Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Apostila - Morfossintaxe - Mariangela Rios PDF
Apostila - Morfossintaxe - Mariangela Rios PDF
_______________________________________________________________________________
O48L
2.ed.
Inclui bibliografia
ISBN 9978-85-387-3329-4
CDD: 469.5
CDU: 811.134.3’36
_______________________________________________________________________________
Paráfrase ....................................................................................197
Conceito e características ....................................................................................................197
Usos parafrásticos....................................................................................................................200
Por fim, este livro apresenta um capítulo dedicado à paráfrase, uma estratégia
de reformulação que concorre para imprimir aos textos a unidade de sentido e
de forma que devem manifestar. Tal estratégia é compreendida como processo
constitutivo dos textos em geral, sejam eles literários ou não, capaz de concorrer
para o equilíbrio entre velhos e novos informes.
O que é sintaxe?
Para as pessoas, de um modo geral, que já foram ou são estudantes,
lidar com a sintaxe resume-se em classificar termos da oração e períodos,
na tentativa de fixação de uma série de rótulos e regras sem maior refle-
xão e aplicabilidade no trato diário. Aliás, muitas pensam que só há aulas
de português quando se faz a tradicional “análise sintática”, por anos repe-
tida e poucas vezes compreendida.
Enquanto (3) nos informa que João praticou a ação de seguir Pedro, a frase
(4) nos diz justamente o contrário – que foi Pedro quem seguiu João. Ora, a alte-
ração de sentido na comparação de (3) e (4) ocorre justamente por causa da al-
teração na ordenação dos constituintes na estrutura da frase, ou seja, por causa
da mudança sintática. Em (3), João aparece em posição inicial e é o agente da
ação de seguir, que, por sua vez, incide sobre o alvo Pedro. Já em (4), a troca
posicional dos nomes João e Pedro leva à troca de função desses constituintes,
fazendo com que Pedro seja o agente, aquele que pratica a ação de seguir João,
este que passa agora a ser o alvo da ação. Ambas as frases são finalizadas com
a informação adicional sobre o local da perseguição (na rua), que, assim como
de grão em grão, em (1), atua como um adendo, um informe adicional sobre a
circunstância da ação.
As frases de que até agora tratamos – (1), (2), (3) e (4) – ilustram também
a ordenação-padrão em língua portuguesa, a sintaxe preferencial usada para
interpretar e produzir frases: sujeito (S) + verbo (V) + complemento (C), ou
simplesmente SVC. Isso significa que tendemos a considerar, em princípio, os
nomes iniciais como agentes da ação verbal e os finais como os alvos, os pa-
cientes atingidos pela ação dos primeiros. As informações sobre circunstâncias
da ação (modo, meio, tempo, lugar, entre outras) costumam se ordenar após o
verbo, como papéis secundários ou adjuntos. Assim, do ponto de vista sintático,
temos a seguinte organização estrutural das frases até aqui vistas:
adjunto S V C
S V C
S V C adjunto
S V C adjunto
vida: de forma contínua e perseverante (de grão em grão). Tal antecipação, por-
tanto, destaca a maneira pela qual devem agir as pessoas, o que faz com que a
informação sobre o modo apareça em primeiro lugar.
Assim, podemos dizer que, embora a sintaxe da língua portuguesa não seja
totalmente rígida, permitindo algumas alterações posicionais ou intercalações,
entre outros procedimentos, as mudanças operadas na ordenação-padrão (SVC
+ adjunto) provocam efeitos discursivos distintos, constituindo, portanto, outros
modos de dizer e de comunicar. Observemos como ficariam (3) e (4) com algu-
mas mudanças sintáticas:
(1) também poderia ter o adjunto de grão em grão separado por vírgula, consti-
tuindo uma outra estratégia de ênfase. Dizemos apenas que “poderia” porque
não estamos tratando de uma regra, de um procedimento obrigatório. O que
vai fazer com que se use ou não a vírgula nessa e em outras situações similares
é a necessidade comunicativa, o efeito pretendido. Dessa forma, quanto maior
a intenção ou a necessidade de destacar ou enfatizar a circunstância expressa,
maior a motivação para o uso da vírgula como marcação de pausa, de ruptura
no nível sintático (estrutural) e no nível semântico (significativo). Por outro lado,
constituintes muito vinculados não devem ser separados por pausa, daí porque
não devemos usar vírgula quando lidamos com a sintaxe-padrão SVC + adjunto,
tal como ocorre em (2), (3) e (4).
Caracterização
Em geral, o sintagma é formado por dois ou mais “elementos consecutivos,
um dos quais é o determinado (principal) e o outro o determinante (subordinado)”
(KURY, 1986, p. 9). Assim, a concepção do sintagma é mais ampla do que a do vocá-
bulo e mais restrita do que a da frase, situando-se em posição intermediária entre
essas duas dimensões. Retomemos o exemplo (1) para ilustrar nosso comentário:
Em (1), usamos barras para separar os três sintagmas que formam o provér-
bio. Podemos verificar que as separações coincidem com funções já referidas
na seção 1. Assim, o sintagma inicial de grão em grão atua como expressão do
modo; o seguinte, a galinha, codifica o sujeito, enquanto o último, enche o papo,
funciona como predicado, formado pelo verbo e seu complemento.
Propriedades
Para que uma unidade seja considerada um sintagma, deve preencher alguns
requisitos básicos, em termos de mobilidade, posição e organização interna. Tais
requisitos constituem, portanto, critérios para a definição e a delimitação de sin-
tagmas. Conforme Azeredo (1995, p. 32, 33), são três as “peculiaridades distribu-
cionais” dos sintagmas:
Deslocamento
O sintagma se desloca na frase como um todo, para posições iniciais, mediais
ou finais, não admitindo movimento de apenas um ou de alguns de seus cons-
tituintes. Assim, por exemplo, na frase (2), abaixo retomada, os deslocamentos
somente são possíveis quando realizados por sintagmas completos:
Substituição
O sintagma é uma estrutura de sentido e de forma, então pode ser substituí-
do por uma unidade simples, como um pronome ou sinônimo. Para ilustrar essa
propriedade, vejamos novamente a frase (3) e as possibilidades de substituição
de seus constituintes sintagmáticos, sugeridas em (13):
Coordenação
O sintagma admite a interposição de um conectivo coordenativo entre seus
constituintes, de modo a se estabelecer equivalência funcional, ou coordenação,
desses elementos. Essa operação desfaz uma das marcas mais características do
sintagma – a hierarquização. Retomemos (3) e, a seguir, vejamos como o proces-
so de coordenação pode fornecer pistas para a identificação de sintagmas:
Classificação
De acordo com Azeredo (1995, p. 43), são cinco os tipos de sintagma que
podemos identificar no português. Tal classificação depende da composição in-
terna dessas unidades. Trataremos, a seguir, de cada uma delas:
Nas frases já vistas, podemos levantar alguns exemplos de SN, como a gali-
nha e o papo, em (1), em que o determinante precede o núcleo nominal, e águas
passadas, em (2), no qual o determinante modificador passadas sucede o núcleo
águas.
Em (15), o que fizemos foi, ao final da frase, justapor mais duas circunstâncias
ao ato praticado por João, respectivamente, o modo (atentamente) e o tempo
(ontem). Essa série de três constituintes pode ser interpretada com um só SAdv,
composto por três núcleos, ou ainda, com base nas distintas circunstâncias arti-
culadas, podemos admitir que cada qual representa um SAdv específico.
O que motiva a ordem dos sintagmas em (16) e (17) é o tipo de destaque que
se faz ou não das circunstâncias expressas. Em (16), enfatiza-se o modo da ação;
em (17), o tempo. Como já referimos anteriormente, não estamos discutindo
acerca de arranjos sintáticos “certos” ou “errados”, mas tratando da adequação
das frases, e suas diversas opções de ordenação, às condições de produção dos
textos que produzimos no uso linguístico cotidiano.
Texto complementar
gem, porém, é muito mais do que articular sons e combinar palavras; além de
ter uma estrutura extraordinariamente complexa que envolve sons, palavras
e frases, seu uso nas múltiplas situações reflete condicionamentos psicoló-
gicos, sociais e culturais. Por outro lado, o ato de dizer/escrever se dá em um
contexto que inclui ouvinte/leitor, assunto, tempo, espaço. Quem diz/escreve
normalmente o faz buscando a comunicação e só excepcional ou maldosa-
mente evitando-a. O ouvinte/leitor é, por conseguinte, tão decisivo para o ca-
ráter do discurso quanto quem o produz. Nem tudo o que o enunciado deixa
ou faz entender se acha explícito nele; parte de seu sentido já está no conheci-
mento do interlocutor (informação implícita/implicada) ou constitui um dado
prévio qualquer no conhecimento do interlocutor (informação pressuposta).
Parafraseando Reyes (1984), pode-se dizer que o locutor não só “diz”, como
“cita”, e ao fazê-lo, não só ressuscita outras experiências discursivas, como
suscita sentidos.
A cada instante pode-se estar pronunciando uma frase nova. Afinal, nin-
guém pode garantir que a frase que inicia este parágrafo e a que estou escre-
vendo agora não são inéditas. Eu não as tinha memorizadas, muito menos o
leitor, e, apesar disso, não houve qualquer dificuldade para produzi-las e en-
tendê-las. Nós não aprendemos o significado de cada uma das frases possí-
veis como se nada tivessem em comum umas com as outras. Todas elas, acei-
tas como estruturas da língua pelos usuários, se criam graças a um sistema
de unidades – sons, palavras, afixos, acentos – e regras que as combinam.
Estudos linguísticos
1. Com base na definição de sintaxe – parte da gramática que descreve e interpre-
ta a ordenação e a combinação hierárquica dos constituintes nas frases de uma
língua – apresentada neste capítulo, responda por que:
a) Deslocamento:
b) Substituição:
c) Coordenação:
Teus sinais ( )
Teu olhar ( )
Referências
AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos da Gramática do Português. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
Gabarito
1. A frase (a), embora tenha um sentido meio “excêntrico”, nas palavras
de Azeredo (1995), está de acordo com a sintaxe do português, apre-
sentando o sujeito (Napoleão), seguido do verbo (temia), de seu comple-
mento (que as tartarugas desovassem) e do adjunto locativo (no seu
imponente chapéu). Os sintagmas encontram-se aí bem formados e
essa ordenação padrão permite que os usuários do português atribuam
sentido à frase, mesmo que esse sentido seja um pouco estranho.
Em (b) não podemos sequer falar em “frase”, uma vez que os constituintes
não se encontram organizada e hierarquicamente ordenados; assim, se não
há sintagmas, não há sintaxe, não há uma ordenação capaz de fazer sen-
tido.
2.
a) A união / faz [a força].
S V C
adjunto S V C
3. Algumas sugestões:
a) Deslocamento:
b) Substituição:
c) Coordenação:
4.
Teus sinais ( SN )
Teu olhar ( SN )
Shutterstock.
Shutterstock.
Esse tipo de frase, composta por um único constituinte, encontra-se forte-
mente vinculada à situação em que é usada. É o que ocorre na ilustração a seguir,
em que a cena, por si, faz com que Fogo! funcione como frase, numa declaração
de sentido completo.
Shutterstock.
Por outro lado, sintagmas mais amplos são também classificados como frase,
por conta da completude de sentido que os marca.
De acordo com Rocha Lima (1987, p. 203), temos cinco tipos de frase, caracte-
rizados por marcas entoacionais específicas. Os tipos dividem-se em:
a) Declarativa: a frase mais comum, usada para anunciarmos um fato, dar-
mos uma notícia, enfim, fazermos asserções. No texto escrito, é encerrada
com ponto final, como em:
(1) Ele conhece o caminho do sucesso.
(2) O trabalho está perfeito.
b) Interrogativa: utilizada para formularmos perguntas. É finalizada no texto
escrito pelo ponto de interrogação:
(3) Ele conhece o caminho do sucesso?
(4) O que é perfeito?
O cotejo de (3) e (4), por outro lado, nos permite uma outra constatação
acerca das frases interrogativas do português. Conforme Perini (1995, p. 64), em
(3) temos uma “interrogativa fechada”, já que a resposta à questão é absoluta
– sim ou não, elaborada a partir do conteúdo de toda a oração. Já em (4), de
acordo com o mesmo autor, teríamos uma “interrogativa aberta”, cuja resposta
incide sobre um dos termos da oração, no caso o pronome quem.
Para conferir sentido negativo em (11) e (12), foi utilizado o mesmo recurso
sintático – a anteposição do advérbio não ao verbo. Trata-se do modo-padrão
com que expressamos a negação em português. Na verdade, as frases negativas
têm ocorrência reduzida em nossa prática linguística; nas interações, as pessoas
tendem a evitar o uso do não.
