Você está na página 1de 48

1

MARIA EUGÊNIA VIAL MARCHI


PAULO DO AMARAL BRESSIANI
PAULO MENESCAL BARBOSA

DIGESTÃO ANAERÓBIA DE RESÍDUOS


ORGÂNICOS PARA COZINHA INDUSTRIAL DOS
RESTAURANTES LATIFE

São Paulo
2013
2

MARIA EUGÊNIA VIAL MARCHI


PAULO DO AMARAL BRESSIANI
PAULO MENESCAL BARBOSA

DIGESTÃO ANAERÓBIA DE RESÍDUOS


ORGÂNICOS PARA COZINHA INDUSTRIAL DOS
RESTAURANTES LATIFE

Projeto de Formatura
apresentado à Escola Politécnica da
Universidade de São Paulo, no âmbito
do Curso de Engenharia Ambiental

Orientador: Professor Doutor


Ronan Cleber Contrera

São Paulo
2013
3

FICHA CATALOGRÁFICA

Marchi, Maria Eugenia Vial


Digestão anaeróbia de resíduos orgânicos para cozinha
industrial dos restaurantes Latife / M.E.V. Marchi, P.M. Barbosa,
P.A. Bressiani. -- São Paulo, 2014.
114 p.

Trabalho de Formatura - Escola Politécnica da Universidade


de São Paulo. Departamento de Engenharia Hidráulica e Am-
biental.

1.Digestão anaeróbia 2.Biodigestores anaeróbios 3.Biogás


4.Resíduos sólidos (Reciclagem) I.Barbosa, Paulo Menescal
II.Bressiani, Paulo do Amaral III.Universidade de São Paulo.
Escola Politécnica. Departamento de Engenharia Hidráulica e
Ambiental IV.t.
4

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Doutor Ronan Cleber Contrera pelo seu apoio como orientador
durante toda a realização do projeto.
À Profa. Doutora Dione Mari Morita pelos conselhos, apoio, materiais
fornecidos e pela indicação de Margareth Makdisse, que possibilitou o
desenvolvimento do estudo de caso do projeto.
À Margareth Makdisse pela sua atenção e carinho em nos receber em seu
empreendimento e fornecer os dados tão fundamentais para a realização do estudo
de caso.
5

ÍNDICE

1.   INTRODUÇÃO  ...........................................................................................................................  13  

2.   LEVANTAMENTO  DOS  DADOS  ..................................................................................................  17  

2.1   CONSIDERAÇÕES  TÉCNICAS  ......................................................................................................  17  

2.2   BIODIGESTORES  ........................................................................................................................  19  


2.2.1   PRÉ-­‐TRATAMENTO  ............................................................................................................  20  
2.2.2   CONDIÇOES  AMBIENTAIS  E  PARÂMETROS  OPERACIONAIS  ..............................................  21  
2.2.3   TRATAMENTO  DE  RESÍDUOS  SÓLIDOS  ORGÂNICOS  .........................................................  27  
2.2.4   TRATAMENTO  DE  ESGOTO  SANITÁRIO  E  CO-­‐DIGESTÃO  ...................................................  37  

2.3   PRODUTOS  FINAIS  DA  BIODIGESTÃO  ........................................................................................  40  


2.3.1   BIOGÁS  ..............................................................................................................................  40  
2.3.2   PRODUÇÃO  DE  CONDICIONADOR  DE  SOLO  ......................................................................  43  

2.4   VANTAGENS  E  DESVANTAGENS  DA  DIGESTÃO  ANAERÓBIA  E  COMPARAÇÃO  COM  OUTRAS  


TECNOLOGIAS  44  
2.4.1   VANTAGENS  ......................................................................................................................  44  
2.4.2   DESVANTAGENS  ................................................................................................................  45  
2.4.3   COMPARAÇÃO  COM  OUTRAS  TECNOLOGIAS  ...................................................................  46  

2.5   ESTUDO  DO  CASO  .....................................................................................................................  48  


2.5.1   DESCRIÇÃO  DA  EMPRESA  ..................................................................................................  48  
2.5.2   DESCRIÇÃO  DA  COZINHA  INDUSTRIAL  E  HORTA  NO  SÍTIO  EM  COTIA-­‐SP  .........................  48  
2.5.3   GERAÇÃO  DE  RESÍDUOS  ....................................................................................................  51  
2.5.4   DETERMINAÇÃO  DO  TEOR  DE  SÓLIDOS  NO  RESÍDUO  ......................................................  53  
2.5.5   GESTÃO  DE  RESÍDUOS  .......................................................................................................  56  

3.   análise  de  dados  .......................................................................................................................  59  

3.1   ESCOPO  DO  PROJETO  ................................................................................................................  59  

3.2   PRÉ-­‐TRATAMENTO  ....................................................................................................................  60  

3.3   ESCOLHA  DO  DIGESTOR  E  PARÂMETROS  DE  PROJETO  .............................................................  60  

3.4   CO-­‐DIGESTÃO  E  TRATAMENTO  DE  ESGOTO  .............................................................................  62  

3.5   PRODUTOS  FINAIS  ....................................................................................................................  63  


3.5.1   BIOGÁS  ..............................................................................................................................  63  
6

3.5.2   CONDICIONADOR  DE  SOLO  ...............................................................................................  65  

4.   definição  do  problema  .............................................................................................................  66  

5.   ALTERNATIVAS  PARA  A  SOLUÇÃO  DO  PROBLEMA  ....................................................................  67  

5.1   Domo  Fixo  .................................................................................................................................  67  

5.2   Tambor  Flutuante  .....................................................................................................................  69  

5.3   Plug  Flow  ..................................................................................................................................  71  

6.   DEFINIÇÃO  DOS  CRITÉRIOS  DE  AVALIAÇÃO  ..............................................................................  73  

7.   Escolha  da  solução  ...................................................................................................................  76  

7.1   Histórico  das  Tecnologias  .........................................................................................................  76  

7.2   Aspectos  Operacionais  ..............................................................................................................  78  

7.3   Dados  de  Projeto  ......................................................................................................................  79  

7.4   Custo  de  Projeto  ........................................................................................................................  80  

7.5   Resultado  Final  .........................................................................................................................  82  

8.   ESPECIFICAÇÃO  DA  SOLUÇÃO  ...................................................................................................  82  

8.1   Dimensionamento  dos  componentes  do  sistema  de  biodigestão  .............................................  83  
8.1.1   Biodigestor  Anaeróbio  ......................................................................................................  83  
8.1.2   Tambor  Flutuante  .............................................................................................................  86  
8.1.3   Caixa  de  Carga  ...................................................................................................................  89  
8.1.4   Caixa  de  Descarga  .............................................................................................................  91  
8.1.5   Tubulação  de  Transporte  de  Gás  ......................................................................................  92  

8.2   Sistema  de  Monitoramento  ......................................................................................................  94  

8.3   Roteiro  de  implantação  ............................................................................................................  97  

8.4   Comissionamento,  operação  e  manutenção  do  digestor  .........................................................  98  


8.4.1   Inspeção  de  todos  os  componentes  .................................................................................  99  
8.4.2   Alimentação  Inicial  ..........................................................................................................  100  
8.4.3   Inicialização  .....................................................................................................................  100  
8.4.4   Treinamento  e  Familiarização  dos  Usuários  ...................................................................  100  

8.1   Analise  econômica  ..................................................................................................................  102  


8.1.1   Valor  Presente  Líquido  ....................................................................................................  102  
8.1.2   Tempo  de  Retorno  do  Investimento  ...............................................................................  105  
7

9.   Comparação  com  a  compostagem  ..........................................................................................  106  

10.   Conclusões  e  Recomendações  ..............................................................................................  108  

11.   REFERÊNCIAS  BIBLIOGRÁFICAS  .............................................................................................  110  

12.   Apêndice  ..............................................................................................................................  115  


8

RESUMO EXECUTIVO

O manejo apropriado dos resíduos sólidos e a dependência de combustíveis


fósseis são dois dos principais problemas ambientais do século XXI. Novos métodos
sustentáveis devem se concentrar em alternativas que diminuam a necessidade de
exploração de recursos naturais escassos. Neste cenário, a biodigestão anaeróbia
se apresenta como uma solução para tratamento de resíduos orgânicos que concilia
também a recuperação de biocombustíveis e bioprodutos, como condicionadores de
solo. O presente estudo buscou avaliar a aplicabilidade deste método para o
tratamento dos resíduos orgânicos provenientes da cozinha industrial dos
restaurantes Latife localizada em Cotia, São Paulo. Além disso, buscaram-se
soluções para aproveitamento do biogás gerado, complementando a demanda de
gás da própria cozinha industrial, e do lodo como condicionador de solo para a horta
do empreendimento. Foram levantados dados referentes aos diferentes processos e
subprocessos de digestão anaeróbia, assim como as diferentes tecnologias que
podem ser utilizadas para tal, de forma a propor um projeto de biodigestor que
melhor se adapte ao caso estudado. Foram estudados os processos bioquímicos
envolvidos, os modelos de biodigestores existentes, os parâmetros de projeto, a
geração e utilização dos subprodutos, os possíveis pré-tratamentos e a sua
comparação com outros métodos de tratamentos de resíduos orgânicos, em especial
a compostagem. Chegou-se a um projeto composto por um digestor de domo
flutuante, utilizado para o tratamento de 250 kg de resíduos semanais, com a
geração de 1,75 m3 de biogás por dia, destinado a suprir o gás consumido no
refeitório dos funcionários.

