temos gente ajudar. “Telefonei logo para tocarros, automóveis ou sim-
a descambar numa grande mais do que suficiente. Mas a empresa a dizer que não ia plesmente são levadas na mão,
confusão. Desde quinta-fei- não se sintam frustrados. Va- trabalhar. Eles compreende- num formato de bolso que é
ra que o Javits Center, lugar mos precisar de vossa ajuda ram logo. Sabe, eles são nova- vendido por todo o lado. Em
normalmente eleito para fei- nas próximas semanas. Isto iorquinos, sabem o que se está São Francisco, certas lojas de-
ras e exposições, se transfor- ainda não acabou”, diz um po- a passar.” cidiram retirar os seus produ-
mou num enorme centro de lícia colocado a algumas ruas Um matulão de feições se- tos das montras e substituí-los
recrutamento, literalmente do local de recrutamento. veras prepara-se para par- pelas bandeiras.
tomado de assalto por pesso- “Esperava que as coisas es- tir para as ruínas do World O próprio Congresso norte-
as dispostas a ajudar de algu- tivessem mais bem organiza- Trade Center. Questionado americano incentiva a popu-
ma forma. das”, lamenta, sem se impa- sobre o seu estado de espíri- lação a adquirir a bandeira
Perante a afluência cres- cientar, Roy Dan Hollander, to, limita-se a levar uma mão americana como “símbolo de
cente de voluntários, os pro- um advogado de 50 anos pron- ao coração e a responder: “A solidariedade”. “Içar a bandei-
fissionais mais necessários, to a ajudar em qualquer sítio. América está mais forte que ra mostra que nós não estamos,
como chefes de obra, carpin- Perto dele, duas jovens habi- nunca”, diz, cerrando os den- nem seremos vencidos”, decla-
teiros e pedreiros, foram en- tuadas a dar apoio psicológico tes. Subitamente, os aplau- rou o senador do estado de No-
caminhados para uma fila são também requisitadas. sos irrompem. Cerca de cin- va Iorque, Charles Schumer.
à parte que vai avançando “Preciso de voluntários. quenta homens conseguem Depois de uma crise, a co-
a conta-gotas. Secretárias, Tragam-me cinco rapazes”, subir, quase à força, para um munidade tende a unir-se,
advogados ou quadros finan- grita um homem do outro la- camião. “Desçam, não po- explica o director do gabi-
ceiros que conseguiram fu- do da rua, num parque de es- dem ir lá fazer nada”, grita nete de gestão de crises da
gir dos seus escritórios no tacionamento transformado um polícia. “Sejam pacien- Universidade de Washing-
World Trade Center e de to- em centro de triagem, onde tes, cooperem connosco e vão ton, Mitch Hammer. Esta
do o quarteirão de Wall Stre- chegam todo tipo de abasteci- descansar”, pede, mais di- união tem por base a aver-
et foram reagrupados no mentos: água mineral, comi- plomaticamente, um outro são a um inimigo comum
outro lado do Javits Center. da, “T-shirts” e roupa lavada agente.  AFP que vem do exterior, su-
blinha o professor. Por
SHANNON STAPLETON/REUTERS isso, os muçulmanos
e árabes que vivem
nos EUA correm o ris-
co de sofrer as conse-
quências desta aver-
são, acrescenta.
As agressões a pes-
soas, a edifícios ou a
símbolos árabes já se de-
ram um pouco por to-
dos os estados america-
nos. Uma situação que se
pode agravar se não for fei-
to nada em contrário, avisa
Mitch Hammer: “Sem uma
intervenção, eles [a comuni-
dade árabe] podem apanhar
por tabela porque ainda não
existe um alvo concreto.”
Anteontem, o presidente Ge-
orge W. Bush e o ministro da
justiça, John Ashcroft, apela-
ram aos americanos para que
não transformem os muçulma-
nos e os árabes em bodes ex-
piatórios. “As represálias con-
trariam os princípios e as leis
que defendemos para os EUA,
elas não serão toleradas”, disse
Muitos cidadãos têm vindo a juntar-se, como voluntários, às equipas de socorristas KIERAN DOHERTY/REUTERS Ashcroft.  AFP
1 4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
MARCOS TOWNSEND/EPA

ESCOLAS
TENTAM
TRANQUILIZAR
ALUNOS
Professores,
funcionários e
psicólogos prepararam
primeiro dia de aulas
pós-atentado

ISABEL LEIRIA

Dois dias depois do ataque ter-


rorista, as escolas de Nova Ior-
que voltaram a abrir as portas,
prontas para tentarem dar res-
posta às angústias das muitas
crianças traumatizadas pelas
cenas de horror que viveram
ou a que assistiram. Foi só a
meio da manhã de ontem que
os alunos foram chamados a
ocupar as salas de aula, mas
desde muito cedo que profes-
sores, funcionários e psicólo-
gos estavam reunidos, discu-
tindo a melhor estratégia.
Ao final do dia, Harold Le-
vy, responsável pela educa-
ção na cidade de Nova Iorque, A chuva complicou — e muito — a tarefa das equipas de socorro, mas também serviu para diminuir a quantidade de pó no ar
onde há mais de um milhão
de alunos, expressava à AFP
a sua satisfação: “As escolas
souberam mostrar-se à altura
da situação.” E se o atentado
de 1995 em Oklahoma e o tiro-
teio de há dois anos no liceu
Temporal dificulta operações Amianto pode
contaminar
milhões
Columbine contribuíram pa-
ra que psicólogos e professo-
res tenham adquirido alguma
experiência para enfrentar
os medos e as perguntas das
de socorro em Nova Iorque Depois do ataque terro-
rista e do desmorona-
mento dos arranha-céus
do World Trade Center,
as Twin Towers foram
crianças, também o absentis- A chuva e o vento aguaceiros e os relâmpagos co- sobre a cidade depois dos aten- Também Jeff Welch, um substituídas por uma gi-
mo registado acabou por faci- meçaram. E os socorristas fo- tados. As previsões para ontem bombeiro do Ohio, vê algumas gantesca coluna de fumo
litar este primeiro dia.
durante o dia de ontem ram mesmo obrigados a inter- apontavam para a continuação vantagens no tempo que asso- e pó. Agora, os nova-
Apenas 25 por cento dos dificultaram os romper as buscas durante a de elevada pluviosidade, com lou a cidade: “A chuva veio re- iorquinos confrontam-se
alunos foram às aulas. Por trabalhos de resgate e madrugada, pela primeira vez, temperaturas máximas da or- duzir o pó e também arrefecer com um novo problema:
causa das falhas que ainda devido às chuvas torrenciais, dem dos 17 graus centígrados, os escombros, reduzindo o calor o amianto. É que as tor-
afectam o sistema de trans-
de limpeza no World noticiou a cadeia CBS. quando nos dias anteriores es- provocado pelas explosões.” res continham milhares
porte mas também, nos quar- Trade Center “Esta chuva veio abrandar tiveram cerca de 30 graus. Entretanto, as equipas con- de toneladas desta fibra
teirões com forte presença de os trabalhos. Enquanto chover A água veio transformar o tinuam com esperança de en- mineral, muito utilizada
muçulmanos, pelo medo de BÁRBARA WONG só podemos usar as gruas para solo num mar de lama, cheia contrar sobreviventes, mas têm na construção nos anos
represálias. Com as suspei- retirar vigas de ferro”, disse à de papéis ensopados, poças de consciência de que o tempo co- 70 e que entretanto en-
tas a recaírem sobre o saudi- A chuva começou na quinta- Reuters, Charlie Miller, da Po- entulho e cinzas. O terreno tor- meça a escassear. “Há boatos de trou em desuso por ser
ta Bin Laden, não seria a pri- feira à noite e ontem a cidade wer Hawk Rescue Systems. “Os nou-se escorregadio e mais pe- pessoas que ouviram alguém prejudicial à saúde. Com
meira vez que se registavam acordou debaixo de um verda- operários metalúrgicos conti- rigoso para prosseguir as bus- bater ou barulhos entre as ruí- a derrocada dos prédios,
actos de vingança contra ci- deiro temporal. Chuva e muito nuam a trabalhar, a cortar aço cas. Por outro lado, a chuva veio nas, mas chegámos a um ponto as placas de amianto
dadãos de origem árabe. No vento em Nova Iorque. O tempo com os maçaricos e aquilo que ajudar os bombeiros, polícia e em que já nada podemos fazer. transformaram-se em
entanto, assegurou Levy, du- não veio ajudar a acelerar os conseguem tirar em braços, fa- voluntários, que se encontram Agora é a vez de o equipamento partículas de pó que são
rante a manhã de ontem não trabalhos de resgate que mais zem-no, os pedaços mais pesa- a trabalhar no local, a respirar mais pesado entrar em acção”, cancerígenas. A Organi-
se registou qualquer acto xe- de mil pessoas levam a cabo nos dos são retirados pelas gruas”, melhor. O ar continua impreg- revelou um voluntário à CNN. zação Mundial de Saúde
nófobo, garantiu Levy. escombros do World Trade Cen- contou um bombeiro à AFP. nado de pó devido ao desmoro- Uma operação que só é possível e a Agência Internacio-
Para aliviar a missão dos ter, à procura de sobreviventes Durante a noite de quinta-fei- namento dos edifícios. “A chu- depois do temporal passar. nal para a Investigação
educadores, as autoridades lo- do ataque terrorista de terça- ra foram registadas várias tem- va tornou as ferramentas mais Mas a chuva veio trazer uma do Cancro colocam esta
cais enviaram para todos os feira. Pelo contrário. pestades, com violentas chuva- pesadas, mas em contrapartida outra esperança: que os possí- fibra mineral no topo da
estabelecimentos de ensino As equipas de salvamento das e relâmpagos a intervalos é mais fácil respirar”, confes- veis sobreviventes, ainda blo- lista das substâncias al-
uma espécie de guia de actua- não puderam usar equipamen- regulares. Trata-se da primeira sou à AFP um bombeiro nova- queados, possam refrescar-se e tamente cancerígenas.
ção, contendo recomendações tos mais pesados quando os vaga de mau tempo a abater-se iorquino, Rick Monticello. beber alguma água.  As fibras microscópicas,
precisas. “Discutir os aconte- ao serem inspiradas, po-
cimentos de forma a que as DANOS NA ZONA DO WORLD TRADE CENTER dem provocar cancro do
crianças consigam lidar com a Será preciso 1. WTC, Torre Norte pulmão e da pleura. “As
Extensão da zona
situação”, “dar-lhes oportuni- de estilhaços e poeiras remover cerca 7 2. WTC, Torre Sul fibras juntam-se na pleu-
t ee

12 3. Marriott Hotel
dade de expressarem os seus 250m de 450.000 ra ou no pulmão e dão
West Sr

Perímetro estabelecido
sentimentos” e “reassegurar pela Guarda Nacional toneladas 13 4. WTC 4 origem a placas que vão
We

de destroços 5. WTC 5
a segurança dos alunos” são Vesey Street endurecendo. Depois de
st S

6 6. WTC 6
algumas das indicações. O do- 20 5 diagnosticada a doença,
tree

11 7. WTC 7
cumento faz ainda uma refe- MANHATTAN a morte por asfixia é ir-
Church Srree
t

1 8. North Bridge
rência específica à necessida- 8 9. Liberty Plaza reversível”, disse ao “El
City Hall 10
on

de de se prestar muita atenção 2 10. East River Savings Bank Mundo” um responsável
Rio Huds

“aos possíveis conflitos que 15 espanhol do departa-


11. HJ Kalikov and Co. Bldg.
Br

4 9
oo

possam surgir entre os dife- 3 12. Federal Bldg. mento de Saúde e Higie-
kly
y
wa

rentes grupos étnicos”. 13. NY Telephone Bldg. ne no Trabalho, Angel


Br
ad

idg
Bro

A mulher do Presidente dos Lower 14. Bankers Trust Cárcova. Depois de estar
e

W Liberty Street
a ll East
EUA, Laura Bush, fez tam- St
re Side 18 15. Two World Financial Center exposto ao amianto, um
et 16 14 16. South Bridge
bém questão de endereçar 17 indivíduo leva menos de
CENTRO
Rio 19 17. One World Financial Center
uma carta às crianças das es- Battery Park FINANCEIRO
st
uma década a contrair
Ea Hudson 18. St Nicholas Greek
colas primárias e outra aos es- Rio cancro. Uma situação
Orthodox Church
tudantes do ensino superior, Brooklyn Edifícios que abateram total ou parcialmente não prevista pelos terro-
Estações de 19. 90 West Street
assegurando que o Governo Battery Edifícios com danos graves 20. Three World Financial Center ristas, mas que terá con-
Tunnel Metro danificadas
iria protegê-los.  sequências mortais.
Ú
D E S TA Q U E 1 5
PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001

JOSÉ MANUEL RIBEIRO/REUTERS

HISTÓRIAS DE NOVA IORQUE


PERITO ANTITERRORISMO ENTRE OS DESAPARECIDOS
Um dos mais conhecidos peritos antiterrorismo do FBI, John O’Neill, encontra-se entre os
desaparecidos na derrocada do World Trade Center (WTC). Depois de ter conseguido escapar
das Twin Towers, O’Neill terá voltado a entrar num dos edifícios para ajudar outros a fugir.
Nunca mais foi visto. “Se a história é verdadeira, não fico surpreendido. Ele era mesmo assim”,
afirmou Jim Bucknam, que trabalhou com o investigador durante oito anos. O’Neill, 49 anos,
tornou-se chefe de segurança do WTC no mês passado, após uma carreira de 25 anos no FBI, onde
conduziu várias investigações sobre a organização de Bin Laden, principal suspeito dos ataques
terroristas. Poderá ter morrido às mãos daquele que tanto perseguiu. “É essa a ironia, que tenha
desaparecido assim”, diz Bucknam. “Ele comia, bebia e dormia a lutar contra o terrorismo.
Além da sua perda como ser humano, perdeu-se também um enorme talento.”

BOMBEIROS: AFINAL NÃO HOUVE MILAGRE


Agora os “media” também já criam os seus milagres. Na quinta-feira, a televisão
americana divulgava um feito inimaginável: cinco bombeiros teriam sobrevivido à queda
do WTC. Dizia-se mesmo que dois deles teriam saído por entre os escombros no seu
veículo 4x4 e que outras pessoas teriam sobrevivido à derrocada do edifício. Segundo a
CNN, foi tudo um grande engano. Estes bombeiros ficaram presos enquanto procuravam
feridos, já depois da derrocada do edifício. O boato surgiu quando, na quinta-feira, foram Ferro Rodrigues diz que em Portugal a coordenação de segurança é boa
vistos a sair do WTC, socorridos pelas equipas de salvamento.

CÃO GUIA DONO PARA ESCAPAR DO WTC


Um cego e o seu cão conseguiram escapar do atentado ao World
UE procura reforçar
Trade Center (WTC) depois do embate do avião. Na terça-feira
de manhã, Omar Eduardo Rivera, um informático colombiano,
já estava sentado na sua secretária (acompanhado do seu cão),
preparado para mais um dia de trabalho no 71º andar do WTC.
“Levantei-me e consegui ouvir como pedaços de vidro caíam e
segurança dos aviões
batiam no chão”, afirmou à televisão colombiana. Juntamente com a Ministros dos quanto mais não seja devido à de identidade ou o visiona-
chefe, desceu cerca de 40 andares pela estreita escada de emergência Transportes reuniram- existência de controlos de ba- mento das bagagens.
do edifício. “O cão estava muito nervoso, ele fugiu, mas acabou por gagens nos voos intracomu- Segundo o ministro portu-
voltar e manteve-se ao meu lado. Nunca ladrou”, contou. Rivera
se em Bruxelas e nitários. Nos Estados Unidos, guês, Ferro Rodrigues, este
elogiou a forma ordeira como decorreu a evacuação: “Inicialmente definiram quadros de em contrapartida, os voos problema não se coloca em
houve um certo pânico e algumas pessoas procuraram correr e ir à acção entre estados, considerados Portugal, afirmando que exis-
frente dos outros. Mas, na verdade, quase todos se comportaram de quase como carreiras de au- te uma boa coordenação entre
uma forma muito prudente, percebendo o que se estava a passar.” tocarros, são submetidos a a segurança dos voos domés-
ISABEL ARRIAGA E CUNHA controlos muito sumários. ticos e internacionais.
Bruxelas Mas, apesar da sua convic- Desta forma, a UE preten-
EX-”HACKER” PROCURA PISTAS DO ATENTADO Os ataques terroristas nos
ção relativamente à seguran-
ça europeia, a ministra re-
de desenvolver uma série de
pistas de reflexão para apre-
O milionário Kim Schmitz ofereceu cerca de dez milhões de dólares, mais de dois milhões de contos, Estados Unidos despertaram conheceu a necessidade de sentar posições comuns aos
por informações acerca do atentado e o paradeiro de Osama bin Laden, que as autoridades suspeitam brutalmente a União Euro- reforçar as actuais normas, aos 187 países membros da
ser o autor do atentado. Desde então seu “site” (www.kimble.org) recebeu mais de um milhão de peia (UE) para a dura reali- concebidas quando o trans- Organização Internacional
visitas e milhares de pistas. Uma das mensagens apontava para o paradeiro de Bin Laden: “Tentem dade da inadaptação das nor- porte aéreo tinha muito me- da Aviação Civil — a única
procurar na cidade de Kandahar, no Afeganistão... Ele vai lá visitar a mulher e a filha, pelo menos mas de segurança dos aviões nos utentes do que actu- instância com poder para fi-
uma vez por mês”, continuou. Schmitz, um antigo “hacker” que fez fortuna através da Internet, para enfrentar o tipo de ter- almente. “É extremamente xar as normas internacio-
afirmou: “É claro que não podemos afirmar se é verdade ou não... mas vamos guardar tudo e enviar rorismo que marcou o dia 11 difícil garantir uma seguran- nais —, cuja assembleia ge-
para o FBI.” Cindy McCraw, do departamento de investigação do FBI, afirmou que ainda não havia de Setembro. ça exaustiva devido ao au- ral reúne no próximo dia 27
certezas relativamente à validade das informações. “Mas vamos ter em conta todas as pistas”, Esta constatação levou a mento dos passageiros”, reco- de Setembro, bem como à
acrescentou. As autoridades estão a utilizar precisamente a mesma estratégia. Abriram um “site” presidência belga da UE a nheceu. conferência europeia sobre
(www. ifccfbi.org) e criaram linhas telefónicas especiais para o mesmo efeito. convocar para ontem à noite Uma das principais lacu- Aviação Civil da próxima se-
uma reunião especial dos mi- nas tem a ver com inexis- mana.
nistros dos Transportes dos tência de organismos inde- Estas pistas incluem a rea-
UM PORTUGUÊS SEM CASAMENTO NEM JORNAIS Quinze, na véspera de um en-
contro informal que já esta-
pendentes encarregues de
verificar até que ponto os
lização de auditorias aos ae-
roportos e aviões, o recurso a
José Nascimento, emigrante natural das Caldas da Rainha, poderá não ser padrinho de va previsto há longa data em estados signatários da Con- tecnologias avançadas, como
casamento devido ao encerramento dos aeroportos na zona de Nova Iorque. Nascimento, que conjunto com os ministros do venção de Chicago relativa à o reconhecimento digital do
vive em New Rochelle, em Nova Iorque, tinha viagem marcada para quinta-feira passada, Ambiente para discutir o fu- aviação civil internacional piloto, ou ainda formas de im-
para ser padrinho do casamento do seu afilhado. “O casamento é no próximo sábado e o mais turo do sector. cumprem os seus compro- pedir o acesso ao “cockpit”.
certo é não poder estar lá a tempo”, afirmou. Já contactou a agência de viagens e a TAP, mas “É urgente melhorar as con- missos em matéria de segu- Isabelle Durand reconhe-
ainda não tem qualquer informação concreta. Mas o ataque também acabou por afectar-lhe dições de segurança dos avi- rança, compromissos esses ceu, no entanto, que as três
o negócio. É que, com o encerramento dos vários aeroportos, Nascimento não pode receber ões”, afirmou Isabelle Durant, limitados aos transportes in- horas da discussão de ontem
jornais portugueses, cuja venda constitui a sua principal fonte de rendimento. A sua loja, o ministra belga dos Transpor- ternacionais. Ora, reconhece não permitiriam aos minis-
Dalia Gift Shop, em Yonkers, recebe diariamente publicações portuguesas pelos voos da TAP. tes que preside actualmente à a presidência belga, “os voos tros definir medidas concre-
Desde terça-feira que a imprensa não chega ao outro lado do Atlântico. UE — e que se encontrava em domésticos estão tão expostos tas e precisas, mas apenas po-
PETH A. KEISER/REUTERS Washington em negociações a actos terroristas como os rem-se de acordo quanto a
com a administração ameri- voos internacionais”. Segun- princípios e quadros de refe-
cana no dia dos atentados. do Isabelle Durand, “há uma rência para discussão nas ins-
Segundo o que afirmou, a aplicação muito variável das tâncias internacionais. “Não
segurança nos aeroportos eu- normas internacionais” em podemos improvisar nestas
ropeus tem “um bom nível”, matérias como os controlos matérias”, frisou. 

TAP retoma voos


para os EUA
O primeiro voo da TAP pa- rea a Newark, prevista para nhia que chegasse à Portela
ra os Estados Unidos deve- hoje de manhã, mantém-se entre as 3h30 e as 4h00 da
rá sair hoje do aeroporto de por seu turno cancelada. madrugada. Os passageiros
Lisboa às 14h45, com desti- Quanto ao voo da TAP que têm sido aconselhados a via-
no ao aeroporto JFK, devi- na terça-feira seguia com des- jar com bagagem reduzida e a
do à reabertura gradual do tino a Nova Iorque e foi des- chegar ao aeroporto com três
espaço aéreo norte-america- viado para o Canadá, regres- a quatro horas de antecedên-
no, informou ontem a com- sou ontem ao final da noite cia, pelo menos nos voos de
panhia aérea. A ligação aé- a Lisboa, prevendo a compa- longo curso. 
1 6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
FRANÇOIS LENOIR/REUTERS

TRÂNSITO PAROU NUMA


VÁRIAS LONDRES SILENCIOSA
relembrar o apoio que os ame-
ricanos prestaram à cidade nos
dias de isolamento que anteci-
AMEAÇAS Na zona central da capital do
param a construção do muro.

DE BOMBA Reino Unido, entre o Parlamen-


to e o Big Ben, o trânsito nor-
MOTORES DA FÓRMULA 1
malmente intenso ficou parado
EM PORTUGAL e os automobilistas em silên-
cio. Um pouco por todo o país,
DESLIGADOS EM MONZA
Depois do ataque terrorista os britânicos manifestaram- O silêncio fez-se ontem no
contra os EUA, as falsas amea- se contra os atentados que viti- circuito de Monza, em Itália,
ças de bomba têm-se sucedido maram milhares de civis, entre onde a Fórmula 1 parou em
um pouco por toda a parte, au- os quais pelo menos 100 cida- memória das vítimas dos
mentando o clima de insegu- dãos do Reino Unido. A rai- atentados de terça-feira. Du-
rança. Portugal não escapa a nha Isabel dirigiu as orações rante um minuto, todas as
esta onda de brincadeiras de na catedral de São Paulo, on- equipas e pilotos se agrupa-
mau gosto e, desde terça-feira, de o primeiro-ministro, Tony ram nas suas boxes, respei-
registaram-se várias ameaças Blair, esteve presente. Os jor- tando a homenagem, enquan-
contra locais públicos, tendo o nais britânicos imprimiram to os espectadores faziam o
último caso sido registado na páginas inteiras com a bandei- mesmo nas bancadas, fixan-
sede da Caixa Geral de Depósi- ra dos Estados Unidos para que do os olhos na linha de bo-
tos, em Lisboa. os seus leitores as pudessem xes. Fotógrafos e operadores
A PSP considera, porém, agitar no decurso das manifes- de câmara agruparam-se em
que não se registou um au- tações de ontem. maior número junto à boxe da
mento do número de ameaças, Ferrari, que decidiu marcar
uma vez que “quase diaria- de forma particular a sua ho-
mente são recebidas chama- SINOS DA NOTRE DAME menagem aos norte-america-
das anónimas” desse tipo, co- nos retirando toda a publici-
mo explicou ao PUBLICO.PT Guy Verhofstadt, Romano Prodi e Javier Solana, entre milhares em Bruxelas ALERTAM PARIS dade dos dois monolugares.
a sub-comissária Isabel San-
tos do serviço de Relações Pú- Os sinos da catedral parisiense
blicas do Comando Metropo-
litano da PSP de Lisboa. “O
que se passa é que as amea-
Europa parou três minutos de Notre Dame soaram ontem
durante a manhã para assina-
lar a manifestação de solida-
COMBOIOS PARARAM
NA SUÍÇA

em memória das vítimas


ças agora são mais noticia- riedade com os norte-ameri-
das pela comunicação social”, canos. Às 11h00, o Presidente A Suíça aderiu intensamen-
acrescentou, afirmando que Jacques Chirac cumpriu os te à homenagem prestada às
não existe para já um balanço três minutos de silênco nos jar- vítimas do terrorismo. Em
total das chamadas anónimas
recebidas desde terça-feira.
Apesar do alerta em que se
encontram as forças de segu-
dos atentados dins do Eliseu na companhia
do embaixador dos EUA em
Paris e o metro parou para que
o acto de solidariedade fosse
todas as estações do país os
comboios pararam às 11h00
e as rádios e televisões emiti-
ram apenas música clásica ou
rança, a PSP explica que a “Nada pode justificar policial e judiciária, para com- mos na UE, comprometem-se participado pelos passageiros. simplesmente emudeceram.
vistoria aos locais que rece- bater as raízes do terrorismo. a assumir uma atitude activa Em frente à embaixada dos Para além dos 28 mil ferrovi-
beram ameaçadas está a ser que se ultraje os valores “O Governo e o povo ame- neste combate, prometendo EUA, dezenas de pessoas pres- ários do país, aderiram à ini-
“feita com o mesma minúcia éticos e humanos”, ricanos podem contar com a estar do lado “da iniciativa e taram a sua homenagem às ví- ciativa banqueiros e operado-
de sempre”. “Sempre que há sublinham os líderes nossa total solidariedade e a da ambição”. E afirmam que timas. “Senti que tinha de fa- res da bolsa. A associação de
um alerta de bomba, a Equipa nossa plena cooperação para “estes acontecimentos trági- zer alguma coisa e acabei por banqueiros da Suíça ofereceu
de Inactivação de Engenhos
dos Quinze que justiça seja feita”, afirma cos exigem [da UE] decisões vir até aqui para dar o meu 500 mil dólares aos familiares
Explosivos da PSP desloca-se a declaração. “Esta agressão sobre o papel que pode desem- apoio aos americanos”, afir- das vítimas
ao local. Apesar de todos os ISABEL ARRIAGA E CUNHA contra a Humanidade feriu penhar para responder a es- mou Maurice Fagerman, um
dias haver chamadas, nunca Bruxelas uma nação amiga com a qual te desafio”. As respostas se- dos participantes.
é possível saber quando é que a União Europeia partilha o rão, segundo os líderes, “um PATRÕES NORUEGUESES
se trata de uma ameaça verda- A Europa parou ontem du- combate para um mundo me- maior empenhamento sem
deira”, diz a sub-comissária. rante três minutos, às 11 ho- lhor. Mas este ataque terrorista quartel nas questões mun- ALEMÃES JUNTAM-SE NA PORTA APELAM AO SILÊNCIO
Depois de na terça-feira — ras de Lisboa (meio-dia na é também dirigido contra nós diais para defender a justiça
dia em que se ocorreu o ata- Europa central), num recolhi- todos, contra as nossas socie- e a democracia”, a par do de- DE BRANDEBURGO Na Noruega, os dirigentes da
que terrorista contra os EUA mento silencioso e comovido dades abertas, democráticas, senvolvimento da sua políti- Confederação Patronal do país
— o Hotel Palácio do Porto, em memória das vítimas dos multiculturais e tolerantes.” ca externa e de segurança co- Milhares de berlinenese jun- lançaram um veemente apelo
onde se encontrava instalada atentados terroristas nos Es- Desta forma, os Quinze ape- mum, e aceleração da criação taram-se ontem em silêncio a todos os trabalhadores para
a equipa da Juventus, ter sido tados Unidos. Em todo o con- lam a todos os países que par- de um “verdadeiro espaço ju- junto à Porta de Brandebur- que se mantivessem em silên-
evacuado devido a uma ame- tinente europeu, nos Quinze tilham os mesmos valores para diciário europeu”. go, um dos símbolos do der- cio por um minuto como forma
aça de bomba, anteontem foi a países da União Europeia juntarem esforços no combate “Os nossos cidadãos não se rubado muro de Berlim que de “condenar o terrorismo”.
vez da torre três das Amorei- (UE) como nos treze candida- ao “terrorismo feito de assassi- deixarão intimidar. As nossas dividiu a capital alemã duran- Um comunicado da confede-
ras, em Lisboa, ser objecto de tos à adesão, milhões de cida- nos sem rosto e de vítimas sem sociedades continuarão a fun- te as décadas da guerra fria. ração considerava ser “impor-
uma vistoria por parte da PSP dãos interromperam as suas culpa”. “Nada pode justificar cionar”, concluem os Quinze. Os alemães, que já anteontem tante que as empresas norue-
após um telefonema anónimo. actividades para respeitar os que se ultraje os valores éticos “Mas hoje [ontem] os nossos se tinham mobilizado numa guesas, os trabalhadores e as
Também anteontem, o Centro três minutos de silêncio pedi- e humanos”, sublinham. pensamentos vão para as víti- grande manifestação de so- organizações profissionais ex-
Comercial Golden, em Coim- dos pelos seus responsáveis, Em paralelo, os líderes, en- mas, as suas famílias e o povo lidariedade com os Estados primam a sua condenação a es-
bra, recebeu uma ameaça de que decretaram o dia de on- quanto responsáveis máxi- americano.”  Unidos, quiseram desta forma te demónio incompreensível”.
bomba que obrigou à evacua- tem como o primeiro feriado NELSON GARRIDO

ção do edifício. “europeu” da sua história.


Ao início da tarde de on- Em Bruxelas, no coração
tem, cerca das 13h20, foi a vez do bairro europeu, milhares
da Mesquita Central de Lis- de pessoas juntaram-se a Guy
boa, onde a comunidade mu- Verhofstadt, primeiro minis-
çulmana da cidade se en- tro da Bélgica, que assume
contrava em oração, receber actualmente a presidência
uma chamada anónima dan- rotativa da União Europeia;
do conta da existência de uma Romano Prodi, presidente da
bomba no edifício. A PSP des- Comissão Europeia; e Javier
locou-se ao local, tendo confir- Solana, chefe da diplomacia
mado que se tratava de uma dos Quinze, para expressar a
nova falsa ameaça. sua solidariedade. O trânsito
Menos de duas horas depois, em geral e os transportes pú-
o funcionário da recepção da blicos em particular, os servi-
sede da Caixa Geral de Depósi- ços da administração, a bolsa,
tos em Lisboa recebeu um te- jornais, rádios e televisões,
lefonema dando conta da exis- escolas e universidades, pa-
tência de uma bomba no local, raram.
levando a administração da Ao mesmo tempo os lideres
CGD a ordenar a evacuação do da UE emitiam uma declara-
edifício. A Equipa de Inactiva- ção expressando não só a sua
ção de Engenhos Explosivos “profunda e sincera simpatia
da PSP foi chamada ao local para com as vítimas e as suas
e, depois de uma vistoria, con- famílias”, como assumindo o
siderou o lugar seguro.  ANA desafio de reforçar as suas po-
FONSECA PEREIRA líticas de segurança, defesa,
D E S TA Q U E 17
PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001

PAULO CARRIÇO/LUSA

CELEBRAÇÕES LITÚRGICAS
SUSPENSAS EM FÁTIMA
As celebrações religiosas no
Santuário de Fátima foram
interrompidas pelo Bispo de
Leiria/Fátima para que se JOSÉ VÍTOR MALHEIROS
cumprissem três minutos de
silêncio. D. Serafim Ferreira
e Silva interrompeu a euca-
ristia na Capelinha das Apa-
rições e pediu aos cerca de
Um memorial da
dois mil peregrinos presen-
tes para rezarem em silêncio
pelas almas dos que falece-
loucura humana
ram vítimas daqueles atenta-
dos. “Provavelmente, vamos
ouvir ruídos. Não queremos
ouvir um avião suicida ou
outros crimes, mas apenas
a voz de Deus”, afirmou o
A destruição das torres do World Trade Cen-
ter não foi apenas uma prova da vulnerabi-
lidade da suposta inexpugnável fortaleza
americana. Quem seguiu na terça e quarta-
feira a detalhada cobertura televisiva do ataque, quem
prelado segundos antes das assistiu incrédulo à derrocada das torres e quem pôde
11h00. ver (mais do que o pânico) o choque espelhado no rosto
dos nova-iorquinos, nunca esquecerá essas imagens.
Em alguns minutos, aquilo que eram das mais orgu-
SIRENE NO INÍCIO DO SILÊNCIO Portugal, durante os três minutos de silêncio: Antómio Guterres com membros do seu “staff” e, lhosas criações humanas, feitas propositadamente para
em baixo, multidão na Baixa portuense e banhistas na praia de Albufeira tocar o céu, para ser um símbolo do poder económico
DO PORTO mas também da capacidade humana de sonhar e de
chegar sempre mais longe, desfizeram-se literalmente
A proposta de fazer três minu- cumprir três minutos de si- avam naquela que é uma das beram que a cidade parava em fumo e em pó. O pó que cobria os passantes e os
tos de silêncio em homenagem lêncio em homenagem às zonas turísticas mais con- por três minutos, ou não elementos das equipas de socorro como neve ou como
às vítimas dos ataques terro- vítimas dos atentados dos corridas da capital mostra- quiseram quebrar o ritmo a cinza de um vulcão era exactamente isso: tudo o que
ristas nos Estados Unidos es- Estados Unidos, durante a ram-se solidários com a ini- do dia. T.L. restava do cimento, do ferro, do vidro, do aço que fazia
teve muito perto de cumprir viagem para Lisboa, onde sá- ciativa, embora muitos deles as torres.
o seu objectivo no Porto. Des- bado defronta o Benfica. O desconhecessem a hora a Quando, após a derrocada, o fumo e as nuvens de pó se
contando alguns condutores autocarro portista encostou que começava. BOMBEIROS TOCARAM dissiparam o suficiente para ver o gigantesco monte
ou transeuntes menos avisa- pouco depois da saída para de escombros que deveria ter ficado, afinal não havia
dos para a importância sim- Santa Maria da Feira e os jo- SIRENES EM SANTARÉM monte de escombros porque tudo se tinha desfeito
bólica do momento, as muitas gadores saíram para a ber- RUÍDO SUSPENSO em pó, como numa história fantástica, como se tudo
centenas de pessoas que acor- ma para cumprir os três mi- NA BAIXA DE COIMBRA Santarém aderiu simbolica- aquilo fosse afinal feito apenas de ar, como se as duas
reram ou simplesmente esta- nutos de silêncio. No seu mente à homenagem às víti- gigantescas torres fossem afinal um balão que se tivesse
vam de passagem pela Baixa estágio, os jogadores benfi- Cerca das 11h03 de ontem, mas dos atentados em Nova esvaziado, um castelo de cartas
portuense respeitaram à risca quistas suspenderam igual- uma revoada de pombas as- Iorque e Washington, ten- reduzido às suas duas dimen-
a solenidade exigida pelo mo- mente a sua preparação pa- sustadas sublinhou o re- do o gesto mais significa- Esse espaço sões.
mento. O som de uma sirene ra se associarem ao gesto de gresso do ruído e do movi- tivo sido protagonizado pe- A derrocada de dois dos maiores
dos bombeiros marcou o iní- solidariedade. mento à Praça 8 de Maio, no los 12 bombeiros municipais deveria ser edifícios do mundo tinha dado
cio e o final desses três mi- coração da Baixa de Coim- em serviço. Os bombeiros transformado origem não ao maior monte de
nutos de silêncio quase total. bra, provavelmente o local perfilaram-se no exterior do em local de ruínas do mundo mas a um es-
De Nuno Cardoso, presidente MUITA AGITAÇÃO público da cidade onde a quartel e tocaram as sirenes
memória. Não pécie de buraco negro, como se
da câmara do Porto, ao tenen- NA BAIXA LISBOETA manifestação foi mais “vi- durante os três minutos. O um destino indiferente não se
te-general Cipriano Alves, co- sível”. Às badaladas que, na comandante dos Bombeiros um memorial importasse de aniquilar até a
mandante da região militar Os três minutos de silêncio Igreja de Santa Cruz, assi- Municipais de Santarém, glorioso, feito de memória do que aí existiu, das
Norte, várias personalidades em solidariedade com o po- nalaram as 11h00, muitas Pedro Carvalho, destacou vidas que aí viveram, devolvendo
associaram-se ao silêncio eu- vo americano estiveram lon- pessoas estancaram, calan- neste gesto uma homena-
uma imensa literalmente a terra à terra, a
ropeu na Praça da Liberdade. ge de perturbar o ritmo ace- do-se, e as outras foram fa- gem particular aos bombei- massa de cinza à cinza, o pó ao pó.
Local que, segundo Cardoso, é lerado da Baixa lisboeta. O zendo o mesmo. Naquela ros mortos depois da queda mármore Além do horror, das vidas des-
“a praça de todas as alegrias, trânsito e as pessoas conti- zona, onde também os fun- das torres do World Trade imaculadamente truídas, do sofrimento que ima-
de todas as lutas, mas também nuaram a circular e as má- cionários da câmara muni- Center. Funcionários e po- ginamos nos últimos momentos
o local onde os portuenses se quinas que esventram, rui- cipal e o presidente saíram pulação aderiram igualmen- polido, mas feito de todos os que morreram, o ata-
reúnem quando querem cho- dosamente, o solo em vários à rua, alguns não interrom- te, de forma geral, à inicia- das ruínas do que terrorista foi insuportável
rar alguma coisa”. M.B. pontos dos Restauradores e peram os passos, mas o si- tiva, saindo para o exterior World Trade — ainda é difícil acreditar que
do Rossio não se detiveram, lêncio só foi quebrado pelo dos edifícios e parando nas não se tratou de um pesadelo —
apesar de o encarregado de ruído dos automóveis e dos ruas.
Center porque nos impôs o vazio e a au-
FC PORTO E BENFICA SUSPENDEM uma das obras ter garanti- autocarros dos serviços mu- sência onde antes tinha havido
do à Lusa que “quem qui- nicipalizados, na Rua da So- uma orgulhosa declaração da
ACTIVIDADES ser parar o trabalho, pára”, fia, ou pelas perguntas de “MEIO” SILÊNCIO NA presença humana. Se as Capelas Imperfeitas da Batalha
mesmo sem instruções nesse uns poucos, que se dirigi- CAPITAL ALGARVIA são o confronto entre a obra e o nada, o exemplo de
A equipa de futebol do FC sentido por parte do emprei- ram aos jornalistas para sa- como um sonho se pode fazer pedra, o vazio deixado
Porto fez uma paragem na teiro. berem o que é que se estava Em Faro nem todas as pes- pelo World Trade Center é a encarnação da destruição
auto-estrada do norte para Os estrangeiros que passe- a passar. G.B.R. soas cumpriram os três mi- absoluta, da indiferença do terror, do vazio do mal.
LUÍS FORRA/LUSA nutos de silêncio — muitas É porque esse vazio é insuportável, mas também porque
revelaram até desconhecer o a memória desta tragédia é indispensável que esse
EM BRAGA APENAS apelo. Ainda assim, um pou- espaço deveria ser transformado em local de memória.
SE BAIXOU O VOLUME co por todo o Algarve a ho- Não um memorial glorioso, feito de uma imensa massa
menagem às vítimas foi as- de mármore imaculadamente polido, mas feito das
No movimentado centro da sinalada, designadamente ruínas do World Trade Center, dessas grelhas retorci-
cidade de Braga, o fim da nas autarquias, organismos das que emergem como espectros das cinzas ainda
manhã é um corrupio de públicos, estabelecimentos fumegantes dos edifícios.
cargas e descargas, de gente comerciais, rádios locais e Só elas poderão materializar esse dever de memória. Só
a fazer compras e de católi- população em geral.A maior elas poderão dar a medida da efemeridade dos homens
cos a participar nas missas parte das rádios que emitem e da sua loucura, da sua capacidade de destruir e de
matutinas. Ontem, pouco a partir do Algarve optaram gerar sofrimento, mas também de recordar e, talvez, de
antes das onze horas, os si- por um “total silêncio” em sobreviver. O orgulho de alguns poderá querer erigir
nos da Igreja de Santa Cruz, antena, enquanto outras as- naquele espaço torres mais altas ainda que as agora
junto à Rua de S. Marcos, sinalaram o momento com derrubadas, mas o mundo inteiro tem direito a esta
anunciaram os três minutos a passagem de música clás- memória.
de silêncio, que não foi to- sica. Na rua, em especial na Tal como Auschwitz é um local de memória e de reco-
tal. Nos cafés, no talho, na “baixa” de Faro, foram mui- lhimento, de prece e de silêncio — e seria insuportável
farmácia, havia gente esta- tos os peões e os automobi- que fosse outra coisa. Tal como seria inconcebível uma
cada ou em pequenos gru- listas que pararam durante Hiroshima sem a presença da sua Cúpula da Bomba
pos a reflectir em voz baixa. os três minutos, tendo al- Atómica.
Por momentos, os ruídos di- guns deles saído das viatu- Os salmos ensinam-nos, à maneira sábia dos salmos,
ários baixaram de volume, ras em total silêncio. Já na que o homem “floresce como uma flor do campo e
mergulhados num instante Avenida Gulbenkian, uma desaparece levado pelo vento, sem deixar sequer uma
de reflexão. Mas também das mais movimentadas ar- memória no lugar que ocupava”. Mas enquanto o últi-
houve muitos distraídos, ab- térias da cidade, foram pou- mo homem não for levado pelo vento, cabe-nos tentar
sortos nos seus afazeres di- cas ou nenhumas as pessoas alimentar o sonho e as esperanças que são a razão de
ários, que, ou não se aperce- que respeitaram o apelo. ser dessa flor do campo. 
1 8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SÁBADO, 14 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
RALPH ORLOWSKI/REUTERS

MERCADOS

Euro no máximo
de seis meses
O crescente receio de uma
recessão económica e de
uma forte retaliação dos
EUA são os principais fac-
tores apontados pelos ana-
listas para justificar a contí-
nua valorização do euro face
ao dólar. Ontem, ao fim da
tarde a moeda única ganha-
va 1,06 por cento face à divi-
sa americana, tendo atingi-
do o valor mais elevado dos
últimos seis meses. O euro
cotou-se a 0,9207 dólares, de-
pois de ter atingido um novo
máximo desde 13 de Março
deste ano, nos 0,9247 dólares.
Para esta valorização contri-
buiu também a divulgação,
ontem, de que a produção
industrial norte-americana
caiu, pelo 11.º mês consecu-
tivo, 0,8 por cento em Agosto.
Também o iene está a bene-
ficiar das dificuldades que
se vivem nos EUA. Nos úl-
timos sete dias, o dólar des-
ceu dos 120,10 ienes para os
117,32 ienes. Conforme ex-
plicou um operador citado
pela agência Lusa, “os in-
vestidores estão a fechar as
suas posições em dólares”
e a procurar outras divisas,
como sejam o franco suíço,
que se tem vindo a valorizar
A praça de Frankfurt comandou as perdas das últimas quatro sessões das bolsas europeias, com 13,4 por cento depois dos atentados.

Petróleo sobe

SEXTA-FEIRA NEGRA três por cento


Também as cotações do pe-
tróleo na praça londrina fo-
ram influenciadas pelo ac-
tual estado de incerteza e
medo que assola os EUA,
consequência dos atentados

NAS BOLSAS EUROPEIAS


terroristas. Ontem, o petró-
leo subia mais de três por
cento, com os mercados a
recearem uma retaliação da
América, o que poderá levar
à interrupção das remessas
de crude vindas do Médio
a perder 4,42 por cento, depois mais seguros. lida para os grandes fundos, Oriente, que detém mais de
Os mercados do velho continente viveram ontem de uma perda de 4,4 no dia do Aliás, os mercados euro- que receiam ainda uma cor- 30 por cento da produção
uma sessão muito negativa, com forte venda, por atentado terrorista. As que- peus também tinham arran- rida à liquidação por parte mundial de petróleo. Na Bol-
medo da corrida ao resgate de fundos e à venda de das de ontem vêm agravar as cado as sessões positivas, de investidores particulares, sa de Londres, o brent do
acções nos EUA desvalorizações acumuladas mas depois inverteram a ten- que também se chegou a te- mar do Norte para entrega
nas últimas quatro sessões e dência, demonstrando um mer na Europa, mas que não em Novembro subia 3,21 por
as respectivas quebras anuais pessimismo e um nervosis- se chegou a concretizar. cento, negociando-se a 29,28
ROSA SOARES cerrou a perder 6,2 por cen- (ver quadro). mo assustadores. Segundo Sobre a tendência de aber- dólares, depois de ter regis-
to, depois de ter estado quase Os analistas e operadores analistas, a expectativa de tura dos mercados norte- tado um acréscimo máximo
Vender sim, comprar só na toda a sessão a perder pouco contactados ontem pelo PÚ- que durante o fim-de-sema- americanos segunda-feira, de 6,12 por cento.
segunda-feira. Este foi senti- mais de cinco por cento. Na BLICO garantem, no entan- na possa acontecer algum de- depois de quatro sessões en-
mento que dominou ontem terça-feira, a praça alemã ti- to, que não se viveu um dia senvolvimento, designada- cerramento, as opiniões divi-
os investidores particulares nha encerrado a perder 8,4 de pânico, existindo, isso mente um acto de retaliação, dem-se. Há analistas que de- Nova corrida
nos mercados europeus. Os por cento. Depois da bolsa de sim, uma preocupação de levou os investidores a não fendem que, se não acontecer
grandes fundos de investi- Frankfurt, é sintomática a desfazer carteiras em todos quererem ficar com as acções nada durante o fim-de-sema- ao ouro
mento também estiveram a derrapagem da bolsa de Lon- os sectores, ou para guardar em carteira e a procurar li- na, os mercados até podem O ouro, que anteontem foi
desfazer-se de posições na dres, que perdeu 3,8 por cen- o dinheiro em investimentos quidez. A mesma razão é vá- abrir positivos, enquanto ou- transaccionado em margens
Europa, porque receiam uma to. No fatídico dia 11, que tros esperam uma grande reduzidas, voltou a ser ontem
corrida ao resgate de fundos ficará para a história do mer- pressão de venda por parte fortemente procurado pelos
nos EUA e ainda por uma cado de capitais como mais O BA L A N Ç O DAS P E R DAS de particulares. Qualquer si- investidores. Da parte da tar-
abertura em queda das bol- uma data negra, o principal nal de uma eventual reta- de, a “onça troy” (31.103481
sas de Nova Iorque. índice da praça londrina per- ontem últimas 4 sessões desvalorização anual liação, em especial se der gramas de ouro) chegou a va-
Em resultado, as bolsas eu- deu 5,4 por cento. Espelho da EUROPA origem a um conflito prolon- ler 288,50 dólares — acima
ropeias voltaram ontem a queda que ontem se verifi- Portugal - PSI-20 -4,42% - 10,6% -37,6% gado, pode precipitar os mer- do valor a que era negociado
apresentar quedas assusta- cou, é o recuo de 6,15 por cen- Espanha - Ibex-35 -5,85% -10,01% -24,1% cados. Há ainda quem defen- após os atentados de dia 11
doras, à semelhança do que to do Euro Stoxx 50, um índi- Inglaterra-FTSE 100 -3,8% -5,3% -23,5% da que os grandes fundos de —, consequência das decla-
tinha acontecido na terça- ce que agrupa as 50 maiores França-Cac-40 -4,9% -10,8% -34,0% investimento podem tentar rações feitas pelos Taliban,
feira, dia do atentado. A que- empresas europeias. Alemanha-Dax Xetra -6,2% -13,4% -35,7% segurar o mercado, de que que governam o Afeganis-
da de ontem foi ainda mais A maior queda de ontem Itália- Mib 30 -6,6% -12,01% -36,5% poderá resultar uma aber- tão, que juraram vingança
dramática, porque o nível de deu-se na bolsa de Amester- tura “artificial”, um pouco aos EUA caso estes retalias-
transacções foi superior à dão, que perdeu 7,25 por cen- ÁSIA como aconteceu na Europa sem contra o seu país. Antes
média de negócios das últi- to, logo seguida da de Milão a Japão-Nikkei +4,12% -1,8% -27,4% na quarta e na quinta-feira, destas declarações, a “onça
mas sessões, e porque aconte- desvalorizar 6,3 por cento. As quando os esforços dos ban- troy” negociava-se a 283 dóla-
ce quatro dias depois do ata- bolsas Ibéricas também esti- NOVA IORQUE cos centrais conseguiram res, se bem que ainda muito
que terrorista, não existindo veram muito negativas, com Dow Jones* — — -10,9% criar uma calma que alguns acima dos 271,40 dólares a
justificação para uma reac- Madrid a perder 5,8 por cento, Nasdaq* — — -31,3% analistas consideram apa- que era transaccionada an-
ção “emocional”. mas do que os 4,6 por cento de rente e que, afinal, ontem se tes dos atentados terroristas
A bolsa de Frankfurt en- terça-feira, e Lisboa encerrou *valores de segunda-feira desmoronou.  nos EUA. J.A.
2 0 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
MANUEL GOMES

INQUÉRITO
1. O que mudou no mundo?

2. Como devem e podem os Estados Unidos e os seus aliados responder


a esta situação?

Isto não é um filme pela violência. A NATO não foi criada para
responder a este tipo de violência e não de-
em três actos de Holywood ve ser envolvida. Suspeito, aliás, que a retó-
rica da solidariedade vai superar em muito
a prática da solidariedade, até porque mui-
1 — Mudou, de um dia para tos países não estarão dispostos a seguir
o outro, o sentimento ilusó- uma interpretação estrita dos tratados inter-
rio de segurança na nossa nacionais a pedido dos Estados Unidos da
civilização. Agora todos sa- América sem terem garantias de que os Es-
bemos que estamos expos- tados Unidos abandonam a política isolacio-
tos aos golpes devastadores nista que em tempos recentes os tem levado
duma internacional fanáti- a denunciar unilateralmente vários tratados
Mário de ca, em qualquer parte do internacionais. Era bom que os Estados Uni-
Carvalho, mundo, a qualquer momento. dos da América não retaliassem pela violên-
escritor Firmou-se a consciência de cia e tomassem medidas activas para neu-
que há uma linha que separa tralizar o crescimento dramático dos
a civilização da barbárie. E com a barbárie sentimentos antiamericanos em várias par- Contribuição militar portuguesa poderá resumir-se à base das Lajes
não se pode transigir. Oxalá sirva de lição tes do mundo. Para isso seria necessário
aos que em nome de interesses geoestraté- que se envolvessem activamente na trans-
gicos animaram, municiaram, treinaram e
propagandearam o lado satânico da Histó-
ria.
formação do actual modelo de globalização
neoliberal que lança na miséria e no deses-
pero tantos milhões de pessoas ao mesmo
tempo que permite escandalosas concen-
Portugal sem meios bélicos
2 — Com a cabeça fria e sentido de Estado.
Vejo com inquietação o irromper de senti-
mentos de histeria colectiva e patrioteira
trações de riqueza. E, aí sim, os Estados Uni-
dos precisam do apoio dos seus aliados que,
neste caso, serão muitos e excederão em
para participar em ofensiva
nos EUA. Isto não é um filme em três actos muito os países da NATO.
de Holywood. Premissa dramática, progres- EUA ainda não lidariedades passivas. Temos como centro de comunicações
são, resolução. Não estamos no princípio do pediram autorização que participar naquilo em que e de reabastecimento de aviões,
segundo acto. Nem haverá um final com a “É importante evitar para utilização das acreditamos e em que vale a embora com a evolução tec-
derrota dos maus e a vitória dos bons. pena participar.” nológica as aeronaves tenham
Impõe-se um ponderado sentido da História a anatemização do Islão Lajes. O pedido pode O director da Direcção-Ge- cada vez mais autonomia. Os
e não um desastrado sentido do espectáculo. no seu todo” ser dispensável ral de Política de Defesa Nacio- EUA podem até dispensar a ba-
Algumas imaginações anseiam por ver Ca- nal, general Pinto Ramalho, se das Lajes. Os seus aviões po-
bul a arder. Não tem o menor interesse. Ca- HELENA PEREIRA por sua vez, sublinhou ao PÚ- dem ser reabastecidos no ar ou
bul é um monte de cacos, onde há mulheres, 1 — Mudou, essencialmente, BLICO que Portugal “já assu- através dos porta-aviões.
crianças e velhos. Gente inocente e já mais a percepção das ameaças. A base das Lajes, nos Açores, miu na plenitude a solidarie- O primeiro acordo com os
que martirizada. De facto, tratou-se da primei- deverá ser o maior contributo dade política com os EUA”. O EUA para a utilização das La-
Qualquer passo precipitado pode levar a des- ra grande demonstração de de Portugal para uma eventual general afirmou que se a situ- jes foi firmado há precisamen-
locamentos imprevisíveis. Há que impor a Is- que se alterou de forma subs- retaliação contra os autores dos ação fosse a contrária o nosso te 50 anos, no dia 6 de Setembro
rael que se abstenha, neste momento, de tirar tancial o conceito de guerra, atentados terroristas. O nosso país seria “o primeiro a desejar de 1951. Em 1995, entrou em vi-
partido da situação. Qualquer provocação algo que já tinha sido anteci- país não tem meios de ataque a solidariedade” dos restantes gor o Acordo de Cooperação e
pode suscitar reflexos solidários no mundo José pado, mas que não tinha sido para acompanhar uma opera- membros da NATO. “O mun- Defesa entre Portugal e os EUA
islâmico. E não é o Islão que está em causa. Manuel ainda verificado na prática. ção ofensiva ao lado dos EUA. do de hoje é um mundo dife- que regula a utilização das La-
É o “Viva a Morte” do terrorismo sem alma. Durão Constatámos como uma ac- Aliás, apesar de ter participado rente do de dia 10”, sustentou, jes e revoga todos os acordos
Barroso, ção terrorista pode, pela am- em várias missões internacio- acrescentando que cada país bilaterais que existiam.
presidente plitude que reveste e pelas nais, os militares portugueses deve ter um discurso firme e Os norte-americanos não pa-
do PSD, consequências que inevita- nunca estiveram directamen- de estabilidade. gam renda pela utilização das
“Retórica da solidariedade antigo velmente gerará, sair dos te envolvidos em operações de De qualquer modo, os prin- instalações, mas há uma sé-
ministro quadros tradicionais de uma combate. cipais meios das Forças Arma- rie de regras que têm que res-
vai superar prática da dos forma específica de criminali- Convém lembrar que Portu- das estão disponíveis. A Força peitar. Os EUA comprometem-
solidariedade” Negócios dade com fins políticos, para gal não tem meios aéreos, nem Aérea tem três F-16 empenha- se, por exemplo, a cooperar no
Estrangeiros entrar na categoria dos actos navais com capacidade de ata- dos no Kosovo, ou seja, estão reforço do desenvolvimento
bélicos de novo tipo. que. A Força Aérea não possui em território nacional, mas económico e social da Região
1 — É evidente que este ata- Para o resto do mundo, a imagem dos EUA bombardeiros e os F-16 de que prontos a actuar nesse territó- Autónoma dos Açores, na mo-
que terrorista contém algo saiu, por um lado, mais vulnerabilizada. Mas, dispõe são de defesa aérea (no rio se a NATO os solicitar. A dernização da indústria e in-
de novo; não se pode, contu- por outro lado, gerou-se ao mesmo tempo uma Kosovo tiveram uma missão de Marinha tem uma companhia vestigação na área da defesa, a
do, exagerar a sua novida- onda de simpatia para com aquele país e de protecção e vigilância). O Exér- de fuzileiros em Timor e um va- não substituir trabalhadores
de. Não é a primeira vez que indignação pela barbárie dos actos que o atin- cito tem efectivos de operações so de guerra na Stanavforlant. portugueses por pessoal norte-
povos poderosos são forte- giram, abrindo uma oportunidade para uma especiais, treinados em reco- Em termos de efectivos, o Exér- americano, a não ser nos casos
mente atingidos ou derrota- acção enérgica de todos quantos quiserem lha de informações em terri- cito tem cerca de mil homens em que não haja candidatos
Boaventura dos por forças reconhecida- combater este novo tipo de ameaças. tório hostil, mas estes nunca fora do país, a maior parte dos qualificados para o posto de
de Sousa mente mais fracas. De facto, participaram em missões inter- quais em Timor-Leste. trabalho, e a não nomear pa-
Santos, essa possibilidade é recor- 2 — Os EUA e os seus aliados devem respon- nacionais. Ao nível logístico, ra comandante das Forças dos
sociólogo, rente e está inscrita no tema der com toda a firmeza, procurando um quadro Portugal pode, por exemplo, dis- Pedido de autorização Estados Unidos nos Açores um
professor bíblico de David contra Go- multilateral tão alargado quanto possível. ponibilizar uma fragata para das Lajes é dispensável oficial com patente militar su-
da lias. O que há de novo é o Os Estados que apoiem as actividades terro- apoio ao comando e controlo. Os EUA ainda não pediram au- perior à do comandante portu-
Universidade facto de aparentemente es- ristas devem ser exemplarmente punidos. “Nós temos capacidades li- torização a Portugal para a uti- guês da base área nº 4 (Lajes).
de Coimbra tarmos perante o primeiro Contudo, é importante evitar a anatemização mitadas em termos de actua- lização da base das Lajes para O número máximo de pessoal
grande acto de uma nova es- do Islão no seu todo, sendo assim condição ções de grande escala, mas pon- uma futura acção militar de norte-americano estacionado
tratégia de confrontação violenta, uma guer- essencial chamar os Estados islâmicos mode- tualmente temos capacidades resposta aos atentados terro- e rotativo, em tempo de paz,
rilha internacional. Até agora, a guerrilha rados a participar neste esforço. que podemos disponibilizar. A ristas de terça-feira. Fonte mi- é de 6500 pessoas. Quanto ao
era marcadamente um fenómeno nacional Mas não tenhamos ilusões: o carácter multila- nossa participação mais pro- litar realçou ao PÚBLICO que, armazenamento de munições
e, aliás, parecia ser um anacronismo que teral do combate às novas formas de terroris- vável será mais em facilidades a ser feito, o pedido deverá che- e explosivos, é que não há limi-
teimava em resistir em alguns países, como, mo não pode dispensar iniciativa e liderança, nas Lajes. Para já, os EUA não gar momentos antes da opera- tes de quantidades. As únicas
por exemplo, a Colômbia, a Espanha, as Fili- as quais neste momento só podem vir dos precisam de meios bélicos de ção e não será divulgado para obrigações são as das regras
pinas, etc. O ataque a Nova Iorque e a Wa- EUA. outros países. Portugal teria não comprometer as acções. de segurança e de comunica-
shington parece indiciar que a guerrilha re- Deve pois procurar-se o consenso, mas não sempre uma dificuldade muito O pedido de autorização, no ção do tipo e quantidade dos
nasce no século XXI com uma estratégia de ficar-se preso desse consenso. Sem iniciativa grande em participar em ter- entanto, poderá nem vir a ser materiais ao comandante da
confrontação internacional. O que há de no- e liderança não há, neste âmbito, acção com mos, por exemplo, de ataques preciso. Segundo o acordo de co- base .
vo nesta guerrilha é poder ser levada a cabo sucesso. com aeronaves. Os F-16 não dis- operação e defesa celebrado en- Se os EUA decidirem aban-
sem armas, com elevada sofisticação tecno- põem ainda das chamadas ar- tre os EUA e Portugal para a donar as Lajes, podem remover
lógica, transformando populações e objec- mas inteligentes”, reconheceu utilização da base das Lajes, o qualquer material móvel (equi-
tos civis não apenas em alvos militares mas o chefe do Estado-Maior-Gene- trânsito de aviões militares nor- pamento, maquinaria, abaste-
também em armas militares. É ainda relati- ral das Forças Armadas, gene- te-americanos em missões de- cimentos, estruturas tempo-
vamente novo o facto de ser cometida com ral Alvarenga de Sousa Santos, correntes de decisões da NATO, rárias) que lhes pertença. No
o zelo paroxístico do suicídio como técnica anteontem à noite, num deba- com as quais Portugal concorde, entanto, Portugal terá que pa-
militar. te sobre os atentados terroris- não necessita de autorização do gar aos EUA o equipamento
tas, na RTP. O general, contu- Governo português. Basta um que considere essencial man-
2 — Se a história nos ensina algo, ensina- do, sublinhou: “Hoje em dia, aviso prévio dos EUA. ter para o funcionamento da
nos que a guerrilha raramente é derrotada não é possível haver mais so- A base das Lajes funciona base aérea das Lajes. 
D E S TA Q U E 2 1
PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001

Guterres não quer


ataques contra
“inimigos imaginários”
moderadas e também conde-
Um ataque nam o terrorismo”, disse.
indiscriminado contra Uma situação, explicou Gu-
terres, que abria as portas
o mundo muçulmano a “uma grande coligação in-
pode resultar numa ternacional contra o terro-
guerra generalizada. rismo”, tendo em vista criar
“um movimento mundial pa-
Para o evitar, o ra depois se desencadear uma
primeiro-ministro acção de fundo” contra este
propõe uma coligação tipo de fenómenos.
com os países árabes O primeiro-ministro consi-
derou essencial “pôr do nosso
moderados lado todos os países que con-
denam o terrorismo”, dando
Cuidado com a retaliação. Foi a entender ser importante a
esta a mensagem que o pri- colaboração de países árabes
meiro-ministro António Gu- António Guterres do Médio Oriente e não só. Ain-
terres deixou, ontem, no fim da assim, Guterres considerou
dos três minutos de silêncio ser “prematuro” equacionar
pelas vítimas dos atentados tra inimigos imaginários”. Is- cenários sobre um eventual en-
nos EUA. Apesar de ter reafir- to porque Guterres receia que volvimento militar de Portugal
mado o apoio português a uma tal reacção tenha como conse- numa acção de retaliação, no
possível acção norte-america- quência um conflito genera- quadro da NATO.
na, o chefe do Executivo dei- lizado e de consequências im- As declarações de António
xou clara a sua preocupação previsíveis entre o ocidente e Guterres foram proferidas após
sobre hipotéticas acções de re- o povo muçulmano. “Temos ter cumprido três minutos de
taliação indiscriminadas, que de evitar um conflito genera- silêncio em São Bento, em me-
acabassem por atingir povos lizado contra o povo muçul- mória das vítimas dos atentados
e nações inocentes. mano”, alertou. terroristas ocorridos terça-feira
António Guterres voltou a O governante lembrou mes- nos Estados Unidos. Durante os
falar da “total solidariedade” mo que a maioria desses países três minutos de silêncio, o chefe
portuguesa, para depois se re- se tinha esforçado para conde- do Governo esteve acompanha-
ferir aos riscos que poderiam nar rapidamente os aconteci- do no pátio da sua residência ofi-
advir para o mundo ociden- mentos de Nova Iorque e Wa- cial por cerca de três dezenas de
tal caso os EUA se decidissem shington. “Grande parte das funcionários e agentes de segu-
por uma lógica “belicista con- nações do mundo islâmico são rança.  NUNO SÁ LOURENÇO
2 2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

Cartas dos leitores


SARA K. SCHWITTEK/REUTERS

Day after vo” ou a luta contra “o grande Satã” não passam


de ideais ou causas longínquas relativamente aos
Esclareça-se que a Administração Bush foi pre- actos terroristas em si que em nada beneficiam
sa trágica — infelizmente — do seu autismo, com esses empreendimentos criminosos.
do seu isolacionismo. Uma potência polícia, O que aconteceu hoje não é uma grande tra-
num universo unipolar como aquele em que gédia. São dezenas de milhares de “pequenas”
vivemos, tem que ter em conta, com redobrada grandes tragédias. É a tragédia de cada uma das
atenção, os conflitos regionais. Ora, para além vítimas. A tragédia de cada um dos familiares
da defesa incondicional das suas zonas político- e/ou amigos que perderam alguém que lhes era
estratégicas no mundo, os Estados Unidos vi- querido. Dos milhares de mortos dos atentados
raram a costas à União Europeia e ao mundo de terça-feira, poucos seriam militares e/ou fun-
democrático e civilizado, fecharam-se sobre si cionários governamentais americanos. Bastan-
próprios e descuraram o poder irracional que tes não seriam sequer americanos, e certamente
habita as parcelas do mundo mais pobres, mais alguns não concordariam sequer com a política
desprotegidas e mais ignorantes. da Casa Branca e sentiriam simpatia pelos ideais
Sejamos claros: só na ignorância é que se que os terroristas usam como justificação para
torna possível o terrorismo. Só na ignorância a sua loucura homicida. O significado de um
é que se torna possível alimentar o fanatismo ataque ao coração da América, nos seus símbolos
(seja religioso ou nacionalista, tanto vale) que de poder económico e militar, foi escrito com
se esconde por detrás do terrorismo. o sangue de inocentes. Desta forma, esse acto
Por outro lado, o directório da União Euro- perde todo o seu valor simbólico e mais não é do
peia sempre fugiu ostensivamente da tentativa que um crime cobarde e vergonhoso. (...)
de criação de um exército único europeu. Aliado JOAQUIM AMADO LOPES
do EUA, quando necessário e quando o perigo Santa Iria da Azóia
rondava dentro das suas fronteiras (caso dos
Balcãs, por exemplo), conhecedores da união Dividiu-se o mundo entre
estratégica EUA-Reino Unido, a Europa virou
as costas aos seus problemas político-militares bons e maus
internos e atirou-os para a competência de ter-
ceiros — os EUA, concretamente. Acontece que,
uma ou outra cabeça do polvo terrorista, iria
dizimar povos não inocentes, é certo, antes ig-
Ataque escrito com o sangue À medida que as horas passam e parecem con-
como se sabe, esses terceiros, e na sequência da norantes. de inocentes firmar-se as suspeitas da responsabilidade dos
queda do Muro de Berlim, reequacionaram as Quer a NATO quer a União Europeia têm fundamentalistas islâmicos seguidores de Bin
suas zonas de influência político-estratégicas aqui um papel decisivo a desempenhar e, caso o O terrorismo é cobarde e repugnante. Não visa Laden nos terríveis atentados nos EUA, adensa-
na Europa. E a União Europeia foi assobiando desempenhem em defesa da legitimidade demo- uma pessoa ou organização em particular. Pro- se o clima de hostilidade para com o povo ára-
diplomaticamente para o lado, como se não crática, salvarão, uma vez mais, a democracia cura provocar o caos e a destruição, matando be e, duma maneira geral, para com todos os
fosse nada consigo. e a civilização. Apesar de o conceito clássico indiscriminadamente alguém ou algo que tenha muçulmanos. Exige-se uma resposta (leia-se
Perante este cenário, e atendendo a que este de guerra ter mudado de paradigma ontem uma mais ou menos vaga relação com o “inimi- vingança), fala-se em declaração de guerra,
criminoso atentado contra os EUA não tem mesmo, cabe-nos a nós defender intransigen- go”, absolutamente indiferente a todos os outros pede-se sangue. Em nome do suposto ataque ao
rosto, sublinhe-se como ninguém, até agora, temente a paz e, defendendo a paz, mostrar que sejam atingidos pelo caminho. Das bombas mundo ocidental e civilizado (será que quem
reclamou a sua autoria (tal, aliás, não fazia sen- como a democracia, apesar das suas inevitáveis do IRA colocadas em Londres às bombas postas não é ocidental não é civilizado?) exige-se que o
tido, porque o terror já se apossou dos cidadãos falhas, é o único sistema capaz de se adequar à em aviões por agentes líbios, passando pelos nosso mundo civilizado ataque eficazmente os
do mundo civilizado e democrático, minando-o), constante imperfeição dos homens. assassínios por parte da ETA de quase anónimos Estados que possam estar por trás dos atentados
só resta esperar que EUA não entrem numa JOSÉ FERNANDO GUIMARÃES funcionários públicos e pelos atentados em Nova ou que possam apoiar aquele tipo de terrorismo
escalada de guerra que, mais do que decapitar (carta expedida por e-mail) Iorque e Washington, a “independência de um po- (fala-se do Afeganistão, da Líbia, do Líbano, do

Anuário das Organizações Não Governamentais


O Terceiro Sector em Portugal
O PÚBLICO, com o apoio do Montepio Geral, vai editar, no último
trimestre de 2001, um anuário das organizações não governamentais em
Portugal.
INFORMAÇÃO AOS PASSAGEIROS
Trata-se de um trabalho inédito no País, já que apenas parcelarmente e A TAP Air Portugal, na sequência do reforço das medidas de
em relação às ONG do ambiente ou do desenvolvimento, havia direc- segurança accionadas nos aeroportos portugueses, solicita aos
tórios minimamente actualizados. seus passageiros que:
Para o trabalho de levantamento dos vários sectores em que as ONG • se apresentem nos balcões de check-in com maior ante-
têm exercido actividade já foram feitos milhares de contactos e rece-
cedência que habitualmente;
bidas centenas de respostas. Mas só uma adesão maciça a este projecto
por parte do Terceiro Sector fará do anuário uma obra de referência, no • sejam sempre portadores de documentos de identificação;
País e no estrangeiro.
• todos os passageiros com bilhete electrónico se façam acom-
Se a sua ONG já foi contactada e respondeu ao inquérito, o nosso obri- panhar do respectivo recibo;
gado. Se já recebeu o inquérito e ainda não respondeu, recordamos-lhe
que o poderá fazer até 30 de Setembro. Se é dirigente de uma ONG que
• reduzam ao indispensável as suas bagagens.
não tenha sido contactada e a quer ver incluída no anuário, poderá A TAP recomenda que os passageiros com voos marcados para
pedir os elementos de contacto e o inquérito a os Estados Unidos contactem previamente a Companhia através
Departamento de Projectos Especiais - dpe@publico.pt do telefone número 808 20 57 00
Telefone - 210 111 276/277
Fax - 210 111 006/007/008
Avisa-se ainda que as medidas de segurança respeitantes ao
reforço na identificação de bagagem podem ocasionar atrasos
PÚBLICO nos voos, que lamentamos, e que o acesso às aerogares está
Rua Viriato, 17 exclusivamente limitado a passageiros.
1069-315 Lisboa
TAP Air Portugal

12 de Setembro de 2001
D E S TA Q U E 2 3
PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001

Iraque e daqueles a quem se teima em negar enfim nessa altura as câmaras de televisão não
uma pátria, o povo palestiniano). estarão no terreno a fazer a cobertura em directo,
Ouvem-se repetidas vozes em defesa de Isra- não veremos o horror e a morte provocadas pelos
el e dos seus métodos duros para lidar com a bombardeamentos, não haverá condenações
população palestiniana (aquelas imagens de nem dádivas de sangue, tudo para nós se há-de
crianças palestinianas vieram mesmo a calhar, resumir a imagens de um jogo de vídeo. (...)
mostram que qualquer palestiniano é um ser Veremos explosões de júbilo por parte da
maldoso que deve ser abatido, mesmo que ainda população perante a dureza da retaliação, ou
em criança). O falcão Ariel Sharon aproveitou seja, uma versão ocidental e civilizada daqueles
bem a oportunidade e lançou há poucas noi- palestinianos que vieram para a rua comemo-
tes um ataque a uma cidade palestiniana que rar os ataques. Olho por olho, dente por dente,
causou a morte de 12 pessoas e provocou cem eis o nosso mundo civilizado.
feridos, mas afinal “who cares?” JÚLIA GARRAIO
Aliás, os duros de Israel poderão agora bom- Coimbra
bardear à vontade as cidades palestinianas,
expulsar os árabes das suas quintas, Sharon Antiamericanismo
poderá repetir as suas “façanhas” de Beirute
(lembram-se ainda dos 2 mil palestianaos mas- Acabo de ler o artigo de Pacheco Pereira na
sacrados, sim, com mulheres e crianças tam- edição de 13 de Setembro, com o qual estou de
bém?). Enfim, vemos criar-se um ambiente de acordo. Particularmente na sua parte final,
ódio ao Islão, toma-se a parte pelo todo, divide- na ligação que estabelece com a ideologia an-
se o mundo entre os bons (nós, claro, o mundo tiglobalização e os seus actos. Muitos desses
ocidental) e os maus (eles, os terroristas e com manifestantes, além de não saberem exacta-
eles todo o mundo do Islão). (...) mente contra o que é que lutam (talvez Prado
Contrariamente a algumas opiniões, parece- Coelho lhes possa dar uma infindável lista de
me que a declaração de condenação do aten- bibliografia para ficarem a saber alguma coi-
tado por Arafat foi realmente a mais sincera sa do assunto, embora tenhamos mais perto
de todos os líderes mundiais. Para além dos as crónicas de Pulido Valente), esquecem-se
milhares de vidas de inocentes que se per- que são filhos dela e que pecam e usam os seus
deram, ele bem sabe o que caiu juntamente resíduos, não se importando, muitos deles, de
com os aviões: a esperança de um povo injus- se dirigirem aos paraísos turísticos sexuais e
tiçado há 50 anos ter direito a um princípio divirtirem-se com raparigas de 16 ou 17 anos,
consagrado pelo nosso mundo civilizado, a nessa vida fruto das circunstâncias que julgam
autodeterminação e o direito a uma vida fora combater. (...)
de campos de refugiados. São contra os americanos, como se fossem
Em suma, o nosso mundo civilizado prepara- eles os responsáveis pelas desigualdades que
se para, em nome dos valores ocidentais e para presenciamos. Por isso, apesar de condenarem
vingar a morte dos milhares de inocentes que os atentados, dizem: “Sim, mas os EUA estão de
ontem morreram, efectuar um ataque sem pre- certa maneira a colher os frutos do que semea-
cedentes contra certos Estados, ataque que se ram.” Com um pouco mais de descaramento,
traduzirá inevitalmente numa matança muito diriam que duas torres foi de mais, mas que
superior à de ontem. Que muitos inocentes irão uma até se justificava...
morrer nestes actos de retaliação é indiscutível: RUY REY
civis, crianças, velhos, médicos, bombeiros. Mas Macau
2 4 E S PA Ç O P Ú B L I C O
PÚBLICO• SÁBADO, 15 SET 2001

IMAGENS Bartoon LUÍS AFONSO

QUE MARCAM
Marcados pelo século das imagens, que
antecedeu este, encontramos a cada passo sinais
do drama americano: na série televisiva Ally
McBeal, como numa das mais dilaceradas
fotografias de Robert Frank

Mesmo que não procuremos as imagens, elas vêm ao


nosso encontro, de forma inesperada, a provar que uma
das principais heranças do século XX (o século das
imagens, sobretudo das imagens-ícones) marcou em
definitivo a nossa forma de ver o mundo. Anteontem à
noite, cruzámo-nos com o drama norte-americano por
várias vezes na série televisiva Ally McBeal (as “Twin
Towers” insistiam em brilhar do passado, para lá
do horror que as submeteu à destruição) tal como,
horas antes, o havíamos imaginado no CCB, numa das
mais dilaceradas fotografias de Robert Frank, “Sick
of goodbyes”, ela própria nascida do drama pessoal
de um dos maiores génios da fotografia do nosso
tempo. E de tal modo temos tendência a projectar nas
imagens-tipo a nossa visão das coisas, que a indústria
cinematográfica cuidou já de adiar
cuidadosamente algumas estreias para
Editorial não reavivar o pesadelo com histórias
“inocentes”. A própria Disney tinha
para estrear (já não estreia, pelo menos tão cedo) uma
comédia onde um plano nuclear era transportado de
Miami para as Bahamas... num avião.
Em tempos de paz ou relativa acalmia, milhões de
pessoas gastam o seu tempo, e põem à prova a sua
resistência ao pânico, a ver filmes-catástrofe com todo o
tipo de possíveis e aterrorizantes destruições: de prédios,
de cidades, até do próprio planeta. A realidade que
inimaginamos acabamos por consenti-la na ficção, sob
as mais variadas formas. Daí que todo o terror agora
vivido na América tenha já sido antecipado em filmes,
Cartas ao Director
nalguns casos até com perturbantes e assustadoras
As cartas destinadas a esta secção — incluindo eu escolhera esse destino, e como tenham mais respeito pelos clientes
semelhanças. Mas se isso sucedeu em tempos de paz as remetidas por e-mail — devem indicar o nome
ninguém se imagina, em períodos de guerra ou perante e a morada do autor, bem como um número moro na zona do Porto, aproveitei que tentam cativar com as suas pro-
flagelos como o que agora vivemos, a ir direito ao cinema telefónico de contacto. O PÚBLICO reserva-se o a oportunidade. Tive até que fazer postas de férias.
direito de seleccionar e eventualmente reduzir alterações aos meus planos iniciais JOAQUIM FIDALGO
tremer perante “A Torre do Inferno” ou “Armagedão”. os textos recebidos. Não se devolvem os origi- (já que o dito voo directo só existia às Espinho
Ou sequer perante Quentin Tarantino. O terror real nais dos textos não solicitados, nem se prestará
quintas-feiras), mas fi-lo com gosto,
basta-nos e, por isso, nos períodos de guerra, terríveis, informação postal ou telefónica sobre eles.
pois a vantagem de não ter escalas
já antes sofridos pela humanidade, a prioridade Endereço electrónico: no percurso superava todos os incon-
do cinema foi muitas vezes para os musicais. As cartasdirector@publico.pt
venientes. Big Brother lava mais
fantasias coreográficas de Busby Berkeley, por exemplo, Em vésperas da partida, recebi a branco
acompanharam quase toda a II Guerra Mundial: “Strike documentação da viagem, adquirida
up the band” (1940), “Babes on Broadway” (1941), “For ao operador Soltrópicos, e lá estava
me and my gal” (1942), “Sinfonia de estrelas” (1943)... Cultura de esquerda ‘versus’ nos bilhetes, bem clara, a indicação Como era de esperar, Fernando, o úni-
Precisamente nas ruas de Nova Iorque, quando de um voo directo Porto-Sal, a 2 de co concorrente negro que o Big Brother
procurava ideias e palavras para o seu filme de estreia
social-democrata Agosto. Qual não foi o meu/nosso seleccionou — e já lá vão três edições
espanto, quando, chegados ao aero- —, saiu três dias depois de ter entrado
“Em Busca de Ricardo III”, Al Pacino deparou com Li a crónica de Eduardo Prado Co- porto do Porto, vimos no “placard” na casa mais famosa de Portugal.
estas espantosas palavras de um cidadão negro, pobre elho comentando Vasco Graça Mou- das partidas que o voo, afinal, faria A saída de Fernando foi, para a ex-
de aparência mas rico em lucidez: “A inteligência ra e dando-lhe, em vistoso salama- escala em Lisboa... Mais: um repre- tensa comunidade negra portugue-
está presa à língua. Quando falamos sem sentir leque, uma cornucópia de elogios. sentante da Soltrópicos informou, sa, uma desilusão ou talvez traição.
não obtemos nada da sociedade. Devíamos falar Duas observações me foram sugeri- no local, que a decisão já teria sido Obrigados pelo êxito que Hoji, o con-
como Shakespeare. Deviam incutir Shakespeare das: a primeira é que é uma pena que tomada há dias e tinha a ver com a corrente vitorioso do Bar da TV, teve
nos estudantes. Sabe por quê? Porque passariam tais qualidades de Vasco Graça Mou- insuficiência de passageiros do Porto nesse concurso, a produção do Big
a ter sentimentos. Não temos sentimentos. Daí ra não tenham ocorrido ao espírito para encher o avião, enquanto em Brother seleccionou um negro só pa-
ser fácil arranjar armas e matarmo-nos. Se nos de Prado Coelho no preciso momento Lisboa havia procura superior à ofer- ra a concorrência não levar a vanta-
em que o seu (deste) amigo e outrora ta. O certo é que ninguém fora aler- gem nesta área, mas os arianos portu-
respeitássemos, não seríamos tão violentos”. Alguém
discípulo Manuel Maria Carrilho tado previamente para essa possibi- gueses, nas suas mentes mesquinhas
quer ver o filme outra vez? NUNO PACHECO acusou o tradutor de Dante e Shakes- lidade e a documentação que nos foi e limitadas, decidiram pôr as coisas
peare de defensor da cultura da bar- entregue, nas vésperas da partida, no seu lugar e expulsaram o concor-
bárie; a segunda é que E.P.C. reage não aludia a qualquer mudança. Pe- rente. Cada vez mais me convenço
contribuinte nº 502265094 assim astuciosamente aos ataques lo contrário: insistia no voo directo que a vitória do Hoji foi conseguida,
depósito legal nº 45458/91
registo ICS nº 114410
de Fernando Venâncio (“Diário de Porto-Sal. Em consequência, lá tive- não só pela sua personalidade forte,
Notícias”), Constança Cunha e Sá mos de fazer uma escala em Lisboa (o mas também pela união que se for-
E-mail: publico@publico.pt LISBOA: Rua Viriato, 17 – 1069-315 Lisboa; Telef.: 210111000 (PPCA) Fax: (“O Independente”), aparentemente que significou mais uma aterragem e mou em volta do concorrente, pois
Dir. Empresa 210111005; Dir. Editorial 210111006; Agenda 210111007; Redacção 210111008;
Publicidade 210111013/210111014 • PORTO: Rua João de Barros, 265 – 4150-414; Telef: 226151000 concentrando a sua atenção sobre uma descolagem, além de uma longa Hoji foi o motivo para muitos negros
(PPCA) / 226103214; Fax: Redacção 226151099 / 226102213; Publicidade; Distribuição 226151011• uma nova polémica: a da cultura de hora de espera), tendo chegado ao e africanos se unirem e votarem a
BRAGA: Rua de S. Marcos, 126-1º Esq. Fr. – 4700 Braga Telef: 253619041; Fax: 253617983 • AVEIRO:
Rua Eng. Silvério Pereira da Silva, 16-A, 2º Tr. – 3800 Aveiro Telef/Fax: 234382507 • COIMBRA:
esquerda vs. cultura social-democra- destino duas horas mais tarde do que favor da manutenção, levando o ca-
Avenida Fernão de Magalhães, 153/157- 2º Dto, sala 6 – 3000 Coimbra Telef.: 239829554; Fax: 239829648 ta. Mas que figurão!! o previsto. rismático angolano à vitória final do
• ALGARVE: Avenida da República Federal Alemã, bloco C 2 – 8000 Faro Telef.: 289806656; Fax: VASCO ROSA Enquanto consumidor, senti-me le- Bar da TV. (...)
289806655 • VILA REAL: Rua 31 de Janeiro, 41 - 3º, sala 303, 5000 Vila Real Telef.: 259326262;
Fax.: 259326265 • MADEIRA: Rua dos Ferreiros, 55-2º Dtº – 9000 Funchal Telef.: 291231611 • Lisboa sado e maltratado, pois foi-me pro- Não é difícil calcular que a Rosa —
PROPRIETÁRIO: PÚBLICO Comunicação Social, SA Sede: Rua João de Barros, 265, 4150 Porto • metido e vendido um bem diverso do aquela moça mulata — será a próxima
IMPRESSÃO: Unipress, Tv. Anselmo Braancamp, 220-Arcozelo/4405, Valadares; Telef.: 227537030;
Mirandela — Rua Rodrigues Faria, 103, 1300 Lisboa; Telef.: 213613400; Fax: 213613469 • DISTRIBUIÇÃO:
que, no final, me entregaram. Per- a ser expulsa, porque, coitada, nasceu
gunto-me mesmo se não terá havido com o tom de pele mais escuro — o que,
Midesa Portugal - Distribuição de Publicações, S.A.; Lisboa: Rua da República da Coreia, 34, Ranholas,
2710-460 Sintra; Telef.: 219267800, Fax: 219267850; Porto: Rua Engenheiro Ferreira Dias, 1173 a 1177, 4100 Voo “directo” do Porto? má fé do operador, pois, sabendo já infelizmente, se está a tornar um pe-
Porto; Telef.: 226191211; Fax: 226191210; Algarve: Estrada de Boliqueime - Fonte de Boliqueime, 8100-070
Boliqueime; Telef. e Fax: 289366361; Coimbra: Beco Olheiro, Armazém 2, Adénia, 3020-028 Coimbra; Telef.: que não tencionava cumprir o anun- sadelo nos tempos que correm, nesta
239430519; Fax: 239431592 • ASSINATURAS: 808200095 Vários operadores turísticos anun- ciado na sua publicidade, manteve terra que já se orgulhou de ter o seu
ciaram, este Verão, que dispunham, os clientes no desconhecimento até à sangue espalhado pelas sete partidas
uma vez por semana, de um voo di- hora da partida. Julgando dar voz a do mundo.
Tiragem média total do mês de Agosto recto Porto-Sal para quem quisesse outros insatisfeitos, deixo aqui este JOSÉ MUSSUAILI
AS SO C I AÇÃO P O R T UGUE SA
D O C O N T R O LO D E T I R AG E M
72.388 exemplares passar férias em Cabo Verde. Como alerta público para que os operadores Lisboa
ES PAÇ O P ÚB L I C O 25
PÚBLICO•SÁBADO, 15 SET 2001

Globalização e disparates O terrorismo não é um


istos com horror em to- os investimentos estrangeiros
problema dos outros
V do o mundo, praticamen-
te em directo, os atenta-
dos de terça-feira exigem
uma resposta global. Não se tra-
ta só de coordenar uma retaliação
que tanta falta lhes fazem, ou
seja, do que estes países pre-
cisam é de mais globalização,
não de menos.
Nos Estados Unidos, os sin-
Qual praga bíblica, a mesma pobreza se abate hoje sobre
os países em que a intolerância vinga: em caso de
entre os EUA e os seus aliados. dicatos conseguiram que o retaliação por parte dos EUA, em Cabul não há nada para
Nem apenas de reforçar a coope- FRANCISCO Congresso aprovasse uma lei
ração internacional na prevenção SARSFIELD CABRAL impedindo os camionistas do
destruir. Só civis para matar
do terrorismo. Importa também México de entrarem no país,
enfrentar a sério os problemas da para além da zona fronteiriça
globalização económica, fonte de tanto desespero — apesar da NAFTA, a zona norte-americana de tes de Israel avalizavam com a sua
e, por isso, terreno propício a actos tresloucados. comércio livre, que liga os Estados Unidos, o Ca- presença a Conferência de Paz so-
Só que a atitude da maioria dos contestatários da nadá e o México. Mas esta manifestação de pro- bre o Médio Oriente. E é também
globalização não ajuda a desenvolver um debate ra- teccionismo dos ricos contra os pobres não pare- em Espanha e em França, e não
cional. É certo que alguns dos que, de início, eram ce suscitar a atenção dos habituais adversários na fronteira entre os Estados Uni-
contra a globalização começam a perceber que isso da globalização. Aliás, os sindicatos americanos dos e o México, que, disfarçados
não faz sentido e declaram agora defender uma ou- opuseram-se ao lançamento da NAFTA, receando no meio da gente que foge das con-
tra globalização. Já é alguma coisa, mas não chega que os empresários americanos fossem investir no HELENA MATOS dições de vida miseráveis no Nor-
para ultrapassar os disparates correntes, que pre- México, aumentando o desemprego nos Estados te de África, chegam ao Ocidente
judicam a análise dos reais problemas que a globa- Unidos. Aí está o empenho desta gente no desen- membros dos grupos fundamen-
lização suscita. E não falo, sequer, da “taxa Tobin”, volvimento dos países pobres. nfelizmente, pois assim se- talistas islâmicos.
da qual já se demarcou o próprio James Tobin. E temos ainda a falácia de que a globalização
Na sua raiva contra as organizações internacio- agrava as desigualdades salariais. Isto só é verdade
nais, muitos contestatários combatem precisamen- em medida muito limitada: na medida em que os
te aquilo que a globalização exige, sob pena de a baixos salários dos países pobres fazem concor-
economia se sobrepor por completo à política, tor- rência a alguns trabalhadores dos países ricos, em
I ria muito mais fácil de re-
solver, o fundamentalismo
islâmico não é um proble-
ma entre os Estados Unidos e o
mundo árabe, por causa de Israel.
Infelizmente, pois assim seria
muito mais fácil de resolver, o fun-
damentalismo islâmico não é um
problema entre os Estados Unidos
e o mundo árabe, por causa de
nando irrelevante a democracia: um enquadra- sectores de trabalho intensivo como os têxteis. O Infelizmente, o fundamentalismo Israel. Infelizmente, o fundamen-
mento político ao capitalismo global. Os neo-isola- comércio não gera forçosamente desigualdades — islâmico é um problema para uma talismo islâmico é um problema
cionistas que hoje dominam Washington agrade- aliás, só tem sentido porque existem desigualda- grande parte da humanidade. para uma grande parte da humani-
cem — também eles A mão que a 11 de Setembro de dade. Seja nas Filipinas ou na In-
se opõem ao reforço 2001 degolou as hospedeiras dos donésia, em que a imagem de cor-
das instâncias multi- aviões da American Airlines e da pos mutilados é o rasto mais que
laterais. Foi a contra- M U I T O S C O N T E S TAT Á R I O S da globalização combatem United Airlines para assim apa- visível da sua passagem. Seja em
gosto que o Presiden- precisamente aquilo que a globalização exige: um enquadramento vorar as tripulações é a mesma países árabes que nos habituámos
te Bush acabou por político ao capitalismo global que, em 1998, esquartejou me- a associar à liberdade e à cultura
colaborar na ajuda ninas na Argélia para aterrori- — ou já esquecemos que foi na Ar-
do FMI à Argentina. KONRAD ATAWICKI/REUTERS zar as suas famílias. É a mesma gélia que vários portugueses se
Ora, só reforçando mão que destruiu os Budas de Ba- acolheram durante ao anos 60? Ho-
as instâncias inter- mayan, que decapita nas Filipi- je foge-se da Argélia. Três déca-
nacionais se poderá nas, que atira ácido à cara das das depois, e recorrendo às pala-
evitar a globalização mulheres árabes em França para vras da jornalista argelina Salima
selvagem — ou, se as castigar... Essa mão está muito Ghezali, a Argélia transformou-se
preferirmos, a glo- mais próxima da Europa do que num “matadouro”. E no Egipto, os
balização americana dos Estados Unidos. homossexuais sucedem-se na bar-
—, preservando o pri- Azerbeijão, Daguestão, Uzbe- ra do tribunal a mulheres como a
mado da política. quistão, Tajiquistão ou Turqueme- escritora Nawal el-Saadawi, acusa-
Sobretudo em re- nistão não são apenas um conjun- da de ser apóstata, após ter denun-
sultado do progres- to de nomes terminados em “ão” ciado a discriminação das mulhe-
so nos transportes (muito úteis para jogos de pala- res egípcias em casos de herança.
e nas comunicações, vras) a que há que juntar outros O Egipto em cuja feira do livro do
o Estado-nação per- ainda mais arrevezados, como a Cairo, neste ano de 2001, não esti-
de inexoravelmente Quirguízia ou a mais mediática veram disponíveis clássicos da li-
força perante as for- Tchetchénia. Desde o mar Negro teratura daquele país que séculos
ças económicas e fi- e estendendo-se para lá do Cáspio, e séculos após terem sido escri-
nanceiras globais — esses nomes correspondem a paí- tos e lidos são agora banidos sob a
empresas multina- ses e territórios onde o fundamen- acusação de heresia e pornografia!
cionais, mercados, talismo islâmico ou se impôs ou se O que é que Israel ou os EUA têm
etc. Mas, de Seattle a procura impor. E mesmo que se dê a ver com isto?
Génova, os manifes- o devido desconto às declarações O fundamentalismo islâmico
tantes parecem que- dos guerrilheiros fundamentalis- nasce do mesmo sentimento que
rer travar a evolu- tas tchetchenos que dizem ter co- levou à multiplicação das foguei-
ção no sentido de um mo objectivo a criação, no Cáuca- ras da Santa Inquisição em Portu-
novo direito interna- so, dum grande Estado islâmico, gal e Espanha. Face a um mundo
cional público (recorde-se o caso Pinochet, ou o des. O que agora está a agravar as desigualdades, convém que os europeus mais dis- novo que surgia em cada regresso
Tribunal Penal Internacional, que os EUA não ao contrário do que acontecia até há uns 30 anos, traídos olhem para o mapa. Aca- de caravela, face à explosão das
aceitam). Talvez sejam muito progressistas alguns é a circunstância de o desenvolvimento estar cada barão rapidamente a constatar trocas comerciais, da multipli-
desses manifestantes, mas o que na prática defen- vez mais directamente ligado ao saber. Os traba- não só que têm os países islâmicos cação dos saberes... houve quem
dem é profundamente reaccionário. Ou será que lhadores pouco qualificados quase não melhoram por vizinhos, como também que acreditasse que as labaredas ex-
alguém acredita ser possível regressar ao Estado- os seus rendimentos, enquanto aqueles que se mo- o mosaico europeu impossibilita tinguiriam os corpos e os livros,
nação de há um século? vem com à vontade nas novas tecnologias enrique- certo tipo de respostas. Atacados, testemunhos e protagonistas des-
Repare-se ainda no comércio internacional. Os cem rapidamente. os Estados Unidos fecharam pron- sa mudança. Houve quem acredi-
contestatários não gostam de comércio: os protec- Ao acusar a globalização de aumentar as desi- tamente as fronteiras. Estas são tasse que era possível regressar
cionistas de direita, porque o comércio os obriga gualdades faz-se pontaria errada. Importaria, sim, fisicamente enormes, mas resu- ao tempo em que nos mapas Jeru-
a mudar e os de esquerda, porque lhes cheira a ne- encarar a sério questões como os baixíssimos salá- mem-se ao Canadá e ao México. salém estava no centro duma ter-
gócio. Por isso uns e outros se aliam para não deixar rios que auferem milhões de trabalhadores em eco- Basta olhar para o mapa da Eu- ra cercada de monstros bíblicos
entrar nos seus mercados os artigos exportados pe- nomias muito ricas, como a americana (tornando ropa para perceber quantos par- por todos os lados.
los países pobres, usando sofismas hipócritas como para eles atractiva a via do crime), ou a exclusão ceiros, quantos países, quantos go- Sabemos, por experiência pró-
a chamada “cláusula social” (e também a “ambien- que das novas tecnologias resulta para quem não vernos há que ter em conta para pria, como ficámos mais pobres de-
tal”). E o proteccionismo agrícola dos ricos dificulta possui os instrumentos mentais e culturais para que uma decisão como essa pudes- pois desse tempo de intolerância.
o acesso dos produtos do Terceiro Mundo aos seus funcionar com elas, ou até o escândalo dos venci- se ser tomada. Aliás, qual praga bíblica, a mesma
mercados (como referi há uma semana). mentos milionários de gestores de empresas, sem E não é certamente necessário pobreza se abate hoje sobre os pa-
A África conta em menos de 2 por cento para o qualquer relação com o sucesso destas (na Grã-Bre- olhar para esse mesmo mapa pa- íses em que a intolerância vinga:
comércio mundial. Mas não ocorre a alguns que tanha os salários dos executivos de topo subiram 17 ra se recordar que foi na capital em caso de retaliação por parte dos
tal marginalização (que tanto deve agradar aos que por cento, em média, em 2000). espanhola, e não no World Trade EUA, em Cabul não há nada para
não gostam de comércio e de globalização) tenha “Last, but not least”, não parece que os militan- Center, que, há dez anos, se colo- destruir. Só civis para matar.
algo a ver com a pobreza dos povos africanos. Ora, tes antiglobalização estejam preocupados com uma cou pela primeira vez a hipótese Mais do que de riqueza — em
foi graças ao comércio externo que se tornaram evolução perversa: a emigração maciça de técnicos de os fundamentalistas islâmicos alguns casos estamos perante paí-
ricos países como a Coreia do Sul. Os contestatários formados nos países pobres para os países ricos usarem aviões como armas contra ses imensamente ricos —, o mun-
também não gostam de multinacionais e de inves- (quase metade dos licenciados na Índia trabalha no edifícios-símbolos, no caso o Pa- do árabe precisa de liberdade e to-
timento estrangeiro — mas em Agosto sete países estrangeiro). É um factor dramático de empobreci- lácio do Oriente, em que homens lerância. Precisa de justiça social.
africanos lançaram em Kampala uma agência de mento dos que já vivem na miséria. Mas quem se como Yasser Arafat, George Bush, Enfim, precisa de democracia, es-
seguros, cobrindo riscos políticos, para atraírem interessa por estes temas?  Mikhail Gorbatchov, e os dirigen- sa invenção da Grécia. 
2001
16 Setembro
PUBLICIDADE

DOMINGO
EDIÇÃO LISBOA
16 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4199
220$00 • €1,10 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico.pt
www.publico.pt

ALI JAREKJI/REUTERS
E N T R E V I S TA
Líder tribal jordano
assina livro de
condolências
na embaixada
americana em Amã
BUSH
PREPARA
Robert Frank,
AMERICANOS
o fotógrafo da América
P18 A 21
E ALIADOS
T U R I S M O C U LT U R A L

Uma rota para os frescos


PARA A
no Alentejo
São cerca de 20 exemplares de pintu-
ra mural alentejana histórica, num
projecto de turismo cultural recente-
GUERRA
mente inaugurado. P48/49 EUA tentam formar a
maior coligação desde o
DESPORTO
conflito do Golfo de 1991,
envolvendo países
BENFICA E PORTO ocidentais e árabes
EMPATAM NA LUZ,
Taliban ameaçam atacar
BOAVISTA DESTACA-SE os que invadirem o
P40 A 42
Afeganistão, mas
PÚBLICA Paquistão já ofereceu
espaço aéreo

Ontem foi o dia do


primeiro funeral e o FBI
fez primeira detenção

Israel atacou com mísseis


a Faixa de Gaza e proíbe
encontro Peres-Arafat
inimigo nº1
OSAMA BIN LADEN Os ataques de terça-feira
causaram tantos mortos
Medicinas Complementares como os atentados
c o l e c c i o n á ve l g r á t i s
terroristas desde 1988
ÍNDICE

BARTOON E OPINIÃO 23 A 29
Até ao momento, ainda
TELEVISÃO
CLASSIFICADOS
54/55
64 A 73
só foram resgatados cinco
CINEMAS
TEMPO E FARMÁCIAS
74/75
76
sobreviventes
P2 A 17 E 56
2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

GEORGE W. BUSH P&R A retaliação,

Qual é o alvo?
Afeganistão, Paquistão, Argé-
lia, Irão, Iraque, Síria. São os
países de que os comentado-

“ESTAMOS EM GUERRA”
res militares falam, nem sem-
pre da forma mais lúcida.
Com segurança, pode falar-se
em alvos no Afeganistão, do-
minado pelos taliban, os “es-
tudantes de Teologia” que pro-
tegem Osama bin Laden. A
dúvida é, neste momento, se
as armas de Bush vão ser
O Presidente dos Estados Unidos, reunido de emergência com os seus conselheiros apontadas apenas ao terroris-
ta e aos campos onde treina o
de segurança, avisou os americanos para esperarem o pior num “vasto assalto ao terrorismo”. seu exército, ou também ao re-
gime que domina este país da
É uma guerra que não terá “campos de batalha ou praias de desembarque”. Ásia Central. Bush prometeu
Mas é uma guerra. Serão precisos sacrifícios. “Aos que têm uniforme, digo: preparem-se.” erradicar o terrorismo, mas
também castigar os países
Texto de Ana Gomes Ferreira, Nova Iorque que o albergam e apoiam. É
aqui que aparece a Síria, a Ar-
ERIC DRAPER/REUTERS gélia (país que fornece gás na-
“Estamos em guerra.” Foi atra- tural a muitos pontos da Euro-
vés da rádio, como se fazia antiga- pa, Portugal por exemplo), o
mente, quando não havia televi- Paquistão e o Iraque (o Irão
são, que o Presidente dos Estados xiita é inimigo, ideológico e
Unidos, George W. Bush, disse as doutrinal, dos taliban sunitas,
palavras que se esperavam há cin- e destoa do padrão). Osama
co dias. “Estamos em guerra.” bin Laden treina homens e re-
“Será um género diferente de con- cebe ajuda em muitos destes
flito, com um tipo diferente de países. Porém, atacar os terro-
inimigo. Este é um conflito sem ristas nestes países implica a
campos de batalhas ou praias de colaboração dos próprios regi-
desembarque.” mes, a maior parte hostis aos
Bush tentou limpar da cabeça EUA, ou arrasta um risco de-
dos americanos as imagens de ou- masiado alto: a mobilização
tra guerra, a segunda. Não foi por do mundo islâmico, ou de par-
acaso que as usou. Será uma guer- te dele, contra o inimigo ame-
ra diferente. Mas será uma guer- ricano. Os analistas do
ra. Longa e dolorosa. “Não me “think-tank” Strafor conside-
contento com uma acção peque- ram que a opção mais vantajo-
na. A nossa resposta tem de ser sa de Bush é declarar “guerra
arrasadora, sustentada e efectiva. aos militantes islamistas onde
Temos muito para fazer e muito quer que se encontrem”. Por-
para pedir ao povo americano. que evita o problema de nome-
Vamos pedir-vos que sejam pa- ar um país como sendo o res-
cientes, porque o conflito não será ponsável. E, ao mesmo tempo,
curto. Vamos pedir-vos determi- dá aos EUA um mandato mais
nação, porque o conflito não será amplo para lidar com amea-
fácil. Vamos pedir-vos que sejam ças actuais e futuras. O terro-
fortes, porque o caminho para a rismo tornou-se uma ameaça
vitória pode ser longo.” global, e países como as Filipi-
“Este fim-de-semana, estou reu- nas, a Indonésia ou a Malásia
nido em intensas sessões com os — onde está a aumentar — po-
membros do Conselho de Segu- dem vir tornar-se importan-
rança Nacional, e planeamos um tes. Os analistas dizem que o
vasto assalto ao terrorismo”. Com apoio da Índia e da Rússia se-
Bush estão, em Camp David (a rá fundamental. E que é neces-
residência de férias dos presiden- sária uma maior cooperação
tes), o secretário de Estado Colin entre serviços secretos (em
Powell, o secretário da Defesa Do- particular os de Israel).
nald Rumsfeld, a conselheira de
Segurança Nacional Condoleezza Que género de guerra será
Rice. O vice-presidente, Dick Che- feita?
ney, participa nas discussões a Os cidadãos dos EUA exigem
partir de outro lugar — quando uma resposta devastadora —
se está em guerra, e em nome da foi isso que Bush lhes prome-
segurança nacional, o Presidente teu. O Presidente necessita de
e o “número dois” — que ocupa o tempo para ponderar os meios
lugar se o chefe de Estado morrer e os riscos deste novo tipo de
— nunca estão no mesmo lugar. guerra. Vai acontecer em mui-
“Os nosssos opositores acredi- tas frentes. A operação inclui-
tam que são invisíveis. Estão en- rá uma resposta militar con-
ganados. E vão aprender o que vencional, o compromisso de
outros já aprenderam no passado: todos os recursos dos serviços
os que fazem guerra aos Estados sercetos, movimentações di-
Unidos escolhem a sua prórpia plomáticas e sanções políticas
destruição”. Pela primeira vez, o e económicas aos países alvo.
Presidente identificou como sen- Questionado sobre se haverá
do o principal suspeito pelos ata- tropas terrestres envolvidas
ques que começaram a guerra nesta guerra, o porta-voz da
Osama bin Laden, o terrorista Casa Branca disse, ontem:
que os sauditas tornaram apátri- “Nem uma possibilidade foi
da, um fundamentalista islâmico posta de lado.” Os analistas do
que se acredita escondido no Afe- instituto Strafor referem co-
ganistão. No dia 11 de Setembro, mo modelo de intervenção a
pelo menos 19 terroristas árabes ter em conta a resposta de Is-
sequestraram aviões comerciais rael ao massacre dos seus atle-
cheios de civis, e atiraram-nos tas nos Jogos Olímpicos de
contra o World Trade Center, em Munique — atacaram opera-
Nova Iorque, e o Pentágono, em cionais e responsáveis palesti-
Washington. Matando mais de nianos em diferentes países.
cinco mil pessoas (estimativas Com esta opção, o mundo po-
provisórias).  “Os nosssos opositores acreditam que são invisíveis. Estão enganados” deria assistir ao regresso de
D E S TA Q U E 3
PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001

os alvos e os aliados FORÇAS EM CONFLITO


Os taliban que governam Cabul recusam entregar Osama bin Laden, considerado pelos EUA o principal suspeito dos ataques ao World
Trade Center e ao Pentágono. Ameaçaram ripostar contra quem alinhar na guerra de George Bush e recomendaram aos estrangeiros
operações clandestinas, em cipará activamente nem ofere- que abandonem o Afeganistão. Milhares de civis estão em fuga, receando um devastador ataque de represália norte-americano.
que as forças especiais desem- cerá o seu território. A Grã-
penhariam também um papel Bretanha disse que o seu país A organização de Osama bin Laden (Al Qaeda/A base) tem, supostamente, uma rede de
importante. Para isso os EUA apoiará Bush. O ministério da células na Argélia, Cisjordânia e Faixa de Gaza, Filipinas, Indonésia, Irão, Iraque, Jugoslávia
EUA

teriam que abandonar a lei Defesa de Londres está já a (Kosovo), Líbano, Líbia, Paquistão, Rússia (Tchetchénia), Sudão, Síria e Uzbequistão
que proíbe assassínios por traçar planos para um envol-
membros dos seus serviços se- vimento militar britânico. A
cretos. O Congresso está a de- Alemanha aderiu à ideia de SEXTA FROTA RÚSSIA
bater a possibilidade de sus- participar numa guerra con- 1 Couraçado TURQUIA USBEQUISTÃO
3 Contratorpedeiros 2 mil homens
pender o ponto da Constitui- tra o terrorismo, mas espera Caças F-15 e F-16
2 Submarinos, 12 Navios
ção que proíbe os EUA de ma- mais pormenores. A França na costa de Nápoles, Itália 4 aviões SÍRIA
de combate Jaguar 215 mil soldados TURQUEMENISTÃO
tarem líderes de outros países. disse que não apoiará automa- 4859 tanques Mar CHINA
GRÉCIA AFEGANISTÃO TAJIQUISTÃO
A estratégia, depois de identi- ticamente uma acção militar 675 aviões de combate Cáspio 45 mil taliban,
ficados os indivíduos-chave, porque, explicou o primeiro- Incirlik alguns tanques Áreas de controlo
IRAQUE e aviões de combate anti-taliban
seria de “hunt and kill” (per- ministro, Leonel Jospin, a “so- 375 mil soldados
2200 tanques Teerão
seguir e matar). lidariedade não priva os paí- CHIPRE
2 mil soldados 300 aviões de combate
ses da sua soberania e e aviões
Damasco IRÃO Cabul
Quais são as opções mais liberdade de tomar decisões LÍBANO 325 mil soldados
Mar Mediterrâneo 1135 tanques AFEGANISTÃO Islamabad
arriscadas? próprias”. Jospin pôs o dedo Bagdade
ISRAEL 290 aviões de combate Última localização
1) — Ataques aéreos limitados na ferida: “Não estamos em Kandahar de Osama bin Laden
contra locais suspeitos de se- guerra com o Islão ou com o JORDAN
Cairo
rem bases terroristas (Bush já mundo árabe.” BAHREIN PAQUISTÃO
LÍBIA KUWAIT
Golfo 2 petroleiros de abaste-
os excluiu). A hipótese oferece 45 mil soldados 3 mil soldados,
cimento de aviões VC-10
2200 tanques tanques e aviões
uma satisfação imediata ao Que preparativos já foram 12 aviões de Dhahran
480 aviões de combate QUINTA FROTA
desejo de retaliação dos ame- feitos? combate Tornado
2 porta-aviões ÍNDIA
ricanos de retaliar, e que ofere- George W. Bush declarou o es- EGIPTO QATAR Doha 160 aviões
ce poucos riscos. Mas tem tado de emergência nacional Riyadh 3 couraçados
Al Kharj 5 contratorpedeiros
poucas hipóteses de sucesso. e autorizou a mobilização de E.A.U 1 submarino 9 navios
Foi a estratégia seguida pelos 50 mil reservistas. Para já, se- ARÁBIA SAUDITA
Taif
EUA depois dos atentados às rão 35 mil os chamados: 13 mil 650 soldados
SUDÃO Khamis Caças F-15 e F-16 OMÃ (em exercício)
embaixadas americanas no da Força Aérea, dez mil do 100 mil soldados Mar Força liderada por
Mushayt 6 aviões de
Quénia e na Tanzânia, em Exército, 7500 fuzileiros, três 200 tanques Vermelho combate Tornado 50 aviões HMS
35 aviões de combate 2 submarinos, 2 contra-
1998 (Bin Laden foi o cérebro). mil da Marinha e dois mil
CHADE torpedeiros, 20 navios, Mar
O território afegão (e os supos- da Guarda Costeira. Vão ser incluindo força anfíbia Arábico
tos locais das bases de treino integrados na “defesa territo- Legenda Khartoum
dos terroristas ligados a bin rial”. Para que todos os reser- DIEGO GARCIA
Países que o Departamento IÉMEN Mil homens
Laden) foram bombardeados vistas possam ser mobiliza- de Estado norte-americano aviões
com perto de 80 mísseis de dos (um milhão), é necessária diz apoiarem actos de terror
cruzeiro, mas poucos danos uma declaração de guerra. O Base militar americana ETIÓPIA Golfo de Aden OCEANO ÍNDICO
foram causados às capacida- espaço aéreo dos Estados Uni-
Fonte: The Military Balance PÚBLICO
des operativas e organizativas dos já está a ser vigiado pelos
do grupo. militares. Porta-aviões vão vi-
2) — Operação aérea maciça, giar as costas dos EUA, sobre-
seguida, eventualmente, por
uma operação terrestre. Nesta
opção os riscos são muito
maiores. Trata-se de uma ope-
tudo a leste, para manter a se-
gurança de Nova Iorque e de
Washington. A segurança in-
terna está a ser reforçada a
Rússia demarca-se
ração complexa, que exige me-
ses de preparação. Além disso,
os EUA podem ter dificulda-
des em utilizar bases e apoio
logístico na região onde se si-
níveis draconianos. Militares
vestidos de negro e armados
de metralhadora patrulham
os aeroportos, acompanhados
de cães farejadores. Foi levan-
de acção militar conjunta
tuar o país a atacar. Será fun- tada a hipótese de os terro- Moscovo admite “uso se nomeadamente à necessi- ataques suicidas do início da uma atitude mais “compreen-
damental obter autorização, e ristas terem preparados ou- dade de interromper os fluxos semana. siva” do Ocidente face à sua
ajuda concreta, dos países vi- tros ataques dentro do país.
da força” no combate financeiros canalizados para A indisponibilidade russa actuação na república rebelde
zinhos. A Rússia já disse não Um porta-aviões, o “USS En- ao terrorismo mas os grupos extremistas. Para em participar numa acção mi- da Tchetchénia.
permitir a utilização do terri- terprise”, recebeu ordens pa- exclui envolvimento já, a Rússia parece desejar a litar conjunta foi confirma- Entre os aliados ocidentais,
tório das ex-repúblicas sovié- ra não abandonar o Golfo Pér- numa intervenção formação de um centro de luta da pelo chefe de estado-maior também parecem surgir di-
ticas da Ásia Central. Se du- sico, como estava previsto. O contra o terrorismo no espaço das Forças Armadas, general vergências sobre um ataque
rante a guerra contra o Presidente já tem uma pri- da Comunidade de Estados In- Anatoli Kvashnin, ao sugerir indiscriminado contra o país
Iraque, vários países árabes meira fatia do orçamento de PEDRO CALDEIRA RODRIGUES dependentes (CEI, as repúbli- que a estrutura militar dos dos taliban. Pela primeira vez,
aceitaram dar este apoio, a guerra: o Congresso aprovou cas da ex-URSS à excepção dos EUA “é suficientemente po- a NATO prepara-se para fazer
instabilidade nas relações ac- a libertação imediata de 40 O Presidente da Rússia, Vla- Estados do Báltico), e receia os derosa para efectuar sozinha actuar os mecanismos do arti-
tuais entre os EUA e o mundo mil milhões de dólares; par- dimir Putin, no final de uma efeitos desestabilizadores de essa tarefa”. E Ivanov rejeitou go 5º, que prevê o princípio de
árabe pode criar dificuldades te da verba (10 mil milhões) visita à capital da Arménia um eventual ataque ao Afega- de forma categórica que even- uma assistência mútua entre
desta vez. No caso do Afega- foi destinada à reconstrução destinada a reforçar os laços nistão nas repúblicas ex-sovié- tuais ataques contra o regime todos os Estados-membros. O
nistão, existe a dificuldade de Manhattan, o resto à “luta políticos e económicos com ticas da Ásia central, também dos taliban sejam desencade- secretário-geral da Aliança,
adicional de ser um país só contra o terrorismo”. Na sex- este país do Sul do Cáucaso, confrontadas com o fenómeno ados a partir das fronteiriças George Robertson, defendeu
com fronteiras terrestres. ta-feira à noite, o Congresso, defendeu ontem que “o mal do islamismo radical. ex-repúblicas soviéticas da que “a resposta deve ser pro-
com as duas câmaras reuni- deve ser punido”, numa refe- “Sabemos que no território Ásia central. porcional ao ataque”, mas na
Quem vai participar? das, aprovou por unanimida- rência aos mortíferos atenta- controlado pelos taliban [no declaração de apoio aos EUA
Bush está a formar uma alian- de um decreto de lei que dá dos terroristas que abalaram Afeganistão] existem campos Divergências ocidentais os aliados referem-se a um “ac-
ça mundial contra o terroris- ao Presidente “todos os meios os Estados Unidos. O seu mi- de treino de terroristas e de E existem ainda outros facto- to de barbarismo”, e não a um
mo. Teoricamente, ou retori- apropriados e necessários”. nistro dos Negócios Estran- extremistas, e que é cultivada res em jogo. Para o analista “acto de guerra”, a forma de
camente, conseguiu uma Não é ainda a “declaração de geiros, Igor Ivanov, foi mais droga com destino à Europa, independente em assuntos de o Presidente George W. Bush
coligação de nações maior do guerra”, mas é uma “resolu- longe e ofereceu implicita- Rússia e Estados Unidos”, su- defesa Pavel Felgenhauer, ci- definir os atentados de 11 de
que a unida durante a guerra ção de guerra”. Em Fort Bra- mente o apoio da Rússia a geriu Ivanov. “Trata-se de um tado pela Reuters, “os ame- Setembro.
do Golfo de 1991. Pela primei- gg, na Carolina do Norte, uma uma eventual operação mili- perigo e de uma ameaça pa- ricanos considerariam cer- Apesar da inequívoca so-
ra vez na sua História, a NA- base militar com 42 mil solda- tar contra o Afeganistão, ao ra a segurança dos Estados”. tamente um risco que a in- lidariedade demonstrada pe-
TO activou o artigo 5º, que diz dos entrou em vigilância per- considerar que “na luta con- Putin demonstrou mais pru- formação fosse parar a mãos la Grã-Bretanha de Tony
que um ataque contra um alia- manente, o que quer dizer que tra o terrorismo não pode ser dência, ao prescindir de in- erradas”, numa referência a Blair, a França já referiu que
do é um ataque contra todos os homens podem ser envia- excluído o uso da força”. dicar um alvo preciso para uma eventual participação não apoiará automaticamen-
os membros da Aliança Atlân- dos para um destino a qual- A declarações de Ivanov não as acções de retaliação, subli- militar russa. “Isso significa te uma acção militar, e o pri-
tica. Mas o artigo não obriga quer momento. Este quartel significam que Moscovo se en- nhado antes que a “comuni- quase de certeza que vão actu- meiro-ministro Lionel Jospin
os países a prestarem mais do é a base da 82º Divisão Ae- volva numa acção comum de dade internacional não deve ar sozinhos ou apenas confiar sublinhou que “não estamos
que assistência prática a rotransportada, a primeira retaliação, e parecem antes designar à pressa um culpa- nos seus aliados mais próxi- em guerra contra o Islão ou
Bush. Já surgiram as primei- a ser enviada para a Arábia confirmar a indisponibilida- do, que seria o primeiro res- mos, como a Grã-Bretanha”. o mundo árabe-muçulmano”.
ras dissonâncias às ideias de Saudita em Agosto de 1990, de de uma participação mi- ponsável do que aconteceu”. A Rússia permanece profun- Uma posição similiar à do che-
Bush e os países esperam por- quando o Iraque invadiu o litar russa na “nova guerra” Na quinta-feira, o secretário damente marcada pelos 13 mil fe da diplomacia da Bélgica,
menores sobre a guerra antes Kuwait. Disse Bush na men- anunciada pelo Presidente dos de Estado norte-americano mortos durante a sua inter- Louis Michel, cujo país dirige
de se comprometerem — sagem radiofónica: “Aos que EUA. Para o chefe da diploma- Colin Powell designou bin La- venção de dez anos no Afega- este semestre os destinos da
quem será atacado e como. A têm uniforme, digo: prepa- cia do Kremlin os ataques não den, líder do grupo terrorista nistão, em apoio a um governo UE. Apesar de destacar a mo-
Rússia, qu não faz parte da rem-se.”  ANA GOMES FER- resolverão o problema do ter- al-Qaida e instalado no Afe- que combatia os combatentes bilização dos Estados-mem-
NATO, dará apoio (partilha de REIRA, em Nova Iorque, com ALE- rorismo. “É necessário uma ganistão, como o principal islâmicos então apoiados pe- bros, também sublinhou que
informações), mas não parti- XANDRA PRADO COELHO terapia”, sugeriu, referindo- suspeito pela organização dos los EUA. E também aguarda “não estamos em guerra”. 
4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

são sobretudo do Bangladesh, grande

“EU NÃO SOU


parte deles donos e empregados dos
restaurantes ditos indianos que mono-
polizam o comércio da rua 6. Ahmed, o
supervisor — trata das contas, manda
fazer obras quando é preciso —, é dono
de um deles. Às sexta-feiras, a medina
da East Village costuma ser procurada
por cerca de dois mil fiéis.

UM TERRORISTA”
A mesquita tem três pisos e cada
piso é uma sala de oração. Noutros
dias, assim que o “muezzin” se faz
ouvir, os fiéis aparecem de todos os
cantos, ajeitando as túnicas e cobrin-
do a cabeça. Ontem, só uma dúzia
de homens entrou na mesquita para
a orar às sete da noite. “Veio pouca
LUCY NICHOLSON/AFP gente”, diz Ahmed. Têm medo de vol-
tar a ser atacados. Ou de ataques mais
ferozes, como os que aconteceram
noutros lugares.

Tiros e bombas incendiárias


Em Gary, no Indiana, um posto de ga-
solina de um iemenita foi atingido por
21 tiros. Em Denton, no Texas, uma
bomba incendiária foi atirada contra
a Islamic Society. Em Cleveland, no
Ohio, alguém deixou garrafas de gaso-
lina com rastilhos em fogo à porta de
um templo sikh. Em Manhattan, um
sikh foi atacado por outras pessoas
que lhe chamaram “terrorista”. Em
Queens, um árabe foi espancado no
meio da rua. Em Seattle, um homem
foi preso porque tentou incendiar
uma mesquita. Em Bridgeview, no
Illinois, 300 pessoas tentaram ocupar
outra.
Até a representação do Afeganistão
— o país que abriga o principal sus-
peito de autoria do ataque, o terroris-
ta saudita Osama bin Laden — nas
Nações Unidas está a receber telefo-
nemas com ameaças. Os cidadãos dos
Estados Unidos não sabem mesmo
que os árabes e muçulmanos não são
todos iguais. Não sabem que a repre-
sentação do Afeganistão na ONU não
representa o grupo que domina o pa-
ís, os taliban, mas uma facção que os
combate.
Em Denver, no Colorado, um ho-
mem telefonou para um jornal, o
“Ranger”. Disse chamar-se Phill Be-
ckwith e ter uma mensagem: “Sei
exactamente o que fazer com esta gen-
te árabe. Temos que os encontrar, ma-
tá-los, enrolá-los em pele de porco e
Mulheres muçulmanas oram pelas vítimas dos ataques terroristas de terça-feira num serviço religioso interconfessional em Pasadena (Califórnia) queimá-los. Desta forma, não irão pa-
ra o Céu. Agora, quero pôr um anún-
cio para vender a minha casa.” A his-
O medo esvaziou a mesquita da East Village Os fiéis que estavam dentro do tem- tória veio no “New York Times”.
plo na quinta-feira à noite assusta- “Estamos a rezar O Presidente dos Estados Unidos,
no mais sagrado dos dias. Os muçulmanos estão ram-se. “Foi preciso chamar a polí- George W. Bush, pediu aos cidadãos
a ser perseguidos. Porque os cidadãos dos Estados Unidos cia. Vieram 25. Estava tudo a gritar por toda a gente”, que não ataquem os muçulmanos.
não percebem que nem todos são terroristas. ‘destruam a mesquita, destruam a diz Ahmed. O homem “Há muitos muçulmanos que são
mesquita’”, conta Ahmed. Alguns dos que encabeçou bons americanos”, disse o ex-Presi-
Reportagem de Ana Gomes Ferreira, em Nova Iorque polícias ficaram. São quatro os que dente Bill Clinton.
estão permanentemente na esquina
a manifestação “Nunca vi uma coisa destas. Eles
Chama-se Ahmed e está encostado do Médio Oriente ou do Sudeste Asi- da primeira avenida com a rua 11, de quinta-feira, não percebem. Nem todos os muçul-
à grade de entrada da mesquita da ático são destruídas. Mesquitas são muito perto da porta do templo. Só a que meteu medo manos são terroristas”, repete Ah-
East Village, em Manhattan. Já fez assaltadas. irão embora quando “tudo acabar”, med. Conta que, na sexta-feira, os
as orações da noite, mas recusa-se a O supervisor Ahmed, que nasceu diz um dos polícias. Não se sabe quan-
aos muçulmanos “imãs” que formam o conselho da
abandonar o recinto. É o supervisor no Bangladesh e chegou aos EUA do “tudo” irá acabar. e esvaziou o templo mesquita da East Village estiveram
do templo e vigia o movimento na quando tinha 14 anos, diz saber ex- A Madina Masjid é um templo no dia mais sagrado, reunidos. Aderiram ao dia de oração
rua. “Ontem, fomos atacados”, diz plicar o motivo da violência. “Estou muito feio. Do ponto de vista estéti- perdeu a mulher. pelas vítimas dos ataques — cinco
Ahmed, 55 anos. aqui há muito tempo, percebo esta co. Sobre os tijolos pequeninos que mil desaparecidos na derrocada do
Na quinta-feira à noite, “umas 60 zanga. Os americanos confundem as revestem o exterior, foram colados Morreu quando o World World Trade Center de Manhattan,
pessoas” apareceram à porta da mes- coisas. Não entendem que as pesso- anúncios luminosos, como os que en- Trade Center caiu. atingido por um avião desviado pelos
quita, que se chama Madina Masjid. as da mesma família não são todas cimam a entrada de alguns supermer- Nas torres trabalhavam terroristas; 190 mortos no Pentágono,
“Um dos homens pendurou uma ban- iguais. Há sete milhões e meio de cados. Dizem que “só há um Deus, atacado com outro avião; as tripula-
deira americana mesmo aqui na gra- muçulmanos nos Estados Unidos. Os Alá”, e que “Maomé é o seu mensa-
muitos membros ções e passageiros dos voos morre-
de da porta, e depois começou a gri- muçulmanos não são todos iguais.” geiro”. Apregoam que “o Islão é o ca- da comunidade ram. À porta da mesquita, foi também
tar ‘Tenham vergonha, vão para as O discurso de Ahmed é interrom- minho” e o “Corão a revelação”. A do Bangladesh. colocada uma caixa para receber do-
vossas terras’.” “Durante todo o dia, pido por uma mulher loura que, mui- porta é de ferro e, a antecedê-la, exis- nativos para o fundo que está a ser
recebemos telefonemas com amea- to acelerada, se aproxima. Atira um te um arco de mármore cor-de-rosa
Cinquenta deles criado para a reconstrução em Ma-
ças. Recebemos telefonemas de pes- envelope para Ahmed e diz: “Isto é decorado com letras muito grandes, estão desaparecidos nhattan e para auxiliar as famílias
soas que diziam palavras feias. Eu para si e para a sua congregação.” O douradas. Revelam que a mesquita é dos mortos.
perguntei-lhes ‘por que me estão a envelope tem dentro um postal, que um templo do Islam Council of Ame- “Estamos a rezar por toda a gente”,
dizer isso, eu não sou um terrorista’”, diz: “O meu marido e eu queremos rica, estabelecido em 1976. É debaixo diz Ahmed. O homem que encabeçou
recorda Ahmed. que saibam que estamos convosco do arco que, todos os dias, o muezzin a manifestação de quinta-feira, a que
Mal se soube que foram terroristas como irmãos e irmãs. Lamentamos faz o chamamento cantado aos fiéis, meteu medo aos muçulmanos e esva-
árabes os autores do ataque de 11 de que tenham sido maltratados por cau- atraindo-os à oração. ziou o templo no dia mais sagrado,
Setembro contra os Estados Unidos, sa da vossa raça e crença.” Assinam Sexta-feira é o dia mais sagrado dos perdeu a mulher. Morreu quando o
começou a violência contra os muçul- Jennifer e Henning. “Tenho quase a muçulmanos. “É o dia de vir à mes- World Trade Center caiu. Nas torres
manos do país. Mulheres com túnicas certeza que a vi aqui ontem à noite”, quita, da mesma forma que os cris- trabalhavam muitos membros da co-
e lenços negros a cobrir a cabeça são diz Ahmed a sorrir. “Deve ter pensado tãos vão à missa ao domingo”, explica munidade do Bangladesh. Cinquenta
insultadas nas ruas. Lojas com donos duas vezes.” Ahmed. Na Madina Masjid, os fiéis deles estão desaparecidos. 
D E S TA Q U E 5
PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001

JOHN MACDOUGALL/EPA

FBI efectuou
a primeira prisão
INVESTIGAÇÃO AOS directamente ligado aos atenta-
dos ou porque fará parte de uma
ATAQUES CONTINUA rede terrorista nos EUA.
Na quinta-feira, o FBI des-
A Polícia Federal segue mentiu a detenção de mais de
uma dezena de pessoas rela-
mais de 36 mil pistas e cionadas com o caso, mas di-
tem oito mil homens fundiu uma lista com mais de
em campo cem nomes de pessoas “com as
quais o FBI quer falar, porque
BÁRBARA WONG acreditamos que têm informa-
ções úteis sobre o sucedido”,
A Polícia Federal norte-ame- declarou o director da Polícia
ricana (FBI) anunciou a pri- Federal, Robert Mueller.
meira prisão, depois de terem O director assinalou ainda
começado as investigações aos que, desde que a investigação
atentados terroristas que des- começou, as autoridades con-
truíram as Torres Gémeas do tam com mais de 36 mil pistas
World Trade Center, em Nova e quase oito mil agentes estão
Iorque, e um dos edifícios do em campo, espalhados por to-
complexo do Pentágono, em do o país. Os EUA receiam que
Washington, na passada terça- mais terroristas estejam a pre-
feira. parar novos atentados. Ontem,
Efectuada na sexta-feira à a Polícia Federal deteu dois ho- Centenas de afegãos começaram a deixar o seu país com destino ao Paquistão
noite, esta foi a primeira de- mens em Forth Worth, Texas,
tenção efectiva depois de ter que foram enviados para Nova
começado a investigação. As
autoridades desconfiam que
o suspeito detido possui infor-
mações relevantes para a in-
Iorque para serem interroga-
dos, adianta a BBC “on line”.
Os homens foram detidos num
aeroporto de Chicago porque
Taliban ameaçam vizinhos
vestigação. O Departamento
de Justiça informou que no
mandado de captura se iden-
tificava o suspeito como teste-
munha.
os seus nomes eram semelhan-
tes aos que constavam na lista
de suspeitos.
O FBI já identificou os 19
homens que levaram a cabo
mas Paquistão vai dar
Ao que parece o indivíduo de-
tido tem informação “material”
sobre os atentados. Os agentes
federais adiantaram que a or-
os atentados que destruíram
o World Trade Center e parte
do Pentágono. Todos presu-
midamente mortos durante
“apoio total” aos EUA
dem de prisão foi dada porque os atentados. Estes terroristas Todos os estrangeiros car milhares de pessoas na rua bes Unidos — não queriam ou- escolas de pilotagem, e que Bin
temiam que ele saísse do país. tinham moradas em territó- foram aconselhados contra o Presidente. vir. Especialmente depois de Laden já tinha sido isolado pe-
No entanto, desconhece-se se os rio norte-americano e alguns Depois de se reunir com os avisarem que “se um país vizi- los taliban, que o deixaram
investigadores desconfiam que o eram pilotos qualificados,
a abandonar o chefes militares e com o Execu- nho, ou os vizinhos regionais, sem fax, telefone satélite, tele-
indivíduo seja suspeito de estar apuraram.  Afeganistão“para sua tivo, Musharraf chegou a acor- particularmente os islâmicos, móvel, computador e acesso à
própria segurança” do com o Conselho Nacional dessem uma resposta positi- Internet. Por tudo isto, defende,
de Segurança para “um apoio va aos pedidos americanos de o milionário saudita não tinha

O bombista FRANCISCA GORJÃO HENRIQUES

As autoridades taliban, no po-


der no Afeganistão, afirmaram
total à comunidade mundial
para combater o terrorismo in-
ternacional”, cita a AFP.
Quer isto dizer que Islama-
utilização das suas bases mi-
litares, iria correr um enor-
me perigo”, declarou ontem
o embaixador taliban no Pa-
condições para preparar o ata-
que contra os EUA. Os taliban
dizem-se gratos a Bin Laden
pelo seu apoio na luta contra

era arquitecto ontem que os seus vizinhos


“correm perigo” se optarem
por colaborar com os Estados
bad decidiu abandonar os tali-
ban? Sattar garante que não.
O Paquistão — um dos três pa-
quistão, Mullah Abdul Salam
Zaeef. “Não é impossível que
ataquemos esse país e os ‘mu-
a invasão soviética e afirmam
que isso justifica o acolhimen-
to do homem mais procurado
Unidos em caso de conflito. A íses que reconhecem o regime jahedins’ teriam de entrar no pelo FBI desde 1998. 
Mohamed Atta, de 33 anos, podia ter sido ele”, acrescen- ameaça tinha um destinatário dos “estudantes de teologia”, território desse país”.
foi identificado como fazendo tou o reitor. bem determinado: o Paquistão. para além da Arábia Saudita Os taliban aconselharam
parte dos 19 terroristas que Dittmar Machule, em 1999, Mas Islamabad não cedeu às e Emirados Árabes Unidos — ainda a que todos os estran-
desviaram um dos três aviões foi o orientador da tese de At- pressões de Cabul, que parece pretende manter “relações ami- geiros abandonem o território Resistência
que destruíram o World Trade
Center e o Pentágono, na pas-
ta sobre a renovação urbanís-
tica do bairro de Aleppo, na
estar já a preparar-se para a
guerra, e anunciou o seu apoio
gáveis” com Cabul.
O chefe da diplomacia pa-
“para sua própria segurança”.
Segundo a CNN, centenas de
confirma morte
sada terça-feira. No momen- Síria. “Via-o de duas em duas a Washington. quistanesa não especificou se residentes de Cabul começa- de Massoud
to em que o voo 11 da Ameri- semanas. No início falavámos O Paquistão ignorou a amea- a decisão tomada ontem sig- ram a deixar a cidade, tal como
can Airlines destruiu uma das muito sobre religião e como ça taliban e vai actuar de acor- nifica abrir o espaço aéreo e já o tinha feito a maioria dos A Aliança do Norte,
Torres Gémeas, crê-se que At- era possível todas conviverem. do com as resoluções do Conse- terrestre às forças americanas diplomatas, jornalistas e assis- principal grupo de re-
ta iria aos comandos. Este ho- Fiquei com a impressão que lho de Segurança da ONU para em caso de ataque ao Afeganis- tentes humanitários. sistência aos taliban no
mem não correspondia ao es- era muito religioso mas que combater o terrorismo. O Go- tão, tal como constava da lista Depois de as autoridades ta- Afeganistão, confirmou
tereótipo do árabe fanático respeitava os que eram dife- verno confirmou o seu “apoio de pedidos dos EUA (que exigi- liban terem pedido aos EUA ontem a morte do seu lí-
e ignorante. Pelo contrário, rentes”, apontou. No entanto, total” à comunidade interna- ram também o fornecimento que não atacassem o país, a der, o general Ahmed
era formado em Arquitectu- recordando o trabalho de At- cional, insistindo que uma ac- de todas as informações sobre capital parece estar agora a Shah Massoud. O chefe
ra, concluiu um mestrado em ta, Machule começou a reflec- ção militar terá de se realizar Bin Laden, o encerramento das preparar-se para a guerra. Na da oposição sucumbiu
Planeamento e Renovação Ur- tir sobre certas frases e pas- no quadro das Nações Unidas, fronteiras com o Afeganistão sexta-feira, o líder supremo, depois de um ataque sui-
banística, em Hamburgo, e de- sagens que poderiam indicar disse o ministro dos Negócios e o fim do fornecimento de pe- Mullah Mohammed Omar, foi cida realizado no do-
fendia o diálogo entre as reli- que o estudante era susceptí- Estrangeiros, Abdul Sattar. tróleo aos fundamentalistas is- à rádio apelar à “jihad”. Duran- mingo passado.
giões, diz quem o conheceu na vel por causa da sua religião. Desde os atentados de terça- lâmicos). Mas disse que “o Pa- te 17 minutos, Omar afirmou
Alemanha. Outras fontes revelaram feira que o Presidente Pervez quistão não espera participar à população afegã (que, sem
O reitor da faculdade de En- que Atta mudava de aparên- Musharraf se digladiava com em operações militares fora da televisão e com falta de acesso Irão encerra
genharia Civil, da Universi-
dade Técnica de Harburgo,
cia com frequência: ora usa-
va barba, ora cortava-a. Além
a difícil opção de colaborar ac-
tivamente com os Estados Uni-
sua fronteira”.
A decisão foi saudada por
à informação, desconhece a ex-
tensão dos atentados de terça-
fronteiras com
nos subúrbios de Hambur- disso, desaparecia por longos dos (que acusam os taliban de Washington, que agradeceu feira) que não necessita ter me- Afeganistão
go, Dittmar Machule, disse ao períodos de tempo e deixava acolher Osama bin Laden, o “ao Presidente e ao povo pa- do. Ele próprio não tem medo
Guardian que Atta era “um todos confusos sobre a sua ver- suspeito número um dos aten- quistaneses o apoio e vontade de morrer. O Irão prepara-se para fe-
bom estudante”. “Era um jo- dadeira nacionalidade. A po- tados), ou manter intacta a sua de ajudar em tudo o que for ne- O líder taliban lembrou que char as suas fronteiras
vem muito simpático, edu- lícia alemã diz que o estudan- relação com o Afeganistão. Se cessário para determinar os o território já sofreu a inva- com o Afeganistão para
cado, muito religioso e com te que estava registado como por um lado o Governo neces- autores” do atentado, declarou são britânica e russa e resis- evitar um novo fluxo de
grande capacidade crítica. Es- Mohamed Mohamed Al-Amir sita desesperadamente de sair o secretário de estado norte- tiu. “Agora, o terceiro império refugiados em caso de ata-
tava sempre atento e muito Award Eldsayed Atta é o mes- do isolamento internacional — americano, Colin Powell, aos do mundo quer impor-nos um que das forças america-
observador”. “Quem o conhe- mo homem que a Polícia Fe- aprofundado com o golpe que jornalistas. ataque. Como sabem, não é por nas, noticiou ontem a
cia melhor, o que não era o deral norte-americana (FBI) levou o general Musharraf ao Isto era, pelo contrário, o causa de Osama. Isto é a demo- agência oficial IRNA, de
meu caso, diz que não podia identificou como um dos res- poder —, por outro, existe no que os taliban — cada vez nização do Islão.” Teerão, citando um comu-
ter sido ele [a atacar uma das ponsáveis pelo ataque em No- país um forte sentimento anti- mais isolados e já sem a certe- Omar também disse que não nicado do Ministério do
torres]. Simplesmente, não va Iorque.  B.W. americano que ameaça colo- za do apoio dos Emirados Ára- há aviões no Afeganistão, nem Interior.
6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

MILHARES
DE AFEGÃOS
Jenin, na Cisjordânia, Sharon cancela
encontro
Peres-Arafat
TENTAM FUGIR
DO PAÍS
também enterra os seus mortos O primeiro-ministro de
Israel, Ariel Sharon,
cancelou os planos pa-
Depois da mais prolongada incursão israelita numa cidade autónoma, ainda há tanques à espreita ra o seu ministro dos
A ONU considera que mais de Negócios Estrangeiros,
um milhão de afegãos enfrenta
numa “área de morte”. Os soldados têm ordens para atirar a matar, e nenhuma das 14 famílias Shimon Peres, negociar
o risco imediato de morrer à palestinianas que ali residia se arriscou a voltar. Reportagem de Graham Usher, em Jerusalém tréguas com o presiden-
fome. Se a isto se juntar a guer- SUHAIB SALEM/REUTERS
te palestiniano, Yasser
ra civil e o regime impiedoso Arafat, hoje em Gaza. A
dos taliban é fácil perceber por justificação oficial é a
que é que 2,56 milhões de afe- de que o encontro “se-
gãos deixaram o país para se ria prejudicial neste
refugiarem principalmente no momento”. Mais apro-
Paquistão, mas também no Irão priados terão sido três
e na Índia — países que dizem ataques com mísseis na
já não ter condições para rece- Faixa de Gaza seguidos
ber um único refugiado. de confrontos entre mi-
Agora com a ameaça de um litares e civis junto ao
ataque dos Estados Unidos, Ca- colonato judaico de
bul começa a ficar deserta e mi- Gush Katif, e ainda o
lhares de afegãos concentram- reforço do cerco à cida-
se já junto à fronteira fechada de autónoma de Qalqi-
do Paquistão. Aqui vivem mais lya, na Cisjordânia,
de três milhões de afegãos em com tanques e outros
campos de refugiados miserá- veículos blindados.
veis, onde as pessoas se amon- Nos confrontos em Gaza
toam a perder de vista. foi morto a tiro Imad
A confirmar-se o cenário de Zurub, de 14 anos, que
guerra, o Alto Comissariado das lançava pedras a milita-
Nações Unidas para os Refugia- res posicionados em
dos (ACNUR) alertou que cerca Khan Younis, durante
de 1,5 milhões de afegãos pode- os funerais de dois ou-
rão ser forçados a deixar os seus tros palestinianos víti-
locais de residência para irem mas de um tiroteio na
em busca de comida — comida noite anterior, na área
que até agora é distribuída por dos colonos. Mais 12 pa-
organizações humanitárias que lestinianos, entre eles
começaram já a fdeixar o país. quatro polícias, tinham
“O Programa Alimentar anteriormente ficado fe-
Mundial [PAM] alimenta três ridos em três ataques de
milhões de pessoas nas zonas helicópteros que lança-
rurais do Afeganistão. Se essa ram mísseis sobre insta-
ajuda não poder continuar a ser lações das forças de se-
feita eles poderão deixar as su- gurança e dos serviços
as aldeias para evitar a fome e secretos de Arafat.
procurar sobreviver noutro lo- Crianças palestinianas fogem de tanques israelitas, na Faixa de Gaza, ontem cenário de violentos confrontos O Exército israelita de-
cal do país ou além-fronteiras”, fendeu a ofensiva como
lia-se num comunicado. uma resposta ao “inces-
Com a saída da maioria dos Não houve “celebrações” na nianas que ali residia se arris- et, de 32 anos, e a sua cunha- está a cavar trincheiras por to- sante fogo de morteiro”
ocidentais do Afeganistão, os cidade palestiniana de Jenin, cou a voltar. da, Raja Feiihat, morreu quan- da a parte. Assim que estiver- contra colonatos na re-
oito colaboradores da ONG ale- na Cisjordânia, depois dos ata- Há detritos por toda a parte. do uma granada de um tanque mos totalmente desarmados, o gião e retaliação por
mã Shelter Now International ques ao World Trade Center A Casa do Governador, edifí- caiu sobre a sua casa. “Havia Exército entrará no campo”. outro atentado com
detidos há cinco semanas sob a (WTC) e ao Pentágono. Tam- cio que pertencia à AP, é uma muita gente neste bairro quan- granadas que, na sexta-
acusação de proselitismo (pro- bém não houve manifestações montanha nauseabunda de pe- do os combates começaram”, A evocação de Beirute feira, feriu dois guar-
pagação do cristianismo), ar- de pesar. No mínimo, houve dras e peças de mobiliário des- disse um residente. “Mas nin- Há outro que evoca a guerra das de fronteira junto
riscam-se a transformarem-se uma espécie de empatia, por- feitas cobertas de poeira. Uma guém estava a disparar. Todos no Líbano. Realmente o cená- ao “checkpoint” de
nos últimos estrangeiros de Ca- que também Jenin enterrava escola tem as paredes crivadas estavam a fugir.” rio e o odor é o mesmo de Bei- Erez.
bul. Os três diplomatas — um os seus mortos. de balas. Um carro está parti- O sexto palestiniano que rute. Nas esquinas das ruas, Comentando estas bata-
americano, um australiano e Os palestinianos ainda estão do em dois, “espezinhado por morreu era Khatab Jabareeen, mulheres carregam baldes de lhas e o cancelamento
um alemão — enviados ao Afe- a recuperar de uma invasão is- um tanque”, como descreveu de 33 anos. Enrolado em explo- água. As janelas estão cober- do encontro Peres-
ganistão para dar assistência raelita que durou quatro dias: um palestiniano. A ruas estão sivos, atirou-se para a frente tas de sacos de areia para ser- Arafat, o ministro pa-
aos seus cidadãos, bem como a a mais prolongada incursão totalmente esburacadas. de um tanque israelita M60, vir de abrigo. Na única clínica lestiniano da Informa-
família das duas jovens ameri- numa cidade controlada pela de fabrico americano. O veí- do campo, fazem-se incessan- ção, Yasser Abed Rab-
canas detidas, abandonaram a adinistração de Yasser Arafat “Ataques cirúrgicos” culo esmagou-o com a mesma tes telefonemas para garantir bo, afirmou ontem à
capital afegã na quarta-feira. desde que a Intifada começou com vítimas facilidade com que passou por abastecimentos de farinha, Reuters: “Sharon está a
Helmut Landes disse à en- há um ano. O assalto come- Israel designa estas incursões cima das frágeis barricadas óleo alimentar e leite. Depois mostrar a sua verdadei-
viada de “Le Monde” que os oi- çou na terça-feira, quando tan- de “ataques cirúrgicos”. Mas de blocos de cimento, pneus e de quase um semana de cer- ra face. O que ele quer
to presos não ficarão esqueci- ques, blindados e helicópteros não há nada de cirúrgico nas contentores do lixo que os pa- co total, os “stocks” estão a é continuar a agres-
dos. “Vamos estar sempre em israelitas se apoderaram dos mortes de seis palestinianos e lestinianos ergueram dentro e escassear. Em todo o lado há são.”
contacto a partir de Islamabad montes verdejantes de Jenin nos ferimentos infligidos a ou- em redor de Jenin. uma sensação de vazio. Quase Em Paris, o ministro
(Paquistão) e os taliban são res- e abriram crateras em todas tros 70, só no campo de Jenin, Qual era, afinal, o objecti- não se vêem pessoas nas ruas. francês dos Negócios
ponsáveis pela segurança dos as estradas de acesso. Na quar- esta semana. Uma das vítimas vo? Na sexta-feira, sentados a E, no entanto, Jenin tem 40 Estrangeiros, Hubert
nossos cidadãos”, disse Landes ta-feira, os tanques entraram foi Mohammed Abu Haija, de beber café no campo de refu- mil habitantes. Védrine, considerou
antes de entrar para o avião que na povoação, arrasando com 24 anos, “perseguido” como giados, alguns homens expri- Acima de tudo, Beirute é in- “preocupantes” os ata-
o levaria para longe de Cabul. todas as instalações e “check- activista do Hamas. Um mís- miam diferentes ideias. Todos vocada por dezenas de jovens ques israelitas em Ga-
O pessoal estrangeiro da points” da Autoridade Palesti- sil disparado de um helicópte- concordam que Israel está a guerrilheiros, sejam ou não za, porque “tudo o que
ONU também já partiu, como niana (AP) que encontraram ro atingiu-o mortalmente na usar os ataques ao WTC e ao membros das várias facções é feito deliberadamente
a maioria dos trabalhadores pelo caminho. Na quinta-feira, quarta-feira. Um asassínio tão Pentágono como “cobertura” palestinianas, que agora go- para enfraquecer a Au-
das organizações não governa- bombardearam um campo de preciso que só podia ter sido para intensificar a ofensiva vernam efectivamente Jenin. toridade Palestiniana
mentais. De momento o Comité refugiados onde vivem 13.600 efectuado com a ajuda de “co- militar contra a sublevação pa- “A AP já não funciona aqui e não deve ser feito”.
Internacional da Cruz Verme- pessoas. Na sexta-feira, abri- laboracionistas”, dizem pales- lestiniana. “Sharon quer que alguém teve de assumir o con- Em declarações à Rádio
lha, ainda que tenha reduzido ram novas trincheiras antes tinianos no campo de Jenin. a gente desista da Intifada”, trolo”, salientou um residente de Israel, Peres recusou
as suas actividades, decidiu fi- de se “retirarem”. Não há dúvida de que a loca- observou um deles. “Mas isso do campo. Durante o dia, os comentar eventuais di-
car: apenas 12 dos 70 trabalha- Ainda há tanques à esprei- lização dos colaboracionistas não vai acontecer. Não temos guerrilheiros refugiam-se em vergências com Sha-
dores estrangeiros já deixaram ta num bosque de ciprestes também está agora a ser deter- medo da reocupação de Jenin. garagens, exaustos pelos com- ron, mas deu a enten-
o Afeganistão. e num labirinto de casas de minada. Já estamos ocupados”. bates nocturnos. De madruga- der que a ausência de
Nas ruas de Cabul já são pou- telhas vermelhas. Se alguém Outros dois militantes do Um outro vislumbra um de- da, vigiam a cidade em carros um diálogo com Arafat
cos os que demonstram o seu quiser regressar arrisca-se a Hamas — Iyad al-Masri, de 18 sígnio militar: “Não há uma sem matrículas para verificar poderá prejudicar os
apoio a Osama Bin Laden. “As entrar na “área da morte”: anos, e Ibrahim al Fayed, de 23 só instalação da Autoridade se os israelitas mudaram de esforços dos EUA de in-
pessoas estão furiosas porque uma zona-tampão de 50 metros — foram mortos a tiro quando Palestiniana intacta em Jenin. posições. À noite, assumem po- cluírem países árabes
devido à presença destes ‘con- onde soldados israelitas têm tentavam socorrer um terceiro Fui tudo destruído. Sharon sições de combate, no extremo aliados numa ampla co-
vidados’ arriscam-se a ser ata- ordens para atirar a matar. Ne- numa batalha feroz à volta da quer esgotar as nossas muni- do campo, a cerca de 50 metros ligação na luta contra o
cadas.”  JOANA AMADO nhuma das 14 famílias palesti- escola feminina. Fakhri Sle- ções. É por isso que o Exército dos tanques mais próximos.  terrorismo. M.S.L.
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PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001

“É UM FACTO QUE MATÁMOS PALESTINIANOS


SEM QUE O MUNDO DISSESSE NADA”
O ministro israelita da Defesa, rar o seu brasão? De qualquer dizia na sexta-feira Ben-Eliezer, ridade do Islão sunita. Mas a
Benjamin Ben-Eliezer, resumiu forma, nada negligenciou, desde “é encostar Arafat à parede: ou apresentação de uma solidarie-
brutalmente a primeira conse- a dádiva de sangue para as víti- se empenha na via da negocia- dade forte e muitas vezes obri-
quência dos atentados de Nova mas ao “Deus vos abençoe”, lan- ção ou o mundo vai considerá-lo gada com os americanos reforça
Iorque para o conflito do Médio çado três vezes em inglês, pas- um chefe terrorista. Neste caso, o divórcio destes Estados com a
Oriente: “É um facto que matá- sando pela proposta de que os teremos as mãos livres para res- sua sociedade. No momento em
mos 14 palestinianos em Jenin, países árabes participem numa ponder a cada atentado.” Exigir que o mundo árabe é atravessa-
Kabatyeh e Tammoun [na quar- coligação antiterrorista. cada vez mais fortemente do pre- do por um anti- americanismo
ta-feira], sem que o mundo dis- Os palestinianos não tinham sidente palestiniano que abando- virulento, a garantia da plena
sesse nada; para [Yasser] Arafat, necessidade deste episódio para ne a Intifada arrisca-se a condu- cooperação dada pela Arábia
é catastrófico.” ser fragilizados. Os ataques anti- zir a um impasse total. “Arafat, Saudita e os Emirados Árabes
Como se as suas esperanças americanos assimilaram total- consideram diplomatas ociden- Unidos não pode senão agravar
de que a política do pior de Ariel mente “kamikazes” a barbárie. tais, não poderá continuar a na- o mal-estar.
Sharon acabasse por cansar Wa- E a partir de agora os atentados vegar entre os imperativos diplo- Neste contexto, a evolução na
shington tivessem sido engoli- suicidas em Israel escaparão di- máticos e a sua base adquirida região dependerá muito da ati-
das sob os destroços do World ficilmente a esta identificação. numa unidade de acção com as tude dos americanos. No que
Trade Center. Este desastre po- “Sharon arrisca-se a aproveitar correntes islamistas.” diz respeito acima de tudo a re-
lítico foi agrava- da vontade legítima dos ociden- É também o problema que se presálias. Se estas forem contra
do pelas manifes- tais de lutar contra o terrorismo coloca aos estados árabes. Os di- um país muçulmano, sobretudo
Análise tações de alegria para se sentir autorizado a repri- rigentes da região multiplicam de maneira cega, a solidarieda-
com as quais al- mir na impunidade”, comenta actualmente as condenações dos de que Washington exigirá dos
guns palestinia- um diplomata que não exclui o atentados de Nova Iorque. As seus aliados árabes moderados
Benjamin
nos acolheram as operações an- pior. Ou seja, uma transferência mais altas instâncias religio- será perigosa. Mas o futuro da
Ben-Eliezer
tiamericanas. Estas celebrações de todos os palestinianos para sas do Islão fazem a mesma coi- região está mais ainda ligado
contra uma América julgada Leste do Jordão. Ainda não se sa. Pretendem assim evitar uma ao modo como evoluir o conflito
responsável pelo sofrimento pa- chegou aí. Mas as operações is- diabolização do mundo árabe- no Médio Oriente, e portanto ao
lestiniano foram muito limita- raelitas lançadas desde terça- “Sharon arrisca-se a aproveitar muçulmano que conduziria à ba- posicionamento de uma Améri-
das e nada mudaram. Na batalha feira são sintomáticas da vonta- da vontade legítima dos nalização de agressões racistas, ca considerada como a única ca-
essencial da imagem, Israel con- de do Estado hebraico de utilizar ocidentais de lutar contra como as observadas desde terça- paz de influenciar Israel. Se este
seguiu um trunfo que Sharon o novo dado. Incluindo o de ten- feira nos Estados Unidos. Mas abcesso persistir, o risco de de-
utiliza alegremente. “A cada um tar convencer Arafat a acabar
o terrorismo para se sentir obedecem também a preocupa- sestabilização dos regimes ára-
o seu Bin Laden. O nosso chama- com uma Intifada equiparada ao autorizado a reprimir na ções mais internas: impedir to- bes moderados é imenso. Porque
se Arafat”, afirmou ao telefone terrorismo. “Não há mais zona impunidade“, comenta um do o efeito de arrebatamento em as sociedades da região aceita-
o primeiro-ministro israelita ao cinzenta”, afirmou Raanan Gis- países que também têm um con- rão muito mal uma colagem a
secretário de Estado americano, sin, porta-voz de Sharon. “Po-
diplomata que não exclui o pior. flito com os seus islamistas. Washington. “É uma maneira de
Colin Powell. de-se estar de um ou outro lado, Ou seja, uma transferência “Os que cometem crimes e lançar combustível no incêndio
Os esforços de Arafat para li- mas é preciso escolher. Cabe a de todos os palestinianos agridem inocentes serão casti- islamista”, conclui um diploma-
mitar os estragos junto de Wa- Arafat decidir.” para Leste do Jordão gados por Deus”, afirmou o Imã ta árabe.  JOSÉ GARÇON, exclusi-
shington permitir-lhe-ão redou- “Tudo o que devemos fazer”, de Al-Azhar, a mais alta auto- vo PÚBLICO/ “Libération“

46

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8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

Ataque constituiu o acto terrorista


tornaram-se menos frequen-
tes, mais mortíferos.”
Puchala descreve a situação
de forma semelhante. Para ele,
o ataque ao WTC marca o iní-

mais destrutivo da História ROBERTO SCHMIDT /EPA


cio de uma nova forma de ter-
rorismo. “Em geral”, salienta,
“os terroristas procuram pu-
blicitar os seus actos, querem
Peritos receiam futuros que o mundo saiba o que fize-
atentados com armas ram. Mas, neste caso, não foi
feito nenhum anúncio sobre a
químicas, biológicas causa nem sobre a identidade
e nucleares dos autores dos atentados. O
que os terroristas quiseram
ANA GERSCHENFELD fazer foi apenas ferir, destruir,
matar. E isso é novo em termos
O ataque terrorista aos EUA de terrorismo”.
não foi apenas o mais violen- Pode-se dizer que foi como
to da história recente mas foi se uma bomba atómica tivesse
também o mais mortífero da caído sobre Manhattan?
História, dizem peritos entre- “Sim, em termos do que
vistados pelo PUBLICO.PT. pretendiam”, diz Gearson.
“Nunca houve nada de se- “Existem poucos complexos
melhante a isto na história da tão densamente povoados, tão
Humanidade”, diz-nos, numa caros, tão simbólicos do capi-
entrevista telefónica, Donald talismo como o WTC. O objec-
Puchala, professor de Estudos tivo era matar mais pessoas
Internacionais da Universi- do que as que conseguiram
dade da Carolina do Sul em matar, que segundo as estima-
Columbia (EUA) e perito em tivas mais recentes rondará
terrorismo. os 5000”.
“Já houve, ao longo da his- “Sim”, responde por seu la-
tória, massacres horrorosos, do Puchala. A única diferença,
mas eles tiveram lugar quer porém, é que “felizmente não
em contextos de guerra, quer foi uma bomba atómica, por-
de opressão de povos por dita- que isso fez com que fosse me-
dores”, acrescenta. “Mesmo nos destrutivo”. Mas Puchala
os pogroms foram acções pu- não exclui que um ataque ató-
nitivas de regimes ditatoriais. mico possa vir a acontecer no
Em termos de ataques terro- futuro: “Receio que venhamos
ristas, o ataque ao WTC é, tan- No ataque ao World Trade Center terão morrido tantas pessoas como nos últimos treze anos de ataques terroristas a ver surgir este tipo de aten-
to quanto sei, o acto mais hor- tados”, declara.
roroso de sempre.” A opinião de Gearson dife-
É também essa a opinião de do de 5000 vítimas — e talvez qualquer outro objectivo se- nhar-se há uns 10 anos. “Até relação inverteu-se e a violên- re ligeiramente nesta maté-
John Gearson, especialista de para mais de 10 mil, segundo não o de matar pessoas.” terça-feira, eu não concorda- cia tornou-se agora um fim em ria: “Acho que as armas não
terrorismo do King’s College algumas das estimativas que E a comparação com Pearl va com aqueles que diziam si próprio. Hoje em dia, existe vão ser bombas atómicas. Vão
da Universidade de Londres, têm sido divulgadas ao longo Harbor? Apesar de os nor- que essa tendência existia. um pequeno sector de terro- ser mais simples, poderão ser
que garante que “nunca hou- dos últimos dias. te-americanos equipararem Mas, agora, fiquei convenci- ristas radicais que pensa que o ‘bombas sujas’, feitas a partir
ve nenhum atentado terroris- É possível fazer alguma emocionalmente o que acon- do”, salienta. E explica: “Dan- facto de matar pessoas é mais de material radioactivo, de al-
ta desta magnitude na Histó- comparação entre o que se teceu em Nova Iorque com o tes, os terroristas queriam que importante do que a mensa- guma forma de urânio. Tam-
ria”. Gearson é professor no passou em Nova Iorque e os ataque japonês que motivou muita gente visse os actos que gem. Não se importam que as bém poderão ser engenhos quí-
Departamento de Estudos de bombardeamentos-surpresa, a entrada na Segunda Guer- perpetravam, mas não esta- pessoas fiquem horrorizadas. micos ou biológicos. O mé todo
Defesa do King’s College e foi com bombas atómicas, das ci- ra Mundial dos EUA, em 1941, vam empenhados em que mor- Não se importam de perder adoptado pelos terroristas nos
conselheiro especial da City dades japonesas de Hiroshi- Puchala acha que histórica e resse muita gente. Mas essa o apoio de todos. Os ataques atentados de terça-feira foi
of London Corporation para ma e Nagasaqui pelos Estados objectivamente, se tratou de ao mesmo tempo brilhante e
os assuntos de terrorismo e Unidos, em Agosto de 1945? Se- um acontecimento de uma na- horrorosamente simples: uti-
conselheiro especial do Comi- gundo as estimativas, entre tureza muito diferente. “É ver- O último acto de pirataria aérea lizar como bomba uma gran-
té de Defesa da Câmara dos 70 mil e 90 mil pessoas morre- dade que foi um ataque-sur- de quantidade de combustível.
Comuns. ram em Hiroshima na altura presa, mas não havia dúvidas John Gearson, especialista de terrorismo do King’s Na minha opinião, a imagem
Basta, de facto, olhar para da explosão, e entre 40 e 75 mil quanto à identidade do autor College da Universidade de Londres, pensa que os deste século vai ser a de um
as estatísticas dos últimos 13 em Nagasaqui. do ataque nem quanto às suas atentados da passada terça-feira nos Estados Unidos avião a embater frontalmente
anos compiladas pelo Depar- “O ataque ao WTC foi mui- intenções”, salienta. Recorde- foram a última vez que um grupo terrorista conse- num prédio.”
tamento de Estado norte-ame- to menos destrutivo, em ter- se que o balanço final do ata- guirá realizar um desvio de avião. Poderá haver novos ata-
ricano (ver quadro) para per- mos de vidas humanas, que os que a Pearl Harbor, em termos “Nunca mais haverá um desvio de avião”, afirmou ques deste tipo? “Não devemos
ceber a diferença de escala. bombardeamentos de Hiroshi- de vidas humanas, foi de 2403 Gearson em declarações ao PUBLICO.PT. “Porquê? ser demasiado pessimistas”,
Entre 1988 e 2000, a nível mun- ma e Nagasaqui”, responde- mortos e 1178 feridos. Porque nunca mais ninguém, num avião desviado, responde Gearson. “Existem
dial, o total anual de vítimas nos Puchala. “Mas, por outro voltará a acreditar na palavra dos terroristas, mes- muito poucos alvos do tipo
mortais na sequência de aten- lado — e sem que isso signifi- Uma nova forma mo que estes garantam que todos vão sair dali com do WTC. Mas vamos ter de
tados terroristas oscilou entre que que concordo com aqueles de terrorismo vida. Toda a gente no avião vai lutar contra eles”, mudar a forma como encara-
menos de 100 e cerca de 750. bombardeamentos —, foram Para Gearson, o atentado de garante o perito. “Os pilotos nunca voltarão a abrir mos a existência de sítios onde
Mas, na passada terça-feira, actos de guerra que tinham terça-feira ao WTC provou as portas do ‘cockpit’, seja qual for o número de existem grandes concentra-
em apenas umas horas e num um objectivo: obrigar os japo- que existe uma nova tendên- mortos a bordo”, porque saberão que só assim é que ções de pessoas e a maneira
único atentado, esse número neses a render-se. O que se pas- cia no terrorismo interna- podem impedir que mais pessoas venham a morrer, como lidamos com os grandes
disparou para um total estima- sou em Nova Iorque não teve cional, que começou a dese- para além dos passageiros. A.G. depósitos de combustível.” 

PANORAMA DO TERRORISMO INTERNACIONAL


* No fim dos anos 80, os actos
Ano Número Número Número de violência no seio dos palestinianos
de atentados de mortos de feridos O maior atentado do ano Autor deixaram de ser incluídos nestas
estatísticas, razão pela qual estes
1988* 856 638 1125 Voo 103 da Pan Am (Lockerbie, Escócia): 270 mortos Agente Líbio dados não são comparáveis com
1989* 528 390 397 Voo 171 da UTA (Níger): 171 mortos Agentes Líbios (suspeitos) os dados ulteriores.
1990 456 n.d. n.d. Foi o ano com menos vítimas deste período
** Em 1995 o norte-americano
1991 567 102 242 n.d.
Tim McVeigh causou a morte de 168
1992 364 93 636 Bomba na embaixada de Israel em Buenos Aires: 29 mortos, 242 feridos Hezbollah pessoas e feriu mais de 600 num atenta
1993 431 109 1393 Bomba no World Trade Center em Nova Iorque: 6 mortos, 1000 feridos Ramzi Ahmed Yousef e outros/rede Osama bin Laden do bombista a um edifício do FBI em
1994 322 314 663 Bomba num centro cultural judaico em Buenos Aires: 86 mortos, mais de 300 feridos Oklahoma, EUA. Estes dados não estão
incluídos nas estatísticas por não
1995** 440 165 6291 Gás sarin no metro de Tóquio: 12 mortos, 5500 feridos Seita Aum (japonesa)
se tratar de um acto de terrorismo
1996*** 296 314 2912 Bomba no Sri Lanka: 90 mortos, mais de 1400 feridos Separatistas Tamil internacional.
1997 304 221 693 Luxor, Egipto: 62 pessoas baleadas, entre as quais 58 turistas Gama'at Islami (Grupo Islâmico - egípcio)
1998 274 741 5952 Bomba na embaixada dos EUA em Nairobi: 391 mortos, 5000 feridos Osama bin Laden e outros *** Foi em 1996 que ocorreu a explosão
1999 392 233 706 n.d. do voo 800 da TWA, ao largo da costa
de Long Island, ao pé de Nova Iorque,
2000 423 405 791 n.d.
que vitimou 230 passageiros. Tratou-se
TOTAL 5653 3725 21801 de um acidente.

Fontes: Departamento de Estado norte-americano, PÚBLICO PÚBLICO


D E S TA Q U E 9
PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001

Seis portugueses
“provavelmente mortos”
Continua a haver uma pelo próprio primeiro-minis- Builders Construction e en-
dezena de portugueses tro António Guterres. Segun- contrava-se na altura do aten-
do Guterres, o Executivo ti- tado no centésimo sétimo an-
numa situação de nha dados para afir mar que dar da Torre 1 do World Trade
“maior risco” as “vítimas com elevadíssima Center para dirigir um tra-
probabilidade de existirem” balho a efectuar no célebre
NUNO SÁ LOURENÇO eram já cinco, havendo ain- restaurante Windows of the
da outros três casos sobre os World.
O secretário de Estado das Co- quais as autoridades portu- Natural de Vila Nova de
munidades Portuguesas afir- guesas começam a recear o Gaia, Manuel da Mota, casado
mou ontem que existe a “forte pior. e pai de três filhos, é um anti-
probabilidade” de haver cinco Ainda assim, o primeiro- go residente de Angola que,
ou seis portugueses entre as ministro manteve o discurso após o 25 de Abril, emigrou
vítimas do atentados terro- optimista dos últimos dias, para os Estados Unidos.
ristas de terça-feira contra o aproveitando para salientar António Augusto Tomé da
World Trade Center, em No- o “reduzido crescimento” do Rocha, de 34 anos, residia em
va Iorque. Isto, segundo João número de prováveis vítimas East Hanover (New Jersey)
Rui de Almeida, “num uni- mortais, “apesar da dor que, e trabalhava no centésimo
verso de maior risco de cerca por mais pequena que seja, quinto andar da Tor re 1 do
de uma dezena de portugue- provocará sempre”. Guterres World Trade Center para
ses”. chamou ainda a atenção para a empresa financeira Can-
“Os pedidos de confirma- a quantidade de pessoas que tor Fitzgerald Securities. De-
ção de paradeiro por parte foram já encontradas pelos pois de esta tor re ter sofrido
de familiares e amigos atin- serviços do consulado e que o atentado, António da Ro-
giram um número superior há uns dias se encontravam cha ainda teve tempo de te-
a duas centenas”, mas, “nes- incontactáveis. “Esperamos lefonar à mãe, que vive no
te momento, o número dimi- que no fim esse número seja bairro do Soho, em Nova Ior-
nuiu para cerca de quatro de- o mais pequeno possível”, que, nas imediações do Wor-
zenas” disse à Lusa. acrescentou. ld Trade Center, mas pre-
O secretário de Estado das Ao mesmo tempo, o jornal sume-se que essas foram as
Comunidades Portuguesas “Luso-Americano” confir- suas últimas palavras em vi-
embarca segunda-feira num mou ontem três nomes de de- da. António da Rocha per-
avião da TAP para coorde- saparecidos. Segundo a edi- tence a uma família oriunda
nar, no local, com a Embaixa- ção daquele bissemanário de do concelho de Vila Verde,
da de Portugal em Washing- Newark, está confirmado jun- em Portugal, é casado e tem
ton e os consulados-gerais to das famílias o desapareci- três filhos, o mais novo dos
de Portugal em Nova Iorque mento de Manuel da Mota (de quais com apenas seis me-
e Newark, as acções necessá- 43 anos), António Augusto To- ses. Quanto a João Alberto
rias ao processo de localiza- mé da Rocha (34) e João Alber- Fonseca Aguiar, trabalhava
ção dos portugueses que ain- to Fonseca Aguiar (de idade para a empresa Keefe, Bru-
da não foi possível contactar, desconhecida). yette & Woods, com sede no
bem como prestar apoio às Manuel da Mota, residen- octogésimo oitavo andar da
famílias. te em Valley Stream (Long Tor re 2 do World Trade Cen-
Este novo balanço actualiza Island, Nova Iorque), é en- ter, e residia em Hoboken
um outro feito na sexta-feira carregado da empresa Bronx (New Jersey).  com E.D.

HISTÓRIAS DE NOVA IORQUE


AS 700 FAMÍLIAS histérica”, e “trazia o número da placa de
identificação [de um agente]”. As televisões
DE HOWARD LUTNICK começaram imediatamente a transmitir a
sua história, que a polícia desmentiu pou-
De um dia para o outro Howard Lutnick,
co mais tarde. “Ela não tinha marido, não
director executivo da Cantor Fitzgerald,
tinha recebido qualquer telefonema, tudo
ganhou 700 famílias. As de todos os funcio-
era falso”, conta Bernard Kerik, chefe da
nários que, na terça-feira, despareceram
polícia nova-iorquina: “Criou uma enorme
sob os escombros do World Trade Center
onda de pânico no local do drama.” Mejia é
(WTC). Lutnick estava a chegar ao WTC,
acusada de falso testemunho e obstrução às
sede da empresa, quando o primeiro avião
operações de socorro.
se despenhou na torre 1. Subiu até ao 91º
andar, mas não conseguiu chegar junto dos
seus empregados que ocupavam os pisos
101º, 103º, 104º e 105º. Ouviu então um enor-
me estrondo — torre vizinha que se desmo-
ÁLBUM TINHA DESTRUIÇÃO
ronava — e consegui escapar. Dos mil tra-
balhadores da empresa em Nova Iorque,
DAS TORRES GÉMEAS NA CAPA
apenas 270 sobreviveram porque se encon- Foi uma estranha coincidência: uma explo-
travam fora do edifício ou em férias. Entre são no World Trade Center estava prevista
os desaparecidos está o irmão de Lutnick. para ser a imagem da capa do novo disco
Agora estes funcionários “dizem-me que dos The Coup, um grupo de hip hop norte-
querem voltar a trabalhar”, construindo americano. A imagem mostrava o topo das
um negócio próspero que permita manter torres a arder, com os músicos da banda em
“as minhas 700 famílias”, explicou emocio- primeiro plano. Um deles, o fundador Boots
nado. Riley, segurava um detonador. “É uma me-
táfora do estado capitalista a ser destruído
pelo poder da música”, afirmou o músico.
O lançamento do disco estava previsto jus-
MITÓMANA SIMULA TELEFONEMAS tamente para terça-feira. Mas tudo foi adia-
COM DESAPARECIDOS do, estando-se já a preparar uma nova capa.
A 75 Ark, produtora da banda, apressou-se
Uma mitómana que afirmava ter consegui- a declarar que a capa, que ainda não estava
do falar com um grupo de dez polícias desa- impressa, tinha sido pensada “muito tem-
parecidos sob os escombros do World Trade po antes da tragédia”. Parece que foi bas-
Center (WTC) foi detida pela polícia nova- tante difícil convencer Boots Riley a mudar
iorquina. Sugeil Mejia, de 24 anos, apresen- de planos. Esta é uma banda com fortes posi-
tou-se numa esquadra brandindo um tele- ções políticas e o disco assumia um tom cla-
móvel e contando que falara com o marido, ramente anticapitalista. Uma das músicas
preso nos destroços com outros nove po- chamava-se “Cinco milhões de maneiras de
lícias. Segundo as autoridades “ela estava matar um director executivo (CEO)”.
10 D E S TA Q U E
PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
BETH KEISER /AFP

Que imagens
mostrar?

EDUARDO CINTRA TORRES


quantidade de imagens do ataque terrorista

A às Twin Towers e das ruínas é impressionante


— mas não são todas as imagens disponíveis ou
possíveis. As autoridades limitaram o acesso
dos fotógrafos e dos operadores de câmara a certas zonas
da catástrofe. O mesmo sucedeu junto do Pentágono e
dos destroços do avião que se despenhou num campo da
Pensilvânia quando se deslocava para um alvo impor-
tante em Washington. Quando na quinta-feira à noite
uma equipa de televisão da ABC tentava captar imagens
no aeroporto Kennedy de Nova Iorque após a detenção de
presumíveis terroristas, as autoridades ameaçaram de
prisão os jornalistas se não saíssem do local e se dissessem
ou mostrassem um segundo local para onde os suspeitos As equipas de salvamento já retiraram dos destroços 124 corpos de vítimas do ataque de terça-feira em Nova Iorque
tinham sido transferidos dentro do aeroporto.
Mas há outro tipo de limites: os limites éticos dos
próprios profissionais da informação. Publicar ou
não publicar, mostrar ou não mostrar sangue, corpos
despedaçados e pessoas voando para a morte do alto das
torres atacadas? A questão não é simples. Tanto os que
Buscas prosseguem sem sucesso
decidiram não publicar ou mostrar tais imagens como onde se encontrava a torre Outros bombeiros reco- tros dez bombeiros vindos do
aqueles que decidiram fazê-lo tens bons argumentos
CHUVA DIFICULTA 1. Mas à medida que percor- lhem os destroços que serão Norte de França desesperam
para fundamentar as suas decisões. OPERAÇÕES DE RESGATE riam o túnel, encontraram transportados para Staten a cinco quilómetros do WTC.
O canal de notícias MSNBC afastou das emissões água que se foi tornando cada Island para serem analisa- “É inacreditável: deixam tra-
as imagens mais chocantes. Segundo declarações do Até agora, apenas vez mais profunda. dos pelos investigadores em balhar os civis, mas a nós
presidente da estação ao “New York Times”, era escu- Até agora, as equipas de busca de provas. Mais de 13 não”, reclamava o chefe da
sado mostrar as imagens horríveis de sangue e corpos foram descobertos salvamento retiraram dos mil toneladas foram já reti- equipa. “Estou há 72 horas
despedaçados depois de se ver as mais horríveis de cinco sobreviventes destroços 124 corpos de ví- radas do local da tragédia sem dormir. Queremos salvar
todas as imagens, o colapso de edifícios de 110 andares. A nos destroços do WTC timas do ataque terrorista — uma pequena fracção do vidas”, conclui.
Fox News igualmente decidiu não mostrar imagens da de terça-feira, entre eles o 1,25 milhões de toneladas Apesar da experiência com
carnificina, mas refere que o verdadeiro desafio poderá de uma hospedeira com as do complexo em que se er- terramotos na Turquia e de
surgir dentro de dias se os destroços removidos mos- “Temos frio, as nossas mãos mãos amarradas e restos de guiam as Twin Towers. O transportarem equipamento
trarem uma enorme quantidade de restos mortais. estão dormentes, o aço é es- vítimas presas ao que pare- risco de derrocada de mais de escuta sofisticado, a sua
corregadio.” O desabafo de cem ser assentos de avião. edifícios foi afastado por es- ajuda é recusada. Um oficial
Jesus Agosto mostra bem o Cerca de 60 cadáveres estão pecialistas que verificaram do exército norte-americano
Era escusado mostrar as imagens desespero que começa a apo- identificados. os arranha-céus mais próxi- acaba por lhes explicar gen-
horríveis de sangue e corpos derar-se das equipas que des- A chuva que continua a mos do WTC. tilmente que os socorristas
despedaçados depois de se ver o de terça-feira revolvem os des- cair em Nova Iorque limpou são já demasiado numerosos.
colapso de edifícios de 110 andares troços das Twin Towers, em a densa névoa que cobria Milhares esperam para “Nós também temos 5000 ho-
Nova Iorque. Cordões de ca- os destroços, mas também participar nas buscas mens, cães e equipamento,
pacetes amarelos procuram tornou o seu manuseamento Milhares de voluntários — es- que não podem passar. Os
A ABC também se escusou a mostrar os corpos de ainda sinais de vida e provas mais difícil. As equipas, com pecialistas e cidadãos vindos bombeiros de Nova Iorque
pessoas caindo dos andares mais altos das torres, mas entre milhares de toneladas cães de busca, têm instruções de todos os EUA, Canadá e Eu- querem salvar os seus com
para os jornais foi mais simples a decisão de publicar de aço e cimento. para marcar os cadáveres e ropa — esperavam a sua vez as próprias mãos.” Finalmen-
uma dessas imagens. O próprio “New York Times” o fez. Os bombeiros tentaram on- continuar a procurar. de participar nas operações te, o grupo de Thierry Velu
Apesar de a foto ser a cores, alguns jornais publicaram-na tem encontrar sobreviven- Desde o início dos trabalhos, de salvamento junto ao centro consegue a atenção de um res-
a preto e branco, como se isso diminuísse o seu impacto. tes dos pisos mais baixos do apenas conseguiram sair com de acolhimento de voluntá- ponsável do departamento fe-
Mas é fácil reconhecer-se que o efeito sobre o receptor das World Trade Center (WTC) vida cinco das 4717 pessoas rios. A esmagadora maioria deral para a gestão de situ-
imagens é diferente quer se trate de uma só imagem fixa através de um túnel sob o rio que se suspeitam estar sob os em vão. ações de urgência: “Vou ver
quer se trate do movimento da queda em tempo real. Hudson que, cruza as duas escombros do WTC. A espe- Desde a madrugada de on- o que posso fazer.”  JOANA
Alguns editores defenderam a decisão de publicar margens e sobe até ao local rança vai esmorecendo. tem que Thierry Velu e ou- FERREIRA DA COSTA
tais imagens: o director do “Denver Post” disse que “a
terrível verdade é a verdade que não podemos negar às
pessoas.” O “Daily News” de Nova Iorque, um tablóide,
publicou uma imagem de uma mão decepada. O seu
director foi direito ao assunto: “Não se pode dar a his-
tória sem se dar a história” (“You can’t do the story
Tragédia leva americanos a alistarem-se
without doing the story.”). O dia 11 de Setembro de 2001 americano. “Foi algo que sem- do a decisão após os ataques instituição ver com bons olhos
A CBS, a CNN e a FOX News mostraram várias ima- deixou o mundo em estado de pre quis fazer e agora há a pos- terroristas no World Trade este interesse súbito, apenas
gens brutais de corpos caindo nas ruas. O vice-presi- choque, mas para A. J. Thomp- sibilidade de entrarmos em Center e no Pentágono. Riley uma das propostas foi consi-
dente da CBS disse ao “New York Times”: “Achámos que son foi duplamente especial: guerra.” explicou ao diário que avisa derada válida. “Não temos ne-
era vital para a cobertura.” A justificação profissional fez 17 anos e pôde alistar-se na Segundo o “Tampa Tribu- os ansiosos recrutas para o ris- cessidade de recrutar pessoas
para mostrar as imagens é lógica: “Isto é terrorismo e Guarda Nacional norte-ame- ne”, o mesmo desejo é partilha- co do seu desejo esmorecer ao mais depressa”, contou o jor-
o terrorismo tem consequências terríveis, violentas. ricana com uma nova moti- do por outros jovens um pouco longo dos seis anos de serviço nal o sargento Daniel Sable,
Por um lado, queremos ser sensíveis perante os espec- vação. Nessa tarde, depois de por todos os EUA. Em Dade Ci- mínimo e da decisão estar as- dos Marines. “Não vamos bai-
tadores. Por outro lado, queremos mostrar o que é que os colegas de liceu terem colo- ty, o centro de recrutamento da sente num sentimento de raiva xar as nossas exigências.”
estes terroristas fizeram.” cado a meia haste a bandeira Guarda Nacional, um ramo do e tristeza. “Queremos ter bons Este sentimento generaliza-
Houve ainda uma terceira dimensão na autoli- nacional, Thompson recebeu exército, recebeu desde terça- profissionais, mas não quere- do de servir o Estado deixou
mitação dos operadores de televisão: a atenção ao uma chamada do centro de re- feira telefonemas de homens mos que se alistem pelas razões o sargento Riley claramente
público infantil. Uma responsável do canal da tele- crutamento de Dade City. De- e mulheres a querem alistar- erradas”. surpreendido. “Se me tives-
visão pública da Virginia do Norte, WETA, que serve vido à tragédia a sua inscri- se. “O mais estranho é que a Nos centros de recrutamen- sem perguntado na segunda-
a capital federal, disse ao PÚBLICO que era neces- ção teria de ser adiada por maioria são pessoas de 30 anos, to do exército e da marinha de feira o que pensava sobre o
sário haver alguns canais que mostrassem imagens mais uns dias, conta o “Tampa com família e bons empregos”, Pasco County o cenário repe- estado do patriotismo neste
diferentes das da tragédia para não sobrecarregar as Tribune”. Um adiamento que explicou o sargento William Ri- te-se. Desde terça-feira que 20 país, responderia que não vai
crianças com o horror presente em todos os meios de “fortaleceu” a sua vontade de ley. “Falei com uma mulher, de pessoas ligaram para o centro muito bem. Mas depois de ter-
informação. O WETA manteve a sua programação ingressar no exército. “Sei que cerca de 30 anos, que frequenta de recrutamento da marinha ça-feira, tem sido inacreditá-
infantil habitual.  em Nova Iorque só tenho 17 anos, mas estou a Universidade de Saint Leo, em New Port Richey. Muitos vel. Dá-me arrepios ver como
revoltado e quero servir o meu que quer desistir de tudo e alis- são veteranos que pretendem as pessoas responderam a este
país”, afirmou ao diário norte- tar-se”. Todos dizem ter toma- realistar-se. Mas apesar de a apelo.”  J.F.C.
D E S T A Q U E 11
PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001

GIULIANI
ALERTA PARA
FALSOS PEDIDOS
ANTÓNIO MARUJO
DE AJUDA COMENTÁRIO

Autoridades
preocupadas com
mensagens e peditórios
Travar a espiral
falsos e com charlatães da guerra
LINA FERREIRA

Desde o ataque, de terça-feira,


que Nova Iorque recebe aju-
das de todo o mundo. Mas tam-
bém há quem se aproveite da
O “cartoon” de Máximo, no “El País” de quinta-feira,
dia 13, sintetizava o desafio: entre as silhuetas das
torres destruídas do World Trade Center, um curto
diálogo: “— Segundo os peritos, isto vai marcar
um antes e um depois. — Em quê? — Nos mecanismos de
desgraça alheia. Roubos, fal- defesa e confrontação. — Que pena. Pensei que seria nos
sos peditórios, um profeta da mecanismos de entendimento e cooperação.”
Broadway e mensagens de cor- Não há palavras nos dicionários para descrever os actos de
reio electrónico adivinható- terça-feira: hediondos, criminosos — nada chega para expri-
rias: chegou a hora dos char- mir a alma do mundo. E só o nosso silêncio (como o de ante-
latães... ontem) traduz o espanto perante o absurdo. Confrontamo-nos
Na noite de quinta-feira, du- agora com a pergunta: o que fazer? E os sinais que chegam
as pessoas vandalizaram uma dos Estados Unidos são pouco reconfortantes.
loja, numa zona proibida em Já não chega dizer que o Ocidente e os Estados Unidos, em
redor do World Trade Center particular, estão a beber algum do veneno que semearam:
(WTC). Conseguiram roubar não só os apoios aos taliban, a Saddam Hussein ou a milícias
relógios no valor de três mil dó- extremistas palestinianas, que depois se tornaram perigosos.
lares (cerca de 600 contos), mas Apesar desses erros, o Ocidente ainda não aprendeu a lição.
foram detidos em flagrante pe- Há 11 anos, depois da guerra do Golfo, a promessa de resolver
la polícia. Bernard Kekrik, che- o problema palestiniano foi sendo desesperadamente adiada;
fe da polícia de Nova Iorque, Saddam continuou a irritar o mundo; as ditaduras árabes
revelou que um dos detidos era ainda têm o apoio envergonhado da Europa e dos EUA. Os
um antigo guarda prisional. ódios que se alimentaram nos Balcãs deram no apoio ao
Kekrik divulgou que foram UÇK, que agora ameaça a paz na Macedónia.
ainda detidas, para além de O mal também foi semeado pelas democracias. Há um ano,
responsáveis por pequenos Ariel Sharon entrou pela Esplanada
furtos à volta do WTC, pessoas das Mesquitas, em Jerusalém. Foi
que “se faziam passar por vo- esse bater de asas de borboleta que
luntários”. Rudolph Giuliani, acendeu o rastilho da violência que
presidente da Câmara de Nova
O problema se desenvolveu em escalada até à lou-
Iorque, alertou para chama- do terrorismo cura de terça-feira. Em Novembro,
das telefónicas de impostores só se resolve os norte-americanos escolheram pa-
a pedirem dinheiro para as ví- quando o ra Presidente um homem que prefe-
timas dos atentados. Nada de re ver os Estados Unidos isolados do
novo, numa cidade em que se Ocidente ajudar mundo. E que se dá ao luxo de abando-
compram autocolantes seme- a acabar com nar acordos e tratados internacionais
lhantes aos usados pelas auto- a miséria e de continuar a pôr em causa o futuro
ridades, na crença de se vir a
ter um tratamento mais favo- e a fome que leva ambiental do planeta comum.
Nada disto desculpa o terrorismo.
rável por parte da polícia. O tantos povos O terror, seja das FP-25, da ETA, do
alvo destas burlas são quase ao desespero IRA, do Hamas ou de Bin Laden, é
sempre pessoas mais velhas. ignominioso. Mas ninguém tem as
Segundo a Associação dos mãos limpas do sangue que se abateu
Consumidores de Washing- terça-feira sobre todos nós.
ton, alguns burlões têm apro- O que fazer então? O secretário de
veitado a onda de solidarieda- Estado norte-americano Colin Powell fez um (tímido) apelo
de que se regista na Internet a um encontro urgente entre Shimon Peres e Yasser Arafat.
e usado o correio electrónico Mas o empenhamento dos Estados Unidos na crise do Médio
para falsos pedidos de ajuda. Oriente — especialmente junto de Israel — não pode ser zero,
“Há quem faça doações, o que como nos últimos meses. Tem de voltar a ser mais ousado,
é maravilhoso, mas, pelo que para pôr fim à espiral de violência dos últimos meses. E os
sabemos, não há ninguém que compromissos dos EUA com o futuro do planeta não podem
tenha autorização para efec- ser atirados para o cesto das boas ideias.
tuar peditórios”, afirmou Giu- Ainda na noite de terça-feira, ouvi de um militar, o general
liani, acrescentando que irá Garcia Leandro, palavras que deveriam estar, com urgên-
“fazer tudo para prender es- cia, na boca dos políticos. Na TVI, Garcia Leandro afirmou
sas pessoas”. O presidente da que o problema do terrorismo só se resolve quando o
Câmara de Nova Iorque, co- Ocidente ajudar a acabar com a miséria e a fome que leva
nhecido pela sua luta contra o tantos povos ao desespero. E nesta tarefa não deve ser
crime, solicitou que todos os esquecido o papel das Nações Unidas, criadas exactamente
casos suspeitos sejam notifi- para prevenir e resolver os conflitos. Desprezada e esva-
cados às autoridades. ziada nos últimos anos pelos EUA, a ONU deve constituir-se
Depois da tragédia come- o fórum principal de resolução dos problemas mundiais.
çam também a surgir as O que exige também uma reforma democrática das suas
primeiras profecias. A estruturas.
Sacbee.com (“Sacramento Na mesma edição do “El País” de quinta-feira, o sociólogo
Bee”) relata o caso de um jo- francês Alain Touraine escrevia: “Os Estados Unidos rece-
vem profeta que terá apareci- beram um duro golpe e é nas vítimas dos ataques aéreos
do na Broadway a adivinhar a que se deve pensar, em primeiro lugar. Mas todos temos
tragédia. “De repente, as pes- a responsabilidade de evitar um confronto cada vez mais
soas na Broadway põem-se a catastrófico entre um poder absoluto e uns desenraizados
pensar no rapaz das luvas de sem esperança.”
cozinha amarelas. Era inofen- Quarta-feira de manhã, o Papa João Paulo II condenava a
sivo e sujo. Os comerciantes “terrível afronta à dignidade humana” e pedia que os líderes
tentavam ignorá-lo. Mas a se- mundiais “não se deixem dominar pelo espírito do ódio
mana passada andava pela rua e da retaliação”. O que se fizer a seguir deve ser pensado
a espalhar o rumor de que al- serenamente para evitar a espiral da guerra — essa, depois,
go horrível iria acontecer na será mais difícil travar. Estamos a lidar com a loucura. Esta
terça-feira”, escreveu o jornal. só será cerceada se soubermos terminar com o caldo de
Andava carregado de Bíblias cultura em que ela cresce. E se formos capazes de fazer do
e auto-intitulava-se o profeta pós-11 de Setembro um tempo de entendimento e cooperação.
da desgraça...  Para que a humanidade possa recomeçar tudo de novo. 
1 2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

“Quem bate nos outros tem de esperar


um efeito ‘boomerang’”
A OPINIÃO DE
RICHARD BOUDREAUX
EFRAIN GONZALEZ/US AIR FORCE
Não há escassez de razões em mui- Parte do antiamericanismo de
tas partes do mundo para não gos- hoje é um legado da guerra fria,
tar dos Estados Unidos. Das ca- que obrigou ou permitiu que os
pitais europeias aos campos de Estados Unidos impusessem a sua
cocaína na América Latina passan- vontade a muitas pessoas, muitas
do pelas linhas de montagem no Su- vezes contra os interesses dessas
deste Asiático, o país pode ser visto pessoas.
como arrogante e egoisticamente
fixado nas suas próprias políticas 4. Por meio de uma série de in-
e interesses. tervenções militares, golpes de Es-
O poder sem par dos EUA faz deles tado e fornecimento de armamento
um alvo para as queixas de aliados, incentivados pelos Estados Unidos,
adversários e inimigos. As cenas países em África, na América La-
macabras de palestinianos a dançar tina, no Médio oriente e no Sudes-
e a festejar a carnificina em Nova te Asiático ficaram com governos
Iorque e em Washington são apenas aliados de Washington mas com ini-
as mais extremas e recentes mani- migos do seu próprio povo. Isto con-
festações públicas de antiamerica- venceu muita gente de que, apesar
nismo — ou, pelo menos, de descon- da sua defesa da justiça e da demo-
fiança do poder americano — que se cracia, os Estados Unidos seguiam
seguiram à ascensão dos EUA como um critério duplo.
superpotência, através da guerra O meio século da Jugoslávia sob
fria e depois. governação comunista tornou fácil,
“As pessoas estão chocadas pelas depois da guerra fria, que líderes
imagens apocalípticas”, diz Mirja- manipulativos tais como o sérvio
na Bobic, escritora e directora da Slobodan Milosevic culpassem os
programação na televisão estatal Estados Unidos pelos conflitos que
da Sérvia; “Mas há dois lados para destroçaram a federação durante a
cada moeda; quem bate nos outros década de 90.
tem de esperar um efeito ‘boome- Mas os sérvios poderiam argu-
rang’.” Conferência Contra o Racismo da A arrogância americana, 3. Os diplomatas dos EUA reco- mentar, com razão, que o apoio de
“Isto é terapia de choque para os ONU em Durban, na África do Sul, nhecem que os americanos por ve- Washington aos separatistas alba-
EUA, para não serem demasiado quando a delegação americana se
aos olhos de muitos, zes subestimam o efeito das políticas neses do Kosovo, depois da guerra
arrogantes”, diz Bagus Prasetyo, de foi embora em protesto contra as baseia-se em parte no seu do seu Governo nas pessoas por todo fria, equivaleu a um duplo crité-
23 anos, que trabalha na Indoné- críticas a Israel. estatuto de superpotência o mundo. “Se o Presidente Bush vai rio. Os Estados Unidos puniram os
sia para a firma sul-coreana Hyun- “Há muitos graus de anti-ameri- relativamente neófita. à televisão e diz que vamos atingir sérvios por atrocidades, mas ten-
dai. Pode haver muitas razões para canismo e seria perigoso juntá-los os terroristas e os que os acolhem, deram a olhar para o outro lado
não gostar dos Estados Unidos, mas todos”, diz Sergio Romano, antigo Os 5000 anos de História isso significa que muita gente vai quando os rebeldes albaneses ma-
a nação continua a ser uma fonte embaixador da Itália em Moscovo. e de civilização da China sofrer”, diz um diplomata. “Pensa- taram sérvios.
de admiração e um íman para imi- “Há divergências crescentes entre os são fonte de orgulho para mos que estamos a fazê-lo pelos mo- A América criou inimigos, tam-
grantes de todo o mundo. O país é EUA e outros países, mas muitos dos tivos justos, mas a nossa política tem bém, devido à sua incapacidade de
mais criticado por políticas exter- críticos da América nunca sonha- os seus líderes e cidadãos. enorme impacto e muita gente so- ver o lado negro de uma política
nas impositivas e discriminatórias riam em recorrer ao que nós vimos A ideia de que o país freu bastante por causa do que vêem que, por mais bem intencionada
que pelo seu modo de vida. O sen- na terça-feira.” tem sido muitas vezes como a nossa arrogância“. que fosse, estava cheia de contra-
timento anti-americano normal- O perigo, diz ele e outros analis- A arrogância americana, aos dições.
mente não se estende a cidadãos tas, é que os americanos se sintam
importunado por um jovem olhos de muitos, baseia-se em par- Um caso a referir é o da inter-
comuns como os que sofreram o ata- perante um mundo uniformemente sabichão é irritante, te no seu estatuto como uma su- venção na Somália em 1992, para
que de terça-feira. hostil e empurrem os seus líderes tal como um trabalhador perpotência relativamente neófi- neutralizar senhores da guerra, de
Poucos inimigos dos EUA têm a para a acção unilateral ou para mais velho a receber ordens ta. Os 5.000 anos de História e de modo a que trabalhadores humani-
ideologia e a motivação para ata- o isolacionismo. O antigo primei- civilização da China são fonte de tários pudessem alimentar em se-
ques suicidas como os do World ro-ministro Giulio Andreotti ex- de um novo chefe orgulho para os seus líderes e ci- gurança crianças moribundas. Em
Trade Center e do Pentágono. Em- pressou esse receio no Senado ita- dadãos. A ideia de que o país tem 1993, quando a fome foi ultrapassa-
bora o atentado de Oklahoma City, liano na quarta-feira: “Enquanto sido eclipsado e muitas vezes im- da, as tropas norte-americanas fo-
em 1995, tenha mostrado que a demonstramos a nossa solidarieda- portunado por um jovem sabichão ram arrastadas para um confronto
América tem os seus próprios ter- de com a angústia dos EUA, deve- Por meio de uma série é irritante, tal como um trabalha- mortal com o maior senhor da guer-
roristas internos, a especulação mos deixar claro que devemos evi- de intervenções militares, dor mais velho a receber ordens ra e perderam a sua imagem de neu-
tem-se focado sobretudo em orga- tar o tipo de acções indiscriminadas golpes de Estado de um novo chefe esganiçado, au- tralidade humanitária.
nizações extremistas islâmicas que que, no passado, só serviram para têntico reverso da reverência pela
acreditam lutar pela sua fé. piorar as coisas.”
e fornecimento de idade que assinala o pensamento 5. Noutro exemplo, os Estados
armamento incentivados de Confúcio. Unidos forneceram inicialmente
1. O ódio aos Estados Unidos, 2. O aviso de Moscovo ainda foi pelos EUA, países De igual modo, muitos árabes e apoio à milícia taliban nos anos
que são o principal aliado de Isra- mais duro: “A política internacional em África, na América muçulmanos vêem o conflito isra- 90, pelo menos parcialmente para
el, subiu a um extremo no mundo dos EUA foi caracterizada por um elo-palestiniano como muito mais estabilizar o troço afegão de uma
árabe e islâmico no último ano de alto grau de autoconfiança, compla- Latina, no Médio oriente antigo do que os americanos o en- via procurada pela companhia pe-
conflito israelo-palestiniano. Con- cência e intoxicação com o seu pró- e no Sueste Asiático tendem. trolífera norte-americana Unocal
tudo, o sentimento anti-americano prio poder depois da guerra fria. Se ficaram com governos Para eles, o conflito é uma conti- para uma conduta de petróleo e
é muito mais vasto e parece ter-se os EUA preferem fingir que gover- nuação de séculos de intervenção gás natural que evitasse passar
intensificado depois de o Presidente nam o mundo, essa miopia continu- aliados de Washington ocidental. Pensam que o Ociden- pelo Irão.
[George W.] Bush ter tomado posse ará a resultar em horríveis actos de mas com inimigos te, que hoje é a América, declarou Os taliban vieram mais tarde
em Janeiro — desde então, Bush terror”, disse em entrevista Vladi- do seu próprio povo. guerra ao Islão com a primeira cru- a obter o poder em quase todo o
opôs-se a um tratado sobre o aqueci- mir Lukin, vice-presidente do Par- zada. — uma guerra santa cristã Afeganistão, mas a Administração
mento global e reavivou uma impo- lamento russo e ex-embaixador em
Isto convenceu muita gente há mais de mil anos. Vêem a cria- Clinton não ignorou os abusos dos
pular proposta americana para um Washington. de que, apesar da sua defesa ção de Israel como a inserção de direitos humanos que lhes eram
escudo antimísseis do tipo “guerra Em Pequim, o “Diário do Povo” da justiça e da democracia, judeus na região por parte dos Es- atribuídos até o grupo islamista ra-
das estrelas”. aconselhou Bush a encarar o de- os Estados Unidos seguiam tados Unidos, em mais um passo da dical de Osama bin Laden, alojado
Bush foi um foco dos protestos es- sastre como “um sério aviso” con- conquista ocidental. no país, ter bombardeado duas em-
te Verão na cimeira do G8 em Roma, tra “políticas internacionais he- um critério duplo “Os palestinianos vêem os israeli- baixadas norte-americanas na Áfri-
quando mais de cem mil manifestan- gemónicas”. Uma mensagem nos tas ter mão livre por causa do apoio ca Oriental.
tes protestaram contra um modelo cada vez mais nacionalistas “chat americano“, disse Gershon Baskin, Clinton ordenou em 1998 ataques
para a economia global que conside- rooms” chineses na Internet des- co-director israelita do Centro Israel/ aéreos contra suspeitas bases de
ram que negligencia os pobres e pre- creveu o ataque de terça-feira como Palestina para a Pesquisa e a Infor- treino no Afeganistão, levando a
judica o ambiente. A Administração “resultado de a América ser a polí- COLUNISTA mação, um centro de estudos que tra- Unocal a desistir do seu projecto
Exclusivo PÚBLICO/ “Los Angeles Times”
Bush causou celeuma este mês na cia mundial”. balha com árabes e judeus. de oleoduto. I
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PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001

Uma pergunta a François Burgat


“Os americanos deveriam adoptar uma política
menos perigosamente unilateral”
François Burgat é director do Centro tíficas uma velha pulsão ocidental: çulmanos parecem ter declarado à dutora. Mas isso não seria suficiente que continua também ele a matar ou
Francês de Arqueologia e de Ciências o medo de uma área da civilização dominação da hiperpotência ameri- para justificar a prática viciosa do pela protecção contra prebendas de
Sociais de Sanaa (Iémen) muçulmana que há meio século teve cana, pois é disso que se trata, não que em inglês se chama “profecias dinastias petrolíferas mafiosas, os
a impertinência de querer sair de um seria a primeira vez que isso aconte- que se cumprem a si próprias”. Estados Unidos parecem querer, co-
Os atentados contra os Estados longo período de dominação. ceria na História do mundo. Ela consiste, para os Estados Uni- mo há 20 anos, tornar os muçulmanos
Unidos são o princípio do confron- Vindo de um investigador que não Como qualificar, para não falar de dos, em designar um interlocutor co- tão maus como os imaginam.
to Oriente-Ocidente a que se refe- é propriamente conhecido pelo seu outras histórias, as guerras que ani- mo seu adversário mais perigoso e Mas é no seu campo que está hoje
riu Samuel Huntington [autor de conhecimento da sociologia ou da quilaram as belas civilizações índias fazer a seguir tudo o que for possível a bola. São eles que podem, se o qui-
“Choque de Civilizações”]? história complexa destas sociedades, do Sul e depois do Norte da Améri- para que o mau designado se confor- serem, adoptar uma política menos
Esse investigador, evocando o ca- isso é mais a expressão de uma in- ca? O essencial no entanto não está me com o prognóstico. Ora é exac- perigosamente unilateral, afastar —
rácter inelutável de uma guerra que quietação existencial compreensível aí. Ninguém ousa hoje negar a rea- tamente esse o terrível paradoxo da o que ainda é possível — o espectro
seria civilizacional e ao designar pa- do que uma obra científica. lidade das clivagens, tensões e mal- política americana no Médio Oriente: racista das profecias do senhor Hun-
ra a vindicta mediática do mundo Mesmo que se quisesse ver uma entendidos que opõem as margens do Iraque à Palestina, por interpos- tington. I Depoimento recolhido por
“as fronteiras sangrentas do Islão” dimensão civilizacional no terrível “muçulmana” e ocidental do mundo, ta intransigência israelita ou direc- José Garçon. Exclusivo PÚBICO/ “Libé-
limitou-se a enfeitar de virtudes cien- desafio desta guerra que alguns mu- ainda que esta terminologia seja re- tamente, por um embargo maníaco ration”
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PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

Canadá aponta iraniano retido nos Açores


com ligações ao terrorismo islâmico
MANUEL GOMES
Por enquanto o caso os dias nas instalações daque- nheiro, que aparenta grandes
é apenas de imigração le organismo na cidade. dificuldades nessa língua —
pedia para fazer uma chamada
clandestina, mas Amil Longos telefonemas de um telefone público no café
Kumar foi interrogado em inglês da residencial, não se sabe (ou
pelo FBI sobre No dia seguinte, 6, os iranianos não é público) para onde. Te-
dirigiram-se ao aeroporto da ci- lefonavam-lhe de volta, a con-
presumíveis ligações dade. Tentaram embarcar num versa era em inglês e prolon-
a grupos terroristas voo da transportadora açoria- gada (à volta de 20 minutos).
na SATA para Toronto, Cana- Tanto que os responsáveis da
NUNO MENDES dá. Apresentaram passaportes residencial tiveram algumas
falsos (mas possuíam outros vezes de pedir-lhes que abre-
Chama-se Amil Kumar e tem dois iranianos, presumivelmen- viassem a chamada, por ter ou-
29 anos um dos dois iranianos te verdadeiros). Amil mostrou tros clientes em espera.
retidos pelas autoridades por- um passaporte holandês e o seu No dia 11 de Setembro, no-
tuguesas em Ponta Delgada. companheiro um norte-ameri- ve dias depois de terem chega-
Foi pelo menos esse o nome cano. As autoridades aduanei- do, aconteceram os atentados
com que se registou na resi- ras detectaram que os passapor- nos EUA. De imediato foram
dencial Portas do Atlântico, em tes eram falsos. Os dois foram retirados da residencial e “re-
Ponta Delgada, como foi adian- apresentados ao Tribunal Judi- tidos” no centro paroquial de
tado ao PÚBLICO no local. cial de Ponta Delgada. São Roque, nos arredores de
Os dois foram — e deverão O juiz determinou que te- Ponta Delgada, guardados por
voltar a ser — interrogados riam de entregar os bilhetes de agentes da Polícia Judiciária.
pelo SIS (Serviço de Infor- avião e todos os documentos, e Agora, ou as autoridades con-
mações de Segurança), pelo ainda que teriam de se apresen- cluem que há uma ligação en-
SEF (Serviço de Estrangeiros tar no SEF de Ponta Delgada tre os dois iranianos e o ataque
e Fronteiras) e ainda por um Nas Lajes também ocorreram dois casos que levantaram dúvidas mas foram já clarificados todos os dias. Os dois iranianos aos EUA — e aí serão entregues
funcionário da embaixada dos voltaram então a hospedar-se às autoridades norte-america-
EUA vindo de Lisboa. As au- na residencial Portas do Atlân- nas; ou então nada se prova e
toridades do Canadá — país vam em fuga do Irão para o um outro iraniano, de 42 anos, modestos (cinco contos por noi- tico. Aqui fizeram sempre os serão julgados em Ponta Del-
para o qual os dois estavam Canadá por motivos políticos. cuja identidade não foi possível te) na baixa da cidade, perto da seus pagamentos em “cash” gada sob a acusação de posse
em trânsito — já terão dito às Fonte gover namental adian- apurar, chegaram a Ponta Del- Igreja Matriz. — escudos. Tomaram sempre de documentação falsa e falsi-
autoridades portugueses que tou ao PÚBLICO que ainda gada em 2 de Setembro, vin- Ao fim desses dois dias dis- uma das duas refeições princi- ficação de documentos. O pro-
Amil tem (ou teve) ligações não se estabeleceu nenhuma dos presumivelmente de Lis- seram a um responsável da pais (almoço ou jantar) na resi- cesso terá carácter de urgên-
a organizações terroristas. O ligação entre os dois irania- boa. Disseram então ao SEF, residencial que iriam ficar dencial. Não alugaram carros, cia, por se tratar de cidadãos
funcionário norte-america- nos e os atentados de terça- logo no aeroporto, que só iriam mais um tempos, não disse- não eram noctívagos. Tinham estrangeiros. Amil Kumar e o
no que foi para Ponta Delgada feira passada. Por enquanto, ficar na cidade durante dois ram quanto. Ao terceiro dia, uma aparência perfeitamente seu companheiro estão a ser
fez-lhes um interrogatório-ti- este é só um mais um caso de dias. Hospedaram-se ambos no dia 5, o SEF apareceu e dis- ocidental. Todos os dias Amil defendidos por uma advogada
po para suspeitos de terroris- imigração clandestina. quarto 1 da Portas do Atlânti- se-lhes que daí em diante te- — que fala um inglês perfeito, oficiosa, Paula Tavares.  com
mo. Ambos alegam que esta- Amil e o seu companheiro, co, uma residencial de preços riam que se apresentar todos ao contrário do seu compa- João Pedro Henriques
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PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001

INQUÉRITO

1. O que mudou no mundo? Ocorre não poderem nem deverem as democracias invocar Deus venção da NATO como necessária e até fundamental, no quadro
para justificarem qualquer tipo de acção bélica. Aqui reside o ponto do princípio da acção militar colectiva e até para evitar que os
2. Como devem e podem os Estados Unidos e os nevrálgico, que aparta a racionalidade da fé, que nas democracias EUA se fechem sobre si próprios, com consequências de toda a
seus aliados responder a esta situação? é matéria do foro privado de cada um. É por isso que é tão dificil ordem para a Europa. Haverá, seguramente, nos próximos longos
fazer pontes com qualquer tipo de fundamentalismo de base religio- tempos medidas securitárias a que já não estavamos habituados.
sa. Esta dificuldade intrasponível não pode, porém, justificar qual- São bem-vindas e necessárias porque se trata de defender as
“Retaliação cega seria inútil” quer tipo de atitude timorata. Pelo contrário. E a resposta pode e, nossas vidas e o meio de vida que escolhemos. E porque são
porventura, deve tardar o tempo necessário à identificação segura precisas até ao desmantelamento da rede internacional terrorista
1 — O que se passou no dia 11 de Setembro dos responsáveis e dos Estados que os albergam ou apoiam. Mas responsável pelo caos de terça-feira, 11 de Setembro de 2001.
foi uma brutal mudança de escala do terroris- não pode, em nenhum caso, deixar de ser dada. O problema que temos pela frente é tão grave quanto isto: no
mo com consequências sobre todos nós. século passado, à escala global, a vida política era tratada pelas
Abriu-se uma era de incerteza e insegurança Por uma razão muito simples que BELL definiu assim: “a democra- internacionais, socialista, democrata-cristã, liberal. Elas ainda
globais. Ninguém está seguro, nem mesmo a cia tornou-se uma segunda natureza, um meio de vida, um ambien- existem. Mas têm, agora, ao seu lado uma nova internacional : a
nação mais poderosa do mundo. Bush falou da te”. E se assim é, como é, não pode passar impune quem quer internacional terrorista. Não há espaço para todos. Ou ela ou nós.
primeira guerra do século XXI. Mas não é uma destruir este nosso meio de vida. O mesmo que, por toda a Europa O mundo é composto de mudança como, antes de tudo, a poesia
guerra como a conhecíamos do passado. Des- e nos EUA, deu guarida tolerante a quem professa outras crenças. maior acolheu. Mas há mudanças que, nunca por nunca, devem
Helena conhecem-se o inimigo e as suas armas e to- Que acolheu e deu possibilidades de sustento a quem vivia na ocorrer. Uma das matérias que não deve mudar é a que se prende
Roseta, dos podemos ser alvos. miséria e no obscurantismo cego. Que aceitou na sua terra quem com os princípios e critérios estruturantes da democracia e da
deputada Duas grandes mudanças são já visíveis: 1ª - o nunca se integrou no país de acolhimento e fechados sobre si vida colectiva. Se são postos em causa, é tudo posto em causa.
do PS isolacionismo americano deu lugar a um con- mesmos saiem todos os dias para ganhar a vida. É verdade que Sem recuo e sem saída. Do que se trata é de cerrar fileiras, à
senso de solidariedade com os Estado Unidos muitos destes não podem ser confundidos com os extremistas e escala global, para defender aqueles princípios e critérios e este
nunca visto. Veremos como é que a comunidade internacional com os actos terroristas. Mas precisamente por isso e para que meio de vida. É por isso que as medidas securitárias são instru-
vai lidar com este consenso e até que ponto conseguirá trans- se não diga que aqueles decapitam quem lhes dá de comer, é mentais deste objectivo substancial.
formá-lo numa estratégia global contra este hiperterrorismo. preciso responder. Há quarenta anos, bondosamente, houve quem compusesse o
2ª - a nossa consciência colectiva foi abalada por um pesadelo. Não colhem, assim, argumentos que já se vão ouvindo e que, ora “Imagine”. Quem o fez já morreu mas a música dele foi-se ouvindo
Aconteceu à nossa vista. Sentimo-nos todos atingidos e envol- por comiseração pateta, ora por juridismos sem sentido num mo- ao longo dos tempos e nos mais inacreditáveis lugares. O sonho
vidos. Mas se o medo é a principal arma do terrorismo, resistir- mento em que nos querem subverter as regras de vida, parecem dele está hoje mais longe, muito mais longe. A opção é clara: ou
lhe é preciso. Seremos capazes de conjugar segurança e liber- hesitar na necessidade de uma resposta inequívoca. Vejo a inter- se decapita o monstro ou nunca mais se ouvirá música.
dade nas nossas cidades? Talvez tenhamos de sacrificar
algumas das facilidades da vida moderna. Mas o que não pode-
mos é trair os valores em que se baseia a nossa vida em socie-
dade. A lição de coragem, solidariedade e interajuda empreen-
dedora dos nova-iorquinos deve ser um motivo de esperança.

2 — A ameaça é global, a resposta também deve sê-lo. A pri-


meira etapa é a cooperação internacional a nível dos serviços
de informação e das polícias, para identificar e deter culpados.
O desmantelamento de redes terroristas poderá implicar ac-
ções militares, mas uma retaliação cega seria inútil. O combate
vai ser longo e difícil e devemos estar preparados para isso.
Não podemos banir a barbárie, mas temos de ser capazes de
a combater. É fundamental que opiniões públicas esclarecidas
apoiem o que tiver de ser apoiado e repudiem tentações xenó-
fobas.
Perante a desordem mundial, impõem-se novos mecanismos
de regulação económica, financeira e social. É preciso que a
comunidade internacional seja capaz de fazer frente à ditadura
dos mercados globais, incluindo os tráficos ilícitos. É preciso
isolar os regimes corruptos. E é preciso repensar o funciona-
mento e organização da vida urbana, desde os transportes à
hiper-concentração de pessoas. A alma das cidades reside na
liberdade de nelas habitar, trabalhar, circular, viver. Nunca nin-
guém poderá garantir a segurança absoluta. Mas teremos de
procurar diminuir as vulnerabilidades e riscos que os progres-
sos tecnológicos também acarretam.

O mundo é composto de mudança?


Recordo setembros doces, homenageando
porventura a idílica lembrança de uma român-
tica e naive canção cuja letra em francês ha-
veria de se transformar rapidamente em “sep-
tember morning”. Coisas do mundo capitalista,
já se vê. Não é mais possivel recordar o mês
que corre daquela maneira. A passagem dos
Mário dias e das horas sobre acontecimentos nunca
Melo experimentados à face da terra é sempre boa
Rocha conselheira. Porque infirma ou confirma o es-
Docente tado de estupefacção idiota vivido ao ver e
Universidade rever as tenebrosas imagens. Neste caso, a
Católica passagem dos dias e das horas confirma e am-
jurisconsulto plia os piores medos e as mais vertiginosas
angústias. O mundo mudou, é verdade, mas
mudou da pior maneira, mudou de maneira ini-
maginável. O mundo mudou porque parece ter deixado de haver
regras. Até a estes atentados, durante anos e anos, com guer-
ras de permeio, o mundo tinha regras. Até as guerras tinham
regras e os homens regras de conduta. Inimigos, mas com
regras. A própria guerra fria as conheceu e sempre que se
aproximava o perigo de as pôr definitivamente em causa, logo
as diplomacias eram activadas e regredia-se na escalada. Os
dois blocos envolvidos batiam-se por interesses e valores dia-
metralmente opostos, no contexto de imaginários situados nos
antípodas: a liberdade, a democracia, uma economia de merca-
do, de um lado; o homem socialista, o Estado total, uma econo-
mia planificada, do outro. Mas cada bloco respeitava o outro e
procurava respeitar as regras estabelecidas. Agora, as regras
foram para o lixo. Alguém já havia convencido os fanáticos
suicidas que a vida deles não tinha qualquer valor. Interioriza-
ram-no e trataram de supor o mesmo para aqueles que até aí
não suportavam serem seus semelhantes. Suicidaram-se com
a suposta e propalada bênção do seu Deus. Mataram, contra
o mandamento do Deus que não quiseram que fosse o seu. Mas
que é o nosso.
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PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

Cartas dos leitores


BETH KAISER/REUTERS

E o perdão? tolerantes com quem nos mata? Nada poderá


legitimar o sangue de inocentes. A verdade,
“God bless America”, dizem como se Deus porém, é que nunca mais veremos televisão
apenas fosse americano. Como se esse Deus como quem olha uma telenovela.
cristão, o deles e o nosso — mesmo sendo ag- Não é mero fingimento de actores o sofri-
nóstico fui criado no mundo ocidental cristão mento longínquo que nos entrou em casa.
— não tivesse mais preocupações na vida do Como cruamente nos tentou avisar Berthold
que pura e simplesmente preocupar-se exclu- Brecht.
sivamente com os americanos que morreram J. SOUSA DIAS,
ou não nesta brutal tragédia. Ainda me custa Vila Nova de Ourém
acreditar que tudo isto foi verdade, que todo
aquele sofrimento humano mediatizado possa
ser verdade, mas o facto é que foi, e o mais Duas categorias de pessoas
assustador de tudo é realmente verdadeiro, e
quanto a isso não posso ser indiferente. neste mundo?
Acredito no direito de resposta que qual-
quer ser tem em reagir perante um ataque Escrevo a propósito da medida tomada pelo
que lhe seja infligido, mas mais ainda de uma Conselho de Ministros da UE de declarar a
nação reagir quando é atacada, mas sempre — próxima sexta-feira, em virtude dos chocan-
se isso alguma vez pode ser possível — com a tes acontecimentos dos últimos dias, dia de
cabeça fria, tentando medir as consequências luto europeu.
que um acto de retaliação possa ter, a fim de Ninguém questiona que o que se passou foi
que estas não sejam piores que o primeiro uma barbárie e que a perda de tantas vidas é
acto que desencadeou tal resposta. extremamente chocante e revoltante; assim
Deixo no entanto esta pergunta simples: e o como ninguém questiona que devemos mos-
perdão? O perdão que o tal Jesus Cristo daqui trar a nossa consternação e solidariarizarmo-
e dos americanos tanto apregoou, e que pelo nos com todos aqueles que sofrem a perda
que entendo foi a sua maior virtude. Poderão de pessoas queridas. Questiono, no entanto,
alguma vez os Estados Unidos dizer que, tal porque não houve esta consternação relativa-
como os ideais cristãos, devemos perante tal E agora? potenciais vítimas. E não foi só a América, não mente a questões como a actual seca no corno
situação perdoar os nossos inimigos e não ata- foi só o Ocidente ou o capitalismo que foram de África, onde morrem centenas de pessoas
car. Se levares um estalo não agridas, dá antes 11 de Setembro de 2001, dia do ataque terro- atacados, mas sim toda a civilização, como a diariamente; também não me lembro de uma
a outra face e espera que o outro compreenda rista ao WTC de Nova Iorque, o qual provocou conhecemos neste mau começo de milénio. reacção tão forte da Europa à chacina no Ru-
a tua grandeza perante quem agride. milhares de vítimas. Nunca mais. Nunca Todavia, a reflexão — a que o mundo é neste anda em que, em três meses, foram mortas
Serão alguma vez os EUA capazes de perdoar, mais quem quer que seja estará seguro em momento obrigado — impedirá, certamente, um milhão de pessoas.
como o faz ou devia fazer um bom cristão ao nenhum sítio. que a globalização se desenvolva nos actuais Longe de mim repudiar o movimento de
seu inimigo? Ou só perdoarão o seu inimigo É o terrorismo, hidra de sete cabeças, que moldes hipócritas. Esperemos. É que também solidariedade para com as vítimas deste hor-
quando este já não existir, quando o aniquila- se alimenta do ódio, do assassínio inexorá- a globalização tem sido monstruosa hidra sem roroso atentado, mas parecem existir duas
rem da face da terra para que então depois o vel, do mais impiedoso fanatismo. As piores escrúpulos. categorias de pessoas neste mundo. Será de-
possam perdoar. Os japoneses, será que alguma previsões de caos, imaginadas por escritores Não sei como iremos consertar este injusto vido à proximidade das câmaras? Será de-
vez perdoaram os EUA? Talvez, mas eles não de ficção científica ou futurólogos foram ina- mundo. Que tal, se tentássemos que houves- vido à proximidade de culturas e traços de
apregoam aos sete ventos “God bless Japan”, creditavelmente ultrapassadas. As guerras se mais equidade, impedindo, por exemplo, identificação social? Será que isto deveria
pelo menos nunca tal ouvi. deixaram de ser “lá longe”. Quem sofre já não que mais de metade dos habitantes da Terra importar?
ANTÓNIO MARTINS são “os outros”, que a televisão fria e distan- sejam pobres, esfomeadas, vivam em condi- BERNARDO ROSA RODRIGUES
carta recebida por e-mail temente mostra — todos nós passámos a ser ções infra-humanas? Mas poderemos nós ser carta recebida por e-mail
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PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001

A revelação de um mundo mudado


T
udo mudou no mundo. “Mesmo enquanto vivemos este lu-
Mas não foi no dia 11 de Além de se caracterizar pela retaliação imediata, o apelo à NATO nestas to, temos de continuar a imaginar
Setembro que o mundo audaciosamente um caminho que
mudou. O mundo já tinha circunstâncias iria cavar ainda mais fundo o fosso que separa os países ricos do Norte saia fora destas formas selvagens.
mudado mas só agora é que toda a (os únicos que são membros da NATO) dos países pobres do Sul e repudiar Mesmo enquanto choramos de dor,
gente se deu conta dessa mudança. para uma vitimização de consequências imprevisíveis os países de maioria temos de um modo ou de outro de
Toda a década de 90 foi um pro- nos reorganizarmos para afirmar-
cesso rapidíssimo de transição do muçulmana ou constitucionalmente muçulmanos mos a nossa capacidade de mudar
mundo que conhecíamos para um o mundo, de nos mudarmos uns
mundo de capacidades inteiramen- MARIA DE LOURDES PINTASILGO aos outros, de nos mudarmos a nós
te inéditas — tão humano na sua próprios. Temos de insistir, mes-
grandeza como terrível na sua bar- MICHAEL BOESL/EPA mo com os dentes cerrados pelo
bárie. Não demos pela transição desespero, na nossa convicção de
maciça e múltipla por duas razões. que uma outra política é possível
Por um lado, a abordagem dos pro- e necessária: não uma política de
blemas continuou a ser feita utili- morte mas uma política de vida e
zando as categorias mentais tradi- de alegria.”
cionais e antigas. Por outro lado, a Com esta longa citação de uma
atenção concentrou-se apenas nas mulher americana que respeito e
consequências da queda do comu- admiro respondo à segunda per-
nismo. Ficou cega perante os si- gunta que me faz o PÚBLICO. A
nais de uma transição que exce- resposta dos EUA, da União Euro-
dia em muito o que se chamou de peia, da comunidade internacional
“transição económica e política” não pode ser a de uma lógica mi-
dos países comunistas. litarista onde a mesma violência
A tragédia do dia 11 assentou no guiaria as decisões e a estratégia
que se pode considerar como o pri- e onde não se faria senão realizar
meiro sinal dessa transição de âm- idêntico “atentado à dignidade hu-
bito global: a capacidade de pesso- mana”, como chamou João Paulo
as, grupos, até países, se cruzarem, II aos acontecimentos do dia 11.
estabelecerem sinergias nas au- Ora não se entenderá que é essa
to-estradas do ciberespaço e a par- lógica que imediatamente conduz
tir daí constituírem verdadeiros a invocar a NATO e a mobilizá-la?
“bunkers” imateriais. Por isso, Além de se caracterizar pela reta-
quando se ouve os especialistas liação imediata, o apelo à NATO
americanos denunciarem o relaxa- nestas circunstâncias iria cavar
mento do que chamam pudicamen- ainda mais fundo o fosso que se-
te “os meios humanos dos serviços para os países ricos do Norte (os
secretos” (que é como quem diz a únicos que são membros da NATO)
espionagem), vemos que não há dos países pobres do Sul e repudiar
ainda a percepção da natureza dos para uma vitimização de conse-
fenómenos técnicos que tornam quências imprevisíveis os países
possível a realização do monstru- de maioria muçulmana ou consti-
oso ataque do dia 11. Não sei qual tucionalmente muçulmanos.
é a resposta para a possibilidade políticos as propostas de soluções Somos muitos os que palavras: “É necessário explicar Como há dois dias o afirmaram
de uma nova natureza de “servi- que já estão sobre a mesa e que por que razão este tipo de tragé- por unanimidade os dirigentes da
ços de informação” que não violem apenas importa ter a coragem de no mundo queremos dia acontece. Não se trata só de União Europeia, há que apelar às
a liberdade de expressão e a pri- pôr em prática. Não fomos a tempo. encontrar soluções que ‘loucos’, ‘monstros’ ou ‘maníacos instituições por essência e manda-
vacidade das comunicações entre Mas temos de trabalhar cada vez sub-humanos’ que cometem uma to representativas da comunidade
as pessoas. Mas sei que é preciso mais e com maior rigor para tocar-
minimizem esses efeitos violência de tal intensidade. Isto internacional e tomar aí, em pri-
descobrir uma maneira de fazer mos nas causas complexas de actos e que impeçam acontece num clima quotidiano de meiro lugar, as decisões necessá-
abortar nas suas fontes estratégias tão intrinsecamente desumanos. a marginalização crescente violência tão disseminada na so- rias à condenação sem transigên-
que conduzam a fenómenos deste É essa mensagem que me chega ciedade que se torna invisível na cias, por palavras e actos, de todos
tipo e que minem a própria base de muitas zonas do mundo e espe- de pessoas, povos, nações. sua normalidade. Tácticas como as os que violaram de um modo tão
da segurança humana. cialmente dos Estados Unidos. Um Mas não encontrámos deste ataque resultam de um com- flagrante a ética das relações inter-
O segundo sinal dessa mudança dos membros do State of the World plexo conjunto de circunstâncias, nacionais. Na situação actual da
esteve patente em toda a revolta Forum, de quem nada soube du-
ainda a linguagem que incluem o sentimento de que vida internacional, cabe ao Conse-
que se viu crescer durante os últi- rante as primeiras 48 horas porque adequada para fazer a sua voz não será ouvida senão lho de Segurança da ONU (e, num
mos anos do século XX. Onde está- mora a poucos blocos das torres aceitar pelos decisores desta maneira; o desespero e o so- segundo tempo, à sua Assembleia
vamos habituados a ouvir apenas escreveu ontem apenas estas pa- frimento que atravessam já várias Geral) gizar e implementar com
as categorias e as reivindicações lavras: “Precisamos de declarar políticos as propostas gerações; o endurecimento das sen- eficácia a estratégia a seguir.
referentes ao desenvolvimento, guerra não só à barbárie do terro- de soluções que já estão sibilidades face às ultrajantes di- Tem sido denunciado este hor-
passámos a deparar com a cons- rismo mas também às causas sub- ficuldades sociais e económicas; roroso ataque aos EUA como um
tante denúncia da globalização nos jacentes a acções tão desesperadas:
sobre a mesa e que apenas os medos e preconceitos tribais e ataque aos valores da liberdade e
seus efeitos de novas divisões entre a pobreza, a injustiça, o analfa- importa ter a coragem étnicos; os fundamentalismos reli- da democracia. Não tenho dúvida
povos e re-giões. Somos muitos os betismo, a doença, a falta de abri- de pôr em prática. giosos e especialmente a erotização de que a resposta, se se quer coe-
que no mundo queremos encon- go. Tal como o disse Colin Powell: e elevação da violência a formas de rente e como contra-ataque não de
trar soluções que minimizem es- ‘Temos de aprender com esta expe- Não fomos a tempo. ‘virilidade’ e de ‘soluções dos con- povos primitivos mas de povos do
ses efeitos e que impeçam a mar- riência a olhar as coisas com gra- flitos’. A violência é uma psicose e século XXI, tem de usar os instru-
ginalização crescente de pessoas, vidade.’ Peçamos a Deus que a sa- é nela que vivemos.” mentos democráticos que foram
povos, nações. Mas não encontrá- bedoria humana prevaleça.” E é Mas é com uma nota de espe- criados justamente para defender
mos ainda a linguagem adequada também de uma escritora ameri- rança e um convite à acção que es- a liberdade e a justiça de todos os
para fazer aceitar pelos decisores cana, Robin Morgan, que vêm estas ta escritora termina a sua carta: povos da Terra. 
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PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001 HOMENAGEM A ROBERT FRANK

Temos que ser fortes e andar para a frente


Chegou a Portugal na manhã do ataque terrorista contra os Estados Unidos, país que fotografou como poucos e onde
passou grande parte da sua vida. Dia 14 participou na inauguração de uma exposição de noventa obras suas (fotografias,
livros, filmes) no Centro Cultural de Belém e hoje à noite três filmes seus são exibidos em Serralves. Foi homenageado em
Lisboa por Guterres (com a comenda da Ordem do Mérito) e em Coimbra, ontem à noite, por iniciativa dos Encontros de
Fotografia, no âmbito de uma exposição-homenagem da fotógrafa Dodo Jin Ming, que procurou retratar-lhe a intimidade
em Mabou. No dia seguinte à sua chegada e ao desastre americano, Maria João Seixas entrevistou-o para o PÚBLICO.

ROBERT FRANK O DESPOJAMENTO


MARIA JOÃO SEIXAS conta com a surpresa de po-
der apresentar o seu mais re-
momento não era para per-
guntas e respostas. O pensa-
logo depois, começaram a de-
saguar, límpidas como a água
Fiz a minha base em Nova Ior-
que. Aí fiquei durante muitos
Quando isso acontece, pensa-
mos mais no fim. Aqui tem o
Chegou a Lisboa, com a mu- cente trabalho (uma peça de mento e a pulsação das veias de uma fonte purificada por anos, até que me mudei de no- que sou.
lher, na manhã do dia 11 de grande escala, inédita) — e estavam longe, presos aos uma espécie de desejo ma- vo. Para o Canadá, onde te- Acha que o facto de ser
Setembro. E só depois do al- uma festa em Coimbra em destroços do horror. Jantá- tricial. Esse desejo, teimosa- nho um sítio muito bonito, cidadão americano, e ter
moço soube dos acontecimen- torno de uma outra exposi- mos como quem procura um mente vivido por este grande virado para o mar, mesmo em vivido tantos anos nos Es-
tos que entretanto flagelavam ção, a de Dodo Jin Ming, ami- pretexto de deriva. No dia se- senhor do olhar, não consente frente ao Golfo de Saint La- tados Unidos, ajudou a re-
a América. Vinha feliz com ga chinesa a quem abriu as guinte, com um véu de tris- pactos com qualquer matéria wrence. De há dez anos para forçar em si a tal consci-
o convite de Albano da Silva portas do seu reduto em Ma- teza nos olhos, sentámo-nos conspurcadora. O encontro cá fui ficando cada vez mais ência crescente de que é
Pereira (um amigo que há já bou, Canadá. “Waiting for num quarto de hotel e acon- com Robert Frank soube-me consciente do facto de ser ju- judeu?
uns anos integra a família Mushroom”, assim se chama teceu então aquele raro ins- a uma dádiva. Preciosa. deu. Sou um americano. Dou- Penso apenas que é a mi-
dos “seus”), para uma cele- o trabalho de Dodo, é uma vi- tante em que o pensamento Robert Frank, diga-me me conta de que o que tem nha condição pessoal. Mas
bração entre nós da sua obra: sita de eleição que nos leva a e as emoções, convocados pa- quem é. mais significado para mim é também é porque, quando en-
uma condecoração do Gover- Robert, a June, à casa, a Ma- ra efeito de uma conversa, se O meu nome é Robert o país. Deixei de ser um euro- velhecemos, pensamos mais
no português, uma grande ex- bou. Agendada a conversa pa- abraçam no fio redentor das Frank, nasci na Suíça e mu- peu. Quanto à crescente cons- nos nossos pais, que já parti-
posição — “HOLD STILL___ ra o fim do dia da sua chega- palavras. As primeiras pare- dei-me para os Estados Uni- ciência de ser judeu, deve-se ram. Quando saí de casa, com
__ _ keep g oing” no CCB, que da, fácil foi perceber que o ciam não querer fluir mas, dos quando tinha vinte anos. talvez a estar a envelhecer. vinte anos, sabia que não que-
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PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001

ria viver uma vida parecida ALGUMAS DATAS


com a deles. Mas, agora que
já cá não estão, penso muitas
vezes no modo como os tratei 1924 Nasce a 9 de Novembro
e como me trataram. Tudo is- em Zurique, Suíça
so, nesta fase da vida em que 1941 Aprendizagem com o
começamos a ver o fim do tú- fotógrafo e artista gráfico
nel, regressa à nossa memó- Hermann Segesser, Zurique
ria com muita força. 1946 Primeiro livro, “40 Fotos”,
E hoje, exactamente hoje, com fotografias originais.
como é que se sente? 1947 Emigra para Nova Iorque.
Depois do ataque de ontem 1948 Viagens ao Peru e Bolívia
[11 de Setembro] aos Estados 1949 Produção de dois livros
Unidos, é ainda mais claro com 39 fotografias originais do
para mim que a América é Peru. Viaja durante um ano na
o meu país. É lá que me sin- Europa (Espanha e França)
to em casa. Tenho a nacio- 1950 Casa-se com Mary
nalidade americana, embora Lockspeiser. Participa na
ser americano tendo nasci- exposição colectiva 51
do noutro país é obviamente American Photographers,
muito diferente do que ser Museum of Modern Art
americano de origem, como a 1951 7 de Fevereiro: nasce o
minha mulher. Tendo passa- seu filho Pablo em Nova Iorque
do a viver também no Canadá 1952 Livro “Black White and
e tendo aprendido a ver a di- Things”, com 34 fotos originais
ferença entre os dois países, 1953 Trabalha como
que é uma grande diferença, fotojornalista “free lance”.
sinto a tentação de dizer, ho- 1954 21 de Abril: nascimento
je, exactamente hoje — Va- da filha Andrea. Conhece
mos para o Canadá! É um país Allen Ginsberg.
extraordinário. Preocupam- 1955 É o primeiro europeu a
se connosco, tomam conta de receber uma bolsa, de um ano,
nós. O contraste é grande com da Guggenheim Foundation,
os Estados Unidos, onde é pre- para um projecto fotográfico
ciso lutar muito para se viver sobre os Estados Unidos.
e para se morrer. No Canadá 1958 Viaja, com Jack Kerouac,
não há essa coisa de ter que até à Flórida. Realiza a sua
se estar sempre a lutar. Eles primeira curta-metragem em
encarregam-se de providen- 16mm. Lançamento de “Les
ciar o essencial para o viver e Américains”, em Paris.
para o morrer das pessoas. 1959 “The Americans” é
Essa sensação tranqui- lançado em Nova Iorque.
lizante não será também 1960 É membro fundador do
devida ao facto de viverem grupo New American Cinema.
num sítio pequenino e iso- 1961 Primeira exposição
lado como Mabou? individual
Não creio. Embora nunca 1963 Obtenção da cidadania
tenha vivido numa grande ci- americana.
dade no Canadá, com excep- 1965 Primeira longa-metragem,
ção de algum tempo passado “Me and My Brother”
em Hallifax, sei que é isto que 1969 Divorcia-se de Mary
se pratica em todo o país. Es- Lockspeiser.
ta capacidade de dar respos- 1970 Compra, com a artista
ta, com eficácia, às necessi- June Leaf, uma casa e terreno
dades da vida e da morte das circundante em Mabou, Nova
pessoas, só a vi naquele país. Escócia, Canadá. Lecciona em
Em nenhum outro, dos que diversas universidades dos
conheço, vi qualquer coisa se- EUA e canadianas.
melhante ao fantástico siste- 1971 Trabalha na capa do
ma canadiano. disco “Exile on Main St.” dos
Depois do que ontem se Rolling Stones
passou nos Estados Unidos 1974 A filha Andrea morre num
está assustado, revoltado, desastre de avião na Guatemala
triste? 1975 Casa com June Leaf
É preciso tempo para dige- 1977 Filma “Life Dances On...”
rir isto tudo e ter ideias mais 1980 Exposição The New
claras. Mas não estou assus- American Filmmakers Series,
tado. Vou regressar e penso em Nova Iorque
que a vida terá que recuperar 1987 Recebe o prémio Peer
o seu curso normal. Haverá Depois do ataque de ontem “Sick of Goodby’s”, Mabou, Novembro de Aprendi com ele que Award for Distinguished
com certeza grandes altera- 1978 (agora exposta no CCB) e fotografias “looking straight” é olhar Career in Photography,
ções de hábitos, especialmen- [11 de Setembro] aos Estados de Dodo Jin Ming (em baixo, nesta página com cuidado para uma pes- em São Francisco
te para os que viajam. Tudo Unidos, é ainda mais claro e na página ao lado) da série “Waiting for soa, um objecto, uma casa... É 1988 Série de filmes “In the
será mais complicado. As pes- Mushroom”, exposta em Coimbra ser capaz de se estar totalmen- Margins of Fiction”
soas vão ficar ainda mais pa-
para mim que a América te focado naquilo que se quer 1989 Filma o videoclip “Run”
ranóicas, a propósito de tu- é o meu país. É lá que me fotografar e não se deixar in- para a banda New Order
do e de nada. Talvez durante sinto em casa. fluenciar por nada mais, ve- 1990 A National Gallery of Art,
muito tempo. nha da direita ou da esquer- de Washington, inicia a
Mabou vai parecer-lhe da, esteja em cima ou em Colecção Robert Frank
ainda mais agradável? É preciso tempo para digerir baixo. É ser-se “cool”. É bom 1991 Fotografa no Líbano
Em Mabou não há sequer que, mentalmente, se tenha 1994 Livro “Black White and
electricidade. Para mim, para
isto tudo e ter ideias mais isso em consideração quando Things”. Morre o seu filho
o que faço, é muito difícil es- claras. Mas não estou se está a fotografar, a filmar. Pablo no Hospital Allentown PA
tar lá muito tempo. June po- assustado. Vou regressar e Devo dizer que com os filmes 1995 Retrospectiva em
de trabalhar tranquilamente é mais difícil, fico muito ex- Amesterdão, Nova Iorque e
na nossa casa em Mabou. Eu penso que a vida terá que citado, é tudo tão rápido. O Yokohama, Japão.
preciso do “input” que existe recuperar o seu curso normal. que estou agora a fazer e o 1996 Obtém o International
no ar e na vida de uma grande que ainda quero fazer? A mi- Photography Award da
cidade como Nova Iorque. A
Haverá com certeza grandes nha cabeça ainda está às vol- Fundação Erna e Victor
única cidade que realmente alterações de hábitos, tas com o meu último traba- Hasselblad, Göteborg, Suécia
conheço nos Estados Unidos. especialmente para os que lho de fotografia, este que vai 1999 Fotografa para o jornal
Estou portanto dividido. Ain- ser pela primeira vez mostra- “Libération”. Obtém o Cornell
da há coisas que quero fazer. viajam. Tudo será mais do em Lisboa, no CCB. Sinto Capa Award, Nova Iorque.
Essas coisas que ainda complicado. As pessoas vão que me vai continuar a acom-
quer fazer são fotografias, panhar nos próximos tempos, Excertos de uma biografia composta
videos, filmes? É continu-
ficar ainda mais paranóicas, dias ou mesmo meses. É uma a partir de indicações do próprio
ar a “look straight”, como a propósito de tudo e de nada. peça não lá muito “cool”, devo Robert Frank e de: Anne W. Tucker/
uma vez disse que Walker Talvez durante muito tempo. reconhecer. Talvez seja tam- Philip Brookman 1986, Sarah
Evans lhe tinha ensinado? bém o fim, o fim de eu foto- Greenough/ Philip Brookman 1994
2 0 D E S TA Q U E
PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001 HOMENAGEM A ROBERT FRANK

grafar. Usei a polaroid, depois cartas, em forma de fotogra- Penso, hoje em dia, tado de grande sofrimento.
ampliei numa câmara digi- fia ou de video, com os meus Parece-lhe legítimo?
tal e fiz a montagem final em comentários escritos. É uma que os fotógrafos são Nunca o faria. Não conse-
seis painéis. Estou cansado boa ideia, oxalá venha a con- como ratos numa guiria. Era como se estivesse
de montar luzes… cretizar-se. Este projecto, pa- a beneficiar da sua incapaci-
Disse que este trabalho ra responder à sua pergunta,
gaiola. Andam como dade.
não é muito “cool”? Não é dos que ainda me interes- loucos de um lado Quando fotografa pesso-
olhou então “straight”? sam. Mas talvez surjam ou- para o outro, a as na rua, pede-lhes auto-
Não, decididamente não. tras coisas, nunca se sabe. rização?
Tentei olhar para dentro do Fazer só fotografia, agora, pa- tentarem sair e Não. Quando trabalhava
que via e dar a ver o que vi pa- recer-me-ia andar às voltas no encontrar qualquer com uma câmara pequena,
ra depois propor que outros mesmo círculo, quase como nos Estados Unidos, nunca
descubram o que é que se esta- uma repetição, isso é que já
coisa, qualquer coisa pedi licença a ninguém.
va a passar. Isso não é “looking não me apetece. Sabe, tenho nova para mostrarem. Nunca sentiu nenhum
straight”. Se calhar fui sempre pouca coisa a dizer sobre o Seja um novo problema de ordem ética
assim, apesar de ter aprendido meu trabalho. Não sou como por mostrar ao mundo foto-
a “look straight”, a despojar a minha mulher, June, que é formato, seja sei lá o grafias de pessoas que não
até ao limite os elementos sig- uma artista. Falamos muito, quê. É aterrador. (...) sabiam que estavam a ser
nificativos do que queria foto- horas e dias a fio, sobre o nos- fotografadas?
grafar. Não me interessa foto- so trabalho. Ela fala imenso
Isto já não é o meu Nunca senti qualquer pro-
grafar um céu bonito, cheio sobre as coisas que está a fa- território. Já não me blema dessa ordem. Se a ima-
de nuvens, água a correr por zer, o que deveria tentar pa- interessa. Eu também gem que se dá a ver ao mun-
uma imponente cascata abai- ra melhorar isto ou aquilo. É do contiver nela o respeito, a
xo. Não acho que isso mereça como uma fonte. Eu não sou já fui um desses ratos. compreensão e a compaixão
que me aplique com o meu assim. Não tenho essa capa- Agora sou um rato que sentimos pela pessoa que
trabalho. Mesmo se, há trinta cidade. Tenho sempre muito fotografámos, não há que sen-
anos, tenha até conseguido fa- pouco a dizer sobre o que fa-
enorme, com a sorte tir esse problema. Mais difícil
zer boas fotografias de uma ço. A minha primeira mulher de ter um retiro é escolher, quando por exem-
árvore, de uma sombra. Mas também era artista, vivi sem- em Mabou. plo trabalhamos para um jor-
deixou de fazer sentido para pre rodeado de artistas, te- nal ou uma revista, a foto-
mim, acabou. Penso, hoje em nho grande respeito por eles grafia exacta para publicação.
dia, que os fotógrafos são co- e é com eles que mais tenho Há um projecto de Como é que eu fazia a escolha?
mo ratos numa gaiola. Andam aprendido. Mais do que com O primeiro passo tinha a ver
como loucos de um lado para o “looking straight”. São os ar-
uma amiga, uma com a ambição de ter uma boa
outro, a tentarem sair e encon- tistas que mais me têm in- escritora de Beirute a fotografia publicada. Depois
trar qualquer coisa, qualquer fluenciado. viver em Paris, que avaliava a qualidade represen-
coisa nova para mostrarem. Essa influência do traba- tativa da fotografia para que
Seja um novo formato, seja sei lho dos artistas plásticos, me propôs, e ia propor a dignidade de quem foi foto-
lá o quê. É aterrador. Com es- sente-a como um estímulo o mesmo a Godard, grafado fosse melhor revelada.
tes novos meios que permitem ou mais como um desafio? Nunca senti que lhes estava a
a qualquer pessoa fazer milha- Não é que se tente entrar
ir à Palestina e a roubar alguma coisa.
res de fotografias em segun- em competição, é talvez mais Israel para, de cada Procurou sempre o “mo-
dos. Isto já não é o meu terri- a sensação de ter mesmo que um desses sítios, lhe ir tivo” ou também sentiu que
tório. Já não me interessa. Eu se encontrar a saída da gaiola o “motivo” o elegia a si?
também já fui um desses ratos. onde está metida a fotografia. mandando cartas, em Vejo-me como alguém que
Agora sou um rato enorme, Esse empurrão é a melhor in- forma de fotografia reage ao que vem até mim,
com a sorte de ter um retiro fluência que se recebe de um como a água da onda que se
em Mabou. artista com quem vivemos,
ou de vídeo, com os aproxima de nós. Funciono
E o que é que ainda lhe cujo trabalho conhecemos e meus comentários melhor, mais depressa, com
interessa? admiramos. Viver ao lado da escritos. É uma boa mais intensidade e emoção
O único país onde gostaria June, conhecê-la, saber como quando é isso que se passa e
de ir, sem ser como turista, pa- trabalha, o que faz, não sei se ideia, oxalá venha não quando saio à procura de
ra fazer qualquer coisa, para é bom ou mau, sei que o que a concretizar-se. qualquer coisa específica, co-
trabalhar em qualquer coisa, se vê é a alma, é a nossa vida. mo acontece com as encomen-
é Israel. Penso muito em ir a Nada mais. das. Os melhores tempos fo-
Israel. Há muita gente que me Ao ouvi-lo falar em alma, Os melhores tempos ram aqueles em que andava
escreve de lá, pessoas que se lembrei-me de alguns po- foram aqueles em que pelas ruas com a minha câ-
sentem encostadas à parede, vos índios que não se dei- mara e, de repente, ali estava
que precisam de comunicar, xam fotografar para que andava pelas ruas aquele tipo a apertar os sapa-
de dizer o que têm para dizer a alma não lhes seja rou- com a minha câmara tos, encostado a uma esquina!
e que não é o que se ouve di- bada. Compreende esse te- Era como uma lotaria, um jo-
zer. Gostaria de poder ajudá- mor?
e, de repente, ali go de sorte. Será que…? Mas
las. Se ainda me sobrar ener- Senti isso quando, há mui- estava aquele tipo a já não poderia andar pelas ru-
gia e saúde. Penso que é o que tos anos, andei pela Améri- apertar os sapatos, as da mesma maneira com
ainda mais me valia a pena ca do Sul e havia pessoas que uma câmara de video. Não
fazer. Porque é em mim que ressentiam a presença da câ- encostado a uma consigo andar para a frente
estou a pensar, como sempre mara. Claro que se dá sempre esquina! Era como e para trás vezes sem conta
fiz. Há um projecto de uma qualquer coisa de nós quan- para escolher a melhor ima-
amiga, uma escritora de Bei- do nos fotografam a cara, o
uma lotaria, um jogo gem. Faz-me sofrer. Vejo só
rute a viver em Paris, que me corpo, um gesto. Mas, final- de sorte. uma vez e selecciono. O meu
propôs, e ia propor o mesmo mente, tudo isso faz parte da último video foi um longo pe-
a Godard, ir à Palestina e a comunicação. sadelo para a montadora, co-
Israel para, de cada um des- Há quem fotografe mor- mo pode imaginar. O que gos-
ses sítios, lhe ir mandando tos, loucos e pessoas em es- to no cinema, e que o torna tão
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PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001

mais interessante do que a fo- lho à sua volta e liga o rádio, Um grande pintor vento. Acho que tive um bom
tografia, é esse trabalho de enquanto está numa fase de pode pintar o mar. arranque. Um começo nor-
equipa, essa permanente re- procura para o seu trabalho. mal, na Suíça. Depois, o pri-
lação com outros, com quem Logo que encontra uma solu- Pode lá chegar. Não meiro passo foi perceber que
temos que partilhar as nossas ção para a sua ideia, desliga-o. creio que a fotografia não me queria instalar, que
dúvidas, os nossos sentimen- Não consente interferências] tinha de me afastar daquele
tos. Há muito tempo de leitu- o consiga. tipo de vida, daquela estreite-
A propósito de cinema ra em Mabou? za, das regras daquele país e
e do tal projecto das “car- Não muito. Já houve um Acho que as daquela autoridade. Essa foi
tas” da Palestina e de Isra- tempo em que eu lia muito. a motivação principal que me
el, que também iria ser pro- Há dois anos, em Paris, com- fotografias podem fez estar pronto para partir e
posto a Jean-Luc Godard, prei um livro que me co- conter silêncio. não ter qualquer intenção de
viu a “História do Cinema” moveu muito, “L’Année de regressar. Nunca pensei vir
que ele realizou para o ca- Rimbaud”. Foi publicado por Acredito que se pode a ser um Cartier-Bresson ou
nal Arte? ocasião do centenário do po- tornar os sons visíveis qualquer outro grande artista.
Vi só o livro. Admiro mui- eta, creio. É um livro espan- através de uma Tinha era que continuar em
to o que Godard faz, desde há toso, com muita informação frente. “To keep it going!” O
muito tempo. Em tudo o que sobre a extraordinária vida imagem. que eu sabia era que não que-
faz, o que quer que seja, há lá de Rimbaud. Incrivelmente ria ficar pela mentalidade da
sempre qualquer coisa mui- bem documentado. Foi esse classe média suíça, a desejar
to boa, muito interessante. cuidado editorial que mais Não estou em luta segurança e sucesso para o
Somos tão diferentes! Duvi- me impressionou. contra o fim dos meus dias. Tinha uma
do que ele esteja interessado Stig Dagerman, escritor esquecimento. Nunca outra vida a chegar e a partir.
em fazer qualquer coisa “a sueco, escreveu em 1955 E é aí que ainda hoje estou.
meias” comigo. Veremos. um livrinho com o seguinte acreditei, de resto, que Não quero ter, nem pensar em
Penso agora em Mabou, título — “A nossa necessi- o que quer que fiz ou ter, mais e mais. Quero apenas
na vossa casa com o ocea- dade de consolação é im- continuar.
no em frente. Acha que é possível de satisfazer”. Es- faça, tivesse ou tenha Se uma instituição portu-
possível captar, pela foto- tá de acordo? qualquer efeito no guesa o convidasse para se
grafia, a força do mar e do Necessidade de consola- mundo. Também não meter à estrada e fotogra-
vento? ção? Nunca pensei nisso. Há far o que quisesse, quem
Tentei. Deixei de o fazer. É alturas em que precisamos de é a mim que compete quisesse, com todas as con-
tão bom poder estar ali, es- ajuda. Ter alguém ao lado é mudar a direcção do dições de tempo e de orça-
tar simplesmente ali a olhar muito importante. Para mim, mento, para efeitos da edi-
durante muito tempo para por exemplo, seria terrivel- vento. ção de um livro intitulado
o mar, para a linha do hori- mente difícil viver sem a Ju- — “Os Portugueses”, acei-
zonte. Um grande pintor po- ne. Mas não se trata de con- Nunca pensei vir a ser tava?
de pintar o mar. Pode lá che- solação. Temos uma vida a Não, de modo algum. Está
gar. Não creio que a fotografia dois, vivemos a vida a dois. Às um Cartier-Bresson ou fora de questão voltar à ve-
o consiga. Só se pode tentar vezes boa, às vezes má. Temos qualquer outro grande lha estrada, mesmo sendo as
chegar lá de um modo mais que ser fortes e andar para a estradas portuguesas novas
conceptual. Pense só nas es- frente. É esse o meu lema. É artista. Tinha era que para mim. A única velha es-
pantosas gravuras do mar sempre melhor fazer alguma continuar em frente. trada que guardo para atra-
que os japoneses faziam. Es- coisa do que não fazer coisa “To keep it going!” O vessar é a que me faz entrar e
sas é que são “cool”. nenhuma. Consolação soa-me sair de casa.
Pode uma fotografia re- a religião. que eu sabia era que [June percebeu que a conver-
velar sons? [Perante o olhar enternecido não queria ficar pela sa ia acabar. Correu então a
Acho que sim, acho que as de Robert, June volta a inter- outro quarto e trouxe um rolo
fotografias podem conter si- vir, depois de eu ter explicado mentalidade da classe grosso. Abriu-o com grande
lêncio. Acredito que se pode melhor a ideia de Dagerman média suíça, a desejar cautela e começou a alinhar
tornar os sons visíveis atra- sobre a consolação: um leni- segurança e sucesso várias fotografias, por cima do
vés de uma imagem. Mas… tivo para o terrível sentimen- tapete. Foi-me assim revelada,
volto ao respeito que tenho to de perda que carregamos para o fim dos meus em cópia, a nova e espantosa
pela pintura, onde tudo isso dentro de nós, sem remissão. dias. Tinha uma outra peça, a tal que já está exposta
é mais possível, porque o la- Há quem consiga encontrar em Lisboa. Pensei reproduzir
do mecânico está afastado e formas de consolação para vida a chegar e a aqui as palavras que Robert
o que domina é o conceptual. aguentar melhor a dor que es- partir. E é aí que escreveu nela, como título-le-
Foi talvez por isso que passei sa perda representa, outros há ainda hoje estou. Não genda: atravessam os três pai-
a usar palavras para acom- que não, como ele próprio, que néis de baixo na horizontal,
panhar as minhas polaroids. lhe não soube resistir. Segun- quero ter, nem pensar em duas linhas e a toda a di-
Para compensar. do June, os artistas devem ter em ter, mais e mais. mensão. Mas acho melhor que
Quando passou a fazer um qualquer mecanismo au- vão ao CCB vê-la. Lê-la. En-
filmes e vídeos, como é que tomático de consolação. Por Quero apenas quanto a improvisada monta-
integrou a linguagem dos isso é que são artistas. Como- continuar. gem se desenrolava no chão,
sons, da música? vida com a pequena história Robert explicou-me algumas
Recusei sempre a incorpo- de Dagerman e sentindo-se nos coisas. Que a “mise-en-scène”,
ração da música nos meus fil- antípodas de um pensamento sobre a qual eu o questionara,
mes. A música é a última cria- e de uma vida tão depressi- estava na escolha das fotogra-
ção artística de que preciso vos, adiantou que também há fias. Que a seguir tinham che-
para eles. Era como acrescen- formas de aprendizagem da Polaroids de Albano da Silva gado as palavras que escreve-
tar açúcar num bolo. O que consolação, para quando o tal Pereira, tiradas durante a ra por baixo, de acordo com
interessa é a música que es- mecanismo automático não entrevista: na página ao lado, as ideias que o iam assaltan-
tá na minha cabeça, feita de funcionar. Deu um exemplo — Frank, June e Maria João do. Que não tinha querido fa-
ideias, do meu olhar intelec- antigamente, quando metia Seixas com Robert Frank zer uma espécie de filme so-
tual sobre aquelas imagens. uma peça no forno e a via de- bre aqueles dois personagens,
São elas que devem poder pois queimada ou partida, fi- aquele homem e aquela mu-
contar o que eu verdadeira- cava inconsolável. Agora, se lher que, a um dado momento,
mente sinto. isso lhe acontece, pensa que até entraram pela sua vida den-
Gosta de música? Ouve foi bom, porque ficou a saber tro. Disse ainda que as fotogra-
música regularmente? mais do que sabia, ficou a sa- fias não era a eles que se refe-
Gosto. Especialmente em ber o que não deve voltar a fa- riam, mas aos pensamentos
Mabou. Sento-me e ouço re- zer. E, como ouviu um inven- que ele próprio ia tendo sobre
petidamente as mesmas mú- tor dizer — “o insucesso não eles. E que ficou contente quan-
sicas. existe, o que existe é apenas um do pensou que era em Lisboa,
Tem alguns favoritos? adiamento do sucesso”] com o Albano, que a peça, tal-
Gosto de música contempo- Considera que o seu tra- vez a sua última, deveria ser
rânea: Van Morrison, Dylan. balho é, de algum modo, mostrada. Como trabalha com
Gosto das palavras. Fazem uma forma de luta contra grande lentidão, precisou de
sentido para mim. São par- o esquecimento? acelerar o ritmo para a trazer
te da cultura americana de Não. É um fenómeno natu- com ele. Robert, June e a peça
que eu gosto. Quando a June ral, é como ver a chuva a cair, chegaram a Lisboa na manhã
se põe a ouvir aquele cantor ou lavar a louça em que come- do dia 11 de Setembro.]
italiano cego, Bocelli, é ópti- mos. Não estou em luta contra Dê-me uma palavra de
mo sentar-me perto e ouvi-lo o esquecimento. Nunca acre- eleição.
também, através da porta do ditei, de resto, que o que quer Uma palavra? Não sei. Veio-
seu atelier. que fiz ou faça, tivesse ou te- me agora à ideia um verso de
[June, muito atenta à con- nha qualquer efeito no mun- uma das canções de Van Mor-
versa, salta para dentro dela do. Também não é a mim que rison — “Let the gold fish go”.
e explica que gosta de baru- compete mudar a direcção do É essa a eleição. 
E S PA Ç O P Ú B L I C O 23
PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001

DESCANSAR DO PESADELO Bartoon LUÍS AFONSO


COM PERGUNTAS
PARA O FUTURO
Quando, de um lado, está a cegueira
fundamentalista de quem não hesita em utilizar
meios civis para, sem aviso, chacinar inocentes,
levando o terror ao coração de uma cidade,
do outro lado só pode estar a Humanidade

A chegada do fim-de-semana terá sido saudada por


muitos com um suspiro de alívio. Depois dos dias
vividos sob o tom negro das nuvens que encobrem a
destruição das Twin Towers nova-iorquinas por um
brutal acto terrorista, sabe bem podermos entregar-
nos às nossas apaixonadas discussões sobre
deliciosas banalidades, como seja mais um encontro
entre o Benfica e o FC Porto. Tal como se preparavam
para fazer anteontem muitos nova-iorquinos,
acorrendo às bilheteiras dos cinemas e teatros,
chegou o momento de tentar dar, na expressão de um
deles, “umas férias à mente”.
Mas são momentos ilusórios e é bom que estejamos
todos bem conscientes disso. Se há coisa que o ataque
ao World Trade Center nos revela é que estamos
perante um conflito onde não há lugar para
imparcialidades. Quando, de um lado,
está a cegueira fundamentalista de
Editorial
quem não hesita em utilizar meios
civis para, sem aviso, chacinar
inocentes, levando o terror ao coração de uma cidade,
do outro lado só pode estar a Humanidade.
As questões levantadas pelo ataque terrorista a Nova
Iorque são matérias que a todos dizem respeito. E
não se trata somente de tentar, no imediato,
percepcionar qual será a medida certa da resposta a
dar a quem terá perpetrado este acto. Uma resposta
que todos consideram necessária, mas que muitos,
justamente, temem que seja ela mesmo uma nova
Cartas ao Director
fonte de horrores.
O atentado de 11 de Setembro abriu de maneira brutal As cartas destinadas a esta secção — incluindo humano que tanto é capaz das acções nharia, 50 metros acima existe um
as remetidas por e-mail — devem indicar o nome mais nobres, como das mais vis. Isto politécnico estatal que também fez um
as portas do século XXI, colocando-nos perante um e a morada do autor, bem como um número
mundo onde a globalização pode levar até à porta de telefónico de contacto. O PÚBLICO reserva-se o faz-nos pensar que não basta a con- largo investimento na mesma área,
cada um os conflitos que julgamos estarem arredados direito de seleccionar e eventualmente reduzir ceptualização dos valores (tolerân- oferecendo mais ou menos os mesmos
do nosso quotidiano só porque geograficamente nos
os textos recebidos. Não se devolvem os origi- cia, respeito, etc.); é necessário que cursos de Engenharia. Parece quase
nais dos textos não solicitados, nem se prestará as pessoas sejam educadas de modo óbvio que a colaboração entre insti-
achamos distantes. De que outra forma podemos nós informação postal ou telefónica sobre eles.
a interiorizarem esses valores como tuições impõe-se, diminuindo custos e
encarar fenómenos como o da imigração maciça
Endereço electrónico: princípios imanentes ao ser, criando prestando um excelente serviço. Por-
daqueles que fogem à pobreza dos seus países de cartasdirector@publico.pt predisposições de agir, de modo a não tugal é um país pequeno e ainda pobre
origem? Responder com o fechar de olhos — como serem esquecidos quando mudam as para se dar ao luxo de desperdiçar re-
George W. Bush fez durante meses com o conflito do circunstâncias. cursos escassos.
Médio Oriente — não é resposta nenhuma. Pedir perdão HÉLDER SANTOS Na prática, as coisas funcionariam
Aquilo que temos que questionar, nos dias que se Seixal como o acordo entre a Portugália e a
seguem, é a liderança política que nos deverá conduzir Citando Pathi Smith de ouvido (e em TAP relativamente a determinadas
através deste mundo novo. Que medidas está ela a português), diria que Jesus morreu rotas — os interessados marcam a via-
entabular para devolver a segurança ao nosso pelos pecados de alguém mas não pe- “Se não há dinheiro, gem pela Portugália ou TAP, mas de-
quotidiano, agora que que descobrimos que nem a los meus. Sendo uma frase teologica- pois a viagem é efectuada apenas num
cidade mais carismática do país mais rico do Mundo mente discutível, serve, no entanto, temos que pensar” avião, com uma tripulação e uma úni-
está imune ao perigo? Que respostas vai ela encontrar para ilustrar na perfeição aquilo que ca estrutura de apoio.
para a crise económica que muitos vaticinam? Que vejo nos recentes pedidos de perdão: Soam vozes por todo o lado clamando Depois, ao nível do corpo docente, a
respostas devem ser dadas para que o aos judeus, pelo Papa; aos africanos que o ensino superior estatal está sem colaboração poderia também ser mui-
fundamentalismo, seja ele qual for, não tenha terreno por um alemão qualquer (que deve ser dinheiro. E embora, no fim, o Gover- to útil. Naturalmente que o futuro im-
para medrar? O que está ela preparada para fazer de um tipo importante ); e, um dia destes, no apareça sempre a contemporizar plicará a extinção de carreira docente
forma a extinguir os focos de conflito que se ainda vou ver e ouvir o SuperMário e a arranjar algum dinheiro, é hoje pública e a introdução de contratos
multiplicam nos cinco continentes? Que respostas pedir perdão à Nintendo. evidente que o Estado não tem meios individuais de trabalho entre profes-
para as outras ameaças globais em áreas tão Não percebo como é que persona- reais para sustentar a capacidade ins- sores e instituições. Ora, será mais
gens de opereta mediática têm o des- talada de ensino superior estatal, que fácil duas instituições em conjunto
importantes como o ambiente ou a pobreza? Será que
plante de pedir perdão a outros po- os dinheiros aí aplicados não são ge- proporem melhores condições remu-
finalmente os nossos dirigentes começarão a pensar o
vos em nome da civilização ocidental. ridos eficientemente e, sobretudo, que neratórias que apenas uma.
mundo como um todo?  DAVID PONTES Quem é que é capaz de pedir perdão nos próximos anos a tendência será Há que perceber que o sector priva-
por algo como a escravatura? Serão sempre e forçosamente para existir do não é inimigo do Estado — é seu
descendentes, em linha directa, do cada vez menos dinheiro. Assim está parceiro e se, no seio do ensino supe-
contribuinte nº 502265094 inventor da coisa? Talvez o Papa. Se na altura de seguir a sugestão do emi- rior, o seu arranque foi complicado,
depósito legal nº 45458/91
registo ICS nº 114410
os chimpanzés falassem, elegiam um nente físico Lord Rutherford: se não hoje, com a crise da Universidade Mo-
deles para nos pedirem perdão pela há dinheiro, há que começar a pensar derna e as ilações ao nível da gestão
E-mail: publico@publico.pt LISBOA: Rua Viriato, 17 – 1069-315 Lisboa; Telef.: 210111000 (PPCA) Fax: evolução da espécie. Francamente! (“We haven’t got the money, so we’ve que daí se retiraram, e com os polí-
Dir. Empresa 210111005; Dir. Editorial 210111006; Agenda 210111007; Redacção 210111008;
Publicidade 210111013/210111014 • PORTO: Rua João de Barros, 265 – 4150-414; Telef: 226151000 O crime da escravatura só não pres- got to think”). ticas adoptadas no consulado do ex-
(PPCA) / 226103214; Fax: Redacção 226151099 / 226102213; Publicidade; Distribuição 226151011• creveu onde continua a ser praticado, Um primeiro pensamento óbvio é secretário de Estado José Reis, o sec-
BRAGA: Rua de S. Marcos, 126-1º Esq. Fr. – 4700 Braga Telef: 253619041; Fax: 253617983 • AVEIRO:
Rua Eng. Silvério Pereira da Silva, 16-A, 2º Tr. – 3800 Aveiro Telef/Fax: 234382507 • COIMBRA:
porque aqueles que têm a coragem de a criação de parcerias com o sector tor privado entrou numa profunda
Avenida Fernão de Magalhães, 153/157- 2º Dto, sala 6 – 3000 Coimbra Telef.: 239829554; Fax: 239829648 prescindir de um escravo estão ime- privado. reestruturação, surgindo claramente
• ALGARVE: Avenida da República Federal Alemã, bloco C 2 – 8000 Faro Telef.: 289806656; Fax: diatamente a contribuir para a absol- O ensino superior estatal tem que como um parceiro de qualidade e cre-
289806655 • VILA REAL: Rua 31 de Janeiro, 41 - 3º, sala 303, 5000 Vila Real Telef.: 259326262;
Fax.: 259326265 • MADEIRA: Rua dos Ferreiros, 55-2º Dtº – 9000 Funchal Telef.: 291231611 • vição de todos os que não foram capa- entrar em colaboração com o sector dível.
PROPRIETÁRIO: PÚBLICO Comunicação Social, SA Sede: Rua João de Barros, 265, 4150 Porto • zes de resistir à ancestral prática de privado e essa colaboração implicará Sem embargo de reafirmar que a
IMPRESSÃO: Unipress, Tv. Anselmo Braancamp, 220-Arcozelo/4405, Valadares; Telef.: 227537030;
Mirandela — Rua Rodrigues Faria, 103, 1300 Lisboa; Telef.: 213613400; Fax: 213613469 • DISTRIBUIÇÃO:
mandar trabalhar os mais fracos. (...) a privatização e profissionalização solução última é a da concessão de
Midesa Portugal - Distribuição de Publicações, S.A.; Lisboa: Rua da República da Coreia, 34, Ranholas, RUI SILVARES CARVALHO da gestão, a contratação comum de independência a todas as universida-
2710-460 Sintra; Telef.: 219267800, Fax: 219267850; Porto: Rua Engenheiro Ferreira Dias, 1173 a 1177, 4100 Cova da Piedade professores e a constituição de tur- des e a introdução do sistema cheque-
Porto; Telef.: 226191211; Fax: 226191210; Algarve: Estrada de Boliqueime - Fonte de Boliqueime, 8100-070
Boliqueime; Telef. e Fax: 289366361; Coimbra: Beco Olheiro, Armazém 2, Adénia, 3020-028 Coimbra; Telef.: mas únicas de alunos. Por exemplo ensino/“voucher”, aqui ficam umas
239430519; Fax: 239431592 • ASSINATURAS: 808200095 (um exemplo que conheço bem), na simples sugestões para a necessária
Não lances pedras zona oriental de Lisboa existe uma evolução do pensamento ao nível do
universidade privada que fez um largo ensino superior.
Tiragem média total do mês de Agosto Ao ler o artigo sobre a recente violên- investimento e tem uma boa oferta RUI VERDE
AS SO C I AÇÃO P O R T UGUE SA
D O C O N T R O LO DE T I R AG E M
72.388 exemplares cia na Irlanda do Norte, revejo esse ser de cursos de licenciatura em Enge- Lisboa
2 4 ES PAÇ O P Ú B L I C O
PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001

Diz-se
“Os atentados de Nova Iorque e
Resistir à tentação da vingança
Washington confirmaram que de Vincent Cannistraro e o apelo à Administração Não se pode esquecer que as sanções impostas
o perigo não está confinado às Bush para que “finalmente assuma um papel acti- ao Iraque, depois da guerra do Golfo, continuam
regiões e países em guerra ou vo e positivo antes que haja mais inocentes assas- a matar mais inocentes do que toda a história do
ao submundo das grandes me- sinados, em ambos os lados, e que o papel dos EUA terrorismo moderno. E servem, além disso, para
trópoles. O perigo chega até on- no mundo seja desacreditado”. manter Saddam, um tenebroso ditador, no poder.
de chegarem os braços da into- A conferência de Durban contra o racismo mos-
lerância e da raiva.” trou que existe um antiamericanismo directo e 3. Diz-se que os EUA têm desenvolvido, com os
JOÃO PAULO GUERRA indirecto bastante globalizado. A razão é simples: recursos da mais sofisticada tecnologia, infalíveis
“Diário Económico”, 15-9-01 FREI BENTO DOMINGUES, O.P. o poderio económico e militar, sem uma ética de e invencíveis meios de combate e trabalham nu-
solidariedade mundial — que exija para todos um ma imbatível cobertura de protecção antimíssil
“De uma certa forma, a déca- mínimo de respeito, de justiça e de oportunidades de todo o território norte-americano. Poderão
da de 90 acabou, de uma forma “Podemos estar a assistir a uma retoma- —, torna a política externa dos EUA, com ou sem atingir o mundo inteiro e não serão atingidos por
brutal, no dia 11 de Setembro
de 2001.”
ÁLVARO SANTOS PEREIRA
ibidem

“Os montruosos atentados ter-


1. da da actividade terrorista dirigida con-
tra os Estados Unidos por substitutos dos
patrocinadores oficiais do terrorismo
que acreditávamos termos banido do século XXI.”
Este pré-aviso foi dado a 30 de Agosto no “Wa-
razão, cada vez mais odiada.

