Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Editora da UFSC
o ponto nodal do sistema de pós-graduação
Campus Universitário - Trindade reside na questão da orientação.
Caixa Postal 476
880 I0-970 - Florianópol is, SC Dermeval Saviani
Q) (0**48) 331-9408, 331-9605 e 331-9686
~ (0**48) 331-9680
: edufsc@editora.ufsc.br
Q : hltp://www.editora.ufsc.br Na casa do Padre Perry, o único lugar totalmente
Cortez Editora ocupado era o das estantes de livros.
Rua Banira, 317 - Perdizes
Gradativamente cheguei a compreender que as
05009-000 - São Paulo, SP marcas sobre as páginas eram palavras na arma-
Q) : (0** 11) 3864-0111 dilha. Qualquer um podia decifrar os símbolos e
~ (0** 11) 3864-4290 soltar as palavras aprisionadas, falando-as. A tin-
: cortez@cortezeditora.com.br
ta de impressão enjaulava os pensamentos; eles
Q : www.cortezeditora.com.br
não podiam fugir, assim como um dumbu não
Direção editorial e diagramação: Paulo Roberto da Silva pode fugir da armadilha. Quando me dei conta
Capa: Maria Lúcia laczinski do que realmente isto significava, assaltou-me a
Supervisão técnico-editorial: Aldy Vergés Maingué mesma sensação e o mesmo espanto que tive
Revisão: Ana Lúcia Pereira do Amaral quando vi pela primeira vez as luzes brilhantes
de Conacre. Estremeci, com a intensidade de
Ficha Catalográfica meu desejo de aprender afazer eu mesmo aquela
atalogação na fonte pela Biblioteca Universitária da Universidade
coisa extraordinária.
Federal de Santa Catarina)
(Citado por Marshal McLuhan, no livro
B981 A Bússola do escrever: desafios e estratégias na orientação de Os meios de comunicação como extensões do
teses e dissertações / Lucídio Bianchetti, Ana Maria Netto
homem, a partir de depoimento do,
Machado, organizadores. - Florianópolis : Ed. da UFSC ; São
chefe de uma tribo africana)
Paulo: Cortez, 2002.
408p. (destaque nosso).
Inclui bibliografia.
destacando e comentando aspectos que, a meu ver, são substantivos A realização de uma pesquisa científica está no âmago do
para a sua sustentação, garantindo-lhe maior eficácia na consecução investimento acadêmico exigido pela pós-graduação e é o objetivo
de seus objetivos. Parto da reafirmação da natureza da pós-graduação prioritário dos pós-graduandos e seus professores. Até mesmo o processo
como lugar de produção de conhecimento e da decorrente centralidade de ensino-aprendizagem nesse nível é marcado por essa finalidade:
da pesquisa, explicitando, na seqüência, as exigências epistemológicas, desenvolver uma pesquisa que realize, efetivamente, um ato de criação de
metodológicas e técnicas do processo investigativo. Abordo, também, conhecimento novo, um processo que faça avançar a ciência na área. Pouco
as práticas e posturas acadêmico-científicas que se impõem para a importa se as preocupações imediatas sejam com o aprimoramento da
comunidade da pós-graduação, discutindo seu papel e seus resultados, qualificação do docente de 32 grau ou do profissional. Em qualquer hipótese,
com destaque para a dissertação de mestrado e para a tese de doutorado. esse aprimoramento passará necessariamente por uma prática efetiva da
Concluo reiterando a significação política fundamental da pesquisa pesquisa científica. Aliás, é preparando o bom pesquisador que se prepara
em educação decorrente do compromisso substantivo da educação com o bom professor universitário ou qualquer outro profissional.
a construção da cidadania.