Palavras-chave: digestão anaeróbia, biodigestores anaeróbios, biogás,


resíduos sólidos (reciclagem), compostagem, condicionador de solos
9

LISTA DE FIGURAS

Figura  1  -­‐  Estimativa  da  composição  gravimétrica  dos  resíduos  sólidos  urbanos  coletados  no  Brasil  em  2008.  
(fonte:  PNRS,  2011)  ...............................................................................................................................................  15  
Figura  2  -­‐  Esquema  das  fases  microbiológicas  da  digestão  anaeróbia  (fonte:  SPEECE,  1983).  .............................  18  
Figura  3  –  Processos  integrados  de  bioconversão  anaeróbia  para  recuperação  de  recursos  a  partir  de  resíduos  (  
Fonte:  Khanal,  2008).  ............................................................................................................................................  19  
Figura  4  -­‐  Taxa  de  crescimento  relativa  de  atividade  psicrofílica,  mesofílica  e  termofílica  (Fonte:  
adaptado  de  Khanal,  2008).  ..................................................................................................................................  22  
Figura  5-­‐  Tempo  de  detenção  em  função  da  temperatura  para  microrganismo  meso  e  termofílico  (Fonte:  Beli  
apud.  Contrera,  2013).  ..........................................................................................................................................  26  
Figura  6-­‐  Produção  de  biogás  em  função  da  temperatura  de  operação  e  do  tempo  de  detenção  (Fonte:  Beli  
apud.  Contreta,  2013).  ..........................................................................................................................................  26  
Figura  7  –  Biodigestor  de  batelada  de  Alto  Teor  de  Sólidos  de  escala  industrial,  com  sistema  de  umidificação  e  
recirculação  de  lixiviado  para  aumentar  o  tempo  de  retenção  celular  (Fonte:  Björsson,  2012).  ..........................  27  
Figura  8  -­‐  Biodigestor  de  alimentação  contínua  com  sistema  de  recirculação  da  matéria  orgânica  em  digestão  
misturada  com  novo  substrato  (Fonte:  Björsson,  2012).  .......................................................................................  28  
Figura  9  –  Biodigestor  com  domo  flutuante  (Fonte:  Müller,  2007).  ......................................................................  30  
Figura  10  –  a)  um  reator  de  tratamento  de  resíduos  sólidos  orgânico  em  escala  institucional  b)  um  reator  para  
tratamento  de  resíduos  sólidos  orgânicos  em  escala  domestica.  .........................................................................  30  
Figura  11  –  Biodigestor  compacto  desenvolvido  pela  Appropriete  Rural  Technology  Institute  (ARTI).  ................  31  
Figura  12  -­‐  Os  sistemas  de  digestão  anaeróbia  termofílico  e  mesofílico  utilizados,  apresentando  o  tanque  de  
alimentação  e  mistura,  digestor  e  tanques  de  coleta  (Fonte:  The  University  of  Southampton  and  Greenfinch,  
2004).  ....................................................................................................................................................................  32  
Figura  13  -­‐  Diagrama  esquemático  do  sistema  de  digestão  anaeróbia.  ...............................................................  32  
Figura  14-­‐  Digrama  simplificado  de  diferentes  processos  de  digestão  anaeróbia.  (A)  Kompogas,  (B)  Valorga,  (C)  
Linde-­‐  BRV,  (D)  Dranco,  (E)  Biocel  (Fonte:  Adaptado  de  Nayono,  2009).  ..............................................................  35  
Figura  15  -­‐  Destino  dos  resíduos  sólidos  na  área  rural  (Fonte:  IBGE/PNAD  –  2008).  ............................................  37  
Figura  16  -­‐  Esquema  de  fossa  séptica  (Fonte:  Chernicharo  2000).  ........................................................................  38  
Figura  17  –  Logo  da  empresa.  ...............................................................................................................................  48  
Figura  18  –  Foto  aérea  do  sítio.  .............................................................................................................................  49  
Figura  19  -­‐  Fogão  industrial  principal.  ...................................................................................................................  49  
Figura  20  –  Refrigerador  industrial  para  armazenamento  de  produtos  prontos.  .................................................  50  
Figura  21  –  Fogão  especial  para  preparo  de  berinjelas.  ........................................................................................  50  
Figura  22  –  Horta  orgânica.  ..................................................................................................................................  51  
Figura  23  -­‐  Geração  de  resíduo  dos  três  restaurantes  por  tipo  ao  longo  do  ano  de  2012.  ...................................  53  
Figura  24  -­‐  Amostra  do  resíduo  coletado  e  resíduo  triturado.  ..............................................................................  55  
10

Figura  25  -­‐  Na  primeira  imagem  está  apresentada  a  amostra  no  início  e  na  segunda  figura  está  apresentada  a  
amostra  após  a  mufla.  ..........................................................................................................................................  55  
Figura  26  -­‐  Lixeira  de  240  litros  para  resíduos  orgânicos.  .....................................................................................  57  
Figura  27  –  Resíduo  misturado  e  coberto  com  capim  podado  como  pré-­‐tratamento  para  a  compostagem.  .......  58  
Figura  28  –  Composteira.  ......................................................................................................................................  58  
Figura  29  -­‐  Escopo  do  projeto  (Fonte:  Adaptado  de  Khanal,  2008).  ......................................................................  59  
Figura  30  -­‐  Representação  da  escolha  do  tipo  de  digestor  (Fonte:  adaptado  de  Reith,  2003)  ..............................  62  
Figura  31-­‐  Exemplo  simplificado  do  funcionamento  do  digestor  de  domo  fixo  e  seus  principais  componentes.  1  
Tanque  de  Mistura;  2  Digestor;  3  Armazenador  de  gás;  4  Tanque  de  deslocamento;  5  Tubulação  de  gás  (fonte:  
OEKOTOP,  apud.  Werner  1989).  ............................................................................................................................  67  
Figura  32-­‐  Digestor  de  domo  fixo:  1.  Tanque  de  mistura,  2.  Digestor,  3.  Compensação  e  tanque  de  descarga,  4.  
Acumulador  de  gás,  5.  Tubulação  de  gás,  6.  Tampo  do  digestor  com  vedação,  7.  Acumulação  de  lodo,  8.  
Tubulação  de  saída,  9.  Nível  de  referência,  10.  Escuma  sobrenadante,  quebrada  pelo  nível  variável  (Fonte:  
Werner,  1989).  ......................................................................................................................................................  69  
Figura  33  –  Digestor  de  tambor    flutuante  com  estrutura  guia  interna.  1-­‐Tanque  de  mistura,  11-­‐Tubo  de  
alimentação,    2-­‐Digestor,  3-­‐Tambor,  31-­‐Estrutura  guia,  4-­‐Tanque  de  armazenamento  de  efluente,  41-­‐Tubo  de  
saída,    5-­‐Tubo  de  gás,  51-­‐Water  trap  (Fonte:  Werner  et  al.,  1989  apud.  Sasse,  1988).  ........................................  70  
Figura  34  -­‐  Digestor  de  tambor    flutuante  com  envoltória  de    água.  1-­‐Tanque  de  mistura,  11-­‐Tubo  de  
alimentação,    2-­‐Digestor,  3-­‐Tambor,  31-­‐Envoltória  de  água  como  estrutura  guia,  4-­‐Tanque  de  armazenamento  
de  efluente,    5-­‐Tubo  de  gás  (Fonte:  Werner  et  al.,  1989  apud.  Sasse,  1984).  .......................................................  71  
Figura  35-­‐  Esquema  simplificado  de  um  digestor  plug  flow  (Fonte:  Rajendran,  2012)  .........................................  72  
Figura  36  –  Planta  e  perfil  do  conjunto  digestor  tambor  flutuante  (medidas  em  centímetros).  ...........................  85  
Figura  37  –  Tanque  de  inox  Sander  AC  1500  que  será  usado  como  tanque  de  armazenamento  de  gás,  ou  tambor  
flutuante.  ...............................................................................................................................................................  87  
Figura  38  -­‐  Geração,  consumo  e  armazenamento  esperado  do  biogás  semanalmente.  ......................................  88  
Figura  39  –  Ilustração  esquemática  do  anel  de  suporte  para  a  brita  de  lastro  do  tambor  flutuante.  ..................  89  
Figura  40  -­‐  Planta  e  perfil  da  caixa  de  carga  (medidas  em  centímetros).  .............................................................  90  
Figura  41  –  Planta  e  perfil  da  carga  de  descarga  (medidas  em  centímetros).  ......................................................  92  
Figura  42  –  Til  Radial  Rede,  que  será  utilizado  para  o  sistema  de  drenagem.  ......................................................  93  
Figura  43  -­‐  Desenho  esquemático  do  sistema  de  transporte  de  gás:  1)Biodigestor;  2)Válvula  de  segurança;  
3)Registro  de  esfera;  4)Mangueira  Flexível;  5)Sistema  de  purificação  do  gás;  6)Drenos;  7)Caixa  de  controle  de  
propagação  de  faíscas;  8)Mangueira  flexível  para  conexão  com  o  fogão;  9)refeitório.  .......................................  94  
Figura  44  -­‐  Planta  do  digestor  com  indicação  da  posição  do  painel  de  controle  (medidas  em  centímetro).  ........  95  
Figura  45  -­‐  Fluxograma  para  controle  da  taxa  alimentação  do  digestor  com  base  no  monitoramento  de  pH  
(Lettinga,  2010).  ....................................................................................................................................................  96  
Figura  46  -­‐  Desenho  esquemático  da  localização  do  biodigestor  (em  destaque).  ................................................  97  
11

