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ponde.folha@uol.com.br (mailto:ponde.folha@uol.com.br)
OPINIÃO
31.mai.2020 às 23h15
Em dias como esses, em meio a tagarelice que se abateu sobre a pandemia nas redes,
na mídia, nos cientistas, nos políticos, a busca por alguma gota de racionalidade
virou uma dura ascese que beira o cultivo do silêncio como saída para um mínimo
de sanidade. O silêncio não é, necessariamente, mudez. E a sanidade, por sua vez,
pode ser a escolha de uma outra linguagem ou perspectiva no olhar.
O teólogo Hans Urs von Balthasar (1905-1988), sacerdote e teólogo suíço, escreveu
um livro chamado (numa tradução do alemão) irmãs no espírito: Tereza de Lisieux e
Elizabeth de Dijon, sem edição no Brasil, que eu saiba. Trata-se de uma peça
importante nos estudos do que podemos chamar de fenomenologia da graça, como
ele mesmo diz, ou fenomenologia da santidade. Segundo o autor, existem dois tipos
básicos de santidade.
Cammarota
Esse santo ou santa tem como traço a força de vontade de realizar o bem buscando a
semelhança com Deus. Na Bíblia hebraica, Deus diz que devemos ser santos como
Ele é. Nesse sentido, a santidade horizontal, como diz Von Balthasar
(https://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2018/07/santidade-como-invasao-de-deus.shtml),
às vezes, é uma
santidade que surge como fruto do livre arbítrio humano tentando se aproximar de
Deus.
Não por vaidade de ser “semelhante a Deus”, porque ninguém chega a isso, mas
movida pela consciência típica da santidade que é a dolorosa ascese na busca de
superar as fraquezas humanas.
Entendo que o santo é aquele que sabe que quanto mais alguém se acha próximo de
Deus, mais longe está, e quanto mais se sabe longe de Deus, mais perto está.
Portanto, essa semelhança passa, necessariamente, pela humildade de se
reconhecer dessemelhante a Deus. Por isso, o orgulho moral de si mesmo (erro de
Jó) é um traço da não santidade.
Esse tipo de santidade é contínua, repetitiva no seu esforço, muitas vezes invisível
ao olhar superficial humano. Cotidiana no seu cenário, não tem um roteiro
grandiloquente.
O segundo tipo de santidade, segundo Von Balthasar, é muito mais raro. Podemos
chamá-la, seguindo o teólogo, de vertical. Esta é fruto da escolha que Deus faz por
uma pessoa, à revelia da sua vontade, o que faz dela, de certa forma, mais dramática
no seu roteiro de realização.
Segundo o teólogo, esse segundo tipo pode contar, inclusive, com a resistência por
parte do eleito. Essa resistência pode ser resultado do sentimento de invasão da sua
vida por Deus, uma sensação comum em muitos heróis bíblicos. Deus costuma
invadir a vida daqueles que ele escolhe para realizar seus projetos.
Mas, como dizem, a graça nunca ofende a natureza. Nesse sentido, essa máxima
quer dizer que com o tempo o eleito percebe sua missão (ou carisma) e, às vezes
lentamente, vai entendendo a razão de Deus tê-lo escolhido, e sua vida subjetiva se
acalma diante do inevitável. Mas, o transtorno, diríamos numa linguagem
psicológica, não é menor. Passar a viver acompanhado por Deus, sem ter escolhido
tal fato, já é parte do seu carisma de santidade.
Isto é o que Von Bathasar quer dizer pela vida invadida pelo sobrenatural que
transforma a natureza em direção ao divino.
Nestes dias, precisamos de todos os santos possíveis. Para além dos dois tipos de
santidade descritas pelo teólogo, precisamos mesmo de todas as pequenas
santidades que estão a nossa volta.
ENDEREÇO DA PÁGINA
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2020/05/santidade-
silencio-e-sanidade.shtml