É por isso que sequer tem sentido falar de um pós-graduação stricto
sensu puramente profissionalizante, tal como vem sendo implementado
A pós-graduação stricto sensu como lugar de pro- entre nós, que dispensasse a realização de uma pesquisa e a elaboração
de uma dissertação. Oficializado pela Capes e já sacramentado em
dução de conhecimento
algumas grandes instituições universitárias do país, o mestrad
À luz de uma concepção crítica do processo de conhecimento, de profissionalizante é, sem dúvida, uma deturpação do sentido qualitativo
ensino e de aprendizagem, todos os momentos e espaços do ensino de um curso de pós-graduação stricto sensu: não por razões institucionais
superior deveriam estar perpassados pela postura e pelas práticas ou de nomenclatura, mas porque se trata de finalidades, certamente
investigativas.' Com maior razão ainda, no âmbito da pós-graduação importantes, mas fundamentalmente diferentes. E o grande diferencial,
essa postura é absolutamente imprescindível, pois a prática sistematizada de natureza epistemológica, está na própria forma de se conceber a relaçã
da investigação científica encontra aí o seu lugar natural, uma vez que com o conhecimento. Enquanto, de um lado, o mestrado profissional,
sua atividade específica é a própria pesquisa. atento às necessidades sempre aceleradas de novas tecnologias para
mundo da produção, preocupa-se em repassar as contribuições mais
recentes do conhecimento já produzido em sua área, de outro lado, um
I É por isso que exigir que o corpo docente da universidade tenha formação pós- mestrado acadêmico, se adequadamente compreendido, tem sua razão
graduada é o mínimo que se deve fazer, se se tem alguma idéia da natureza do
de ser na construção de conhecimento novo.'
ensino superior. O que está em pauta não é o formalismo burocrático do título
acadêmico, mas uma experiência real de construção de conhecimento. O professor
universitário tem que ter um mínimo de convivência com a postura de pesquisa. Ele O que me parece inaceitável no processo de implantação dos cursos de mcstrudn
precisa dessa prática para ensinar adequadamente, assim como o seu estudante precisa profissionalizante é a ambigüidade com que ela vem sendo conduzida e negociada
dessa postura para aprender bem o que lhe é ensinado. E a pós-graduação stricto junto à comunidade: prometem-se resultados institucionais iguais a partir <k
sensu tem sido, no contexto brasileiro, o único espaço em que o professor universitário procedimentos diferentes, mas a diferença não é claramente reconhecida como supo. tt'
pode ter uma experiência de pesquisa. É lá que ele tem podido iniciar-se à pesquisa. desses resultados que deveriam ser igualmente diferenciados. A própria dcsignnçün
desses cursos como "mestrados" alimenta essa nrnbiuüidadc.
Pós-graduação e pesquisa: o processo de produção e de sistematização do 71
70 A BÚSSOLA DO ESCREVER conhecimento no campo educacional
A única justificação substantiva que pode sustentar a existência Mas essa "hermenêutica" do real pelo lógico efetiva-se,
da pós-graduação é sua destinação à produção do conhecimento através necessariamente, pelo estabelecimento de um esquema relacional entre
da pesquisa articulada à formação de novos pesquisadores. Trata-se de um sujeito e um objeto, quaisquer que possam ser nossas diferentes
(azer ciência e não apenas de transmiti-Ia. Impõe-se, então, o concepções da subjetividade dos homens e da objetividade do mundo
desenvolvimento de fundamentação teórica, de reflexão sistemática, de real. Aliás, é uma decorrência da pluralidade dessas concepções que se
levantamento de dados empíricos, documentais ou históricos, enfim de constituíram os múltiplos paradigmas epistemológicos, quebrando o
desvelamento dos sentidos da realidade. O que está, pois, em pauta, é a monolitismo de uma única modalidade pela qual os sujeitos humanos
abordagem de problemáticas específicas, mediante rigoroso trabalho de poderiam olhar o mundo e articular a esfera lógica ao uni verso dos dados
pesquisa e de reflexão, apoiado num esforço de fundamentação teórica objetivos.'
