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Tese Anarcocapitalista
As teorias de propriedade que serão abordadas
adiante são aquelas nas quais há um critério de
apropriação original, de forma que este [critério]
tenha a possibilidade de ocorrer em um sistema
intersubjetivo de interações puramente privadas –
isto é, no estado de natureza. Nessa categoria, então,
pode-se encaixar a tese Lockeana:
Every man has a property in his own
person. This nobody has any right to but himself.
The labour of his body and the work of his
hands, we may say, are properly his.
Whatsoever, then, he removes out of the state
that Nature hath provided and left it in, he hath
mixed his labour with it, and joined to it
something that is his own, and thereby
makes it his property.
LOCKE, John. The Two Treatises of
Government, Bk II, Chap 25
A tese Hegeliana (incompleta):
The points made so far have been mainly
concerned with the proposition that
personality (will) must be embodied in an
object in order to turn it into a propriety.
Now the fact that the first person to take
possession of a thing should also be its
owner is an inference from what has been
said. The first is the rightful owner, however,
not because he is the first but because he is a
free will, for it is only by another’s succeeding
him that he becomes the first.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Elements
of the Philosophy of Right.
A tese Hoppeana:
Further, if one were not allowed to
appropriate other resources through
homesteading action, i.e., by putting them to
use before anybody else does, or if the range
of objects to be homesteaded were somehow
limited, this would only be possible if ownership
could be acquired by mere decree instead of by
action. However, this does not qualify as a
solution to the problem of ethics, i.e., of conflict-
avoidance, even on purely technical grounds, for
it would not allow one to decide what to do if
such declarative claims happened to be
incompatible. More decisive still, it would be
incompatible with the already justified self-
ownership, for if one could appropriate
resources by decree, this would imply that one
could also declare another person’s body to be
one’s own. Thus, anyone denying the validity of
the homesteading principle—whose recognition
is already implicit in arguing two persons’
mutual respect for each other’s exclusive control
over his own body—would contradict the
content of his proposition through his very act of
proposition making.
HOPPE, Hans-Hermann. The economics
and ethics of private property.
O Defeito do Labor
A teoria Lockeana de propriedade nos diz que,
ao gastar esforço para a aquisição de um objeto,
primordialmente não adquirido, de forma em que seja
misturado o labor de alguém a este objeto, gerar-se-
ia, assim, um direito de propriedade sobre este, de
modo que os demais não poderiam mais dele fazer
proveito. Contudo, deve-se atentar para o fato de que
o esforço para conseguir algo é muitas vezes
desperdiçado, logo, é uma instância indiferente para
a aquisição.
Alguém capturando um pássaro que eu venha
tentando esforçadamente capturar não me fez nada
de errado, já que tudo que ele fez foi um exercício de
sua liberdade, e não me privou de nada que antes eu
não tinha: seu direito protege apenas o que você já
tem, e não pode gerar um direito a nada mais. Cansar
o pássaro (meu esforço) causa um efeito no qual me
permite que, agora, eu consiga capturá-lo, mas
assim como todos também podem. Em não
conseguir completar meu objetivo, eu apenas falhei
para com a minha finalidade,desperdiçando, assim,
meu esforço.
Meu esforço (ou labor) usado em um objeto me
concede, no máximo, o direito ao produto do meu
trabalho: o objeto aperfeiçoado. Mas o direito de
trabalhar em X objeto, tornando-o um objeto
aperfeiçoado, é apenas legítimo se eu já
tivesse anteriormente o direito de limitar os outros
ao objeto em que trabalho (isto, é a propriedade
dele), ou seja, o direito aos frutos do meu trabalho
funda-se somente nos objetos nos quais eu já tenho
o direito de trabalhar. Logo, este ato não pode ser
justificado para legitimar um direito a ele – o labor
em si não desempenha nenhum papel na
reivindicação de uma propriedade.
