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Língua Portuguesa IV – Sintaxe: Frase, oração e período

Língua Portuguesa IV – Sintaxe:


Frase, oração e período
Língua Portuguesa IV – Sintaxe:
Frase, oração e período

Fundação Biblioteca Nacional Mariangela Rios de Oliveira


ISBN 978-85-387-2886-3

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Mariangela Rios de Oliveira

Língua Portuguesa IV– Sintaxe:


frase, oração e período

IESDE Brasil S.A.


Curitiba
2012

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© 2006-2009 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos
autores e do detentor dos direitos autorais.

_______________________________________________________________________________
O48L
2.ed.

Oliveira, Mariangela Rios de.


Língua portuguesa IV, sintaxe : frase, oração e período / Mariangela Rios de Oliveira.
- Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2012.
212p. : 24 cm

Inclui bibliografia
ISBN 9978-85-387-3329-4

1. Língua portuguesa - Síntaxe. 2. Língua portuguesa - Verbos. 3. Paráfrase. I. Títu-


lo.

CDD: 469.5
CDU: 811.134.3’36

_______________________________________________________________________________

Capa: IESDE Brasil S.A.


Imagem da capa: Istockphoto

Todos os direitos reservados.

IESDE Brasil S.A.


Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br

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Mariangela Rios de Oliveira

Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro


(UFRJ). Mestre em Língua Portuguesa pela UFRJ. Licenciada e bacharel em Letras
– Português/Literaturas pela UFRJ.

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Sumário
Sintaxe: definição e objeto ................................................... 13
O que é sintaxe? . ....................................................................................................................... 13
O objeto da sintaxe: o sintagma .......................................................................................... 17

Frase, oração e período .......................................................... 31


Definição e classificação de frase ........................................................................................ 31
Estrutura oracional..................................................................................................................... 36
Conceito e função do período . ............................................................................................ 38

Termos essenciais: sujeito ..................................................... 49


Sujeito: termo essencial? ........................................................................................................ 49
Definindo sujeito . ..................................................................................................................... 50
Tipos de sujeito . ........................................................................................................................ 53

Termos essenciais: predicado .............................................. 67


Predicado: função e forma . ................................................................................................... 67
Tipos de predicado ................................................................................................................... 69

Termos integrantes: complementos verbais .................. 81


O conceito de “termo integrante” . ...................................................................................... 81
Tipos de complemento verbal ............................................................................................. 82

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Termos integrantes: complemento nominal . ................ 99
O conceito de “complemento nominal” ............................................................................ 99
Representações . ......................................................................................................................101
Funções sintáticas integradas . ...........................................................................................102
Complemento ou adjunto? .................................................................................................104

Termos acessórios: adjunto adnominal...........................113


Função acessória e hierarquia oracional . .......................................................................113
Formas de expressão .............................................................................................................115
Papéis semânticos . .................................................................................................................118

Termos acessórios: adjunto adverbial ............................125


Duas funções: complemento e adjunto adverbial ......................................................125
A função “adjunto adverbial” ..............................................................................................126
Expressão e ordem .................................................................................................................128
Classificação...............................................................................................................................130

Aposto e vocativo: funções sintáticas oracionais? .....145


Relações sintáticas e relações textuais ............................................................................145
Aposto – termo mais que acessório .................................................................................146
Vocativo – termo “isolado” ...................................................................................................152

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Vozes verbais.............................................................................163
Voz ativa .....................................................................................................................................163
Voz passiva ................................................................................................................................166

Funções sintáticas e relações textuais ............................181


Informatividade .......................................................................................................................181
Sequências tipológicas..........................................................................................................184

Paráfrase ....................................................................................197
Conceito e características ....................................................................................................197
Usos parafrásticos....................................................................................................................200

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Apresentação

Neste livro, em 12 aulas, tratamos de um dos mais fundamentais níveis de aná-


lise gramatical da língua portuguesa – a sintaxe do período simples. Partimos da
abordagem mais geral para a mais específica, na descrição e análise dos termos
da oração. Procuramos vincular a perspectiva da tradição gramatical com outra
perspectiva mais ampla, de viés funcional ou textual.

Assim orientados, começamos pela própria discussão sobre a definição de sin-


taxe, debruçando-nos sobre sua unidade básica – o sintagma, identificando suas
características e tipos. A seguir, ainda numa abordagem mais genérica, tratamos
das correspondências e distinções entre frase, oração e período.

Para o tratamento das várias funções oracionais, pautamo-nos na tradicional


distinção entre papéis essenciais, complementares e acessórios. Observamos o
que essa tríade tem de coerente e em que aspectos também apresenta-se pro-
blemática. Além do que preconizam os compêndios de gramática e linguística,
interessa-nos, nessa abordagem, levar em conta a questão da frequência de uso,
com base na consideração de que algumas práticas os membros de uma catego-
ria são mais produtivos e regulares do que outros. Consideramos que, para a co-
munidade linguística, nem todos os membros de uma mesma categoria sintática
têm igual visibilidade, representatividade ou status.

No tratamento das categorias acima referido, analisamos por último e separa-


damente duas funções que extrapolam o nível oracional – o aposto e o vocativo.
Esses papéis, entendidos como usos motivados por fatores pragmáticos, são ana-
lisados em termos de efeito de sentido que sua articulação provoca.

As três vozes verbais do português – ativa, passiva e reflexiva – são trabalha-


das também em capítulo específico, com base em suas distinções semântico-sin-
táticas e a partir de seu variado índice de ocorrência.

No penúltimo capítulo, as funções sintáticas oracionais são tratadas com base


no viés discursivo. O foco deste capítulo é a abordagem articulada entre pontos
gramaticais e relações textuais, na demonstração de como a análise de um nível
gramatical, como o sintático, pode concorrer para a depreensão dos sentidos em
elaboração na dimensão textual. Assim, questões como informatividade e organi-
zação interna de sequências tipológicas são trabalhadas em sua vinculação com a
organização sintática dos termos da oração.

Por fim, este livro apresenta um capítulo dedicado à paráfrase, uma estratégia
de reformulação que concorre para imprimir aos textos a unidade de sentido e
de forma que devem manifestar. Tal estratégia é compreendida como processo
constitutivo dos textos em geral, sejam eles literários ou não, capaz de concorrer
para o equilíbrio entre velhos e novos informes.

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Esperamos, assim, que este livro seja um relevante instrumento para todos
aqueles que se debruçam sobre a descrição e a análise da língua portuguesa.
Cremos que, com base nas informações e reflexões aqui trazidas, seja possível a
compreensão maior da nossa língua materna, não somente no que concerne à or-
ganização sintática do período simples, mas sim à articulação geral dos sentidos
e sua expressão formal.

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Sintaxe: definição e objeto

Neste capítulo vamos definir o que é sintaxe, delimitar seu objeto e


tratar do sintagma, a unidade sintática básica. De modo mais específico,
examinaremos o conceito, os tipos, os usos e as características do sintag-
ma. Esse é um momento muito importante, em que estaremos trabalhan-
do com um dos níveis de análise linguística fundamentais para a descrição
e a interpretação da língua portuguesa – o sintático.

O que é sintaxe?
Para as pessoas, de um modo geral, que já foram ou são estudantes,
lidar com a sintaxe resume-se em classificar termos da oração e períodos,
na tentativa de fixação de uma série de rótulos e regras sem maior refle-
xão e aplicabilidade no trato diário. Aliás, muitas pensam que só há aulas
de português quando se faz a tradicional “análise sintática”, por anos repe-
tida e poucas vezes compreendida.

Na verdade, a sintaxe é algo bem mais simples e fundamental em nosso


cotidiano com a língua portuguesa. Trata-se de um dos níveis da gramá-
tica da língua. Partimos do conceito de gramática como o conjunto das
regras e convenções que nos permitem fazer entender e entendermos uns
aos outros. Além da fonética e da fonologia, que lidam com a realização
sonora e sua representação gráfica, e da morfologia, que trata das clas-
ses de palavra e sua estrutura, as convenções linguísticas do português
incluem a sintaxe, ou seja, a parte da gramática que nos permite produzir
e interpretar as frases da língua, inclusive aquelas que jamais havíamos
ouvido, lido ou pronunciado, conforme se encontra em Azeredo (1995).

Para melhor entendermos do que estamos falando, vamos tomar dois


provérbios de nossa língua, duas “frases feitas” que circulam tradicional-
mente em nosso país:

(1) De grão em grão a galinha enche o papo.

(2) Águas passadas não movem moinhos.

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Sintaxe: definição e objeto

Para compreendermos os provérbios citados, precisamos entender a ordem


e a hierarquia em que estão organizados. Assim, no primeiro provérbio, temos
o modo da ação verbal (de grão em grão), depois o termo sobre o qual se faz a
declaração (a galinha), seguido do comentário sobre esse ser (enche o papo). No
segundo provérbio, surge em primeiro lugar o termo sobre o qual se declara
(águas passadas), acompanhado imediatamente do comentário negativo (não
movem moinhos). Via de regra, colocamos nas primeiras posições os constituin-
tes mais importantes ou relevantes para nossos fins comunicativos, reservando
as últimas posições para informações mais periféricas ou subsidiárias.

Essa capacidade de compreensão se dá no nível sintático, ou seja, no plano


da ordenação dos constituintes. Para chegarmos a tal habilidade de construir
e interpretar as frases do português, precisamos apenas estar “mergulhados”
em nossa comunidade linguística, interagirmos uns com os outros e, assim, de
modo quase automático, desenvolvermos essa capacidade fundamental para
falar, escrever e compreender nosso idioma.

Para enfatizarmos como a ordem das palavras é fundamental no português,


observemos as duas frases abaixo:

(3) João seguiu Pedro na rua.

(4) Pedro seguiu João na rua.

Enquanto (3) nos informa que João praticou a ação de seguir Pedro, a frase
(4) nos diz justamente o contrário – que foi Pedro quem seguiu João. Ora, a alte-
ração de sentido na comparação de (3) e (4) ocorre justamente por causa da al-
teração na ordenação dos constituintes na estrutura da frase, ou seja, por causa
da mudança sintática. Em (3), João aparece em posição inicial e é o agente da
ação de seguir, que, por sua vez, incide sobre o alvo Pedro. Já em (4), a troca
posicional dos nomes João e Pedro leva à troca de função desses constituintes,
fazendo com que Pedro seja o agente, aquele que pratica a ação de seguir João,
este que passa agora a ser o alvo da ação. Ambas as frases são finalizadas com
a informação adicional sobre o local da perseguição (na rua), que, assim como
de grão em grão, em (1), atua como um adendo, um informe adicional sobre a
circunstância da ação.

As frases de que até agora tratamos – (1), (2), (3) e (4) – ilustram também
a ordenação-padrão em língua portuguesa, a sintaxe preferencial usada para
interpretar e produzir frases: sujeito (S) + verbo (V) + complemento (C), ou
simplesmente SVC. Isso significa que tendemos a considerar, em princípio, os

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Sintaxe: definição e objeto

nomes iniciais como agentes da ação verbal e os finais como os alvos, os pa-
cientes atingidos pela ação dos primeiros. As informações sobre circunstâncias
da ação (modo, meio, tempo, lugar, entre outras) costumam se ordenar após o
verbo, como papéis secundários ou adjuntos. Assim, do ponto de vista sintático,
temos a seguinte organização estrutural das frases até aqui vistas:

De grão em grão (a galinha) (enche) (o papo).

adjunto S V C

(Águas passadas) (não movem) (moinhos).

S V C

(João) (seguiu) (Pedro) na rua.

S V C adjunto

(Pedro) (seguiu) (João) na rua.

S V C adjunto

Evidentemente, essa ordenação SVC pode sofrer alterações, acréscimos, inter-


calações, enfim, uma série de modificações para atender a necessidades comu-
nicativas. Assim, por exemplo, observamos que em (1) a frase não se inicia pelo
sujeito, mas pelo modo da ação do sujeito (de grão em grão). No uso-padrão ou
mais “neutro”, essa informação estaria ao final da frase, após o verbo e seu com-
plemento, fechando a declaração, como um tipo de adendo, como ocorre em (3)
e (4), mas se usarmos essa estratégia em (1) teríamos a seguinte ordenação:

(5) A galinha enche o papo de grão em grão.

Será que alguém usaria assim o provérbio? Já ouvimos ou lemos um registro


como esse? Parece muito pouco provável. Embora (5) esteja gramaticalmente
“correta”, porque dispõe os constituintes na ordem-padrão (SVC + circunstância
de modo) e articula sentido capaz de ser interpretado por qualquer usuário do
português, podemos dizer, sem dúvida, que é inadequada do ponto de vista
discursivo ou textual. Se pensarmos que os provérbios são sínteses ou máximas
da conduta humana, poderemos justificar a antecipação do adjunto de grão em
grão como uma estratégia gramatical, operada no nível sintático, motivada por
fatores discursivos. Essa estratégia visa pôr em relevo justamente o ponto mais
importante que se deve destacar no provérbio – o modo como devemos agir na

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Sintaxe: definição e objeto

vida: de forma contínua e perseverante (de grão em grão). Tal antecipação, por-
tanto, destaca a maneira pela qual devem agir as pessoas, o que faz com que a
informação sobre o modo apareça em primeiro lugar.

Assim, podemos dizer que, embora a sintaxe da língua portuguesa não seja
totalmente rígida, permitindo algumas alterações posicionais ou intercalações,
entre outros procedimentos, as mudanças operadas na ordenação-padrão (SVC
+ adjunto) provocam efeitos discursivos distintos, constituindo, portanto, outros
modos de dizer e de comunicar. Observemos como ficariam (3) e (4) com algu-
mas mudanças sintáticas:

(6) Na rua, João seguiu Pedro.

(7) Pedro, na rua, seguiu João.

Em (6), o adjunto na rua encontra-se em posição inicial, destacando o local


percorrido por João (S) para seguir Pedro (C). A frase (6), ainda que tenha corres-
pondência com (3), distingue-se desta pela ênfase dada ao espaço onde ocorre
a ação.

Já em (7) temos um outro tipo de efeito de sentido, criado pela intercalação


do adjunto na rua, que se situa entre Pedro (S) e seguiu (V). Nessa frase, tanto o
sujeito como o local são salientados, ilustrando um terceiro tipo de arranjo sintá-
tico a partir de uma mesma ordenação-padrão.

Ainda poderíamos organizar uma outra sintaxe, de frequência provavelmente


menor na língua, mas ainda possível do ponto de vista estritamente gramatical:

(8) Pedro seguiu, na rua, João.

A pouca probabilidade de ocorrência da frase (8) deve-se ao fato de o ad-


junto na rua promover a ruptura do V seguiu e de seu C João, ocasionando um
tipo de organização sintática mais raro na língua, haja vista a grande proximida-
de estrutural e integração conceitual que costumam caracterizar o verbo e seu
complemento. Aliás, não é por outro motivo que a tradição gramatical rotula
essa composição de V e C de predicado, no entendimento de que se trata de um
todo, em termos de forma e de sentido.

Na modalidade escrita, quando ocorrem alterações na organização sintática-


padrão, pode-se usar a pontuação para marcar antecipações ou intercalações de
constituintes. Por isso, nas frases (6), (7) e (8), utilizamos a vírgula para acentuar
a ruptura de sentido e de forma. Esse recurso constitui mais um procedimento
de destaque do adjunto na rua. Pelo mesmo motivo, o provérbio expresso em
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Sintaxe: definição e objeto

(1) também poderia ter o adjunto de grão em grão separado por vírgula, consti-
tuindo uma outra estratégia de ênfase. Dizemos apenas que “poderia” porque
não estamos tratando de uma regra, de um procedimento obrigatório. O que
vai fazer com que se use ou não a vírgula nessa e em outras situações similares
é a necessidade comunicativa, o efeito pretendido. Dessa forma, quanto maior
a intenção ou a necessidade de destacar ou enfatizar a circunstância expressa,
maior a motivação para o uso da vírgula como marcação de pausa, de ruptura
no nível sintático (estrutural) e no nível semântico (significativo). Por outro lado,
constituintes muito vinculados não devem ser separados por pausa, daí porque
não devemos usar vírgula quando lidamos com a sintaxe-padrão SVC + adjunto,
tal como ocorre em (2), (3) e (4).

A partir das considerações apresentadas até agora, voltamos à pergunta ini-


cial: o que é sintaxe? Diante dos aspectos expostos e discutidos, podemos elabo-
rar uma segunda definição, mais específica e precisa, para essa nossa unidade de
estudo: sintaxe é a parte da gramática que descreve e interpreta a ordenação e a
combinação hierárquica dos constituintes nas frases de uma língua.

O objeto da sintaxe: o sintagma


Com base na definição anterior, podemos identificar agora o objeto da sin-
taxe, ou seja, o elemento básico sobre o qual se debruça a descrição e a análise
sintática. Se observarmos com mais cuidado os comentários feitos com base nas
frases de (1) a (8) anteriormente apresentadas, verificaremos que a sintaxe não
lida com fonemas e sílabas, como a fonologia, nem com vocábulos e afixos, como
a morfologia, mas com unidades maiores, arranjos de um ou mais constituintes,
em geral dispostos hierarquicamente, na composição de sintagmas. Esses são,
de fato, os objetos da sintaxe.

Caracterização
Em geral, o sintagma é formado por dois ou mais “elementos consecutivos,
um dos quais é o determinado (principal) e o outro o determinante (subordinado)”
(KURY, 1986, p. 9). Assim, a concepção do sintagma é mais ampla do que a do vocá-
bulo e mais restrita do que a da frase, situando-se em posição intermediária entre
essas duas dimensões. Retomemos o exemplo (1) para ilustrar nosso comentário:

(1) De grão em grão / a galinha / enche [o papo].

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Sintaxe: definição e objeto

Em (1), usamos barras para separar os três sintagmas que formam o provér-
bio. Podemos verificar que as separações coincidem com funções já referidas
na seção 1. Assim, o sintagma inicial de grão em grão atua como expressão do
modo; o seguinte, a galinha, codifica o sujeito, enquanto o último, enche o papo,
funciona como predicado, formado pelo verbo e seu complemento.

Em termos de hierarquia interna, podemos dizer que dois desses sintagmas


se articulam por subordinação, como tende a ocorrer nessas formações. No sin-
tagma a galinha, o primeiro termo é o determinante, enquanto o segundo, o
substantivo galinha, é o determinado. No sintagma enche o papo, temos o verbo
como elemento principal ou determinado, seguido de seu complemento, o
papo, na função de deteminante. Este último sintagma possui ainda uma outra
hierarquia interna, marcada aqui por colchetes, já que o complemento o papo
também constitui um sintagma, em que o nome papo representa o elemento
determinado e o artigo definido o atua como determinante.

Já o sintagma de grão em grão não apresenta hierarquia entre seus constituin-


tes, uma vez que as duas ocorrências de grão situam-se no mesmo nível, ou seja,
são correspondentes. Esse modo de organização, embora mais raro, pode ser en-
contrado basicamente na formação de construções compostas, em torno da par-
tícula aditiva e, como em a galinha e o pato ou o papo e o estômago, por exemplo.
Quando assim acontece, dizemos que se trata de relações “horizontais”, despro-
vidas de hierarquia, enquanto a subordinação estabelece relações “verticais”, em
que um dos constituintes funciona como elemento principal ou determinado.

Propriedades
Para que uma unidade seja considerada um sintagma, deve preencher alguns
requisitos básicos, em termos de mobilidade, posição e organização interna. Tais
requisitos constituem, portanto, critérios para a definição e a delimitação de sin-
tagmas. Conforme Azeredo (1995, p. 32, 33), são três as “peculiaridades distribu-
cionais” dos sintagmas:

Deslocamento
O sintagma se desloca na frase como um todo, para posições iniciais, mediais
ou finais, não admitindo movimento de apenas um ou de alguns de seus cons-
tituintes. Assim, por exemplo, na frase (2), abaixo retomada, os deslocamentos
somente são possíveis quando realizados por sintagmas completos:

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Sintaxe: definição e objeto

(2) Águas passadas / não movem [moinhos].

(9) Não movem [moinhos] / águas passadas.

(10) [Moinhos] não movem / águas passadas.

(11) [Moinhos] águas passadas / não movem.

(12) Águas passadas [moinhos]/ não movem.

As frases ilustradas de (9) a (12) constituem outras possíveis ordenações a


partir de (2), cuja sintaxe segue o padrão mais regular (SVC), de acordo com o
que vimos na primeira seção. Conforme podemos observar, em que pese a va-
riedade de estruturação dessas frases, os deslocamentos ocorrem com a pre-
servação dos sintagmas águas passadas e não movem, que se movimentam “em
bloco”. Tal como verificado em (1) com o papo, também em (2) temos a possi-
bilidade de lidar com o complemento moinhos considerado com um sintagma
interno ao predicado, num nível hierárquico mais baixo que este; por essa razão,
admitimos, ainda que com probabilidade de ocorrência muito restrita, o deslo-
camento de moinhos na frase.

Um outro aspecto semântico-sintático revelado pela propriedade do deslo-


camento é que, além do movimento no interior da frase ser feito pelo sintagma
na íntegra, constatamos a fixação interna da ordem dos constituintes sintagmá-
ticos. Assim, por exemplo, além de águas passadas somente poder se reordenar
em bloco, não podemos alterar a ordem de seus constituintes internos, como em
passadas águas, sob pena de estarmos construindo um novo sintagma, distinto
do original na forma e no conteúdo; o mesmo se pode dizer em relação a não
movem. O comentário vale ainda para (1), em que de grão em grão e a galinha
constituem sintagmas de ordenação fixa. Tal característica ratifica a interpreta-
ção do sintagma como o verdadeiro objeto da sintaxe.

Substituição
O sintagma é uma estrutura de sentido e de forma, então pode ser substituí-
do por uma unidade simples, como um pronome ou sinônimo. Para ilustrar essa
propriedade, vejamos novamente a frase (3) e as possibilidades de substituição
de seus constituintes sintagmáticos, sugeridas em (13):

(3) João / seguiu [Pedro] / na rua.

(13) Ele / seguiu-o / lá.

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Sintaxe: definição e objeto

Por intermédio de pronomes, realizam-se três substituições nos sintagmas


de (3): o pronome reto ele ocupa o lugar de João; o pronome oblíquo o substitui
Pedro e na rua dá lugar ao locativo adverbial lá. Na verdade, as operações de
substituição do tipo pronominal, como a que apresentamos em (13), requerem,
para o entendimento do conteúdo veiculado, o auxílio ao contexto discursivo,
a fim de que se estabeleçam as relações textuais, principalmente as anafóricas,
necessárias à identificação dos referentes indicados por ele, o e lá. Em outras pa-
lavras, a frase (13) está fortemente vinculada ao contexto de sua produção, de
tal modo que, para sabermos o conteúdo de ele, o e lá, devemos recorrer ao
contexto maior em que a frase está inserida.

Nos procedimentos de substituição em (2), devemos destacar ainda o fato de


Pedro, como sintagma de nível hierárquico mais baixo, constituinte de sintagma
mais amplo, admitir a substituição. Tal fenômeno comprova sua relativa autono-
mia em relação a seguiu (V).

Coordenação
O sintagma admite a interposição de um conectivo coordenativo entre seus
constituintes, de modo a se estabelecer equivalência funcional, ou coordenação,
desses elementos. Essa operação desfaz uma das marcas mais características do
sintagma – a hierarquização. Retomemos (3) e, a seguir, vejamos como o proces-
so de coordenação pode fornecer pistas para a identificação de sintagmas:

(3) João / seguiu [Pedro] / na rua.

(14) João e Marcos / viram e seguiram [Pedro e José] na rua e no viaduto.

A frase (14) ilustra um tipo de “expansão” de (3) por intermédio da coordena-


ção articulada no interior dos sintagmas. Assim, dizemos que as funções sintá-
ticas cumpridas pelos constituintes João, seguiu, Pedro e na rua em (3) se apre-
sentam, em (14), sob forma dos respectivos compostos João e Marcos, viram e
seguiram, Pedro e José, na rua e no viaduto. O fato de esse teste ser possível em
quatro ocasiões indica que temos, em (3), quatro sintagmas.

Portanto, o deslocamento, a substituição e a coordenação constituem não


só as propriedades do sintagma como também procedimentos que podemos
e devemos utilizar para identificar e distinguir, numa frase qualquer da língua
portuguesa, suas unidades sintáticas fundamentais – os sintagmas.

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Sintaxe: definição e objeto

Classificação
De acordo com Azeredo (1995, p. 43), são cinco os tipos de sintagma que
podemos identificar no português. Tal classificação depende da composição in-
terna dessas unidades. Trataremos, a seguir, de cada uma delas:

Sintagma Nominal (SN)


Como o nome já indica, esse tipo de sintagma tem como determinado, ou
núcleo, um substantivo comum, que poderá estar acompanhado de determi-
nantes. Os determinantes que costumam anteceder o núcleo do SN são basi-
camente artigos e pronomes (demonstrativos, indefinidos, possessivos, entre
outros); os determinantes que sucedem o núcleo do SN são nomeados mais
especificamente de “modificadores” e cumprem a tarefa de qualificar o núcleo
referido. Em geral, os determinantes de um SN organizam-se também em sintag-
mas, subordinados ao núcleo do SN. Hierarquicamente, portanto, o substantivo
tem o principal papel no SN, enquanto os demais constituintes cumprem função
secundária.

Nas frases já vistas, podemos levantar alguns exemplos de SN, como a gali-
nha e o papo, em (1), em que o determinante precede o núcleo nominal, e águas
passadas, em (2), no qual o determinante modificador passadas sucede o núcleo
águas.

Algumas funções sintáticas são cumpridas específica e exclusivamente por


SN, como sujeito (a galinha; águas passadas); em outras construções, o SN é
objeto direto (o papo) e integra um sintagma maior, como o predicado ou sin-
tagma verbal.

Sintagma Verbal (SV)


Trata-se de uma unidade caracterizada pela presença obrigatória do verbo. Essa
unidade tem a função sintática específica de “predicado”. Em geral, o SV é constitu-
ído por outros sintagmas, que atuam como determinantes dentro do SV.

Nas frases de (2) e (3) aqui tratadas, podemos identificar, respectivamente, os


seguintes sintagmas verbais, que atuam como predicado: não movem moinhos
(2) e seguiu Pedro na rua (3).

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Sintaxe: definição e objeto

Como mencionamos nas unidades exemplificadas no parágrafo anterior,


moinhos, Pedro e na rua cumprem função secundária, como determinantes do
SV. No cumprimento dessa função periférica, esses constituintes se organizam
internamente também como sintagmas. É justamente por esse motivo que é
possível proceder aos exercícios de deslocamento, substituição e coordenação
dessas unidades, pois, embora participem de uma estrutura maior, dentro do SV,
encontram-se aí internamente organizadas também como sintagmas, mesmo
em nível mais baixo de importância.

Sintagma Adjetivo (SAdj)


Nesse tipo de sintagma, o núcleo ou determinado é um adjetivo, que pode
estar acompanhado de determinante, como artigo, pronome ou numeral, por
exemplo.

Na hierarquia que caracteriza as relações sintagmáticas, o SAdj participa da


organização do SN, como parte periférica deste, atuando na condição de estra-
tégia qualificadora. Por qualificar o núcleo do SN que precede ou sucede na or-
ganização da frase, o SAdj concorda em gênero e número com esse núcleo.

De acordo com a sintaxe mais regular da língua portuguesa, o SAdj tende a


se colocar após o núcleo do SN, no que chamamos “ordenação canônica”. Numa
outra alternativa, mais rara e desencadeadora de efeitos de sentido específicos,
o SAdj pode aparecer à frente do núcleo do SN. Em geral, a vinculação entre
esse núcleo e o SAdj é tão forte que não se admite alteração nas posições desses
constituintes.

Podemos ilustrar a referida vinculação com o SN águas passadas, em (2), em


que passadas (SAdj), também no feminino e no plural, concorda com o núcleo
águas, funcionando como seu determinante. Seria possível dizermos passadas
águas? Talvez sim, mas essa possibilidade seria pouco provável. Ademais, a an-
teposição do SAdj passadas criaria alguma alteração de sentido. Águas passadas
são águas que passaram, correspondentes a antigas, por exemplo; por outro
lado, passadas águas destaca o valor verbal do particípio passadas, que poderia
ser traduzido por quando (ou se) as águas passarem. Consideração semelhante
podemos fazer a partir de outros arranjos sintáticos correspondentes que temos
em português, como homem pobre / pobre homem, mulher grande / grande
mulher, cão amigo / amigo cão e assim por diante.

No caso específico do SAdj, em geral, a ordem canônica, após o núcleo do SN,


tende a expressar conteúdo mais referencial e objetivo (águas passadas, homem
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Sintaxe: definição e objeto

pobre, mulher grande, cão amigo), enquanto a anteposição ao núcleo do SN cria


efeitos mais subjetivos (passadas águas, pobre homem, grande mulher, amigo
cão). Trata-se, portanto, não só de um problema de estruturação da frase, mas
de conteúdos distintos. Esse pequeno teste demonstra como é forte a relação
entre semântica e sintaxe, como o sentido veiculado é afetado pela ordenação
dos constituintes.

Sintagma Adverbial (SAdv)


O sintagma adverbial, como o nome indica, tem como determinado um ad-
vérbio. Via de regra, o sentido veiculado pelo SAdv incide sobre o verbo da frase.
Dessa forma, assim como o SAdj se subordina ao núcleo do SN, o SAdv se su-
bordina ao núcleo do SV. Ambos – SAdj e SAdv – ocupam posições e articulam
sentidos subsidiários nos sintagmas maiores que integram.

O SAdv funciona na expressão de uma série de circunstâncias referentes à


ação verbal, como o local, o tempo, o modo, o meio, a intensidade, entre outras
de menor frequência. Devido a seu caráter marginal, o lugar canônico do SAdv
na frase é na parte final, após o núcleo do SV e seus complementos.

Tomemos a frase (3) como exemplo. Podemos, por um processo de “expan-


são” de sentido e de forma, ampliá-la com a posposição de uma série de SAdv,
que vai concorrer para a expressão de variados matizes da ação verbal:

(3) João seguiu Pedro na rua.

(15) João seguiu Pedro na rua atentamente ontem.

Em (15), o que fizemos foi, ao final da frase, justapor mais duas circunstâncias
ao ato praticado por João, respectivamente, o modo (atentamente) e o tempo
(ontem). Essa série de três constituintes pode ser interpretada com um só SAdv,
composto por três núcleos, ou ainda, com base nas distintas circunstâncias arti-
culadas, podemos admitir que cada qual representa um SAdv específico.

Quando enfatizamos o conteúdo expresso pelo SAdv numa frase, o sintagma


passa a ocupar posição inicial ou intermediária. Na modalidade oral, essa anteci-
pação ou intercalação é acompanhada por pausa; na escrita, costumamos usar
vírgula para tal marcação. Com base em (15), são muitas as possibilidades de (re)
ordenação dos SAdv, vamos ilustrar apenas duas:

(16) Atentamente, João seguiu Pedro na rua ontem.

(17) Ontem, João seguiu Pedro na rua atentamente.


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Sintaxe: definição e objeto

O que motiva a ordem dos sintagmas em (16) e (17) é o tipo de destaque que
se faz ou não das circunstâncias expressas. Em (16), enfatiza-se o modo da ação;
em (17), o tempo. Como já referimos anteriormente, não estamos discutindo
acerca de arranjos sintáticos “certos” ou “errados”, mas tratando da adequação
das frases, e suas diversas opções de ordenação, às condições de produção dos
textos que produzimos no uso linguístico cotidiano.

Sintagma Preposicional (SPrep)


Também chamado de sintagma preposicionado, esse tipo de unidade é cons-
tituída a partir de dois arranjos distintos: preposição + SN ou preposição + SAdv.
Tal como o SAdj e o SAdv, o SPrep ocupa posição hierárquica inferior em rela-
ção ao SN e ao SV, uma vez que funciona como determinante, ou subordinado,
dessas unidades maiores.

Ao lado do núcleo do SN e do núcleo do SV, o SPrep pode constituir um com-


plemento ou um adendo a esse núcleo, assumindo funções atributivas ou cir-
cunstanciais, entre outras. Como são diversas as preposições e sua frequência
é grande, os SPrep constituem um tipo de unidade muito usada na sintaxe do
português.

Em (1), a unidade inicial de grão em grão é um SPrep de valor adverbial; em (3)


e (4), o SPrep na rua também atua com função adverbial.

No interior do predicado, o SPrep tende a complementar determinados


verbos, como por exemplo gostar e precisar, que requerem a posposição de uni-
dades do tipo de chocolate e de dinheiro, respectivamente.

Texto complementar

(AZEREDO, 1995, p. 9-10)

As pessoas falam geralmente sua língua nativa, nas situações cotidianas,


com a mesma naturalidade com que respiram, veem, andam; e assim como
não estão interessadas em saber como seu corpo funciona naquelas tarefas,
também não costumam se deter no exame dos movimentos que executam
para produzir os sons das palavras, nem tampouco na observação do que
acontece com as palavras quando elas se combinam nos enunciados. A lingua-

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Sintaxe: definição e objeto

gem, porém, é muito mais do que articular sons e combinar palavras; além de
ter uma estrutura extraordinariamente complexa que envolve sons, palavras
e frases, seu uso nas múltiplas situações reflete condicionamentos psicoló-
gicos, sociais e culturais. Por outro lado, o ato de dizer/escrever se dá em um
contexto que inclui ouvinte/leitor, assunto, tempo, espaço. Quem diz/escreve
normalmente o faz buscando a comunicação e só excepcional ou maldosa-
mente evitando-a. O ouvinte/leitor é, por conseguinte, tão decisivo para o ca-
ráter do discurso quanto quem o produz. Nem tudo o que o enunciado deixa
ou faz entender se acha explícito nele; parte de seu sentido já está no conheci-
mento do interlocutor (informação implícita/implicada) ou constitui um dado
prévio qualquer no conhecimento do interlocutor (informação pressuposta).
Parafraseando Reyes (1984), pode-se dizer que o locutor não só “diz”, como
“cita”, e ao fazê-lo, não só ressuscita outras experiências discursivas, como
suscita sentidos.

Comparadas às formas de comunicação animal, por exemplo, as línguas


se revelam extraordinariamente ricas em recursos. Seria possível enumerar as
mensagens que um cão, um pássaro, uma abelha são capazes de emitir; mas
é impossível fazer o mesmo com os recursos de expressão verbal do homem.
A memória humana pode arquivar uma certa quantidade de frases diferen-
tes, mesmo sem ter em vista semelhanças estruturais entre elas, assim como
se decoram as letras das músicas. Mas as frases de uma língua, aquelas que
uma pessoa está apta a produzir e entender em sua língua, não são catalo-
gáveis, porque infinitas tanto em número como, teoricamente, em extensão.
As palavras, sim, podem ser listadas em dicionários e mesmo assim muitas se
criam ou se modificam por aí, na fala espontânea, nos textos de toda espécie,
sem que cheguem a figurar em registros lexicográficos.

A cada instante pode-se estar pronunciando uma frase nova. Afinal, nin-
guém pode garantir que a frase que inicia este parágrafo e a que estou escre-
vendo agora não são inéditas. Eu não as tinha memorizadas, muito menos o
leitor, e, apesar disso, não houve qualquer dificuldade para produzi-las e en-
tendê-las. Nós não aprendemos o significado de cada uma das frases possí-
veis como se nada tivessem em comum umas com as outras. Todas elas, acei-
tas como estruturas da língua pelos usuários, se criam graças a um sistema
de unidades – sons, palavras, afixos, acentos – e regras que as combinam.

A sintaxe – numa definição provisória, visto que ambiciosa – é a parte


desse sistema que permite criar e interpretar frases. A sintaxe do português,

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Sintaxe: definição e objeto

por exemplo, compreende as regras que tanto tornam possíveis enunciados


banais como “Hoje é domingo” ou “Que dia é hoje”, ou excêntricos, como
“Napoleão temia que as tartarugas desovassem no seu imponente chapéu”,
quanto impedem sequências como “Que dia serem hoje?” ou “Seu imponen-
te temia as que chapéu desovassem Napoleão tartarugas no”.

Estudos linguísticos
1. Com base na definição de sintaxe – parte da gramática que descreve e interpre-
ta a ordenação e a combinação hierárquica dos constituintes nas frases de uma
língua – apresentada neste capítulo, responda por que:

a) É possível compreender a frase proposta por Azeredo (1995), no texto


complementar, “Napoleão temia que as tartarugas desovassem no seu
imponente chapéu”.

b) Está cancelada a possibilidade de ocorrência da ordenação “Seu impo-


nente temia as que chapéu desovassem Napoleão tartarugas no”.

2. Divida os provérbios a seguir em sintagmas, classificando sua função em su-


jeito (S), verbo (V), complemento (C) ou adjunto:

a) A união faz a força.

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Sintaxe: definição e objeto

b) De noite todos os gatos são pardos.

3. Observe o provérbio a seguir, já separado por sintagmas.

Gato escaldado / tem [medo] / de água fria.

Agora, vamos testar, a partir das propriedades do sintagma apresentadas


neste capítulo, se, de fato, estamos diante de três sintagmas. Para tanto, você
deverá rearrumar os sintagmas, criando três novas ordenações, que ilustrem
cada uma das seguintes propriedades:

a) Deslocamento:

b) Substituição:

c) Coordenação:

4. Os versos a seguir foram extraídos da música “Eu te devoro”, de Djavan. Clas-


sifique os sintagmas destacados em SN, SV, SAdj, SAdv ou SPrep:

Teus sinais ( )

Me confundem da cabeça aos pés ( )

Mas por dentro ( ) eu te devoro ( )

Teu olhar ( )

Não me diz exato ( ) quem tu és

Mesmo assim eu te devoro

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Sintaxe: definição e objeto

Referências
AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos da Gramática do Português. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.

_____. Iniciação à Sintaxe do Português. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,


1995.

Gabarito
1. A frase (a), embora tenha um sentido meio “excêntrico”, nas palavras
de Azeredo (1995), está de acordo com a sintaxe do português, apre-
sentando o sujeito (Napoleão), seguido do verbo (temia), de seu comple-
mento (que as tartarugas desovassem) e do adjunto locativo (no seu
imponente chapéu). Os sintagmas encontram-se aí bem formados e
essa ordenação padrão permite que os usuários do português atribuam
sentido à frase, mesmo que esse sentido seja um pouco estranho.
Em (b) não podemos sequer falar em “frase”, uma vez que os constituintes
não se encontram organizada e hierarquicamente ordenados; assim, se não
há sintagmas, não há sintaxe, não há uma ordenação capaz de fazer sen-
tido.

2.
a) A união / faz [a força].

S V C

b) De noite / todos os gatos / são [pardos].

adjunto S V C

3. Algumas sugestões:

a) Deslocamento:

Tem medo de água fria gato escaldado.

De água fria tem medo gato escaldado.

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Sintaxe: definição e objeto

b) Substituição:

Ele tem medo de água fria.

Gato escaldado tem medo dela.

c) Coordenação:

Gato escaldado e esperto tem medo de água fria.

Gato escaldado tem medo e pânico de água fria.

4.
Teus sinais ( SN )

Me confundem da cabeça aos pés ( SPrep )

Mas por dentro ( SPrep ) eu te devoro ( SV )

Teu olhar ( SN )

Não me diz exato ( SV ) quem tu és

Mesmo assim eu te devoro

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Frase, oração e período

Neste capítulo, vamos nos dedicar à definição e à descrição do que cha-


mamos frase, oração e período. Trataremos também das correspondências
e distinções entre esses três conceitos, apresentando os padrões básicos
em que ocorrem na língua portuguesa e discutindo suas funções.

No trato cotidiano, é comum o uso dos rótulos frase, oração e período


como se fossem sinônimos ou equivalentes. De fato, observamos corres-
pondências entre esses termos, mas cada um tem sua própria definição e
identidade.

Nas gramáticas e compêndios de língua portuguesa, encontramos


uma série de expressões que procuram conceituar e descrever os três ró-
tulos, em geral tratados segundo a ordenação que dá título a este capítulo
– frase, oração e período.

Definição e classificação de frase


Comecemos, portanto, com o conceito de frase. No levantamento da
definição desse termo em apenas quatro autores, podemos observar a
abrangência com que é concebido:

a) Cunha e Cintra (1985, p. 116): “Frase é um enunciado de sentido


completo, a unidade mínima de comunicação.”

b) Rocha Lima (1987, p. 203): “Frase é a expressão verbal de um pen-


samento.”

c) Azeredo (1995, p. 30): frase “é o menor texto possível”.

d) Kury (1986, p. 13): “Frase é a unidade de comunicação entre falante


e ouvinte, entre escritor e leitor.”

Embora vastas e um tanto distintas, as definições a, b, c e d têm algo em


comum – a concepção da frase como uma declaração completa e acaba-
da, capaz, por si só, de estabelecer comunicação.

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Frase, oração e período

De acordo com tal entendimento, a extensão e a complexidade de uma frase


podem variar bastante. Enunciados como Atenção! ou Silêncio! são considerados
exemplos de frase do português, uma vez que, sozinhos, podem funcionar na
comunicação, como nas ilustrações a seguir:

Shutterstock.
Shutterstock.
Esse tipo de frase, composta por um único constituinte, encontra-se forte-
mente vinculada à situação em que é usada. É o que ocorre na ilustração a seguir,
em que a cena, por si, faz com que Fogo! funcione como frase, numa declaração
de sentido completo.

Shutterstock.

Por outro lado, sintagmas mais amplos são também classificados como frase,
por conta da completude de sentido que os marca.

Assim, consideradas suas distinções e de acordo com as quatro definições


apresentadas inicialmente, classificamos como frases da língua tanto Fogo!
quanto O prédio está em chamas!

Em termos de organização interna temos os seguintes padrões frasais:


a) Interjeição: considerada um “tipo rudimentar de frase” (CARONE, 1991, p.
47), é vista como constituinte dotado de sentido, marcada por entoação

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Frase, oração e período

e fortemente vinculada ao contexto situacional em que é produzida. São


exemplos desse tipo frasal Epa! Ui! e Hein?, entre outras.
b) Frase nominal: é a frase destituída de verbo, que tem como núcleo um
nome de natureza substantiva, adjetiva ou adverbial. Expressões como
Que beleza!; Perto dos olhos, longe do coração; Casa de ferreiro, espeto de
pau são três frases nominais.

c) Frase verbal: é a frase constituída de verbo, também chamada oração.


