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Ao entrar em contato com texto de memória resulta em uma ação que encanta.

A sedução,
nesse sentido, acontece por meio de conhecer experiências de pessoas que viveram em épocas
passadas, mas contadas da formas como são vistas no presente, Assim ao descrever um objeto,
uma personagem um sentimento, os autores utilizam a linguagem para criar imagens, provocar
sensações, ressaltar determinados detalhes ou características. Dessa forma, a articulação desses
recursos provoca no leitor uma experiência estética particular.
Os efeitos de sentido são criados pelos aspectos lingüísticos específicos deste gênero de
texto, que são decorrência de diferentes recursos como; figuras de linguagem, expressões
características de determinada região, expressões típicas da oralidade informal.
Assim esse gênero textual remete ao que Walter Benjamin ( 2004) afirma que “memória não
é um instrumento para a exploração do passado é antes o meio. È o meio onde se deu a vivência,
assim como o solo é o meio sutil no qual as antigas cidades estão soterradas”.
Por meio desse olhar, essas narrativas proporcionam ao receptor entrelaçar novas vidas com
as lembranças deixadas pelas gerações anteriores.
Todos esses elementos são evidenciados no texto em estudo: A verdadeira felicidade,
produzido por uma aluna participante do projeto, Olimpíada de Língua Portuguesa escrevendo para
o Futuro, que ao registrar as experiências de vida de um antigo morador de Santa Fé do Sul,
valorizou a experiência do mais velho, significando para esse idoso reconhecimento e admiração de
seus saberes.
Dessa forma, o desenvolvimento do projeto oportunizou à aluna ampliar seus conhecimentos
de linguagem e suas possibilidades de participação social, ao aproximar-se do idoso e do lugar onde
vive, pois as lembranças desse sujeito idoso foram a matéria prima para a escrita do texto, como
também para o estudo que no momento se propõe.
O texto de suporte para essa analise é o discurso de uma idosa de sessenta e cinco anos de
idade, moradora antiga de Santa Fé do Sul, Fé do Sul, que ao relatar sua história de vida busca na
memória os vestígios do passado, porém com o olhar no presente. “As lembranças que hoje conto
marcou profundamente a vida e meu coração”
Essa idosa ao relatar sua história se constitui como um sujeito dividido, ao comentar os
acontecimentos que marcaram trajetória, inevitavelmente, deu voz a outros sujeitos que fizeram
parte de sua vida. Dessa forma, entende-se que o sujeito é “resultante da interação de várias vozes,
da relação com o ideológico, portanto, tem caráter heterogêneo. (GEURRA, 2008, p. 48). Essa cisão,
em sentido amplo, ocorre por esse discurso ser de natureza saudosista. O presente e o passado são os
elementos que irão direcionar toda essa narrativa.
A entrevista ao falar de si; “As lembranças que hoje conto marcou profundamente a minha
vida e meu coração”, faz referência à cidade onde viveu e, se identifica com essa localidade. O lugar
é parte é parte de si, pois relaciona o desenvolvimento da cidade com o decorrer de todas as fases sua
vida; da infância à velhice.
Quando contemplo a minha querida cidade de Santa Fé do Sul, percebo quantas
coisas mudaram desde o meu tempo de infância. Estância Turística, lindas praças e
monumentos que recordam o seu passado. Há 60 anos atrás, tudo era diferente. As
ruas de terra, uma vila pequena, poucos moradores. Não havia esgoto, mas tínhamos
energia elétrica.