O Defeito Humeano
O problema em evidência é: enunciados
descritivos puramente factuais somente podem
vincular ou implicar outros enunciados descritivos
factuais e nuncanormas, pronunciamentos éticos ou
prescrições para se fazer alguma coisa (atenha-se
ao fato de que direito é poder limitar as ações
externas dos demais, logo, uma norma.) Ao
observarmos uma sequência lógica de como se
deduz a legitimidade de uma propriedade usando a
apropriação como conceito chave, temos este
resultado:
P1 Sou o primeiro usuário deste
objeto; (premissa factual)
P2.1 Misturo-o com meu labor
(Locke); (premissa factual)
P2.2 Acrescento a ele minha vontade
(Hegel/incompleto); (premissa factual)
P2.3 Faço o [primeiro] uso dele
(Hoppe); (premissa factual)
P2.4 Declaro que vou continuar a usá-lo a fim
de que seja meu (Kant/incompleto). (premissa
factual)
∴ Logo, este objeto é legitimado como minha
propriedade. (premissa normativa)
Nada mais, nada menos, que o problema
apresentado por Hume faz-se tornar a apropriação
sujeita a ele, uma vez que P1 e [as variações de] P2
são postas como proposições empiricamente
factuais, não se tornando possível a derivação
legítima da conclusão normativa apresentada.
O Defeito da Vontade Unilateral
A vontade unilateral como instância da forma
que é apresentada nessas teorias nos deixa com
uma pergunta martelando na cabeça: como a
decisão de apenas uma pessoa poderia vincular as
outras? Não poderia. Isso porque mesmo a relação
de propriedade podendo ser explicada
completamente no estado de natureza, objetos não
podem ser adquiridos apenas sob uma vontade
unilateral, e isso é consequência do fato paralelo em
que duas pessoas não podem, através do seu
consentimento, mudar os direitos de uma terceira.
Isto é, uma pessoa não pode mudar o direito
de ninguém mais.
Mas o que testifica esse fato? Ora, a
possibilidade de ter algo como propriedade de
alguém é fundamentada no uso desta para atender
às finalidades humanas, e isso
significa excluir qualquer condição na qual todos os
outros precisam necessariamente consentir com
qualquer aquisição alheia para que ela possa ser
válida. Do contrário, essa condição insinuaria que o
uso de objetos disponíveis dependesse da vontade
das pessoas, sujeitando, assim, todos à vontade de
uma pessoa privada, tornando-nos meros meios, o
que vai contra a dignidade da pessoa humana (‘’Age
de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua
pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e
simultaneamente como fim e nunca simplesmente
como meio.”) – nosso direito inato de sui juris.
Então, a abordagem de Locke, ou a análise
apresentada pelos demais autores da maneira citada
sobre propriedade, falham na tentativa de responder
como umapessoa tem o direito de pôr outra sob
obrigação, mesmo que a aquisição unilateral não fira
materialmente o direito de outros.
O Defeito da Exigência de
Direitos
O tópico passado meditou na possibilidade de
pôr outros sob novas obrigações, este focalizará no
argumento da garantia de propriedade: o direito de
exigir e assegurar esses direitos [já existentes].
Tendo em mente que todo direito é um título
para coagir, imagine que S1 adquiriu propriedade de
X; e S2 de Y – isso em um sistema intersubjetivo de
interações puramente privadas. Nesse processo, não
há nenhuma controvérsia na indicação de o que é de
quem: S1 reconhece que Y é da posse de S2, e
S2reconhece que X é da posse de S1. Tudo parece
estar certo, não é? Mas não é bem assim: o problema
em questão é que, nesta situação, nem S1 nem
S2 têm a certeza de que um vai abster-se de
interferir em seus respectivos bens. E, como
consequência, nenhum deles tem a obrigação de
abster-se dos bens alheios. Dessa forma, ninguém
tem o direito de usar força para restringir outros de
sua propriedade em uma condição de estado de
natureza, então ninguém tem a obrigação de abster-
se de interferir na propriedade dos outros.