LISTA DE TABELAS

Tabela  1  –  Índice  de  produção  de  RSU  por  grande  região  do  Brasil.  .....................................................................  16  
Tabela  2  -­‐  Faixas  de  pH  ótimo  por  tipo  de  reator  de  acordo  com  diferentes  autores.  ..........................................  22  
Tabela  3  -­‐  Concentrações  ótimas  de  macro  e  micronutrientes  para  os  microrganismos  metanogênicos.  ...........  24  
Tabela  4  -­‐  Concentrações  inibidoras  ou  estimulantes  para  alguns  compostos  em  relação  à  digestão  anaeróbia.
 ..............................................................................................................................................................................  25  
Tabela  5  -­‐  Desempenho  dos  processos  de  via  seca  (Fonte:  Flor,  2006).  ................................................................  36  
Tabela  6-­‐  Desempenho  de  processos  mesofílicos  por  via  úmida  (Fonte:  Flor,  2006).  ...........................................  36  
Tabela  7  –  Composição  típica  do  biogás  produzido  pela  digestão  anaeróbia  de  resíduos  orgânicos  (Fonte:  
Bermann,  2013).  ....................................................................................................................................................  41  
Tabela  8  –  Propriedades  físicas  e  químicas  do  Metano  .........................................................................................  41  
3
Tabela  9  –  Equivalentes  energéticos  de  1  Nm  de  biogás  com  outros  combustíveis  em  suas  unidades  de  
comercialização  unidades  (Fonte:  Bermann,  2013).  .............................................................................................  41  
Tabela  10  -­‐  Emissões  de  compostos  voláteis  durante  compostagem  e  durante  maturação  após  digestão  
anaeróbia  (Fonte:  De  Baere,  1999).  ......................................................................................................................  46  
Tabela  11  -­‐  Fatores  de  emissão  para  diferentes  tecnologias  de  tratamento  e  disposição  final  de  resíduos  sólidos  
urbanos  (Fonte:  Baldasano  e  Soriano,  1999).  .......................................................................................................  47  
Tabela  12  -­‐  Critérios  comparativos  entre  incinerador  e  biodigestor  anaeróbio  (Fonte:  EPE,  2008).  .....................  47  
Tabela  1  -­‐  Monitoramento  do  peso  de  resíduo  gerado  .........................................................................................  52  
Tabela  2  –  Dados  gerais  sobre  a  geração  de  resíduos  ...........................................................................................  52  
Tabela  14  –  Resultados  dos  ensaios  realizados  para  determinação  das  concentrações  de  ST  e  SVT.  ...................  54  
Tabela  15  -­‐  Produção  de  gás  segundo  diversos  autores.  .......................................................................................  64  
Tabela  16  -­‐  Critérios  utilizados  na  definição  dos  pesos  de  cada  um  dos  grupos  de  indicadores(adaptado  de  
Gomes  et.  al,  2012).  ..............................................................................................................................................  75  
Tabela  18  -­‐  Critérios  e  notas  para  as  diferentes  tecnologias.  ................................................................................  81  
Tabela  19  -­‐  Desempenho  das  tecnologias  em  cada  um  dos  grupos  de  indicadores.  .............................................  82  
Tabela  20  -­‐  Lista  de  atividades  de  operação  e  manutenção  para  treinamento  dos  usuários.  (Fonte:  adaptado  de  
Werner,  1989).  ....................................................................................................................................................  101  
Tabela  21  -­‐  Tabela  de  custos  e  quantidades  dos  materiais  e  serviços  usados  para  a  construção  do  digestor  ...  104  
12

LISTA DE SÍMBOLOS
Ab – Benefícios Anuais
Ac - Custos operacionais
ADMC – Análise de Decisão com Múltiplos Critérios
ATS – Alto Teor de Sólidos
Bc – Incremento anual financeiro pelo uso do efluente como condicionador de solo
P0: Peso do recipiente
Bg – Incremento anual financeiro pelo uso do biogás
BTS – Baixo Teor de Sólidos
C – Custos operacionais
CNTP – Condições Normais de Temperatura e Pressão
CO – Carga Orgânica
DA – Digestão Anaeróbia
DBO – Demanda Bioquímica de Oxigênio
DQO – Demanda Química de Oxigênio
CQO – Carência Química de Oxigênio
FORSU – Fração Orgânica dos Resíduos Sólidos Urbanos
GLP – Gás Liquefeito de Petróleo
i – Taxa de juros real
P1: Peso do recipiente com a amostra
P2: Peso após a passagem pelo dessecador
P3: Peso após a passagem pela mufla
PEAD – Polietlino de Alta Densidade
PEM – Produção Específica de Metano
PVM – Produção Volumétrica de Metano
pH – Potencial Hidrogeniônico
PNRS- Política Nacional dos Resíduos Sólidos
PVC – Cloreto de Polivinila
PVM – Produção Volumétrica de Metano
RSU – Resíduos Sólidos Urbanos
ST – Sólidos Totais
STV – Sólidos Totais Voláteis
t – Tempo de vida útil da planta
TRH – Tempo de Retenção Hidráulico
UV – Ultra Violeta
VPL – Valor Presente Líquido
13

1. INTRODUÇÃO

O manejo inapropriado dos resíduos sólidos e a dependência de combustíveis


fósseis são dois dos principais problemas ambientais do século XXI. O forte
crescimento da demanda mundial por energia esperado para as próximas décadas
só poderá ser suportado de maneira sustentável através da concentração de
esforços na produção de energia a partir de fontes renováveis, que não só reduzem
a produção de rejeitos como aliviam a demanda por recursos naturais escassos. A
biotecnologia anaeróbia é uma alternativa para a obtenção desses objetivos, por
combinar o tratamento de resíduos com a recuperação da matéria orgânica em
produtos com valor agregado relevante – a biodigestão anaeróbia desvia a
disposição de resíduos em aterros e lixões, gerando ainda biogás e condicionador
de solo, além de ser um processo que pode ser usado em diferentes escalas, de
industrial a doméstica.
No Brasil, o aumento populacional somado ao crescimento econômico tem
levado a um aumento significativo da produção de resíduos. Infelizmente, este
crescimento não é acompanhado do desenvolvimento de sistemas de manejo dos
resíduos. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) foi elaborada exatamente
com o objetivo de melhorar este cenário.
A Politica Nacional de Resíduos, instituída pela Lei 12.305, de 2 de agosto de
2010 e regulamentada pelo decreto 7404/10, dispõe sobre princípios, objetivos e
instrumentos, bem como sobre as diretrizes relativas à gestão integrada e ao
gerenciamento de resíduos sólidos, às responsabilidades dos geradores e do poder
público e aos instrumentos econômicos aplicáveis. Uma grande contribuição dessa
política é uma alteração na visão sobre os resíduos sólidos. Dentre os princípios
apontados por essa política está o reconhecimento dos resíduos sólidos reutilizáveis
e recicláveis como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e
renda. Uma vez que os resíduos sólidos são reconhecidos como um material de
valor agregado, a forma como ele é gerido deve ser coerente. Sendo assim, deve-se
aproveitar o máximo do que esse material pode fornecer, ao mesmo tempo gerando
o menor impacto social e ambiental. Para isso, a PNRS define a seguinte ordem de
prioridades para a gestão de resíduos: não geração, redução, reutilização,
reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente
14

adequada dos rejeitos, incluindo a recuperação energética. Portanto, a disposição


em aterros sanitários deve ser a última opção, sendo possível apenas para rejeitos
que não podem ser aproveitados de outras formas.
Enquanto o Brasil tenta transformar os seus aterros controlados e lixões em
aterros sanitários ao por em prática o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, a Diretiva
Europeia já tornou essas práticas bastante restringidas e desencorajadas, devido
aos custos associados, como o tratamento do chorume e a manutenção do aterro, a
dificuldade de encontrar terrenos para alocação de aterros e aos possíveis impactos
ambientais associados. Além disso, os aterros sanitários continuamente requerem
novas áreas para ser implantados e são cada vez mais difíceis de licenciar.
Somando-se aos problemas relativos ao uso da terra e às emissões geradas,
incluem-se também os custos econômicos da disposição. O crescimento da geração
de resíduos, os problemas e as dificuldades de dispô-los em aterros sanitários faz
com que se busquem alternativas.
Nesse contexto, o tratamento de resíduos sólidos assim como o seu
aproveitamento energético são opções alinhadas com a PNRS, sendo que
alternativas como a incineração, a compostagem e a biodigestão anaeróbia ganham
cada vez mais força. Além de tratar o resíduo, a compostagem o aproveitamento dos
subprodutos dos tratamentos na forma de condicionante de solo. A biodigestão
anaeróbia fornece tanto o aproveitamento energético na forma de biogás quanto a
possibilidade da utilização dos subprodutos do tratamento de forma similar a
compostagem.
Nesse sentido, o tratamento biológico é uma clara alternativa quando se
pensa em opções mais sustentáveis, sobretudo no Brasil, onde a fração orgânica
15

corresponde a 51,4% dos resíduos sólidos urbanos (RSU), como apresentado na

Rejeitos  
17%  

Aço  
2%  

Vidro  
2%  

Matéria  Orgânica    
52%  
Papéis  
13%  

Pláshco  Total    
14%  

Figura 1, deixando claro o grande potencial da aplicação de biodigestores à


longo prazo.
16

Rejeitos  
17%  

Aço  
2%  

Vidro  
2%  

Matéria  Orgânica    
52%  
Papéis  
13%  

Pláshco  Total    
14%  

Figura 1 - Estimativa da composição gravimétrica dos resíduos sólidos urbanos coletados no


Brasil em 2008. (fonte: PNRS, 2011)

O potencial de aplicação de biodigestores é ainda maior quando se pensa na


enorme zona rural existente no país, que, além dos resíduos domésticos, gera os
resíduos denominados agrosilvopastoris mencionados no Artigo 13° da PNRS.
Nestes locais, mais afastados da infraestrutura fornecida por centros urbanos, essa
solução apresenta-se como uma alternativa de baixo custo e fácil operação.
Considerando ainda que a área rural é deficiente em saneamento básico, os
digestores são capazes de solucionar problemas de disposição de resíduos e
tratamento de esgoto ao mesmo tempo, através da co-digestão de resíduos sólidos
e esgoto sanitário. Soma-se ainda a possibilidade de aproveitamento energético do
biogás, que pode ser aplicado em pequenas propriedades em fogões e sistemas de
aquecimento, e do uso do condicionador de solos gerado que pode ser aplicado em
plantações. A Tabela 1 indica as quantidades coletadas e a geração per capita de
RSU, no país, por grande região.
17

Tabela 1 – Índice de produção de RSU por grande região do Brasil.

Grande Região RSU Coletado (t/dia) Índice (kg/hab/dia)


Norte 10623 0.911
Nordeste 38118 0.982
Centro-Oeste 13967 1.119
Sudeste 92167 1.234
Sul 18708 0.804
TOTAL 173583 1.079
Fontes: Pesquisa ABRELPE (2010) e IBGE (2010).