(cf. Severino, 2000, p.143). No entanto, seja qual for o paradigma epistemológico adotado, o
Como lugar de pesquisa, de produção de conhecimento novo, conhecimento deve ser entendido como um processo de construção de
mediante construção sistemática e permanente, a pós-graduação não se objetos e não mais de mera representação ou alguma poderosa intuição
prioriza como processo de escolarização. A escolaridade aí deve ser vista de suas possíveis essências. Na verdade, a representação mental com a
e praticada como subsídio à atividade de pesquisa. Por isso mesmo, os qual "operamos" nossos saberes concretos não constitui um ponto de
docentes de um programa não podem desempenhar-se apenas como partida mas, sim, um ponto de chegada, ou seja, ela já é a resultante de
conferencistas, precisam atuar prioritariamente como docentes um complexo processo de elaboração, de construção. Certamente, esse
pesquisadores, ou melhor ainda, como pesquisadores docentes. processo não pode nunca ser confundido com o processo de criação,
como se o sujeito pudesse, de algum modo, fazer um objeto existir. O
que se quer dizer é que para se apreender o objeto como sendo
As exigências epistemológicas, metodológicas e significativo para nós, sujeitos, é preciso como que refazer a estrutura
técnicas para a produção do conhecimento desse objeto, seja ele um objeto físico, simbólico ou imaginário. Esse é
o modo humano de conhecer.
A ciência, como modalidade de conhecimento, só se processa como A afirmação da construtividade do conhecimento não nos engaja
resultado de articulação do lógico com o real, do teórico com o empírico. forçosamente em teorias construtivistas específicas, às quais devemos,
Não se reduz a um mero levantamento e exposição de fatos ou a uma no entanto, o pioneirismo da afirmação dessa perspectiva na superação
coleção de dados. Estes precisam ser articulados mediante uma leitura das concepções puramente representacionistas do conhecimento.
teórica. Só a teoria pode caracterizar como científicos os dados empíricos.
Construir o objeto de conhecimento é, pois, pesquisar. Pesquisar,
Mas, em compensação, ela só gera ciência se estiver articulando dados
por sua vez, é expor e explorar a estrutura dos objetos, mediante
empíricos (cf. Severino, 2000, p.149).
Quaisquer que sejam os pressupostos epistemológicos e as Tratei mais' detidamente da questão da multiplicidade dos paradigmas epistemológicos
mediações técnico-metodológicas, existirá sempre, no processo de e suas implicações para a pesquisa em "Dilemas e tarefas das ciências humanas
conhecimento científico, uma "interpretação" teórica de dados empíricos, frente ao pluralismo epistemológico contemporâneo". Interações. São Paulo:
entrelaçamento do lógico com o real, do qual germina uma significação. Universidade São Marcos. 1(1): 97-115. jan./jun.1996.
72 A BÚSSOLA DO ESCREVER
Pós-qraduaçâo e pesquisa: o processo de produção e de sistematização do 73
conhecimento no campo educacional
pesquisadores no interior do próprio grupo. Os alunos não devem estar ele deve ser explicitado de forma técnica, não só em decorrência de exigências
envolvidos apenas no processo de orientação individualizada com seu institucionais, mas porque ele representa o roteiro do trabalho a ser
orientador. desenvolvido pelo aluno. Trata-se de um planejamento que possibilitará ao
Isso implica um investimento sistemático, primeiramente, na pós-graduando/pesquisador impor-se uma disciplina de trabalho não só na
própria produção científica, a ser incentivada e cobrada de todo o corpo ordem dos procedimentos lógico-operacionais mas também em termos de
docente, a se tomar igualmente um conjunto integrado de pesquisadores. organização do tempo e das atividades. Além disso, é o ponto de referência
Assim, todos os professores precisam estar efetivamente envolvidos na para o diálogo com o orientador. Ainda que possa ser alterado ao longo do
execução de pesquisas, não apenas no processo de orientação das desenvolvimento da pesquisa, ele constitui um roteiro fundamental,
pesquisas de seus orientandos. Até porque não se ensina pesquisar sem delimitando bem o caminho a ser percorrido, as etapas a serem vencidas, os
estar pesquisando. instrumentos e as estratégias a serem aplicados ao longo de sua execução. O
projeto deve delimitar, com o máximo de clareza e precisão, o objeto da
Além disso, a produção científica deve ser pertinente aos temas pesquisa, sua problematicidade, a contribuição que a pesquisa trará, as
constituintes das linhas de pesquisa. Não basta produzir e publicar fora hipóteses que pretende defender, os objetivos a serem alcançados, as
das áreas temáticas delimitadas por essas linhas de pesquisa. O que se referências teóricas, os procedimentos metodológicos e técnicos que serão
valoriza, com toda a razão, é a produção realizada a partir do investimento utilizados, o cronograma de execução e as fontes documentais em que se
interno no programa, diretamente vinculada aos temas envolvidos nas baseará a investigação (cf. Severino, 2000, p.157-164).