Trata-se do tipo frasal mais frequente na língua portuguesa. Enunciados
como Você está uma beleza! ou Que tipo de espeto o ferreiro usa em sua
casa? incluem-se nesse tipo de frase, que será tratado com maiores deta-
lhes a seguir, na seção 1.2.

Um traço característico da frase, que concorre para a totalidade de sentido


que declaramos, é a marcação entoacional que a acompanha, tanto na moda-
lidade falada quanto na modalidade escrita. Assim, no texto escrito, devemos
regularmente iniciar a frase com letra maiúscula e finalizar com ponto. Na mo-
dalidade falada, a pausa, maior ou menor, costuma marcar o início e o término
da frase.

De acordo com Rocha Lima (1987, p. 203), temos cinco tipos de frase, caracte-
rizados por marcas entoacionais específicas. Os tipos dividem-se em:
a) Declarativa: a frase mais comum, usada para anunciarmos um fato, dar-
mos uma notícia, enfim, fazermos asserções. No texto escrito, é encerrada
com ponto final, como em:
(1) Ele conhece o caminho do sucesso.
(2) O trabalho está perfeito.
b) Interrogativa: utilizada para formularmos perguntas. É finalizada no texto
escrito pelo ponto de interrogação:
(3) Ele conhece o caminho do sucesso?
(4) O que é perfeito?

Pelos exemplos apresentados em (1) e (3), podemos observar que, às vezes,


a mudança prosódica, assinalada pela troca do ponto final pelo de interrogação,
pode ser o único traço a distinguir uma declaração de uma negação em por-
tuguês. Por esse motivo, na produção escrita, é fundamental o conhecimento
adequado do uso dos sinais de pontuação, uma vez que são responsáveis pela
articulação de distintos sentidos.

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Frase, oração e período

O cotejo de (3) e (4), por outro lado, nos permite uma outra constatação
acerca das frases interrogativas do português. Conforme Perini (1995, p. 64), em
(3) temos uma “interrogativa fechada”, já que a resposta à questão é absoluta
– sim ou não, elaborada a partir do conteúdo de toda a oração. Já em (4), de
acordo com o mesmo autor, teríamos uma “interrogativa aberta”, cuja resposta
incide sobre um dos termos da oração, no caso o pronome quem.

c) Imperativa: tem a função de exortar, de incitar alguém a tomar ou não uma


atitude. Em geral, usa-se na escrita com ponto de exclamação:

(5) Aprende o caminho!

(6) Seja perfeito!

d) Exclamativa: expressa uma emoção ou condição interior (alegria, raiva,


medo, repulsa etc.). Como a frase imperativa, também costuma vir finali-
zada, na modalidade escrita, por ponto de exclamação:

(7) Que sucesso!

(8) Quanta perfeição!

e) Indicativa: sintetiza um pensamento, sumarizando um ritual da comuni-


dade linguística. Por estar muito vinculada ao contexto de sua produção,
costuma ter pequena extensão:

(9) Boa sorte. (para quem vai fazer uma prova)

(10) Tudo bem? (saudação ao passar por um conhecido)

Ainda de acordo com Rocha Lima (1987, p. 204), as frases do português


podem se classificar também em afirmativas ou negativas. Assim, por exemplo,
em relação às frases declarativas afirmativas (1) e (2), teríamos, respectivamente,
as correspondentes negativas:

(11) Ele não conhece o caminho do sucesso.

(12) O trabalho não está perfeito.

Para conferir sentido negativo em (11) e (12), foi utilizado o mesmo recurso
sintático – a anteposição do advérbio não ao verbo. Trata-se do modo-padrão
com que expressamos a negação em português. Na verdade, as frases negativas
têm ocorrência reduzida em nossa prática linguística; nas interações, as pessoas
tendem a evitar o uso do não.

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Frase, oração e período

Uma das razões, de cunho sociocultural, para essa pouca frequência pode
ser atribuída ao “peso” que a negação tem, considerada muitas vezes um tipo
de sentido muito forte, deselegante ou sem polidez. A frase (12), por exemplo,
conforme a situação, pode expressar censura ou crítica, nesse caso, a opção mais
neutra, amena ou polida poderia ser talvez O trabalho ainda precisa melhorar ou
O trabalho pode ser aprimorado.
Uma outra motivação, agora ligada a fatores cognitivos, seria a complexida-
de da negativa, que, para ser processada, supõe o conhecimento da afirmativa.
Esse pressuposto requer maior esforço do produtor e do receptor para que se
estabeleça a comunicação. Assim, ainda tomando a frase (12) como exemplo,
seu processamento passa necessariamente pela afirmativa correspondente O
trabalho está perfeito.
Conforme estamos verificando, a concepção de frase é ampla e diversa. No frag-
mento a seguir, o poeta Mario Quintana “brinca” com tal concepção, propondo um
jogo a partir da marca de unidade e abrangência que caracteriza esse termo:

(QUINTANA, 1988, p. 83)

IstockPhoto.

(13)
[...]
O leitor ideal para o cronista seria aquele
a quem bastasse uma frase.
Uma frase? ? Que digo? Uma palavra!
O cronista escolheria a palavra do dia:
“Árvore”, por exemplo, ou “Menina”.
Escreveria essa palavra bem no meio da página,
com espaço em branco para todos os lados,
como no campo aberto aos devaneios do leitor.
Imaginem só uma meninazinha solta no meio da página.
Sem mais nada.
[...]

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Frase, oração e período

No recorte textual (13), para tratar da interação entre o produtor (cronista) e


o receptor (leitor), o autor propõe que esse diálogo seja feito por intermédio de
um recurso linguístico enxuto, simples, porém pleno de sentido – a frase. Para
tanto, explorando as possibilidades que a literatura oferece, entre outros recur-
sos, Quintana usa três frases curtas, duas nominais (Uma frase? Uma palavra?) e
uma verbal (Que digo?). Na sequência, a partir de Menina, continua a jogar com a
completude frasal e sua vinculação ao contexto de produção (campo aberto aos
devaneios do leitor). As frases nominais propostas pelo autor – Árvore e Menina,
e o comentário posterior, com espaço em branco para todos os lados e sem mais
nada, guardam estreita relação com as quatro definições de frase apresentadas
por Cunha e Cintra, Lima, Azeredo e Kury no início deste capítulo.

Estrutura oracional
De acordo com Azeredo (1995, p. 30), a oração “apresenta normalmente uma
estrutura bimembre [...] centrada em um verbo com o qual se faz uma declara-
ção [...] sobre um dado tema”. O caráter dual da oração também é referido por
Rocha Lima (1987, p. 205), que a define como a frase “que se biparte normalmen-
te em sujeito e predicado”.

Ambos os autores ressaltam o sujeito e o predicado, ou o tema e a declaração,


como os componentes básicos da unidade a que chamamos oração. A ressalva,
por intermédio do advérbio normalmente, se dá por conta da possibilidade de
haver oração sem sujeito, mas não sem predicado.

Por essa razão, não há unanimidade entre os gramáticos e estudiosos sobre


os níveis hierárquicos da oração. Alguns, como Azeredo (1995), consideram que
o sintagma verbal (SV) é o grande constituinte oracional, ficando o sujeito (SN)
num plano mais baixo; outros, como Cunha e Cintra (1985) e Kury (1986), veem
a oração como uma unidade de nível superior, formada por duas estruturas de
mesma hierarquia – SN e SV. Qual das interpretações é a correta? Há alguma mais
adequada? Nossa resposta é que, para fins de análise sintática do português,
tudo depende da concepção de oração que assumimos, da tomada de decisão
consciente sobre uma ou outra forma de entender esse tipo de construção.

Assim, há duas possibilidades interpretativas para conceber a oração, esque-


maticamente apresentadas a seguir:

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Frase, oração e período

A) ORAÇÃO (Predicado – SV) B) ORAÇÃO

Sujeito (SN) Sujeito (SN) + Predicado (SV)

Em termos de frequência, podemos dizer que a oração do tipo declarativo


e afirmativo é o modo mais regular com que nos comunicamos, seja na modali-
dade falada ou na escrita. O fato de essa frase não estar tão intimamente presa
ou dependente do contexto de sua produção, como as demais, e a presença
do verbo concorrem para que sua frequência seja maior. Além disso, em nossas
declarações cotidianas, tendemos à afirmação, e não à negação, conforme já res-
saltamos na seção anterior.

Com a estrofe a seguir, que abre o poema “Aurora”, exemplificamos esse uso
mais recorrente:

(14)
O poeta ia bêbado no bonde.
O dia nascia atrás dos quintais.
As pensões alegres dormiam tristíssimas.
As casas também iam bêbadas.
(ANDRADE, 1978, p. 30)

Com os quatro versos de (14), o poeta inaugura a descrição da cena que vai re-
tratar e que dá título a seu poema – a “Aurora”. Para tanto, faz uso de quatro frases
representativas do padrão mais frequente da língua; ele detalha, com frases ver-
bais afirmativas, os elementos que compõem o ambiente descrito – o poeta, o
dia, as pensões e as casas. Além de serem organizados por frases verbais, decla-
rativas e afirmativas, os versos de (14) ilustram ainda uma outra tendência da
ordenação oracional em português – a sequência sujeito (ou tema) + predicado
(ou declaração). Assim, os referidos elementos constitutivos do cenário descrito
– o poeta, o dia, as pensões e as casas – ocupam a posição inicial de cada um dos
quatro versos, na função de sujeito, articulando os temas contemplados pelo
poeta em sua observação inicial da “Aurora”. No esquema a seguir, ilustra-se essa
organização oracional-padrão:
SN SV
+
sujeito (ou tema) predicado (ou declaração)
O poeta ia bêbado no bonde.
O dia nascia atrás dos quintais.
As pensões alegres dormiam tristíssimas.
As casas também iam bêbadas.
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Frase, oração e período

Conceito e função do período


Como declaramos no início deste capítulo, os termos frase, oração e período
guardam distinções e correspondências. Do mesmo modo que a oração repre-
senta um tipo de frase, o período relaciona-se à concepção de oração; e os três
termos entre si têm zonas de intersecção.

Segundo Kury (1986, p. 15), “Período é o enunciado, de sentido pleno, cons-


tituído de uma ou mais orações, e terminado por uma pausa bem definida”. De
acordo com o mesmo autor, na modalidade escrita, essa pausa pode ser codifi-
cada por variadas marcações, como ponto (final, de exclamação, de interroga-
ção), reticências, entre outras.

Conforme Cunha e Cintra (1985, p. 118), período se define como “a frase orga-
nizada em oração ou orações”. Os autores, à semelhança de Kury, também desta-
cam a terminalidade que deve caracterizar o período.

Em Azeredo (1995, p. 33) encontra-se que o período “é a maior unidade da


estrutura gramatical”, aquela de maior extensão e complexidade a que se pode
chegar no nível sintático estrito. Por essa razão, quando realizamos a “análise sin-
tática”, em que os termos oracionais são descritos, ficamos circunscritos ao perí-
odo; é nos limites dessa entidade que identificamos e classificamos os sintagmas
da língua portuguesa.

As definições aqui apresentadas destacam a completude do período e suas


possibilidades de organização. O período formado por uma só oração é deno-
minado simples, enquanto o composto pode ser constituído por duas ou mais
orações. Quando o período é classificado como simples, a oração que o constitui
recebe o rótulo de absoluta. Portanto, a extensão e os níveis hierárquicos do pe-
ríodo podem ser muito variados. O que determina essa medida são os propósi-
tos comunicativos em jogo, os sentidos articulados na interação.

Vejamos, a partir do fragmento (15), alguns modos de elaboração de


períodos:

(15) No fim da tarde de 1.º de fevereiro de 1908, o rei de Portugal, D. Carlos I, fardado de generalíssimo,
desceu do vapor “S. Luís” no Terreiro do Paço, em Lisboa. Passou a tropa em revista, conferiu a presença
dos ministros, piscou para uma ou duas marquesas de sua intimidade e subiu à carruagem puxada
por cavalos de penacho. Com ele estavam sua mulher, dona Amélia de Orleans, princesa da França, e
os dois filhos, o príncipe herdeiro Luís Filipe e o infante Manuel. (CASTRO, 2005)

Com o trecho (15), Castro inicia sua obra, que se debruça sobre a vida de
Carmem Miranda, um dos maiores ícones da cultura popular brasileira (em que

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Frase, oração e período

pese a “Pequena Notável” ter nascido em Portugal). Essa primeira passagem nos
apresenta um pequeno relato sobre a família real portuguesa, organizado a
partir de três períodos.

O primeiro período é simples, articulado em uma só oração, em torno do


verbo desceu. Nele, Castro abre a cena, com a apresentação, respectivamente:
a) do momento da enunciação (no fim da tarde de 1.º de fevereiro de 1908); b) do
personagem principal do fragmento (o rei de Portugal, D. Carlos I, fardado de ge-
neralíssimo); c) da ação praticada (desceu do vapor “S. Luís); d) do local em que se
desenrola a cena (no Terreiro do Paço, em Lisboa):

(15’) No fim da tarde de 1.º de fevereiro de 1908, o rei de Portugal, D. Carlos I, far-
dado de generalíssimo, desceu do vapor “S. Luís” no Terreiro do Paço, em Lisboa.

A partir dos conceitos já vistos neste capítulo, podemos classificar o fragmen-


to (15’) como: a) uma frase, pela completude de sentido que encerra; b) uma
oração absoluta, por se organizar em torno de um verbo; c) um período simples,
pela declaração se fazer sob forma de oração absoluta, entre pausas definidas.

Um vez aberta a cena, o período seguinte já apresenta distinta configuração


interna:

(15’’) Passou a tropa em revista, conferiu a presença dos ministros, piscou para
uma ou duas marquesas de sua intimidade e subiu à carruagem puxada por cava-
los de penacho.

Em (15’’), temos um período composto por quatro orações, iniciadas, respec-


tivamente, pelos verbos passou, conferiu, piscou e subiu, sem sujeito expresso,
todos no pretérito perfeito e ordenados conforme a cronologia dos aconteci-
mentos. Nesse fragmento, rompe-se a correspondência comentada em (15’)
entre frase, oração e período, uma vez que as quatro orações que compõem (15’’)
integram uma só unidade de nível superior – um só período. Portanto, dizemos
que (15’’) é uma frase e um período composto, formado por quatro orações. Em
termos semânticos, podemos afirmar que uma das motivações para que Castro
tenha organizado dessa forma o período (15’’) seria a necessidade de apresentar,
de forma contínua, objetiva e dinâmica, as ações praticadas pelo personagem
principal.

O período seguinte retoma a correspondência observada em (15’):

(15’’’) Com ele estavam sua mulher, dona Amélia de Orleans, princesa da
França, e os dois filhos, o príncipe herdeiro Luís Filipe e o infante Manuel.

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Frase, oração e período

Tal como (15’), no fragmento anterior ocorre um período simples, uma oração
absoluta e uma frase, que tem no verbo estavam seu eixo principal. Nesse trecho,
não temos mais a dinamicidade das ações verificada em (15’’), mas sim um co-
mentário descritivo sobre os acompanhantes do rei – sua mulher e filhos. Essa
mudança de tipo de sequência, nos termos de Marcuschi (2002), que interrompe
a sucessão de fatos para, com uma certa pausa, descrever a cena, pode ter moti-
vado Castro a optar por um período de configuração sintática mais simples, em
torno de uma só oração.

Texto complementar

(PERINI, 1995, p. 61-63)

O termo frase é utilizado de maneira geral para designar uma unidade


do discurso bastante difícil de definir. A conceituação oferecida por Mattoso
Camara é provavelmente a melhor, embora não chegue a ser uma definição
plenamente satisfatória:

Unidade de comunicação linguística, caracterizada [...] do ponto de vista co-


municativo – por ter um propósito definido e ser suficiente para defini-lo – , e do
ponto de vista fonético – por uma entoação [...] que lhe assinala nitidamente o
começo e o fim. (In: Câmara Jr., 1977, p. 122)

Poderíamos acrescentar que, na escrita, a frase é delimitada por uma mai-


úscula no início e por certos sinais de pontuação (. ! ?...) no final.

Essa definição apresenta problemas, que não serão discutidos aqui. Bas-
te-nos reconhecer que geralmente é possível identificar frases, embora as
bases para essa identificação permaneçam em parte obscuras. Assim, são
frases os enunciados seguintes:

(1) Meu livro tem mais de mil páginas.

(2) Quantas páginas tem o seu livro?

(3) Vá à padaria e traga oito pãezinhos.

(4) Você poderia me trazer um pãozinho?

(5) Que calor!

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Frase, oração e período

(6) Quantas páginas?

(7) Mas que livro enorme!

Oração é uma frase que apresenta determinado tipo de estrutura interna,


incluindo sempre um predicado e frequentemente um sujeito, assim como
vários outros termos. [...] por ora, observarei apenas que as frases de (1) a (4)
são orações (às vezes compostas, por sua vez, de mais de uma oração); as
frases (5) a (7) não são orações, por carecerem de predicado.

As frases não oracionais nem por isso deixam de ter estrutura analisável;
em geral, verifica-se que se compõem de elementos que também ocorrem
dentro de orações – ou seja, são como que fragmentos de orações. As frases
não oracionais estão muito pouco estudadas [...] Isso não significa, claro,
que não sejam interessantes; em particular, a hipótese de que uma frase
não oracional é sempre composta de um fragmento de oração merece ser
investigada.

Tradicionalmente, emprega-se também a designação período para as ora-


ções que constituem uma frase. Assim, em:

(3) Vá à padaria e traga oito pãezinhos.

Há duas orações, a saber: (a) vá à padaria; b) traga oito pãezinhos. Além disso,
há ainda uma terceira oração, que compreende as duas mencionadas, mais a
palavra e, ou seja, essa terceira oração é a íntegra de (3). Como se vê, a terceira
oração é coextensiva com a própria frase e seria, portanto, um período. Não
vejo inconveniente nessa nomenclatura, desde que fique claro que um perío-
do é sempre uma oração. [...] Naturalmente, nem toda oração é um período, já
que muitas orações não são coextensivas com a frase de que fazem parte, por
exemplo, vá à padaria em (3) é uma oração, mas não um período.

A sintaxe é a parte da gramática que estuda as orações e suas partes – ou


seja, a estrutura interna da oração.

[...]

Voltemos a alguns dos exemplos de frases dados na seção precedente:

(1) Meu livro tem mais de mil páginas.

(2) Quantas páginas tem o seu livro?

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Frase, oração e período

Essas duas frases, além de mostrarem certas diferenças de estrutura, têm


funções claramente diferentes no discurso. A primeira é usada, normalmen-
te, para fazer uma declaração: o falante informa algo a respeito de seu livro.
Já a segunda não traz informação; antes, solicita uma informação: o falante
admite, de saída, que seu interlocutor tem um livro, e quer saber quantas
páginas tem esse livro. Dizemos, então, que a frase (2) tem uma força ilocu-
cionária diferente da da frase (1): (2) é uma pergunta, ao passo que (1) é uma
declaração.

Os tipos de força ilocucionária que encontramos geralmente no discurso


são, entre outros, os seguintes:
 declaração [exemplo: (1)];
 pergunta [exemplo: (2)];
 exclamação [exemplo: (3)];
 ordem [exemplo: (4)];
 pedido [exemplo: (5)];
 promessa;
 expressão de desejo etc.

É preciso observar que a força ilocucionária não é uma propriedade das


frases propriamente ditas, mas das frases em determinados contextos. Assim,
a frase

(3) Vá à padaria e traga oito pãezinhos.

pode ser, segundo a situação, uma ordem ou um pedido. A frase

(4) Você poderia me trazer um pãozinho?

seria normalmente interpretada como um pedido. Mas sua forma nos au-
toriza a entendê-la como uma pergunta: digamos que duas pessoas estão
imaginando uma situação hipotética. Uma delas diz:

(8) Suponha que você fosse um empregado desta padaria, e eu um men-


digo que lhe pedisse uma esmola. Você poderia me trazer um pãozinho?

A resposta normal não seria trazer realmente o pãozinho, mas responder


algo como:

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Frase, oração e período

(9) Não, porque o dono nunca deixaria.

Como se vê, a estrutura da frase não é suficiente para determinar sua


força ilocucionária; muitas vezes é preciso ter também informações sobre o
contexto em que a frase é usada.

Isso não quer dizer que a estrutura seja irrelevante. Por exemplo, é muito
difícil imaginar um contexto em que a frase

(3) Vá à padaria e traga oito pãezinhos.

seja entendida como uma pergunta, ou como uma declaração, ou


como uma exclamação. Derivamos nossa percepção da força ilocucionária
a partir da estrutura da frase, mais outros fatores do contexto linguístico e
situacional.

O que nos interessa aqui é que há certas estruturas sentenciais que se es-
pecializam em veicular determinado tipo de força ilocucionária. Assim, fala-
mos de frases interrogativas, que em geral se usam para exprimir perguntas.
Como vimos, isso não quer dizer que elas só possam exprimir perguntas; mas
que “pergunta” faz parte, digamos, de seu significado básico, literal [...]

Estudos linguísticos
1. Leia o fragmento a seguir e faça o que se pede:

Homem entra no apartamento. Já passa da meia-noite. Atira-se numa poltro-


na, ao lado do telefone. Liga o aparelho que gravou as chamadas telefônicas
durante sua ausência. Ouve: “Alô? Mário? É o Sérgio. Olha, aquele negócio deu
pé. Doze milhões. Só que preciso de uma resposta sua hoje, antes das quatro da
tarde. É para pegar ou largar. Me telefona. Tchau.” “Ahn... Bom, aqui é a ... Puxa,
não sei como falar com uma gravação. Aqui é a Belinha. Lembra de mim? [...]

(VERISSIMO, 1996, p. 109)

a) Divida o primeiro parágrafo em períodos, classificando-os em simples ou


compostos.

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Frase, oração e período

b) Por que podemos dizer que as frases iniciais do segundo parágrafo (“Alô?
Mário? É o Sérgio.) têm função indicativa?

c) Das frases que recebem ponto de interrogação, qual a que parece consti-
tuir, de fato, uma pergunta? Justifique sua resposta.

2. Releia o texto complementar, de Perini, e observe atentamente a seguinte


declaração do autor: “É preciso observar, antes de mais nada, que a força ilo-
cucionária não é uma propriedade das frases propriamente ditas, mas das
frases em determinados contextos”.

Com base na declaração acima, proponha contextos em que:

a) O pedido “Você poderia chegar mais cedo amanhã?” seria interpretado


como uma ordem.

b) A pergunta “O que é isso?” seria codificada por exclamação.

3. No parágrafo a seguir, a frase final encontra-se destacada:

Para evitar arrependimento, levei Padilha para a cidade, vigiei-o durante a noite.
No outro dia, cedo, ele meteu o rabo na ratoeira e assinou a escritura. Deduzi a
dívida, os juros, o preço da casa, e entreguei-lhe sete contos e quinhentos e cinquen-
ta mil-réis. Não tive remorsos. (RAMOS, 1978, p. 24)

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Frase, oração e período

a) Como se classifica esse tipo de frase?

b) Por que representa um tipo frase de menor frequência no uso linguístico?

Referências
ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia Poética. 12. ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1978. p. 57.

_____. Obra Completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1967. p. 169.

_____. Reunião. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1978.

AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos da Gramática do Português. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.

_____. Iniciação à Sintaxe do Português. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,


1995.

CARONE, Flávia de Barros. Morfossintaxe. São Paulo: Ática, 1991.

CASTRO, Ruy. Carmem: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

CUNHA, Celso. Gramática do Português Contemporâneo. São Paulo: Padrão,


1969.

CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâ-


neo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. 2002. Gêneros textuais: definição e funcionalidade.


In: DIONISIO, Angela; MACHADO, Anna; BEZERRA, Maria Auxiliadora (Org.). Gê-
neros Textuais & Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002, p. 19-36.

PERINI, Mário A. Gramática Descritiva do Português. São Paulo: Ática, 1995.

QUINTANA, Mário. Porta Giratória. São Paulo: Globo, 1988.

RAMOS, Graciliano. São Bernardo. São Paulo: Record, 1978. p. 24.

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Frase, oração e período

ROCHA LIMA, Carlos Henrique. Gramática Normativa da Língua Portuguesa.


Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1987.

VERISSIMO, Luis Fernando. Comédias da Vida Privada. Porto Alegre: L & PM,
1996.

_____. Seleção de Crônicas do Livro Comédias da Vida Privada. Porto Alegre:


L & PM, 1996.

Gabarito
1. O parágrafo articula-se em quatro períodos, três simples (oração absoluta) e um
composto, a saber:
a)

Homem entra no apartamento – Período simples.

Já passa da meia-noite – Período simples.

Atira-se numa poltrona, ao lado do telefone – Período simples.

Liga o aparelho/que gravou as chamadas telefônicas durante sua ausência –


Período composto.

Ouve – Período simples.

b) Porque essas frases fazem parte de uma forma de comunicação ritual-


izada, que todos usamos ao telefonarmos para alguém.

c) A frase interrogativa Lembra de mim? é a que mais se aproxima de uma


pergunta efetiva, pois supõe a expectativa de resposta – sim ou não. Em-
bora a frase tenha sido gravada e, portanto, o interlocutor não possa re-
sponder à Belinha, podemos supor que ele, ao ouvir a pergunta, tenha,
ao menos, respondido para si mesmo.

2. As respostas aqui apresentadas são meras sugestões, uma vez que a questão
é aberta.
a) Um empregado chega tarde ao trabalho e o patrão o recebe na porta do
escritório, zangado e olhando o relógio, dizendo a frase: “Você poderia
chegar mais cedo amanhã?”

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Frase, oração e período

b) Um pai, daqueles bem tradicionais, flagra sua filha aos beijos e abraços
com um desconhecido numa rua escura às 2 horas da manhã, e diz: “O
que é isso?”

3.
a) Declarativa negativa.
b) A menor ocorrência desse tipo frasal deve-se ao fato de os usuários ten-
derem a fazer declarações afirmativas, evitando o maior uso de negati-
vas, seja por polidez ou por maior facilidade de processamento.

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Termos essenciais: sujeito

Esta aula é dedicada a uma das funções sintáticas consideradas “es-


senciais” na organização das orações em língua portuguesa – o sujeito.
Trataremos nesta seção da questão da “essencialidade” do sujeito, de sua
definição, além de apresentarmos os tipos de sujeito tradicionalmente
considerados, refletindo sobre essa classificação e as formas de sua mani-
festação na organização dos textos.

Sujeito: termo essencial?


A identificação do sujeito como um dos “termos essenciais da oração”
tem grande tradição no âmbito da descrição e da análise sintática da
língua portuguesa. A classificação do sujeito como essencial, conforme re-
comendação da NGB1, encontra-se em Cunha e Cintra (1985), Kury (1986)
e Luft (1987), por exemplo. De acordo com essa perspectiva, a oração é
formada por dois sintagmas fundamentais, ambos com o mesmo grau de
relevância – o sintagma nominal (SN) na função de sujeito e o sintagma
verbal (SV) na função de predicado.

A partir do sujeito assim compreendido, na oração (1), teríamos com


base em Cunha e Cintra (1985, p. 119), a seguinte organização estrutural:

(1) Aquela nossa amiga não disse uma palavra.

Oração

Sujeito Predicado

Aquela nossa amiga não disse uma palavra

Conforme podemos observar pelo diagrama acima, considerar o sujei-


to tão essencial quanto o predicado significa atribuir a ambas as funções o
mesmo status, situando-os no mesmo nível hierárquico, como integrantes
do plano maior – a oração. Conforme discutiremos nesta aula, tal compre-
ensão acaba por se tornar um entrave ao estudo de alguns tipos de sujeito.
1
Sigla da Nomenclatura Gramatical Brasileira, documento oficial, de meados do século XX, que normatizou e simplificou, para fins
educacionais e outros, a terminologia da gramática do português.

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Termos essenciais: sujeito

Por conta das dificuldades em relação ao termo essencial, nem todos os


estudiosos assumem explicitamente esse atributo. Sem negar a relevância da
função sintática sujeito, autores como Rocha Lima (1987) e Bechara (1999) des-
tacam a ocorrência de orações nas quais é possível prescindir do sujeito. Rocha
Lima (1987, p. 205) nos informa que “a oração consta de dois termos”, enquanto
Bechara (1999, p. 408) refere-se ao sujeito como um “grupo natural”; ambos os
autores não utilizam o termo essencial no tratamento do sujeito. O mesmo faz
Azeredo (1995, p. 45), que nomeia o sujeito como um dos “dois constituintes
centrais” da oração.

Consideramos, pois, que as alternativas expostas no parágrafo anterior cons-


tituem estratégias mais adequadas e viáveis para descrever e analisar o papel do
sujeito na língua portuguesa. É preciso repensar e redefinir o rótulo essencial,
atribuído oficialmente pela NGB, há décadas, ao termo sujeito. Devemos com-
preender que, nesse caso, o rótulo essencial deve ser assumido como central ou
básico, por exemplo.

Definindo sujeito
A maioria das gramáticas do português define o sujeito pelo viés semântico,
ou seja, pelo sentido que, em geral, essa função sintática expressa. Assim, en-
contramos, a título de exemplificação, as duas seguintes afirmações sobre o que
é sujeito:

a) Cunha e Cintra (1985, p. 119): “O sujeito é o ser sobre o qual se faz uma
declaração”.

b) Rocha Lima (1987, p. 205): “Sujeito: o ser de quem se diz algo”.

Como podemos observar pelas definições de Cunha e Cintra e de Lima, a


função sujeito encontra--se referida em termos de um “ser” a partir do qual se
declara ou se “diz algo”.

Em outras fontes bibliográficas, a definição de sujeito é ampliada, com o acrés-


cimo de informações de nível morfológico (c) ou de nível morfossintático2 (d):

 c) Luft (1987, p. 23): “Sujeito – ser de quem se diz alguma coisa – é o ele-
mento com o qual concorda o verbo”.

2
Entendemos por morfossintaxe o nível de análise linguística que combina critérios morfológicos e sintáticos, como o estudo da relação entre a
classe dos substantivos e sua função na organização da frase portuguesa, como sujeito e complemento verbal ou nominal.

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Termos essenciais: sujeito

 d) Bechara (1999, p. 409): “Chama-se sujeito à unidade ou sintagma no-


minal que estabelece uma relação predicativa com o núcleo verbal para
constituir uma oração”.

Em Luft (1987), o critério semântico (“o ser”) e o morfológico (“com o qual o


verbo concorda”) são usados para a definição do sujeito. Já em Bechara (1999),
privilegia-se o viés morfossintático, com a menção ao SN (sintagma nominal) e a
relação predicativa com o verbo na constituição da oração.

Partindo das quatro definições, resta-nos, portanto, “testar” sua validade em


orações que exibam distintas configurações sintáticas. Para tanto, vamos obser-
var as quatro orações a seguir:

Sujeito Predicado

(1) O presidente deseja a paz.

(2) Os homens desejam a paz.

(3) A paz é desejada.

(4) A maioria dos homens deseja(m)3 a paz.

Dos quatro arranjos oracionais exemplificados, apenas o primeiro enquadra-


se plenamente nas definições de sujeito aqui expostas. Em (1), o SN o presidente
é, de fato, um “ser” identificado, a partir do qual é feita uma declaração; a forma
verbal deseja, na terceira pessoa do singular, concorda com esse SN também na
terceira pessoa do singular, estabelecendo a relação predicativa necessária à
configuração oracional.

Nos exemplos seguintes, os critérios de definição parecem não ser suficientes


para dar conta da função sintática sujeito. Na oração (2), o sujeito os homens, no
plural, torna imprecisa a referência; trata-se de um SN de sentido genérico, que
não nos permite saber, com maior especificidade, de quem, exatamente, se faz
a declaração. Embora concorde com a forma verbal desejam, que também se
encontra no plural, o sujeito os homens, pela imprecisão semântica, não é tão
categórico quanto o ilustrado em (1) – o presidente.

A inadequação ou insuficiência do critério semântico para a definição do


sujeito mantém-se em relação à oração (3). Nela, o sujeito a paz, SN com sen-
tido mais abstrato, praticamente impede que seja interpretado como “um ser”,
afastando-se mais ainda do critério semântico definidor do sujeito. O mesmo co-
3
Os parênteses indicam que o verbo pode estar no singular deseja ou no plural desejam.

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Termos essenciais: sujeito

mentário vale para todas as orações articuladas em torno de sujeitos formados


por substantivos abstratos, uma vez que o sentido mais vago desses termos não
tem maior compatibilidade com a noção de “ser”.

Na oração (4), a insuficiência do critério semântico é acompanhada da insufi-


ciência do critério morfossintático. Nessa oração, não podemos considerar o SN a
maioria dos homens um “ser”, ademais, esse tipo de SN pode admitir duas interpre-
tações de seu núcleo – maioria ou homens, o que cria um outro problema, de nível
morfossintático – com que termo concorda o verbo? Por conta dessa complexida-
de, a norma-padrão indica como possível, em orações desse tipo, o uso do verbo
no plural ou singular, partindo-se das duas possíveis interpretações do núcleo
do sujeito. Portanto, além da imprecisão referencial, temos, nesse caso, também
o problema da concordância verbal, o que torna o sujeito a maioria dos homens
menos possível ainda de ser definido a partir dos quatro apresentados aqui.

Como podemos observar, a definição de sujeito é tarefa complexa. Para identi-


ficar o sujeito, um ou dois critérios, como os até agora apresentados, podem não
ser suficientes. Assim, devemos lançar mão de outros parâmetros para essa tarefa.
Um critério adicional para identificação do sujeito pode ser o sintático, ou seja, a
posição ocupada por esse constituinte na oração. Na língua portuguesa, em geral,
o sujeito ocupa a primeira posição oracional, vindo à frente do predicado. Se ob-
servarmos a ordenação das orações (1), (2), (3) e (4), podemos constatar que a po-
sição inicial em todas é ocupada pelo sujeito, a que se segue o predicado.

Por vezes, o critério sintático tem papel fundamental na identificação do su-


jeito, como o único meio capaz de cumprir essa tarefa, na impossibilidade de
aplicação dos demais critérios. Estamos nos referindo a pares de oração como os
que se seguem, em que a troca de ordenação dos constituintes implica mudan-
ça sensível do sentido veiculado. Nesses casos, não foi o sujeito que “mudou” de
posição, pelo contrário, a mudança posicional motivou a mudança de funções
sintáticas no interior da oração. É o que ilustramos em:

(5) João ama Maria.

(5’) Maria ama João.

(6) O professor é americano.

(6’) O americano é professor.

O único meio de identificar o sujeito nos pares (5) / (5’) e (6) / (6’) é justamen-
te sua ordenação na estrutura oracional. Assim, em (5), João é o “ser” de quem

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se diz algo, no caso, que ama Maria; já em (5’), a mudança sintática operada faz
com que Maria funcione como sujeito, o “ser” que ama João. Na oração (6), o SN
o professor, em posição inicial, atua como sujeito, como o “ser” sobre o qual se
declara que é americano; contrastivamente, em (6’), o ao SN o americano, codifi-
cado como sujeito, é atribuído o comentário é professor.

Por outro lado, tal como os demais critérios, a abordagem sintática, por si, não
é suficiente para a depreensão ou identificação do sujeito oracional na maioria das
orações da língua portuguesa. Uma prova do que declaramos é a possibilidade das
quatro primeiras orações referidas nesta aula admitirem sujeito posposto ao predi-
cado, sem maiores prejuízos para o conteúdo oracional veiculado, como em:

Predicado Sujeito

(1’) Deseja a paz o presidente.

(2’) Desejam a paz os homens.

(3’) É desejada a paz.

(4’) Deseja(m) a paz a maioria dos homens.

Embora o sentido não seja profundamente alterado, em termos semânticos, a


troca posicional entre os constituintes das orações de (1) a (4) provoca certos efei-
tos de sentido distintos. Um de tais efeitos seria, por exemplo, a ênfase no desejo
de paz, informação que se destaca, nas quatro orações acima referidas, pela passa-
gem do predicado à primeira posição na ordem dos constituintes oracionais.

Por essa razão, dizemos que a ordem dos constituintes no português é um


componente da gramática, ou seja, faz parte do conjunto das regularidades
linguísticas de nosso idioma. Entre essas regularidades, situa-se justamente a
posição inicial do sujeito na oração. Devido a essa tendência de uso, é comum
que a comunidade linguística4, de modo geral, interprete como sujeito todo e
qualquer constituinte situado na posição inicial da oração.

Tipos de sujeito
A seguir, listamos os distintos modos de classificação do sujeito, de acordo
com a tradição gramatical5. Como poderemos observar, não há um só critério
4
Assim denominamos o conjunto de usuários da língua, na modalidade falada ou escrita, que a tem com língua materna, independentemente das
situações de variação no uso.
5
Segundo a NGB, há quatro tipos de sujeito: simples, composto, indeterminado e oração sem sujeito; nesta aula, incluímos mais um – o oculto, pela
tradição com que tem sido referido como um outro tipo de manifestação do sujeito.

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para tal classificação; há tipos de sujeito que se distinguem por traços estrutu-
rais, enquanto outros se definem por traços semântico-pragmáticos. Ademais,
os tipos não têm a mesma produtividade na língua, o que significa que a fre-
quência de uso desses padrões não é equilibrada – há sujeitos mais e menos
recorrentes.

Essa diversidade de parâmetros costuma causar certa confusão aos que estu-
dam nossa língua, conforme será aqui exposto. Passemos, então, aos tipos:

Sujeito simples
Trata-se do tipo mais comum. O sujeito simples tem um só núcleo; em outras
palavras, apresenta-se como o SN, que, funcionando como sujeito, tem apenas
um determinado (ou termo principal), independentemente do número de de-
terminantes (ou termos secundários).

Retomemos algumas orações para a exemplificação desse tipo de sujeito:

(2) Os homens desejam a paz.

(4) A maioria dos homens deseja(m) a paz.

(5) João ama Maria.

(6) O professor é americano.

Embora os sujeitos de (2), (4), (5) e (6) apresentem algumas distinções, todos
têm em comum o fato de serem do tipo “simples”, uma vez que possuem um só
núcleo. No caso mais específico de (4), o que pode ocasionar dúvida é a defini-
ção do núcleo – que tanto pode ser maioria quanto homens (razão pela qual o
verbo, como referimos anteriormente, pode ser flexionado no plural ou não).

Como a classificação do sujeito simples leva em conta somente o critério es-


trutural, são considerados como simples os sujeitos pronominais destacados em
(7), (8), (9) e (10):

(7) Alguém deseja a paz.

(8) Ninguém ama Maria.

(9) Ele é professor.

(10) Ambos são professores.

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Como percebemos, são muitos e distintos os modos de expressão do sujeito


simples. Podem atuar nessa função substantivos, como em (5); pronomes pes-
soais, como em (9); pronomes indefinidos, como em (7) e (8); numerais, como em
(10), além de outras classes de palavra.

Quanto à extensão, também se verifica grande variabilidade. Classificamos


como sujeito simples desde sintagmas como Maria (5’) ou o professor (6), até
expressões formadas por maior número de constituintes, como a maioria dos
homens (4), ou ainda construções do tipo:

(11) O professor daquela cidade distante deseja a paz.

Assim, a classificação em sujeito simples não leva em conta nada mais do que a
ocorrência de um, e um somente, núcleo, com o qual deverá concordar o verbo.

Sujeito composto
Classifica-se como composto o sujeito que tem mais de um núcleo. Assim,
nas orações com sujeito composto, o verbo deve ocorrer no plural, uma vez que,
como já vimos neste capítulo (Luft, 1987; Bechara, 1999), uma das características
do sujeito é justamente a concordância de número em relação ao verbo.

Ao contrário do sujeito simples, o tipo composto não é dos mais frequentes.


Essa constatação parece sugerir que a comunidade linguística, em geral, tende
a fazer declarações sobre “um” ser, e não sobre várias entidades especificadas
individualmente. São exemplos de sujeito composto:

(12) O professor e o aluno são americanos.

(13) O presidente, os ministros e toda a nação desejam a paz.

(14) Eu e você amamos Maria.

As orações apresentadas ilustram três características do sujeito composto:


podem ter variada quantidade de núcleos, são formados por classes de palavra
distintas e, em geral, os núcleos são conectados pela partícula e, a mais frequen-
te para expressar adição em língua portuguesa.

Sujeito indeterminado
Dizemos que o sujeito é indeterminado quando desconhecemos, não temos
interesse em saber ou não queremos dizer quem executa a ação. Embora não
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tenha visibilidade maior na estrutura da oração, conforme Luft (1987, p. 25), esse
tipo de sujeito “existe na ideia”, e a língua dispõe de recursos específicos para
marcar essa existência não muito clara ou relevante.

Como podemos observar, ao contrário do sujeito simples e do composto, de-


finidos em termos de padrões estruturais – a quantidade de núcleos, o sujeito
composto é classificado pelo viés semântico e morfossintático. Segundo a tradi-
ção gramatical, há dois recursos para a expressão desse tipo de sujeito, ambos
de natureza gramatical:

 a) Verbo na 3.ª pessoa do plural, sem referência a SN contido na oração:

(15) Fizeram uma passeata pela paz.

(16) Falaram mal do professor.

Em (15) e (16), o sujeito indeterminado é marcado somente pela desinência


de plural _m, usada nas formas verbais fizeram e falaram. Na verdade, em termos
estritamente formais, este seria um tipo de oração “sem sujeito” expresso. Ao usar
tipos de oração como esses, estamos privilegiando a ação verbal; nesses casos,
ou o sujeito é pressuposto ou mesmo irrelevante, como ocorre em (15), ou não
temos interesse, não queremos informá-lo, como parece ser o caso de (16).

Devemos ressalvar que, caso houvesse um SN plural com o qual os verbos


fizeram e falaram pudessem concordar (como em Os moradores fizeram uma pas-
seata e Os alunos falaram mal do professor) estaríamos diante de sujeito simples,
e não de indeterminado.

 b) Verbo na 3.ª pessoa do singular, com o pronome se:

(17) Precisa-se de professores.