Ninguém, porquanto, tem a obrigação de deixar
objetos externos pertencentes a outros intactos, a
menos que todos os outros lhe garantam que se
comportarão de acordo com o mesmo princípio em
relação ao que é dele. Disso, segue-se: o argumento
de garantia nos mostra que os direitos adquiridos
não são assegurados e, por isso, nem exigíveis em
um estado de natureza, de modo que qualquer
tentativa de impô-los é uma força unilateral a que
outros podem resistir com direito.
Mas por que essa resistência é legítima? Pela
mesma justificação do problema da instituição de
apenas uma vontade unilateral: sujeitar-se à
imposição de uma força unilateral alheia seria
rebaixar-se à condição de mero meio, contrariando,
novamente, o direito inato à humanidade.
O problema da garantia destaca-se a partir do
momento em que os nossos direitos em relação às
coisas de que não estamos em posse empírica estão
em tensão uns com os dos outros, isto é, eu [em um
estado de natureza] tenho direito de pegar quaisquer
coisas que não estão na posse física de alguém,
mesmo aquilo sendo [considerado por ela] dela. Um
segundo problema se estabelece quando você se
abstém de pegar o que é meu, sem garantia de que
eu farei o mesmo, o que significa que você está me
permitindo usar o que é seu sujeitado às
minhas finalidades. Então, se qualquer um de nós
nos abstivermos de tomar o que pertence ao
outro sem garantia, restringiremos nossa escolha
com base apenas na vontade particular do outro,
mas ninguém pode legitimamente ser obrigado a
servir às finalidades de outro unilateralmente; assim
como o julgamento unilateral não pode ser uma lei
para outra pessoa.
Por mais que, na situação exemplificada,
S1 não esteja agindo ilegitimamente para com S2 e
nem vice-versa, eles estão, contrariamente, agindo
ilegitimamente um com o outro por permanecerem
em uma condição não-legítima, isto é, uma na qual
ninguém é assegurado do que lhe é próprio contra
violência. Sem garantia, a primeira execução dos
contratos é uma instância de um problema moral
muito mais geral: qualquer ato feito com base na
reivindicação de outra pessoa a um objeto externo é
uma instância de servir às finalidades de outra. É,
todavia, permitido servir aos propósitos de outrem,
mas cada pessoa tem o direito de decidir com quem
cooperar, portanto, não pode haver obrigação de
fazê-lo.
Sem uma obrigação de direito, ninguém está
sob quaisquer obrigações no tangente a objetos
externos da vontade alheia, e ninguém tem o direito
de exigir quaisquer direitos adquiridos que ele [supõe
que] tem. Os direitos são a faculdade de coagir. Ora,
mas enquanto permaneçam no estado de natureza
ninguém tem o direito de exigi-los coercitivamente.
Logo, todos os direitos a objetos externos no estado
de natureza são meramente provisórios.
Uma propriedade provisória é o direito de usar
força para excluir outros de um objeto
externo enquanto você tem posse empírica deste; e
mesmo que posse física lhe dê a faculdade
provisória, seu direito de uso da força é limitado para
o caso no qual interferir no seu objeto de posse
significa interferir no direito inato de sua pessoa.
Qualquer outro uso de força para proteger um objeto
contra outra é apenas agressão contra essa pessoa,
que (novamente) pode ser resistida com o direito.
Direito Provisório
O ato original pelo qual se poderia tomar posse
de uma parcela específica de terra estabelece
apenas o que é chamado de “título empírico” para o
objeto em questão (a parcela de terra). E, no entanto,
para que este título seja legítimo, um “título
intelectual” deve corresponder ao ato original, i. e.,
um título que indica a reivindicação de ocupação de
propriedade da terra além dos limites de espaço e
tempo. A posse inteligível da terra deve, portanto, ser
legitimamente estabelecida. Este direito autorizaria o
portador a colocar outros sob a obrigação de abster-
se de usar o objeto retratado. Mas essa
obrigação deve ser tanto recíproca quanto
universal. Nenhum desses requisitos pode ser
satisfeito se o ato original de aquisição for somente a
expressão de uma vontade unilateral.