O estudo terá como objetivo avaliar a viabilidade técnica e econômica da


construção de um biodigestor anaeróbio, reciclando a fração orgânica dos resíduos
sólidos urbanos (FORSU), convertendo-a em condicionador de solos e gerando
energia renovável na forma de biogás. O foco será voltado para pequenas
propriedades rurais com produção agrícola, onde há suprimento para o biodigestor e
demanda para os subprodutos gerados.
O estudo de caso será o da rede paulistana de restaurantes árabes Latife. A
Latife é uma empresa familiar fundada em 2001 e que conta hoje com três
restaurantes em São Paulo, abastecidos por uma cozinha industrial localizada em
um sítio no município de Cotia, no estado de São Paulo. O sítio possui uma área de
aproximadamente 50.000 m2, onde trabalham 22 funcionários entre as funções da
cozinha industrial e da horta. A cozinha possui 10 bocas de fogão e opera 5 dias por
semana, produzindo cerca de 7 toneladas de alimento semanalmente. A geração de
resíduos orgânicos que visa ser tratada é de aproximadamente 250 kg por semana,
composta principalmente por cascas, frutas e vegetais.
18

2. LEVANTAMENTO DOS DADOS

2.1 CONSIDERAÇÕES TÉCNICAS

No tratamento de matéria orgânica, a digestão se refere ao processo de


estabilização desta, obtido através da ação de uma população de microrganismos
em condições que propiciem seu crescimento e reprodução. Os processos de
digestão podem ser anaeróbios, aeróbios, ou a combinação de ambos. Definidos
como anaeróbios aqueles em que não há presença de oxigênio.
A digestão anaeróbia (DA) é um processo bioquímico de múltiplos estágios,
capaz de estabilizar diferentes tipos de matéria orgânica. O processo ocorre em
quatro estágios principais: hidrólise, acidogênese, acetogênese e metanogênese,
sendo que em cada estágio estão envolvidas diferentes populações bacterianas
(Figura 2).
Hidrólise – Na primeira fase da digestão anaeróbia, bactérias acidogênicas
convertem o material orgânico particulado em compostos dissolvidos menores.
Proteínas são degradadas a aminoácidos, carboidratos a açúcares solúveis e
lipídios a ácidos graxos de cadeia longa e glicerina. As bactérias acidogênicas são
em sua maioria anaeróbias, mas também há presença de aeróbias e anaeróbias
facultativas (SPEECE, 1983).
Acidogênese – Nesta etapa os compostos dissolvidos gerados na hidrólise
são assimilados pelas bactérias fermentativas e excretados como substâncias
orgânicas simples (ácidos graxos voláteis, álcoois, ácido lático e compostos minerais
como CO2, H2, NH3 e H2S). A maioria das bactérias envolvidas na acidogênese são
anaeróbias estritas, mas também há presença das facultativas, que são importantes
na remoção do oxigênio dissolvido presente no material em fermentação anaeróbia,
que poderia afetar negativamente o processo (SPECE, 1983).
Acetogênese – Bactérias acetogênicas consomem os ácidos graxos voláteis
e outros compostos orgânicos formados durante a fase acidogênica, produzindo
ácido acético e hidrogênio gasoso. As bactérias acetogênicas sobrevivem em
simbiose com as bactérias metanogênicas.
Metanogênese – bactérias metanogênicas produzem metano a partir dos
produtos resultantes da fase acetogênica. A produção de metano segue duas rotas
distintas: as bactérias metanogênicas autotróficas oxidam hidrogênio na presença de
CO2 sendo responsáveis por 30% da produção de metano, enquanto as bactérias
19

metanogênicas acetoclásticas produzem metano a partir de acetatos, metanol,


produzindo os outros 70% do metano. Outros organismos encontrados no processo
que podem desempenhar papel fundamental no processo de digestão são as
bactérias redutoras de sulfato (responsáveis pela redução do íon sulfato a íon
sulfeto) e as bactérias nitrificantes (reduzem o nitrato a nitrogênio gasoso)
(BJÖRSSON, 2012).

Figura 2 - Esquema das fases microbiológicas da digestão anaeróbia (fonte: SPEECE,


1983).

.
20

2.2 BIODIGESTORES

O biodigestor anaeróbio é um sistema fechado onde se processa a


degradação anaeróbia da matéria orgânica. Ele geralmente conta com um sistema
de alimentação de matéria orgânica, um tanque onde ocorre a digestão e um
processo para retirada dos subprodutos. São inúmeras as aplicações da
biotecnologia anaeróbia na recuperação de resíduos orgânicos.
A Figura 3 ilustra o potencial dessa tecnologia na transformação de resíduos
em produtos de valor agregado e biocombustíveis. Carbono, nitrogênio, hidrogênio e
enxofre de resíduos industriais, municipais e rurais secos e úmidos são convertidos
em recursos valiosos. Isso inclui biocombustíveis (hidrogênio, butanol e metano),
fertilizantes, e compostos químico úteis (enxofre, ácidos orgânicos, etc.). Efluentes
pós-tratados podem ainda ser utilizados para irrigação (KHANAL, 2008).
Visando a otimização e eficiência dos processos de digestão e de seus
resultados, é importante a aplicação de tecnologias apropriadas no pré e no pós-
tratamento da matéria orgânica, além de um rigoroso controle das condições
ambientais e dos parâmetros operacionais do reator.

Figura 3 – Processos integrados de bioconversão anaeróbia para recuperação de recursos a


partir de resíduos ( Fonte: Khanal, 2008).

.
21

2.2.1 PRÉ-TRATAMENTO

A fração orgânica dos resíduos sólidos possui grandes quantidades de


carbono orgânico biodegradável. Essa alta concentração de matéria orgânica é a
matéria prima ideal para a geração de energias renováveis como metano, hidrogênio
e butanol, através de fermentação anaeróbia. Os pré-tratamentos são importantes
para melhorar o desempenho da digestão e aumentar o potencial de geração de
bioenergia. Os pré-tratamentos podem ser físicos (mecânicos), químicos ou
biológicos.
Um dos pré-tratamentos mais comuns é a redução mecânica das partículas.
Esse método aumenta a área superficial especifica das partículas e em média
melhora o processo da DA. Dois efeitos foram observados nos estudos de
Palmowsky e Muller (1999): se o substrato possui alto teor de fibra e pouca
degradabilidade, sua fragmentação aumenta a produção de gás; a diminuição no
tamanho da partícula leva à uma digestão mais rápida. Engelhart et al. (1999)
apresentou um aumento de 25% na redução de sólidos voláteis em seus estudos, e
também apontou que frações de lenta degradabilidade de proteínas e carboidratos
foram liberadas via desintegração. Hartmann et al. (1999) encontrou um aumento de
25% na produção de biogás em fibras de estrume maceradas antes da DA.
A ampla utilização desse método advém dos baixos custos de operação e da
simplicidade do processo, o que resulta em uma degradação mais ampla e simples
do substrato. Resumidamente, os estudos indicam um aumento de 15% a 25% na
geração de biogás com a utilização de maceração, fragmentação e trituração
mecânica do resíduo, com efeitos ainda mais pronunciados em se tratando de
substratos fibrosos.
Para materiais fibrosos, o que restringe o desempenho do reator é a sua lenta
solubilização, sendo a hidrólise dos seus compostos a fase limitante. Pré-
tratamentos aeróbios antes da DA, como a compostagem, provaram ser eficientes
para esse tipo de material, uma vez que garantem maior solubilização dos
compostos para a fase seguinte. Capela et al. (1999) reportou um aumento na
produção de metano e uma consequente redução de sólidos uma vez que esse pré-
tratamento foi adotado para lodos de fábricas de celulose. Por sua vez, Hasegawa e
Katsura (1999) reportaram um aumento de 50% na produção de metano a partir da
22

DA de lodos de esgoto quando pré-tratados com uma solubilização por um processo


levemente termofílico.
Já para materiais mais biodegradáveis, a fase limitante é a metanogênese, na
qual a baixa taxa de crescimento bacteriano não é suficiente para processar a alta
carga orgânica. Nesses casos, são utilizados métodos que aumentam o tempo de
detenção celular, como a recirculação de digestato.

2.2.2 CONDIÇOES AMBIENTAIS E PARÂMETROS OPERACIONAIS

O processo de digestão anaeróbia é influenciado por diversas variáveis, que


devem ser monitoradas e controladas continuamente durante todo o processo, uma
vez que o equilíbrio entre os diferentes tipos de bactérias e processos é essencial
para a manutenção da estabilidade da digestão e determinante no sucesso do
tratamento. Mudanças nas condições ambientais que não são controladas a tempo
podem até inibir o processo de maneira irreversível.

2.2.2.1 Temperatura
Os tratamentos por digestão anaeróbia costumam funcionar em três faixas de
temperatura: psicrofílica, mesofílica e termofílica. O sistema psicrofílico está
associado à temperaturas abaixo de 20°C, o mesofílico funciona na faixa entre 20°C
e 40°C (faixa ótima entre 30-35°C) e o termofílico entre 50°C e 60°C (Figura 4).
A temperatura influencia diretamente a velocidade do metabolismo
bacteriano, de modo que biodigestores operando na faixa termofílica produzem
maior quantidade de biogás em comparação com aqueles operando nas faixas
psicro e mesofílica. Isso resulta em menores tempos de detenção hidráulica, menor
volume para o tratamento e, consequentemente, em menor custo de implantação. A
redução no custo, porém, é compensada pelo gasto para aquecer o digestor. (FLOR,
2006)
23

Figura 4 - Taxa de crescimento relativa de atividade psicrofílica, mesofílica e


termofílica (Fonte: adaptado de Khanal, 2008).

2.2.2.2 pH
Cada grupo de bactérias envolvido no tratamento anaeróbio tem faixas de pH
ótimo específicas, sendo significativamente afetadas por pequenas mudanças no pH
ideal. Para a acidogênese o valor de pH ótimo está em torno de 6, enquanto que
para a acetogênese e a metanogênese o valor ótimo está em torno de 7, variando
de acordo com a literatura (Tabela 2). A atividade metanogênica cai drasticamente
para pHs menores que 6,5. O pH em um tratamento anaeróbio deve ser mantido
próximo ao neutro, uma vez que a acidogênese também se desenvolve bem em pHs
próximos a 7, sendo a metanogênese a fase limitante do processo. As preocupações
relativas ao pH são principalmente para garantir uma operação bem sucedida e o
controle do sistema anaeróbio . Quando as bactérias acidogênicas produzem mais
ácido do que as metanogênicas conseguem consumir o pH cai e o reator entra em
desequilíbrio (BJÖRSSON, 2012).

Tabela 2 - Faixas de pH ótimo por tipo de reator de acordo com diferentes autores.

Faixa de operação Faixa ótima Fonte


6,5 a 8,5 6,6 a 7,8 Mata-Alvarez, 2000
6,8 a 7,4 7,0 Khanal, 2008
6,5 a 7,5 6,5 a 7,5 Flor, 2006
6,5 a 8,2 6,5 a 8,2 Speece 1996
24

2.2.2.3 Carga Orgânica


A carga orgânica reflete a capacidade de conversão biológica de um sistema
de digestão anaeróbia, sendo um dos principais parâmetros operacionais de projeto,
medida em quantidade de sólidos totais (ST) ou de sólidos voláteis (SV). Uma carga
orgânica acima da recomendada leva a uma acidificação do ambiente, causada pelo
acúmulo de ácidos graxos e/ou geração excessiva de dióxido de carbono, devendo
ser reduzida até o ponto em que os ácidos graxos acumulados sejam consumidos
num ritmo maior do que são produzidos, retornando o pH para níveis próximos do
neutro e retomando a atividade metanogênica. Não costumam haver problemas de
acidificação com cargas de até 8,5 kg DQO/m3.dia (REICHERT, 2012).