2. Depois do choque apocalíptico de Nova Ior-


que e Washington, será possível uma reorienta-
ção dessa política?
ninguém. E assim como cansaram a União Sovié-
tica com a guerra das estrelas, projectam cansar
a China, o gigante asiático, com a nova corrida
aos armamentos.
Valerá a pena? Tanta tecnologia bélica precisa
shington Post” por Vicent Cannistraro, ex-chefe É cedo para responder. Para já, ainda se vai na de multiplicar os inimigos. Os inimigos ficam
roristas que atingiram os EUA,
de operações contraterroristas da CIA. A tese sub- diabolização do “inimigo”. Nas mensagens de muito caros. Com metade desse dinheiro, os EUA
além de terem espalhado a per-
jacente ao artigo é simples: a política dos Estados Bush, os Estados Unidos incarnam a luta univer- podiam ajudar a colocar os países mais pobres na
plexidade e a insegurança glo-
Unidos no Médio Oriente favorece e provoca o
balmente, através das terríveis
terrorismo antiamericano. E porquê?
imagens que chegavam, em di-
A argumentação parte de factos repetidos e SE AS RETALIAÇÕES CONTRA os responsáveis dos atentados não constituírem lições mundiais
recto, de Nova Iorque e Wa-
não se perde em subtilezas: o assassinato, como
shington, a todos os cantos de exigência ética e de salvaguarda dos inocentes, são elas que retomam o terrorismo, derrotam os
técnica antiterrorista, não é somente imoral.
do mundo, puseram também à valores que o Ocidente diz defender e agravam o ressentimento entre povos e civilizações
Não atinge o seu alvo declarado: a prevenção do
prova o estofo e a capacidade
terrorismo. É contraproducente. O Governo dos
de liderança dos dirigentes po-
EUA não devia continuar a dar a impressão de sal “do Bem contra o Mal”. Os islâmicos mais rota do desenvolvimento, a forma mais eficaz de
líticos de cada país. (...) Com es-
que oferece cobertura a métodos proibidos pela fanáticos tinham feito da América o “Grande Sa- luta contra o terrorismo e a melhor arte de fazer
ta geração de líderes políticos,
lei norte-americana. Os assassinatos seleccio- tã”. Este paralelismo é sinistro. amigos sinceros.
nacionais e mundiais, é difícil
nados e programados por Israel devem ser de- No momento em que escrevo está tudo centrado No convite para a Oração pela Paz, na Capela
dormir descansado.”
nunciados e condenados explicitamente. A Ad- na descoberta dos responsáveis pelos atentados do Rato, há um fragmento de um texto de David
JOSÉ ANTÓNIO LIMA
“Expresso”, 15-9-01 ministração Bush deve exigir que o armamento e dos países que os apoiaram. Só a partir daí será Robinson, da Pax Christi dos EUA, com uma lógi-
americano, fornecido para a legítima defesa de possível determinar a retaliação exemplar a exe- ca muito mais interessante:
“A NATO não é, nem deve vir Israel, não seja utilizado nesses programas imo- cutar com ou sem a NATO. “Como pessoas de fé e de paz devemos querer,
a ser, a polícia do mundo. O rais. O assassinato de Abu Ali Mustafa — líder Os militaristas portugueses, em frequentes in- mesmo neste momento da mais profunda escuri-
Ocidente não se deve deixar da Frente Popular para a Libertação da Palesti- tervenções na televisão, insistem em que os EUA dão, apelar aos nossos compatriotas americanos
transformar em bloco militar na — foi executado com helicópteros e mísseis estão em guerra e que em guerra estão todos os para que tenham a força de resistir ao impulso
agressivo contra outras civili- dos EUA. membros da NATO. Não sabem contra quem. da vingança, resistir à tendência para satanizar
zações.” Este alerta não foi o primeiro nem o último Se as retaliações contra os responsáveis dos e desumanizar o “inimigo” e tenham a coragem
DIOGO FREITAS DO AMARAL antes da tragédia. atentados não constituírem lições mundiais de de quebrar a espiral de violência que, receio, mui-
ibidem Osama Bin Laden também já havia prometido exigência ética e de salvaguarda dos inocentes, tos na nossa nação abraçarão rapidamente (...).
“ataques sem precedentes”. são elas que retomam o terrorismo, derrotam os Ser uma pessoa de paz, esta manhã, na América
“Guerra ao terrorismo reprime Mas não é esse aspecto que aqui me interessa. valores que o Ocidente diz defender e agravam o é talvez o nosso maior desafio” (12 de Setembro
a liberdade das pessoas.” Prefiro destacar a forte exigência ética do texto ressentimento entre povos e civilizações. de 2001). 
FUZETA DA PONTE,
“24horas”, 15-9-01

“O atentado contra o coração


do poder económico e militar
da América inaugurou uma
nova ordem comunicacional.
O Fim da História, disse?
Foi a primeira vez que o mun- ma. Também então a pista islâmica foi logo apontada
do assistiu em directo a aten- Ninguém esperará que não haja uma resposta americana — houve uma (para mais, havendo o precedente do primeiro atenta-
tados terroristas.” agressão. A solidariedade não se pode negar. Mas a constatável do ao World Trade Center, em 1993) e as comunidades
JUDITE DE SOUSA e indivíduos muçulmanos hostilizadas durante dias,
“Jornal de Notícias”, 15-9-01 falência de imaginários americanos, cinematográficos, vagamente
antes de os indícios se encaminharam para Timothy
literários e mesmo teóricos, define também a extensão da ferida McVeigh e a extrema-direira americana. A memória
“Deixando a SIC sem munições
simbólica e essa é também uma questão para as acções políticas. desses dias foi-me precaução suficiente para a vivên-
cia destes outros, agora. E mesmo que, como tudo vai
para vencer a guerra das audi- AUGUSTO M. SEABRA parecendo indicar, o fundamentalismo islâmico
ências, Rangel colocou a empre-
possa mesmo ter sido uma componente (mas resta
sa à beira do abismo, propondo-

A
notícia chegou em final de jornal televisi- a ser, cenário previlegiado das ficções apocalípticas saber se exclusiva) da acção de 11 de Setembro, não
se a tirar do abismo a RTP que
vo. Incrédulos, víamos a torre norte do ou de invasão de alienígenas, da pacotilha patrioteira será o cenário do choque das civilizações por demais
ele próprio ajudou a atirar para
World Trade Center a arder: como era de “O Dia da Independência” ao recente futurismo esquemático para compreender as sementes de um
lá.”
possível que um avião se tivesse despe- digital de “Final Fantasy”? Seria o ataque um “re- terror inominável?
JOSÉ FONSECA E COSTA
“Diário Economico”, 15-9-01 nhado aí? Estávamos a ver “em directo”, mas dir-se- make” de “Pearl Harbour”, o acontecimento históri- No meu pessoal imaginário, volto ainda a Nova
ia que também em “diferido”, apenas as consequên- co mas também o filme? Iorque, a mais fabulosa das cidades. A efervescência
“Uma ‘rangelização’ da RTP só cias e não o evento em si. Tudo mudou quando no Era fácil pensar que os eventos se sucediam “como que lhe é apanágio, não se fundamenta ela num
pode provocar uma fragiliza- ecrã vimos um segundo avião ir de encontro à torre que num filme”. Só que ineludivelmente a banalida- tecido multicultural, um mosaico de tantos povos,
ção do sector da televisão pri- sul. Era sem dúvida um atentado coordenado e não de do imaginário desses e de tantos outros filmes anglo-saxónicos ou judeus, chineses ou italianos,
vada.” um inimaginável acidente, implicando uma esfera ainda mais era posta em relevo pelo que víamos e com as suas especifidades e também religiões? Não
J.M.NOBRE-CORREIA política mas também um imaginário e um modo de também pelo que não víamos, sabendo ser propria- supõe isso uma ordem de valores?
“Expresso”, 15-9-01 recepção. mente inimaginável: a extensão da realidade supera- Ninguém esperará que não haja uma resposta
Quem perpetrou uma operação desta envergadura va qualquer ficção e, ao contrário dos filmes, estava americana — houve uma agressão. A solidariedade
“A RTP é um barco à deriva em deverá ter previsto também o “choque mediático” vedado às câmaras o acesso aos interiores, os das não se pode negar. Mas a constatável falência de
vias de soçobrar.” que iria suscitar. Horas mais tarde, quando também Twin Towers ou do Pentágono. imaginários americanos, cinematográficos, vaga-
id., ibid. em directo surgiram imagens de confrontos em Este desfasamento do imaginário implica outros mente literários e mesmo teóricos, define também
Cabul, para além das interrogações e perplexidades códigos de percepção, políticos e teóricos. “O Fim da a extensão da ferida simbólica e essa é também uma
“Os grandes erros do mundo (como, seria já uma resposta?), a visão era como que História”, a receita neo-hegeliana de Francis questão para as acções políticas.
da televisão, nos últimos anos, de uma ordem já “institucionalizada”, qual “re- Fukuyama, ou a prometida “nova ordem mundial” Pearl Harbour — II? A clássica lógica de guerra,
aconteceram quando cada um make” do Golfo, essa guerra que todos vimos e que de Bush pai finaram-se, perante a evidência de um de ataque e de resposta, os próprios conceitos de
dos canais se desorientou e per- afinal foi como poucas opaca. Foi uma visão que tipo novo de conflito, para mais de dimensão certa- segurança e defesa não são modelos a prosseguir
deu a noção do seu papel. As- ainda mais veio acentuar o absoluto ineditismo de mente global. “O Choque de Civilizações”, profetiza- perante a extensão do terror inimaginável. E muito
sim aconteceu com a RTP — tudo aquilo em que nas horas anteriores tínhamos do por Samuel Huttington, torna-se perspectiva menos os fundamentos da nossa cultura podem ser
quando começou a querer imi- comparticipado enquanto telespectadores. ainda mais inquietante: as pistas logo apontadas sacrificados numa lógica de retaliação cega e intole-
tar a SIC, no momento em que a Todos somos por certo suficientemente americani- evocam o cenário do confronto entre as civilizações rância.
SIC crescia. E aconteceu com a zados para que o inaudito espectáculo de 11 de Setem- ocidental-judaico-cristã e islâmica. Para mais, Nova Não basta olhar para a América, podemos come-
SIC — quando começou a que- bro não se tivesse confrontado com as memórias de Iorque, e até mais concretamente Manhattan, não é çar à nossa volta. Não há já quem à carteira das
rer imitar a TVI.” um imaginário americano sobretudo cinematográfi- o paradigma de um nosso modo de viver, urbano e habituais falsificações históricas tenho ido buscar
JOSÉ ANTÓNIO SARAIVA co. O paradigma dos filmes-catástrofe dos anos 70 não ocidental? a ladainha da corresponsabilidade nos actos de ter-
ibidem se chamava “A Torre do Inferno”? Nova Iorque, Em Abril de 1995, tinha chegado há poucas horas ror dos que são solidários com os palestinianos ou
Manhattan em particular, não foi, e tem continuado em Nova Iorque quando se deu o atentado de Oklaho- buscam alternativas à globalização vigente? 
ES PAÇ O P ÚB L I C O 25
PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001

A direita pede perdão e continua a explorar.


Retrato da Semana Pede perdão e vende armamentos. Pede per-
dão e corrompe os políticos. A esquerda faz
discriminação positiva e desculpa a violência

O perdão e a piedade
que tenha como alvo um rico, um europeu, um
americano ou um branco. Ou antes, a esquerda
moderada e europeia, incluindo os comunistas
revisitados, não desculpa o terrorismo, mas
tem uma irresistível tendência para o “com-
ciais”, estão a legitimar o terrorismo. Da pior preender” nas suas causas sociais. Já a esquer-
maneira. Não se trata dos excitados que, por da antiglobalização é mais descarada: ETA,
Das “causas profundas do terrorismo”, da pobreza demagogia, estão ao lado dos que se voltam IRA, FIS, Bin Ladden, Sendero Luminoso, Ta-
à filosofia, da religião ao racismo, da ambição contra os ocidentais e os americanos. Nem dos libans, Saddam Hussein, Hamas, Hezbollah,
imbecis que usufruem dos benefícios do cos- Khadafi e Khomeini fazem parte do quadro de
ao nacionalismo, do petróleo aos armamentos, mopolitismo, mas que sugerem que os povos honra dos desesperados da fome.
da inveja à exploração, deve tratar-se depois. Antes, menos desenvolvidos sejam “protegidos da glo-
tem de se tratar do terrorismo ele próprio. Quanto balização” e reduzidos a sociedades fechadas. NADA JUSTIFICA O TERROR. NEM A POLÍ-
Não. Trata-se de gente que dá uma legitimi- tica externa americana, nem os colonatos israe-
à cavalaria: que ela vá! Espero que seja certeira e radical. dade superior ao terrorismo. O que sugerem, litas, nem os bombardeamentos da Sérvia, nem
em poucas palavras, é que “enquanto houver os ataques ao Sudão. Nada. Nem sequer a fome
desigualdades sociais haverá terrorismo”. O e a exclusão. Muito menos a escravatura, o ca-
A NTÓNIO BARRETO
que o desculpa e incentiva. pitalismo ou o racismo. Por mais condenáveis
que estes factos sejam. Justificar o terrorismo
á se sabe. Os Estados Unidos vão re- cem”, “eles também bombardearam a Sérvia”, QUARTO, A CONDENAÇÃO DO GOLPE TER- e aceitá-lo como a consequência necessária da

J ver a sua política externa. Incluindo


a atitude perante Israel e a Palesti-
na. Mas também para com o Islão em
geral e os países árabes em particu-
lar. Ao contrário de tantos analistas que já são
“é para aprenderem a não oprimir os pretos”
e outras pérolas. Os autores de tão sofisticados
pensamentos são de todas as classes, ricos ou
pobres, universitários ou analfabetos.
rorista feita de tal modo que equivale a reve-
lar uma espécie de alegria contida. Ninguém
ou quase ninguém parece ter o desplante de
apoiar os terroristas. Mas há uma maneira de
criticar o gesto que lhe dá foros de inevitabili-
pobreza e do subdesenvolvimento é legitimá-lo.
Constitui esta atitude uma das piores perver-
sões do espírito, equivalente à condenação das
vítimas. Há quem considere que as mulheres,
“provocadoras”, “estavam mesmo a pedi-las”,
capazes de dizer exactamente em que sentido SEGUNDO, A IDEIA DE QUE O GESTO TEM dade compreensível. Condenam a violência, são as principais culpadas pelas violações de
essas mudanças se vão fazer, não faço ideia. como autores os pobres, os oprimidos e as mi- mas logo a seguir referem, a despropósito, a que são vítimas. Há quem considere que os ju-
Mais ou menos multilateralismo? Mais ou me- norias segregadas. Apesar das fortes suspeitas, arrogância dos americanos, a riqueza exces- deus, “sectários, cheios de dinheiro”, são os
nos isolacionismo? Mais ou menos agressivi- ainda não se sabe bem quem foi ou quem aju- siva do Ocidente, o racismo dos brancos, as culpados do Holocausto. Há quem considere os
dade? Mais ou menos apoio incondicional a dou. Mas, para os profetas, há já uma certeza: foi multinacionais e a ganância dos capitalistas. camponeses russos, “conservadores, individu-
Israel? Não sei. Há bons argumentos para sus- “a luta das classes a nível mundial”! A violência alistas”, culpados do massacre levado a cabo
tentar qualquer hipótese. Por enquanto, ape- e o terrorismo são o resultado da “globalização QUINTO, O CRESCENTE SENTIMENTO DE pelos comunistas soviéticos.
nas imagino que os americanos vão enviar a hegemónica”! Quem sabe se o acto não merece culpa de tantos ocidentais. Habituámo-nos a
cavalaria. Mas nem sequer sei onde. E não sei mesmo a designação de revolta da “globalização pedir perdão. Aos judeus, aos muçulmanos, aos DESTE EPISÓDIO, QUE ESTÁ LONGE DE
se eles sabem. alternativa”. O facto de o terrorismo ser prote- árabes, aos chineses, aos latino-americanos, ter acabado, haverá lições e conclusões impor-
gido por ditaduras, financiado por milionários aos índios e aos africanos... O mundo ocidental tantes. Que o tempo e a inteligência tornarão
HÁ UMA TAL UNANIMIDADE QUE QUAL- e acarinhado por Estados que vivem do petróleo está minado, tem, mais do que nenhuma outra conhecidas. Para já, retiro uma medida práti-
quer nova voz se limita a repetir o que todos dis- nada altera ao essencial daquilo de que estas cultura, um terrível sentimento de culpa. O ca: retenho os nomes dos que compreendem,
seram. E todos disseram tudo. Resta-me subs- cabeças são capazes: o terrorismo é o resultado passado daqueles povos, tão ou mais agressi- desculpam e legitimam o terrorismo.
crever as condenações. Sem reticências e sem da “justa ira” dos oprimidos, dos que lutam pela vo, despótico, racista ou intolerante quanto o
adjectivos. Mas não deixo de me surpreender paz e pelo desenvolvimento! dos europeus e americanos, é esquecido. Os DAS “CAUSAS PROFUNDAS DO TERRORIS-
com algumas reacções, respigadas aqui e ali. ocidentais têm todas as culpas acumuladas. mo”, da pobreza à filosofia, da religião ao ra-
Em primeiro lugar, os sentimentos antiameri- TERCEIRO, O CINISMO DOS BEM-INTENCIO- A ponto de serem, europeus e americanos, os cismo, da ambição ao nacionalismo, do petró-
canos que muitos portugueses partilham com nados. Para estes, “o importante é atacar as verdadeiros e últimos responsáveis pelo terro- leo aos armamentos, da inveja à exploração,
não poucos europeus. Não são novos, mas, neste causas sociais do terrorismo”. Isto é, as desi- rismo. deve tratar-se depois. Antes, tem de se tratar
caso, mostraram ser superiores aos efeitos do gualdades. Estas pessoas não ousam apoiar o do terrorismo ele próprio. Quanto à cavala-
terror. Não foram poucas as vezes que ouvi, nes- terror. Talvez até sejam capazes de o criticar. ESQUERDA E DIREITA CULTIVAM ESTES ria: que ela vá! Espero que seja certeira e ra-
tes quatro dias, frases típicas: “têm o que mere- Mas, ao invocar, como fazem, as “causas so- sentimentos de culpa. Cada uma no seu jeito. dical. I

Banca
de Jornais
O cuidadoso
planeamento
da nova guerra

“Os Estados Unidos devem proceder


com cuidadoso planeamento e a mais
vasta consulta entre os seus aliados an-
tes de qualquer compromisso militar. Se
sacarem do revólver e dispararem, co-
mo o fez a Administração Clinton, mata-
rão alguns terroristas e arriscam-se a
perder apoio até mesmo entre os alia-
dos. Para manter a legitimidade deste
novo tipo de guerra, Bush necessitará
de ser muito claro quanto aos seus ob-
jectivos pormenorizados e quanto à for-
ma como vão ser alcançados — por ac-
ção conjunta, sempre que possível. Nes-
ta luta os vasos de guerra e os mísseis
não serão suficientes. É preciso defen-
der também o terreno moral. E isso vai
requerer uma resposta cuidadosamente
focada em que a preocupação com as vi-
das civis esteja a par da busca de justi-
ça, no coração do objectivo norte-ameri-
cano“.
2 6 ES PAÇ O P Ú B L I C O
PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001

h t t p : / / w w w. m e n s a g e n s . p t Inquérito

Longe da retórica de guerra Quem acha


que foi
Tudo ficará pior no mundo depois do atentado do World Trade Center. As estratégias antiterroristas,
recentrando as questões de defesa, sobretudo, na segurança interna, tornam as nossas sociedades
responsável pelo
mais particularistas, racistas e policiescas. George Carey, arcebispo de Canterbury, lembrou,
na Catedral de S.Paulo, em Londres, que, apesar das perdas humanas e dos valores simbólicos atingidos,
ataque terrorista
houve um outro ícone da América que não foi atingido: “O Sol daquela manhã de Setembro
continuou a brilhar na estátua da Liberdade, como um farol, símbolo de tudo o que há de melhor
aos EUA?
na América.” Oxalá não tenha pregado em vão
Outro
MÁRIO MESQUITA (7%) 267

Osama
twin.towers@atentados.com o profissionalismo de uma estratégia minu- nho a sociedades mais vigiadas, espiadas, Extrema-direita
Bin Laden
americana
ão, meu caro, felizmente, es- ciosamente planificada, embora inexequível policiadas. Mal iriam os Estados Unidos

N
(20%) 720 (55%) 1938
tou dispensado de repetir as sem o fanatismo suicida dos autores. e os regimes democráticos se, como re-
frases clássicas de horror que Não é justo reduzir o sucedido ao sim- ceia Alexander Cockburn (“Los Angeles
correspondem a uma espécie bolismo do ataque aos sinais exteriores Times”, 13 do corrente), “a próxima baixa” Iraque
de necessidade ritual dos comentaristas da de poder norte-americano. Não estavam for, no plano interno, o “Bill of Rights” — (6%) 224
primeira hora. Na divisão de trabalho jor- apenas em causa símbolos, mas seres hu- ou seja, as liberdades públicas e os direitos Coreia
nalístico, o colunista a quem o calendário manos. É exemplar a afirmação do escritor dos cidadãos — enquanto se procuram, no Líbia do Norte
concede alguns dias de recuo pode dar-se norte-americano Jerome Charyn: “Já não Afeganistão ou no Iraque, “os suspeitos do Outro movimento (0%) 23
(1%) 38 islâmico extremista
ao luxo de ser menos solene, até porque es- se encara os homens como humanos mas costume”...
trategistas lusitanos, não só manifestaram, apenas como alvos políticos. Se alguém está Em qualquer caso, afigura-se provável (8%) 282
e nisso os acompanho, a sua solidariedade cheio de ódio até este ponto é porque já está que o evidente fracasso dos serviços de in-
Total de votantes: 3492
com as vítimas, os seus familiares e o povo morto. Tudo isto nos afasta do simbolismo, formação da CIA e do FBI, desencadeará,
americano, mas também já providencia- que seria demasiado fácil na ocorrência. nos Estados Unidos e em muitos dos seus
ram todos os conselhos necessários ao Pre- Tudo isto nos devolve à humanidade” (“Li- aliados europeus, o reforço de mecanismos
sidente dos Estados Unidos, ao Pentágono, bération”, 14 do corrente). de segurança interna e a compressão da Consulta realizada na página da Internet do
à CIA e ao FBI, tarefa em que o meu auxílio publico.pt. Cada leitor só pode votar uma vez. Ca-
seria de todo inútil. MICHAEL BOESL/EPA
so vote uma segunda vez, o segundo voto irá subs-
Podemos por isso conversar, nestas men- tituir o primeiro. Este inquérito não obedece aos
sagens, com a tranquilidade resultante critérios de validade científica das sondagens e
de duas evidências: primeiro, esta prosa não pretende representar com rigor as opções do
nenhuma influência terá nos destinos do público em geral nem as dos utilizadores da Inter-
mundo; segundo, os nossos compatriotas net. Ele tem um valor meramente indicativo das
entendidos na matéria já orientaram no preferências dos nossos leitores.
melhor sentido as grandes instâncias de
decisão norte-americanas, europeias e in-
ternacionais. Não iremos por isso adensar
a propaganda de guerra contra o inimigo
incerto, à semelhança dos jornais popula-
res de Nova Iorque e outros comentaristas
que, no dizer irónico do media crítico Ho-
Carta Aberta
ward Kurtz, transformaram “as suas penas
em espadas” (“The Washington Post”, 13
do corrente). A falsa questão
Como sabes a imprensa periódica nas-
ceu, no século XVII, muitas vezes associada
à guerra. Enquanto as tropas se preparam
de “Os Lusíadas”
para avançar para o campo de batalha, os
escribas cuidam da moral “na retaguarda”. Em artigo de 2 de Setembro, neste mesmo PÚ-
Neste caso dos atentados de Washington BLICO, Mário Mesquita lembra que já não
e Nova Iorque, muitos escribas norte-ame- é sem tempo que a efervescência em torno
ricanos, europeus e outros, já inscreveram da questão de Camões no ensino secundário
as suas palavras no domínio da retórica A maior parte dos cidadãos norte-ame- esfera de liberdades individuais. As demo- parece acalmar e que o nosso épico também
guerreira, mau grado a impossibilidade ricanos espera, naturalmente, a retaliação, cracias são regimes frágeis. Os ataques tem direito a férias. Tem razão, até porque
evidente de designar o alvo a atingir. a resposta, para não escrever cruamente a brutais às Twin Towers e ao Pentágono a questão de “Os Lusíadas” foi, desde o iní-
O problema reside apenas em saber locali- “vingança”, que reponha o orgulho ferido prenunciam tempos difíceis. cio, uma falsa questão, já suficientemente
zar ou escolher o “inimigo” e descobrir onde da “superpotência” subitamente atingida Ainda não é fácil determinar, em toda esclarecida. Mas o problema é outro e, para
fica o campo de batalha. Stendhal deixou- no mito da sua invulnerabilidade. Os seus a sua extensão, as repercussões históri- usar as palavras de Vítor Aguiar e Silva, no
nos, na Cartuxa de Parma, a cruel história — aliados europeus e não-europeus compre- cas dos atentados de Nova Iorque e de Wa- excelente artigo que MM cita, ele é bem mais
por vezes evocada a propósito da guerra do endem esta necessidade, simultaneamen- shington. As imagens de horror ficarão complexo e preocupante. Como tal, é bom
Golfo — de Fabrizio del Dongo, desejoso de te, estratégica e psicológica. Abundam as gravadas na nossa memória, mas ainda é que muitas das reais questões levantadas se
combater ao lado de Napoleão, que chegou fórmulas do tipo a III Guerra Mundial já cedo para determinar, de forma precisa, mantenham vivas e possam contribuir para
a estar no meio da batalha de Waterloo, sem começou, mesmo que não se saiba exacta- as consequências da nova fase histórica aqueles ajustes e equilíbrios a que se referia
disso se aperceber, se não nos dias seguintes mente contra quem. que, possivelmente, inauguram. Não pa- o senhor secretário de Estado, João Praia,
quando leu os jornais. Na presente situação, A invisibilidade do “inimigo” tenderá a rece realista esperar nada de bom deste quando assegurou que o Ministério da Edu-
o défice de conhecimentos do jovem Fabrizio fazê-lo encarnar nos estereótipos do “ára- acontecimento. Está feita a demonstração cação se encontrava receptivo a sugestões
alarga-se aos sofisticados quartéis-generais be” ou do “mundo islâmico”. “A necessi- da vulnerabilidade dos Estados Unidos, no que a tal conduzissem. Porque, de facto, só
norte-americanos, cujo símbolo máximo, o dade de encontrar o inimigo — escreveu seu próprio solo, mas não creio que daí com esta polémica se abriu um pouco de dis-
Pentágono, foi directamente atingido por um Felipe González — de dar um rosto ao mal, advenha qualquer resultado positivo. O cussão pública, se ouviram vozes diferen-
dos aviões pilotados pelos suicidas. Já não é pode levar-nos a criminalizar o outro, a mais provável é que todos os “falcões” e ciadas, e só agora se conheceram algumas
o candidato a guerreiro que não reconhece quem é diferente pelas crenças religiosas, todos os “extremismos” saiam reforçados (muito parcelares) respostas, inclusivamente
o campo de batalha. É o estado-maior que coordenadas culturais ou na cor da pele desta crise, dentro e fora dos Estados Uni- a de Maria da Conceição Coelho, coordenado-
não consegue localizá-lo. (...)” (“El País”, 15 do corrente). As estraté- dos, na Europa, na Ásia e, principalmente, ra dos programas de Língua Portuguesa e de
gias antiterroristas, recentrando as ques- no Médio Oriente, no “mundo ocidental” e Literatura Portuguesa, ainda que nem sem-
simbolismo@humanidade.af tões de defesa, sobretudo, na segurança no “mundo islâmico”. pre com a serenidade que o caso requeria. E,
ens razão. As imagens televisivas interna, podem conduzir a sociedades mais Afiguram-se, por isso, muito adequadas no entanto, há muito que se ouviam sérias

T transformam em espectáculo a
impotência da “superpotência
mundial”, num universo supos-
tamente unipolar, perante esta terrível as-
particularistas, racistas e policiescas.

inimigo@interno.us
ilhares de “pistas” — na sua
as palavras de George Carey, arcebispo de
Canterbury, ao lembrar, na Catedral de
S.Paulo, em Londres, que, apesar das per-
das humanas e dos valores simbólicos atin-
apreensões relativas à revisão curricular, no
que ao assunto diz respeito, particularmente
pela desvalorização dos estudos literários a
que agora se assistia. A título de exemplo,
sociação entre terrorismo e suicídio. Os
últimos meses familiarizaram-nos com aten-
tados “kamikazes” na Palestina, mas havia
qualquer coisa de artesanal nesses actos
terroristas da Intifada. Nos mega-atentados
M maior parte não fundamenta-
das — fornecidas por particu-
lares ao FBI para encontrar os
criminosos traduzem não só o legítimo de-
sejo de encontrar os culpados, mas a ten-
gidos, houve outro ícone da América que
não foi atingido: “O Sol daquela manhã de
Setembro continuou a brilhar na estátua da
Liberdade, como um farol, símbolo de tudo
o que há de melhor na América.” Oxalá não
lembro os testemunhos vários de que se fez
eco o “Jornal das Letras”, mas que, pelos
vistos, foram (essas e outras) vozes clamando
no deserto. (...)
MARIA LUÍSA URBANO
dos Estados Unidos, confrontámo-nos com dência para delação que pode abrir cami- tenha pregado em vão. I Coimbra
ES PAÇ O P Ú B L I C O 29
PÚBLICO•DOMINGO, 16 SET 2001

A Coluna do Provedor do Leitor Ficha Técnica


CONSELHO GERAL Presidente: Paulo Azevedo

Entre a televisão e o jornal


Vogais: José Casanova, Luís Filipe Reis, Nuno Azevedo, Pedro Caupers
DIRECÇÃO DA EMPRESA Presidente: José Manuel Marquitos
Vogais: Jaime Barreiros e José Manuel Fernandes
Secretária: Isabel Rhodes Sérgio
CONSELHO CONSULTIVO André Gonçalves Pereira, António Barreto, António
Lobo Xavier, Diogo Lucena, José Amaral, Rui Guimarães
PROVEDOR do LEITOR Joaquim Fidalgo

DIRECÇÃO EDITORIAL Director: José Manuel Fernandes; Director adjunto:


Nuno Pacheco; Subdirectores: António Granado, David Pontes, Luís Miguel Viana
e Manuel Carvalho; Adjuntos da Direcção: Fernando Cruz, Lucília Santos
A cobertura mediática dos trágicos acontecimentos nos EUA permitiu às televisões o (Lisboa) e Teresa Freitas (Porto); Secretárias: Madalena Rhodes Sérgio (Lisboa)

uso do “directo” em todas as suas potencialidades, com cuidados dignos de registo, mas e Olga Barreiros (Porto);
REDACÇÃO DE LISBOA Redactores principais: Adelino Gomes, Jorge Almeida
mostrou também como é insubstituível — se bem entendido e praticado — o papel Fernandes e Teresa de Sousa • Secretariado: Alexandra Galvão, Ana Lúcia
Zacarias, Francisca Sacadura, Isabel Anselmo, Paula Dias • Nacional: Eduardo
complementar da imprensa escrita no enquadramento aprofundado da informação. Dâmaso (editor, Ana Sá Lopes (grande repórter), Eunice Lourenço, Helena Pereira,
Isabel Braga (grande repórter), João Pedro Henriques, Luciano Alvarez, Nuno Sá
Lourenço, São José Almeida • Mundo: Margarida Santos Lopes (editora), Pedro
Ribeiro (subeditor), Jorge Heitor (grande repórter), Alexandra Prado Coelho, Bárbara
Reis, Fernando Sousa, Francisca Gorjão Henriques, Joana Amado, Pedro Caldeira
Rodrigues • Enviados permanentes: Ana Gomes Ferreira (Nova Iorque), Ana
Navarro Pedro (Paris), Isabel Arriaga e Cunha (Bruxelas), Nuno Ribeiro (Madrid) •
Economia: Carlos Rosado de Carvalho (editor), Paulo Madeira (subeditor), Anabela
Campos, Artur Neves, Clara Teixeira, Cristina Ferreira, Diana Ralha, Inês G. Sequeira,
João Ramos de Almeida, Lurdes Ferreira • Sociedade: Luís Francisco (editor),
António Marujo, Carlos Pessoa, Catarina Gomes, Joana Ferreira da Costa, José
Bento Amaro, Maria João Guimarães, Paula Torres de Carvalho, Ricardo Dias Felner
• Educação: Bárbara Simões (editora), Andreia Sanches, Bárbara Wong, Isabel
Leiria • Ciência & Ambiente: Ana Fernandes (editora), Ana Machado, Clara Barata,
Ricardo Garcia, Teresa Firmino • Cultura: Isabel Salema, Alexandra Lucas Coelho
JOAQUIM FIDALGO (editoras), Tiago Luz Pedro (subeditor), Rui Ferreira e Sousa (grande repórter), António
Curvelo, Carlos Câmara Leme, Fernando Magalhães, Joana Gorjão Henriques,
Kathleen Gomes, Lucinda Canelas, Vanessa Rato, Vasco Câmara • Desporto: Carlos
Filipe (editor), Cristina Oliveira (secretária), Ana Paula Gouveia, Filipe Escobar de
uma semana em que

N
Lima, Jorge Miguel Matias, José Mateus, Manuel Abreu, Marco Vaza, Paulo Curado
• Media: João Manuel Rocha (editor), Cristina Silva (secretária), Elisabete Vilar,
o trágico atingiu pro- Maria Lopes, Sofia Rodrigues • Local: Ana Henriques (editora), José António Cerejo
porções inimaginá- (grande repórter), Anabela Mendes, Clara Viana, Fernanda Ribeiro, Francisco Neves,
Luís Filipe Sebastião, Nuno Ferreira • Fotografia: Adriano Miranda (editor), Isabel
veis, mostrando como Amorim e Nuno Santos (arquivo), Carlos Lopes, Daniel Rocha, David Clifford, Dulce
a realidade pode ultrapassar a mais Fernandes, Luís Ramos, Miguel Madeira, Miguel Silva, Pedro Cunha, Rui Gaudêncio
fantasiosa das ficções, a abordagem • Agenda: António Navarro (coordenador), Carlos Mendes, Diego Santos, Helena
Melo, Maria José Pombo, Nuno Conceição • Roteiros: Mercês Magalhães • Centro
mediática dos atentados terroristas de Documentação: João Vasconcelos e Sá (editor), Anabela Anselmo, Ângela
nos EUA foi compreensivelmente Carrascalão, Leonor Sousa, Paula Paço, Susana Meireles • Copy-Desks: José
Imaginário (coordenador), André Lopes, Eurico Monchique, João Palma, Manuela
dominada pela televisão. Há situa- Barreto, Rita Pimenta • Paginação e grafismo: Miguel Dias (editor), Gil Lourenço
ções em que o “directo” — hoje tão (subeditor), Ana Carvalho, Alexandra Sousa, Helena Cabral, Hugo Pinto, Ivone Ralha,
Joana Lima, Jorge Guimarães, Luís Ramalho, Pedro Costa, Sandra Silva • Infografia:
facilitado por tecnologias que per- João Lázaro (editor), Célia Rodrigues, Joaquim Guerreiro • Produção: Delfim
mitem acesso imediato aos locais Machado (coordenador), Carmo Correia (secretária), Anabela Duarte, Cláudia Sofia,
dos eventos — se justifica de todo Fátima Farinha, Fátima Rita, Gonçalo Jara, José António Fernandes, José Miguel
Amorim, Manuel Coelho, Paula Martins, Paula Salvador, Paulo Lopes, Ruben Guiomar,
e ocupa um insubstituível lugar. Rui Cruz, Rui Hilário, Rui Teixeira, Valter Vicente, Vítor Gaspar • Controlo de
Assim, com os acontecimentos a Qualidade: Maria do Céu; Serviços Gerais: Manuel Duarte • SUPLEMENTOS
Computadores: Rui Jorge Cruz (editor), Isabel Gorjão Santos; Economia: Paulo
desenrolarem-se minuto a minuto Madeira (subeditor); Fugas: Jorge Marmelo (editor-adjunto), David Lopes Ramos
frente aos nossos olhos, o trabalho (editor Prazeres) e Aníbal Rodrigues (editor Motores), Lucinda Vasconcelos (secretária),
Luís Maio; Mil Folhas: Filipa Melo (editora); Pública: João Carlos Silva (editor),
jornalístico de mediação com os mas que, como disse, muitas publi- em diversas zonas dos EUA), con- opinião, ler o mundo. Maria Antónia Ascensão (secretária), Dulce Furtado, Dulce Neto, Isabel Coutinho,
espectadores torna-se menos visí- cações decidiram não usar. Nem firma-o o aumento de tiragens. Esta é uma nobre e decisiva vo- Paulo Moura; Y: Vasco Câmara (editor), Vitor Belanciano • DEPARTAMENTO
vel, por vezes até totalmente silen- era necessário, tão abundante e ex- Isto parece sugerir, mais uma cação da imprensa escrita, e não PROJECTOS ESPECIAIS Fernando Correia de Oliveira (editor), António Melo,
Manuela Gomes • PÚBLICO na ESCOLA Luís Costa (director), Eduardo Jorge
cioso, embora decisivo na escolha pressivo da dimensão do horror era vez, que os diferentes suportes por apenas da semanária — que abor- Madureira (director pedagógico), António Santos e Manuel Pinto (colaboradores),
do que se mostra: a preocupação é o material divulgado pelas agências que é veiculada a informação (e no- da os assuntos com vários dias de Olga Barreiros (produtora).
REDACÇÃO DO PORTO Redactores principais: José Alberto Lemos, José
captar a maior quantidade possível fotográficas. Talvez a própria con- te-se, além da TV, a utilização inten- recuo e pode ir mais longe neste Queirós, Luís Costa Secretárias de Redacção: Paula Fidalgo, Paula Leite,
de ângulos e pontos de vista, mas tenção das televisões tenha favore- síssima da Internet para actualizar esforço de interpretação e ponde- Sónia Gouveia • Nacional: Raposo Antunes (editor-adjunto), Filomena Fontes •
Sociedade: Amílcar Correia (editor), Alexandra Campos, António Arnaldo Mesquita
não esquecendo nunca que o propó- cido, aqui, alguma prudência. dados ao minuto...), ao contrário ração dos acontecimentos. Não. (grande repórter), Cesaltina Pinto, Leonete Botelho • Educação: Sandra Costa
sito é informativo, com as inerentes Mesmo no caso da imprensa por- de se anularem, se complementam. Nos tempos de hoje, com a omni- • Ciência & Ambiente: Pedro Garcias • Economia: Carlos Romero (editor),
exigências profissionais e éticas. tuguesa, praticamente todos os jor- Ou seja, têm vocações diversas e presença de rádio, televisão e “net” Joana Amorim, Rita Siza, Rosa Soares • Desporto: Bruno Prata (editor), Fernando
Marques (grande repórter), José Augusto Moreira, Luís Octávio Costa, Manuel
Ancorados nas grandes cadeias nais escolheram outras imagens tanto melhor (sobre)viverão quan- — cujas vocações primeiras, nestas Assunção, Manuel Mendes • Cultura: Sérgio Andrade (editor-adjunto), Inês Nadais,
televisivas americanas que esta- — fortíssimas, terríveis, mas por to melhor souberem aprofundar situações específicas, são “dar” o Luís Miguel Queirós, Maria José Oliveira, Óscar Faria • Local: José Manuel Rocha
(editor), António Moura, Ana Cristina Pereira, Andrea Cunha Freitas, Luísa Pinto,
vam no local, os canais portugueses assim dizer menos “individualiza- o seu papel específico, em vez de que se está a passar, temperando-o Margarida Gomes, Mário Barros, Nuno Corvacho • Fotografia: Paulo Ricca (editor),
fizeram globalmente um trabalho das” no retrato da tragédia —, dan- tentarem batalhar todos no mesmo com um ou outro comentário ne- Alexandra Domingos (digitalização), Fernando Veludo, Manuel Roberto, Mário
Marques, Nélson Garrido, Paulo Pimenta • Agenda: Irene Leite, Luísa Moreira,
atento, proporcionado e correcto. A do exemplos de um respeito pela terreno. Aos anos que se prediz que cessariamente rápido, “a quente” e Paula Moreira • Roteiros: Ana Mendes • Centro de Documentação: Laura
isso ajudou certamente o material dignidade de pessoas concretas que os jornais vão acabar, e eles, apa- tantas vezes interrompido por no- Santos • Copy-Desks: Aurélio Moreira, José Luís Baptista, Ricardo Neves •
de base que recebiam de estações se assinala. Até porque não têm rentemente, não acabam. Vão-se vos dados daqui e dali —, a distân- Paginação e grafismo: Pedro Almeida (subeditor), João Almeida, José Maia, José
Soares, Maria Branco • Produção: Artur Cunha (coordenador), Jorge Moreira,
como a CNN, a CBS ou o Sky News, faltado exemplos de sinal contrário modificando, não são insensíveis cia face aos eventos já não se mede Carlos Calçada, Eduardo Lucas, Emanuel Pinho, Filipe Mota, Lúcia Santos,
e que, como nas páginas do PÚBLI- na cobertura de acontecimentos aos desenvolvimentos tecnológi- em dias, mas em horas. Assim, os Pedro Ribeiro, Vanessa Praça • Controlo de Qualidade: Jorge Silva
DELEGAÇÕES Aveiro: Patrícia Coelho Moreira, Rui Baptista; Braga: Alexandre
CO já sublinhou Eduardo Cintra trágicos mais próximos da nossa cos que atravessam todo o panora- próprios jornais diários, sob pena Praça, Teresa Lima; Coimbra: Álvaro Vieira, Graça Barbosa Ribeiro, Nélson Morais;
Torres, foram muito cuidadosas casa. ma mediático, confrontam-se com de deixarem o seu trabalho apenas Faro: Idálio Revez; Funchal: Tolentino de Nóbrega; Vila Real: Celeste Pereira;
CORRESPONDENTES NACIONAIS Alexandra Barata, Ana Fragoso, Ana
e contidas, procurando mostrar e O trabalho da imprensa escrita novos desafios, podem vir a tomar meio feito, e ultrapassado, não po- Peixoto Fernandes, Ângelo Teixeira Marques, António Gonçalves, Carlos
informar sem ceder a sensaciona- no acompanhamento noticioso des- formas diversas das de hoje no dem bastar-se com a repetição do Cipriano, Carlos Dias, Emília Monteiro, Florindo Cardoso, Francisco Fonseca,
lismos ou à crua exploração emo- te invulgar atentado permite, en- correr do tempo, mas preenchem que já se viu e ouviu; precisam de Gustavo Brás, Jorge Humberto, Jorge Talixa, José Guilherme Lorena, José
Parreira, José Pinto de Sá, Luís Bonixe, Manuel Fernandes Vicente, Miguel
cional de sentimentos — o que nem tretanto, atentar num ponto inte- uma função particular que, se bem dar mais resposta, mais desenvol- Moiteiro Marques, Nélson Mingacho, Nuno Mendes, Sara Dias Oliveira
seria difícil na situação, tantas as ressante: a televisão, ainda que entendida e cultivada, os torna vida, mais enquadrada, à necessi- CORRESPONDENTES INTERNACIONAIS Ancara: Dogan Tiliç; Atenas:
Slobodan Markovic; Beirute: Jim Quilty; Belgrado: Stevan Niksic; Bissau:
tragédias pessoais que, imagina- omnipresente e em directo, nem insubstituíveis. dade das pessoas de saberem me- António Soares Lopes; Bona: Helena Ferro de Gouveia; Cairo: Karim El-
mos, se sucederam naqueles dias de longe esgota a sede de informa- lhor o que se passou, mas também Gawhari; Cidade da Praia: José Vicente Lopes; Jacarta: John Aglionby;
Jerusalém Ocidental: David Landau; Jerusalém Oriental: Graham Usher;
terríveis. ção das pessoas, sobretudo nos mo- QUE PROCURA UM LEITOR quan- como, porquê, em que contextos, Joanesburgo: Adrian Hadland; Luanda: Reginaldo Silva; Maputo: Arnaldo
As imagens mais chocantes que mentos que se seguem ao impacto do, horas depois de uma tragédia com que bases e efeitos. De outro Abílio; Moscovo: José Milhazes; Rio de Janeiro: Mário Negreiros; Roma:
vimos terão sido as de uma ou ou- inicial que nos deixa, boquiabertos, que acompanhou em directo pela modo, arriscam-se a ser dispensá- Carlos Picassinos; São Tomé: Manuel Barros; Sarajevo: Zoran Pirolic; Tirana:
Lulzim Çota; Varsóvia: Gemma Aizpitarte; Zagreb: Zarko Puhovski
tra pessoa saltando para o vazio (e colados ao ecrã. Confirma-o a enor- televisão ou pela rádio, se apressa a veis — e, nesse cenário, não seriam COLUNISTAS e CARTOONISTAS Álvaro Domingues, Ana Paula Tavares, António
para uma morte certa) das janelas me procura de jornais no próprio comprar o seu jornal, ou até diver- as televisões (então pelo que vamos Barreto, Augusto M. Seabra, Carlos Lopes, Eduardo Cintra Torres, Eduardo Prado
Coelho, Fernando Rosas, Francisco Sarsfield Cabral, Francisco Teixeira da Mota, Frei
do World Trade Center. Mesmo dia e nos imediatos, confirma-o a sos jornais? Em parte, quer rever o vendo entre nós...) a colmatar essa Bento Domingues, Gaspar Martins Pereira, Germano Almeida, Graça Franco, Helena
essas, quase não as vimos, pois profusão de edições especiais com que de algum modo já sabia, agora importante lacuna de uma infor- Matos, José Eduardo Agualusa, José Manuel Moreira, José Pacheco Pereira, Luís
Afonso, Luís Fernando Veríssimo, Luís Pessoa, Luís Salgado Matos, Maria Filomena
diversas cadeias parecem ter opta- que tantos títulos avançaram (algu- mais devagar, com mais atenção, re- mação mais serena, mais funda, Mónica, Mário Mesquita, Mário Pinto, Mia Couto, Miguel Sousa Tavares, Miguel
do por não as mostrar — ou, mos- mas até com distribuição gratuita, lendo isto e aquilo, voltando atrás, mais larga, mais reflexiva. Veloso, Rui Cardoso Martins, Rui Macedo, Vasco, Vital Moreira
trando-as em curto “flash”, não as detendo-se em aspectos que a TV dá Eis um desafio grande para os COLABORADORES Alexandre Delgado, Ana Vaz Milheiro, André Barata, André
Carrilho, André Ruivo, António Pinto, António Tomás, Conceição Celeiro, Cristina
repetir morbidamente vezes sem EM SÍNTESE de raspão e em imagens que nunca jornais diários — a que eles, mesmo Fernandes, Cristina Sampaio, Epifânio da Franca, Estevão de Moura, Fernando
conta, como noutras situações te- páram. Mas isso é só uma parte. de forma desigual, vêm tentando Ilharco, Fernando Lapa, Fernando Pinto Amaral, Francisco Melro, Gonçalo Morna,
Gonçalo Ruivo, Helena Amaral, Helena Vasconcelos, Henrique Saias, Isabel Salavisa,
mos visto. Há outra, mais relevante do que a dar resposta — e uma exigência
Televisão No “directo, “repetição do mesmo por outros suplementar para os jornalistas. É
Isabel Vila Nova, João Barreiros, João Barrento, João Fragoso Mendes, João Paulo
Cotrim, João Pinharanda, Joaquim Caetano, Jorge Anjinho, Jorge Gomes Miranda,
ESTA IMAGEM, DE RESTO, GE- o jornalista está menos meios”: há o ir mais longe e mais mais, muito mais, do que simples- Jorge Guimarães, Jorge Humberto, José Carlos Alvarez, José Luís Leitão, José
Manuel Cordeiro, José Manuel Cortês, José Maria Castro Caldas, José Paulo Viana,
rou polémica no terreno da impren- visível, mas nem por fundo na compreensão do que acon- mente “levar a mensagem” daqui Linda Santos Costa, Luís Félix, Luís Lopes, Luís Miguel Duarte, Luís Miguel Oliveira,
sa escrita americana, pois (como teceu, o tentar perceber as causas e para ali. I Luísa Soares de Oliveira, Mafalda Ivo Cruz, Marcelino Nunes, Margarida Medeiros,
isso ausente das opções Margarida Santos, Maria Antónia Lima, Maria Antónia Oliveira, Maria Cardeira da
se soube nos dias seguintes, pela prever as consequências, o analisar Silva, Maria José Fazenda, Mário Jorge Torres, Mário Santos, Máximo Ferreira,
troca de perguntas e respostas en- com a ajuda das opiniões já mais “a Maya, Miguel Crespo, Nelson Saúte, Nogueira Gil, Nuno Bernardo, Nuno Franco,

tre provedores do leitor de todo o Jornal A vocação da frio” de terceiros, o descobrir rela- CONTACTOS DO PROVEDOR Nuno Pombo Costa, Nysse Arruda, Octávio Gameiro, Pedro Barreto, Pedro Barros,
Pedro Burgos, Pedro Galvão, Pedro Keul, Pedro Rosa Mendes, Regina Louro, Ricardo
mundo) diversos jornais optaram imprensa é, cada vez ções próximas ou longínquas entre Cartas: Rua de João de Barros, Jorge Costa, Rita Taborda Duarte, Rodrigo Cordoeiro, Rui Santos, Silvina Rodrigues
Lopes, Simões Monteiro, Teresa Cascudo, Virgílio Melo, Virgílio Vargas
por a publicar, com mais ou menos estes e aqueles factos, enfim, o en- 265 — 4150-414 PORTO
destaque. Foi o tema da chamada
mais, contextualizar quadrar a “notícia” num contexto Telefones: 226151000; 210111000
DIRECÇÃO ADMINISTRATIVO-FINANCEIRA Directora: Ana Cristina Soares •
DIRECÇÃO COMERCIAL Director: André Ornelas • DIRECÇÃO de MARKE-
“suicide photo”, que suscitou pro- e aprofundar a muito mais vasto que nos permite Fax: 226151099; 210111008 TING Director: Nuno Franco • DIRECÇÃO DE PRODUÇÃO Directora: Manuela
Vilarinho • DIRECÇÃO de CIRCULAÇÃO Director: Luís Ferreira • DIRECÇÃO
testos de leitores em diversos locais informação reflectir, aprender, criticar, formar E-mail: provedor@publico.pt de SISTEMAS de INFORMAÇÃO Director: Luís Paulino dos Santos
2001
17 Setembro
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SEG17SET
EDIÇÃO LISBOA
17 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4200
140$00 • €0,70 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico.pt www.publico.pt

ECONOMIA

GOVERNO EUA dão três dias aos taliban


ASSUME
DERRAPAGENS para entregar Bin Laden
ORÇAMENTAIS SECRETÁRIO DA DEFESA DIZ QUE REDE TERRORISTA ESTÁ EM CERCA DE 60 PAÍSES
S O C I E DA D E Comandos americanos já estarão na fronteira entre o Paquistão
Governo quer mulheres e o Afeganistão| O PÚBLICO na “Zona Zero” de Nova Iorque | Encontrado
dos bares de alterne com primeiro corpo de um português nos escombros | FBI prende três suspeitos P2 A 17 E 48

contrato de trabalho KEVIN COOMBS/REUTERS

Os donos dos bares de alterne vão ter de


formalizar contratos de trabalho com as
mulheres que todas as noites animam
o espaço e induzem os clientes ao con-
sumo. P29

SRI LANKA

Ataque suicida
da guerrilha
Os poderosos Tigres de Libertação do
Eelam Tamil (LTTE), que lutam por
um Estado no Norte e no Leste do Sri
Lanka, lançaram uma acção suicida
em pleno mar, enviando mais de 20
embarcações contra o navio de guerra
“The Pride of the South“, que trans-
portava cerca de 1200 soldados. P24

CENTENÁRIO

Fernando Pinto
do Amaral escreve
sobre José Régio
P38/39

INCÊNDIOS

Suspeita de fogo posto


em Coimbra
LOCAL

C O M P U TA D O R E S Bolsa de Wall Street Durante todo o dia de ontem, envolvidos por uma
apertada vigilância policial, milhares de trabalha-
Iorque possa abrir hoje às 9h30 em ponto (14h30 em
Lisboa). A interrupção da maior praça financeira
dores limparam as ruas e as fachadas da zona de do mundo foi a mais longa desde a I Guerra Mun-
Recuperar dados depois abre hoje Wall Street, a apenas três quarteirões das torres
do World Trade Center, para que a Bolsa de Nova
dial e, segundo os analistas, poderá haver uma
queda nas cotações durante o dia de hoje.
do ataque ao WTC
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ÍNDICE

BARTOON E OPINIÃO 18 A 20
TELEVISÃO 46/47
CLASSIFICADOS 54/61
CINEMAS 62/63
TEMPO E FARMÁCIAS 64
2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 17 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
ALEXANDER NEMENOV/REUTERS

O funeral do general Ahmad Shah Massoud, líder da resistência contra os taliban, juntou ontem milhares de pessoas em Saricha, no vale do Panchir

ULTIMATO DO PAQUISTÃO AOS TALIBAN


Islamabad inicia hoje contactos com o regime afegão para que entreguem
Osama bin Laden, o “inimigo número um” dos EUA. Se dentro de três dias OS ALVOS ESTÃO EM 60 PAÍSES
os taliban não entregarem Bin Laden, o território será alvo da retaliação A rede que está por detrás dos ataques ao World Trade Cen-
ter (WTC), em Nova Iorque, e ao Pentágono, em Washington,
de Washington. Na fronteira entre os dois países já haverá um comando estende-se a cerca de 60 países, disse ontem, na televisão
americana, o secretário da Defesa, Donald Rumsfeld. “É
americano. Por Francisca Gorjão Henriques muito mais do que uma pessoa; o problema é muito mais
amplo”, e os EUA “não têm alternativa” a não ser dar caça
aos terroristas e aos que lhes oferecem refúgio.
O vice-presidente, Dick Cheney, disse, por seu turno, que
a estratégia do Governo vai ser a de “perseguir agressiva-
O Paquistão fez ontem um contra o terrorismo. A po- quistanês é valioso para as dias”. A delegação servirá mente” Osama bin Laden, o milionário de origem saudita
ultimato aos taliban: o Afe- sição que o Paquistão deci- forças americanas. Segundo para “dar uma ideia mais identificado como cérebro dos atentados suicidas da passada
ganistão tem três dias para diu tomar, depois de vários o jornal “Frontier Post”, de precisa do que precisamos terça-feira. Cheney mencionou especificamente o grupo
entregar o milionário de ori- dias de hesitação, é particu- Peshawar, 50 soldados de um e do apoio que poderemos egípcio Jihad Islâmica (responsável pelo assassínio do
gem saudita Osama bin La- larmente significativa, uma comando americano chega- receber dos nossos amigos Presidente Anwar Sadat em 1981) e o regime afegão. “Eles
den. Caso contrário, irá so- vez que este é um dos três ram durante a madrugada paquistaneses”. [taliban] têm de compreender, e outros como eles no resto
frer represálias militares dos Estados que reconhecem o de ontem ao aeroporto da re- Os grupos políticos do do mundo, que quem fornece santuário a terroristas vai ter
Estados Unidos: 50 elemen- regime fundamentalista de gião, para depois se dirigi- país é que não vêem este de enfrentar a ira dos Estados Unidos da América”.
tos de um comando das for- Cabul. rem ao quartel do Serviço apoio com bons olhos. On- Estas declarações surgiram no dia em que George W.
ças americanas já chegaram Washignton classificou o Especial do Exército do Pa- tem, 42 partidos reuniram- Bush e os responsáveis pela segurança nacional, reunidos
a Peshawar, perto da frontei- ultimato como um gesto quistão — a base mais próxi- se em Lahore para discutir pelo segundo dia consecutivo na estância presidencial
ra afegã. “muito corajoso”. “Não esta- ma da fronteira com o Afega- a extensão da cooperação do de Camp David, continuavam a planear a resposta aos
Ainda hoje, o líder su- mos à espera que a resposta nistão, a poucos quilómetros Paquistão num possível (e ataques que causaram pelo menos 5000 mortos. Destas
premo taliban, “Mullah” taliban seja positiva”, disse à da cidade de Jalalabad, onde cada vez mais provável) ata- conversçaões saiu já a indicação de que além de ataques
Mohammed Omar, deverá CNN um responsável da Ca- se suspeita que Bin Laden que americano ao Afeganis- aéreos e com mísseis, está a ser ponderado o uso de tropas
receber uma delegação pa- sa Branca. “Mas mostra até esteja escondido. tão. Ainda segundo a televi- terrestres.
quistanesa, encarregue de que ponto o Paquistão está são americana, da reunião Simultaneamente, os conselheiros militares de Bush
entregar a mensagem das disposto a avançar para nos Visita de delegação saiu um documento, dirigi- estão inquietos com a ameaça imediata de atentados con-
autoridades de Islamabad. A ajudar.” americana do a Musharraf, no qual ma- tra alvos civis e lançaram a operação “Noble Eagle” para
decisão do autoproclamado Sendo vizinho do Afega- O secretário de Estado nor- nifestam a sua oposição à reforçar as defesas do país. Aviões de combate patrulham
Presidente Pervez Mushar- nistão, o país que hospeda o te-americano, Colin Poewll, utilização do território, bem os céus das grandes cidades americanas e instalações
raf surge na sequência de homem que os EUA acredi- disse ontem à CNN que os como do espaço marítimo e militares. Navios de guerra estão em alerta nas costas
um anúncio, feito no fim- tam estar por detrás do aten- EUA se preparam também aéreo, pelas forças estran- oriental e ocidental. Dezenas de milhares de reservistas
de-semana, no qual manifes- tado ao World Trade Center para enviar uma equipa ao geiras. foram mobilizados para proteger a pátria. I
tou o seu “apoio total” à luta e ao Pentágono, o auxílio pa- Paquistão “nos próximos Mas parece ser exactamen-
D E S TA Q U E 3
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 17 SET 2001

BEHROUZ MEHR/EPA

te isso que vai acontecer, ape- Adeus


sar de as autoridades não te-
rem ainda fornecido detalhes a Massoud,
sobre a sua colaboração. Al-
tos responsáveis paquistane-
o “Leão
ses acreditam que o país será de Panchir”
um ponto de passagem para
os ataques com mísseis. Isto,
para além de fornecer infor- Ahmed Shah Massoud, o
mação secreta sobre Bin La- homem que liderou a lu-
den e os taliban e acabar com ta contra os taliban, foi
o abastecimento de energia ontem enterrado no
ao regime de Cabul. Os EUA mesmo local onde resis-
ainda não pediram para colo- tiu às tropas soviéticas:
car forças de combate no solo em Saricha, no vale do
paquistanês, mas é possível Panchir. Foi daqui que
que Islamabad o autorize, ele chefiou a guerra con-
desde que os contingentes in- tra os integristas islâmi-
cluam membros de países cos no poder em Cabul e
muçulmanos. por isso lhe chamavam o
Ontem, as forças paquista- “Leão do Panchir”.
nesas começaram a retomar Massoud foi vítima de
posições. Fontes militares um atentado dois dias
afirmaram ao “Washington antes do ataque terroris-
Post” que os contingentes ta a Nova Iorque e Wa-
apontados para a Índia (o vi- shington. Dois árabes,
zinho inimigo do Paquistão) presumivelmente liga-
vão agora deslocar-se para dos aos taliban, disfarça- A guerra civil levou 1,4 milhões de afegãos a procurar refúgio no vizinho Irão
o Afeganistão. Os militares ram-se de jornalistas e
preparam-se também para fizeram explodir uma

O Irão será aliado dos EUA?


proteger o seu arsenal nucle- bomba na câmara de fil-
ar de qualquer acidente ou mar que transportavam
ataque. Mas o Paquistão — consigo. No sábado foi
que tradicionalmente cola- anunciado que o general
bora nas operações milita- não resistiu aos ferimen-
res dos taliban — não deve- tos. Ontem, dezenas de O país que partilha uma Nordeste do Irão fronteiriça Nas actuais circunstâncias, o que explica a relutância de
rá participar directamente milhares de pessoas jun- fronteira com o com o Afeganistão. porém, há quem defenda que Teerão em dar assistência a
num ataque contra o alvo de taram-se para dizer Segundo o correspondente Washington deveria reatar os Saddam na segunda Guerra
Washignton. adeus a Massoud e afir-
Afeganistão e se opõe ao da BBC em Teerão, Jim Muir, laços com Teerão, a fim de do Golfo.
mar: “Tu eras o coração regime taliban poderá poucos países estarão a acom- combater inimigos como os ta- Se acaso se concretizar uma
Omar convoca reunião de todos os afegãos.” ser tentado a coligar-se panhar os preparativos de liban e Saddam Hussein. grande operação dos EUA con-
O líder dos “estudantes de Te- O líder da Aliança do guerra americanos tão atenta- Há uns três meses, a Procu- tra o Afeganistão, a coopera-
ologia” convocou ontem uma Norte tinha 49 anos e era
com o “Grande Satã” mente como o Irão, que tem 325 radoria-Geral dos Estados Uni- ção iraniana poderia ser útil e
reunião de emergência com a esperança de todos os americano mil soldados e 1135 tanques. dos acusou altos funcionários Teerão ficará sob forte pressão
os principais dirigentes re- que queriam ver os tali- Responsáveis em Washington iranianos, não especificados, para colaborar. Está pois em
ligiosos para discutir as for- ban foram de Cabul, JORGE HEITOR têm sugerido que o regime dos de envolvimento num ataque aberto a possibilidade de o Irão
mas de defesa do seu país, ca- mesmo que a oposição e MARGARIDA SANTOS LOPES “mullahs” seja chamado para cometido em 1996 contra um se aliar de alguma forma ao
da vez mais isolado. “Devido controlasse apenas cinco uma vasta coligação antiter- dormitório militar americano “Grande Satã”, algo inimagi-
ao possível ataque da Améri- por cento do território O Irão, situado a ocidente do rorista, enquanto outros pre- na Arábia Saudita, incidente nável até há alguns dias.
ca ao solo sagrado do Afega- afegão. Massoud tornou- Afeganistão, fechou a sua fron- ferem que seja um dos poten- em que morreram 19 soldados. O dilema não é fácil para
nistão, os honrados ‘ulemas’ se conhecido como herói teira de 900 quilómetros com ciais alvos de represálias. Por outro lado, há três anos, o a velha Pérsia, dadas as di-
[doutores da fé, segundo o is- da resistência afegã con- o Afeganistão, para evitar a Divergências doutrinais e Irão quase entrou em guerra vergências históricas com a
lão] devem vir a Cabul para tra a ocupação soviética, chegada em massa de dezenas ideológicas separam o Irão, com o Afeganistão, depois de América e a própria natureza
formar uma decisão de acor- na década de 80. Agora, de milhares de refugiados, em maioritariamente xiita, dos ta- 10 diplomatas e um jornalista dividida do regime, onde o Pre-
do com a lei islâmica”, afir- era o veterano em quem caso de represálias america- liban, ortodoxos sunitas. Não iranianos terem sido mortos sidente Khatami enfrenta uma
mou Omar num comunicado os russos confiavam pa- nas contra o país dos taliban. é, portanto, um apoiante do Is- quando os taliban entraram facção fortemente isolacionis-
difundido pela rádio. ra travar o poder isla- Teerão, sem relações diplo- lão que o “hóspede” do Afega- na cidade de Mazar-i-Sherif, no ta. Khatami só poderá colocar-
O ministro taliban da In- mista no Afeganistão, máticas com os EUA desde há nistão Osama bin Laden pre- Norte do país, até então ainda se ao lado dos EUA depois de
formação, Qudratullah Ja- que mantém laços com 21 anos, encontra-se no cora- tende exportar. Por outro lado, fora do seu controlo. ultrapassar previsíveis reti-
mal, disse à Reuters que os independentistas ção da crise, precisamente de- o país que o Ayatollah Khomei- cências do líder supremo do
o encontro realizar-se-á na tchetchenos. vido a uma fronteira por onde ni trasformou de monarquia Irão conseguirá país, o ultraconservador Aya-
quarta-feira com cerca de mil Com a morte de Mas- passam civis em fuga mas tam- em república muçulmana, em manter neutralidade? tollah Ali Khamenei.
delegados, mas sem Omar, soud , crescem as dúvi- bém se processa um intenso 1979, quando derrubou o Xá A questão que se põe, segundo Uma das condições para a
que raramente abandona a das de que a Aliança te- tráfico de ópio. Reza Pahlavi, ainda se encon- a BBC, é saber se o Irão pode- grande reviravolta de Teerão
cidade de Kandahar. nha condições para Os iranianos temem rece- tra na lista que o Departamen- rá ou não manter uma certa poderia ser, ainda segundo a
“Esta é uma situação mui- continuar a luta. O seu ber mais refugiados, porque já to de Estado norte-americano neutralidade, como fez há 10 BBC, a de que uma campanha
to assustadora”, confessa Ro- sucessor, o general acolhem 1,4 milhões afegãos regularmente elabora como anos quando uma coligação internacional contra o terro-
bert Monin, chefe da delega- Fahid, já disponibilizou devido à guerra civil e à seca “patrocinadores do terrorismo dirigida pelo pai de George W. rismo inclua entre os seus al-
ção do Comité Internacional 15 mil homens para que assolam a nação vizinha, internacional”. Isso deve-se à Bush atacou o Iraque — o pa- vos o maior grupo de oposi-
da Cruz Vermelha que se viu combater ao lado das mas também pretendem ser ajuda que a ala dura do regi- ís com o qual Khomeini tra- ção armada ao Governo de
forçada a abandonar o Afega- forças que atacarem os poupados a um eventual con- me, que controla os serviços vou uma guerra de oito anos Teerão, os Mujahidin do Po-
nistão, juntamente com mi- taliban. A haver guerra, flito com os EUA. “Seja o que secretos e de segurança, conti- (1980-1988) e perdeu graças às vo, com quartel-general no
lhares de pessoas (o que le- contará com o apoio dos for que aconteça, estamos deci- nua a oferecer a grupos como informações de satélite forne- Iraque. Um primeiro passo já
vou Monin a dizer que o país que ontem estiveram no didos a defender o nosso terri- o Hezbollah libanês e o Hamas cidas pela espionagem de Wa- foi dado pelos EUA quando
está a passar por uma “catás- funeral do “Leão de Pan- tório”, declarou à AFP Hossein palestiniano — à revelia dos shington a Bagdad. A derro- incluiu o grupo dirigido por
trofe humanitária”). “Acho chir” e gritaram: “Morte Zare-Sefat, vice-governador ge- propósitos do moderado Pre- ta obrigou-o a beber o “cálice Massud Rajavi na “lista ne-
que toda a gente está com ao Paquistão! Morte aos ral do Khorassan, província do sidente Mohammad Khatami. de veneno” de um cessar-fogo, gra” dos terroristas. I
medo do que vai acontecer e taliban! Morte a Osama
ouvi dizer que muitos estão a bin Laden]! Vamos lutar
levar a sua família para fora
das cidades. Temem, claro,
que o impacto seja desastro-
pela nossa liberdade até
ao fim!” F.G.H. Russos em estado de alerta no Tajiquistão
so. Nunca vi o moral dos nos- O ministro da Defesa de Mos- tos, dois baseados em Du- Ahmed Shad Massoud — res- cios Estrangeiros, Igor Ivanov,
sos trabalhadores assim.” covo, Serguei Ivanov, anunciou chambé, a capital tajique, e ponsável da Aliança do Norte, dera no sábado luz verde para
Mas muitos também acre- ontem a colocação em estado dois a uma centena de quiló- principal grupo de oposição uma eventual operação militar
ditam que o Afeganistão sai- de alerta de uma divisão russa metros da fronteira afegã, no- militar aos taliban — dê ori- contra o Afeganistão, recor-
rá vitorioso. “Vamos voltar e de 7000 homens baseada no Ta- ticiou a AFP. Para além da- gem a mais um factor de ins- dando que este país ameaça
lutar como aconteceu com os jiquistão, antiga república so- quela divisão, cerca de 11.000 tabilidade na região. a segurança dos Estados vizi-
russos”, disse à Reuters Mo- viética situada a norte do Afe- guardas de fronteira russos O general Valentin Orlov, nhos, apoiando o terrorismo e
hammad Ibrahim, um dos ganistão. encontram-se destacados ao comandante da divisão 201, o tráfico de droga.
dois milhões de afegãos que O ministro justificou esta longo da linha divisória de declarou à agência moscovi- Moscovo acusa Bin Laden
nas últimas duas décadas de decisão com os actuais acon- mais de 1200 quilómetros que ta Itar-Tass que a segurança de armar e de financiar os re-
guerra se viram forçados a tecimentos na região, em par- existe entre os dois países. dos alojamentos dos militares beldes tchetchenos. E já o ano
partir para campos de refu- ticular as informações de que O Tajiquistão receia um flu- russos foi reforçada, ficando passado defendera o seu direi-
giados no Paquistão. “Pode- estará iminente uma inter- xo de refugiados, no caso de uma parte dos soldados obri- to de atacar os acampamentos
mos ter estado a lutar entre venção militar dirigida pelos operações militares em territó- gada a permanecer nos quar- de terroristas alegadamente
nós, mas quando o Afeganis- Estados Unidos contra o Afe- rio afegão controlado pelos ta- téis, com suspensão de todas existentes no Afeganistão, pro-
tão está a ser atacado, uni- ganistão. A divisão 201 está liban. Por outro lado, teme que as licenças. vocando nessa altura a preo-
mo-nos.” I Ahmed Shah Massoud repartida por quatro regimen- o assassínio do comandante O ministro russo dos Negó- cupação de Washington. I
4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 17 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

Uma coligação solidária mas não unânime


PEDRO CALDEIRA RODRIGUES solidarizar-se com a superpotência americana. A NATO invocou A solidariedade de Estados árabes ou com maioria de popu-
pela primeira vez o artigo 5º do Tratado de fundação de 1949, lação muçulmana também constitui outros dos objectivos dos
Os Estados Unidos estão a tentar formar a maior coligação in- onde se refere que um ataque contra um dos membros constitui EUA, uma forma de legitimização da acção militar que está a
ternacional para uma guerra contra o terrorismo. De momento, um ataque contra o conjunto da organização. ser ultimada. Mas muitos deles têm demonstrado relutância
o inimigo permanece “invisível”, apesar de o dissidente saudita A “grande coligação” pretendida por George W. Bush arrisca- em fornecer um apoio incondicional, atendendo aos fortes
Osama bin Laden ter sido apontado como o principal suspeito se no entanto a ficar longe da amplitude garantida em 1991, na sentimentos antiocidentais entre as suas populações devido ao
dos atentados suicidas em Nova Iorque e Washington. guerra do Golfo. Na ocasião, uma URSS no ocaso deu luz verde conflito israelo-palestiniano.
Para além das “certezas” norte-americanas, a Europol, os à operação, e a China optou por um estatuto de neutralidade O apoio da comunidade árabe é também essencial caso Wa-
serviços de informações europeus, consideraram ainda não na reunião do Conselho de Segurança da ONU, que permitiu shington pretenda evitar que a sua campanha seja definida
existirem indícios seguros sobre o envolvimento do milionário legitimar a “Tempestade no Deserto”. Agora, as primeiras como um combate religioso dos cristãos e judeus contra o mun-
saudita refugiado no Afeganistão nos mortíferos ataques do reservas têm surgido dos aliados europeus e da Rússia, neste do islâmico. Para já, parece garantido um apoio retórico dos
dia 11. Os aliados europeus da NATO foram os primeiros a caso um apoio considerado decisivo pela Casa Branca. principais Estados árabes.

COREY LEWIS/REUTERS

GRÃ-BRETANHA nível oficial. Numa mensagem in-


directamente dirigida a Bush, Sa-
O primeiro-ministro Tony Blair fa- dam Hussein considera que os EUA
lou da necessidade de tomar “medi- “necessitam de prudência e não da
das determinadas” apesar de “reflec- força” porque “têm empregado esta
tidas e prudentes”. Londres deseja última ao máximo e está comprova-
uma “viva reacção” da NATO mas só do que não conseguem alcançar os
depois de os EUA possuírem provas seus objectivos”, numa óbvia alusão
concludentes sobre os autores dos ao seu país.
atentados e eventuais cúmplices. O
chefe da diplomacia britânica, Ja-
ck Straw, sugeriu mesmo que o pa- ARÁBIA SAUDITA
ís “não vai oferecer um cheque em Forças norte-americanas, aviões e
branco” aos EUA. helicópteros permanecem em solo
saudita, apesar da forte contestação
interna. O Governo nunca se refere à
ALEMANHA presença de forças norte-americanas,
O Presidente alemão Johannes Rau mas da base de Dhahran têm partido
disse ontem que não espera a par- muitas das operações contra o Iraque.
ticipação do país numa acção mi- O regime saudita ofereceu coopera-
litar. A generalidade dos políticos ção para encontrar os responsáveis
alemães apelaram à contenção e su- e garantiu que vai cortar o apoio fi-
blinharam a necessidade de “respos- nanceiro aos taliban, mas não confir-
tas políticas”. mou a sua cooperação num eventual
ataque ao Afeganistão. Riad mantém
relações a nível diplomático com os
FRANÇA taliban sunitas, onde o dissidente is-
O primeiro-ministro Lionel Jospin lâmico instalou as suas bases.
disse que a solidariedade com os
EUA não privava o país de liberdade
de decisão e sublinhou que “não es- EMIRADOS ÁRABES UNIDOS
tamos em guerra com o Islão nem Os Emirados Árabes Unidos (EAU),
com o mundo árabe-muçulmano”. um dos únicos três Estados que re-
conhece o regime taliban no Afega-
nistão, prometeu “rever as relações
GRÉCIA devido à actual situação”.
O ministro da Defesa, Akis Tsohat-
zopolos, evocou os riscos de ruptu-
ra da frente internacional em caso KUWAIT
de respostas norte-americanas: “É O Governo do Kuwait exprimiu on-
necessário evitar uma derrapagem tem a sua solidariedade com os EUA
em direcção a acções cegas”, disse, e apelou à concretização de urgentes
sublinhado que “pode dissipar-se acordos internacionais e resoluções
facilmente o clima de solidariedade da ONU “para combater o terroris-
e de apoio existentes”. mo”. O Estado do Golfo, invadido em
1990 pelas tropas iraquianas, expri-
miu ainda confiança na “capacidade
RÚSSIA do Governo americano e do seu povo
Apesar da forte condenação dos ata- amigo de ultrapassar esta trágica
ques, Moscovo exclui a participação catástrofe”.
em qualquer coligação liderada pe-
los EUA e rejeita a deslocação de tro- as verdadeiras raízes que estão na uma operação da NATO, mesmo que feira e se compromete a “ajudar a
pas da NATO para as ex-repúblicas origem dos problemas que atiçam os implique um país vizinho. combater o terrorismo”. Apesar de CHINA
soviéticas da Ásia central. O Presi- conflitos internacionais”. Recorda a Síria apoiar o grupo libanês Hez- Pequim tem demonstrado grande
dente Putin pediu cautela aos EUA, que após os ataques de terça-feira bollah, definido pelos EUA como uma prudência, optando por condenar
pelo facto de Moscovo recear as con- “o Exército israelita assassinou 20 EGIPTO “organização terrorista”, e justificar os atentados e oferecer ajuda aos
sequências de um ataque precipita- palestinianos” e considera que “a Numa entrevista à estação norte- a sua “resistência legítima contra a EUA nos esforços para uma coliga-
do contra o Afeganistão. obstinação israelita em perpetuar americana NBC, o Presidente Hosni ocupação”. Ao contrário do que su- ção global contra o terrorismo. Está
as injustiças na Palestina alimenta Mubarak considerou que a violência cedeu em 1991, a Síria não deverá in- excluída uma participação conjunta
os ódios, fomentando situações sem no Médio Oriente é “uma das causas” tegrar agora a “grande coligação”. em acções militares, que poderão
MARROCOS esperança que podem conduzir à dos ataques nos EUA e acusou os nor- atingir Estados com os quais man-
Após o rei Mohammed VI ter apela- loucura”. te-americanos de lançarem acusações tém relações.
do a Washington para privilegiar de ódio contra os árabes e os muçul- JORDÂNIA
a negociação, o jornal marroquino manos. Mubarak opôs-se a qualquer Num país com mais de metade da
“Al Alam” alertava ontem que, “se TURQUIA coligação antiterrorista formada fora população de origem palestiniana, ÍNDIA
a opinião pública nos Estados islâ- Apesar de o Governo de Ancara não do âmbito da ONU, mas o seu Gover- a reacção está a ser muito cautelo- Em contraste com o quase ultimato
micos aceita a solidariedade, recu- esconder fortes preocupações com a no prometeu ajuda para acabar com sa. Apesar de Amã ter prometido enviado pelos EUA ao Paquistão, a
sa por outro lado qualquer aliança provável reacção da importante cor- o extremismo islâmico e anunciou apoio no âmbito dos serviços de in- vizinha Índia, que mantém um pro-
militar”. Considera ainda que “não rente islamista interna, este país fi- que vai cooperar com os EUA no in- formações, o soberano Abdallah II longado contencioso com Islama-
se deve repetir a guerra do Golfo gura nos planos militares dos EUA. quérito aos atentados, após o anúncio considerou que os ataques de 11 de bad, forneceu aos EUA toda a ajuda
contra o Iraque”. Membro da NATO, a Turquia está de que pelo menos um dos principais Setembro não teriam existido se os necessária, incluindo apoio logísti-
abrangida pela decisão de defesa co- suspeitos é egípcio. EUA resolvessem os problemas do co durante as operações militares.
lectiva (artigo 5º). Desde 1991 que da Médio Oriente. Nova Deli, que na disputada Caxe-
TUNÍSIA base turca de Incirlik partem os avi- mira combate grupos muçulmanos
O diário tunisino “Echuruk” per- ões norte-americanos e britânicos SÍRIA baseados no Paquistão, tem pedido
gunta se Washington “ainda é ca- envolvidos nas patrulhas aéreas e nos O Presidente sírio, Bashar al-Assad, IRAQUE às autoridades paquistanesas mais
paz de escutar a voz da razão e da bombardeamentos frequentes sobre enviou uma mensagem à Casa Bran- Os atentados em Nova Iorque e Wa- firmeza contra alegados grupos ter-
sabedoria” para “atacar seriamente o Iraque. Ancara diz apoiar em pleno ca onde condena os ataques de terça- shington não foram condenados a roristas instalados no país. I
D E S TA Q U E 5
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 17 SET 2001

JAMAL ARURI /EPA


IMPRENSA
A ALIANÇA EUROPEIA
PEDE PRUDÊNCIA
DE 1991 “Senhor Presidente [George
Em 1991, o pai de George W. W. Bush] , mantenha a
Bush inaugurou uma nova era ponderação! A raiva e o ódio
na política do Médio Oriente ao são maus conselheiros para
conseguir formar uma ampla as decisões que têm agora
coligação envolvendo países de ser tomadas”
ocidentais, árabes e muçulma- “Bild am Sontag” (Alemanha)
nos, para forçar a retirada do
Iraque do Kuwait. Dessa alian- “É a justiça, e não a guerra,
ça há países que permanecem que devemos procurar.
fiéis aos EUA, mas outros de- Destruir cidades e aldeias do
senvolveram um sentimento Afeganistão, um dos países
antiamericano tão forte que mais pobres do mundo,
agora não admitem partici- apenas levará ao
par na “guerra antiterroris- fortalecimento dos grupos
ta” planeada pelo filho de Geor- terroristas”
ge Bush como retaliação pelos “The Observer” (Grã-
ataques de terça-feira. Bretanha)
Um dos importantes parcei-
ros de Bush-pai foi a Arábia “Aqueles que conhecem bem
Saudita, que abriu as suas por- a política americana estão
tas às tropas e aviões de comba- consternados pela rapidez
te americanos, enviados para com que o Congresso tomou
repelir as tropas invasoras ira- a decisão de dar a George
quianas que constituíam uma Bush os meios e o poder para
ameaça ao normal fluxo de pe- agir”
tróleo no Golfo Pérsico. Dick “Vecernji” (Croácia)
Cheney, que então era secre-
tário da Defesa e agora é vice- “Os estrategos do Pentágono
presidente dos EUA, teria dito e os seus aliados estão
ao rei Fahd: “Convide-nos a en- condenados a uma certa
trar; se não o fizer, não podere- prudência [face] à pesada
mos garantir futuros forneci- derrota sofrida pelas tropas Um palestiniano ferido é socorrido durante invasão israelita da cidade autónoma de Ramallah
mentos de armas.” soviéticas no Afeganistão,
Com os soldados de Saddam sem falar das memórias do
no pequeno emirado da família
Al-Sabah, os sauditas esquere-
ceram-se de que a América era
o maior aliado de Israel. E os
Vietname, ainda bem vivas
nos americanos”
“Dimanche.ch” (Suíça) Bush não gostou que Sharon
comparasse Arafat a Bin Laden
“marines” entraram. Logo a “Os aliados não podem
seguir, porém, chegou a ame- mostrar-se vacilantes no
aça Osama bin Laden. O guer- momento de passar aos
rilheiro islâmico que a CIA actos, têm antes de lembrar-
armou durante a invasão sovi- se […] que é preciso
ética do Afeganistão, confron- cooperar, partilhar com os TANQUES ISRAELITAS bora os ataques iniciais a Je- de Estado, Colin Powell, tele- Post”. O máximo que ele es-
tou a Casa de Saud com a falsa seus aliados este combate de nin e a Jericó tenham sido rece- fonaram a Sharon e a Arafat, tava disposto a permitir era
promessa de que os “soldados longa duração” EM RAMALLAH bidos com “absoluto silêncio” exortando-os a avançar com que Arafat falasse com Peres
infiéis” se retirariam dos luga- “Joural du Dimanche” pelo mundo, as acções subse- um encontro sempre adiado “depois de 48 horas de calma
res santificados por Maomé. (França) quentes não o foram — nem entre o Presidente palestiniano total” nos territórios, explicou
Pressentindo uma ameaça ao Um coligação dos EUA nos EUA, nem na Europa, e o chefe da diplomacia de Isra- posteriormente numa sessão
seu poder, os príncipes sau- “A União Europeia tem de contra o terrorismo nem na própria coligação go- el, Shimon Peres, como primei- do Knesset (Parlamento).
ditas retiraram-lhe a cidada- manter o sangue-frio e apoiar pode ser posta em causa vernamental de Ariel Sharon. ro passo para pôr fim à violên- Peres ficou lívido. “Não per-
nia, mas ele — suprema iro- uma política antiterrorista Mesmo que os protestos da cia nos territórios ocupados. cebo por que é que Yasser
nia — procurou refúgio num mais eficaz do que aquela pela ofensiva israelita Grã-Bretanha, da França e da Arafat aceitou o conselho sem Arafat se tornou subitamente
país cujo regime (dos taliban) que é advogada pelos contra os palestinianos: Rússia não tenham interrom- pôr condições. Sharon mante- Osama bin Laden quando o pri-
é apoiado por Riad. defensores de soluções mais Peres ameaça demitir-se pido a ofensiva. ve-se intransigente. meiro-ministro antes me deu
A maior reviravolta no cam- duras” Num fim-de-semana san- O líder israelita terá dito aos luz verde para me encontrar
po dos aliados poderá ser agora “Etnos” (Grécia) GRAHAM USHER grento, Israel bombardeou e americanos: “Arafat é o nosso com ele”, queixou-se o minis-
a do Irão que travou oito anos Jerusalém invadiu áreas controladas pe- Osama bin Laden”, o fugitivo tro à Rádio de Israel. Não fez
de guerra com o Iraque e, em “Se o que os Estados Unidos la AP na Cisjordânia e Faixa de origem saudita e actualmen- comentários quando inquiri-
1991, se sentiu na obrigação de procuram é uma colaboração “Yasser Arafat passará à histó- de Gaza, causando pelo menos te o principal suspeito dos ata- do sobre se a recusa de Sharon
manter uma atitude “neutral”. concreta, isto é a ria no momento em que perder sete mortos (um deles de 13 ques em Nova Iorque e Wa- poderia motivar a sua demis-
Hoje, encontra-se em duas lis- participação naquilo que a legitimidade internacional”, anos) e mais de 70 feridos pa- shington. Bush teria ficado são do Governo. No entanto, a
tas: a de potencial alvo (por- Bush tem apresentado como disse o ministro israelita da De- lestinianos. Os mais violen- chocado e irritado com a com- imprensa israelita garante que
que a ala dura do regime apoia sendo uma guerra, o apoio fesa, Benjamin Ben-Eliezer, ao tos confrontos ocorreram on- paração. O mesmo se passou é precisamente isso que Peres
grupos integristas islâmicos) [espanhol] não pode ser maior diário hebraico “Yediot tem de manhã em Ramallah com Peres. ameaça fazer.
e a de possível aliado na coli- incondicional” Ahronot”, na sexta-feira. E, na na sequência do assassínio Em 1991, Israel ajudou a co-
gação antiterrorista (porque “El Mundo” (Espanha) sua opinião, o chefe da OLP já de um colono judeu próximo Três palestinianos ligação contra Saddam Hus-
pode contribuir para a queda perdeu legitimidade depois dos de Jerusalém, no sábado à mortos por dia sein formada pelo pai de Bush
do regime taliban em Cabul). “A resposta não pode ser ataques em Nova Iorque e Wa- noite. Os tanques israelitas Virtualmente sozinho na sua mantendo-se à margem do con-
A Síria foi outro país que, apenas policial ou militar”, shington graças às imagens te- avançaram pela autónoma coligação, Sharon acredita que flito mesmo quando mísseis
inesperadamente, decidiu en- mas “deve tratar de corrigir levisivas que mostravam pales- Ramallah, deixando um sol- os ataques nos EUA oferece- iraquianos caíam sobre Telavi-
viar soldados para lutar contra as causas das causas. Um tinianos a “celebrar” a morte dado israelita e dois palesti- ram a Israel a rara oportunida- ve. Sharon, no entanto, não pa-
o Iraque. Compreendem-se as mundo onde vivem 2800 de americanos. nianos mortos. Outros 15 pa- de de impor um “cessar-fogo” rece tão dócil. Num “briefing”
razões: o defunto Presidente milhões de pessoas com “É um facto”, prosseguiu lestinianos foram feridos em a Arafat segundo os termos com líderes judeus america-
Hafez al-Assad detestava Sa- menos de dois dólares por Ben-Eliezer, “que matámos ataques israelitas nas povo- israelitas. Pelo menos duran- nos, na sexta-feira, ele avisou:
ddam; os americanos promete- dia não poderá nunca ser um 14 palestinianos em Jenin, ações de Beit Jala, Nablus e te uma semana, ele esteve a “Israel não pode pagar o preço
ram-lhe que ele dominaria o mundo seguro” Kabatyeh e Tammoun [áreas Hebron, na Cisjordânia. preparar o encontro Peres- desta coligação; não há bom
Líbano; e as monarquias ára- “El País” (Espanha) sob controlo da Autoridade A espiral de violência foi Arafat, marcado inicialmente e mau terror. Terror é terror;
bes ofereceram-lhe milhões de Palestiniana/AP] e o mundo recebida com desconforto em para ontem. No entanto, de- assassínio é assassínio.”
dólares. Bush-filho não deverá “O Ocidente democrático tem permaneceu absolutamente si- Washington. Tal como o seu pois dos atentados na Améri- Resta saber se Israel será
contar com o herdeiro de Ha- o direito de se defender do lencioso; e isso foi catastrófico pai na guerra do Golfo de 1991, ca, Sharon parece menos in- obrigado a “pagar” o preço de
fez, Bashar al-Assad. fanatismo mas não deve para Arafat”. George W. Bush está a tentar teressado em tréguas e mais um cessar-fogo como parte de
A Jordânia, pelo contrário, atribuir ao Islão os erros dos A declaração de Ben-Eliezer, atrair o apoio de países árabes empenhado em forçar a rendi- uma “guerra contra o terro-
poderá mudar de área: em 1991, seus elementos mais um trabalhista, foi a mais fla- e islâmicos para eventuais re- ção dos palestinianos. rismo” desencadeada por Wa-
os EUA ficaram escandaliza- radicais” grante confirmação feita até presálias aos ataques cometi- Na sexta-feira, Sharon orde- shington. Ou se — como mui-
dos com a decisão do falecido “Corriere Della Sera” (Itália) agora das acusações que os pa- dos nos EUA, especialmente se nou que o encontro fosse can- tos árabes temem — os EUA
rei Hussein de não condenar lestinianos têm feito de que Is- (como se prevê) o alvo for o re- celado. “Arafat só actua quan- vão novamente submeter-se
Saddam. Tinha motivos: o rei- “Hoje, não sabemos bem de rael está a explorar o pânico gime muçulmano dos taliban do está isolado e sob pressão, e à visão “sharoniana” de que
no hachemita importava 95 por onde vem a ameaça. Para a causado pelos ataques terro- no Afeganistão. O problema de um encontro agora iria enco- “terror e assassínio” são um
cento das suas necessidades futura guerra contra o ristas ao World Trade Center e George W. é que não terá esse rajá-lo a continuar o terror”, fenómeno que só se aplica aos
petrolíferas do Iraque e 60 por niilismo armado, temos de ao Pentágono para proceder a apoio enquanto Israel estiver explicou o primeiro-ministro palestinianos e não ao Estado
cento da sua população de ori- saber quem somos, de que é uma escalada na ofensiva con- a matar palestinianos a uma israelita numa entrevista pu- que ocupa as suas terras, blo-
gem palestiniana louvava o di- feita a nossa civilização” tra a Intifada. média de três por dia. Na sexta- blicada ontem no diário de lín- queia as suas cidades e mata
tador de Bagdad. I M.S.L. “La Stampa” (Itália) A diferença hoje é que, em- feira, Bush e o seu secretário gua inglesa “The Jerusalem os seus habitantes. I
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PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 17 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

O PRIMEIRO “TOUR” DEPOIS DA TRAGÉDIA


“A cidade é nossa. Hoje é muito triste A última volta turística a Nova Iorque foi segunda-feira à noite. Ontem, o PÚBLICO chapéus, na trança de uma adolescen-
vê-la assim, tão tranquila. Mas a vida te negra irão perseguir Hernan por
tem de continuar.” O guia acaba de acompanhou o reinício dos “tours”. Com o mesmo guia que acompanhou três dezenas ruas e avenidas inflamando-lhe cada
fechar a porta do autocarro, entrado de latino-americanos e portugueses ao terraço dos torres gémeas, meia dúzia de horas explicação, tornando-lhe momento
o último grupo para a volta turística a momento mais apaixonada a decla-
a Nova Iorque. Ninguém esperava no
antes dos atentados. Do nosso enviado Adelino Gomes, em Nova Iorque ração de amor a uma cidade em que se
New Yorker, o Sheraton ficou de fora JACQUES COLLET/EPA transforma, a partir do Harlem, o cir-
do circuito, e do Hilton, apesar de cuito turístico. “Aqui falam-se todas
constarem alguns nomes da lista, nem as línguas e convivem todas as raças.
um passageiro comparece. O sol bri- Aqui praticam-se todas as religiões.
lha num céu muito azul por entre os Aqui concretizam-se todos os sonhos e
arranha-céus, as montras da 5ª Ave- cometem-se todas as trangressões. No-
nida fazem parar grupos de turistas, va Iorque não é mais uma cidade no
mas lá dentro não chegam a ocupar mundo. É o mundo numa cidade.”
metade dos lugares disponíveis os 21 O autocarro pára na rua 14. O guia
turistas chegados do Canadá, a maior convida os passageiros a voltarem
parte gente da classe média mexica- àquele lugar, onde devem vaguear a
na, e o repórter do PÚBLICO que se pé, comprar, regatear. A voz falha-lhe
inscreveram para a viagem. de novo, apontando o fumo que se ele-
“Vamos ver até onde podemos che- va ao fundo, entre os edifícios, como
gar na parte baixa da cidade”, avisa o se um vulcão ali tivesse entrado em
guia. Greewinch Village, o Soho, Litle actividade. “A partir daqui encontram
Italia, China Town e o centro admi- um dos lugares interessantes e vivos
nistrativo e financeiro, em Wall Street, da cidade, Greenwich Village, “onde
“onde começou o desenvolvimento se vive sem preconceitos”. “A partir
desta cidade” ficaram inacessíveis daqui”, continua, “começa um dos
desde a “horrível tragédia que des- lugares mais tristes da cidade”.
truiu o World Trade Center” e cortou A Guarda Nacional libertou mais
a cidade ao meio. uns quarteirões. Júlio Golcoechea,
Hernan desliga o microfone. Põe o motorista argentino da City Tours
a mão sobre a fronte. A voz treme- (“mas com quatro filhos e um neto
lhe, saem aos solavancos (“é por aqui, aqui nascidos”) atravessa a Mott, “a
entre as ruas 40 e 60, que trabalham os mais pitoresca das ruas de China To-
cérebros que inventam as campanhas wn”, passa ao lado da rua Mulberry,
que seduzem milhões de pessoas em pouco mais do que uma viela a re-
todo o mundo; é aqui que se encon- presentar, sozinho, o velho poder da
tram as mais atractivas boutiques e emigração italiana, reduzida, pela
os melhores antiquários da cidade”) determinação chinesa, à Litle Italia
as palavras com que explica a “supe- de hoje. “Aqui há mais italianos do
rinteressante” Madison Avenue. que em Roma, mais gregos do que em
O mesmo destino que levou Hernan Atenas, mais irlandeses do que em
Bettancourt, 52 anos, colombiano de Dublin, mais dominicanos do que em
nascimento, nova-iorquino de cora- Santo Domingo, na grande metrópole
ção a protagonizar a última visita da há mais porto-riquenhos do que em
história do turismo nova-iorquino às toda a ilha de Porto Rico”, retorna
Torres do World Trade Center, colo- Hernan. “A ciência, a moda, a arte
cou-lhe no caminho profissional nes- chegam primeiro aqui do que a Paris.
ta manhã de domingo a reinaugura- Há os que a amam e os que a detestam.
ção dos circuitos “A Alta e a Baixa de Mas ninguém lhe fica indiferente.”
Manhattan”, da empresa City Tours, O circuito chega ao fim, quatro ho-
suspensos desde terça-feira (ver “Para ras após o começo. Hernan despede-se
cá da ‘zona zero’, pág. 8). com uma nova digressão sentimental
Com 50 empregados em Nova Ior- pela cidade. “Somos muitos os que
que e escritórios em numerosas ci- procuraram nela um futuro melhor. E
dades do continente americano e da esta cidade deu-no-lo. Por isso lhe es-
Europa, a City Tours, de capitais ar- tamos tão agradecidos.” Nova pausa
gentinos, perdeu “mais de cinco mi- de comoção. No grupo, ninguém faz
lhões de dólares” desde o dia 11. Por- perguntas. “É porque tanto nos deu,
que diminuíram os turistas, oriundos que tanto nos dói o que fizeram a esta
na sua maioria dos países latino-ame- cidade. Todos somos nova-iorquinos.
ricanos; e porque se tornou impossí- Porque esta, afinal, é uma cidade feita
vel oferecer aos clientes uma cidade de emigrantes.”
envolta em nuvens de fumo que escon- Júlio, o motorista, parece sentir
dem milhares de corpos calcinados o silêncio dos compatriotas latino-
e cortada ao meio por barreiras da americanos como uma crítica. Co-
Guarda Nacional e da polícia. mentará ao PÚBLICO no final, os pe-
Hernan Bettancourt pratica como los dos braços eriçados: “Eu amo a
os melhores a arte de explicar Nova Argentina, adoro a bandeira, grito
Iorque a quem nela acaba de desem- “Isto não foi um crime contra os Estados Unidos. Foi um crime contra a humanidade” pela selecção. Mas é diferente Nova
barcar. Aponta os monumentos que Iorque. Todos os sonhos me foram
não podem perder-se. Indica uma a realizados neste país, onde cheguei
uma as avenidas para as compras no seu casaco azul marinho) que ligue fugindo de todos os problemas que
mais caras, as ruas para os negócios para a mulher ou para a empresa Ke-
A última visita às torres tinha no meu.”
mais em conta. Tudo enquadrado com efe, Bruyette & Woodsnic. Os passageiros perguntam onde fi-
a história da ilha e dos seus heróis, e Dez passos mais à frente, sobre o “Era um grupo de 34 pessoas. Oito não subiram. Havia espa- car. O guia indica os armazéns Macy’s
temperado com as pequenas piscade- mosaico em forma de disco onde Yoko nhóis, argentinos, e portugueses, três se bem me lembro. Quando para as compras, dá indicações de es-
las de olho que o turista mais aprecia: Ono fez escrever o título da mais utó- chegámos lá acima (fomos os últimos, as torres fecham pelas pectáculos, mas tem uma sugestão
os números das casas onde Jacqueline pica das canções do marido, ao lado de 21h30) tivemos uma visão total da cidade, ampla, iluminada. De em que insiste repetidamente. “Des-
Kennedy morreu, e Al Pacino, Bruce inúmeras velas acesas, entre girassóis repente, um manto muito negro veio, como em câmara lenta çam no Empire State Building. Pode
Willis, Robert Redford vivem, o local gigantes, mãos comovidas colocaram desde o Empire State Building subindo até às torres. Lembro que ser que esteja aberto, e possa subir lá
onde Polanski filmou Rosemary’s Ba- dezenas de mensagens de amor e espe- disse para as pessoas que estavam junto de mim: ‘Isto acontecer acima. É belíssimo.”
by, a porta de entrada do número 1 do rança aos que sucumbiram ao terror, é um mau presságio.’ Eu adorava as torres. Da varanda da minha Hernan omite algo que daí a minu-
edifício Dakota, onde John Lennon nos atentados de terça-feira. “Imagine casa, em Queens, temos uma vista sobre elas. No dia seguinte tos confessará ao PÚBLICO. Desapa-
foi assassinado, há 21 anos. O auto- there’s no Heaven/It’s easy if you try”, de manhã, ao ouvir as primeiras notícias, corri à varanda. Vi recidas as torres gémeas, regressada
carro pára, metros à frente, e Hernan acrescentou alguém, sob uma rosa de ainda o segundo avião, e percebi que não era acidente. As cha- a normalidade à programação das
convida o grupo a visitar o local que cor esmaecida. mas, a implosão depois, fiquei dois dias de cama. Lembro-me dos televisões, retomados os espectáculos
perpetua a memória de Lennon. As fotografias dos “desaparecidos”, guardas, dos homens e das mulheres das limpezas, dos emprega- na Broadway, há um sentimento de
No breve caminho para “Strawber- os copos altos com velas acesas, os gri- dos das lojas, desapareceram todos. Como lembrei no ‘tour’ perda que não pode consentir-se a si
ry Fields”, uma folha A4 colada no tos de raiva, as promessas de resposta morreram lá mexicanos, chilenos, 38 argentinos, colombianos, nem aos que visitam Manhattan. E
tronco de uma árvore pede a quem implacável, os apelos à unidade do alemães. Isto não foi um crime contra os Estados Unidos. Foi por isso lhe oferece o velho símbolo.
passa e conheça Derek Sword (foto a povo norte-americano, as bandeiras um crime contra a humanidade.” HERNAN BETTANCOURT, “colom- Enquanto alguém não inventa novo
cores de um jovem que respira saúde nacionais nos carros, nas mãos, nos biano de nascimento e nova-iorquino de coração”, guia da City Tours mito para a cidade amada. I
D E S TA Q U E 7
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 17 SET 2001

Não tenho
cara de polícia
A “zona zero” de Ma-
ANA GOMES FERREIRA lavras — “Identificação
nhattan é território proi- de Jornalista”.
bido. É a “cena do cri-
em Nova Iorque O rapaz de camufla-
me”. Só lá chega gente CRÓNICA do, por alguma razão,
autorizada: bombeiros, não viu a linha mais im-
operários, polícias, ho- portante do cartão azul,
mens dos serviços secretos, médicos com a que fala em jornalista. Assim que leu
ambulâncias e o “mayor” Giuliani. “polícia”, dá passagem. Um jornalista
Quem não pode lá estar, e é apanhado passa. O Adelino Gomes, que é “só jor-
a rondar as 430 mil toneladas de destro- nalista”, fica para trás.
ços que eram o World Trade Center, é A hora era tardia. Dentro da “zona
preso. No sábado à noite, o PÚBLICO zero”, a escuridão mostrava relevos es-
entrou na “zona zero” e não foi preso. curos, mas poucos pormenores. Os des-
Um bocadinho por causa da escuridão. troços estão já na rua seguinte. Há ca-
Muito graças a um rapaz de camuflado, miões com entulho a circular (ainda
que no fim da história aprendeu a não só saíram 22 toneladas). Em algumas
se deixar intimidar pela frase “Depar- esquinas, há postos de alimentos com
tamento da Polícia”. refeições quentes. Um bombeiro escolhe
A polícia criou um corredor para os o jantar — antes, só havia bolos e “fast-
jornalistas entrarem na parte sudoes- food”, agora há massa, arroz, rolo de
te de Manhattan que ainda está veda- carne, puré de batata, beringela estu-
da a não moradores. Vai da rua Canal fada. E algumas mesas e cadeiras de
(o centro da Chinatown) até ao fim da plástico, para o pessoal estafado comer
ilha. Os jornalistas são obrigados a descansado.
parar na Read, a três ruas da “zona Cinco dias depois do ataque, os des-
zero”. Ali, a barrar a passagem, e troços ainda expelem uma fumarada
ao longo de toda a largu- espessa. Ainda cheira a
ra da ilha, estão os ho- incêndio e a pó na “zo-
mens da Guarda Nacio- na zero”. Não é possível
nal. Deve dizer-se que Quem não pode ir mais longe, ir perto
as autoridades da cida- lá estar, e é apanhado dos homens que cortam
de se preocuparam com a rondar as 430 mil aço, removem nacos de
os jornalistas — reser- parede, desviam lâmi-
varam-lhes um naco de toneladas de destroços nas de vidro e recolhem Praça Francisco Sá Carneiro, 10-D (Pç. do Areeiro) • 1000 Lisboa
terreno de onde se vê que eram o World bocados de corpos. Na Tel.: 21 845 30 10 • Fax. 21 845 30 18 • E-mail: chavareeiro@mail.telepac.pt • site: www.chavesareeiro.pt
um bocado de entulho, Trade Center, é preso. rua onde começam os
as máquinas e os ho- destroços, há mais um
mens em movimento. No sábado à noite, “checkpoint”, de polí-
Sabe-se que, dali em o PÚBLICO entrou cias, que não se intimi-
diante, os passos são dam ao verem escrito
proibidos. Não tem mal
na “zona zero” o nome do seu próprio
tentar ir em direcções e não foi preso. departamento. Mal se
proibidas. Algumas ru- Um bocadinho por avança para a zona da
as ao lado, tenta-se o gol- luz, onde centenas de
pe. Aproximamo-nos da
causa da escuridão. holofotes iluminam os
Guarda Nacional. “Po- Muito graças a um homens que desconstro-
demos passar?” Dentro rapaz de camuflado, em o que resta do World
do camuflado está uma Trade Center, aparece a
pessoa com uma cara
que no fim da história ordem. “Saia daqui.”
que não se adequa à far- aprendeu a não Já fora da “cena do
da — um rosto jovem, se deixar intimidar crime”, aparece uma
sem o olhar firme de carrinha da polícia, da-
outros que já tínhamos pela frase quelas de levar pessoas
visto por ali. O mesmo “Departamento para a esquadra. O con-
vale para o corpo, que da Polícia” dutor sai, diz “boa noi-
é pequeno e muito ma- te”. Responda-se e siga-
gro. O capacete, que pa- se. “Não, não. Ande cá.
rece enorme, quase lhe Entrou onde não podia.
esconde os óculos redondos, metálicos, Não se mexa, fique aí. O polícia pede
daqueles que noutros tempos se dizia que me identifique. Agarra no cartão-
serem “à intelectual”. Tem um bigodi- zinho azul, dá-lhe a volta. Vai conversar
nho muito ralo a nascer. com o rapaz dos óculos. Nem vale a pena
Noutras tentativas, a resposta à per- tentar meter conversa com o segundo
gunta “pode-se passar?” saiu sempre polícia na carrinha, uma mulher. Está
rápida e determinada: “Não. Mostre alerta e zangada: “Anda a dizer que é
identificação.” Acostumados, já, à or- polícia.” O homem regressa. O jovem
dem, antes mesmo de ouvirmos a per- guarda civil acreditou que o PÚBLICO
gunta, atirámos com os cartões para era da polícia. Disse-o, aliás. “Você tem
a frente do rapaz dos óculos. Não há um cartão a dizer que é da polícia, pode
muita luz. “Tu podes passar. Tu não.” entrar.” Não teve resposta, nem para
Em Nova Iorque, jornalista sem car- confirmar, nem para desmentir.
tão da polícia não trabalha. Não pode ul- “Não disse que era polícia. Não se
trapassar as barreiras policiais quando fez passar por polícia. Ele lembra-se
há manifestações. Não pode aproximar- que foi ele quem disse que você era po-
se de lugares onde se cometeram cri- lícia, e que você não respondeu. Vá-se
mes. Não pode atravessar os primeiros lá embora.” Será que o rapaz dos óculos
“checkpoints” a caminho do sítio onde vai ter problemas. “Ninguém vai ter
existia o World Trade Center, que caiu problemas. Ninguém”, sublinha o po-
e engoliu perto de cinco mil pessoas lícia. “Ele não está habituado aos car-
num ataque terrorista. O cartãozinho tões. São muitos. Foi só isso”, diz, mais
poderoso está encimado pela frase “De- descontraído. Arrisque-se uma pergun-
partamento da Polícia de Nova Iorque”. ta. “Como é que perceberam?” “Eles
Umas linhas abaixo, tem o nome e a as- informaram-nos que tinha entrado uma
sinatura do que foi, até à poucos meses, pessoa com um cartão da polícia, mas
Howard Safir. No meio, tem outras pa- que não tinha cara de polícia.” I
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PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 17 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
RHONA WISE/EPA

Para cá da
“Zona Zero”
O que falta
Há alguma coisa que falta, e não é preciso
atingirmos Canal Street e sermos parados
pela Guarda Nacional para o sentirmos no
fundo da melhor memória que guardamos
da cidade. Da janela do que corre na pista do
aeroporto Kennedy, no lugar da clássica visão,
subindo em contra-luz no horizonte vermelho
do pôr-do-sol, uma núvem de fumo eleva-se no
lugar da visão clássica.
Duas horas depois, passada uma primeira
barreira policial montada antes da portagem
a seguir ao desvio para Canal Street - a linha
divisória para além da qual só militares, bom-
beiros, socorristas e repórteres credenciados
podem passar — nova visão da nuvem, ago-
ra lembrando a cratera fumarenta de algum
vulcão entrado em actividade.
Quem esqueça os restaurantes já abertos, a
azáfama que nas últimas horas tomou as ruas
e avenidas, e avance a pé por Canal Street até
à última perpendicular antes do rio Hudson,
terá á sua espera a única verdadeira hipótese
de atingir a zona 1. Ao esperar que a sorte de
um perigoso jogo do gato e do rato lhe abra o
sanctus sanctorum onde as autoridades guar-
dam de olhares estranhos a real dimensão O complexo de apartamentos em Coral Springs foi a última morada conhecida de Mohamed Atta
da tragédia, esta noite de sábado, 15, oferecer-
lhe-á a imagem de dezenas de pessoas, na sua
maioria jovens, abrindo alas e aplaudindo as
carrinhas que entram ou saiem do local da
tragédia carregadas de bombeiros, polícias,
socorristas - oss novos heróis da América.
“Eles eram o tipo de pessoas que não me
Da primeira fila, elevam-se as bandeiras e
ouvem os gritos de crianças que os pais man-
tiveram protegidas nos primeiros quatro dias
mas que agora deixam participar, de bom gra-
importava de levar a um jogo de basebol”
do, na grande celebração patriótioca em que Muitos dos 19 suspeitos mais que não faziam muito baru- mais que isso. Betty Egger, que vi- dada pela mulher de Abdulaziz:
as operações de salvamento e limpeza de Wall lho. Se eles eram perigosos, nunca via ao lado da familia Alomari, fi- “É costume organizar uma festa
Street se tornaram. Cem metros mais à frente,
dos ataques de terça-feira o mostraram enquanto aqui vive- cava incomodada quando dezenas antes de partir, para deixar boas
vencida pela manha mais uma barreira, a já identificados ram. Mas agora fico bastante ner- de carros estacionavam na rua, e memórias.”
imagem que só as potentes “zooms” das tele- pelo FBI levavam vidas voso só de pensar que viveram aqui alguns em cima do seu relvado. “Eles sabem muito bem que po-
visões consegue captar: elevando-se de uma insuspeitas dentro ao pé de mim” recorda Hank Ha- De forma inesperada, Abdulaziz dem usar os valores ocidentais pa-
massa negra de ferro queimado, as baforadas bora, vizinho de Amer Mohamed Alomari disse ao senhorio que em ra se organizarem”, considera o
de fumo que alguém diz se podem avistar a 50 do território dos EUA Kamfar, um dos suspeitos de envol- Agosto iria abandonar a casa, pela estudioso francês Jean Francois
quilómetros. vimento nos atentados, que está qual pagava 1400 dólares de renda Daguzan, da Fundação de Estudos
Os residentes, aparentemente recuperados MARCO VAZA ainda a monte. mensal, no final de Agosto para Estratégicos de Paris, para quem
do trauma, regressam a casa, restaurantes re- Nos inquéritos que estão a ser regressar com a família à Arábia democracias ocidentais como os
abrem. O perímetro proibido reduz-se de hora Durante meses, anos em alguns conduzidos pelas autoridades nor- Saudita. Pouco depois, organiza- EUA, são os palcos perfeitos para a
a hora, nos últimos dois dias. Como quem se casos, passaram por cidadão ame- te-americanas, os vizinhos pouco ram uma festa de despedida para implantação de organizações ter-
preparasse para fazer surgir por um qualquer ricanos normais. Não eram pro- recordam da actividade diária dos a qual convidaram toda a vizi- roristas clandestinas. “As demo-
passe de mágica, do lugar da infâmia onde as priamente iguais aos outros, mas presumíveis terroristas, mas as nhança, onde se serviram pizzas, cracias do Ocidente apresentam
torres ruiram, um novo símbolo do orgulho também não chamavam atenções frequentes reuniões entre eles apa- “Happy Meals” do McDonalds. um respeito tradicional pela priva-
dos nova-iorquinos. E o que falta voltasse ao sobre si. “Não tinham nada a es- recem como um dado comum em “Convidaram todos os miúdos das cidade individual, especialmente
lugar a que pertence no imaginário da grande conder. Até deixavam a porta da todos os relatos. Para os vizinhos, redondezas, até aqueles que nunca aquelas que são liberais nas leis de
maçã e dos que a habitam. garagem aberta quando saíam”, estes encontros até altas horas da tinham visto”, relembra um vizi- imigração e asilo político”, acres-
recorda Ray DeFossez, vizinho de manhã eram incómodos mas não nho. A justificação para a festa foi centa o investigador. I
Abdulaziz Alomari, um dos 19 sus-

Já apareceram peitos já identificados pelo FBI co-


mo presumíveis autores dos aten-
tados da passada terça-feira. Não
Um cidadão anónimo que não pagou uma multa
os “recuerdos” eram particularmente sociáveis,
mas também não aparentavam le- Mohamed Atta, identificado como es- presença habitual, juntamente com
var vidas secretas nem tinham tando a bordo do voo 11 da American uma terceira pessoa, num bar em
Já apareceram os “recuerdos” do ataque ao comportamentos que os identifi- Airlines, o primeiro que embateu no Hollywood, Florida, onde passavam
World Trade Center. A Chinatown foi iundada cassem como terroristas. World Trade Center, era um arquitec- longas horas a beber e a jogar Trivial
de T-shirts com imagens feias e frases de mau É mais ou menos este o mundo to de 33 anos, natural do Emirados Pursuit. Os dois já se conheciam desde
gosto. A pior de todas diz “I can’t believe I em que viviam e que as autoridades Árabes Unidos, formado em planea- que estudaram juntos em Hamburgo
got out” (não acredito que me safei). Outras norte-americanas estão agora len- mento urbanístico na Universidade e eram descritos como inseparáveis.
frases, incritas ao lado de bandeiras dos EUA, tamente a desvendar, quase uma se- de Hamburgo (presumivelmente um Um passageiro que se lembra de ver
ou de bandeiras cortadas por duas torres: mana depois da tragédia que tam- dos grandes centros de operações na os dois num primeiro voo na última
“A América está a ser atacada”; “O mal será bém os vitimou e cujos números Europa para os seguidores de Bin La- terça-feira descreve-os como se esti-
Mohamed Atta
castigado”. reais estão ainda por apurar. Mem- den), que chegou aos Estados Unidos vessem “ligados à nascença”.
Mas há mais. Os vendedores da China Town bros normais da comunidade com em Maio do ano passado para receber Se tanto Atta como Al-Shehhi morre-
recolheram dos expositores todos os postais famílias, que iam às compras aos treino como piloto em várias escolas de avia- ram nos atentados, outros na Florida teriam
que mostram as torres gémeas, e vendem- centros comerciais e que não dei- ção na Florida. conhecimento do que ia acontecer. Na noite de
nos por dois dólares (mais de quatrocentos xavam de visitar, de vez em quando, Tudo se passou sem levantar suspeitas. Afinal, segunda-feira, três homens passaram algumas
escudos) cada um. Antes, eram seis por um o bar mais próximo para beber uns como é que se podia desconfiar de alguém cujos horas num bar de “striptease” em Daytona Be-
dólar. Fotografias com o World Trade Center copos, como qualquer americano. únicos “crimes” até à última terça-feira se re- ach, o “Pink Pony and Red Eye Jack Sports
a arder também já são comercializadas (um “O tipo de pessoas que não me im- sumiam a uma multa em Abril passado por Bar”, onde gastaram algumas horas (das 23h
dólar cada uma). Há ainda chapéus de tecido portava de levar a um jogo de base- conduzir sem carta em Fort Lauderdale (do às 2h da manhã) a beber. De acordo com o que
camuflado, cintos com a bandeira dos EUA bol”, admite ao “Miami Herald” qual tinha um mandado de captura, que nunca John Kap, proprietário do bar, disse ao FBI, os
estampada e tacos de basebol insufláveis tam- Charles Lisa, que alugou casa a dois foi executado pela polícia local) e os três filmes três homens gastaram centenas de dólares em
bém com a bandeira. dos presumíveis terroristas. (“Ace Ventura -Detective Animal”, “Vampiros, bebidas e espectáculos privados com as bailari-
Os vendedores recuperaram alguns “sou- Mesmo depois dos atentados, de John Carpenter” e “A Tempestade do Sécu- nas mas, apesar do ambiente descontraído, não
venirs” que não conseguiram vender em cri- ainda ninguém que tenha convivi- lo”) que não entregou num videoclube na Ale- deixaram de manter bem presentes o que iria
ses anteriores: “crachats” a dizer, em cima, do de perto com os alegados auto- manha há três anos. acontecer no dia seguinte: “Diziam-se muitas
“Apoiem a América” e, em baixo, “Operação res disse claramente “Nós sempre Atta e Marwan Al-Shehhi, que esteve no voo coisas anti-americanas e, a certa altura, um
Tempestade no Deserto”. A.G. E A.G.F., em soubemos que aquele tipo era um 175 da United Airlines, o segundo avião que se dos homens disse: ‘Esperem até amanhã. A
Nova Iorque terrorista”. “Eram pessoas nor- despenhou contra o World Trade Center, eram América vai ver um banho de sangue’.” M.V.
D E S TA Q U E 9
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 17 SET 2001

Assim começa o século XXI


Onde estava quando ouviu a notícia de A OPINIÃO DE resto do mundo. A NATO, ao declarar que
que tinham assassinado Kennedy, que o ataque aos Estados Unidos é um ataque
caía o Muro de Berlim, e agora que o
TIMOTHY GARTON ASH contra todos os seus membros, invocando,
World Trade Center estava a ser alvo de pela primeira vez na história, o artigo 5
ataque? Este foi um daqueles momentos Se a queda do Muro foi o do seu Tratado, a Administração Bush
que definem a experiência e a emoção recapitula sobre o seu delineamento. Em
global, partilhadas através da televisão. autêntico final do século XX, vez de ser uma vingança unilateral, os
Mas a pergunta que se impõe é: que tipo temos boas razões para afirmar Estados Unidos elaboram uma estratégia
de acontecimento global é este? Será como que o ataque ao World Trade com os aliados ocidentais. Mas a coligação
o assassinato de Kennedy, terrível, inol- vai muito para além dos aliados da NATO
vidável, mas em última análise de fraca Center foi o verdadeiro início e de mais uns tantos amigos tradicionais
importância para o curso da história? Ou do século XXI. Bem-vindos do Ocidente.
será antes como a queda do Muro, um a outro mundo feliz Este Ocidente alargado enreda-se tam-
acontecimento que muda verdadeiramen- bém na batalha. A Grã-Bretanha encon-
te o curso da história, e cujas consequên- tra-se na primeira linha, com monumen-
cias se farão sentir durante muitas deze- tos tão emblemáticos como a torre Canary
nas de anos em todos os continentes? ca obrigou activamente os seus líderes a Wharf suportando os mesmos mecanis-
Tenho a impressão de que isto acabará fazer em matéria de política externa. O mos de segurança, que sem dúvida algu-
por se enquadrar em algum ponto inter- horror de Manhattan parece ter mudado ma se imporão agora às torres de escritó-
médio, mas mais próximo do segundo, isso, embora seja apenas de momento. rios de Manhattan.
por duas razões. A primeira, porque esta De imediato, o grito sai das gargantas Durante anos vai estar em curso uma
era uma catástrofe anunciada. Há vários meio estranguladas pelo pó e pelo entulho, batalha contra as várias forças em cons-
anos que os especialistas em segurança e das de milhões de pessoas por todo o tante mudança do terrorismo. Os terro-
nos vêm avisando que depois da guerra país: Vingança! Vamos perseguir os filhos- ristas encontram asilo nos Estados que
fria, a maior ameaça para a segurança da-mãe que fizeram isto, se possível com poderemos definir como ‘delinquentes’,
das nossas prósperas democracias ca- armas inteligentes e sem baixas, claro, mas que se vêem a si próprios como ir-
pitalistas — do Ocidente ou do Norte, mas se não puder ser, mesmo que isso mãos no Islão, irmãos no antissionismo,
dependendo do ponto de vista — poderia signifique que alguns pereçam, seja. ou simplesmente irmãos no grande ali-
vir dos ataques terroristas. A maior par- O que é que acontece então no mundo nhamento dos pobres do mundo contra os
te das pessoas dificilmente acreditava. de depois de 11 de Setembro? Podemos ricos. Estes, por seu turno, estão apoiados
Sim, punham bombas terríveis, mas na concentrar-nos em três hipóteses: tacitamente por grandes potências como
realidade não havia um momento que Primeira hipótese: os Estados Unidos a China, que procuram aliados ou clientes
as definisse — não havia um cerco de começarem a comportar-se de una forma para o seu próprio jogo global.
Berlim ou uma crise dos mísseis cubanos mais parecida com a de Israel. Ao senti- Terceira hipótese: Nações Unidas con-
da nova era — para que ficassem grava- rem-se acossados e combatidos, mas com tra os terroristas. Fazendo alarde da pa-
das em todas as mentes. Pois bem, aqui um destino específico, atacam com a sua ciência e contenção que demonstram ao
está: imagens da paisagem urbana mais alta tecnologia militar todo e qualquer abordar a crise que se verificou no início
famosa do mundo envolta em fumo e to- que pareça ter vontade de os atacar. deste ano quando um avião norte-ameri-
talmente alterada. Portanto, longe de ser Qualquer atentado terrorista provoca cano foi derrubado na China, o presidente
um acontecimento anormal e isolado, é represálias imediatas, sem esperar pelas Bush concede o tempo necessário para
a pior concretização possível de tendên- provas de que o ataque teve de facto essa estabelecer, com um nível razoável de pro-
cias mais profundas que tinham já sido origem. Olho por olho, dente por dente, babilidade, quem foi o verdadeiro respon-
definidas e previstas. e não importa de quem seja o olho ou o sável por esses ataques. As represálias
Segundo: suspeito que irá mudar o cur- dente. Esta é a atitude que o primeiro- norte-americanas armadas limitam-se
so da história porque o que vai acontecer ministro israelita, Ehud Barak, incita os a esses responsáveis. Ao mesmo tempo
no mundo no início do século XXI depende Estados Unidos a seguirem. Segundo ele, trabalha com as Nações Unidas para criar
mais do que nunca da conduta de um só os Estados Unidos devem avançar para a una coligação que actue contra o terro-
país, os Estados Unidos, e parece muito guerra contra o terrorismo, contra todos rismo e que englobe mais do que só o Oci-
provável que este ataque tenha conse- os terroristas conhecidos. dente. Concretamente, que inclua a Rússia
quências incalculáveis para a psicologia Nunca se deve menosprezar a influên- e a China. Em determinados momentos
daquele país. Uma boa parte da evolução cia, quer de Israel directamente, quer de deu a impressão de que a Administração
positiva da política externa norte-ame- Israel na direita republicana dos Estados Bush pensava que o mundo iniciava uma
ricana desde 1945 deve-se ao facto de o Unidos. Nos anos oitenta, por exemplo, nova versão da guerra fria, com a China
mundo exterior não ter influído directa- houve ligações estranhas, mas sólidas no papel da nova União Soviética. Mas
mente para as vidas da maioria dos norte- entre a crueldade que Israel demonstrava não foi a China que feriu o coração dos
americanos. Qualquer pessoa que tenha no Líbano e a dureza que a Administração Estados Unidos.
vivido durante algum tempo nos Estados Reagan decidiu demonstrar na América Uma acção internacional tão cuida-
Unidos sabe a o que é que estou a referir- Central. Obcecados com a sua própria de- dosamente coordenada pode ser menos
me. As pessoas resmungavam nos bares fesa, cada vez interessa menos aos Estados eficaz na hora de deter determinados
das pequenas cidades sobre o eventual Unidos as missões de paz noutras partes terroristas a curto prazo, mas o seu efei-
envolvimento em alianças. Congressistas do mundo. Se Manhattan foi atacada, o to a longo prazo será o de unir Estados
e analistas de Washington falavam ame- que é que importa a Macedónia? diferentes com o motivo mais poderoso
açadoramente de isolamento ou castigo. Muitas das primeiras reacções em Wa- de todos: um inimigo comum. Em vez
Mas a maior parte das pessoas, a maior shington parecem apontar nesta direcção. do “choque de civilizações” de Samuel
parte do tempo, na realidade, não se pre- O secretário de Estado, Colin Powell, dis- Huntington teríamos a defesa da civili-
ocupava muito com o que se passava no se que, seja qual seja a postura legal, a zação no singular. E entre as bases da
resto do mundo. Sobre esta forte base de maioria dos norte-americanos sentem civilização estão os direitos humanos de
indiferença popular, arquitectos de elite que o seu país está em guerra, e é também todos e o direito internacional aplicado
ergueram as torres de aço da política ex- assim que ele sente. Todo o mundo fala de a todos por igual.
terna norte-americana. Pearl Harbor e de uma vingança rápida e Estas três hipóteses partem da ime-
Com o ataque externo mais importante certeira. Contra quem? diata resposta ao que o Presidente Bush
ao coração da pátria norte-americana des- “Não me resta a menor dúvida de que descreveu como “assassínio em massa”.
de que as forças britânicas encandearam é Osama bin Laden”, disse o senador John Mas as implicações vão muito para além
Washington em 1814, aquelas bases para- Kerry de Massachusetts. Mas o multimi- disto. Desde o momento em que George
doxalmente sólidas vêem-se sacudidas. lionário saudita está protegido pelos tali- W Bush foi eleito que temos vindo a es-
Pode parecer estranho temer o momento bans no Afeganistão. E o próprio presiden- pecular sobre até que ponto ele se encon-
em que os norte-americanos comecem te Bush afirma: “Não faremos distinção tra preparado para que os Estados Uni-
a preocupar-se realmente com o mundo entre os terroristas que cometeram estes dos ajam por sua conta. Em suma: Será
exterior, mas poderíamos dar por nós a ter actos e aqueles que os encobrem”. unilateral ou multilateral? Agora, nas
saudades da indiferença e do isolamento Resultado: Bombas sobre o Afeganis- circunstâncias mais extremas, vamos ter
de outrora que tantas vezes irritavam o tão, inocentes que são assassinados jun- oportunidade de descobrir. Pode parecer
visitante estrangeiro. tamente com os culpados e mais ondas de ousado insinuar que a maneira como os
Há muitas coisas que a opinião pública ódio que avançam para os Estados Unidos Estados Unidos respondam a um único
norte-americana imperdiu que os seus vindas de algumas partes do mundo ára- ataque terrorista, por maior e mais ter-
líderes fizessem no mundo. Desde o Vie- be e do mundo muçulmano? Os Estados rível que este tenha sido, dará forma a
tname, por exemplo, que existe a fobia Unidos como o Grande Israel. todo o sistema internacional. E, eviden-
de arriscar as vidas de soldados norte- Segunda hipótese: Ocidente contra o temente, poderá ser assim. Se a queda do
americanos, por medo de que pudessem Muro foi o autêntico final do século XX,
regressar já mortos. Daí o facto de o Ko- temos boas razões para afirmar que o
sovo ter sido bombardeado de uma altura ataque ao World Trade Center foi o ver-
de segurança de 5.000 metros. Mas houve JORNALISTA E HISTORIADOR BRITÂNICO, dadeiro início do século XXI. Bem-vindos
muito poucas coisas que a opinião públi- AUTOR DE “HISTÓRIA DO PRESENTE” a outro mundo feliz. I
10 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 17 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

A dor de cabeça

COMO A “LOW-TECH” da CIA


A CIA está autorizada desde
1998 a usar meios secretos pa-
ra fazer abortar ou prevenir
operações terroristas planea-
das por Osama bin Laden, e es-
sa autorização foi assinada pe-

VENCEU A “HIGH-TECH”
lo então Presidente dos EUA,
Bill Clinton, e reconfirmada
pelo seu sucessor, George W.
Bush. A notícia foi dada esta
semana pelo jornal “The Wa-
shington Post (WP)”. Agora,
além de poder usar uma “for-
REUTERS ça letal em casos de autodefe-
sa”, terá também luz verde pa-
ra proceder a assassínios de
suspeitos estrangeiros. Por di-
versas vezes este ano, os es-
piões americanos vigiaram o
terrorista milionário que os
sauditas tornaram apátrida o
que, segundo as fontes do WP,
sugere que poderá haver uma
intervenção militar dirigida
contra ele. O problema é que
informações credíveis sobre o
paradeiro de Bin Laden têm si-
do raras. “Temos um terrível
problema de alvo”, disse uma
das fontes, notando que os ana-
listas do Pentágono estão a ten-
tar conciliar os dados obtidos
com as capacidades militares
para atacar grupos terroristas.
Esses analistas estão a tentar
determinar se devem atingir
directamente Bin Laden, enve-
redar por uma acção punitiva
contra os seus colaboradores,
campos de treino ou a sua rede
global (Al Aqeda/A Base), que
tem ligações com outros gru-
pos islamistas. As informações
recolhidas desde terça-feira in-
dicam que os campos de Bin
Laden no Afeganistão e ou-
tros centros de treino no Médio
Oriente já foram evacuados.
As inúmeras missões dos aviões-espiões americanos não foram suficientes para evitar o ataque de terça-feira

Os elevados investimentos Como diz Stella Rimington, a ex- que conseguem imagens de campos quistão e o Afeganistão. Um sofisti- sulados, têm equipamentos para
americanos em sofisticados directora dos serviços secretos bri- de treino e perceber se estes estão cado sistema consegue identificar interceptar chamadas.
tânicos (MI5), nas suas memórias, ou não a ser utilizados. Todas as in- vozes, por exemplo, de pessoas que Muita tecnologia, mas faltam ho-
aparelhos e métodos recentemente publicadas, a inten- formações conseguidas por estes es- são procuradas. mens no terreno, lamentava recen-
de vigilância não foram ção do contra-terrorismo não é ti- piões espaciais são imediatamente temente um antigo agente da CIA,
suficientes para evitar rar instantâneos das actividades enviadas para Washington. O Echelon e a Internet Reuel Marc Gerecht. Enquanto o
dos inimigos, mas evitar os seus Ainda antes dos ataques terroris- O controverso Echelon, um siste- MI5 conseguiu infiltrar-se nos gru-
os ataques em Nova Iorque ataques. Prever as suas acções. tas de terça-feira, todas as agências ma que controla as “comunicações pos terroristas da Irlanda do Nor-
e Washington Uma missão quase impossível ape- norte-americanas e dos aliados es- civis”, desde as chamadas telefóni- te e os serviços secretos israelitas
sar do enorme investimento que, tavam atentas. No Reino Unido, os cas ao correio electrónico, fornece fizeram o mesmo em relação às or-
BÁRBARA WONG por exemplo, os EUA fazem nos ser- satélites estavam apontados para o informações actualizadas de hora ganizações palestinianas, os ame-
viços secretos. Médio Oriente, a estação de Menwi- a hora que é enviada de Inglaterra ricanos têm dificuldade em chegar
Quando os visitantes passam o sis- Não só os orçamentos são gigan- th Hill, em Yorkshire, emprega dú- para os EUA. A NSA está também aos seguidores de Bin Laden sem
tema de segurança da Agência de tescos — 30 mil milhões de dóla- zias de linguistas especializados em atenta à Internet, às mensagens serem detectados, reforça.
Segurança Nacional (National Se- res —, mas também o número de árabe e hebraico. Além dos satélites, enviadas pelos norte-americanos. Uma das razões por que os EUA
curity Agency — NSA), em Forth pessoas que trabalham nesta área existem aviões-espiões, sob o nome A marinha norte-americana usa não optam por agentes no terreno
Meade, Maryland, os seus anfitri- é significativo: 100 mil pessoas. de código “papermate”, da Força Aé- submarinos e algumas embaixadas é por recearem traições de agen-
ões costumam passar uma fita onde Na principal agência de espiona- rea Australiana que espiam o Pa- americanas, assim como os con- tes duplos. Uma situação que vive-
se ouve Osama Bin Laden à conver- gem (Central Intelligence Agency ram durante a guerra fria. Além
sa com a mãe. As chamadas que faz — CIA) trabalham mais de 16 mil disso, os agentes que vivem no Mé-
pelo seu telefone-satélite são inter- funcionários e na Polícia Federal OS ESPIÕES OS dio Oriente continuam a fingir que
ceptadas pela mais poderosa agên- (Federal Bureau of Investigation — AMERICANOS... T E R R O R I S TA S . . . são homens de negócios e não vão
cia de espionagem do mundo. A in- FBI) existem quase 12 mil agentes e às mesquitas rezar, nem se mistu-
tenção da NSA é clara: demonstrar cerca de 16 mil trabalhadores com Agência de Espionagem (CIA): 3,1 mil Orçamento de Osama Bin Laden, o sus- ram com a população local, refere
que se consegue ouvir o inimigo outras funções. A NSA tem 21 mil milhões de dólares; peito número um dos ataques nos EUA, Gerecht ao “Guardian”.
número um dos Estados Unidos a funcionários, de onde sobressaem Polícia Federal (FBI): 3 mil milhões de é estimado em 205 milhões de dólares Pelo contrário, os árabes apos-
falar com a família, ele não pode as maiores equipas de linguistas e dólares; (fortuna, empresas e donativos) tam na “low-tech”. Em vez de faze-
ir à casa de banho sem que em Wa- de matemáticos do mundo, refere Agência de Segurança Nacional (NSA): rem telefonemas, ou enviarem “e-
shington se saiba. o jornal londrino “The Guardian”. 3,6 mil milhões de dólares; ... E AS SUAS TÁCTICAS mails”, optam por mandar alguém
Mas, depois da catástrofe da pas- Além destes organismos, os EUA Serviços Nacionais de Reconhecimen- — uma rede frágil sem qualquer estru- por terra com instruções. Mas a
sada terça-feira, a NSA vai ter me- têm outras agências que estão en- to: 6,2 mil milhões de dólares. tura, espalhada por vários países; tecnologia também é utilizada: os
nos legitimidade para continuar volvidas na espionagem. — não se infiltram facilmente; agentes terroristas são treinados
a usar este cartão de visita. O que ... E OS SEUS MÉTODOS — as mensagens importantes são en- para fazer reconhecimentos, por
aconteceu veio demonstrar que os Satélites, submarinos — Satélites espiões; viadas em código pela Internet ou exemplo, utilizando pequenas câ-
EUA e os seus aliados têm um pro- e aviões-espiões — Aviões espiões; pessoalmente; maras de filmar. E assumem um
blema. Apesar de disporem de sis- Só que o orçamento não é gasto em — Submarinos; — adoptam soluções simples; personagem: rapam a barba, ves-
temas de vigilância únicos e de salários, mas investido em tecnolo- — Descodificação; — não é necessário utilizar planos de tem fato e põem gravata, usam água
utilizarem as mais recentes tec- gia. Alguns exemplos: os satélites- — Intercepção de mensagens de rádio, fuga quando os terroristas são sui- de colónia e andam com tabaco.
nologias, tudo parece inútil para espiões que interceptam conversas Internet, fax e telefone. cidas; Depois de conseguirem atravessar
combater o terrorismo. Os agentes telefónicas, detectam sinais de rá- — optam pelo caminho mais trabalho- fronteiras, onde ludibriam agentes
norte-americanos dizem que Bin dio, telemóveis e conseguem fazer so, um plano é preparado com anos com passaportes e personalidades
Laden sabe que as suas comunica- a distinção entre material de rádio- de antecedência; falsas, chegam ao Ocidente e, co-
ções estão sob escuta, mas não está amador e profissional. Existem tam- — utilizam planos ambiciosos e inima- mo aconteceu com os terroristas-
preocupado porque envia mensa- bém satélites que tiram fotografias, gináveis pelos inimigos. suicidas dos atentados nos EUA,
gens codificadas pela Internet. mesmo numa noite com nevoeiro, Fonte: “The Guardian” tiram cursos de pilotagem. I
D E S T A Q U E 11
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 17 SET 2001

RUSSELL BOYCE/REUTERS

FAA avisou Pentágono


de que um avião desviado
se dirigia a Washington
DEFESAS NÃO FORAM no Pentágono, segundo Craig Pentágono, é que os altos fun-
Quigley. “Seria difícil de pas- cionários do Ministério da De-
ACCIONADAS sar pela cabeça de alguém que fesa se aperceberam do perigo
a aeronave se destinasse ao iminente.
“Não havia nenhum Pentágono. A acção tomada foi
a de pedir caças à Base Aérea Treinos da guerra fria
indício” de que o avião de Langley. Mas o tempo foi es- ineficazes
fosse embater no casso. E eles não conseguiram Além disso, segundo o “Wa-
Pentágono, explicou o chegar a tempo”. shington Post”, os caças foram
Segundo o “Washington pedidos à Base Aérea de Lan-
almirante Craig Post”, a FAA alertou o coman- gley, situada a cerca de 210 qui-
Quigley do de defesa aéreo, dizendo lómetros do Pentágono, quan-
que uma avião se dirigia a Wa- do poderiam ter sido pedidas
Corpo de António Rocha será sepultado nos Estados Unidos por vontade da viúva A FAA (Federal Aviation Ad- shington, 12 minutos antes do à base de Andrews, que é a
ministration, responsável pelo ataque. apenas 24 quilómetros do edi-

Vila Verde de luto pela controlo do tráfego aéreo nos


Estados Unidos) tinha avisado
o Pentágono de que um avião
desviado se dirigia naquela
Mas só 35 minutos depois de
dois aviões comerciais se des-
penharem contra as Twin To-
wers, quando a aeronave, cheia
fício.
Dois minutos após a saída
dos caças de Langley, o avião
entra por um dos cinco lados

morte de português no WTC direcção. Apesar disso, o me-


canismo de defesa não foi ac-
cionado a tempo, noticiou a
de combustível, embateu no do Pentágono. O diário de Wa-
shington cita ainda generais
da Força Aérea reconhecendo
agência Reuters. que não havia preparação pa-
Só 35 minutos depois
ANTÓNIO ROCHA, 34 ANOS DE IDADE cha. Anteontem à noite, a filha Segundo o principal porta-
de dois aviões
ra um ataque daquela nature-
de José Correia Tomé voltou a voz do Pentágono, o almirante za. Os exercícios dos pilotos do
Tio do emigrante português previu o desfecho telefonar-lhe, informando-o de Craig Quigley, o mecanismo de comerciais se sistema de defesa aéreo na era
que já tinha aparecido o corpo defesa aéreo foi imediatamen- despenharem contra as da guerra fria sempre lidaram
trágico quando viu as imagens do atentado ao e que se encontrava já na mor- te accionado depois do alerta apenas com intercepções fora
World Trade Center em Nova Iorque gue. “E disse-me ainda que o da FAA. Só que os caças vindos Twin Towers, quando a das fronteiras americanas, no
meu sobrinho antes de morrer da Base Aérea de Langley, Vir- aeronave, cheia de mar, com tempo para consul-
GUSTAVO BRÁS Um desfecho que só veio con- teve um desmaio e que o corpo ginia, não chegaram a tempo combustível, embateu tar a Casa Branca antes de to-
firmar o que o seu tio, José Cor- estava intacto”, adiantou. de prevenir o ataque, explicou mar qualquer acção drástica.
Os momentos de angústia e in- reia Tomé, residente em Seia, já José Correia Tomé disse ain- o almirante à televisão NBC. E,
no Pentágono, é que os Uma decisão de abater uma
certeza vividos, minuto a minu- temia. “Estava a ver a televisão, da ao PÚBLICO que o corpo entretanto, a evacuação ime- altos funcionários do avião comercial iria ter de ser
to, durante alguns dias em Vila quando deram as imagens do do sobrinho ficará nos Estados diata do edifício não foi orde- Ministério da Defesa se tomada depois de aprovação
Verde, na freguesia de Tourais, atentado no World Trade Cen- Unidos da América (EUA): “As- nada porque, apesar do alerta, presidencial, diziam ao “Post”
concelho de Seia, foram agora ter e vi logo que se passaria o sim o deseja a mulher dele. A “não havia nenhum indício”
aperceberam do perigo funcionários da Força Aérea.
invadidos por uma profunda pior com o meu sobrinho. É que vida dela é lá e quer tê-lo ao pé de que o avião fosse embater I REUTERS
tristeza. Um dos filhos da al- ele começava a trabalhar às se- dele.” O tio da vítima do aten-
deia, marcada fortemente pe- te da manhã”, contou ao PÚ- tando disse que a última vez que
la emigração de mais de meia BLICO, profundamente cons- esteve com o sobrinho foi há cer-
centena que preferiu ir para ternado, José Correia Tomé. ca de ano e meio, quando ele re-
os EUA, é uma das vítimas dos “Fiquei logo chocado e pres- gressou a Portugal para assistir
atentados ao World Trade Cen- senti o pior, porque o avião às cerimónias fúnebres da sua
ter (WTC), em Nova Iorque. bateu precisamente no mes- avó. Vendo-se na impossibilida-
António Augusto Tomé Ro- mo lugar onde ele trabalhava”. de de estar presente no funeral
cha, de 34 anos de idade, casa- Emigrante nos EUA durante 24 do sobrinho, José Correia Tomé
do e pai de três filhos, trabalha- anos, tendo regressado defini- adiantou que tenciona pedir ao
va no 105º andar da torre 1 do tivamente a Portugal há já al- pároco da freguesia que agende
WTC, para a empresa Cantor gum tempo, José Correia Tomé uma missa em sua memória.
Fitzgerald Securities e estava diz que conhecia perfeitamente Lamentando profundamen-
dado como desaparecido des- o WTC: “Gostava de subir ao te os trágicos acontecimentos,
de o trágico acontecimento da edifício para ver a paisagem e Eduardo Brito, presidente da
passada terça-feira. Foi aos dois a estátua da Liberdade”. Câmara de Seia, disse ao PÚ-
anos de idade que, juntamente De início, temeu ainda que BLICO que a autarquia ainda
com os pais, abandonou a pe- também tivesse acontecido al- não reuniu para decidir se será
quena aldeia serrana em direc- guma coisa à sua filha mais no- agendada alguma cerimónia
ção a terras do “Tio Sam”. Ca- va, que trabalhava no edifício em memória das vítimas dos
sado e pai de três crianças, uma ao lado do WTC, mas os receios EUA. O mesmo acontece com a
com apenas seis meses de ida- desvaneceram-se quando, “pas- Junta de Freguesia de Tourais,
de, António Rocha viria a ser sadas umas dez ou onze horas, como adiantou o tesoureiro, Jo-
encontrado, anteontem à noite, chamou para cá a dizer que, aquim da Silva Matias, que es-
já morto entre os escombros com ela, estava tudo bem”. Per- teve de férias em Nova Iorque,
dos edifícios destruídos nos ata- maneceram as incertezas quan- tendo regressado um dia antes
ques terroristas. to ao paradeiro de António Ro- dos atentados. I

Famílias americanas
preparam-se para a guerra
Antigos combatentes situação de Barbara estão mi- jovens alistam-se. A América
criam rede de apoio lhares de outras famílias que, começa a viver um ambiente de
já num verdadeiro ambiente guerra e as próprias famílias
Barbara Bronson acende, com de guerra, preparam-se para o dos soldados começam a recear
a família, três velas numa vigí- pior. Foram entretanto criados o pior.
lia na Virgínia, pelas vítimas do serviços de ajuda. Melissa Beaucamp, casada
atentado de terça-feira. Até que Por enquanto, parece parti- com um sargento do exército,
se ouve um grito: “Hei, Milita- lhar o sentimento nacionalis- não sabe o que pode vir a acon-
res! Nós adoramo-vos! Obriga- ta americano. “Ele está muito tecer. “Estou preocupada com
da!” Barbara não ficou indife- orgulhoso por ter sido cha- ele e estou preocupada com o
rente a estas palavras. Casada mado. Tem tanto do orgulho país”, afirmou. “Por que é que
com um militar, já alertado pa- americano.” Os jornais cha- isto aconteceu? A última vez
ra a possibilidade de ser cha- mam o conflito de “inevitá- que fomos atacados começou a
mado, prepara-se agora para vel”, a população dá o apoio a II Guerra Mundial. É isto que
uma eventual separação. Na uma intervenção militar e os mais me assusta”, afirma. I
1 2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 17 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

HISTÓRIAS DE NOVA IORQUE


FBI leva a cabo VÍTIMAS IDENTIFICADAS PELO DNA
As hipóteses de encontrar mais corpos intac-
interromper a saída daquele diário económi-
co. O jornal conseguiu pôr na rua quarta-feira
1,6 milhões de exemplares e sexta-feira tirou

novas detenções... tos debaixo dos escombros do World Trade


Center são cada vez mais diminutas. Por isso,
começa-se a preparar a que será a maior ope-
ração de identificação por DNA.
A escala do trabalho é tão gigantesca que a
1,7 milhões, apenas 100 mil menos do que os
habituais 1,8 milhões de exemplares.
O chefe adjunto de redacção, James Pensie-
ro, manteve-se no jornal até conseguir enviar
mensagens electrónicas a todos os respon-
VÁRIOS DOS DETIDOS custódia dos Serviços de Imi- Azmath terão embarcado, cidade pediu ajuda à Celera Genomics, a com- sáveis de edição e produção para se reagru-
gração. A custódia, que se pro- na terça-feira, num voo em panhia que sequenciou o genoma humano, e parem nos escritórios do jornal em South
NÃO SÃO SUSPEITOS longa por tempo ilimitado, Newark, que, depois do aten- à Applied Biosystems, o maior fabricante de Brunswick, a 80 quilómetros de distância, e
deve-se a irregularidades na tado, acabou por ser obrigado equipamento de laboratório forense. saiu das instalações obrigado pelas forças de
25 testemunhas permanência no país, como a aterrar em St. Louis. Quan- “Temos de ser honestos com as pessoas”, segurança. Horas depois da tragédia o chefe
tendo vistos fora de validade. do foram detidos, na quarta- disse o Presidente da Câmara de Nova Iorque, de redacção, Paul Steiger, estava reunido com
materiais, sob custódia O FBI revelou, no sábado, feira, durante as buscas a um Rudolph Giuliani, preparando as famílias para todos os editores do jornal num apartamento
dos Serviços de que estas 25 testemunhas já fo- comboio com destino ao Te- o facto de poderem nunca recuperar os seus no Oeste de Manhattan.
Imigração, estão a ser ram, ou vão ser, interrogadas. xas, transportavam x-actos, entes queridos ou de encontrarem apenas par- Os repórteres trabalham a partir de casa
As testemunhas materiais não objectos que se pensa terem tes dos cadáveres identificados pelo DNA. e foi montado um sistema computorizado de
interrogadas são necessariamente suspei- estado na origem do desvio produção nos escritórios, onde se instalou
tos do crime. São pessoas que dos quatro aviões no dia an- a equipa de edição. Nestas instalações traba-
LINA FERREIRA têm informação muito rele- terior. FILME DO HOMEM-ARANHA lham habitualmente os serviços administra-
vantes para o desenvolvimen- Inicialmente pensava-se APAGA WORLD TRADE CENTER tivos do jornal. No sótão do edifício foi orga-
A Polícia Federal norte-ame- to da investigação e que po- que Khan e Azmath também nizada uma redacção improvisada com 100
ricana (FBI) parece avançar dem estar em risco de fuga. também teriam sido presos, Só em filmes e fotografias será possível voltar computadores. O “Wall Street Journal” é im-
com as investigações ao aten- A primeira pessoa presa pelo mas as autoridades afirma- a ver o World Trade Center (WTC). Seria o caso presso em 17 locais dos Estados Unidos e do
tado ao World Trade Center. FBI, na passada sexta-feira, já ram que também estariam do novo filme do Homem-Aranha, gravado estrangeiro.
Ontem divulgou ter prendido teria sido detido na terça-feira, detidos por problemas rela- parcialmente em Nova Iorque no início deste
uma testemunha material e, no aeroporto John Kennedy, tivos à sua permanência no ano. Mas, segundo a Scifi.com, os produtores
no sábado, um suspeito. Ou- por posse de uma licença de país. Ambos já foram ouvidos do filme não querem que o edifício apareça SONDAGEM MOSTRA PÚBLICO
tras 25 testemunhas estão de- pilotagem falsa. como testemunhas materiais no ecrã e vão tentar “apagar” as imagens do RADICALIZADO
tidas. do caso. A prisão de sábado, WTC. O poster e o filme promocional também
A segunda prisão foi feita no X-actos suspeitos em New Jersey, terá surgido a vão ser alterados. Na sequência de abertura Os americanos querem vingar o ataque terro-
sábado, em New Jersey. James A NBC traçava ontem o per- partir de uma busca ao apar- o herói tentava apanhar um helicóptero com rista, convencidos de que este mudou perma-
Carter, director da polícia de curso de dois dos 25 detidos, tamento dos dois detidos. uma teia de aranha entre as duas torres gé- nentemente o modo de vida do país. Para lutar
New Jersey, apenas disse que considerados fundamentais New Jersey é, segundo a meas. “A sequência do ‘trailer‘ não faz parte contra o terrorismo, largas maiorias dizem
resultou de um trabalho con- na investigação. Ayub Ali Associated Press, um dos lo- do filme, por isso... decidimos que o melhor que pagariam mais impostos e sacrificariam
junto entre a polícia da cidade Khan e Mohamed Jaweed cais onde se centram as in- seria ser sensível ao problema”, afirmou um algumas liberdades pessoais, diz uma son-
e o FBI, recusando-se a revelar vestigações. As outras são o porta-voz da Sony. dagem do “Los Angeles Times”. Quase sete
qualquer pormenor relativo à Texas, a Florida, Nova Iorque em dez americanos acreditam que a América
sua identidade. e Massachusetts. O advogado já está num estado de guerra. “Detesto ver
Ontem, uma porta-voz do New Jersey é, segundo John Ashcroft afirmou on- ”WALL STREET JOURNAL” algum país todo em bocados só para apanhar
departamento de Justiça ame- a Associated Press, tem estar globalmente satis- VENCEU A SUA ODISSEIA alguns terroristas”, disse Elmer Thorndon,
ricano afirmou que tinha sido um dos locais onde feito com o progresso das in- um agricultor de Michigan de 87 anos. “Mas
presa uma terceira pessoa, em vestigações. “Estamos a fazer O emblemático jornal “Wall Street Journal”, se tiver de ser, tem de ser.”
Nova Iorque — não sabendo
se centram os contactos necessários e a cuja sede se situava em frente ao World Trade Os acontecimentos da semana passada mu-
se se trata ou não da mesma as investigações. juntar a informação que nos Center, venceu o desafio de continuar a sair daram a vida de nove em dez americanos ouvi-
pessoa que foi detida sábado As outras são o Texas, permita prosseguir com su- diariamente após o atentado. Terça-feira a dos nesta sondagem, e seis em cada dez dizem
em New Jersey. Segundo a es- a Florida, Nova Iorque cesso”, afirmou Ashcroft, an- sede do jornal teve de ser precipitadamente mesmo que afectou a sua rotina diária. Em
tação de televisão americana tes de se encontrar com o evacuada e, depois disso, foi elaborado um relação à actuação de Bush, 86 por cento dos
NBC, o indivíduo é uma das e Massachusetts Presidente Bush, em Camp plano operacional de emergência para não inquiridos aprovaram as suas acções.
25 testemunhas materiais sob David. I com agências
MATT CAMPBELL/EPA

... e sabia que dois suspeitos


estavam nos EUA
Polícia subestimou à agência AFP. Segundo o dois homens. Os serviços de
“Los Angeles Times”, o FBI imigração souberam que os
informações que começou a procurar dois ho- dois suspeitos estavam nos
poderiam ter evitado mens — Kalid al-Midhar e EUA.
o ataque ao World Salem Alhamzi — suspeitos As autoridades america-
Trade Center de ligações a grupos terroris- nas descobriram entretanto
tas, mas não pediu aos seus que os dois indivíduos ti-
agentes em S. Diego, onde os nham voado para o Aero-
Três semanas antes dos ata- dois homens tinham estado a porto Internacional de Los
ques ao World Trade Center e viver, para ajudar nas inves- Angeles no início do ano pas-
ao Pentágono, o FBI (Federal tigações, até cerca de 9 ou 10 sado e, depois, novamente
Bureau of Investigation) foi de Setembro, um ou dois dias para Nova Iorque no início
avisado de que dois indivídu- antes do ataque. deste ano. O FBI procurou
os possivelmente ligados a O FBI teria sido avisado nos registos dos hotéis em
Bin Laden, agora suspeitos pela CIA (Central Intelligen- Los Angeles e Nova Iorque,
de terem sequestrado o avião ce Agency) que estes dois ho- mas não encontrou nada. Na
que foi contra o Pentágono, mens tinham ligações a Bin busca iniciada em Agosto
estavam nos Estados Unidos, Laden e ainda que al-Midhar deste ano, o FBI sabia à par-
segundo fontes dos serviços poderia estar ligado ao ata- tida que as informações da-
de informações citados pelo que ao navio americano Co- das pelos dois suspeitos so-
“Los Angeles Times”. Tam- le, em Outubro do ano passa- bre o local onde estariam era
bém a revista “Newsweek” do em Iémen. Neste atentado errada.
noticiou esta investigação do suicida morreram 17 mari- “Só tivemos duas semanas
FBI, que teria começado a 21 nheiros americanos. e uma pequena informação
de Agosto. Al-Midhar e Alhamzi terão claramente enganosa sobre o
Estas notícias lançam as estado, segundo o Departa- sítio onde iriam ficar”, disse
primeiras suspeitas de que mento de Justiça america- um agente à “Newsweek”. A
os serviços de informação no, entre os sequestradores revista informava ainda que
americanos poderiam ter in- do voo 77 da American Air- 19 dos suspeitos dos desvios
formações acerca de alguns lines que embateu no Pentá- identificados pelo Departa-
dos terroristas antes do ata- gono. A CIA tinha informa- mento de Justiça poderão ter
que. Um funcionário do FBI, do os serviços de imigração recebido treino militar em
que pediu anonimato, ne- americanos das possíveis li- instalações americanas nos
gou entretanto estes dados gações a Bin Laden destes anos 90. I
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PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 17 SET 2001

Hipóteses Edifícios junto ao WTC estão estáveis


de sobrevivência
Os edifícios junto ao World bem como o Hotel Marriott, ph Giuliani, referiu, em re- plicou que “mesmo que algum
Trade Center, atingidos par- situado ao lado da torre dois. lação a esta questão, que “a dos edifícios necessite de re-
cialmente na terça-feira du- Parcialmente destruídos es- estrutura desses imóveis foi novações, como a reparação
rante os atentados às Twin tão o One Liberty Plaza e os testada e não constitui uma de janelas e da entrada, ne-

nos escombros
Towers, não apresentam por edifícios quatro e seis. De ameaça”. “São apenas peri- nhum desses estragos implica
enquanto danos estruturais acordo com os especialistas gosos devido aos vidros que- que fiquem inutilizados”.
e os riscos de desabamento destacados para averiguar brados e certos destroços que Além das inspecções aos
parecem reduzidos, segundo quais as condições actuais possam vir ainda a cair, mas edifícios, o presidente da Câ-

diminuem
perto de 40 especialistas que das estruturas, são estes três actualmente não há razão pa- mara de Nova Iorque referiu
se encontram no local a anali- edifícios que podem consti- ra pensar que eles vão aba- que foram realizados testes
sar os estragos de há seis dias. tuir perigo para as equipas ter”, sustentou o responsá- de vibrações na zona dos de-
Por enquanto, os únicos ris- de socorro que trabalham vel, citado pela AFP. sabamentos ao fazer circu-
cos recaem sobre as equipas cercadas pelos imóveis. Por sua vez, a companhia lar o metro. Esses testes mos-
Seis ou sete dias são ganismo começa a funcionar de socorro que trabalham nos Por outro lado, foi afasta- Brookfield Properties, que é traram não existir ameaça de
pior — as infecções são nor- destroços a tentar resgatar da a hipótese de que outros proprietária de quatro edifí- novas derrocadas.
o limite físico normal malmente a causa da morte, sobreviventes ou vítimas do edifícios situados na mesma cios próximos do local do aten- Mesmo assim, os bombei-
para viver sem água já que o sistema imunitário ataque terrorista. área do World Trade Center tado — um dos quais é o One ros preparam um sistema de
fica muito debilitado. Pneu- Do World Trade Center de- desabem nas horas mais pró- Liberty Plaza, já considera- alerta com sirenes, para que,
JOANA AMARAL CARDOSO monias e infecções urinárias sabaram por completo as tor- ximas devido ao impacto do do como um dos edifícios com em caso de uma derrocada
(PUBLICO.PT) são as mais comuns. res um e dois e ficaram bas- desmoronamento das duas mais probabilidades de ruir iminente, todas as equipas no
e MARIA JOÃO GUIMARÃES Já a falta de líquidos é in- tante danificados os edifícios torres. O presidente da Câ- depois das duas torres, mas local sejam avisadas de uma
contornável porque o corpo cinco e sete do complexo, mara de Nova Iorque, Rudol- agora tido como seguro — ex- imediata evacuação. I
As hipóteses, em termos clí- não consegue fabricar água.
nicos, de sobreviver sob os es- O corpo defende-se retendo
combros do World Trade Cen- urina no rim. Só que não é
ter estão a diminuir de dia possível reter completamente
para dia. Nova Iorque con- a urina, pois há uma série
tinua consumida pela busca de substâncias que têm de ser
pungente de sobreviventes, eliminadas com a água. A de-
mas apenas nove pessoas fo- sidratação provoca normal-
ram resgatadas do cenário de mente um choque: a circula-
destruição, o “ground zero”. ção sanguínea não é suficiente
Os manuais ditam que seis e a hipotensão profunda cau-
ou sete dias são o máximo da sa a morte.
sobrevivência sem água, por Mas a verdade é que as con-
exemplo, mas em algumas ca- dições em que potenciais so-
tástrofes pelo mundo inteiro, breviventes da queda e explo-
uma ou duas semanas debai- são de um avião em cada torre
xo da terra permitiram a al- do World Trade Center podem
gumas pessoas sobreviver. É estar não serão as melhores.
entre os factos clínicos e a es- E os ferimentos sofridos no
perança de milagres que os- momento da queda das torres
cilam os nova-iorquinos. reduzem as hipóteses de so-
“As horas agora são precio- brevivência, porque dirigem
sas. Se não os tirarmos de lá as energias do corpo para ten-
hoje ou amanhã, as hipóte- tar sarar esses ferimentos e
ses de que alguém seja trazi- a retiram das necessidades
do vivo vão ser escassas ou de manutenção. Os fogos que
nenhumas”, disse Will Har- continuam a arder no coração
vey, radiologista do Hospital dos escombros estão, por sua
de Bellevue, em Nova Iorque, vez, a consumir oxigénio e a
citado pelo “Miami Herald”. produzir monóxido de carbo-
Factores-chave para assegu- no, altamente tóxico. O que
rar réstias de vida são a água “mata lentamente”, confor-
e o oxigénio. Sem água, disse me disse ao jornal da Flori-
o clínico, uma pessoa só po- da Corneliu T. Vulpe, médi-
de viver durante alguns dias. cos no Hospital de St. Vincent,
“Quatro dias” já seriam de- em Manhattan. Apesar de um
mais, frisou. Por isso mesmo, quadro feito de hipóteses ne-
a chuva de sexta-feira foi vista gras, muita esperança reside
como uma bênção por alguns nos milhares de pessoas que
nova-iorquinos. Prejudican- procuram os seus familiares.
do os esforços de salvamento, E Corneliu Vulpe ajuda. “Os
pode por outro lado ter aju- milagres acontecem, mas ...
dado algumas vítimas sob os um ou dois”.
escombros, chegando até se- A experiência dita que a
res humanos necessitados de capacidade de resistência do
gotas de água. corpo humano pode ser gran-
A capacidade de resistên- de, como exemplifica o Co-
cia a um jejum prolongado de- missário da Polícia de Nova
pende também do estado pré- Iorque, Bernard Kerik, deter-
vio do indivíduo. É mais bem minado no seu trabalho de es-
tolerado, por exemplo, numa cavar as ruínas do World Tra-
pessoa obesa. Quando não são de Center. Noutras tragédias
ingeridos alimentos, o orga- como esta, lembra “já foram
nismo “ataca” a gordura e retiradas pessoas seis ou sete
depois os músculos para fa- dias depois, e ainda vivas”.
bricar a glucose que falta. A Nas Filipinas, o dasabamento
nível fisiológico, a alteração de um hotel, em 1990, permi-
básica, dentro de um conjun- tiu a duas pessoas sobreviver
to vasto de alterações hor- durante onze dias, na sequên-
monais, é que passa a ser o cia de um sismo que matou
próprio organismo a fabricar 1600 pessoas.
uma substância que substitui As bolsas de ar sob tonela-
a glucose — os corpos cató- das de betão, cimento, ferro
nicos, produzidos pelo fíga- retorcido e pedaços de mobi-
do. Há um certo ponto, no en- liário são a grande esperan-
tanto, em que a capacidade ça no vocabulário daqueles
de resposta do organismo se que têm familiares e amigos
esgota, normalmente quando desaparecidos na rua West.
o corpo já perdeu 50 a 55 por Mas a perspectiva de encon-
cento do seu peso (nos casos trar alguém com vida nesses
de jejuns prolongados). espaços que surgem no meio
Das alterações provocadas da destruição diminui de dia
por esta situação — todo o or- para dia. I
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PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 17 SET 2001

INQUÉRITO

1. O que mudou no mundo? de culpas” e, pasme-se, um castigo de acordo com as “normas do


direito”. Espantou-me ouvir dizer que “se Israel não existisse” tam-
2. Como devem e podem os Estados Unidos e os bém não existiria terrorismo fundamentalista. Imagino que, em bre-
seus aliados responder a esta situação? ve, estas mesmas almas sensíveis ao “sofrimento palestiniano” irão
tentar sacrificar Israel, alvo permanente do terrorismo e única socie-
“A oportunidade trágica para criar dade aberta no Médio Oriente, à barbárie. A confusão, portanto,
reina em muitas mentes.
uma nova segurança colectiva” Mas fiquei especialmente estupefacto com as posições assumidas
1 — Passados poucos dias desde o atentado, o pelas “pombas” lusas que se opuseram à intervenção da NATO no
que assusta é que pouco parece ter mudado. Se Kosovo, onde, em defesa dos mesmos valores civilizacionais que
o mundo anterior à queda do Muro de Berlim era agora foram atingidos, se agiu para travar o genocídio e para estabe-
assustador e injusto, não o tem sido menos desde lecer a estabilidade — relativa, é certo — no continente europeu.
então. Não foram dados passos significativos no De exponentes da “paz a qualquer preço”, estes ex-apaziguadores
desenvolvimento dos países mais pobres; não fo- passaram a reivindicar a “retaliação inequívoca”, “castigos exem-
ram dados passos significativos na resolução do plares” e uma “guerra sem quartel”. Passaram, simplesmente, a
Miguel conflito israelo-palestiniano; não foram dados pas- exigir sangue. Muito sangue. Também as opiniões públicas dos
Vale de sos significativos no apoio ao desenvolvimento de países democráticos, até agora tão pacifistas e compreensíveis,
Almeida um Islão moderno e humanista. E, perante a barba- reclamam o “extermínio” dos terroristas fundamentalistas, o que,
antropólogo ridade do dia 11 de Setembro, assistimos a duas para todos os efeitos, significa todos os muçulmanos. Embriagados
e membro reacções igualmente fundadas num pensamento pela emoção, abandonaram a razão, e ignoram a dimensão política
do BE débil e igualmente insustentáveis no plano ético e e geoestratégica da crise.
político: a dos que alinham, sem pensar duas ve- Esmagada pela violência, e a espiral de retórica sanguinária que se
zes, na recém-declarada “America’s new war” (que não pretende seguiu, a NATO invocou o Artigo 5º do Tratado de Washington. Já tive
ser mera metáfora...); e a dos que dizem (ou pensam, sem dizerem) ocasião de dizer — e repito — que se tratou de um erro colossal, de
que a América teve o que merecia. A guerra não resolverá nada, um sinal político perigoso para o resto do mundo, particularmente
sobretudo quando o inimigo não é identificável de forma clara e para os países muçulmanos. E não basta afirmar que os “povos mu-
porque haverá sempre um novo candidato ao exercício do terroris- çulmanos” saberão “distinguir” entre um ataque ao Afeganistão e
mo; e a simpatia com o presente atentado é suicidária porque o um ataque ao “islamismo”. Não o farão, e a expectativa de que será
fanatismo terrorista não considera ninguém seu amigo e não poupa- possível fixar tal distinção demonstra a falta de senso dos dirigentes
rá ninguém quando atacar de novo. políticos ocidentais. Uma retaliação dos EUA, apoiada pela NATO, é
2 — Os culpados devem ser presos e julgados, assim como podem indispensável para dissuadir outros terroristas. Porém, recorrer ao
e devem ser impostas sanções aos países que albergam e promo- Artigo 5º, o último recurso da Aliança Atlântica, é desnecessário na
vem grupos terroristas. Mas, sobretudo, esta é a oportunidade (a medida em que se trata de uma declaração de “guerra total” facil-
oportunidade trágica...) para criar uma nova segurança colectiva, mente interpretado como uma declaração de “guerra civilizacional”.
cujo fundamento óbvio deverá ser a justiça global nos planos econó- Portugal está em estado de guerra, mas, mesmo antes dos bombar-
mico, político e cultural. A perseguição e julgamento dos terroristas deamentos, os europeus — com António Guterres à cabeça — já
contribuirá para uma nova ordem mundial se, ao mesmo tempo, começaram a ter dúvidas, já começaram a vacilar. Bem pode Guter-
forem dados passos decisivos para a resolução das causas remotas res dizer que não estamos a “preparar a guerra”, mas a verdade é
deste caos: desde logo, a resolução do problema palestiniano. Tudo que se não estivéssemos a preparar uma resposta militar porquê
o resto — “America’s new war” — poderá satisfazer apenas um recorrer ao Artigo 5º? A decisão de invocar o Artigo 5º foi um dispara-
compreensível desejo de vingança. Poderá, quando muito, apaziguar te, uma precipitação. Revelou a insensatez dos decisores no mo-
os nossos medos por alguns meses. Mas não só não resolverá nada, mento em que era necessário agir friamente. Mas, tomada a deci-
como não parará o terror a que milhões de pessoas no mundo são, deixou de existir margem para vacilar. Portugal participará,
não-ocidental têm sido sujeitas. Se sempre foi verdade que a escala- directa ou indirectamente, na investida militar que se aproxima e,
da de violência só gera mais violência, imagine-se o que nos espera se se recusar a fazê-lo, quebra a solidariedade no interior da NATO,
quando uma das partes é o terrorismo que desvia aviões com armas o que poderá levar à sua expulsão da aliança. Por isso mesmo, a
brancas. O que não devemos nem podemos deixar acontecer é que discussão em volta do Artigo 5º pertence à História.
o 11 de Setembro seja a desculpa ideal para o Governo dos EUA Agora, cabe aos políticos portugueses explicar o significado desta
garantir militarmente o que tem vindo a (des)fazer na política e na semana alucinante e as suas consequências para o nosso país. Mas
economia globais. terão de o fazer com frontalidade, explicitando o que está verdadei-
ramente em causa para Portugal. Ao contrário do que se verificou
no Kosovo, desta vez não poderemos estar com “um pé de dentro
“A ilusão de uma ‘paz perpétua’ e um pé de fora”, como o primeiro-ministro parece estar tentado a
foi enterrada nos escombros do WTC” fazer. A oposição de esquerda, previsivelmente, hesita quando o
tempo não permite hesitações. Quanto à oposição de direita, era
Vivemos tempos confusos. Olhando para além da útil que tivesse alguma calma, que demonstrasse alguma responsa-
poeira e da perplexidade, Carlos Gaspar, em artigo bilidade e contenção, que reflectisse antes de exigir uma guerra
publicado no “Independente” de sexta-feira, deci- civilizacional. É que, desta vez, quem cometer erros políticos será
frou o novo “espírito dos tempos”. Sintetizou a responsabilizado. Schmitt também regressou a Portugal.
nova realidade nos seguintes termos: “Kant partiu
de férias. Schmitt foi autorizado a regressar.” Por
outras palavras, e para que possamos melhor “A reconstrução do edifício do direito
Vasco compreender o futuro próximo, convém recordar internacional impor-se-á”
Rato que a tragédia do dia 11 de Setembro ocorreu num
professor contexto político específico. Durante os últimos dez 1 — O que poderá mudar no mundo dependerá na
universitário anos, a política externa dos Estados Unidos e da área geográfica e das questões que possam ficar
Europa foi formulada a partir da ilusão de que era sob a alçada das consequências de um acto deste
possível construir uma “paz democrática universal” kantiana. Para género. Explicando melhor: desde logo uma maior
assegurar esse fim, bastava promover a criação de economias de ligação entre os EUA e o resto do mundo na medi-
mercado e instituições democráticas. Mais tarde ou mais cedo, da em que o cidadão americano se sentirá agora
era-nos dito, até o mais despótico regime seria transformado em mais seguro através de uma política de alianças
democracia “pacífica”. Acreditava-se, pois, que caminhávamos dos EUA que tenham um apoio mais generalizado.
inexoravelmente para o racionalismo, o progresso, a democracia e José Prevejo um maior enlace entre os EUA e as ONU,
a paz universais. Medeiros uma maior participação dos EUA nos organismos
Mas nem todos partilhavam desta ilusão. Os adeptos da “escola Ferreira internacionais de desenvolvimento e uma maior
realista” nas relações internacionais – entre os quais me insiro – antigo MNE, capacidade de captaçção de simpatias entre os
sempre insistiram que o mundo pós-guerra fria era caracterizado deputado demais povos. Terá também consequências certa-
pelo caos e pela desordem. Antes de terça-feira, esta perspectiva do PS mente na concepção da segurança colectiva, quer
era geralmente ignorada, qualificada como “cínica” ou “excessiva- a nível das ONU quer a nível dos EUA e das suas
mente pessimista”. Pior. Os nossos idealistas dedicaram-se a discu- principais alianças, entre as quais a NATO. Não ficaria surprendido
tir a “nova ordem internacional”, a “cultura de paz” e a “resolução se se procedesse a prazo à retoma das soluções políticas no Médio
pacífica” de todos os conflitos, mesmo nos casos em que nenhuma Oriente e no Golfo Pérsico. É concebível ainda uma reorganização
das partes estava disposta a fazer a paz. Esta ilusão de uma “paz do poder político federal nos EUA, com um papel mais activo do
perpétua” também foi enterrada nos escombros do World Trade Congresso.
Center e do Pentágono. 2 — Em primeiro lugar percebendo que não há acções unilaterais
Carl Schmitt regressou, mas nem todos deram por isso. Assustou-me que possam prescindir de um consenso das próprias populações
a forma descontrolada, histérica e imprudente como os políticos através da vivificação do poder político democrático. A maior vitória
americanos e europeus geriram os dois primeiros dias da crise. dos adversários dos regimes democráticos seria estes abandona-
Desgostou-me ver alguns sectores da opinião pública portuguesa rem as suas características de defesa das liberdades individuais e
tentar justificar a matança, dizendo que os EUA estavam a ser “casti- dos direitos humanos para se lançarem na selva da lei do mais forte.
gados pela sua arrogância”. Preocupou-me que as pessoas que A reconstrução do edifício do direito internacional impor-se-á com
reconhecem a indispensabilidade da NATO como garante da segu- a tipificação mais pormenorizada do que possam ser agressões e
rança europeia estivessem dispostas, sem qualquer hesitação, a o direito de fazer face a essas agressões por parte dos Estados
lançar uma “guerra santa” contra o “fundamentalismo islâmico”. ofendidos. Nesta guerra declarada falta acertar com, e no, inimigo.
Alarmou-me que outros tivessem confundido a barbárie com um É fundamental que os EUA e os seus aliados não falhem o alvo nem
caso de polícia, exigindo a abertura de um “processo”, o “apurar se deixem desviar dos princípios da segurança colectiva mundial.
D E S TA Q U E 17
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 17 SET 2001

Cartas dos leitores


Turras é o facto de não ter ouvido uma única solução
ou proposta para a situação em que vivemos.
Turras eram nos anos 60, até 26 de Abril de 1974, Ressentimentos, análises inteligentes, opiniões,
para a esmagadora maioria da população por- azedumes, ironias. Mas, o que fazer? O que deve
tuguesa, aqueles que lutavam melhor ou pior o governo dos EUA fazer? O que deve pensar o
contra o Estado português em África. Alguns cidadão norte-americano destes acontecimen-
deles seriam recebidos mais tarde em solo pátrio tos? Como pode o povo islâmico responder à
com honras reservadas aos chefes de Estado. desconfiança insidiosa? O que podemos fazer
O novo turra, o turra do 3º milénio, não luta, nós? Cada um de nós?
mata e morre, pois o que para ele está em causa E quem são “os americanos”? O “mundo oci-
não é derrubar um Estado, é apenas aparecer de dental”? Os “inocentes”? O “mundo civilizado”?
quando em vez para bater forte e feio no “timo- Os “muçulmanos”? Onde estamos nós? Cada
neiro do mundo”, aquele que representa uma um de nós?
parte do mundo que se esqueceu completamente Sou americano. Não o posso evitar. Há anos
que existe e vive numa outra parte do mundo, que não toco numa pepsi ou coca-cola, evito
humilhada e oprimida permanentemente. A solenemente um McDonalds e faço uso indis-
violência é execrável, pelo menos tão execrável criminado da minha condição de cidadão livre
como a vingança subliminar do Holacausto. para boicotar produtos associados às contra-
LÚCIO DA VEIGA COUTINHO dições da cultura americana. Mas, em cada
Lisboa filme que vi, música que ouvi ou livro que li,
os valores e ideais com que cresci são os mes-
mos. São os mesmos valores e ideais que me
O que podemos fazer nós? dão a convicção absoluta de que só num esta-
Cada um de nós? do terminal da mais perversa doença mental
conseguiria encontrar uma ténue razão para
Penso que é em momentos destes que somos justificar o que aconteceu na terça-feira. (...)
verdadeiramente abençoados. Que enquanto de- CLÁUDIO JORGE PEDROSA
zenas de milhares de pessoas morrem em agonia Coimbra
(ao que parece, entre elas, centenas de europeus
— ingleses, franceses, alemães e portugueses) e
centenas de milhares ou talvez milhões choram, E agora?
em luto e angústia pesados, a perda súbita de ma-
ridos, esposas, filhos, irmãos, pais, familiares, (...)E agora?
amigos, colegas, pessoas que, até ontem, eram Chorar, chorar muito, lavar a alma com o
parte integrante das suas vidas, que, enquanto nosso sofrimento, e pedir ajuda a quem nos
isto se passa, ainda nos consigamos indignar possa ajudar. Estamos órfãos, estamos tristes,
porque um jogo de futebol não se realizou, por- estamos perdidos no meio do nada. Vimos o
que o pivô de televisão não acerta com as dei- fim da estrada e não conhecemos o seu retor-
xas ou porque o Presidente dos EUA tem um no. Ganhemos coragem, levantemos a cabeça
desempenho televisivo sofrível. (...) e olhemos em frente. Temos que começar de
Devo confessar que, neste momento, estaria novo. Reconstruir o nosso interior a partir
a viver no mais completo terror se fosse gover- da nossa desgraça. Assim o fazendo podemos
nado por algumas das pessoas com as quais tornar-nos livres e viver outra vez.
tenho conversado sobre estes acontecimentos. RICARDO GAMEIRO
Por muitas razões. A mais importante de todas Lisboa
1 8 E S PA Ç O P Ú B L I C O
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 17 SET 2001

SEM DESCULPA Bartoon LUÍS AFONSO

Se o Ocidente escolher os alvos certos, e agir


com eficácia, o terrorismo pode ter os dias
contados. Se, pelo contrário, confundir a “rede”
de fanáticos assassinos com o Islão no seu todo,
cometerá um erro histórico que pode levar
muitos anos a corrigir

Os argumentos começam a repetir-se, com natural


inevitabilidade. Mas há, nestes dias tumultuosos que se
seguem ao inominável atentado terrorista contra os
Estados Unidos, algumas ideias que urge debater com
maior atenção e profundidade (e que, aliás, têm vindo a
cruzar-se nas páginas do PÚBLICO). A primeira é a da
desculpabilização do terrorismo a pretexto da
dicotomia miséria-riqueza, com os palestinianos e
outros deserdados da sorte de um lado e os países mais
ricos, com os EUA à cabeça, do outro; a segunda é o
pretenso choque de civilizações que, na visão
catastrofista de Huttington, traria para a era moderna o
velho espírito das cruzadas contra a ameaça islâmica.
Em relação à primeira, não faremos mais do que repetir
o que neste jornal tem sido posição firme: o terrorismo,
seja ele qual for, venha ele de onde vier, não tem perdão
nem justificação possível. Dissemo-lo a propósito dos
crimes da ETA, das bombas do IRA ou do Hezbollah, dos
atentados-suicidas palestinianos, dos
facínoras extremistas que massacram
Editorial civis na Argélia, do desvio de aviões
com perda de vidas inocentes, dos
atentados bombistas contra embaixadas, igrejas e
mesquitas, do sangrento atentado bombista de
Cartas ao Director
Oklahoma. Esta constatação deve levar-nos a não
transigir com os autores de quaisquer atentados As cartas destinadas a esta secção — incluindo da dos benefícios e custos de Alqueva. no, não é destinada a todos os cristãos,
terroristas e a apoiar a sua punição severa no quadro as remetidas por e-mail — devem indicar o nome
e a morada do autor, bem como um número
Eles têm o direito de conhecer as al- mas apenas para aqueles que se sentem
das leis ocidentais; mas, por outro, a exigir aos governos telefónico de contacto. O PÚBLICO reserva-se o ternativas que estão na base das suas ligados à tradição litúrgica tridentina.
ocidentais que cuidem de eliminar, sem mais direito de seleccionar e eventualmente reduzir decisões e das decisões de anteriores Há ainda a questão da centralidade do
os textos recebidos. Não se devolvem os origi- primeiros-ministros. Em particular, altar na celebração e o facto de o pres-
adiamentos inúteis, as causas (não confundir com nais dos textos não solicitados, nem se prestará
justificações!) indirectas desses actos terroristas, sejam informação postal ou telefónica sobre eles.
o país deve ser informado, de forma bítero não estar de costas para o povo:
elas a questão palestiniana (que só se resolve com uma quantificada, dos benefícios e custos porque todos se reúnem à volta do altar
Endereço electrónico: associados à cota 139, à cota 147 e à co- para celebrar a eucaristia, aqueles que
paz sólida, não dando tréguas aos radicais palestinianos cartasdirector@publico.pt ta 156. Argumenta-se que são razões querem impor as tradições tridentinas
nem à arrogância bélica dos “falcões” israelitas) ou o sociais aquelas que conduziram à op- mostram um confrangedor desconhe-
apoio que alguns países ou organizações têm dado aos ção pela cota 156. Queira Deus que as cimento teológico, bíblico, pastoral e
“assassinos sem rosto”. Carta aberta ao primeiro- razões sociais não sejam o “jet set”. histórico da liturgia, que não tem ape-
A segunda questão exigirá um debate mais longo, até -ministro sobre o Alqueva LEONARDO COSTA nas 400 anos, mas sim 2000 anos.
pelas fortes raízes históricas. Não é de hoje o medo Porto PE. FRANCISCO PEREIRA
ocidental de ser submerso, nos seus fundamentos Sr. primeiro-ministro, Souto da Carpalhosa, Leiria
culturais e políticos, por crenças diferentes — que Onze escudos por metro cúbico, no
alguns têm por inimigas. Já houve o medo declarado da máximo 16$50 por metro cúbico, já sou- Missas tridentinas
be (PÚBLICO 4-8-01), é quanto os agri- Utimamente tenho deparado com vá- Filas em Castro Verde
China, como hoje ressurge o do Islão, reacendendo
cultores vão pagar pela água do Alque- rias cartas a versar o tema das missas No passado dia 1 de Setembro deslo-
imagens de novas cruzadas como contraponto à
va. O custo total da água do Alqueva chamadas tridentinas. Gostaria de re- quei-me até ao Algarve. Para chegar
“guerra santa” alimentada por grupos de fanáticos está estimado em 60$00 por metro cú- futar as opiniões que têm sido vincula- mais rápido, segui toda a auto-estrada
islamistas. Osama bin Laden imaginou, um dia, no bico. Excluído o custo de construção das por algumas pessoas a favor dessas até ao fim, ou seja, até ao nó de Castro
lugar da América, uma espécie de Estados Unidos do da infra-estrutura, a água do Alqueva missas, contrariando as disposições Verde. Porém, apanhei uma fila incrí-
Islão (e talvez por isso não estivesse nos seus planos fica em cerca de 18$00 por metro cúbico do II Concílio Vaticano da celebração vel, a oito quilómetros do referido nó,
destruir a Casa Branca). Mas é possível travar-lhe os (30 por cento do custo total) dos quais habitual da missas em vernáculo (a distância essa — os oito quilómetros —
passos. Se o Ocidente, incluindo aqui os Estados Unidos, cerca 10$00 por metro cúbico (17 por língua do país onde se celebra a euca- que me levou duas horas e um quarto a
a Europa e todos os seus aliados de quaisquer credos ou cento do custo total) são para pagar ristia), não se impedindo contudo a percorrer. Ou seja, tanto quanto deve-
religiões, escolher os alvos certos, o terrorismo pode ter a electricidade para bombar a água celebração das missas em latim. Pelo ria levar todo o trajecto de Lisboa ao
os dias contados. Se, pelo contrário, confundir a “rede” para o regadio. Os preços que António contrário, em celebrações internacio- Algarve!
Guterres se propõe praticar aos agri- nais continua a usar-se o latim como a Na cauda da fila havia uma carrinha
de fanáticos assassinos com o Islão no seu todo, o
cultores pouco mais pagam que o custo língua da celebração eucarística, como da Brisa a alertar os condutores para
Ocidente cometerá um erro histórico que pode levar de bombagem da água. O restante custo acontece em Fátima nas celebrações o perigo de acidente, pois o transito, a
muitos anos a corrigir. As intervenções dos é para ser pago pelos contribuintes que dos dias 13. partir dali, estava completamente pa-
responsáveis norte-americanos, com destaque para não fogem aos impostos. Se as missas são sofríveis e cantadas rado! Eram centenas, diria milhares
Colin Powell, fazem crer que a razão tem alicerces para 11$00 a 16$50 por metro cúbico sig- sofrivelmente é porque os nossos cristão de pessoas, encurraladas de surpresa
vencer a histeria. NUNO PACHECO nifica que Alqueva, do ponto de vista foram habituados (antes de 1965) a ouvir sob um sol escaldante, muitas aflitas
agrícola, é para regar milho e girassol. a missa e não a participar. Daí vem o sem poder satisfazer as suas necessi-
É para ajudar uns poucos a captarem hábito que ainda hoje muita gente man- dades fisiológicas, revoltadas com toda
contribuinte nº 502265094 mais uns subsídios da Política Agríco- tém de rezar o terço enquanto se cele- aquela situação, crianças com fome,
depósito legal nº 45458/91
registo ICS nº 114410
la Comum (PAC). Subsídios em vias bra a missa: porque não sabiam latim etc., etc...
de extinção (vejam-se as propostas de e não podiam responder ao padre, as Ora, tudo aquilo teria tido propor-
E-mail: publico@publico.pt LISBOA: Rua Viriato, 17 – 1069-315 Lisboa; Telef.: 210111000 (PPCA) Fax: reforma da PAC que tem vindo a lume). pessoas iam rezando o terço. O único ções muito menores se, uns metros an-
Dir. Empresa 210111005; Dir. Editorial 210111006; Agenda 210111007; Redacção 210111008;
Publicidade 210111013/210111014 • PORTO: Rua João de Barros, 265 – 4150-414; Telef: 226151000 É para promover o regadio extensivo que respondia era o sacristão e, muitas tes da última saída da auto-estrada (nó
(PPCA) / 226103214; Fax: Redacção 226151099 / 226102213; Publicidade; Distribuição 226151011• em mão-de-obra dos “pivots” praticado vezes, sem saber o que dizia. Claro que de Aljustrel), a Brisa tivesse posto uma
BRAGA: Rua de S. Marcos, 126-1º Esq. Fr. – 4700 Braga Telef: 253619041; Fax: 253617983 • AVEIRO:
Rua Eng. Silvério Pereira da Silva, 16-A, 2º Tr. – 3800 Aveiro Telef/Fax: 234382507 • COIMBRA:
pelos lavradores do dr. Portas. Lavrado- alguma música litúrgica tem pouco va- outra carrinha a alertar para os refe-
Avenida Fernão de Magalhães, 153/157- 2º Dto, sala 6 – 3000 Coimbra Telef.: 239829554; Fax: 239829648 res que, como ele dr. Portas, ficam em lor artístico, mas o que é mais impor- ridos oito quilómetros de fila. Aí, as
• ALGARVE: Avenida da República Federal Alemã, bloco C 2 – 8000 Faro Telef.: 289806656; Fax: Lisboa. Alguns por lá desencantam um tante é que todas as pessoas cantem, pessoas, ao estarem informadas, opta-
289806655 • VILA REAL: Rua 31 de Janeiro, 41 - 3º, sala 303, 5000 Vila Real Telef.: 259326262;
Fax.: 259326265 • MADEIRA: Rua dos Ferreiros, 55-2º Dtº – 9000 Funchal Telef.: 291231611 • lugar na administração do Estado. seja gregoriano, cânticos populares, ou riam por sair e continuar o resto do
PROPRIETÁRIO: PÚBLICO Comunicação Social, SA Sede: Rua João de Barros, 265, 4150 Porto • Que sítio melhor para orientar as dos nossos compositores litúrgicos. A caminho pelo IC1...
IMPRESSÃO: Unipress, Tv. Anselmo Braancamp, 220-Arcozelo/4405, Valadares; Telef.: 227537030;
Mirandela — Rua Rodrigues Faria, 103, 1300 Lisboa; Telef.: 213613400; Fax: 213613469 • DISTRIBUIÇÃO:
políticas do Estado a seu favor? Já era sacralidade não é dada apenas pelos Já agora, porque é que, nestes ca-
Midesa Portugal - Distribuição de Publicações, S.A.; Lisboa: Rua da República da Coreia, 34, Ranholas, assim no tempo da ditadura. Agora, o ministros, ou pelo celebrante (todos os sos, havemos de pagar mais de dois
2710-460 Sintra; Telef.: 219267800, Fax: 219267850; Porto: Rua Engenheiro Ferreira Dias, 1173 a 1177, 4100 que não se entende é a sua obsessão em que estão presentes em cada missa e contos em portagens se a função da
Porto; Telef.: 226191211; Fax: 226191210; Algarve: Estrada de Boliqueime - Fonte de Boliqueime, 8100-070
Boliqueime; Telef. e Fax: 289366361; Coimbra: Beco Olheiro, Armazém 2, Adénia, 3020-028 Coimbra; Telef.: subsidiar estes lavradores. Mais valia que são baptizados celebram o mistério auto-estrada não se cumpre? É como
239430519; Fax: 239431592 • ASSINATURAS: 808200095 pegar no dinheiro e com ele aumentar eucarístico), mas pelo acto em si. pagar o almoço sem ter almoçado. E a
as pensões de reforma. Quanto à recomendação feita pelo Brisa não deveria, no mínimo, pedir
Sr. primeiro-ministro, os contribuin- Papa para o uso dos Missal Romano, desculpa a quem lhe enche os bolsos?
Tiragem média total do mês de Agosto tes portugueses têm o direito de conhe- na sua edição de 1962, ou seja antes da JOAQUIM SUSTELO
AS SO C I AÇÃO P O R T UGUE SA
D O C O N T R O LO D E T I R AG E M
72.388 exemplares cer a quantificação económica detalha- reforma litúrgica do II Concílio Vatica- Odivelas
ES PAÇ O P Ú B L I C O 19
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 17 SET 2001

A tempo e a contratempo

A guerra ou a fraternidade LUÍS SALGADO


DE MATOS
5. A questão é que o poder intelectual
Não basta que a guerra se oponha à guerra.
O equilíbrio do poder não resolve a questão
do poder. A única força que resolve radicalmente
a questão da tentação do poder é a virtude.
e o sentido moral do homem, que desenvol-
veram uma civilização da liberdade e dos
direitos humanos, defrontam hoje desafios
muito potentes. Porque aumentaram (mais
do que proporcionalmente, se assim me
Sobreviver
N
A virtude pessoal e a virtude colectiva. posso exprimir) os meios de poder faculta- o dia 11 de Setembro, o mun-
dos pelos avanços científicos e pela tecno- do mudou: ficámos a saber que
Que pode resumir-se numa palavra, fraternidade logia. A tentação do poder ao alcance do um bando anónimo tem capa-
homem comum é, hoje, a tentação de um cidade de destruir a humani-
MÁRIO PINTO poder enormíssimo. dade. Antes, atribuíamos esse triste pri-
É claro que ao poder se pode opor o contra- vilégio aos Estados — a comunidades
poder. Sabemos isso desde a pré-história até à organizadas em territórios, com dirigen-
Impõe-se reflectir sobre o atentado altas referências de valor e virtude. Foi a guerra fria. E sabemos que há uma justiça da tes conhecidos e responsáveis. E dormí-

1. terrorista nos Estados Unidos da meu ver por isso que esses pais fundadores
América. Por mim, penso que é sem- ficaram dignos de reverência, e não apenas
pre necessário voltar ao fundamen- porque defenderam a independência ou ga-
tal. A questão que nos é colocada dramatica- nharam batalhas.
mente por este terrível acontecimento não Por outro lado, o Ocidente desenvolveu
legítima defesa. Mas, se tal é ainda necessário,
cada vez mais claramente se pode duvidar de
que seja a solução final. Com o fim da guerra
fria houve uma certa descompressão; mas foi
ilusória — porque o poder de um ataque que
amos estupidamente descansados, pois
caíra o comunismo russo — que muitos
identificavam com o “império do mal”. O
mundo estava numa boa.
A 11 de Setembro ficámos também a saber
é nova: é velha. É a questão da guerra. Sem uma civilização onde a racionalidade e a fé destrua a humanidade não está mais longe, que haverá novos atentados do género. O
dúvida, em novas e temerosas formas. em Deus, o humanismo e os direitos huma- e, às vezes, parece até mais perto. Quando se gás sarin ou armas biológicas são mais
A guerra é, essencialmente, um problema nos, desempenharam e ainda desempenham chega a esta manifestação suicida, pergunta- baratas e manuseáveis do que as armas
ético e de cultura: de pessoas, de comunidades, um grande papel. Que não foram anulados se onde está aquela reserva de equilíbrio que usadas a 11 de Setembro. Porque as mes-
de Estados. É necessário acentuar isto, para pelos crimes de Hitler e de Estaline, nem por reside na vontade de viver do atacante? Os mas causas produzem os mesmos efeitos.
evitar que à guerra se responda apenas com quaisquer outros; pelo contrário. suicidas vêm tornar ainda mais evidente que Podemos fazer alguma coisa ou devemos
meios de organização ou de tecnologia. a defesa tecnológica não basta. esperar a desgraça? Mesmo que não pos-
É contudo verdade que as novas formas tec- 4. Entretanto, recentes estudos sobre a samos, devemos fazê-lo: assegurar a sobre-
nológicas e organizatórias da guerra a colocam inteligência revelam que ela se não desliga 6. Portanto, a conclusão é a de que não basta vivência da humanidade é um dos nossos
em patamares qualitativamente diferentes. da afectividade. E esta continua para nós que a guerra se oponha à guerra. O equilíbrio primeiros deveres. Para isso, temos que
Pensar que um dia, um homem sozinho, ou um uma força que só as experiências religiosas do poder não resolve a questão do poder. A responder a duas perguntas: quais as cau-
pequeno grupo, por determinação sas deste horror? Quais os modos de o com-
suicida ou erro de cálculo, possa bater?
destruir o mundo com uma bomba S E Q U I S ER M O S SE R F IÉI S às nossas matrizes filosóficas e espirituais, Este terror é o da globalização. A facilida-
atómica superpoderosa facilmente de das viagens in-
transportável, ou possa contaminar não poderemos, numa esquina dramática da história como esta, ter gestos instintivos dividuais, a lassi-
mortalmente a população do globo ou precipitados que substituam a justiça ou exprimam o ódio dão dos controlos O castigo dos
por meios bacteriológicos, significa fronteiriços, a des- autores dos
pensar a vitória final da guerra. truição das soli- atentados de 11 de
BOBBY YIP/REUTERS
Os atentados nos Estados Uni- dariedades locais, Setembro não deve
dos fizeram-nos pressentir a vero- o anonimato das
similhança de ataques semelhan- grandes metrópo-
estimular o
tes mas acrescentados de efeitos les possibilitam a aparecimento de
químicos ou biológicos capazes acção de bandos novos criminosos
de matarem uma cidade, ou ainda criminosos que, do mesmo género
mais. Não se apagará facilmente na sociedade fe-
da nossa lembrança que o podero- chada de há meio
so presidente da poderosa nação século, seriam rapidamente identificados
americana andou horas voando a pelos vizinhos, denunciados e presos.
doze mil metros de altura para se O novo horror tem outras causas. As anti-
proteger contra o que não se sabia gas colónias são independentes. Têm eli-
que poderia ser, mas se imaginava tes próprias de grande capacidade técnica.
que poderia ser. Um exemplo: o sr. Bin Laden prepara-se
para fazer uma bomba nuclear. Há meio
2. Há uma dimensão prática e século, só grandes Estados podiam cons-
tecnológica de defesa, sobre a qual truir essa arma.
não direi nada, uma vez que é maté- Essas elites estão divididas entre os que
ria muito especializada. Mas há dois querem colaborar com a Aliança Atlânti-
outros aspectos que estão ao alcance ca para fazer um mundo pacífico e os que
dos cidadãos comuns. Referem-se à querem destruir violentamente a ordem
justiça e ao amor entre os homens. mundial — pois julgam que assim ganha-
Já em Platão que, no século quinto rão o Céu. Por isso, os terroristas são se-
antes de Cristo, se discutiu, de modo cretamente acalentados por vários Esta-
ainda hoje admirável no plano filo- dos soberanos — daqueles que têm hino,
sófico, precisamente sobre a justiça companhia aérea nacional, assento nas
e sobre o amor. Em Jesus Cristo, Nações Unidas e lugar nas sessões sobre
numa dimensão humana e trans- direitos humanos.
cendental, todos os homens são convidados a mostram ser capazes de orientar e superar, única força que resolve radicalmente a questão A causa imediata do terror é, assim, a exis-
pensar e a viver na justiça e no amor, numa não sem dificuldades, aliás conhecidas. da tentação do poder é a virtude. A virtude pes- tência de Estados criminosos. Temos que
relação pessoal com a vida e o mundo, com Ainda hoje, a intolerância política e ide- soal e a virtude colectiva. Que pode resumir- os neutralizar se queremos evitar o ter-
Deus e os outros homens. ológica, não raro instrumentalizando re- se numa palavra, fraternidade. Palavra aliás ror. Para os neutralizarmos, temos que os
Se quisermos ser fiéis às nossas matrizes ligiões de grande elevação espiritual por já (inconsequentemente) inscrita no lema de responsabilizar. Um Estado membro das
filosóficas e espirituais, não poderemos, nu- via de um fundamentalismo fanático, con- uma grande revolução ideológica e política, Nações Unidas tem que combater o terro-
ma esquina dramática da história como esta, tinua a reemergir constantemente. Mesmo a Revolução Francesa: liberdade, igualdade, rismo — e aceitar o castigo dos terroristas
ter gestos instintivos ou precipitados que na Europa. À escala de grupos, regiões ou fraternidade. seus nacionais. Se o não fizer, será objecto
substituam a justiça ou exprimam o ódio. A países, os extremismos, os ódios políticos, A questão da fraternidade pôs-se logo no de sanções. Para a humanidade sobreviver
América e o mundo civilizado, nesta terrível ideológicos, rácicos ou nacionalistas, não início da nossa história humana, no primeiro tem que criar uma quadrícula de seguran-
situação em que se misturam vários senti- se extinguiram. par de irmãos filhos de Adão e Eva, pela per- ça e justiça em todo o planeta.
mentos fortíssimos (de sofrimento, de horror, Este fenómeno é cada vez mais grave, por- gunta que Deus fez a Caim, que tinha matado Este método reforça o elemento pacífico
de insegurança, de ódio...), deve acima de que, como já se disse, o poder do homem au- seu irmão Abel: “Que fizeste de teu irmão?” E das elites do Sul. As represálias reforçam
tudo dominar o medo e o instinto da vingança mentou, e continua a aumentar quase expo- continua a pôr-se ainda hoje. o elemento violento e aumentam a proba-
cega. É nos momentos mais difíceis da nossa nencialmente. Desde o poder de se deslocar Só que a fraternidade entre todos os ho- bilidade de novas acções terroristas.
vida que mais se requer a referência fiel aos rapidamente e por vários meios; até ao poder mens exige uma paternidade comum. Temos É isto que devemos dizer aos Estados Uni-
valores, isto é, a virtude heróica. de comunicar a distância e penetrar em luga- ouvido, na televisão, o Presidente dos Esta- dos e ao Presidente Bush: somos solidários
res difíceis ou inacessíveis. Desde manipular dos Unidos, e muitos cidadãos americanos, com o vosso sofrimento. Louvamos a vossa
3. Os Estados Unidos deram, ao longo da as mais potentes substâncias explosivas até dizer: “God bless America!” Impressiona contenção. Lembrai-vos que sois tão gran-
sua história, mas de modo muito especial provocar a fissão nuclear. Desde a manipula- esta oração pública e geral num país que des, que quase podeis dirigir o mundo, mas
com a geração dos seus “founding fathers”, ção biológica que pode matar a humanidade não tem carácter confessional. Por mim, não tão grandes como o mundo. Aproveitai
provas de possuírem uma sabedoria que lhes até a manipulação genética que pode desna- respondo: assim seja. Mas acrescento: e Deus a desgraça para criardes um sistema de
permitiu inclusive fazer a guerra sem perder turar ou salvar. abençoe o mundo! I justiça mundial. I
2 0 E S PA Ç O P Ú B L I C O
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 17 SET 2001

Diz-se Ultravioleta
“Nas questões mais estrutu-
rantes, mais fundamentais,
o Partido Socialista não se
tem distanciado da política
As ideias não se matam com mísseis
do PSD.” do Paquistão. Há alunos das ex-repúblicas soviéticas
CARLOS CARVALHAS O que atemoriza mais neste atentado à América é perceber que, contrariamente como do Casaquistão, Tadjiquistão e Usbequistão
“Grande Júri”/TSF, 15-9-01 aos jovens e mulheres palestinianas que se matam, matando, porque “preferem bem como da Tchechénia, o que alimenta o pânico
morrer na frente da batalha em vez de esperar a morte em casa”, daqueles que prevêem uma revolução islâmica (su-
“Durão Barroso é um exce- nita).
lente chefe de família, toda
numa tentativa final de libertar a sua terra, os seguidores de Bin Laden O que atemoriza mais neste atentado à América
a gente o diz; como chefe de e outros que tais querem “tão-só” acabar com o Ocidente é perceber que contrariamente aos jovens e mulhe-
partido, ou improvável pri- res palestinianas que se matam, matando, porque
meiro-ministro, é um infati- “preferem morrer na frente da batalha em vez de
gável medíocre.” Corão e recebem uma versão estreita e violenta do esperar a morte em casa”, numa tentativa final de
BAPTISTA-BASTOS, Islão. São alimentados, as famílias são pagas para os libertar a sua terra, os seguidores de Bin Laden e
“Diário Económico”, 15-9-01 ter a estudar. No Paquistão poucos possuem dinhei- outros que tais querem “tão-só” acabar com o Oci-
ro para ter os filhos a estudar por isso são recebidos dente. Como isso é impossível, então querem apenas
“A prolongar-se por muito com bons olhos os convites dos muçulmanos do Irão, castigar; quanto mais vítimas houver, melhor.
tempo o receio da instabilida- por exemplo: oferecem escola, alimento e religião Tudo isto para dizer que não podemos lidar com
de, o clima não será favorável aos jovens e ainda pagam uma mesada aos pais. o terrorismo se não o entendermos. E será um erro
à ideia de grandes mudanças Propostas difíceis de recusar e que também surgem pensar que este é um fenómeno limitado a um sítio
políticas. E a esperança das DULCE NETO quer junto à fronteira com o Afeganistão quer no no mapa: das Filipinas e Sri Lanka a Gaza e a Líbia
oposições numa forte censu- Punjab, mais a sul. e à Argélia, do Afeganistão e Irão e Iraque ao Líbano
ra ao Governo nas próximas Olhemos para o Paquistão, por exemplo. A escola e Sudão. Há fanatismo em todos os credos (é preciso

M
eleições autárquicas bem po- ohamed tem 14 anos e está muito con- não é obrigatória. O Banco Mundial estima que lembrar o que os protestantes fizeram às meninas
de sair-lhes frustada.” centrado no lápis que risca o papel. apenas 40 por cento dos paquistaneses sabe ler e católicas de Belfast?) e povos. E é essa batalha que é
FERNANDO MADRINHA Faz um auto-retrato. À volta do seu escrever e em muitas zonas rurais não há escolas preciso travar. Esta não é uma guerra entre religiões
“Expresso“, 15-9-01 corpo desenha uma série de explosi- públicas. Mas as madrasas são entre 40 a 50 mil e a ou uma luta entre nações. Como dizia Amoz Oz, de
vos. Quando o jornalista lhe pergunta se quer ser um maioria oferece apenas instrução religiosa. Ignoram Israel, “esta é uma guerra entre fanáticos para quem
“A América andou durante bombista suicida (numa exemplar reportagem que matemática, ciências ou outras disciplinas seculares o fim — qualquer fim, seja ele religioso, nacionalista
décadas a preparar-se para o a BBC transmitiu este Verão) ele responde que está fundamentais para se viver numa sociedade moder- ou ideológico — santifica os meios, e os outros que,
inimigo errado.” pronto a morrer para libertar a Palestina. Passa- na. Pior ainda: algumas madrasas extremistas pre- como nós, atribuem a santidade à própria vida”.
JUDITE DE SOUSA se tudo num curso de Verão promovido pela Jihad gam a jihad sem perceberem o conceito: equiparam Volto ao Paquistão. Os Estados Unidos pediram
“Jornal de Notícias”, 15-9-01 Islâmica em Gaza. A escola ensinava aos rapazes os a “guerra santa” — e que a maioria dos muçulmanos ao governo paquistanês para combater os grupos
benefícios de se tornarem bombas (em geral estes e dos estudiosos do Islão (que é pacífica, insista-se, militantes e fechar certas madrasas.Um oficial per-
ensinamentos e preparativos são feitos nas próprias e que lembra que o Corão condena o suicídio e a guntou então: “A América espera que nós enviemos
“O fundamentalismo e a ame- casas dos palestinianos). Tinham entre 12 e 15 anos, morte de inocentes, crianças e mulheres) interpreta tropas para fechar as madrasas? A jihad é uma
aça que ele constitui ao Oci- nasceram e crescem num ambiente de conflito e como uma luta pela justiça (principalmente uma mentalidade. Cresceu ao longo de muitos anos du-
dente não vai ser detido com violência. São ensinados não só que é bom matar, luta interior, de vencer dentro de si os pecados) — rante a guerra afegã. Não se muda uma mentalidade
operações militares tradicio- mas que é bom morrer. E aprendem que esta é a à guerrilha. Estas escolas encorajam os seus “di- em 24 horas”.
nais, nem com porta-aviões es- única arma para bater os israelitas. Para além de plomados”, que não conseguem arranjar emprego O que os EUA e o mundo ocidental podem e devem
tacionados no golfo Pérsico.” ser a forma suprema de se tornarem mártires, terão devido à sua falta de formação prática, a cumprirem fazer não é bombardear um povo para exterminar
CLARA FERREIRA ALVES lugar assegurado no Paraíso onde haverá 70 virgens as suas obrigações espirituais lutando contra os uma cultura e muito menos repetir Hiroxima [por-
“Expresso”, 15-9-01 à sua espera. hindus em Cachemira ou outras seitas muçulmanas que é que se insiste na comparação com Pearl Har-
Os bombistas suicidas na Palestina são solteiros, no Paquistão. Ou, como bin Laden prega, contra os bor que não foi um ataque terrorista sem rosto e
estão no fim da adolescência ou têm 20 anos. Nem americanos e judeus e seus amigos. contra civis, e se esquece o dia seguinte, o ataque
“No meio da torrente de pro- todos são pobres, surgem de um largo espectro social Não há só paquistaneses ou afegãos nas madrasas atómico americano a civis inocentes? O paralelo (for-
sa e de paleio que o ataque a e não matam porque são loucos ou lunáticos. Matam
Nova Iorque e a Washington porque, para lá do seu fervor religioso, estão deses-
inspirou nem uma só vez se perados, porque esgotaram todos os recursos de N E M TO D O S OS B O M B I STAS são pobres, surgem de um largo espectro social
ouviu ou se escreveu a pala- esperança. Como disse um psiquiatra palestiniano, e não matam porque são loucos ou lunáticos. Matam porque, para lá do seu fervor religioso,
vra proibida: petróleo. O que a sua vida está tão no fim da linha que é de espantar estão desesperados, porque esgotaram todos os recursos de esperança.
diz tudo sobre a profunda hi- que não haja mais atentatos com estas bombas hu-
pocrisia da ‘Europa’. manas. Desde que se reacendeu a guerra israelo-
VASCO PULIDO VALENTE palestiniana que estes “mártires” aumentaram, MUSA AL SHAER/AFP
“Diário de Notícias”, 15-9-01 incluindo mulheres. A morte é o seu quotidiano. çado, os japoneses têm razão
Acreditam que ou eles ou alguém próximo vai ser em se indignar) servirá tam-
“Os americanos não sabem morto. Trata-se apenas de escolhar a forma. Ou bém para a retaliação?]. Mas
nem contra quem travam a com uma bala, disparada pelo inimigo, ou com uma é começar pelo princípio. Pela
guerra nem como a travam, bomba, que também mata o inimigo e lhes dá a escola. Pela educação. É aju-
e a Europa não existe como glória. Com a morte ganham a vida, aquela que já dando estados com alguma
uma entidade política única não têm. abertura como o Paquistão, on-
e coesa. O mundo ficou mais Os palestinianos usam esta arma de modo estra- de se “fabricam” muitos des-
perigoso, infinitamente mais tégico: argumentam que se trata de uma resposta tes homens bomba a fortalecer
perigoso, e vamos todos vi- directa para a ocupação israelita e que quando esta o seu sistema educativo secu-
ver com medo e suspeita, e a deixar o território as crianças não mais aprenderão lar. É verdade que os esque-
olhar por cima do ombro.” a cartilha da violência ou sonharão em ser bombis- mas corruptos no Paquistão
CLARA FERREIRA ALVES tas suicidas. têm desviado muita da ajuda
“Expresso”, 15-9-01 Se assim for, este “sacrifício” é bem diferente do internacional. Mas será inge-
dos suicidas-assassinos que estão a ser alimentados nuidade pedir que o auxílio vá
“O atentado em Nova Iorque em muitos países islâmicos e que confundem a jihad em géneros e não em dinheiro?
transmitiu-nos a história em com terrorismo. É nestes que o mundo ocidental põe Que os bens e serviços presta-
directo. Provavelmente, a his- agora os olhos acusadores, para onde dirige a sede dos sejam livros, professores
tória do século XXI começou de vingança. Podem ser iguais os rituais prévios e formação, edifícios? Ajudar
agora.” à morte (tal como há uma estética da morte nos estes países a educar os seus
PAQUETE DE OLIVEIRA kamikases japoneses), tanto uns como os outros jovens poria um fim a uma cul-
“Jornal de Notícias”, 16-9-01 são isolados, separados das famílias, ungidos e per- tura de violência.
fumados (devem vestir roupa nova nesse dia), como Olhar para o que sobra desta
“O papel da RTP não pode dei- se se preparassem para um casamento, e apenas semana de morte é olhar para
xar de ser fazer serviço públi- conhecem o alvo que deverão atingir com o seu o medo do invisível. É perce-
co. O destino da TVI é ser a corpo armadilhado um ou dois dias antes. Também ber que a superioridade tec-
estação mais popular. O lugar as suas famílias os honram como heróis, também nológica militar não significa
da SIC é entre uma e outra.” gravam vídeos antes de se matarem para que outros qualquer vantagem. Que um
JOSÉ ANTÓNIO SARAIVA sigam os seus exemplos (este ano circulou um vídeo corpo com uma ideia vale mais
“Expresso”, 15-9-01 de uma criança “mártir” palestiniana que chamava do que todo um arsenal sofisti-
outros do além, falando-lhes das delícias do paraíso cado. É, como dizia um comen-
“Os clubes têm de viver com e incitando-os a fazer o mesmo). tador americano nestes dias, “a
as suas próprias receitas e em Mas a preparação é diferente. Na Palestina a guerra do fraco contra o forte”.
conformidade com a lei. Têm escola das crianças é a rua e a casa (e agora estes Com a mais temível das armas:
de ser financeiramente equi- “cursos” de Verão…) e a motivação (não a justifica- a da vontade sem limites.
librados sem depender de me- ção) a morte em que já vivem. Em países como o Irão Uma das cabeças mais sá-
cenatos transitórios.” ou o Paquistão há verdadeiras escolas de ódio. São bias do Pentágono disse ontem:
JORGE SAMPAIO as escolas religiosas, os seminários muçulmanos, “Não podemos extinguir fana-
“A Bola”, 15-9-01 as madrasas. Durante seis a três anos as crianças tismo religioso com mísseis.”
(desde os oito a nove anos) e jovens memorizam o Que alguém o oiça. I
2001
18 Setembro
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TER18SET
EDIÇÃO LISBOA
18 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4201
140$00 • €0,70 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico.pt www.publico.pt

BOLSAS “RESISTEM”
ORÇAMENTO 20 02

Guterres
encontrou-se
com Campelo
no Alto Minho Wall Street evita pânico e Europa fecha em alta
P26
devido a intervenções dos bancos centrais
KAI PFAFFENBACH

M A N I F E S TA Ç Ã O
Taliban decidem hoje sobre extradição de Osama bin Laden | Bush diz que quer o magnata
Famílias ciganas ficam saudita “vivo ou morto” | Qual a legitimidade jurídica de um ataque ao Afeganistão? |
no Olival e buzinão pode Europa pondera respostas ao terror | Os casos esquecidos de Abu Nidal e Carlos, “o Chacal”
regressar a Gaia | Os novos “sem-abrigo” de Nova Iorque | Michael Jackson prepara disco a favor das vítimas
O presidente da Câmara de Gaia, Luís Reportagens do nosso enviado Adelino Gomes e da nossa correspondente Ana Gomes Ferreira, em Nova Iorque P2 A 25 E 52
Filipe Menezes, afirma que não recua
“um milímetro” na sua decisão de re-
alojar 27 famílias de etnia cigana na
freguesia do Olival. LOCAL
O FACTOR DEUS UM T E X TO E XCLUSI VO DE JO SÉ SARAMAG O
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ÍNDICE

BARTOON E OPINIÃO 23 A 25
BOLSA E MERCADOS 32 A 34
TELEVISÃO 49/50
CLASSIFICADOS 56 A 61
CINEMAS 62/63
TEMPO E FARMÁCIAS 64
2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
PETER MORGAN/REUTERS

Nova Iorque abre


em forte queda
mas sem pânico
BOLSAS EUROPEIAS POSITIVAS rem que os mercados europeus já ti-
nham antecipado quedas da ordem dos
pedir calma aos seus clientes e dar uma
nota de esperança na recuperação das
10 por cento — a média do valor que bolsas. Outros grandes investidores
Medidas como o corte de taxas desvalorizaram nas quatro sessões particulares, como Warren Buffet, ou
que se seguiram ao atentado, tendo re- o ex-presidente da General Electric,
de juro e a autorização de gistado momentos de pânico nas pra- Jach Welch, também anunciaram que
compra de acções próprias ças europeias — as quedas da praça não iam vender as suas carteiras.
conseguiram “segurar” de Nova Iorque não deixam de ser im-
pressionantes, e podem comprometer Europa fecha em alta
o arranque da maior bolsa a abertura hoje dos mercados euro- As bolsas europeias estiveram cinco ho-
do mundo peus. Como era de esperar, o sector dos ras à espera da abertura de Nova Iorque,
transportes foi o que mais caiu. O Dow com os investidores a denunciar muito
Jones Transportes esteve quase toda nervosismo, o que se traduziu por uma
ROSA SOARES a sessão a cair mais de 10 por cento, evolução negativa de quase todos os mer-
agravando depois as perdas para mais cados. A bolsa de Lisboa abriu com a
Depois de quatro dias encerrada, espe- de 15 por cento. Apesar da promessa maior queda, recuando mais de quatro
rava-se uma abertura muito negativa da de ajuda ao sector do presidente norte- por cento. Pouco antes da abertura da
bolsa de Wall Street, com algum pânico americano a United Airlines, que per- bolsa americana e quando tudo fazia adi-
por parte de investidores, especialmente deu dois aviões no atentado terrorista, vinhar um arranque com perdas contro-
particulares. Apesar do encerramento esteve a recuar maios de 40 por cento. ladas, é que as praças europeias começa-
muito negativo dos principais índices A Continental e a Delta também che- ram a recuperação. A praça de Londres
da bolsa de Wall Street — o Dow Jones garam rapidamente a desvalorizações encerrou a ganhar três por cento, e
perdeu 7,1 por cento e o Nasdaq recuou da ordem dos 50 por cento. Os prejuí- Frankfurt, a última a fechar, ganhou 2,8
6,8 por cento —, as muitas medidas que zos que estas companhias estão a so- por cento. Paris, Madrid e Amesterdão
foram tomadas, as várias mensagens frer parecem, pelo menos à primeira encerram também em alta. Os desempe-
transmitidas ao mercado, o “ensaio” do vista, inevitáveis e daí que os inves- nhos mais modestos acabaram por per-
arranque (ver reportagem pag. 3), as au- tidores não queiram ficar com este tencer aos mercados português e italiano.
toridades norte-americanas parecem papel (ver texto na pág. 4). Os sectores de telecomunicações, banca
ter conseguido “segurar” o mercado. A A pressão vendedora dos mercados e seguros fecharam em alta. Algumas
dúvida é por quanto tempo? norte-americanos foi travada, em mui- companhias aéreas europeias consegui-
O índice que agrupa as grandes em- to, pela decisão da Reserva Federal ram terminar positivas, o que não deixa
presas industriais e financeiras, o Dow (Fed) americana, de cortar as taxas em de criar estranheza a alguns operadores,
Jones, começou com uma queda suave meio ponto percentual, antes mesmo que defendem que as praças europeias
de cerca de meio ponto, depois foi agra- da abertura dos mercados. O esforço corrigiram das parte das fortes quedas
vando para seis por cento só no final da da Fed para assegurar liquidez ao mer- dos últimos dias, enquanto outros defen-
sessão ultrapassou uma queda de sete cado e dar um sinal positivo aos inves- dem que os mercados podem estar a ser

CRÓNICA DA MA
por cento. O índice terminou a sessão a tidores, foi também acompanha pela “puxados” para evitar maiores perdas.
perder 678,52 pontos a maior queda de decisão da autoridade de supervisão O anúncio tardio da decisão do Banco
sempre em pontos. O Nasdaq, o índice norte-americana, a Securities Exchan- Central Europeu, de corte das taxas em
que agrupa as empresas electrónicas, da ge Commission (SEC), que permitiu meio ponto (ver texto na pág . 4) já não
chamada nova “econonia”, abriu com que as empresas comprassem acções ajudou os mercados accionistas euro-
uma queda superior a três por cento, próprias para segurar a cotação. O peus. Hoje tudo depende dos desenvol-
rapidamente duplicou esse valor, man- mesmo aconteceu com grandes corre- vimentos políticos, sendo certo que os Na manhã do regresso ao trabalho, Wall Street
tendo esse nível de perdas durante toda toras, como a Merril Lynch, que em mercados vão continuar, nas primeiras
a sessão. conjunto com outras empresas, publi- cinco horas do dia, à espera da abertura ofereceu o grande e simbólico espectáculo de que
Apesar de muitos analistas defende- cou um anúncio no New York Times, a de Nova Iorque. I os norte-americanos precisavam para acreditar
que os negócios prosseguem como
COMO WALL STREET ENFRENTOU AS CRISES habitualmente: a reabertura da Bolsa, com
Giuliani, a estrela de novo ascendente na Câmara,
I Guerra II Guerra Guerra Guerra do Guerra 8.920,70
Mundial Mundial da Coreia Vietname do Golfo e a antiga primeira dama, Hillary Clinton,
Crash de Bomba no Bomba em discreta e sempre sorridente.
Wall Street World Trade Center Oklahoma
10000
Crash DO NOSSO ENVIADO ADELINO GOMES, EM NOVA IORQUE
"Segunda-feira
5000 Negra"
Assassinato do Franklin D. Roosevelt Assassinato Guerra de
Presidente McKinley eleito presidente do Presidente Yom Kippur
Japão ataca
Kennedy O petróleo
sobe
Bombas em
07h00 “Hoje vamos
comprar e
táculo da vitalidade do siste-
ma financeiro.

07h30
Pearl Harbor vender na Bolsa ao mesmo Muito antes
1000 embaixadas dos
EUA entram tempo como país e como in- do cruzamen-
na guerra EUA em África
500 vestidores”, incita num ca- to da Water com o 75 da Wall
Invasão nal de televisão o comenta- Street, uma nuvem de fumo
soviética do
dor financeiro de um jornal envolve já os prédios mais al-
Afeganistão
Crise dos EUA Ataque terrorista ao de Nova Iorque. “A abertura tos. Quase todos os transeun-
mísseis bombardeiam World Trade Center de Wall Street”, explica, “sig- tes e muitos polícias colocam
de Cuba a Líbia e Pentágono nifica que o nosso estilo de máscaras brancas sobre a bo-
50
Demissão de vida sobrevive”. Como tudo ca e o nariz.
50 Gorbachov neste pedaço da América que
se estende de El Paso, Texas,
a Niagara Falls, na fronteira
07h45 Caminhando
determinada
pelo meio da massa imponen-
1896 1905 1915 1925 1935 1945 1955 1965 1975 1985 1995 2001 com o Canadá, a reabertura te de arranha-céus que fazem
1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 da Bolsa promete tornar-se o fundo da Wall Street parecer
Fonte: Finantial Times no grande e simbólico espec- um beco sem saída, Bárbara,
D E S TA Q U E 3
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001

A conexão
portuguesa
“O que está aqui a fazer? Não pode
entrar na Bolsa!”, grita a detective
gorda que faz frente a uma fila de gen-
te com cartões de múltiplas cores de-
pendurados ao pescoço.
— “Não posso? Mas a Bolsa reabre
hoje. E já vi entrar jornalistas.”
— “Isso não é comigo. Pergunte à
Mar-guê-ri-tá.”
— “Quem é a Mar-guê-ri-ta?”
— Aquela morena vestida de preto
do outro lado da rua.
Mar-guê-rita, aliás Margarida Cor-
reia, resolve o impossível. Um quarto
de hora não é passado, e já o nome do
PÚBLICO conta da lista milagrosa
que há-de abrir aos “happy-few” as
portas da Bolsa, ali tão perto e inaces-
sível.
Margarida nasceu nos EUA há
41anos, e trabalha há um ano como
editora da revista da Bolsa de Nova
Iorque. O nome e o apelido vêem-lhe
dos pais, oriundos de Valença do Mi-
nho. A “conexão portuguesa” que se
estabelece nos breves minutos do con-
tacto de rua, no passeio em frente da
Bolsa revelar-se-ão utilíssimos daí a
duas horas quando, frustrado por não
ter conseguido pisar o mesmo chão so-
bre o corretores e operadores traçam
o destino das finanças mundiais, me
preparo para abandonar o edifício.
— “Não saia já. Dentro de cinco mi-
nutos começarão a organizar visitas
para os que estiverem por cá ainda”,
diz como quem convida um amigo pa-
ra beber um café. E parte a atender
mais uma consulta de um repórter
qualquer. I A.G.

NHÃ EM QUE WALL STREET RESPIROU FUNDO


44 anos, dirige-se ao número da sede da famosa P. J. Mor- volta de sacos e máquinas, e ecoar, seis dias depois da tra- ram afastados durante horas zam sem se atropelarem no
40 da rua, onde trabalha na gan e é isso que três dezenas um elevador que não trans- gédia, no coração financei- do centro do acontecimento, exíguo espaço entre os gui-
Country-Wide Ins como advo- de operadores de câmara e porta mais de seis pessoas de ro da América. “O som desta as portas abrem-se para o lo- chets que aceitam as ordens
gada. “Estou demasiado em de fotógrafos já começaram cada vez. campainha representa hoje cal onde três mil pessoas pro- de compra e venda. Sob enor-
estado de choque para poder
dizer como olho para este re-
gresso. Se fosse atrás dos sen-
a fazer.

08h10 As cabeças
voltam-se pa-
09h29 Toda a gente
se precipita
pelos corredores fora, com
para nós mais do que ape-
nas negócio”, proclama o pre-
sidente da Bolsa, Richard
tagonizam a histórica reaber-
tura da Bolsa de Nova Iorque,
apenas uma vez fechada por
mes bandeiras nacionais sus-
pensas das paredes, em ca-
da um dos ecrãs para onde
timentos não estaria aqui”. ra o fundo da rua. Neil Osna- medo de perder o momento Grasso, que dentro de minu- tanto tempo na sua história os corretores olham antes de
Caren, uma colega de 46 anos to, 23 anos, fato escuro e gra- mais simbólico do dia. Abre- tos se deslocará aqui para de 209 anos. Pisando milha- darem as ordens, por baixo
“feitos quinta-feira”, diz que vata, camisa branca, cabelo se uma porta, surge um sa- exprimir mais ou menos pe- res de papéis rectangulares das números que indicam o
acima de tudo se sente feliz curto, avança no seu passo gi- lão de paredes altas e... um las mesmas palavras, uma fé onde corretores nervosos ra- valor de cada papel e através
“por estar viva”. Ambas tra- nasticado agitando uma ban- ecrã gigante onde um grupo inquebrantável na capacida- biscaram ordens de compra e dele a pulsação da saúde de
zem bandeiras na mão. Mais deira acima da cabeça para de senhores cumpre solene de do sistema financeiro pa- venda que logo rasgam e dei- cada empresa, de cada fun-
expansiva, Caren abre um sa- que o acto não passe desper- três minutos de silêncio pe- ra sobreviver a todos os ata- tam fora, os jornalistas per- do, os únicos caracteres que
co de plástico e estende uma cebido a ninguém. “Por que é los mortos de há uma sema- ques. Bombeiros, polícias e correm, uma a uma, as quatro nunca mudam formam uma
tira de pano com uns elásti- que faço isto?”, responde ao na. O que vemos, neste sexto socorristas — “os nossos he- salas (a última inaugurada frase de três palavras, a men-
cos ao repórter do PÚBLICO: PÚBLICO a dois passos já da andar do edifício mais guar- róis”, como os políticos di- em Outubro passado) donde sagem que os responsáveis
“Você não deve estar aqui a entrada no edifício. “Porque dado esta manhã em Nova zem a propósito de tudo e de partem e onde chegam via da Bolsa fizeram inscrever
falar com as pessoas sem uma este é o meu país e vieram cá Iorque, é o mesmo que um nada — acompanham Gras- informática e por interven- hoje em todos os panéis de
máscara”. tentar destruí-lo”. camponês do Punjab ou um so, que tem ao lado Rudolph ção directa dos corretores todos os andares com a pro-

07h55 No cruza-
mento com o
Broad Street, as televisões
09h00 Está marca-
da para da-
qui a 15 minutos a cerimónia
trolha de Fornos de Algodres
pode seguir no seu televisor.
A cantora já acabou de en-
Giuliani, cada dia uma es-
trela de maior brilho, e, dis-
creta, sorridente, surpreen-
junto dos operadores as or-
dens que vão determinar a
saúde da economia mundial.
gramação do dia: “God Bless
America”. Surpreendente-
mente ou talvez não para
montaram já os seus equipa- que assinalará a reabertura toar o hino nacional, as pal- dentemente pequena mas tão “Sim, sim. Bons negócios. quem ouviu proclamar que o
mentos e fazem-se os primei- da Bolsa líder do mundo, e mas já estalaram, entre os sedutora como nas imagens Alguns ganhos, alguns ga- capital não tem pátria, com-
ros directos. O ângulo é exce- ainda falta um cão polícia fa- corretores tanto como entre que dela a televisão espalha- nhos”, tem tempo de dizer ao pra-se e vende-se com a na-
lente. A toda a extensão das rejar saco a saco os pertences os jornalistas, como daqui a ram pelo mundo, a senadora PÚBLICO antes de ser afas- turalidade de quem acredita
seis colunas neo-góticas da dos repórteres, uma funcio- minutos voltarão a irromper, Hillary Clinton. tado por uma funcionária do que o mercado vem primeiro,
imponente varanda da Bol-
sa desfralda-se uma bandei-
ra dos EUA. Podem obter-se
nária entregar o salvo-con-
duto vermelho e branco que
haveremos de colar bem vi-
quando o paramédico Ma-
nuel Delgado tocar uma cam-
painha e com esse simples
11h56 A insistência
desesperada
dos repórteres mais teimosos
gabinete de imprensa um dos
poucos jovens que se avistam
entre a massa de homens e
mas com a raiva e a determi-
nação de quem entende que
nas situações limite como es-
imagens igualmente interes- sível na camisa, novo magote e mágico gesto as ordens de dá frutos, por fim. Seis anda- quase nenhuma mulher com ta, mais mercado significa
santes do passeio em frente de agentes de autoridade á compra e venda voltarem a res abaixo do local onde se vi- mais de 40 anos que se cru- mais Estados Unidos. I
4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

Descida concertada das taxas de juro


A acção destinada a evitar No dia 11 de Setembro, mal se tor-
FED E BCE BAIXAM PREÇO DO DINHEIRO NO MESMO DIA
mero total de vítimas dos atentados
naram conhecidos os ataques terro- terroristas, os economistas começa-
o colapso da economia ristas em solo norte-americano, Wim A Reserva Federal dos EUA reduziu as taxas de juro em 0,5 pontos percentuais; ram um difícil trabalho de previsão
mundial envolveu os bancos Duisenberg, o presidente holandês horas mais tarde, o BCE decidia um corte de igual montante, alegando que dos seus efeitos na economia. O Cre-
centrais dos EUA, zona do BCE, telefonou ao seu homólogo as perspectivas de crescimento de curto prazo na eurolândia se deterioraram dit Suisse First Boston, partindo da
da “Fed”, Alan Greenspan, que se com os ataques terroristas em solo norte-americano do dia 11 de Setembro premissa de que o tráfego aéreo e a
euro, Suíça, Canadá e Suécia Evolução das taxas de juro em 2001 - Em percentagem
encontrava então na Europa, para 7
produção nas zonas de Nova Iorque
declarar a disposição do BCE para o e Washington cairia 50 por cento nos
ARTUR NEVES ajudar no que fosse necessário. E a dias que restam do terceiro trimestre
6
cooperação iniciou-se imediatamen- e 20 por cento no trimestre seguinte,
Zona Euro: 3,75%
A Reserva Federal norte-americana te: na semana passada, as duas insti- foi lesto a avançar que a taxa de cres-
5
(popularmente conhecida como “Fed”) tuições injectaram euros e dólares cimento do PIB poderia sofrer uma
decidiu não correr o mínimo risco e nos mercados financeiros numa me- queda de 0,8 pontos percentuais em
4
no dia da reabertura de Wall Street dida destinada a evitar eventuais fa- cada um dos dois últimos trimestres
reduziu as suas principais taxas di- lhas de liquidez na economia mun- do ano. No estado anémico em que a
3
rectoras em meio ponto percentual. A dial: os bancos tinham diante de si EUA: 3.0 % economia dos EUA se encontrava an-
economia dos EUA só não se contraiu um cenário em que poderiam ter de 2 tes de 11 de Setembro, esta redução na
no segundo trimestre do ano devido à assistir a uma corrida aos depósitos J F M A M J J A S sua taxa de crescimento seria mais
resistência do consumo das famílias por parte dos aforradores e a uma Fonte: REUTERS / PÚBLICO do que suficiente para levar a uma
norte-americanas. Com a confiança venda maciça de títulos nos merca- contracção do PIB nos dois últimos
dos consumidores a ameaçar cair a dos bolsistas. Num outro gesto, as de confiança na zona euro, o que redu- para a economia mundial. No se- trimestres do ano, colocando a eco-
pique, na sequência dos ataques de 11 duas autoridades monetárias acor- zirá as perspectivas de crescimento a gundo trimestre de 2001, o produto nomia em recessão. Sabendo-se agora
de Setembro, a “Fed” torna o crédito daram na quinta-feira uma troca de curto prazo da economia”. Afirmando interno bruto (PIB) dos EUA cres- que a eurolândia é mais vulnerável
mais barato, incentivando a população divisas com o objectivo de fornecer que esta travagem económica reduzirá ceu uns tímidos 0,2 por cento, o seu aos problemas económicos do outro
a consumir pelo menos como até en- 50 mil milhões de dólares aos bancos substancialmente as pressões inflacio- congénere da eurolândia ficou-se lado do Atlântico, o efeito de uma re-
tão, evitando a implosão da economia. europeus que deles necessitassem, nistas na eurolândia, o BCE concluiu pelos 0,1 por cento, enquanto a eco- cessão norte-americana na economia
Embora não tendo como principal ob- o que limitou substancialmente a que o nível adequado das taxas de juro nomia japonesa se contraía 0,8 por da zona euro poderia ser manter esta
jectivo da sua política monetária o derrapagem do bilhete verde face à tinha que ser corrigido. cento. Das três maiores economias no actual estado de fraco crescimen-
crescimento económico, mas sim o moeda única europeia. do mundo, só a da eurolândia pro- to. Com a economia nipónica pron-
controlo da inflação, o Banco Central Ontem, o BCE justificou a sua deci- A caminho da recessão? metia um terceiro trimestre melhor ta para registar mais um trimestre
Europeu (BCE) seguiu-lhe os passos. são com o “o aumento da incerteza que Os trágicos acontecimentos da pas- do que o precedente. de crescimento negativo, seriam no-
Cortes de juros ocorreram ontem tam- os recentes acontecimentos nos EUA sada terça-feira dificilmente pode- Quase ao mesmo tempo que se ini- tícias muito más para a economia
bém na Suíça, Canadá e Suécia. trouxeram para a evolução dos níveis riam ter ocorrido numa pior altura ciaram as estimativas quanto ao nú- mundial. I

OURO CONTINUA EM ALTA COTAÇÃO DO PETRÓLEO EM QUEDA DÓLAR EM RECUPERAÇÃO


Uma “forte apreciação do ouro nos próximos dias” não está Desde o dia em que três aviões desviados por terroristas se Esperava-se que a abertura das bolsas norte-americanas fi-
fora dos cenários traçados pelos analistas, mas a subida não despenharam contra as duas torres do World Trade Center e zessem mexer o mercado cambial, e foi precisamente isso que
tardará a quebrar, trazendo o metal precioso de novo para contra o Pentágono que o preço do petróleo varia, descendo aconteceu. A valorizar-se em sessões consecutivas, o euro
preços mais razoáveis. Esta é a opinião de alguns operadores com os sinais positivos da Organização dos Países Exporta- — que até demonstrava uma tendência de alta na abertura
de mercado, que ontem voltaram a ver a cotação da onça de dores de Petróleo (OPEP) e subindo com o anúncio de movi- dos mercados europeus — acabou por perder terreno face
ouro no mercado londrino a subir até aos 294,7 dólares,(323,668 mentações militares em países do mundo árabe. Ontem, o ao dólar, num dia em que a extrema volatilidade e liquidez
euros) contra os 285,76 dólares (313,850 euros) do fecho da preço do barril de Brent do Mar do Norte para entrega em caracterizaram a negociação. O euro, que antes da reabertura
sexta-feira e depois de se ter cotado a 291,47 dólares (320,121 Novembro na praça de Londres caiu dos 29,43 dólares (32,322 de Wall Street chegou a valer 0,9329 dólares, acabou por fechar
euros) durante a manhã. Com o dólar a quebrar resistências e euros) da abertura para os 28,70 dólares (31,521 euros) logo após a 0,9216, o que leva alguns analistas a anteciparem um movi-
mostrar força, e depois da baixa concertada das taxas de juro o reinício do mercado norte-americano, que se comportaram mento de valorização da moeda americana nos próximos dias.
nos Estados Unidos e na Europa, não é de esperar que o ouro acima do esperado. Os futuros de Londres para o barril Brent No Japão, o Banco Central viu-se obrigado a intervir através
continue a servir de refúgio aos investidores. fixaram o preço de 28,42 dólares (31,213 euros), depois de o da compra de dólares contra ienes, para suster a valorização da
secretário de Estado da Energia americano ter pedido à OPEP moeda nacional. O iene acabou por cotar-se em 108 dólares.
para aumentar a produção.

TAP reforça “corte” nas despesas


NELSON GARRIDO

SINDICATOS NA quer despesa ao estritamen- durante três dias na semana


te necessário ao desempenho passada. As empresas do sec-
EXPECTATIVA da actividade e estender a to- tor foram ontem fortemente
das as áreas (transporte aé- atingidas em Wall Street, no
Companhia receia reo, manutenção aeronáutica primeiro dia de funcionamen-
impacto negativo dos e “handling”) a contribuição to da Bolsa de Nova Iorque
dos trabalhadores para a re- após os atentados.
atentados nos Estados dução de custos, adianta o Aliás, várias transportado-
Unidos. comunicado. ras aéreas norte-americanas
Transportadoras Por outro lado, todas as des- anunciaram já despedimen-
pesas passam a depender da tos e redução da actividade.
norte-americanas aprovação do vice-presidente A Continental Airlines disse
anunciam financeiro da TAP, Michael no sábado que irá despedir 12
despedimentos Conolly, e do vice-presidente mil funcionários e reduzir as
executivo da respectiva área. operações, colocando a hipó-
A administração irá ainda tese de declarar falência se
A TAP vai reforçar as medi- abrir um processo de suges- não receber ajuda do Gover-
das de contenção de despesas tões de poupança. no federal. A Delta Airlines,
para enfrentar o agravamen- Os sindicatos ligados aos terceira maior companhia do
to da situação na indústria trabalhadores de terra da sector nos Estados Unidos,
aeronáutica, após os atenta- TAP, por seu turno, vão avisou por seu lado que vai
dos terroristas que ocorre- “ponderar” esta semana se reduzir o serviço em 20 por
ram nos Estados Unidos na avançam com a paralisação cento e que deveria cortar o
passada terça-feira. prevista para a próxima se- número de funcionários ca-
O administrador delegado gunda-feira (dia 24), além da A TAP decidiu limitar as despesas “ao estritamente necessário ao desempenho da actividade” so o Governo não oferecesse
da companhia, Fernando Pin- greve a todo o trabalho su- assistência. Em resposta aos
to admite que aqueles actos plementar convocada para apelos, o vice-presidente nor-
terroristas vão ter repercus- os dias 22, 23 e 25, afirmou dos Aeroportos, que se tem to da procura e de encareci- para prejuízos na ordem dos te-americano, Dick Cheney,
sões, embora seja ainda muito Luísa Ramos, porta-voz dos mantido à margem dos seus mento dos combustíveis estão mil milhões de dólares (1,09 disse que o Executivo está
cedo para as prever ou quanti- sindicatos, quando contacta- congéneres, desconvocou já a penalizar as companhias aé- mil milhões de euros) para o disposto a ajudar as transpor-
ficar. No sentido de “preparar da pelo PÚBLICO. Segundo o pré-aviso de greve para o reas em todo o mundo, espe- sector de aviação norte-ame- tadoras a recuperar das per-
a empresa”, a administração fonte do sector, o Sindicato mesmo período. cialmente nos Estados Uni- ricano, em resultado do en- das financeiras. I REUTERS/
decidiu limitar toda e qual- dos Técnicos de Handling Os receios de abrandamen- dos. Os analistas apontam cerramento do espaço aéreo PÚBLICO
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PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001

Os novos sem-abrigo de Manhattan


O ataque do dia 11 causou 25 mil desalojados em Nova Iorque. Os novos sem-abrigo têm telemóveis e arrastam malas
de viagem. Alguns querem voltar a dormir nas suas camas. Outros prometem não voltar a morar na Lower Manhattan.
Não querem ter terraços com vista para um cemitério. Por Ana Gomes Ferreira, em Nova Iorque
REUTERS

Há uma semana, Alice, uma senhora aproxima-se. Quer saber como está o
de “meia-idade”, vivia num aparta- bairro. “Estão a limpar a bom ritmo.”
mento elegante no Battery Park Cen- O homem do capacete tem vivido em
ter, bairro na ponta sul de Manhattan. casas de amigos. “O problema é que
Tinha um roupeiro cheio de saias, temos dois gatos. As pessoas dizem-
camisolas e malinhas de mão. Ago- nos que sim, mas quando sabem dos
ra, tem umas calças de ganga velhas, gatos...” O casal está, também, em ca-
uma “t-shirt” verde, com mangas sa de amigos, na Greenwich Village.
compridas, e uma mochila pequenina. Mas vão ter que mudar, para casa de
Dorme nos abrigos que a Cruz Ver- outros. Andam aos saltos pela cidade,
melha abriu por Nova Iorque, para os novos “homeless” que conseguem
alojar os novos sem-abrigo. evitar os abrigos da Cruz Vermelha.
O ataque terrorista contra os Esta- O grupo prossegue a conversa. O
dos Unidos, no dia 11 de Setembro, casal ouviu dizer que as autoridades
deitou abaixo o World Trade Center, da cidade vão dar, a cada família, 1500
matou mais de cinco mil pessoas e dólares (1650 euros), para pagar des-
desalojou perto de 25 mil nova-iorqui- pesas. Outros ouviram falar em três
nos: os moradores dos três bairros do rendas de casa. Havia quem dissesse
Sul da ilha de Manhattan — Battery que eram só 900 dólares (quase mil
Park Center, Tribeca e Financial Dis- euros). E será que vai haver compen-
trict. No domingo, pela primeira vez sações para estragos nos móveis? E
desde o ataque, puderam ir a casa. quem pagará o que alguns já gasta-
Por breves instantes. Entraram na ram em roupas, e em restaurantes,
“zona do impacto” por dez minutos. porque é obrigatório comer fora? E
Puderam levar uma mala e um amigo, quanto tempo vai “isto” durar? Um
ou familiar, que os ajudasse a reco- mês, respondem uns. Menos, garan-
lher, rapidamente, roupas, coberto- tem outros.
res, fotografias, animais de estimação
deixados para trás. O que quisessem. Viver à beira de um cemitério
O que precisassem para sobreviver, No recinto, os sem-abrigo revelam
por tempo indeterminado, num lugar preocupações. Alice fixou-se no frigo-
ainda mais incógnito. rífico. Hemant Bayjal, financeiro de 40
“Estou a dormir nos abrigos”, diz anos, estava preocupado com o esta-
Alice. “Já fiquei em mais do que um, do da casa. “Conseguimos entrar por
mas a regra é ficar-se no mesmo.” Alice uns instantes, só para retirar algumas
sofre de “stress” pós-traumático. Tal- coisas. A casa está muito bem. Tem
vez por isso, por estar um destroço, não muito pó, tem detritos. Mas está tudo
soube dos preciosos dez minutos que perfeito”, diz. Está alojado em casa de
lhe foram dados, e que desaproveitou. familiares, começa a explicar.
É, provavelmente, a única pessoa A mulher não o deixa continuar.
zangada com o presidente da Câma- Quer que Hemant Bayjal dê atenção
ra de Nova Iorque, Rudolph Giulia- ao que está a ser anunciado. A comis-
ni, cujo comportamento já foi hon- são de moradores vai arranjar cartões
rado pelos jornais ao chamarem-lhe de telefone, mas só os distribuirá a
“o Churchill de Nova Iorque”. “Ele quem precisar mesmo deles. Algumas
anda a deixar os turistas passear por escolas já abriram, muitas delas nou-
ali, e não me deixa ir a casa.” Não é tros locais, 562 estudantes ainda não
verdade. O sítio onde estava o World têm onde ir às aulas.
Trade Center e os bairros vizinhos, A comissão de moradores não tem
que foram esvaziados, continuam a resposta para a maior parte das per-
ser lugares interditos. guntas que são feitas. “Se vos parecer-
mos um bocado burocratas, pedimos
“Estou sozinha” desculpa. Mas estamos a fazer o me-
Alice não esconde a depressão. Se qui- lhor que podemos”, diz um elemento
sesse, não conseguiria. As palavras da comissão de moradores, Ben To-
denunciam que está muito perturba- wnlei, que começa a reunião lendo
da. “Por que é que não posso ir a casa? uma declaração em nome de todos
Em que estado estará o meu frigorífi- os que vivem em Tribeca, Financial
co?” O que tem dentro do frigorífico District e Battery Park Center. “Esta-
tornou-se o centro da preocupação de mos prontos para dar apoio aos que
Alice. Está sozinha em Nova Iorque perderam as famílias, para ajudar
desde que a polícia a mandou sair de os sem-abrigo e os que ficaram sem
casa, à pressa. trabalho. Estamos prontos para re-
“O meu marido estava na Europa construir casas, lojas e escolas. Vamos
numa viagem de negócios. Ainda não regressar a casa, a uma comunidade
conseguiu regressar. Estou sozinha.” maior e melhor.”
Diz que não consegue trabalhar (é Optimismo a mais. Tudo o que al-
inspectora de edifícios de profissão): guns dos novos “homeless” de Ma-
“Passo o dia a falar com a terapeuta nhattan pedem é poder voltar a dor-
[há psicólogos, psiquiatras e sacerdo- mir nas suas camas. Outros, querem
tes nos abrigos]. Nos dias em que me as torres gémeas; porque não se sabe viagem de marca. Têm telemóveis. São fugir do Sul da ilha. Não querem viver
sinto melhor, venho aproveitar a rua”, se as casas foram contaminadas pela quase todos brancos e abastados — numa casa com um estaleiro de obras
diz Alice, que tem a cabeça protegida poluição provocada pelos fumos vene- Tudo o que alguns uma casa de dois quartos na Lower colado — primeiro, há que destruir;
por um chapéu de palha. nosos dos incêndios. As autoridades dos novos “homeless” Manhattan custa em média três mil depois, há que reconstruir (já se de-
No topo do chapéu colou duas ban- ainda não deram informações sobre de Manhattan pedem euros (600 contos) por mês. Saem da bate o que erguer no lugar onde esteve
deiras dos Estados Unidos. Numa de- a qualidade do ar (ver pág. 12). zona sul e concentram-se num campo o World Trade Center).
las, pregou uma fotografia, roubada No domingo, milhares de pessoas é poder voltar a dormir de basquetebol na esquina da Rua Ca- O barulho não é, contudo, o princi-
aos jornais, dos destroços do World alinharam-se junto às docas do Sudo- nas suas camas. nal com a Sexta Avenida, para uma pal motivo dos que anunciam a deser-
Trade Center. Na outra escreveu “Não este de Manhattan. Esperam, na fila, o Outros querem fugir do Sul reunião convocada pelas comissões de ção. Não querem morar ao pé do bu-
se esqueçam dos moradores do Bat- momento de poderem visitar as suas moradores dos três bairros. raco. À beira de um cemitério de mais
tery Park Center”. É o bairro mais casas. Os antigos sem-abrigo, mendi-
da ilha. Não querem No recinto, entra um homem com de cinco mil corpos. Há três dias que
atingido pelo desastre. O que demora- gos, arrastam carrinhos de supermer- viver com um estaleiro um capacete de obras na cabeça. Nos não sai um corpo vivo dos destroços.
rá mais tempo a ser reaberto — por- cado, que vão enchendo com os restos de obras colado pés, tem umas botas sujas de cinzas. Faruck Amin, investidor, morador
que está muito próximo da “zona ze- dos outros. Os novos sem-abrigo fize- Quer dizer que a sua casa é muito per- da Lower Manhattan há seis meses:
ro”, o nome do lugar onde estavam ram deslizar, pelos passeios, malas de to, ou dentro, da “zona zero”. Um casal “Não vou voltar para ali.” I
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PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

BIN LADEN “PROCURA-SE VIVO OU MORTO”


Bush explicou que Osama bin Laden não é o único inimigo dos Estados Unidos. Todo o poder aos espiões
É, apenas, o centro de uma rede. Quere-o, “vivo ou morto”. Mas a guerra ao terrorismo será global
AAMIR QURESHI/EPA As leis dos Estados Unidos vão começar
a mudar, devido ao ataque terrorista de
11 de Setembro. Ontem, o “attorney ge-
neral” (ministro da Justiça), John Ash-
croft, enviou para o Congresso um paco-
te de medidas para mudar as regras da
espionagem, que quer ver transforma-
do em leis. Uma delas dará autorização
aos serviços secretos para vigiarem in-
divíduos, não apenas equipamentos.
Neste momento, a lei permite que os
serviços secretos tenham sob escuta
aparelhos de telefone. Ashcroft quer
que o Congresso autorize os espiões a
escutarem os indivíduos, para que pos-
sam seguir suspeitos quando estes mu-
dam de equipamentos — por exemplo
quando mudam de telemóvel.
Outra alteração que Ashcroft quer ver
feita é a possibilidade de um indivíduo
ser vigiado dentro de casa. Até aqui,
era preciso esperar que estivesse na
rua, ou de uma autorização especial de
vigilância de residência. Se o pacote
for aprovado — Ashcroft pediu urgên-
cia ao Congresso —, deixam de ser ne-
cessárias autorizações estaduais para
a CIA e o FBI trabalharem num suspei-
to, passando a ter liberdade de acção
em todo o território nacional. O “attor-
ney general” anunciou que agentes
passarão a viajar com regularidade
nos aviões comerciais.
Outras leis que regulam o comporta-
mento da CIA estão a ser revistas. A
mais polémica das alterações que po-
dem ser feitas diz respeito à lei que
proíbe o assassínio de dirigentes es-
trangeiros, assinada em 1976 pelo en-
tão chefe de Estado, Gerald Ford, para
travar qualquer acção contra o Presi-
dente cubano, Fidel Castro. A possibi-
lidade de esta lei ser revista foi confir-
mada no domingo pelo secretário da
O Presidente dos EUA, George W. Bush, quer Osama bin Laden à maneira do velho Oeste — “vivo ou morto” Defesa, Colin Powell. A.G.F.