Assim, a saudosista busca na memória a concepção de uma época boa, marcada pela
simplicidade, por meio das imagens do presente, construída pelos monumentos históricos de Santa
Fé do Sul.
Prossegue seu relato, valorizando o passado,////////////////////////////////////////////

Bons tempos aqueles, pois quanto menor a cidade, maior a simplicidade e a


simpatia entre as pessoas. Ao entardecer sentávamos na porta das casas e
proseávamos sobre os acontecimentos cotidianos. Era a melhor forma de
descansar do serviço diário, do trabalho doméstico e da lida no campo

Assim, ao se referir-se ao passado por meio de uma construção positiva “Bons tempos
aqueles” é nítido o sentimento saudosista que constrói a representação de um tempo feliz. Isso
remete à visão de sujeito para a AD, ao reconhecer “um caráter contraditório que, marcado pela
incompletude, pela vontade de quer ser inteiro”.(BRANDÃO, 2004, p.55). Dessa forma, busca na
memória as recordações do passado e atribui a ele, o significado daquilo que procura no presente,
“os bons tempos”, com o desejo de completar-se.????????????
Esse caráter contraditório, o desejo de completude desse sujeito idoso é marcado ao
descrever a cidade do passado por meio de imagens do desconforto ao compará-lo com atualidade
“Estância Turística, lindas praças e monumentos que recordam o seu passado. Há 60 anos atrás, tudo
era diferente. As ruas de terra, uma vila pequena, poucos moradores. Não havia esgoto”, (...).Todos
esses elementos estão ligados às construções externas de suas identificações, mas quando remete ao
seu interior, ao sentimento, evidencia-se “os bons tempos”.
Ainda refletindo sobre a construção desse sujeito idoso, vale ressaltar o posicionamento da
AD ao caracterizar que o sujeito é por essência ideológico e histórico, pois está inserido num
determinado tempo e lugar. Assim ao elaborar o seu discurso sobre o passado, “bom tempos
aqueles”, ao demonstrar a convicção desta realidade representada por pelas imagens do cotidiano;
quando todos se reuniam nos fins de tarde nas portas das casas, por meio disso afirma; “Era a melhor
forma de descansar do serviço diário, do trabalho doméstico e da lida no campo”. Percebe-se que
esse dizer está marcado pela ideologia. Nesse sentido concorda-se com Pêuchex (2002), ao afirmar
que o sujeito é interpelado pela ideologia.
Nesse caso, a ideologia aparece consagrada na memória, construindo imagens que representam
sempre o passado melhor que presente. A entrevistada constrói essa representação ao relatar as
brincadeiras de criança, trazendo para o presente a tradição de outra época.
Hoje onde é a Avenida Navarro de Andrade, havia um buraco enorme. Era nesse
“buracão” que as crianças brincavam na terra. Pés descalços e encardidos, roupa
velha e vermelha de poeira, mas tudo era motivo de alegria, a sujeira nessa hora
não importava.

Esse sujeito, segundo a ótica da AD é atravessado tanto pela ideologia quanto pelo inconsciente, o
que produz é “um sujeito cindido, interpelado pela ideologia, dotado de inconsciente e sem
liberdade discursiva” (GUERRA, 2008, p.46). Desse modo ao descrever a tradição, o aspecto
cultural do passado, reproduz uma concepção de mundo de determinada comunidade social;
Depois do banho e da janta as brincadeiras continuavam, todavia
eram mais comportadas: passa-anel, roda, boneca de pano, bola-
queimada... Essas brincadeiras ruidosas se estendiam até tarde da
noite.

Assim, ao continuar relatando sua história de vida, descreve um momento de maior


consciência, deixando as marcas de um discurso saudosista as brincadeiras de infância, retratando a
consciência das dificuldades da época.
Não podíamos nem pensar em ficar doentes. Na cidade havia apenas
um Pronto Socorro em que apenas três médicos se revezavam,
contudo não havia medicação necessária e em caso de urgência
tínhamos que recorrer às cidades vizinhas. Hoje temos um bom
hospital, entretanto ainda falta muito para ser ótimo.

