Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
898/1965)
1 – Introdução
A Lei de Abuso de Autoridade não é exclusivamente penal. O ato de abuso enseja tríplice
responsabilidade: administrativa, civil e penal (art. 1º):
penal, contra as autoridades que, no exercício de suas funções, cometerem abusos, são
2 – Objetividade jurídica
i) imediata ou principal: proteção dos direitos e garantias individuais e coletivos das pessoas
físicas e jurídicas;
ii) mediata ou secundária: a normalidade, a regularidade e a lisura dos serviços públicos. Isso
porque o abuso de autoridade é sempre uma irregular prestação de serviço público.
3 – Elemento subjetivo
4 – Formas de conduta
Os crimes de abuso de autoridade podem ser praticados por ação (comissivos) ou por
omissão (omissivos).
1
O abuso de autoridade por omissão é possível, portanto. Aliás, os crimes do art. 4º, letras
“c”, “d”, “g”, e “i”, somente podem ser praticados por omissão (crimes omissivos puros ou
próprios).
5 – Consumação e tentativa
Os crimes do art. 3º não admitem tentativa, pois o simples atentado já configura crime
consumado (unanimidade na doutrina).
A consumação se dá com a simples prática da conduta, mesmo que não ocorra o efetivo
resultado naturalístico (crime formal ou de consumação antecipada).
Os crimes previstos nas alíneas “c”, “d”, “g” e “i” do art. 4º não admitem tentativa, por
serem omissivos puros ou próprios. As demais alíneas admitem tentativa.
O momento consumativo será analisado caso a caso, quando do estudo do dispositivo legal.
do abuso.
2
Trata-se do assunto mais recorrente em concurso em tema de abuso de autoridade, por
fazer a lei parecer que o crime seria de ação pública condicionada à representação, mas ser,
na verdade, de ação penal pública incondicionada.
Se o abuso for praticado contra servidor federal, no exercício das funções, a competência é
do JECRIM federal (Súmula 147 do STJ):
Súmula 147 - Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra
Se o abuso for praticado por servidor federal (ou seja, o autor do abuso é o servidor federal),
há duas correntes:
7.2.3 – abuso praticado por servidor federal fora da função, mas em razão dela
3
O STJ decidiu que, no caso de abuso de autoridade praticado por servidor federal fora das
funções, mas em razão delas, a competência é do JECRIM estadual (HC 102.049/ES, julgado
em 14 de junho de 2010).
O caso foi o seguinte: um Delegado Federal foi a um pronto-socorro, fora das suas funções,
se identificou como Delegado e exigiu que a médica lhe entregasse prontuários médicos,
tendo ela se recusado. O Delegado a agrediu fisicamente. O Delegado Federal estava fora da
função e queria os prontuários para fins particulares. O STJ entendeu que, se ele estava fora
da função e agiu por motivos particulares, não há nenhum interesse da União no caso, razão
pela qual a competência é do JECRIM estadual.
Súmula 175 - Compete à Justiça Federal processar e julgar militar por crime de abuso de
Praticado abuso de autoridade conexo com crime militar, haverá separação de processos
(STF HC 92.912/RS e STJ HC 81.752/RS). Exemplo: lesão corporal conexa com abuso de
autoridade. Lesão é crime militar, abuso não. Haverá separação de processos.
8 – Concurso de crimes
O STF e o STJ já pacificaram que o crime de abuso de autoridade não absorve os crimes
conexos (ex.: lesão corporal, homicídio tentado ou consumado, crime contra a honra etc.) e
também não é absorvido por eles (STJ Ag RG no REsp 781.957).
A tortura absorve o crime de abuso de autoridade? Na doutrina, prevalece que sim, pois o
abuso é meio de execução da tortura. O STJ admite o concurso entre abuso e tortura (STJ
RHC 22.727/GO).
4
Sujeito ativo do crime de abuso de autoridade é a autoridade. Abuso de autoridade é crime
próprio, por exigir condição especial do sujeito ativo (ser autoridade). O conceito de
autoridade está no art. 5º da Lei:
Art. 5º Considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego ou
remuneração.
As pessoas que exercem múnus público não são autoridades, para fins penais. Ex.: curador e
tutor dativos, depositário judicial, administrador de falência, advogado. Múnus público é um
encargo imposto pela lei ou pelo Juiz para a proteção de um interesse particular ou social. As
pessoas que exercem múnus público não detém parcela do poder estatal. Por tal razão, não
são consideradas funcionários públicos para fins penais.
O particular que não exerce nenhuma função pública pode cometer abuso de autoridade?
Sozinho jamais, pois não tem a qualidade de autoridade. Mas pode cometer o crime de
abuso de autoridade juntamente com uma autoridade, desde que saiba que o comparsa é
autoridade.
Se o particular comete crime juntamente com a autoridade, sabendo que ela é autoridade, a
condição pessoal da autoridade, sendo elementar do crime, transmite-se àquele, coautor ou
partícipe (art. 30 do CP):
Ex.: o policial está batendo em torcedor no estádio. Um sujeito da torcida adversária ajuda o
policial a bater nele. Este sujeito responderá por abuso de autoridade.
5
Uma vez que, como visto, o crime de abuso de autoridade tem sempre dupla objetividade
jurídica, o sujeito passivo do crime de abuso de autoridade terá sempre dupla subjetividade
passiva: terá um sujeito passivo imediato ou direto (a pessoa física que sofre o abuso) e um
mediato ou indireto (a administração pública representada pelo autor do abuso, cujo serviço
foi prejudicado).
O abuso de autoridade pode ter como vítima uma autoridade. O sujeito ativo e o passivo,
nesse caso, serão autoridades. Ex.: o Delegado comete abuso contra o agente policial ou o
Oficial do Exercito comete abuso contra o Praça.
Pessoa jurídica pode também ser sujeito passivo de abuso de autoridade. Tanto faz se de
direito privado ou público.
Criança ou adolescente pode ser vítima de abuso de autoridade? Sim, desde que o fato não
configure crime do ECA, que é lei especial em relação à Lei de Abuso de Autoridade. Assim,
sempre que haja criança ou adolescente, deve-se verificar no ECA se não há crime correlato.
10 – Prescrição
A Lei de Abuso de Autoridade não tem regras sobre a prescrição. Aplica-se, portanto, o CP. A
pena máxima prevista para o abuso de autoridade é de seis meses. O prazo prescricional
será, portanto, de 3 anos, tanto para a prescrição da pretensão punitiva quanto para a da
pretensão executória.