ANA GOMES FERREIRA O Presidente explicou que Osama juntar-se à Força Aérea, revistar na- chegar ao alvo; a CIA divulgou que o quando a operação terrorista já ti-
Nova Iorque bin Laden é o “centro do alvo”. “Mas vios que entram e saem dos portos, aparelho se dirigia à Casa Branca ou nha terminado.
há outros terroristas no mundo. Va- integrar os serviços secretos. ao Capitólio em Washington. Até quarta-feira da semana pas-
George W. Bush, o Presidente dos mos travar várias batalhas, mas esta A 11 de Setembro, terroristas ára- No domingo, o vice-presidente, sada, a política anti-terrorismo da
Estados Unidos, continua a prepa- é uma guerra que não tem um só bes — os serviços secretos já sabem Dick Cheney, disse ao canal de tele- Casa Branca consistia em responder
rar os cidadãos para a guerra. Ao alvo.” Pela primeira vez, Bush falou que todos tinham ligações a Osama visão NBC que assim que se tornou proporcionalmente - com bombarde-
mesmo tempo, pede paciência ao po- em possíveis baixas humanas. “A bin Laden — desviaram quatro avi- claro que o país estava a ser ataca- amentos de curta duração a campos
vo, porque a guerra ao terrorismo liberdade tem um preço e estamos ões civis, com passageiros, e lança- do, Bush autorizou a Força Aérea a de terroristas. Bush declarou que
demora tempo a preparar. Mas on- dispostos a pagar esse preço.” ram-nos contra edifícios de Washing- abater aviões civis que se dirigissem os ataques constituíam um “acto de
tem decidiu, muito dramaticamente, ton e Nova Iorque. O Pentágono, na à Casa Branca e ao Capitólio. Foi guerra”. E é com uma guerra, global,
contentar os ímpetos de vingança A “decisão mais difícil” capital, ficou parcialmente destruí- a “decisão mais difícil” da Admi- que vai responder. Está a ser consti-
dos americanos. Disse que quer o George W. Bush deu ainda porme- do. As duas torres do World Trade nistração, disse Cheney. “O Presi- tuída uma aliança mundial que os
suspeito número um, Osama bin La- nores sobre o que foi destinado aos Center de Manhattan ruíram, assim dente tomou-a, eu concordei”. Foi EUA vão “liderar”, disse Bush.
den, “vivo ou morto”. 35 mil reservistas que já mobilizou. como prédios adjacentes. Só em No- uma opção “horrenda”, confessou O que significa que poderão ser
Foi durante uma conferência de Vão reforçar a polícia militar, parti- va Iorque morreram perto de cinco o vice-presidente, mas necessária, atacados países diferentes. Donald
imprensa no Pentágono, onde se reu- cipar em projectos de engenharia, mil pessoas. O quarto avião caiu sem acrescentou. Os caças levantaram Rumsfeld disse que a rede terrorista
niu com o “conselho de guerra”. Per- pode ter alastrado a 60 países. Há
guntaram a Bush o que quer de Bin três estratégias de acção em discus-
Laden, um saudita que vive sob a
protecção dos taliban no Afeganis-
tão. “Quero justiça. Há um velho car-
Osama diz que é inocente são. Atacar, continuadamente, os
centros de operações dos terroris-
tas. Atacar os países que acolhem
taz no Oeste que diz ‘procura-se vivo Osama bin Laden, o milionário de origem saudita primeira vez que o fez de forma tão explícita. O os terroristas — o Afeganistão está
ou morto’”, respondeu o Presidente apontado como principal suspeito do ataque contra comunicado marca, aliás, uma ruptura de Bin La- no topo da lista de países inimigos,
dos Estados Unidos. Nova Iorque e Washington da semana passada, recu- den com a sua habitual estratégia de manipulação que é longa. Até quarta-feira, tinha
Bush mostrou-se pouco à vontade sou qualquer ligação aos atentados que destruíram dos “media”. apenas seis inscritos: Iraque, Síria,
frente aos jornalistas. A seu lado, ti- o World Trade Center e parte do Pentágono. Num O magnata apátrida já fora acusado de outros ata- Sudão, Irão, Coreia do Norte e Cuba.
nha a conselheira de Segurança Na- comunicado citado pela agência taliban, a Afghan ques — nomeadamente às embaixadas americanas Poderá ainda ser enviada uma força
cional, Condoleezza Rice, e o secre- Islamic Press, Bin Laden diz que o chefe supremo no Quénia e na Tanzânia em 1998 e ao navio “USS militar para o Afeganistão — não foi
tário da Defesa, Donald Rumsfeld. dos taliban, o “mullah” Omar, não lhe permitiria Cole”, no Iémen, em 2000; mas, até agora, optara posta de lado a hipótese de a guerra
Demorou muito tempo a responder às “exercer tais actividades” em território afegão. sempre por desmentidos vagos, que, por um lado, envolver tropas terrestres.
perguntas, e usou demasiadas vezes No documento, escrito em árabe e assinado pelo o isentavam de um reconhecimento das acusações Ontem, a Administração Bush fez
frases já ditas, que leu ao país: “Sei “xeque Osama bin Laden”, lê-se: “Após as recentes que lhe eram feitas mas, por outro, lhe permitiam saber que, uma vez formada a alian-
que um acto de guerra foi cometido explosões que se registaram nos EUA, alguns dedos manter a sua popularidade entre os islamistas ra- ça antiterrorismo e aprovado o pla-
[contra os EUA]. Este será um tipo acusadores americanos apontaram-nos como estando dicais como o inimigo principal do “Grande Satã” no de acção, não esperará por uma
de guerra diferente. No passado, vi- por detrás [do ataque]. Os EUA habituaram-nos a este norte-americano. resolução das Nações Unidas (ONU)
mos desembarcar tropas em praias, género de acusações, sempre que os seus inimigos, Neste comunicado, Bin Laden protesta veemen- a autorizar o uso da força. Não seria
assaltos a ilhas, armas sofisticadas que são numerosos, fazem um golpe contra si. Afirmo temente a sua inocência: “Quanto a mim, vivo no a primeira vez que os Estados Uni-
atingirem edifícios. Pode haver disto. categoricamente que não levei a cabo esta acção e Afeganistão. Sou um fiel do comandante dos crentes dos agiriam à margem da ONU: foi
Mas este é um inimigo diferente, que que, aqueles que a fizeram, fizeram-na segundo os [o “mullah” Omar, líder espiritual dos taliban], a sem autorização desta organização
gosta de se esconder, que faz parte de seus interesses pessoais.” quem devo respeito e obediência em todas as coisas. que a guerra do Golfo começou. O
uma rede extensa. Não tem regras. Não foi a primeira vez que Bin Laden se distan- O comandante dos crentes não me permite exercer mesmo aconteceu quando os EUA
São bárbaros”, disse Bush. ciou da responsabilidade pelos ataques, mas foi a tais actividades a partir do Afeganistão.”  P.R. accionaram a NATO no Kosovo. 
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PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001

NOVAS REACÇÕES MUNDIAIS


Israel rebaptiza ruas em
O factor Deus
homenagem aos EUA

A
lgures na Índia. Uma fi- tor Deus”, esse, está presente na
Durante as próximas duas semanas, uma la de peças de artilha- vida como se efectivamente fosse
das mais importantes artérias de Tela- ria em posição. Atado à o dono e o senhor dela. Não é um
vive, a rua Kaplan, chamar-se-á Rua do boca de cada uma delas deus, mas o “factor Deus” o que se
Pentágono, uma decisão tomada depois há um homem. No primeiro plano exibe nas notas de dólar e se mos-
de Jerusalém se ter associado à onda de da fotografia um oficial britânico tra nos cartazes que pedem para
homenagens aos EUA: durante um mês ergue a espada e vai dar ordem de a América (a dos Estados Unidos,
a principal avenida da Cidade Santa será fogo. Não dispomos de imagens do JOSÉ SARAMAGO não a outra…) a bênção divina.
conhecida por Rua de Nova Iorque. O efeito dos disparos, mas até a mais E foi o “factor Deus” em que o
ministro israelita da defesa, Benjamin obtusa das imaginações poderá deus islâmico se transformou que
Ben Eliezer, inaugurou a nova rua em “ver” cabeças e troncos dispersos iraquianos sepultados vivos debai- tos descarados a uma inteligência atirou contra as torres do World
Telavive, na presença do embaixador pelo campo de tiro, restos san- xo de toneladas de areia, daquelas e a um sentido comum que tanto Trade Center os aviões da revolta
norte-americano, que classificou este ac- guinolentos, vísceras, membros bombas atómicas que arrasaram trabalho nos deram a criar. Disse contra os desprezos e da vingança
to como “um símbolo de amizade entre os amputados. Os homens eram re- e calcinaram Hiroxima e Nagasá- Nietzsche que tudo seria permitido contra as humilhações. Dir-se-á
dois povos”, acrescentando que os EUA beldes. Algures em Angola. Dois qui, daqueles crematórios nazis a se Deus não existisse, e eu respondo que um deus andou a semear ven-
vão “agir para combater o terrorismo”. soldados portugueses levantam vomitar cinzas, daqueles camiões a que precisamente por causa e em tos e que outro deus responde ago-
Por seu lado, Eliezer lembrou que este pelos braços um negro que talvez despejar cadáveres como se de lixo nome de Deus é que se tem permiti- ra com tempestades. É possível,
acto simbólico não é mais do que “uma não esteja morto, outro soldado se tratasse. De algo sempre havere- do e justificado tudo, principalmen- é mesmo certo. Mas não foram
pequena homenagem pela enorme dívi- empunha um machete e prepara- mos de morrer, mas já se perdeu te o pior, principalmente o mais eles, pobres deuses sem culpa, foi
da que Israel tem para com os EUA”. se para lhe separar a cabeça do a conta dos seres humanos mor- horrendo e cruel. Durante séculos o “factor Deus”, esse que é terri-
corpo. Esta é a primeira fotogra- tos das piores maneiras que seres a Inquisição foi, ela também, como velmente igual em todos os seres
fia. Na segunda, desta vez há uma humanos foram capazes de inven- hoje os taliban, uma organização humanos onde quer que estejam
Ministro italiano quer que segunda fotografia, a cabeça já foi tar. Uma delas, a mais criminosa, a terrorista que se dedicou a inter- e seja qual for a religião que pro-
a NATO se abra à Rússia cortada, está espetada num pau, e mais absurda, a que mais ofende a pretar perversamente textos sagra- fessem, esse que tem intoxicado o
os soldados riem. O negro era um simples razão, é aquela que, desde dos que deveriam merecer o res- pensamento e aberto as portas às
guerrilheiro. Algures em Israel. o princípio dos tempos e das civi- peito de quem neles dizia crer, um intolerâncias mais sórdidas, esse
Face ao terrorismo, a NATO deve alterar Enquanto alguns soldados israeli- lizações, tem mandado matar em monstruoso conúbio pactado en- que não respeita senão aquilo em
a sua composição e integrar o mais rapi- tas imobilizam um palestino, outro nome de Deus. Já foi dito que as tre a Religião e o Estado contra a que manda crer, esse que depois
damente possível a Rússia e os países de militar parte-lhe à martelada os religiões, todas elas, sem excepção, liberdade de consciência e contra o de presumir ter feito da besta um
Leste, defende o ministro da Defesa ita- ossos da mão direita. O palestino nunca serviram para aproximar mais humano dos direitos: o direito homem acabou por fazer do ho-
liano, Antonio Martino, numa entrevista tinha atirado pedras. Estados Uni- e congraçar os homens, que, pelo a dizer não, o direito à heresia, o mem uma besta.
publicada ontem no diário “La Stampa”. dos da América do Norte, cidade contrário, foram e continuam a direito a escolher outra coisa, que Ao leitor crente (de qualquer
O dirigente defende mesmo a mudança de Nova Iorque. Dois aviões comer- ser causa de sofrimentos inenarrá- isso só a palavra heresia significa. crença…) que tenha conseguido
de nome da organização mundial: “A zo- ciais norte-americanos, sequestra- veis, de morticínios, de monstruo- E, contudo, Deus está inocente. suportar a repugnância que estas
na de referência vai deixar de ser o Atlân- dos por terroristas relacionados sas violências físicas e espirituais Inocente como algo que não exis- palavras provavelmente lhe ins-
tico Norte para ser do Alasca a Moscovo”, com o integrismo islâmi-
justificou. O ministro apoia o projecto co, lançam-se contra as tor-
norte-americano de criar um escudo an- res do World Trade Center
timíssil: “Depois do que vimos, ninguém e deitam-nas abaixo. Pelo D I R - S E - Á Q U E U M D E U S andou a semear ventos e que outro deus responde agora com
pode excluir o lançamento de um mís- mesmo processo um tercei- tempestades. É possível, é mesmo certo. Mas não foram eles, pobres deuses sem culpa, foi o “factor
sil nuclear ou uma arma bacteriológica ro avião causa danos enor- Deus”, esse que é terrivelmente igual em todos os seres humanos onde quer que estejam
contra uma cidade norte-americana ou mes no edifício do Pentá-
europeia — até mesmo italiana”. Sobre a gono, sede do poder bélico DAMIR SAGOLJ/REUTERS
participação italiana contra o terroris- dos States. Os mortos, so-
mo, Martino garante que a Itália estará terrados nos escombros,
presente, mas não com meios militares. reduzidos a migalhas, vo-
latilizados, contam-se por
milhares.
Leis antiterroristas vão ser As fotografias da Índia,
reforçadas no Canadá de Angola e de Israel ati-
ram-nos com o horror à ca-
ra, as vítimas são-nos mos-
A abertura do ano parlamentar no Cana- tradas no próprio instante
dá tem como prioridade a discussão de de tortura, da agónica ex-
projectos-lei que venham reforçar a luta pectativa, da morte ignóbil.
contra o terrorismo e a criminalidade. Em Nova Iorque tudo pa-
Ontem, foi aprovada uma moção de apoio receu irreal ao princípio,
aos EUA pelos atentados e a determina- episódio repetido e sem no-
ção em ajudar a “encontrar os autores vidade de mais uma catás-
e a levá-los à barra do tribunal”, afir- trofe cinematográfica, re-
mou Don Boudria, líder da câmara dos almente empolgante pelo
comuns. Na agenda parlamentar está grau de ilusão conseguido
ainda a discussão do reforço da lei de pelo engenheiro de efeitos
imigração, proposta pelo actual governo. especiais, mas limpo de es-
Este projecto tem a intenção de proibir a tertores, de jorros de san-
entrada de presumíveis simpatizantes de gue, de carnes esmagadas,
grupos terroristas e de retirar a cidada- de ossos triturados, de mer-
nia canadiana aos imigrantes que dêem da. O horror, agachado co-
declarações falsas. No ano passado, o mo um animal imundo, es-
Canadá viu-se a braços com um relatório perou que saíssemos da
que dava conta de grupos terroristas que estupefacção para nos sal-
usavam o Canadá para angariar fundos tar à garganta. O horror dis-
e para planificar e preparar atentados. se pela primeira vez “aqui
estou” quando aquelas pessoas sal- que constituem um dos mais tene- te, que não existiu nem existirá piram, não peço que se passe ao
taram para o vazio como se tives- brosos capítulos da miserável his- nunca, inocente de haver criado ateísmo de quem as escreveu. Sim-
Amnistia Internacional sem acabado de escolher uma mor- tória humana. Ao menos em sinal um universo inteiro para colocar plesmente lhe rogo que compreen-
apela à justiça te que fosse sua. Agora o horror de respeito pela vida, deveríamos nele seres capazes de cometer os da, pelo sentimento se não puder
aparecerá a cada instante ao remo- ter a coragem de proclamar em to- maiores crimes para logo virem ser pela razão, que, se há Deus, há
ver-se uma pedra, um pedaço de das as circunstâncias esta verda- justificar-se dizendo que são ce- só um Deus, e que, na sua relação
A Aministia Internacional (AI) está so- parede, uma chapa de alumínio re- de evidente e demonstrável, mas lebrações do seu poder e da sua com ele, o que menos importa é
lidária com as vítimas dos ataques ao torcida, e será uma cabeça irreco- a maioria dos crentes de qualquer glória, enquanto os mortos se vão o nome que lhe ensinaram a dar.
World Trade Center e ao Pentágono, mas nhecível, um braço, uma perna, um religião não só fingem ignorá-lo, acumulando, estes das torres gé- E que desconfie do “factor Deus”.
alerta que a “procura da justiça para abdómen desfeito, um tórax espal- como se levantam iracundos e into- meas de Nova Iorque, e todos os Não faltam ao espírito humano ini-
as vítimas deste crime hediondo” deve mado. Mas até mesmo isto é repe- lerantes contra aqueles para quem outros que, em nome de um Deus migos, mas esse é um dos mais per-
ter em conta o respeito pelos direitos titivo e monótono, de certo modo já Deus não é mais que um nome, na- tornado assassino pela vontade tinazes e corrosivos. Como ficou
humanos. “A solidariedade internacional conhecido pelas imagens que nos da mais que um nome, o nome que, e pela acção dos homens, cobri- demonstrado e desgraçadamente
para com as vítimas dos atentados não é chegaram daquele Ruanda-de-um- por medo de morrer, lhe pusemos ram e teimam em cobrir de terror continuará a demonstrar-se.  ES-
sinónimo de procura de vingança, mas milhão-de-mortos, daquele Viet- um dia e que viria a travar-nos o e sangue as páginas da História. CRITOR, PRÉMIO NOBEL DA LITERATU-
de cooperação para levar os responsáveis name cozido a napalme, daquelas passo para uma humanização real. Os deuses, acho eu, só existem no RA © El Pais Internacional, SA/ El Pais/
a responder perante a justiça. Arranjar execuções em estádios cheios de Em troca prometeram-nos paraísos cérebro humano, prosperam ou Todos os direitos reservados. Este texto
bodes expiatórios não vai levar a nada”, gente, daqueles linchamentos e es- e ameaçaram-nos com infernos, tão definham dentro do mesmo uni- é publicado hoje, em exclusivo, nos jornais
diz em comunicado a AI. pancamentos daqueles soldados falsos uns como os outros, insul- verso que os inventou, mas o “fac- “El Pais” e PÚBLICO
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PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

Taliban decidem Centenas de milhares de


hoje o futuro de afegãos tentam fugir do país
Osama bin Laden Largas centenas de milhares de afe-
gãos estão a abandonar as maiores ci-
dades do país e a fugir em direcção às
fronteiras com o Paquistão e o Irão,
pobres do mundo. A fome ameaça
directamente um quarto da popu-
lação, ou seja, seis milhões de afe-
gãos que ainda vivem no país. Mais
mente. O sofrimento neste Inverno
[que começará dentro de poucas se-
manas] será enorme”, disse à BBC
um elemento da organização Chris-
Delegação paquistanesa Estava previsto que a delegação num dos maiores êxodos da história de três milhões já o abandonaram tian Aid. Segundo a ONU, os “stocks”
paquistanesa passasse apenas onze do Afeganistão. Só em Kandahar, a procurando no exterior condições de comida disponíveis não chegam
ainda não conseguiu horas no país, mas acabou por deci- capital espiritual dos Taliban e um mínimas de sobrevivência que já para mais de três semanas.
que Cabul entregue dir ficar mais um dia, tendo viajado dos mais prováveis alvos de um ata- não encontravam no Afeganistão. É certo que ainda não se sabe em
o homem mais para Cabul para tentar convencer os que norte-americano, o Alto-Comis- Agora, são outros tantos milhares que consistirá a retaliação norte-
procurado pelos EUA seus vizinhos do perigo que têm pela sariado das Nações Unidas para os que se colocam em fuga na tentativa americana, mas todas as atenções
frente. Hoje, quando os líderes tali- Refugiados estima que mais de 300 de chegar a um lugar mais seguro. O viram-se para o país que desde 1996
ban se encontrarem para discutir mil afegãos tenham, até domingo problema é que, perante a escalada tem acolhido Osama bin Laden. An-
FRANCISCA GORJÃO HENRIQUES o futuro de Bin Laden, os represen- passado, abandonado a cidade. dos acontecimentos e o inusitado tevendo o pior, a arruinada economia
tantes de Islamabad ainda deverão “Kandahar está praticamente va- êxodo de afegãos — o movimento de do Afeganistão — a negligência ou
Uma delegação paquistanesa foi on- estar no território. zia”, descreve um jornal iraniano, pessoas triplicou na última semana a inexperiência dos líderes taliban
tem ao Afeganistão tentar conven- A agência Afghan Islamic Press que indica também a região nordes- —, o Irão decidiu no sábado fechar levou a que o regime não seja sequer
cer as autoridades taliban a entrega- (AIP), com base no Paquistão, citava te do país, a única zona que escapa os seus 900 quilómetros de fronteira capaz de assegurar serviços básicos
rem Osama bin Laden, o milionário o porta-voz taliban, Abdul Hai Mu- ao controlo dos taliban, como um com o Afeganistão. de saúde e alimentação — começou a
de origem saudita que os EUA acu- tamaen, afirmando que até agora o dos destinos de abrigo escolhidos Para agravar a situação, todas as dar sinais de uma crise ainda maior.
sam de estar por trás dos atentados “encontro foi muito positivo”, mas pelos refugiados. organizações internacionais huma- Os preços dos alimentos essenciais
de há uma semana a Nova Iorque que nenhuma decisão tinha sido to- Depois de duas décadas de guerra nitárias, de quem depende a sobre- dispararam, depois de uma verdadei-
e Washington. Os mediadores não mada sobre Bin Laden. “Estamos civil, três anos consecutivos de uma vivência de uma parte considerável ra corrida às lojas. A moeda sofreu
obtiveram resposta. Mas, hoje, o go- com 60 por cento de esperanças de das piores secas de que há memória da população, foram também acon- uma desvalorização de 15 por cento
verno afegão vai reunir-se para de- que as condições regressem à nor- e a vivência sob um dos mais auto- selhadas a sair. Uma saída que terá em relação ao dólar. Se se atender ao
cidir o que fará com o seu hóspede. malidade”, declarou. ritários regimes, a ameaça de uma consequências catastróficas para a facto de que o Afeganistão importa a
Era bem clara a mensagem que o Bin Laden tornou-se no homem retaliação americana pelo ataque de população, antevêem vários volun- maior parte da sua alimentação, bem
chefe dos serviços secretos paquista- mais procurado pelo FBI depois dos terça-feira contra Nova Iorque e Wa- tários. “A interrupção dos programas como o petróleo, facilmente se per-
neses, general Mahmood Ahmed, e atentados bombistas contra as em- shington precipita agora o drama de ajuda numa altura como esta fará cebe a dimensão da tragédia em que
Aziz Khan, do ministério dos Negó- baixadas do Quénia e da Tanzânia, da população de um dos países mais com que o número de refugiados au- mergulha o país.  ISABEL LEIRIA
cios Estrangeiros, levavam ao líder em 1998. Desde então que os taliban ALEXANDER NEMENOV/EPA
supremo afegão, o “mullah” Moham- se recusam a entregá-lo às autori-
med Omar: as autoridades afegãs dades americanas, exigindo provas
devem entregar Osama bin Laden do seu envolvimento nos ataques
dentro de três dias para evitar as re- terroristas contra os EUA. 
presálias militares americanas.
“Não foi um ultimato”, disse à Reu-
ters o chefe da diplomacia paquista-
nesa, Abdul Sattar. “Foi só transmi- Guerrilheiros
tir-lhe [a Omar] o que ouvimos dos
altos responsáveis americanos e pô- preparam-se
lo ao corrente da natureza crítica
da actual situação”. Sattar acredita
para o combate
que mesmo a entrega de Bin Laden
não será suficiente para apaziguar Milhares de guerrilheiros ta-
Washignton. “Há muito que eles [ta- liban estão a ocupar postos
liban] estão cientes das preocupações estratégicos no Afeganistão
dos americanos e outros. Têm agora para fazer face a um eventu-
uma última oportunidade para agir, al ataque norte-americano.
para fazer qualquer coisa”. Entre 20 mil a 25 mil comba-
Mas há também quem acredite tentes foram colocados na re-
que, mesmo com a ameaça de um gião fronteiriça do passo de
ataque militar, os taliban não vão Khyber, perto do Paquistão,
trair o homem que ajudou a alimen- segundo o Exército de Isla-
tar a sua máquina de guerra e que mabad. A norte, cinco mil
lutou ao seu lado contra o invasor homens preparam um ata-
soviético. Segundo a Reuters, um que às forças da aliança opo-
responsável militar paquistanês ga- sicionista que controla os
rantiu que os taliban já deslocaram cinco a dez por cento de ter-
um grande número de armas, in- ritório que escapam ao regi-
cluindo mísseis, para locais próxi- me dos taliban, informou
mos da fronteira com o Paquistão. uma fonte do Governo afe-
Alguns responsáveis do governo co- gão no exílio à AFP.
meçaram a deixar o país, juntamen- “Eles estão a juntar armas,
te com as suas famílias. munições e combustível mas
Durante a reunião com Omar, estamos preparados para
a delegação paquistanesa tentou responder a qualquer ata-
transmitir a necessidade de chegar que dos taliban e dos seus
rapidamente a um compromisso. “O mercenários.” Entretanto, o
tempo é fundamental e está a che- governo de Cabul decidiu
gar ao fim”, disse ainda o ministro igualmente colocar as for-
paquistanês dos Negócios Estran- ças de defesa em estado de
geiros. “Os americanos sentem-se alerta e encerrar o espaço
profundamente feridos. Não estão aéreo do Afeganistão a to-
com paciência para discussões ou dos os voos internacionais.
negociações. É tempo de agir”. “As Nações Unidas e a Cruz
Em Kandahar, antes do encontro Vermelha Internacional po-
com Omar, a delegação paquistane- derão utilizar o espaço aé-
sa terá dito ao chefe da diplomacia reo mediante uma autoriza-
taliban, Wakil Ahmed Mutawakel, ção prévia”, precisou o
que “o tempo é curto e que devem ministro da Aviação.
resolver rapidamente este proble- Os últimos dias têm também
ma”, cita a CNN. Os paquistaneses sido marcados pelo abando-
afirmaram ainda que todos os in- no de Cabul por parte de diri-
dícios apontam para que o ataque gentes no poder. Juntamente
tenha partido do Afeganistão e que o com as suas famílias, muitos
Paquistão — um dos três países que têm procurado no campo a
reconhecem o regime dos “estudan- segurança que crêem poder
tes de teologia” — estava determina- vir a ser ameaçada por uma
do a obedecer às leis internacionais eventual retaliação norte-
no que se refere a terrorismo. americana. Depois da fome, do regime taliban e de décadas de guerra, os afegãos fogem agora a um eventual ataque dos EUA
D E S TA Q U E 9
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001

Reticências
Arafat ordenou cessar-fogo
ODD ANDERSEN /EPA
de Barghouti
O chefe da Fatah na
Ariel Sharon diz que só tiu ontem à rádio militar do Cisjordânia, Marwan
haverá conversações seu país não colocar de parte a Barghouti, considerou
com o presidente hipótese de um encontro com ontem que um encontro
Arafat, mas só num futuro lon- entre Arafat e Peres não
palestiniano depois de gínquo. levaria para já a lado ne-
48 horas sem violência Por outro lado, em entrevis- nhum e seria puramente
ta ao “Jerusalem Post”, indi- “táctico”. Aquele quadro
JORGE HEITOR cou que Israel não está dispos- da organização dirigida
to a pagar o preço da formação por Arafat garantiu que a
O presidente da Autoridade Pa- de uma coligação antiterro- Intifada continuará e se
lestiniana (AP), Yasser Arafat, rista dirigida pelos Estados intensificará até, preven-
anunciou ontem ter “dado or- Unidos e que inclua países do mesmo que ela durará
dens estritas para um cessar- árabes: “Dificilmente poderão ainda mais dois a cinco
fogo total” com o Estado de Is- integrar nessa coligação um anos, o tempo necessário,
rael, e esperar que o Governo país como a Síria, enquanto segundo ele, para afastar
de Ariel Sharon responda a es- esta não tiver expulso os ter- dos territórios palestinia-
te apelo. Na carta aberta dirigi- roristas das organizações que nos os colonos judaicos e
da ao povo israelita por ocasião acolhe no seu território.” o Exército de Israel. Bar-
do novo ano judaico, Arafat ma- O primeiro-ministro disse, ghouti disse à AFP nada
nifestou a esperança de que es- entretanto, estar disposto a fa- esperar do tantas vezes
ta ocasião marque “o início de zer importantes concessões, adiado encontro entre
um novo século de paz e de se- “e mesmo concessões doloro- Yasser Arafat e Shimon
gurança para as duas nações, a sas”, aos palestinianos, mas Peres e esperar mesmo
israelita e a palestiniana, e pa- não aceitou descer a pormeno- que o presidente da AP
ra todas as nações da região”. res: “Depois de um conflito de não o concretize. Seme-
De acordo com a AFP, o pre- mais de 120 anos, não se pode lhante posição dá uma vez
sidente da AP aproveitou a Um jovem palestiniano mostra as suas feridas depois de combates nos territórios ocupados resolver tudo de uma só vez.” mais a entender que no
oportunidade para confirmar Sharon acrescentou que é âmbito da Fatah e da Or-
ao povo israelita a sua firme mingo, estar empenhado num menos 48 horas, o que quer di- sições palestinianas perto de necessário ter em conta o con- ganização de Libertação
opção pela paz e por negocia- cessar-fogo com Israel, respon- zer que elas não se deverão con- Ramallah, depois do ataque junto dos elementos políticos e da Palestina (OLP), na
ções com vista a uma resolu- dendo assim à proposta do pri- cretizar antes de quinta-feira, ao soldado. E pelo menos qua- militares da situação: “É uma qual ela se integra, exis-
ção política de todas as ques- meiro-ministro Sharon para uma vez que ainda ontem a vio- tro guardas palestinianos fica- luta complexa. É preciso agir tem sensibilidades bem
tões em aberto. Yasser Arafat que se conseguisse tréguas nos lência prosseguia. Um palesti- ram feridos. A violência em com prudência, e a contenção é diferentes, não sendo fácil
reafirmou estar disposto a reu- territórios de Israel e da Pales- niano foi morto por fogo israe- Ramallah surgiu entre a cóle- também uma forma de força.” a Arafat fazer triunfar os
nir-se com o ministro israeli- tina. No entanto, Sharon ainda lita no Sul da Faixa de Gaza, ra dos palestinianos quanto O chefe do Governo de Israel seus pontos de vista e as
ta dos Negócios Estrangeiros, ontem dizia à rádio israelita enquanto um soldado de Israel ao facto de Israel ter isolado a criticou o mundo árabe e os suas iniciativas. Talvez
Shimon Peres, com vista à apli- não ter informações suficien- ficou gravemente ferido por um cidade, para as celebrações do palestinianos por ainda não por isso é que Ariel Sha-
cação do acordo de cessar-fo- temente claras sobre o cessar- franco-atirador perto da cidade ano novo judaico. terem reconhecido de modo ron não se apressa a lan-
go elaborado pelo director da fogo ordenado por Arafat. cisjordana de Ramallah. Mais de 800 pessoas, na sua inequívoco o direito do povo çar foguetes depois de ter
CIA, George Tenet, do relató- Sharon afirmou que só per- maioria palestinianos, morre- judaico a um Estado, apesar lido a carta aberta do pre-
rio da comissão Mitchell e “de mitirá conversações entre Pe- Fogo na Cisjordânia ram desde o início da nova In- de o Egipto, a Jordânia e a AP sidente da AP, com votos
todos os acordos assinados.” res e o presidente da AP depois Tanques e helicópteros isra- tifada palestiniana, há cerca já terem relações formais com de “chana tova”, “bom
Arafat garantira já, no do- de haver calma durante pelo elitas abriram fogo sobre po- de um ano. Ariel Sharon admi- esse mesmo Estado.  ano” em hebraico.
10 D E S TA Q U E
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
JEFF HAYNES/EPA

Rússia pode permitir uso das


suas bases na Ásia Central
Secretário de Estado ra o encontro previsto para utilizados, dos políticos até, se
norte-americano visita amanhã entre os chefes da di- necessário, ao uso da força”.
plomacia dos dois países: Igor Após estas declarações, os
amanhã Moscovo Ivanov e Colin Powell. EUA fizeram saber que conta-
Estas reuniões foram mar- vam com o envolvimento total
BÁRBARA WONG cadas antes dos ataques ter- de Moscovo na resolução do
roristas. Os norte-americanos problema do terrorismo. No
Na sexta-feira, o ministro da já haviam anunciado o aban- entanto, os EUA suspeitam
Defesa russo, Serguei Ivanov, dono do tratado antimísseis que, em caso de ataque, as du-
mostrou-se muito reticente balísticos (ABM) de 1972, pa- as potências voltem a divergir
quanto à possibilidade de a ra desenvolver o projecto de de opinião. “Se existir colabo-
NATO utilizar bases situadas um escudo antimísseis (MD). ração com a Rússia, esta será
nas ex-repúblicas soviéticas na Mas para os russos o tratado mínima”, defende o analista
Ásia Central numa ofensiva assinado nos anos 70 é a “pe- Pavel Felgenhauer, ouvido pe-
contra os terroristas. Ontem, dra angular da estabilidade la Reuters. “Os norte-ameri-
o secretário de Estado adjunto estratégica”. canos poderão temer que as
norte-americano, John Bolton, Depois, dos acontecimen- informações caiam em mão
declarou que a Rússia não ex- tos da passada terça-feira, os erradas, por isso, o mais certo
A Carta da ONU prevê uma resposta militar em caso de legítima defesa; é esse o caso dos EUA? clui a hipótese de os EUA uti- russos poderão argumentar é só confiarem nos seus alia-
lizarem as suas bases, caso se que o MD não será a melhor dos mais próximos, como os
avance contra o Afeganistão. solução. O mesmo motivo uti- britânicos”, acrescenta.
“Penso que ainda não ex- lizarão os norte-americanos O analista lembra ainda que

EUA têm legitimidade cluíram nem aceitaram essa


possibilidade”, disse caute-
loso, a seguir a um encontro
para justificar a intenção de
unir uma vasta coligação an-
titerrorista contra um inimi-
as ligações russas com o Irão,
Iraque e Síria também pode-
rão ser um entrave. Sem es-
com o ministro da Defesa rus- go comum, diz a AFP. quecer a situação na Tche-

para atacar o Afeganistão? so. Mas Bolton não está em


Moscovo apenas para discutir
as eventuais represálias após
Apesar das divergências, a
Rússia, depois dos atentados,
solidarizou-se com Washing-
tchénia — daí a declaração de
Putin de que a Rússia conhe-
cia o terrorismo internacio-
os atentados ao World Trade ton. Na altura, Vladimir Pu- nal. A acrescentar a tudo isto,
Washington pode acrescenta Alcaide. “O casti- de prestar contas”. O Conse- Center, em Nova Iorque, e ao tin ofereceu a colaboração do os russos ainda têm muito pre-
invocar legítima defesa go não está contemplado pelo lho de Segurança está ainda Pentágono, em Washington. O seu país para acabar com o ter- sente a derrota com o Afega-
Direito Internacional.” “pronto para tomar todas as secretário de Estado adjunto rorismo. O ministro dos Ne- nistão, depois de uma guerra
para actuar, mas não No entanto, Washington po- medidas necessárias para res- norte-americano tem agen- gócios Estrangeiros chegou de dez anos. “No fundo, os pa-
para punir derá contornar esta questão, ponder aos ataques terroris- dada a discussão de questões mesmo a afirmar que “na lu- íses só concordam num ponto:
reunindo argumentos que lhe tas de 11 de Setembro e para relacionadas com a defesa an- ta contra o terrorismo, todos sobre o Afeganistão e no seu
FRANCISCA GORJÃO HENRIQUES permitam atacar Bin Laden combater todas as formas de timísseis, um tema-chave pa- os meios possíveis devem ser regime taliban.” 
com base numa prevenção. terrorismo”, lê-se na resolu-
Os Estados Unidos poderão “Se os EUA conseguirem pro- ção.
À E S P E R A D O C O N T R A - ATA Q U E D A A M É R I C A
estar a preparar-se para ata- var que foi ele o autor dos Mesmo que o conselho ma-
car o Afeganistão, país que atentados de 1998 [às embai- nifeste assim o seu apoio a
acolhe Osama bin Laden, o xadas americanas no Quénia uma punição dos autores, os Islamistas ameaçam atacar interesses se pelas montanhas e que isso pode causar
homem que acreditam estar e na Tanzânia] e de 11 de Se- EUA não têm carta branca pa- norte-americanos outras 20 mil mortes” e que o ataque a um país
por trás dos atentados come- tembro, há uma experiência ra agir. Os membros do conse- muçulmano pode provocar a reacção de outros
tidos na semana passada con- que determina que [Bin La- lho terão de deliberar expres- O Grupo Salafista para a Pregação e o países islâmicos. Em contrapartida, Khadafi
tra o World Trade Center e o den] está empenhado numa samente quer a qualificação Combate (GSPC), de Hassan Hattab — uma defende uma conferência internacional sobre o
Pentágono. Se o fizer, terá de política de agressão contra os da situação, quer a resposta organização dissidente do Grupo Islâmico terrorismo. “Os terroristas são como os
pedir luz verde ao Conselho EUA e que é necessário aca- a realizar (não contemplada Armado, GIA —, ameaçou atacar interesses engenhos explosivos. Não sabemos onde
de Segurança das Nações Uni- bar com a sua organização.” pela resolução 1368). A puni- norte-americanos e europeus na Argélia, se estão, nem que estragos vão fazer”, disse o
das? E pode atacar um país ção só pode ser levada a cabo esses países persistirem na ideia de atacarem líder líbio, no poder há 32 anos, que apresentou
por acolher um suspeito? “Foi prudente solicitar a num âmbito multilateral ins- países muçulmanos e/ou árabes. as suas condolências aos americanos,
No dia imediatamente a se- mediação do Paquistão” titucionalizado, acrescentam O jornal argelino “El Youm” recebeu ontem um lembrando, no entanto, que estes estão a sofrer
guir aos ataques, o Conselho Mas, em primeiro lugar, “é os dois juristas. comunicado desta organização islâmica que como outros povos, em África ou em outras
de Segurança das Nações Uni- preciso definir contra quem Alcaide acredita que os declara que cumprirá as suas ameaças se os partes do mundo, também sofrem.
das aprovou uma resolução se exerce a legítima defesa”, EUA “estão a preparar uma ataques aos interesses islamistas nos EUA,
que passou praticamente des- diz José Manuel Pureza, pro- estratégia global” contra os Reino Unido, França e Bélgica persistirem. O Ingleses também apontam
percebida à imprensa, ainda fessor de Direito Internacio- terroristas e que “foi pruden- grupo condena esses países por se terem
atónita com os acontecimen- nal da Faculdade de Eco- te solicitar a mediação do Pa- precipitado e estarem a aplacar a sua ira o dedo a Bin Laden
tos da véspera: os atentados nomia da Universidade de quistão”, que deu três dias ao contra inocentes. Dizem ainda que este plano Os serviços secretos britânicos apontam o
são considerados um “acto Coimbra. “Foi o Afeganistão regime do taliban, que domi- foi engendrado por “judeus e infiéis”. dedo a Osama bin Laden e consideram-no o
de terrorismo internacional, que os atacou? Não está prova- nam o Afeganistão, para en- “Nas suas acções, as organizações islâmicas principal suspeito pelos ataques terroristas da
uma vez que ameaçam a paz e do.” Neste momento, não ha- tregarem o milionário de ori- não visam civis inocentes”, afirmam ainda, última terça-feira nos EUA. O ministro dos
segurança internacionais”. vendo ainda provas de quem gem saudita. demarcando-se assim dos atentados da última Negócios Estrangeiros, Jack Straw, confirma a
A resolução 1368 recorda foi o autor (ou autores) dos O Presidente George W. terça-feira contra os EUA. O GSPC está contra posição dos serviços secretos e considera que
ainda que todos os Estados atentados, seria sempre ile- Bush afirmou que quer Osa- a posição tomada pelo Governo argelino de o mundo enfrenta uma “ameaça mortal”
têm direito à legítima defesa, gal uma intervenção armada ma bin Laden “vivo ou mor- apoio aos EUA. Este grupo foi criado em 1998 quando existem “pessoas que estão dispostas
tal como estipula o capítulo contra o território de um Es- to”. “A Constituição ameri- com o apoio e financiamento de Bin Laden. a usar aviões com passageiros inocentes como
VII da Carta da ONU. Aparen- tado invocando legítima de- cana não permite declarar se fossem mísseis de cruzeiro”.
temente, está legitimada uma fesa, afirmam ambos os espe- guerra a um indivíduo, ape- Khadafi avisa Washington O ministro britânico, em entrevista à BBC,
acção militar de Washington cialistas. nas a um Estado”, escreveu aproveitou ainda para agradecer ao Paquistão
contra os alvos terroristas e Uma coisa é certa: se Osa- Jonathan Turley, professor de contra riscos de atacar Cabul por colaborar com os EUA. No domingo, o
as forças americanas poderão ma bin Laden for de facto o Direito na George Washing- O líder líbio Moammar Khadafi considera que primeiro-ministro Tony Blair declarou à CNN
avançar sem ouvir o conse- responsável pelas atrocidades ton University, no “Los Ange- os EUA têm todo o direito de responder que a actual situação “é uma guerra entre o
lho. Mas a questão pode não cometidas no dia 12 de Setem- les Times”. “Mas nós não pre- militarmente aos ataques terroristas ao World mundo civilizado e o fanático” e que este último
ser assim tão linear e depende bro, o Afeganistão não pode cisamos de declarar guerra Trade Center e ao Pentágono, mas vai avisando não olha a meios para atingir os seus fins.
do uso da força que as autori- cruzar os braços. “Primeiro, para actuarmos contra este os norte-americanos sobre a situação difícil em
dades americanas decidirem deve exercer a sua jurisdição, terrorista ou contra a sua or- que o Afeganistão se encontra, depois da Sudão não teme retaliações
fazer. punindo-o”, explica Pureza. ganização.” Turley diz tam- guerra civil. “Os EUA são uma nação forte e
A carta prevê uma resposta “Se não o fizer, deve entregá- bém que “nem a lei federal poderosa; será um acto de coragem atacar o Depois de ter sido bombardeado pelos EUA, em
militar em caso de legítima lo” a uma outra entidade. O nem a Constituição impedem Afeganistão, um país completamente destruído, 1998, o Sudão diz não temer quaisquer
defesa como “uma resposta Paquistão, neste caso, seria o o Presidente de ordenar o as- sem estradas, indústria e onde as pessoas se retaliações por parte do gigante norte-
imediata a um ataque”, refere intermediário mais provável. sassínio de um estrangeiro deslocam de burros ou em carroças? Será que americano. O Governo islâmico de Cartum
ao PÚBLICO Joaquín Alcai- Nenhuma destas actuações que seja uma ameaça para os isso resolve o problema?”, questionou, num condenou firmemente os atentados terroristas
de, professor de Direito Inter- leva a interpretar que o país EUA”. encontro numa pequena cidade líbia. Khadafi e garantiu que as relações com Washington
nacional da Universidade de “se associa ao criminoso”, po- Alcaide argumenta: “A difi- lembrou ainda que, antes da guerra civil, estão a melhorar. As autoridades salientaram
Sevilha. Não é ilimitado no dendo, por isso, ser punido. culdade agora vai ser determi- morreram 20 mil soldados soviéticos durante a ainda a imediata protecção dada às
tempo e “não pode servir co- A resolução 1368 adianta nar se um ataque armado vai invasão do Afeganistão e aconselha os EUA a embaixadas ocidentais no Sudão, na altura do
mo uma punição.” Ou seja, “é que os que “ajudarem, apoia- acabar com os actos terroris- serem pacientes. O líder líbio — cujo regime atentado. “O Sudão não é um Estado terrorista,
legítimo atacar para prevenir rem ou albergarem os auto- tas.” Os EUA podem ganhar faz parte da lista americana dos países que nem apoia o terrorismo, e não defende os actos
um acto terrorista, mas não res, organizadores e patro- essa batalha. “Mas estão longe apoiam o terrorismo — é da opinião de que que visam civis inocentes”, garantiu o
para castigar um criminoso”, cinadores destes actos terão de ter ganho a guerra.”  “Bin Laden e os seus seguidores vão dispersar- Presidente Omar al-Bachir.
D E S T A Q U E 11
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001

UE convoca cimeira para Vitorino


analisar respostas ao terrorismo propõe medidas
União pretende acelerar com a declaração emitida na sex- ões especiais do Conselho de Mi- António Vitorino, co- queamento de capitais —
criação de um “verdadeiro ta-feira, dia do primeiro “luto eu- nistros dos Quinze, convocados de missário europeu res- e destina-se a instituir o
ropeu” jamais proclamado, em emergência no rescaldo dos aten- ponsável pela coopera- “mandato de captura” ao
espaço judiciário europeu” memória das vítimas (e suas) fa- tados: ministros dos Negócios Es- ção policial e judiciária nível europeu. De acordo
mílias dos ataques sobre Nova Ior- trangeiros e Transportes, respecti- na União Europeia (UE), com os especialistas, esta
ISABEL ARRIAGA E CUNHA que e Washington: neste texto, os vamente, na quarta e na sexta-feira vai amanhã apresentar medida permitirá, nome-
Bruxelas líderes assumem o compromisso da semana passada, e ministros da formalmente aos Quin- adamente, acabar com os
de reforçar os instrumentos de Justiça e Administração Interna ze o seu primeiro pacote processos de extradição
Os líderes da União Europeia (UE) combate ao terrorismo no âmbito na próxima quinta-feira.  de medidas de luta con- entre países-membros da
vão reunir-se na próxima sexta- das suas políticas de segurança e tra o terrorismo a nível UE e com toda a tramita-
feira em cimeira extraordinária defesa, policial e judiciária. comunitário. ção burocrática que acar-
de emergência, em Bruxelas, para “Estes acontecimentos trági- “Exercício difícil” Estas propostas serão retam.
analisar a “evolução da situação cos exigem [da UE] decisões” que discutidas no dia imedia- As propostas de Vito-
internacional” desde os atentados pressupõem o seu “empenhamen- A cimeira europeia da próxi- tamente a seguir, durante rino fazem parte do seu
terroristas de 11 de Setembro. to sem quartel nas questões mun- ma sexta-feira será “um exer- uma reunião dos ministros da Justiça extenso programa de medidas des-
A convocação da cimeira foi as- diais para defender a justiça e a cício difícil” ainda que indis- e Administração Interna dos Quin- tinadas a permitir a criação de um
sumida pela presidência belga da democracia”, a par do desenvolvi- pensável, disse ao PÚBLICO ze, reunião de emergência convocada Espaço de Liberdade, Segurança e
UE, que acabou por responder de mento da sua política externa e de uma fonte do gabinete do pri- no rescaldo dos atentados terroristas Justiça na UE até 2004, como anun-
forma positiva aos apelos para a segurança comum, e aceleração meiro-ministro português. An- nos EUA. Em causa estão dois actos ciado pelos líderes da UE, mas a sua
sua realização, lançados nomeada- da criação de um “verdadeiro es- tónio Guterres deu ontem o legislativos destinados a obter uma apresentação amanhã resulta da ne-
mente pela Alemanha, quando ain- paço judiciário europeu”. seu aval à convocação pela pre- harmonização mínima das legislações cessidade de acelerar a reacção da
da pairavam nuvens de pó e fumo Inevitavelmente, os líderes não sidência belga de uma reunião nacionais dos Quinze em matéria de UE aos ataques nos Estados Unidos.
sobre Nova Iorque. deixarão de abordar os seus dife- extraordinária dos líderes eu- combate ao terrorismo. Nem todos os Um grupo de juízes antiterroristas
A brevidade inédita da convo- rentes pontos de vista sobre a for- ropeus, que decorrerá em Bru- países prevêem, por exemplo, uma de- confirmou ontem a existência de uma
cação de um evento que normal- ma como encaram a solidariedade xelas na tarde de sexta-feira. finição precisa do crime de terrorismo rede islamista radical na Europa que
mente pressupõe uma pesadíssi- afirmada face aos EUA. Enquan- Em Lisboa, admite-se que seria que está, muitas vezes, associado a preparava ataques contra interesses
ma operação logística traduz o to o Reino Unido já anunciou que impossível esperar pela cimei- outras formas de violência. americanos na Europa e que está na
grau de preocupação dos líderes contribuirá com tropas para uma ra de Ghant, no dia 19 de Outu- A primeira proposta destina-se base das prisões efectuadas na sema-
sobre a evolução possível do con- eventual acção militar e a Grécia bro, para debater ao mais alto precisamente a instituir uma defi- na passada de quatro pessoas na Ho-
flito desencadeado com os ataques e a Itália já o excluíram, os outros nível as consequências do ata- nição comum do crime de terroris- landa e duas na Bélgica. Os juízes da
terroristas da semana passada. países têm tido o cuidado de adop- que terrorista contra a Améri- mo no espaço comunitário, acompa- França, Alemanha, Bélgica e Holanda,
Segundo a presidência belga da tar um discurso o menos belicista ca, mas considera-se também nhado de penas comuns em todos os que se reúnem regularmente para fa-
UE, “depois da declaração comum possível, como se quisessem con- que a reunião não pode correr países que, nos casos mais graves, zer o ponto da situação da luta antiter-
publicada na semana passada em trabalançar a postura mais agres- o risco de ser “decepcionante”, podem chegar aos 20 anos de prisão. rorista, debruçaram-se ontem sobre
solidariedade com os Estados Uni- siva dos EUA. Gerhard Schroe- limitando-se a reproduzir as O segundo texto tem um âmbito os inquéritos lançados no rescaldo dos
dos, os chefes de Estado ou de Go- der, chanceler alemão, defendeu mesmas declarações de solida- mais vasto do que o terrorismo e abar- atentados americanos. “Enfrentamos
verno e os ministros dos Negócios “a criação de meios políticos e di- riedade já feitas pelos chefes ca todas as formas de grande crimi- uma rede de ‘mujahedines’, no quadro
Estrangeiros da UE farão o pon- plomáticos” de luta contra o ter- da diplomacia dos Quinze e nalidade organizada — desde o tráfico de movimentos radicais islamistas,
to da evolução da situação inter- rorismo, não só militares. por cada um dos seus gover- de seres humanos, sobretudo crian- isso é evidente”, afirmou o juiz belga
nacional”. A afirmação tem a ver A cimeira segue-se a três reuni- nos. T. DE S ças, e a exploração sexual até ao bran- Bernard Michel.  I.A.C
1 2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

Para cá da
“Zona Zero” Atentados reacendem temores
Eu sei, tu sabes, sobre terror ambiental
ele sabe Colapso das torres não
poluiu tanto quanto se
MIKE SEGAR/REUTERS

A reabertura dos aeroportos que servem a temia, mas cenário


cidade, sendo o mais espectacular, não é o
único dos sinais de regresso à normalidade.
poderia ser bem pior
O tráfego nas avenidas e nas ruas aumenta a
olhos vistos, as esplanadas dos restaurantes RICARDO GARCIA
na baixa de Manhattan voltam a encher-se
de grupos ruidosos, a electricidade foi ligada As explosões aterrorizantes, o
nas imediações da zona atingida e alguns re- colapso das enormes torres e a
sidentes aventuram-se já a dormir de novo em sinistra nuvem de fumo e de
casa. Sábado à noite. A menos de 200 metros poeira provocada pelos atenta-
do local onde bombeiros e socorristas não dão dos de terça-feira passada le-
tréguas ao cansaço e ao desânimo, procurando vantaram temores sobre o efeito
indícios ainda que mínimos de vida nalgu- ambiental de um ataque terro-
ma bolsa de respiração entre as toneladas de rista como aquele. A preocupa-
escombros das torres, um homem passeia o ção imediata, no caso do World
cão por entre polícias e militares da Guarda Trade Center, dirigiu-se à polui-
Nacional. Traz bem à vista um pacote de luvas ção atmosférica. Um cheiro acre
de plástico e um outro, pequeno, onde recolhe pairou sobre o centro de Nova
os excrementos do animal. Alguns canais de Iorque nos dias que se seguiram
televisão nem esperaram por outras e mais à tragédia, levando muita gente
explícitas provas de que a vida continua. Num a usar máscaras compradas nas
mordaz texto publicado no jornal “New York farmácias. Um receio natural
Post”,um colunista lembra que o choque do era o de que, ao ruírem as torres,
massacre no liceu de Columbine ou da bomba tivessem sido lançadas para o
na cidade de Oklahoma não impediu que a cul- ar substâncias perigosas para a
tura comercial — TV, radio, jornais, cinema, saúde.
video jogos, música, desportos — regressas- A Agência para a Protecção do
se poucos dias depois à pornografia, à vio- Ambiente (EPA) colocou-se logo
lência dirigidas às camadas mais jovens dos em campo. Poucas horas depois
consumidores. Não tarda “que rgressemos do atentado, a EPA já tinha 26
à tarefa de fazer o nosso pior”, escreve Phil especialistas no local. Três dias
Muschnick. “Vocês sabem-no, eu sei-o, e, mais depois, eram mais de duas cen-
importante, eles sabem-no”. tenas — parte dos quais foram
deslocados para o Pentágono,
em Washington. A agência dedi-

Turbantes e saris cou, imediatamente cerca de 130


mil contos (649 mil euros) para
apoiar o trabalho em ambos os
em Central Park locais, enviando três mil másca-
ras especiais, 60 máquinas de
respiração e dez mil fatos pro-
Estaria eu no Punjab? No meio dum parque, tectores.
numa zona em frente de um arco de arqui- As primeiras análises afasta-
tectura inspirada numa religiosidade univer- ram os piores cenários. Não fo-
sal que poderia ser assinada por um anglo- ram encontrados níveis preo-
saxónico, centenas de homens de turbante e cupantes de poluentes, como o
mulheres de sari reuniam-se numa cerimónia amianto, metais pesados ou com-
para honrar os mortos e criavam no terreiro postos orgânicos voláteis, nas
uma via láctea de velas. Mas não era na Índia. áreas da cidade analisadas. Mas
Era em Central Park, Midtown Manhattan, sá- algumas amostras recolhidas no
bado ao fim da tarde. A comunidade sikh ame- local mais próximo às torres que
ricana queria provar aos seus concidadãos ruíram — a chamada “zona ze-
que também ama o país que escolheu para ro” — revelaram estar contami-
viver — e que os acolheu. Além dos turbantes nadas.
e saris, havia também bandeiras americanas O amianto era um dos motivos
envolvendo os respeitáveis homens de barbas principais de preocupação. Uti- Receia-se que haja, no meio dos destroços, aparelhos contendo produtos radioactivos
brancas ou os mais jovens, rapazes e rapari- lizada até á década de 1980 co-
gas, que já adoptaram a etiqueta da vestimenta mo isolante térmico, esta subs-
da juventude americana. tância assume a forma de fibras só foi tratada com amianto até rias, num cenário de guerra bio-
muito finas que, quando inala- ao 64º andar. Os aviões embate- A FRASE lógica. Do lado químico, o exem-
das, se instalam nos pulmões, ram acima disto e, portanto, os plo recente mais atemorizador

Encomendas causando lesões que podem, a


longo prazo, provocar cancro. O
uso do amianto como protector
pilares terão cedido mais rápi-
do à força das chamas, segundo
Milloy.
“Não podemos deixar
que outros actos
é o do ataque com gás sarin, no
metro de Tóquio, em 1995, que
matou 13 pessoas e levou à hos-
para o World anti-fogo nos edifícios foi proi-
bido em Nova Iorque em 1971,
O amianto não é tudo. Outra
fonte de preocupação é a possi-
terroristas espelhem
os que acabámos
pitalização de outras mil.
Dada a dimensão e a ousadia
quando as torres gémeas esta- bilidade de haver, no meio dos dos atentados contra os Estados
Trade Center vam na fase final de construção.
Daí o receio de que parte do ma-
destroços, aparelhos contendo
produtos radioactivos — como
de vivenciar” Unidos, as ameaças do terroris-
mo ambiental estão a ser levadas
terial tenha-se pulverizado com máquinas de raios X. Haveria, SPENCER ABRAHAM a sério. Ontem mesmo, o secretá-
Ainda há, em Nova Iorque, quem tente enviar o colapso do World Trade Cen- portanto, um duplo risco de fuga Secretário da Energia dos EUA rio norte-americano da Energia,
encomendas para o World Trade Center. O ter. radioactiva, primeiro em virtude Spencer Abraham, sugeriu um
funcionário de uma empresa de distribui- O triste espectáculo do aten- do colapso dos edifícios e, agora, reforço no controlo da expor-
ção de encomendas e documentos porta-a- tado serviu de munição para durante os trabalhos de limpeza estão identificados como armas tação de materiais nucleares.
porta, contou que alguns dos seus clientes lhe que Steven Milloy — editor e resgate. Até agora, no entanto, para potenciais actos terroris- “Não podemos deixar que ou-
tentaram dar, na semana passada, pacotes de uma página na Internet não foi detectada nenhuma indi- tas. A área de Los Angeles foi tros actos terroristas espelhem
para entregar nas torres gémeas. A empresa (JunkScience.com) e autor de cação neste sentido. alvo, em 1998, de 20 ameaças re- os que acabámos de vivenciar”,
de distrubuição trabalha em toda a cidade, livros dedicados a desmontar te- No campo da especulação, co- lacionadas com o antrax — um disse Abraham, numa reunião
formada por Manhattan, Brooklyn, Queens, ses ambientalistas e científicas gitam-se cenários ainda mais as- bichinho que produz sintomas da Agência Internacional para
Bronx e Staten Island. “Algumas pessoas ten- sobre riscos ambientais — argu- sustadores. E se os terroristas de uma forte gripe, e que mata a Energia Atómica, em Viena.
taram dar-me encomendas para serem entre- mentasse que, com mais amianto trouxessem consigo armas quí- um ser humano em 24 horas, se O secretário norte-americano
gues no World Trade Center. Eu disse-lhes: nos arranha-céus, talvez o resul- micas ou biológicas? Espalhar não for imediatamente tratado evocou a necessidade de esfor-
‘Não acha que ainda é cedo, não quer esperar tado não fosse tão trágico. Milloy germes mortíferos junto com a com antibióticos. O vírus da va- ços redobrados “para assegurar
mais algum tempo antes de mandar isto?’ afirma, num texto publicado explosão das torres traria con- ríola e os agentes da peste pneu- que estes materiais não sejam
E alguns responderam: ‘Hum! Talvez tenha sexta-feira pela FoxNews.com, sequências ainda mais dramá- mónica e do botulismo também jamais utilizados como armas
razão’”. A.G./A.G.F./E.C.T. que a estrutura de aço das torres ticas. Vários microorganismos são ameaças consideradas sé- do terror”. 
D E S TA Q U E 1 3
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001

COLIN BRALEY/REUTERS
M O R T O S E D E S A PA R E C I D O S P O R PA Í S E S

Os atentados de 11 de Setembro nos EUA fizeram mais de 5500 mortos ou desaparecidos, muitos dos
quais não são norte-americanos. A contagem das vítimas prossegue à volta do planeta e ao todo,
incluindo Portugal, há 59 países que podem ficar de luto.

África do Sul — Um morto, 24 desaparecidos. Indonésia — Um morto, um desaparecido.


Alemanha — Quatro mortos, 205 desaparecidos. Irlanda — Quatro mortos, mais de 20 desapareci-
Argentina — Quatro desaparecidos. dos.
Austrália — Três mortos, 69 desaparecidos. Israel — Dois mortos, 98 desaparecidos.
Áustria — Um morto, 40 desaparecidos. Itália — Dois desaparecidos.
Bangladesh — Pelo menos 50 mortos. Japão — Dois mortos, 22 desaparecidos.
Bélgica — Um desaparecido. Jordânia — Dois desaparecidos.
Brasil — Pelo menos 55 desaparecidos. Quénia — Um desaparecido.
Camboja — Vinte desaparecidos. Líbano — Seis vítimas.
Canadá — Três mortos, entre 50 e 100 desapare- Malásia — Sete desaparecidos.
cidos. México — Pelo menos 19 desaparecidos, pode-
Chile — Três mortos, mais de 250 desaparecidos. rão ser 500.
China — Três mortos. Noruega — Um desaparecido.
Colômbia — Dois mortos, 295 desaparecidos. Paquistão — Três mortos, 20 desaparecidos.
No terreno estão quatro mil agentes do FBI a seguir o rasto de 40 mil pistas Coreia do Sul — Dezanove desaparecidos. Paraguai — Um desaparecido.
Dinamarca — Cinco desaparecidos. Holanda — Três mortos.

Investigações prosseguem Egipto — Quatro mortos.


El Salvador — Um morto, 100 desaparecidos.
Espanha — Oito desaparecidos.
Peru — Um morto, cinco desaparecidos.
República Dominicana — Um morto.
República Checa — Cem desaparecidos.

nos dois lados do Atlântico Equador — Dois mortos, 31 desaparecidos.


Filipinas — Dois mortos, 115 desaparecidos.
Finlândia — Dezassete desaparecidos.
Roménia — Oito desaparecidos.
Rússia — Há 117 desaparecidos.
Eslováquia — Uma vítima.
FBI prendeu quatro Descobre-se o rasto tação pública de rádio alemã. França — Dez vítimas. Suécia — Um desaparecido.
pessoas, mas as dos sequestradores Jarrah estudava construção
Gâmbia — Um morto. Suíça — Quatro mortos, dois desaparecidos, 150
As polícias europeias também de aviões em Hamburgo. Aí
autoridades dizem estão em alerta, investigan- Jarrah terá sido contactado Grã-Bretanha — Cerca de 100 mortos, várias cen- incontactáveis.
que ainda pode haver do indivíduos com informa- por Mohammed Atta, um dos tenas de desaparecidos. Taiwan — Nove incontactáveis.
cúmplices nos EUA ções relativas aos suspeitos. sequestradores do Boeing
A polícia alemã fez, este fim que embateu no World Trade Grécia — Trinta desaparecidos. Tailândia — Há 17 desaparecidos.
LINA FERREIRA de semana, uma busca a um Center, passando posterior- Honduras — Um morto, centenas de incontactá- Turquia — Um total de 131 incontactáveis.
apartamento de Berlim. A in- mente a viver no seu aparta-
veis (incluindo cidadãos de El Salvador). Uruguai — Um morto.
Eles estão por todo o lado. Es- vestigação já levou à prisão mento.
ta poderia ser a reacção das de uma pessoa na Holanda Tal como Ziad, outros sete Hong Kong — Dezanove desaparecidos. Venezuela — Três desaparecidos.
autoridades ocidentais às in- e duas na Bélgica, acusados piratas do ar estudavam na Hungria — Trinta desaparecidos. Zimbabwe — Seis desaparecidos.
vestigações ao atentado de de estarem a preparar atenta- Alemanha. Não é o caso de
terça-feira nos EUA. A polí- dos anti-americanos. No Rei- Ahmed Al-Ghamdi, suspeito
cia federal norte-americana no Unido, a Scotland Yard es- de sequestrar o avião que se
(FBI) continua a fazer deten- tá a colaborar com o FBI nas despenhou em Nova Iorque.
ções em massa, deixando os investigações. Ghamdi terá combatido na
americanos confiantes. Mas a Entretanto, os media, se- guerra da Tchetchénia, jun-
passagem dos terroristas pelo guindo informações policiais, tamente com rebeldes mu-
velho continente está a preo- começam a traçar o rasto dos çulmanos. A informação foi
cupar os europeus. 19 terroristas. Quase todas as indicada pela mãe ao diário
Cúmplices dos terroristas informações apontam para saudita “al-Wath”.
que desviaram os quatro avi- jovens árabes, com frequên- Na sequência destas reve-
ões americanos na terça-fei- cia universitária e passagem lações, Gerhard Schroeder,
ra poderão ainda estar nos pela Europa. O próprio Bin chanceler alemão, pretende
Estados Unidos, indicou on- Laden terá utilizado uma so- agravar as leis antiterroris-
tem o procurador-geral norte- ciedade financeira na Suíça mo na Alemanha. Também
americano, John Ashcroft. O como placa giratória da sua John Ashcroft defendeu, on-
FBI já prendeu quatro teste- fortuna, indicava hoje o sema- tem, novas leis que impeçam
munhas materiais. Os agen- nário “Blick”. outros atentados. Resta sa-
tes não indicaram se também Ziad Samir Jarrah, um ber até que ponto as medi-
são suspeitos, podendo a pri- dos sequestradores do avião das tomadas não irão entrar
são ser apenas uma forma de que se despenhou em Pitts- em conflito com a privacidade
evitar a fuga de importantes burgh, de origem libanesa, dos indivíduos ou marcar o
testemunhas. Outras 49 pes- viveu mais de um ano em início de uma suspeição ge-
soas, que poderão estar im- Greifswald, no norte da Ale- ral sobre os árabes no mundo
plicadas nos atentados, foram manha, indicou ontem a es- ocidental. I
detidas. Fonte não identifi-
cada do FBI revelou que um
total de 170 pessoas estão a
ser interrogadas, por infor-
mações relevantes.
Esta é a maior investigação
da história do FBI. No terre-
no estão quatro mil agentes
a seguir o rasto de 40 mil pis-
tas. Talvez seja o empenho
do FBI a aumentar a confian-
ça dos americanos. Segundo
uma sondagem, publicada on-
tem, três quartos dos ameri-
canos acreditam que Bin La-
den vai ser capturado e morto.
Cerca de 55 por cento dos in-
quiridos têm uma “grande
confiança” relativamente à
gestão das crises por parte
do seu presidente. Mas 82 por
cento afirmam que as repre-
sálias só devem ser efectua-
das depois da certeza de que
Bin Laden é suspeito.
1 4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
ANTHONY P. BOLANTE/REUTERS

Quatro mil anos depois


E
ste sába- go. Os comerciantes
do, tal co- queixam-se, as lojas
mo há oito fecham mais cedo,
dias, o sol outras permanecem
brilhou em Nova Ior- encerradas, as ruas
que. Mas, depois da têm um trânsito re-
chuva intensa de sex- duzido, os céus ainda
ta-feira, terminou não vêem os aviões
o Verão húmido e EDUARDO CINTRA TORRES que trazem consigo
começou o “indian vida e negócios.
summer”, um mês de bom tempo e tem- A estação de caminhos de ferro da rua
peraturas amenas antes do Inverno. Em 34, a Penn Station, perdeu muitos dos
Lower Manhattan, porém, é como se ti- seus habituais utilizadores com a des-
vessem passado quatro mil anos: as ru- truição do World Trade Center, mas
ínas de um conjunto urbano maior do recebeu muitos dos que não puderam
que a Baixa lisboeta propagam os sinais viajar de avião.
da destruição e da paralisia por uma A Penn Station é um mar de corredores
área vastíssima, que inclui todo o maior que dão para muitas linhas diferentes
centro financeiro e zonas residenciais, e para o metropolitano. Ninguém se co- Por todos os Estados Unidos, são criados memoriais espontâneos às vítimas dos atentados
de lazer e de turismo. nhece e os encontrões são a sua forma
Numa escola secundária junto de Canal de relações humanas. Na sexta-feira,
Street, a última rua onde é permitido procurava o meu caminho por entre a

HISTÓRIAS
o trânsito, situada a cinco quarteirões multidão e oiço uma salva de palmas:
do World Trade Center, centenas de re- as pessoas saúdam espontaneamente
sidentes na área afectada ou evacuada qualquer grupo de voluntários que tra-
recebem instruções da protecção civil. balha nas ruínas das Twin Towers. Nesse
Centenas de turistas e de americanos momento, os passageiros deixam de ser
da cidade ou de outras cidades circulam indivíduos isolados para serem um con-

DE NOVA IORQUE
por esta rua tentando ver as ruínas da junto que partilha uma emoção. Por todo
destruição. Mas apenas podem ver o o lado rebentam salvas de palmas para
movimento das operações de salvamento os que procuram vidas nos escombros
e de limpeza do gigantesco entulho e, do World Trade Center.
lá ao fundo, no fim da Broadway ou de As bandeiras americanas surgem em to-
Greenwich Street, o fumo que ainda sai do o lado e em todas as formas: de papel,
do ventre da cidade como de um vulcão de pano, de plástico, grandes ou peque-
em constante fervura. É ali, debaixo nas (“one dollar! one dollar!”) e as elec- EXPULSOS JORNALISTAS mento não é para progra- FUTEBOLISTA INGLÊS
daquele vulcão, que jazem os restos mor- trónicas nos ecrãs gigantes que titilam mas de entretenimento, mas
tais de quase cinco mil pessoas. noite e dia em Times Square. CHINESES QUE sim para a informação. Para SOLIDÁRIO COM AS
Um voluntário das equi- A bandeira aparece por um “APLAUDIRAM” ATENTADOS o director de programas da VÍTIMAS...
pas de salvação — as úni- impulso. Richard Burkhol- ABC, Jeff Bader, o horário
cas pessoas que passam As ruínas de um der, investigador principal O Governo norte-americano nobre precisa de, pelo me- O futebolista Tim Sherwood,
para lá da Reade Street expulsou um grupo de jorna- nos, uma hora para o te- médio do Tottenham, equipa
— disse nessa fronteira
conjunto urbano maior na Gallup, a empresa de
estudos de opinião e de listas chineses de visita aos lejornal. “Não faz sentido da Premier League inglesa,
guardada pelo exército a do que a Baixa lisboeta mercado, disse-me que não Estados Unidos, por terem nesta altura fazer qualquer anunciou que vai doar os seus
um grupo de jornalistas propagam os sinais da aprecia nada o patriotis- “aplaudido” os atentados estreia”, conclui. Já a cadeia prémios de jogo às famílias das
entre os quais me encon- mo fácil, pelo caminho que de Nova Iorque e Washing- CBS decidiu que os novos vítimas dos atentados de 11 de
trava que se sente o calor destruição e da pode tomar. Mas na terça- ton, anunciaram responsá- programas só irão para o ar Setembro e instou os seus pa-
enorme que vem do fundo paralisia por uma área feira do ataque chegou a veis da Administração nor- a partir do dia 24 deste mês. res a fazerem o mesmo. “Tal
da terra: “Aquilo ainda es- te-americana. “Em 14 de como toda a gente, fiquei triste
tá tudo a arder lá em bai-
vastíssima, que inclui casa, algures perto de Prin-
ceton, a uma hora de Ma- Setembro, decidimos inter- e horrorizado com os aconte-
xo.” A chuva, disse, não todo o maior centro nhattan, e pendurou uma romper a visita de um grupo UM REPÓRTER “POR SUA cimentos da semana passada
apagou o fogo, mas lim- financeiro bandeira na porta de casa. vindo da China através de nos EUA”, explicou ele à agên-
pou o ar de muita poeira, No dia seguinte, ao atraves- um programa internacional CONTA E RISCO” cia inglesa Press Association,
facilitando o trabalho. sar as inúmeras zonas ha- de convites, devido às cir- NO AFEGANISTÃO citada pela AFP. “Queria fazer
Mas muitos familiares bitadas de vivendas a cami- cunstâncias actuais”, afir- qualquer coisa para ajudar e
mantêm ainda a esperança. Por todo o nho de Princeton, a cidade universitária, mou um responsável, que No sábado, quando se come- esta foi a melhor maneira que
lado, nas paredes, nas redes dos parques, viu centenas de bandeiras em centenas pediu o anonimato. Segun- çava a falar de ataques de re- encontrei de o fazer. Espero que
nas cabines telefónicas, mas principal- de outras casas. do outra fonte, alguns dos taliação norte-americanos, isto possa encorajar outros fu-
mente nos acessos dos dois hospitais mais Uma empresa da Georgia já fabricou 14 jornalistas que integra- a CNN confiava em Nic tebolistas a fazerem algo pelas
próximos, centenas de folhas A4 com mais de 750 mil bandeiras desde o ataque vam o grupo aplaudiram e Robertson para dar infor- pessoas que sofrem nos EUA e
fotografias e descrições de pessoas desa- terrorista, mais do que durante a guerra aclamaram as imagens de mações das operações. Ro- pelas famílias britânicas que
parecidas sugerem ainda a incapacidade do Golfo. O Presidente dos Estados Uni- televisão que mostravam os bertson é o único repórter também perderam entes que-
de aceitar a brutal realidade. dos pediu aos americanos para arvora- aviões a embater nas torres televisivo americano no Afe- ridos nos atentados”, acrescen-
Nas ruas desertas da Baixa de Manhattan rem a bandeira até ao final da próxima do World Trade Center. O ganistão. Mas, segundo o tou o futebolista. Se o apelo
circulam apenas a polícia, o exército e semana. Além das bandeiras, há velas grupo de visitantes era con- próprio, está no país por sua pegar, pode estar em cima da
muitos residentes, autorizados a passar acesas por todo o lado. vidado do Instituto de Edu- conta e risco, depois de, na mesa uma verba próxima dos
a pé até mais próximo da zona do desas- Os americanos de outras raças que não cação Internacional, com terça-feira, ter recebido or- 160.000 euros (32.000 contos),
tres. Ei-los que regressam, ruas fora, brancas também manifestam a sua re- sede em Nova Iorque. Os jor- dens dos taliban para se re- o montante global de prémios
de malas de viagem na mão, a caminho volta e pesar pelas vítimas, surgindo nas nalistas, de várias televisões tirar do país. “Recebi uma de jogo que deverão ser atri-
das casas de familiares ou amigos ou cerimónias e memoriais, mas não é sufi- locais chinesas, efectuavam chamada do Nic Robertson buídos esta época na Premier
até de centenas de desconhecidos que se ciente para evitar injustas acções como uma visita de 28 dias aos Es- às duas e meia da manhã League.
disponibilizaram para receber esta nova ataques violentos nas ruas, disparos para tados Unidos, no quadro de a dizer que qualquer jorna-
espécie de sem-abrigo. as suas lojas ou insultos. um programa financiado pe- lista que permanecesse no
No cruzamento das ruas Reade e Gre- O dirigente da comunidade muçulma- lo Departamento de Estado, Afeganistão enfrentava uma ... E ASSOCIAÇÃO ITALIANA
enwich, entre o final da zona fechada na dos Estados Unidos esteve presente que organiza encontros en- ameaça de morte, devendo,
ao público e o início da zona totalmente numa cerimónia religiosa de todas as tre profissionais norte-ame- por isso, sair imediatamen- AJUDA FILHOS DE
evacuada, está montado o aparato das confissões e disse com emoção e firmeza: ricanos e homólogos estran- te do país”, afirmou Eason BOMBEIROS
televisões. É neste local que melhor se “Eu sou mulçulmano. Eu sou america- geiros. Jordan, da CNN. “Às cinco
pode observar uma parte minúscula das no. Eu amo a América. Deus abençoe da manhã voltou a telefonar, A associação humanitária ita-
ruínas do World Trade Center, julgo que a América.” O ataque a Washington e afirmando que tinha falado liana Together for Peace Foun-
do edifício 7, que também se esboroou Nova Iorque, o primeiro de facto em ter- TELEVISÕES DA AMÉRICA com alguns oficiais taliban, dation anunciou que vai pro-
sobre os seus 40 e tal andares. Os restos ritório americano desde que os ingleses e que estes o deixaram ficar, ceder a uma recolha de fundos
ainda quentes da fachada, do betão e do queimaram a Casa Branca em 1812, veio ADIAM NOVOS PROGRAMAS mas tomando conhecimen- para oferecer bolsas de estu-
aço levantam-se a uma altura de três ou criar um novo país: em vez de Estados to — por escrito — que não do aos filhos dos bombeiros
quatro andares e lançam das entranhas Unidos, haverá agora um Estado Unido, As principais cadeias televi- poderia ser protegido pelos mortos em Nova Iorque quan-
uma nuvem de fumo que não deixa ver como escreveu Francis Fukuyama no sivas norte-americanas, co- taliban.” Segundo o “LA Ti- do socorriam as vítimas dos
nada para além. “Financial Times” de sábado. Em Lower mo a ABC, CBS e NBC, de- mes”, a ameaça de “evacua- atentados. A presidente da as-
O vento de norte leva o fumo e o pó pa- Manhattan, o fumo dum vulcão calmo cidiram adiar a estreia de ção ou morte” não foi confir- sociação, Maria Pia Fanfani,
ra a foz do Hudson e para a Staten Is- de morte e as ruínas de uma cidade que novos programas devido aos mada por outros jornalistas. adiantou que a fundação en-
land. Para norte, o resto da cidade já não existe é o testemunho trágico da atentados. Segundo o jornal As equipas da Associated traria com 25.000 euros (5000
retoma a normalidade com desassose- mudança que se anuncia. “Daily Variety”, na sua edi- Press e da Reuters no Afe- contos) e apelou aos bombei-
ção de sábado, que cita um ganistão afirmaram não ter ros italianos para que se jun-
responsável televisivo, o mo- recebido qualquer ameaça. tassem à iniciativa.
1 6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

A guerra já começou
na rede
Um pouco por todo o pera a do FBI, de apenas cin- capaz de levar a cabo uma
mundo, os piratas co milhões, que está em vigor operação desta complexidade
desde 1998. Como previsto, a tivesse deixado para trás este
informáticos estão a resposta ao apelo de Schmidtz tipo de provas tão óbvias. Até
mobilizar-se para um está a ser massiva e milhões os piratas do ar, que tinham
conflito no ciberespaço de cibernautas estão a acor- muito pouco a perder, iriam
e alguns “sites” de rer ao site de Schmitz (www. querer adiar a investigação
kimble.com, uma referência — e a resposta militar dos
inspiração muçulmana à personagem de “O Fugi- EUA — o mais tempo pos-
já estão a ser atacados tivo”) para obter mais infor- sível”, afirma. Mais influen-
mações. ciado por filmes de ficção
MARCO VAZA Para as empresas que for- científica ou por séries como
necem serviços de Internet “Ficheiros Secretos”, um ou-
As autoridades norte-ameri- (ISP), os dias que se segui- tro cibernauta afirma que
canas prosseguem as inves- ram aos atentados de ter- “a cidade de Nova Iorque, co-
tigações para identificar os ça-feira passada têm sido mo outras grandes cidades
responsáveis pelos atenta- preenchidos a analisar os do mundo, é uma grande col-
dos terroristas ocorridos na conteúdos das páginas cons- meia de extra-terrestres”.
passada terça-feira nos EUA. truídas pelos respectivos Há ainda quem encontre
Se ainda não foram apon- clientes. Empresas como a nas profecias de Nostrada-
tados os reais culpados, no American On-Line (AOL) ou mus um sinal do que iria
ciberespaço a guerra já co- o Geocities do Yahoo já de- acontecer e pela rede tem cir-
meçou, com uma mobiliza- sactivaram alguns “sites” de culado uma versão das suass
ção geral de piratas infor- conteúdo proibido pelos res- profecias, que corresponde
máticos um pouco por todo pectivos regulamentos, co- em traços gerais ao que acon-
o mundo, tendo até já sido mo alguns que sejam de- teceu na passada terça-feira.
criado um vírus com o nome dicados à Jihad islâmica e “Na Cidade de Deus haverá
WTC. Nos “newsgroups”, outros que promovam dis- um grande trovão, Dois Ir-
fóruns e “chatrooms”, os cursos de ódio contra os mu- mãos separados pelo Caos, en-
“hackers” já escolheram os çulmanos. quanto a fortaleza persiste,
alvos a abater: páginas de o grande líder irá sucumbir.
conteúdo islâmico de países Teorias e profecias A terceira grande guerra irá
muçulmanos como o Afega- Continuam, entretanto, a pro- começar quando a grande ci-
nistão, o Irão, o Iraque, ou o liferar pela rede as teorias de dade estiver a arder”, diz esta
Paquistão. conspiração, desta vez mais versão, que já foi considerada
“Se querem voltar a ter In- elaboradas e com os mais pelos especialistas como uma
ternet, entreguem-nos o se- variados protagonistas. Para fraude. Não é, no entanto,
nhor Osama bin Laden e cin- um cibernauta que expressou de estranhar, que “As Profe-
co milhões de dólares num a sua opinião na “message cias Completas de Nostrada-
saco de papel castanho”, é board” do www.conspiracy- mus” seja o livro mais vendi-
o apelo feito por um “ha- net.com, a operação de reco- do no site de vendas on-line
cker” autodenominado “Flu- lha de sangue que está em Amazon.com, que tem ainda
ffi Bunni” (coelhinho de pe- curso para ajudar as vítimas mais cinco títulos dedicados
luche), que garante já ter do atentado não passa de um ao famoso profeta do século
atacado com sucesso cente- pretexto para o governo “alar- XVI no seu top-25. 
nas de “sites” islâmicos, fa- gar a sua base de dados de
zendo acompanhar os seus ADN dos cidadãos norte-ame-
ataques com uma imagem ricanos”.
de um coelho cor-de-rosa. No “newsgroup” alt.conspi Internet banida
Nesta sua “guerra santa”,
os “hackers” já tiveram algu-
racy, os visitante envolvem os
“media” de todo o mundo nu-
no Afeganistão
ma ajuda das agências gover- ma grande conspiração glo-
namentais. No início do mês, bal, questionando a razão da No Afeganistão, só se pode
ainda antes dos atentados, o comunicação social ter deixa- aceder à Internet com
FBI fechou a InfoCom Corpo- do de investigar o papel da for- uma permissão especial
ration, uma empresa no Te- ça aérea norte-americana na do governo taliban. No
xas que funcionava como ser- queda do avião que teria Wa- mês passado, o regime re-
vidor de vários sites árabes, shington como destino, mas forçou a proibição na uti-
incluindo um que era tido co- que acabou por cair numa flo- lização da rede já decreta-
mo o maior portal de notícias resta nos arredores de Pitts- da anteriormente e
do mundo árabe. E a “jihad” burg. “Terá sido abatido?”, ordenou a perseguição da-
dos “hackers” está ainda pergunta um cibernauta. queles que não cumpri-
a passar pela recompensa No mesmo “newsgroup”, rem estas ordens. Segun-
oferecida pelo alemão Kim outro visitante lançou uma do o site Newsfactor.com,
Schmitz, um ex-pirata infor- discussão onde expressa as a única ligação autorizada
mático transformado em mi- suas dúvidas relativamente à rede permitida no país
lionário das novas tecnolo- à enorme facilidade com que está em poder do gabinete
gias, que oferece dez milhões o FBI está a encontrar pro- do líder do regime. “Esta-
de dólares por informações vas do envolvimento de ára- belecer um sistema no
que conduzam à captura de bes nos atentados. “É inacre- Afeganistão através do
Bin Laden, uma oferta que su- ditável que uma organização qual podemos controlar
tudo o que é errado, obsce-
no, imoral e contra o Is-
lão”, é a justificação dada
por Mauli Wakil Ahmad
Muttawakil, ministro dos
Negócios Estrangeiros do
Afeganistão, que é um dos
países com piores infra-
estruturas em termos de
telecomunicações do mun-
O do. A restrição ao acesso
não se resumiu apenas aos
multiplica os seus pontos por 5 afegãos, tendo sido igual-
mente estendidas às orga-
CÓDIGO do dia 18 de Setembro nizações humanitárias,
que, para acederem à re-
8WH766FE5 de, têm de se deslocar ao
vizinho Paquistão.
D E S TA Q U E 17
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001

Microsoft altera cenário


de simulador de voo
Empresa retira torres próprios pilotos das compa- mais popular dos simulado- afirmou que as alterações do
nhias aéreas e, ao invés de res de voo existentes no mer- cenário não implicariam al-
do World Trade Center enfrentar as dificuldades de cado —, no entanto, contém terar a data de lançamento do
da nova versão a ser uma aterragem controlada um cenário de Nova Iorque jogo, previsto para dia 18 de
lançada no Outono num aeroporto, os terroristas que contempla as torres gé- Outubro.
simplesmente fizeram-nos ex- meas, o que, hipoteticamente, Ontem, porém, um porta-
O atentado contra o World plodir contra o World Trade permitiria ensaiar o ataque voz da Microsoft em Singapu-
Trade Center levantou uma Center. de terça-feira passada. ra, Chalene Chien, disse que a
dúvida sobre até que ponto Jogos de simulação de voo Na sexta-feira, a Microsoft empresa poderá atrasar o lan-
um simples simulador de voo estão longe de conferir a anunciou que, na nova versão çamento do Flight Simulator
num computador pessoal não quem quer que seja capacida- do simulador de voo que já 2002, aguardando por uma al-
seria capaz de treinar um ter- de para conduzir um avião, estava praticamente pronta a tura mais conveniente. A no-
rorista para levar um avião como um piloto profissional. ser colocada no mercado, as tícia não foi confirmada pelo
até às torres gémeas. As par- Por mais realistas que sejam, torres serão retiradas do ce- responsável da relações públi-
tes mais complexas de um voo estes simuladores constituem nário. “Nós não queremos ter cas da Microsoft em Portugal,
normal são a descolagem e a sempre uma simplificação lú- nenhuma imagem que possa Rodolfo Oliveira, que disse ao
aterragem. Os aviões seques- dica do que se passa na vida perturbar as pessoas”, disse PÚBLICO que o jogo será posto
trados em Boston, no entanto, real. A versão actual do Flight um porta-voz da empresa, no mercado, tal como previsto,
foram colocados no ar pelos Simulator, da Microsoft — o Matt Pilla. Na altura, Pilla ao longo do Outono.  R.G.
1 8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

NÚMERO DE Mário Soares legitima VIGÍLIA


VÍTIMAS INTER-RELIGIOSA
PORTUGUESAS retaliação contra “verdadeiros PELA PAZ NOS
MANTÉM-SE JERÓNIMOS
Uma vítima mortal já identi-
autores do atentado” PEDRO VALENTE/ARQUIVO
Uma vigília inter-religiosa
ficada como sendo portugue- Ainda assim, o ex- pela paz decorre esta tarde,
sa e outras três com elevadas Presidente revelou-se diante do Mosteiro dos Je-
probabilidades de o serem. É rónimos, em Lisboa, com a
este o balanço que o Ministério
reticente em relação à participação de líderes cris-
de Negócios Estrangeiros fez interpretação dos tãos, judaicos e muçulmanos.
ontem depois de mais um dia atentados como actos A iniciativa está marcada pa-
de trabalho no gabinete do se- ra as 18h00, incluirá um tem-
cretário de Estado das Comu-
de guerra po de oração comum e, a par-
nidades. Os números de pos- tir das 19h00, já no interior
síveis mortes de portugueses Foi ontem em Sevilha que, num dos Jerónimos, deocrre uma
mantêm-se, portanto, no dia curso sobre a transição demo- missa, presidida pelo bispo
que o grupo responsável pela crática na Andaluzia, Mário auxiliar de Lisboa, D. Manuel
pesquisa de desaparecidos re- Soares defendeu o direito de os Clemente. Esta vigília — a se-
cebeu mais dois pedidos de pa- Estados Unidos responderem gunda realizada em Lisboa,
radeiro relativos a cidadãos na- aos atentados da passada se- depois de a Pax Christi ter or-
cionais em Nova Iorque. Ao mana. O ex-Presidente da Re- ganizado uma na sexta-feira,
que tudo indica, a única alte- pública frisou, contudo, que a na Capela do Rato, que teve
ração verificou-se no número retaliação teria de ser sempre a participação do xeique Da-
de “incontactáveis”, valor que contra os verdadeiros autores vid Munir, da Mesquita de
é agora inferior a 40. Foi, aliás, da tragédia. Lisboa — fixa-se num triplo
essa a razão que levou o secre- Segundo o socialista, uma re- objectivo: a memória das ví-
tário de Estado das Comuni- acção é “legítima, mas há que timas dos atentados nos Es-
dades, João Rui de Almeida, a saber contra quem, uma vez tados Unidos da América, a
partir ontem para os EUA. O que o inimigo não está claro”, paz no mundo e o fim do ter-
objectivo é coordenar no terre- afirmou. “Desta vez o inimigo Mário Soares apontou o flagrante falhanço dos serviços de informações norte-americanos rorismo. 
no as operações de busca das não tem rosto, não está identi-
autoridades portuguesas. ficado. Não se sabe de onde par-
Entretanto, o embaixador
português no Paquistão confir-
mou ontem à Lusa a inexistên-
tiu e os que cometeram o crime
eram kamikazes que saíram
do próprio território america-
lha muito flagrante dos servi-
ços de segurança norte-ameri-
canos”.
inimigo, mas não tem rosto, só
há indícios”, frisou.
Contudo, o antigo Presidente
lica e afirmou que, apesar
de ser “verdade que o Trata-
do da Aliança Atlântica diz
MISSA NO
cia de cidadãos portugueses no
Afeganistão, e a presença de
no”, lembrou o ex-chefe de Es-
tado, depois de ter classificado
O ex-chefe de Estado acres-
centou que o fenómeno do ter-
da República e actual eurode-
putado português reafirmou
que se algum país-membro
for atacado os outros devem
MINISTÉRIO DOS
cerca de 50 no Paquistão. Ale-
xandre Vassalo explicou que a
o atentado como “particular-
mente horrível” e um “crime
rorismo se combatia “com in-
formação e inteligência e não
a convicção de que se deve “fa-
zer justiça, encontrar os culpa-
sentir-se também atacados”,
o artigo que regula esta ques- NEGÓCIOS
maioria dos cidadãos com pas-
saporte português no Paquis-
tão veio de Goa na sequência
contra a humanidade” por ter
utilizado “aviões comerciais
como armas“.
com brutalidade”. Pelas pala-
vras de Soares percebeu-se que
este não considera que se esteja
dos, julgá-los e condená-los” e
defendeu que, “para avançar
para a guerra, deve haver uma
tão “foi redigido num contex-
to diferente, quando existiam
dois blocos, o soviético e o
ESTRANGEIROS
da invasão da província pelos Para Soares, a “necessida- perante um cenário de guerra: imposição da guerra e a confir- ocidental”. Questionado so-
indianos em 1961 e não preten- de de identificar e saber quem “Bush fala de guerra. Porém, mação de que por detrás dos bre se estes actos terroristas O Ministério dos Negócios Es-
de abandonar o país. Os cida- são os criminosos” tinha como eu diria que o ataque responde brutais atentados há um ou vá- provocaram uma alteração trangeiros pediu a celebra-
dãos de origem goesa “são cer- justificação evitar “uma situ- a uma guerrilha de tipo espe- rios Estados”. na ordem mundial, Mário So- ção de uma missa de sétimo
ca de 40 e vivem em Carachi. ação de crispação, sobretudo cial, novo, pelo que, antes de Mário Soares alertou ain- ares sublinhou que a nova dia em memória das vítimas
Os restantes portugueses são no mundo árabe”. Ainda sobre responder com represálias, há da para os riscos de se “uti- ordem mundial “é a globali- dos atentados nos EUA, que
funcionários da embaixada e o assunto, o antigo Presidente que conhecer quem são os res- lizar” a NATO para pôr em zação e isto é um fenómeno se realiza hoje na capela do
familiares”, precisou o diplo- aproveitou para destacar a “fa- ponsáveis, porque agora há um marcha uma intervenção bé- da globalização”.  palácio das Necessidades. A
mata. missa realiza-se às 18 horas,
Segundo o embaixador, os com a presença do ministro
cidadãos de origem goesa estão Jaime Gama, diplomatas por-

PSD teme que o abalo


“perfeitamente integrados” na tugueses e estrangeiros, fun-
comunidade e, como verificou cionários de organizações
nos seus contactos com o côn- não-governamentais e pesso-
sul honorário, não pretendem al do ministério. 
deixar o Paquistão, apesar da
eventualidade de um conflito
na zona, na sequência dos aten-
tados terroristas de 11 de Se-
tembro nos Estados Unidos.
internacional favoreça o Governo AMEAÇA DE
“Estamos alerta”, assina-
lou, prevendo que, no caso dos
portugueses, a preocupação
Os sociais-democratas pensam que a crise
mundial pode ser benéfica para a imagem de
sim, apelou aos partidos de
oposição para se “empenha-
nível interno e o que se pas-
sa externamente”, disse o
BOMBA NO
aumentará com a chegada à
região de vários jornalistas
Guterres. Preocupam-se agora em tentar explicar rem” na discussão do Orça-
mento de Estado “sobretudo
secretário-geral.
O PSD, que hoje é recebi- SALDANHA
que estão a preparar-se para que o Governo não melhorou por causa do ataque por se tratar de um momen- do por António Guterres na
cobrir os acontecimentos. O a Nova Iorque to de particular incerteza ronda prévia ao orçamento O Atrium Saldanha, em Lis-
diplomata confirmou que nos à escala mundial”. E acres- que o primeiro-ministro está boa, foi ontem alvo de uma
últimos dias o Paquistão tem centou: “ É muito importan- a realizar com os vários par- ameaça de bomba, comuni-
estado a movimentar tropas, ANA SÁ LOPES num momento em que, depois te o empenhamento de todos tidos da oposição, não escon- cada à PSP às 15h31, e a Bri-
nomeadamente deslocando de muito penar, o PSD tinha em criar as condições para de a sua preocupação com gada de Minas e Armadilhas
militares que estavam junto à O PSD está preocupado com conseguido ultrapassar o par- que a nossa economia possa os “rendimentos internos” foi enviada para o local pa-
fronteira com a Índia para a o efeito que a instabilidade tido do Governo em vários es- sair de tudo isto da melhor que o PS e o Governo possam ra efectuar uma busca no
fronteira com o Afeganistão. mundial possa vir a ter na po- tudos de opinião. maneira possível e, por is- vir a retirar da conjuntura edifício, concluindo que não
“Não é nada de extraordiná- lítica caseira, nomeadamente Agora, a estratégia passa so, espero de todos o mesmo internacional. Aliás, impor- havia qualquer bomba. Fon-
rio, é só para protecção das nas repercussões junto da opi- por fazer com que o eleito- grau de abertura e de diálo- ta acrescentar que uma das te da PSP de Lisboa disse à
fronteiras. Ainda são umas nião pública que possam con- rado compreenda que “os go que o Governo põe nestes palavras-chave que Guter- agência Lusa que se tratou
centenas de quilómetros [de duzir à melhoria das relações problemas nacionais não se contactos”, res dirigiu ao país, na sua de “mais um” dos falsos alar-
fronteira entre o Paquistão e o entre o povo e o Governo. devem ao ataque a Nova Ior- O secretário-geral do PSD, mensagem na terça-feira do mes de bomba que têm vindo
Afeganistão] e as montanhas Neste contexto, os dirigen- que”. Mas há dirigentes que José Luís Arnaut, disse ao ataque, foi “unidade”. a registar-se desde os atenta-
podem ser atravessadas nos tes do PSD temem o “ador- têm a perfeita noção de que PÚBLICO que “a situação Sobre o Orçamento, o PSD dos terroristas nos Estados
meses mais próximos. Preten- mecimento” popular face às o previsível acentuar da económica já era má antes deverá hoje repetir na au- Unidos da América, ocorri-
de-se evitar que haja uma fu- questões internas, o que, acre- crise económica internacio- deste acontecimento” e que diência com Guterres a po- dos terça-feira. “Trata-se de
ga maciça [de refugiados afe- ditam, acabará por se tra- nal “é o cenário ideal para o seu agravamento não se sição que já divulgou na um edifício com muita gen-
gãos]”, explicou. duzir num quadro desfavorá- o Governo se desculpar”. deverá só “ao acontecimen- “rentrée”: o documento or- te e antes de se proceder a
Segundo Alexandre Vassalo, vel para a oposição. O “efeito António Guterres ontem to”. “A falta de reformas çamental assenta em “bases uma evacuação tentámos sa-
as fronteiras do Paquistão com amortecedor” na política in- avançou para uma ligação estruturais não se deve falsas” e sem a aceitação por ber junto das pessoas que lá
o Afeganistão estão abertas, terna provocado pelo choque objectiva entre os aconteci- ao atentado de Nova Ior- parte do Governo de uma au- trabalham se tinham algum
mas “só passa quem tem docu- de Nova Iorque preocupa o mentos de Nova Iorque e a que. É preciso fazer a dis- ditoria não há margem para embrulho perto de si”, refe-
mentação”.  LUSA maior partido da oposição, economia portuguesa. As- tinção entre o que se vive a qualquer diálogo.  riu a mesma fonte. 
D E S TA Q U E 1 9
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001

INQUÉRITO

1. O que mudou no mundo?


2. Como devem e podem os Estados Unidos e os seus aliados res-
ponder a esta situação?
Fomos nós
Contra a justiça
pelas próprias mãos
E a ONU, existe? o alvo do atentado
1 — As armas, as formas e os
objectivos do terrorismo, as-
sim como as armas, as formas
e os objectos dos contendo-
1 — O impacto político-militar e
estratégico deste ataque terro-
rista tem paralelo no lançamen-
to pelos Estados Unidos em 1945
suicida
res em conflitos mundiais. O de uma bomba nuclear sobre
grau de ódio e de fanatismo. Hiroxima (que, de resto, tem o
O sentimento de insegurança valor simbólico de uma retalia-
das pessoas em qualquer par- ção “exemplar” contra os auto-
Jorge te do mundo. João res do ataque a Pearl Harbour).
Miranda, Amaral, O nuclear, com a possibilidade
professor 2 — Naturalmente devem — deputado de destruição “civil” de um país
de Direito e, com certeza, podem — des- do PCP, inimigo, alterou radicalmente a
Cons- cobrir os autores morais e os vice- doutrina da guerra e das rela-
titucional da cúmplices dos crimes, captu- presidente ções de poder mundial. Agora, o
Faculdade rá-los e submetê-los a julga- da As- terrorismo global pôs em che-
de Direito mento (pena é que o Tribunal sembleia da que as noções de fronteira de
de Lisboa Penal Internacional não República, guerra e de santuário de segu-
abranja crimes de terrorismo presidente rança e coloca os cidadãos no
e que os Estados Unidos se- da As- centro do terreno do conflito.
jam contra a sua criação). sembleia O trauma é, antes de tudo, ame-
Provando-se que há governos Municipal ricano. A geração que fez no sé-
envolvidos, directa ou indirec- de Lisboa culo XX a única guerra que os
tamente, tal corresponde a Estados Unidos perderam ao
ruptura da paz e a agressão nos termos e para longo da sua história começa o século XXI a per-
os efeitos do capítulo VII da Carta das Nações der a intangibilidade do território americano. A
Unidas, e compete então ao Conselho de Se- superpotência afinal não é um lugar seguro, ape-
gurança adoptar as medidas adequadas — sar das verbas fabulosas gastas em armamento
diplomáticas, económicas, militares. e em informações.
Daí o espanto que causa ouvir falar apenas Mas, se o trauma é primeiro americano, a insegu-
em retaliação e em acções armadas a levar rança é globalizada. Com razão se pode dizer que
a cabo pelos Estados Unidos e pelos seus fomos todos americanos no passado dia 11 de
aliados, sem se tomarem em conta os meios Setembro. O que mudou, à escala mundial, é que
de resposta oferecidos pela carta. Por mais ficou feita a prova de que a evolução tecnológica
poderoso que seja um país e por mais cruel- possibilita formas terríveis e inesperadas de des-
mente atingido que ele tenha sido, ele não truição maciça (e a procissão provavelmente ain-
pode fazer justiça por suas mãos. da vai no adro) e que a massificação social abre As imagens do ata- A OPINIÃO DE fugiados da Palestina
Os atentados de 11 de Setembro foram tam- um espaço sem cordão sanitário para o terror que suicida às torres e nas florestas da Co-
bém ataques contra a civilização moderna as- global. gémeas de Nova Ior-
PEDRO BACELAR lômbia. Isto não é uma
sente em princípios e valores jurídicos (que, que repetiram-se ve- DE V ASCONCELOS guerra contra “o Oci-
aliás, os Estados Unidos têm sempre procla- 2 — A única resposta de que se tem falado é a zes sem conta perante dente”: a subversão
mado como fundamentais). Reagir a eles com retaliação militar. Mas a única resposta eficaz no o nosso olhar incrédu- da geografia é precisa-
desrespeito desses princípios e valores seria, longo prazo é a resposta política. Deduzir deste lo e acabamos todos a dizer que “a partir mente o que distingue o nosso tempo. “O
afinal, agravar ainda mais os danos à civiliza- ataque terrorista que o que faz falta exclusiva- de agora” nada será como dantes! Sabí- Ocidente” já não existe: o mundo inteiro,
ção. mente são mais armas e mais polícias é traçar amos, contudo, todos quantos agora ge- com uma sofreguidão milenar, apropriou-
De resto, a experiência negativa de certas me- um caminho muito perigoso para a sociedade nuinamente nos surpreendemos, que de se dele.
didas tomadas ao arrepio das Nações Unidas aberta e democrática. uma maneira ou de outra, ali ou acolá, Há uma pulsão de morte rapidamente fa-
(como foram os bombardeamentos da Jugoslá- É evidente que a resposta a um acto de guerra mais tarde ou mais cedo “aquilo” tinha de rejada por alguns titulares oficiosos da re-
via em 1999) devem servir de lição. não declarada exige uma acrescida cooperação acontecer. Temos agora de tentar perceber, presentação política nas nossas democra-
Seria péssimo retomar um espírito de cruzada nos domínios específicos do combate ao terroris- nas imagens brutais do atentado, o que cias mediatizadas. Falam de uma “guerra
frente à guerra santa de alguns muçulmanos. mo, incluindo cooperação nos planos militar, de todavia não soubemos ler nos relatórios contra o terrorismo” como se fosse pos-
Pelo contrário, é preciso ultrapassar todos os segurança e de informações. Mas se o quadro dos serviços de segurança, nos ensaios, sível erradicar à força a iniquidade e o
factores de intolerância e exclusão, apostan- dessa cooperação é a NATO, então a leitura ób- nos romances, no cinema. E o que as ima- horror. Não! A NATO não é o terreno des-
do na força de modernidade que existe tam- via é a do entendimento de que o terrorismo é gens nos mostram, obviamente, não é uma se combate. Nem tão-pouco os métodos
bém em todos os países de população ou de contra a “civilização ocidental”. De um lado, a guerra contra os Estados Unidos. A Casa de infiltração e aliciamento mercenário
maioria islâmica. ocidente, os “bons”. Do outro, a oriente, os Branca ficou incólume. Apenas uma parte que pariram abortos como Bin Laden e
O fundamentalismo e o fanatismo só serão “maus”. do Pentágono soçobrou. O que ruiu — e corrompem as nossas instituições demo-
vencidos com a implantação nesses países de Esta simplificação só lança mais achas para a fo- ruiu completamente — por um gesto satâ- cráticas. O terrorismo combate-se com
regimes democráticos, respeitadores dos di- gueira. Transformar o mundo muçulmano e o nico repetido como num rito sacrificial, o cruzamento de informações e a coope-
reitos e liberdades dos cidadãos (entre as Oriente em suspeitos ou criminosos é alimentar foram — uma a uma — as duas torres do ração judicial internacional. E, decisiva-
quais, a liberdade religiosa). Trabalhar neste objectivamente o terror. Além de ser inconsequen- World Trade Center, que serve de modelo mente, com a tolerância, a razão e uma
sentido — em vez de apoiar monarquias abso- te, face à história recente. Onde colocar os auto- a tantos outros centros de negócios por distribuição menos injusta dos recursos
lutas, ditaduras militares e regimes corruptos, res do ataque terrorista em Oklahoma, a ocidente esse mundo fora, seja no Porto, em Xangai do planeta.
como tantas vezes tem feito — é o único ca- ou a oriente? E as organizações de extrema- ou Singapura. Os cidadãos das democracias constitu-
minho que se abre ao Ocidente. direita, racistas e paramilitares que proliferam nos Não foi por ódio que Pearl Harbour cionais do mundo, a sociedade civil cos-
O fundamentalismo e o fanatismo só têm a ver States e, por exemplo, na Alemanha? aconteceu. O ódio não chega para definir mopolita, tem de assumir as suas próprias
com a globalização e com a antiglobalização O que devem fazer os países europeus e os EUA uma guerra mas é o ódio que verdadeira- responsabilidades. É certo que a retaliação
na medida em que os meios globalizadores de é suscitar a coesão, solidariedade e intervenção mente enfrentamos aqui. Ódio à geometria é inevitável e, porventura, moralmente
comunicação lhe dão uma ressonância ime- mundiais, através do instrumento próprio que é pura das obras grandiosas de engenharia, menos repugnante que a impunidade dos
diata. a ONU e sem hegemonismos. E não só no plano construídas com mão-de-obra imigrante. terroristas. Os antecedentes no Sudão e no
Mas eles aproveitam-se também das forças do capítulo VII da carta, que define os meios de Ódio à ostentação da abundância e à ilu- Iraque não são, porém, animadores... Que
económicas, sociais e culturais que se têm acção em caso de ameaça ou agressão efectiva são de vida fácil vendida em cada produto os parceiros europeus da NATO garantam
tornado mais patentes nos últimos anos (tam- (aliás, o muito citado artigo 5º do tratado de Wa- comercial. Ódio ao vestuário e calçado de ao menos alguma “proporcionalidade” na
bém por causa desses meios de comunicação shington obriga ao recurso à ONU e à sujeição marca, confeccionados por mãos infantis vingança e que se esgotem os meios para
social). E não é de excluir que se verifique às medidas por esta decretadas!). Também no na Índia ou no Brasil. Ódio à sedução om- capturar o cérebro cobarde que se poupou
uma convergência de desespero e de irracio- plano da resolução rápida dos conflitos regionais nipresente do lazer, ao brilho metálico das ao sacrifício a que premeditadamente con-
nalidade entre eles e os que se consideram (é inadmissível que a questão palestiniana se máquinas inteligentes, com componentes denou, também, os miseráveis executores
vítimas de injustiça à escala mundial. arraste há mais de meio século!), no plano do electrónicos fabricados na Ásia. materiais do seu plano tenebroso.
O século XIX conheceu a questão social pro- desenvolvimento e combate à pobreza, no plano Somos nós os objectos deste ódio, fomos A cidadania não se esgota no voto cép-
duzida pela revolução industrial e foi neces- do controlo de armas, etc. Este é o caminho de nós o alvo do atentado suicida: a cidade tico e demissionista. Os cidadãos que em
sário todo o século XX para a resolver. Hoje, uma solução sustentada, que tem de ser procura- de Nova Iorque, a sociedade cosmopolita, desespero impediram que o avião civil des-
a questão social não é mais no interior dos da com a serenidade e lucidez que os políticos o nosso conforto displicente, os nossos penhado na Pensilvânia cumprisse o seu
países, é planetária; e todo o desafio do sécu- devem ter, particularmente nestas situações de modos descontraídos, liberais, gentis... tão destino criminoso deram-nos um exemplo
lo XXI consiste em encontrar a sabedoria de crise aguda. improváveis em Cabul, nos campos de re- e uma luminosa esperança. 
a enfrentar com lucidez, coragem e espírito Lembremos respeitosamente as vítimas cons-
de fraternidade. truindo bases sólidas e democráticas para a se-
gurança.
professor universitário
2 0 D E S TA Q U E
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
DR

ALGUÉM SE LEMBRA
DO “MESTRE
TERRORISTA”
ABU NIDAL?
O palestiniano que matou ou feriu pelo menos 900 pessoas
em 20 países está vivo ou morto? Era apenas um mercenário ao serviço
de ditadores árabes ou deixou-se também manipular por Israel?
Os americanos terão procurado capturá-lo, mas desistiram.
“Era como pintar um comboio em movimento.”
Por Margarida Santos Lopes

Se ainda estiver vivo, Abu Nidal deve estar Aluno medíocre, desistiu do curso e instalou-
desconsolado: perdeu o estatuto de “terroris- se em Nablus para ser professor numa escola
ta mais perigoso do mundo”. O palestiniano local. O salário era muito pequeno para a sua
descrente em Deus e acusado de matar ou grande ambição e decidiu viajar para a Ará-
ferir pelo menos 900 pessoas em 20 países foi bia Saudita. Foi contratado como assistente
substituído na lista dos piores inimigos da de electricista numa empresa de construção
Humanidade pelo integrista islâmico de ori- civil.
gem saudita Osama bin Laden. Neste percurso sem datas definidas, o pa-
Pelo menos desde os Acordos de Oslo, as- lestiniano rico-pobre casou-se com uma jovem
sinados em 1993 por Israel e pela OLP, que de Nablus. Teve três filhos: duas raparigas e
ninguém tem ouvido falar de Abu Nidal ou um rapaz a quem chamou Nidal (A Luta). Abu
da sua camaleónica organização: a Fatah- Nidal significa, em árabe, “o pai de Nidal” e
Conselho Revolucionário (F-CR). Será porque foi este nome de guerra que ele adoptou em
o mundo da guerra fria onde ele se movimen- 1965 quando a Fatah — a maior facção da OLP
tava acabou? Ou haverá algo de verdade na — realizou a sua primeira operação de guer-
teoria de conspiração de que o misterioso Abu rilha.
Nidal, de quem apenas se conhecem duas fotos Com a humilhante derrota árabe na “Guer-
desfocadas, era um mercenário sem causa, ra dos Seis Dias” de 1967, Abu Nidal torna-se
ao serviço de muitos patrões — incluindo Is- um “radical”. Enviado para o Sudão como
rael? “embaixador”, começa a recrutar palestinia-
A teoria ganha forma quando se lê a biogra- nos para uma força de combate. Em 1971, mu-
fia do homem obcecado por dinheiro que dizia: da-se para Bagdad e, em 1973, com a ajuda do
“Com 400 milhões de dólares eu mudarei a Governo iraquiano, um grupo treinado por
face do Médio Oriente”. O nome verdadeiro ele viaja até Paris para ocupar a embaixada
de Abu Nidal será Sabri Khalil al-Banna. Ou da Arábia Saudita.
Hasan Sabri al-Banna? Ou Muhammad Sabri Não tardou muito a que se consumasse a
al-Banna? Ou Mazan Sabri al-Banna? Nasceu ruptura com Yasser Arafat. Abu Nidal cria a
em Jaffa, na Palestina pré-Israel. Em 1939 ou sua Fatah-Conselho Revolucionário e ameaça Desde 1993 que ninguém ouve falar de Abu Nidal, outrora o mais temido terrorista do mundo
em 1937? matar o rival. A OLP condena-o à morte, à
Era um dos 11 filhos dos 13 casamentos de revelia. A sentença nunca foi executada. A
um próspero empresário e devoto muçulmano, F-CR reivindica ataques com pelo menos dez Por que razão Abu Nidal assassinou siste- 1991, com o assassínio de Salah Khalaf (Abu
dono de mais de 6000 hectares de pomares nomes diferentes: “Junho Negro”, “Brigadas maticamente os elementos moderados que Iyad), em Tunes, por um “agente duplo” pa-
que se estendiam de Jaffa até Majdal, cidade Revolucionárias Árabes”, “Organização dos Israel mais temia dentro da OLP (designada- lestiniano, que pertencia à Fatah de Arafat
depois hebraizada para Ashkelon. A família Muçulmanos Socialistas”... mente Issam Sartawi, em Portugal)? Como se e à F-CR de Abu Nidal. Os israelitas, que já
al-Banna vivia numa casa de três andares e 21 Tal como o grupo, também o chefe conse- explicam as ligações de membros da F-CR à tinham eliminado, em 1988, Khalil al-Wazir
assoalhadas com vista para o mar. guiu iludir todos os que o perseguiam. Em Mossad, os serviços secretos israelitas? (Abu Jihad), o chefe militar da OLP, tinham
O pai de Abu Nidal, Haj Khalil al-Banna era 1986, a agência de espionagem americana CIA Se Seale consegue vislumbrar “uma relação “interesse em afastar um operacional expe-
amigo íntimo do primeiro Presidente de Isra- acreditou ter encontrado a base de Abu Nidal operacional” entre Abu Nidal e a Mossad — riente” num momento crucial como era o da
el, Chaim Weizman, e também de Avraham no Vale de Bekaa, no Líbano. Não houve tempo porque “ele era um instrumento dos israeli- guerra do Golfo.
Shapira, fundador do Haganah, a resistência de preparar uma operação de captura. “Era tas ou porque a sua organização tinha sido “Não há, e provavelmente nunca haverá”,
que serviu de base à criação do exército isra- como pintar um comboio em movimento”, infiltrada pela Mossad”—, outro jornalista concluíram Black e Morris, “uma prova defi-
elita (a F-CR imitaria muitos dos seus méto- reconheceu um responsável da então Admi- britânico, Ian Black, e o historiador israelita nitiva” de que a morte de Abu Iyad foi “uma
dos). Mohammed al-Banna, um dos irmãos de nistração Reagan. Benny Morris apenas admitem que muitos clássica operação da Mossad: o assassino acre-
Abu Nidal, era um comerciante que mantinha Abu Nidal não usava passaporte. Não par- ataques do “mestre terrorista” serviram os ditar que estava a levar a cabo instruções de
“relações cordiais” com os colonos e as forças ticipava em reuniões ou comícios. As suas interesses do Estado judaico. Abu Nidal quando, de facto, cumpria cega-
militares de ocupação na Cisjordânia, onde ordens eram mensagens escritas. Vivia em Uma das vezes que isso aconteceu foi em mente uma directiva secreta israelita”. 
vivia. reclusão total, de esconderijo em esconderijo.
Criança privilegiada, Abu Nidal frequen- Não falava ao telefone nem ouvia rádio —
tou as melhores escolas privadas, em Jaffa, receando que estes fossem armadilhados ou B I B L I O G R A F I A C O N S U LTA D A
Nablus e Jerusalém, onde aprendeu francês e que através deles pudesse ser localizado.
inglês. Tinha um motorista particular e não Até hoje Abu Nidal permanece um enigma. — “Paix ou Guerres - Les secrets des négocitions
lhe faltava dinheiro para gastar. A vida de As últimas informações, depois de desmentida israélo-arabes 1917-1997), de Charles Enderlin (Ed.
luxo e conforto acabou dramaticamente em a sua morte, davam-no como doente terminal Stock, Paris, 1997);
29 de Novembro de 1947, quando as Nações na Jordânia. Foi escorraçado por Moammar — “Abu Nidal, A Gun for Hire, The Secret Life of
Unidas partiram a Palestina em dois Estados: Khadafi de Trípoli e a sua F-CR ter-se-ia de- the World’s Most Notorious Arab Terrorist”, de
um judaico e um árabe. sintegrado. Devido à paranóia de segurança Patrick Seale (Ed.Hutchinson, Londres, 1992);
Os combates que se seguiram transforma- do líder, que o fez matar dezenas de colabora- — “Israel’s Secret Wars - A history of Israel’s
ram Abu Nidal num refugiado. A enorme ri- dores, e à falência financeira. Muitos dos seus intelligence services”, de Ian Black e Benny
queza que usufruía rapidamente se trans- patronos — a Líbia, a Síria, o Iraque, o Irão Morris (Ed. Futura, Londres, 1991);
formou em abjecta pobreza. Todos os bens — deixaram de recorrer ao seu trabalho sujo — “Inside the PLO”, de Neil C. Livingstone e David
da família foram confiscados pelo Estado de para liquidar adversários. Halevy (Ed. William Morrow and Company, Inc.,
Israel que os declarou “propriedade de ausen- O mais intrigante na carreira do oitavo fi- Nova Iorque, 1990);
tes”. Uma parte das terras serviu para alojar lho de Haj al-Banna continua a ser, todavia, a — “The Master Terrorist — The true story behind
imigrantes judeus. A casa paterna chegou a sua relação com Israel. Patrick Seale, jorna- Abu Nidal”, de Yossi Melman (Ed.Adama Books,
funcionar como esquadra da polícia e tribunal lista britânico que investigou as acções de Nova Iorque, 1986).
militar israelitas. Abu Nidal (ver bibliografia), lançou várias
Protegido pelos irmãos mais velhos, Abu interrogações: Por que motivo a F-CR unca de-
Nidal foi parar ao Líbano. Há versões contra- sencadeou ataques nos territórios ocupados,
ditórias quanto a ter-se matriculado na pres- nem mesmo durante a Intifada de 1987-1994?
tigiada Universidade Americana de Beirute. Por que é que as suas bases nunca foram bom-
Certo é que estudou dois anos na Universida- bardeadas por Israel em retaliação pelos seus
de do Cairo para ser engenheiro mecânico. atentados contra alvos israelitas e judeus? Abu Nidal, à direita
D E S TA Q U E 2 1
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001

OS QUE Carlos, o “Chacal”,


MATAM EM
NOME DE ALÁ já foi o “inimigo público”
Al Qaeda ou “A Base”, de Osama
bin Laden, revelou-se um dos mais
sanguinários grupos islamistas
que nos úlitmos anos têm aterro-
mais procurado do mundo THIERRY CHIARELLO/REUTERS
rizado o mundo, matando em nome
de Alá (Deus). Na sua categoria po-
Durante duas décadas,
dem ser ainda incluídas outras três atormentou as polícias
organizações, que mantêm laços secretas de países
com o milionário de origem saudi- ocidentais. Acabou por ser
ta refugiado no Afeganistão:
entregue pelo Sudão às
autoridades francesas,
AL-GAMA’A AL-ISLAMIYA julgado e condenado a
(O GRUPO ISLÂMICO) prisão perpétua
Por Isabel Leiria
Em 1992-1997, constituiu uma ver-
dadeira ameaça ao Governo do Pre- Era uma lenda do terrorismo in-
sidente egípcio, Hosni Mubarak, ternacional. Durante mais de duas
com uma violenta campanha para décadas, Carlos, o “Chacal” foi o
impor um Estado baseado na “sha- homem mais procurado pelas po-
ria”, a lei islâmica. Em ataques e lícias secretas do mundo ocidental,
contra-ataques teriam sido mortas tal como é agora Osama bin Laden.
mais de 1200 pessoas, algumas de- Acusado de envolvimento em mais
las estrangeiros. Para impedir a de 80 mortes violentas nas décadas
desestabilização de um país depen- de 70 e 80 e em alguns dos mais es-
dente de vitais receitas turísticas, pectaculares atentados do período
as autoridades lançaram uma vio- da guerra fria, o homem das várias
lenta campanha contra o grupo, caras acabou por ser detido, julga-
prendendo e assassinando cen- do e condenado a prisão perpétua
tenas de responsáveis, activistas pelas autoridades francesas. Acon-
e simpatizantes. Decapitado (os teceu mais de 20 anos depois do
chefes estão no exílio ou na ca- primeiro ataque que lhe é atribu-
deia) e sem recursos financeiros, ído. Sem ameaças de guerra, reta-
o Gama’a Al-Islamiya propôs tré- liações ou juras de vingança.
guas em Março de 1998, pondo fim Não são ainda claras as circuns-
a seis anos de violência. Alguns tâncias que levaram o Sudão, um
militantes terão, no entanto, sido dos países que figurava na lista ne- Depois de décadas de terror, o “Chacal” ao ser condenado em 1997 a prisão perpétua
recrutados por Bin Laden. gra norte-americana dos Estados
apoiantes do terrorismo, a entre-
gar Carlos à DST, os serviços de te costados, como atestam os no- lar para a Libertação da Palestina a cabo uma das suas mais espec-
contra-espionagem franceses. É mes que escolheu para as suas três (FPLP) e assassina em Londres, taculares acções: o sequestro de
AL-JIHAD (GUERRA SANTA) certo que a França, um dos países crianças: Vladimir, Ilich e Lenine com um tiro na cara, Joseph Shie- 11 ministros de países-membros
O grupo responsabilizado pelo as- que há mais tempo perseguia o —, viciado em mulheres, copos e ff, presidente da Marks & Spen- da OPEP, reunidos em Viena. O
sassínio, em 1981, do Presidente “Chacal”, vinha exercendo uma charutos, Carlos cedo se iniciou cer e vice-presidente da Federação ataque salda-se na morte de três
Anwar Sadat (o primeiro árabe a grande pressão junto do regime no mundo do terrorismo. Aos 24 Sionista do Reino Unido e Irlanda. pessoas.
assinar a paz com o Estado judai- islâmico e autoritário de Cartum, a anos ingressara já na Frente Popu- Dois anos mais tarde, em 1975, leva Num verdadeiro jogo do gato e
co) também se aliou a Bin Laden. capital daquele país africano. Que- do rato, Carlos vai conseguindo
A decisão gerou, porém, divergên- ria o Sudão limpar a sua imagem? sempre escapar aos esforços das
cias e enfraqueceu a organização. Que contrapartidas prometera a polícias secretas que iam no seu
Depois dos ataques bombistas con- diplomacia de Paris? encalce, adensando o mito que se
tra as embaixadas dos EUA no Certo é que, a 14 de Agosto de criava à sua volta. Os ataques suce-
Quénia e na Tanzânia, em 1998, 1994, durante o seu internamento dem-se: uma granada lançada con-
vários líderes árabes prenderam numa clínica em Cartum para uma tra um banco israelita em Londres,
activistas da Jihad e deportaram- operação aos testículos, Carlos foi duas bombas numa farmácia em
nos para o Cairo. Em todo o caso, adormecido com uma anestesia ge- Paris, atentados contra aviões de
o líder do grupo, Ayman Zwahri, ral, conduzido ao aeroporto e colo- Israel estacionados no Aeroporto
tornou-se uma espécie de “braço cado num jacto do Governo fran- de Orly, ataque contra um comboio
direito” do “hóspede” dos taliban cês, com destino a uma das cadeias de passageiros que ia de Paris para
e os seus fiéis integraram-se na Al de alta segurança dos arredores Toulouse e onde era suposto ir o
Qaeda. de Paris. Mantido em total isola- actual Presidente francês, Jacques
mento, foi aí que aguardou pela Chirac.
sua apresentação, em Dezembro Franceses, ingleses e israelitas
de 1997, a um colectivo de três juí- eram os seus alvos preferenciais.
GRUPO(S) ISLÂMICO(S) zes e nove magistrados de um tri- Quanto aos amigos de Carlos, a lis-
ARMADO(S) bunal francês. Iniciara-se assim ta é igualmente extensa, suspeitan-
um dos mais mediáticos julgamen- do-se que tenha colaborado com os
Criado por “árabes afegãos” — ar- tos de sempre em França. Carlos regimes líbio de Moammar Khada-
gelinos que combateram ao lado mostrou-se à altura. Logo na pri- fi, iraquiano de Saddam Hussein,
de Bin Laden durante a invasão meira audiência, questionado pelo sírio de Hafez al-Assad, cubano de
soviética do Afeganistão —, este presidente do tribunal acerca da Fidel Castro, e ainda com vários
grupo tem levado a cabo os mais sua profissão, respondeu: “Sou um países da Europa de Leste, as Bri-
sangrentos atentados desde que revolucionário profissional na ve- gadas Vermelhas de Itália ou o mo-
no início dos anos 90 começou lha tradição leninista.” vimento M19 da Colômbia.
uma rebelião islamista. Ao con- E é de facto de assassínios, rap- Terminada a guerra fria, e per-
trário do mais “pragmático” Exér- tos e ataques à bomba realizados dida parte da sua utilidade, o “Cha-
cito Islâmico de Salvação, o(s) em nome da libertação da Pales- cal” acabou por retirar-se da vida
GIA(s) opõe(m)-se a tréguas e ain- tina e outras amizades políticas terrorista, passando por uma sé-
da combate(m) as forças de segu- que é feito o percurso de Ilich Ra- rie de países até fixar-se no Sudão.
rança argelinas numa guerra que mirez Sanchez, o verdadeiro nome Mais tarde, já durante o seu julga-
já causou mais de 100 mil mortos. do homem que ao longo da vida mento pela morte de dois polícias
Suspeita-se que Bin Laden use as mudou várias vezes de identidade da DST e um denunciante palesti-
redes do(s) GIA(s) na Europa, so- e até de rosto. niano, Carlos nunca mostrou arre-
bretudo em França, onde existe pendimento pelos ataques que per-
uma grande comunidade magre- Ilich Ramirez Sanchez petrou. A 23 de Dezembro de 1997
bina, para levar a cabo as suas ac- Filho de um advogado milionário recebeu, impassível, a sentença de
ções terroristas.  M.S.L. venezuelano — comunista dos se- Com pouco mais de 20 anos, Carlos comete os primeiros actos terroristas prisão perpétua. 
2 2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

Fundamentalismo e terrorismo:
sintomas duma crise global
A OPINIÃO DE
MARIA DO CÉU PINTO
BEAWIHARTA/REUTERS

O
ataque de 11 de Setem-
bro faz já parte dos
acontecimentos mar-
cantes deste século que
ainda há pouco se iniciou. Ainda
esta tragédia não assumiu as su-
as verdadeiras proporções e come-
çam já a emergir as pistas que per-
mitem indiciar os responsáveis.
E os responsáveis são invariavel-
mente os árabes e, em concreto,
esse “empresário” do terrorismo
internacional, o cidadão apátrida
Osama bin Laden, refugiado no
Afeganistão.
Antes que se desencadeie a onda
de ódio antiárabe, convém reflectir
sobre as causas deste fundamenta-
lismo que motiva actos de loucura
extrema. Essas causas são comple-
xas e antigas, mas também conjun-
turais. O mundo árabe vive hoje
mergulhado numa crise profunda.
Crise económica, política e social
que, tal como noutros lugares do
mundo, é acentuada pelo fenómeno
da globalização.
Não existe hoje no mundo árabe
uma única democracia. O único re-
gime democrático do Médio Oriente
é Israel, mas dessa democracia só
beneficiam os israelitas porque os
palestinianos vivem como párias,
não gozam da cidadania do país on-
de nasceram e, por isso, estão su-
jeitos a múltiplas formas de maus
tratos e de discriminação.
A maior parte dos regimes árabes/
muçulmanos é do tipo autoritário. O
grande desafio que se põe ao mundo rupto e utilizar meios violentos, se contra o Iraque são interpretados Bin Laden combateu no Afega-
árabe neste final de século — à parte tal for necessário, para derrubar a A maior parte dos regimes pelas massas árabes como mais um nistão durante a guerra contra a
o desafio do desenvolvimento econó- ordem vigente. Esta posição funda- episódio que atesta a tentativa do ocupação deste país pelas tropas
mico — é o da democracia. Será es- menta, por exemplo, os assassínios árabes/muçulmanos Ocidente de neutralizar o poderio russas. Ao apelo de guerra santa —
ta parte do mundo imune à onda de por membros dos grupos islâmicos é do tipo autoritário. árabe e de humilhar os muçulma- “jihad” — responderam cerca de 25
democratização que varre o globo, radicais. O grande desafio que se põe nos. A política americana de hege- mil muçulmanos vindos de mais de
numa época em que as populações É abusiva a ideia que se tem no monia no Médio Oriente, princi- 40 países do Norte de África à Ásia.
se tornam cada vez mais exigentes e Ocidente de que a generalidade dos
ao mundo árabe neste final palmente no pós-guerra fria, é um Estes combatentes foram treinados
conscientes dos seus direitos? E se- árabes é fundamentalista ou fanáti- de século — à parte o desafio factor de crescimento do extremis- e equipados pela CIA e financiados
rá o mundo árabe capaz de gerar as ca e que aprova os actos terroristas. do desenvolvimento mo religioso. Daí a retórica profun- por países como a Arábia Saudita
suas próprias forças democráticas A maior parte dos muçulmanos são económico — é o da damente antiocidental do discurso ou os Estados do Golfo Pérsico.
numa altura em que quem monopo- crentes que praticam a religião no fundamentalista. Acabada a guerra, em 1988, estes
liza o discurso político são as corren- seu dia-a-dia, mas que não se envol- democracia. Será esta parte Exemplo desta atitude é Osama militantes voltaram para os seus pa-
tes do fundamentalismo religioso? É vem em actividades políticas e que do mundo imune à onda bin Laden, o famoso terrorista (ori- íses, onde integraram grupos violen-
neste contexto de crise generalizada não concordam com o uso da vio- de democratização que ginariamente) saudita, considera- tos. Outros foram combater em ou-
que surge o fundamentalismo islâ- lência. O que acontece, no actual do o “inimigo nº 1” dos EUA, pelo tras causas islâmicas, como a guerra
mico. contexto, é que os fundamentalistas varre o globo, numa época qual as autoridades americanas da Tchetchénia, Tajiquistão, Filipi-
É também importante ter em con- desfrutam de uma posição privile- em que as populações oferecem a recompensa de 5 mi- nas, Bósnia, Argélia e Kosovo. Estes
ta o impacto do Ocidente na explica- giada porque são a única oposição se tornam cada vez mais lhões de dólares (5,5 milhões de eu- militantes são amigos de Bin Laden;
ção dos movimentos a que se costu- que se apresenta à maior parte dos ros). Bin Laden é responsável pelos formam uma vasta rede que se man-
ma chamar fundamentalistas. Para regimes árabes existentes.
exigentes e conscientes atentados terroristas no Verão de tém em contacto utilizando meios
os muçulmanos, é ofensiva a manei- Estes regimes, repressivos e au- dos seus direitos? 1998 às embaixadas americanas do de comunicação como o correio elec-
ra como o Ocidente tenta impor es- toritários, foram ao longo dos anos Quénia e da Tanzânia, e por uma trónico. Eles estão disponíveis para
tes valores à escala mundial, prin- eliminando as forças de oposição, série de ataques terroristas contra combater a presença americana no
cipalmente através dos meios de como os liberais e os comunistas. tropas americanas em várias par- mundo, pois consideram esta potên-
comunicação, cujo raio de alcance Naquela altura, esses regimes não talista e da sua agressividade. Os tes do mundo. cia uma ameaça à cultura islâmica e
não conhece barreiras. Os funda- julgavam que o movimento de revi- muçulmanos sentem-se ultrajados Ele emitiu várias “fatwas” (de- que tenta subjugar o mundo muçul-
mentalistas consideram que as ac- valismo religioso produzisse uma pela injustiça infligida aos seus ir- cretos religiosos) em que legitima mano.
tuais sociedades se desviaram dos camada de islamistas politicamen- mãos palestinianos por Israel e pelo e exorta os seus compatriotas mu- O mundo islâmico está certamen-
preceitos do islão, que adoptaram as te empenhados. Eles constituem Ocidente, principalmente os EUA çulmanos a assassinarem cidadãos te em crise e essa crise é o resultado
maneiras do Ocidente e que se tor- hoje uma formidável força com a que, através do apoio que prestam americanos onde quer que estejam de pressões externas e de dificul-
naram corruptas e materialistas. qual estes poderes se defrontam. àquele Estado, escudam as posições e independentemente de serem ci- dades internas a que estes países
Daí concluem que é não só o di- Estes mesmos regimes são respon- intransigentes dos israelitas. vis ou militares. Bin Laden diz que não conseguiram responder. É um
reito mas também o dever de todo sáveis pela criação dos islamistas A Guerra do Golfo de 1991 e os vai usar a violência até conseguir o mundo encravado entre os seus va-
o crente lançar a “jihad” (que tem porque, durante os anos 60 e 70, en- sucessivos “rounds” de ataques seu objectivo de expulsar as tropas lores tradicionais e as exigências
o significado original de esforço in- corajaram o movimento de reisla- americanas da Terra Santa por- descomunais da modernidade. Para
terior de conversão, podendo tam- mização como forma de combater o que, segundo o Corão, não é permi- alguns analistas, o Islão estaria a
bém ser entendido, como geralmen- comunismo, que era muito popular tida a presença de infiéis junto dos atravessar um processo de transi-
te acontece, como guerra em nome entre as classes jovens e universi- Professora auxiliar da Universidade lugares santos de Meca e Medina. ção comparável ao movimento da
do islão), de forma a transformar a tárias. do Minho, autora de “Islão, Fundamentalismo Bin Laden acusa os EUA de come- Reforma na cristandade, na sequên-
e Revolução Iraniana” (Estratégia, 1997)
sociedade. Para os radicais, todo o O “problema de Israel” e a sorte e “Political Islam and the United States:
terem atrocidades contra a popula- cia do qual a religião reformulou o
muçulmano está autorizado, consti- dos palestinianos nos territórios A Study of U. S. Policy Towards the Islamist ção iraquiana e de apoiarem Israel, seu papel social e político e aceitou,
tui mesmo sua obrigação, revoltar- ocupados tem sido um dos mais for- Movements in the Middle East” que é responsável pela opressão e nomeadamente, a separação da es-
se contra o Estado muçulmano cor- tes motores da retórica fundamen- (Ithaca Press, Reading, 1999) morte de muitos palestinianos. fera política e religiosa. 
E S PA Ç O P Ú B L I C O 23
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001

O MELHOR OUTONO Bartoon LUÍS AFONSO

DE GUTERRES
Quanto mais retaliações os EUA levarem à
prática, quantos mais atentados ocorrerem, mais
a vida do Governo português será fácil e doce

Não tivessem existido os atentados em Nova Iorque, e as


previsões do Governo para a inflação e o crescimento da
economia em 2002, reveladas sexta-feira, não teriam
passado em claro. Os números abririam os telejornais e
ter-se-iam colocado no centro das preocupações: a
inflação deverá saltar para os 4,4 por cento e o
crescimento, afinal, não deverá ultrapassar os 2,25 por
cento. O não cumprimento das metas orçamentais
fixadas pelos programas de estabilidade e crescimento
nacionais foi também assumido pela primeira vez pelo
Executivo de António Guterres.
Não estivessem os atentados ao World Trade Center e ao
Pentágono a ocupar a atenção de toda a gente e o impacto
na opinião pública destes dados seria muito diferente. O
Governo teria de se desgastar a justificá-los, a definir as
suas responsabilidades. Assim, não só criou a ilusão de que
a culpa era toda da “conjuntura internacional”, como, em
relação ao futuro, se demarcou de qualquer evolução
desfavorável “em virtude do contexto
internacional de grande incerteza”.
Editorial Será assim durante todo o Outono.
Quanto mais a situação internacional
se agravar, quanto mais retaliações os Estados Unidos
prometerem ou levarem à prática, quantos mais
atentados ocorrerem, mais a vida dos ministros e dos
secretários de Estado será fácil e doce. Bem pode Carlos
Carvalhas agitar a iminente perda de poder de compra
pela Função Pública, Paulo Portas escrever cartas
protestando pela compra do voto de Daniel Campelo, ou
Cartas ao Director
Durão Barroso clamar que a tragédia na América não
As cartas destinadas a esta secção — incluindo possa classificar, o mundo ocidental, o que agora nos deixaram
pode fazer esquecer o agravamento dos problemas em as remetidas por e-mail — devem indicar o nome
Portugal. Tudo será insuficiente. e a morada do autor, bem como um número mundo islâmico, a NATO, os palestinia- E agora??
Nestas alturas as pessoas gostam de sentir um clima de telefónico de contacto. O PÚBLICO reserva-se o nos, Bush ou Bin Laden, como sendo Chorar, chorar muito, lavar a alma
unidade, de consenso nacional em relação aos perigos da direito de seleccionar e eventualmente reduzir os bons ou os maus deste conflito, ou co- com o nosso sofrimento, e pedir ajuda a
os textos recebidos. Não se devolvem os origi- mo os detentores da verdade. A história quem nos possa ajudar. Estamos órfãos,
guerra e do futuro. Vêem o primeiro-ministro ocupar uma nais dos textos não solicitados, nem se prestará
série de palcos, desde conselhos de ministros especiais em informação postal ou telefónica sobre eles. prova que todos já atentaram contra a estamos tristes, estamos perdidos no
dignidade humana. meio do nada.
Lisboa até encontros com os grandes do mundo em Endereço electrónico: Os Estados Unidos da América decla- Vimos o fim da estrada e não conhe-
Bruxelas, Estrasburgo ou Washington. Assistem ao cartasdirector@publico.pt
raram guerra. Mas contra quem? Contra cemos o seu retorno.
ministro da Defesa a explicar as decisões tomadas nas
os que apoiaram num passado recente Ganhemos coragem, levantemos a ca-
reuniões da NATO, ao ministro dos Negócios Estrangeiros num conflito com a ex-União Soviética, beça e olhemos em frente, temos que
a ser entrevistado à porta das reuniões da União Europeia contra povos que fogem da miséria e que começar de novo. Reconstruir o nosso
com, por exemplo, o secretário-geral das Nações Unidas.
Na quinta-feira, a presidência belga da UE convocou uma
Por três minutos são deixados ao abandono durante dias, interior a partir da nossa desgraça, as-
pelo ditos países ocidentais e civilizados sim fazendo, podemos tornar-nos livres
reunião especial de ministros dos Transportes: muitas em águas internacionais, contra o isla- e viver outra vez.
outras de seguirão, para todos os pelouros e tutelas. Por três minutos, fiz silêncio, em respeito mismo, que tem milhares ou milhões de RICARDO GAMEIRO
Nenhuma oposição lida facilmente com isto. Em 1991 pelas vítimas dos atentados terroristas dignos cidadãos americanos, seguidores Lisboa
Cavaco Silva utilizou o melhor que pôde a Guerra do do passado dia 11, nos Estados Unidos da dessa religião?
Golfo a seu favor. Em Outubro desse ano o resultado América. Por três minutos de silêncio Não, a declaração de guerra é, mais
ficou à vista: a reedição alargada da maioria absoluta. A condenei o uso da violência praticada uma vez, contra a tolerância, contra o O PÚBLICO ERROU
oposição nunca conseguiu ter discurso alternativo: por pessoas que não conheço, contra pes- respeito, contra a compreensão, contra
“Sobre temas difíceis ou dolorosos, o ‘establishment’ soas que não conheço. Por três minutos a liberdade dos outros. Por lapso, no quadro intitulado “Pa-
considera que a melhor estratégia é a dos pezinhos de aliei-me a colegas de trabalho, a uma ci- Quando alguém fizer uma declaração norama do terrorismo internacional”,
lã...”, escreveu António Barreto em Fevereiro de 1991. dade, a um país, e ao mundo, na defesa da de paz, irei três minutos para a rua gritar publicado na página 8 da nossa edi-
“O nosso unanimismo político, o nosso consenso, é paz e do respeito pelos direitos humanos. de regozijo por isso. ção de domingo 16 de Setembro, o
sobretudo o da ausência, o do silêncio, o do acordo Por três minutos manifestei-me calado Por agora vou continuar a fazer três número de vítimas mortais do aten-
tácito”, acrescentou então Eduardo Lourenço. contra a incompreensão e desrespeito minutos de silêncio, pelas atrocidades tado de 1998 à embaixada dos EUA
entre os povos deste nosso planeta. Por que são cometidas contra a dignidade em Nairobi, no Quénia, está errado.
Os diagnósticos de ontem são profecias para o futuro.
três minutos calei-me, e ouvi apenas o humana todos os dias. O número de mortos, segundo refe-
Guterres não deverá ter problemas até às autárquicas. E
silêncio da solidariedade. PEDRO COELHO re o Departamento de Estado norte-
estas, mais do que castigar o Governo, deverão é incendiar
Durante vários minutos que precede- Castelo Branco americano, foi de 291.
o PSD (e talvez o PP). Sobretudo por causa de Lisboa, seja ram e se seguiram aos de silêncio, obser-
qual for o resultado. LUÍS MIGUEL VIANA vo o mundo e vejo que, a todos os momen- Na crónica “Não tenho cara de polí-
tos, aquilo por que solidariamente me E agora? cia”, publicada na edição de ontem,
silenciei ocorre em maior ou menor es- onde se lê “umas linhas abaixo, tem
contribuinte nº 502265094 cala pelo mundo fora. E ocorre em todos o nome e a assinatura do que foi, até
depósito legal nº 45458/91
registo ICS nº 114410
os minutos, podem ter a certeza, mesmo Numa manhã como as outras, o horrível à poucos meses, Howard Safir”, de-
que não tenha a força mediática de um aconteceu. ve ler-se “umas linhas abaixo, tem o
E-mail: publico@publico.pt LISBOA: Rua Viriato, 17 – 1069-315 Lisboa; Telef.: 210111000 (PPCA) Fax: atentado perpetrado contra os símbolos Do ar voaram, quais águias predado- nome e a assinatura do que foi, até há
Dir. Empresa 210111005; Dir. Editorial 210111006; Agenda 210111007; Redacção 210111008;
Publicidade 210111013/210111014 • PORTO: Rua João de Barros, 265 – 4150-414; Telef: 226151000 do mundo ocidental. Ocorre no Médio ras, objectos manipulados por mentes poucos meses, o chefe do New York
(PPCA) / 226103214; Fax: Redacção 226151099 / 226102213; Publicidade; Distribuição 226151011• Oriente, em África, na Ásia, na América inumanas. O terror correu nas ruas, Police Department, Howard Safir”.
BRAGA: Rua de S. Marcos, 126-1º Esq. Fr. – 4700 Braga Telef: 253619041; Fax: 253617983 • AVEIRO:
Rua Eng. Silvério Pereira da Silva, 16-A, 2º Tr. – 3800 Aveiro Telef/Fax: 234382507 • COIMBRA:
Central e do Sul, e até na nossa Europa crianças em lágrimas lavadas, olhavam
Avenida Fernão de Magalhães, 153/157- 2º Dto, sala 6 – 3000 Coimbra Telef.: 239829554; Fax: 239829648 democrática, livre, defensora de todos o inacreditável, pais atónitos escondiam No suplemento Meia Praia de 14 de
• ALGARVE: Avenida da República Federal Alemã, bloco C 2 – 8000 Faro Telef.: 289806656; Fax: os direitos de expressão. Os atentados os olhos dos filhos, querendo esconder- Setembro, na peça “E se alguém lhe
289806655 • VILA REAL: Rua 31 de Janeiro, 41 - 3º, sala 303, 5000 Vila Real Telef.: 259326262;
Fax.: 259326265 • MADEIRA: Rua dos Ferreiros, 55-2º Dtº – 9000 Funchal Telef.: 291231611 • contra a dignidade humana repetem-se a se a si próprios. oferecer um carrinho de linhas?, a ex-
PROPRIETÁRIO: PÚBLICO Comunicação Social, SA Sede: Rua João de Barros, 265, 4150 Porto • cada minuto, quando se arma e colabora Desabou o mundo e caiu, arrastado pressão “carrinho de linhas” é erra-
IMPRESSÃO: Unipress, Tv. Anselmo Braancamp, 220-Arcozelo/4405, Valadares; Telef.: 227537030;
Mirandela — Rua Rodrigues Faria, 103, 1300 Lisboa; Telef.: 213613400; Fax: 213613469 • DISTRIBUIÇÃO:
na preparação de grupos e/ou países, por montanhas de pedras e torrentes de damente utilizada. No “Dicionário do
Midesa Portugal - Distribuição de Publicações, S.A.; Lisboa: Rua da República da Coreia, 34, Ranholas, para a defesa de momentâneos interes- betão. Pessoas às janelas gritavam de Falar Algarvio”, de Eduardo Brazão
2710-460 Sintra; Telef.: 219267800, Fax: 219267850; Porto: Rua Engenheiro Ferreira Dias, 1173 a 1177, 4100 ses militares, geográficos ou económi- desespero, olhando em direcção aos céus, Gonçalves, citado no artigo, é referida,
Porto; Telef.: 226191211; Fax: 226191210; Algarve: Estrada de Boliqueime - Fonte de Boliqueime, 8100-070
Boliqueime; Telef. e Fax: 289366361; Coimbra: Beco Olheiro, Armazém 2, Adénia, 3020-028 Coimbra; Telef.: cos, quando se reprime diariamente pela pedindo clemência a Deus de qualquer sim, a expressão “carrinho de molas”
239430519; Fax: 239431592 • ASSINATURAS: 808200095 força e violência, o direito de ser dife- pecado cometido. como “o gesto obsceno que se faz en-
rente, quando se tenta ocultar e deixar Incrédulos, milhões olhavam a desgra- colhendo os dedos indicador e anular,
que grande parte deste mundo viva na ça que não é alheia, é nossa. Uma nuvem ao mesmo tempo que se deixa o dedo
Tiragem média total do mês de Agosto pobreza e morra com fome. de fumo percorria a cidade, chegando lá médio bem esticado”. Ao autor e aos
AS SO C I AÇÃO P O R T UGUE SA
D O C O N T R O LO DE T I R AG E M
72.388 exemplares Esta não é uma situação em que se em cima, ao sítio onde estarão aqueles leitores, as nossas desculpas.
2 4 ES PAÇ O P Ú B L I C O
PÚBLICO• TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001

Diz-se
A nova guerra Tragédia
“Que raça, que nação, foi
morta nas Torres Gémeas?
Pela aflição que vi nos nova-
iorquinos, sei a resposta: ho- Por estes dias começa a ganhar contornos
e punição
mens e mulheres.” uma outra resposta visivelmente mais sofis- IVAN NUNES
FERREIRA FERNANDES ticada, que, sem abandonar a utilização da
“Focus”, 17-9-01 força, põe o acento no desenvolvimento de
acções não militares. É indescritível o horror, a incompreensão e até o pâni-
“Além do crime, o que os fun- Collin Powell, o secretário de Estado ame- co que sentimos perante as imagens dos atentados nos
damentalistas islâmicos co- ricano, enfatizava há três dias que o ter- EUA. Talvez em particular as imagens de Nova Iorque,
meteram foi um erro. Não EDGAR CORREIA rorismo “é um inimigo diferente, que se porque aprendemos a amar a “skyline” de Manhattan
se atacaram a um símbolo encontra em muitos locais, que procura quanto mais não fosse através dos filmes de Woody Al-
do imperialismo, atacaram o esquivar-se” e que “está frequentemente len. Mas depois há pior do que isso: há a noção de pas-
sorriso que acolhia o mundo. omecemos pelo fundamental: a aqui, no nosso próprio país”, para concluir sageiros civis em aviões dirigidos à morte violenta pela
Atacaram o mundo.”
IDEM, ibidem

“O ataque terrorista ao co-


ração da segurança matou
C condenação dos ataques terro-
ristas ocorridos há uma semana
nos Estados Unidos tem de ser
inequívoca e expressa sem qualquer am-
biguidade; ela não é susceptível de qual-
que “esforços diplomáticos, políticos, le-
gais, financeiros ou outros podem ser tão
eficazes contra este tipo de inimigo como o
seria a força militar”.
O editorial de sábado do “Financial Ti-
destruição completa, os milhares de pessoas subitamen-
te mortas e até aquelas que — pudemos ver — se ati-
raram das janelas de andares altíssimos. As imagens do
coração de Nova Iorque sob uma nuvem de fumo lem-
bram inevitavelmente as de Hiroxima e Nagasáqui. Não
a ideia de que é possível ter quer reserva ou processo de justificação, mes”, significativamente dedicado às “no- se pode comparar, como é óbvio: as bombas atómicas
santuários inexpugnáveis. seja ele de que natureza for, por mais vas regras para uma guerra mundial”, lançadas por americanos, as únicas armas nucleares
E prova que não há uma so- ténues ou indirectos que possam ser os aponta no mesmo sentido. Para além disso, até hoje utilizadas, provocaram um grau de destruição
lução tecnológica contra o seus termos. sublinha a limitação das liberdades como muitíssimo maior. Mas a magnitude da súbita barbárie
terror — só soluções políti- É certo que outros actos de terrorismo estando entre as implicações internas da no seio da vida civil urbana é para aí que remete.
cas podem derrotar o terro- ocorreram antes e que entre eles se in- declaração de guerra do Presidente ame- Convém nesta hora, no entanto, lembrar o seguinte.
rismo.” cluem intervenções contra populações ci- ricano; realça igualmente a suspensão de A guerra contra a América é isso mesmo: uma guerra.
JOÃO AMARAL vis indefesas que foram da responsabili- normas internacionais, porque a guerra A política, fora de um enquadramento pacífico para
“Jornal de Notícias”, 17-9-01 dade directa ou indirecta do Governo dos “não respeita a soberania dos países que se a resolução legítima dos problemas (a que costuma-
Estados Unidos, as quais mereceram por pensa serem amigos do inimigo”; e faz de- mos chamar democracia), pauta-se pela violência. As
“A resposta civilizada tem de isso o justo repúdio e a condenação por pender o sucesso da nova guerra “do con- minhas palavras não se destinam, por um momento
ser castigar os culpados; mas parte da opinião pública internacional. tinuado apoio dos poderes mais vastos, sequer, a justificar o injustificável, a matança indiscri-
não os vizinhos e simpatizan- Mas tais precedentes não autorizam o esta- incluindo da Rússia” e da “tentativa de minada de milhares de civis praticada por um inimigo
tes. Tem de ser condenar e belecimento de qualquer tipo de “contabi- manter a opinião árabe moderada do seu cobarde e desumano à escala do que pior se fez na his-
combater o terrorismo, não lidade”, de qualquer deve e haver macabro, lado”, acompanhada da “mais ampla con- tória da humanidade. Mas lembram-nos que na guerra
o mundo árabe ou outra co- que possa agora ser utilizado para esbater sulta entre os seus aliados antes de qual- já vimos coisas como esta no passado.
munidade. Tem de ser justiça, a monstruosidade dos últimos atentados. quer envolvimento militar”. O inimigo tem uma forma imprecisa, mas tem a sua
não mais terrorismo.” Nem sustentam qualquer relativismo na Uma semana depois da tragédia, o quadro lógica. No calor das palavras que sempre acompanha
JOÃO CÉSAR DAS NEVES necessária proclamação de que os fins não emergente parece orientar-se no sentido do estes momentos, um repórter da rádio disse que isto
“Diário de Notícias”, 17-9-01 justificam os meios. reforço da hegemonia norte-americana à es- não era um ataque contra a democracia americana, mas
Há uma linha de fronteira de natureza ci- cala mundial, mas num contexto diverso do contra a “democracia global”. Aí bate o ponto: a demo-
vilizacional, que se cracia global não existe. De forma mais clara ou mais
“Uma justiça firme não é, não prende com o respei- difusa, isso é compreendido fora do Ocidente. A demo-
É R E A L O P E R I G O de cedência a um desejo de
pode ser, sinónimo de vingan- to pelos direitos hu- cracia é déspota no mundo; a “sociedade aberta” é uma
ça assassina. Porque então manos, que foi grave- vingança e de retaliação indiscriminada que aumentará má piada; o mundo civilizado comporta-se de forma bár-
deixará de haver diferenças, mente violada pelos em muitos milhares o número de vítimas inocentes. bara. O Ocidente é na maior parte dos casos indiferente
e as lágrimas que hoje chora- atentados de 11 de à tragédia humanitária que se abate sobre a esmaga-
mos por tanta vítima indefe- Setembro. Os cida- dora maioria da popula-
sa amanhã serão de sangue dãos do mundo não podem tolerar este que existiu até aqui: com uma intervenção ção do Planeta; noutros
pela nossa vergonha ao escu- acontecimento. activamente concentrada nos inimigos-alvo casos, como no Médio É impossível escapar
sarmo-nos à moral e ao direi- Isto não significa, como é óbvio, que a do Médio Oriente e da Ásia Central e com Oriente ou na guerra ao sentimento, quase
to para chafurdarmos no la- emergência do terrorismo contemporâneo as responsabilidades partilhadas (mais ou das baixas zero na Ju- impronunciável, de
maçal do ódio.” e o seu preocupante alastramento (o que menos) com as nações que se alinhem com goslávia, os Estados
FRANCISCO MOITA FLORES alguns denominam como “guerras flui- os Estados Unidos neste conflito contra o Unidos são cúmplices e que esta tragédia é
ibidem das” — civis, étnicas e religiosas —, que terrorismo. assassinos. também uma punição
se travam verdadeiramente sem exército, A confirmar-se esta evolução, ela vai O mundo ocidental, e
mas não sem fortes apoios, inclusive esta- significar uma profunda alteração da situ- os Estados Unidos em
“Se a raiva se sobrepõe ao tais, sem linha da frente e sem lei) não pos- ação internacional num sentido favorável particular, não se mostra sensível ao martírio, incluin-
bom senso, a guerra será sa e não deva ser conhecido e estudado nos às políticas neoliberais dominantes. Mas do de crianças; nem sensível à fome, que por decisão
global e de consequências complexos factores políticos, económicos, não constituirá, evidentemente, o “fim da política poderia ser erradicada. Os Estados Unidos não
imprevisíveis.” sociais e culturais em que é engendrado. história”. se mostram tão-pouco sensíveis à necessidade de res-
JOÃO PAULO GUERRA E que o terrorismo não deva ser também O que os acontecimentos que estamos tringir os níveis de poluição sobre o meio ambiente,
“Diário Económico”, 17-9-01 combatido através da alteração dessas a viver também ajudam a revelar é que a eles que são os principais causadores dessa poluição.
circunstâncias, designadamente no que intervenção política à escala internacio- Como contundentemente Sarsfield Cabral assinalava no
“Aqui está uma excelente respeita aos efeitos disruptivos da globa- nal, democraticamente representativa de PÚBLICO: “Tenho esperança de que este segundo Pearl
oportunidade para que a Eu- lização capitalista e do comportamento he- todos os povos e países, está em profundo Harbor, não menos trágico do que o primeiro, (…) leve
ropa mostre o que vale. E, gemónico e arrogante da hiperpotência atraso em relação aos efeitos e contradi- Washington a liderar a edificação de uma globalização
se valer alguma coisa, pode norte-americana. ções de uma globalização que repete, ago- politicamente enquadrada. Se assim acontecer, ao me-
muito bem vir a desempe- No dia seguinte aos atentados terroristas ra à escala mundial, os piores traços do nos algo de positivo poderá emergir da tragédia.”
nhar o papel que até agora de Nova Iorque e de Washington, o Conse- “capitalismo selvagem” que há um século Nenhuma sociedade me impressionou à chegada (a
foi atribuído à América: ser lho de Segurança das Nações Unidas votou e meio atingiu as nações mais desenvol- Chicago) tanto como a americana; nenhum outro país,
o motor do desenvolvimento a Resolução nº 1368, em que “considera tais vidas. E que uma alternativa ao neolibe- contendo embora ao mesmo tempo as mais inomináveis
da economia mundial.” actos, como todo o acto de terrorismo inter- ralismo dominante — tanto na esfera eco- porcarias, me fascina e me atrai da mesma forma. O
DANIEL AMARAL nacional, como uma ameaça à paz e à segu- nómica, como no plano político, social e Mundo Novo — apesar das mais terríveis injustiças.
“Focus”, 16-9-01 rança internacionais”, e em que reconhece comunicacional — é uma questão que en- Mas é impossível escapar ao sentimento, quase
“o direito inerente à legítima defesa indivi- trou na agenda dos povos e dos cidadãos impronunciável, de que esta tragédia é também uma
“Acho que o momento é de tal dual ou colectiva em conformidade com a de todo o mundo. punição.
modo grave que talvez se jus- Carta da ONU”. Esta, por sua vez, estabele- Uma posição de condenação da barbárie A forma como a ordem mundial é governada não se
tificasse uma pausa na guer- ce que “nenhuma disposição põe em causa terrorista é a única verdadeiramente con- assemelha à democracia; só faz lembrar a África do
rilha entre Governo e oposi- o direito natural de legítima defesa (…) no sequente com a defesa dessa alternativa ao Sul do “apartheid”. Como diz Thomas Schelling, que
ção. Pensem nisto, que é bem caso em que um membro das Nações Unidas neoliberalismo. evoca a imagem, esta “é para mim próprio chocante e
mais importante: e se regres- seja alvo de uma agressão armada”. Num momento de profunda instabilidade deprimente. (…) Vivemos num mundo com um quinto
sarmos aos anos 30?” Que vão fazer os Estados Unidos, que se da situação internacional, inseparável da de ricos e quatro quintos de pobres; os ricos estão
IDEM, ibidem assumiram como nação em guerra contra o presente crise económica, poderá consti- segregados nos países ricos e os pobres nos países
terrorismo? E que provas e evidências apre- tuir um acrescido motivo de confiança o pobres; os ricos têm na sua maioria pele clara, ao pas-
“A incerteza global acresci- sentam ao mundo em relação aos responsá- facto de o “Washington Post”, um dos mais so que os pobres têm pele escura; os pobres habitam
da recomenda, mais do que veis que dirigiram, organizaram e apoiaram influentes jornais dos Estados Unidos, re- em territórios fisicamente remotos, separados muitas
nunca, um esforço de rigor os actos terroristas de 11 de Setembro? conhecer ontem num seu editorial que “a vezes por oceanos, a enormes distâncias dos ricos. A
e disciplina que nos prepa- É real o perigo de cedência a um desejo de vitória total [contra o terrorismo] será in- migração em qualquer escala assinalável não é per-
re para uma tempestade que, vingança e de retaliação indiscriminada que definida, porque num mundo que continua mitida e não existe qualquer forma sistemática de
não sabemos, tanto pode ser aumentará em muitos milhares o número de a ter grandes desigualdades económicas e redistribuição do rendimento”.
rápida como demorada.” vítimas inocentes. Mas essa opção só poderá sociais, governos opressivos e pregadores São repugnantes mas talvez compreensíveis — e por
PAULO FERREIRA conduzir a uma nova e cada vez mais impa- da intolerância continuarão a produzir ter- isso ainda mais dramáticas — as imagens de palestinia-
“Diário Económico”, 17-9-01 rável escalada de violência e a uma situação roristas, mesmo se todos os que estão ac- nos que festejam a barbárie.  Docente da licenciatura
em que a paz mundial acabará por ficar ir- tualmente activos e os governos que os em Relações Internacionais da Faculdade de Economia da
remediavelmente posta em causa. apoiam forem varridos”.  Universidade de Coimbra
E S PA Ç O P Ú B L I C O 25
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 18 SET 2001

Todos somos responsáveis


uem ousaria prever que o im- nos territórios ocupados, à expulsão dos

Q pério americano seria ataca-


do nos mais eminentes sím-
bolos do seu poderio militar
(o Pentágono de Washington)
e económico (o World Trade Centre de
palestinianos das suas próprias terras,
para culminar ultimamente com a polí-
tica de assassínios das autoridades pa-
lestinianas, uma intolerável expressão
do mais rotundo terrorismo de Estado.
JOSÉ VÍTOR MALHEIROS
COMENTÁRIO

Nova Iorque), não por qualquer míssil


nuclear ou bombardeiro de um impro- VITAL MOREIRA
Tudo com o aplauso norte-americano e o
cúmplice silêncio europeu.
A guerra à espera
vável Estado inimigo, mas sim por uma Agora que os Estados Unidos procu-
incrível operação de terrorismo inter-
nacional sem nacionalidade e sem rosto,
ram angariar de novo a solidariedade dos
países árabes na luta contra o terrorismo
da polícia?
embora, tudo o indica, da responsabili- gada. Por maioria de razão, seria trágico com origem no fundamentalismo muçul-
dade de um bem identificado grupo fun- que a operação de perseguição e punição mano, não é improvável que recebam Uma semana depois do atentado que mudou o
damentalista islâmico sediado algures dos responsáveis pelo massacre de Nova a mensagem de que ela seria bastante mundo e da confusão inicial em que mergulhou
no Afeganistão? Iorque fosse aproveitada para, de passa- mais merecida se eles fossem menos so- não apenas os Estados Unidos mas todos nós, as
Por mais explicável que seja o ódio an- gem, “arrumar” a questão iraquiana, “ter- lidários com o fundamentalismo judaico tarefas reorganizam-se e os responsáveis reencon-
tiamericano dos presumíveis autores, por minando o serviço” deixado incompleto na na sua guerra de extermínio contra os tram cada um o seu espaço de acção natural.
maiores que sejam os agravos que eles pu- Guerra do Golfo, como já vieram vociferar palestinianos. Os bombeiros e os serviços de protecção civil
dessem pretender vingar, nenhuma pon- os falcões do Pentágono. Evidentemente, a exposição dos Estados prosseguem as operações de busca, preparam
ta de compreensão ou atenuante poderia Por outro lado, seria ingénuo supor que Unidos ao terrorismo internacional de- o socorro a sobreviventes improváveis e as au-
subsistir face à monstruosidade dos meios o terrorismo islâmico contra os Estados corre também do seu protagonismo como toridades locais até já começaram a discutir a
utilizados e ao número de vítimas inocen- Unidos pode ser erradicado pela simples única superpotência económica e militar reconstrução.
tes causadas. É simplesmente hediondo eliminação do grupo que perpetrou a des- do mundo, depois do fim da guerra fria. A polícia federal e os serviços de informações le-
piratear aviões civis cheios de passageiros truição do World Trade Center. Para isso Agora, sim, pode falar-se na era do impé- vam a cabo uma detalhada investigação policial
e transformá-las em mísseis assassinos é necessário retirar-lhe as causas de que rio americano. Os Estados Unidos são os para identificar os autores materiais, os autores
contra alvos civis pejados com milhares ele se alimenta e as condições do apoio de principais promotores e beneficiários da morais e os seus cúmplices e para reconstituir
de pessoas. Por isso, a con- todos os passos dos terroristas — ao mesmo tem-
denação não pode ter am- O Ê X I T O D A L U TA contra o terrorismo internacional de origem islâmica só pode po que tentam prevenir novos atentados.
bages, a solidariedade com Os políticos, os militares, os diplomatas e os servi-
os Estados Unidos não po-
passar pelo seu cuidadoso isolamento dentro do próprio mundo islâmico e não pela ços secretos preparam a guerra, definem os alvos
de sofrer tergiversações e a amálgama de uma pretensa cruzada da civilização cristã-ocidental contra o islamismo prováveis, as armas possíveis, contam as espin-
perseguição e punição dos gardas, testam os aliados e fazem o jogo mental
culpados não pode ter con- JUAN CARLOS ULATE/REUTERS dos contra-ataques e das contra-medidas.
templações. O que a situação tem de invulgar é que, nes-
Perante a dimensão da te caso, pela primeira vez na História — há
tragédia, toda a ira é jus- muitas estreias neste episódio — a declaração
tificada. Mas são-no me- oficial daquela que poderá ser uma guerra
nos as reacções e a lingua- global depende não do gesto de um Governo,
gem de dirigentes e dos não da soberania sobre um território ou da
“media”, tanto nos Esta- disputa de uma matéria-prima essencial mas
dos Unidos como na Euro- de uma investigação policial. Nunca um autor
pa, tirando perverso parti- de romances policiais ousaria levar o seu en-
do do sentimento popular. redo tão longe, mas desta vez o improvável é
Uma coisa é a necessida- possível: o equilíbrio do mundo pode depender
de de uma ofensiva decisi- de uma impressão
va contra o terrorismo in- digital, da caligra-
ternacional (incluindo os fia de uma nota es- Será que vai ser a
governos que acolhem os crita à margem do polícia a definir a
grupos terroristas) e outra livro ou de pedaci-
coisa é a uma declaração nho de ADN. política? Será que a
de guerra, no sentido pró- É interessante pen- NATO vai mesmo
prio do termo, que implica sar no que acontece- ficar à espera que o
uma relação interestadu- rá se o FBI não en-
al, ou a estulta invocação contrar a impressão
FBI encontre a
do Tratado da NATO, que digital, a nota escri- impressão digital?
suporia uma agressão mi- ta na margem do li-
litar e um Estado agressor, vro ou o pedacinho
coisas que obviamente não de ADN. Será que as provas circunstanciais que
existem na circunstância. apontam para Bin Laden vão ser julgadas insu-
Se a isso se juntar a re- ficientes para o condenar “para além da sombra
tórica do “ataque à civili- de uma dúvida” (como vemos que se diz nos fil-
zação ocidental”, então es- mes) e portanto o suspeito, presumido inocente
tá criado um inquietante como todos os suspeitos (também vemos nos fil-
quadro de confronto entre mes), vai ser deixado em paz?
o Ocidente (implicitamen- Apesar da retórica legalista americana — influen-
te cristão) e o islão, de que ciada pelos seus próprios filmes — é evidente que
não pode vir nada de bom. não. A procura de provas é indispensável, mas o
Neste contexto, a utiliza- ataque terrorista de terça-feira (e outros) não são
ção do termo “cruzada” para referir a luta que ele beneficia. Ele não desaparecerá nova ordem económica, baseada na globa- meros casos de polícia. A sua dimensão, o facto
contra o terrorismo, como insiste em dizer enquanto para as massas muçulmanas, lização do capitalismo internacional mas de porem em causa a estabilidade dos Estados, de
o inefável Presidente norte-americano e em especial no mundo árabe, os Estados menos na globalização do bem-estar. Se aterrorizarem as nações, de desestabilizarem a
outros dirigentes tão irresponsavelmen- Unidos forem justamente considerados a globalização não é, como dizem os seus economia fazem deles questões políticas do pri-
te imprudentes e incultos como ele, só po- como os culpados das indizíveis provações críticos, uma receita para tornar o Oci- meiro grau. Nenhum Estado pode viver com estas
de fazer reanimar no mundo muçulmano do povo da Palestina às mãos de Israel. Por dente mais rico à custa da maior pobreza ameaças, nenhum Estado pode suportar estes cri-
o mais divino fervor antiocidental. Pois mais que se queira esconder a realidade, do terceiro mundo, pelo menos ela serve mes. O que faz com que as considerações policiais
não foram as cruzadas justamente a mais na origem de tudo está a questão palesti- para tornar mais visível e escandaloso o apareçam aqui em segundo plano.
cruenta “guerra santa” do Ocidente cris- niana e o activo apoio norte-americano à contraste entre a afluência e a miséria, Imagine-se que a investigação policial não con-
tão contra o islão? E não é precisamente o repressão israelita, à negação do direito entre o bem-estar e a destituição, entre os segue provar qualquer relação directa entre
histórico ressentimento contra as cruza- dos palestinianos ao seu Estado indepen- que têm e os que não têm. Osama bin Laden e estes ataques. Apenas con-
das uma das fontes de que se alimenta o dente e à retenção e colonização dos terri- Isso não torna menos execráveis os Bin segue provar que os inspirou e instigou (o que
fanatismo antiocidental do fundamenta- tórios ilegitimamente ocupados. Laden deste mundo. Mas torna mais difícil já sabemos porque lemos a sua “fatwa”), que
lismo islâmico? Depois da Guerra do Golfo, em que os vencê-los. Como escrevia há dias o edito- treinou os terroristas e os ensinou a levar a cabo
O êxito da luta contra o terrorismo in- aliados ocidentais conseguiram a apoio rialista do “La Repubblica”, o terrorismo operações deste tipo (também vimos na televi-
ternacional de origem islâmica só pode de vários governos árabes contra o Ira- islâmico alimenta-se “da revolta dos po- são o seu vídeo de recrutamento), que financiou
passar pelo seu cuidadoso isolamento den- que, exasperando o sentimento antiame- bres do mundo, da rebelião dos excluídos, os terroristas (tem dinheiro para o fazer) e, fi-
tro do próprio mundo islâmico e não pela ricano das suas populações, o mínimo da vontade de poder dos desprovidos de nalmente, que uma vez os ataques realizados
amálgama de uma pretensa cruzada da que se esperaria é que os Estados Unidos poder”. No mundo árabe, e em especial os aprovou (todos o sabemos). Ou seja: imagine-
civilização cristã-ocidental contra o isla- e a Europa compensassem a solidarie- no Médio Oriente, isso quer dizer sobretu- se que os autores materiais do ataque fizeram
mismo. Os agravos do islão contra o Oci- dade anti-iraquiana com as necessárias do, e em primeiro lugar, os palestinianos, quase tudo sozinhos e que a polícia apenas con-
dente, passados e recentes, são demasiado pressões sobre Israel para a solução da que o Ocidente tem vergonhosamente de- segue provar o que já sabemos. Será que vai ser
profundos para que seja lícito misturar questão palestiniana. Em vez disso, ao samparado. No fundo, nos Estados Unidos a polícia a definir a política? Será que a NATO
o que deve ser cirurgicamente separado. que se assistiu foi à escalada do conflito, e na Europa, todos somos responsáveis vai mesmo ficar à espera que o FBI encontre a
Nesta questão toda a confusão será casti- à intensificação da colonização judaica também.  impressão digital? 
2001
19 Setembro
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QUA19SET
EDIÇÃO LISBOA
19 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4202
140$00 • €0,70 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico.pt www.publico.pt

SONDAGEM DA
Participação militar
RECENSEAMENTO

CATÓLICA PARA
708.159 O PÚBLICO, A RTP
FUNCIONÁRIOS E A ANTENA 1
PÚBLICOS contra o terrorismo 48,8 por cento dos portugueses
concorda com a participação na-
cional num ataque militar con-

EM PORTUGAL
divide portugueses
tra o terrorismo. 40 por cento são
contra. 63,4 por cento dos inqui-
P28 ridos considera os ataques na
América “atentados” e não “ac-
tos de guerra”. P10/11

E N T R E V I S TA AKBAR BALOCH/REUTERS

Paquistão encerrou
Comunistas entram Manifestação pró-Bin Laden
ontem no Paquistão todas as fronteiras
no governo basco
com o Afeganistão
Os federalistas estão desde ontem
mais fortes no País Basco, onde os
comunistas da Esquerda Unida entra-
ram pela primeira vez num governo.
Os taliban admitem
Os separatistas, esses estão cada vez
mais isolados: “Com a ETA não se po-
pela primeira vez
de falar de política”, disse ao PÚBLI- que Osama bin
CO o presidente do governo regional,
Juan José Ibarretxe. P26/27 Laden possa ser
culpado
LIGA DOS CAMPEÕES

FC Porto vence O maior êxodo


de afegãos desde
Rosenborg por 2-1
P39
a invasão soviética
de 1979
CASO FELGUEIRAS
Arafat oferece um
PS inviabiliza audição cessar-fogo e
de José Sócrates na AR
Sharon aceita
O PS impediu ontem a audição do mi-
nistro do Ambiente e Ordenamento do
Território, José Sócrates, na Assem-
bleia da República, para esclarecer o Bin Laden acusado
processo de investigação de alegadas
irregularidades na câmara socialista
de especulação
de Felgueiras. Na reunião da Comis-
são Parlamentar do Poder Local, a
bolsista
oposição votou em bloco para ouvir o
ministro, mas a votação resultou em
dois empates. P24 Bancos centrais
continuam a baixar
DESPORTO taxas de juro
Relação mantém Reportagens do nosso
Vale e Azevedo em enviado Adelino Gomes e
da nossa correspondente
Ana Gomes Ferreira, em
prisão preventiva Nova Iorque
P2 A 19 E 52
P42

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ÍNDICE

BARTOON E OPINIÃO 20 A 22
BOLSA E MERCADOS 30 A 32
TELEVISÃO 49/50
CLASSIFICADOS 57 A 69
CINEMAS 70/71
TEMPO E FARMÁCIAS 72
2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 19 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

Taliban impõem condições


para entregar Bin Laden
Pela primeira vez, os taliban admitiram que Osama bin Laden poderá ser Os taliban, no poder em Cabul, admitiram Washington decida atacar o Afeganistão.
“culpado” pelos atentados contra os Estados Unidos. Se ficar provada a sua ontem que Osama bin Laden, o milionário Aparentemente, as autoridades afegãs
de origem saudita refugiado no Afeganis- estão mesmo a preparar-se para a guerra.
responsabilidade, é possível que o entreguem a um país “islâmico e neutro”. tão, poderá ter planeado os atentados sui- Ontem, o ministério do Interior convocou
Mas o Afeganistão, onde se está a verificar o maior êxodo de refugiados desde cidas do dia 11 em Washington e em Nova voluntários para combater os “infiéis”,
a invasão soviética, prepara-se também para a guerra. Iorque. Mas para o entregarem terão de noticiou a agência AIP, próxima dos tali-
apresentar provas. Reunidos hoje em Ca- ban. Razak lançou um apelo através da
Texto de Francisca Gorjão Henriques bul, os “ulemas” (doutores da lei islâmica) rádio “Sharia”, a voz oficial dos “estudan-
deverão dizer o que fazer com o homem tes de teologia”, no qual declarava que os
mais procurado pelos Estados Unidos. voluntários eram necessários para “tra-
JOHN MCDOUGALL/REUTERS
Ontem, a imprensa paquistanesa citava var a guerra contra os infiéis”, pedindo-
algumas condições que o líder supremo lhes que se “inscrevessem” para que as
Refugiados afegãos “Mullah” Mohammad Omar terá já im- autoridades os possam convocar assim
no Paquistão posto: “Com garantias de um tratamento que for necessário. “Juro que mesmo as
justo, os taliban poderão estar prontos a mulheres nos enviaram mensagens para
entregar Osama a um país islâmico neu- dizer que estavam prontas a participar na
tral ou à Organização da Conferência Islâ- ‘jihad’”, declarou.
mica”, afirma uma fonte ao jornal “Jang”. Fontes militares paquistanesas adian-
Também foi referido que os taliban exigem taram ao enviado do diário espanhol “El
o reconhecimento internacional do seu País” que, do outro lado da fronteira, estão
governo e o levantamento das sanções já mobilizados entre 20 mil e 30 mil mili-
impostas pelas Nações Unidas. cianos. É impossível uma confirmação
“Qualquer pessoa que seja responsável destas informações, que vêm juntar-se às
por este acto, seja Osama ou não, não terá de que mísseis Scud foram posicionados
o nosso apoio”, disse por sua vez o minis- junto à fronteira, perto de Torkham, e que
tro taliban da Informação, Qudrutullah baterias antiaéreas foram enviadas para
Jamal. Mas sem a certeza absoluta de que Kandahar, onde reside o “Mullah” Omar.
foi Bin Laden o autor dos atentados, os
taliban continuarão a garantir-lhe protec- “Catástrofe humanitária”
ção. “Dissemos [à delegação paquistanesa O Afeganistão, que fechou o seu espaço
em Cabul] que nos desse provas de que aéreo, está cada vez mais isolado. O vizi-
foi ele. Sem isso, como nho Paquistão — um
podemos entregá-lo?” dos três países que re-
Os homens enviados Ú LT I M A H O R A conhecem o regime ta-
pelo Presidente paquis- liban — encerrou as
tanês Pervez Mushar- fronteiras terrestres,
raf deixaram o país Havia mais tal como fez o Irão. Foi
com algum secretis- esta a resposta para
mo. O porta-voz do
ministério da Infor-
pilotos suicidas o maior êxodo de afe-
gãos desde a invasão
mação disse apenas: A polícia federal americana soviética, em 1979. Nos
“As conversações fo- (FBI) crê que outros pilotos últimos 20 anos, estes
ram produtivas, gra- suicidas tentaram sequestrar dois países têm rece-
ças a Deus”. mais aviões no dia dos ata- bido milhões de refu-
O grupo paquista- ques em Nova Iorque e em giados que se instala-
nês — liderado pelo Washington, informou ontem ram em campos junto
general Mahmud Ah- o “attorney-general” (equiva- às fronteiras.
mad, chefe dos podero- lente a ministro da Justiça), A perspectiva de um
sos serviços secretos John Ashcroft. O FBI, acres- ataque em grande es-
SIS, que têm ajudado centou Ashcroft, está a inves- cala por parte das
a alimentar a máqui- tigar a possibilidade de haver forças americanas le-
na de guerra taliban — outros pilotos, além dos que vou a que, só esta sema-
estava incumbido de seguiam aos comandos dos na, quatro mil pessoas
apresentar o cenário quatro aviões “kamikazes” abandonassem as suas
que os afegãos podem que destruíram o World Tra- casas — as Nações Uni-
ter pela frente caso de Center e uma parte do Pen- das esperam um núme-
não cedam às pres- tágono, que procuraram se- ro idêntico para os pró-
sões americanas e con- questrar mais aparelhos. ximos dias. A maioria
tinuem a negar-se a en- são mulheres e crian-
tregar Bin Laden: uma ças, já que os homens
acção militar por parte dos EUA e alia- estão a ser forçados a ficar para o caso de
dos, que terá consequências catastróficas serem necessários para a guerra.
num país já devastado por duas décadas Muitos tentaram passar para o Paquis-
de guerra. tão através de Torkham, no Norte, mas
Alguns dos cerca de 600 “ulamas”, vin- viram a sua entrada negada. Mas os dois
dos das 32 províncias do país, estavam a países partilham uma longa fronteira,
ter dificuldade em chegar a Cabul para com áreas remotas onde dificilmente as
comparecer ao encontro convocado por autoridades paquistanesas conseguirão
Omar com o objectivo de discutir o futuro impedir as pessoas de entrar.
do seu “hóspede”. A reunião, que deveria O Afeganistão, já “exangue”, está à beira
ter começado ontem, pode durar um ou de uma “catástrofe humanitária” caso os
dois dias. Segundo o repórter da CNN em EUA decidam atacar, alertou um membro
Cabul, Nic Robertson, os “ulemas” “são dos Médicos Sem Fronteiras (MSF). “Qual-
capazes de chegar a um consenso muito quer epidemia pode tornar-se dramática”,
rapidamente”. Mas é “bastante provável disse à AFP a médica neo-zelandesa Pau-
que o ‘Mullah’ Omar tome a decisão final line Horrill, que teve de sair do território:
sozinho. Por isso, o que quer que eles di- as agências humanitárias viram-se obri-
gam poderá não ser o resultado final”. gadas a retirar todos os colaboradores .
A reunião foi convocada também com Mas a situação está a piorar de dia para
o objectivo de discutir uma eventual dia. O Programa Alimentar Mundial, que
“jihad”. Omar avisou que os taliban po- fornece comida a três milhões de afegãos,
derão declarar guerra santa aos Estados teme que metade destes esteja agora sem
Unidos, e qualquer país que os apoie, caso ajuda. 
D E S TA Q U E 3
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 19 SET 2001

Islamistas A CONCENTRAÇÃO DE TROPAS DOS TALIBAN


Segundo o exército de Islamabad,
os governantes taliban do Afeganistão já
UZEBEQUISTÃO TAJIQUISTÃO 200 km

paquistaneses estacionaram uma força entre 20.000 e 25.000


combatentes na fronteira com o Paquistão,
ontem encerrada.
TURQUEMENISTÃO

Mazar-e Sharif Caxemira controlada


pelo Paquistão

querem derrubar Herat Cabul


Peshawar
ÍNDIA
regime militar
UZEBEQUISTÃO Islamabad

TURQUEMENISTÃO TAJIQUISTÃO AFEGANISTÃO Concentração de tropas


CHINA no Desfiladeiro de Khyber
Cabul Kandahar
A decisão do Guardian”. “Se eles deixa- Zona controlada pelos taliban
Presidente-general rem os americanos entrar no PAQUISTÃO Áreas controladas pela oposição
IRÃO AFEGANISTÃO
nosso território, verão quão Área disputada
Musharraf de apoiar os rapidamente as pessoas vão PAQUISTÃO
EUA contra os taliban mobilizar-se. O nacionalis-
Mísseis Scud
afegãos precipitou a mo paquistanês está enrai-
Um oficial do exército paquistanês alega que as tropas
zado no Islão”. Gul acredita ÍNDIA
fúria dos chefes mesmo que apenas um pu-
taliban fizeram deslocar sistemas de mísseis tácticos,
religiosos de fabrico russo (alcance de 80 a 280 quilómetros),
nhado de “pseudo-intelectu- para fronteira do Afeganistão com o Paquistão.
ais ocidentalizados” gostam REUTERS / PÚBLICO
ISABEL LEIRIA da América.

Afeganistão
A cumprir-se a promessa dos Um inferno nas ruas
principais líderes religiosos E, de facto, se o apoio da po-
do Paquistão, são tempos con- pulação aos líderes religio-
turbados os que esperam o sos islâmicos parece não ser
país. Pelo menos 50 dos mais muito forte, os sentimentos
conservadores chefes islamis- antiamericanos estão a espa-
tas reuniram-se na segun- lhar-se pelo país. É por isso
da-feira para anunciar que, que observadores regionais
durante as próximas duas se- prevêm que as ruas do país se
manas, irão organizar uma transformem num inferno se
série de greves e manifesta- os Estados Unidos atacarem
ções contra o regime militar. mesmo o Afeganistão. Os ata-
Primeiro em Islamabad, a ques a alvos ocidentais serão
Factor de desestabilização na Ásia
capital, e depois um pouco então inevitáveis, estimam
por todo o país, os líderes reli- os observadores. Do Tajiquistão à Índia, A mais populosa das antigas O líder espiritual do Irão, o combate ao terrorismo. Por-
giosos esperam mobilizar mi- Entretanto, ontem saíram muitos países asiáticos repúblicas soviéticas, e com ultraconservador Ayatollah que está inquieta com o isla-
lhares de paquistaneses para já para as ruas de Karachi, as mais poderosas forças ar- Ali Khamenei, condenou on- mismo radical entre os seus
exprimirem, nas ruas, a opo- capital económica do Paquis-
têm razões para se madas regionais (50 mil ho- tem, com raro vigor, os ata- muçulmanos turcófonos. Pa-
sição a um possível ataque tão, mais de cinco mil estu- preocupar: um novo mens), é governada por um ques terroristas em Nova Ior- ra colaborar, Pequim exige,
norte-americano dantes islamistas êxodo de refugiados, antigo líder comunista, Islam que e Washington. Avisou, no porém, como contrapartida,
contra o regime radicais, na que guerra e instabilidade Karimov, eleito em 1991 e de- entanto, que não apoiará uma ajuda dos norte-americanos
amigo dos taliban foi a maior mani- pois reeleito. O regime perse- eventual guerra contra o Afe- na guerra contra os separatis-
no vizinho Afega- festação anti-ame- regional. Texto de gue sem piedade o Movimento ganistão, país governado por tas da província de Xinjiang
nistão. ricana desde a Isabel Leiria Islâmico do Uzbequistão, che- um regime islâmico inimigo e contra os independentistas
Será mais uma tomada de posi- fiado por Djouma Namagani, de Teerão, porque o envio de Taiwan. “Não podemos
prova de fogo pa- ção de Mushar- Tajiquistão que procura instaurar um Es- de tropas americanas apenas ter dois pesos e duas medi-
ra o Governo, sob raf. “Abaixo os 143.100 quilómetros quadrados/6,6 tado com base na lei corânica multiplicará os problemas re- das”, explicou o ministro dos
pressão desde que Estados Unidos”, milhões de habitantes (Sharia). Este grupo actua no gionais. Há muito que esta de- Negócios Estrangeiros, Zhu
o general autopro- “Afeganistão e Pa- Norte e Ocidente do país, e sus- claração era esperada. Kha- Bangzao, reclamando tam-
movido a Presiden- quistão, túmulos O Tajiquistão, a única das ex- peita-se que alguns dos seus menei, o sucessor do defunto bém que a ONU seja seja con-
te, Pervez Mushar- da América”, “So- repúblicas da URSS na Ásia estimados 1500 militantes são Khomeini, é a autoridade su- sultada antes de qualquer
raf, decidiu apoiar mos Osamas, so- Central que se exprime em treinados nos campos de Osa- prema iraniana e a posição acto de retaliação. Mais: qual-
uma eventual reta- mos taliban”, fo- persa (as outras são maio- ma bin Laden no Afeganis- que ele assumir neste conflito quer ataque tem de basear-se
liação norte-ame- Um ataque dos ram algumas das ritariamente turcófonas), é tão. O Governo de Karimov determinará a política do país em “provas concretas”, não
ricana aos ataques EUA ao palavras de ordem dirigido desde 1992 por um mostrou-se disposto a discutir com o qual os EUA não têm deve afectar pessoas inocen-
terroristas do dia entoadas pelos es- Presidente pró-Moscovo, Emo- “qualquer assunto que condu- relações diplomáticas desde tes e tem de ser conduzido no
11 em Nova Iorque Afeganistão tudantes que, de nali Rakhmonov, que derru- za à erradicação do terrorismo 1980. “Os massacres de seres respeito pelo direito interna-
e Washington. será mais uma paus em punho, bou um governo islamo-de- e ao reforço da estabilidade”. humanos, onde quer que ocor- cional, frisou Zhu.
“Acreditamos prova de fogo saíram da mes- mocrata. A uma longa guerra ram, sejam quais forem os au-
que o alvo dos ame- quita de Binroi, a civil que fez 50 mil mortos, se- Turquemenistão tores ou as vítimas, são actos Índia
ricanos não é o
para o maior escola co- guiram-se acordos de paz assi- 448.100 quilómetros quadrados/4,4 catastróficos que devem ser 3,3 milhões de quilómetros qua-
Afeganistão, nem Governo do rânica do Paquis- nados em 1997, que concedem milhões de habitantes condenados”, disse Khame- drados/1000 milhões de habitantes
Osama bin Laden [ general tão. aos islamistas um terço dos nei, citado pela BBC. Alertou,
a quem são atribu-
ídos os atentados
autopromovido umTambém ontem
eminente líder
postos ministeriais. A capital
do país, Duchambé, poderá ser
Rico em jazidas de petróleo e
quarto produtor mundial de
porém, contra os planos dos
EUA de “expandirem o seu
A “maior democracia do mun-
do” e inimiga do Paquistão,
suicidas ao World a Presidente, espiritual paquis- um ponto vital para o apoio gás, esta antiga república da poder” na Ásia e sublinhou com o qual travou duas guer-
Trade Center e ao Pervez tanês, o “mufti” a uma qualquer força lidera- URSS tem um Presidente vi- que o povo do Afeganistão ras desde a separação dos dois
Pentágono]”, disse Musharraf Nizamuddin Sha- da pelos EUA que se queira talício, Saparmourada Niazov, não merece ser mais casti- países em 1949 após o fim da
Sami-ul Haq, que mzai, assinou um infiltrar no Afeganistão. Na um antigo dirigente comunis- gado depois das imensas tra- colonização britânica, já ofe-
presidiu à reunião (na foto) decreto apelando à fronteira estão em alerta 11 ta local que se fez eleger em gédias que já sofreu. Alguns receu as suas bases militares
e dirige uma das “jihad” no caso de mil guardas e uma divisão de 1999 e cultiva um culto de per- responsáveis em Washington aos EUA caso pretendam ata-
madrassas (esco- ser desencadeada 6500 soldados. O facto de o país sonalidade tipo Estaline. Im- defendem que o Irão deveria car alvos terroristas no Afe-
las religiosas) por onde passa- alguma acção militar contra ter fortes laços com a Aliança placável com a oposição, em ser incluído numa coligação ganistão. Um apoio que os
ram muitos dos actuais líde- o Afeganistão, noticiou a AFP. do Norte, que combate os tali- particular com os islamistas, contra os taliban mas ontem, analistas vêem como extre-
res taliban. “O alvo principal “Se forças não muçulmanas ban e é sobretudo constituída o homem que se autodenomi- num sinal de que uma reapro- mamente importante já que
é o Paquistão. Porque esta é atacarem o Afeganistão, é por elementos de etnia tajique, na “Turkmenbachi” (o pai do ximação está longe, a polícia dá a Washington uma flexibi-
uma guerra contra o mundo dever de todo o muçulmano permite antever alguma dis- povo turquemeno), eliminou de Teerão proibiu que uma lidade militar e estratégica
muçulmano e o Paquistão é juntar-se à ‘jihad’ ao lado dos ponibilidade para se colocar qualquer hipótese de envolvi- centena de jovens exprimisse muito maior, no caso de Isla-
a única potência nuclear islâ- seus irmãos afegãos”, disse ao lado de Washington. No en- mento militar contra o regime na rua a sua simpatia pelas mabad não facilitar uma in-
mica”. Shamzai. “Os dirigentes que tanto, as autoridades já afir- de Cabul, reafirmando a neu- vítimas americanas. tervenção. A Índia enfrenta
A lealdade das forças ar- ajudarem os não-muçulma- maram que só alinharão se a tralidade. Niazov tem manti- na Caxemira sob seu contro-
madas será também testada nos serão considerados co- Rússia apoiar essa decisão. O do contactos regulares com os China lo uma guerrilha separatis-
se os protestos se tornarem mo traidores da nação islâ- Tajiquistão estará também in- taliban e quererá manter bo- 9,6 milhões de quilómetros qua- ta, apoiada por islamistas pa-
violentos. “O exército do Pa- mica”. teressado em evitar um novo as relações com o Afeganis- drados/1200 milhões de habitantes quistaneses. Desde 1989 este
quistão tem estado tradicio- O Paquistão, que já se dis- fluxo de refugiados afegãos, tão, país que poderá constituir conflito já causou pelo menos
nalmente ao lado da popula- ponibilizou para cooperar situação que teve enfrentar no uma boa rota para a exporta- Tradicionalmente aliada do 30 mil mortos. Se as tropas
ção. Se a nação abandonar com os EUA no campo da in- passado. ção dos seus enormes recursos Paquistão contra o inimigo dos EUA chegarem ao terri-
o seu líder, então o exército formação, apoio logístico e energéticos. indiano, a China — que tem tório indiano será a primei-
alinhará ao lado da nação”, utilização do espaço aéreo, Uzbequistão algumas dezenas de quilóme- ra vez que isso acontece na
prevê Hamid Gul, um gene- deverá preparar-se, pois, pa- 447.400 quilómetros quadrados/24,3 Irão tros de fronteira com o Afe- história do país. (Fontes: “Li-
ral reformado também cita- ra a vingança dos islamis- milhões de habitantes 1.633.000 quilómetros quadrados/66,2 ganistão — manifestou inte- bération”, BBC, “The Washington
do pelo diário britânico “The tas.  milhões de habitantes resse em apoiar os EUA no Post”, Reuters)
4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 19 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

COMO OS “ESTUDANTES ISLÂMICOS”


PASSARAM DE ALIADOS A INIMIGOS
O percurso dos taliban, desde que emergiram das escolas religiosas na fronteira Afeganistão-Paquistão até se tornarem no patrocinador
de uma rede de terror global, deve-se a uma confluência de factores: luta entre poderes regionais, alta finança, fanatismo religioso
e negligência internacional. Texto de Molly Moore
BEAWIHARTA/REUTERS
Quando há sete anos trinta tral, através do Afeganistão.
camiões vindos do Paquis- Os taliban, que tinham sido
tão foram atacados por um bem sucedidos na restaura-
senhor da guerra afegão no ção da ordem numa série de
Sul do país, um bando de ac- aldeias e em alguns troços
tivistas muçulmanos surgiu de estradas no Sul do Afe-
em seu socorro. Chamavam- ganistão, pareciam ser uma
se a si próprios “taliban”, boa opção e provaram o seu
o que à letra significa “es- potencial de sucesso quando
tudantes islâmicos”, liber- salvaram a coluna de cami-
taram a coluna de veículos, ões acima referida.
perseguiram o atacante até
ao deserto, dispararam con- Ajuda dos serviços
tra ele e mataram-no. Depois secretos de Islamabad
penduraram o seu corpo no O ministro do Interior de Be-
canhão de um tanque para nazir Bhuto criou uma orga-
que todos o pudessem ver. nização para o Desenvolvi-
Este episódio cimentou o mento do Comércio Afegão,
relacionamento que levou com o objectivo declarado de
o vizinho Paquistão a aca- promover vias comerciais
lentar, financiar e armar a com a Ásia Central mas tam-
rígida milícia islâmica dos bém para permitir, camufla-
taliban. Hoje, o grupo con- damente, o envio de dinhei-
trola quase todo o território ro para os taliban, alega o
do Afeganistão, dá abrigo ao jornalista Rashid.
terrorista Osama bin Laden O Governo do Paquistão
e é o principal destinatário começou a ajudar os taliban
do apelo global dos Estados a reconstruir as infra-estru-
Unidos para uma guerra a turas da região Sul — telefo-
toda a escala contra o terro- nes, electricidade, aeropor-
rismo. tos, uma estação de rádio —
Os EUA identificaram Bin antes do apoio militar e fi-
Laden como o principal sus- nanceiro total.
peito dos ataques da semana O Paquistão financiou as
passada em Nova Iorque e operações dos taliban, trei-
Washington. O percurso dos Muçulmanos fiéis dos taliban gritam “slogans” contra os Estados Unidos numa manifestação no Paquistão nou os seus homens, per-
taliban, desde o seu surgi- mitiu que as suas escolas
mento a partir de uma obs- um pouco por todo o mundo ções de guerrilha islâmica e forças policiais particula- dos, e radicalizaram-se nas religiosas e organizações re-
cura organização, nascida islâmico, de acordo com in- terem obrigado a União So- res, a maioria dos quais ha- escolas religiosas conserva- crutassem abertamente ho-
nas escolas religiosas dos formações que constam de viética a retirar-se em 1989, bituados a roubar, torturar doras que cresciam que nem mens para o seu exército,
campos de refugiados situ- uma série de documentos re- a coligação dos vitoriosos e matar os civis que perten- cogumelos naqueles horrí- facilitaram a chegada de ar-
ados entre o Paquistão e o colhidos pelos EUA, ONU e desfez-se. Em três anos, o ciam a tribos ou grupos ét- veis campos. mas e petróleo através do
Afeganistão, até se torna- serviços secretos e militares primeiro-ministro e o mi- nicos diferentes dos seus. Pouco a pouco, foram re- porto de Karachi, e provi-
rem no patrocinador de um paquistaneses. nistro da Defesa organiza- Em 1994, o Afeganistão esta- gressando ao Afeganistão e, denciaram pessoal militar
dos mais vastos centros de Os taliban também se tor- ram diferentes exércitos e va um caos, com centenas de juntaram-se à volta de um e dos serviços secretos para
treino do terrorismo global, naram muito mais radicais começaram a bombardear- milhares de pessoas a fugi- misterioso líder religioso, o dirigir as operações mili-
deve-se a uma extraordiná- e extremistas do que os pa- se e a lançar bombas e mís- rem do país. “Mullah” Mohammed Omar tares dos taliban contra as
ria confluência de factores: quistaneses — o seu grande seis contra os cidadãos de Os jovens afegãos, que pas- (crê-se que tenha 42 anos), forças de oposição que ain-
luta entre vários poderes re- protector inicial — imagina- Cabul, a capital. saram a maior parte das que tinha lutado contra as da controlavam Cabul e as
gionais, alta finança, fana- vam quando, em 1994, uns O país — assim como ca- suas vidas em campos de forças soviéticas e ajudado maiores cidades do país.
tismo religioso, negligência poucos guerrilheiros taliban da uma das cidades e bair- refugiados na fronteira do ao regresso da lei e da or- “Entre todas as potências
internacional e um acaso do ajudaram a abrir um cami- ros dessas cidades — foi es- Paquistão vendo o seu país dem ao país. estrangeiras envolvidas nos
tempo. nho seguro por entre as peri- quartejado pelos senhores implodir, foram-se tornan- Nas aldeias próximas da esforços para manter e ma-
Há cinco anos, os taliban gosas terras do Afeganistão da guerra e os seus exércitos do cada vez mais desiludi- cidade de Kandahar, no sul, nipular a luta que estava a
ofereceram-se para dar abri- até à Ásia Central. “Agora Omar e o seu reduzido, mas ser travada, o Paquistão evi-
go ao exilado Bin Laden. o Paquistão está compro- cada vez maior, grupo iam denciou-se tanto pelo alcan-
Com ele beneficiaram de mi- metido com o regime tali- O país do horror ganhando reputação como ce dos seus objectivos como
lhares de combatentes e de ban”, disse Ahmed Rashid, opositores de corruptos se- pela dimensão do seu apoio”,
dezenas de milhões de dó- jornalista paquistanês que nhores da guerra, protec- constatou a organização in-
lares, em fundos e equipa- escreveu recentemente um Há poucos lugares no mundo onde as pessoas te- tores das aldeãs que eram ternacional Human Rights
mento. Bin Laden, por seu extenso livro sobre os gover- nham vivido durante tantos anos tão miseravel- raptadas e violadas por sol- Watch num relatório recente
turno foi ganhando influên- nantes de Cabul. “Apesar dos mente como no Afeganistão, um território severo dados, e responsáveis pela baseado numa investigação
cia crescente sobre um mo- avisos de que o regime se ti- cortado por desertos áridos e montanhas, onde 25 reabertura de estradas que de dois anos sobre a inter-
vimento que lhe permitiu nha tornado um monstro, os milhões de pessoas tentam sobreviver. Uma em eram controladas por chefes venção estrangeira no Afe-
transformar o Afeganistão militares [de Islamabad] não cada quatro crianças morre antes dos cinco anos, locais e que cobravam avul- ganistão.
no seu centro de treino pes- deram ouvidos”. a esperança média de vida ronda os 43 anos e as tadas “portagens” a todos os Os taliban conseguiram
soal de terroristas, entre- taxas de mortalidade infantil e de maternidade são que queriam passar. a maioria das suas vitórias
tanto espalhados por todo o Guerra de facções as segundas mais altas do mundo. Apenas 12 por iniciais quando os senho-
mundo. [...] Durante a guerra con- cento da população tem acesso a água potável e só O apoio de Benazir res da guerra locais simples-
Reconhecido apenas pelo tra as tropas soviéticas, que cerca de 30 por cento dos homens e 15 por cento Bhutto mente se renderam, cansa-
Paquistão, Arábia Saudita e se prolongou por quase to- das mulheres sabem ler ou escrever. Estas pessoas Ao mesmo tempo, em Islama- dos de anos de luta. Mas
Emirados Árabes Unidos, o da a década de 80, as tribos foram bombardeadas, violadas, torturadas, truci- bad, a recém-eleita primeira- as batalhas dos taliban tor-
movimento taliban gere ago- afegãs e grupos étnicos que dadas, saqueadas e deslocadas por duas décadas de ministra Benazir Bhuto e naram-se cada vez mais di-
ra uma vasta rede financeira se enfrentavam há séculos, guerra. Há regiões onde se concentram os maiores o seu governo — sob pres- fíceis à medida que iam
que o Ocidente foi, até ago- uniram-se para enfrentar o campos de minas de todo o mundo. As estradas, são crescente das mafias de lançando ataques contra ci-
ra, incapaz de liquidar. A re- inimigo, ajudadas por trei- sistemas de rega e outras infra-estruturas foram comércio e transporte pa- dades maiores e os territó-
de está infiltrada em cente- no, equipamento e dinheiro devastados pela guerra e pobreza. quistaneses — desejavam rios controlados pelas forças
nas de negócios legítimos da CIA, canalizado através Num dos seus mais recentes relatórios, as Nações ver abertas as estradas que mais poderosas do país. 
e grandes organizações no do Paquistão. Unidas descrevem a situação no Afeganistão como iriam permitir o comércio EXCLUSIVO PÚBLICO/ “THE
Paquistão, Arábia Saudita e Mas pouco depois das fac- um “horror”. entre o seu país e a Ásia Cen- WASHINGTON POST”
D E S TA Q U E 5
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 9 SET 2001

Os empregados

CANTOR da Cantor
Fitzgerald
encontravam-se
entre o 101º
e o 105º andar

FITZGERALD e foram as
primeiras
vítimas do
ataque de11
de Setembro

A firma que
perdeu dois
terços dos
empregados
700 MORTOS, 1400 ÓRFÃOS tor internacional da Cantor.
“Cada um de nós perdeu o co-
lega que trabalhava do seu
Eram 970, são agora 270. Só escaparam os que lado direito, perdeu o colega
estavam de férias, de baixa, ou se tinham que trabalhava do seu lado
atrasado. Da administração aos paquetes, 700 esquerdo”, lamentava o pre-
empregados do grupo de corretagem e comércio sidente da empresa, Howard
Lutnick, momentos depois da
electrónico Cantor Fitzgerald — entre os quais se tragédia, na televisão. “Te-
encontrava um português —morreram todos no mos que fazer tudo para pre-
primeiro ataque terrorista de 11 de Setembro à encher o vazio deixado na vi-
da daqueles que dependiam
torre norte do World Trade Center. No futuro, dos que morreram”.
promete a empresa, os lucros serão empregues no Lutnick, que perdeu um ir-
apoio às viúvas e aos órfãos mão e só escapou com vida ele
próprio porque nessa manhã
decidiu levar a filho à escola,
Do nosso enviado ADELINO GOMES, em Nova Iorque para o primeiro dia de aulas,
tem fama de duro e insensível.
Numa mensagem que enviou
No salão nobre do luxuoso Ho- “Temos de preencher aos empregados, transcreveu
tel Plaza, construído há um o vazio” um extracto do poema de Hen-
século em estilo renascentista O embate do primeiro avião ry Scott-Holland manifestan-
junto da entrada sul do Cen- contra a torre matou todos os do a fé numa vida melhor para
tral Park, não resta mais espa- que se encontravam naquela além da morte - “A morte não
ço para as mensagens de sau- manhã na torre - 700 (entre significa absolutamente nada.
dade, os convites para vigílias os quais oito dos seus 15 mais Apenas que deslizámos para
e orações, os anúncios do local altos responsáveis). O correc- a sala ao lado”.
e data dos novos serviços fú- tor António Rocha, de 34 anos, Desde aquele dia, porém, é
nebres. Primeiro nas instala- natural de Vila Verde no Dis- traído pela comoção sempre
ções de outra unidade de lu- trito da Guarda e a viver nos que fala em público dos 1400
xo situada a cerca de cem me- Estados Unidos desde 1970, orfãos deixados pelos mortos.
tros, na 5ª Avenida, o Hotel encontra-se também entre as Normal segundo os psicólo-
Pierre, mas que tiveram que vítimas. O seu funeral realiza- gos, um sentimento de culpa
ser abandonadas porque al- se hoje para a cidade de Kear- cresce entre os sobreviventes.
guém as alugara previamente ney, após uma missa de corpo Como Lutnick, outros execu-
para uma festa de casamento, presente na catedral de Newa- tivos do topo da firma sal- refugiam-se em declarações
e agora no Plaza, a firma Can- rk. Segundo os números on- varam a vida por terem che- A FRASE vagas de Lutnick quando o
tor Fitzgerald oferece desde a tem divulgados oficialmente, gado mais tarde naquele dia PÚBLICO pretende saber se
primeira hora aos familiares a empresa dispóe agora ape- ao escritório. Gary Lambert, “A morte não significa absolutamente nada. a Cantor corre o risco de ban-
e amigos dos seus empregados nas de 270 funcionários em cunhado de Lutnick, deam- carrota. O tempo é de avaliar
desaparecidos nos ataques ter- Nova Iorque. São os que, na bula pelos salões do Centro de Apenas que deslizámos para a sala ao lado” o impacto das perdas na em-
roristas de 11 de Setembro um fatídica manhã, tinham en- Apoio com um emblema em presa e de “redefinir” objecti-
Centro de Apoio que centrali- contros de trabalho fora da que escreveu: “Procuro todos Extracto de um poema de HENRY SCOTT-HOLLAND, enviado como vos e programa, dizem.
za toda a informação disponí- torre, se encontravam de fé- os que amei”. mensagem aos colaboradores pelo presidente da Cantor Fitzgerald Perdidas em definitivo as es-
vel e por onde passaram, até rias, de baixa, ou se tinham peranças de encontrar sobre-
ontem, centenas de pessoas ca- atrasado. Milagres de arreganho e viventes entre os 700 desapare-
rentes de apoio psicológico. A tragédia do World Trade determinação cidos, a empresa desmantelou
O grupo Cantor Fitzgerald, Center provocou a morte de Lambert, que é solteiro, acha gar um ano de seguro de do- As operações da eSpeed — esta terça-feira o Centro de
especializado em corretagem mais de cinco mil pessoas, a que devia ter estado “lá em ença a cada família. cujas acções já tinham desci- Apoio no Plaza Hotel. Todos os
e comércio electrónico e que perda de biliões de dólares e cima”, onde os seus colegas Inteiramente sintonizados do 45 por cento, desde o iní- esforços se dirigem agora para
conta com cerca de dois mil abriu uma crise financeira e morreram. Muitos deles ti- com Lutnick, os seus traba- cio do ano — foram suspensas um programa especial da Fun-
empregados em três conti- económica cujas consequên- nham mulher e filhos. Ele não lhadores protagonizaram “um “temporariamente”, a pedi- dação da Cantor Fitzgerald,
nentes, possuía escritórios cias se começam já a esten- tem, e não se perdoa pelos que dos maiores milagres” do ar- do do Howard Lutnick. Ape- cujo primeiro milhão de dóla-
em quatro andares da torre der muito para lá da saúde sofrem o que o acaso o poupou reganho e determinação que sar de dispor um escritório res foi doado pelo próprio pre-
norte do World Trade Center. das empresas da área, onde de sofrer . invadem por estes dias Wall de apoio e substituição a 35 sidente do grupo, Howard Lut-
Localizados na parte mais al- trabalhavam cerca de 400 mil A seguradora do grupo ga- Street, de que, no dizer de um quilómetros de Nova Iorque, nick. As viúvas e os 1400 orfãos
ta - pisos 101, 103, 104 e 105 - os pessoas. rante, verbalmente, que con- analista, a Cantor “é um dos criado por precaução após o dos homens e mulheres mortos
escritórios mobilizavam dia- Proporcionalmente, po- sidera os falecimentos como pilares”. Dois dias depois da primeiro atentado terrorista, no World Trade Center cons-
riamente o trabalho de cerca rém, a dimensão do desastre “morte acidental”, o que im- tragédia, os sobreviventes en- em 1993, ao World Trade Cen- tituem, desde o dia 11 passa-
de mil funcionários das sedes que atingiu a Cantor Fitzge- plicará, a ser cumprido, o pa- contravam-se nos seus postos ter, o grupo decidiu transfe- do, a única razão que mantém
em Nova Iorque das três com- rald não tem paralelo em ne- gamento de 100 mil dólares quando recomeçaram as tran- rir a execução das principais Lutnick no mundo dos negó-
panhias do grupo - a empresa nhuma das empresas de Wall por cada pessoa, o dobro do sacções de obrigações do Te- transacções para Londres, on- cios. “Ajudar as 700 famílias.
mãe, Cantor Fitzgerald L.P., Street. “Toda a gente que eu seguro contratado. Lutnick souro, um dos ramos de negó- de funcionam os segundos 700 famílias. Tenho 700 famí-
e as associadas eSpeed Inc. e conhecia estava naquele edi- promete por seu lado ir fazer cio em que o grupo é líder nos maiores escritórios da empre- lias”, disse à ABC News, por
TradeSpark, L.P. fício”, diz Lee Amaitis, direc- “todos os possíveis” para pa- EUA e na Europa. sa. Cautelosos, os porta-vozes entre lágrimas. 
6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 19 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

Os 12 minutos que
car, e derrotar, a ameaça terrorista. O CONSELHO
Aconteceu a Bush o mesmo que a DE GUERRA
Woodrow Wilson e a Franklin Roo-
sevelt. Ambos começaram por ser
presidentes vocacionados para pro- DICK CHENEY

mudaram George W. Bush DOUG MILLS/EPA


blemas domésticos e, subitamente,
enfrentaram grandes crises interna-
cionais. Bush foi atirado para essa
posição”, diz Ted Carpenter.
Foi chefe de gabinete de Gerald
Ford e secretário da Defesa na pri-
meira Administração Bush. Com
George Bush pai, fez a guerra do
O ataque terrorista Viragem curiosa num Presiden- Golfo. Nos últimos meses, depois
obrigou Bush a largar o te sobre o qual pairavam fantas- de especulações sobre o seu papel
mas vários. Um deles esfumou-se governativo — insinuavam os ana-
conforto da política imediatamente, e era interno. Nas listas ser ele quem, na verdade, di-
doméstica. Agora ele é o vésperas do ataque, desenhava-se rigia a nação — desapareceu. Tor-
líder da superpotência que uma crise política motivada pela nou-se indispensável a Bush,
degradação da situação económica porque além de conselheiro é, tam-
quer liderar o mundo na do país — o desemprego subira pa- bém, decisor. No dia do ataque,
guerra ao terrorismo ra 4,9 por cento, o valor mais alto agentes dos serviços secretos agar-
em quatro anos. raram-no pelo colarinho e pelo cin-
ANA GOMES FERREIRA Os democratas começavam a res- to e levaram-no para o “bunker” da
Nova Iorque ponsabilizar o Presidente pela der- Casa Branca. Por razões de segu-
rocada económica, e criticavam a rança, foi depois transportado pa-
George W. Bush estava a ler às redução nos impostos, que fez de- ra Camp David. Quando Bush che-
criancinhas quando deixou de ser saparecer o excedente orçamental. gou a Camp David, quiseram levar
apenas o Presidente dos EUA. A A frase “é a economia, estúpido”, Cheney — que assume a chefia de
11 de Setembro, encontrava-se na que marcou a derrota do primeiro Estado se alguma coisa acontecer
Florida, a promover a aprendizagem Presidente Bush (pai do actual), ron- ao Presidente — para outro lugar.
da leitura. Chegou à escola que dava Bush-filho, que começou a ser Recusou. Tem 60 anos e três opera-
escolhera visitar às nove da manhã. atacado pelo seu próprio Partido ções ao coração. “Normalmente, o
Disseram-lhe que um avião tinha 9h55: Bush fala ao telefone com o “mayor” de Nova Iorque, Rudy Giuliani Republicano. No próximo ano, há vice-presidente não tem um papel
chocado com uma das torres do eleições legislativas e os republica- importante nas discussões de se-
WIN MCNAMEE/REUTERS
World Trade Center, em Nova nos, que já não têm a maioria no gurança nacional. Vai ser uma
Iorque. Falou ao telefone com a Senado, receavam perder o domínio grande excepção e Cheney vai tor-
conselheira de Segurança Nacional, da Câmara de Representantes. Os nar-se figura-chave na equipa de
Condoleezza Rice, e anunciou que ataques apagaram a guerra parti- segurança nacional, como se fosse
prosseguiria com o programa. dária, o Congresso está unido com o equivalente a um secretário de
Mal começou a ler às criancinhas, o seu Presidente. Estado ou da Defesa”, diz o analis-
susurraram-lhe ao ouvido: um se- O segundo fantasma é externo. ta do Cato Institute, Ted Carpenter.
gundo avião acabava de chocar com Fora dos Estados Unidos, existe a
a segunda torre. Tornara-se óbvio percepção de que Bush é um Presi-
que o primeiro desastre não tinha dente pouco preparado, pouco sofis- COLIN POWELL
sido acidental. E que o segundo não ticado e frágil. Ainda na segunda- O primeiro negro no Governo. É
era uma coincidência. Os EUA esta- feira Bush libertou o lado texano secretário de Estado, o que equiva-
vam a ser atacados. Bush terminou que tem tentado abafar, ao recor- le a ministro dos Negócios Estran-
a leitura. Os telemóveis dos mem- dar os antigos cartazes do velho Oes- geiros. Passou meses ofuscado. Em
bros da sua comitiva começaram te, para dizer que quer o terrorista parte pela ascensão da conselheira
a tocar. Os “bips” a apitar. Toda a suspeito da autoria dos atentados, de Segurança Nacional, Condolee-
gente se precipitou para perto dos Osama bin Laden, “vivo ou morto”. zza Rice, outra negra, que além de
canais de televisão que cobriam a Uma frase para consumo interno, conselheira é a professora de geo-
visita presidencial, onde havia ecrãs mas de ressonância pouco elegante política de Bush. O Presidente não
que mostravam as imagens. no outro lado do Atlântico. a deixa afastar-se; está sempre sen-
Subitamente, relataram os jor- 13h04: em Barksdale, Louisiana, Bush faz o seu primeiro discurso à nação A maior crítica feita a Bush fora tada à direita de Bush nas reuniões
nalistas presentes, mudou de com- DOUG MILLS/EPA
dos EUA é o unilateralismo. “Es- do Conselho de Segurança Nacio-
portamento. Crispou o rosto. Tele- pero que esta percepção esteja a nal. O analista do Cato Institute
fonou para o vice-presidente, Dick mudar. Considero, aliás, que não não concorda com a tese da perda
Cheney. Assim que acabou a con- é uma imagem justa. Bush traçou de influência de Powell. “Desde o
versa, agarrou num bloco de notas, prioridades de política doméstica, e acidente com o avião espião, na
amarelo, rabiscou umas linhas, e esforçou-se por resolvê-las. Na polí- China, em Abril, Powell influen-
dirigiu-se para a frente das câma- tica externa, definiu linhas que de- ciou mais a política do que Rice ou
ras de televisão, para prometer apa- sagradaram à Europa, como Quio- Rumsfeld”, diz Ted Carpenter. Po-
nhar e castigar os “tipos” (“folks”) to e o Tribunal Penal Internacional, well, o herói da guerra do Golfo
que lhe atacaram o país. mas algumas foram bastante po- (como general, dirigiu os aliados),
O Presidente não voltou a fazer pulares nos EUA”, diz Ted Carpen- é quem está a coordenar a forma-
um discurso sem ajuda, não voltou a ter. O analista não concorda com ção da aliança contra o terrorismo.
falar em público sem ensaio prévio os colegas que consideravam que Powell é conotado com a modera-
das frases a usar. Bush percebeu que Bush não tinha uma política exter- ção. O analista Ted Carpenter diz
tem um papel onde a informalidade na clara. Ela existia, explica. Mas que a análise aos discursos de Po-
não é permitida. Não pode chamar considerava, em primeiro lugar, os well denotam que é quem defende
“tipos” a terroristas que assassina- interesses internos do país. soluções mais duras para esta
ram mais de cinco mil americanos. O ataque de 11 de Setembro po- guerra. “As palavras de Powell são
Não pode ter o tom de familiaridade dem ter mudado o unilateralismo, sempre as que vão mais longe
com que falava aos cidadãos quan- ou os contornos isolacionistas — quanto às acções que devem ser re-
do era apenas o Presidente de um Bush anunciou que a prioridade alizadas. Os outros estão apenas
país. Agora, é o Presidente da única eram as “traseiras”, ou seja os paí- focados em Osama bin Laden”, diz
superpotência do mundo. A que vai 16h30: depois de ter parado numa base no Nebraska, Bush regressa à capital ses do continente americano e as Carpenter. Powell foi o primeiro a
liderar a aliança que fará guerra ao TIM SLOAN/EPA
primeiras visitas de Estado que fez usar o termo “guerra” e a defender
terrorismo. foi ao México e ao Canadá — que uma guerra global.
“Este ataque mudou de forma se definiam na política externa dos
radical esta presidência. Bush es- EUA. “Este país tende a centrar-se
tava inclinado a tornar-se um ‘Pre- num objectivo de cada vez, em ques- DONALD RUMSFELD
sidente doméstico’. Estava muito tões externas. Durante os próximos Era a voz mais unilateralista da
centrado na política interna”, ex- anos, a luta contra o terrorismo vai Administração Bush. Amigo de
plicou ao PÚBLICO o analista Ted dominar a agenda, vai ser o centro longa data de Dick Cheney, que le-
Carpenter, vice-presidente do Cato de tudo. E penso que a Administra- vou para os governos de Washing-
Institute (“think tank” de Washing- ção vai insistir na cooperação dos ton. Foi conselheiro da Casa Bran-
ton) para as questões de Defesa e seus aliados da Europa e do resto do ca nos anos 70 e secretário da
Política Externa. mundo”, diz Ted Carpenter. Defesa de Gerald Ford. As suas po-
O analista diz que o Presidente George W. Bush percebeu que não sições chocavam, com frequência,
colocou claramente as questões do- pode viver sozinho, que não pode com as de Powell. Os dois homens
mésticas à frente da sua agenda po- lutar sozinho contra quem o atacou, tornaram-se inimigos. Powell, con-
lítica. Prometeu realizar uma re- que precisa de se abrir ao exterior siderado o globalista, defendia pu-
forma fiscal (reduzir os impostos) e para ter força. Ted Carpenter con- blicamente uma política. Rulsfeld
fê-lo mal tomou posse, em Janeiro. corda, mas sublinha que Bush não defendia o oposto e prevalecia.
Falou em reformar os sistemas de vai formar um aliança de países vo- Acabou a desafinação. “A equipa
ensino, saúde, defesa. luntários para combater o terroris- vai estar muito coesa a partir de
“Na Administração Bush tudo mo. “Não vai ser um pedido. Vai ser, agora. As tendências para as guer-
estava centrado na política inter- literalmente, uma exigência. Uma ras intestinas vão desaparecer”,
na. Agora, aconteceu uma mudança exigência aos aliados, para que dê- diz Ted Carpenter. A.G.F., NOVA
dramática. A prioridade é identifi- 20h30: Bush denuncia na Sala Oval, via TV, “desprezíveis actos de horror” em apoio ao contraterrorismo”.  IORQUE
D E S TA Q U E 7
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 19 SET 2001

Q U E M A P O I A E Q U E M N Ã O A P O I A A R E TA L I A Ç Ã O A M E R I C A N A
Blair tenta remendar O Presidente dos EUA, George W. Bush, ajuda, mas sem especificar. recebeu qualquer pedido formal.
está a tentar reunir uma “ampla coliga- Autoridade Palestiniana: Yasser Turquia: Disse-se pronta a apoiar
coligação de Bush ção” para apoiar uma retaliação militar
pelo ataque terrorista a Washington e
Nova Iorque. Eis uma lista das respostas
Arafat ofereceu os seus préstimos aos
EUA, nomeadamente a convencer
países árabes a juntar-se à coligação;
Washington, mas não é claro qual
será o seu papel.
Uzebequistão: Vizinho do Afeganistão,
O primeiro-ministro do Reino contactos — hoje fala com de alguns dos principais países à pers- mas alguns palestinianos festejaram diz-se disposto a dialogar com os
Unido, Tony Blair, prosseguiu o chanceler alemão, Gerhard pectiva de uma retaliação americana. nas ruas o ataque à América. EUA, mas não ofereceu
ontem uma maratona diplo- Schroeder, amanhã com Chi- Bangladesh: País muçulmano com 127 explicitamente o uso das suas bases.
mática no sentido de reunir rac. Nas últimas 24 horas, se- milhões de pessoas, ofereceu o seu
consenso junto dos aliados dos gundo a AFP, encontrou-se
APOIO FORTE apoio aos EUA; ontem, fontes
EUA quanto à operação de re- com o chefe de Governo italia- OU ESPECÍFICO norte-americanas disseram estar à NEUTRAIS
taliação contra os responsáveis no, Silvio Berlusconi, e falou ao espera de uma resposta do Governo
pelo ataque terrorista a Nova telefone com os presidentes do Bélgica: o ministro dos Negócios interino de Daca sobre o eventual uso Irão: Teerão condenou o ataque
Iorque e Washington da sema- Paquistão, da China e do Irão. Estrangeiros, Henri Michel, disse que do espaço aéreo e marítimo. terrorista, mas avisou que punir o seu
na passada. Blair, que é ama- Como é tradicional na “rela- enviará tropas para cooperar numa Emirados Árabes Unidos: Um dos três vizinho Afeganistão pode conduzir a
nhã recebido pelo Presidente ção especial” entre EUA e Rei- retaliação militar dos EUA. países que reconhecem os taliban uma catástrofe humanitária.
George W. Bush, procurou sen- no Unido, Blair tem sido o alia- Índia: ofereceu aos EUA o uso de prometeu rever os seus laços aos ONU: O Conselho de Segurança
sibilizar os seus parceiros eu- do mais próximo de George W. todas as bases e instalações taliban e ajudar “no que seja possível”. expressou a sua “disposição a tomar
ropeus e também países islâ- Bush, esperando simultanea- necessárias; no entanto, segundo França: O Presidente Jacques Chirac todos os passos para responder a
micos para a “necessidade de mente evitar uma acção mili- diplomatas americanos, Washington diz que a França “apoia ataques terroristas”, o que fica aquém
agir contra o terrorismo de tar desproporcionada de Wa- não deverá precisar das bases totalmente”, mas o de uma autorização formal para uma
massas”. Previa-se que ontem, shington e reunir o apoio para indianas. primeiro-ministro Lionel retaliação militar.
depois da hora de fecho desta a tal “ampla coligação” deseja- Israel: fontes americana dizem que Jospin remete a
edição, o Presidente francês, da pelos EUA. Israel fornece informações participação francesa
Jacques Chirac, fosse o primei- A França, como também é confidenciais vitais sobre militantes para uma decisão do Parlamento CONTRA
ro estadista estrangeiro a ser tradicional, é menos entusi- islamistas; o secretário de Estado dos nacional.
recebido depois do ataque pelo ástica. Chirac declarou que a EUA, Colin Powell, diz que Washington Indonésia: Megawati Sukarnoputri, China: Dispõe-se a colaborar com
seu homólogo americano. França “apoiará totalmente” não encontra um papel para Israel Presidente do mais populoso país Washington no combate ao
Segundo Andrew Brookes, uma retaliação dos EUA contra numa retaliação militar. muçulmano do mundo, ofereceu ajuda terrorismo, mas diz que uma
analista do Instituto Interna- a “loucura assassina” do ata- Kuwait: Libertado em 1991 da aos EUA, sem especificar. retaliação militar “só agravará a
cional de Estudos Estratégicos que. Mas o primeiro-ministro, ocupação iraquiana por uma aliança NATO: Invocou o seu artigo nº5, que violência”.
citado pela CNN, os EUA “não Lionel Jospin, disse que Paris liderada pelos EUA, ofereceu total assegura a defesa mútua entre Egipto: Aliado-chave dos EUA no
precisam de uma força militar não irá integrar-se em eventu- cooperação. Estados-membros, pela primeira vez Médio Oriente, o Presidente Hosni
maciça” para levar a cabo uma ais acções militares “sem que o Reino Unido: O mais próximo aliado na sua história; mas vários membros Mubarak disse que ainda é muito
retaliação, mas vão necessitar Parlamento [francês] seja ple- dos EUA, prometeu pela manifestaram reservas. cedo para falar numa aliança contra o
de “um apoio político inter- namente consultado”. Posição voz do seu primeiro- Paquistão: Reconhece e é o principal terrorismo e que Washington deve
nacional maciço”. A cimeira semelhante foi assumida pela ministro, Tony Blair, ficar apoio do governo taliban no pensar duas vezes antes de tomar
extraordinária da União Eu- Alemanha. O ministro da De- “lado a lado” de Bush; Afeganistão, mas ofereceu acções que possam matar civis.
ropeia da próxima sexta-feira fesa alemão, Rudolf Scharping, Blair está a tentar cooperação total aos EUA. Iraque: Alvo possível, juntamente com
ajudará a concertar posições, havia admitido na segunda-fei- convencer os Estados europeus mais Rússia: O Presidente Vladimir Putin o Afeganistão, o regime
tal como os encontros bilate- ra que Berlim poderá partici- relutantes a cooperar. ofereceu o seu apoio, mas de Saddam Hussein
rais de Blair e Chirac com par numa resposta militar, mas insiste numa investigação acusa os próprios EUA
Bush. Mas a “coligação ampla” o seu colega dos Negócios Es- prévia; Moscovo deverá de terrorismo e afirma
não se pode ficar apenas pelos trangeiros, Joschka Fischer, APOIO LIMITADO OU VAGO colaborar, mas não de que o ataque da semana
tradicionais aliados dos EUA. recordou que é primeiro neces- forma militar. passada foi perpetrado por
O primeiro-ministro britâ- sária uma aprovação do Parla- Arábia Saudita: O rei Fahd, cujo país Tajiquistão: Vizinho do Afeganistão, dissidentes americanos.
nico tem-se multiplicado em mento.  P.R. reconhece o regime taliban, ofereceu ofereceu ajuda mas diz que não REUTERS
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PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 19 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

AS FORÇAS AMERICANAS PRONTAS PARA ENTRAR EM ACÇÃO


Quartel-general conjunto permanente Mons, Bélgica Golfo Pérsico
Base aérea de Whiteman, do Reino Unido, Northwood O comando dos EUA na União Europeia A esquadra de combate americana Carl Vinson
Missouri, EUA Dirigiria todas as forças britânicas envol- examina opções para caças e forças teria um papel-chave; é composta por um porta-
Alberga 16 bombardeiros B-2 vidas em qualquer ataque, respondendo especiais próximas do Médio Oriente, aviões da classe Nimitz, o “USS Carl Vinson”,
Stealth, que poderão ter um directamente ao primeiro-ministro. caso necesário. que transporta 70 aviões, incluindo um esquadrão
papel chave em qualquer ataque. de caças F-14 Tomcat, e três esquadrões de F-18.
Podem fazer longas missões Hereford, Inglaterra Incirlik, Turquia A esquadra inclui ainda um submarino, dois
a partir desta base para atacar Comandos britânicos em “stand by” Estão aqui estacionados crusadores e dois contra-torpedeiros, com
alvos no Afeganistão, ou serem 36 F-15 e F-16 da NATO. um arsenal total de 400 mísseis Tomahawk. Timor-Leste
prontos para integrar a infantaria de
colocados mais perto do teatro Foi ordenado a três mil
qualquer assalto, avaliando alvos para
de guerra. “marines” em missão
atingir a partir do ar e eventualmente lo- Ahmed al-Jabr, Kuwait Filipinas humanitária em Timor-Leste
calizando terroristas. Dividida em duas Aqui se encontram 24 aviões
Manila está a considerar que começassem a treinar
brigadas, com capacidade de resposta Warthog norte-americanos.
permitir a reabertura de duas aterragens de helicóptero
de 30 minutos e três horas, respectiva-
antigas bases militares dos e desembarques. O grupo
mente.
EUA. A base aérea de Clark partirá primeiro para
e a base naval de Subic Singapura, depois para
Fort McPherson, AFEGANISTÃO
poderão ser ressuscitadas. o Golfo Pérsico.
Georgia, EUA
Comando das Forças
Armadas: escolhe quais
os reservistas a chamar Base aérea de Moron, Espanha
ao activo, com um total 28 mil toneladas de combustível Área do Médio Oriente
de 35 mil a mobilizar. de aviação chegarão aqui vindas Os EUA já têm 30 mil soldados
da Grécia. A base é normalmente colocados na região, além
usada por aviões—tanque USAF Base aérea do Príncipe de 300 aviões de combate
Base aérea de MacDill, Florida, EUA Sultão, sul de Jeddah, e duas esquadras navais.
KC-10, cruciais para o reabasteci-
Se o Afeganistão for de facto o alvo, as operações mento de aviões de ataque. Arábia Saudita
especiais e os ataques vindos do ar e do mar serão Estão aqui 40 F-15 e F-16
dirigidos a partir daqui. O comando central dos EUA Oceano Índico
americanos e também
é baseado em Tampa, Florida, e é dirigido pelo caças F-117. Esquadra de combate Enterprise,
general Tommy R. Franks. Uma equipa de acção Base de Jufair, Baharain com quatro esquadrões de caças
de crise composta por planificadores operacionais, Sob estrita vigilância ontem, no “USS Enterprise” e 500 mísseis
agentes de serviços secretos e outros elemenots quando os visitantes foram Base aérea de Diego Garcia, Oceano Índico Tomahawk nos outros 14 navios
dos quatro ramos das Forças Armadas dos EUA impedidos de entrar, a enorme Bombardeiros B-52 com capacidade para disparar do grupo. O seu posicionamento
está a comparar a informação actual com os base aérea tem uma pista capaz 8 mísseis de cruzeiro deverão ser colocados aqui, final pode depender de que países
procedimentos de contingência que já existiam. de acolher os maiores aviões. e poderão ser acompanhados por bombardeiros permitam o uso do seu espaço
Stealth. Dois petroleiros com 235 mil barris de die- aéreo bem como da escolha
sel marítimo poderão ser enviados para aqui. dos alvos.

FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS -Força Delta: unidade de contraterroris- -160ºSOAR: O Special Operations Avia- -75º regimento de Rangers: Força de Aquartelados em San Diego (Califórnia)
Coordenadas a partir do Comando mo secreta do Exército, cujos elementos tion Regiment (Regimento de Aviação pa- vanguarda de elite do Exército, infantaria e Norfolk (Virginia)
Central de Operações Especiais vêm sobretudo dos Boinas Verdes e dos ra Operações Especiais), também conhe- de assalto considerada capaz de se -Boinas Verdes: Termo genérico para
dos EUA, na base aérea de MacDill, Rangers. A sua especialidade é o resga- cido como os “Nightstalkers” (“caçado- colocar em qualquer parte do mundo forças especiais do Exército. A maior
em Tampa (Florida), boa parte delas te de reféns e outras operações antiter- res da noite”), faz missões nocturnas de em apenas 18 horas a partir da sua base parte deles está aquartelada em Fort
já estão colocadas no Golfo Pérsico, roristas. Julga-se serem apenas2500, helicóptero até território inimigo para aí em Fort Benning (Georgia). Bragg, na Carolina do Norte.
para a protecção dos interesses aquartelados num canto remoto da base colocar forças especiais. Aquartelado -Navy SEALs: Comandos de mar, ar e 82ª brigada aerotransportada: força
económicos americanos na região. de Fort Bragg, na Carolina do Norte. em Fort Campbell (Kentucky) e no aeró- terra (Sea, Air, Land — SEAL) especiali- de reacção rápida aquartelada em
dromo de Hunter (Georgia). zados em assaltos marítimos. Fort Bragg, na Carolina do Norte.

Se a operação de retaliação dos Estados Unidos contra os militar dos EUA em Tampa, na Florida. De acordo com o célula antiterrorismo. Peritos militares citados pelo
autores do ataque a Nova Iorque e Washington tiver por diário britânico “The Guardian”, é esta estrutura que tem “Guardian” afirmam que os norte-americanos já começa-
alvo o Afeganistão, ela será coordenada pelo general a seu cargo a coordenação das operações militares dos ram a colocar tropas em duas esquadras na região e nas
Tommy Franks, a partir do comando central (Centrecom) EUA no Médio Oriente, além de contar com a sua própria suas bases na Arábia Saudita e na Turquia.