(18) Vive-se bem aqui.

(19) Devagar se vai ao longe.

Conforme a tradição gramatical, nas orações (17), (18) e (19), a indetermina-


ção do sujeito é assinalada pela partícula se, que se classifica nesses casos como
“marca de indeterminação do sujeito”, equivalente a alguém. Dessa forma, as
orações referidas poderiam ser parafraseadas, respectivamente, por:

(17’) Alguém precisa de professores.

(18’) Alguém vive bem aqui.

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Termos essenciais: sujeito

(19’) Devagar alguém vai ao longe.

Ambos os recursos de expressão nos remetem à discussão, já referida neste ca-


pítulo, sobre a característica “essencial” do sujeito. Como observamos nos exem-
plos de (15) a (19), o sujeito indeterminado tem visibilidade e nível de importân-
cia menores do que o predicado, esse sim, o grande componente oracional.

Sujeito oculto (determinado)


Embora tenha grande tradição de registro na descrição gramatical da língua
portuguesa, esse tipo de sujeito, também nomeado de elíptico, não consta entre
os citados ou previstos pela NGB. Devido a essa lacuna, há tendência de se incluir
o sujeito oculto na classe do sujeito simples, como um subtipo deste.

Chama-se de oculto o sujeito que pode ser identificado na oração, ainda que
não esteja formalmente expresso ou marcado por um termo específico. Ao con-
trário do sujeito indeterminado, o sujeito oculto está subentendido, sendo recu-
perável por intermédio de duas estratégias:

 a) Pela identificação da desinência verbal:

(20) Fizemos uma passeata.

(21) Falaste bem do professor.

As desinências verbais _mos e ­_ste, respectivamente em (20) e (21), informam


claramente sobre o sujeito de ambas as oraçãos – nós e tu, sem necessidade de
outro recurso para tal identificação.

 b) Pela presença do sujeito no contexto (oração ou período) anterior:


(22) Ambos são professores e dão aula de Matemática.
(23) A maioria dos homens deseja a paz; mesmo assim não consegue deter a
violência.

Em (22), é o sujeito da primeira oração (ambos são professores) que atua também
como sujeito da segunda oração (dão aula de Matemática). Somente chegamos à
identificação do sujeito ambos da segunda, que aí está oculto, pela recuperação
do contexto anterior. O mesmo comentário podemos fazer em relação a (23) –
para a recuperação do sujeito a maioria dos homens, oculto na segunda oração, é
necessário o contexto anterior, onde se encontra expresso esse SN.

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Na verdade, a utilização do sujeito oculto é considerada estratégia eficiente e


adequada na escrita-padrão. Com esse recurso, evitam-se repetições ou retoma-
das literais de SN, promovendo o “enxugamento” do texto, a concisão da expres-
são, considerada uma das qualidades básicas da produção escrita de qualidade.
Vejamos como exemplo um pequeno trecho extraído de uma revista semanal:

(24) Os crachás “high tech” de hoje em dia são uma maravilha: abrem portas
e são o seu RG no trabalho.

No exemplo (24), formado por três orações, apenas o sujeito simples da pri-
meira oração é expresso na íntegra (os crachás “high tech” de hoje em dia); a partir
daí, temos a elipse desse sujeito nas duas orações subsequentes (abrem portas e
são o seu RG no trabalho). O símbolo indica a ausência formal do sujeito, o que
não acarreta problema para produção e a compreensão de (24).

Oração sem sujeito


De acordo com a tradição gramatical, a oração sem sujeito caracteriza-se pela
ênfase no processo verbal. Trata-se de um tipo de oração em que não se atribui
a nenhum ser ou entidade a realização desse processo. Portanto, de acordo com
Cunha e Cintra (1985, p. 126), considera-se que o sujeito, nessas construções, é
“inexistente” e o verbo se classifica como “impessoal”.

A oração sem sujeito, dessa forma, não se confunde com o sujeito indetermi-
nado, uma vez que neste caso o sujeito existe, embora não se possa ou não se
queira identificá-lo.

Conforme Cunha e Cintra (1985, p. 126), a oração sem sujeito manifesta-se,


basicamente, por três modos de expressão:

a) Com verbos ou expressões referentes a fenômenos da natureza:

(25) Chove lá fora.

(26) Faz frio aqui dentro.

(27) Anoitecia no meio da selva.

Nos exemplos (25), (26) e (27), somente se declara sobre os acontecimentos


naturais – chover, fazer frio e anoitecer; é neles que se centra a informação. Casos
como esse são, geralmente, trazidos à discussão como argumentos contra a “es-
sencialidade” do sujeito, uma vez que se trata aqui, efetivamente, da inexistência
de uma função considerada fundamental na organização oracional do portu-
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Termos essenciais: sujeito

guês. Essa situação é interpretada por muitos estudiosos da língua como um dos
pontos críticos e contraditórios da descrição feita pela tradição gramatical.

b) Com verbo haver no sentido de “existir”:

(28) Nessa escola, não havia professor de Matemática.

(29) Atualmente, há muitas passeatas pela paz.

(30) Houve noites em que não dormi.

Como podemos observar, os exemplos do tipo b são característicos da língua


escrita padrão; trata-se de orações de uso mais raro no trato cotidiano. Em geral,
quando o verbo haver é usado com o sentido de existir, verificamos tendência a
que ele concorde com o sintagma subsequente, o qual deixa de ser interpretado
como complemento verbal e passa a funcionar como sujeito. Assim, as varian-
tes de (29) e (30) a seguir constituem alternativas populares e “inadequadas” do
ponto de vista do uso padrão:

(29’) Atualmente, hão muitas passeatas pela paz.

(30’) Houveram noites em que não dormi.

Em (29’) e (30’), o verbo haver encontra-se no plural devido ao entendimen-


to, considerado “falso” pela descrição da gramática tradicional, de que muitas
passeatas e noites, respectivamente, são sujeitos de ambas as orações, quando,
segundo a norma-padrão, esses constituintes devem ser interpretados como
complementos do verbo, ficando a função de sujeito vazia, inexistente.

Na verdade, no modo mais informal de expressão, o verbo haver costuma


ser substituído por ter. Progressivamente, essa alternativa parece vir ganhan-
do espaço na comunidade linguística e se consagrando como modo regular de
expressão da oração sem sujeito mais consagrada entre as pessoas. A música
popular brasileira, por exemplo, muitas vezes concorre para a fixação de alterna-
tivas menos modelares, como os versos a seguir, que iniciam a letra da música
Roda viva, de Chico Buarque:

(31) Tem dias que a gente se sente / como quem partiu ou morreu.

Se fôssemos usar um registro linguístico formal, o verbo que inicia (31) deveria
ser modificado para há dias ou existem dias. Mas a mudança somente do termo
verbal não seria suficiente, porque, além do uso de tem, o que confere ao verso
do poeta a marca da informalidade não se encontra apenas no verbo inicial – está
também na expressão a gente se sente, variante popular do uso padrão nós nos
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sentimos. Em termos sintáticos, outro aspecto interessante desse verso é que, con-
forme a perspectiva gramatical adotada, admitem-se duas análises: na primeira,
mais convencional, consideraríamos dias o sujeito de tem (para tanto, deveríamos
usar o acento circunflexo, na marcação do plural – têm); na segunda análise, mais
correspondente ao uso popular, interpretaríamos dias como objeto de tem, classi-
ficando o verbo como impessoal e a oração como de sujeito inexistente.

De acordo com Cunha e Cintra (1985, p. 127), o uso do verbo ter como impes-
soal é corrente “na linguagem coloquial do Brasil”, além de estar consagrado na
literatura moderna e em outras manifestações. Citam os autores ainda que tal
uso “deve estender-se ao português das nações africanas”, devido ao registro de
ocorrências desse tipo em fontes literárias do português de Angola.

c) Com os verbos haver, fazer e ir indicando tempo decorrido e com o verbo


ser na referência a tempo geral:

(32) Há tempos / não vemos uma passeata pela paz.

(33) Faz três anos / que ele é professor.

(34) Vai para dois meses / que não durmo bem.

(35) Era cedo / quando adormeci.

Observamos que o tipo de oração impessoal ilustrado em c é usado como refe-


rência temporal dentro de outras orações. Trata-se de um sintagma que se centra
exclusivamente na marcação do processo temporal, daí seu uso como “suporte”
para as demais orações. Nos exemplos de (32) a (35), as orações iniciais fornecem
informações subsidiárias para as subsequentes, que atuam como principais.

Texto complementar
(BECHARA, 1999)

Sujeito é uma noção gramatical, e não semântica, isto é, uma referência


à realidade designada, como ocorre com as noções de agente e paciente.
Assim, o sujeito não é necessariamente o agente do processo designado
pelo núcleo verbal, como se patenteia em:

Machado de Assis escreveu extraordinários romances.

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O sujeito pode representar o paciente desse processo:

Extraordinários romances foram escritos por Machado de Assis.

O sujeito, quando explicitado ou claro na oração, está representado – e


só pode sê-lo – por uma expressão substantiva exercida por um substanti-
vo (homem, criança, Sol), ou pronome (eu) ou equivalente. Diz-se, portanto,
que o núcleo do sujeito é um substantivo ou equivalente. Uma palavra não é
substantivo porque pode exercer a função de sujeito; ao contrário, só pode
ser sujeito porque é um substantivo ou equivalente.

A característica fundamental do sujeito explícito é estar em consonância


com o sujeito gramatical do verbo do predicado, isto é, se adapte (isto é con-
corde) ao seu número, pessoa e gênero (nesse caso quando há particípio no
predicado):

Eu nasci. Nós nascemos. Elas não eram nascidas.

O reconhecimento seguinte do sujeito se faz pela sua posição normal à es-


querda do predicado, bem como por responder às perguntas quem? (aplicado
a seres animados), que? o quê? (aplicado a coisas), feitas antes do verbo.

José escreveu uma bela redação.


Quem escreveu uma bela redação? – José.
O livro caiu.
Que caiu? – O livro.

Estudos linguísticos
1. Com base nos versos6 abaixo, extraídos da letra de “Eduardo e Mônica”, faça
o que se pede:

Eduardo e Mônica fizeram natação, fotografia,


Teatro e artesanato e foram viajar.
A Mônica explicava pro Eduardo
Coisas sobre o céu, a terra, a água e o ar:
Ele aprendeu a beber, deixou o cabelo crescer
E decidiu trabalhar.
(In: RUSSO, Renato. Legião Urbana – Dois. CD Emi, 1995)

6
Em poemas e letras de música, cada linha representa um verso; um conjunto de versos constitui uma estrofe.

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a) Justifique a flexão de plural das formas verbais fizeram e foram viajar, le-
vando em conta o tipo de sujeito com que concordam.

b) Identifique e classifique o sujeito do terceiro, quinto e sexto versos.

2. Leia a primeira estrofe do poema “Morte do leiteiro” e responda:

Há pouco leite no país,


é preciso entregá-lo cedo.
Há muita sede no país,
é preciso entregá-la cedo.
Há no país uma legenda,
que ladrão se mata com tiro.
(ANDRADE, Carlos Drummond. Obra Completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1967, p. 169.)

a) Como se classificam os sujeitos do primeiro, quarto e sexto versos?

b) Aponte uma justificativa para o uso desse tipo de sujeito, com base em
sua definição gramatical e no efeito de sentido articulado pela estrofe:

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3. Observe o par de orações:

Grande parte dos torcedores saiu antes do fim do jogo.


Grande parte dos torcedores saíram antes do fim do jogo.

Por que são admitidas as duas possibilidades de flexão verbal assinaladas?

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Referências
ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia Poética. 12. ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1978. p. 57.

_____. Obra Completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1967. p. 169.

_____. Reunião. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1978.

AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos da Gramática do Português. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.

_____. Iniciação à Sintaxe do Português. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,


1995.

BECHARA, Evanildo. Duas afirmações muito complexas – 2. In: ELIA, Silvio et al.
(Org). Na Ponta da Língua. Rio de Janeiro: Lucerna, 1998.

_____. Moderna Gramática Portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.

CUNHA, Celso. Gramática do Português Contemporâneo. São Paulo: Padrão,


1969.

CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâ-


neo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

LUFT, Celso Pedro. Moderna Gramática Brasileira. 8. ed. Rio de Janeiro: Globo,
1987.

ROCHA LIMA, Carlos Henrique. Gramática Normativa da Língua Portuguesa.


Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1987.

RUSSO, Renato: Legião Urbana – dois. CD Emi, 1995.

Gabarito
1.

a) Os verbos encontram-se flexionados porque concordam com o sujeito


composto Eduardo e Mônica, que, por ter dois núcleos, motiva a flexão de
plural nos referidos verbos.

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Termos essenciais: sujeito

b) Terceiro verso: sujeito simples Mônica

Quinto verso: Sujeito simples: ele

Sexto verso: Sujeito oculto: recuperável pelo contexto anterior – ele

2.

a) Nos três versos, trata-se de orações sem sujeito, com o verbo impessoal
haver.

b) Segundo a definição gramatical, nas orações sem sujeito, enfatiza-se o


processo verbal em si mesmo; na estrofe apresentada, uma das motiva-
ções do poeta para esse uso pode ser apontada no destaque que ele
dá à situação do país, não importando quem vive tal situação ou dela
participa. Interessa ao poeta mostrar a quadro nacional, não se voltando
para os personagens, no caso, os brasileiros.

3. Porque está prevista a concordância do sujeito grande maioria dos torcedores


com um dos dois constituintes – maioria ou torcedores, o que pode fazer
com que o verbo fique, respectivamente, no singular ou no plural. Ambas as
alternativas são abonadas pela tradição gramatical.

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Termos essenciais: predicado

Neste capítulo, vamos nos dedicar a um dos constituintes mais funda-


mentais na estruturação da oração – o predicado, considerado por muitos
como o efetivo “termo essencial” da oração. Começaremos pela definição
do predicado, apresentando a seguir sua classificação, observando os três
formatos que pode assumir em português. Analisaremos essas estruturas,
tratando ainda da sua produtividade na língua.

Predicado: função e forma


Do ponto de vista da tradição gramatical, o predicado é definido em
função do sujeito. Assim, entende-se a oração como uma estrutura for-
mada por dois constituintes que se correspondem e complementam – o
ser sobre o qual se faz uma declaração (sujeito) e a própria declaração, ou
comentário, sobre tal ser (predicado). Dessa perspectiva, as duas funções
têm a mesma importância e produtividade, interpretando-se o predicado
como pensado e elaborado após o sujeito, como um adendo, já que, con-
forme Carone (1991, p. 60), “infere-se daí que o primeiro a surgir na mente
do falante é o sujeito, pois só podemos falar de um tema se o tivermos
presente em nosso espírito”.

Em consonância com a descrição tradicional, encontramos as duas de-


finições de predicado exemplificadas a seguir:

a) Cunha e Cintra (1985, p. 119): “[...] o predicado é tudo aquilo que se


diz do sujeito”.

b) Kury (1986, p. 20-21): “Predicado é, na oração de um só termo, a


enunciação pura de um fato qualquer [...] na oração de dois termos,
é aquilo que se diz do sujeito”.

Na segunda definição, o autor contempla o predicado da oração sem


sujeito, ou, de acordo com sua terminologia, da “oração de um só termo”;
nesse caso, o predicado não se define em função do sujeito, mas apenas

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Termos essenciais: predicado

como um comentário geral. Esquematicamente, ambas as definições dão conta


de estruturas oracionais como as que se seguem:

Sujeito Predicado
(1) Todos os moradores temem as chuvas de verão.
(2) A chuva foi a mais forte da estação.
(3) Choveu torrencialmente ontem!

Os predicados ilustrados em (1) e (2) constituem efetivos “comentários” sobre


o sujeito; já (3) exemplifica, segundo Kury (1986, p. 21), a “enunciação pura de
um fato qualquer” – no caso, a chuva forte.

Orações estruturadas como no exemplo (3) representam um dos argumentos


para estudiosos que, ao contrário da tradição gramatical, destacam o predicado
como o efetivo termo “essencial”, imprescindível à constituição da oração. Veja-
mos algumas declarações que se orientam nessa perspectiva:

c) Luft (1987, p. 23): “O mais importante dos dois, núcleo da oração, é o predi-
cado: há orações sem sujeito (com verbos impessoais), mas não as há sem
predicado”.

d) Bechara (1999, p. 408): “[...] nem mesmo o sujeito é um constituinte im-


prescindível da oração [...]”.

e) Azeredo (1990, p. 46): “O único constituinte indispensável à existência de


uma oração é o predicado”.

Nos três autores, observa-se o destaque para a essencialidade do predicado.


Embora levando em conta a ressalva de Bechara (1999, p. 408), de que a presen-
ça do sujeito ao lado do verbo pessoal “constitua o tipo mais frequente – diría-
mos até a estrutura favorita – de oração em português”, esses autores chamam
a atenção para a importância do sintagma verbal (SV) como único efetivamente
necessário à organização oracional.

Há três tipos de oração que põem em xeque a igualdade de relevância das


funções de sujeito e predicado. Trata-se de construções como:

(4) Comentaram sobre sua demissão.

(5) Estivemos aqui ontem.

(6) Amanheceu rapidamente.

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Termos essenciais: predicado

Nas orações anteriores falta o sujeito expresso. Em (4), temos a indefinição do


sujeito, marcada pela flexão de plural em comentaram; em (5), o sujeito é iden-
tificado na desinência verbal da forma estivemos, que nos informa que o sujeito
(oculto) é a primeira pessoa do plural nós; já em (6) não há sequer sujeito, consti-
tuindo este um tipo mais evidente de ausência ou “inexistência” desse termo.

Tipos de predicado
Na língua portuguesa há três tipos de classificação de predicado a partir de
modelos distintos. Esses modelos têm produtividade variada, com frequência
de uso diversa na comunidade linguística – um é muito usado, o outro é mais
limitado e um terceiro tem uso raro em português. Apresentaremos os três tipos
conforme essa gradação – do mais para o menos produtivo.

Predicado verbal
Trata-se do tipo mais comum de predicado. De acordo com Cunha e Cintra
(1985, p. 132), “o predicado verbal tem como núcleo, isto é, como elemento
principal da declaração que se faz do sujeito, um verbo significativo.” Adiante,
na mesma página, os autores definem esse verbo como aquele que porta uma
“ideia nova ao sujeito”.

Conforme Rocha Lima (1987, p. 208), o predicado verbal “exprime um fato,


um acontecimento, ou uma ação, tem por núcleo um verbo, acompanhado, ou
não, de outros elementos”.

Em ambas as definições, destaca-se o preenchimento semântico do predica-


do verbal, em torno de um constituinte principal – o verbo, que expressa conteú-
do pleno. Tal plenitude, que pode ou não ser complementada por outros termos,
é articulada por verbos como os seguintes, extraídos da coletânea de crônicas
Comédias da Vida Privada, de Luis Fernando Verissimo (1996):

(7) A mulher tratou do divórcio sozinha. (p. 50)

(8) Ela responde a todos com monossílabos e vagos gestos com o copo de tulipa.
(p. 51)

(9) E tinha um leve sorriso nos cantos da boca. (p. 51)

Nos predicados verbais de (7), (8) e (9), os núcleos (em negrito) são comple-

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Termos essenciais: predicado

mentados por outros informes, respectivamente do divórcio, a todos/com mo-


nossílabos e vagos gestos e um leve sorriso.

Embora mais raros, há casos em que a plenitude verbal é tal que dispensa
complementos, como nas orações dos seguintes versos, extraídos da letra de
Carolina, composição de Chico Buarque (2008):

(10) Lá fora, amor, uma rosa nasceu, todo mundo sambou, uma estrela caiu....

(11) Lá fora, amor, uma rosa morreu, uma festa acabou, nosso barco partiu...

Nos dois fragmentos, o poeta descreve (ou tenta descrever) para a amada
o ambiente externo. Para tanto, ele articula orações formadas por predicados
verbais cujos núcleos são plenos, sem a presença de qualquer complemento.
Trata-se de acontecimentos ocorridos no momento inicial (10) e final (11) da
composição, que concorrem para demonstrar a mudança processada enquanto
o poeta se dirige à amada.

Com relação ao predicado formado por verbo pleno (ou intransitivo), há


certas estruturas oracionais que trazem alguma complexidade em sua análise:

(12) Acabou a festa.

(13) Faltaram dois alunos.

(14) Sumiram minhas canetas.

De acordo com a tradição gramatical, devemos interpretar as orações (12),


(13) e (14) como formadas por verbo intransitivo com sujeito posposto, na cons-
trução de um tipo de estrutura (predicado + sujeito) que contraria a tendência
geral de o sujeito anteceder o predicado. Porém, no uso cotidiano, a comunida-
de linguística tende a interpretar orações desse tipo como de sujeito indetermi-
nado ou mesmo oração sem sujeito; assim, sintagmas nominais como a festa,
dois alunos e minhas canetas, ordenados após o verbo, interpretam-se como
complementos verbais, e não sujeitos, como se a ordenação fosse constituída
unicamente pelo SV, este formado por verbo + complemento. Por tal razão, na lin-
guagem coloquial, ou mais informal, muitas vezes não se usa o verbo no plural,
como em:

(13’) Faltou dois alunos.

(14’) Sumiu minhas canetas.

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Termos essenciais: predicado

Predicado nominal
Como o rótulo indica, esse tipo de predicado tem por núcleo, ou termo prin-
cipal, um nome, que pode ser representado por substantivo, adjetivo ou prono-
me. O núcleo do predicado nominal classifica-se sintaticamente como predica-
tivo. Por outro lado, o verbo, no predicado nominal, é chamado de ligação, uma
vez que seu papel maior é o de conectar o sujeito e o predicativo, estabelecendo
entre ambos a concordância número-pessoal devida, além de informar sobre o
tempo e o modo da declaração.

Para exemplificarmos o predicado nominal, recorremos novamente às crôni-


cas de Veríssimo (1996, p. 59):

(15) Mauro era um homem bonito. Alto, atlético, moreno. Mas era bobo. Era ex-
tremamente bobo.

Em (15), ilustramos o trecho inicial da crônica “Mauro”. Nesse primeiro mo-


mento, o autor descreve o personagem principal. Nesse trecho, ainda não há
ação, os acontecimentos não são o foco; o importante é traçar o perfil de Mauro.
Para tanto, Veríssimo usa três orações formadas por predicado nominal, em que
qualifica seu personagem, estabelecendo a seguinte gradação:

Mauro era um homem bonito > era bobo > era extremamente bobo

predic. nominal predic. nominal predic. nominal

Como podemos perceber, esse tipo de predicado, desprovido de um verbo


pleno ou significativo, presta-se a comentários do tipo descritivo, como (15), já
que não há fatos ou acontecimentos em jogo; o tempo está “parado” e a ênfase
reside no predicativo. Com base em (15), poderíamos organizar outras orações
de predicado nominal, por exemplo:

(16) Mauro parece um homem bonito.

(17) Mauro ficou um homem bonito.

(18) Mauro continua um homem bonito.

(19) Mauro está um homem bonito.

Conforme Cunha e Cintra (1985, p. 129-130), o verbo de ligação, também


chamado “copulativo”, pode expressar, portanto, noções como: estado perma-
nente (verbo ser, em 15); estado transitório (verbo estar em 19); mudança de

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estado (verbo ficar em 17); continuidade de estado (verbo continuar em 18) ou


aparência de estado (verbo parecer em 16). Assim, podemos considerar que o
conteúdo básico do verbo de ligação é a manifestação de “estado”, e não ação ou
processo, como os sentidos mais comuns dos verbos. Tal constatação nos per-
mite dizer que, no predicado nominal, o verbo afasta-se dos traços mais típicos
da classe dos verbos, já que não é núcleo do predicado e veicula sentido mais
abstrato.

É preciso destacar que alguns verbos em língua portuguesa podem atuar


como de ligação (ou copulativos) ou significativos, dependendo do contexto em
que são empregados. No primeiro caso (A), integrantes do predicado nominal,
tais verbos funcionam principalmente na conexão entre o sujeito e seu atributo;
para a formação do predicado verbal, no segundo caso (B), esses verbos têm
seu sentido mais preenchido, expressando ação ou trazendo novas informações
acerca do sujeito. Estamos tratando de distintas organizações sintáticas como as
que se seguem:

Comstock Complete.
Comstock Complete.

PREDICADO NOMINAL (A) PREDICADO VERBAL (B)


(20) Andávamos muito doentes. (21) Andávamos pelas ruas desertas.

PREDICADO NOMINAL (A) PREDICADO VERBAL (B)


(22) Fiquei feliz com a notícia. (23) Fiquei aqui sentado durante horas.
(24) Quem está satisfeito? (25) Quem está nos esperando?
(26) Continuas otimista! (27) Continuas na mesma cidade?

Nas orações listadas em (A), os verbos andar, ficar, estar e continuar atuam
na expressão de estados, fazendo a ligação entre o sujeito e seu atributo, infor-

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Termos essenciais: predicado

mando sobre o tempo e o modo da declaração e concordando em número e


pessoa com o sujeito. Nessas orações, os nomes adjetivos doentes, feliz, satisfeito
e otimista funcionam como núcleo do predicado, ou predicativo. Nas orações da
coluna (B), os mesmos verbos, porém em contextos sintático-semânticos distin-
tos, compõem predicado verbal, atuando como núcleo desse predicado e tra-
zendo novos informes ao comentário. Em tais contextos, esses verbos podem
expressar ação ou movimento, como em (21), ou referência espacial mais con-
creta, como (23), (25) e (27).

O predicativo pode, esporadicamente, referir-se não ao sujeito, como é a ocorrên-


cia mais comum, mas ao complemento verbal, como veremos na seção seguinte.

Predicado verbo-nominal
Esse é o tipo complexo de articulação do predicado. Tal complexidade justifica-
se pelo modo como é elaborado – trata-se, na verdade, da combinação do predi-
cado verbal e do nominal, na formação de um terceiro modelo. Devido à combi-
nação de que resulta o predicado verbo-nominal, também é chamado por alguns
autores de “misto” (ROCHA LIMA, 1987, p. 208; CUNHA; CINTRA, 1985, p. 134).

O predicado verbo-nominal tem dois núcleos, representativos da combina-


ção de que é resultante – um verbo significativo, próprio do predicado verbal,
e um nome na função de predicativo, característico do predicado nominal. No
esquema a seguir, exemplificamos o processo pelo qual forma-se o predicado
verbo-nominal:

Predicado verbal + Predicado nominal = Predicado verbo-nominal


Mauro riu. Mauro parecia despreocupado. (28) Mauro riu despreocupado.
Os alunos chegaram à escola. Os alunos estavam atrasados. (29) Os alunos chegaram à esco-
la atrasados.

Em (28) e (29), encontram-se destacados os dois núcleos mencionados – o


verbal e o nominal. Os verbos são significativos, na articulação de sentido pleno
(riu e chegaram), e o predicativo em ambas as orações (despreocupado e atrasa-
dos) relaciona-se ao sujeito respectivo (Mauro e os alunos).

Há uma outra possibilidade de organização do predicado verbo-nominal,


ainda mais complexa e de pouco uso na língua, em que o predicativo qualifica
o complemento do verbo significativo, e não o sujeito. Trata-se do resultado de
uma estratégia como a seguinte:

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Termos essenciais: predicado

Predicado verbal + Predicado nominal = Predicado verbo-nominal


A população elegeu Mauro. Mauro tornou-se vereador. (30) A população elegeu Mauro
vereador.
Todos o julgavam. Ele era extremamente bobo. (31) Todos o julgavam extrema-
mente bobo.

Nas orações (30) e (31), os termos predicativos vereador e bobo não qualificam
o sujeito, mas sim o complemento do sujeito. Na oração (30), o verbo significativo
elegeu refere-se ao sujeito a população, que praticou essa ação. Na oração (31), o
sujeito todos concorda com o verbo julgavam, que é complementado pela partí-
cula o; essa partícula, que se refere ao ser julgado, é que recebe o atributo bobo.

São variadas as possibilidades de formação do predicado verbo-nominal,


devido à sua construção híbrida, na combinação de dois outros predicados. Ve-
jamos alguns modelos:

(32) Mauro foi chamado de bobo.

(33) Carlos voltou ao Brasil como embaixador.

(34) A população lhe chamava corrupto.

Em (32), o predicativo encontra-se antecedido da preposição de; em (33), o co-


nectivo como surge à frente do predicativo embaixador, e em (34) temos um tipo
de construção em que o predicativo corrupto refere-se ao objeto indireto lhe.

Texto complementar
(BECHARA, 1998, p. 78-79)

Procuramos mostrar que uma língua histórica encerra dentro de si outras


tantas “línguas” que funcionam nas diversas regiões em que é falada, atendi-
dos também os diversos graus de educação idiomática e as diversas carac-
terísticas de estilo. A gramática não poderia pretender uma descrição única
de toda uma língua histórica, porque, como diz Eugenio Coseriu, ninguém
fala uma língua histórica: o falar só se realiza de modo imediato numa ou
noutra de suas formas determinadas em sentido diatópico, diastrático e dia-
fásico. Em outras palavras, ninguém conhece todo o português (o exemplo,
como dissemos no início destas considerações, pode estender-se a qualquer
língua histórica), já que só fala, em cada caso, uma forma determinada de

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Termos essenciais: predicado

português, isto é, um só “dialeto”, num determinado “nível” e num determi-


nado “estilo de língua”.

E para cada forma desse português se poderá, em princípio, erigir uma


gramática descritiva onde fatos linguísticos existentes podem diferir de
outras formas de português também conhecidas, e às vezes essas diferenças
entre tais línguas funcionais não são menores do que aquelas que ocorrem
entre línguas históricas distintas.

[...]

Enquanto a gramática descritiva está preocupada em registrar e descre-


ver um sistema sem pretender apontar uma língua modelar, digna de ser
seguida pelos falantes, a gramática normativa tem finalidades didáticas e
pretende, por isso mesmo, classificar as formas e construções corretas, im-
pugnando as incorretas. Nesse sentido, a gramática normativa é a arte de
ensinar a falar e a escrever dentro dos usos que se esperam de uma pessoa
instruída, escolarizada. A gramática normativa, vista por esse prisma, não é
nem uma teoria nem descrição; é tão somente um corpo de recomendações
de usos considerados exemplares. Como a língua está em perpétua mudan-
ça, esses usos exemplares podem sofrer variações no tempo, embora com
mais lentidão do que os usos que se registram em outras técnicas idiomáti-
cas. Citando mais uma vez Eugenio Coseriu, lembra ele a respeito da lição do
filósofo italiano Croce: a gramática normativa é a “afirmação de uma ou mais
tendências artísticas, o programa de um modo de falar ou escrever próprio
ou alheio”.

Toda nação culta tem seu código de bem falar e escrever e o aprendizado
deste código começa nos primeiros anos de vida e não para nunca: sempre
há ocasião para se ir mais além no conhecimento dessa língua exemplar.
Nenhum escritor, por mais ilustre que seja, começa dominando as normas
e segredos do seu idioma. Machado de Assis, por exemplo, apresenta-nos
nos seus livros, ainda na fase de autor já consagrado, os verbos fazer e haver
impessoais, na forma flexionada, contra a boa tradição da língua: “Faziam
já dous anos que o não via” (Contos Fluminenses, p. 54, 1899). “(...) homem
muito rico (...) que morrera haviam dez anos” (Ibid., p. 62). Aprendido que tais
verbos, nestas referências, não se põem no plural, o grande Machado inseriu-
se na tradição idiomática. Outro grande poeta da língua, Camilo, usou por
muito tempo o verbo haver no plural, em referência existencial; é célebre o
seu passo “houveram coisas terríveis” (Romance dum Rapaz Pobre, p. 34).

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Termos essenciais: predicado

Estudos linguísticos
1. Releia o primeiro parágrafo do texto complementar, de Bechara, e responda
as seguintes questões:

a) A que se referem as variantes diatópicas, diastráticas e diafásicas?

b) De acordo com essa tripla distinção, como classificar variantes do tipo:

Vieram meus amigos. / Veio meus amigos.

Quebraram dois copos. / Quebrou dois copos.

2. Voltando ao texto complementar deste capítulo, releia o último parágrafo.

a) Quais seriam as variantes do uso padrão das orações:

“Faziam já dous anos que o não via”.

“[...] homem muito rico [...] que morrera haviam dez anos”.

“Houveram coisas terríveis”.

b) Qual a motivação para os usos verbais flexionados no plural das orações


acima?

3. Faça as questões com base no seguinte trecho de Clarice Lispector (1977, p.


11):

O professor era gordo, grande e silencioso, de ombros contraídos. Em vez de nó


na gravata, tinha ombros contraídos. Usava paletó curto demais, óculos sem
aro, com um fio de ouro encimando o nariz grosso e romano. E eu era atraída
por ele.

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Termos essenciais: predicado

a) Classifique o predicado das quatro orações componentes desse trecho.

b) O fragmento de Clarice Lispector é do tipo descritivo. Como os predicados


classificados acima concorrem para a configuração desse tipo textual?

Referências
AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos da Gramática do Português. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.

_____. Iniciação à Sintaxe do Português. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,


1995.

BECHARA, Evanildo. Duas afirmações muito complexas – 2. In: ELIA, Silvio et al.
(Org). Na Ponta da Língua. Rio de Janeiro: Lucerna, 1998.

_____. Moderna Gramática Portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.

BUARQUE, Chico. Carolina. Disponível em: <http://letras.terra.com.br/chico-


buarque/45122/>. Acesso em: 14 mai. 2008.

CARONE, Flávia de Barros. Morfossintaxe. São Paulo: Ática, 1991.

CUNHA, Celso. Gramática do Português Contemporâneo. São Paulo: Padrão,


1969.

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Termos essenciais: predicado

CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâ-


neo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

LISPECTOR, Clarice. A Legião Estrangeira. São Paulo: Ática, 1977.

LUFT, Celso Pedro. Moderna Gramática Brasileira. 8. ed. Rio de Janeiro: Globo,
1987.

ROCHA LIMA, Carlos Henrique. Gramática Normativa da Língua Portuguesa.


Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1987.

VERISSIMO, Luis Fernando. Comédias da Vida Privada. Porto Alegre: L & PM,
1996.

_____. Seleção de Crônicas do Livro Comédias da Vida Privada. Porto Alegre:


L&PM, 1996.

Gabarito
1.

a) Variação diatópica – relativa ao espaço geográfico, aos distintos dialetos;


por exemplo, o falar carioca, o sulista, o mineiro, o nordestino, entre out-
ros.

Variação diastrática – relativa ao nível sociocultural, à escolaridade; por


exemplo, usos cultos, populares, coloquiais, entre outros.

Variação diafásica – relativa ao estilo, à situação de comunicação; por


exemplo, usos tensos/distensos; formal/informal, entre outros.

b) Trata-se de um tipo de variação diastrática, que tem a ver com o nível so-
ciocultural dos usuários, em que as orações no plural são usadas pelos mais
escolarizados; pode também estar relacionada à variação diafásica, em que
as orações no plural são usadas em registro mais formal ou tenso.

2.

a) “Fazia já dous anos que o não via.”


“[...] homem muito rico [...] que morrera havia dez anos”
“houve coisas terríveis”

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Termos essenciais: predicado

b) Os autores, ao flexionar os verbos fazer e haver, faziam a concordância


dos mesmos com os sintagmas no plural que os sucediam, interpretan-
do esses sintagmas como sujeito, e não como objeto. Agindo assim,
tornavam esses verbos pessoais, e não impessoais, como recomenda a
tradição.

3.

a) 1.ª oração: predicado nominal

2.ª oração: predicado verbal

3.ª oração: predicado verbal

4.ª oração: predicado nominal

b) A autora inicia o trecho com uma oração de predicado nominal, em tor-


no do verbo ser, com a qual inicia a caracterização do professor, com as
informações de ele era gordo, grande e silencioso, de ombros contraídos;
nas duas orações seguintes, mantendo o sujeito o professor, agora ocul-
to, utiliza predicados verbais, a partir de ter e usar, para dar continuidade
à caracterização do professor; por fim, informa no predicado nominal a
atração que sentia por ele.

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Termos integrantes:
complementos verbais
Iniciamos este capítulo pela definição de “termo integrante” e desta-
camos sua função e importância na organização sintática da oração em
língua portuguesa. Na sequência, apresentamos as formas de manifesta-
ção de um dos tipos de termo integrante: o complemento verbal, sua clas-
sificação e produtividade no uso linguístico.

O conceito de “termo integrante”


O termo integrante, na hierarquia oracional, corresponderia ao segun-
do grau ou nível de importância, situando-se abaixo dos termos essenciais
– sujeito e predicado. A função do termo integrante é concorrer para a
necessária precisão ou delimitação dos constituintes essenciais.

Segundo Rocha Lima (1987, p. 209), os termos integrantes são “subor-


dinados respectivamente ao núcleo substantivo e ao núcleo verbal”. Para
esclarecer sobre a hierarquia de que estamos falando, tomemos as ora-
ções a seguir:

Sujeito Predicado
(1) O homem fala.
(2) Este homem fala a verdade.
(3) O ser humano pensa.
(4) Ele pensa na proposta de trabalho.
(5) Aquela garota pensa na proposta de trabalho.

Em (1) e (3), temos predicados formados por verbos plenamente signi-


ficativos, ou intransitivos; nesses casos, as ações de falar e pensar são to-
madas em sentido amplo, como referentes a capacidades ou habilidades
essencialmente humanas. Esses predicados relacionam-se a sujeitos que
partilham também a marca da generalidade, uma vez que o homem, em
(1), e o ser humano, em (3), dizem respeito às pessoas em geral.

Já nas orações (2) e (4), embora com a utilização dos mesmos verbos
falar e pensar, observamos outro contexto de sentido e de organização

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Termos integrantes: complementos verbais

sintática. Nessas orações, temos sujeitos mais definidos – este homem e ele, que
requerem comentários também mais precisos. Assim, o predicado nessas ora-
ções tende a fazer menção a ações, processos ou estados específicos do sujeito;
para tanto, além do verbo, há necessidade da articulação de complementos, de
sintagmas nominais (SN), como a verdade, em (2), ou de sintagmas preposicio-
nais (SPrep), como na proposta de trabalho, em (4), que vão delimitar e precisar o
que se declara sobre o sujeito. Portanto, falar a verdade é uma ação mais pontual
e individual do que somente falar; do mesmo modo, pensar na proposta de tra-
balho é uma atitude específica, em oposição a pensar.
Na oração (5), num outro tipo de complementação, o Sprep ao tumulto do
trânsito integra o sentido do nome alheia, que, sem o referido Sprep, ficaria com
sua referência imprecisa ou pouco clara. O complemento não constitui, portan-
to, um mero adendo, um acréscimo informacional, mas sim um dado fundamen-
tal para que a oração tenha sentido completo.
A esses termos que complementam e delimitam o sentido de verbos e nomes
chamamos “integrantes”. Os complementos verbais são nomeados “objetos”; os
que completam nomes são chamados “nominais”. Assim, teríamos a seguinte
classificação dos termos integrantes na sintaxe oracional do português:

Termos Integrantes
Complemento verbal (objeto) Complemento nominal

Segundo a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), ainda haveria um


terceiro tipo de termo integrante, o “agente da passiva”. Porém, conforme Luft
(1987), optamos por tratar a função “agente da passiva” não como um termo
de natureza complementar ou necessária, mas como um elemento acessório ou
adjunto. Entre as razões para a consideração de que o agente da passiva não
deve ser interpretado como complemento, poderíamos citar a pouca frequência
com que é usado na comunidade linguística, o fato de poder ser “descartado” ou
omitido sem maiores prejuízos à interação. Portanto, essa função será analisada
no próximo capítulo, quando nos dedicarmos aos termos acessórios.

Neste capítulo, estudaremos especificamente o mais frequente dos termos


integrantes – o complemento verbal.

Tipos de complemento verbal


Apresentamos nesta seção as distintas formas com que se pode fazer a com-
plementação verbal em língua portuguesa. Segundo a NGB, são dois os tipos de

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Termos integrantes: complementos verbais

complemento verbal: objeto direto e objeto indireto. Em nossa apresentação,


além desses dois tipos clássicos e consensuais, incluímos mais alguns, também
considerados casos de integração verbal e referidos por prestigiados autores
como modos distintos dessa função.

Objeto direto
Nomeia-se “objeto direto” ao complemento de um verbo transitivo direto, ou
seja, de um verbo que necessita dessa complementação para ter seu sentido in-
tegralizado. Assim, verbos portugueses como fazer, dizer, amar, consertar, pintar,
entre muitos outros, são classificados como “transitivo direto”, requerendo, por-
tanto, objeto direto na oração em que são articulados, para formações do tipo:

(6) Não faço nada comprometedor.

(7) Ninguém disse a verdade.

(8) A mãe ama os seis.

(9) Já consertei a porta da minha casa.

(10) Nesse quadro, pintei o azul mais bonito.

O objeto direto é um sintagma de núcleo nominal, que, subordinado ao


verbo transitivo direto, liga-se a este sem a presença de preposição, daí dizermos
que a relação entre o verbo e seu complemento é “direta”. O núcleo nominal do
objeto direto, conforme podemos observar nas orações de (6) a (10), pode ser
um pronome substantivo, como em (6), um substantivo abstrato, como em (7),
um substantivo concreto, como em (8), um numeral, como em (9), ou mesmo
uma palavra substantivada, como azul, em (10).

O objeto direto é o tipo mais comum de complemento verbal, uma vez que
o número dos verbos transitivos diretos é bem mais expressivo do que o dos
verbos intransitivos, de ligação, entre outros. Devido a essa grande variedade de
possibilidades de ocorrência, são muitos os efeitos de sentido que podem ser
expressos pelo objeto direto. Entre esses efeitos, podemos citar:

a) A modificação pela ação do sujeito; na oração (9), exemplificamos o objeto


como paciente afetado, uma vez que a porta da minha casa foi modificada
pela ação de consertar.

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Termos integrantes: complementos verbais

b) O resultado da ação do sujeito: o objeto passa a ter existência por conta da


ação do sujeito; na oração (10), ilustramos esse efeito, em que o azul mais
bonito é produzido a partir do ato de pintar.

c) O conteúdo da ação do sujeito, como em (7), em que a verdade é o foco do


dizer.