2.2.2.4 Nutrientes
Como em todos os processos biológicos, o carbono, o nitrogênio e o fósforo
são essenciais para a digestão anaeróbia, entre outros nutrientes já presentes na
Fração Orgânica dos Resíduos Sólidos Urbanos (FORSU). Alguns autores apontam
a relação C:N ótima entre 20 e 30 e C:N:P em torno de 126:7:1 (FLOR, 2006). Um
excesso de carbono leva a um rápido consumo de nitrogênio pelas bactérias
metanogênicas e um excesso de nitrogênio leva a amônia a liberar-se para o meio,
causando um efeito tóxico. O balanceamento dos nutrientes pode ser feito pela
inclusão no substrato de produtos mais ricos em carbono, como papel ou resíduos
verdes, ou em nitrogênio, como estrumes animais e compostos ricos em proteínas
(FLOR, 2006). A inibição do processo de digestão por altas concentrações de
amônia é ainda intensificada na faixa termofílica, dado o aumento na sua
concentração com a elevação da temperatura, requerendo atenção especial neste
tipo de tratamento.
Além dos macronutrientes, apresentados na Tabela 3, é fundamental que
sejam fornecidos para os microrganismos os micronutrientes, que são em geral
substancias necessárias em baixíssimas quantidades, mas que são fundamentais
para o bom crescimento dos microrganismos no reator. Na Tabela 3 são
apresentadas as concentrações ótimas de macro e micronutrientes para os
microrganismos metanogênicos.
25

Tabela 3 - Concentrações ótimas de macro e micronutrientes para os microrganismos


metanogênicos.

Macronutrientes Micronutrientes
Elemento Conc. (g/kgSST) Elemento Conc. (mg/kgSST)
Nitrogênio 65 Ferro 1800
Fosforo 15 Níquel 100
Potássio 10 Cobalto 75
Enxofre 10 Molibdênio 60
Cálcio 4 Zinco 60
Magnésio 3 Manganês 20
Cobre 10
Fonte: Lettinga (1996) apud Chernicharo (1997)

2.2.2.5 Presença de compostos inibidores ou tóxicos:


A presença de compostos orgânicos tóxicos (pesticidas) podem inviabilizar a
operação do sistema. Metais pesados em excesso também podem inibir ou até
cessar as atividades microbianas causando a intoxicação do sistema. Sais em
excesso podem inibir a produção de metano e se a concentração for muito elevada
pode levar a inibição total da produção do gás. Por fim, concentrações elevadas de
amônia também podem levar a intoxicação do sistema. A forma tóxica da amônia é
a amônia livre (NH3 não dissociado) cuja concentração depende da concentração de
amônia total, pH e temperatura.
Como visto no item 2.2.2.4 alguns metais são necessários como
micronutrientes para os microrganismos. Mas esses, a partir de certos limites,
podem se tornar tóxicos, como apresentado na Tabela 4. (Beli apud. Contrera, 2013)
26

Tabela 4 - Concentrações inibidoras ou estimulantes para alguns compostos em relação à


digestão anaeróbia.

Concentração Concentração inibidora (mg/l)


Estimulante mg/l Fracamente Tóxico
IONS
+
Na 100 à 200 3500 à 5500 8000
+
K 200 à 400 2500 à 4500 12000
2+
Ca 100 à 200 2500à 4500 8000
2+
Mg 75 à 150 1000 à 1500 3000
+
NH4 50 à 200 1500 à 3000 3000
2-
S - <200 200

METAIS
3+
Cr - 130 260
6+
Cr - 110 420
Cu - 40 70
Ni - 10 30
Cd - - >20
Pb - 340 >340
Zn - 400 600
Fonte: Beli apud. Contrera, 2013.

2.2.2.6 Tempo de Retenção Hidráulica (TRH)

O TRH típico para um reator completar a digestão varia de acordo com seu
tipo, a composição do resíduo e a tecnologia utilizada. Para os tratamentos
mesofílicos o TRH varia de 10 a 40 dias. Na faixa termofílica o tempo necessário é
reduzido, em torno de 14 dias para reatores operando com alta taxa de sólidos
(REICHERT, 2012). As Figura 5 e Figura 6 ilustram algumas relações entre o TRH e
faixas de temperatura de operação e produção de biogás.
27

Figura 5- Tempo de detenção em função da temperatura para microrganismo meso e


termofílico (Fonte: Beli apud. Contrera, 2013).

Figura 6- Produção de biogás em função da temperatura de operação e do tempo de


detenção (Fonte: Beli apud. Contreta, 2013).
28

2.2.3 TRATAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS ORGÂNICOS

Existe uma série de diferentes tipos de sistemas de digestão anaeróbia de


resíduos sólidos orgânicos, cada um classificado pelas seguintes categorias:
• Teor de sólidos totais contidos na massa do reator (ST)

• Estágio único ou múltiplo

• Alimentação contínua ou batelada

• Faixa de temperatura mesofílica ou termofílica

Em relação ao teor de sólidos totais, os reatores são classificados como


sistemas com baixo teor de sólidos (BTS), ou via úmida, quando têm ST abaixo de
15%, como médio teor de sólidos quando ST está entre 15% e 20%, e alto teor de
sólidos (ATS) quando TS está na faixa de 22% a 40%, também chamados de via
seca (VERMA, 2002), como o esquematizado na Figura 7. Sistemas BTS utilizam
um grande volume de água, resultando num maior volume do reator e altos custos
de tratamento do efluente, que requer drenagem ao fim do processo. Os sistemas
ATS são mais robustos e têm altas taxas de carga orgânica, mas requerem
equipamentos mais caros.

6*4/4&0/&7*80*&
'"()*& 94/(&(/$*,":&
& '2"354&

;/<2#<.=*>%"&0"& '"()*&
!"#$%"&&&& ?2@2A2*0"&

'"()*&
+*,-./&0"&123/4$"#&

Figura 7 – Biodigestor de batelada de Alto Teor de Sólidos de escala industrial, com sistema
de umidificação e recirculação de lixiviado para aumentar o tempo de retenção
celular (Fonte: Björsson, 2012).

Os reatores de estágio único são os que utilizam somente um reator para as


fases de acidogênese e metanogênese, enquanto os de estágio múltiplo separam os
reatores de acordo com os diferentes estágios de digestão anaeróbia. A separação
29

tem com o intuito de melhorar a digestão, permitindo a flexibilização necessária para


otimizar cada uma das reações. Porém, a esperada vantagem da separação dos
estágios para digestão dos resíduos não é verificada na prática, resultando em
processos mais complexos, que requerem maiores investimentos, com uma menor
produção final de biogás. Todavia, o reator de estágio múltiplo se torna mais viável
para resíduos com baixo teor de celulose, e é a única tecnologia aplicável para
razão C:N menor que 20.
!"#$%&'

!#45)'
()*+,-'.#'
2-&3.,#&'
/"$-&0#1'

6"&0,1).#1'
2-&3.,#&'
/"$-1".#&'

Figura 8 - Biodigestor de alimentação contínua com sistema de recirculação da matéria


orgânica em digestão misturada com novo substrato (Fonte: Björsson, 2012).

Quanto ao regime de alimentação, o reator de batelada é muito mais utilizado


que o de alimentação contínua, aplicado principalmente no tratamento de
excrementos de animais com baixo teor de sólidos. No regime contínuo o fluxo de
alimentação é constantemente carregado e descarregado, como apresentado na
Figura 8, enquanto que no de batelada o reator é alimentado e após cada ciclo,
esvaziado. O digestor do tipo batelada é tecnicamente mais simples, barato e
robusto, mas requer uma maior área de implantação e é menos estável, correndo
ainda o risco de uma sedimentação de material no fundo do reator inibir a digestão.
Classificando a operação por temperatura, têm-se as seguintes faixas:
mesofílica, entre 35°C e 40°C; e termofílica, entre 50°C e 60°C. Tradicionalmente, as
estações de tratamento de digestão anaeróbia operavam na faixa mesofílica, dada a
dificuldade de controlar a temperatura do digestor em faixas elevadas; temperaturas
acima de 70°C podem matar as bactérias responsáveis pela digestão do resíduo.
Porém, a tecnologia agora está consolidada e, apesar de ser mais cara e menos
30

estável que a mesofílica, tem como vantagens a higienização do resíduo, menor


tempo de retenção hidráulico e maior produção de biogás.

2.2.3.1 Exemplo da Literatura


Graunke (2008) projetou um biodigestor para tratar os restos de alimentos
produzidos no Refeitório Broward da Universidade da Flórida. Foi utilizado um
biodigestor de batelada, alimentado e misturado diariamente, de 120 litros, com
volume útil de 90 litros, alimentado diariamente numa taxa de 2 gSVT/L e adotando
um TRH de 30 dias. O biodigestor foi operado a temperatura ambiente, sendo
apenas pintado de cor azul para absorver energia solar, e teve uma taxa de
produção média de biogás de 0,5188 l biogás/gSV/dia, ou seja, 93,4 L/dia de biogás.
O gás foi utilizado para complementar as demandas de gás natural do refeitório.
A BARC (Bhabha Atomic research Center), na Índia, desenvolveu um sistema
de domo flutuante (Figura 9), baseado nos reatores tradicionais indianos. É um
reator contínuo de dois estágios e úmido. Resíduos provenientes de cozinha são
misturados com água aquecida por painéis solares e passam primeiramente por um
pré-digestor termofílico aeróbio de batelada, depois disso o substrato entra no
digestor anaeróbio onde acontece a metanogênese. O sistema é completamente
enterrado e os fluxos se dão por gravidade. O efluente que sai do reator passa por
um filtro de areia e é reutilizado no sistema. O lodo vai para secagem
(MÜLLER,2007). Os principais parâmetros operacionais deste reator eram:
• Substrato: 5000 kg/dia
• Sólidos totais: 20-25%
• TRH: 4 dias (pré-reator) + 12 dias (digestor)
• Volume do reator: 60m3 (pré-digestor) + 175 m3 (digestor)
• Produção de biogás: 500-650 m3/dia
• Aplicação da matéria orgânica digerida: Jardim
• Receita de biogás: 25 kW
31

Figura 9 – Biodigestor com domo flutuante (Fonte: Müller, 2007).

