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CURSO DE
FINANÇAS PÚBLICAS
Uma Abordagem Contemporânea
SAO PAULO
EDITORA ATLAS S.A. - 2015
© 2014 by Editora Atlas S.A.
Bibliografia.
ISBN 978-85-224-9690-7
ISBN 978-85-224-9691-4 (PDF)
14-12539
CDU-34:336
1 Essa é uma das mais citadas passagens dos "Federalist Papers". Está no Federalist ns 51 (“A estrutura do
governo deve conter pesos e contrapesos adequados entre os diferentes departamentos”) : “Jf men were angels,
no governments would be necessary. If angels were to govern men, neither externai nor internai Controls on government
would be necessary. In framing a government which is to be administered by men over men, the great difficulty lies in this:
you mustfirst enable the government to control the government; and in the next place oblige it to control itselj ” (p. 1690-
1691, Ibooks edition).
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De fato, o interesse comum é atingido, afinal todos são abastecidos, sem interferên
cia do governo ou de qualquer entidade de coordenação. Apenas o autointeresse moveu
os produtores: "Ele pretende apenas seu próprio ganho e, nisto, e como em muitos
outros casos, é levado por uma mão invisível a promover um fim que não era parte de
sua intenção.” (tradução e grifos nossos)
Na visão de Adam Smith, portanto, o Estado atuaria apenas para atender o que a
"mão invisível” não conseguisse. Smith buscava combater o mercantilismo, que promo
via substanciais intervenções na economia, protegendo fortemente certos setores, proi
bindo a produção de diversos produtos, decidindo que atividades seriam empreendidas.
Por óbvio, o sistema gerava muitas inefíciências e abria amplas margens para corrupção.
A mão invisível de Adam Smith foi demonstrada formalmente a partir de idéias de
equilíbrio geral de Leon Walras, um economista e matemático francês do século XIX,
defensor do livre mercado.2 O equilíbrio eficiente a que os mercados livres chegam é
cercado de uma série de hipóteses - empresas e consumidores maximizam utilidade, os
produtos são homogêneos, não há poder de monopólio, entre outras simplificações. O
equilíbrio é eficiente, porque não se consegue melhorar a posição de ninguém sem pio
rar a situação de outros (eficiência de Pareto), mas não significa que todos estejam em
boa situação. O equilíbrio pode implicar que alguns ficam com 10 e outros com apenas
1, assim como poderia ser igualmente eficiente um equilíbrio em que ambos os partici
pantes ficassem com 5 cada um. Questões distributivas, portanto, não fazem parte das
considerações sobre eficiência nos modelos de equilíbrio. O mercado produz bem, mas
não necessariamente distribui bem.
Adam Smith, no entanto, enxergava um papel relevante para o Estado na pro
dução. Se é o autointeresse que move as pessoas, haverá atividades que precisam
ser desenvolvidas que não despertarão o autointeresse (porque são pouco lucrati
vas, envolvem elevados riscos, exigem investimentos muito altos ou apresentam prazos
de maturação muito longos). Além disso, o Estado deveria, em certos casos, providen
ciar os meios para que o autointeresse florescesse. Nesse sentido, reservar-se-iam para
o Estado as funções de defesa nacional, justiça e segurança e infraestrutura econômica.
Note-se que na visão de Smith já estão as sementes das análises de falhas de mercado
e o conseqüente papel do governo que seriam sistematizados quase duzentos anos de
pois, principalmente por Paul Samuelson (1955, 1958) e muitos outros autores que se
seguiram (Musgrave, 1959, Stiglitz, 1988, só para citar dois).
Embora antigo, o debate sobre o papel do Estado na economia permanece extre
mamente atual, como exemplifica a reportagem de 23 de janeiro de 2010, na revista
The Economist, em que se alerta para o crescimento do governo no mundo capitalista na
Schumpeter (1954) chegou a escrever que considerava Walras o maior economista de todos os tempos.
Estado, sociedade e economia 7
primeira década do século XXI. É que após o apogeu das idéias liberais nos anos 1980
e 1990, o intervencionismo estatal recrudesceu com força. Nos Estados Unidos, por
exemplo, após o gasto público continuamente cair até situar-se abaixo dos 35% do PIB
em 2000, ele voltou a elevar-se desde então, alcançando 42% do PIB em 2010. No Reino
Unido, o crescimento foi ainda mais dramático, de 37% do PIB em 2000, para 53% do
PIB em 2010! Mesmo na França, onde o movimento liberal não teve tanta força, após
cair 2% do PIB a partir de 1995 até 2000, quando a participação do governo voltou a
subir para situar-se em 55% do PIB em 2010.