Outra marca do objeto direto é a possibilidade de ser substituído por prono-


me oblíquo, dada sua natureza nominal. Assim, retomemos três orações para
ilustrarmos o processo de substituição referido:

(7) Ninguém disse a verdade.

(7’) Ninguém a disse.

(8) A mãe ama os seis.

(8’) A mãe ama-os.

(10) Nesse quadro, pintei o azul mais bonito.

(10’) Nesse quadro, pintei-o.

Nos pares anteriores, o pronome a substitui o SN a verdade, a partícula os está


no lugar do SN os seis e o pronome o substitui o SN o azul mais bonito.

Por vezes, o objeto direto pode ser constituído por mais de um núcleo, clas-
sificando-se como “composto”. Trata-se de um processo de expansão, tanto do
sentido veiculado quanto da forma linguística, como em:

(7) Ninguém disse a verdade.

(7’’) Ninguém disse a verdade nem a mentira.

(10) Nesse quadro, pintei o azul mais bonito.

(10’’) Nesse quadro, pintei o azul mais bonito, o verde mais tenro e o amarelo
mais intenso.

Como podemos observar, em (7’’) e (10’’), temos formações oracionais organi-


zadas em torno da expansão do objeto direto. Na segunda oração, essa expansão
é maior ainda, por conta da articulação de três núcleos no complemento verbal.
O objeto direto composto é ainda uma oportuna estratégia de coesão textual e
de economia linguística – um só elemento verbal e mais de um complemento,

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Termos integrantes: complementos verbais

evitando-se a retomada do verbo, que causaria, por exemplo, a inadequada e


“pesada” ordenação:

(10’’) Nesse quadro, pintei o azul mais bonito, (pintei) o verde mais tenro e
(pintei) o amarelo mais intenso.

Nos manuais de língua portuguesa, alguns autores (CUNHA; CINTRA, 1985;


ROCHA LIMA, 1987; KURY, 1986) costumam fazer referência a dois tipos específi-
cos de objeto direto, que passamos agora a examinar. Um deles é motivo de con-
trovérsia, uma vez que seu próprio rótulo vai de encontro à definição de objeto
direto – é o “objeto direto preposicionado”. Como o nome já indica, trata-se de
um complemento verbal que, como objeto direto, pode ser regido da prepo-
sição a, geralmente, ou de outras, esporadicamente. Conforme Cunha e Cintra
(1985, p.138), são três os contextos que motivam o uso facultativo da preposição
no objeto direto:

a) Articulação de verbos de sentimento:

(11) Amar ao próximo.

(12) Sempre temeu a todos.

b) Tentativa de clareza:

(13) Aos seis filhos a mãe ama.

(14) A Pedro João matou.

c) Construções fixas, já de uso consagrado:

(15) Sacou da espada.

(16) Cumpra com seu dever como cidadão!

Como podemos observar, nos três grupos de oração apresentados, a prepo-


sição não é obrigatória, mas seu uso cria interessantes efeitos de sentido, como
nos grupos a e c, ou então concorre para que não se confunda o sujeito e o pre-
dicado, como no grupo b.

Ainda conforme Cunha e Cintra (1985, p. 138), há apenas um contexto em


que é realmente necessário o uso do objeto direto preposicionado – quando seu
núcleo for um pronome pessoal oblíquo tônico, como em:

(17) Ofendeste a mim com essas palavras.

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(18) Estava tão feliz que esqueceu a si mesmo.

Na verdade, a lista de casos de objeto direto preposicionado varia bastante de


autor para autor. Alguns estudiosos apresentam inúmeros exemplos, com deta-
lhe e especificidade, enquanto outros são mais econômicos, atendo-se aos casos
mais básicos, como os aqui apresentados. O importante é destacar que esse tipo
de objeto direto é de uso restrito na língua portuguesa, ocorrendo apenas em
determinados contextos, como os vistos anteriormente.

O segundo tipo de objeto direto também referido é o “pleonástico”. Para com-


preendermos esse complemento verbal, devemos lembrar que chamamos pleo-
nasmo a uma figura de sintaxe caracterizada pelo exagero de ideias, pela ênfase
que se cria ao falar ou escrever, como em subir para cima, descer para baixo, sair
para fora e assim por diante. Portanto, o objeto direto pleonástico é aquele que
retoma a si mesmo, como se fosse um espelho, na mesma oração, com o propósito
de destacar, de chamar a atenção para seu conteúdo. Trata-se de casos como os se-
guintes, em que se considera que há dois complementos verbais em cada oração:

(19) A mim, ninguém me engana.

(20) Palavras, o vento as leva.

Nas orações anteriores, a ênfase recai justamente no núcleo dos objetos: a


primeira pessoa gramatical (mim, me), em (19), e uma referência nominal (pa-
lavras, as), em (20). Ambas as orações são expressões populares, a serem evita-
das na língua-padrão, que tende a considerar essa redundância de sentido e de
forma, algo inadequado ou inconveniente, principalmente em registro culto.

Pela análise linguística atual, ao invés do que preconiza a tradição gramatical,


não teríamos nas orações (19) e (20) dois objetos diretos, mas apenas um, que
figuraria na segunda ocorrência. De acordo com a abordagem linguística, os sin-
tagmas situados antes da vírgula não participam efetivamente da estrutura ora-
cional, do nível gramatical sintático, mas sim são constituintes do plano discursi-
vo-textual, elementos que tematizam, que evocam ou chamam a atenção sobre
o que se está tratando. Conforme tal entendimento, a mim (19) e palavras (20)
seriam interpretados como tópicos (PONTES, 1987), constituintes fora da oração,
destituídos de função sintática específica. Esta parece-nos a mais adequada in-
terpretação para construções desse tipo, que seriam assim estruturadas:

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Tópico Oração
(19) A mim, ninguém me engana.
(20) Palavras o vento as leva.

Estamos diante, portanto, de dois pontos de vista sobre um mesmo fenôme-


no linguístico. A questão, neste como em outros casos da sintaxe oracional do
português, é de que perspectiva de análise vamos partir, uma vez que a tomada
de determinada posição teórica acarreta também análise distinta. A discussão,
mais uma vez, não reside no binômio certo x errado, mas na consciente decisão
sobre de que lugar teórico, de que abordagem, parte a interpretação. Também
não se trata de fazer crítica infundada ou injustificada à tradição gramatical, uma
vez que esta não se propõe a tratar de questões textuais ou discursivas; quando
muito, a tradição descreve o chamado “período composto”, e para aí, sem enve-
redar para outras extensões do texto. Assim, o tratamento que vai além desses
limites, que incorpora as mais recentes pesquisas das novas teorias linguísticas é
que deve tentar dar conta desse desafio.

Objeto indireto
Assim é nomeado o complemento de um verbo transitivo indireto, isto é, de
um verbo que é regido por preposição, estabelecendo-se a ordenação V + SPrep.
Tal como o objeto direto, o núcleo do objeto indireto é de base nominal, poden-
do ser ocupado por palavras de distinta classe gramatical, como:

(21) Precisamos de amor.

(22) Precisamos de você.

(23) Precisamos dos quatro.

(24) Precisamos do saber.

Nas orações de (21) a (24), temos como núcleo do SPrep objeto indireto, res-
pectivamente, o substantivo amor, o pronome você, o numeral dois e o verbo
substantivado saber.

Outra correspondência em relação ao objeto direto é a possibilidade de mais


de um núcleo, na formação do objeto indireto composto:

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(21) Precisamos de amor.

(21’) Precisamos de amor e de paz.

(24) Precisamos do saber.

(24’) Precisamos do saber, do fazer e do dizer.

Também como mencionado para o objeto direto, o complemento verbal


objeto indireto pode receber o rótulo de “pleonástico”. Assim, de acordo com a
tradição gramatical, temos um caso de reduplicação do objeto indireto, na for-
mação de estruturas oracionais do tipo:

(25) A mim, dedicou-me seu novo livro de poemas.

(26) Da morte, o criminoso zombou dela.

Valem aqui os mesmos comentários, feitos em relação ao objeto direto pleo-


nástico, acerca das duas interpretações possíveis para construções como (25) e
(26). De acordo com tais interpretações, ou consideramos que ambas as orações
têm dois complementos verbais, pelo viés da tradição gramatical, ou entende-
mos que seus termos iniciais – a mim e da morte, não participam da estruturação
sintática oracional, cumprindo tão somente função textual de tópico ou tema
(PONTES, 1987).

Do ponto de vista semântico, o objeto indireto se define genericamente


como “o complemento que representa a pessoa ou coisa a que se destina a ação,
ou em cujo proveito ou prejuízo ela se realiza” (ROCHA LIMA, 1987, p. 219), tal
como:

(27) Gosto muito de meus ex-alunos.

(28) Esta noite pensei em nossa próxima viagem.

Quando o verbo é transitivo direto e indireto, ou bitransitivo, ocorrem dois


complementos verbais na estrutura oracional – o objeto direto e o indireto,
geralmente nesta sequência. São contextos mais esporádicos, tais como os
seguintes:

Objeto direto Objeto indireto


(29) Dei o melhor de mim a esse empreendimento.
(30) Dissemos toda a verdade aos verdadeiros interessados.

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Outros casos
Vejamos agora dois tipos de complemento verbal que não se encontram lis-
tados especificamente na NGB, porém encontram-se descritos em manuais e
compêndios do português.

Complemento circunstancial
De acordo com Rocha Lima (1987, p. 222), há certos verbos que requerem como
complemento sintagmas circunstanciais, notadamente de lugar ou de tempo, para
integralizarem sua significação. Esses sintagmas, também nomeados de “comple-
mento adverbial” (KURY, 1986, p. 50) não funcionam como informação subsidiária;
ao contrário, tornam-se imprescindíveis para o sentido da oração.

A fim de avaliarmos a função integrante do complemento circunstancial e


sua distinção em relação ao caráter facultativo de outras ocorrências, vamos exa-
minar os pares de oração a seguir:

(31) Moro naquela distante cidade.

(32) Dormi naquela distante cidade.

(33) O curso durou um ano.

(34) Pensei em você um ano.

Em (31) e (33), os sintagmas destacados completam efetivamente os verbos


morar e durar, que exigem, respectivamente, informações de natureza locativa
e temporal para sua efetiva compreensão; não são orações plenas, em língua
portuguesa, algo como Moro ou O curso durou – falta-lhes justamente o com-
plemento verbal. Já em (32) e (34) a situação é outra – os verbos dormir e pensar
não necessitam de complemento circunstancial, assim, os mesmos sintagmas
naquela distante cidade e um ano não funcionam aí como integrantes; seu papel
é de natureza acessória.

Portanto, o que está em jogo na identificação do complemento circunstan-


cial não é exatamente a expressão que cumpre esse papel, mas sim a predicação,
o tipo de verbo, que poderá ou não exigir sua complementação por intermédio
de um sintagma circunstancial. Em português, há uma série de verbos que se
incluem no grupo dos que exigem complemento circunstancial, como chegar,
residir, ir, vir, habitar, distar, estar (num local), entre outros.

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De acordo com a tradição gramatical, esses verbos são classificados inadequa-


damente como “intransitivos”, e os sintagmas que os seguem são considerados
indistintamente como “adjuntos”. Julgamos esse um tipo de descrição improce-
dente, que não condiz com o que ocorre de fato. Por tal tipo de interpretação
equivocada, as orações (31) e (32), bem como (33) e (34), teriam estruturas cor-
respondentes. Consideramos, pois, que cabe ao professor de língua portuguesa
chamar a atenção para a impropriedade referida, levando seus alunos a refletir
acerca do papel integrante desses sintagmas circunstanciais nos contextos de
uso dos referidos verbos, em contraste com sua efetiva função acessória.

Complemento relativo
Para a NGB, o complemento relativo é apenas um tipo de objeto indireto.
Porém, alguns autores (ROCHA LIMA, 1987; BECHARA, 1999) distinguem esse tipo
de complemento do objeto indireto clássico por conta das seguintes razões:

 a) o complemento relativo não se refere à pessoa ou coisa a que se destina


a ação verbal;

 b) o complemento relativo não é passível de substituição, na terceira pes-


soa, pelas formas átonas lhe e lhes.

Segundo esses mesmos autores, constituiriam casos de complementação re-


lativa orações como as seguintes:

(35) Muitos assistiram ao final do campeonato.

(36) Esse trabalho depende do aval do chefe.

(37) Ninguém reparou na minha roupa nova.

Nas três orações anteriores, os verbos assistir, depender e reparar não modifi-
cam ou agem diretamente sobre os complementos subsequentes – ao final do
campeonato, do aval do chefe e na minha roupa nova. Ademais, os três SPrep não
podem ser substituídos pelas formas lhe e lhes, mas sim por a ele, dele e nelas,
respectivamente.

Por outro lado, ainda que considerando esses traços específicos, na mesma
linha de Kury (1986), consideramos essa distinção sem maior relevância e eficácia
para a descrição da sintaxe do português. O fato de o complemento verbal ser
introduzido por preposição torna-o passível de inclusão na categoria de objeto

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indireto. Assim, parece-nos acertado o procedimento da NGB, que desconside-


rou a existência de uma classe assim especificada, incluindo os casos aí situados
no grupo dos objetos indiretos. Tal procedimento “enxuga” o rol de categorias,
constituindo procedimento econômico e eficiente de descrição gramatical.

Texto complementar
(KURY, 1998, p. 34-36)

Muitos autores, entre os quais sobressai Francisco Fernandes, no Dicioná-


rio de Verbos e Regimes, confundem frequentemente o objeto indireto com
o adjunto adverbial, ignorando o fato de que só o primeiro diz respeito à
regência verbal; no adjunto adverbial, diz Nascentes, a preposição não forma
construção com o verbo, e sim com o nome que a segue. E “isto nada tem a
ver com a regência”.

Com os verbos de movimento, porém, a indicação de lugar (direção,


proveniência etc.) não pode ser considerada acessória. Numa oração como
“Assim se vai aos astros”, aos astros é complemento, e não mero adjunto: ir é
verbo transitivo adverbial (ou circunstancial), e estamos diante de um caso
típico de regência.

É de um fato ligado a estes verbos que vou tratar de início.

Condenam vários gramáticos o uso de um mesmo complemento referi-


do a verbos de regência diferente, como é o caso de “entrar e sair de casa”:
querem que se escreva “entrar em casa e sair dela”, construção estilisticamen-
te capenga. Parece-me que não têm razão, à luz dos fatos da regência viva.
Vejam-se alguns dos exemplos literários que tenho fichados:

De Aluísio Azevedo (O Cortiço, Rio, B. L. Garnier, 1890):

“Não pregou olho durante toda a noite; saíra e entrara na estalagem mais
de vinte vezes, irriquieta” (p. 171-172);

“Dona Isabel acendeu velas de cera à frente do seu oratório, e nesse dia
não pegou mais no trabalho, ficou estonteada, sem saber o que fazia, a entrar
e sair de casa, radiante de ventura.” (p. 205)

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De Machado de Assis:

“... mas houve um minuto, não me recordo bem qual, ao entrar ou sair da
igreja, .... em que, se ele cai ali com umas cãibras, eu não amaldiçoaria o céu.”
(Uma por outra, p. 1115 da ed. Aguilar, vol. II)

“Continuou a entrar e sair de casa.” (Dom Casmurro, cap. XVI)

De Gilberto Amado:

“Iam contar lá em casa que me haviam visto de madrugada, na Bica, en-


trando e saindo de tal lugar.” (Histórias de Minha Infância)

De José Lins do Rego (Menino de Engenho, cap. 15):

“Levava-me e trazia da escola todos os dias.

[...]

Implicar e implicar em (= “acarretar”, “trazer como resultados”, “importar


em”).

Nesta acepção, a regência tradicional é “implicar algo”: “A queda daquele


governo implica para o país grandes transtornos.”

Mas a evolução trouxe uma regência nova, “implicar em”, resultante da in-
fluência de verbos mais ou menos sinônimos, como importar em, resultar em, e
também uma tendência da língua para o uso pleonástico da preposição cog-
nata do prefixo (assistir a, depender de, empregar em, incidir em, incorrer em).

Combatida por conservadores, “está ganhando foros de cidade na língua


culta” (Rocha Lima). Disponho de muitos exemplos literários, entre os quais
cito estes:

“A primeira questão, obviamente, é se isto tem alguma coisa a ver com a


chamada “literatura” do País, o que implica evidentemente numa redefinição
de “literatura”. (Afonso Romano de Santana. O lixo literário: underground e
tropicalismo: In: Supl. Lit. de O Estado de S. Paulo, 16-6-75, p. 5).

[...]

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Como se vê, a língua inova em matéria de regência, e é preciso pesquisar os


autores, antes de condenar injustamente uma construção que se revela viva.

Estudos linguísticos
1. Leia atentamente o poema a seguir, de Manuel Bandeira, um dos mais repre-
sentativos poetas do Movimento Modernista do Brasil:

Poema retirado de uma notícia de jornal


(BANDEIRA, 1985)

João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilô-


nia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no Bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

a) A função dos SPrep destacados no poema é complementar ou acessória?


Justifique sua resposta.

b) Aponte uma das motivações para o uso desses SPrep no poema de Ban-
deira.

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2. Com base nos versos iniciais de Vinicius de Moraes, faça as questões que se
seguem:

A rosa de Hiroxima
(MORAES, 1968)

Pensem nas crianças


Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas

a) Qual a função sintática desempenhada pelos sintagmas destacados?

b) Do ponto de vista textual, que papel cumprem esses sintagmas na parte


inicial da composição de Vinicius?

3. No texto complementar deste capítulo, Kury defende que a regência verbal é


“viva” e, em muitos casos, “inovadora”. Com base nessa declaração, responda
as seguintes questões:

a) O verbo namorar vem sendo usado atualmente com um tipo de regência


não abonado nos compêndios gramaticais. Como tem sido empregado
esse verbo em termos de regência?

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b) Segundo a tradição gramatical, verbos como ir e chegar são regidos pela


preposição a, mas não é assim que a comunidade linguística vem usando
esses verbos. Qual a preposição geralmente empregada com ir e chegar?
Aponte um motivo para esse emprego.

c) Justifique o comentário final de Kury:

Como se vê, a língua inova em matéria de regência, e é preciso pesquisar


os autores, antes de condenar injustamente uma construção que se reve-
la viva.

Referências
AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos da Gramática do Português. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.

_____. Iniciação à Sintaxe do Português. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995.

BANDEIRA, Manuel. Estrela da Vida Inteira. 4. ed. Rio de Janeiro: José Olympio,
1973. p. 196.

_____. Manuel Bandeira – poesia completa e prosa. 4. ed. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1985.

BECHARA, Evanildo. Duas afirmações muito complexas – 2. In: ELIA, Silvio et al.
(Org). Na Ponta da Língua. Rio de Janeiro: Lucerna, 1998.

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_____. Moderna Gramática Portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.

CUNHA, Celso. Gramática do Português Contemporâneo. São Paulo: Padrão,


1969.

CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâ-


neo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

KURY, Adriano da Gama. Inovações na regência verbal. In: ELIA, Silvio et ali (Org).
Na Ponta da Língua. Rio de Janeiro: Lucerna, 1998.

_____. Novas Lições de Análise Sintática. 2. ed. São Paulo: Ática, 1986.

LUFT, Celso Pedro. Moderna Gramática Brasileira. 8. ed. Rio de Janeiro: Globo,
1987.

MORAES, Vinícius de. Obra Poética. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1968.

PONTES, Eunice. O Tópico no Português do Brasil. Campinas: Pontes, 1987.

ROCHA LIMA, Carlos Henrique. Gramática Normativa da Língua Portuguesa.


Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1987.

Gabarito
1.

a) Os três sintagmas destacados são complementos circunstanciais ou ad-


verbiais; eles concorrem para a integralização dos verbos morar, chegar e
(se) atirar, respectivamente.

b) Esses SPrep concorrem para a articulação do sentido do poema; todos


são organizados em torno do personagem central – João Gostoso. O
primeiro (no morro da Babilônia) nos informa sobre a origem pobre do
personagem; o segundo (no Bar Vinte de Novembro), nos diz sobre seu
hábito de bebida; o terceiro (na Lagoa Rodrigo de Freitas) traz a referência
ao local onde o personagem se afogou, o que, de certa forma, contrasta
com o atributo Gostoso.

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2.

a) Os quatro sintagmas destacados atuam como objeto indireto, comple-


mentando o verbo transitivo indireto pensar.

b) Esses sintagmas chamam a atenção, convidam e convocam os inter-


locutores a pensar, a refletir sobre as atrocidades humanas, no caso, a
bomba de Hiroxima, estabelecendo-se a gradação entre as vítimas da
bomba: crianças, meninas e mulheres, finalizando-se com a consequência
da bomba – feridas. Os objetos sintáticos são, também, os objetos do
pensar, do refletir, estabelecendo-se, assim, a relação entre as questões
gramaticais e papéis discursivos.

3.

a) Tem sido cada vez mais frequente o uso de namorar com; nesse caso,
interpretamos o verbo namorar como transitivo indireto.

b) Em geral, as pessoas, mesmo em registros mais formais, acabam usando


a preposição em com ambos os verbos, criando-se os sintagmas ir em e
chegar em, com suas variantes. Uma das justificativas para esse uso pode
ser o fato de que o sentido de em é locativo e os verbos ir e chegar tam-
bém partilham o traço locativo, assim, a comunidade linguística, numa
tendência de certa forma “pleonástica”, reiteraria esse sentido de local no
verbo e na preposição.

c) Nesse trecho final, o autor chama atenção para a precipitação em classi-


ficar como inadequada ou mesmo “errada” determinada regência verbal.
Como saída para avaliar a pertinência ou não de um certo tipo de regên-
cia, o autor propõe que se pesquisem os usos de autores consagrados,
legitimados na comunidade linguística, para a verificação se, eventual-
mente, os usos criticados já estão sendo praticados por essa parcela de
usuários, considerados praticantes modelares da língua.

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Termos integrantes:
complemento nominal
Neste capítulo, tratamos do segundo tipo de função complementar da
sintaxe oracional do português – o complemento nominal. Iniciamos pela de-
finição desse termo, apresentamos suas formas de manifestação e discutimos
os limites, muitas vezes tênues ou imprecisos, entre a função de complemen-
to e de adjunto dos sintagmas que sucedem nomes na língua portuguesa.

O conceito de “complemento nominal”


Classificamos como “complemento nominal” um tipo de termo que in-
tegra, precisa ou limita o sentido de um outro termo, no caso, um substan-
tivo, um adjetivo ou um advérbio. O complemento nominal é um SPrep
que estabelece relação estreita e coesa com seu antecedente, tanto do
ponto de vista semântico quanto sintático.

Tal como os complementos verbais, o complemento nominal tem papel


integrante, atuando como elemento necessário à completude de sentido
de um constituinte de base nominal, como nos seguintes exemplos:

(1) A decisão do diretor surpreendeu o grupo de professores.

(2) Não esmoreceu minha crença em seu valor.

Em (1) e (2), os SPrep destacados atuam como complementos nomi-


nais, integrando, respectivamente, os SN a decisão e minha crença. Trata-
se de um tipo de relação considerada necessária e fundamental, uma vez
que os SN referidos não teriam condições de, por si só, darem conta do
processamento do conteúdo de uma forma mais “plena”. Decisão e crença
são nomes que requerem, tal como os verbos transitivos, complementa-
ção de sentido.

Esses dois SN ilustram uma outra característica semântica do com-


plemento nominal – a integralização de nomes abstratos derivados de
verbos. Como esses verbos originalmente necessitam de complemento
verbal, os nomes derivados, por sua vez, também exigem complemento –
neste caso, classificado como “nominal”.
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Termos integrantes: complemento nominal

Assim, poderíamos estabelecer a seguinte relação a partir das orações (1) e (2):

O diretor decidiu + OD A decisão do diretor

verbo transitivo direto complemento nominal

Eu acredito + OI Minha crença em seu valor

verbo transitivo indireto complemento nominal

Quando o complemento nominal integraliza um adjetivo ou advérbio, esses


termos passam a funcionar como efetivos nomes que requerem o SPrep para a
precisão do sentido, como em:

(3) Suas palavras são ofensivas a todos os presentes.

(4) O hábito de fumar é prejudicial à saúde.

(5) Indiferentemente à nossa vontade, ele não foi à festa.

(6) Não tenho opinião formada relativamente a essa questão.

Nas orações (3) e (4), os complementos destacados recortam o sentido dos


adjetivos ofensivas e prejudicial, que funcionam como núcleos do predicado no-
minal; trata-se, à semelhança dos substantivos de (1) e (2), de nomes abstratos
de base verbal. Em relação aos exemplos (5) e (6), o complemento nominal pre-
cisa o sentido dos advérbios de modo indiferentemente e relativamente, também
circunstanciais formados a partir de nomes adjetivos (indiferente e relativa), con-
firmando sua equiparação a substantivos.

Desse modo, podemos declarar, como Kury (1986, p. 53), que o complemento
verbal está para o verbo assim como o complemento nominal está para o nome.
Ambos os termos integrantes concorrem para a necessária e esperada precisão
do antecedente, seja este verbo ou nome. Segundo Rocha Lima (1987, p. 210) e
Kury (1986, p. 51), trata-se, nos dois casos, de um tipo de “significação transitiva”,
de um processo pelo qual acontece a integralização de palavras transitivas de
base verbal ou nominal.

Ainda conforme Rocha Lima (1987, p. 210), o complemento nominal, assim no-
meado pela NGB, recebe outras designações por parte de estudiosos: objeto nomi-
nal (Maximino Maciel), adjunto restritivo (Alfredo Gomes), complemento restritivo
(Carlos Góis) e complemento terminativo (Eduardo Carlos Pereira, Sousa Lima).

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Termos integrantes: complemento nominal

Representações
De acordo com Cunha e Cintra (1985, p. 135-136), na articulação do comple-
mento nominal, o núcleo do SPrep que cumpre essa função pode ser represen-
tado por termo de classe morfológica variada, como:

a) Substantivo: é o tipo mais comum e frequente de núcleo de complemen-


to nominal; nesse caso, o substantivo pode ser acompanhado ou não de
outros determinantes; as orações anteriores (1) e (2) exemplificam essa re-
presentação:

(1) A decisão do diretor surpreendeu o grupo de professores.

(2) Não esmoreceu minha crença em seu valor.

Em ambos os complementos nominais, os substantivos diretor e valor (de-


terminados) encontram-se antecedidos pelas preposições de e em, combinadas
com o artigo definido o e o possessivo seu (determinantes), respectivamente.

b) Pronome: por constituir forma equivalente a nome, o pronome pode,


eventualmente, funcionar como núcleo do complemento nominal:

(7) A decisão dele surpreendeu o grupo de professores.

(8) Minha crença em você não esmoreceu.

(9) Estou acostumado a tudo isso.

Em (7), o pronome reto ele atua como núcleo do complemento nominal; em


(8), é o pronome de tratamento você que tem essa função; em (9), os prono-
mes tudo (indefinido) e isso (demonstrativo) integram o complemento nomi-
nal. Nas três orações, esses termos atuam como substitutos de nomes; assim,
para o sentido desses pronomes estar mais completo, necessita-se do contex-
to anterior, de informações outras, a fim de precisar quais os referentes para
ele, você e tudo isso.

c) Numeral: por vezes, um numeral em função substantiva constituiu o nú-


cleo do complemento nominal, como em:

(10) A decisão dos dois surpreendeu o grupo de professores.

(11) Minha crença em ambos não esmoreceu.

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Termos integrantes: complemento nominal

Nas orações (10) e (11), os numerais dois e ambos encontram-se no lugar de


nomes, substituindo-os. Tal como observamos em relação ao núcleo pronomi-
nal, no caso dos numerais, também há necessidade de se recorrer a contexto
linguístico mais amplo para determinar a referência do numeral, no caso das
orações em análise, o conteúdo referente a dois e a ambos.

d) Termo substantivado: aqui se reúnem todas as demais classes de palavra,


como verbos e advérbios, que, ao funcionarem como núcleo do comple-
mento nominal, passam a corresponder a substantivos:

(12) O domínio do saber é fundamental para o sucesso.

(13) A incerteza de um “talvez” prejudica nossos projetos profissionais.

Na oração (12), temos a substantivação do verbo saber, enquanto em (13)


substantiva-se o advérbio talvez. Em ambas as orações, o processo de substanti-
vação realiza-se na sua forma categórica, ou seja, por intermédio de uma estra-
tégia sintática – a anteposição do artigo.

Funções sintáticas integradas


Por conta de sua função maior, que é a de complementar ou de precisar o
sentido de um termo de base nominal ou nominalizado, são variadas as funções
sintáticas que podem ser integralizadas por complemento nominal. Vamos, pois,
apresentar algumas das mais representativas dessas funções:

a) Sujeito: como esta função sintática tem base nominal e é bastante pro-
dutiva em língua portuguesa, o complemento nominal integrante do SN
sujeito tem grande índice de ocorrência; as duas orações anteriores, (12) e
(13), entre outras aqui já apresentadas, são exemplos desse tipo:

(12) O domínio do saber é fundamental para o sucesso.

(13) A incerteza de um “talvez” prejudica nossos projetos profissionais.

Os complementos destacados em (12) e (13) são parte integrante dos SNs


sujeitos o domínio do saber e a incerteza de um “talvez”. Esses complementos
situam-se hierarquicamente abaixo dos núcleos nominais domínio e incerteza,
subordinados a estes, como ilustramos a seguir:

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Termos integrantes: complemento nominal

SN sujeito

(12) o domínio do saber (13) a incerteza de um “talvez”

SPrep CN SPrep CN

 b) Predicativo: no predicado nominal, por vezes seu núcleo, o predicativo,


é formado com apoio em complemento nominal, com vistas à precisão e
à definição do sentido veiculado:

(14) Essa situação parece uma inversão de ordem.

(15) A maior virtude é a fidelidade aos amigos.

Nas orações anteriores, inversão e fidelidade funcionam como predicativo,


como o termo mais importante do predicado nominal. Ambos requerem com-
plementação, sem a qual sua referência fica prejudicada ou incompleta. Assim,
os SPreps destacados concorrem para a completude do sentido desses predica-
tivos, atuando como complemento nominal e a eles subordinados:
SN predicativo do sujeito

(14) uma inversão de ordem (15) a fidelidade dos amigos

SPrep CN SPrep CN

c) Objeto direto/indireto: no predicado verbal, a função mais frequente do


complemento nominal é a integralização do complemento verbal, numa estra-
tégia que articula três níveis hierárquicos: predicado verbal > objeto direto/in-
direto > complemento nominal. Vejamos como funciona essa escala, com base
nas duas orações a seguir:

(16) Ninguém teve notícias dele.

(17) A guerra visava à invasão do país vizinho.

SN predicativo verbal

(16) teve notícias dele (17) visava à invasão do país vizinho

SN OD SPrep OI

dele do país vizinho

SPrep CN SPrep CN
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Termos integrantes: complemento nominal

Há ainda outras funções sintáticas, de caráter mais acessório, como agente da


passiva e adjunto adverbial, que podem se integradas por complemento nomi-
nal, mas, por constituírem exemplos mais raros na língua, serão tratados quando
as referidas funções forem estudadas.

Complemento ou adjunto?
Até aqui, apresentamos o complemento nominal como uma função clara e
bem delimitada, em torno da qual não há maiores problemas ou dúvidas. Mas
não é tão simples, em muitos casos, determinar os limites entre a função com-
plementar do SPrep, de caráter essencial, e a sua função adjuntiva ou acessória,
de natureza eventual e fortuita. Frequentemente, torna-se bastante tênue a dis-
tinção entre o papel complementar ou acessório do SPrep.

Em relação a adjetivos e advérbios, de acordo com Rocha Lima (1987, p. 210),


não há dúvidas – “o termo que a eles se liga por preposição é, sempre, comple-
mento nominal.” (destaque do autor). Portanto, o questionamento se dá diante
de substantivo, que é um dos contextos mais comuns de uso do SPrep.

Ainda conforme Rocha Lima (1987), a dúvida reside em dois aspectos com-
plexos para a descrição gramatical, seja essa descrição de viés tradicional ou
linguístico: o conceito de transitividade e o grau de abstração dos nomes. Tal
complexidade tem a ver com o fato de tanto transitividade quanto abstração
serem parâmetros escalares, e não propriamente marcas absolutas. Portanto,
muitas vezes, para tratar desses parâmetros, é preciso relativizar, usar rótulos
como “mais” ou “menos” transitivo ou abstrato; e nem sempre essa é uma ques-
tão consensual e unânime.

Em relação à transitividade, importa saber, para identificar a função comple-


mentar do SPrep, se o nome que o antecede é “transitivo”, ou seja, se necessita
do SPrep fundamentalmente para precisar-lhe o sentido. Ora, em muitos casos,
não é clara a delimitação entre nomes transitivos e intransitivos. Vejamos os
exemplos seguintes, alguns aqui retomados:

(10) A decisão dos dois surpreendeu o grupo de professores.

(14) Essa situação parece uma inversão de ordem.

(18) A prova dos dois surpreendeu o grupo de professores.

(19) Essa situação parece um caso de ordem.

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Termos integrantes: complemento nominal

Nas orações (10) e (14), os SPrep dos dois e de ordem são classificados como
complemento nominal por conta da transitividade dos nomes decisão e inver-
são, que necessitam dos referidos SPreps para a precisão da referência articu-
lada na oração. Já os mesmos SPreps em contextos distintos, nas orações (18) e
(19), atuam em função acessória, como adjuntos, por conta da “intransitividade”
dos nomes prova e caso, considerados de sentido pleno. Na verdade, aplicando
a perspectiva escalar referida nesta seção, poderíamos dizer que o substantivo
prova é mais intransitivo do que caso; assim, em termos de classificação, a função
acessória de dos dois, em (18), é mais evidente e inquestionável do que a função
acessória de de ordem, em (19).

O sentido pleno dos nomes intransitivos observados em (18) e (19) corres-


ponde também a seu nível de maior “concretude”. Assim, quanto mais intran-
sitivos são os substantivos, mais concreta é sua referência, mais ocorre signifi-
cação plena; ao contrário, a transitividade é acompanhada por maior nível de
abstração. De acordo com o grau de abstração, nas quatro orações aqui tratadas,
diríamos que decisão e inversão, em (10) e (14), termos mais abstratos, motivam a
função complementar dos SPrep dos dois e de ordem; por outro lado, os substan-
tivos prova e caso, em (18) e (19), mais concretos e semanticamente definidos,
justificam a função acessória dos mesmos SPreps nestas orações. Em termos de
grau de abstração, como prova é mais concreto (mais palpável, visível, autôno-
mo) do que caso, novamente aqui podemos dizer que dos dois é mais acessório
do que de ordem.

De acordo com Rocha Lima (1987, p. 211), os substantivos abstratos que re-
querem complemento nominal são de dois tipos:

a) De ação: correspondentes a verbos transitivos ou a verbos que requerem


complemento circunstancial:

(17) A guerra visava à invasão do país vizinho.

(20) Minha ida a Salvador foi uma decisão acertada.

Em (17), aqui retomada, o objeto indireto à invasão do país vizinho correspon-


deria a um predicado verbal como invadir o país vizinho; em (20), a ida a Salvador
estabeleceria relação com o SV ir a Salvador.

b) De qualidade: correspondentes a adjetivos usados transitivamente:

(15) A maior virtude é a fidelidade aos amigos.

(21) Tenho certeza da vitória.

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Termos integrantes: complemento nominal

O predicativo a fidelidade aos amigos, em (15), guarda relação com a cons-


trução adjetiva fiel aos amigos. O objeto direto certeza da vitória corresponde ao
sintagma certo da vitória.

Mas mesmo diante do esforço em descrever e classificar os antecedentes


nominais e os SPreps que lhe seguem com base na distinção entre a função
complementar e a adjuntiva, em muitos casos, essa identificação não é tarefa
das mais simples. Um dos grandes desafios ou entraves é justamente o aspecto
escalar da transitividade e da abstração. Há nomes que não se encontram nos
eixos básicos desses dois parâmetros e, assim, o contexto oracional maior é que
pode, de algum modo, apontar o tipo de relação que o SPrep estabelece com
o nome antecedente. Rocha Lima (1987, p. 211-212) apresenta a seguinte situ-
ação ilustrativa desse tipo de relação sintática e semântica, em torno do nome
plantação:

(22) A plantação de cana enriqueceu, outrora, a economia do país. (exemplo


do autor)

(23) Em poucas semanas, os insetos destruíram a plantação de cana. (nosso


exemplo)

Segundo o autor, na oração (22), o substantivo plantação tem sentido abs-


trato, referindo-se à ação de plantar, portanto, representa um nome que requer
como objeto o SPrep de cana, que funciona como complemento nominal. Já na
oração (23) o mesmo nome plantação assume referência mais concreta, ao sig-
nificar um local, um espaço físico onde foi feito plantio específico, portanto, o
SPrep de cana tem aí função acessória, atuando como adjunto. De fato, o que é
decisivo na interpretação de Rocha Lima para o SN plantação de cana é a análise
da relação entre o sujeito e o predicado. Em (22), o sujeito é o próprio SN plan-
tação de cana, que metaforicamente “enriqueceu” um objeto também usado de
modo abstrato, a economia do país, portanto, o sentido da oração (22) é, todo
ele, de referência abstrata. Em (23), ao contrário, o sujeito concreto os insetos e
o predicado destruíram a plantação de cana compõem uma oração em que se
articula referência concreta.

Conforme Rocha Lima (1987), os muitos casos de dúvida em relação à função


complementar ou adjuntiva do SPrep ocorre em torno de formações com a pre-
posição de, pois esta é a mais “vazia” das preposições. Esse esvaziamento de sen-
tido, de referência mais concreta, faz com que de seja articulada em contextos
ambíguos e complexos, como as orações (22) e (23), aqui referidas.

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Termos integrantes: complemento nominal

O que o autor também nos mostra com esse par de orações é que a análise
sintática das funções oracionais deve ser feita levando-se em conta a totalidade
da oração, e não termos isolados. Antes de se ater a casos particulares e específi-
cos da relação sintática, é preciso examinar essa relação no nível maior. Em outras
palavras, para compreender as partes, é preciso compreender antes o todo.

Texto complementar

O sintagma preposicionado (SPrep)


(AZEREDO, 1995, p. 94-95)

Os sintagmas preposicionados resultam de transposição operada por


preposição simples ou composta (com os amigos, sem açúcar, por mares não
navegados, por sobre as ondas, para com os convidados, contigo). São forma-
dos por preposição + SN ou por preposição + SAdv (até ontem, desde muito
cedo, notícias de hoje, moradores daqui). Podem funcionar como predicado-
res, quando no predicado vêm introduzidos pelo transpositor SER, ou como
modificadores, que podem ser verbais, nominais, adjetivais, adverbiais ou
oracionais.

Tradicionalmente atribuem-se aos SPreps funções variadas (adjunto ad-


nominal, complemento nominal, adjunto adverbial, objeto indireto, comple-
mento relativo, complemento circunstancial, agente da passiva). Na verdade,
essas funções correspondem a distinções baseadas em critérios heterogê-
neos e inconsistentes (vide adj., adnominal versus complemento nominal,
complemento nominal versus agente da passiva, adjunto adverbial versus
complemento circunstancial). Em V.2, já comentamos algumas dessas difi-
culdades. Agora vou me deter na distinção entre complemento nominal e
adjunto adnominal.

Comparemos os modificadores nominais abaixo

316 – A opinião de quem testemunhou o fato é importante

317 – Era unânime a opinião de que o réu estava inocente

318 – A fuga do presídio foi cinematográfica

319 – A fuga dos assaltantes foi cinematográfica

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Termos integrantes: complemento nominal

Tradicionalmente, seriam considerados “adjuntos adnominais” os SPreps


destacados em 316 e 319, e “complementos nominais” os destacados em 317
e 318. Em que se baseiam os gramáticos para estabelecer essa distinção?
Alguns alegariam que, tomando-se o verbo opinar como base derivacional
do substantivo opinião, ”quem testemunhou o fato” seria seu “sujeito” e “que
o réu está inocente” seu objeto. A distinção entre o adjunto e o complemen-
to se basearia nessa distinção de papéis semânticos preservada nos SPreps.
Isso é verdade, mas não quer dizer que a diferença semântica seja sintatica-
mente estruturada. Buscar o fundamento da distinção na relação semântica
entre aqueles constituintes e os verbos ”opinar” e “fugir” é reafirmar que a
diferença é semântica sem provar que ela é também sintática. Que dizer, por
exemplo, dos SPreps destacados em “uma serenata ao luar”, “uma viagem ao
Oriente”, “o frango ao molho pardo”? É possível distingui-los sintaticamente
em função dos significados “lugar onde”, “direção” e “modo”, respectivamen-
te? Se sua e cuja não são “complementos nominais” em 320 e 321.

320 – Ficamos acordados à sua espera.

321 – Esta é uma vacina cuja descoberta vai revolucionar a medicina.

Por que o haveriam de ser da vacina e do ano novo em 322 e 323?

322 – A descoberta da vacina trouxe alívio a milhares de pessoas.

323 – Ficamos acordados à espera do Ano Novo.

Estudos linguísticos
1 Leia o seguinte comentário de Rocha Lima (1987, p. 211), acerca da distinção
entre o complemento nominal e o adjunto adnominal:

O cerne da questão mergulha raízes no conceito (por excelência complexo) de transitividade e


intransitividade; e ainda se prende, em certa medida, ao problema (não menos complexo) do
emprego concreto ou abstrato do substantivo.

Ora, apenas substantivos abstratos de ação, relacionados a verbos transitivos ou amarrados


a complemento circunstancial por preposição determinada, podem, por definição, ser
“transitivos”; o mesmo passa com substantivos abstratos de qualidade, derivados de adjetivos
transitivos. Desde que se concretizem, ou a ação ou a qualidade por eles expressa não
transborde para um “objeto” – tornar-se-ão intransitivos.

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Termos integrantes: complemento nominal

De acordo com a declaração acima, seria possível responder à pergunta de


Azeredo (1995, p. 95), constante do texto complementar e abaixo reproduzi-
da? Como seria essa resposta?

“Se sua e cuja não são “complementos nominais” em 320 e 321.

320 – Ficamos acordados à sua espera.

321 – Esta é uma vacina cuja descoberta vai revolucionar a medicina.