Já a BIOTECH desenvolveu uma tecnologia para tratamento de comida


preparada, vegetais e efluentes de cozinha (Figura 10). A tecnologia pode ser
aplicada em escala doméstica, institucional e municipal. Para uma família de 3 a 5
membros uma planta de um metro cubico é suficiente, gerando biogás para suprir
até 50% das necessidades para cozinha (Müller,2007).
a) b)

Figura 10 – a) um reator de tratamento de resíduos sólidos orgânico em escala institucional


b) um reator para tratamento de resíduos sólidos orgânicos em escala domestica.

A Appropriete Rural Technology Institute (ARTI), na Índia, desenvolveu um


reator compacto para a produção de biogás usando resíduo de alimento para o
suprimento de gás de cozinha. O reator é suficientemente compacto para ser usado
em casas urbanas. Os digestores são feitos de polietileno de alta densidade e é
mostrado na Figura 11. O sistema funciona com dois tanques com volumes
aproximados de 1 m3 e 0,75 m3. O tanque menor é usado para o armazenamento do
biogás. É recomendado que o efluente do reator seja recirculado. O espaço total da
32

planta é de 2 m2 e 2,5 metros de altura. A planta demanda em torno de algumas


semanas para fornecer um suprimento estável de biogás, tipicamente de 250g/dia/kg
de matéria. Os resíduos que devem alimentar o digestor são farinha, vegetais, restos
de alimento, casca de frutas e frutas podres. Além disso, podem ser incluídos,
caules, cana, grama e sementes, sendo grãos estragados uma ótima matéria prima
(Müller, 2007).
A planta pode se tornar muito ácida e deixar de funcionar caso seja colocado
alimento em excesso. Esse cuidado é difícil quando se está usando material
orgânico altamente degradável (Müller,2007).

Figura 11 – Biodigestor compacto desenvolvido pela Appropriete Rural Technology Institute


(ARTI).

Na cidade de Burford, na Inglaterra, foi feito um projeto com o objetivo de


estabelecer se a digestão anaeróbia, possivelmente combinada com tratamento
térmico, é um método seguro e eficiente de processamento de resíduos orgânicos
de cozinha e de restaurantes. O foco foi determinar se a disposição da matéria
orgânica digerida, estabilizada e higienizada, estaria de acordo com a regulação
europeia para subprodutos.
Resíduos de cozinha foram coletados, triturados no local da digestão
anaeróbia, e tratados em dois digestores, um operando à temperatura mesofílica
(36,5°C) e outro à temperatura termofílica (56°C), apresentados na Figura 12. Um
fluxograma simplificado do processo está apresentado na Figura 13. Os digestores
foram operados em ciclos de seis horas, e a alimentação de sólidos voláteis foi
variada para otimizar o sistema.
33

A digestão mesofílica começou com tempo de detenção hidráulica de 31,5


dias com taxa de alimentação de sólidos voláteis de 4,1 kg SV/m3d. O TRH foi
reduzido após algumas semanas para 20 dias, com taxa de alimentação de sólidos
voláteis de 5,7 kg SV/m3d, mas a taxa se provou muito alta, causando acumulação
de ácidos graxos e queda acentuada do pH. O processo do digestor termofílico
começou com um TRH de 44,5 dias e taxa de alimentação de sólidos voláteis de 3,0
kg SV/m3d, porém essa taxa não foi sustentável, causando acumulação de
substâncias inibidoras.

Figura 12 - Os sistemas de digestão anaeróbia termofílico e mesofílico utilizados,


apresentando o tanque de alimentação e mistura, digestor e tanques de coleta
(Fonte: The University of Southampton and Greenfinch, 2004).

Figura 13 - Diagrama esquemático do sistema de digestão anaeróbia.


34

As amostras coletadas indicaram que o resíduo tinha teor de umidade médio


de 78,4% e teor de sólidos voláteis de 92,4%. A digestão termofílica dos resíduos
orgânicos de cozinha se provou menos estável que a digestão mesofílica. A
mesofílica tem maior capacidade tampão e é mais resistente à mudanças ou
acumulação de substâncias inibidoras. Em ambos os sistemas o biogás era
composto em 58% de metano. O sistema mesofílico produziu 164 m3 por tonelada,
enquanto o termofílico produziu 157 m3 por tonelada.
O resíduo coletado para o projeto continha patogênicos como Salmonella,
Escherichia coli e Enterococci. A matéria orgânica digerida dos tanques de coleta,
tanto no do sistema mesofílico quanto do termofílico, ainda continha resquícios dos
patogênicos, requerendo, portanto, tratamento adicional antes de sua aplicação em
agricultura. Pasteurização em laboratório a 70°C por uma hora foi suficiente para
eliminar a Salmonella, E. coli e Enterococci. Quando A matéria orgânica digerida é
armazenada a 20°C, a Salmonella persiste por 10 dias e Escherichia coli por 10
dias, mas Enterococci ainda esteve presente após 3 meses (The University of
Southampton and Greenfinch, 2004).
A seguir será apresentado o estudo feito por Flor (2006) que compara
tecnologias, em geral, consolidadas e criadas para aplicações industriais, apesar de
seus mecanismos básicos poderem, também, ser aplicados em escalas menores. A
pesquisa usou como critério de comparação das tecnologias o teor de sólidos, que
relaciona-se com a carga orgânica através da concentração de alimentação e do
TRH. Um teor de sólidos inferior a 15% é considerado uma via úmida, enquanto se a
concentração foi superior é considerado um processo de via seca.
Nos processos de via seca obteve-se melhores taxas de produção de metano
e maiores cargas orgânicas aplicadas, como apresentado na Tabela 5. Os desafios
dessa via se concentram na manutenção das reações altos teores de sólidos e a
dificuldade de bombear os resíduos e homogeneizar o conteúdo dentro do reator.
35

Nos sistemas de elevada concentração de sólidos, os resíduos movem-se


dentro do reator de modo “plug-flow”, no qual o fluxo do reator não é determinado
por sistemas mecânicos de agitação. No sistema DRANCO a mistura ocorre por
recirculação dos resíduos extraídos pelo fundo do reator, e a mistura no exterior com
os resíduos frescos, numa razão especifica de 1/6. No sistema Kompogas, a mistura
entre o substrato e as bactérias é feita também no exterior, além disso existe um
sistema de agitação de baixa rotação no interior do reator horizontal, que fornece
homogeneização e permite a liberação do biogás. No processo Valorga a agitação
do conteúdo ocorre por injeção cíclica de biogás a partir do fundo, sem necessidade
de recircular o substrato digerido de volta para o reator. O processo BIOCEL nasceu
da intenção de desenvolver um reator com facilidade de operação e manipulação
semelhante a um aterro sanitário, mas com produção de biogás, porcentagens de
remoção de voláteis e de DQO muitos superiores. Os princípios de funcionamento
se mantiveram, baseando-se na recirculação de lixiviado para aquecimento e
mistura do conteúdo do reator.
Um exemplo de reator com baixo teor de sólidos (via úmida) é o Linde-BRV, A
característica marcante dos reatores Linde-BRV é o sistema de recirculação de
biogás usando um tubo que também serve para aquecer o conteúdo do reator. A
Figura 14 apresenta esquema dessas cinco tecnologias descritas acima.
A tecnologia de via úmida se aproxima mais dos digestores anaeróbios usado
em estações de tratamento de águas residuárias para tratamento e estabilização de
lodos. Dessa forma é possível utilizar equipamentos mais baratos e de uso comum.
O fato é balanceado pelos maiores custos de investimento devido ao maior tamanho
dos reatores, além de equipamento de desidratação. No final, as duas tecnologias
são bastante semelhantes quanto à variável econômica. A Tabela 6 apresenta o
desempenho de processos mesofílicos por via úmida.
A pesquisa concluiu que tecnologias por via seca permitem operar os reatores
com concentrações médias de sólidos de 30%. Para reatores contínuos, foram
obtidos os seguintes resultados: produção de metano entre 90 - 300m3 (CH4).ton-
1
(STV), cargas orgânicas entre 7 - 20 kg (DQO).m-3.dia-1 e TRH médio de 15 dias.
Os processos em batelada apresentam produção de biogás entre 160-220m3(CH4).
ton-1 (STV), cargas orgânicas inferiores a 3 - 12kg (DQO).m-3.dia-1 e TRH entre 21 -
42 dias.
36

Para tecnologia de via seca a produção de metano ficou entre 250 - 430
m (CH4).ton-1(SVT), superior à via seca. Porém, as produções volumétricas e as
3

cargas orgânicas são muito baixas: 0,6 - 4,6 m3 (CH4).m-3.dia-1 e 1 –


5kg(DQO).m3.dia respectivamente.

Figura 14- Digrama simplificado de diferentes processos de digestão anaeróbia. (A)


Kompogas, (B) Valorga, (C) Linde- BRV, (D) Dranco, (E) Biocel (Fonte: Adaptado de
Nayono, 2009).
37

Tabela 5 - Desempenho dos processos de via seca (Fonte: Flor, 2006).

Tabela 6- Desempenho de processos mesofílicos por via úmida (Fonte: Flor, 2006).
38

2.2.4 TRATAMENTO DE ESGOTO SANITÁRIO E CO-DIGESTÃO

A biodigestão é uma alternativa tecnológica para expandir as opções de


saneamento básico no Brasil. Devido a sua simplicidade construtiva, pequena área
ocupada e geração de subprodutos, essa tecnologia se torna especialmente
importante no que diz respeito às áreas rurais e comunidades isoladas do país.
Essas regiões são extremante carentes de serviços de saneamento e não contam
com grandes investimentos em infraestrutura, nem as famílias contam com recursos
para soluções individuais complexas.
Segundo o PNAD/2009 apenas 5,7% dos domicílios da área rural estão
ligados à rede coletora de esgoto e 20,3% utilizam a fossa séptica como solução
para o tratamento de dejetos. Os demais domicílios depositam os dejetos em fossas
rudimentares (48,9%), lançam em cursos d’água ou diretamente no solo a céu
aberto.
No que diz respeito a resíduos sólidos apenas 26,3% dos domicílios rurais
possuem serviço de coleta direta. Na Figura 15 está apresentada a situação da
coleta de resíduos na zona rural.

