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POLÍTICA EDUCACIONAL: INTERLOCUÇÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS

EDUCATIONAL POLICY: THEORETICAL AND PRACTICAL INTERLOCUTIONS


___________________________________________________________________

Rosemary Lopes Soares da Silva


Pedagoga. Coordenador pedagógica da SEC/Ba. Dra. Em Políticas Públicas e Formação Humana pelo
PPFH/UERJ. E-mail: roselsoares@yahoo.com.br

RESUMO
O Estado da Bahia, como agente mediador e mobilizador da verticalização das
políticas no âmbito do Ministério da Educação (MEC), articulou suas ações pelos
municípios para acomodar as demandas da União ao decidir politicamente investir
na educação profissional, tomando-a como política estratégica e como “promessa”
para a materialização do desenvolvimento com inclusão social no estado. A
pesquisa empírica buscou captar as objetivações no indivíduo no curso da história,
que de acordo com Saviani (2005), tais objetivações são os objetos, a linguagem e
os costumes. Analiso os conteúdos dos documentos da política e das entrevistas
com os sujeitos egressos com a práxis reiterativa e imitativa, e com a práxis criadora
e transformadora. Pelos conceitos de inclusão social e práxis social, buscou-se
evidenciar pelo estudo empírico a mediação realizada pela política de Educação
Profissional Técnica de Nível Médio na formação dos egressos da educação
profissional na Bahia. O percurso histórico do Estado brasileiro que influenciou, a
partir de 2004, as formulações da política de educação profissional de nível médio
na Bahia (EPT), foram o mote para apreender, a partir das implicações com a
relação interfederativa, como se deu sua articulação com os programas e ações
educacionais do governo federal e os desdobramentos na política do governo local.

Palavras-chave: Política pública..Educação profissional; Inclusão social. Práxis


social. Práxis reiterativa. Práxis transformadora.

ABSTRACT
The State of Bahia, as a mediating and mobilizing agent for the verticalization of
policies within the scope of the Ministry of Education (MEC), articulated its actions by
the municipalities to accommodate the demands of the Union when deciding
politically to invest in professional education, taking it as a strategic and as a
"promise" for the materialization of development with social inclusion in the state.
Empirical research sought to capture the objectifications in the individual in the
course of history, which according to Saviani (2005), such objectifications are
objects, language and customs. I analyze the contents of the policy documents and
of the interviews with the subjects egressed with the reiterative and imitative praxis,
and with the creative and transforming praxis. Based on the concepts of social
inclusion and social praxis, it was sought to show through the empirical study the
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mediation carried out by the Medium Level Technical Professional Education policy
in the formation of the graduates of professional education in Bahia. The historical
trajectory of the Brazilian State that influenced, since 2004, the formulations of the
medium level professional education policy in Bahia (EPT), were the motto to
apprehend, from the implications with the inter-federative relationship, how it was
articulated with the federal government's educational programs and actions and
developments in local government policy.

Keywords: Public policy. Professional education. Social inclusion. Social praxis.


Reiterative praxis. Transformative praxis.

INTRODUÇÃO
A política de educação profissional da Bahia, implementada a partir de 2007,
cuja normalização se baseia no ordenamento jurídico nacional, é uma política que se
desenvolve por dentro dos “sistemas de ensino”. Apreende-se, das discussões de
Saviani (2010), que essa realidade jurídico-institucional da legislação educacional
brasileira somente estabelece uma verticalização entre os entes federados, união,
estados e municípios, que se desdobra em aplicações dos marcos legais da
educação em escalas interfederativas, mas não tem como competência jurídica
universalizar o mesmo padrão de qualidade, condições e infraestrutura da educação.
Isto é, normaliza-se a aplicação da lei da educação, mas não se assegura, de forma
universal, a mesma qualidade de educação em todo o território nacional.