O princípio da taxatividade exige que os tipos penais incriminadores sejam claros, precisos e
completos, para que as pessoas possam saber exatamente qual é o comportamento proibido
pela norma (questão de segurança jurídica). O princípio da taxatividade proíbe tipos penais
vagos, genéricos, imprecisos. Ele está na expressão: “defina” dos dispositivos da CR e do CP
citados:
6
Art. 5º (...) XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal;
Outra corrente sustenta que o art. 3º é constitucional, pois não há como o legislador prever
todas as formas possíveis de abuso de autoridade. Por isso, é justificável a técnica da norma
aberta, tal como ocorre nos crimes culposos. Prevalece esta segunda corrente.
7
Domicílio é qualquer local não aberto ao público onde alguém exerça atividade, profissão ou
moradia, ainda que momentânea. Ex.: quarto de hotel ocupado.
O STF já pacificou que escritórios profissionais e de contabilidade são domicílios para fins
constitucionais e, por consequência, para fins penais. Se fiscais ingressam em escritórios de
contabilidade (do balcão para dentro) ou em escritórios profissionais de empresários para a
apreensão de documentos comprobatórios de crimes contra a ordem tributária sem ordem
judicial, a prova é ilícita, por violação ao domicílio.
O tipo penal previsto no art. 3º, “c”, protege as correspondências escritas e eletrônicas.
Quanto às escritas, o tipo penal somente protege as que estão fechadas. As abertas perdem
o caráter sigiloso. Ex.: o funcionário recebe uma carta, lê e deixa sobre a mesa. O chefe
passa, pega a carta e a lê. Isso não é crime de abuso de autoridade nem de violação de
correspondência. O mesmo ocorre com a correspondência eletrônica impressa deixada
sobre a mesa.
O dispositivo foi alterado pela Lei 11.767/2008 e agora prevê a inviolabilidade de quaisquer
correspondências do advogado relacionadas ao exercício da advocacia, sem qualquer
ressalva.
Redação nova:
8
Art. 7º São direitos do advogado: (...)
telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia; (Redação dada pela Lei nº
11.767, de 2008)
11.4 – Atentado às liberdades e direito de reunião (letras “d”, “e”, “f” e “h”)
f) à liberdade de associação;
O art. 3º, letras “d”, “e”, “f” e “h”, protege as liberdades de consciência e de crença, o direito
ao livre exercício do culto religioso, a liberdade de associação e o direito de reunião.
Esses direitos, entretanto, não são absolutos. Isso significa dizer que eles podem ser
limitados, regulamentados ou até interrompidos por atos legítimos de poder de polícia, sem
que isso configure abuso de autoridade. Exemplos: a polícia pode interromper culto religioso
realizado com excesso de som (inclusive, excesso de som é contravenção penal de
9
perturbação do sossego alheio); é possível a dissolução de associação com fins ilícitos ou
paramilitares (como a associação para o tráfico); é possível a dissolução de reunião realizada
de forma violenta (como uma greve, um protesto de servidores em que eles têm pedaços de
pau na mão, quebrando carros etc.), inclusive responsabilizando os participantes dela.
Aplica-se a letra “g” do art. 3º, que coíbe o atentado aos direitos e garantias legais
assegurados ao exercício do voto, se a conduta da autoridade não configurar crime eleitoral.
Exemplos:
i) o art. 292 do Código Eleitoral diz que pratica crime o juiz que nega ou retarda, sem
fundamento legal, a inscrição de alguém como eleitor:
Art. 292. Negar ou retardar a autoridade judiciária, sem fundamento legal, a inscrição
requerida:
ii) o art. 298 do Código Eleitoral prevê como crime prender ou deter ilegalmente eleitor,
impedindo-o de votar:
Art. 298. Prender ou deter eleitor, membro de mesa receptora, fiscal, delegado de partido
Assim, o art. 3º, “g”, é crime subsidiário, aplicando-se se ao fato não configurar crime
eleitoral.
A alínea “i” do art. 3º pune o atentado à incolumidade física do indivíduo praticado pela
autoridade, que pode ir desde as vias de fato até o homicídio. Ela protege também, de
acordo com a maioria, a integridade psíquica do indivíduo.
10
Se o atentado à incolumidade resultar em lesões corporais ou homicídio, tentado ou
consumado, haverá concurso de crimes. O abuso de autoridade não fica absorvido ou
absorve aqueles crimes. Para a maioria, trata-se de concurso material. Para a minoria (ex.:
Capez), trata-se de concurso formal impróprio.
Segundo a doutrina, se o ato de abuso configurar tortura, ele resta absorvido. O STJ, no
entanto, admite o concurso de crimes.
Pena - detenção, de seis meses a três anos, além da pena correspondente à violência.
Esse crime foi tacitamente revogado pela Lei de Abuso de Autoridade? De acordo com o STF,
o crime de violência arbitrária previsto no CP não foi tacitamente revogado pelo art. 3º, “i”,
da Lei de abuso de autoridade (STF RHC 95.617/MG, j. em 2009).
j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional. (Incluído pela Lei nº
6.657,de 05/06/79)
O crime previsto na alínea “j” do art. 3º é norma penal em branco, que precisa ser
complementada pela norma que prevê a garantia ao direito profissional.
Exemplos:
ii) Delegado que impede o advogado de ter acesso aos autos do inquérito policial viola
prerrogativa profissional do advogado, prevista no art. 7º, XIV, do EAOAB, e na Súmula
Vinculante nº 14:
11
flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade,
12
Vale observar que privar ilegalmente criança ou adolescente de sua liberdade configura
crime do art. 230 do ECA (Lei 8.069/1990):
Art. 230. Privar a criança ou o adolescente de sua liberdade, procedendo à sua apreensão
judiciária competente:
Parágrafo único. Incide na mesma pena aquele que procede à apreensão sem observância
A criança ou o adolescente somente pode ter sua liberdade restringida em caso de flagrante
de ato infracional (hipótese válida apenas para o adolescente) ou por ordem judicial. A regra
é a mesma que vale para os adultos e tem fundamento na CR.
autorizado em lei;
O sujeito passivo deste crime não é somente o preso ou a pessoa submetida a medida de
segurança. Pode ser qualquer pessoa. Ex.: um paciente psiquiátrico exposto a
constrangimento por enfermeiro no hospital público.
Outro exemplo de abuso de autoridade que se enquadra no art. 4º, “b”: expor a imagem de
pessoa presa na mídia, contra a vontade dela.
Vale observar, mais uma vez, que se a conduta for praticada contra criança ou adolescente,
haverá crime do art. 232 do ECA.