Uma das razões, de cunho sociocultural, para essa pouca frequência pode
ser atribuída ao “peso” que a negação tem, considerada muitas vezes um tipo
de sentido muito forte, deselegante ou sem polidez. A frase (12), por exemplo,
conforme a situação, pode expressar censura ou crítica, nesse caso, a opção mais
neutra, amena ou polida poderia ser talvez O trabalho ainda precisa melhorar ou
O trabalho pode ser aprimorado.
Uma outra motivação, agora ligada a fatores cognitivos, seria a complexida-
de da negativa, que, para ser processada, supõe o conhecimento da afirmativa.
Esse pressuposto requer maior esforço do produtor e do receptor para que se
estabeleça a comunicação. Assim, ainda tomando a frase (12) como exemplo,
seu processamento passa necessariamente pela afirmativa correspondente O
trabalho está perfeito.
Conforme estamos verificando, a concepção de frase é ampla e diversa. No frag-
mento a seguir, o poeta Mario Quintana “brinca” com tal concepção, propondo um
jogo a partir da marca de unidade e abrangência que caracteriza esse termo:
IstockPhoto.
(13)
[...]
O leitor ideal para o cronista seria aquele
a quem bastasse uma frase.
Uma frase? ? Que digo? Uma palavra!
O cronista escolheria a palavra do dia:
“Árvore”, por exemplo, ou “Menina”.
Escreveria essa palavra bem no meio da página,
com espaço em branco para todos os lados,
como no campo aberto aos devaneios do leitor.
Imaginem só uma meninazinha solta no meio da página.
Sem mais nada.
[...]
Estrutura oracional
De acordo com Azeredo (1995, p. 30), a oração “apresenta normalmente uma
estrutura bimembre [...] centrada em um verbo com o qual se faz uma declara-
ção [...] sobre um dado tema”. O caráter dual da oração também é referido por
Rocha Lima (1987, p. 205), que a define como a frase “que se biparte normalmen-
te em sujeito e predicado”.
Com a estrofe a seguir, que abre o poema “Aurora”, exemplificamos esse uso
mais recorrente:
(14)
O poeta ia bêbado no bonde.
O dia nascia atrás dos quintais.
As pensões alegres dormiam tristíssimas.
As casas também iam bêbadas.
(ANDRADE, 1978, p. 30)
Com os quatro versos de (14), o poeta inaugura a descrição da cena que vai re-
tratar e que dá título a seu poema – a “Aurora”. Para tanto, faz uso de quatro frases
representativas do padrão mais frequente da língua; ele detalha, com frases ver-
bais afirmativas, os elementos que compõem o ambiente descrito – o poeta, o
dia, as pensões e as casas. Além de serem organizados por frases verbais, decla-
rativas e afirmativas, os versos de (14) ilustram ainda uma outra tendência da
ordenação oracional em português – a sequência sujeito (ou tema) + predicado
(ou declaração). Assim, os referidos elementos constitutivos do cenário descrito
– o poeta, o dia, as pensões e as casas – ocupam a posição inicial de cada um dos
quatro versos, na função de sujeito, articulando os temas contemplados pelo
poeta em sua observação inicial da “Aurora”. No esquema a seguir, ilustra-se essa
organização oracional-padrão:
SN SV
+
sujeito (ou tema) predicado (ou declaração)
O poeta ia bêbado no bonde.
O dia nascia atrás dos quintais.
As pensões alegres dormiam tristíssimas.
As casas também iam bêbadas.
Para assistir as videoaulas deste livro, assine o site www.planoeducacao.com.br 37
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br
Frase, oração e período
Conforme Cunha e Cintra (1985, p. 118), período se define como “a frase orga-
nizada em oração ou orações”. Os autores, à semelhança de Kury, também desta-
cam a terminalidade que deve caracterizar o período.
(15) No fim da tarde de 1.º de fevereiro de 1908, o rei de Portugal, D. Carlos I, fardado de generalíssimo,
desceu do vapor “S. Luís” no Terreiro do Paço, em Lisboa. Passou a tropa em revista, conferiu a presença
dos ministros, piscou para uma ou duas marquesas de sua intimidade e subiu à carruagem puxada
por cavalos de penacho. Com ele estavam sua mulher, dona Amélia de Orleans, princesa da França, e
os dois filhos, o príncipe herdeiro Luís Filipe e o infante Manuel. (CASTRO, 2005)
Com o trecho (15), Castro inicia sua obra, que se debruça sobre a vida de
Carmem Miranda, um dos maiores ícones da cultura popular brasileira (em que
pese a “Pequena Notável” ter nascido em Portugal). Essa primeira passagem nos
apresenta um pequeno relato sobre a família real portuguesa, organizado a
partir de três períodos.
(15’) No fim da tarde de 1.º de fevereiro de 1908, o rei de Portugal, D. Carlos I, far-
dado de generalíssimo, desceu do vapor “S. Luís” no Terreiro do Paço, em Lisboa.
(15’’) Passou a tropa em revista, conferiu a presença dos ministros, piscou para
uma ou duas marquesas de sua intimidade e subiu à carruagem puxada por cava-
los de penacho.
(15’’’) Com ele estavam sua mulher, dona Amélia de Orleans, princesa da
França, e os dois filhos, o príncipe herdeiro Luís Filipe e o infante Manuel.
Tal como (15’), no fragmento anterior ocorre um período simples, uma oração
absoluta e uma frase, que tem no verbo estavam seu eixo principal. Nesse trecho,
não temos mais a dinamicidade das ações verificada em (15’’), mas sim um co-
mentário descritivo sobre os acompanhantes do rei – sua mulher e filhos. Essa
mudança de tipo de sequência, nos termos de Marcuschi (2002), que interrompe
a sucessão de fatos para, com uma certa pausa, descrever a cena, pode ter moti-
vado Castro a optar por um período de configuração sintática mais simples, em
torno de uma só oração.
Texto complementar
Essa definição apresenta problemas, que não serão discutidos aqui. Bas-
te-nos reconhecer que geralmente é possível identificar frases, embora as
bases para essa identificação permaneçam em parte obscuras. Assim, são
frases os enunciados seguintes:
As frases não oracionais nem por isso deixam de ter estrutura analisável;
em geral, verifica-se que se compõem de elementos que também ocorrem
dentro de orações – ou seja, são como que fragmentos de orações. As frases
não oracionais estão muito pouco estudadas [...] Isso não significa, claro,
que não sejam interessantes; em particular, a hipótese de que uma frase
não oracional é sempre composta de um fragmento de oração merece ser
investigada.
Há duas orações, a saber: (a) vá à padaria; b) traga oito pãezinhos. Além disso,
há ainda uma terceira oração, que compreende as duas mencionadas, mais a
palavra e, ou seja, essa terceira oração é a íntegra de (3). Como se vê, a terceira
oração é coextensiva com a própria frase e seria, portanto, um período. Não
vejo inconveniente nessa nomenclatura, desde que fique claro que um perío-
do é sempre uma oração. [...] Naturalmente, nem toda oração é um período, já
que muitas orações não são coextensivas com a frase de que fazem parte, por
exemplo, vá à padaria em (3) é uma oração, mas não um período.
[...]
seria normalmente interpretada como um pedido. Mas sua forma nos au-
toriza a entendê-la como uma pergunta: digamos que duas pessoas estão
imaginando uma situação hipotética. Uma delas diz:
Isso não quer dizer que a estrutura seja irrelevante. Por exemplo, é muito
difícil imaginar um contexto em que a frase
O que nos interessa aqui é que há certas estruturas sentenciais que se es-
pecializam em veicular determinado tipo de força ilocucionária. Assim, fala-
mos de frases interrogativas, que em geral se usam para exprimir perguntas.
Como vimos, isso não quer dizer que elas só possam exprimir perguntas; mas
que “pergunta” faz parte, digamos, de seu significado básico, literal [...]
Estudos linguísticos
1. Leia o fragmento a seguir e faça o que se pede:
b) Por que podemos dizer que as frases iniciais do segundo parágrafo (“Alô?
Mário? É o Sérgio.) têm função indicativa?
c) Das frases que recebem ponto de interrogação, qual a que parece consti-
tuir, de fato, uma pergunta? Justifique sua resposta.
Para evitar arrependimento, levei Padilha para a cidade, vigiei-o durante a noite.
No outro dia, cedo, ele meteu o rabo na ratoeira e assinou a escritura. Deduzi a
dívida, os juros, o preço da casa, e entreguei-lhe sete contos e quinhentos e cinquen-
ta mil-réis. Não tive remorsos. (RAMOS, 1978, p. 24)
Referências
ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia Poética. 12. ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1978. p. 57.
CASTRO, Ruy. Carmem: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
VERISSIMO, Luis Fernando. Comédias da Vida Privada. Porto Alegre: L & PM,
1996.
Gabarito
1. O parágrafo articula-se em quatro períodos, três simples (oração absoluta) e um
composto, a saber:
a)
2. As respostas aqui apresentadas são meras sugestões, uma vez que a questão
é aberta.
a) Um empregado chega tarde ao trabalho e o patrão o recebe na porta do
escritório, zangado e olhando o relógio, dizendo a frase: “Você poderia
chegar mais cedo amanhã?”
b) Um pai, daqueles bem tradicionais, flagra sua filha aos beijos e abraços
com um desconhecido numa rua escura às 2 horas da manhã, e diz: “O
que é isso?”
3.
a) Declarativa negativa.
b) A menor ocorrência desse tipo frasal deve-se ao fato de os usuários ten-
derem a fazer declarações afirmativas, evitando o maior uso de negati-
vas, seja por polidez ou por maior facilidade de processamento.
Oração
Sujeito Predicado
Definindo sujeito
A maioria das gramáticas do português define o sujeito pelo viés semântico,
ou seja, pelo sentido que, em geral, essa função sintática expressa. Assim, en-
contramos, a título de exemplificação, as duas seguintes afirmações sobre o que
é sujeito:
a) Cunha e Cintra (1985, p. 119): “O sujeito é o ser sobre o qual se faz uma
declaração”.
c) Luft (1987, p. 23): “Sujeito – ser de quem se diz alguma coisa – é o ele-
mento com o qual concorda o verbo”.
2
Entendemos por morfossintaxe o nível de análise linguística que combina critérios morfológicos e sintáticos, como o estudo da relação entre a
classe dos substantivos e sua função na organização da frase portuguesa, como sujeito e complemento verbal ou nominal.
Sujeito Predicado
O único meio de identificar o sujeito nos pares (5) / (5’) e (6) / (6’) é justamen-
te sua ordenação na estrutura oracional. Assim, em (5), João é o “ser” de quem
se diz algo, no caso, que ama Maria; já em (5’), a mudança sintática operada faz
com que Maria funcione como sujeito, o “ser” que ama João. Na oração (6), o SN
o professor, em posição inicial, atua como sujeito, como o “ser” sobre o qual se
declara que é americano; contrastivamente, em (6’), o ao SN o americano, codifi-
cado como sujeito, é atribuído o comentário é professor.
Por outro lado, tal como os demais critérios, a abordagem sintática, por si, não
é suficiente para a depreensão ou identificação do sujeito oracional na maioria das
orações da língua portuguesa. Uma prova do que declaramos é a possibilidade das
quatro primeiras orações referidas nesta aula admitirem sujeito posposto ao predi-
cado, sem maiores prejuízos para o conteúdo oracional veiculado, como em:
Predicado Sujeito
Tipos de sujeito
A seguir, listamos os distintos modos de classificação do sujeito, de acordo
com a tradição gramatical5. Como poderemos observar, não há um só critério
4
Assim denominamos o conjunto de usuários da língua, na modalidade falada ou escrita, que a tem com língua materna, independentemente das
situações de variação no uso.
5
Segundo a NGB, há quatro tipos de sujeito: simples, composto, indeterminado e oração sem sujeito; nesta aula, incluímos mais um – o oculto, pela
tradição com que tem sido referido como um outro tipo de manifestação do sujeito.
para tal classificação; há tipos de sujeito que se distinguem por traços estrutu-
rais, enquanto outros se definem por traços semântico-pragmáticos. Ademais,
os tipos não têm a mesma produtividade na língua, o que significa que a fre-
quência de uso desses padrões não é equilibrada – há sujeitos mais e menos
recorrentes.
Essa diversidade de parâmetros costuma causar certa confusão aos que estu-
dam nossa língua, conforme será aqui exposto. Passemos, então, aos tipos:
Sujeito simples
Trata-se do tipo mais comum. O sujeito simples tem um só núcleo; em outras
palavras, apresenta-se como o SN, que, funcionando como sujeito, tem apenas
um determinado (ou termo principal), independentemente do número de de-
terminantes (ou termos secundários).