Esta problemática foi estudada por Melo (2017), que considera a inter-relação
entre os entes federados nas diferentes escalas subnacionais, o sentido para melhor
captar as mediações que originaram a materialidade da política de educação
profissional local. Do seu extenso estudo, destaco alguns aspectos identificados
como elementos de tensão e de conciliação política, que mediaram a materialidade
da política de educação na Bahia de um modo geral, com seus rebatimentos na
educação profissional
Francisco de Oliveira (2007, p.45) analisa o cenário político brasileiro desde a
eleição até o final do primeiro governo Lula (2002 – 2006), para situa a política por
dentro do que ele chama de “política numa era de indeterminação”, argumentando
sobre a financeirização da economia, que é pensada numa relação externa e interna

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como externalidade, não como componente estrutural, e afirma que os gargalos


econômicos não são resolvidos sendo administrados pela economia política. Por sua
vez, os trabalhadores não conseguem se enfrentar com o capital financeiro, pois não
têm relações diretas com ele. Faz a relação com a sociedade civil, para afirmar que
ela fica restrita a arranjos locais ou localizados, e que a educação e a cultura são
transformadas em territórios não conflitivos. (OLIVEIRA, 2007, p. 43).
É possível afirmar que, por dentro dos “sistemas de ensino”, a política de
educação profissional da Bahia é expressiva dessa mesma política no âmbito
nacional, implementada no Brasil a partir de 2004 com o Decreto 5.154/04, ao tempo
em que essa política, na Bahia, se configura na correlação de forças entre o estado
e a sociedade civil como uma entre as várias realidades da educação profissional no
Brasil, ou seja, como uma particularidade, dentro do sistema nacional de ensino.
Expressa, portanto, as desigualdades de acesso a padrões de qualidade na
educação e evidencia os desnivelamentos do direito de acesso à educação.
Não obstante, e por contradição, a Política de Educação Profissional e
Tecnológica no Brasil a partir de 2004, tenha sido formulada na perspectiva da
inclusão social, conforme o que expressa o Art. 3º do Regimento da Conferencia de
Educação Profissional e Tecnológica, que tem como um dos objetivos “definir
diretrizes para a política nacional de Educação Profissional e Tecnológica através do
diálogo entre os diversos agentes envolvidos, visando contribuir para o
desenvolvimento do país e para a inclusão social”. A principal questão deste artigo é
tencionar qual a direção da práxis social dos egressos da educação profissional,
considerando a formulação desta política na perspectiva da inclusão social orientada
para a dimensão econômica do trabalho, emprego e a renda, em um pais com
marcado pelo desnivelamento econômico.

PRÁXIS: ATIVIDADE MATERIAL, OBJETIVA, TRANSFORMADORA

A transformação social é o fundamento que justifica a acepção da prática


como categoria filosófica, no seu sentido “forte”, que a distingue das teorizações
“fracas” difusas, consideradas em seu sentido pragmatista estrito, como
consequência de teorias utilitaristas, ou como absorção no plano da sociedade
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vinculada ao horizonte da comunicação. Há o reconhecimento pelos intelectuais


marxistas de que o núcleo duro da prática é diferente dos sentidos do ‘agir’ e ‘fazer’;
é exatamente necessário tomá-la como atividade material de transformação. Barata-
Moura (1994, p. 88), mesmo reconhecendo a polêmica que seu pensamento e a
provocação da sua tese a respeito do que considera ser um dos maiores contributos
do patrimônio filosófico de Marx, no plano ontológico, para a humanidade, faz
afirmações a partir do seu pensamento a respeito da prática, precisamente na dupla
articulação que forma a unidade entre materialismo e dialética: a) um
reconhecimento do papel central da prática na mediação da história do ser pelas
coletividades humanas; b) e uma compreensão essencial como atividade material de
transformação. Explicita sua concepção de unidade do ser no plano ontológico pelo
materialismo dialético:

A unidade do ser – em cujo âmbito multiplicidades várias se tecem e


entretecem – é uma unidade material que, do mesmo passo, é também
unidade deveniente de um processo de totalidades concretas; no interior
desta complexidade múltipla (por vezes, contraditória) de determinações e
de relações, como ingrediência sua (e não como instância dualizadamente
justaposta ou sobreimposta), a prática desenvolve e consuma um
incontornável poder de reconfiguração. Em suma, para compreender e para
transformar a realidade – o horizonte do nosso viver concreto – a instância
da prática é decisiva. (BARATA-MOURA, 1994, p.88).