A revista alerta ainda que, além da expansão dos gastos públicos, o aumento da
intervenção governamental tem se dado pelo con<iderável crescimento da regulação
governamental: sete mil novas páginas de regulação federal apenas no Governo Bush,
localizadas principalmente em segurança pública e combate ao terrorismo, após os
ataques de 11 de Setembro, e no sistema financeiro, pós-crise de 2008, já no governo
Obama. Fenômenos semelhantes se deram no Reino Unido.
O tema é recorrente nas páginas da The Economist. Reportagem de capa de 21 de
janeiro de 2012 tratou em detalhes da ascensão do que chamou de "capitalismo de Es
tado” nos países emergentes. A matéria é basicamente uma crítica ao crescimento das
empresas estatais na China, índia, Rússia e Brasil, que ampliaram substancialmente
a participação nas economias desses países nos 15 anos antecedentes. Aponta-se que
80% do valor do mercado de ações da China é de empresas estatais (62% na Rússia) e
que um terço do investimento direto nos países emergentes entre 2003 e 2010 é de em
presas estatais. A revista caracteriza essas empresas como corporações híbridas, de pro
priedade estatal, mas comportando-se como multinacionais do setor privado. No Brasil,
refere-se à crescente importância da Petrôbras, à interferência do governo na Vale, que
foi privatizada nos anos 90, e ao incentivo governamental - inclusive com créditos do
BNDES - para que empresas privadas menores se fundam para formar "Campeões na
cionais,” empresas brasileiras com capacidade de competir globalmente.
Qual seria, então, o papel mais adequado para o Estado? Produtor direto, regulador
(e em que grau de regulação) ou um Estado que interfere minimamente, Inhitandõ-se a
definir as regras do jogo e assegurar que elas sejam cumpridas, mas sem participar dire
tamente da economia ou participando apenas em casos extremos, como na formação de
infraestrutura econômica? A questão não tem resposta óbvia ou única. Ao longo da his
tória, formularam-se diferentes concepções, variando imensamente as funções no tempo
e conforme o lugar. O século XVI, por exemplo, representou o auge do mercantilismo,
com o Estado interferindo largamente nas decisões econômicas - o que produzir, como
produzir, para quem produzir - o século XIX e o começo do século XX foram o auge do
liberalismo econômico, apogeu da influência das idéias de Adam Smith e David Ricar
do. Os fisiocratas, primeira escola de pensamento econômico sistematizado, no século ,
XVlll, criadores do Tabíeau Éconnmique. foram os precuisores das idéias I f ^ ^ s eâitiiiz#
ram pela primeira vez o famoso termo laissez-faire, que consiste em um dos mais signifi-
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cativos pilares da economia liberal, preconizando para deixar a economia operar por suas
próprias leis, com um mínimo de interferência governamental (Burbridge, 2005).
O fim da Segunda Guerra Mundial, por sua vez, assistiu à ampliação da influência
das idéias intervencionistas, Keynes como o grande teórico. O Estado passou a ser visto
como o atenuador das flutuações dos ciclos econômicos e redistribuidor da renda. O
capitalismo é tratado como um eficiente produtor de riquezas, mas incapaz de distribuir
com justiça a riqueza gerada. Além disso, sem ação governamental, crises periódicas
seriam inerentes ao capitalismo. O New Deal, nos Estados Unidos, é o grande exemplo
de políticas governamentais fortemente intervencionistas.
Até os anos 70, a hegemonia das idéias intervencionistas foi praticamente incontes
tável em grande parte do mundo não socialista, principalmente na Europa e nos Estados
Unidos, embora as vozes dos economistas liberais sempre estivessem presentes. Nesse
sentido, Milton Friedman e Friedrich Hayec, ambos ganhadores do prêmio Nobel, fo
ram os dois maiores expoentes dessas idéias no século XX.
A economia mundial cresceu a taxas elevadas e aprofundaram-se os programas de
assistência social e distribuição de renda. Nos anos 70, o modelo começou a dar sinais
de esgotamento. Após o primeiro grande choque do petróleo, em 1973, a economia
dos países desenvolvidos parou de crescer e não reagiu positivamente às políticas mo
netária e fiscal que lhes foram aplicadas. Ao contrário, tais políticas apenas trouxeram
inflação. “Estagflação” - estagnação econômica e inflação - foi o termo que caracteri
zou o período.
Como resposta, o liberalismo retornou com força nos anos 80. Privatização, desre-
gulamentação e diminuição dos programas sociais foram políticas seguidas em vários
países. O diagnóstico era a necessidade de ajuste fiscal e de ampliação de incentivos à
eficiência. O ajuste fiscal seria necessário pela premência de controlar o déficit público,
tido como a causa mais importante para a inflação, e os incentivos à eficiência adviriam
da maior exposição da indústria nacional a um ambiente econômico menos protegido,
mais exposto à competição nacional e internacional.