Art. 232. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a
13
vexame ou a constrangimento:
Ao crime do ECA aplica-se tudo o quanto dito acerca do art. 4º, “b”, exceto quanto ao sujeito
passivo, que tem de ser criança ou adolescente. Veja que o ECA não menciona que o vexame
ou o constrangimento tem de ser ilegal. No entanto, a ilegalidade deve estar presente, caso
contrário a autoridade estará agindo no estrito cumprimento do dever legal.
O crime do art. 4º, “b”, é material, consumando-se com a efetiva submissão da vítima ao
vexame ou constrangimento. A tentativa é perfeitamente possível.
qualquer pessoa;
Mais uma vez, vale observar que se a vítima for criança ou adolescente, incide o crime do
art. 231 do ECA:
14
família do apreendido ou à pessoa por ele indicada:
O art. 5º, LXII, da CR impõe o duplo dever de comunicação da prisão, ao juiz competente e à
família do preso ou pessoa por ele indicada:
Art. 5º (...) LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão
indicada;
A Lei de Abuso de Autoridade prevê que é crime apenas deixar de comunicar a prisão ao juiz
competente. Deixar de comunicar a prisão à família do preso ou pessoa por ele indicada não
é crime, nos termos do art. 4º, “c”.
Já o art. 231 do ECA prevê que é crime deixar de comunicar a apreensão ao juiz e à família
do apreendido ou à pessoa por ele indicada. Assim, deve-se atentar para essa diferença,
principalmente em prova objetiva.
O crime do art. 4º, “c” consuma-se com a simples omissão. A tentativa não é possível, por se
tratar de crime omissivo puro (ou próprio).
d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja
comunicada;
Se o juiz for comunicado da prisão, constatar que ela é ilegal e não relaxá-la, comete abuso
de autoridade.
Se a vítima for criança ou adolescente, o juiz comete o crime do art. 234 do ECA. Veja que o
crime do art. 234 pode ser praticado por qualquer autoridade, não somente o juiz:
Art. 234. Deixar a autoridade competente, sem justa causa, de ordenar a imediata
apreensão:
Caso um Desembargador ou Ministro do STF seja comunicado de uma prisão ilegal e não a
relaxe, comete o crime de abuso de autoridade. A expressão “juiz”, constante da alínea “d”,
refere-se a qualquer autoridade judicial.
15
12.5 – Crime do art. 4º, “e”
e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em
lei;
As regras acerca da fiança sofreram recente alteração, trazida pela Lei 12.403/2011. Se a
autoridade, ilegalmente, deixa de arbitrar fiança, ou arbitra, mas impede o preso de prestá-
la, haverá crime de abuso de autoridade. Esse crime consuma-se no momento em que o
preso é levado ou mantido ilegalmente na prisão. A tentativa é possível.
ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à
Na letra “f”, a cobrança realizada pelo carcereiro não tem previsão legal (a cobrança é
ilegal). Na letra “g”, por sua vez, ela tem previsão legal, mas o carcereiro ou o agente público
recusa-se a dar recibo ilegalmente.
Ocorre que no Brasil não há nenhuma lei prevendo custas ou emolumentos carcerários.
Desse modo, a cobrança de custas ou emolumentos carcerários é sempre ilegal e, portanto,
sempre configurará crime de abuso de autoridade.
Nucci entende que, como não há lei prevendo essas custas, a cobrança configura crime de
concussão ou corrupção passiva, e a letra “g” será mero exaurimento da cobrança ilegal
(pois a letra “g” pressupõe que a cobrança seja legal).
A consumação do crime se dá com a simples cobrança, ainda que o valor não seja pago. A
tentativa é possível , na forma escrita.
16
O crime previsto na letra “h” é a prova de que pessoa jurídica pode ser vítima de abuso de
autoridade. Constitui abuso de autoridade o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa
física ou jurídica, desde que praticado: i) com abuso ou desvio de poder; ou ii) sem
competência legal para o ato.
Exemplo: fiscais da vigilância sanitária interditam o restaurante que não cumpre as normas
de higiene. Trata-se de um ato lesivo à honra (objetiva) e ao patrimônio do restaurante, mas
praticado legalmente. Portanto, legítimo exercício de poder de polícia (estrito cumprimento
do dever legal). No mesmo exemplo, se o fiscal interditar o restaurante sem qualquer motivo
justo, porque o irmão dele tem um restaurante concorrente nas proximidades, a conduta
configurará abuso de autoridade.
O crime do art. 4º, “h”, é material. Consuma-se com a efetiva lesão ao patrimônio ou à
honra da vítima. A tentativa é perfeitamente possível.
O crime do art. 4º, “i” é de conduta mista (o tipo penal exige uma ação e uma omissão,
consubstanciadas em “prolongar” e “deixar de”).
O crime pode ser praticado por quem deixa de mandar soltar ou por quem deixa de cumprir
a ordem de soltura.
17
O art. 350 do CP prevê o crime de exercício arbitrário ou abuso de poder. O dispositivo prevê
a conduta criminosa no caput e as condutas equiparadas no parágrafo único:
III - submete pessoa que está sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento
Para o STF e o STJ, o art. 350, caput, foi revogado pelo art. 4º, “a”, da Lei de Abuso de
Autoridade. Já o parágrafo único sofreu derrogação (revogação parcial), permanecendo
vigentes apenas os incisos I e IV. Os incisos II e III foram revogados, respectivamente, pelo
art. 4º, “i” e “b”, da Lei de Abuso de Autoridade.
(...)
§ 3º A sanção penal será aplicada de acordo com as regras dos artigos 42 a 56 do Código
c) perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por
§ 1º - O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo
18
do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes
esse salário.
monetária.
Pela pena, percebe-se que se trata de infração de menor potencial ofensivo. A pena de
detenção não pode ser substituída por multa vicariante, pois está cominada
cumulativamente com a multa e prevista em lei especial (Súmula 171 do STJ):
iii) perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por
prazo de até três anos:
A perda do cargo e a inabilitação são penas principais, ou seja, não são efeitos automáticos
da condenação. Isso significa que o juiz pode ou não aplicar a perda do cargo e a
inabilitação.
Como ressaltado, trata-se de infração de menor potencial ofensivo. Por essa razão, é cabível
transação no crime de abuso de autoridade (STJ). Nucci e Cesar Roberto Bittencourt
entendem que não é cabível transação em abuso de autoridade, porque a pena de perda do
cargo e inabilitação seria incompatível com a transação.
Sílvio Maciel não concorda com eles, pois entende que na transação a pena transacionada
não é a prevista no tipo penal, mas a outra pena (uma multa ou uma pena restritiva de
direitos). O objeto da transação não é a prisão, mas pena uma diversa da prisão.