Embora os sujeitos de (2), (4), (5) e (6) apresentem algumas distinções, todos
têm em comum o fato de serem do tipo “simples”, uma vez que possuem um só
núcleo. No caso mais específico de (4), o que pode ocasionar dúvida é a defini-
ção do núcleo – que tanto pode ser maioria quanto homens (razão pela qual o
verbo, como referimos anteriormente, pode ser flexionado no plural ou não).
Assim, a classificação em sujeito simples não leva em conta nada mais do que a
ocorrência de um, e um somente, núcleo, com o qual deverá concordar o verbo.
Sujeito composto
Classifica-se como composto o sujeito que tem mais de um núcleo. Assim,
nas orações com sujeito composto, o verbo deve ocorrer no plural, uma vez que,
como já vimos neste capítulo (Luft, 1987; Bechara, 1999), uma das características
do sujeito é justamente a concordância de número em relação ao verbo.
Sujeito indeterminado
Dizemos que o sujeito é indeterminado quando desconhecemos, não temos
interesse em saber ou não queremos dizer quem executa a ação. Embora não
Para assistir as videoaulas deste livro, assine o site www.planoeducacao.com.br 55
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br
Termos essenciais: sujeito
tenha visibilidade maior na estrutura da oração, conforme Luft (1987, p. 25), esse
tipo de sujeito “existe na ideia”, e a língua dispõe de recursos específicos para
marcar essa existência não muito clara ou relevante.
Chama-se de oculto o sujeito que pode ser identificado na oração, ainda que
não esteja formalmente expresso ou marcado por um termo específico. Ao con-
trário do sujeito indeterminado, o sujeito oculto está subentendido, sendo recu-
perável por intermédio de duas estratégias:
Em (22), é o sujeito da primeira oração (ambos são professores) que atua também
como sujeito da segunda oração (dão aula de Matemática). Somente chegamos à
identificação do sujeito ambos da segunda, que aí está oculto, pela recuperação
do contexto anterior. O mesmo comentário podemos fazer em relação a (23) –
para a recuperação do sujeito a maioria dos homens, oculto na segunda oração, é
necessário o contexto anterior, onde se encontra expresso esse SN.
(24) Os crachás “high tech” de hoje em dia são uma maravilha: abrem portas
e são o seu RG no trabalho.
No exemplo (24), formado por três orações, apenas o sujeito simples da pri-
meira oração é expresso na íntegra (os crachás “high tech” de hoje em dia); a partir
daí, temos a elipse desse sujeito nas duas orações subsequentes (abrem portas e
são o seu RG no trabalho). O símbolo indica a ausência formal do sujeito, o que
não acarreta problema para produção e a compreensão de (24).
A oração sem sujeito, dessa forma, não se confunde com o sujeito indetermi-
nado, uma vez que neste caso o sujeito existe, embora não se possa ou não se
queira identificá-lo.
guês. Essa situação é interpretada por muitos estudiosos da língua como um dos
pontos críticos e contraditórios da descrição feita pela tradição gramatical.
(31) Tem dias que a gente se sente / como quem partiu ou morreu.
Se fôssemos usar um registro linguístico formal, o verbo que inicia (31) deveria
ser modificado para há dias ou existem dias. Mas a mudança somente do termo
verbal não seria suficiente, porque, além do uso de tem, o que confere ao verso
do poeta a marca da informalidade não se encontra apenas no verbo inicial – está
também na expressão a gente se sente, variante popular do uso padrão nós nos
Para assistir as videoaulas deste livro, assine o site www.planoeducacao.com.br 59
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br
Termos essenciais: sujeito
sentimos. Em termos sintáticos, outro aspecto interessante desse verso é que, con-
forme a perspectiva gramatical adotada, admitem-se duas análises: na primeira,
mais convencional, consideraríamos dias o sujeito de tem (para tanto, deveríamos
usar o acento circunflexo, na marcação do plural – têm); na segunda análise, mais
correspondente ao uso popular, interpretaríamos dias como objeto de tem, classi-
ficando o verbo como impessoal e a oração como de sujeito inexistente.
De acordo com Cunha e Cintra (1985, p. 127), o uso do verbo ter como impes-
soal é corrente “na linguagem coloquial do Brasil”, além de estar consagrado na
literatura moderna e em outras manifestações. Citam os autores ainda que tal
uso “deve estender-se ao português das nações africanas”, devido ao registro de
ocorrências desse tipo em fontes literárias do português de Angola.
Texto complementar
(BECHARA, 1999)
Estudos linguísticos
1. Com base nos versos6 abaixo, extraídos da letra de “Eduardo e Mônica”, faça
o que se pede:
6
Em poemas e letras de música, cada linha representa um verso; um conjunto de versos constitui uma estrofe.
a) Justifique a flexão de plural das formas verbais fizeram e foram viajar, le-
vando em conta o tipo de sujeito com que concordam.
b) Aponte uma justificativa para o uso desse tipo de sujeito, com base em
sua definição gramatical e no efeito de sentido articulado pela estrofe:
Referências
ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia Poética. 12. ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1978. p. 57.
BECHARA, Evanildo. Duas afirmações muito complexas – 2. In: ELIA, Silvio et al.
(Org). Na Ponta da Língua. Rio de Janeiro: Lucerna, 1998.
_____. Moderna Gramática Portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.
LUFT, Celso Pedro. Moderna Gramática Brasileira. 8. ed. Rio de Janeiro: Globo,
1987.
Gabarito
1.
2.
a) Nos três versos, trata-se de orações sem sujeito, com o verbo impessoal
haver.
Sujeito Predicado
(1) Todos os moradores temem as chuvas de verão.
(2) A chuva foi a mais forte da estação.
(3) Choveu torrencialmente ontem!
c) Luft (1987, p. 23): “O mais importante dos dois, núcleo da oração, é o predi-
cado: há orações sem sujeito (com verbos impessoais), mas não as há sem
predicado”.
Tipos de predicado
Na língua portuguesa há três tipos de classificação de predicado a partir de
modelos distintos. Esses modelos têm produtividade variada, com frequência
de uso diversa na comunidade linguística – um é muito usado, o outro é mais
limitado e um terceiro tem uso raro em português. Apresentaremos os três tipos
conforme essa gradação – do mais para o menos produtivo.
Predicado verbal
Trata-se do tipo mais comum de predicado. De acordo com Cunha e Cintra
(1985, p. 132), “o predicado verbal tem como núcleo, isto é, como elemento
principal da declaração que se faz do sujeito, um verbo significativo.” Adiante,
na mesma página, os autores definem esse verbo como aquele que porta uma
“ideia nova ao sujeito”.
(8) Ela responde a todos com monossílabos e vagos gestos com o copo de tulipa.
(p. 51)
Nos predicados verbais de (7), (8) e (9), os núcleos (em negrito) são comple-
Embora mais raros, há casos em que a plenitude verbal é tal que dispensa
complementos, como nas orações dos seguintes versos, extraídos da letra de
Carolina, composição de Chico Buarque (2008):
(10) Lá fora, amor, uma rosa nasceu, todo mundo sambou, uma estrela caiu....
(11) Lá fora, amor, uma rosa morreu, uma festa acabou, nosso barco partiu...
Nos dois fragmentos, o poeta descreve (ou tenta descrever) para a amada
o ambiente externo. Para tanto, ele articula orações formadas por predicados
verbais cujos núcleos são plenos, sem a presença de qualquer complemento.
Trata-se de acontecimentos ocorridos no momento inicial (10) e final (11) da
composição, que concorrem para demonstrar a mudança processada enquanto
o poeta se dirige à amada.
Predicado nominal
Como o rótulo indica, esse tipo de predicado tem por núcleo, ou termo prin-
cipal, um nome, que pode ser representado por substantivo, adjetivo ou prono-
me. O núcleo do predicado nominal classifica-se sintaticamente como predica-
tivo. Por outro lado, o verbo, no predicado nominal, é chamado de ligação, uma
vez que seu papel maior é o de conectar o sujeito e o predicativo, estabelecendo
entre ambos a concordância número-pessoal devida, além de informar sobre o
tempo e o modo da declaração.
(15) Mauro era um homem bonito. Alto, atlético, moreno. Mas era bobo. Era ex-
tremamente bobo.
Mauro era um homem bonito > era bobo > era extremamente bobo
Comstock Complete.
Comstock Complete.
Nas orações listadas em (A), os verbos andar, ficar, estar e continuar atuam
na expressão de estados, fazendo a ligação entre o sujeito e seu atributo, infor-
Predicado verbo-nominal
Esse é o tipo complexo de articulação do predicado. Tal complexidade justifica-
se pelo modo como é elaborado – trata-se, na verdade, da combinação do predi-
cado verbal e do nominal, na formação de um terceiro modelo. Devido à combi-
nação de que resulta o predicado verbo-nominal, também é chamado por alguns
autores de “misto” (ROCHA LIMA, 1987, p. 208; CUNHA; CINTRA, 1985, p. 134).
Nas orações (30) e (31), os termos predicativos vereador e bobo não qualificam
o sujeito, mas sim o complemento do sujeito. Na oração (30), o verbo significativo
elegeu refere-se ao sujeito a população, que praticou essa ação. Na oração (31), o
sujeito todos concorda com o verbo julgavam, que é complementado pela partí-
cula o; essa partícula, que se refere ao ser julgado, é que recebe o atributo bobo.
Texto complementar
(BECHARA, 1998, p. 78-79)
[...]
Toda nação culta tem seu código de bem falar e escrever e o aprendizado
deste código começa nos primeiros anos de vida e não para nunca: sempre
há ocasião para se ir mais além no conhecimento dessa língua exemplar.
Nenhum escritor, por mais ilustre que seja, começa dominando as normas
e segredos do seu idioma. Machado de Assis, por exemplo, apresenta-nos
nos seus livros, ainda na fase de autor já consagrado, os verbos fazer e haver
impessoais, na forma flexionada, contra a boa tradição da língua: “Faziam
já dous anos que o não via” (Contos Fluminenses, p. 54, 1899). “(...) homem
muito rico (...) que morrera haviam dez anos” (Ibid., p. 62). Aprendido que tais
verbos, nestas referências, não se põem no plural, o grande Machado inseriu-
se na tradição idiomática. Outro grande poeta da língua, Camilo, usou por
muito tempo o verbo haver no plural, em referência existencial; é célebre o
seu passo “houveram coisas terríveis” (Romance dum Rapaz Pobre, p. 34).
Estudos linguísticos
1. Releia o primeiro parágrafo do texto complementar, de Bechara, e responda
as seguintes questões:
“[...] homem muito rico [...] que morrera haviam dez anos”.
Referências
AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos da Gramática do Português. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
BECHARA, Evanildo. Duas afirmações muito complexas – 2. In: ELIA, Silvio et al.
(Org). Na Ponta da Língua. Rio de Janeiro: Lucerna, 1998.
_____. Moderna Gramática Portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.
LUFT, Celso Pedro. Moderna Gramática Brasileira. 8. ed. Rio de Janeiro: Globo,
1987.
VERISSIMO, Luis Fernando. Comédias da Vida Privada. Porto Alegre: L & PM,
1996.
Gabarito
1.
b) Trata-se de um tipo de variação diastrática, que tem a ver com o nível so-
ciocultural dos usuários, em que as orações no plural são usadas pelos mais
escolarizados; pode também estar relacionada à variação diafásica, em que
as orações no plural são usadas em registro mais formal ou tenso.
2.
3.
Sujeito Predicado
(1) O homem fala.
(2) Este homem fala a verdade.
(3) O ser humano pensa.
(4) Ele pensa na proposta de trabalho.
(5) Aquela garota pensa na proposta de trabalho.
Já nas orações (2) e (4), embora com a utilização dos mesmos verbos
falar e pensar, observamos outro contexto de sentido e de organização
sintática. Nessas orações, temos sujeitos mais definidos – este homem e ele, que
requerem comentários também mais precisos. Assim, o predicado nessas ora-
ções tende a fazer menção a ações, processos ou estados específicos do sujeito;
para tanto, além do verbo, há necessidade da articulação de complementos, de
sintagmas nominais (SN), como a verdade, em (2), ou de sintagmas preposicio-
nais (SPrep), como na proposta de trabalho, em (4), que vão delimitar e precisar o
que se declara sobre o sujeito. Portanto, falar a verdade é uma ação mais pontual
e individual do que somente falar; do mesmo modo, pensar na proposta de tra-
balho é uma atitude específica, em oposição a pensar.