linhas de pesquisa ou que tenha com eles alguma afinidade.
Desse modo, não é o volume da produção escrita e publicada dos
pesquisadores que vai pesar! Não adianta professores e mesmo alunos
o convívio orientando/orientador
elencarem numerosos escritos se eles foram produzidos em outras áreas As relações entre o orientador e orientando, no contexto da
ou tenham nascido de outras circunstâncias que não as atividades de formação pós-graduada, devem ser entendidas como um processo de
investigação do próprio programa. Nem conta a produção vinculada a construção solidária, num intercâmbio de experiências que se encontram
outro programa, de outra instituição, mesmo que da mesma área temática. em fases diferentes. Certamente, trata-se de um relacionamento que, pela
É por isso que a produção dos professores visitantes e participantes, sua duração e intensidade, é atravessado por momentos delicados de
ainda quando de ótima qualidade, acaba não pesando favoravelmente ao convi vência humana. No entanto, impõe-se a conscientização, por ambas
programa em que apenas colaboram em dedicação prioritária. IIS partes, de que se trata de uma relação a ser profissionalizada, sempre
um educador, estabelecendo com seu orientando uma relação educativa, diferente natureza: congressos, seminários, simpósios, com produção e
com tudo o que isso significa no plano da elaboração científica. Como apresentação de trabalhos parciais, que tenham alguma relação com suas
tal, pressupõe necessariamente um trabalho conjunto em que ambas as investigações.
partes crescem, se enriquecem reciprocamente. Por mais difícil que possa
ser, nesta relação deve estar presente uma interação dialética em que Trata-se de submeter as próprias idéias e primeiras conclusões a
esteja ausente qualquer forma de opressão ou de submissão. um diálogo mais abrangente bem como de se "antenar" nos debates
presentes no seio das comunidades nacional e internacional. Afinal, a
De seu lado, o orientando deve ir conquistando progressivamente construção do conhecimento é uma obra coletiva, feita por um sujeito
sua maturidade, segurança e autonomia para o exercício de sua criatividade. coletivo, representado historicamente por comunidades científicas de
Em todas as etapas do processo, cabe-lhe tomar a iniciativa, de modo a cada área. Obviamente, essa participação deve ser entendida e praticada
obter a contribuição enriquecedora do orientador, a quem compete interagir como um exercício sistemático e competente, a não ser confundido com
com o orientando, sugerindo-lhe pistas, testando opções, esclarecendo a prática de turismo cultural ou "curtição" social.
caminhos, clareando propostas e desvelando pontos fracos. Bem conduzido,
esse diálogo é extremamente enriquecedor e eficaz, sem que o orientando
fique abandonado e sem que o orientador abafe o orientando.' o exame de qualificação
O processo de orientação se constitui basicamente numa leitura e numa Exigência formal dos cursos de pós-graduação é um momento
discussão conjuntas, num embate de idéias, de apresentação de sugestões e intermediário importante para o desenvolvimento da pesquisa e da
de criticas, de respostas e argumentações, em que está em pauta um trabalho elaboração da dissertação ou da tese. Trata-se de uma avaliação preliminar
de convencimento, de esclarecimento e de prevenção, tanto no que concerne (feita por uma banca na qual, além do orientador, atuam dois outros
a questões de conteúdo como a de forma. Esse diálogo pressupõe a existência examinadores) dos resultados obtidos pelo pós-graduando numa fase
do projeto de investigação, ponto de partida para o trabalho conjunto. que não seja nem muito inicial nem muito final, de modo que o aluno
possa, eventualmente, reorientar suas atividades de pesquisa e de reflexão.