Arafat oferece um cessar-fogo a Sharon


As forças de segurança A declaração de cessar-fogo Hamas e Jihad Islâmica. Ele O súbito “regresso” de Bush
— ao contrário de outras ante- comunicou-lhes os termos da ao conflito israelo-palestiniano
palestinianas riores — não foi arrancada a sua declaração de um “rígido” teve pouco a ver com o avolu-
receberam ordens para ferros de Arafat, sob pena de cessar-fogo, e voltou a avisá- mar das baixas palestinianas.
não disparar contra ostracismo político por parte los contra quaisquer ataques a E teve tudo a ver com a neutra-
tropas israelitas, de diplomatas europeus, norte- civis israelitas: “Não me obri- lização do impacto da Intifada
americanos e das Nações Uni- guem a prender-vos”. nos esforços de obter o bene-
mesmo em autodefesa das. Saiu do reconhecimento Será que o Hamas e a Jihad plácito árabe e islâmico para
das novas realidades políticas vão obedecer à ordem? Por um um ataque ao Afeganistão.
GRAHAM USHER, Jerusalém em que a região foi atirada pe- lado, Arafat tem hoje uma in- Sharon, a início, recusou:
los ataques terroristas do pas- fluência reduzida sobre a opo- “Se me perguntarem se Israel
“Dei ordens claras e explícitas sado dia 11 em Nova Iorque e sição. Aqueles dois movimen- vai fazer concessões para que
para um total empenho num Washington tos reforçaram a sua base de este ou aquele país árabe faça
cessar-fogo”, anunciou Yasser Uma dessas realidades é a apoio durante a Intifada, com a parte da coligação [liderada pe-
Arafat na segunda-feira. On- vulnerabilidade. O líder pales- maioria dos palestinianos não los EUA], a resposta é um enfá-
tem, precisou que as tréguas tiniano convenceu-se de que apenas a apoiar a sua resistên- tico ‘não’”. Depois, foi menos
se aplicam a “todas as frentes”, Israel estava a explorar a in- cia armada contra soldados e enfático e fez a “concessão” de
incluindo acções “de autodefe- dignação provocada pelos aten- colonos, mas também acções deter a ofensiva do seu Exér-
sa” levadas a cabo pelas suas tados ao World Trade Center ao colonato judaico de Netza- mo — em vez de ficar de fora, suicidas contra civis em Israel. cito. Ostensivamente, isto res-
forças de segurança nas áreas (WTC) e ao Pentágono — e a rim, às portas de Gaza. On- ao lado de “párias” como Osa- Por outro lado, os líderes polí- pondeu ao cessar-fogo pales-
controladas pela Autoridade antipatia internacional causa- tem, um palestiniano foi morto ma bin Laden, Saddam Hus- ticos do Hamas e da Jihad es- tiniano. Na verdade, foi sob
Palestiniana (AP). “Espero que da pelas imagens televisivas de por soldados perto de Nablus. sein e o regime taliban afegão. tão conscientes de que esta po- coerção dos americanos e de
o Governo israelita responda a palestinianos a festejar a carni- Tanques israelitas destruíram Imediatamente após os ata- pularidade se deve ao facto de Peres, que, no fim-de-semana,
esta mensagem de paz e tome ficina — para aumentar a ofen- uma parte do porto de Gaza. ques à América, Arafat reuniu actuarem em concertação com ameçara demitir-se caso Sha-
também a decisão de cessar- siva militar contra a AP. Outro palestiniano foi morto de emergência a liderança pa- a Fatah, o grupo de Arafat na ron não lhe permitisse o encon-
fogo.” Desejou ainda um feliz Isto não é paranóia. Na se- a tiro quando tentava atraves- lestiniana em Gaza. Avisou-os OLP, e não contra ela. tro com Arafat.
“Rosh Hashanan” (Ano Novo) mana desde que pilotos-suici- sar um “checkpoint” do Exér- de que ele seria totalmente im- A terceira realidade é polí- Para Arafat, este foi o pri-
aos judeus. das fizeram explodir as torres cito perto de Hebron. À parte placável para com qualquer pa- tica. Os ataques à América de- meiro sinal de que as tentativas
Foi Arafat no seu melhor. E gémeas do WTC, o Exército is- as mortes, o cerco militar dos lestiniano — mesmo ao ponto ram a Arafat o mais fugaz lam- desesperadas de Sharon de ca-
suscitou uma resposta israeli- raelita matou 28 palestinianos, territórios isola cada cidade e de arriscar violência interna pejo de uma oportunidade de racterizar o líder palestiniano
ta. O primeiro-ministro Ariel feriu 200 e efectuou 18 incur- aldeia uma da outra. — que oferecesse “pretextos” afastar os EUA de Israel e, as- como “o nosso Bin Laden” não
Sharon autorizou o seu Exér- sões em áreas autónomas da para o que ele considera ser sim, destruir a coligação de pegavam nem com a América,
cito a cessar todas as “acções Cisjordânia e Faixa de Gaza. E Fazer parte da coligação a campanha de destruição da Sharon por dentro. Na sexta- nem com a Europa, nem com
ofensivas” nos territórios ocu- estes assaltos não davam sinais de Bush AP levada a cabo por Sharon. feira, o Presidente George W. Peres.
pados, enquanto o chefe de Es- de diminuir de intensidade. A segunda realidade é a pro- Por “pretextos” ele queria di- Bush instou Sharon a autori- Para os palestinianos, estas
tado-Maior do Exército orde- Na segunda-feira, soldados tecção. Arafat acredita ser do zer atentados suicidas em Isra- zar um encontro entre Arafat e vitórias podem parecer uma
nou uma retirada das tropas israelitas mataram um pales- supremo interesse da AP ser el. A ameaça foi amplificada o ministro israelita dos Negó- ténue luz ao fundo do túnel,
das zonas administradas pela tiniano em Gaza e feriram ou- incluída na coligação interna- na segunda-feira num encon- cios Estrangeiros, Shimon Pe- mas na escuridão em que vi-
AP. Arafat fez uma oferta que tros 15, incluindo cinco crian- cional que os EUA estão a reu- tro entre Arafat e representan- res, como um “primeiro passo” vem precisam de todas as velas
nem Sharon podia recusar. ças, durante confrontos junto nir para combater o terroris- tes dos movimentos radicais para obter um cessar-fogo. que conseguirem agarrar. 
D E S TA Q U E 9
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 19 SET 2001

Osama é terno
e vê as horas O QUE É E NÃO É “JIHAD”
Os taliban que governam o Afeganistão declararam formalmente “jihad” aos Estados Unidos

num Rolex depois das ameaças de retaliação pelos devastadores ataques em Nova Iorque e Washington
atribuídos ao “hóspede” de Cabul Osama bin Laden. Mas o que significa “jihad”?
Mohammad Omar Bakri, porta-voz em Londres EPA

— Em árabe a palavra é fre-


do inimigo número um da América, fala do seu quentemente traduzida para
líder como o “único capaz de fazer triunfar a “guerra santa”, mas uma tra-
palavra de Alá neste mundo corrupto” dução mais adequada seria
“luta sagrada”. Os teólogos
islâmicos dizem que o ter-
MARCO VAZA Uma semana depois dos mo “guerra santa” foi efecti-
atentados, em declarações ao vamente cunhado na Euro-
Levanta-se todos os dias às diário francês “Libération”, pa durante as Cruzadas para
5h30 da manhã, hora marcada Omar Bakri procurou ser mais significar uma guerra contra
pelo seu exclusivo relógio Ro- prudente. Embora tivesse ad- os muçulmanos.
lex, lava os dentes com um pe- mitido que festejou no próprio — Num sentido puramente
daço de madeira e, depois, reza dia, acabou por condenar a ac- linguístico, a palavra “jihad”
para receber a força necessá- ção: “A minha primeira reac- significa combate ou esforço.
ria para destruir os seus ini- ção foi de alegria. Estamos em Há no entanto duas outras
migos. Algures no Afeganis- guerra com os Estados Unidos. palavras, sem qualquer rela-
tão é assim o início de cada dia Mas acabei por condenar estes ção, que significam guerra.
para Osama bin Laden, segun- ataques desde que soube que — Num sentido religioso,
do o xeque Mohammad Omar os alvos eram civis, porque isso como é descrito pelo Corão
Bakri, porta-voz e amigo pes- é contrário ao Islão.”  e pelos ensinamentos do pro-
soal do terrorista saudita na feta Maomé, a “jihad” signi-
Grã-Bretanha e líder da organi- A conexão fica esforço pelo bem-estar da
zação Al-Muhajiroun, um mo- comunidade ou abstinência
vimento islâmico radical com britânica de pecar. Pode referir-se tam-
sede em Londres. bém aos esforços para ser um
O milionário que sabe os ver- A face mais visível do bom muçulmano ou crente.
sículos do Corão melhor que radicalismo islâmico no Os teólogos sublinham que
qualquer islâmico é visto pelos Reino Unido é a do xe- significa, acima de tudo, o
seus seguidores como um he- que Mohammad Omar esforço para ser uma pessoa
rói popular que alimenta os po- Bakri, natural da Síria, melhor.
bres e brinca com as crianças. refugiado em território — A “jihad” é um dever re-
“À primeira vista, parece uma britânico desde 1986 e ligioso. Se a “jihad” obriga
pessoa vulgar, que tem uma vi- líder de várias organi- ao dever de proteger a fé con-
da humilde, tal como teve o pro- zações miçulmanas, en- tra outros, pode ser levada a
feta [Maomé], mas as suas mui- tre as quais a Al-Muha- cabo usando todos os instru-
tas qualidades fazem dele uma jiroun, e amigo confesso mentos legais, diplomáticos
pessoa única, especial, capaz de Osama bin Laden, e económicos até meios po-
de fazer triunfar a palavra de o principal suspeito da líticos. Se não houver uma
Alá neste mundo corrupto”, autoria dos atentados alternativa pacífica, o Islão
afirma Omar Bakri. nos EUA. O sonho de também permite o uso da
O xeque não esconde o orgu- Omar Bakri é “ver um força, mas há regras rígidas
lho de estar associado a Bin La- dia a bandeira do Islão a obedecer. Os inocentes —
den, um homem que considera a voar sobre Downing mulheres, crianças ou defi-
como um irmão e que admira Street”, pouco preocu- cientes — nunca devem ser
como um herói. “É muito ter- pado com o conteúdo molestados. Além disso, qual-
no e sensível, mas é também extremista do seu dis- quer iniciativa de paz da par-
muito corajoso e é por isso que curso. “As autoridades te de um inimigo deve ser
é o único que desafia aberta- conhecem-nos bem. Se aceite. O conceito de “jihad” tem sido manipulado ao longo dos anos para justificar a violência
mente os Estados Unidos. Por quisessem interditar [as — A “jihad” como acção
isso tem dito sem rodeios que nossas actividades] já o bélica é, portanto, muito ra-
o ‘Império do Mal’ tem de pa- teriam feito”, observa o ra. Para enfatizar este pon- cientes de que o povo e a fé — Exemplos de “jihad” e respeitados. As três re-
gar com um castigo exemplar líder islâmico, que, em to, o profeta Maomé disse estão sob ameaça e de que militar aprovada foram as ligiões adoram um mesmo
o preço das suas ofensas ao Is- 1998, aprovou os aten- aos seus fiéis no regresso a violência é imperativa pa- batalhas dos muçulmanos Deus. “Alá” é apenas a pala-
lão”, acrescenta. tados contra as embai- de uma campanha militar: ra os defender. O conceito de contra as Cruzadas nos tem- vra árabe para Deus e é usa-
Em declarações reproduzi- xadas norte-americanas “Hoje voltámos de uma pe- uma “guerra justa” é muito pos medievais e antes disso da tanto pelos muçulmanos
das no jornal espanhol “El no Quénia e na Tan- quena ‘jihad’ para [empreen- importante. as reacções dos muçulma- árabes como cristãos.
Mundo”há alguns dias, Omar zânia. As organizações dermos] uma grande ‘jihad’.” — O conceito de “jihad” nos aos ataques persas e bi- — Uma acção militar em
Bakri acreditava que Bin La- muçulmanas estão, no Com isso terá pretendido di- tem sido manipulado por zantinos durante o período nome do Islão não tem sido
den era quem estava por detrás entanto, a ser atenta- zer que regressava de um muitos grupos políticos e re- das primeiras conquistas is- comum na história do isla-
dos atentados do dia 11, mas era mente observadas por campo de batalha militar pa- ligiosos ao longo dos anos, lâmicas. mismo. Teólogos asseguram
apenas “a modéstia” que o im- Londres, mas a investi- ra um combate pacífico pela numa tentativa de justificar — A “jihad” não é um con- que os apelos a uma “jihad”
pedia de reivindicar a autoria gação estende-se agora à valorização pessoal. várias formas de violência. ceito violento. Não é uma violenta não são aprovados
dos ataques aos EUA: “Aos mu- possibilidade de os aten- — No caso de uma acção Na maioria dos casos, fac- declaração de guerra con- pelo Islão.
çulmanos não interessa atri- tados do dia 11 terem militar ser necessária, nem ções dissidentes islamistas tra outras religiões. É ne- — A guerrilha em nome
buirmo-nos esses gloriosos ac- sido planeados na Grã- todos podem declarar uma invocam a “jihad” para lutar cessário sublinhar que o de Deus não é exclusiva do
tos. Todos, e antes de qualquer Bretanha, onde, presu- “jihad”. Ela tem de ser de- contra uma ordem estabele- Corão refere-se especifica- Islão. Outras religiões em to-
outro o irmão Osama bin La- me-se, residem dezenas clarada por uma autoridade cida. Os teólogos dizem que mente aos judeus e cristãos do o mundo travaram guer-
den, trabalhamos para a glória de terroristas ligados a religiosa competente, acon- um uso indevido da “jihad” como “os povos do Livro” ras com justificações reli-
de Alá e de mais ninguém”. Bin Laden. M.V. selhada por teólogos, cons- contradiz o Islão. que devem ser protegidos giosas.  REUTERS

O ATAQUE TERRORISTA NA WEB


Uma semana de cobertura
Siga as notícias minuto a minuto Diga-nos a sua opinião
no sítio do PÚBLICO na Internet e os seus sentimentos
sobre o ataque terrorista.
especial no PUBLICO.PT
http://ultimahora.publico.pt/ Desde a colisão do primeiro avião ras 12 horas de acontecimentos.
Participe no nosso fórum contra uma das torres do World Mais de 30 pessoas (entre jorna-
Consulte o “dossier” do PUBLICO.PT na Internet Trade Center, em Nova Iorque, ao listas, webdesigners e técnicos)
início da tarde de terça-feira, dia permitiram produzir ainda um
sobre o ataque terrorista http://foruns.publico.pt/ 11 de Setembro, o serviço Última “dossier” especial — actualiza-
http://dossiers.publico.pt/ forumdisplay.php?forumid=26 Hora do PUBLICO.PT colocou em do várias vezes por dia —, com
linha 1247 notícias sobre o ataque infografia, opinião, notícias da
atentado_estados_unidos/ terrorista aos Estados Unidos, edição impressa, vídeos, fórum e
200 delas lançadas nas primei- foto-reportagem.
10 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 19 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

1. OS ATENTADOS
Acha que este ataque deve ser
considerado como um verdadeiro Acha que ataques como estes poderiam Acha que os verdadeiros responsáveis Até agora, como acha que o governo
"acto de guerra" ou como um atentado ter sido mais bem prevenidos, ou que se por este ataque virão alguma vez americano tem lidado com a situação?
terrorista como já houve outros? fez tudo o que era humanamente possível? a ser capturados?
Ns/Nr Muito bem
Ns/Nr - 8,8% Ns/Nr - 13,6% Poderiam Ns/Nr - 19,4% 11,8% 7,6%
Muito Mal
Um atentado ter sido
terrorista mais bem 1,9%
como outros prevenidos Sim Mal Bem
63,4% 49,2% 44,9% 4,9% 43,6%
Fez-se tudo
o que era Não
Um verdadeiro humanamente 35,7%
acto de guerra possível Assim-assim
27,7% 37,1% 30,2%

PORTUGUESES NÃO CONSIDERAM


ATENTADOS COMO ACTO DE GUERRA
Foi um atentado terrorista como outros e, como tal, não se devem fazer ataques militares contra
países que apoiam terroristas. É uma resposta cautelosa revelada pela sondagem da Universidade
Católica para o PÚBLICO, Antena Um e RTP, que mostra um universo dividido — embora favorável
— quanto à participação portuguesa numa possível retaliação
NUNO SÁ LOURENÇO a Pearl Harbor, que empur- saramos 70 por cento aque-
rou os EUA para a II Guerra 3. O ENVOLVIMENTO DE PORTUGAL les que defendem apenas a
O Presidente dos Estados Mundial. A 13 de Setembro, Caso se decida fazer ataques militares, Está de acordo que a base das Lajes perseguição dos responsá-
Unidos, George W. Bush, foi a estação televisiva NBC veis.
rápido a declarar os ataques noticiava que 66 por cento
acha que forças militares portuguesas seja usada para operações militares de É provável que seja essa
como um acto de guerra. Al- dos inquiridos considerava o deveriam participar nessas acções? retaliação contra este ataque terrorista? mesma cautela que faça com
guns líderes mundiais, tal atentado “mais sério que Pe- que 38,6 por cento dos inqui-
Ns/Nr Ns/Nr
como Tony Blair, fizeram o arl Harbor”, enquanto que ridos optem por “uma coliga-
mesmo. A NATO invocou os números da CBS indica- 11,2% 12,7% ção internacional de países”
o artigo 5º do seu Tratado vam que 60 por cento dos en- quando questionados sobre
ao considerar os atentados trevistados olhava para os Sim Sim quem deveria coordenar a re-
como um ataque a todos ataques como “outro Pearl 48,8% 61,7% acção. Não deixa de ser curio-
os países membros. Mas Harbor”. Não so que apenas 6,2 por cento
Não
a sondagem realizada pela O receio de estar a abanar 40,0% tenha considerado as Nações
25,7%
Universidade Católica para um vespeiro fica patente na Unidas como a entidade mais
o PÚBLICO, Antena 1 e RTP forma como os inquiridos indicada para essa tarefa. No
indica que os portugueses respondem à questão que os entanto, é de assinalar a ele-
parecem não pensar da mes- coloca perante a reacção aos vada percentagem de inqui-
ma forma. ataques. Ao que tudo indi- ridos (17,8 pontos) que não
Através das respostas re- ca, os inquiridos não que- responderam à questão. Uma
colhidas percebe-se que os rem ver-se envolvidos numa situação que pode resultar
portugueses preferem uma guerra santa. Daí que 66,5 ATA Q U E M I L I TA R do que os inquiridos foram
abordagem cautelosa à tra- por cento optem por “perse- ouvindo ao longo dos dias.
gédia norte-americana, ape- guir apenas as pessoas en- Afinal, uma coligação inter-
sar de concordarem com a
punição de todos os respon-
volvidas no ataque terro-
rista”, sendo que somente
Participação portuguesa nacional tem sido a hipótese
mais defendida por todos os
sáveis pelos atentados.
A cautela dos entrevista-
dos surge logo na primeira
21,4 defendem também “ata-
ques militares em países que
apoiam terroristas”.
divide inquiridos responsáveis políticos.
Ainda sobre a reacção, os
entrevistados mostraram-se
questão colocada. Para 63,4 Números que revelam al- Foi perante a questão sobre o envolvimen- bro da Organização do Tratado do Atlânti- optimistas em relação ao re-
por cento dos sondados, o guma discrepância relativa- to português num provável ataque militar co Norte. Também aí 48 por cento se mostra sultado de uma perseguição.
ataque a Nova Iorque e Wa- mente a sondagens realiza- de retaliação, que a sondagem apresentou favorável a uma participação das suas for- Mais de 44 por cento acredita
shington é “um atentado ter- das noutros países europeus. os seus valores mais renhidos. Apesar de a ças militares no combate ao terrorismo. que os “verdadeiros respon-
rorista como outros”, não No Reino Unido, a percenta- maior parte, mais de 48 por cento, estar de Analisando os dados por sexo, saltam sáveis por este ataque virão
devendo por isso ser encara- gem de apoiantes de ataques acordo com a participação portuguesa, a à vista as reticências femininas quanto alguma vez a ser captura-
do “como um verdadeiro ac- militares chega aos 66 por verdade é que os que não querem ver sol- a qualquer envolvimento militar. Tanto dos”, embora também aqui
to de guerra”. Apenas 27 por cento, sendo que 59 por cen- dados portugueses a combater terroristas o apoio à participação portuguesa num seja imperativo uma ressal-
cento dos inquiridos pensa to apoia mesmo retaliações chegam aos 40 pontos. esforço militar como o recurso a ataques va para o número de indeci-
assim. Números que se po- bélicas contra Estados que Mais uma vez os números da sondagem militares contra países que protejam ter- sos. Quase 20 por cento não
derão explicar com as reac- apoiem terroristas. da Universidade Católica evidenciam um roristas é mais reduzido entre as mulhe- respondeu ou não soube res-
ções mais comedidas das au- Em Portugal parecem ser certo desfasamento da opinião pública na- res. Na primeira questão, só 42 por cento ponder à questão.
toridades portuguesas, não os mais novos que se mos- cional quando comparada com outros paí- das mulheres responde sim, contra quase Quanto ao comportamen-
sendo também de desprezar tram abertamente contra ses europeus. Por exemplo, uma sondagem 56 pontos masculinos. Da mesma forma, to das autoridades norte-
o efeito de distanciamento uma acção militar. Analisan- francesa publicou um apoio de 68 por cen- são menos as mulheres que defendem ata- americanas, as respostas
relativamente ao sucedido. do os números da sondagem to à participação gaulesa em ataques da ques militares contra Estados: 13 pontos não foram surpreendentes.
Afinal, as sondagens re- por escalões etários, perce- NATO ou das Nações Unidas. Em Itália os contra 30 no sexo masculino. A grande maioria acha que
alizadas nos EUA indica- be-se que é entre os entre- números são ainda mais afirmativos: 88 Ainda assim, o recurso à base das La- o governo dos EUA tem lida-
ram uma tendência mais de vistados com menos de 35 por cento dos inquiridos concorda com jes, nos Açores, para operações militares do com a situação de uma
acordo com a declaração de anos que os números assu- a participação de tropas suas numa retalia- de retaliação não incomoda tantos. Mais forma satisfatória, apesar de
Bush. Foi feita mesmo em mem disparidades avassa- ção que envolva a NATO. Os valores portu- de 61 por cento dos inquiridos estão de considerar que os “ataques
duas ocasiões uma compa- ladoras. Nas faixas entre os gueses são comparáveis aos recolhidos na acordo que os americanos recorram a esta podiam ter sido mais bem
ração com o ataque japonês 18/24 e 25/34 anos, ultrapas- neutral Áustria, que não é um país mem- base aérea. I N.S.L. prevenidos” I
D E S T A Q U E 11
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 19 SET 2001

2. A REACÇÃO AOS ATENTADOS


Na sua opinião, como se deveria reagir
a este ataque terrorista?
Ns/Nr - 12,1%
Quem acha que deveria coordenar
a reacção ao ataque terrorista?
Ns/Nr - 17,8%
Europeus sim, mas...
Perseguir Uma tros terrorismos (como a Inglaterra, a
apenas As Nações coligação
internacional Itália, a Espanha ou a Alemanha) a he-
as pessoas Unidas
envolvidas de países sitação neste combate será quase nula,
6,2% com maiorias incontestáveis a apoiar
no ataque 38,6%
Fazer terrorista acções militares, em Portugal tem-se a
também 66,5% impressão de que estes fenómenos ain-
ataques
militares A NATO NUNO PACHECO da nos parecem distantes. Sofremos pe-
em países 14,3% las vítimas, e isso sente-se nas conver-
que apoiam EDITORIAL sas de rua, nos cafés ou em família, mas
terroristas Os Estados Unidos
envolvermo-nos em algo mais forte sig-
21,4% 23,0%
nifica sentirmos a pressão que outros

N
inguém esperava que os por- sentem para abraçar esta causa como
tugueses respondessem como uma batalha civilizacional. E o povo por-
os britânicos, mas a sonda- tuguês, que da Europa ainda recente-
gem que a Universidade Ca- mente ambicionava pouco mais do que
FICHA TÉCNICA tólica realizou nestes dias para o PÚ- confortáveis subsídios (de preferência a
BLICO, a Antena 1 e a RTP — e que hoje fundo perdido), ainda não encara a Euro-
Esta sondagem foi realizada divulgamos — revela um povo cauteloso pa — essa Europa que aos Estados Uni-
pelo Centro de Sondagens e Es- e sobretudo pouco empenhado em pactos dos diz agora sim, categórica, caso seja
tudos de Opinião da Universi- inequívocos com os Estados Unidos, após preciso pegar em armas — como a sua
dade Católica (CESOP) para os atentados terroristas de que foram casa comum. Talvez apenas como a dona
o PÚBLICO, Antena 1 e RTP, alvo. E isto não terá nada a ver com a de uma mansão na qual lhe coube uma
entre os dias 15 e 17 de Setem- solidariedade com as vítimas. Para isso, assoalhada, certamente digna, mas pe-
bro de 2001. O universo alvo os portugueses parecem sempre estar de quena. Ao surgir nesta sondagem com
é composto pelos indivíduos braços abertos. Como se viu quando se uma posição idêntica à dos austríacos
com mais de 18 anos residen- tratou de receber crianças bósnias ou (também na Áustria, como cá, só 48 por
tes em Portugal continental adultos (muitos) do Leste na sequência cento são favoráveis à participação dos
em habitações com telefone. da guerra da Jugoslávia (em contraste exércitos nacionais num eventual con-
Os números de telefone foram com o menor empenho ou até desconfian- flito armado), os portugueses confirmam
escolhidos aleatoriamente das ça em para lá enviar soldados); ou com a sua faceta não-belicista (a herança de
listas telefónicas nacionais, Timor, onde a situação desesperada de Salazar também aí estará presente) mas
e em cada habitação foi inqui- um povo mártir levantou entre a opinião também um afastamento em relação aos
rida a próxima pessoa a fazer pública portuguesa a maior onda de soli- povos europeus para quem o fantasma da
Menos de 49 por cento dos portugueses anos. Obtiveram-se 916 inqué- dariedade efectiva de que há memória. guerra só se exorciza de armas em pu-
ritos válidos, o que correspon- Simplesmente, uma coisa é sentir a nho. No momento das grandes decisões,
aceitam a participação de tropas nacionais de a uma taxa de resposta de dor dos outros como sua e de seguida é provável que Portugal conte pouco ou
numa retaliação, enquanto em Itália esse 61,3 por cento. 52,5 por cento abrir os braços; e outra é, devido a essa nada. Mas por vezes as intenções pesam
valor atinge os 88 pontos percentuais. dos inquiridos eram do sexo dor, ter força para engrossar exércitos mais do que as armas. A nossa, a julgar
Também em França os números são mais feminino e a margem de erro punitivos. Se em países que ao longo dos por estes dados, será ter ainda mais pena.
máximo da amostra é de 3,24 anos têm sido vítimas directas de ou- E assistir ao resto pela televisão.
elevados, atingindo os 68 por cento por cento, com um nível de
confiança de 95 por cento.
1 2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 19 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

HAVIA MAIS
“Há por aí muitos Bin Ladens” AVIÕES NA LISTA
DAVID CLIFFORD DOS ATENTADOS
AEROPORTO DE LISBOA
EM ALERTA 3 FBI detectou alegados
piratas do ar noutros
Restrições de voos do dia 11, que
segurança criam filas acabaram por ser
de espera na zona das cancelados
partidas. Não se sabe
LINA FERREIRA
quando será levantado
o estado de alerta A manhã do dia 11 poderia ter
sido muito mais negra para
CATARINA GOMES os americanos. O FBI descon-
fia que estavam preparados
É despedir e andar. O pedaço outros atentados. Nos Estados
de passeio à entrada da zona Unidos, a polícia federal (FBI)
de partidas do aeroporto de está a centralizar a investiga-
Lisboa povoou-se de apressa- ção nesta hipótese, mas a “ca-
dos beijos e abraços. Depois ça ao homem” já se estende
dos atentados nos Estados por quatro continentes
Unidos, a situação é de aler- O FBI está a investigar pes-
ta 3 e é proibida a entrada a soas que estavam a bordo de
não passageiros. Por essa ra- outros voos no dia dos aten-
zão, avolumam-se as filas de tados. Outro grupo de terro-
passageiros à porta e a sala ristas teria comprado bilhetes
de espera é agora em pé e ao para um voo transcontinental,
ar livre. com partida em Boston, reve-
Diamantino Moreira e lou ao “Chicago Tribune” um
António Abreu, dois refor- agente sob anonimato. O voo
mados, esperam no exterior acabou por ser cancelado de-
das partidas que os familia- vido a um problema mecânico.
res, de partida para a África Nenhum destes passageiros
do Sul, cheguem ao aeropor- procurou novos voos quando
to para se poderem despedir as ligações aéreas americanas
deles. No aeroporto de Lisboa é agora proibida a entrada a não passageiros foram restabelecidas, no final
Poucos minutos depois de da semana passada.
terem chegado, gabam as “Estavam outros ataques em
restrições de segurança: “Já tudo muito fácil, têm que é que ver se montam uma tradas, as filas e a espera tive em França na semana preparação. Mas, os voos em
deveriam existir há muito controlar em condições”, diz casa de banho no exterior e vão-se alongando. Paulo Ro- passada e não é assim. Os causa foram cancelados”, afir-
tempo. Um pouco mais de ri- António. “É preciso estar de já agora um barzinho, por- drigues, que vai viajar daí a acompanhantes vão até ao mou Peter Crooks, especialis-
gor não faz mal a ninguém”, olho”, concorda o amigo. Pa- que tanto tempo em pé não pouco, acha que as modifi- local do ‘check-in’.” ta do FBI. Segundo a AFP, o
comenta António. Como di- ra António Abreu, a partir se aguenta sem um cafezi- cações têm a ver com a ima- O aeroporto de Lisboa está FBI está a interrogar cinco es-
zia alguém durante o fim- de agora aquelas limitações nho. Já não tão inflexível, gem. Por todo o aeroporto em estado de alerta 3, com trangeiros que poderiam estar
de-semana, relembra Dia- devem manter-se, sempre. E Diamantino sempre vai di- encontram-se membros do os passageiros a serem con- a preparar ataques semelhan-
mantino Moreira, “há por se fosse Inverno e choves- zendo que “sofre quem não Corpo de Intervenção da Po- trolados de uma forma mi- tes. Já na segunda-feira se des-
aí muitos Bin Ladens”. Se a se? “Qual era o problema?” tem culpa”. lícia de Segurança Pública. nuciosa e o estacionamento confiava que cúmplices de bom-
frase parece que se aplicava desdramatiza, não estão eles Ao lado, três cidadãos do Seja a segurança efectiva condicionado no perímetro bistas permaneciam no país.
a árbitros e jornalistas, os debaixo de um telheiro com Bangladesh esperam tam- ou não, as medidas “servem das aerogares. No aeroporto Se a investigação nos EUA
dois reformados concordam uma largura considerável? bém, mas por outra razão. O para as pessoas acalmarem de Lisboa, é possível a entra- é gigantesca — o FBI quer ou-
que, de há 25 anos para cá, O colega lembra que a chuva colega pediu-lhes 30 minu- um pouco”. Mas duvida que da de não passageiros nas vir 200 testemunhas —, ela es-
“a gente má” tem vindo a au- cai de través e que a meia ho- tos para ver se consegue em- se evite alguma coisa. Afi- chegadas, mas está proibida tende-se agora também a ou-
mentar e “a boa” a diminuir. ra passada ali não seria as- barcar com toda a carga de nal, os Estados Unidos, com a circulação interior para tros continentes. Em Macau a
“Eu sei lá se não estão infil- sim tão seca. O que interessa champô com que quer pre- todos os seus esquemas de as partidas. Neste local, ca- polícia tem uma lista de três
trados em Portugal à espe- é a segurança, mantenham- sentear as mulheres da fa- segurança, nada puderam da companhia aérea tem cá indivíduos considerados sus-
ra de fazer uma avaria”, diz se as restrições, sublinha o mília. Estão de plantão para fazer. “Se forem profissio- fora uma representante que peitos pelo FBI e sete paquis-
Diamantino. primeiro. ver se têm que levar parte nais e fizerem a coisa bem presta informações. Não se taneses foram detidos, numa
Cerca de vinte minutos de- Uma boa hora passada, o de volta. feita...” prevê quando será levanta- operação conjunta com as au-
pois, continuam a conside- paciente e securitário Antó- Mas nem os passageiros Já o casal Manuela Viei- do o estado de alerta, infor- toridades americanas.
rar que a espera não é nada, nio relembra que, a continu- passam indiferentes às al- ra e João Ferreira acha tu- mam as Relações Exteriores As buscas continuam nos
comparada com os cuidados arem as limitações (a segu- terações. Com apenas dois do “ridículo” e “exagerado”. da ANA (Aeroportos e Na- 35 países até onde os america-
que é preciso ter. “Estava rança acima de tudo), têm polícias a controlar as en- “Em Portugal, para quê? Es- vegação Aérea). I nos desconfiam estender-se a
rede de Bin Laden. No Reino
Unido, onde cinco terroristas
receberam treino de voo, “de-

Piloto suicida esteve em Espanha


zenas de casas vão ser alvo
de investigação policial”, in-
dicava ontem o “Daily Mail”.
Na França e na Itália foram
presos quatro suspeitos e os
alemães investigam 15 pesso-
Autoridades as vezes, em Espanha. Esta numa ligação regular área Do mesmo modo, o Centro mitem que o seu território as. Até o Equador, o único pa-
espanholas admitem informação foi confirmada entre Miami e Barajas. Superior de Informações da tenha sido utilizado como ís da América Latina da lista,
pelas autoridades espanho- O seu périplo espanhol te- Defesa (CESID), a “secreta” plataforma de entrada na já pediu ajuda à CIA.
que o seu território las que, após uma sumária rá sido, nesta ocasião, mais espanhola, não fez qualquer Europa de elementos dos O FBI tem também agora
tenha sido utilizado investigação, apuraram que vasto. Mohamed Atta foi comentário a notícias pu- GIA. Muitos, provavelmente de investigar os próprios ame-
para a entrada na Atta entrou em Madrid, pe- identificado em 17 de Julho blicadas relativas a proble- como Bensakhria, faziam- ricanos por crimes racistas.
lo aeroporto de Barajas, em num hotel de Salou, Tarra- mas de relacionamento com se passar por imigrantes Foi o caso da morte de Adel
Europa de elementos Janeiro e Julho passados. gona, estância turística da a CIA norte-americana. Ale- que procuravam trabalho na Karas, um americano de ori-
radicais A sua primeira estadia costa catalã, e segundo algu- gadamente por falta de infor- agricultura sazonal. gem egípcia morto a tiro, no
foi, apenas, de uma semana: mas informações terá man- mação do CESID aos norte- Assim, na Andaluzia, Ali- sábado, na sua mercearia. No
NUNO RIBEIRO entre 4 e 11 de Janeiro. Vi- tido em Málaga um encon- americanos sobre a prisão, cante, Madrid e Catalunha mesmo dia, um indiano foi
Madrid nha num voo procedente de tro com um “correio” vindo em Junho passado, em Ali- poderiam estar militantes morto na sua bomba de ga-
Miami, tinha um passapor- expressamente do norte de cante, de Mohamed Ben- radicais dos GIA, “adorme- solina no Arizona. “Abrimos
Mohamed Atta, apontado pe- te egípcio com visto norte- África. Em Espanha, há ain- sakhria, apontado como “lu- cidos”, ou seja inactivos, à 40 inquéritos contra crimes
los serviços secretos norte- americano e autorização de da indicações de contactos gar tenente” de Osama bin espera de instruções para en- racistas, nomeadamente por
americanos como o piloto residência alemã, em Ham- de Atta, em Marbella, Mála- Laden. trarem noutros países euro- ataques a indivíduos de ori-
suicida do aparelho que cho- burgo, onde na Universida- ga, com indivíduos relacio- No entanto, por relatórios peus. Informações que pro- gem árabe e a instituições”,
cou, em 11 de Setembro, con- de técnica daquela cidade da nados com a mafia russa, dos serviços secretos ale- vocaram evidente e lógico explicou Robert Mueller, do
tra a torre norte do World Alemanha estudava urbanis- embora os investigadores es- mães e franceses e pelas in- mal-estar nas associações de FBI. Mueller lembrou que es-
Trade Center de Nova Ior- mo. A segunda visita foi em panhóis recusem comentar vestigações já realizadas, as imigrantes magrebinos em tas atitudes violam “agressi-
que, esteve este ano, por du- Julho, entre 7 e 19, também essas informações. autoridades espanholas ad- Espanha. I vamente” as leis federais. I
D E S TA Q U E 1 3
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 19 SET 2001

JIM WATSON/AFP

HISTÓRIAS DE Jogos de Inverno


NOVA IORQUE mantêm-se
em Salt Lake City
O Comité Olímpico Setembro em Nova Iorque e Também a Grécia, país or-
Washington foi tomada por ganizador dos Jogos Olím-
Internacional unanimidade pelos membros picos de 2004, vai reforçar
anunciou a revisão da Comissão Executiva, que e reajustar o seu plano de se-
do plano de segurança guardaram um minuto de si- gurança para Atenas. “Face
para os Jogos de 2002 lêncio em memória das víti- aos recentes atentados ocor-
mas dos atentados e do recen- ridos nos EUA, o plano de
e a manutenção temente falecido presidente segurança será permanente-
da cidade anfitriã do Comité Olímpico Japonês, mente melhorado e reforçado
Yushiro Yagi. sempre que isso se mostre ne-
ANA PAULA GOUVEIA “Os Jogos vão realizar-se cessário”, afirmou o primei-
em Salt Lake tal como estava ro ministro, Costas Simitis,
A cidade norte-americana de previsto e as questões de se- após uma reunião inter-mi-
Salt Lake City vai mesmo ser gurança serão revistas e alte- nisterial dedicada à prepa-
a anfitriã dos próximos Jo- radas. No entanto, os aconte- ração dos Jogos. Segundo
gos Olímpicos de Inverno, cimentos da passada semana o responsável pelo Governo
marcados para Fevereiro de só vieram confirmar que os grego, proximamente serão
2002. A confirmação foi on- riscos de um atentado num desbloqueadas mais verbas
tem dada por François Car- evento com o nível dos Jo- para esse fim.
rard, director-geral do Co- gos Olímpicos é real”, frisou Também as medidas adop-
mité Olímpico Internacional Carrard. tadas nos Jogos de Salt Lake
(COI), após a primeira reu- Segundo este responsável, City servirão de exemplo para
nião da nova Comissão Exe- desde o atentado ocorrido os responsáveis gregos, que
cutiva do COI, que ontem nos Jogos de Munique, em já se mostraram interessados
decorreu em Lausana, na Su- 1972, que o nível dos padrões em adoptá-las nos Jogos de
íça. Nas próximas semanas de segurança do COI se tor- Atenas. Por enquanto, o Go-
os responsáveis olímpicos nou muito elevado. “Em to- verno grego está a cooperar
reunir-se-ão com o Comité das as edições dos Jogos te- com as autoridades policiais
Organizador dos Jogos com mos sempre presente que o da Alemanha, Austrália, Es-
o intuito de reverem todo o cenário ‘catástrofe’ é possí- panha, EUA, França, Grã-Bre-
plano de segurança previsto vel”, referiu Carrard, afir- tanha e Israel com vista à ela-
para o evento. mando que, no entanto, as boração de um exigente plano
A decisão de realizar os dimensões do problema da de segurança. “Faremos o má-
Jogos em território norte- segurança mudaram desde ximo para garantir a seguran-
americano mesmo depois dos os atentados da semana pas- ça dos Jogos”, frisou Simitis.
business”, preferem entrevistar “pivots” de atentados terroristas de 11 de sada.
UM PARQUE CHEIO DE VELAS televisão e repórteres. No primeiro “David
 com AFP e Reuters

Com a área à volta do World Trade Center Letterman Show”, Dan Rather, um antigo jor-
(WTC) fechada à circulação, os nova-iorquinos nalista da casa (CBS), esvaiu-se em lágrimas,
estão a reunir-se para as homenagens num ao contar pormenores do atentado. “Sei que
parque da cidade. O Union Square Park está és um óptimo jornalista, mas também és um
cheio de velas e flores em homenagem às víti- ser humano”, afirmou Letterman. O “Late
mas. Há quem deixe tributos escritos à mão. Late Show”, de Craig Kilborn, começou com
Ao visitar o local, o actor David Colbert não um monólogo com pouca graça e, para a en-
conseguiu conter as lágrimas. “Não sei quem trevista, foi escolhido um convidado pouco
é que teve a ideia de fazer esta homenagem, convencional para aquele tipo de programas:
mas está bonito...”, afirmou à televisão ABC, um especialista em assuntos internacionais.
enquanto recordava a tragédia. “Com tanta
gente morta é uma forma de ficarmos juntos,
para nos consciencializarmos da tragédia.”
UM CENTÉSIMO DE HIROSHIMA
Colbert perdeu um amigo de liceu no atentado Frank Moscatelli, um físico norte-americano
e à sua volta outras 200 pessoas na mesma si- de Swarthmore College, calculou em joules,
tuação procuravam algum conforto. Apesar da a unidade de energia do sistema internacio-
chuva miudinha que cai, continuam a chegar, nal, a força do impacto e consequente desmo-
abrigados por chapéus, muitos com a bandeira ronamento das duas torres do World Trade
norte-americana a sair dos bolsos. Center. Cem mil milhões de joules de energia
despendida explicam por que é que as torres
BRASILEIRO COM “CARA DE ÁRABE” nunca poderiam ficar de pé, explicou o físico à
BBC Online. Moscatelli usa ainda outro termo
A vida não está fácil para os árabes nos Es- de comparação — a energia é a mesma que
tados Unidos... nem para quem é parecido a despendida na detonação de 0,2 quilotone-
com os árabes. Que o diga Hermes Barbosa ladas de TNT. O impacto e desmoronamento
de Lima, um brasileiro de 23 anos, a viver em dos arranha-céus sobre si próprios equivale
Nova Iorque. Segundo o jornal “O Globo”, ainda a apenas cem vezes menos o impacto
Hermes telefonava para a família no Brasil de uma bomba atómica como a que caiu em
quando foi abordado por um grupo de jovens, Hiroshima.
que lhe chamou “árabe”. Ainda tentou gritar
que era brasileiro, mas não adiantou: come-
çaram as agressões, acabando o brasileiro
ÓPERA AIDA CANCELADA
por ficar com um braço partido. Hermes, que O Governo egípcio cancelou este ano a repre-
tinha chegado a Nova Iorque para ficar por sentação anual de “Aida”, a célebre ópera de
quatro anos, acaba de ver o seu sonho ameri- Verdi, no cenário natural das pirâmides de
cano desfeito. Vai regressar ao Brasil. Gizé, devido à situação provocada pelos san-
grentos atentados do dia 11 nos Estados Uni-
HUMORISTAS EM TOM SÉRIO dos. É a segunda vez que os organizadores
cancelam este evento anual por razões de se-
Com as televisões generalistas norte-ameri- gurança, depois de em Outubro do ano passado
canas a darem destaque total aos atentados os espectadores terem também sido privados
da semana passada, a emissão de muitos pro- de apreciar o espectáculo. A ópera “Aida”, que
gramas foi congelada. Esta semana as televi- conta a história de amor entre Radamés, chefe
sões responderam ao apelo de um regresso das tropas do faraó do Egipto, e Aida, filha do
à normalidade feito pelo “mayor” Giuliani. seu inimigo, rei da Etiópia, foi composta em
Mas mesmo os humoristas de serviço não 1871 pelo músico italiano Giuseppe Verdi, para
conseguem passar ao lado da tragédia. Por a inauguração do canal Suez, que liga o Mar
isso, em vez de convidarem estrelas do “show- Mediterrâneo ao Mar Vermelho.
1 4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 19 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

Testemunho
O mundo sem ordem
A torneira
O
dia 11 de Setembro foi considerado por mui- cuja demoníaca influência querem erradicar da face
tos analistas e responsáveis políticos como da Terra.
o dia que mudou o mundo — data mais Nenhuma religião, nenhuma nação, nenhuma co-
marcante ainda que a da queda do muro munidade humana, pode ser confundida com o grupo
Nova Iorque — 11 de Setem- de Berlim, que fez ruir a divisão do mundo em dois ou a constelação de grupos que espalharam o terror
bro de 2001, 8h30 blocos. O 11 de Setembro de 2001 não foi, porém, o na América e no mundo, por mais que dela se recla-
Em risco de atraso para a primeiro dia da nova ordem internacional, mas sim mem. É abusiva e contrária a referência que fazem
reunião das nove e meia, nada uma manifestação de extrema gravidade dos desafios ÁLVARO VASCONCELOS ao Islão, repudiada aliás pela esmagadora maioria
pior do que tentar abrir a tor- e problemas do pós-guerra fria. O que pode fazer dele dos muçulmanos. No entanto, a diversidade entre os
neira para um duche rápido um dia que mudará o mundo é a natureza da resposta grupos é enorme, tanto no que respeita aos métodos
e verificar que não funciona. dos Estados Unidos (e da comunidade internacional) de Saddam Hussein, causa privação e sofrimento à pacíficos ou violentos, como ao grau de ligação com
Depois da pronta assistência aos atentados de Nova Iorque e Washington. Essa, população —, ou no Afeganistão, onde se instalou a população e aos objectivos políticos. As correntes
de um funcionário do hotel, sim, pode moldar de forma decisiva a ordem interna- um regime teocrático que comete as maiores bar- islamistas radicais têm, regra geral, por principal
desci ao piso térreo para cional. Mas pode também contribuir para agravar os baridades sem uma oposição internacional séria e inimigo os regimes da maioria dos países árabes,
tomar o pequeno-almoço, factores de desordem internacional e de anarquia, determinada? considerados apóstatas e servis perante o Ocidente,
resmungando interiormente nomeadamente numa das regiões mais sensíveis do É evidente que a situação, que se vive nesta re- e as suas vítimas mais numerosas, como acontece na
contra o episódio da tornei- globo, o Médio Oriente e o Golfo. Tudo dependerá da gião, de conflitualidade sem saída, de imensa miséria Argélia, são civis dos seus próprios países. Grupos
ra. Completamente ensonado natureza e dos objectivos políticos da resposta, e por humana e de prolongado sofrimento de populações como o de Bin Laden, por seu lado, não têm objectivos
e estremunhado — o incon- isso a intervenção militar que se avizinha encerra inteiras, agravado pelo facto de a maioria dos regimes políticos precisos para além do combate contra os
tornável “jet lag” —, nem me todos os perigos e também alguma esperança. serem autoritários e num caso ou noutro integristas, Estados Unidos. Estes grupos, claramente minoritá-
apercebi da pequena televisão Se este foi de longe o mais grave e sangrento aten- facilitou o desenvolvimento de correntes extremistas, rios, formados na guerra do Afeganistão contra a
instalada no elevador, ouvin- tado terrorista em território americano, não deixa com ou sem apoio popular, cujo recurso a actos de União Soviética, fizeram do terrorismo a sua única
do o relato distante de uma de tipificar, num cúmulo de horror, os desafios que se terror fez já dezenas de milhares de vítimas no Norte arma e, se gozam de alguma aura mítica, têm fracas
colisão de um avião com uma colocam à segurança internacional e pôr simultane- de África e no Médio Oriente, actos de terror que se raízes populares.
das torres do World Trade amente em trágica evidência o facto de que vivemos verificaram também em menor escala na Europa Se é evidentemente necessário envolver países
Center com a indiferença de ainda num mundo sem ordem. Finda a ordem bipo- e atingiram agora, em proporções nunca vistas, os árabes e islâmicos na resposta à tragédia americana,
quem pensa tratar-se de uma lar, a predominância das potências democráticas Estados Unidos. não é menos necessário evitar legitimar uma política
ficção “made in USA”, qual no sistema internacional criou fundadas de autoritarismo e repressão contra todas
Guerra dos Mundos de Orson — mas cedo goradas — esperanças de que as forças, inclusive as democráticas, que
Welles. o mundo se regeria de então em diante por A R E S P O S TA ao hediondo crime de Nova Iorque e contestam a legitimidade de muitos regimes
Os meus dois companhei- uma ordem multilateral. A solene promes- nesses países. E não é menos preciso impedir
ros de viagem, que me aguar- sa de transformar as Nações Unidas, sob a Washington coloca-nos perante duas alternativas: ainda maior a continuação da política de Ariel Sharon,
davam com impaciência, in- égide e com particular responsabilização anarquia ou, finalmente, uma nova ordem internacional e condenar liminarmente a sua tentativa
terromperam a sua conversa, do Conselho de Segurança, no pilar da nova para utilizar a indignação mundial contra
olhando-me na expectativa de ordem internacional — feita por George AKBAR BALOCH/REUTERS o terrorismo para confundir Yasser Arafat
um comentário sobre o terrí- Bush pai na altura da guerra do Golfo — foi- com Bin Laden e destruir assim todas as
vel acontecimento (na altura, se desfazendo aos poucos. A comunidade possibilidades de criação de um Estado pa-
ainda só ocorrera o primeiro internacional, órfã da liderança da superpo- lestino viável, condição indispensável para
dos embates). Assistiram, in- tência democrática, tolerou o intolerável, que o Estado de Israel tenha paz e seguran-
crédulos, a um discurso infla- como o genocídio no Ruanda, à medida que ça. Em caso algum pode a coligação que
mado sobre a qualidade das crescia a onda de isolacionismo e unilate- os americanos estão a constituir contra o
torneiras do hotel e respecti- ralismo, de aversão pelas Nações Unidas, terrorismo servir de álibi a novos abusos
vos reflexos negativos, provo- em que cabe a maior responsabilidade ao dos direitos humanos pelas tropas russas
cando atrasos involuntários Congresso americano, de maioria republi- na Tchetchénia, por exemplo, em nome da
na comparência a reuniões cana, e diminuía a margem de manobra do luta contra o islamismo radical.
importantes e meticulosa- Presidente Clinton. A convicção de que o A resposta ao hediondo crime de Nova
mente planeadas. mundo necessitava de ser regulado, de que Iorque e Washington coloca-nos perante
De volta à insólita realida- a paz sem ordem era necessariamente pre- duas alternativas: ainda maior anarquia ou,
de, incrédulo e envergonhado cária, foi-se no entanto impondo em muitos finalmente, uma nova ordem internacional.
fiquei, quando, já fora do ho- países, e inclusive entre muitos norte-ame- Na primeira hipótese, os Estados Unidos,
tel, nos juntámos às restantes ricanos. E assistiu-se então a um impulso sem fazer as distinções referidas, assumem
pessoas que, com espanto e humanitário generalizado que permitiu, sob de uma forma que não deixa margem de ma-
angústia estampados no ros- liderança ou com forte empenho americano, nobra aos seus aliados, inclusive europeus, a
to, observavam uma das tor- travar, na Europa, a limpeza étnica na Bós- liderança de uma retaliação anti-terrorista
res em chamas ao fundo da nia e no Kosovo e, no seu seguimento, como concebida mais como um acto de reparação
avenida. Uma pequena multi- por milagre, travar o terror em Timor. de que um acto de justiça internacional e
dão aglomerou-se à volta das Foram lançadas também grandes inicia- de início de um longo processo para erra-
televisões disponíveis para tivas, com sorte variada, destinadas a fundar dicar o terrorismo, sem se empenharem
tentar perceber o que se pas- uma ordem internacional multilateral — seriamente, em paralelo, na resolução dos
sava... ali mesmo, em Manhat- desde a proibição das minas antipessoal, graves problemas do Médio Oriente. Assim
tan. Não mais se falou de tor- à tentativa de instaurar um tribunal inter- se reforçaria o isolacionismo ou a crença de-
neiras, atrasos ou reuniões. nacional para julgar crimes contra a huma- sajustada de que, numa ordem hegemónica,
Nova saída à rua para fumar nidade (TPI). Em todas essas iniciativas, os Estados Unidos estariam ao abrigo das
um cigarro. Ao fundo da ave- destinadas a criar e fazer cumprir normas consequências dos problemas mundiais. Se
nida, já não se avistava a torre comummente aceites, que fossem constran- assim for, o Mundo continuará sem ordem
em chamas... gendo prevaricadores, proliferantes, ditado- por muito tempo e da acção militar resultará
Tão perto e tão longe, tor- res, os Estados Unidos foram no mínimo o reforço do sentimento antiamericano e
na-se difícil traduzir o esta- recalcitrantes, por pressão do anterior Congresso ou A justa resposta aos atentados de Nova Iorque e um aumento da base social de apoio dos movimentos
do de espírito reinante pe- do actual Presidente. Dado o predomínio mundial Washington depara-se com a dificuldade de definir totalitários e mesmo dos grupos terroristas.
rante a situação que se vivia de que gozam em todas as frentes, o empenho dos com precisão o inimigo e fazer para isso uma série de A outra alternativa é combinar a firmeza inteli-
a uns quarteirões de distân- Estados Unidos é indispensável para que uma ordem complexas distinções. A grande distinção a operar gente contra o terrorismo, que pode incluir acções
cia, misturando-se a perple- mundial multilateral venha um dia a imperar, e a sua é evidentemente entre grupos terroristas e mundo militares, no apoio sério à luta armada contra os
xidade com o choque, a tris- falta fragiliza todas as iniciativas nesse sentido. E se árabe e islâmico, mas outras há: distinção entre is- Taliban, com medidas políticas (apoio às reformas
teza com a revolta, o pasmo não existe por ora ordem multilateral, também não lamismo político mais ou menos radical e grupos democráticas, designadamente), económicas (maior
com a adrenalina de pre- existe ordem hegemónica, benigna ou não, dos Esta- terroristas como o de Ossama Bin Laden; distinção abertura dos mercados) e sociais (combate à pobreza,
senciar tal enormidade, de dos Unidos. A ordem tem sido construída, e ocasio- entre movimentos de oposição reclamando-se ou não maior abertura à imigração) para debelar os graves
consequências incomensu- nalmente imposta, apenas ou quase exclusivamente do islamismo político, que legitimamente se opõem problemas da região em consequência dos quais se
ráveis. na Europa. a governos autoritários, e grupos totalitários que gera a insegurança, e fazê-lo numa perspectiva que
Será que, de futuro, deve- O Norte de África, o Médio Oriente e o Golfo são recorrem ao terror contra as populações civis. permita um reforço do multilateralismo. Esta orien-
mos admitir como provável regiões particularmente afectadas pela falta de ini- O que os movimentos islamistas radicais têm de tação significa um empenhamento em conjunto com a
a ocorrência de situações tão ciativa e de ordem internacional. É verdade que Clin- característico é uma mesma ideologia política, o Europa, e não a solo, dos Estados Unidos na resolução
absurdas, violentas e cruéis, ton tentou em vão resolver o conflito do Médio Orien- totalitarismo identitário, que considera os valores da crise israelo-palestina, “internacionalizando” de-
de total desprezo pela vida hu- te. Com Bush, o deliberado alheamento americano universais e a cultura ocidental uma terrível ameaça cididamente a resolução do conflito. Significa também
mana? deixou o conflito entre Israel e a Palestina escalar à preservação da civilização de que se reclamam, que considerar que todas as vítimas do terror, americanas,
Há uns bons anos, nas li- perigosamente, fazendo assim pender a balança, como há que extirpar por todos os meios. Este extremismo argelinas, israelitas, palestinas, ou quaisquer outras,
ções de direito penal, alerta- sempre acontece, para o lado do mais forte. E que dizer identitário é em tudo semelhante ao de Milosevic, merecem a mesma solidariedade. Apesar do discurso
ram-me para o facto de que da Argélia, onde a orgia de violência fez perto de cem por exemplo, e aparentado com a extrema direita que Colin Powell tem vindo a fazer neste sentido,
“a realidade é sempre mais mil mortos, e do lento genocídio em curso no Sudão, europeia, que vê nos imigrantes uma ameaça à iden- esta não é, infelizmente, a mais provável resposta à
fértil do que a imaginação dos em que a cifra macabra se aproxima dos dois milhões? tidade. Se os Estados Unidos impusessem aos aliados, tragédia de Nova Iorque, a mais cosmopolita cidade
homens”. Ou de outros problemas graves que permanecem por designadamente à Europa, uma aliança do “Ociden- do Mundo, mas é certamente a que as suas vítimas,
Mas pode alguém estar pre- resolver, seja no Iraque — onde americanos e ingleses te” contra os outros, especialmente o mundo islâmico, de todas as nacionalidades e crenças, merecem como
parado para isto?  PEDRO prolongam por mais de uma década uma política confortariam plenamente os autores dos atentados homenagem.  Director do Instituto de Estudos Estraté-
DORDIO, ADVOGADO de sanções e retaliações que, sem beliscar o regime terroristas, para quem de facto o Ocidente é o inimigo gicos e Internacionais (IEEI)
1 6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 19 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

MAIS CINCO BANCOS


Bin Laden acusado CENTRAIS CORTARAM
ONTEM AS SUAS
de “insider trading” REUTERS
TAXAS DE JURO
WALL STREET NEGATIVA, Todos os países do G7 estão a
MAS POUCO adoptar políticas monetárias
mais expansionistas, numa
O homem mais procurado do tentativa de sustentarem as
mundo é suspeito de bolsas e a economia real
utilização de informação
privilegiada por ter vendido ARTUR NEVES
acções de seguradoras pouco O Banco de Inglaterra decidiu ontem
tempo antes dos ataques reduzir as taxas de juro directoras da
economia britânica em 0,25 pontos per-
ROSA SOARES centuais, no mesmo dia em que tam-
bém as máximas autoridades mone-
Pelo menos por enquanto, o receio de tárias da Dinamarca, Taiwan, Hong
“crash” nas bolsas parece estar afasta- Kong e Kuwait, através de cortes de
do. Ontem, as praças regressaram à meio ponto percentual, se juntaram
rotina dos ganhos e perdas moderados, à actuação concertada de vários ban-
com uma nota de anormalidade para cos centrais no sentido de evitar uma
a evacuação da bolsa de mercadorias recessão mundial. O Banco de Japão
norte-americana, a Nymex, por ameaça também diminuiu ontem de 0,25 para
infundada de bomba. 0,10 por cento a sua simbólica taxa de
Na Europa, corrigiram-se as subidas desconto, prosseguindo as injecções
do dia anterior — à excepção de Lisboa de liquidez na economia, enquanto em
e Amesterdão que encerraram positi- Singapura se fazia deslizar num sen-
vas —, e ficou patente o habitual nervo- tido descendente a divisa local, uma
sismo quanto à abertura da bolsa de outra forma de tornar a política mo-
Nova Iorque, que arranca cinco horas netária menos restritiva.
mais tarde. Depois da forte queda de Numa tentativa de sustentarem os
segunda-feira, em que o principal índi- mercados bolsistas, a confiança dos con-
ce de Wall Street, o Dow Jones, registou sumidores e as intenções de investi-
a maior perda em pontos da sua história mento das empresas, os bancos centrais
(617,78 pontos, e um máximo histórico das principais economias mundiais,
de 2,3 mil milhões de títulos negocia- incluindo todos os países do G7, estão
dos), a bolsa de Nova Iorque começou a adoptar políticas monetárias mais
a sessão com ganhos modestos, mas expansionistas, que se traduzem num
perto do final inverteu para terreno aumento dos meios de pagamento dis-
ligeiramente negativo. poníveis na economia e no embarateci-
À falta de dados sobre a eventual res- mento do preço do dinheiro. O objectivo
posta político-militar ao atentado da é facilitar e incentivar as transacções
passada terça-feira, a notícia que do- económicas, mantendo as taxas de cres-
minou os mercados acabou por ser as cimento do PIB acima da tona da água.
alegadas movimentações bolsistas de E evitar um disparo no número de tra-
Osama Bin Laden. As notícias que re- balhadores desempregados.
lacionam o suspeito “número um” pelo O movimento foi iniciado pela Re-
ataque terrorista de terça-feira com serva Federal norte-americana na se-
acções de “insider trading” (utilização gunda-feira, que ao retirar 50 pontos-
de informação privilegiada) já tinha base à sua principal taxa directora a
começado a circular segunda feira, mas colocou em três por cento, um nível
ontem ganharam outra dimensão, ten- não atingido desde os longínquos anos
do sido referenciados várias casos con- 60, quando elevadas taxas de cresci-
cretos, ainda por confirmar. mento do produto interno bruto (PIB) e
De acordo com a edição electrónica baixa inflação caracterizavam o cená-
do jornal espanhol “El Mundo” só com rio económico. O Banco Central Euro-
a venda de acções da seguradora norte- peu e os seus congéneres da Suíça, Su-
americana “City” o milionário terá en- Bin Laden pode ter ganho dinheiro em bolsa com acções de companhias seguradoras écia e Canadá responderam no mesmo
caixado mais de 50 milhões de contos dia com cortes de igual dimensão.
(255 milhões de euros). Transacções O receio de um forte impacto dos
envolvendo a resseguradora alemã Mu- Fundos “americanos” O U R O “ B R I L H A” C O M C A D A atentados terroristas no desempenho
nich Re, que perdeu mais de 13 por cen- V E Z M A I S I N T E N S I DA D E das várias e interdependentes eco-
to na semana anterior ao antentado, voltam a ser negociados nomias do planeta tem vindo a ser
também estão sob suspeita. expresso por vários dirigentes políti-
O primeiro alerta para eventual ma- A suspensão dos resgates da maioria dos fundos A certeza de que os atentados terroristas da semana cos. Ontem, o ministro das Finanças
nipulação das cotações partiu da auto- de investimento expostos ao mercado e a activos passada nos Estados Unidos não passarão sem da Bélgica — país que assume actual-
ridade de supervisão da bolsa de Nova norte-americanos foi ontem levantada. De fora acções de retaliação — militares ou outras — vai mente a presidência da União Euro-
Iorque, a SEC, que antes do arranque de ficaram apenas as unidades de participação dos fazer subir o preço do ouro. “Na nossa perspectiva, a peia — juntou-se ao coro de preocupa-
Wall Street comunicou ao mercado que fundos de fundos geridos pelo BPI, BNC, Priva- actual situação sugere que a consequência destes ções, ao afirmar ser “pouco provável”
ia estar atenta a movimentos especula- do Fundos e BBV Gest, que no entanto poderão acontecimentos será um aumento do preço do ouro que o crescimento económico da zona
tivos, conhecidos por “short selling”. ser livremente negociadas a partir de hoje. Co- no curto prazo, com a onça a fixar-se nos 300 dólares euro em 2001 atinja os dois por cento,
Estas operações consistem em fortes mo investe noutros fundos, esta classe precisa [324,430 euros], para uma posterior estabilização dos como resultado dos acontecimentos
ordens de venda, sem que o especula- de dois dias de negociação dos mercados para preços sustentados no intervalo entre os 260 e 280 de 11 de Setembro.
dor tenha as correspondentes acções formar cotação. O levantamento da suspensão dólares [281,172 e 302,801 euros]”, lê-se num relatório Com o consumo e o investimento
em carteira, para fazer cair os títulos e dos fundos acontece depois de concluído o ar- especial de análise sobre metais preciosos ontem privados em risco de não responderem
comprá-los mais tarde mais baratos. ranque da negociação da bolsa de Nova Iorque. divulgado pelo Barclays Capital. No London Bullion a políticas monetárias mais expansio-
Pouco depois do alerta da SEC, vá- A suspensão do total de 36 fundos de investi- Market, o ouro voltou ontem a bater a cotação do dia nistas, irá provavelmente assistir-se
rias entidades de supervisão, designa- mento expostos ao mercado de activos norte- anterior, fechando nos 289,40 dólares (312,966 euros). nos próximos dias a um aumento dos
damente as italiana, inglesa, alemã e americanos tinha sido decretada na última Tendência inversa registou o mercado do petróleo, apelos no sentido de os vários governos
nipónica, vieram dizer que estavam a quarta e quinta-feira, na sequência do atentado com o preço do barril de Brent do Mar do Norte a cair ajudarem a economia através de mais
investigar eventuais movimentos anor- nos Estados Unidos. A suspensão foi decidida para os 27,95 dólares (30,226 euros), beneficiando da despesa pública. Ontem, foi apresen-
mais. Foi depois de mais esta medida pela CMVM, por solicitação das sociedades ges- “pressão” dos EUA sobre a Organização dos Países tado na Holanda o orçamento do Go-
concertada para tranquilizar os merca- toras, que justificaram o pedido com a impossi- Exportadores de Petróleo no sentido do aumento da verno para 2001, elaborado antes dos
dos que se começou a estabelecer uma bilidade de obter uma cotação das unidades de produção e controlo dos preços. Pelo segundo dia acontecimentos da semana passada.
ligação entre os atentados e os movi- participação depois do encerramento dos mer- consecutivo, a volatilidade foi a nota dominante do Contempla um crescimento da des-
mentos bolsistas mais recentes. As enti- cados em Nova Iorque. Ao pedido também não mercado cambial, mas o euro “aguentou-se” ao nível pesa, apontando para um excedente
dades supervisoras podem ter iniciado terão sido estranhos receios de uma corrida ao de segunda feira face ao dólar. No fecho, a moeda orçamental de um por cento do PIB,
uma dura “batalha” contra as manipu- resgate destes produtos. Vários países europeus única europeia valia 0,9214 dólares, contra 0,9216 idêntico ao de 2001 e inferior aos 2,2
lações de mercado.  também optaram pela suspensão. R.S. dólares na véspera. RITA SIZA por cento de 2000. 
D E S TA Q U E 17
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 19 SET 2001

Governo convoca “secretas”


para estudar medidas
Guterres vai pedir a tomar pelos diversos mi- “Não houve qualquer con-
nistérios e também poderá sulta em relação a qualquer
debate na AR e garante servir para o Governo incen- acção militar e não há na NA-
que Portugal ainda não tivar uma maior coordena- TO nenhuma acção militar
foi consultado sobre ção entre os serviços de in- em preparação”, disse na Uni-
qualquer acção militar formação. versidade de Aveiro, onde se
O CSI é um órgão intermi- deslocou para lançar a nível
nisterial de consulta e coor- nacional os cursos de especia-
O Conselho Superior das In- denação em matéria de in- lização tecnológica.
formações (CSI) reúne-se hoje formações. De acordo com O primeiro-ministro refe-
na residência oficial do pri- a Lei Quadro do Sistema de riu que “Portugal assume as
meiro-ministro, em Lisboa, Informações da República suas responsabilidades como
para analisar medidas de se- Portuguesa, uma das princi- parceiro da Aliança Atlânti-
gurança e de luta contra o pais competências é propôr a ca” e que a crise gerada pelos
terrorismo, após os atentados orientação das actividades a ataques terroristas nos Esta-
nos EUA. desenvolver pelas “secretas”, dos Unidos vai ser discutida
Presidido por António Gu- SIS e SIEDM. na próxima sexta-feira num
terres, no encontro partici- O encontro, convocado por Conselho Europeu extraordi-
pam os ministros dos Negó- Guterres, realiza-se na véspe- nário, após o que pedirá um
cios Estrangeiros, da Defesa, ra de uma reunião extraordi- debate parlamentar para a
da Justiça, da Administração nária dos ministros da Justiça Assembleia da República se
Interna e da Presidência, o e da Administração Interna da pronunciar sobre a questão.
Chefe do Estado-Maior Gene- União Europeia destinada a Guterres salientou que
ral das Forças Armadas, os harmonizar medidas de com- prosseguem os esforços para
responsáveis dos serviços de bate ao terrorismo. encontrar os portugueses de-
Informações Estratégicas de O secretário de Estado da saparecidos após os atentados
Defesa e Militares (SIEDM) e Administração Interna, Rui e informou que o secretário
de Informações de Segurança Pereira, afirmou ontem que de Estado das Comunidades
(SIS) e o secretário-geral da “as zonas nevrálgicas são as já se encontra nos EUA “para
Comissão Técnica. aeroportuárias e as institui- uma coordenação mais efec-
É a primeira reunião deste ções sensíveis, relacionadas tiva e eficaz”.
órgão — embora tenha havi- com as embaixadas e as orga- O deputado do PSD, Carlos
do contactos informais en- nizações militares”. Encarnação, enviou ontem
tre os seus membros — após António Guterres garan- uma carta ao presidente da co-
os atentados terroristas, pe- tiu, por sua vez, em Aveiro, missão parlamentar de Defe-
lo que deverá ser feito um que o Governo não foi con- sa, solicitando que o ministro
ponto da situação em termos sultado sobre qualquer acção da Defesa seja convocado com
nacionais e internacionais, militar e anunciou que vai carácter de urgência à comis-
neste caso, sobre o que se po- pedir à Assembleia da Repú- são para explicar o eventual
derá esperar no futuro. A tro- blica um debate sobre a crise envolvimento de Portugal nu-
ca de informações servirá de nos EUA após os atentados ma acção militar ao lado dos
base para eventuais medidas da semana passada. EUA.  PÚBLICO/LUSA
1 8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 19 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

Ganhar a paz
s primeiras re- o único verdadeiro líder

A acções ao ataque
terrorista aos Es-
tados Unidos cen-
traram-se numa primeira
fase na condenação do ac-
político americano — foi
claro numa das suas con-
ferências de imprensa: a
luta contra o terrorismo
não se pode ganhar apenas
to, na manifestação de so- no campo militar. Tem de
lidariedade e na oferta de JOSÉ VÍTOR MALHEIROS se combater também com
ajuda nas operações de so- medidas políticas, diplomá-
corro e na procura dos responsáveis. Após ticas, financeiras e económicas.
o choque inicial, os comentários começa- O terrorismo não é um crime que se possa
ram a abordar o fenómeno de uma pers- tolerar. O terrorismo não é um tipo de
pectiva analítica, examinando as suas ra- crime com que uma sociedade possa viver.
zões políticas e as consequências possíveis O que significa que, no caso do terrorismo,
das várias respostas. não basta parar o criminoso, é preciso
É preocupante verificar que alguns co- acabar com o crime.
mentadores políticos profissionais — tal O ataque terrorista aos EUA não é um
como muitos cidadãos anónimos nos fó- caso de polícia; é um caso de política. E
runs de discussão que se criaram pela tem de se combater com uma estratégia

Portugal tem que estar Internet (ver, a título de exemplo, http:// política e com medidas políticas, em todas
foruns.publico.pt ) — começaram a consi- as frentes enunciadas por Powell, a nível
derar a dada altura a mínima referência nacional, regional e global. Combatendo
às “causas” ou “razões” do terrorismo os terroristas directamente mas também

preparado para represálias como uma justificação ou uma pretensão as razões do ódio, a iniquidade, a duplici-
de branqueamento do terrorismo. Esta dade de critérios da política internacional,
posição constitui em si uma operação de a miséria. Atacando a hidra e as suas se-
terrorismo intelectual pois pretende inti- mentes. É claro que os passos imediatos
Ex-CEME comenta gurança e defesa na viragem bou por recuar à última hora. midar e impor o silêncio. Dizer a alguém têm de ser a identificação dos responsá-
eventual participação do milénio”, em que o general Assim que usou da palavra, que tenta compreender as causas do ter- veis por este ataque, a sua detenção e a
do Exército voltou a criticar Loureiro dos Santos explicou rorismo que essa atitude está na raiz da destruição das suas bases, mas enquanto
em ofensiva militar o poder político. Questionado que Sampaio o mandou cha- existência do próprio fenómeno, que aque- for apenas a cavalaria a ganhar a batalha
pelos jornalistas sobre se Por- mar na segunda-feira para di- les que o tentam compreender são seus nada estará ganho.
O ex-chefe do Estado-Maior do tugal tem condições para par- zer-lhe que afinal não iria ao aliados — “aliados objectivos”, é claro — é O ataque aos EUA não foi fruto da decisão
Exército (CEME), general Lou- ticipar numa ofensiva militar lançamento do livro por “ra- uma táctica conhecida mas intolerável. de um tipo louco ou de uma quadrilha
reiro dos Santos, alertou ontem ao lado dos EUA, Loureiro dos zões políticas”. Devido às crí- Podemos dizer que o terrorismo é “irracio- de malfeitores, não foi fruto do desejo de
para a necessidade de Portugal Santos afirmou que o país “tem ticas ao poder político, leia- nal” — além de desumano ganhos pessoais ou de um
estar preparado para represá- muito poucas condições, como se, Governo, contidas na obra, e ignóbil — porque não ser- ataque de loucura absolu-
lias se se envolver numa opera- resultado da política desastro- o Presidente alegou querer ve os interesses que os seus O ataque aos EUA não tamente imprevisível. Há
ção militar de retaliação contra sa sistematicamente efectuada “preservar a imagem de inde- agentes pretendem defen- milhares de indivíduos dis-
os autores dos atentados que sobre a Defesa”. pendência”. O ex-CEME acres- der. Mas isso não significa foi fruto da decisão de postos a morrer para cas-
atingiram os EUA. O Presidente da República, centou que Sampaio, ainda que ele não possua razões um tipo louco, de uma tigar os EUA (e outros pa-
O aviso foi deixado no lança- Jorge Sampaio, que confirmou assim, tinha elogiado o seu e causas. E compreendê-las quadrilha ou de um íses) pelo sofrimento que
mento, em Lisboa, do livro “Se- a presença na cerimónia, aca- trabalho.  HELENA PEREIRA permite-nos combatê-las de a sua política lhes causa e
forma a prevenir suas mani- ataque de loucura milhões dispostos a ajudá-
festações. É preciso compre- imprevisível. Há los mais ou menos activa-
ender para poder prevenir. milhares de indivíduos mente. Ainda que se tratas-
Não é possível deixar de se apenas de um puro “erro
nos perguntarmos porque
dispostos a morrer de percepção” da sua parte
é que tantos no mundo para castigar os EUA (e e não houvesse na política
odeiam tanto os Estados outros países) pelo americana e ocidental em
Unidos. E não é possível fa- sofrimento que a sua geral nada que pudesse jus-
zer esta pergunta sem ten- tificar um tal sentimento,
tar analisar aquilo que po- política lhes causa e tratar-se-ia na mesma de
de e deve ser alterado no milhões dispostos a uma questão de âmbito po-
mundo. Não é possível dei- ajudá-los mais ou lítico. Imaginar que uma
xar de nos perguntarmos expedição punitiva pode re-
porque é que um monstro menos activamente solver o problema é uma
como Bin Laden tem um fantasia de Hollywood.
apoio tão imenso, porque é Mesmo um campo tão dis-
que tantos o consideram um herói e um tante da abordagem bélica como o financei-
santo, porque é que tantos estão dispostos ro se pode revelar de uma eficácia surpre-
a morrer às suas ordens. endente. Desde o Watergate que sabemos
Pintar o terrorismo como o Mal que ataca que uma das regras de qualquer investiga-
o Bem, representado pela bandeira ame- ção é “Follow the money”. Todos os perfis
ricana, é um maniqueísmo que não leva de Osama bin Laden o definem como um
a lado algum. A demonização do inimigo “multimilionário saudita”, ainda que não
permite uma maior margem de manobra se saiba bem se a sua fortuna está hoje nos
durante a batalha, mas não é ela que per- 200 ou nos 300 milhões de dólares. Mas
mite ganhar a guerra. este dinheiro, que serve para alimentar
Tentar compreender as razões do ódio não operações terroristas, não está certamente
significa tolerá-lo. É importante do ponto debaixo da enxerga de bin Laden. Exis-
de vista puramente militar — é importante tem aliás informações segundo as quais o
conhecer o inimigo — mas é também im- saudita terá feito um belo lucro, “selling
portante do ponto de vista político, porque short”, na semana antes do atentado, ac-
é função da política evitar a guerra. É ções das empresas que desceram depois. Ou
importante por razões práticas: porque é seja: pondo provavelmente a Bolsa de Nova
preciso prevenir novos ataques. Iorque a financiar os próximos ataques.
Não pode haver hesitação na luta contra o A vaga de patriotismo primário que está
terrorismo. Essa luta terá provavelmente actualmente a varrer os Estados Unidos é
de envolver acções militares e tem riscos compreensível mas é preocupante, por ser
(baixas, retaliações). Mas pretender que contrária a qualquer forma de reflexão,
a luta contra o terrorismo exige apenas a por confortar os americanos na sua etno-
determinação de lançar a cavalaria quan- cêntrica auto-estima, por justificar a sua
do os cartazes de “Procura-se - Vivo ou agressividade passada e futura, por assentar
Morto” não funcionam, como pensa o xe- na ideia de que apenas a irracionalidade
rife George W. Bush, é de uma enorme justifica os ataques de que são alvo porque a
ingenuidade. Que isso é ingénuo sabemo-lo América representa o Bem, por transmitir
hoje de fonte segura: provam-no as torres a ideia de que tudo o que há a fazer é apenas
do World Trade Center. Por muitas ban- capturar uns bandidos — duros de roer, mas
deiras que se acenem e por muitos “God apenas bandidos. Ora o que é necessário
save America” que se cantem. ganhar não é apenas a guerra: é principal-
Colin Powell — que começa a surgir como mente a paz.
D E S TA Q U E 1 9
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 19 SET 2001

INQUÉRITO

1. O que mudou no mundo?


2. Como devem e podem os Estados Unidos e os seus aliados res-
ponder a esta situação?

Nem meios-termos nem meias-tintas

1 — O atentado terrorista de civilizacional”, sob pena de o acto terrorista


11/9/01 deixou o “mundo li- ter a justificação de uma Guerra Santa. Se
vre” confuso e perplexo com a resposta não pode demonstrar fraqueza
o que parece vir a ser uma ou tibieza, também não deverá ter o signifi-
ruptura na “nova ordem in- cado de uma “declaração de guerra” do
ternacional”, quebrando a Ocidente ao Mundo Islâmico.
ilusão de paz universal. A natureza deste atentado contra civis pro-
O conceito de “segurança” vocou uma enorme e justificada revolta da
Basílio está em crise e, com ele, to- qual só se excluem os inimigos da Humani-
Horta, do um conjunto de valores dade e os que, pela acção ou pelo silêncio,
líder que tem pautado a nossa vi- os apoiam. Este legítimo sentimento não de-
parlamentar da colectiva. A superpotên- ve, porém, justificar que os EUA cedam ao
do CDS-PP cia que é os EUA preparou- desejo de uma vingança cega e deixem de
se para a Guerra das actuar racionalmente. O perigo reside numa
Estrelas, mas não previu es- falsa ou demasiado abrangente identifica-
te “acto de guerra” perpetrado por um novo ção dos culpados, susceptível de gerar uma
modelo de terrorismo, que actua à margem guerra generalizada com e dentro do países
dos sistemas políticos e sociais, gerando um islâmicos. Nesse cenário, esperamos que
fanatismo religioso com motivações ideoló- improvável, outras potências mundiais, de-
gicas difusas e pouco compreensíveis. signadamente a Rússia e mesmo a China,
Uma sociedade globalizada, que permite as poderiam ver-se envolvidas num gravíssimo
mais variadas possibilidades de actuação à conflito à escala universal.
distância, tem de partilhar muito brevemen- Estas reflexões, porém, não deverão impedir
te as informações a nível de segurança a fim que a resposta aos crimes seja exemplar.
de combater o crime organizado — terroris- A História ensina-nos que há riscos que têm
mo, tráfico de droga, de armas e pessoas —, que ser corridos quando estão em causa
que já mostrou saber tirar o melhor partido valores fundamentais da nossa civilização.
da globalização. O combate ao terrorismo implica uma bata-
Assim, espera-se que desta cooperação do lha longa e dolorosa, para a qual urge con-
resto do Mundo com os EUA para resolver vocar todos os que defendem uma ordem
este problema comum resulte, para o futuro, internacional pautada pelos valores do Hu-
um maior empenhamento e uma maior aber- manismo, da Liberdade e da Segurança, in-
tura deste País aos problemas que afectam dependentemente da ideologia ou da fé que
a comunidade internacional. professem.
Esta é uma luta que não admitirá meios-
2 — Os EUA têm de actuar com prudência termos nem meias-tintas, cada um vai ter de
e com firmeza a fim de evitar um “confronto definir de que lado se encontra.
E S PA Ç O P Ú B L I C O 21
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 19 SET 2001

Tentar perceber
Ambiguidadesalando aos seus concidadãos desproporcionados (ou mesmo inaceitá-
ALFREDO BARROSO

Certos comentadores e editorialistas lusitanos (felizmente

F e ao mundo, após a verifica-


ção da tragédia, os políticos
americanos transmitiram, em
geral, uma assinalável harmonia entre
a emoção e a determinação, através do
veis) vai apenas um pequeno salto.
A segunda ambiguidade não é tão pe-
rigosa, mas é mais ridícula. Para alguns,
na verdade, dir-se-ia que a América pa-
gou finalmente o preço da globalização
poucos!) que escrevem na imprensa portuguesa fazem-
me lembrar aquele personagem demente que julga ser o
Presidente Teddy Roosevelt, no mais hilariante filme de
Frank Capra, “Arsenic and Old Lace” (“O Mundo É Um
Manicómio”), cujas filmagens coincidiram, por mero acaso,
emprego de frases simples e directas. capitalista, que ela simboliza e lidera; dir- com o ataque japonês a Pearl Harbour, em 7 de Dezembro
Pode dizer-se que há um estilo americano ANTÓNIO LOBO XAVIER se-ia que pagou o preço de permanecer de 1941. Teddy Brewster — assim se chama o maluquinho
de comunicação política, em que cada indiferente ao desespero dos cidadãos do interpretado pelo actor John Alexander — passa o tempo a
proposição vale por si mesma, e que ele chamado mundo pobre, esfomeados de tocar corneta para reunir as tropas americanas e, sempre
se contrapõe com vantagem ao estilo eu- alimentos, de civilização e de cultura. que sobe as escadas interiores da sua casa, desembainha
ropeu. Aqui, salvo raras excepções, cada involuntárias da descolonização ou dos O terrorismo teria, assim, por detrás uma espada imaginária e grita a plenos pulmões: “Charge!”
afirmação parece precisar sempre de um movimentos revolucionários de toda a or- — a maior ou menor distância —, uma (“À carga!”), como quem vai atacar um fortim e arrasar o
contexto em que se integram as condi- dem. Ora, salvo o devido respeito, parece- aspiração de justiça social ou de igualda- inimigo. No fim do filme, vai parar a um manicómio.
ções e as reticências. me que há limites para tudo. de, uma aspiração a melhores condições Esses autênticos falcões da escrita — ou “estrategistas
Neste caso concreto, as diferenças não Com efeito, a primeira ambiguidade materiais e políticas; seria uma espécie lusitanos”, como lhes chamou, com humor, Mário Mesquita
espantam ninguém: basta ver como, en- tem uma inegável natureza justificati- de subproduto daquela “revolta dos ex- no PÚBLICO — “já providenciaram todos os conselhos
tre nós, a opinião dominantemente publi- va, ainda quando essa natureza não é cluídos”. A esta luz, o terrorismo seria necessários ao Presidente dos Estados Unidos, ao Pentágo-
cada sobre o ataque terrorista é recheada interiorizada pelos seus propagadores: simplesmente uma erupção menos “cle- no, à CIA e ao FBI”. Em resumo: são aqueles que — como
de ambiguidades, para dizer o menos. É admitir que os próprios Estados Unidos an” e certamente mais desproporciona- os descreveu João Paulo Guerra no “Diário Económico”
certo que a brutalidade e o horror das fazem parte das causas — mesmo que da das mesmas causas que suscitam as — “clamam por vingança e exigem sangue” — “Já!” —
imagens do ataque a Nova Iorque fize- remotas — do terrorismo de que são ví- manifestações antiglobalização que se e depois “põem o capacete, vestem o camuflado, calçam
ram com que, a quente, poucos tivessem timas envolve sempre um grau de cedên- encontram tão em voga. as pantufas e sentam-se no sofá à espera que o sangue
o desplante de misturar a condenação cia ou de contemporização, ao menos Será mesmo preciso apontar o artifi- escorra do televisor”. Mas talvez haja alguma injustiça
dos autores com a censura da vítima. Foi relativamente às finalidades dos agresso- cialismo destas construções? Suponho nestas apreciações. Se calhar, ainda veremos algum desses
sol de pouca dura, porém: passado um pe- res. Entendamo-nos: não se pode ignorar, que não. A retórica de esquerda esconde falcões da escrita e da estratégia a cobrir-se de glória nas
queníssimo período de nojo, eis que são para efeitos de análise, que, em geral, a incompreensivelmente que as propostas montanhas do Afeganistão, de espada em punho. E oxalá
invadidos os meios de não tenha o destino do general Custer, para poder voltar
comunicação com to- E N T R E N Ó S , a opinião dominantemente publicada sobre o ataque terrorista é a pegar na pena.
dos os preconceitos e O que mais me impressiona nestes falcões da escrita e
fantasmas da esquer-
recheada de ambiguidades, para dizer o menos. (...) A quente, poucos tiveram o desplante estrategistas de meia-tigela — alguns inteligentes e cultos,
da antiamericana. Só de misturar a condenação dos autores com a censura da vítima. Foi sol de pouca dura outros nem por isso — é a recusa deliberada ou a incapaci-
na edição de ontem do dade congénita de discernir entre o que significa tentar
PÚBLICO, quase todos os artigos de opi- postura internacional de Bush ou, em políticas que podem razoavelmente ligar- perceber e o que significa tentar justificar. Há uma diferença
nião giravam em torno das ideias de que particular, a política externa americana se ao fundamentalismo islâmico estão substancial entre tentar justificar o injustificável e tentar
o terrorismo se poderia combater com para o Médio Oriente têm óbvias relações longe de ser socialmente orientadas ou perceber porque é que o injustificável acontece. Mas eles
o fim do comportamento “hegemónico com os ataques suicidas ao Pentágono e sequer influenciadas por aspirações de não a querem entender ou nem sequer dão por ela. Pior:
e arrogante” dos Estados Unidos e com ao World Trade Center. O problema está bem-estar ou de justiça. Basta ver como rapam dos canhenhos e ameaçam registar os nomes de
a eliminação das desigualdades geradas quando da análise se passa ao juízo, para os tradicionais países de acolhimento dos todos os que não afinem pelo mesmo diapasão de uma
pela “globalização capitalista”. Na expli- censurar, neste preciso momento e a pro- terroristas desprezam qualquer modelo vingança tão brutal e tão cega como os próprios actos de
cação do fenómeno, cada autor recheava pósito deste exacto acontecimento, uma conhecido de redistribuição, de igualda- terrorismo; franzem os sobrolhos e ameaçam tratar como
a sua prosa com as mais sugestivas va- alegada atitude isolacionista e arrogante de ou sequer de comunitarismo, para já bárbaros todos aqueles que tentam perceber melhor qual é
riações, que iam da “revolta dos pobres do Presidente dos Estados Unidos ou a não falar de modelos de organização polí- a verdadeira dimensão da
e dos excluídos” ao ódio à “ostentação sua solidariedade acrítica com Israel. tica que tenham algum ponto de contacto tragédia e procuram re-
da abundância” e ao “vestuário feito por Este juízo de causa e efeito — mesmo com os nossos conceitos de democracia e flectir sobre as respostas Nunca fui “falcão”,
mão-de-obra infantil”. Em boa verdade na sua formulação mais ténue — sugere tolerância. Se o capitalismo é o alvo, é-o possíveis e as respecti- nem “pomba”, nem
— com certeza, na melhor das intenções inevitavelmente que, sem aquela atitude sempre como símbolo religioso do mal e vas consequências; afuni-
—, o tom geral era o de assumir com má e sem aquela solidariedade, a tragédia não como sistema económico-social. lam a escrita e recorrem
“idiota útil”, e sempre
consciência a convicção de que “todos podia ter-se evitado. Seria bem melhor que argumentás- ao amálgama intelectu- quis tentar perceber.
somos responsáveis”. Trata-se, enfim, da convicção — mais semos em defesa de um mundo mais jus- almente desonesto, acu- Mas isso nunca me
Pela minha parte, não acho que o mun- ou menos disfarçada — de que o terroris- to numa oportunidade distinta. Seria sando os que apenas ten- impediu de tomar
do seja exactamente como gostaria que mo é uma criatura danada do “imperia- preferível que guardássemos para o “nos- tam reflectir e perceber
fosse, mas, por favor, risquem-me dessa lismo”, da própria sociedade ocidental so mundo” — se quiserem, o mundo da de quererem fazer a apo- partido em defesa
lista de responsáveis. Esta retórica pa- ou capitalista, o que significa reconhecer abundância, da desigualdade e da injus- logia do apaziguamento da liberdade e da
rece querer explicar o terrorismo em- ao mesmo terrorismo um qualquer tipo tiça — as categorias do combate ideoló- e da rendição, pactuando democracia
pregando — com algumas adaptações de lógica. Poderei parecer cruel, mas da- gico e político que só a ele se aplicam. O com novos Hitleres.
ao tempo — o mesmo discurso com que, qui a admitir que estamos perante uma terrorismo ultrapassa a razão humana. O facto de Frank Ca-
outrora, foram justificadas as vítimas combinação de causas justas e de meios O terrorismo não tem lógica.  pra ter esboçado, em “Arsenic and Old Lace”, um retrato
cruel e hilariante do militarismo imperialista americano
PRESTON KERES/REUTERS
através do lunático personagem de Teddy Brewster, não
só não provocou a proibição do filme durante a guerra,
como não impediu o próprio realizador de vir a ser um
brilhante oficial das Forças Armadas dos EUA. Há, aliás,
um capítulo sublime da sua autobiografia — “The Name
Above the Title” (“O Nome Acima do Título”) — em que
Capra descreve o pungente desabafo que o almirante
Chester Nimitz lhe fez, em privado, depois de ter ido
visitar um hospital militar. Com lágrimas a correrem-
lhe pelo rosto, entre soluços, num choro convulsivo que
exprimia uma profundíssima dor, o almirante Nimitz
desabafou: “Eles aplaudiram-me... deram-me vivas...
eram três mil... garotos de 18 anos... chegaram de Kwa-
jalein... fui ao hospital... não tinham pernas... as caras
esfaceladas... aplaudiram-me... a mim, que os mandei
para lá... deram-me vivas... Filha da puta de guerra,
maldita sejas! O que é que vou dizer aos pais deles, que
palavras lhes vou escrever? Que palavras de consolo
pode uma pessoa, seja ela quem for, dizer aos pais destes
garotos?” No riso de Capra, como na dor de Nimitz, é a
humanidade que resiste.
Este é apenas um retrato da América que admiro, que
sempre me fez acreditar na liberdade e na democracia,
sem ter qualquer necessidade de a bajular ou de lhe
lamber as botas. Do mesmo modo que nunca lambi as
botas ao regime soviético nem retenho dele qualquer
retrato que possa admirar. Só quem nunca se considerou
um súbdito nem se sentiu arregimentado por qualquer
ideologia pode perceber o que é a liberdade e a indepen-
dência de espírito. Nunca fui “falcão”, nem “pomba”,
nem “idiota útil”, e sempre quis tentar perceber. Mas
isso nunca me impediu de tomar partido em defesa da
liberdade e da democracia.  alfbarroso@netcabo.pt
2001
20 Setembro
PUBLICIDADE

QUI20SET
EDIÇÃO LISBOA
20 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4203
140$00 • €0,70 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico.pt www.publico.pt

TARIK TINAZAY/EPA

CRISE

“JUSTIÇA INFINITA” Sete maiores


economias do
mundo à beira
da recessão

EM MARCHA P29

TELEMEDICINA

Sucesso na primeira
operação transatlântica
Cem caças Médicos em Nova Iorque operaram
uma mulher de 68 anos em Estrasbur-
go, naquela que foi a primeira cirurgia
e bombardeiros feita a longa distância. O sucesso levou
os especialistas a dizer que a técnica
venceu a barreira da distância. P38
norte-americanos
a caminho LIGA DOS CAMPEÕES

do golfo Pérsico Boavista vence por


3-1 e lidera grupo B
e porta-aviões P40

“Roosevelt” E S PA N H A
enviado para o Escândalo financeiro
Mediterrâneo leva irmã de ex-
-governante à prisão
O escândalo financeiro que envolve
a corretora Gescartera, o primeiro es-
cândalo de seis anos de governo do
Taliban decidem hoje destino de Bin Laden | Proposta do comissário conservador José Maria Aznar, tam-
bém já obrigou a “chefe da polícia” das
bolsas à demissão. P28
António Vitorino implica revisão da Constituição portuguesa |
Sondagem revela que portugueses admitem redução das liberdades ÍNDICE

BARTOON E OPINIÃO 20/21


individuais para combater terrorismo | FBI descobre novelo de BOLSA E MERCADOS 32 A 34
TELEVISÃO 54/55
identidades falsas | O funeral de António Rocha, o único português CLASSIFICADOS
CINEMAS
65 A 73
74/75
TEMPO E FARMÁCIAS 76
encontrado nos escombros
PUBLICIDADE

Reportagens do nosso enviado Adelino Gomes e da nossa correspondente


Ana Gomes Ferreira, em Nova Iorque
P2 A 21 E 56
2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 20 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
TODD CICHONOWICZ/REUTERS

COMEÇOU A OPERAÇÃO
“JUSTIÇA INFINITA”
Administração Bush deu
nome à operação de
par. Segundo a CNN, o Pentágo-
no já tem nome para a operação
“USS Roosevelt”, que se encon-
trava na Virginia, recebeu ordem
operação “Justiça Infinita”. Se-
rá assim que se vai chamar a
Taliban decidem hoje
retaliação contra os de retaliação contra o ataque à para se fazer ao mar — o seu des- guerra contra o terrorismo, que, futuro de Bin Laden
América do dia 11 — operação tino será o Mediterrâneo. disse Bush, será longa. O seu se-
ataques a Washington e “Justiça Infinita”. No Golfo Pérsico estão, neste cretário da Defesa, Donald Ru- Reunidos em Cabul, os “ulemas” (douto-
Nova Iorque, e enviou Analistas militares disseram momento, dois porta-aviões. Um msfeld, acrescentou ontem que, res da fé) não conseguiram ainda chegar
que os cem aviões deverão estar deles, o “USS Enterprise”, prepa- além de longa, pode provocar a uma conclusão sobre que destino dar
mais de cem aviões de a caminho do Golfo Pérsico, a re- rava-se para regressar a casa no baixas. ao seu “hóspede”, Osama bin Laden. Se-
guerra para o Médio gião para onde o país pode enviar dia do ataque. Cada porta-aviões A guerra vai ter várias fren- gundo a Afghan Islamic Press, a sessão
Oriente tropas no Médio Oriente mais transporta 75 aparelhos, 45 deles tes, repetiu ontem o secretário de deverá continuar hoje. O líder supremo
próxima do Afeganistão, onde aviões de ataque. Estado, Colin Powell. Será eco- taliban, “Mullah” Mohammad Omar,
ANA GOMES FERREIRA se acredita que esteja o suspeito Os Estados Unidos têm 1,4 mi- nómica, diplomática e militar. não compareceu, tal como estava previs-
Nova Iorque pelo ataque de terça-feira contra lhões de militares em alerta má- Não foi excluído o envio de tro- to, mas enviou uma comunicação aos
os Estados Unidos, Osama bin ximo. O Presidente dos Estados pas para o terreno. 600 membros, afirmando que Bin Laden
O Governo dos Estados Unidos Laden. A 11 de Setembro, terro- Unidos já tinha, na semana pas- O Paquistão tem um papel vi- não pode usar o Afeganistão como base
começou a enviar aviões de guer- ristas árabes sequestraram avi- sada, mobilizado 35 mil reser- tal nos planos de guerra: é um de ataque contra ninguém. Mas que
ra para o Médio Oriente. Os apa- ões civis e, com eles, derrubaram vistas que, para já, serão in- país com fronteiras com o Afe- também não poderá ter cometido os cri-
relhos, mais de cem, deverão co- o World Trade Center (Nova Ior- corporados nas unidades que já ganistão. Ontem, os EUA asse- mes de que é acusado pelos Estados Uni-
meçar a chegar aos seus destinos que) e parte do Pentágono (Wa- começaram a fazer a defesa ter- guraram ao Paquistão que será dos. “Ele não está em contacto com nin-
já hoje. “As forças dos Estados shington). O ataque matou perto ritorial. Para poder mobilizar recompensado pelo seu apoio a guém”, lê-se no documento citado pela
Unidos começaram a movimen- de seis mil pessoas. todos os reservistas, um milhão, uma eventual acção militar no Reuters. “Dissemos aos EUA que tirá-
tar-se”, disse o subsecretário da A frota aérea que recebeu or- terá que ser declarado formal- Afeganistão. “Os Estados Unidos mos todos os recursos a Osama e ele não
Defesa, Paul Wolfowitz. O desti- dem de marcha é composta por mente — com um documento — apoiam os seus aliados. Ajuda- pode contactar o mundo exterior”.
no desta força não foi nem será caças F15 e F16, superbombar- o estado de guerra. mos os amigos que nos apoiam”, Omar disse ainda que está pronto para
revelado, assim como não serão deiros B1, aviões de reabasteci- A Administração Bush deu, disse a embaixadora dos EUA em negociar com as autoridades america-
divulgados pormenores sobre as mento e aviões de reconhecimen- ontem, nome à operação contra Islamabad, a capital paquistane- nas que já responderarm que não dese-
operações em que vão partici- to, entre outros. O porta-aviões o terrorismo internacional — sa, Wendy Chamberlin.  jam diálogo, “mas acção”.
D E S TA Q U E 3
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 20 SET 2001

Últimas
Paquistão prepara-se para a maior BUSH RECEBE

crise dos últimos 30 anos APOIO DE


M E G A W AT I

Megawati Sukarnoputri,
MACDOUGALL/EPA Presidente do maior país
Presidente Musharraf Bin Laden é também um dos islâmico do mundo, a Indo-
justifica à nação o grandes patrocinadores dos nésia, foi ontem recebida
taliban, os fundamentalistas na Casa Branca por Geor-
apoio aos EUA, islâmicos que estão no poder ge W. Bush. À entrada para
enquanto islamistas no Afeganistão (reconhecidos o encontro, Bush disse à
protestam nas ruas apenas pelo Paquistão, Ará- sua homóloga indonésia
bia Saudita e Emirados Ára- que a resposta dos EUA
bes Unidos). A perseguição ao ao terrorismo “não é uma
FRANCISCA GORJÃO milionário de origem saudita guerra contra os muçul-
HENRIQUES é entendida como uma per- manos nem contra os ára-
seguição à própria religião bes”. Megawati condenou
O Paquistão está a atraves- islâmica. os ataques a Nova Iorque e
sar o seu pior período desde Para além disso, e apesar Washington como “desu-
a última guerra com a Índia, de o Paquistão ter sido um manos”.
há 30 anos. Quem o disse foi aliado de Washington duran-
o Presidente Pervez Mushar- te a guerra fria, existe um for- FA H I M É O
raf, num discurso que ontem te sentimento anti-america- SUCESSOR DE
dirigiu ao país através da tele- no no território. E esse ficou MASSOUD
visão. As palavras de Mushar- expresso nas manifestações
raf pareciam querer prepa- que há dias ocorrem, sobre- O novo
rar os paquistaneses para um tudo em Islamabad, Karachi líder da
conflito no outro lado da fron- e Peshawar (junto à fronteira Aliança
teira. O autoproclamado Pre- com o Afeganistão, onde on- do Norte,
sidente disse ainda que os tem se queimaram bandeiras o grupo de
EUA pediram para utilizar o americanas, se gritou “morte resistên-
espaço aéreo paquistanês. aos EUA” e “Osama é o nos- cia ao re-
Ao anunciar o seu “apoio so herói”). Uma sondagem gime tali-
total” a Washington na luta também revelou que dois em ban, é um general de 44
contra o terrorismo, Mushar- cada três paquistaneses se anos. Muhammad Fahim
raf criou no país uma onda opõem à participação numa foi companheiro de luta de
de contestação que se tem re- aliança militar contra o Afe- Ahmed Shah Massoud, o
velado difícil de conter. On- ganistão. “Leão do Panchir”, vetera-
tem, o Presidente vestiu o Ontem, Musharraf (que se no da guerra contra a in-
uniforme militar e foi pedir tem reunido com líderes po- vasão soviética e herói da
aos 140 milhões de paquista- líticos, religiosos e civis) pro- oposição aos fundamenta-
neses (na sua grande maio- curou acalmar os ânimos e listas islâmicos. Massoud
ria muçulmanos) que procu- realçar a necessidade de o pa- foi vítima de um atentado
rassem compreender a sua ís estar ao lado do Ocidente. a 9 de Setembro (suposta-
decisão. Uma das justificações foi a de mente cometido por com-
“O Paquistão está a atra- que assim estaria em posição batentes de Osama bin La-
vessar um período muito crí- de proteger Bin Laden e os ta- den, “hóspede” dos taliban)
tico”, alertou Musharraf, que liban dos raides americanos. e Fahim tornou-se o su-
discursou em urdu e tinha Foi isso mesmo que preten- cessor natural. Isto, ape-
atrás de si a fotografia do fun- deu, segundo salientou, quan- sar de analistas regionais
dador da nação, Mohammad do enviou uma delegação a considerarem que lhe falta
Ali Jinnah. O Presidente fa- Cabul, na segunda-feira, pe- o carisma político do seu
lou várias vezes na Índia, o dindo a entrega de Bin Laden mentor. Não fala nenhuma
vizinho inimigo, que “tudo para que se evitasse um con- língua estrangeira; nunca
ofereceu em matéria de coo- flito militar. saiu do seu país. O general
peração”. Se Islamabad não O Presidente garantiu que desempenhava o cargo de
fizesse o mesmo, disse, arris- a sua opção “não vai contra os ministro da Segurança do
cava-se a tornar-se num es- princípios do Islão, a verdade deposto Presidente Rabba-
tado pária. “Eles [indianos] e a justiça”, respondendo as- ni desde 1992 até os taliban
querem que o Paquistão seja sim aos líderes islâmicos do terem conquistado Cabul
considerado um estado terro- Paquistão que se ofereceram quatro anos depois.
rista e perca a luta sobre Ca- Manifestantes em Peshawar gritam palavras de ordem contra os EUA e de apoio a Bin Laden para participar numa “jihad”
xemira”, o principal factor da caso haja um conflito arma-
discórdia indo-paquistanesa, no fornecimento de informa- Mas não adiantou muito mais Muitos no país não gosta- do contra os taliban. “O exér- PA Q U I S TA N E S E S
que contribuiu para arrastar ções secretas, acesso ao espa- quanto a esta cooperação. ram que o chefe de Estado se cito e o povo paquistaneses PREFEREM O
os dois países para uma cor- ço aéreo e apoio logístico para “Ainda não existe nenhum tivesse colocado ao lado dos estão dispostos a arriscar a AFEGANISTÃO
rida ao armamento nuclear. encontrar os responsáveis pe- plano operacional”, garantiu. EUA na caça a Osama bin La- vida pela segurança do país.
O Presidente adiantou que los atentados cometidos a 11 “Por isso, ainda não conhe- den, o principal suspeito da O Paquistão está em primeiro Uma sondagem Gallup in-
a Administração norte-ameri- de Setembro contra o World cemos os detalhes do nosso Casa Branca pelos actos ter- lugar, tudo o resto é secundá- dica que, em caso de guer-
cana pediu a sua colaboração Trade Center e o Pentágono. apoio”. roristas da semana passada. rio.”  ra, 63 por cento dos paquis-
taneses preferem aliar-se
ao Afeganistão do que aos

Aliança do Norte mantém luta contra Cabul


EUA. Quando se lhes pede
que apontem os responsá-
veis pela tragédia de dia
11, dividem-se: 34 por cento
A 40 quilómetros de Cabul, num vale pelos taliban e já então o homem mais ram na capital tajique, Duchambé, altura crítica para a aliança. Os 15 dizem que os culpados são
rodeado por montanhas rochosas, so- procurado pelos Estados Unidos. Mas- para decidir novas ajudas militares mil guerrilheiros dominam apenas americanos, 24 por cento
brevivem os sinais de uma antiga pre- soud não teve tempo de responder. A e financeiras ao “Governo legítimo” uma província, a Nordeste, de Ba- Israel, 22 por cento Bin La-
sença soviética: carcaças de tanques explosão de uma bomba matou-o. afegão, presidido por Burhanudin dakhashan e o vale de Panchir. Ou den e 7 por cento os pales-
deixados na beira de uma ou outra A sua morte, só confirmada vários Rabbani (reconhecido pela ONU co- seja, menos de dez por cento do terri- tinianos.
estrada, como provas de uma vitória dias depois, deixou uma interrogação: mo Presidente do Afeganistão). A li- tório. Mas agora que Washington está
contra o invasor. Mas os que lutaram será que a Aliança do Norte, agora gação de Rabbani à Aliança do Norte com uma determinação sem prece-
contra o Exército Vermelho ainda não sem o seu líder histórico, vai sobrevi- é de tal forma próxima que foi o pró- dentes em capturar Bin Laden e ame-
baixaram as armas. Agora resistem ver à guerra contra os taliban? prio a nomear o novo chefe militar, aça directamente os taliban, a aliança MORTOS
aos taliban, os fundamentalistas islâ- Logo a seguir ao atentado contra general Muhammad Fahim Khan pode ver o seu papel reforçado.
micos que tomaram a capital em 1996. o “Leão do Panchir” (o nome do vale (ver caixa). As verbas discutidas pe- “Os herdeiros de Massoud recla-
A Aliança do Norte perdeu o seu líder,
o general Ahmed Shah Massoud, mas
ainda não perdeu a guerra.
defendido, e mantido, com unhas e
dentes por Massoud), as milícias isla-
mistas lançaram de imediato um ata-
los vizinhos do Afeganistão serão
canalizadas para as forças antitali-
ban.
mam armas, dinheiro e apoio aéreo
aos americanos. Eles não necessitam
de tropas americanas no terreno”, dis-
347
A 9 de Setembro, dois “jornalistas” que à região. O assalto foi repelido. É certo que o atentado contra Mas- se à rádio francesa Europe 1 Olivier D E S A PA R E C I D O S
começaram a sua entrevista a Mas- No princípio desta semana, o diá- soud — desconhece-se ainda se tem Roy, do Centro Nacional de Investiga-
soud perguntando-lhe o que faria se
capturasse Osama bin Laden, o mi-
lionário de origem saudita acolhido
rio espanhol “El País” referia que re-
presentantes da Rússia, Irão, Índia,
Uzbequistão e Tajiquistão se reuni-
alguma relação com os ataques ter-
roristas de 11 de Setembro a Nova
Iorque e Washington — surge numa
ção Científica, especialista no Afega-
nistão. “Eles são capazes de capturar
Cabul.”  F.G.H.
5526
4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 20 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
ARND WIEGMANN/REUTERS

França quer “fazer tudo


para evitar choque
das civilizações”
“Os Estados Unidos sível, naturalmente, conceber é legítimo. [...] Os EUA exami-
não nos comunicaram a cooperação militar, mas na nam todas as hipóteses, mas
medida em que nos teríamos não nos comunicaram nenhu-
nenhuma informação previamente entendido sobre ma informação, e nem sequer
nem nos pediram os objectivos e as modalidades nos pediram nada”, confessou
nada”, diz o chefe da de uma acção”, frisou Chirac. Hubert Védrine.
Para os franceses, a luta Esta situação não terá evo-
diplomacia de Paris contra o terrorismo deveria luído mesmo depois do encon-
passar também por medidas tro entre Bush e Chirac. “Não
ANA NAVARRO PEDRO de cooperação de ordem ju- sei quais serão as opções toma-
Paris dicial, financeira e de espio- das e, portanto, não me ponho
nagem, não apenas por bom- a adivinhar”, repetia ontem
O Presidente da República bardeamentos. Em Paris, o à noite o ministro da Defesa,
Tony Blair com Gerhard Schroeder ontem em Berlim francesa, Jacques Chirac, primeiro-ministro Lionel Jos- Alain Richard, numa entrevis-
concluiu um jantar de traba- pin acrescentou, claramente, ta à rádio France Inter, acres-

Berlim disposta a correr lho de duas horas com o seu


homólogo americano, Geor-
ge W. Bush, na noite de terça
para quarta-feira, afirman-
que a França “deve conservar
a sua liberdade de apreciação”
em caso de resposta dos EUA.
Na realidade, Paris não sabe
centando: “Mas tenho razões
para acreditar que se o Pre-
sidente da República e o pri-
meiro-ministro optarem pela

riscos militares mas não dá do que os atentados em Nova


Iorque e Washington “são um
conflito, uma guerra [...] que
quais são as intenções ameri-
canas, e reconhece-o aberta-
mente. Assim, nenhum mem-
participação da França numa
coligação armada, as restantes
instituições — Parlamento e

carta branca a Bush implica meios novos de luta


contra um mal novo que de-
vemos aniquilar”.
Reflectindo, porém, o estado
bro do Executivo — nem da
classe política — aceitou res-
ponder a especulações sobre
eventuais ataques contra o
partidos políticos — apoiarão
o Executivo.” Apesar de estar
em plena campanha eleitoral
para as presidenciais de 2002, e
Encontro Blair- e Blair — que fará hoje uma O Bundestag ratificou tam- de espírito que domina toda Afeganistão ou o Iraque. O de viver uma fase política com-
-Schroeder em Berlim escala em Paris, onde conver- bém um primeiro pacote de a classe política do seu país, chefe da diplomacia gaulesa, plicada pela coabitação entre
sará com o Presidente francês, medidas de combate ao terro- o chefe de Estado francês mos- Hubert Védrine, afirmava no um Presidente de direita e um
e Fischer-Powell em Jacques Chirac, antes de partir rismo, que inclui um aumen- trou-se, depois, mais prudente domingo, numa entrevista à Primeiro-ministro de esquerda
Washington para para Washington — foi prece- to dos impostos sobre o tabaco quanto ao fundo da questão — rádio RTL, que é ainda dema- — que são também os princi-
coordenar a luta contra dido por uma sessão extraor- e os seguros, para financiar os a eventualidade de uma par- siado cedo para antecipar qual pais candidatos às presiden-
dinária do Bundestag (câmara respectivos custos. O ministro ticipação da França numa co- será a atitude da França em ciais —, Paris mostra a sua tra-
o terrorismo baixa do Parlamento). Nesta das Finanças, Hans Eichel, ligação internacional de luta caso de uma operação militar dicional união em caso de crise
sessão, uma alargada maioria comunicou que serão disponi- contra o terrorismo. “É pos- dos EUA: “Eles vão ripostar, e internacional. I
HELENA FERRO DE GOUVEIA dos parlamentares aprovou bilizados cerca de três mil mi- LARRY DOWNING/REUTERS

Frankfurt uma moção que autoriza a (hi- lhões de marcos (mais de 300
potética) participação militar milhões de contos) no Orça-
O primeiro-ministro britâni- do Bundeswehr (exército) na mento do Estado de 2002 pa-
co, Tony Blair, chegou à chan- operação de retaliação e ainda ra o programa antiterroris-
celaria federal em Berlim, um conjunto de medidas que mo. Por seu turno, a ministra
ao princípio da noite de on- incluem “apoio político e eco- da Justiça, Herta Daeubler-
tem, para um jantar de traba- nómico ao combate ao terro- Gmelin, anunciou que será
lho com o chanceler Gerhard rismo internacional”. aditada uma alínea no artigo
Schroeder, centrado na luta “A Alemanha está disposta 129 do Código Penal alemão
internacional contra o ter- a correr riscos militares, mas que permita combater o ter-
rorismo depois dos ataques não a entrar em aventuras”, rorismo não apenas na Ale-
suicidas nos Estados Unidos. afirmou Schroeder perante os manha, mas também trans-
Do outro lado do Atlântico, o deputados, deixando transpa- fronteiras. Outra decisão do
ministro germânico dos Ne- recer que Berlim não passa Governo, divulgada pelo mi-
gócios Estrangeiros, Joschka um cheque em branco à Ad- nistro do Interior, Otto Schily,
Fischer, reuniu-se com o seu ministração norte-americana foi a revisão da lei das asso-
homólogo americano, Colin no tocante às opções de res- ciações, abolindo o chamado
Powell, a quem assegurou posta aos atentados. Uma pos- privilégio das religiões, para
a “solidariedade incondicio- tura semelhante à manifesta- impedir que sejam formados
nal” da Alemanha e subli- da por muitos dirigentes na grupos extremistas prote-
nhou a firmeza do compro- Europa e Médio Oriente, que gidos pelo quadro legal actu-
misso para com “a coligação têm apelado aos EUA para al. O catálogo de resoluções
internacional antiterroris- que optem por uma resposta abrange também o reforço da
mo”. Hoje, Fischer desloca-se “reflectida, comedida, focali- segurança no tráfego aéreo,
a Nova Iorque, onde deverá zada”, como sintetizou o mi- designadamente no que se re-
visitar a chamada “zona ze- nistro belga dos Negócios Es- fere ao controlo do pessoal
ro”, a área devastada no Sul trangeiros, Louis Michel, cujo dos aeroportos e à inspecção
de Manhattan. país preside actualmente à de bagagens, que será mais
O encontro entre Schroeder União Europeia. rigoroso. I Jacques Chirac com George W. Bush ontem na Casa Branca

ABDEL NABY/REUTERS

EUA e Rússia em sintonia quase total


Ivanov e Powell Negócios Estrangeiros russo, qualquer ligação” entre a co- Não foram divulgados mais
concordam que Igor Ivanov, depois de um en- operação antiterrorista e te- pormenores.
contro em Washington com o mas de conflito entre Mos- Como sublinhava ontem o di-
“nenhum meio pode secretário de Estado america- covo e Washington, como a ário “Kommersant”, a Rússia
ser excluído, incluindo no, Colin Powell. Tchetchénia, o alargamento enfrenta um dilema de difícil
o uso da força” na luta “Nenhum meio pode ser ex- da NATO ou a criação de um solução: apoiar os EUA sem po-
cluído, incluindo o uso da for- escudo de defesa antimísseis der influenciar as suas decisões,
antiterrorista ça” no combate ao terrorismo, pelos EUA. ou optar pela neutralidade, po-
declarou Ivanov, acrescentan- Na capital russa, o secre- sição que será criticada e poderá
PEDRO CALDEIRA RODRIGUES do contudo: “Não discutimos tário de Estado adjunto dos conduzir ao isolamento.
qualquer acção concreta”. Por EUA, Richard Armitage, dis- Ao desejo de Washington em
Os Estados Unidos e a Rússia sua vez, Powell regozijou-se cutiu, por seu turno, com o incluir Moscovo na coligação
vão coordenar a sua acção na por a Rússia “se mostrar dis- homólogo russo e ex-director antiterrorista não é estranho
luta contra o terrorismo, embo- posta a ajudar”. dos serviços de informações o facto de poderem assim ficar
ra ainda não haja planos con- Powell ficou particular- exteriores, Viatcheslav Trub- resolvidos os principais proble-
cretos para uma resposta mili- mente satisfeito por o seu nikov, novas formas de coope- mas logísticos num eventual
Igor Ivanov com Colin Powell (em Fevereiro deste ano) tar, disse à AFP o ministro dos homólogo “não ter feito ração na luta antiterrorista. ataque ao Afeganistão. I
D E S TA Q U E 5
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 20 SET 2001

Portugal vai ter de alterar a


Constituição para combater Um teste à Europa
a grande criminalidade
INICIATIVA DE íses mais clementes. Portugal
teve recentemente um proble-
ANTÓNIO VITORINO ma desta natureza com a ex-
tradição de um suspeito de
A proposta é quatro homicídios procura- TERESA DE SOUSA
do em França, o que motivou
incompatível com a complicadas negociações en-
COMENTÁRIO
proibição portuguesa tre os dois países em torno da
de extraditar pessoas pena máxima de prisão que 1. Até agora a Europa fez aquilo que ralismo, à sua arrogância — que muitas
lhe poderia ser aplicada. tinha de fazer. Sem hesitações, sem am- vezes criticou justamente — para tentar
para países susceptíveis Se a proposta de Vitorino biguidades e sem divisões. minimizar o seu alcance global.
de lhes aplicarem pena for aceite pelos ministros da Não era a hora da cobrança nem da O Bundestag deu ontem luz verde a
superior a 25 anos Justiça e Administração In- crítica, mas apenas de demonstrar até Gerhard Schroeder, por uma esmagado-
terna dos Quinze, as decisões que ponto a solidariedade entre as demo- ra maioria (apenas os pós-comunistas
ISABEL ARRIAGA E CUNHA do poder judicial de um país cracias ocidentais — já duramente tes- do PDS votaram contra), para utilizar
Bruxelas António Vitorino passarão a ser automatica- tada nos últimos anos nas novas guerras as forças militares alemãs nos combate
mente reconhecidas em todo europeias — continuava a ser inexpug- da NATO e dos Estados Unidos contra
A Constituição de Portugal de captura europeu, é incom- o território da UE. Ou seja, a nável. o terrorismo. Também o chanceler su-
terá de ser alterada para po- patível com a proibição cons- polícia de um país ficará obri- Foi para sublinhar a impossibilidade blinhou que ao dever de “solidariedade
der aprovar a nova proposta titucional portuguesa de ex- gada a “entregar” um suspei- do meio termo que os aliados europeus ilimitada” com a América corresponde
de luta contra a grande cri- traditar pessoas para países to à sua congénere de outro da NATO apenas precisaram de três ho- “o direito de consulta e de informação”
minalidade internacional, in- susceptíveis de lhes aplicar Estado que tenha emitido um ras para tomar a decisão, inédita na sua aos aliados.
cluindo o terrorismo, que foi uma pena superior à máxima mandado de captura, mesmo história de meio século, de considerar o Desta vez, será difícil dizer que a Eu-
ontem apresentada por Antó- que vigora no país, ou seja, 25 quando se trate de um dos ataque contra a América como um ata- ropa falhou o seu primeiro teste, quan-
nio Vitorino, comissário eu- anos. seus nacionais. A medida terá que contra todos. A resposta europeia do teve de enfrentar porventura a mais
ropeu responsável pela Jus- Vitorino alega que as di- de ser concretizada num pra- não poderia ter sido outra, independente difícil crise do pós-guerra fria.
tiça e Assuntos Internos da ferenças nas legislações na- zo máximo de 90 dias, de mo- de todas as análises semânticas sobre se
União Europeia (UE). cionais nesta matéria bene- do a permitir todos os even- se tratou de um acto de terrorismo ou de 3. E teve de enfrentá-la num momento
Esta proposta, que se desti- ficiam os criminosos, que tuais procedimentos de apelo um acto de guerra. em que as suas relações com a América
na a instituir um mandado procuram instalar-se nos pa- previstos.  Não se tratou sequer de um acto irre- atravessavam um período de enorme in-
flectido de seguidismo europeu. A NA- compreensão. Os últimos meses foram
TO delibera por consenso dos seus 19 a prova quase diária dos piores medos

União Europeia mobilizada membros. Isso quer dizer que qualquer


acção militar de retaliação que envolva
a NATO terá de ser decidida, planeada e
executada com a aprovação de todos os
europeus em relação à administração
Bush. Desde o novo sistema de defesa an-
timíssil ao Protocolo de Quioto, passando
pela recusa americana em subscrever

contra o terrorismo seu membros.


Mas, independentemente do valor po-
lítico da sua decisão, os governos euro-
a maioria dos tratados internacionais
destinados a fazer do mundo um lugar
mais seguro e mais regulado ou ao seu
peus também sabem que uma das armas desprezo total pela ONU.
Várias reuniões tuguês António Vitorino, in- “A capacidade da União contra a generalização deste novo tipo A solidariedade demonstrada pela Eu-
ministeriais na Bélgica tegram-se nos esforços de para ser um parceiro inter- de ameaça global é a dissuasão (como ropa na última semana pode funcionar
criação de um Espaço de Li- nacional efectivo reflecte o foi contra a ameaça soviética) e que esta no futuro como um dos mais decisivos
e uma visita a berdade, Segurança e Justiça âmbito da concretização dos passa por opções militares difíceis das instrumentos para convencer os EUA
Washington para na UE, a que os líderes da UE esforços para se organizar quais não se podem eximir. das vantagens de novas regras de com-
reforçar a cooperação se comprometeram em 1999 internamente”, afirmam os portamento internacional. Desde que
com os EUA mas cuja concretização en- dois comissários numa nota 2. A segunda grande preocupação dos a Europa esteja finalmente disposta a
frenta inúmeras dificuldades conjunta dirigida aos líderes. governos europeus foi a de enviarem a assumir sem ambiguidades as suas res-
ligadas às suas diferentes cul- Esta falta de progressos im- Washington uma mensagem de conten- ponsabilidades internacionais bem como
A União Europeia (UE) vai turas e tradições judiciais. pede a UE de falar a uma só ção. os custos inerentes. Mas esse é o teste
mobilizar todos os esforços A primeira proposta pre- voz, o que obriga, por exem- Também aqui não é fácil encontrar nas mais difícil e mais longo pelo qual ain-
nos próximos dias para re- tende instituir ao nível da UE plo, os americanos a tratar linhas e nas entrelinhas dissonâncias dalhe falta passar.
forçar os seus instrumentos uma definição comum do cri- destes problemas de forma significativas.
de luta contra o terrorismo e me de terrorismo, que passa- bilateral. Os dois comissá- Tony Blair foi o primeiro líder europeu 4. Os líderes europeus vão reunir-se
alargar o âmbito da sua coo- rá a vigorar em todos os paí- rios defendem assim que, nes- a declarar que a solidariedade da NATO amanhã numa cimeira extraordinária
peração nessa frente com os ses e que é acompanhada de tes dois domínios, é preciso, não significava um cheque em branco. O para reflectirem sobre as respostas à no-
Estados Unidos. uma lista de penas harmoni- “com carácter de urgência, seu papel na construção da mais ampla va situação internacional. Já não se trata
Ministros da Justiça e da zadas aplicáveis consoante o pressionar para uma maior coligação possível contra o terrorismo é de demonstrar a sua total solidariedade
Administração Interna, che- grau de gravidade. A segunda cooperação europeia, se ne- importante para a Europa, não apenas com a América. Trata-se agora de coor-
fes de Estado ou de governo proposta destina-se a instituir cessário confrontando os Es- para Washington. O seu protagonismo denar as formas dessa solidariedade,
e ministros das Finanças vão a figura do “mandado de cap- tados-membros com as suas internacional não é novo. Verificou-se incluindo a militar. E trata-se também
conferenciar, entre hoje e sá- tura” europeu que acabará contradições”. noutras circunstâncias igualmente dra- de encontrar uma plataforma política
bado, na Bélgica, para ti- com os processos de extradi- Finalmente, depois da reu- máticas como a intervenção militar da comum para o combate ao terrorismo
rarem as lições políticas e ção entre os Quinze. nião dos líderes na sexta-feira NATO contra a Sérvia. Blair, que é o que não se esgota nas medidas de natu-
económicas dos ataques ter- “O terrorismo é a acção de à noite, para reforçarem a sua mais europeu dos primeiros-ministros reza interna que a Comissão vai propor.
roristas do passado dia 11 em redes operando ao nível inter- mensagem de solidariedade britânicos, chegará hoje a Washington, A União vai ter de empreender a longa
Nova Iorque e Washington. nacional, baseadas em vários face aos Estados Unidos, cabe- depois de ter ido a Berlim e a Paris. e complexa tarefa de reavaliar as suas
Em paralelo, uma delegação países, explorando as lacunas rá aos ministros das Finanças A aparente “dessintonia” francesa de- prioridades políticas. Os lentos esforços
ministerial da UE discutirá, jurídicas resultantes dos limi- dos Quinze analisar as medi- ve-se mais a circunstâncias de política para dotar-se de uma capacidade militar
hoje, em Washington, com a tes geográficos dos inquéri- das europeias de combate à interna do que a posições de fundo di- autónoma vão parecer patéticos à luz
Administração Bush, as for- tos e beneficiando, por vezes, grande criminalidade finan- ferentes. Tal como Londres, Paris não dos piores cenários internacionais que
mas de reforçar a cooperação de uma importante ajuda fi- ceira, desde o branqueamento assina cheques em branco. Mas, tal co- emergem brutalmente desta crise. Os
bilateral para a luta contra o nanceira e logística”, afirmou de capitais até aos movimen- mo Londres, está disposta a participar lentos passos no sentido de uma política
terrorismo. o comissário português du- tos especulativos verificados “num contra-ataque” liderado pelos Es- externa comum parecem agora tragica-
Do lado da UE, cabe aos mi- rante a apresentação das su- nas bolsas imediatamente an- tados Unidos (Alain Richard, ministro mente desfasados da realidade. A retóri-
nistros da Justiça e Adminis- as propostas ao Parlamento tes de 11 de Setembro e que po- da Defesa), no quadro de “uma verda- ca fácil com que os governos da União
tração Interna inaugurar a Europeu. derão ter sido desencadeados deira troca de pontos de vista entre os costumam disfarçar as suas divisões e
série de encontros para anali- Em paralelo com estas pro- pelos autores dos atentados norte-americanos e os seus aliados.” Foi os seus fracassos soará tragicamente a
sar duas propostas que foram postas, Vitorino, em conjunto terroristas. Na véspera ao fim o que Jacques Chirac disse ontem em Wa- falso.
ontem formalizadas pela Co- com Chris Patten, comissário da tarde, os ministros das Fi- shington. Foi o que Hubert Védrine disse Quando abandonarem a reunião de
missão Europeia com o objec- europeu responsável pelas Re- nanças dos 12 países do euro há dois dias numa entrevista ao “Le Mon- Bruxelas os líderes europeus devem tam-
tivo de facilitar a cooperação lações Externas da UE, conta procederão, por seu lado, à de”. Como escreveu Jacques Amalric bém compreender que terão à sua espe-
entre os Quinze no campo da lançar um apelo à cimeira de lí- análise da situação económica num editorial do “Libération”, a França ra uma opinião pública diferente. Que
luta contra a grande crimina- deres de sexta-feira para impul- europeia e mundial, sobretudo resistiu à tentação de apontar o dedo à espera alguma capacidade de liderança
lidade organizada. sionarem a cooperação policial à luz das ameaças de recessão hiperpotência americana, ao seu unilate- e alguma coragem política.
As propostas, da responsa- e judiciária, dois domínios que resultantes do clima de tensão
bilidade do comissário por- continuam a marcar passo. internacional.  I.A.C.
6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 20 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

CHEFE DA CIA
PRESSIONADO Adeus luso-americano
A DEMITIR-SE
O senador Richard Shelby (republi-
cano) criticou o director da CIA,
George Tenet, considerando que o
a António da Rocha em Newark
fracasso dos serviços secretos dos
EUA na prevenção do ataque terro-
rista à América deve levar a uma
reestruturação da agência de espio-
nagem. “[Tenet] é um bom homem,
mas acho que para a função dele é
necessário alguém com a estatura
de um Colin Powell [secretário de
Estado] ou de um Donald Rumsfeld
[secretário da Defesa], alguém a ní-
vel ministerial que possa coorde-
nar todos [os serviços de informa-
ção]”, disse à Reuters Shelby,
membro do comité senatorial dos
serviços secretos. Shelby recusou-
se, no entanto, a pedir a cabeça de
Tenet, dizendo que a nomeação ou
demissão do director da CIA cabe
exclusivamente ao Presidente.

Imagens da saída do funeral de António da Rocha da catedral de Newark, transmitidas ontem à noite pela TVI
GRUPO DE BIN
LADEN TEM BASES ENTREGUE NO CONSULADO LISTA COM MAIS 14 NOMES do 7º dia a todos. Portugueses e não
portugueses”, explicou ao PÚBLICO
Missa portuguesa com uma breve oração em inglês, terça-feira à noite. Missa em António Bico, pouco antes do início
NOS BALCÃS inglês com uma breve “encomendação” em português, ontem de manhã. Familiares da cerimónia, transmitida em directo
por uma estação local de televisão
Al Qaeda (em árabe, A Base), rede de e companheiros do país de origem juntaram-se aos novos amigos do país de que retrasmite programas da SIC.
Osama bin Laden, tem células terro- acolhimento no adeus religioso a António da Rocha, 34 anos, casado, dois filhos — o Apostado em lutar contra “sen-
ristas nos Balcãs, garantiu ontem o timentos de ódio e rancor” que pa-
ministro do Interior sérvio, Dusan
único morto até agora confirmado de uma lista de luso-americanos desaparecidos, e recem prevalecer em largos secto-
Mihajlovic, citado pela agência Be- que afinal pode ser mais elevada. Do nosso enviado Adelino Gomes, em Nova Iorque res da opinião pública, António Bico
ta. “A organização de Bin Laden tem aproveitou o episódio de um filho que
duas bases na Bósnia, duas no Koso- Portugueses e norte-americanos jun- de transportar a urna para e da ca- Santa Lucia. Mas os planos mudaram telefonou à mãe de um dos andares
vo e também está presente na Albâ- taram-se em emocionadas mas conti- tedral; velhos amigos como a profes- com os acontecimentos “terrivelmen- atingidos pelo segundo avião só para
nia”, declarou, citando “numerosas das cerimónias de adeus religioso ao sora de línguas Elena Martins da Ro- te dramáticos”.”Deus tinha outros lhe dizer que a amava para incitar
informações sobre as actividades do luso-americano António Martins da cha, já nascida nos EUA mas que com planos, não para uns dias felizes a os paroquianos a perdoarem. “Até
promotor do terrorismo mais conhe- Rocha, que encontrou a morte em 11 ele estudou na escola portuguesa da Santa Lucia, mas para uma viagem àqueles que não pedem perdão”.
cido do mundo” e sugerindo que to- de Setembro no World Trade Center, secção do Soho, em Nova Iorque; e que durará para todo o sempre”. À semelhança do rapaz, António
dos os dados podem ser transmiti- onde trabalhava como corretor da muitos dos novos amigos, como Peter, Rocha telefonou à mulher logo a se-
dos aos investigadores americanos. empresa Cantor Fitzgerald. o seu médico de família e que com ele, Incitamento ao perdão guir ao embate do primeiro avião na
“Nós conhecemos os homens que O secretário de estado das Comu- disse ao PÚBLICO de lágrimas nos Horas antes, numa outra parte da ci- torre onde trabalhava. “Aconselhou-a
dirigem as filiais da organização nidades, João Rui Almeida, partici- olhos, “adorava jogar golf”. dade, a memória de António da Rocha a ligar a televisão e a não ter medo
global de Bin Laden, que também pou em ambas as cerimónias, horas Apesar de não conhecerem pessoal- e de todos os outros mortos de 11 de porque ia conseguir sair do edifício”,
está presente na Macedónia”, disse depois de ter estado presente tam- mente António da Rocha, numerosos Setembro atraíra à paróquia de Nossa contou ao PÚBLICO Augusto Ama-
Mihajlovic. Belgrado declarou-se bém numa missa com semelhantes membros da comunidade portuguesa Senhora de Fátima uma multidão dor, vereador em New Jersey.
preparado para participar “plena- objectivos na Igreja de Santo António de Newark compareceram também que não deixou um lugar vago nos A localização do seu escritório den-
mente” na luta internacional contra de Pádua, em Nova Iorque. “Foram na cerimónia. “É um português, é a bancos da igreja matriz. A iniciativa tro da torre (fora promovido em Ju-
o terrorismo, oferecendo aos EUA gestos de solidariedade por parte do nossa gente”, justificou Maria João, partiu do pároco local, António Bi- nho e enviado para o 105º) revelar-se-
“toda a ajuda necessária”. O primei- Governo, tanto para com a comunida- desempregada, em nome de um gru- co, também presente nas exéquias de ia, porém, fatal. Tanto como a todos os
ro-ministro sérvio, Zoran Djindjic, de portuguesa, como para com as ví- po de amigas. “Tony”, como lhe cha- ontem na catedral. “Ao longo destes outros 700 colegas — um deles tam-
deu conhecimento desta posição du- timas em geral desta tragédia”, disse mou monsenhor Francis R. Seymour dias, muita gente vinha pedir-me que bém português, a trabalhar no sector
rante uma reunião na capital com ao PÚBLICO João Rui Almeida, que na homilia em inglês, planeara atra- incluisse os nomes de variadíssimas informático — que naquela manhã
representantes do Departamento de se manterá até amanhã nos EUA em vés da Internet viajar em férias com pessoas da lista dos desaparecidos. com ele iniciavam mais um dia de
Estado norte-americano. contactos com os serviços consulares a mulher, “esta semana”, até à ilha de Achei que devíamos dedicar a missa trabalho na Cantor Fitzgerald. 
e com representantes das comunida-
des e familiares das vítimas.
A família de António da Rocha —
GEÓRGIA DISPOSTA bastante conhecida e segundo amigos
presentes no funeral “muito respei-
Desaparecidos luso-americanos podem ser muitos mais
A EXTRADITAR tada” na comunidade local — pediu
que a imprensa local e os enviados
portugueses não captassem imagens
Ascende pelo menos a seis, mas pode chegar a 40,
a lista dos luso-portugueses desaparecidos e pre-
de segurança. A maior parte dos desaparecidos,
revelou ao PÚBLICO, viviam fora das comunidades
sumivelmente mortos nos atentados às duas torres de língua portuguesa, em Hoboken, Jersey City,
TCHETCHENOS da cerimónia religiosa de ontem de
manhã, que decorreu na catedral-
do World Trade Center (WTC), em Nova Iorque. O
jornal”Luso-Americano”, que se publica em Newa-
Hillside, Union e Piscattaway, revelou ao PÚBLI-
CO. Este facto bem como a eventualidade de não
O Governo da Geórgia dispôs-se a basílica de Newark. No longo cortejo rk, publicou na primeira da sua edição de ontem constarem dos registos consulares pode explicar
responder favoravelmente a qual- fúnebre que transportou a urna de o nome e a fotografia de Christopher Mello, um a ausência destes nomes das listas do Ministério
quer pedido de extradição de rebel- Kearney — uma cidade cujo presi- luso-americano que seguia no voo 11 da American dos Negócios Estrangeiros.
des tchetchenos que lhe seja feito dente de Câmara é português e onde Airlines, desviado da rota Boston-Los Angeles e que Somados aos 25 nomes de desaparecidos que cons-
por Moscovo, segundo a AFP. A Rús- os pais da vítima habitam — incor- se despenhou contra a torre norte do WTC. Descen- tam da lista oficial do MNE — cinco turistas, onze
sia pretende obter a extradição de 13 poraram-se cerca de uma centena e dente de portugueses que emigraram dos Açores residentes nas áreas de Nova Iorque e de Newark, e
rebeldes detidos ao atravessarem a meia de pessoas, muitas das quais os- para Massachusets no início do século XX, Mello nove noutras zonas dos EUA — os 14 novos nomes
fronteira entre a Geórgia e a Tche- tentando na lapela fitas com as cores era analista financeiro numa empresa de Boston. apurados por Luís Pires e o de Christopher Mello,
tchénia, com o objectivo de reentrar da bandeira nacional dos EUA. O jornalista Luís Pires, correspondente da TVI nos revelado pelo “Luso-Americano” perfazem um to-
naquela província russa no Cáuca- EUA e ele próprio um luso-americano, recolheu por tal de quarenta presumíveis desaparecidos. Algo
so. As relações entre Moscovo e Tbi- Emoção na catedral seu lado um conjunto de nomes de desaparecidos que Luís Pires considera “altamente provável”,
lissi têm sido turvadas pela relutân- Detentor das duas nacionalidades, que lhe chegaram através de contactos directos baseado no conhecimento vivencial que tinha da
cia das autoridades georgianas em símbolo de uma segunda geração que decorrentes do seu trabalho ou de informações afluência regular ao WTC de numerosos luso-des-
extraditar tchetchenos que os russos mantém ainda raízes em Portugal dispersas nas diferentes comunidades portuguesas cendentes.
descrevem como terroristas. A Rús- mas que foi educada já num caldo da região. A lista contém 14 novos nomes e foi en- O secretário de Estado das Comunidades, João Rui
sia acusa os separatistas tchetche- de cultura do país de acolhimento, tregue ontem à tarde ao chanceler do Consulado- Almeida, disse ao PÚBLICO que se sente “incapaz”
nos de receberem apoio de Bin La- António da Rocha juntou nos bancos Geral de Portugal em Newark, António Gouveia. de confirmar ou não estes números — e fez um
den. Ontem, tropas russas do transepto de altas colunas da basí- Da lista de Luís Pires constam pessoas que traba- apelo para que todos os que estejam na posse de
vasculharam a Tchetchénia, em res- lica familiares como Vítor Antunes, lhavam nas duas torres destruídas em empresas informações “as façam chegar, com o maior núme-
posta a ataques de rebeldes à cidade empregado numa companhia aérea de corretagem e em actividades de restauração ou ro de dados”, às autoridades portuguesas. A.G.
de Gudermes, na segunda-feira. que, muito emocionado, fez questão
D E S TA Q U E 7
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 20 SET 2001
Reflexões sobre um mundo que mudou (I)
O que está em causa
“As liberdades cívicas

Q
uando Jean-
Marie Colom- que tornam a vida tão
bani escreveu, agradável no Ocidente —
num cristalino que permitem aos indi-
editorial do “Le víduos inventar, inves-
Monde”, logo no dia se- tir e realizar os seus so-
guinte ao ataque a Nova JOSÉ MANUEL nhos ao mesmo tempo
Iorque e Washington, que que estão livres de qual-
agora “somos todos ame-
F ERNANDES
quer interferência gover-
ricanos”, não o fez por um EDITORIAL namental nas suas vidas
simples exercício de retó- — assentam num com-
rica — o paralelo com “Ich bin ein berliner” promisso social delicado” — recordava,
(“sou um berlinense”) de John Kennedy no dia a seguir à catástrofe, o “Wall Street
era muito mais profundo. O que o antigo Journal”. “Os terroristas querem per-
Presidente dos Estados Unidos quis dizer, turbar este equilíbrio porque se sentem
face ao Muro de Berlim, é que, ao tornar- especialmente afrontados pelo simples
se um berlinense, colocava-se na primeira facto de gozarmos dessas liberdades.”
linha do combate entre o mundo livre e o Este é o ponto. Quando se fala de perce-
sistema iníquo que se protegia por detrás ber as raízes do fenómeno terrorista é neste
desse muro. O que Jean-Marie Colombani ponto que devemos focar a nossa atenção: o
estabeleceu, ao escrever o seu editorial, foi que os terroristas não aceitam é o princípio
de novo uma fronteira clara — escolheu da convivência numa sociedade aberta.
um campo. O campo da América, que é Eles não são pobres que querem vingar
também o campo da nossa civilização. os pobres — antes são milionários, como
Regressado a Portugal uma semana de- Bin Laden, ou viviam em sociedades ricas,
pois do ataque, confrontado com o debate como os operacionais vindos dos emirados
público sobre o seu significado, verifico ou da Arábia Saudita (de resto, se fosse
com tristeza a dificuldade que no nosso país a pobreza e as desigualdades que alimen-
há em escolher um campo, em perceber de tavam o terrorismo, como entender que,
que lado estamos e o que está em causa. E a na vizinha Espanha, ela se centre num
facilidade com que, passados os primeiros território, o País Basco, que é dos mais ricos
momentos de emoção — em que o pudor e socialmente equilibrados?). Eles também
recomendou alguma contenção —, um an- não desejam a emancipação dos povos que
tiamericanismo primário e vesgo vem à dizem representar, antes pretendem impor-
tona, e velhos estereótipos substituem o lhes um jugo absoluto e “redentor”.
raciocínio claro e a análise fria dos factos. Não se misture pois o que não deve ser
Por isso não resisto a regressar ao misturado. O mal não está nos males do
princípio de tudo, a procurar clarificar mundo, que são muitos: o mal está em ideo-
o que foi posto em causa com o atentado logias de cariz totalitário e exclusivista
de 11 de Setembro de 2001. que inspiram o niilismo redentor dos bom-
bistas-suicidas. Essas ideologias podem
O ataque ao World Trade Center e ao Pen- alimentar-se de uma visão extremista de
tágono não foi motivado pela globalização, dogmas religiosos, ou assentar em identi-
pela existência de pobres e ricos, por Wa- dades nacionais ou culturais extremadas
shington ter recusado o Protocolo de Quioto (as “identidades assassinas” de que fala
ou por a administração Bush se ter distan- Amin Malouf). Essas ideologias odeiam
ciado da crise no Médio Oriente. A América sobretudo as sociedades abertas e plurais,
foi atacada porque — regressemos a Jean- que não obedecem ao seu dogma, que não
Marie Colombani — os movimentos terro- são puras nem uniformes.
ristas são movidos por “uma lógica política Não se procurem pois explicações ou des-
que, ao tornar-se extremista, visa obrigar as culpas ou “enquadramentos”. A “culpa”
opiniões públicas islâmicas a ‘escolherem o da ascensão de Hitler ao poder, como tantos
seu campo’ contra os que são correntemente estudos recentes têm comprovado, não foi
designados como o ‘grande Satã’”. Quando a hiperinflação ou os erros do tratado de
não falam do “grande Satã”, os seus dirigen- Versalhes: foi a adesão do povo alemão a
tes falam de cristãos e judeus, e cobrem com uma ideologia assassina. Assim como a
essa designação toda a cultura ocidental e culpa do violador não deve ser atenuada
todo o nosso mundo. A América é apenas o por a mulher vir de mini-saia, a responsa-
seu expoente mais forte e mais visível — e, bilidade dos terroristas não pode passar
por isso, o que polariza as paixões. dos agressores para as vítimas em nome
A maior parte dos dirigentes europeus das injustiças do mundo.
percebeu isso com clareza: “Isto é uma de-
claração de guerra a todo o mundo civiliza- Agora que realmente entrámos no sé-
do” (Gerhard Schroeder); “as democracias culo XXI devíamos não esquecer a lem-
têm de se unir para derrotar e erradicar brança desse curto século XX marcado
o terrorismo de massa” (Tony Blair). Em pelo extremismo de algumas ideologias.
Portugal, pelo que agora constato, nem Devíamos não esquecer o papel mobili-
por isso. O resultado, junto da opinião pú- zador e mortífero das ideias. Devíamos
blica, já está a ver-se: na sondagem que não insistir no erro de colocar no mesmo
ontem o PÚBLICO revelava os entrevista- plano os erros e os defeitos das sociedades
dos mostravam-se, de todos os europeus, abertas e democráticas e os crimes que,
os menos dispostos a marchar, ombro com invocando esses erros e defeitos, conduzem
ombro com os nossos aliados, na guerra inevitavelmente à tragédia.
que nos foi declarada. Porquê? Porque até Devíamos, sobretudo, ter consciência
acham que não foi declarada guerra ne- de que temos uma civilização a defender,
nhuma (acham eles e acha boa parte da sem complexos de culpa, sem cedências
nossa intelectualidade)... ao “politicamente correcto”. As socieda-
Mas o ponto, realmente, é que os radi- des que construímos no Ocidente são, com
cais islamistas que comandaram este ata- todos os seus defeitos, as mais humanas,
que odeiam a nossa civilização e odeiam a equilibradas, ricas e progressivas que a hu-
sua hegemonia — é isso que eles querem manidade conheceu. Os pobres do mundo
destruir. Eles querem destruir as nossas não as odeiam: sonham com emigrar para
democracias e não suportam aquilo que elas. Os que falam em nome dos pobres do
Nova Iorque representava acima de qual- mundo e invocam uma redenção final é que
quer outra cidade no mundo: o cosmopoli- as odeiam e gostariam de destruir.
tismo, a abertura, a convivência de cente- É isto que está em causa desde 11 de
nas de comunidades e culturas diferentes Setembro, apesar de muitos parecerem
sob a ordem de uma democracia respei- não o entender e só terem chorado lágri-
tadora da lei, da diferença e dos direitos mas de crocodilo. Os terroristas obrigam-
individuais (em que outra cidade, em que nos a escolher o campo em que estamos
outro edifício se não nas “torres gémeas”, — e ao fazê-lo devemos lembrar-nos do
seria possível matar, num só golpe, cida- destino dos que contemporizaram com os
dãos civis de 60 países diferentes?). totalitarismos do século que passou. 
8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 20 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
TIM SHAFFER/REUTERS

É FÁCIL SER PILOTO


DE AVIÕES NOS EUA
Tirar o “brevet” é uma
verdadeira brincadeira
de crianças e até sai barato
Foi no coração dos EUA que vários dos
terroristas suicidas que conduziram avi-
ões contra o World Trade Center e o Pen-
tágono receberam a formação de piloto.
As autoridades americanas interrogam-
se agora sobre a necessidade de reforçar
o controlo dos alunos estrangeiros nas
escolas de pilotagem.
Não é de espantar que os terroristas
a bordo do Boeing 767 e 757 que caíram
sobre as torres gémeas e o Pentágono
tenham passado despercebidos às auto-
ridades de aviação norte-americanas e
ingressado em escolas nacionais.
O baixo custo do combustível e a rede
de infra-estruturas aeroportuárias fazem
das escolas norte-americanas de pilo-
tagem o destino de eleição para quem
quer aprender a conduzir um avião.
“Vêm aqui pessoas do mundo inteiro pa-
ra aprenderem a pilotar, porque é muito
mais barato do que no estrangeiro”, afir-
ma o perito em aeronáutica e ex-piloto
da TWA Barry Schiff.
Para além disso, a FAA, o organismo
federal responsável pela aviação civil,
praticamente não exerce controlo sobre
Investigadores em acção na Pensilvânia, no local onde se despenhou o avião que seguia de Newark para São Francisco os estudantes, limitando-se a entregar o
“brevet” de piloto. “Nós regulamos a acti-
vidade das escolas de aviação e os cursos,

“VAMOS A ISTO!” E OS PASSAGEIROS mas a FAA não controla a identidade


dos alunos”, explica William Shumann,
porta-voz deste organismo.
Para frequentar o curso de pilotagem,
cada candidato tem apenas de obter um

ATACARAM OS PIRATAS DO AR certificado médico onde declara por es-


crito se já foi condenado por utilização de
drogas ou por condução com excesso de
álcool. A veracidade dos dados só é con-
ferida em caso de um eventual processo
Todd Beamer era um dos ocupantes do voo 93 que acabou por se despenhar na Pensilvânia. disciplinar.
O registo da sua última chamada telefónica relata o que se passou a bordo nos 15 minutos finais da viagem Neste momento, 5000 alunos frequen-
tam cursos de pilotagem em universida-
e prova que um grupo de passageiros resistiu aos terroristas. Muito provavelmente foi a sua acção que levou des, 15 por cento dos quais são estrangei-
a que o avião nunca chegasse ao alvo previsto. Texto de Charles Lane, Don Phillips e David Snyder ros. Certas universidades e centros de
ensino exigem que os seus estudantes
possuam a aprovação do departamento
Todd Beamer ligou para uma tele- de os passageiros terem sabido que bém ele deve ter estado envolvido comandos para desviar o avião de de Estado norte-americano ou de uma
fonista de uma companhia de Chi- um outro avião — o voo 11 — tinha na luta com os terroristas, afirmou forma a evitar uma colisão no ar, companhia aérea estrangeira.
cago — GTE Airfone —, disse-lhe batido contra o World Trade Center. o seu sogro. No aparelho seguia de acordo com fontes governamen- Mas a maioria das escolas de menor
que sabia que ia morrer, pediu-lhe Nessa altura, os terroristas que se- também um piloto, Donald Gree- tais. “O piloto terrorista sabia o dimensão não faz qualquer tipo de veri-
que rezasse consigo e depois pro- guiam no voo 93 tinham já morto ne, 52 anos, vice-presidente da Sa- que estava a fazer”, disse um con- ficação. “Basta ter um cartão Visa em
nunciou as últimas e desafiadoras um dos passageiros com uma faca. fe Flight Instrument, sediada em trolador aéreo. ordem. A única coisa que verificamos é
palavras que lhe foram ouvidas. Os pilotos, Jason Dahl e Leroy Ho- Connecticut. Quanto ao segundo aparelho que se o aluno tem meios para pagar o curso”,
“Estão prontos?”, perguntou To- mer, tinham também sido feridos, Tanto Beamer como Glick fala- também estava na sua rota, terá si- confessa à AFP Tom Adams, director da
dd Beamer, 32 anos, aos outros pas- relatou Beamer ao telefone. Os pas- ram em três piratas do ar nas suas do este a alterar rapidamente o ru- Dulles Aviation, uma escola no aeroporto
sageiros que seguiam a bordo do sageiros e a tripulação foram divi- chamadas telefónicas, mas o FBI já mo, a partir do momento em que o de Manassas, Virgínia.
voo 93 da United Airlines, que aca- didos em dois grupos: uns foram identificou quatro elementos, dois sistema de segurança a bordo aler- Quase tão fácil como entrar para uma
bou por se despenhar num descam- colocados na zona da primeira clas- dos quais estariam, supostamente, tou para o risco iminente de colisão escola é tirar o “brevet” de piloto privado.
pado, a 130 quilómetros de Pittsbur- se, mas a maioria foi mandada para no “cockpit”. com um avião desviado. Quando A aprendizagem é feita em pequenos avi-
gh, no passado dia 11. Depois disse: a parte de trás do avião. Beamer pediu também a Jill Je- sobrevoava Manhattan, o voo 175 fez ões monomotores tipo Cessna 172 ou Piper
“Vamos a isto”, ouviu ainda a tele- Beamer disse que ele e um grupo fferson que transmitisse uma men- uma curva para a esquerda e atirou- Cherokee. “Não é preciso ser um génio
fonista, Lisa Jefferson. Seguiram-se de homens que estavam consigo na sagem à sua mulher e aos dois fi- se contra uma das torres gémeas. para obter o ‘brevet’. A lei aponta 16 anos
gritos e o barulho de lutas e depois parte de trás do aparelho planea- lhos, David, 3 anos, e Drew, 1 ano: Os controladores aéreos fizeram como a idade mínima para uma pessoa
a chamada caiu, relatou a mulher ram atacar um dos piratas do ar, “Diga-lhe que a amo e aos nossos tudo para desviar outros aparelhos pilotar sozinha um avião”, adianta. “Basta
de Beamer, que ouviu o registo dos que estava a vigiá-los e que tinha, filhos.” que estavam na rota, tanto do voo uma média de 55 a 75 horas de pilotagem
últimos minutos da conversa. ao que ele dizia, uma bomba atada à Lisa Beamer, 32 anos, grávida de 175 da United, como do voo 11 da e o mesmo período de aulas teóricas, que
Segundo ela, Lisa Jefferson es- cintura. “Vamos fazer alguma coi- um terceiro filho, disse que o seu American Airlines, que também custam entre 6000 a 7000 dólares [cerca de
teve ao telefone com o seu marido sa”, afirmou o passageiro a Jill Je- marido sabia perfeitamente que ela partira de Boston e fora desviado 7500 euros]”, conclui Tom Adams.
durante os 15 minutos finais do voo, fersson. “Sei que não me vou safar estava em casa mas terá preferido para o World Trade Center. Os con- Só que pilotar um pequeno avião ou
que partira de Newark para São desta.” Depois pediu a Jill que re- ligar à telefonista da GTE para pou- troladores que estavam de serviço um Boeing não é a mesma coisa. “Isso
Francisco e que se despenhou pou- zasse consigo uma oração. A telefo- pá-la a um sofrimento maior e fazer na terça-feira de manhã em Boston, exige um pouco de formação suplemen-
co minutos depois das 10h00. nista assim o fez, conta a mulher chegar a informação às autoridades Nova Iorque, Cleveland e Washing- tar e uma familiarização com a cabina”,
A chamada, noticiada em pri- de Beamer. A seguir, o passageiro mais rapidamente. Todd Beamer ton contaram as suas histórias aos explica Barry Schiff. “Mas se for preciso
meira mão pelo jornal de Pittsbur- declarou: “Vamos a isto!” deu o número de casa à telefonista investigadores. apenas dirigir o avião contra um edifício
gh “Post-Gazette”, é a prova mais Má sorte dos terroristas terem e pediu-lhe que ligasse para lá. Segundo algumas fontes consul- como se fosse um míssil, não é assim
completa de que os passageiros a desviado um avião que transpor- tadas, estes “briefings” mostraram tão difícil.”
bordo do voo 93 resistiram aos ter- tava um grupo de homens bem ro- “O piloto sabia o que que os terroristas conheciam os Os atentados terroristas vêm relançar
roristas, provocando assim a queda bustos. Beamer media 1,82 metros estava a fazer” aparelhos suficientemente bem o debate sobre a necessidade de verificar
do avião, antes de chegar ao alvo e pesava 91 quilos. Jeremy Glick, O segundo avião da United Airli- para conseguirem confundir os os antecedentes dos alunos estrangeiros.
— que seria, ao que tudo indica, 31 anos, outro dos passageiros que nes desviado, o voo 175, que partiu controladores aéreos com os vá- Segundo a cadeia de televisão NBC, o FBI
Washington. Noutras chamadas resistiu aos terroristas, jogava râ- de Boston com destino a Los Ange- rios sistemas electrónicos. Gradu- já solicitou às escolas uma lista destes
telefónicas, dois passageiros disse- guebi e era campeão de judo. les, estava em rota de colisão com almente, os controladores foram- estudantes. Por seu lado, a FAA suspendeu
ram também que estavam a plane- A companhia aérea United Air- pelo menos dois outros aparelhos se apercebendo do que se estava a todos os voos de ensino. “A FAA pode bem
ar atacar os piratas do ar. lines disse à família do passageiro antes de mudar de rumo e descer passar, mas, para seu horror, não começar a reflectir sobre um aumento da
A mulher de Todd Beamer con- Lou Nacke, 42 anos, 1,80 metros, 91 em direcção a Manhattan. Em re- podiam fazer nada para além de filtragem dos alunos”, diz Barry Schiff.
tou que o marido começou a falar quilos, e tatuagem do “Super Ho- lação a um dos casos, parece ter assistir.  Exclusivo PÚBLICO/“The “Mas este é um país de liberdade e gosta-
com a telefonista às 9h45, depois mem” no ombro esquerdo, que tam- sido o terrorista que assumiu os Washington Post” ríamos que assim continuasse.”  AFP
D E S TA Q U E 9
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 20 SET 2001

Os rostos da tragédia
Os dias vão passando e a dimensão dos números da tragédia quase faz esquecer os dramas pessoais que atingem dezenas de milhares de pessoas,
todas aquelas que no dia 11 tinham familiares e amigos na rota do terrorismo. Cada uma das vítimas tem a sua história,
o seu percurso até ao momento fatal. O “Sunday Times” foi à procura das pessoas por trás dos números.
E encontrou dezenas de casos, impressionantes pela certeza que deixam: podia ter acontecido a qualquer um de nós

A BORDO DO VOO 93, A B O R D O D O V O O 7 7, Não se trata apenas de mim e da minha mãe, Melissa
QUE SE DESPENHOU Q U E F O I AT I R A D O trata-se de um ataque terrorista que atinge Harrington-Hughes
toda a gente.”
EM PITTSBURGH CONTRA O PENTÁGONO Enquanto estava presa no
edifício, telefonou ao ma-
Tara Creamer, rido, que estava em São
Jason Dahl, Charles Burlingame, 30 anos, empresária Francisco, e deixou uma
43 anos, piloto 51 anos, piloto mensagem na caixa de voz.
Mãe de duas crianças, Co- O marido só a ouviu quan-
A mulher esteve para ir com lin, de 4 anos, e Nora, de 15 do voltou do trabalho: “Sean, sou eu. Só queria
Entrou para a United Airli- ele no voo, já que tinham pla- meses, Tara Creamer esta- dizer que te amo e que estou presa no World
nes em 1993 e vivia no Colo- neado comemorar o aniver- va em viagem de negócios Trade Center. Um avião ou uma bomba explo-
rado com a mulher e o filho sário de Charles assistindo juntamente com seis cole- diu — não sabemos, mas há muito fumo e só
de 15 anos. Tentou trocar de a uma partida de basebol no gas de trabalho. Tara não queria que soubesses que gosto muito de ti.”
voo com outro piloto, pois queria tirar o dia estádio dos Anaheim Angels. Como não con- gostava de andar de avião e estava com medo Desde então, ninguém mais a viu.
para ficar com a família. seguiram arranjar bons lugares na bancada, de deixar os filhos em casa. “Ela era tudo para
o piloto disse à mulher que era melhor fazer mim”, desabafou o seu marido.
outro programa e não viajar com ele. Derek Sword,
Mark Bingham, 29 anos, bancário
31 anos, publicitário
Kenneth e Jennifer MORTOS E FERIDOS Trabalhava no piso 89 da
Telefonou à mãe quando es- Lewis, DENTRO DO WORLD torre sul. Depois do pri-
tava no avião: “Olá mãe, gos- comissário de bordo meiro ataque, telefonou
to muito de si. O aparelho e hospedeira TRADE CENTER aos pais e à namorada, de
foi desviado. Três homens di- quem tinha ficado noivo
zem que têm uma bomba. No Este casal de Culpepper, há apenas oito dias, para dizer que estava
caso de não nos voltarmos a ver, queria que Virginia, estava de servi- Donna Bernaerts, bem: “Não se preocupem comigo — estou
soubesse que gosto muito, muito de si”, contou ço no mesmo voo. 44 anos, na outra torre.” “Estou numa sala segura e
a sua mãe, Alice Hoglan. “Depois pareceu- empregada na firma estamos todos bem”, disse ainda à namorada,
me que alguém começou a falar com ele e a Accentura Consulting Maureen Sullivan. Minutos depois, Derek,
chamada caiu.” inglês, ligou novamente para a namorada
A B O R D O D O V O O 11 , Donna estava no World Tra- para dizer que a torre onde estava não tinha
Q U E E M B AT E U N A de Center em 1993 quando sido atingida e que estava a tentar sair do
Thomas Burnett, um carro armadilhado ex- edifício. Foi a última vez que alguém ouviu a
38 anos, vice-presidente TORRE NORTE DO plodiu numa das garagens. Nesse dia, o mari- sua voz. Sullivan ainda tenta ligar-lhe. “Ligo-
da Thorarec Corp. WORLD TRADE CENTER do esperou por si à porta do edifício. Desta vez, lhe de hora a hora, mas atende-me sempre
Ed Bernaerts, correu para casa, esperando a caixa de voz. Quando já não aguento mais
Ligou do telemóvel para a junto ao telefone. O filho, autista, não compre- ficar em casa, saio para a rua e vou pendurar
mãe: “Sei que vamos todos Jeffrey Coombs, ende que a sua mãe já não voltará. fotos com a cara dele por todo o lado.”
morrer. Três de nós vamos 42 anos, projectista
tentar fazer alguma coisa.
Gosto muito de si.” A chamada foi interrom- Coombs tentou convencer David Campbell, Ron Gilligan,
pida e pouco depois o avião despenhou-se. a sua mulher, Christie, a 53 anos 43 anos, empresário
viajar com ele para pas-
sarem uma semana de fé- Estava no piso 89 da torre O seu escritório ficava no
rias na Califórnia. Chris- sul quando a primeira torre piso 103 da torre norte. In-
A B O R D O D O VO O 17 5 , tie decidiu que era melhor ficar em casa, já sofreu o ataque. Telefonou à glês de origem, em 1982 Ron
Q U E E M B AT E U N A que os três filhos do casal estavam quase a irmã e ao cunhado e deixou Gillian decidiu ir viver pa-
começar as aulas. uma mensagem a dizer que ra os Estados Unidos com
TORRE SUL DO WORLD estava bem, que a outra torre tinha sido atin- a mulher, Elizabeth, em busca de melhores
TRADE CENTER gida por alguma coisa e que estavam todos à oportunidades de trabalho. Arranjou empre-
Robert janela para ver o que pensavam então tratar-se go na Cantor Fitzgerald — empresa de cor-
e Jackie de um acidente. Na segunda mensagem disse retagem e comércio electrónico que perdeu
Ruth Clifford McCourt, Norton que a sua torre também tinha sido atingida e todos os 700 trabalhadores que naquela ma-
45 anos, empresária, que o aconselharam a deitar-se no chão e cobrir nhã estavam a trabalhar no edifício. Há dois
e a filha, Juliana, 4 anos O casal estava a cabeça com a camisa, de forma a conseguir anos o casal decidiu regressar a Inglaterra,
de viagem para respirar. “Não está a resultar”, foram as suas mas os seus filhos Ashley, 16 anos, e Dherran,
Ruth McCourt tinha planea- Santa Barbara, últimas palavras. A família, incluindo os filhos 6 anos, tiveram dificuldade em adaptar-se.
do umas férias em Los Ange- na Califórnia, para assistir ao casamento do Chip, 18 anos, e Tim, 16 anos, e um colega, que Voltaram todos para Nova Iorque.
les com a filha e a sua amiga Paige Hackel, 46 filho. Depois do acidente, Jason exprimiu a abandonou o edifício logo a seguir ao primeiro
anos. Quando chegaram ao aeroporto de Lo- sua raiva: “Isto é algo que nos afecta a todos. ataque, ainda estão à sua procura.
gan, os voos estavam cheios. Hackel conseguiu PRESTON KERES/EPA
Mychal Judge,
embarcar no voo 11 da American Airlines (um 68 anos, capelão
dos aviões desviados), enquanto McCourt e a do Departamento
filha arranjaram lugares no voo 175 da United de Bombeiros
Airlines. Ronnie Clifford, irmão de McCourt, de Nova Iorque
estava no World Trade Center quando os avi-
ões embateram nas torres mas saiu ileso. Quando já tudo ruía à volta
do edifício, Mychal Judge re-
cusou-se a abandonar o local e continuou a
Fred Rimmele, ministrar a extrema unção ao seu colega bom-
médico beiro Bill Feehan, que morreu ao ser atingido
por uma mulher que caíra de um dos andares
Estava de viagem para assis- do edifício. Previsivelmente, Mychal Judge
tir a uma conferência em Los acabou também por ser apanhado pelo entu-
Angeles. Era suposto a mu- lho que não parava de cair. O “Padre Mike”,
lher ir consigo para jantarem como era conhecido pelos companheiros, não
com uma amiga de lá. Só que o encontro foi resistiu aos ferimentos. Filho de imigrantes
cancelado. A amiga do casal, assim que soube irlandeses, Judge entrou no seminário aos 14
do atentado, e pensando que ambos tinham anos — antes ocupava-se a engraxar sapatos
então ficado em Boston, enviou um e-mail à nas ruas de Manhattan —, iniciando assim a
mulher de Fred, dizendo que “tinham motivos carreira religiosa. Tanto era convidado a pre-
para celebrar”. Ela respondeu-lhe apenas com sidir a cerimónias religiosas na Casa Branca
uma frase: Fred Rimmele ia no voo 175. como no dia seguinte preferia ir ajudar os
doentes seropositivos.
10 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 20 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA
TIMOTHY A. CLARY /EPA
FANÁTICOS DE NOVA IORQUE

Nova Iorque é a cidade preferida de muitos


portugueses, que a visitam frequentemente em
trabalho ou de férias. O PÚBLICO perguntou a alguns
“fãs” de Nova Iorque de onde vem este fascínio.

“Esta foi a única cidade que acendeu em mim o


desejo de voltar sempre que pudesse. Se tivesse
dinheiro, iria todos os anos, como quem vai a casa
no Natal. É para mim a única cidade universal, que
celebra com orgulho uma diversidade. É um sonho
estético erguido para todos os cidadãos do mundo.
É a cidade em que, como costumo dizer, eu gostava
de viver quando fosse grande. O que aconteceu não
mudou em nada o meu desejo de voltar.”
Rodrigo Guedes de Carvalho, jornalista

“A primeira vez que fui a Nova Iorque foi em 1986. Já


antes existia um fascínio pela cidade, comum de
certeza à maioria da população. Nova Iorque é a
cidade mais filmada, a maioria da população com
televisão já a viu. Para mim, Nova Iorque já existia
antes de lá ir. Aliás existiam várias. Tive uma sensação
esquisita quando lá cheguei. Algumas coisas ficaram
aquém das minhas expectativas, mas outras
superaram-as. Por exemplo, o Inverno: ver o Central
Park cheio de esquilos, a cidade no Inverno, isso
superou largamente as imagens que eu tinha. Dessa
primeira viagem o que não vi foi uma certa festa que
esperava encontrar. Encontrei-a depois nas outras
viagens. Foi crescendo uma outra imagem da cidade:
da diversidade. E ver como uma cidade pode conjugar
o racional e a emoção, o planeamento, a organização
com o facto de ser uma cidade dos sentidos. Outro
aspecto muito importante é que Nova Iorque é o lugar
da arte contemporânea no domínio das artes plásticas
e performativas. Identifico a liberdade de criação com
a Nova Iorque dos anos 60.”
António Pinto Ribeiro,
director artístico da Culturgest

“É quase impossível imaginar a cidade de Nova


Iorque sem as torres. Para quem chega à cidade,
sobretudo de comboio ou autocarro, as torres são
uma referência. Uma coisa que eu gosto de fazer
quando chego a Nova Iorque é descer a pé a 5ª
Manhattan no horizonte: paisagem impressionante da obra humana que construiu uma aldeia global Avenida ou a Broadway, chegar ao parque [Central
Park] e ver as torres. Vou vendo a arquitectura, a
diversidade de caras e gentes. A distância ainda é

A cidade no coração grande, mas as torres dividiam a distância. Descer o


Central Park era uma tarefa mais fácil, já que tinha a
chegada às torres como objectivo. As torres eram
tão grandes que diminuíam a distância. Não me
apetece ir novamente a Nova Iorque. Iria no ano que

do planeta vem aos Estados Unidos e faria escala, como


sempre, em Nova Iorque. Mas para já não me
apetece ir.”
João Paulo Moreira, assistente convidado da
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,
37,4 MILHÕES DE TURISTAS Ainda segundo os dados dos ple” festejara recentemente o Moreira comenta que é “estra- da área de Literatura e Cultura Norte-Americana.
Censos, em termos de raças a facto de ter recebido um núme- nho ver a identificação do resto
VISITAM NOVA IORQUE cidade de Nova Iorque tem 67 ro recorde de visitantes. Em da América com Nova Iorque”. “Comecei a ir a Nova Iorque regularmente no início
por cento de brancos, 16 por 2000, cerca de 37,4 milhões de Explica: “A cidade sempre foi dos anos 90. Desde 1991 que ia lá uma ou duas
Pessoas de 62 países cento de negros ou afro-ame- pessoas escolheram a cidade uma coisa ‘grotesca’ na paisa- vezes por ano, até 1999. Fui recolhendo imagens de
entre as listas de ricanos e 5,5 asiáticos. Além para passar férias. Destes, 30 gem norte-americana: o resto vários pontos de Manhattan. Ia ficando em bairros
disso, 15 por cento dos seus milhões eram americanos. Es- da América nunca se identifi- diferentes, fazia vida de bairro. Essas fotografias —
desaparecidos do World habitantes são hispânicos (de te número mostra bem o au- cou com Nova Iorque.” as minhas favoritas — foram depois publicadas, em
Trade Center qualquer raça). Números mo- mento da atracção de Nova Lembra que por Nova Iorque 99, num livro, “Manhattan Diaries”. Se não
dernos de uma cidade que, no Iorque enquanto destino tu- não ter nada a ver com o mo- publicasse o livro, nunca mais parava de lá ir.
MARIA JOÃO GUIMARÃES início do século, representou, rístico, representando um au- delo de cidade, mesmo com a Gostava da cidade, da arquitectura, das pessoas. É
para cidadãos de todo o mun- mento de 26 por cento no núme- grande cidade, do resto do pa- a capital de todo o mundo, Nova Iorque. É difícil de
Nova Iorque é uma cidade atí- do, o símbolo de uma nova vi- ro de visitantes comparando ís, o escritor Raymond Coover explicar, a cidade dá-nos uma incrível sensação
pica dentro da América. Tem da, anunciada pela Estátua da com 1996. chamou-lhe, num livro, “Mad- dinâmica. Faltam-me as palavras, é uma cidade com
a maior população urbana dos Liberdade a todos os que cru- “Nos últimos anos, Nova Ior- hattan” (Mad=louca). muita energia, muito interesse, muitas pessoas,
EUA, dentro da qual cabem zavam o Atlântico. que tornou-se um centro de tu- Sobre os ataques ao World muitas etnias, muitas pessoas diferentes. Agora vou
pessoas de várias proveniên- Já no rescaldo da tragédia rismo — um grande centro de Trade Center e ao Pentágono, voltar, agora é que vou mesmo voltar. Estou a fazer
cias: basta lembrar que na lista se pôde perceber como a ci- turismo, tanto externo como diz esperar “que ajude os norte- outros projectos, mas depois do dia 11 de Setembro
de mortos e desaparecidos do dade fundada pelos holande- interno. Tinha-se tornado, re- americanos a reflectir”: “Eles que é absolutamente necessário voltar lá.”
World Trade Center estão pes- ses no século XVII se trans- almente, na cidade que nunca são muito ciosos das liberda- Lúcia Vasconcelos, fotógrafa,
soas de 62 países de quase todos formou no mais completo dorme”, diz o especialista em des e garantias individuais. autora do livro “Manhattan Diaries”
os continentes — da Áustria ao exemplo da aldeia global. Es- estudos norte-americanos da Eles não têm Bilhetes de Iden-
Camboja, da Roménia à Tailân- tações de televisão e agên- Faculdade de Letras da Univer- tidade, por exemplo. Só os ‘first “Estudei seis meses em Nova Iorque, no Instituto
dia, de Israel à África do Sul. cias noticiosas davam voz a sidade de Coimbra João Paulo offenders’ é que têm regista- Lee Strasberg (teatro), em 1998. Tinha já ido lá
Segundo a última contagem vítimas, testemunhas e so- Moreira. Uma das consequên- das as impressões digitais. A antes, mas essa foi a vez em que fiquei mais
de população, o Censos 2000, 40 corristas com nomes que de- cias do ataque será certamen- identificação é feita simples- tempo. É a cidade que eu mais gosto. Lá, consegui
por cento dos nova-iorquinos nunciavam as suas múltiplas te no turismo, tanto externo mente pela carta de condução encontrar uma série de informação diária que me
não nasceram nos Estados Uni- origens étnicas. Jornalistas como interno. ou pelo número de Segurança interessa no meu trabalho. É muito estimulante
dos. O guia turístico que fez, no portugueses entrevistaram Social.” para quem está na área das artes. Quem vive lá
domingo, as primeiras visitas pessoas que falavam na sua Indústria de ensino Claro que as medidas do gé- são pessoas muito simpáticas. Nas escolas, nos
turísticas após os atentados de língua natal, bombeiros com A cidade recebia ainda muitas nero que para aí venham terão, cafés, nas lojas, as pessoas são muito
dia 11, definia-se como “colom- nomes hispânicos e escandi- pessoas devido à sua “indús- forçosamente, de se adaptar acolhedoras. A arquitectura e a organização da
biano de nascimento e nova- navos relatavam a odisseia tria do ensino”, lembra João aos novos tempos tecnológicos cidade fascinam-me, além do lado estético há o
iorquino de coração”. Muitas dos socorros no cenário dan- Paulo Moreira. “Cursos de lín- que vivemos. Como disseram lado da organização da cidade que funciona muito
pessoas se sentirão assim na tesco do World Trade Center, gua inglesa, reciclagens, espe- peritos em segurança ao “New bem. Tenho muita vontade de voltar lá, porque
cidade que já se chamou Nova judeus com nomes alemães cializações, etc...”, uma indús- York Times”, os EUA podem tenho amigos lá que estão a sofrer bastante. Quero
Amesterdão e cujo presidente procuravam entes queridos tria que também deverá sair tornar-se um novo tipo de país, ir lá o mais depressa possível, o mais tardar no
da Câmara dá pelo nome de Ru- nas listas de desaparecidos. afectada. onde a identificação electróni- início do próximo ano.”
dolph Giuliani. Quanto a turismo, a “Big Ap- Para além disso, João Paulo ca poderá vir a ser norma. I Sílvia Real, coreógrafa (produções Real.Pelágio)
D E S T A Q U E 11
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 20 SET 2001

O dilema
Esperança e inquietação no subsolo dos salvadores
Passada a primeira semana sobre a

do World Trade Center destruição das duas torres do World


Trade Center, a cidade de Nova Ior-
que e as suas equipas de socorro en-
frentam um dilema: continuar à pro-
RUSSELL BOYCE /REUTERS cura de improváveis sobreviventes
HAVERÁ SOBREVIVENTES veis”, acrescentou. “Precisamos é
de um pouco mais de tempo.”
ou dedicar-se a recuperar os muitos
cadáveres.
NAS CAVES? Nas montanhas de destroços, um
O perigo das águas exército de bombeiros e outras equi-
Dique subterrâneo poderá O desabamento do subsolo poderá pas de socorro continuavam ontem a
também revelar-se uma grave ame- vasculhar cuidadosamente as ruí-
estar danificado e permitir aça, uma vez que as águas do Hu- nas, iluminadas por potentes focos
a passagem de água do dson poderão extravasar, tornan- de luz, procurando sinais de vida. “É
Hudson para as linhas do do mais instáveis as fundações. como tentar mover uma montanha
O World Trade Center foi constru- com um palito”, disse um dos bom-
metro nova-iorquino ído sobre uma área onde corria beiros acabado de terminar o turno.
antigamente o rio. No começo do Desde quarta-feira que ninguém é re-
RICARDO DIAS FELNER séc. XIX, os construtores do metro tirado com vida dos restos de aço e
descobriram aí restos de um na- betão e as autoridades da cidade es-
Grandes lojas, estacionamentos, vio holandês do século XVII. Para tão a preparar a família e amigos de
escritórios... Um verdadeiro mun- evitar as infiltrações de água, um mais de cinco mil pessoas para o pior.
do subterrâneo vivia debaixo do verdadeiro dique subterrâneo foi “Queremos que toda a gente se pre-
World Trade Center. As equipas feito no subsolo. Os engenheiros pare para a realidade: nós não vamos
de salvação vêem aí uma fonte de pensam agora o dique não terá conseguir recuperar um número sig-
esperança, uma vez que é possí- Destroços do WTC: a esperança diminui mas ainda existe resistido ao peso do entulho. Exis- nificativo de pessoas”, afirmou o pre-
vel que ainda existam bolsas de ar te por isso um sério risco que as sidente da câmara, Rudolph Giulia-
onde se encontrem sobreviventes. gócios mais elevado dos EUA de os socorristas esperam ainda que águas invadam toda a zona, atin- ni. “Estamos a tentar recuperar
Mas também uma fonte de inquie- entre todos os centros comerciais. algumas bolsas de ar se tenham gindo mesmo as linhas do metro. seres humanos e não temos tido su-
tação, uma vez que o rio Hudson Os estacionamentos dos pisos um, constituído, permitindo que algu- Até ao momento, no entanto, ne- cesso desde o segundo dia em que co-
poderá infiltrar-se nas fundações. dois e três estavam interditos ao mas das cinco mil pessoas desapa- nhuma infiltração foi assinalada. meçámos esse esforço. E isso quer
Sobre 6,5 hectares, sete pisos e público desde o atentado de 1993 — recidas estejam vivas. Esta terá sido a razão pela qual dizer alguma coisa.”
21 metros de profundidade, uma o explosivo fora introduzido numa Uma semana depois da tragé- George Tamaro, um engenheiro Na igreja católica de St. Patrick’s, em
pequena aldeia activava-se debaixo carrinha aí estacionada —, ficando dia, resta por isso ainda uma pe- que participou na concepção dos Nova Iorque, o cardeal Edward Egan
das torres gémeas, uma área onde reservados aos proprietários dos quena esperança. “Encontrámos pisos subterrâneos nos anos 60, foi deixou uma mensagem semelhante
quotidianamente passavam cen- veículos oficiais. Entre os andares espaços dentro dos quais poderá requisitado para ajudar nos tra- numa missa em homenagem dos
tenas de milhares de pessoas que quatro e seis estavam instalados os haver bolsas” reconheceu na ter- balhos nos escombros, passando mais de 300 bombeiros e outros mem-
vinham para o trabalho de metro, escritórios, por exemplo, da Port ça-feira Thomas Von Essen, chefe o seu escritório a ser o “centro de bros de equipas de socorro mortos ou
uma vez que a estação se encontra- Authority, responsável de todos os dos bombeiros de Nova Iorque, comando para o subsolo”, segundo desaparecidos desde que as torres ru-
va no sétimo andar do subsolo. transportes nova-iorquinos, e da que, no entanto, não vê espaço o “New York Times”. De imediato, íram. “As nossas orações vão hoje pa-
No primeiro piso, um centro co- polícia. para grandes optimismos, dado explicou Tamaro ao jornal, serão ra eles e para todos os seus.” As equi-
mercial havia sido inteiramente Debaixo de um peso de mais que “o calor é tão elevado que nin- necessárias gigantescas placas de pas de socorro deverão começar a
remodelado depois do atentado à de um milhão de toneladas de be- guém poderia ter sobrevivido”. cimento que previnam uma eventu- usar um equipamento pesado mais
bomba de 1993. Centenas de lojas tão, os pisos do subsolo desmo- “Não quero dizer que não iremos al entrada das águas nos canais do agressivo para penetrar nos restos
movimentavam aí o volume de ne- ronaram-se, mas os bombeiros e explorar todas as zonas acessí- metro nova-iorquino.  COM AFP das torres. AFP
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PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 20 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

HISTÓRIAS DE NOVA IORQUE


Identidades falsas JEFF HAYNES/EPA

OPERÁRIOS LUSO-AMERICANOS
confundem FBI ADIANTARAM-SE AO ATENTADO
Cinquenta empregados da companhia
Terroristas usaram afirma que a investigação sur- luso-americana Avanti Demolition Car-
documentos roubados giu quando, na sexta-feira, um ting Corp, de Newark, devem a vida à
homem que afirmava conhe- execução rápida de uma empreitada.
a pessoas que agora são cer Bin Laden terá sido preso “Tivemos 50 dos nossos empregados a
surpreendidas quando no aeroporto JFK. trabalhar até às 2h00 da madrugada do
vêem o seu nome nos A divulgação dos cinco no- dia 11 no andar 52 da Torre 2 e saímos a
mes parece clarificar uma in- essa hora porque foi quando acabámos o
jornais vestigação em que as próprias trabalho”, disse ao jornal “Luso-Ame-
testemunhas são portadoras ricano” Victor Santos, co-proprietário
LINA FERREIRA de documentos falsos. Já on- da empresa que cumpria aí um contrato
tem foram presos três árabes, de demolição para a companhia finan-
Hussein al-Ghmadi foi surpre- com documentos de identifi- ceira Stanley Morgan. “Os empregados
endido por ver a sua fotogra- cação falsos, no aeroporto de ficaram em estado de choque quando,
fia na CNN, enquanto alguém Michigan. Os detidos traziam no dia seguinte, souberam do aconte-
o identificava como um dos apontamentos sobre Colin Po- cido, mas às 5h00 da tarde de quarta-
terroristas suicidas do ataque well e uma base norte-ameri- feira estavam novamente prontos para
de terça-feira. A situação cari- cana escritos em árabe. iniciar um turno de trabalho, evidente-
cata já aconteceu a pelo menos E é aqui que surgem as di- mente noutro local onde a companhia
três pessoas. A investigação ficuldades: há falta de agen- tem obras”, disse Victor Santos. Menos
do ataque — anunciada como tes que falem árabe, estando de 24 horas depois do atentado contra
a maior de sempre — pode es- o FBI a aceitar candidaturas. as torres gémeas, a companhia Avanti
tar a ser mais complicada do Um apelo semelhante está ser estava de novo no local, desta vez para
que o que se esperava. As po- feito noutros países por onde ajudar no enorme esforço lançado para
lícias de todo o mundo pedem passa a investigação. A polícia encontrar sobreviventes e remover os
reforços. italiana queixa-se de uma falta escombros. A Avanti, que agora está
Al-Ghmadi encontra-se há terrível de agentes para zonas a trabalhar na área sob contrato, colo-
seis meses na Tunísia, onde como o Paquistão ou o Afega- cou gratuitamente no terreno, no dia
frequenta um curso de forma- nistão. seguinte ao atentado, 50 a 60 homens e
ção com oito outros pilotos, es- “Vai ser como uma missão, 15 camiões.
crevia o jornal árabe “Asharq sabe, como uma missão do
al-Awsar”. Para a Polícia Fe- 007?”, pergunta o jovem ame-
deral americana (FBI), Al-Gh- ricano de origem árabe Wale- OFICIAIS LUSO-AMERICANOS
madi foi um dos terroristas ed Mohamed. Uma porta-voz ESTAVAM NO PENTÁGONO
do voo que se despenhou na do FBI em Washington garan-
Pensilvânia. Outro dos suspei- tiu que a resposta ao apelo a O major Cândido Mendes e o tenente-
tos do atentado, Abdelazziz al- candidatos a agentes secretos coronel António Rebello estavam no
Omari, está vivo e trabalha tinha sido “muito encorajado- Pentágono quando a meio da manhã do
numa companhia de aviação ra”. Mas Mohamed ainda não dia 11 de Setembro o Voo 77 da Ameri-
na Arábia Saudita. O jornal, a está convencido: “Esta guerra can Airlines se esmagou contra o Sector
que deu uma entrevista, traz não vai ser rápida. Preciso de Norte do Ministério da Defesa dos Es-
uma fotografia sua a ler o jor- tempo para pensar....”  tados Unidos. Segundo disse à agência
nal, precisamente do dia dos Lusa António Rebello, ambos se encon-
atentados. Em Washington, TESTEMUNHAS travam no Sector Sul, a uns 300 metros
um diplomata saudita afir- OU SUSPEITOS? do local do impacto. O atentado, para
mou que o seu filho, Walid Al- além de custar a vida aos 64 passageiros
Sheri — apesar de constar na O FBI revelou ontem es- do Voo 77 da AA, provocou 124 mortos
lista dos 19 terroristas —, es- tar particularmente inte- nas Alas E, D e C, no Sector Norte do
tá vivo e trabalha como piloto ressado em cinco tes- edifício. No Pentágono trabalham dia-
nas linhas aéreas sauditas. temunhas. São pessoas riamente 20.000 pessoas, entre milita-
À partida poderia ser uma que conheceram alguns res e civis. “Pensei inicialmente que se
coincidência de nomes — mui- dos 19 terroristas. Alguns tratava de um sismo” — disse o tenente- dos fundadores da secção de futebol Face a isto, nós, compositores, não so-
tos árabes têm nomes seme- são suspeitos por terem coronel Rebello, que na altura do im- juvenil. Tinha feito o percurso do 43º mos nada”, acrescentou. Stockhausen
lhantes — mas dados, como conhecimento ou colabo- pacto se encontrava ao telefone. “Senti ao 23º andar da Torre 1 quando ocorreu terá pedido aos jornalistas que não as
data de nascimento, das pesso- rado nos atentados. o gabinete e o edifício a estremecer co- o impacto do segundo avião, contra a transcrevessem e afirmou, posterior-
as envolvidas também são os mo quando se trata de um sismo, pois Torre 2 do WTC. “Vi cair um dos bancos mente, que tinham sido descontextua-
mesmos. “Perdi o passaporte Habib Zacarias Moussaoui não ouvi o ruído de qualquer avião”, do avião com duas pessoas sentadas e lizadas. Em comunicado, escreveu: “In-
em Denver [Estados Unidos] Este franco-argelino, de 33 explicou o oficial, que trabalha no ga- o que me pareceu ser parte de um mo- terrogado sobre o carácter histórico
em 1995”, justifica Hussein. anos, foi preso quando tentou binete de ligação da Força Aérea com tor. Aí é que ficámos realmente a saber de algumas das minhas personagens,
Esta complicação de nomes inscrever-se num curso de pi- os adidos aeronáuticos das embaixadas que algo de muito grave se passava e respondi que elas eram sempre actuais,
está a confundir os investiga- lotagem nos EUA. Em 1999 foi em Washington. Seguidamente, aban- começou a instalar-se o pânico. Houve como ‘Lúcifer em Nova Iorque’. Recor-
dores. As autoridades filipi- acusado de contra-espiona- donou as instalações, para ser surpre- gente que tentou passar para a frente, dei o papel da destruição na arte. Qual-
nas indicam que quatro dos gem. endido no exterior com colunas de fu- empurrões, pessoas que começaram quer palavra fora deste contexto não se
terroristas teriam passado pe- mo, sirenes, alarmes e helicópteros no a discutir. Uma confusão terrível”, re- relaciona com o que penso.”
los seus aeroportos. Mas dois Ayoub Ali Khan e Mohamed ar. A presença do avião suicida sobre cordou Joe Salgado.
dos referenciados são Ahmed Azmath o Pentágono não causou alarme, aten-
Ghamdi e al-Omari, os mes- No dia do atentado seguiam dendo à vizinhança do Reagan National “SITE” AMERICANO ARRANJA
mos que garantem não ser ter- num voo com origem em Airport. O direccionamento das pistas “A MAIOR OBRA DE ARTE”, 58 MILHÕES DE DÓLARES
roristas... Newark que teve de aterrar. faz com que o Pentágono seja sobrevo- DIZ STOCKHAUSEN
Detidos num comboio no Te- ado pelas aeronaves que ali aterram Um “site” da Internet subsidiado por
“Uma missão do 007?” xas, traziam consigo x-actos. e levantam. Há documentação oficial Os atentados terroristas nos Estados gigantes da tecnologia norte-americana
Nos EUA, o FBI está a centrar Os inquéritos revelam que te- que salienta o facto de a colocação do Unidos da América foram “a maior obra conseguiu recolher cerca de 58 milhões
a investigação em cinco ho- riam a intenção de sequestrar aeroporto pôr em causa a segurança do de arte jamais realizada. Que esses espí- de dólares em donativos para ajudar no
mens das testemunhas deti- o avião. Pentágono. ritos tenham conseguido, num só acto, esforço de recuperação dos ataques da
das, que conheceram os ter- o que os músicos apenas ousam sonhar semana passada em Nova Iorque e em
roristas ou teriam mesmo Al-bader al-Hazmi — ensaiar como loucos durante 10 anos Washington. O American Liberty Par-
conhecimento dos ataques. To- Este radiologista saudita, de DIRIGENTE DE ASSOCIAÇÃO para um concerto e depois morrer —, tnership irá entregar a quantia a quase
dos têm origem árabe e com- 34 anos, poderá ter fornecido PORTUGUESA ESTAVA NUMA TORRE essa é a maior obra de arte de todo o 30 associações de caridade, incluindo a
portamentos suspeitos. Ali ajuda técnica e financeira aos cosmos.” Foram estas as polémicas pa- Cruz Vermelha, o Exército de Salvação
Khan e Azmath traziam cai- piratas do ar. O “Dallas Mor- O vice-presidente da associação portu- lavras proferidas pelo compositor ale- e o New York State World Trade Center
xas com x-actos — instrumen- ning News” indicava que ele guesa Lar dos Leões de Nova Jersey, mão Karlheinz Stockhausen durante Relief Fund. Os donativos recebidos de
to de ameaça utilizado pelos tinha lugar reservado para um Joe Salgado, foi um dos ocupantes da uma conferência de imprensa que de- organizações públicas ou comerciais
piratas do ar —, Moussaoui voo da United Airlines com Torre 1 do World Trade Center (WTC) correu no domingo, em Hamburgo, que serão utilizados para ajudar na recons-
já tinha sido preso por contra três outros suspeitos. O seu que conseguiu sobreviver ao atentado, levaram a organização do Festival de trução dos edifícios e na assistência
espionagem, suspeita-se que nome indicia a possibilidade apesar de a sua fuga para o exterior Música daquela cidade a cancelar os médica e financeira aos sobreviventes.
outro seja da família de um de ser familiar de um dos pi- ter demorado “40 longos minutos”. A dois concertos do compositor agenda- O site faz actualizações constantes re-
dos piratas do ar. ratas do ar. fuga deste funcionário do banco First dos para anteontem e ontem, conside- lativamente à evolução dos esforços de
Os agentes realizaram bus- Union, no 43º andar da Torre 1, é conta- rando-as “imperdoáveis”. “Imaginem recuperação e dos próximos passos do
cas no complexo residencial Incógnita da na edição de ontem do bissemanário o que se passou. Cinco mil pessoas con- processo. Os parceiros da American
onde vários familiares de Bin Do quinto suspeito apenas se “Luso-Americano”. Embora natural centradas numa representação são le- Liberty Project incluem a Amazon.com,
Laden vivem, escrevia ontem sabe que é um homem de ne- da Galiza, Joe Salgado tem-se mantido vadas, num instante, através da ressur- a AOL Time Warner, a Cisco Systems,
o “Boston Herald“. O jornal gócios de Orlando. ligado ao Lar dos Leões, onde foi um reição. Não poderia jamais consegui-lo. o eBay, a Microsoft e o Yahoo!.
D E S TA Q U E 1 3
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 20 SET 2001

COMO ARAFAT “DERROTOU” SHARON


POR CARTA E TELEFONE AHMED JADALLAH/REUTERS

O líder palestiniano prometeu


fornecer a Bush informações
secretas sobre os laços de Bin
Laden com os islamistas
palestinianos
MARGARIDA SANTOS LOPES

O ano de 1990 foi desastroso para Yasser


Arafat: apoiou o homem errado (Saddam
Hussein) no momento errado (invasão
iraquiana do Kuwait). Com isso, perdeu
legitimidade internacional, hostilizou
importantes aliados árabes e levou à fa-
lência a sua Organização de Libertação
da Palestina (OLP). Esta semana, demons-
trou que aprendeu a lição: ofereceu um
incondicional cessar-fogo — mesmo em
situações de autodefesa — a Ariel Sharon,
e ofereceu-se para fornecer aos EUA in-
formações secretas sobre as ligações a
Osama bin Laden dos grupos islamistas
na Cisjordânia e Faixa de Gaza.

A PRIMEIRA MENSAGEM
Arafat, que muitos acusam de não ter
estratégia, agiu desta vez metodicamente.
Minutos depois de os pilotos kamikazes
supostamente recrutados por Bin Laden
se terem feito explodir contra o World
Trade Center e o Pentágono, o líder pa-
lestiniano enviou uma mensagem para a
Casa Branca a exprimir condolências. As
palavras perderam força devido às ima-
gens televisivas que mostravam palesti-
nianos a celebrar a tragédia americana.
Embaraçada, explicou o diário britânico
“The Guardian”, a liderança palestiniana
enviou uma segunda mensagem, subli-
nhando que os celebrantes eram uma
pequena minoria de “ignorantes” não
representativos do povo. A seguir, Arafat
fez questão de ser filmado e fotografado a
dar sangue para as vítimas dos atentados.
Insensível a estes gestos, Sharon enviou Arafat decidiu dar sangue para as vítimas americanas de modo a apagar
tanques para Jenin, Jericó, Ramallah e as imagens de palestinianos a celebrar os ataques contra os EUA
Gaza, provocando dezenas de vítimas,
entre civis e guerrilheiros. O seu ministro
da Defesa, Benjamin ben-Eliezer, chegou
a vangloriar-se: “Sim, matámos palesti-
se inicialmente relutante. Ele não tinha
concordado com a passividade de Israel
O PONTO DE VIRAGEM
nianos e o mundo nem piou.” em 1991, quando mísseis iraquianos caí- O fim-de-semana terá sido o ponto de vira-
ram sobre Telavive — a contenção tinha gem. O Presidente do Egipto e o rei da Jor-
OS CONTACTOS DE POWELL sido pedida pelo então Presidente George
Bush (pai de George W.) — para garantir
dânia, conscientes de que Sharon come-
tera um erro de cálculo, endureceram as
Não foi bem assim. Nesse preciso ins- a presença da Síria e de outros árabes suas posições. Hosni Mubarak foi à CNN,
tante, o secretário de Estado norte-ame- na coligação anti-Saddam. Powell fez pos- em horário nobre, dizer que Bush lhe pro-
ricano, Colin Powell, estava a iniciar teriormente mais quatro telefonemas a metera pessoalmente ser mais activo na
contactos exploratórios com países mu- Arafat, a quem terá dito: “Apesar do vosso procura de um cessar-fogo, mas que Sha-
çulmanos do Médio Oriente e da Ásia sofrimento, peço-lhes que façam avan- ron “estava a aproveitar a oportunidade de
para os convencer a integrar uma vasta çar o processo de paz.” O líder da OLP, lançar ataques que terão terríveis reper-
coligação, semelhante à que ele ajudara adiantou o “Guardian”, insistiu numa cussões”. Abdallah bin Hussein comentou
a formar em 1990-91 no Golfo. Powell sa- cessação da ofensiva militar israelita nas que os ataques nos EUA não teriam aconte-
be como é importante obter este apoio áreas autónomas palestinianas, e Powell cido se Bush tivesse ajudado a reconciliar
num eventual ataque ao Afeganistão, go- telefonou a Sharon. israelitas e palestinianos.
vernado pelo mais fundamentalista dos
regimes islâmicos. Porque lutar contra
Cabul não é o mesmo que lutar contra
A DESOBEDIÊNCIA DE “ARIK” A “CHANTAGEM” DO DINHEIRO
Bagdad. No caso do Iraque era mais fácil, A resposta de “Arik” Sharon chegou no Na segunda-feira, Sharon recebeu outro
os árabes justificaram o alinhamento com sábado, quando decidiu cancelar um en- telefonema. Bush ter-lhe-á lembrado que
o “parceiro estratégico de Israel” pelo fac- contro entre Peres e Arafat, marcado para Israel é o maior receptor mundial de ajuda
to de irem socorrer um “irmão” (Kuwait) domingo, e fazer o seguinte comentário ao dos EUA (3000 milhões de dólares anu-
invadido por outro “irmão” (Iraque). “Yediot Ahronot”, o mais influente diário ais). E terá recordado também que, em
hebraico: “É inconcebível conceder [a 1991, o seu pai reteve garantias de mui-
A INTERVENÇÃO DE BUSH Arafat] legitimidade só porque alguém
pensa que pode facilitar a inclusão de
tos milhões de dólares de créditos bancá-
rios para forçar Yitzhak Shamir, o então
Os árabes — sobretudo o Egipto, a Jordâ- países árabes na sua coligação. Não paga- primeiro-ministro do Likud (partido de
nia e a Arábia Saudita — aproveitaram remos o preço da criação desta aliança.” Sharon), a iniciar negociações de paz com
as suas declarações de pesar para lem- Ordenou de seguida o estabelecimento os árabes. Na terça-feira, Arafat enviou
brar a Powell que foi o desprezo a que de uma zona-tampão na Cisjordânia, en- mais uma mensagem à Casa Branca. Es-
o seu Governo votou o conflito israelo- cerrada a todos os palestinianos, excepto tava disponível para fornecer segredos
palestiniano que permitiu uma escalada os camponeses locais. Justificou a acção sobre os laços de facções islamistas pa-
no sentimento antiamericano. Foi então como sendo a sua própria “luta contra o lestinianas com a rede de Bin Laden: “O
que George W. Bush terá telefonado a Sha- terrorismo”. Bush terá dito que sentia in- nosso objectivo é garantir um mundo em
ron, exortando-o a autorizar um encontro sultado por Sharon ter comparado Arafat que prevaleçam a segurança, a paz e a
entre Arafat e Peres, porque isso seria a Bin Laden. Sobretudo porque os EUA justiça, e faremos o possível para atingir
de “interesse, a longo prazo, na guerra tinha perdido, num só dia, mais vidas do esse fim”. No mesmo dia, Sharon ordenou
contra o terrorismo”. Sharon mostrou- que Israel em décadas de conflito. às suas tropas um cessar-fogo. 
1 4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 20 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

“Rating” dos programas


21:56 - TVI

Para lá do Direito 20 (%)

13:58 - RTP2
RTP1 RTP2 SIC

20:48 - RTP1
lidera, concorrência
TVI inicia telenovelas

Internacional 15
primeiro canal
a dar a notícia

SIC
emite publicidade

lidera durante toda a tarde


Oito dias passados sobre A OPINIÃO DE acusação, julgamento e
10
a catástrofe que se abateu JOSÉ SOUTO MOURA punição.
sobre os Estados Unidos O terrorismo é um fe-
da América, é difícil dizer A repressão penal irá ceder à nómeno que tem sido tra-
a propósito alguma coisa retaliação militar. O que tado juridicamente como
5
que ainda não tenha sido crime. À primeira vista, a
dita. O que podia ou de-
aconteceu à América vai com reacção das autoridades
via ser referido já o foi, de certeza ser objecto de americanas enquadra-se
um modo ou de outro, por aturados estudos, nos anos num processo de repres-
pessoas com responsabili- são penal tradicional por- 0
vindouros

13:11
13:32
13:53
14:14
14:35
14:56
15:17
15:38
15:59
16:20
16:41
17:02
17:23
17:44
18:05
18:26
18:47
19:08
19:29
19:50
20:11
20:32
20:53
21:14
21:35
21:56
12:50
dades ou sem elas, por co- que foi encetada uma in-
mentadores com prepara- vestigação policial para
Fonte: Marktest Período Horário
ção específica ou por simples cidadãos. descoberta dos autores dos crimes. A sequên-
Na terça-feira, passei por uma sequência de cia de tal investigação é que, de algum modo,
sentimentos que iam da mais viva surpresa à poderá ser, digamos, “atípica”.
mais revoltada das indignações, como suponho A qualificação dos ataques como actos de
que aconteceu com a maioria esmagadora das guerra, a mobilização de 50 mil reservistas
pessoas. Tudo isto à mistura com uma sensação das Forças Armadas e o anunciado cenário de
de incredulidade sobre o que se estava a desen- ofensivas militares são sinais claros de que
SIC liderou, mas RTP2
noticiou primeiro
rolar e de impotência face à impossibilidade de não se prevê como fácil fazer sentar nenhum
travar o que de mal pudesse ainda acontecer. arguido perante o tribunal.
Acontece que poucos dias antes da catástrofe A repressão penal irá, portanto, ceder à
eu estava lá. Lá em Manhattan, lá nas “Twin retaliação militar. O que aconteceu à América
Towers”. Vivi, portanto, estes acontecimentos vai com certeza ser objecto de aturados estu-
condicionado por recordações bem recentes e dos, nos anos vindouros, sobre as fronteiras
vergado sob o peso do aleatório que se inscreve do Direito Penal, incluindo os crimes de ter- A RTP conseguiu finalmen- Trade Center, a RTP2 esteve
nas nossas vidas. rorismo e os conflitos armados, próprios do
ESTUDO SOBRE te liderar as audiências, ainda sempre em último lugar nas
À certeza de que após 11 de Setembro o mun- estado de guerra. INFORMAÇÃO TELEVISIVA que por poucos minutos, às contagens. O “share” diário
do não será o mesmo somam-se prudentes dú- O ataque de 11 de Setembro, pelos propósitos 20h48 (com 37,3 por cento, con- de 5,4 por cento foi até infe-
vidas sobre qual será o rumo da mudança. que se supõe lhe subjazem, pelo país atingido, tra 24,8 da SIC e 24,9 da TVI), rior ao registado na terça-fei-
Obviamente que a pretensão de invulnera- pelas vítimas causadas, ou pela metodologia A informação da SIC mas não por mérito próprio: ra da semana anterior (5,7) e
bilidade por parte de um Estado, qualquer que utilizada, é inusitado e abalou os parâmetros foi a mais vista no dia nessa altura, as duas estações à média dos meses de Julho e
ele seja, bem como de completa segurança por relativamente claros dentro dos quais nos habi- dos atentados. A RTP1 concorrentes fizeram inter- Agosto. Segundo os dados da
parte de cada um de nós, simples cidadãos, tuámos a raciocinar. Por um lado, os actos come- valo para publicidade. O mes- Marktest, a categoria vídeo/
surge agora como assustadora e terrivelmente tidos dificilmente se enquadrarão na definição só conseguiu liderar mo aconteceu precisamente outros, onde se inclui a TV
ridícula. Só que uma coisa é a humildade de tradicional de guerra ou de conflito armado quando a concorrência uma hora depois, mas então Cabo e a parabólica, registou
reconhecer limitações e outra a desistência internacional, não tanto por falta de emprego passava publicidade. a diferença em relação à SIC um aumento em relação à mé-
de combater o mal que nos atinja. E digo nos de uma violência, que neste caso até foi espan- e à TVI não chegou a superar dia de “share” dos últimos
atinja, porque os aviões que se despenharam tosa, mas sobretudo por se tratar, até ver, de
Foi a RTP2 a primeira a um por cento. meses — que não tem fugido
nos EUA também, de certo modo, caíram em ocorrência isolada. Por outro lado, a dimensão dar a notícia A TVI retomou as rédeas dos oito por cento —, cifran-
qualquer dos países que se reclamam da cha- da catástrofe resiste a um tratamento próprio só das audiências a partir das do-se em 10,1 por cento. Para
mada civilização ocidental. Quanto mais não de Direito Penal, ainda que internacional. MARIA LOPES 21h56 para não mais as largar, este crescimento terá contri-
seja porque uma cultura que nos envolve torna- Quer se trate de um acto de guerra a que não com informação mas com buído o facto de a SIC Notí-
nos próximos, sem necessidade de grandes se ripostará em termos também bélicos, quer O primeiro canal português três telenovelas: Anjo Selva- cias ter sido vista por 30 mil
opções, daqueles que foram agora vítimas di- se trate de um acto terrorista que provoca o de sinal aberto a noticiar o gem, à cabeça, logo seguida espectadores, quando a média
rectas da catástrofe. E também não tenhamos desencadear de uma guerra, ou ainda de um embate dos dois Boeing nas de Filha do Mar e Olhos de costuma rondar os dez mil.
dúvidas de que nem todas as culturas se equi- crime, vários crimes, a que se reage em termos torres gémeas do World Tra- Água. Apesar da liderança da SIC
valem, porque nem todas apostam na coexis- de Direito Penal Internacional, reclama-se uma de Center foi a RTP2, dois mi- O sucesso das novelas do no “share” global do dia, o
tência pacífica da diferença. resposta firme. nutos antes da SIC e quatro quarto canal deram-lhe o canal de Carnaxide continua
Um ponto entre muitos outros poderá reque- Quanto ao que possa ou deva ser tal resposta, antes da RTP1 e TVI. A RTP2 maior “share” global do dia sem conseguir inverter a ten-
rer reflexão e provavelmente mudança nos parece haver amplo consenso no sentido de que transmitia na altura o bloco (32,3 por cento contra 29,9 da dência descendente dos últi-
conceitos e estratégia de actuação. não deve ser protagonizada só pelos EUA. Ao noticioso “Euronews”, em si- SIC e 22,3 da RTP1), mas nos mos meses — 35,5 por cento
Será a questão da fronteira entre o mundo invés de uma liderança “sobre”, interessaria multâneo com a estação por serviços noticiosos ocupou em Julho, 34,7 em Agosto, 31,4
da repressão do crime e o da guerra. Ou seja, uma liderança deste país “com” os outros Es- cabo do mesmo nome, como é apenas o segundo lugar (27,9 a 4 de Setembro.
do Direito que se socorre da força e o da força tados, e ver qual o papel do Conselho de Segu- habitual. Os principais blocos por cento), seguida de perto O estudo da Marktest me-
que se pretende não esqueça o Direito. rança da ONU em tudo isto. Os Estados Unidos noticiosos dos quatro canais pela RTP1 (27,2). Mesmo ten- diu ainda o índice de fide-
Nos sistemas penais de ressonância ética da América têm a seu lado neste momento não de sinal aberto ocuparam, no do sido a primeira a dar a no- lidade dos telespectadores,
como o nosso, crime, na sua expressão mais só quantos poderão ser apelidados de seus alia- dia do atentado, 29h02m07s de tícia dos atentados no World concluindo que a RTP1 con-
simples, será toda a acção humana que causa dos em termos geopolíticos como todos aqueles emissão. seguiu “agarrar” mais o pú-
um mal reputado grave a outrem, indivíduo ou que estão contra o terrorismo internacional. Nesse dia, durante os perí- blico, com uma taxa de 60,7
sociedade. Os chamados crimes de guerra são E não são nada poucos. odos de emissão de notícias, NÚMEROS por cento, seguida pela TVI
simplesmente crimes cometidos durante ou A reacção que se vier a levar a cabo, como qual- a SIC liderou as audiências com 58, enquanto a SIC se fi-
na prática da guerra, mas não se confundem quer comportamento humano, não pode prescin- com 33,5 por cento de “sha- 37,3 por cento de “share” cou pelos 49,4, e a RTP2 com
com ela. O actual crime de agressão, também dir de uma dimensão ética. Um procedimento re”, mas a maior fidelização Momento de maior 42,6.
previsto desde Nuremberga na área do Direi- punitivo será “selvagem” se ceder à tentação do de público coube à RTP1. liderança, na RTP1, às Quando a notícia surgiu, os
to Internacional Penal, assumir-se-ia na sua puro mecanismo de bode expiatório e será inútil, De acordo com um estudo 20h48 blocos informativos da hora
dimensão mais estrita como emprego da força quando não contraproducente, se se limitar a realizado pela Marktest com de almoço estavam pratica-
por parte de um Estado, contra a soberania, acrescentar a um sofrimento outro sofrimento, o objectivo de identificar as 60,7 por cento mente na recta final e, de re-
a integridade territorial ou a independência em ambos os casos de vítimas inocentes. mudanças de liderança e os Maior grau de fidelização, pente, tiveram de, literalmen-
política de outro Estado, ou por qualquer ou- Mas a reacção pode e deve alcançar objectivos picos de audiência mais sig- na RTP1 te, ser esticados. E acabaram
tro modo incompatível com a Carta das Na- utilitários. Extirpar o terrorismo, qualquer que nificativos ao longo da emis- por durar a tarde inteira. O
ções Unidas. Esta aproximação à definição de ele seja, passa pela punição dos responsáveis são do dia 11 nos quatro ca- 29h02m07s mais longo foi o Jornal da
agressão, proporcionada por uma resolução sem hesitações. Porque nada, absolutamente nais, a tarde informativa, até Tempo de informação nos Tarde da RTP1 (seis horas e
da Assembleia Geral da ONU de 1974, revela nada, justifica uma estratégia de terror. às 19h30, foi liderada pela SIC, quatro canais 50 minutos), seguido pelo TVI
as dificuldades com que todos se têm debatido A “riqueza” da realidade, neste caso horro- embora a diferença de “ra- Jornal (seis horas e oito mi-
para se circunscrever o crime de agressão, rosa, suplanta claramente a ficção. ting” (audiência média em de- “Share” (%) nutos), e só depois pelo Pri-
ou contra a paz, como também já se apelidou. Um grupo de indivíduos, ao que parece me- terminado momento) entre notícias global dia meiro Jornal da SIC ( cinco
A ponto de o Estatuto de Roma que criou o nos de seis, domina em cada avião dezenas de os três principais canais não SIC 33,5 29,9 horas e 57 minutos). O Jornal
Tribunal Penal Internacional se ter abstido de pessoas. Usa para tanto, também ao que pare- tenha sido muito significati- TVI 27,9 32,3 da Tarde da RTP1 terminou
definir, por ora, esse crime, e diferido, portanto, ce, instrumentos cortantes aparentemente de va. A interrupção para publi- RTP1 27,2 22,3 oito segundos antes do início
a efectivação da competência do tribunal nessa utilização banal. A sequência são milhares de cidade às 19h32 foi fatal para RTP2 10,3 5,4 do Telejornal, enquanto a SIC
matéria para mais tarde. vítimas, incluindo os próprios, danos materiais a SIC, fazendo o seu “share” fez um intervalo de 11 segun-
Seja como for, estaremos ainda aqui a movi- e morais incomensuráveis. cair dos 34,4 por cento para dos entre o Primeiro Jornal
mentar-nos no domínio do Direito Penal. A Morrer voluntariamente matando ou é insa- 26,7 no minuto seguinte, ao e o especial que chamou de
raciocinar em termos de uma resposta repres- nidade mental ou é desespero. Como é que será passo que a TVI subia de 31,9 Ameaça Mundial — que subs-
siva clássica, assente na tríade investigação/ possível olhar de frente esta realidade?  para 36 por cento. Até às 20h25 tituiu o Jornal da Noite. Mais
a liderança foi alternando en- longa foi a pausa entre o TVI
tre a TVI e a estação de Car- Jornal (almoço) e o Jornal Na-
Procurador-Geral da República naxide. cional: 12m43s. 
D E S TA Q U E 17
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 20 SET 2001

INQUÉRITO
Sampaio diz que segurança não pode 1. O que mudou no mundo?

pôr em causa valores democráticos 2. Como devem e podem os Estados Uni-


dos e os seus aliados responder a esta
situação?
DAVID CLIFFORD

PR pede urgência na “uma das mais graves ameaças


reestruturação das à segurança e paz internacio-
Forças Armadas, nais”, o PR apelou à discussão “O ritmo das mudanças
sobre “as formas mais adequa-
ponderação na Lei de das à participação nacional no civilizacionais não
Programação Militar esforço necessário ao combate é o do fluxo financeiro”
ao terrorismo”, mas não deixou
SÃO JOSÉ ALMEIDA de frisar que as respostas à nova
situação “têm que se situar nos 1 — O que mudou? No imediato, a
A realidade política internacio- quadros da comunidade inter- consciência de que um bocado do
nal revelada pelos atentados a nacional e da sua ordem jurídi- mundo explodiu também nas “Twin
Nova Iorque e Washington le- ca e deverão ser utilizadas com Towers”, símbolos não só do capita-
vou o Presidente da República, firmeza, adequação, proporcio- lismo e do poderio americano, mas
Jorge Sampaio, a dirigir uma nalidade e bom senso”. [também] da audácia e da criação
mensagem à Assembleia da Re- O PR sublinhou que “o fana- dos homens. Tomámos consciência
pública, convidando os repre- tismo e o fundamentalismo não de que não há oceanos, técnica e po-
sentantes eleitos ao segundo ór- são exclusivos de nenhuma re- der que nos resguardem e de que ne-
gão de soberania a reflectir e a gião, de nenhuma cultura, de ne- António nhum governo, por mais poderoso
acompanhar a situação. nhuma religião” e defendeu que Borges que seja, pode ter êxito na pretensão
O alerta para o imperativo de- “a tolerância, o respeito pelas Coelho, de dirigir sozinho o destino do mundo.
bate sobre se se pode ou não co- minorias e pela diferença devem historiador e A vida, o bem mais precioso, pode ser
locar à frente da legitimidade continuar a ser apanágio das professor uma arma terrível quando sacrificada
democrática e das liberdades in- nossas sociedades abertas.” universitário para espalhar a morte. Quanto às mu-
dividuais a necessidade de ga- Fazendo uma profissão de fé danças em curso na vida real, elas
rantir a segurança dos povos nos valores democráticos, Sam- vão definir-se irreversivelmente no ti-
contra o terrorismo feito pelo PR paio antecipou o debate, afir- po das respostas. Para já, sentimos que alguma areia
foi acompanhado de um apelo mando: “As autoridades com- entrou na engrenagem da globalização, na economia,
para que os deputados acelerem petentes devem desenvolver e nas liberdades, na confiança. Agudizam-se as contra-
a aprovação das leis que enqua- promover, na justa medida, uma dições confessionais e civilizacionais. Muitos políticos
dram a reforma das Forças Ar- cultura democrática sobre a se- e alguns entusiastas desta globalização esquecem-se
madas, que Sampaio não desiste gurança, adequada ao combate que há povos que ainda se regem por normas do Velho
de exigir. Nomeadamente, adver- ao terrorismo, de forma a que Testamento e que o ritmo das mudanças civilizacio-
tiu para a necessidade de pensar a legalidade democrática seja nais não é o do fluxo financeiro.
a “adequação da Lei de Progra- rigorosamente respeitada e não
mação Militar” e a “avaliação O Presidente apelou à defesa dos valores democráticos fique à mercê de assassinos.” 2 — Foi quase unânime o repúdio, a ansiedade e o
detalhada das condições de exer- E concluiu: “A luta contra o sofrimento solidário com as vítimas de Manhattan que
cício dos serviços de seguran- terrorismo é um combate justo, quase ouvimos desaparecer sob os escombros. Ouço
ça”. Ao apelar para a reflexão e coordenada no âmbito da políti- do processo de integração eu- pela democracia, pelos valores a minha filha, lamenta os mortos inocentes e a beleza
acção da AR, o PR não deixou ca de defesa, segurança, liberda- ropeia”, afirmou Sampaio na da dignidade, da segurança e ferida da cidade de Nova Iorque. Espero que a res-
também de anunciar que deci- de e justiça da União Europeia. sua mensagem, prosseguindo: do direito. É um combate pelos posta não lance petróleo sobre as chamas das con-
dira convocar o Conselho de Es- “Creio ser decisivo inscrever es- “Os princípios orientadores do princípios em que não há lugar tradições religiosas e civilizacionais e que não se
tado e o Conselho Superior de sa campanha e os nossos pró- Direito Internacional têm de ser para falsas neutralidades. É um responda ao terrorismo organizado com terrorismo de
Defesa Nacional. prios esforços num quadro de respeitados e as Nações Unidas combate que será travado, du- Estado. As Nações Unidas deverão ocupar o lugar
Na mensagem, que foi lida pe- articulação crescente entre os têm de continuar a desempe- rante um período longo, com que lhes compete e não podemos humilhar indefinida-
lo presidente da AR, Sampaio sistemas de segurança interna- nhar um papel essencial no es- dificuldades, com perdas e com mente povos com uma longo passado histórico e cul-
fez questão de acentuar que a cionais em que estamos integra- pírito da sua carta fundadora.” riscos. Será o trabalho, talvez, tural como são os povos islâmicos. O islão não é o
posição portuguesa tem de ser dos e, paralelamente, no reforço Assumindo que se tratou de de uma geração.”  inimigo. Por favor, políticos, não activem novas guer-
ras religiosas e não confundam o fosso entre os ricos
e os pobres. Lembro a canção de Brecht/Kurt Weil:
“Os cavalheiros que pensam/ ter como missão/ pur-
Assembleia dividida sobre como gar-nos/ dos sete pecados mortais/ deviam primeiro
entender/ a posição básica de comer.”

responder ao terrorismo “Pode funcionar como


BE apela ao pacifismo, posição pacifista e com contor- gicas do Ocidente falaram pelo digma do “cosmopolitismo e da intervenção da mão esquerda
Paulo Portas ao nos anti-sistema do BE e a po- PS José Lamego e depois Fran- convivência pacífica entre os
sição assumida pelo PS, PSD e cisco Assis, e pelo PSD Durão povos”. E afirmou a necessida- de Deus”
securitarismo. PS e PSD PP em defesa dos compromissos Barroso. Mas aqui já contra a de de Portugal dar “assistên-
unem-se num combate portugueses para com os seus posição do BE, expressa por cia a uma acção retaliatória”. 1 — Julgo ser nosso dever olhar pa-
ao terrorismo que não aliados e da necessidade de ser Francisco Louçã logo na pri- Também Assis rejeitou o que ra além dos acontecimentos que
questione as liberdades dada uma resposta aos atenta- meira declaração política. Afir- classificou de “retórica pacifis- destruíram edifícios, vidas e sonhos.
dos. A segunda, isolou Paulo mando que o terrorismo que ta” do BE que mais não é, na Sinto que, com estes gestos terroris-
Portas — até Basílio Horta se- actuou nos EUA “não represen- opinião deste deputado, do que tas, mais que edifícios e vidas, foram
ria mais moderado na discussão ta os oprimidos”, Louçã defen- uma atitude de demissionismo atingidos, rude e profundamente, os
Na sequência da mensagem do dos votos —, que fez uma vinca- deu que a uma resposta belicis- face ao um totalitarismo do ti- próprios alicerces desta “civiliza-
PR, a Assembleia da República da defesa da segurança em de- ta os Estados aliados optem na po do “patriotismo cínico” de ção”. É verdade que o mundo não
dividiu-se ontem na sua primei- mérito das liberdades individu- resposta por outras soluções, Salazar. será mais o mesmo. Pelo menos, te-
ra abordagem da nova situação ais, chegando mesmo a falar de sugerindo o corte financeiro. Esta posição fora antes assu- D. Manuel rá que descobrir uma dimensão de
internacional nascida com os “mundo livre” e acusando as de- Mas sustentou: “Não devemos mida pelo presidente do PSD, Martins, solidariedade tanto quanto possível
atentados terroristas nos EUA mocracias ocidentais de terem aceitar a guerra global prolon- que garantira: “Não podemos bispo emérito universal, deixando de “encostar-
— o assunto será debatido na uma “desregulamentação exces- gada.” E criticou o “mundo li- voltar ao período cínico da nos- de Setúbal se” a um “amigo” de quem tudo es-
terça-feira com a presença do siva” do espaço aéreo e das fron- vre” pela actuação do Ocidente, sa história.” E, assumindo a de- perava e de quem tudo dependia.
primeiro-ministro. No final, já teiras. Rematando que o Ociden- sem nomear especificamente os fesa das posições estratégicas Estados Unidos do mundo e não
depois da votação dos votos de te está “em crise de valores”, EUA, noutras crises internacio- das democracias ocidentais, mais Estados Unidos da América.
pesar — só o conjunto do PS, pelo que tem de “tomar cuidado nais e em conflitos regionais ou afirmou: “Em circunstância
PSD e PP foi aprovado, com as com o seu rearmamento”. nacionais ao longo dos anos. Já alguma devemos ceder à chan- 2 — É evidente que se torna necessária e urgente
abstenções das socialistas Isa- Uma posição que não ficou o PCP, pela voz de Bernardino tagem.” Defendeu que também uma resposta. Todavia, que não “cheire” a Hiroxima
bel Pires de Lima e Eduarda sem resposta. De imediato Ma- Soares, assumiu uma posição não se deve agir com base no ou Nagasaqui (que terão já, e também, as suas culpas
Ferronho, os votos individuais nuel Alegre atirou: “No dia em não belicista mas mais mode- medo e recusou o “pacifismo nestes trágicos acontecimentos). Faz parte da Justiça
do PCP, de “Os Verdes” e do BE que os valores de segurança se rada. falso”. E Durão perguntou, co- e da Ordem civilizacional restabelecer equilíbrios
chumbaram —, todos os depu- sobrepuserem aos valores da de- Lamego assumiu que “não mo que antevendo a cimeira quebrados. Que isso se faça com inteligência. Toda-
tados se uniram num minuto mocracia e a intolerância aos va- foi uma nação que foi atingida, extraordinária dos líderes eu- via, a meu ver, o que importa é uma grande, profunda
de silêncio em memória das ví- lores da tolerância, teremos dado foram as bases civilizacionais ropeus de amanhã: “Até onde e abrangente reflexão, no sentido de se criar uma
timas. ao terrorismo internacional a de vida em comum de povos e estamos dispostos a ir para de- Ordem Nova. Esta, em que temos vivido (ou sobrevivi-
E foram de dois tipos as cliva- vitória que ele nunca teve.” nações”, advertindo mesmo que fender a nossa liberdade, a nos- do), faliu. Estes acontecimentos podem funcionar co-
gens que se manifestaram no Na defesa do combate activo e “não foi por acaso que um dos sa civilização, as nossos valo- mo intervenção da mão esquerda de Deus, para mu-
hemiciclo. A primeira, entre a integrado nas alianças estraté- alvos foi Nova Iorque”, para- res?”  S. J. A. darmos para outros caminhos.
1 8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 20 SET 2001 TERROR NA AMÉRICA

PORTUGUESES ADMITEM LIMITAÇÃO DAS LIBERDADES


INDIVIDUAIS PARA COMBATER TERRORISMO
Receiam que o país venha a ser alvo de atentados e colocam CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS

os países árabes como os principais culpados da instabilidade A vigilância contra o terrorismo


tem de aumentar...
no Médio Oriente. São os últimos números da sondagem Ns/Nr
mesmo
que isso
da Universidade Católica para o PÚBLICO, Antena 1 e RTP 15,6% afecte
as nossas
liberdades
individuais.
NUNO SÁ LOURENÇO cercear os direitos dos cidadãos. de ser surpreendentes. Questio- FICHA TÉCNICA 50,0%
Saliente-se, no entanto, que na nados sobre quem teria “maiores desde
Exactamente 50 por cento. É esta sondagem não foram especifica- responsabilidades pelos confli- que isso
a percentagem de inquiridos que das quais as “liberdades indi- tos que se vivem hoje no Médio Esta sondagem foi não afecte
afirmam considerar que a “vigi- viduais” que as pessoas admi- Oriente”, os inquiridos coloca- realizada pelo Centro de as nossas
lância contra o terrorismo tem de tiam ver limitadas. Não se sabe ram em primeiro lugar os países Sondagens e Estudos de liberdades
aumentar, mesmo que isso afecte se as pessoas, ao responder a es- árabes, seguidos pelos Estados Opinião da Universidade individuais.
as nossas liberdades individuais”. ta questão estariam a pensar em Unidos. Católica (CESOP) para o 34,4%
Foi essa a resposta dos entrevista- passar mais horas num aeropor- A ressalva, contudo, vai para PÚBLICO, Antena 1 e RTP,
dos, apesar da sondagem da Uni- to para apanhar um avião, ou se os mais de 38 por cento que opta- entre os dias 15 e 17 de Pessoalmente, receia que Portugal
versidade Católica ter colocado estavam de acordo com escutas ram por não responder à questão, Setembro de 2001. O
essa frase como alternativa a ou- telefónicas. denotando algum alheamento em universo alvo é composto venha a ser alvo de ataques terroristas
tra que admitia um aumento de Um dos quadros apresentados relação a este tipo de assuntos. pelos indivíduos com mais no futuro?
vigilância “desde que isso não hoje pode ajudar a explicar o Os 25,4 por cento dos países ára- de 18 anos residentes em
afecte as nossas liberdades indi- apoio de medidas de segurança bes se explicam-se facilmente, ten- Portugal continental em Ns/Nr
viduais” (com 34,4 por cento). a qualquer custo. Quase 46 por do em conta o efeito dos próprios habitações com telefone. 9,7%
Uma reacção que pode apontar cento dos inquiridos “receia que atentados e as imagens televisi- Os números de telefone
para alguma falta de maturidade Portugal venha a ser alvo de ata- vas que mostraram árabes cele- foram escolhidos Sim
relativamente ao sistema demo- ques terroristas no futuro”. É a brando os ataques. Quanto aos aleatoriamente das listas 45,9%
crático, não sendo de excluir que demonstração do sentimento de 12,5 pontos dos EUA, demonstra telefónicas nacionais, e
a resposta seja ainda o legado dos insegurança perante os atenta- que alguns portugueses não es- em cada habitação foi Não
58 anos da ditadura salazarista. dos de Nova Iorque, ou mesmo quecem que os norte-americanos inquirida a próxima pessoa 44,4%
O receio de ataques terroristas da tomada de consciência de que tiveram a sua quota-parte de res- a fazer anos. Obtiveram-se
impuseram-se, portanto, à expe- Portugal não está isolado do ponsabilidade ao alimentar al- 916 inquéritos válidos, o
riência de 27 anos de liberdade resto do mundo. Afinal, é mem- guns conflitos na região. que corresponde a uma
de circulação de bens, pessoas e bro da NATO e da União Euro- Quanto a consequências eco- taxa de resposta de 61,3
ideias. peia, tendo mesmo uma base e nómicas, a esmagadora maioria por cento. 52,5 por cento Na sua opinião, quem tem maiores
Desta vez, nem mesmo o factor duas instalações importantes no concorda com os efeitos negati- dos inquiridos eram do responsabilidades pelos conflitos que
“juventude” pode ser utilizado. seu território (Lajes, CINCSOU- vos dos ataques no sector. Mais sexo feminino e a margem
Apesar de entre os mais novos os THLANT em Oeiras e CAOC 10 de 86 por cento acredita que os de erro máximo da se vivem hoje no Médio Oriente?
valores da admissão da limitação em Monsanto). atentados poderão causar uma amostra é de 3,24 por Países Árabes
de liberdades ser elevado, é entre recessão económica a nível mun- cento, com um nível de 25,4%
o escalão etário dos 35 aos 54 anos Países árabes são os maiores dial. Mas, curiosamente, apenas confiança de 95 por cento. Ns/Nr
que a percentagem é maior. Aí, responsáveis 40,5 por cento pensa que os “acon-
38,2% O governo
56,6 por cento acha que para se Os resultados nas questões de polí- tecimentos vão causar mudanças americano
combater o terrorismo se podem tica externa não deixam também na sua vida pessoal”.  12,6%
DYLAN MARTINEZ/REUTERS

Nenhum As autoridades
dos anteriores palestinianas
8,3% O governo 10,9%
de Israel
4,6%

Acha que estes ataques poderão


causar uma recessão económica
a nível mundial?

Ns/Nr
Não 6,1%
7,1%

Sim
86,8%

Acha que estes acontecimentos vão


causar mudanças na sua vida pessoal?

Ns/Nr
10,5%

Sim
40,5%
Não
49,0%

Tal como aconteceu com os norte-americanos, o receio de um atentado fez com que os portugueses admitissem limitar direitos
D E S TA Q U E 1 9
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 20 SET 2001

NERVOSISMO
Estados Unidos preparam pacote DOMINA BOLSAS
de relançamento económico RICK WILKING/REUTERS
Os principais mercados
bolsistas voltaram
ontem às quedas, por
receio de uma recessão
NOVA REDUÇÃO DE pela OCDE apontam mesmo nos Estados Unidos
para um crescimento nulo (ver
IMPOSTOS EM ESTUDO pág. 29). Um relatório da Re- ROSA SOARES
serva Federal ontem publica-
Republicanos e do indicava claramente que Os mercados accionistas eu-
não havia sinais de retoma na ropeus encerraram ontem no
Democratas unidos economia antes dos ataques “vermelho”, à excepção da bol-
contra a recessão. terroristas de 11 de Setembro. sa de Lisboa, demonstrando
Congresso aconselha- Mais, um inquérito sobre o nervosismo e apreensão em re-
estado do consumo privado lação a uma eventual recessão
se com Greenspan e realizado no dia 10 mostrava económica nos Estados Unidos.
encontra-se com que este se encontrava estag- Os receios de que a resposta
George Bush nado ou mesmo em contrac- norte-americana aos atenta-
ção. Uma revelação particu- dos terroristas possa desenca-
larmente grave, quando se dear uma guerra prolongada,
INÊS SEQUEIRA, com agências sabe que é o desempenho des- envolvendo armas químicas
te agregado macroeconómico e nucleares, também está a
Os dirigentes do Congresso que tem impedido a economia condicionar as decisões dos
norte-americano lançaram-se dos EUA de entrar em con- investidores.
ontem num processo de con- traccção. Muitos economistas As bolsas europeias estive-
sultas, que incluiu audiências acreditam que depois dos ata- ram muito voláteis durante a
com o presidente da Reserva ques, a confiança dos consumi- manhã e agravaram as perdas
Federal (a autoridade monetá- dores irá entrar numa espiral depois da abertura das bolsas
ria dos Estados Unidos) e ou- de descida e afectar especial- nova-iorquinas, que ainda se
tras personalidades-chave — mente as companhias de avia- conseguiram aguentar positi-
como o principal assessor eco- ção, a indústria de turismo e vas durante uns minutos, mas
nómico do Presidente George as seguradoras. depois inverteram para for-
Bush, Lawrence Lindsey, e o tes perdas. A meio da sessão, o
antigo secretário do Tesouro Companhias aéreas pedem principal índice de Wall Stre-
Robert Rubin, que fazia parte 17,5 mil milhões de dólares et, o Dow Jones, perdia três
do Executivo do ex-Presidente As transportadoras aéreas dos por cento, e o Nasdaq, habitu-
Bill Clinton. Estados Unidos, que já antes almente mais nervoso e que
Objectivo: preparar um pa- dos atentados previam um agrupa as empresas da chama-
cote de medidas que ajudem a mau ano para o sector a nível da “nova economia”, recuava
relançar a economia, perante mundial, pedem agora ajudas 4,5 por cento. Os analistas ad-
receios de recessão na sequên- estatais no valor de 17,5 mil mitem que nos próximos dias
cia dos atentados terroristas milhões de dólares. O núme- se vai continuar a assistir a
de dia 11. Desenha-se assim ro terá sido ontem apresenta- uma forte volatilidade, até por-
um período de tréguas entre do por um representante da que as notícias que vão surgin-
os dois tradicionais oposito- norte-americana Associação do sobre as empresas não são
res no Congresso. Os líderes de Transporte Aéreo numa au- muito animadoras e vão con-
republicanos e democratas no dição realizada pelo Congres- tinuar as revisões em baixa
Senado e na Câmara de Repre- so, que está a ponderar o lança- de resultados previstos, como
sentantes — respectivamente, mento de um pacote de ajudas aconteceu ontem com a Kodak
câmara alta e baixa do Con- de emergência destinado espe- ou a Adobe Systems.
gresso — puseram, por en- cificamente ao sector.
quanto, de parte as divergên- Os valores ontem apresen- Petróleo recua
cias sobre o orçamento e o tado aos congressistas pelo ad- A volatilidade também é a pa-
destino a dar aos excedentes do ministrador-delegado da Delta lavra de ordem na fixação do
sistema de Segurança Social. Air Lines, Leo Mullin, signi- preço do petróleo e nos merca-
O eventual lançamento de fica todavia um pequeno re- dos cambiais. No caso do petró-
um pacote de ajudas económi- trocesso face às ajudas de 24 leo, a cotação já recuou para
cas está a ser bem acolhido pe- mil milhões de dólares inicial- níveis inferiores aos da semana
lo Presidente norte-america- As medidas em preparação podem abranger redução de contribuições para a Segurança Social mente pedidas pela indústria. anterior ao atentado. Ontem,
no, que irá tomar uma decisão A proposta anterior incluía 7,8 o preço do barril de Brent do
definitiva depois de discutir mil milhões de dólares em cor- Mar do Norte, para entrega em
o assunto com os seus assesso- descida dos impostos era ainda sobre os rendimentos de ca- na cresceu apenas 0,2 por cen- tes de impostos específicos da Novembro, referência na Bolsa
res económicos e os membros antes dos atentados conside- pital com a venda de acções, to no segundo trimestre deste actividade — como a suspen- de Londres, caiu logo a seguir
do Congresso, afirmou ontem rada um passo necessário por ideia que continua a não ser ano, mostrando já sinais de in- são da taxa sobre o combustí- à abertura, transaccionando-
um porta-voz da Casa Branca. alguns congressistas — os Re- bem acolhida pelos seus opo- disposição antes dos atentados vel utilizado pelas companhias se a 26,85 dólares (28,951 euros),
Os dirigentes tinham já ontem publicanos defenderam uma sitores. terroristas do passado dia 11. (“jet fuel”) — que os juristas contra o encerramento a 27,27
um encontro agendado com redução temporária das taxas A economia norte-america- Estimativas ontem divulgadas indicaram não estarem garan- dólares (29,404 euros) na terça-
Bush, a realizar-se na sequên- tidos. feira. Esta tranquilidade pode
cia das consultas aos analistas Outros 11,2 mil milhões de ser explicada pela posição da
económicos. DESPEDIMENTOS EM MASSA NO SECTOR AÉREO dólares exigidos pelo sector di- OPEP, que está a dar sinais de
“Estou confiante em que po- zem respeito a garantias de querer estabilizar o preço à vol-
demos trabalhar com o Con- Boeing — O maior fabricante aeronáutico nor- Continental Airlines — A companhia norte- empréstimo que seriam supor- ta dos 25 dólares (26,957 euros)
gresso para formar um paco- te-americano prevê entre 20 mil e 30 mil des- americana anunciou 12 mil despedimentos e tadas pelo Governo Federal, por barril, mas também pela
te de estímulos económicos pedimentos, cerca de 15 por cento da sua força redução da actividade. enquanto os restantes cinco expectativa e queda de consu-
que envie um sinal claro que o de trabalho, devido a uma revisão em baixa das mil milhões seriam ajudas di- mo da aviação comercial.
Governo vai actuar”, afirmou entregas previstas até 2003. Virgin Atlantic Airways — A companhia do rectas em dinheiro, especifi- Nos mercados cambiais con-
Bush no início desta semana. britânico Richard Branson anunciou 1200 des- cou o vice-presidente da asso- tinua a assistir-se a uma pe-
Uma das principais medidas American Airlines — A maior companhia aé- pedimentos. Ficarão em terra cinco Boeing ciação, Michael Wascom. “Isto nalização do dólar face ao eu-
em cima da mesa são novos rea mundial avisou que pode declarar falência 747-200. Supressão de um quinto dos voos não é uma fiança”, disse. “É de ro. O euro recuperou para os
“cortes” de impostos, mas a se não tiver ajudas do Estado. transatlânticos. sobrevivência que estamos a 0,9302 dólares, uma alta tam-
Casa Branca tem indicado nos falar”. bém acompanhada pela libra,
últimos dias ser ainda muito United Airlines — A segunda maior companhia Lufthansa — Supressão de três rotas intercon- As estimativas da ATA apon- que se fixou nos 0,6332 euros. Já
cedo para especificar em que aérea dos EUA estará preparada para anun- tinentais no horário de Inverno (final de Outu- tam para mais de 100 mil des- o iene caiu, durante a manhã,
termos isso iria ser realizado. ciar a supressão de 20 mil empregos — 20 por bro). pedimentos no sector durante pela primeira vez em quatro
A redução das contribuições cento da sua força de trabalho. A informação, os próximos meses. Dezenas dias contra o dólar, na sequên-
pagas pelos trabalhadores pa- avançada pela CNN, não foi ainda confirmada Air France — Redução dos investimentos e de milhares de despedimen- cia da intervenção do Banco do
ra o fundo de Segurança So- pela empresa. despesas não ligadas à segurança e à ope- tos e redução das operações fo- Japão.
cial e o sistema de saúde norte- ração. Redução da capacidade em cinco por ram anunciados pela indústria No mercado do ouro, em Lon-
americano (Medicare) é uma US Airways — A sexta maior transportadora cento no frete face ao ano passado. Reajusta- de transporte aéreo na última dres, assistiu-se a uma queda
das “muitas opções” em aná- aérea dos Estados Unidos anunciou 11 mil des- mento da frota área. semana (ver caixa), que antes na cotação, com a onça a cair
lise pelo governo federal, ad- pedimentos, quase dez por cento dos seus dos atentados previa um mau para os 289 dólares (312,473 eu-
mitiram já os porta-vozes da efectivos. Redução das operações em 23 por British Airways — Deverá reduzir os efectivos ano devido ao abrandamento ros), contra 290 dólares (313,069
Presidência. Uma eventual cento. e a actividade. da economia mundial.  euros) na véspera. 
E S PA Ç O P Ú B L I C O 21
PÚBLICO•QUINTA-FEIRA, 20 SET 2001

As péssimas ideias
uma semana dos atentados terro- ca vez que o atentado tem autores, como se
ANA SÁ LOPES

A ristas em Nova Iorque e em Wa-


shington, entra pelos olhos dentro
o modo débil, medroso e hesitan-
te com que muitos responsáveis políticos
portugueses responderam ao que se passou.
ele fosse o resultado de um ente abstracto —
que não seja contra as vítimas, porque o seu
objectivo não é condenar o que se passou,
mas condenar de antemão qualquer resposta
ao terrorismo. Em tom depreciativo, Pinta-
PÃO E ROSAS

Os ‘kamikazes’
O primeiro-ministro, como é costume, deu silgo fala da intenção de Bush, Blair, Barak
o exemplo negativo, mais negativo de todos
porque veio de cima, de um discurso hipó-
crita, retórico nas palavras mas temeroso
JOSÉ PACHECO PEREIRA (Barak? — o primeiro-ministro de Israel é
Sharon já há muito tempo...) e Putin quere-
rem conduzir uma “batalha dos países livres
cá de casa
nos actos e que objectivamente deixa os EUA e democráticos contra o terrorismo”. Pinta-
texano Bush filho não terá ul-

O
isolados. Mas não esteve sozinho, esteve bem tasilgo escreveu na “Visão” de 12/9/2001. A silgo põe entre aspas esta última frase para
acompanhado pela ausência de vozes cla- primeira coisa que incomoda a quem o lê é se distanciar ainda mais de classificações trapassado a fase dos livros e
ras que mobilizassem os portugueses para que, sendo o artigo escrito imediatamente que a incomodam — ela acha que os EUA filmes de “cowboys”: o “procu-
um combate que é também o seu. A guerra a seguir aos atentados terroristas, não há ou o Reino Unido ou Israel não devem ser ra-se vivo ou morto” lançado
que vem aí não é dos americanos, é do nosso nele um átomo de qualquer genuíno senti- chamados de “países livres e democráticos”, esta semana atira-nos para dentro de
modo de vida, cultura e civilização, contra mento pelos mortos. Estes não têm direito nem o terrorismo de “terrorismo”. O que um “saloon” e, também de repente, pa-
o intransigente “espírito da morte” como a qualquer “dor” que não seja ela própria Pintasilgo deseja são “fronteiras de paz”, ra o lendário Roy Bean, autoproclama-
instrumento político e os interesses que o enunciada como parte de um argumento “que não sejam novas linhas divisórias entre do juiz por ter toda a sabedoria da lei,
manipulam. político: a “mesma dor que sinto perante os que podem viver uma vida digna e livre” aquela que assiste a quem mais vezes a
Nessa resposta medíocre — e perigosa, todos os injustiçados”. Percebe-se, lendo o e os que “são rejeitados para as margens da infringiu. (Com esta frase ameaçadora,
pois deixa as portas abertas ao terrorismo artigo, que os terroristas vêm também do história”. Estes mecanismos da dualidade segundo a falcoaria emergente, já esta-
—, avultam um conjunto de posições daquilo lado dos “injustiçados” e que, por ironia traem de novo Pintasilgo, porque apresen- rei a legitimar a destruição do World
que a nossa imprensa às vezes chama de cruel, as vítimas só têm direito à “dor” por- tam mais uma vez uma justificação moral Trade Center. Resta-me um telefonema
“senadores”. A designação, mesmo nos ter- que partilham do qualificativo desresponsa- dos atentados. urgente a um psiquiatra: serei eu, dou-
mos ambíguos com que é usada, mistura bilizante com que a autora classifica os seus Quem se lembre do modo como de há muito tor, Osama bin Laden?)
políticos, como Mário Soares, que estão com- assassinos. Se não fora assim, seriam apenas se justifica o terrorismo à esquerda reconhece A coisa não se prestaria a graças se não
pletamente no activo, com outros que vivem americanos, alvos legítimos. imediatamente esta maneira de pensar. Não tivesse emergido na habitualmente ter-
numa espécie de limbo de onde, de vez em É um artigo escrito do princípio ao fim adianta repetir sequer pela milionésima vez na Lusitânia uma onda ‘kamikaze’, que
quando, se dignam regressar para nos eluci- para criticar os EUA, culpabilizando-o do que o terrorismo profissional pouco tem a quer a guerra total (a definitiva, segun-
dar com a sua sabedoria do mundo. As suas do Pacheco Pereira, a que acabará com
intervenções públicas são rodeadas de uma tudo, e, no entanto, imprescindível, es-
espécie de pomposidade reverencial, que as N Ã O É A P O B R E Z A N E M A I N J U S T I Ç A que geram o sencial, urgente). Aparentemente, a on-
protege do escrutínio crítico. Manifesta-se da, se pudesse, fazia uma caça às bruxas
terrorismo, mas a intolerância política e religiosa, as razões de alguns Estados choronas: o estranho é que, entre essas
aqui, como noutros lados, o horror à política
que o salazarismo nos deixou de herança, a pouco recomendáveis, e, acima de tudo, a recusa da democracia, da liberdade bruxas, para além de uns meninos de
enorme incomodidade com a opinião desa- lenço ao pescoço, também se incluem
frontada, com o confronto político e partidá-
ERIC DE CASTRO/REUTERS uma quantidade de veteranos com histó-
rio fundado em posições sem rodriguinhos e ria pró-americana, portanto, com currí-
não envoltas em dez mil desculpas. Não são culo devidamente legitimado e cadastro
“senadores”, nem discursos “senatoriais” limpo junto da CIA.
pairando no Olimpo que faltam na política Os ‘kamikazes’ cá de casa que querem
portuguesa, mas uma vida partidária quali- a guerra, implacável e inadiável, ma-
ficada que, mais uma vez, se mostrou não nifestam misteriosamente mais pressa
existir, em consonância com uma opinião que o insuspeito Co-
pública actuante. lin Powell. Contra
O caso de Maria de Lurdes Pintasilgo é quem, parece coisa Os ‘kamikazes’
típico. A engenheira é uma das personagens de somenos. Con- cá de casa que
que a esquerda portuguesa acha inatacáveis, tra os países que
sejam as suas opiniões das mais sinistras, albergam terroris- querem a
como se verifica no caso vertente. Antiga tas? Evidentemen- guerra,
primeira-ministra, não se lhe conhece qual- te que a guerra, co- implacável e
quer obra governativa, a não ser uma insis- mo já lhe chamam
tência obsessiva em tomar à letra a obriga- os americanos e ou- inadiável,
ção inscrita na Constituição de 1975 de que tros democratas, te- manifestam
devia haver um plano para a economia por- rá de começar no in- misteriosamente
tuguesa. Só Pintasilgo insistia nesta sobre- terior dos próprios
vivência do PREC, com origem nos planos Estados Unidos, on- mais pressa que
quinquenais soviéticos, que nunca ninguém de foram treinados o insuspeito
pensou implementar. Depois de sair do poder os ‘kamikazes’ da Colin Powell.
— onde esteve por escolha presidencial e barbárie de 11 de
Setembro. Evidentemente
não por ter ganho qualquer eleição —, criou
um movimento “pintasilguista”, ao modelo Com a invasão do que a guerra terá
das reuniões da Tupperware, que mereceu Afeganistão pela ca- de começar no
a reverência entusiasmada de tudo quanto que aconteceu. Mas, pior ainda: há no artigo ver com “as margens da história”, nem com valaria (e diz o jor-
nalista Robert Fisk, interior dos
era intelectual da esquerda. um elogio implícito dos terroristas, escrito qualquer causa dos pobres ou dos humilhados
As ideias desse movimento são as mesmas obviamente numa linguagem rebuscada, deste mundo. Os terroristas de Nova Iorque e e não está sozinho, próprios
que Maria de Lurdes Pintasilgo ainda tem disfarçando sempre com argumentos elípti- Washington eram gente educada, movimen- que dificilmente se- Estados Unidos,
hoje e assentam numa crítica severa à demo- cos a posição de fundo da autora. Pintasilgo tando cartões de crédito, usando os pontos rá uma operação
militar triunfante) onde foram
cracia representativa e parlamentar, a favor descreve um confronto entre, de um lado, os obtidos nas viagens aéreas como qualquer
de uma imprecisa e nunca definida “parti- EUA, que tem “high tech”, do outro os que homem de negócios e tendo os conhecimen- espera-se, evidente- treinados os
cipação”, sem qualquer legitimidade demo- têm “high concept” como os terroristas. No tos técnicos necessários para pilotar um jac- mente, a continua- ‘kamikazes’ da
crática, e numa ideologia terceiro-mundista combate entre os dois “high”, ganham os que to comercial. Como os seus precursores no ção da barbárie, do
espírito da cruzada, barbárie de 11
e anticapitalista. Todas estas ideias são com- tem “high concept” porque é “nos conceitos terrorismo extremista europeu dos anos 70,
pletamente difusas e confusas quando se tra- sofisticados, rigorosos, bem elaborados, que não são os esgotos a céu aberto dos campos da espiral que, co- de Setembro
ta de precisar os modelos de poder alternati- mesmo os que não têm tecnologia encon- palestinianos, ou a vida dura das montanhas mo o nosso Pache-
vo que propõe e as fontes da sua legitimidade, tram a força com que penetram no âmago afegãs, ou os bairros de lata do México que co Pereira anteviu
mas particularmente precisas no apontar do inimigo”. Pintasilgo está a descrever os geram estes homens, mas sim o fanatismo prodigiosamente, no que Miguel Portas
dos adversários: a economia de mercado, o terroristas, e mesmo expressões como “pe- ideológico ou religioso, associado ao mundo disse poder ser chamada “a crónica dos
modo de vida ocidental, as tecnologias mo- netrar no âmago do inimigo”, como os aviões dos serviços secretos, ao fluxo dos dinheiros últimos dias”, prepara-se para prosseguir
dernas, as grandes nações democráticas. nas torres de Nova Iorque, traem a frieza do da droga, e onde estão presentes os operacio- com a matança de civis inocentes e poderá
Estas ideias, em conjunto com as concep- pensamento. Por trás deste vocabulário de nais das cruéis ditaduras árabes e não só. reduzir, se quiser, tudo a pó.
ções semelhantes do chamado “eanismo”, Pintasilgo, mistificador na sua procurada Não é a pobreza nem a injustiça que geram Evidentemente, os ‘kamikazes’, os funda-
constituíram a última vaga de resistência obscuridade, está uma ideia muito simples: o terrorismo, mas a intolerância política e mentalistas da guerra, parecem neste mo-
à normalização democrática em Portugal. os terroristas têm ideologia, causas e moti- religiosa, as razões de alguns Estados pouco mento estar-se nas tintas. Faz parte da es-
Mário Soares, na primeira volta da cam- vação, as suas vítimas americanas não têm. recomendáveis, e, acima de tudo, a recusa da trutura ‘kamikaze’. E já agora, alguém o
panha presidencial de 1985-86, e Cavaco Sil- Só têm telemóveis, computadores e mísseis democracia, da liberdade e de um modo de disse antes mas é bom repeti-lo: as imagens
va, combatendo pela revisão económica da de cruzeiro. E, por muito que Pintasilgo ne- vida que dá a milhões de seres humanos uma que vimos na televisão do 11 de Setembro
Constituição, venceram-nas politicamente. gue, isto significa dar aos terroristas uma vida decente e que, pouco a pouco, tem vindo não lembram, a não ser o facto geográfico
Mas, mais uma vez, a esquerda não apren- superioridade moral sobre as suas vítimas. a tirar biliões da mais abjecta miséria. de se situarem em território americano, o
de nada, como se vê pelo artigo sobre os aten- Não há parágrafo do artigo — que, por Mas nada disto chega para o “high concept” ataque japonês a Pearl Harbour. Lembram,
tados terroristas que Maria de Lurdes Pin- singular coincidência, não nomeia uma úni- que motiva Maria de Lurdes Pintasilgo. I evidentemente, Hiroxima. I
2001
21 Setembro
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SEX21SET
EDIÇÃO LISBOA
21 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4204
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Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico.pt www.publico.pt

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Rangel confirmado
na direcção da RTP
Washington e Islamabad consideram medida “insuficiente”
P55 e Bush tenta gerir divergências sobre forma de retaliação
ZAHID HUSSEIN/REUTERS

Refugiados
afegãos no
Paquistão

SUPLEMENTO Y Paquistão dividido entre apoio aos EUA e a lealdade a “irmãos afegãos” | Inglaterra
OLIVEIRA EM ESTREIA e França reafirmam empenho na luta antiterrorista | Bolsas agravam descidas e
AMANHÃ NO PÚBLICO
Bruxelas admite ajudas às companhias aéreas | Noam Chomsky ao PÚBLICO: “Para
P O R T U G A L DA S C I DA D E S o resto do mundo”, o ataque à América “não parece uma grande atrocidade”
Aveiro Reportagens de Ana Gomes Ferreira, em Nova Iorque, e de Alexandra Lucas Coelho, em Islamabad P2 A 24

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ÍNDICE

BARTOON E OPINIÃO 22 A 25
BOLSA E MERCADOS 34 A 36
TELEVISÃO 57/58
CLASSIFICADOS 67 A 77
CINEMAS 78/79
TEMPO E FARMÁCIAS 80
2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO À PROCURA DE BIN LADEN
PATRICK DE NOIRMONT/REUTERS

Taliban
pedem a Bin
Laden que
deixe o
Afeganistão
Os Estados Unidos insistem na entrega do
principal suspeito dos atentados; o Paquistão
também considera “insuficiente” a decisão dos
taliban. O secretário de Estado dos EUA, Colin
Powell, admite “conversações” com o regime
afegão, mas só se “entregarem Bin Laden e os
seus subordinados”
FRANCISCA GORJÃO HENRIQUES

Os taliban pediram a Osama Como é que o homem mais


bin Laden, o principal sus- procurado do mundo vai sair
peito dos ataques terroristas do Afeganistão? “Não pode
da semana passada, que dei- sair à rua, entrar num táxi e pe-
xe o Afeganistão voluntaria- dir para ir para um sítio qual-
mente. Reunidos em Cabul, os quer”, disse o ministro taliban
600 “ulemas” aprovaram ain- da Educação, Amir Khan Mut-
da uma resolução que apela à taqi, numa conferência de im-
“jihad”, caso os Estados Uni- prensa em Cabul. “Ele vai pro-
dos ataquem o país. Falta ape- curar e escolher um sítio que
nas ouvir o “mullah” Moham- seja adequado.” Vá para onde
mad Omar, o líder supremo for, não existe nenhuma forma
dos taliban, que tem a última de deixar o país sem ser por via
palavra. terrestre, já que as viagens aé-
Os “doutores da fé” decidi- reas internacionais estão san-
ram não extraditar Bin Laden, cionadas pela ONU.
como lhes tinha sido exigido Até ao dia 10 de Setembro,
por um ultimato transmitido a decisão ontem tomada pelos
pelo Paquistão, quando uma “doutores da fé” seria sauda-
delegação de Islamabad aler- da por Washington. Mas de-
tou as autoridades afegãs que, pois dos atentados contra o
se não o fizessem, seriam alvo World Trade Center e o Pen-
de um ataque por parte das for- tágono, que provocaram pelo
ças americanas. Mas encontra- menos seis mil mortos, esta
ram uma solução de compro- resposta não chega. A Casa Os taliban prometeram declarar uma “jihad” contra os Estados Unidos caso Washington ataque o Afeganistão
misso: pedir ao milionário de Branca afirmou que a reco-
origem saudita que abandone mendação afegã “não vai ao
o país “assim que possível”. encontro das exigências ame- ra não só a Bin Laden, como à que um apoio aos americanos que ajuda a treinar as forças derrotaram no passado os in-
Em Washington, após um ricanas”, adiantou aos jorna- sua rede (a al-Qaeda, “a base”, desencadearia represálias por taliban que se digladiam con- vasores britânico e soviético;
encontro com o chefe da di- listas o porta-voz, Ari Fleis- espalhada por 60 países) e aos parte dos taliban. A “jihad” se- tra o movimento de resistên- a sua maior vantagem militar
plomacia belga Louis Michel, cher. “Isto trata-se de muito que o protegem ou dão guari- rá a resposta islâmica à “cru- cia Aliança do Norte. é o próprio terreno, rochoso
cujo país assegura a presidên- mais do que um homem ter da. “O Presidente [George W. zada” lançada por Bush, dis- Alguns analistas olham para e poeirento. Mas desta vez o
cia da UE, o secretário de Es- autorização para deixar um Bush] exigiu que todas as prin- seram. esta decisão como uma forma poderio militar do seu rival é
tado Colin Powell não excluiu país voluntariamente, presu- cipais figuras da al-Qaeda, in- A guerra santa precisa da de ganhar tempo. “A questão difícil de combater. Os EUA de-
um eventual contacto com o re- mivelmente de um esconderi- cluindo Osama bin Laden, se- confirmação de Omar, que po- principal é que eles estão a fa- verão procurar atingir direc-
gime afegão, caso Cabul decida jo seguro para outro esconde- jam entregues a autoridades de contrariar a decisão do zer tempo e vão continuar a fa- tamente os seus líderes e tentar
entregar Bin Laden e os seus rijo seguro.” responsáveis e que os taliban Grande Conselho Islâmico zer tempo”, disse à CNN Fred unir refugiados e opositores
homens. “Não consideramos Bin Laden diz não ser o au- encerrem os campos terroris- (GCI, o parlamento do governo Halliday, da London School of num único exército.
que agora existam bases para tor dos atentados e é também tas no Afeganistão.” taliban que se reúne para de- Economics. “Eles ainda não “Há tantos afegãos zanga-
iniciar conversações, mas isso isso que os taliban afirmam. Mas mesmo que Bin Laden cidir questões com relevância captaram a mensagem e duvi- dos, que querem melhores sa-
pode ser uma possibilidade se O embaixador dos “estudan- decida cumprir o pedido dos nacional, política e religiosa). do que captem.” lários, que criar um exército
[os taliban] entregarem Osa- tes de teologia” em Islamabad, taliban, teria poucas, ou ne- Muitos muçulmanos no vizi- Entretanto, a Aliança do nacional onde cada um tem al-
ma bin Laden, mas também Suhail Shaheen, disse à Reu- nhumas, opções de locais pa- nho Paquistão têm-se manifes- Norte adiantou à estação ame- guma experiência em matar
os seus subordinados e a sua ters que o hóspede taliban está ra onde ir. Que país está agora tado a favor da “jihad”. No en- ricana que Omar está agora alguém não será difícil”, disse
infra-estrutura no Afeganis- mesmo disposto a ir a tribunal disposto a ser alvo de ataques tanto, os taliban não recebem a num local escondido. Os guer- ao “Los Angeles Times” Ra-
tão”, referiu. em Cabul, ou noutro país mu- militares americanos por lhe aliança de Islamabad, nem da rilheiros afirmam ter intercep- sul Bakhsh Rais, professor de
Em Islamabad, o ministro çulmano. “Se houver provas, dar guarida? Arábia Saudita (dois dos três tado conversas por rádio que Ciência Política na Universi-
paquistanês dos Negócios Es- ele está pronto para ser julga- países que reconhecem o regi- indicam que o líder supremo dade Quaid-i-Azam, em Isla-
trangeiros, Adbul Sattar, tam- do.” Mas a verdade é que logo a A “jihad” contra me taliban). receia um ataque. A notícia mabad. “Há muitos generais
bém se pronunciou sobre a de- seguir aos ataques, o nome de a cruzada Mesmo não satisfazendo as surge um dia depois de os Es- exilados [no Paquistão] à pro-
cisão dos “ulemas” afegãos, Bin Laden foi imediatamente O mais provável é que os exigências de Washington, a tados Unidos terem enviado cura de emprego.”
considerando-a “insuficiente”. pronunciado. Ele é o “suspei- próprios “ulemas” se tenham recomendação dos “ulemas” 100 caças e bombardeiros para “O maior ponto fraco dos ta-
Acrescentou ainda que, de to número um” dos EUA, que apercebido de que a sua oferta causou alguma surpresa. Es- o golfo Pérsico. liban são eles próprios”, co-
acordo com as resoluções da o acusam também de estar não chegaria para contentar perava-se que os membros do Os especialistas dizem que, menta Abdul Hai Warshan, jor-
ONU, terão de ser aplicadas ou- por trás dos atentados de 1998 os Estados Unidos. Por isso, GCI apoiassem incondicional- comparado com as modernas nalista afegão. “Perderam a
tras medidas, como o “desman- contra as suas embaixadas no lançaram ontem também um mente Osama bin Laden, o ho- forças americanas, o exército credibilidade na sua própria
telamento dos campos de trei- Quénia e na Tanzânia. édito a apelar à guerra santa, mem que lutou ao seu lado taliban é como o seu país: po- sociedade. As pessoas estão far-
no terroristas”. Washington declarou guer- voltando a avisar os vizinhos contra a invasão soviética e bre e fragilizado. Os afegãos tas dos taliban.” I
D E S TA Q U E 3
PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001

O MISTERIOSO Últimas
“MULLAH” OMAR Administração Bush dividida VÉDRINE NÃO

O homem que decide o desti-


no do terrorista mais procu-
rado do mundo, Osama bin
Laden, e, de certa forma, o fu-
sobre forma de retaliação EXCLUI
PA R T I C I PA Ç Ã O
M I L I TA R
FRANCESA

turo do Afeganistão é segura- Presidente pede tentar corrigir o tom dos dis- será longa e, provavelmente, Já não há O ministro francês dos Ne-
mente um dos mais misterio- paciência a “falcões” cursos feitos após o ataque. implicará baixas. gócios Estrangeiros, Hu-
sos líderes do mundo. Pouco O Presidente traçou objecti- Bush deveria ainda falar da “Justiça bert Védrine, disse ontem
que querem ataques a
se sabe do “mullah” Omar, o
líder supremo dos taliban, ou bases terroristas no
vos muito ambiciosos, ao pro-
meter encontrar e castigar os
situação económica do país,
que continua a deteriorar-se,
Infinita” que “nada está excluído”
quanto a uma participa-
“comandante dos fiéis”, co- Líbano e no Iraque responsáveis pelo ataque — e previa-se que especificasse ção militar da França nu-
mo o intitulam, que exortou o prometeu, literalmente, a ca- as ajudas que vão ser dadas às A guerra de George W. ma retaliação dos Estados
povo a preparar-se para uma beça de Bin Laden, ao dizer companhias de aviação. Não Bush contra o terroris- Unidos. “Tudo depende do
“guerra santa”. ANA GOMES FERREIRA “quero-o vivo ou morto”. Pon- foi dito se o Presidente iria mo internacional já plano [militar dos EUA].
As últimas notícias in- Nova Iorque do de lado as questões de di- mencionar o início da opera- não se chama operação Isso será decido no mo-
dicam que terá deixado o reito internacional que a fra- ção antiterrorismo. Ontem, “Justiça Infinita”. On- mento oportuno. Somos
seu quartel-gene- O Governo dos Estados Uni- se levanta, não será fácil, nem centenas de caças, bombar- tem, foi emitido um verdadeiros aliados dos
Perfil ral na cidade de dos está dividido quanto ao rápida, a caça aos terroris- deiros e navios de guerra co- aviso: tratava-se de um EUA, não atrás deles mas a
Kandahar, no Sul momento e ao tipo de acção tas. meçaram a dirigir-se para zo- nome provisório, que seu lado”, disse Védrine.
do Afeganistão. que deve iniciar a anunciada Ontem à noite, Bush discur- nas próximas dos “alvos”. Os terá que ser abandona-
Mas são muito poucas as cer- guerra contra o terrorismo. A sou à nação, a partir do Con- destinos não foram revelados, do. Porque a Adminis- ARGÉLIA
tezas acerca do paradeiro do facção dos “falcões” — inclui gresso (reunido em sessão mas os analistas arriscaram tração Bush quer paí- COOPERA
homem que nunca aparece o vice-secretário da Defesa, conjunta do Senado e Câma- falar em Mediterrâneo, Golfo ses muçulmanos na COM ALIANÇA
em público e do qual não exis- Paul Wolfowitz, e Louis Libby, ra de Representantes), para Pérsico e Ásia. aliança que está a for- ANTITERRORISMO
tem fotografias. chefe de gabinete do secretá- pedir paciência aos ameri- “Não vou dizer que forças mar para combater o
Mesmo em Kandahar, on- rio de Estado Colin Powell — canos. Segundo a antecipa- estamos a movimentar. Não é terrorismo. E nos paí- A Argélia está a cooperar
de se instalou em 1996, numa defende operações militares ção do discurso divulgada pe- tudo um grande segredo, mas ses muçulmanos a “jus- com os EUA na coligação
casa supostamente mandada alargadas e de rápido início. la Casa Branca, o Presidente não vou dar pormenores sobre tiça infinita” é prerro- internacional antiterro-
construir por Bin Laden, o Segundo o jornal “New iria voltar a explicar que es- quem está a fazer o quê, onde gativa exclusiva de Alá. rismo, segundo a BBC. As
“mullah” Omar nunca é vis- York Times”, este grupo pre- te será um tipo diferente de ou quando”, disse o secretário Os homens não a po- autoridades de Argel terão
to pelos habitantes da cida- tende que a Administração guerra. Não será uma guer- da Defesa, Donald Rumsfeld, dem fazer. Mais uma entregado a Washington
de, conta o “Nouvel Obser- do Presidente George W. Bush ra para se ver na televisão. na conferência de imprensa dificuldade para Bush. uma lista de 350 militantes
vateur”. Quando sai, é numa inicie uma campanha con- Demorará a ser preparada, diária no Pentágono. I islamistas argelinos no es-
coluna de carros japoneses tra a rede terrorista de Osa- trangeiro, que poderão ter
com os vidros escurecidos, ma bin Laden, que começa KEVIN LAMARQUE/REUTERS
laços a Osama Bin Laden.
e protegido por dezenas de no Afeganistão. Mas também De acordo com a BBC, os
guarda-costas. Diz-se que foi contra outras bases terroris- argelinos partilharam pe-
a Cabul apenas duas vezes. tas identificadas no Iraque e la primeira vez todas as su-
Segundo Ahmed Rashid, no Líbano, e pretende incluir as informações sobre a re-
autor de “Taliban — Islam, o Iraque na lista de alvos. de al-Qaeda (“a base”) de
Oil and the New Great Game Na quarta-feira, circulava Bin Laden.
in Central Asia”, Omar nunca em Washington, nos círcu-
se encontrou com jornalistas los mais conservadores, um UMA CAIXA
ocidentais e o seu primeiro documento pedindo ao Presi- NEGRA
encontro com um diplomata dente que “faça um esforço ILEGÍVEL
da ONU foi em 1998, quatro determinado para retirar Sa-
anos depois do aparecimento ddam Hussein [o Presidente Um responsável do FBI
dos taliban no Afeganistão. iraquiano] do poder”, mesmo confirmou ontem que uma
Sabe-se que nasceu em No- que ele não possa ser relacio- das caixas negras do avião
deh, na região de Kandahar, nado com os terroristas que, que, no passado dia 11, co-
numa família de camponeses no dia 11 de Setembro, ataca- lidiu contra o Pentágono
de etnia pashtun, em 1959. ram Nova Iorque e Washing- está ilegível. As autorida-
Tornou-se “mullah” e abriu a ton, matando mais de seis mil des recolheram as duas
sua própria “madrassa” (es- pessoas. caixas, mas não foi possí-
cola religiosa). Lutou, duran- A equipa de Segurança vel apurar quaisquer gra-
te a guerra civil afegã, entre Nacional de Bush é com- vações da que recolhera as
1989 e 1992, contra o regime de posta por figuras com pro- vozes da cabina. Não fo-
Najibullah, e foi ferido quatro fundas divergências polí- ram prestadas declarações
vezes, acabando por ficar ce- tico-ideológicas, a que se relativas à caixa que con-
go do olho direito. Rashid des- acrescentam algumas inimi- tém os registos do plano
creve-o como um homem al- zades. Nos primeiros meses de voo. Estas revelações
to, bem constituído, com uma da presidência Bush, as di- foram feitas durante uma
longa barba negra, um tur- vergências entre Powell — conferência de imprensa
bante também negro, e “um que dirigiu a aliança contra realizada em Shankesville,
sentido de humor seco”. o Iraque formada durante na Pensilvânia, próximo
Omar governa o Afeganis- a guerra do Golfo — e o se- do local onde se despenhou
tão a partir de um pequeno cretário da Defesa, Donald o quarto avião desviado
escritório na sua mansão de Rumsfeld, foram públicas. pelos terroristas. As cai-
Kandahar, mas se ao princí- Rumsfeld colocou-se ao lado xas negras desse aparelho
pio se sentava no chão ao lado da maioria — contra Powell estão, actualmente, a ser
dos outros taliban, depois pas- — que defende que o Iraque analisadas por peritos do
sou a sentar-se numa cama, deve ser deixado de lado, pelo FBI e do Instituto Nacio-
um pouco acima dos outros menos nas primeiras fases da nal de Transportes e Se-
para acentuar o seu estatuto operação, assim como outros gurança. Continuam sem
de líder. países. Um alto-funcionário aparecer os registos dos
As suas relações com Bin citado pelo “New York Times” dois aviões que colidiram
Laden remontam à luta con- disse que Paul Wolfowitz “es- contra as torres do World
tra a ocupação soviética. tá mais interessado em bom- Trade Center.
Acredita-se ainda que Bin La- bardear o Iraque do que o Afe-
den financiou, pelo menos ganistão”. Os papéis parecem
parcialmente, a luta dos tali- ter-se invertido. Antes do ata-
ban pela conquista do poder que, Powell era conotado com MORTOS
no Afeganistão. Mas as liga- a facção moderada do Gover-
ções vão mais longe, acres-
centa a BBC. Pensa-se que
Omar terá casado com a fi-
no, que pretendia redefinir a
política externa em função do
fim da guerra fria. Rumsfeld,
623
lha mais velha de Bin Laden com a ala radical da equipa
e que este, por sua vez, tomou das relações externas, mais
DESAPARECIDOS
uma filha de Omar como sua militarista e centrada na ve-
quarta esposa. Supostamente,
falam todos os dias por telefo-
ne por satélite e encontram-
lha estratégia de definição de
países inimigos.
A unificação das vozes dis-
5422
Vítimas dos atentados contra o World Trade
se regularmente para umas sonantes é uma prioridade de Center e o Pentágono e da queda de um
idas à pesca. I A.P.C./I.L. George W. Bush, que está a George W. Bush tem de gerir os conflitos dentro da sua Administração sobre como retaliar avião na Pensilvânia. Números oficiais.
4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO MUNDO ISLÂMICO
TARIQ MAHMOOD/EPA

PAQUISTÃO
Dia santo com um
fantasma de guerra
Primeiro a oração, depois greve geral e manifestações. Os islamistas paquistaneses chamam os fiéis ao
protesto antiamericano e pró-Afeganistão à saída da mesquita. Em dia santo, a guerra civil é um fantasma.
Da nossa enviada Alexandra Lucas Coelho, em Islamabad
DR
Aqil Mohyddin é um dos muitos mi- campo de batalha, todas as guerras
lhões de paquistaneses que hoje, sex- lá nos afectaram. Creio que o discur-
ta-feira, dia santo no Islão, vai en- so [anteontem] de Musharraf foi útil
trar numa mesquita para a oração das para fazer crer que o Paquistão não
13h30, a principal das cinco que os tinha outra escolha, para prevenir a
fiéis mais rigorosos cumprem diaria- paz.”
mente. Não será uma oração comum: E terá sido suficientemente con-
30 grupos islamistas uniram-se para vincente para combater o ódio encar-
convocar, a seguir à prece, uma gre- niçado ao longo de anos à América
ve nacional e manifestações contra a como “Grande Satã”? Na redação do
aliança Paquistão-Estados Unidos e “The News”, a braços com uma edi-
em solidariedade com o Afeganistão. ção especial a propósito da decisão
A mesquita deste muçulmano — dos “ulema” taliban de pedirem a
sunita, como três quartos dos paquis- Bin Laden que saia do Afeganistão,
taneses e praticamente todos os afe- o jovem editor é categórico, quase
gãos — fica no coração de Islamabad, brutal: “Se os paquistaneses recebes-
à beira do fervilhante mercado Abara, sem um visto iriam todos a correr
onde os “mullah” (líderes religiosos) para a América! Adoram a música,
vão passear e tomar refescos depois da adoram os filmes, este país está cheio
oração. É considerada uma das mes- de América. O filho de Musharraf
quitas mais “fortes” (leia-se: radical) está nos Estados Unidos, o filho do
da capital paquistanesa. Foi aqui que, líder da Jamiat e-Islam [o maior par-
no início da semana, aconteceram tido islâmico paquistanês, um mi-
os primeiros protestos contra a deci- lhão de apoiantes] também... Não
são do autoproclamado Presidente acredito numa revolta geral, de for-
Musharraf de apoiar a coligação in- ma nenhuma.”
ternacional na luta anti-terrorista. especialmente do ‘mullah’ Omar [lí- O cenário-catástrofe Também jornalista do “The News”,
Ontem, à hora a que o PÚBLICO der dos taliban] tem sido um grande Fontes diplomáticas contactadas pe- mas na delegação de Peshawar (a mí-
encontrou Aqil Mohyddin, os fiéis de- feito.” lo PÚBLICO em Islamabad não só tica cidade de fronteira com o Afega-
bandavam depois da oração. Circula- Pedimos a Aqil que explique me- falam em crise, como alertam para a nistão), Rahimullah Yusufzsai, pro-
va o rumor de um protesto anunciado, lhor, que dê exemplos dos grandes fei- possibilidade de uma guerra civil no fundo conhecedor dos taliban e um
mas a única concentração visível era tos taliban. A resposta é imediata: “O Paquistão, em caso de ataque ao Afe- dos últimos entrevistadores de Osama
de polícias, às dezenas, aparentemen- governo deles é livre, não está sob ganistão. Estes observadores calcu- Bin Laden, é prudente quanto a um
te descontraídos, sentados nos bancos pressão de nenhum outro.” lam que um terço das forças armadas cenário de guerra civil: “Se houver
e nos muros dos jardins. Pelo menos Crítica implícita ao presidente — base de sustentação de Mushar- um ataque ao Afeganistão vai haver
cinco jogavam às cartas, e outros tan- Musharraf, que ainda na véspera vie- raf — esteja próximo dos grupos is- mais divisão, mais protestos, mesmo
tos estavam estendidos na relva, com ra a televisão confirmar o apoio aos lamistas, o que tornaria muito im- nas Forças Armadas. Serão tempos
as suas camisas azuis engomadas e as Estados Unidos? Aqil não confirma, previsível a repressão de tumultos difíceis, mas não creio numa guerra
armas à cintura. realça as “nuances” do discurso de que venham a rebentar num cenário civil.”
Aqil, 38 anos, não pertence à metade Musharraf, o cuidado que teve em di- de ataque ao Afeganistão. Alertam Questionado pelo PÚBLICO so-
iletrada dos homens paquistaneses zer que “se quer paz, também quer ainda estas fontes para o armamento bre a decisão dos “ulema” afegãos,
(entre as mulheres a percentagem so- uma boa relação com os taliban”. E em posse dos grupos islâmicos, re- no quadro desta crise, Yusufzai des-
be para três quartos). Apresenta-se resume: “Toda a gente no Paquistão lembrando o confisco, há três meses, monta a ideia de se tratar de algo
como médico homeopata e fala um está farta de guerra e de crises finan- por parte do governo, de milhares de inédito: “É uma atitude muito inte-
inglês mais do que razoável. É um dos ceiras. Estamos a desenvolver-nos, é armas. Isto, numa curta acção. ligente. Não o expulsam, tornam da
muitos casos que contrariam a ideia fundamental evitar uma situação de Outros observadores no terreno sua conta arranjar um sítio para ir.
de que os apoiantes dos taliban são guerra. Sendo muçulmanos, os afe- consideram esta leitura claramente Toda a gente sabe que não há um sí-
sobretudo gente analfabeta ou pre- gãos são nossos irmãos, mas percebo exagerada. Najum Mushttaq, editor- tio para ele ir. Mas deixa de ser culpa
cariamente alfabetizada — para as que o Presidente procure uma relação adjunto de política internacional do deles. O que os taliban estão a dizer
“guerras santas” — nas mais de 50 pacífica com a América.” diário “The News”, um dos mais pres- ao mundo é: têm de falar connosco
mil madrassas (escolas corânicas) do Aqil parece encerrar aqui o nó da tigiados e bem informados jornais em vez de nos atacarem. E caso ha-
Paquistão. actual crise paquistanesa, que o pró- paquistaneses, afirma que “só nos ra- ja ataque, podem sempre dizer ao
É então diante de um apoiante dos prio presidente Musharraf admitiu mos mais baixos do Exército há isla- povo afegão: tentámos pedir a Bin
taliban que estamos? Aqil expõe a ser a maior dos últimos 30 anos, e que mistas radicais, quem dá as ordens Laden, causador de tudo isto, que
sua “modesta opinião”, calma e ine- os observadores mais cépticos temem está com Musharraf ”. saísse. Não vejo esta decisão como
quivocamente: “Não conheço os fac- que seja a antecâmara de uma guer- E desvaloriza tanto os protestos de uma grande mudança, é uma mu-
tos sobre quem tem a culpa [dos ata- ra civil: não ser terra (e carne) para rua como as sondagens que afirmam dança ligeira.”
ques contra a América]. Se Osama canhão dos americanos — logo, estar que dois terços dos paquistaneses re- Quanto à expectativa em torno da
[bin Laden] é culpado, se houver pro- com eles — e simultaneamente não cusam uma colaboração com os Es- ratificação do líder, que ainda falta,
vas, o Afeganistão deve entregá-lo a trair o irmão islâmico dominado pe- tados Unidos: “A opinião pública no Yusufzai é sintético: “Está automati-
um país neutral. Os líderes afegãos los taliban (crias, sempre protegidas Paquistão não interessa. O governo camente ratificada. O ‘mullah’ Omar
têm agido muito bem, de acordo com do Paquistão), o que faria explodir a não a leva em conta. Claro que nin- nunca se opôs a uma decisão dos ‘ule-
o Islão. Nos últimos anos, a luta deles, ira dos grupos islâmicos. guém quer que o Afeganistão seja um ma’.” I
D E S TA Q U E 5
PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001

ONU pede a
Islamabad que
abra fronteiras
UM MILHÃO EM “RISCO IMEDIATO” DE VIDA
Alerta de emergência das Nações
Unidas sobre os refugiados afegãos,
ameçados pela fome

O Alto Comissariado das Nações Unidas para


os Refugiados está a preparar-se para “um aflu-
xo massiço de refugiados afegãos no Paquistão e
Irão em caso de ataque ao Afeganistão, que pode-
rá atingir, de imediato 100 mil pessoas”, anunciou
ontem em conferência de imprensa o porta-voz
da organização em Islamabad, Yussuf Hassan.
Neste momento, confirmou Hassan, existem dois
milhões de refugiados afegãos no Paquistão e 1, 6
milhões no Irão, além de um milhão de desloca-
dos no interior do território, “o que faz deles a
maior população refugiada do mundo”. Desde o
ataque terrorista aos Estados Unidos, mais de 15
mil afegãos procuraram refúgio no Paquistão.
Aquele responsável informou ainda que as
Nações Unidas estão a pressionar o governo pa-
quistanês a abrir as suas fronteiras. Segundo
disse ao PÚBLICO, o objectivo da ONU é que
o governo de Pervez Musharraf se disponha a
abrir também novos campos de refugiados: “As
discussões têm sido positivas. Mas ainda não
conseguimos que eles dissessem que sim.”
No entanto, parece altamente improvável que o
Paquistão venha a ponderar a abertura de fron-
teiras num cenário de ataque americano ao Afe-
ganistão. Observadores no terreno sublinham
que “a maior parte da população simplesmente
saía.” Além dos refugiados e deslocados, há ain-
da uma população de 25 milhões habitantes a
considerar.
A juntar a este quadro, o porta voz do Progra-
ma Alimentar Mundial (PAM), anunciou que,
apesar de serem quatro milhões os afegãos que a
organização estava a alimentar antes do ataque
aos Estados Unidos (na sequência das quais o
PAM, como muitas ONG’s, partiu), os “stocks”
existentes no país só chegam a um milhão. E
dos três milhões que sobram, há um milhão de
pessoas, calcula o porta-voz, que está em perigo
imediato de vida. “É uma situação de pré-fome”,
declarou.
Os relatos que chegam de várias cidades afe-
gãs, através da ONU, são de “situação de emer-
gência”, nomeadamente em Jalalabar (65 por
cento da população partiu, maior parte das
actividades parou) e Kandahar, onde está o
“mullah” Omar. IA.LC.

O “cowboy” Bin Laden


Os mitos crescem à conta de histórias co-
mo esta: segundo noticia a edição de on-
tem do respeitado diário “Dawn”, Osama
Bin Laden terá sido visto domingo, em
Cabul, falando a 500 dos seus fiéis. Finda a
prelecção, relata o jornal, o inimigo mais
que público número um terá deixado a
capital afegã, a cavalo, em direcção a oeste,
qual Lucky Luke apátrida. A imprensa de
Islamabad parece ter dado alguma possi-
bilidade de crédito a esta vistosa retirada,
chegando mesmo a especular sobre se não
terá sido a certeza da saída de Bin Laden
a deixar mais à vontade o grupo de 600
“ulema” que lhe pediu que saísse.
Mas um dos maiores conhecedores do
terreno taliban e do guerrilheiro que a Ará-
bia Saudita tornou apátrida, o jornalista
de Peshawar Yusufzai, mostrou-se céptico.
“Não há forma de confirmar essa informa-
ção, não é?”, respondeu ao PÚBLICO. “Mas
não creio que seja verdadeira. Creio que ele
está no Afeganistão, E que tem muito pouca
margem de manobra. Vai ser muito difícil
para ele sair do país.” A.L.C.
6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO MUNDO ISLÂMICO

O Ocidente não tem promovido os seus


valores mas sim os seus interesses nas
ditaduras protegidas do Médio Oriente
1 “Durante a guerra fria, a América tinha
muitos amigos entre os seus inimigos”,
escreveu Hugo Young, o biógrafo de Margaret
Comentário de
MARGARIDA SANTOS LOPES
uma alternativa ao seu reinado de terror.
Chegou a liquidar dissidentes exilados em
países europeus, e as imagens de milhares
Thatcher, num artigo publicado ontem no de civis mortos por armas químicas no Cur-
diário britânico “The Guardian”. Naquele
tempo, cidadãos da Polónia, Hungria e União
Soviética “absorveram a ideia de que o modo
3 No Egipto — segundo maior receptor de
ajuda financeira dos EUA depois de Israel
—, o Presidente Hosni Mubarak (candidato
liban afegãos adoptaram. E foram os “waha-
bitas” sauditas — e não o Irão xiita— os pri-
meiros exportadores do “fundamentalismo”
distão (Norte) foram ignoradas como “foto-
montagens”. Assim tinha de ser porque a
CIA estava empenhada em fornecer armas
de vida americano lhes oferecia algo a que único em escrutínios pouco transparentes) islâmico. Com petrodólares, financiaram esco- e informações de satélite ao “carniceiro de
podiam aspirar [e] começaram a compreender reprime os seus adversários políticos. Mas las corânicas e formaram pregadores radicais, Bagdad” para que ele ganhasse a primeira
o que a liberdade significava porque não a americanos e europeus ignoram os abusos, da Argélia ao Djibuti. guerra do Golfo (1980-1988) contra o Irão.
tinham”. porque alguns desses adversários — e não No entanto, tem sido do interesse da Amé- Saddam passou de aliado a inimigo quando
Que ninguém duvide: tal como os povos necessariamente apenas os islamistas radi- rica e da Europa suportar a Casa de Saud. se quis apropriar das reservas petrolíferas
da antiga “Cortina de Ferro”, também há cais — cometem a “heresia” de criticar as Porque o único país do mundo que deve o seu do Kuwait (1990). Mas nem assim o Ocidente
muitos árabes e muçulmanos que gostariam humilhantes condições de paz impostas pelo nome à família que o fundou é o maior expor- foi capaz de levar até ao fim a “Tempestade
de se livrar dos seus governantes déspotas Estado judaico aos árabes. tador mundial de petróleo e uma das princi- no Deserto”: não havia outro ditador capaz
para elegerem, sem fraudes, líderes demo- De Damasco a Tunes, milhares de pacífi- pais bases militares dos EUA no Golfo Pérsi- de impedir a desintegração do mosaico ét-
cráticos. Mas, ao contrário dos povos da Eu- cos activistas muçulmanos apodrecem nas co. Alguma voz se ergue quando o rei Fahd nico e confessional que é o Iraque, e sub-
ropa de Leste, árabes e muçulmanos não cadeias sem culpa formada ou são executados manda, por exemplo, enterrar vivos os ho- sequentemente, a da Síria e a da Turquia
têm ao seu lado um Ocidente empenhado sumariamente. Mas o “nosso mundo civiliza- mossexuais por serem “impuros aos olhos de (membro da NATO). Até a França, baluarte
em promover os valores da civilização que do” que respeita os direitos humanos não os Deus”? da “liberdade, igualdade e fraternidade”,
José Manuel Fernandes (ver PÚBLICO de considera merecedores de serem julgados. não tem escrúpulos em firmar com Saddam
ontem) descreveu — e bem — como a “mais
humana, equilibrada, rica e progressiva que
a Humanidade conheceu”.
O próprio líder líbio Moammar Khadafi, os-
tracizado como “patrocinador do terroris-
mo”, está a ser reabilitado pelo Ocidente,
5 Outros vizinhos da Arábia Saudita, como
o Bahrein, o Qatar ou os Emirados Árabes
Unidos, são governados por príncipes que
contratos petrolíferos, aguardando apenas
o levantamento das sanções da ONU.