E é aí que se encontra o
problema: ninguém pode legitimamente ser obrigado
a servir às finalidades de outro unilateralmente. Sem,
então, uma obrigação de direito, ninguém está sob
quaisquer obrigação em respeito aos objetos
externos e, por isso, ninguém tem o direito de exigir
quaisquer direitos adquiridos que eles (supõem que)
têm. Ora, o direito é uma faculdade de coagir, mas se
ninguém pode legitimamente fazer o uso desta
faculdade coercitiva através de somente uma
vontade unilateral, segue-se que, como resultado,
todos os direitos à reivindicação de objetos externos
no estado de natureza são meramente provisórios.
Direito Peremptório
Para, então, um objeto externo ser adquirido
como propriedade, isto é, a fim de que ele passe de
um título empírico e provisório para um título
inteligível e peremptório, é necessário que essa
obrigação de direito seja tanto recíproca como
universal. Ou seja, entrar em uma condição na qual
cada um possa ter seguro o que é dele, por meio de
uma Vontade que coloque todos sob uma obrigação
[universal e recíproca]. Portanto, apenas uma
Vontade coletiva geral pode proporcionar a todos
essa garantia, porque somente ela pode acomodar
incentivos sistemáticos em relação à posse de
outros.
A obrigação recíproca e universal exige que o
ato original de aquisição não seja simplesmente a
expressão de uma Vontade individual, mas sim de
uma Vontade que seja omnilateral, que é unida não
contingentemente, mas a priori e,
portanto, necessária. Portanto, para que os
indivíduos justifiquem a aquisição e a posse de
algum objeto, sua Vontade deve ser entendida como
unida a essa vontade omnilateral. O ato originário de
aquisição, portanto, não é um ato solitário, mas sim o
ato de vontade geral.
Mas o que significa uma Vontade que é unida a
priori e assim necessária? O que une a vontade de
um com seus semelhantes é o fato de que, em
qualquer parte do planeta, quando ocorre a
apropriação de algo por alguém, é feito um exercício
de escolha como afirmação e reconhecimento do
conceito inteligível de posse. Na apropriação
originária, é sustentado que o objeto em questão é
adquirido de uma maneira que transcende os limites
do emprego da força bruta e ultrapassa os limites
empíricos de espaço e tempo. Ao proceder desse
modo, o agente jurídico encontra-
se automaticamente conectado com o Princípio Geral
do Direito e está autorizado a usar a força
legitimamente – pois esse é o Princípio que constitui
a base da própria concepção da posse inteligível.
E isso, por sua vez, significa que, no ato de
tomar posse de algo, é reconhecido e consentido a
natureza universal e reciprocamente vinculativa
deste princípio. Como resultado, no mesmo
momento em que alguém está adquirindo alguma
propriedade, também está afirmando que ele
reconhecerá a legitimidade da propriedade
legitimamente obtida dos outros e cumprirá as
restrições que isto implica. Qualquer ato de
aquisição legítima, então, consente com a natureza
universal e recíproca do conceito de posse inteligível.
Sendo assim, quando um implanta uma
reivindicação de algum bem e, assim, garante que
alguém tenha o direito de usar a força coerciva na
defesa dessa propriedade, este alguém está,
simultaneamente, colocando sobre si mesmo a
obrigatoriedade de reconhecer a legitimidade de tais
reivindicações por outros. É o caráter necessário de
colocar-se sob essa obrigação em cada ato de
aquisição que une cada uma dessas expressões da
Vontade, formando-as assim em uma Vontade geral;
uma Vontade que é objetiva, alcançada através do
bem maior para formalizar o conceito de posse
inteligível em si. Nesse sentido, pode-se dizer que a
estrutura do ato original de aquisição é ao mesmo
tempo unilateral e omnilateral. Ou seja, a Vontade
unida a priori há de ser implícita em um ato de
aquisição para que este se torne legítimo.