Na oração (5), num outro tipo de complementação, o Sprep ao tumulto do
trânsito integra o sentido do nome alheia, que, sem o referido Sprep, ficaria com
sua referência imprecisa ou pouco clara. O complemento não constitui, portan-
to, um mero adendo, um acréscimo informacional, mas sim um dado fundamen-
tal para que a oração tenha sentido completo.
A esses termos que complementam e delimitam o sentido de verbos e nomes
chamamos “integrantes”. Os complementos verbais são nomeados “objetos”; os
que completam nomes são chamados “nominais”. Assim, teríamos a seguinte
classificação dos termos integrantes na sintaxe oracional do português:
Termos Integrantes
Complemento verbal (objeto) Complemento nominal
Objeto direto
Nomeia-se “objeto direto” ao complemento de um verbo transitivo direto, ou
seja, de um verbo que necessita dessa complementação para ter seu sentido in-
tegralizado. Assim, verbos portugueses como fazer, dizer, amar, consertar, pintar,
entre muitos outros, são classificados como “transitivo direto”, requerendo, por-
tanto, objeto direto na oração em que são articulados, para formações do tipo:
O objeto direto é o tipo mais comum de complemento verbal, uma vez que
o número dos verbos transitivos diretos é bem mais expressivo do que o dos
verbos intransitivos, de ligação, entre outros. Devido a essa grande variedade de
possibilidades de ocorrência, são muitos os efeitos de sentido que podem ser
expressos pelo objeto direto. Entre esses efeitos, podemos citar:
Por vezes, o objeto direto pode ser constituído por mais de um núcleo, clas-
sificando-se como “composto”. Trata-se de um processo de expansão, tanto do
sentido veiculado quanto da forma linguística, como em:
(10’’) Nesse quadro, pintei o azul mais bonito, o verde mais tenro e o amarelo
mais intenso.
(10’’) Nesse quadro, pintei o azul mais bonito, (pintei) o verde mais tenro e
(pintei) o amarelo mais intenso.
b) Tentativa de clareza:
Tópico Oração
(19) A mim, ninguém me engana.
(20) Palavras o vento as leva.
Objeto indireto
Assim é nomeado o complemento de um verbo transitivo indireto, isto é, de
um verbo que é regido por preposição, estabelecendo-se a ordenação V + SPrep.
Tal como o objeto direto, o núcleo do objeto indireto é de base nominal, poden-
do ser ocupado por palavras de distinta classe gramatical, como:
Nas orações de (21) a (24), temos como núcleo do SPrep objeto indireto, res-
pectivamente, o substantivo amor, o pronome você, o numeral dois e o verbo
substantivado saber.
Outros casos
Vejamos agora dois tipos de complemento verbal que não se encontram lis-
tados especificamente na NGB, porém encontram-se descritos em manuais e
compêndios do português.
Complemento circunstancial
De acordo com Rocha Lima (1987, p. 222), há certos verbos que requerem como
complemento sintagmas circunstanciais, notadamente de lugar ou de tempo, para
integralizarem sua significação. Esses sintagmas, também nomeados de “comple-
mento adverbial” (KURY, 1986, p. 50) não funcionam como informação subsidiária;
ao contrário, tornam-se imprescindíveis para o sentido da oração.
Complemento relativo
Para a NGB, o complemento relativo é apenas um tipo de objeto indireto.
Porém, alguns autores (ROCHA LIMA, 1987; BECHARA, 1999) distinguem esse tipo
de complemento do objeto indireto clássico por conta das seguintes razões:
Nas três orações anteriores, os verbos assistir, depender e reparar não modifi-
cam ou agem diretamente sobre os complementos subsequentes – ao final do
campeonato, do aval do chefe e na minha roupa nova. Ademais, os três SPrep não
podem ser substituídos pelas formas lhe e lhes, mas sim por a ele, dele e nelas,
respectivamente.
Por outro lado, ainda que considerando esses traços específicos, na mesma
linha de Kury (1986), consideramos essa distinção sem maior relevância e eficácia
para a descrição da sintaxe do português. O fato de o complemento verbal ser
introduzido por preposição torna-o passível de inclusão na categoria de objeto
Texto complementar
(KURY, 1998, p. 34-36)
“Não pregou olho durante toda a noite; saíra e entrara na estalagem mais
de vinte vezes, irriquieta” (p. 171-172);
“Dona Isabel acendeu velas de cera à frente do seu oratório, e nesse dia
não pegou mais no trabalho, ficou estonteada, sem saber o que fazia, a entrar
e sair de casa, radiante de ventura.” (p. 205)
De Machado de Assis:
“... mas houve um minuto, não me recordo bem qual, ao entrar ou sair da
igreja, .... em que, se ele cai ali com umas cãibras, eu não amaldiçoaria o céu.”
(Uma por outra, p. 1115 da ed. Aguilar, vol. II)
De Gilberto Amado:
[...]
Mas a evolução trouxe uma regência nova, “implicar em”, resultante da in-
fluência de verbos mais ou menos sinônimos, como importar em, resultar em, e
também uma tendência da língua para o uso pleonástico da preposição cog-
nata do prefixo (assistir a, depender de, empregar em, incidir em, incorrer em).
[...]
Estudos linguísticos
1. Leia atentamente o poema a seguir, de Manuel Bandeira, um dos mais repre-
sentativos poetas do Movimento Modernista do Brasil:
b) Aponte uma das motivações para o uso desses SPrep no poema de Ban-
deira.
2. Com base nos versos iniciais de Vinicius de Moraes, faça as questões que se
seguem:
A rosa de Hiroxima
(MORAES, 1968)
Referências
AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos da Gramática do Português. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
_____. Iniciação à Sintaxe do Português. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995.
BANDEIRA, Manuel. Estrela da Vida Inteira. 4. ed. Rio de Janeiro: José Olympio,
1973. p. 196.
_____. Manuel Bandeira – poesia completa e prosa. 4. ed. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1985.
BECHARA, Evanildo. Duas afirmações muito complexas – 2. In: ELIA, Silvio et al.
(Org). Na Ponta da Língua. Rio de Janeiro: Lucerna, 1998.
_____. Moderna Gramática Portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.
KURY, Adriano da Gama. Inovações na regência verbal. In: ELIA, Silvio et ali (Org).
Na Ponta da Língua. Rio de Janeiro: Lucerna, 1998.
_____. Novas Lições de Análise Sintática. 2. ed. São Paulo: Ática, 1986.
LUFT, Celso Pedro. Moderna Gramática Brasileira. 8. ed. Rio de Janeiro: Globo,
1987.
MORAES, Vinícius de. Obra Poética. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1968.
Gabarito
1.
2.
3.
a) Tem sido cada vez mais frequente o uso de namorar com; nesse caso,
interpretamos o verbo namorar como transitivo indireto.
Assim, poderíamos estabelecer a seguinte relação a partir das orações (1) e (2):
Desse modo, podemos declarar, como Kury (1986, p. 53), que o complemento
verbal está para o verbo assim como o complemento nominal está para o nome.
Ambos os termos integrantes concorrem para a necessária e esperada precisão
do antecedente, seja este verbo ou nome. Segundo Rocha Lima (1987, p. 210) e
Kury (1986, p. 51), trata-se, nos dois casos, de um tipo de “significação transitiva”,
de um processo pelo qual acontece a integralização de palavras transitivas de
base verbal ou nominal.
Ainda conforme Rocha Lima (1987, p. 210), o complemento nominal, assim no-
meado pela NGB, recebe outras designações por parte de estudiosos: objeto nomi-
nal (Maximino Maciel), adjunto restritivo (Alfredo Gomes), complemento restritivo
(Carlos Góis) e complemento terminativo (Eduardo Carlos Pereira, Sousa Lima).
Representações
De acordo com Cunha e Cintra (1985, p. 135-136), na articulação do comple-
mento nominal, o núcleo do SPrep que cumpre essa função pode ser represen-
tado por termo de classe morfológica variada, como:
a) Sujeito: como esta função sintática tem base nominal e é bastante pro-
dutiva em língua portuguesa, o complemento nominal integrante do SN
sujeito tem grande índice de ocorrência; as duas orações anteriores, (12) e
(13), entre outras aqui já apresentadas, são exemplos desse tipo:
SN sujeito
SPrep CN SPrep CN
SPrep CN SPrep CN
SN predicativo verbal
SN OD SPrep OI
SPrep CN SPrep CN
Para assistir as videoaulas deste livro, assine o site www.planoeducacao.com.br 103
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br
Termos integrantes: complemento nominal
Complemento ou adjunto?
Até aqui, apresentamos o complemento nominal como uma função clara e
bem delimitada, em torno da qual não há maiores problemas ou dúvidas. Mas
não é tão simples, em muitos casos, determinar os limites entre a função com-
plementar do SPrep, de caráter essencial, e a sua função adjuntiva ou acessória,
de natureza eventual e fortuita. Frequentemente, torna-se bastante tênue a dis-
tinção entre o papel complementar ou acessório do SPrep.
Ainda conforme Rocha Lima (1987), a dúvida reside em dois aspectos com-
plexos para a descrição gramatical, seja essa descrição de viés tradicional ou
linguístico: o conceito de transitividade e o grau de abstração dos nomes. Tal
complexidade tem a ver com o fato de tanto transitividade quanto abstração
serem parâmetros escalares, e não propriamente marcas absolutas. Portanto,
muitas vezes, para tratar desses parâmetros, é preciso relativizar, usar rótulos
como “mais” ou “menos” transitivo ou abstrato; e nem sempre essa é uma ques-
tão consensual e unânime.
Nas orações (10) e (14), os SPrep dos dois e de ordem são classificados como
complemento nominal por conta da transitividade dos nomes decisão e inver-
são, que necessitam dos referidos SPreps para a precisão da referência articu-
lada na oração. Já os mesmos SPreps em contextos distintos, nas orações (18) e
(19), atuam em função acessória, como adjuntos, por conta da “intransitividade”
dos nomes prova e caso, considerados de sentido pleno. Na verdade, aplicando
a perspectiva escalar referida nesta seção, poderíamos dizer que o substantivo
prova é mais intransitivo do que caso; assim, em termos de classificação, a função
acessória de dos dois, em (18), é mais evidente e inquestionável do que a função
acessória de de ordem, em (19).
De acordo com Rocha Lima (1987, p. 211), os substantivos abstratos que re-
querem complemento nominal são de dois tipos:
O que o autor também nos mostra com esse par de orações é que a análise
sintática das funções oracionais deve ser feita levando-se em conta a totalidade
da oração, e não termos isolados. Antes de se ater a casos particulares e específi-
cos da relação sintática, é preciso examinar essa relação no nível maior. Em outras
palavras, para compreender as partes, é preciso compreender antes o todo.
Texto complementar
Estudos linguísticos
1 Leia o seguinte comentário de Rocha Lima (1987, p. 211), acerca da distinção
entre o complemento nominal e o adjunto adnominal:
Referências
AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos da Gramática do Português. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
BECHARA, Evanildo. Duas afirmações muito complexas – 2. In: ELIA, Silvio et al.
(Org). Na Ponta da Língua. Rio de Janeiro: Lucerna, 1998.
_____. Moderna Gramática Portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.
Gabarito
1. Com base no trecho de Rocha Lima reproduzido, é realmente possível re-
sponder à pergunta de Azeredo: os SPreps da vacina e do Ano Novo são com-
plementos nominais em 322 e 323 porque os nomes descoberta e espera são
transitivos, constituindo nomes abstratos que requerem, assim, complemen-
tação. Por outro lado, essa situação não se verifica nos exemplos 320 e 321,
em que sua e cuja não atuam na complementação de nomes.
2.
3.
a) Sujeito.
b) Objeto indireto.
c) Predicativo do sujeito.
d) Objeto direto.
TERMOS ESSENCIAIS
(sujeito e predicado)
TERMOS INTEGRANTES
(complementos nominal e verbal)
TERMOS ACESSÓRIOS
(adjuntos adnominal e adverbial)
Sujeito Predicado
(Verbo + Complemento)
(1) José comprou livros
(2) Meu primo José comprou dois livros de história
Os três termos destacados em (2), meu primo, dois e de história, são classifica-
dos, assim, como acessórios. Por estarem precisando o sentido de dois nomes
– José e livros, núcleos respectivamente do sujeito e do objeto direto, são cha-
mados “adjuntos adnominais”.
Formas de expressão
Definido como “o termo de valor adjetivo que serve para especificar ou delimi-
tar o significado de um substantivo, qualquer que seja a função deste” (CUNHA;
CINTRA, 1985, p. 145), o adjunto adnominal tem distintas formas de expressão
em língua portuguesa. Vejamos as mais frequentes e comuns, de acordo com os
mesmos autores:
Nas orações (3) e (4), os SNs livros novos e interessantes livros, que funcionam
como objeto direto, são formados por adjunto adnominal expresso por adjetivo.