O Ocidente tudo fez para encorajar os dis-


sidentes soviéticos a combater o que desig-
nava como “Império do Mal”. Incentivaram-
que o vê como um “dique contra o integris-
mo islâmico” no Magrebe. O autoproclama-
do Presidente do Paquistão, general Pervez
chegaram ao poder depois de derrubarem
pais, irmãos ou primos. Eliminam igualmen-
te, na maior impunidade, qualquer oposição,
7 Finalmente, um dos maiores desastres
da política externa ocidental foi o con-
tragolpe no Irão que, em 1953, recolocou o xá
nos a desconstruir mitos, a derrubar muros Musharraf, derrubou um governo democra- incluindo minorias que apenas reclamam Reza no Trono do Pavão e depôs o primeiro-
e a expor hediondos crimes contra a Huma- ticamente eleito mas também está a ser legi- uma mais equitativa distribuição das rique- ministro Mohammed Mossadegh. Este eu-
nidade cometidos em nome do socialismo. timado, porque vai alinhar com a América zas petrolíferas. O mais grave é que entre os ropeísta secular que queria modernizar o
Mas será que existe esse apoio determinado contra Bin Laden. influentes consultores desta realeza se encon- país e reformar as tradições religiosas foi
em relação aos opositores laicos das ditadu- tram actuais ou antigos agentes dos serviços afastado pela CIA e pelo MI-6. O seu pecado:
ras protegidas do Médio Oriente? Não, não
existe! 4 A Arábia Saudita é uma monarquia ab-
soluta, “com um poder esclerosado e um
imobilismo político e social elevado à catego-
secretos britânicos. Terrível é ainda o facto
de o Dubai, Riad e Islamabad serem os únicos
governos que reconheceram as autoridades de
ousou nacionalizar, em 1951, a Anglo-Iranian
Oil Company, um gigante controlado pelos
britânicos, que retinham 70 por cento das

2 O Médio Oriente tem certamente os seus


Soljenitsin e Sakharov, mas ninguém mos-
tra vontade de os conhecer. No Ocidente, só
ria de dogma”, como escreveu Jean-Michel
Foulquier, antigo diplomata francês em Riad.
No seu livro, a que deu o título de “Reino dos
Cabul. A justificação para este reconhecimen-
to é compreendida pelo Ocidente: os taliban
(não obstante financiarem uma guerra civil
receitas. A Pérsia era um império estratégi-
co que valia o sacrifício de todos os “valores
ocidentais”. Os EUA ignoraram os terríveis
se conhece o estereótipo do terrorista árabe Três Silêncios”, ele denuncia os americanos e com o tráfico de ópio) controlam troços do crimes cometidos pela Savak, a polícia secre-
dos filmes de Chuck Norris. “Há algo de ver- europeus que, para “fazerem fortunas”, acei- território afegão por onde passam oleodutos ta do último monarca da dinastia Pahlavi, e
dade nesses estereótipos, porque tem havido tam ser “mudos, cegos e surdos” perante as até à Ásia Central. forneceram ao seu aliado as melhores armas
violência e terrorismo”, reconheceu o acadé- atrocidades que testemunham. que o dinheiro podia comprar. O problema
mico palestiniano Edward Said numa recente
entrevista ao PÚBLICO. “Mas é frustrante
o pouco que se sabe sobre a cultura árabe, a
A doutrina “wahabita” (fruto de uma alian-
ça entre o teólogo Ibn ‘Abd al-Wahhab e o rei
Ibn Saud) representa a faceta mais impiedosa
6 O Iraque é outro exemplo da “hipocri-
sia” ocidental. Durante anos, Saddam
Hussein assassinou (alguns com as suas
é que, com o afastamento do carismático
Mossadegh, os sentimentos antiamericanos
exacerbaram-se num país traumatizado por
literatura árabe, o cinema árabe, a poesia ára- do Islão sunita. Foi esta ideologia que os ta- próprias mãos) os que poderiam constituir muitas invasões (turcos seljúcidas, mongóis,
be, a arte árabe. Só é absorvida uma gregos, árabes). Ficou assim aberto
imagem extremamente politizada e o caminho para que o “ayatollah”
redutora.” Khomeini empreendesse a sua san-
Said responsabiliza ambas as par- grenta revolução islâmica.
tes. “Todos os regimes árabes são
ditaduras que só se preocupam em
manter-se no poder e em garantir
a sobrevivência. Para eles, os Esta-
8 Pacheco Pereira tem razão quan-
do afirma que os fanáticos que
enterraram uma parte do mundo sob
dos Unidos são importantes porque os escombros do World Trade Cen-
são uma superpotência. Eles querem ter não são pobres nem humilhados.
apoio americano para os seus regi- “São gente educada, movimentando
mes. À parte isto, há muito pouco in- cartões de crédito.” Aliás, nunca se
tercâmbio cultural. Pouquíssimos li- ouviu dizer a Osama bin Laden que
vros árabes estão traduzidos. Há três a sua luta é pela causa dos pales-
poetas árabes muito famosos — Al tinianos despejados em miseráveis
Khabani, Mahmoud Darwish e Ado- campos de refugiados. Inebriado com
nis — e as suas obras só estão traduzi- a vitória na guerra do Afeganistão,
das em francês, não em inglês. [...] Nas que contribuiu para a dissolução da
universidades americanas há vários URSS, o milionário apátrida parece
programas de estudos medievais, mas agora embriagado com uma “missão
nem um só tem a componente do Islão divina” de destruir a América.
árabe medieval, como o da Andaluzia. É dever do Ocidente travar este
Quase nada há sobre a experiência fanático, porque ele contribui para a
islâmica ibérica.” demonização do Islão. “Um muçul-
A negligência de uma parte funda- mano terá dificuldade em aceitar
mental das sociedades árabes-muçul- que a sua religião só legitima o au-
manas aprofunda um vazio político toritarismo, mesmo que, ao longo da
que vai sendo preenchido por extre- história, ela tenha sido ponto de refe-
mistas religiosos — os únicos dispos- rência obrigatório de inúmeros par-
tos a sacrificar vidas (as suas e de tidos e regimes não-democráticos”,
outros) porque são os únicos que dis- observou Ghassan Salamé, co-autor
põem de uma rede global (terrorista) de lo- O Médio Oriente tem certamente os seus Soljenitsin e Sakharov, de “Democracy Without Democrats — The
gística. E o mais grave é que o Ocidente tem Renewal of Politics in the Muslim World” e
fechado os olhos à obliteração da oposição mas ninguém mostra vontade de os conhecer. No Ocidente, só se historiador no Centre National de Recherche
laica no Médio Oriente, para salvaguardar os conhece o estereótipo do terrorista árabe. Scientifique (CNRS), de Paris. “Ser um bom
seus interesses: políticos, geoestratégicos ou muçulmano e um bom democrata não é uma
económicos. Vejamos: DESENHO DE PLANTU EM “LE MONDE” (PARIS) aberração.” I
D E S TA Q U E 7
PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001

NAYEF HASHLAMOUN/REUTERS

Apesar do cessar-fogo, voltou a haver funerais de vítimas de confrontos nos territórios ocupados

Violado cessar-fogo
no Médio Oriente
Morte de israelita na dúvida as esperanças de uma Belém, tendo o marido ficado
Cisjordânia leva reunião, desde há semanas em gravemente ferido.
suspenso, entre o presidente da Entretanto, a Frente do Exér-
Sharon a convocar AP e o ministro israelita dos cito Popular-Batalhões do Re-
gabinete de segurança. Negócios Estrangeiros, Shi- gresso, outra facção afecta à
Encontro Peres-Arafat mon Peres. Fatah, reivindicara dois ata-
Os palestinianos mais che- ques lançados quarta-feira à
em risco gados a Arafat afirmam que noite e durante os quais dois
estão a fazer grandes esforços colonos tinham ficado feridos,
O primeiro-ministro do Esta- para garantir a continuação do na Cisjordânia.
do de Israel, Ariel Sharon, de- cessar-fogo, mas nem dentro Por seu turno, o exército is-
cidiu convocar ontem o seu da Fatah — e muito menos em raelita efectuou uma incur-
gabinete para os assuntos de organizações mais radicais — são no Sul da Faixa de Gaza,
segurança, a fim de debater o todos estão de acordo em que onde arrasou algumas terras
incidente em que pistoleiros se deponha as armas. cultivadas, antes de se retirar,
palestinianos das Brigadas Al- A polícia palestiniana pa- indicou um responsável dos
Aqsa, afectas à Fatah (facção trulhava ontem os locais mais serviços de segurança pales-
de Yasser Arafat na OLP) ma- problemáticos, como o acam- tinianos.
taram a tiro, perto de Belém, pamento de refugiados de Ra- O evoluir da situação foi tra-
Sarit Amrani, de 25 anos, habi- fah, na Faixa de Gaza, e a ci- tado durante um contacto tele-
tante de um colonato judaico. dade dividida de Hebron, na fónico que o primeiro-ministro
Sharon acusou a Autorida- Cisjordânia. Sharon teve na noite de quarta-
de Palestiniana (AP) de não O assassínio de Sarit Amra- feira com o secretário de Es-
respeitar os compromissos as- ni verificou-se quando circula- tado norte-americano, Colin
sumidos no início da sema- va ontem logo de manhã per- Powell, com o qual combinou
na, quando Arafat prometeu to do colonato de Tekoa, não que voltariam a falar durante
que respeitaria um cessar-fo- longe da cidade cisjordana de o dia de ontem.  J.H.
go, para acabar com a Intifada
(revolta) desencadeada há um
ano e durante a qual já morre- Ataques aéreos ao Iraque
ram 817 pessoas.
O correspondente da BBC
em Jerusalém, James Reynol- Aparelhos americanos e britânicos atacaram ontem
ds, noticiou a existência de duas posições de artilharia antiaérea no Sul do Iraque,
uma forte pressão internacio- em resposta a “ameaças recentes“ aos aparelhos da
nal para que tanto os pales- coligação que garantem o respeito pela zona de exclu-
tinianos como os israelitas são aérea ali instalada, anunciou o Pentágono.
saibam respeitar aquilo a que Bagdad adoptou entretanto um tom alarmista ao evocar
há quatro dias se comprome- o risco de uma guerra mundial de “graves consequên-
teram. cias“, na altura em que os serviços secretos americanos
A Administração norte- tentam estabelecer um vínculo entre o regime de Sa-
americana pretende limitar o ddam Hussein e os atentados contra os Estados Unidos.
mais possível o conflito isra- “Esta guerra afectará todas as partes e as suas conse-
elo-palestiniano, de modo a quências maléficas tocarão mesmo os que se julgam
que ele não seja mais um facto ao abrigo das mesmas“, escreveu o jornal “As-Saoura“,
a perturbar a difícil conjuntu- órgão do Partido Baas, no poder. “Bush quer lançar a
ra internacional, que se cen- sua cruzada à margem do quadro do direito internacio-
tra agora no Afeganistão e no nal e sem fornecer provas concretas das acusações
Paquistão, com repercussões feitas contra 60 Estados considerados em Washington
no Iraque e em mais alguns como terroristas, abrigando terroristas ou apoiando
países. e encorajando o terrorismo.” Os serviços secretos mili-
O reacender da violência nas tares israelitas suspeitam de que o Iraque se encontra
terras da Palestina coloca em em conluio com o milionário saudita Osama bin Laden.
8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001 G U E R R A A O T E R R O R I S M O O PA P E L D A E U R O PA
VINCENT WEST /REUTERS

Mandado de
captura europeu
coloca problemas
a Portugal
UNIÃO DEBATE COMBATE um país recusar a extradição de um
dos seus nacionais, o que pressupõe
AO TERRORISMO que, em matéria penal, os cidadãos
passarão a ser “europeus”.
O principal problema português
Ministros da Justiça dos face a esta proposta resulta da proibi-
Quinze encontram ção, consagrada na Constituição, de
obstáculo na proibição da extraditar pessoas para países onde
são susceptíveis de ser condenadas a
Constituição portuguesa de uma pena superior ao máximo de 25
penas de prisão superiores a anos permitido em Portugal.
25 anos Segundo o ministro, sem uma revi-
são da Constituição nesta área, uma
responsabilidade exclusiva da Assem-
ISABEL ARRIAGA E CUNHA bleia da República, “não nos podere-
Bruxelas mos vincular a esta decisão”. E, sem
o acordo português, não será possível
A Constituição portuguesa está em reunir a necessária unanimidade dos
risco de se tornar o principal obstácu- Quinze para a sua aprovação.
lo à aprovação de um arsenal jurídico Embora reconheça que Portugal
de luta contra o terrorismo na União não tem qualquer obrigação de alte-
Europeia (UE), que consagrará uma rar a Constituição nesta frente, Antó-
verdadeira revolução no conceito de nio Costa sublinhou igualmente que
cidadania. o país tem de decidir se quer “ser um
Esta situação foi ontem sublinhada território de excepção” na UE sem
por António Costa, ministro da Jus- fronteiras, “uma zona de punibilida-
tiça, durante a primeira discussão de privilegiada para um conjunto de
dos seus homólogos e dos titulares crimes”.
da Administração Interna da UE “É uma decisão totalmente legíti-
sobre as novas propostas da Comis- ma, mas que tem de ser consciente-
são Europeia destinadas a harmoni- mente tomada.” Ou seja, “não é aceitá-
zar a legislação nacional dos Quinze vel que hoje tomemos uma decisão em
em matéria de luta contra a grande nome de valores, e depois no primeiro
criminalidade. dia em que apareça um terrorista fo-
Embora não estejam directamente ragido para obter melhores condições
ligadas aos atentados terroristas nos de punibilidade, deitemos as mãos à
Estados Unidos, as propostas, da res- cabeça e digamos ‘aqui d’el rei que
ponsabilidade de António Vitorino, os deixam entrar’”, afirmou, numa
comissário europeu responsável pela mensagem cristalina aos deputados
Justiça e Assuntos Internos, permiti- que estão a negociar a revisão consti- Os Quinze discutiram formas de harmonização das legislações nacionais de combate ao terrorismo
rão à UE eliminar as diferenças nas tucional.
suas legislações nacionais que têm nacionais no quadro dos delitos liga- das discussões dos ministros ao su- Durante a reunião de ontem, con-
permitido a existência de “refúgio” “Um longo dos à criminalidade organizada — blinhar que, nesta frente, os Quinze vocada de emergência no rescaldo dos
no espaço comunitário. caminho a percorrer” nomeadamente terrorismo, explora- ainda têm “um longo caminho a per- atentados de 11 de Setembro, os Quin-
Segundo António Costa, Portugal Para o Governo, a solução ideal passa ção sexual de crianças ou tráfico de correr”. ze acordaram em reforçar o papel da
foi “o único país” a levantar impedi- pela combinação de dois procedimen- droga — quando o mandado de cap- Em contrapartida, mesmo nos pon- Europol, o embrião da futura polícia
mentos de natureza constitucional tos: a revisão da Constituição para tura europeu proposto por Vitorino se tos mais difíceis para Portugal, o co- europeia, na recolha e tratamento de
à proposta de Vitorino que visa subs- distinguir a figura da extradição em aplica a todo o tipo de crimes passíveis missário considerou “encorajador” informações sobre o terrorismo, en-
tituir os processos de extradição de geral da “entrega” de pessoas no seio de penas de prisão superiores a quatro o debate dos ministros sobre a ques- durecer os controlos nas fronteiras
criminosos ou suspeitos entre os paí- da UE — que, segundo António Costa, meses. tão do mandado europeu e sobre a externas da UE e os controlos de iden-
ses da UE pela figura do “mandado de deverá passar a processar-se como no Outros países, como Alemanha, sua segunda proposta, destinada a tidade no espaço comunitário e tornar
busca e captura europeu”. interior do país —, em paralelo com a Holanda ou Áustria, levantaram por harmonizar a definição do crime de mais exigente a concessão de vistos
Esta proposta estipula que as de- introdução na decisão dos Quinze de seu lado obstáculos ao desapareci- terrorismo e das penas aplicáveis em de entrada a cidadãos de países ter-
cisões do poder judicial de um país um mecanismo de revisão periódica mento, no quadro do “mandado eu- toda a UE. ceiros.
passarão a ser automaticamente reco- das penas de prisão perpétua, de modo ropeu”, da obrigação da “dupla in- Pressionados pelos atentados ter- Em paralelo, a UE e os Estados Uni-
nhecidas e executadas em todos os a prever uma possibilidade real de criminação” de um suspeito nos dois roristas nos Estados Unidos, os mi- dos contam reforçar a sua cooperação
outros, o que elimina toda a compo- reinserção dos condenados. países envolvidos num processo de nistros assumiram o compromisso na luta contra o terrorismo, nomeada-
nente política dos processos de ex- O segundo problema para Portugal extradição. Estas dificuldades espe- de desenvolver todos os esforços para mente através da partilha de informa-
tradição. O mandado europeu acaba tem a ver com o facto de a Constitui- cíficas motivaram a “avaliação me- alcançarem um acordo político no seu ções entre a Europol e as “agências”
igualmente com a possibilidade de ção apenas permitir a extradição de nos positiva” de António Vitorino encontro de 6 e 7 de Dezembro. americanas, CIA e FBI. 

Líderes da União querem marcar a diferença


face ao discurso guerreiro dos EUA
As lições a tirar dos atentados terro- suicidas, às suas famílias e ao povo seja, igualmente política e económica. rismo e os seus promotores em inimi- foi afirmada na declaração solene que
ristas de 11 de Setembro vão estar no americano em geral, a par do seu fir- “O problema não pode ser resolvido gos do mundo ocidental. “A resposta emitiram na semana passada.
centro das discussões dos chefes de me compromisso de intensificar os com três tiros de canhão”, avisou um tem de ser adaptada e eficaz”, marte- Este é um compromisso que inclui-
Estado ou de Governo da União Euro- instrumentos europeus de luta contra dos embaixadores europeus junto da laram nos últimos dias Jacques Chi- rá os domínios em que a Europa po-
peia (UE) durante uma minicimeira o terrorismo. NATO, considerando que “a cólera rac, Presidente francês, e Tony Blair, derá marcar a diferença, desde a luta
convocada de emergência para hoje à Mas, apesar desta mensagem ine- cega não pode ditar a reacção”. primeiro-ministro britânico, que se contra o terrorismo até às pressões
noite, em Bruxelas. quívoca, os Quinze pretendem marcar Acima de tudo, os Quinze preten- encontraram nos ontem e anteontem sobre israelitas e palestinianos para
No topo das prioridades dos Quin- a sua diferença face à linguagem beli- dem evitar qualquer cenário de repre- com o Presidente americano. um acordo de paz, passando pelos es-
ze, que se reúnem pela primeira vez cista dos Estados Unidos, assumindo sálias indiscriminadas contra inimi- Desta forma, os líderes deverão su- forços de erradicação da pobreza e
desde os atentados nos EUA, está a um discurso de moderação e subli- gos indeterminados, susceptíveis de blinhar a sua determinação em parti- por formas de regulação dos excessos
reafirmação da sua solidariedade total nhando que a resposta ao terrorismo colocar os potenciais aliados muçul- cipar de forma mais empenhada nas mais gritantes da globalização.  ISA-
relativamente às vítimas dos aviões não é apenas militar mas global, ou manos na luta para erradicar o terro- grandes questões internacionais, que BEL ARRIAGA E CUNHA, Bruxelas
D E S TA Q U E 9
PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001

Inglaterra e França reafirmam Rússia pondera


apoio à luta antiterrorismo consequências
O empenho de Tony
MAL LANGSDON/REUTERS
de cooperar
Blair e Jacques Chirac
na acção que venha a ser
com os EUA
desencadeada pelos PEDRO CALDEIRA RODRIGUES
norte-americanos é
inequívoco; ontem os Apesar de admitir a necessidade de utilização da força
na guerra mundial contra o terrorismo decretada pelos
dois líderes Estados Unidos, a Rússia ainda não recebeu qualquer
concertaram posições pedido para um apoio militar. Isto é, para participar
ou fornecer apoio logístico num eventual ataque ao Afe-
ISABEL LEIRIA ganistão, onde permanece o “suspeito número um” do
ataque terrorista de 11 de Setembro, Osama bin Laden.
O primeiro-ministro britânico Foi o próprio ministro dos Negócios Estrangeiros, Igor
e o Presidente francês apoia- Ivanov, quem o confirmou após as reuniões que manteve
rão qualquer acção dos Estados quarta-feira em Washington com o secretário de Estado
Unidos, desde que ela se tradu- Colin Powell.
za numa resposta “adequada O desejo de construir uma nova “relação estratégica”
e eficaz” aos ataques terroris- com os EUA colocando definitivamente de lado os “este-
tas do passado dia 11. Depois reótipos da guerra fria”, foi outro dos desejos manifesta-
de mais um dos encontros que dos pelo chefe da diplomacia do Kremlin.
constam da maratona negocial No entanto, assegurou que os dirigentes
de Tony Blair, empenhado em Análise norte-americanos (ainda) não abordaram
ajudar o seu aliado norte-ame- a questão da assistência militar da Rússia,
ricano a trazer para a coligação ou a utilização de bases militares nas ex-repúblicas so-
contra o terrorismo o maior viéticas da Ásia Central num provável ataque ao país
número de parceiros, foi esta dos taliban.
a posição assumida pelos di- Atendendo à grande distância das bases norte-ameri-
rigentes das duas principais canas mais próximas da Ásia Central — situadas na
potências militares europeias. Turquia, na Arábia Saudita, na ilha de Diego Garcia
Ontem, na véspera do conselho (Oceano Índico) —, eventuais ataques aéreos e mesmo
europeu extraordinário convo- terrestres, sobretudo a partir do vizinho Tajiquistão,
cado para discutir a ameaça seriam sem dúvida a melhor solução para os estrategas de
terrorista, o britânico Blair e Washington. Os russos possuem uma divisão motorizada
o francês Jacques Chirac con- neste país com larga maioria de população muçulmana,
certaram posições. e para além das bases operacionais em território tajique
“Não vejo como é que a também utilizam uma base aérea em Bargam, Norte do
França ou a Inglaterra pode- Blair e Chirac concertaram posições sobre a coligação antiterrorismo dos EUA Afeganistão, na área controlada pela Aliança do Norte
riam deixar de se envolver, ca- antitaliban.
so essa decisão seja tomada pe- ser discutidos”, cita a AFP. EUA à Aliança Atlântica de- devia visitar a zona de Ma- Moscovo exprimiu contudo fortes reticências em auto-
los EUA depois de discutida “Não creio ser desejável en- pois dos atentados do dia 11, nhattan atingida pelo atenta- rizar forças militares dos EUA a operarem a partir destas
connosco”, afirmou o Presi- trar em mais detalhes quanto Armitage encontrou-se com do terrorista e as equipas de ex-repúblicas da extinta URSS e que agora integram
dente Jacques Chirac no final a esses pormenores”, acres- o secretário-geral da NATO, salvamento e limpeza que se a Comunidade de Estados Independentes (CEI), uma
da reunião, em Paris. Uma po- centou. George Robertson, e com o mantêm no local. zona estratégica onde Moscovo pretende conservar, e
sição que, segundo a BBC, re- conselho permanente da or- Do programa constava ain- reforçar, a sua influência. O Presidente Putin enviou
presenta um forte sinal de que Guerra não acaba ganização, sublinhando que da a participação numa ce- um responsável para a região, que manteve consultas
ambos os países estão inclusi- no Afeganistão “nenhuma decisão foi ainda rimónia religiosa em home- com os dirigentes do Uzbequistão e Tajiquistão. E Ivanov
vamente dispostos a partici- E foi para “partilhar informa- tomada” e que não foi a Bru- nagem às vítimas britânicas. sublinhou em Nova Iorque que “cada país deve decidir
par numa acção militar que ções [com os aliados da NA- xelas pedir “nada em particu- Só depois Blair seguiria para por si próprio a forma de cooperar com os Estados Uni-
venha a ser decidida. TO], falar da coligação que lar”. Washington para se encontrar dos”, segundo o relato da televisão russa OTR, citada
Mas o tom dominante das Bush está a tentar formar e ex- Antes do encontro com Chi- com George W. Bush, naquele pela AFP.
declarações é ainda o da pru- plicar que o que se vai passar rac, Blair reunira-se na quarta- que será o segundo encontro A colaboração russa resolveria os principais proble-
dência, e ninguém parece dis- é uma guerra global que não feira com o chanceler alemão, entre o Presidente norte-ame- mas logísticos com que se confrontam os dirigentes dos
posto a passar um cheque em acaba no Afeganistão” que o Gerhard Schroeder, que tam- ricano e um líder europeu, de- EUA para a concretização da previsivelmente longa e
branco aos Estados Unidos. In- subsecretário de Estado norte- bém expressou o seu “apoio pois dos ataques da passada desgastante operação de retaliação. Mas até agora, os
terrogado pelos jornalistas so- americano Richard Armitage firme” a Washington. Depois semana. Jacques Chirac foi o líderes do Tajiquistão, Uzbequistão ou Turquemenistão
bre a “inevitabilidade” de uma se deslocou ontem à sede da da mini-ronda europeia, o pri- primeiro a marcar presença também não disseram se vão apoiar uma operação contra
resposta militar, Blair decla- NATO, em Bruxelas. meiro-ministro do Reino Uni- em Washington, mas as reuni- o Afeganistão.
rou que “os contornos preci- Na primeira visita de uma do acabou por partir para No- ões vão suceder-se nos próxi- Os dirigentes do Kremlin começaram por excluir a par-
sos da reacção estão ainda a delegação de alto nível dos va Iorque, onde, ainda ontem, mos dias. I ticipação numa operação ao lado dos norte-americanos, e
as feridas da desastrosa intervenção russa no Afeganistão
na década de 80 (14 mil mortos e dezenas de milhares de
ENCONTROS DIPLOMÁTICOS SUCEDEM-SE EM WASHINGTON feridos) ainda permanecem muito abertas. No entanto,
o discurso começou a ser alterado de forma progres-
A capital dos Estados Unidos tem sido nos tido como fundamental, já que o país acolhe encontro de quarta-feira com George W. siva, e a Rússia parece já estar também a equacionar
últimos dias palco de uma actividade diplo- muitos dos lugares santos do islamismo. As- Bush e o secretário de Estado Colin Powell. possíveis contrapartidas em caso de participação na
mática inusitada. Chefes de Estado, primei- sim, qualquer ataque que venha a ser de- “grande aliança”, apesar de temer as consequências de
ros-ministros e chefes de diplomacia têm sencadeado contra o Afeganistão tenderá a Igor Ivanov uma desestabilização regional em larga escala.
rumado a Washington dando resposta ao ser menos visto como uma operação do mun- Ministro dos Negócios Estrangeiros Neste aspecto, a questão da Tchetchénia assume uma
apelo do Presidente Bush para a construção do ocidental contra o islão. russo função decisiva, e não tem sido por acaso que Moscovo
de uma coligação internacional contra o ter- Uma coordenação plena com os Estados tem insistido em associar os acontecimentos de 11 de
rorismo. Todos prometem apoio, mas poucos Jacques Chirac Unidos na luta contra o terrorismo foi a pro- Setembro nos EUA à situação no Cáucaso do Norte, e de
dizem claramente até onde estão dispostos a Presidente da França messa deixada em Washington, na quarta- recordar por exemplo que os atentados contra habitações
avançar. Foi o primeiro chefe de Estado europeu a ser feira, pelo chefe da diplomacia russa. Quanto civis há dois anos no país e que deixaram mais de 300
recebido pelo Presidente Bush depois dos ata- à possível utilização das bases militares na mortos “também foram actos terroristas”, sem dúvida
Saud al-Faisal ques do dia 11. Durante o encontro, realizado Rússia, Ivanov mostrou-se evasivo. com uma “ligação tchetchena”. Agora, Moscovo tenta
Ministro dos Negócios Estrangeiros na terça-feira, Jacques Chirac reafirmou o provar as ligações entre os rebeldes tchetchenos e a rede
da Arábia Saudita apoio firme de Paris a Washington e disse que Uma representação da União Europeia (UE) de Bin Laden, e neste aspecto parece interessada em
Saud al-Faisal encontrou-se ontem com o uma eventual intervenção militar do país ao — composta pelo ministro dos Negócios colaborar com os serviços de informações dos EUA.
Presidente Bush na Casa Branca e reafirmou lado dos Estados Unidos é “concebível”. Estrangeiros belga, Louis Michel, pelo alto- A “suavização” das críticas ocidentais face à guerra
o apoio do seu país — onde nasceu Osama representante da UE para a Política Externa, da Tchetchénia, a concessão de ajudas financeiras por
bin Laden — na luta contra o terrorismo. “Se- Joschka Fischer Javier Solana, e o comissário europeu para parte das instituições financeiras ocidentais e o aumento
rá preciso fazer um esforço persistente para Ministro dos Negócios Estrangeiros as Relações Externas, Chris Patten — e o da sua influência na Ásia Central e Cáucaso — onde está
destruir as infra-estruturas que apoiam os alemão ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, envolvido num contencioso com os EUA relacionado com
terroristas”, mas será também fundamental A Alemanha “não exclui nenhuma opção” na Tang Jiaxuan, foram também ontem rece- o controlo dos oleodutos e gasodutos em direcção à Europa
que “não se entre no jogo deles, criando um ajuda aos Estados Unidos, mas não apoiará bidos pelo secretário de Estado norte-ame- — podem constituir as principais exigências do Kremlin.
fosso intransponível entre o mundo ocidental qualquer retaliação que seja feita contra o ricano Colin Powell, em encontros cujo des- Para se precaver no futuro de um reforço do poder dos EUA
e o mundo islâmico”, afirmou Al-Faisal à sa- mundo muçulmano, declarou o chefe da di- fecho ainda não era conhecido à hora de a nível mundial caso a sua retaliação contra o terrorismo
ída do encontro. O apoio da Arábia Saudita é plomacia alemã, Joschka Fischer, depois do fecho desta edição. I.L. obtenha os resultados pretendidos. I
10 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001 G U E R R A AO T E R R O R I S M O P O N TO S D E V I S TA

“Para o resto do mundo isto


não parece uma grande atrocidade”
E N T R E V I S TA C O M
N OA M C H O M S K Y
Se os Estados Unidos retaliarem, diz o intelectual Noam Chomsky, cairão na “armadilha diabólica”
de Osama bin Laden. Por Ana Gomes Ferreira, Nova Iorque
LEE JAE-WON/REUTERS

Só na quarta-feira à tarde, o foi ameaçado? 1840. Pearl


gravador de chamadas no ga- Harbor é uma colónia. A his-
binete de Noam Chomsky, no tória dos EUA não é bonita.
Massachusetts Institute of Limparam a população na-
Technology (Boston, Estados tiva, alguns milhões de pes-
Unidos), registou mais de 600 soas. Entraram brutalmen-
chamadas. A maior parte era te no México e cometeram
de jornalistas e analistas de atrocidades horríveis na
todo o planeta, solicitando América Central/Caraíbas.
declarações ao linguista e Foram até às Filipinas ma-
teórico social e político. “Pa- tar meio milhão. Mas isto
ra o resto do mundo, [o ata- é o que fazemos aos outros,
que contra os EUA] não pare- eles não estão autorizados
ce uma grande atrocidade”, a responder. E isto é verda-
disse Chomsky ao PÚBLICO, de para a Europa, onde es-
em entrevista telefónica. ta lógica está mais enraiza-
Conhecido pela leitura ra- da porque é a sua história.
dical — e, por isso, muitas ve- Conseguem pensar num ca-
zes polémica — que faz das so em que as pessoas das
políticas (social, económica, colónias tenham atacado as
externa) dos Estados Unidos, potências europeias? O que
Noam Chomsky considera os mais se aproxima são os ata-
ataques de 11 de Setembro ques terroristas argelinos
um momento inédito na his- em Paris, nos anos 50. Ou as
tória da humanidade. Por- bombas do IRA em Londres.
que, pela primeira vez, as Mas é marginal, porque por
armas que durante séculos centenas de anos as armas
estiveram apontadas na mes- estiveram apontadas para o
ma direcção, viraram-se. Os lado de lá.
oprimidos voltaram-se con- Para o resto do mundo, [o
tra os opressores. “É a verda- ataque nos EUA] não parece
de e Portugal devia sabê-lo uma grande atrocidade. Pos-
bem. Afinal, foram um dos so garantir isso porque te-
iniciadores [da violência].” Noam Chomsky: “O ataque teve a ver com a forma brutal e perversa como [os EUA] agem” nho estado a dar entrevistas
O Presidente dos EUA, para todo o mundo, e dizem-
George W. Bush, disse que a forma brutal e perversa co- são muito ecuménicos em re- be e um muçulmano, não sa- época, que era um sacrilégio me: “É horrível, mas já es-
este foi um ataque contra o mo agem. Devíamos opor-nos lação a quem demonizam. be que há Estados aliados e invocar o Holocausto para tamos habituados, graças a
mundo civilizado. Não foi a quem deixa a palavra civili- Nos anos 80, quando estavam extremistas. E se percebes- atacar outros. Há quem ga- vocês.” É a verdade e Portu-
antes um ataque contra a zação sair-lhe assim da boca. a fazer a guerra na América sem as diferenças, ficariam nhe a vida com isso e acaba gal deveria sabê-lo tão bem
superpotência? Os valores da civilização Central, onde mataram mi- espantados. de sair um livro a explicar como qualquer país, por-
Foi um ataque contra um desaparecem quando é pre- lhares de pessoas, [a propa- O senhor é judeu. Con- que o Holocausto está a ser que afinal foram um dos ini-
país que aplica políticas que ciso mais um oleoduto no ganda] foi contra a Igreja Ca- corda que o Holocausto foi usado para justificar a opres- ciadores e fizeram-no até
provocam ressentimentos e Médio Oriente ou na Ásia tólica, que estava a tomar o usado para criar um ma- são. Chama-se “A Indústria ao tempo presente, até aos
sentimentos de amargura em Central? partido dos pobres. niqueísmo, uma teoria de do Holocausto”. anos 70.
toda a região [do Médio Orien- Os EUA agarraram nas Qual é o impacte dessa que existe no Médio Orien- Para realizarem a mis- Está a dizer que é lógi-
te]. O “Wall Street Journal” concepções estratégicas dos imagem na opinião públi- te um povo bom e um povo são, os terroristas, que são co que agora seja a nossa
publicou um excelente artigo britânicos, que controlaram ca? mau? extremistas políticos e reli- vez?
sobre a opinião dos muçulma- a região até à II Guerra Mun- As pessoas estão muito O Holocausto foi explora- giosos, misturaram-se com Espero que não. Um crime é
nos ricos (empresários, ban- dial. Os britânicos eram mui- confusas. Mesmo as mais do de forma chocante. De for- os americanos, viveram co- um crime, e isto foi um crime
queiros) e pró-americanos do to francos: queriam formar educadas não sabem a dife- ma insultuosa para a me- mo eles, comeram ham- terrível. Mas se formos ho-
Golfo Pérsico. Estão zangados uma fachada árabe, Estados rença entre árabes e muçul- mória das vítimas. Um dos búrgueres. Não há um pa- nestos, devemos dizer o mes-
com as políticas que os EUA árabes que faziam o que lhes manos. Eu conheço pessoas principais dirigentes do mo- radoxo nas vidas destes mo que o resto do mundo.
estão a aplicar: apoio a re- mandavam. Os EUA mantêm que trabalharam e viveram vimento sionista disse que homens? Disse que a retaliação
gimes autocratas e autoritá- no poder regimes autoritá- no Irão, e pensam que é um Israel estava a usar o Holo- Havia algum paradoxo serve os interesses de Osa-
rios, que impedem o desen- rios que servem os seus inte- país árabe. O público não sa- causto para justificar a in- nas vidas das pessoas que ma bin Laden. Porquê?
volvimento das iniciativas resses. Se for do interesse dos be a diferença entre um ára- vasão do Líbano. Disse, na andavam a organizar as Disse-o e, dias depois, o
independentes. Uma das prin- EUA aceitar a ocupação mi- DR guerras em Angola e em ministro francês dos Negó-
cipais razões deste desconten- litar [israelita na Palestina], Moçambique? O que surpre- cios Estrangeiros defendeu
tamento é a brutal ocupação fazem-no. Se for útil destruir ende aqui é algo difícil de o mesmo. Explicou que se os
israelita [na Palestina], que a sociedade civil iraquiana, entender para os europeus. EUA retaliarem com violên-
está a entrar no 35º ano. Uma não tocando no “gangster” Andámos 200 anos — no ca- cia cairão na armadilha dia-
ocupação que depende de for- que dirige o país, fazem-no. so de Portugal mais sécu- bólica que Bin Laden lhes
ma crucial do apoio dos EUA: Portugal andou a defender los — a sustentar a ideia preparou. Consideremos a
as armas usadas para matar que valores, desde o tempo de de que podemos fazer to- forma como as pessoas rea-
pessoas, o dinheiro para pa- Vasco da Gama até [às guer- das as atrocidades aos ou- giram, aqui, a esta atrocida-
gar aos colonos que ocupam ras em] Angola e Moçam- tros povos. Mas que eles não de terrorista. Como irão as
territórios. Os EUA também bique? Não devemos usar a podem fazer o mesmo con- pessoas de lá reagir, se ma-
estão a atacar a sociedade ci- palavra civilização. É uma tra nós. Angola não invadiu tarmos milhares e milhares
vil iraquiana, destruindo-a. O vergonha. Toda a história da Portugal. A Índia não inva- de muçulmanos? Alguém se
Iraque era o país árabe mais Europa — e a dos EUA — é diu a Inglaterra. O Congo surpreende? Se o quisermos
avançado da região e, agora, é de conquista e destruição do não invadiu a Bélgica. retaliar, faça-se. Mas temos
um dos mais pobres do mun- mundo, em nome do seu pró- Acreditamos que somos de entender que além de es-
do. Isto é o que pensam as prio interesse. intocáveis? tarmos a cometer um crime,
pessoas ricas e privilegiadas, Considera que os EUA O que é novo neste acon- estamos a mobilizar gente
que são pró-americanas. Se criaram uma imagem de- tecimento é não haver nada para Bin Laden — exacta-
formos às ruas do Cairo, ou- monizada do mundo árabe? parecido, do ponto de vista mente o que ele quer — e cri-
vimos os mesmos protestos, Nos filmes de Hollywood, histórico. Pela primeira vez mes maiores serão cometi-
mas mais enraivecidos. O ata- por exemplo, os terroristas em séculos, as armas foram dos contra nós. É assim que
que não teve a ver com o facto são sempre árabes.
“Se quisermos retaliar, temos de entender que apontadas na direcção con- acontece a escalada do ciclo
de os EUA serem um centro Sim, tem havido uma enor- estamos a mobilizar gente para Bin Laden” trária. Quando foi a última de violência. A dinâmica é
da civilização, teve a ver com me propaganda. Mas os EUA vez que o território dos EUA familiar. I
D E S T A Q U E 11
PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001

Reflexões sobre um mundo que mudou (II)


Paciência e determinação
W
inston Chur- frentá-la não passa por
chill foi um atirar alguns mísseis de
homem só du- cruzeiro contra acam-
rante boa par- pamentos remotos em
te da década de 30 do sé- montanhas inóspitas, co-
culo passado — a mais mo fez a anterior ad-
negra das décadas. E era JOSÉ MANUEL ministração americana.
um homem só porque era Enfrentá-la também não
dos poucos que se opu-
F ERNANDES
passará por invadir e
nham à corrente domi- E D I T O R I A L ocupar territórios que
nante na política inglesa nunca se deixaram sub-
da época e que mandava contemporizar jugar. Enfrentá-la exige, como tem vindo
com Hitler e com as ditaduras emergentes. a dizer a administração americana, ter
Ele estava contra a política dos “apazigua- paciência e perseverança, e combater em
dores”, dos que cediam a Hitler em nome todas as frentes: militar, diplomática, polí-
— julgavam eles — da paz. tica, comercial, policial. Será uma guerra
Churchill teve na altura de combater longa e exigirá “sangue, suor e lágrimas”,
argumentos pacificistas muito semelhan- isto é, terá de assumir combates que pro-
tes aos que hoje emergem e, sem o afir- voquem baixas (esta é uma importantís-
marem com clareza, pedem a inacção, ou sima evolução do discurso político, se nos
advogam sem o assumir a ausência de lembrarmos do que foi a campanha de
resposta ao tremendo ataque de 11 de Se- “zero baixas” do Kosovo).
tembro de 2001. A dificuldade de Churchill Esta é também uma guerra que os Esta-
era que os seus colegas eram gente bem dos Unidos não poderão travar sozinhos.
intencionada e movida pelas melhores Necessitam não apenas do apoio dos seus
intenções — tal como agora —, só que es- aliados tradicionais, como de construir
tava tremendamente enganada. Quando uma coligação internacional empenhada
a História veio dar razão a Churchill, foi em dar apoio às inevitáveis acções milita-
a ele que o povo britânico recorreu para o res e em colaborar na troca de informações
conduzir na difícil, na quase impossível e indispensável a tecer a rede capaz de apa-
imensamente solitária, resistência. nhar os agentes terroristas.
Ora, como ontem procurei explicar, o Mas tudo isso não chegará se, em simul-
que move o terrorismo internacional é um tâneo, os Estados Unidos — e nós todos
ódio sem limites ao nosso modo de vida e às com os Estados Unidos — não formos ca-
nossas sociedades. A simples existência de pazes de aplicar a este novo tipo de guer-
sociedades livres, de cidades universalistas ra a mesma determinação que permitiu
como Nova Iorque, de países onde convi- ganhar a guerra fria. Fareed Zakaria lem-
vem dezenas de credos, como os Estados brava esta semana na “Newsweek” que, na
Unidos, de regiões onde se pode falar e cir- guerra fria, não foi apenas a construção de
cular em liberdade, como a nossa Europa, armas nucleares que permitiu a vitória:
constitui, num mundo globalizado, um “A luta política que travámos por todo o
desafio intolerável às lógicas fechadas dos mundo foi pelo menos igualmente impor-
fundamentalismos. Eles não vão deixar de tante”. E explicava como se deve repetir
combater a nossa forma de viver se optar- a experiência: “Desde o início da guerra
mos pelo apaziguamento. Pelo contrário: fria que a América percebeu que uma das
interpretarão tal facto como uma fraqueza. suas missões cruciais era desacreditar o
De resto, de acordo com múltiplos relatos comunismo e minar a sua influência no
jornalísticos, entre os que festejaram o mundo. A tarefa de hoje é garantir que
ataque às “torres gémeas” muitos fizeram- o islamismo radical não seja visto como
no porque viram nele uma demonstração uma opção válida no mundo muçulmano.
de fraqueza dos Estados Unidos (tal como Podemos fazer isso de várias formas, mas
Hitler e Mussolini viram na política de uma delas é apoiando os muçulmanos mo-
“não intervenção” na guerra civil espa- derados e laicos”. Para Fareed Zakaria,
nhola uma prova da debilidade das demo- “por mais eficaz que seja qualquer campa-
cracias liberais). nha militar, em última análise esta guer-
Quando os japoneses atacaram Pearl ra será ganha ou perdida no terreno da
Harbor procuraram desferir um golpe tão política”.
poderoso que mostrasse aos americanos É mais fácil de escrever do que fazer,
que era melhor manterem-se longe do con- sobretudo se pensarmos que vai ser neces-
flito no Pacífico. No entanto, como rapida- sário, em simultâneo, obter o apoio dos
mente percebeu o comandante da marinha regimes árabes e, ao mesmo tempo, apoiar
imperial, almirante Yamamoto, o que con- os que se lhe opõem. Infelizmente, a “real
seguiram foi acordar um urso adormeci- politik” do Ocidente — dos Estados Unidos,
do. Desse “dia da infâmia” o Presidente mas também do Reino Unido ou da França
Roosevelt fez a catapulta para implicar a — não tem tido qualquer consideração
América nos destinos do mundo, levando-a por estes aspectos e tem preferido ditado-
a travar duas imensas guerras em simul- res amigos a líderes moderados mas inde-
tâneo — no Pacífico e na Europa — e a pendentes. Também isso terá de mudar,
assumir uma responsabilidade interna- pois muito dificilmente se poderá isolar
cional a que o país sempre fora relutante. os terroristas sem fazer evoluir o mundo
Desta vez o Presidente George W. Bush islâmico para a democracia — e recorde-
tem pela frente uma tarefa talvez ainda mos que não existe nenhuma democracia
mais difícil. O inimigo não tem um nome, consolidada de Marrocos à Indonésia.
nem um exército que possa ser desafiado, Mas mesmo sendo difícil de fazer, já
nem uma capital que possa ser atacada, foi feito: na América Latina. Em vinte
nem um território que possa ser ocupado. anos, o subcontinente evoluiu muito ra-
Mesmo quando lhe procuramos dar um zoavelmente para a democracia e, apesar
rosto — o de Osama Bin Laden —, sabemos das suas crises e da muita pobreza que
que é apenas um rosto. Sabemos que a sua aí existe, a evolução foi extraordinária
organização está espalhada por muitos e imensamente positiva. No mundo islâ-
países, que até tem gente entre nós, se ca- mico as coisas podem não ser tão fáceis,
lhar entre aqueles de quem menos suspei- até por razões culturais — mas se no Leste
tamos. Sabemos também que não a única os regimes caíram porque os povos que-
organização. E sabemos que possui apoios riam viver como se vivia no Ocidente,
populares em dezenas de países, onde exis- no mundo árabe o apelo da modernida-
te uma opinião pública islâmica pronta a de também acabará por se sobrepor ao
levantar-se em sua defesa. apelo do fundamentalismo irredentista.
Esta guerra que nos foi declarada não Teremos é de o ajudar os seus povos a
tem por isso solução fácil nem rápida. En- percorrer esse caminho. I
1 2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001 G U E R R A AO T E R R O R I S M O P O N TO S D E V I S TA

“O IMPÉRIO
O movimento antiglobalização PROCURA
UM INIMIGO”
está baralhado Num “cartoon” da “Non”
(zonanon.org), Bush filho te-
lefona, desesperado, a Bush
pai: “Demos-lhes instrução
militar, cursos de pilotagem,
Dizem frases que, segundos depois, querem corrigir. Como a que compara a guerra de Osama bin Laden à do aviões e até filmes... e agora
movimento antiglobalização. O movimento antiglobalização americano redefine prioridades e promete agora uma papá?” O “cartoon” é ilustra-
tivo da habitual posição dos
luta contra o “racismo global”. Por Ana Gomes Ferreira, em Nova Iorque movimentos antiglobalização
em relação ao poder político e
KAI PFAFFENBACK/REUTERS económico. Um tom que vol-
Por culpa do terrorista inter- preciso acautelar os discur- ta a repetir-se em relação aos
nacional Osama bin Laden, o sos. “Não estou a dizer que atentados nos EUA, com o Fó-
movimento antiglobalização defendo Bin Laden ou os ta- rum Social Mundial (FSM) a
está baralhado. Como deve, liban. Não temos os mesmos agregar a luta contra a guer-
depois dos ataques de terça- objectivos. Eles são reaccio- ra, que considera consequên-
feira, manifestar-se contra o nários. Eles não procuram a cia do capitalismo.
consumo, destruir lojas e in- paz e a justiça.” A destruição do coração do
cendiar carros para denun- Kevin deveria estar a fazer capitalismo americano pode-
ciar a uniformização econó- as malas, para rumar a Wa- ria ser simbólica para os movi-
mica, combater o “imperia- shington, cidade que o movi- mentos que combatem o neo-
lismo”? Como irão os Esta- mento antiglobalização pro- liberalismo. Mas, por todo o
dos Unidos e o mundo tolerar meteu incendiar — como já mundo, os movimentos anti-
a desobediência civil, a des- aconteceu a Seattle, nos Esta- globalização expressaram soli-
truição e a violência que tor- dos Unidos, ou a Génova, em dariedade para com as vítimas.
nou o movimento famoso? Itália — durante a reunião No dia seguinte aos atentados,
Kevin, um “trabalhador e conjunta do Banco Mundial a Attac — associação mundial
activista antiglobalização” e do Fundo Monetário Inter- pela taxa Tobin, associada do
de 38 anos, já encontrou o fio nacional. O encontro, previs- FSM — associou-se “ao luto do
condutor que pode evitar a to para o final deste mês, foi povo americano”.
erosão do movimento na se- cancelado. Apesar da onda de solida-
quência do ataque de 11 de Os antiglobalistas, unidos riedade, a Attac não deixa im-
Dezembro contra os Esta- na Coligação para a Justiça punes os Estados Unidos, con-
dos Unidos, em que terroris- Global, fez terça-feira saber siderando o atentado como
tas raptaram aviões civis e, que os protestos foram, tam- consequência da sua política
usando-os como mísseis, dei- bém, desmarcados. Um dos neoliberal. Considera-se que
taram abaixo o World Tra- grupos da coligação, o Inter- o crime remete para “proces-
de Center de Nova Iorque e national Action Center, que sos em andamento há déca-
uma ala do Pentágono de Wa- passou estes dias a “redefi- das”, para as “desigualdades
shington. Morreram perto nir estratégias”, encontrou crescentes e crises não resol-
de seis mil pessoas. uma forma de não desapare- vidas”. “Mas faz isso da pior
Na terça-feira à noite, o cer do mapa. Marcou para maneira, assimilando um po-
dia da passagem da primei- 29 de Setembro uma marcha vo a um Estado e assassinan-
ra semana desde o massacre, em Washington contra o “ra- do milhares de inocentes”,
Kevin e uma dúzia de mili- cismo global”. “O centro do acrescenta o comunicado.
tantes antiglobalização jun- nosso protesto é, agora, o pe- Após os atentados, os mo-
taram-se a uma vigília na rigo de eclodir uma guerra vimentos encontraram uma
Union Square de Manhattan, no Médio Oriente, a globa- nova causa: a luta contra a
em Nova Iorque. Levaram fo- lização do racismo e os ata- posição militarista dos Esta-
lhetos a dizer “parem o terro- ques racistas de que os ára- dos Unidos. Sob o título “Um
rismo dos taliban e do Banco bes e os muçulmanos deste Império procura um novo ini-
Mundial”, “parem o terro- país estão a ser alvo”, disse migo”, o “site” oficial do Fó-
rismo económico do Fundo o porta-voz do centro, Brian rum Social de Porto Alegre,
Monetário Internacional”. Becker. reunião agora anual dos mo-
“Estamos aqui para falar Kevin está convencido de vimentos antiglobalização,
do nosso papel nesta guerra que, dentro de pouco tempo, posiciona-se contra Bush e
imperialista”, explica Kevin. o “povo” vai começar a fa- contra a decisão de guerra,
Está pouco à vontade. Não zer a “ligação” que ele já fez através de um conjunto de
está seguro das palavras que entre os ataques e a globa- textos sob o título “O império
deve dizer. Às vezes, precisa lização. “O povo ainda está procura um inimigo”.
de corrigir as ideias, como a cheio da propaganda do Es- Num texto de Thalif Deen,
que liga o ataque às teorias tado, que diz que isto foi um é lembrada a situação de um
da antiglobalização. ataque contra o ‘farol de li- milhão de deslocados afegãos,
“A ligação entre estes ata- berdade que a América é’. número que piorará após a
ques e a globalização deve ser Mas as pessoas vão entender retirada de todos os organis-
feita com subtileza. Não, es- Na Union Square de Manhattan, houve vígilias pacifistas e contramanifestações com cartazes que foi a CIA que pôs os tali- mos humanitários no país. Ci-
pere lá. Não há nada subtil incluindo a imagem de Bin Laden dizendo “Procura-se vivo ou morto” ban no poder, e começar a ti- tando funcionários da ONU,
nisto. Há muita desigualdade rar conclusões”, diz Kevin. chama aos taliban um grupo
naquela zona do mundo. E é o O activista começa a expor de estrangeiros “psicóticos”
petróleo que a provoca. O de- Pacifistas contra vingadores a sua solução para o proble- e vê o povo afegão como “fa-
sequilíbrio e as companhias ma do terrorismo. É contra a minto e exausto”.
de petróleo do Ocidente ge- guerra anunciada pelo Presi- Hector Mondragón, um eco-
raram regimes autocráticos Na Union Square de Manhattan, em Milhares de pessoas juntaram-se na dente George W. Bush. Con- nomista colombiano persegui-
que arrasaram os valores tra- Nova Iorque, aconteceu, terça-feira à Union Square. Os católicos cantaram sidera que devem ser as Na- do pelos paramilitares, mos-
dicionais dos povos árabes.” noite, uma batalha silenciosa. De paci- músicas sobre Jesus, os sikhs rezaram ções Unidas, apoiadas por tra como a crise também está
Kevin explica que o fim des- fistas contra vingadores. Foi assim: (andam a ser insultados, porque os governos e organizações não a servir para criticar o neo-
tes valores criou correntes uns decoraram a praça com cartazes americanos não percebem as religiões, governamentais, a fazer a lu- liberalismo. No jornal alterna-
extremistas. Como a do ter- apelando à paz; os outros vieram a se- ou a geografia do mundo, e confun- ta contra o terrorismo. Um tivo sul-americano “Nodo50”,
rorista Osama bin Laden — guir e, por cima do “amor”, colaram dem-nos com os árabes, que também homem aproxima-se. Está fu- escreve que a guerra serve pa-
protegido pelo regime tali- papéis a dizer: “Matem-nos todos. Já!” decidiram hostilizar), os judeus mos- rioso. “Eu estive no Vietna- ra “acumular mais capitais e
ban do Afeganistão — que, Ou os cartazes que o “New York Post” traram-se, os protestantes ofereceram me, onde os americanos an- no auge resolver crises”. Mon-
por isso, contra-ataca. ofereceu com a edição do dia, com a panfletos, os “hippies” agitaram flores. daram a aterrorizar gente. dragón considera que “não é
Kevin percebe que está a imagem de Osama bin Laden entalada Os vingadores foram tentar convencer Isto é diferente. Há pessoas por acaso que Bin Laden é
um passo de defender a vio- entre as frases “Procura-se. Vivo ou os outros de que a paz nem sempre é que nos odeiam e temos um burguês” que “detesta os
lência como arma contra a morto”. possível. Passou-se tudo na praça de que encontrá-las. Enquanto trabalhadores”. Vendo a guer-
desigualdade. Está a um pas- Não houve troca de insultos. Não houve Manhattan que mais memórias tem de isso não acontece, temos que ra como consequência das
so de atirar para o mesmo sa- pancada. A vigília pacifista não chocou manifestações. Entre a Primeira e a Se- nos proteger”, diz o homem. contradições do capitalismo,
co a violência terrorista e a com a contramanifestação. Afinal, trata- gunda Guerra Mundial, a Union Squa- “Pois”, diz Kevin, “ponha aí aponta como alternativa “ele-
violência do movimento an- va-se de assinalar a passagem da primei- re (praça dos sindicatos) foi o centro que nós achamos que pri- var as reivindicações de justi-
tiglobalização. São tempos ra semana do ataque à América, a 11 de dos protestos operários, anarquistas e meiro temos de apanhar os ça verdadeira, social e paz”. I
complexos, estes, em que é Setembro. comunistas. Outros tempos. maus”. I LINA FERREIRA
D E S TA Q U E 1 3
PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001

Muçulmanos em Portugal:
E a luz brilhou nas “Minorias sofrem mais”
trevas (Jo. 1,5) SHEIK MUNIR, IMÃ DA
DULCE FERNANDES

MESQUITA DE LISBOA
D. JOSÉ POLICARPO
A comunidade islâmica
portuguesa é pacífica.
A crueldade dos acontecimentos, expressão dramática Mas tem medo. Não quer
do desrespeito pela pessoa humana falar. O imã de Lisboa
e pela sua dignidade, alerta-nos para a injustiça e desdramatiza. Mas teme a
inutilidade da violência como caminho para encontrar confusão que possa existir
soluções para os problemas da humanidade entre política e religião.
ANABELA MENDES

1. Não posso deixar de meditar con- que enfrenta o drama dos países Na Mesquita de Lisboa a calma reina
vosco nos dramáticos acontecimen- pobres, nas injustiças praticadas fora das horas das orações. A porta
tos das últimas semanas, que ten- em nome de políticas de sucesso está trancada e a polícia bem visível
do atingido directamente o Povo e de lucro, na humilhação, tantas no local. Já recebeu uma ameaça de
dos Estados Unidos da América, vezes gratuita, de povos e Nações. bomba, já lhe escaqueiraram alguns
encerram um significado para toda Ou o Ocidente aparece claramente vidros, mas até ao momento a comu-
a humanidade, neste início do séc. com projectos generosos, ao servi- nidade islâmica portuguesa não se
XXI. É que um dos frutos da nossa ço da outra parte da humanidade, sente verdadeiramente ameaçada.
fé cristã é ser luz que nos permite ou isto é apenas o início de uma Em teoria, porque na prática per-
ler os acontecimentos da história longa luta, em que a vitória, se pa- cebe-se que está temorosa. Ninguém
humana, captando-lhe as interpre- ra ela houver lugar neste género de quer falar. A qualquer pergunta sim-
tações e exigências para a edifica- conflito, não é certa para ninguém. ples, a resposta é que a ocasião não é
ção do Reino de Deus. Uma nova ordem mundial acabará propícia a qualquer declaração.
O primeiro elemento significati- por surgir: ela pode ser fruto da Sheik Munir, o imã da Mesquita
vo é a sua brutal surpresa. A ordem generosidade ou de um sofrimento de Lisboa, é a excepção. Abre as por-
mundial decorria na sua rotina as- colectivo de consequências impre- tas do templo e fala sem qualquer
sumida e eis que de repente tudo visíveis. Em dezenas de conflitos reserva. É um homem calmo e afável.
é posto em questão, obrigando-nos que retalham a humanidade, esta- Reconhece que a a preocupação e o
a pôr questões sobre o sentido da mos ainda a tempo de encontrar choque se abateu sobre a comunida-
civilização que edificamos, sobre soluções justas e criativas. Que ao de islâmica, mas principalmente a
as injustiças e desarmonias a que menos aprendamos isso: uma solu- estupefacção. “Ninguém consegue
nos habituámos, sobre movimentos ção injusta em qualquer ponto da perceber o que aconteceu nos Esta-
de fundo que desconhecíamos. O humanidade, globaliza-se nas con- dos Unidos. Transcende a compreen-
Senhor Jesus avisou-nos que a hora sequências do drama. As Nações são de qualquer um, pois nada tem
do Reino virá de surpresa, como poderosas têm de ser audazes nas a ver com a nossa religião. O Islão
um ladrão! propostas, generosas nas soluções, é a paz, a tolerância, a religião do
A crueldade dos acontecimentos, se querem ser protagonistas de respeito e do diálogo. Nada tem a ver
expressão dramática do desrespei- uma nova ordem que inevitavel- com ataques terroristas”, afirma. Sheik Munir, imã da Mesquita: “Atentados nada têm a ver com religião”
to pela pessoa humana e pela sua mente surgirá. Quanto à comunidade islâmica
dignidade, alerta-nos para a injus- portuguesa, Sheik Munir conside-
tiça e inutilidade da violência como 3. A violência dos últimos dias ra-a pacífica e perfeitamente integra- T-shirts em que ele aparece represen-
caminho para encontrar soluções tem sido relacionada com pessoas da na sociedade. Mas considera, tam- A FRASE tado como um herói, apesar de ainda
para os problemas da humanida- e países de religião islâmica. Com o bém, que o choque do que aconteceu não ter sido morto, não é inocente.
de. Dos nossos corações perturba- Santo Padre João Paulo II acredito pode levar a que algumas pessoas “Ninguém consegue Em Lisboa a comunidades islâmica
dos tem de brotar um grito decisivo que o diálogo inter-religioso é uma começem a confundir religião com não é composta por muitos árabes.
contra a violência, que se traduza pedra fundamental desse mundo política. “Vou começar a desconfiar perceber o que aconteceu Aliás, são uma minoria. A maior par-
nos nossos comportamentos diá- novo, mais harmónico e mais jus- do meu vizinho e o meu vizinho de nos Estados Unidos.O te dos membros são africanos — gui-
rios, na construção generosa da to. Temo que este ambiente o com- mim. É comum nestas situações e as neenses, moçambicanos —, magrabi-
harmonia, da fraternidade e da prometa, acentuando, em todos os minorias são quem mais sofre com
Islão é a paz, a tolerância, nos, asiáticos e convertidos.
paz. quadrantes, a intolerância cultural estes fenómenos”, explica. a religião do respeito e do Para já, a Mesquita de Lisboa con-
No momento em que escrevo to- e religiosa. Não confundamos os Sheik Munir considera que a situ- diálogo. Nada tem a ver tabiliza só alguns vidros partidos e
dos nos perguntamos qual vai ser a criminosos e os extremistas com ação se está a precipitar, em parte uma ameaça de bomba. Quando se
reacção do país atacado, exercen- as centenas de milhões de irmãos porque os norte-americanos culpa- com ataques terroristas.” sai do templo o sol continua a quei-
do, aliás, o seu legítimo direito de nossos que praticam pacificamente ram desde logo a comunidade islâ- mar e a quietudo no local é total. Os
defesa. Oxalá não se traduza em a sua fé num Deus único. mica. Na sua opinião, uma acusação SHEIK MUNIR, imã da Mesquita Estados Unidos parecem muito lon-
mais uma manifestação de violên- Peço a Deus que ilumine os nos- simplista demais. “Há fanatismo em de Lisboa ge. A polícia continua a rondar. Ao
cia estéril e ineficaz, sacrificando sos irmãos islâmicos em todo o todas as religiões e deveria ser óbvio fundo da Av. José Malhoa, artéria
mais vítimas inocentes. É preciso mundo, lideres religiosos e chefes que quem pratica actos de terroris- onde se situa a mesquita, ironia das
interpretar, sábia e corajosamente, políticos, para se distanciarem de mo vai contra todos os princípios da como ficou demonstrado durante a ironias, um cartaz anuncia um novo
os factos, para poder agir sobre as interpretações abusivas e violentas religião que diz professar e defender. ocupação soviética”, afirma. Sheik empreendimento: Twin Towers... 
causas, sem deixar de julgar com do seu livro sagrado. O Deus único Isso nada tem a ver com o Islão. Tem Munir conhece de perto essa a rea-
justiça os culpados. Uma grande em Quem todos acreditamos, não a ver com a loucura de quem pratica lidade. Licenciou-se em teologia no
Nação, como os Estados Unidos, pode ser fundamento para meios esses actos e se afirma muçulmano e, Paquistão e viveu de perto a luta no
Confiança
tem a oportunidade de dar à histó- violentos, na luta por causas, por- por isso, não se pode generalizar. Um Afeganistão e o êxodo daquele povo. nos portugueses
ria uma lição de grandeza, reagin- ventura justas. português matou seis compatriotas “No mundo árabe segue-se à regra
do de modo a marcar positivamente no Brasil e ninguém diz que os por- o princípio islâmico de acolher quem Sheik Munir, como imã da Mes-
a humanidade na superação dos 4. Neste início de ano pastoral, tugueses são assassinos”, diz. nada tem, seguindo o exemplo do que quita Lisboa, ouve os desabafos
seus problemas e conflitos. que a nossa oração se eleve em me- Sheik Munir reconhece que ac- aconteceu quando o profeta Maomé, dos que a frequentam e tam-
mória de tantas vítimas inocentes, tualmente assusta a preparação de no ano 623 da era cristã, fugiu de Me- bém ele está inquieto. Segue
2. As clivagens entre a Civiliza- em auxílio das pessoas retalhadas uma guerra santa no Afeganistão, ca para Medina sem nada. E, por isso, com atenção o noticiário inter-
ção Ocidental, marcada pela liber- pela dor e perdidas na confusão. assim como assusta os preparativos a hospitalidade muçulmana não se nacional e compreende o medo
dade democrática e pelo sucesso Sejamos incansáveis na recusa da da retaliação norte-americana con- compara com qualquer outra. É sob contido da sua comunidade.
económico, e o resto do mundo, violência, na construção da fra- tra países muçulmanos. Quanto a essa óptica, em parte, que se tem de Até ao momento não lhe chega-
marcado pela pobreza e pelo sub- ternidade e da paz, na construção guerra santa, explica que tem por analisar a recusa afegã em entregar ram queixas de desagravos ou
desenvolvimento, é mais profundo corajosa da justiça. Só assim cada fim a defesa da religião e nunca o Osama Bin Ladem, um hóspede no insultos contra muçulmanos
do que parecia. A amplitude dos cristão e a Igreja toda serão sinal ataque a ninguém. O Islão não aben- seu país, sem que haja provas con- em Lisboa. Mas considera que
acontecimentos revelou-nos uma anunciador de uma civilização do çoa agressores. cretas contra ele”, explica. toda a cautela é pouca.
ampla organização, porventura a amor.  Patriarca de Lisboa; texto a “O Afeganistão não tem meios pa- Sheik Munir considera ainda que No entanto, confia. Acha que os
plano mundial, da reacção contra a publicar no semanário “Voz da Verda- ra se defender. É um Estado sem Es- se está a mexer em sensibilidades des- portugueses não são extremis-
Sociedade Ocidental, que não está de”, do Patriarcado de Lisboa, no dia tado, onde é possível os líderes ma- conhecidas ao mundo ocidental e afir- tas e que não vão confundir as
isenta de culpas, na tibieza com 23 de Setembro nipularem a população em nome de ma que, se por um lado Bin Ladem coisas: religião com política, ou
uma causa, apelando ao seu espírito não é apoiado pela maior parte dos fundamentalistas com simples
de sacrifício, que não tem paralelo, paquistaneses, por outro a venda de crentes.
1 4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001 G U E R R A AO T E R R O R I S M O P O N TO S D E V I S TA

INQUÉRITO
O renascimento da
Guerra global 1. O que mudou no
mundo?

2. Como devem e
Idade Média: poder,
Os EUA declararam guerra
ao terrorismo internacional.
A OPINIÃO DE
ANTÓNIO SILVA RIBEIRO
a elementos de grupos radi-
cais islâmicos, originários
podem os Estados
Unidos e os seus
aliados responder a
risco e segurança
Será o prenúncio da III Guer- de países tão diversos como esta situação
ra Mundial? É provável, por- O sucesso dependerá da a Argélia, o Egipto, a Jordâ- A Opinião de
que o conflito contra uma determinação, da nia, o Paquistão, o Sudão, PAULO C. RANGEL
complexa teia de organiza- a Síria e o Iémen, entre ou-
ções multinacionais com mi-
paciência, da subtileza e tros. Com efeito, os níveis de “Responder
lhares de membros e apoian- do segredo que os planeamento, organização com a dignidade O mundo não mudou em 11 de Setembro de 2001. O mundo
tes em todo o globo será uma responsáveis políticos e e experiência, associados às já havia mudado antes: 11 de Setembro foi o momento da
tarefa monumental, de longa
militares, os planeadores capacidades operacionais e de seres consciencialização de uma nova ordem política global.
duração, que exigirá total financeiras requeridas pa- A nova ordem — insisto, “ordem” e não “desordem” —
coesão e um tremendo esfor- e os executantes ra concretizar os atentados
humanos que começou na queda do Muro de Berlim e do império russo.
ço de todos os países que con- conseguirem garantir de Nova Iorque e Washing- defendem a São eles os seus factos “constituintes”. Depois deles, assis-
sideram os direitos huma- ton, denunciam claramente timos a uma crescente e progressiva “medievalização”
nos, o respeito das minorias, a existência de uma coliga- liberdade e a do poder e das sociedades (Alain Minc). Basicamente,
a primazia do direito e a de- ção informal que envolve,
mocracia como valores essenciais à segurança para além dos executantes materiais e dos seus
democracia” o poder deixou de assentar única e exclusivamente no
território e no domínio de um aparelho organizado sobre
da humanidade. comandantes, milionários, funcionários gover- o território. A sede do poder já não é formal e não está
Como os responsáveis políticos dos EUA têm namentais, diplomatas, militares, membros (necessariamente) localizada nas máquinas estaduais e
afirmado, a principal resposta será militar e de serviços de informações e especialistas em nas suas vinculações territoriais.
empreendida por uma coligação. Embora a es- tecnologias diversas, todos envolvidos num Maria Luísa França Todos temos consciência do poder irresistível de certas
tratégia americana esclareça a lógica da coli- propósito comum. Secção Portuguesa da multinacionais, da influência decisiva de instituições inter-
gação, essencial para garantir adequados ní- Será extremamente difícil utilizar forças mi- Pax Christi, Movimento nacionais (aparentemente inócuas como a FIFA ou o Comité
veis de relacionamento com o mundo árabe e litares contra entidades tão dispersas sem uma Católico Internacional Olímpico) ou da cadeia de solidariedades transnacionais
muçulmano, não indica as formas de emprego estrutura ou um núcleo central de comando pela Paz de certos credos religiosos (a começar pela Igreja Católica).
das forças armadas no combate ao terrorismo. e controlo, cuja destruição desarticule a capa- A par disso, vemos que simples indivíduos ou cartéis de
Todavia, a chave para o sucesso de qualquer cidade de empreender novas acções. Por isso, indivíduos são capazes de influenciar ou mesmo determinar
acção militar passa por identificar, desarticu- em complemento das acções militares clássi- o rumo da sociedade internacional. Todos temos a experiên-
lar e destruir as capacidades operacionais que cas destinadas a dissuadir os governantes dos 1— Julgo que todo o mun- cia de que a acção concertada de um grupo de especuladores
permitem ao inimigo actuar de forma eficaz. países que apoiam os grupos terroristas, será do ocidental ficou mais de Chicago é capaz de atacar uma qualquer divisa ou de pôr
Nas actuais circunstâncias, esta tarefa reveste- indispensável realizar operações especiais em fragilizado e inseguro com em apuros segmentos da economia mundial. Ou então, do
se de grande dificuldade, porque o inimigo não diferentes pontos do globo, através do emprego o sentimento de que não génio informático que logra ameaçar o sistema mundial de
é evidente nem as suas capacidades têm uma de pequenas unidades, com grande mobilidade, há povos nem governos in- comunicações, entrando nos mais reservados santuários
expressão material perfeitamente delimitada. altamente treinadas e com armamento sofisti- vulneráveis. Talvez por isto ou espalhando vírus à escala universal. Nem será preciso
O inimigo tem vindo a ser associado ao go- cado. O sucesso dependerá da determinação, vamo-nos sentir mais pró- lembrar o cientista que, contra tudo e contra todos, avança
verno dos Estados que promovem o terrorismo da paciência, da subtileza e do segredo que os ximos e mais humanos. com a clonagem humana ou cede o seu “know-how” em
como instrumento da política internacional. responsáveis políticos e militares, os planea- Avivou mais as consciên- armamento nuclear a qualquer grupo terrorista de vão de
Como é possível negociar, bombardear ou inva- dores e os executantes conseguirem garantir. cias de que a ciência e a escada. Aquelas instituições e estes indivíduos são, a par
dir o Iraque e o Afeganistão, a manobra militar Dependerá igualmente da existência de infor- técnica, que são um bem dos Estados, sujeitos “de facto” dessa nova ordem política.
mais previsível será do tipo clássico. Porém, os mações actualizadas sobre o comportamento ao serviço da Humanida- Todos eles fazem parte integrante de um novo equilíbrio
ataques aéreos, rápidos e maciços, por si sós não das organizações e dos indivíduos ligados ao de, podem por vezes vol- em que os Estados tradicionais têm a primazia, mas não
serão eficazes contra os terroristas que se po- terrorismo. Para isso, é essencial garantir um tar-se contra ela. dispõem do monopólio.
dem ocultar em grandes centros populacionais grande empenhamento e uma superior coorde- Quem imaginaria que avi- A nova ordem é composta, portanto, por um complexo
ou nas montanhas, para se reagruparem mais nação entre os membros da NATO. Por outro ões comerciais se trans- proteiforme de organizações e sujeitos “políticos”, com
tarde noutros países, de onde desencadearão lado, será indispensável desenvolver esforços de formavam em mísseis? estruturas, lógicas e intenções muito diversas, que se
novos ataques. Para além disso, uma manobra consensualização de interesses com a Rússia, relacionam reciprocamente e de cuja articulação resulta
militar que só inclua ataques aéreos demons- Israel e Índia, que procurarão utilizar as infor- 2 — É urgente identificar e um certo equilíbrio. Essa diferenciação de forças políticas
trará que os aliados não pretendem desenvolver mações para direccionar as operações militares punir os responsáveis, e o tecido resultante da sua imbricação recordam inapela-
esforços decisivos para eliminar os grupos ter- sobre as suas ameaças específicas. imaginar formas de luta velmente o mundo político medieval, a sua estrutural di-
roristas. Por outro lado, uma invasão terrestre Tal como aconteceu nos grandes conflitos não violenta contra o terro- versidade e a sua condição radicalmente interdependente.
não será uma hipótese plausível, quer pela di- do século XX, os EUA envolver-se-ão nas hos- rismo internacional, não É neste contexto (embora com um apoio estadual sólido)
ficuldade em obter as bases necessárias para tilidades com algumas limitações operativas, respondendo da mesma que se enquadra e pode enquadrar o ataque armado da
edificar e apoiar as forças combatentes, quer porque os seus serviços de informações so- forma, mas com a dignida- passada semana. Se esse ataque significar uma revolução
porque terá custos materiais e humanos difi- frem de problemas decorrentes dos desequi- de de seres humanos que na ordem internacional, terá sido, à guisa das teses de
cilmente aceitáveis para as opiniões públicas líbrios entre a análise e a pesquisa, da grande defendem a liberdade e a Ortega y Gasset, uma “revolução pós-revolucionária”.
ocidentais. compartimentação que impede visões de con- democracia. É importante Com efeito, já a revolução do Leste de 1989-1991 fora, ela
O inimigo também é caracterizado por uma junto e de severas condicionantes políticas também não confundir jus- própria, imprevista e dramaticamente radical nas suas
rede amorfa e flexível de pequenos grupos con- para a realização de operações ofensivas co- tiça com violência. Esta consequências.
trolados de forma imprevisível, sem ligações bertas. Contudo, as reformas serão rápidas tem de ser, antes de mais, O irónico “renascimento” da Idade Média faz-nos acor-
geográficas ou políticas particulares ou per- e profundas, porque elites políticas e milita- atacada nas suas causas, rer à mente, de forma inevitável, o paradigma da “socie-
manentes. Bin Laden e o Al-Qaida são apenas res americanas, dotadas de elevada cultura e não apenas nos seus dade de risco” (Ulrich Beck). O risco assente em decisões
elementos de uma superestrutura complexa de estratégica, não terão dificuldade em perceber efeitos. Creio também que colectivas não controláveis, com efeitos espacial e tem-
organizações terroristas. A sua relevância de- que quem controlar as informações coman- será cada vez mais a no- poralmente não limitados e de alcance cientificamente
corre de possuírem campos de treino no Afega- dará e vencerá a guerra contra o terrorismo ção crescente da respon- imprevisível, como nota distintiva da nossa sociedade.
nistão, onde ensinam as técnicas dos atentados internacional.  Capitão-de-fragata sabilidade individual na vi- Esta nova ordem do risco — ainda e sempre ancorada na
GENT SHKULLAKU/REUTERS da quotidiana a fomentar dignidade humana, mas profundamente marcada por uma
uma cultura de paz, onde o incerteza e insegurança estruturais — já não se reverá
diálogo, a tolerância e ou- decerto na trilogia de 1789: liberdade, igualdade, fraterni-
tros valores podem jogar dade. Poderá, porventura, filiar-se na trilogia alternativa
um papel importante na mas não contraditória: segurança, diversidade e solida-
procura da justiça e da paz. riedade (de que nos dá conta o investigador coimbrão João
Gonçalves Loureiro).
A resposta das sociedades democráticas e da ordem
internacional à materialização do risco, ocorrida em 11 de
Setembro, deve, pois, pautar-se por tais valores fundamen-
tais. A segurança exige, primeiro, uma resposta militar
firme e inequívoca (assente em evidências de autoria do
ataque e dissuasora de ataques análogos). A segurança
reclama depois um reforço e uma mudança das políticas
de defesa. O valor da diversidade impõe uma atitude ine-
quívoca de respeito pela religião islâmica e pelos seus
seguidores, que evite a identificação do extremismo com a
moderação. O valor da solidariedade exige a continuidade
imediata do processo de paz israelo-palestiniano, o apoio
sistemático aos líderes moderados dos países menos de-
senvolvidos e uma maior atenção dos Estados mais ricos
ao desequilíbrio das relações económicas internacionais.
Sem descurar o terreno puramente político, não pode
porém esquecer-se a lição: a segurança inscreve-se expres-
samente na comunidade de fins da nova ordem.  Assistente
da Faculdade de Direito da Universidade Católica no Porto
D E S TA Q U E 1 5
REFLEXOS NA ECONOMIA PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001

Dólar ignora
“Marcha atrás” Wall Street Bruxelas admite
nas bolsas mundiais
O dólar aguentou on-
tem as perdas do
mercado bolsista e
chegou mesmo a su-
ajudas públicas
WIN MCNAMEE /REUTERS
os cem mil — e o aumento da
“factura” que as seguradoras
terão de pagar por causa do aten-
bir ligeiramente face
ao euro. Nos últimos
dias, os receios de
uma recessão econó-
às companhias
tado. Este ambiente negativo foi
agravado pelo bombardeamen-
to feito pelos Estados Unidos e
Reino Unido ao Sul do Iraque
mica e o nervosismo
em volta do início de
ataques retaliatórios
por parte dos Esta-
aéreas europeias
— que o Pentágono esclareceu, dos Unidos puxaram
mais tarde, não estar relaciona- a moeda europeia Comissária dos ajudadas pelo Governo Fe-
do com a retaliação aos ataques para cima, uma ten- Transportes a favor de deral. A maior companhia
ao World Trade Center. dência que ontem se aérea mundial, a American
O nervosismo dos investi- inverteu, o que foi auxílios. Assunto vai Airlines (AA), é uma das
dores ficou patente no encer- classificado mais co- ser discutido pelos empresas afectadas. A AMR
ramento em forte queda da mo uma correcção ministros de Economia Corp anunciou ontem, pelo
bolsas europeias. O mercado do que propriamente menos, 20 mil despedimen-
alemão, o último a fechar na como uma quebra. O e Finanças tos nas suas participadas —
Europa, desvalorizou 5,74 por euro fechou a valer além da AA, a American Ea-
cento. A bolsa holandesa acu- 0,9245 dólares, um INÊS SEQUEIRA gle e a TWA.
mulou uma perda de 5,1 por valor sensivelmente Os apelos a auxílios finan-
cento. A de Londres, a de Pa- a meio do apertado A União Europeia (UE) está ceiros ao sector nos Estados
ris e a de Madrid fecharam a intervalo em que ne- disposta a reconsiderar as Unidos estão a dar resulta-
perder mais de três por cento. gociou durante o dia. regras que restringem forte- do: a Casa Branca propôs
A praça portuguesa foi a que Forte valorização te- mente as ajudas de Estado às aos líderes do Congresso,
menos perdeu, essencialmente ve o iene, contra o companhias aéreas, “face a quarta-feira ao final do dia,
por causa do peso da Portugal dólar e o euro, de- circunstâncias inauditas e ex- para avançarem com uma
Telecom, que fechou positiva. pois de o ministro cepcionais” como as dos aten- assistência directa de cinco
das Finanças nipóni- tados do passado dia 11, nos mil milhões de dólares (5,5
SEC investiga co ter desmentido Estados Unidos, afirmou on- mil milhões de euros) em
“insider trading” uma alegada ordem tem a comissária europeia dinheiro para as transpor-
O discurso do presidente da Re- de venda de divisas que tem a tutela dos transpor- tadoras. A associação na-
serva Federal (Fed) norte-ameri- do país. tes, Loyola de Palacio, à saída cional de transporte aéreo
cana, Alan Greenspan, feito on- No mercado petrolí- de uma reunião com repre- exige ainda outros 12,5 mil
tem no Senado, foi seguido com fero, as preocupa- sentantes do sector. milhões de dólares (13,75
muita atenção por todos os mer- ções com uma even- Loyola de Palacio entende mil milhões de euros) em
cados, e se para uns não piorou o tual quebra da pro- que os Governos da UE deve- garantias a empréstimos
A preocupação de Paul O’Neill e Alan Greenspan pessimismo dos investidores, pa- cura motivada por riam suportar os custos das bancários. O Secretário dos
ra outros não conseguiu dar-lhes uma crise económica medidas de segurança extra Transportes, Norman Mi-
tróleo e bancos, as áreas mais grande alento. Alan Greenspan foram mais fortes do no sector da aviação. Quanto neta, disse que um plano de
WALL STREET penalizadas pelo atentado ter- remete para a próxima semana que o medo de corte à forte subida dos prémios de ajudas às companhias deve-
PERDEU 4,3 POR CENTO rorista de 11 de Setembro. Os dados mais concretos sobre o im- nos fornecimentos seguro para riscos de guer- rá estar pronto no início da
receios de uma eventual reces- pacte, no curto prazo, dos aten- no caso de acções mi- ra, garantiu que irá fazer pro- próxima semana.
são económica mundial tam- tados na economia americana, litares. Enquanto as postas de ajuda no âmbito do
O ritmo dos mercados bém continuam em aberto, admitindo que esses aconteci- notícias davam con- Ecofin (conselho europeu de Seguradoras
prejudicando a confiança dos mentos não irão afectar o cresci- ta das movimenta- ministros da Economia e Fi- impõem prazos
financeiros continua investidores. mento a médio prazo. ções da força aérea nanças), que se realiza hoje e Segunda-feira à noite é o pra-
marcado por más A bolsa de Wall Street encer- As incertezas quanto ao mo- norte-americana pa- amanhã em Liège. zo estabelecido pelas segura-
notícias e pela ausência rou negativa pela quarta sessão mento e à duração de uma ra o Golfo Pérsico, o A prestação de auxílios de doras para que as companhias
consecutiva — o Dow Jones per- eventual retaliação dos Esta- “crude” esteve a ser Estado às companhias aéreas aéreas europeias assinem no-
de informação sobre o deu 4,3 por cento e o Nasdaq dos Unidos continuam a gerar negociado com o pre- é apoiada pelos Governos bri- vos contratos, onde os pré-
que se vai passar a curto 3,9 por cento —, o que agrava muito insegurança nos merca- ço em alta, mas mais tânico e francês, o primeiro mios para riscos de guerra
prazo as perdas desde o atentado (ver dos. E esta indefinição leva os tarde não resistiu dos quais está a braços com aumentaram fortemente. Se
quadro) e “arrasta” os restan- investidores a terem receio de aos anúncios de uma a perspectiva de milhares de os novos contratos não forem
ROSA SOARES tes mercados. Por outro lado, que ela possa acontecer duran- queda drástica na despedimentos na British Ai- assinados, grande parte da
os investidores voltaram on- te o próximo fim-de-semana, procura (e nos lu- rways. “Enfrentamos condi- frota europeia pode ficar em
Os mercados accionistas mun- tem a acordar com muitas no- altura em que as bolsas estão cros) da aviação co- ções excepcionais que nos terra, alertou ontem o presi-
diais viveram ontem mais um tícias negativas, como o cres- encerradas, não sendo possí- mercial. Pela quarta forçaram a tomar medidas dente da associação europeia
dia muito negativo, com forte cente número de despedimentos vel vender acções. Uma dúvida sessão consecutiva, o muito duras”, afirmou o ad- do sector, no encontro com a
pressão vendedora em sectores nas maiores companhias aéreas que nem o secretário do Tesou- petróleo caiu, acu- ministrador-delegado (CEO) comissária Loyola de Palacio.
como os seguros, aviação, pe- mundiais — que já ultrapassa ro Paul O’Neill, esclarece. mulando já uma per- da maior companhia aérea O presidente da Portugália,
Um analista financeiro re- da de 3,40 dólares britânica, Rod Eddington, ao Ribeiro da Fonseca, admitiu
laciona também a queda das (3,665 euros) desde o anunciar ontem um corte de num encontro com jornalis-
bolsas, especialmente a de Lon- início da semana. dez por cento nos voos e sete tas que esta subida (mais 1,25
O BALANÇO DAS PERDAS dres e a de Frankfurt, com o tri- Em Londres, o barril mil perdas de empregos — um dólares ou 1,37 euros por pas-
(valores em percentagem) plo encerramento de contratos de Brent do Mar do em cada oito trabalhadores — sageiro) deverá representar
Fecho Queda desde Desvalorização de futuros, um dos segmentos Norte, para entrega mais 5200 do que os já anun- mais um milhão de dólares
de ontem 10 de Set. anual onde se tem admitido a pos- em Novembro, fe- ciados este mês. anuais de custos para a com-
EUROPA sibilidade de especulação de chou nos 26,02 dóla- Os despedimentos anuncia- panhia aérea do Grupo Espí-
Portugal — PSI-20 1,51 -0,80 -35,97 Bin Laden, o suspeito número res (28,055 euros). dos no sector, a nível mundial, rito Santo. Quanto à TAP, com
Espanha — Ibex-35 -3,00 -12,04 -26,18 um dos atentados terroristas, O dia foi ainda de já ultrapassaram 76 mil na cinco milhões de passageiros
Inglaterra — FTSE 100 -3,49 -0,90 -26,77 designadamente em títulos de perdas para o ouro. O última semana, mas os ana- transportados no ano passa-
França — Cac-40 -3,88 -14,70 -36,92 seguradoras e companhias de metal precioso pare- listas da indústria acreditam do, a transportadora pública
Alemanha — Dax Xetra* -5,10 -18,80 -40,29 aviação. A entidade superviso- ce ter deixado de fun- que as supressões de postos poderá enfrentar uma subida
ra da bolsa norte-americana, cionar como refúgio de trabalho poderão chegar de custos superior a seis mi-
Itália — Mib 30 -4,93 -19,03 -41,80
a SEC, ainda ontem disse que para os investidores, acima das 100 mil. Na sequên- lhões de dólares. Os atentados
Suíça — Suiss Market -4,48 -11,80 -33,63
está a recolher informação so- contrariando assim cia dos atentados, o tráfego afectaram também o merca-
EURO STOXX50 -4,27 -13,80 -37,7 bre alguns movimentos bolsis- as expectativas dos de passageiros diminuiu num do de combustíveis: além da
tas que possam estar ligados analistas que acredi- sector com margens já aperta- subida dos preços do barril,
ÁSIA
a “insider trading” (utilização taram numa forte das. Os lucros das transporta- companhias petrolíferas co-
Japão — Nikkei -1,55 -0,40 -29,02
de informação privilegiada) procura de ouro — doras áreas representam em mo a Exxon-Mobil passaram
Hong Kong — Hang Seng -2,51 -10,10 -32,27 antes e depois do antentado. como aconteceu logo média apenas três por cento a exigir pagamentos a pronto
AMÉRICA LATINA Ontem, o sector das teleco- após os atentados nos do total de receitas. às transportadoras, que até
Brasil — Ibovespa* -1,22 -12,20 -30,41 municações europeu recupe- Estados Unidos. A aqui compravam a crédito. Ri-
Argentina — Merval -3,82 -18,00 -41,74 rou um bocadinho, enquanto onça voltou a desva- EUA mais avançados beiro da Fonseca afirmou ain-
os bancos, as companhias pe- lorizar-se no merca- Grande parte dos despedi- da que os aeroportos perspec-
NOVA IORQUE trolíferas e seguradoras vol- do londrino, de 289,8 mentos cabe às transporta- tivam a criação de uma nova
Dow Jones* -3,57 -12,60 -21,70 taram a registar fortes que- dólares (312,473 eu- doras norte-americanas, que taxa de segurança a pagar pe-
Nasdaq* -3,46 -13,10 -40,31 das. As seguradoras Allianz, ros) para 288,4 dóla- falam em “cortes” operacio- las companhias aéreas, desti-
Dow Jones Transportes* -5,46 -24.00 -30,82 Muenchener Rueck e Axa che- res (310,962 euros). nais da ordem dos 20 por cen- nada a suprir o aumento de
garam a perder mais de seis Rita Siza to e ameaçam declarar falên- despesas com o transporte de
*valores às 18 horas de Lisboa por cento. I cia se não forem rapidamente carga. I COM AFP E REUTER
1 6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001 G U E R R A A O T E R R O R I S M O O P E R A Ç Õ E S D E S A LV A M E N T O
TOM SPERDUTO/REUTERS

Famílias das vítimas


HISTÓRIAS precisam de dizer adeus
DE NOVA IORQUE Esgota-se a esperança
de encontrar
sobreviventes, mas
mantém-se o esforço
tuais desabamentos que vies-
sem a vitimar alguém ainda
vivo debaixo dos escombros.
Os especialistas alertaram
já para o facto de até os mais
ele, ali, e isso permitiu à esposa
assumir a realidade e criar o ri-
tual, a cerimónia de que as pes-
soas necessitam, e terminar
tudo de uma forma digna.”
para recuperar os pequenos restos dos corpos ou As torres do World Trade
objectos mundanos poderem Center ruíram com tal violên-
restos mortais das ser fundamentais para a forma cia que os corpos da maioria
vítimas como as famílias reagem. “As das vítimas terão sido despe-
pessoas precisam de provas de daçados. Os bombeiros relatam
As esperanças de encontrar al- que tudo realmente aconteceu. que tem sido uma amarga tare-
guém com vida debaixo dos Ninguém pode chorar um mor- fa pesquisar no meio dos des-
destroços do World Trade Cen- to enquanto não tomar cons- troços e o moral vai baixando
ter são cada vez mais ténues, ciência dessa morte. É muito à medida que os dias passam
mas, ainda que os esforços de difícil, a não ser que apareça sem que se encontrem mais so-
resgate venham a ser abando- algo físico, que se possa tocar”, breviventes. Apenas cinco pes-
nados, a agonia das famílias explicou John Carmon, presi- soas foram retiradas com vida
continuará por muito tempo. dente da associação de directo- da pilha de escombros, todas
Com perto de seis mil pessoas res de agências funerárias. na fase inicial da operação.
mortas ou desaparecidas, não Ele recordou o caso de um Por isso, agora, o objectivo é
é concebível que se proceda à acidente de aviação em que mais modesto: “Estamos ape-
remoção “industrial” das mais uma unha e um pequeno peda- nas a tentar chegar a algumas
de um milhão de toneladas de ço de uma carteira foram recu- dessas pessoas, tentando dar
destroços sem procurar recu- perados de uma das vítimas. às famílias qualquer coisa que
perar os restos mortais que por A esposa do falecido reconhe- possamos resgatar”, comentou
ali jazem. ceu a unha e isso ajudou-a a um exausto capitão dos bom-
As famílias e o país não o assumir a perda. “Passou a ser beiros.  REUTERS
aceitariam. Linda Perry, cujo
marido, Eric Thorpe, está in- Corpos podem nunca aparecer
cluído no rol de desaparecidos,
continua agarrada à esperança
de que ele possa estar vivo, al- O “mayor” de Nova Iorque, Rudolph Giuliani, alertou
gures numa bolsa de ar. Mas, à ontem para a “forte possibilidade” de as equipas de
medida que o tempo passa e ela socorro não virem a conseguir recuperar os corpos de
se prepara para o pior, cresce todas as vítimas da derrocada do World Trade Center.
na sua alma a certeza de que “A natureza da implosão e as temperaturas atingidas
precisará de ter o corpo do [entre 540 e 1100 graus centígrados]”, são as explica-
marido para o funeral. “É de- ções avançadas pelo presidente da Câmara. Garantindo
masiado difícil dizer adeus que não serão poupados esforços no sentido de “encon-
quando não há nada para nos trar quem quer que esteja vivo”, Giuliani está igual-
despedirmos”, desabafou, em mente empenhado em retirar da pilha de escombros
contacto telefónico com a agên- “todos os restos humanos” que for possível, para que
cia Reuters. as famílias possam despedir-se dos seus entes queridos.
Mais tarde ou mais cedo, as Mas, apesar desta nota macabra, o homem que tem sido
operações de “busca e salva- o rosto de Nova Iorque nestes tempos de crise ainda
mento” passarão a ser de “bus- não perdeu a esperança de encontrar sobreviventes:
ca e recuperação”, com as equi- “Até que me garantam que se esgotaram as hipóteses,
pas a trabalhar em ritmo mais esta vai ser uma missão de resgate de seres humanos.”
elevado na limpeza do entulho, Depois disso... “Numa perspectiva optimista”, os traba-
utilizando maquinaria pesa- lhos deverão prolongar-se pelos próximos seis meses.
VÍTIMA AUSTRALIANA MANTEVE ouviu-se uma voz dizer: “An- troca de “Pentágono” por da. Deixarão, então, de parte as “Temos de assumir que enfrentamos 180 dias de duro
CONVERSA COM COLEGA drew, não consigo respirar.” “Taliban”. Nos dez primei- cautelas que as têm limitado e esforço de limpeza, mesmo se já removemos 60.000
Outra a responder: “Nem ros cabem ainda, por esta or- que se destinam a evitar even- toneladas de destroços.”
A família de um homem aus- eu.” E mais nada. dem, “Bandeira americana”,
traliano entre as mais de cin- “FBI”, “Pentágono”, “Ame- OPERAÇÕES DE RESGATE NO WORLD TRADE CENTER
co mil vítimas dos ataques rican Airlines” e “Cruz Ver-
aos alvos norte-americanos NOSTRADAMUS VEDETA melha Americana”. O portu- As equipas de resgate estão a perder a esperança de encontrar alguém com vida Fugas
nos escombros do World Trade Center depois dos ataques da semana passada. na tubagem
acredita que este terá ido ENTRE OS UTILIZADORES DA NET guês foi a língua utilizada em
Estas equipas juntam bombeiros, engenheiros, de gás tornam
com alguns colegas para o um por cento das buscas. Busca canina as operações
pátio de uma das torres do As estatísticas do motor médicos, treinadores de cães, e especialistas muito
Um cão treinado ladra durante
World Trade Center antes de de busca Google (acessíveis de emergência médica com treino específico perigosas
30 segundos para alertar o seu
morrer, provavelmente de- em www.google.com/press/ FÉRIAS DE BORLA para busca e salvamento em ambiente urbano.
treinador. Um segundo cão
vido à inalação de fumo. A zeitgeist.html) acerca das PARA OS SALVADORES Equipas de resgate
é então trazido para
confirmar a busca
família de Andrew Knox re- preferências dos seus utili- Estas equipas usam cinco tipos de equipamento:
enviou um emocionante “e- zadores mostram que o dia A nação caribenha de St. médico, de salvamento, de comunicações,
mail” de um amigo de Knox 11 de Setembro começou com Kitts and Nevis ofereceu fé- de suporte técnico e logístico. A busca inclui
que falou com ele e com outro uma fortíssima procura de rias grátis aos elementos das serras de cimento, martelos pneumáticos,
colega por telemóvel pouco informação. Muita gente pes- equipas de salvamento que berbequins, tábuas e cordas para retirar
depois do embate do Boeing. quisou a CNN e mais de 80 dia após dia tentam socor- lentamente as vítimas dos escombros
O irmão gémeo do australia- por cento das buscas foram rer as vítimas dos atentados
no disse que o colega, que sobre temas ligados aos aten- e limpar as cidades de Wa-
pediu para não ser citado, tados. Mas, à medida que shington e Nova Iorque. Ao
enviou a mensagem para a o dia ia avançando, o tema anunciar o programa de uma Marca
família, residente em Adelai- mais procurado foi... Nostra- semana de férias grátis, o pri-
de. “Estava a falar com ele damus. O aparecimento de meiro-ministro de St. Kitts
por telefone e depois ouvi-o a uma profecia apócrifa do and Nevis, Denzil Douglas,
gritar ‘vamos todos morrer’, célebre astrólogo francês salientou o “esforço sobre-hu-
enquanto subia o último lan- lançou o mundo num des- mano” dos bombeiros, socor-
ço de escadas para o telha- vario. No final desse dia, o ristas, polícias e trabalhado- Câmara Quando uma área já foi verificada,
Microfone de
as equipas de resgate identificam-na
do”, explicou o funcionário item mais procurado tinha res envolvidos nas operações alta sensibilidade
colocando uma cruz e um código
no seu “e-mail”. Knox traba- sido exactamente “Nostra- de socorro. “Será uma for- nas paredes ou nos próprios escombros
lhava no 103º andar da torre damus”, seguido por “CNN”, ma de mostrarmos a nossa Data e hora
norte, um pouco acima da “World Trade Center”, “Osa- admiração e agradecimen- Identifica em que
zona onde o avião embateu. ma bin Laden” e “Pentágo- to”, frisou o político, líder de a equipa acabou
a busca
“Knox dizia-me que não con- no”. A magia do autor das uma nação composta por du-
seguiam ver, e qualquer coisa profecias tidas como infalí- as ilhas, famosa pelos seus Aparelhos de escuta, robôs,
sobre o fumo. Disse-lhe para veis manteve-se nos dias se- corais e que tem no turismo câmaras e sensores de fibra óptica
procurar água. Ficou então guintes e o “top” dos últimos a sua grande fonte de rendi- Equipamentos de escuta muito sensíveis Obstáculos
um pouco mais calmo”, lem- sete dias até à passada se- mento. Um dos seus princi- podem detectar o mínimo som humano. perigosos
Mais de 500 aparelhos fazem parte encontrados
brou o colega na mensagem. gunda-feira só teve uma al- pais mercados é o dos Estado Descobertas
deste equipamento sofisticado
Depois houve um silêncio e teração no “top 5”, com a Unidos. PÚBLICO | REUTERS
D E S TA Q U E 17
PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001

VOLTAR AO
TRABALHO NÃO Investigadores portugueses preparam
É VOLTAR À
NORMALIDADE robô para salvar pessoas soterradas
PEDRO CUNHA

Companhias inteiras foram AUXÍLIO IMPORTANTE beiros interessa este projec-


duramente atingidas pelos ata- to porque são eles que lidam
ques da semana passada e a vi- À PROTECÇÃO CIVIL diariamente com condições
da ainda está longe de voltar perigosas, como é o caso de
ao normal em Nova Iorque. As Os robôs podem chegar edifícios destruídos”, lem-
companhias aéreas e os hotéis bra Pedro Lima.
andam às voltas — as pessoas até zonas inacessíveis Alguns ex-estudantes de
estão com medo de voar. E, de para um ser humano pós-graduação do Instituto
resto, nada está ainda normal Superior Técnico de Lisboa,
em Nova Iorque. FERNANDO PINTO que trabalham nesta área da
Carol Fung trabalha na bai- robótica, formaram uma pe-
xa de Manhattan numa gran- Nos corredores de uma das quena empresa que está a de-
de empresa. Voltou esta sema- pequenas torres gémeas do senvolver estas máquinas in-
na preparada para um difícil Instituto Superior Técnico teligentes. “Foram eles que
regresso ao trabalho. “Na se- (IST) de Lisboa, mais pro- instalaram este robô terres-
gunda-feira estivemos com um priamente na torre norte, tre”, diz Pedro Lima.
gerador de emergência para a anda um robô, de tom aver- Carlos Marques, um dos
electricidade mas os telefones melhado, a treinar para con- engenheiros envolvidos no
não funcionavam”, contou à seguir auxiliar a protecção projecto “Busca e Salvamen-
Reuters. “Trabalhei em casa na civil em tragédias como a que to”, trabalhou num algorit-
terça e voltei ao escritório hoje se abateu sobre as torres do mo que permite ao robô com
[ontem]. Houve uma evacuação World Trade Center, em No- que tem estado a trabalhar
e mandaram-nos lá para fora, va Iorque. Pedro Lima, pro- desviar-se dos obstáculos.
deixando-nos a todos nervosos. fessor do IST e coordenador “Ele necessita de ter um ob-
Afinal era um pequeno incên- do Laboratório de Controlo jectivo definido. Como pos-
dio na área da cafetaria.” Inteligente, é o responsável O robô é controlado à distância pelos investigadores sui este aparelho de orien-
Enquanto alguns sectores do projecto de investigação: tação, o GPS, não se sente
foram directamente afectados, “Desde Novembro último que perdido. Ordenamos-lhe que
outros têm sofrido efeitos se- a equipa que coordeno está cães habituados a encontrar a localização exacta onde a parecem ter vida e raramen- ele vá para uma dada posi-
cundários: os empresários de a desenvolver um projecto, vítimas entre os destroços. vítima se encontra. “Desta te estão quietos. ção e ele vai sem dificuldade.
“software” não têm consegui- apoiado pela Fundação para Os robôs foram levados pela forma, se algo correr mal, Os investigadores do IST O que tentamos é escolher
do fechar acordos pessoalmen- a Ciência e Tecnologia, e que mão da investigadora Robin quem sofre são os robôs e não pretendem chegar a um acor- os melhores caminhos”, diz
te com os seus clientes e os pu- consiste na utilização de ro- Murphy para a zona do aten- as pessoas. Como o robô pos- do com as autoridades, no- o investigador.
blicitários têm medo de fazer bôs experimentais para ope- tado, poucas horas depois de sui uma câmara de filmar, meadamente com a protec- À medida que o robô pro-
campanhas muito optimistas. rarem no terreno e também dois aviões desviados por ter- consegue-se ver se existem ção civil, para que possam gride no terreno vai toman-
A maioria das companhias a partir do ar”, disse Pedro roristas terem sido lançados pessoas ainda presas ou so- desenvolver também um ro- do as suas próprias decisões.
suspendeu as viagens aéreas e Lima ao PÚBLICO. contra as torres gémeas. Es- terradas no local explorado”, bô aéreo para sobrevoar a Para isso, precisa de lidar
a maioria está a sofrer cortes A equipa é formada pelos tes autómatos já tinham sido diz Pedro Lima. zona sinistrada e mandar com uma série de sensores.
de pessoal. Os hotéis e os casi- grupos de controlo inteligen- utilizados em operações de As pessoas que ficam de- informações para as equi- O “ATRVJr”, o robô que foi
nos estão entre os mais afecta- te, da inteligência artificial, resgate, após o ataque à bom- baixo de uma montanha de pas que estão no terreno, ou adaptado para o projecto de
dos e prevê-se que o negócio da robótica móvel e da visão ba na cidade de Oklahoma, entulho, mas que conseguem então para os robôs terres- “Busca e Salvamento”, pos-
não volte a ser o mesmo que era robótica. Todos trabalham em 1995, onde morreram 168 respirar porque ainda exis- tres, programados para vas- sui 17 sonares que lhe permi-
antes do ataque nos próximos com um único objectivo: ten- pessoas. te ar em certos locais, geral- culhar a área atingida. “Já tem ver como os morcegos,
seis meses. tar salvar as vítimas de ca- A equipa do IST, coordena- mente morrem à sede ou de- conversámos várias vezes ou seja, consegue desviar-se
Muitos hotéis viram as taxas tástrofes naturais ou não. “O da por Pedro Lima, está tam- vido a ferimentos graves. Daí com a protecção civil, princi- dos obstáculos porque emite
de ocupação descer cerca de 50 nosso robô não foi feito cá, bém a programar o robô no a importância de uma espé- palmente com os bombeiros, constantemente ultra-sons
por cento numa altura em que veio dos Estados Unidos. Vie- sentido de este poder con- cie de toupeira que conse- e parecem estar receptivos que são reflectidos pelos di-
as viagens de negócios aumen- ram da mesma empresa da- seguir levar comida, água e guisse ajudar os sobreviven- a esta ideia. Gostaríamos de versos objectos e analisados
tam depois da quebra do Verão. queles que a minha colega medicamentos a qualquer ví- tes. Por outro lado, seria um ter uma empresa portuguesa de seguida. “Estas bolas, que
“Esperamos para as próximas Robin Murphy está a usar tima que tenha ficado soter- risco a menos que os bombei- que construísse os robôs, o se encontram de cada lado,
seis a 12 semanas a pior altura, neste momento em Nova Ior- rada debaixo dos escombros. ros teriam de correr, já que que no nosso país não é nada à frente e atrás, são os tais
talvez de sempre, no sector das que. Comprámo-lo para o Depois envia fotografias com os escombros, nestas alturas, fácil de conseguir. Aos bom- sonares”, aponta Carlos Mar-
viagens de negócios”, disse o projecto ‘Busca e Salvamen- ques enquanto vigia o desem-
chefe executivo da Hilton Ho- to’ que estamos a desenvol- penho do robô. “São os seus
tels Corporation. ver neste momento”, conta o olhos. Também consegue fa-
No sector da publicidade, as coordenador. ROBÔ DO PROJECTO "BUSCA E SALVAMENTO" ATRV-JR zer marcha atrás, dar uma
agências dizem que os seus Os três robôs experimen- volta sobre o seu eixo, enfim,
clientes estão a começar a vol- tais que estão a ser utiliza- Autonomia: 3 a 5 horas Bússola está preparado para avançar
tar ao trabalho lentamente. “Há dos nas operações de resgate (depende do terreno) (inclui também no terreno e ajudar a salvar
um tom geral de voltar aos das vítimas do atentado ao Altura: 55 cm inclinómetro vidas”, explica Carlos Mar-
negócios”, diz o presidente da World Trade Center, em Nova Comprimento: 77.5 cm e termómetro) 4 botões de emergência ques, enquanto o robô per-
agência Interbrand, Martyn Iorque, são do tamanho de Largura: 62.2 cm para que o robô possa corre o corredor do edifício
Straw. O problema destes pro- uma caixa de sapatos e con- Peso: 50 kg ser desligado a qualquer onde se encontra o Laborató-
Monitor
fissionais é agora a questão de seguem detectar um corpo Cor: vermelho escuro momento rio de Controlo Inteligente
de controlo
como vender os produtos sem escondido nas toneladas de do IST.
ofender os consumidores. “Te- escombros, devido às câma- A imagem em ambiente
mos de ter cuidado com o nível ras e sensores especiais que exterior é, segundo os in-
de alegria permitido pelas pes- possuem. “Os robôs da mi- vestigadores, um dos graves
soas nas suas salas”, diz Straw. nha colega Robin Murphy problemas a resolver: as va-
A Pepsi já tinha dito esta são sobretudo teleoperados, riações de iluminação podem
semana que estava “em espe- ou seja, uma pessoa coman- induzir o robô em erro, se es-
ra” em termos de publicidade. da-os com a ajuda de um te não estiver conveniente-
A Delta Air Lines suspendeu, ‘joystick’. A minha colega co- GPS mente preparado para lidar
por tempo indefinido, a sua nhecia pessoas ligadas à bus- (para se com isso. “Envolve algorit-
publicidade. ca e salvamento e por isso te- orientar) mos, cálculos avançados de
Em relação à informática, a ve a oportunidade de testar o Sonares - 17 visão”, diz Carlos Marques.
crise agudizou-se mais depois seu equipamento no terreno. 5 de cada lado, “A génese deste projecto
dos ataques. Em Hollywood, Os seus robôs lagartas con- 2 atrás está no futebol robótico que
a produção dos estúdios vol- seguem entrar em buracos e e 5 à frente desenvolvemos há já algum
tou ao seu ritmo. Os retalhistas descobrir objectos ou pesso- tempo, em que vários robôs
também estão a tentar voltar à as”, explica Pedro Lima. Rodas cooperam para atingirem um
normalidade. “As coisas ainda Estes bombeiros em minia- todo-o-terreno objectivo. O projecto de ‘Bus-
não estão normais, mas acho tura foram desenvolvidos por ca e Salvamento’ é, no fundo,
que estamos a ir nessa direc- cientistas da Universidade uma espécie de guarda-chuva
ção”, diz a porta-voz da Sears do Sul da Florida e conse- Suporte para uma série de assuntos
Roebuck and Company: “O mo- guem chegar a locais de di- para câmara científicos que nos interes-
vimento nas nossas lojas está fícil acesso para os seres hu- Fonte: Laboratório de Controlo Inteligente / IST PÚBLICO sa desenvolver”, conta Pedro
a aumentar.”  REUTERS manos e até mesmo para os Lima. 
1 8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO AS INVESTIGAÇÕES

no tema, que dirige um novo

OCIDENTE VULNERÁVEL
centro universitário sobre do-
enças infecciosas.
Block enfatiza esta “nova
inquietação geopolítica: a to-
mada de consciência de que
os grandes países desenvolvi-
dos tem uma infra-estrutura

A UM ATAQUE BIOTERRORISTA
incrivelmente frágil. “Isso não
é só verdade para o World Tra-
de Center ou para a bolsa, é
também verdade relativamen-
te às reservas de electricidade,
às telecomunicações, ao con-
JIM BOURG/REUTERS trolo aéreo.”
AGENTES CONTAGIOSOS Um ataque bioterrorista, em
que “um país industrializado
SÃO OS MAIS TEMIDOS perdesse 10 por cento da sua po-
pulação, seria um drama nunca
Basta que o vírus conhecido; por contraste, se a
Líbia ou o Afeganistão perdes-
da varíola se espalhe sem essa população, a vida con-
no sistema de tinuaria mais ou menos como
ventilação de um voo antes”, comentou o professor.
Em consequência, os espe-
para que haja uma cialistas receiam actualmente
epidemia grave a possibilidade de que um esta-
do ou uma organização terro-
PASCAL BAROLLIÉ rista sejam “tentados a propa-
gar um agente biológico pelo
Os países mais desenvolvidos planeta, que atingiria mais
são também os mais vulnerá- duramente as nações mais frá-
veis a um ataque bioterrorista, geis, ou seja os países indus-
devido à mobilidade das suas trializados, num acto de loucu-
populações e à interdependên- ra destinado a criar uma nova
cia das suas infra-estruturas, ordem mundial”, aduziu o pro-
segundo cientistas e especia- fessor de Stanford.
listas americanos que julgam Em Julho último, o director
este tipo de ataque altamente do centro de investigação de
provável. doenças infecciosas Centro de
O arsenal químico e bacterio- Controlo de Doenças (CDC),
lógico que poderá ser utilizado de Atlanta, já havia avisado
divide-se em duas categorias: os os responsáveis americanos
agentes não contagiosos, como contra os riscos de um ataque
o antrax, que atingiria muitas bacteriológico. “Vários espe-
vítimas mas numa zona limi- cialistas estão convencidos
tada; e os agentes contagiosos, que a questão não é mais sa-
como o vírus da varíola, com ber se um tal ataque se irá
um poder de devastação muito produzir mas quando ele irá
maior, explicou à AFP o biofísi- ocorrer”, declarou James Hu-
co Steven Block, da Universida- Agentes do FBI com máscaras antigás: o mundo não está preparado para um ataque com agentes biológicos ghes à comissão de seguran-
de de Stanford, na Califórnia. ça nacional da Câmara dos
Block, membro do Projecto agente altamente contagioso clado, infectará vários pas- anos. “Pode-se produzi-la de no- bacteriológica contra os que Representantes.
Jason — que integra outros como a varíola de se dissemi- sageiros, que poderão depois vo mas não estará pronta antes com ele convivem. “Num ata- A 10 de Julho de 2001, o secre-
especialistas frequentemente nar por um país”. passá-lo para outras à che- de 2002 ou 2003 e só terá efeitos que bioterrorista, o resultado tário da saúde, Tommy Thomp-
consultados pelo Pentágono e “Bastam alguns indivídu- gada ao solo”, acrescentou limitados a uma epidemia lo- poderá ser de 250 a 400 mil mor- son, pediu o aconselhamento
outros ministérios sobre estes os infectados. Se alguém es- ainda o cientista. cal”, sublinha o biofísico. tos”, referiu por sua vez o an- em matéria de bioterrorismo
assuntos —, estima que “a som- palhar o vírus da varíola no Este tipo de ataque será ain- O perigo dos agentes conta- tigo responsável do centro de ao médico Scott Lillibridge, do
bra negra da guerra bacterio- sistema de ventilação de um da mais perigoso, uma vez que giosos reside no seu efeito do- epidemiologia do Minnesota, CDC, por forma a dar uma res-
lógica” para os países desenvol- voo internacional, onde as a vacina contra a varíola não minó, que transforma cada in- Mike Osterholm, um dos prin- posta coordenada em caso de
vidos é a “possibilidade de um pessoas respirem o ar reci- está disponível desde há 25 divíduo afectado numa arma cipais especialistas americanos um ataque em massa.  AFP

Caça ao homem à escala planetária


Base dos terroristas no Ocidente mundial. Nos EUA, a polícia prendeu mais tarde vieram a provar serem ino-
e centro de operações para todo ontem Nabil Marabh, suspeito de ter centes”, afirmou o príncipe Abdul Aziz,
prestado assistência aos terroristas. sub-comandante da Guarda Nacional
o mundo podem estar Em Marrocos foi detido um fundamen- saudita.
em Frankfurt, Alemanha talista argelino, Kamaredne Kherba- Só agora o FBI vem admitir que al-
ne, que poderá representar um elo de guns nomes da lista dos 19 terroristas
LINA FERREIRA ligação a Bin Laden. Ambos terão ini- podem podem ser fruto de falsas iden-
ciado uma grande amizade no Sudão, tidades e que o uso de documentos for-
Por onde andou Mohamed Atta? Uma sema- mantendo contactos até 1998. No Du- jados é uma estratégia recorrente dos
na depois dos atentados, “media” e polícias bai foi detido um grupo islâmico sus- terroristas. “Esta operação foi rodea-
traçam o percurso do mais conhecido dos peito de preparar ataques contra alvos da de uma segurança enorme e usar
terroristas alegadamente envolvidos no ata- americanos em Paris. nomes falsos pode ter feito parte des-
que aos EUA. Os locais por onde passaram Mas é na Alemanha que estão a tas precauções”, disse ao “Washington
os suspeitos e as pessoas que conheceram surgir mais indícios. Este país serve Post” John Martin, antigo chefe da
poderão levar os polícias a desmantelar uma como base de Bin Laden no Ocidente, segurança internacional do Departa-
rede internacional. segundo a polícia. Já terão sido en- mento de Justiça norte-americano.
Mohamed Atta passou por Madrid. A po- contrados cerca de 30 núcleos de ter- “Os próprios piratas do ar podem nem
lícia seguiu o seu rasto e, para além de ima- roristas islâmicos neste país, que, segundo com a polícia secreta Gestapo, foram toma- conhecer os nomes uns dos outros.”
gens do aeroporto, descobriu encontros com a revista “Stern” seriam capazes de lançar das medidas para proteger a privacidade dos Os terroristas partilhavam um único ponto
“colaboradores desconhecidos”. Atta e outro cerca de 20 a 30 ataques semelhantes ao da cidadãos. Por exemplo, neste país é difícil de contacto nos Estados Unidos, que seria
terrorista tiveram aulas de pilotagem na semana passada nos Estados Unidos. As au- conseguir autorização para fazer buscas. responsável pelo financiamento dos cursos
Florida. Em entrevista ao “El País”, o instru- toridades não confirmam estas análises. A caça ao homem está a provocar a confu- de pilotagem e o aluguer das viaturas. Uma
tor de voo considerou-os “muito agressivos” O diário “Die Welt” indica que Bin Laden são no Oriente: algumas pessoas partilham a das testemunhas materiais sob prisão, um
e recordou que “discutiam por tudo”. Atta está a usar a cidade de Frankfurt, capital identidade de, pelo menos, alguns elementos radiologista, é acusado de ser o responsável
foi passar o Verão à República Checa. Será financeira da Alemanha, para lançar opera- da lista de 19 terroristas divulgada pelo FBI. pela gestão do dinheiro gasto na operação. As
que preparava os atentados? As autoridades ções de guerrilha noutras partes do mundo. “A pressa em publicar os nomes dos suspeitos autoridades estão a investigar de onde vem
estão a investigar. Segundo os especialistas, a tradição liberal dos ataques fez com que os ‘media’ sauditas o dinheiro, acreditando que a informação os
As polícias de vários países estão a lançar- do país no pós-guerra tornou-o atractivo para ficassem no terror absoluto de envolver pes- poderá levar até Osama bin Laden.  COM AFP
se numa verdadeira caça ao homem à escala as guerrilhas. Depois da triste experiência soas inocentes, especialmente sauditas, que E REUTERS
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PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001

abrigo da luz, pode igualmente propagar-se


rapidamente e matar em alguns dias se for
vaporizado sobre zonas habitadas. A vacina
também já não está disponível.
Entre outros agentes patogénicos utilizáveis
num ataque bioterrorista, o CDC conserva
também o Yersinia Pestis, que causa a peste,
podendo ser cultivado em grandes quanti-
dades a partir de matérias fecais de ratos e
disseminado por aerosol, o que se traduziria
no desenvolvimento da doença durante um
Uma série de agentes biológicos muitas vezes período que pode ir de um a seis dias depois
fatais para o homem — utilizáveis num possível da contaminação.
ataque bioterrorista — têm em comum uma A toxina responsável pelo botulismo, desen-
actuação muito discreta e um período de incu- volvida a partir da bactéria Clostridium bo-
bação de alguns dias, o que torna mais difícil a tulinum, que provoca uma intoxicação mortal
acção dos serviços sanitários. caracterizada por uma paralisia muscular, é
O vírus da varíola, erradicado em 1977, é qualificada pelo CDC como a mais poderosa
mantido no Centro de Controlo das Doenças substância mortal para o homem. “Os terro-
(CDC) de Atlanta (sudeste dos Estados Unidos) ristas que tenham a capacidade técnica de
e num centro de pesquisa russo, em Novossi- cultivar a bactéria para recolher e purificar
birsk, mas poderá também estar em posse a toxina podem utilizá-la como agente de bio-
de outros países. Este vírus, que mata até 30 terrorismo”, segundo o CDC.
por cento das pessoas contaminadas, tem um Entre os agentes devastadores figuram os
período de incubação de doze dias. diferentes vírus que provocam as febres he-
As lesões na boca e na garganta provoca- morrágicas, como o vírus Ebola, mas também
das pela doença traduzem-se por uma rápi- certos micro-organismos que poderão ser mo-
da concentração do vírus na saliva, o que dificados em laboratório.
torna os doentes extremamente contagiosos, Segundo o biofísico Steven Block, da Uni-
nomeadamente através do ar. A vacinação versidade de Standford, “existem numerosos
antivariólica parou em 1980 e actualmente microbiologistas mal pagos por todo o mundo,
não está disponível. que poderão ser tentados a trabalhar para
O antrax ou doença do carvão (contra a clientes pouco escrupulosos, produzindo do-
qual Louis Pasteur inventou uma vacina em enças incuráveis como o antrax, que é resis-
1885) poderá ser uma outra opção para os tente à penicilina, ou vírus silenciosos, que 2.ª SEMANA
terroristas. Na sua forma inalada, este bacilo, infectam o organismo mas permanecem pas- LISBOA: AMOREIRAS, COLOMBO, LONDRES, MONUMENTAL, VASCO DA GAMA • PORTO: CENTRAL SHOPPING • AMC ARRÁBIDA SHOPPPING • BRAGA: PARQUE, CINEMAS AVENIDA • CAMINHA • CAL-
DAS DA RAINHA: CINEMAS DELTA • COIMBRA: CINEMAS CASTELLO LOPES • CRUZ DE PAU: CINEMA NINA • ENTROCAMENTO • FARO: GOLDEN CITY • FITARES • FUNCHAL: ANADIAS • GAIA:
que pode manter-se activo durante um século sivos até serem despertados por uma vulgar GAIASHOPPING • MAIASHOPPING • MADEIRASHOPPING • MEM MARTINS: GOLDEN CITY • MIRATEJO: ESTÚDIO • MARCO DE CANAVESES: CINEMAS DA PRAÇA • LINDA-A-VELHA •
MORTÁGUA • OEIRAS: PALMEIRAS • OLIVEIRA DE AZEMÉIS: ESTÚDIO GEMINI • PAÇOS DE FERREIRA • PENAFIEL: CINEMAS DA PRAÇA • PONTA DELGADA: SOL MAR • PORTIMÃO: GOLDEN
se for conservado num ambiente seco e ao substância inofensiva”.  AFP CITY • PÓVOA DE VARZIM: FEIRA NOVA • SANTARÉM: FEIRA NOVA • TOMAR • TORRES NOVAS • SETÚBAL: JUMBO • VILA FRANCA DE XIRA • VILA REAL • VIANA DO CASTELO • VISEU: ÍCARO, NEW LINEO
2 0 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO PORTUGAL

VAZIO LEGAL O QUE ELES

Governo autoriza utilização NO ENVIO


DIZEM

GOVERNO
O acompanhamento é fei-

da Base das Lajes pelos EUA DE TROPAS


Lei própria para
to através da comissão de
Defesa, à qual devem ser
enviadas ou prestadas to-
das as informações consi-
MANUEL GOMES
deradas relevantes. As in-
regular competência,
LISBOA ORDENA RETIRADA prevista na
formações compreendem
os elementos “que enqua-
DO PAQUISTÃO Constituição, está dram as operações e o de-
pendente na comissão senrolar das mesmas, no-
Portugal cedeu a Base meadamente no que
de Defesa respeita aos meios huma-
das Lajes mas PCP e o nos e logísticos a utilizar”.
BE contestam a HELENA PEREIRA Sobre o momento da pres-
autorização para tação de informações, o
A Assembleia da República Governo diz que estas de-
utilizar a base (AR) tem a competência de vem ser facultadas em três
acompanhar o envio de tropas momentos: antes do envio
ISABEL BRAGA portuguesas para missões no das tropas; semestralmen-
estrangeiro, mas devido a um te enquanto durarem as
O ministro dos Negócios Es- vazio legal que se arrasta há operações e até 60 dias
trangeiros, Jaime Gama, in- quatro anos não sabe ao certo após as operações termi-
formou ontem que o Governo como a exercer. narem. No entanto, enten-
já mandou retirar pessoal di- A Constituição diz, no arti- de que a comissão de Defe-
plomático da embaixada por- go 163º, que compete ao Parla- sa pode ser informada
tuguesa no Paquistão, limi- mento “acompanhar, nos ter- antes desse envio, mas
tando a presença de quadros mos da lei e do regimento, o “sem prejuízo da adopção
ao mínimo considerado indis- envolvimento de contingen- imediata das decisões mi-
pensável. Jaime Gama trans- tes militares portugueses no litares que ao caso coube-
mitiu esta posição no final da Na Base das Lajes têm vindo a crescer as operações militares nos últimos dias estrangeiro”, à semelhança rem”.
reunião do Conselho de Mi- do acompanhamento do pro-
nistros, justificando-a como sidentes das comissões par- mentar sentido de dignidade se Aérea das Lajes. Em comu- cesso de construção europeia. PSD
uma medida de precaução fa- lamentares dos Negócios Es- nacional e de autonomia polí- nicado, sustenta que o tratado Esta alínea foi introduzida na A AR deve participar no
ce à eventualidade de o Pa- trangeiros e da Defesa, antes tica” do país. E “regista” que de defesa assinado entre Por- revisão constitucional de 1997 processo de envio de tro-
quistão ficar a prazo envolvi- de adoptar esta decisão. o primeiro-ministro “há dias tugal e os EUA não obriga o e incorporada na Lei de De- pas quer antes de o Gover-
do num conflito militar. Gama revelou também que se pronunciou contra uma Governo a “fazer esta opção”, fesa Nacional em 1999, mas no tomar a decisão final de
“Os quadros considerados já contactou com o chefe da histeria belicista” contra “ini- ou seja, a participar em qual- nunca foram explicitados sob início ou termo da inter-
dispensáveis, ou desnecessá- diplomacia norte-americana, migos imaginários”, ao mes- quer acção militar, e apela ao a forma de lei os contornos venção, como também no
rios, bem como as respectivas Collin Powel, bem como com mo tempo que “o seu Governo executivo para que deixe “de desse acompanhamento. decurso das operações. O
famílias já foram evacuados os seus homólogos europeus acaba de autorizar agora” a repetir o delírio de George A situação internacional de- Executivo deve informar
do Paquistão por uma ques- da Espanha, França, Grã-Bre- utilização da base aérea, “sem W. Bush”. Para os bloquistas, vido aos atentados sobre os ainda os deputados sobre
tão de precaução”, declarou tanha, Alemanha, Bélgica e qualquer garantia de que essa Portugal “não deve” disponi- EUA e uma eventual participa- os pedidos feitos por orga-
Gama, antes de adiantar que Grécia. “Há uma acção coor- utilização não se vai fazer no bilizar a Ba se das Lajes, “nem ção de Portugal em acções mi- nizações internacionais,
o número de quadros “ficou denada e dirigida pelo Gover- quadro da orientação de que envolver-se” numa operação litares de reataliação vão ser os projectos de decisão ou
reduzido ao número conside- no para orientar a situação do justamente se distanciou”. militar “cujo âmbito e objec- debatidas terça-feira no ple- de proposta desse envolvi-
rado estritamente indispen- país, tomando em considera- “Nesta conjuntura tensa e tivos desconhece”. Deve pelo nário da AR. Mas isto porque mento, os meios militares
sável”. ção não apenas a vertente da grave, seria dever do Governo contrário, concluem, “defen- o primeiro-ministro tomou a envolvidos ou a envolver, o
O ministro anunciou ainda segurança interna, mas tam- português não associar Portu- der a punição dos crimino- iniciativa, sem que legalmente tipo e grau de riscos e a
que Portugal autorizou aos bém a necessidade de uma ac- gal a projectos contrários aos sos pela força da lei e da jus- fosse compelido a tal. Recorde- previsível duração da mis-
EUA a utilização da Base das ção diplomática”, disse o mi- seus interesses e antes con- tiça”. se ainda que anteontem o Pre- são, todos os elementos
Lajes e do espaço aéreo na- nistro. Interrogado sobre a tribuir para pôr fim à espiral Renovado em 1995, o acordo sidente da República, numa considerados necessários
cional para operações de luta possibilidade de uma partici- de violência e ameaça à segu- entre Portugal e os Estados mensagem dirigida aos depu- pelos deputados e ainda
contra o terrorismo. O pedi- pação directa de Portugal em rança internacional.” Unidos invocado pelos norte- tados, apelou ao envolvimento um relatório semestral so-
do foi feito ontem de manhã acções militares , o chefe da O Bloco de Esquerda (BE) americanos no pedido de uti- e a mais empenho da Assem- bre as tropas portuguesas
pelas autoridades políticas diplomacia nacional foi pru- manifestou-se também ontem lização da Base das Lajes, nos bleia nas questões de seguran- no estrangeiro.
norte-americanas e que o Go- dente: “Neste momento es- totalmente contra a disponi- Açores, data de há 50 anos. I ça e defesa.
verno só decidiu após o Pre- tamos apenas a responder a bilização pelo Governo da Ba- No entanto, estão penden- PCP
sidente da República e os par- solicitações que nos foram fei- tes na comissão de Defesa É o plenário da AR que de-
tidos da oposição terem sido tas no sentido de conceder- uma proposta de lei do Go- ve pronunciar-se sobre o
consultados. mos facilidades de trânsito. O “porta-aviões” do Atlântico verno, dois projectos de lei do envio de tropas através de
Gama explicou que a auto- Ao nível da NATO, há um PSD e do PP sobre a matéria uma resolução e, no dever
rização foi concedida ao abri- acompanhamento permanen- O acordo entre Portugal e os Estados Unidos de utiliza- e propostas de alteração do de informação, julga que o
go do acordo de defesa de te da situação, mas ainda não ção da Base das Lajes, nos Açores, foi renovado em 1995 PCP. A questão foi suscitada Governo deve explicar o
1995 entre Portugal e os Esta- foram activadas medidas es- e tem 50 anos. Desta vez, segundo o governo açoriano, pelos sociais-democratas em enquadramento jurídico
dos Unidos da América, mas pecíficas”, sublinhou. o pedido de utilização das Lajes e a respectiva autoriza- Fevereiro, depois de ter esta- da operação no plano in-
também no âmbito da devida ção foram comunicados previamente às autoridades lado a polémica do urânio em- ternacional e das compe-
solidariedade militar entre PCP e BE contestam cedên- regionais. pobrecido . tências da ONU e a funda-
os dois países no quadro da cia da Base das Lajes A principal unidade militar açoriana, partilhada pelas A comissão de Defesa che- mentação política para a
Aliança Atlântica. E referiu O PCP manifestou, em comu- forças aéreas de Portugal e dos EUA, começou a ser gou a ouvir alguns constitu- participação portuguesa.
que a resposta favorável aos nicado, que discorda da au- construída pela engenharia militar portuguesa em cionalistas, mas, devido à ur- Os comunistas querem
pedidos formulados pela ad- torização dada pelo Governo 1934 e os primeiros estrangeiros a utilizá-la foram os gência em tratar primeiro as que fique claro que Portu-
ministração de Washington português para a utilização ingleses, que aí operaram por três anos, a partir de alterações ao artigo 31º da Lei gal só participa em mis-
se enquadram no “respeito da Base das Lajes pelos Esta- 1943. Considerada pelos EUA como “porta-aviões” no de Defesa Nacional (sobre res- sões desencadeadas por
pela Carta das Nações Uni- dos Unidos para as acções mi- Atlântico em tempos de guerra fria, as Lajes garanti- trições de direitos dos milita- decisão do Conselho de Se-
das”. O Governo consultou o litares que este país prepara. ram apoio ao lançamento de forças vindas das terras res), adiou a questão de acom- gurança da ONU em caso
Presidente da República, os Tal cedência, afirma o PCP, do “Tio Sam” para intervenções na Europa e no Médio panhamento das tropas para de ameaça à paz, ruptura
partidos da oposição e os pre- “é incompatível com um ele- Oriente. esta sessão legislativa. da paz ou acto de agressão.
Pelas suas pistas, passaram milhares de homens e avi- O PSD e o PP querem que
ões — cargueiros, reabastecedores e caças — para inter- o Parlamento possa pronun- PP
venções no Líbano (1958), Congo (1961), guerra do Yom ciar-se sobre o envio de tropas A fiscalização da AR in-
Kippur — entre Israel e países árabes (1973) — e, mais para o estrangeiro, em mis- clui acompanhamento da
recentemente, na guerra do Golfo (1991). Com o des- sões decorrentes de compro- preparação, decisão, exe-
mantelamento do “bloco de Leste” e os ganhos de auto- missos internacionais, antes cução e termo das mis-
nomia resultantes de novas técnicas de abastecimento de o Governo tomar uma de- sões. A decisão do Gover-
em voo, o “porta-aviões” do Atlântico viu reduzida a cisão, enquanto o Executivo no é precedida de “consul-
sua importância no dispositivo estratégico norte- quer reservar para si flexibi- ta prévia obrigatória” à
americano. Daí resultou, nomeadamente, uma menor lidade na tomada de decisão. AR. Durante a missão, os
O utilização das suas pistas e uma redução do dispositivo. O PCP defende a fundamen- deputados devem ser in-
Apesar disso, os EUA mantêm destacados nas Lajes tação política de uma inter- formados do andamento,
multiplica os seus pontos por 5 1125 homens (155 dos quais civis) que, com os seus venção militar por parte do como duração previsível,
dependentes, somam uma população que ronda as duas Executivo e só aceita a par- meios militares, riscos
CÓDIGO do dia 21 de Setembro mil pessoas. A Força Aérea Americana mantém ainda ticipação de militares portu- existentes e relatório tri-
o estatuto de um dos principais empregadores da ilha gueses em missões apoiadas mestral. Estas informa-
WVHN4JD93 Terceira (60 mil habitantes), não obstante os portugue- pelo Conselho de Segurança ções têm natureza confi-
ses ao seu serviço terem caído de 1500 para 900. da ONU. I dencial.
2 2 E S PA Ç O P Ú B L I C O
PÚBLICO• SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001

LIBERDADES Bartoon LUÍS AFONSO

E MESSIANISMO
Os que tendem a acreditar que é da pobreza que
nasce a revolta organizada (em forma de terrorismo
ou revoluções) insistem num erro que a História se
encarregou de demonstrar ao longo dos anos.

Há uma imagem espantosa, por tudo o que revela de


um choque antigo, registada várias vezes em
documentários sobre o pós-25 de Abril em Portugal. É
a de um camponês, atónito, agarrado à sua enxada
enquanto um jovem dirigente da revolucionária
cooperativa agrícola recém-nascida lhe explica que
agora aquela enxada é de todos e não dele. E o
camponês, para quem a enxada é a sua única e parca
riqueza, resiste e não entende. E o jovem teima, ele
sabe, ele representa o futuro, ele é o messias dos novos
tempos e nada o deterá na colectivização desse pobre
pau de desbravar a terra. Onde o jovem vê a partilha
indispensável de bens pelo colectivo vê o camponês a
perda da sua liberdade, representada naquela enxada.
Muitos outros jovens, maioritariamente decididos,
maioritariamente sábios, lançaram-se pelo mundo a
pregar aos pobres a salvação. Não se
limitaram a tirar enxadas, muitas
Editorial
vezes tiraram vidas e não se
lamentaram por isso. Aconteceu,
claro, nos colectivos comunistas. Mas também na
Europa. Ou na Ásia. Ou na América. Ou em todo o
lado onde a pobreza ou a falência de modelos
económicos e sociais consentiu messias. Muitos
actuaram de rosto a descoberto, com programas
claros e gongóricos, aliados a certezas inamovíveis. Cartas ao Director
Outros escudaram-se na sombra e espalharam o
terror a troco de nada. Foram e são, quase sempre, As cartas destinadas a esta secção — incluindo considera cegos todos os que vêm ima- conduta para com um consórcio privado
oriundos das classes médias, letrados e muito as remetidas por e-mail — devem indicar o nome
e a morada do autor, bem como um número gens diferentes das suas. Chamar-lhe- (Imoloc) se reveste de um total desres-
crentes (mesmo quando ateus). Os verdadeiros ia “factor cegueira”. Entre um e outro, peito para com o cidadão do Porto, em
telefónico de contacto. O PÚBLICO reserva-se o
pobres, os que se revoltam em fúrias colectivas direito de seleccionar e eventualmente reduzir que venha o Diabo e escolha. particular, e perante a lei, em geral.
repentinas quando já não suportam mais a dor, ou os os textos recebidos. Não se devolvem os origi- ANTÓNIO MACHADO Se o que na comunicação social tem
nais dos textos não solicitados, nem se prestará
que jazem letárgicos ao peso da própria miséria, informação postal ou telefónica sobre eles. Lisboa vindo a ser noticiado for verdade —
muitas vezes mortal, só lhes seguem os passos ao e nada aponta em sentido contrário
troar de canhões ou ao drapejar de bandeiras. Para Endereço electrónico: — e perante o manto de silêncio do
depois, arrefecidos os ânimos, reconhecerem o logro
cartasdirector@publico.pt O “ranking” actual presidente quanto aos factos,
e caírem, de novo, na apatia ou no medo. só nos resta uma conclusão, voltando
Sucede que, infelizmente, é mais usual e acção destes É de facto um escândalo que o trabalho a usar a fraseologia de Alberto João
de uma escola (e dos alunos) seja ava- Jardim: chumbou na “recruta polí-
messias junto das enormes massas de pobres e
deserdados do mundo do que a dos países que O terror da cegueira liado apenas por vários exames de duas tica” por falta de compreensão das
horas. Como também é um escândalo normas mais elementares. Passe-se a
justamente se reclamam arautos das liberdades e da que o trabalho de vários anos dos atle- necessária “guia de marcha”...
democracia, geralmente mais preocupados em garanti- Leva-me a escrever ao PÚBLICO o tas nacionais seja avaliado numa prova CARLOS GILBERT
las no interior das suas próprias fronteiras do que em excelente texto de José Saramago “O de breves minutos (nalguns casos até Porto
disseminá-las por terras estranhas, e com justiça. factor Deus”. Não sendo crente, pelo segundos) nos Jogos Olímpicos ou nos
No seu conturbado e mediático périplo pela Rússia, o menos no sentido utilizado por Sara- Campeonatos Mundiais. Os campeões
ditador ainda em exercício na Coreia do Norte, Kim mago, e partilhando do terror que a olímpicos e mundiais também deviam Hobsbawm e a guerra
Jong-Il, numa das refeições que teve de ingerir, pediu cegueira do “factor Deus” provoca ser encontrados através de notas de
uma determinada sopa. Acto contínuo, toda a nas pobres mentes humanas, lamento avaliação contínua dadas pelo treina- O “Libération” de 20/9 reproduz uma
que, mais uma vez, Saramago omita dor de cada atleta, porque, no fundo, entrevista concedida há dias pelo histo-
comitiva norte-coreana pediu a mesma sopa, talvez
outros horrores. Aquilo que poderia são estes que melhor os conhecem e riador octogenário Eric Hobsbawm ao
para não desagradar àquele a quem chamam (por parecer simples esquecimento, em que, desse modo, poderão fazer uma diário italiano “La Repubblica”. Nela,
submissão? por medo?) “o querido líder”. Pois bem: prosa de intelectuais menos dotados, avaliação mais justa. Aliás, estou abso- Hobsbawm aponta uma das principais
nem que seja para não termos de comer todos a não o é certamente em Saramago. Fa- lutamente convencido que, se se adop- consequências da “caça ao homem”
mesma sopa, mesmo quando não nos apetece comer la na Índia, em Angola, no Vietname, tasse este procedimento já nos próxi- encetada pela Administração Bush:
sopa nenhuma, vale a pena empenharmo-nos na luta no Ruanda, em Hiroxima e Nagasa- mos Jogos Olímpicos, Portugal seria “Em meu entender, o verdadeiro ob-
pela liberdade. Com firmeza, sem demagogias e com qui, inevitavelmente em Israel e nos certamente um dos países que alcan- jectivo [dos terroristas] é derrubar os
um forte sentido de compreensão pelo próximo, coisa nazis. Fica, em todos os exemplos, çaria mais medalhas. governos moderados do Golfo. (...) Nes-
que às vezes nos falta. NUNO PACHECO talvez à excepção do Ruanda, a ideia SANTANA-MAIA LEONARDO te sentido, a sua acção pode ser con-
do horror de uns, os maus, contra ou- Ponte de Sor siderada como uma antecipação das
tros, os bons, injustiçados, por ve- guerras do século XXI. (...) Penso, de-
zes em nome de Deus. Poderia ter signadamente, que o epicentro mais
contribuinte nº 502265094 acrescentado o Gulag, o Afeganistão, Parque da cidade do Porto perigoso desta crise se situa no Paquis-
depósito legal nº 45458/91
registo ICS nº 114410
a invasão da Checoslováquia, o sofri- tão: se os Estados Unidos fizerem de-
mento do povo da Coreia do Norte, No que à minha “análise política” so- masiada pressão para obter ajuda de
E-mail: publico@publico.pt LISBOA: Rua Viriato, 17 – 1069-315 Lisboa; Telef.: 210111000 (PPCA) Fax: a barbárie dos khmers, etc. Optou bre os candidatos à autarquia do Porto Islamabad, um golpe de Estado militar
Dir. Empresa 210111005; Dir. Editorial 210111006; Agenda 210111007; Redacção 210111008;
Publicidade 210111013/210111014 • PORTO: Rua João de Barros, 265 – 4150-414; Telef: 226151000 por não o fazer e não foi inocentemen- respeita, devo acrescentar que um dos da ala integrista paquistanesa, apoiado
(PPCA) / 226103214; Fax: Redacção 226151099 / 226102213; Publicidade; Distribuição 226151011• te. Saramago é demasiado grande pa- políticos que eu considerava relativa- por um movimento de massas, não é
BRAGA: Rua de S. Marcos, 126-1º Esq. Fr. – 4700 Braga Telef: 253619041; Fax: 253617983 • AVEIRO:
Rua Eng. Silvério Pereira da Silva, 16-A, 2º Tr. – 3800 Aveiro Telef/Fax: 234382507 • COIMBRA:
ra omissões destas, muito menos in- mente bem posicionado para se tornar de excluir. Eis o que pode realmente
Avenida Fernão de Magalhães, 153/157- 2º Dto, sala 6 – 3000 Coimbra Telef.: 239829554; Fax: 239829648 voluntárias. Pena é, porque perdeu eventual candidato (independente) à precipitar a guerra.”
• ALGARVE: Avenida da República Federal Alemã, bloco C 2 – 8000 Faro Telef.: 289806656; Fax: mais uma oportunidade de acrescen- presidência da câmara deu, nas últimas Ora, quanto mais não seja porque o
289806655 • VILA REAL: Rua 31 de Janeiro, 41 - 3º, sala 303, 5000 Vila Real Telef.: 259326262;
Fax.: 259326265 • MADEIRA: Rua dos Ferreiros, 55-2º Dtº – 9000 Funchal Telef.: 291231611 • tar ao respeito e admiração de muitos semanas, de forma voluntária, contri- Paquistão é uma potência nuclear, os
PROPRIETÁRIO: PÚBLICO Comunicação Social, SA Sede: Rua João de Barros, 265, 4150 Porto • dos seus fiéis leitores pela sua litera- butos decisivos para que um nó górdio EUA serão, nesta eventualidade, obri-
IMPRESSÃO: Unipress, Tv. Anselmo Braancamp, 220-Arcozelo/4405, Valadares; Telef.: 227537030;
Mirandela — Rua Rodrigues Faria, 103, 1300 Lisboa; Telef.: 213613400; Fax: 213613469 • DISTRIBUIÇÃO:
tura, o respeito e admiração pelo ho- nem se chegue a equacionar: refiro-me gados a apoiar militarmente o regime
Midesa Portugal - Distribuição de Publicações, S.A.; Lisboa: Rua da República da Coreia, 34, Ranholas, mem de pensamento livre e espírito ao eng. Nuno Cardoso, que se colocou actual — ou, pelo menos, a defender no
2710-460 Sintra; Telef.: 219267800, Fax: 219267850; Porto: Rua Engenheiro Ferreira Dias, 1173 a 1177, 4100 crítico, nestes tempos em que quer irremediavelmente de fora com as suas terreno o arsenal nuclear paquistanês
Porto; Telef.: 226191211; Fax: 226191210; Algarve: Estrada de Boliqueime - Fonte de Boliqueime, 8100-070
Boliqueime; Telef. e Fax: 289366361; Coimbra: Beco Olheiro, Armazém 2, Adénia, 3020-028 Coimbra; Telef.: uma coisa quer outra não abundam. manobras mais que nebulosas no que ao em relação às investidas golpistas. Al-
239430519; Fax: 239431592 • ASSINATURAS: 808200095 Costuma dizer-se que não há cego já famoso Parque da Cidade diz respei- guém pensa nas consequências a longo
mais cego do que aquele que não quer to, mais concretamente as aquisições/ prazo desta acção? Como reagiria o
ver. Talvez. Mas será também ceguei- permutas/posses administrativas de mundo árabe? E nós?
Tiragem média total do mês de Agosto ra (intelectual) a daquele que, não sen- terrenos necessários à construção do NUNO PERES MONTEIRO
AS SO C I AÇÃO P O R T UGUE SA
D O C O N T R O LO D E T I R AG E M
72.388 exemplares do cego e não querendo parecer cego, viaduto na frente poente, onde a sua Porto
E S PA Ç O P Ú B L I C O 23
PÚBLICO• SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001

Nada é simples
á os que insidiosamente tentam zem circular o seu dinheiro — curiosamente,

H ver os terroristas do World Tra-


de Center como o braço armado
dos “pobres e oprimidos”. E há os
que, no extremo oposto, acham que a com-
preensão das razões do terrorismo pode e
duas das reivindicações dos movimentos que
contestam a globalização (que ironia para
o José Pacheco Pereira, que escreveu que a
base ideológica dos que atacaram o World
Trade Center é a mesma dos que contestam
deve ser desligada do contexto político que a globalização! Onde se situará aqui o Bin La-
está na sua génese. MIGUEL SOUSA TAVARES den, que se suspeita terá ganho uma fortuna,
Transformado num jornal tipo-direita re- aproveitando a globalização dos mercados e a
publicana americana, o “Diário de Notícias” “inside information” de que dispunha sobre
tem estado simplesmente patético nestes e a nós mesmos e sempre que necessário, presidente que não sabia onde ficava a Ju- os atentados?)
dias. “Mata, esfola, arrasa, queremos lá sa- que é no Ocidente que hoje residem os fun- goslávia ou a rirem-se com a arrogância de Nada é simples. Desgraçadamente, nada
ber dos palestinianos ou dos árabes, é preci- damentos da liberdade e da justiça, e não no um Kissinger que dizia não saber o número é simples ou previsível. Quem disser o con-
so é vingança!” — eis a linha editorial para mundo islâmico. O que não nos deve levar de telefone da Europa. trário, ou é louco ou não entendeu nada.
que a serena instituição jornalística se viu a esquecer, apesar disso, todas as injustiças E, por falar no sinistro Kissinger, outro
deslizar esta semana. Para eles, não resta e arbitrariedades cometidas sobre os ou- motivo de esperança é que se tenha apren- P.S. — Repete-se hoje em Lisboa e nou-
margem para dúvidas: qualquer hesitação tros e a que, muitas vezes, só não chamamos dido também os limites da “realpolitk”: que tras cidades uma das mais despudoradas
no apoio incondicional a tudo o que os ame- terrorismo porque reservamos o adjectivo se tenha percebido que esta não apenas é operações de demagogia e hipocrisia políti-
ricanos venham a fazer é sinal de cobardia, para eles. Qualquer um de nós, herdeiros dos frequentemente hipócrita e amoral, mas ca imagináveis, a que dão o nome de “dia
se não mesmo de cumplicidade com os ter- valores da Revolução Francesa e habituados também contraproducente. Os Estados Uni- sem carros”. Marcada para uma sexta-feira,
roristas. Felizmente, Colin Powell não lê o à liberdade como banalidade, não suporta- dos apoiaram o Iraque contra o Irão e de- trata-se de um óbvio convite à gazeta geral,
“Diário de Notícias” e prefere recomendar a ria viver num país muçulmano ortodoxo. E pois tiveram de enfrentar Saddam Hussein; com que os poderes públicos esbulham as
Sharon que não vire as costas à oferta de paz muitos de nós, provavelmente, se fôssemos apoiaram a ditadura de Noriega e depois actividades privadas e tornam a vida insu-
de Arafat. Porque ele sabe que as impensá- palestinianos nos territórios ocupados por tiveram de o perseguir como traficante de portável aos cidadãos. A dr.ª Edite Estrela,
veis manifestações de ódio antiamericano, Israel, seríamos terroristas. droga; apoiaram a resistência afegã contra que alegremente vem tornando o concelho
numa hora destas e um pouco por todo o Pese ao empenho do “Diário de Noticias” a URSS sem olhar a quem e deram origem de Sintra insuportável para se viver graças
mundo muçulmano, só podem ser enfrenta- e seus seguidores, esta guerra contra o ter- aos taliban; apoiaram o Paquistão contra a à especulação imobiliária, vai-se passear
das de duas formas: ou se arrasa à bomba rorismo não se resolve de forma simples e Índia e agora estão a braços com o antiame- de bicicleta, com um ar muito “eco” e “new
todo o Islão ou se tenta perceber as razões expedita, com bombardeamentos aéreos ou ricanismo do Paquistão; apoiaram o UÇK no wave”. O dr. João Soares, que transformou
profundas desse ódio, quais delas são jus- desembarques de comandos. Quando vejo o Kosovo e agora estão a contas com as suas o espaço das Docas, que era praticamente
tas e quais não têm justificação. Não sendo
assim, de pouco serve apanhar Bin Laden
e os seus grupos: outros e outros se segui- Q U A L Q U E R U M D E N Ó S , herdeiros dos valores da Revolução Francesa e habituados à liberdade
rão, cada geração caída dará origem a nova como banalidade, não suportaria viver num país muçulmano ortodoxo. E muitos de nós, provavelmente, se fôssemos
geração de terroristas, a que eles chamam
palestinianos nos territórios ocupados por Israel, seríamos terroristas
“mártires”. Vale a pena meditar no exemplo
ainda recente do Kosovo e da guerra “limpa”
JAMAL ARURI/EPA
contra a Jugoslávia, para a qual os Estados
Unidos arrastaram a Europa, inflamada por
alguns editorialistas tão arrebatados como
hoje. Sem que ninguém quisesse dar ouvi-
dos, alguns poucos tentaram explicar que ali
não havia “bons” nem “maus” e que qual-
quer solução militar, sem uma solução polí-
tica subsequente, estava condenada ao fra-
casso. Mas, qual quê! Era preciso pôr fim ao
“massacre” dos albaneses do Kosovo, ao mi-
lhão de homens que já tinha “desaparecido”,
às “valas comuns” que os sérvios tinham
aberto por todos os lados: o mal não podia
triunfar. Dois anos depois, destruída gran-
de parte da infra-estrutura industrial da
Jugoslávia, expulsos e perseguidos todos os
sérvios que viviam no Kosovo, o que resta
das verdades de então? O milhão de desapa-
recidos desapareceu e nunca mais se falou
no assunto; as valas comuns, nem uma; os
massacres de albaneses reduziram-se aos
números oficiais divulgados pelo TPI e que
há meses atrás eram de exactamente 341; e
o UÇK, os “combatentes da liberdade”, que
a CIA transformara em heróis necessitados
de auxílio urgente, revelaram-se afinal um
bando de salteadores de estrada, ligados às
máfias do Leste e — horror dos horrores —
a Bin Laden. E lá estão as nossas tropas no
Kosovo, sem data de saída prevista, porque,
quando saírem, tudo será pior, uma vez que
da solução política ninguém cuidou.
O simplismo nestas matérias reflecte ape-
nas a falta de uma visão e de uma política.
Devemos dizer aos que insinuam a descul-
pabilização do terrorismo que, no limite e se
tal fosse necessário, as imagens das pessoas
a atirarem-se das torres de Nova Iorque deve
perseguir a nossa consciência para sempre,
como as imagens de Buchenwald ou de Hi-
roxima, para nos recordar que o terroris- FBI agora a pôr anúncios para recrutar com ramificações terroristas. Talvez de futuro o único que restava para andar de bicicle-
mo sobre inocentes jamais, jamais, poderá urgência agentes que falem árabe, percebo seja mais eficaz que a ideia de “bem” e de ta, num parqueamento municipal, vai-se
ter qualquer legitimação ou desculpa. Mas até que ponto os americanos desleixaram o “mal” não sejam conceitos ziguezagueantes, passear de bicicleta ao lado do dr. “Está Em
devemos dizer aos outros que há, todavia, entendimento do inimigo e das suas motiva- ao sabor da conjuntura e dos interesses ge- Todas” José Lelo, para mostrar que Lisboa
razões que conduzem a este ódio irracional e ções. Agora os americanos terão percebido opolíticos do momento. é uma cidade apetecível para os ciclistas. E,
que, quando se é odiado assim, deve-se, pelo definitivamente que o mundo existe, que O combate contra o terrorismo vai ser uma depois de terem infernizado a vida a dois
menos, tentar entender as razões do ódio. É grande parte dele os odeia e que outra gran- guerra longa, surda e às vezes suja. O apara- milhões de pessoas durante um dia, ou mes-
um equilíbrio difícil, é um caminho pejado de parte não tem o mesmo entendimento to e as operações militares serão, espera-se, mo um fim-de-semana, vão emergir muito
de dilemas e de contradições e é por isso que do bem e do mal que eles têm. Pagaram um apenas a fachada da verdadeira guerra. E esta satisfeitos, muito frescos e muito modernos,
nada é simples. Não devemos, por exemplo, preço trágico e infame por este despertar, travar-se-á no domínio das informações, da prontos para outra. Deixo aqui duas suges-
ver a resposta ao terrorismo de inspiração mas, apesar de tudo e para além do terror análise política, da busca de soluções para os tões, para que os próximos dias sem carros
muçulmana como uma guerra entre civili- suspenso destes dias, é possível que a des- conflitos regionais e no domínio do controlo possam ser perfeitos: um dia sem escapes de
zações, a Jihad de um lado e a Cruzada do coberta do mundo pelos americanos seja das operações financeiras internacionais, com autocarros da Carris a vomitar fumo para
outro. Mas não devemos também temer o prenúncio de melhores dias. Que não se atre- as quais o terrorismo se financia, e do combate a cara dos passantes e um dia de passeios
confronto ideológico e lembrar, aos outros vam mais a apostar na ignorância de um às “off-shores”, onde os terroristas lavam e fa- livres de excrementos de cão. I
2 4 ES PAÇ O P ÚB L I C O
PÚBLICO•SEXTA-FEIRA, 21 SET 2001

Diz-se Diário
“A maioria dos portugueses
com opinião acha muito bem
que Portugal participe num es-
forço de guerra contra o ter-
rorismo (...). Certamente que
Luzes de presença TERESA DE SOUSA
SEM FRONTEIRAS
esta maioria confortável, e re- deixou a escova de dentes ou onde está a arca
confortada, entende que ou-
tros portugueses — que não
eles próprios, os familiares ou
congeladora? Ou que, caso não existam, a
mulher irá meter a dita arca congeladora
dentro da escova de dentes? Já agora, por que
“Apaziguamento”
amigos — vão para a guerra.” motivo os manuais, que acompanham estes
JOÃO PAULO GUERRA
“Diário Económico”, 20-9-01
aparelhos, são incompreensíveis? Não conhe-
ço um único ser à superfície da terra que te-
nha sido capaz de ler um deles até ao fim.
à portuguesa
“A maioria que manda avan-
MARIA FILOMENA MÓNICA Como ninguém é capaz de responder à
çar fica na retaguarda, a se- questão da utilidade das luzinhas de presen- primeira vista, não há nas declarações
guir a guerra pela televisão e
a dar ‘bitaites’ sobre a condu-
ção das operações.” m vésperas de partir de férias, an-
ça, dei largas à imaginação, o que, dada a mi-
nha tendência para o negro, é perigoso. Rapi-
damente passei do problema da utilidade À políticas do Governo português sobre
a crise internacional em que mergu-
lhámos nada que as distinga dos seus
IDEM, ibidem

“Esta guerra é de todos, nossa


por isso, e Portugal tem de se
empenhar mais do que enviar
E dei pela casa a fechar tudo. Como
o edifício é antigo, tive de correr
fechos manufacturados no tempo
do sr. marquês, acarretar ferrolhos pesando
vários quilos, encerrar à chave portinholas
para o dos efeitos. Tendo lido nos jornais que
o aumento de casos de depressão se estava a
revelar exponencial, sem que qualquer médi-
co fosse capaz de explicar o facto, considerei
a hipótese de que a doença pudesse estar liga-
parceiros da União Europeia e da NATO. Portugal
é solidário com a América, entende este ataque
como um ataque à democracia e aos seus valores,
disponibiliza todos os meios à sua disposição, “po-
líticos diplomáticos, policiais e militares”, para
apenas palavras calorosas e dentro de portinholas. Na ordem natural das da às luzinhas. Do ponto de vista estatístico, “prestar assistência em todos os planos” (Jaime
pêsames sentidos aos dirigen- coisas, seguir-se-ia o corte da água, do gás e a correlação é altíssima. Mesmo sabendo que Gama) aos nossos aliados americanos. Ontem,
tes americanos.” da electricidade. Ao reparar na girândola de esta não implica um nexo causal, talvez valha mesmo, o Governo respondeu favoravelmente ao
LUÍS DELGADO luzinhas piscando alegremente em todas as a pena investigar a hipótese. Ainda me lem- pedido de utilização da Base das Lajes, apresen-
“Diário Digital”, 19-9-01 salas, eis que, diante do último contador, hesi- bro da altura quando alguém mencionou a tado por Washington ao abrigo do acordo de co-
to. A minha casa, só agora tinha consciência relação entre o amianto, então frequentemen- operação e de defesa entre os dois países.
“Os Estados Unidos estão a disso, é um arraial minhoto. te usado na construção civil, e o aparecimen- Será que, face à dimensão da barbárie, os res-
preparar mais uma superpro- Ainda sem saber o que fazer, resolvi dar uma to de cancros. De início, ninguém ligou. Mas ponsáveis políticos portugueses abandonaram de
dução nas misteriosas rotas volta, tentando conferir as luzinhas que se ha- quem tinha razão era o autor da sugestão. vez o padrão de comportamento “envergonhado”,
do Oriente. O problema é o viam multiplicado à minha volta. Comecei pe- Em desespero, tentei apagar as luzinhas, “apaziguador”, ambíguo que têm sistematicamen-
elenco. Bush não é actor para lo escritório. Só aqui, havia cinco: a do com- carregando aleatoriamente nos múltiplos bo- te adoptado nas crises internacionais que envol-
o papel que lhe deram.” putador, a da ligação deste à electricidade, tões que os aparelhos ostentam. O resultado vem directamente a União e a NATO e que põem
JOAQUIM LETRIA a do ZIP, a do desumidificador e a do apare- foi nulo. Acabei por desistir, tanto mais que à prova as nossas alianças e os nossos interesses
“24 Horas”, 19-9-01 lho de música. fundamentais? Infelizmente a resposta é não.
Contei, depois, Não se trata aqui de minimizar as dificuldades que
“O ataque à inexpugnável as espalhadas N A D Ú V I D A quanto a luzinhas de presença, deixo a electricidade esta crise coloca aos governos europeus, obriga-
América põe a nu a falência pela casa. Ao ligada. Enquanto sobrevoo Lisboa, os pirilampos electrónicos lá dos a lidar com uma
do Super-homem.” todo, são 27: estão, sozinhos e inúteis, brilhando na escuridão do meu andar. situação totalmente
ANTÓNIO JOSÉ TEIXEIRA existem no nova, de consequên-
A imagem que o
REUTERS
“Diário de Notícias”, 19-9-01 c o n g e l a d o r, cias ainda difíceis de Governo transmite é
nas televisões, avaliar em toda a a de que tudo amanhã
nos vídeos, nos sua dimensão. Tra-
“O mundo pode transfor- gravadores de ta-se apenas de espe-
será igual, neste país
mar-se num gigantesco País telefone, na es- rar que o Governo pequeno,
Basco.” cova de den- português exerça a insignificante,
ALAIN TOURAINE tes, na central função de liderança irresponsável. Que a
“Visão”, 20-9-01 eléctrica e até que lhe cabe, sobre-
no candeeiro tudo em situações solidariedade com a
italiano. E isto como esta, propicia- América não passa de
“António Guterres arrisca-se num lar cuja doras de um clima um formalismo a
a chegar ao final da legislatu- possuidora li- de desorientação, de
ra, lá para 2003, com uma úni- da mal com medo e de incerteza
cumprir pela nossa
ca reforma para apresentar: a máquinas! da opinião pública. pertença à UE
sua própria reforma da vida Sub-repticiamente, as máquinas penetra- o meu “curriculum” em matéria de “bricola- A imagem que o Go- e à NATO
política.” ram no nosso quotidiano. O perigo é óbvio. ge” não é famoso. Em vários momentos, ten- verno transmite é
PAULO FERREIRA Se algum dia os técnicos tiverem emigrado tei usar as mãos em tarefas de tipo prático. a de que tudo ama-
“Diário Económico”, 20-9-01 todos para Marte ou se se verificar uma catás- Se aprendi a mudar uma lâmpada, exercício nhã será igual, neste país pequeno, insignifi-
trofe, morreremos de inanição. Viu-se o que que hoje executo na perfeição, as outras expe- cante, irresponsável. Que a solidariedade com
“O queijo está nas mãos do sucedeu, no ano passado, em Lisboa, quando, riências redundaram sempre em desastre. a América não passa de um formalismo a cum-
eng. António Guterres.” por uma cegonha suicida se ter decidido a O meu ponto fraco é a culinária, para a prir, uma espécie de ritual declaratório a que
ANTÓNIO CAPUCHO pousar num cabo, a electricidade falhou du- qual as novas tecnologias de pouco servem. somos obrigados pela nossa pertença à UE e à
“Visão”, 20-9-01 rante horas. Decerto que existem máquinas, Eis uma ilustração. Gosto muito de ovos me- NATO. De qualquer modo, sem consequências
como o computador, cujas vantagens acabei xidos com tomate. Há um mês, a Fátima ex- práticas, sem escolhas difíceis nem sacrifícios
“Um dos maiores e mais vi- por reconhecer. Mas a verdade é que elas des- plicou-me como fazê-los, insistindo (ela co- previsíveis. Não se preocupem, diz Guterres,
síveis fracassos dos gover- truíram a nossa autonomia. nhece-me) em que o prato tinha de ser “não estamos em guerra”, no mesmo dia em que
nos socialistas está na RTP e Além disso, a maior parte são pouco recep- confeccionado com vegetal fresco e não de o Conselho da Aliança considera que o ataque
no serviço público de televi- tivas às necessidades do utilizador. lata. Cumpri o que me recomendou, tendo à América representa um ataque contra todos
são.” Veja-se o aparelho de música que tenho no adquirido três belos vegetais no supermerca- os seus membros.
JOSÉ CARLOS DE VASCONCELOS meu quarto, planeado para quem deseja ador- do. Ela tinha-me advertido que, antes de os A crise não lhe merece mais do que uma breve de-
Idem mecer sem se preocupar em ter de fechá-lo. cortar aos bocados, teria de os escaldar, única claração “tranquilizadora” entre a visita a uma
Como só consigo dormir em total escuridão, forma de lhes arrancar a pele. Pus água na autarquia e a inauguração de uma fábrica — in-
“Qualidade e diferença têm a luz de presença agravou a minha tendência chaleira. Passados alguns minutos, ouvi o tencionalmente ou não, a maneira mais eficaz
de ser o apanágio da RTP. Sem para a insónia. Logo na primeira noite, fiquei guincho indicativo de que esta fervia. Deitei de desvalorizá-la e de retirá-la da sua verdadeira
elas, a RTP não se justifica. horrorizada quando, tendo posto um quarte- a mesma sobre o tomate, esquecendo que este dimensão.
Nem tem espaço. (...) Porque, to de Beethoven na placa, notei que, uma vez se encontrava dentro da minha mão direita. O resultado não é, todavia, esse. O que fica do
no seu campo, a SIC e a TVI apagada a luz da mesinha de cabeceira, um De tal forma fiquei queimada que até consi- estilo “apaziguador” de António Guterres é um
serão sempre melhores.” clarão esverdeado invadia o quarto. Tentei derei a hipótese de ir a um hospital. Perce- imenso espaço vazio que vai sendo progressiva-
IDEM, ibidem todos os botões, mas os números com as ho- bendo que algo correra mal, telefonei-lhe, cri- mente ocupado pelos discursos minoritários. O
ras, que provocavam a invasão luminosa, não ticando-a por não me ter elucidado sobre que fica da falta de clareza e de liderança do Go-
“Emídio Rangel chega à RTP desapareciam. Em desespero, consultei o ma- todos os aspectos da confecção dos ovos. Foi verno é o imenso pântano da velha tradição sala-
(...) com dez anos de atraso. nual, tendo chegado à conclusão que a luz se então que, rindo-se, me respondeu que, antes zarenta da “neutralidade” que continua a marcar
(...) A dúvida é se não chega não podia extinguir. Estava já pronta para de deitar a água por cima do tomate, eu o de- profundamente a nossa cultura política.
tarde demais, depois do tem- deitar a aparelho para o lixo, quando a Clara, veria ter espetado num garfo. Enquanto Paulo Portas acende sentimentos xe-
po perdido com a camisola do cujo marido fornece produtos para espectá- Eis a razão pela qual tento usar as mãos o nófobos e apela à ideologia securitária, enquanto
pior da SIC vestida.” culos, me arranjou um pano capaz de bloque- menos possível. Até para fechar contadores, a extrema-esquerda “bloquista” escolhe o campo
JOSÉ MÁRIO COSTA ar a passagem de qualquer raio de luz. Resol- elas são perigosas. Assim, na dúvida quanto “piedoso” da neutralidade — ainda e sempre a
“Record”, 20-9-01 vido o problema, deixei de pensar em às luzinhas de presença, optei por deixar a melhor forma de esconder as suas verdadeiras
números com horas ou em luzinhas de pre- electricidade ligada. Enquanto sobrevoo Lis- escolhas —, António Guterres vai tentando pas-
“Tenho a certeza de que vou sença. boa, os pirilampos electrónicos lá estão, sozi- sar entre as gotas da chuva, convencido de que
regressar à SIC.” Mas, afinal, qual a utilidade destes picos nhos e inúteis, brilhando na escuridão do é possível chegar ao próximo abrigo sem ter de
TERESA GUILHERME luminosos? Pensará quem os criou que, sem meu andar. A tecnologia talvez tenha trazido encarar de frente as suas e as nossas responsa-
“TV Guia”, 19-9-01 eles, o homem é incapaz de descobrir onde sentido à vida dos técnicos: à minha, não. I bilidades. I
2001
22 Setembro
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SÁBADO
EDIÇÃO LISBOA
22 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4205
200$00 • €1 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico.pt
www.publico.pt
MIL FOLHAS

Será que se pode


definir o que é
ou não é música? EUA atacam se terroristas
não forem entregues já
EMMANUEL DUNAND/EPA

UE OFERECE APOIO
INEQUÍVOCO A
RETALIAÇÃO MILITAR
DE WASHINGTON
Paquistão:
islamistas dispostos
a morrer por
Bin Laden
TOULOUSE

Explosão em fábrica Unidos contra


de químicos faz 17 o terrorismo: um
mortos e 250 feridos artigo exclusivo
São pelo menos 17 os mortos e 250
os feridos, mas ainda há muita gen-
de Kofi Annan
te desaparecida. É o resultado de
uma violenta explosão ocorrida on-
tem em Toulouse, França, e que dei- Vítimas de Nova
xou a população receosa de se estar
em presença de um ataque terroris-
Iorque poderão ser
ta idêntico ao verificado no dia 11,
nos Estados Unidos. As primeiras
mais de seis mil
peritagens apontam, no entanto,
para acidente. P38
Manhã de pânico
V I S I TA
nas bolsas
europeias
João Paulo II chega
hoje ao Cazaquistão Com o secretário
P26
de Estado das
AU T Á R Q U I CAS 2 0 01 Comunidades
O P O R T U G A L DA S C I DA D E S
a menos de 100
metros dos
Aveiro
P30/31 E FUGAS
escombros do
World Trade Center
R E V I S TA X I S
Reportagens de Adelino
Gomes e Ana Gomes
Ferreira, em Nova Iorque,
QUANDO É QUE e de Alexandra Lucas
SE SENTE Coelho, em Islamabad
MESMO FELIZ? P2 A 25 E 60

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ÍNDICE

BARTOON E OPINIÃO 23 A 25
BOLSA E MERCADOS 35 A 37
TELEVISÃO 57/58
CLASSIFICADOS 68 A 77
CINEMAS 78/79
TEMPO E FARMÁCIAS 80
2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SÁBADO, 22 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO MUNDO ISLÂMICO

“Damos a vida por Bin Laden


e os nossos filhos também”
Ghulam Gaulamnabbi está a Têm 12 anos e querem morrer pelo Islão, têm 18 anos e querem morrer pelo Islão, têm 70 anos e Cresceu a estudar o Corão,
caminho de ser mártir. Leiam querem que os filhos morram pelo Islão. O herói deste Islão é Osama bin Laden. Com lágrimas e como quem se desprende des-
na sua cabeça: “Estou pronto ta vida: “Medo da guerra?”,
a morrer e irei directamente
berros, os líderes religiosos paquistaneses incendiaram ontem milhares de fiéis num desfile pelo pergunta incrédulo. “Os mu-
para o céu. Até destruirmos Centro de Islamabad. Adultos, velhos, crianças, jovens taliban de lenço preto na cara. Nem uma çulmanos não têm medo da
a América, combateremos.” mulher à vista. Da nossa enviada Alexandra Lucas Coelho, em Islamabad guerra. Um muçulmano que
Tem 18 anos, olhos cor de morre na guerra tem a honra
amêndoa, um rosto de ícone dessa morte e vai para o céu
russo, a barba muito fina. directamente. Se a América
À sua volta, como um enxa- PÚBLICO se lhe dirige, apre- nal Para a Defesa do Afeganis- choram ao recitar o Corão du- língua predominante no Pa- atacar o Afeganistão parto pa-
me, enchendo a rua, trepando senta-se como estudante pa- tão. É o cartão-de-visita dos rante a prece, choram quando quistão), fharsi (maioritária ra fazer a ‘jihad’ [guerra san-
pelas árvores, subindo para o quistanês numa “madrassa” responsáveis por esta inflama- pedem a Alá que ajude os mu- no Afeganistão) e uzbeque — ta] até a morte tomar conta de
cimo das casas e dos carros, (escola corânica), pronto para ção, 40 grupos islâmicos pa- çulmanos a lutar contra o ter- porque foi nessas remotas ter- mim.”
milhares de fiéis radicais em- partir: “Quero ir para o Afe- quistaneses rapidamente reu- rorismo americano, choram ras do Norte afegão, perto da Segundo Abdul, só em Isla-
punham freneticamente carta- ganistão e combater a Améri- nidos numa só estrutura, para quando perguntam à multi- fronteira com o Uzbequistão, mabad há 700 jovens afegãos
zes, faixas, retratos de Osama ca. Osama bin Laden é o meu sair à rua. dão de fiéis: estão prontos? e que ele nasceu, há 23 anos. O nas “madrassas”. Serão os ir-
bin Laden, berram por Alá e herói: veio dos árabes, pregou Está alta a febre, muito alto a multidão levanta os braços pai morreu durante a guerra mãos mais novos dos taliban.
pela guerra santa a cada inci- o Islão aos afegãos, é contra o o Sol, em todas as caras bri- e abre a garganta num só gri- com a URSS, cinco irmãos con- E nem de propósito, o pa-
tamento, a cada lágrima dos terrorismo, não é um terroris- lham gotas de suor, as “jella- to: estamos convosco, estamos tinuam no Afeganistão, a mãe quistanês que acompanha
“mullah”. ta. Onde estão as provas con- bas” colam-se ao corpo, por prontos, por Alá! e outro irmão vieram com ele o PÚBLICO aponta discre-
Ele, com a sua tira de pano tra ele?” cima voam corvos. E acima Atrás da faixa do conselho para Islamabad. Abdul tinha tamente dois rapazes ao fun-
escrita em urdu e árabe à volta Por cima da cabeça de Ghu- dos corvos, os gritos lancinan- estão afegãos sentados num 13 anos e, à semelhança de mi- do: “São estudantes taliban,
da cabeça, é uma espécie de lam há outra faixa, muito mais tes dos “mullah”, como velhas pequeno muro: muito velhos, lhares de outros adolescentes olhando em volta há muitos.”
corpo-panfleto. Ardente. Nem larga, que dois homens man- carpideiras de grandes bar- velhos, adultos, jovens, crian- afegãos refugiados, uma “ma- Não chegamos a perguntar co-
precisa de falar alto. Quando o têm esticada: Conselho Nacio- bas. Sim, eles choram mesmo, ças. Abdul Rauf fala urdu (a drassa” à sua espera. mo é que ele sabe, porque o

AKBAR BALOCH/REUTERS

Dezenas de milhares de
muçulmanos desceram às
ruas de Islamabad para
gritar por Bin Laden e
contra os EUA: “Deus é
grande, a América é cão!”
D E S TA Q U E 3
PÚBLICO•SÁBADO, 22 SET 2001

Últimas
Taliban rejeitam
par aproxima-se, bem distinto líder, que Alá proteja o Afega-
entre a multidão: pólos bran- nistão e os seus líderes taliban
cos de marca, calças de ganga da América, Alá, só olhamos
vincadas, impecáveis, e lenços para ti, dá-nos força!”
pretos atados por cima do na- Dezenas de crianças rezam POWELL DIZ

ultimato dos EUA


riz, escondendo toda a parte de mãos em concha. A mul- T E R P R O VA S
de baixo do rosto. tidão parte, em desfile: “Se a CONTRA BIN
O tradutor do PÚBLICO América atacar o Afeganistão, LADEN
apresenta-nos. Olham-no, ar- será um ataque ao Paquistão e
queando ligeiramente as so- daremos uma boa resposta.” O secretário de Estado
brancelhas. Só a ele, porque Mujham tenta erguer bem Paquistão poderá Osama bin Laden sem pro- está prestes a poder apresen- norte-americano, Colin
ele é um homem. Respondem alto o seu cartaz: “Bin Laden, ver muito em breve vas”, disse o embaixador tali- tar provas disso. Pelo menos, Powell, disse ontem à BBC
que não querem falar e desa- herói do Islão”. É difícil, por- ban em Islamabad, “mullah” a nível económico. que existem provas sufi-
parecem entre todos os outros que ele só tem 12 anos, e é baixi-
o retorno do auxílio Abdul Salaam Zaeef. O mes- Segundo um diplomata cientes para julgar Osa-
homens. nho. O PÚBLICO pergunta-lhe de Washington mo responsável adiantou: americano ouvido pela Reu- ma bin Laden num tribu-
À excepção de meia dúzia de se ele sabe quem é Bin Laden. “Jamais nos renderemos ao ters, Washignton prepara-se nal americano por crimes
repórteres estrangeiras (dis- Mujham acena com a cabeça e FRANCISCA GORJÃO HENRIQUES mal”. para levantar as sanções im- contra a humanidade. A
tinguem-se pelos microfones sorri: “É a coroa da nossa cabe- Zaeef afirmou ainda que se postas a Islamabad, e à Índia, outra alternativa, diz Po-
ou blocos de notas e pelos len- ça. A cabeça islâmica.” O que Será um “duelo de podero- Bin Laden “quiser sair volun- quando os dois estados reali- well, é uma acção militar
ços desajeitados na cabeça), é que Mujham quer ser quan- sos”. Foi assim que os líderes tariamente, pode fazê-lo”. Na zaram ensaios nucleares, em contra Bin Laden — que
literalmente só há homens do for grande?: “Quero ser um taliban rejeitaram o ultima- véspera, os “ulemas” (douto- 1998. A mesma fonte disse ain- permanece em local in-
nesta massa acesa, que come- estudioso islâmico e ir ter com to feito pelos Estados Unidos res da fé) pediram ao milio- da que as autoridades ameri- certo —, se bem que na-
çou na oração das os ‘mujahedines’.” para que entreguem Osama nário de origem saudita que canas vão assinar um acordo da tenha ainda sido deci-
13h30 na Mesquita Onde estão os teus bin Laden; as autoridades de deixasse o país, de forma a evi- na próxima segunda-feira, em dido. Questionado sobre
Vermelha, perto do pais: “Estão em ca- Cabul afirmaram que vão res- tarem as represálias militares Islamabad, que prevê a redu- as hipóteses de um ataque
mercado de Aap- “Se um sa.” ponder com guerra aos ata- norte-americanas. Zaeef jus- ção em 600 milhões de dólares americano ao Afeganis-
bar, cresceu ao lon- muçulmano Grande tumulto, ques do Pentágono. tificou: “Não era para o obri- da dívida paquistanesa. tão poder vitimar civis,
go de meio quilóme- gritos, tombos: o O Presidente norte-ameri- gar, ou para dizer que ele te- O levantamento das sanções Powell foi claro que os al-
tro pela alameda do
morre na “mullah” Samiu- cano, George W. Bush, disse- ria obrigatoriamente de sair. económicas significa que os vos não passam pela po-
sector G 6-1, peran- guerra, a lhaq acaba de che- ra na véspera aos taliban pa- A decisão dos ‘ulemas’ era só EUA poderão votar favoravel- pulação deste país.
te 160 polícias ultra- família gar, corpulento, ros- ra entregarem o homem que para aconselhá-lo a sair”, cita mente um pacote de auxílio
protegidos e imó- to de pergaminho, afirmam estar por trás dos a Afghan Islamic Press, com ao Paquistão, tal como aquele N O S E UA , 9 1
veis, e desaguou na
orgulha-se espessa barba gri- ataques de 11 de Setembro. base no Paquistão. que está actualmente a ser ne- POR CENTO
praça do mercado, dele. É uma salha. É o líder da Caso contrário, “sofreriam as Na quarta-feira, o Presi- gociado com o FMI, que prevê APOIAM BUSH
tomando todo o es- morte santa” maior organização consequências”. “Os taliban dente paquistanês, Pervez um empréstimo de 2,5 mil mi-
paço. islâmica do Paquis- têm de agir e agir imediata- Musharraf, foi à televisão ten- lhões de dólares para os pró- O povo americano está
Milhares de ho- tão, a Jamiat Ulema mente”, declarou Bush numa tar convencer os paquistane- ximos três anos. A principal com George W. Bush. É
mens, velhos, co- e-Islam (um milhão sessão no Congresso. ses de que a decisão de apoiar sanção que deverá ser levan- o que diz uma sondagem
xos, magros, gordos, e crian- de fiéis), e dirige o conselho Mas o regime que governa os Estados Unidos era a mais tada é a que impedia qualquer publicada ontem pelo di-
ças, com turbantes ou de agora formado. Entra na mes- o Afeganistão repetiram o que conveniente para toda a po- ajuda bilateral ao Paquistão ário “Washington Post”,
cabeça descoberta, ainda im- quita para falar com o seu es- já várias vezes tinham afir- pulação e que não ia contra os que não fosse exclusivamente segundo a qual 91 por cen-
berbes ou de barbas grisalhas, forçado irmão, que tanto gri- mado. “Não entregaremos princípios islâmicos. Agora, humanitária. I to dos americanos apoiam
uma irmandade toda mascu- tou por Alá. a maneira como Bush re-
lina, que se abraça, que dá as Todos esperam por ele, cá agiu ao ataque terrorista
mãos como pares de namora- fora. Um homem começa a fa- da semana passada. Por
dos, que se levanta, e dobra, lar em inglês com o PÚBLI- sua vez, oito em cada dez
e ajoelha, e senta num mo- CO: “Sou funcionário do Go- americanos afirmaram
vimento único, sincronizado verno, secção de Contas. O cão que ouviram o discurso de
em torno dos “mullah”. “Deus de guarda da nação.” Sorri. Bush no Congresso. Dos
é grande, a América é cão!”. Sem cerimónia, agarra no ca- que ouviram o Presidente,
Por Alá. “Cão americano, hai, derno da repórter e escreve 80 por cento disseram que
hai!” Por Alá. “Taliban, tali- o nome, A.H. Malik, a idade, se sentem mais confiantes
ban!” Por Alá. “Estamos a ca- 42 anos, a nacionalidade, pa- da maneira como o país
minho!” Por Alá. “Osama bin quistanês (muçulmano). É um irá reagir à crise. A sonda-
Laden!” Alá é grande. verdadeiro profissional. gem também sugere que
Deve estar tão habituado à poucos americanos espe-
Do Corão à guerra imprensa como o “mullah” ram um grande número
Às 13h30, os jardins em torno que os líderes islâmicos hão-de de vítimas no decorrer da
da Mesquita Vermelha já esta- pôr a pregar em inglês, “num guerra ao terrorismo, o
vam repletos de fiéis, que ain- apelo à imprensa” daqui a ho- que sugere que a opinião
da transbordavam pelos mu- ra e meia”. Todas as armas são pública poderá mudar se
ros e pela estrada. Voltemos ao boas. Os media também. Ma- o conflito se tornar parti-
princípio, do Corão aos gritos lik está disponível para nos es- cularmente sangrento.
de guerra. clarecer: “Bin Laden não é um
Meia centena de polícias terrorista. É um muçulmano, GUERRILHEIROS
mantém-se alinhada, com ca- muito forte, está a lutar pelo Uma das poucas imagens conhecidas do “mullah” Omar (ao centro), chefe dos taliban DA CA X E M I R A
pacetes, escudos, grades pro- Islão, está a opor-se à presença COM CABUL
tectoras na cara. De dentro dos americanos.”
da mesquita vem a voz do E onde crê este desembara-
“mullah”. Recita o Corão, em çado fiel que esteja o seu herói,
árabe, numa lamentação ca- neste momento: “Acho que es-
da vez mais ofegante. Os fiéis tá no Afeganistão e vai conti-
Três pessoas morreram nas O grupo de guerrilha
Lashkhar-e-Taiba, que
combate a presença da Ín-
dia na Caxemira, declarou
estão todos de pé, cabeças bai- nuar.” E quanto ao fantasma
xas, braços caídos. A uma pa- de uma guerra? Malik põe a
lavra, deixam tombar o corpo, mão no peito, atónito: “Se um
põem as mãos nos joelhos co- muçulmano morre na guer-
manifestações de Carachi ontem estar disposto a de-
fender o Afeganistão de
qualquer ataque, se acaso
isso lhe for pedido pelos
mo quem salta ao eixo. A ou- ra, a família orgulha-se dele. É Três pessoas morreram e vá- taliban. A palavra cruzada foi ‘jihad’ contra o Governo”. taliban. Yahya Mujahid,
tra palavra, reendireitam-se, uma morte santa.” Para a mes- rias ficaram feridas no Paquis- ali várias vezes utilizada para Em Carachi, 15 mil polícias porta-voz do grupo, falou
como molas. ma pergunta, a mesma respos- tão, durante outras manifesta- descrever as intenções do Pre- estão em estado de alerta, ten- à Reuters por telefone, a
A oração termina. O ta, sempre. É como a ladainha ções a favor dos taliban, que se sidente norte-americano, Ge- do sido colocados no aeropor- partir da cidade de Laho-
“mullah”, agora em urdu, pa- do “mullah”. “Não tememos realizaram ontem ao mesmo orge W. Bush. “Se a América to, consulados estrangeiros e re, capital da província pa-
ra que todos entendam, lança- a morte porque a vida é eter- tempo que em Islamabad. Na quer uma cruzada, então esta- escritórios. Isto, apesar de a quistanesa do Punjab.
se numa cruzada: “Venham na, esta vida não vale. Vamos cidade de Carachi, no Sul, du- mos prontos para uma guerra polícia ter recebido garantias
juntar-se contra o inimigo lutar. Só se a América provar as pessoas foram mortalmente santa”, avisou um dos orado- por parte dos líderes muçul-
americano, vamos mostrar à que Bin Laden é terrorista é baleadas ao mesmo tempo que res. manos de que não haverá vio-
América a nossa força, vamos que estaremos com a América. a polícia usava gás lacrimo- Dois em cada três paquista- lência. Em Caxemira, o único
fazer greve contra as decisões Porque o terrorismo não é per- géneo para tentar dispersar neses (maioritariamente mu- estado indiano de maioria mu- MORTOS
do nosso Presidente.” mitido pelo Islão. E Bin Laden a multidão. Segundo a BBC, çulmanos) não gostaram que o çulmana, a polícia disparou
Os homens amontoam-se na é um bom muçulmano.”
estrada. Há carrinhos com co- As dezenas de crianças que
mida fresca, saladas, grão, len- há pouco rezavam com as
um lojista foi linchado quando
tentava abrir o seu negócio.
Em Peshawar, perto da fron-
Presidente Pervez Musharraf
tivesse dado o seu apoio aos
EUA e não a Bin Laden. Por
gás lacrimogéneo contra cen-
tenas de pessoas que se ma-
nifestavam também contra
623
tilhas. Há bancas de “souve- mãos em concha distribuem teira com o Afeganistão, os isso, muitas das vozes que se um ataque americano contra
nirs”, retratos de Bin Laden, um panfleto. O texto, na ínte- manifestantes encontraram- fazem ouvir nestes encontros o Afeganistão. Quase 10 mil
DESAPARECIDOS
exemplares do Corão. gra: “Oh, meu querido Alá, for- se antes e depois das preces são contra o próprio Mushar- muçulmanos juntaram-se em
O “mullah” grita, como à talece-nos para podermos dar
beira de uma síncope: “Que as nossas vidas por Bin Laden,
Alá nos proteja dos tempos podermos morrer por ele, e
de sexta-feira para ouvir os lí-
deres religiosos discursar a
favor de Osama bin Laden, o
raf. Um dos organizadores das
manifestações em Peshawar
declarou: “Se o nosso Governo
Dakha, a capital do Bangla-
desh, depois de terem rezado
uma oração pelas vítimas dos
6333
Vítimas dos atentados contra o World Trade
maus do Paquistão, que Alá sacrificar as nossas crianças milionário de origem saudita der espaço aéreo ou terrestre à atentados em Nova Iorque e Center e o Pentágono e da queda de um
dê bons pensamentos ao nosso também. Rezemos por ele.” I acolhido há cinco anos pelos América, vamos declarar uma Washington. I avião na Pensilvânia. Números oficiais.
4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SÁBADO, 22 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO MUNDO ISLÂMICO

“Numa situação como Curdistão


É uma hipótese pouco
provável: porque é difícil
Tchetchénia
É umaDaguestão
forte possibilidade — se conseguir
chegar lá. Quando os mujahedines combate-
Paquistão
É um destino bastante provável.
Durante grande parte dos anos
Onde está Osam

esta, é preferível chegar lá, bem como


permanecer nesta
região, nominalmente
ram o exército soviético, chegaram a entrar
na Tchetchénia pelo Afeganistão, mas
o caminho, quer pelo Tajiquistão, quer
80, Bin Laden viveu na cidade
paquistanesa de Peshawar,
recrutando aí os mujahedines

um militar no poder”, controlada por Ancara


e Bagdad mas que não
tem governo oficial. As
por outras ex-repúblicas da URSS ou ainda
pelo Turquemenistão, é muito difícil.
que enfrentaram as tropas
soviéticas durante a ocupação.
Podia facilmente chegar lá,

diz embaixador cidades de Biyar e Tiwal


são supostamente
controladas pelo grupo
Daguestão ?
Esta pequena república da Rússia,
onde teria o apoio das tribos
pashtun que controlam algumas
regiões onde a lei e a ordem de

português islamista radical Jund


al-Islam, fundado por Bin
Laden. Diz-se que, em
antigamente integrado na URSS,
é outra das hipóteses avançadas
pela imprensa paquistanesa como
Islamabad não chegam. Estes
grupos apoiam abertamente
o regime taliban e detestam os
meados de Julho, 200 possível refúgio de Osama bin Laden norte-americanos. As regiões
ele mentos dos taliban
Estónia Rússia montanhosas oferecem bom Filipinas
Representante português em Islamabad instalaram-se aqui
Letónia locais de refúgio Poderá não passar de um
considera que Musharraf “ganhou Bielorrússia
rumor, mas fala-se na ilha de
Jolo, no sul do arquipélago,
grande prestígio” China como um dos locais eleitos
Ucrânia Cazaquistão Partilha com o Afeganistão uma
Mongólia para o esconderijo de Bin
fronteira de 70 km, mas a região
Moldova Laden. A indicação terá sido
de contacto é de muito difícil
Alexandre Vassalo, há dois apenas duas forças de coe- Roménia dada por R.
umDem.
“poster” da ilha
acesso. Além disso, Pequim da Coreia
anos e meio embaixador são, as Forças Armadas e a Bulgária Quirguízia que um ami go de Bin Laden
Japão
Geórgia Usbequistão já garantiu que não permitirá
teria penRep.
duraCoreia
do em casa. Em
português no Paquistão, religião, que fazem com que Arménia Azerbaijão a passagem de Bin Laden por
Turquemenistão Tajiquistão Jolo actua do
tam bém o grupo
Sul
considera que o Presidente não se desmembre”. Turquia território chinês, caso tencione
islâmico Abu Sayyaf
Pervez Musharraf, o gene- Segundo o chefe da mis- fugir por Rep.
aí Popular da China
ral que tomou o poder em são portuguesa em Islama- Chipre Síria Afeganistão
Islamabad em 1999, é um bad, “a decisão dos ‘ulema’ Líbano Iraque
Israel Irão
factor positivo no actual ce- pedirem a Bin Laden que Jordânia Paquistão
nário de tensão política e saia foi com certeza influen- Kuwait Butão
religiosa no país. Em de- ciada pela presença da dele- Nepal Taiwan
Bahrein
clarações ao PÚBLICO, o gação paquistanesa no Afe- Egipto Qatar Hong-Kong
EAU Bangladesh
diplomata referiu que “nu- ganistão e pelo discurso do
Arábia Saudita Myanmar
ma situação como esta é Presidente”. Quanto à evo- Arábia Saudita
Impossível. Foi aqui queÍndiaBin Laden nasceu, em Laos
preferível um militar a um lução da situação no país vi- Omã 1957, filho de pai iemenita e mãe saudita. Só que
civil”, visto que “um mili- zinho, Vassalo acredita que Filipinas
entretanto foi expatriado, depois de entrar em Tailândia Vietname
tar tem mais possibilidades “a margem de manobra dos Eritreia ruptura com a família real da Arábia Saudita.
Sudão Iémen
num sistema de ditadura taliban é pequena”, uma vez Desde que se opôs à entrada das tropas dos Camboja
militar, onde a voz é só uma que “já tiveram tantas guer- Djibuti aliados no país, durante a Guerra do Golfo, que
e a discórdia é muito mais ras e estão tão famintos” o seu regresso está proibido.
difícil”. que, mesmo não querendo Sudão Somália
Iraque
Etiópia
Questionado sobre a base hostilizar Bin Laden como Nem sequer é bem uma Sri Lanka OsBrunei
contactos entre
cana Maldivas Iémen Malásia
de sustentação de Mushar- hóspede, receiam “ficar iso- opção. Bin Laden esteve Somália Bagdad e Cabul, capital
A organizaçãoIndonésia
de Bin Laden
raf, o embaixador destacou lados, sem víveres, sem pe- lá em 1992 para fomen tar É pos sível, se con seguir che gar lá. A So má lia do Afeganistão sob con-
Quénia — a Al-Qaeda — terá aqui,Singapura
Uganda
a revolução islâmica é um “estado em colapso”, governado por um trolo dos taliban, têm-se
um “crescendo de populari- tróleo, sem gasolina”, para desde 1998, um dos seus
mas os sudaneses, executivo fraco e de transição que ainda só sucedido nos últimos
dade”: “Ganhou um prestí- além de “terem à perna a quartéis-generais. Descon-
Ruanda
provavelmente cansados controla de facto uma pequena parte do território. dois anos. Juntamente
gio grande neste país, é um Aliança do Norte [os com- Existe um nú me Seychelles
ro con siderá vel de clãs islâmi cos
fia-se que terá sido daqui
Burundi com Bin Laden, o Iraque
indivíduo cuja voz é acata- batentes antitaliban]”. aireda sua presença, convi- que partiu o ataque do ano
daram-no a sair em 1996. que con quis taram algu mas áreas aos senho res é também alvo do ódio
da pela maioria da popula- Apesar de considerar Tanzânia passado ao navio norte-
Foi então que partiu da guerra e alguns deles poderão acolhê-lo. dos Estados Unidos e da
ção, tem tentado resolver “não haver, para já, o risco -americano USS Cole,
para o Afeganistão, A guerrilha al-Ittihad pode ser outro aliado. família real saudita, pelo
graves problemas como o de uma guerra civil no Pa- estacionado ao largo
onde tem vivido Con tudo, não é um lo cal on de Bin La den que podia facilmente
combate à pobreza, o desen- quistão”, Alexandre Vassa- deste país
se consiga esconder facilmente. aliar-se ao terrorista
volvimento económico, con- lo tem preparado um plano
tactos com o FMI para ali- de evacuação da embaixa-
viar a dívida...” Quanto a da portuguesa, seguindo as
Caxemira, pretexto de uma orientações de vários par-

BIN LADEN
disputa violenta entre a Ín- ceiros ocidentais, nomeada-
dia e o Paquistão, Vassalo mente o Reino Unido. Come-
admite que “é o problema çou por dispensar dois dos
mais negativo”. cinco portugueses que tra-
O diplomata português re- balhavam na missão e tem
feriu como “muito feliz” o prevista uma saída terres-
discurso de Musharraf à tre pela Índia, caso a situa-
nação, quarta-feira à noite,
por “ter apaziguado a sim-
patia do fundamentalismo
islâmico”. No entanto, Ale-
xandre Vassalo sublinha
que não se pode subestimar
ção se complique. Além dos
nove jornalistas vindos de
Lisboa, e dos três funcioná-
rios da embaixada, vivem
em Carachi 40 portugueses,
com dupla nacionalidade,
AQUI, ALI E EM TODA A PARTE
a expressão do islamismo vindos de Goa em 1961.  Depois de ter sido “visto” há quase uma sua saída.” Uma fonte taliban afirma que Stephen Coates, da AFP, estende o le-
radical num país que “tem A.L.C., EM ISLAMABAD semana a abandonar Cabul, a cavalo, em “um relutante ‘mullah’ Omar aceitou o que de refúgios eventuais à Quirguízia,
SUPRI/REUTERS direcção a oeste, o homem mais procurado pedido de Bin Laden de sair antes da deci- Uzbequistão e Tajiquistão (“desestabili-
do mundo parece multiplicar-se em pelo são”, sublinhando que a opção de sair foi zados o ano passado por uma onda de
menos uma dezena de destinos possíveis, dele próprio, “tendo em conta as ameaças ataques nas fronteiras por parte de guer-
sem que haja algum dado seguro que per- do Governo americano”. rilhas apoiadas por Bin Laden”), ao Ira-
mita concluir sequer que já deixou o Afe- O correspondente do “The News” refere que (por causa das contínuas alegações
ganistão. ainda “fontes próximas de partidos reli- de conluio com o regime de Saddam Hus-
Das remotas regiões montanhosas da giosos”, segundo as quais “o Líbano e a sein, embora um “perito paquistanês”
Tchetchénia ao Líbano, do Iémen ao Ira- remota região montanhosa da Tchetché- fragilize essa hipótese, ao lembrar que
que, do Daguestão ao trio Tajiquistão, Uz- nia serão lugares possíveis onde Osama há dois anos os iraquianos lhe terão ofe-
bequistão e Quirguízia, vários cenários pode ter optado por ficar”. recido asilo e ele terá recusado) e, final-
do Médio Oriente e Ásia Central estão a Ainda segundo este jornalista do “The mente, ao Iémen (onde a sua Al-Qaeda
ser considerados como refúgio possível de News”, “um afegão próximo de Bin La- terá tido bases em 1998, antes dos aten-
Osama bin Laden, o homem que a Arábia den afirmou que o ‘xeque’ estava de boa tados contra as embaixadas americanas
Saudita tornou apátrida em 1994, que os saúde e rodeado pelos seus jovens árabes, no Quénia e na Tanzânia.
taliban abrigaram nos últimos anos e que que sacrificaram as suas vidas para o O Iémen tem ainda um ponto a favor (é
agora se tornou a presa da América. defender”. A mesma fonte acrescenta o cenário romântico): uma das senhoras
A edição de ontem do “The News”, um que “estes cultos e empenhados árabes Bin Laden será iemenita.
dos principais diários paquistaneses, tra- sabem de biologia, química e física nu- Além de todas estas especulações, os is-
zia na primeira página uma investigação clear e estão prontos a usar o seu conhe- lamistas paquistaneses têm defendido (ou
do correspondente em Peshawar, com um cimento para defender os muçulmanos procurado acreditar) que Bin Laden ainda
título categórico: “Bin Laden já saiu do de todo o mundo”. está e estará no Afeganistão. Quanto aos
Afeganistão”. O repórter Behroz Khan Reforçando a sua manchete, o corres- afegãos citados pelos jornais, talvez seja
cita fontes taliban e paquistanesas, am- pondente em Peshawar cita também um mais útil à causa taliban fazer acreditar
bas convergentes nessa tese: “Ele saiu de antigo ministro do Interior, Naseerullah que ele já saiu. Mas o contrário também
território afegão pelo menos quatro dias Babar, que confirma saber da saída de Bin seria argumentável...  Da nossa enviada
Para já, diz o embaixador, não há risco de guerra civil antes de os ‘ulema’ terem recomendado a Laden, há quatro dias, do Afeganistão. ALEXANDRA LUCAS COELHO, em Islamabad
D E S TA Q U E 5
PÚBLICO•SÁBADO, 22 SET 2001

SINEAD LYNCH/EPA

EUA empenhados
no derrube
dos taliban
REGRESSO DE REI EXILADO cujo dobre a finados parece es-
tar a começar.
PODE SER HIPÓTESE Rumsfeld recordou que não
vai haver cobertura mediáti-
Washington em ca dos preparativos para uma
guerra que poderá durar bem
contactos com os seus mais de cinco anos, mas é sa-
aliados europeus e com bido que os Estados Unidos co-
nações da Ásia Central; meçam mesmo a infiltrar-se
nas repúblicas da Ásia Central,
o objectivo é substituir com grande pesar da Rússia,
os taliban por uma que bem gostaria de as man-
administração interina ter sob a sua alçada, como nos
da ONU tempos da União Soviética.
Da estratégia para o Afe-
ganistão faz parte, segundo o
JORGE HEITOR “Guardian”, ajudar o regresso
ao poder do exilado rei Zahir
O Governo dos Estados Uni- Shah, de 86 anos, com o apoio
dos anda a pressionar cada vez da Aliança do Norte, grupo que
mais os seus aliados europeus até este mês teve como coman-
no sentido de concordarem dante operacional o malogrado
com uma campanha militar cabo-de-guerra Massoud, víti-
que derrube inexoravelmente ma de um atentado. Jack Straw: o ministro dos Negócios Estrangeiros do principal aliado dos EUA vai a Teerão
o regime afegão dos taliban e o A partir da sua base em Ro-

Chefe da diplomacia britânica


substitua por uma administra- ma, o soberano (no trono de
ção interina sob os auspícios 1933 a 1973) deverá vir a lan-
da ONU, noticiou ontem o jor- çar oportunamente um apelo
nal londrino “The Guardian“. a todas as tribos do país para
Despachos diplomáticos da que se ergam contra os taliban.
embaixada em Washington de
um país europeu, lidos por um
jornalista do “Guardian”, de-
monstram que os EUA preten-
Zahir Shah foi deposto pelo
seu cunhado Mohammad Daud
Khan, que proclamou a repú-
blica, forçando-o a abdicar e a
anuncia visita ao Irão
dem ouvir as opiniões dos seus ir para o exílio, há 28 anos.  PRIMEIRA DESLOCAÇÃO de encontrar pontos de sinto- los dois países. Mas a comple- Relações a nível
aliados sobre o que deverá ser o nia com Teerão, apesar das xa situação interna iraniana
Afeganistão depois de se correr DESDE 1979 fortes divisões internas sobre pode impedir o Presidente de
de embaixadores
com os taliban de Cabul. Mas Ex-soberano quer as perspectivas de uma “coo- apostar na cooperação, mes- desde 1998
também que já têm projectos Jack Straw em périplo peração limitada” com os Es- mo que limitada, com os EUA
muito próprios para o futuro
administração tados Unidos. e que poderia incluir apoio lo-
do estratégico país. transitória diplomático que O Irão condenou por diver- gístico ou utilização do espa- Prevista há muito, a visi-
Na terça-feira, um antigo mi- também inclui Israel, a sas vezes os ataques terro- ço aéreo numa acção militar ta do chefe da diploma-
nistro paquistanês dos Negó- Palestina e a Jordânia ristas nos EUA, mesmo sem contra o país vizinho. O Irão cia britânica ao Irão foi
cios Estrangeiros, Niaz Naik, O antigo rei do Afeganis- existirem relações diplomá- continua a rejeitar a “profa- adiada por duas ocasi-
contara à BBC ter sido infor- tão, Mohammad Zahir ticas entre os dois países. Wa- nação” do seu território, mas ões, em Maio e Julho de
mado em Julho — muito antes, Shah, que esteve no tro- PEDRO CALDEIRA RODRIGUES shington incluiu o país na admitiu multiplicar as con- 2000, pelo então minis-
portanto, dos atentados contra no de 1933 a 1973, apelou “lista negra” dos Estados que sultas diplomáticas para uma tro dos Negócios Estran-
Nova Iorque e Washington — quinta-feira à noite ao Na próxima semana, Jack apoiam o terrorismo. Mas os acção contra o terrorismo sob geiros Robin Cook, que
por altos-funcionários norte- seu povo para que cons- Straw vai ser o primeiro chefe iranianos também têm moti- a égide da ONU. Straw substituiu no Go-
americanos de que se prepara- titua uma assembleia da diplomacia britância a des- vos para se regozijar com o Para além da sua estratégi- verno trabalhista em Ju-
va para Outubro uma campa- formada por represen- locar-se a Teerão desde a re- fim do actual regime em Ca- ca posição geográfica, Teerão lho. Devia ser a retribui-
nha militar contra os taliban, a tantes de todos os gru- volução islâmica de 1979, uma bul. O Irão, com maioria de também influência a Alian- ção da deslocação do seu
partir de bases no Tajiquistão. pos étnicos e tribais. decisão que está a ser consi- população xiita (corrente do ça do Norte, os combatentes homólogo iraniano Ka-
Quinta-feira, o secretário A partir do exílio em Ro- derada como o reinício da re- Islão diferente da maioritá- anti-taliban que controlam mal Kharazi a Londres
americano da Defesa, Donald ma, o ex-soberano preco- aproximação entre a Grã-Bre- ria no Afeganistão, a sunita) cinco por cento do território em Janeiro do mesmo
Rumsfeld, dera a entender que nizou que a assembleia tanha e o Irão, na sequência tem denunciado as persegui- junto ao Tajiquistão, e não ano. O início da “norma-
os objectivos de Washington eleja um chefe de Estado dos mortíferos ataques de 11 ções dos taliban muçulma- é de excluir que os 15 mil lização” das relações re-
são muito mais vastos do que e estabeleça um governo de Setembro em Nova Iorque nos sunitas às populações homens da Aliança possam monta a Setembro de
a simples detenção de Osama de transição, “para o re- e Washington. “A visita inse- xiitas. ser utilizados como “tropa 1998, quando Teerão se
bin Laden, pois trata-se de gresso da paz”. Aparen- re-se numa deslocação ao Mé- O Presidente Mohammad de choque” terrestre após compromete a não apli-
“uma maratona e não de um temente em consonância dio Oriente que inclui Israel, Khatami, que corporiza a ala ser desencadeado o previsí- car a “fatwa” decretada
‘sprint’”. De um combate não com os desígnios dos Es- a Palestina e a Jordânia”, por- moderada do regime, poderá vel ataque norte-americano. por Khomeini em 1989
só militar mas também diplo- tados Unidos, Zahir menorizou ontem Straw em inclinar-se para uma rápida E esta “unidade na acção” que condenava à morte o
mático e político, que leve cada Shah, de 86 anos, afir- conferência de imprensa. reaproximação com a Euro- contribuiria sem dúvida pa- escritor britânico Sal-
vez mais longe a defesa dos in- mou que “a presença de Principal aliado ocidental pa ocidental e os EUA para ra reaproximar o Irão do an- man Rushdie pelo seu li-
teresses da América. terroristas impostos pe- dos Estados Unidos, esta visi- garantir um novo impulso à tigo “Grande Satã”. vro “Os Versículos Satâ-
O “Guardian“ noticiou que lo estrangeiro causou ta do chefe da diplomacia de economia, sem esquecer as re- Os iranianos também pre- nicos”, considerado uma
dois aviões de transporte Her- agitação e perigo para a Londres pode ser entendida lações privilegiadas que man- tendem terminar com a pres- blasfémia contra o Islão.
cules chegaram terça-feira a estabilidade do país e a como uma forma de avaliar tém com Moscovo. Mas o lí- são de centenas de milhares O Irão e o Reino Unido
Tasckent, capital do Uzbequis- paz na região“. a actual disposição dos diri- der supremo, o “ayatollah” de refugiados afegãos que se promoveram então os
tão, com equipamento de vigi- Historicamente, acres- gentes iranianos em colabo- Ali Khamenei, a face “radi- podem deslocar para as su- seus respectivos encar-
lância a instalar ao longo da centou, “a nação tem ac- rarem com a “grande coliga- cal” do poder, deverá opor-se as fronteiras, e ainda extrair regados de negócios a
fronteira setentrional do Afe- tuado com moderação e ção”, que se pretende muito a qualquer cooperação com dividendos de uma eventual embaixadores. Em Feve-
ganistão. E aqui, uma vez mais, tolerância, opondo-se ao alargada, nos eventuais ata- os Estados Unidos, sobretudo alteração da liderança polí- reiro deste ano, os “mu-
a BBC já mencionara nesse terrorismo, que é estra- ques militares contra o Afe- no ataque a outro país muçul- tica no Afeganistão, nomea- jahedines do povo”, que
mesmo dia a provável chegada nho às tradições afegãs”. ganistão. mano. damente para garantir uma se opõem ao regime de
de forças especiais americanas Posteriormente, um por- O responsável do Foreign De acordo com a Reuters, o maior influência da Ásia cen- Teerão, foram incluídos
ao Uzbequistão, Tajiquistão ou ta-voz do velho monarca Office não deixou de conside- primeiro-ministro britânico, tral. A missão de Straw pode entre as 21 organizações
Paquistão. esclareceu que Zahir rar “totalmente inaceitável” Tony Blair, telefonou a Kha- esclarecer em definitivo as consideradas “terroris-
Na transição do território Sha acredita que as Na- a resposta do líderes taliban tami do avião que o conduziu pretensões do Irão na região tas” por Londres e que
uzbeque para o afegão fica o ções Unidas poderão de- às exigências dos Estados aos EUA na tarde de quinta- actualmente mais tensa do começam a ser persegui-
aeródromo de Termez, a partir sempenhar um impor- Unidos — designadamente feira, e sugeriu o pleno “res- mundo, aproximá-lo do Oci- das no território do país.
do qual as forças especiais dos tante papel na eventual a entrega sem condições de tabelecimento das relações” dente e precipitar o desfecho O movimento de oposi-
Estados Unidos poderiam mui- convocação da assem- Osama bin Laden, principal após os atentados. Straw re- do longo conflito interno en- ção armado iraniano
to bem, a partir de agora, dar bleia de notáveis, a que suspeito de envolvimento no forçou a ideia ao referir que tre os “moderados” de Kha- acusa o Governo britâni-
livre curso às suas previstas em língua dari é dado o ataque de 11 de Setembro — os taliban “constituem uma tami e os “radicais” de Kha- co de ceder às pressões
operações contra os taliban, nome de Loya Jirga. e neste aspecto não deixará preocupação partilhada” pe- menei.  de Teerão.
6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SÁBADO, 22 SET 2001 G U E R R A AO T E R R O R I S M O A R E S P O S TA A M E R I C A N A

regime dos taliban que domina o

EUA atacam Afeganistão Afeganistão, se não obedecer “ime-


diatamente”. “Ao ajudá-los a come-
ter assassínios, o regime dos tali-
ban está a cometer assassínios”,

se este não entregar


disse Bush.
Fez exigências aos taliban: entre-
gar todos os dirigentes da Al Qaeda
escondidos no país, libertar todos
os estrangeiros que aprisionaram

“imediatamente” os terroristas GARY CAMERON/REUTERS


(há cidadãos dos EUA no grupo),
proteger os jornalistas estrangeiros
e os funcionários das organizações
de ajuda humanitária no território,
fechar “imediatamente e perma-
CONDIÇÃO NÃO NEGOCIÁVEL nentemente” os campos de treino
militar no Afeganistão e entregar
todos os terroristas às “autorida-
Em meia hora, George W. des devidas”. Finalmente, Bush exi-
Bush identificou o inimigo, ge que representantes dos EUA
entrem nos campos de treino dos
estendeu o ramo ao mundo terroristas para comprovar que fo-
islâmico, fez ameaças, ram fechados. “Estas exigências
consolou os americanos e não são negociáveis”.
definiu o papel dos Estados George W. Bush assumiu, no dis-
curso ao Congresso, muitos papéis.
Unidos no mundo Apresentou-se como um chefe mi-
litar: “Tenho uma mensagem para
ANA GOMES FERREIRA os militares. Preparem-se”. Como
Nova Iorque um Capitão América (enrolou fra-
ses em roupagem patriótica e pro-
A regra é simples. Quem não está meteu a segurança possível — não
com os Estados Unidos, está contra a total — aos americanos). Como
os Estados Unidos. Não foi exacta- um pai que, enquanto consola os
mente assim que o Presidente Geor- filhos pelos tempos de crise, pro-
ge W. Bush apresentou a equação. mete não deixar faltar comida na
Mas foi o que quis dizer. “Cada na- mesa: “Vamos adoptar todas as me-
ção da região tem agora uma decisão didas para fortalecer a economia
para tomar. Ou estão do nosso lado, da América e para pôr a nossa gen-
ou estão do lado dos terroristas. De te a trabalhar” (o desemprego vai
hoje em diante, qualquer nação que quase nos cinco por cento). Foi até
continue a albergar ou a apoiar o professor, ao explicar aos cidadãos
terrorismo será vista pelos EUA co- o que é ser árabe, ser muçulmano
mo um regime hostil”, disse Bush e ser fundamentalista islâmico (o
na quinta-feira à noite num discurso inimigo).
ao Congresso, em Washington. Se cometeu excessos nos 30 mi-
Foi a primeira vez que o Presiden- nutos em que falou, foi no final.
te dos EUA falou articuladamente Bush fez quinta-feira o seu primeiro discurso de estadista No tom em que definiu o papel dos
sobre a “guerra” contra o terroris- EUA no mundo, apresentando o pa-
mo internacional anunciada após ís como o salvador de um modo de
o ataque de 11 de Setembro no país. como advertia que seria demorada a sua carreira a merecer tal rótulo. opera a partir do Afeganistão. Bush vida: “Enquanto os Estados Unidos
Até quinta-feira, fizera declarações montagem da complexa operação. Foi directo a nomear o inimigo, o quer bin Laden e todos os membros da América estiverem determina-
desconexas, sem estratégia, em que Mas, na quinta-feira, fez um dis- milionário de origem saudita Osa- da sua rede, a Al Qaeda, que este- dos e fortes, a Idade do Terror não
tanto revelada ímpetos de vingança curso de estadista — o primeiro da ma bin Laden, terrorista que vive e jam neste país. E fará guerra ao começará.” I

Fragmentos do discurso de Bush


O INIMIGO As provas que reunimos apon- O ULTIMATO A nossa guerra ao terror co- mente por muitos milhões de americanos e bertação de um território e uma conclusão
tam todas para uma coligação de organiza- meça na al-Qaeda mas não acaba aí. Não ter- por ainda mais milhões em países que con- rápida. Não se assemelhará à guerra aérea
ções terroristas conhecida por al-Qaeda (…) minará enquanto cada grupo terrorista de tamos como amigos. O bem e a paz são os contra o Kosovo, há dois anos, onde não fo-
a al-Qaeda é para o terror o que a mafia é alcance internacional não seja encontrado, seus ensinamentos. E os que fazem o mal em ram usadas tropas terrestres e nem um único
para o crime (…) O [seu] objectivo é refazer neutralizado e destruído. nome de Alá blasfemam o nome de Alá. Os americano foi perdido em combate.
o mundo e impor as suas crenças radicais às (…) Eles são os herdeiros de todas as ideo- terroristas são traidores da sua própria fé, A nossa resposta envolve mais do que re-
pessoas de todo o lado. Os terroristas prati- logias assassinas do século XX. Ao sacrifica- tentando raptar o próprio Islão. O inimigo da taliações instantâneas e ataques isolados. Os
cam uma forma marginal de islamismo ex- rem vidas humanas em nome das suas visões América não são os nossos amigos muçulma- americanos não devem esperar uma batalha,
tremista que foi rejeitado pelos intelectuais radicais, ao abandonarem todos os valores nos. O nosso inimigo é a rede de terroristas mas uma campanha longa e sem precedentes.
muçulmanos e pela maior parte dos clérigos excepto o desejo de poder, seguem as pisadas e os governos que os apoiam. Vamos acabar com o dinheiro dos terroristas,
muçulmanos. do fascismo, nazismo e totalitarismo. vamos virá-los uns contra os outros e obrigá-
Uma franja desse movimento perverteu (…) Cada nação da região tem agora uma ALIADOS Esta não é apenas a batalha da los a fugir de um lado para o outro, até que
os ensinamentos pacíficos do Islão. Os co- decisão a tomar. Ou estão do nosso lado, ou América. O que está em causa não é apenas não haja mais refúgios. E perseguiremos as
mandos dos terroristas instruíram-nos estão do lado dos terroristas. De hoje em dian- a liberdade da América. Esta é a batalha do nações que ajudem ou sejam porto de abrigo
a matar cristãos e judeus, a matar todos te, qualquer nação que continue a albergar mundo, a batalha da civilização, a batalha de para os terroristas.
os americanos e a não fazer distinção en- ou apoiar o terrorismo será vista pelos EUA todos os que acreditam no progresso e no plu-
tre militares e civis, incluindo mulheres como um regime hostil. ralismo, na tolerância e na liberdade. Pedimos OS EUA Esta noite somos um país desperto
e crianças. Este grupo e o seu líder, uma a todas as nações que se juntem a nós. para o perigo e chamado a defender a liber-
pessoa chamada Osama bin Laden, estão li- AFEGANISTÃO No Afeganistão temos a Os Estados Unidos estão agradecidos às dade. A nossa dor tornou-se raiva e a raiva
gados a outras organizações em diferentes visão da al-Qaeda para o mundo. O povo do muitas nações e organizações internacionais tornou-se determinação. Ou traremos os nos-
países, incluindo a Jihad Islâmica egípcia Afeganistão foi brutalizado. Muitos morrem que já responderam com simpatia e apoio. sos inimigos à justiça, ou levaremos a justiça
e o Movimento Islâmico do Uzbequistão. de fome e muitos fugiram. As mulheres não Talvez a carta da NATO seja o que melhor aos nossos inimigos. A justiça será feita.
(…) são autorizadas a ir à escola. Pode ser-se preso expresse a atitude do mundo: um ataque a um (…) Será este país a definir como serão
Eles odeiam a nossa liberdade, a liberda- por se ter um televisor. Só se pode praticar a é um ataque a todos. O mundo civilizado está estes tempos. Enquanto os Estados Unidos
de religiosa, a liberdade de voto, a liberdade religião que os líderes querem. a correr para o lado da América. Entende que da América estiverem determinados e fortes,
de expressão, a liberdade de nos reunirmos Um homem pode ser preso se a sua barba se este terror não for punido, as suas cidades, a idade do terror não começará. Esta será
em assembleia e de discordarmos uns dos não for suficientemente comprida. Os Esta- os seus cidadãos podem ser os próximos. uma idade da liberdade, aqui e no resto do
outros. Querem derrubar governos em mui- dos Unidos respeitam o povo do Afeganistão. mundo. Foi-nos feito um grande mal. Sofre-
tos países muçulmanos, como no Egipto, Afinal, somos a sua actual maior fonte de REINO UNIDO A América não tem amigo mos uma pesada perda. E, na nossa dor e
na Arábia Saudita, na Jordânia. Querem ajuda humanitária. Mas condenamos o regi- mais verdadeiro do que o Reino Unido. Mais fúria, encontrámos a nossa missão e o nosso
expulsar Israel do Médio Oriente. Querem me dos taliban. Não está apenas a oprimir uma vez, estamos juntos pela mesma causa. momento.
expulsar os cristãos e os judeus de vastas o seu povo; está a ameaçar pessoas em todo Estou tão honrado por o primeiro-ministro A liberdade e o medo estão em guerra. O
regiões da Ásia e de África. (…) o lado ao patrocinar, abrigar e alimentar os [Tony Blair] britânico ter cruzado o oceano grande progresso da liberdade humana, o
Há milhares destes terroristas em mais de terroristas. para mostrar que está unido à América. Obri- maior feito do nosso tempo e a grande espe-
60 países. São recrutados nas suas próprias gado por ter vindo, amigo. rança de todos os tempos, depende agora de
nações e em países vizinhos, e levados para MUÇULMANOS Quero, esta noite, falar di- nós. A nossa nação, esta geração, eliminará
campos em lugares como o Afeganistão, onde rectamente aos muçulmanos em todo o mun- GUERRA Esta não será uma guerra como a ameaça negra da violência que paira sobre
são treinados nas tácticas do terror. do. Respeitamos a vossa fé. É praticada livre- contra o Iraque, há uma década, com a li- o nosso povo e o nosso futuro. I
D E S TA Q U E 7
PÚBLICO•SÁBADO, 22 SET 2001

Tom Rigde vai dirigir Reflexões sobre um mundo que mudou (III)
Segurança Interna O que é mais difícil
O Presidente dos Estados Unidos esco- los. Os serviços secretos disseram que o uando Samuel P. dade se nos lembrarmos, por
lheu um ex-militar, que é seu amigo ín-
timo, Tom Ridge, para dirigir um novo
gabinete, o Departamento da Segurança
do Território Nacional. Equivale a um
ministério e Ridge dependerá directa-
avião estava a caminho do Capitólio ou
da Casa Branca.
Tom Ridge combateu no Vietname.
Nos anos 80, opôs-se ao auxílio dos EUA
a El Salvador e aos contras da Nicarágua
Q Huntington escre-
veu o seu livro “O
Choque das Civili-
zações” não propôs
um caminho para o mundo,
exemplo, que foi em países is-
lâmicos que foram acolhidos
muitos dos judeus que Por-
tugal e Espanha expulsaram
nos séculos XV e XVI.
mente do chefe de Estado. e defendeu o “congelamento” do inves- antes tentou mostrar que as O problema não é religioso,
Tom Ridge é o governador da Pensil- timento em armas nucleares. É um con- clivagens pós-guerra fria po- JOSÉ MANUEL e por isso também foram im-
vânia, posição que abandona no início servador moderado nas questões sociais, diam ter uma natureza bem FERNANDES portantes as palavras que on-
de Outubro. Republicano de 56 anos, vai defendendo o aborto em determinadas diferente das clivagens ideo- EDITORIAL tem o Presidente norte-ameri-
dirigir as operações antiterrorismo den- circunstâncias. Recentemente, defendeu lógicas que haviam marcado o cano, George W. Bush, dirigiu
tro dos EUA, gerindo um gabinete equi- a redução das forças dos EUA estaciona- século XX. Huntington falou- aos muçulmanos de todo o
valente a um Ministério do Interior. “La- das na Europa e na Ásia. Em 1982 foi elei- nos das diferentes culturas, no fundo, das di- mundo e aos “muitos milhões de muçulmanos
mento que este cargo seja necessário. to para o Congresso, onde esteve 12 anos. ferentes civilizações que as clivagens do século da América”.
Mas é. E estou honrado por servir o meu Quando se candidatou à presidência, Ge- XIX e XX tinham esbatido e que neste novo
país”, disse Ridge após a nomeação, feita orge W. Bush levantou a hipótese de con- século se preparavam não apenas para convi- SENDO ASSIM, PORQUE FALAMOS ENTÃO
por George W. Bush quinta-feira à noite, vidar Ridge para seu vice-presidente. ver, mas também para combater. do risco de um “choque de civilizações”? Em
durante o discurso no Congresso. Ridge irá criar um centro de opera- O mundo descrito por Huntington não é um primeiro lugar, porque esse é o objectivo con-
Ridge e Bush tornaram-se amigos em ções, e uma estratégia, para limpar mundo bonito — mas o choque de que fala re- fesso dos autores dos atentados de Nova Iorque
1988, ao trabalharem juntos na campa- os Estados Unidos do terrorismo — presenta o maior risco que hoje todos enfren- e Washington.
nha presidencial de George H. Bush, pai Bush disse que a teia do terrorismo tamos. O ensaísta norte-americano enganou- O que eles desejam — e o que praticam, sem-
do actual Presidente. A escolha de Ridge internacional toca 60 países, e os EUA se na data e no local do atentado que poderia pre que têm acesso ao poder — é uma teocracia
tem um lado simbólico — um dos aviões são um deles. Vai coordenar, com as inaugurar a nova guerra — disse que podia universal regida por regras que recusam toda
desviados pelos terroristas no dia 11 de agências de serviços secretos, o pla- ser apenas em 2010 e que a cidade destruída a modernidade e não toleram a diferença, o
Setembro despenhou-se na Pensilvânia, no de segurança traçado por Bush no pelo terrorismo islamista, então já possuidor pluralismo e os direitos individuais. É esse
porque os passageiros, sabendo que os discurso — até aqui, foi o ministro da da bomba nuclear, seria Marselha e não Nova modelo de mundo que opõem à “corrupção”
raptores pretendiam atacar um edifí- Justiça, John Ashcroft, quem assumiu Iorque. Mas isso é, reconheçamos, um detalhe. ocidental, ao nosso estilo de vida e às nossas
cio com o aparelho, decidiram enfrentá- esse papel.  A.G.F., EM NOVA IORQUE O importante é recordar que se cumpriu o sociedades.
essencial da sua negra previsão: que os “tre- Não haveria nesse programa risco subs-
mores de terra” mais perigosos iam ocorrer tancial não se desse o caso de as sociedades
nos limites e tendo como foco o único bloco islâmicas estarem disponíveis para escutar as
OS ÁRABES ESCANDALIZADOS civilizacional em expansão, o islamista. palavras dos radicais — por razões históricas
Se olharmos para a actual crise à luz desta (acreditam poder reviver a glória dos seus
análise, então o ataque às torres gémeas pode tempos áureos, antes de séculos de derrotas e
PELA “CRUZADA” ser muito mais parecido, no seu significado, humilhações), por razões culturais (são socie-
a Sarajevo 1914 do que a Pearl Harbour 1940. dades que nunca valorizaram os direitos dos
O atentado de Sarajevo em 1914 deu origem à indivíduos e sempre veneraram um poder
Uma “cruzada” para libertar o mundo tos sauditas falsificados, sendo dois de- I Guerra Mundial e marcou superior), por razões so-
das forças do mal foi como o Presidente les, Walid as-Shehri e Walil as-Shehri, o início de uma nova era — ciais (a explosão demográ-
dos Estados Unidos, George W. Bush, possivelmente os filhos de um diploma- uma era que, nas décadas se- Os terroristas gostariam fica acentuou as situações
denominou a nova guerra contra o ter- ta saudita que tinha estado anterior- guintes, aproximar-se-ia de que este conflito fosse, de pobreza relativa) e por
rorismo. Uma escolha de vocabulário mente em serviço em Washington. Se- uma nova idade das trevas. razões políticas (nenhum
muito pouco feliz. A referência às or- gundo informações divulgadas pelos Ao atentado de Sarajevo
mais do que um choque destes países é uma demo-
dens de cavaleiros da Idade Média que “media” sauditas, o pai trabalha actu- reagiu na altura um impé- de civilizações, uma cracia laica).
se atiraram sobre o mundo árabe em almente na Índia e já renegou os filhos rio relativamente benigno, o guerra de religiões. Evitar Por isso é-lhes indiferen-
nome do cristianismo desencadeia as- há muito tempo. austro-húngaro, com uma de- te que as últimas batalhas
sociações de ideias um tanto ou quanto Os americanos precisam da coopera- claração de guerra que, con-
que o consigam é a nossa em que o Ocidente, e a NATO
desagradáveis. ção da segurança saudita. Mas esta já tra a expectativa dos estadis- tarefa mais difícil, o que em particular, se envolveu te-
Esta escolha de vocabulário não muito cometeu graves erros no passado. Por tas da época, não foi curta torna esta guerra mais nham sido para acabar com
subtil é um símbolo do difícil relaciona- exemplo, depois dos atentados à bomba nem fácil, antes mergulhou urgente e mais complexa o sofrimento de dois povos
mento americano-árabe, agora que se es- de 1995 a um edifício em Riad, em que a Europa inteira numa san- muçulmanos, na Bósnia e no
tá a forjar por todo o mundo uma cinco americanos perderam a gueira interminável. Kosovo. Por isso estão dispo-
coligação antiterrorismo. Mas os vida. Os agentes do FBI já não Por isso, quando olhamos para as opções níveis para escutar o discurso dos que dizem
EUA necessitam precisamente Análise chegaram a tempo de presenciar que temos pela frente, convém recordar a lição que o objectivo último do Ocidente não é acabar
da ajuda desses Estados árabes o julgamento. As autoridades já de 1914 — e compreender que um “choque de com o terrorismo, mas acabar com o Islão.
se quiserem efectivamente lutar tinham mandado decapitar os civilizações” não é inevitável, mas o maior A existência desta multiplicidade de facto-
contra Bin Laden e a sua rede. Embora cinco presumíveis autores do crime. risco que corremos. res torna muito difícil construir uma coliga-
a maioria destes Estados tenham anun- Não só a Arábia Saudita, mas também ção internacional que conte não apenas com o
ciado a sua cooperação com a Adminis- outros Estados que mantêm um relacio- QUANDO TERMINOU A GUERRA CIVIL apoio de governos de países muçulmanos, mas
tração Bush, o que se deve depreender namento amigável com os EUA, como americana, o Presidente Lincoln dirigiu-se aos também das suas opiniões públicas. Muitos
daí concretamente está neste momento o Egipto ou a Jordânia, lançam actual- seus concidadãos para lhes dizer: “Recordem- desses países são ditaduras, mas fazer deles
a ser negociado em todas as frentes. mente um olhar céptico a Washington, já se, eles rezam ao mesmo Deus.” Referia-se ao democracias está longe de ser uma tarefa de
Quando a cooperação se tiver que en- para não falar de Estados como a Síria, o Deus dos cristãos, é certo, mas que é também o sucesso imediato — para além dos riscos de
cher de conteúdo, o dilema dos regimes Sudão ou a Líbia. Todos os países árabes Deus dos judeus e dos muçulmanos. Isso mes- curto prazo que envolve, como se viu na des-
árabes tornar-se-á evidente. A Arábia condenaram os atentados nos EUA, com mo lembrou D. José Policarpo, na mensagem graçada experiência argelina.
Saudita é um exemplo típico dos sala- excepção do Iraque. que o PÚBLICO ontem transcrevia: “O Deus Isto para além de que há o risco de impor-
maleques com que o mundo árabe trata Agora estão todos em posição de aler- único em Quem todos acreditamos não pode tarmos alguns desses conflitos para o interior
as questões relacionadas com os EUA. ta, à espera da reacção militar de Wa- ser fundamento para meios violentos, na luta dos nossos países, onde mesmo a adesão de
Tenta-se pôr dentro do mesmo saco os shington. A conclusão comum a todos por causas, porventura justas.” O Deus único largas comunidades muçulmanas ao estilo
interesses dos aliados com uma oposição os regimes árabes é sempre a mesma. de Abraão. de vida ocidental não impede que por aqui se
interna própria, contra aqueles mesmos Em primeiro lugar, os EUA devem fina- Num tempo em que o risco maior é o acen- ramifiquem os braços do polvo.
parceiros da aliança. O mesmo serve para lizar os inquéritos em curso e apresen- der de paixões religiosas, ter a coragem de Mesmo assim, o maior risco vem da inacção:
países como o Egipto ou a Jordânia. tar provas sensatas e depois reagir com lembrar que o Deus de cristãos e muçulmanos ela seria interpretada como uma rendição.
Dentro da Arábia Saudita, Bin Laden prudência. Não convém haver precipi- é o mesmo é importante. Ajuda a colocar a
tem algum apoio por ter exigido que tações, aconselhou o Presidente egípcio, discussão não no domínio das religiões — que LEVAR A CABO ESTA GUERRA QUE NÃO
as tropas norte-americanas fossem ba- Hosni Mubarak, na segunda-feira, nas é o domínio para onde desejam conduzi-la os declarámos mas que nos foi declarada, perse-
nidas dos Estados islâmicos da Terra entrevistas que deu às estações televisi- extremistas — mas no domínio das ideias que guir e isolar os criminosos, isolar e combater
Santa. Muitos sauditas associaram-se, vas norte-americanas CNN e NBC e à se escondem por detrás das religiões. os Estados que apoiam o terrorismo, realizar
em nome pessoal, à opinião de Bin La- britânica BBC. Nada autoriza, no Islão ou no seu livro sa- um esforço que terá de ser o contrário de uma
den, de que se devia pôr fim à presença Ao mesmo tempo, o lado árabe vai grado, a leitura radical e intolerante que de- mera retaliação, vai implicar um empenha-
de cerca de 20 mil soldados que se en- chamando a atenção para o facto de que le fazem os fundamentalistas taliban ou os mento global e não apenas dos Estados Unidos.
contram estacionados no Golfo Pérsico as coisas seriam mais fáceis com a coo- homens de Bin Laden — como nada autoriza Mas temos de travá-la já para evitar que a
desde a guerra de 1991 contra Saddam peração antiterrorismo se não houvesse ou autorizava, no cristianismo e no seu livro escalada desejada pelos radicais a transfor-
Hussein. o conflito israelo-palestiniano. Não se sagrado, as leituras criminosas que dele foram me naquilo que realmente não desejamos e
pode pedir aos árabes uma colaboração feitas ao longo da História. O Sheik Munir, imã vai contra os nossos valores: mais do que um
A conexão saudita incondicional e ao mesmo tempo dar da mesquita de Lisboa, é pertinente quando choque de civilizações, ser uma guerra de
A monarquia saudita encontra-se numa liberdade aos israelitas para atacarem a defende (PÚBLICO de ontem) que “o Islão é religiões. Temos também de travá-la em nome
situação difícil. Segundo informações Intifada palestiniana. Uma mensagem a paz, a tolerância, a religião do respeito e dos que, dentro do Islão, a travam já de modo
do FBI, 14 dos 19 presumíveis seques- que possivelmente terá sido compreen- do diálogo” — e nós sabemos como isso é ver- isolado, difícil e perigoso. 
tradores tinham ligações com a Arábia dida agora em Washington.  KARIM EL-
Saudita. A maioria possuía documen- GAWHARY, NO CAIRO
8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SÁBADO, 22 SET 2001 G U E R R A A O T E R R O R I S M O N A E U R O PA E N O M U N D O
YVES HERMAN/REUTERS

JOSÉ VÍTOR MALHEIROS


COMENTÁRIO

O discurso de Bush

Â
nimo, firmeza, determinação, pondera-
ção, sentido estratégico, mensagens para
o público interno e para o mundo, abra-
ços aos aliados, avisos aos terroristas,
mensagens para os muçulmanos, distinção entre
o povo afegão e o regime taliban — o discurso de
Bush perante o Congresso teve tudo o que devia ter,
com um texto no tom e na medida certa, e reconfor-
tou todos aqueles que sabem que a existência nos
Estados Unidos de uma liderança determinada mas
ponderada, inteligente e conhecedora, apostada na
cooperação internacional e não no isolacionismo, é
algo indispensável para nos separar do caos.
A linguagem corporal de Bush continua a não
ser adequada, a inflexão da sua voz não tem a devi-
da convicção e até põe alguma ênfase nos lugares
errados, as suas sobrancelhas continuam em acento
circunflexo como um mau actor que quer mostrar-se
“cool”, o seu olhar continua a não ter a segurança que
se espera de um líder confrontado com uma crise da
actual dimensão (Bush não olha a câmara nos olhos,
o que é fundamental para falar com os americanos, o Guterres (com Jospin, à esquerda, Fontaine e Chirac, à direita): “O testemunho americano” sobre Bin Laden “é verdadeiro”
mundo e os terroristas), mas o essencial estava lá.
Foi um texto claro, com a dose certa de senti-
mento, com coerência política, bem estruturado,
com objectivos definidos, com uma noção de longo
prazo (“Como é que vamos combater e ganhar esta
guerra? Dedicaremos todos os recursos ao nosso
UE dá luz verde a resposta militar
alcance, todos os meios da
diplomacia, todas as ferra-
mentas da informação, to-
A perspectiva dos os instrumentos da
ao ataque à América
lei, todas as influências fi-
de Colin Powell nanceiras e todas as ne- Líderes dos Quinze da-feira, visitar várias capitais do Tendo o cuidado de nunca men- bém desenvolver um programa de
afirmam ter indícios Médio Oriente — Cairo, Amã, Da- cionar a palavra “militar”, os lí- ajuda económica aos refugiados
é tão evidente cessárias armas de guer- masco, Riad e Teerão. Islamabad, deres afirmam assim que “com afegãos que fogem do Afeganistão.
ra para desfazer e derrotar
sobre a responsabilidade capital do Paquistão, não foi men- base na resolução 1368 das Nações A cimeira adoptou igualmente um
no discurso de Osama bin Laden;
a rede global de terror”); cionada nesta lista. Questionado Unidas [que reconhece o direito plano de acção contra o terrorismo
que poderia com uma ideia de justiça, União lançou também por um jornalista paquistanês a es- à legítima defesa], uma resposta que marca o seu acordo político pa-
ter sido ele com uma correcta identi-
iniciativa para o conflito te respeito, Louis Michel explicou americana é legítima. Cada um ra a harmonização das legislações
ficação dos inimigos (“Os que Islamabad não está excluída dos países-membros da União es- nacionais dos Quinze na matéria
a escrevê-lo Estados Unidos respeitam israelo-palestiniano do itinerário da missão europeia, tá pronto a, segundo os seus pró- e que inclui, igualmente, a instau-
o povo do Afeganistão mas mas ainda não está definido se po- prios meios, empenhar-se nessas ração de medidas de combate às
condenam o regime Tali- ISABEL ARRIAGA E CUNHA derá ser encaixada no itinerário. acções”. Ao mesmo tempo, frisam suas fontes de financiamento.
ban”, “o povo afegão tem sido brutalizado, muitos Bruxelas O objectivo desta missão, se- que as “acções” de resposta pode- Em causa está, nomeadamen-
morrem de fome e muitos fugiram, as mulheres gundo Verhofstadt, é “tranquilizar rão ser “igualmente dirigidas con- te, a luz verde sem reservas dos
não podem ir à escola. Pode-se ser preso por ter Os líderes da União Europeia (UE) as duas partes e eliminar dificul- tra os Estados que ajudem, apoiem Quinze para a criação de um man-
um televisor”); com as mensagens certas para consideraram ontem “legítima” dades na busca de uma solução ou alberguem terroristas”. dado de captura europeu para os
os muçulmanos (“Os terroristas praticam uma uma resposta militar dos Estados pacífica; para criar um clima de Mas têm igualmente o cuidado crimes ligados à grande crimina-
versão marginal de extremismo islâmico que foi Unidos aos atentados terroristas segurança, esta viagem é absolu- de sublinhar os limites destas ac- lidade organizada — que acabará
rejeitado pelos eruditos muçulmanos e pela vasta de 11 de Setembro e afirmaram tamente necessária”. Verhofstadt ções, que terão assim de ser “di- com os processos de extradição
maioria dos teólogos muçulmanos — são movi- que cada um dos seus países está sublinhou que este processo vem reccionadas” para alvos precisos, entre os Estados-membros —, a
mentos marginais que pervertem os ensinamentos pronto a empenhar-se nessas ac- no quadro de uma “concertação ou seja, não poderão ser indiscri- par da definição comum em todos
pacíficos do Islão”) e até com as mensagens certas ções “segundo os seus meios”. reforçada com EUA, Rússia e ou- minadas. Ou, como frisou Nicole os países do crime de terrorismo
para os terroristas. Assumida durante uma cimeira tros actores interessados”. Fontaine, presidente do Parlamen- e das penas mínimas aplicáveis.
A perspectiva de Colin Powell é tão evidente no realizada de emergência ontem to Europeu, “os Estados Unidos Enquanto os ministros da Justiça
discurso que poderia ter sido ele a escrevê-lo. E foi à noite, em Bruxelas, para anali- “Testemunho verdadeiro” têm o direito de se defenderem, e Administração Interna expres-
curioso ver, durante a intervenção presidencial, sar as consequências políticas e A abertura dos líderes face à re- mas não nos podemos enganar no saram algumas hesitações quanto
pontuada com aplausos entusiásticos de ambas as económicas dos atentados, esta é a taliação americana, muito mais alvo: matar inocentes para vingar a estas medidas na quinta-feira,
câmaras a cada minuto, que Colin Powell se limitava, primeira vez que os Quinze assu- vigorosa do que estava previsto no outros inocentes é uma solução os líderes encerraram o debate e
nos parágrafos-chave, a um quase imperceptível mem uma posição clara sobre uma início, parece resultar da convic- que ninguém quer”. ordenaram-lhes que definam as
assentimento satisfeito, como se algum pudor o im- resposta militar. Para trás ficaram ção crescente sobre a responsabi- suas modalidades concretas até
pedisse de acenar vigorosamente em sintonia com as hesitações que marcaram du- lidade de Osama bin Laden nos Sintonia com Moscovo ao início de Dezembro.
o discurso. rante vários anos as suas discus- atentados. Esta convicção parece, Aliás, e perante a iminência da Igual firmeza foi assumida face
Do ponto de vista formal, o discurso possui sufi- sões sobre o tipo de acção a assu- por seu lado, ter resultado dos re- resposta americana, os Quinze fi- à necessidade de acabar com as
cientes grandes tiradas para ocupar a posição que mir nos conflitos da ex-Jugoslávia, latos feitos aos seus parceiros por zeram questão de sublinhar que fontes de financiamento do terro-
a História lhe poderá reservar e nem lhe falta a defi- devido nomeadamente à neutra- Tony Blair, primeiro-ministro bri- rejeitam “solenemente qualquer rismo, nomeadamente através da
nição de um objectivo quase inalcançável: “A nossa lidade militar de quatro dos seus tânico, e Jacques Chirac, Presi- amálgama entre os grupos de ter- ameaça de aplicação de sanções
guerra contra o terror começa com a Al-Qaeda mas membros, e que os levou a passar dente francês, sobre as discussões roristas fanáticos e o mundo ára- contra os paraísos fiscais pouco
não acaba aí. Ela não acabará enquanto todos os sistematicamente a bola à NATO. que mantiveram esta semana com be e muçulmano”, de modo a su- cooperantes na luta contra o bran-
grupos terroristas de acção global não forem locali- Ao mesmo tempo, os chefes dos George W. Bush, em Washington. blinhar que a guerra é contra o queamento de capitais.
zados, detidos e derrotados”. governos anunciaram uma inicia- “Os americanos adquiriram terrorismo. E apelaram, assim, a Outras medidas incluem a de-
É evidente que não houve referências à situação tiva sobre o conflito israelo-pales- uma certeza sobre o papel da or- uma “coligação tão global quanto finição de listas de organizações
do Médio Oriente em geral nem às posições aí defen- tiniano, de modo a conseguir “um ganização do senhor Bin Laden”, possível contra o terrorismo sob a terroristas, e o reforço das medi-
didas pelos EUA. Mas o facto de não ter havido uma entendimento duradouro com ba- afirmou ontem Chirac. “Os nossos égide das Nações Unidas”, convi- das de segurança aérea. Os líderes
única frase no discurso capaz de lançar gasolina na se nas resoluções das Nações Uni- próprios serviços em França e na dando os países de Leste candida- fizeram igualmente questão de
fogueira deve ser visto, em si, como positivo. das”, afirmou Guy Verhofstadt, UE não têm a certeza absoluta mas tos à adesão, os “parceiros árabes enviar uma mensagem de encora-
Quem as palavras de Bush não terá conseguido primeiro-ministro da Bélgica e pre- tudo converge para a confirmação e muçulmanos” e a Rússia a parti- jamento sobre os efeitos negativos
cativar terão sido alguns cronistas portugueses mais sidente em exercício da UE. dessa ideia”, acrescentou. cipar nela. Verhofstadt sublinhou dos atentados para a economia
marciais, que teriam certamente apreciado ordens A missão de alto nível da UE, “Não temos dúvidas de que o tes- que as tomadas de posição da ci- europeia e mundial, consideran-
de contra-os-canhões-marchar-marchar, já e em for- presidida por Louis Michel (mi- temunho que é dado pelos ameri- meira estão “totalmente na mes- do que existem boas razões para
ça, e menos rodriguinhos com os sentimentos dos nistro belga dos Negócios Estran- canos a esse respeito é verdadeiro”, ma linha” que as assumidas por acreditar que as dificuldades do
muçulmanos. Mas felizmente que não foi um desses geiros) e Javier Solana (chefe de corroborou o primeiro-ministro Moscovo. momento poderão ser brevemen-
que escreveu o discurso de Bush.  diplomacia) irá, a partir de segun- português, António Guterres. Os líderes da UE decidiram tam- te ultrapassadas. 
D E S TA Q U E 9
PÚBLICO•SÁBADO, 22 SET 2001

ODD ANDERSEN/EPA

TERCEIRO RAIDE
AÉREO SOBRE Unidos contra
O IRAQUE
NUMA SEMANA
o terrorismo
Os terroristas As Nações
que atacaram Unidas estão
Conservadores norte- os Estados Uni- numa posição
americanos pedem dos a 11 de Se- inigualável pa-
a Bush para ir atrás tembro tinham ra promover
como objectivo esse esforço.
de Saddam Hussein uma nação mas Constituem o
feriram o mun- fórum necessá-
CARLOS MARTINHO do inteiro. Mui-
A OPINIÃO DE rio para formar
to poucas vezes, K OFI A NNAN uma coligação
Aviões americanos e britâni- talvez mesmo universal e po-
cos atacaram ontem sistemas nunca, o mundo esteve tão uni- dem fornecer um enquadra-
de defesa antiaérea na zona do como nesse dia terrível. Foi mento jurídico às medidas que
de exclusão do Sul do Iraque, uma unidade nascida do hor- têm de ser tomadas para er-
em resposta às “novas amea- ror, do medo, da indignação radicar o terrorismo, nomea-
ças” aos aparelhos da coliga- e da profunda solidariedade damente a extradição e julga-
ção internacional que ga- As tréguas nos territórios ocupados têm sido perturbadas por actos esporádicos de violência com o povo dos Estados Uni- mento dos perpetradores, bem
rante o respeito por aquela dos. Essa unidade também se como a eliminação do bran-
zona de exclusão, anunciou deveu ao facto de no World queamento de capitais. É pre-
ontem em comunicado o Mi-
nistério da Defesa britânico.
“As novas ameaças na zona
de exclusão aérea do Sul do
Activistas palestinianos Trade Center trabalharem ho- ciso que estas convenções se-
mens e mulheres de todas as jam plenamente aplicadas.
crenças e de mais de 60 nações. No entanto, para esta res-
Tratou-se verdadeiramente de posta é essencial que a unida-
Iraque tornaram necessária
uma operação defensiva hoje
(ontem) de manhã”, adianta
ainda o ministério.
detidos por Israel um ataque a toda a humanida- de mundial de 11 de Setembro
de e toda a humanidade tem se fortaleça e não se quebre.
interesse em derrotar as for- Se bem que o mundo deva re-
ças que estão por detrás dele. conhecer que há inimigos co-
“Esta acção não tem nenhu- Dois elementos da madilhadas num parque de Quinta-feira, reunida em Quando os Estados Unidos muns a todas as sociedades,
ma ligação com as atrocidades FPLP-CG são acusados estacionamento existente no Ramallah, a AP acusara Isra- decidirem as medidas que irão deve compreender igualmen-
cometidas na semana passada subsolo do edifício, em cujo el de estar a sabotar o cessar- tomar em defesa dos seus ci- te que esses inimigos não se
nos Estados Unidos, e apenas
de querer atacar um centro comercial teriam aliás fogo proclamado no dia 18 por dadãos e quando todo o mun- definem nunca pela sua ori-
reflecte as ameaças perma- arranha-céus em chegado a trabalhar. Arafat; e pedira ao Estado ju- do compreender bem as re- gem religiosa ou nacional. Ne-
nentes do regime iraquiano à Telavive daico que levante o bloqueio percussões mundiais desta nhum povo, nenhuma região
nossa missão de vigilância hu- Sharon bloqueia encon- dos territórios palestinianos calamidade, a unidade de 11 de e nenhuma religião devem ser
manitária”, concluiu o comu- tro Peres-Arafat ocupados. Seis dos 14 minis- Setembro será invocada e pos- condenados, atacados ou vi-
nicado do Ministério da Defe- Dois elementos da Frente Po- Esta denúncia das intenções tros presentes quinta-feira à ta à prova. Expressei ao Pre- sados devido aos actos inqua-
sa, que classificou a operação pular de Libertação da Pales- terroristas da FPLP-CG coin- noite numa reunião do con- sidente George W. Bush e ao lificáveis de uns indivíduos.
como “defensiva”. Este é o ter- tina-Comando Geral (FPLP- cidiu com a rejeição pelo pri- selho de segurança de Sha- Presidente da Câmara Rudol- Como disse o presidente da
ceiro raide no Sul do Iraque CG), de Ahmed Jibril, foram meiro-ministro israelita, Ariel ron manifestaram-se contra ph Giuliani — e aos nova-ior- câmara Giuliani, “é exacta-
depois dos atentados do dia detidos há um mês por Israel Sharon, das propostas da ala a ideia de qualquer encontro quinos, nos serviços religiosos mente contra isso que lutamos
11 de Setembro nos Estados e acusados de terem projec- ultra-nacionalista do seu go- com o presidente da AP, mas celebrados em igrejas, sinago- aqui”. Ele e o Presidente Bush
Unidos — houve um raide na tado a destruição de um arra- verno no sentido de não autori- Peres sublinhou que os pales- gas e mesquitas — a total soli- demonstraram uma admirá-
terça e outro na quinta-feira, nha-céus de Telavive, indica- zar o previsto encontro entre o tinianos estão a fazer esforços dariedade das Nações Unidas vel liderança, ao condenarem
e todos foram realizados con- ram ontem fontes militares ministro dos Negócios Estran- para reduzir a violência. com os Estados Unidos e o seu os ataques aos muçulmanos
tra as posições de artilharia citadas pela AFP. geiros, Shimon Peres, e o pre- O chefe da diplomacia is- povo, nesta hora de dor. Em nos Estados Unidos, e outros
antiaérea iraquiana perto de Mahmoud Salim Jibril e sidente da Autoridade Palesti- raelita declarou ontem que o menos de 48 horas, o Conse- dirigentes fizeram o mesmo.
Bassorá, no Sul do Iraque. Rami Fawzi Bensaíd, natu- niana (AP), Yasser Arafat. país tem um dever moral de lho de Segurança e a Assem- Agir de outro modo e permi-
Também ontem, conserva- rais de um campo de refugia- Sharon continua a dizer ajudar os Estados Unidos a bleia Geral juntaram-se a mim tir que as divisões entre as so-
dores norte-americanos da li- dos perto de Naplus, no Norte que não é, em princípio, con- constituir uma grande coli- para condenar os ataques e ciedades e no seio delas sejam
nha dura afirmaram que Ge- da Cisjordânia, foram detidos tra tal reunião, mas que a gação internacional, devendo votaram no sentido de apoiar exacerbadas por esses actos
orge W. Bush deve usar a sua ao regressar da Síria e acusa- mesma só se deverá concre- para isso abrandar as tensões as medidas que se venham a seria trabalhar a favor dos ter-
“guerra contra o terrorismo” dos de terem frequentado um tizar depois de um mínimo com os palestinianos. Peres adoptar contra os responsá- roristas, e ninguém pode dese-
para perseguir o Presidente treino militar para cometer de 48 horas consecutivas sem já conferenciou quinta-feira veis e contra os Estados que os jar tal resultado.
do Iraque, Saddam Hussein, e atentados. Um dos seus objec- qualquer acto de violência. O com o negociador palestinia- ajudam, apoiam ou protegem. Hoje, o terrorismo ameaça
assim acabar o trabalho que tivos seria a destruição da tor- primeiro-ministro referiu-se no Saeb Erakat e com o presi- Que ninguém ponha em dúvi- todas as sociedades e todos
Bush pai iniciou há dez anos, re Azriéli, de 49 andares, onde ontem a Arafat como um “ter- dente do conselho legislativo da essa solidariedade. os povos e, no momento em
na Guerra do Golfo. Entre funcionam escritórios e um rorista“, mas acrescentou es- palestiniano, Ahmad Qorei. Também ninguém deve du- que o mundo toma medidas
estes conservadores estará o importante centro comercial, perar que as duas partes ini- O ministro britânico dos vidar de que o mundo inteiro contra os seus autores, foi-
subsecretário de Estado Paul perto do quartel-general do ciem conversações durante Negócios Estrangeiros, Jack está determinado a lutar con- nos recordada a todos a ne-
Wolfowitz, que no passado de- Exército israelita. a próxima semana, de modo Straw, visita na próxima se- tra este flagelo, durante todo o cessidade de enfrentar toda
fendeu, em conjunto com o Segundo a acusação, de- a transformar o cessar-fogo mana Israel, os territórios pa- tempo que seja necessário. Na a série de condições que per-
actual secretário da Defesa, veriam colocar viaturas ar- numas tréguas duradoiras. lestinianos e a Jordânia. I realidade, a resposta mundial mitem o crescimento desse
Donald Rumsfeld, uma acção mais eloquente que foi dada ódio e dessa depravação. Te-
militar contra o Iraque para até agora aos ataques da sema- mos de opor-nos à violência,
destronar Saddam Hussein
do poder iraquiano.
No entanto, a mesma fonte
Manila quer coligação regional na passada foi o compromisso, ao fanatismo e ao ódio. As
assumido pelos Estados de to- Nações Unidas devem pros-
das as crenças e todas as regi- seguir o seu trabalho, ao mes-
referiu também que Rumsfeld ões, de actuarem com firmeza mo tempo que combatemos
se juntou ao vice-presidente O Conselho de Segurança ria de uma cruzada contra o embora o primeiro-ministro, contra o terrorismo. os males do nosso tempo —
Dick Cheney e ao secretário Nacional das Filipinas pro- islão. Ao abrigo da proposta, Mahatir Mohamad, recorra Num momento como este, o conflito, a ignorância, a po-
de Estado Colin Powell na lu- pôs uma coligação trilateral os três países partilhariam ao perigo islamista por mo- o mundo define-se não só afir- breza e a doença. Ao fazê-lo,
ta contra o terrorismo, e cen- contra o terrorismo, com a informações secretas sobre tivos políticos internos e te- mando-se a favor de algo mas não estaremos a acabar com
tra agora todas as atenções em Malásia e a Indonésia, para actividades terroristas e man- nha mandado para a cadeia também contra algo. As Na- todas as fontes de ódio e todos
Bin Laden e no Afeganistão. combater o crescendo de radi- teriam um rígido controlo das políticos do Partido Islâmico ções Unidas — e a comuni- os actos de violência — have-
Na verdade, um ataque pre- calismo islâmico naquela re- suas fronteiras marítimas, Pan-Malásia, alegando que o dade internacional — devem rá sempre quem odeie e ma-
cipitado e sem provas contra gião do globo. O presidente do para acabar com o fluxo de queriam derrubar. ter a coragem de reconhecer te, mesmo que estas injusti-
o Iraque iria fragilizar a posi- Congresso, José de Venécia, armas e de terroristas. A Indonésia, que é o mais que, tal como há objectivos co- ças sejam corrigidas. Mas se
ção americana, especialmen- declarou que o grupo tomaria As Filipinas lutam para populoso país muçulmano de muns, há inimigos comuns. o mundo conseguir demons-
te no mundo árabe. “Não po- em conta o teatro imediato de conter o grupo separatista is- todo o mundo, tem tido uma Para os derrotar, todas as na- trar que continuará a andar
demos fazê-los pensar que cooperação e daria assim o lâmico Abu Sayyaf, que regu- posição algo ambígua. A Pre- ções de boa vontade devem para a frente, que persevera-
esta é mais uma desculpa pa- seu contributo para a coliga- larmente faz reféns e coloca sidente Megawati Sukarno- juntar as suas forças num es- rá para criar uma comunida-
ra bombardear Saddam Hus- ção internacional proposta bombas em centros comer- putri considerou os ataques forço conjunto que abranja de internacional mais forte,
sein, temos que arranjar pro- pelos EUA. ciais. Esse e outros grupos aos Estados Unidos “desuma- todos os aspectos do sistema mais justa, mais generosa e
vas”, disse à agência Reuters “Temos aqui muitos anti- têm alegadamente laços com nos e bárbaros“, mas o vi- mundial aberto e livre que os mais autêntica, superando
outra fonte oficial norte-ame- gos combatentes da guerra os seguidores de Osama bin ce-presidente Hamzah Haz autores das atrocidades da se- todas as diferenças de reli-
ricana que confessou que tu- afegã e há quem pense como Laden, tal como acontece com observou que os mesmos po- mana passada tão perversa- gião e raça, o terrorismo terá
do indica que o Iraque não te- os taliban”, afirmou o presi- grupos radicais indonésios, derão ter sido uma forma mente exploraram. fracassado. I
rá participado nos atentados dente do Congresso, que teve, incluindo o Laskar Jihad. de redimir “os pecados dos
ao World Trade Center e ao no entanto, o cuidado de es- A Malásia não tem uma EUA”. I JOHN AGLIONBY, EM
Pentágono. I clarecer de que não se trata- tão grande ameaça terrorista, JACARTA Secretário-geral das Nações Unidas
10 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SÁBADO,22 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO OS EUA DEPOIS DO CHOQUE

EMPRESÁRIO
A EMOÇÃO DO SECRETÁRIO DE LEIRIA
REMOVE LIXO
DE ESTADO DIANTE DAS TORRES DO WORLD
TRADE CENTER
O secretário de Estado das Comunidades, João Rui Almeida, esteve a menos de 100 metros dos escombros do World Trade O destino de Vítor Santos
Center. O PÚBLICO acompanhou o governante português nesta visita, que ocorreu a poucas horas do seu regresso a Portugal, não podia estar mais liga-
após uma estada de vários dias nos EUA. Nas instalações do BCP, em Wall Street, ainda há vestígios dos momentos de angústia do às torres do World Tra-
de Center. Dono, com o seu
daquela manhã de 11 de Setembro. Só dentro de duas semanas, os escritórios deverão reabrir ao público. compatriota António Go-
Do nosso enviado Adelino Gomes, em Nova Iorque mes, de uma empresa de de-
molições e remoção de lixos,
PETER MORGAN/REUTERS foi no 92º andar da Torre 2
Ela aí está, a menos de 100 me- uma nova etapa se vai iniciar que obteve a primeira enco-
tros, a imagem que as televi- dentro em pouco. “Pediram- menda, há 11 anos, para o
sões já nos tornaram familiar. nos que a partir de agora só seu novo negócio. Passada
Por detrás do passeio em fren- enviemos para aqui pessoal uma década, a sua empre-
te, sobre um monte de escom- ‘emocionalmente forte’”, con- sa voltará a cruzar os seus
bros enegrecidos pelas cha- ta Vítor Santos. As autorida- interesses com as torres gé-
mas e pelo fumo, ergue-se o des que superintendem nos meas. Na madrugada de ter-
esqueleto de uma parede de trabalhos de remoção dos es- ça-feira 11, poucas horas an-
alumínio retorcido, tão fina, combros acham que — retira- tes do embate do segundo
tão frágil que um golpe de das as primeiras 80 mil das avião, meia centena de ope-
vento a pode dobrar e fazer 500 mil toneladas de lixo acu- rários da sua firma — gran-
cair em qualquer momento. mulado — começa a chegar a de número de portugueses
“É o que resta da torre 1 do altura em que um maior nú- entre eles — trabalhara nos
World Trade Center”, explica mero de restos humanos será andares 36 e 52 da mesma
o empresário português Ví- encontrado pelas brigadas de torre.
tor Santos ao secretário de Es- salvamento e resgate. Desde quarta-feira da se-
tado das Comunidades, João A visita do governante por- mana passada, cerca de me-
Rui Almeida. tuguês à zona reservada de tade do efectivo da empresa,
Poucos metros adiante, Wall Street ocorreu a poucas que atinge os 250 homens,
por detrás do arranha-céus horas do seu regresso a Por- foi desviado para nova tare-
do American Express (de tugal, após uma estada de vá- fa: a remoção dos escombros
pé ainda, depois de ter sido rios dias nos EUA, em que do edifício onde estava o seu
dado como perdido), uma se encontrou com represen- primeiro cliente. Compro-
nesga ainda mais escura de tantes consulares e dirigentes missos anteriores em Nova
ferros e cimento e lixo fume- das comunidades locais en- Iorque e em vários outros
gante também, no lugar on- volvidos nas acções de apura- estados levaram-no a con-
de há duas semanas ainda se mento das vítimas e de apoio tratar mais meia centena de
levantava a torre gémea que às respectivas famílias. operários, de forma a poder
completava o World Trade Vítor Santos, que dispõe de manter em funcionamento
Center, até ao passado dia 11 um livre-trânsito de acesso à os 80 camiões e os seis mil
o ponto mais alto de Nova “zona zero”, entrou na área contentores de que a empre-
Iorque. restrita como se os restantes sa dispõe.
“Medonho. Terrível. A pior cinco passageiros do “jeep” Natural de Barreiro, Col-
imagem que já vi. Tanto mais — todos sem gravata e com meias, no concelho de Lei-
impressionante quanto sa- vestuário desportivo — per- ria, onde trabalhava numa
bemos que tudo isto tem pes- tencessem aos quadros da oficina de mecânico, Vítor
soas”, comenta o governante “Avanti”. Juntamente com o Santos emigrou para os EUA
português. “Milhares de cor- secretário de Estado das Co- em 1977. Depois de uma ex-
pos, um enorme cemitério munidades e um adjunto, se- periência em supermerca-
naquele espaço tão curto en- guiam o cônsul-geral de Por- dos, empregou-se numa em-
tre os arranha-céus”, acres- tugal em Nova Iorque e o presa de lixos e demolições.
centa Vítor Santos, com a director-geral do BCP, Pedro Apesar da sua empresa con-
autoridade de quem desde Belo, além do PÚBLICO. correr num mercado domi-
a manhã do dia seguinte à Nas instalações do BCP, si- nado por italianos — “por
tragédia outra coisa não faz tuadas no número 2 da Wall isso é que pus à firma o no-
do que dirigir 120 operários, Street, a pouco mais de uma me de Avanti, para passar
17 camiões e quatro máqui- centena de metros das tor- mais despercebido”, explica
nas escavadoras da empresa res que se desmoronaram, ao PÚBLICO — , o governo
“Avanti”, de que é co-proprie- pastas abandonadas e uma de Nova Iorque chamou-o lo-
tário com outro português, gravata esquecida sobre um go a seguir à tragédia para
nas tarefas de remoção dos corrimão testemunham os participar na remoção dos
escombros (ver texto nestas momentos de angústia vivi- escombros.
páginas). dos durante mais de duas ho- “Temos aqui seis meses pa-
Durante momentos, por ras pelos cerca de de 40 fun- ra limpezas”, calcula, apon-
proposta do secretário de Es- cionários do banco e outros tando os escombros onde os
tado português, a pequena tantos clientes e cidadãos em seus homens trabalham dia
comitiva que o acompanha busca de refúgio após o des- e noite. Mas em toda a zona
recolhe-se num silêncio co- moronamento das duas tor- de Wall Street, onde alguns
movido, quebrado pelas or- res gémeas e de outros dois dos arranha-céus mais pró-
dens policiais para que os arranha-céus ao lado. ximos do local dos atentados
transeuntes — centenas de Apesar de não ter sido atin- não irão manter-se de pé, as-
pessoas, algumas com máqui- gido fisicamente, o BCP viu- segura, o trabalho “vai de-
nas fotográficas, presumivel- se obrigado a encerrar as morar anos”.
mente funcionários de empre- instalações de Wall Street de- “É a vida”, diz para o se-
sas que começam a reabrir na vido ao corte das linhas te- cretário de Estado, à saída
área — não parem diante das lefónicas e do sistema infor- da “zona zero”, nos breves
ruínas. mático. Até à sua reabertura, intervalos em que as chama-
Reduzida agora a um espa- que não deverá ocorrer antes das do escritório lhe deixam
ço não superior a 300 metros de duas semanas — tudo de- espaço para conversar com o
de diâmetro, a chamada “zo- pendente da reparação das grupo de que esta manhã foi
na zero” vai das proximida- avarias causa pela tragédia guia privilegiado. “Alguém
des da Trinity Church até à na empresa telefónica Veri- tinha que fazer o serviço” in-
Liberty Plaza, e é nesse espa- zon — o BCP funcionará em siste, como quem pede des-
ço, tornado mais exíguo pela New Jersey, num local de re- culpa pela oportunidade gi-
altura gigantesca dos prédios cuperação previsto parta si- gantesca que a tragédia abriu
que resistiram em volta, que tuações de emergência.  à sua empresa.  A.G.
D E S T A Q U E 11
PÚBLICO•SÁBADO,22 SET 2001

E não podemos pensar?