Representa, assim, uma contribuição valiosa para o aluno mas também
Uma vida científica expandida
para o orientador, uma vez que traz o ponto de vista de outros leitores.
Professores e estudantes de pós-graduação precisam ampliar os Nesse exame deve-se poder aquilatar se o pós-graduando amadureceu
espaços e os processos de produção de conhecimento, indo além de suas uma proposta relevante, consistente e exeqüível de pesquisa e se comprova
ati vidades curriculares básicas. Impõe-se um esforço para expandir as objetivamente capacidade para implementá-Ia, demonstrando estar de posse
referências de interlocução e de intercâmbio, no interior da comunidade de recursos teóricos e metodológicos para levar a bom termo sua pesquisa.
científica da área. Essa a justificação para participação em eventos de Para tanto, o candidato deve apresentar os seguintes elementos: uma retomada
avaliativa de sua trajetória acadêmico-intelectual, da qual seu projeto atual
Tem se revelado fecunda a experiência já bastante comum de encontros de orientação de pesquisa é o fruto amadurecido. Sob a forma de um pequeno memorial,
coletiva. O orientador planeja e desenvolve atividades conjuntas com todos os seus esse relatório deve apresentar uma avaliação articulada dos cursos e atividades
oricntandos, às vezes incluindo também orientandos de outros docentes. Todos
analisam e discutem os projetos de todos.
realizados em relação a sua vida na pós graduação; o projeto de sua pesquisa,
80 A BÚSSOLA DO ESCREVER Pós-qraduaçáo e pesquisa: o processo de produção e de sistematização do 81
conhecimento no campo educacional
em sua versão técnica; alguns produtos parciais já obtidos, incluindo partes um avanço na área. O mestrado, tratando-se, em nosso contexto, de
da redação do texto, de modo que a banca possa formar uma noção objetiva trabalho ainda vinculado a uma fase de formação científica, sendo um
da natureza, do estilo e da qualidade do trabalho que está sendo desenvolvido. exercício diretamente orientado, primeira manifestação de trabalho
A esses elementos básicos podem anexar-se elementos complementares: pessoal sistemático de pesquisa, admite trabalhos sob a forma de
transcrições de entrevistas, questionários, relatórios parciais de pesquisas, monografias de base, trabalhos de sistematização de idéias."
dossiês temáticos, registros documentais, resenhas, etc. A avaliação em defesa pública desses trabalhos, quando conduzida
Por isso, o exame de qualificação não deve ser feito de forma construti va, tem significado relevante na vida científica. A banca
prematuramente, quando o pós-graduando ainda não avançou na execução representa a instituição, a comunidade científica da área e até mesmo a
da pesquisa, mas também não é o caso de esperar o término da pesquisa, própria sociedade, atestando a contribuição trazida pelo trabalho. Entendo
quando será inoportuno para que se façam modificações mais profundas.
O momento em que o desenvolvimento do projeto já se traduz em alguns
que seria mais adequado que se garantisse a possibilidade
incorporação, na versão final da tese, de subsídios aprimorantes trazidos
de
f
J
produtos objetivos parece o mais adequado para sua avaliação, uma vez pelos especialistas da banca. Neste caso, o pós-graduando prepararia,
dentro de um prazo mínimo razoável, aqueles exemplares destinados ao
que esta poderá referendar os caminhos até então trilhados ou sugerir
acervo permanente da instituição, com o texto revisado, incorporando
correções de rota (Severino, 1996, p.63).
as sugestões feitas por ocasião da defesa.