O § 4º determina que o juiz pode aplicar somente uma das penas, duas delas ou as três ao
mesmo tempo:
Art. 6º (...) § 4º As penas previstas no parágrafo anterior poderão ser aplicadas autônoma
ou cumulativamente.
Por fim, o § 5º prevê que se o condenado por abuso de autoridade for militar ou policial, o
juiz ainda pode aplicar uma quarta pena: a proibição de exercer funções policiais ou
militares no Município do crime, por prazo de um a cinco anos.
Art. 6º (...) § 5º Quando o abuso for cometido por agente de autoridade policial, civil ou
19
militar, de qualquer categoria, poderá ser cominada a pena autônoma ou acessória, de
20
LEI DE EXECUÇÃO PENAL (LEI 7.210/1984)
internado.
A LEP tem por objetivo concretizar as finalidades da pena na sentença. Ela abrange sentença
condenatória e absolutória imprópria.
Há doutrina admitindo a LEP na execução das transações penais. Todavia, segundo o STF, a
transação penal não cumprida é caso de oferecimento de denúncia. Isso porque a obrigação
a que o transator se obriga não é pena, mas medida despenalizadora.
O princípio da legalidade na LEP não está no art. 1º do CP, que trata da legalidade no âmbito
dos crimes e das penas em abstrato.
Art. 3º (...) Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social,
religiosa ou política.
Veja que as distinções de naturezas sexual e etária são possíveis, como analisado adiante.
21
2.3 – Princípio da personalização da pena (art. 5º)
Redação antiga:
Art. 6º A classificação será feita por Comissão Técnica de Classificação que elaborará o
Art. 6o A classificação será feita por Comissão Técnica de Classificação que elaborará o
preso provisório.
22
2.4 – Princípio da jurisdicionariedade
Art. 194. O procedimento correspondente às situações previstas nesta Lei será judicial,
O princípio do devido processo legal, que abrange o contraditório e a ampla defesa, permeia
todos os momentos da execução penal.
I - material;
II - à saúde;
III - jurídica;
IV - educacional;
V - social;
VI - religiosa.
Quem garante assistência jurídica ao preso é a Defensoria Pública (art. 16 da LEP, alterado
pela Lei 12.313/2010):
Art. 16. As Unidades da Federação deverão ter serviços de assistência jurídica, integral e
23
A nova redação, que parece óbvia, somente veio em 2010 (acerca deste tema, ver os arts.
81-A e 81-B, que trazem as atribuições da Defensoria Pública na execução penal). A DP
ganhou status de verdadeiro órgão da execução (art. 61 da LEP 1):
tenham acesso aos serviços sociais disponíveis, diligenciar para que sejam expedidos seus
documentos pessoais, dentre os quais o CPF, que pode ser expedido de ofício, com base
Obs.: uma das faces da criminologia é o estudo da vitimologia. A LEP possui dispositivo (em
um dos raros momentos) que lembra da vítima: o art. 23, VII, que garante, no âmbito da
assistência social, o amparo e a orientação da vítima:
3 – Partes da LEP
i) exequente:
Para perseguir a pena, há o Estado, como regra (ação penal pública) e o particular, em
situações especiais (ação penal de iniciativa privada). A execução da pena, todavia, é
monopólio do Estado. Não existe execução da pena, ainda que subsidiária, pelo particular.
1
Recomenda-se decorar o rol de órgãos de execução previsto no art. 61.
24
O perdão da vítima na fase de execução não gera qualquer efeito. Por isso que o ofendido
pode perdoar até o trânsito em julgado. Depois dele, a tarefa é do Estado, não interessando
mais a vontade da vítima (arts. 105 e 171 da LEP):
Art. 105. Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o
réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a
execução.
Art. 171. Transitada em julgado a sentença que aplicar medida de segurança, será
ii) executado:
4 – Execução provisória
Como se sabe, o processo civil admite a execução provisória, nos casos em que o recurso
não tenha efeito suspensivo. Existe, todavia, execução provisória no processo penal?
Prevalece que no Brasil é possível a execução provisória pro reo. Ou seja, quando o acusado
está preso e aguardando a decisão definitiva. No embate da exequibilidade provisória com o
princípio da presunção de inocência, prevalece aquele, na medida em que o preso vai, desde
logo, fazendo jus a eventuais benefícios.
25
i) art. 2º, parágrafo único, da LEP: trata do preso provisório.
Art. 2º (...) Parágrafo único. Esta Lei aplicar-se-á igualmente ao preso provisório e ao
jurisdição ordinária.
Art. 8º Tratando-se de réu preso por sentença condenatória recorrível, será expedida guia
sem efeito suspensivo, devendo, nesse caso, o juízo da execução definir o agendamento
Da análise desse dispositivo, fica claro que a execução provisória deve ser sempre em
benefício do réu (“benefícios cabíveis”).
Art. 300. As pessoas presas provisoriamente ficarão separadas das que já estiverem
Parágrafo único. O militar preso em flagrante delito, após a lavratura dos procedimentos
legais, será recolhido a quartel da instituição a que pertencer, onde ficará preso à
26
Não se deve confundir a competência do juízo das execuções, que se dá com o trânsito em
julgado, com o início da execução, que depende da prisão do sentenciado e expedição da
guia de recolhimento. Essa guia de recolhimento é a peça processual que formaliza o início
da execução.
A competência na LEP não é ditada pelo local onde transitou em julgado o processo de
conhecimento. Acerca do tema, cumpre diferenciar quatro hipóteses:
Súmula 192 - Compete ao Juízo das Execuções Penais do Estado a execução das penas
Essa Súmula se justificava, há alguns anos, quando não havia presídios federais. Hoje, além
de haver alguns, há presos estaduais em presídios federais. A regra, neste caso, inverte-se (a
execução de preso estadual passa a ser de competência do juiz da VEC federal).
Assim, para a definição da Justiça em que correrá o processo, deve-se atentar para a
competência do juiz responsável pela fiscalização do presídio 2.
2
Sobre o tema, recomenda-se a leitura da Lei 11.671/2008, que trata dos presídios federais.
27
iv) sentenciado com foro por prerrogativa de função:
No caso de sentenciado com foro por prerrogativa de função, a competência para execução
da pena é do tribunal que o processou e julgou. Vale observar que essa competência existe
enquanto o condenado ainda não perdeu o cargo, emprego ou função (e, portanto, a
prerrogativa). Ex.: execução provisória do réu com foro por prerrogativa de função. Vale
lembrar que somente há perda do cargo, emprego ou função após a sentença condenatória
definitiva com trânsito em julgado.
ordem ou à disciplina;
VIII - indenização ao Estado, quando possível, das despesas realizadas com a sua
Parágrafo único. Aplica-se ao preso provisório, no que couber, o disposto neste artigo.