MANUEL CARVALHO
COMENTÁRIO

Mas será que, depois de nos indignar- E é apenas pelo prazer de pensar li-
mos, depois de manifestarmos de mil e vremente, sem ter medo de ser acusado
uma maneiras o nosso desprezo e o nosso de estar do lado errado do mundo, que
protesto contra os autores sem rosto do devemos tentar perceber por que é que a
inominável crime de Nova Iorque e Wa- barbárie regressou tão inusitada e vio-
shington, não podemos invocar a nossa lentamente ao nosso quotidiano. Deve-
capacidade reflexiva para tentarmos en- mos fazê-lo porque a procura da causa
contrar enquadramentos e explicações das coisas é uma obrigação moral à luz
para o horror que nos acometeu? Será dos valores humanistas das nossas cul-
que, pelo simples facto de querermos turas e dos princípios de cidadania das
responder à pergunta “como foi possível nossas democracias. E, ao fazê-lo com
este acto tresloucado”, que combina sui- o mínimo de honestidade intelectual, te-
cidas sem esperança e homens, mulheres mos de questionar o “factor Deus”, como
e crianças sem culpa, passamos a ser sugeriu com pertinência José Sarama-
suspeitos de simpatia pelo terrorismo? go, o desprezo absoluto pelos valores da
Será que, por tentarmos explicar o que, Humanidade de seitas, grupos e líderes
aparentemente, não tem explicação ou fanáticos, e a paixão pela violência san-
por procurarmos motivos improváveis guinária que os alimenta. Teremos tam-
para um crime que nos escapa ao en- bém de procurar saber como é que
tendimento, temos de este universo sem va-
correr riscos de ser co- lores que nos horrori-
notados com os que Será que, por tentarmos za ganha adeptos nos
odeiam os valores ma- explicar o que, campos de refugiados
triciais da nossa civi- da Cisjordânia ou nos
lização?
aparentemente, não tem bairros de terra bati-
As perguntas são explicação ou por da dos desertos da ve-
obviamente absurdas, procurarmos motivos lha Pérsia ou do Afe-
mas em muitas das ganistão. E seria uma
opiniões publicadas
improváveis para um crime imensa hipocrisia ar-
nos últimos dias nos que nos escapa ao redar da reflexão as
jornais portugueses entendimento, temos de inequidades da polí-
pressente-se que um correr riscos de ser tica externa do Oci-
muro de intolerância dente, principalmente
se começa a erguer. conotados com os que dos Estados Unidos,
De um lado ficaram os odeiam os valores procurando aí fun-
que, para além de con- matriciais da nossa damentos capazes de
denarem os atentados nos explicar as razões
e de reclamarem a sua
civilização? que levam pacíficos
punição, querem en- pastores transformar-
tender por que é que se em guerrilheiros
o século XXI se inaugurou com esta vio- ou estudantes em mártires, de saber por-
lência; do outro lado os que condenaram que é que muitos seguidores de uma teo-
os atentados e reclamam a sua punição logia pacífica trocaram a universalidade
sem que a procura de explicações possa da paz pelo ódio cego ao que o Ocidente
ultrapassar o grau zero da reflexão. é e defende.
Neste lado, a tarefa é simples: “nós” É, aliás, interessante constatar que em
somos as vítimas, os “bons”, e os terro- nenhum outro país como nos Estados Uni-
ristas são os maus porque odeiam os nos- dos esta vontade de perguntar e este dese-
sos confortos, não suportam a opulência jo de encontrar respostas se exercem com
material das nossas sociedades, não são tanta intensidade. Ouvimos, por exemplo,
capazes de encaixar a superioridade mo- especialistas independentes, universitá-
ral dos nossos regimes e hão-de fazer rios e ex-altos responsáveis da adminis-
tudo ao seu alcance para nos aniquilar. tração, como Alexander Haig, dizer que,
Ponto final. Há depois quem se arrisque depois deste atentado, os Estados Unidos
a procurar respostas mais profundas. terão de repensar a sua política para o Mé-
Neste caso, não está em causa qualquer dio Oriente. Não foi por isso que ficaram
tentativa de justificar o terror ou de tem- sujeitos à suspeição. Os “consensos de
perar com condescendência as suas ma- Washington” que Noam Chomsky não se
nifestações de extremismo em caldos cansa de denunciar nem em Washington
de pobreza, injustiça e abandono. Em são consensuais. E ainda bem.
muitos casos, também, não se trata de Não são, pois, valores de uma esquerda
imolar a política externa das potências caduca ou de uma direita invertebrada e
ocidentais, atribuindo à sua mundivisão nacionalista que fomentam o debate que
arrogante e sua tolerância às condições recusa a divisão do mundo entre bons e
de vida miserável em que se encontram maus, cabendo aos primeiros a urgente
milhões de seres humanos a resposta tarefa de aniquilar os segundos sem mais
fácil e ideologicamente confortável para nem porquê. É por se viver em democra-
os males do mundo. O que releva desta cia e por se celebrar a sua essência que
atitude não são, portanto, simpatias dis- se pode e deve procurar explicações para
farçadas com os que odeiam o “grande os crimes de Nova Iorque e Washington.
satã”. O que está, antes de mais, em causa Sem temas tabu nem constrangimentos
é o recurso a um exercício que faz de intelectuais. Querer cercear a liberdade
nós, ocidentais, cidadãos diferentes de de quem lança livremente perguntas,
muitos outros: o exercício da razão, de todas as perguntas, com o anátema de
querer saber tudo sem cair em dogmas, fazer o jogo do inimigo, isso sim, é aten-
de procurar o entendimento individual tatório à nossa civilização e aproxima-
dos factos sem recear retaliações, de pen- nos do mundo bárbaro que agora se quer
sar livremente sem o medo da censura. combater.
1 2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SÁBADO, 22 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO OS EUA DEPOIS DO CHOQUE
PRESTON KERES/REUTERS

Para cá da
“Zona Zero”
Poder sem
inteligência
Julio Rojas está assustado. “Esta cidade não
volta mais a ser o que era antes dos atentados”.
Dominicano a viver há mais de 20 anos nos
EUA, cidadão norte-americano desde finais
dos anos 80, motorista de táxi em Nova Iorque
(há sempre a história de um motorista de tá-
xi a espreitar nas reportagens dos enviados
especiais, mas algumas são mesmo irresistí-
veis), Julio tem uma certeza — “os Estados
Unidos são o país mais poderoso da Terra”.
Mas os atentados das torres gémeas deixaram-
no descrente, e por isso receoso.
“Como é possível um avião dirigir-se ao
World Trade Center e não ser detectado? E ao
Pentágono? Lá, onde nada pode haver entre a
terra e o céu sem que os militares autorizem?”
O episódio do avião a despenhar-se sobre este
edifício em Washington choca-o em particular.
“Encontravam-se lá os generais que desenham
e dirigem a defesa dos EUA!...”
Daqui à conclusão demolidora vai menos
do que a passagem do vermelho para o verde
num semáforo nas cercanias da Grand Ter-
minal Station: “Sabem usar as armas, mas
não sabem usar a cabeça. Se a utilizassem,
perceberiam que não se pode lançar bombas
sobre Saddam Hussein, andar aí pelo mundo
a dar ordens, sem que isso provoque vontade
de vingança nos outros. Têm poder. Mas não
acha que lhes falta inteligência?”. Em maré de
perguntas, aproveita o final da corrida para
esclarecer uma outra, de menor actualidade
mas com preocupações igualmente globais:
“Em Portugal também há mulatas, como no
Brasil e na República Dominicana, ou são
todos brancos como você?”.

Preencher o vazio
Vista do comboio ou da linha de metro que
liga Nova Iorque a Newark, Manhattan resti-
tui ao Empire State Building o protagonismo
de outrora. Para quem conheceu a ilha nas
últimas três décadas, porém, a imagem das
torres gémeas ali na linha do horizonte, dois
palmos para a direita do Empire State Buil-
Os trabalhos na área de seis hectares da baixa de Manhattan continuam a ser considerados “operação de buscas e socorro”, ding, mostra-se difícil de apagar.
apesar de não ter sido encontrado qualquer sobrevivente Como um fantasma, o vazio deixado pelo
desaparecimento físico dos dois mais altos
arranha-céus da cidade começa a pairar so-

Vítimas de Nova Iorque poderão


bre a memória colectiva da cidade. Há quem
defenda a restituição a Nova Iorque, custe o
que custar de uma das suas imagens de marca.
Parece ser cada vez mais o caso do mayor Ru-
dolph Giuliani. O renovado prestígio que ga-

ser mais de seis mil


nhou pela sua gestão inteligente dos trabalhos
de salvamento e de remoção dos escombros
conferem às sua opiniões um peso que poucos
políticos estão em condições neste momento
de questionar.
Informações sobre das 1,2 toneladas de aço retorcido lama. As previsões meteorológi- se de novo de tráfego e pessoas, Muitos são, no entanto, aqueles que defen-
estrangeiros e cimento desfeito que restaram cas previam uma melhoria do a ponte de Brooklyn foi parcial- dem que se erga no local apenas um monu-
dos dois edifícios de 110 andares estado do tempo para as horas mente aberta à circulação e as oi- mento em memória das vítimas. Na televisão,
desaparecidos continuam destruídos nos atentados de dia seguintes. to mil crianças que foram evacua- nos jornais e revistas locais, dividem-se as
a chegar e levam 11 de Setembro. Enquanto as buscas continu- das das escolas que se encontram opiniões. Os arquitectos sempre perseguiram
autoridades a corrigir Mas os trabalhos na área de am, notam-se alguns sinais de perto do local do atentado vol- os céus, fosse para glorificar um deus ou para
seis hectares da baixa de Ma- retorno à normalidade. As ruas taram às aulas em escolas mais imortalizar um homem. É assim desde a Tor-
números nhattan continuam a ser consi- e passeios da cidade encheram- afastadas.  PÚBLICO/REUTERS re de Babel, lembra no “The New York Times”
derados “operação de buscas e Cesar Pelli, autor das duas torres mais altas
Novas informações sobre estran- socorro”, apesar de não ter sido do mundo, em Kuala Lumpur (Malásia).
geiros desaparecidos aumenta- encontrado qualquer sobrevi- Mas altura significa vulnerabilidade. E
ram o total de possíveis vítimas vente desde o segundo dia após
Saddam critica operações de resgate arranha-céus como as torres do World Tra-
dos atentados às torres gémeas o atentado. “Rezo por um mila- de Center, diz ao jornal o director da escola
do World Trade Center (WTC). gre,” disse Edward Gonzalez, um O Presidente do Iraque, Saddam Hussein, criticou os esforço de Arquitectura e Planeamento do M.I.T.,
O presidente da câmara de Nova agente de trânsito nova-iorqui- de resgate das vítimas levados a cabo pelos norte-americanos William J. Mitchell, tornaram-se um alvo
Iorque, Rudolph Giuliani, fala no, cuja equipa trabalhava num em Nova Iorque, dizendo que no seu país há gente muito “particularmente convidativo”. Para além
agora em 6333 desaparecidos e monte de destroços. “Rezo por mais competente para a tarefa. “A América deixou mal o seu dos problemas de rentabilidade colocados por
241 mortos confirmados. um milagre. É tudo o que tenho povo. Muitos dos que morreram poderiam ter sido salvos”, empreendimentos deste tipo e que dividem
As equipas de socorro conti- para dizer.” denunciou. “Seriam salvos se a missão tivesse sido entregue igualmente os arquitectos, o debate foca-se
nuavam ontem à procura de si- As condições destes trabalha- a iraquianos treinados nas tragédias infligidas ao Iraque sobretudo na mensagem que a reconstrução
nais de vida nas ruínas do WTC. dores foram dificultadas pela pelos EUA.” Saddam referia-se aos bombardeamentos feitos das torres enviaria aos norte-americanos e
As autoridades informaram ha- chuvada que caiu na quinta-fei- pelos aliados sobre território iraquiano durante a guerra ao mundo. De confiança, para uns. De “super-
ver muito poucas hipóteses de en- ra e que transformou a zona de do Golfo, em 1991. Nessa altura, foram lançadas sobre o arrogância”, para outros. Do nosso enviado
contrar alguém com vida debaixo impacto num enorme monte de Iraque 200.000 toneladas de bombas. ADELINO GOMES, em Nova Iorque
D E S TA Q U E 1 3
PÚBLICO•SÁBADO,22 SET 2001

ANJA NIEDRINGHAUS

HISTÓRIAS
DE NOVA IORQUE
DESPORTO VOLTOU Iraque e os países mais pobres para Yusuf Islam — condenou
AO MADISON SQUARE GARDEN “não salvará as vítimas de 11 esta semana os atentados ter-
de Setembro ou tornará as ci- roristas dos extremistas islâ-
Tal como em tantos outros sí- dades americanas e europeias micos e lembrou que a religião
tios, respeitou-se um minuto mais seguras”: “O terroris- muçulmana promove a paz e
de silêncio antes do espectácu- mo não pode ser derrotado condena o suicídio. “Uma das
lo desportivo. Mas aqui, a três por bombas, balas ou espiona- primeiras coisas que aprendi
quilómetros do World Trade gem.” Na carta, os artistas te- é que a palavra islão deriva de
Center, a emoção do momento cem críticas às políticas oci- ‘salam’, que significa paz.” Uma
era muito especial. No regresso dentais para o Afeganistão e crença, diz, “que se afasta da
das competições desportivas ao Iraque e afirmam que os direi- violência, destruição e terro-
mítico Madison Square Garden tos humanos e as liberdades rismo”. Para Yusuf Islam, que
de Nova Iorque, na quinta-feira civis foram “espezinhados” vive em Londres, o Corão, o li-
à noite, as equipas de hóquei pelos políticos, “que atiçaram vro sagrado dos muçulmanos,
no gelo dos New York Rangers as chamas da intolerância foi usado por uma minoria de
e dos New Jersey Devils entra- com as suas preparações para fanáticos ávidos de violência. O
ram juntas em campo, os joga- a guerra”. Termina com um antigo cantor afirma ainda que
dores de cabeça baixa — um de- apelo para que se faça guer- “certos extremistas, entre eles
les, o canadiano Eric Lindros, ra “à pobreza” e não aos esta- os auto-proclamados dignatá-
que se estreava pelos Rangers, dos que dão abrigo aos terro- rios islâmicos, citam passagens
homenageava a polícia nova- ristas. do livro sagrado fora de contex-
iorquina ao usar um boné com to, o que é muito perigoso”.
as iniciais NYPD. Os mais de
14.000 espectadores presentes CRANBERRIES SUSPENDEM
foram obrigados a passar por REVISTA OFERECE RECOMPENSA
rigorosíssimos controlos de se- “VIDEOCLIP” COM AVIÕES
gurança e acabaram a noite a O grupo de rock irlandês The POR NOTÍCIAS DE BIN LADEN
fazer coro com a voz de Frank Cranberries decidiu suspen- Uma conhecida revista se-
Sinatra, entoando o tema “New der a divulgação do seu últi- manal de Hong Kong oferece
York, New York”. No final da mo videoclip — onde aviões uma recompensa de 128 mil
partida, os Rangers venceram sobrevoam arranha-céus — dólares por informações ex-
por 6-1 e, portanto, nem sequer na sequência dos atentados clusivas sobre o homem mais
é uma figura de estilo dizer que terroristas nos EUA. “As ima- procurado do mundo — o mi-
Nova Iorque ganhou. gens [do videoclip] foram con- lionário Bin Laden, que os
sideradas demasiado simila- EUA identificaram como o
res aos acontecimentos da principal responsável pelos
ARTISTAS BRITÂNICOS semana passada”, diz a edito- atentados terroristas de 11 de
ra discográfica MCA. O vídeo, Setembro. Num anúncio de
CONTRA A GUERRA gravado em Agosto pelo re- página inteira de um jornal
Nove figuras britânicas do alizador Keir McFarland em local, a “East Week” pede a
meio teatral britânico, in- Londres, mostra a vocalista do quem tenha informações re-
cluindo o dramaturgo Harold grupo, Dolores O’Riordan, no levantes que contacte a revis-
Pinter e o actor Corin Redgra- cimo de um edifício. Ao longe ta: “Se é um correspondente
ve, lançaram um apelo aos lí- vêem-se dois arranha-céus so- de guerra, um perito militar,
deres mundiais para que não brevoados por um avião. Nou- especialista em assuntos in-
desencadeassem uma guerra tras cenas vêem-se dois aviões ternacionais ou se conhece
em resposta aos ataques da a sobrevoar cidades e edifí- amigos ou familiares de Bin
semana passada aos Estados cios e uma pessoa a caminhar Laden ou afegãos... e se tiver
Unidos. Em carta enviada ao ao lado de um cadáver. notícias ou imagens surpre-
jornal “Daily Telegraph”, as- endentes de Bin Laden... po-
sinada também por Maggi derá ganhar este generoso
Hambling e Lynn Farleigh, os CAT STEVENS, CONVERTIDO AO prémio.” A revista não di-
artistas fazem um apelo ao vulga o número de pessoas
que classificam a “loucura” ISLÃO, CONDENA ATENTADOS que responderam ao anúncio,
de uma “nova guerra mun- Cat Stevens — a vedeta da mú- mas a informação reunida se-
dial”. Argumentam que uma sica britânica que se converteu rá publicada na sua edição de
guerra contra o Afeganistão, ao Islão, mudando o seu nome 3 de Outubro.
1 4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SÁBADO, 22 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO REFLEXOS DA ECONOMIA

EUROLÂNDIA FRANCO SUÍÇO VOLTA


CRESCERÁ
ABAIXO DOS
Manhã de pânico A BRILHAR
O franco suíço foi ontem a
estrela dos mercados cam-

DOIS POR CENTO


ARTUR NEVES
nas bolsas europeias FRANK POLICH/REUTERS
biais, ao ganhar 0,25 por
cento ao dólar e 1,96 por
cento ao euro, funcionando
como moeda refúgio dos in-
vestidores avessos ao ris-
co. Cerca das 18 horas em
Os ministros das Finanças WALL STREET SUAVIZOU Lisboa, o dólar não valia
dos países da zona euro, on- mais do que 1,5895 francos
tem reunidos em Liège, rea- QUEDAS suíços, enquanto o euro tro-
firmaram o seu compromisso cava-se por apenas 1,4514
com o Pacto de Estabilidade “Explosão” em fábrica francos suíços. No confron-
e Crescimento (PEC), apesar to euro/dólar, ontem a ba-
de temerem o impacto econó- química em Toulouse e lança pendeu para o bilhe-
mico dos acontecimentos de tiros no aeroporto de te verde que valorizou 1,42
11 de Setembro nos EUA. Amesterdão agravaram por cento, mantendo a ten-
Na cidade belga, o comissá- dência de subida iniciada
rio europeu para os Assun-
o clima de nervosismo na véspera. No fecho dos
tos Económicos e Financeiros dos mercados. Londres mercados europeus, a mo-
apresentou a mais baixa esti- e Frankfurt estiveram a eda única não valia mais
mativa de crescimento econó- perder mais de sete de 0,9144 dólares, muito
mico para a zona euro em 2001 abaixo do máximo de 0,93
oriunda de uma fonte comu- por cento dólares registado após os
nitária, ao declarar que este atentados. A divisa norte-
ficará “claramente abaixo dos ROSA SOARES americana recuperou tam-
dois por cento”. bém face ao iene, para o que
Em comunicado divulgado Os mercados bolsistas euro- contribuíram as interven-
no final do encontro, os minis- peus apresentaram ontem vo- ções do Banco do Japão no
tros das Finanças da eurolân- latilidades tão grandes, atin- mercado cambial para con-
dia insistiram no facto de que gindo “picos” de perdas tão trariar a tendência de valo-
se mantêm sólidos os funda- elevados, que chegou a temer- rização da moeda nipónica,
mentos da economia da zona se o pior. As principais bolsas por forma a evitar um enca-
euro e que graças à consolida- europeias apresentaram, ao recimento das exportações
ção orçamental já atingida os final da manhã, quedas supe- que agravaria a recessão da
Doze encontram-se em melho- riores a sete por cento. Como economia nipónica. O dó-
res condições para enfrentar as se já não bastasse o receio de lar terminou o dia a valer
flutuações do ciclo económico. guerra e de recessão econó- 117,48 ienes, valor que com-
Foi também salientado que mica, dois acontecimentos na para com os 115,96 ienes de
a queda da taxa de inflação Europa, aparentemente aci- quinta feira.
que se verifica na zona euro dentais, agravaram o clima de
irá facilitar novas descidas suspeição e nervosismo. Pri-
das taxas de juro que, aliadas meiro, foi a explosão no gru-
a reduções na carga fiscal já po petroquímico AZF, em Tou- PETRÓLEO CONTINUA
decididas em vários países da louse, que chegou ao mercado EM QUEDA
zona, tornarão mais atraentes apenas como “uma explosão”
as condições de financiamen- e, só mais tarde, se tornou cla- O petróleo desceu ontem
to à economia, estimulando a ro que foi um incidente. De- pelo quinto dia consecuti-
procura interna. pois, chegou a notícia de tiros vo, a perder 14 por cento fa-
Em conferência de impren- no aeroporto de Amesterdão, ce à sexta feira anterior, pe-
sa, Pedro Solbes sublinhou um incidente ainda mal expli- nalizado pelas crescentes
que “os acontecimentos trá- cado que precedeu a suspen- expectativas de uma reces-
gicos nos EUA aumentaram o são da bolsa local. Durante a manhã, tudo se conjugou para colocar os operadores à beira de um ataque de nervos são à escala mundial que
grau de incerteza, diminuin- O clima de suspeição au- mais do que compensaram
do as perspectivas de cres- menta ainda mais com a eva- receios de eventuais ruptu-
cimento à escala mundial”. cuação da praça de Londres situações de empresas que pas- que este mercado permite por cento), recuperando de- ras no abastecimento com a
Mas, tal não é razão para que (ver caixa). Segundo analis- saram de muito negativas pa- uma forte “arbitragem” com pois algum terreno, acaban- esclada da luta contra o ter-
os défices orçamentais pos- tas, durante a manhã, tudo se ra positivas, com o Deutsche as acções — o mercado à vis- do por encerrar a recuar 1,66 rorismo. Nem a explosão
sam ultrapassar os três por conjugou para que investido- Bank e a Allianz (Alemanha), a ta. É, aliás, na articulação de por cento. O Nasdaq abriu, no na petroquímica AZF, em
cento do PIB, meta estabele- res e operadores de mercado Axa e a France Telecom (Fran- futuros e acções que residem “pré-market” de forte queda, Toulouse, e nem o tiroteiro
cida no PEC. “Não estamos ficassem à beira de um ata- ça), ou a Telefónica e a PT (em alguns indícios de especula- a desvalorizar cerca de sete no aeroporto de Amester-
em recessão”, concluiu. que de nervos. A meio da ma- Espanha e Portugal) —, é ex- ção pelos “mentores” do aten- por cento, mas depois recuou dão foram capazes de segu-
nhã, a praça de Madrid perdia plicada por várias razões. tado terrorista de 11 de Se- para uma perda de 5,68 por rar o “ouro negro”. Ontem
EUA em risco de recessão 6,7 por cento, Paris 6,60 por Para alguns analistas, que tembro, de que o principal cento, fechando negativo em na bolsa de Londres a cota-
O encontro da cidade belga cento, Londres 6,91 por cento, já tinham admitido que o dia suspeito é Bin Laden. 3,25 por cento. Os analistas ção do Brent para entrega
teve lugar no mesmo dia em Amesterdão 6,81 por cento, deveria ser de perdas, a recu- Já outros analistas defen- admitem que a volatilidade em Novembro recuou 2,4
que o banco de investimento Zurique 7,02 por cento, Frank- peração só acontece depois dem que a recuperação na Eu- dos mercados vai continuar por cento para 25,3 dólares
Merrill Lynch reviu para 1,25 furt 6,50 por cento, Estocolmo dos mercados de futuros en- ropa se explica pela abertura até se perceber como e quan- o barril. Em Nova Iorque, o
por cento a sua estimativa pa- 5,48 por cento e Milão 7,26 por cerrarem, salientando que se sem grandes quedas da bol- do será a retaliação dos Es- crude para entrega na mes-
ra o crescimento económico cento. Quedas que colocam as tratou de um dia de triplo fe- sa de Wall Street. O Dow Jo- tados Unidos aos atentados ma data era transacciona-
de 2001 na zona euro. De acor- bolsas aos níveis de 1997. cho de contratos. Defendem nes abriu a cair 200 pontos (3,4 terroristas. I do a 26,45 dólares, uma que-
do com o estudo da entidade Os mercados europeus co- bra de 1,05 por cento face ao
financeira, os EUA deverão meçaram a recuperar ao iní- fecho de quinta-feira.
entrar em recessão no segun- cio da tarde, encerrando com
do semestre deste ano, espe- quedas muito inferiores aos Praça de Londres evacuada e a de Amesterdão suspensa
rando-se que a Reserva Fede- valores máximos apresenta-
ral reduza de novo as suas dos durante as primeiras ho- VOLATILIDADE
taxas de juro em meio ponto ras. A bolsa de Lisboa, que es- Os mercados estiveram ontem “no fio da evacuação, os sistemas informáticos NO OURO
percentual na sua reunião de teve sempre a perder muito da navalha”. As quedas foram muito continuaram em funcionamento, asse-
2 de Outubro. O Merrill Lyn- menos que o resto da Euro- elevadas e notícias como a explosão gurando as negociações nos sistemas O ouro continua muito
ch prevê mais um corte da pa, acabou por fechar positiva num complexo petroquímico em Tou- automáticos. Depois de reposta a nor- volátil, consequência das
mesma dimensão até ao final (ver comentário de bolsa). A louse, a evacuação da bolsa de Londres malidade, o mercado londrino conti- inúmeras incertezas que
do ano, o que colocaria a prin- praça de Milão encerrou com por ameaça de bomba, ou do encerra- nuou a cair acima dos cinco por cento. assolam os mercados finan-
cipal taxa directora da econo- a maior queda, recuando 4,9 mento da de Amesterdão por razões téc- A bolsa de Amesterdão esteve durante ceiros. Depois de a “onça
mia norte-americana em dois por cento, Zurique ainda fe- nicas, mas que coincidiu com um tiro- um longo período encerrada, reabrindo troy” se ter desvalorizado,
por cento. chou em queda de 5,3 por cen- teio no aeroporto da cidade, pouco depois das 12 horas, com a justifi- na quinta-feira, de 289,8 dó-
O banco norte-americano to, Londres encerrou a per- complicaram ainda mais a situação. A cação de existência de “problemas técni- lares para 288,4 dólares, on-
também antecipa que o Ban- der 3,70 por cento e Frankfurt bolsa de Londres foi ontem evacuada, cos”. Como a bolsa estava a cair mais seis tem o metal precioso voltou
co Central Europeu deverá chegou a estar positiva, aca- ao início da manhã, por falsa ameaça por cento e do encerramento ter coincidi- a subir no mercado londri-
baixar o preço do dinheiro bando por terminar a perder de bomba, numa altura em que perdia do com o anúncio de um incidente no ae- no para 293,7 dólares. O
até ao final do ano, retirando 0,59 por cento. mais de seis por cento. O edifício da roporto de Amesterdão, com o disparo de grama de ouro fino cotou-se
0,75 pontos percentuais à sua praça londrina já tinha sido evacuado, alguns tiros, agravaram-se os receios de ontem a 2.042 escudos, em
principal taxa de referência, Pressão nos futuros igualmente por ameaça infundada de que algo de anormal estava a acontecer, alta face aos 2.004,4 escu-
que se encontra desde segun- A recuperação das bolsas eu- bomba, poucas horas depois do atenta- criando, assim, ainda maior nervosismo dos de anteontem. I JOANA
da-feira em 3,75 por cento. I ropeias — onde há inúmeras do terrorista de 11 de Setembro. Apesar no mercado. R.S. AMORIM
D E S TA Q U E 1 5
A INVESTIGAÇÃO PÚBLICO•SÁBADO, 22 SET 2001

FBI procura homem de confiança de Bin Laden


JIM BOURG/REUTERS

Agentes americanos derou que a publicação pe-


los “media” das detenções de
Os avisos
chegam à Alemanha Djamel Beghal, em Bruxelas, da Mossad
para auxiliarem nas e Nizar Trabelsi, no Dubai,
investigações foi “intempestiva” e “irres-
ponsável”. Os agentes estão a Durante esta semana, o
investigar secretamente vá- “Los Angeles Times” in-
LINA FERREIRA rias pessoas que podem es- dicou que a CIA e o FBI
tar ligadas à organização de estavam avisados da pos-
Alguns dias antes do atenta- atentados terroristas contra sibilidade da ocorrência
do, os terroristas responsá- alvos americanos em Paris. de ataques terroristas
veis pelo atentado de dia 11, A crítica do juiz sugere que, nos EUA. A Mossad, polí-
nos EUA, terão recebido a vi- ao saber que Beghal e Trabel- cia secreta israelita, te-
sita de um homem mais ve- si foram presos, outros sus- ria recolhido informa-
lho, de cabelos grisalhos. Mo- peitos sob investigação pode- ções sobre a eventualida-
hamed Atta, apontado como rão tentar fugir. de de ataques em grande
um dos terroristas, encon- Ontem, foram ouvidas se- escala, sendo os Estados
trou-se em Espanha com um te pessoas em França relati- Unidos “muito vulnerá-
contacto de Bin Laden, com vamente a este caso e o apar- veis”. Cerca de 200 isla-
origem em França. É nestes tamento que os dois detidos mistas estariam prepa-
pontos de contacto que os partilhavam em Paris foi re- rados para produzir, a
agentes, nos EUA e na Euro- vistado, em busca de indícios qualquer momento, um
pa, centram agora as inves- incriminatórios. As declara- grande ataque no país.
tigações, numa tentativa de ções de Beghal estão a provo- As autoridades negam.
chegar ao homem de confian- car novas detenções na Bélgi- Por seu turno, o FBI não
ça de Bin Laden. Os agentes do FBI seguem agora todas as possíveis pistas e intensificam os interrogatórios ca e nos Países Baixos. conseguiu até agora es-
Já ontem tinha sido anun- Na Alemanha os investiga- tabelecer qualquer liga-
ciada a detenção de Nabil dores pedem reforços, depois ção dos terroristas a um
Al-Marabh, suspeito de ter citadas pelo jornal, não de- sua confiança.” construindo os últimos dias de ter sido revelado que o pa- país estrangeiro. Isto
prestado assistência aos ter- ram informações acerca da Desta forma o homem pode- dos terroristas e os seus con- ís serve de base aos terroris- apesar de o procurador-
roristas. Segundo o “Washing- identidade do sujeito. ria “ter laços de sangue” com tactos, inquirindo estes em tas no Ocidente. Kay Nehm, geral dos EUA, John
ton Post”, os agentes estão a “Se preparam uma opera- Bin Laden ou ser um veterano seguida. O “USA Today” afir- procurador-geral, anunciou Ashcroft, ter afirmado
investigar um outro homem ção a partir do estrangeiro, é de guerra. Algo que explica mava ontem que já foram de- a chegada de mais agentes do “ser bastante claro que
que poderá ter contactos com necessário que haja uma es- a busca a casas de familiares tidas onze pessoas por uma FBI ao país, para colaborarem estas redes são apoiadas
o mentor do atentado. O in- pécie de comando encarrega- do terrorista nos Estados Uni- eventual relação com os ter- nas investigações. O primeiro e protegidas por vários
teresse justifica-se por ante- do da coordenação no terre- dos, no início desta semana, e roristas. Um agente do FBI agente chegou a 14 de Setem- países”. Apenas se sabe
riores investigações já evi- no”, explicou, à AFP, Peter a investigação de outras com indicava ontem que a lista bro. Os reforços vão centrar que a rede terrorista te-
denciarem este padrão: um Crooks, agente anti-terroris- possíveis contactos com o mi- de testemunhas a ouvir já se as investigações em Hambur- ria uma forte ligação
sénior que, no terreno, dá ta do FBI. “Este homem deve lionário saudita. alargou a 237 pessoas. go e em Meckenheim, perto operacional à Europa.
instruções finais aos pilotos possuir uma visão global das Assim, a lista de suspeitos de Bona, onde se situam as
suicidas. As fontes do FBI, coisas, estar em contacto com é cada vez maior. Os agentes França procura rede instalações da Polícia Federal
Polícia Federal americana, as pessoas envolvidas e ter a chegam até estas pessoas re- Em França, um juiz consi- Alemã. I Com AFP e Reuters
1 6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SÁBADO, 22 SET 2001 G U E R R A A O T E R R O R I S M O O I M PA C T O N O T U R I S M O

CLIMA DE
“PSICOSE” NOS Profissionais do turismo nos EUA
AEROPORTOS
Buscas minuciosas,
interrogatórios
falam em situação “catastrófica”
STEVE MARCUS/REUTERS

cerrados, atrasos. Não ATENTADOS FORAM preocupado” relativamente às


repercussões económicas na
está fácil a vida de UM RUDE GOLPE sua região.
passageiro aéreo “Há uma grande inquieta-
O cancelamento ção no ar e quando os visi-
Passando por alarmes que so- tantes sentem isso não viajam
am por causa de um gancho de de viagens de trabalho mais”, reconheceu pela sua
cabelo e por revistas minucio- e de lazer está a afectar parte Rob Powers, porta-voz da
sas, os passageiros, em menor o sector do turismo Convenção de Las Vegas e da
número do que o habitual, apa- Autoridade para o Turismo.
nham o avião em Heathrow, co-
em todo o país Desde os ataques terroristas e
mo em outros aeroportos euro- para os próximos três meses,
peus e americanos, num clima MARIE SANZ mais de 240 anulações de con-
de “psicose” após os atentados venções, feiras, seminários, ve-
de 11 de Setembro, nos EUA. Hotéis vazios, férias anuladas, rificaram-se na cidade.
“Instalou-se um clima de luas-de-mel canceladas, via- Subitamente paralisados pe-
psicose que se tornou alar- gens de negócios adiadas in- lo medo de apanhar um avião,
mante”, diz Jean-Charles Vas- definidamente: os atentados os norte-americanos anulam
ta, um francês director de que atingiram os Estados Uni- também as suas viagens pes-
comunicação, habituado a ae- dos desferiram também um soais, férias, ou cruzeiros pla-
roportos. “Tive direito a uma rude golpe no turismo. Nunca, neados com bastante tempo de
revista cerrada, assim como desde a guerra do Golfo, há 10 antecedência, preferindo ficar
50 por cento dos passageiros anos, que a situação de uma in- em casa, em família. Alguns
que estavam comigo”, conta, dústria que movimenta todos operadores de cruzeiros, um
depois do seu voo entre Lon- os anos centenas de milhares dos sectores mais afectados,
dres e Paris. de milhões de dólares foi tão decidiram aproveitar o fervor
Após o reforço das medidas unanimemente considerada nacionalista que invadiu os
de segurança que se seguiram “catastrófica” pelos profissio- EUA, propondo “cruzeiros pa-
aos atentados, pelo menos 20 nais que nela operam. trióticos” com partida de Bos-
mil objectos foram apreendi- O presidente da reserva fe- ton por 79 dólares por noite.
dos durante controlos em Hea- deral americana, Alan Greens- Embora os operadores de tu-
throw: canivetes suíços, tesou- pan, reconheceu na quinta-fei- rismo prevejam que as pró-
ras, mas também corta-unhas, ra que as companhias aéreas ximas semanas sejam parti-
saca-rolhas, ganchos, agulhas e a indústria do turismo “so- cularmente difíceis, estimam
de tricotar. freram uma severa baixa” das contudo que a situação se res-
“Será necessário que as pes- suas actividades. tabelecerá, dando o exemplo do
soas se habituem a níveis de As anulações em massa não que se passou em San Francis-
segurança à israelita”, diz Gil- afectam somente as cidades co depois dos tremores de terra
bert Thompson, responsável directamente afectadas pelos ou em Miami depois dos fura-
dos serviços aeroportuários ataques de 11 de Setembro, No- cões. “Chegará um momento
do aeroporto de Manchester, va Iorque e Washington, dois em que as pessoas deixarão de
no norte de Inglaterra. “Isso dos destinos favoritos dos nor- ter medo e apanharão o avião”,
significa que cada pessoa e as te-americanos e estrangeiros, disse à AFP Alyson Flint, res-
suas bagagens podem ser ob- onde as reservas desceram pa- ponsável de uma agência de
jecto de revistas minuciosas”, ra metade. Em Washington, viagens de Washington.
acrescenta. por onde passam todos os anos O presidente da grande ca-
Duas mulheres de túnica ne- 20 milhões de visitantes, al- deia hoteleira Marriott, J. W.
gra que embarcavam, na quin- guns hotéis começaram a dis- Bill Marriott, afirmou igual-
ta-feira à noite, em Heathrow, pensar pessoal. mente estar optimista, ante-
para Paris, foram submetidas Em Nova Iorque, os profis- vendo uma normalização den-
a um longo questionário, se- sionais do turismo indicam tro de alguns meses. “O motor
gundo relatou um dos passa- não poder mais contar com Las Vegas: longe de Nova Iorque e Washington, a cidade do Nevada sofre os efeitos da crise que faz funcionar a máquina
geiros. Resultado: as filas alon- os 37 milhões de turistas, dos dos negócios nos EUA são as
garam-se, provocando atrasos. quais sete milhões de estran- ou 3,7 mil milhões de contos) em relação aos locais dos aten- berga a Disney World e onde viagens, a apresentação de no-
Alguns voos foram anulados geiros, que afluem habitual- nos cerca de 18.000 restauran- tados, como Las Vegas, San um emprego em cada cinco vos produtos, as pessoas que
por falta de passageiros e as mente todos os anos e gastam tes, 10.000 lojas e 150 museus Francisco, Florida ou Hawai, depende do turismo, o gover- vendem e que compram, que se
companhias aéreas reduziram 17 milhares de milhões de dó- da ilha de Manhattan. as anulações continuam a re- nador do Estado, Jeb Bush, reúnem e discutem”, afirmou
as ligações com os EUA e a lares (18,5 mil milhões de euros Mesmo em sítios longínquos gistar-se. Na Florida, que al- declarou estar “muito, muito ao “Washington Post”. I AFP
Europa. A British Airways
anunciou ontem a supressão
de 7.000 postos de trabalho, por
entre um verdadeiro vendaval
de despedimentos no sector da
aviação civil.
Portugal sofre os efeitos da crise
“Quanto mais segurança, Enquanto a hotelaria o “prolongamento das estadias a perda de lucros com que se dos, apenas 40 mil contos. Em cias entrar para efectuar o seu
melhor”, advoga, no entanto, dos passageiros que não pu- defronta e publicou mesmo um igual período do ano passado trabalho, o que se ressente na
Daniel, um homem de negó-
resiste, os agentes deram embarcar foi caótico”, comunicado na imprensa, a os lucros atingiam os 120 mil confiança do cliente”, critica
cios americano que reparte a emissores enfrentam mas a situação “começa agora apelar aos clientes que voltem contos. Uma diferença actual Timóteo Gonçalves.
sua vida entre Londres e Nova quebra na procura a regressar ao normal”. Nos a confiar nos seus serviços. de 80 mil contos”, sintetizou. A Outro operador contactado
Iorque. Antes dos atentados, os hotéis do grupo Holiday Inn “Todos sabíamos que o im- Halcon sabe que o seu caso não pela Lusa, a Carlson Wagonlit
aeroportos americanos eram Continental a situação não foi pacte económico seria inevitá- é único e afirma mesmo que Travel, viu também os seus nú-
“verdadeiros pontos de passa- Mais de uma semana após os muito diferente, explica um vel, mas estamos a assistir a qualquer agência emissora es- meros diminuírem logo nas 48
gem”, conta, apresentando um atentados nos EUA, as agên- responsável contactado pela um medo dos turistas de viajar tá a ter resultados negativos, horas seguintes aos atentados.
exemplo: “Apanhei um avião cias de viagens de Portugal agência Lusa. “Houve reflexos para qualquer parte do mun- com a agravante de o receio das “Houve de imediato uma redu-
de Nova Iorque para o Médio continuam a ver os lucros des- imediatos. Logo no início dos do, não só para os EUA”, jus- pessoas já não se restringir aos ção no volume, especialmente
Oriente sem que o meu bilhe- cer. A Associação Portuguesa ataques foram cancelados vá- tifica Timóteo Gonçalves, do EUA, estendendo-se ao Reino na área das viagens de negó-
te e o meu passaporte fossem de Viagens e Turismo consi- rios congressos e eventos que departamento de “marketing”. Unido e Médio Oriente. cios, visto que as próprias em-
controlados uma única vez.” dera, no entanto, que ainda é iriam ocorrer no hotel”, mas a O mesmo responsável explica O cenário é agravado — se- presas sediadas nos EUA lan-
Daniel diz não ter medo de cedo para se proceder a uma situação “tem melhorado nos que nos três dias após os aten- gundo os responsáveis da agên- çaram directivas para que os
voar, mas a empresa para a qual análise mais específica do im- últimos dias”. tados a actividade da empresa cia — pela actuação das autori- empregados não voassem para
ele trabalha já anulou três quar- pacte profundo da crise. Mas, As agências de viagens espe- foi reduzida à recepção de pe- dades no aeroporto de Lisboa. esse destino”, afirma Patrícia
tos das conferências previstas enquanto os portugueses can- lham uma situação diferente. didos de anulação de viagens “O controlo é ridículo. À en- David, uma das responsáveis
ou transformou-as em vídeo- celam as saídas do país, os ho- No sector, o impacte foi de tal para o estrangeiro, o que signi- trada são controlados os bilhe- da agência. Na área comercial,
conferências. O número de en- téis começam já a recuperar. forma profundo que ainda exis- ficou “um decréscimo de 60 por tes de identidade e os bilhetes “as viagens diminuíram nos
contros deste tipo marcados po- Clara Feliciano, dos hotéis tem empresas que não conse- cento em vendas imediatas”. de embarque, mas nenhuma dias seguintes aos atentados,
derá, aliás, diminuir até 15 a 20 Plaza, explica que nos dias guiram superar os problemas “A empresa teve na primeira bagagem é revistada, não se mas as vendas estão a voltar ao
por cento, segundo um grupo que se seguiram aos atentados da semana passada. É o caso da semana de Setembro lucros na sabe o que levam para dentro normal, excepto em destinos
britânico que organiza cerca de “houve muitos cancelamentos Halcon, que optou por tomar ordem dos 111 mil contos e na do aeroporto! O pior é que não nos Estados Unidos e no Médio
3000 conferências por ano. I a nível de reservas”. Também medidas “drásticas” perante segunda semana, a dos atenta- permitem aos guias das agên- Oriente”. I LUSA
D E S TA Q U E 17
Q U A N D O P O R T U G A L F O I A LV O PÚBLICO•SÁBADO, 22 SET 2001

Portugal foi palco de atentados


LUSA
terroristas nos anos 80
nições e víveres que davam
GRUPOS EXTREMISTAS DO MÉDIO ORIENTE a entender que o plano dos
terroristas era permanecer
Assassinato de representante da OLP alguns dias dentro das ins-
e ataque à embaixada da Turquia levaram talações. Foram ainda encon-
trados explosivos de fabrico
Governo português a criar o Serviço soviético, três pistolas metra-
de Informações da República lhadoras Valan-Makarof, de
fabrico polaco, e uma Scor-
pion norte-americana.
HELENA PEREIRA regado de negócios turco. A actuação da polícia, neste
Um agente da PSP entra na caso, suscitou várias críticas
Na década de 80, Portugal foi casa, disposto a negociar com pelo facto de um dos agentes
palco de uma série de atenta- o grupo armado. Passados mi- da PSP ter entrado sozinho e,
dos terroristas, relacionados nutos, dá-se uma violenta ex- mais tarde, pela ordem dada
com grupos extremistas do plosão. Ao que tudo indica, os ao Grupo de Operações Espe-
Médio Oriente. Estes ataques quatro homens, que perten- ciais (GOE) — criado no ano
relançaram, na altura, a dis- ciam a um comando arménio, anterior — para assaltarem a
cussão em torno do Serviço tinham armadilhado o primei- casa com reféns e “atirarem
de Informações da República ro andar. Por acidente, os ex- à vista”. Numa das suas pri-
(SIR). Em 1984, foi aprovada plosivos são detonados. Mor- meiras provas, o GOE, no en-
a lei-quadro que ainda hoje rem os quatro terroristas, o tanto, demorou cerca de 40
se encontra em vigor, embora agente da PSP e a mulher do minutos até encontrar já sem
com algumas alterações. encarregado de negócios. vida os terroristas. A mulher
Um ano antes, em 1983, o O atentado foi reivindicado ainda foi transportada com
país tinha assistido a dois dos em Paris por uma organiza- vida para o hospital, acaban-
maiores atentados terroris- ção desconhecida, o Exérci- do por morrer.
tas perpetrados por organiza- to Revolucionário Arménio. Outra coisa inexplicável foi
ções estrangeiras no territó- Quatro terroristas arménios, o facto de funcionários da em-
rio português: o assassinato possuidores de passaportes baixada terem avisado na vés-
de um representante da OLP e libaneses, tinham vindo de pera a polícia da presença de
o ataque à embaixada da Tur- Beirute via Roma. Um viajara um carro suspeito que ron-
quia, que fez sete mortos. de Damasco. dava a embaixada. Na posse
Uma quarta-feira, dia 27 de Nas duas viaturas aluga- da matrícula, a polícia desco-
Julho, pelas 10h40 da manhã, das, foram encontradas mu- briu o nome dos homens que
dois automóveis aproxima- o tinham alugado, mas não o
ram-se da embaixada da Tur- paradeiro. No dia seguinte,
quia, na Avenida das Desco- esse foi um dos automóveis
bertas, em Lisboa. Perante Em 1983, o país tinha utilizados no atentado.
os portões fechados, um dos assistido a dois dos Os diplomatas turcos ain-
condutores projecta o carro da tinham presente na me-
contra as grades para ten-
maiores atentados mória o assassinato do adi-
tar forçar a entrada. A se- terroristas no do comercial da embaixada
gurança atira sobre um dos território português: da Turquia em Lisboa, em
homens, que tem morte ime- o assassinato de um 1982. Erkut Akbay foi atin-
diata. Os outros quatro fo- gido com quatro tiros quan-
gem, refugiando-se na re- representante da OLP do chegava a casa em Linda-
sidência oficial contígua à e o ataque à embaixada a-Velha, pelas 13h. O autor,
embaixada. Aí, fazem reféns da Turquia pertencente a um comando
a mulher e o filho do encar- arménio, fugiu a pé. I
A embaixada da Turquia foi alvo de dois atentados
LUSA

Abu Nidal mata no Algarve


Um domingo dia 10 de Abril de 1983, era assassinado, no Algar-
ve, Issam Sartawi, representante da OLP nos trabalhos do XVI
Congresso da Internacional Socialista (IS). O acto terrorista
foi reivindicado pela organização extremista palestiniana de
Abu Nidal.
Sartawi era conselheiro pessoal de Yasser Arafat e conhecido
pelas suas posições favoráveis à abertura do diálogo com a
esquerda israelita para uma solução pacífica do problema
palestiniano. Uma atitude que lhe valeu o ódio dos radicais
palestinianos. Os seguidores de Abu Nidal chamavam-lhe
“traidor” e “agente ao serviço dos israelitas”. “Apesar daquilo
que os dirigentes palestinianos têm afirmado, eles desde há
muito reconheceram efectivamente Israel e não há necessidade
nenhuma em esconder isso do resto do mundo”, dissera aos
jornalistas em Fevereiro desse ano.
O assassinato deu-se no átrio do Hotel Montechoro, pelas
9 horas da manhã. Um homem disparou seis tiros à queima-
roupa, pondo-se em fuga. A arma, uma Beretta de fabrico ita-
liano, foi mais tarde encontrada pelos jornalistas a 300 metros
do hotel. Sartawi tinha dispensado segurança pessoal, mas o
primeiro-ministro da altura, Mário Soares, foi muito criticado
pela oposição por não ter tomado medidas de protecção a altas
individualidades.
O embaixador de Israel em Portugal já tinha também sido
alvo de um atentado, reivindicado por extremistas palestinia-
nos, em Novembro de 1979. Saiu ileso, mas morreu um polícia
e ficaram feridas várias pessoas. O autor do atentado esperava
sozinho Ephraim Eldar junto ao edifício da embaixada, com
uma arma automática na mão. Eram 9h30 quando o Volvo azul
do embaixador se aproximou do prédio da Rua António Enes.
A rajada de tiros fez apenas alguns ferimentos ligeiros ao
israelita porque o motorista ainda conseguiu pôr em marcha
Issam Sartawi foi morto a tiro no átrio do Hotel Montechoro durante uma reunião da Internacional Socialista o carro quando se apercebeu do ataque. I
1 8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SÁBADO, 22 SET 2001 G U E R R A AO T E R R O R I S M O P O N TO S D E V I S TA

INQUÉRITO

Sinal e signo... 1. O que mudou no mundo?

2. Como devem e podem os Estados


Unidos e os seus aliados respon-
der a esta situação?
“As péssimas ideias” de José Pacheco Pe- A OPINIÃO DE cristianismo, cuja mundividência entende o
reira, publicadas no dia 20 de Setembro no ISABEL ALLEGRO DE MAGALHÃES planeta como lugar de habitação para todos,
PÚBLICO (página 21), é um excelente título, o mundo como uma comunidade fraterna.
com uma vantagem certeira: a total concor- Deveríamos, pois, nós ocidentais — cida- “O respeito pelos direitos do
dância dele, título, com o conteúdo das pala- Ideia péssima é esta que Pacheco dãos e governantes — perguntar-nos se a ac-
vras do autor — ideias péssimas, de facto. tuação dos EUA no mundo, tão à vista nesta homem deve ser o critério do
Pereira formula, numa atitude
Curiosamente, Pacheco Pereira mete
de petulância surpreendente,
administração Bush, poderá ser olhada, por novo quadro de relações
num mesmo saco ideias afirmadas e deba- quem quer que seja, como “democrática” ou
tidas ao longo destes dias pós-tragédia nos sem aparentemente se deixar como defensora da “liberdade”. Mas de que internacionais”
Estados Unidos, vindas aparentemente du- liberdade? E liberdade de quem, afinal? E
ma geral, por si indefinidamente chamada,
questionar enquanto cidadão democracia — etimologicamente: exercício
“esquerda”. Delas apenas nomeia duas, de um dos países ocidentais do poder do povo — exercida por parte de 1 — A ideia de conflitos lo-
completamente diversas na atitude e no quem? cais ou regionais distantes
tom, para em conjunto as criticar: as de Está à vista de todos a natureza das muitas do mundo ocidental, que po-
Mário Soares e as de Maria de Lourdes Pin- intervenções militares norte-americanas diam ser observados ou geri-
tasilgo. (Sobretudo estas, porque mais “à vozes de África, por exemplo do Sudão, têm (pense-se na viragem do feitiço contra o fei- dos à distância, deixou de fa-
esquerda”, depreende-se.) Esqueceu-se de dito isto o mesmo e com clareza. ticeiro no próprio Afeganistão, como tão zer sentido. O terrorismo
mencionar, ou não lhe interessou, não se Também parece pouco provável que qual- bem o lembrou há dias na RTP2 o jornalista passou a ser um dado no
sabe porquê, as ideias claras, denunciado- quer fundamentalismo religioso ensimes- Barata-Feyo): sempre em benefício próprio, quotidiano de todos os po-
ras do estado das coisas no nosso planeta mado pudesse ter levado, só por si, a longa- e no entanto sempre (também!) em nome vos, tendo sido brutalmente
político-económico-racial-social, expressas mente preparar e produzir um ataque tão de Deus, ou da civilização cristã — o que Francisco rompida a noção egoísta de
e também publicadas ou na “Visão” ou no sofisticado como aquele a que assistimos no caso parece ser o mesmo, e em nome da Bethencourt, zonas protegidas. Passamos
PÚBLICO, de pensadores como Eduardo a símbolos notórios da primeira potência “salvação” do “resto do mundo”! historiador, a participar todos de todos
Lourenço, Boaventura de Sousa Santos, mundial, com milhares de inocentes como Ou pense-se ainda nas não-intervenções, director do os problemas maiores do pla-
Frei Bento Domingues, entre vários ou- vítimas. Isto sem qualquer reivindicação ou planeadas e defendidas sob esta administra- Centro neta — políticos, religiosos,
tros. Todos eles de acordo em duas coisas: o contrapartida procurada: só assim, gratuita- ção Bush, com a declaração por parte dos Cultural sociais, económicos —, on-
profundo lamento perante a tragédia acon- mente. (Aliás, os excessos do Irão em tempos EUA de não estarem dispostos a cumprir Calouste de quer que eles ocorram. A
tecida, por um lado; e, por outro lado, a idos eram uma revolta já contra a civiliza- muitos dos tratados internacionais (quanto Gulbenkian percepção das realidades ti-
percepção de uma razão fundamental que, ção ocidental, mais do que uma investida a meio ambiente, ecologia, cooperação para em Paris nha-se tornado cada vez
se nunca poderá justificar o acontecido, o islâmica, apesar de por ela enformada...) o desenvolvimento, etc.). mais “paroquial” desde o fi-
explica de modo convincente. O que parece haver aqui é sobretudo um Será do mais elementar senso comum (e nal da guerra fria — o exemplo das cadeias
Essa razão é precisamente aquela que es- sinal exterior, fortíssimo, que se torna signo não haverá aqui direita nem esquerda a di- de televisão nacionais era sintomático, pro-
capa, ou antes, que é directamente negada de um mal-estar subterrâneo que a todos vidir ninguém!) que este alerta terrorista jectavam uma visão do mundo cada vez mais
por Pacheco Pereira. nos põe em questão. sobre território norte-americano não tem microscópica. O contexto mudou radicalmen-
Ao contrário do que aqui lemos, é com Ideia péssima é esta que Pacheco Pereira como ser apoiado ou aceite. Nenhum fim te: deixou de ser possível raciocinar sobre os
certeza a essencial desigualdade no mundo formula, numa atitude de petulância sur- justifica estes meios. Ponto assente. problemas num quadro autárcico. A maneira
— com a pobreza, a injustiça, a má resolução preendente, sem aparentemente se deixar No entanto, que ele foi e continuará sendo de pensar do século XXI anuncia-se global,
de conflitos internacionais, regionais ou questionar enquanto cidadão de um dos pa- um sinal para o Ocidente não resta dúvida. Os por força destas circunstâncias dramáticas.
locais de toda a ordem — aquilo que poderá íses ocidentais: “A guerra que vem aí não é países da NATO, e todo o chamado “Primeiro
estar na raiz desta nova, terrível e temível, dos americanos, é do nosso modo de vida, Mundo” têm duas alternativas: ou aceitar 2 — Existe uma exigência de compreensão do
forma de agressão internacional. cultura e civilização, contra o intransigente repensar-se na percepção que têm do “resto que se passou e de resposta urgente, por par-
Como é óbvio, não poderiam nunca ser os ‘espírito de morte’ como instrumento polí- do mundo” e nas suas estratégias políticas te da população americana e de uma boa par-
injustiçados (pobres absolutos, “humilha- tico e os interesses que o manipulam.” (E (económicas, sociais, raciais, etc.) ou deixar te da população do mundo. Espera-se que as
dos” ou “ofendidos”) a produzir um qual- melhor teria sido dizer “norte-americanos”, que o futuro possa revelar-se “menos glorio- acções a empreender se dirijam exclusiva-
quer protesto, nem deste nem de outro gé- pois “americanos” são os habitantes de todo so” — com telhados de vidro, onde antes as ar- mente contra as redes terroristas responsá-
nero: resta-lhes morrer anonimamente e o Continente da América! Esta nomenclatu- mas antimísseis deixavam dormir tranquila- veis pelos atentados, sem envolver população
— o que é mais grave — sem que alguém de ra é já por si denunciadora de um ponto de mente, por exemplo; e mais perigoso — não só inocente, com o cuidado de evitar reacções
peso do 1º mundo levante a voz para protes- vista bem determinado: aquele que toma a para os norte-americanos, mas seguramente religiosas ou étnicas. Uma resposta desade-
tar contra o que o Ocidente (e não apenas parte pelo todo.) para todos nós, “primeiro-mundistas” que quada pode lançar o mundo numa espiral de
os EUA) deles tem feito: desfazendo-os de Ora, o nosso “modo de vida”, a “nossa cul- do alto da nossa elogiada civilização “tech” violência incontrolável. A rapidez da resposta
maneiras várias, todas elas tão ou mais tura” e a “nossa civilização” — e entendo por não sabemos (ou não queremos), assumir necessária irá sacrificar o discernimento, co-
terríveis que a do ataque a Nova Iorque e a “nossa”, aqui, a ocidental — neste momento nem reflectir sobre a nossa responsabilidade mo é inevitável. O combate ao terrorismo exi-
Washington. Talvez alguém (ou “alguéns”) da história da humanidade não honram va- humana mais sagrada. I Professora catedrática ge, a médio e longo prazo, uma nova política
por eles fale e actue neste momento. Até lores fundadores da Europa, sobretudo os do da Universidade Nova de Lisboa de recolha, tratamento e troca de informação
DR
entre os diversos países. Exige acordos de
extradição, homogeneidade de procedimen-
tos e vontade política de actuar. Exige meca-
nismos de controlo do movimento internacio-
nal de capitais ligado às organizações
terroristas. Exige uma intervenção séria e
equilibrada, dos Estados Unidos e seus alia-
dos, no sentido de ajudar a resolver os princi-
pais conflitos regionais. Exige uma reflexão
sobre as principais assimetrias económicas
no mundo e uma intervenção sistemática no
sentido de as diminuir. Essa intervenção siste-
mática, destinada a estimular o desenvolvi-
mento e não a sustentar regimes corruptos
que mantêm as populações na miséria, como
tem acontecido em muitos casos, pode ser
considerada, na prática, como parte integran-
te dos custos de protecção da economia mun-
dial. A própria noção de “Estados Unidos e
seus aliados”, com a fluidez que se lhe conhe-
ce, deve ser repensada. Um mundo mais segu-
ro e mais livre é aquele que promove o desen-
volvimento e a tolerância entre os povos. O
envolvimento de todos os países numa base
mínima de respeito pelos direitos do homem
deve ser o critério normativo do novo quadro
de relações internacionais.
D E S TA Q U E 1 9
PÚBLICO•SÁBADO, 22 SET 2001

A economia delinquente fundada pelos taliban


perverteu as relações sociais em toda a região
“Quando estiverdes a medir, enchei A OPINIÃO DE e outras actividades de contrabando, a
sempre a medida. Pesai com a balança economia de guerra afegã metamorfo-
exacta. Vale mais isto, pois dá melhor
HALIMA NAIMOVA seou toda a actividade económica da re-
resultado.” gião com as suas redes políticas associa-
Corão, Sura XVII, versículo 37 O Afeganistão, devastado das competindo entre elas e minando
e inexistente como Estado, ao mesmo tempo economias oficiais e
é a fonte mais valiosa os Estados da região, atingindo directa-
A economia de guerra criada durante mente o Paquistão, os países árabes do
vinte anos de conflito afegão, onde mor- do mundo para o contrabando Golfo Pérsico, o Irão, a Ásia Central e,
reram 1,5 milhões de pessoas e continu- de ópio e seus derivados, através do comércio da droga, a Rússia,
am a morrer, afecta a Ásia Central e, e é um corredor que serve de a Europa e os Estados Unidos.
em particular, o meu país natal: o Taji- Para entender a criação ideológica
quistão, que tem 1200 quilómetros de
transporte e venda do mesmo da “jihad” moderna, gostaria de referir
fronteira com o Afeganistão. a página 129 de um livro avassalador
O Afeganistão não se tornou, isolada- (pela quantidade enorme de dados e fac-
mente, no país produtor mundial de ópio e ra uma crise financeira. Tentativas para tos recolhidos e publicados) intitulado
centro de negócios de armas, mas fomenta impor uma disciplina fiscal no Paquis- “Taliban: Islam, Oil and the New Great
este multimilionário comércio, em dóla- tão, que iria prejudicar a base económica Game in Central Asia”, do jornalista
res americanos, traduzido em tráfico de dos taliban enfraquecendo igualmente paquistanês Ahmed Rashid.
mercadorias do Dubai para Paquistão. as bases das duas ISI, cuja gente fez e faz “À noite, a primeira-ministra de Pa-
A economia delinquente fundada pelos fortunas, para si e suas famílias, a durar quistão, [Benazir] Bhutto ofereceu um
taliban e seus adversários perverteu as gerações, passaram despercebidas. jantar aos jornalistas em Islamabad. En-
relações sociais enfraquecendo os Estados A Ásia Central, recentemente aberta tre os convidados encontrava-se o ge-
e economias legais de toda a região. ao mundo maravilhoso do “salve-se neral Hamed Gul, chefe dos Serviços
A guerra no Afeganistão, que se tornou quem poder”, não tem instituições para Secretos (ISI) paquistaneses. O general
numa guerra transnacional, criou con- governar mercados nem está em longa estava triunfante com a retirada sovié-
dições para uma actividade económica e penosa caminhada de aprendizagem tica do Afeganistão [em 1989]. Foi-lhe
transnacional de natureza predatória, que democrática da governação, criando pelo perguntado se ele não estava a brincar
abarca um leque de actores conhecidos e caminho a geração de analfabetos que o com o fogo convidando islamistas ra-
desconhecidos de vários países. comunismo soviético tinha praticamen- dicais dos países islâmicos, que eram
O Afeganistão, devastado e inexistente te erradicado de forma compulsiva. ostensivamente aliados do Paquistão.
como Estado, é a fonte mais valiosa do A tragédia e miséria humanas tor- Resposta: ‘Nós estamos a levar a ‘jihad’
mundo para o contrabando do ópio e seus nam-se maiores quando se sabe que o e isto é a primeira brigada internacional
derivados, e é um corredor que serve de ópio afegão é a única fonte de sustento islâmica na era moderna’”.
transporte e venda do mesmo, onde os gru- das famílias paupérrimas, sejam eles do Em 1986, o chefe da CIA, William Ca-
pos armados protegem uma larga região lado tajique ou afegão do rio Pandj. sey, convenceu o Congresso americano a
onde os lucros são produzidos pela política O comércio da droga e armas trouxe fornecer aos mujahedines mísseis Stin-
ger de fabrico america-
SHAFIQULLAH EKHLAS/REUTERS
no para abater os aviões
soviéticos e enviar con-
selheiros para treinar a
guerrilha. A CIA ame-
ricana, a inglesa MI6 e
os serviços secretos pa-
quistaneses concordaram
com o plano provocativo
de lançar ataques de gue-
rilha contra Tajiquistão.
A tarefa foi confiada
ao favorito dos serviço
secretos paquistaneses,
Hekmetyar, que com pe-
quenas unidades atraves-
sando o rio Amu Daria
lançou ataques de “ro-
ckets” contra as vilas de
Tajiquistão.
Casey, o chefe da CIA,
estava deliciado com as
notícias e, numa viagem
secreta ao Paquistão, atra-
vessou a fronteira para
o Afeganistão, na altura
com o Presidente Zia ul-
Haq, para rever os grupos
de mujahedines.
A CIA deu o seu apoio
à iniciativa dos ISI para
de indução dos diferenciais de preço. para a região o crime organizado inter- recrutar os islamistas radicais de todo
A região em questão inclui o Dubai, nacional. Embora 90 por cento do ópio mundo, acolhendo-os no Paquistão para
o grande supermercado “duty-free” do seja cultivado na região controlada pelos combaterem junto de mujahedines afe-
mundo, país dito islâmico, com os outros taliban a Sul do Afeganistão, quantida- gãos contra as tropas da URSS. Washing-
países árabes do Golfo Pérsico a acolher o des significativas de droga são trafica- ton queria mostrar que o mundo islâmico
tráfico de mulheres da Ásia Central para das em direcção ao Norte do país, sob inteiro, ao lado dos afegãos e dos seus
a prostituição; outro país, o mais perigoso controlo da mafia russa, que durante benfeitores americanos, estava a comba-
da região, é o Paquistão que representa anos forneceu armas à Aliança do Norte ter contra a URSS.
uma união harmoniosa entre dois servi- do assassinado comandante Massoud, A CIA e a(s) ISI têm a responsabilidade
ços que trazem siglas homónimas: ISI, atravessando as fronteiras de Tajiquis- pela “talibanisação” de uma parte da
que quer dizer, em urdu, a Direcção de tão e levada para a cidade de Osh, na população paquistanesa. A CIA e os seus
Serviços Secretos e Regime de Comércio Quirguízia, que se tornou o principal aliados forneceram armamento e ajuda
para Importação/Substituição de Bens ponto de transbordo. financeira aos movimentos e partidos
Industriais. Estes dois organismos cria- O dinheiro envolvido em drogas e islâmicos paquistaneses. Cerca de 25 a 30
ram uma sociedade perigosamente ar- comércio de armas minam perigosa- porcento das tropas taliban são voluntá-
mada e corrupta, onde os interesses eco- mente as instituições estatais da Ásia rios paquistaneses recrutados das aca-
nómicos e os imperativos de actos ilícitos Central afectando de forma igual a pró- demias religiosas e grupos políticos.
encobertos concordam para minar as re- pria Russia. Põe-se a seguinte questão: como vão
gras fiscais do seu próprio Estado. Com o aumento da produção do ópio acabar com este gigantesco polvo que
O acordo afegão sobre o comércio tran- a CIA ajudou a criar com os seus alia-
sitário, um “pipeline” do mercado negro, dos? Este mesmo monstro que destruiu
minou de forma vergonhosa a economia Filóloga e orientalista tajique o Pentágono e devastou Nova Iorque?
legal paquistanesa conduzindo o país pa- residente em Portugal Tem de haver uma resposta justa! 
2 0 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SÁBADO, 22 SET 2001 G U E R R A A O T E R R O R I S M O H I S T Ó R I A E C U LT U R A

Um historial de destruição O Afeganistão


desde a Antiguidade esse desconhecido
JEAN-CLAUDE CHAPON/EPA

As estátuas de Buda no Já não há mapas do McNally, esgotou igualmente


Afeganistão, o World Afeganistão à venda o “stock” de mapas do Afega-
nistão nas suas lojas.
Trade Center em Nova nos EUA. O “stock”
Iorque. Os símbolos esgotou-se e os Livros que voltaram
de civilização foram organismos oficiais a estar na moda
No “site” de venda de livros
sempre alvos também foram clientes Amazon.com a “A Guerra Se-
creta da América contra as
No ano 356 antes de Cristo, o A venda de livros e mapas Armas Biológicas” foi a obra
Templo de Artemísia era o or- do Afeganistão disparou nos mais pedida durante a sema-
gulho da cidade de Éfeso, loca- EUA desde o passado dia 11. na passada. Escrito por um
lizada no território do que é Todos querem saber mais so- jornalista do “New York Ti-
hoje a Turquia. Media 91 me- bre o país que alberga o prin- mes”, especializado em as-
tros de comprimento e 45,5 me- cipal suspeito dos ataques ter- suntos do Próximo Oriente,
tros de altura e tinha um tec- roristas contra o World Trade o livro fala dos riscos de uma
to suportado por mais de 100 Center e o Pentágono, Osama guerra biológica desencadea-
colunas de pedra maciça. Um bin Laden. da por terroristas.
acto de infâmia perpetrado por “Tínhamos cerca de 20 ma- Outra obra, “Os novos cha-
um jovem chamado Heróstra- pas do Afeganistão e ven- cais: Ramzi Yousef, Osama
to, sedento de fama e imorta- demo-los todos rapidamente bin Laden e o Futuro do Ter-
lidade obtida de forma duvi- depois do ataque”, disse à rorismo”, de Simon Reeve,
dosa, fez em cinzas uma das agência Reuters o dono da lo- ocupou o quarto lugar no site
maravilhas do seu tempo. ja ADC Map and Travel Cen- da Amazon.com, apesar de a
Em Março passado, algo de ter, perto da Casa Branca. A entrega só ser possível três
semelhante aconteceu no Afe- A destruição das estátuas de Buda no Afeganistão chocou o mundo procura foi tão alta que Seth ou cinco semanas após a en-
ganistão. Duas estátuas de Bu- Lavisfiere ainda tentou ar- comenda. A lista contém mais
da, com 53 e 36 metros de al- tas, palácios e bibliotecas — fa egípcio Al-Hakim ordenou a de conquistadores espanhóis, ranjar mais mapas. Sem su- quatro livros sobre o Afega-
tura, respectivamente, foram de símbolos das mais variadas destruição da Igreja do Santo chefiados por Hernan Cortez, cesso. “Temos cerca de 100 for- nistão.
dinamitadas sem contempla- culturas e tradições. Sepulcro, em Jerusalém, cons- arrasou o Grande Templo e to- necedores e ninguém parece O “site” da Amazon revela
ções pelo regime dos taliban No ano 70 depois de Cristo truída em 330 da era cristã. dos os espaços rituais da cida- ter nada neste momento.” também o interesse do públi-
com o objectivo de apagar da as legiões romanas invadiram Este acto deu lugar às cruza- de azteca de Tenochitlan, uma Mapas de outros países li- co pelos escritos do astrólo-
face da terra um testemunho de surpresa Jerusalém e des- das, que levaram até ao Médio das mais populosas e avança- gados a Bin Laden, como o Su- go francês do século XVI Nos-
da passagem do budismo por truíram o segundo Templo da Oriente hordas de exércitos das do seu tempo, onde hoje dão e a Líbia, também esgo- tradamus, célebre pelas suas
aquela região. As estátuas ti- cidade, dando início à diáspora que mantiveram uma guerra existe a Cidade do México. taram, acrescentou o lojista. visões apocalípticas e que,
nham sobrevivido ao longo de do povo judeu por todo o mun- aberta entre o Islão e o Cristia- Mas das ruínas pode, em cer- A maior parte dos compra- segundo rumores postos a cir-
séculos de guerras e convul- do. A primeira destruição ti- nismo durante séculos. tos casos, renascer uma nova dores são departamentos go- cular na Internet, teria pre-
sões políticas e militares. nha ocorrido em 587 antes de Em 1258, o filho de Khan, o jóia. Foi o que sucedeu em Éfe- vernamentais dos EUA, confi- visto os ataques de terça-feira
Entre estes dois gestos de Cristo, exactamente no mesmo líder mongol Hulagu,arrasou so, onde o templo construído denciou ainda o dono da ADC contra os EUA. A profecia re-
barbárie são incontáveis os ac- mês e dia, por ordem do rei Na- a cidade de Bagdade. Calcula- em vez do anterior se tornou Map and Travel Center. velou-se apócrifa, mas o inte-
tos de destruição — templos bucodonosor da Babilónia. se que tenham perecido 100 mil numa das sete maravilhas do Um dos maiores vendedo- resse pela figura, pelos vistos,
e igrejas, sinagogas e mesqui- Em 1009 da nossa era, o cali- pessoas. Em 1521, um bando Mundo Antigo.  REUTERS res de mapas dos EUA, Rand manteve-se. 
ES PAÇ O P Ú B L I C O 23
PÚBLICO•SÁBADO,22 SET 2001

PRISÃO PERPÉTUA, Bartoon LUÍS AFONSO

CAUSAS E PRINCÍPIOS
Guterres e Durão Barroso ainda não defendem a
prisão perpétua. Acham, no entanto, que se pode
transigir com a sua possibilidade, que se deve
abdicar do princípio, suspender a causa, adiá-la…

É extraordinária a facilidade com que o Governo


português e os partidos da oposição estão dispostos a
deixar cair a secular causa jurídica e civilizacional do
Estado português contra a prisão perpétua. Abolida em
1884, após um dos poucos debates culturais em que
Portugal foi pioneiro na cultura ocidental nos últimos
dois séculos, a admissão da possibilidade desta sanção
na ordem jurídica nacional regressa agora pela porta,
aliás simpática, do combate ao terrorismo e às redes de
crime internacionais.
Há nove dias António Costa, ministro da Justiça, foi à
Assembleia da República perguntar aos partidos o que é
que eles pensavam de rever o artigo 33º da Constituição da
República — o que só admite a extradição se o Estado
requisitante der garantias de que não serão aplicadas
penas de carácter perpétuo ou de duração indefinida —,
não só para Portugal aderir ao Tribunal Penal
Internacional (TPI) como, também, para responder
positivamente à proposta do comissário europeu
responsável pela Justiça e Assuntos
Internos da União Europeia (UE),
Editorial António Vitorino: instituir um mandado
de captura europeu — o qual, nos casos
de países como a França, a Bélgica ou o Reino Unido, em
que vigora a prisão perpétua, é incompatível com a
proibição constitucional portuguesa.
António Costa argumentou com a urgência do combate ao
terrorismo, tornada imperativa pelos recentes atentados Cartas ao Director
na América, e com a necessidade de coordenação das
polícias e das magistraturas dos Quinze no combate às As cartas destinadas a esta secção — incluindo frase podem apontar para intenções reflexão que deve exigir dos responsá-
máfias, nomeadamente de Leste. Segundo o ministro da as remetidas por e-mail — devem indicar o nome diferentes, em diferentes circunstân- veis políticos das várias democracias
Justiça, não faz qualquer sentido a UE manter entraves à e a morada do autor, bem como um número
telefónico de contacto. O PÚBLICO reserva-se o cias, em diferentes contextos. Isto é ocidentais actos de humildade demo-
administração da justiça, tanto mais que, nos países em
direito de seleccionar e eventualmente reduzir por vezes difícil de entender por parte crática perante os erros do passado (e
causa, a prisão perpétua raramente é aplicada — e, os textos recebidos. Não se devolvem os origi- de quem está habituado a idiomas foram tantos...) mas também de cora-
quando o é, quase ninguém a cumpre (um relatório da nais dos textos não solicitados, nem se prestará mais concretos e objectivos como, por gem para punir os mentores ou execu-
Procuradoria-Geral da República informou o Governo informação postal ou telefónica sobre eles.
exemplo, o inglês. tores do terrorismo; dando-lhes, contu-
português que na Bélgica, por exemplo, o tempo médio de Endereço electrónico: Assim, é possível que a palavra do, ao mesmo tempo, os sinais de que
prisão efectiva para os sentenciados com a prisão cartasdirector@publico.pt “jihad” seja pronunciada nos dias de as nossas atitudes futuras jamais volta-
perpétua é de 12 anos…). hoje, no mundo islâmico, para anun- rão a ser o que foram até agora, pois
Durão Barroso, que primeiro hesitou quanto à revisão de
tão elevado princípio, veio quinta-feira à noite defendê-la.
Parabéns ciar coisas diferentes. Há que estar irão pautar-se pelos valores e não pelos
atento. interesses.
Fê-lo porque, disse, não quer ver “o nosso país Ao ler a vossa edição de hoje (21/09), não O mesmo se poderá dizer em relação Espero que o PÚBLICO, com a sua
transformado em porto de abrigo de terroristas” — o que é resisti a dar-vos os meus parabéns pela à palavra (al)qaŒida, nome da organi- “tribuna” diária sempre aberta a todas
demagógico uma vez que, segundo o Código Penal, quantidade e, sobretudo, pela qualidade zação alegadamente dirigida por Bin as opiniões, possa ajudar a formar essa
Portugal tem a obrigação de julgar todos aqueles cuja e profundidade dos artigos de opinião Laden. QaŒida significa “base” mas nova mentalidade ocidental, que pode-
Constituição impede a extradição. que vêm publicando, designadamente não só isso; derivando de uma raiz que rá salvar (quiçá numa última oportuni-
Estamos nisto, portanto. Nem António Guterres, nem sobre as causas e consequências dos tem a ver com o acto de “estar senta- dade) este planeta de gravíssimas con-
Durão Barroso, provavelmente nem Portas nem atentados nos USA. Continuem assim, do”, “tomar lugar”, “instalar-se”, esse vulsões sociais e de enor mes
Carvalhas, defendem, ainda, a prisão perpétua. Acham, no cimentando a vossa posição como vocábulo também pode significar “re- sofrimentos num futuro bem próximo.
entanto, que se pode transigir com a sua possibilidade, que melhor órgão de comunicação social gra”, “fundamento”, “ponto de apoio”. JOSÉ CARLOS PALHA
se deve abdicar do princípio, suspender a causa, adiá-la até português. O conhecimento da riqueza de signifi- Gaia
o mundo ser um local mais seguro… E não se detêm, JORGE AVILLEZ PEREIRA cados de uma palavra ajuda a dimen-
sequer, com a constatação objectiva, clara, de que, nos sionar a realidade que se encontra por
países onde está instituída, a criminalidade violenta não
Lisboa
trás de uma simples palavra. (...)
Tolerância
abrandou por causa dessa sanção. Fiquei chocado com a pretensa compre-
Por isto, Portugal vai condescender com a prisão
Parabéns FERNANDO BRANCO CORREIA
Évora ensão e justificação dada por Noam
perpétua. Em termos culturais, não é pequena coisa: Gostaria de vos felicitar pela inclusão, Chomsky aos ataques terroristas contra
vamos passar a aceitar colectivamente que há crimes no jornal do dia 19 de Setembro de o mundo civilizado, numa entrevista
imperdoáveis para todo, todo o sempre — e que há pessoas 2001 (pág. 9) de um artigo da Reuters Parabéns ao PÚBLICO divulgada ontem no PÚBLICO: “... É
que jamais poderão voltar a viver no meio de nós. Para sobre o significado não deturpado do Venho dar os parabéns ao PÚBLICO uma vergonha; toda a história da Europa
quem diz defender o princípio contrário, é extraordinária conceito de “jihad” no Islão. pela forma abrangente e isenta como — e a dos EUA — é de conquista e des-
a facilidade com que dele abdicam. LUÍS MIGUEL VIANA A sua identificação, automática e tem abordado a crise mundial que truição do mundo, em nome dos seus
simplista com o de “guerra santa” é os acontecimentos trágicos de 11 de interesses.” Mas vai mais longe: “Anda-
redutora na medida em que dá, como Setembro último vieram desencadear. mos 200 anos — no caso de Portugal mais
contribuinte nº 502265094 única, a interpretação mais radical Nos últimos dias pude ler comentários séculos — a sustentar a ideia de que po-
depósito legal nº 45458/91 desse conceito, tal como a apreende- variados de pessoas credenciadas com demos fazer todas as atrocidades aos
registo ICS nº 114410
mos hoje através dos conflitos que nos opiniões muitas vezes opostas, o que outros povos. Mas que eles não podem
E-mail: publico@publico.pt LISBOA: Rua Viriato, 17 – 1069-315 Lisboa; Telef.: 210111000 (PPCA) Fax: chegam por via exclusiva de uma co- só valoriza um jornal que se quer fazer o mesmo contra nós.”
Dir. Empresa 210111005; Dir. Editorial 210111006; Agenda 210111007; Redacção 210111008; municação social pouco interessada plural e dirigido para o exercício da Claro que se percebe a intenção da com-
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BRAGA: Rua de S. Marcos, 126-1º Esq. Fr. – 4700 Braga Telef: 253619041; Fax: 253617983 • AVEIRO: goste de tentar ir mais longe. O artigo de sexta-feira, 21-09, de Miguel séc. XXI ainda se justifique a intolerân-
Rua Eng. Silvério Pereira da Silva, 16-A, 2º Tr. – 3800 Aveiro Telef/Fax: 234382507 • COIMBRA:
Avenida Fernão de Magalhães, 153/157- 2º Dto, sala 6 – 3000 Coimbra Telef.: 239829554; Fax: 239829648
A palavra “jihad” deriva da raiz trilí- Sousa Tavares e a análise séria e factual cia com intolerância. (...)
• ALGARVE: Avenida da República Federal Alemã, bloco C 2 – 8000 Faro Telef.: 289806656; Fax: tera J-H-D (raiz de onde provém tam- de Margarida Santos Lopes valeram, e FERNANDO RUI
289806655 • VILA REAL: Rua 31 de Janeiro, 41 - 3º, sala 303, 5000 Vila Real Telef.: 259326262; bém a palavra muJaHiDin) que indica de que maneira, a leitura fastidiosa de Arouca
Fax.: 259326265 • MADEIRA: Rua dos Ferreiros, 55-2º Dtº – 9000 Funchal Telef.: 291231611 •
PROPRIETÁRIO: PÚBLICO Comunicação Social, SA Sede: Rua João de Barros, 265, 4150 Porto • acções relativas a esforço: “esforçar-se outros colunistas, em dias anteriores,
IMPRESSÃO: Unipress, Tv. Anselmo Braancamp, 220-Arcozelo/4405, Valadares; Telef.: 227537030; por”, “batalhar”, “aplicar-se”, mas que me pareceram movidos mais por
Mirandela — Rua Rodrigues Faria, 103, 1300 Lisboa; Telef.: 213613400; Fax: 213613469 • DISTRIBUIÇÃO:
também “ir ao limite do possível”, o velhos ressentimentos políticos “paro- O PÚBLICO ERROU
Midesa Portugal - Distribuição de Publicações, S.A.; Lisboa: Rua da República da Coreia, 34, Ranholas,
2710-460 Sintra; Telef.: 219267800, Fax: 219267850; Porto: Rua Engenheiro Ferreira Dias, 1173 a 1177, 4100 que não exclui, obviamente, a possibili- quiais” e por puro diletantismo intelec-
Porto; Telef.: 226191211; Fax: 226191210; Algarve: Estrada de Boliqueime - Fonte de Boliqueime, 8100-070 dade de haver luta. Porém, a raiz desta tual do que propriamente por um espíri- Devido a um erro lamentável, a repor-
Boliqueime; Telef. e Fax: 289366361; Coimbra: Beco Olheiro, Armazém 2, Adénia, 3020-028 Coimbra; Telef.:
239430519; Fax: 239431592 • ASSINATURAS: 808200095 palavra não tem a ver, na origem, com to analítico desinteressado e racional. tagem sobre o Salão de Frankfurt pu-
o conceito cristão de “santidade”. Mas devemos ler tudo e todos porque só blicada no suplemento Fugas não inclui
O árabe, tal como outras línguas assim se constrói uma opinião pública as fotos do Ford Fiesta, Honda Jazz e
Tiragem média total do mês de Agosto semitas, é rica em leituras alegóricas. informada e o mais possível esclarecida. Volkswagen Polo. Pelo sucedido, pedi-
AS SO C I AÇÃO P O R T UGUE SA
D O C O N T R O LO D E T I R AG E M
72.388 exemplares Uma mesma palavra ou uma mesma Vivemos um momento de profunda mos desculpas.
ES PAÇ O P ÚB L I C O 25
PÚBLICO•SÁBADO, 22 SET 2001

O espectáculo dos mísseis Quem encontrou a pasta


oras após os trá- Laden a tribunal como para do senhor Chamberlain?
H gicos atentados
do dia 11, numa
televisão portu-
guesa estranhava um jor-
nalista não terem ainda as
permitir a legítima defesa
aos EUA). Não se trata, aliás,
apenas de um direito, mas de
um dever de reagir na defesa
dos valores de civilização
O mundo islâmico não é nenhuma tribo de guaranis perdida na
Amazónia que um dia viu o seu território invadido por criadores de
cadeias norte-americanas que nos são caros — o que
passado imagens de mortos implica, naturalmente, não
gado ou pesquisadores de ouro e que agora, mercê de um súbito
FRANCISCO acesso à tecnologia, vem vingar-se da destruição a que o seu
e feridos. De facto, a cobertu- SARSFIELD CABRAL usar os mesmos métodos dos
ra desta tragédia pelas tele- terroristas. Não podemos fi- território e as suas gentes foram sujeitas
visões americanas foi muito car calmamente à espera do
diferente daquela exploração da morte, do san- próximo atentado, talvez com armas nucleares,
gue e da dor que as nossas televisões tanto gos- químicas ou biológicas... E uma operação militar
tam de transmitir — como aconteceu em Castelo até é capaz de ter alguma eficácia: depois do rai- ria deixarem de se construir torres e
de Paiva e, mais recentemente, no crime de For- de aéreo sobre a Líbia ordenado há 15 anos por colocarem-se as sedes das grandes em-
taleza. Por sorte para os leitores do PÚBLICO, Reagan, esmoreceram os ímpetos terroristas da- presas no subsolo. Até se podia dar li-
Eduardo Cintra Torres encontrava-se na altura li alimentados. Mas, neste novo tipo de guerra, cença sabática àqueles inconvenientes
em Washington e pôde testemunhar a qualida- o papel dos militares tem limitações. Há coisas funcionários que, em vários países eu-
de profissional e ética da cobertura realizada tão ou mais importantes do que a força das ar- ropeus, investigam as práticas de exci-
pelas televisões norte-americanas. Em vez de mas — desde uma efectiva cooperação entre as são em meninas. Dar refúgio a homens
explorarem a emoção em cima do acontecimento polícias de vários países (envolvendo áreas que HELENA MATOS como Rushdie também é susceptível
(primeiro objectivo de muitos “jornalistas” de a soberania dos Estados gosta de manter fecha- de fazer os olhos dum qualquer
televisão que por cá temos), os jornalistas dos das a estrangeiros) até à necessária eliminação “mullah” caírem neste canto do glo-
EUA procuraram conter as suas próprias emo- dos paraísos fiscais, passando pela aceitação pe- bo... E se por acaso os atentados chega-

O
ções e as dos outros. E revelaram, sobretudo, um la sociedade de que a segurança tem um preço, Papa já se reuniu com os car- rem a Londres esse é o preço natural
enorme respeito pelas pessoas — pelas vítimas, não só na comodidade das viagens aéreas como deais e bispos para decidir que os britânicos têm de pagar pelo
pelas suas famílias e pelos telespectadores. Não no uso das liberdades. do destino do teólogo cristão apoio dado aos EUA. Se alguma bomba
mostraram imagens de horror que nada acres- que terá inspirado os atenta- explodir em Paris também não é de es-
centariam à informação, nem colocaram aos fa- Ora a comunicação social e, sobretudo, a tele- dos contra as cidades muçulmanas. tranhar. Salta à evidência que os fran-
miliares das vítimas a pergunta idiota, tão cor- visão podem ajudar a compreender a realidade, Nas igrejas, os pregadores não cessam ceses, povo reconhecidamente mal-
rente entre nós, “o que sente?”. E não revelaram se não ficarem apenas à espera do “espectáculo de apelar à guerra contra os infiéis mu- educado, ainda sonha com as doçuras
os nomes das ví- çulmanos.” Como seria a nossa vida, da vida na Argélia colonial. Na Espa-
timas antes de as no Ocidente, se o nosso quotidiano fos- nha, claro que existem imensas razões
famílias serem A LV E J A R C A M P O S de terroristas e instalações de quem os se assim determinado? Como seria a para fazer explodir o que quer que se-
informadas. No apoia é, nesta circunstância, moralmente legítimo e juridicamente nossa vida se o nosso Código Penal fos- ja: desde a solidariedade com a ETA à
meio de uma se substituído por interpretações dos forma inqualificável como gerações de
imensa tragédia, correcto. Mas será o menos importante Dez Mandamentos? Não queremos nem espanhóis têm descrito o comporta-
este foi mais um imaginar, mas este mundo que já foi o mento dos “mouros” que acompanha-
DR
sinal de esperança nosso existe agora noutras culturas. vam o general Franco...
para uma civiliza- Os atentados de Setembro puseram Em nós, portugueses, se tudo correr
ção que os terro- frente a frente dois mundos. A separá- bem ninguém reparará. Há aquele
ristas pretendem los não está o nome que dão aos seus pormenor da base das Lajes, mas diga-
destruir. deuses mas sim os limites que os Esta- mos que cedê-la aos americanos foi
dos marcam ao que se pode fazer em inevitável. É verdade que o contexto
A televisão vai nome de Deus ou de Alá. O mundo islâ- era outro. Estava-se na II Guerra Mun-
continuar no cen- mico não é nenhuma tribo de guaranis dial. Portugal, como é óbvio, não tinha
tro desta guerra perdida na Amazónia que um dia viu nada a ver com isso. Havia um homem
global e não con- o seu território invadido por criadores que pensava por nós e nos manteve
vencional contra de gado e que agora vem vingar-se da neutros e que teve de ceder ao imperia-
o terrorismo. destruição a que o seu território e as lismo americano na questão das Lajes.
Mas, agora, há no- suas gentes foram sujeitas. O mundo E ponto final. Aliás, isso já foi há tanto
vos riscos. Um dos islâmico negoceia, investe e dialoga tempo. Nessa altura, nessa Europa que
perigos está em, com o mundo ocidental há séculos e ficava lá tão longe do nosso sossego,
na ânsia de pren- séculos. Os fundamentalistas islâmi- esperava-se desesperadamente pelo
derem as audiên- cos não sabem apenas como estabele- auxílio dos americanos para combater
cias, as televisões cer redes terroristas no Ocidente. Sa- Hitler. Claro que isso era lá muito lon-
fomentarem uma bem que, nas famílias ocidentais, a ge. Nós, aqui no nosso cantinho, ainda
psicose de desfor- perda dum filho, mesmo que no mais continuávamos sem perceber o que te-
ra imediata, for- justificado dos combates, é uma perda ria acontecido depois do senhor
çando os políticos irreparável, sem remédio nem conso- Chamberlain vir de Munique com a
a decisões insensatas. Por isso as autoridades dos mísseis” (sabe-se como tal espectáculo foi lo, terreno ou divino; sabem como paz numa pasta. É claro que o senhor
americanas desde há mais de uma semana pas- enganador na guerra do Golfo) ou se dedicarem Marrocos paralisou o exército espa- Chamberlain, pela Grã-Bretanha, e o
sam a mensagem de que o combate ao terroris- a excitar a tensão própria da gravidade do mo- nhol enviando não tropas mas sim mi- senhor Daladier, pela França, tinham
mo vai ser duro e longo: a coisa não se resolve, mento, para vender papel e conquistar audiên- lhares de pessoas desarmadas, nomea- cedido na questão dos Sudetas. Mas
obviamente, com uma chuva de mísseis. Pois se cias. Esta crise pode dar a oportunidade aos EUA damente mulheres e crianças ia-se reacender a agressividade alemã
nem no Vietname a força bélica dos EUA conse- para liderarem a construção de um mundo mais brandindo o Corão; sabem como o Oci- só por causa da Checoslováquia? Dis-
guiu levar a melhor... É claro que, do ponto de regulado, mais enquadrado politicamente, mais dente, descrente e céptico, olha assus- parates dos belicistas. Gente feita com
vista da popularidade de Bush, dá jeito agitar o cooperante internacionalmente. Nenhum país tado esses homens que se dizem dis- os comunistas ou então palhaços, co-
estandarte da guerra, unindo os americanos em isolado, nem os EUA, consegue combater o terro- postos a morrer e a matar quando e mo justamente a imprensa portuguesa
torno do seu Presidente, até porque a sede de rismo. Assim, em vez de se fecharem sobre si como lhes for ordenado pelos que con- chamara ao senhor Churchill.
vingança é compreensível. E, para compensar o próprios e tomarem posições unilaterais, como sideram seus líderes. Sabem como o “O Século” até escreveu, em Outubro
tremendo abalo na confiança até aqui depositada estava a acontecer, os americanos podem, agora, Ocidente estanca, entre perplexo e fas- de 1939, aquele belo editorial em que
na capacidade de segurança e defesa dos Estados abrir-se ao mundo e à cooperação com os outros cinado, diante dessa gente em que ri- dizia: “Chamberlain, na sua eloquên-
Unidos, convém psicologicamente uma retalia- países. Claro que já se levantam vozes contra a cos imensamente ricos se misturam cia fleumática e serena, ergueu, diante
ção espectacular (é isto que explica, creio, a fúria liderança americana neste processo — mas ela com pobres imensamente pobres nos dos representantes das comunas britâ-
guerreira que na semana passada se apossou de não só é natural, tratando-se da única superpo- gritos de ódio e de fé. Sabem que o Oci- nicas, o quadro glorioso da sua inter-
alguns intelectuais portugueses, normalmente tência, como é indispensável a um mundo menos dente tem medo. E têm razão. venção num conflito, que não era de
liberais). Mas, se os políticos não podem ignorar perigoso. Vozes dessas também se fizeram ouvir A Europa, velha senhora passada pa- molde a justificar mais uma guerra in-
os estados de alma da opinião pública, é sua obri- há meio século, quando os EUA lideraram a edifi- ra segundo plano, aceita mal o volunta- ternacional. Os seus amigos vitoria-
gação levarem as pessoas a compreender que a cação internacional do pós-guerra, dando ori- rismo norte-americano. Qual família ram-no como era justo. Cobriram as su-
questão do terrorismo exige muito mais de que gem ao mais longo período de paz e prosperidade aristocrática arruinada, a Europa co- as palavras de aplausos e colocaram o
um gesto de desforra. A tal obrigação não escapa, que o Ocidente viveu. Desde a queda do muro de menta o mau gosto do novo-riquismo seu chefe político no lugar que lhe era
também, a informação televisiva. No caso da Berlim que se aguardava uma iniciativa seme- norte-americano e, por aqui e por ali, devido.”
americana, impõe-se uma maior atenção aos lhante, mas adequada ao mundo pós-guerra fria: vai-se sugerindo que aquelas torres Meses depois, Hitler invadia a Boé-
problemas do mundo, fora dos EUA — nos últi- só que os americanos pareciam relutantes em eram dum exibicionismo atroz, que o mia, a Eslováquia, a Polónia... Começa-
mos anos, o noticiário internacional tem vindo assumir o papel que lhes cabe. A 4 de Agosto Bush tem cara de estúpido, que os ame- va a II Guerra Mundial. Chamberlain
a ocupar ali cada vez menos tempo. escrevi aqui: “Washington só irá acordar para ricanos são umas bestas... e que, contra saiu de cena e Churchill, o homem que
a realidade de um mundo cada vez mais interde- nós, europeus, cultos e elegantes, os a neutral imprensa portuguesa chama-
A lvejar bases de terroristas e instalações de pendente — mesmo para uma superpotência — fundamentalistas islâmicos nunca dis- va palhaço, personificou a vontade de
quem os apoia é, nesta circunstância, moralmen- quando uma desgraça lhe bater à porta.” Eu esta- pararam uma bala mas vão disparar se ser livre.
te legítimo e juridicamente correcto (existem va a pensar numa crise financeira, não numa embarcarmos em mais esta aventura Mas, pelos vistos, ainda hoje continu-
decisões unânimes do Conselho de Segurança tragédia provocada pelo terrorismo. Mas a Amé- belicista dos EUA. amos a acreditar que a paz se transpor-
das Nações Unidas não só para levar Osama bin rica está a acordar.  Assim vistas as coisas, o melhor se- ta na pasta do senhor Chamberlain. 
2001
23 Setembro
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DOMINGO
EDIÇÃO LISBOA
23 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4206
220$00 • €1,10 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico.pt
www.publico.pt
ECONOMIA

Não espere por segunda-feira


ENSINO SUPERIOR Veja no PÚBLICO as médias de entrada P43 A 48

Faltam 100 Iminência do ataque dos


dias para
a moeda EUA deixa taliban mais sós
única
P24 A 26
BUSH REUNIU CONSELHO DE GUERRA E PAÍSES ÁRABES AFASTAM-SE DO AFEGANISTÃO

Osama bin Laden conduzindo


um “bulldozer” no Afeganistão, em
1998. Imagem transmitida ontem
por um canal árabe de televisão

S O C I A L I S TA E M A Ç O N PÚBLICA Para além da entrega de Bin Laden, Bush quer


Gustavo Soromenho ESCOLA RELIGIOSA DE derrubar o regime taliban | Agrava-se tragédia
HAZZANIA, NO PAQUISTÃO
morre aos 93 anos humanitária nas fronteiras do Afeganistão |
P33 educados Iraque receia retaliações | Dicionário do Islão
Medicinas Complementares para a guerra Reportagens dos nossos enviados, Alexandra Lucas Coelho, em
c o l e c c i o n á ve l g r á t i s
santa Peshawar, e Adelino Gomes, em Nova Iorque
P2 A 23 E 64

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ÍNDICE

BARTOON E OPINIÃO 27 A 32
CULTURA 56 A 58
TELEVISÃO 62/63
CLASSIFICADOS 73 A 81
CINEMAS 82/83
TEMPO E FARMÁCIAS 84
2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•DOMINGO, 23 SET 2001 G U E R R A AO T E R R O R I S M O À E S P E R A D A R E TA L I A Ç Ã O

Taliban cada vez mais isolados SHAMIL ZHUMATOV/REUTERS

EMIRADOS CORTAM mad Khan, afirmou que Is-


lamabad, que acolhe a única
RELAÇÕES COM CABUL embaixada taliban do mun-
do, desempenha um papel
Solidão do regime fundamental na comunica-
ção entre Cabul e os outros
afegão aprofunda-se à países. “Temos representan-
medida que se tes do Governo taliban em
aproxima um ataque Islamabad”, disse Khan à
Reuters. “É uma janela en-
dos Estados Unidos tre estas pessoas e o resto
do mundo. Espero que as ex-
FRANCISCA GORJÃO HENRIQUES pectativas sobre que os ta-
liban façam, o que a comu-
O regime taliban ficou on- nidade internacional lhes
tem mais isolado que nunca, pede que façam, continue a
depois de os Emirados Ára- chegar até eles através des-
bes Unidos (EAU) romperem ta janela”.
as suas relações diplomáti- O Presidente Musharraf
cas com Cabul. Num momen- prometeu ajudar os EUA,
to em que os ataques norte- mas afirma não querer que
americanos parecem estar os afegãos sofram. É por is-
cada vez mais próximos do so que vai manter em aber-
Afeganistão, os taliban vol- to as ligações com a capital
tam a rejeitar compromis- afegã: para que a população,
sos. E acusam os Estados atingida por falta de alimen-
Unidos de estar a impor uma tos devido a duas décadas de
guerra. guerra e vários anos de seca,
A partir de agora, apenas possa ter que comer. “O Afe-
dois países reconhecem o ganistão é um país fechado
governo dos fundamentalis- e depende do Paquistão para
tas islâmicos no Afeganis- abastecimento de alimentos
tão: a Arábia Saudita e o Pa- e trocas comerciais”, disse
quistão. Um comunicado do ainda Khan.
Ministério dos Negócios Es- Foi precisamente devido a
trangeiros de Abu Dhabi, a esta relação próxima entre
capital dos EAU, declarava os dois países que Islamabad
que a decisão de cortar os la- enviou uma delegação a Ca-
ços diplomáticos foi tomada bul, na tentativa de conven-
depois de as autoridades te- cer as autoridades taliban a
rem, sem êxito, tentado con- entregarem Bin Laden para
vencer os taliban a entregar evitar as represálias de Wa-
Osama bin Laden, o princi- shington. Mas os “ulemas”
pal suspeito dos atentados (doutores da fé) mantêm des-
contra o World Trade Center de então a mesma posição: só
e o Pentágono. dão as costas ao seu hóspede
Um responsável daquele em troca de provas concre-
ministério afirmou que o tas do seu envolvimento nos
seu país “fez esforços inten- ataques terroristas.
sos para convencer os ta- A Casa Branca avisou os
liban a dar uma resposta taliban que soferão um ata-
positiva aos pedidos do Con- que caso insistam em não
selho de Segurança [das Na- entregar imediatamente o
ções Unidas] para que entre- homem mais procurado do
gassem Bin Laden, de forma mundo.
a que este seja julgado de Em Cabul, também se pre-
forma justa por um tribunal param represálias. As auto-
internacional pelas acusa- ridades queixam-se de que os
ções ligadas a ataques ter- EUA “boicotaram” o pedido
roristas”. A mesma fonte, feito pelos taliban a Osama
citada pela agência oficial bin Laden para que deixasse
WAM, adiantou que os EAU o país. “Não nos deram outra
“não acreditam que seja alternativa senão a ‘jihad’”,
possível continuar a manter declarou Abdul Hai Mutma-
relações diplomáticas com een, porta-voz do chefe su-
um governo que se recusa a premo dos taliban, “mullah”
responder à vontade clara Mohammad Omar.
da comunidade internacio- A recusa de entregar Osama bin Laden está a deixar o regime taliban progressivamente isolado na comunidade internacional “Se os EUA atacam o Afe-
nal”. A decisão tomada on- ganistão, então não teremos
tem vai ter efeitos “imedia- outra possibilidade senão
tos”, adiantou. lançar uma ‘jihad’”, reiterou
Os Emirados, onde vivem
Avião abatido no Afeganistão por sua vez o ministro ta-
cerca de 110 mil afegãos, já liban dos Negócios Estran-
tinham cortado as ligações As autoridades taliban afirmaram já em terra, não eram peritas em Com a ameaça de um ataque ame- geiros, Wakil Ahmed Muta-
aéreas com Cabul em No- ontem ter abatido um avião-espião aviação e portanto não souberam ricano, as autoridades de Cabul de- wakel. Para Cabul, entregar
vembro, depois de as san- sem piloto, no Norte do Afeganistão. adiantar se o avião tinha alguma clararam, há uma semana, que o seu Bin Laden seria “contrário
ções da ONU passarem à Ainda não ficou claro qual a prove- marca particular que o identifi- espaço aéreo está fechado, embora ao Islão”.
prática. E, à semelhança do niência do aparelho, e Washington casse. Apenas souberam dizer que os especialistas afirmem que os ta- Muitos interrogam-se so-
Paquistão e da Arábia Saudi- recusou-se a comentar a notícia. “não havia assento de passageiro liban têm poucos instrumentos para bre se o milionário de ori-
ta, prometeram também aos O embaixador taliban no Paquis- nem de piloto”. garantir que estas limitações são gem saudita estará ainda no
Estados Unidos a sua “cola- tão, Abdul Salam Zaeef, confirmou O Pentágono recusou-se a confir- cumpridas. país dos taliban, que há cin-
boração total” na luta contra à CNN que um avião foi abatido na mar as notícias avançadas pelos “es- Ontem, centenas de apoiantes do co anos o acolhe. Ontem, Mu-
o terrorismo. província de Samangan, a nordeste tudantes de teologia”. O porta-voz regime manifestaram-se na capital tawakel deu a entender que
de Cabul. Zaeef disse que o aparelho Mike Milord referiu ainda à televi- afegã, em frente ao antigo consulado sim: “Não tenho qualquer in-
Paquistão, janela foi atacado enquanto fotografava o são americana que, “tal como tinha dos Estados Unidos. Atiraram pe- formação a dar conta da sua
de Cabul território afegão. sido dito pelo secretário de Estado dras, gritaram “morte à América” e partida”. A rádio iraniana
Para já, o Paquistão não “Deu duas ou três voltas à área da Defesa, não vamos discutir qual- vários “slogans” contra o Presiden- indicara também que o sus-
faz tensão de seguir o exem- antes de ser abatido. Provavelmen- quer questão operacional”. E disse te do vizinho Paquistão, o general peito número um dos EUA se
plo dos EAU. O porta-voz te estava a tirar fotografias”, dis- também que os EUA não vão “res- Pervez Musharraf, que manifestou encontra escondido na pro-
do Ministério dos Negócios se o embaixador. Segundo Zaeef, ponder a cada uma das declarações o seu apoio aos EUA na luta contra víncia de Oruzgan, no centro
Estrangeiros, Riaz Moham- as pessoas que o inspeccionaram, dos taliban”. o terrorismo. do Afeganistão. 
D E S TA Q U E 3
PÚBLICO•DOMINGO, 23 SET 2001

Aliança Últimas
do Norte
ganha terreno
EUA definem regime afegão AV I Õ E S

como alvo principal


M I L I TA R E S D O S
A Aliança do Norte, o E UA N O
único movimento afe- UZBEQUISTÃO?
gão de resistência ao re-
gime taliban, disse on- A agência russa Interfax ci-
tem que tem feito LARRY DOWNING/REUTERS
tou “fontes informadas” pa-
avanços na sua luta con- REUNIÃO DO CONSELHO ra assegurar que pelo me-
tra os fundamentalistas nos dois aviões militares de
islâmicos. Nos últimos NACIONAL DE SEGURANÇA transporte C-130 e alguns
dias, confrontos no Nor- aviões de reconhecimento
te do país terão feito 50 Taliban poderão ser os dos EUA haviam aterrado
mortos entre as forças numa base aérea localizada
de Cabul. Mas os tali- primeiros a ser atacados; a a 15 quilómetros da capital
ban afirmam ter abati- Administração Bush continua do Uzbequistão, Tashkent,
do ontem um helicópte- os preparativos para a uma antiga república sovié-
ro dos guerrilheiros. tica vizinha do Afeganistão.
No mesmo dia em que
retaliação contra o terrorismo De acordo com a mesma
o novo líder do movi- fonte militar local, a opera-
mento, general Fahim, NUNO SÁ LOURENÇO ção serviu para instalar um
chega ao Tajiquistão pa- contingente de 100 homens
ra recolher apoios, a Reuniu com o Conselho de Segurança e equipamento de vigilân-
Aliança dá conta de vi- Nacional, falou à nação pela rádio e cia. Mais tarde, a notícia
tórias militares em du- conferenciou com Vladimir Putin. O acabou por ser desmenti-
as províncias. “Ganhá- Presidente dos Estados Unidos, George da por um militar do país,
mos 15 quilómetros nos W. Bush, utilizou o dia de ontem para que afirmou não ter avis-
últimos três dias. Cin- ultimar preparativos da resposta norte- tado qualquer veículo ou
quenta taliban morre- americana aos atentados de Nova Ior- avião norte-americano.
ram e mais de 300 pes- que e Washington.
soas alistaram-se na A teleconferência com a conselheira FBI SEGUE 150
Aliança do Norte”, co- de Segurança Nacional, Condoleezza M I L P I S TA S
mentou Soleh Muham- Rice, o director da CIA, George Tenet,
mad Reghistani, o adido e o chefe de gabinete da Casa Branca, Os agentes federais norte-
militar em Moscovo. Andrew Card, resultou na definição americanos estão, actual-
As informações de Re- clara do primeiro objectivo da retalia- mente, a seguir cerca de 150
ghistani não puderam ção. Tudo aponta para que o regime mil pistas que possam con-
ser confirmadas. Mas os afegão seja o primeiro alvo da resposta duzir a suspeitos de terem
líderes taliban afirma- dos EUA. Os actuais líderes do Afe- participado nos atentados
ram ter derrubado um ganistão recusaram-se a entregar o do dia 11 em Nova Iorque,
helicóptero em Saman- principal suspeito responsável pelo Washington e Pensilvânia.
gan, a mesma região on- ataque de 11 de Setembro, Osama bin Os interrogatórios e de-
de foi abatido um avião Laden. tenções de suspeitos são
espião. “O helicóptero Pouco mais se apurou da reunião, uma constante. Enquanto
parece ter caído por ra- uma vez que a Casa Branca manteve no primeiro caso já foram
zões técnicas”, disse por um absoluto silêncio sobre os re- indiciados 200 indivíduos,
sua vez o porta-voz Mo- sultados do Conselho de Segurança no segundo o número já vai
hammad Ashraf Nade- Nacional. Ao mesmo tempo, pros- em 80. Também a fiscaliza-
em, que desconhecia o seguia o reforço militar do contin- ção de pessoas com docu-
destino dos que seguiam gente norte-americano na região do mentação falsa é cada vez
a bordo. Golfo Pérsico. De acordo com o por- mais apertada, sobretudo
A Aliança do Norte, ta-voz do Pentágono, entre as uni- nas fronteiras.
que representa o gover- dades transferidas estão “cerca de
no no exílio, controla uma dúzia” de bombardeiros B-1 Em Camp David, Bush conferenciou com os seus conselheiros de segurança JESSE HELMS
apenas cinco por cento e B-52, para além dos aviões anti- QUER
do território afegão. tanque A-10. As autoridades norte- BOMBARDEAR
Mas recentemente tem americanas confirmaram também atacaram os Estados Unidos a 11 de to mais que qualquer outro país no SA D DA M
tirado partido das amea- a partida do porta-aviões “USS Kit- Setembro visavam tanto a nossa eco- mundo. “Continuamos a ser a maior
ças dirigidas contra os ty Hawk” e do navio “USS Essex”, nomia como os nossos compatriotas. nação do planeta e nenhum terrorista O senador americano Jes-
taliban por parte dos Es- ambos de bases navais no Japão. Os Conseguiram abater um símbolo da poderá jamais decidir o nosso desti- se Helms, republicano ul-
tados Unidos. O líder da EUA preparavam-se ontem para ini- prosperidade norte-americana, mas no”, concluiu. traconservador que foi
minoria uzbeque do pa- ciar o envio das tropas de elite do não puderam chegaram à sua fonte. Durante o dia de ontem, Bush falou durante uma década presi-
ís, general Rashid Dos- Comando de Operações Especiais A riqueza do nosso país não está no também ao telefone com o seu homó- dente do comité senatorial
tum, cujas forças se jun- do Exército. ferro e no aço, mas no talento, traba- logo russo. De acordo com o porta-voz dos Negócios Estrangei-
taram recentemente na lho e no espírito empreendedor do da Casa Branca Sean McCormack, a ros, acha que a retaliação
luta contra os funda- “A economia continua sólida” nosso povo.” conversa foi “extremamente constru- dos EUA não se deve confi-
mentalistas, pediu auxí- Na sua alocução radiofónica sema- Apesar de reconhecer o “choque”, tiva: o Presidente [Bush] apreciou o nar ao Afeganistão e deve
lio logístico a Washing- nal, Bush aproveitou para tranquili- nomeadamente nos sectores do trans- empenho e o apoio do Presidente Putin abranger o Iraque de Sa-
ton para combater os zar o país depois da pior semana de porte aéreo, turismo e mercados de na luta contra o terrorismo”. Ainda ddam Hussein. “A primei-
“estudantes de teolo- sempre nas bolsas financeiras nor- capitais, o Presidente dos EUA lem- assim, o Kremlin ainda não definiu de ra coisa que o Presidente
gia”. “Os EUA e a NATO te-americanas desde os anos 30 do brou que “a economia norte-america- que forma se empenhará na luta contra Bush deve fazer é livrar-
têm de trabalhar con- século passado: “Os terroristas que na continua sólida” e a produzir mui- o terrorismo.  se dele [Saddam].” Em en-
nosco”, disse Dostum, ci- trevista à CNN, Helms des-
tado pela Reuters. creveu como “uma perda
O ministro do Interior
da Quirguízia, Tachte-
mir Aitbaiev, anunciou
ontem que a oposição
Senado aprova 1300 milhões de tempo” os esforços di-
plomáticos do secretário
de Estado, Colin Powell,
para incluir a Rússia e a
afegão deverá receber
uma ajuda militar das
repúblicas da Ásia Cen-
tral. “Os países da nossa
para distema de defesa antimíssil China na coligação anti-
terrorismo que os EUA es-
tão a tentar construir.

região devem fornecer O Senado norte-americano decidiu liado em mais de 345 mil milhões de de 1000 milhões de dólares ao progra-
um auxílio militar à revogar um corte de mais de 1300 mi- dólares. “Operamos de forma dife- ma, colocando em risco a sua prosse- MORTOS
Aliança do Norte uma lhões de dólares no orçamento anual rente quandos os tempos são de emer- cução. Contudo, depois dos atentados,
vez que ela representa o
governo afegão legíti-
mo”, cita a AFP.
do sistema de defesa antimísseis (MD)
proposto pela Administração Bush,
que poderá ser utilizado para o desen-
gência. Pusemos de lado as nossas
divergências”, explicou o presidente
da comissão das Forças Armadas, o
ambos os partidos acabaram por che-
gar a um compromisso onde é dada a
Bush carta branca para gerir aqueles
623
volvimento do programa do escudo democrata Carl Levin, que liderou, números. O Presidente passa a ter au-
antimíssil ou transferido para o com- até 11 de Setembro, a oposição ao pro- torização do Senado para utilizar os
DESAPARECIDOS
bate ao terrorismo. grama de escudo antimíssil de Geor- recursos, tanto no desenvolvimento
Foi esta a resposta da câmara alta
do Congresso aos atentados a Nova
Iorque e Washington. O compromisso
ge W. Bush.
Os senadores democratas que ti-
nham assento naquela comissão ha-
do programa militar, como na luta
contra o terrorismo. “Este é um mo-
mento de unidade e conseguimo-la
6333
Vítimas dos atentados contra o World Trade
elimina o último potencial obstáculo viam conseguido quatro dias antes aqui, no Senado”, resumiu o senador Center e o Pentágono e da queda de um
ao orçamento anual de defesa, ava- dos ataques aprovar um corte de mais republicano John Warner.  avião na Pensilvânia. Números oficiais.
4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•DOMINGO, 23 SET 2001 G U E R R A AO T E R R O R I S M O À E S P E R A D A R E TA L I A Ç Ã O

M O V I M E N TA Ç Õ E S D I

Saída das ONG agrava tragédia ARÁBIA SAUDITA


RELUTANTE EM ABRIR
BASES AOS EUA

humana no Afeganistão SERGEI ILNITSKY/EPA


A Arábia Saudita está renitente em acei-
tar o pedido dos EUA para que uma base
militar localizada em território saudita
seja utilizada pelos norte-americanos
como centro de operações num eventual
Amnistia Internacional ataque aéreo de retaliação aos atentados
apela ao Irão, Paquistão e de 11 de Setembro.
Esta resistência em permitir o uso
Tajiquistão para reabrir as da base Prince Sultan poderá atrasar
fronteiras aos refugiados os ataques aéreos norte-americanos em
afegãos algumas semanas, porque os EUA fo-
ram forçados a considerar uma possível
CARLOS MARTINHO deslocação do centro de comandos para
outro país, garantiram fontes oficiais.
O secretário de Estado norte-ameri-
Depois de na semana passada as or- cano, Colin Powell, está no entanto a
ganizações humanitárias terem sido tentar convencer a Arábia Saudita a
aconselhadas pelo regime taliban a rever a sua política já antiga de proibir
abandonar o Afeganistão, por estes que quaisquer ataques aéreos dos EUA
não garantirem a sua segurança em sejam coordenados a partir de uma base
caso de possíveis ataques norte-ame- saudita.
ricanos a este país, milhões de afegãos O novo Centro de Operações Aéreas
encontram-se agora no limiar da fome Combinado da Força Aérea america-
e da doença. na está localizado 113 quilómetros a
Engneer Najib, representante em sudeste da capital saudita, Riad, e fi-
Cabul da agência humanitária Ca- cou operacional há seis semanas. As
nadian Relief Foundation, fala em instalações incluem importantes sis-
“catástrofe humanitária”, alertando temas de informação necessários pa-
as autoridades internacionais que ra um eventual ataque aéreo norte-
dentro de um mês a situação tornar- americano ao Afeganistão.
se-á uma tragédia. “Estamos a falar de A Arábia Saudita tinha, quarta-feira,
milhares de pessoas que estão a sofrer manifestado o seu apoio ao Presidente
em resultado de nenhumas medidas norte-americano numa campanha con-
preventivas terem sido tomadas. A tra o terrorismo. Depois de um encontro
comida, os medicamentos e outros com Powell em Washington, o minis-
bens essenciais irão desaparecer do tro dos negócios estrangeiros saudita
país dentro de um mês”, disse Najib, garantiu: “Prometemos que vamos fa-
lembrando que ainda nem começa- zer tudo aquilo que conseguirmos para
ram os ataques a Cabul. que esta luta traga esperança a toda a
Um porta-voz da ONU para as aju- humanidade.”
das humanitárias alertou ontem as
autoridades internacionais para o ARAFAT E PERES
que o possível cenário de guerra fa- REÚNEM-SE HOJE
rá ao povo afegãos, interrogando-se A cimeira Peres-Arafat
mesmo se este conseguirá sobrevi- foi finalmente confirma-
ver a um eventual conflito que, certa- da ontem por ambas as
mente, durará meses: “A resistência partes envolvidas. De-
dos taliban aos ataques pode durar pois de o próprio Yasser
meses, e as fronteiras irão continuar Arafat ter anunciado o
fechadas durante o período de guer- encontro, foi a vez de
ra. Como é que estas pessoas sobrevi- responsáveis israelitas
verão aqui? Se não os conseguimos confirmarem a reunião
ajudar agora, como é que vai ser no entre o presidente da Au-
futuro?” toridade Palestiniana e
o ministro dos Negócios
Primeira ajuda humanitária Estrangeiros de Israel.
em onze dias Ao que tudo indica,
Ontem, a agência humanitária britâ- o motivo para a cedên-
nica Oxfam conseguiu levar até um cia do Governo de Ariel
campo de refugiados em Mazir-i-Sha- Sharon, passa pela “relativa baixa da
rif -— perto da fronteira entre o Afega- violência”, verificada nos territórios
nistão e o Uzbequistão — um camião ocupados. “Desde sexta-feira houve 13
com 1500 toneladas de mantimentos. incidentes provocados por palestinia-
“Estes refugiados necessitavam rapi- nos. É uma relativa baixa da violência,
damente desta pequena ajuda, mas um desenvolvimento que nos satisfaz,
isto é apenas uma gota no oceano. Es- embora não totalmente”, afirmou on-
timamos que três milhões de pessoas tem Shimon Peres.
necessitem da nossa ajuda já”, disse Não será contudo alheia à marcação
Alex Renton, porta-voz da Oxfam. “Como é que estas pessoas sobreviverão aqui”, perguntam-se os trabalhadores humanitários no Afeganistão da cimeira a pressão dos governos do
No início desta semana, a Oxfam Ocidente sobre israelitas e palestinia-
alertou que a fome seria uma ameaça nos para que se sentem à mesma mesa
maior para o povo afegão que uma Barbara Stocking, funcionária da crise humanitária ainda maior”, afir- humanos Human Rights Watch, apon- com o objectivo de fazer do periclitan-
possível retaliação militar dos Estados Oxfam, disse à BBC que esta situação mou a Amnistia Internacional (AI) tou o dedo aos países vizinhos do Afe- te cessar-fogo de cinco dias o primeiro
Unidos, o que ilustra bem a situação não é nova para as organização de em comunicado. ganistão, acusando-os, implicitamente, passo para novas tréguas. Testemunho
dos milhões de pessoas que esperam ajuda humanitária: “Não queremos Depois das ameaças norte-ameri- de serem co-responsáveis pela situação disso mesmo são as diversas deslocações
por uma ajuda internacional. É nesse que aconteça como na Macedónia, canas ao regime taliban, no sentido dos refugiados afegãos: “Sabemos que de inúmeros responsáveis europeus,
sentido que as agências humanitárias onde milhares de pessoas ficaram em- de um ataque se estes não entregarem os vizinhos do Afeganistão têm neste agendadas para a região durante a pró-
continuam a pressionar a comunida- purradas contra a fronteira”. Por sua o magnata saudita Osama bin Laden, momento um verdadeiro problema de xima semana.
de internacional para que estas re- vez, Engneer Najib acrescentou que muitas pessoas saíram das principais segurança, mas também achamos que O ministro dos Negócios Estrangei-
dobrem os esforços para levar bens as pessoas estão “entaladas junto às cidades em direcção às fronteiras dos eles têm a obrigação de responder a ros francês, Hubert Védrine, chega hoje
essenciais aos campos de refugiados. fronteiras” e que “precisam urgente- países vizinhos — China, Irão, Paquis- esse problemas, evitando que qualquer a Israel para uma visita de três dias, o
A Oxfam escreveu ainda uma carta mente de mantimentos antes do início tão, Tajiquistão, Turquemenistão e elemento passe a fronteira armado. mesmo país que o seu homólogo inglês,
ao primeiro ministro britânico, Tony dos ataques”. Uzbequistão — que, entretanto, têm Eles devem deixar as fronteiras abertas Jack Straw, tenciona visitar durante o
Blair, acusando a comunidade inter- sido sucessivamente fechadas. Esta aos refugiados.” decorrer desta semana. Ao mesmo tem-
nacional de não estar a fazer o sufi- Pressão para abertura acção, que foi prontamente criticada A ONU diz que o Afeganistão está po, uma delegação da União Europeia,
ciente para ajudar o povo do Afeganis- das fronteiras pelas organizações de ajuda humani- a passar pela pior crise humanitária liderada pelo chefe da diplomacia belga,
tão. O Programa Alimentar Mundial Mais de quatro milhões de refugiados tária, enclausurou os afegãos em cam- do mundo, e considera agora abrir Louis Michel, deslocar-se-á a Egipto,
das Nações Unidas (PAM) resumiu a afegãos vivem já no Irão e no Paquis- pos de refugiados sem condições. um novo campo de refugiados na fron- Jordânia, Síria e Arábia Saudita.
três os problemas com que os volun- tão, e pelo menos um milhão procura “O Paquistão, o Irão e o Tajiquistão teira com o Paquistão, que consiga No entanto, a relativa acalmia veri-
tários se deparam para levar os man- abandonar o país. “É imperativo que têm que reabrir as suas fronteiras e dar albergar e dar apoio um movimento ficada não conseguiu evitar baixas du-
timentos aos campos de refugiados a comunidade internacional assuma protecção aos refugiados afegãos”, con- maciço de pessoas. Outros campos rante o dia de ontem. As autoridades pa-
— transportes, segurança e falta de a responsabilidade por esta tragédia cluiu a AI. Por sua vez, Rachel Reilly, serão brevemente montados no Taji- lestinianas confirmaram a morte de um
pessoas. e urgentemente ajude a evitar uma responsável da associação de direitos quistão e Uzbequistão.  elemento das suas forças de segurança,
D E S TA Q U E 5
PÚBLICO•DOMINGO, 23 SET 2001

PLOMÁTICAS
Reflexões sobre um mundo que mudou (IV)
Imad Awad, em Ramallah, envolvido lent Ecevit, garante “que o Governo res-
em confrontos com o Exército israeli- pondeu positivamente ao pedido dos
ta. Outro homem, faleceu depois de ter
sofrido um ataque de coração devido à
inalação de gás lacrimogéneo.
EUA para que as bases aéreas e o espaço
aéreo turcos sejam utilizados sempre
que necessário”. Apesar de a Turquia
Agora, que ficámos todos menos livres
já permitir que aviões de guerra bri-

P
PUTIN REJEITA “GUERRA tânicos e norte-americanos utilizem enso que foi a Ezio o pescoço num lenço “fedayin”
DE GRANDE ENVERGADURA” a base de Incirlik, no sudeste do país, Mauro, o director do nem deixam crescer a barba pa-
O Presidente russo, Vla- para patrulhas no norte do Iraque, es- diário independente ra além dos cânones da moda.
dimir Putin, afirmou on- ta é a primeira vez que as autoridades italiano “La Repubbli- Detectá-los não é fácil — como
tem estar convicto de que turcas garantem um apoio específico ca”, que ouvi pela primeira vez, nunca teria fácil detectar as in-
as represálias norte-ame- aos EUA. num debate numa rádio, verbali- tenções dos cidadãos sauditas
ricanas não conduzirão O documento, que resume o conteúdo zar uma das ideias que me bailou que tomaram os comandos dos
a “uma guerra de grande de uma carta enviada, sexta-feira, por na cabeça ao longo desse terrí- JOSÉ MANUEL aviões suicidas.
envergadura” e reiterou Ecevit ao presidente norte-americano vel 11 de Setembro de 2001: a de FERNANDES É esta realidade que cria a
a sua proposta de coope- George W. Bush, não esclarece que tipo que uma das vítimas — das pri- EDITORIAL insegurança e que recomenda
ração “no âmbito dos compromissos de aviões de transporte estão envolvi- meiras vítimas — dos atentados uma acção mais determinada
internacionais da Rússia”. dos no acordo, no entanto, o primeiro- de Nova Iorque e Washington, dos Estados democráticos —
Foi esta a mensagem que saiu da reu- ministro turco afirmou sexta-feira que tinha sido a nossa liberdade. Naquele momento, uma acção de que já se notam os primeiros si-
nião do conselho de segurança do Go- era “natural” que os EUA quisessem perante aquele horror, tínhamos todos ficado nais positivos.
verno russo, especialmente organizado utilizar o país para passagem e abaste- menos livres. Na União Europeia, as iniciativas desencade-
durante as férias de Putin para debater cimento de aviões. A mesma ideia vi mais tarde expressa, adas pelo comissário com o pelouro dos assuntos
os recentes desenvolvimentos relativos A Turquia está, ainda, segundo o co- numa forma mais crua, por Fareed Zakaria na internos, António Vitorino, e que visam unifor-
à provável retaliação norte-americana. municado, a aumentar o apoio às forças “Newsweek”: “Por todo o mundo veremos os mizar os códigos civis dos diferentes Estados-
“Não há razão para temer que a humani- anti-Taliban no norte do Afeganistão. governos tornarem-se mais poderosos, mais in- membro no que toca à definição de terrorismo e
dade se encaminhe para uma guerra de Ecevit considerou, contudo, que qual- trusivos e mais importantes. Isso poderá não ciar uma espécie de “mandato de captura euro-
grande envergadura, pois os dirigentes quer acção terrestre no Afeganistão agradar aos libertários e a alguns activistas dos peu” válido em todos os países, são de saudar.
dos países mais poderosos não o permiti- seria imprudente, e a Turquia não está direitos humanos, mas pouco importará. O Esta- Mostram que o caminho que se quer seguir é o
rão”, declarou o Presidente russo numa preparada para participar com tropas do está de regresso, e pela mais antiga das razões da integração de políticas, não o de deixar cada
entrevista a uma televisão alemã. nesse tipo de ataque. que Hobbes viu para a sua existência: garantir país fechar-se na sua concha e adoptar as suas
Putin reafirmou ainda a sua vontade A Turquia é o estado-membro mais a segurança dos cidadãos.” próprias medidas de segurança. Mostram que é
de “cooperar ao máximo com os EUA oriental da Aliança Atlântica e faz fron- Estas coisas devem ser ditas assim, com esta melhor, para a liberdade e segurança, dar mais
na luta contra o terrorismo, no sentido teira com o Iraque, a Síria e o Irão. É crueza, para que não tenhamos ilusões. Para força à justiça do que à desconfiança (descon-
lato”, precisando que esta ajuda será também um dos países candidatos a que tenhamos consciência de que a liberdade fiança que se poderia traduzir, por exemplo, num
conduzida exclusivamente “no quadro entrar para a União Europeia. não é um valor independente da segurança: se retrocesso na livre circulação de cidadãos e na
das leis russas e dos compromissos in- um cidadão não se sentir seguro para falar, para denúncia do tratado de Schengen).
ternacionais assumidos pela Rússia”. O REUNIÃO DOS GOVERNOS reunir, para investir, para viajar, a liberdade
chefe de Estado russo voltou, contudo, a DO GOLFO de falar, reunir, investir ou viajar encontrar- Ao colocar perante os deputados os problemas
frisar a necessidade de a resposta norte- Os ministros dos Negócios Estrangeiros se-á esvaziada de sentido. O medo não convive que estas medidas colocam a Portugal, o ministro
americana se reger pelos códigos das da Arábia Saudita e de outros cinco pa- bem com a liberdade — e o que os terroristas António Costa recordou correctamente a ligação
leis internacionais. O Kremlin confir- íses do Golfo vão discutir, hoje, formas quiseram criar foi um clima de medo. É essa íntima entre liberdade e segurança e alertou para
mou também que Putin terá conferen- de apoiar uma luta liderada pelos EUA a sua lógica onde quer que actuem, colocando o erro que seria o nosso país funcionar como
ciado pelo telefone com o Presidente contra o terrorismo. uma bomba numa livraria zona-refúgio. No entanto, tal
norte-americano, não tendo precisado A reunião dos países do Conselho do País Basco ou atirando como quando da discussão so-
o que foi discutido. de Cooperação do Golfo (CCG) em Je- um avião comercial contra o O ideal, como todos bre a nossa adesão ao Tribunal
ddah, Arábia Saudita, surge alguns dias World Trade Center. Querem
FIDEL “CONTRA O depois de o ministro dos Negócios Es- criar a ilusão de que ninguém
sabemos, seria um mundo Penal Internacional, há quem
se oponha a estas medidas ape-
TERRORISMO E A GUERRA” trangeiros saudita ter alertado, em Wa- está livre de um dia ser uma sem prisões e sem nas porque noutros países eu-
Durante uma manifes- shington, para a necessidade dos EUA das suas vítimas — a ilusão polícias. Infelizmente, ropeus ainda está em vigor a
tação que juntou mais procurarem a justiça e não a vingança de que nenhum de nós se pode esse mundo não existe. E pena de prisão perpétua.
de 50 mil pessoas que o contra os autores dos atentados de 11 de sentir seguro onde quer que Na altura da discussão so-
líder cubano, Fidel Cas- Setembro. nos encontremos. se queremos defender a bre o TPI, interrogávamos-nos
tro, proclamou a sua in- Os países do CCG condenaram vee- O Estado tem, por isso, para nossa civilização — as aqui (PÚBLICO, 17 de Feverei-
tenção de lutar contra mentemente os atentados de Nova Ior- garantir as liberdades essen- nossas democracias ro de 2001): “Se a oposição à
o terrorismo e o ódio. que e Washington e apoiaram um esfor- ciais, de exercer a tal função pena de morte decorre de um
“Cuba, que é o país que ço conjunto contra o terrorismo, mas primordial de “garantir a se- liberais —, com actos e não princípio inalienável de res-
mais sofreu com ataques terroristas, não especificaram que tipo de papel que- gurança dos cidadãos”. Isso apenas com palavras, peito pela vida humana, pode-
proclama que está contra o terrorismo rem desempenhar nessa luta. vai ter consequências nas fron- então é bom que remos colocar no mesmo ní-
e contra a guerra”, respondeu Fidel O encontro entre os governantes da teiras, nos aeroportos, na pas- vel a oposição à pena de prisão
Castro ao discurso de quinta-feira de Arábia Saudita, Emirados Árabes Uni- sagem de documentos, na vi-
percebamos até que perpétua (que é sempre rever-
George W. Bush. dos (EAU), Kuwait, Qatar, Bahrein e gilância, na coordenação das ponto, contra nossa sível)? Será a questão tão ir-
O líder da ilha acrescentou que o Omã chega também entre inúmeros polícias. E será sempre melhor vontade, o ataque de 11 redutível, enquanto princípio
seu país estava disposto a “cooperar pedidos dos países do Golfo para que que seja o Estado democrático de Setembro, fez com que de civilização, como se quer
com todos os países com vista à erra- se crie uma aliança internacional ca- a tomar as medidas necessá- apresentar, sobretudo quando
dicação total do terrorismo”, tendo paz de travar os ataques israelitas aos rias do que assistirmos à cria- ficássemos todos um falamos de crimes [contra a
assegurado ainda que “jamais alguém palestinianos. ção de um clima de suspeita pouco menos livres. humanidade]?”
será autorizado a utilizar o territó- Na reunião do CCG será debatida pública que fará com que mui- Não é, de forma alguma, tão
rio de Cuba para actos de terrorismo uma proposta do Executivo dos EAU tos passem a desconfiar do seu irredutível. Há mesmo crimes
contra o povo dos Estados Unidos”. para estabelecer uma “aliança que en- vizinho ou do seu colega por causa do seu credo imperdoáveis, mesmo que possamos um dia per-
Fidel não evitou, contudo, uma crítica contre uma solução justa e duradoura ou da sua cor de pele. doar aos seus autores — e essa tem sido, de resto,
à conduta do actual Presidente norte- para o conflito no Médio Oriente”. a prática jurídica dos países europeus onde ain-
americano: “Cuba não será nunca ini- Nos Estados Unidos sempre teve provimento da existe a pena de prisão perpétua. Por outro
miga do povo americano, que está ho- BENAZIR QUER QUE uma noção de liberdades públicas mais libertária lado, Portugal tem hábitos demasiado hipócritas
je submetido a uma campanha sem OCIDENTE EXIJA REGRESSO do que a europeia, mais avessa à interferência para quem quer dar lições de civilização. Ainda
precedentes para semear o ódio e a DA DEMOCRACIA do Estado e dos governos. Essa é uma das razões há pouco mais de 25 anos, com o banimento da
vingança.” AO PAQUISTÃO porque nos Estados Unidos nem sequer existe o prisão perpétua em vigor, a prática do regime
Fidel aconselhou o Governo dos EUA “Islamabad poderá ficar equivalente ao nosso “bilhete de identidade”, pois de então era, para os crimes políticos, transfor-
“a não enviar jovens soldados para uma tentada a pedir aos EUA tal documento era visto como uma intromissão mar penas temporárias em perpétuas através de
guerra incerta e longínqua, cujos re- que abandonem o apoio no espaço de liberdade de cada indivíduo. Foi “medidas de segurança”, e não teve para isso de
sultados serão secretos e inacessíveis”. à democracia do Paquis- também esta desregulação, a facilidade de mo- mudar a Constituição. E mesmo hoje, apesar das
Fidel Castro encerrou o seu discurso de tão em troca da ajuda vimentos que é possível no interior do imenso nossas excelentes e civilizadíssimas leis, temos
20 minutos, alertando as autoridades na guerra contra o ter- território, a informalidade dos contratos e a li- taxas de prisão preventiva e de cumprimento
norte-americanas para o perigo de a rorismo”, alertou a ex- beralidades consentidas nos aeroportos que tor- de longas penas de prisão que são superiores a
operação militar se poder transformar primeira-ministra do Pa- naram possível o ataque de 11 de Setembro. Tudo países com maiores índices de criminalidade e
numa “carnificina sem fim”. quistão, Benazir Bhutto, num artigo isso fazia parte da ingenuidade cândida de um com o tal de pecado venial de preverem nos seus
publicado no “site” norte-americano país que se julgava protegido pela sua insulari- códigos a prisão perpétua.
TURQUIA Slate.com. Segundo a antiga governante dade e pelo seu poder — mas essa ingenuidade O ideal, como todos sabemos, seria um mundo
ABRE ESPAÇO AÉREO paquistanesa, o ditador militar general também desapareceu com o atentado. sem prisões e sem polícias. Infelizmente, esse
A Turquia, Estado-membro da NATO, Zia utilizou com sucesso o mesmo mé- Como há uns anos se escrevia no diário espa- mundo não existe. E se queremos defender a nos-
abriu ontem as suas bases e espaço aéreo todo nos anos 80, mas “a pressão para nhol “El Pais” a propósito dos terroristas da sa civilização — as nossas democracias liberais
aos aviões de transporte norte-america- o retorno da democracia ao Paquistão ETA, os seus operacionais são aqueles de que — com actos e não apenas com palavras, então é
nos que possam participar numa res- deve continuar”. Benazir Bhutto recor- nunca iremos desconfiar, os que se comportam bom que percebamos até que ponto, contra nossa
posta aos atentados terroristas de 11 de dou mesmo “as lições horriveis do Afe- como o mais comum dos cidadãos, os que nunca vontade, o ataque de 11 de Setembro fez com que
Setembro a Nova Iorque e Washington. ganistão da década de 90” para alertar mostram as suas crenças, os que nunca enrolam ficássemos todos um pouco menos livres.
Um comunicado divulgado pelo gabi- os EUA para o perigo de uma cedência
nete do primeiro-ministro turco, Bu- perante Islamabad.  P.C. E N.S.L.
6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•DOMINGO, 23 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO MUNDO ISLÂMICO

Um senhor da

“Muitos afegãos vão passar guerra pronto


a atacar
A crer no que o líder

para o lado da oposição”


guerreiro uzbeque
Rashid Dostum terá di-
to, por telefone, a um de-
putado alemão da CDU,
15 mil dos seus homens
estão a 50 quilómetros
de Mazar-i-sharif, no
Vista de Peshawar, a maré afegã começa a soprar para a oposição. “Muitos comandantes abandonarão os taliban”, se a cidade- Norte do Afeganistão,
prontos para tomar a ci-
chave (e santa) de Mazar-i-sharif for recuperada pelos combatentes da Aliança do Norte. Que aparentemente contam agora com dade aos taliban. A in-
15 mil homens de um senhor da guerra do Uzbequistão. Da nossa enviada Alexandra Lucas Coelho, em Peshawar formação é do diário pa-
quistanês “The News”.
EMMANUEL DUNAND/EPA
A conquista deste lu-
Na tradição afegã, os paquista- gar santo seria um con-
neses de Peshawar falam como tributo precioso para a
quem está em família. Porque Aliança do Norte, que
o Afeganistão é mesmo ali, a no seu combate ao do-
50 quilómetros. Porque nas re- mínio taliban está redu-
giões fronteiriças, de um lado zida a cinco por cento
e do outro, a língua e a etnia do território, e perdeu
são iguais: pachtum. E porque há 15 dias o seu líder,
Peshawar é simplesmente a ci- Ahmed Massoud. Foi no
dade com mais afegãos fora Verão de 1998 que a mi-
do Afeganistão — nos grandes lícia dos “estudantes de
êxodos da guerra chegaram a teologia” capturou Ma-
ser maioria, em relação aos zar e outras cidades a
paquistaneses. Dostum, então senhor
Estando assim, em família, de seis províncias do
os naturais de Peshawar lêem Norte do Afeganistão. O
melhor do que ninguém no Pa- uzbeque partiu para a
quistão os sinais que chegam Turquia e terá regres-
do outro lado. E o que ontem sado recentemente ao
— dia dominado pela escalada Afeganistão para recla-
dos ataques da Aliança do Nor- mar as suas “posses”.
te, que combate os taliban — Segundo o “The News”,
os observadores entrevistados para o novo ânimo da
pelo PÚBLICO sublinhavam Aliança do Norte (pos-
era o enfraquecimento dos ta- sibilitado pela pressão
liban. A tal ponto que vários sobre os taliban) conta
comandantes podiam deser- também o desapareci-
tar, e, entre o povo, acontecer mento de Massoud. A
uma viragem para a Aliança tese é a de que com
do Norte. Massoud vivo todos os
Humeyum Khan não só é louros de conquista lhe
um pachtum de Peshawar co- caberiam, enquanto
mo foi embaixador do Paquis- agora os novos leões
tão no Reino Unido, na Índia e (de Panchir, como Mas-
no Bangladesh, e secretário de soud, ou de onde seja)
Estado dos Negócios Estran- têm oportunidade de
geiros nos anos 90. Está agora mostrar a sua raça.
retirado da diplomacia, na sua Nomeadamente Fahim,
cidade natal. “Nós, que vive- novo número um.
mos em Peshawar, sabemos co-
mo apesar dos taliban contro-
larem neste momento 95 por liban, mas mujahedines que
cento do território muitos afe- se lhes juntaram. Juntaram-
gãos estão insatisfeitos e não se se rapidamente para os ajudar
reconhecem no regime que to- a consolidar o poder e podem
mou o poder em Cabul. Ao per- rapidamente deixá-los. É a na-
ceberem como a posição dos tureza dos afegãos.”
taliban está enfraquecida é na- Mazar-i-sharif, no extremo
tural que se juntem ao lado que norte do Afeganistão, muito
agora aparece com mais alento perto do Uzbequistão, foi uma
vencedor.” das conquistas-chave para o
O colunista, analista e repór- domínio taliban, em 1998. É um
ter Rahimullah Yusufzai é da lugar santo. É aí que está a
mesma opinião, e relembra a Mesquita Azul, onde os muçul-
tradição do povo afegão, nas manos supõem que repouse o
suas batalhas internas, de se túmulo de Ali, filho adoptivo
“juntar ao lado vencedor e de- do profeta. Um dos senhores da
sertar do lado vencido”. guerra do Uzbequistão afirma
O nome de Yusufzai é conhe- agora ter 15 mil tropas dispo-
cido de qualquer cidadão afe- níveis para ajudar a Aliança do
gão que escute as emissões da Norte a recuperar a cidade.
BBC em pashtum ou fharsi — Entre as notícias de ontem
e quase todos escutam, desde estava também o corte de rela-
que os taliban proibiram a te- ções diplomáticas com os tali-
levisão no país. Talvez por is- ban por parte dos Emirados
so Osama Bin Laden se tenha Árabes Unidos, até aqui um
dado ao raro luxo de lhe conce- dos seus três únicos países
der uma entrevista. Além de apoiantes. “Como podem os
trabalhar para o diário paquis- taliban sozinhos suportar to-
tanês “The News”, Yusufzai é da esta pressão?”, questiona
correspondente da cadeia bri- Yusufzai, “eles lutarão, não
tânica há 20 anos e já perdeu a há dúvida, mas a maré está
conta às vezes que entrou no contra eles.”
Afeganistão. Quanto a Bin Laden, este es-
“Se os taliban perderem a pecialista paquistanês conti-
cidade de Mazar-i-sharif, será nua a não acreditar que ele te-
crucial. Muitos comandantes nha partido do Afeganistão:
os abandonarão. Não neces- “Para fugir, teria que se disfar-
sariamente comandantes ta- A Aliança do Norte, que combate os taliban, pode ter ganho uma nova oportunidade com o actual cerco ao regime afegão çar, a cara dele está por toda a
D E S TA Q U E 7
PÚBLICO•DOMINGO, 23 SET 2001

parte. E não creio que lhe agra- PORTFOLIO


dasse fugir disfarçado. Acho EPA
que ele quer lutar, e morrer na
batalha.”
A convicção de Yusufzai é
que “os americanos vão tentar
capturá-lo vivo, para o humi-
lharem na América... matá-lo
é uma segunda escolha, não
acabaria com a rede dele”.

O factor Paquistão
Tanto Yusufzai como o antigo
diplomata Khan alertam para
a possibilidade de um volte-fa-
ce no apoio que o Paquistão
tem dado à causa americana
antiterrorista. “Se as tropas
americanas atacarem daqui o
Afeganistão, ou se o Paquistão
disponibilizar bases e homens,
os protestos que estamos a ver
agora dispararão como fogo”,
prevê o jornalista.
“Se acontecer uma situação
em que afegãos inocentes se-
jam atingidos, a reacção do Pa-
quistão será muito, muito se-
vera”, calcula por seu turno o
ex-embaixador. “A posição do
Paquistão será sempre diferen-
te em diferentes cenários. Tive-
mos a reacção ao ataque, quan-
do era preciso salvaguardar
o país, ser cauteloso. Tudo de-
pende das opções da América.
Há acções cirúrgicas possíveis,
e se elas forem equilibradas
com um apoio humanitário ge-
neralizado ao povo afegão po-
dem ser bem aceites.”
Humeyum Khan não só
acredita que a primeira toma-
da de posição do presidente Na Índia, a venda de imagens do “skyline” de Nova Iorque disparou em flecha, agora que as torres gémeas são apenas uma recordação
Musharraf era a mais certa,
como defende que este pode
ser um bom momento para REUTERS CHRIS HELGREN/REUTERS

pôr cobro ao que já devia ter


sido controlado: “Nos últimos
anos, os grupos islâmicos ga-
nharam demasiado espaço.
Não é que a maioria esteja
com eles, a maioria quer o fim
destas lutas radicais. Mas é
silenciosa, ao contrário dos
quadros dos grupos islâmicos,
que são quem sai à rua a in-
cendiar os protestos.”
Por tudo isto, o antigo diplo-
mata acredita que “de um mal
pode vir o bem”: “Agora que
o presidente tem o apoio da co-
munidade internacional, o go-
verno já não tem argumentos
como a questão de Carachi, a
dívida externa, etc. Talvez seja
a melhor altura para o Paquis-
tão pôr fim a algo que se tornou
muito perigoso.”
Quanto ao apoio que os ra- Um pouco por todo o mundo islâmico, há quem manifeste solidariedade com
dicais podem ter nas forças os taliban e com Osama bin Laden — na foto, uma jovem muçulmana
armadas, Khan confirma que indonésia com uma imagem do magnata saudita e a legenda “o meu herói”
“nos últimos 20 anos houve
certamente uma islamização
DYLAN MARTINEZ/REUTERS
dos militares, que se dividem
entre ortodoxos e liberais. Mas
creio que serão suficientemen-
te sensatos para perceberem
o que pode significar o lado
extremista.”
Outra sensibilidade a ter em
conta, acrescenta, é a das áre-
as tribais, seis milhões de pes-
soas: “Não sabemos para onde
se inclinam. São muito inde-
pendentes. Se virem que se-
rão beneficiados pelo governo
estarão com o governo. E há
pouco que os extremistas islâ-
micos e os taliban lhes possam
oferecer.”
Justamente ontem chegou
de Quetta, província do Balu-
chistão, sudoeste do Paquistão,
o “apoio total” às decisões de
Musharraf por parte de um lí- O medo de uma retaliação norte-americana que desencadeie uma guerra em
der tribal de Toba Kakari. Que larga escala gera preocupações —++ aqui, uma das 4000 pessoas que se
diz ter falado “como muçulma- Muitos nova-iorquinos ainda olham com espanto e incredulidade manifestaram pela paz à porta da residência
no, contra o terrorismo”.  para as ruínas do World Trade Center do primeiro-ministro britânico, Tony Blair
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PÚBLICO•DOMINGO, 23 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO MUNDO ISLÂMICO
SUHAIB SALEM/REUTERS

O BRAÇO DIREITO DE
BIN LADEN ERA O LÍDER DO
GRUPO QUE MATOU SADAT
Aiman Zawahiri teve de abandonar a chefia da Al-Jihad e juntou-se ao
inimigo número um da América no Afeganistão. É uma figura maior
na complexa rede de islamistas que lutam contra os EUA
Por Karim el-Gawhary, no Cairo

Osama bin Laden não é nenhum “one man se contam alguns egípcios no círculo mais pró-
show”, mas sim uma complexa rede, não ximo de Bin Laden — entre os quais o antigo
tanto de grupos de combatentes islâmicos, dirigente militar de Al-Gama’at Al-Islamiya, Os iraquianos preparam-se para uma eventual retaliação contra Saddam
mas de indivíduos que desistiram de lutar Ahmad Taha, ou o irmão do assassino de Sa-
contra o seu próprio regime, por eles clas- dat, Muhammad Al-Istanbouli. O mais conhe-

Saddam Hussein,
sificado de “infiel”, e que agora, a partir de cido de todos é, no entanto, o médico egípcio
esconderijos nas montanhas do Afeganis- e antigo chefe de Al-Jihad, Aiman Zawahiri,
tão ou nas capitais ocidentais, se dedicam à que perdeu a sua posição de chefia nesta orga-
luta contra os Estados Unidos. O que se vê nização, pois a maioria dos militantes crê que
nitidamente devido à mistura de nacionali- ele foi longe de mais. Grande parte dos apoian-
dades árabes de todos aqueles que agora são tes de Al-Jihad ainda vê o regime “infiel” do
suspeitos de ter participado nos atentados Egipto como sendo o seu inimigo principal,
em Nova Iorque e Washington.
Paradoxalmente, a relação de alguns
e não os EUA.
Zawahiri passou três anos nas prisões
combatentes com Bin Laden parece ser um egípcias a seguir à morte de Sadat. Depois
alvo possível?
resultado directo do êxito que os regimes da sua libertação, em 1994, deixou o país Algumas pistas apontam para um envolvimento Os iraquianos
árabes obtiveram ao combater os seus pró- para se juntar aos seus irmãos afegãos e, a de Bagdad no ataque à América. O regime do
prios islamistas com brutais meios milita- partir do estrangeiro e em segurança, poder preparam-se
res. Quando a luta no próprio país se torna continuar a mexer alguns cordéis no Egipto.
Iraque recusa as acusações, mas o seu povo
difícil, as pessoas viram-se simplesmente Três anos mais tarde, abriu um escritório prepara-se para uma possível guerra
para causas maiores. de recrutamento na cidade de Peshawar, Apesar de o Iraque não
Um exemplo: o Egipto, do qual se suspeita na fronteira paquistanesa, e fundou uma ser actualmente o alvo
que também alguns dos seus compatriotas revista com o nome “A Conquista”. número um da ira nor-
estarão implicados nos desvios dos avi- O nome de Zawahiri voltou a apa- CARLOS MARTINHO niyeh. Acredita-se, inclusi- te-americana, o povo ira-
ões nos EUA. A primeira vez que os Análise recer mais tarde entre os nomes ve, que um dos agentes ira- quiano prepara-se já pa-
combatentes islâmicos se apresenta- dos 17 colaboradores de Bin Laden Ainda que o Presidente dos quianos, Salah Suleiman, ra uma possível guerra,
ram ao público foi há cerca de 20 anos, que são acusados pelos EUA de te- EUA, George W. Bush, e to- tenha sido detido em Outu- embora acredite na ino-
quando o Presidente egípcio, Anwar al-Sadat rem participado nos atentados à bomba dos os órgãos de comunica- bro pelos serviços secretos cência do seu líder, Sa-
foi assassinado. Mais tarde, nos anos 90, foram contra as embaixadas americanas em Nai- ção social à escala mundial paquistaneses. ddam Hussein, no ataque
sempre dois grupos de combatentes que en- robi (Quénia) e Dar-es-Salam (Tanzânia), centrem as suas atenções Outra das pistas para uma à América. “Os iraquia-
traram em acção, em nome de Al Gama’at Al- em 1998. Este cidadão egípcio é frequen- no magnata de origem sau- eventual participação ira- nos vêem estes ataques
Islamiya e da Jihad, na maior parte das vezes temente designado como sendo o “braço dita Osama bin Laden como quiana nos acontecimentos como um assunto envol-
contra polícias egípcios, coptas cristãos mas direito” de Bin Laden e, em caso da morte o primeiro suspeito dos ata- de 11 de Setembro é Moham- vendo extremistas islâ-
também contra turistas. deste, seu possível sucessor. O advogado ques terroristas nos Esta- mad Atta, um dos piratas do micos, quando nós so-
O sistema de segurança egípcio ripostou egípcio Muntasir Zayat, outrora conside- dos Unidos, algumas vozes ar que tomou conta de um mos um Estado mais
e de uma forma não muito gentil. Dezenas rado o porta-voz não oficial dos combaten- voltam-se para um suspei- dos aviões que embateu no antigo. Por outro lado,
de milhares de supostos islamistas e os seus tes islâmicos no Egipto, chega mesmo a to mais familiar para o po- World Trade Center, que, se- já passámos por isto tan-
simpatizantes foram parar às prisões sem afirmar que Zwahiri está para Bin Laden vo americano: Saddam Hus- gundo o “Boston Globe”, teve tas vezes que sabemos o
qualquer apresentação de queixa. Outros como o cérebro para o corpo. sein. reuniões com os serviços se- que fazer — armazenar
foram misteriosamente mortos ao serem O Governo egípcio já prometeu aos EUA Para os serviços secretos cretos iraquianos no Verão, combustível, comida e
presos. Assim se foram empurrando os com- que iria cooperar na luta contra o terroris- militares israelitas, não se- aquando das suas visitas pe- outros bens essenciais”,
batentes para a defensiva. mo, já que se trata de lutar contra um ini- rá de descartar uma colabo- riódicas à Europa. disse um bancário de
O golpe final teve lugar a 17 de Novembro de migo comum. O que é uma sorte para Wa- ração entre o Iraque e a al- Apesar das especulações Bagdad, citado pela Reu-
1997, quando 58 turistas foram brutalmente shington, pois os serviços secretos egípcios Qaeda, (organização de Bin israelitas, o ministro dos ters. Outro iraquiano
assassinados frente ao templo devem estar bem fornecidos Laden), nomeadamente por Negócios Estrangeiros ira- disse acreditar que “a
Luxor por combatentes islâ- de informações sobre os seus parte dos serviços secretos quiano, Naji Sabri, negou operação foi feita para
micos. Com esta acção esses Aiman Zwahiri compatriotas de conduta du- iraquianos (SSO). Fontes is- qualquer relação com os além das capacidades
mesmos combatentes perde- está para Bin Laden vidosa que se encontram no raelitas, citados pela revista atentados: “Os Estados Uni- do Iraque. Não estamos
ram toda e qualquer base po- Afeganistão. militar britânica “Jane’s In- dos e os seus aliados sabem descansados mas sabe-
lítica em casa. Num país em como o cérebro Ao mesmo tempo, porém, o telligence Digest”, sugerem bem que não temos qualquer mos que o Iraque não
que um em cada dez postos de para o corpo Governo de Hosni Mubarak que o regime de Bagdad po- relação com os grupos que é responsável”. Ontem,
trabalho depende, directa ou vê com grande preocupação derá ter “patrocinado ou fi- estão a ser acusados de co- o jornal iraquiano “Ba-
indirectamente do turismo, aquela que é proclamada pelos nanciado” os ataques terro- meter os atentados.” bel”, dirigido por um
eles tinham-se posto a si mesmo fora de jogo. EUA como a primeira guerra do século XXI. ristas contra o World Trade Um porta-voz do Ministé- dos filhos de Saddam
Depois não se ouviu falar mais dos combaten- Os EUA deveriam reflectir sobre a sua reacção Center e o Pentágono. rio do Exterior iraquiano Hussein, Uday, referia
tes. Só em Fevereiro do ano seguinte é que aos atentados e não se deveriam precipitar, Os israelitas indicam co- acusou ainda o “movimen- que um eventual ata-
voltaram a aparecer. Mas não no Egipto. avisou o ministro dos negócios estrangeiros mo principais “cérebros” to sionista internacional de que de Washington ao
egípcio, Ahmad Mahler, quando deixou o seu dos atentados dois homens incitar os Estados Unidos Afeganistão “semeará a
Aliança Al-Jihad-Al-Gama’at nome no livro de condolências da embaixada com possíveis ligações ao a desencadear uma guerra destruição” no mundo,
Al-Islamiya-Al Qaeda americana no Cairo. Se o Presidente George Iraque: o libanês Imad Mu- mundial contra árabes e mu- e traria consequências
O grupo egípcio “Al-Jihad” e pouco depois W. Bush mandar bombardear o Médio Oriente ghniyeh, chefe das operações çulmanos”. mesmo para os Estados
também Al-Gama’at Al-Islamiya anuncia- de uma maneira imprudente como reacção internacionais de guerrilha É sabido que não existi- Unidos. “As tentativas
ram, a partir do Afeganistão, o seu pacto aos atentados de Nova Iorque e Washington, islâmica libanesa Hezbollah, rá consenso entre os prin- da administração ame-
com a organização de Osama bin Laden, Estados árabes, como o Egipto, em breve terão e o egípcio Aiman Zawahiri, cipais governantes ameri- ricana e dos sionistas de
Al Qeada (A Base), sob o nome de Frente um problema de política interna. responsável pela al-Qaeda canos sobre uma pretensa acusar os muçulmanos
Islâmica Internacional, contra os cruzados No pior dos casos, é de contar com distúr- no Egipto e, porventura, fora implicação do Iraque nos dos atentados resulta de
cristãos e os judeus. O seu novo alvo: os bios em acções de protesto antiamericanas. do Afeganistão. atentados terroristas, ain- um novo ‘complot’ con-
Estados Unidos da América. Esta semana, os médicos nos hospitais egíp- Segundo as informações da que o secretário da defe- tra o Islão”, completa
Ao contrário, todos os combatentes islâ- cios e todos os colaboradores do sistema de militares de Telavive, agen- sa norte-americano, Donald o jornal iraquiano, que
micos que ficaram no Egipto, na maior par- segurança viram as suas férias canceladas. tes secretos iraquianos te- Rumsfeld, quando questio- já na passada quinta-fei-
te dos casos atrás das grades, proclamaram A abertura do semestre na Universidade do riam viajado para o Afe- nado sobre o assunto, tenha ra tinha afirmado que
a deposição das armas. Alguns até queriam Cairo foi protelada por motivos de seguran- ganistão durante os dois deixado cair, laconicamen- os Estados Unidos ata-
tentar a via institucional e decidiram criar ça. Se outrora o Egipto se libertou do pro- últimos anos para se reuni- te: “Sei muito sobre isso, cariam o Iraque com a
partidos políticos que, contudo, nunca fo- blema que eram os combatentes islâmicos, rem com Zawahiri — apon- mas só posso dizer que há mesma intensidade com
ram aceites. agora aproxima-se um outro, possivelmente tado como possível sucessor Estados que ajudam estas que o fizeram em 1991,
Mas voltemos ao Afeganistão. Entretanto já maior, neste país nas margens do Nilo.  de Bin Laden — e Mugh- pessoas [terroristas].”  na guerra do Golfo.
D E S TA Q U E 9
A INVESTIGAÇÃO PÚBLICO•DOMINGO, 23 SET 2001

Caça aos suspeitos prossegue


na América e Europa
A Europa está a ser suspeitaram de um eventual burgo, onde já se encontram
passada a pente fino envolvimento do advogado diversos agentes do FBI. Ape-
com a organização de Bin La- sar de as autoridades locais
à procura de terroristas den e comunicaram a ocor- não terem confirmado nem
muçulmanos. rência às autoridades. desmentido a existência de
Há pessoas e empresas Em Espanha, conforme re- uma vasta operação policial,
lata o “El País”, o alvo das in- a verdade é que as actividades
sob investigação vestigações é a empresa de ilu- de diversos grupos muçulma-
minação Palwa Iberia SA. De nos, com especial incidência
JOSÉ BENTO AMARO acordo com aquele diário, a sobre os estudantes, estão a ser
empresa em causa pertence à seguidas a par e passo.
Quase toda a Europa está sob família Bin Laden. Foi criada Por fim, dos Estados Unidos
a mira dos investigadores do em 1990, em Alacuas, Valência, veio a notícia que Washington
FBI e de diversas outras po- tendo sido instalada, sete anos solicitou ao Governo canadia-
lícias nacionais, que tentam mais tarde, em Paterna. Em no a extradição de um natu-
encontrar suspeitos do ataque Agosto a sede social instalou- ral do Iémen que ali se encon- 46
terrorista contra os Estados se em Barcelona. A polícia es- tra detido depois dos atentados
Unidos. Enquanto em Espa- panhola procura, sobretudo, terroristas do passado dia 11.
nha e no Luxemburgo se ave- analisar a composição accio- O suspeito, Najib Abdel Ja-
riguam eventuais tentativas nista da firma. bar Mohammed al-Hadi, foi de-
de branqueamento de capitais Se no Luxemburgo e em Es- tido a bordo de um avião da
por parte de pessoas que man- panha se investigam as activi- companhia alemã Lufthansa
terão ligações à organização dades económicas, em Ingla- no próprio dia dos atentados.
de Bin Laden, na Alemanha e terra e Alemanha a polícia tem O aparelho deveria fazer a li-
Inglaterra vários muçulmanos vindo a deter diversos muçul- gação entre a Alemanha e Chi-
estão a ser interrogados pelas manos suspeitos de poderem cago mas, devido aos ataques,
autoridades. ter participado nos atentados acabou por ser desviado para
No Luxemburgo as inves- ou na sua congeminação. Na Toronto. O indivíduo em cau-
tigações recaem sobre uma sexta-feira, em Londres e Bir- sa tem ainda outras compli-
transacção que terá sido recu- mingham, três homens e uma cações com a justiça, uma vez
sada a um advogado francês mulher, de origem argelina e que para obter o passaporte
por um banco daquele país. marroquina, foram conduzi- que lhe permitiu viajar terá
Segundo o jornal alemão “Der dos às instalações policias. On- prestado falsas declarações.
Spiegel”, que avança amanhã tem prosseguiam os interroga- Além disso, na revista que foi
com um artigo sobre a maté- tórios (que podem estender-se feita à sua bagagem, no Cana-
ria, o advogado em causa te- por mais dois dias suplemen- dá, foram encontradas duas
Praça Francisco Sá Carneiro, 10-D (Pç. do Areeiro) 1000-160 LISBOA
rá tentado realizar junto do tares às 48 horas concedidas fardas de pessoal de voo da Luf- Tel.: 21 845 30 10 • Fax 21 845 30 18
banco uma transacção de 5,1 por lei para o efeito). thansa, bem como três passa- e-mail: chavareeiro@mail.telepac.pt • site: www.chavesareeiro.pt
milhões de euros (cerca de um Na Alemanha, por sua vez, portes falsos, cada qual com
milhão de contos). No entan- as investigações incidem, prin- nomes e datas de nascimento
to, os responsáveis bancários cipalmente, na região de Ham- diferentes.  com AFP e Reuters
10 D E S TA Q U E
PÚBLICO•DOMINGO, 23 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO MUNDO ISLÂMICO
YVES HERMAN/REUTERS

Parte I

O Islão de A a Z
A Texto de dados até cristãos coptas e turistas
Assassiyun, os que são fiéis ao “As- estrangeiros. O regime lançou en-
sass” ou “fundamento” da fé, terão
MARGARIDA SANTOS LOPES tão uma ofensiva que neutralizou e
sido, provavelmente, os primeiros decapitou a organização. Os chefes
suicidas do Islão. O grão-mestre e tornar o “Mensageiro de Alá”, já a E estão no exílio ou na cadeia. Sem re-
pregador supremo desta seita me- Caaba era lugar de culto a mais de Ertogruhl era líder de uma tribo de cursos financeiros, eles propuseram
dieval que existiu durante 166 anos 360 divindades. Era prática corrente turcos nómadas islamizados que, em tréguas às autoridades, em Março
(séc. XII e XIII) foi Hassan Sabbah. dar sete voltas ao santuário e atirar 1921, ajudou um sultão seljúcida a de 1998, embora alguns militantes
A sua base era o castelo de Alamut, pedras aos “djinns”, pequenos e ma- vencer uma batalha contra um exér- tenham sido entretanto recrutados
a sul do mar Cáspio, uma fortaleza liciosos génios que se encontravam cito de tribos mongóis provenientes por Osama Bin Laden. Outras orga-
sobre um rochedo, a dois mil me- em toda a parte. Diz a tradição que da Pérsia. Como recompensa, Er- nizações extremistas são a também
tros de altitude. “Não basta matar os a Caaba foi edificada por Adão após togruhl recebeu o Centro-Norte da egípcia Al-Jihad, cujo antigo líder,
nossos inimigos”, dizia Hassan aos a sua expulsão do Paraíso. Levada Anatólia. A Ertogruhl sucedeu Os- Ayman Zwahri, se tornou no “braço
seus fiéis. “Não somos homicidas, pelo Dilúvio, teria sido reconstruída man, um dos seus filhos, que con- direito” do “hóspede” dos taliban
mas executores. Devemos agir em por Abraão e seu filho Ismael, que quistou o resto da Anatólia bizanti- no Afeganistão; e ainda os Grupo(s)
público, para servir de exemplo. Ma- aqui embutiram, na esquina sues- na e chegou até Constantinopla. Na Islâmico(s) Armado(s) na Argélia,
tamos um homem, aterrorizamos te, a “Pedra Negra” (possivelmen- segunda metade do século XIV, os onde uma guerra quase civil já cau-
outros cem mil. Todavia, não basta te um meteorito) trazida pelo anjo “osmanlitas” eram donos de Bizân- sou mais de 100 mil mortos desde
executar e aterrorizar, é igualmente Gabriel. A palavra significa “cubo” cio e dominavam toda a Ásia Menor, que os militares anularam eleições
indispensável saber morrer. Morrer e designa com bastante fidelidade a a Grécia e os Balcãs. No século se- legislativas de 1991 ganhas pela
é mais importante do que matar. forma do edifício, que tem 15 metros guinte, dedicaram-se a conquistar o Frente Islâmica de Salvação (FIS).
Matamos para nos defendermos, de altura e dez de largura, e está mundo árabe. Devido a uma detur-
morremos para converter, para con- inteiramente coberto por uma tinta pação do nome de Osman (os ingle- H
quistar. Conquistar é o nosso ob- negra, a “kiswa”. ses chamavam-lhe Othman), o seu Hanafita é uma das quatro escolas
jectivo; defendermo-nos é apenas gigantesco império tornou-se conhe- clássicas da lei islâmica que devem
um meio.” Os assassínios levados D cido, no Ocidente, como Império Oto- o seu nome aos juristas escolhidos
a cabo pelos homens de Sabbah pa- Drusos são uma das muitas sub- mano. Os turcos preferiam chamar- pelos primeiros imperadores abás-
reciam tão irreais que, no Ociden- seitas dos ismailitas assassinos, tal lhe “Domínios Bem Guardados”. sidas para clarificar e aplicar essa
te, lhes chamavam “haschichiyun” como os alauitas. Uns e outros con- legislação. Assim, a escola Malikita,
(fumadores de haxixe), sobretudo centram-se agora sobretudo na Sí- F a mais velha, foi fundada em Medina
para os insultar. Alguns orientalis- ria e no Líbano. A crença dos drusos Fatiha é o primeiro dos 114 “suras” por Maliki ibn Anas, que alterou o
tas julgaram ver naquele termo a já tem muito pouco a ver com o Is- (capítulos) do Corão. Também se direito alegado pelos califas omêia-
origem da palavra “assassino”, mas lão, embora eles ainda sejam cata- chama “Abertura do Livro” ou das de fazer leis sem referências ao
outros garantem que as únicas dro- logados como “muçulmanos”. Esta “Liminar”. Breve, em forma de Corão, reforçando a importâncias
gas dos discípulos de Hassan eram seita foi criada em 1021 no Cairo oração, foi assim traduzida para da “hadith” (tradição oral). A escola
uma fé inabalável e a vontade de quando um grupo de ismailitas de- português: “Louvado seja Deus, Se- Shafita, a maior e mais importante
sacrifício. Como explicar a capaci- clarou o “imã” fatimida al-Hakim nhor do Universo/o Clemente, o durante o período dos abássidas, foi
dade que eles tinham de se infiltrar como sendo a reincarnação de Ali, Misericordioso,/o Soberano no Dia fundada por Idris al-Shafi em Bag-
num meio hostil, aí se fundir duran- o primeiro “imã” xiita. Foram ex- do Juízo,/ Servimos-Te e invoca- dad. Ele ensinou, por exemplo, que o
“De modo a preservar, te meses, estudar com precisão e pulsos do Cairo para a Síria pela mos-Te em nosso auxílio; /Guia-nos conhecimento perfeito da “sharia”
na Ciência Política, a travar relações com a sua presa até maioria dos ismailitas que os con- pelo caminho direito,/ Pelo cami- só podia ser conseguido através da
liberdade de espírito a chegar o momento de a executar? sideraram hereges. O primeiro líder nho dos que auxiliaste; / Não pelo revelação divina do Corão ou em pre-
druso, al-Dazari, foi um turco. No dos que incorreram na Tua cólera, cedentes de inspiração divina (“sun-
que nos habituámos na B início do século XIII, os drusos pas- nem pelo dos que se perderam”. na”) do profeta Maomé, através de
Matemática, tenho sido “Burqa” é uma expressão persa que saram a aceitar apenas os descen- relatos autênticos (“hadith”). A ra-
cuidadoso em não designa a longa túnica que cobre as dentes directos dos fiéis originais, G zão humana seria apenas usada nos
mulheres muçulmanas, excepto os tornando-se assim uma tribo e um Gama’at Islamiya ou Grupo Islâ- casos em que não se aplicasse a reve-
ridicularizar o olhos. O “chador”, palavra igualmen- grupo religioso secretos. Aceitam mico é um dos mais violentos gru- lação divina. A escola Hanifita tam-
comportamento te persa, inclui o manto e o lenço que uma parte do Corão, adoptaram a pos integristas. Nasceu em 1973 nas bém nasceu em Bagdad, criada por
humano, nem a tapam todo o corpo feminino. O “hi- crença judaica de que o seu Deus universidades egícpcias e foi das Abu al-Hanafah. Este foi o que me-
deplorar ou condenar, jab” é apenas o véu/lenço. O rígido é exclusivo deles e aceitam a dou- suas fileiras que saiu Khalid al-Is- nos aceitou basear regimes legais in-
código de vestuário no Islão destina- trina da reincarnação de Jesus. Os tambouli, o jovem de 24 anos que teiramente no Livro Sagrado ou nos
mas a compreender” se supostamente a preservar a “mo- alauitas, por seu turno, apareceram assassinou o Presidente Anwar Sa- “hadith”, aconselhando, por exem-
déstia” e a respeitar os rituais reli- no século XIII como um grupo dissi- dat quando este assistia a um desfile plo, a que os duros castigos corânicos
BARUCH DE ESPINOSA giosos (“salat”). Há no entanto maior dente da ala síria dos Assassinos (os militar em 6 de Outubro de 1981. (“Hadd”) fossem aplicados muito ra-
Membro da comunidade hebraica flexibilidade em relação aos homens, ismailitas Nizariyah). Constituem Renascido após várias campanhas ramente e apenas para servirem de
portuguesa de Amsterdão, e que também deveriam respeitar as hoje 10 por cento da Síria, mas são a de repressão, o Gama’at Islamiya exemplo. Finalmente, a escola Han-
figura maior da história regras de “esconder as partes que classe política dominante. As suas chegou a constituir, de 1992 a 1997 balita — de longe a mais fundamen-
intelectual do Ocidente. A ética vão do umbigo ao joelho”. origens estão envoltas em lenda e uma verdadeira ameaça ao Gover- talista das quatro — foi fundada por
e a metafísica constituíram a mistério. É uma seita que se identi- no de Hosni Mubarak, o sucessor Ahmad ibn Hanbal, um jurista para
essência dos seus ensinamentos. C fica abertamente com alguns aspec- de Sadat que também tentou ma- quem a “sharia” se deveria basear
Foi excomungado como herege por Caaba, ou Casa de Deus, é um dos tos da teologia cristã, ao ponto de tar. Lançou uma violenta campanha exclusivamente no Corão.
criticar a religião e os textos principais locais de peregrinação celebrarem a Páscoa, mas seguem para impor um Estado baseado na
sagrados. O seu Deus era o dos muçulmanos. Fica em Meca, na igualmente as tradições dos xiitas “sharia”, a lei islâmica, massacran- Amanhã
Universo Arábia Saudita. Antes de Maomé se iranianos. do mais de 1200 pessoas, desde sol- De Ithna-Ashariyah a Rashid
D E S TA Q U E 11
OS EUA DEPOIS DO CHOQUE PÚBLICO•DOMINGO, 23 SET 2001

Máquinas pesadas avançam


CASOS DE SOBREVIVÊNCIA

Os americanos pensam abandonar as buscas de


sobreviventes nos restos do World Trade Center, em Nova
Iorque, mas não podem deixar de pensar nos inúmeros casos

para os destroços do WTC TOM SPERDUTO/REUTERS


de pessoas encontradas com vida, por vezes muitos dias após
um tremor de terra ou um acidente. Estes casos, segundo os
socorristas, são, contudo, excepcionais. Aqui se enunciam
alguns ocorridos nos últimos 15 anos.

28/9/1985
No México, dois recém-nascidos são retirados vivos dos
escombros, nos seus berços, nove dias após um tremor de
terra no México que matou 5000 pessoas.
26/6/1990
No Irão, quatro dias após um violento sismo que resultou em
40 mil mortos, uma criança de seis anos é encontrada viva
pelo seu pai, no meio de toneladas de destroços, refugiada no
Os bombeiros e restantes ele- frigorífico da sua casa.
mentos das equipas de bus- 30/7/1990
ca e salvamento começaram Nas Filipinas, três pessoas são retiradas vivas das ruínas de
ontem a utilizar maquina- um hotel destruído, duas semanas antes, por um tremor de
ria pesada para remover os terra que fez 2600 vítimas. Sobreviveram graças à água que
escombros do World Trade escorria no sítio onde se encontravam.
Center. Tal significa que, 9/7/1995
aparentemente, já são pou- Na Coreia do Sul, um jovem é retirado vivo das ruínas de uma
cas as esperanças de encon- grande loja de Seul que tinha ruído dez dias antes, fazendo
trar com vida algumas das mais de 500 mortos. Dois dias mais tarde, uma rapariga de 18
6.333 pessoas ainda dadas co- anos foi retirada viva dos escombros. Afirma ter sobrevivido
mo desaparecidas. lambendo as gotas de chuva que escorriam no seu rosto.
O recurso à maquinaria pe- 29/6/1998
sada justifica-se com a neces- Na Áustria, um mineiro é salvo depois de ter estado bloqueado
sidade de limpar uma área Bombeiros analisam os destroços: as máquinas permitirão avançar mais depressa durante nove duas na mina de Lassing, sozinho, na
com cerca de 6,5 hectares, on- obscuridade, a 60 metros de profundidade.
de até ao dia 11 se erguiam Essen, a propósito do princí- ra de Nova Iorque, é uma das ras fugas de gás e é desconhe- 26/9/1999
as torres gémeas e que agora pio das remoções com recurso individualidades que justifica cida a existência de bolsas de Em Taiwan, dois irmãos são tirados dos escombros, onde
não passa de um amontoado a maquinaria pesada. a utilização de maquinaria oxigénio e qual a sua duração. passaram mais de cinco dias após um sismo. Sobreviveram
de destroços. Além disso, te- As equipas empenhadas pesada com base nas opiniões Além disso, não há certezas ingerindo maçãs podres e a sua própria urina.
me-se que os corpos em de- nas buscas, apesar de quase dos peritos de salvamento. quanto à existência ou não de 17/11/1999
composição possam vir a pro- todas ainda acalentarem uma Mesmo sabendo-se que nas reservas de mantimentos. Na Turquia, uma mulher de 42 anos é retirada das ruínas de
vocar problemas de saúde. pequena esperança de pode- caves das torres haveria menos Até ontem haviam sido re- um prédio de sete andares, mais de quatro dias depois de um
“É, na verdade, o início da rem vir a encontrar sobrevi- riscos de as pessoas terem si- tirados dos destroços 252 ca- tremor de terra que matou perto de 900 pessoas.
transição dos trabalhos. Pen- ventes, estão conscientes que, do atingidas pelos destroços, dáveres, dos quais apenas 5/2/2001
so que é uma solução que to- dez dias após o ataque e o des- todos têm agora consciência 183 já foram identificados. Na Índia, duas vítimas de um sismo são descobertas vivas nos
dos devem aceitar uma vez moronamento das torres, são que dez dias são tempo dema- O número total de desapare- restos da sua casa, dez dias após a catástrofe que fez 25 mil
que este é o melhor caminho quase nulas as hipóteses de siado para que eventuais so- cidos é de 6333, enquanto os mortos. Os socorristas encontraram sobreviventes cinco e
a seguir”, disse o comissário salvar mais vidas. Rudolph breviventes consigam resistir, feridos contabilizados ascen- seis dias após o sismo, entre os quais uma mulher de 102 anos
dos bombeiros, Thomas von Giuliani, presidente da Câma- tanto mais que existem inúme- dem a 6408.  e um bebé de 12 meses.
1 2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•DOMINGO, 23 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO OS EUA DEPOIS DO CHOQUE

UM DIA NA VIDA DE UM
EMBAIXADOR NA ONU
As ruas foram cortadas ao trânsito. A sessão especial sobre a criança passou para data mais oportuna. Washington pediu o adiamento
da Assembleia Geral. No palácio de vidro de Nova Iorque, a palavra terrorismo instalou-se na agenda diária de contactos mútuos
entre diplomatas de 189 países. Um dia na vida de Francisco Seixas da Costa, representante permanente de Portugal
nas Nações Unidas. Do nosso enviado Adelino Gomes, em Nova Iorque
DANIEL ROCHA

Quando entra pelas dez da ma-


nhã no seu gabinete do 9º andar
do número 866 da 2ª Avenida,
em Nova Iorque, o represen-
tante permanente de Portugal
nas Nações Unidas, embaixa-
dor Francisco Seixas da Costa,
costuma levar já lidos três jor-
nais de referência — “The New
Iorque Times”, “Herald Tribu-
ne” e “Financial Times”. Hoje,
mal teve tempo para lhes dar
uma vista de olhos. Mas não
perdeu os editoriais, que conti-
nuam a ser dedicados às conse-
quências para os EUA e o mun-
do dos ataques terroristas do
passado dia 11 a dois dos sím-
bolos mais marcantes do poder
norte-americano — as torres do
World Trade Center, em Nova
Iorque, e a sede do Pentágono,
em Washington.
Tudo mudou na rotina das
Nações Unidas desde aquele
dia. A rua em frente ao palácio
de vidro, a uns oito quilómetros
do local onde mais de 6300 pes-
soas encontraram a morte nos
maiores atentados de sempre
da história dos EUA, continua
cortada ao trânsito por maciços
camiões carregados de areia. A
sessão especial sobre a criança
e a Assembleia-Geral (AG), que
iriam atrair muitas dezenas de
Presidentes, chefes de Governo
e ministros dos Estrangeiros
dos 189 estados membros da or- Seixas da Costa: “Espero que a grande democracia que são os EUA consiga adaptar-se preservando os valores do seu sistema político”
ganização, foram adiadas. As
autoridades dos EUA alegam das Comunidades João Rui Al- pois em Luanda e que mantém A FRASE resposta norte-americano. A gurança instalou-se e está para
não estar em condições de ga- meida (seu colega no penúl- as sanções à UNITA. Oportu- aposta de Kofi Annan e da UE ficar. O que se passou vai fazer
rantir a segurança aos dignitá- timo Governo de António Gu- na e inteligentemente, Ango- é a que qualquer tipo de acção os norte-americanos reflectir
rios internacionais. Nos corre- terres, quando Seixas da Costa la aproveitara a sessão para “O que se passou vai militar dos EUA possa ter uma sobre o modo como são vistos
dores da ONU ouvem-se vozes deteve a pasta dos Assuntos Eu- exibir imagens dos atentados fazer os consensualização alargada des- no mundo. Muitos tiveram pela
sustentando que a verdadeira ropeus), o embaixador portu- da UNITA a um comboio em de o início e, se conforme com os primeira vez a noção de que são
razão deve ser procurada no de- guês corre para a sede da ONU, Senza Itombe, ao mesmo tem- norte-americanos limites do Direito Internacional odiados e perguntam-se porquê.
sejo norte-americano de não ver onde o aguarda uma reunião à po que fazia “a mais veemente reflectirem sobre o e do direito de legítima defesa, Tratou-se de uma lição de vida,
eventuais acções de retaliação porta fechada do Conselho de condenação” dos atentados ao ambos subordinados à Carta bárbara e muito cara. O que há
sujeitas a críticas por parte de Segurança (CS). Portugal não WTC e se declarava disposta a
modo como são vistos das Nações Unidas. a esperar, com toda a franqueza,
chefes de Estado ou de governo faz parte deste topo da estrutura colaborar na “irradicação do no mundo. Muitos Agora mais a frio, alguns pa- é que a grande democracia que
que, no momento, se encontrem de decisão das Nações Unidas, flagelo” do terrorismo. tiveram pela primeira íses mostram-se algo reticen- são os EUA consiga adaptar-se e
em território dos EUA. mas tem acesso à sessão porque O objectivo da diplomacia tes, temerosos de ter ido longe reabsorver estes acontecimen-
A maior parte da manhã vai integra, com os EUA e a Rússia, angolana, confidencia um ele- vez a noção de que de mais, e interrogam-se so- tos num quadro que preserve os
dedicá-la Seixas da Costa a duas a “troika” de observadores do mento da delegação ao PÚBLI- são odiados bre se não valeria a pena or- valores do sistema político. Pa-
missões em que a diplomacia processo angolano. CO, é fazer comparecer o líder ganizar uma sessão especial ra falar mais claro: não é dese-
portuguesa aposta fortemente: Nos encontros preparatórios da UNITA, Jonas Savimbi, pe-
e perguntam-se da Assembleia-Geral ou uma jável que se entre num processo
a candidatura à Comissão de da sessão, a “troika” fez chegar rante o TPI (Tribunal Penal porquê” conferência de alto nível para que faça nascer qualquer coisa
Direito Internacional da portu- à parte angolana a mensagem Internacional), “como terro- estudar esta questão. Depois de como um comité de actividades
guesa Paula Escarameia, uma de que, em vez de um exercício rista”. Em público, contudo, enviar os relatos e comentá- antiamericanas [que esteve na
doutorada por Harvard com de propaganda, Luanda deveria o ministro angolano defende FRANCISCO SEIXAS DA COSTA rios sobre os seus contactos do base de perseguições por razões
uma tese sobre Timor; e a presi- aproveitar a sessão para expli- uma linha “optimista”, espe- embaixador permanente dia para o Ministério dos Ne- ideológicas e arbitrariedades,
dência da 2ª Comissão (Econo- car como acolhe as movimen- rançado em que “qualquer dia de Portugal na ONU gócios Estrangeiros (MNE), em no tempo do senador McCar-
mia e Finanças) para a qual foi tações da sociedade civil, e para o dr. Savimbi possa adoptar o Lisboa, em telegramas cifra- thy].”
eleito há poucos dias. Apesar de dar sinais de empenhamento caminho da razão” e partici- dos, Seixas da Costa parte para A forma “saudável” como
não constar especificamente da na chegada da ajuda humanitá- par na “grande obra de devol- função de diferenças culturais uma última obrigação social se reagiu aos ataques étnicos
sua agenda, a guerra declarada ria também às populações fora ver a paz ao país”. esbateram-se perante a gravi- — um dos quatro jantares se- e uma linha de ajuda para
pelo presidente Bush ao terro- do seu controlo político. A aprovação sucessiva, pelo dade das acções do dia 11”, nota manais a que se desloca por denunciar eventuais abusos
rismo condiciona contactos de Duas horas e meia depois, o CS e pela AG, de resoluções que o embaixador ao PÚBLICO. dever de ofício (“Só almoços de constituem sinais de que se
corredor e a principal reunião ministro angolano do Interior apoiam sem reservas os EUA e trabalho são quatro ou cinco, não deixará perverter “aqui-
que manterá na ONU dentro de mostrar-se-á satisfeito com “a dão uma interpretação muito ... e o contacto com Lisboa e os ‘cocktails’ já chegaram a lo que esta sociedade tem de
poucas horas. forma positiva” como a comu- ampla do que seja o terrorismo Mesmo conscientes de que ser seis num dia”). extremamente bom”, comen-
nidade internacional recebeu nasceu de uma comunhão qua- Bush não esperaria luz verde Já é de noite em Nova Iorque, ta o representante diplomáti-
A questão angolana... as explicações do seu governo e se inédita de indignações. “As para actuar, as Nações Unidas uma cidade que o embaixador co português, antes de correr
Logo a seguir a um almoço ofe- pela adopção de uma declara- clivagens de natureza doutri- procuraram envolver-se siste- considera ter mudado irrever- para o carro fugindo à chuva
recido ao secretário de Estado ção divulgada poucas horas de- nária e de comportamento em maticamente no processo de sivelmente. “A cultura da inse- que cai copiosamente. 
D E S TA Q U E 1 3
PÚBLICO•DOMINGO, 23 SET 2001

Timor, Angola, Bush, do NO MESMO HOTEL


pequeno-almoço ao jantar DOS TERRORISTAS
O embaixador Francis- a Missão só podia rece-

10h15 A avaria na rede que fornece


a Internet impede o adido de
imprensa, Sebastião Coelho, um antigo jor-
apurar o número de mortos e desaparecidos
deixaram traços no rosto do governante por-
tuguês.
co Seixas da Costa di-
rige-se à sede das Na-
ções Unidas, quando se
ber chamadas), e a pre-
ocupação de cada um
com a sorte de amigos e
nalista da RDP e da RTP África nascido em dá o primeiro atentado. conhecidos reduziram
Angola, de preparar a resenha de imprensa
portuguesa e estrangei-
ra. Francisco Seixas da
14h45 O trânsito está demorado. À
entrada do estacionamento
na sede da ONU, a segurança abre a mala do
Avista uma nuvem de
fumo e comenta para
o motorista: “Deve ser
o ritmo de trabalho nos
dias imediatos.
A televisão tornou-se
Costa, 53 anos, secretá- carro. O embaixador português aproveita a um grande incêndio.” neste período a principal
rio de Estado dos As- presença dos seus homólogos do Reino Uni- À entrada do edifício fonte de informação so-
suntos Europeus entre do e da França para saber como vai a ideia da ONU onde às nove bre o que se ia passando.
1996 e o início de 2001, de levar a questão do terrorismo a plenário da manhã se inicia a Foi através deste meio de
em Nova Iorque desde ou organizar sobre ela uma conferência de reunião semanal dos O embaixador português soube comunicação que o em-
Março, inicia assim o alto nível. “Estarmos a criar uma clivagem embaixadores da União baixador português sou-
dia na sede das Nações entre os dois mundos representados na ONU Europeia cruza-se com que em Boston, onde passou o be que em Boston, onde
Unidas apenas com o é a receita para o desastre.” Para Seixas da o seu homólogo fran- fim-de-semana, dormira a passou o fim de semana,
quadro noticioso que Costa, torna-se essencial que passe a men- cês que lhe diz: “Há um poucos andares de distância dos dormira no Hotel Wes-
lhe é fornecido pelos sagem de que esta não é uma cruzada do incêndio no World Tra- tin a poucos andares de
jornais internacionais Ocidente contra os países islâmicos. E nisso de Center.” Será apenas
presumíveis autores dos distância dos presumí-
que compra ao levantar-se. Ontem chegou a a UE tem um papel chave. “Porque a Euro- uns minutos depois, ao atentados veis autores dos atenta-
mala diplomática. Traz cartas, o Boletim Di- pa não é uma zona política homogénea. A saírem do elevador no dos em Nova Iorque: no
plomático, e a imprensa semanal portuguesa Europa é muçulmana, a Europa é judia, a sexto andar, que os re- 6º, eles; no 25º, ele.
cuja leitura, uns dias depois, diverte o embai- Europa é cristã.” presentantes diplomáticos europeus sabem Domingo à noite, no regresso do aeropor-
xador português, pois lhe traz um retrato do dos atentados em Nova Iorque. to a casa, em vez de tomar o caminho mais
pequeno mundo pátrio “já desdramatizado”.
17h30 A delegação angolana é a pri-
meira a abandonar a sala on-
Ninguém pensa em suspender o encontro, rápido, pela ponte de Washington, veio pelo
que decorre, “disciplinado”, durante uma Holland Tunnel. “Foi o motorista que suge-

10h30 Entre as boas notícias do dia,


há a nomeação do tenente-co-
ronel Carlos Branco, para o Departamento de
de decorreu a sessão à porta fechada com os
países membros do Conselho de Segurança
e a troika de
hora. Único sinal da anormalidade instala- riu. Disse que o meu predecessor, o embai-
da lá fora, os bilhetinhos que os delegados xador António Monteiro, um apaixonado de
vão trocando (“O Pentágono foi atacado”) Manhattan, vinha sempre por ali. E tinha
Operações de Paz da ONU. Um “furo impor- observadores. sobre o evoluir da situação. “Fomos uma razão, era magnífica a vista com o recorte
tante” que Portugal perseguia há já algum O ministro do espécie de ilha dentro da ilha de Manhat- das torres na linha do horizonte.”
tempo. Boa parte da agenda desta manhã está Interior, “Nan- tan, nessa altura já isolada na zona em que Horas depois, dois aviões desviados por
reservada para outras batalhas em que está dó”, vem sor- nos encontrávamos”, recorda o embaixador piratas com quem eventualmente se cruzara
em causa a presença de portugueses na ONU. ridente. Tem português. nos corredores do mesmo hotel destruíam
A missão prepara-se entretanto para receber, razões para is- As ruas de acesso ao edifício das Nações para sempre a visão privilegiada que a pai-
dentro de dias, José Guterres, um estagiário so, acha o em- Unidas foram fechadas. As restrições de aces- xão de António Monteiro e a atenção do
diplomático timorense. Espera-o um “bom baixador por- so a Manhattan, o corte na rede de acesso motorista lhe proporcionaram num fim- de-
ambiente”. Rui Brito, um dos cinco ou seis tuguês. “A mensagem passou bem e a atitude à Internet, que se mantém, uma avaria nas semana de raras e trágicas coincidências.
altos diplomatas portugueses que melhor co- global dos membros do Conselho é franca- ligações telefónicas (durante algum tempo  A.G.
nhecem o dossier é o número dois de Seixas da mente favorável às posições de Luanda e con-
Costa. “Esta missão viveu no passado e vive denatória da UNITA.”
no presente ainda com a questão timorense
na lapela”, sublinha o embaixador.
18h00 É tempo de fazer as sínteses e
a análise para Lisboa. O desfa-

10h45 Ponto da situação dos apoios


garantidos ao candidato por-
tuguês à Comissão de Direito Internacional,
samento de cinco horas entre as duas cidades
permite que quando amanhã de manhã voltar
ao serviço, o MNE já tenha tido tempo para
Paula Escarameia, doutorada em Harvad com reagir.
uma tese sobre Timor-Leste. Há nove candida-
tos para oito lugares, mas a votação é secreta.
Os representantes dos pequenos países po-
dem aqui deixar falar a afectividade, libertos
19h00 “Ainda não consegui arranjar
pretextos para me queixar de-
le”, ironiza Seixas da Costa enquanto dispara
da dependência dos países dadores. Só isto mais um elogio ao seu predecessor, António
explica a humilhante derrota dos EUA nas Monteiro. A acção profissional e as caracte-
recentes eleições para a Comissão dos Direitos rísticas pessoais do antigo representante de
Humanos. Portugal na ONU, hoje colocado em Paris,
marcaram muito positivamente a imagem da

12h00 Telefonemas para os seus co-


legas presidentes de grupos
diplomacia portuguesa nas Nações Unidas.

regionais. Eleito na sexta-feira anterior para


a presidência da 2ª Comissão (Economia e Fi-
nanças) — a primeira vez que Portugal detém
19h45 Compromisso social da noite
— um jantar em que, na tra-
dição diplomática, se misturam representan-
uma comissão permanente — o embaixador tes dos diferentes países, figuras de prestígio
português procura o acordo dos seus colegas do país que convida e altos funcionários da
para adiantar a data de início dos trabalhos. ONU. Do mesmo modo que por via de regra
É tempo, por outro lado, de começar a pensar se poupa o fim de semana de cada um, há
no discurso inaugural, tarefa a que associa os um acordo tácito para que este tipo de jan-
vários especialistas de que a missão dispõe. “A tares não se prolongue muito para além das
carreita diplomática divide-se em dois tempo: 22 horas. Antes de se deitar, terá ainda de
passamos metade a escrever o que os outros ler um livro sobre Timor-Leste do antigo
assinam e a outra metade a assinar o que os responsável da UNAMET, Ian Martin, cuja
outros escrevem. Mas eu gosto de escrever”. versão inglesa foi convidado a apresentar
amanhã à tarde.

13h15 O secretário de Estado das Co-


munidades, João Rui Almei-
da, e o cônsul-geral em Nova Iorque, Cruz 22h15 Bush dirige-se à nação e ao
mundo. Seixas da Costa con-
Almeida, já o esperam, na mesa reservada no corda com os elogios unânimes que o dis-
restaurante Avra, ali a curso suscita. “Se há um aspecto que possa
dois passos, a meio do ter notado”, sublinha manejando com cau-
quarteirão que faz es- tela diplomática os termos “é a ausência de
quina entre a rua 48 e a referência às Nações Unidas e, apenas de
3ª Avenida. Os três dias passagem, à União Europeia, que tanto apoio
que João Rui Almeida tem dado aos EUA.” Tradução brutal: Bush
leva em Nova Iorque voltou a mostrar o peso mínimo que as Na-
estão dominados pela ções Unidas têm nas suas preocupações. Ou
emoção que atinge a co- de como os tempos que se avizinham anun-
munidade. As cerimónias fúnebres de Antó- ciam duras batalhas para embaixadores dos
nio Rocha, os encontros com familiares dos países amigos dos EUA, e em particular da
desaparecidos, as sessões de trabalho para União Europeia. A.G.
1 4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•DOMINGO, 23 SET 2001
G U E R R A A O T E R R O R I S M O OS EUA DEPOIS DO CHOQUE

Reconstruir
o WTC ou plantar HISTÓRIAS DE NOVA IORQUE KAI PFAFFENBACH/REUTERS

PROCURA RECORDE ESGOTA


um jardim? MÁSCARAS DE GÁS
Muitos nova-iorquinos, rece-
ando um ataque bacterioló-
Destino dos terrenos deverão levar meses e após este gico ou químico após o aten-
deixados vazios pelos trabalho todos os prédios na tado contra o World Trade
área à volta terão de ser inspec- Center, precipitaram-se a com-
atentados abre debate cionados. Poderão passar anos prar máscaras de gás nas lo-
entre os nova-iorquinos até que seja possível voltar a jas da especialidade, esgotando
construir no local. os “stocks” disponíveis na zo-
A destruição das torres gémeas Entre os nova-iorquinos do- na de Nova Iorque. “Começou
do World Trade Center (WTC) mina a sentimento que o sítio sensivelmente no início da se-
deixou mais de seis hectares deverá mostrar ao mundo que mana”, explica um empregado
de ruínas, um espaço que os os atentados nem humilharam da Galaxy Army and Navy, um
nova-iorquinos perguntam já nem degradaram o espírito da armazém de excedentes mili-
que destino irá ter: reconstruir, sua cidade. “Penso que é preci- tares em Manhattan. “A cada
o que poderá ser uma provo- so reconstruir as torres exac- dois, três minutos, recebemos
cação para novos actos terro- tamente como eram”, disse o chamadas de pessoas que que-
ristas, ou cultivar um jardim ex-presidente da câmara da ci- rem comprar uma máscara de
para lembrar os mais de seis dade Ed Koch. “Se as recons- gás. Mas já não há.” Na sua lo-
mil mortos e desaparecidos? truirmos levamos a melhor so- ja, a Counter-Spy Shop, na Ma-
O presidente da câmara de bre os terroristas.” dison Avenue, Stuart Fields
Nova Iorque, Rudolph Giulia- O magnata Larry Silvers- confirma a vaga, falando de
ni, e o governador do Estado, tein, promotor titular do arren- “uma centena de telefonemas
George Pataki, puseram já em damento de 99 anos do WTC, por dia”. A procura, segundo
funcionamento uma comissão disse que queria substituir as ele, “é cem vezes mais inten-
de consulta, que está a sondar duas torres de 100 andares por sa do que durante a guerra
sobretudo as equipas de socor- quatro prédios de 50 andares do Golfo”. Jim Korn, director
ro e as famílias das vítimas so- e um memorial. Esta solução da Army and Navy Kaufman’s
bre o destino daquele local. Um tem o apoio de Giuliani. E Shop, viu o seu mercado alte-
inquérito publicado sexta-feira os opositores da reconstrução rar-se: a loja vendia, sobretudo,
no tablóide “Daily News” re- lembram que ninguém quere- a teatros e produtores de cine-
vela que 46 por cento das pes- rá trabalhar num local que po- ma e televisão. Subitamente,
soas interrogadas querem ver de ser alvo dos terroristas. foi “atacada” pelos particula-
reconstruído o WTC. Segundo as autoridades por- res. “Tentamos explicar que
Mas 25 por cento desejam tuárias, o futuro do local resul- não há garantias quanto à efi-
que aí sejam construídas novas tará de uma decisão conjunta, cácia das máscaras no caso
edificações, enquanto outros vinda do comité de consulta e de guerra bacteriológica, mas
23 por cento querem que o local tomada pelas autoridades da eles compram na mesma...”
se torne num jardim de home- cidade, do Estado e do promo- Uma máscara custa à volta de
nagem. Nem a municipalidade tor. Por enquanto, ficam as su- 300 dólares (cerca de 650 con-
nem as autoridades portuárias gestões. “As torres gémeas nun- tos) e só permite a sobrevivên-
de Nova Iorque, que eram pro- ca devem ser reconstruídas”, cia durante três a seis horas. O
prietárias dos arranha-céus, defendeu esta semana um edi- filtro de recarga fica em mais
tomaram uma decisão. torialista do “Daily News”, Pe- 50 dólares.
De qualquer forma, não há te Hamill. “Estes seis hectares
razão para pressas: os traba- e meio devem tornar-se num RETIDOS EM LISBOA POR NÃO
lhos de remoção dos destroços oásis de vida.”  AFP
TEREM BAGAGEM
Dois empresários de futebol,

Pilhagem no Jorge Mendes e Sérgio Alves,


foram na sexta-feira forçados
a abandonar o autocarro que
transportaria os passageiros representante da PIA justifi- de socorro”, reforçou David RECLUSOS NA LOUISIANA

subsolo das torres de um voo da TAP ligando Lis-


boa a Roma, por não terem
bagagem. A funcionária da
companhia alegou “razões de
cou a atitude: “Não sabemos
quem é o passageiro... Será o
suspeito número um dos ata-
ques aos Estados Unidos ou
Allen. As Bermudas, situadas
a oriente da Carolina do Nor-
te, dependem largamente do
turismo americano. As taxas
TRABALHAM PARA
SOLIDARIEDADE
O patriotismo chegou a uma
A galeria comercial situada no primeiras horas após a catás- segurança” para justificar a não?... Mas a decisão foi toma- de ocupação dos hotéis cos- prisão de máxima segurança
subsolo do World Trade Cen- trofe, esta zona encontrava-se ordem para abandonarem o ve- da para assegurar a seguran- tumam chegar a 70 por cento no Louisiana, onde os reclu-
ter (WTC) foi alvo de acções deserta e algumas lojas foram ículo estacionado na placa da ça da companhia aérea.” nesta altura do ano, mas en- sos reuniram mais de 11 mil
de pilhagem, que só poderão parcialmente pilhadas. O jor- aerogare, apesar de Mendes e contram-se, desde os atenta- dólares para ajuda às equipas
ter sido levadas a cabo por ele- nal publica fotos de montras Alves terem bilhete de embar- FÉRIAS NAS BERMUDAS PARA dos, a 20 por cento. Muitos ho- da Cruz Vermelha no local.
mentos das equipas de salva- destruídas, expositores vazios que. Os empresários saíram do téis estão mesmo a considerar “Trata-se de homens que fa-
mento que chegaram ao local e caixas registadoras danifica- autocarro e a viatura dirigiu-se “100 HERÓIS DE NOVA IORQUE” fechar durante o Inverno. zem 4 a 20 cêntimos por uma
nas primeiras horas após a tra- das a golpes de martelo ou pés- para o avião, enquanto a fun- As Bermudas ofereceram fé- hora de trabalho nos campos
gédia. A notícia foi confirma- de-cabra. cionária da TAP admitia que rias de borla a 100 dos “heróis COLAPSO DO WTC GEROU e noutros serviços da cadeia.
da ao “New York Times” por Duas pessoas que participa- teriam sido autorizados a des- de Nova Iorque” que tenham Até agora doaram 11.060 dóla-
oficiais da Guarda Nacional, vam nas operações de resgate, colar se tivessem bagagem. Co- estado envolvidos nas opera- PEQUENO SISMO res e esta gente é pobre”, dis-
força militar que está encarre- uma das quais era guarda pri- mo a deslocação a Roma não ções de socorro no World Tra- Um pequeno tremor de terra se à Reuters o director da pri-
gue da segurança nos locais da sional mas fazia-se passar por exigia mais do que uma mala de Center, informou na sexta- fez-se sentir em Nova Iorque são estatal da Louisiana, Burl
catástrofe. polícia, foram apanhadas em de mão, ficaram no aeroporto feira o ministro do Turismo (EUA), na manhã de 11 de Cain. “Testemunhámos um
O capitão Vincent Heinz, do flagrante delito de pilhagem e da Portela, acabando por des- do país, David Allen. As férias Setembro, após o atentado patriotismo que nunca des-
1º batalhão do Estado de Nova foram detidos. colar noutro voo, da Ibéria, que são um agradecimento para dos terroristas ao World Tra- confiámos pudesse ser possí-
Iorque, é uma das fontes cita- Embora estes dois homens fez escala em Madrid, antes de os homens que participaram de Center. Segundo cientis- vel.” Quando viram as cenas
das na notícia, onde se revela fossem voluntários, o comissá- aterrar na capital italiana. nas buscas de dois nacionais tas norte-americanos, quando na televisão, os reclusos quise-
que algumas lojas de luxo, en- rio da polícia de Nova Iorque, das Bermudas, assim como as torres gémeas desaba- ram oferecer-se para lutar ou
tre as quais uma relojoaria, Bernard Kerik, afirmou que AGÊNCIA RESERVOU PASSAGEM dos milhares de pessoas desa- ram, devido aos fortes impac- para dar sangue, relatou Cain.
foram vandalizadas nas pri- 99 por cento dos voluntários parecidas das ruínas das tor- tos causados pelo embate de Mas as leis estatais proíbem
meiras 24 horas após os aten- que apareceram nas missões PARA “BIN LADEN” res gémeas O ministro enviou dois aviões, originaram um as dádivas de sangue por par-
tados que arrasaram as torres de salvamento tinham as me- A Pakistan International Air- uma carta ao presidente da abalo com alguma intensida- te de reclusos, porque mui-
gémeas. Durante esse período, lhores intenções. “Há um pe- lines (PIA) informou na quin- câmara de Nova Iorque, Ru- de. Uma equipa de sismólo- tos estão contaminados pela
milhares de voluntários preci- queno segmento que apareceu ta-feira que deixou de aceitar dolph Giuliani, oferecendo-se gos, que se encontrava numa sida ou pela hepatite C. “Te-
pitaram-se para a área, com com más intenções. Essas pes- reservas de uma agência de para receber, em data a com- estação a apenas 34 quilóme- mos centenas de muçulmanos
o intuito de ajudarem nas ope- soas estão a ser presas.” Houve viagens paquistanesa que re- binar, “100 dos heróis de Nova tros da tragédia, revelou que aqui e estão tão zangados co-
rações de resgate. alguns roubos feitos por volun- servou uma passagem em no- Iorque, sejam bombeiros, polí- o colapso das torres foi muito mo qualquer pessoa”, disse
Um vasto centro comercial tários, mas não se tratou de me de Osama bin Laden num cias ou membros das equipas mais forte do que o choque Cain. “Dizem que o terroris-
estendia-se por vários andares actos de pilhagem sistemática, voo de Karachi para Islama- de socorro”. “Vários nacio- das duas aeronaves, registan- mo não é um ensinamento da
do subsolo do WTC e sofreu da- reforçou. Há vários dias que bad na sexta-feira de manhã, nais das Bermudas consegui- do os sismógrafos um sinal sua fé e que Bin Laden não te-
nos apenas parciais quando as as caves do WTC são vigiadas relatou à Reuters um porta- ram fugir devido à assistência com a magnitude de 2.4 na es- ria descanso naquela prisão.
torres se desmoronaram. Nas por soldados armados.  voz da companhia estatal. Um de bombeiros e outro pessoal cala de Richter. Toda a gente está unida.” 
1 6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•DOMINGO, 23 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO À PROCURA DE BIN LADEN

Quanto vale a “multinacional


do terrorismo” dirigida
por Bin Laden?
EMMANUEL DUNAND/EPA

Barcos mortal acto terroris-


pesqueiros, ta, como engrossado
em vários milhões a
minas de sua fortuna pessoal.
diamantes, Só que ninguém
empresas de sabe ao certo quanto
vale o império eco-
exportação de nómico do milioná-
frutos e de rio Bin Laden e da
madeira, sua tentacular rede,
transportadoras conhecida como Al-
Qaeda (“A Base”, em
marítimas, são árabe). Segundo o
alguns dos diário espanhol “El
negócios Mundo”, só com a
venda de acções da se-
legítimos da guradora norte-ame-
Al-Qaeda ricana “City”, o terro-
rista terá encaixado
ISABEL LEIRIA mais de 50 milhões de
contos (225 milhões
Enquanto os EUA de euros). Dinheiro
continuam em busca que terá como des-
de Osama bin Laden, tino mais provável
o principal suspeito o financiamento da
do ataque de dia 11 gigantesca organiza-
contra a América, as ção terrorista-finan-
entidades de super- ceira que dirige.
visão da bolsa de No- Embora não tenha
va Iorque e várias sido fundada por Bin
praças europeias investigam mais procurado do mundo, Laden, foi depois de passar
também movimentações bol- dias antes do colapso do World para o seu controlo que esta
sistas de “inside-trading” (uti- Trade Center. A comprovar- “multinacional do terror”,
lização ilegal de informação se a autoria das duas acções, como lhe chama o “El Mun-
privilegiada) alegadamente Bin Laden terá assim conse- do”, começou a assumir a ac-
conduzidas pelo terrorista guido executar não só o mais tual dimensão. A capacidade
D E S TA Q U E 17
PÚBLICO•DOMINGO, 23 SET 2001

negocial de Abdula Azam, o


primeiro líder da organiza-
ção, estava longe de satisfa-
EUA REFORÇAM
zer a ambição demonstrada
pelo seu discípulo, Bin La-
COMBATE
den.
A ruptura entre os dois À LAVAGEM
acabou por surgir natural-
mente. Azam recusava-se a
aceitar a proposta de Bin La-
DE DINHEIRO O
den para que o dinheiro pro- multiplica os seus pontos por 5
veniente dos donativos que a A organização de Bin Laden
organização recebia fosse ca- precisa de fazer chegar o di- CÓDIGO do dia 23 de Setembro
nalizado para negócios espe- nheiro aos seus elementos es-
culativos. Afinal, isso aten- palhados por vários países. Se UR3JD9E9T
tava contra a lei islâmica. se encontrar o seu rasto, não
Quando Azam morreu, num só se descobrem as fontes de
ataque nunca reivindicado, apoio dos terroristas, como
Bin Laden acabou por ficar as suas intenções, explicam
com as mãos livres para se- alguns investigadores. Mas
guir o seu plano. se é tão simples, por que têm
E se Bin Laden já era rico, falhado todos os esforços da
graças a uma herança fami- Administração americana?
liar estimada em 300 milhões Segundo fontes da investi-
de dólares (64,8 milhões de gação citadas pelo “New York
contos), os seus dotes de ges- Times”, falharam porque não
tão levaram-no rapidamen- foram usados todos os ins-
te a edificar o actual impé- trumentos legais possíveis,
rio. Que, segundo a “Jane’s porque as autoridades não se
Intelligence Review” citada aperceberam que precisavam
pelo “El Mundo”, é compos- de usar armas mais fortes e
to por uma frota de barcos também devido às várias re-
pesqueiros e frigoríficos, em sistências internas e de ou-
Mombassa (África); pela em- tros países.
presa de transportes maríti- Um exemplo: há um ano, a
mos Zirkani & Laden Inter- proposta da Administração
national, sediada no Sudão; Clinton que permitia aos ban-
pelo Banco de Recursos Bo- cos americanos penalizar os
tânicos de Jartum, dedicado bancos estrangeiros que não
à exportação de frutos gene- cooperassem nas investiga-
ticamente modificados; ofi- ções sobre lavagem de di-
cinas de lapidação de dia- nheiro foi chumbada no Con-
mantes e lápis-lazuli, no gresso. Foi considerada pelo
Tajiquistão; minas de dia- senador John Kerry como
mantes no Uganda; empre- uma proposta “totalitária”.
sas de exportação de madei- Mas outros factores contri-
ra, na Turquia; e, finalmente, buíram para o insucesso das
firmas de comercialização investigações. Em muitos dos
de frutas, de vários pontos países onde se suspeita estar
de África e da Ásia. A lista infiltrada a rede de Bin La-
estará seguramente incom- den, sobretudo no sul da Ásia,
pleta, já que estes são apenas os movimentos de capitais
os negócios reconhecidos. são muitas vezes feitos atra-
Ainda segundo a “Jane’s vés de um esquema de trans-
Intelligence Review”, as re- ferência — o “hundi” — que
ceitas deste enorme con- escapa ao sistema bancário
sórcio triplicaram graças a formal, dificultando assim a
bem sucedidas colocações localização do dinheiro. Tudo
de capitais na Europa e nos é feito sem registos, por tele-
Estados Unidos, através de fone, e cada vez mais pela In-
bancos da Arábia Saudita e ternet, bastando a palavra dos
dos Emirados Árabes Uni- transaccionistas.
dos, assim como da Mauri- É este o esquema regular-
tânia, Singapura, Malásia mente utilizado pelos emi-
e Filipinas. Muitas outras grantes paquistaneses para
instituições bancárias de- fazer chegar o dinheiro às fa-
ram ainda o seu respeitá- mílias que ficaram no país.
vel aval a Bin Laden para Sendo bem mais eficaz que
conseguir comprar urânio o sistema bancário oficial pa-
da África do Sul e sofistica- quistanês, é também um mo-
dos equipamento, constru- delo bem atractivo para as re-
ído com tecnologia norte- des terroristas. Sabe- se que
americana e israelita. existem agentes “hundi” a
Para além dos negócios operar no Canadá, Reino Uni-
propriamente ditos, a orga- dos e Estados Unidos.
nização conta ainda com os Depois, as regras de excep-
avultados donativos de ins- ção que regem o sistema fi-
tituições islâmicas, algumas nanceiro, em paraísos fiscais
sediadas nos Estados Uni- como Panamá, ilhas Caimão
dos. Segundo os serviços se- ou mesmo Chipre, e a relu-
cretos ocidentais, a maioria tância das instituições aí se-
destes donativos, avaliados diadas em fornecer informa-
em 300 a 350 milhões de dó- ções que poderiam ser vitais
lares anuais, estão deposi- ainda dificultaram mais as
tados no Banco Islâmico do investigações.
Kuwait. O ataque de dia 11 levou
O certo é que a Al-Qaeda agora a Casa Branca a dizer
cresceu e disseminou-se de que quer reforçar o combate à
tal forma — estima-se que lavagem de dinheiro. A cria-
tenha algum ponto de con- ção de um novo departamento
tacto em pelo menos 35 paí- (o Centro de Despistagem dos
ses, incluindo os EUA, e que Rendimentos do Terrorismo
conte com três mil militan- Internacional) será um pri-
tes — que tem conseguido meiro passo.
escapar a todos aos esforços De resto, lembram alguns
internacionais desenvolvi- agentes, a arquitectura fi-
dos nos últimos seis anos nanceira da Al-Qaeda não
para conseguir o seu des- mudou radicalmente desde
mantelamento.  os anos 80.  I.L.
1 8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•DOMINGO, 23 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO À PROCURA DE BIN LADEN

O que são as operações especiais


Berger e de outros conselhei-
ros de Clinton.
Os fantasmas de Teerão e
de Mogadíscio ainda pairam
JOSE MIGUEL GOMEZ/REUTERS sobre a Casa Branca. Por isso
Já Bill Clinton tinha planeado uma campanha é que o Presidente George W.
contra Bin Laden usando comandos. Os Bush anda tão cuidadosamen-
te a preparar a opinião públi-
“Rambos” são o mais controverso dos recursos ca do seu país para a possibili-
militares — mas são uma hipótese para a dade de se verificarem baixas
retaliação americana numa eventual operação de re-
taliação.
JORGE HEITOR rão. E apenas se enobreceram Numa entrevista ao sema-
quando um dos seus coman- nário “Der Spiegel“, de Ber-
As operações especiais das dantes, o general Hugh Shel- lim, o comandante da unida-
Forças Armadas norte-ameri- ton, chegou em 1997 a Chefe de especial de intervenção do
canas, que dentro de alguns do Estado-Maior General das Exército alemão, o Kommando
dias deverão ser desencadea- Forças Armadas. Spezialkraefte (KSK), briga-
das contra o controverso milio- Há oito anos o Destacamento deiro Reinhard Guenzel, con-
nário saudita Osama bin La- Delta desempenhou um grande siderou que uma detenção de
den e, eventualmente, algumas papel na perseguição e assassí- Osama Bin Laden é impossí-
outras figuras, constituem o nio do traficante colombiano vel, porque acarretaria um ba-
mais discutido ramo das acti- Pablo Escobar, mas nessa mes- nho de sangue. Um porta-voz
vidades militares. ma altura os Rangers não con- do Ministério da Defesa ale-
Coordenadas a partir da base seguiram deitar a mão ao mais mão, Ernst Joachin Cholin, de-
aérea de MacDill, na região de conhecido dos senhores da guer- clarou porém estar certo de
Tampa, na Florida, só há relati- ra em actuação na Somália, Mo- que não fora exactamente isso
vamente pouco tempo é que ga- hamed Farah Aidid. o que Guenzel dissera; e que
nharam direitos de cidadania, A história das operações es- nem sequer estava autorizado
congregando o Destacamento peciais tem tido altos e baixos. a dar entrevistas, muito menos
Delta, unidades do regimento Têm a sua origem no Gabine- na actual situação de crise.
Rangers, a equipa Seals (Focas), te de Serviços Estratégicos do Contudo, ainda segundo o
da Armada, e esquadrões selec- Presidente Franklin Delano O recurso aos comandos das operações especiais é uma das opções americanas brigadeiro, as unidades espe-
cionados da Força Aérea. Roosevelt, durante a II Guerra ciais de intervenção dos Esta-
As operações especiais en- Mundial, com passagem pela É com esta amalgama de for- a partir de meados de Outubro a Bin Laden, tendo colocado dos Unidos, de Israel, da Fran-
contram-se especialmente vo- criação da CIA e pelos Boinas ças que a América poderá ago- e com recurso a território do na zona forças especiais, que ça e do Reino Unido acreditam
cacionadas para o combate ao Verdes. O Destacamento Del- ra contar nos próximos dias Tajiquistão. só à última da hora não entra- na sua maior parte que nenhu-
terrorismo, incluindo raides ta data de 1977, tem 2500 ho- para a perseguição de Osama Jonathan Marcus, especia- ram em acção devido ao receio ma das suas congéneres oci-
relâmpago, actos de sabotagem, mens e está aquartelado em bin Laden, que aliás não é um lista da BBC em assuntos de de que se verificassem muitas dentais poderia partir de âni-
raptos, reconhecimento do ter- Fort Bragg, na Carolina do objectivo novo nem foi apenas defesa, fez eco de notícias de baixas, conforme se depreen- mo leve para uma caçada a Bin
reno em profundidade e treino Norte, enquanto os Rangers pensado depois do ataque de que combatentes das opera- dede alguns depoimentos en- Laden.
de agentes estrangeiros. têm a sua base na Geórgia e dia 11. ções especiais já se encontra- tretanto vindos a público. Na quinta-feira, o diário
Só começaram a ter um co- os Navy Seals actuam a partir Um antigo diplomata pa- vam há cinco dias em alguns Mark Bowden, autor dos li- “Die Welt“ noticiara que uma
mando durante a Adminis- da Califórnia e da Virgínia. Os quistanês, Niaz Naik, disse na países da região, como o Taji- vros “Black Hawk Down“ e força especial do KSK estava
tração Carter, depois da ca- Nightstalkers (“caçadores da semana passada à BBC que os quistão, o Uzbequistão e o Pa- “Killing Pablo“, conta que os em vias de partir para uma
lamitosa tentativa frustrada noite”), aviadores ao serviço Estados Unidos já estavam a quistão. operacionais estavam conven- missão secreta na Ásia Cen-
de resgatar os norte-america- das operações especiais, têm planear anteriormente uma A própria Administração cidos de que poderiam concre- tral, o que o Ministério da Defe-
nos que se encontravam como o seu poiso no Kentucky e na acção militar contra Bin La- Clinton chegara a mandar ela- tizar o seu trabalho, mas que sa germânico de igual modo se
reféns na embaixada em Tee- Georgia. den e os taliban, a concretizar borar planos para perseguição essa não foi a opinião de Sandy apressara a desmentir. 
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AS FORÇAS EM CAMPO NO MÉDIO ORIENTE NA GUERRA CONTRA O TERRORISMO


Os EUA estão a reforçar as suas forças pelo Médio Oriente em resposta ao ataque devastador ao World Trade Center, em Nova Iorque, e ao Pentágono, em Washington,
no dia 11 de Setembro. O último envio aéreo poderá ter colocado 500 aviões de guerra americanos e quatro navios porta aviões na região, ao longo de uma série de bases
Últimos reforços 6ª FROTA
TURQUIA RÚSSIA
americanos 1 cruzador UZBEQUISTÃO
3 contratorpedeiros 2 mil homens, Mar
2 submarinos, 12 outros F-15, F16 caças Cáspio
Quarta-feira SÍRIA
barcos ao largo de Nápoles, 4 aviões de
100 ou mais aviões Itália combate Jaguar 215 mil soldados TURQUEMENISTÃO
em bases terrestres 4850 tanques AFEGANISTÃO TAJIQUISTÃO CHINA
675 aviões de combate 45 mil talibans;
provavelmente incluindo
GRÉCIA Incirlik alguns tanques
F-15 e F-16, IRAQUE e aviões de combate
caça-bombardeiros, 375 mil soldados
bombardeiros pesados B1, CHIPRE 2200 tanques Teerão
Cabul
aviões de reabastecimento 2 mil soldados + 300 aviões de combate
mais aviões IRÃO
e de radar. LÍBANO Damasco
325 soldados AFEGANISTÃO Islamabad
O porta-aviões Theodore Mar Mediterrâneo Bagdad 1135 tanques
Roosevelt armado com ISRAEL 290 aviões de combate Kandahar: onde foi visto pela
50 aviões de guerra partiu última vez Osama bin Laden
LÍBIA Cairo JORDÂNIA
dos EUA para o Mar
Mediterrâneo. 45 mil soldados KUWAIT BAHREIN
220 tanques 3 mil soldados, Golfo 2 aviões de rebaste- PAQUISTÃO
480 aviões de combate tanques e aviões cimento aéreo VC-10
Quinta-feira
12 aviões de Dhahran 5ª FROTA
26º Corpo Expedicionário combate Tornado
2 porta-aviões ÍNDIA
dos Marines com 2200 EGIPTO
QATAR Doha com 160 aviões,
soldados que deveria partir Riade 3 cruzadores, 5 destruidores,
dos EUA para o Mar Al Kharj 1 submarino, 9 outros navios
E.A.U.
Mediterrâneo.
Mar Arábico
ARÁBIA SAUDITA
Taif OMÃ (em exercício)
Sexta-feira SUDÃO 650 soldados
Khamis Caças F-15, F-16 Forças de acção
Esperava-se que o porta- 10 mil soldados Mar lideradas pelo
200 tanques Mushayt 6 aviões de
“HMS Illustrious”:
aviões Kitty Hawk partisse Vermelho combate Tornado
35 aviões de combate 50 aviões, 2 submarinos, 2
do Japão em direcção ao
CHADE contratorpedeiros, 20 navios
Oceano Índico. incluindo forças anfíbias
Países considerados pelo Cartum
Departamento de Estado dos DIEGO GARCÍA
EUA como patrocinadores IÉMEN Oceano Índico 1000 homens
de actos terroristas mais aviões
Base militar
ETIÓPIA Golfo de Aden
Porta-aviões Fonte: The Military Balance
REUTERS / PÚBLICO

EUA reforçam presença UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA


Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
militar no Golfo Mestrado em História e Arqueologia Medievais
Depois de os taliban terem re- ceiro porta-aviões, dúzias de ricanos. Segundo este diário,
cusado o ultimato americano caças americanos e outros avi- Wald terá partido para a Ará-
para entregar Osama bin La- ões de apoio estavam a cami- bia Saudita com vários aju- Seminários - Área de História Seminários - Área de Arqueologia
den, os EUA deram uma se- nho do Mediterrâneo. dantes de campo e desencade-
gunda ordem de envio de mais Mas os oficiais das bases ará uma guerra aérea a partir O Campo nas Periferias Urbanas Espaços Públicos e Privados no Al-
de uma dúzia de aviões para americanas de Louisiana, Ge- de um sofisticado centro de
o Golfo Pérsico e para oceano orgia, Idaho ou Sul de Dakota operações na base de Prince - Iria Gonçalves Andalus - Rosa Varela Gomes
Índico, incluindo aviões de re- recusaram dizer para onde Sultan, perto de Riad, que
abastecimento, que se junta- tinham partido os aviões car- abriu este Verão, informação A Viagem: práticas, representações, Arqueozoologia e Arqueobotânica
rão a 350 aviões nas bases ter- regados com bombas de alta que os oficiais não confirma-
Imaginário - Luís Krus - Miguel Teles Nunes
restres e a dois porta-aviões precisão e mísseis de cruzeiro ram uma vez que se recusam
já colocados na área, escreve de longo alcance. Segundo o a dizer onde está Wald. Arqueologia Sub-Aquática
a Reuters. Segundo o diário “New York Times”, as ordens Se assim for, este será o pos-
Espaço, paisagem e território
“USA Today” entre 100 a 130 assinadas esta semana pelo to central de comandos de 175 - Amélia Andrade - Francisco Alves
aviões já foram enviados para secretário da Defesa, Donald aviões — que já estão no terri-
o Golfo. H. Rumsfeld, incluem os bom- tório, envolvidos na patrulha Casas Senhoriais - João Silva de Protecção e Gestão do Património
O “New York Times” escre- bardeiros pesados B-52 da Ba- da zona de interdição aérea
via na sua edição de sexta-fei- se Aérea Militar de Minot no Sul do Iraque — e de direc- Sousa Arqueológico - Fernando Real
ra que o Exército se recusou (Dakota do Norte), e da Base ção de ataques contra o Afega-
a dizer quais as unidades que Aérea Militar de Barksdale nistão e outros alvos possíveis Nobreza, parentesco, identidade e
poderiam ser enviadas para (na Louisiana). Os B-52 deve- como o Iraque desencadeados
a região, mas que o Comando rão operar a partir da base a partir das bases na região.
poder - Bernardo Vasconcelos e
das Forças Especiais Milita- militar de Diego García, uma As tropas terrestres juntar-se- Sousa
res previa o envio de tropas de ilha no Oceano Índico. ão a duas dúzias de bombar-
elite, incluindo o 75º Regimen- O “USA Today” recorda que deiros e servirão de suporte Candidaturas de 1 a 19/10/2001
to de Rangers e outras unida- a Força Aérea americana tem aos porta-aviões.
des aerotransportadas, como o aviões de combate estacio- O Comando das Forças Es-
160º regimento das Operações nados na Arábia Saudita e peciais do Exército em Fort INFORMAÇÕES E CANDIDATURAS
Especiais da Força Aérea (“Ni- Kuwait, e que o Exército man- Bragg (Carolina do Norte),
ghtstalkers”), o 528º Batalhão tém uma presença permanen- confirmou que foram recebi-
Departamento de História / Repartição Académica - F.C.S.H.
de Apoio a Operações Espe- te no Kuwait com soldados e das ordens de envio, mas recu- Edifício B, Av. de Berna 26-C, 1069-061 Lisboa
ciais, o Departamento Militar material de guerra suficientes sou dizer ao “Times” quantos Tel. 21 793 35 19/21 793 39 19 Fax 21 797 77 59 www.fcsh.unl.pt
de Relações Civis e unidades para equipar os cinco mil sol- soldados estão envolvidos. O
de operações psicológicas. dados adicionais. jornal avança ainda que o Pen-
A Reuteurs acrescentava O “Times” revelou que o ge- tágono está a planear enviar
que bombardeiros B-1 e B-52 e neral Wald, chefe das Forças equipas de combate de recolha
tropas de elite das Operações Armadas para o Médio Orien- de informações e salvamento
Especiais Militares tinham re- te e sudeste asiático, tinha sido para ex-repúblicas soviéticas
cebido ordens para partir para recrutado para o Golfo no iní- na Ásia Central, onde estarão
a região (embora ainda não cio desta semana, informação disponíveis pilotos, e que o Uz-
houvesse confirmação de que confirmada depois à Reuters bequistão é considerada a ba-
o tivessem feito), e que um ter- por oficiais do Exército ame- se preferencial. 
2 0 D E S TA Q U E
PÚBLICO•DOMINGO, 23 SET 2001 G U E R R A AO T E R R O R I S M O P O N TO S D E V I S TA

Os advogados e a justiça infinita O Casal


Ventoso global
A
horrível comoção dos A OPINIÃO DE te do indispensável, devem ser acompa-
atentados de há quinze JOSÉ MIGUEL JÚDICE nhadas de medidas que exprimam um
dias — pois os momentos avanço da caminhada difícil mas indis- A OPINIÃO DE
trágicos agigantam os ho- pensável no sentido do reforço das ga- JOSÉ MANUEL PUREZA
mens — suscitou um conjunto de re- rantias dos Cidadãos contra os abusos
acções intelectuais e reflexivas de Uma guerra longa baseada em das autoridades. E uma atmosfera secu-

O
elevado valor. Se me é permitido ser valores só pode ser sustentável ritária exige uma acrescida luta nesse século XX termi- militar é uma reacção unidi-
injusto — não destacando outros —, se os cidadãos acreditarem sentido. nou com a queda mensional para um problema
os textos de Miguel Sousa Tavares, do Muro de Ber- multidimensional.” Pode-se
Pacheco Pereira e José Manuel Fer- que os valores são o fim 6. A rigorosa e exemplar punição dos lim. O século XXI bombardear o terrorismo in-
nandes são disso exemplo. e não apenas um instrumento autores morais e dos cúmplices e en- começa com o atentado ter- ternacional? Ou mais a sério:
No entanto, e apesar de um conjun- cobridores dos atentados deve ser fei- rorista a Washington e Nova a resposta militar às teias fun-
to de consequências jurídicas esta- ta no total respeito da “rule of law”, Iorque. Mas o que este século das do terrorismo internacio-
rem em curso, salvo erro — de que de protecção contra violações de Di- por tribunal internacional (seria tal- virá a ser depende em larga nal contribui para a resolu-
por antecipação me penitencio —, reitos. vez a altura adequada para os EUA medida do que for a reacção ção ou para o agravamento do
não me lembro de ter lido nenhum aderirem ao TPI) e em termos que as- aos trágicos acontecimentos problema a prazo?
comentário feito do ponto de vista do 2. As medidas de protecção não po- segurem avanço na criação de uma de 11 de Setembro. Arrasar o Casal Ventoso
direito e do advogado. dem, no entanto, servir de pretexto verdadeira comunidade internacio- O que está em jogo são, acaba com o hipermercado de
As características do atentado, a para desnecessárias limitações de di- nal regida pelo direito. pois, os cenários do nosso fu- droga em Lisboa? Claro que
rede clandestina sofisticada que re- reitos (maxime no processo penal) e turo planetário. Vale a pena não. A não ser enquadrada
vela, a atmosfera de ansiedade que devem ser apenas as necessárias ao 7. Os actos de guerra — que são perfei- reflectir — seguindo a leitura num trabalho de mediação
gera na opinião pública, a inexistên- fim público. tamente justificados no caso em apre- de Thimoty Garton Ash em e de promoção pessoal e
cia de um alvo concreto para atacar, ço — devem ser efectuados no respeito artigo publicado na imprensa comunitária de curto, médio
o anúncio de uma guerra “marato- 3. A luta contra o terrorismo — nas dos tratados e convenções internacio- internacional do passado fim e longo prazos, a destruição
na”, tudo isso está a desencadear um sociedades abertas e democráticas — nais em vigor. de semana — sobre três hipó- do Casal Ventoso é, tão só, um
(compreensível) movimento no sen- deve ser feita em nome dos valores da teses mais plausíveis. mecanismo de eternização do
tido do reforço da segurança de pes- liberdade, da justiça e dos direitos do 8. A CCBE e a American Bar Associa- A primeira é a da vingan- problema: o que antes se ven-
soas e bens, mesmo que para tal seja homem, pois só assim é possível mo- tion deveriam criar um comité de acom- ça privada. A América para a dia naquele bairro degrada-
necessário sacrificar liberdades e bilizar de forma duradoura a opinião panhamento para monitorar — do ponto qual o mundo se situa entre do passa a vender-se noutro
direitos consolidados. Uma recente pública. de vista dos direitos dos cidadãos, como o Canadá e o México, a Amé- qualquer bairro degradado.
sondagem feita em Portugal confir- lhes compete — o cumprimento destes rica que desdenha os apelos O tratamento militar do ter-
ma de modo claro esta factualidade. 4. Uma guerra longa baseada em va- princípios. do mundo civilizado para pôr rorismo internacional — des-
De uma forma esquemática — úni- lores só pode ser sustentável se os cida- fim à pena de morte, a Améri- te terrorismo que arranca de
ca compatível com a vastidão do te- dãos acreditarem que os valores são o 9. A Ordem dos Advogados portuguesa ca que boicota financeiramen- um ódio ressentido e cego
ma e a limitação do espaço — gosta- fim e não apenas um instrumento. deve assumir e exigir um protagonismo te as Nações Unidas e apelida contra a política externa dos
ria de deixar registado o seguinte: durante este processo e estar em condi- o Tribunal Penal Internacio- Estados Unidos, de um terro-
5. As limitações de direitos democrati- ções de analisar e decidir com rapidez, nal de monstro, a América rismo que não tem pátria e
1. As liberdades consolidam-se camente aceites, mesmo no estrito limi- serenidade e coerência sobre os inúme- de Rambo ou de Chuck Nor- que está largamente dissemi-
quando as sociedades são capazes de ros e muito complexos problemas que ris, essa América exige dos nado pelo planeta inteiro em
dar resposta às ansiedades dos Cida- períodos de guerra endémica sempre seus líderes actuação pronta e redes globais desterritoriali-
dãos, encontrando formas adequadas ADVOGADO provocam.  arrasadora sobre quem quer zadas — arrisca-se a ser um
que possa ser suspeito. Bin erro do mesmo tipo. Ou pior.
Laden, Saddam ou qualquer Porque, não só não tem qual-
outro servem. Desde que se- quer hipótese de extirpar o
jam esmagados como os ex- problema já, como, a prazo,
tra-terrestres foram em “In- conduzirá a novas ondas de
dependence Day”. ódio, mais cego e mais ressen-
O segundo cenário é o do tido ainda.
Ocidente contra o resto do É por isso que o terceiro ce-
mundo. A invocação do artigo nário — a activação dos me-
5 do Tratado do Atlântico — canismos de reacção multila-
que consagra o princípio da teral do sistema das Nações
legítima defesa colectiva dos Unidas — é crucial. Bush filho
países membros da OTAN tem uma oportunidade única
— pressupõe a identificação de retomar agora aquilo que
precisa de um inimigo agres- Bush pai, nos ecos da crise
sor. Os saudosistas da Guerra do Kuwait em 1991, anunciou
Fria, do tempo em que havia ao mundo e que, evidentemen-
inimigos precisos e institu- te, nunca cumpriu: uma nova
cionalizados, reinventaram o era, em que a resposta à vio-
mesmo espírito com outros lência será a lei, em que a res-
rostos: onde antes havia o pe- posta à agressão unilateral se-
rigo vermelho há agora o pe- rá a concertação multilateral,
rigo islâmico. A já manifesta- em que a resposta às generali-
da disponibilidade da NATO zações indiscriminadas será o
para uma intervenção mili- julgamento dos responsáveis
tar, reeditando seguramente a concretos. A ONU é o único fo-
completa subalternização das rum mundial que pode propi-
Nações Unidas já registada na ciar um desenvolvimento con-
crise do Kosovo, faz crer que tinuado desta ordem e em que
se quer agora dar expressão se podem lançar as bases de
militar a esse horrendo dis- um trabalho multidimensio-
parate que é a percepção do nal — isto é, político, económi-
mundo islâmico como um blo- co, social, cultural e também
co inimigo. policial — para atacar a sério
Há nestes dois cenários o flagelo do terrorismo inter-
uma falta de senso profunda. nacional.
Uma falta de senso que a con- Os líderes políticos e as so-
gressista democrata Barbara ciedades civis do mundo intei-
Lee, que votou sozinha contra ro estão postos à prova. Das es-
a declaração de guerra apro- colhas que venham a fazer em
vada pelas duas câmaras do relação a estes três cenários de-
Congresso dos Estados Uni- pende, em muito, o que vai ser
dos, elucidou de forma cris- o novo século. A cultura da paz
talina: “Este é um assunto ou a eternização do terrorismo
muito complexo e a iniciativa — em que apostamos? 

Coordenador do curso de Relações Internacionais


da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
D E S TA Q U E 2 1
PÚBLICO•DOMINGO, 23 SET 2001

INQUÉRITO

1. O que mudou no mundo?


2. Como devem e podem os Estados
Unidos e os seus aliados respon-
der a esta situação? UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

Ninguém deve beneficiar de bulas Faculdade de Economia e Gestão


CICLO DE CONFERÊNCIAS
1 — O mun- certificação da correcção
do não mu-
dou agora,
política.
Ninguém deve ou pode bene-
“O FUTURO DA EUROPA”
de repente, ficiar de bulas. Neste caso,
no dia 11 de só a coerência de propósi-
Setembro. tos e de acção podem valer. GIORGIO BONACCI
O mundo Se assim não for, a ninguém
vem mu- poderá ser outorgado ou re- Director-Geral “EuropeAid”
dando em conhecido o direito de julgar,
António vários pla- com imparcialidade, como se Europe in the World: The EU co-operative policies
Cluny, nos distin- exige, o comportamento cri-
procurador- tos e há vá- minoso. A bitola dos direitos 28 Setembro – 18h00
geral adjunto rios anos. e dos deveres tem de ser co-
no Tribunal Começou a mum. O juiz e o carrasco de-
de Contas mudar de vem poder atalhar em todas
forma mais as direcções.
radical e acelerada no plano Nesse sentido parece, aliás,
ENEKO LANDABURU
Director-Geral do Alargamento
geo-político com a extinção ganhar nova importância a
da URSS, no plano económico instituição e aprofundamento Les grands enjeux actuels de la construction européenne
com o processo de globaliza- do TPI e dos seus estatutos. 9 de Outubro
ção da produção e dos mer- Se assim não for, a globali-
cados, no plano cultural por zação — e ela é irreversível
efeito dos “media e da Inter- — será um inferno, o nosso JEAN-CHARLES LEYGUES
net.” inferno. Talvez que a cons- Director da Formulação, Impacto, Coordenação e
O dia 11 de Setembro de ciência desta realidade — Avaliação das Políticas Regionais
2001 é, assim, apenas, o re- a premente necessidade de
L’avenir de la politique de cohésion dans une UE élargie:
sultado (um dos resultados) instrumentos capazes de fa-
de um processo combinado zer Justiça a um nível global les grands enjeux
de mudanças e das múlti- — tenha sido o que emergiu, 19 de Outubro
plas e inevitáveis resistên- como mudança mais eviden-
cias a esse irreversível pro- te para todos, depois de 11 ALEXANDER ITALIANER
cesso de globalização da de Setembro de 2001. Chefe de Gabinete do Comissário
economia, do poder e da cul- Günter Verheugen
tura. Outras reacções mais 2 — A questão, tal como for-
ou menos racionais, mais ou mulada, apresenta-se, desde The challenges of the enlargement of the European Union
menos aterrorizantes e de- logo, ela própria, mesmo que 26 de Outubro
sumanas, poderão ainda vir inconscientemente, como re-
a ocorrer. sultado de uma raciocínio ma- JEAN-PAUL MINGASSON
Dito isto, acrescenta-se que niqueista e excludente. Director-Geral do Orçamento
nada pode justificar o injus- Porquê os EUA e os seus alia-
tificável e o terrorismo, co- dos e não todos os homens Enjeux budgétaires de l’Union Européenne:
mo método e propósito de amantes da civilização assen- élargissement et mode de financement
terror sobre os povos, con- te no primado dos direitos 16 de Novembro
tém em si, desde logo, a do homem? Será que eles só
ideia da sua própria conde- existem nos EUA e nos países
nação. Por outro lado, na- seus aliados? Será que todos Auditório da Univ. Católica – Porto (à Foz do Douro)
da deve permitir incluir nes- os homens e cidadãos de pa-
sa condenação e na falta de íses não aliados dos EUA não ENTRADA LIVRE
justificação que, em qual- devem, também, responder a
quer circunstância, o ter- este atentado aos princípios APOIO: PATROCÍNIO:
rorismo sempre comporta, mais sagrados da civilização
toda e qualquer acção que humana actual e global? Será
vise alterar ou reequacio- que eles são necessariamen-
nar o sentido do actual pro- te o inimigo, o alvo da respos-
cesso de globalização. Is- ta? INFORMAÇÕES: Tel: 22 619 62 00 • E-mail: info@porto.ucp.pt
to, a pretexto de que toda a É este erro, este lapso, esta Rua Diogo Botelho, 1327 • 4169-005 Porto
oposição à actual globaliza- arrogância em que invaria-
ção, tal qual ela vem sendo velmente caímos ou em que
desenhada, faz, irremedia- somos levados a cair que de-
velmente, o jogo do terro- termina e amplia muita da re-
rismo. sistência, principalmente a
No mundo global de hoje, de- irracional, aos princípios que
ve, por isso, em todos os ca- queremos erigir como postu-
sos, sobrepor-se, como crité- lados de uma sociedade civi- AVISO
rio único de julgamento das lizada.
CURSOS INTENSIVOS DE
acções políticas, a relevância
irredutível dos valores e dos
De qualquer forma, a respos-
ta está implícita na resposta
ALEMÃO
Leilão de
Penhores
Campo Mártires da Pátria, 37
princípios que dizem respei- anterior. 1169-016 LISBOA
to aos direitos do homem, Só com o escrupuloso res- Tel.: 21 882 45 10 Fax: 21 885 00 03
tal como reconhecidos pela peito pelos direitos do ho- Para mais informações consulte-nos
CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL
comunidade internacional e
consagrados nas diversas de-
mem se pode e se deve ser
rigoroso e severo na neces-
na Internet em www.goethe.de/wm/lis
Setembro de 2001 Previnem-se os mutuários dos emprés-
clarações internacionais. sária punição do monstruoso timos sobre Metais e Pedras Preciosas
O respeito ou a violação crime e na prevenção de ou-
Principiantes e Avançados dos BALCÕES DA RUA DO HEROÍSMO
- PORTO, RUA DA BOAVISTA - PORTO e
desses direitos não podem tros actos idênticos. RUA DAS CARMELITAS - PORTO em
já, e por isso, continuar, nes- Só assim os valores inseri-
te mundo global, a ser apre- dos na Declaração Univer- Lisboa e Porto: a partir de 03.09.2001 atraso de pagamento de juros superior a
três meses, de que o LEILÃO dos pe-
ciados em função de lógicas sal dos Direitos do Homem, nhores se realiza nos próximos dias 22,
de justificação oportunistas que acreditamos serem su- PORTO 23 e 24 de Outubro, pelas 09,00 horas,
e em nome de relativismos periores e os mais civiliza- INSCRIÇÕES/TESTES: nas instalações do Montepio Geral, à
culturais, civilizacionais, re- dos, se poderão impor. Só Av. da Boavista, 919 Rua de Magalhães Lemos, 111-2.º Porto.
4100-128 PORTO
ligiosos ou políticos ou, pe- assim a necessária punição Tel.: 22 600 81 53 Fax: 22 600 81 55 Lisboa: 27.08 - 30.08.2001 Porto, 17 de Setembro de 2001
lo contrário, em nome dos se converte em justiça e se Para mais informações consulte-nos
interesses de auto-procla- legitima perante todos; víti- na Internet em: www.goethe.de/Porto Porto: a partir de 20.08.2001 CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL
mados detentores do direi- mas e criminosos, enfim a O Gerente do Balcão
to exclusivo ou imperial de humanidade.
D E S TA Q U E 2 3
OS REFLEXOS NA ECONOMIA PÚBLICO•DOMINGO, 23 SET 2001

Orçamento de Estado vai Portugal vai


segurar a TAP e a Portugália falhar a meta
Ministros das Finanças
YVES HERMAN/REUTERS
do défice em
da UE mantiveram
a recusa de ajudar
transportadoras aéreas,
2001
mas decidiram assumir O ministro das Finanças, Guilherme d’Oliveira
Martins, assumiu ontem de forma implícita
o papel das seguradoras que Portugal vai este ano falhar a meta para o
défice orçamental que inscreveu há um ano no
ISABEL ARRIAGA E CUNHA, programa de estabilidade para o euro. Esta si-
em Bruxelas tuação resulta da deterioração das perspectivas
do crescimento económico registada desde en-
O Orçamento de Estado vai ga- tão, conjugada com
rantir durante pelo menos um a falta de margem de
mês os custos em que a TAP e a manobra do Gover-
Portugália possam incorrer con- no para proceder a
tra terceiros, em caso de eventu- novos cortes nas des-
ais acidentes provocados por ac- pesas correntes do
tos de guerra ou de terrorismo. Estado. O ministro
Esta solução foi ontem definida excluiu a possibilida-
pelos ministros das Finanças da de de reduzir as des-
União Europeia (UE) em respos- pesas de investimen-
ta ao grito de alarme lançado pe- to, na mesma linha,
las suas companhias aéreas, que aliás, dos outros pa-
enfrentam um aumento muito íses da União Euro-
considerável dos prémios de se- peia que se recusam
guro para cobrir este tipo de a alimentar a actual
eventualidades. conjuntura desfavo-
No rescaldo dos atentados de rável com um novo Oliveira Martins
11 de Setembro nos Estados Uni- apertar do cinto.
dos, as companhias de seguros “Não sacrificare-
exigiram uma renegociação dos mos o investimento “Não
contratos que cobrem os riscos público, nem as des- sacrificaremos o
contra terceiros dos sinistros Problemas económicos não estragaram a boa disposição dos ministros das Finanças dos Quinze pesas sociais ao cum- investimento
provocados por actos de guerra primento de um ob-
ou terrorismo. Segundo Laurent anunciado pelo governo ameri- mês, findo o qual é suposto as curto prazo. Na base deste debate jectivo formal do público, nem as
Fabius, ministro francês das Fi- cano às suas próprias transpor- companhias voltarem a funcio- está a ideia do professor america- défice”, subinhou Oli- despesas sociais”,
nanças, estes custos foram mul- tadoras. nar de acordo com as condições no James Tobin que, nos anos 70, veira Martins à mar- disse ministro das
tiplicados por um factor entre Os ministros mantiveram a normais do mercado (embora defendeu a instituição de uma ta- gem da reunião dos
10 e 20, o que colocou a maiora recusa de concessão de ajudas vários tenham admitido já que xa reduzida sobre os movimentos ministros das Finan-
Finanças
das transportadoras europeias, de Estado e optaram, em alter- o período será muito provavel- de capitais de curto prazo para ças dos Quinze na ci- português
incluindo a TAP e a Portugália, nativa, por um mecanismo em mente prolongado); e não dis- impedir a fúria especulativa, fa- dade belga de Liège.
na impossibilidade de descolar que se prontificam a assumir o pensará as companhias de pagar zendo reverter o seu produto em Segundo o que afir-
já a partir de segunda-feira. papel das seguradoras e a cobrir aos governos “um prémio que favor dos países em desenvolvi- mou, Portugal só se pode comprometer com
A associação europeia das os custos de eventuais atenta- deve reflectir de forma razoável mento. Sem grande entusiasmo as despesas, enquanto que as receitas variam
companhias aéreas bateu esta dos terroristas ou explosão de os riscos envolvidos”. face à chamada “taxa Tobin”, os em função da actividade económica. Ora, preci-
semana à porta da Comissão Eu- aviões. Cada país definirá o seu Quinze optaram por pedir à Co- sou, “o objectivo da despesa será integralmente
ropeia pedindo uma excepção às próprio programa de apoio, mas “Taxa Tobin” misão Europeia para estudar o cumprido. Sobre o resto, é preciso grande pru-
regras da concorrência que proi- todos terão de respeitar três con- em banho-maria conjunto dos efeitos positivos e dência: não sei qual vai ser a conjuntura até
bem a concessão de ajudas públi- dições: o apoio destina-se a co- Finalmente, os ministros esvazia- negativos da globalização, a par ao fim do ano”. A questão, agora, é saber qual
cas às empresas. O seu principal brir uma falha momentânea no ram o debate sobre a instituição dos instrumentos destinados a será a amplitude da derrapagem: a Comissão
argumento teve a ver com o pa- mercado privado de seguros; te- de uma mecanismo de regulação travar a especulação, sem expres- não exclui, informalmente, valores perto dos 2
cote de 15 mil milhões de dólares rá uma duração limitada a um das transacções financeiras de sar qualquer preferência. por cento.  I.A.C., EM LIÈGE

Associação para Fundo das Nações


Planeamento da Família Unidas para a População

COMUNICADO
A Associação para o Planeamento da Famí-
lia informa que devido aos trágicos aconte-
cimentos ocorridos nos EUA, o Fundo das
Nações Unidas para a Actividade e Popula-
ção decidiu adiar a apresentação pública
do “Relatório sobre a População Mundial
2001" para o próximo dia 7 de Novembro.
Pelo que fica sem efeito a iniciativa progra-
mada para o dia 26 de Setembro no Palácio
Galveias em Lisboa.

A Direcção Nacional da APF


E S PA Ç O P Ú B L I C O 27
PÚBLICO•DOMINGO, 23 SET 2001

O MEDO E A MORTE Bartoon LUÍS AFONSO

É contra homens fanáticos na sua crença e sem


medo da morte que milhares de outros homens
(soldados ou não) que querem continuar vivos
terão agora de se bater, às escuras

Num dos dias imediatamente posteriores à tragédia


em Nova Iorque e Washington, um comentador
deixava no ar esta pergunta, atribuída a cidadãos
americanos ainda em estado de choque: “Porque será
que eles nos odeiam tanto?” Na sua fragilidade e
quase estupefacção, a pergunta podia ter surgido
antes, com a mesma instância, se os cidadãos dos
Estados Unidos tendessem a olhar com mais atenção
para fora das suas fronteiras. Não em busca das
eventuais razões desse ódio, mas mais para saber
quem são “eles”, afinal. Habituados a uma
democracia sólida onde, como dizia o fotógrafo Robert
Frank numa entrevista que há dias publicámos, “é
preciso lutar muito para se viver e para se morrer”, os
cidadão médios dos EUA dedicam muito pouco tempo
a olhar (para já não dizer estudar) o mundo que os
transcende. E que não entendem.
Como explicar, por exemplo, a um cidadão norte-
americano a chocante alegria com que um jovem
paquistanês de nome Abdul anunciava
ontem, perante a enviada especial do
Editorial
PÚBLICO a Islamabad: “Os
muçulmanos não têm medo da guerra.
Um muçulmano que morre na guerra tem a honra
dessa morte e vai para o céu directamente. Se a
Cartas ao Director
América atacar o Afeganistão, parto para fazer a ‘jihad’
[guerra santa] até a morte tomar conta de mim”? Como As cartas destinadas a esta secção — incluindo EUA, não se hesita em afirmar que os Terrorismo e movimento
as remetidas por e-mail — devem indicar o nome americanos não distinguem muçulma-
explicar isto a alguém que, até 11 de Setembro, estava
alheado do mundo no seu conforto feito de conversas
e a morada do autor, bem como um número
telefónico de contacto. O PÚBLICO reserva-se o nos de terroristas, apesar de todas as de capitais
direito de seleccionar e eventualmente reduzir declarações de Bush no sentido oposto.
frívolas e TV por cabo e que, de repente, se viu atirado os textos recebidos. Não se devolvem os origi- 9. Termina-se dizendo que, no fundo, os Um acto terrorista com a dimensão do
para um cenário de horror que só conhecia de filmes? nais dos textos não solicitados, nem se prestará EUA estavam mesmo a pedir um atenta- de Nova Iorque resulta da conjugação
Como explicar que, ainda no Paquistão, os mais informação postal ou telefónica sobre eles.
do como este e que bem o mereciam... do fanatismo religioso com a imensa
radicais entre os islamistas distribuam panfletos com o Endereço electrónico: Estou farto de tanto antiamericanis- facilidade que hoje existe para se con-
horror estampado na forma deste grito guerreiro?: “Ó cartasdirector@publico.pt mo! (...) servarem e movimentarem capitais em
meu querido Alá, fortalece-nos para podermos dar as MANUEL MENEZES DE SEQUEIRA segredo. Bin Laden está no Afeganistão,
nossas vidas por Bin Laden [o inimigo número um dos Lisboa mas onde está a fortuna dele? Para além
Estados Unidos, que agora Bush exige lhe seja Antiamericanismo das acções materiais para o capturar,
não será possível controlar, desde já,
entregue sem reservas], podermos morrer por ele e
1.Os EUA são o único país acerca do qual Ou nos salvamos todos, antes que passe para os seus sucessores,
sacrificar as nossas crianças também.” Como explicar
isto a homens e mulheres que vão ser de novo
se discute seriamente o QI do Presidente. ou pereceremos todos a sua imensa fortuna, que se encontra
2. Apesar de todos os esforços de Clin- espalhada de um modo quase imaterial
envolvidos para uma guerra de contornos ainda pouco ton para chegar a um acordo entre israe- Não existem palavras no nosso léxico que por bancos de todo o mundo?
definidos, mas de intenção firme, se o que eles mais litas e palestinianos, e apesar das conse- possam descrever, com clareza e conci- Os Estados Unidos e todos os que pro-
queriam era — se fosse possível fazer andar para trás a cutivas admoestações da Administração são, toda a amplitude das explosões desse curam evitar que o terrorismo se trans-
roda da história — desfazer o pesadelo e continuar a de Bush relativamente ao abuso grossei- dia 11, de triste memória. Tudo o que forme no flagelo dominante deste século
vida apenas em paz? ro da força por parte de Israel, considera- dissermos ficará sempre aquém daquilo têm de encarar de frente este problema
Hassan Sabbah, grão-mestre da seita medieval se invariavelmente os EUA responsáveis que sentimos e vimos. do controlo de capitais. Sem isso, se man-
Assassiyun (ver página 10),gritava, no século XII, aos pela situação actual no Médio Oriente. O que explodiu naquela manhã foi tivermos a quase absoluta liberdade e
seus fiéis: “Matamos um homem, aterrorizamos 3. Diaboliza-se a prosperidade dos EUA, também o nosso mundo mental e a for- segurança de que hoje gozam os capitais
em vez de a querer estender pelo mundo. ma como nos posicionamos e vemos os provenientes da droga, do tráfico de ar-
outros cem mil. Todavia, não basta executar e
4. Acusa-se os EUA de impulsionador outros. Descobrimos que há dois tipos de mas e da corrupção, arriscamo-nos a que
aterrorizar, é igualmente indispensável saber da globalização, o que é verdade, e portan- pessoas: Nós e Eles, os Bons e os Maus. estes capitais venham a ser as forças do-
morrer. Morrer é mais importante do que matar. to do empobrecimento de muitas regiões Espero que este género de simplifica- minantes e secretas, o verdadeiro poder,
Matamos para nos defendermos, morremos para do mundo e do aumento das desigualda- ções não nos tolde o pensamento, nem do mundo de amanhã. (...)
converter, para conquistar.” É contra homens assim, des, o que é falso. Basta ver o relatório afaste do que é essencial: enquanto não Há que seguir a pista das contas ban-
fanáticos na sua crença e sem medo da morte, que do desenvolvimento humano 2001 do Pro- alcançarmos todos, Nós e Eles, um pa- cárias dos terroristas que participaram
milhares de outros homens (soldados ou não) que grama das Nações Unidas para o Desen- drão comum de desenvolvimento, equita- neste último acto e noutros que se ve-
querem continuar vivos terão de se bater, às escuras. volvimento Humano para concluir que tivo e justo, uma globalização do bem-es- nham a verificar. Se os bancos invocarem
Talvez a trémula e sempre ameaçada luz da o maior crescimento do rendimento nos tar, este género de actuações continuará a um segredo impeditivo do prosseguimen-
liberdade consiga iluminar-lhes os passos e o últimos 25 anos se deu na Ásia Oriental e ter espaço para crescer. Ou nos salvamos to das investigações (que pode servir para
Pacífico, e na Ásia do Sul. O único conti- todos, ou pereceremos todos. É utópico. esconder a sua própria conivência, ou
espírito. NUNO PACHECO
nente com crescimento negativo foi Áfri- Mas não temos quatro caminhos. mesmo cumplicidade), há que promover,
ca, continente das tiranias/ditaduras, A globalização, de que tanto se fala, com urgência, à escala mundial, uma
não muito longe dos países árabes, com afinal não é tão global assim. Esquecemo- legislação de controlo aceite pela ONU,
contribuinte nº 502265094 um crescimento quase nulo e pouca ou nos, frequentemente, que esse fenóme- eficaz e altamente penalizadora para os
depósito legal nº 45458/91
registo ICS nº 114410
nenhuma democracia. (...) no é um fenómeno do primeiro mundo que aceitem um sistema financeiro mun-
5. Acusa-se os EUA dos “pecados” co- (refiro-me aos EUA, Europa, Japão, Aus- dial ao serviço do terrorismo e de outros
E-mail: publico@publico.pt LISBOA: Rua Viriato, 17 – 1069-315 Lisboa; Telef.: 210111000 (PPCA) Fax: metidos no passado. Quem age corre trália e Nova Zelândia, com boas redes de crimes. (...)
Dir. Empresa 210111005; Dir. Editorial 210111006; Agenda 210111007; Redacção 210111008;
Publicidade 210111013/210111014 • PORTO: Rua João de Barros, 265 – 4150-414; Telef: 226151000 o risco de errar. Quem nada faz, não er- comunicação). Esquecemo-nos, ainda, ANTÓNIO BROTAS
(PPCA) / 226103214; Fax: Redacção 226151099 / 226102213; Publicidade; Distribuição 226151011• ra. A Europa espera, abúlica, e crítica, que culturas como a chinesa (milenar) Lisboa
BRAGA: Rua de S. Marcos, 126-1º Esq. Fr. – 4700 Braga Telef: 253619041; Fax: 253617983 • AVEIRO:
Rua Eng. Silvério Pereira da Silva, 16-A, 2º Tr. – 3800 Aveiro Telef/Fax: 234382507 • COIMBRA:
sobranceira e arrogante... ou árabe apresentam resistências fortís-
Avenida Fernão de Magalhães, 153/157- 2º Dto, sala 6 – 3000 Coimbra Telef.: 239829554; Fax: 239829648 6. Considera-se que cultura e inteligên- simas a todo este movimento.
• ALGARVE: Avenida da República Federal Alemã, bloco C 2 – 8000 Faro Telef.: 289806656; Fax: cia só existem do lado de cá do Atlânti- Os EUA decidiram mandar avançar O PÚBLICO ERROU
289806655 • VILA REAL: Rua 31 de Janeiro, 41 - 3º, sala 303, 5000 Vila Real Telef.: 259326262;
Fax.: 259326265 • MADEIRA: Rua dos Ferreiros, 55-2º Dtº – 9000 Funchal Telef.: 291231611 • co (...). Entretanto, claro, os europeus as suas tropas. Veremos aonde isto nos
PROPRIETÁRIO: PÚBLICO Comunicação Social, SA Sede: Rua João de Barros, 265, 4150 Porto • deleitam-se com filmes, moda, livros, ci- leva. Como os árabes, os americanos tam- Na página 56 de ontem, quando se diz
IMPRESSÃO: Unipress, Tv. Anselmo Braancamp, 220-Arcozelo/4405, Valadares; Telef.: 227537030;
Mirandela — Rua Rodrigues Faria, 103, 1300 Lisboa; Telef.: 213613400; Fax: 213613469 • DISTRIBUIÇÃO:
ência e tecnologia americanos... bém têm Deus do lado deles. Deus contra que a entrada de Rangel para a RTP pôs
Midesa Portugal - Distribuição de Publicações, S.A.; Lisboa: Rua da República da Coreia, 34, Ranholas, 7. Sem ouvir as declarações de respon- Deus! (...) Quando os corpos começarem a fim a um contencioso que a televisão pú-
2710-460 Sintra; Telef.: 219267800, Fax: 219267850; Porto: Rua Engenheiro Ferreira Dias, 1173 a 1177, 4100 sáveis dos EUA ou a sua opinião pública, chegar, em caixões cobertos de bandeiras blica mantinha com o ex-director da SIC,
Porto; Telef.: 226191211; Fax: 226191210; Algarve: Estrada de Boliqueime - Fonte de Boliqueime, 8100-070
Boliqueime; Telef. e Fax: 289366361; Coimbra: Beco Olheiro, Armazém 2, Adénia, 3020-028 Coimbra; Telef.: disponíveis para qualquer um ver e ouvir ao som do clarim, ano após ano, não exis- “mas não com três antigos responsáveis
239430519; Fax: 239431592 • ASSINATURAS: 808200095 na CNN, por exemplo, parte-se do prin- tirá opinião pública que aceite tal forma da estação”, pretendia-se, obviamente,
cípio que os EUA pretendem vingança e de agir. E aí será altura de questionar as dizer que os três antigos responsáveis
sangue, e não justiça e segurança. decisões que ora se tomam. da RTP referidos mantêm o contencioso
Tiragem média total do mês de Agosto 8. Depois de alguns lamentáveis inci- GIL BRANDÃO com Rangel, como aliás se depreende
AS SO C I AÇÃO P O R T UGUE SA
D O C O N T R O LO D E T I R AG E M
72.388 exemplares dentes com a comunidade islâmica nos São João da Madeira da leitura do resto do texto.
2 8 ES PAÇ O P Ú B L I C O
PÚBLICO•DOMINGO, 23 SET 2001

Diz-se Que fizeste do teu Deus?