Com efeito, falar em educação é referir-se igualmente ao uso banalizado e cínico dessas categorias, é preciso insistir no
conhecimento, ferramenta imprescindível da prática educacional. E quando compromisso ético-político do pesquisador, em geral, e do pesquisador
se fala de pós-graduação está-se referindo essencialmente à produção desse em educação, em particular.
conhecimento. Daí a necessidade de se fundamentar toda a atividade
Ao falar de ética, não estou reportando-me só aos esforços que
educacional que se pretende desenvolver numa sólida plataforma
vêm sendo desenvolvidos no sentido de se configurar um código positivo
epistemológica, pois é mediante a utilização da ferramenta do conhecimento
de ética profissional para o cientista pesquisador que lida com seres
que a prática educacional garante para si consistência e fecundidade.
humanos, do que é exemplo notável a Resolução 196/96, do Conselho
No entanto, pelo que a educação representa de relevância social e de Nacional de Saúde, que representou um salto qualitativo no avanço da
necessidade estratégica para o desenvolvimento do país, a existência de superação da barbárie. Estou me referindo ao imprescindível respeito à
eursos específicos da área educacional, em todos os níveis, de graduação dignidade das pessoas humanas em qualquer circunstância. Mas esse
e de pós-graduação, se faz imprescindível. Além disso, a necessidade de respeito não pode mais se fazer se não houver profunda sensibilidade às
se consolidar a tradição de pesquisa já instaurada no campo educacional condições objetivas de nossa existência histórica, constituída pelas
legitima a manutenção dos programas de pós-graduação em educação, até mediações reais, representadas pelo trabalho, pela vida social e pela
porque praticamente constituem a única escola de formação de vivência cultural. Encontrar nessas práticas mediadoras a melhor condição
pesquisadores da área. Mas, ao mesmo tempo que se cobra do poder público de existência, a melhor qualidade de vida, é o que se deve considerar a
as suas responsabilidades por uma adequada política de pós-graduação, verdadeira cidadania, cuja construção deve ser o objetivo legitimador da
há que se exigir das instituições e dos programas, bem como das autoridades prática educacional.' '
acadêmicas que os dirigem, o compromisso de dotar esses cursos de
Nesse contexto conceitual abrangente da educação, há que se
condições objetivas mínimas; impõe-se igualmente exigir dos docentes/ concluir que a pesquisa no campo educacional tem igualmente um
pesquisadores responsáveis pela condução dos cursos a competência compromisso radical com a consolidação da cidadania. Por isso, além
necessária para que eles tenham qualidade técnico-científica, consistência de privilegiar temáticas socialmente relevantes em suas linhas de
teórica, legitimidade ética e sensibilidade política. pesquisa, os pós-graduandos, os seus docentes e o próprio Programa,
Procurei, até o momento, destacar as exigências relacionadas à como lugar institucional de produção de pesquisa, como sujeito social e
qualidade técnico-científica e à consistência teórica para o desempenho coletivo que é, não podem perder de vista essa finalidade intrínseca e
do trabalho conduzido no âmbito da pós-graduação. Para concluir esta imanente do conhecimento: contribuir intencionalizadamente para a
reflexão, gostaria de reiterar a igualmente relevante questão da emancipação dos homens, investindo nas forças construtivas das práticas
legitimidade ética e da sensibilidade política que envolve, integralmente, reais mediadoras da existência histórica. Só assim toma ética sua atuação
a postura e a prática dos pesquisadores em educação. profissional e científica.
Na verdade, no contexto histórico-social da atualidade, a
legitimidade ética de nosso agir está intimamente marcada pela Tal tem sido a tônica do conjunto do investimento filosófico de meus trabalhos didáticos
sensibilidade política, ou seja, o ético só se legitima pelo político. Em e de minhas publicações: a educação só se legitima se for mediação das práticas reais,
mediadoras da existência histórica dos homens, quais sejam, as práticas relacionadas
que pese o desgaste que tal perspectiva vem sofrendo em decorrência do
ao trabalho, à sociabilidade e à cultura simbólica (Scverino, 1992; 1994; 1999).