Como tema cientificamente marxiano, o núcleo duro do pensamento de Marx


está nas Teses sobre Feuerbach, material escrito em meado de 1840, que constitui
um texto central no tocante ao envolvimento reflexivo sobre a problemática da
prática como transformação das circunstâncias, pelo conceito de Práxis – como
ação sensível diferente do pensar – e atividade real. Aquilo que nuclearmente se
trata não é apenas de mudar as ideias ou de reformar as mentalidades – é de
transformar mesmo, isto é, materialmente (BARATA-MOURA, 1994, p. 89-91).
No seu estudo sobre as Teses escritas por Marx, afirma que o caráter objetivo
da prática está relacionado como ‘atividade objetiva’ – como ‘atividade
sensivelmente humana’. A qualificação de ‘sensível’, a seu ver, aparece porque ela
se manifesta aos sentidos, e porque, em termos de conteúdo, ela atesta a presença
de materialidade. Isto é, a prática não é “acionalidade” apenas interior – como
atividade de pensamento ou como atividade ética, em Marx é objetiva num duplo

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sentido; a) do próprio ser da prática, e b) na dimensão prática que o ser incorpora.


Do ponto de vista ontológico, estas duas são, porventura, duas importantes
considerações. Segundo Barata-Moura (1994, p. 95):
No seu próprio ser, ou na modalidade de ser que lhe advém e exerce, a
prática tem um contorno objetivo (é função de condições materiais
complexas, que aqui não vamos analisar); mas a prática é ela própria um
processo material. Ainda que acompanhada de consciência e de verdade –
ela não é “cega”, está envolta em ideologia, e por isso devém igualmente
necessário proceder a toda uma crítica das ideias – por parte dos agentes,
singulares e coletivos, que a efetuam.

Estabeleço o elo da prática – como categoria filosófica, a partir de Barata-


Moura (1994), como ideologia acompanhada de consciência e verdade, por não ser
cega – com a discussão que desenvolvo, a partir dos clássicos marxistas, sobre a
práxis social, com base em Gramsci Apud Liguori (2017), Kosik (2011) e Vazquez
(2011), para, na sessão seguinte, estabelecer alguns diálogos com estudiosos
marxistas contemporâneos. Especificamente, nos importa discutir nesta tese – para
estabelecer os nexos com a pesquisa realizada –, dois dos níveis da práxis
estudados por Vazquez (2011, p. 267): a práxis criadora e a práxis reiterativa.
Gramsci Apud Liguori (2017, p. 802) afirma que a práxis social situa-se no
entrelaçamento entre a hegemonia e determinadas relações hegemônicas, no plano
da luta política, do “conjuntural” como ideologia verdadeira para a construção de
toda verdade. No pensamento gramsciano, a prática é o critério de verdade.

A verdade nasce no terreno da história e da prática: daqui a “historicidade


de toda concepção do mundo e da vida”. Toda verdade é expressão de
relações sociais historicamente determinadas: isso não quer dizer apenas
“refletir” ou “espelhar” passivamente, mas ativamente “reagir sobre a
sociedade, determinar certos efeitos, positivos e negativos [...] não ser
elucubração individual, mas ‘fato histórico’”. O limite de toda verdade é ser
histórica. (ibidem).