Dessa forma, adquirir o direito a um objeto é
agir sob a concepção de um acordo com outros, na
qual o conceito de posse inteligível seja afirmado e
assim reconhecido como uma norma vinculativa que
rege tal conduta. É somente sob esta norma que o
“título empírico” inicial para objetos adquiridos pode
se tornar um “título racional de aquisição”. Este título
é, então, uma expressão de uma Vontade geral unida
e, portanto, algo externo pode ser originalmente
adquiridosomente em conformidade com a ideia de
uma condição civil. A aquisição original pode de fato
ter lugar, mas sua reivindicação de propriedade, no
sentido genuíno da posse não empírica, depende do
pressuposto de que é um ato unido à Vontade geral
de toda a comunidade, estabelecendo uma
autoridade civil.
Três Defeitos no Estado de
Natureza
O Estado reivindica poderes que nenhuma
pessoa privada poderia ter, e esses poderes têm de
ser sujeitos a um limite fundamental. Antes de
qualquer questão sobre este limite, há a justificação
desses poderes: como pode uma instituição, liderada
por seres humanos falhos, ter o direito de mudar a
condição normativa das pessoas, sendo que
nenhuma dessas pessoas tem esse poder por si só,
coexistindo com o direito que todos têm de ser
independentes da escolha de outrem?
A abordagem de Kant na autoridade política é
reflexo da sua explicação da transição do direito
privado ao público, mostrando a necessidade de sair
do estado de natureza usando apenas argumentos a
priori para fazê-lo.
O estado de natureza é entendido como um
sistema de puro direito privado, contando apenas
princípios morais que governam a interação entre
pessoas privadas; sem leis públicas. Por isso, é
moralmente incoerente do ponto de direitos, em três
formas diferentes:
Defeito Legislativo
Kant usa propriedade como chave de uma
análise na qual proporciona um argumento direto e
poderoso contra a visão Lockeana de que os direitos
à propriedade estão completamente conclusivos no
estado de natureza.
Voltando à pergunta feita inicialmente: como a
decisão de uma pessoa vincula as outras?
Primeiro, o argumento Kantiano mostra que é
possível ter algo como propriedade de alguém,
fundamentando o uso desta para atender
às finalidades humanas. Isso, então, exclui qualquer
requisito que todos os outros consintam em
qualquer aquisição, do contrário, esse requisito
implicaria em que o uso de objetos usáveis
dependesse das escolhas de outras pessoas, e isso
seria sujeitar todos à escolha de cada pessoa
privada como mero meio.
Segundo, Kant argumenta contra a tese de que
o direito à propriedade é entendido como extensão
do direito de sui juris. Como, por exemplo, a
explicação unilateral em Locke com um link sujeito e
objeto através de labor; ou na análise em Hegel de
pôr sua vontade em algum objeto. Essas abordagens
representam a obrigação de respeitar a propriedade
alheia como instância de respeitar o direito daquela
pessoa de ser senhor de si. Mas ambas as teses não
podem explicar o porquê de tais atos de relação
própria mudar o direito de outrem. Mesmo que a
aquisição unilateral não fira o direito de outros, falha
em responder como uma pessoa pode colocar outra
sob obrigação.
Terceiro, Kant introduz uma abordagem de
aquisição unilateral: a transição de um objeto res
nullius para propriedade de alguém depende de um
ato unilateral de apropriação. A aquisição de
propriedade não é nada mais que uma mudança de
status de ser algo sujeito à escolha de ninguém para
ser sujeito à escolha de alguém em particular. O ato
afirmativo de aquisição requer simplesmente que
objeto esteja sob seu controle e seja dado um sinal
de que você tem a intenção de continuar
controlando-o, e transformar seu ato em
conformidade com a ‘’vontade geral.’’ Mesmo que
uma pessoa adquira um objeto de sua própria
iniciativa sem consultar outras pessoas, o poder de
fazê-lo requer uma vontade omnilateral que faça tal
ato unilateral poder vincular os demais.
Então, surge uma questão: por que eu sou
vinculado por um ato unilateral? Seu direito inato
evita que eu interfira nos seus atos, mas isso não
significa que seus atos têm mais consequências nos
meus direitos.