Em (3), temos a ordem padrão, ou canônica, em que o adjetivo é usado no SN
– após o núcleo, especificando-o; em (4), encontramos uma ordenação mais inu-
sitada, com a antecipação do adjetivo ao substantivo. Assim, os complementos
verbais aqui tratados organizam-se conforme a seguinte disposição, demons-
trando a possibilidade de o adjunto ocorrer como pré (4) ou pós-determinante
(3), de acordo com Bechara (1999):
SN objeto direto
núcleo núcleo
Em (5) e (6), as orações são ampliadas pela adjunção dos Spreps destacados ao
núcleo do objeto direto livros, numa estratégia que concorre para a precisão do
significado desse núcleo. Embora se trate da articulação de informações relevan-
tes, do ponto de vista estritamente “estrutural”, pelo caráter acessório de que se
revestem, esses adjuntos adnominais não participam da organização básica das
referidas orações, que se resume na sequência sujeito + verbo + complemento.
O SN sujeito meu primo José é formado por dois adjuntos adnominais de ca-
tegoria diversa – o pronome possessivo meu e o adjetivo primo1. O SN objeto
direto, do mesmo modo, é constituído por adjuntos adnominais da classe dos
numerais (dois) e do grupo das locuções adjetivas (de história).
Papéis semânticos
De acordo com Luft (1987, p. 42-43), são dois os sentidos básicos articulados
pelo adjunto adnominal em orações da língua portuguesa, conforme sua cons-
tituição morfológica:
Texto complementar
Complementos e adjuntos
(AZEREDO, 1995, p. 77-78)
2
Os quatro tipos de constituintes rotulados por Barbosa permitem, para entendermos do que o autor está falando, fazer a seguinte relação:
complemento objetivo = objeto direto e objeto indireto; complemento terminativo = complemento nominal; complemento restritivo = adjunto
adnominal; complemento circunstancial = adjunto adverbial).
O termo adjunto é de moderna importação, porém vai-se generalizando o seu uso; vem
do particípio irregular do verbo adjungir = jungir a. Traz a ideia de palavra que se prende
a outra, como os adjetivos e advérbios, para lhes modificar o sentido. É mais geralmente
aplicado às funções atributivas e adverbiais. Complemento ou regime são expressões mais
antigas, e aplicam-se mais comumente ao objeto e às expressões ligadas por preposição.
(PEREIRA, 1942, p. 217).
Estudos linguísticos
1. Leia o poema a seguir, de Cassiano Ricardo, e responda as questões propostas:
Serenata sintética
Rua
torta
Lua
morta
Tua
porta
a) As três estrofes são formadas, cada qual, por um SN; indique o núcleo
desses SNs e o adjunto adnominal, ou determinante, de cada um deles.
Infância
Carlos Drummond de Andrade
a) Qual a função sintática dos termos destacados nos três primeiros ver-
sos?
Referências
AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos da Gramática do Português. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
BECHARA, Evanildo. Duas afirmações muito complexas – 2. In: ELIA, Silvio et al.
(Org). Na Ponta da Língua. Rio de Janeiro: Lucerna, 1998.
_____. Moderna Gramática Portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.
LUFT, Celso Pedro. Moderna Gramática Brasileira. 8. ed. Rio de Janeiro: Globo,
1987.
Gabarito
1.
2.
3.
a) Complemento nominal.
b) Adjunto adnominal.
c) Adjunto adnominal.
d) Complemento nominal.
Nas orações (1) e (2), o SPrep no quarto atua como adjunto, uma vez que
não participa da predicação verbal de forma direta, não se “integra” ao verbo
dormir de modo necessário e fundamental. Trata-se, em ambas as orações, de
um adendo, de sentido locativo, que concorre para precisar e esclarecer acerca
do espaço onde se situa o sujeito a criança. Sem esse SPrep, ainda continuaria
preservada a estrutura sintática e semântica de (1) e (2), uma vez que A criança
dorme, ou, numa outra versão com atribuição de objeto direto, A criança dorme
um sono pesado são orações bem formadas e inteligíveis da língua portuguesa.
Para Luft (1987, p. 43), numa perspectiva mais ampla, o adjunto adverbial é o
constituinte “que se anexa ao verbo, ao adjetivo ou ao advérbio, ou a toda uma
oração ou período”.
Rocha Lima (1987, p. 227) apresenta maior precisão, ao declarar que o adjun-
to adverbial “modifica o verbo, exprimindo as particularidades que cercam ou
precisam o fato por este indicado”.
Outra generalização possível com base nas definições dos autores é a rela-
ção maior entre o adjunto adverbial e o verbo, presente nas três declarações,
demonstrando que a tendência maior do português é de que a circunstância
referida incida sobre o verbo, como podemos verificar nas orações (1) e (2) e
de (4) a (8). Contudo, esporadicamente, a referência adverbial pode recair sobre
outros constituintes:
Nos três exemplos, o que temos é um tipo de adjunto “oracional”, uma vez
que a circunstância de modo incide sobre toda a oração. De certa forma, essa
função maior não é considerada estritamente “gramatical”, no sentido de que
não participa da sintaxe da oração. Trata-se de um tipo de uso “discursivo” ou
“textual”, já que atua na atribuição de valor, de modalidade, por parte do emissor,
ao conteúdo declarado. Nessa perspectiva, tomando-se as orações (13), (14) e
(15), podemos dizer que realmente, certamente e evidentemente não participam,
de fato, da estrutura oracional, mas sim que expressam a avaliação do emissor
ao que declara, conferindo valor de verdade ou certeza a seu comentário. O uso
desses “adjuntos” torna as declarações mais evidentes, como uma estratégia de
natureza argumentativa.
Expressão e ordem
No período simples, ou oração absoluta, o adjunto adverbial pode ser expres-
so por um só advérbio ou ainda por locução ou sintagma de valor adverbial,
como em:
Classificação
São muito variados os sentidos, ou circunstâncias, expressos pelo adjunto
adverbial. De acordo com Cunha e Cintra (1985, p. 147), “muitas vezes, só em
face do texto se pode propor uma classificação exata”. Kury (1986, p. 56) chega a
declarar, diante dessa complexidade semântica, que, em termos de classificação
dos sentidos expressos pelo adjunto adnominal, “deve o professor aceitar todas
as que revelem no aluno compreensão inteligente”.
Como o sentido temporal tem sua origem no sentido espacial, certos usos
adverbiais partilham referência de tempo e de espaço, num tipo de circunstan-
ciação híbrida, conforme identifica Bechara (1999, p. 440). Trata-se de usos como
os destacados a seguir:
Conforme observamos nas duas orações anteriores, para a prova e por inte-
resse profissional constituem as justificativas para a ação de comprar (o livro). Em
geral, o adjunto adverbial de finalidade se expressa por intermédio de um SPrep
em torno da preposição para, a forma regular e padrão de articulação de finali-
dade em língua portuguesa.
Do mesmo modo que tratamos a falta de limites precisos entre algumas ocor-
rências da circunstância locativa e da temporal, aqui também faltam critérios
mais precisos para classificar, por exemplo, os adjuntos adverbiais das orações
(29) e (30) como final ou causal.
Na oração (38), com você, entre vírgulas, funciona como adjunto adverbial de
companhia, referente ao sujeito eu, com o qual concorda a forma verbal comprei.
Já em (39), o sintagma com você, sem qualquer marcação de pausa ou vírgula, é
parte integrante do sujeito composto eu com você, com cujos núcleos concorda
o verbo compramos. Portanto, em (38), o sujeito é somente a primeira pessoa –
eu, enquanto em (39) temos o sujeito composto eu com você. Trata-se, assim, de
duas distintas configurações oracionais e de dois sentidos diversos articulados.
Para alguns estudiosos, a negação deveria ser retirada da lista dos tipos de
adjunto adverbial, uma vez que se trata de um tipo de referência cumprida por
somente um item – a partícula não. Na argumentação desses investigadores,
abrir uma categoria para apenas um item seria como usar uma gaveta para pôr
somente uma peça de roupa, ou seja, seria sobrecarregar e ocupar a classificação
com um só constituinte. Ademais, a negação não representaria efetivamente um
tipo de circunstância, como todas as demais, não podendo ter, portanto, status
de adjunto adverbial. De acordo com esse entendimento, a partícula não deveria
ser analisada e tratada num outro nível de análise linguística, mais amplo, no
âmbito da frase ou oração.
Texto complementar
[...]
(sintaticamente incompleta)
(sintaticamente incompleta)
O escritor é de Minas.
Estudos linguísticos
1. Leia os primeiros versos da canção a seguir, de Ed Motta e Rita Lee, e respon-
da o que se pede:
Fora da lei
Ed Motta
Rita Lee
Cidade nua
Noite neon
Gata de rua faz rom-rom ao luar
Saio da cama
Pulo a janela
Ninguém como ela, ao luar
O bicho
Manuel Bandeira
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Referências
AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos da Gramática do Português. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
BANDEIRA, Manuel. Estrela da Vida Inteira. 4. ed. Rio de Janeiro: José Olympio,
1973. p. 196.
_____. Manuel Bandeira – poesia completa e prosa. 4. ed. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1985.
BECHARA, Evanildo. Duas afirmações muito complexas – 2. In: ELIA, Silvio et al.
(Org). Na Ponta da Língua. Rio de Janeiro: Lucerna, 1998.
_____. Moderna Gramática Portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.
LUFT, Celso Pedro. Moderna Gramática Brasileira. 8. ed. Rio de Janeiro: Globo,
1987.
Gabarito
1.
2. Dos SPreps destacados, o “teste de redução” (ou supressão), nos informa que
de noite, no primeiro ditado popular, e de grão em grão, no terceiro, atuam
como acessórios, como adjuntos adnominais, pois sua ausência não acarreta
prejuízos à estrutura sintática em que se encontram; já ao vento e de médico,
de sábio e de louco são, de fato, termos que cumprem função complementar
ou integrante, não podendo, assim, ser “reduzidos”.
3.
Assim posto, as funções que reservamos para análise neste capítulo – aposto
e vocativo – “distanciam-se” do grupo das gramaticais. Tal distanciamento deve-
-se às condições de uso das mesmas, uma vez que lhes falta, basicamente, a
marca da regularidade ou da sistematização e também a da hierarquização. Por-
tanto, na perspectiva que assumimos aqui, o aposto e o vocativo, como apresen-
tamos nas seções subsequentes, aproximam-se das estratégias mais amplas da
língua, relativas ao domínio do discurso e do texto. Trata-se de funções distintas,
cada qual motivada por fatores específicos e com atuação em contextos diver-
sos, que são usadas para determinados propósitos comunicativos.
Aposto explicativo
Para exemplificar o aposto, com base nas definições acima, mais especifica-
mente seu caráter explicativo ou esclarecedor, apresentamos alguns trechos
retirados de uma matéria sobre incidência de acne na juventude, extraída da
Revista Pense Leve, ano 16, n. 185, de novembro de 2007, p. 51:
(1) Cerca de 85% dos jovens, entre homens e mulheres, sofrem com a acne, uma
doença crônica, multifatorial e inflamatória das glândulas sebáceas.
(2) “Alimentos ricos em vitamina A, como o fígado e derivados do leite, além
da vitamina E, como amêndoas, milho e soja, ajudam bastante no combate e pre-
venção às acnes”...
(3) ... diz Márcia Ramos e Silva, chefe do serviço de dermatologia do Hospital
Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Ja-
neiro (UFRJ).
Nos trechos (1), (2) e (3), destacam-se os apostos, que, anaforicamente, re-
tomam o SN antecedente, detalhando-o mais ainda. Como os exemplos com-
põem uma matéria jornalística, podemos considerar que o uso desses apostos
concorre para maior precisão das informações trazidas ao leitor. Assim, em (1),
surge a definição de acne; em (2), as fontes naturais de vitaminas para combate à
doença; em (3), a qualificação profissional da especialista que é entrevistada.
O aposto escolhidos a dedo para esta reportagem, que retoma três deles, enfa-
tiza, para o leitor, a seleção feita pelo repórter dos quartos que são objeto da ma-
téria, procurando valorizar o conteúdo da reportagem. Trata-se, também nesse
caso, do uso do aposto motivado por intenções persuasivas4, no âmbito do dis-
curso, e não por necessidade ou exigência gramatical.
Outro tipo de aposto, formado por mais de um núcleo, é o que articula enu-
merações. Essas enumerações são usadas para detalhar e enfatizar o termo an-
tecedente. É o que se verifica no trecho (6), extraído da Revista Contigo, n. 1694,
de março de 2008, numa reportagem sob o título “Essas mulheres”:
(6) Ela é como diz o poeta Drummond: “branca, intacta, neutra, rara, feita de
pedra translúcida”.