A nova lei deu à fiança feição diversa, com predicados de Justiça Restaurativa. Hoje, ela é
revertida à reparação do dano. Trata-se de execução de dever que compete ao preso.
28
Ao rol de deveres do preso, cumpre acrescentar o previsto no art. 146-C da LEP, incluído
pela Lei nº 12.258/2010. Trata-se dos deveres no trato com o aparelho de monitoração
eletrônica e as consequências do descumprimento desses deveres:
Art. 146-C. O condenado será instruído acerca dos cuidados que deverá adotar com o
III - (VETADO);
Parágrafo único. A violação comprovada dos deveres previstos neste artigo poderá
I - a regressão do regime;
III - (VETADO);
IV - (VETADO);
V - (VETADO);
VII - advertência, por escrito, para todos os casos em que o juiz da execução decida não
Os direitos do preso constam do art. 41 da LEP. Os incisos mais importantes para fins de
concurso são os seguintes: V, X, XV e XVI.
(...)
29
autoridade judiciária competente. (Incluído pela Lei nº 10.713, de 2003) (...)
A nova Lei de Remissão, como será estudado a seguir, obriga o juiz a enviar ao condenado o
atestado de cumprimento de pena, para que ele realize esse controle.
A finalidade do inciso XVI é evitar a hipertrofia da punição. O CNJ se deparou com presos
provisórios enclausurados por 14 anos, quando a pena máxima era de 20, e de 11 anos,
quando a pena era de oito anos para ao crime.
Art. 41 (...) Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser
A LEP traz exemplos de direitos a serem observados. Ou seja, o rol do art. 41 é meramente
exemplificativo. Prova disso está no art. 3º da LEP:
Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou
política.
Prevalece que o preso não tem direito a voto (art. 18 da Resolução 113 do CNJ):
com jurisdição sobre o domicílio eleitoral do apenado para os fins do artigo 15, inciso III,
da Constituição Federal.
Constituição Federal:
30
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos
Existe uma minoria dizendo que se a pena for compatível com o exercício do direito, o voto
seria possível. O CNJ entende que o apenado (cumprindo pena ou não) tem seus direitos
políticos suspensos. Assim, enquanto não cumprida a pena de multa, a restritiva de direitos,
o sursis, o regime aberto ou o semiaberto, o apenado não tem direito de voto. Cumpre
ressaltar que o preso provisório vota. Somente perde os direitos políticos o preso definitivo
(com trânsito em julgado). Os Centros de Detenção Provisória têm urna.
A falta disciplinar divide-se em três espécies: i) leve; ii) média; ou iii) grave. A LEP somente
cuida da falta grave (arts. 50 a 52). As faltas leve e média devem ser previstas pela legislação
local:
Art. 49. As faltas disciplinares classificam-se em leves, médias e graves. A legislação local
Existe tentativa de falta grave. O art. 49, parágrafo único, da LEP pune a tentativa com a
sanção correspondente à falta consumada. Trata-se de “falta de atentado”: ainda que
eventualmente individualizada posteriormente pelo juiz, em tese a punição da tentativa é a
mesma da forma consumada.
Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:
II - fugir;
31
V - descumprir, no regime aberto, as condições impostas;
VI - inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei [obediência
ao servidor e respeito com as demais pessoas; e execução do trabalho, das tarefas e das
VII – tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que
permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. (Incluído pela Lei
nº 11.466, de 2007)
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao preso provisório.
A fuga é falta grave. Há minoria dizendo que não seria falta grave a fuga sem violência ou
grave ameaça, como decorrência da inerente característica do ser humano de busca da sua
liberdade. Rogério não concorda com esse entendimento, na medida em que ele significaria
que o preso teria direito de fugir.
O inciso III abrange a posse de qualquer arma, inclusive a imprópria. Os presos chegam a
fazer arma transformando miolo de pão em espada. Esse tipo do objeto está proibido por
esse inciso III.
Provocar acidente de trabalho é falta grave. O acidente de trabalho que não tenha sido
provocado pelo preso não impede a remissão. O provocado faz com que o preso não tenha
direito à remissão e perca os dias remidos, podendo chegar até a uma regressão de regime.
O inciso VII é importantíssimo para fins de concurso. Caso o preso seja surpreendido com
“chip” de celular, sem o aparelho, incide o inciso VII? O STJ, reiteradamente, tem entendido
que sim. E o carregador de celular? O STJ acabou de decidir que sim. O mesmo com relação à
bateria. Assim, o STJ interpreta a palavra “aparelhos” como abrangendo os acessórios para a
utilização do aparelho, interpretação essa de questionável constitucionalidade.
I - advertência verbal;
II - repreensão;
32
A diferença entre a advertência verbal e a repreensão é que esta é feita por escrito e, por
essa razão, fica no prontuário do condenado. A mais grave delas é o RDD, que será estudado
adiante.
Sanção disciplinar (falta grave) prescreve. A LEP não trata da prescrição das sanções
disciplinares, mas o STF decidiu aplicar o art. 109 do CP a elas. O dispositivo, todavia, tem o
prazo variando conforme a pena do crime, e sanção disciplinar não é pena (não tem prazo).
Por conta disso, deve-se considerar o prazo mínimo: as sanções disciplinares prescrevem em
três anos (Informativo 745, HC 114.422):
Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no §
1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade
cominada ao crime, verificando-se: (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010). (...)
VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano. (Redação dada pela Lei
Nesse tema, há uma tese a ser aplicada em concurso para a Defensoria Pública. A Lei de
Drogas prevê prazo prescricional ainda menor, de dois anos (art. 30 da Lei 11.343/2006):
Art. 30. Prescrevem em 2 (dois) anos a imposição e a execução das penas, observado, no
tocante à interrupção do prazo, o disposto nos arts. 107 e seguintes do Código Penal.
Por que aplicar o prazo de três anos, se há no ordenamento prazo inferior? O raciocínio é o
seguinte: nos casos dos incisos I e II, que tratam de advertência verbal e repreensão, deve-se
aplicar o art. 30 da Lei de Drogas. Quanto aos demais, por restritivos de direitos, o prazo
prescricional seria de 3 anos.
Art. 111 - A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr:
(...)
Enquanto não é recapturado, a falta grave persiste: não cessada a permanência, não inicia o
prazo prescricional, que se inicia da recaptura.
33
8.1 – Conceito
O RDD não é regime de cumprimento de pena, mas a mais severa sanção disciplinar.