Figura 15 - Destino dos resíduos sólidos na área rural (Fonte: IBGE/PNAD – 2008).

A Política Nacional de Saneamento Básico, instituída pela Lei 11.445/2007,


tem como uma das diretrizes a garantia de meios adequados para o atendimento da
população rural dispersa, mediante a utilização de soluções compatíveis com suas
características econômicas e sociais. A biodigestão se encaixa perfeitamente no
cenário apresentado, uma vez é uma solução local, que pode ser implantada em
39

escala domiciliar com capacidade de tratar tanto os resíduos sólidos orgânicos como
esterco e esgoto sanitário, a baixos custos.
Nessa sessão, o levantamento de dados será focado na eficiência do sistema
mais utilizado para o tratamento de esgoto sanitário no meio rural, as fossas sépticas
e rudimentares, e a possibilidade de co-digestão entre resíduos sólidos orgânicos e
esgoto sanitário.
Os tanques sépticos constituem uma das unidades mais antigas de
tratamento de esgoto, e ainda hoje são amplamente utilizados devido a sua
simplicidade construtiva e operacional. São unidades de forma cilíndrica ou
prismáticas retangulares de fluxo horizontal que desempenham função múltipla de
sedimentação e remoção de material flutuante, além de se comportar como digestor
de baixa carga sem mistura e aquecimento. Consistem no principal tratamento para
residências e pequenas áreas que não são servidas por redes coletoras. Um
esquema de uma fossa séptica é apresentado Figura 16.

Inspeção Inspeção

Entrada
Saída

Figura 16 - Esquema de fossa séptica (Fonte: Chernicharo 2000).

Os sólidos do esgoto presente no afluente do tanque vão para o fundo


constituindo uma camada de lodo. Óleos, graxas e outros materiais mais leves
flutuam formando escuma. O esgoto livre de materiais sedimentáveis e flutuantes é
encaminhado para pós-tratamento e disposição final no solo. O lodo sofre
decomposição anaeróbia facultativa no fundo do tanque sendo convertido em
materiais mais estáveis.
40

Quanto a configuração, as fossas sépticas podem ser de três tipos: câmara


única, câmara em série e câmara sobreposta. As duas últimas visam principalmente
aumentar a eficiência de remoção de sólidos.
Apesar dos tanques sépticos serem projetados com TRH elevado, de 12h a
24h, grandes picos de vazão podem repercutir negativamente no seu
funcionamento, deteriorando a qualidade do efluente final. O TRH varia
principalmente com a carga diária de vazão, sendo 12 horas o tempo indicado para
contribuições acima de 9.000 L/d e 24 horas indicado para contribuições até
1.500L/d.
Além do TRH, é importante atentar para a temperatura da massa líquida uma
vez que temperaturas inferiores a 20 °C comprometem a atividade biológica e
aumentam o volume do lodo. A retirada do lodo é pré-determinada pelo intervalo de
limpeza previsto no projeto e é de fundamental importância para o bom
funcionamento do processo.
Por fim, a eficiência do processo, segundo a literatura, varia muito de acordo
com as condições locais e a operação da unidade, mas em média apresentam os
seguintes valores de remoção (Chernicharo, 1997):
-­‐ DBO: 30 - 55%
-­‐ Sólidos suspensos: 20 - 90%
-­‐ Óleos e graxas: 70 - 90%
A co-digestão consiste na digestão conjunta de substratos de diferentes
fontes, que muitas vezes pode melhorar a produção de biogás por sinergias
positivas estabelecidas entre os co-substratos. A utilização desta alternativa pode
ser motivada pela necessidade de melhora do substrato a ser tratado, devido à falta
de nutrientes ou humidade, por exemplo, ou pela demanda de tratamento de
resíduos de diferentes fontes (Mata-Alvarez et al., 2000). Para que esta sinergia
positiva ocorra, é importante definir critérios para uma mistura ótima entre os
volumes dos diferentes resíduos a serem tratados (Chanakya, 2006). Porém,
normalmente não é possível utilizar uma mistura ótima, pois é a produção de
resíduos que determina os volumes de cada tipo de substrato a ser tratado no
biodigestor.
A co-digestão pode ser observada em escala doméstica, porém, costuma ser
feitas de maneira empírica, na qual nem a proporção de mistura nem os parâmetros
41

operacionais são bem definidos e registrados. Os processos mais consolidados de


biodigestão são encontrados no setor industrial.
A maioria das aplicações industriais de co-digestão anaeróbia são para
tratamento da FORSU com pequenas porcentagens de lodo, como estudado por
Mata-Alvarez e Cecchi (1990). Apesar de estudos apresentarem resultados positivos
para esta combinação, ela é pouco aplicada mesmo na indústria (Mata-Alvarez et
al., 2000). Um exemplo de sucesso nesse tipo de co-digestão foi relatado por
Edelmann et al. (1999), no qual resíduos de frutas e vegetais picados foram
misturados com lodo primário, obtendo resultados melhores na biodigestão, em
termos de produção de metano, do que na digestão de lodo primário apenas (Mata-
Alvarez et al., 2000).
Em outro exemplo, Callaghan et al. (1999) realizou experimentos comparando
a digestão anaeróbia apenas de estrume bovino com a sua co-digestão com
resíduos de frutas e vegetais. Os resultados indicaram que houve pouca diferença
em termos de redução de SV entre os dois casos, porém a co-digestão com frutas e
vegetais apresentou produção de metano mais eficaz.

2.3 PRODUTOS FINAIS DA BIODIGESTÃO

2.3.1 BIOGÁS

A quantidade e a composição do biogás produzido no processo de digestão


anaeróbia dependem do substrato adicionado ao biodigestor e das condições
ambientais e parâmetros de operação. A digestão anaeróbia da fração orgânica de
resíduos domésticos produz geralmente 50 - 100 m3 de biogás por tonelada de
substrato, com concentração de metano típica entre 54% e 70%, conforme indica a
Tabela 8, com suas principais características expostas na Tabela 9. A Tabela 10
compara o potencial energético do biogás com o de outros combustíveis.
42

Tabela 7 – Composição típica do biogás produzido pela digestão anaeróbia de resíduos


orgânicos (Fonte: Bermann, 2013).

Metano (CH4) 54% a 70%


Dióxido de Carbono (CO2) 27% a 45%
Nitrogênio (N2) 0,5% a 3,0%
Hidrogênio (H2) 1% a 10%
Monóxido de Carbono (CO) 0,1%
Oxigênio (O2) 0,1%
Gás Sulfídrico (H2S) 3,0% a 5,0%

Tabela 8 – Propriedades físicas e químicas do Metano

Características Físicas Sem cor, inodoro


3
Densidade 0.042 Kg/m a 21°C
Extremamente inflamável (Forma mistura explosiva com o ar com
Perigo
apenas 5 - 15% do volume)
Toxicidade Asfixiante em altas concentrações
3 3
Valores típicos de produção de 37750 KJ/m (Biogás apresenta valor menor de 22400 KJ/m
calor devido a mistura com CO2)

Tabela 9 – Equivalentes energéticos de 1 Nm3 de biogás com outros combustíveis em suas


unidades de comercialização unidades (Fonte: Bermann, 2013).

0,61 L de gasolina

0,58 L de querosene

0,5 kg de gás liquefeito petróleo (GLP)

0,79 L de álcool combustível

3
1,54 kg de lenha
1 m de Biogás
1,43 kWh de energia elétrica

0,55 L de óleo diesel

20 kg de lixo urbano

2,5 kg de resíduo seco vegetal

14,3 kg de resíduo sólido de frigorífico

O biogás como fonte de energia é um recurso valioso da biodigestão. A


forma adequada de tratamento, armazenamento e utilização deverá ser determinada
para o caso estudado. No caso do presente estudo, devido à alta demanda do
43

empreendimento por gás para cozinha, a utilização do biogás para este fim foi
escolhida.
Os principais componentes de um sistema de uso do biogás para cozinha
são:
Medidor de gás: Deve ser posicionado em uma posição estratégica para
fornecer informações confiáveis sobre a produção de gás, permitindo avaliar o
rendimento do biodigestor e a quantidade de gás disponível para consumo.
Medidores precisos de gás podem ser custosos e seu benefício deve ser avaliado.
Remoção de Sulfeto de Hidrogênio: Fundamental para evitar corrosão dos
sistemas de queima e maus odores, a concentração de H2S deve ser inferior a 1000
ppm (de Mes et al., 2003). A concentração de sulfeto de hidrogênio pode ser
significativamente reduzida passando o biogás por um tanque selado preenchido
com lã de aço, ou através de um sistema no qual o gás é borbulhado por um tanque
com água de forma que as substâncias mais nocivas são diluídas.
Tanque de Armazenamento: Essa estrutura é necessária apenas para
tecnologia que produzam gás a um volume constante. Como normalmente o gás
produzido não é constantemente consumido, é fundamental a implantação de um
sistema de armazenamento para evitar desperdício de gás e atender às demandas
nos momentos de pico de consumo, e garantir que a pressão no reator não aumente
de forma excessiva. O dimensionamento do sistema de armazenamento deve ser
preferencialmente suficiente para contemplar a produção de gás de um ou dois dias.
Para biodigestores de pequena escala, o gás deve ser armazenado em baixa
pressão. É possível armazenar o gás metano em alta pressão, porém é necessário
um sistema caro e com muita atenção para segurança devido ao risco de explosão
(LeAF, 2009).
Sistema de apoio de alívio de pressão: O coletor principal de gás deve ser
equipado com um sistema de escape para liberar qualquer excesso de gás. Este
sistema deve contar com uma válvula ajustada para uma pressão ligeiramente
menor do que a pressão máxima suportada pelo tanque de armazenamento.
Tubulação de gás e limitadores de fluxo: Para evitar a corrosão da
tubulação do sistema de abastecimento de gás, este deve ser feito de aço
inoxidável, PEAD ou PVC caso o sistema seja enterrado, sendo a segunda opção
mais barata, porém a mais suscetível a danos. Além disso, a tubulação deve conter
um limitador de fluxo para evitar ondas de gás para os fogões. A tubulação entre o
44

tanque de armazenamento e os fogões, em seu ponto mais baixo, também deve


conter um coletor de condensados para garantir a remoção de água que pode
condensar na tubulação. A remoção de água condensada também contribui para a
remoção de H2S (Reith et al., 2003).
Controladores de chamas: devem ser instalados em todas as linhas que
abastecem os fogões com metano para evitar que chamas caminhem de volta pela
tubulação até o tanque de armazenamento. Estes controladores também evitam a
propagação de chamas por dissipação de calor.