(7) ... foi aprovada em quatro faculdades: cinema, psicologia, artes plásticas
e publicidade.
rico, como nos destaques do trecho a seguir, extraído também da Revista Pesca
Esportiva, n. 123, s/d, representativo do depoimento de um pescador:
(9) A ideia surge durante um bate-papo com os amigos Tubino e Fausto, e aca-
bará me levando a um barranco às margens do Rio Paraguai, em frente ao Morro
Pelado, a cerca de 120km da cidade de Cáceres, no Mato Grosso.
Papéis do aposto
A falta de funcionalidade sintática específica do aposto faz com que seu papel
oracional seja o mesmo daquele desempenhado pelo termo antecedente que
retoma. Na verdade, o aposto não tem uma função sintática precisa ou definida;
como termo cópia de outro, acaba atuando tal como este.
(3) ... diz Márcia Ramos e Silva, chefe do serviço de dermatologia do Hospital
Universitário.
(10) Taís Araújo ousou no visual para a sua personagem em Juízo Final, a malu-
quete Alícia. (Revista Contigo, n. 1694, março de 2008).
Por se tratar de nota sobre o novo corte de cabelo da atriz para uma novela,
o jornalista precisa informar ao público não só o nome da personagem como
também já adiantar um traço de sua personalidade – maluquete. Assim articula-
do, o aposto expande a circunstância de finalidade para a sua nova personagem
em Juízo Final5.
(11) Suzana, todos os exercícios físicos são bons para nossa saúde.
5
Título provisório. A novela foi ao ar com o título oficial “A Favorita”.
Segundo Cunha e Cintra (1985, p. 156), vocativos são termos “de entoação
exclamativa e isolados do resto da frase”. Rocha Lima (1987, p. 229) complemen-
ta essa definição ao declarar que o vocativo é “empregado quando chamamos
por alguém, ou dirigimos a fala a pessoa ou ente personificado”; nesse mesmo
autor, encontramos a informação de que o vocativo “não pertence propriamente
à estrutura da frase, devendo ser considerado à parte”. Kury (1986, p. 61) ratifica
essa declaração ao afirmar que o vocativo é um termo “à parte tanto do sujeito
como do predicado”.
(14)
Maria (sorrindo) – Tu gosta de eu?
Tião – Ó dengosa, eu sem tu não era nada...
Maria – Bobagem, namoradô como tu era...
Tião – Tudo passou!
(GUARNIERI, Gianfrancesco. Eles não Usam Black-Tie. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1987. p. 22.)
(15)
- Ana Paula...
- Jorge Alberto!
- Escuta, eu...
- Jorge Alberto, este é o Serge, meu namorado. Serge, Jorge Alberto, meu ex-
marido.
(VERISSIMO, Luis Fernando. O Marido do Doutor Pompeu. São Paulo: Círculo do Livro, 1989. p.
81.)
6
Nos estudos de Análise da conversação, chama-se “turno” a cada uma das intervenções linguísticas dos participantes da conversa.
Texto complementar
Vocativo
(PERINI, 1995, p. 91)
(123)
– Serginho!
– O quê?
– A bandeira está no chão.
(124)
– Serginho...
– O quê?
por si só, uma frase independente. Isso não se aplica a termos individuais da
oração: a oração (ou, melhor dizendo, o período) é que pode ter uma respos-
ta, mas não o seu sujeito, ou predicado, ou adjunto circunstancial etc.
Razões como essa mostram com bastante clareza que o vocativo realmen-
te não pertence à oração. A semântica apoia essa conclusão: o significado de
um vocativo não se integra ao significado de uma oração contígua. Já com
um adjunto oracional, por exemplo, há essa integração:
Estudos linguísticos
1. Leia a piada a seguir, retirada de Brasil – Almanaque de cultura popular, ano 9,
n. 106, de fevereiro de 2008 e responda as perguntas que se seguem:
Quinze anos
[...]
[...]
a) João Gilberto, ícone da Bossa Nova, é famoso pelo seu particular perfeccio-
nismo.
(_______________________)
(_______________________)
(_______________________)
Referências
AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos da Gramática do Português. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
BECHARA, Evanildo. Duas afirmações muito complexas – 2. In: ELIA, Silvio et al.
(Org). Na Ponta da Língua. Rio de Janeiro: Lucerna, 1998.
_____. Moderna Gramática Portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.
GUARNIERI, Gianfrancesco. Eles não Usam Black-tie. 5. ed. Rio de Janeiro: Civi-
lização Brasileira, 1987.
Gabarito
1.
b) A piada se organiza com base num rápido diálogo entre dois persona-
gens; em diálogos, os vocativos são usados para a representação da fala,
neste caso específico, a conversa entre Maria e José, em que um chama o
outro.
2.
b) Por se tratar de uma reportagem numa revista que, embora voltada para
conteúdos científicos, é destinada ao público em geral, inclusive as pessoas
mais leigas em ciências, é importante, e mesmo necessário, que os fatores de
obesidade listados sejam mais preenchidos semanticamente, mais explica-
dos, para que a matéria atinja realmente o público leitor. Para tanto, o aposto,
como recurso gramatical, concorre na organização discursiva do texto.
3.
a. Aposto de explicação
b. Aposto de explicação
c. Apostos de especificação
Voz ativa
De acordo com Bechara (1999, p. 222), na voz ativa, o verbo “se apre-
senta para normalmente indicar que a pessoa a que se refere a ação é o
agente da ação”. Poderíamos ainda acrescentar à definição do autor que,
via de regra, nesse tipo de voz, ao sujeito agente corresponde um verbo
de ação ou processo que atinge um objeto, chamado de paciente, sobre o
qual recai a ação verbal, como em:
As orações (1), (2) e (3), como demonstramos, por conta do traço “agen-
tividade” do sujeito, do tipo semântico do verbo e da “afetação” do objeto,
tendências gerais desse tipo de voz verbal, são classificadas como voz
“ativa”.
Há, contudo, no conjunto das orações de voz ativa, uma série de exemplos
que se distanciam, em maior ou menor grau, do modelo-padrão dessa categoria.
Vejamos, a seguir, alguns desses casos:
As orações de (4) a (6), embora identificadas como de voz ativa, são desprovi-
das de alguns traços básicos dessa classe. Em (4), o sujeito sintático o carro não
“pratica ação”, na verdade, alguém é que dirige o carro e esse alguém é que efe-
tivamente faz a curva “com” o carro; assim, a agentividade de o carro é discutível
e problemática para a inclusão de (4) no conjunto das orações de voz ativa. Por
outro lado, na mesma oração, o verbo fazer não se apresenta como um verbo
de efetiva ação, uma vez que o SV fazer a curva constitui um todo indicativo de
processo, ao contrário, por exemplo, de fazer um bolo ou fazer o trabalho, como
em (1), em que o resultado da ação de fazer é um produto acabado (o bolo, o
trabalho).
Em (5) e (6), o afastamento da classe das orações de voz ativa ocorre devido
ao fato de que os sujeitos Marta e eu, nesses contextos, do ponto de vista se-
mântico, figuram como pacientes e não como agentes da ação verbal. Ganhar
uma bicicleta e pegar um resfriado, embora predicados verbais, não podem ser
interpretados como ações.
Segundo Luft (1987, p. 132), temos voz ativa “quando o sujeito é agente ou
pelo menos ponto de partida da afirmação (sujeito formal, gramatical)”. Com tal
definição, o autor amplia um pouco mais os prerrequisitos da voz ativa. Para ilus-
trar sua declaração, o autor apresenta três exemplos:
O lobo ataca.
O lobo morre.
O lobo recebe (leva) um tiro.
1
Numa categoria, classe ou sistema, formas não marcadas são as mais frequentes e mais simples do ponto de vista estrutural e do ponto de vista
cognitivo, no sentido de que são mais acessíveis e processadas em menos tempo pela comunidade linguística, em oposição às marcadas, mais raras
e complexas, estrutural e cognitivamente. Assim, a voz ativa seria a não marcada face à passiva e à reflexiva.
Com base na declaração de Luft e a partir dos exemplos trazidos pelo autor,
podemos, com maior “comodidade”, interpretar as orações de (4) a (6) como de
voz ativa, uma vez que o sujeito, nesses casos, constitui apenas o referido “ponto
de partida da afirmação”.
Como a concepção de voz ativa tem como base a sequência sujeito + verbo +
complemento, a falta desse argumento final (o complemento ou objeto) prejudi-
ca a concepção da “atividade” do sujeito, uma vez que não há objeto sobre o qual
possa recair a ação verbal. Nas orações (7), (8) e (9), os sujeitos meu irmão, o carro
e a inflação não são propriamente agentes, mas sim temas a partir dos quais
se faz uma declaração genérica, com base, respectivamente, nas formas verbais
nasceu, enguiçou e caiu. Novamente aqui a definição de Luft (1987) apresentada
anteriormente pode ser uma alternativa mais viável para a inclusão desse grupo
entre as orações de voz ativa.
Devido a essa dificuldade, alguns autores, como Kury (1986, p. 34), restringem
a voz ativa apenas às orações com verbo transitivo, excluindo as construções
com verbo intransitivo desse rol. Segundo Kury, “voz ativa é a forma habitual que
reveste o verbo transitivo direto para denotar que o seu sujeito (claro, elíptico ou
indeterminado) é agente, isto é, executa ou pratica a ação que exprime”. (desta-
ques do autor).
Em (10) e (11), o editor dirige-se diretamente ao leitor, por meio da voz ativa,
colocando esse interlocutor como agente da ação verbal. Já em (12), na refe-
rência ao documentário Planeta Terra, o editor toma esse material como agente
verbal para, metaforicamente, atribuir-lhe ação (usa muita tecnologia). Nas ora-
ções (13) e (14), novamente a série Planeta Terra é tematizada como sujeito da
ação verbal.
Voz passiva
Contrastivamente à voz ativa, a voz passiva define-se como aquela “que indica
que a pessoa é o objeto da ação verbal. A pessoa, nesse caso, diz-se paciente da
ação verbal” (Bechara, 1999, p. 222).
Assim, de acordo com Bechara, nas orações anteriores, o que marca a pas-
sividade não é a configuração sintática ou a organização dos argumentos, que
são próprios da voz ativa, mas sim o sentido dos verbos ganhar e pegar nesses
contextos.
A passiva analítica é assim chamada por ser formada em torno de uma locu-
ção verbal. De acordo com Kury (1986), nessa locução verbal que caracteriza a
voz passiva, o auxiliar mais comum é o verbo ser, conforme o encontramos em
destaque nas orações (15), (16) e (17).
Segundo o mesmo autor, a voz passiva analítica pode ainda, de modo mais
esporádico, ser articulada em torno de outros auxiliares, como ficar, ir, vir, andar,
viver ou estar, em construções como as seguintes:
Nomeado de agente da passiva, esse termo é incluído pela NGB na classe das
funções integrantes ou complementares, com o mesmo status do objeto direto e
indireto, bem como do complemento nominal. Conforme a tradição gramatical,
a voz passiva analítica, portanto, é organizada segundo a estruturação:
Numa perspectiva mais crítica e analítica, com a qual nos alinhamos nesse
capítulo, consideramos que, de fato, o papel do agente da passiva é acessório, e,
na maioria das vezes, mesmo “dispensável”. Em fontes tradicionais do português,
encontramos suporte para a defesa desse ponto de vista. Rocha Lima (1987, p.
224), embora inclua esse termo no rol dos integrantes, destaca que “o agente
da passiva pode declinar de importância a ponto de ser omitido”. Para Bechara
(1999, p. 434) “tal complemento pode ser opcional”, e, em sua interpretação, o
agente da passiva foi incluído no grupo dos termos complementares “em vista
de seu relacionamento com o sujeito e com o complemento direto”.