Seu ato de aquisição determina que você tem o
direito de excluir os outros daquele objeto mesmo
quando você não está o usando (mudando a
condição normativa das pessoas). Seu direito de
exclusão é estabelecido através de um ato unilateral,
mas o mero fato do ato ser unilateral faz surgir a
questão do porquê ele pode me vincular, já que uma
vontade unilateral não é lei para mais ninguém.
Há muitos outros atos unilaterais capazes de
mudar as condições de outra pessoa (ocupar um
campo de tênis para minha prática, um campo de
futebol público para nosso jogo; patentear algo como
minha invenção, comprar uma estampa que muitos
estavam guardando dinheiro pra comprar) de forma
moralmente aceitas. Mas os exemplos mostram o
ponto Kantiano da necessidade de uma autorização
omnilateral para mudar não apenas as condições de
outros, mas seus direitos. A maioria desses
exemplos nem poderia ocorrer em um estado de
natureza. Logo, ter essa vontade pressupõe um
direito de propriedade antecedente e estabelecido
publicamente, isto é, uma ‘‘vontade legal’’ pressupõe
instituições públicas com direito a tornar sua
escolha vinculativa.
A aquisição original de propriedade coloca
outros sob novas obrigação. Então, como um ato
feito inteiramente em sua própria iniciativa, da qual
os outros não fazem sequer parte, tem um efeito
vinculante neles? A resposta de Kant foca em
autorização pública. O aspecto unilateral da
aquisição é que uma pessoa muda o status
normativo da outra. Essa aquisição ocorre da
seguinte forma: 1) tendo posse de um objeto de
escolha empiricamente, para que essa posse possa
vir a se tornar posse não apenas empírica, mas agora
fenomênica. 2) Dando um sinal (declaração) da
minha posse do objeto e de meu ato de escolher
excluir os demais dele. 3) Apropriação, como ato de
uma ‘‘vontade geral’’ pondo uma lei externa na qual
todos são vinculados a concordar com minha
escolha.
O terceiro tópico é crucial para o argumento do
direito público: é apenas se minha escolha for
exercida à luz de um poder conferido publicamente
para apropriar que é possível vincular os outros, além
da minha posse física do objeto. Uma “lei
permissiva” que me autoriza a adquirir objetos faz
com que um mero ato permissível e unilateral tenha
consequências legítimas para os demais, uma vez
que seria também um exercício e um poder
concedidos publicamente por todos. Ora, como a
autoridade pública tem o direito de conferir a mim e a
todos esse poder, então meu exercício específico
desse poder está também no nome de todos, ou seja,
uma autoridade pública é necessária para autorizar
alguém à aquisição de objetos, porque isso muda a
condição normativa dos demais.
Esse argumento não é para mostrar que um
acordo aconteceu, ou que seria o ideal, mas mostra
apenas a forma com que a autorização pública em
nome de todos é requerida para firmar apropriação
privada. Propriedade privada requer um direito
público porque se tratam de instâncias de um único
problema que tem um elemento incontestável e
irredutivelmente público, ou seja, o direito privado é
apenas legítimo em um contexto público: minha
apropriação pode mudar sua condição legal apenas
se todos tiverem conferido um poder para que eu me
aproprie.
A solução para o problema de uma vontade
unilateral é, então, uma vontade omnilateral, através
da qual todos autorizam a apropriação. Uma
permissão omnilateral para apropriar faz da
apropriação privada legítima, então dá o direito a
uma pessoa privada vincular os outros através de
um ato unilateral. Isto é, apenas o ato é unilateral,
mas a autorização para este ato é omnilateral, do
contrário, não haveria um direito geral de compelir os
membros a aceitá-la [a apropriação do objeto].
Defeito Executivo
O argumento da propriedade em foco é o poder
de pôr outros sob novas obrigações, mas o foco do
argumento da exigência legal é o direito de exigir
esses direitos [já existentes]. Todo direito é um título
para coagir e uma parte de um sistema de direitos
sob uma lei universal, e Kant mostra que esses
aspectos de direito só podem ser reconciliados
através de asseguração pública.