8.1 – Características (art. 52, com redação dada pela Lei 10.792/2003)
Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando
seguintes características:
I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por
nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada;
III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas;
IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol. (...)
Os 360 dias previstos pela lei são tempo máximo de RDD. Não há um tempo mínimo. Em
caso de reincidência, a duração máxima será de até o limite de 1/6 da pena aplicada (não da
pena a ser cumprida nem do restante da pena a cumprir). Veja que a pena aplicada pode
superar os 30 anos de pena a cumprir.
Rogério discorda que o RDD seja cumprimento desumano ou degradante, na medida em que
o preso cumpre sozinho (“suíte máster”). Para ele, desumanas são as celas superlotadas.
Cela individual não é cela escura ou insalubre. É vedado o emprego de cela escura (art. 45, §
2º):
34
Art. 45 (..) § 2º É vedado o emprego de cela escura.
8.1.3 – visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas
Como visto, Pedro Taques elaborou PL buscando evitar que essa visita seja íntima.
“Sem contar as crianças” significa que elas não são computadas no número máximo de duas
pessoas ou que a presença de crianças está proibida no RDD? No RDD estão os presos mais
perigosos do Brasil. Supondo que todos estivessem nos estados de São Paulo e Rio de
Janeiro, estariam no RDD menos de 100 presos. Deixar criança visitar preso no RDD é não se
preocupar com o bem estar da criança.
Rogério reconhece que prevalece na doutrina que criança pode visitar no RDD. Todavia, ele
discorda (posição minoritária), em razão dos princípios basilares do ECA, em especial da
prevenção geral especial, do atendimento integral à criança, garantia prioritária, proteção
estatal, prevalência e indisponibilidade dos interesses da criança e do adolescente,
considerando o preceito LXXIX (“Das regras mínimas da ONU”), que dispõe a necessidade
das visitas ao preso quando convenientes para ambas as partes.
O banho de sol significa saída "durante o dia”. A duração máxima é de duas horas. Não há
rotina, variando as duas horas dentre as horas do dia.
Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando
Para a inclusão de um preso no RDD, não basta a prática de crime doloso. O crime doloso
deve ocasionar a subversão da ordem ou disciplina internas. Não é necessário o trânsito em
julgado da sentença condenatória. Até porque, para a inclusão no RDD, haverá contraditório
e ampla defesa.
Esta hipótese abrange o preso condenado e o provisório. O provisório pode ir para o RDD e
lá ficar até 360 dias.
35
A inclusão no RDD não impede a sanção penal pelo crime praticado. Ou seja, o sujeito é
incluído no RDD e responde penalmente pelo crime praticado. A Defensoria Pública de São
Paulo entende que se trata de bis in idem.
8.3.2 – preso que apresenta alto risco para a ordem e segurança do estabelecimento ou da
sociedade (art. 52, § 1º, da LEP, incluído pela Lei nº 10.792/2003)
O dispositivo fala preso “nacional ou estrangeiro”, mas deve-se considerar a expressão como
não lida. Na verdade, o estrangeiro está sujeito a todas as hipóteses de RDD, na medida em
que ele possui todos os direitos e deveres dos nacionais, com as exceções previstas na CR.
Esta hipótese é bastante criticada. Quem afere o alto risco? O que se considera alto risco?
Punição do sujeito em virtude do risco é aplicação do direito penal do inimigo (punição pelo
que se é, não pelo que se faz). Pune-se por fato praticado, não por periculosidade.
A crítica que se faz a esta hipótese está na expressão “fundadas suspeitas”. Não se punem
suspeitas. A doutrina lê o dispositivo como “prova” de envolvimento. Haverá contraditório e
ampla defesa na aplicação do RDD.
36
Nos termos do art. 54, caput, da LEP, preso somente pode ser incluído no RDD através de
decisão judicial:
Art. 54. As sanções dos incisos I a IV do art. 53 serão aplicadas por ato motivado do diretor
O art. 54, § 1º, da LEP determina que a inclusão do preso no RDD depende de provocação,
não podendo ser determinada de ofício pelo Juiz:
São duas as autoridades que podem provocar o juiz: diretor do estabelecimento ou outra
autoridade administrativa (ex.: Secretário de Segurança Pública, Governador do Estado,
Delegado que cuida de estabelecimento prisional etc.)
II - requerer:
O art. 54, § 2º, prevê a possibilidade de contraditório e ampla defesa na inclusão do RDD
(ainda que no rito sumaríssimo), pois na aplicação do RDD pode ser imputada a prática de
um crime pelo condenado:
Art. 52 (...) § 2º A decisão judicial sobre inclusão de preso em regime disciplinar será
37
seu tempo de prisão. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003) (...)
pelo prazo de até dez dias. A inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado, no
Inconstitucional Constitucional
Ofende o princípio da dignidade da pessoa O RDD não implica em agressão física ou moral e
humana (seria uma volta à masmorra, os seja, não é pena vexatória.
cumprimento de pena de forma cruel, desumana
ou degradante).
É sanção desproporcional aos fins da pena. No Existe proporcionalidade entre a gravidade da
RDD, nunca será possível trabalhar com a falta e a severidade da sanção.
principal finalidade da pena, que é a
ressocialização.
Trata-se de novo regime de cumprimento de Não é regime de cumprimento de pena.
pena, sem previsão legal, suplantando inclusive o
previsto na sentença como o mais gravoso.
Gera bis in idem (cuja vedação é prevista Cumprimento da pena no RDD e sanção penal
implicitamente na CR e expressamente no são sanções de naturezas distintas, assim como
Estatuto de Roma), pois a falta grave gerará as sanções penal e civil (reparação do dano)
cumprimento da pena no RDD e sanção penal. oriundas do mesmo fato.
38
Demóstenes Torres apresentou o PL 179/2005, que busca criar um regime mais severo de
pena, que prevê inclusive a “progressão de regime” para o RDD 3.
No sistema Filadélfia, o sentenciado cumpre a pena integralmente na cela, sem dela nunca
sair. Alguns críticos do RDD dizem que ele representaria um retorno a esse sistema.
Depois de cumprida parcela da pena, ele é posto em liberdade condicional. O sistema inglês
é chamado também do sistema progressivo.
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a
transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso
3
Informação dada antes do processo de cassação do Deputado, suposta por ligação com o
contraventor Carlinhos Cachoeira.
39
9.2 – Progressão de regime (art. 112 da LEP)
i) sentença condenatória:
A Súmula 715 do STF determina que se deve considerar a pena imposta na sentença, e não o
limite de 30 anos do art. 75, para fins da análise da progressão:
4
Art. 75 - O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30
(trinta) anos.