Numa análise mais atenta das orações na voz passiva que efetivamente cir-
culam na comunidade linguística, os termos recorrentes, sem os quais não pode
haver declaração, resumem-se no sujeito paciente e na locução verbal. Em geral,
o agente da passiva é omitido, como nos seguintes fragmentos, integrantes da
matéria “Eternos casais”, da revista Camicado Houseware, n. 2, s/d:
(19) Estes dois personagens de uma das maiores obras da história da literatura,
escrita no século 16 pelo renomado escritor William Shakespeare, ficaram imorta-
lizados como ícones do amor puro. (sobre o casal Romeu e Julieta)
(20) ... os apaixonados são proibidos de viver esse grande amor. (sobre o casal
Romeu e Julieta)
(21) Célebre casal dos desenhos animados, estes dois simpáticos ratinhos de
Walt Disney foram vistos juntos pela primeira vez em um filme de 1928. (sobre o
casal Mickey e Minnie)
Em relação ainda à voz passiva analítica, de acordo com Kury (1986, p. 35),
não há correspondência absoluta entre verbos transitivos/voz ativa e locução
verbal/voz passiva. Há verbos transitivos que não permitem a transposição para
voz passiva; essa impossibilidade, segundo o autor, se justifica: a) pelo fato de
determinados verbos já terem conteúdo passivo, como ganhar e a construção
pegar (resfriado), aqui apresentados nas orações (5) e (6); b) por certas idiossin-
crasias idiomáticas2 do português, que impossibilitam voz passiva a partir de
verbos como querer, crer e conter, entre outros.
Ainda de acordo com Kury (1986, p. 40), verbos intransitivos, transitivos indi-
retos e verbos de ligação não fazem parte de voz passiva ou ativa, classificados,
por isso, como neutros.
2
Chamamos “idiossincrasias” aos traços e comportamentos linguísticos particulares e específicos de certos termos, que não obedecem a regras e
padrões gerais, antes, são marcas peculiares.
Segundo Luft (1987, p. 133), esse uso sem flexão de plural é motivado por
um conjunto de fatores. Assim, o autor o considera orações como (23’) e (24’)
exemplos da “fala espontânea”, como a expressão do “sentimento do falante”. De
acordo com esse “sentimento”, a voz passiva sintética é compreendida como voz
ativa, em que o sujeito é omitido, ou representado pela partícula se, num tipo
de construção equivalente ao que ocorre com verbos intransitivos ou transitivos
indiretos (precisa-se de vendedores; vive-se bem aqui), casos em que o sujeito é
classificado como “indeterminado” pela mesma vertente tradicional.
Voz reflexiva
De acordo com Cunha e Cintra (1985, p. 395), nesse terceiro e último tipo,
“o verbo vem acompanhado de um pronome oblíquo que lhe serve de objeto
direto ou, mais raramente, de objeto indireto e representa a mesma pessoa do
sujeito”. Pelo fato de a ação do sujeito recair sobre si mesmo, num tipo de espe-
lhamento, esse tipo de voz é chamado de reflexivo.
Conforme Bechara (1999, p. 222), a voz reflexiva “indica que a ação verbal não
passa a outro ser (negação da transitividade), podendo reverter-se ao próprio
agente (sentido reflexivo propriamente dito), atuar reciprocamente entre mais
de um agente (reflexivo recíproco) [...]”.
As orações (25) e (26) são exemplos do primeiro tipo de voz reflexiva referido
por Bechara:
Nas orações anteriores, os sujeitos ele e eu (oculto) praticam ações que inci-
dem sobre si mesmos. Os pronomes se e me, como objetos diretos, representam
essa reciprocidade, ao se referirem aos próprios sujeitos oracionais.
Conforme Kury (1986, p. 38-39), que adota o nome medial para a referência a
esse tipo de voz, a NGB engloba, na expressão voz reflexiva, pelo menos quatro
distintos processos de organização semântico-sintática. Os dois primeiros a que
o autor se refere são os aqui apresentados em (25) e (26), considerados por Kury
exemplos da voz reflexiva propriamente dita, e em (27) e (28), chamado pelo autor
de voz medial recíproca.
De acordo com Kury (1986), nas orações (29) e (30) os verbos fazer e retirar, res-
pectivamente, são articulados como reflexivos, num tipo de ocorrência especial,
que não corresponde à “ideia de direção reflexa”. De modo mais regular na voz
ativa, tais verbos são articulados com sujeitos que executam uma ação que recai
ou modifica um objeto (alguém faz/retira algo), o que não ocorre em (29) e (30).
Por fim, Kury (1986, p. 39) destaca um quarto tipo de voz reflexiva, a voz re-
flexiva pronominal, formada por verbos que nunca se conjugam sem o pronome
reflexivo. Esse pronome, segundo o autor, encontra-se “fossilizado, sem função
sintática”, e aparece obrigatoriamente em português nas construções queixar-se,
arrepender-se, orgulhar-se, entre outras.
Texto complementar
Estudos linguísticos
1. A partir da leitura do texto complementar, de M. Said Ali, responda as se-
guintes questões:
a) Por que a voz reflexiva é também chamada por alguns estudiosos de “voz
medial”?
b) Em termos gerais, que comentário faz o autor acerca dos usos pronomi-
nais em língua portuguesa?
a) Os fósseis foram encontrados ainda nos anos 1940 por Llewellyn Price...
Referências
ALI, Manuel Said. Gramática Histórica da Língua Portuguesa. 7. ed. Rio de Ja-
neiro: Livraria Acadêmica, 1971.
BECHARA, Evanildo. Duas afirmações muito complexas – 2. In: ELIA, Silvio et al.
(Org). Na Ponta da Língua. Rio de Janeiro: Lucerna, 1998.
_____. Moderna Gramática Portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.
LUFT, Celso Pedro. Moderna Gramática Brasileira. 8. ed. Rio de Janeiro: Globo,
1987.
Gabarito
1.
a) Porque se trata de um terceiro tipo de voz, situado entre a voz ativa (su-
jeito agente) e a voz passiva (sujeito paciente). Na voz reflexiva ou medi-
al, o sujeito é agente e paciente da ação verbal, como ponto de partida e
de chegada, daí ser considerada caso intermediário em relação às vozes
ativa e passiva.
2.
(o sintagma “ainda nos anos 1940” pode vir na parte inicial ou inter-
mediária da oração)
3.
Informatividade
De acordo com Furtado da Cunha, Oliveira e Martelotta (2003, p. 43), as
expressões linguísticas são caracterizadas pela marca da informatividade,
que se resume “ao que os interlocutores partilham, ou supõem que com-
partilham, na interação”. Seja na modalidade falada ou escrita, nossas de-
clarações resumem-se num jogo que combina informações conhecidas,
ou velhas, e informações novas, ainda não divulgadas ao interlocutor.
(NICOLA, José de. Literatura Brasileira – das origens aos nossos dias. São Paulo: Scipio-
ne, 1998, p. 252.)
Em (1), extraído de uma obra didática, o autor inicia a seção sobre o Pré-Mo-
dernismo apresentando um pequeno relato sobre Euclides da Cunha, um dos
maiores escritores brasileiros desse período literário. Para tanto, Nicola abre o
texto de apresentação com o nome completo do poeta, na função de sujeito,
com informações sobre a data e o local de seu nascimento. (Euclides Rodrigues
Pimenta da Cunha nasceu em Cantagalo, município do Rio de Janeiro, em 20 de ja-
neiro de 1866); trata-se da primeira aparição desse sujeito, o tema do texto, razão
pela qual vem codificado na íntegra. A seguir, expande-se o fluxo informacional
com dados sobre sua condição de orfandade e modo de vida na infância (Órfão,
foi criado por tias na Bahia, onde fez os primeiros estudos.); agora, surgem apenas
os novos informes, articulados no predicado; o sujeito, que se mantém tal como
no primeiro período, encontra-se formalmente ausente, marcado aqui pelo sím-
bolo , que indica a chamada “anáfora zero”. Nos quatro períodos seguintes, o
fluxo informacional é o mesmo – o autor mantém o tema – o sujeito Euclides
182 Para assistir as videoaulas deste livro, assine o site www.planoeducacao.com.br
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br
Funções sintáticas e relações textuais
(ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Abril Cultural,
1978, p. 62.)
Sequências tipológicas
De acordo com Marcuschi (2002), os diversos textos que circulam na comu-
nidade linguística são compostos por sequências tipológicas, definidas como
arranjos estruturais portadores de determinadas marcas específicas, entre as
quais destacam-se as funções sintáticas e sua articulação. Assim, a narração, a
descrição, a injunção e a dissertação/argumentação são tratadas como espécies
de sequências tipológicas que, combinadas ou não em maior ou menor grau,
formam os variados textos, os produtos linguísticos materializados que circulam
no trato social. Ler e escrever, portanto, é trabalhar com a decodificação e a co-
dificação dessas sequências; a habilidade em sua elaboração e combinação será,
segundo o mesmo autor, fundamental para o aprimoramento da competência
comunicativa. E conhecer como as funções sintáticas oracionais concorrem para
a elaboração dessas sequências é um importante instrumento para as habilida-
des de produção e de análise de textos.
Narrativa
Trechos narrativos são caracterizados pela articulação de um relato, em torno
de constituintes verbais indicadores de ação ou de mudança, geralmente no
pretérito. Nesses trechos, informações sobre lugar e tempo são fundamentais,
como componentes do fundo narrativo, do conjunto de dados subsidiários, mas
nem por isso menos relevantes, que auxiliam na construção do cenário textual
para a ação que se desenvolve, a figura narrativa, conforme Givón (2001).
Descritiva
Esse tipo de sequência tem como característica estrutural maior a presença
de verbos de estado, em geral no presente ou imperfeito do indicativo. Devido
a essa característica, trechos descritivos são, em geral, organizados em torno de
predicados nominais e verbais, estes sem sua marca típica de ação. Informações
sobre espaço tendem a acompanhar as sequências descritivas, como fundo para
a localização do objeto da descrição (pessoa, animal, objeto, sensação, entre
outros), ou como figura, quando o lugar é, ele mesmo, o tema descrito.
(4) O lugar que mais gosto de ficar é a sala, sentada nesta cadeira preta, es-
cutando música, ou então na rede. A sala não tem muitos móveis, só uma rede,
uma mesinha de metal preta, uma cadeira de couro e madeira, quatro de metal
preto que geralmente ficam fechadas e esta cadeira que eu gosto. Tem também
um aparelho de som, uma televisão e um carrinho de televisão. Tem vídeo e uma
estante de madeira baixa, com dois porta-retratos e um vasinho de louça. Tem
também uma bicicleta ergométrica e um monte de caixas. O chão é de taco e
não tem tapete.
constituem oração sem sujeito, em que ter, à semelhança de haver, como varian-
te mais popular do que esta, funciona como verbo existencial; essa interpretação
é favorecida pelo argumento de que, na descrição, o que importa são os traços
ou componentes da pessoa ou objeto descrito; b) podemos ainda, numa alter-
nativa mais próxima à tradição gramatical, considerar essas construções como
do tipo VS, em que o SN posposto atua como sujeito de tem. Trata-se, portanto,
de três alternativas de análise, duas mais compatíveis do ponto de vista semân-
tico e sintático (a primeira e a segunda), e outra mais “artificial” (a terceira).
Do ponto de vista dos predicados que organizam (4), temos uma profusão
de sintagmas verbais em torno do referido ter existencial, no presente do in-
dicativo, concorrendo para o sentido estático e apresentativo que caracteriza
as descrições em geral. Por vezes, surge o predicado nominal (que geralmente
ficam fechadas; O chão é de taco), concorrendo também para a composição do
quadro descrito.
Injuntiva
Como as sequências injuntivas se caracterizam pela função de comando ou
incitação, predicados verbais, em torno de formas imperativas ou de convocação,
frases exclamativas e vocativos, entre outras, são estratégias sintáticas usadas
nesses trechos. A marca própria da injunção é o traço dialógico ou interacional,
uma vez que, para haver comando ou incitação, é pressuposta a presença do
interlocutor, que tanto pode estar ausente, como leitor, na modalidade escrita,
ou presente, nos textos orais.
Dissertativa/argumentativa
Embora se possa fazer distinção entre dissertação e argumentação, na base
de que a primeira se resume na exposição de ideias ou pontos de vista e a segun-
da na tentativa de convencimento dessas ideias, vamos aqui nos alinhar àque-
les que tratam dissertação e argumentação como faces da mesma moeda. Esse
entendimento reside no fato de que, ao expormos opinião, já estamos, de fato,
num processo de persuasão, com vistas à adesão de nosso(s) interlocutor(es).
[...]
Texto complementar
Marcadores de foco1
(AZEREDO, 1995, p. 124-125)
[...]
Em “ele não veio até aqui senão para me provocar”, também o senão res-
tringe a finalidade, introduzindo o SPrep. Estamos diante de uma variante
enfática de “ele veio aqui para me provocar”, com foco sobre a finalidade. O
mesmo se dá em “Ele veio aqui só para me provocar”.
1
O foco diz respeito à ênfase, ao destaque que se faz ou confere a algum constituinte na frase ou oração; em geral, o foco incide sobre
informações novas e mais importantes.
2
O rótulo “adjetivo” deve-se ao fato de a partícula só acompanhar o substantivo tacada, como se estivesse qualificando esse nome, como
atua o adjetivo.