Imagine que alguém de alguma forma adquiriu
propriedade e não há controvérsias sobre o que
pertence a quem. Nessa situação, sem coação
pública, as pessoas não têm a certeza de que outros
vão abster-se de interferir em seus bens e, como
resultado, não têm obrigação de abster-se dos bens
alheios. O pensamento básico é que, sem tal sistema,
ninguém tem o direito de usar força para excluir
outros de sua propriedade, então ninguém tem uma
obrigação exigível de abster-se de interferir na
propriedade dos outros.
Kant introduz a ideia de garantia
argumentando ‘‘Por conseguinte, não tenho a obrigação
de deixar objetos externos pertencentes a outros intactos,
a menos que todos os outros me garantam que se
comportarão de acordo com o mesmo princípio em
relação ao que é meu.’’ Em vez disso, os direitos a
objetos externos de escolha são apenas
consistentes em uma condição civil, porque é
“apenas uma vontade que obriga todos a serem
obrigados, portanto, a apenas uma vontade geral
coletiva (comum) e poderosa, que pode proporcionar
a todos essa garantia.” Segue-se, então: o
argumento de garantia mostra que os direitos
adquiridos não são exigíveis em um estado de
natureza, de modo que qualquer tentativa de impô-
los é uma força unilateral que outros podem resistir
com direito.
Ele mostra isso usando Ulpian na forma de
imperativos:
Conclusão
O estado de natureza, para Kant, é uma ideia e
não um fato do passado, sendo caracterizado como
uma situação não de injustiça, mas de ausência de
justiça (justitia vacuus), na medida em que não há
um juiz competente para decidir os casos
controversos (o que não significa total ausência de
direito). Neste estado, “embora cada um, segundo
seus conceitos de direito, possa adquirir alguma
coisa exterior por ocupação ou contrato, esta
aquisição é apenas provisóriaenquanto não contiver
a sanção de uma lei pública, porque não é
determinada por nenhuma justiça [distributiva]
pública e garantida por nenhum poder que exerça
este direito”. A diferença entre estado de natureza e
estado civil consiste no fato de que, no último, há
uma legislação pública, justiça distributiva e um
poder coercitivo, de modo que as leis sejam
obedecidas. Mas nos dois estados há o direito de
aquisição das coisas exteriores e, mais ainda, “as leis
sobre o meu e o teu no estado de natureza contêm o
mesmo que elas prescrevem no estado civil, na
medida em que este é pensado somente segundo
conceitos da razão pura”. No estado civil, entretanto,
há a possibilidade de realização do direito natural, e
o que era provisório pode tornar-se peremptório.
Os três problemas nesse estado de natureza
são distintos. Mesmo que as regras sejam fixas, elas
podem ser aplicadas de maneira diferente aos casos
particulares. Mesmo que o título não esteja em
disputa, fora de uma condição legítima, as pessoas
não têm obrigação de abster-se da posse de outros
(a menos que interfira na pessoa). E mesmo que
exista um mecanismo de execução e nenhuma
disputa sobre detalhes, sem legislação geral, o ato de
apropriação de uma pessoa não vincula os outros.
Os três argumentos geram três braços
independentes, mas coordenados: o legislador deve
autorizar todos os atos que alterem, apliquem ou
demarquem direitos; o executivo deve fazer valer os
direitos de acordo com a lei, e o judiciário deve
decidir disputas e autorizar indenizações, novamente
de acordo com a lei.