Segundo Vazquez (2011, p. 262), a visão idealista da práxis, anterior a Marx


foi quebrada radicalmente em Marx em uma das Teses sobre Feuerbach. Por isso, a
prática como critério de verdade é uma tese fundamental do marxismo. Toda vida
social é essencialmente prática, diz Marx. A atividade humana é, portanto, atividade
que se orienta conforme a fins, e esses só existem através do homem, como
produtos de sua consciência. Toda ação verdadeiramente humana exige certa

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consciência de um fim, o qual se sujeita ao curso da própria atividade. O fim, por sua
vez, é a expressão de certa atitude do sujeito diante da realidade. Pelo fato de traçar
um fim, adoto certa posição diante dela (VAZQUEZ, 2011, p. 224).
A Práxis, em sua essência e universalidade, é a revelação do segredo do
homem como ser ontocriativo, como ser que cria a realidade (humano-social) e que,
portanto, compreende a realidade (humana e não humana, a realidade na sua
totalidade). A práxis do homem não é a atividade prática contraposta à teoria; é
determinação da existência humana como elaboração da realidade. De acordo com
Kosik (2011, p. 222),

A práxis é ativa, é atividade que se produz historicamente – quer dizer, que


se renova continuamente e se constitui praticamente –, unidade do homem
e do mundo, da matéria e do espirito, de sujeito e de objeto, do produto e da
produtividade. Como a realidade humano-social é criada pela práxis, a
história se apresenta como um processo prático no curso do qual o humano
se distingue do não humano: o que é humano e o que não é humano não
são predeterminados; são determinados na história mediante uma
diferenciação prática.

Os estudos sobre os níveis da práxis em Vazquez (2011, p. 267) tomaram


como pressuposto a afirmação de Marx a partir da qual, “toda vida social é
essencialmente prática”. Mas essa totalidade prático-social pode ser decomposta em
diferentes setores. Pode-se afirmar que existem diferentes níveis da práxis, “de
acordo com o grau de penetração da consciência do sujeito ativo no processo
prático e com o grau de criação ou humanização da matéria transformada destacada
no produto da sua prática”. É pelo pressuposto de que a práxis é ação do homem
sobre a matéria que Vazquez (2011) afirma a existência de diferentes setores e
níveis de sua materialização.
Neste estudo, destaco os aspectos que se referem à práxis criadora e à
práxis reiterativa. A partir do referencial da práxis criadora como atividade
determinante da transformação da realidade, Vazquez (2011, p. 269) afirma:

Do ponto de vista da práxis humana total, que se traduz definitivamente na


produção ou autocriação do próprio homem, a práxis criadora é
determinante, já que é justamente ela que lhe permite enfrentar novas
necessidades, novas situações. O homem é o ser que tem de estar
inventando ou criando constantemente novas soluções. Uma vez
encontrada uma solução, não lhe basta repetir ou imitar o resolvido. [...] o
homem não vive em constante estado criador. Ele só cria por necessidade.
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Porém criar é para a ele a primeira e mais vital necessidade humana,


porque só criando, transformando o mundo, o homem [...] faz um mundo
humano e se faz a si próprio.

Relaciona a práxis criadora com a subjetividade e a objetividade, com a


prévia ideação, com os níveis da consciência e com a necessidade de mudança.
Afirma que, ao longo do processo prático, há a perda inevitável do fim original, o que
não significa a eliminação do papel determinante que o fim tem em tal processo.
Quanto à consciência, afirma que é mais do que uma serie contínua de atos – nem
pode ser assim concebida – que se sucedem no processo na mesma ordem em que
se ocorreram. A consciência traça um fim aberto, ou um projeto dinâmico, e
justamente, por essa abertura ou dinamismo, ela deve permanecer aberta e ativa ao
longo de todo o processo prático. A práxis criadora possui três traços distintivos: a)
unidade indissolúvel, no processo prático, do subjetivo e do objetivo; b)
imprevisibilidade do processo e do trabalho; c) unidade e irrepetibilidade do produto
(VAZQUES, 2011, p. 270-271).
Em um nível inferior em relação à práxis criadora se encontra a práxis
simplesmente imitativa, ou reiterativa. De acordo com Vazquez (2011, p. 277), uma
práxis desse gênero se caracteriza, precisamente, ou por uma débil manifestação,
ou pela inexistência dos três traços da práxis criadora. Nessa práxis, em relação à
práxis criadora, rompe-se, em primeiro lugar, a unidade do processo prático. Na
práxis imitativa, o campo do imprevisível estreita-se. O ideal permanece imutável. A
lei que rege o processo prático já existe de forma acabada, anteriormente a esse
processo e ao produto em que culmina. O resultado real do processo prático
corresponde plenamente ao resultado ideal.
Além disso, busca-se essa correspondência e sabe-se como e onde encontrá-
lo. Por isso, o resultado não tem nada de incerto; e o atuar nada tem de aventura.
Não se inventa o modo de fazer. Ele tem por base uma práxis criadora já existente,
da qual toma a lei que a rege. É uma práxis de segunda mão, que não provoca uma
mudança qualitativa e não produz nova realidade. Contudo esse lado negativo não
exclui um lado positivo, que é o de ampliar o já criado. Entretanto, por mais positiva
que seja a práxis reiterativa em uma dada circunstância, chega um momento em que
ela tem de dar lugar – no mesmo campo de atividade – a uma práxis criadora, que