A entrevistada ao demonstrar um posicionamento critico da realidade, “Não podíamos nem


pensar em ficar doentes”, revela a consciência das necessidades, a falta de algo melhor não só para
si, mas para todas as pessoas da localidade onde vive. Assim é evidenciado o desejo, a falta da
completitude, a necessidade, “em caso de urgência tínhamos que recorrer às cidades vizinhas”. E
dessa forma, a falta permanece; “Hoje temos um bom hospital, entretanto ainda falta muito para
ser ótimo”. Esta visão se completa nas palavras de Coracini;

Como todo sujeito que ocupa um lugar determinado numa formação discursiva;
sua identidade se constitui no conflito entre o desejo da completude e a
percepção ainda que não totalmente consciente da falta.
Percebe-se, no entanto, que o discurso dessa idosa é construído pela
certeza da felicidade que o lugar oferecia, marcado pelo saudosismo. Porém
neste outro momento de sua vida, evidencia-se marcas de criticidade. Nesse
contexto, observa-se que a identidade vai se construindo e aperfeiçoando
por meio das diversas experiências que o ser humano vivencia, como
também novos desejos são as fontes inspiradoras para essa transformação.
No decorrer de sua narrativa, observa que a entrevistada retoma o
sentimento saudosista que mantinha desde o inicio, ao relatar o
acontecimento de sua formatura. Ela faz desse acontecimento uma
representação positiva em sua vida, ao construir imagens da educação
tradicional e atribuir a esta conquista a esperança de um futuro melhor.
Guardo até hoje uma foto antiga, da minha formatura da 4ª série da
EEPSG Prof. Itael de Mattos. Esse dia foi inesquecível. A Colação de
Grau aconteceu no Cinema antigo da cidade. As meninas de vestido
branco. Os meninos de calça preta e camisa branca. Os pais contentes
e orgulhosos. Os professores e o diretor fiéis e respeituosos pela
missão cumprida. Os amigos de infância, de escola, a alegria e
esperança de um futuro melhor.

Assim, ela reporta para o seu discurso, as vozes de outros sujeitos, ao


considerar que a educação é caminho para a prosperidade na vida. Nesse
sentido, a imagem da formatura da 4ª série, é construída por meio da
ideologia daquele tempo, como nível de escolaridade em destaque na
sociedade; “Guardo até hoje uma foto antiga, da minha formatura da 4ª
série da EEPSG Prof. Itael de Mattos. Esse dia foi inesquecível”. Isso
remete à visão bakthiniana “A palavra está sempre carregada de um
conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial” (BKHTIN, 1992,
p.95.). Nesse sentido essa construção tem caráter dialógico.
Esse processo ocorre nas relações com diversos textos da cultura que o
sujeito vai se constituindo. Assim a palavra do outro incorpora
dilogicamenete com outras palavras até transformar-se em um dizer.
Isso é confirmado quando a entrevistada reproduz o discurso
tradicional da cultura, por meio da imagem que cria dos pais e alunos;
A Colação de Grau aconteceu no Cinema antigo da cidade. As meninas de
vestido branco. Os meninos de calça preta e camisa branca. Os pais
contentes e orgulhosos.

Ainda trilhando por essa perspectiva, o processo de transformação


das idéias do outro em opinião denomina-se segundo Bakhtin (1992)
“processo de esquecimento progressivo dos autores”. Assim, percebe-se
que a entrevistada ao descrever os professores e diretores pronuncia um
discurso que não é seu, mas sim representado também pela ideologia; “Os
professores e o diretor fiéis e respeituosos pela missão cumprida”. Dessa
forma pode-se afirma o discurso não é neutro.
Dessa forma a idosa continuar a relatar sua trajetória de vida,
descrevendo que aos dezessete anos começo a trabalhar de doméstica.

Assim, as identidades estão sempre em processo de transformação. Ao mesmo


tempo em que elas são construídas, podem também ser reconstruídas, tornando-se difícil
identificá-las. Por isso, nesse trabalho, o termo identidade será visto no sentido de
processo identificatório que, segundo Coracini (2003, p. 198) é um “processo complexo
e heterogêneo, do qual só é possível capturar momentos de identificação”. Ainda na
visão desta pesquisadora, é possível afirmar que “apesar da ilusão que se instaura no
sujeito, a identidade permanece sempre incompleta, sempre em processo, sempre em
formação.” (p. 243). Ainda, sobre essa questão, Hall (2006, p. 67) afirma que é “um
complexo de processos e forças de mudanças”. ( devo mudar esta citação por Authier
Revuz )

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