Por que o haveriam de ser da vacina e do ano novo em 322 e 323?

322 – A descoberta da vacina trouxe alívio a milhares de pessoas.

323 – Ficamos acordados à espera do Ano Novo”.

2. Segundo Bechara (1999, p. 454), “a seleção da preposição que introduz o


complemento nominal quase sempre está determinada pela preposição que
acompanha o complemento verbal.”

a) Ilustre essa relação com base no modelo a seguir:

Complemento nominal Complemento verbal

ida ao clube ir ao clube

chegada à praia __________________

alusão a imperfeições __________________

b) Ao enfatizar que essa correspondência entre complemento nominal e


verbal ocorre “quase sempre”, Bechara abre espaço para casos de exce-
ção. Aponte, dos pares de sintagma abaixo, aquele que representa a ex-
ceção referida:

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Termos integrantes: complemento nominal

entrada na cidade / entrar na cidade

prisão do infrator / prender o infrator

referência a problemas / referir-se a problemas

3. Preencha as lacunas abaixo com a função sintática integralizada pelo com-


plemento verbal em destaque:

a) Sua resposta à questão foi muito oportuna. (________________)

b) Não gostei de sua resposta à questão. (________________)

c) Esta é a sua resposta à questão. (________________)

d) Não entendi sua resposta à questão. (________________)

Referências
AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos da Gramática do Português. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.

_____. Iniciação à Sintaxe do Português. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,


1995.

BECHARA, Evanildo. Duas afirmações muito complexas – 2. In: ELIA, Silvio et al.
(Org). Na Ponta da Língua. Rio de Janeiro: Lucerna, 1998.

_____. Moderna Gramática Portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.

CUNHA, Celso. Gramática do Português Contemporâneo. São Paulo: Padrão,


1969.

CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâ-


neo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

ROCHA LIMA, Carlos Henrique. Gramática Normativa da Língua Portuguesa.


Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1987.

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Termos integrantes: complemento nominal

Gabarito
1. Com base no trecho de Rocha Lima reproduzido, é realmente possível re-
sponder à pergunta de Azeredo: os SPreps da vacina e do Ano Novo são com-
plementos nominais em 322 e 323 porque os nomes descoberta e espera são
transitivos, constituindo nomes abstratos que requerem, assim, complemen-
tação. Por outro lado, essa situação não se verifica nos exemplos 320 e 321,
em que sua e cuja não atuam na complementação de nomes.

2.

a) chegada à praia / chegar à praia

alusão a imperfeições / aludir a imperfeições

b) O par em que não há correspondência de preposição entre o comple-


mento nominal e o adjunto adnominal é prisão do infrator/prender o in-
frator.

3.

a) Sujeito.

b) Objeto indireto.

c) Predicativo do sujeito.

d) Objeto direto.

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Termos acessórios:
adjunto adnominal
Começamos este capítulo com a discussão acerca do que é um “termo
acessório”, sua definição e papel na hierarquia oracional. Com base nessa
reflexão, destacamos o adjunto adnominal, como um dos termos acessórios
mais recorrentes no uso linguístico. A seguir, apresentamos suas formas de
manifestação e os papéis semânticos que pode articular no SN.

Função acessória e hierarquia oracional


Os termos acessórios são entendidos como aqueles que “se juntam a
um nome ou a um verbo para precisar-lhes o significado” (CUNHA; CINTRA,
1985, p. 145). Mesmo considerados como portadores de informações rele-
vantes, esses termos são tomados como alternativos e dispensáveis, como
acréscimos de forma e de sentido que são feitos aos termos essenciais
(sujeito e predicado) e aos termos integrantes (complementos verbais e
nominais) para melhor especificar essas funções sintáticas mais básicas e
fundamentais.

Segundo Rocha Lima (1987, p. 224), os termos acessórios “podem figu-


rar na oração”; são entendidos, portanto, como sintagmas opcionais na
organização da frase portuguesa. Na mesma linha de interpretação, Luft
(1987, p. 42) considera esses termos “não rigorosamente necessários à
compreensão básica do enunciado” já que “têm a (sub)função de determi-
nar, qualificar e modificar outros termos.”

Na condição de constituintes de (sub)função, ou função menor e mais


subordinada, os termos acessórios são chamados genericamente de “ad-
juntos”, por estarem “junto a” nomes ou verbos, atuando na referida preci-
são do significado desses termos maiores. Do mesmo modo que há com-
plementos para nomes e verbos, há adjuntos de nomes e verbos. A função
adjuntiva é considerada a mais periférica e marginal das que temos visto
até aqui, e os termos acessórios, muitas vezes, representam sintagmas su-
bordinados a outros sintagmas que, por sua vez, encontram-se também
subordinados a outros.

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Termos acessórios: adjunto adnominal

Assim, do ponto de vista hierárquico, os termos acessórios são subordinados


aos integrantes e estes, aos essenciais, estabelecendo-se a seguinte escala:

TERMOS ESSENCIAIS
(sujeito e predicado)

TERMOS INTEGRANTES
(complementos nominal e verbal)

TERMOS ACESSÓRIOS
(adjuntos adnominal e adverbial)

Para ilustrar o comentário e a escala apresentados, tomemos as duas orações


a seguir:

(1) José comprou livros.

(2) Meu primo José comprou dois livros de história.

Do ponto de vista de sua constituição básica, (1) e (2) são correspondentes: há


um sujeito em posição inicial, cujo núcleo é José, seguido do predicado verbal em
torno do núcleo comprou, integrado pelo complemento verbal, a partir do nome
livros. Assim, o que distingue (1) e (2) é justamente a adjunção de termos, na se-
gunda oração, que precisam e ampliam o conteúdo do núcleo do sujeito José e do
núcleo do objeto direto livros. Esquematicamente, teríamos a seguinte distribuição:

Sujeito Predicado
(Verbo + Complemento)
(1) José comprou livros
(2) Meu primo José comprou dois livros de história

Os três termos destacados em (2), meu primo, dois e de história, são classifica-
dos, assim, como acessórios. Por estarem precisando o sentido de dois nomes
– José e livros, núcleos respectivamente do sujeito e do objeto direto, são cha-
mados “adjuntos adnominais”.

“Adjunto adnominal”, na verdade, não é um bom rótulo, na medida em que a


preposição latina ad, que indica aproximação, quando usada no nome adjunto,

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Termos acessórios: adjunto adnominal

já tem sentido de proximidade ou contiguidade. Assim, “adjunto adnonimal” é


um sintagma redundante, com a dupla ocorrência de ad, a expressão “adjunto
nominal” seria mais adequada. Porém, na NGB o que prevalece é a construção
redundante citada e que, pelo uso generalizado no ensino de língua portuguesa
e nos compêndios gramaticais, foi consagrada na referência a essa função sintá-
tica. Ainda de acordo com a NGB, há três tipos de termos acessórios: adjunto ad-
nominal, adjunto adverbial e aposto. Dos três, trataremos como efetivos termos
acessórios os dois primeiros; o terceiro, aposto, pela especificidade funcional
que lhe é característica, será abordado em capítulo específico.

Formas de expressão
Definido como “o termo de valor adjetivo que serve para especificar ou delimi-
tar o significado de um substantivo, qualquer que seja a função deste” (CUNHA;
CINTRA, 1985, p. 145), o adjunto adnominal tem distintas formas de expressão
em língua portuguesa. Vejamos as mais frequentes e comuns, de acordo com os
mesmos autores:

a) Adjetivo: é muito comum o adjunto adnominal ser articulado com base


em adjetivo, que atua como termo determinante, ou dependente, no SN
em que se encontra; como elemento de qualificação do substantivo, o ad-
jetivo subordina-se ao núcleo do SN, apontando uma marca ou caracterís-
tica do nome, como em:

(3) José comprou livros novos.

(4) José comprou interessantes livros.

Nas orações (3) e (4), os SNs livros novos e interessantes livros, que funcionam
como objeto direto, são formados por adjunto adnominal expresso por adjetivo.
Em (3), temos a ordem padrão, ou canônica, em que o adjetivo é usado no SN
– após o núcleo, especificando-o; em (4), encontramos uma ordenação mais inu-
sitada, com a antecipação do adjetivo ao substantivo. Assim, os complementos
verbais aqui tratados organizam-se conforme a seguinte disposição, demons-
trando a possibilidade de o adjunto ocorrer como pré (4) ou pós-determinante
(3), de acordo com Bechara (1999):

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Termos acessórios: adjunto adnominal

SN objeto direto

livros novos interessantes livros

núcleo núcleo

adjunto adnominal adjunto adnominal

b) Locução ou sintagma adjetivo: nesse tipo de expressão, o adjunto adno-


minal, sob a forma de um SPrep, subordina-se ao substantivo, equivalen-
do a um adjetivo, localizando-se após o núcleo nominal, em posição pós-
-determinante:

(5) José comprou livros de história.

(6) José comprou livros sem qualquer gravura.

Em (5) e (6), as orações são ampliadas pela adjunção dos Spreps destacados ao
núcleo do objeto direto livros, numa estratégia que concorre para a precisão do
significado desse núcleo. Embora se trate da articulação de informações relevan-
tes, do ponto de vista estritamente “estrutural”, pelo caráter acessório de que se
revestem, esses adjuntos adnominais não participam da organização básica das
referidas orações, que se resume na sequência sujeito + verbo + complemento.

c) Artigo: essa classe morfológica funciona de modo regular como adjunto


adnominal, em posição pré-determinante, principalmente em sua versão
“definida”, contribuindo para significação do substantivo que a sucede no
SN:

(7) José comprou uns livros.

(8) O José comprou livros.

O adjunto adnominal uns, em (7), nos informa sobre a indefinição acerca


dos objetos comprados: não importa ou interessa quantos e quais os livros ad-
quiridos por José. Na oração (8), o adjunto adnominal participa do SN sujeito o
José, num tipo de referência considerado forma de expressão mais coloquial ou
íntima, pois um nome próprio, como José, já é tomado como termo definido, de
certa, “dispensando” o artigo definido.

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Termos acessórios: adjunto adnominal

d) Pronome adjetivo: várias subclasses pronominais, em função adjetiva,


acompanhadas por substantivo, podem atuar como adjunto adnominal:

(9) José comprou esses livros.

(10) José comprou vários livros.

Nas orações anteriores, atuam como adjunto adnominal do SN objeto direto


o demonstrativo esses, em (9), e o indefinido vários, em (10), em sua posição
comum pré-determinante. O valor adjetivo desses pronomes lhes é atribuído
por conta de sua integração ao SN objeto direto, como determinantes do núcleo
substantivo livros.

e) Numeral: como elemento que designa número, sua sequenciação ou par-


cela, o numeral é costumeiramente usado como adjunto adnominal, em
posição pré-determinante, trazendo informes numéricos a respeito do
substantivo que acompanha e a que está subordinado:

(11) José comprou cinco livros.

(12) José leu metade do livro.

Em (11) e (12), o numeral cardinal cinco e o fracionário metade atuam como


adjunto adnominal do objeto direto, subordinados ao substantivo livro(s).

É comum ainda a combinação de adjuntos adnominais de distinta classe mor-


fológica na referência ao mesmo núcleo substantivo. Retomemos a oração (2):

(2) Meu primo José comprou dois livros de História.

O SN sujeito meu primo José é formado por dois adjuntos adnominais de ca-
tegoria diversa – o pronome possessivo meu e o adjetivo primo1. O SN objeto
direto, do mesmo modo, é constituído por adjuntos adnominais da classe dos
numerais (dois) e do grupo das locuções adjetivas (de história).

Na combinação de adjuntos adnominais pode ocorrer a coordenação desses


termos, que se subordinam ao núcleo do SN por eles integrados:

(13) Meu primo e amigo José comprou livros de História e de Matemática.


1
O nome primo, em português, pode funcionar como substantivo, como em Ele viu o primo ou O primo chegou, e também como adjetivo, como em
Ele é primo da minha amiga ou na oração (2) Meu primo José comprou dois livros de História, em que, devido à presença do nome próprio José, mais
definido, opta-se por considerar este o núcleo do SN, enquanto primo se interpreta como adjunto adnominal.

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Termos acessórios: adjunto adnominal

Em (13), podemos falar que ocorrem dois adjuntos adnominais “compostos”;


um no SN sujeito, primo e amigo, e outro no SN objeto direto, de História e de Ma-
temática. Trata-se de um tipo de termo acessório formado por dois núcleos de
valor adjetivo, que qualificam os nomes José, no sujeito, e livros, no predicado.

Papéis semânticos
De acordo com Luft (1987, p. 42-43), são dois os sentidos básicos articulados
pelo adjunto adnominal em orações da língua portuguesa, conforme sua cons-
tituição morfológica:

a) Determinativo: papel cumprido basicamente pelos adjuntos adnominais for-


mados por pronome adjetivo e numeral, como nas orações aqui revistas:
(9) José comprou esses livros.
(10) José comprou vários livros.
(11) José comprou cinco livros.
(12) José leu metade do livro.

Na função determinativa, o adjunto adnominal concorre para a precisão do


sentido do núcleo substantivo a que se subordina. Assim, os pronomes, em (9)
e (10), e os numerais, em (11) e (12), ajudam a recortar o significado do nome
livro(s), fornecendo informações sobre seu grau de determinação, (in)definição e
aspectos quantitativos, respectivamente.

b) Restritivo/qualificativo: função cumprida pelo adjunto adnominal consti-


tuído por adjetivo e locução adjetiva, tal como:
(3) José comprou livros novos.
(4) José comprou interessantes livros.
(5) José comprou livros de História.
(6) José comprou livros sem qualquer gravura.

Nas orações de (3) a (6), os adjuntos adnominais destacados restringem e


qualificam o nome livros, a que estão subordinados no SN objeto direto. For-
mados por adjetivo em (3) e (4) e por locução adjetiva em (5) e (6), esses adjun-
tos modificam de certa forma o sentido de livros, fornecendo-lhe atributos que,
embora não essenciais e necessários à estruturação oracional, trazem informa-
ções relevantes para a precisão do sentido articulado.

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Termos acessórios: adjunto adnominal

Texto complementar

Complementos e adjuntos
(AZEREDO, 1995, p. 77-78)

Opor complementos a adjuntos é uma prática corrente nas descrições


gramaticais das línguas indo-europeias1. A despeito das muitas dificuldades
teóricas e metodológicas que cercam essa distinção, ela é sustentada basi-
camente pelo pressuposto de que, na estruturação da oração, certos cons-
tituintes – complementos – são necessários, isto é, “exigidos” pelos termos
regentes (que sem eles ficariam “incompletos”), enquanto outros – adjuntos
– são acessórios, isto é, acrescentados “facultativamente” às construções. A
oposição desses conceitos mediante os termos complemento e adjunto não
é, todavia, prática muito antiga. “Complementos” é como se identificam,
no sistema francês de análise, as mesmas funções que, no sistema inglês,
se designam como “adjuntos”, conforme se depreende do paralelo feito por
Ernesto Carneiro Ribeiro nos Serões Gramaticais (RIBEIRO, 1955, p. 553-561).
Na Gramática Filosófica, de Soares Barbosa, usa-se tão só o termo ”comple-
mento”, para rotular quatro espécies de constituintes2: complemento objetivo,
complemento terminativo, complemento restritivo e complemento circunstan-
cial. A oposição “obrigatório” versus “facultativo” separa, no entanto, os dois
primeiros dos dois últimos:

Os dois complementos, objetivo e terminativo, de que acabamos de falar, são os únicos


regidos e determinados pelas regras regentes, e como tais os únicos também necessários
e indispensáveis para completar a significação das mesmas, a qual sem eles ficaria por
completar e suspensa. Os dois seguintes, porém, que são os complementos restritivo
e circunstancial, não são determinados nem regidos por parte alguma da oração, mas
adicionados a elas por quem fala ou escreve, para lhes modificar e mudar a significação, já
restringindo-a, já explicando-a e ampliando-a. Não são, portanto, essenciais e necessários
à integridade gramatical da oração, ainda que sejam para a sua verdade e boa inteligência.
(BARBOSA, 1875, p. 280).

Pouco a pouco se foi estabelecendo a distinção terminológica, que Eduar-


do Pereira Carneiro, mesmo sem a adotar, registra numa observação apensa
ao item 391 da sua Gramática expositiva:
1
Família ou conjunto de línguas antigas semelhantes, de proveniência europeia, como o latim, o grego e o albanês, entre outras, que
tiveram a mesma origem.

2
Os quatro tipos de constituintes rotulados por Barbosa permitem, para entendermos do que o autor está falando, fazer a seguinte relação:
complemento objetivo = objeto direto e objeto indireto; complemento terminativo = complemento nominal; complemento restritivo = adjunto
adnominal; complemento circunstancial = adjunto adverbial).

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Termos acessórios: adjunto adnominal

O termo adjunto é de moderna importação, porém vai-se generalizando o seu uso; vem
do particípio irregular do verbo adjungir = jungir a. Traz a ideia de palavra que se prende
a outra, como os adjetivos e advérbios, para lhes modificar o sentido. É mais geralmente
aplicado às funções atributivas e adverbiais. Complemento ou regime são expressões mais
antigas, e aplicam-se mais comumente ao objeto e às expressões ligadas por preposição.
(PEREIRA, 1942, p. 217).

Estudos linguísticos
1. Leia o poema a seguir, de Cassiano Ricardo, e responda as questões propostas:

Serenata sintética
Rua
torta

Lua
morta

Tua
porta

(CANDIDO, Antonio; CASTELLO, J. Aderaldo. Presença da Literatura


Brasileira – o Modernismo. 8. ed. São Paulo: DIFEL, 1981, p. 129.)

a) As três estrofes são formadas, cada qual, por um SN; indique o núcleo
desses SNs e o adjunto adnominal, ou determinante, de cada um deles.

b) Em qual dos três SNs o adjunto adnominal é pré-determinante?

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Termos acessórios: adjunto adnominal

c) Justifique o atributo “sintética” no título do poema com base nas estrofes


referidas.

2. Observe a primeira estrofe do poema de Carlos Drummond de Andrade:

Infância
Carlos Drummond de Andrade

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.


Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre as mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé
Comprida história que não acaba mais.

a) Qual a função sintática dos termos destacados nos três primeiros ver-
sos?

b) Como os referidos termos concorrem para a articulação do sentido dessa


estrofe?

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Termos acessórios: adjunto adnominal

3. Releia o seguinte trecho, destacado do “texto complementar” deste capítulo:


A despeito das muitas dificuldades teóricas e metodológicas que cercam essa distinção,
ela é sustentada basicamente pelo pressuposto de que, na estruturação da oração, certos
constituintes – complementos – são necessários, isto é, “exigidos” pelos termos regentes
(que sem eles ficariam “incompletos”), enquanto outros – adjuntos – são acessórios, isto é,
acrescentados “facultativamente” às construções.

Com base na declaração acima, classifique os SPreps destacados nas orações


abaixo em complemento nominal ou adjunto adnominal:

a) O ser humano tem necessidade de água. (_________________)

b) Deixamos duas jarras de água em cima da mesa. (_________________)

c) O filho dele não compareceu à aula. (_________________)

d) Não tive notícias dele. (_________________)

Referências
AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos da Gramática do Português. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.

_____. Iniciação à Sintaxe do Português. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,


1995.

BECHARA, Evanildo. Duas afirmações muito complexas – 2. In: ELIA, Silvio et al.
(Org). Na Ponta da Língua. Rio de Janeiro: Lucerna, 1998.

_____. Moderna Gramática Portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.

CANDIDO, Antonio; CASTELLO, J. Aderaldo. Presença da Literatura Brasileira –


o modernismo. 8. ed. São Paulo: DIFEL, 1981.

CUNHA, Celso. Gramática do Português Contemporâneo. São Paulo: Padrão,


1969.

CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâ-


neo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

LUFT, Celso Pedro. Moderna Gramática Brasileira. 8. ed. Rio de Janeiro: Globo,
1987.

ROCHA LIMA, Carlos Henrique. Gramática Normativa da Língua Portuguesa.


Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1987.

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Termos acessórios: adjunto adnominal

Gabarito
1.

a) 1.a estrofe: SN rua (núcleo) + torta (adj adn)

2.a estrofe: SN lua (núcleo) + morta (adj adn)

3.a estrofe: SN tua (adj adn) + porta (núcleo)

b) No último, na terceira estrofe, em que o possessivo tua surge antes do


núcleo porta.

c) A síntese relaciona-se com um tipo de organização extremamente “enx-


uta”, baseada em apenas três SNs, compostos por um só núcleo e um só
adjunto adnominal, sem a presença de verbos ou outros termos.

2.

a) Os termos destacados são adjuntos adnominais, integrantes dos SNs su-


jeitos dos três versos.

b) Nessa estrofe, de base descritiva, o narrador usa os três adjuntos adnomi-


nais, da classe dos pronomes possessivos, para informar acerca de sua
família – pai, mãe e irmão pequeno, indicando a prática cotidiana de
cada um em sua memória, respectivamente: montava a cavalo, ia para o
campo; ficava sentada cosendo e dormia.

3.

a) Complemento nominal.

b) Adjunto adnominal.

c) Adjunto adnominal.

d) Complemento nominal.

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Termos acessórios:
adjunto adverbial
Neste capítulo, vamos tratar especificamente do termo acessório usado
na oração para fazer referência a uma série de circunstâncias, como lugar,
tempo, intensidade, entre outras. Iniciamos pela questão, nem sempre
muito clara e consensual, dos limites entre a função complementar e a
acessória do termo adverbial. A partir da definição de adjunto adverbial,
seus modos de expressão e tendências de ordenação na estrutura oracio-
nal, apresentamos os tipos mais comuns de circunstância expressos por
essa função sintática.

Duas funções: complemento e


adjunto adverbial
De acordo com a NGB e com a tradição gramatical, as circunstâncias
adverbiais teriam somente papel acessório, atuando “junto” a outros cons-
tituintes, como um adendo informacional. Com base nesse entendimento,
apenas a função adjuntiva está prevista para esses termos; porém o olhar
mais atento nos permite observar outro tipo de relação sintática possível
de ser cumprida pelos referidos termos.

Na sintaxe oracional do português, as circunstâncias adverbiais podem


funcionar como constituintes complementares ou acessórios. Em outras
palavras, podem ser fundamentais para a integralização de outros termos,
sem os quais o sentido da oração ficaria comprometido, ou, numa outra
função, podem somente acrescentar informações, de caráter adicional,
com vistas ao maior esclarecimento ou precisão do significado. Daí poder-
mos nos referir, respectivamente, às funções de complemento e de adjun-
to adverbial, conforme ilustramos a seguir:

(1) A criança dorme no quarto.

(2) A criança dorme um sono pesado no quarto.

(3) A criança está no quarto.

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Termos acessórios: adjunto adverbial

Nas orações (1) e (2), o SPrep no quarto atua como adjunto, uma vez que
não participa da predicação verbal de forma direta, não se “integra” ao verbo
dormir de modo necessário e fundamental. Trata-se, em ambas as orações, de
um adendo, de sentido locativo, que concorre para precisar e esclarecer acerca
do espaço onde se situa o sujeito a criança. Sem esse SPrep, ainda continuaria
preservada a estrutura sintática e semântica de (1) e (2), uma vez que A criança
dorme, ou, numa outra versão com atribuição de objeto direto, A criança dorme
um sono pesado são orações bem formadas e inteligíveis da língua portuguesa.

Já em (3) a situação é distinta, por conta da função complementar do SPrep


no quarto, que integra a predicação de estar. A construção A criança está não
constituiu frase ou oração em português, devido à sua incompletude sintática
(falta do complemento adverbial) e semântica (falta da referência de local). Por-
tanto, a função do SPrep em (3) não se confunde com a das orações (1) e (2) na
hierarquia oracional.

Neste capítulo, observamos especificamente as circunstâncias adverbiais


cumpridoras da função adjuntiva ou acessória, aquelas consideradas mais subsi-
diárias na escala hierárquica das funções sintáticas da oração.

A função “adjunto adverbial”


O adjunto adverbial, conforme Cunha e Cintra (1985, p. 147), se define como
“o termo de valor adverbial que denota alguma circunstância do fato expresso
pelo verbo, ou intensifica o sentido deste, de um adjetivo, ou de um advérbio”.

Para Luft (1987, p. 43), numa perspectiva mais ampla, o adjunto adverbial é o
constituinte “que se anexa ao verbo, ao adjetivo ou ao advérbio, ou a toda uma
oração ou período”.

Rocha Lima (1987, p. 227) apresenta maior precisão, ao declarar que o adjun-
to adverbial “modifica o verbo, exprimindo as particularidades que cercam ou
precisam o fato por este indicado”.

Das três definições anteriores, podemos chegar a algumas generalizações. A


primeira delas diz respeito ao caráter acessório do termo. Ao se referir a alguma
circunstância do fato expresso, ao fato de que o termo se anexa ou modifica o
verbo, os autores ratificam a função adjuntiva. Nas orações (1) e (2), o SPrep no
quarto ilustra esse tipo de vinculação semântico-sintática mais “frouxa”, também
observado nos exemplos a seguir:

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Termos acessórios: adjunto adverbial

(4) Comprei o livro naquela loja.

(5) Comprei o livro na noite de ontem.

(6) Comprei o livro às pressas.

(7) Comprei o livro com cartão de crédito.

(8) Comprei o livro para a prova.

As orações de (4) a (8) têm como estrutura fundamental o SV Comprei o livro,


integrado pelo verbo transitivo direto e seu complemento. A partir dessa estrutu-
ra, são “anexadas” informações que dão conta das circunstâncias em que foi feita
a compra. Tais circunstâncias modificam o predicado verbal, acrescentando-lhe
informações acerca do local, em (4); do tempo, em (5); do modo, em (6); do ins-
trumento, em (7); bem como da finalidade, em (8), em que ocorreu a ação.

Outra generalização possível com base nas definições dos autores é a rela-
ção maior entre o adjunto adverbial e o verbo, presente nas três declarações,
demonstrando que a tendência maior do português é de que a circunstância
referida incida sobre o verbo, como podemos verificar nas orações (1) e (2) e
de (4) a (8). Contudo, esporadicamente, a referência adverbial pode recair sobre
outros constituintes:

(9) Esse livro é muito bom!

(10) O trabalho está bem elaborado.

(11) Ele viu você aqui de manhã.

(12) Escrevi a mensagem rapidamente com lapiseira.

Em (9) e (10), os adjuntos adverbiais muito e bem incidem sobre os adjetivos


bom e elaborado, que atuam, respectivamente, como predicativo do sujeito. Já
as orações (11) e (12) ilustram um tipo de relação em que se justapõem dois ad-
juntos adverbiais, de modo que a referência do segundo recai sobre o primeiro;
assim, em (11), de manhã modifica aqui, outro adjunto adverbial, enquanto em
(12) com lapiseira se anexa ao adjunto adverbial rapidamente.

De acordo com a definição de Luft citada anteriormente, a referência do ad-


junto adverbial pode recair em domínios mais amplos, atingindo toda a oração.
A circunstância de modo é a mais recorrente nessa função:

(13) Realmente, esse livro é bom!

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Termos acessórios: adjunto adverbial

(14) Certamente, ele viu você.

(15) O trabalho está feito, evidentemente.

Em geral, ao incidir sobre a oração como um todo, o adjunto adverbial ocupa


posição inicial, como em (13) e (14), separado ou destacado por pausa, que, na
modalidade escrita, é indicada por vírgula. Nessa referência maior do adjunto
adverbial, menos frequente é a posição no fim da oração, como ilustrada em
(15).

Nos três exemplos, o que temos é um tipo de adjunto “oracional”, uma vez
que a circunstância de modo incide sobre toda a oração. De certa forma, essa
função maior não é considerada estritamente “gramatical”, no sentido de que
não participa da sintaxe da oração. Trata-se de um tipo de uso “discursivo” ou
“textual”, já que atua na atribuição de valor, de modalidade, por parte do emissor,
ao conteúdo declarado. Nessa perspectiva, tomando-se as orações (13), (14) e
(15), podemos dizer que realmente, certamente e evidentemente não participam,
de fato, da estrutura oracional, mas sim que expressam a avaliação do emissor
ao que declara, conferindo valor de verdade ou certeza a seu comentário. O uso
desses “adjuntos” torna as declarações mais evidentes, como uma estratégia de
natureza argumentativa.

Em síntese, a partir das definições aqui trazidas, assumimos, como Bechara


(1999, p. 439), a concepção de que “o adjunto adverbial constitui uma classe
muito heterogênea – à semelhança do advérbio que normalmente desempenha
o papel de seu núcleo – não só do ponto de vista formal como ainda do ponto
de vista de valor semântico”.

Expressão e ordem
No período simples, ou oração absoluta, o adjunto adverbial pode ser expres-
so por um só advérbio ou ainda por locução ou sintagma de valor adverbial,
como em:

(16) Comprei o livro ali.

(4) Comprei o livro naquela loja.

(17) Comprei o livro ontem.

(5) Comprei o livro na noite de ontem.

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Termos acessórios: adjunto adverbial

Nos pares de oração referidos, em (16) e (17), encontramos adjuntos adver-


biais constituídos por um só advérbio, enquanto em (4) e (5) essa função é cum-
prida por SPrep. Em termos de frequência, podemos declarar que a expressão
por SPrep é mais usual ou comum.

Embora os compêndios gramaticais informem acerca da relativa liberdade


de ordenação do adjunto adverbial, há certa tendência de esse constituinte se
colocar após o verbo e seu(s) complemento(s), na parte final da oração, como
ocorre com os pares oracionais aqui tratados. Essa é uma ordenação coerente
com a função acessória cumprida pelo adjunto adnominal, uma vez que, como
termo hierarquicamente inferior, costuma se situar também no lugar de menor
“visibilidade” da oração, ou seja, na parte final, de acordo com a sequência dos
pares oracionais comentados, que se traduzem na seguinte escala:

sujeito + predicado ( verbo + complemento verbal + adjunto adverbial)

Em algumas ocasiões, às vezes devido à natureza do próprio advérbio ou


SPrep, o adjunto adverbial situa-se antes do verbo:

(18) Talvez eu compre o livro.

(19) No mês passado comprei o livro.

As orações (18) e (19) ilustram anteposições “motivadas” do adjunto adver-


bial. Na primeira, em conformidade com a tendência da sintaxe portuguesa, a
circunstância de dúvida ocupa posição inicial, de certa forma anunciando que se
trata de uma probabilidade, de um provável ato. Na segunda oração, o SPrep no
mês passado destaca a informação temporal, que se enfatiza pela anteposição
não só em relação ao verbo como pela localização no primeiro segmento da
oração.

Uma outra motivação, de caráter discursivo, para a posição inicial do adjunto


adverbial encontra-se nos comentários sobre as orações (13), (14) e (15), em que
a circunstância modalizadora incide sobre toda a oração.

Um tipo de procedimento que destaca o adjunto adverbial é sua intercala-


ção a outros termos oracionais, em geral, acompanhada por pausa. Trata-se de
estratégia que põe em relevo a circunstância, conferindo-lhe a ênfase que, em
seu local costumeiro, ao final da oração, esse termo não teria. Comparemos as
orações seguintes:

(6) Comprei o livro às pressas.

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Termos acessórios: adjunto adverbial

(20) Comprei, às pressas, o livro.

(7) Comprei o livro com cartão de crédito.

(21) Comprei, com cartão de crédito, o livro.

Em princípio, temos dois pares oracionais equivalentes, cuja única distinção


reside na troca de posição do adjunto adverbial no interior da oração – da po-
sição final para a intercalada. Na leitura mais atenta, porém, observamos que
essa alteração de ordem implica outro tipo de alteração, a semântica. O desloca-
mento do adjunto adverbial, intercalado ao SV e margeado por pausa, confere à
circunstância de modo, em (20), e à de instrumento, em (21), sensível destaque
em relação aos usos mais regulares, como os encontrados em (6) e (7).

Classificação
São muito variados os sentidos, ou circunstâncias, expressos pelo adjunto
adverbial. De acordo com Cunha e Cintra (1985, p. 147), “muitas vezes, só em
face do texto se pode propor uma classificação exata”. Kury (1986, p. 56) chega a
declarar, diante dessa complexidade semântica, que, em termos de classificação
dos sentidos expressos pelo adjunto adnominal, “deve o professor aceitar todas
as que revelem no aluno compreensão inteligente”.

De todo modo, há algum consenso sobre determinados tipos de circunstân-


cia. A seguir apresentamos dez dos mais recorrentes:

a) Lugar: um dos sentidos mais comumente expressos pelo adjunto ad-


verbial, podendo expressar um lugar físico, concreto, ou ainda um lugar
mais abstrato, virtual:

(4) Comprei o livro naquela loja.

(16) Comprei o livro ali.

(22) Comprei o livro no meu sonho.

Os constituintes destacados em (4), (16) e (22) classificam-se como adjuntos


adverbiais de lugar, mas esse espaço é um pouco distinto, comparadas as referi-
das orações. Em (4) e (16), naquela loja e ali representam lugares efetivos, demar-
cados, com dimensões definidas; já no meu sonho, em (22), faz referência a um
espaço meio etéreo, mais abstrato, de contornos pouco precisos.

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Termos acessórios: adjunto adverbial

Do ponto de vista formal, observamos que os adjuntos adverbiais de lugar


podem ser expressos por pronome, como ali, ou SPrep, como naquela loja e no
meu sonho.

Em algumas propostas mais complexas de classificação da referência locativa,


os autores Bechara (1999), Cunha e Cintra (1985) e Rocha Lima (1987) chegam a
distinguir sentidos como: lugar aonde, lugar onde, lugar donde, lugar para onde,
lugar por onde, entre outros. Ocorre que, além de tornar a classificação mais
complexa e refinada, abrindo muitas subcategorias, a maioria desses “lugares”
funciona como efetivo complemento adverbial, integrando o sentido de verbo
transitivo, numa função distinta da acessória, como comentado na parte inicial
deste capítulo.

Nas produções textuais, os adjuntos adverbiais de lugar concorrem para


situar do que ou de quem se está tratando, conferindo o enquadramento espa-
cial necessário à expressão linguística. Muitas histórias infantis, lendas e contos,
entre outras produções, por exemplo, começam por sintagmas que atuam como
adjuntos adverbiais, como num reino muito distante, num castelo encantado, na
densa floresta, e assim por diante.

b) Tempo: como o lugar, o tempo é uma das referências mais recorrentes do


adjunto adverbial; pode ser imediato, relativo ao momento atual, ou en-
tão se reportar ao passado ou ao futuro, mais ou menos remotos;

(5) Comprei o livro na noite de ontem.

(23) Vou comprar o livro na próxima semana.

(24) Estou comprando o livro agora.

(25) Sempre compro livros.

Nas orações anteriores, encontramos o adjunto adverbial de tempo em re-


ferência a quatro distintas dimensões. Em (5), o momento é passado; em (23), o
sentido é futuro; em (24), a referência é o presente, e em (25) o sentido é de um
tempo constante, habitual.

Como o sentido temporal tem sua origem no sentido espacial, certos usos
adverbiais partilham referência de tempo e de espaço, num tipo de circunstan-
ciação híbrida, conforme identifica Bechara (1999, p. 440). Trata-se de usos como
os destacados a seguir:

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(26) Comprei o livro no lançamento.

(27) Escrevi a mensagem na reunião.

Segundo o autor, os adjuntos adverbiais no lançamento e na reunião podem


ser interpretados como portadores de sentido espacial (no local / “stand” do lan-
çamento; no contexto / ambiente da reunião) ou de sentido temporal (na ocasião
/ momento do lançamento; na hora / momento da reunião). Não se trata, aqui, de
tentar encontrar um sentido mais adequado ou “certo” para tais adjuntos; antes,
deve-se promover a reflexão acerca de tais usos, na demonstração de que as
duas alternativas de interpretação são coerentes e plausíveis, em conformidade
com a lição de Kury (1986), referida no início desta seção. Para a comunidade
linguística, não há problema ou equívoco em relação ao que se expressa; para o
analista ou o professor, exemplos como (26) e (27) devem constituir ricos contex-
tos para a análise dos usos linguísticos.

Em termos textuais, tal como referido em relação aos locativos, os adjuntos


adverbiais de tempo atuam na contextualização de uma série de cenas, como
na abertura de histórias. Expressões do tipo era uma vez, há muito tempo, numa
certa manhã, entre outras, são exemplos dessa estratégia.

c) Intensidade: esse tipo de advérbio confere maior ou menor ênfase ao ter-


mo sobre o qual incide:

(9) Esse livro é muito bom!

(28) Esse livro parece pouco recomendável.

Na orações (9) e (28), os predicativos bom e recomendável são, respectiva-


mente, mais e menos intensificados pelos adjuntos muito e pouco.

A frequência no uso dos adjuntos adverbiais de intensidade depende basi-


camente dos propósitos textuais. Assim, textos mais “neutros” ou isentos devem
evitar esse recurso, enquanto declarações de maior nível de adesão ou compro-
metimento costumam lançar mão de tal estratégia linguística. Ao contrário da
referência de lugar e de tempo, a de intensidade é tida como mais subjetiva e
pessoal, do âmbito do emissor.

d) Finalidade: noção semântica articulada pelo adjunto adverbial em que se


destacam propósitos ou fins:

(8) Comprei o livro para a prova.

(29) Comprei o livro por interesse profissional.


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Termos acessórios: adjunto adverbial

Conforme observamos nas duas orações anteriores, para a prova e por inte-
resse profissional constituem as justificativas para a ação de comprar (o livro). Em
geral, o adjunto adverbial de finalidade se expressa por intermédio de um SPrep
em torno da preposição para, a forma regular e padrão de articulação de finali-
dade em língua portuguesa.

Por vezes, confundem-se as noções de finalidade e de causa, principalmente


com SPrep iniciado pela preposição por, como em (29) e em (30), que apresen-
tamos a seguir.

e) Causa: nesse uso, o adjunto adverbial faz referência a motivos e justificati-


vas:

(30) Comprei o livro por causa da prova.

(31) Comprei o livro em virtude do pagamento antecipado.

Do mesmo modo que tratamos a falta de limites precisos entre algumas ocor-
rências da circunstância locativa e da temporal, aqui também faltam critérios
mais precisos para classificar, por exemplo, os adjuntos adverbiais das orações
(29) e (30) como final ou causal.

f ) Instrumento: trata-se da circunstância que informa sobre o meio usado na


ação verbal:

(7) Comprei o livro com cartão de crédito.

(32) Comprei o livro pela internet.

Os adjuntos adverbiais destacados em (7) e (32) precisam a forma usada para


a compra do livro – com cartão de crédito e pela internet. Em geral, quando esse
tipo de adjunto ocorre, o emissor tem algum interesse ou necessidade de fazer
referência ao meio usado. Ou seja, esse recurso gramatical é motivado por fato-
res de ordem discursiva, relativos aos propósitos comunicativos dos usuários.

g) Dúvida: com esse tipo de referência, o adjunto adverbial, em geral situado


no início da oração, deixa em aberto o comentário subsequente:

(18) Talvez eu compre o livro.

(33) Acaso você compraria esse livro?

Por conta de exigências de coesão e de coerência textuais, o uso do adjunto


adverbial de dúvida motiva a expressão hipotética verbal, conferindo a toda a
oração o sentido de dúvida. Assim, em (18), talvez se articula com o presente do
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Termos acessórios: adjunto adverbial

subjuntivo compre, e, em (33), acaso guarda correspondência com o futuro do


pretérito compraria.

h) Modo: o adjunto adverbial de modo participa da predicação verbal, ao


informar a maneira pela qual se cumpre a ação verbal:

(6) Comprei o livro às pressas.

(34) Comprei de propósito o livro.

(35) Vantajosamente comprei o livro.

As orações (34) e (35) ilustram a ordenação mais típica do adjunto adverbial


de modo – ao lado do verbo, compondo com este um todo de sentido e de
forma. O adjunto vantajosamente exemplifica o recurso regular de expressão
dessa função sintática, com a flexão nominal (no caso, o adjetivo vanjatosa) e a
adjunção do sufixo mente.

i) Companhia: trata-se de um adendo referente a quem acompanha, em ge-


ral, o sujeito na ação verbal:

(36) Comprei o livro com o atendente mais jovem.

(37) Comprei, sem você, o livro.

O adjunto adverbial de companhia é articulado basicamente por um SPrep


em torno da preposição com, ou, mais raramente, da preposição sem, de acordo
com o que podemos observar nos sintagmas destacados em (36) e (37). Em rela-
ção ao SPrep iniciado por com e sua funcionalidade, há um contexto, em língua
portuguesa, que deve ser considerado, como ilustramos a seguir:

(38) Eu, com você, comprei o livro.

(39) Eu com você compramos o livro.

Na oração (38), com você, entre vírgulas, funciona como adjunto adverbial de
companhia, referente ao sujeito eu, com o qual concorda a forma verbal comprei.
Já em (39), o sintagma com você, sem qualquer marcação de pausa ou vírgula, é
parte integrante do sujeito composto eu com você, com cujos núcleos concorda
o verbo compramos. Portanto, em (38), o sujeito é somente a primeira pessoa –
eu, enquanto em (39) temos o sujeito composto eu com você. Trata-se, assim, de
duas distintas configurações oracionais e de dois sentidos diversos articulados.

j) Negação: como o nome indica, é a expressão negativa do adjunto adver-


bial, cumprida por somente uma forma – a partícula não, costumeiramen-
te em posição pré-verbal:
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Termos acessórios: adjunto adverbial

(40) Não comprei o livro.

(41) Não comprei o livro não.

(42) Comprei o livro não.

De acordo com a tradição gramatical, a negação em português se processa


como em (40), com a anteposição de não ao verbo. Porém, no uso mais informal,
a comunidade linguística costuma reiterar a expressão negativa, como em (41),
repetindo, após o verbo, o advérbio não. Há ainda uma terceira variante (42),
usada em algumas regiões brasileiras basicamente na modalidade falada, em
que o termo negativo é usado somente uma vez, em posição pós-verbal.