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se constitui como elemento determinante da historicidade humana universal


(VAZQUES, 2011, p. 277).
A ação transformadora da realidade tem um caráter teleológico, mas os fins
que se pretende materializar estão, por sua vez, condicionados e têm por base o
conhecimento da realidade que se quer transformar. Se se atingem os fins que se
perseguiam, isso significa que o conhecimento de que se partiu para traçar esses
fins é verdadeiro. É na ação prática sobre as coisas que se demonstra se nossas
conclusões teóricas a seu respeito são verdadeiras ou não. De acordo com Vázquez
(2011, p. 149), é preciso ter cuidado ao interpretar essa relação entre verdade e
aplicação venturosa, ou entre falsidade e fracasso, como se a verdade ou a
falsidade fossem determinadas pelo êxito ou fracasso. Nesse tocante, esclarece
que:
Se uma teoria pode ser aplicada com êxito é porque é verdadeira, e não o
contrário (verdadeira porque foi aplicada eficazmente), o êxito não constitui
a verdade; simplesmente a torna transparente, ou seja, torna visível o
pensamento que reproduz adequadamente uma realidade. Esse papel da
prática como critério de verdade, por outro lado, no sentido que de que
proporcione de forma direta e imediata esse critério de validade da prática.
A prática não fala por si mesma e os fatos práticos precisam ser analisados,
interpretados já que não revelam seu sentido à observação direta e
imediata, ou a uma apreensão intuitiva. O critério de verdade está na
prática, mas só é descoberto em uma relação propriamente teórica com a
própria prática. Tal é o papel da prática como critério de verdade da teoria,
independentemente das formas especificas que possa adotar nas diferentes
ciências (ibidem).

Sobre a relação entre teoria e prática como fundamento da práxis, cabe


destacar as considerações sobre a predominância, na atualidade, da produção
teórica, conforme abordada por Mézáros (2009), ao afirmar que, neste período
histórico de regência do capital, quem circunscreve os limites a partir dos quais a
atividade cientifica se realizará é o próprio capital. Afirma que muitas mudanças
acontecerão ao longo desse período histórico, já que as formas do capital também
variam, e adverte que as mudanças metodológicas e transformações teóricas
precisam se acomodar aos limites restritivos estruturais que definem a época em sua
totalidade. Em defesa da relação existente entre metodologia e ideologia, na obra
“Estruturas sociais e formas de consciência”, faz a desconstrução do paradigma da
cientificidade moderna, que é o de que a ciência, como tal, consiste em um
empreendimento puramente teórico e desvinculado de qualquer interesse de classe.

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As figuras representativas do horizonte social do capital têm de conceituar


