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Eu, aluna luz

Vocês já pararam para pensar o significado da palavra “aluno”? Muitos dizem que
a palavra é oriunda do latim e significa “ser sem luz” (“a” igual “ausentes ou sem” e
“luno”, que deriva da palavra “lumni”, significa “luz”). Engraçado a ironia da vida! Na
sala de aula, somos todos seres luminosos e iluminados, assim nasce um ciclo de trocas
e aprendizados repletos de significantes e significados, que levaremos por toda a nossa
vida. Não concordo então com esse “mito” do aluno sem luz, do aluno que vai para a
escola apenas aprender e nada a ensinar. Se for com essa ideia de significado utilizada
nas escolas, não vai ser algo pedagogicamente correto. Segundo Paulo Freire, toda
criança traz consigo uma bagagem, portanto ela não é um papel em branco, onde o
professor irá escrever novos conteúdos.

Por volta dos meus três anos, comecei a aprender a ler em casa nas cartelas feitas
por meus pais em papel de cartolina. As letras foram escritas e recortadas em
quadradinhos coloridos e assim eu montava minhas palavras. Assim que aprendi a
juntar sílabas, lembro de soletrar, quando saia de casa, o destino dos ônibus, cartazes,
marquises de lojas... Tudo que podia ser lido. Foi-me apresentado um novo mundo,
repleto de novidades. Não se demorou muito para eu entrar em uma escola propriamente
dita. Aos quatro anos fui estudar na escola mais perto de minha casa, Escola Sol
Nascente. Por lá fiquei até a quarta série. Minhas notas eram boas, mas tinha poucos
amigos, sempre ficava a parte de minha turma.

O bullying sempre fez parte do meu percurso, me acompanhou para a nova escola,
Colégio Bom Pastor. Esse colégio era muito maior que o outro, tinha duas quadras,
vários prédios e muitas freiras chatas que tentavam ditar nossos comportamentos. No
Bom Pastor, vivi momentos muito tristes e muito felizes. Fugia das crianças maiores,
era empurrada pelos corredores, “chacota” da turma e muitas vezes diziam que eu era a
mais feia da classe... E isso se repetia em outros ambientes. Eu fazia ballet, onde minha
situação não era diferente. Quando eu comecei a estudar piano, finalmente chegou
minha salvação. Eu ia prestar minhas aulas individuais, sem outras crianças para me
caçoarem, e depois eu ia para casa estudar. Sozinha. Muito confortável e gratificante.

No ano de 2013, aconteceu um milagre de luz. Se ela não era a própria luz, eu não
sei como toda aquela magia acontecia. Seu nome não nega, Regina Bárbara Luz, trouxe
o conhecimento, a compreensão, a maternidade, o cuidado para cada um que sentava
nas carteiras da sala do primeiro ano daquele colégio. “Alunos Luz, bom dia”, assim ela
nos chamava pela manhã, puxando uma enorme mala de rodinha vermelha, cheia de
livros, poesia e, claro, amor. Regina era amada por todos, cuidava dos alunos... E ela me
viu, notou meus talentos, minha sede de aprendizado de arte, cultura, literatura. Assim,
ela inventava mil e uma coisas diferentes para que lêssemos. Lembro, com aquela
saudade boa, do bingo da Carta de Pedro Alváres Cabral. Quem ganhava os jogos,
sempre ganhava livros! No meio de tudo isso, quando dei por mim, o bullying havia
desaparecido, eu me sentia feliz na escola, trocando livros entre os colegas e
participando de grupos de leitura improvisados pelos próprios alunos durante os
intervalos.

Enfim, enquanto muitos professores e outros profissionais da educação


direcionam seu olhar para crianças e jovens como alunos, seres sem luz, minha
professora de literatura fazia questão de nos fazer ver o quanto nós éramos seres
luminosos, “alunos luz”. Acredito que eu não fui a única a se sentir valoriza nas aulas.
Eu e outros alunos tivemos nossos lados artísticos incentivados, o que resultou em uma
gama grande de estudantes prestando vestibulares para as faculdades da área de arte.
Continuo tocando e fazendo música, e sonho em ser uma professora que consiga
compartilhar e trocar saberes.

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