2.3.2 PRODUÇÃO DE CONDICIONADOR DE SOLO

O composto resultante da DA apresenta valor agregado por reciclar os


nutrientes presentes no resíduo inicial. A matéria orgânica digerida é, portanto, um
ótimo fertilizante natural, com altas concentrações de fósforo e nitrogênio
(BJÖRNSSON, 2012), não só substituindo parcialmente os fertilizantes industriais,
como também melhorando a estrutura do solo, a sua capacidade de retenção de
água e reduzindo a erosão (Chynoweth o Pullammanappallil, 2000).
Existe, hoje, uma crescente preocupação quanto à escassez de fósforo
mineral. Alguns dos maiores produtores desse material no passado, atualmente
estão importando fósforo uma vez que suas reservas naturais estão se esgotando,
como é o caso dos EUA, que hoje importa 10% do seu consumo nacional (Foreign
Policy, 2010). Visto que o fósforo compõe 20% dos fertilizantes comercializados, a
ausência desse recurso é bastante preocupante para a perspectiva da agricultura
mundial. No Brasil a situação também é crítica, em 2007 as importações de adubo
representaram 74% do suprimento do insumo no país. As importações de fósforo
representaram 51% de um total de 3,7 milhões de toneladas consumidas, por falta
de matéria prima (O Estado de São Paulo, 2008).
Apresenta-se, assim, outro enorme potencial para a utilização da biodigestão
anaeróbia. O método impede o desperdício desse recurso escasso, reciclando os
nutrientes presentes no resíduo, e transformando-os em um recurso diretamente
aproveitável para a agricultura.
Se a matéria orgânica digerida for ensacada logo após ter sido removida do
digestor, o processo anaeróbio continuará a ocorrer, liberando metano e compostos
voláteis, dificultando o armazenamento e causando mau cheiro. O material, portanto,
45

deve passar por um pós-tratamento, que envolve desidratação, aeração e


tratamento do lixiviado. A desidratação deve ser feita até que se chegue a um teor
de umidade menor que 70%, usando um leito de secagem, uma prensa de parafuso,
um filtro de bandas ou uma centrífuga, normalmente seguida de uma secagem que
facilita o seu armazenamento e transporte (Flor, 2006). O efluente gerado contém
uma grande fração de nutrientes e também pode ser utilizado como fertilizante. Sua
alta umidade facilita sua aplicação através de métodos convencionais de irrigação.
Deve-se atentar, porém, ao tempo de aplicação, para permitir que o nitrogênio, que
está mais prontamente disponível depois da digestão, seja absorvido pela planta e
não lixiviado para o solo e para as águas subterrâneas.
Dependendo da origem do produto, a matéria orgânica em digestão pode
conter materiais perigosos, que podem estar contaminadas por patógenos e
transmitir doenças entre humanos, animais e contaminar o meio ambiente, fazendo
de suma importância o controle e acompanhamento do material. A contaminação da
matéria orgânica em digestão invariavelmente depende da natureza do substrato, do
pré-tratamento aplicado e da digestão em si. De maneira que se a fonte do resíduo
estiver livre de contaminante, o produto final também estará.

2.4 VANTAGENS E DESVANTAGENS DA DIGESTÃO ANAERÓBIA E


COMPARAÇÃO COM OUTRAS TECNOLOGIAS

A digestão anaeróbia tem se tornado um tratamento cada vez mais popular,


seja para evitar disposição em aterros sanitários, para atender comunidades
distantes de centros urbanos, para fazer a recuperação de importantes nutrientes ou
devido ao potencial de geração de energias renováveis com matéria prima de baixo
custo. Esse item busca avaliar as vantagens e desvantagens da digestão anaeróbia
e compará-la com outros tipos de tratamento, considerando variáveis econômicas e
ecológicas.

2.4.1 VANTAGENS

Uma das maiores vantagens consideradas quando se pensa em tratamento


anaeróbio é a recuperação energética conseguida no processo através da geração
do gás metano, com suas inúmeras aplicabilidades, citadas na seção 2.3.1. Esse
fator dá sustentabilidade ao processo, além de muitas vezes garantir a viabilidade
46

técnica, ao evitar gastos energéticos, já que o metano pode ser usado para essa
função. Este é um ponto em que tratamentos anaeróbios prevalecem sobre
tratamentos aeróbios, que são normalmente grandes consumidores de energia.
Estes, além de não gerarem energia aproveitável no processo, necessitam de
constante aeração.
Outra vantagem bastante pronunciada da DA é a menor geração de lodo.
Processos aeróbios geram enormes quantidades de lodo, de 50% a 60% da matéria
orgânica total carregada, que devem passar por pós-tratamento e disposição,
representando de 30-60% dos custos totais da operação. No tratamento anaeróbio
apenas 10% da matéria orgânica é convertida em lodo, com os outros 90% sendo
aproveitados como biogás. (Khanal, 2008).
Visto pelo lado da recuperação de nutrientes, a DA também apresenta
vantagens. Enquanto nos processos aeróbios deve-se fornecer nutrientes para os
microrganismos, a DA recupera esses nutrientes, em especial o fósforo, que fica na
matéria orgânica em digestão e é essencial para a sua utilização como fertilizante
(ver seção 2.3.3).
O processo ocorre em compartimento lacrado para impedir a entrada de
oxigênio, tóxico às bactérias existentes, evitando o vazamento de gases. É
essencial, porém, que o sistema seja bem construído e operado, dada a presença
significativa de H2S e o forte odor que esse gás gera caso escape do sistema.
Destaca-se ainda a aplicabilidade de processos anaeróbios em grande e
pequena escala, tendo baixo custo de implantação, baixa demanda de área e alta
tolerância a cargas orgânicas elevadas (Chernicharo, 2000).

2.4.2 DESVANTAGENS

Quanto às desvantagens de digestores anaeróbios, podem ser citados alguns


fatores. O processo necessita de um tempo de partida elevado, mas que pode ser
reduzido com a adição de um lodo de semeadura (inóculo) adaptado e agitação
mecânica da matéria orgânica em digestão. Além disso, os microrganismos
envolvidos no processo são bastante sensíveis, fazendo com que seja necessário
manter o reator equilibrado. Nesse sentido, a atenção à parâmetros operacionais e
ambientais é fundamental, uma vez que o processo se desequilibra mais facilmente,
47

sendo o retorno à atividade normal demorado ou inviável (ver seção 2.2.2)


(Chernicharo, 2000).

2.4.3 COMPARAÇÃO COM OUTRAS TECNOLOGIAS

Muitas análises são feitas comparando DA com outras tecnologias de


reciclagem de resíduos orgânicos, porém, os resultados dependem fortemente dos
custos de energia usados na avaliação. Através de uma análise de ciclo de vida
completa, Edelmann et al. (1999) comparou em termos econômicos e ambientais
diferentes processos de tratamento de resíduos orgânicos. Após uma série de
medições em plantas de compostagem, incineração, biodigestão e um processo que
combina digestão com compostagem, foi concluído que a DA tem melhor balanço
energético que todas as outras tecnologias, com a perspectiva de que os processos
anaeróbios se tornarão cada vez mais importantes por razões ecológicas.
De Baere (1999) fez uma comparação entre as diferentes emissões de
compostos durante a compostagem aeróbia e durante a maturação após a digestão
anaeróbia. Comprovou-se que tratamentos aeróbios produzem grandes emissões de
compostos voláteis e de forma incontrolável, como cetonas, aldeídos amônia e
metano (Tabela 10).

Tabela 10 - Emissões de compostos voláteis durante compostagem e durante maturação


após digestão anaeróbia (Fonte: De Baere, 1999).

Relação
Maturação após
Compostos Aeróbio (g/tResíduos) aeróbio/anaeróbio
anaeróbio (g/tResíduos)
(g/tResíduos)
Alcoóis 283,6 0,033 8.593,9
Cetonas 150,4 0,466 322,7
Terpenos 82,4 2,2 37,5
Esteres 52,7 0,003 17.566,7
Sulfuretos orgânicos 9,3 0,202 46,0
Aldeídos 7,5 0,086 87,2
Éteres 2,6 0,027 96,3
Total COVs 588,5 3,017 195,1
NH3 158,9 97,6 1,6

Total 747,4 100,617 7,4


48

Em termos de aquecimento global, que é comumente usado como referência


para balanços ecológicos, a digestão anaeróbia também tem melhor desempenho
que outras tecnologias, como apresentado na Tabela 11.

Tabela 11 - Fatores de emissão para diferentes tecnologias de tratamento e disposição final


de resíduos sólidos urbanos (Fonte: Baldasano e Soriano, 1999).

Fator de emissão (ton eq


Tratamento/Disposição Final
CO2/tons of MSW)
Aterro Sanitário 1,97
Incineração 1,67
Compostagem + Aterro Sanitário 1,61
Compostagem + Incineração 1,41
DA seca + Aterro Sanitário 1,42
DA úmida + Incineração + Aterro Sanitário 1,19

Um estudo feito pela fundação Climateworks em 2012 traçou uma análise


comparativa entre biodigestores e incineradores. A análise abrange o desempenho
econômico financeiro relativo à implantação e operação, o balanço energético
(energia produzida e energia conservada), emissões de efeito estufa, o impacto
sobre empregos e o atendimento aos marcos regulatórios federais. A Tabela 12
expõe alguns desses resultados.

Tabela 12 - Critérios comparativos entre incinerador e biodigestor anaeróbio (Fonte: EPE,


2008).

Incinerador Biodigestor Anaeróbio

Redução de emissões por tonelada de


0,209 1,064
RSU tratada (t CO2 eq)
Emissões evitadas pela reciclagem e
0,034 0,084
geração térmica substituída (t CO2 eq)
Ganho total em emissões (t CO2
0,243 1,148
evitada/t RSU)
Produção de energia (kWh/ton) 274,5 71,8
Conservação de energia pela
28,2 679,5
reciclagem (kWh/ton)
Benefício energético (kWh/ton) 302,7 751,2
Investimento inicial (R$/ton.dia) 400 mil 290 mil
Custo operacional (R$/ton processada) 100 70

Você também pode gostar