tudo de uma determinada maneira, e não de outra. “O ponto de vista da economia
política” impõe limites que privilegiam a perspectiva do capital (adotado de maneira
mais ou menos consciente pelos principais pensadores) e são estruturalmente
intransponíveis, uma vez que a sua substituição vai requerer a instituição de um
modo de produção radicalmente diferente. A estrutura deste tempo histórico e a
formação social do capital fazem emergir características metodológicas originadas
por sistemas de pensamento que, no seu conjunto estritamente encadeado, criam as
determinações conceituais, como formas específicas de ideologia.
De acordo com Mézáros (2009, p. 10), destaco, de forma resumida, as cinco
características metodológicas desse tempo histórico: 1) orientação pragmática para
a ciência; 2) tendência geral para o formalismo; 3) o ponto de vista da
individualidade isolada; 3) a determinação negativa da filosofia e da teoria social; e
5) a supressão da temporalidade histórica, cada vez mais evidente e, por fim,
inteiramente devastadora.
O elo que estabeleço na discussão sobre a práxis social que tenho
apresentado é para discutir a mediação realizada pela educação com a atividade
prática dos sujeitos sociais – sobre a práxis social dos sujeitos egressos
participantes da pesquisa –, no sentido dessa práxis como transformação e (ou)
como reiteração da sociedade.

INTERLOCUÇÕES COM A POLÍTICA EDUCACIONAL

A análise de conteúdo dos documentos oficiais da política da educação


profissional, assim como, das entrevistas com os sujeitos egressos orientou-se pela
concepção de Minayo (1994, p. 77), sobre uma proposta de interpretação qualitativa,
com base no método hermenêutico-dialético. Nesse método a fala dos atores sociais
é situada em seu contexto para ser mais bem compreendida. “Essa compreensão
tem, como ponto de partida, o interior da fala. E, como ponto de chegada, o campo
da especificidade histórica e totalizante que produz a fala.” Foram utilizados os

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seguintes passos para operacionalização da proposta do método hermenêutico-


dialético:

a) ordenação dos dados – nesse momento, faz-se um mapeamento de todos


os dados obtidos no trabalho de campo. Aqui estão envolvidos, por exemplo,
transcrição de gravações, releitura do material, organização dos relatos e da
observação participante.

b) classificação dos dados – nessa fase, trabalha-se com as categorias a


partir do referencial teórico e do que surge como relevante nos dados.

c) análise final – aqui, procurou-se estabelecer articulações entre os dados e


o referencial da pesquisa.

Uma das referências para a análise do conteúdo dos documentos oficiais a


epistemologia do híbrido de Mikhail Bakhtin (2011), a hibridização aparece como
fenômenos discursivos, pautados por duas linguagens sociais que se regeneram e
se renovam de forma ambivalente. Ele considera a hibridização como “uma
dimensão do entrelaçamento de “duas linguagens sociais, é o reencontro na arena
de duas consciências linguísticas separadas por uma época, por uma diferença
social das línguas” (BAKHTIN, 2011, p.127).
Bakhtin parte do método sociológico marxista, que consiste no estudo da
filosofia da linguagem como filosofia do signo ideológico. Compreende a estrutura da
enunciação e da atividade mental como de natureza socioideológica. Situa a palavra
no campo da ideologia, e sua utilização, mediada pela língua, está ligada à evolução
ideológica, “não separar ideologia da realidade material do signo (colocando-a no
campo da “consciência” ou em qualquer outra esfera fugidia ou indefinível)”
(BAKHTIN, 2014, p. 45). Qualquer enunciação, por mais significativa e completa que
seja, constitui apenas uma fração de uma corrente de comunicação verbal
ininterrupta (concernente à vida cotidiana, à literatura, ao conhecimento, à política,
etc.). Mas essa comunicação verbal constitui, por sua vez, apenas um momento na
evolução continua, em todas as direções, de um grupo social determinado
(BAKHTIN, 2014, p.128).
No estudo dos documentos da política de educação profissional federal e
estadual, evidenciam-se enunciados e conceitos que expressam, de modo ambíguo,
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híbrido e contraditório, a intencionalidade e mesmo a racionalidade em disputa das