40
Súmula 715 - A PENA UNIFICADA PARA ATENDER AO LIMITE DE TRINTA ANOS DE
Como visto acima, o exame criminológico não se confunde com o exame de classificação.
Veja que a necessidade de realização do exame criminológico deve ser determinada em
decisão fundamentada pelo juiz. Ele deve ser realizado se não for possível extrair dos autos a
presença dos requisitos necessários à progressão (Súmula 439 do STJ):
Súmula 439 - Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que
em decisão motivada.
vi) em se tratando de crime contra a administração pública, deve haver a reparação do dano
(art. 33, § 4º, do CP):
Art. 33 (...) § 4º O condenado por crime contra a administração pública terá a progressão
Caso o juiz esteja em dúvida quanto à possibilidade ou não da progressão (ex.: exame
criminológico apontando aspectos positivos e negativos do sentenciado; dúvida quanto ao
bom comportamento carcerário etc.), aplica-se o princípio do in dubio pro reo? Prevalece na
doutrina que vigora, nesta etapa, o princípio do in dubio pro societate.
Para a progressão do regime semiaberto para o aberto, são exigíveis os mesmos requisitos
da progressão do fechado para o semiaberto, acrescidos dos previstos nos arts. 113 a 115 da
LEP:
41
Art. 113. O ingresso do condenado em regime aberto supõe a aceitação de seu programa
II - apresentar, pelos seus antecedentes ou pelo resultado dos exames a que foi
Parágrafo único. Poderão ser dispensadas do trabalho as pessoas referidas no artigo 117
desta Lei.
Art. 115. O Juiz poderá estabelecer condições especiais para a concessão de regime
I - permanecer no local que for designado, durante o repouso e nos dias de folga;
determinado.
Veja que o legislador quer ver o sentenciado trabalhando ou exercendo ocupação lícita.
Além disso, a progressão pressupõe a confiança do Estado no sentenciado.
Se o reeducando praticar falta grave, o tempo já cumprido de pena é zerado (ex.: o prazo de
1/6 da pena tem de ser novamente cumprido), ou é computado? Cometida falta grave pelo
condenado no curso do cumprimento da pena, inicia-se, a partir de tal data, a nova
contagem da fração de 1/6 (2/5 ou 3/5, conforme o caso, se o crime for hediondo) da pena
como requisito da progressão. Esta é a posição do STF (HC 85.141-0).
É possível progressão em salto (pulando do fechado diretamente para o aberto)? Não existe
progressão em salto, salvo se comprovada a culpa do Estado na transferência do reeducando
para regime menos rigoroso. É o caso do sujeito que permanece no fechado, quando deveria
progredir ao semiaberto, e permanece tanto tempo que, se tivesse permanecido no
semiaberto, já teria adquirido o direito de progredir ao aberto.
42
9.2.3.3 – cumprimento do regime aberto em domicílio
Conquistado o regime aberto pelo preso (o menos rigoroso existente), permite-se, em casos
excepcionais, que ele cumpra o regime em domicílio (prisão domiciliar: art. 117 da LEP).
Observe que esta prisão não se confunde com a do art. 318 do CPP. Aqui, há uma alternativa
ao regime aberto. Lá, uma cautelar alternativa à prisão preventiva.
IV - condenada gestante.
A hipótese do inciso I não foi alterada pelo Estatuto do Idoso. Idoso é aquele com idade igual
ou superior a 60 anos. A doutrina e a jurisprudência entendem que o legislador somente
quis beneficiar o idoso com mais de 70 anos.
O STF entendeu que o HIV, por si só, não é doença grave. Doença grave é aquela cujo
tratamento fica difícil ou impossível no sistema penitenciário.
Até o inciso II, falava-se em “condenado”, para abranger a pessoa, homem ou mulher. No
caso do inciso III, fala-se somente em “condenada”. Ou seja, abrange somente a mulher com
filho menor ou deficiente.
É correto conceder o benefício somente à mulher, nesse caso? Em face do art. 5º, I, da CR
(isonomia do homem com a mulher), o art. 117, III, da LEP também será aplicado ao
sentenciado do sexo masculino, desde que comprove a dependência do filho.
Apesar de a doutrina entender que o rol do art. 117 da LEP é taxativo, em alguns casos a
jurisprudência tem entendido que é possível a prisão domiciliar em hipóteses não
expressamente previstas na lei. De acordo com o STJ e o STF, admite-se a concessão da
prisão domiciliar quando o sentenciado se encontra cumprindo pena em estabelecimento
destinado ao regime mais rigoroso, por inexistência de vaga, situação que poderia resultar
em desvio de execução. Não havendo vagas no aberto, o sujeito não pode permanecer no
semiaberto.
43
Além disso, de acordo com o STF, é garantia dos advogados, enquanto não transitada em
julgado a sentença condenatória, a permanência em estabelecimento que possua Sala de
Estado Maior. Inexistindo tal Sala na localidade, garante-se ao advogado seu recolhimento
em prisão domiciliar. Essa posição acabou sendo o berço da criação da prisão domiciliar
cautelar alternativa à preventiva.
O condenado beneficiado pelo art. 117 da LEP pode ser obrigado ao uso de aparelho que
permita sua monitoração eletrônica (art. 146-B, IV, da LEP):
Art. 146-B. O juiz poderá definir a fiscalização por meio da monitoração eletrônica
quando: (…)
Conforme ressaltado, a prisão domiciliar do art. 117 da LEP não se confunde com a prisão
domiciliar provisória do art. 318 do CPP, incluído pela Lei 12.403/2011 (sequer os requisitos
são os mesmos):
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar [veja que ela é
“extremamente”];
III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade [a
Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos
Prisão domiciliar do art. 117 da LEP Prisão domiciliar do art. 318 do CPP
Substitui regime aberto (casa do albergado). Substitui prisão preventiva.
É uma prisão-pena. É medida cautelar.
Hipóteses: Hipóteses:
i) maior de 70 anos; i) maior de 80 anos;
ii) doença grave; ii) extremamente debilitado por doença grave;
iii) filho menor ou deficiente; iii) filho menor de seis anos ou deficiente;
iv) gestante. iv) gestante, no sétimo mês ou gravidez de alto
risco.
44
9.3 – Regressão de regime (art. 118 da LEP)
Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com
condenado.
Na hipótese do art. 118, I, da LEP, basta o cometimento do crime, não se exigindo o trânsito
em julgado. É, entretanto, imprescindível a oitiva do reeducando, nos termos do art. 118, §
2º. Ou seja, é imprescindível que se estabeleça o contraditório.