Portanto, a justificativa da autoridade
política deriva da natureza provisória dos direitos em
abstração de uma condição civil. Em um estado de
natureza, ninguém é obrigado a abster-se de invadir
o que outro possui se o outro não lhe dá nenhuma
garantia igual de que ele irá obedecer à mesma
restrição em relação a ele. O que aconteceria nesse
estado seria deixar tudo à mercê da justiça do mais
forte – a violência. A autoridade política legítima só é
possível através da ideia de um contrato civil. Fora
de tal, um não é capaz de exercer o poder da coerção
legítima, senão apenas de submeter sua liberdade à
situação ilegal de violência. Na verdade, essa
violência dissolveria a própria possibilidade de
liberdade. Por isso, a legitimidade da ideia da
autoridade política como uma máxima reguladora da
razão baseia-se nesta demonstração de que o
conceito racional da posse inteligível e, mais
especificamente, a sua aplicabilidade aos objetos do
direito externo só são possíveis sob essa norma.
Como tal, a normatividade da autoridade
estatal surge da necessidade da razãohumana,
em seu emprego prático, de adquirir e fazer uso de
objetos externos. O consentimento para tal
autoridade é dado, como mostrei, no próprio ato de
apropriação e, além disso, esse consentimento é a
condição a priori para a possibilidade de posse
inteligível. Desta forma, a abordagem do exercício da
liberdade prática no ato de aquisição
original constitui necessariamente uma dedução
transcendental da autoridade política.
No estado de natureza pode-se, então, ter ou
adquirir algo legitimamente (por ser um direito
natural/racional/privado), mas, por outro lado, tal
aquisição é provisória porque a vontade geral não é
ainda efetiva (por ser um direito adquirido). Para
garantir a cada um sua propriedade, então, é
necessário que haja uma legislação proveniente da
vontade geral e um poder coercitivo que a execute. A
instituição do estado jurídico, do estado civil e da
autoridade política, está intimamente vinculada à
necessidade da garantia da propriedade; na medida
em que é demonstrada a possibilidade da
propriedade já se abre caminho para a exigência de
se sair do estado de natureza e entrar no estado civil.
A necessidade de se sair do estado de
natureza, então, não está fundada na busca da
autoconservação, não provém da observação
empírica dos conflitos entre os homens, mas é uma
exigência racional a priori. Esta exigência vincula-se
ao postulado prático-jurídico que afirma a
possibilidade de se ter algo como seu, pois “se é
juridicamente possível ter um objeto exterior como
seu, então deve ser também permitido ao sujeito
constranger todos os outros com os quais ele pode
entrar em conflito em relação ao meu e ao teu sobre
um tal objeto, e, por isso, entrar com ele numa
constituição civil”. Da mesma forma, como a
aquisição, mesmo provisória, se funda no postulado
prático-jurídico, um princípio do direito privado
autoriza o exercício da coerção para fazer com que
os outros homens entrem juntos num estado civil
que garanta a aquisição, tornando-
a peremptória. Desta forma, “do direito privado no
estado de natureza provém o postulado do direito
público: tu deves, em virtude da relação de uma
coexistência inevitável com todos os outros, sair deste
estado para entrar no estado jurídico, ou seja, naquele de
justiça distributiva”.
“Uma pessoa coloca sua Vontade em uma
coisa – isso é apenas o conceito de propriedade,
e o próximo passo é a realização desse conceito.
O ato interno da vontade que consiste em dizer
que algo é meu também deve ser reconhecido
pelos outros. Se eu fizer uma coisa minha, dou-
lhe um predicado, “meu”, que deve aparecer nele
de forma externa e não deve simplesmente
permanecer na minha Vontade interior. Muitas
vezes acontece que, por exemplo, as crianças
colocam como preferência a sua Vontade prévia
à apreensão de uma coisa para eles do que para
os outros. Mas, para adultos, essa Vontade
não é suficiente, uma vez que a forma de
subjetividade deve ser removida e deve
ultrapassar o subjetivo para a objetividade.’’
(HEGEL)
REFERÊNCIAS
LOCKE, J. The Two Treatises of Government: Book
II. England: Awnsham Churchill, 1681.
HEGEL, G.W.F. Elements of the Philosophy of Right.
England: Cambridge University Press, 2003.
KANT, I. The Metaphysics of Morals. Germany:
Cambridge University Press, 1797.
HOPPE, H. The economics and ethics of private property.
Auburn, Alabama: Ludwig von Mises Institute, 2006.