políticas públicas para a formação profissional do trabalhador, propostas pelas
instituições públicas de ensino no Brasil e na Bahia.
A necessidade de considerar a dimensão histórica das questões
socioprodutivas é fundamental frente à ideologia dominante, uma vez que as
determinações históricas, quando ausentes, podem causar distorções aos fatos, “até
mesmo uma constante violação dos fatos”, inclusive pela perspectiva dos
intelectuais que defendem esse tempo histórico, de que “o sistema econômico atual
é pretensamente inalterável e a ordem econômica atual pode ser eternizada como
estrutura social e como formas de consciência.” (MÉZÁROS, 2009).
Em Saviani (2005, p. 141), a educação como mediação, no seio da prática
social, e a necessidade de compreensão e explicação das formas como são
produzidas as relações sociais têm por base o marxismo gramsciano, em que a
teoria e a prática se articulam, se unificam nas práxis. É um movimento
prioritariamente prático, mas que se fundamenta teoricamente, ou se alimenta da
teoria para esclarecer o sentido, para dar direção à prática. “A prática tem primado
sobre a teoria, na medida em que é originante. A teoria é derivada. Isto significa que
a prática é, ao mesmo tempo, fundamento, critério de verdade e finalidade da
teoria”. A prática necessita da teoria e precisa por ela ser iluminada (SAVIANI, 2005,
p. 142).
Saviani (2008, p. 58) afirma, a partir de Vazquez (1968, p. 207), que o papel
da educação, de transformação da realidade – práxis social –, não se dá por meio
de uma transformação direta e imediata, mas por meio de ação indireta e por
mediação. Entre a teoria e a atividade prática transformadora se insere o trabalho de
educação das consciências, de organização dos meios materiais e dos planos de
ação.

CONCLUSÕES

Considerando o pano de fundo das diferenças com os países de capitalismo


avançado, o Brasil enfrenta o desafio de começar a reestruturação produtiva pela
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“reestruturação social”. Dentre as disparidades internas, os números da população


economicamente ativa (PEA), os vários problemas estruturais da sociedade
brasileira, somados à retirada do Estado da área social pelas políticas neoliberais,
apresenta, pela assimetria externa, uma diferença da renda per capita com países
com economia de alta renda na América Latina.
Sobre a contradição entre desenvolvimento tecnológico, inovação e crise dos
empregos, Harvey (2016, p. 109) vai afirmar que a esquerda está fadada a defender
os empregos e as qualificações ameaçados, em curto prazo, mas que será uma
batalha perdida face à nova configuração tecnológica. E ainda que, na conjuntura
atual, qualquer movimento anticapitalista deve reorganizar seu pensamento sobre a
ideia de que o trabalho social está se tornando cada vez mais insignificante para o
modo como funciona o motor da economia capitalista.
A esquerda tem de organizar ações defensivas contra tecnologias
empregadas nas práticas cada vez mais predatórias de acumulação por
espoliação, as ondas de desqualificação, o desemprego permanente, a
crescente desigualdade social e a degradação acelerada do meio ambiente.
A contradição que enfrenta o capital se metamorfoseia numa contradição
que necessariamente se interioriza na política anticapitalista. (HARVEY,
2016, p. 109)

Considerando a filosofia da práxis, a mudança depende da capacidade de


perceber corretamente os aspectos que a realidade apresenta. Konder (2004, p. 54)
vai afirmar que, assim como não podemos ter uma visão correta de nenhum aspecto
estável da realidade humana se não soubermos situá-lo dentro do processo geral de
transformação a que ele pertence (dentro da totalidade dinâmica de que ele faz
parte), também não podemos avaliar nenhuma mudança concreta se não a
reconhecermos como mudança de um ser (quer dizer, de uma realidade articulada e
provida de certa capacidade de durar). Certamente, o processo de transformação,
no sentido da superação, requer uma clara visão das ideologias1 que disputam a
direção política, moral e intelectual da sociedade para confrontá-las.

1
O conceito de ideologia é afirmado no sentido conferido por Lukács, que a situa como o complexo da ideologia
com a função de mediar os conflitos sociais, que se constitui pelo conjunto de idéias de que os homens se
utilizam para interferir nos conflitos sociais da vida cotidiana. Ela não elide a violência como forma de
dominação de classe, apud FRIGOTTO (2014).
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REFERÊNCIAS

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BRASIL. Regimento da conferência nacional de educação profissional e tecnológica.


.In: CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E
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Recebido em 27/12/2019
Aprovado em 20/02/2020

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