Para alguns estudiosos, a negação deveria ser retirada da lista dos tipos de
adjunto adverbial, uma vez que se trata de um tipo de referência cumprida por
somente um item – a partícula não. Na argumentação desses investigadores,
abrir uma categoria para apenas um item seria como usar uma gaveta para pôr
somente uma peça de roupa, ou seja, seria sobrecarregar e ocupar a classificação
com um só constituinte. Ademais, a negação não representaria efetivamente um
tipo de circunstância, como todas as demais, não podendo ter, portanto, status
de adjunto adverbial. De acordo com esse entendimento, a partícula não deveria
ser analisada e tratada num outro nível de análise linguística, mais amplo, no
âmbito da frase ou oração.

Texto complementar

Os determinantes circunstanciais ou adverbiais


(BECHARA, 1999)

Se atentarmos para as frases:

 A criança caiu da cama durante a noite.

 Os carregadores puseram o móvel na sala logo pela manhã.

 O marido acompanhou a esposa ao hospital na ambulância.

facilmente verificaremos que os termos da cama e durante a noite – para


só ficarmos por enquanto no primeiro exemplo – denotam uma circunstân-
cia de lugar donde (da cama) e de tempo (durante a noite). Levada exclusiva-

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Termos acessórios: adjunto adverbial

mente pelo aspecto semântico, a gramática tradicional igualou esses termos


também sintaticamente, considerando-os ambos adjuntos adverbiais, isto é,
como termos não argumentais, vale dizer, fora do âmbito da regência do
verbo da oração, isto é, não pedidos por ele.

Ora, basta aplicarmos o teste da redução para verificarmos que o termo


da cama é termo obrigatório, argumental, pois pertence à regência do verbo
cair; assim, torna-se incompleta do ponto de vista sintático (e semântico, na-
turalmente) a oração sem este complemento relativo:

 A criança caiu durante a noite.

Já não se dá o mesmo com a redução ou supressão do termo durante a


noite:

 A criança caiu da cama.

[...]

Semanticamente, o papel desses adjuntos adverbiais é matizar o proces-


so designado na relação predicativa, acrescendo à mensagem informações
que o falante julga indispensáveis ao conhecimento do seu interlocutor.

Entretanto, se o conteúdo semântico desses adjuntos adverbiais não


oferece maiores problemas, seu comportamento sintático na oração é he-
terogêneo e requer maior atenção de quem procura descrever esse termo.
Assim, a coesão dele ora é maior com o verbo ou com o sintagma verbal,
ora faz referência a toda a oração, sem que com isso deixe de formar parte
dela, à maneira dos termos marginais. São aspectos muitas vezes que fogem
ao âmbito dos esquemas idiomáticos e entram no domínio da gramática do
texto. É o caso, por exemplo, do termo casa nas orações:

(1) Em minha casa grito eu.

(2) Eu grito em casa.

Enquanto na segunda em casa afeta exclusivamente o verbo grito, na pri-


meira em minha casa modifica a oração como um todo, a combinação sujeito
+ predicado, e esta coesão tênue com o verbo permite a possibilidade de
pausa que normalmente aparece ao ser proferida a oração [PD.1, 18].

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Termos acessórios: adjunto adverbial

Tais variedades de coesão gramatical motivadas por objetivos pragmáti-


cos, discursivos e entoacionais, têm levado estudiosos a enveredar por inda-
gações de graus ou níveis de hierarquização de adjuntos adverbiais [...]

Falam, assim, dos adjuntos adverbiais na condição de adjuntos de subs-


tantivos e adjetivos:

 O inverno em Campos do Jordão é rigoroso.

 Os conflitos em praça pública nem sempre são prenúncios de direitos


feridos.

 As brincadeiras nas praias são sempre ruidosas.

Retornando aos outros exemplos do início, notaremos que os termos


na sala e ao hospital, apesar de semanticamente denotarem circunstâncias,
funcionam como complemento relativo dos verbos puseram e acompanhou,
respectivamente:

 Os carregadores puseram o móvel logo pela manhã.

(sintaticamente incompleta)

 Os carregadores puseram o móvel na sala.

 O marido acompanhou a esposa na ambulância.

(sintaticamente incompleta)

 O marido acompanhou a esposa ao hospital.

Um termo preposicionado designativo da mesma circunstância (aqui “de


lugar”) pode exercer na oração diferentes funções sintáticas dependendo do
conteúdo do pensamento designado, isto é, das circunstâncias concretas do
discurso; por exemplo, de Minas é um complemento relativo em:

 O escritor saiu jovem de Minas.

é um complemento predicativo em:

 O escritor é de Minas.

é um adjunto adverbial em:

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Termos acessórios: adjunto adverbial

 O escritor telegrafou de Minas.

é um adjunto adnominal em:

 Os escritores de Minas gozam de muita aceitação.

é um complemento nominal (de substantivo ou adjetivo):

 Sua permanência em Minas foi breve.

Estudos linguísticos
1. Leia os primeiros versos da canção a seguir, de Ed Motta e Rita Lee, e respon-
da o que se pede:

Fora da lei
Ed Motta
Rita Lee

Cidade nua
Noite neon
Gata de rua faz rom-rom ao luar
Saio da cama
Pulo a janela
Ninguém como ela, ao luar

a) Classifique sintática e semanticamente os sintagmas circunstanciais des-


tacados.

b) Aponte uma motivação discursiva para essa profusão de usos circuns-


tanciais.

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Termos acessórios: adjunto adverbial

2. Releia o texto complementar, de Bechara (1999), e aplique o “teste da redu-


ção” a que se refere o autor nos SPreps assinalados dos ditados populares a
seguir. Após, identifique os adjuntos adverbiais desse grupo:

a) De noite, todos os gatos são pardos.

b) Quem foi ao vento perdeu o assento.

c) De grão em grão, a galinha enche o papo.

d) De médico, de sábio e de louco todos temos um pouco.

3. Leia o poema a seguir, de Manuel Bandeira, e faça as questões propostas:

O bicho
Manuel Bandeira

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,


Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,


Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

a) Classifique semanticamente os adjuntos adverbiais destacados.

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Termos acessórios: adjunto adverbial

b) Como esses usos adverbiais concorrem para a instauração do sentido no


poema “O bicho”?

Referências
AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos da Gramática do Português. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.

_____. Iniciação à Sintaxe do Português. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,


1995.

BANDEIRA, Manuel. Estrela da Vida Inteira. 4. ed. Rio de Janeiro: José Olympio,
1973. p. 196.

_____. Manuel Bandeira – poesia completa e prosa. 4. ed. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1985.

BECHARA, Evanildo. Duas afirmações muito complexas – 2. In: ELIA, Silvio et al.
(Org). Na Ponta da Língua. Rio de Janeiro: Lucerna, 1998.

_____. Moderna Gramática Portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.

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CUNHA, Celso. Gramática do Português Contemporâneo. São Paulo: Padrão,


1969.

CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâ-


neo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

LUFT, Celso Pedro. Moderna Gramática Brasileira. 8. ed. Rio de Janeiro: Globo,
1987.

MOTTA, Ed. Perfil. CD. Somlivre/Universal, s/d.

ROCHA LIMA, Carlos Henrique. Gramática Normativa da Língua Portuguesa.


Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1987.

Gabarito
1.

a) Todos os sintagmas destacados, em termos semânticos, articulam refer-


ência de lugar e, em alguns casos, adicionalmente, também a de modo,
como cidade nua e noite neon, por conta dos adjetivos finais destes sin-
tagmas.

Sintaticamente, temos adjuntos adverbiais em cidade nua, noite neon e


ao luar (duas ocorrências) e complemento adverbial em da cama, que
integra o sentido do verbo saio.

b) Esse uso frequente de referências locativas nos versos iniciais da música


concorrem para configuração e a descrição do espaço onde se desenrola
a relação amorosa do eu lírico com a amada; trata-se da configuração
de um espaço idílico e sensual, que tem tudo a ver com a afetividade da
música.

2. Dos SPreps destacados, o “teste de redução” (ou supressão), nos informa que
de noite, no primeiro ditado popular, e de grão em grão, no terceiro, atuam
como acessórios, como adjuntos adnominais, pois sua ausência não acarreta
prejuízos à estrutura sintática em que se encontram; já ao vento e de médico,
de sábio e de louco são, de fato, termos que cumprem função complementar
ou integrante, não podendo, assim, ser “reduzidos”.

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Termos acessórios: adjunto adverbial

3.

a) Semanticamente, temos adjuntos adverbiais de:

Tempo: ontem; quando achava alguma coisa.

Lugar: na imundície do pátio.

Modo: catando comida entre os detritos; com voracidade.

Negação: as quatro ocorrências de não.

b. Esses adjuntos ajudam a configurar o sentido de degradação e de


humilhação da vida humana, comparada inferiormente à vida dos
animais irracionais. Para tanto, o autor usa as circunstâncias articuladas
nos adjuntos adverbiais destacados, num procedimento que culmina
na reiteração da partícula não, quatro vezes usada, com a função de
desqualificar as condições de vida da pessoa humana (não examinava,
não era um cão, um gato, um rato).

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Termos acessórios: adjunto adverbial

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Aposto e vocativo:
funções sintáticas oracionais?
Reservamos para este capítulo as duas últimas “funções sintáticas” re-
feridas pela tradição gramatical. O título, sob forma de pergunta, já pre-
nuncia a perspectiva de nossa apresentação, que se fundamenta, entre
outros aspectos, na discussão acerca do efetivo papel sintático do aposto
e do vocativo. Com base na definição de ambos os termos, analisamos
seu uso na língua, a partir dos contextos motivadores dessas ocorrências,
vinculando, de modo mais efetivo, a dimensão sintática, ou gramatical, e a
dimensão discursiva, ou textual.

Relações sintáticas e relações textuais


No uso linguístico, costumamos distinguir as práticas exigidas pela
gramática da língua, considerada aqui como o conjunto de regras que
nos permitem a interação verbal em nossa comunidade, das práticas dis-
cursivas, relativas às estratégias pessoais de elaboração, às escolhas que
fazemos ao formular nossas declarações1, com base em motivações intra-
linguísticas (como o gênero discursivo e a sequência tipológica2 em elabo-
ração, por exemplo) e extralinguísticas (como o papel social do emissor e
do receptor, local e tempo da interação, entre outras). Essas distintas mo-
tivações se correlacionam continuamente e são responsáveis pelo resulta-
do final da produção e da recepção de nossas declarações.

Com base nessa distinção, a sintaxe, relativa às formas regulares de or-


denação de constituintes, inclui-se no domínio da gramática, como um
dos níveis de descrição e análise da língua. Assim posto, as funções sin-
táticas dizem respeito aos papéis fundamentais cumpridos pelas formas
linguísticas, hierarquicamente organizadas, com vistas à elaboração dos
conteúdos veiculados nas interações cotidianas.

Essas funções classificam-se em essenciais, integrantes (ou complemen-


tares) e acessórias (ou adjuntivas), numa gradação decrescente de impor-
1
Os conceitos de “gramática” e “discurso” assumidos neste capítulo baseiam-se na perspectiva da linguística funcional, conforme Fur-
tado da Cunha, Oliveira e Martelotta (2003).
2
Para maior detalhamento das noções de gênero discursivo e sequência tipológica, consultar Marcuschi (2002).

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Aposto e vocativo: funções sintáticas oracionais?

tância na estrutura da oração. Cada uma tem papel específico na articulação


estrutural da oração, obedecendo a padrões de uso relativamente regulares ou
sistemáticos, ou seja, a padrões gramaticais.

Assim posto, as funções que reservamos para análise neste capítulo – aposto
e vocativo – “distanciam-se” do grupo das gramaticais. Tal distanciamento deve-
-se às condições de uso das mesmas, uma vez que lhes falta, basicamente, a
marca da regularidade ou da sistematização e também a da hierarquização. Por-
tanto, na perspectiva que assumimos aqui, o aposto e o vocativo, como apresen-
tamos nas seções subsequentes, aproximam-se das estratégias mais amplas da
língua, relativas ao domínio do discurso e do texto. Trata-se de funções distintas,
cada qual motivada por fatores específicos e com atuação em contextos diver-
sos, que são usadas para determinados propósitos comunicativos.

Passemos, então, ao exame de cada uma dessas funções.

Aposto – termo mais que acessório


Segundo a NGB e em conformidade com a maioria das gramáticas e manuais
da língua portuguesa, o aposto é uma função sintática que faz parte do grupo
das classificadas como acessórias, ao lado do adjunto adnominal e do adjunto
adverbial. Nessas fontes, declara-se ainda que há pausa entre o aposto e o termo
a que se refere; na escrita, a pausa é representada por vírgula.

De acordo com essa classificação, Cunha e Cintra (1985, p. 151) definem o


aposto como “o termo de caráter nominal que se junta a um substantivo, a um
pronome ou a um equivalente destes, a título de explicação ou de apreciação”.
Na mesma linha de interpretação, Rocha Lima (1987, p. 225), declara que ocorre
o aposto quando “um substantivo (ou pronome) pode-se fazer acompanhar
imediatamente de outro termo de caráter nominal, a título de individualização
ou esclarecimento”.

Aposto explicativo
Para exemplificar o aposto, com base nas definições acima, mais especifica-
mente seu caráter explicativo ou esclarecedor, apresentamos alguns trechos
retirados de uma matéria sobre incidência de acne na juventude, extraída da
Revista Pense Leve, ano 16, n. 185, de novembro de 2007, p. 51:

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Aposto e vocativo: funções sintáticas oracionais?

(1) Cerca de 85% dos jovens, entre homens e mulheres, sofrem com a acne, uma
doença crônica, multifatorial e inflamatória das glândulas sebáceas.
(2) “Alimentos ricos em vitamina A, como o fígado e derivados do leite, além
da vitamina E, como amêndoas, milho e soja, ajudam bastante no combate e pre-
venção às acnes”...
(3) ... diz Márcia Ramos e Silva, chefe do serviço de dermatologia do Hospital
Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Ja-
neiro (UFRJ).

Nos trechos (1), (2) e (3), destacam-se os apostos, que, anaforicamente, re-
tomam o SN antecedente, detalhando-o mais ainda. Como os exemplos com-
põem uma matéria jornalística, podemos considerar que o uso desses apostos
concorre para maior precisão das informações trazidas ao leitor. Assim, em (1),
surge a definição de acne; em (2), as fontes naturais de vitaminas para combate à
doença; em (3), a qualificação profissional da especialista que é entrevistada.

Vejamos, na sequência, o que ocorreria caso retirássemos os apostos dessas


orações:
(1’) Cerca de 85% dos jovens, entre homens e mulheres, sofrem com a acne.
(2’) “Alimentos ricos em vitamina A, além da vitamina E, ajudam bastante no
combate e prevenção às acnes”...
(3’) ... diz Márcia Ramos e Silva.

Observamos, com a supressão do aposto, sensível perda informacional nas


orações de (1) a (3). O que esse teste evidencia é que o aposto é uma estratégia
de expansão de informações, motivada por fatores de natureza discursiva e tex-
tual. No caso dos exemplos em análise, a motivação seria o próprio gênero “re-
portagem jornalística”, que apresenta, com uso do aposto, entre outros recursos
linguísticos, as explicações e detalhes necessários à produção desse gênero.

Ao retomar o substantivo anterior, o aposto opera um tipo de “cópia” do an-


tecedente, num processo que expande a forma e o conteúdo veiculado, porém
essa expansão é feita pela mera justaposição ou contiguidade. O aposto não cria
hierarquia ou subordinação, já que não se “encaixa” no SN a que se refere, apenas
se coloca a seu lado, como se fosse um “espelho”. Essa é uma característica sintá-
tica que afasta o aposto das demais funções consideradas acessórias – o adjun-
to adnominal e o adjunto adverbial, termos que efetivamente se subordinam a
outros. Trata-se de um aspecto importante que concorre para defesa de que o
aposto merece tratamento à parte das demais (e efetivas) funções sintáticas.
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Aposto e vocativo: funções sintáticas oracionais?

Vejamos como a utilização do aposto é explorada no título de uma reporta-


gem da Revista Pesca Esportiva, n. 123, s/d:

(4) Represa baixa e revoada de “aleluias”: condições ideais para buscar os


grandes bass3 de Capivari.

Em (4), o SN composto represa baixa e revoada de “aleluias” é retomado e ex-


pandido no aposto condições ideais para buscar os grandes bass de Capivari. Trata-
-se de um tipo de organização sintática que coloca lado a lado dois sintagmas
cumpridores de mesma função. Ao contrário dos exemplos anteriores, em (4) o
aposto destaca-se mais ainda de seu antecedente nominal pelo uso de um re-
curso de pontuação que opera maior separação entre os constituintes – os dois-
pontos. Esse título destaca o foco da reportagem, que se volta para o destaque
das ótimas condições de pesca na região de Capivari.

Na mesma revista, numa outra matéria jornalística sobre quartos de pesca-


dores, que são espaços destinados a guardar utensílios de pesca, encontramos
o seguinte subtítulo:

(5) Os quartos de pesca refletem a organização e até a personalidade de seus


donos. Conheça três deles, escolhidos a dedo para esta reportagem.

O aposto escolhidos a dedo para esta reportagem, que retoma três deles, enfa-
tiza, para o leitor, a seleção feita pelo repórter dos quartos que são objeto da ma-
téria, procurando valorizar o conteúdo da reportagem. Trata-se, também nesse
caso, do uso do aposto motivado por intenções persuasivas4, no âmbito do dis-
curso, e não por necessidade ou exigência gramatical.

Outro tipo de aposto, formado por mais de um núcleo, é o que articula enu-
merações. Essas enumerações são usadas para detalhar e enfatizar o termo an-
tecedente. É o que se verifica no trecho (6), extraído da Revista Contigo, n. 1694,
de março de 2008, numa reportagem sob o título “Essas mulheres”:

(6) Ela é como diz o poeta Drummond: “branca, intacta, neutra, rara, feita de
pedra translúcida”.

No exemplo (6), o aposto enumera as qualidades de uma das mulheres retra-


tadas na reportagem, a apresentadora Angélica. O “dizer” do poeta é retomado,
com detalhes e precisão, em cinco atributos que, juntos, compõem o perfil da
personalidade homenageada. Esses adjetivos são de valor positivo, concorrendo
para a articulação coerente de uma matéria em homenagem à mulher.
3
Tipo de peixe.
4
A persuasão é uma estratégia linguística de convencimento, pela qual organizamos os textos que produzimos no sentido de que nosso ponto de
vista prevaleça sobre os demais.

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Aposto e vocativo: funções sintáticas oracionais?

Na mesma reportagem, encontramos dois outros apostos enumerativos, na


composição do perfil da jornalista Marília Gabriela;

(7) ... foi aprovada em quatro faculdades: cinema, psicologia, artes plásticas
e publicidade.

(8) É uma profissional multifacetada, jornalista, atriz, cantora e apresentado-


ra de televisão.

Enquanto a enumeração, em (6), enfatiza aspectos físicos, em (7) o aposto


chama a atenção para o nível intelectual, listando as faculdades para as quais a
jornalista foi aprovada, e em (8) destaca sua diversidade de profissões. Mais do
que a mera citação dos cursos e de carreiras, o que está em jogo nos trechos (7)
e (8) é a competência e a inteligência da mulher homenageada.

A relação entre o uso do aposto e as condições discursivo-textuais é desta-


cada por alguns estudiosos menos comprometidos com a tradição gramatical,
como Perini (1995, p. 120-122). Para esse autor, o aposto deve ser incluído na
classe dos termos parentéticos, ou seja, dos “elementos que sintaticamente re-
petem a oração ou um de seus termos e se justapõem ao elemento repetido”,
atuando como se fossem “parênteses”, adendos informacionais desvinculados
da estrutura da oração. De acordo com Perini, devido a esse tipo especial de
função, o aposto não deve ser considerado um termo oracional, tal como os
demais essenciais, integrantes ou acessórios. O aposto, conforme tal interpreta-
ção, assumida também neste capítulo, apresenta-se como um tipo de “processo
mais geral de repetição”, para além dos limites da oração.

Além do aposto explicativo e sua motivação discusivo-textual, há um segun-


do tipo de aposto que provoca dúvidas e incrementa o debate sobre esse termo,
apresentado na seção seguinte.

Aposto ou adjunto adnominal?


Bechara (1999, p. 452) chama a atenção para um outro tipo de discussão en-
volvida no uso do aposto. Segundo o autor, nesse termo “o limite de distinção
com o adjunto adnominal propriamente dito é muitas vezes difícil de traçar”.
A crítica de Bechara reside num tipo especial de aposto, referido pela tradição
gramatical, e classificado como “de denominação” (ROCHA LIMA, 1987, p. 225)
ou “de especificação” (CUNHA; CINTRA, 1985, p. 151). Sua função, como o próprio
rótulo anuncia, seria a de dar nome ou especificar um antecedente mais gené-

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Aposto e vocativo: funções sintáticas oracionais?

rico, como nos destaques do trecho a seguir, extraído também da Revista Pesca
Esportiva, n. 123, s/d, representativo do depoimento de um pescador:

(9) A ideia surge durante um bate-papo com os amigos Tubino e Fausto, e aca-
bará me levando a um barranco às margens do Rio Paraguai, em frente ao Morro
Pelado, a cerca de 120km da cidade de Cáceres, no Mato Grosso.

Em (9), segundo Bechara (1999), não há argumentos suficientes para classi-


ficar os termos destacados como aposto. Antes, sua função se aproxima mais
daquela cumprida pelo adjunto adnominal, ao precisar (e não exatamente cor-
responder, como se espera do aposto) o sentido dos SNs antecedentes. Na ver-
dade, Tubino e Fausto, Paraguai, Pelado e de Cáceres não constituem “retomada”
do nome anterior. Conforme o autor, esses casos são tratados pela tradição gra-
matical a partir de critérios pouco claros e precisos, que confundem a análise sin-
tática e o ensino-aprendizagem do português, ao incluir como aposto sintagmas
cuja função mais parece com a de adjunto adnominal.

Em Cunha e Cintra (1985, p. 151), verifica-se o esforço em se fazer a distinção


entre o aposto de especificação e o adjunto adnominal em contextos semelhan-
tes, como nos seguintes fragmentos exemplificados pelos autores:

APOSTO DE ESPECIFICAÇÃO ADJUNTO ADNOMINAL

A cidade de Lisboa O clima de Lisboa


O poeta Bilac O soneto de Bilac
O rei D. Manuel A época de D. Manuel
O mês de junho As festas de junho

Segundo Kury (1986, p. 59), que defende a perspectiva da tradição gramati-


cal, a falta de pausa no aposto de especificação não pode ser usada como argu-
mento para discutir o status funcional do termo, pois o emissor pode ser levado
“pelo desejo de uma ligação mais direta com o fundamental”, enfatizando o ca-
ráter meio facultativo da pausa nessas construções. Em nosso entendimento,
contudo, ao criar uma “ligação mais direta”, o emissor não articula aposto, mas
sim adjunto, ou seja, para articular outro sentido, recorre também a outro tipo
de construção, uma vez que a presença ou não de pausa motiva distintos signi-
ficados e papéis sintáticos.

Portanto, como observamos acima, continua certa imprecisão funcional entre


as duas categorias. Mesmo com a ressalva de que os sintagmas que atuam como

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Aposto e vocativo: funções sintáticas oracionais?

adjuntos adnominais equivalem a adjetivos (lisboeta, bilaquiano, manuelina e ju-


ninas) e que a pausa pode ser uma questão opcional em alguns casos, esses dois
grupos de construção têm muito em comum, ademais, muitos adjuntos adno-
minais não têm equivalência com adjetivos.

Papéis do aposto
A falta de funcionalidade sintática específica do aposto faz com que seu papel
oracional seja o mesmo daquele desempenhado pelo termo antecedente que
retoma. Na verdade, o aposto não tem uma função sintática precisa ou definida;
como termo cópia de outro, acaba atuando tal como este.

Já que é possível a retomada de praticamente todos os constituintes da es-


trutura oracional, são várias as funções sintáticas que admitem serem repetidas
por aposto. Citamos as mais recorrentes e representativas, com base em Cunha
e Cintra (1985, p. 152-154), a partir de trechos já vistos neste capítulo e de outros
novos.

a) Sujeito: nesse papel, o aposto redobra a carga informacional do sujeito,


precisando-o ainda mais:

(3) ... diz Márcia Ramos e Silva, chefe do serviço de dermatologia do Hospital
Universitário.

Em (3), aqui retomado, a simples menção do nome Márcia Ramos e Silva


nada informa sobre a qualificação profissional da médica. Quando muito, sem
o aposto do sujeito, em meio à reportagem, poderíamos intuir que se trata de
uma especialista da área de saúde, o que seria muito pouco quando comparado
ao que informa o aposto.

b) Predicativo: o aposto do predicativo permite a ampliação do sentido


veiculado pelo predicativo, ampliando o leque das qualidades referidas,
como em:

(8) É uma profissional multifacetada, jornalista, atriz, cantora e apresentado-


ra de televisão.

No exemplo (8), também já comentado, o aposto refere-se ao predicativo


uma profissional multifacetada, expandindo essa referência.

c) Objeto direto: como cópia do complemento verbal, o aposto atua na ex-


plicitação desse constituinte:

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Aposto e vocativo: funções sintáticas oracionais?

(5) Os quartos de pesca refletem a organização e até a personalidade de seus


donos. Conheça três deles, escolhidos a dedo para esta reportagem.

O objeto três deles é redimensionado e valorizado semanticamente pelo uso


do aposto escolhidos a dedo para esta reportagem.

d) Complemento nominal: nesse papel, o aposto concorre para a maior pre-


cisão do nome transitivo, que, além do complemento, se acresce de novas
informações:

(2) “Alimentos ricos em vitamina A, como o fígado e derivados do leite, além


da vitamina E, como amêndoas, milho e soja, ajudam bastante no combate e pre-
venção às acnes”...

O nome rico é complementado pelos SPreps em vitamina A e além da vitami-


na E, que, por sua vez, têm suas fontes naturais detalhadas por intermédio dos
apostos subsequentes.

e) Adjunto adverbial: com o uso do aposto, a circunstância articulada pelo


adjunto adverbial ganha mais precisão, como em:

(10) Taís Araújo ousou no visual para a sua personagem em Juízo Final, a malu-
quete Alícia. (Revista Contigo, n. 1694, março de 2008).

Por se tratar de nota sobre o novo corte de cabelo da atriz para uma novela,
o jornalista precisa informar ao público não só o nome da personagem como
também já adiantar um traço de sua personalidade – maluquete. Assim articula-
do, o aposto expande a circunstância de finalidade para a sua nova personagem
em Juízo Final5.

Vocativo – termo “isolado”


Para iniciarmos esta seção, vamos observar alguns trechos de resposta a
cartas de leitores, publicados recentemente em revistas femininas de grande
circulação:

(11) Suzana, todos os exercícios físicos são bons para nossa saúde.

(12) Carla, tudo bem? Ficamos sempre muito felizes...

(13) Que boa notícia, Andréia!

5
Título provisório. A novela foi ao ar com o título oficial “A Favorita”.

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Aposto e vocativo: funções sintáticas oracionais?

Os termos destacados são os que classificamos como vocativo. Trata-se de


constituintes “desgarrados” da estrutura oracional, uma vez que não atuam em
quaisquer das funções de uma oração, sejam essas essenciais, integrantes ou
acessórias.

Em (11) e (12), ilustra-se a posição canônica do vocativo – à frente da oração,


separado por pausa; em (13), observa-se sua ordenação final. Numa posição ou
noutra, mantém-se a separação em relação à organização sintática oracional.

Na oração (11), a ordenação sujeito (todos os exercícios físicos) + predicado


(são bons para a nossa saúde) se inicia após o vocativo Suzana. Em (12), somente
ocorre oração após o vocativo Carla e a frase tudo bem? Em (13), temos apenas
frase nominal, sem oração.

Segundo Cunha e Cintra (1985, p. 156), vocativos são termos “de entoação
exclamativa e isolados do resto da frase”. Rocha Lima (1987, p. 229) complemen-
ta essa definição ao declarar que o vocativo é “empregado quando chamamos
por alguém, ou dirigimos a fala a pessoa ou ente personificado”; nesse mesmo
autor, encontramos a informação de que o vocativo “não pertence propriamente
à estrutura da frase, devendo ser considerado à parte”. Kury (1986, p. 61) ratifica
essa declaração ao afirmar que o vocativo é um termo “à parte tanto do sujeito
como do predicado”.

Esses autores coadunam-se com a perspectiva da NGB, que considera o voca-


tivo um termo distinto das outras três categorias de função sintática oracional.
Para tanto, abre-se uma quarta e última classe, à parte das outras três, integrada
apenas pelo vocativo.

Diante dessas afirmações, como Perini (1995, p. 91), avançamos mais um


pouco, na consideração de que o vocativo “não tem a ver com a estrutura da
própria oração, mas com a organização do discurso”. Trata-se de um avanço do
autor, na medida em que, além de negar a marca sintática do vocativo, como já
o fizera, em boa hora, a tradição gramatical, procura atribuir ao termo um lugar
mais efetivo e funcional no uso linguístico.

De fato, a pergunta a ser feita é: para que interpelamos verbalmente alguém?


Quando ou em que situações o fazemos? Que gêneros discursivos propiciam o
chamamento? Essas e outras questões é que nos permitem constatar que o vo-
cativo, embora não integre a estrutura oracional, é um eficaz recurso de natureza
discursiva, mais usado na modalidade falada, em registro informal, próprio de
determinados gêneros, como nos trechos de cartas vistos em (11), (12) e (13) e
nos fragmentos de diálogos, como os seguintes:
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Aposto e vocativo: funções sintáticas oracionais?

(14)
Maria (sorrindo) – Tu gosta de eu?
Tião – Ó dengosa, eu sem tu não era nada...
Maria – Bobagem, namoradô como tu era...
Tião – Tudo passou!
(GUARNIERI, Gianfrancesco. Eles não Usam Black-Tie. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1987. p. 22.)

(15)
- Ana Paula...
- Jorge Alberto!
- Escuta, eu...
- Jorge Alberto, este é o Serge, meu namorado. Serge, Jorge Alberto, meu ex-
marido.
(VERISSIMO, Luis Fernando. O Marido do Doutor Pompeu. São Paulo: Círculo do Livro, 1989. p.
81.)

Se observarmos cuidadosamente a organização de muitas de nossas declara-


ções, chegaremos à conclusão de que há outros constituintes cuja função, assim
como a do vocativo, extrapola os limites da organização oracional, atuando no
nível do discurso ou do texto. É o que se verifica nos trechos de modalidade
falada a seguir, retirados do banco de dados “Corpus Discurso & Gramática – a
língua falada e escrita no Brasil”:

(16) bom... eu adoro fazer “jazz”...

(17) ah... aqui a escola? a escola é ótima...

(18) bem... eu me lembro um dia que eu estava...

Os termos destacados em (16), (17) e (18) não cumprem função oracional.


Trata-se de constituintes que atuam na organização do diálogo, na indicação
da tomada de turnos6 (bom, bem), na marcação de momentos de indecisão (ah),
na ratificação do assunto proposto para discussão (aqui na escola?), entre outras
estratégias. Enfim, esses termos concorrem para a articulação dos diálogos, atu-
ando em domínios que extrapolam os limites da oração.

O que estamos querendo dizer com a declaração anterior é que as clássicas


funções sintáticas oracionais dão conta apenas das orações da modalidade es-
crita, na norma-padrão, relativas aos textos “bem formados”. Em todos os demais

6
Nos estudos de Análise da conversação, chama-se “turno” a cada uma das intervenções linguísticas dos participantes da conversa.

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Aposto e vocativo: funções sintáticas oracionais?

casos, há constituintes que não se enquadram entre os termos essenciais, inte-


grantes ou acessórios, atuando num nível maior, no âmbito discursivo-textual,
orientados, portanto, por outros sistemas de regulação.

Texto complementar

Vocativo
(PERINI, 1995, p. 91)

Há várias indicações formais que sugerem fortemente que esse [o fato


de o vocativo ser um termo de motivação discursiva] é o caso. Em primeiro
lugar, o vocativo pode separar-se da oração não apenas por vírgula [...] mas
também por sinalização de final de período:

(122) Serginho! A bandeira está no chão.

Na fala, isso se traduz pela possibilidade de uma pausa de duração in-


definida entre os dois elementos.

Depois, o vocativo pode estar separado da oração por uma mudança de


interlocutor, sem que isso produza impressão nítida de interrupção:

(123)

– Serginho!
– O quê?
– A bandeira está no chão.

Quando um termo da oração é assim separado por mudança de inter-


locutor, entende-se claramente que houve interrupção:

(124)

– Serginho...

– O quê?

– ... vai fazer aniversário amanhã.

Finalmente, pode-se dizer que o vocativo tem uma resposta própria


(como O quê? ou então Estou aqui etc.), o que indica que ele pode constituir,

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Aposto e vocativo: funções sintáticas oracionais?

por si só, uma frase independente. Isso não se aplica a termos individuais da
oração: a oração (ou, melhor dizendo, o período) é que pode ter uma respos-
ta, mas não o seu sujeito, ou predicado, ou adjunto circunstancial etc.

Razões como essa mostram com bastante clareza que o vocativo realmen-
te não pertence à oração. A semântica apoia essa conclusão: o significado de
um vocativo não se integra ao significado de uma oração contígua. Já com
um adjunto oracional, por exemplo, há essa integração:

(125) Com franqueza, desconfio de você.

O significado de com franqueza é claramente predicado de desconfio de


você. Nada de parecido se observa com o vocativo.

Estudos linguísticos
1. Leia a piada a seguir, retirada de Brasil – Almanaque de cultura popular, ano 9,
n. 106, de fevereiro de 2008 e responda as perguntas que se seguem:

Quinze anos

Maria convida o José:


- José, queres ir à festa de 15 anos de minha irmã?
- Claro, Maria. Mas só poderei ficar uns dois anos, está bem?

a) Dê a classificação sintática dos nomes próprios Maria e José em todas as


suas ocorrências no texto.

b) Justifique a classificação da segunda ocorrência desses termos com base


no tipo de texto elaborado.

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Aposto e vocativo: funções sintáticas oracionais?

2. Numa reportagem da revista Galileu, em agosto de 2006, sobre as causas do


aumento da obesidade na população atual, encontramos uma extensa lista
de fatores. A seguir, a apresentamos quatro desses fatores, tal como organi-
zados na matéria:

1. Sono inadequado: o número de horas dormidas tem diminuído.

[...]

3. Temperaturas agradáveis: o ar-condicionado limitaria a queima de


calorias.

4. Menos pessoas fumando: menor supressão do apetite.

[...]

6. Mudanças populacionais: mais pessoas de meia-idade e hispânicos, que


têm maiores índices de obesidade.

a) Justifique a classificação dos segmentos destacados em aposto, com


base nas definições e comentários expostos nesta aula.

b) A partir da relação entre estratégias gramaticais e discursivas, aponte


motivos para esses apostos ocorrerem na matéria citada.

3. Nas orações seguintes, retiradas de textos da mídia, classifique os apostos


em de explicação ou de denominação. Em seguida, responda a seguinte questão:
desses dois tipos, qual tem recebido críticas de alguns estudiosos sobre sua in-
tepretação como aposto? Por quê?

a) João Gilberto, ícone da Bossa Nova, é famoso pelo seu particular perfeccio-
nismo.

(_______________________)

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b) Na juventude, Francisco de Assis França, olindense nascido a 13 de março


de 1966, catava caranguejos no mangue...

(_______________________)

c) Na pomposa inauguração do Theatro de Nossa Senhora da Paz, em Belém


do Pará, a companhia do ator pernambucano Vicente Pontes encena o
drama As duas órfãs, do francês Adolphe d’Ennery.

(_______________________)

Referências
AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos da Gramática do Português. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.

_____. Iniciação à Sintaxe do Português. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,


1995.

BECHARA, Evanildo. Duas afirmações muito complexas – 2. In: ELIA, Silvio et al.
(Org). Na Ponta da Língua. Rio de Janeiro: Lucerna, 1998.

_____. Moderna Gramática Portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.

CUNHA, Celso. Gramática do Português Contemporâneo. São Paulo: Padrão,


1969.

CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâ-


neo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

FURTADO DA CUNHA, Angélica; OLIVEIRA, Mariângela; MARTELOTTA, Mário (Org).


Lingüística Funcional – teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A/Faperj, 2003.

GUARNIERI, Gianfrancesco. Eles não Usam Black-tie. 5. ed. Rio de Janeiro: Civi-
lização Brasileira, 1987.

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Aposto e vocativo: funções sintáticas oracionais?

MARCUSCHI, Luiz Antônio. 2002. Gêneros textuais: definição e funcionalidade.


In: DIONISIO, Angela; MACHADO, Anna; BEZERRA, Maria Auxiliadora (Org.). Gê-
neros Textuais & Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002, p. 19-36.

PERINI, Mário A. Gramática Descritiva do Português. São Paulo: Ática, 1995.

ROCHA LIMA, Carlos Henrique. Gramática Normativa da Língua Portuguesa.


Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1987.

VERISSIMO, Luis Fernando. Comédias da Vida Privada. Porto Alegre: L&PM,


1996.

_____. O Marido do doutor Pompeu. São Paulo: Círculo do Livro, 1989.

_____. Seleção de Crônicas do Livro Comédias da Vida Privada. Porto Alegre:


L&PM, 1996.

Gabarito
1.

a) Na primeira oração, Maria é o sujeito e José o objeto direto; na segunda


ocorrência de Maria e José, esses termos atuam como vocativo.

b) A piada se organiza com base num rápido diálogo entre dois persona-
gens; em diálogos, os vocativos são usados para a representação da fala,
neste caso específico, a conversa entre Maria e José, em que um chama o
outro.

2.

a) Os segmentos destacados expandem os SNs antecedentes, explicando e


detalhando seu conteúdo; são “cópias” do antecedente, sem criar hierarquia
funcional, já que têm a mesma função.

b) Por se tratar de uma reportagem numa revista que, embora voltada para
conteúdos científicos, é destinada ao público em geral, inclusive as pessoas
mais leigas em ciências, é importante, e mesmo necessário, que os fatores de
obesidade listados sejam mais preenchidos semanticamente, mais explica-
dos, para que a matéria atinja realmente o público leitor. Para tanto, o aposto,
como recurso gramatical, concorre na organização discursiva do texto.

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3.

a. Aposto de explicação

b. Aposto de explicação

c. Apostos de especificação

Questão: o aposto de especificação (letra c), segundo alguns estudiosos,


como Bechara (1999), aproxima-se mais da classe dos adjuntos adnominais do
que a do aposto, já que aquele não se separa do antecedente por pausa, funcio-
nando assim mais como determinante do SN antecedente, ao lhe especificar o
sentido, e não explicar, como seria próprio do aposto.

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Aposto e vocativo: funções sintáticas oracionais?

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Vozes verbais

Este capítulo é dedicado às chamadas “vozes verbais”, ou seja, às rela-


ções que se estabelecem entre o verbo e seus “argumentos”, sendo estes
últimos constituídos pelo sujeito e complementos verbais. Em português,
de acordo com a NGB e com a tradição gramatical, há três vozes verbais
– ativa, passiva e reflexiva, cada qual com sua especificidade de conteúdo
e de configuração sintática. Tratamos aqui dessa tríade e apresentamos
seus modos de uso em língua portuguesa.

Voz ativa
De acordo com Bechara (1999, p. 222), na voz ativa, o verbo “se apre-
senta para normalmente indicar que a pessoa a que se refere a ação é o
agente da ação”. Poderíamos ainda acrescentar à definição do autor que,
via de regra, nesse tipo de voz, ao sujeito agente corresponde um verbo
de ação ou processo que atinge um objeto, chamado de paciente, sobre o
qual recai a ação verbal, como em:

(1) O aluno já fez todo o trabalho.

(2) Mandei um e-mail para o aniversariante.

(3) Aquela mulher comprou um novo aparelho de DVD.

Nesses exemplos, temos respectivamente um sujeito (o aluno, eu e


aquela mulher), localizado na parte inicial da oração, que pratica uma ação
(fez, mandei e comprou) que recai sobre um objeto, o qual é modificado
pela ação desse sujeito. Em (1), o objeto é construído (todo o trabalho); em
(2), é construído e deslocado (um e-mail) e em (3) é transferido de posse e
de lugar (um novo aparelho de DVD).

As orações (1), (2) e (3), como demonstramos, por conta do traço “agen-
tividade” do sujeito, do tipo semântico do verbo e da “afetação” do objeto,
tendências gerais desse tipo de voz verbal, são classificadas como voz
“ativa”.

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Vozes verbais

Trata-se do tipo mais comum e regular de voz verbal da língua portuguesa.


A esse propósito, Azeredo (2000, p. 174) declara que “a voz ativa corresponde à
forma não marcada1 desse subsistema”.

Há, contudo, no conjunto das orações de voz ativa, uma série de exemplos
que se distanciam, em maior ou menor grau, do modelo-padrão dessa categoria.
Vejamos, a seguir, alguns desses casos:

(4) O carro fez a curva em alta velocidade.

(5) Marta ganhou uma bicicleta no Natal.

(6) Peguei um resfriado muito forte.

As orações de (4) a (6), embora identificadas como de voz ativa, são desprovi-
das de alguns traços básicos dessa classe. Em (4), o sujeito sintático o carro não
“pratica ação”, na verdade, alguém é que dirige o carro e esse alguém é que efe-
tivamente faz a curva “com” o carro; assim, a agentividade de o carro é discutível
e problemática para a inclusão de (4) no conjunto das orações de voz ativa. Por
outro lado, na mesma oração, o verbo fazer não se apresenta como um verbo
de efetiva ação, uma vez que o SV fazer a curva constitui um todo indicativo de
processo, ao contrário, por exemplo, de fazer um bolo ou fazer o trabalho, como
em (1), em que o resultado da ação de fazer é um produto acabado (o bolo, o
trabalho).

Em (5) e (6), o afastamento da classe das orações de voz ativa ocorre devido
ao fato de que os sujeitos Marta e eu, nesses contextos, do ponto de vista se-
mântico, figuram como pacientes e não como agentes da ação verbal. Ganhar
uma bicicleta e pegar um resfriado, embora predicados verbais, não podem ser
interpretados como ações.

Segundo Luft (1987, p. 132), temos voz ativa “quando o sujeito é agente ou
pelo menos ponto de partida da afirmação (sujeito formal, gramatical)”. Com tal
definição, o autor amplia um pouco mais os prerrequisitos da voz ativa. Para ilus-
trar sua declaração, o autor apresenta três exemplos:

O lobo ataca.
O lobo morre.
O lobo recebe (leva) um tiro.