3
O rótulo “marcador” deve-se ao fato de que só, neste e nos dois exemplos seguintes, não ter efetiva função sintática oracional, mas somente
atuação no nível textual, como estratégia de realce para as demais informações veiculadas.
– Que nada! Parece que cada pessoa comeu uns quatro bolinhos.
Em enunciados como “até minha avó faria esse gol” ou “Gastão não paga
sequer um cafezinho”, os marcadores até e sequer introduzem no discurso
o julgamento do locutor sobre certas situações ou fatos e implicam outros
enunciados: “minha avó mal sabe chutar uma bola” e “é normal as pesso-
as pagarem cafezinho”. Por sua vez, eis permite que o locutor anuncie um
fato como algo repentino ou inesperado. Por fim, o marcador é que expres-
sa um contraste entre uma informação explícita e outra(s) implícita(s) ou
constante(s) de outro discurso – do interlocutor, por exemplo.
Estudos linguísticos
1. Com base no trecho da música a seguir, de Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer
e Sérgio Brito, responda as questões propostas:
Comida
Bebida é água.
comida é pasto.
você tem sede de quê?
você tem fome de quê?
a gente não quer só comida,
a gente quer comida, diversão e arte.
a gente não quer só comida,
a gente quer saída para qualquer parte.
a) Os versos você tem sede de quê? e você tem fome de quê? são característi-
cos de que tipo de sequência tipológica? Justifique a resposta.
(CASCUDO, Luís da Câmara. Contos Tradicionais do Brasil. Belo Horizonte: São Paulo:
Itatiaia: Edusp, 1986, p. 213.)
É constrangedor que tenha sido assim, mas era inevitável: a primeira viagem
do papa Bento XVI aos Estados Unidos foi uma viagem sobre abuso sexual. O papa
tocou no assunto antes que seu avião aterrissasse em solo americano [...]
Referências
ASSIS, Machado de. Contos Fluminenses. Rio de Janeiro: W.W. Jackson, 1994. p. 54.
_____. Memórias Póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
NICOLA, José de. Literatura Basileira – das origens aos nossos dias. São Paulo:
Editora Scipione, 1998.
Gabarito
1.
b) Essa partícula atua sem função sintática oracional, mas como função tex-
tual de marcador de foco, no caso, foco no complemento verbal – comida.
Com esse recurso, destaca-se que se quer muito mais do que a comida; se
quer também diversão e arte e saída para qualquer parte.
2.
a)
3.
Conceito e características
Para falar de paráfrase, é necessário, inicialmente, mencionarmos a in-
tertextualidade, que se constitui na propriedade que têm os textos de fa-
zerem referência uns aos outros. Nesse sentido, não haveria, de fato, textos
absolutamente originais ou inaugurais, mas sim novos textos elaborados
a partir de “vozes” anteriores, tecidos com base em outros textos.
(2) ... e ...num determinado momento ... ele paralisou ... estacionou ... (NURC/
RJ, 356, 1. 277-278)
(3) você acha que uma empresa de pequeno porte ... tem condições de com-
petir com a de grande porte? ((vozes)) você acha que o armazém consegue der-
rubar o supermercado? (NURC/RJ, 364, 1. 623-625)
trecho, o professor reelabora toda a primeira oração, por intermédio de uma es-
tratégia em que, metaforicamente, compara as relações empresariais com lojas
de venda de produtos alimentícios.
(4) De acordo com a neurologista Dalva Poyares, 20% dos pacientes que passam
pelo Instituto do Sono não são obesos e cerca de 6% têm Índice de Massa Corpó-
rea (IMC) menor que 25, ou seja, possuem peso normal.
(5) Com o passar dos anos, a musculatura da garganta se torna mais flácida e
assim mais propensa à vibração e à obstrução. Além disso, quando engordam, os
moços ganham volume no abdômen, no tórax e no pescoço. Ou seja, na parte
superior do corpo. A gordura nessa região espreme o tórax e as vias aéreas, o que
compromete a respiração.
Os trechos (4) e (5) integram uma matéria sobre o ronco – suas causas e efei-
tos . Trata-se de texto informativo, que visa esclarecer o público leitor acerca
2
desse problema. Assim, o recurso à paráfrase surge como uma das estratégias
que visam ao esclarecimento, uma vez que conteúdos anteriores são retomados
e reelaborados, concorrendo para maior precisão e clareza informacionais.
Em (5), para tratar dos fatores fisiológicos que levam ao ronco, o autor, no pri-
meiro período, declara que os homens engordam no abdômen, no tórax e no pes-
coço. No período seguinte, ao invés de dar novas informações ao leitor, por inter-
médio do sintagma conectivo ou seja, traz novamente à cena discursiva essas três
partes do corpo, com a retomada parafrástica na parte superior do corpo. A seguir,
acontece outra referência parafrástica, com o SPrep nessa região, que novamente
se refere às expressões anteriores no abdômen, no tórax e no pescoço e na parte
superior do corpo. Trata-se, portanto, de uma tripla articulação que concorre para
conferir unidade temática ao texto, enfatizando e explicitando as partes do corpo
em que o homem mais tende a engordar com o passar dos anos.
2
Disponível em: <http://minhavida.uol.com.br/MostraMateria20.vxlpub?codMateria=806>. Acesso em: 28 abr. 2008.
Em (7), após o anúncio de que o software (CRM) seria gratuito, o emissor relati-
viza a gratuidade, por meio do conector quer dizer e da reformulação com quase
entre parênteses. Com tal procedimento, além de se especificar a gratuidade re-
lativa (?), confere-se certo tom “humorístico” bem-vindo às peças publicitárias,
tal como ocorrido em (6).
Como podemos observar nos sete exemplos apresentados nesta seção ini-
cial, a paráfrase é um recurso textual de reformulação que retoma conteúdos e
expande expressões. Esse recurso pode ser usado sob forma de distintos recur-
sos linguísticos e assumir também distintas funções discursivas, dependendo da
modalidade (fala ou escrita) e do tipo de texto em elaboração, além de outros
fatores intervenientes.
Usos parafrásticos
Passamos, nesta seção, a examinar funções mais específicas da paráfrase,
com base em algumas tipologias textuais da modalidade escrita. O propósito é
destacar o papel da paráfrase nesses materiais.
Texto de opinião
Nesse tipo de texto, a reformulação parafrástica tem como função fundamen-
tal a reiteração enfática dos pontos de vista apresentados pelo articulista (iden-
tificado ou não), com o intuito de convencer o público leitor, como nos trechos
(8) e (9), extraídos de um editorial sobre propriedade intelectual, publicado no
jornal Valor Econômico de abril de 2008:
(8) Por outro lado, o direito de propriedade intelectual não pode ser exercido de
uma forma irregular, ou seja, com abuso.
(9) Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econô-
mico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas
informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso
dessas informações.
(10) Ainda que os mais jovens se comportem face ao mundo que descobrem como
pesquisadores testando todas as soluções possíveis, naqueles um pouco menos
jovens a ciência cessa rápido de ser “cool”, doce. A motivação se evapora.
Crônica esportiva
Esse gênero discursivo toma como ponto de partida acontecimentos do
mundo esportivo para, ao divulgá-los, fazer uma apreciação, uma abordagem
crítica desses acontecimentos. Portanto, a crônica esportiva também tem forte
marca opinativa, e a paráfrase surge como recurso para a expressão enfática
dessa característica.
(13) O jogo, em si, começou meio sonolento. A primeira etapa foi entediante,
com poucas chances de gols para ambos.
O Botafogo partiu pra cima desde o início, a fim de definir a partida em tempo
normal. Coube ao Fluminense, acuado, se defender e jogar nos contra-ataques – o
que demorou a acontecer. O Botafogo tinha domínio total da partida.
(15) O time atacou, perdeu muitos gols, foi incompetente nas finalizações, parou
nas mãos de Magrão e tomou de 4 a 1 na Ilha do Retiro em Recife. Um chocolate!
(16) O único torcedor-símbolo brasileiro que conheci foi seu Hilário, fanático
pelo Jabaquara (jabuca de nossos corações), que explicou sua paixão pelo clube ru-
bro-amarelo da Baixada Santista como o saborear de uma laranja: “tem que provar
por dentro”. Uma figura impagável.
Tal como em (15), o exemplo (16) recorre ao SN parafrástico uma figura impa-
gável para retomar conteúdo anterior, fechando o parágrafo. Em (16), todavia,
esse recurso anafórico é mais acentuado, uma vez que o referido SN reformula,
pelo menos, três termos antecedentes – o único torcedor-símbolo brasileiro, seu
Hilário e fanático. Com esse recurso, o autor confere maior unidade ao texto.
(17) O que importa mesmo é que entra ano sai ano, reforma estádio, faz setor
novo e não sei mais o quê, e a venda dos ingressos continua a mesma porcaria.
Não sei se o mundo já se acostumou a essa indignidade, mas eu não consigo con-
ceber [...]. Por que comprar ingresso para futebol tem que ser um perrengue tão
grande? Não é possível que tenha que ter essa fila maldita em todo jogo decisivo.
O horário de venda é um horror (começar a vender às 10h é brincadeira. Será que
torcedor não trabalha?), o número de bilheterias é pequeno, não tem controle sobre
cambistas. Será que um dia esse “detalhe” no mundo futebolístico nacional será
resolvido?
Produção literária
O tratamento da paráfrase na produção literária apresenta certas peculiari-
dades. De acordo com Platão e Fiorin (1992, p 20), a intertextualidade, ou a ci-
tação de um texto por outro, é “implícita” no texto literário. O que significa que
“um poeta ou romancista não indica o autor e a obra donde retira as passagens
citadas, pois pressupõe que o leitor compartilhe com ele um mesmo conjunto
de informações a respeito das obras que compõem um determinado universo
cultural”.
Assim, na literatura, é muito comum esse diálogo entre textos, que torna a
atividade de leitura mais rica e complexa ao se reconhecer e identificar os textos
que estão em jogo nessa interação. Segundo os mesmos autores, em geral, a
citação de um texto literário em outro tem dois objetivos: a reafirmação, ou pa-
ráfrase, ou a inversão, ou paródia.
Recorrendo ainda a Platão e Fiorin (1992, p 20), trazemos aqui duas estrofes
citadas pelos autores como caso de paráfrase:
(18)
(19)
(20)
(21)
Sob o título de “Oração”, Jorge de Lima constrói um poema que tem como
inspiração a prece “Ave-Maria”. Essa apropriação encontra-se em passagens reto-
madas, como – Ave Maria cheia de graças, o Senhor é convosco e bendita. Tanto na
oração católica quanto na Oração poema, encontramos o mesmo espírito oníri-
co e religioso. Jorge de Lima apropria-se do texto cristão para recriá-lo, assumin-
do, ele mesmo, o texto religioso em sua recriação.
Texto complementar
Polifonia e intertextualidade
(ABREU, 1999, p. 45-46)
Lakoff (1971) afirma que não se pode admitir que seja possível falar de
boa ou má-formação de uma frase de modo isolado, sem levar em conta
todas as pressuposições sobre a natureza do mundo.
Para introduzir a voz de uma outra pessoa, é comum o uso de verbos como
dizer, falar, afirmar, como ocorre no texto acima. Muitas vezes, o autor do
texto utiliza ainda outros verbos menos neutros, como enfatizar, advertir,
ponderar, confidenciar.
Na questão da inflação anual e das taxas de juro, pouca gente pode dizer
que se encontra em berço esplêndido, neste país.
Estudos linguísticos
1. Os textos didáticos muitas vezes utilizam-se da reformulação parafrástica
para a tarefa de fixação das informações veiculadas. Nos fragmentos a se-
guir, retirados do texto A poluição das águas, no site <www.geocities.com/
CollegePark/Theater/8163/poluicaooagua.htm>, identifique alguns desses
recursos e aponte, ao menos, uma motivação para esse uso:
[...]
A água que usamos para os mais variados fins é sempre a mesma, ou seja, ela é
responsável pelo funcionamento da grande máquina que é a vida na Terra;
[...]
As cores de abril
Os ares de anil
O mundo se abriu em flor
E pássaros mil
Nas flores de abril
Voando e fazendo amor
Referências
ABREU, Antônio Suárez. Curso de Redação. 9. ed. São Paulo: Ática, 1999.
LIMA, Jorge de. Poesia Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997.
PLATÃO, Francisco; FIORIN, José Luiz. Para Entender o Texto. 3. ed. São Paulo:
Ática, 1992.
Gabarito
1.
Nos dois fragmentos apresentados, podemos apontar como recursos
parafrásticos:
3.
c) Esses feitos de menor ou maior adesão são obtidos com a troca das
formas verbais e suas distintas cargas semânticas.