“11 de Setembro de 2001 apa-
gou do nosso imaginário a data
profética de Kubric e deu ou-
tro sentido, de uma banalidade
assustadora, ao título da obra-
Que fizeste do teu irmão?
prima de Coppola: ‘Apocalyp-
se Now’. (...) Kubric e Coppola 1999). O cap. 25 do Evangelho de S. Mateus confirma do os interesses e o egoísmo dos mais poderosos e a
foram ultrapassados pelos cli- essa tese. Antes de qualquer referência religiosa, ameaça terrorista dos mais frustrados.
chés mais convencionais do ci- é a atitude que se tem em relação a qualquer vítima Álvaro Vasconcelos, director do Instituto de Es-
nema catástrofe e dos ‘video — e não em relação às vítimas seleccionadas por tudos Estratégicos e Internacionais, escreveu um
games.” critérios políticos, étnicos ou religiosos — que nos texto de ética política sobre “O mundo sem ordem”
VICENTE JORGE SILVA afasta ou aproxima de Deus e do seu reino. (Cf. PÚBLICO, 19/9) que merece tornar-se uma peça
“Diário Económico”, 22-9-01 Para René Girad, a preocupação com as vítimas de referência num momento em que a propaganda
FREI BENTO DOMINGUES, O.P. — mesmo se, por vezes, não passa de uma grande e demagogia tendem a substituir o discernimento.
“O combate ao terrorismo não comédia — é uma herança cristã. Nem a China dos Diz-se que a operação “Justiça Infinita” — uma
será um filme de aventuras. mandarins, nem o Japão dos samurais, nem as Ín- designação que soa demasiado aos estúpidos “slo-

1.
Bruce Wills já não apareceu Nenhum povo tem o monopólio do sofri- dias, nem as sociedades pré-colombianas, nem a gans” dos taliban — corre o perigo de continuar
nos aviões suicidas, nem Syl- mento humano. As tragédias étnicas não Grécia, nem a Roma da República ou do Império, uma série de triste memória: Coreia, Vietname,
vester Stallone vai ser largado são mensuráveis. Como diz A. Safieh: “Se se importavam com as vítimas que, sem conta, sa- Irão, Iraque, Somália, Líbano, etc.
nas montanhas afegãs.” eu fosse um judeu ou um cigano, a barbá- crificavam aos deuses, à honra da pátria, à ambição O que está provado é que a hegemonia militar,
ANTÓNIO PINTO LEITE rie nazi seria o acontecimento mais atroz da histó- dos conquistadores, pequenos ou grandes. económica e cultural norte-americana — com gran-
“Expresso”, 22-9-01 ria. Se fosse um negro africano, esse acontecimento Nietzsche, no seu agudo anticristianismo, captou des bases militares em 62 países — não basta para
seria a escravatura e o ‘apartheid’. Se fosse um
“Que lugar iremos reservar à americano nativo, seria a descoberta do Novo Mun-
sociedade aberta, ao respeito do pelos exploradores e colonos europeus. Se eu S E A S R E TA L I A Ç Õ E S contra os responsáveis dos atentados não constituírem lições
pelas diferenças culturais e ét- fosse um arménio, seria o massacre praticado pelos mundiais de exigência ética e de salvaguarda dos inocentes, são elas que retomam o terrorismo,
nicas, a partir do momento em otomanos. Se eu fosse um palestiniano, seria a derrotam os valores que o Ocidente diz defender e agravam o ressentimento entre povos
que estivermos inevitavelmen- Nqba/Catástrofe de 1948.”
te envolvidos numa terceira Não existem filhos de um Deus maior e filhos de
guerra mundial contra um ini- um Deus menor. Gosto muito, por isso, de uma per- como poucos o contributo cristão para o reconheci- garantir a paz. Passadas as emoções do sobressalto
migo oculto e sem rosto?” gunta divina, referida na Bíblia, nessa biblioteca mento da dignidade absoluta de cada ser humano: actual perante o horror, não vai ser possível conti-
VICENTE JORGE SILVA onde nem tudo é recomendável: — “Que fizeste (ou “No cristianismo, o indivíduo foi tomado tão a sério, nuar a reunir o mundo em torno da bandeira do
“Diário Económico”, 22-9-01 vais fazer) ao teu irmão?” (Cf. Gen. 4,1-16). elevado a um ponto tão absoluto, que não era possível EUA e da sua política imperial.
É uma passagem admirável. Nela, irmão não se continuar a sacrificá-lo. Mas a espécie não sobrevive O combate ao terrorismo disseminado será com-
“Imaginários? São terroristas restringe ao membro da família, da etnia ou da senão graças aos sacrifícios humanos… A verdadei- patível com a multiplicação dos focos de guerra, de
reais, têm cara, nome, organi- nação. É uma forma como Deus pede contas de um ra filantropia exige o sacrifício para o bem da espé- violência, de anarquia e de catástrofes humanitá-
zação. E crueldade para usa- ser humano a outro ser humano. cie: é dura, obriga a se dominar a si mesma, porque rias que a “Justiça Infinita” parece anunciar? E
rem milhares de civis como ar- Invocar Deus para abençoar um povo contra ou- tem necessidade do sacrifício humano. E esta pseu- quem se vai lembrar de Angola, há mais de 25 anos
ma e como alvos a abater.” tro ou contra outra pessoa é uma blasfémia. Invocá- do-humanidade chamada cristianismo quer precisa- entregue a todas as formas de guerra e de terroris-
JOSÉ ANTÓNIO LIMA lo para exercer a vingança sobre uma pessoa, um mente impor que ninguém seja sacrificado…” mo, com diamantes e petróleo para pagar o renova-
“Expresso”, 22-9-01 povo ou uma cultura é sacralizar o crime. Como diz 3. Se não há várias espécies humanas, é tempo de mento do armamento e da corrupção?
Tomás de Aquino, Deus não pode ser directamente nos ocuparmos, com inteligência, da humanidade O eurodeputado José Ribeiro e Castro teve o
ofendido. É atingido quando agimos contra o bem de todos. A ONU, nas suas diversas instâncias, devia mérito de desencadear o processo da candidatu-
“O inimigo que temos pela das pessoas. existir para garantir um mínimo de paz, liberdade, ra do bispo Zacarias Camuenho — um incansá-
frente (...) deixou com toda 2. Simone Weil, uma filósofa judia, sugere que de justiça e de solidariedade no mundo. Se não fun- vel lutador pela paz — ao prémio Sakharov 2001
a clareza mortífera e bár- os Evangelhos, antes de serem uma teoria sobre ciona ou funciona mal, que seja reformada e presti- do Parlamento Europeu. É fundamental apoiar
bara o seu recado: custe o Deus, são uma teoria sobre o homem. É o que tam- giada — e não esvaziada — para poder garantir uma esta voz de “Angola pela positiva”. Tentarei mos-
que custar, ele prefere mor- bém sustenta o antropólogo René Girad (Cf. “Je nova ordem mundial baseada no direito e na procu- trar o que isto significa, o que implica e o que
rer em holocausto contra o vois Satan tomber comme l’éclair”, Paris, Grasset, ra da justiça para todos. Sem isso, viveremos segun- exige. Dentro e fora de Angola. I
mundo que abomina do que
deixá-lo sobreviver.”
VICENTE JORGE SILVA
“Diário Económico”, 22-9-01
Bin Laden como metáfora
“Hoje, impõe-se uma resposta treinador do FC Porto? Precisamente o recurso a Bin
cuidada, segura e convincen- Laden como metáfora. Isso é transparente naquelas
te, até no aspecto ético. (...) Res-
O que têm em comum Ariel Sharon, primeiro-ministro israelita deploráveis declarações de Octávio ameaçando que
posta não de retaliação — e e suspeito de crimes de guerra e contra a humanidade, “os Bin Laden do futebol terão a sua hora”, e tem
não só dos EUA —, mas, antes, e Octávio Machado, actual treinador do FC Porto? consequências políticas e humanitárias de enorme
resposta de presença e dissua- gravidade no caso de Sharon: “ a cada um o seu Bin
são.”
Precisamente o recurso a Bin Laden como metáfora Laden. O nosso chama-se Arafat”, disse (aparente-
RAMALHO EANES mente chocando até Bush), e justificando-se nessa
“Diário de Notícias”, 22-9-01 AUGUSTO M. SEABRA retórica agiu; “É um facto que matámos 14 palestinia-
nos, sem que o mundo desse por nada”, exclamou
“O terrorismo não se vence nu- compositor Karlheinz Stockhausen quali- cultura”, a sua conexão com o wagnerianismo não triunfante o ministro da Defesa Ben-Eliezer.
ma guerra clássica por uma
razão óbvia: o que caracteriza
o terrorismo é a surpresa e a
guerra clássica assenta sobre
cenários previsíveis.”
O ficou os recentes ataques terroristas como
“a maior obra de arte jamais realizada”;
“Que esses espíritos tenham conseguido,
num só acto, o que os músicos apenas ousam sonhar
— ensaiar como loucos durante dez anos para um
foi um mero acidente. A concepção da “obra de arte
total”, por genial que tenha sido dramatúrgica e
musicalmente, não deixa de ser virtualmente totalitá-
ria — e isto não é apenas um jogo de palavras. Neste
contexto, sendo ainda por demais chocante não é de
Usar Bin Laden, na sua qualidade de principal
suspeito pela mais horrorosa das acções terroristas,
como metáfora, de adversários explicitamente nome-
ados ou delirantemente imaginados e inomeáveis é
o prolongamento de uma outra forma de agressão,
JOSÉ ANTÓNIO SARAIVA concerto e depois morrer —, essa é a maior obra de todo surpreendente a obscena comparação feita por a de ordem verbal. É uma “monstruosidade semioló-
“Expresso”, 22-9-01 arte de todo o cosmos”! Stockhausen: a “destruição” (total) seria parte culmi- gica”, como diria Barthes, o mesmo que nos precaveu
Estas afirmações podem ser enquadradas num esfor- nante da “obra de arte” (total)! de que a linguagem pode ser fascista. O esforço de
“A candidatura de Fernando ço de “compreensão” da evolução estética, cultural e Proceder a um exercício racional de enquadramen- compreensão das circunstâncias em que se originam
Gomes parece estar motivada ideológica de Stockhausen. Foi ele seguramente o to e “compreensão” desta inqualificável agressão tais dislates não pode nunca ser deles justificativo.
por razões que pouco têm a ver compositor mais influente do terceiro quartel do século verbal feita não é o mesmo que “justificá-la” — e esta As expressões verbais não são neutras nos seus
com o Porto. É uma candidatu- XX. Um tal lastro tem consideravelmente diminuído é uma ponderação que importa muito para além do fundamentos culturais e ideológicos. Não foi mesmo
ra posicionada para ser uma nos últimos 20 anos, fruto da radicalização megalóma- episódio concreto. E insisto que a conexação ideológi- noticiado que a operação militar não pode ser desig-
retaliação e um ajuste de con- na e “totalizante” do seu projecto, desde meados dos ca de concepções “totalizantes” da “obra de arte” não nada por “Justiça Infinita” por isso ofender os muçul-
tas com o secretário-geral do anos 70. Foi então que Stockhausen encetou o ciclo pode ser apenas um jogo de palavras. Se outras razões manos que consideram a expressão uma prerrogati-
PS.” “Licht/Luz”, um conjunto de sete acções cénicas, cor- não houvesse, é a conjuntura presente, com a retórica va de Alá, ou que os árabes sentiam como ofensiva a
NUNO CARDOSO respondentes a cada um dos dias da semana. própria que originou, a ainda mais nos precaver das metáfora de “cruzada” para a resposta ao terror?
ibidem A irritação com que o autor reage sempre que é assimilações públicas, e algumas mesmo directamen- Quando o “Diário de Notícias”, galvanizado pelo
abordada a possibilidade de uma matriz wagneriana te políticas, de certos jogos de palavras. belicismo, tem como manchete para a partida das
“Se me candidatar [à Câmara em “Licht” é um daqueles casos em que a negação Nem que seja por uma campanha publicitária em tropas americanas “Até à vitória” (o que, a meu co-
do Porto], ganho as eleições.” acaba por confirmar a dúvida. A obra maior de Wag- curso, não estamos esquecidos de quanto tem sido nhecimento, nenhum jornal americano ousou),
idem, ibidem ner foi “O Anel do Nibelungo”, com um prólogo e três glosada no discurso corrente “a mãe de todas as quando o “Expresso” faz título com a “A ameaça do
jornadas? Stockhausen “vence-o” nesse mesmo terre- guerras”, cunhada por Saddam Hussein. Agora veri- Islão” (quando os dirigentes políticos tentam fazer a
“[António Guterres] é o pudim no, com uma heptologia no lugar da tetralogia wagne- fica-se uma síndrome de Bin Laden. Explico-me: Bin destrinça entre o todo da religião islâmica e o funda-
flam. (...) Abana e parece que riana, prosseguindo à sua maneira a concepção de Laden, enquanto homem e principal suspeito dos mentalismo terrorista), quando no PÚBLICO Pache-
cai para um lado ou para o ou- “obra de arte total” do outro. atentados, tem uma existência real, mas adquiriu co Pereira se arma em justiceiro contra as “péssimas
tro, mas não cai — volta ao seu Acontece que a Europa veio a conhecer do modo entretanto uma outra, metafórica. ideias” dos que não pensam como ele, então teremos
lugar.” mais trágico “O Crepúsculo dos Deuses” (derradeira O que têm em comum Ariel Sharon, primeiro- que concluir, olhando para o nosso mais imediato
NUNO MORAIS SARMENTO jornada de “O Anel”). Tendo o nazismo certamente ministro israelita e suspeito de crimes de guerra e círculo mediático, que as palavras vão tecendo o
“24 Horas”, 22-9-01 fermentado num mais lato e explosivo “caldo de contra a humanidade, e Octávio Machado, actual arsenal retórico e metafórico do ódio. I
2001
24 Setembro
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SEG24SET
EDIÇÃO LISBOA
24 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4207
140$00 • €0,70 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico
www.publico.pt

ECONOMIA

PININFARINA
MOBILIZA INDÚSTRIA
TALIBAN DIZEM NÃO SABER DE BIN
AUTOMÓVEL
DE PORTUGAL
E DA GALIZA
LADEN MAS EUA APERTAM O CERCO
Aumenta o dispositivo militar à volta do Afeganistão
CIDADANIA TIMOTHY CLARY/EPA

Frances Ortega chora durante Paquistão prepara-se


Portugueses são pouco a missa de homenagem aos
empreendedores mortos nos atentados na para receber um milhão
América. Tinha uma
Portugal é um país avesso ao risco, e,
entrevista no WTC de refugiados
como se conclui dos estudos do Ob-
na manhã de 11
servatório da Criação de Empresas
de Setembro,
mas foi
hoje citados na série “Um Mês de Ci-
dadania”, essa espécie de estigma
cancelada Sanções à Índia e
P52
sócio-cultural condiciona o apareci-
mento e a formação de empreende-
Paquistão levantadas
dores no país. P27 pelos Estados Unidos
MUNDO
Rússia reforça frente
Preso chefe da ETA antitaliban e guerrilha
em França intensifica ataques
P28

LOCAL Dicionário do Islão


Tiroteio em discoteca de
Gaia faz quatro feridos Bush foi avisado para
O tiroteio terá sido “um ajuste de
contas”. À chegada ao local a polícia
possível ataque
encontrou quatro feridos, todos eles
clientes. Os alegados agressores, segu-
ranças no estabelecimento de diversão
nocturna, já não estavam no local.
Fim-de-semana de ruas
vazias em Nova Iorque
FUTEBOL

Sporting vence em Faro Os traumas dos


e Belenenses empata atentados
com o Benfica
O Sporting bateu o Farense por 3-0
num jogo em que Jardel festejou o seu
primeiro “hat-trick” neste campeo-
Primeira página do
nato. No Estádio do Restelo, o Benfi-
ca esteve a ganhar mas o Belenenses
diário do escritor Pedro
empatou na segunda parte. P36 A 39
Paixão em Nova Iorque
Reportagens de Alexandra Lucas
C O M P U TA D O R E S Coelho, enviada a Peshawar, e de
Adelino Gomes e de Ana Gomes
Sistemas de escuta não Ferreira, em Nova Iorque
detectaram terroristas P2 A 18

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ÍNDICE

BARTOON E OPINIÃO 21 A 23
CULTURA 44/45
TELEVISÃO 50/51
CLASSIFICADOS 61 A 69
CINEMAS 70/71
TEMPO E FARMÁCIAS 72
2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 24 SET 2001 G U E R R A AO T E R R O R I S M O À E S P E R A D A R E TA L I A Ç Ã O
ALEXANDER NEMENOV/EPA

Taliban afirmam
desconhecer
paradeiro de Bin
Laden, mas EUA
não acreditam
Secretário norte-americano da to tempo”. A mesma responsável afirma
Defesa diz que milionário saudita que os fundamentalistas têm “um regime
repressivo e terrível” e que os afegãos
não agiu sozinho nos atentados “estariam melhor sem elesß. Veremos que
meios temos ao nosso dispor para fazer
FRANCISCA GORJÃO HENRIQUES isso.” E acrescentou: “Os taliban terão
de entender que têm uma escolha difícil
Os taliban afirmaram ontem que Osama para fazer”.
bin Laden, o homem mais procurado do Respondendo também ao alegado desa-
mundo, desapareceu. E que, por isso, os parecimento de Bin Laden, o secretário
“ulemas” (doutores da fé) não consegui- da Defesa, Donald Rumsfeld, foi ainda
ram comunicar-lhe o pedido para que dei- mais longe: não só os taliban sabem onde
xe o Afeganistão. ele está, como ele “não agiu sozinho” nos
“Não foi possível fazer-lhe chegar a atentados. “É claro que eles sabem onde
mensagem dos ‘doutores da fé’ porque ele está, é o seu país. É impensável que não
não o conseguimos encontrar”, afirmou à saibam onde estão as redes” de terroris-
Reuters o porta-voz dos taliban, Abul Hai mo, disse Rumsfeld à televisão CBS. “Não
Mutmaen. Quando questionado sobre se há nenhuma forma no mundo para que
Bin Laden estava ainda no Afeganistão, o uma rede possa funcionar sem ser apoiada
mesmo responsável afirmou: “Não o sei por estados, empresários, organizações
dizer.” não-governamentais”.
Bin Laden, o milionário de origem sau-
dita que os EUA acusam da autoria do Taliban preparam a guerra
ataque de 11 de Setembro contra o World Totalmente isolados, os taliban terão co-
Trade Center e o Pentágono, vive há cinco meçado a distribuir por todo o país me-
anos como “hóspede” dos taliban. Desde tralhadoras AK-47, segundo informações
os atentados que Washington tem vindo não confirmadas de Cabul. As armas es-
a pressionar os “estudantes de teologia” tarão a ser entregues a civis recrutados
para que o entreguem, ameaçando reta- para uma “jihad” (guerra santa), que os Guerrilheiros da
liar contra os que lhe dão guarida. Mas fundamentalistas islâmicos prometeram Aliança do Norte
o regime de Cabul afirma que seria um como resposta à “cruzada” americana. recebem agora apoio
desrespeito para com o Islão virar as cos- Os responsáveis taliban afirmam que estrangeiro para
tas a este homem, que desde a invasão mais de 100 mil pessoas estão a ser treinadas combater os taliban
soviética alimenta a máquina de guerra e armadas. A BBC adianta que foram colo-
dos fundamentalistas. cados reforços militares junto à fronteira
Por isso, os “ulemas” limitaram-se a com o Paquistão. Os refugiados que chegam
pedir a Bin Laden que deixe o país. A me- ao país vizinho confirmam que muitos ho-
dida, considerada de compromisso, rece- mens se estão a alistar na “jihad”.
beu finalmente a aprovação do “mullah” As autoridades de Cabul ameaçaram os Os taliban têm SAS britânicos alvejados
Mohammed Omar, o líder supremo dos
taliban. “Estamos a tentar encontrá-lo, e,
países da região de que sofreriam sérias
consequências caso manifestassem o seu
um “regime por taliban perto de Cabul
quando for encontrado apresentamos-lhe apoio a Washington. Mas até o Paquis-
excessivo e
a decisão dos ‘ulemas’”, declarou Mutma- tão, o único país do mundo onde há uma terrível” e os Membros da força especial britâ- navios, incluindo o submarino
en à Afghan Islamic Press (AIP, a agência embaixada taliban, se colocou ao lado do afegãos nica SAS terão sido alvejados por nuclear “HMS Superb”, já pas-
taliban com base no Paquistão). “Depois, “Grande Satã”. soldados taliban, perto de Cabul. sou o canal de Suez.
cabe-lhe a ele decidir se deixa ou não o Os taliban não só lutam sozinhos contra
“estariam A notícia, avançada pelos jornais Esta operação, que conta com
Afeganistão”. Mutmaen não teme que Bin a força dos americanos e seus aliados, melhor sem londrinos “Sunday Times” e a participação de 20 mil solda-
Laden esteja a atravessar dificuldades: como ainda têm de dar resposta a uma eles”, disse a “Mail on Sunday”, não foi ainda dos, já estava planeada para uma
“Ele nunca está sozinho. Tem os seus se- guerra interna, travada pelos resistentes conselheira de confirmada pelo Ministério bri- série de manobras em Omã, pro-
guidores consigo. Ele também sabe tomar da Aliança do Norte. tânico da Defesa. gramadas antes do ataque terro-
conta de si.” Nos últimos dias, os combates têm-se Bush para a Os quatro elementos de uma rista contra o World Trade Cen-
O desconhecimento do paradeiro do seu intensificado, particularmente no Norte do Segurança. equipa de reconhecimento a ter e o Pentágono. Mas há quem
suspeito “número um” não alterou em país. A Aliança afirmou ontem ter captura- “Veremos que operar no Afeganistão conse- diga que agora se dirige para o
nada a determinação norte-americana. do o distrito de Zari, na província de Balkh, guiram sair ilesos dos disparos Afeganistão, como apoio a uma
Os Estados Unidos, que vão reunindo um matando 80 soldados taliban, noticiou a
meios temos ao das tropas taliban. Os dois jor- retaliação dos EUA contra o regi-
forte dispositivo militar à volta do Afega- AIP. Um responsável de Cabul confirmou nosso dispor nais adiantam que os SAS esta- me taliban.
nistão, continuavam ontem decididos a os confrontos, mas negou as baixas reivin- para fazer isso.” vam na região há cinco dias e O secretário da Defesa norte-
avançar com as suas represálias. “Não dicadas pela oposição. Segundo a mesma que já tinham mantido contac- americana, Donald Rumsfeld,
acreditamos” no seu desaparecimento, de- agência, as forças taliban foram também
E acrescentou: tos com os guerrilheiros da reconheceu que o Exército per-
clarou a conselheira do Presidente George atacadas em Takhar e Samangan, mas con- “Os taliban Aliança do Norte, o único grupo deu contacto com um avião es-
W. Bush para a Segurança Nacional, Con- seguiram vencer duas operações nos pla- terão de de resistência aos “estudantes pião telecomandado que partici-
doleezza Rice. E garantiu que Washington naltos de Shakh Palang. entender que de teologia”. pava na operação de retaliação
não se vai deixar convencer com comentá- A Aliança afirma ter estado em con- Citando “questões operacio- contra o Afeganistão. Isto, um
rios de que ele poderá estar desaparecido. tacto com o departamento de estado nor- têm uma escolha nais”, o porta-voz do ministério dia depois de os taliban terem
“Simplesmente, não acreditamos”, disse te-americano e que está preparada para difícil para da Defesa recusou-se a confirmar dado conta do abate de um apa-
numa entrevista à Fox News. ajudar os EUA numa operação contra os fazer.” o sucedido. “Há muito material relho do mesmo tipo no Norte
Rice lembrou ainda o ultimato já feito fundamentalistas islâmicos. O seu con- especulativo no ar. Nunca discu- do país. No entanto, Rumsfeld
por Bush: ou os taliban “entregam Bin tributo poderá ser valioso para as forças timos assuntos referente às for- afirmou não haver razões para
Laden, ou terão de enfrentar a cólera da americanas, uma vez que os guerrilheiros ças especiais”, afirmou. O mes- deduzir que se trata do mesmo
coligação internacional, que sabe que os conhecem detalhadamente a região e as mo responsável adiantou que avião. “Isso acontece de vez em
taliban dão abrigo a terroristas há mui- capacidades militares dos taliban. I uma frota de Royal Navy, com 13 quando”, explicou.
D E S TA Q U E 3
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 24 SET 2001

EUA Últimas
ONU APOIA

levantam REGRESSO DO
ANTIGO REI DO
AFEGANISTÃO

sanções O enviado da ONU ao Afe-


ganistão, Francesc Ven-
drell, disse ontem que o
antigo rei afegão, Moham-

à Índia e mad Zahir Shah, de 86


anos, poderá ter um pa-
pel vital na formação de
um novo governo e na res-

Paquistão tauração da paz no país.


“Esta pode ser uma opor-
tunidade para o povo do
Afeganistão finalmente
Islamabad decidir o seu futuro”, afir-
mou Vendrell, depois de
recompensada pelo apoio uma reunião de 45 minu-
dado a Washington tos com o antigo monar-
ca, que vive desde 1973 em
O Paquistão e a Índia receberam on- Itália. Zhair — que não
tem a recompensa pelo apoio dado a quis prestar declarações
Washington na luta contra o terroris- depois do encontro com
mo: o levantamento das sanções que Vendrell — ascendeu ao
lhes haviam sido impostas depois de trono em 1933, depois do
ambos terem efectuado uma série de assassínio do seu pai, e
testes nucleares, em Maio de 1998. O reinou durante quarenta
Presidente George W. Bush afirmou estáveis anos.
num memorando que as sanções “já
não são do interesse da segurança POWELL NEGA
nacional dos Estados Unidos.” PRESENÇA NO
O levantamento das sanções foi UZBEQUISTÃO
uma forma de Washington agradecer
ao Paquistão o auxílio prestado na O secretário de Estado Co-
caça a Osama bin Laden, o suspeito lin Powell afirmou ontem
número um dos atentados ao World não estar ao corrente da
Trade Center e ao Pentágono. O Pa- presença de aviões norte-
quistão era um dos três países a reco- americanos no território
nhecer o regime taliban, que governa do Uzbequistão, uma ex-
o Afeganistão, onde Bin Laden vive república soviética vizi-
há cinco anos, mas o Presidente Per- nha do Afeganistão. “Não,
vez Musharraf optou por colocar-se que eu saiba. Mas é evi-
ao lado da Casa Branca e manifestar dente que está em marcha
o seu “total apoio” na guerra contra o reposicionamento das
os terroristas. nossas forças, e estamos
A Índia, o vizinho inimigo do Pa- satisfeitos com a coopera-
quistão, apoia também os Estados ção que temos recebido
Unidos, mas terá sido incluída no le- de nações da área.” Foi
vantamento das sanções apenas para um responsável militar
evitar acusações e ressentimentos, uzbeque que assegurou à
afirmam os analistas. As ligações agência AFP a chegada de
paquistanesas aos taliban, bem como inúmeros aparelhos nor-
a cedência de espaço aéreo e terrestre te-americanos a uma base
na eventualidade de um ataque, é que aérea, localizada a 15 qui-
são vistas por Washington como um lómetros da capital.
apoio fundamental, que foi preciso
recompensar. MINISTRO
Ambos os governos reagiram com EGÍPCIO EM
agrado à notícia, mas será sobretu- WASHINGTON
do o Paquistão o principal benefi-

Rússia reforça frente antitaliban ciário da medida aprovada ontem.


“Isto vem dar à economia paquista-
nesa uma lufada de ar fresco, com
espaço para recuperar”, comentou à
Ahmed Maher chega ama-
nhã à capital dos Estados
Unidos para encetar uma
série de encontros com di-
Moscovo revela táctica na luta Porém, a Rússia encontra outras for- “Talvez já não seja segredo para nin- CNN o analista de Nova Deli Brahma versos responsáveis nor-
contra o terrorismo islâmico: mas de cooperar com os Estados Uni- guém que a Rússia, bem como outros Chellaney. te-americanos. A viagem
dos na luta contra Bin Laden e os tali- estados, presta, há já vários anos, apoio A Índia saudou o levantamento das do ministro dos Negó-
não participar em acções ban. Vladimir Putin, Presidente russo, moral e outro à Aliança do Norte”. sanções, mas o Ministério das Finan- cios Estrangeiros do Egip-
bélicas, mas apoiar a oposição reafirmou numa entrevista ao diário Anatoli Kvachnin, chefe do Estado ças referiu que este era apenas um to servirá para levar aos
afegã aos taliban. alemão “Bild” que o seu país pode Maior General das Forças Armadas gesto simbólico. “Em princípio, é um EUA “os últimos desen-
apoiar o combate ao terrorismo inter- da Rússia, foi a Duchambé, capital do bom desenvolvimento”, disse o porta- volvimentos da situação
nacional com “informação, utilização Tajiquistão (república da ex-URSS que voz Nirupama Rao. “A nossa perspec- internacional depois dos
JOSÉ MILHAZES da influência russa em determinados tem fronteira com o Afeganistão), con- tiva foi sempre a de que as sanções ataques de 11 de Setem-
Moscovo círculos de diversos países e a criação versou no sábado durante longas ho- não eram um instrumento eficaz e, de bro e a perspectiva do Pre-
de uma frente única de luta contra o ras, com o general afegão Mohammad certa forma, essa posição está agora sidente Moubarak sobre
O Kremlin não pretende ficar fora da terrorismo internacional”. Fahim, que substituiu o lendário Mas- a evidenciar-se”. a forma mais apropriada
luta contra o terrorismo internacional, Segundo Putin, os serviços secretos soud à frente da Aliança do Norte. O levantamento das sanções econó- para combater o terroris-
pois corre o risco de ficar uma vez mais da Rússia e dos EUA já trocam infor- Soleh Mohammad Rejistan, adido micas significa que os EUA podem mo internacional”.
isolado, mas pondera as suas decisões mações há muito tempo, mas ganha militar da embaixada do Afeganistão votar favoravelmente aos pacotes de
a fim de não embarcar em aventuras corpo outra forma de participação de em Moscovo, que representa a Aliança ajuda financeira como os que o Pa-
como aquela em que se envolveram Moscovo na grande operação que Wa- do Norte na capital russa, afirma que quistão se prepara para negociar com MORTOS
os dirigentes soviéticos ao invadir o shington pretende desencadear contra “a ofensiva das tropas anti-taliban não o Fundo Monetário Internacional.
Afeganistão nos finais de 1979.
Os dirigentes russos têm plena cons-
ciência das limitações dos seus recur-
o Afeganistão.
Trata-se da criação de uma grande
frente de combate contra os “estudan-
está ligada à reacção americana ao ter-
rorismo”, mas reconhece que “uma
situação favorável para atacar, porque
Mas os próprios paquistaneses es-
peram que os agradecimentos norte-
americanos não se fiquem por aqui.
623
sos militares e humanos, que não lhes tes de teologia” no Norte do Afeganis- os taliban estão enfraquecidos”. “Para mostrar confiança entre os
permitem participar em operações mi- tão, que não passa pela participação de Moscovo e os seus aliados na Ásia dois países é melhor continuarmos
DESAPARECIDOS
litares de grande envergadura. Parte tropas russas em combates, mas pelo Central pretendem combater os taliban a negociar para que todas as san-
significativa — e a mais bem preparada
— das suas forças armadas está envol-
vida nos combates contra a guerrilha
rearmamento intenso da Aliança do
Norte, coligação afegã que combate os
taliban no país.
por intermédio da Aliança do Norte.
Se esta chegar a Cabul e derrotarem
os “estudantes de teologia”, os russos
ções sejam levantadas. Isso ajudaria
a sedimentar medidas de confiança
que são tão necessárias”, comentou à
6333
Vítimas dos atentados contra o World Trade
independentista tchetchena, no Cáu- Serguei Ivanov, Ministro da Defesa estarão entre os que pretenderão colher Reuters Tariq Aziz, principal adjunto Center e o Pentágono e da queda de um
caso do Norte. da Rússia, fez uma revelação incomum: os loiros da vitória. I de Musharraf. I F.G.H. avião na Pensilvânia. Números oficiais.
4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 24 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO MUNDO ISLÂMICO

MUZAMMIL PASHA/REUTERS
NA ESCOLA COM OS TALIBAN ros. O “mullah” ainda explicará que a
América não pode culpar Bin Laden
sem provas, que não se trata de prote-
ger Bin Laden mas de exigir provas.
No que lhe diz respeito, está seguro
da sua inocência.
Pedimos para visitar a madrassa
e conversar com estudantes. Ele per-
mite. Saímos, guiados por um velho
professor. Primeiro a biblioteca, com
“15 mil livros, todos islâmicos, al-
guns com mais de 200 anos”, depois
as salas de aulas das várias etapas:
tapetes no chão, umas secretárias
baixinhas, sem pés (não há cadei-
ras, toda a gente se senta ou ajoelha
no chão), ardósias, giz e exemplares
do Corão. Na sala dos mais velhos, a
maior, estão a almoçar (milho cozido)
numas telas estendidas no chão.
Tudo está tranquilo. Velhos profes-
sores lêem o jornal, pequenos taliban
sorriem, à porta. A porta está aberta,
vêem-se árvores. Mansa manhã de
domingo.

Espiões americanos
ou israelitas?
É quando nos voltamos a ajoelhar,
agora diante dos estudantes, que o
ar subitamente se torna pesado. Não
há conversas a sós. No chão de uma
pequena sala de aulas, as posições são
as seguintes: o PÚBLICO ao canto, e
vinte jovens taliban em semi-círculo
à frente. O pequeno Abdul Nassir na
primeira linha.
Perguntamos-lhe o nome, a idade
(11 anos), onde vivem os pais (aqui
mesmo, em Peshawar), se ele vive na
madrassa (vive, vê os pais uma vez
por semana), o que faz o pai (é pro-
As crianças das madari aprendem a sabedoria taliban em cinco fases, cada uma das quais leva entre dois a três anos fessor de pashtum). Os mais velhos
escutam em silêncio. Mesmo por trás
de Abdul, um deles vai puxando os
Foi também daqui que eles saíram, para tomar o Afeganistão. Destas escolas os professores? “Ex-estudantes desta fios da barba.
em que se aprende o Corão de cor, palavra a palavra. As escolas corânicas são madrassa ou de outras.” É a quadra- É então que fazemos a pergunta sus-
tura do círculo. peita: quem o trouxe à madrassa? O
as madaris, e os estudantes dessas escolas são os taliban. “A América não percebe E que aprendem os estudantes? Es- que puxava os fios da barba pára e pro-
que taliban somos todos.” O PÚBLICO passou a manhã de ontem na madrassa ta é a resposta mais demorada. Porque testa, num inglês rudimentar: “Não,
do bazar Ramdaz. Foi interrogado, até provar que não era americano ou israelita. tem cinco fases a sabedoria taliban, e não, não. Não pode perguntar isso.
cada uma leva entre dois a três anos: Quem é você? Porque está a fazer per-
Da nossa enviada ALEXANDRA LUCAS COELHO, em Peshawar “Primeiro, a Mutawasita: noções bási- guntas? O ‘mullah’ não devia permitir
cas de inglês, urdu, biologia, química, isto.” Agita-se, volta-se para os com-
Para chegar ao bazar Ramdaz passa- também lhes chegue. gressivamente difícil. Devem estar estudos paquistaneses, matemática; panheiros, em busca de um coro. Ex-
se o bazar Dabgari (dos cirurgiões) e Direita, esquerda, estacionamos. uns 40 graus. depois a Amma, conhecimentos bási- plicamos que passámos duas horas a
o bazar Shuba (dos mecânicos), aos Há uma entrada em arco para um cos de árabe, gramática árabe e persa; conversar com o “mullah”, que que-
ziguezagues entre carros de bois, au- jardim. É a madrassa. Entramos. O Taliban somos todos depois a Khaza, tradução, explicação e remos saber quem são, como vieram
tocarros e motociclos com capotas jardim é fresco e descuidado, a gran- O “mullah” começa por desmontar “a interpretação do santo Corão, através aqui ter, o que estudam, o que pensam
de lata muito amolgadas. Os autocar- de casa térrea, com muitas portas nomenclatura americana que chama dos quatro cânticos do santo profeta... do que se passa no Afeganistão.
ros (esfuziantes templos de pintura correndo ao longo de um pátio exte- taliban só aos islâmicos no poder no é um conhecimento imenso; depois “Foi a América que mandou,
“naif”, com borboletas, rosas, heróis rior, tem a pintura a cair aos boca- Afeganistão”. “É erróneo, taliban so- a Aliea, a lógica do Islão, as leis, as hum?”, lança ele, “vêm interrogar-
da guerra e fitas ao vento, tudo sobre dos. Três jovens estudantes estão a mos todos que estudamos nas escolas regras e regulamentos a aplicar na nos.” Falamos em Portugal, dizemos o
rodas) vão cheios a deitar por fora descansar na erva, outros, entre os corânicas, aqui, ou no Afeganistão. vida quotidiana que os profetas re- nome do jornal, insistimos. Mas ele já
(pernas e braços) e, se calha ficarem 10 e os 30 anos — saberemos depois, ‘Talib’ é o singular para estudante.” comendam; e por fim a Alamia, em não está a ouvir. Fala para os lados, os
parados lado a lado, quem vai em pé começo e fim da aprendizagem corâ- Nesta escola há 700 taliban, dos que a educação se completa, com o colegas olham-no e olham-nos. Desa-
nos tejadilhos festeja ruidosamente, nica — circulam entre as salas, de quais 100 são afegãos. O quotidiano, conhecimento superior do Islão.” tam todos a falar pashtum. O tradutor
com um fogo-cruzado de lentilhas (ou porta aberta, e o pátio. segundo o “mullah”: “Levantam-se Pedimos-lhe que especifique me- do PÚBLICO tenta interromper, escla-
algo parecido, não temos a certeza). Um dos estudantes, todo de bran- às cinco, vão rezar, juntam-se na mes- lhor esta última etapa. O “mullah” recer o equívoco. Enquanto discutem,
Esquerda, direita, esquerda, direi- co, barba negra, lava o rosto cá fora. quita — temos uma mesquita, aqui —, suspira. “É um conhecimento supe- um estudante de rosto muito tranqui-
ta, as ruas de dentro são estreitas, toda Vê-nos, limpa lentamente as mãos. depois tomam o seu chá, comem o seu rior. O que é que estudou?”, pergunta. lo e voz suave pergunta em inglês: “E a
a gente com buzinas buzina, e os pas- Havemos de nos encontrar, para um pequeno-almoço. Às sete começam as “Jornalismo”, respondemos. Sorri religião? Qual é?”. Respondemos que
seios estão repletos: velhos sentados interrogatório, daqui a pouco. Ele fará aulas, até à uma da tarde. Vão almoçar para o círculo de homens à sua volta: Portugal tem uma grande maioria de
em caixotes, lendo o jornal e bebendo as perguntas. e à tarde revêem o santo Corão.” “Ah, jornalismo.” Pausa. O “mullah” católicos.
chá, marceneiros a cortar tábuas, má- Mas primeiro o “mullah”, o líder Não pagam nada, mesmo os que prossegue: “Ao fim destas cinco fases O líder do tumulto pára de discutir
quinas de costura pré-históricas ao la- espiritual desta madrassa, Khalid Ah- vivem dentro da própria madrassa, há um exame. Quem é bem sucedido em pashtum e olha-nos de olhos muito
do de gaiolas a abarrotar de pássaros, mad Banoori, “cerca de 56 anos”. Es- que são a maioria: “Não temos men- tem o grau equivalente ao mestrado abertos. Ouviu a resposta. Atira: “O
bancas de legumes, de fruta fresca, tudou “Ciências Gerais: zoologia, bio- salidade na nossa educação islâmi- em árabe.” seu livro é o Talmude, hum? Veio de
de fruta seca, de sementes, ferreiros logia e física”, mas nunca chegou a ca. Apenas aceitamos um pequeno Vem chá, muito quente e doce. Israel?” Nem temos tempo de emen-
a tratarem das patas dos cavalos, um exercer. Herdou esta escola do pai, donativo dos adultos que vêm para Bebemos. dar o equívoco. Nova discussão em
formigueiro de homens a acenderem também “mullah”. um departamento especial aprender E fora das aulas, o que fazem os pashtum.
lume, a carregarem sacos de farinha, Está sentado no tapete da grande de cor o santo Corão, o que leva três a estudantes? “Não permitimos acti- Até que o rapaz da voz suave come-
a pendurarem borregos e frangos. sala de visitas, de pernas cruzadas, quatro anos. A madrassa sobrevive de vidades extra-curriculares.” Pausa. ça a puxar-lhe as calças para o calar.
Algumas crianças em bando, algu- com “vários professores e amigos”, contributos das pessoas que nos co- O “mullah” espeta o dedo indicador: Outros fazem o mesmo. Ele volta a co-
mas crianças pela mão. É o que vemos quase todos já com barbas grisalhas. nhecem e que têm fé em nós. Trazem- “E não permitimos que se envolvam fiar a pequena barba negra, inquieto.
das mulheres, às vezes, as mãos sain- Ajoelhamo-nos. O tradutor ficará em nos esse presente.” em partidos políticos.” Pausa. “Claro Mas quando voltamos a explicar por-
do dos panos azuis, rosa, cinza enfai- silêncio. O “mullah” Banoori fala in- Não vale a pena querer saber quem. que se houver algo contra o Islão, que estamos ali, a tensão já não está
xados em todo o corpo. Se chegarmos glês. E falará ao longo de duas horas, Mas é possível saber de alguns cus- eles vão querer juntar-se e lutar, mas lá. Vemos a porta aberta, as crianças à
mesmo perto, notamos que no lugar tornando a posição (de joelhos) e a tos: “Gastamos 0,4 milhões de rupias nós não os incentivamos, de maneira porta, Abdul à nossa frente, a sorrir.
dos olhos, nariz e boca há uma rede de circunstância (espesso lenço à volta [um euro são 55 rupias] nos salários nenhuma.” Em espera de guerra, todos os gatos
buraquinhos para que o ar, e o bazar, da cabeça e pescoço) da repórter pro- dos nossos professores.” Quem são As chávenas voltam aos tabulei- são pardos. I
D E S TA Q U E 5
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 24 SET 2001

MIAN KHURSHEED/REUTERS

Governo identificou sido reduzido desde o início da crise,


100 pontos de passagem Sherpai garante que as Nações Uni-
das continuam a visitar os campos:
na fronteira e está “Fazemos uma visita por semana, nos
a trabalhar com a ONU últimos dias estive em três e a situação
num plano de emergência estava tranquila. Não há luxo, mas há
condições muito razoáveis para viver,
para as áreas tribais com autonomia. Acho que o Paquis-
tão tem feito um trabalho generoso ao
Da nossa enviada ALEXANDRA LUCAS longo dos anos com estes campos.”
COELHO, em Peshawar Nem sempre as palavras do ACNUR
foram tão apaziguadoras para com
Em caso de ataque ao Afeganistão, as autoridades de Islamabad. Ainda
o Governo paquistanês calcula que em Novembro passado houve uma
um milhão de afegãos chegue à pro- discórdia quando o governo declarou
víncia da Fronteira Noroeste (NWFP), que era tempo de os refugiados volta-
cuja capital é Peshawar. Prevendo esse rem a casa. Um dos objectivos do co-
afluxo maciço, as autoridades paquis- missariado da ONU na presente crise
tanesas estão a preparar a abertura era justamente obter das autoridades
de novos campos, com o apoio do Alto um compromisso para a construção
Comissariado das Nações Unidas para de novos campos.
os Refugiados (ACNUR). Quanto à situação humanitária
As entidades governamentais res- dentro do Afeganistão, concretamen-
ponsáveis pela operação — nomeada- te, a ONU não sabe: “O que calcula-
mente o Comissariado para os Refu- mos é uma crise humanitária. É uma
giados Afegãos, que neste momento situação parecida com Angola: os
interdita, “por motivos de segurança”, governos dos dois países desistiram
as visitas da imprensa aos campos de de tomar conta das necessidades mí-
refugiados — falam em centenas de nimas da população. Os taliban es-
novas estruturas. Mas William Sher- Se os EUA atacarem o Afeganistão, o Paquistão receia um afluxo maciço de mais refugiados tão totalmente focados na questão
pai, responsável pela delegação do religiosa, querem voltar a um estado
ACNUR em Peshawar, refere apenas província, o responsável da ONU vai três mil, que tentam fugir da seca ou província da Fronteira Noroeste exis- de há mil anos, não têm nenhuma
uma centena no plano em marcha. apontando a linha serpenteante que têm familiares aqui. As grandes mo- tem neste momento 216 campos, quase competência para tomar conta do
“O governo identificou cem pontos separa o Afeganistão do Paquistão, vimentações estão a ser das cidades, metade à volta de Peshawar e um quin- povo. E sempre que as ONG estavam
ao longo da fronteira onde podem pas- nesta província, coração das áreas como Kandahar, para as áreas rurais. to sem ninguém. “A grande maioria a conseguir avanços, aconteceram
sar, em cada, 10 mil pessoas, numa tribais. “É um território muito monta- Mas, em caso de ataque americano o está ali há mais de 20 anos”, explica erros terríveis, como a destruição
emergência”, avançou ao PÚBLICO nhoso, dominado pelas tribos, o gover- afluxo deverá ser enorme.” Sherpai, “o governo chama-lhes mes- dos Budas de Bamyian, ou a prisão
Sherpai. “A preparação é para receber no não o controla completamente. Há mo aldeias, são praticamente auto- dos auxiliares humanitários.”
um milhão de refugiados, a distribuir sempre movimento de gente a entrar Como Angola suficientes, têm assistência médica, Depois de ter reduzido pessoal nos
por cem novos campos. Estamos a tra- e a sair, fora dos postos fronteiriços. Segundo as autoridades paquistane- agricultura própria, escolas, e são con- últimos dias, este comissariado espera
balhar com eles [governo] nisto, e eles Até agora, os nossos monitores no ter- sas, os novos campos deverão ser ins- duzidas por um responsável do comis- agora a chegada de vários conhecedo-
estão muito empenhados”. reno não têm visto grandes massas de talados apenas nas Áreas Tribais de sariado governamental.” res do terreno para a já denominada
Desdobrando um enorme mapa da refugiados, não mais do que dois mil, Administração Federal (FATA). Na Apesar de o pessoal local da ONU ter Operação Afeganistão. I
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PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 24 SET 2001
G U E R R A A O T E R R O R I S M O MUNDO ISLÂMICO

Estados árabes Sharon vetou, pela segunda


do Golfo reticentes
no apoio aos vez, cimeira Peres-Arafat NATALIE BEHRING/REUTERS

Estados Unidos PRESSÕES DA DIREITA


ULTRANACIONALISTA
Conselho de Saudita tem resistido ao pe- O ministro dos
Cooperação do Golfo dido dos Estados Unidos pa-
ra usar um novo centro de Negócios Estrangeiros
e Liga Árabe colocam comando onde estão esta- de Israel voltou
reservas à colaboração cionados seis mil militares a ameaçar com
na luta antiterrorista. e 40 aviões americanos, de
a demissão,
vigia à zona de exclusão aé-
Ataque ao Afeganistão rea no Sul do Iraque. “Riad mas reconsiderou
é ‘inaceitável’ [capital da Arábia Saudita] depois de pedidos dos
prefere cooperar com os Es-
SÍLVIA PEREIRA tados Unidos no domínio da
colegas no Governo
segurança, nomeadamente
As monarquias do Conse- através da troca de informa- MARGARIDA SANTOS LOPES
lho de Cooperação do Golfo ções sobre as pessoas que e NUNO SÁ LOURENÇO
(CCG) exigiram ontem aos suspeitas de estarem liga-
Estados Unidos a definição das à organização al-Qaeda, O chefe da diplomacia de Is-
clara dos objectivos da alian- de Osama bin Laden, ou de rael, Shimon Peres, amea-
ça antiterrorista como con- financiarem grupos extre- çou novamente demitir-se do
dição para a sua adesão. mistas”, disse um diploma- Executivo de unidade nacio-
Uma das grandes reservas ta do CCG. nal Labour-Likud, depois de
prende-se com a participa- O comunicado condena o primeiro-ministro, Ariel
ção numa campanha antiter- ainda qualquer tentativa de Sharon, ter cancelado ontem, Perante mais um cancelamento do seu encontro com Arafat, Peres ameaça bater com a porta
rorista conduzida sem um relacionar o Islão com os pela segunda vez, um encon-
mandato da ONU. atentados e apela à comuni- tro com o presidente da Au- marcada para o dia 13 (oitavo que Sharon fizesse dele “a impôs ainda outra condição:
Os países do CCG — Ará- dade internacional no sen- toridade Palestiniana, Yasser aniversário dos Acordos de anedota” do país. que as forças palestinianas de-
bia Saudita, Emirados Ára- tido de travar os “actos de Arafat. Oslo) e foi adiada depois dos Terão sido ministros do La- tenham Hatem Abayad, acti-
bes Unidos, Kuwait, Bahrein, terror” praticados pelo go- Fui um duro golpe para ataques terroristas nos EUA. bour, e também Eli Yishai, vista da Fatah (o movimento
Omã e Qatar — estão dis- verno israelita contra os pa- os esforços diplomáticos dos A visita está agora marcada o líder do partido ultra-orto- de Arafat), sob a acusação de
postos “a participar numa lestinianos. Aliás, o encontro Estados Unidos e União Eu- para amanhã e, a concretizar- doxo sefardita Shas, a nego- ter assassinado uma residen-
aliança sustentada pela co- dos ministros surge no se- ropeia, numa altura em que se, terá um simbolismo histó- ciar um compromisso entre te de um colonato judaico na
munidade in- guimento dos a Administração Bush pro- rico: vai selar a reconciliação os chefes do Governo e da di- passada quinta-feira.
ternacional crescentes ape- cura atrair árabes e muçul- entre o líder da OLP e o Go- plomacia. Ambos aceitaram Analistas regionais consi-
para combater los dos Estados manos para a sua ampla co- verno de Damasco, agora go- reunir-se hoje para impedir deram, porém, que a prin-
o terrorismo
Para os países árabes do Golfo ligação contra o terrorismo. vernado por Bashar al-Assad, uma deterioração dos fortes cipal razão para o veto de
mundial e san- do Golfo, para a criação O secretário de Estado norte- filho-herdeiro do seu defunto laços pessoais que há muito Sharon ao reencontro dos ar-
cionar os seus um ataque ao de uma alian- americano, Colin Powell, te- rival, Hafez, o homem que di- anos os unem. Apesar de um tífices do processo de Oslo te-
autores, mas Afeganistão ça internacio- rá telefonado a Peres e Sha- zia: “A Palestina é demasiado ser considerado um “falcão” e ve mais a ver com pressões
sem prejudicar nal para pôr ron para não desperdiçarem preciosa para ser deixada a o outro uma “pomba”, a ver- da direita ultranacionalista,
a imagem dos muçulmano fim aos ataques “a oportunidade de paz”; e Arafat”. dade é que só podem man- cujos representantes também
árabes e dos “é inaceitável”: israelitas. Javier Solana, o responsável Ontem, em Telavive, na tra- ter-se no poder se estiverem ameaçaram abandonar o Go-
muçulmanos”, “Isso seria A Liga Ára- pela política externa de Bru- dicional reunião dos domin- juntos: Sharon precisa da le- verno, promovendo manifes-
declarou Moha- be afirmou on- xelas, alertou que a decisão gos do conselho de ministros, gitimidade internacional que tações de rua em que com-
med Ben Mou-
terrorismo tem em Amã Sharon complica, em vez de Sharon anunciou que só au- Peres lhe dá, e Peres necessita param Arafat a Osama bin
barak al-Kha- americano que um eventu- facilitar, a procura de uma torizava o reatamento do diá- de Sharon para manter viva a Laden.
lifa, ministro contra pessoas al ataque nor- solução. logo com Arafat se este cum- sua longa carreira política. Arafat optou por não fazer
dos Negócios te-americano Segundo analistas citados prisse um “cessar-fogo total Para Sharon, foi a conti- comentários, mas o chefe dos
Estrangeiros
pobres contra um pa- pela BBC, o Partido Traba- de 48 horas”. Peres, que não nuação de ataques armados Serviço de Segurança Preven-
do Bahrein — e inocentes” ís árabe, na lhista, de Peres, deverá reu- acredita numa “calma abso- nos territórios ocupados da tiva na Cisjordânia, coronel
país que presi- sequência dos nir-se hoje no sentido de luta” e tem procurado evitar Cisjordânia e Faixa de Gaza, Jibril Rajub, não poupou crí-
de ao CCG — ataques de 11 clarificar a sua posição na co- uma escalada na violência apesar das tréguas unilaterais ticas a Sharon: “Deixa a des-
numa reunião extraordiná- de Setembro, seria conside- ligação governamental. Ara- qua dura há um ano, terá afir- decretadas por Arafat, que o coberto o verdadeiro rosto de
ria dos chefes da diplomacia, rado inaceitável por todos fat, por seu turno, aguarda mado aos seus colegas que es- fez cancelar o encontro deseja- Israel, governado por um gru-
em Jeddah. os Estados Árabes. “Há dife- desenvolvimentos para saber tava disposto a abandonar a do por Peres. Além do fim das po terrorista responsável pelo
A reunião foi convocada rentes formas de lutar con- se há-de ou não cancelar uma pasta dos Negócios Estran- hostilidades durante 48 horas, derramamento de sangue de
para responder à pressão tra o terrorismo e deverão viagem à Síria, que estava geiros. Não admitia, frisou, o primeiro-ministro israelita dois povos.” I
de Washington para o apoio ser discutidas com os países
da operação que se desenha árabes. Claramente, nós ja-
contra o Afeganistão, onde mais admitiremos um ata-
se refugia Osama bin La- que contra um país árabe,
den, principal suspeito do quaisquer que sejam as cir-
Israel exige extradição de líder da ‘Tanzin’
ataque à América de 11 de cunstâncias”, afirmou Amr
Setembro. Moussa, secretário-geral da Um tribunal de Jerusalém continuará enquanto a ocu- ti tem afirmado que os ata-
Num comunicado emitido Liga Árabe. Moussa reafir- emitiu ontem um mandado pação [israelita] continuar”. ques contra colonos e milita-
após a sessão extraordinária mou também a total oposi- de captura e o Ministério da O pedido de extradição não res são legítimos, no âmbito
do CCG, os Estados árabes ção da Liga Árabe quanto à Justiça israelita enviou à Au- deverá ser aceite pela Auto- da luta dos palestinianos
do Golfo Pérsico garantiram participação de Israel na co- toridade Palestiniana o pedi- ridade Palestiniana, até por- contra mais de três décadas
“apoio e total cooperação”, ligação dos EUA. do formal de extradição de que, dizem analistas em Je- de ocupação iniciada com
embora sem especificar co- A Casa Branca anunciou Marwan Barghouti, líder da rusalém, mais do que um a guerra israelo-árabe de
mo se fará essa participa- já que uma delegação mili- Fatah (facção de Yasser Ara- aspirante ao lugar de Ara- 1967.
ção. “O que é preocupante é tar norte-americana vai ex- fat na OLP) na Cisjordânia e fat, Barghouti é usado por es- Já na primeira fase da re-
como os governos [do Golfo] plicar em Islamabad, capital um dos principais activistas te para dizer e fazer o que volta (1987-1994), ele foi uma
vão lidar por um lado com paquistanesa, as diferentes da sublevação nos territórios o chefe da OLP não pode. A das figuras mais destacadas
as exigências americanas e, opções militares que o Pen- ocupados. extradição de presumíveis da resistência. Estudante na
por outro, com o que as pes- tágono está a considerar pa- Barghouti, considerado o criminosos está prevista nos Universidade de Bir Zeit, te-
soas do Golfo sentem”, disse ra atacar o Afeganistão. chefe da “Tanzin” (Organi- Acordos de Oslo de 1993. O ve de interromper os estudos
um diplomata presente na A conselheira para a Segu- zação, em árabe), uma das mandado de captura indicia para viver na clandestinida-
reunião. Porque um ataque rança Nacional do Presiden- milícias da Fatah, é acusado Barghouti como suspeito de de. Chegou a ser deportado
ao Afeganistão muçulmano te, George W. Bush, Condo- por Israel de estar directa- “cumplicidade na tentativa pelo então chefe do Exército
“é inaceitável”. “Isso seria leezza Rice, afirmou ontem mente envolvido numa série Marwan Barghouti de homicídio, posse ilegal de israelita e depois primeiro-
terrorismo americano con- que os Estados Unidos estão de atentados e assassínios, arma, treino militar ilegal ministro, Ehud Barak. No
tra pessoas pobres e inocen- numa situação de legítima incluindo o de um monge acusações: “Não tenho nada e participação em organiza- “checkpoint”, prometeu ao
tes”, afirmou. defesa e têm o direito de agir grego, no passado mês de a ver com a ala militar. O ções ilegais”. soldado que o expulsou e jul-
De acordo com o “Wa- militarmente sem um man- Junho. meu papel na Intifada é me- Na Intifada renascida em gava não o mais ver: “Hei-de
shington Post”, a Arábia dato da ONU. I O palestiniano refutou as ramente político, e a Intifada Setembro de 2000, Barghou- voltar!” I M.S.L./N.S.L.
D E S TA Q U E 7
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 24 SET 2001

NA TELEVISÃO, O MUNDO É SIMPLES DE MAIS ALI HASHISHO/REUTERS

As imagens de palestinianos a celebrar a morte alcançar o seu destino, como o


de milhares de civis inocentes existiram. testemunham os enormes bu-
racos no “capot” causados pe-
Mas não são minimamente representativas los tiros. Aqui ninguém aclama
dos sentimentos da maioria dos árabes. os seus heróis. O acompanhan-
Por Karim el-Gawhary, no Cairo te do condutor, que ao contrá-
rio deste último conseguiu so-
As imagens televisivas trans- gria e os cartazes de Bin Laden breviver, não é questionado
mitem na maior parte das ve- existiram. sobre os seus sentimentos em
zes mensagens simplórias. As Apenas nos é permitido fa- frente à câmara, mesmo tendo
imagens de manifestação de zer duas observações. A pri- ele alguns que certamente es-
alegria de alguns palestinianos meira é quantitativa. As ima- tarão em conformidade com os
depois do horrível atentado em gens eram autênticas, mas valores ocidentais.
Nova Iorque e Washington não serão justas? Qual a represen- Uma outra mensagem sim-
foram, nesse sentido, nenhuma tatividade de algumas dezenas ples é igualmente transmitida:
excepção. O mundo está cho- de palestinianos face à sua pró- a de impotência face aos pode-
cado, enquanto os árabes fes- pria sociedade (a dos árabes ou rosos. Uma impotência que le-
tejam nas ruas, as mulheres mesmo a dos muçulmanos)? va a curto-circuitos. Quando,
soltam exclamações de júbilo Todos os governos árabes, a milhares de quilómetros de
e as crianças distribuem gu- com excepção do regime de distância, um arranha-céus se
loseimas. Depois de Saddam Hussein, se desmorona, há alguém que ma-
a comunidade in-
Comentário demarcaram de um nifesta a sua alegria maliciosa.
ternacional se ter fôlego dos atenta- Imagens que novamente a mi-
horrorizado com os dos, enquanto que a lhares de quilómetros de distân-
atentados em Nova Iorque e maior parte dos árabes ainda se iam desenrolando perante mas também imaturidade po- Acontece que as imagens te- cia irradiam maliciosamente
Washington, segue-se o repú- estava estupefacta com o que os seus olhos. lítica. O que é que se pode espe- levisivas também produzem o nos écrãs. Os mais radicais irão
dio face àquela parte da huma- via nos écrãs da televisão à A segunda observação é rar de pessoas cuja experiência seu efeito cá deste lado. Os te- falar nos “talk shows” dos valo-
nidade que, pelos vistos, não sua frente e tentava desespe- mais complicada do que o sim- diária é marcada por aquelas lespectadores árabes puderam res que se terão que defender no
partilha dos mesmos valores. radamente compreender algo plismo que as imagens das ma- coisas que a — nos últimos dias ver, por exemplo, como os no- mundo, contra as forças do
Não se conseguem apagar que se ia desenrolando “live” nifestações de alegria dos pa- tão elogiada — civilização oci- va-iorquinos aclamam os con- mal. O mal vem desse lugar on-
da memória essas imagens, perante os seus olhos e que lestinianos transmitia. É uma dental mostra do lado mais ne- dutores das ambulâncias e os de agora se festeja. Ora como
nem o facto de alguns dias de- era completamente surrealis- questão que nos últimos dias gro. Os poucos que festejaram, bombeiros que arriscam a vi- a televisão vive de pequenos
pois um grupo de manifestan- ta. Convém dizer que as esta- foi posta com pouca frequên- fizeram-no justamente naque- da, e veneram os novos heróis. “soundbites”, logo o dirigente
tes em Gaza ter empunhado ções de televisão árabes esta- cia: a questão do porquê. Por- las cidades palestinianas que Vêem longas entrevistas com palestiniano Yasser Arafat é
bem alto a imagem do famige- beleceram, logo nas primeiras que é que depois dos atenta- nos últimos tempos têm estado os heróicos salvadores. Cenas comparado a Bin Laden. A
rado Osama bin Laden. Inicia- horas após o atentado, ligação dos nos EUA se espalhou por diariamente debaixo do fogo is- que põem os telespectadores questão do porquê vai mais
tivas como aquelas que foram directa com o canal de televi- entre alguns árabes um certo raelita. Com a ajuda de helicóp- de lágrimas nos olhos. uma vez ficar por responder.
tomadas pelas autoridades pa- são norte-americano CNN, dei- sentimento de justa satisfação, teros de combate apache made Nesse mesmo dia vêem pas- Propostas de solução para
lestinianas, de confiscar o ma- xando passar as imagens sem segundo a divisa: finalmente in the USA, que incendeiam as sar uma ambulância palesti- os conflitos encontram-se, nes-
terial fotográfico do tão esti- comentários, com o som origi- são também atingidos aqueles suas casas com mísseis de ar niana. No domingo o veículo te tipo de reportagens, fora de
mado Bin Laden, para que no nal da CNN em inglês. que são responsáveis pela nos- e terra do tipo AGM 114-D, das tinha tentado chegar aos feri- questão. Deste modo, e desde
final não se tornem os gran- A maior parte dos espec- sa miséria. firmas americanas Boeing e dos que gritavam de dor, depois o início, a televisão pura e sim-
des derrotados na luta pela tadores árabes partilhou do Uma reacção que nos de- Lockheed-Martin. A América de um atentado do exército is- plesmente desligou o botão do
opinião pública, não levam a choque mundial sobre os monstra ao mesmo tempo uma está muito longe mas constan- raelita à cidade palestiniana mais importante meio para
nada. As manifestações de ale- acontecimentos trágicos que certa incerteza, impotência temente presente. de Ramallah. Nunca chegou a combater o terrorismo. I

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8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 24 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO MUNDO ISLÂMICO

“Os habitantes da I lama”, que quer dizer “submeter-se”.


Parte II os sitiados rendem-se. Muitos são mor-
Terra dividem-se ao Ithna-Ashariyah ou os “Duodecima- O particípio activo deste verbo, “mus- tos e outros vêem os seus bens confisca-
nes” é o maior e mais ortodoxo dos gru- lim”, designando aquele que se submete dos. As tribos judaicas constituíam, para
meio — os que têm um

O Islão de A a Z
pos xiitas (ver letra X), ao qual pertence e obedece, conduziu ao termo português Maomé, um “inimigo interno”.
cérebro, mas nenhuma para cima de 90 por cento da população “muçulmano”.
religião, e os que têm do Irão e metade da do Iraque. Também O
uma religião, mas predomina na antiga república sovié- L Omar Khayyâm (439-1048) nasceu em
tica do Azerbaijão e tem minorias nas Lots, Salomão e Job são alguns dos pro- Nishapur, no Irão. Foi astrónomo, ma-
nenhum cérebro” monarquias árabes do Golfo Pérsico. fetas que o Corão cita. O Livro Sagrado temático, físico e discípulo do seu com-
Este grupo acredita que os descenden- dos muçulmanos ignora Oseías, Eze- patriota Avicena ou Ibn Sina, médico
ABDUL-ALA AL-MAARI tes directos do profeta Maomé — a sua quiel, Isaías e Jeremias, mas faz referên- e filósofo, cuja obra, influenciada por
Poeta e um dos maiores vultos da filha Fátima e o seu genro Ali — são os cia a Jesus e São João Baptista. A gran- Aristóteles e Platão, constituiu uma re-
literatura árabe, escreveu estas legítimos governantes do mundo islâ- de novidade é que Abraão e Ismael são ferência que chegou até à Europa. Foi
linhas antes de morrer em 1057, mico, porque estão “limpos de pecado considerados “patriarcas dos árabes”. no entanto como poeta, possivelmente
quando os cruzados cristãos e do erro” e têm a mesma autoridade um sufita (místico islâmico) que Omar
devastaram a sua cidade de do Mensageiro de Alá. Os “Duodecima- M Khayyâm alcançou a sua maior fama.
Maara, na Síria nes” devem o seu nome a Muhammad Maomé ibn (filho de) Abdallah nasceu Sobretudo no Ocidente, graças às suas
ibn al-Askari, o décimo segundo “imã” na cidade de Meca, na Arábia, por volta quadras (“Robâiyât”), desconhecidas
(guia espiritual) desde Ali. Após a mor- de 570 d.C. Não se conhece o ano exacto durante quase cinco séculos. Nos seus
te do seu pai, Hasan, em 873, al-Askari do seu nascimento e muitos pormenores versos abundam as referências ao vinho,
tornou-se “imã” aos quatro anos, mas da sua infância continuam obscuros. mas os exegetas tendem a explicar isso
desapareceu misteriosamente da sua Alguns historiadores dizem que o seu como “um símbolo” que representa a
casa em Samara, actual Iraque, e nunca pai morreu antes de ele nascer, outros êxtase religiosa, a procura de uma união
foi encontrado. Como não tinha irmãos, que morreu tinha Maomé dois meses de com Deus.
a sua dinastia extinguiu-se. Os xiitas vida. Até aos seis anos, ficou com a mãe
recusam-se, porém, a acreditar que ele e depois desta falecer foi entregue aos P
tenha morrido e confiam que regressa- cuidados do avô, Abdel Muttalib, e mais Pahlavi foi a útlima dinastia da Pérsia
rá como “al-Mahdi” ou “O Escolhido” tarde à tutela do tio Abu Talib, chefe do antes de o país se transformar em Repú-
que, segundo o Corão, voltará pouco clã Hashim. Ser órfão na Meca do sécu- blica Islâmica do Irão. Substituiu a dos
depois do fim do mundo. lo VII era um terrível defeito, mesmo Qajar quando um sargento analfabeto
para os homens mais talentosos. Pro- chamado Reza Khan (ou Mestre Reza) se
J vavelmente por ser pobre, Maomé fi- tornou um temível chefe militar, pôs fim
Jihad “deriva da raiz trilítera J-H-D cou solteiro até aos 25 anos. A sua pri- ao caos no país, se fez nomear sucessi-
(de onde provém também a palavra mu- meira mulher — e primeira crente — vamente ministro da guerra, primeiro-
JaHiDin) que indica acções relativas foi a sua prima Kadhija bin Khuwaylid, ministro e finalmente xá (rei). Foi em
a esforço”, explicou ao PÚBLICO Fer- uma próspera viúva de 40 anos. Este ca- 1926 que ele adoptou o apelido “Pahlavi”
nando Branco Correia, do Gabinete de samento, por volta de 595 d.C., teve gran- e se sentou no Trono do Pavão. Ao seu
Estudos Árabes do Departamento de de importância porque Khadija abriu lado, no dia da coroação, estava Shapour
História da Universidade de Évora. Pode a Maomé as portas da vida comercial Mohammed Reza, o primeiro princípe
significar “esforçar-se por”, “batallhar”, de Meca e os seus negócios floresceram herdeiro da dinastia Pahlavi e também
“aplicar-se”, mas também “ir ao limite permitindo-lhe tempo livre para a me- o seu último imperador (foi derrubado
do possível, não excluindo, porém, a pos- ditação. Foi num desses momentos de em 1979 pelo ayatollah Khomeini).
sibilidade de haver luta. A identificação, isolamento que Alá (Deus, em árabe) se
automática e simplista, do termo com teria revelado por intermédio do arcanjo Q
“guerra santa”, acrescenta Branco Cor- Gabriel (Djibril). Foi então que ele se Qutb (Sayyid), o egípcio que aos 10 anos
reia, “é redutora na medida em que se assumiu como “mensageiro” divino, de idade declamava sem ler todos os ver-
dá, como única, a interpretação mais escolhido para convidar outros a aban- sículos do Corão, tornou-se o ideólogo
radical desse conceito”. donar o mal antes do Juízo Final. da Sociedade dos Irmãos Muçulmanos
logo após a morte, em 1949, de Hasan al-
K N Banna, o fundador desta organização.
Karim (O Generoso) é um dos 99 nomes Nadhir era o nome de uma das duas tri- Qutb foi enforcado pelo Presidente Nas-
árabes de Deus. Alá é o mais conhecido, bos judaicas (a outra era a dos Qorayza) ser em 1966, mas continua a ser uma
mas há outros, que os pais muçulmanos de Medina que declararam abertamente das principais fontes de inspiração de
dão aos filhos, como Hakim (O Sábio) ou a sua hostilidade ao profeta do Islão. Ma- grupos integristas (sejam argelinos ou
Aziz (O Poderoso). Com o Islão assiste-se omé declarou-lhes guerra e, a partir do paquistaneses) que procuram destruir
à transformação da escrita numa arte mês de Fevereiro de 624, exortou os seus as sociedades ímpias ou pagãs (“jahi-
suprema: a caligrafia. A partir daqui, discípulos a rezar, já não em direcção liyya”). Entre 1951 e o ano da sua exe-
as letras do alfabeto árabe citariam as a Jerusalém mas sim na de Meca. Em cução, o homem que mais tarde se tor-
palavras sagradas do Corão e reprodu- Agosto ou Setembro de 625, ele ordena nou líder da Irmandade Muçulmana
Texto de ziriam graficamente o nome de Alá e do aos Nadhir que abandonem Medina. Os escreveu oito obras doutrinais, cinco
seu Profeta. A palavra “islam” significa judeus, que eram abastados proprietá- delas na prisão, traduzidas em várias
MARGARIDA SANTOS “submissão” à vontade de Deus. É um rios de terras ou comerciantes, decidem línguas. A mais importante, “Sinais”,
LOPES substantivo tirado do verbo árabe “as- resistir. Os muçulmanos bloqueiam-nos, é um manifesto em que denuncia os im-
perialistas ocidentais, os comunistas
russos e chineses e os muçulmanos lai-
cos. O seu objectivo é “a instauração da
lei corânica, em todos os aspectos da
vida e da política, como solução para os
problemas da humanidade”.

R
Rashid (Harum al-), o quinto califa abás-
sida, é a figura mais representativa do
período da civilização islâmica conheci-
do como o das “Mil e Uma Noites”. Com
capital em Bagdad, esta dinastia trans-
formou a cidade num gigantesco centro
cultural. Um dos filhos de al-Rashid fun-
dou a “Casa da Sabedoria” onde foram
traduzidas, pela primeira vez, para a
língua árabe obras como as de Ptolomeu,
Arquimedes, Aristóteles e Platão. Foi
neste reinado que foram publicados tra-
balhos sobre óptica, música, alquimia,
astrologia e filosofia, Também foram
divulgadas as primeiras descrições clí-
nicas que se conhecem sobre a varíola
e o sarampo. Mas os abássidas nunca
foram militarmente poderosos e um dos
erros que cometeram foi confiar mais
nos turcos do que nos árabes. A partir do
século IX, os califas entraram em declí-
nio e, em 1055, os seljúcidas apoderaram-
se da actual capital do Iraque.

Amanhã
Última parte — De Septimanes
a Zaynab, com bibliografia
FOTO: AAMIR QURESHI/EPA consultada
D E S TA Q U E 9
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 24 SET 2001

M O V I M E N TA Ç Õ E S D I P L O M Á T I C A S

EUA DIZEM QUE HÁ do Afeganistão. O primeiro 11 de Setembro, e a sua orga- em Solo, próximo de Java, e dos Unidos para combater o te, pretende convencer as au-
RISCO EM FICAR de seis aviões deverá desco- nização, al Qaeda, não fazem, exigiram ver a lista de hós- terrorismo internacional. A toridades iranianas a junta-
NO UZBEQUISTÃO lar hoje do Turquemenis- contudo, parte dessa lista. pedes, em busca de qualquer Indonésia é a nação mundial rem-se aos EUA numa “luta
tão, mas aguarda-se ainda De acordo com a CNN, americano ou europeu. com maior número de mu- global contra o terrorismo”.
Os Estados Unidos avisa- a autorização do governo Bush, que esteve este fim-de- “Foram bastante cordiais, çulmanos. No comunicado, que foi en-
ram os seus cidadãos dos desta antiga república sovi- semana na sua residência de disseram que queriam ape- viado aos media pela embai-
potenciais perigos de via- ética. “A situação das crian- férias em Camp David, para nas saber a nacionalidade STRAW QUER IRÃO xada britânica, o governante
jar para ou permanecer no ças no Afeganistão é uma uma videoconferência com dos nossos hóspedes, se havia NA LUTA CONTRA diz que a sua visita ao Irão
Uzbequistão, país que faz das piores do mundo”, su- o Conselho de Segurança Na- americanos ou europeus”, O TERRORISMO “vai ser o começo de um diá-
fronteira com o Norte do blinhou a porta-voz da ONU cional, poderá ter assinado afirmou Dewi Romlah, ge- logo que poderá levar a uma
Afeganistão. Segundo o De- para o Afeganistão, Stepha- ainda ontem a ordem para o rente do Novotel, o maior “A guerra con- cooperação mais próxima en-
partamento de Estado, “o nie Bunker. congelamento dos bens dos hotel de Solo. Romlah disse tra o terroris- tre os dois países”. A carta
ataque de 11 de Setembro Nigel Fisher, represen- terroristas. ainda que os radicais islâmi- mo não é uma salienta ainda o contraste en-
aos Estados Unidos e a tante especial da Unicef pa- cos deixaram panfletos onde guerra contra tre o repúdio manifestado pe-
proximidade do Uzbequis- ra a região, sublinhou que RADICAIS ISLÂMICOS ameaçavam voltar, em caso o Islão”, garan- los iranianos após os aten-
tão com o Afeganistão, que “se não tivermos acesso INDONÉSIOS de um ataque americano ao te o ministro tados de 11 de Setembro e a
continua a proteger o terro- [ao território afegão], esta- AMEAÇAM TURISTAS Afeganistão. dos Negócios alegria do líder iraquiano,
rista internacional Osama remos a enfrentar um gra- AMERICANOS Estas ameaças surgem pou- Estrangeiros Saddam Hussein. Jack Straw
bin Laden, levantou pre- ve problema”. As iminen- cos dias depois de a Presi- britânico, Jack Straw, numa é o mais alto representante
ocupações com a seguran- tes represálias americanas, Membros de grupos islâmi- dente indonésia, Megawati carta enviada ao povo do britânico a visitar o Irão de-
ça de americanos no Uzbe- que se seguem a uma inter- cos radicais indonésios in- Sukarnoputri, ter prometido Irão. Straw, que visita hoje pois da revolução islâmica de
quistão”. “Os americanos minável guerra civil e três vadiram ontem seis hotéis o apoio do seu país aos Esta- aquele país do Médio Orien- 1979. S.P., P.C. E C.M.
que decidirem permanecer anos consecutivos de seca,
ou visitar o Uzbequistão de- levaram centenas de milha-
verão usar da máxima cau- res de afegãos a fugirem das
tela e tomar medidas pru- suas casas. “As nossas esti-
dentes.” mativas apontam para cer-
Outra declaração oficial ca de 900 mil refugiados que
dizia também que uma or- tentam atravessar a fron-
ganização ligada ao gover- teira com o Paquistão. Jul-
no norte-americano (não gamos ainda que possam
identificada), instalada fo- estar 300 mil no Irão e 150
ra da capital do Uzbequis- a 200 mil no Turquemenis-
tão, Tashkent, se prepa- tão”, acrescentou. “A ne-
rava para deixar o país. cessidade mais urgente é
Foram também impostos li- assegurar que a ajuda hu-
mites à circulação do pes- manitária chegue ao pa-
soal da embaixada dos Es- ís”, disse o porta-voz da
tados Unidos em Tashkent. Unicef no Paquistão, Gor-
Na sexta-feira, o Departa- don Weiss.
mento de Estado tinha já
aconselhado os cidadãos BIN LADEN
americanos a cancelarem JÁ ESTAVA NA MIRA
viagens à vizinha Quirguí- DE CLINTON
zia e sugerido a alguns
funcionários da embaixada “Autorizei a
que saíssem do país. captura e, se
necessário,
FÍSICO NUCLEAR a morte de
IRAQUIANO APONTA Osama bin
O DEDO A SADDAM Laden. Che-
gámos a
Segundo contactar
Chidhir Ha- um grupo no
msa, antigo Afeganistão para o fazer”,
responsá- revelou anteontem Bill Clin-
vel pelo pro- ton, ex-Presidente dos Esta-
grama nu- dos Unidos.
clear no Clinton referiu também
Iraque, Sa- o treino de comandos para
ddam Hus- uma operação que não terá
sein é o único no Médio sido concluída por falta de
Oriente que “dispõe das es- informação. Fontes do go-
truturas necessárias” para verno confirmaram que a
organizar um ataque como Administração Clinton deu
o de 11 de Setembro. Refu- à CIA, em 1998, aprovação
giado no Ocidente, o físico para conduzir operações se-
nuclear disse ainda, em en- cretas com Bin Laden como
trevista ao jornal alemão alvo. O milionário saudita
“Bild”, que Saddam Hus- era tido por Washington
sein, por intermédio dos com o autor dos atentados
serviços secretos iraquia- desse ano a duas embaixa-
nos, dispõe de contactos das dos Estados Unidos na
com o milionário saudita África Oriental.
Osama bin Laden, o ho- Clinton sublinhou ainda:
mem a quem Washington “Na altura, fizemos o que po-
atribui a autoria dos aten- díamos fazer.” Considerou
tados. Chidhir Hamsa dis- ainda que uma acção contra
se também que o Iraque é o Bin Laden tem hoje mais hi-
“quartel-general” dos ter- póteses de sucesso, dado o
roristas no Médio Oriente: extenso apoio internacional
“Eles dispõem de campos aos Estados Unidos.
de treino em todo o país, on-
de também podem formar BUSH QUER
pilotos.” E Saddam Hus- CONGELAR BENS
sein “pode já ter uma bom- DE TERRORISTAS
ba atómica”. “Quando saí,
já estávamos muito perto”, O Presidente dos EUA, Ge-
acrescentou. orge W. Bush, pretende con-
gelar os bens de alguns
UNICEF ENVIA AJUDA terroristas e de organiza-
HUMANITÁRIA PARA ções ligadas ao terrorismo,
O AFEGANISTÃO anunciou uma fonte presi-
dencial à CNN. Osama bin
A Unicef quer enviar ajuda Laden, o principal suspeito
humanitária às populações da autoria dos atentados de
10 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 24 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO A INVESTIGAÇÃO

EUA alertam aliados para hipótese


de segunda vaga de atentados KAI PFAFFENBACH/REUTERS

Agência japonesa diz que Ataques com armas biológicas?


Autoridades policiais norte-ameri-
os norte-americanos canas encontraram um manual de
advertiram Tóquio da aviões utilizados para a pulverização
possibilidade de novos de colheitas, durante uma série de
ataques terroristas até rusgas realizadas em esconderijos
terroristas, revela um artigo publica-
ao final desta semana do hoje na revista norte-americana
“Time”. A descoberta veio aumentar
PAULO CORREIA a suspeita de que seguidores de Bin
Laden planearam, ou estão a planear,
Os EUA alertaram os seus aliados espalhar agentes químicos ou bioló-
para a possibilidade de estar a ser gicos a partir de aviões normalmente
planeada uma segunda vaga de aten- utilizados com fins agrícolas.
tados terroristas, envolvendo armas Entre os pertences de um alegado
químicas e biológicas. Segundo fon- terrorista, Zaccarias Moussaoui, es-
tes do Governo japonês citadas pela tavam manuais que explicam como
agência noticiosa Jiji, o Japão foi avi- operar equipamentos que podem
sado pelos EUA que, até ao final desta ser usados para espalhar toxinas
semana, poderão ocorrer novos aten- mortais pela atmosfera. O suspeito,
tados mais graves do que aqueles que, um franco-marroquino de 34 anos,
a 11 de Setembro, vitimaram para já tinha sido detido em Agosto deste
cima de 6000 pessoas em Nova Iorque ano, quando pretendia aprender a
e Washington. controlar um Boeing 747 num simu-
“Os meios utilizados pelos terro- lador de voo de uma escola de avia-
ristas” neste novo “round” de ata- ção do Minnesota. Depois de três
ques poderão vir a ser “mais cruéis e meses de lições numa outra escola,
chocantes” do que aqueles que foram Moussaoui não estava interessado
usados nos atentados do World Trade em aprender os procedimentos de
Center e Pentágono, revelaram fontes descolagem e aterragem, explica-
do Governo japonês. ram os seus instrutores ao jornal
De acordo com informações dos “Washington Post”.
EUA, um grupo com ligações ao mag- A descoberta levou a que, a 16 de
nata saudita Osama Bin Laden está Setembro, todos os aviões pulveriza-
a colocar a hipótese de vir a utilizar dores de colheitas dos EUA ficassem
armas químicas e biológicas, como o em terra. E desde então, os apare-
gás Sarin, em futuros ataques. Aliás, lhos não podem levantar voo nem
segundo as mesmas fontes, esse gru- aterrar no chamado espaço aéreo de
po terrorista já adquiriu pequenos Classe B e nos arredores das grandes
aviões para espalhar as bactérias da cidades.
varíola e do antraz pelo ar. O FBI não dá “grande credibilida-
Apesar de se desconhecerem os al- de” à ideia de que terroristas estavam
vos dos possíveis ataques, a agência a tentar roubar ou alugar aquele tipo
noticiosa Jiji aponta os estados-mem- de aviões para futuros atentados. No
bros da NATO e o Paquistão como os entanto, a agência de investigação
países com maiores probabilidades norte-americana alertou uma asso-
de virem a ser atingidos. ciação de pulverizadores de colheitas
A notícia não foi confirmada pela para compras suspeitas de químicos
embaixada americana em Tóquio. perigosos.
“Não temos mais nenhuma informa- A Associação Nacional de Avia-
ção para além daquela veiculada pelo ção Agrícola dos EUA enviou uma
último alerta internacional do De- mensagem aos seus associados: “Os
partamento de Estado americano”, membros da associação devem estar
assegurou um porta-voz do corpo di- atentos a qualquer actividade suspei-
plomático dos EUA no Japão. Este co- ta relativa ao uso, transporte ou aqui-
municado, divulgado em Maio, aler- sição de químicos perigosos, assim
tava para o perigo de uma “ameaça como ameaças, compras invulgares,
terrorista” de grupos ligados a Bin Os EUA receiam novos ataques terroristas — e, desta vez, com uso de armas biológicas comportamento suspeito de empre-
Laden contra interesses americanos gados ou clientes e contactos fora do
e israelitas no Golfo Pérsico. tado aos EUA. Contudo, o primeiro- ros) aos EUA para ajudar nas opera- ção militar norte-americana e refe- comum com o público. Os membros
O Governo nipónico não afasta a ministro japonês, Junichiro Koizumi, ções de resgate e de apoio às vítimas riu que o Japão poderá contribuir devem informar os escritórios locais
possibilidade de o Japão vir a ser ata- garantiu ontem que o país vai doar 10 dos atentados. Koizumi reafirmou com tropas para serviços médicos e do FBI da ocorrência de quaisquer
cado na sequência do apoio manifes- milhões de dólares (11 milhões de eu- ainda o apoio logístico numa retalia- de transporte. circunstâncias estranhas.” I

Bush foi avisado de um possível ataque terrorista


Relatório de dois documento elaborado pelos antigos dos desafios mais importantes para americana, exposta pelos atentados ricanos de possíveis novos ataques.
senadores Gary Hart e Warren Rud- a segurança dos Estados “, revelava dos dia 11 de Setembro, veio acentuar Para este importante cargo, Bush
ex-senadores alertava em man, citado pela Salon.com. o relatório Hart-Rudman, entretanto ainda mais a crise já existente em ins- nomeou o republicano Tom Ridge,
Janeiro: “Americanos vão No entanto, e ao contrário das ex- desvalorizado por Bush. Depois dos tituições com o CIA e o FBI. Um dos governador da Pensilvânia, que irá
morrer em solo americano” pectativas de Hart e Rudman, o pro- atentados do dia 11 de Setembro, Hart principais problemas apontados para trabalhar de perto com o FBI, CIA,
blema do terrorismo foi remetido, em e Rudman acusaram o Presidente dos esta crise prende-se com o excesso instituições militares e governos lo-
Maio passado, para o vice-presidente Estados Unidos de privilegiar outros de burocracia existente nos serviços cais e regionais.
CARLOS MARTINHO Dick Cheney — claramente sem tem- assuntos, como o seu corte nos im- secretos norte-americanos, que os “[Tom Ridge] irá chefiar e coorde-
po na sua agenda para dedicar a aten- postos, em detrimento da segurança impedem dar uma resposta rápida nar uma estratégia nacional para pro-
Um relatório elaborado pela Comis- ção que o assunto merecia —, que iria dos país. aos problemas. teger o país contra o terrorismo, bem
são da Segurança Nacional norte- colaborar com a Agência Federal de “Depois de termos gasto nos últi- Outro problema é a fraca coorde- como responder contra alguns ata-
americana, analisado em Janeiro des- Controlo de Emergências (FEMA), mos dois anos milhões de dólares a nação entre o FBI, a CIA e as outras ques que poderão acontecer”, disse
te ano pelo Presidente, George W. liderada pelo antigo chefe de campa- reunirmo-nos com especialistas em agências de espionagem norte-ame- Bush no Congresso. “A tarefa é enor-
Bush, alertou a Casa Branca para um nha de Bush, Joe Allbaugh. terrorismo, a visitar mais de 25 paí- ricanas. Foi a pensar neste problema me. A nação está perante uma enor-
possível ataque terrorista nos Esta- “As possibilidades de um ataque ses em todo o mundo, Bush resolveu que, apenas nove dias após os aten- me ameaça, nunca antes enfrentada.
dos Unidos. “Americanos vão morrer terrorista de grandes dimensões nos actuar como se a comissão nunca ti- tados a Nova Iorque e Washington, Vamos pedir muito dos cidadãos mas
em solo americano, possivelmente Estados Unidos cresce a cada mo- vesse existido”, desabafou Gary Hart Bush anunciou a criação de um ga- tenho a certeza que eles estarão à al-
em grandes números, devido a um mento. Acreditamos que, no próximo há poucos dias. binete especial para a “defesa da pá- tura de responder”, conclui o Presi-
atentado terrorista”, pode-se ler no quarto de século, este perigo será um A fragilidade da segurança norte- tria”, no sentido de proteger os ame- dente dos Estados Unidos. I
D E S T A Q U E 11
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 24 SET 2001

FBI pressiona suspeitos PROCURA-SE: OSAMA BIN LADEN


RECOMPENSA: 6,2 MILHÕES
em todo o mundo
CHRIS HELGREN/REUTERS
DE EUROS
Detenções em Inglaterra, pe- Os Estados Unidos aumenta- para motivar qualquer um
didos de extradição feitos pelo ram a recompensa pela captu- no Afeganistão para nos for-
FBI a países árabes e ligações ra ou fornecimento de infor- necer informações”, disse o
de suspeitos de terrorismo à mações que levem à detenção secretário de Estado norte-
Polónia e Alemanha. Estes de Bin Laden. O prémio, que americano, Colin Powell. O
são os desenvolvimentos de até agora se cifrava em cinco dinheiro da recompensa é re-
ontem da investigação da po- milhões de dólares, passou tirado de um fundo de 5,1 mil
lícia federal americana, em agora para 25 milhões (cerca milhões de dólares (1,1 mil
todo o mundo, à procura de de 5,6 milhões de contos — 6,2 milhões de contos) disponibi-
mais responsáveis pelos aten- milhões de euros). “Vinte e lizado na sexta-feira pela Casa
tados do dia 11. cinco milhões de dólares re- Branca para fazer face a todas
A polícia inglesa obteve au- presentam uma boa soma e as emergências resultantes
torização de um tribunal para penso que será suficiente dos atentados do dia 11. I
manter sob custódia, até quar-
ta-feira, dois homens e uma
mulher que haviam sido deti-
dos na sexta-feira, em Londres
e Birmingham, por suspeita de
integrarem grupos terroristas
eventualmente relacionados
com a ataque, no passado dia
11, a Nova Iorque e Washing-
ton, nos Estados Unidos.
Os três suspeitos, de 25, 27 e
40 anos, vão continuar a pres- Em Londres, 1500 homens vigiam potenciais alvos do terrorismo
tar depoimentos às autorida-
des, que têm recusado comen- permitido identificar os três mens distribuídos pelos locais Ontem foi ainda divulgado
tar notícias da imprensa local, suspeitos como autores de di- susceptíveis de poderem ser que o FBI terá pedido a nove
as quais apontam um dos deti- versas ligações telefónicas, de visados pelos terroristas. países árabes e islâmicos que
dos, de origem argelina, como Inglaterra para os Estados Uni- Na Polónia, um jornal anun- procedam à extradição, para
sendo piloto de aviões formado dos, no dia do atentado. ciou ontem que um dos suspei- os Estados Unidos, de diversos
nos Estados Unidos. A mulher, Desde o dia 11 que o policia- tos de terrorismo que se encon- terroristas. Os países em cau-
por sua vez, também terá tra- mento em Inglaterra, e sobre- tra preso nos Estados Unidos é sa são a Síria, o Líbano, o Egip-
balhado numa companhia de tudo em Londres, tem sido re- casado com uma polaca. O ca- to, a Arábia Saudita, o Iémen,
aviação. forçado. Segundo o comissário sal, segundo o mesmo órgão de os Emirados Árabes Unidos, o
Entretanto, ainda segundo John Stevens, as forças de se- comunicação, teria casa na Ale- Irão, o Afeganistão e a Malásia.
o jornal “Sunday Mirror”, a gurança da capital encontram- manha e seria um elo impor- A lista dos supostos terroristas
troca de informações entre a se em alerta máximo, com um tante da organização de Bin La- comporta mais de uma centena
polícia inglesa e o FBI terá contingente de mais de 1500 ho- den na Europa. de nomes. I
1 2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 24 SET 2001
G U E R R A A O T E R R O R I S M O OS EUA DEPOIS DO CHOQUE

Fuga a pé,
O HOMEM QUE NASCEU OUTRA VEZ por escadas,
Regressou ao trabalho no seu banco. Mas ainda não consegue dormir. Nem se vê a subir para lá do sexto andar
de um arranha-céus. Sempre que ouve um avião, só desvia os olhos quando ele desaparece. A lenta recuperação ruas e pontes
de Joe Salgado, o homem que desceu 46 andares, andou de gatas numa nuvem de poeira, caminhou mais
de 20 quilómetros em fuga e agora não consegue sair de casa sem dar “dois ou três beijos à mulher, A jornada de trabalho de Joe Salga-
do iniciara-se, como habitualmente,
dois ou três abraços aos filhos”. Do nosso enviado Adelino Gomes, em Nova Iorque pelas 8h30, com uma reunião para
SHANNON STAPLETON/REUTERS definir a agenda do dia da equipa em
Duzentas pessoas irromperam em que se integra, enquanto corretor do
aplausos quando ele apareceu em First Union Bank. Um quarto de hora
Glen Rock com a equipa dos infantis depois, sente a torre mexer, “como
do Lar dos Leões, filial 17 do Spor- se alguém a estivesse a virar”. Atóni-
ting Clube de Portugal, de que é vice- tos, ele e os quatro companheiros não
presidente e treinador em Newark. tardam a ver passar pelas janelas do
Os seus jogadores, entre os quais se 47º andar da torre 1 do World Trade
encontram dois dos três filhos, não Center, onde funciona a delegação,
conseguirão mais do que um empa- bancos, pessoas, pedaços de avião. “Al-
te, no primeiro jogo do campeonato, guma avioneta que chocou”, dizem
este sábado, mas a recepção que os uns para os outros, ainda longe da
apoiantes da equipa adversária lhe dimensão da tragédia.
fizeram nunca mais a vai esquecer. Na Porth Authority, responsável pe-
“Coisa assim só aos Presidentes dos la gestão da torre e para onde telefo-
Estados Unidos”. As pessoas, acima nam de imediato, ninguém percebe
dos resultados, são o que conta mais o que se passa. Acha estranho que os
para ele agora. E por isso, na palestra altifalantes de emergência se mante-
que faz sempre aos miúdos antes do nham calados, ao contrário do que
jogo, não lhes falou desta vez de tác- acontece durante os exercícios de sal-
ticas apenas. “Vocês têm que obrigar vamento em que ele e os outros 43 em-
os vossos pais a apoiar-vos. Não só pregados do banco participam com-
um dia, todo os dias.” pulsivamente a intervalos regulares.
Joe Salgado, 39 anos, bancário, é o Sai para o corredor, onde há um
típico cidadão norte-americano, fruto cheiro intenso a gasolina e começam
de uma mistura étnica e cultural cujas a infiltrar-se as primeiras baforadas
raízes mergulham longe na história de fumo. Porque o calor aumenta e o
e na geografia. Mãe de Melgaço, pai fumo dificulta a respiração, decidem
da Galiza, nasceu do lado espanhol da dividir-se em dois grupos e iniciar a
fronteira, veio para os EUA aos qua- descida pelas escadas.
tro meses, e casou com uma espanho- Quando o segundo avião se esma-
la da Corunha. A sua nacionalidade é ga contra a torre 2, vai Joe no 21º an-
a do país de acolhimento, mas sente-se dar, num rio de gente que engrossa
ao mesmo tempo também espanhol, a cada momento mas que respeita o
português, “e, às vezes, brasileiro”. lado esquerdo pedido pelos bombeiros
A ida com a equipa a Glen Rock re- (“Passavam por nós, carregados de
presentou mais um passo na lenta re- material, os rostos alagados em suor,
cuperação do trauma do World Trade nós a descermos para nos salvarmos,
Center, onde viveu há duas semanas eles a subirem para a morte”) e pelo
uma experiência limite que lhe pou- pessoal das equipas de resgate.
pou a vida mas lhe está a transformar Há gente que pára, sem fôlego, Joe
o modo como encara a existência e o e um colega rasgam uma t-shirt, mo-
relacionamento com os outros. lham-na na água que salta das bocas
Na primeira semana, fechou-se no de incêndio e inunda os andares, fa-
quarto, incapaz de retirar os olhos do zendo-os escorregar, a um grito de al-
televisor, onde passavam, em emissões guém a multidão afasta-se a abranda
contínuas, as imagens dos atentados. a fuga para deixar passar um cego
Terça-feira, 19, oito dias após a tra- que ouviu a notícia no 78º andar, onde
gédia, aceitou o convite do banco e to- vivia, e a quem o cão guia, sem paran-
mou um autocarro para Filadélfia. É ça até ao rés-do-chão. Uma rapariga do
aqui, a duas horas e meia de distância, escritório fica para trás, Joe e o com-
que ele e os seus colegas passaram panheiro ainda conseguem colocar
a trabalhar provisoriamente. Nem uma senhora numa cadeira de rodas
todos compareceram. Quatro conti- e levá-la até às equipas de salvação.
nuam “desaparecidos” (um eufemis- Sai da torre com a água quase pela
mo a que ninguém parece disposto barriga da perna, corre por entre pe-
a renunciar, mesmo quando se sabe daços de avião, carros esmagados, o
que se está a falar de mortos), cinco braço de um homem nas mãos de um
encontram-se feridos, e uma dezena polícia que o tentara puxar de debaixo
sofrem um processo mais demorado de uma viatura, e o colega do banco
de recuperação psicológica. a chorar, aos gritos: “Por que é que
O trauma, contudo, não poupa ne- fazem prédios tão grandes?”
nhum deles. No próprio momento da Não passaram ainda dois minutos e
partida, quando o motorista rodou ouve um clamor imenso de gente que
a chave de ignição do autocarro e se foge em pânico diante de uma bola de
ouviu o primeiro ronco do motor, to- Joe Salgado é um dos trabalhadores que conseguiram fugir do World Trade Center fumo que rola como onda gigantesca
das pessoas do grupo com quem con- na sua direcção, o envolve e o deita
versava deram um salto instintivo de ao chão. Gatinha ainda, na escuri-
medo no passeio. “Ficámos para ali a tar a trabalhar para lá do quinto ou atentados. “São malucos, não tem na- ria, desesperado, escadas abaixo, pa- dão total. Quando o fumo se dissipa
olhar uns para os outros, you know”. sexto andar de um prédio. Por causa da a ver com religião. Islão quer dizer ra salvar a vida — a dos bombeiros, um pouco mais, uns cinco minutos
O reencontro permitiu-lhes com- da altura, mas sobretudo por causa paz. Tenho dois colegas muçulmanos, rostos molhados do suor e da água, depois, não sabe onde está. Segue a
parar problemas. “Oiço um avião, po- do falhanço da segurança. “Lá no e eles estão totalmente contra o que o a subir ofegantes, com o material às pessoa que vai à frente, atinge a ponte
nho-me a olhar para ele e tenho que banco já começámos a discutir sobre Bin Laden está a fazer.” costas, as escadas que os haveriam de de Brooklyn, donde avista o desmoro-
o ver passar. Sei que eles a descer e a as próximas instalações, mas a pri- Percebeu já que “nada vai ser igual conduzir à morte. Assalta-o também namento de mais uma torre ao lado de
subir são iguaizinhos ao que eram há meira coisa que as pessoas exigem nunca mais” na sua vida. O sentido com insistência a visão apocalíptica um engenheiro que conseguiu fugir
duas semanas, mas por mim acho que conhecer é as saídas.” da existência e os pequenos gestos do momento em que a torre implodiu do andar 79 e já tinha vivido a experi-
andam mais baixo agora. Falei disto Ontem, domingo, foi à missa das do quotidiano adquirem outro sig- e uma onda de pó o fez vergar e cair. ência dos atentados de 1993.
a um colega. Disse-me que se passava oito da manhã. Duas horas depois, nificado. “Uns foram escolhidos pa- “Uma pessoa pensa se verá alguma Cobertos de pó empapado em suor,
o mesmo com ele.” participava, como convidado, numa ra morrer, outros para viver. Os que vez mais a família, e pergunta: ‘Por os dois homens erram a pé por ruas
À semelhança de um corretor — outra cerimónia religiosa. Amanhã nos salvámos nascemos outra vez. A que é que não dei um beijo mais à mi- e pontes até à uma da tarde, quando
“um homem cheio de experiência, lá estará, na vigília com que Newark gente ver uma fotografia, bebermos nha mulher e aos meus filhos, hoje? encontram um telefone em funciona-
esteve na guerra do Vietname” — quer encher Ferry Street, a rua mais um copo mesmo de água, damos-lhe Não vai passar um dia, acredite, sem mento num restaurante.
que se recusa a regressar a Manhat- portuguesa dos EUA. agora outro valor.” que eu dê dois ou três beijos à minha Estão a mais de 20 quilómetros de
tan, onde não só trabalhava como No regresso a casa, uma residência Tem dificuldade em dormir. uma mulher antes de sair para o traba- Manhattan. Joe fala para a mulher,
residia, a maior parte dos sobrevi- de madeira na rua Elm, fala da difi- imagem persegue-lhe a memória da- lho. Nunca mais vou sair sem dar um que angustiada segue a tragédia pela
ventes não encara a hipótese de vol- culdade em compreender a razão dos queles longos 40 minutos em que cor- abraço aos meus filhos.” I televisão, junto do filho mais velho. I
D E S T A Q U E 13
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 24 SET 2001

O D I Á R I O D E P E D R O PA I X Ã O E M N O V A I O R Q U E

A CIDADE DEPOIS CORAGEM CONTRA MEDO


Depois de aterrar em J.F.K., Nova Iorque, o sei alguma coisa de cálculo vectorial, porque
avião avançou lentamente pela pista ao encon- tem um exame de Física para a semana e
tro da manga acolhedora, tocando uma peça todos os dias trabalha cinco horas como tele-
de jazz de António Pinho Vargas. Ao meu lado fonista para pagar a renda. A vida sempre foi
direito viajou um casal cujo marido começou difícil em Nova Iorque. Depois de me oferecer
o voo por ler, movendo levemente os lábios, uma Coca-Cola porque tenho sede, pergunta-
folhas de um missal. Almoçou, adormeceu me se não quero ir ver o discurso do Presi-
longamente e voltou a acordar para ler, incli- dente a casa de uns amigos, já que não tem
nado para a frente, mais algumas folhas do televisão. Digo-lhe que sim, mas que só faltam
missal. Ao meu lado esquerdo, o meu compa- dez minutos para começar. Responde que
nheiro junto à janela é nivelador de cimento ainda tenho tempo de tomar um duche. É o
em Hartford há quase quarenta anos. Quando que faço. Tinha-me esquecido como o tempo é
lhe perguntei onde gostaria de morrer, se cá diferente em Nova Iorque, como um segundo
se lá, disse-me que ainda não sabia, que a vida bate forte durante mais tempo.
era cheia de interrogações. O avião vinha
cheio de portugueses que voltavam para o A CASA DOS AMIGOS É UM APARTAMEN-
trabalho. Repetidas vezes tive de perguntar, to anterior à guerra, aberto, por largas jane-
suspendendo o assunto, se “cá” queria dizer las, sobre a Broadway. São oito, connosco dez,
América ou Portugal. Os rostos dos homens pessoas a olhar em silêncio para um écran
diziam a alegria de regressar à América. Os gigante. Dois de fato e gravata, um preto com
das mulheres menos. um lenço estampado com a bandeira ameri-
cana a cobrir-lhe a cabeça, o resto de t-shirts
ANTES DA PARTIDA ERA-ME DIFÍCIL JUS- e calças de ganga. Um deles fuma continua-
tificar a minha necessidade de vir a esta cida- mente. O discurso do Presidente, regularmen-
de, uma urgência que surgiu de te interrompido de pé por todos
súbito. As imagens da destruição os membros do congresso, é im-
repetiam-se-me obsessivamente pressionante: inteligente, forte,
na cabeça, como depois de um de- abrangente, retoricamente per-
sastre de automóvel. Acordava- feito. Quem o escreveu sabia o
me o medo. Não sabia o que dizer, que estava a escrever. Quem o leu
nem o que pensar, ficava calado sabia o que estava a ler. Quem o
durante horas. Deixei de lado o ouviu sabia o que estava a ouvir.
romance de Dostoievski que antes Pela primeira vez senti simpatia
lia com entusiasmo. Apoderou- Pergunta-me se por Bush, um homem normal,
se de mim o receio de não con- não quero ir ver o pouco preparado, por vezes paté-
seguir mais escrever. Os proble- tico, um americano. Mal o discur-
mas expostos por aqueles actos discurso do so terminou a nossa improvisa-
de destruição mostravam-se de Presidente a casa da assistência foi-se levantando,
uma complexidade que a minha de uns amigos. despedindo e agradecendo em
mente, qualquer mente temia eu, Digo-lhe que sim, voz baixa. Ninguém sorriu, os
reconheceria incapaz de resolver. semblantes preocupados. Assim
As vozes com quem falava pelo mas que só faltam fizemos, Cooper, K. e eu. Ao des-
telefone para a América estavam dez minutos. cer as escadas, K. disse-me que
diferentes, sem que pudesse dar Responde que antes não era assim.
um nome a essa diferença. Os e-
mails mais silenciosos.
ainda tenho ADORMEÇO COM DOIS XA-
tempo de tomar nax, mais por receio que desta
NUNCA FOI TÃO FÁCIL E RÁ- um duche. vez sejam eles a sentir a minha
pido atravessar a fronteira. O po- Tinha-me falta. Acordo a meio da noite,
lícia perguntou-me para o que efeito normal do jet-lag e escrevo.
vinha. Respondi que vinha ver
esquecido como o Os Estados Unidos da América
um amigo, e ele mandou-me se- tempo é diferente são essencialmente diferentes
guir. Reparei que tinha a insígnia em Nova Iorque, das outras nações, dos outros pa-
coberta de pano preto. Dentro de como um segundo íses. São um gigantesco aglome-
um táxi conduzido por um ho- rado de emigrantes de muitas
mem calado apesar das minhas bate forte durante nações, países, raças e credos
investidas, senti-me seguro, cal- mais tempo que na sua grande maioria pa-
mo, apaziguado como já não me ra aqui vieram na esperança de
sentia desde o dia 11. A cidade uma vida melhor, fugindo a per-
estava ali, debaixo dos meus pés, por cima da seguições e à pobreza. Ao longo do tempo,
minha cabeça. A cidade existia, continuava a revoluções, sofrimentos e guerras foram-se
existir. Suspeitei que era a falta dessa certe- transformando e continuam a transformar-
za que me trouxera a agonia de que sofrera se, apesar dos problemas, dificuldades e retro-
em Lisboa, e que as imagens repetidas sem cessos, numa nação única. A nação onde foi
piedade não confirmavam a realidade, antes instaurada a mais antiga democracia dos tem-
a faziam perigar, erodindo-a. Uma coisa é pos modernos. Os Estados Unidos da América
não duvidar que existe um lugar, ter visto são a continuação da Europa que salvaram do
fotografias e filmes, apesar de nunca lá ter nazismo e do fascismo que a liquidavam. São
estado. Outra muito diferente é estar lá — o ramo mais poderoso do Ocidente que tem
uma diferença tão simples como decisiva. por raízes o cristianismo (e o judaísmo donde
Agora, a humidade, os cheiros, as palavras este nasceu), a Grécia e Roma. Os Estados
entrecortadas na rádio, a constante mudança Unidos da América são um baluarte da nossa
de perspectiva dos olhos, os movimentos atrás civilização que tem conseguido, melhor ou
dos movimentos atrás dos movimentos, as pior, manter viva e produtiva a mais árdua
incontáveis pequenas coisas insignificantes das contradições: a fé e a liberdade. A civili-
enchiam a realidade como ela nunca pode zação na qual me reconheço, com um misto
ser reproduzida, com a vida. A vida é muito indissolúvel de admiração e orgulho, mas
mais do que a vida, e nós mais do que nós. também de culpa e pesar pela violência ine-
Nova Iorque existia, insistia em existir, e o rente à História. A civilização que consegue
meu coração sentia-se confortado com essa reconhecer a sua fragilidade num mundo que
certeza. o enigma habita para sempre, aliada a uma
inabalável confiança nas possibilidades do
QUANDO TOQUEI, K. ESTAVA A DOBRAR humano, porque acredita que o humano tem
os lençóis acabados de secar na lavandaria em si uma parte divina. É à manutenção da
da cave. Eu encontrava-me de novo no apar- aliança entre a fé e a liberdade que se deve
tamento onde vivi, na rua 14 entre a oitava chamar coragem.
e a nona avenidas, à distância de uma milha
e meia das sepulturas vivas. A sua voz era a NADA ESTÁ DECIDIDO. MUITAS CIVILIZA-
de sempre, os seus gestos calmos e precisos, ções nasceram, cresceram e morreram. Não
nada do que eu temera encontrar. Sei que já é impossível que a nossa colapse, como tudo o
passaram nove dias. K. apresenta-me o seu que ousou levantar-se. Mas, como se repete na
novo companheiro — um pequeno cão branco magnífica obra do mestre japonês Kurosawa,
de Malta de nome Cooper — e pergunta-me se “Ainda Não, Ainda Não”.
1 4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 24 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO OS EUA DEPOIS DO CHOQUE

Um sábado em Nova Iorque


No dia em que os terroristas atacaram Nova Iorque, o “mayor”, Rudolph Giuliani, fechou a zona sul da cidade e pediu aos que moram noutros
bairros: “Saiam de casa. Vão aos espectáculos, aos restaurantes, encham as esplanadas.” Giuliani quer preservar o estilo de vida dos nova-
iorquinos. Mas também a economia da cidade. Os hotéis estão vazios, os restaurantes não têm clientes, as lojas antecipam os saldos. Perante o
prejuízo, os empresários falam em falências. Os analistas económicos dizem que a recessão é inevitável e incerto o momento da recuperação. Em
Nova Iorque e nos Estados Unidos. Até ao final do ano, dizem as estimativas, 600 mil de americanos ficarão desempregados, sobretudo nos
sectores da aviação comercial e da hotelaria. “Parem de ter medo. Façam o que sempre fizeram”, voltou a dizer, no sábado, Giuliani. Nova Iorque
tornou-se um lugar onde a aceleração da crise económica é visível nas ruas. Por Ana Gomes Ferreira, em Nova Iorque

fatos — está um vestido tão lindo que apetece Garcia. Os comerciantes da zona, especializa-
casar. Em vez de um ramo, o vestido quase dos em “souvenirs”, queixam-se de “grandes
branco tem uma bandeirinha americana. prejuízos”. Os empregados das casas de bifes
Na Donna Karan circula uma dezena de — a tradição diz que “ir à Broadway” signifi-
pessoas. “Depois do ataque, estivemos fecha- ca um musical e um jantar — dizem que vai
dos dois dias. Reabrimos e isto tem estado às haver “muita falência”. Será que os lucros do
moscas. A avenida toda (a Madison, o centro resto do ano, que são grandes, não chegam
do comércio de luxo) tem estado igual”, diz para compensar duas ou três semanas de pre-
Michelle, a gerente. As colecções de Outono juízo? “Não está a ver — diz Juan Garcia —,
tinham acabado de chegar às lojas nas vés- não andava aqui ninguém.”
peras do ataque terrorista.
Muitas lojas da 5ª Avenida, e do SoHo, aque-
las onde o que existe para consumir é mais
acessível, reabriram com saldos. Saldos es-
NO HOTEL
quisitos. Porque estão fora do tempo. E por-
NO MUSEU que são ordeiros: não há filas monumentais
à porta dos gabinetes de provas, não são pre-
Como se fossem agentes secretos, detento-
res de informações classificadas, os fun-
cisos empurrões para se chegar às calças e cionários do Hotel Ritz não podem falar. A
A sala François Boucher está vazia. Não há às saias e, nas secções de sapatos, ainda há gerência distribui-lhes “pins” com a ban-
quem olhe para as mulheres de pele rosada e números 36, os primeiros a desaparecer. Pode deira dos EUA, que puseram, obedientes,
formas carnudas que o pintor desnudou para dizer-se: é um bom momento para visitar na lapela. O porteiro que tem como mis-
que todos as pudessem olhar. Fragonard está Nova Iorque. Mas saldos sem enchente são são chamar táxis para os hóspedes, está
também sozinho. Filipe IV de Espanha, saído tão desconfortáveis — porque anormais — tranquilamente em frente à escadaria de
do pincel de Velasquez, parece ter perdido a como museus vazios. entrada deste hotel de luxo perto do Central
majestade e acusar o abandono. Há objectos Park.
que morrem se não forem olhados. Abana a cabeça à ordem de silêncio e con-
O museu Metropolitan, em Manhattan, está ta que o movimento baixou muito. “Isto é o
deserto. Os seguranças, que habitualmente Ritz, sobreviverá sempre. Não está a sair-
não sabem para onde olhar porque é demasia- se mal, mas o movimento não se compara
da a gente para vigiar, continuam sem saber ao que era há três semanas atrás”, diz. Os
para onde olhar porque não têm pessoas para turistas, os ricos e os remediados, fugiram
seguir. “Só aparecem europeus e asiáticos. da cidade. Muitos cancelaram as viagens.
As pessoas que ficaram ‘presas’ na cidade. Outros ficaram sem voo, pois as compa-
Os nova-iorquinos têm mais que fazer. Estão nhias reduziram o número de viagens. O
com as famílias, a tentar fazer avançar as suas aeroportos de Nova Iorque estão vazios. No
vidas”, diz Gio Crisafulli, de 23 anos, que co- Hotel Peninsula, próximo do Ritz mas mais
meçou a trabalhar no Met uma semana antes em conta, cinco carrinhos de transportar
do ataque. malas estão parados num lado da porta.
A cafetaria está vazia. Aos sábados, quando No outro lado, cinco funcionários fumam
chegava a hora do almoço, chegava a ser pre- cigarros. O átrio do New Yorker, um hotel
ciso esperar 20 minutos para se tirar um prato com cheiro a casa fechada que é um vaza-
de sopa do balcão. Das três grandes portas de douro de turistas — daqueles que, no es-
vidro da entrada do Met, só uma está aberta. trangeiro, compram pacotes com a viagem
Só entra quem se deixa revistar. e a estadia —, está deserto. O pessoal do
No Whitney não há seguranças à entrada. New Yorker diz que o ritmo das entradas
É um museu mais pequeno, onde o vazio é diminuiu “muito”.
menos visível. A exposição de Wayne Thie-
baud, que encerrava ontem, está cheia. A sala
“Miers na América” acusa a deserção. No
Whitney compravam-se os postais mais bo- NO EMPIRE STATE
nitos com as torres do World Trade Center.
Esgotaram. E as “Três bandeiras” (dos EUA,
NA BROADWAY Tammy, canadiana de 35 anos, visitou Nova
sobrepostas) de Jasper Jones também. Iorque pela primeira vez há cinco semanas.
Sete pessoas estão paradas na porta de entrada “Tentei, nessa altura, subir o Empire State
dos artistas do Teatro Longacre. Têm máqui- Building. Mas era preciso esperar duas horas
nas fotográficas porque querem tirar retratos na fila e desisti. Agora tive que voltar à cidade
a Tom Selleck, o protagonista de “A Thousand e queria tentar outra vez, mas está fechado.”
Clowns”. Sábado foi o penúltimo dia em que O Empire, que a destruição do World Trade
a peça com Selleck esteve em cena. Fechou, Center tornou no edifício mais alto de Ma-
domingo à noite, por falta de espectadores. nhattan, foi esvaziado de forma dramática
Outras três estavam condenadas, pelo mesmo no dia a seguir aos atentados, devido a uma
motivo. suspeita de bomba. Desde então, já abriu e
Os ataques terroristas aconteceram numa reabriu “uma série de vezes”, conta Jenni-
terça-feira, a Broadway reabriu na quinta, fer, empregada de mesa no “diner” do rés-do-
com salas quase desertas. As bilheteiras anun- chão do prédio. O restaurante está aberto, a
ciam ter entradas para todos os dias, de todos farmácia está aberta e as empresas sediadas
os preços. “Os produtores dizem que têm que no Empire também.
fechar os espectáculos porque os terroristas O observatório, tem dias. “Tem sido uma
os arruinaram. É mentira. É uma desculpa. confusão. Os funcionários das empresas têm
Os musicais que vão fechar, já estavam a dar que passar por detectores metálicos. Alguns
prejuízo”, explica o “veterano” da Broadway queixam-se de ter que esperar mais de uma
Juan Garcia, 38 anos, funcionário da banca de hora antes de os deixarem entrar nos escritó-
NAS COMPRAS bilhetes com desconto para a Broadway em
Times Square.
rios”, diz Jennifer. À porta do Empire State
Building está uma carrinha da polícia, com
Juan Garcia conta que esteve sempre no seu seis homens fardados dentro. Outros tantos
As montras das lojas estão enlutadas com posto de trabalho, mesmo nos dias em que funcionários do observatório estão à porta,
bandeiras dos EUA e frisos de pano azul, ver- não houve teatro. “Isto esteve morto. Times impedindo a passagem aos visitantes. Dizem
melho e branco. Na montra de Vera Wang Square estava morta. As pessoas só começa- não saber o motivo do encerramento, nem
— é para as noivas o que Armani é para os ram a reaparecer na sexta-feira passada”, diz quanto tempo durará.
D E S TA Q U E 15
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 24 SET 2001

EUA mergulhados na
psicose dos atentados
RUMORES CIRCULAM e-mail que parecia ter sido en-
viado pelo FBI de Dallas e que
ditou os balões dirigíveis de
sobrevoarem os estádios, du-
VIA E-MAIL se espalhou a velocidade-re- rante o decurso de eventos des-
lâmpago pelos meios milita- portivos no fim-de-semana.
res. O FBI desmentiu estar na Quanto ao FBI, tem sob vi-
Estúdios de Hollywood origem deste alerta. gilância os proprietários de
suspendem visitas, O jornal “Washington Post” cerca de 3500 aviões usados na
balões não podem informou também que o mi- agricultura para pulverizar
nistro da Justiça, John Ash- insecticidas sobre as culturas.
sobrevoar estádios, croft, telefonou pessoalmente Estes aviões são considerados
aviões pulverizadores ao presidente da câmara de o melhor meio disponível de
sob vigilância Boston, Thomas Menino, e à dispersão de um agente tóxico
governadora interina de Mas- em caso de ataque químico e
Os Estados Unidos estão mer- sachusetts, Jane Swift, para bacteriológico.
gulhados num clima de pa- os advertir do perigo de possí- O Departamento Federal de
ranóia colectiva. O medo de veis ataques durante o fim-de- Justiça pediu igualmente aos
novos atentados é alimentado semana. Os dois responsáveis grandes estúdios de cinema de
pelos vários rumores que vão confirmam ter recebido este Hollywood para suspenderem
surgindo. Um pouco por todo aviso, mas minimizaram o pe- as visitas guiadas ao público.
o país, as medidas de seguran- rigo de uma ameaça imedia- O concurso da Miss América
ça, já muito reforçadas na se- ta, explicando que as informa- decorreu no sábado no meio de
quência dos atentados de 11 ções na origem deste alerta um impressionante dispositi-
de Setembro, foram de novo foram tidas como não fiáveis. vo de forças da ordem e de bri-
intensificadas. Como sinal do “Se nós tivessemos infor- gadas caninas especializadas
nervosismo instalado, a US mações sobre uma ameaça em detecção de explosivos.
Air Force, que tinha interrom- credível e específica, o públi- A psicose terrorista tomou
pido as suas patrulhas aéreas co seria avisado”, assegurou conta da população, como ilus-
em quinze cidades america- ao “Washington Post” Susan tram vários incidentes ocorri-
nas, decidiu retomá-las este Dryden, porta-voz do Ministé- dos nos últimos dias em aero-
fim-de-semana. rio da Justiça. portos do país. Por exemplo,
Sábado foi considerado um De qualquer forma, foram em Minneapolis, na quinta-fei-
dia especialmente sensível. postos sob vigilância um certo ra, três indivíduos que pare-
Circulou a informação que número de locais, como por ciam ser originários do Próxi-
no dia “22 de Setembro” have- exemplo os reservatórios ur- mo Oriente foram obrigados
ria novas ondas de atentados banos de água potável, confor- a abandonar um avião da Nor-
em várias cidades dos Estados me divulgou o FBI, na sequên- thwest Airlines. Os outros pas-
Unidos, entre as quais Boston, cia de uma ameaça anónima. sageiros recusaram-se a desco-
Atlanta e Richmond. A fonte Por outro lado, a Adminis- lar com eles a bordo. I FRANCIS
aparente deste rumor foi um tração de Aviação Civil inter- TEMMAN, AFP
1 6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 24 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO OS EUA DEPOIS DO CHOQUE

Autoridades enfrentam enchente de donativos


Armazéns abarrotam tos de primeira necessidade maioria das doações vieram lhões de dólares (cerca de 76,3 não ficou de fora. O rei da pop, os benefícios de um disco em
(sabão, cobertores, toalhas...), um pouco de todo o mundo. milhões de euros). Estes dois Michael Jackson, espera reco- que se prevêem as participa-
de géneros e mundos assim como produtos médicos. Numerosas ofertas visavam fundos beneficiaram das ofer- lher 50 milhões de dólares (cer- ções de Bono, Cristina Aguile-
da finança e do Uma enchente de donativos os bombeiros de Nova Iorque tas de grandes empresas como ca de 54,5 milhões de euros) ra e Jennifer Lopez. O disco
espectáculo chegou à “Big Apple”, a ponto — 300 dos seus membros de- a General Electric, a Micro- com um novo single, “What deveria servir a luta contra a
participam na recolha de os armazéns terem ficado sapareceram quando as duas soft (dez milhões de dólares pa- More Can I Give”, tentando as- sida em África.
cheios. “A cidade está a trans- torres do World Trade Center ra cada um dos fundos), Walt sim renovar a sua operação Hollywood e o mundo da te-
de fundos bordar de donativos em géne- ruíram. “Tivemos uma respos- Disney (seis milhões de dóla- de 1985 a favor das vítimas da levisão organizaram uma noi-
ros, que são superiores às nos- ta de tal modo forte que neste res) ou ainda a IBM (cinco mi- fome em África, com o disco te especial para recolher fun-
Os americanos abriram o seu sas necessidades. Não temos momento ela é superior ao que lhões). A Cruz Vermelha rece- “We Are the World”. “Creio dos. A emissão foi difundida
coração e a sua carteira para mais necessidade de géneros”, temos capacidade de gerir”, beu 20 milhões de dólares, 21,8 profundamente que o mundo pelas grandes cadeias televi-
expressarem a sua solidarie- afirma uma mensagem no “si- explica Dave Ianone, um dos milhões de euros. da música se vai unir para aju- sivas — ABC, CBS, NBC e
dade para com as vítimas dos te” da Internet da cidade. fundadores do “site” de bom- Numerosos jornais, como o dar milhares de vítimas”, afir- Fox (foi emitida no sábado pe-
atentados que atingiram Nova Centenas de milhões de dó- beiros “Firehouse.com”. “New York Times” e o “News- mou o cantor, a quem se junta- la RTP). Entre os participan-
Iorque, a tal ponto que a ca- lares alimentaram também Foram criados vários fun- day”, recolhem as doações dos rão as “boys band” N’Sync e tes contaram-se Wyclef Jean,
pital financeira dos EUA está numerosos fundos criados pa- dos para recolher dinheiro pa- seus leitores e certas firmas Backstreet Boys, assim como Billy Joel, Bruce Springste-
a ter dificuldades em gerir a ra ajudar os familiares dos ra as vítimas, nomeadamente afectadas directamente pelos as Destiny’s Child. en, Paul Simon e Stevie Won-
avalancha de donativos. mortos e desaparecidos. Qual- o “Fundo das torres gémeas”, atentados, como a Cantor Fit- Ao mesmo tempo, a organi- der, mas também actores como
Logo a seguir à tragédia, a quer uma das grandes socie- coordenado pela cidade, e o zgerald e a Carr Futures, cria- zação dos Artistas contra a Si- Tom Hanks, Julia Roberts, Ro-
cidade lançou um apelo à so- dades americanas ofereceu “United Way 11 Septembre”, ram os seus próprios fundos. da no mundo decidiu partilhar bert De Niro, Clint Eastwood
lidariedade para obter produ- milhões de dólares, mas a que recolheram mais de 70 mi- A indústria do espectáculo com as vítimas dos atentados e Tom Cruise. I AFP

HISTÓRIAS DE NOVA IORQUE


dor de portáteis, confirma que os com-
A BANDEIRA TEM MUITO pradores querem estar em contacto per-
cado. Os programas em pachtu, a língua
dominante no Afeganistão, são ouvidos
QUE SE LHE DIGA manente com os seus familiares. “Uma sete horas por semana. Ao mesmo tempo,
senhora veio aqui ontem, teve que evacu- com cerca de 15 milhões de ouvintes do
Os americanos andam loucos com a sua ar a sua casa perto do World Trade Center. serviço em urdu, no Paquistão, a BBC
bandeira nestes tempos patrióticos de Ela disse: ‘Preciso de portátil para que a também reforçou os seus serviços na re-
reacção aos atentados. Compram-na, exi- minha mãe, que está na Dinamarca, possa gião. “Para a região, a ‘BBC World Ser-
bem-na, penduram-na, transportam-na, contactar-me a todo o momento’.” Ironi- vice’ é (...) vital. Os ouvintes dependem
adoram-na. Enfim, ela está em todo o lado. camente, os portáteis não foram de grande totalmente da BBC para obterem infor-
Mas isto de manusear a combinação de es- utilidade nas horas que se seguiram à mações imparciais, correctas e fiáveis”,
trelas e listas tem muito que se lhe diga e, tragédia, uma vez que as redes estavam declarou Mark Byford, director da “BBC
para evitar figuras tristes e indignidades, saturadas e as chamadas não se conse- World Service”. Este serviço difunde os
existe mesmo um códi-
go oficial de conduta. O
jornal “Dallas Times”
compilou algumas das
recomendações. Eis en-
tão algumas coisas que
não se podem fazer a
uma “stars & stripes”
que se preze: a não ser
que esteja iluminada, a
bandeira não pode ficar
exposta à noite; nunca
se deve colocar a ban-
deira sobre o “capot” de
um carro, nem sequer
em cima, muito menos
nos flancos, nem pensar
na traseira; o artigo an-
terior também é válido
para barcos e comboios;
não deve ser usada co-
mo toalha de mesa ou
lençol; muito menos co-
mo cobertura para um
telhado. Caso alguma
destas recomendações
seja desrespeitada ou o tempo acabe por guiam fazer. As companhias de telefone seus programas em 43 línguas, em mais
impor a sua dura lei, as bandeiras que duvidam que esta súbita corrida aos te- de uma centena de países. A sua audiên-
apresentem sinais de degradação deverão lefones permita compensar os custos de cia global estima-se em 143 milhões de
ser destruídas, mas de forma digna, no- reparação das infra-estruturas destruídas ouvintes.
meadamente pelo fogo. Quem pretender pelos atentados.
esclarecimentos sobre este último proce-
dimento poderá contactar a delegação AUTORIDADES CHINESAS
local da Legião Americana. O dia certo BBC DESENVOLVE EMISSÕES “FACILITAM” ACESSO À INTERNET
para a cerimónia é o 14 de Junho, Dia da NA REGIÃO DO AFEGANISTÃO
Bandeira. Dizem as autoridades chinesas que se
A BBC World Service multiplicou a di- trata de “uma acção construtiva [do Go-
fusão dos seus programas na região do verno] numa altura crítica, porque as
CORRIDA AOS TELEMÓVEIS Afeganistão, devido às tensões nascidas pessoas têm o direito de saber o que se
EM NOVA IORQUE depois dos atentados de 11 de Setembro, passa no mundo a propósito dos ataques
anunciou a rádio-televisão em comuni- terroristas”. Serve o discurso oficial pa-
Os telemóveis tornaram-se uma verdadei- cado. A BBC World Service desenvolveu ra justificar a súbita abertura do acesso
ra obsessão para os nova-iorquinos, dese- nomeadamente as suas emissões em ára- a “sites” de vários órgãos de comuni-
josos de se manterem em contacto com be, em pachtu, em persa e em urdu. Uma cação social ocidentais, na sequência
os seus próximos no caso de os atentados difusão contínua durante 24 horas foi dos atentados de dia 11. O director do
de 11 de Setembro se repetirem. “Antes introduzida nas ondas árabes para infor- programa internacional de segurança,
dos atentados vendíamos uma dezena de mar os ouvintes do Médio Oriente dos Zhu Feng, é taxativo: “Abrir estes ‘sites’ é
portáteis por dia. Agora vendemos uma desenvolvimentos internacionais depois uma clara declaração de que o Governo
vintena”, testemunha Michelle Aiken, dos atentados. No Afeganistão, onde as chinês está empenhado em permitir às
vendedora numa loja de electrónica na televisões e os jornais foram banidos pe- pessoas o acesso à informação relativa
rua 42, em Manhattan. “Compram tam- los talibã no poder, a BBC World Service, a este assunto.” Mas observadores in-
bém ‘walkie-talkies’. Querem estar con- ouvida em postos de rádio clandestinos, é ternacionais mostram-se pouco impres-
tactáveis em caso de acontecer alguma muitas vezes a única fonte de informação sionados — é que, na China, são muito
coisa”, acrescenta. Ronojit Bank, vende- exterior dos afegãos, informa o comuni- poucos os que sabem ler inglês... I
D E S TA Q U E 17
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 24 SET 2001

Crónica Vítimas do ataque terrorista deixam


milhares de crianças órfãs
O ataque terrorista perpetra- crianças, segundo afirma o ças que perderam o pai ou maior profundidade sob as
do nos Estados Unidos no pas- presidente da Câmara de No- a mãe no desabamento dos ruínas do World Trade Center,
sado dia 11, que se presume va Iorque, Rudolph Giuliani, edifícios, que viajavam nos encontrando espaços aber-
tenha custado a vida a mais que acrescenta que as crian- aviões usados para perpetrar tos onde ainda esperam en-
de sete mil pessoas, deixou um ças serão “uma prioridade” o ataque, ou os que trabalha- contrar possíveis sobreviven-
número ainda maior de crian- para a cidade. vam no Pentágono, outro dos tes ao ataque. As chefias das
ças órfãs. Ainda sem uma cifra Só os 700 executivos da cor- objectivos alcançados pelos equipas de socorro afirmam
exacta, a edição de ontem do retora de bolsa Cantor Fitz- terroristas. ter criado um percurso sub-
diário “The New York Times” gerald, situada nos últimos “Inclusive pessoas que es- terrâneo sob os destroços.
destaca que muitas das pesso- pisos das torres gémeas, to- tão acostumadas a trabalhar “Hoje foi um dia produtivo...
as mortas, ou dadas como de- dos eles dados como desa- com crianças, sentem-se per- Estamos a encontrar muitos
saparecidas, eram jovens com parecidos, deixam mais de didas e perguntam como é espaços vazios. Esperamos
mais de um filho. 1500 crianças órfãs de pai ou que as crianças vão entender encontrar bastantes corpos
Por exemplo, muitos dos mãe. o que se passou”, afirma um e talvez algumas pessoas vi-

Monumento às 350 bombeiros que perece-


ram durante o resgate ti-
nham quatro ou cinco filhos
e um deles era pai de 10
O jornal assegura que as
comunidades locais enfren-
tam agora a tarefa de con-
fortar e ocupar-se das crian-
dos especialistas, citado pelo
jornal.
No terreno, as equipas
de socorro penetraram em
vas”, disse o capitão Stu
Willig, um bombeiro de Mia-
mi trazido para Nova Iorque
para ajudar nas buscas. I

vítimas da guerra
desconhecida
EDUARDO CINTRA TORRES
Washington

O Monumento aos Veteranos do Vietname, situados nos Jar-


dins da Constituição em Washington, é um impressionante
manifesto estético sobre a natureza da guerra. O monumento é
uma fenda no relvado, a poucas centenas de metros do Monu-
mento a Lincoln e à vista, ao longe, do obelisco a Washington
e do Capitólio. No pequeno declive criado no relvado está uma
parede de mármore negro onde se inscreveram os nomes de
todos os veteranos mortos no Vietname.
O lugar ganhou a reverência dum cemitério — é um ce-
mitério. A parede de mármore é a soma de todas as placas
mortuárias de todos os militares americanos vítimas da guerra
do Vietname, enterrados por todos os Estados da União ou
deixados para trás no terreno de combate.
A parede humildemente rasgada no relvado não é um con-
junto de símbolos, não representa uma massa de mortos sa-
crificados no altar da guerra, mas é antes, um a um, os nomes
de pessoas concretas, homens e mulheres que morreram num
exercício político de errada estratégia.
Em Nova Iorque, o ataque terrorista ao World Trade Cen-
ter originou um monumento semelhante — mas este criado
espontaneamente pelos familiares e amigos das vítimas em
aflição. É um monumento espalhado por todo o lado, por todas
as ruas, por paredes, jardins, tapumes, veículos, caixas do
correio e cabinas telefónicas.
Mais de cinco mil pessoas desapareceram em uma hora,
na alvorada duma guerra que ninguém sabia, no colapso das
Twin Towers — cerca do dobro dos militares portugueses que
morreram na I Guerra Mundial, cerca de metade dos militares
portugueses que morreram em 14 anos de guerra colonial.
Em Nova Iorque, familiares e amigos, desorientados pela
dimensão inexplicável da tragédia, trouxeram para as paredes
da cidade papéis A4 com o nome, a descrição e uma fotogra-
fia dos desaparecidos — fazendo desta tarefa de colocar os
anúncios pelas paredes uma forma de mostrarem que ainda
acreditavam que eles estavam vivos e manifestando a sua
urgência de fazerem alguma coisa por eles. Esperança vã.
As paredes de Nova Iorque, cheias destes anúncios e ilustra-
das com flores, velas e bandeiras do país, são, como o muro
negro de Washington, um novo monumento, um novo memorial
às vítimas concretas duma nova guerra, são um novo lugar de
reverência, convidando ao silêncio pelos inocentes. I
1 8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 24 SET 2001 G U E R R A AO T E R R O R I S M O P O N TO S D E V I S TA

INQUÉRITO

1. O que mudou no mundo?


2. Como devem e podem os Estados Unidos e
os seus aliados responder a esta situação?
Será que os Estados Unidos
Contra a justiça pelas próprias mãos
são capazes de entender?
A OPINIÃO DE
CARLOS PACHECO
1 — Visualizo as imagens de caos apoca-

Q
líptico do ataque terrorista às torres do WTC uanto mais acompanho o no- A América precisa fazer ela nova escalada e apoio americano ao
com o mesmo sentimento de trauma, cons- ticiário dos grandes jornais terrorismo fundamentalista. O grupo
ternação e incredulidade das primeiras ho- e cadeias de televisão norte-
um grande exame mais contemplado foi o de Gulbuddin
ras. Vêem-me à memória manchas sinistras, americanas a respeito dos de consciência como decerto Hekmatyar, amigo de Bin Laden, líder
gritos surdos e cores infernais idênticas às ataques medonhos que o país não fez, ou não foi capaz dos Taliban, responsável pela maior car-
que observo nos quadros de Jerónimo Bos- sofreu, mais me interrogo: conseguirão
de fazer, depois da derrota nificina dos últimos tempos contra po-
ch, de Monsù Desiderio ou do pintor seis- os EUA — a sua população, a sua classe pulações indefesas. A tomada de Kabul,
centista português Diogo Pereira, todos eles política dirigente, as chefias militares no Vietname. Precisa entender segundo relatos de jornalistas conceitu-
Vitor Serrão tratando os temas da catástrofe e do casti- do Pentágono, os grandes empresários, que a responsabilidade pela ados, fez-se com armas e conselheiros
Professor go divino como apelos à boa consciência banqueiros e agentes financeiros de Walt actual desordem mundial é, americanos e saldou-se entre 1990 e 1994
universitário, dos homens e pretextos para a humaniza- Street, e também uma boa parte das eli- pela matança de 45.000 civis e fuga de
historiador ção dos públicos. tes intelectuais — entender o que real- antes de tudo, sua 300.000 habitantes para o Paquistão. Um
de arte Ora tendo em vista os inenarráveis apoca- mente lhes aconteceu? verdadeiro furacão de terror que jamais
lipses da História, de Sodoma e Gomorra a Desde sempre as políticas das admi- perturbou as chamadas democracias
Hiroshima ou a Saigão, alguma coisa mu- nistrações norte-americanas me causa- ocidentais, na medida em que — confor-
dou certamente no nosso mundo depois do 11 de Setembro: ram um profundo cepticismo. Especial- do as lideranças governamentais para me se pensava — enquanto o terrorismo
a situação do terror, o seu grau de eficácia e de fanatismo, mente a política externa, já que para as tornar subservientes, e também as tiver um carácter institucionalizado e se
são diferentes, mais refinados e, por assim dizer, globali- qualquer cidadão de outros Estados so- próprias oposições (sendo o caso mais voltar contra os mais fracos, nada havia
zados — e neste aspecto (correndo embora o perigo de beranos os efeitos dessa política são recente e exemplar o da Sérvia, onde a temer. As maiores potências podiam
vir engordar o campo das “péssimas ideias” há dias aqui sempre os mais sensíveis. O modo co- os EUA, depois dos bombardeamentos dormir descansadas.
escalpelizadas por José Pacheco Pereira) se centra a minha mo os EUA convivem com os restantes “humanitários” da NATO, injectaram Vezes sem conta me coloco na pele dos
breve reflexão. Não posso deixar de pensar que, à globa- Estados, o modo como há mais de uma milhões de dólares provocando a queda palestinos que há décadas suportam a
lização da economia sob tutela do ultra-liberalismo e do década exercitam as suas políticas de de Slobodan Milosevic e semeando a humilhação da opressão israelita e cujas
“pensamento único” se sucede agora um outro nível de grande potência, quer desprezando as discórdia entre as formações políticas casas e aldeias são destruídas por mís-
globalização: um sentimento de insegurança que toca a normas do Direito Internacional, quer que compõem o quase esfrangalhado seis americanos ou assassinados no Lí-
todos e se estende à escala do planeta. recorrendo sistematicamente à violên- bloco no Poder); ou ainda treinando, bano e noutras partes por milícias pa-
O rescaldo deste horror sem freios leva a que se multiplique cia directa contra os outros países, é um financiando e armando grupos terroris- gas e equipadas por Israel; ou na pele
a dor e também a que, à sua sombra, ressurjam (dentro e dado preocupante que cada vez mais tas para combater os poderes políticos dos iraquianos que morrem aos mi-
fora dos EUA) práticas que a História recente conheceu bem, coloca as relações internacionais à bei- adversos a Washington. lhares ceifados pelos “bombardeamen-
desde a intolerância contra a “diferença” (a saga anti-árabe OSWALDO RIVAS/REUTERS
tos cirúrgicos” ame-
aí está a demonstrá-lo), aos processos de desumanização so- ricanos; ou na pele
cial e exclusão dos “outros” (caso da agudização do conflito dos curdos mortos
no Médio Oriente) e, enfim, os apelos à chamada “repressão com armas america-
justificada” (que os “media” creditam e que as razões da nas pelo regime de
“democracia global” impõem). Ancara; ou na pele
Por isso, um segundo aspecto novo será o reforço da consciên- dos camponeses co-
cia de que, sendo este modelo de globalização que nos domina lombianos, cujas co-
despótico nos seus interesses, valores e lógica monetarista, lheitas de coca são de-
a resposta que se impõe não pode mais ser a da “cirurgia vastadas por aviões
militar”, defendida pelos “falcões” e “lobbies” da indústria de pilotados por ameri-
armamentos, mas sim aquela que decorre do foro da Política, canos; ou na pele dos
entendida como instrumento regulador de liberdades, direitos sudaneses que mu-
e deveres fundamentais dos povos. dos assistiram ao ar-
rasamento de uma
2 — Torna-se clara a necessidade de se criar ao nível dos fábrica sua de pro-
aliados dos EUA (e de toda a comunidade internacional) uma dutos farmacêuticos
resposta política exigente (e, por isso, democrática) que ex- por bombas america-
tirpe as raízes do terror, confrontando o egoísmo e cinismo nas. A África, de res-
decorrentes do “pensamento único” (cuja responsabilidade to, geme moribunda.
nesta tragédia é atestável: quem armou, educou e financiou Os grandes actores
os Bin Ladens do mundo?) com uma agenda responsável que da política interna-
intervenha nas esferas económica, social, cultural e ambiental cional, longe de aju-
ao nível de todos os países, seja a Ocidente seja a Oriente. Falo dar este continente a
do estabelecimento de uma espécie de “Carta Internacional resolver os seus dra-
dos Deveres da Cidadania” que consensualize medidas de mas internos, san-
combate à exclusão, à intolerância, à injustiça, ao depaupe- gram-no ainda mais.
ramento e à exclusão social. Esse seria o modo mais eficaz Tudo isto me incomo-
de isolar “este” terrorismo (admitindo-se, o que de resto não da terrivelmente. Por
é claro, que o móbil anti-americano dos assassinos de 11 de isso, me pergunto: co-
Setembro radique no “protesto dos pobres e excluídos”) e de mo se sentiriam os
combatê-lo com firmeza. Definitivamente, sou contra a justiça franceses, cuja polí-
feita pelas próprias mãos, como querem os “falcões” da glo- tica externa contra o
balização, ditada por interesses especulativos e pela cegueira ra de uma hecatombe. O frágil equilí- Das redes de terror criadas, por exem- Terceiro Mundo é das mais agressivas,
apátrida de “lobbies” monopolistas. brio entre os Estados, mesmo os mais plo, pela CIA no Médio Oriente, destaca- se as agressões e constrangimentos a
É mais do que legítimo defender a neutralização e castigo dos fortes, tem-se vindo degradar a ponto se a de Osama bin Laden que os EUA uti- que sujeitam outros povos se virassem
focos de terrorismo responsável pelo 11 de Setembro, e dos da anarquia crescer a todos os níveis. lizaram como um poderoso aríete contra contra eles?
seus mentores, a fim de os isolar, submeter a julgamento e As piores vítimas, como sempre, são as a presença das tropas soviéticas no Afe- Temo e compunge-me que a morte
travar as suas acções de barbárie, mas esse leque de acções, nações situadas na periferia ou na sub- ganistão. Ao todo sete grupos fundamen- das pessoas inocentes sepultadas nos
que tem de ser encontrado em consenso alargado (e, sempre, periferia do sistema político mundial. talistas muçulmanos, cuja preparação escombros do Trade World Center e no
na esfera da Política), nunca deve ser confundido através da Detentoras de recursos estratégicos — militar decorreu dentro das próprias Pentágono tenha sido em vão. A Amé-
retaliação e da repressão indiscriminada contra países e po- como o petróleo, urânio, ouro, ferro, fronteiras dos Estados Unidos, em Con- rica precisa fazer um grande exame de
vos. É de elementar justiça reconhecer-se, enfim, que todos nós etc. — que alimentam as riquezas e o necticut e na Virgínia, segundo um or- consciência como decerto não fez, ou
temos alguma quota-parte de responsabilidade nesta tragédia, desenvolvimento do Primeiro Mundo, çamento votado em 1980 na presidência não foi capaz de fazer, depois da derro-
no modo como ainda não soubemos criar alternativas de rosto essas comunidades nacionais perma- de Ronald Reagan, avaliado em cinco mil ta no Vietname. Precisa entender que
humano ao “modelo único” do neo-liberalismo e como tantas nentemente se vêem confrontadas com milhões de dólares. Contudo, dias piores a responsabilidade pela actual desor-
vezes esquecemos o dever da indignação com o espectácu- todo o arsenal de violências e intimida- esperavam o Afeganistão. Consumada a dem mundial é, antes de tudo, sua. Cer-
lo vil da injustiça social, do crescimento da xenofobia e da ções — militar, diplomática e financeira retirada soviética, a aliança e unidade tamente não será com terapêuticas de
mancha de exclusão dos “outros” em nome de “interesses” e — por parte dos EUA e seus parceiros entre as várias facções “mujahedin” que guerra, menos ainda com receitas eco-
razões de diversidade (fosse de credo religioso, de língua, de europeus que procuram assim impor os haviam feito a cruzada contra os russos, nómico-financeiras, como as que são
cultura, de cor de pele ou de posicionamento político). seus interesses exclusivos. Na impossi- rompeu-se. Veio a guerra civil. E com aplicadas pelo FMI e pelo Banco Mun-
Que os horrores de 11 de Setembro, ao menos, sirvam para bilidade de, pelo menos para já, se apos- dial, que se corrigem os gritantes de-
reabrir um debate em nome da defesa das dignidades huma- sarem totalmente da soberania desses sequilíbrios que separam os Estados
nas — que para os povos do mundo já tarda, e é imperioso Estados, os EUA fomentam a subversão ricos dos Estados pobres. A América
levar a cabo. política, e até mesmo o caos, corrompen- Historiador angolano será mesmo capaz de entender isto? I
E S PA Ç O P Ú B L I C O 21
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 24 SET 2001

OS TERRORISTAS Bartoon LUÍS AFONSO

ESTÃO A GANHAR
Aumenta, a cada dia que passa, a necessidade de
um contra-ataque que restabeleça algum
equilíbrio. Mas é tarefa complicada e
possivelmente de pouco efeito
Um amigo pergunta ao telefone se é seguro viajar para a
Índia. Um outro não sabe se há-de ir aos Estados
Unidos, porque o concerto, há tantos meses
programado, pode vir a não se realizar. Uma conhecida
admite vir de Los Angeles, mas pede para não lhe
marcarem voo na American Airlines ou na United
Airlines. A forma como o ataque terrorista aos Estados
Unidos fez tremer o mundo sente-se mesmo nas nossas
relações pessoais.
A segunda vitória dos terroristas está no medo que
conseguiu infiltrar-se no nosso dia-a-dia. Vive em nós,
não só como cidadãos do mundo, mas nos nossos
pequenos gestos. Como, à porta de um arranha-céus,
perguntarmo-nos se será arriscado subir. O
visionamento em directo dos terríveis atentados criou
na nossa consciência colectiva uma imagem de
destruição tal que se tornou quase insuportável rever as
orgulhosa torres gémeas. O grupo pop Cranberries
retirou um teledisco porque tinha prédios altos e aviões
num cenário tétrico, apagam-se as
Editorial torres dos jogos e os publicitários
interrogam-se sobre a necessidade de
cancelar os anúncios que têm a cidade de Nova Iorque
como cenário. Com esta vaga de temor quem continua a Cartas ao Director
sofrer é a “Grande Maçã”. Antes cenário de eleição da
agitação humana, tem agora as ruas, os hotéis, os As cartas destinadas a esta secção — incluindo dexadas ao tempo que se digna continuar será o mais forte? O israelita furioso a
restaurantes e os teatros vazios. as remetidas por e-mail — devem indicar o nome
e a morada do autor, bem como um número a fluir. Como ficou demonstrado e desgra- quem chamam Iavé ou o não menos beli-
Aumenta, a cada dia que passa, a necessidade de um
telefónico de contacto. O PÚBLICO reserva-se o çadamente continuará a demonstrar-se. coso Alá dos terríveis ulemas afegãos?
contra-ataque que restabeleça algum equilíbrio, direito de seleccionar e eventualmente reduzir MANUEL CARLOS LOPES, Este levou recentemente umas quantas
conferindo aos americanos e ao mundo alguma os textos recebidos. Não se devolvem os origi- V.N. Famalicão pancadas mas é duro e não desiste, ani-
nais dos textos não solicitados, nem se prestará
confiança na esperança de que os culpados pagarão. informação postal ou telefónica sobre eles. mado por vitórias mais antigas.
Será quase inevitável a tendência de tentar, num golpe A coisa torna-se mais confusa ainda
de mão, estabelecer algum equilíbrio neste guerra Endereço electrónico: O nome de Deus em vão quando, de ambos os lados, os crentes
cartasdirector@publico.pt No PÚBLICO de 18 do corrente, Sarama- produzem imagens bem mais pacíficas
contra a medo. Mas é tarefa complicada e possivelmente
de pouco efeito. Foi isso que Bill Clinton fez com os go escreve sobre as violências que, em destas mesmas divindades. Bush reco-
nome de Deus, os homens vêm cometen- nhece o pacifismo islâmico tendo presen-
bombardeamentos contra Bin Laden, após os ataques a Graças a Deus pelo do ao longo dos séculos. Essa tem sido, de te no espírito os ensinamentos cristãos.
embaixadas norte-americanas em África, e os
resultados estão à vista. PÚBLICO facto, uma das piores maneiras de “usar Tudo isto me leva a confirmar a sus-
o nome de Deus em vão”. Mas a prosa de peita de que essa coisa chamada “Deus”
Até agora os americanos parecem ter percebido isso. Foi com extrema curiosidade, previa- Saramago suscita dois contrapontos. não passa de uma projecção imaterial
Foi esse o caminho que trilhou Bush no seu último mente aguçada pelas cartas ao director O primeiro é o do bom uso que tem sido dos sentimentos humanos que lhe dão
discurso, ao avisar que se trata de uma guerra longa e, do PÚBLICO de 20/9, que procurei o ar- também feito em nome de Deus. Teresa forma. Esse deus, a menos que haja mais
muitas vezes, sem vitórias visíveis. Até porque a tigo do Prémio Nobel José Saramago de de Calcutá, Gandhi e toda uma série in- do que um, é um ente ambíguo. Bom e
ameaça neste momento mede-se com palavras como 18/9 neste mesmo jornal. A leitura ávida contável de homens e mulheres de todas mau, conforme as circunstâncias. Justo,
“armas bioquímicas”. Daí a necessidade de uma dos textos e o tempo que se dignou conti- as raças e credos têm-no provado com as injusto ou nem por isso. Amante invejoso,
primeira resposta certeira e eficaz que ponha nuar a fluir para além deles quase me fi- suas vidas. tem todas qualidades e todos os defeitos
decididamente em marcha esta campanha extenuante. zeram dar graças a Deus pelo PÚBLICO, A outra nota é a de que, se o “factor daqueles que o (os?) inventaram e dos
não fosse o riso súbito de alguém na sala Deus” tem sido responsável por tantas quais se alimenta(m).
Um ataque cego, que atinja as populações civis afegãs,
a plagiar o riso dos soldados — colar no desgraças, “o factor Homem” não o tem Deus é um pretexto como qualquer ou-
só servirá para, com o ódio, alimentar a terceira vitória
monitor, ainda há um instante negro, a sido menos. E, neste plano, é talvez sinto- tro para que certos homens subjuguem
dos terroristas: a de colocar em confronto o mundo imagem de “uma cabeça cortada, espe- mático que Saramago tenha silenciado as a vontade de outros com o fito de os obri-
ocidental com o mundo islâmico. A repetição de ataques tada num pau”. violências de toda ordem que, no regime garem a tomar partido de forma abso-
à comunidade islâmica nos Estados Unidos, ou as Facto dolorosamente fácil de compro- soviético, se abateram sobre os povos que lutamente irracional, trazendo à tona
manifestações antiamericanas nos países árabes são os var nos degraus abjectos, submersos pelo o experimentaram. com demasiada frequência o que de mais
primeiros sinais disso. Nesta altura, em que todos nos tempo, da escada evolutiva da humanida- HENRIQUE V. RAMOS inumano existe dentro de nós. (...)
sentimos algo impotentes perante o correr da história, é de é o de que a religião tem sido usada Coimbra Lamento a violência e a morte mas
bom não esquecermos que na batalha do medo e do ódio para matar em nome do seu Deus. Fácil rejeito a diabolização daqueles que são
será também, e não tão doloroso com cer- diferentes de mim, a acusação sem pro-
cabe também a cada um garantir que a vitória será do
teza, demonstrar, contrariando Sarama- A fúria de Deus vas, a condenação baseada em suspeitas.
mundo civilizado. DAVID PONTES
go, que muitas das monstruosas violên- Em toda esta questão dos ataques terro- Esta guerra é a guerra da fome contra
cias físicas e espirituais não adquiriram ristas e (até agora) consequentes amea- a vontade de comer. Misturar deus, li-
proporções inimagináveis de monstros ças de guerra, algo que me impressiona berdade e democracia no mesmo saco e
jurássicos antropófagos, porque degraus é o papel que Deus vem tomando em am- atirar tudo isto para cima do inimigo que
contribuinte nº 502265094 houve, e há, onde as doutrinas religiosas bos os lados da contenda. O soberbo texto agita bandeiras tão confusas como esta é
depósito legal nº 45458/91
registo ICS nº 114410
dão sinais de respeito pela vida como ve- de José Saramago divulgado na edição de um acto leviano e muito pouco civilizado.
lhos faróis nas tormentas e em nome de 18 de Setembro no PÚBLICO, expõe uma Eu não sou americano, por isso “stars
E-mail: publico@publico.pt LISBOA: Rua Viriato, 17 – 1069-315 Lisboa; Telef.: 210111000 (PPCA) Fax: um Deus se justificam a beleza e o amor. perspectiva sólida sobre o assunto, mas, and stripes” abanando ao sabor do vento
Dir. Empresa 210111005; Dir. Editorial 210111006; Agenda 210111007; Redacção 210111008;
Publicidade 210111013/210111014 • PORTO: Rua João de Barros, 265 – 4150-414; Telef: 226151000 A beleza e o amor agradecem. mesmo assim, arriscaria mais umas pa- não me chegam.
(PPCA) / 226103214; Fax: Redacção 226151099 / 226102213; Publicidade; Distribuição 226151011• Sim. Todos temos direito a defender lavras. P.S. — Justiça infinita? Valha-me
BRAGA: Rua de S. Marcos, 126-1º Esq. Fr. – 4700 Braga Telef: 253619041; Fax: 253617983 • AVEIRO:
Rua Eng. Silvério Pereira da Silva, 16-A, 2º Tr. – 3800 Aveiro Telef/Fax: 234382507 • COIMBRA:
a relação com o nosso Deus ou com a Ouvir Bush arengar sobre o mal e o Deus!
Avenida Fernão de Magalhães, 153/157- 2º Dto, sala 6 – 3000 Coimbra Telef.: 239829554; Fax: 239829648 sua ausência, tal como escolhemos as bem causa-me arrepios. Do outro lado, o RUI SILVARES CARVALHO
• ALGARVE: Avenida da República Federal Alemã, bloco C 2 – 8000 Faro Telef.: 289806656; Fax: relações com as pessoas, e essas parecem- invisível Omar tem ideias concretas sobre Cova da Piedade
289806655 • VILA REAL: Rua 31 de Janeiro, 41 - 3º, sala 303, 5000 Vila Real Telef.: 259326262;
Fax.: 259326265 • MADEIRA: Rua dos Ferreiros, 55-2º Dtº – 9000 Funchal Telef.: 291231611 • me infinitamente mais importantes. A a existência de um deus verdadeiro que,
PROPRIETÁRIO: PÚBLICO Comunicação Social, SA Sede: Rua João de Barros, 265, 4150 Porto • verdade reside na natureza aos nossos sem sombra de dúvidas, protege os justos, O PÚBLICO errou
IMPRESSÃO: Unipress, Tv. Anselmo Braancamp, 220-Arcozelo/4405, Valadares; Telef.: 227537030;
Mirandela — Rua Rodrigues Faria, 103, 1300 Lisboa; Telef.: 213613400; Fax: 213613469 • DISTRIBUIÇÃO:
olhos perfeita, bela, mas não será ela um por ele liderados. Os americanos do Nor-
Midesa Portugal - Distribuição de Publicações, S.A.; Lisboa: Rua da República da Coreia, 34, Ranholas, colossal capítulo de miséria, morte, de- te inscrevem o nome da sua divindade No artigo “Timor, Angola, Bush, do
2710-460 Sintra; Telef.: 219267800, Fax: 219267850; Porto: Rua Engenheiro Ferreira Dias, 1173 a 1177, 4100 masiado tenebrosa para ser? O Homem, nas notas de dólar e acreditam, tal como pequeno-almoço ao jantar” publica-
Porto; Telef.: 226191211; Fax: 226191210; Algarve: Estrada de Boliqueime - Fonte de Boliqueime, 8100-070
Boliqueime; Telef. e Fax: 289366361; Coimbra: Beco Olheiro, Armazém 2, Adénia, 3020-028 Coimbra; Telef.: mesmo num trono déspota de raciona- os fundamentalistas islâmicos, que essa do na nossa edição de ontem, o di-
239430519; Fax: 239431592 • ASSINATURAS: 808200095 lidade, está condenado a essa natureza entidade protege sem hesitações a sua plomata português Nuno Brito vem
sanguinária, a beber dela enquanto o seu nação, que têm por sagrada. Aguarda-se, erradamente identificado como “Rui
próprio âmago é sugado, num vício de portanto, um combate entre deuses, que, Brito”. Pelo erro, que não é da res-
Tiragem média total do mês de Agosto ciclo interminável. decerto, não deixará pedra sobre pedra à ponsabilidade do autor do texto, as
AS SO C I AÇÃO P O R T UGUE SA
D O C O N T R O LO DE T I R AG E M
72.388 exemplares As páginas da história permanecem in- face do planeta. Qual destes entes eternos nossas desculpas.
2001
25 Setembro
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TER25SET
EDIÇÃO LISBOA
25 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4208
140$00 • €0,70 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico
www.publico.pt
ALEXANDER NEMENO/EPA

MÊS DE CIDADANIA

“Somos mais
empresários do que
empreendedores”
BUSH CONGELA
P28

ECONOMIA
FINANÇAS DOS
Cenário macroeconómico
do Governo sofrerá
reajustamentos
O cenário macroeconómico
TERRORISTAS
apresentado pelo Governo
nas Grandes Opções do Plano, elabo-
Ofensiva militar da
rado antes de 11 de Setembro, que con-
templa para 2002 uma taxa de cresci-
oposição em direcção
mento do PIB situada entre dois e 2,75
por cento, será reajustado consoante a a Cabul | A resistência
evolução da economia internacional.
Essas metas foram consideradas um das mulheres afegãs |
“desastre” pela UGT e “desanimado-
ras” por João Salgueiro. P31 Dicionário do Islão
(conclusão)
DEFESA
Reportagens dos nossos
PSD tenta “forcing” enviados Alexandra Lucas
Coelho, em Peshawar,
para travar nova Lei de e Adelino Gomes,
Programação Militar em Nova Iorque
P2 A 25 E 64

Durão Barroso defendeu ontem


perante o Presidente da Repúbli-
ca que a nova Lei de Programa-
ção Militar deve ficar na gaveta,
aprovando-se uma lei intercalar
para os próximos dois anos. P26

LIGA DOS CAMPEÕES

Octávio critica atitude


de Jorge Costa
O treinador do FC Porto deixou ontem
claro que não foi correcta nem justa a
atitude de Jorge Costa no último jogo
com o Setúbal, quando atirou com a
braçadeira de capitão ao chão antes de
ser substituído. O FC Porto defronta
hoje o Celtic, em Glasgow. P43

Guerrilheiros da
VAC A S L O U C A S Aliança do Norte, que
combatem o regime
Manada irregular taliban, montam
em terrenos do Estado guarda a um
aeródromo a 25
Herdade no Ribatejo arrendada pelo quilómetros de Cabul
Ministério da Agricultura foi alvo do
que poderá ser um dos maiores ca-
sos de incumprimento das normas de
identificação do gado bovino. P38

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ÍNDICE

BARTOON E OPINIÃO 23 A 25
BOLSA E MERCADOS 33 A 35
TELEVISÃO 53/54
CLASSIFICADOS 62 A69
CINEMAS 70/71
TEMPO E FARMÁCIAS 72
2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 25 SET 2001 G U E R R A AO T E R R O R I S M O À E S P E R A D A R E TA L I A Ç Ã O

de verbas em países a que cha-

EUA congelam bens de 27 mou de risco. Quando tomou


posse, em Janeiro, Bush opôs-
se ao programa, recuperan-
do-o, e alargando-o, agora.
“O dinheiro é a linha de

pessoas e organizações com


morte [trocadilho com linha
de vida, expressão anglo-sa-
xónica semelhante a “balão
de oxigénio”] das operações
terroristas. Hoje, pedimos ao
mundo que acabe com este

ligações ao terrorismo
financiamento”, disse Bush,
que não revelou os países por
onde passa a rede, mas con-
siderou ter criado “o equiva-
lente financeiro de uma lista
de pessoas mais procuradas
pela polícia”.
“Se fazem negócios com os terroristas, não fazem negócios com os Estados Unidos”, disse o Presidente Bush. Foi uma
ordem, e quem a desrespeitar deixará de poder fazer transacções financeiras e comerciais com Washington. Colin Powell As provas
A rota do dinheiro dos ter-
já tem documentos das rotas do dinheiro que financia o terror. Existem dois relatórios. Um, incompleto, que será passado roristas está no relatório de
aos “media”. Outro pormenorizado, que só chegará aos governantes de alguns países, como o Egipto, Jordânia, Arábia provas reunidas pelo Gover-
Saudita e Paquistão. Texto de Ana Gomes Ferreira, em Nova Iorque no contra Bin Laden. Parte do
documento vai ser divulgado
publicamente, porque a Ad-
Os Estados Unidos querem companhias que servem de Está identificada a rota fi- lionário de origem saudita sam de fachadas para a lava- ministração Bush foi adverti-
destruir a rede que financia fachada para o terrorismo, nanceira que alimenta Al-Qa- que, nos anos 80, começou a gem de dinheiro destinado ao da de que não deveria agir mi-
o terrorismo internacional. e a várias organizações não eda (A Base), organização ter- financiar grupos que comba- terrorismo. litarmente — no Afeganistão,
Ontem, o Presidente George lucrativas”. rorista de Osama bin Laden, tiam no Afeganistão, depois Os bens — os da Al-Qae- onde se crê estar Bin Laden
W. Bush anunciou o congela- Para infligir um “golpe nas acusado de ter orquestrado o da invasão soviética neste pa- da, mas também de outros — antes de provar a culpa do
mento dos bens que 27 indiví- fundações financeiras” do ataque contra os Estados Uni- ís da Ásia Central. A fortuna grupos — são movimentados suspeito número um.
duos e organizações possuem terrorismo, será adoptada dos a 11 de Setembro. Há duas de Bin Laden foi avaliada pe- em bancos de muitos países. “A maior parte das provas
no país. E disse aos bancos, uma lei a pormenorizar to- semanas, 19 terroristas des- los serviços secretos dos EUA Muitas vezes, são pequenas é secreta”, disse, ontem, o se-
às empresas e aos países por das as medidas que devem viaram quatro aviões comer- em 300 milhões de dólares (330 transacções, difíceis de detec- cretário de Estado, Colin Po-
onde passa o dinheiro, para ser aplicadas. “Não é só a ac- ciais e atiraram-nos contra al- milhões de euros). tar. A forma mais usada para well. Existem dois relatórios.
fazerem o mesmo. ção de um homem que faz vos no país. Dois destruíram A “conta bancária” come- fazer chegar o dinheiro aos Um, incompleto, que será pas-
Não foi um pedido. Foi funcionar [as redes terroris- o World Trade Center de No- çou a ser alimentada por pa- operacionais são os “hawa- sado aos meios de comunica-
uma ordem, e quem a des- tas]. É o acesso a fluxos de va Iorque, onde terão morri- íses islâmicos e, na última la”, postos de movimentação ção social. Outro pormeno-
respeitar será castigado — dinheiro, que lhes permitem do 6430 pessoas (oficialmen- década, o processo de multi- de vales, muito usados pela rizado, que só chegará aos
deixará de poder fazer tran- comprar treino militar, com- te, ainda estão desapareci- plicação do dinheiro sofisti- população dos países muçul- governantes de alguns países,
sacções (financeiras, comer- prar acesso”, explicou a con- das). Um atingiu uma ala do cou-se. O terrorismo interna- manos para enviar ou rece- como o Egipto, a Jordânia, a
ciais) com os EUA. “Se fazem selheira de Segurança Nacio- Pentágono, em Washington. cional vive, financeiramente, ber pequenas quantidades de Arábia Saudita, o Paquistão
negócios com os terroristas, nal, Condoleezza Rice. Bush O quarto falhou o alvo — os dos negócios de Bin Laden e dinheiro. (onde deveria ter chegado on-
não fazem negócios com os tinha explicado que a guerra passageiros enfrentaram os de outros empresários simpa- O anterior Presidente dos tem uma delegação dos EUA)
Estados Unidos da América”, contra o terrorismo não seria terroristas — e despenhou-se tizantes do movimento. São EUA, Bill Clinton, iniciou e outros países a quem Bush
disse Bush, frisando estar a apenas militar, teria muitas na Pensilvânia. negócios legais e ilegais, exis- uma política destinada a re- tem que provar existir uma
dirigir-se “aos indivíduos, às frentes. Osama bin Laden é um mi- tindo empresas que não pas- gular e vigiar movimentações justificação para a acção mi-

A PERSEGUIÇÃO DO FBI: PISTAS E SUSPEITOS


Boeing 767 Boeing 767 Boeing 757 Boeing 757 Os terroristas banidos por Bush
Organizações

Voo 11 American Airlines Voo 175 United Airlines Voo 77 American Airlines Voo 93 United Airlines TWA 674 Al-Qaeda (Afeganistão)
Boston para Los Angeles, Boston para Los Angeles, Washington Dulles para Los Angeles, Newark para San Francisco Fazia a ligação entre Grupo Abu Sayyaf (Filipinas)
92 pesssoas a bordo 56 pessoas a bordo 64 pessoas a bordo 45 pessoas a bordo Newark e San Antonio. Grupos Islâmicos Armados (Argélia)
Choca com o WTC, Nova Iorque Choca como o WTC, Nova Iorque Choca com o Pentágono, Washington DC Cai perto de Pittsburgh Suspeita-se que poderia Harakat ul-Mujahidin (Caxemira)
ser alvo de um quinto Al-Jihad - Jihad Islâmica (Egipto)
Também no voo: Também no voo: Também no voo: Também no voo: sequestro. Foi desviado Movimento Islâmico do Uzbequistão (Uzbeq.)
Abdulaziz al-Omari Fayez Ahmed, Mohald al-Sheri, Nawaq al-Hamzi, 25 anos, saudita; Saleed al-Gahmdi, saudita; Ahmed para Saint Louis depois Asbat al-Ansar (organização extremista
Walid e Wail-al-Sheri Hamza al Ghamdi, Marwan al-Shehhi Hani Hanjour, saudita; Salem al-Hamzi, al-Nami, 23 anos, saudita; Ahmed dos ataques em Nova libanesa liderada pelo palestiniano
21 anos, saudita; Majed Moged al-Haznawi, 20 anos; Ziad Jarrah Iorque e Washington Abdul Karim al-Saaedi)
Grupo Salafita para a Prédica
e o Combate (Argélia)
Grupo Islâmico Armado Líbio (Líbia)
Mohamed Atta Satam Al-Suqami Ahmed Al-Ghamdi Kahlid Al-Midhar Mohammed Jawez Al-Itihaad al-Islamiya (Somália)
33, Egipto 25, Arábia Saudita 21, Arábia Saudita Filmado em Kuala Lumpur no final e Azmathayub Ali-Khan Exército Islâmico de Áden (Iémen)
de Outubro do ano passado num Passageiros do voo TWA 679.
Suspeito líder dos grupos O FBI considera que Mantinha ligações Indivíduos
encontro com um suspeito
de sequestradores e piltoto do AA 11. mantinha ligações com com Hijazi
no ataque ao USS Cole Foram detidos quando viajavam
Membro da Jihad Islâmica no Egipto o suspeito Nabil al-Marah Osama bin Laden
de comboio perto de Fort Worth.
Tinham em sua posse x-atos e uma Mohammad Atef (um dos lugares-tenente
Iraque grande quantia em dinheiro. da Al-Qaeda, também conhecido como
Continuam ambos detidos. Jawez Subhi Abu Sitta e Abu Hafs al-Masri)
Autoridades afirmam ter-se USS Cole Albader A-Hamzi está habilitado a voar aviões comerciais. Saif al-Adel (alegado membro da Al-Jihad
encontrado com elementos e do comando da Al-Qaeda)
Os suspeitos detidos pelo Pensa-se que terá usado o nome
dos serviços secretos Xeque Sai'id (também conhecido
ataque aquele navio de de al-Midhar. Não compareceu
iraquianos na Europa. como Mustafa Mohammad Ahmad)
guerra americano no seu posto de trabalho em San
O Iraque nega estas Abu Hafs, o mauritano (também conhecido
afirmaram às autoridades Antonio no dia dos ataques.
acusações como Mahfouz Ould al-Walid e Khalid
sauditas que al-Zawahiri Actualmente detido como Nova Jersey al-Shaqiti)
planeou um ataque testemunha material
Os dois homens tinham estado Ibn al-Shaykh al-Libi
alojados num apartamento em Abu Zubaudah (também conhecido como
Jersey situado junto a uma Zayn al-Abidin Mohammad Husayn e Tariq)
Alemanha Abd al-Hadi al-Iraqi (também conhecido
Nabil al-Marabh mesquita usada pelos autores
Atta estudou em Hamburgo Raed Hijazi dos ataques terrrorista contra como Abu Abdallah)
juntamente com outros dois Suspeito de ser o principal Detido numa prisão jordana o World Trade Center em 1993 Ayman al-Zawahiri (número dois e médico
sequestradores Mawran elo de ligação entre de Bin Laden, ex-líder e fundador
al-Shehhi (UA 175) e Ziad Suspeito de ter planeado da Al-Jihad)
Al-Qaeda e as células nos
Jarrah (UA 93). Informações um falhado ataque contra Thirwat Salah Shihata
EUA. Detido na passada
divulgadas dão conta de mais lugares sagrados Tariq Anwar al-Sayyid Ahmad (também
quinta-feira. Conhecido
de 30 células terroristas activas. na passagem do Milénio conhecido como Fathi e Amr al-Fatih)
colaborador de Raed Hijazi
Fontes dos serviços secretos Mohammad Salah (também conhecido
consideram a Alemanha como como Nasr Fahmi Nasr Hasanayn)
um "refúgio da Al-Qaeda" Ayman al-Zawahiri Ramzi Yousef
Organizações sem fins lucrativos
Líder da Jihad Islâmica do Egipto, considerado o "número dois" da Condenado pelo atentado
organização de Bin Laden. Filmado no casamento de um dos filhos contra o World Trade Makhtab al-Khidamat/Al-Kifah (ligada
de Bin Laden no início deste ano e identificado como o coordenador Center, em 1993, que se à Al-Qaeda, de Bin Laden)
do ataque ao USS Cole. Os serviços secretos israelitas descrevem-no pensa ter sido coordenado Organização humanitária WAFA
como "cérebro operacionalprincipal" da Al-Qaeda. por al-Zawahiri Al-Rashid Trust (sediada no Paquistão)
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OSAMA BIN LADEN


D E S TA Q U E 3
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 25 SET 2001

litar contra os terroristas que


está em preparação. O Presi-
dente do Egipto, Hosni Mu-
barak, advertiu Washington
de que não deveria agir mili-
DERRUBAR OS TALIBAN Últimas
BUSH TEVE
tarmente antes de ter provas
inequívocas.
Sabe-se que o relatório in-
É UM OBJECTIVO? E DEPOIS? NEGÓCIOS COM
IRMÃO DE BIN
LADEN
clui informações antigas, re-
colhidas após o ataque con- A Administração Bush está dividida sobre se há-de ou não derrubar o regime dos “estudantes O Presidente norte-ameri-
tra embaixadas dos EUA em islâmicos”. Vizinhos poderosos poderão querer preencher o vazio político. “Catástrofe humanitária” cano, George W. Bush, es-
África, atribuído a Bin La- teve envolvido em negócios
den. Tem, também, o resulta-
é como é definida a vida de 26 milhões de afegãos. Por Ana Gomes Ferreira, Nova Iorque com um dos irmãos de Osa-
do das investigações ao aten- ma bin Laden, suspeito dos
tado contra o navio de guerra George W. Bush, o Presidente dos Estados rados, a partir de Cabul, pelo “mullah” Times” uma fonte do “conselho de guer- atentados de 11 de Setem-
USS Cole, quando estava es- Unidos, prometeu na sexta-feira derrubar Mohammad Omar. ra” de Bush, que pediu anonimato. O se- bro nos Estados Unidos,
tacionado no Iémen. E a de- o regime dos taliban se este continuasse Parte do país é controlada pela Aliança cretário de Estado, Colin Powell, fez de- noticiava ontem o “Daily
claração de guerra feita por a proteger o terrorista Osama bin Laden. do Norte que poderia chegar ao controlo de clarações igualmente dúbias: “O regime Mail”. Em 1978, Salem bin
Bin Laden aos EUA, a 23 de Continua. A Administração de Washington todo o território, e ao poder, com o auxílio do Afeganistão não é a primeira coisa a Laden e George W. Bush
Fevereiro de 1998: “Matar os já não está, porém, tão resoluta. Não sabe dos EUA. A Aliança não é um grupo político ocupar os nossos pensamentos. Não era fundaram juntos uma com-
americanos e os seus aliados, até que ponto lhe será vantajoso provocar homogéneo. É uma associação de facções há 15 dias e não é agora, exceptuando no panhia petrolífera, a Ar-
sejam civis sejam militares, é uma mudança política no Afeganistão. de oposição aos taliban, unificadas duran- ponto em que o regime continua a apoiar busto Energy Oil Company,
uma obrigação individual de “O regime [dos taliban] é repressivo e te anos sob a liderança do chefe militar Osama bin Laden.” no Texas, revela o jornal.
cada muçulmano.” terrível. O povo afegão passava bem sem Massoud, que foi assassinado nas vésperas Das declarações, sai uma conclusão. Salem bin Laden, o mais
No relatório vão estar os da- ele. Vamos ver quais são os meios que dos ataques contra os Estados Unidos. A Washington poderá estar a considerar velho dos irmãos Bin La-
dos das investigações reali- temos à nossa disposição”, disse a conse- escolha do momento para matar dar meios aos grupos no Afeganis- den, investiu uma parte
zadas agora. Há páginas com lheira de Segurança Nacional, Condolee- Massoud não terá sido alheia à ne- Análise tão — a Aliança do Norte ou os ta- substancial da herança do
conversas telefónicas feitas zza Rice. cessidade de retalhar a Aliança, em liban do Sul — para que sejam eles pai, um magnata saudita da
por pessoas com ligações à Al A equipa de estrategos e conselheiros caso de uma retaliação aos atentados em mesmos a derrubar os taliban. Evitaria construção, em várias com-
Qaeda depois de 11 de Setem- de George W. Bush começou, no fim-de- Nova Iorque e Washington. uma intervenção política directa e a res- panhias, incluindo 50.000
bro, em que se ouvem comen- semana, a olhar para o que existe no in- Nos últimos dias, além de ter aumenta- ponsabilidade a ela inerente: “Catástrofe dólares na Arbusto. Salem
tários à “operação”. O docu- terior das fronteiras do Afeganistão e pa- do os contactos com a Aliança do Norte, humanitária” é a única forma de descre- bin Laden morreu em 1983,
mento apresenta dados que ra o que existe fora delas. E as opiniões Washington iniciou contactos com tribos ver a forma como vivem 26 milhões de quando o seu avião priva-
tocam muitos pontos do mun- dividiram-se. Como se dividiram há uma do Sul do Afeganistão, de maioria étnica afegãos. do se despenhou. Os outros
do: desde Manhattan (em No- década, quando outro Presidente Bush pashtun e onde existem bolsas antagonis- Só que a opção tem riscos: não consegui- familiares de Osama bin
va Iorque) até às montanhas (pai do actual) decidiu que a guerra do tas — líderes religiosos que se opõem a rem criar (ou ajudar a criar) um regime Laden romperam há já vá-
do Afeganistão. Golfo acabava na desocupação do Kuwait, muitas das directivas do “mullah Omar”, estável, perpetuando o feudo de milícias rios anos as suas relações
A expectativa em torno do e não no derrube do regime iraquiano, nomeadamente à sua fidelidade a Bin La- em que o Afeganistão se tranformou. A com o inimigo número um
relatório é grande, apesar de a que continua a ser dirigido por Saddam den. “Há facções entre os taliban que não instabilidade no Afeganistão pós-taliban da América.
parte que vai ser tornada pú- Hussein. concordam com Omar e que preferiam levanta outro problema, notam os analis-
blica ser ínfima. Não se deve O Afeganistão deverá ser o cenário da não albergar a Al-Qaeda/A Base”, disse tas. Se não arriscarem e não forçarem GIULIANI
esperar uma encenação como primeira operação militar da guerra con- o sercetário da defesa norte-americano, uma mudança de regime, colocando no NÃO EXCLUI
a que aconteceu nas Nações tra o terrorismo. É neste país que vive Donald Rumsfeld. poder em Cabul um que seja favorável e R E C A N D I DATA R - S E
Unidas em 1962, quando o em- Osama bin Laden, que se escondem mui- “Estamos a discutir se será prudente domável, os EUA arriscam-se a ver Afega-
baixador Adlai Stevenson fez tos dos seus seguidores e que estão mon- que o derrube do regime dos taliban faça nistão ser disputado por países vizinhos, O “mayor” de Nova Iorque,
entrar no Conselho de Segu- tados alguns dos campos de treino dos parte da nossa estratégia [contra o ter- ansiosos por preencher um vazio político Rudolph Giuliani, não se
rança grandes fotografias dos terroristas, protegidos pelos taliban lide- rorismo]”, disse ao jornal “Los Angeles e reforçar influência na região. I quis pronunciar sobre os
mísseis soviéticos estaciona- rumores de que poderá
dos em Cuba. I REUTERS
tentar estender o seu man-
dato à frente do muni-
cípio. Giuliani, um dos
Taliban mais controversos mas
também mais carismáti-
mobilizam cos “mayors” nova-iorqui-
300 mil nos de sempre, tem sido
unanimemente elogiado
pela sua actuação na ges-
Os taliban apelaram on- tão da crise provocada pelo
tem à mobilização de 300 ataque à América no dia
mil homens para comba- 11. Elogiado ao ponto mes-
ter uma eventual reta- mo de alguns comentado-
liação norte-americana. res sugerirem que ele po-
O “mullah” Omar, líder derá tentar contornar a
espiritual do regime ta- proibição legal de se can-
liban, disse à cadeia de didatar a um terceiro man-
televisão qatari Al Ja- dato. “Ainda não tive tem-
zira que, se os EUA ata- po para pensar nisso”,
carem o Afeganistão, disse apenas Giuliani, re-
entrarão numa “guerra cusando discutir questões
sem fim, na qual a Amé- políticas, mas sem excluir
rica e só a América se também a hipótese de con-
irá queimar”. tinuar como “mayor”. Ho-
je são as primárias para
escolha dos candidatos de-
mocrata e republicano à
B-52 e B-1 sucessão de Giuliani; as
já estão eleições estão marcadas
para 6 de Novembro. Pou-
posicionados Powell e Bush ainda não decidiram o destino do regime taliban cos têm dúvidas, contudo,
de que se Giuliani quiser
e conseguir arranjar uma
O Pentágono anunciou forma de se apresentar às
que os bombardeiros pe-
sados norte-americanos
B-52 e B-1 já estão posi-
Bin Laden apela aos paquistaneses urnas será facilmente o
vencedor.

cionados em locais se-


cretos, no âmbito da Osama bin Laden apelou ontem aos pa- sejam os primeiros mártires da batalha ‘jihad’, pelo amor de Deus, inspirados MORTOS
operação de retaliação quistaneses para “repelirem” as tropas do Islão contra a nova cruzada judaica pelo Seu Profeta (...) e com o heróico e
pelos ataques de dia 11.
Um responsável do Pen-
tágono citado pela AFP
americanas que se preparam para inter-
vir no Afeganistão, numa declaração que
foi difundida pela televisão Al-Jazera, do
dirigida pelo cruzado George Bush sob
a bandeira da cruz.”
O apelo invoca “a ajuda de Deus para
fiel povo afegão, sob a direcção do co-
mandante dos crentes, o fiel ‘mullah’
Mohammed Omar, para triunfarmos
651
disse que “os B-52 e os Qatar. “Exortamos os nossos irmãos mu- vencer as forças do mal e da injustiça”. sobre as forças infiéis e as forças da ti-
B-1 já estão a postos”, çulmanos do Paquistão a tudo fazerem “O Paquistão é a primeira linha de de- rania e destruir a nova cruzada judaica
DESAPARECIDOS
recusando no entanto para repelir as forças americanas, a fim fesa do Islão na região, tal como o foi o no solo do Paquistão e do Afeganistão.
esclarecer sobre onde
foram colocados.
de as impedir de invadirem o Paquistão e
o Afeganistão”, diz Bin Laden.
Segundo o texto, Bin Laden lamenta a
Afeganistão há 20 anos, perante a inva-
são russa.”
Depois de citar passagens do Corão,
Se Deus vos ajudar, ninguém vos pode
vencer.”
O texto foi enviado por fax à televisão
6453
Vítimas dos atentados contra o World Trade
morte de quatro manifestantes antiame- afirma: “Asseguro-vos, queridos irmãos, do Qatar, que o não pôde autenticar por Center e o Pentágono e da queda de um
ricanos na sexta-feira: “Esperamos que que permanecemos firmes na via da outra forma. avião na Pensilvânia. Números oficiais.
4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 25 SET 2001 G U E R R A AO T E R R O R I S M O À E S P E R A D A R E TA L I A Ç Ã O

TODA A ESTRATÉGIA EXTERNA E INTERNA


Uzbequistão 200 km Tajiquistão
Na capital uzbeque, Tashkent, já se
UZBEQUISTÃO TAJIQUISTÃO Quatro unidades das forças especiais
encontram diversos aviões de transporte e britânicas SAS chegaram à capital,
helicópteros de combate americanos. O Duchambe, e entraram em território afegão.
Uzbequistão tem uma fronteira de 144 km TURQUEMENISTÃO O Tajiquistão tem o governo mais frágil da
com o Afeganistão, mas conta no seu Ásia Central e a mais longa fronteira com o
território com importantes bases aéreas, Caxemira Afeganistão, de 1240 quilómetros. Engloba a
incluindo uma 40 km a norte da cidade Mazar-i Sharif controlada parte do Afeganistão controlada pela
fronteiriça de Termez. E em Tuzel tem uma pelo Aliança do Norte, e tem sido o principal
base militar com capacidade para 20 mil Paquistão ponto de trânsito para as armas e outro
soldados, a uns 100 km do Afeganistão e a apoio dado a esse grupo. A fronteira tajique
meia-hora de voo de Cabul. Poderia ser o afegã é guardada por dez mil soldados e
centro de operações logísticas dos aliados. guardas fronteiriços russos. O chefe do
KABUL Estado-Maior das Forças Armadas Russas
Turquemenistão Peshawar conferenciou sábado no Tajiquistão com o
Herat comandante da Aliança do Norte.
É o mais imprevisível dos países da Ásia
Central, com uma fronteira de 800 km com o
Afeganistão, sem ninguém a guardá-la. O ISLAMABAD Quirguízia
Presidente vitalício Niyazov transformou o A Quirguízia, a norte do Tajiquistão, é contra
território num estado totalitário isolado, ao os taliban, mas há lá grupos militantes que
estilo da Coreia do Norte. A sua estátua A FE G A N I S TÃ O preocupam os EUA. O Departamento de
coberta de oiro encontra-se no centro da Estado tem detectado escaramuças
capital, Ashgabat. Tem-se mantido neutro no periódicas entre as forças governamentais
conflito afegão e não se crê que franqueie o Kandahar o movimento Islâmico do Uzbequistão, grup
país a tropas estrangeiras. de guerrilha que George W. Bush afirmou na
IRÃO semana passada ter laços com Bin Laden.
Irão PAQUISTÃO
Está a ajudar os 50 mil guerrilheiros afegãos Cazaquistão
do Partido Unido Islâmico, de Karim Khalili, ÍNDIA O Cazaquistão tornou-se ontem a primeira
que actua nas imediações de Mazar-i-sharif. das antigas repúblicas soviéticas a promete
Jack Straw era ontem à noite aguardado apoio prático à guerra contra o terrorismo,
em Teerão, para a primeira visita de um Mazar-i Sharif: uma cidade crucial ao oferecer as suas bases e aeródromos
chefe da diplomacia do Reino Unido ao Irão A segunda maior cidade do Afeganistão, Mazar-i Sharif, no sobre a legimitidade do regime dos "estudantes para um eventual ataque ao Afeganistão. O
desde 1979, o que ilustra a vontade da UE de Norte, é considerada sagrada, porque aqui estará islâmicos", apesar de a capital Cabul se encontrar já em Presidente Nazarbaiev declarou estar
manter um diálogo estreito com o país dos sepultado Ali, o genro do profeta Maomé, venerado seu poder desde Setembro de 1996. Um dia após a captura disposto a apoiar a intervenção com todos
ayatollahs. sobretudo pelos muçulmanos xiitas. A sua importância de Mazar-i Sharif, o jornal norte-americano "The New York os meios ao seu alcance. A fronteira do
ultrapassa, porém, o factor religioso. Tem uma localização Times" falava de um "triunfo do fundamentalismo", e o Cazaquistão fica a 320 km do Afeganistão.
Paquistão geográfica estratégica, porque faz a ligação entre Cabul, a diário londrino "The Times" referia-se ao "colapso da
Unidades da Brigada Aerotransportada 82 e capital, e a cidade uzbeque de Termez. Foi também um oposição no Afeganistão", o que mostra bem a importância
da Divisão 101 de Assalto Aéreo, dos bastião da oposição anti-taliban durante dois anos. que a cidade tem para o país. Para evitar novas ofensivas
Estados Unidos, poderão estar já nas Acredita-se que quem controlar Mazar-i Sharif terá a da oposição em Mazar-i Sharif, capital da importante
cidades de Peshawar e Quetta, segundo o missão facilitada para governar o país. Assim foi na região de Balkh, os taliban terão ordenado uma "limpeza
“Sunday Times“. A troika europeia guerra contra os invasores soviéticos (1979-1989) e étnica". Acredita-se que mais de oito mil pessoas
encarregada de associar os países durante a própria guerra civil afegã ainda em curso. Em 8 morreram, na sua maioria uzbeques apoiantes do general
de Agosto de 1998, quando os taliban conquistaram Mazar- Dostam. Os taliban aproveitaram esta importante vitória
muçulmanos à coligação internacional
i Sharif ao general Abdul Rasheed Dostam, o vizinho para marcharem sobre Bamyan, a 13 de Setembro de 1998,
deixou ontem Bruxelas para Islamabad.
Paquistão reconheceu imediatamente o novo Governo. o que lhes deu o controlo de 90 por cento do Afeganistão e
Antes, e embora os taliban controlassem dois terços do o apoio da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos.
território afegão, nenhum país se tinha ainda pronunciado Carlos Martinho

FASES DE UM POSSÍVEL ATAQUE GRUPOS DE OPERAÇÕES


Fase 1- Vigilância Fase3 - Raide de forças especiais ESPECIAIS
Para encontrar Bin Laden é necessário obter informações de dentro do Afeganistão, Para colocar no terreno uma Arma
Camuflagem anti- SAS (Reino Unido)
possívelmente da oposição ao regime taliban. Aviões-espiões sofisticados e satélites pequena força é necessário tanque Especialmente treinados
têm uma utilidade bastante limitada no que diz respeito à vigilância de alguém a cooperação de, pelo menos, AT-4 para a luta antiterrorista.
em particular ou de pequenos grupos, mas podem ser utilizados para ajudar um dos estados vizinhos, já que um Unidades de 50 homens.
a dirigir um ataque aéreo sobre aeroportos ou concentrações de tropas. raide de helicóptero teria de ser
Últimas actuações:
lançado a uma distância máxima de
1982 Guerra das Malvinas
350Km do seu alvo.
1991 Guerra do Golfo
Delta Force EUA/SAS Reino Unido Metralhadora 1990 Bósnia
Tropas altamente treinadas, M16A1 5,56mm 1999 Kosovo
com experiência em guerrilha com lançador 2000 Serra Leoa
de montanha, capacidade de de granadas
movimentação no ar e no mar, M203 de 40mm
Pensa-se que os EUA tenham cinco CDS (França)
armas especiais e veículos Com base em Bayonne
satélites-espiões capazes de observar Pistola
preparados. Ambas estas forças
o Afeganistão, três com capacidade Granada de fragmentação M68 De 800 a 1200 homens
já foram utilizadas em missões
fotográfica e dois equipados com radar Especializados em pára-quedismo
anti-terroristas e de libertação
de reféns. Sabe-se que o SAS
Fase 2 - Ataque aéreo tem experiência no Afeganistão, KSK (Alemanha)
onde treinou guerrilheiros afegãos Potência Com base em Calw
Aviões e mísseis podem ser lançados a partir das bases na Arábia Saudita, Kuwait, Dois motores turbo
Diego Garcia e porta-aviões no Mar Arábico. Os alvos, no entanto, deverão limitar-se nos anos 80. 400 homens
dão-lhe uma Especializados em pára-quedismo
a bases conhecidas de Bin Laden mas, provavelmente, já abandonadas há muito. velocidade máxima
de 268 km/h e montanhismo
Comprimento: 48,5m
Boeing B-52
Envergadura: 56,4m NORTE-AMERICANOS
Transporta até 20 Velocidade: 1040km/h UH-60 Blackhawk
mísseis de cruzeiro Altitude: 15.150m Capacidades Navy Seals
Peso: 83 ton. Protecção blindada
Raio acção: 14.160 km Cabina Corpos especiais da Marinha
para os pilotos,
Tripulação: 5 pás reforçadas 13 soldados e dois membros 2200 homens
e depósitos à prova da tripulação podem embarcar
em apenas seis segundos
de bala Boinas Verdes
Comandos de elite
AH-64 Apache Radar de longo alcance 5000 homens
Cockpit blindado Guia mísseis até ao alvo
Dois tripulantes Divisão Aerotransportada 101
Apontador de mísseis Especialistas em voar sobre
AGM-86 Laser para orientar zonas conflituosas e soltar
Tipo: Míssil de cruzeiro mísseis Hellfire ou recolher as equipas
Tomahawk Tampão de escape
lançado de avião de forças especiais
Tipo: Míssil de cruzeiro Reduz a libertação
Comprimento: 6m Comprimento: 6,32m
de calor, iludindo
Peso: 1900 Kg Peso: 1458Kg
mais facilmente Rangers
Explosivos: 453Kg Explosivos: 450Kg Unidade de actuação rápida
eventuais radares
Alcance: 1 600Km Alcance: 2500Km do Exército

Fonte: The Military Balance, IISS / Andrew Brookes, IISS REUTERS | PÚBLIC
D E S TA Q U E 5
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 25 SET 2001

OS SENHORES

AFEGANISTÃO Aliança do Norte avança DA G U E R R A


A N T I TA L I B A N

O mais duro para Mazar-i-sharif MOHAMMAD FAHIM


O herdeiro de Massoud
campo de Antigo chefe dos
serviços secretos da
REBELDES AFEGÃOS PEDEM
batalha
ne à Reuters: “Acredito que os ganistão entre o fim do Gover- Aliança do Norte, foi
EUA são a maior chance do po- no comunista e o triunfo dos escolhido como
INTERVENÇÃO DOS EUA vo afegão para remover o ter- taliban. sucessor do assassinado
rorismo. Os taliban estão na Mais: a maior parte dos ele- Ahmed Massoud. Como

do mundo Coligação de forças


antitaliban conquista
vitórias no terreno e
defensiva, vulneráveis a ata-
ques. A moral das suas tropas
é baixa e eles fugirão a com-
bates pesados.” Khan, acres-
mentos da Aliança do Norte
pertence a uma das várias mi-
norias étnicas do país — uzbe-
ques, tajiques, xiitas, etc. — e a
ele, Fahim é etnicamente tajique,
também originário do vale de Panchir, e
lidera a facção Jamiat-i-Islami da
Aliança. Fahim tem estado em contacto
Se a retaliação norte-americana passar por coloca regime afegão na centou no entanto que os EUA seu implantação entre o prin- com as autoridades da Rússia e do
um ataque militar ao Afeganistão com in- “devem logo a seguir retirar cipal grupo étnico do país, os Tajiquistão. Resta saber se terá o
fantaria, a tarefa que aguarda as tropas dos
defensiva; mas será a as suas tropas do Afeganis- pashtun. A figura carismática carisma e engenho de Massoud para
EUA é quase impossível. O Afeganistão é um Aliança capaz de resistir tão” porque os afegãos “não de Massoud garantia alguma manter sob o seu controlo as facções
país praticamente sem quaisquer alvos tradi- às suas divisões gostam de ocupantes estran- coesão na Aliança; está ainda pashtun, xiitas e uzbeques da sua frágil
cionais para ataques aéreos (como bases mili- internas? geiros”. por saber se as agendas pesso- coligação. Outro nome que aparece
tares ou infra-estruturas) e os afegãos são um O problema da Aliança do ais de “senhores de guerra” frequentemente na ala tajique da
povo há mais de 20 anos ininterruptamente Norte é que os seus membros como o uzbeque Dostam ou o Aliança é Ismail Khan, o ex-governador
em guerra. Um exército que queira invadir o PEDRO RIBEIRO pouco têm em comum para xiita Khalili poderão ser con- da província de Ghor e Herat (centro
Afeganistão irá encontrar pela frente a tena- além do objectivo de remover ciliadas. I do Afeganistão); outra facção
cidade dos guerrilheiros afegãos, habituados a Guerrilheiros da Aliança do os taliban. Mais: a sua popu- importante da Aliança é a liderada por
um terreno irregular onde veículos militares Norte (a coligação afegã que laridade entre o povo afegão, Gulbuddin Hakmatyar, um pashtun — o
são inúteis e a neve pode chegar à altura do combate o regime taliban) sob mesmo entre aqueles que já O problema da Aliança principal grupo étnico do Afeganistão,
pescoço. O diário britânico “The Guardian” o comando do general Rashid estão fartos dos taliban, é du- do Norte é que os seus ao qual também pertencem os taliban.
falou com Tom Carew, um ex-agente do SAS Dostam estão a apenas 30 qui- vidosa. Nos últimos anos, a
(serviços especiais britânicos) que, em 1979, lómetros da cidade de Ma- Aliança do Norte transmitia
membros pouco têm em RACHID DOSTAM
treinou guerrilheiros afegãos para combater zar-i-sharif, segundo a BBC. uma imagem de desorganiza- comum além do
as tropas soviéticas. Carew contou ao “Guar- Mazar-i-sharif é um objectivo ção e ineficácia; a coligação é objectivo de remover O uzbeque
dian” a sua experiência e por que é que acha estratégico crucial, não só pela herdeira do regime caótico e os taliban
uma missão impossível uma invasão por terra sua situação geográfica mas pe- corrupto que mandou no Afe- Os seus combatentes
do Afeganistão. Excertos: lo seu valor simbólico — é uma dizem-se descendentes
cidade santa para os taliban. ALEXANDER NEMENOV/EPA do mongol Genghis Khan,
A resistência dos combatentes afegãos A notícia vem na sequência e têm reputação de ser a
de três dias de relatos de pro- força mais bem
“Quando cheguei a Peshawar [Paquistão], gressos militares da Aliança do organizada dentro da
um líder militar afegão avisou-me: ‘Espero Norte, uma coligação hetero- Aliança. O general Dostam é uzbeque,
que esteja em forma, os meus homens mar- génea que combate os taliban e só este ano uniu forças à Aliança de
cham muito depressa.’ Tudo bem, pensei eu. desde que estes chegaram ao Massoud. Dostan foi expulso pelos
Estava habituado a marchar. Mas, meu Deus! poder em Cabul e que represen- taliban dos seus domínios no norte do
(…) Depois dos três mil metros [de altitude], ta, aos olhos da comunidade in- Afeganistão em 1989. Depois de uma
o oxigénio escasseia e a minha concentração ternacional, o poder legítimo temporada de exílio na Turquia, voltou
foi-se. Os afegãos estavam habituados, mas os no Afeganistão. Segundo a pró- agora e serão as suas forças que estão
outros tinham grandes dificuldades.” pria Afghan Islamic Press (a a comandar o assalto à cidade santa
agência noticiosa dos taliban), — e estrategicamente crucial — de
“[Eu e os guerrilheiros afegãos] não tínha- a Aliança tomou a cidade de Za- Mazar-i-sharif.
mos tendas. Dormíamos ao relento ou em ri e houve combates na região
cavernas. Havia tipos que carregavam só de Mazar-i-sharif. ABDUL KHARIM KHALILI
uma arma, munições e um bocado de pão Nos últimos dois anos, a
“nan”. (…) É impossível para um soldado Aliança do Norte esteve siste- O xiita
ocidental carregar equipamento pesado e maticamente na defensiva. Os
acompanhá-los.” taliban controlam pelo menos Khalili é o chefe da milícia xiita
90 por cento do território afe- Wahdat. Num país de maioria
“Devido à doutrina que lhes é inculcada, gão, confinando a guerrilha da muçulmana sunita, a minoria xiita foi
segundo a qual é uma grande honra morrer Aliança a uma pequena zona brutalmente perseguida pelos taliban,
numa guerra santa, [os guerrilheiros] eram no nordeste do país. Ainda es- e é das que tem mais interesse em os
destemidos e corriam riscos que soldados te ano, os taliban haviam con- combater. Desconhece-se qual a real
ocidentais talvez não corressem.” seguido importantes vitórias, força dos guerrilheiros de Khalili, mas
ameaçando cortar a princi- ele pode desempenhar um papel
As armadilhas do terreno pal rota de abastecimento da fulcral na ligação ao vizinho Irão
Aliança, a fronteira com o Ta- — o único país do mundo governado
“Enquanto campo de batalha, [o Afeganis- jiquistão. por um regime xiita.
tão] é um pesadelo. É uma fortaleza natural. O assassínio do líder da
Não se pode avançar com veículos — os desfi- Aliança, Ahmed Massoud (no BURHANUDDIN RABBANI
ladeiros são demasiados escarpados. Os rus- qual, segundo algumas fontes,
sos tiveram que passar por horrores. Ficaram estará implicado o magnata de O político
imobilizados. Uma coisa é avançar com infan- origem saudita Osama bin La-
taria, mas é preciso apoiá-la com artilharia den) parecia ser o golpe mor- Teoricamente, Rabbani
e morteiros; com este relevo, isso é quase im- tal na rebelião anti-taliban. ainda é o Presidente do
possível.” Mas agora os papéis inverte- Afeganistão. As 34
ram-se, muito devido à enor- embaixadas do país —
“E, claro, há o clima. No fim deste mês, o me pressão e isolamento inter- incluindo o seu assento
Inverno começa a instalar-se. Começa com nacional a que os taliban estão nas Nações Unidas —
a chuva; depois o frio, depois a neve. A meio submetidos e à expectativa de estão-lhe subordinadas, e Rabbani é
de Outubro, a neve será muito alta, com uma uma retaliação militar norte- nominalmente o chefe político da
altura até ao pescoço. O frio impede o uso de americana no Afeganistão. Aliança do Norte. Na prática, o seu
helicópteros.” Os líderes da Aliança já se papel tem sido relativamente reduzido
dispuseram a cooperar com desde que foi deposto pelos taliban. No
Problemas logísticos Washington, e estão claramen- entanto, a sua legitimidade política
te ávidos de auxílio tanto poderá fazer dele um interlocutor para
“Seria muito difícil a um exército estran- dos americanos como dos rus- o Ocidente — a BBC divulgou que
geiro estabelecer uma rota de abastecimento. sos (Moscovo exerce uma in- Rabbani estará actualmente no
Tentar carregar comida e água para o cima fluência decisiva nas várias Os guerrilheiros Afeganistão, junto à fronteira com o
destas montanhas, algumas com mais de 4000 repúblicas ex-soviéticas que da Aliança Tajiquistão, em contactos com
metros de altura, é loucura.” fazem fronteira com o Afega- do Norte têm diplomatas norte-americanos.
nistão). conseguido
“Uma força ocidental ia dar nas vistas, (…) importantes
A maioria dos combatentes afegãos usa san- Coligação precária vitórias militares
dálias com faixas de pneus antigos nas solas; a Ontem, Ismail Khan, antigo nos últimos
pegada de uma bota ocidental seria facilmente governador da província de três dias
identificável.” Ghor e Herat, disse por telefo-
6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 25 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO MUNDO ISLÂMICO

AFEGÃS EM REVOLUÇÃO
DEBAIXO DOS PANOS
Ocultas sob a “burqa”, o pano que as tapa, duas mil afegãs lutam clandestinamente contra o regime taliban nas principais cidades do Afeganistão.
Ensinam as mulheres a ler, ajudam-nas a lançar uma actividade de subsistência, asseguram cuidados médicos, recrutam as mais combativas.
Ao exterior, fazem chegar imagens, testemunhos e relatórios. Arriscam a vida todos os dias. Nunca foram apanhadas.
Da nossa enviada Alexandra Lucas Coelho, em Pershawar
ROMEO GACAD/EPA

O nome de guerra é Marina. Custa a crer que


tenha 21 anos. Parece uma gaiata. Olhos negros
muito vivos, cabelo apanhado, sem véu nem
lenço. Fala inglês a uma velocidade alucinante.
Assim sentada, a beber chá num bazar de Per-
shawar, podia ser uma paquistanesa educada
em Londres. Mas é afegã, com um mês de vida
foi levada para uma prisão de Cabul e cresceu
com as activistas da Associação Revolucionária
das Mulheres do Afeganistão (RAWA), uma
rede clandestina de duas mil afegãs que com-
bate o regime taliban, apoiando mulheres e
crianças por todo o país.
“A única vantagem da ‘burqa’ [o pano que
cobre as afegãs] é que podemos ver os outros,
mas os outros não nos podem ver a nós. Nin-
guém sabe quem somos”, explica Marina. Por
baixo dos panos, movem-se em todo o terri-
tório afegão para tentar dar às mulheres o
que os taliban proibiram: escola, assistência
médica, auto-suficência, conhecimento dos
seus direitos.
Quando encontram uma activista em po-
tência, recutam-na. Foi o que aconteceu com
Nasreen, a adolescente sentada ao lado de Ma-
rina. Acompanha-a, aqui em Pershawar, em
todos os contactos. Está a aprender. Tem 16
anos. (Ainda) só fala farsi, a principal língua do
Afeganistão. (Ainda) não cumprimenta, como
Marina, com um beijo. (Ainda) traz o lenço
sempre sobre a cabeça.
Marina também é uma farsi. Nasceu em Ca-
bul, no gelado Inverno de 1981, nos primeiros
tempos da invasão soviética, quando o Afe-
ganistão ainda tinha quadros superiores e,
na capital, uma herança cosmopolita. O pai,
formado na Alemanha, era engenheiro. A mãe,
formada em Paris, professora de física e mem-
bro activo da RAWA, fundada quatro anos antes
(ver caixa). Por causa de um relatório sobre
a situação nas prisões afegãs, foi presa pelas
tropas soviéticas e condenada a cinco anos de
cadeia, com uma redução para três anos por
ter um bebé.
“Eu tinha um mês. O meu pai foi exilado,
fui com a minha mãe para a prisão de Sidarat.
Quarenta mulheres numa cela e eu, não havia
mais crianças. As primeiras coisas que aprendi
foram os nomes de todos os países e capitais
do mundo, um jogo, e canções patrióticas, que
elas cantavam, em desafio.”
Em 1984 foram libertadas. “Ficámos em Ca-
bul, a minha mãe ensinava, mas tínhamos de
estar sempre a mudar de casa, quando desco-
briam que ela era uma ex-prisioneira política.”
Quatro anos depois, no auge da fuga de milhões
de afegãos, partiram para o Paquistão. A RAWA
tinha duas delegações, uma em Quetta outra
em Pershawar, a trabalhar com as mulheres
refugiadas. “Estudei sempre nas escolas da
RAWA, e aos 16 anos comecei a fazer a edição
da nossa revista em urdu [a língua principal
no Paquistão].”

Ossos entre ruínas


Aos 18 anos, Marina tapou-se com uma “bur-
qa” e voltou pela primeira vez a Cabul: “Foi
duro, muito duro. Estamos numa ponta da ci-
dade e conseguimos ver a outra ponta, porque
não há edifícios no meio, só ruínas. Não há
portas, nem janelas, as pessoas venderam tudo
o que podiam para arranjar dinheiro para
comer. E quando já não tinham mais nada co-
meçaram a desenterrar ossos dos cemitérios
e a vendê-los.” Uma refugiada afegã na cidade paquistanesa de Peshawar: as agências humanitárias preparam-se para uma catástrofe em caso de guerra
D E S TA Q U E 7
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 25 SET 2001

O empurrão de Ophra
Foi com ajuda do “show” de Ophra Winn- pelo KGB. Na origem, em Cabul, era uma
frey, uma das mais célebres anfitriãs da organização para os direitos das mulhe-
televisão americana, que a RAWA ga- res e direitos políticos em geral.” A inva-
nhou notoriedade e centenas de câmaras são russa centrou a actividade da RAWA
vídeo, para poder registar a violência do na luta pela independência: “Agitação po-
regime taliban. lítica, demonstrações nas universidades,
“Uma das nossas activistas foi convidada, o início da revista, em várias línguas.”
subiu ao palco totalmente coberta, e, em O trabalho com as mulheres prosseguiu
SAEED KHAN/EPA sobretudo no
Paquistão, ao
longo dos anos
80, com grande
afluxo de refu-
giados. “Fun-
dámos delega-
ções em Quetta
e Pershawar,
escolas de ra-
parigas e um
hospital.”
Os fundos da
associação vêm
“das revistas
vendidas, de
trabalhos de
bordados e ta-
peçarias, e de
individuais.
Depois do
directo, despiu a ‘burqa’. No final da en- ‘show’ da Ophra, houve um interesse tão
trevista, Ophra fez um apelo para que nos grande no nosso trabalho, que raparigas
mandassem câmaras. A partir do dia se- por todo o mundo mandavam-nos as me-
guinte, começámos a receber uma média sadas. Era muito pouco dinheiro, mas
de 700 ‘mails’ por dia, oferecendo câma- com grande significado para nós.”
ras. A polícia paquistanesa chegou mes- Agora, 60 por cento das activistas estão
mo a interrogar-nos na fronteira...”, con- no Afeganistão e 40 por ecnto no Paquis-
ta Marina, a responsável em Pershawar tão. Para além do trabalho com os refu-
com quem o PÚBLICO conversou. giados (Quetta e Pershawar são as zonas
Mas a história da RAWA vinha muito de de maior concentração), a RAWA não so-
trás, de 1977. “A fundadora, Mina, foi as- breviveria sem uma plataforma no exte-
sasinada em 1997, em Quetta [Paquistão], rior. A.L.C.

Nas casas das famílias, ou em “ateliers” de lá? Temos muita pena dos budas de Bamyan
bordados e tapeçarias usados como fachada, [região vizinha de Hazarat], mas não mais do
acompanhou as activistas da RAWA que ensi- que das pessoas que morrem de forma bár-
nam as mulheres afegãs a ler. Um crime, en- bara todos os dias. Quando os budas foram
tre os taliban: “Estamos sempre a mudar as destruídos, o mundo indignou-se, os primeiros-
escolas de sítio. As crianças têm de ter muito ministros queriam ir a correr salvá-los... Por
cuidado. Somos muito prudentes.” Até aqui, favor, há tragédias humanas a acontecer.”
nunca foram apanhadas. Os taliban sabem da RAWA mas, segundo esta
Há equipas de alfabetização nas zonas de jovem activista, nunca conseguiram apanhar
Cabul (Nordeste), Mazar-i Sharif (Norte), Ba- nenhum membro: “Há uma pena de prisão só
dakhshan (extremo Nordeste), Herat (Oeste), para quem estiver a ler a nossa revista. Como há
Farah (Sudoeste), Nimruz (Sudoeste), Kan- mulheres que foram espancadas só por usarem
dahar (Sudeste), e Jalalabad (Leste). sapatos brancos, uma afronta, porque a cor da
“Para além disso, temos entre 50 e 100 equi- bandeira é branca. E se não for a cor é o barulho
pas médicas móveis, só nas regiões de Cabul dos saltos dos sapatos, que pode corromper os
e da fronteira noroeste com o Paquistão, e aju- homens... Porque eles saltam quando vêem uma
damos as pessoas a desenvolver recursos agrí- mulher! Multiplique por milhões o olhar fixo
colas ou criação de galinhas. Tudo isto é uma que há aqui em Pershawar para uma mulher
fonte de contacto com a população, e é através que não esteja coberta: é o olhar deles. Os taliban
destas actividades que encontramos as mulhe- são totalmente iletrados, ignorantes, selvagens,
res que se podem juntar a nós, também.” assassinos. E entretanto, têm bordéis de prosti-
Além de um site (rawa@rawa.org) e de uma tutas, geridos e frequentados por taliban.”
revista com relatórios actualizados e fotogra-
fias, vários filmes vídeos são passados para ONU e o regresso do rei
fora. Outro crime, num regime que aboliu as A RAWA, segundo esta responsável em Per-
imagens, incluindo televisão e fotografias: “Um shawar, defende que a única solução para um
dos nossos membros filmou a execução de uma Afeganistão “livre de taliban ou ‘mujhaeddin’”
mulher no estádio deportivo de Cabul, em No- seria “uma força de paz das Nações Unidas
vembro de 1999. Ela chamava-se Zermina. Ti- para desarmar os dois lados e organizar um
nha assassinado o marido, mas a família do plebiscito”. Num cenário de vazio de governa-
marido tinha-lhe perdoado, porque ela era mãe ção — “não há nenhuma organização política
de sete crianças.” popular entre os afegãos” —, Marina acredita
Há imagens de outros castigos: “Se uma ra- que o futuro deveria passar pelo regresso do
pariga virgem tem relações sexuais leva 40 antigo rei, que vive exilado em Roma: “Zaircha
chicotadas, mas se for uma mulher casada é é a única forma de poder que seria aceite agora.
apedrejada até à morte. Tudo isto é terrív el Costumamos dizer que preferimos o cão de
nas zonas rurais, mas ainda mais nas cidades Zaircha aos taliban e aos mujhaeddin.”
grandes. E aí, muitas das mulheres que vemos A ferocidade antitaliban de Marina não deve
agora, todas cobertas, como fantasmas, eram ser traduzida como um sentimento pró-ameri-
professoras, cantoras, bailarinas, advogadas, cano, como ela faz questão de explicar: “Nós
cobrirem-se nem fazia parte da sua cultura.” temos muita pena do que aconteceu em Nova
Iorque, solidarizamo-nos com eles, com a sua
Têm pena dos budas? dor, e somos contra qualquer forma de terro-
Marina fala também em imagens do massacre rismo. Mas os Estados Unidos têm de tentar
de Hazarat, em Setembro de 1998. Hazarat é um descobrir qual é a forma certa de combater o
bastião xiita no centro do Afeganistão (85 por terrorismo, e diferenciar uma nação de quem a
cento sunita): “Vinte aldeias foram arrasadas, domina, destruindo-a de forma criminosa.”
243 pessoas morreram, dois rapazes foram esfo- No lugar em que estamos, começa a ouvir-
lados vivos. As mulheres e crianças foram pou- se o canto de chamada para a oração. Sem
padas, mas só três dos homens sobreviveram, parar de falar, Marina leva as mãos ao lenço Praça Francisco Sá Carneiro, 10-D (Pç. do Areeiro) 1000-160 LISBOA
e as colheitas foram destruídas. Elas ficaram que traz no vestido e cobre um pouco a cabe- Tel.: 21 845 30 10 • Fax 21 845 30 18
sem nada.” ça. É uma revolucionária. Não deixa de ser e-mail: chavareeiro@mail.telepac.pt • site: www.chavesareeiro.pt
Pergunta Marina: “Quanto ‘media’ foram muçulmana. I
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PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 25 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO MUNDO ISLÂMICO
TARIQ MAHMOOD/AFP

O ex-rei que
quer voltar
O ex-rei do Afeganistão, Mo- nias minoritárias. Zahir Shah
hamed Zahir Shah, de 86 anos, frisou que o primeiro acto du-
que alguns meios ocidentais ma futura reorganização polí-
e afegãos encaram como uma tica será a convocação da as-
figura-chave para a constru- sembleia tradicional, a “Loia
ção de uma alternativa ao Jirga”, composta pelos chefes
poder dos taliban, está a de- tribais, intelectuais, autorida-
senvolver uma intensa activi- des religiosas e outros.
dade. No exílio em Roma des- Nascido em Cabul em 1914,
de 1973, Zahir Shah recebeu Zahir Shah ascendeu ao poder
recebeu no domingo Francesc em 1933, após o assassínio de
Vendrell, o enviado das Na- seu pai, Mohamed Nader Shah.
ções Unidas ao Afeganistão. Nos anos 20, o Afeganistão foi
No sábado, encontrou-se com objecto de um projecto acele-
uma delegação da frente opo- rado de modernização e laici-
sicionista Aliança do Norte, o zação, inspirado na Turquia
principal adversário dos tali- kemalista e protagonizado pe-
ban nos terreno. lo rei Amanulah. A reforma
Na quinta-feira lançara, na foi parcialmente abortada pela
rádio Voz da América, um ape- revolta islamista de 1929, que
lo ao povo afegão para que se levou à abdicação do rei e a
liberte dos “terroristas estran- um curto período de domínio
geiros”, visando Bin Laden. fundamentalista.
Numa entrevista ao diário ro- O reinado seguinte, de Na-
mano “La Repubblica”, o ex- der Shah, foi rapidamente in-
rei declarou-se pronto a regres- terrompido pelo seu assas-
sar a Cabul para ajudar sínio. Com o fim da
a restabelecer a norma- Perfil II Guerra Mundial e a
lidade no país. “O povo guerra fria, o Afeganis-
afegão é a primeira víti- tão de Zahir Shah op-
ma do terrorismo”, disse. “De- tou por uma política de equi-
pois de anos de guerra civil im- líbrio entre os dois blocos. Em
posta pelo exterior, depois de 1966, o rei lança o projecto de
dez anos de luta de libertação uma monarquia constitucio-
contra os soviéticos, o nosso nal, que mesmo não autorizan-
povo está cansado. O povo es- do os partidos políticos, trou-
tá solidário com as vítimas do xe uma certa liberalização e a
terrorismo. [Contudo] a minha eleição de um parlamento. As
dor é profunda pelo que acon- mulheres passaram a ter direi-
teceu ao povo americano.” to de voto e chegaram mesmo
Depois do encontro com o a fazer parte do governo.
monarca, Vendrell afirmou Abriu-se depois uma fase de

Antes da fronteira que Zahir Shah poderá ter instabilidade, com a ascensão
um importante papel político de forças islamistas, comunis-
nos próximos tempos. Mas “tal tase maoistas. A grande seca
não significa automaticamente de 1972 e a incapacidade de res-
a restauração da monarquia, posta do governo foi fatal pa-

Os espiões contrário dos anos 80, quando a URSS


tentava tomar o Afeganistão e ninguém
sabia quem é que espiava quem, porque
contrabandistas que opera nas mon-
tanhosas zonas do Kyber Pass, entre
Pershawar e o Afeganistão.
pois deverão ser os próprios ra a monarquia. Aproveitando
afegãos a decidirem a forma uma estada do monarca em Ná-
de governo”. Meios ocidentais poles, o seu primo Mohamed

sentados não havia uma massa de enviados es-


peciais, mas sim correspondentes e jor-
nalistas locais. Agora, os enviados têm
Imagine-se a inflação das tarifas dos
contrabandistas nos dias seguintes.
e da oposição afegã vêem no Daud deu um golpe de Estado
antigo rei a forma de legitima- e proclamou a república. Zahir
ção duma alternativa ao poder Shah passou a viver exilado
Sete da manhã no Hotel Pearl Continen- mesmo ar de enviados (perguntando taliban. Com uma vantagem em Roma. Em 1991, sobrevi-
tal de Peshawar, a abarrotar de jornalis- pela enésima vez aos tradutores como suplementar. Ele representa veu a um atentado perpetrado
tas. Os jornalistas deitam-se tarde. É um
problema de fuso horário. Da Califórnia
a Hong Kong. Basicamente, a meio da
chegar à fronteira) e os espiões têm mes-
mo ar de se estar a aborrecer imenso.
Uma espécie de obrigação de serviço
Rapazes uma dinastia pashtun, a etnia por um português, Paulo José
maioritária, enquanto a Alian- Almeida Santos, cujas motiva-
ça do Norte reúne sobretudo et- ções não eram claras. I
noite fazem “vivos”, transportam saté-
lites para o parque de estacionamento,
público, tendo em conta que os serviços
secretos paquistaneses não foram nada e raparigas ANTONIO DENTI/REUTERS

martelam as teclas dos portáteis com secretos em relação à sua vinda.


a BBC em surdina, e massacram o fun- Na Universidade de Peshawar não se
cionário escalado no “Business Centre”, vê uma única estudante sem a cabeça
eufemismo para a sala com quatro com- coberta. E muitas andam com o rosto
putadores que não ligam à Internet e
uma única linha internacional.
Portanto, sete da manhã. Tudo dorme.
Simpson e o tapado, só com uma fenda à altura dos
olhos. Quando o PÚBLICO chegou ao
departamento de Ciência Política e Re-
Boa hora para uma conversa ao peque-
no-almoço. Não fosse o problema dos contrabandista lações Internacionais, decorriam os
exames do segundo ano. As portas es-
espiões sentados. Não se sabe se dor- tavam abertas. Raparigas de um lado,
mem nas poltronas e nos sofás do átrio. John Simpson, o super-homem da BBC rapazes do outro. As raparigas são man-
Mas às sete da manhã, como o barulho para temas internacionais, fez um raide chas claras de tecido debruçadas sobre
dos corvos, já lá estão. Pelo menos meia fulminante ao Afeganistão neste fim- as velhas secretárias.
dúzia de homens vestidos como todos de-semana. Entrou, fez umas imagens Cá fora, no jardim, os rapazes (maio-
os paquistaneses, com “burkas”, (cami- e saiu. No Pearl Continental não se fa- ritários, mas não muito) estão todos em
sas até aos joelhos e calças iguais por lava de outra coisa. Os espiões do átrio grupos, muitos de mãos dadas, muitos
baixo). Aparentemente não fazem nada. devem ter despertado do seu torpor. Os abraçados. Sentados na relva, encos-
Estão sentados, com um ar de tédio, a jornalistas dividiam-se. Informação es- tados aos muros, a comprar cigarros
olhar o vazio. pectáculo? Grande cacha? avulso e Pepsis no quiosque do portão.
Esta vigilância sonolenta faz parte À noite, o pivô da BBC perguntou-lhe As raparigas, com os seus lenços es-
do Alerta Vermelho que pisca em Per- como tinha ele feito para entrar, com as voaçantes, andam agarrando contra o
shawar por estes dias. Movimentos fronteiras todas fechadas. Simpson fez um peito pastas do Rato Mickey ou cader-
de tropas, polícia com metralhadoras ar de quem não podia entrar em detalhes, nos com estrelas de cinema. Vão em
pelas ruas, restrições ao movimento mas descreveu uma zona de contrabando, pares, até à saída, ou esperam, no edi-
dos jornalistas “para sua própria se- com camiões a despejarem constantemen- fício, que apareça o carro, o motociclo,
gurança”. te materiais e gente a atravessar. a camioneta que as vem buscar. Vão de
Nove da manhã. O dobro de espiões. É certo (e já lendário) que Simpson cabeça baixa e nunca, mas nunca (que
Um contingente de jornalistas cerca a e equipa se disfarçaram de mulheres o PÚBLICO observasse) se cruzam com
zona dos “croissants”. Quem não é jor- afegãs. Não é certo (mas é já lendário) os rapazes. I da nossa enviada ALEXANDRA
nalista é espião. Fácil de distinguir, ao que terão pago a um dos milhares de LUCAS COELHO em Peshawar Mohamed Zahir Shah (à direita), no exílio desde 1973
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PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 25 SET 2001

Sauditas manifestam reservas Aumentam as pressões


quanto ao uso das suas bases para encontro Peres-Arafat
As monarquias árabes No entanto, e ao contrá- te e das monarquias do Gol- Responsáveis Informação, Yasser Abed Rab-
do Golfo estão rio do que sucedeu durante fo. Atentos às implicações, americanos e europeus bo. Em Damasco, vai ainda en-
a guerra do Golfo em 1991, a os países do Conselho de contrar-se com o chefe da diplo-
solidárias com os EUA aparente indefinição dos ob- Cooperação não forneceram
criticam intransigência macia britânica, Jack Straw,
mas mostram-se jectivos da “coligação mun- pormenores sobre o tipo de do líder israelita, Ariel e com a sua homóloga austría-
cautelosas dial contra o terrorismo”, e apoio militar a fornecer. A Sharon ca Benita Ferrero-Waldner, co-
as consequências internas Arábia Saudita já manifes- mo indicou à AFP fonte oficial
de um envolvimento empe- tou reservas sobre a utiliza- palestiniana.
PEDRO CALDEIRA RODRIGUES nhado estão a motivar cau- ção das suas bases militares O chefe da diplomacia israeli- Em paralelo, o ministro fran-
telas por parte das monar- pelas tropas norte-america- ta, Shimon Peres, considerou cês não deixou de sublinhar a
Os ministros dos Negócios quias do Golfo, com destaque nas para uma operação de ontem que o objectivo do en- “disponibilidade” de Arafat pa-
Estrangeiros da Arábia Sau- para os sauditas. ataque. contro previsto com o presi- ra se reunir com Peres, numa
dita e de mais cinco Estados Decerto para acompa- Milhares de soldados dos dente da Autoridade Palesti- crítica velada às decisões de
árabes do Golfo comprome- nhar o sentimento genera- EUA estão estacionados em niana, Yasser Arafat, consiste Sharon, e desejou a rápida con-
teram-se a “cooperar plena- lizado entre as suas popula- território saudita desde a em “alcançar um cessar-fogo”. cretização do encontro “sem
mente” nos esforços para ções e apesar das contínuas Guerra do Golfo. E o que Peres, que se pronunciava em condições prévias”. O primei-
levar perante a justiça os manifestações de solidarie- tanto perturbou o saudita entrevista a uma rádio pública Yasser Arafat ro-ministro israelita argumen-
responsáveis pelos devasta- dade com os EUA — os Emi- Bin Laden também pertur- israelita, manifestou o desejo tou: “Nunca negociaremos de-
dores atentados suicidas de rados romperam relações ba muitos sectores da devota de uma trégua de 48 horas an- baixo de fogo.”
11 de Setembro nos Estados com o Afeganistão na vés- população muçulmana local, tes do encontro e insurgiu-se ontem à AFP um alto respon- Esta é uma alusão aos recen-
Unidos. pera do encontro —, os seis que recusa a presença maci- contra os “incidentes peníveis sável israelita sob anonimato. tes atentados, mas no encontro
Convocada no âmbito do do Golfo não deixaram de ça e agressiva dos “invasores e excepcionais”, numa alusão O presidente da Autoridade que tinha previsto com Védri-
Conselho de Cooperação do apelar para que terminem cristãos” no solo sagrado do ao atentado ocorrido pela ma- Palestiniana partiu ontem pa- ne na noite de ontem deverá
Golfo (Arábia Saudita, Emi- os “actos de terror” de Is- Islão. nhã no vale do Jordão e que ra a Síria, com escala em Amã, ter sentido novas pressões para
rados Árabes Unidos, Kuwait, rael contra os palestinia- Uma situação delicada, so- vitimou uma israelita residen- e mostrou-se disposto a reunir- mostrar maior flexibilidade. A
Qatar, Bahrain e Omã), esta nos, num recado indirecto a bretudo pelo facto de Wa- te num “kibbutz” no Norte do se com Peres após a conclusão posição unilateral de Sharon
reunião extraordinária que Washington. Uma forma de, shington necessitar deste país. Na perspectiva de Peres, deste pequeno périplo. “Quan- também mereceu reparos dos
decorreu no porto saudita de neste caso, tentar extrair apoio logístico crucial, e do esse encontro poderá ser deci- do regressar manifesto a mi- dirigentes dos EUA, que pre-
Jidá serviu para manifestar dividendos da actual “va- envolvimento dos Estados sivo “para impedir perdas de nha disponibilidade para um tendem o reinício das negocia-
“a vontade dos membros de ga de solidariedade” e fazer árabes moderados para “le- mais vidas humanas”. novo encontro”, disse em Gaza ções enquanto tentam captar o
participar em qualquer acção despoletar novas pressões gitimar” amplamente a sua No domingo, o primeiro-mi- durante uma conferência de apoio árabe e muçulmano para
conjunta que tenha definido da Casa Branca sobre o seu mais que provável interven- nistro Ariel Sharon voltou a imprensa conjunta com o mi- a sua coligação internacional
claramente os seus objecti- velho e principal aliado no ção militar no país dos ta- proibir a reunião prevista para nistro francês dos Negócios Es- contra o terrorismo.
vos [...] e que possua o apoio Médio Oriente. liban. Mas, de acordo com esse mesmo dia entre Peres e o trangeiros, Hubert Védrine. Em paralelo, o Governo is-
da comunidade internacional Para mais, uma acção mi- analistas citados pela BBC, líder palestiniano, após acusar Arafat partiu ontem para a raelita iniciou um controver-
para combater o terrorismo litar contra um país muçul- a troca de diverso tipo de Arafat de não ter respeitado capital da Jordânia e a cami- so plano para instaurar uma
e os seus autores”, como re- mano como o Afeganistão informações deverá ser pri- o cessar-fogo que decretou a nho da Síria, onde é aguarda- “zona-tampão” com 30 quiló-
feriu o chefe da diplomacia poderia desestabilizar os go- vilegiada em detrimento de 18 de Setembro. “Nas actuais do hoje em visita oficial, pela metros e que deverá separar
do Bahrain, Mohammed Bin vernos dos Estados árabes um envolvimento empenha- circunstâncias”, este encontro primeira vez desde 1996, indi- a parte Norte da Cisjordânia
Mubarak Khalifa. moderados no Médio Orien- do na acção armada. I é de novo adiado, confirmou cou o ministro palestiniano da ocupada de Israel. I P.C.R.
10 D E S TA Q U E
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 25 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO MUNDO ISLÂMICO
DADANG TRI/REUTERS
BIBLIOGRAFIA
Fim
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Septimanes, também conhecidos como do movimento wahabita passou assim “Intelectuels et Militants
ismai’iliyah ou ismailitas, são a segunda
MARGARIDA SANTOS LOPES para Ibn Saud e o seu clã. Em estado de de l’Islam Contemporain”,
maior seita xiita (ver letra X). Tem gran- permanente rebelião com os otomanos sob a direcção de Gilles
des concentrações no Egipto, Síria, Pa- ele avistou pela primeira vez, deve-lhe o até conquistarem toda a península ará- Kepel e Yann Richard (Ed.
quistão, Bangladesh e Índia. Seguem a sua nome. Em árabe, designa-se “Jabal Tarik” bica e proclamarem o reino da Arábia Seuil, Paris, 1990); “Islam
própria linha de governantes hereditários, ou “Monte de Tarik”. Saudita (em 1934), foram estes que impu- — Le Grand Malentendu”,
os Aga Khans. Os ismailitas (com uma seram a versão hanbalita da “sharia” sob a direcção de Olivier
importante comunidade em Portugal) de- U adoptada pelos taliban. Mongin e Olivier Roy (Ed.
vem o nome a Ismail, o filho mais velho Uthman foi o terceiro califa do Islão, de Autrement, Paris, 1992);
do sexto “imã”, Jaafar as-Sadiq. Em 762, 644 a 656. Foi ele que empreendeu a orga- X “Islam — A Westerner’s
Ismail morreu antes do seu pai, causando nização do Corão, a tarefa imensa, que Xiitas são os “partidários de Ali”. Depois Guide, from business and
uma grave crise de sucessão no seio do demorou todo o seu reinado, de reunir os da morte de Maomé, em 632, consuma-se the law to social customs
xiismo. Os duodecimanes apoiaram o ir- fragmentos dispersos da Mensagem con- o primeiro grande cisma no Islão. Uma and family life”, de D.S.
mão mais novo de Ismail, Musa-’l-Kazim, servados nos suportes mais variados. De- parte da comunidade dos crentes insistia Roberts (Hamlyn
como sétimo “imã”, mas osismailitas re- pois da morte de Maomé foram encontra- em que os sucessores do profeta deveriam Paperbacks, Londres,
cusaram-se a reconhecê-lo, proclamaram a dos e ordenados 114 capítulos, chamados ser escolhidos entre os membros da sua 1981); “L’Islam dans le
linha original de “imãs” extinta e adop- “suras”, por sua vez divididas em versos família e por isso apoiaram Ali, o marido Monde”, sob a direcção
taram os descendentes de Ismail como (“ayat”). Foram precisos 20 anos para se de Fátima, filha de Maomé. A outra parte de Paul Balta (Ed. Le
a sua nova dinastia de “imãs”. Esta dis- ter uma versão definitiva. da comunidade, fiel à “sunna”, tradição Monde, Paris, 1991);
puta fez reviver o culto pré-islâmico do árabe, designou Abu Bakr, o primeiro dis- “L’Islam Laïque ou Le
“sagrado número sete” que vigorou até os V cípulo de Maomé como seu herdeiro. Ali Retour à la Grande
imperadores abássidas terem definido as Vilayat-i Faqhi é a expressão persa para ainda chegou a ser califa, mas o seu cali- Tradition”, de Olivier Carré
doutrinas da ortodoxia sunita nos século “governo do jurista” ou a predominância fado será contestado e breve. Ali é morto (ed. Armand Colin, Paris,
XIX e X d.C. Os descendentes de Ismail e do chefe religioso sobre os políticos eleitos. em 661 por um jovem kharidjita (“seces- 1993); “Les Assassins —
os seus “imãs” formaram então a dinastia Foi um conceito elaborado pelo defunto sionista”) à saída de uma mesquita. Tam- Terrorisme et Politique
Fatimida (o nome vem de Fátima, a filha ayatollah Khomeini para justificar a sua bém o seu filho, Hassan, é assassinado em dans l’Islam Médieval”, de
de Maomé e mulher de Ali). Perseguida acumulação de poder espiritual e tempo- 680, o mesmo acontecendo ao seu irmão, Bernard Lewis (Ed.
pelos califas abássidas e pelos Duodeci- ral. Antes do “sábio de Qom” derrubar a Hussein. O Islão sunita torna-se a doutrina Complexe, Paris, 1984);
manes, foi bem sucedida numa rebelião monarquia do xá Reza Pahlavi para trans- do poder e da conquista; o Islão xiita a “Les Islamistes Algériens
desencadeada no século X. No auge do formar a Pérsia na primeira República Is- doutrina da oposição e do martírio. — Entre les Urnes et le
poder, no século XI, o seu Estado estendia- lâmica do mundo, os “mullahs” — palavra Maquis”, de Séverine
se de Tunes até ao ocidente da Palestina, que significa “mestre” e é usada como títu- Y Labat (Ed. Seuil, Paris,
controlando a maior parte dos territórios lo de respeito por teólogos — confinavam- Yathrib, cerca de 500 quilómetros a norte 1995); “Maomé, a palavra
do moderno Egipto e da Líbia. A sua des- se às mesquitas e “madaris” (plural de de Meca, foi onde Maomé e os seus fiéis de Alá”, de Anne-Marie
truição chegou com os cruzados cristãos “madrassa”, escolas corânicas). Quem se refugiaram quando começaram a ser Delcambre (Ed.
no século XII. Isso obrigou os tolerantes governava era o “rei dos reis”. perseguidos devido à mensagem que pro- Civilização/Círculo de
xiitas fatimidas — foram eles que criaram, pagavam. O lugar ficou conhecido como Leitores, 1992); “Muslim
para formar leais “ulemas” (doutores da W Medina — “A Cidade do Profeta” ou sim- Extremism in Egypt — The
lei), a Universidade de Al-Ahzar, no Cai- Wahhab (Muhammad ibn) pode ser con- plesmente “A Cidade”. A data desta “emi- Prophet and Pharaoh”, de
ro, a maior instituição do Islão sunita — siderado o primeiro “fundamentalista” gração” (Hégira) é um acontecimento capi- Gilles Kepel (University of
a retomar uma existência de guerrilha moderno. Era um negociante de camelos, tal na História do Islão. Não é uma simples California Press, 1986);
clandestina, tornando-se famosos como de Uyaynad, próximo de Meca, na antiga deslocação geográfica. É uma verdadeira “Political Islam —
“Assassinos” (ver letra A, em PÚBLICO província otomana de Hejaz, actual Ará- ruptura com a família, o clã e uma ligação Religion and Politics in the
de domingo). bia Saudita. Depois de ter estudado no a outros. O tempo passa a dividir-se em Arab World”, de Nazih
Iraque e na Pérsia, Wahhab instalou-se duas eras. Antes era a época da organiza- Ayub (Ed. Routledge,
T em Meca, onde pregou que os otomanos ção tribal; depois nasce a comunidade Londres, 1993);
Tarik ibn Ziad é uma das maiores figuras e seus colaboradores tinham “usurpado” dos crentes como organização religiosa. “Robâiyât”, de Omar
do Islão no continente africano, onde a o lugar dos guardiões da Caaba (ver letra Assim, o ano cristão de 622 d.C. tornou-se Khayyâm (Ed. Imprimerie
dinastia omêiada substituiu, no século C) e se “tornaram pagãos”. Wahhab via- no ano muçulmano de AH 1. Nationale, Paris, 1992);
“Que homem jamais VIII, o poder bizantino. Inicialmente, os se a si próprio como um defensor da pu- “Samarcanda”, de Amin
transgrediu a Tua berberes, primeiros habitantes da região, rificação da religião e de um regresso Z Malouf (Ed. Difel, Lisboa,
opuseram-se ao domínio dos árabes, mas às tradições da escola sunita hanbalita Zaynab foi uma das mulheres de Maomé, 1988); “The Iranians —
Lei, diz-me! não tardaram a engrossar as fileiras dos (ver letra H), rejeitando o hanafismo dos que por ela nutriu uma “louca paixão” Persia, Islam and the Soul
Uma vida sem vitoriosos muçulmanos. Em 711, uma for- otomanos. Começou então a propagar não obstante ser casada com o filho adop- of a Nation”, de Sandra
pecado, que gosto ça de 7000 berberes e sarracenos, coman- a sua versão austera do Corão às tribos tivo do profeta, Zayd. Além de Khadija, Mackey (Dutton Book,
dada por Tarik, invadiu o Sul de Espanha da Arábia que vinham em peregrinação prima e primeira crente, o Mensageiro 1996); “The Political
tem ela, diz-me! e derrotou o último rei visigodo, acres- a Meca. Em pouco tempo conseguiu jun- de Alá casou ainda com Sauda, Aïcha (su- Language of Islam”,
Se punes pelo mal o centando uma nova província ao império tar um pequeno, mas dedicado, grupo de postamente a sua preferida), Hafsa, Umm de Bernard Lewis (The
mal que eu fiz, do califa. Chamaram-lhe “al-Andalus” — “wahabitas”. Capturou o quartel-general Salama, Saffyya (jovem de origem judia), University of Chicago
Qual a diferença Andaluzia, em homenagem aos anterio- do governador da cidade e assassinou-o, Jowayyriya, Ummm Habiba e Maymuna. Press, Londres, 1991);
res senhores, os vândalos. Conta-se que, destruindo os depósitos de vinho que Teve ainda várias concubinas, as mais “Um Péril Islamiste?”,
entre Ti e mim, quando chegou à Europa, Tarik deitou ele guardava em caves. Procurou depois célebres das quais são Maria, uma cristã sob a direcção de Alain
diz-me! fogo aos barcos que transportavam as suas formar uma confederação tribal, come- copta enviada pelo governador do Egipto, Gresh (ED. Complexe,
tropas. E virando-se para os seus soldados, çando com uma importante aliança com e Rayhana, uma judia. Muitos destes ca- Paris, 1994); “What is
OMAR KHAYYÂM disse-lhes: “O mar está atrás de vós e o Muhammad ibn Saud, o emir da região samentos serviram para dar protecção a Islam”, de Chris Horrie
Poeta, astrónomo, inimigo à vossa frente. Por Deus não há de Nedj, no Centro da Arábia. A aliança viúvas e outros para consolidar alianças e Peter Chippindale
matemático, físico e filósofo outra saída do que lutar com valor e de- consolidou-se com o casamento de Wah- políticas e tribais em períodos turbulentos (Ed. Observer”/Star,
iraniano terminação”. O rochedo de Gibraltar, que hab, pouco antes da sua morte em 1787, para os muçulmanos. Londres, 1990)
D E S T A Q U E 11
M OV I M E N TA Ç Õ E S D I P LO M Á T I C A S PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 25 SET 2001

EM BUSCA DA COLIGAÇÃO
Moscovo dá “apoio humanitário” KOFI ANNAN
DEFENDE PAPEL
Casa Branca. “Temos um

aos EUA e armas à oposição afegã DA ONU

O secretário-geral das Na-


grande parceiro entre os
nossos vizinhos, que com-
preendem, como eu, que en-
frentamos um novo tipo de
ções Unidas, Kofi Annan, guerra“, declarou Bush à
A Rússia esclareceu que não participará numa intervenção militar declarou ontem, perante a imprensa, desfazendo assim
contra o país que invadiu em 1979, mas já forneceu à Aliança do Norte mapas com os locais onde Assembleia Geral da ONU, dúvidas que se tinham le-
deixou munições quando se retirou em 1989. Texto de José Milhazes, em Moscovo que só esta organização po- vantado no Canadá quanto
de dar legitimidade à “luta à gratidão de Washington
a longo prazo contra o ter- pelo apoio do vizinho seten-
O Presidente da Rússia, Vla- da luta contra o terrorismo”. russa face a um possível ata- O Presidente russo deverá rorismo“. A curto prazo, trional. Hoje, será a vez de
dimir Putin, enunciou ontem Moscovo afirma “estar dis- que militar americano contra abordar ainda o alargamento acrescentou, “nenhum es- Bush receber o primeiro-mi-
o seu programa de seis pon- ponível, se necessário for, a o Afeganistão. Putin ficou-se da NATO ao Leste da Euro- forço deve ser poupado para nistro do Japão, Junichiro
tos de luta contra o terroris- participar em operações de pelo meio, entre o nacionalis- pa. Na actual situação inter- levar à justiça os que per- Koizumi, que entretanto faz
mo, sublinhando que “existe busca e salvamento”. ta Jirinovski, que defende o nacional, Moscovo considera pretaram“ os ataques de 11 escala em Nova Iorque para
há muito tempo uma coo- Putin assinalou também apoio da Rússia aos taliban, e ter o dever moral de exigir a de Setembro em Nova Ior- conferenciar com Kofi An-
peração activa dos serviços que o seu país aposta no apoio o liberal Nemtsov, que defen- suspensão desse processo ou que e Washington. Annan nan e visitar as ruínas do
secretos” de Moscovo e Wa- à Aliança do Norte, destaca- de uma participação directa a própria adesão à Aliança defendeu “um processo cla- World Trade Center, onde
shington. “Continuaremos a mentos armados que comba- do seu país ao lado dos EUA. Atlântica. Gleb Pavlovski, ro e transparente que to- desapareceram 22 cidadãos
fornecer informações sobre tem os taliban no Afeganistão: Ao terminar o seu discur- conselheiro do Kremlin, afir- dos possam compreender e nipónicos.
o lugar onde se encontram os “Vamos alargar a coopera- so, o dirigente russo deu 72 ma que, em troca do apoio aceitar”, ao abrigo do direi-
terroristas e os seus campos ção com o governo legítimo horas à guerrilha indepen- do seu país, os EUA deve- to internacional e nacional. MUBARAK COM
de treino”, frisou num encon- do doutor Rabani, aumentan- dentista tchetchena para se riam ainda “renunciar ao “Mantenhamos os nossos CHIRAC EM PARIS
tro com dirigentes dos grupos do os fornecimentos de arma- render. Caso não o façam, os bloqueio da Rússia na Ásia princípios e padrões, de mo-
parlamentares representados mentos e tecnologia militar.” guerrilheiros serão tratados Central e no Cáucaso; acele- do a que possamos estabele- O Presidente egípcio, Hosni
no Parlamento, a fim de ela- A estação Televisão Inde- como “cúmplices do terroris- rar o processo de adesão da cer, inequivocamente, a dife- Mubarak, declarou ontem
borar uma posição conjunta pendente revelou que “os ge- mo internacional”. Rússia à Organização Mun- rença entre os que recorrem que está ao lado da América
face a uma possível ofensiva nerais russos teriam enviado dial do Comércio [OMC] e ao terrorismo e os que o na “luta contra o terroris-
militar dos Estados Unidos à Aliança do Norte um mapa Visita do ex-agente do KGB formar, com base no Conse- combatem“. “Esta organi- mo“, porque o seu país tem
contra o Afeganistão. com o lugar no Afeganistão a Dresden lho de Segurança da ONU, zação é o fórum natural no sofrido e “aprendido bastan-
Após a reunião, o líder do onde as tropas soviéticas te- As declarações de Putin foram um órgão que tome decisões qual se poderá construir te“ nesse campo. Observou,
Kremlin dirigiu-se aos seus riam deixado quantidades sig- feitas na véspera de uma visita reais e não fictícias”. uma coligação universal. Só todavia, que ainda não fo-
compatriotas, através de vá- nificativas de armamento e a Berlim, onde vai discursar Putin vai aproveitar ainda ela pode dar legitimidade ram apresentadas “quais-
rios canais de televisão, para munições quando abandona- no Bundestag (Parlamento). a visita para matar saudades: global à luta a longo prazo quer provas“ de quem fo-
explicar a posição russa face ram o país em 1989”. O combate ao terrorismo in- passará um dia em Dresden, contra o terrorismo.” ram os responsáveis pelos
a uma possível operação mili- Putin sublinhou que esta ternacional estará no topo da cidade do Leste da Alemanha atentados de dia 11 em Nova
tar norte-americana. “A Rús- política “foi acordada com agenda de conversações, fican- onde trabalhou como agente CHRÉTIEN E KOIZUMI Iorque e Washington. Mu-
sia irá abrir o seu espaço aé- os Estados [nossos aliados] do em segundo plano questões do KGB (serviços secretos so- COM BUSH barak conferenciou no Eli-
reo a cargas humanitárias”, na Ásia Central”, acentuan- bilaterais como a do pagamen- viéticos) nos anos 80. “Uma seu com o seu homólogo
disse, salientando que “são do particularmente que estes to da dívida russa à Alemanha viagem pelos lugares da gló- Em Washington, o Presiden- francês, Jacques Chirac, an-
possíveis outras formas mais “poderão ceder as suas bases ou a da restituição por parte ria combativa”, ironizou o te George W. Bush recebeu tes de seguir para a Alema-
profundas de cooperação, que aéreas aos EUA”. de Moscovo de obras de arte diário “Izvestia”. A ideia do ontem o primeiro-ministro nha e Itália, a fim de efectu-
dependem da qualidade das A posição Kremlin é um levadas pelas tropas soviéti- Presidente é “ver como a ci- canadiano, Jean Chrétien, ar mais conversações sobre
relações e da compreensão pe- compromisso entre vários cas do território germânico dade mudou depois da sua para conversações seguidas o Médio Oriente e o combate
los parceiros dos objectivos pontos de vista na sociedade durante a II Guerra Mundial. partida”. I de almoço de trabalho na ao terrorismo.
1 2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 25 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO OS EUA DEPOIS DO CHOQUE

A CELEBRAÇÃO DA BANDEIRA NO ESTÁDIO YANKEE


Do nosso enviado Adelino Gomes, em Nova Iorque
TIMOTHY A. CLARY/AFP

Vieram todos: judeus, protestantes,


católicos romanos, muçulmanos,
hindus, arménios, ortodoxos gregos.
Vieram para implorar a bênção do
deus de cada tribo, vieram para ofe-
recer conforto e pregar esperança ao
povo de Nova Iorque, vieram rezar
pela América de luto.
O sopro das escrituras anima-lhes
a oração e os cânticos.
A voz magnífica de Placido Do-
mingo enchendo o es-
Crónica tádio com a “Ave-Ma-
ria” cristã de Shubert
cruza-se sob o céu de
nuvens brancas na tarde serena
com o canto plangente do sacerdo-
te do templo “sikh” de Richmond
Hills. Com o grito tremendo do mu-
çulmano Abdul Wali Shaheed a Alá
todo-poderoso. Com os sons crus
que o rabi Heskel Lookstein arran-
ca de um chifre de carneiro. Com a
lição do rabi Marc Gellman — “Na-
quele dia não morreram seis mil
pessoas; naquele dia uma pessoa
morreu seis mil vezes. Quando al-
guém mata alguém é como se ma-
tasse toda a gente; quando alguém
salva alguém é como se salvasse to-
da a humanidade.”
Mas não há apenas a promes-
sa de consolo nem a certeza da ale-
gria breve nas palavras do rabino
judeu, do imã islâmico, do pastor
luterano, do pandita hindu, do bis-
po católico.
Nestas leituras dos livros da sabe-
doria, nesta antologia dos mais ins-
pirados sermões da fé ecuménica,
nestes cânticos que mais parecem
a banda sonora para o filme do pa-
triotismo “made in America”, está
lá, rotunda, clara, ribombante, a ce-
lebração da bandeira, “muito mais
do que um símbolo, um testemunho
vivo do espírito americano” (coman-
dante-chefe da esquadra do Atlânti-
co, almirante Robert Natter).
Ninguém lhe escapa. Todos a exi-
bem, orgulhosos. A multidão, que a
traz no carro, nos sacos, no cabelo,
no boné e agora a agita, ao som do SHAUN BEST/REUTERS

hino “We Shall Overcome” cantado como o antigo Presidente Clinton rica mantém-te unida porque só a
pelo coro dos rapazes e raparigas (ovações sempre que o seu nome é unidade faz a força”.
de Harlem e ecoado por milhares de pronunciado, gritos de saudação de Na hora do regresso a casa, o go-
vozes, mãos nas mãos ao alto; os ofi- todas as bancadas da assistência), verno da cidade põe o metro à dis-
ciantes, que a prendem bem visível sua mulher Hillary, o supermediá- posição de toda a gente. Como antes
nas vestes; Clinton que a põe e tira tico presidente da câmara, Rudol- distribuíra rosas, ursos de peluche,
do bolso esquerdo do casaco. ph Giuliani; e os novos “heróis da bandeira, pacotes de lenços “klee-
O governo do estado e a câmara América”, bombeiros e polícias, na nex”. Num dos muros do estádio,
de Nova Iorque convidaram os fami- primeira fila ao lado de cardeais, familiares das vítimas colam carta-
liares das vítimas do World Trade imãs, e pregadores. zes com a fotografia do desaparecido
Center para uma celebração colec- Três horas de catarse deixam es- nos intervalos deixados por dese-
tiva da dor no estádio crito para a memória colectiva um nhos da bandeira feitos por crian-
Yankee, em Keyspan Park, poema de amor à bandeira, de amor ças: Edna, Betsedy, Godwin Ford.
Brooklyn. O levantamento dos bi- ao Estados Unidos, de amor a Nova Passaram já 12 dias sobre os aten-
lhetes apenas em esquadras de polí- Iorque, acerca de cujo futuro o bem tados, mas a mãe de Godwin con-
cia, as fortes medidas de segurança, amado Giuliani diz que não será tinua a contar nas paredes, nas ár-
o medo de sair à rua que paralisa nunca mais o mesmo porque “será vores, nos muros dos jardins que
ainda muitos nova-iorquinos, algum melhor”. o filho tinha um defeito na mão e
cansaço, eventualmente, deixam os A multidão reza, canta, chora, levava um cordão de ouro ao peito
60 mil lugares do estádio a menos de exibe as fotos dos desaparecidos. quando deixou de ser visto no 9º an-
dois terços. As televisões, porém, Irrompe em aplausos ao ouvir o re- dar da Torre 2. E a pedir que quem
haverão de dar à iniciativa grandeza verendo Calvin Butts, num tom que dele tiver notícia telefone para o
nacional em retransmissões repeti- evoca a oratória arrebatadora de 718-221-4222.
das pelo dia e madrugada fora. Martin Luther King: “Alguém le- Alex, 27, acompanhou a mãe no
A cerimónia combina a solenida- vantou um muro para dividir o Les- interior do estádio. “Gostei da ceri-
de das orações ecuménicas — reza- te e o Oeste, o muro caiu e nós ven- mónia. Com ela quisemos exprimir
das em inglês, espanhol, hebreu, cemos; morremos nos desertos da tristeza, mas também esperança.”
árabe, hindi — com os elementos de Arábia, morremos em Tripoli, ir- Olha no vazio quando o PÚBLICO
sedução que a sociedade do espec- mãos e irmãs nossas morreram no lhe pergunta como é possível ela e os
táculo aperfeiçoou nos EUA como World Trade Center, mas nós va- familiares dos outros 6400 desapare-
em mais lado nenhum: actores e mos vencer porque não temos me- cidos esperarem ainda o impossível
vedetas da televisão como James do”. Estremece de orgulho patrió- milagre. “Esperança, ou o princí-
Earl Jones e Oprah Winfrey, apre- tico quando o imã Pasha proclama pio da resignação”, diz baixando a
sentadores da cerimónia; cantores “Nós somos muçulmanos, mas so- voz, enquanto a mãe cola mais um
como Bette Miller (“Winds Beneath mos também americanos.” Amai- selo com a bandeira nacional entre
My Wings”), Lee Greenwood (“God na os demónios da vingança cega a parede e a fotocópia a cores com a
Bless America”) e Marc Anthony quando o pandita Sukhram do tem- fotografia e as características físicas
(“América the Beatiful”); políticos plo hindu de Sreeraam grita “Amé- de Godwin. I
D E S TA Q U E 1 3
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 25 SET 2001

Peregrinação HISTÓRIAS DE NOVA IORQUE


ao “Ground Zero” BISPO PEDE SUSPENSÃO DE
IMIGRAÇÃO MUÇULMANA
A imigração muçulmana na Dinamarca
chegar aqui em Outubro, mas desistiu
do espectáculo por óbvias questões de
segurança”, acrescentou o porta-voz do
National Theatre. O teatro disse estar
se guardada” e não há risco de roubos,
acrescentou Milkie.

devia ser suspensa temporariamente desiludido com a desistência de Linda IAN THORPE PRESTA HOMENAGEM
Bandos de turistas passava em frente do Trade”, porque a sociedade não pode integrar tão Powell, mas que compreendia perfeita- AOS NOVA-IORQUINOS
circulam pela zona da conta o analista financeiro. rapidamente o número actual de pessoas mente a sua decisão. “Jitney” esteve em
A um ou dois quarteirões, dessa religião, disse o bispo luterano da cena durante 18 meses em Nova Iorque, O campeão de natação australiano Ian
catástrofe, entre a na Maieden Street, o horror diocese de Hadersley, Niels Arendt. Em tendo ganho vários prémios da crítica. Thorpe, que escapou por pouco ao aten-
fascinação e o respeito. surge em grande plano. Um entrevista concedida domingo ao jornal O jornal britânico “Daily Mirror” dizia tado contra o World Trade Center, pres-
“Vê, é a guerra”, diz pedaço de parede sob tonela- “Jyllands Posten”, Arendt afirmou que na sua edição de ontem que Colin Powell tou homenagem ao estoicismo dos nova-
das de aço e betão. Quem aí os dinamarqueses estão assustados e insistiu com a sua filha, de 35 anos, e com iorquinos durante os atentados. Thorpe,
um pai à sua filha passa perde, subitamente, o preocupados com a presença muçulma- a sua irmã e irmão para que não viajem que conquistou várias medalhas de ouro
ar de turista. Uma mulher na no país, posição que também parti- de avião nos próximos tempos. nos Campeonatos do Mundo de Fukuoka
Centenas de norte-america- aperta o braço do amigo. lha por considerar que o
nos e turistas estrangeiros Uma outra diz a um des- Islão pode acabar por ser MIKE SEGAR/REUTERS
chegam todos os dias em pe- conhecido: “O meu marido um perigo para os valores
regrinação à zona onde há esteve ali dentro.” Um ho- cristãos. O bispo de Hader-
duas semanas se erguia o mem diz à filha: “Vê, é a slev, sul da Dinamarca, é
World Trade Center (WTC). guerra.” de opinião que se suspen-
Querem ver os destroços De tempos a tempos, uma da a chegada de imigran-
com os próprios olhos. Para nuvem de fumo, ergue-se das tes desta religião até que
poderem acreditar. ruínas. Resignados, os polí- “os que já cá estão estejam
De máquinas fotográficas cias e militares que barram plenamente integrados”.
e vídeo em punho, como o acesso ao WTC ajustam as “Cada vez que se integram
se tratasse de uma simples máscaras à cara. A rotina cinco imigrantes, chegam
atracção turística, avançam só é quebrada por bandos de mais 500”, alertou o bis-
em bandos para o “Ground curiosos, que os agentes, de po, que, apesar de tudo,
Zero”, a área de seis hecta- megafone em punho, obri- se mostra favorável à imi-
res que envolve os escom- gam a circular. gração controlada. O bispo
bros das torres gémeas e que Apesar da mesma imagem mostrou-se céptico quanto
até sábado esteve interdita a de destruição se ter repetido ao futuro do cristianismo
todos os que não pertences- vezes sem conta nas televi- na Europa e, nesse senti-
sem a equipas de socorro. sões, chegam pessoas de ou- do, declarou que não se
A polícia obriga os visitan- tras cidades para ver o local pode garantir até quando
tes a circular enquanto dá onde terroristas suicidas fi- continuará a ser a religião
indicações sobre o melhor zeram explodir as torres gé- dominante no continente.
local para ver o que sobrou meas, matando cerca de sete Niels Arendt escreveu em
do WTC. “Sempre em frente, mil pessoas. 1994 o livro “Deus é Gran-
depois na quarta ou quinta Lee Brooks, aproveitou o de”, em que reflectiu acer-
rua vira à direita”, explica fim-de-semana para viajar ca das relações entre o cris-
amavelmente um dos agen- de Boston até Nova Iorque tianismo e o islão.
tes. com a família: “Queria ver
E aí, na Fulton Street, tem- o que restou. É um choque.
se o primeiro choque. A pou- Não posso imaginar que ha- AUSTRALIANO
cas dezenas de metros, es- via pessoas no interior [do CONDENADO POR FALSO
ventrado mas ainda em pé, WTC], esses milhares de ino-
está que resta do edifício cin- centes. Estou muito triste.” ALARME DE BOMBA
co do WTC. A visão faz pa- Mesmo tendo assistido à Um músico australiano foi
rar um grupo de franceses, tragédia do topo do seu apar- condenado a 60 dias de
a viver em Nova Iorque. “É tamento, do outro lado do prisão no Canadá por ter
inacreditável”, diz Olivier rio, Mary Weeks, uma letris- provocado o pânico no
Philippart, apontando com o ta, quis visitar os escombros. aeroporto de Toronto ao
dedo o local onde se erguiam “É pior do que imaginei. Não declarar que tinha uma
as torres gémeas. “Eu costu- estava filtrado pelas lentes bomba nas suas bagagens,
mava ir à loja World of Golf. de uma câmara de televisão. declarou ontem a sua mãe.
Mesmo em frente existia a Não chorei, não senti que fos- Sinan Safet Acar, 21 anos,
Century 21. Todas as manhãs se um sítio para chorar.” I violinista de origem curda
e que reside em Melbour-
ne, Austrália, fez o regis-
to das suas bagagens no