1
Numa categoria, classe ou sistema, formas não marcadas são as mais frequentes e mais simples do ponto de vista estrutural e do ponto de vista
cognitivo, no sentido de que são mais acessíveis e processadas em menos tempo pela comunidade linguística, em oposição às marcadas, mais raras
e complexas, estrutural e cognitivamente. Assim, a voz ativa seria a não marcada face à passiva e à reflexiva.

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Vozes verbais

Com base na declaração de Luft e a partir dos exemplos trazidos pelo autor,
podemos, com maior “comodidade”, interpretar as orações de (4) a (6) como de
voz ativa, uma vez que o sujeito, nesses casos, constitui apenas o referido “ponto
de partida da afirmação”.

Um tipo de construção oracional com menor visibilidade de voz ativa é aquele


composto por verbo intransitivo, sem objeto no predicado, como em alguns dos
exemplos de Luft e nas orações a seguir:

(7) Meu irmão nasceu.

(8) O carro enguiçou.

(9) A inflação caiu.

Como a concepção de voz ativa tem como base a sequência sujeito + verbo +
complemento, a falta desse argumento final (o complemento ou objeto) prejudi-
ca a concepção da “atividade” do sujeito, uma vez que não há objeto sobre o qual
possa recair a ação verbal. Nas orações (7), (8) e (9), os sujeitos meu irmão, o carro
e a inflação não são propriamente agentes, mas sim temas a partir dos quais
se faz uma declaração genérica, com base, respectivamente, nas formas verbais
nasceu, enguiçou e caiu. Novamente aqui a definição de Luft (1987) apresentada
anteriormente pode ser uma alternativa mais viável para a inclusão desse grupo
entre as orações de voz ativa.

Devido a essa dificuldade, alguns autores, como Kury (1986, p. 34), restringem
a voz ativa apenas às orações com verbo transitivo, excluindo as construções
com verbo intransitivo desse rol. Segundo Kury, “voz ativa é a forma habitual que
reveste o verbo transitivo direto para denotar que o seu sujeito (claro, elíptico ou
indeterminado) é agente, isto é, executa ou pratica a ação que exprime”. (desta-
ques do autor).

Nos fragmentos a seguir, extraídos da revista Superinteressante, Editora Abril,


edição 229, de agosto de 2006, o diretor de redação, no editorial que inicia a
revista, assim se dirige aos leitores:
(10) Você nunca viu isso (título do editorial).
(11) Imagine a cena.
(12) Planeta Terra usa muita tecnologia.
(13) A série tem orçamento de superprodução.
(14) (e) usa o know-how de Hollywood...

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Vozes verbais

Em (10) e (11), o editor dirige-se diretamente ao leitor, por meio da voz ativa,
colocando esse interlocutor como agente da ação verbal. Já em (12), na refe-
rência ao documentário Planeta Terra, o editor toma esse material como agente
verbal para, metaforicamente, atribuir-lhe ação (usa muita tecnologia). Nas ora-
ções (13) e (14), novamente a série Planeta Terra é tematizada como sujeito da
ação verbal.

Portanto, o conjunto de orações nomeados com voz ativa é composto por


um grupo muito diversificado de orações, que, em maior ou menor grau portam
os traços característicos desse conjunto.

Voz passiva
Contrastivamente à voz ativa, a voz passiva define-se como aquela “que indica
que a pessoa é o objeto da ação verbal. A pessoa, nesse caso, diz-se paciente da
ação verbal” (Bechara, 1999, p. 222).

Para estabelecermos o contraste entre as duas vozes – ativa e passiva, ilustra-


mos o procedimento de “transformação” das orações (1), (2) e (3), anteriormente
apresentadas, que passam a ter as seguintes correspondentes passivas:

(15) Todo o trabalho já foi feito pelo aluno.

(16) O e-mail para o aniversariante foi mandado por mim.

(17) Um novo aparelho de DVD foi comprado por aquela mulher.

Como podemos observar, os termos que funcionam como sujeito em (15),


(16) e (17) não mais têm o traço da agentividade, pelo contrário, são pacientes,
alvos da ação. Na voz passiva, quebra-se o vínculo entre a função sintática de
sujeito e o traço semântico da agentividade.

Após esse sujeito paciente, as orações de (15) a (17) apresentam o termo


verbal sob forma de locução (foi feito, foi mandado, foi comprado), seguida do
efetivo autor da ação, denominado tradicionalmente de “agente da passiva”.

Cabem aqui novamente as palavras de Bechara (1999, p. 222), que distingue


a marca de passividade da efetiva voz passiva: “Passividade é o fato de a pessoa
receber a ação verbal. A passividade pode traduzir-se, além da voz passiva, pela
ativa, se o verbo tiver sentido passivo”. O autor refere-se, com esse comentário, a
orações do tipo (5) e (6), aqui retomadas:

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Vozes verbais

(5) Marta ganhou uma bicicleta no Natal.

(6) Peguei um resfriado muito forte.

Assim, de acordo com Bechara, nas orações anteriores, o que marca a pas-
sividade não é a configuração sintática ou a organização dos argumentos, que
são próprios da voz ativa, mas sim o sentido dos verbos ganhar e pegar nesses
contextos.

São duas as formas de expressão da voz passiva, segundo a tradição gramati-


cal, que são detalhadas nas subseções que se seguem.

Voz passiva analítica


Esse tipo é considerado o mais clássico e consensual modo de expressão
da voz passiva em língua portuguesa, sobre o qual não se registram maiores
discussões.

A passiva analítica é assim chamada por ser formada em torno de uma locu-
ção verbal. De acordo com Kury (1986), nessa locução verbal que caracteriza a
voz passiva, o auxiliar mais comum é o verbo ser, conforme o encontramos em
destaque nas orações (15), (16) e (17).

Segundo o mesmo autor, a voz passiva analítica pode ainda, de modo mais
esporádico, ser articulada em torno de outros auxiliares, como ficar, ir, vir, andar,
viver ou estar, em construções como as seguintes:

(18) O acusado vive (anda, está) perseguido por repórteres de todas as


emissoras.

(19) Ficaram suspensas todas as visitas ao presídio neste final de semana.

(20) O capitão do time ia (vinha) acompanhado pelo treinador.

Além do sujeito paciente e da locução verbal, os manuais de português regis-


tram um outro termo componente da voz passiva analítica, que sintaticamen-
te tende a ocupar a posição final na oração e semanticamente corresponde ao
efetivo praticante da ação verbal. Nas orações retomadas a seguir, destacamos
agora esse constituinte que se expressa por SPrep geralmente introduzido pela
preposição por (ou per), ou, em poucas ocasiões, por de:

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Vozes verbais

(15) Todo o trabalho já foi feito pelo aluno.

(16) O e-mail para o aniversariante foi mandado por mim.

(17) Um novo aparelho de DVD foi comprado por aquela mulher.

Nomeado de agente da passiva, esse termo é incluído pela NGB na classe das
funções integrantes ou complementares, com o mesmo status do objeto direto e
indireto, bem como do complemento nominal. Conforme a tradição gramatical,
a voz passiva analítica, portanto, é organizada segundo a estruturação:

sujeito paciente + locução verbal + agente da passiva.

Nessa estruturação ideal, todos os constituintes são apresentados como


termos de mesma produtividade e importância: o sujeito paciente corresponde
ao objeto direto da voz ativa; o agente da passiva, ao sujeito da ativa, e, por fim,
a locução verbal, ao verbo pleno da ativa, como em:

(10) Você nunca viu isso. voz ativa

(18) Isso nunca foi visto por você. voz passiva

Numa perspectiva mais crítica e analítica, com a qual nos alinhamos nesse
capítulo, consideramos que, de fato, o papel do agente da passiva é acessório, e,
na maioria das vezes, mesmo “dispensável”. Em fontes tradicionais do português,
encontramos suporte para a defesa desse ponto de vista. Rocha Lima (1987, p.
224), embora inclua esse termo no rol dos integrantes, destaca que “o agente
da passiva pode declinar de importância a ponto de ser omitido”. Para Bechara
(1999, p. 434) “tal complemento pode ser opcional”, e, em sua interpretação, o
agente da passiva foi incluído no grupo dos termos complementares “em vista
de seu relacionamento com o sujeito e com o complemento direto”.

Numa análise mais atenta das orações na voz passiva que efetivamente cir-
culam na comunidade linguística, os termos recorrentes, sem os quais não pode
haver declaração, resumem-se no sujeito paciente e na locução verbal. Em geral,
o agente da passiva é omitido, como nos seguintes fragmentos, integrantes da
matéria “Eternos casais”, da revista Camicado Houseware, n. 2, s/d:

(19) Estes dois personagens de uma das maiores obras da história da literatura,
escrita no século 16 pelo renomado escritor William Shakespeare, ficaram imorta-
lizados como ícones do amor puro. (sobre o casal Romeu e Julieta)

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Vozes verbais

(20) ... os apaixonados são proibidos de viver esse grande amor. (sobre o casal
Romeu e Julieta)

(21) Célebre casal dos desenhos animados, estes dois simpáticos ratinhos de
Walt Disney foram vistos juntos pela primeira vez em um filme de 1928. (sobre o
casal Mickey e Minnie)

Em nenhum dos trechos acima se declara o agente da passiva. Essa omissão


deve-se basicamente a dois possíveis fatores: a) ou pela pressuposição, no en-
tendimento de que o interlocutor já sabe de quem se trata, já compartilha esse
conhecimento com o emissor; b) ou pela irrelevância, na consideração de que
o agente da ação verbal não constitui informação importante ou necessária ao
que é declarado. Na verdade, quando o agente da ação verbal é, de fato, saliente,
os usuários optam pela voz ativa, contexto linguístico em que se pode destacar
e tematizar o traço da agentividade na função de sujeito. Ao usar a voz passiva,
destaca-se e tematiza-se o paciente, colocando-o em primeiro lugar, deixando
em plano secundário, ou, como é feito na maioria das vezes, simplesmente ig-
norando o praticante da ação, o agente da passiva. Por conta de sua baixa ocor-
rência no uso efetivo da língua e sua discreta relevância na hierarquia da oração
de voz passiva, a classificação do agente da passiva como função complementar
ou integrante, conforme orienta a tradição gramatical, é questionável e passível
de reconsideração.

Em relação ainda à voz passiva analítica, de acordo com Kury (1986, p. 35),
não há correspondência absoluta entre verbos transitivos/voz ativa e locução
verbal/voz passiva. Há verbos transitivos que não permitem a transposição para
voz passiva; essa impossibilidade, segundo o autor, se justifica: a) pelo fato de
determinados verbos já terem conteúdo passivo, como ganhar e a construção
pegar (resfriado), aqui apresentados nas orações (5) e (6); b) por certas idiossin-
crasias idiomáticas2 do português, que impossibilitam voz passiva a partir de
verbos como querer, crer e conter, entre outros.

Ainda de acordo com Kury (1986, p. 40), verbos intransitivos, transitivos indi-
retos e verbos de ligação não fazem parte de voz passiva ou ativa, classificados,
por isso, como neutros.

2
Chamamos “idiossincrasias” aos traços e comportamentos linguísticos particulares e específicos de certos termos, que não obedecem a regras e
padrões gerais, antes, são marcas peculiares.

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Vozes verbais

Voz passiva sintética


Também chamada de “voz passiva pronominal”, esse outro tipo de organiza-
ção da voz passiva tem recebido muitas críticas, por parte de linguistas e mesmo
de gramáticos, quanto a tal classificação.

De acordo com a tradição gramatical, a passiva sintética é formada por verbo


transitivo direto, acompanhado da partícula se, que nessa construção funciona
como “pronome apassivador”, acompanhado por nome substantivo na função
de “sujeito paciente”. Na passiva sintética, não há possibilidade de ocorrência do
agente da passiva.

Conforme preconiza o registro mais formal da língua, principalmente na


modalidade escrita, em tais construções, o verbo deve concordar, em número e
pessoa, com esse sujeito posposto, como em:

(22) Afia-se todo tipo de alicate.

(23) Vendem-se casas.

(24) Alugam-se vagas para moças.

Quando o termo posposto ao verbo está no singular, não há maiores proble-


mas – verbo e nome são usados regularmente no singular, num procedimento
ilustrado em (22). A questão se torna crítica quando, como nas orações (23) e
(24), temos nomes plurais após o verbo, uma vez que, no uso cotidiano, o que de
fato encontramos sistematicamente em circulação são orações do tipo:

(23’) Vende-se casas.

(24’) Aluga-se vagas para moças.

Antes de apontarmos o “erro”, o desvio do uso formal, o que devemos nos


perguntar, já que se trata de um comportamento linguístico muito generaliza-
do, é: o que faz os usuários evitarem a flexão verbal em (23’) e (24’)? Que tipo de
compreensão orienta tais opções consideradas desviantes do padrão indicado
pela tradição gramatical?

Segundo Luft (1987, p. 133), esse uso sem flexão de plural é motivado por
um conjunto de fatores. Assim, o autor o considera orações como (23’) e (24’)
exemplos da “fala espontânea”, como a expressão do “sentimento do falante”. De
acordo com esse “sentimento”, a voz passiva sintética é compreendida como voz

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ativa, em que o sujeito é omitido, ou representado pela partícula se, num tipo
de construção equivalente ao que ocorre com verbos intransitivos ou transitivos
indiretos (precisa-se de vendedores; vive-se bem aqui), casos em que o sujeito é
classificado como “indeterminado” pela mesma vertente tradicional.

Ainda segundo Luft (1987), a posição posposta ao verbo do suposto “sujeito”,


típica do complemento verbal, faz com que não se use a flexão. Esse entendimen-
to tem como base o fato de que, em português, o termo que estabelece concor-
dância verbal é o sujeito, o antecedente, e não o objeto, o subsequente ao verbo.

Devido a esse descompasso entre o que preconiza a tradição gramatical e o


que é a realidade no uso da suposta “passiva sintética”, estamos diante de um
dos exemplos de maior distância entre orientação normativa e comportamento
linguístico efetivo.

Voz reflexiva
De acordo com Cunha e Cintra (1985, p. 395), nesse terceiro e último tipo,
“o verbo vem acompanhado de um pronome oblíquo que lhe serve de objeto
direto ou, mais raramente, de objeto indireto e representa a mesma pessoa do
sujeito”. Pelo fato de a ação do sujeito recair sobre si mesmo, num tipo de espe-
lhamento, esse tipo de voz é chamado de reflexivo.

Conforme Bechara (1999, p. 222), a voz reflexiva “indica que a ação verbal não
passa a outro ser (negação da transitividade), podendo reverter-se ao próprio
agente (sentido reflexivo propriamente dito), atuar reciprocamente entre mais
de um agente (reflexivo recíproco) [...]”.

As orações (25) e (26) são exemplos do primeiro tipo de voz reflexiva referido
por Bechara:

(25) Ele se penteou hoje pela manhã.

(26) Não me aprontei com calma para a festa.

Nas orações anteriores, os sujeitos ele e eu (oculto) praticam ações que inci-
dem sobre si mesmos. Os pronomes se e me, como objetos diretos, representam
essa reciprocidade, ao se referirem aos próprios sujeitos oracionais.

O segundo tipo de reflexiva citado por Bechara ilustra-se a seguir:

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(27) Eles se cumprimentaram com indiferença.

(28) As amigas não se viam desde a formatura.

Nas orações (27) e (28), o sujeito, embora formalmente simples, com um só


núcleo (eles e as amigas), têm referência plural. Esse sentido plural é reforçado
pela forma pronominal se, que passa a significar a si mesmo(a)s, na articulação
do conteúdo de reciprocidade entre mais de um agente.

Nos quatro exemplos, de (25) a (28), o pronome oblíquo ordena-se antes do


verbo, na ilustração da tendência de uso dessas construções no Brasil – a chama-
da “próclise”. Já em Portugal, seria mais comum a ocorrência do pronome após o
verbo – a “ênclise”, conforme declaram Cunha e Cintra (1985, p. 395).

Conforme Kury (1986, p. 38-39), que adota o nome medial para a referência a
esse tipo de voz, a NGB engloba, na expressão voz reflexiva, pelo menos quatro
distintos processos de organização semântico-sintática. Os dois primeiros a que
o autor se refere são os aqui apresentados em (25) e (26), considerados por Kury
exemplos da voz reflexiva propriamente dita, e em (27) e (28), chamado pelo autor
de voz medial recíproca.

Segundo o mesmo autor, ainda há o grupo de voz medial dinâmica, composto


por verbos que, embora usados regularmente na voz ativa, admitem uso reflexi-
vo, quando o sujeito volta a ação para si mesmo, porém sem a “ideia de direção
reflexa”, como em:

(29) João fez-se de tolo.

(30) Retirei-me da reunião mais cedo.

De acordo com Kury (1986), nas orações (29) e (30) os verbos fazer e retirar, res-
pectivamente, são articulados como reflexivos, num tipo de ocorrência especial,
que não corresponde à “ideia de direção reflexa”. De modo mais regular na voz
ativa, tais verbos são articulados com sujeitos que executam uma ação que recai
ou modifica um objeto (alguém faz/retira algo), o que não ocorre em (29) e (30).

Por fim, Kury (1986, p. 39) destaca um quarto tipo de voz reflexiva, a voz re-
flexiva pronominal, formada por verbos que nunca se conjugam sem o pronome
reflexivo. Esse pronome, segundo o autor, encontra-se “fossilizado, sem função
sintática”, e aparece obrigatoriamente em português nas construções queixar-se,
arrepender-se, orgulhar-se, entre outras.

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Texto complementar

Vozes ativa, passiva e medial


(ALI, 1971, p. 176-178)

O sujeito de verbo transitivo pode ser considerado não somente como


ponto donde parte a ação, mas ainda como o ponto para o qual a ação se
dirige; e neste segundo caso se empregará o verbo no particípio do pretérito
combinado com o auxiliar ser. Diz-se então que o verbo denotador da ação
está na voz passiva, e que o sujeito é paciente, como nesta frase – a ave foi
ferida pelo caçador; e chama-se, pelo contrário, voz ativa, com sujeito agente,
à conjugação simples, como em – o caçador feriu a ave. Por extensão, diz-se
que está na voz ativa, ou que tem forma ativa todo o verbo usado nos di-
versos tempos e modos da conjugação simples. Essa classificação facilita o
estudo das formas, mas nem por isso se harmoniza sempre com a significa-
ção do verbo. Andar, fugir, ir, voar e outros intransitivos representam ativida-
de em que o sujeito é, como nos transitivos ativos, verdadeiro agente; porém
em padecer, adoecer, morrer, envelhecer, durar, não se revela nenhuma ativi-
dade por parte do sujeito. São atos que nele se consumam, estados pelos
quais passa, sem que para isso concorra seu esforço. A condição do sujeito
aqui é a de paciente. Estoutros intransitivos, ainda que tenham forma ativa,
aproximam-se, pois, quanto à significação, antes dos transitivos passivos que
dos transitivos ativos.

Resta a considerar a terceira forma típica, sob a qual se apresenta ou pode


apresentar o verbo. É aquela em que o conjugamos com o pronome reflexi-
vo. É a forma intermediária entre a voz ativa e a passiva. Cabe-lhe por isso a
denominação de voz média ou medial, que abrange as funções de reflexivi-
dade, reciprocidade e outras que vamos examinar.

Ocorrem a cada passo em português, como em outros idiomas, verbos


acompanhados do pronome reflexivo. Servindo ocasionalmente aos verbos
transitivos, e usualmente a alguns dos intransitivos, o pronome vem a exer-
cer funções diferentes. Verifica-se aqui mais uma vez a deficiência da lingua-
gem, a desproporção entre os limitados meios de expressão e a variedade de
conceitos e cambiantes de conceitos que nos importa exprimir.

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A mais palpável confusão que a linguagem faz, mas a inteligência desfaz


pelo encadeamento das ideias, consiste em utilizar-se ela das mesmíssimas
formas pronominais nos, vos, se tanto para a reflexividade como para a reci-
procidade. Não raro temos por de bom aviso acrescentar termos esclarece-
dores, como em honramo-nos a nós mesmos e honramo-nos uns aos outros.

Pondo de parte a hipótese da reciprocidade, nota-se facilmente que o


verbo transitivo acrescido do pronome se pode exprimir situações diferen-
tes. Se dissermos por exemplo Pedro, querendo matar-se, só conseguiu ferir-
se, significarão ambos os infinitivos atos rigorosamente reflexos, atos que,
em lugar de se dirigirem para algum ser exterior, seguiram sentido contrário,
praticando-os o sujeito sobre si mesmo. Mas nestoutro pensamento Pedro,
atravessando o jardim, feriu-se nos espinhos das roseiras, já o ato de ferir não
emana do sujeito, e queremos significar apenas que ele ficou ferido.

Usam-se para um e outro fim, além de ferir-se, os verbos arranhar-se, mo-


lhar-se, sujar-se, machucar-se, afogar-se e vários outros.

Muitos verbos, porém, têm significação de tal espécie que, conjugados


pronominalmente, não se prestam a ser interpretados como se executasse o
sujeito algum ato reversivamente sobre a própria individualidade. Espantei-
me, enganei-me, convenci-me, enfadei-me, aborreci-me, zanguei-me, só podem
equivaler a “fiquei espantado, enganado, convencido, enfadado, zangado,
aborrecido”. A forma reflexa vem aqui dizer que o mesmo efeito que o su-
jeito, como agente, produz em outros indivíduos, se produziu inversamente
nele por uma causa qualquer do mundo exterior. Estes verbos conjugados
pronominalmente têm de comum com uma série de verbos intransitivos es-
sencialmente pronominais, o significarem sentimento. Por outras palavras,
para expressar o sentir zanga, medo, vergonha, piedade, arrependimento
etc. socorre-se a linguagem de verbos pronominais, ora de um tipo, ora de
outro: angustiar-se, enfurecer-se, envergonhar-se, arrepender-se, amedrontar-
-se, espantar-se, pasmar-se, entusiasmar-se, apaixonar-se, apiedar-se, amerce-
ar-se, condoer-se, comiserar-se, enganar-se, zangar-se, irar-se, impacientar-se,
compadecer-se, vexar-se, aborrecer-se, enfatiar-se etc.

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Estudos linguísticos
1. A partir da leitura do texto complementar, de M. Said Ali, responda as se-
guintes questões:

a) Por que a voz reflexiva é também chamada por alguns estudiosos de “voz
medial”?

b) Em termos gerais, que comentário faz o autor acerca dos usos pronomi-
nais em língua portuguesa?

2. Passe as orações a seguir, extraídas de matérias científicas da Revista Galileu,


n. 178, de maio de 2006, de voz passiva para voz ativa e, a seguir, responda a
questão proposta:

a) Os fósseis foram encontrados ainda nos anos 1940 por Llewellyn Price...

b) Tanto a dinastia quanto Ajax são mencionados na “Ilíada”.

c) A experiência dos pesquisadores do Instituto de Medicina Regenerativa da


Universidade Forest, nos Estados Unidos, foi publicada na revista médica
“The Lancet”, em março.

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Questão: em qual das três orações encontra-se o “agente da passiva”?


Que função é usada nas demais orações para ocupar a posição de sujeito
na passagem da voz passiva para ativa?

3. Observe o trecho inicial do modo de preparo de uma receita culinária:

Risoto de camarão e aspargos verdes

Cozinhe os aspargos em caldo de legumes. Quando cozidos, retire as pontas


dos aspargos e processe o restante, coe e conserve.

Em uma panela grossa, derreta metade da manteiga e adicione o molho.

a) Todas as orações, cujos verbos se encontram destacados, pertencem ao


mesmo tipo de voz verbal. Qual é esse tipo?

b) Justifique essa incidência exclusiva com base no gênero textual em ela-


boração.

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Referências
ALI, Manuel Said. Gramática Histórica da Língua Portuguesa. 7. ed. Rio de Ja-
neiro: Livraria Acadêmica, 1971.

AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos da Gramática do Português. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.

_____. Iniciação à Sintaxe do Português. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,


1995.

BECHARA, Evanildo. Duas afirmações muito complexas – 2. In: ELIA, Silvio et al.
(Org). Na Ponta da Língua. Rio de Janeiro: Lucerna, 1998.

_____. Moderna Gramática Portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.

LUFT, Celso Pedro. Moderna Gramática Brasileira. 8. ed. Rio de Janeiro: Globo,
1987.

ROCHA LIMA, Carlos Henrique. Gramática Normativa da Língua Portuguesa.


Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1987.

Gabarito
1.

a) Porque se trata de um terceiro tipo de voz, situado entre a voz ativa (su-
jeito agente) e a voz passiva (sujeito paciente). Na voz reflexiva ou medi-
al, o sujeito é agente e paciente da ação verbal, como ponto de partida e
de chegada, daí ser considerada caso intermediário em relação às vozes
ativa e passiva.

b) Para M. Said Ali, os (poucos) pronomes pessoais do português são usados


no cumprimento de uma série de funções. Isso ocorre porque a língua
dispõe de recursos insuficientes para expressar uma rica lista de conteú-
dos e intenções comunicativas; assim, os usuários recorrem aos mesmos
recursos para fins bastante diversificados. No caso dos pronomes reflexi-
vos, são usados para a articulação da reflexidade e da reciprocidade; em
verbos que admitem ou exigem o pronome, enfim, em contextos e fun-
ções variadas.

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2.

a) Llewellyn Price encontrou os fósseis ainda nos anos 1940.

(o sintagma “ainda nos anos 1940” pode vir na parte inicial ou inter-
mediária da oração)

b) A “Ilíada” menciona tanto a dinastia quanto Ajax.

c) A revista médica “The Lancet” publicou, em março, a experiência dos pesqui-


sadores do Instituto de Medicina Regenerativa da Universidade Forest, nos
Estados Unidos.

(o sintagma “em março” e “nos Estados Unidos” podem ocupar outra


posição, na parte inicial ou intermediária da oração)

Questão: Só há agente da passiva na oração “a”, a primeira; nas demais,


para a transformação em ativa, usa-se uma informação circunstancial
locativa, no adjunto adverbial (na “Ilíada” e “na revista médica The Lan-
cet”), para ocupar o lugar do sujeito.

3.

a) Todas as orações desse fragmento são articuladas na voz ativa.

b) Essa incidência exclusiva da voz ativa pelo gênero discursivo em elabo-


ração; na seção “modo de preparo”, é preciso informar ações, procedi-
mentos a serem executados pelo sujeito a fim de obter o resultado final
esperado – o prato preparado.

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Funções sintáticas
e relações textuais
Neste capítulo, analisamos como as funções sintáticas oracionais con-
correm para a articulação textual em língua portuguesa. Por outro lado,
examinamos constituintes sem papel sintático, porém com atuação no
nível textual. Nosso olhar, portanto, está na relação entre a dimensão gra-
matical da oração, no âmbito dos termos essenciais, integrantes e aces-
sórios, além de outros, e a dimensão discursiva, que analisa os usos lin-
guísticos a partir de um foco mais amplo. Nessa perspectiva, o nível de
análise deste capítulo se amplia, na abordagem de questões sobre fluxo
da informação, organização sintática de sequências tipológicas e marca-
ção de foco discursivo.

Informatividade
De acordo com Furtado da Cunha, Oliveira e Martelotta (2003, p. 43), as
expressões linguísticas são caracterizadas pela marca da informatividade,
que se resume “ao que os interlocutores partilham, ou supõem que com-
partilham, na interação”. Seja na modalidade falada ou escrita, nossas de-
clarações resumem-se num jogo que combina informações conhecidas,
ou velhas, e informações novas, ainda não divulgadas ao interlocutor.

Nesse jogo, estabelece-se relação frequente entre funções sintáticas,


no nível da oração, e relações textuais, no nível do discurso, uma vez que
as chamadas informações velhas costumam aparecer na parte inicial da
oração, onde se localiza o sujeito, enquanto as informações novas costu-
mam vir na parte final, ou seja, no predicado. Produzir textos, nessa pers-
pectiva, é um processo que retoma e expande sentidos e formas; que leva
em conta conteúdos conhecidos e desconhecidos.

Portanto, nas produções textuais efetivas, a articulação oracional no


nível do sujeito e do predicado tem relação direta com o status informa-
cional. Apresenta-se primeiramente o que se conhece e se partilha para,
em seguida, trazer o informe novo, o ainda não partilhado.

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Funções sintáticas e relações textuais

As informações velhas concorrem para a coesão textual, na medida em que


conferem unidade temática e estrutural aos textos, na resposta a perguntas do
tipo: qual seu tema? De que está tratando? Esse movimento de retomada, fun-
damental para a unidade textual, chama-se “anáfora”, e pode ser feita por inter-
médio de repetições, de sinônimos, de pronomes ou mesmo da “anáfora zero”,
que é ausência de qualquer referente, marcada neste capítulo com o símbolo .

Por outro lado, como movimento complementar à anáfora, ou retomada,


encontra-se a catáfora, a expansão, processada por informações novas, via de
regra no predicado. Esses novos informes conferem aos textos individualidade
e identidade, uma vez que fazem com que cada produção textual seja distinta
uma das outras.

Vejamos, com base no seguinte fragmento, como se realiza tal processo:

(1) Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha nasceu em Cantagalo, município


do Rio de Janeiro, em 20 de janeiro de 1866. Órfão, foi criado por tias na Bahia,
onde fez os primeiros estudos. Mais tarde, matricula-se na Escola Politécni-
ca do Rio, transferindo-se depois para a Escola Militar. Positivista e republicano,
desacata o então Ministro da Guerra, sendo expulso do estabelecimento em
1888. No ano seguinte, após a proclamação da República, reingressa na Escola
Superior de Guerra, formando-se em Engenharia Militar e Ciências Naturais.

(NICOLA, José de. Literatura Brasileira – das origens aos nossos dias. São Paulo: Scipio-
ne, 1998, p. 252.)

Em (1), extraído de uma obra didática, o autor inicia a seção sobre o Pré-Mo-
dernismo apresentando um pequeno relato sobre Euclides da Cunha, um dos
maiores escritores brasileiros desse período literário. Para tanto, Nicola abre o
texto de apresentação com o nome completo do poeta, na função de sujeito,
com informações sobre a data e o local de seu nascimento. (Euclides Rodrigues
Pimenta da Cunha nasceu em Cantagalo, município do Rio de Janeiro, em 20 de ja-
neiro de 1866); trata-se da primeira aparição desse sujeito, o tema do texto, razão
pela qual vem codificado na íntegra. A seguir, expande-se o fluxo informacional
com dados sobre sua condição de orfandade e modo de vida na infância (Órfão,
foi criado por tias na Bahia, onde fez os primeiros estudos.); agora, surgem apenas
os novos informes, articulados no predicado; o sujeito, que se mantém tal como
no primeiro período, encontra-se formalmente ausente, marcado aqui pelo sím-
bolo , que indica a chamada “anáfora zero”. Nos quatro períodos seguintes, o
fluxo informacional é o mesmo – o autor mantém o tema – o sujeito Euclides
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Funções sintáticas e relações textuais

Rodrigues Pimenta da Cunha, sob forma elíptica, e expande o predicado, com o


acréscimo de uma série de informes acerca da biografia de Euclides da Cunha.

Com relação às informações novas, aquelas que cumprem a função de expan-


são, uma vez proferidas, são também candidatas a retornarem anaforicamente ao
texto, como conteúdos conhecidos, sob nova ou outra função sintática. No trecho
(1), o complemento adverbial destacado no terceiro período Mais tarde, matri-
cula-se na Escola Politécnica do Rio, transferindo-se depois para a Escola Militar é
retomado no período seguinte na função de complemento nominal, integrando o
sentido do adjetivo expulso: positivista e republicano, desacata o então Ministro da
Guerra, sendo expulso do estabelecimento em 1888. No período seguinte, o SPrep
em 1888 é retomado anaforicamente em outro SPrep – no ano seguinte.

Vejamos agora como a distribuição e o fluxo da informação são processados


no seguinte fragmento literário:

(2) No dia seguinte, como eu estivesse a preparar-me para descer, entrou no


meu quarto uma borboleta, tão negra como a outra, e muito maior do que
ela. Lembrou-me o caso da véspera, e ri-me; [...] A borboleta, depois de esvo-
açar muito em torno de mim, pousou-me na testa. Sacudi-a, ela foi pousar na
vidraça; e, porque eu a sacudisse de novo, saiu dali e veio parar em cima de
um velho retrato de meu pai.

(ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Abril Cultural,
1978, p. 62.)

Em (2), encontra-se uma passagem, em primeira pessoa, sobre a experiência


do poeta com uma borboleta azul. Na primeira ocorrência desse referente, temos
uma ordem inversa – verbo + sujeito (entrou no meu quarto uma borboleta, tão
negra como a outra, e muito maior do que ela). Esse “novo ser”, embora sinta-
ticamente na função de sujeito, ocorre no lugar do complemento, da novidade,
do objeto; trata-se de uma informação nova (ratificada pelo uso do adjunto ad-
nominal uma), ainda desconhecida. Em seguida, esse referente é retomado ana-
foricamente no SN sujeito a borboleta, agora com o artigo definido, pois já não
se trata mais de um ser desconhecido, novo, mas sim de um referente dado. No
período seguinte, a borboleta é expressa pelo pronome oblíquo a, na função de
complemento verbal, em duas ocasiões (Sacudi-a; porque eu a sacudisse), pelo
pronome reto ela, como sujeito (ela foi pousar na vidraça) e, por fim, em mais
duas ocasiões, com anáfora zero ( saiu dali e veio parar em cima de um velho
retrato de meu pai).
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Funções sintáticas e relações textuais

Sequências tipológicas
De acordo com Marcuschi (2002), os diversos textos que circulam na comu-
nidade linguística são compostos por sequências tipológicas, definidas como
arranjos estruturais portadores de determinadas marcas específicas, entre as
quais destacam-se as funções sintáticas e sua articulação. Assim, a narração, a
descrição, a injunção e a dissertação/argumentação são tratadas como espécies
de sequências tipológicas que, combinadas ou não em maior ou menor grau,
formam os variados textos, os produtos linguísticos materializados que circulam
no trato social. Ler e escrever, portanto, é trabalhar com a decodificação e a co-
dificação dessas sequências; a habilidade em sua elaboração e combinação será,
segundo o mesmo autor, fundamental para o aprimoramento da competência
comunicativa. E conhecer como as funções sintáticas oracionais concorrem para
a elaboração dessas sequências é um importante instrumento para as habilida-
des de produção e de análise de textos.

Vejamos, a seguir, como algumas dessas sequências referidas por Marcuschi


(2002) se organiza em relação às funções sintáticas oracionais. Os trechos de
modalidade escrita ilustrados são provenientes do banco de dados “Corpus Dis-
curso & Gramática – a língua falada e escrita no Rio de Janeiro”, disponibilizados
no site <www.uff.br/d&g>. Trata-se de materiais produzidos por estudantes do
ensino superior; esses textos não passaram por revisão ou correção, portanto,
são apresentados tais como produzidos, razão pela qual alguns trechos trazem
desvios em relação à norma culta escrita.

Narrativa
Trechos narrativos são caracterizados pela articulação de um relato, em torno
de constituintes verbais indicadores de ação ou de mudança, geralmente no
pretérito. Nesses trechos, informações sobre lugar e tempo são fundamentais,
como componentes do fundo narrativo, do conjunto de dados subsidiários, mas
nem por isso menos relevantes, que auxiliam na construção do cenário textual
para a ação que se desenvolve, a figura narrativa, conforme Givón (2001).

Caracterizam, portanto, essas sequências a presença de sujeitos humanos e


agentes (em orações de voz ativa), bem como a ocorrência de predicados ver-
bais, além de complementos e adjuntos adverbiais, referentes às informações
sobre espaço, tempo e modo das ações relatadas.

No relato a seguir, exemplifica-se tal articulação:


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Funções sintáticas e relações textuais

(3) Depois do bar, nós resolvemos ir para casa, no Grajaú. Eu peguei o


carro e fui dirigindo alucinadamente até que no Rebouças, um Voyage surgiu
na minha frente e eu não pude desviar. Depois da batida eu perdi a dire-
ção do carro e ele foi se arrastando uns cem metros pelo paredão do túnel.
A Andréia que estava do meu lado e com o vidro aberto, ficou desespera-
da, porque além do nervosismo da batida, a fuligem e a sujeira do paredão
voou toda na cara dela e ela estava toda preta. Ela começou a gritar para
eu tirar o carro dali e ir embora, só que o carro não andava de jeito nenhum.
Depois de várias tentativas eu saí do carro para pedir socorro e comecei a andar
pelo túnel, mais na frente eu encontrei um carro parado e fui conversar com seu
motorista.

O relato apresentado no fragmento (3) gira em torno de um sujeito humano,


agente, que é o próprio narrador, e de um acidente ocorrido consigo, uma batida
de carro, o que justifica a presença constante do eu. Essa primeira pessoa do
singular perpassa todo o trecho destacado, encontrando-se do início (Eu peguei
o carro e fui dirigindo alucinadamente) ao fim (eu encontrei um carro parado e fui
conversar com seu motorista) de (3). Por vezes, a função de sujeito é exercida por
outros constituintes, como em: a) um Voyage surgiu na minha frente e ele foi se
arrastando uns cem metros pelo paredão do túnel, em que se tematiza o carro que
vinha na direção contrária, o motivo do acidente contado; b) A Andréia [...] ficou
desesperada e Ela começou a gritar, momentos nos quais o relato se volta para a
acompanhante do narrador.

Os predicados que estruturam a narrativa são organizados em torno do tipo


“verbal”, em consonância com a marca da ação, da dinamicidade que caracteriza
essa sequência tipológica. Assim, o sujeito eu, o mais frequente e em torno do
qual é centrado o relato, tende a ser agentivo, praticando ações como em Eu
peguei o carro e eu saí do carro; já os sujeitos Andréia e carro, que não são os cen-
trais, tem agentividade mais baixa, como em Ela começou a gritar e um Voyage
surgiu na minha frente.

Quando o narrador para sua história para inserir comentários descritivos, de


função secundária, que auxiliam a compor a cena, encontramos o predicado no-
minal (A Andréia [...] ficou desesperada) e predicado verbal negativo, de uso mais
raro (o carro não andava de jeito nenhum), em que verificamos dupla negação,
por meio de não e de nenhum.

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Funções sintáticas e relações textuais

Também por conta da sequência de base narrativa, encontramos no trecho


apresentado três informações relativas ao momento da ação codificadas como
adjunto adverbial temporal em posição inicial (depois do bar; depois da batida;
depois de várias tentativas), além de informações sobre o local do acidente
também na função de complemento (para casa; dali) ou adjunto adverbial (no
Grajaú; no Rebouças).

Descritiva
Esse tipo de sequência tem como característica estrutural maior a presença
de verbos de estado, em geral no presente ou imperfeito do indicativo. Devido
a essa característica, trechos descritivos são, em geral, organizados em torno de
predicados nominais e verbais, estes sem sua marca típica de ação. Informações
sobre espaço tendem a acompanhar as sequências descritivas, como fundo para
a localização do objeto da descrição (pessoa, animal, objeto, sensação, entre
outros), ou como figura, quando o lugar é, ele mesmo, o tema descrito.

Em (4), a seguir, ilustramos o modo de organização padrão da sequência


descritiva:

(4) O lugar que mais gosto de ficar é a sala, sentada nesta cadeira preta, es-
cutando música, ou então na rede. A sala não tem muitos móveis, só uma rede,
uma mesinha de metal preta, uma cadeira de couro e madeira, quatro de metal
preto que geralmente ficam fechadas e esta cadeira que eu gosto. Tem também
um aparelho de som, uma televisão e um carrinho de televisão. Tem vídeo e uma
estante de madeira baixa, com dois porta-retratos e um vasinho de louça. Tem
também uma bicicleta ergométrica e um monte de caixas. O chão é de taco e
não tem tapete.

Como podemos observar, o texto descritivo anterior se organiza basicamente


em torno de um dos cômodos da casa da emissora – a sala, que constitui o tema
da descrição. Após o primeiro período, em que a sala aparece como informação
nova, esse referente passa a assumir a função de sujeito, como elemento já co-
nhecido. Nessa função, sua primeira ocorrência é plena, por intermédio de SN (A
sala não tem muitos móveis), após, como anáfora zero, é retomado elipticamen-
te em sucessivas construções (Tem também um aparelho de som; Tem vídeo; Tem
também uma bicicleta ergométrica). É possível ainda duas outras interpretações
desses trechos: a) podemos considerar que as muitas ocorrências de tem + SN

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constituem oração sem sujeito, em que ter, à semelhança de haver, como varian-
te mais popular do que esta, funciona como verbo existencial; essa interpretação
é favorecida pelo argumento de que, na descrição, o que importa são os traços
ou componentes da pessoa ou objeto descrito; b) podemos ainda, numa alter-
nativa mais próxima à tradição gramatical, considerar essas construções como
do tipo VS, em que o SN posposto atua como sujeito de tem. Trata-se, portanto,
de três alternativas de análise, duas mais compatíveis do ponto de vista semân-
tico e sintático (a primeira e a segunda), e outra mais “artificial” (a terceira).

Do ponto de vista dos predicados que organizam (4), temos uma profusão
de sintagmas verbais em torno do referido ter existencial, no presente do in-
dicativo, concorrendo para o sentido estático e apresentativo que caracteriza
as descrições em geral. Por vezes, surge o predicado nominal (que geralmente
ficam fechadas; O chão é de taco), concorrendo também para a composição do
quadro descrito.

Injuntiva
Como as sequências injuntivas se caracterizam pela função de comando ou
incitação, predicados verbais, em torno de formas imperativas ou de convocação,
frases exclamativas e vocativos, entre outras, são estratégias sintáticas usadas
nesses trechos. A marca própria da injunção é o traço dialógico ou interacional,
uma vez que, para haver comando ou incitação, é pressuposta a presença do
interlocutor, que tanto pode estar ausente, como leitor, na modalidade escrita,
ou presente, nos textos orais.