Além disso, muitos passaram a defender que as alíquotas de imposto estavam mui
to elevadas, o que estimulava a sonegação e diminuía os incentivos para o trabalho
duro e assunção de riscos. Nessa época, ganhou força a chamada “Curva de Laffer”,
proposta pelo economista americano Arthur Laffer, que preconizava que, por aquelas
razões, a partir de determinado patamar de alíquotas, a arrecadação começava a cair. A
ideia teve influência sobre as políticas liberalizantes de menor carga tributária e menor
participação do governo que foram implementadas pelo Presidente Ronald Reagan, nos
Éstados Unidos, nos anos 1980, e influenciaram diversos países.
Como dito anteriormente, esse movimento variou enormemente entre os países.
A liberalização, por exemplo, não atingiu os países do Leste asiático, que seguiram ao
longo dos anos 80 e 90 com fortes políticas intervencionistas, modelo para os críticos da
liberalização no resto do mundo, uma vez que eles cresceram a taxas muito superiores
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às do restante do mundo (Stiglitz, 2003 e Chang, 2008). Até que, na segunda metade
dos anos 90, o sudeste asiático também sofreu aguda crise, com forte saída de capital e
queda de 15 a 20% do PIB em alguns países nos anos seguintes. Seus modelos passaram
a ser fortemente criticados, por gerarem ineficiência e corrupção.
Chang (2008) interpreta as políticas liberalizantes de forma muito crítica. Segundo
ele, não foram essas as políticas seguidas pelos países desenvolvidos até atingirem tal
condição. Ao contrário, eles protegeram fortemente sua indústria, por meio de tarifas à
importação e subsídio aos produtores. A proteção, associada a maciços investimentos
em educação, entre outras políticas, é que levaria ao crescimento. No seu dizer, os paí
ses ricos “chutam” a escada do desenvolvimento que utilizaram, usando uma expressão
de List, economista alemão do século XIX.
Uma evidência sobre a expansão do Estado no século XX é o crescimento da carga
tributária, saindo de pouco mais de 10% do PIB no seu início, para alcançar atualmente
mais de 50% em alguns países da Europa. Mesmo com o forte movimento liberal nos
anos 1980 e 1990, a carga tributária continuou crescendo, tendo no máximo estabiliza
do em alguns países. É fato que houve profundas alterações no perfil dos impostos e dos
gastos públicos ao longo do tempo. Tanzi (2008) aponta que a tributação passou por
duas “inovações tecnológicas”: a generalização do Imposto de Renda progressivo e a in
trodução do Imposto sobre Valor Adicionado - IVA, com a notável exceção dos Estados
Unidos, que não adotaram um IVA. Além disso, impostos sobre a folha de salários, com
o intuito de financiar a seguridade social, tornaram-se muito relevantes.
Em contrapartida, do lado dos gastos públicos, houve substancial incremento dos
dispêndios voltados para os programas de assistência social, de saúde e, principalmente,
de previdência pública. +■
A crise financeira mundial que eclodiu com força em 2008 (a pior desde a crise dç,
1930, segundo o Financial Times) tornou evidente que ò Estado tem pap£l fundamental
na estabilização da economia. Sem a ação dos governos, a economia teria entrado em
colapso. Grandes bancos privados foram estatizados nos Estados Unidos, a regulação
bancária tornou-se mais restritiva, amplos pacotes de apoio foram providenciados aos
países em situação mais crítica como Portugal, Espanha e Grécia, reafirmando a impor
tância não apenas de instituições nacionais, mas de organismos supranacionais para
assegurar a estabilidade.
A crise revelou - mais uma vez - as fragilidades do liberalismo econômico. O laissez-
-faire é um formidável motor da máquina produtiva, muito mais do que qualquer outro
sistema produtivo empreendido até aqui, mas, ao mesmo tempo, gera instabilidades
constantes, presentes em vários momentos da história, mas muito mais intensas com a
integração que as modernas comunicações, principalmente a Internet, trouxeram para
os mercados financeiros. Tornou-se evidente que apenas mecanismos clássicos de in
tervenção estatal não são suficientes. Um diagnóstico comum é de que parece ser ne
cessário um Estado muito mais presente, muito mais ágil e muito mais preparado, sob
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A resposta a cada uma dessas questões não é óbvia e certamente encontrará inúme
ras reflexões.; Ao longo deste livro, vamos apresentar instrumentos que nos permitam
analisá-las de forma mais rigorosa, mas sempre mantendo a perspectiva de que não há
resposta única ou resposta correta, mas perspectivas analíticas distintas e ponderações
maiores ou menores sobre determinadas variáveis.
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