Pós-graduação e pesquisa: o processo de produção e de sistematização do 85
84 A BÚSSOLA DO ESCREVER
conhecimento no campo educacional
_____ . Portaria n247/95, de 17 de outubro de 1995: Implantação GOUVEIA, Aparecida J. A pesquisa educacional no Brasil. Cadernos
dos mestrados profissionais. lnfocapes. Dezembro de 1995. de Pesquisa. (1):1-20, 1970.
_____ . Portaria n2 80/98, de 16 de dezembro de 1998: _____ . A pesquisa sobre educação no Brasil: de 1970 para cá.
Cadernos de Pesquisa. (19):75-79, dez. 1976.
Reconhecimento dos mestrados profissionais. D.a. U. 11/01199.
KÜNZER, Acácia A. Z A pesquisa em educação no Brasil: algumas
CHIZZOTII, Antonio. Pesquisa em ciências humanas e sociais. São
considerações. Em Aberto. Brasília. MECIINEP, (31): 19-23, ago./set.
Paulo: Cortez, 1991.
1986.
UNHA, Luis A. Pós-graduação em educação: no ponto de inflexão?
LÜDKE, M. e ANDRÉ, Marli. Pesquisa em educação: abordagens
'adernos de Pesquisa, (77): 63-67. maio 1991.
qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.
____ oOs (des)caminhos da pesquisa na Pós-Graduação em
~ducação. In: Seminário sobre a produção cientifica nos programas de LUNA, Sérgio V. O falso conflito entre tendências metodológicas.
Pá» Graduação em Educação. Brasília, MEC/CAPES, 1979. p.3-15. 'ademos de Pesquisa. (66): 70-74. azo. 1988.
86 A BÚSSOLA DO ESCREVER Pós-graduaçâo e pesquisa: o processo de produção e de sistematização do
87
conhecimento no campo educacional
MELLO, Guiomar N. de. Pesquisa em educação: questões teóricas e _____ . O sujeito, a história e a educação: tarefas e identidade
questões de método. Cadernos de Pesquisa. (40):6-10, fev. 1982. da Filosofia da Educação. São Paulo: Feusp, 2000. (tese de livre-
docência).
NOSELLA, Paolo. Aspectos teóricos da pesquisa educacional: da
metafísica ao empírico, do empírico ao concreto. Educação & SILVA, Tomaz T. da. (Org.). Teoria educacional crítica em tempos
Sociedade. (19): 5-20, 1984. pós-modernos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
PESSIS-PASTERNAK, Guitta. Do caos à inteligência artificial. 2.ed. °
WARDE, Mirian J. papel da pesquisa na pós-graduação em
educação. Cadernos de Pesquisa, (73):67-75, maio 1990.
São Paulo: Editora da Unesp, 1993.
PORTOCARRERO, Vera (Org.). Filosofia, História e Sociologia das
ciências; abordagens contemporâneas. Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz, 1994.
SANTOS, Boaventura de S. Um discurso sobre as ciências. 8. ed.
Porto: Afrontamento, 1996.
_____ . Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro:
Graal, 1989.
SEVERINO, Antonio J. Dilemas e tarefas das ciências humanas frente
ao pluralismo epistemológico contemporâneo. Interações. São Paulo:
Universidade São Marcos. 1(1): 97-115.
_____.° compromisso da pós-graduação em educação com o
conhecimento e com a prática na formação do professor. In: BICUDO,
M. A. V. e outros. Pensando a pós-graduação em educação.
Piracicaba: Editora da UNIMEP, 1993. p.17-19
_____ . Processo e produto do trabalho científico: falando de teses
e dissertações. In: BICUDO, M. A. V. e outros. Pensando a pós-
graduação em educação. Piracicaba: Editora da UNIMEP, 1993. p.51-58.
_____ . A pós-graduação, o conhecimento e a formação do
professor, In: BICUDO, M. Aparecida V. e SILVA JR., Celestino
(Orgs.). Formação do educador e avaliação educacional. v.2. São
Paulo: Editora Unesp, 1999 (Série Seminários e Debates) p.189-198).