Vejamos, em (5), um exemplo desse tipo de sequência:

(5) A última foi agora; os deputados aprovaram uma verba de


Cr$250.000.000,00 para tratamento dentário, como se o salário deles já não
fosse suficiente! Eles deviam saber é contar nos dedos quem trata dos dentes no
país. Chega dessas imagens de corrupção até mesmo com os nossos maiores go-
vernantes. O Brasil precisa crescer se não for agora quando será?

Vamos nos permitir, vamos valorizar a educação e pensar que a economia


de um país pra ficar bem na balança primeiramente tem de exportar mais e
importar menos. Como um país não pode consumir mais do que exporta. Se
dá esse problema. Lógico que existe outros problemas econômicos entre eles
estão: Especulação, Empresário, Sonegações de impostos etc... Acorda Brasil!!!

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O fragmento anterior é a parte final de uma dissertação sobre a situação po-


lítica do Brasil no final dos anos 1990. O emissor, indignado com o quadro na-
cional, faz uma verdadeira conclamação a que a população brasileira tome ati-
tude. Para essa convocação: a) chama o interlocutor para o texto, com o uso do
sujeito nós em predicados de comando (Vamos nos permitir, vamos valorizar a
educação); b) usa ironicamente a exclamação (como se o salário deles já não fosse
suficiente!); c) lança mão de formas imperativas (Chega dessas imagens de corrup-
ção); d) e de vocativo, na finalização do texto (Acorda Brasil!!!). Nesse momento
final, como numa verdadeira “apoteose”, o autor utiliza três significativos recur-
sos para marcar sua indignação: o vocativo, o imperativo e a tripla pontuação
exclamativa; trata-se de uma combinação de recursos, envolvendo a prosódia, a
morfologia e a sintaxe, que cria esse interessante efeito de sentido.

Dissertativa/argumentativa
Embora se possa fazer distinção entre dissertação e argumentação, na base
de que a primeira se resume na exposição de ideias ou pontos de vista e a segun-
da na tentativa de convencimento dessas ideias, vamos aqui nos alinhar àque-
les que tratam dissertação e argumentação como faces da mesma moeda. Esse
entendimento reside no fato de que, ao expormos opinião, já estamos, de fato,
num processo de persuasão, com vistas à adesão de nosso(s) interlocutor(es).

Os trechos argumentativos, de acordo com Marcuschi (2002), caracterizam-se


por terem como forma verbal precípua o verbo ser no tempo presente seguido
de um complemento, que atua como atributo, na formação do predicado nomi-
nal. Trata-se de sequências que expressam juízo de valor ou opinião. Como os
objetos da argumentação são mais abstratos – pontos de vista e argumentos, as
formas linguísticas usadas nessas sequências também se encontram assinaladas
pela marca da abstratização, na estreita relação entre sentido e sua expressão.
Assim, essas sequências são organizadas, em geral, em torno de sujeitos e predi-
cados também mais abstratos, fora do uso considerado mais padrão ou regular
dessas funções.

Em (6), ilustramos o comentário:

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Funções sintáticas e relações textuais

(6) Neste momento o Brasil atravessa a maior de todas as crises econômicas


pelas quais já passou. Apesar da economia estar demonstrando uma pequena me-
lhoria nos últimos meses, a inflação assim como o desemprego continuam muito
altos mostrando que o país não se recuperou da devastação do governo Collor.

[...]

Hoje em em dia eu vejo que uma pessoa entrando no mercado de trabalho


tem muito menos chances de conseguir um resultado satisfatório do que meus
pais tiveram a trinta anos atrás na década de sessenta. Não é nada agradável
saber que a gente vai ter que trabalhar muito para ganhar um mínimo para
poder viver razoavelmente.

No fragmento (6), aborda-se a situação econômica do Brasil. No primeiro pa-


rágrafo, num ponto de vista mais “neutro”, com o uso da terceira pessoa, encon-
tramos na função de sujeito os SNs o Brasil, a economia, a inflação assim como
o desemprego e o país. Trata-se de referentes genéricos, que também se rela-
cionam coerentemente com os predicados em que se organizam, sejam esses
predicados verbais com pouco ou nulo conteúdo de ação (atravessa a maior de
todas as crises econômicas; não se recuperou da devastação do governo Collor) seja
o predicado nominal (continuam muito altos).

No segundo parágrafo, o emissor assume perspectiva pessoal, em que sua


opinião ganha contorno mais subjetivo. Sujeitos humanos agora são trazidos
ao texto, como os codificados pelos sintagmas eu, a gente (= nós) e meus pais.
Por outro lado, mantém-se o traço da generalização nos complementos verbais
(objetos diretos) sob forma de SN cujo determinante é artigo indefinido (uma
pessoa, um resultado, um mínimo).

Como o ponto de vista é a respeito de um determinado período do país, os


dois parágrafos em análise são abertos por adjunto adverbial de tempo (Nesse
momento; Hoje em dia), num tipo de ordenação contrastiva em relação ao lugar-
-padrão de ocorrência dessa função sintática – ao final da oração ou período.
Assim, trazidos em primeiro lugar no texto, esses sintagmas fazem com que a
informação sobre o período abordado funcione como uma “moldura”, na qual o
emissor apresenta seus pontos de vista e argumentos.

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Texto complementar

Marcadores de foco1
(AZEREDO, 1995, p. 124-125)

Em diversas gramáticas contemporâneas listam-se do apêndice ao capí-


tulo do advérbio algumas palavras “por vezes de classificação extremamente
difícil”, “por isso reunidas numa classe” “à parte”.

Nesta exposição, nos limitaremos às que, segundo a classificação constan-


te em Cunha, 1969, exprimem (a) inclusão: até, inclusive, mesmo, também;
(b) exclusão: apenas, salvo, senão, só, somente; (c) designação: eis; e (d) realce:
é que.

Creio que o grupo b não exprime “exclusão”, mas “seleção”, “restrição”.


Quem diz “Deixe entrar somente a criança” não está excluindo, mas restrin-
gindo ou selecionando.

[...]

Em “ele não veio até aqui senão para me provocar”, também o senão res-
tringe a finalidade, introduzindo o SPrep. Estamos diante de uma variante
enfática de “ele veio aqui para me provocar”, com foco sobre a finalidade. O
mesmo se dá em “Ele veio aqui só para me provocar”.

Observe-se o funcionamento de só nos dados abaixo:

519 – O jogador matou três bolas numa só tacada. (adjetivo2)

520 – O jogador matou três bolas numa tacada só. (adjetivo)

521 – O jogador matou três bolas só numa tacada. (marcador3)

1
O foco diz respeito à ênfase, ao destaque que se faz ou confere a algum constituinte na frase ou oração; em geral, o foco incide sobre
informações novas e mais importantes.
2
O rótulo “adjetivo” deve-se ao fato de a partícula só acompanhar o substantivo tacada, como se estivesse qualificando esse nome, como
atua o adjetivo.
3
O rótulo “marcador” deve-se ao fato de que só, neste e nos dois exemplos seguintes, não ter efetiva função sintática oracional, mas somente
atuação no nível textual, como estratégia de realce para as demais informações veiculadas.

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522 – Este jogador só matou três bolas numa tacada. (marcador)

523 – Só este jogador matou três bolas numa tacada. (marcador)

“Só” é ambíguo em 523, pois tanto significa “exclusivamente” como “pelo


menos”. Nos contextos abaixo essa ambiguidade fica patente:

524 – Puxa, em menos de cinco minutos acabaram com dois pratos de


bolinhos.

– Pudera, só aquele gordinho ali pegou dez de uma vez.

525 – Puxa, em menos de cinco minutos acabaram com dois pratos de


bolinhos...

– Tem certeza? Acho que só serviram um prato.

– Que nada! Parece que cada pessoa comeu uns quatro bolinhos.

– Não é verdade; só aquele gordinho ali comeu quatro, que eu vi.

No primeiro diálogo, só exprime uma denúncia (= pelo menos); no segun-


do, uma restrição, uma limitação.

Sintaticamente falando, tudo o que se pode dizer dessas unidades é que


elas ocupam a fronteira dos sintagmas, [...]. Elas marcam fronteiras sintagmá-
ticas, exprimindo certas informações que o locutor considera relevantes por
serem “novas” para o ouvinte; servem para estabelecer relações de implica-
ção e/ou pressuposição com outros enunciados. Assim, ao dizer “só aquele
gordinho ali comeu quatro, que eu vi”, o locutor pressupõe que “nenhuma
outra pessoa comeu tantos”.

Em enunciados como “até minha avó faria esse gol” ou “Gastão não paga
sequer um cafezinho”, os marcadores até e sequer introduzem no discurso
o julgamento do locutor sobre certas situações ou fatos e implicam outros
enunciados: “minha avó mal sabe chutar uma bola” e “é normal as pesso-
as pagarem cafezinho”. Por sua vez, eis permite que o locutor anuncie um
fato como algo repentino ou inesperado. Por fim, o marcador é que expres-
sa um contraste entre uma informação explícita e outra(s) implícita(s) ou
constante(s) de outro discurso – do interlocutor, por exemplo.

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Estudos linguísticos
1. Com base no trecho da música a seguir, de Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer
e Sérgio Brito, responda as questões propostas:

Comida

Bebida é água.
comida é pasto.
você tem sede de quê?
você tem fome de quê?
a gente não quer só comida,
a gente quer comida, diversão e arte.
a gente não quer só comida,
a gente quer saída para qualquer parte.

a) Os versos você tem sede de quê? e você tem fome de quê? são característi-
cos de que tipo de sequência tipológica? Justifique a resposta.

b) Em a gente não quer só comida, qual a função da partícula só?

2. Observe o seguinte trecho inicial de um conto folclórico:

O caboclo, o padre e o estudante


Um estudante e um padre viajavam pelo sertão, tendo como bagageiro um
caboclo. Deram-lhes numa casa um pequeno queijo de cabra. Não sabendo di-
vidi-lo, mesmo porque chegaria um pequenino pedaço para cada um, o padre
resolveu que todos dormissem [...]

(CASCUDO, Luís da Câmara. Contos Tradicionais do Brasil. Belo Horizonte: São Paulo:
Itatiaia: Edusp, 1986, p. 213.)

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a) Indique os referentes dos termos destacados no trecho do conto.

b) Como esses termos destacados concorrem para a organização textual?

3. Com base no trecho a seguir, extraído de um dos parágrafos do artigo de


opinião “O papa e os pedófilos”, de André Petry, publicado na Revista Veja de
n. 2057, de abril de 2008, faça as questões indicadas:

É constrangedor que tenha sido assim, mas era inevitável: a primeira viagem
do papa Bento XVI aos Estados Unidos foi uma viagem sobre abuso sexual. O papa
tocou no assunto antes que seu avião aterrissasse em solo americano [...]

a) Aponte os dois termos a que se refere o sintagma apositivo a primeira viagem


do papa Bento XVI aos Estados Unidos foi uma viagem sobre abuso sexual.

b) Podemos dizer que esse sintagma concorre também para a expansão do


conteúdo e da forma textual? Por quê?

Referências
ASSIS, Machado de. Contos Fluminenses. Rio de Janeiro: W.W. Jackson, 1994. p. 54.

_____. Memórias Póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

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Funções sintáticas e relações textuais

AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos da Gramática do Português. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.

_____. Iniciação à Sintaxe do Português. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,


1995.

CUNHA, Celso. Gramática do Português Contemporâneo. São Paulo: Padrão,


1969.

CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâ-


neo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

GIVÓN, Talmy. 2001. Syntax: an introduction. v. I. Amsterdam/Philadelphia: John


Benjamins.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. 2002. Gêneros textuais: definição e funcionalidade.


In: DIONISIO, Angela; MACHADO, Anna; BEZERRA, Maria Auxiliadora (Org.). Gê-
neros Textuais & Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002, p. 19-36.

NASCENTES, Antenor. O Problema da Regência. Rio de janeiro: Freitas Bastos,


1960. p. 57.

NICOLA, José de. Literatura Basileira – das origens aos nossos dias. São Paulo:
Editora Scipione, 1998.

Gabarito
1.

a) Esses versos caracterizam a sequência injuntiva, uma vez que os autores


dirigem-se diretamente ao interlocutor, interpelando-o. O sujeito você,
que morfologicamente se constituiu num pronome de tratamento, a
pontuação interrogativa, num tipo de “pergunta retórica” (aquela que
não requer resposta efetiva) e a organização sintática de ambos os ver-
sos, com a posposição do SPrep de quê, constituem marcas da injunção,
do chamamento.

b) Essa partícula atua sem função sintática oracional, mas como função tex-
tual de marcador de foco, no caso, foco no complemento verbal – comida.
Com esse recurso, destaca-se que se quer muito mais do que a comida; se
quer também diversão e arte e saída para qualquer parte.

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Funções sintáticas e relações textuais

2.
a)

Lhe: Um estudante, um padre e um caboclo (ou em outra ordem)

Lo: Pequeno queijo de cabra (ou somente queijo de cabra; ou queijo)

Cada um: O estudante, o padre e o caboclo (ou em outra ordem)

Todos: O estudante, o padre e o caboclo (ou em outra ordem)

b) Ao promover relações anafóricas, de recuperação de referentes já surgi-


dos no texto, esses termos concorrem para a manutenção da unidade
temática, da coesão e da coerência textuais.

3.

a) Esse extenso aposto refere-se anaforicamente aos predicativos das


duas orações anteriores – assim e inevitável.

b) Sim, podemos dizer que o fragmento em análise estabelece a progressão


assim, > inevitável > a primeira viagem do papa Bento XVI aos Estados Uni-
dos foi uma viagem sobre abuso sexual. Esses três constituintes, ao mesmo
tempo que se relacionam anaforicamente, concorrem para a expansão
das informações, trazendo novos detalhes ao texto, e, com isso, também
incrementam a forma, com o sintagma apositivo, por exemplo.

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Paráfrase

Neste capítulo, tratamos, sob a perspectiva da análise e da produção


textuais, de um procedimento muito usado em português em nossas de-
clarações, sejam elas faladas ou escritas, formais ou informais – a paráfra-
se. Observamos os tipos de paráfrase e sua funcionalidade em fragmentos
de textos de opinião, de crônica esportiva e de fontes literárias, na de-
monstração de como esse recurso pode concorrer para a organização dos
distintos tipos de interação linguística.

Conceito e características
Para falar de paráfrase, é necessário, inicialmente, mencionarmos a in-
tertextualidade, que se constitui na propriedade que têm os textos de fa-
zerem referência uns aos outros. Nesse sentido, não haveria, de fato, textos
absolutamente originais ou inaugurais, mas sim novos textos elaborados
a partir de “vozes” anteriores, tecidos com base em outros textos.

Quando falamos ou escrevemos, frequentemente não produzimos


algo muito “original”, não elaboramos ideias tão novas assim. Na verdade,
o que fazemos com relativa constância é nos apropriarmos de conteúdos
já referidos, de conceitos anteriores, para elaborarmos nossas declarações.
Em síntese, o que fazemos é “parafrasear” textos, recuperar, com outras
palavras e expressões, aquilo que outros ou nós mesmos já falamos ou
escrevemos, num momento muito ou pouco recente.

Assim, na tarefa de produção textual, procedemos também à repro-


dução de conteúdos, retomando, sob novo formato, ideias anteriormente
declaradas. Portanto, nossos textos têm uma parcela de novidade infor-
macional e outra de referências anteriores. Quando essas referências an-
teriores são mais evidentes e explicitadas, identificamos a paráfrase com
mais visibilidade.

Segundo Castilho (1995), a paráfrase é um tipo de “anáfora discursiva”,


um processo que volta ao que foi dito/escrito com vistas à reformulação
ou à reiteração de enunciados anteriores. Na paráfrase, portanto, o objeti-

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Paráfrase

vo não é a desconstrução ou a crítica da informação retomada, ao contrário, tra-


ta-se da apropriação dessa informação, redimensionada numa nova ocorrência,
numa nova expressão. A paráfrase também não se confunde com o plágio, uma
vez que a apropriação das informações anteriores é explícita e serve a propósitos
comunicativos evidentes.

De acordo com Castilho (1995), a paráfrase faz parte de um processo de “re-


construção” do texto, processo este marcado pela recorrência do conteúdo vei-
culado com alteração na forma. Assim, o enunciado parafraseado (anterior) e o
parafraseador (seguinte) mantêm relação de equivalência semântica. Essa equi-
valência pode assumir distintas funções: enfatização, explicitação, reiteração,
entre outras. Muitas vezes, essas funções se confundem, com sobreposição, por
exemplo, de enfatização e explicitação.

São variados os mecanismos linguísticos usados na articulação parafrástica.


A título de exemplificação, vejamos alguns modos de organização dessa prática
textual em textos falados. Os trechos de fala aqui trazidos fazem parte do banco
de dados do Projeto NURC1; nesses trechos, as reticências marcam pausas e os
duplos parênteses sinalizam interferências externas no texto gravado:

(1) ... há uma mistura de conceitos ... linguística e gramática normativa se


misturam... (NURC/RJ, 356, 1. 277-278)

(2) ... e ...num determinado momento ... ele paralisou ... estacionou ... (NURC/
RJ, 356, 1. 277-278)

(3) você acha que uma empresa de pequeno porte ... tem condições de com-
petir com a de grande porte? ((vozes)) você acha que o armazém consegue der-
rubar o supermercado? (NURC/RJ, 364, 1. 623-625)

Os três fragmentos anteriores são extraídos de aulas expositivas, em que


o emissor é um professor que explica e detalha conteúdos didáticos para sua
turma. Em (1), estabelece-se parafrasticamente a relação entre o SN uma mistura
de conceitos e o SV linguística e gramática se misturam. Em (2), a relação parafrás-
tica faz com que paralisou e estacionou sejam equivalentes. Já em (3) a paráfrase
é mais complexa e elaborada; aqui, verificamos correspondência entre uma em-
presa de pequeno porte e o armazém; a (empresa) de grande porte e o supermer-
cado; além da correspondência entre os verbos competir e derrubar; com esse
1
Projeto Norma Urbana Culta, que coletou, na década de 1970, a fala de pessoas com nível superior em cinco capitais brasileiras: São Paulo, Rio de
Janeiro, Salvador, Porto Alegre e Recife. Os textos falados que compõem o banco de dados do NURC dividem-se em três categorias: EF (elocuções
formais), DID (diálogo entre informante e documentador) e D2 (diálogo entre dois informantes).

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Paráfrase

trecho, o professor reelabora toda a primeira oração, por intermédio de uma es-
tratégia em que, metaforicamente, compara as relações empresariais com lojas
de venda de produtos alimentícios.

Devemos ressaltar que o procedimento de reformulação ilustrado em (3) é


muito comum nas exposições didáticas em sala de aula, como recurso destinado
à fixação de conteúdos, no estabelecimento de comparações e analogias.

Vejamos, agora, alguns exemplos de paráfrase no texto escrito:

(4) De acordo com a neurologista Dalva Poyares, 20% dos pacientes que passam
pelo Instituto do Sono não são obesos e cerca de 6% têm Índice de Massa Corpó-
rea (IMC) menor que 25, ou seja, possuem peso normal.

(5) Com o passar dos anos, a musculatura da garganta se torna mais flácida e
assim mais propensa à vibração e à obstrução. Além disso, quando engordam, os
moços ganham volume no abdômen, no tórax e no pescoço. Ou seja, na parte
superior do corpo. A gordura nessa região espreme o tórax e as vias aéreas, o que
compromete a respiração.

Os trechos (4) e (5) integram uma matéria sobre o ronco – suas causas e efei-
tos . Trata-se de texto informativo, que visa esclarecer o público leitor acerca
2

desse problema. Assim, o recurso à paráfrase surge como uma das estratégias
que visam ao esclarecimento, uma vez que conteúdos anteriores são retomados
e reelaborados, concorrendo para maior precisão e clareza informacionais.

No fragmento (4), com vistas à especificação do que é informado, estabelece-


se parafrasticamente a relação de equivalência entre os SVs têm Índice de Massa
Corpórea (IMC) menor que 25 e possuem peso normal.

Em (5), para tratar dos fatores fisiológicos que levam ao ronco, o autor, no pri-
meiro período, declara que os homens engordam no abdômen, no tórax e no pes-
coço. No período seguinte, ao invés de dar novas informações ao leitor, por inter-
médio do sintagma conectivo ou seja, traz novamente à cena discursiva essas três
partes do corpo, com a retomada parafrástica na parte superior do corpo. A seguir,
acontece outra referência parafrástica, com o SPrep nessa região, que novamente
se refere às expressões anteriores no abdômen, no tórax e no pescoço e na parte
superior do corpo. Trata-se, portanto, de uma tripla articulação que concorre para
conferir unidade temática ao texto, enfatizando e explicitando as partes do corpo
em que o homem mais tende a engordar com o passar dos anos.
2
Disponível em: <http://minhavida.uol.com.br/MostraMateria20.vxlpub?codMateria=806>. Acesso em: 28 abr. 2008.

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Paráfrase

Em ambos os exemplos, ao contrário do verificado nos três fragmentos de


fala apresentados, a relação parafrástica articula-se em torno do conector discur-
sivo ou seja. Esse uso é motivado pelas próprias características de organização
sintática da modalidade escrita, que tem em ou seja um de seus recursos mais
eficazes de reelaboração parafrástica.

Outro eficiente instrumento para a articulação da paráfrase é o sintagma quer


dizer usado como uma só expressão e com o sentido de isto é ou ou seja. Os títu-
los publicitários a seguir ilustram esse uso:

(6) Tudo que é bom dura pouco, quer dizer, 17 dias.

No período (6), texto de propaganda de uma marca de celular, o sintagma


parafrástico 17 dias reformula o termo adverbial pouco, precisando seu sentido.
A estratégia confere ao enunciado tom jocoso, ao relacionar o dito popular tudo
que é bom dura pouco com a reformulação 17 dias, que, assim articulada, retira do
provérbio sua marca de abstração e generalidade próprias.

(7) Você pode ter um CRM gratuito (quer dizer, quase)

Em (7), após o anúncio de que o software (CRM) seria gratuito, o emissor relati-
viza a gratuidade, por meio do conector quer dizer e da reformulação com quase
entre parênteses. Com tal procedimento, além de se especificar a gratuidade re-
lativa (?), confere-se certo tom “humorístico” bem-vindo às peças publicitárias,
tal como ocorrido em (6).

Como podemos observar nos sete exemplos apresentados nesta seção ini-
cial, a paráfrase é um recurso textual de reformulação que retoma conteúdos e
expande expressões. Esse recurso pode ser usado sob forma de distintos recur-
sos linguísticos e assumir também distintas funções discursivas, dependendo da
modalidade (fala ou escrita) e do tipo de texto em elaboração, além de outros
fatores intervenientes.

Usos parafrásticos
Passamos, nesta seção, a examinar funções mais específicas da paráfrase,
com base em algumas tipologias textuais da modalidade escrita. O propósito é
destacar o papel da paráfrase nesses materiais.

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Paráfrase

Texto de opinião
Nesse tipo de texto, a reformulação parafrástica tem como função fundamen-
tal a reiteração enfática dos pontos de vista apresentados pelo articulista (iden-
tificado ou não), com o intuito de convencer o público leitor, como nos trechos
(8) e (9), extraídos de um editorial sobre propriedade intelectual, publicado no
jornal Valor Econômico de abril de 2008:

(8) Por outro lado, o direito de propriedade intelectual não pode ser exercido de
uma forma irregular, ou seja, com abuso.

(9) Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econô-
mico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas
informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso
dessas informações.

No fragmento (8), o SPrep com abuso reformula, em tom mais categórico e


contundente, o SPrep antecedente de uma forma irregular. O conector ou seja
concorre para essa articulação, que torna mais precisa e qualificada a irregulari-
dade referida inicialmente.

Com relação ao trecho (9), não encontramos um ele conectivo explícito na


vinculação dos dois períodos; apenas a justaposição é suficiente para desen-
cadear a reformulação. Nesse trecho, a fim de esclarecer enfaticamente que a
responsabilidade pela opinião veiculada é exclusiva do autor, não do veículo de
comunicação, o jornal, após essa menção, no primeiro período, retoma no se-
gundo período o mesmo conteúdo num outro formato. Nessa segunda ocorrên-
cia, destaca-se a ênfase negativa da construção não se responsabiliza nem pode
ser responsabilizado.

Em outro artigo, que discute a importância da ciência para os jovens, encon-


tramos os seguintes trechos parafrásticos:

(10) Ainda que os mais jovens se comportem face ao mundo que descobrem como
pesquisadores testando todas as soluções possíveis, naqueles um pouco menos
jovens a ciência cessa rápido de ser “cool”, doce. A motivação se evapora.

(11) O Estado que denomino Estado-Rede se caracteriza por compartilhar a au-


toridade (ou seja, a capacidade institucional de impor uma decisão) através de
uma série de instituições.

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Paráfrase

Em (10), o articulista chama a atenção para o desinteresse em relação à ciên-


cia verificado por parte de estudantes brasileiros. Para tanto, após mencionar
que “a ciência cessa rápido de ser “cool”, doce, o autor retoma essa informação no
período seguinte, sob a forma de uma oração enxuta e categórica – a motivação
se evapora. Assim, o que foi escrito inicialmente de modo mais ameno e comple-
xo, ganha, na segunda ocorrência, formato mais preciso e objetivo.

No fragmento (11), a paráfrase se processa por intermédio de marcas formais


mais explícitas. O SN a autoridade, termo abstrato, de definição imprecisa, ganha
contornos mais nítidos e definidos com a reformulação seguinte, entre parên-
teses, formada pelo conector ou seja e o sintagma a capacidade institucional de
impor uma decisão, que especifica enfaticamente a autoridade.

Por vezes, a reformulação atinge trechos mais longos, envolvendo parágrafos


inteiros, como no trecho do artigo “Os intelectuais e o modo lulista de governar”,
de Rudá Ricci, a seguir apresentado:

(12) Os anos 1990, contudo, redefiniram os rumos do PT e a clara opção eleito-


ral limitou o papel dos intelectuais petistas. As discussões conceituais e estratégicas
foram nitidamente superadas pelas elaborações táticas e pela profissionalização e
especialização da administração partidária. O pragmatismo retornou com crescen-
te influência em todas as instâncias do partido. O olhar na campanha do dia, nos
acordos locais e na montagem da complexa engenharia eleitoral foi alterando os
contornos, inclusive ideológicos, dos programas de campanha.

Em outras palavras, ao longo da última década do século XX o partido criou


uma importante estrutura administrativa, profissionalizou-se e redefiniu suas metas
e seus objetivos estratégicos, diminuindo consideravelmente o papel dos intelectu-
ais na formulação geral do PT.

No segundo parágrafo de (12), o SPrep em outras palavras abre caminho para


a reformulação do primeiro parágrafo, com o destaque dos feitos do PT ao longo
dos anos 1990. Esse processo de retomada faz uma síntese do conteúdo inicial
e enfatiza as atuações do PT, destacando-as. Com essa medida, o autor reitera
seu ponto de vista favorável às ações do referido partido, em sua reorientação
programática. O que se poderia perder em termos de expansão informacional é
compensado pela reiteração do ponto de vista do autor, com vistas ao conven-
cimento do público leitor.

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Paráfrase

Crônica esportiva
Esse gênero discursivo toma como ponto de partida acontecimentos do
mundo esportivo para, ao divulgá-los, fazer uma apreciação, uma abordagem
crítica desses acontecimentos. Portanto, a crônica esportiva também tem forte
marca opinativa, e a paráfrase surge como recurso para a expressão enfática
dessa característica.

Os trechos apresentados a seguir foram extraídos do site <http://cronicaes-


portiva.blogspot.com> e ilustram o comentário:

(13) O jogo, em si, começou meio sonolento. A primeira etapa foi entediante,
com poucas chances de gols para ambos.

O Botafogo partiu pra cima desde o início, a fim de definir a partida em tempo
normal. Coube ao Fluminense, acuado, se defender e jogar nos contra-ataques – o
que demorou a acontecer. O Botafogo tinha domínio total da partida.

O trecho acima comenta um dos jogos do campeonato carioca de 2008. O SV


a primeira etapa foi entediante ratifica a expressão anterior começou meio sono-
lenta, enfatizando a opinião do cronista. No segundo paráfrafo, a oração final O
Botafogo tinha domínio total da partida sintetiza parafrasticamente os dois perío-
dos anteriores desse paráfrago, reiterando o ponto de vista do autor.

(14) Um dos principais jogadores do Chelsea, Frank Lampard pode estar de


saída do clube londrino. Segundo o jornal As da Espanha, a diretoria do Blues
está disposta a vender o jogador no fim da temporada atual.

No fragmento (14), o comentário sobre a possível saída de Lampar do Chel-


sea, articulada no trecho Frank Lampard pode estar de saída do clube londrino,
é reformulada de modo mais específico no SV a diretoria do Blues está disposta
a vender o jogador. Destaca-se nesse trecho o tom probabilístico, marcado por
termos como pode estar e segundo o jornal As da Espanha; com essa estratégia,
o cronista isenta--se de maiores responsabilidades sobre o que informa, com
pouca adesão ao que declara.

(15) O time atacou, perdeu muitos gols, foi incompetente nas finalizações, parou
nas mãos de Magrão e tomou de 4 a 1 na Ilha do Retiro em Recife. Um chocolate!

Em (15), a paráfrase um chocolate retorma o SV tomou de 4 a 1. Além de refor-


mular avaliativamente esse SV, o SN um chocolate resume o que foi a partida na

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Paráfrase

Ilha do Retiro. Nesse exemplo, a paráfrase, ao retomar o referido SV, sintetiza o


comentário de modo categórico e contundente.

(16) O único torcedor-símbolo brasileiro que conheci foi seu Hilário, fanático
pelo Jabaquara (jabuca de nossos corações), que explicou sua paixão pelo clube ru-
bro-amarelo da Baixada Santista como o saborear de uma laranja: “tem que provar
por dentro”. Uma figura impagável.

Tal como em (15), o exemplo (16) recorre ao SN parafrástico uma figura impa-
gável para retomar conteúdo anterior, fechando o parágrafo. Em (16), todavia,
esse recurso anafórico é mais acentuado, uma vez que o referido SN reformula,
pelo menos, três termos antecedentes – o único torcedor-símbolo brasileiro, seu
Hilário e fanático. Com esse recurso, o autor confere maior unidade ao texto.

Por fim, vejamos o fragmento (17), em que a paráfrase é usada acentuada-


mente para marcar a indignação do autor:

(17) O que importa mesmo é que entra ano sai ano, reforma estádio, faz setor
novo e não sei mais o quê, e a venda dos ingressos continua a mesma porcaria.
Não sei se o mundo já se acostumou a essa indignidade, mas eu não consigo con-
ceber [...]. Por que comprar ingresso para futebol tem que ser um perrengue tão
grande? Não é possível que tenha que ter essa fila maldita em todo jogo decisivo.
O horário de venda é um horror (começar a vender às 10h é brincadeira. Será que
torcedor não trabalha?), o número de bilheterias é pequeno, não tem controle sobre
cambistas. Será que um dia esse “detalhe” no mundo futebolístico nacional será
resolvido?

Nesse trecho, o autor comenta sobre o problema da compra e venda de in-


gressos para partidas de futebol. O SN inicial a venda dos ingressos é reformulado
sucessivamente em essa indignidade, comprar ingresso para futebol, um perren-
gue tão grande, fila maldita e, por fim, de forma irônica, no sintagma esse “deta-
lhe”. Todos esses referentes têm correspondência entre si e são responsáveis pela
unidade temática do fragmento. Ao lado de novos informes, que expandem o
conteúdo, há a constância de sentido mantida, entre outras estratégias textuais,
pelo recurso parafrástico.

Produção literária
O tratamento da paráfrase na produção literária apresenta certas peculiari-
dades. De acordo com Platão e Fiorin (1992, p 20), a intertextualidade, ou a ci-

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Paráfrase

tação de um texto por outro, é “implícita” no texto literário. O que significa que
“um poeta ou romancista não indica o autor e a obra donde retira as passagens
citadas, pois pressupõe que o leitor compartilhe com ele um mesmo conjunto
de informações a respeito das obras que compõem um determinado universo
cultural”.

Assim, na literatura, é muito comum esse diálogo entre textos, que torna a
atividade de leitura mais rica e complexa ao se reconhecer e identificar os textos
que estão em jogo nessa interação. Segundo os mesmos autores, em geral, a
citação de um texto literário em outro tem dois objetivos: a reafirmação, ou pa-
ráfrase, ou a inversão, ou paródia.

Recorrendo ainda a Platão e Fiorin (1992, p 20), trazemos aqui duas estrofes
citadas pelos autores como caso de paráfrase:

(18)

Nosso céu tem mais estrelas,


Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

(DIAS, Gonçalves. Canção do exílio)

(19)

Do que a terra mais garrida


Teus risonhos, lindos campos têm mais flores;
“Nossos bosques têm mais vida”.
“Nossa vida”, no teu seio, “mais amores”.

(Hino Nacional Brasileiro)

O Hino Nacional Brasileiro, posterior ao poema de Gonçalves Dias, apropria-


se de versos deste poeta romântico, dando-lhes uma outra “roupagem”, na lou-
vação da pátria brasileira. O tom laudatório é preservado e reafirmado na letra
do hino. Trata-se de duas vozes em uníssono, como numa dupla. Os ideais ro-
mânticos da exaltação da natureza brasileira, do olhar para o grande e rico país,
exuberante em sua flora, são resgatados e reafirmados na letra de nosso hino.

A seguir, o poeta Jorge de Lima apropria-se de uma conhecida oração, para


reafirmar sua crença:

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Paráfrase

(20)

Ave-Maria, cheia de graça!


O Senhor é convosco
Bendita sois vós entre as mulheres
E Bendito é o Fruto do vosso ventre, Jesus
Santa Maria Mãe de Deus,
Rogai por nós os pecadores
Agora e na hora de nossa morte. Amém

(21)

“- Ave Maria cheia de graças...”


A tarde era tão bela, a vida era tão pura,
as mãos de minha mãe eram tão doces,
havia, lá no azul, um crepúsculo de ouro... lá longe...
“- Cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita!”
Bendita!

(LIMA, Jorge de. Oração)

Sob o título de “Oração”, Jorge de Lima constrói um poema que tem como
inspiração a prece “Ave-Maria”. Essa apropriação encontra-se em passagens reto-
madas, como – Ave Maria cheia de graças, o Senhor é convosco e bendita. Tanto na
oração católica quanto na Oração poema, encontramos o mesmo espírito oníri-
co e religioso. Jorge de Lima apropria-se do texto cristão para recriá-lo, assumin-
do, ele mesmo, o texto religioso em sua recriação.

Texto complementar
Polifonia e intertextualidade
(ABREU, 1999, p. 45-46)

Quando estamos produzindo um texto, nem sempre somos a única voz


presente. Às vezes, colocamos, explicitamente, uma outra voz, por intermédio
de processos de citação. É o que se chama de polifonia. Isso acontece, usual-
mente, com as reportagens de jornal ou revistas, onde o repórter, além de ma-
nifestar sua própria voz, narrando um acontecimento, pode introduzir também
a voz de seus participantes ou observadores. Eis um exemplo típico:

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Paráfrase

Em 1982, quando a montadora [Volkswagen] suspendeu a produção da Brasília, um


engenheiro de lá não se conteve: “Mataram o carro errado” [o “certo”, no caso, seria o
Fusca, só extinto em 1986]. Tinha lá suas razões: a Brasília oferecia, na ocasião, a mesma
consagrada mecânica do Fusca, num carro muito mais espaçoso e três décadas mais
moderno.

[Quatro Rodas, 28 (4):35]

Na redação de textos científicos, é também muito comum fazer citações,


como no seguinte trecho:

Lakoff (1971) afirma que não se pode admitir que seja possível falar de
boa ou má-formação de uma frase de modo isolado, sem levar em conta
todas as pressuposições sobre a natureza do mundo.

[Koch, 1984, p. 55]

Para introduzir a voz de uma outra pessoa, é comum o uso de verbos como
dizer, falar, afirmar, como ocorre no texto acima. Muitas vezes, o autor do
texto utiliza ainda outros verbos menos neutros, como enfatizar, advertir,
ponderar, confidenciar.

É preciso ter cuidado ao utilizar esses verbos introdutores de vozes, pois


é bastante comum o autor de um texto utilizá-los (sobretudo os da segun-
da linha) de modo a manipular a voz que apresenta. Vejam-se as diferenças
que podem existir nos textos abaixo, apenas trocando o verbo introdutor da
voz:

(a) O presidente disse que a inflação vai diminuir.

(b) O presidente advertiu que a inflação vai diminuir.

(c) O presidente ponderou que a inflação vai diminuir.

(d) O presidente confidenciou que a inflação vai diminuir.

Na posição de leitor, é sempre interessante, para fugir de uma provável


manipulação, trocar todos os verbos não neutros por verbos neutros como
dizer.

Muitas vezes o próprio leitor é colocado como voz no texto, em sequên-


cias como:

(a) Imagine o leitor que...

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Paráfrase

(b) Imaginemos que temos à frente...

(c) É preciso conseguir, antes de tudo...

Em (a), o leitor é colocado explicitamente. Em (b), ele é colocado junta-


mente como o autor do texto. Em (c), ele é colocado como se fizesse parte de
um conjunto abstrato de pessoas.

De fato, o uso de expressões como é preciso, é urgente sugere as per-


guntas: Preciso para quem? Urgente para quem? Esse quem, na verdade, é
uma espécie de vox populi a que se somam, com cumplicidade, o autor e o
leitor. O autor, por adesão explícita, o leitor, por indução do autor. Algumas
outras vezes, o autor coloca, explícita ou implicitamente, uma outra voz, no
texto, cujo entendimento depende de o leitor ter, em seu repertório, conhe-
cimento de um outro texto. É o que se costuma chamar de intertextualidade.
Suponhamos que alguém escreva o seguinte texto:

Na questão da inflação anual e das taxas de juro, pouca gente pode dizer
que se encontra em berço esplêndido, neste país.

Qualquer brasileiro perceberá que o texto em questão traz dentro de si


um pedacinho de um outro texto: o do Hino Nacional Brasileiro.

A compreensão da intertextualidade, entretanto, sobretudo aquela colo-


cada de forma implícita, está sempre condicionada ao repertório do leitor.
Quando eu coloco um trecho de um outro texto no meu próprio texto, estou
tentando pescar, na memória do meu leitor, o texto original, de onde foi ex-
traído o tal trecho.

Estudos linguísticos
1. Os textos didáticos muitas vezes utilizam-se da reformulação parafrástica
para a tarefa de fixação das informações veiculadas. Nos fragmentos a se-
guir, retirados do texto A poluição das águas, no site <www.geocities.com/
CollegePark/Theater/8163/poluicaooagua.htm>, identifique alguns desses
recursos e aponte, ao menos, uma motivação para esse uso:

[...]

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Paráfrase

A água que usamos para os mais variados fins é sempre a mesma, ou seja, ela é
responsável pelo funcionamento da grande máquina que é a vida na Terra;

[...]

Dentro dessa complexa mistura, há uma coleção variada de vida vegetal e


animal, desde o fitoplâncton e o zooplâncton até a baleia-azul (maior mamífero
do planeta). Dentro dessa gama de variadas formas de vida, há organismos que
dependem dela inclusive para completar seu ciclo de vida (como ocorre com os inse-
tos). Enfim, a água é componente vital no sistema de sustentação da vida na Terra e
por isso deve ser preservada, mas nem sempre isso acontece.

2. Na estrofe abaixo, a primeira da música As cores de abril, de Vinicius de Mora-


es e Toquinho, em que outros versos o primeiro verso é parafraseado? Qual o
efeito de sentido articulado com esse procedimento?

As cores de abril
Os ares de anil
O mundo se abriu em flor
E pássaros mil
Nas flores de abril
Voando e fazendo amor

3. Observe os distintos modos de citação de vozes alheias e, a seguir, responda


as questões propostas:

O advogado informou que o réu se encontra em local desconhecido.


O advogado advertiu que o réu se encontra em local desconhecido.

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Paráfrase

O advogado declarou que o réu se encontra em local desconhecido.


O advogado denunciou que o réu se encontra em local desconhecido.

a) Quais os modos considerados mais “neutros”?

b) Em que período ocorre mais adesão por parte do autor?

c) Que recurso morfossintático é usado na articulação desses efeitos de


sentido?

Referências
ABREU, Antônio Suárez. Curso de Redação. 9. ed. São Paulo: Ática, 1999.

CASCUDO, Luís da Câmara. Contos tradicionais do Brasil. Belo Horizonte/São


Paulo: Itatiaia/Edusp, 1986.

CASTILHO, Ataliba Teixeira. Para Uma Gramática do Português Falado. Miscelânea


de Estudos Linguísticos Filológicos e Literários. Rio de Janeiro, p. 79-102, 1995.

LIMA, Jorge de. Poesia Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997.

PLATÃO, Francisco; FIORIN, José Luiz. Para Entender o Texto. 3. ed. São Paulo:
Ática, 1992.

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Paráfrase

Gabarito
1.
Nos dois fragmentos apresentados, podemos apontar como recursos
parafrásticos:

a) No primeiro período, por intermédio de ou seja, a retomada da informação


sobre a importância da água e sua presença fundamental na natureza.

b) No segundo fragmento, destacam-se como sintagmas parafraseadores


gama de variadas formas de vida e a água é componente vital no sistema
de sustentação da vida na Terra.

Esses usos concorrem para fixar o conteúdo, esclarecendo e enfatizando


as informações sobre a importância da água em nosso planeta.

2. O primeiro verso é parafraseado no segundo as cores de anil, no terceiro o


mundo se abriu em flor e no quinto verso nas flores de abril. Com esse recurso,
os poetas fazem uma descrição da beleza e do colorido dos dias no mês de
abril, concorrendo para a exaltação desse período de uma forma romântica
e paradisíaca.

3.

a) Os modos mais neutros são os organizados em torno dos verbos infor-


mar e declarar.

b) A maior adesão se verifica com o uso do verbo denunciar.

c) Esses feitos de menor ou maior adesão são obtidos com a troca das
formas verbais e suas distintas cargas semânticas.

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Língua Portuguesa IV – Sintaxe: Frase, oração e período
Língua Portuguesa IV – Sintaxe:
Frase, oração e período
Língua Portuguesa IV – Sintaxe:
Frase, oração e período

Mariangela Rios de Oliveira

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