Giuliani dia 16 de Setembro, no ae-


roporto Pearson, para um
voo da Air France com des-
tino a Paris. O incidente

fala em “milagre” atrasou a descolagem do


aparelho em duas horas. A
pena foi particularmente
severa devido aos atenta-
“Não se deve dar contrado nos escombros do dos ocorridos no dia 11 de
demasiada esperança World Trade Center depois Setembro em Nova Iorque
do dia seguinte ao dos aten- e Washington. A mãe do jo-
às pessoas”, disse tados de 11 de Setembro. Cin- vem, Fátima, disse à rádio
ontem o presidente da co pessoas foram, então, re- ABC que o seu filho estava absolutamen- e nos Jogos Olímpicos de Sydney 2000,
câmara cuperadas com vida. te desolado e que pediu desculpas pelo conseguiu escapar por minutos aos aten-
O responsável nova-ior- incidente. TESOURO ENTERRADO DEBAIXO tados de Nova Iorque, recordou um dos
quino confirmou que o nú- DO WORLD TRADE CENTER seus “managers”, Frank Turner. Thorpe
Seria “um milagre” se hou- mero de pessoas desapareci- chegou perto do World Trade Center, on-
vesse alguém com vida sob das ascendeu a 6453, ou seja, FILHA DE POWELL JÁ NÃO PODE Cerca de 240 milhões de dólares (à volta de ia subir ao cimo de uma das torres,
os escombros das torres do mais 120 do que no último ACTUAR EM LONDRES de 269 milhões de euros) em barras de quando reparou que se tinha esquecido
World Trade Center, em No- balanço. O número de cor- ouro e dinheiro encontram-se debaixo da sua máquina fotográfica e voltou ao
va Iorque, afirmou ontem pos encontrados nos escom- A filha do secretário de Estado da Defesa dos escombros do World Trade Center, hotel para a ir buscar. Quinze minutos
o presidente da câmara da bros elevou-se a 276, indi- norte-americano, Colin Powell, ia come- informaram no domingo responsáveis fi- depois, teve lugar a catástrofe. “Eu vi o
cidade, Rudolph Giuliani. cou. Um total de 206 foram çar a trabalhar como actriz num teatro de nanceiros. As barras de metal precioso e que de melhor Nova Iorque tem para ofe-
“Penso que é altura de di- identificados, entre os quais Londres, mas por razões de segurança foi o dinheiro pertencem ao New York Mer- recer. Não é o espectáculo maravilho dos
zer que as hipóteses de en- os de 40 bombeiros e sete po- obrigada a desistir da produção dramá- cantile Exchange (NYMEX), um merca- arranha-céus no horizonte, não é nada do
contrar alguém com vida lícias, acrescentou Giulia- tica em que estava envolvida, informou do financeiro que funcionava no World que se pode destruir”, escreveu o nada-
dependeriam agora de um ni. ontem um porta-voz do National Theatre. Trade Center. “Nós já discutimos a ques- dor nas páginas do “Sun-Herald”. “São
milagre”, disse Giuliani nu- O balanço global dos aten- Linda Powell iria participar em “Jitney”, tão com a NYMEX. Disseram-nos que as pessoas e o seu espírito humano que
ma conferência de impren- tados nos Estados Unidos, uma peça sobre uma companhia de tá- os lugares [onde se encontra o ouro e todos testemunhámos”, acrescentou. As
sa. “Já houve milagres, mas apesar de ainda provisório, xis sediada em Pittsburgh na década de o dinheiro] foram colocados em segu- torres do World Trade Center, destruídas
não se deve dar demasiada eleva-se agora a 6962 mortos 70, mas decidiu permanecer nos Esta- rança antes de o prédio ser evacuado”, pelos “kamikaze”, não são mais do que
esperança às pessoas”, acres- e desaparecidos, incluindo dos Unidos para ficar próxima da sua afirmou John Milkie, um responsável “o símbolo da grandiosidade das pessoas
centou. Até ao momento, ne- as vítimas de Washington e família, depois dos atentados suicidas de da comissão que supervisiona empresas e do espírito que se manifestou em Nova
nhum sobrevivente foi en- da Pensilvânia. I Nova Iorque e Washington. “Era suposto como a NYMEX. “Toda a zona encontra- Iorque”.
1 4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 25 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO OS EUA DEPOIS DO CHOQUE
MARTIN SYKES/REUTERS
O D I Á R I O D E P E D R O PA I X Ã O E M N O V A I O R Q U E

A CIDADE DEPOIS ENTRE A BESTA E O ANJO


“Nova Iorque é uma cidade inacabada. É resposta que quero dar ao meu filho,
uma cidade num processo de devir. Hoje que tem onze anos e nasceu num mundo
pertence ao mundo. Sem que ninguém o muito mais difícil do que o meu.
esperasse, transformou-se na mais exem-
plar das cidades universais.” 5. Jantamos no Finnigan’s Wake, tí-
Le Corbusier, arquitecto, 1947 tulo do último e mais modernista dos
romances do irlandês James Joyce. É
um simples restaurante na 1ª avenida.
1. Brandon, no dia a seguir, saiu de A nossa condição humana oscila Esperam-me o Jack e o John. O Jack,
carro em direcção a um parque natural entre a besta e o anjo. Há quem de origem italiana, é um actor que enve-
no estado de Nova Iorque. Precisava de deseje a guerra e há quem não lhece. Nunca alcançou o sucesso e des-
abraçar as árvores, disse a alguém. Ao de que o conheço está sempre atrás de
regressar a Manhattan, o trânsito era deseje a guerra e sinta que é seu algum trabalho. Recentemente, teve de
intenso, a sul da rua 14 estava cortado. dever fazer a guerra para terminar sair desta cidade onde sempre viveu por
Subitamente foi tomado por um ataque com ela. Até à próxima vez. É esta causa da renda. E, no entanto, não há
de pânico. Largou o carro onde se en- nele a menor inveja, o mais pequeno res-
contrava, no meio da auto-estrada, e
a resposta que quero dar ao meu sentimento, antes uma generosidade
vagueou quatro horas seguidas até ser filho, que tem onze anos e nasceu e alegria contagiantes. Gosto dele, da
travado por um carro da polícia que o num mundo muito mais difícil coragem. Ao telefone tinha-me dito com
levou a um hospital psiquiátrico. Injec- do que o meu entusiasmo “Então vieste salvar-nos?”.
taram-no com calmantes e soporíferos. John, descendente de irlandeses, dis-
Sem que ninguém soubesse onde esta- tribui bebidas não alcoólicas com um
va, permaneceu internado duas noites. pequeno camião pela cidade. Repetiu
Agora, está em casa dos pais, em Rhode alguma destas armas, responde seca- duas vezes que o dia do ataque foi me-
Island. Tem 25 anos, é músico, desenha mente “sim” e passa a palavra a outra teorologicamente o mais belo do ano:
com esferográficas de cor seres espan- pessoa. No final, as pessoas saem len- 25 graus Celsius, nada húmido, um céu
tados com o facto de existirem e tem tamente do auditório. Cá fora, deixo- azul lindo. Jack estava em Inglaterra a
alma de anjo. Não sei se o chegarei a me ficar a olhar para um largo tronco concorrer para a locução de um anúncio
ver. Falar é-lhe difícil. de um plátano à espera de encontrar televisivo. Bebemos cervejas. John e Ja- Petronas Towers, na Malásia: o edifício mais alto do mundo
algum alívio. ck acham que as autoridades america-
2. Joshua diz-me que não pode respei- nas são em parte responsáveis, que de-
tar um povo que põe os seus filhos dian-
te de um exército e se encobre por detrás
deles. Percebo que se refere aos pales-
tinianos. Joshua diz-me que não pode
4. Há algumas semanas o meu filho,
que tem 11 anos, perguntou-me se ha-
via algum país que nunca tivesse es-
tado em guerra. Respondi-lhe que de
viam ter pensado mais e há mais tempo
sobre o perigo que se fazia sentir. Ambos
temem pela vida da cidade a curto prazo
— os hotéis quase vazios, os espectáculos
Arranha-céus
confiar nas intenções democráticas de
um homem que se encontra no poder há
trinta anos. Entendo que se refere a Ara-
fat. Pergunta-me a sorrir por que não
facto não conhecia nenhum. De seguida
perguntou-me porquê. Disse-lhe que
não sabia, que a pergunta era muito
difícil, que iria pensar nisso. Hoje, aqui,
teatrais a fecharem, os restaurantes com
um terço da clientela. Mas têm uma entu-
siasmada confiança na ajuda da Europa
“Vão-nos todos ajudar”. Entretanto, na
podem passar
penso ir eu visitar Me-
ca, a cidade mais sagrada
do Islão, para logo me in-
formar que é uma cidade
DON EMMERT/EPA
televisão os Mets fazem
um “home-run” e um jú-
bilo repentino atravessa o
restaurante. Prometemos
de moda
proibida, onde a não mu- encontrarmo-nos no dia “Não haverá nenhuma outro cenário apocalíptico co-
çulmanos é vedada a en- seguinte. proposta para edifícios mo aquele que foi mostrado no
trada. Joshua está tris- dia 11 de Setembro pelas tele-
te, intensamente preocu- 6. Alterno a confiança de 100 andares na visões do mundo inteiro.
pado, lê-se-lhe na cara. com o desalento, a espe- América por muito, Para Eugene Kohn, cujo es-
Tem mulher e três filhos rança de uma saída para muito tempo” critório é responsável pelo pro-
pequenos em Jerusalém o mundo com a visão da jecto daquele que vai ser o pré-
para onde regressa ama- desumanidade aterrado- dio mais alto do mundo, em
nhã. Do que mais gosta ra, a preservação dos va- FERNANDO PINTO Xangai, na China, a altura do
no mundo é de poesia, lores do espírito com o edifício não foi o aspecto pre-
que também escreve ou regresso à pior anima- Trinta por cento dos norte- ponderante na escolha do alvo
escreveu. Dou-lhe um lidade. O raio do jet-lag americanos não concordam por parte dos terroristas: era o
abraço e, ao desejar-lhe ainda não passou. Penso com a construção de mais ar- símbolo do capitalismo norte-
boa viagem, recordo a úl- com inveja nos meus ga- ranha-céus, revela uma sonda- americano que estava na mi-
tima vez que estive em tos que não sabem nada gem do jornal “USA Today” e ra dos mentores deste ataque.
Jerusalém. Lembro-me disto que percorre o mun- da cadeia CNN. Os outros se- “Se o World Trade Center ti-
de um árabe humilhado do. Escrever ajuda, já que tenta por cento, apesar de não vesse 60 andares, em vez dos
diante do filho por um não sei fazer malha. K. te- serem contra a proliferação 110, seria também atacado”,
soldado israelita e de ter lefona a dizer que duran- destes cogumelos gigantes de afirmou.
pensado “Quando cresce- te a tarde teve momen- betão, dizem pensar duas ve- Minoru Yamasaki, o cria-
res, se puderes matas.” tos depressivos, que uma zes antes de se aventurarem dor das duas torres gémeas
estranha solidão se lhe nas alturas. “Não haverá ne- do World Trade Center, nunca
3. Às duas e meia da agarrou ao pescoço. Para nhuma proposta para edifícios pensou que passados 27 anos
tarde assisto a uma con- mudar de conversa per- de 100 andares na América por estas caíssem como se fossem
ferência sobre terroris- gunto-lhe pelo cão de que muito, muito tempo”, disse Eu- simples castelos de cartas. Ho-
mo biológico e químico já não me lembro o nome. gene Kohn, presidente do es- je, os norte-americanos pen-
na Rockefeller Universi- Diz-me que o Cooper está critório de arquitectura Kohn sam naqueles 110 andares de
ty, uma instituição dedi- óptimo e dorme com ela Pedersen Fox Associates, de aço e de vidro a cair, pulveri-
cada exclusivamente à todas as noites. Que sor- Nova Iorque, citado pela BBC zados, e não conseguem dei-
investigação. O anfitea- te a dele, digo-lhe, piada Online. xar de estremecer. Se houvesse
tro cheio, na sua maioria por biólogos e pela primeira vez na vida, sei que esta- pobre em tempos de humor igualmen- Como as pessoas têm medo menos aço na estrutura, mui-
médicos. O conferencista, antigo asses- mos em guerra. Sei que foi perpetrado te pobre. E ela diz-me para eu não ser de viver em andares que se to mais pessoas poderiam ter
sor do presidente da Câmara de Nova um bárbaro acto de guerra que só com parvo. Isto faz-me pensar que a tensão encontram a muitos metros sido retiradas do local antes de
Iorque para o terrorismo, expõe deta- uma guerra pode ser punido, precaven- sexual desta cidade deve ter baixado acima do chão, os preços dos os edifícios colapsarem.
lhadamente os diversos tipos de ame- do outros. Mas no fundo continuo um para níveis mínimos. O medo aniquila andares mais baixos têm ten- As grandes quantidades de
aça (desde a contaminação da água à ignorante. Responder a uma violência o desejo. O sexo é um luxo. Pensar é um dência a aumentar. “Não tenho combustível que os aviões leva-
introdução de indivíduos infectados por com outra violência não será um ins- luxo. A arte é um luxo. Continuo sem dúvidas de que iremos pensar vam na altura em que se despe-
vírus) e as defesas possíveis. Existem tinto primitivo do que vive? Somos ani- conseguir determinar o seu valor. Lem- seriamente em construir qua- nharam criaram uma espécie
já pontos de distribuição de vacinas mais tecnologicamente avançados e por bro-me de Schönberg ter dito quando tro torres entre 55 a 60 anda- de forno no coração da estrutu-
e antibióticos espalhados pela cidade isso ainda mais perigosos. Abomino a os nazis chegaram democraticamente res”, disse Larry Silverstein, ra dos edifícios, que enfraque-
que podem ser activados em seis horas, violência,6 mas sei que os pacifistas — ao poder “Agora vamos ter de deixar um dos responsáveis pela área ceu facilmente o aço que lhe ser-
informa. O perigo e os efeitos de um não os pacíficos — contribuíram para de compor música. Há problemas mais do World Trade Center. via de esqueleto. Arquitectos e
ataque deste tipo continuam no entan- o contrário do que, sincera ou hipocri- importantes”. O que é certo é que não Em Londres, por exemplo, engenheiros não apontam, por
to inponderáveis, acrescenta. Por três tamente, era o seu propósito. A nossa tenho a mínima vontade de rever qual- os bancos Barclays e HSBC es- isso, o dedo aos materiais que
vezes, tem o cuidado de repetir que não condição humana oscila entre a besta quer dos meus quadros favoritos e que tão a analisar os desenhos dos foram utilizados entre 1970 e
deseja ultrapassar a meia hora para e o anjo. Há quem deseje a guerra e há desde há uma semana não consigo abrir projectos das suas novas sedes, 1974, na construção do edifício.
dar espaço às perguntas da assistência. quem não deseje a guerra e sinta que é um livro de poesia. Leio os jornais que para que não sejam descura- O projecto, na opinião dos peri-
Quando lhe perguntam se considera seu dever fazer a guerra para terminar ardem dia a dia, o efémero mostrando dos quaisquer pormenores de tos, não podia prever um aten-
provável a curto prazo um ataque com com ela. Até à próxima vez. É esta a todo o seu poder. I segurança. Toda a gente receia tado a esta escala. I
D E S TA Q U E 1 5
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 25 SET 2001

Cidades americanas
mal preparadas para ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

ataques terroristas NOTA DE IMPRENSA


Inquérito realizado apenas 31 por cento do total por cento das cidades inter-
Audição Pública sobre
após os atentados das cidades fizeram acções
de formação para combate
rogadas convocaram reuni-
ões de emergência, 26 por
o Tratado de Nice e
mostra que menos de
um terço das
ao terrorismo durante o ano
passado. A proporção passa
cento declararam estado de
urgência, oito por cento eva-
o Futuro da União Europeia
localidades levou a para 57 por cento para as ci- cuaram imóveis, seis por A Comissão Parlamentar de Assuntos Europeus, com o propósito de promover o debate sobre
dades com mais de cem mil cento fecharam escolas e o Tratado de Nice e o Futuro da União Europeia, realizará uma audição pública, no dia 26 de
cabo acções de habitantes. As mais mal pre- dois por cento bloquearam Setembro, pelas 14:30, no anfiteatro do edifício novo da Assembleia da República.
formação paradas são as com menos algumas ruas. Estas percen-
antiterrorista de dez mil habitantes (19 por tagens aumentam nas cida- Esta audição tem por objectivo a discussão das conclusões apresentadas pelas instituições
cento). des com mais de 100 mil universitárias a quem foram solicitados pareceres sobre os temas em apreço, a saber: Faculdade
Entre os pontos a melho- habitantes: 36 por cento de- de Direito da Universidade de Coimbra, Faculdade de Direito da Universidade Nova de
PASCAL BAROLLIER rar estão o aumento de efec- clararam situação de urgên- Lisboa, ISCSP, ISCTE, Universidade do Minho.
tivos policiais e bombeiros, a cia, 26 por cento evacuaram
A maior parte das grandes necessidade de uma resposta imóveis e 17 por cento encer- Estão confirmadas as seguintes presenças: Professor Doutor Paulo Pitta e Cunha, da Faculdade
cidades americanas estão a ameaças bioterroristas, de raram escolas. de Direito da Universidade de Lisboa, do Professor João Miguel Gorjão Henriques, da Facul-
mal preparadas para respon- uma maior vigilância sobre Algumas pronunciaram- dade de Direito da Universidade de Coimbra, do Professor Doutor Miguel Poiares Maduro, da
der a ataques terroristas e as fontes de alimentação e de se contra evacuações em Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, do Professor Carlos Botelho Moniz, do
deverão rever os seus proce- água e ainda uma coordena- massa, argumentando que ISCSP, da Professora Doutora Maria Eduarda Gonçalves, do ISCTE, e do Professor Doutor
dimentos, diz um inquérito ção maior entre organismos estas provocam pânico e pa-
Luís Lobo Fernandes, da Universidade do Minho.
feito a 456 cidades dos Esta- civis, militares e laborató- ralisam centros urbanos.
dos Unidos. rios federais. Muitas cidades sublinharam Mais se informa que a Comissão de Assuntos Europeus criou uma página na Internet especial-
Cerca de 66 por cento das “Todas as cidades e comu- também a necessidade de mente dedicada ao debate sobre o futuro da EU, onde constam os pareceres das Universidades,
cidades com mais de 100 mil nidades americanas deverão melhorar a rede de comuni- e que está disponível em:
habitantes vão rever os seus avaliar as ameaças terroris- cação de urgência para a co-
http://www.parlamento.pt/vii/comiss/ae/futuroUE/index.html
procedimentos de resposta tas potenciais e tomar as me- ordenação das equipas de so-
ao terrorismo, tarefa que de- didas adequadas”, diz o di- corro. A entrada é livre, limitada à capacidade da sala.
verá também ser feita por rector da associação, Don Este inquérito foi feito aos
52 por cento das localidades Borut, que encoraja os mu- presidentes da câmara de Para mais informações:
médias (com dez mil a cem nicípios a utilizarem os fun- 456 cidades entre 14 e 19 Consultar http://www.parlamento.pt/vii/comiss/ae/futuroUE/index.html
mil habitantes). dos disponíveis a nível fede- de Setembro. A Liga Nacio- Contactar
O inquérito, feito pela Li- ral e local para se preparar. nal das Cidades America- Helena Baptista - 00 351 21 3919373/ e-mail helenab@dsas.parlamento.pt
ga Nacional das Cidades No dia do ataque a Nova nas afirma ter mais de 1800 Fax - 00 351 21 3917435 ou 3917448
Americanas, diz ainda que Iorque e a Washington, 34 membros. I AFP

Anuário das Organizações Não Governamentais


O Terceiro Sector em Portugal
O PÚBLICO, com o apoio do Montepio Geral, vai editar, no último
trimestre de 2001, um anuário das organizações não governamentais em
Portugal.
Trata-se de um trabalho inédito no País, já que apenas parcelarmente e
em relação às ONG do ambiente ou do desenvolvimento, havia direc-
tórios minimamente actualizados.
Para o trabalho de levantamento dos vários sectores em que as ONG
têm exercido actividade já foram feitos milhares de contactos e rece-
bidas centenas de respostas. Mas só uma adesão maciça a este projecto
por parte do Terceiro Sector fará do anuário uma obra de referência, no
País e no estrangeiro.
Se a sua ONG já foi contactada e respondeu ao inquérito, o nosso obri-
gado. Se já recebeu o inquérito e ainda não respondeu, recordamos-lhe
que o poderá fazer até 30 de Setembro. Se é dirigente de uma ONG que
não tenha sido contactada e a quer ver incluída no anuário, poderá
pedir os elementos de contacto e o inquérito a
Departamento de Projectos Especiais - dpe@publico.pt
Telefone - 210 111 276/277
Fax - 210 111 006/007/008
PÚBLICO
Rua Viriato, 17
1069-315 Lisboa
1 6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 25 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO REFLEXOS DA ECONOMIA
KAI PFAFFENBACH/REUTERS

EUA em FORTE QUEBRA


NO PETRÓLEO
recessão, Europa Os crescentes receios de uma
recessão económica mundial
fizeram com que o preço do

com menos petróleo registasse, ontem,


a maior queda diária dos úl-
timos dez anos. O barril de
“crude” para entrega em No-

crescimento vembro em Nova Iorque caiu


para 22,85 dólares (24,8 eu-
ros), uma quebra de 12 por
cento (o valor mais baixo dos
últimos 17 meses), enquan-
REPERCUSSÕES quanto à forma de uma even- to o barril de “brent”, nego-
tual retoma, apostando uns ciado em Londres, chegou a
DOS ATAQUES que esta será rápida e acentu- registar um decréscimo de
ada, outros que os EUA se pre- 13,68 por cento, para 21,96 dó-
A confiança dos param para um longo período lares. Alguns operadores ar-
de muito baixo crescimento gumentam ainda que se trata
agentes económicos só económico. de “movimentos técnicos, de
deverá recuperar a Antes de 11 de Setembro liquidação de fundos espe-
partir do momento em a economia dos EUA já não culativos”. Desde o dia 11 de
transpirava saúde. A taxa de Setembro, o petróleo já acu-
que passar a mensagem crescimento aproximava-se mula uma queda de 16 por
de que a al-Qaeda foi perigosamente de zero e o de- cento. O mercado está tam-
seriamente atingida semprego subia em flecha. bém atento à conferência
Mas agora a procura interna da Organização dos Países
terá levado uma machadada Exportadores de Petróleo
ARTUR NEVES fatal. A confiança dos consu- (OPEP), amanhã, conside-
midores terá caído a pique, rando os analistas não haver
Não parece haver lugar para com a ajuda adicional da que- muitas probabilidades de a
dúvidas. O produto interno da das bolsas e dos anúncios OPEP decidir um aumento
bruto (PIB) norte-americano de despedimentos dos últimos de produção.
está já em contracção e deve- dias. Num clima de incerte-
rá continuar assim no próxi- za, adiam-se decisões de con-
mo trimestre e nos primeiros sumo e investimento. E só se
três meses de 2002, colocan-
do a economia em recessão.
espera que o actual clima se
desanuvie quando se tornar
FRANCO SUÍÇO
Quanto aos PIB mundial e da
zona euro, verão acentuar-se
evidente que o actual inimi-
go declarado, a al-Qaeda de TRAVADO
o abrandamento das suas ta- Osama bin Laden, ficou sem
xas de crescimento acentuar- capacidade de actuação. O banco central suíço cor-
se, mas estas manter-se-ão em Quanto ao conjunto da eco- tou, pela segunda vez em sete
território positivo. É para aí nomia mundial, deverá cres- dias, a sua taxa de juro de re-
que aponta a primeira ronda cer em 2001 entre 2,2 e 2,4 por ferência em 50 pontos-base,
de estimativas que incorpo- cento, a menor taxa de expan- numa tentativa de travar a
ram já nos seus cálculos os são desde 1992 e a mais forte valorização do franco suíço
efeitos directos e indirectos travagem económica dos últi- face ao dólar, ao euro e à li-
dos atentados terroristas de mos 30 anos. A previsão mais bra esterlina. A decisão sur-
há duas semanas. pessimista para o conjunto giu após a moeda ter batido
Nos últimos dias, bancos das economias dos países do o valor mais alto dos últimos
como o Merrill Lynch, Gold- G-7 é da responsabilidade do O Deutsche Bank prevê em 2001 e 2002 crescimentos de um por cento no conjunto do G7 20 anos contra o dólar. Desde
man Sachs, Schroder, HSBC, Deutsche Bank, que não apos- os atentados terroristas nos
Deutsche Bank ou o Crédit ta em mais de um por cento, EUA, a divisa suíça subiu cer-
Lyonnais, divulgaram as suas quer para 2001 quer para 2002. As previsões que estão a ser ra se teme que se esteja diante mente anunciados planos de ca de quatro por cento contra
projecções para a evolução da Para a zona euro, o crescimen- divulgadas para os EUA e pa- de um envolvimento militar ajuda à penalizada indústria o euro e cinco por cento face
economia mundial e da norte- to deverá ficar bem aquém dos ra a Europa podem ser consi- mais profundo e prolongado. aeronáutica (ver caixa), e um ao dólar. Após o anúncio do
americana em particular. Fo- dois por cento em 2001, com deradas optimistas, uma vez As estimativas baseiam-se em corte das taxas de juro dos banco central, o franco suíço
ram unânimes na estimativa uma ligeira recuperação em que têm como base o impacto três hipóteses importantes: dois lados do Atlântico. Ex- caiu, ontem, 1,04 por cento
de que esta última entrará 2002, conforme o próprio co- económico da guerra do Gol- o retorno da confiança dos cluída está a hipótese de no- face ao dólar, e 1,12 por cento
em recessão no final do ano, missário europeu para os fo de 1990-91 — quando a con- agentes económicos logo no vos ataques terroristas, que contra o euro. O euro ficou,
na sequência de dois trimes- Assuntos Económicos e Fi- fiança dos agentes recuperou início de 2002, a eficácia das a terem lugar minariam pro- por sua vez, marcado ontem
tres consecutivos de retracção nanceiros tinha afirmado sex- logo após o termo das opera- políticas económicas gover- fundamente a moral de todos por uma forte volatilidade.
do PIB. A discordância surge ta-feira em Liège. ções militares —, quando ago- namentais, como os recente- os cidadãos. I Depois de a moeda única ter
começado o dia de ontem em

Bolsas sobem sem razão aparente


queda — nos 0,9107 dólares
—, conseguiu recuperar à ho-
ra do almoço, para os 0,9175
dólares, voltando a cair de-
pois para os 0,9151 dólares à
EUA iniciam guerra contratos de futuros na última cento. A bolsa de Zurique su- na semana passada acumulou o “insider trading” (o uso de hora de fecho dos mercados
contra o “terrorismo sexta-feira —, não deixou de biu 6,7 por cento e Frankfurt, uma perda de 14,26 por cento, informação privilegiada) de de Lisboa, por causa da for-
causar alguma admiração. É fortemente penalizada na úl- que representa a maior queda que acusam o homem mais te recuperação registada nas
financeiro” que, como disse ao PÚBLICO tima sexta-feira, ganhou 6,6 desde 1933, abriu em alta e es- procurado do mundo, Bin La- bolsas norte-americanas.
um analista, “não se alterou por cento, a beneficiar de forte teve praticamente toda a ses- den, cujo prémio de captura
Os principais mercados bol- nada de substancial”. Acres- subida da Deutsche Telecom e são a ganhar mais de quatro vai aumentando.
sistas iniciaram a semana em centou ainda que, “pior do que do Deutsche Bank. Fortes su- por cento. O Dow Jones Trans- Contactados pelo PÚBLICO,
forte alta, sem que, pelo me-
nos aparentemente, se vis-
a incerteza [em termos econó-
micos e de resposta político-
bidas verificaram-se também
na Bolsa de Amesterdão (mais
portes, onde estão as grandes
companhias de aviação norte-
alguns analistas financeiros
admitem que a cooperação
OURO VOLÁTIL
lumbre qualquer razão para militar ao atentado terrorista 5,7 por cento), na de Paris (a americanas apresentou uma entre países poderá facilmen- O ouro continua a beneficiar
uma recuperação sustenta- de 11 de Setembro] que existe recuperar 5,7 por cento) e na subida superior a três por cen- te permitir a identificação dos atentados terroristas nos
da. No dia em que George W. é impossível”. O facto é que os de Madrid (mais 5,96 por cen- to. O Nasdaq, que avalia o de- dos compradores em casos de EUA. Se antes dos ataques a
Bush anunciou o início da- alertas de ameaça de recessão to). Lisboa, que tem perdido sempenho das empresas tec- operações de bolsa suspeitas, onça “troy” era transaccio-
quilo que pode vir a ser uma económica (ver texto em ci- muito menos do que as suas nológicas, também abriu com como as de que é acusado Bin nada a 271 dólares (294 euros),
“nova cruzada” contra o “ter- ma) não tiveram reflexos on- congéneres, também esteve muita confiança, aproximan- Laden, relativas a algumas desde então o seu valor tem
rorismo financeiro” (ver pá- tem nas bolsas, que parecem em alta, com uma valorização do-se do final da sessão com ga- companhias de aviação e res- rondado sempre os 290 dóla-
gina 2), verificou-se mesmo querer agarrar-se a factos po- de 2,63 por cento. nhos de quase seis por cento. seguradoras. Alegam que o res. Ontem o ouro registou
uma recuperação dos secto- sitivos. A recuperação da Europa co- isolamento ou a elaboração uma ligeira quebra face a sex-
res mais massacrados depois A volatilidade, que por defi- meçou logo pela manhã, e em Mercado mais controlado de uma espécie de lista negra ta-feira, sendo transacciona-
de 11 de Setembro, como os nição consiste em subidas ou especial nos títulos das TMT Os analistas admitem que de instituições ou paraísos do a 288,20 dólares (313,3 eu-
seguros, a banca, e mesmo as descidas muito significativas, (telecomunicações, “media” e a volatilidade vai continuar, fiscais pode permitir a iden- ros). O grama de ouro fino em
companhias de aviação. traduziu-se ontem numa cor- tecnologias), beneficiando de- num mercado cada vez mais tificação dos secretíssimos barra, por sua vez, cotou-se
A subida de ontem, apesar recção positiva. Na Europa, pois de uma abertura, também controlado pelas polícias das detentores em “off-shores” ontem a 2043,3 escudos, em
de antecipada por alguns ana- Milão liderou as subidas, com em forte alta, das bolsas norte- bolsas, no sentido de determi- de capitais com origem sus- alta face aos 2042 escudos de
listas — depois do fecho de uma valorização de 7,07 por americana. O Dow Jones, que nar crimes de mercado, como peita. I ROSA SOARES sexta-feira.
1 8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 25 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO PORTUGAL
PEDRO CUNHA

Portugal não
controla todo o seu
espaço aéreo
Radares passa no nosso espaço aéreo em
dos arquipélagos termos de defesa aérea e poli-
ciamento”, reconheceu na RTP
são limitados o chefe do Estado-Maior da For-
ça Aérea, general Vaz Afonso.
HELENA PEREIRA Portugal deu aos EUA autori-
zação para sobrevoo do espaço
Portugal não tem meios para aéreo português. Quando um
vigiar todo o seu espaço aéreo. país necessita de deslocar gran-
As zonas que escapam à vigilân- des massas de aviões, normal-
cia da Força Aérea situam-se mente faz uma reserva de bloco
no espaço da responsabilidade de espaço aéreo (um corredor a
dos comandos dos Açores e da determinadas altitudes duran-
Madeira. Aqui, o controlo de trá- te um determinado período de
fego é feito de modo convencio- tempo), mas não terá sido isso
nal. Os radares têm um alcan- que aconteceu em Portugal.
ce muito limitado e destinado Quando os voos são tácticos,
a apoiar as operações de aterra- ou seja, numa acção ofensiva,
gem. Para a vigilância de todo podem não ser comunicados
o espaço aéreo atlântico faz-se os tipos de aeronaves que en-
uma cobertura rádio e comuni- tram em espaço aéreo de outro
cações. Cada avião comunica ao país. O espaço aéreo português
controlador aéreo onde está e é mais frequentemente utiliza- António Guterres vai apelar hoje a um consenso mínimo em torno da resposta a dar aos atentados terroristas nos EUA
para onde vai para que este pos- do para voos estratégicos, ou
sa fazer a separação de tráfego. seja, em fase de preparação de

Guterres leva combate


Na Lei de Programação Mili- meios para uma operação, co-
tar, que aguarda aprovação na mo a que se está a assistir actu-
Assembleia da República, está almente com a deslocação de
prevista a aquisição de um sis- navios e aeronaves norte-ame-
tema de radares militares para ricanos para a zona do Médio
defesa aérea, ou seja, o controlo
de aviões hostis.
“Nos arquipélagos, não te-
mos qualquer sensor que per-
Oriente. O “Semanário” noti-
ciava esta semana que bombar-
deiros B1, caças F-15 e aviões de
reabastecimento KC-10 entra-
ao terrorismo à Assembleia
mita fazer o policiamento e ir ram no espaço aéreo português
ver com F-16 quem anda no apesar de o Ministério dos Ne- Plenário debate com com os Estados Unidos e o Já o PCP será representado da, Francisco Louçã adian-
nosso espaço aéreo. Viremos a gócios Estrangeiros o desmen- primeiro-ministro a apoio português ao combate no debate pelo próprio secre- tou ontem ao PÚBLICO que
ter essa possibilidade depois da tir. No entanto, a possibilidade do terrorismo. tário-geral. Carlos Carvalhas vão insistir com o Governo
instalação na Madeira e se no de o espaço aéreo sob controlo e
situação internacional Aparentemente mais vira- deverá, entre outros ângulos para que defenda a emissão
próximo ciclo for considerada vigilância dos Açores e Madei- e as consequências do para as questões internas de abordagens e segundo o de um mandado internacio-
a proposta [para os Açores] que ra ser invadido por intrusos, sobre o país apresentar-se-á o CDS-PP, que gabinete de imprensa do gru- nal de captura no âmbito das
agora vamos refazer. (...) Esta- sem que Portugal tenha conhe- será representado pelo líder po parlamentar comunista Nações Unidas para Ossama
mos cegos em relação ao que se cimento, existe. I parlamentar, Basílio Horta, adiantou ao PÚBLICO, ques- bin Laden. Do ponto de vista
SÃO JOSÉ ALMEIDA no que toca a declarações de tionar o primeiro-ministro interno, Louçã garantiu que
E HELENA PEREIRA fundo, ficando o líder do par- sobre “que solidariedade pa- quererá ver esclarecida qual
ISF – IMOBILIÁRIO, SERVIÇOS E PARTICIPAÇÕES, S.A. tido, Paulo Portas, com a res- ra com as vítimas do atenta- a posição do Governo. A ne-
Sede: Avenida da Boavista, 1269/1281 - Porto A insistência na defesa de que ponsabilidade das perguntas. do, o povo americano, e qual cessidade de esclarecimento
Capital Social: 5.000.000$00
Matriculada na C.R.C. do Porto sob o nº 49 366
devem ser medidas racionais Basílio Horta avançou ontem o combate a travar contra o de posições levará o Bloco a
Pessoa Colectiva nº 502 638 036 contra actos irracionais será ao PÚBLICO que vai mesmo terrorismo”. Carvalhas ten- clarificar a sua posição pe-
feita pelo primeiro-ministro, defender a elevação do défi- ciona ainda interrogar Gu- rante a situação criada com
António Guterres, ao intervir ce para que o Estado intro- terres sobre se “essa solida- o atentado. Ou seja, o BE vai,
ANÚNCIO hoje à tarde na Assembleia da duza meios de investimento riedade e melhor combate segundo Louçã, “rejeitar ca-
Nos termos e para os efeitos do disposto nos nrs. 1 e 2 do art. 16º. do D.L. 343/98 República no debate sobre “a que atenuem os efeitos da re- não passa por uma posição tegoricamente a imagem de
de 6/11, dá-se conhecimento que esta sociedade, face ao aprovado na Assembleia situação internacional na se- cessão motivada pelos atenta- de Portugal a favor da dis- neutralidade”, mas irá defen-
Geral Anual realizada em 30 de Março de 2001, vai redenominar as accções re- quência do ataque perpetrado dos nos EUA. Seguindo assim tensão internacional e no der que seja criado um “pro-
presentativas do seu capital social, da seguinte forma:
contra os EUA”. a proposta lançada pelo ex- não alimentar de posições de jecto de paz e não seja manti-
*IDENTIFICAÇÃO DOS VALORES MOBILIÁRIOS A REDENOMINAR: 10.000
accções, sendo 5.000 representativas da totalidade do capital social desta socie-
Na sua primeira desloca- primeiro-ministro Cavaco Sil- ‘histeria belicista’”. da a lógica anterior de armar
dade que é de Esc. 5.000.000$00, e as outras 5.000 através da emissão de novas ção à Assembleia desde o iní- va, o líder parlamentar do PP Quanto ao Bloco de Esquer- os amigos”. I
acções, para adaptação ao capital social mínimo de 50.000 euros. cio do ano parlamentar, o pri- vai centrar a sua intervenção
*FONTE NORMATIVA EM QUE ASSENTA A DECISÃO: Decreto-Lei nº. 343/98 de 6 meiro-ministro irá, de acordo nos efeitos económicos e na
de Novembro;
*TAXA DE CONVERSÃO: 200$482;
com o seu gabinete, também segurança e defesa nacional Conselhos de Estado e Defesa
informar os deputados dos provocados pela nova situa-
*MÉTODO DE REDENOMINAÇÃO E O NOVO VALOR NOMINAL: método não padrão
fixando-se: o valor nominal de cada accção em 5 euros e o capital social em 50.000
passos que o Governo tem da- ção internacional. Nacional reúnem-se esta semana
euros representado por 10.000 accções;
do, bem como das atitudes as- Os democratas-cristãos
*DATA DA REDENOMINAÇÃO: 31 DE OUTUBRO DE 2001. sumidas pelos representan- querem também saber, por
*DATA PREVISTA PARA O PEDIDO DE INSCRIÇÃO DA REDENOMINAÇÃO NO tes do Estado português nos exemplo, que mudanças é O Presidente da República convocou ontem o Conselho
REGISTO COMERCIAL: 31 DE OUTUBRO DE 2001. órgãos internacionais, assim que o Governo vai introdu- de Estado e o Conselho de Defesa Nacional para amanhã
Matosinhos, 24 de Setembro de 2001 como das posições já tomadas zir no funcionamento das “se- e quinta-feira, respectivamente, debater a situação in-
pelos aliados de Portugal, NA- cretas”, o Sistema de Infor- ternacional e as suas consequências para o país. Na
Pelo Conselho de Administração
TO e União Europeia. mações e Segurança (SIS) e reunião do Conselho de Estado, Jorge Sampaio preten-
Em diálogo com o primeiro- Serviço de Informações Es- de debater o papel de Portugal no contexto da “resposta
ministro entrarão os líderes tratégicas de Defesa e Milita- da comunidade internacional ao terrorismo”.
dos partidos da oposição ou res (SIEDM), se os recentes O Conselho de Estado é o órgão político de consulta da
os líderes parlamentares. As- acontecimentos nos EUA vão Presidência e inclui o primeiro-ministro, o presidente
sim, pelo PSD estava ontem influenciar a elaboração de da Assembleia da República, o Provedor de Justiça, o
previsto que, hoje, fale o presi- um novo conceito estratégi- presidente do Tribunal Constitucional, os presidentes
dente do partido, Durão Bar- co e se todos os programas de dos governos regionais, deputados eleitos pelo Parla-
roso. Mas ontem a sua asses- reequipamento, previstos na mento e os ex-Presidentes da República Mário Soares
soria de imprensa não estava Lei de Programação Militar, e Ramalho Eanes.
em condições de antecipar ao ainda estão actuais. Quinta-feira, o Conselho Superior de Defesa Nacional
O PÚBLICO o tipo de interven- “É preciso olhar para o nos- irá analisar as consequências para Portugal da situa-
ção que Barroso pretende ho- so Código Penal e ver se estão ção internacional e os reflexos no sector da defesa. Este
multiplica os seus pontos por 5 je fazer. Garantido era que tipificadas todas as condutas órgão inclui o primeiro-ministro, vários ministros de
Barroso deverá manter a li- criminosas”, afirmou ainda áreas como a Defesa e os Negócios Estrangeiros, o chefe
CÓDIGO do dia 25 de Setembro nha da intervenção que fez ao PÚBLICO Basílio Horta, do Estado-Maior General das Forças Armadas e os
em plenário na passada quar- defendendo a adequação das chefes de Estado-Maior de cada um dos ramos milita-
ZQF9RE78R ta-feira em que assumiu a so- penas à gravidade dos crimes, res, os ministros da República e os presidentes dos
lidariedade total de Portugal ou seja, o seu agravamento. governos regionais.
2 0 D E S TA Q U E
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 25 SET 2001 G U E R R A AO T E R R O R I S M O P O N TO S D E V I S TA

INQUÉRITO

Resposta proporcional 1. O que mudou no mundo?


2. Como devem e podem os Estados Unidos e
os seus aliados responder a esta situação?

A
defesa de uma “resposta pro- terrorismo, para impedir que ele se
porcional” dos Estados Uni- torne a forma de expressão de eleição
dos ao ataque terrorista de 11 seja onde for e seja de quem for.
de Setembro começou a ser Os Estados Unidos têm o direito de “Que se confunda com terrorismo
defendida pelos líderes políticos ame- atacar militarmente as bases de treino
ricanos mal se desvaneceram as pri- de terroristas e de deter os seus agen- a luta revolucionária
meiras ondas de choque. tes e financiadores, se tiverem provas
“Proporcional” é um adjectivo posi- JOSÉ VÍTOR MALHEIROS da sua actividade. Mas não o direito de
dos deserdados do mundo”
tivo e parece à primeira vista e sem bombardear alvos civis. Têm o direito
mais análise adequado a todos. Uma A resposta deve ser proporcional mas, de defender e impor medidas contra 1 — Muita coisa. O acto monstruoso de fa-
“resposta proporcional” tem de ser como os líderes europeus têm repeti- países que apoiam, acolhem ou sim- natismo religioso que se traduziu em cinco
medida, controlada, contida e isso damente afirmado, não pode ser uma plesmente toleram grupos terroris- mil mortos e a todos comoveu compreen-
parecem atitudes razoáveis quando resposta terrorista, nem pode ser uma tas. Mas não o direito de espalhar a sivelmente mostrou a vulnerabilidade dos
se prepara uma reacção que vai pro- resposta que sacrifique os civis dos fome entre as suas populações. Têm Estados Unidos. O terrorismo pode estar em
vavelmente ter uma componente bé- países atingidos. o direito de deter e exigir a detenção toda a parte, especialmente nos próprios
lica e, principalmente, quando ainda A resposta de países civilizados e de- de suspeitos de terrorismo (da prática Estados Unidos.
não se sabe bem nem contra quem mocráticos tem de ser moldada pelos de actos terroristas ou da sua prepa- É legítimo e necessário que se combata o
se combate nem onde, e quando há o seus valores e tem de ser exemplar ração) e de os apresentar à justiça — Urbano terrorismo e se criem defesas eficazes em
risco de um alargamento do conflito daquilo que se defende. Da mesma estejam onde estiverem. Mas não o Tavares defesa da humanidade, mas não que se con-
a uma parte importante do mundo maneira que não se pode responder direito de bombardear as cidades onde Rodrigues, funda eventualmente com terrorismo a luta
islâmico. ao homicídio com a pena de morte se escondem. escritor revolucionária dos deserdados do mundo
A expressão parecia sem dúvida mais sem reforçar a ideia de que se deve A resposta deve ser proporcional em como, por exemplo, os palestinianos ou as
racional e civilizada que a “retalia- responder à violência com a violência, termos políticos, ao nível diplomáti- FARC (Forças Armadas Revolucionárias da
ção” que esteve nos lábios de alguns não se pode responder ao terrorismo co, ao nível da informação, ao nível Colômbia) ou os Sem Terra do Brasil ou as
nas primeiras horas. com o terrorismo. Os escrúpulos e económico e ao nível financeiro — forças de contestação que protestam con-
A partir de um momento, porém, os os valores humanistas são um fardo não apenas proprocional em termos tra os desmandos e crueldade do capita-
responsáveis americanos — para ga- das sociedades democráticas: elas não militares. E ela deve ser, antes de mais, lismo global. E receio muito que a onda de
rantir aos temperamentos mais be- podem usar toda a panóplia de armas adequada (proporcional) aos valores vingança possa alastrar a essas áreas no
licistas que não haveria tibieza na à disposição dos seus inimigos. Mas da civilização. século que assim principiou.
reacção dos EUA e para preparar os são a sua razão de ser. Ela tem de envolver acordos inter-
temperamentos mais pa- nacionais de partilha 2 — A meu ver com serenidade, com in-
cifistas para algo mais de informações so- teligência e com firmeza, procurando os
do que uma semana de bre terrorismo; com- responsáveis pelo crime hediondo e desar-
bombardeamentos de al-
O ataque aos EUA não foi fruto da decisão de um tipo promissos interna- mando novos atentados, sem bombardear
titude — começaram a cionais sobre o con- populações civis, sem punir ao acaso, sem
sublinhar que uma “res- louco, de uma quadrilha ou de um ataque de loucura trolo dos fluxos fi- aumentar o ódio, que o mundo da pobreza já
posta proporcional” a imprevisível. Há milhares de indivíduos dispostos a nanceiros (ratificar vota aos Estados Unidos. O fundamentalis-
um ataque tão brutal morrer para castigar os EUA (e outros países) pelo a Convenção Inter- mo islâmico é, de facto, uma praga do nosso
não seria de forma al- nacional das Nações tempo (veja-se o comportamento dos tali-
guma um ataque restri- sofrimento que a sua política lhes causa e milhões Unidas para a Supres- ban para com as mulheres ou os morticínios
to no tempo, no espaço dispostos a ajudá-los mais ou menos activamente são do Financiamen- na Argélia), mas seria igualmente desuma-
ou nos alvos e teria de to do Terrorismo e no por parte dos Estados Unidos atear uma
ter, pelo contrário, uma REUTERS implementar as reco- guerra religiosa (Bush já falou em cruzada)
dimensão considerável. mendações do Grupo ou esmagar a Líbia e o Iraque, isto é, os seus
Tratava-se de uma ver- de Acção Financeira povos, pelo facto de lá poderem encontrar-
dadeira guerra, longa, sobre o Branqueam- se umas dúzias de terroristas.
global, com sacrifícos e neto de Capitais da Estamos perante uma situação realmente
com baixas. OCDE, por exemplo); inédita e é muito grande o risco de os jus-
Afinal, “proporcional” a imposição de san- ticeiros poderem ultrapassar no crime os
significa antes de mais ções contra países próprios criminosos. Em última análise, há
que corresponde em di- que apoiam, acolhem que analisar a fundo as causas do terroris-
mensão, grau ou inten- ou toleram terroris- mo, para a fundo o combater.
sidade a um termo de re- tas dirigidas a fazer E a meu ver Portugal não deveria envolver-
ferência — e esse termo os seus líderes com- se em acções de retaliação.
de referência é, aqui, o preender as vanta-
desumano ataque terro- gens de alterar a sua
rista. política e não a fazer “O que emerge depois deste crime
Será então que uma “res- sofrer as suas popula-
posta proporcional” é ções; um enorme tra- é o medo”
afinal o mesmo que uma balho de informação
retaliação — a aplicação junto das populações 1 — Com o ataque aos EUA tornou-se evi-
da lei de Talião? onde os terroristas dente que o mundo se volveu num lugar de
Significa que os Estados Unidos devem Enérgico defensor (e eficaz executor) recrutam os seus militantes (a popu- múltiplos perigos, tanto mais perturbadores
fazer a mesma coisa que lhes fizeram? da pena de morte, George W. Bush terá lação afegã, proibida de ver TV, sabe quanto deixaram de ser protagonizados à
Que devem bombardear alvos civis, de alguma dificuldade em perceber isto, realmente o que se passa no mundo? escala internacional por actores estaduais
surpresa se possível, espalhando o ter- mas é fundamental que os Estados Ou só conhece os argumentos dos ta- para serem actuados por simples indivíduos
ror e causando milhares de mortos? que se aliam aos EUA nesta coliga- liban?); e, “last but not least”, uma que podem viver ao nosso lado, passear o
Que devem matar cegamente homens, ção contra o terrorismo — em parti- política internacional que privilegie a cão ao domingo, ter uma família e fazer as
mulheres e crianças só porque são de cular os países da União Europeia — paz, a democracia e o desenvolvimen- Victor de Sá suas orações. O que se quebrou foi o laço
uma dada nacionalidade, só porque façam vingar estes pontos de vista. to (que cumpra o objectivo definido Machado, que desde sempre e apesar de tudo tem uni-
estão no sítio errado, só porque o Go- Até agora, parece ter sido isso que tem pelas Nações Unidas de dedicar 0,7 presidente do do os homens numa relação de confiança
verno do país onde estão tem uma acontecido, mas é depois da violência por cento do PIB dos países ricos ao conselho de cujo fundamento mais autêntico é a adesão
política que os Estados Unidos consi- começar, depois da opinião pública desenvolvimento do Terceiro Mundo, administração ao princípio da santidade da vida.
deram ser a causa do seu sofrimento dos países envolvidos - de todos os por exemplo). da Fundação O que emerge depois deste crime é o medo,
actual? lados - começar a cheirar o sangue, Os países só agem movidos pelo inte- Calouste e o medo é, quer queiramos quer não, fon-
Se for essa a interpretação de “respos- que essa contenção será mais difícil e resse próprio. E, até agora, uma es- Gulbenkian te de quase todos os males que afligem os
ta proprocional” — numa espécie de mais necessária. pantosa miopia não lhes tem permi- homens: a intolerância religiosa, a discrimi-
travesti da louca “retaliação maciça” A resposta ao ataque aos EUA deve tido ver que o crescimento do ódio nação e a violência contra o outro.
dos anos 50 — é evidente que o resul- ser proporcional, mas não pode ser numa região do mundo não é do in-
tado será uma escalada de violência proporcional em ódio; deve ser pro- teresse de ninguém. A aliança inter- 2 — Esta é uma guerra nova que tem a ver
de consequências desastrosas para o porcional ao risco do terrorismo, mas nacional contra o terrorismo, para com o carácter diferente da ameaça que
planeta. É evidente que os movimen- não pode ser indiferente aos “danos responder de forma proporcional à hoje impende sobre o mundo. Não creio que
tos terroristas vão receber vagas de colaterais”. ameaça, não pode limitar-se a atacar haja experiência anterior de combate em
novos recrutas cegos de ódio e com a Uma resposta proporcional à enormi- os campos dos actuais terroristas. De- larga escala a um terrorismo planetário.
certeza da justiça da sua causa; que a dade do ataque não é um ataque mili- ve atacar as raízes do ódio. A aliança Os EUA e seus aliados têm de defender-se,
espiral de violência será alimentada tar nem um inimigo morto (ainda que global antiterrorismo é uma oportu- mas têm de fazê-lo de maneira eficaz, isto é,
pelas retaliações, pelos mortos, pelas possa envolver medidas militares). É nidade única de colaboração, em prol em relação aos alvos responsáveis e utili-
“vendette” e que será difícil, a partir um compromisso de longo prazo, de do desenvolvimento, da compreensão zando a força na medida em que as circuns-
de um momento, encontrar uma rés- ataque nas várias frentes, de envolvi- entre os povos e da democracia. Esta tâncias aconselharem.
tea de justiça em qualquer das partes, mento em esforços internacionais, é formidável resposta é a resposta pro-
de tal maneira todas estarão mergu- o compromisso de dedicar o tempo e porcional que os cidadãos do mundo
lhadas na sombra das vinganças. os meios necessários para vencer o devem exigir.
D E S TA Q U E 2 1
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 25 SET 2001

O dia seguinte
A OPINIÃO DE
MARIA CARRILHO

H
á uma questão Uma operação com a — cuja rapidez significa-
que não tem si- ria imprecisão, e que, atin-
do claramente
envergadura da que ocorreu, gindo provavelmente um
debatida: qual que exigiu cumplicidades grande número de civis,
o plano, as expectativas, activas e passivas, que exigiu teria acelerado a definição
enfim, a estratégia dos res- anos de preparação, não pode de campos opostos, fede-
ponsáveis pelos actos ter- rando adesões através do
roristas para o “day after”? deixar de estar inscrita num mundo muçulmano. Por-
Uma operação com a en- processo que tem um antes e que não tenhamos ilusões:
vergadura da que ocorreu, um depois se nós não temos interes-
que exigiu cumplicidades se num choque civilizacio-
activas e passivas, que exi- nal, se os povos árabes e
giu anos de preparação, do mundo muçulmano em
não pode deixar de estar inscrita num pro- geral não têm qualquer vantagem com isso,
cesso que tem um antes e um depois. os promotores destes actos terroristas jogam
A acção seguiu algumas regras “clássicas” nessa linha.
do terrorismo, embora aplicadas ao contexto E talvez uma primeira derrota dessa linha
das sociedades tecnologicamente avançadas, tenha sido a resposta reflectida, não preci-
altamente complexas e vulneráveis — o que pitada, a contenção da força e preparação
potenciou os seus efeitos. Uma delas é o mi- da mesma através de apoios internacionais.
metismo dos executores, e de tal forma foi Pela parte europeia, creio que desde a pri-
meira hora contri-
JIM BOURG/REUTERS buímos para isso. Pe-
la parte do Governo
norte-americano, on-
de ao longo dos úl-
timos meses eram
evidentes as diferen-
ças de orientação na
área da defesa, evi-
denciou-se imediata-
mente a figura de Co-
lin Powell, ou seja,
uma linha modera-
da, que é também a
mais sólida e consis-
tente.
A luta contra o ter-
rorismo será longa e
vai desenrolar-se em
várias frentes, desde
a financeira, à poli-
cial, passando pela
militar. Sem esque-
cer aquela que é
especificamente polí-
tica, que consiste no
isolamento do terro-
rismo, retirando-lhe
o pretexto de ser
uma arma dos de-
serdados. Este isola-
mento já está a
acontecer, principal-
mente através de
esforços diplomáti-
cos que põem em
evidência o beco sem
saída que é o terro-
rismo: é difícil que
qualquer governo
não tenha consci-
ência dos efeitos
negativos para si pró-
prio que resultariam
de uma desestabili-
zação generalizada.
aplicado à letra que deixou quase incrédulos Acções localizadas com apoio militar eficaz
os que com eles contactaram, pois que em começam agora a ser possíveis e even-
tudo pareciam normais, estudavam, tinham tualmente constituirão um instrumento
namoradas, dançavam. Sabe-se também que importante, principalmente se forem ao en-
as acções terroristas têm, para além do objec- contro da luta dos opositores afegãos ao
tivo de paralisação do inimigo pelo terror, um regime dos taliban de forma a criar uma pers-
objectivo de provocação, destinado a definir pectiva para o povo desse país.
campos, a acentuar e a fazer estalar conflitos Por outro lado, na frente da acção políti-
latentes, através de respostas condiciona- ca, os países mais ricos, apesar das dificul-
das pelo próprio terror. Neste jogo violento, dades económicas que se desenham, devem
os promotores esperam controlar o inimigo redobrar os esforços no domínio da ajuda
através da surpresa e vencer, trazendo para de emergência, da cooperação e da ajuda ao
a sua “causa” outras forças. desenvolvimento, apostando também no re-
É assim possível que os responsáveis pela forço das próprias democracias através do
tragédia do 11 de Setembro esperassem uma apoio a outros povos na procura de liberdade
resposta militar imediata dos Estados Unidos e de condições de vida dignas. I

Deputada do PS ao Parlamento Europeu


e membro da Comissão de Assuntos Exteriores
de Segurança e Defesa Comum
E S PA Ç O P Ú B L I C O 23
PÚBLICO•TERÇA-FEIRA, 25 SET 2001

OS ESTADOS UNIDOS Bartoon LUÍS AFONSO

NO BOM CAMINHO
Uma nova política está a ser construída, em frente
aos nossos olhos, por uma administração e por
um Presidente que têm mostrado serem capazes
de aprender depressa e privilegiar o longo prazo.

É possível que a resposta militar aos ataques a Nova


Iorque e Washington já tenha começado. É possível que
já se travem batalhas invisíveis nos inacessíveis confins
das montanhas do Afeganistão.
Como os Estados Unidos têm dito desde o primeiro
momento, esta é uma guerra diferente de todas as
anteriores — porque será mais longa, porque não será
apenas, nem sobretudo, militar, porque envolverá meios e
comportará riscos bem diferentes dos últimos conflitos em
que o país esteve envolvido, nomeadamente o do Kosovo.
Mesmo assim é possível que à eventual discrição dos
primeiros movimentos se sigam acções mais visíveis e
“mediáticas”, mas desta vez as autoridades americanas
parecem verdadeiramente determinadas a dar
prioridade às missões e ao seu êxito, em lugar de
valorizarem a sua mediatização.
A sua prioridade tem sido a de construírem uma grande
coligação internacional, o que têm conseguido com

Editorial
assinalável êxito, obtendo a colaboração
de Estados que ainda há poucos dias
Cartas ao Director
podiam ser descritos como hostis.
A sua preocupação parece ser a da
eficácia: não vale a pena enviar alguns mísseis de
As cartas destinadas a esta secção — incluindo
as remetidas por e-mail — devem indicar o nome “O factor Deus” Roménia”; onde se lê “Estados Unidos da
e a morada do autor, bem como um número América do Norte” poderia ler-se “União
cruzeiro para destruir tendas vazias, é necessário ter a das Repúblicas Socialistas Soviéticas”.
telefónico de contacto. O PÚBLICO reserva-se o
coragem de correr o risco de colocar soldados no terreno, direito de seleccionar e eventualmente reduzir Como leitor do PÚBLICO, tenho en- O artigo do sr. José Saramago é um
em missões difíceis mas que são as únicas que podem ter os textos recebidos. Não se devolvem os origi- contrado muito interesse nos diversos verdadeiro “Ensaio sobre a cegueira”
nais dos textos não solicitados, nem se prestará
êxito sem implicarem demasiados “danos colaterais”. informação postal ou telefónica sobre eles. artigos sobre os ataques terroristas de do olho direito e já agora míope do es-
A sua determinação tem sido a de actuarem em todas as 11 de Setembro nos EUA. querdo, que o é por natureza.
frentes, e as medidas económicas ontem anunciadas Endereço electrónico: Li com atenção “O factor Deus”, de Depois dos acontecimentos do passado
cartasdirector@publico.pt
pelo Presidente Bush mostram que não são ocas as José Saramago. Não nego a influên- dia 11 de Setembro em Nova Iorque e em
promessas de que nesta guerra se tomarão medidas cia nefasta da religiosidade em certas Washington, quer o sr. José Saramago
inéditas e enfrentarão os inimigos ocultos. mentes fanáticas. virar o bico ao prego e fazer com a sua
Mas a essência do mal não está nesta lapiseira um julgamento público da his-
Na verdade a estratégia americana — explicada e
coroada pelo notável discurso do Presidente Bush Votei no Bloco de Esquerda ou naquela religião, mas nos homens tória das nações ocidentais civilizadas ou
que violam os seus princípios. Cristo, de quem a elas possa estar ou ter estado
perante o Congresso dos Estados Unidos — tem sido Sim, confesso, votei no Bloco de Es- Maomé, Buda não pregaram “cruza- aliado — Hiroxima, Vietname, iraquia-
um percurso, até ao momento, sem faltas. Mesmo querda. Mas não posso estar mais em das”, “jihads” ou “progroms”. nos sepultados vivos, execuções em está-
pequenas “gaffes” secundárias não devem iludir o desacordo com a asserção de que o José Saramago deve saber — certa- dios cheios de gente, crematórios nazis,
essencial: o que está a ser feito parece estar a ser feito atentado de Nova Iorque não foi um mente o sabe mas não o diz — que a etc. De facto uma prosa absolutamente
com planeamento, determinação, sensatez e sem acto de guerra mas sim uma mera (?) intolerância e a violência não são ex- imparcial, como é de seu bom tom.
pressas. Uma nova política está a ser construída, em acção terrorista (curioso eufemismo) clusivo de sociedades onde existe a li- Continua o sr. José Saramago dizendo
frente aos nossos olhos, por uma administração e por e de que, por isso, os portugueses se berdade religiosa; seria conveniente que “de algo haveremos de morrer”.
um Presidente que têm mostrado serem capazes de devem manter alheados do problema. não esquecer os milhares de vítimas de Pois haveremos: de fome na Coreia
aprender depressa e privilegiar o longo prazo. Nem É uma posição confortável mas des- sociedades ateístas e comunistas como do Norte de Kim Yong Il ou na Roménia
houve reacções à bruta, nem se claudicou perante os leal (muito ao gosto, aliás, do nosso a antiga União Soviética, a República de Ceausescu, assassinados na ilha de
desafios. Explicou-se a um povo americano em estado primeiro-ministro). Popular da China e outras de similar Fidel Castro ou a atravessar a fronteira
Começou por ser defendida por regime. ocidental da RDA de Honneker, de frio
de choque que esta seria sempre uma batalha de longo
Francisco Louçã para mais tarde ser Pena é que no álbum de fotografias nas estepes geladas da Sibéria de Esta-
prazo e não uma vingança cega sem consequências.
assumida por grande parte dos por- de José Saramago não figurem nenhu- line, esmagados por tanques em Praga
Depois do choque, não se lhe prometeu a redenção, mas tugueses, a avaliar pela sondagem mas dos “Gulags” soviéticos, das cha- ou Pequim ou ainda fuzilados, por ter
avisou-se que lhe seriam pedidos sacrifícios. divulgada pelo PÚBLICO. A discus- cinas de angolanos brancos por ango- ideias próprias, no Camboja de Pol Pot
“As grandes batalhas — escreveu Winston Churchill — são parece-me inútil. O fundamental lanos pretos em 14 de Fevereiro de 1961 ou qualquer dos países atrás referidos.
são capazes de mudar radicalmente o curso dos é compreender se o “mullah” Omar, ou de palestinianos a assassinar civis O sr. José Saramago deveria estar muito
acontecimentos, de criar novos quadros de valores, o supremo líder, o que faz a lei, quer israelitas, ou de brancos a matar bran- ocupado a escrever o “Evangelho Segun-
novos estados de espírito, nos exércitos e nas nações.” ou não colaborar para acabar com o cos, ou de negros a matar negros... do Jesus Cristo” ou a pensar como “re-
É isso que parece estar a passar-se nos Estados Unidos. ciclo de terror. Para já, parece que Nas sociedades livres e democráti- modelar” a redacção de um centenário
Possam os próximos dias confirmar a justeza das não. Exigiu primeiro provas que se cas, existe a liberdade de se ser ateu jornal português, para se lembrar des-
decisões tomadas — é isso que desejam todos os sabe nunca aceitará; propôs-se depois ou de professar uma qualquer religião, tes acontecimentos quase insignifican-
sentiram o ataque de dia 11 como um ataque a nós todos usar Bin Laden como moeda de troca, o que não acontece nas sociedades to- tes, inspirados por um “Factor Deus”
o que é uma forma particularmente talitárias. Nem sempre foi em nome com nome e ainda com corpo, nascido
e ao nosso modo de vida. JOSÉ MANUEL FERNANDES
estranha de exprimir convicções; ad- de Deus que se permitiu e justificou Vladimir Ilyich Ulyanov, mumificado e
mite agora convidar o “hóspede” a tudo. Em nome do ateísmo — creio ser endeusado numa Rubra Praça.
retirar-se para evitar problemas. inegável — tantas atrocidades se co- Para terminar o artigo, o Nobel autor
contribuinte nº 502265094 Para o bem e para o mal, são os líde- meteram, mas Saramago prefere não diz: “Ao leitor crente que tenha consegui-
depósito legal nº 45458/91
registo ICS nº 114410
res que representam os povos (o que as mencionar. Talvez por ser “política do suportar a repugnância que estas pa-
se passaria igualmente numa clássica ou ideologicamente incorrecto”. lavras provavelmente lhe inspiram não
E-mail: publico@publico.pt LISBOA: Rua Viriato, 17 – 1069-315 Lisboa; Telef.: 210111000 (PPCA) Fax: “declaração de guerra”), por mais Deus não manda matar. Há homens peço que se passe ao ateísmo de quem
Dir. Empresa 210111005; Dir. Editorial 210111006; Agenda 210111007; Redacção 210111008;
Publicidade 210111013/210111014 • PORTO: Rua João de Barros, 265 – 4150-414; Telef: 226151000 que, por trás dos dirigentes fanáti- que matam, ateus ou não. as escreveu.” Descanse que não passo,
(PPCA) / 226103214; Fax: Redacção 226151099 / 226102213; Publicidade; Distribuição 226151011• cos, haja pessoas com as quais temos ÓSCAR GOMES DA SILVA e quanto a suportar a repugnância da-
BRAGA: Rua de S. Marcos, 126-1º Esq. Fr. – 4700 Braga Telef: 253619041; Fax: 253617983 • AVEIRO:
Rua Eng. Silvério Pereira da Silva, 16-A, 2º Tr. – 3800 Aveiro Telef/Fax: 234382507 • COIMBRA:
afinidades insuspeitas. Não se trata Linda-a-Velha quelas palavras, já poucas pessoas dão
Avenida Fernão de Magalhães, 153/157- 2º Dto, sala 6 – 3000 Coimbra Telef.: 239829554; Fax: 239829648 aqui, portanto, de um “choque de ci- importância a semelhantes raciocínios
• ALGARVE: Avenida da República Federal Alemã, bloco C 2 – 8000 Faro Telef.: 289806656; Fax: vilizações”, longe disso. Trata-se sim- de um só sentido.
289806655 • VILA REAL: Rua 31 de Janeiro, 41 - 3º, sala 303, 5000 Vila Real Telef.: 259326262;
Fax.: 259326265 • MADEIRA: Rua dos Ferreiros, 55-2º Dtº – 9000 Funchal Telef.: 291231611 • plesmente de não nos refugiarmos “O factor Deus” — 2 MANUEL C. C.
PROPRIETÁRIO: PÚBLICO Comunicação Social, SA Sede: Rua João de Barros, 265, 4150 Porto • atrás de querelas conceptuais para Vouzela
IMPRESSÃO: Unipress, Tv. Anselmo Braancamp, 220-Arcozelo/4405, Valadares; Telef.: 227537030;
Mirandela — Rua Rodrigues Faria, 103, 1300 Lisboa; Telef.: 213613400; Fax: 213613469 • DISTRIBUIÇÃO:
justificarmos o nosso tradicional ata- No artigo do sr. José Saramago do dia
Midesa Portugal - Distribuição de Publicações, S.A.; Lisboa: Rua da República da Coreia, 34, Ranholas, vismo. Tenho um amigo que, em ple- 18 de Setembro de 2001 no jornal PÚBLI- O PÚBLICO ERROU
2710-460 Sintra; Telef.: 219267800, Fax: 219267850; Porto: Rua Engenheiro Ferreira Dias, 1173 a 1177, 4100 na crise de Timor, passou uma noite CO, “O factor Deus”, onde se lê “algures
Porto; Telef.: 226191211; Fax: 226191210; Algarve: Estrada de Boliqueime - Fonte de Boliqueime, 8100-070
Boliqueime; Telef. e Fax: 289366361; Coimbra: Beco Olheiro, Armazém 2, Adénia, 3020-028 Coimbra; Telef.: à porta da embaixada dos EUA a re- na Índia” também se poderia ler “... na No texto “N’Gola O que é feito da Liber-
239430519; Fax: 239431592 • ASSINATURAS: 808200095 clamar uma atitude dos americanos. Coreia do Norte, China ou Cuba”; onde dade?”, publicado na página 40 da nossa
Espero que ele desta vez não fique a se lê “algures em Angola” também se edição de domingo, a data do envenena-
olhar para o umbigo. poderia ler “... no Tibete, Camboja ou mento do rei N’Gola Kiluange apareceu
Tiragem média total do mês de Agosto ARMANDO GONÇALVES PEREIRA Sibéria”; onde se lê “algures em Israel”, mal grafada. Em vez de 1924 deveria ter
AS SO C I AÇÃO P O R T UGUE SA
D O C O N T R O LO DE T I R AG E M
72.388 exemplares Lisboa também se poderia ler “... na RDA ou aparecido 1624.
2001
26 Setembro
PUBLICIDADE

QUA26SET
EDIÇÃO LISBOA
26 de Setembro de 2001
Ano XII • N° 4209
140$00 • €0,70 (IVA incluído)
Director JOSÉ MANUEL FERNANDES
Director adjunto: NUNO PACHECO
e-mail: publico@publico
www.publico.pt

TALIBAN MAIS ISOLADOS


MÊS DE CIDADANIA

PODER LOCAL
CIDADÃOS TÃO
LONGE E TÃO PERTO
P26
Arábia Saudita também já cortou
NACIONAL

Caso Felgueiras vai hoje


ao Parlamento
os laços com regime afegão
ALEXANDER NEMENO/EPA

O secretário de Estado da Administra- Soldados taliban


ção Local, José Augusto Carvalho, vai capturados pela
hoje ao Parlamento tentar explicar aos Aliança do Norte
deputados as precárias condições em
que vem funcionando a Câmara de Fel-
gueiras. A presidente desta autarquia,
a socialista Fátima Felgueiras, insiste
em não acatar as conclusões de um pa-
recer da tutela que considera ilegais
algumas das suas decisões. P24

LIGA DOS CAMPEÕES

FC Porto perde
em Glasgow
P40

EDUCAÇÃO

Ministério define o que


devem saber os alunos
à saída do 9º ano
O ano lectivo já começou, mas só agora
o Ministério da Educação publicou o
Currículo Nacional para os 1º, 2º e 3º
ciclos do ensino básico. Um documento
que estabelece, pela primeira vez, as
competências essenciais que todos os
alunos devem atingir em cada nível,
nas diferentes disciplinas. P39

C O N TA S P Ú B L I C A S

Défice pode derrapar


até 2% do PIB Operação já tem nome: “Liberdade Duradoura” PUBLICIDADE

“A flexibilização prudente do défice”


tem um tecto em dois por cento do pro-
| Interpol emitiu mandado de captura contra
duto interno bruto, revelou o ministro
das Finanças. Oliveira Martins disse “número dois” de Bin Laden | Putin reforça
também que não aceitará “sacrificar
o investimento e as despesas sociais
a exercícios impossíveis de redução
na Alemanha cooperação insólita com Estados
do défice”. P32 Unidos | Ministro britânico tenta mediação entre
ÍNDICE Washington e Teerão | Reportagem junto dos
BARTOON E OPINIÃO 21 A 23
refugiados afegãos na fronteira paquistanesa
BOLSA E MERCADOS
TELEVISÃO
33 A 35
53/54 | Guterres assume no Parlamento apoio aos EUA
CLASSIFICADOS 63 A 73
CINEMAS 74/75 Textos da nossa enviada Alexandra Lucas Coelho, em Peshawar,
TEMPO E FARMÁCIAS 76 e da nossa correspondente Ana Gomes Ferreira, em Nova Iorque P2 A 23 E 56
2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 26 SET 2001 G U E R R A AO T E R R O R I S M O À E S P E R A D A R E TA L I A Ç Ã O

REGIME TALIBAN
ISOLAMENTO QUASE TOTAL
A Arábia Saudita cortou relações diplomáticas com o regime que governa quase 90 por cento do Afeganistão.
Os EmiradosÁrabes Unidos já o tinham feito. O Paquistão é agora a única porta de comunicação
dos “estudantes islâmicos” com o mundo. Texto de Isabel Leiria
EMMANUEL DUNAND/EPA

Omar pronto
para a guerra
Indiferentes às ameaças
e crescente isolamento,
os taliban voltaram a
afirmar que todos aque-
les que colaborem com
os Estados Unidos terão
de enfrentar a fúria dos
seus guerrilheiros.
“Qualquer pessoa que
nos ataque ou ajude a
atacar é nosso inimigo e
por isso atacaremos de
volta”, garantiu um por-
ta-voz do ministro da
Defesa.
Para isso, os taliban
anunciaram terem já
mobilizado 300 mil ho-
mens, “experientes e
bem equipados”. Para
alguns especialistas, o
número estará segura-
mente muito inflaciona-
do. Segundo Ahmed
Rashid, um eminente
analista das questões do
Afeganistão, o exército
dos taliban não terá
mais de 45 mil homens e
muitos destes já terão
desertado.
O conflito que se arrasta
com asforças rebeldes da
Aliança do Norte estará
também a provocar algu-
mas baixas. Mesmo as-
Depois de a Arábia Saudita também ter cortado os seus laços diplomáticos, o regime taliban está quase totalmente isolado do mundo sim, é uma guerra “inú-
til e sangrenta” que o
líder espiritual dos tali-
Enfrentando a oposição de quase toda a comu-
nidade internacional e a resistência interna
Paquistão é agora o único canal agradecido ao Governo saudita por ter toma-
do a decisão acertada”. O Paquistão tornou-
ban, “mullah” Omar, an-
tecipa caso os Estados
dos guerrilheiros que, no Norte do Afeganis- de comunicação com o mundo se assim, a partir de ontem, no único Estado a Unidos decidam retaliar.
tão, lhe continuam a recusar obediência, os reconhecer o regime dos taliban. No entanto, “A América não se deve
taliban sofreram ontem mais um duro golpe: por motivos de segurança, Islamabad viu-se iludir. Nunca poderá sair
a Arábia Saudita, berço do islamismo e um O corte de relações diplomáticas do Paquistão com já obrigada a mandar retirar os seus repre- desta crise matando-me
dos poucos que reconheciam o Governo do os taliban seria estrategicamente impossível, neste sentantes diplomáticos de Cabul — aumen- ou eliminando Bin La-
“mullah” Omar, cortou as relações diplomá- momento, segundo a análise de Shireen Mazari, di- tando os rumores de que uma intervenção den”, afirmou o chefe su-
ticas com Cabul. rectora do Instituto de Estudos Estratégicos de Isla- militar pode estar iminente. premo numa declaração
Os Emirados Árabes Unidos tinham feito o mabad, contactada ontem pelo PÚBLICO: “Ainda é Mas se a condenação saudita é clara, falta emitida pelo seu gabine-
mesmo há poucos dias e agora nem o apoio do do interesse do Paquistão manter relações com o ainda perceber até onde está disposto a ir o te oficial, instalado no
Paquistão parece muito seguro. O movimento regime taliban. É o único canal de comunicação que Governo no apoio à vasta coligação contra seu quartel-general em
dos “estudantes de teologia” ganhou inimigos agora eles têm com o mundo. Creio que a decisão do o terrorismo erguida pelos Estados Unidos. Kandahar. De resto, os
em todo o lado e está a um passo de enfrentar Presidente Musharraf foi muito sensata. Islamabad Irá o país do rei Fahd autorizar a utilização taliban continuam a ga-
o isolamento total. nunca cortou laços com os governos de Cabul, mesmo das suas bases militares por parte da aviação rantir que desconhecem
“O Reino da Arábia Saudita lamenta que quando estes governos lhe eram hostis. Somos vizi- norte-americana para um possível ataque o paradeiro do principal
o governo dos taliban tenha transformado o nhos muçulmanos.” ao Afeganistão? Em 1991, durante a guerra suspeito dos ataques ter-
país num centro de recrutamento e treino Além de ter 1400 quilómetros de fronteira com o do Golfo, a resposta foi positiva. Aliás, par- roristas do dia 11 e que,
de pessoas mal formadas de todas as nacio- Afeganistão, o Paquistão aloja dois milhões de refu- te do contingente norte-americano perma- nos últimos anos, fez do
nalidades, sobretudo de cidadãos sauditas, giados afegãos e tem um plano de emergência para nece no território. Só que Fahd, ou melhor Afeganistão a sua resi-
para levarem a cabo actos criminosos. Estes um afluxo de mais um milhão, em caso de ataque. o seu príncipe herdeiro, Abaddlah, — em dência.
actos violam todos os credos. Além disso, Num artigo que publicou a semana passada num funções de regência porque o soberano está Segundo a Reuters, o úl-
o regime taliban tem recusado entregar es- diário paquistanês, Shireen Mazari, escrevia que “se gravemente doente — não quererá despertar timo sinal de vida de Bin
ses criminosos para que sejam julgados. Isto está à vista um fim para o Governo do ‘mullah’ Omar, a oposição dos sectores mais fundamentalis- Laden terá sido dado na
feriu o Islão e prejudicou a reputação dos então o Paquistão precisa de garantir que tem algo tas. Estes seguramente se mobilizarão contra segunda-feira, quando
muçulmanos de todo o mundo”. Foi esta a de substantivo para dizer quanto a qualquer novo uma decisão desse tipo, sobretudo se a vida fez chegar um fax, supos-
justificação apresentada por Riad para o corte cenário em Cabul.” de muçulmanos estiver em risco. tamente da sua autoria,
de laços, numa declaração oficial revelada Como terá algo a dizer, acrescentava ontem esta peri- Tão renitente como esta monarquia, — um a uma estação de televi-
pela agência noticiosa do país. ta ouvida pelo PÚBLICO, “se houver algo contra mu- apoio que vários analistas consideram vital são do Qatar. Nele apela-
Mas a pressão de Washington também terá çulmanos inocentes no Afeganistão”. Terá sido tam- para o lançamento de um ataque —, estão ou- va à “jihad” contra o que
pesado na decisão. Pouco depois do anúncio, bém esse aviso que europeus e americanos levaram tros países do Golfo Pérsico, como o Bahrain, chamou de “cruzada ju-
o porta-voz da Casa Branca, Ari Fleisher, das reuniões com os militares de Istambul. A.L.C. em que também hesitam em pôr à disposição da daica levada a cabo pelos
afirmou que o “Presidente Bush louva e está Peshawar América as suas instalações militares. I americanos”.
D E S TA Q U E 3
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 26 SET 2001

CAMPOS DE BATALHA Últimas


Mar Negro FED. RUSSA CAZAQUISTÂO
UZEBEQUISTÃO QUIRGUÍZIA “ L I B E R DA D E
D U R A D O U R A” É
TURQUEMENISTÃO O NOVO NOME
TURQUIA Mar DA O P E R A Ç Ã O
GRÉCIA TAJIQUISTÃO
Cáspio CHINA
Incirlik A campanha antiterroris-
mo desencadeada pelos Es-
Tehran tados Unidos foi rebaptiza-
SÍRIA Cabul da com o nome “Operação
6ª Esquadra IRAQUE
Mar Liberdade Duradoura” —
dos EUA LÍBANO Damasco AFEGANISTÃO
Mediterrâneo “Operation Enduring Fre-
Islamabad
Baguedade edom”, anunciou ontem o
ISRAEL IRÃO
secretário da Defesa norte-
Cairo JORDÂNIA PAQUISTÃO americano, Donald Rums-
KUWAIT
feld, durante um encontro
Golfo com a imprensa no Pentá-
LÍBIA ARÁBIA SAUDITA gono. Rumsfeld frisou que
Pérsico
a nova designação se refe-
Dhahran ria apenas à intervenção
EGIPTO militar e não à acção glo-
Riade ÍNDIA
Doha bal contra o terrorismo in-
ARGÉLIA QATAR
ternacional que irá ser de-
Al Kharj E.A.U. senvolvida pelos Estados
Unidos, recorrendo a me-
Mar
Taif OMÃ didas económicas, políti-
de Omã cas e diplomáticas. O no-
Khamis
Mar Mushayt me escolhido sugere ainda
SUDÃO Vermelho que “não haverá uma so-
5ª Esquadra
CHADE dos EUA lução rápida, que a ope-
ração não terminará em
Khartoum cinco minutos ou cinco
ERITREIA meses, mas que levará
IÉMEN Oceano Índico anos”, acrescentou o secre-
tário da Defesa. Recorde-se
ETIÓPIA que o nome inicial da ope-
Base Diego
QUÉNIA Garcia ração — “Justiça Infinita”
Estados-membros da NATO DJ. SOMÁLIA — teve de ser abandonado
Zona controlada pelas forças para não ferir susceptibi-
Bases Aéreas dos EUA
TAJIQUISTÃO anti-taliban da Aliança do lidades islâmicas. Vários
TURQUEMENISTÃO UZBEQUISTÃO
Frotas da Marinha Americana Norte (30 mil homens) antes líderes religiosos muçul-
Forças uzbeques da sua ofensiva em curso manos disseram então que
do general Dostom
Estados nos quais se encontram a realização da justiça infi-
(±10.000 homens) Faizabad
movimentos islamistas radicais ou nita está apenas nas mãos
redes de apoio aos fundamentalistas Movimento de resistência
Mazar-i
Ma
azar-i S
Sharif
Sha
harif Caxemira de Alá (Deus) e não dos ho-
controlada
do antigo governador pelo mens.
da província de Herat Paquistão
Tajiquistão Vale de
Cerca de 1700 soldados russos devem chegar Panshir
esta semana a esta antiga república soviética da RUMSFELD
Ásia Central, oficialmente no âmbito de rotações Herat Cabul Peshawar N Ã O VA I
do contingente russo. A 201ª divisão russa conta, D I Z E R TO DA
teoricamente, com 7000 homens, estacionados Desfiladeiro
em Dushambé e próximo da fronteira
A V E R DA D E
Guerrilha dos Hazaras de Khyber Islamabad
tajique-afegã de 1200 quilómetros. apoiada pelo Irão
Na mesma conferência de
Arábia Saudita imprensa em que rebapti-
Rompeu ontem os laços com o regime dos taliban, r as da coligação
Forç AF EGA
EGANIS
E T ÃO zou a campanha de retalia-
mas ainda hesita em emprestar as suas bases PAQUISTÃO ção dos EUA, o secretário
aliada dos EUA num Kandahar
às tropas americanas para um eventual ataque da Defesa, Donald Rums-
ao Afeganistão ataque ao Afeganistão
Quartel-general dos taliban e suposto feld, disse que os “media”
IRÃO lugar onde residia Bin Laden até aos não irão saber todos os de-
Bahrain Bases e campos ataques do dia 11 nos EUA
Manifestou solidariedade aos EUA mas também senvolvimentos da guer-
de treino dos taliban ra ao terrorismo. “Não me
ainda não cedeu as suas instalações militares ÍNDIA
(400 mil homens) 200 km
lembro de alguma vez ter
mentido à imprensa, e não
tenho qualquer intenção
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) está a exortar os países vizinhos
MOVIMENTOS de o fazer; aliás, parece-me
do Afeganistão a reabrirem as suas fronteiras e a oferecerem protecção aos afegãos que fogem do seu país que não haverá razão para
DE REFUGIADOS com receio de ataques de retaliação dos EUA contra o regime dos taliban tal”, disse Rumsfeld, acres-
centando contudo: “Há dú-
Uzbequistão e Tajiquistão Tajiquistão
Dushanbe zias de maneiras de evitar
• As agências humanitárias esperam UZBEQUISTÃO TAJIQUISTÃO • Prefere que as agências humanitárias usem cair numa posição em que
entre 150 mil e 200 mil refugiados o seu território como base para operações seja necessário mentir.”
de auxílio transfronteiriças em vez de permitir Rumsfeld explicou as su-
• A UNICEF , a Cruz Vermelha Internacional e
TURQUEMENISTÃO o influxo de refugiados
o Crescente Vermelho estão a enviar as palavras referindo que
abastecimentos de emergência. Feyzabad • A UNICEF enviou 130 mil dólares não irá divulgar aos jor-
de medicamentos, sistemas de purificação nalistas detalhes que pos-
de água e abrigos, para acomodar cerca sam pôr em perigo qual-
Irão Jalalabad
de 100 mil pessoas durante três meses quer operação em curso.
• Aloja cerca de 1,5 milhões de refugiados; Cerca de 1,1 milhões Cabul Peshawar
• A Cruz Vermelha Internacional e o Crescente
encerrou a fronteira no sábado; 200 mil de deslocados internos
Vermelho estão a reforçar os "stocks" médicos
afegão entraram no Irão só este ano Islamabad em Dushambé para cirurgias de guerra.
Herat Gardez
• Está a considerar a aberura de sete campos AFEGANISTÃO Tenciona enviar 900 toneladas de alimentos
de refugiados no lado afegão da fronteira para as áreas controladas por forças
anti-taliban no Norte do Afeganistão MORTOS
• O ACNUR tem planos para o influxo
de mais de 300 mil refugiados IRÃO Kandahar

Quetta
Paquistão
• Aqui estão abrigados cerca de dois milhões
de refugiados e esperam-se mais um milhão
651
PAQUISTÃO
• O ACNUR tem 30 mil tendas e está a lançar, DESAPARECIDOS
Principais fluxos
por ar, lonas para um milhão de pessoas.
Resistência anti-taliban
Principais campos de refugiados 200 km
KANDAHAR
O posto fronteiriço de Chamam reabriu
ontem para permitir que milhares
• A Cruz Vermelha e o Crescente Vermelho
têm dois aviões, 2.000 tendas e suficientes
equipamentos médicos e cirúrgicos para
6403
de refugiados entrassem no Paquistão tratar cerca de 7.000 feridos Vítimas dos atentados contra o World Trade
Fonte: ACNUR/Reuters/ "Courrier International" PÚBLICO Center e o Pentágono e da queda de um
avião na Pensilvânia. Números oficiais.
4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 26 SET 2001 G U E R R A AO T E R R O R I S M O M OV I M E N TA Ç Õ E S D I P LO M Á T I C A S

Putin reafirma apoio UE


a uma cooperação insólita di
Um dia depois de ter feito uma oferta sem precedentes aos EUA — a abertura do espaço aéreo russo no
caso de uma intervenção no Afeganistão —, o líder do Kremlin discutiu, na Alemanha, um novo
conceito de luta antiterrorismo. Texto de Helena Ferro de Gouveia, em Frankfurt
no m
ARND WIEGMANN/REUTERS
PAQUISTÃO
O primeiro conflito mundial
do século XXI está a traçar um FOI PRIMEIRA ETAPA
novo padrão nas relações inter-
nacionais entre Estados. Im- Responsáveis europeus
pensável há duas semanas, a
coligação antiterrorismo con- querem fortalecer a
vocada pelo Presidente norte- coligação contra o
americano, George W. Bush, re- terrorismo e dissipar os
úne as duas superpotências da
antiga guerra fria, a Europa,
receios de uma guerra
a China e o mundo árabe. Este entre civilizações
facto histórico foi salientado
ontem pelo Presidente russo, TERESA DE SOUSA
Vladimir Putin, enquanto dis-
cursava perante o Bundestag A “troika” da União Euro-
(câmara baixa do parlamento), peia iniciou ontem, em Is-
em Berlim, no primeiro dia da lamabad, um périplo diplo-
sua visita oficial à Alemanha. mático que a levará também
Apresentado a sua visão da a Teerão, Damasco, Cairo e
Europa e da ordem mundial Riad, em apoio da consolida-
após a dramática fractura de 11 ção da mais ampla coligação
de Setembro, Putin sublinhou possível de combate ao terro-
que a “guerra fria acabou” e rismo em todas a frentes.
que o “mundo se tornou mui- Presidida por Louis Mi-
to mais complicado”. Desde os chel, o chefe da diplomacia
atentados nos EUA, acrescen- belga que actualmente presi-
tou, “todos se interrogam sobre de ao Conselho da UE, a mis-
quem são os culpados. Todos são diplomática inclui o alto
somos culpados, sobretudo os representante para a política
políticos. Não nos apercebemos externa, Javier Solana, e o
das mutações”. comissário responsável pelas
Expressando-se num alemão relações externas, Chris Pat-
fluente (aprendido durante os ten.
seis anos em que viveu em Dres- Dando seguimento às de-
den, na ex-RDA, como agente liberações do Conselho Eu-
do KGB), o Presidente afirmou ropeu extraordinário de sex-
que “as actuais estruturas de Putin para Schroeder: “Todos somos culpados, sobretudo os políticos. Não nos apercebemos das mutações” ta-feira passada, a “troika”
segurança não estão aptas a fa- levou ontem a Islamabad uma
zer face às novas ameaças” e ajuda imediata de 20 milhões
que, não obstante todas as sub- primir o desagrado pela for- anunciar, na véspera da deslo- plícita a vontade de Moscovo de euros bem como uma pro-
tilezas dos corredores diplomá- ma como são tomadas as reso- cação de Putin a Berlim, que colaborar numa crise inter-
Mubarak posta de diálogo político e eco-
ticos, “ainda não aprendemos luções no seio da NATO e da iria abrir, em princípio, o seu nacional ao lado de Washing- insiste na paz nómico de mais longo prazo
a confiar verdadeiramente uns União Europeia apresentadas espaço aéreo (e possibilitar que ton, algo insólito desde a II
nos outros”. a Moscovo já como “fait ac- cinco ex-Repúblicas soviéticas Guerra Mundial que os conver- O Presidente egípcio, Hos-
“ Sem uma arquitectura mo- compli” para aprovação. “As da Ásia Central também o fi- tera em inimigos aparentemen- ni Mubarak, afirmou on-
derna e duradoura de seguran-
ça, não pode haver confiança”,
disse ainda Putin. Sem nunca
se lhes referir de forma explici-
decisões são tomadas sem nós.
Apenas nos consultam ‘a pos-
teriori’. É esse o verdadeiro es-
pírito de parceria? A Rússia é
zessem), para missões humani-
tárias. Um cenário que poderá
facilmente mudar à medida que
as operações forem avançan-
te irreconciliáveis.
Antes da intervenção no
Bundestag — a primeira de um
chefe de Estado russo —, Vladi-
tem em Berlim, após um
encontro com o chanceler
alemão, Gerhard Schroe-
der, que a paz no Médio
Sha
ta, o líder do Kremlin reprovou
as recentes iniciativas norte-
americanas de tentativa de re-
um país europeu amigo.”

Decisão histórica
do. O Kremlin comprometeu-se
também a aumentar o seu apoio
militar à Aliança do Norte.
mir Putin esteve reunido com
o chanceler alemão, Gerhard
Schroeder, para debater a for-
Oriente tem de ser con-
siderada parte integran-
te do combate ao ter-
a Blair
visão do Tratado ABM e o pro-
jecto MD (defesa antimísseis),
sendo porém mais claro ao ex-
Uma nação amiga que ofereceu
uma cooperação sem preceden-
tes à Administração Bush ao
Se até há dois meses a Rússia
e Estados Unidos se olhavam
com desconfiança é agora ex-
ma mais eficaz de coordenar
as reacções internacionais aos
atentados contra os EUA. “To-
dos os países que apoiam o ter-
rorismo. Por seu turno, o
anfitrião sublinhou que
“o Egipto é um país-cha-
ve” na coligação interna-
se e
rorismo deverão prestar contas cional contra o terroris- O esforço conjugado das di-
perante a comunidade inter- mo. “Face ao terrorismo, plomacias britânica e fran-
NATO debate modalidade de apoio nacional e isto abarca também não pode haver seguran- cesa foi ontem decisivo para
aqueles que oferecem possibi- ça no mundo, só através evitar um novo adiamento do
Os ministros da Defesa da NATO reúnem- expressa na evocação do artº 5 do Tratado lidades de formação aos terro- da paz no Médio Oriente encontro entre o chefe da di-
se hoje em Bruxelas, na sede da organi- de Washington. Contam, no entanto, com ristas”, afirmou Schroeder nu- se pode conquistar o ter- plomacia israelita, Shimon
zação, para debater as modalidades do o apoio militar britânico — cujas forças ma conferência de imprensa reno ao terrorismo”, disse Peres, e o líder palestiniano,
seu apoio aos Estados Unidos no âmbito especiais já estão no terreno e cujo dispo- conjunta. “ Os terroristas de- Mubarak aos jornalistas Yasser Arafat, que chegou a
da resposta militar americana em prepa- sitivo aeronaval já está na região — e com vem sentir-se isolados política presentes na Chancelaria ser anunciado por Ariel Sha-
ração. Será a primeira reunião da NATO o apoio logístico das generalidades das e financeiramente”, acentuou Federal. Advertiu tam- ron.
a nível ministerial desde o ataque de 11 bases americanas em território europeu Putin. bém que, se o conflito is- O encontro, que se realiza
de Setembro contra a América, conside- (incluindo a Base das Lajes). A França O Presidente russo tem, além raelo-árabe não for resol- hoje no aeroporto de Gaza, é
rado pela Aliança 24 horas depois como pode também vir a pôr à disposição de da solidariedade, vários moti- vido, com o apoio firme — crucial para os Estados Uni-
um ataque a todos os seus membros. Washington algumas das suas unidades vos para se empenhar na coli- e pressão política — dos dos, nos seus esforços actuais
O secretário da Defesa norte-americano, especiais, treinadas para a luta antiter- gação global antiterrorismo. O Estados Unidos e da União para incluir o maior núme-
Donald Rumsfeld, não estará presente rorismo. primeiro é a guerra que man- Europeia, “haverá uma ro possível de Estados islâmi-
na reunião, mas far-se-á representar pe- Hoje, os aliados devem também discutir tém na Tchetchénia contra os nova geração a prosseguir cos na coligação que querem
lo seu adjunto, o “falcão dos falcões” do as formas de melhor a coordenação dos “fundamentalistas islâmicos” o terrorismo”. Uma visão liderar contra o terrorismo.
Pentágono, Paul Wolfowitz. respectivos serviços de informações. — com supostas conexões a Bin partilhada por Schroeder, Ontem, um porta-voz de Do-
O representante americano deverá for- A cooperação russa vai também ser ana- Laden —, que passará ser vista ao declarar que o encon- wning Street anunciou que o
necer aos seus aliados europeus “mais lisada hoje, em Bruxelas, para onde par- “noutra perspectiva”, e a críti- tro entre o presidente pa- primeiro-ministro israelita
detalhes” sobre a operação militar que tiu já o ministro russo da Defesa, Serguei ca internacional “amenizada”. lestiniano, Yasser Arafat, tinha garantido ao seu homó-
se encontra eminente, segundo disse on- Ivanov. Em declarações ao diário italiano Outro motivo não menos im- e o ministro dos Negó- logo britânico, Tony Blair, a
tem o próprio secretário-geral da NATO, “La Repubblica”, Robertson disse que a portante é o facto de Moscovo cios Estrangeiros israeli- luz verde para o encontro, de-
George Robertson, citado pela AFP. Até crise internacional desencadeada pelo pretender ter uma palavra a di- ta, Shimon Peres, suces- pois de se ter recusado a rece-
agora, os EUA não solicitaram nenhum ataque à América tinha aproximado a zer quando se tratar de recom- sivamente adiado, “tem ber o chefe da diplomacia
apoio militar específico à organização, Rússia da NATO a um ponto inimaginá- por as peças do mosaico da Ásia obrigatoriamente de ter de Londres, Jack Straw, e de
apenas a máxima solidariedade política vel apenas há duas semanas. T. DE S. Central. I lugar”. ter brindado a presença do
D E S TA Q U E 5
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 26 SET 2001

em ofensiva Reino Unido tenta


plomática reaproximar o Irão dos EUA
undo islâmico PRIMEIRA VISITA
DESDE 1979
ATTA KENARE/EPA

para compensar o país que das escolhas políticas que os O ministro dos
“teve a coragem” (Louis Mi- respectivos regimes têm pela Negócios Estrangeiros
chel) de tomar o partido da lu- frente.
ta contra o terrorismo desen- Os esforços diplomáticos Jack Straw apresenta a
cadeada pelos Estados Unidos desenvolvidos ao nível da Teerão provas contra
depois dos atentados de 11 de União decorrem em conjuga- Bin Laden esperando
Setembro. ção com as iniciativas de al-
Os responsáveis europeu guns dos seus Estados-mem- obter informações
encontraram-se com o Pre- bros — especialmente da secretas sobre o
sidente Pervez Mousharraf França e do Reino Unido — Afeganistão
e com os ministros dos Ne- junto de alguns países do Gol-
gócios Estrangeiros e das Fi- fo e do Médio Oriente (ver no- MARGARIDA SANTOS LOPES
nanças. Na frente económica, tícias nesta página).
Islamabad quer uma maior A Europa parece agora dis- Jack Straw só deveria visitar
abertura dos mercados euro- posta a assumir com maior o Irão em Novembro, mas os
peus aos têxteis paquistane- determinação as suas res- ataques terroristas aos Estados
ses e a abertura europeia ao ponsabilidades internacio- Unidos anteciparam a sua che-
rescalonamento da gigantes- nais — e não apenas a diplo- gada para ontem, tornando-o
ca dívida externa do Paquis- macia económica que a tem no primeiro ministro dos Ne-
tão (36 mil milhões de dóla- caracterizado —, nomeada- gócios Estrangeiros britânico a
res). Na frente política, as mente junto do mundo árabe deslocar-se à República Islâmi-
autoridades paquistaneses e islâmico, com o qual algu- ca desde a revolução de 1979. Khatami e Straw tentam que o Irão e o Ocidente não estejam de costas voltadas
procuraram sensibilizar a mas das suas principais po- Na bagagem, noticiou a BBC,
“troika” para os riscos de tências mantêm fortes liga- Straw levou provas que en- ensão. Os “duros” fiéis do líder bênção, e poderá até autorizar consideravam escandalosa. A
destabilização da região que ções históricas e acumulam volvem o magnata de origem espiritual Ali Khamenei vêem uma certa cooperação no inter- nacionalização da Anglo-Ira-
pode vir a ter a imposição uma grande experiências di- saudita Osama bin Laden nos um ataque ao Afeganistão co- câmbio de informações de es- nian Oil Company levou os ser-
externa de um novo governo plomática. As múltiplas ini- atentados do dia 11 contra o mo “mais uma tentativa de os pionagem. O Irão, que fornece viços secretos MI-6, com a ajuda
afegão. ciativas diplomáticas que World Trade Center, em Nova EUA expandirem a sua hege- armas às forças da oposição da CIA americana, a derrubar
A ronda diplomática da está a desenvolver visam Iorque, e o Pentágono, em Wa- monia na região”. Os pragmá- afegã da Aliança do Norte, aco- um primeiro-ministro laico e
“troika” europeia foi cuida- também reduzir o risco de shington. Com estas provas, ticos ligados ao Presidente da lhe mais cerca de 1,5 milhões europeísta, Mohammed Mos-
dosamente articulada com que o combate contra o ter- o chefe da diplomacia de Lon- República, Mohammad Khata- de refugiados e receia um novo sadegh. Com a queda deste lí-
Washington durante o encon- rorismo, que vai ter de travar dres espera obter o apoio dos mi, vêem na actual crise uma influxo. Foi isso, e o contraban- der carismático, que se opunha
trcom o secretário de Esta- ao lado da América, seja per- iranianos — “uma importante oportunidade de a grande civi- do de ópio, com que os taliban ao Xá Reza Pahlavi, Londres e
do americano Colin Powell, cebido pelos países árabes co- fonte de conselho sobre o Afe- lização persa descongelar os financiavam a guerra civil, que Washington exacerbaram os
na semana passada. Em ca- mo um combate contra a ci- ganistão”, segundo as suas pró- laços com o Ocidente e retomar levou ao encerramento da fron- sentimentos religiosos de uma
pitais até agora incluídas na vilização islâmica. Um risco prias palavras — para uma luta o seu lugar no mundo. teira comum. nação desconfiada dos seus
lista norte-americana dos pa- a que os europeus são parti- contra o terrorismo. Todos os líderes iranianos Para já, o que os analistas muitos invasores estrangeiros
íses acusados de patrocina- cularmente sensíveis, dada O problema é que o regime condenaram os ataques atribu- britânicos realçam é o facto de e abriram caminho aos “funda-
rem grupos terroristas, a a sua situação geográfica na xiita dos “mullahs” não se dá ídos a Osama bin Laden. Ali- Straw estar a servir, indirecta- mentalistas” de Khomeini.
União estará, porventura, em fronteira com o mundo islâ- bem nem com o “Grande Satã” ás, o discurso de Khamenei era mente, como mediador entre As relações azederam mais
melhores condições de ser fa- mico e a composição multi- (a América) nem com os waha- muito aguardado como indica- a Administração norte-ameri- com a “fatwa” (édito) de Kho-
zer ouvir os seus argumen- cultural da maior parte das bitas sunitas taliban, que consi- dor da tendência política que cana e o Governo de Teerão, meini que condenava à mor-
tos em favor da importância suas sociedades. I deram uma criação do inimigo iria prevalecer. Ele denunciou de relações cortadas desde há te, por “blasfémia ao Islão”,
Paquistão. Por outro lado, quer o “massacre de inocentes” nos 22 anos. A sua deslocação mar- o escritor britânico Salman
os conservadores como os refor- EUA, mas deixou bem claro que ca também uma reaproxima- Rushdie. Foi Khatami quem
madores em Teerão preferem também não aceitará “a morte ção entre ingleses e iranianos, amenizou as tensões durante

ron prometeu uma “acção no âmbito da ONU”


e opõem-se a qualquer interven-
ção que coloque tropas ameri-
canas nas suas fronteiras.
de civis muçulmanos”, numa
alusão a eventuais baixas no
caso de um assalto aos taliban.
A visita de Straw, a convite
cujos laços têm sido turbulen-
tos ao longo dos tempos. Foram
os britânicos que descobriram
petróleo no Irão há quase cem
uma visita à Grã-Bretanha,
quando prometeu que o seu Go-
verno não apoiaria as funda-
ções religiosas nos seus esfor-

que Peres e Arafat Straw foi, portanto, acolhido


num misto de satisfação e apre-
de Khatami, indicia pelo me-
nos que Khamenei deu a sua
anos, explorando estes recur-
sos de uma forma que muitos
ços para assassinar o autor de
“Versículos Satânicos”. I

ncontram hoje O IMPÉRIO DO XÁ... ... E A REPÚBLICA DE KHAMENEI


ministro dos Negócios Es- encontrava com vários res- Regime - Monarquia constitucional, sob o Xá Reza Pahlavi. Regime - República islâmica. O Presidente da Republica,
trangeiros francês, Hubert ponsáveis palestinianos no Parlamento - Majlis eleito por voto popular, actualmente Mohammed Khatami, é eleito
Védrine, em Jerusalém com American Colony, um hotel si- submetido à aprovação do Xá; senado nome- pelo povo; mas a autoridade suprema é o aya-
pequenas provocações de se- tuado no sector oriental de Je- ado pelo Xá. tollah Ali Khamenei, eleito por uma assem-
gurança. rusalém, os seus seguranças População - 34 milhões; 52 por cento de bleia de sábios.
O embaixador americano foram ostensivamente inco- analfabetos (todos os dados de 1976). Parlamento - É eleito pelo povo, após um es-
em Israel, Daniel Kurtzer, ti- modados por agentes israeli- Desemprego - 2,9 por cento. trito processo de escrutínio pelo conselho dos
nha por seu turno declarado tas. O incidente não mereceu Rendimento médio - 100 dólares por mês. guardiões. A segunda câmara, composta por
a uma rádio pública de Isra- comentários da embaixada Diplomados pela universidade - 440 mil sábios e peritos religiosos, é também eleita.
el que o encontro entre Peres francesa em Israel. Jornais - 7 População - 64 milhões, metade nascidos após a revolu-
e Arafat dever-se-ia realizar Apesar da prudência que Automóveis em Teerão - 700.000. A palavra inglesa “tra- ção islâmica de 1979. 17 por cento de analfabetos.
“imediatamente”. tem caracterizado a diploma- ffic” tornou-se sinónimo de engarrafamento. Desemprego - 12,5 por cento
A visita de Hubert Védrine cia europeia em relação ao Mesquitas na capital -1800 Rendimento médio - 60,5 dólares mensais
ao Médio Oriente integra-se conflito (apenas nos últimos Foram o berço da revolução islâmica, com o púlpito a ser- Diplomados pela universidade - 4,8 milhões
no esforço conjugado das di- meses e face ao perigoso vazio vir de transmissor da ideologia. Os jovens descontentes Jornais - 48
plomacias europeias e ame- político deixado na região pe- começaram a ir à mesquita não para rezar mas para receber Automóveis em Teerão - 1,73 milhões. A palavra poluição
ricana para consolidar uma la nova administração Bush direcção política. entrou no vocabulário.
trégua que abra as portas ao a União conseguiu entender- Mulheres - Vestiam-se como lhes apetecia. Nas cidades Mesquitas na capital - 2300. Apesar deste crescimento,
recomeço do diálogo entre Is- se sobre uma política comum seguiam-se as modas ocidentais, no interior usavam-se tem diminuído a taxa de frequência das mesquitas.
rael e a Autoridade Palesti- para lidar mais activamente chador coloridos e floridos. Tinham os mesmos direitos Mulheres - Têm de usar o chador, geralmente negro, mas
niana. A União deu alta prio- com a situação), as autorida- legais que os homens. Mas as diferenças culturais faziam, são toleradas cores discretas. Têm igualdade jurídica, mas
ridade diplomática à questão des israelitas olham com des- por exemplo, com que 50 por cento das raparigas aptas a perderam direitos,sobretudo em matéria familiar. Cerca
do Médio Oriente na cimeira confiança para qualquer inter- entrar na universidade o não fizessem. de 60 por cento dos novos universitários do ano passado
extraordinária de sexta-feira mediação europeia que abriria Prémios internacionais de cinema - 3 eram mulheres.
passada, como condição fun- as portas aquilo que mais te- Estereótipo - Para os ocidentais o Irão evocava petróleo, Prémios internacionais de cinema - 118
damental da solidez de uma mem — a internacionalização tapetes e gatos. Estereótipo - Para os ocidentais, o Irão é agora o país dos
grande coligação contra o ter- do conflito por via das Nações “ayatollahs” e dos filmes de autor.
rorismo. Ontem, quando se Unidas. I T. DE S. Fonte: “The Guardian”
6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 26 SET 2001 G U E R R A AO T E R R O R I S M O A M E A Ç A S I N T EG R I S TA S

Papa apela à Benazir Bhutto


tolerância na
Arménia
desmente apoio
a Bin Laden
Interpol emitiu mandado de captura
O Papa João Paulo II deixou
ontem uma mensagem de tole-
rância e reconciliação entre as
A antiga primeira-ministro
paquistanesa, Benazir Bhut-
to, desmentiu ontem que ti-
do “inimigo número dois”
diferentes religiões, durante o vesse dado qualquer apoio ao Polícia internacional Lyon (França) ou a delegação condenou à morte Al-Zawahi-
primeiro dia da sua visita à Ar- magnata de origem saudita do Cairo, a capital egípcia. ri, à revelia, juntamente com
ménia, considerado o primei- Osama bin Laden durante os
pede aos seus 179 Zawahiri, durante muito outros vinte membros da Al-
ro estado cristão do mundo. anos em que chefiou o gover- membros que tentem anos o chefe da Al-Jihad (Jihad Jihad, acusado de um ataque
O pontífice, que chegou a esta no de Islamabad. Num texto encontrar o egípcio Islâmica do Egipto), está na lis- fracassado ao consulado dos
ex-república soviética depois tornado público no Dubai, ca- Ayman al-Zawahiri, ta dos homens mais procura- EUA em Tirana, capital da Al-
de uma visita ao Cazaquistão, pital dos Emirados Árabes dos pelo FBI, por alegadamen- bânia. O líder da Al-Jihad foi
alertou ainda que o mundo po- Unidos, onde se encontra vo- considerado o “braço te ter planeado os ataques à ainda acusado de ter planea-
de tornar-se o palco de uma luntariamente no exílio, Be- direito” de Bin Laden embaixadas norte-americanas do o assassínio do Presidente
guerra, depois do ataque ter- nazir Bhutto referiu que sem- em Nairobi (Quénia) e Dar-es- egípcio Anwar el-Sadat, em
rorista aos Estados Unidos. Na pre se opôs a Bin Laden e CARLOS MARTINHO Salam (Tanzânia), em 1998. Se- 1981 — o primeiro árabe a co-
segunda-feira, o Vaticano afir- aos que com ele planearam e gundo o diário londrino “The meter a “traição” de fazer a
mou por meio do seu porta- executaram ataques terroris- A Interpol emitiu ontem um Guardian”, em Janeiro deste paz com o Estado judaico —,
voz, Joaquin Navarro-Valls, tas no Paquistão. “Como pri- mandado de captura contra o ano Al-Zawahiri foi convidado sem no entanto ter sido pro-
que compreendia que os Es- meira-ministro do Paquistão, médico egípcio Ayman al-Za- para o casamento de um dos fi- vado o seu envolvimento na
tados Unidos recorressem à sempre lutei contra muitos wahiri, alegadamente “braço Ayman al-Zawahiri lhos de Osama bin Laden, ten- conspiração.
força no sentido de proteger destes terroristas, incluindo direito” de Bin Laden e núme- do até feito o discurso inicial Acredita-se também que o
os seus cidadãos de futuras Bin Laden. Fechei as suas ro 2 na hierarquia da al-Qae- da cerimónia, o que dá uma egípcio tenha vivido em al-
ameaças, mas preferia uma so- universidades que ensina- da (A Base), a organização do ram mais de 6000 pessoas. ideia da proximidade existente guns países europeus, como
lução não-violenta como res- vam a violência e encerrei as magnata de origem saudita. O mandado de captura acu- entre estes dois homens. a Dinamarca e a Suíça, e até
posta ao terrorismo. Navarro- “madaris” [escolas religio- Um comunicado da polícia sa ainda Zawahiri de “compli- Alguns analistas acreditam que os serviços de imigração
Valls não adiantou porém, que sas], que tornavam crianças criminal internacional, reu- cidade em assassínios preme- que Al-Zawahiri, que chegou norte-americanos lhe tenham
haja qualquer ligação entre o em fanáticos e criminosos”, nida ontem em Budapeste, na ditados”, posse ilegal de armas a concorrer às eleições legis- dado autorização para viver
Islão e o terrorismo, uma ideia, disse Bhutto. “Apesar do pre- Hungria, especifica que o pe- de fogo, balas e explosivos, des- lativas egípcias nos início dos nos Estados Unidos. Questio-
aliás, já expressa por João Pau- ço político que paguei, apenas dido para capturar Zawahiri truição de propriedades e fal- anos 90, controla actualmente nado, em 1993, se ponderava
lo II aquando da visita ao Caza- lamento que o Governo pa- foi feito pelas autoridades do sificação de documentos. A as finanças, recursos e opera- um regresso ao Egipto, Al-Za-
quistão, país maioritariamen- quistanês tenha caído antes Cairo. Segundo a Interpol, Al- Interpol apelou aos seus 179 ções da Al-Qaeda, apresentan- wahiri disse simplesmente:
te muçulmano. Nessa altura, o de eles levarem mais terror Zawahiri terá sido o mentor membros que tentem encon- do-se por vezes como porta-voz “Só voltarei como conquista-
papa chegou mesmo a referir para o Paquistão, e, depois, dos atentados terroristas em trar o egípcio e que, uma vez de Osama bin Laden. dor, e não aceito regressar se
o “grande respeito que a Igreja para a América”, concluiu Nova Iorque e Washington, capturado, contactem o quar- Em 24 de Fevereiro de 1999, tiver de abdicar das minhas
Católica tem pelo Islão”. Benazir Bhutto. no passado dia 11, que vitima- tel-general desta polícia em um tribunal militar do Cairo ideias da Al-Jihad.” I

Reféns de Cabul estão bem, dizem taliban


Os taliban garantiram ontem que os oito funcionários huma-
Osbat al-Ansar: o “Punho dos
nitários estrangeiros que se encontram detidos desde Agosto
no Afeganistão estão bem, encontrando-se agora à espera
de um advogado que virá do Paquistão. Segundo o chefe da
justiça afegã, Maulawi Noor Mohammad Saqib, os oito fun-
Guerrilheiros” associado de Bin Laden
JIHAD SEKLAWI/EPA
cionários “estão em Cabul e não têm problemas. Esperam a O grupúsculo
chegada do advogado e só ele é que sabe quando deve vir”.
Os oito estrangeiros — quatro alemães, dois americanos e
palestiniano conta
dois australianos — foram presos quando trabalhavam para apenas com algumas
a organização humanitária “Shelter Now Internacional”, dezenas de adeptos e
sob acusações de promoção do cristianismo e tentativa de não tem ligações ao
conversão de muçulmanos. Depois de várias tentativas infru-
tíferas por parte de EUA, Austrália e Alemanha para que os Hamas ou à Jihad
oito fossem libertados, a sua situação complicou-se drastica-
mente depois do ataque de 11 de Setembro a Nova Iorque e Uma das 27 entidades desig-
Washington, já que é esperada uma retaliação norte-americana nadas pelo Presidente George
contra os taliban por estes protegerem o magnata de origem W. Bush na guerra antiterro-
saudita Osama bin Laden. Os funcionários humanitários rismo lançada pelos Estados
foram pela última vez vistos pelos diplomatas estrangeiros, Unidos é um grupúsculo pales-
que os acompanharam durante todo este processo, no dia tiniano marginal que só tem
13 de Setembro, no tribunal islâmico de Cabul, no mesmo presença em Ain el-Hilweh, o
dia em que o juiz permitiu que se defendessem com um advo- maior campo de refugiados no
gado paquistanês. Ainda não se sabe que tipo de sentença Sul do Líbano. Chama-se Osbat
poderão cumprir em caso de serem considerados culpados, al-Ansar. Segundo responsá-
mas acredita-se que a decisão final está em poder no líder veis palestinianos, este grupo
espiritual taliban, o “mullah” Mohammad Omar. só conta com algumas deze-
nas de adeptos e nem sequer
tem laços com os dois princi-
Militantes islamistas Imigrantes ilegais pais movimentos islamistas na
Cisjordânia e Faixa de Gaza, o
na Caxemira paquistaneses presos Hamas e a Jihad Islâmica.
mobilizados em Roma Um porta-voz do movimento
garantiu ontem que o grupo
O ministro indiano dos Ne- A polícia italiana deteve on- “não tem laços organizativos
gócios Estrangeiros, Jaswant tem em Roma cinco imigran- com Osama bin Laden, mas
O Osbat al-Ansar não tem grande representatividade entre os palestinianos
Singh, denunciou ontem que tes ilegais paquistaneses, que mantém relações sólidas com
os taliban estão a mobilizar se encontravam perto da ca- todos os muçulmanos”. rif, de cerca de trinta anos, de Sídon, Abu Adham, àfir- de chefes religiosos sunitas ri-
para o Afeganistão os seus sa do embaixador norte-ame- O grupo não dispõe de sede, barbudo, indicou que o fim mou à AFP que Osbat al-Ansar vais. Foi também acusado, em
militantes que combatem na ricano na Santa Sé, noticiou escritórios, associação carita- do movimento é dedicar-se “nunca teve qualquer laço com 27 de Janeiro de 2000, com ou-
Caxemira indiana ao lado de ontem o diário italiano “La tiva nem estrutura de recru- ao proselitismo muçulmano e a OLP” e que “os Estados Uni- tras 18 pessoas, de ter fomen-
rebeldes separatistas. Singh Repubblica”. Os cinco paquis- tamento neste campo, perto que o nome de Osbat al-Ansar dos dão-lhe uma importância tado uma rebelião armada no
afirmou ainda que foi o próprio taneses, que disseram ter en- de Saida. Os seus adeptos re- (O Punho dos Guerrilheiros) que não tem”. Munir Maqda, Norte do Líbano, com parti-
líder dos taliban, “mullah” Mo- trado clandestinamente em únem-se de forma geral nu- é inspirado no “punho de fi- chefe de uma milícia da Fatah dários do inimigo público nú-
hammad Omar, quem pediu Itália pelo norte, depois de te- ma das mesquitas do campo, a éis” que seguiram o profeta no Sul do Líbano, calcula que mero um dos Estados Unidos,
aos afegãos que voltassem ao rem pago uma soma em di- mesquita An-Nour, ou em ca- Maomé, depois de terem sido os Estados Unidos incluiram o Osama bin Laden.
seu país para ajudarem a com- nheiro, afirmaram não per- sas privadas. expulsos de Meca. nome desta organização pales- Abu Mahjan é acusado de
bater uma possível retaliação tencer a nenhum movimento Ao contrário de outras for- Acrescentou que “não es- tiniana “para pressionarem o ser o instigador destes afron-
dos Estados Unidos. “A nossa terrorista. Um dos detidos dis- mações palestinianas, esta perava” que o seu movimen- Líbano e a Síria e abrir o dos- tamentos, que opuseram, de
informação é baseada em vá- se ainda ter nascido em Cabul, nunca reivindicou operações to fosse citado pelo Presiden- sier dos campos de refugiados 31 de Dezembro de 1999 a 6 de
rios relatórios dos nossos ser- capital do Afeganistão, e que anti-americanas ou anti-israe- te Bush, “pois não entrámos palestinianos no Líbano”. Janeiro de 2000, extremistas
viços secretos”, disse Singh, já tinha sido expulso de Itália litas, nem no Líbano nem fora, em confrontação com os Es- O chefe do grupo, Abu sunitas ao exército libanês, fa-
que foi desmentido pelas guer- quando se encontrava sem do- e não desenvolveu qualquer tados Unidos”. Desafiou os Mahjan, é procurado pela jus- zendo 45 mortos, entre eles 11
rilhas separatistas. Acredita- cumentos em Udine. Os cinco operação militar ou outra nos Estados Unidos a “fornecer tiça libanesa que o condenou à militares. Um oficial do exérci-
se que entre três a quatro mil deverão, depois de terminadas territórios palestinianos onde as provas da nossa implica- morte, à revelia, por três vezes, to libanês, capturado pelos re-
estrangeiros operem nesta re- as investigações, ser expulsos é inteiramente desconhecida. ção terrorista”. designadamente pelo assassí- beldes, foi decapitado. I MOUN-
gião indiana. de Itália. C.M. O seu porta-voz, Abu Cha- O chefe da Fatah na região nio e tentativa de assassínio TASSER ABDALLAH/AFP
D E S TA Q U E 7
O P O N TO D E V I S TA A M E R I C A N O PÚBLICO•QUARTA-FEIRA,26 SET 2001

Uma guerra contra “todos os tipos de terrorismo”


EPA

Elizabeth Jones, responsável por didos têm processos para resolver os seus
questões euroasiáticas do problemas diplomaticamente.
[Sobre o papel dos EUA no Médio Orien-
Departamento te:] A comunidade internacional tem tra-
de Estado dos EUA, respondeu a balhado com israelitas e palestinianos. [O
questões da imprensa europeia conflito israelo-árabe] é um assunto com-
pletamente separado do combate a Bin La-
den e à al-Qaeda.
PEDRO RIBEIRO
O papel do Irão
A embaixada dos Estados Unidos em Lisboa “É importante que os nossos aliados estejam
convidou a imprensa portuguesa a fazer parte em contacto com o Irão, de forma a pressionar
de uma teleconferência, em que também parti- [Teerão] a não apoiar grupos terroristas como o
ciparam jornalistas franceses e italianos, com [libanês] Hezbollah. Nesta altura, mais impor-
a responsável por Assuntos Europeus e Euroa- tante [do que o passado] é o que cada um fizer, e
siáticos do Departamento de Estado, Elizabeth estaremos atentos à actuação [do Irão].”
Jones. Durante uma hora, Jones respondeu
às questões de jornalistas europeus sobre o ata- O dilema dos regimes
que à América de 11 de Setembro, a eventual árabes moderados
retaliação americana e a guerra ao terrorismo. “A única coisa que pedimos foi que os países
Excertos: tomassem partido a favor ou contra o terro-
rismo. A Jordânia ou o Egipto são aliados
Derrubar os taliban próximos dos EUA, e temos estado em con-
“Não posso falar sobre questões militares, mas tacto com eles. Reitero que o objectivo desta
não haverá uma ‘invasão’ do Afeganistão. Não guerra é o combate ao terrorismo, contra
é assim que os EUA e os seus aliados vão agir. “A diferença é que esta coligação é mais abrangente [que a da guerra do Golfo]” a al-Qaeda, não contra o povo afegão nem
Não há qualquer discussão sobre a presença de contra o Islão.”
tropas americanas nem no Afeganistão nem no A coligação internacional decidido uma série de medidas para fechar
Paquistão, pelo menos uma presença a longo “A diferença entre esta coligação e a aliança os canais de financiamento do terrorismo e Uma longa guerra
prazo. A guerra não é contra o povo afegão mas para combater o Iraque [na guerra do Golfo] é para reforçar a segurança comum. Os países “Como disse o vice-presidente Dick Cheney,
sim contra a al-Qaeda [rede terrorista de Osama que essa era uma coligação militar. Esta é mais europeus participaram numa iniciativa sem esta vai ser uma guerra nas sombras. Um co-
bin Laden]. O objectivo desta guerra será fazer abrangente. Os países que decidiram apoiar a precedentes, a activação do artigo 5º da NA- lega meu comparou esta guerra aos esforços
com que o novo invasor [do Afeganistão], Osama coligação poderão dar o seu apoio a nível político TO. Estamos em consultas constantes com os há muitos séculos para livrar os mares de
bin Laden, seja expulso. ou de intercâmbio dos serviços secretos. nossos aliados europeus e agradecemos todo piratas; os países com interesses na navegação
Os EUA têm programas, através de organi- Os países da Ásia Central, ou a Ucrânia ou o apoio que nos deram até agora.” marítima uniram-se e, ao fim de muito tempo,
zações não governamentais, para promover a os países dos Balcãs demonstraram o seu apoio conseguiram livrar-se deles.
democracia no Afeganistão. Não sei se o rei à coligação, o que cada um fará ainda não está Críticas à política externa dos EUA Não sei quanto tempo é que esta guerra vai
[afegão no exílio, Zahir Shah] terá um papel definido.” “Essa assunção [de que erros na política demorar, mas sei que este é momento para
nisso, mas acho que os afegãos conhecidos in- externa dos EUA tenham fomentado movi- desencadear a luta contra o terrorismo. Trata-
tencionalmente devem falar sobre o tipo de Go- O papel da Europa mentos islamistas radicais] é errada. se de uma guerra global contra todos os tipos
verno que o país deve ter. O povo afegão sofreu “A Europa está a fazer tudo o que pode. Es- A definição de terrorismo é a de actos de terrorismo, não apenas contra Osama bin
muito nas últimas décadas, e tem direito a paz tamos muito impressionados por os minis- criminosos contra pessoas inocentes; aque- Laden e a sua rede al-Qaeda. [A captura de
e liberdade.” tros [da União Europeia] se terem reunido e les que tenham queixas ou se sintam ofen- Bin Laden] não será o seu fim.” I
8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 26 SET 2001 G U E R R A AO T E R R O R I S M O O P O N TO D E V I S TA A M E R I C A N O

PRIMÁRIAS DE
NOVA IORQUE Presidente forçado a remodelar os
DECIDEM
FUTURO DE
pilares da sua agenda conservadora
STEPHEN JAFFE/EPA

GIULIANI Confrontado com a guerra


ao terrorismo, George W.
e acrescentou que estava “preo-
cupado por [as forças dos EUA]
estarem demasiado espalhadas
O presidente da Câmara de Bush teve de redefinir as por todo o mundo.”
Nova Iorque, Rudolph Giulia- suas prioridades — e No seu esforço para combater
ni, esperava que o resultado afastar-se da matriz o terror global, Bush tornou bem
das primárias, ontem realiza- claro na quinta-feira à noite que
das na cidade, ajudassem a conservadora do seu poderia haver múltiplos locais pa-
decidir o seu futuro político. programa político ra uma acção militar, e não esclare-
Na segunda-feira, surgi- ceu quais seriam os critérios para
ram notícias sobre a possi- JOHN F. HARRIS considerar a missão cumprida.
bilidade de Giuliani pedir a E DANA MILBANK Os analistas e os activistas po-
alteração das leis eleitorais líticos dizem que a nova agenda
de Nova Iorque, de forma a As exigências de uma crise eco- de Bush representa uma necessi-
poder cumprir um terceiro nómica e de uma urgente nova dade óbvia de solucionar a crise e
mandato como “mayor”. À guerra contra o terrorismo mu- observam que a maioria dos con-
noite, num “talk show”, Ru- daram a filosofia da agenda do servadores sempre afirmou que
dolph Giuliani disse: “É pos- Presidente norte-americano, Ge- a defesa da segurança nacional é
sível fazê-lo. Tenho que pen- orge W. Bush. um papel legítimo do Governo.
sar no assunto.” Ao mesmo O homem que subiu ao poder Segundo eles, Bush continua a
tempo que deixou a movi- dizendo-se descendente ideoló- ser conservador, a acreditar na re-
mentação em aberto, Giulia- gico de Ronald Reagan, surge no- dução dos impostos e na defesa an-
ni pediu aos nova-iorquinos ve meses depois como algo seme- timíssil, mas está a governar em
para irem às urnas. lhante a um herdeiro de Franklin condições que mudaram radical-
Rudolph Giuliani está a ter- D. Roosevelt. O movimento con- mente. “O 11 de Setembro mudou
minar o segundo mandato servador moderno, que foi a base tudo”, disse Ed Feulner, o presi-
que a lei lhe permite como do apoio a Bush nas eleições do dente da Heritage Foundation, um
“mayor”. No dia 6 de Novem- ano passado, tem vários pilares. instituto de investigação conser-
bro, realizam-se eleições pa- Esses pilares incluem a falta de vador que celebrou os primeiros
ra a escolha do seu sucessor. confiança numa autoridade cen- meses do mandato de Bush.
São seis os candidatos, mas tralizada, uma fé obstinada nos Mas Feulner, tal como outros
só dois estarão no boletim de mercados livres e a convicção de conservadores, afirmou estar pre-
voto em Novembro. As primá- que os indivíduos devem poder ocupado com a perspectiva de que
rias realizaram-se para fazer ser bem sucedidos ou fracassar a retaliação ao terror fosse um
a triagem: os eleitores demo- por si próprios, sem a protecção pretexto para o Congresso e a Ad-
cratas escolheram o candida- de um estado-previdência. ministração Bush expandirem o
to do seu partido (Mark Green Mas as palavras de Bush recente- papel governamental de formas
estava ligeiramente à frente mente — e com mais força o seu dis- pouco sensatas.
nas sondagens), os republica- curso no Congresso na quinta-feira “Estamos todos um pouco pa-
nos fizeram o mesmo (Micha- à noite — sugerem que ele chegou ranóicos”, comentou Fred Smith,
el Bloomberg tinha a eleição à conclusão de que poucas das suas director do Competitive Enterpri-
garantida). antigas crenças que animavam a se Institute, que promove os prin-
Após o ataque de 11 de Se- agenda conservadora antes de 11 cípios do mercado livre. “Uma das
tembro, os nova-iorquinos de Setembro são relevantes à luz tragédias quando as economias
deram todo o seu apoio ao dos actuais acontecimentos. de mercado vão para a guerra é
“mayor”, cuja actuação du- A desconfiança para com um que elas enfraquecem a sua maior
rante a crise foi aclamada até Governo nacional poderoso deu força: o mercado.”
pelos piores inimigos. Os jor- lugar a um enorme empenhamen- Feulner objecta contra o pacote
nais chamaram-lhe o “Chur- to federal na reconstrução de No- de ajuda às companhias aéreas,
chill da América”. Surgiram O ataque à América fez Bush mudar a sua presidência va Iorque. A devoção pelo merca- o pacote para estimular a econo-
vozes a pedir a permanência do livre foi substituída por uma mia e partes do pacote antiterro-
de Giuliani na Câmara, por- dispendiosa promessa de salvar a rismo. “Pensei que já tínhamos
que a cidade necessita de um indústria dos transportes aéreos ultrapassado o fase de atirar rios
líder forte no período que vai Bush explicou a guerra aos congressistas com os subsídios do Governo. de dinheiro para resolver um pro-
demorar a reconstrução. E embora os conservadores ou- blema”, declarou ele. “Parece ha-
Rudolph Giuliani estava à trora se gabassem da sua deter- ver uma falta de concentração; os
espera de um primeiro sinal minação em conseguir que o Go- que têm mais sangue-frio previ-
dos eleitores: se a taxa de abs-
tenção tivesse sido muito ele-
Taxa de popularidade do Presidente verno “deixasse à vontade” o povo
americano, Bush preveniu que o
nem para nos certificarmos que
não deitamos o bebé fora ao mu-
vado nas primárias, seria um
indicador da vontade dos no-
continua nos 90 por cento interesse individual tem de ser
reavaliado devido à necessidade
dar a água do banho.”
Algumas das recentes mano-
va-iorquinos. Só com a apro- colectiva de uma segurança mais bras de Bush reflectem respos-
vação destes Rudolph Giulia- O Presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, reuniu ontem, ao pequeno- apertada. tas claras ao terrorismo e outras,
ni poderá pedir a alteração almoço, os dirigentes do Congresso para lhes explicar a guerra contra o terrorismo O “attorney general” John Ash- como as decisões no Gabinete da
da lei. E, se for esse o caso, o internacional. “Acho que os contornos desta guerra ficaram claros”, disse no final croft propôs um conjunto de me- Administração e do Orçamento,
órgão legislativo não terá ar- do “briefing” o líder da minoria democrata na Câmara de Representantes, Dick didas antiterrorismo que viriam podem ser apenas coincidências.
gumentos para contrariar o Gephardt. aumentar grandemente a intro- Mas também existe alguma es-
pedido. I ANA GOMES FERREIRA, Os participantes não deram pormenores sobre o que se passou durante a refeição. missão do Governo federal na pri- perança entre os amigos e os opo-
em Nova Iorque “O que vai acontecer é combater uma guerrilha com uma guerrilha”, afirmou vacidade dos cidadãos — ideias sitores de Bush de que os ataques,
Gephardt, confirmando que esta será uma guerra de “rangers” e comandos, cujas que os activistas de ambos as ex- ao reforçarem a estima do Presi-
acções e movimentações não serão conhecidas. Só assim Bush conseguirá cumprir tremos do espectro político se dente na opinião pública, lhe pos-
o plano que, ontem de manhã, agradou aos políticos. apressaram a avisar que eram um sam dar mais latitude para gover-
Dick Gephardt observou que o Presidente optou pela solução correcta ao ter atentado à liberdade. nar a partir do centro político.
identificado como alvos dos ataques as células terroristas, não tendo escolhido Ao mesmo tempo, Bush está a “Depois de oito meses a seguir
uma estratégia de retaliação que ameaçasse civis. O presidente da Câmara de trabalhar na elaboração de um pa- uma agenda política de direita, o
Representantes, Dennis Hastert, o líder da maioria democrata no Senado, Tom cote que estimule a economia de Presidente Bush, na semana pas-
Daschle, e o “número um” da minoria republicana no Senado, Trent Lott, também forma a prevenir a recessão. O Pre- sada, chegou a uma genuína fór-
estiveram no pequeno-almoço. O homem que dirige a economia dos EUA, Alan sidente afirmou que uma econo- mula bipartidária”, notou Ralph
Greenspan, ouviu também o “briefing”. mia fraca necessitava de um im- Neas, presidente da organização
Na segunda-feira, Bush tinha enviado uma carta a todos os membros do Congresso pulso do Governo com uma grande de liberdades civis People for the
explicando, em linhas gerais, as acções militares. Diz o documento que forças injecção de dinheiro — um concei- American Way. Embora não es-
militares já se encontram Médio Oriente, Ásia e Pacífico. “Neste momento, não é to básico da economia keynesiana teja de acordo com algumas das
possível dizermos onde vão ser necessárias as acções [militares], ou a sua duração”, que esteve no centro da política do propostas antiterrorismo, Ralph
escreveu Bush. “New Deal” de Roosevelt. Neas expressou a esperança de
Uma sondagem “New York Times”/CBS dava ontem 90 por cento a Bush no índice Por último, num debate presi- que “o pragmatismo e uma abor-
de popularidade. Noventa e dois por cento dos inquiridos defenderam uma resposta dencial no ano passado, Bush avi- dagem orientada para os resulta-
militar aos ataques terroristas de 11 de Setembro, e 78 por cento dos inquiridos sou que o ponto crítico das Forças dos prevaleçam sobre uma agen-
disseram acreditar que vai acontecer um novo ataque terrorista no terrirório dos Armadas é que “a estratégia de da mais ideológica”. I EXCLUSIVO
Rudolph Giuliani Estados Unidos. I ANA GOMES FERREIRA, em Nova Iorque saída tem de ser bem definida”, PÚBLICO/“WASHINGTON POST”
D E S TA Q U E 9
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 26 SET 2001

NÚMEROS DE UMA
CO M U N I DA D E A M E A Ç A DA

Os maiores núcleos de árabes-americanos

Área População
Los Angeles, California 283.355
Nova Iorque, NI 162.692
Nordeste de Nova Jersey 92.080
Chicago, Illinois 91.260
Washington, D.C. 69.350

Mesquitas

1994 2000 evolução

Número total 962 1209 25%

Muçulmanos por mesquita 485 1625 300%

Total de muçulmanos registados 500.000 2 milhões 400%

Crenças religiosas dos árabes-americanos (%)


Católicos romanos 42
Muçulmanos 23
Ortodoxos gregos, caldeus e siríacos 23
Protestantes 12

À esquerda, os árabes; à direita, os muçulmanos. Cartoon de Mattjood no “Al Quds al-Arabi”, de Londres
País de origem dos árabes-americanos (%)

Árabes e muçulmanos Líbano


Síria
Egipto
Palestina
56
14
11
9

dos EUA são vítimas Jordânia


Iraque
Outros
4
4
4

do desejo de vingança Fontes: “Newsweek”e “Economist”

Mais de 250 crimes de ódio cometidos desde osevelt chegou a ordenar a


detenção preventiva de mais
os ataques do dia 11, apesar de três em cada de 110 mil japoneses-ameri-
quatro árabes-americanos serem cristãos e não canos. A esmagadora maio-
muçulmanos, e de a maioria dos seis milhões ria seguramente inocente, tal
como a maior parte dos três
de muçulmanos que vivem nos Estados Unidos milhões de árabes-america-
serem negros e não árabes nos que residem nos Estados
Unidos.
ISABEL LEIRIA ta mais nervoso não hesitou É certo que entre os 19 sus-
em chamar as autoridades peitos de terem desviado os
O mundo islâmico bem pode quando dois homens “sus- quatro aviões norte-america-
temer as consequências da peitos” que “mal falavam in- nos, 19 eram árabes. Mas mes-
retaliação norte-americana glês” entraram no seu au- mo que se confirmem os piores
em consequência dos ataques tocarro, em Trenton, Nova receios de que outros 50 mem-
terroristas do passado dia 11. Jersey. A polícia respondeu bros de células terroristas con-
Mas, até agora, tem sido a pró- prontamente à denúncia, tinuem a monte, isso significa
pria comunidade árabe a re- apontando as armas aos dois que 99,99 por cento dos árabes-
sidir nos Estados Unidos, mu- homens, que acabaram por americanos não tem qualquer
çulmana ou não, a sofrer na ser libertados. Os episódios Os tempos são ligação ao terrorismo, lembra
pele a ira dos norte-ameri- são relatados na última edi- de ansiedade, receio a “Newsweek”.
canos. Desde então, regista- ção da revista “Newsweek” e desejo de justiça. Em todo o caso, o peso dos
ram-se mas de 250 crimes de e representarão a face extre- estereótipos é considerável.
ódio perpretrados contra ára- ma da promessa aos norte- A história parece Quantos saberão que três em
bes-americanos, segundo nú- americanos feita pelo “attor- repetir-se; após cada quatro árabes-america-
meros citados pela revista ney-general” (equivalente a o bombardeamento nos são cristãos e não muçul-
“Newsweek”. Pelo menos du- ministro da Justiça), John manos? (No Médio Oriente é
as pessoas morreram. Nas Ashcroft, de que “serão usa-
de Pearl Harbor, que apenas cinco por cento
ruas, escolas, transportes ou dos todos os meios legais pa- a ira americana da população é cristã, lembra
lojas, os relatos de insultos, ra prevenir futuras activida- voltou-se então a revista “Economist”). Na
ameaças e agressões, contra des terroristas”. verdade, a maioria dos seis
uma população estimada em Os tempos são de ansieda-
contra os japoneses- milhões de muçulmanos que
três milhões de habitantes de, receio e desejo de justiça e americanos que vivem nos Estados Unidos são
vão-se sucedendo. as reacções facilmente resva- residiam no território. negros e não árabes. Se é pos-
Na passada semana, três lam para todos os extremis- Roosevelt chegou sível definir o típico árabe-
árabes-americanos foram ar- mos. A história parece, aliás, americano, longe do homem
rastados para fora de um repetir-se. Após o bombarde- a ordenar a detenção que aparenta ser oriundo de
avião da Northwest Airlines, amento de Pearl Harbor, a ira preventiva de mais algum país do Médio Oriente,
com destino a Salt Lake City, americana voltou-se então de 110 mil japoneses- o mais provável é ele ter nas-
porque os restantes passagei- para os japoneses-america- cido na América, ser cristão
ros se recusaram a viajar na nos que residiam no territó-
americanos e possuir uma formação aca-
sua companhia. Um motoris- rio. O então presidente Ro- démica elevada. I
10 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 26 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO MUNDO ISLÂMICO

“A MILÍCIA PAQUISTANESA
OS AFEGÃOS QUE TENTAM ZAINAL ABD HALIM/REUTERS

Iasmina, 37 anos, duas filhas pequenas, fugiu de Cabul


uma semana depois dos ataques à América.
Para passar a fronteira com o Paquistão, deu todo
o dinheiro que tinha a um contrabandista.
“Eles dividem-no com a milícia paquistanesa.”
A milícia, conta ela, chicoteia os afegãos que tentam
passar. Relato de uma refugiada que nunca mais quer
voltar ao “terror de taliban e jihads”.
Da nossa enviada Alexandra Lucas Coelho, em Peshawar

Não é só pelas montanhas, A noite do ataque a milícia paquistanesa.”


clandestinamente, que afe- A 11 de Setembro, quando os Agora está a viver com as
gãos em fuga estão a passar aviões foram atirados contra duas filhas num quarto em-
para o Paquistão. É também a América, era manhã lá e prestado de uma das casas do
pelas fronteiras oficialmen- fim da tarde em Cabul. Ho- campo: “Estou a tentar ter
te fechadas, cujo acesso as ras depois, a Aliança do Nor- uma casa para mim. É um
autoridades paquistanesas te, antitaliban, deu notícias. bom campo. Há água, luz, es-
interditam aos “media” de “Às duas da manhã, está- cola, podemos cultivar legu-
todo o mundo. Iasmina pas- vamos a dormir, e ouvimos mes, fazer tapeçaria.” Ela sa-
sou, pagando a um con- um ‘rocket’ cair em Karte- be como. É assim que está a
trabandista: “Eles têm um pawan.” A casa de Iasmina pensar sobreviver. “Não há
acordo com a milícia pa- fica perto desse bairro da ca- memórias boas para voltar.”
quistanesa, partilham o di- pital afegã. “Depois, o aero-
nheiro que os refugiados porto foi atacado por mais Nem taliban
dão.” E viu o que aconteceu dois ‘rockets’. Toda a gente nem mujahidines
a quem não pagou: “A mi- se levantou. Saímos de ao Iasmina fez três anos de esco-
lícia tinha chicotes e batia pé das entradas, para não la: “Os meus pais eram muito
em quem tentava atravessar sermos feridos. Quem tinha abertos, mas o meu tio não
o portão. Não importava se abrigos subterrâneos foi pa- queria que eu estudasse. No
eram velhos, crianças, do- ra lá.” Afeganistão, as famílias vi-
entes. Havia gente a deitar Iasmina também tem um vem juntas, e os tios mais ve-
sangue.” pequeno abrigo: “Se houvesse lhos são ouvidos.” Casou aos
Segundo conta Iasmina, mais ‘rockets’ tínhamos fica- 25 anos, em plena derrota da
nesta fronteira de Torkham do lá.” Mas não houve, e fez-se URSS no país.
— coração do Kyber Pass, dia. “Os vizinhos e a família Era a vitória dos mujahi-
entre Cabul e Peshawar — estavam a tentar empacotar dines. Mas dos que tomaram
há um portão grande, para tudo. Quem tinha algum di- então o poder, no princípio
veículos autorizados. Quan- nheiro, ia para sair do Afega- dos anos 90, Iasmina só tem
do se abre, os afegãos tentam nistão, os outros iam para o histórias terríveis para con-
passar dos dois lados do car- campo.” tar: “Eles vinham às casas
ro. É então que a milícia usa Ela esperou sete dias. Não roubar coisas e buscar as ra-
os chicotes. “Eu entrei pela quis partir com as duas me- parigas. Violavam-nas. Uma
porta pequena das pessoas, ninas sem um homem, numa vez, uma rapariga saltou da
depois de o meu irmão pagar terra em que as mulheres são janela, quando eles bateram
ao contrabandista.” incomodadas por sair à rua à porta. Outra vez, eles fo-
O marido de Iasmina mor- sozinhas, para comprar co- ram pedir a um homem que
reu há três anos, afogado mida. Convenceu o irmão a lhes desse a filha, o homem
num rio. Como os taliban acompanhá-las. Partiram às disse que ia pensar, para vol-
não deixam as mulheres tra- quatro da manhã de Cabul, tarem no dia seguinte. Quan-
balhar, ela ficou sem meios num autocarro cheio de gen- do voltaram, ele tinha corta-
de subsistência e com as du- te, chegaram a Torkham, do do a garganta à filha.”
as filhas, Nassima e Aarzo, lado afegão, às 12h. Porque, explica quem está
que agora têm oito e dez “Não nos deixaram pas- fazer a mediação da conversa,
anos. Vieram com a mãe, sar. Havia muita gente. Não “é inconcebível para uma fa-
desde o campo de refugiados sei quantos, mas milhares. mília afegã que uma virgem
nas imediações de Peshawar, O meu irmão manteve-nos tenha sido tocada, mesmo que
como todos, interdito aos jor- afastadas e foi falar com um se mantenha virgem. Muitas
nalistas. Sentam-se as duas dos contrabandistas, que nos vezes a família não a aceita de
na mesma cadeira, com os pediu 800 rudis por cabeça. volta, depois de os homens a
mesmos vestidos verdes, as Eu só tinha 1500 rudis. O meu levarem. Outras vezes, muda
mesmas bandoletes, os mes- irmão pagou o resto.” Por 40 de terra.”
mos cabelos negros. Uma euros — uma fortuna, para Quando os taliban chega-
tem caracóis, a outra não. o afegão comum — pisou o ram ao governo, conta Iasmi-
Esperam em silêncio. Duas Paquistão às cinco da tarde. na, o povo esperava o melhor:
‘farsi’ pequenas e gracio- Às sete já estava em Pesha- “Pensávamos que eles seriam
sas. war, onde tem familiares, nos os nossos muçulmanos e de-
Para o encontro com o PÚ- campos. fenderiam o Afeganistão. Mas
BLICO, Iasmina não traz a Perguntamos se há algu- não sabíamos que eles vi-
cara tapada. Só um grande ma tensão na fronteira entre nham das montanhas.”
lenço branco sobre o cabelo. os guardas dos dois lados. O tradutor explica que
Pelas mãos e pelas marcas Ela ouve a tradução, e sorri: “vir das montanhas”, para
no rosto, parece ter muito “Não. Havia dois taliban na os afegãos das cidades, signi-
mais que 37 anos. fronteira e conversavam com fica rudeza. E Iasamin con- “As pessoas não estão unidas, estão esfomeadas, cada qual se tenta salvar, se lhes dão dinheiro fazem
D E S T A Q U E 11
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 26 SET 2001

ONU pressiona Paquistão


CHICOTEIA a abrir fronteira no Sul
20 MIL REFUGIADOS tá a ser complicado”, relatou deixaram de ser alimentadas

PASSAR”
ao fim da tarde, num contacto pelo PAM”. Depois do ataque,
ÀS PORTAS DE CHAMAN telefónico com o PÚBLICO, e da retirada de todo o pesso-
Rupert Colville, o novo porta- al das Nações Unidas e das
Duas afegãs deram voz do ACNUR. ONG, o Programa Alimentar
Há relatos de pelo menos Mundial, que está a trabalhar
à luz na fronteira duas afegãs terem dado à luz em conjunto com o ACNUR,
e, depois de serem nesta fronteira, terem sido conseguiu manter operacio-
assistidas, foram transportadas para o lado pa- nal apenas uma parte da rede
tinua: “Ninguém sabia que quistanês, de forma a recebe- de distribuição de alimentos,
eles eram como animais. Co-
obrigadas a voltar rem cuidados médicos, e se- a suficiente para chegar a um
meçaram o seu terror. As para o lado afegão rem de novo reencaminhadas milhão, dos quatro que esta-
barbas dos homens eram para o lado afegão — o que vam a ser auxiliados.
medidas com um candeeiro, Da nossa enviada não é propriamente um bom “Amanhã [hoje] vêm mais
as que eram mais curtas le- ALEXANDRA LUCAS COELHO, prognóstico quanto à disponi- equipas de Peshawar”, indi-
vavam a um castigo. Quan- em Peshawar bilidade real do Paquistão pa- cou Colville, ele próprio um
do proibiram as mulheres de ra abrir as suas fronteiras. dos protagonistas deste re-
trabalhar e ir à escola, pro- No dia em que a ONU voltou O ACNUR tem duas mil ten- forço das equipas do ACNUR
metemos usar sempre a ‘bur- a alertar para uma “catástro- das, onde cabem de 10 a 12 mil no Paquistão — chegou há
qa’, mas que nos deixassem fe humanitária de enormes pessoas, e 17 mil toneladas de dias de Genebra, onde estava
ir. Não deixaram. Dizem que proporções” no Afeganistão, comida preparadas, na fron- destacado, depois de durante
a escola é a porta de entra- uma equipa reforçada do Al- teira. anos ter sido o responsável da
da no inferno.” Esta afegã to-Comissariado das Nações Segundo disse ao PÚBLI- organização em Islamabad.
de Cabul nunca mais tirou a Unidas para os Refugiados CO, Colville calculava em cer- A abertura de fronteiras
sua “burqa”: “Costumamos (ACNUR) passou ontem o dia ca de 20 mil os afegãos ime- era um dos dois principais ob-
dizer que em Roma sê roma- na fronteira de Chaman (en- diatamente do outro lado da jectivos da ONU no Paquistão,
no. Antes, eu só usava a ‘bur- tre o Centro-Sul do Paquis- fronteira (a primeira que a desde o início desta emergên-
qa’ para ir ao campo. Não na tão e o Sul do Afeganistão), ONU julgava poder reabrir), cia. O outro, o compromisso
cidade.” pressionando as autoridades não pondo de parte a possibi- governamental para a aber-
Se a escola leva ao inferno, paquistanesas a deixarem en- lidade de haver outros milha- tura de campos, está aparen-
a rádio, relata Iasmina, é “a trar os 20 mil refugiados afe- res a caminho. Por todo o Afe- temente no bom caminho,
caixa do mal” para os tali- gãos que estavam do outro ganistão, em várias direcções com a promessa de cem novos
ban: “Toda a gente ouve rá- lado, muitos deles depois de (das cidades para o campo, ou, campos, para um total de um
dio, é a única forma de saber- caminhadas de horas, ou mes- directamente, para as frontei- milhão de pessoas.
mos o que acontece. Mesmo mo dias, sob um sol escaldan- ras), estão deslocadas cerca O acesso dos “media” aos
os taliban a usam para os seus te e sem água. de um milhão de pessoas, se- campos de refugiados e a
anúncios. Mas não querem “Pedimos-lhe que deixas- gundo a ONU. qualquer posto fronteiriço
que as pessoas ouçam músi- sem entrar pelo menos os “Para além disso”, recor- continua completamente in-
ca.” Nem querem a BBC, que mais velhos e os doentes, esta- dou Colville, “desde os ata- terdito pelas autoridades pa-
tem emissões em pashtun e mos em conversações, mas es- ques, três milhões de pessoas quistanesas. I
farsi, as duas principais lín-
guas do Afeganistão: “Só a rá-
dio deles, a Shariat. Ouvimos
a BBC baixinho.”
Quando Iasmina ia com-
prar algo à rua, perguntavam-
lhe onde estava o homem. Ela
explicava que era viúva: “Ba-
tiam-me, com um chicote.”
A Comissão do Vício e da
Virtude, que em determina-
dos dias sai à rua, com um
chicote, também bate nas pes-
soas quando a bainha das cal-
ças não está justa ao tornoze-
lo, pára gente na rua para ver
se as axilas estão limpas, e pu-
ne as mulheres por pintarem
as unhas: “Antes das orações,
temos de limpar as mãos, a ca-
ra, os pés. Eles dizem que por
causa do verniz a água não
toca na unha.”
Batem “nas mãos, na cabe-
ça, nos joelhos, nos pés”.
Não há nenhuma forma
de resistência? “O povo afe-
gão tem as mãos vazias. Não
há armas. Foram confisca-
das. E os taliban só entendem
armas. Mas ouvir música é
uma forma de resistência.
Eu ainda tinha uma televi-
são em casa e de vez em quan-
do apanhávamos um filme. É
uma forma de resistência.”
E depois, conta Iasmina,
“as pessoas não estão unidas,
estão esfomeadas, cada qual
se tenta salvar, se lhes dão di-
nheiro fazem tudo, os taliban
têm espiões por toda a parte”.
Em quem é que ela confia?
“Em ninguém. Fomos traídos
muitas vezes.” Só se viessem
pessoas de fora, pessoas que
partiram para o estrangeiro,
há 20 anos, “nem taliban, nem
mujahidines”.
O que está para trás, aca-
tudo, os taliban têm espiões por toda a parte” bou. Cá fora. I
1 2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 26 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO OS EUA DEPOIS DO CHOQUE
TED WARREN/EPA

O D I Á R I O D E P E D R O PA I X Ã O E M N O V A I O R Q U E

A CIDADE DEPOIS HOJE É DOMINGO


Hoje é domingo em No- planeta que gira com
va Iorque. São oito da indiferença em torno
manhã e devagar a cida- de uma galáxia peri-
de acorda. O céu tem o férica e a cor profun-
azul que só o céu tem, da deste céu azul nu-
não o de uma superfí- ma manhã que não
cie mas o de uma distân- regressa nesta cida-
cia. Um bando de pom- de a que chamaram
bos voa entre prédios e
Hoje é domingo em Nova Iorque Nova Iorque.
desaparece. Tudo podia
ser um sonho, tudo po- e os jornais pesam cinco quilos. Esta ligação entre o
dia ser outra coisa, uma Gente sentada bebe o café que que eu sou — um na-
ilusão fugaz e passa- dissipa a ansiedade do recomeço. da que em tudo pen-
geira. São vários os es- sa — e o que eu não
tratos da realidade e
Podíamos fazer alguma coisa, sou — um tudo que
por vezes confundem- mas o melhor talvez seja não é infindo nevoeiro —
se, confundindo-nos. Na fazermos nada e ficarmos pode acontecer das
primeira manhã, depois estendidos na cama. Deus, formas mais diver-
do ataque, esperei muito sas. Acreditar no es-
quieto longos momen- deixa-nos sossegar. Talvez Tu pírito que habita o
tos que algum indício próprio precises de sossegar. rio e me deixa atra-
me assegurasse que o vessá-lo, acreditar
que acontecera era um em deuses ciumen-
pesadelo, não uma memória. Por vezes é tos e coléricos, acreditar num só deus que
preciso esquecer para poder continuar. Es- nunca se mostra e tudo pode porque tudo
quecer, ou pelo menos afastar para um lu- fez, acreditar em Jesus que nos ensina a
gar onde não andem à solta, fazendo es- amar sem ser amados. Acreditar que o tem-
tragos, provocando sentimentos à deriva, po é a verdadeira prisão a que devemos
HISTÓRIAS DE NOVA IORQUE
experiências que nos fazem temer que não escapar. Acreditar que a humanidade al-
somos nós que temos mão sobre a vida, mas cançará o paraíso nesta terra. Acreditar
ela que tem a sua mão sobre nós. Mas eu no que me dizem as cartas sobre o futuro
CAPACETES E “T-SHIRTS” DOS BOMBEIROS sipi) Don Martin. No muro do campo de tiro,
estão fotos do milionário de origem saudita
não pretendo esquecer. incerto ou os astros no céu magnífico. Acre- FAZEM FUROR crivadas de balas. Segundo Don Martin, que
ditar que este homem ou esta mulher me trabalha também na polícia municipal, o
Hoje é domingo em Nova Iorque e os jor- protegem pela sua dimensão moral — ou Para homenagearem os seus heróis — os número de praticantes de tiro aumentou
nais pesam cinco quilos. Gente sentada por qualquer outra qualidade de excepção bombeiros da cidade —, os nova-iorquinos de modo significativo depois dos ataques, a
bebe o café que dissipa a ansiedade do re- — da susceptibilidade, da insignificância e armaram-se de capacetes, “T-shirts” e “sou- ponto de, no domingo, chegar a haver uma
começo. Podíamos fazer alguma coisa, mas do descontrolo da minha vida. venirs” com a sigla dos bombeiros da cidade: fila de espera. “Há cada vez mais pessoas a
o melhor talvez seja não fazermos nada e FDNY. Na New York Firefighter’s Friend, atirar pela primeira vez. Alguns até trazem
ficarmos estendidos na cama. Deus, deixa- Hoje é domingo de manhã em Nova Iorque uma pequena loja na Lafayette Street, sul de as suas mulheres”, conta.
nos sossegar. Talvez Tu próprio precises de e as sirenes estridentes calaram-se para Manhattan, uma dúzia de clientes fazem fila
sossegar. Um dia semanal feriado, legado ouvir o silêncio contra os muros. Os cora- para comprar artigos do Fire Department,
do judaísmo que se espalhou e enraizou ções batem mais pausadamente, como se
por todo o mundo como algo tão natural nada fosse acabar, como se tudo se repetisse
New York. O que mais vende, conta a agência
AFP, é o capacete azul com FDNY em letras
VÍRUS MASCARADO DE “VOTO”
como as fases da lua, contém um significa- eternamente. Alguém dá um beijo a alguém vermelhas, tornado célebre pelo presiden- EM SONDAGEM SOBRE GUERRA
do espiritual. O seu intento principal não e volta a adormecer agradecendo o dia. te da câmara, Rudolph Giuliani, nas suas
é permitir o descanso ou o divertimento Embora se saiba que a dor continua nos conferências de imprensa. “Este capacete Peritos de segurança avisaram no início
ou que tenhamos tempo para o que não hospitais, nas casas onde de repente falta é o mais popular. Vendemos 288 num dia”, da semana para o perigo de um novo vírus
temos nos outros dias. O seu objectivo é uma voz habitual, na rapariga que acordou confirma um vendedor. Michael Gautier, disfarçado de um programa que permitiria
religioso: ao impor uma pausa no trabalho deprimida e correu para o quarto de banho bombeiro de Tampa (Florida), veio comprar ao utilizador votar numa sondagem sobre
que nos une às coisas do mundo, convida- e ao ver-se ao espelho começou a chorar “T-shirts” para mostrar o seu apoio aos bom- se deveriam os Estados Unidos entrar em
nos a reparar que ele é independente de convulsivamente, a dor latejando nas ca- beiros de Nova Iorque. “Eles fizeram um guerra depois dos atentados de 11 de Se-
nós, está antes e depois de nós, que não beças dos que perderam amigos, emprego, supertrabalho e nós somos uma grande fa- tembro. Segundo a Reuters, o vírus apaga
fomos nós que o criámos: somos simples confiança. Embora a dor se acumule tam- mília, por isso estamos aqui para contribuir os ficheiros do computador. O vírus está a
convidados de passagem e isso deve ser bém nos inocentes obrigados a abandonar para os seus fundos de apoio.” espalhar-se via e-mail para os utilizadores
agradecido. a sua aldeia, na criança que se perdeu dos do Outlook da Microsoft. O “subject” do e-
pais num campo de refugiados onde não mail é “Peace between America and Islam!”
Hoje é domingo em Nova Iorque e um sos- há direcção nem caminho, nos que já não “WE ARE FAMILY” e no corpo da mensagem está: “Hi. Is it a
sego atravessa o azul do céu. É como se o sabem de onde são nem para onde irão, as war against America or Islam!? Let’s vote
mundo se refizesse, porventura renasces- raízes arrancadas, o passado devastado, A FAVOR DAS VÍTIMAS to live in peace!” Ao abrir o “attachment”,
se, uma última vez. Temos faltas, feridas, as tradições mortas. Embora a dor cresça chamado “WTC.exe”, o vírus apaga todos
sofrimentos que precisam de ser abençoa- ainda no coração dos desesperados, e a rai- Actores, músicos e desportistas encontra- os ficheiros no disco duro do computador
dos por nós, por outros ou por um deus. va e a impotência no dos náufragos de um ram-se em estúdio para gravar um disco e manda cópias do e-mail para todos os con-
Chega-nos um imperativo desejo de nos mundo em que a compaixão é asfixiante, destinado a recolher fundos para as vítimas tactos do utilizador.
tornarmos mais dignos. O mundo fica um aterradora, insuportável. dos atentados de 11 de Setembro. As grava-
pouco melhor, quando nos tornamos me- ções foram feitas em estúdios nos dois lados
lhores. E, no entanto, sabemos que é só uma O céu profundo insiste em ser azul neste da costa dos Estados Unidos. A música es- JAPONESES NERVOSOS PROCURAM
pausa, que a inquietude dos dias vai regres- domingo em Nova Iorque e eu continuo colhida foi “We are family”, dos americanos
sar com as suas preocupações, dúvidas e aqui quieto neste silêncio suspenso, aguar- Sister Sledge, de 1979. Para além de reco- SEGURANÇA EM “BUNKERS”
angústias que nos mordem a nuca, o traba- dando que de um momento para o outro a lher fundos, pretende-se que este disco seja
lho que nos salva e consome no tempo. vida me desperte, me agarre e me leve para um apelo à unidade numa altura de divisão Alguns japoneses preocupados com a segu-
não sei onde. racial, segundo os mentores do projecto, rança depois dos ataques a Nova Iorque e
Nunca encontrei ninguém que não fosse o produtor Nile Rodgers e o apresentador Washington estão a procurar “bunkers” nu-
religioso. Julgo mesmo que não é possível De propósito, o telefone toca. É Jack a per- Montel Williams. Para além dos Sister Sled- cleares. Seiichiro Nishimoto, presidente da
a um humano não ser religioso. O que se guntar se não quero ir ver os destroços. ge, cantam a nova versão Steve Tyler (Ae- Shelter, uma empresa de bens de emergência
modifica e altera, das mais diversas manei- Agradeço-lhe, digo-lhe que não, que estou rosmith), Elton John, Cyndi Lauper, Mick baseada em Osaka, afirma que a companhia
ras, é o modo como essa pessoa é religiosa. demasiado cansado, o que embora seja ver- Jones (Foreigner) e Diana Ross. Vão ainda tem registado encomendas de pessoas procu-
Para além das grandes religiões globais, dade não é toda a verdade. Não conheço participar na gravação desportistas, como rando abrigos subterrâneos depois dos ata-
das religiões circunscritas no tempo e no ninguém entre os milhares que morreram, John McEnroe e Andre Agassi, e actores, ques, diz a agência Reuters. “Costumávamos
espaço, há quasi-religiões, pseudo-religiões, hoje ainda designados como “os que fal- como Kevin Bacon. ter algumas chamadas por ano de pessoas
religiões privadas. O que um humano não tam”, nem ninguém a quem tenha morrido interessadas nos abrigos subterrâneos, mas
pode deixar de conseguir, pelo menos dei- alguém. Esta não é a minha cidade. Parece- agora estamos a ser literalmente inundados
xar de tentar, é ligar a sua patente fragili- me uma falta de pudor, uma impiedade, vi-
dade, as suas determinações ocasionais – sitar agora aquele lugar, qualquer coisa
CABEÇA DE BIN LADEN por pedidos de informação”, diz Seiichiro
Nishimoto. “Há dez anos que vendo ‘bunkers’
o ser deste sexo, ter este rosto, ter nascido semelhante ao que sentiria no funeral de PARA TIRO AO ALVO nucleares e só vendi cinco. Mas desde 11 de
neste lugar, falar esta língua, viver neste um desconhecido. E tenho para mim que a Setembro já vendi três.” Os “bunkers” me-
tempo – à estranha indiferença de tudo o simples curiosidade é um impulso ao qual A cabeça de Bin Laden em cartão tornou-se dem 20 metros quadrados — têm capacidade
que o rodeia e toca e ultrapassa e não é ele: a não se deve ceder, porque engana ao parecer muito popular para tiro ao alvo, nos Estados para cinco pessoas, segundo o vendedor —
cadeira vazia à minha frente, a criança que ensinar. Nunca sequer tive particular afei- Unidos. “Um homem veio cá a semana pas- têm paredes de 30 centímetros de cimento e
chora no apartamento do lado, as ruas cru- ção estética por aquelas duas torres gémeas. sada com fotocópias da fotografia de Bin estão equipados com filtros de ar vindos da
zadas por carros cada qual seguindo o seu Onde eu quero ir hoje, embora insista em Laden. Depois, cada vez mais pessoas a co- Suíça que protegem contra poeiras nuclea-
destino, um planeta habitado por biliões não me considerar católico, é à catedral de meçaram a utilizar para se entreter”, explica res e gases venenosos. Custam cerca de 5300
que são como eu e não são eu, um modesto St. Patrick, padroeiro da cidade. I o instrutor de tiro de Gulfport (sul do Missis- contos (à volta de 26.500 euros). I
D E S TA Q U E 1 3
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 26 SET 2001

Muito pouco
provável encontrar
sobreviventes
“É muito pouco provável que reconhecer que os seus fami-
se encontre alguém vivo” sob liares estão mortos e que nun-
os escombros do World Tra- ca os recuperem poderão as-
de Center, disse o director sinar certificados de morte,
da agência federal de gestão uma operação que começa
de urgências, Joe Allbaugh. hoje, diz a Reuters. É que, co-
Ontem passaram duas sema- mo explicou Giuliani, “vamos
nas sobre os atentados, subli- acabar numa situação onde
nhou, numa entrevista ao ca- não recuperaremos um nú-
nal de televisão CNN. mero significativo de restos
Entretanto, de 1400 a 1500 humanos”.
salvadores ficaram feridos O presidente da Câmara
nas operações de resgate de voltou ainda a afirmar que
corpos, acrescentou Joe All- seria “um milagre” encontrar
baugh. E, para piorar o cená- alguém vivo nos escombros
rio, espera-se que comece a ainda fumegantes. “Os bom-
chover em Nova Iorque, o que beiros estão ainda a conduzir
tornará as buscas mais peri- uma operação de salvamento,
gosas: “Vamos perder tempo... mas a realidade é a realidade.
vamos rezar e esperar um mi- E já passou algum tempo. Te-
lagre.” mos mesmo de passar à ope-
Nenhum sobrevivente foi ração seguinte.”
encontrado depois do dia se- O “mayor” Rudolph Giulia-
guinte aos ataques, ou seja, 12 ni insistiu ainda num outro
de Setembro, há exactamente ponto: de que Nova Iorque é
duas semanas. Até ontem fo- neste momento a cidade mais
ram retirados 276 corpos dos segura da América. A crimi-

OPENING is a trade mark of Open English International Group


escombros, 206 dos quais não nalidade baixou ainda mais

OPENING é uma entidade acreditada pelo INOFOR


estão ainda identificados. nas duas últimas semanas. A
Entretanto o presidente da cidade registou, na passada
Câmara de Nova Iorque, Ru- semana, quatro homicídios
dolph Giuliani, já disse que — no mesmo período do ano
a maioria das 6 mil pessoas passado ocorreram 10 assas-
enterradas nos escombros do sinatos. “Estamos a tentar
World Trade Center nunca que as pessoas se sintam se-
vão ser encontradas, tentan- guras”, disse, acrescentando
do baixar as expectativas de que o sentimento de insegu-
milhares de famílias com pa- rança só beneficia os terro-
rentes desaparecidos. ristas autores do atentado de
As famílias que tiverem de 11 de Setembro. I

Cães feridos
e deprimidos
Os amantes dos animais têm avalancha de ofertas, muitas
revelado preocupação espe- delas recusadas.
cial com os cães destacados As autoridades têm alerta-
para a busca de vítimas entre do os voluntários para as dife-
os escombros das torres do renças entre o salvamento de
World Trade Center. Na cida- pessoas em ambiente urbano e
de têm circulado endereços em ambiente rural, vincando
e os números de telefone de a perigosidade e complexida-
clínicas veterinárias onde os de do primeiro. Por outro la-
animais podem ser tratados e do, alguns animais são treina-
estão a ser recolhidas doações dos só para encontrar pessoas
de pequenas botas para evitar com vida, outros só detectam
os cortes que os cães salva- as mortas; uns comunicam-no
dores têm sofrido, vítimas do de forma diferenciada aos do-
aço e do vidro. nos, outros não.
A preocupação com as Os amigos dos animais têm-
equipas de cães que procu- se mostrado ainda preocupa-
ram sobreviventes tem au- dos com os sintomas depressi-
mentado ao mesmo tempo vos dos caninos. “Os cães são
que cresce o esforço de recu- como as pessoas; ficam depri-
peração. O director da asso- midos se só encontram pesso-
ciação nacional para buscas as mortas”, fez notar Roger
e salvamentos disse que a or- Fox, da Federação de Busca e
ganização tem recebido uma Salvamento. I
1 4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 26 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO PRÓXIMAS AMEAÇAS
DOUG WILSON/REUTERS

Londres será
a próxima?
de famílias, pessoas pedem
BRITÂNICOS PREPARAM-SE máscaras para crianças”, dis-
PARA O PIOR se à Reuters Tony Bullock, da
Springfields, um armazém de
Com a Grã-Bretanha a excedentes do exército. Nas
duas últimas semanas ven-
aparecer como grande deu 2500 máscaras — dez ve-
aliado dos americanos, zes mais do que o costume.
a sua capital torna-se “Estão a começar a soar
campainhas de alarme. Nes-
um alvo evidente para tas circunstâncias seria im-
acções terroristas prudente não começar a pen-
sar e planear o mais possível”,
PAUL MAJENDIE disse o director executivo da
OMS, David Nabarro. A Grã-
A manchete arrepiante diz Bretanha está já a rever os
tudo para a cidade que sobre- planos de resposta a ataques
viveu aos bombardeamentos com antrax ou com pragas.
alemães e depois a uma cam- “Os acontecimentos nos Es-
panha concertada dos bom- tados Unidos mudaram um
bistas do IRA (Irish Republi- pouco as coisas”, disse Nigel
can Army): “Londres será a Lightfoot, do departamento
próxima?” As máscaras de de Saúde.“O risco é baixo,
gás esgotaram-se, os turistas mas existe.”
desapareceram e os arqui- “O ataque a Nova Iorque
tectos ponderam a constru- mostrou que acções indiscri- Os aviões pulverizadores utilizados na agricultura poderiam servir para espalhar agentes biológicos em zonas povoadas
ção de mais arranha-céus. minadas numa escala de mas-
Os grandes bancos já cance- sas são agora aceitáveis para
laram as festas de Natal das esta gente e isso é uma pre- QUATRO POTENCIAIS
companhias.
Até a actriz filha do secre-
tário de Estado americano,
Colin Powell, teve de cancelar
ocupação”, disse uma fonte
governamental ao “Sunday
Times”. I REUTERS
OMS lança alerta AMEAÇAS BIOLÓGICAS

Antrax
a sua participação num espec-
táculo em Londres. O pai teve
medo de que Linda Powell pu-
desse ser um alvo para os ter-
Máscaras de
gás esgotam-se
sobre bioterrorismo A inalação dos esporos do “Bacillus
anthracis” — bactéria encontrada no
solo e que normalmente afecta o gado —
provoca, inicialmente, sintomas de uma
roristas. Com a Grã-Bretanha seria necessário produzir, armazenar e simples gripe e depois pode evoluir para
na “guerra ao terrorismo” ao
em Lisboa ATAQUES QUÍMICOS E BIOLÓGICOS despejar grandes quantidades das subs- problemas respiratórios graves. Nesta
lado dos Estados Unidos, os tâncias mais temidas — como o ciane- fase, a morte ocorre em um a dois dias. O
medos relativamente à segu- Não é só em Londres que Direcção-Geral de Saúde to ou o gás sarin — para provocar um tratamento faz-se com antibióticos. Existe
rança de Londres começaram o medo de um ataque acompanha a situação efeito de grandes proporções. Para as uma vacina, que, nos EUA, é
inevitavelmente a aparecer. químico ou biológico es- e garante que não há ameaças biológicas, a situação é menos sistematicamente ministrada aos
O chefe da polícia John tá a provocar uma corri- complicada. Multiplicar bactérias não militares. A doença não é contagiosa. O
Stevens, que pôs a capital da às máscaras de gás. razões para alarme é uma operação difícil num laboratório. Iraque já admitiu ter criado armas
britânica no maior alerta em Em Lisboa, o único esta- A disseminação pode continuar natu- contendo antrax.
tempo de paz na sua história, belecimento que vende RICARDO GARCIA ralmente numa população infectada,
é o primeiro a admitir: “Lon- estas máscaras a civis es- no caso de doenças contagiosas, como a Varíola
dres está em risco porque é gotou o seu “stock” em A Organização Mundial de Saúde varíola ou a peste pneumónica. Doença contagiosa, cuja erradicação
uma das maiores capitais do poucos dias. As másca- (OMS) lançou um alerta para que os Mesmo assim, é preciso ter capaci- mundial foi certificada em 1980, o que fez
mundo”. Não existiu qual- ras custam sete contos, países reforcem a sua capacidade para dade técnica para preparar um ataque suspender a vacinação preventiva. Os
quer ameaça concreta mas são um modelo israelita responder às consequências de even- biológico. O antrax, por exemplo, é uma “stocks” do vírus da varíola foram
as autoridades não estão a e servem para protecção tuais ataques terroristas com armas bactéria que pode ser encontrada no confinados a dois laboratórios, nos EUA e
correr riscos. Se os extremis- contra gases tóxicos e químicas ou biológicas. A directora- solo, mas que “tem de ser isolada por na Rússia, mas não se sabe se noutros
tas usam aviões como mís- contra ataques químicos geral da OMS, Gro Harlem Brundtland, um microbiologista com alguma expe- países não haverá amostras
seis, o inimaginável é agora e biológicos. O estabele- disse, segunda-feira, em Washington, riência”, com equipamentos adequa- clandestinas. Não há um tratamento
possível. cimento que vende este que a comunidade internacional deve dos, segundo o investigador Carlos Cor- específico para a varíola. Um único caso
O pesadelo que persegue ca- modelo de máscara, a estar preparada para acções delibera- deiro, do Departamento de Química e da doença é suficiente para ser
da planeador de resposta a “Soldiers”, esgotou em das com agentes daquela ordem, mas Bioquímica da Faculdade de Ciências considerado como emergência sanitária.
catástrofes é um ataque quí- poucos dias as mais de assegurou que existem mecanismos efi- de Lisboa.
mico ou biológico. A Orga- uma dezena de máscaras cientes para detectar e lidar com even- Em Portugal, a Direcção-Geral de Botulismo
nização Mundial de Saúde que tinha de reserva. O tuais casos. Saúde vem acompanhando a situação, A toxina do botulismo, produzida pela
(OMS) avisou já os governos uso de máscaras não é, “Durante a semana passada, actua- mas não tomou qualquer medida adi- bactéria “Clostridium botulinum”, é a
ocidentais para se prepara- contudo, suficiente para lizámos os nossos procedimentos para cional às que já existem no país para a substância com maior potencial mortífero
rem para possíveis ataques. uma total protecção, se- auxiliar os países a lidarem com inci- vigilância de doenças infecciosas. “Este de que se tem notícia. Vários países já
As vendas de máscaras de gundo o vendedor da dentes suspeitos”, disse Brundtland, problema não é novo”, afirma o sub- desenvolveram armas para a pulverizar
gás aumentaram na Grã-Bre- “Soldiers” Ricardo Mar- durante uma reunião da Organização director geral, Francisco George. Os sob a forma de aerossol. O botulismo
tanha devido ao medo de um reiros, já que é necessá- Pan-Americana de Saúde. A OMS man- mecanismos de alerta e resposta de que afecta o sistema nervoso e pode ser fatal,
ataque com armas químicas ria a utilização de fatos tém uma rede mundial de alerta e de o país dispõe são apropriados, segundo ao paralisar a respiração. A proporção de
ou biológicas. “Toda a gente de protecção, esses mais resposta a surtos de doenças infeccio- o mesmo responsável, que considera re- doentes que morrem, no entanto, caiu de
está a fazer pedidos de másca- caros — cerca de 15.000 sas, que tem actuado em situações mota a possibilidade de um ataque ter- 50 por cento para 8 por cento, nos últimos
ras de gás. Normalmente, te- escudos — e sem a mes- como a recente epidemia de cólera, rorista com recurso a armas biológicas 50 anos, devido à evolução dos cuidados
ríamos encomendas de profis- ma saída, pelo menos até no Uganda. Gro Brundtland insistiu, ou químicas. “Não é provável que isto médicos e ao desenvolvimento de
sionais. Mas agora há pedidos agora. LUSA anteontem, na ideia de que que uma aconteça”, diz Francisco George. “Os anti-toxinas.
monitorização atenta e uma resposta cidadãos podem estar tranquilos.”
rápida são vitais para lidar com o O Serviço Nacional de Protecção Ci- Peste pneumónica
bioterrorismo vil também não vê necessidade de medi- Esta doença é contraída sobretudo por
As preocupações da OMS coincidem das excepcionais, em função dos alertas inalação da bactéria “Yersinia pestis”.
com as suspeitas de que possam vir a de agora para o bioterrorismo. “Não Daí que a sua disseminação sob a forma
ser perpetrados novos ataques terro- temos nenhum plano específico para de aerossol seja preocupante. Mas o
ristas, utilizando agentes químicos ou um ataque deste género”, afirma a as- bacilo é sensível à luz solar e não
biológicos. Nos Estados Unidos, por sessora de imprensa, Gisela Oliveira. sobrevive mais do que uma hora ao ar
exemplo, foi reforçado o controlo so- A actuação da protecção civil orienta- livre. Instala-se nos pulmões e, sem
bre o uso de avionetas de pulverização se de acordo com o Plano Nacional de tratamento adequado, pode ter efeitos
O de campos agrícolas — que eventual-
mente poderiam ser utilizadas para
Emergência, que vale para qualquer
tipo de catástrofe ou acidente.
letais. Para evitar uma alta mortalidade, a
administração de antibióticos deve ser
multiplica os seus pontos por 5 lançar bactérias de doenças altamente O PÚBLICO contactou o Conselho feita nas primeiras 24 horas depois do
infecciosas sobre áreas densamente Nacional de Planeamento Civil de aparecimento dos sintomas.
CÓDIGO do dia 26 de Setembro povoadas. Emergência e o Ministério da Defesa
O sucesso de uma operação como es- Nacional, mas não conseguiu falar so-
BGR79U6G3 ta, no entanto, dependeria de muitos bre este assunto com qualquer respon- Fonte: Centers for Disease Control and
factores. No caso das armas químicas, sável, até ao fecho desta edição. I Prevention/EUA
1 6 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA,26 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO PORTUGAL

Guterres assume apoio incondicional REFLECTIR


SOBRE
à acção dos Estados Unidos SERVIÇOS DE
Primeiro-ministro defende solidariedade incondicional com os EUA. À direita, o PSD disse concordar INFORMAÇÃO
com esse apoio, mas insistiu na revisão da Lei de Programação Militar, e o PP falou de segurança interna Um documento de reflexão so-
DANIEL ROCHA
bre que reestruturação dar
SÃO JOSÉ ALMEIDA aos serviços de informação
E HELENA PEREIRA portugueses, na sequência
dos atentados terroristas em
“Os EUA têm nesta acção o Washington e Nova Iorque,
claro apoio de Portugal, tra- está em preparação no seio de
duzido já de forma inequívo- um grupo de trabalho que en-
ca na cedência de facilidades volve representantes dos mi-
de trânsito na Base das Lajes e nistérios da Administração
no espaço aéreo português (...) Interna, da Justiça, da Defe-
Portugal está pronto a assumir sa, e que integra ainda juris-
todas as suas responsabilida- tas e membros dos serviços
des, como defensor dos valores de informação, soube o PÚ-
democráticos, como aliado dos BLICO junto do gabinete do
EUA, nas boas e nas más ho- primeiro-ministro. Este docu-
ras, e como membro da Organi- mento não apontará soluções
zação do Tratado do Atlântico legislativas, mas pretende ser
Norte e das Nações Unidas.” tão-só “um princípio de um
Cristalino, António Guterres, princípio de uma discussão
primeiro-ministro de Portugal, que se tornou obrigatória”,
assumiu ontem na Assembleia ou seja, lançará a discussão
da República a solidariedade que poderá levar ou não à
total e o apoio incondicional apresentação de alterações às
do Estado português às acções actuais leis do sector, explicou
de retaliação e ao combate ao ao PÚBLICO um assessor do
terrorismo que venham a ser primeiro-ministro.
lideradas pelos EUA no âmbito O anúncio desta decisão foi
da NATO. feita ontem pelo primeiro-mi-
Um apoio que não foi contes- nistro, António Guterres, na
tado pelo principal partido da AR. Em sintonia com as preo-
oposição parlamentar, o PSD, cupações de Guterres, o PSD
nem pelo PP, tendo estes dois e o PP pediram mais coorde-
partidos, pela voz dos respec- nação e eficácia nos serviços
tivos líderes, Durão Barroso de informação portugueses
“Portugal está pronto a assumir todas as suas responsabilidades, como defensor dos valores democráticos, como aliado dos EUA,
e Paulo Portas, tratado de pri- para o combate contra o ter-
nas boas e nas más horas”, disse ontem o primeiro-ministro, António Guterres
vilegiar as consequências in- rorismo.
ternas da crise internacional Apesar do compromisso
provocada pelos atentados ter- res apontou como “inimigo” de antiterrorista não pode ser, e Ainda que não fazendo de- ideal para fomentar extremis- assumido pelo primeiro-mi-
roristas em Nova Iorque e em “todo o mundo democrático e estou certo que não será, um pender uma coisa da outra mos e atitudes fundamentais nistro, o líder do PP, Paulo
Washington no passado dia 11 civilizado” os “fundamentalis- acto de vingança e muito me- e clarificando que “não tem um pouco por toda a parte”. Portas, interrogou directa-
de Setembro. Já o PCP e o BE fi- mos religiosos, os nacionalis- nos uma ‘guerra santa’ contra sentido estabelecer relações E apelou à solução do conflito mente Guterres sobre se os
zeram questão de se demarcar mos exacerbados, as atitudes o Islão como inimigo imaginá- de causa-efeito entre o con- e ao relançamento das nego- actuais serviços de informa-
e criticar a atitude do Governo racistas ou xenófobas”. rio ou abstracto. E tratou de flito do Médio Oriente e os ciações de paz entre Shimon ções são capazes de respon-
(ver textos nestas páginas). Mas, apesar do seu apoio in- defender uma coligação com ataques terroristas aos EUA”, Peres e Yasser Arafat, lem- der às novas ameaças. Na res-
Colocando Portugal do lado condicional aos EUA, o primei- “parceiros árabes e muçulma- Guterres defendeu que é a brando que o último encontro posta, Guterres lembrou que
do que considera a defesa do ro-ministro não deixou de afas- nos”, na sequência aliás do que perpetuação deste conflito is- entre estes dois líderes foi por nenhum país, incluindo os
“primado da razão e os valo- tar a hipótese de uma resposta têm sido as posições dos alia- raelo-palestino “que se tem si patrocinado.  EUA, podem dar todas as ga-
res do século das luzes”, Guter- militar clássica: “Esta resposta dos de Portugal na NATO. tornado o caldo de cultura rantias de que os seus ser-
viços de informação são 100
por cento infalíveis. E lem-

Militares: Governo adia prova de fogo para 2002 brou mais do que uma vez
que Portugal não figura na
lista de países que foram pal-
co de transacções financeiras
Lei de Programação Militar O primeiro-ministro, António Guter- tado do PCP João Amaral afirmou, an- através dos deputados do PS, ainda pro- ou que albergaram os presu-
aprovada amanhã com res, justificou-se dizendo que é preciso tes do debate com o primeiro-ministro, pôs várias alterações à LPM, revelou míveis autores dos atentados
aprovar a LPM para não criar “instabi- “estranhar” a aprovação da lei, numa ontem António Guterres. Face à pressão nos EUA.
os votos do CDS-PP lidade nas Forças Armadas” e lembrou altura em que “há razões acrescidas” de Sampaio para que aquela lei fosse O líder parlamentar do PP,
que daqui a um ano será feita a revisão para a sua reponderação. aprovada pelos dois maiores partidos Basílio Horta, apelou tam-
A Lei de Programação Militar (LPM) é da lei (tal como fez o ministro Rui Pena A LPM a aprovar amanhã foi apre- como sempre aconteceu no passado, en- bém à “coordenação e con-
aprovada amanhã, em votação final glo- na comissão de Defesa). sentada pelo ex-ministro da Defesa Cas- viou essas propostas ao PSD para tentar centração” dos serviços de
bal, na Assembleia da República (AR), No entanto, actualmente está em vi- tro Caldas, na altura em que devia ser encontrar um consenso. informação e defendeu “mais
com os votos a favor do CDS-PP e os votos gor a 3ª LPM (1998-2003). Todos os anos feita apenas a revisão da que está em Os sociais-democratas consideraram meios técnicos, humanos e
contra dos restantes partidos. pares, a lei tem que ser revista, de mo- vigor. O ministro introduziu então um desde logo “insignificantes” as altera- jurídicos para assegurar efi-
A proposta do PSD de uma LPM in- do a que o planeamento em Portugal planeamento a 18 anos, em vez do habi- ções propostas e não viram satisfeita a cácia dos serviços de infor-
tercalar para os próximos dois anos acompanhe os ciclos bienais de plane- tual que era feito para seis anos (por exigência de um “plafond”. O PS propôs mação”.
— apresentada segunda-feira ao Pre- amento da NATO. causa da compra dos submarinos, o um maior acompanhamento do Parla- O líder do PSD, Durão Bar-
sidente da República e na sequência Vários deputados admitem que até quadro de investimentos é estendido mento das dotações de cada programa roso, por sua vez, lembrou a
de um apelo de Jorge Sampaio para a ao momento dessa revisão o reequipa- até ao ano 2035). e na transferência de verbas e fixou li- crise Veiga Simão, altura em
“adequação” da lei à luz das novas ame- mento militar não deverá avançar. O O que, no entanto, justificou a nova mites orçamentais para o “leasing” em que foram divulgados na co-
aças tornadas visíveis com os atentados programa que está mais avançado é o proposta foi a compra em regime de “le- cada ano. No entanto, esses limites são municação social o nome dos
terroristas aos EUA — caiu em saco dos helicópteros para busca e salvamen- asing” de vários equipamentos militares estabelecidos em contos e não em per- espiões do SIEDM. E apelou à
roto. Os sociais-democratas queriam to da Força Aérea, cujo concurso está sem limites, quando o que estava previs- centagem do investimento total, como reestruturação e à devolução
que nesses dois anos avançassem só os prestes a ter uma conclusão. to era apenas a aquisição de submarinos pretendia o PSD. Entre 2011 e 2035, o “lea- de operacionalidade.
programas de reequipamento conside- Sendo assim, o debate sobre a “ade- e num valor que não poderia ultrapassar sing” corresponde a mais de 99 por cento Tanto o PCP como o BE
rados prioritários. quação” da LPM às novas ameaças, os 20 por cento de todos os programas. das compras. abordaram a questão da se-
Ontem, o PSD voltou a insistir no que o Presidente quis suscitar com a O PSD opôs-se desde o início ao re- Essas propostas foram ontem também gurança interna realçando
assunto, transformando a LPM num mensagem enviada à AR na semana curso ao “leasing”, quando viu que a aprovadas na especialidade com os vo- os perigos das novas medi-
dos temas centrais do debate com o passada e a que o PSD procurou dar proposta de LPM fazia desaparecer a tos do CDS-PP. “Não havia alternativa das a este nível poderem vir
primeiro-ministro. “Em alguns casos, continuidade, vai acabar por ser trans- cláusula dos 20 por cento. Numa das suas para a compra de todos os equipamen- a atentar contra os direitos
as Forças Armadas estão à beira do ferida para o próximo ano. primeiras intervenções, Rui Pena aca- tos militares necessários”, justificava o democráticos. Carlos Carva-
colapso. Por que razão se obstinam em “Não há LPM intercalar, mas há um baria por responder que estava disposto deputado do PP, João Rebelo. O desfecho lhas alertou para um “des-
avançar com a LPM que já está desa- período intercalar”, admitia ao PÚBLI- a fixar um “plafond” para o “leasing” era previsível, pois desde o início que vario securitário” enquanto
dequada face às novas ameaças? (...) É CO o deputado do PS Eduardo Pereira. operacional. os democratas-cristãos disseram sim à Fernando Rosas falou mes-
um absurdo”, defendeu o presidente PCP e BE votam contra a LPM por dis- Durante o Verão, e depois de dois adia- LPM em troca da regularização das pen- mo na tentação de um “big
do PSD, Durão Barroso. cordar dos programas inscritos. O depu- mentos da votação da LPM, o Governo, sões dos ex-combatentes.  H.P./S.J.A. brother securitário”. 
D E S TA Q U E 17
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA,26 SET 2001

INQUÉRITO
PCP E BE
Finalmente REJEITAM 1. O que mudou no mundo?
2. Como devem e podem os Estados Unidos e os seus aliados responder
ANÁLISES a esta situação?

O mundo institucionalizado está obsoleto e confundido


MANIQUEÍSTAS 1 — A primeira coisa que lificou o Estado, acreditou na auto-regulação dos
Filipe e Rosas se me ocorre é o possível mercados, fomentou o laxismo e o individualismo,
TERESA DE SOUSA e o provável. O que acon- o 11 de Setembro é um lancinante grito de alerta.
defenderam uma teceu era possível, há mui- Atirados da espuma das coisas para o coração de
COMENTÁRIO solução entre Bush e to que tinha sido imaginado um massacre brutal, indefesos e perplexos, cons-
Bin Laden em livros e filmes. Contudo tatamos a imensa perigosidade deste nosso mundo.
não era provável. Até acon- Falamos, em poucos dias, de tudo o que já quase tí-

A
ntónio Guterres desfez ontem perante a tecer. Viver habitualmente nhamos esquecido. Reflectimos na nossa nova con-
Assembleia da República qualquer ambi- O PCP e o Bloco de Esquerda essa probabilidade é durís- dição. Valorizamos, de repente, aquilo, aquilo que se
guidade ou dúvida que poderia subsistir surgiram ontem em plenário Maria José simo. Obriga a duvidar das tinha subalternizado: a nossa matriz civilizacional,
— no fundo ou na forma, no geral ou no com uma posição idêntica: a Nogueira Pinto, certezas, a rever os concei- a nossa herança comum, o sentido das coisas, os
particular — sobre a posição do Governo português rejeição de que a crise inter- responsável pela tos, a reformular as práti- códigos de conduta, o bem e o mal em claro con-
em relação à barbárie terrorista que se abateu sobre nacional criada pelos atenta- área de relações cas. Reintroduz a necessi- fronto. A mão de Deus. Alguns, como sempre acon-
a América do dia 11 de Setembro. dos terroristas aos Estados internacionais da dade de reflectir sobre as tece, tentam reduzir a questão aos Estados Unidos.
O essencial é que estamos perante “actos de dimen- Unidos tem apenas duas saí- Secretaria de grandes questões que afli- É um pobre exercício em que nem eles acreditam.
são e consequências sem precedentes” que consti- das, ou a inacção conivente Cooperação gem a humanidade, incluin- Inofensivo, portanto, mas elucidativo de uma deso-
tuem “uma ameaça à segurança e à paz internacio- com o terrorismo ou a retalia- Ibero-Americana do a da sua própria sobre- nestidade intelectual que tanto tem prejudicado, nos
nais”. ção belicista. vivência. E a aceitar o facto nossos tempos, a reflexão sobre o que realmente
O essencial, disse o primeiro-ministro, é que Por- António Filipe, deputado de não existirem respostas para todas as perguntas. é importante, em benefício da constante projecção
tugal, membro da UE, da NATO e “aliado dos Esta- comunista, na sua interven- A nova bipolaridade que emergiu no passado dia 11 de falsas questões e problemas.
dos Unidos nos bons e nos maus momentos”, está ção de fundo garantiu que o de Setembro é profundamente inquietante porque,
disposto a assumir as suas responsabilidades no PCP condena sem equívocos ao contrário da guerra fria, esta parece não ter outra 2 — Como responder e quem está envolvido nesta
combate sem tréguas ao lado da América contra o qualquer forma de terroris- saída que o confronto. Qual? Como? Com quem? A resposta? Este é, realmente, o combate desigual por
terrorismo e os Estados que, de uma forma ou de mo, mas não aceita ficar re- NATO aplica o artigo 5º pela primeira vez, põe em excelência: meios, alvos, procedimentos, tudo dife-
outra, o patrocinam. Sem distanciamentos prudentes fém, nem da reacção mani- marcha a aliança com um Estado agredido e a co- re. Onde está o ponto nevrálgico do inimigo? E se é
nem qualquer espécie de teorias interpretativas dos queísta de George W. Bush, ligação das democracias ocidentais declara o ter- certo que não se recomenda a prática simples da lei
acontecimentos que pudessem perturbar a mensa- segundo a qual,”ou se está rorismo o seu principal inimigo. Mas na prática o de Talião, também é certo que a resposta aos actos
gem que quis finalmente passar para o país. É aqui com ele ou se está com os que significa isto? Tratar o terrorismo como uma terroristas de 11 de Setembro tem de ser exemplar
que estamos. São estas as nossas responsabilidades. terroristas”. E defendeu que realidade abstracta, sem território ou vinculação por uma questão de quase sobrevivência civiliza-
É a partir daqui que temos de reflectir sobre o mundo qualquer resposta tem de ser com Estados, é transformar um inimigo impiedoso cional. Mas, dada a natureza desta resposta, estarão
de injustiças e de conflitos em que vivemos, sobre as dada “no respeito pelo Direito numa espécie de fantasma. Combatê-lo como um os Estados habilitados para tal? Ou o modelo político
novas responsabilidades europeias, sobre a sombra Internacional, e em particu- inimigo clássico, utilizando estratégias e tácticas, é e económico é impeditivo de qualquer coisa próxima
de uma recessão que é preciso evitar, sobre os meca- lar pela Carta das Nações Uni- uma inutilidade. E, muito provavelmente, os Estados de um estado de excepção? E a opinião pública?
das e pela Declaração Univer- e as organizações internacionais não estão prepara- E o factor mediático? Como é que se desmantela
sal dos Direitos do Homem”. das para esta realidade. O mundo institucionalizado uma rede terrorista num mundo globalizado? Como
É legítimo perguntar porque esperou Também Fernando Rosas, está obsoleto e confundido face a uma ameaça que pode o Estado regulamentar em economias de mer-
falando em nome do BE, foi assenta na destruição de alvos civis e urbanos, na cado? Também neste ponto pisamos um terreno
António Guterres tantos dias para dizer peremptório em afirmar-se criação do pânico e na exploração dos sentimen- experimental. A excepcionalidade da situação vai
aos portugueses que há escolhas que têm como representante de “uma tos de insegurança dos cidadãos. Se podemos ser requerer medidas excepcionais. A novidade vai exi-
de ser feitas e responsabilidades esquerda que se sente no di- mortos nas nossas casas, nos nossos locais de tra- gir inovação. Mas o certo é que neste novo estado
reito de não ter de escolher balho, nas nossas ruas, e a arma que arremetem de coisas, as prioridades são diferentes. Saídos de
nacionais que têm que ser assumidas entre o sr. Bush e os talibã. contra nós, tão eficaz e destrutiva é, afinal, um avião uma espécie de bem-estar letárgico, os cidadãos
Uma esquerda que acredita comercial cheio de passageiros, então alguma coi- passaram a valorizar e a exigir outras coisas, a co-
na paz e numa ordem inter- sa mudou. Revive o conceito quase esquecido do meçar pela sua integridade física e segurança das
nismos de segurança que é preciso reforçar. nacional baseada na solução “salus populi”. Quem nos defende? Onde está o Es- suas famílias. Reforçaram o seu sentimento de per-
É legítimo perguntar porque esperou António Gu- dos conflitos, na justiça social tado? Para que serve? Depois de tantos anos em tença a uma comunidade de valores, a uma pátria, a
terres tantos dias para transmitir ao país esta men- e na democracia”. Já antes que o pensamento abusivamente dominante tratou uma solidariedade com um sofrimento muito próxi-
sagem. Para dizer aos portugueses que nada mais de Rosas, o outro deputado do os perigos como fantasmas, proclamou a morte das mo. E tendo visto os perigos, certamente estão, hoje,
será como dantes, que há escolhas que têm de ser Bloco, Francisco Louçã trata- ideologias, declarou a inevitabilidade do modelo glo- mais dispostos a correr os riscos de defenderem o
feitas e responsabilidades nacionais que têm que ser ra de rejeitar a classificação bal, aceitou a fragmentação dos poderes, desqua- que lhes pertence. E a pagar o preço.
assumidas. de neutralidade que tem sido
Portugal assumiu as suas responsabilidades “sem dada à posição assumida por
se pôr em bicos de pés”, disse também o primeiro- este partido.
ministro, respondendo, porventura, a algumas crí- Por sua vez, o líder do PCP,
ticas mais ou menos abertas sobre a forma como Carlos Carvalhas, tratou de
estava a liderar a crise. levar ao hemiciclo de São
Haverá também outras explicações de natureza in- Bento a tese das causas so-
terna, europeia e internacional para explicar a re- ciais do terrorismo. Ou seja,
lativa ausência do governo da primeira linha do questionou-se sobre se fosse Instituto da Comunicação Social
esclarecimento público sobre os acontecimentos e erradicada a fome, o analfa-
sobre a posição de Portugal face a eles. betismo, a mortalidade infan-
Internamente, foi preciso que Jorge Sampaio en- til “o mundo não seria mais
viasse uma mensagem à Assembleia e anunciasse
a convocação do Conselho de Estado e do Conselho
seguro”.
O primeiro-ministro fez INFORMAÇÃO
Superior de Defesa Nacional para que os aconteci- questão de separar os planos
mentos fossem colocados na sua verdadeira dimen- e, por mais de uma vez, sus-
são política. tentou que o combate ao ter- Em cumprimento do disposto no artigo 14.º, do Decreto-Lei
A posição comum da União, também ela sem ambi- rorismo não passa pelo com-
guidades sobre onde está a Europa neste combate, bate às injustiças, embora n.º 237/98, de 5 de Agosto, torna-se público que se encontra
assumida no Conselho Europeu extraordinário da se tenha assumido como um
passada sexta-feira, também ajudou António Guter- defensor do fim dessas mes- pendente de autorização para exercício da actividade de tele-
res. Finalmente, o facto de a própria América ter re- mas injustiças. “Independen-
agido com a “racionalidade” a que ontem o primeiro- temente das injustiças no visão, via cabo e satélite, a candidatura apresentada pela TVI
ministro apelou — rejeitando a via da vingança e mundo, há outros factores
do unilateralismo e deixando sem argumentos os que geram a irracionalida- - Televisão Independente, SA, com sede em Lisboa, para
que, por cá, precisavam de um qualquer “ataque de”, disse Guterres, subli-
justiceiro” para justificar o seu anti-americanismo nhando que “se alguém não explorar o canal temático de cobertura nacional, denominado
— permitiu a Guterres avançar em terreno seguro. tem qualquer legitimidade
Seja como for, sabemos agora onde estamos. Só foi pe- para representar as vítimas TVI Eventos.
na que Durão Barroso tenha, uma vez mais, perdido da fome é o multimilionário
a oportunidade única para esclarecer o Parlamento saudita, Bin Laden”. E insis-
qual é a posição do seu partido. É muito pouco dizer tindo na necessidade de estar Lisboa, 12 de Setembro de 2001
que, “de uma maneira geral” está de acordo com a ao lado dos EUA, respondeu
posição do governo. As palavras são armas poderosas a Carvalhas: “De alguma for-
e indispensáveis em ocasiões extraordinárias como ma era como se estivessemos A Presidente
aquela em que hoje vivemos. a desculpar o que foi feito e
causou horror a todos nós.”  Teresa Ribeiro
S.J.A./H.P.
1 8 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 26 SET 2001 G U E R R A AO T E R R O R I S M O P O N TO S D E V I S TA

Esta não é uma guerra A guerra dos camaleões


de civilizações A OPINIÃO DE
CARLOS GASPAR

A OPINIÃO DE

L
ogo a seguir aos atentados ter- Porém, o problema da classificação não é
SHLOMO AVINERI roristas contra as Twin Towers e apenas uma questão teórica. Os principais
o Pentágono, foi posta a questão dirigentes norte-americanos e europeus

A O Islão como religião pode ser rorismo receberam


guerra que se de saber se se tratava de um acto divergem sobre a denominação dos aten-
avizinha — e
vai ser uma
tão tolerante como triunfalista apoio tácito dos Esta-
dos árabes. Até alguns
de guerra contra os Estados Unidos. Trata- tados terroristas.
se de um problema sério, quer para a teo- A administração norte-americana não
guerra vio- — tal como a sua religião irmã, países europeus, por ria, quer para a definição das estratégias hesitou em qualificar a violação, sem pre-
lenta, sangrenta e mor- o cristianismo. Mas há uma causas profundamen- antiterroristas. cedentes, do seu território nacional como
tífera — não será como tendência no Islão extremista te enraízadas numa O que é uma guerra? A teoria clássica um acto de guerra — “a primeira guerra do
nenhuma das anteriores. maquiavélica “raison limita a guerra aos conflitos armados entre século XXI” — ao qual os Estados Unidos
Embora ninguém possa que vê a modernidade — todo d’état”, por vezes fe- os Estados. Segundo Rousseau, “a guerra entendem responder à letra. Com excepção
ainda adivinhar a sua o projecto do Iluminismo charam os olhos quan- não é uma relação de homem a homem, é do Primeiro Ministro britânico, os dirigen-
forma, não nos podemos — como seu inimigo do confrontados com uma relação de Estado a Estado”. E Clau- tes europeus, sem deixarem de proclamar a
esquecer do seguinte: es- comportamentos ter- sewitz confirma essa concepção na fórmu- sua solidariedade com os Estados Unidos,
ta não é uma guerra con- roristas. A Síria — la canónica, frequentemente mal citada, consideram o termo ‘guerra’ inapropriado
tra o Islão, nem contra o mundo árabe. No uma fonte nata de terrorismo apoiado pelo por omissão da referência ao Estado: “A e trocam-no por sinónimos combativos, ou
entanto, será uma guerra contra os funda- Estado —, é agora uma potencial candidata a guerra é a continuação da política do Es- por uma referência aos conflitos.
mentalistas muçulmanos que, por acaso, são um lugar no Conselho de Segurança. Mas tal tado por outros meios.” A divergência corresponde a experiên-
árabes — se os actuais indícios e as provas como não pode existir neutralidade moral Essa definição entra em crise depois da cias distintas na luta antiterrorista. Como
emergentes sobre quem executou estes actos na guerra contra o nazismo e o fascismo, II Guerra mundial. Por um lado, entre a referiu Niall Ferguson, os europeus estão
terroristas em Nova Iorque e Washington também a coligação que os americanos ten- memória das guerras totais e a disciplina em guerra contra o terrorismo há mais
estiverem correctos. tam construir começará a considerar como estratégica imposta pelas armas nucleares, de trinta anos e, nesta guerra, os norte-
Mais precisamente, esta não é uma nova hipótese crucial que, se pretendem levar a uma guerra directa entre as principais po- americanos são os neófitos. Por certo, nun-
guerra. O terrorismo existe como arma polí- sério a guerra contra o terrorismo, a tolerân- tências tornou-se impensável: a “guerra ca houve um atentado à escala do World
tica no Médio Oriente há muito tempo — e cia com os regimes que apoiam o terrorismo fria” é sinónima da “longa paz” que carac- Trade Center, onde morreram mais ingle-
não tem sido apenas usado contra Israel ou os não pode continuar. terizou a competição bipolar entre os Esta- ses e mais portugueses do que em qualquer
Estados Unidos. Foram os agentes sírios que Sem dúvida que alguns terroristas são mo- dos Unidos e a União golpe terrorista inter-
assassinaram o Presidente eleito do Líbano, tivados por preocupações legítimas e fazem Soviética. Por outro no. Não obstante, des-
Beshir Gemayel, em 1982. Os terroristas cur- reivindicações legítimas (como por exemplo, lado, desde 1945, a Para lá da inevitável resposta de 1968, o terrorismo é
dos estão activos na Turquia há décadas; os os curdos e os palestinianos). Porém, fins le- grande maioria dos inicial dos Estados Unidos, a uma realidade persis-
terroristas islâmicos assassinaram o Pre- gítimos não legitimam meios maquiavélicos. conflitos armados guerra contra o terrorismo só tente na Europa e, se
sidente Anwar Sadat em 1981 e, mais tarde, O tipo de terrorismo a que assistimos nos não entram na cate-
tentaram assassinar o Presidente Mubarak. anos 70 e 80 — raptos de aviões, o assassínio de goria das guerras in- pode ser longa e difícil, sem fim foi possível destruir as
fracções armadas mais
Esta não é uma luta contra o imperialismo atletas israelitas nos Jogos Olímpicos de 1972 ter-estatais e devem à vista. No entanto, parece mais violentas na Alemanha,
ocidental ou a globalização. Nem sequer é uma — transformou-se recentemente no suicídio ser classificados co- difícil negar a mudança e na Itália, em França ou
resposta ao actual impasse violento nas ne- terrorista de palestinianos inspirados no Islão mo guerras infra-es- em Portugal, o IRA e a
gociações israelo-palestinianas: recordemos e, finalmente, no cenário de Armagedão que tatais, onde está em
qualificar os atentados de Nova ETA continuam opera-
que alguns dos actos terroristas de Osama bin vimos agora em Nova Iorque e Washington. jogo a integridade ou Iorque e de Washington como cionais.
Laden contra alvos americanos em meados A guerra que se avizinha não vai ser fácil. a decomposição de uma “etapa última do O reflexo, mais con-
dos anos 90 ocorreram no auge da lua-de-mel A guerra contra o Iraque há uma década, e uma unidade politi- terrorismo clássico” servador, dos europeus
entre Israel e a Palestina que se seguiu aos a guerra “virtual” sem mortos que a NATO ca, nacional ou impe- procura tanto sublinhar
acordos de Oslo de 1993. travou nos céus do Kosovo, não tiveram pre- rial: é o caso das guer- a duração da luta contra
Pelo contrário, estamos a testemunhar um cedentes. De facto, elas iludiram-nos durante ras de descolonização, ou de libertação o terrorismo, como desvalorizar a ameaça
fenómeno muito mais profundo, que é tão cul- muito tempo, levando-nos a pensar que a guer- nacional. terrorista e negar a sua natureza politica,
tural como político e económico. O Islão como ra contra o terrorismo era um caso de polícia A guerra, disse Raymond Aron, é como remetendo as fracções terroristas para o
religião pode ser tão tolerante como triunfalis- — que eram os investigadores e os tribunais um camaleão, e adapta-se ao meio e ao tem- estatuto de criminalidade organizada. A
ta — tal como a sua religião irmã, o cristianis- que combatiam os terroristas fanáticos —, e po histórico. Kalevi J. Holsti teorizou es- posição europeia tem uma parte de razão:
mo. Mas há uma tendência no Islão extremista não uma luta armada, contínua e implacável. sa tendência. Depois das guerras inter- para lá da inevitável resposta inicial dos
que vê a modernidade — todo o projecto do Este engodos, a longo prazo, terminaram bru- estatais convencionais e das guerras totais Estados Unidos, a guerra contra o terro-
Iluminismo — como seu inimigo. Para esta talmente com os massacres em Nova Iorque do século XX, tornam-se dominantes as rismo só pode ser longa e difícil, sem fim à
facção, a democracia, a igualdade, o liberalis- e Washington. guerras civis, ou internas, incluindo as vista. No entanto, parece mais difícil negar
mo político, a separação do Estado e da Igreja, Não existe uma estratégia clara de como guerras revolucionárias e de libertação a mudança e qualificar os atentados de
a igualdade entre sexos, o secularismo — é se irá travar esta guerra. Mas arranjar-se-ão nacional, que baptizou como as “guerras Nova Iorque e de Washington como uma
tudo trabalho do diabo. Tal como os anabaptis- estratégias. O que seria uma tragédia era se do terceiro tipo”. Nessas guerras não há “etapa última do terrorismo clássico”.
tas de Münster, eles vêem-se como agentes de esta luta contra o terror se tornasse numa frentes, nem campanhas, nem bases, nem Para lá das querelas teóricas e políticas,
Deus num mundo corrompido pelos pecados guerra de civilizações, do Ocidente contra o respeito pelas fronteiras dos Estados. A o medo chegou à cidade, onde ninguém du-
do materialismo e da falta de fé. Um mundo Islão. Uma vez que a visão que o terrorista inovação, a surpresa e a imprevisibilidade vida da realidade da guerra, que também
louco como este legitima o terrorismo com a tem do Islão é uma perversão. Mas quem co- são as virtudes das guerras dos fracos, que é uma guerra entre os cidadãos burgueses
vontade de Deus. Para pessoas como Bin Laden labora com o terrorismo deveria ser, e mui- recorrem, tantas vezes, aos assassinatos, — os individualistas modernos, cépticos e
— e ao que parece é a sua visão do fundamen- to provavelmente será, visto com a mesma aos massacres e ao terror. egoístas, cuja capacidade de intervenção
talismo islâmico que está por trás dos actos severidade que os próprios terroristas. Só Nesse sentido, os atentados assassinos, se esgota na compaixão — e os párias bár-
terroristas de Nova Iorque e Washington —, desta forma poderemos vencer esta guerra que levaram a violência das periferias baros, iguais a si próprios, guerreiros e
até a monarquia saudita é má, porque facilitou contra o mundo do Iluminismo, que é o mun- guerreiras a Nova Iorque — o centro do fanáticos, dispostos a morrer pela glória
a presença americana no Médio Oriente. do moderno, que se estende através de todos centro do sistema internacional — são uma e pela fé, agora comandados por quem co-
Durante anos, algumas versões deste ter- os oceanos e abarca todas as crenças. I guerra, uma “guerra do terceiro tipo”. nhece a cidade por dentro. I

Professor de Ciências Políticas na Hebrew University de Jerusalém Docente universitário; especialista


Exclusivo PÚBLICO/Project Syndicate em questões internacionais
D E S TA Q U E 1 9
GUERRA AO TERRORISMO REFLEXOS NA ECONOMIA PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 26 SET 2001

Bolsas anularam PETRÓLEO CAI


Confiança A ligeira abertura, ontem,

dos consumidores quedas em alta da cotação do petró-


leo em Londres, foi “sol de
pouca dura”. A cotação do
cabaz da OPEP (Organiza-
Bancos já dos Estados Unidos, relativo ção dos Países Exportadores

americanos afunda-se (re)começaram


a recomendar compra
de acções, mas
ao mês de Setembro, caiu pa-
ra o valor mais baixo dos úl-
timos cinco anos. Por outro
lado, continua a não se saber
de Petróleo) — composto por
sete qualidades de “crude”
— caiu ontem para os 20,51
dólares por barril, abaixo
CONSEQUÊNCIA DIRECTA os investidores como e quando poderá haver do intervalo 22/28 dólares o
uma ofensiva militar dos Es- barril fixado pela OPEP. Na
DOS ATAQUES continuam pouco tados Unidos em retaliação sexta-feira passada, o mes-
confiantes aos atentados terroristas que mo cabaz cotava-se a 23,98
As autoridades norte-americanas estudam sofreu. Neste aspecto, a úni- dólares. O preço do petróleo
ROSA SOARES ca novidade positiva é a de registou um decréscimo, on-
um pacote económico equivalente ao PIB que se alarga a base de apoio tem em Londres, de 1,68 por
português para que a maior queda mensal Duas semanas depois dos aos EUA no combate ao ter- cento, após ter registado an-
do índice de confiança das famílias desde atentados terroristas de 11 rorismo, como referiu um teontem a maior quebra di-
de Setembro nos EUA, os analista financeiro contacta- ária dos últimos dez anos.
Outubro de 1990, pouco antes da guerra principais mercados bolsis- do pelo PÚBLICO. A volatili- O barril de Brent do Mar do
do Golfo, não se traduza em recessão tas quase anularam a tota- dade continua a ser a palavra Norte para entrega em No-
lidade das quedas que se re- de ordem. Isso mesmo ficou vembro transaccionava-se
ARTUR NEVES gistaram após os ataques. Há patente nas bolsas europeias, ontem, em Londres, a 21,65
praças que até já apresen- que abriram todas em queda, dólares, depois de na segun-
Não se esperava que os pri- norte-americano, que têm as- tam uma ligeira valorização recuperando depois, excep- da-feira ter caído 13,68 por
meiros dados sobre a confian- segurado um abrandamento (ver quadro). Apesar desta tuando Frankfurt, que en- cento para os 21,96 dólares. O
ça dos consumidores norte- mais moderado da economia, Paul O’Neill correcção, os mercados con- cerrou mais tarde no “ver- presidente da OPEP afirmou
americanos apurados depois evitando até ao final do segun- tinuam pouco confiantes, ou melho”, apresentando uma ontem não haver necessida-
dos atentados terroristas de 11 do trimestre que esta se con- zado mensalmente junto de até mesmo longe de uma re- perda de 0,75 por cento. Os de de proceder nem a cortes
de Setembro mostrassem uma traísse (numa conjuntura em amostra de cinco mil agre- cuperação que se possa con- ganhos na Europa foram li- nem a aumentos de produ-
inflexão da tendência dos últi- que o tecido empresarial nor- gados familiares norte-ame- siderar sustentada. A subida derados pela Praça de Milão, ção de petróleo.
mos meses. Mas a magnitude te-americano leva a cabo uma ricanos, considerada repre- a que se assistiu, especial- uma das bolsas que maior
da queda do índice do Confe- redução da capacidade produ- sentativa do conjunto da mente nas últimas duas ses- variação tem apresentado, e
rence Board — um instituto tiva instalada na economia, população. sões, ficou a dever-se, em que ontem ganhou 2,53 por
de pesquisa privado — surpre-
endeu os analistas mais pru-
fazendo com que o investi-
mento privado se despenhe a O regresso
muito, às recomendações de
grandes casas financeiras,
cento. Também a bolsa de
Lisboa apresentou uma forte
EURO SOBE
dentes. Esperava-se uma caí- taxas anualizadas superiores dos keynesianos como a Goldman Sachs, o valorização de 2,46 por cento.
da de nove pontos, foi ontem a dez por cento), entende-se As notícias de ontem vão co- Bank of América e o Credit Os mercados de Londres, de Num mercado extremamen-
anunciado um mergulho de que a recessão se torna cada locar pressão adicional sobre First Boston, que incenti- Paris e de Madrid apresenta- te volátil, o euro conseguiu
16,4 pontos. É a maior queda vez mais inevitável. a Reserva Federal norte-ame- vam os investidores a com- ram ganhos superiores a um ontem recuperar face ao dó-
mensal desde Outubro de 1990, Segundo o Conference Bo- ricana (“Fed”) no sentido de prar acções. Os preços a que por cento. lar, depois de anteontem se
quando os EUA e os seus alia- ard, os consumidores nor- esta operar novos cortes nas se encontram algumas em- Depois da recuperação de ter depreciado por causa da
dos preparavam as acções te-americanos vêem com taxas de juro para tentar sus- presas são atractivos e a anteontem, as bolsas norte- forte recuperação regista-
militares para libertar o Ko- pessimismo a evolução do de- tentar o consumo privado e recuperação é notória em americanas abriram muito da, na segunda-feira, nas
weit da invasão iraquiana e semprego, a queda do preço as bolsas. Mas a política mo- sectores como as telecomu- nervosas, entrando e saindo bolsas norte-americanas.
a economia norte-americana das acções e do investimento netária não será suficiente, nicações, financeiro e mes- do vermelho várias vezes, o A moeda única beneficou
caminhava para a sua últi- das empresas. Aqueles que estando o próprio presiden- mo empresas de aviação, es- que pode comprometer o ar- ontem da forte quebra re-
ma recessão. Particularmente classificam as condições eco- te da “Fed” disso consciente. pecialmente na Europa. ranque das bolsas europeias. gistada no índice de con-
preocupante quando se sabe nómicas como favoráveis di- Alan Greenspan, reuniu-se Mesmo assim, os merca- O Dow Jones, que engloba as fiança dos consumidores
que 88 por cento das respos- minuíram de 27,7 por cento ontem à porta fechada com dos continuam muito domi- grandes empresas industriais norte-americanos que re-
tas ao inquérito foram obti- para 22 por cento, enquanto vários congressistas, tendo nados pelo receio de uma re- e financeiras, encerrou a su- cuou, em Setembro, para o
das antes de 11 de Setembro. que os que afirmam que é membros do comité de Finan- cessão económica mundial. bir 0,65 por cento e o Nasdaq, nível mais baixo de 1996,
O índice do Conference Board difícil encontrar um empre- ças do Senado norte-america- Ainda ontem, o índice de nas empresas tecnológicas, nos 97,6 pontos contra os
encontra-se no valor mais bai- go passaram de 16 para 18,5 no afirmado posteriormente confiança dos consumidores ganhou 0,15 por cento. I 114 pontos registados em
xo dos últimos cinco anos e por cento. Mas é sobretudo que em discussão esteve um Agosto. O euro conseguiu
meio, mas promete afundar-se em relação aos próximos seis pacote de 100 mil milhões de MIKE SEGAR/REUTERS valorizar 0,63 por cento fa-
ainda mais em Outubro. meses (que pesa 60 por cento dólares (108 mil milhões de ce à divisa americana pa-
O agravamento superior ao no índice, contra 40 por cento euros) - aproximadamente o ra os 0,9226 dólares e 0,82
previsto do pessimismo dos das avaliações da situação montante do PIB anual por- por cento face à moeda ni-
consumidores norte-ameri- presente) que o pessimismo tuguês - de ajuda à economia. pónica para os 108,66 ienes.
canos é uma péssima notícia se manifesta. A percentagem Uma decisão não foi ainda O euro variou ontem entre
para a fragilizada economia dos que antecipam uma dete- tomada. um mínimo de 0,9148 dóla-
dos EUA, tornando-se cada rioração das condições eco- Ontem, o secretário de res e um máximo de 0,9249
vez mais improvável que esta nómicas evoluiu de 10,7 pa- Estado do Comércio, Don dólares. Na próxima sexta-
escape a uma recessão. Uma ra 15 por cento e a dos que Evans, afirmou que os danos feira será divulgada a es-
descida da confiança dos con- esperam menos empregos na infligidos à maior economia timativa final do PIB dos
sumidores antecede normal- economia pulou de 17,7 para do mundo pelos ataques de EUA no segundo trimestre
mente uma desaceleração do 21,9 por cento. Neste momen- 11 de Setembro podem provo- deste ano e revisões em bai-
ritmo de crescimento do con- to, apenas 21,1 por cento dos car um abrandamento eco- xa contribuirão, também,
sumo privado. Se se tiver em consumidores norte-ameri- nómico mais acentuado do para uma desvalorização
conta que têm sido as decres- canos esperam um aumento que o inicialmente espera- do dólar face ao euro.
centes mas ainda assim po- nos seus rendimentos, con- do, mas mostrou-se convic-
sitivas taxas de crescimento tra 23,2 por cento em Agos- to de que será seguido por
deste agregado, que represen- to. O inquérito à confiança uma igualmente acentuada
ta mais de dois terços do PIB dos consumidores é reali- retoma. Evans referiu que a
queda dos preços do petróleo
OURO ABANA
deverá ajudar a recuperação,
A derrapagem da confiança mantendo a inflação sob con- O ouro registou ontem um
dos consumidores norte-americanos trole e proporcionando aos ligeiro recuo, apesar de o va-
consumidores e investidores lor da onça “troy” (31,103481
(Índice do Conference Board)
150 um aumento do seu poder de gramas de ouro) continuar
compra. (Os preços do pe- a rondar os 290 dólares,
140 tróleo cairam na segunda- bem acima dos 271 dólares
feira para o seu nível mais a que era transaccionada
130
baixo dos últimos 15 anos, antes dos atentados nos
120 entre receios de que uma re- EUA. Ontem, em Londres,
cessão mundial reduza dras- a onça “troy” negociava-se
110 ticamente a procura do ouro a 287,172 dólares, contra os
negro.) O secretário de Esta- 290,386 dólares de segunda-
100 do do Tesouro, Paul O’Neill feira. O grama de ouro fino
também fez ontem contas ao em barra cotou-se ontem a
90
Jul Ago Set Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set
impacto económico dos aten- 2020,7 escudos, também em
2000 2001
tados, afirmando que a reto- baixa face aos 2043,3 escu-
ma poderá ter-se adiado “um dos de anteontem. I JOANA
PÚBLICO trimestre ou mais”. I Os operadores voltaram a sorrir AMORIM
2 0 D E S TA Q U E
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 26 SET 2001 GUERRA AO TERRORISMO REFLEXOS NA ECONOMIA

P&R
A cruzada dos Estados Unidos contra
o terrorismo financeiro internacional Governo obrigado
De onde vem o dinheiro de Bin Laden?
De acordo com dados do Departamento de
O congelamento decidido por Bush será
eficaz?
a garantir coberturas
Estado citados pela revista “The Econo-
mist”, Osama bin Laden terá “herdado” do
seu pai, dono do maior grupo de construção
saudita, cerca de 300 milhões de dólares
Para já, muitos governos de países ociden-
tais, incluindo o português, têm dado mos-
tras de apoio à ofensiva do Presidente nor-
te-americana de controlar o dinheiro sujo,
de seguros nos aeroportos
(326 milhões de euros ou 65 milhões de con- mas esta “nova guerra” depende muito Seguradoras cancelam “A companhia de seguros tos de financiamento e “lea-
tos). Mas fontes próximas do reino conside- mais dos bancos, uma vez que, em última unilateralmente cancelou, a partir das 00.00 sing” dos aviões impõem às
ram este número exagerado. Em todo o ca- instância, são eles que detêm a identifica- horas de hoje [ontem], a cláu- companhias coberturas su-
so, qualquer que seja o montante, a parte ção dos titulares das contas e dos “domicí-
coberturas relativas a sula especial no contrato re- periores a 50 milhões de dó-
de Osama no grupo de seu pai foi confisca- lios” criados em países com sistemas mais actos de guerra e ferente à cobertura dos danos lares, nos casos de danos a
da e as suas contas bancárias congeladas favoráveis. terrorismo no sector causados a terceiros por ac- terceiros.
depois de o actual suspeito número dos É uma investigação difícil mas não impos- tos terroristas ou de guerra”, O despacho aprovado na se-
atentados nos EUA ter caído em desgraça sível, admitem analistas contactados pelo
aeroportuário. disse à Lusa Zew Blaufuks, gunda-feira afirmava que o
junto da família e do Governo no início dos PÚBLICO, dando o exemplo de situações de Prémios da TAP sobem porta-voz da gestora aeropor- Estado “assumirá transitó-
anos 90. A “fortuna” perdida terá sido re- “insider trading”, ou uso de informação 15 mil por cento tuária ANA. O mesmo pro- ria e excepcionalmente a res-
constituída e aumentada com doações se- privilegiada. Apesar de essas operações blema terá sido sentido pela ponsabilidade pela indemni-
cretas de milionários do Médio Oriente bolsistas já estarem liquidadas, pensam NAV-Navegação Aérea, que zação” dos seguros de riscos
amantes da causa e de organizações não que uma articulação concertada permitiria O Governo português alar- controla o tráfego aéreo no de guerra ou terrorismo, na
governamentais islâmicas, além de activi- descobrir os compradores. gou ontem às empresas gesto- território nacional. vertente de danos a terceiros,
dades ligadas ao crime, designadamente ras de aeroportos e de contro- Assim, as medidas toma- quando a sua cobertura ultra-
tráfico de droga e fraudes financeiras. A decisão afecta investidores honestos? lo do tráfego aéreo as medidas das pelo Governo são seme- passar 50 milhões de dólares
Sim. Se o congelamento é entendido como de garantia nos seguros que lhantes às que tinham sido “por ocorrência e agregado
“genericamente positivo”, por ser uma for- já tinha determinado para as anteontem adoptadas em re- anual, até ao limite anterior-
Onde está? ma de combater o terrorismo financeiro companhias aéreas, também lação às companhias aéreas, mente estabelecido”. Dois mil
Dada a sua proveniência no mínimo duvi- que sustenta acções de guerra ou atentados com efeitos a partir da meia- garantindo aos beneficiários milhões de dólares (2,1 mil
dosa, uma parte do dinheiro obtido é cana- como os de 11 de Setembro, também pode noite da passada segunda-fei- o pagamento de indemniza- milhões de euros), segundo a
lizada para bancos e outras instituições fi- mexer com os direitos individuais de um ra e pelo prazo de um mês. ções, em caso dos riscos visa- TAP, valor que inclui danos
nanceiras em países e paraísos fiscais onde grande número de investidores que até ago- Em causa está o cancela- dos pelas seguradoras, até ao contra aviões e passageiros.
a supervisão não existe ou é muito rudi- ra beneficiavam do sigilo bancário e dos mento unilateral a partir da limite anteriormente estabe- A subida de despesas com
mentar. Outra parte, depois de devidamen- regimes de “off-shore”, vulgarmente desig- mesma data, da parte das se- lecido. os prémios de seguros já se
te lavada, designadamente através de em- nados por paraísos fiscais, para desenvol- guradoras, das coberturas re- No caso do transporte aé- está a fazer sentir: Os encar-
presas criadas por bin Laden quando se verem as suas actividades. lativas a riscos de guerra e reo, o mercado de seguros op- gos anuais suportados pela
instalou no Sudão em 1991, é aplicada em terrosismo no que respeita tou por limitar a cobertura TAP para cobertura de riscos
grandes centros financeiros internacio- às empresas gestoras de ae- dos danos a terceiros devi- de guerra vão crescer 15 mil
nais, desde Nova Iorque a Londres, passan- roportos, prestadores de ser- dos a actos de guerra ou ter- por cento, de acordo com esti-
do por Zurique, Paris e Frankfurt. Aliás, há viços de controlo de tráfego rorismo a um “tecto” de 50 mativas de uma fonte da em-
fortes indícios de que organizações terro- aéreo e outros prestadores de milhões de dólares (54,3 mi- presa, ao passarem de 11,6 mil
ristas efectuaram operações vultuosas, es- serviços nos aeroportos por- lhões de euros), aumentando contos (57,8 mil euros) para
pecialmente na Europa e Japão, antes dos tugueses, explica o preâmbu- ao mesmo tempo os respec- 1,750 milhões de contos anu-
atentados terroristas de 11 de Setembro. lo do despacho conjunto dos tivos prémios. Uma medida ais (8,730 milhões de euros)
Finalmente, uma terceira parte do dinhei- Ministérios das Finanças e que estava a pôr em causa a devido ao aumento do prémio
ro é conservada em “cash”, não entrando do Equipamento Social, a que operação das companhias aé- imposto pelas seguradoras. I
no circuito financeiro. o PÚBLICO teve acesso. reas, uma vez que os contra- INÊS SEQUEIRA, COM LUSA

em colaboração com a

Convidam todas as ONGA’s Registadas a participar na


“Competição ONGA Rio+10”
Prémios Incluem:
• Bolsas de viagem aos EUA • Bolsa “ONGA - Liderança para a Sustentabilidade”
• Bolsas de viagem à Conferência “Rio+10” (Cimeira • Publicação dos trabalhos premiados
Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, Joanes-
burgo, Setembro de 2002)
AUXILIARES DE ACÇÃO EDUCATIVA
Contexto
A Cimeira Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, encorajar as ONGA’s portuguesas a participarem activa- Abertas candidaturas a desempregados/as
que se realizará em Joanesburgo, em Setembro de 2002, mente na reflexão e debate das questões de sustentabili-
deverá ser a mais importante reunião de líderes políticos dade da Cimeira e, ao consultarem o seu público alvo, para formação especializada para acção com crianças
de todo o mundo sobre assuntos relativos ao desenvolvi- envolverem o público português neste importante acon-
mento sustentável. A “Competição ONGA Rio+10” visa tecimento. dos 0 aos 3 anos de idade
Estrutura
A Competição dividir-se-á em 2 fases:
Fase Um: 6 de Outubro de 2001 - 1 de Dezembro de 2001 Fase Dois: 1 de Fevereiro de 2002 - 15 de Julho de 2002 Duração: 2 meses e meio (400 horas)
Prazos
Inscrição: Até 4 de Outubro de 2001
Fase Um: 1 de Dezembro, 2001
Todas as submissões devem ser enviadas para
Rio10@kqnet.pt até às 24h das datas definidas.
Início: 1 de Outubro de 2001
Fase Dois:15 de Julho, 2002

Detalhes sobre as submissões


Fase Um: Fase Dois:
Curso com subsídios aos Formandos
1. Proposta detalhada de programa para a Cimeira ”Rio Previsão dos resultados da Conferência relativamente a cada
+10”, com os temas principais e secundários escolhidos um dos temas principais e secundários identificados na Fase
2. Justificação da escolha dos temas Um. Esta fase inclui uma conferência sobre a Cimeira
3. Especificação da relevância dos assuntos escolhidos para “Rio+10”, a realizar-se em Julho de 2002.
Co-financiado pelo Fundo Social Europeu e Estado Português sob
Portugal e para a União Europeia os auspícios da União Europeia e Ministério do Trabalho e da Solidariedade
Elementos comuns em ambas as fases:
• Limite de 6 mil palavras por submissão • Descrição e documentação do envolvimento do público na Informações
preparação das submissões.
Tel: 214 581 343
Regras e Avaliação das submissões ONGA americana serão convidados para trocar informações
Um painel de peritos avaliará as submissões com base em com os participantes. O Coordenador da Competição Fax: 214 581 282
critérios como conhecimento dos assuntos, visão, clareza, fornecerá informação básica sobre a preparação da Cimeira.
estrutura e relevância para Portugal. Regras detalhadas serão Para concorrer
e-mail: correio@fundacaoviver.pt
comunicadas às ONGA’s inscritas pelo Coordenador da
Competição. A inscrição deve ser enviada por e-mail (Rio10@kqnet.pt) até
4 de Outubro de 2001. Os seguintes elementos deverão ser
Outras Informações COMUNIDADE EUROPEIA
indicados no email de inscrição: o nome da ONGA, pessoa
Serão organizadas reuniões de trabalho para debater e discu- para contacto, número no Registo do IPAMB, endereço MINISTÉRIO DO TRABALHO E DA SOLIDARIEDADE
tir as preparações oficiais da Cimeira e o possível envolvi- postal, telefone, fax, endereço de e-mail. Toda a corres- Fundo Social Europeu
mento da sociedade civil. Representantes da comunidade pondência deverá ser efectuada por e-mail.
E S PA Ç O P Ú B L I C O 21
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 26 SET 2001

A FRENTE INTERNA Bartoon LUÍS AFONSO

É preciso explicar o que está a acontecer e o que


Portugal quer e deve fazer. António Guterres
fê-lo ontem pela primeira vez, bem e com a
necessária frontalidade. Mas tanto o PP como
sobretudo o PSD perderam mais um bom
momento de mostrar sentido de Estado

O debate que ontem decorreu na Assembleia da República


era importante. E era importante porque se tratava do
primeiro momento com alguma solenidade em que os
diferentes partidos e o Governo se expressariam sobre a
actual crise e o combate ao terrorismo. Mais: era um
debate fundamental para que os partidos que apoiam as
opções internacionais do Estado português, e defendem
as sociedades abertas em que vivemos, realizassem a
necessária pedagogia sobre a importância e as
consequências da solidariedade com os Estados Unidos.
Infelizmente isso apenas sucedeu de forma parcial, e por
culpa da oposição de direita.
Na verdade, como o debate parlamentar de ontem
provou, a actual crise reavivou clivagens de outros
tempos e, tal como noutros tempos, voltámos a encontrar
de um lado os partidos que sempre defenderam a
democracia liberal em que vivemos — o PS, o PSD e o PP
—, assim como o seu quadro de alianças e amizades, e os
que sempre estiveram contra — o PCP,
Editorial “Os Verdes” e as forças políticas
representadas no Bloco de Esquerda.
Os primeiros, como se esperava, separaram o nível da
Cartas ao Director
condenação e do combate ao terrorismo — que, como disse o
primeiro-ministro, “não tem desculpas nem tem desculpa” As cartas destinadas a esta secção — incluindo por, a montante, estimular e pagar a sáveis pela FPS, comportamento que
as remetidas por e-mail — devem indicar o nome formação e a entrada de pessoas para nem mesmo em democracia pode ser
— do que pode e deve ser feito para melhorar o mundo e as e a morada do autor, bem como um número
relações internacionais. Os segundos condenaram de telefónico de contacto. O PÚBLICO reserva-se o uma carreira que depois lhes veda. É totalmente debelado e prevenido. O ab-
direito de seleccionar e eventualmente reduzir o próprio ministério que se recusa a di- jecto, o sórdido, é que o grupo parlamen-
raspão os actos terroristas para se ocuparem quase
os textos recebidos. Não se devolvem os origi- versificar as saídas profissionais, como tar do PS não tenha, com humildade e
exclusivamente da crítica às vítimas do terrorismo. nais dos textos não solicitados, nem se prestará se torna gritante no caso das licencia- transparência, remediado o problema,
Os primeiros defenderam o empenhamento de Portugal informação postal ou telefónica sobre eles.
turas em ciências sociais e humanas, preferindo envolver-se numa nebulosa
no esforço internacional que os Estados Unidos estão a Endereço electrónico: não criando pós-licenciaturas e especia- solidariedade política com quem mos-
liderar. Os segundos criticaram qualquer gesto nesse cartasdirector@publico.pt lizações que preparem para a vida pro- trou ter destas, solidariedade e política,
sentido, a começar pela simples autorização da passagem fissional e para o mercado de emprego rasteiro entendimento. (...)
de aviões americanos pela Base das Lajes. todos os que escolheram esses cursos. JOAQUIM PAULO NOGUEIRA, Lisboa
Aqui não haveria novidades não se desse a circunstância O dia de um desemprego E essa curva demográfica apresenta-
de o discurso aparentemente “pacifista” ser um discurso evitável da como argumento inexorável para o
Grecianos e gregos
perigoso e que desarma a opinião pública, enfraquecendo a nosso desemprego não tem de ser uma
sua determinação de fazer frente ao terrorismo. Não é Hoje estou mais desempregado do que fatalidade, mas sim a melhor das opor- são sinónimos
discurso especialmente novo — recordemo-nos, por ontem. Saíram finalmente na segunda- tunidades para a qualidade de ensino e
exemplo, do que foi a retórica “pacifista” no início dos anos feira os resultados da última fase de con- é nesse horizonte que reduzir o número “Grecian adj lit (of style or appearance)
curso para professores e fui empurrado de alunos por turma é fundamental. (...) Greek, esp. of ancient Greece” Pois é,
80 contra a colocação na Alemanha Ocidental dos mísseis
para uma lista de pessoas “à espera de Resta saber se os responsáveis políticos caro Luís Miguel Viana, se você tives-
Pershing, destinados a fazer frente aos SS-20 soviéticos, e de
colocação”, situação que já conheço e que pela educação escolhem os cortes orça- se estudado a antiguidade grega num
como os que defendiam o desarme do Ocidente em nome da sei que se arrastará por meses. Não estou mentais ou o investimento no futuro. liceu americano, saberia que chamar
paz ao mesmo tempo “compreendiam” o carácter mal acompanhado, parece que somos 30 CARLOS CARUJO, Queluz Grecian a um habitante da Antiga Gré-
“defensivo” das políticas de Brejnev. Mais: a velocidade mil, e o pior é que esta situação é acom- cia é mais correcto do que lhe chamar
com que o Bloco de Esquerda começa a falar das “causas do panhada pela clara consciência de que Greek. Mesmo em português a palavra
terrorismo” islâmico também não são, na sua essência, não teria de ser assim e que a solução está Mais vale remediar greciano está consignada no dicionário
diferentes da forma como “explica” o terrorismo da ETA. à distância de uma decisão política. que prevenir como sinónimo de grego. Mais grave,
Esta retórica tem tido, no entanto, repercussão suficiente Ao contrário dos discursos oficiais meu caro, é que jornais como o PÚBLI-
para que o Governo, o partido que o apoia, o PSD e o PP que sublinham o excesso de professores Mesmo não deduzindo nenhuma suspei- CO insistam em dizer palestinianos e
devessem tomar consciência de que há uma luta de ideias no sistema educativo e a curva demo- ção de aproveitamento ilícito por parte não palestinos. Palestinianos sãos os
a travar e uma opinião pública a conquistar. É preciso gráfica decrescente de alunos, a questão dos mentores da famigerada Fundação vasos e os estilos, os indivíduos são pa-
está mal colocada e estas são apenas para a Prevenção e Segurança (FPS), es- lestinos. Mas, de tanto insistir no dispa-
explicar o que está a acontecer e o que Portugal quer e
meias-verdades empoladas: não há pro- te é bem um caso que deve ser lido em rate, talvez os dicionários mais recentes
deve fazer. António Guterres fê-lo ontem pela primeira vez,
fessores a mais, temos é turmas a menos, paralelo com os factos que deram origem já tenham consignado a asneira.
bem e com a necessária frontalidade. Mas tanto o PP, como ou seja, alunos a mais dentro das turmas ao recente burburinho sobre a actuação “Palestino, adj. Relativo à Palestina.
sobretudo o PSD decidiram ocupar-se essencialmente da existentes, o que dificulta o trabalho do Ministério da Cultura, já que ilustram Que é natural da Palestina. || S. M. Indi-
pequena política interna. Não perceberam a gravidade do daqueles que dão aulas e impossibilita duas das formas mais significativas da víduo natural da Palestina”, in “Grande
momento. Por isso perderam mais um bom momento de o dos que não conseguiram entrar. Uma governação do PS nos últimos seis anos. Dicionário da Língua Portuguesa”
mostrar sentido de Estado. JOSÉ MANUEL FERNANDES simples decisão política como a redu- E se devemos ser prudentes mas ine- MARCO ALEXANDRE B. LEITE REBELO,
ção do número de alunos por turma me- quivocamente solidários com todos aque- Coimbra
lhoraria a qualidade de ensino e essa é les que, nas mais diferentes esferas de
contribuinte nº 502265094 também a distância entre o emprego e o decisão, utilizam as contradições da bu-
depósito legal nº 45458/91
registo ICS nº 114410
desemprego de milhares de pessoas. rocracia para capacitar a administração O PÚBLICO ERROU
A responsabilidade do custo social e pública à realização de um melhor serviço
E-mail: publico@publico.pt LISBOA: Rua Viriato, 17 – 1069-315 Lisboa; Telef.: 210111000 (PPCA) Fax: humano desse desemprego deverá pesar público, não devemos ser menos do que • No último número do suplemento “Y”,
Dir. Empresa 210111005; Dir. Editorial 210111006; Agenda 210111007; Redacção 210111008;
Publicidade 210111013/210111014 • PORTO: Rua João de Barros, 265 – 4150-414; Telef: 226151000 hoje às costas de quantos querem cortar veementemente expressivos na indigna- no artigo sobre David Sylvian, refere-se,
(PPCA) / 226103214; Fax: Redacção 226151099 / 226102213; Publicidade; Distribuição 226151011• nas despesas sociais do Estado e, seja por ção face à atitude de branqueamento das por lapso, a morte do artista gráfico Rus-
BRAGA: Rua de S. Marcos, 126-1º Esq. Fr. – 4700 Braga Telef: 253619041; Fax: 253617983 • AVEIRO:
Rua Eng. Silvério Pereira da Silva, 16-A, 2º Tr. – 3800 Aveiro Telef/Fax: 234382507 • COIMBRA:
que razões forem, impedem um investi- conclusões do inquérito parlamentar à sell Mills, colaborador de David Sylvian e
Avenida Fernão de Magalhães, 153/157- 2º Dto, sala 6 – 3000 Coimbra Telef.: 239829554; Fax: 239829648 mento sério no sector da educação. FPS por parte dos deputados socialistas . Brian Eno, entre outros. Quem efectiva-
• ALGARVE: Avenida da República Federal Alemã, bloco C 2 – 8000 Faro Telef.: 289806656; Fax: Mesmo colocando o problema pelo E isto porque a criação e actuação da mente morreu foi Peter Schmidt, outro
289806655 • VILA REAL: Rua 31 de Janeiro, 41 - 3º, sala 303, 5000 Vila Real Telef.: 259326262;
Fax.: 259326265 • MADEIRA: Rua dos Ferreiros, 55-2º Dtº – 9000 Funchal Telef.: 291231611 • lado dos argumentos oficiais mais re- inefável FPS (que sigla mais premonitó- artista gráfico que trabalhou com Brian
PROPRIETÁRIO: PÚBLICO Comunicação Social, SA Sede: Rua João de Barros, 265, 4150 Porto • petidos, a formação de um número de ria) configura um comportamento per- Eno, em álbuns como “Another Green
IMPRESSÃO: Unipress, Tv. Anselmo Braancamp, 220-Arcozelo/4405, Valadares; Telef.: 227537030;
Mirandela — Rua Rodrigues Faria, 103, 1300 Lisboa; Telef.: 213613400; Fax: 213613469 • DISTRIBUIÇÃO:
professores em “excesso” aponta para o vertido pela excessiva presunção quer World” e “Before and After Science”.
Midesa Portugal - Distribuição de Publicações, S.A.; Lisboa: Rua da República da Coreia, 34, Ranholas, mesmo culpado e para o mesmo móbil. da inquestionável bondade dos actos • No artigo “Os espiões sentados”, pu-
2710-460 Sintra; Telef.: 219267800, Fax: 219267850; Porto: Rua Engenheiro Ferreira Dias, 1173 a 1177, 4100 É que se há cursos que só têm esta saí- próprios, quer da consequente inuti- blicado na edição de ontem, na página
Porto; Telef.: 226191211; Fax: 226191210; Algarve: Estrada de Boliqueime - Fonte de Boliqueime, 8100-070
Boliqueime; Telef. e Fax: 289366361; Coimbra: Beco Olheiro, Armazém 2, Adénia, 3020-028 Coimbra; Telef.: da profissional para a qual as pessoas lidade dos instrumentos de controlo dos 8, onde se escrevia: “Pelo menos meia
239430519; Fax: 239431592 • ASSINATURAS: 808200095 são muitas vezes empurradas, temos mesmos, fazendo negas àquelas que são dúzia de homens vestidos como todos
então um Ministério da Educação que as mais elevadas qualidades do espírito os paquistaneses, com ‘burkas’....”, deve
é duplamente culpado: por, a jusante, democrático. ler-se “shlwar” (“burkas”, ao contrário do
Tiragem média total do mês de Agosto conscientemente não aumentar os lu- O mais lamentável nisto tudo não é, que escrevemos, são os trajes que os ta-
AS SO C I AÇÃO P O R T UGUE SA
D O C O N T R O LO DE T I R AG E M
72.388 exemplares gares nos quadros para professores e porém, a actuação política dos respon- liban impuseram às mulheres afegãs).
2 2 ES PAÇ O P Ú B L I C O
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 26 SET 2001

Diz-se
“A crise político-económica
Falta de ar
que o mundo vive depois dos funciona e o capitalismo não alimenta as coisas da
ataques terroristas aos Esta- alma. “God Bless America”, comedidamente, Alá LURDES FERREIRA
dos Unidos constitui, para o é grande e Maomé o seu profeta. Que se entendam
O U S I M O U S O PA S
Governo português, um segu- os deuses na ociosidade da corte celestial e que
ro de vida e um álibi.“ tratem de domesticar os seus diabos e não nos
NICOLAU SANTOS chateiem. Nós não somos Pókemones e o nosso
“Expresso on-line“, 25-9-01

“[Se Governo procurar nesta


ÁLVARO DOMINGUES
mundo já é muito complicado sem deuses, já es-
creveu o Saramago, e como se isso não bastasse,
a minha estante de Geografia tem lá um livro que
Intimidades
crise o álibi para as suas fa- diz que a Geografia serve antes de mais para fazer Ela, a principal suspeita e detida, já foi
lhas] (...) rapidamente perce- a guerra. Renuncio. Quando for grande quero ser descrita de modos vários, o que deve ser
berá que há certos álibis que bombeiro. Enquanto não for, vai poema culpa dos ângulos e dos dias em que as
não têm como consequência diabo! Esta coisa da guerra que o Pre-

O
fotos dos jornais e a imagem das televisões
provar a inocência, mas que, sidente Bush não se cansa de pregar Sentir do fim a apanharam. Um jornalista escrevia que,
em vez disso, precipitam a põe-nos numa nervoseira de miolos quase um começo à primeira vista, era difícil suspeitar de
condenação.” fritos. A geo-estratégia, a globalização, O grão de areia na base do rochedo uma mulher com um discreto ar de dona-
MANUELA FERREIRA LEITE a guerra santa, as torres, o terrorismo, o livro de Sob a grossa capa do tronco, de-casa de meia-idade, a quem a justiça
“Jornal de Notícias“, 25-9-01 S. Cipriano, o Apocalipse, o Corão, o petróleo, os um fungo a remoer secreto espanhola acusa de ser uma das responsá-
israelitas, o Dow(n) Jones, os milhares de mortos, o O impossível acto de pensar veis do maior escândalo financeiro dos úl-
“Num quadro de guerra, os frenesim televisivo, crónicas para todos os gostos, a lisura perpétua da pedra timos anos no país. Com tantas descrições,
cidadãos querem governos sondagens, um ambiente indisfarçável de racismo, a árvore do triunfo da vida também cabia a da avó tranquila de pele
estáveis. E só aceitarão a sua a NATO, tudo, tudo, mais as coisas cá de casa, a e cabelo bem cuidados, ela que dirigia uma
substituição, se a alternativa torneira que pinga, o orçamento, as autárquicas, o Não mais um passo sem temer sociedade de investimentos de ilustres
for tão forte que se imponha futebol, o Big Breda, os Olhos d’Água, o Rangel na que falso pode ser clientes, mas atingida por uma descapitali-
com toda a evidência. Como RTP, a conta do telemóvel, o IRS, o começo das au- A moinha tomada por acaso, zação rápida e encoberta até ao impossí-
não é esse o caso...” las, a cidade sem carros,… a vida é difícil, que bem um sobressalto vel, através de uma alegada teia de influ-
NICOLAU SANTOS que se estava no campo a enrolar mensagens em Sem percalço ou indiferença ências. O buraco, dizem as autoridades
“Expresso on-line”, 25-9-01 canudos para pôr nas patas dos pombos-correio e não mais espanholas, é de 18 mil milhões de pesetas
nas garrafas flutuantes dos náufragos da vida. Que o tempo corra (21,6 milhões de contos, ou 108 milhões de
“Antes mesmo da distracção feliz que é aquele jovem do anúncio do champô euros), pelo menos. Ou seja, dinheiro que
Bin Laden, uma maioria de que diz que os cabelos são a coisa mais importante Os dias todos por desconto se esfumou em ruinosos negócios consecu-
portugueses possivelmente da vida dele. Também o Sansão pensava e depois na imperfeita matemática tivos, como só os períodos de especulação
distraídos (...) deu a Durão foi o que foi. Qualquer “skinhead” devia saber. da vida a subtrair, financeira e a sua respectiva ressaca sa-
Barroso o primeiro lugar nas Não há capacidade para processar esta infor- a esvaziar a taça bem fazer. Em qualquer época ou país.
intenções de voto para elei- mação toda, é o que eu acho. Já sabemos, desde o nunca cheia O rol de acusados no processo é tão impres-
ções legislativas. Que maior velho Testamento, que as torres são um assunto sionante como o dos clientes da famosa
prova de distracção poderiam que irrita os deuses e disso a Babilónia tem ampla Cegos de futuro Gescartera que perderam o rasto ao seu
dar os portugueses?” experiência e se “altas são as torres, o poder é os olhos, dinheiro. De um lado, gente do mundo da
JOÃO PAULO GUERRA alto”, também já o poeta escreveu e o poder em à brancura das noites finança, um ex-secretário de Estado demiti-
“Diário Económico”, 25-9-01 doses excessivas dá sempre bronca da grossa. Para condenados do, irmãos, noivos, um cantor-manager,
guerras santas já tivemos as Cruzadas e já nessa ligações políticas e partidárias e a última
“Com este Governo desorien- altura a coisa deu para o torto e Portugal não per- A negação da luz presidente do órgão regulador do mercado
tado e esta oposição tres- tencia à NATO, não havia NATO mas conquistou- na breve chama bolsista, que resistiu à demissão também
malhada, não sei se consigo se Lisboa aos mouros. A História, afinal, repete-se, acesa até ao impossível. Do outro, investidores
refrear por mais tempo, o pe- a Geografia é que muda. David arrumou o Golias que procuravam apenas o alto lucro pelo
queno e ágil terrorista que há no primeiro assalto com uma pedrada. As pedras A vida dos remorsos alto risco, al-
em mim...” da Palestina convertem-se em aviões, parece que Nos armários, guns deles sur-
CARTOON DE MAIA com alguma facilidade porque é tudo uma questão preendentes, O livrinho que
“24 Horas”, 25-9-01 de balística com menor ou maior virtuosismo a peste! como a Igreja adolescentes
tecnológico e disponibilidade orçamental. Guerra católica. E no
“Por mim, pelo que estou a química já fez Jeová quando quis tirar o seu povo Saiu negro como os tições. Não correm os tem- meio, quem se
transformam na
ver, pelo potencial que vejo do Egipto com os gafanhotos transgénicos e a pos de feição e as intrusões poéticas requerem ou- situou nos dois porta para a sua mais
que tem, (...) o Sporting, este tinturaria vermelha do Nilo. De mártires e suici- tra pedalada. Foi o que se pôde arranjar e escrevê- lados do tabu- secreta intimidade
ano, tem equipa, tem trei- das estão as religiões cheias. O ecumenismo não lo aqui já é arriscar muito. I leiro, como a
nador, tem dirigentes e tem
também foi o
poderosa fun-
massa associativa para ser dação ONCE. esconderijo de uma
campeão.” P A R A G U E R R A S S A N TA S já tivemos as Cruzadas e já nessa altura a coisa mulher cuja idade as
A discreta do-
JORGE COELHO deu para o torto e Portugal não pertencia à NATO, não havia NATO mas conquistou-se na-de-casa, fotos confundem,
“O Jogo”, 25-9-01 Lisboa aos mouros. A História, afinal, repete-se, a Geografia é que muda avó-tranquila,
com mais de 20
mas que andará nos
anos de experi- finais dos 50
“O conto do vigário de Vale e ência do mun-
Azevedo parece não ter limi- STEPHEN HIRD/REUTERS
do financeiro,
tes. Mesmo em prisão preven- presidente da Gescartera, tinha um diá-
tiva, o ex-presidente consegue rio. Partes dele circulam na Internet e
tirar partido de tramitações constitui até à data a principal prova da
processuais para enganar a acusação.
justiça e criar um novo pesa- O livrinho que adolescentes transformam
delo ao Benfica.“ na porta para a sua mais secreta intimidade
MANUEL TAVARES também foi o esconderijo de uma mulher
ibidem cuja idade as fotos confundem, mas que an-
dará nos finais dos 50. Em vez de páginas
imaculadamente limpas, ela, a principal
“Já há adeptos do Benfica suspeita, tomou por diário uma agenda de
a exigir uma chicotada psi- várias linhas e horas, com dias e meses em
cológica. Estes tipos nunca inglês, de produção industrial. Pelas várias
estão satisfeitos com o que linhas ao alto, escrevia a correr uma intimi-
têm. Querem um estádio no- dade feita de reuniões de negócios, de esta-
vo, querem um treinador no- dos de espírito, nas datas certas. “Preocupa-
vo...” ção! Não param a investigação”, escreveu
“CARTOON” DE LUÍS AFONSO quando percebeu onde tinha chegado a in-
(Barba e Cabelo) vestigação da comissão do mercado de valo-
“A Bola”, 25-9-01 res mobiliários. Também anotou que estava
“pessimista”, confessa revelações tardias,
“Esta ânsia desesperada de comenta reuniões urgentes e num dos dias
entrar na faculdade ou no aponta: “Começámos a limpar.”
politécnico tem a ver com As frases breves de, pelo menos, um ano de
uma realidade que se tor- escândalo saíram da sua existência reser-
nou particularmente clara vada e fazem agora parte de um conjunto
há já vários anos: o país de documentos judiciais a que o mundo
quer, à força, ser uma nação inteiro tem acesso, através das páginas do
de doutores.” elpais.es. O diário de Pilar, longe de ser
GONÇALO PEREIRA literário, é uma porta aberta à intimidade
“24 Horas”, 25-9-01 do dinheiro. I
E S PA Ç O P Ú B L I C O 23
PÚBLICO•QUARTA-FEIRA, 26 SET 2001

Guerra
contra incertos EDUARDO PRADO COELHO
O FIO DO HORIZONTE

N
ão creio que se possa falar,
tanto a nível da opinião pú-
blica nacional como interna-
cional, em unanimismo nas
ritário. Em Portugal, bate-nos até preco-
cemente à porta com a revisão extraordi-
nária da Constituição, negociada entre
os partidos do Governo e da direita parla-
A interrupção
reacções ao ataque terrorista de que, há mentar: vai cair do seu texto, sob proposta

A
duas semanas, foi alvo a população dos do PP, ultrapassada em zelo policial pelo primeira reacção perante os
EUA. É claro que o terrorismo que elege PS, a norma emblemática que garantia acontecimentos recentes nos
“raças” e povos como alvos globais e ataca FERNANDO ROSAS o princípio da inviolabilidade nocturna Estados Unidos da América, fa-
gente inocente, ainda por cima da forma do domicílio pelas polícias. E o PS e o ce à tendência para se procla-
inusitadamente selvática como o fez em PSD parecem ter chegado a acordo para, mar de imediato (talvez com razão) que
Nova Iorque e Washington, que dá de ban- de alguma forma, anular ou esvaziar o tínhamos entrado de facto no século XXI
deja aos meios mais agressivos e belicis- aliados e os serventuários dos EUA. Fi- art.º 33.º da Constituição, que impede a e que nos encontrávamos em guerra, foi
tas, dentro e fora dos EUA, o pretexto para nalmente, mas principalmente, responde extradição para países que apliquem a a de procurarmos ver o maior número
a escalada armamentista e securitária à morte de inocentes com mais morte prisão perpétua. Para que Portugal não possível de imagens, agarrados desespera-
e para todas as aventuras de expansão e de inocentes: ainda não começaram os se torne num santuário de terroristas! damente às televisões, e a de devorarmos
domínio, é claro que tal cegueira fanáti- famigerados “bombardeamentos cirúr- Como se durante mais de um século de jornais em todas as línguas acessíveis. Os
ca não defende os mais pobres e os mais gicos” e já no Afeganistão há milhares diferença entre o nosso país e o geral dos dois movimentos tinham algo de compen-
fracos, não luta por um mundo menos de vítimas de fome e de doença causadas demais, algo de similar tivesse aconteci- satório: das imagens, vinha a nossa im-
iníquo e mais justo. O terrorismo funda- pelo abandono das ONG, cuja segurança do. Como se não houvesse leis e tribunais possibilidade de compreender, a dificul-
mentalista não é desculpável e os seus os EUA não garantem. Sorte cruel esta a em Portugal capazes de agir, também em dade em integrar o ocorrido nas redes de
responsáveis devem ser punidos. E aqui do povo mártir afegão, entalado sem saí- cooperação internacional, contra a crimi- representação habituais. Da leitura, che-
se dividem irremediavelmente as águas: da entre a opressão do regime dos taliban nalidade organizada. Como se esta dife- gavam esquemas interpretativos que, par-
como, em nome de que valores e com e a iminência de um ataque americano, rença não fosse honrosa e demonstradora tilhando mais ou menos o mesmo trauma,
que métodos, se pode responder inter- de que será sempre o mais castigado e o de uma visão precocemente progressista procuravam superá-lo através de argu-
nacionalmente à desordem, à injustiça, mais indefeso dos alvos. da sociedade e do direito penal, que agora mentações relativamente sustentadas.
ao desespero, à frustração onde o obscu- É este carácter gratuito e de desforço se quer fazer recuar em nome de critérios O que menos interessava era o que remetia
rantismo fundamentalista recruta esse que torna a guerra americana não só de eficácia policial. para o passado. Podemos afirmar (como
“lumpen-islamismo” que é o seu terreno inútil operacionalmente, como moral- Mas, sob proposta do comissário euro- notou Diogo Pires Aurélio entre nós) que
social de apoio? No meu entender, a reta- mente injusta. O que faz de qualquer peu António Vitorino (candidato à duvi- alguns tinham previsto em termos muito
liação militar e política para que o Gover- comparação entre ela e a guerra anti- dosa fama de matamouros das liberda- claros e incisivos que isto poderia aconte-
no dos EUA está a arrastar cer: é o caso de Paul Virilio (veja-se a sua
a UE, e não só, é a pior e a entrevista recente em “El País”). Mas, tal
mais perigosa das respos- como Emmanuel Todd previu, através da
tas a esta crucial interro- O S G O V E R N A N T E S A M E R I C A N O S introduziram como estratégia de reacção leitura das taxas de mortalidade infantil,
gação. a queda da URSS, e ninguém acreditou,
Em primeiro lugar, por- um novo e inquietante conceito: o da guerra contra incertos, uma vez que, no caso podemos dizer que Virilio previu qualquer
que os governantes ameri- presente, o inimigo não coincide com um regime, um Estado ou um território precisos coisa que ele próprio acharia que, se ou-
canos introduziram como tros começassem também a prever, surgi-
estratégia de reacção um riam condições que a iam tornar impossí-
novo e inquietante concei-
to de política internacional: o da guerra
contra incertos, uma vez que, como to- nazista um exercício absurdo e anti- des públicas), está a chegar o pacotão das Esta guerra já não é a guerra
da a gente percebeu, no caso presente o demagógico. Hoje, os que se opõem ao medidas UE, já aprovado pelos chefes de que conhecíamos antes da
inimigo não coincide com um regime, terrorismo islâmico e ao contraterror Estado e de governo: generosa definição interrupção. É a guerra em que
um Estado ou um território precisos. Ao retaliatório não capitulam, combatem. padrão do crime de terrorismo em termos ninguém sabe o que é a guerra
furtarem-se a considerar o atentado de Dizem que as respostas existem e são de abarcar o que foi sendo preciso, manda-
que foram vítimas como um ataque terro- necessárias, desde as mais imediatas em to europeu de busca e captura que passa
rista típico (a despeito da anormalidade termos de fazer justiça com justiça, às por cima das restrições à extradição, etc. vel. Isto é, previu, mas de certo modo não
das suas trágicas proporções), a escla- mais graduais. Mas, em qualquer caso, Decididamente, esta Europa que não con- viu, pela simples razão de que ninguém
recer e punir no quadro da cooperação, para se obter uma paz durável, elas são segue pôr em comum salários mínimos, era capaz de ver o que nos foi dado ver, e
da informação e justiça internacionais, indissociáveis do advento de uma nova nem direitos sociais, nem pleno emprego, que nós começámos por remeter para o
ao preferir a guerra contra incertos, os ordem mundial. nem taxa Tobim, só mostra ser eficaz com domínio da ficção e do cinema.
EUA deixam claro que querem atacar Em segundo lugar, como bem suge- o mercado, a banca e as polícias. Estas Há— é inevitável que assim seja— uma
quem, como e quando quiserem, durante riu M. Villaverde Cabral (“DN”, 21/09), duas sem controlo político-parlamentar, compreensível tendência para utilizarmos
o tempo que quiserem, completamente porque este tipo de guerras, as guerras e as polícias com uma mais do que duvi- a fórmula “como íamos dizendo”. Assim,
à margem dos sistemas de segurança co- contra incertos, sobretudo quando se dosa eficácia do controlo judicial trans- uns afirmarão que, como íamos dizendo,
lectiva das Nações Unidas ou de qualquer lhes dá fumos de santidade, convivem nacional. o acumular de contradições no espaço do
outra fiscalização política ou judicial mal com as instituições das sociedades Talvez sem se darem conta disso, os capitalismo mundializado, e a inexistência
que não seja a decorrente dos seus inte- democráticas. Por um lado, com o seu governantes actuais da UE, lamentavel- de uma alternativa política estruturada,
resses imperiais. E arrastam a Europa tom de cruzada, revisitam o pior mani- mente dobrados sob a pressão americana, criava as condições para que este grito inar-
não tanto para que ela combata, mas para queísmo da guerra fria. Usando de uma repetem o erro trágico daqueles liberais ticulado que é o terrorismo ganhasse uma
que se cale e colabore na “retaguarda” límpida lógica texana, Bush encarregou- que, nos anos 20 e 30 do século passado, em inquietante e criminosa expressão. Outros
com o reforço da “segurança interna”, se se de comunicar ao Congresso dos EUA e nome da luta contra perigos e vícios vá- afirmarão que, como íamos dizendo, o en-
necessário à custa das liberdades. A mui- ao mundo que nesta sua guerra ou se rios, em nome da segurança, ou da eficá- fraquecimento dos valores da defesa da
to provável ineficácia militar da guerra está com os EUA ou se está com o terro- cia, ou da moralidade, aceitaram, sempre liberdade e do capitalismo, que g

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