Art. 118 (...) II - sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da
Art. 118 (...) § 1º O condenado será transferido do regime aberto se, além das hipóteses
referidas nos incisos anteriores, frustrar os fins da execução ou não pagar, podendo, a
A segunda hipótese do art. 118, § 1º, da LEP (“não pagar, podendo, a multa”), foi
implicitamente revogada pela Lei 9.268/1996, que mudou o tratamento da multa no Brasil, a
qual, ainda que mantenha sua natureza penal, não é mais conversível em privativa de
liberdade, mas executada como dívida ativa. Veja que permitir a regressão de regime, nesse
caso, representaria uma conversão indireta, que não é mais admitida.
45
“Frustrar os fins da execução” é, portanto, a única hipótese de regressão prevista nesse
parágrafo. A hipótese respeita o contraditório: o reeducando tem de ser ouvido.
Nos termos da lei, a prática de uma mesma falta grave gera sanção disciplinar, regressão e
perda de parte dos dias remidos (consequências cumulativas). Seria essa previsão um bis in
idem?
O STF decidiu que não há que se falar em bis in idem (ou duplo apenamento), pois a
regressão de regime decorre da própria LEP, que estabelece também a sanção disciplinar e a
perda de outros benefícios de execução penal. Ou seja, o fundamento é, em síntese, que
tudo decorre da lei. O raciocínio é o mesmo do direito penal: previsão de várias espécies de
sanção, todas decorrentes da lei (ex.: há crimes que ensejam, ao mesmo tempo, privação de
liberdade, multa e restrição de direitos).
A autorização de saída é gênero, que tem duas espécies: i) permissão de saída (arts. 120 e
121 da LEP); e ii) saída temporária (arts. 122 a 125 da LEP).
irmão;
46
Parágrafo único. A permissão de saída será concedida pelo diretor do estabelecimento
finalidade da saída.
Permite a saída o diretor do estabelecimento, e não o juiz. Muitos advogados formulam tal
pedido ao juiz, o que não é necessário. Todavia, havendo discordância do Diretor, o pedido
pode ser formulado ao magistrado, cuja vontade substituirá a daquele.
9.4.1.4 – características
Art. 122. Os condenados que cumprem pena em regime semiaberto poderão obter
47
autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos
Art. 123. A autorização será concedida por ato motivado do Juiz da execução, ouvidos o
seguintes requisitos:
I - comportamento adequado;
II - cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4
No que se refere ao art. 123, II, deve ser observada a Súmula 40 do STJ: considera-se o
tempo de cumprimento da pena no regime fechado:
Art. 122. Os condenados que cumprem pena em regime semiaberto poderão obter
seguintes casos:
I - visita à família;
i) visita à família;
ii) estudos;
iii) atividade de ressocialização. O Belo, preso por associação ao tráfico, quando chegou ao
semiaberto, pediu para sair para a realização de shows beneficentes.
48
Art. 123. A autorização será concedida por ato motivado do Juiz da execução, ouvidos o
seguintes requisitos:
I - comportamento adequado;
II - cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4
9.4.2.4 – características
Art. 124. A autorização será concedida por prazo não superior a 7 (sete) dias, podendo ser
atividades discentes.
§ 3º Nos demais casos, as autorizações de saída somente poderão ser concedidas com
Art. 122. (...) Parágrafo único. A ausência de vigilância direta não impede a utilização de
da execução.
Art. 125. O benefício será automaticamente revogado quando o condenado praticar fato
definido como crime doloso, for punido por falta grave, desatender as condições impostas
49
i) prática de fato definido como crime doloso: apesar de a lei não ressaltar, o beneficiário
deve ser ouvido, estabelecendo-se o contraditório e a ampla defesa;
ii) punição por falta grave: neste caso, a oitiva do beneficiário é dispensada, na medida em
que ele já foi ouvido no processo disciplinar interno;
iii) desatendimento injustificado das condições impostas: aqui, também deve o beneficiário
ser ouvido;
iv) beneficiário revele baixo grau de aproveitamento do curso em que estuda: neste caso,
entende a maioria que o beneficiário deve ser ouvido.
Revogado o benefício, o preso recuperará o direito à saída temporária nas hipóteses do art.
125, parágrafo único, da LEP.
Art. 125 (...) Parágrafo único. A recuperação do direito à saída temporária dependerá da
9.5 – Remição
“Remissão” (com “ss”) significa perdão. A remição (com “ç”) teve sua disciplina alterada pela
recente Lei 12.433/2011. Há duas formas de remição: pelo trabalho e pelo estudo.
Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá
O trabalho é misto de direito (art. 41) e dever (art. 39) do preso que cumpre pena em regime
fechado ou semiaberto. A cada três dias trabalhados, o preso elimina um dia de pena (art.
126, § 1º, II, da LEP).
Art. 126 (…) § 1º A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de:
Antes da Lei 12.433/2011, a remissão pelo estudo já era autorizada pela jurisprudência
(Súmula 341 do STJ)
50
Tanto que, antes mesmo da lei nova, já tinha havido alteração do art. 83 da LEP,
determinando que os estabelecimentos prisionais passassem a ter bibliotecas e salas de
estudos:
Art. 83. O estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas
A jurisprudência não previa o critério de remição pelo estudo (regimes de cabimento, forma
de cálculo dos dias remidos etc.). Com o advento da nova lei, restou definido que ela cabe
nos três tipos de regime (fechado, semiaberto e aberto) e no livramento condicional:
Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá
remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena. (…)
Veja que o regime fechado encontra-se no caput do art. 126, sendo que o aberto, o
semiaberto e o livramento condicional foram previstos no § 6º.
A cada doze horas de frequência escolar, divididas, no mínimo, em três dias, há eliminação
de um dia da pena:
Art. 126 (...) § 1º A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de:
I - 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar - atividade de ensino
Art. 126 (...) § 2º As atividades de estudo a que se refere o § 1º deste artigo poderão ser
51
desenvolvidas de forma presencial ou por metodologia de ensino a distância e deverão
Art. 126 (...) § 5º O tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de 1/3
educação.
Art. 126 (...) § 3º Para fins de cumulação dos casos de remição, as horas diárias de
O sujeito tem um mínimo de horas para trabalhar e para estudar. Se o preso conseguir
conciliá-las, somando-as, poderá ser beneficiar de ambas.
Art. 126 (...) § 4º O preso impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou nos
A provocação dolosa de acidente não permite remição e configura falta grave (art. 50, IV, da
LEP).
Aplica-se o instituto da remição nas prisões cautelares: preso provisório, inclusive com
condenação, pode trabalhar e estudar.
Art. 126 (...) § 7º O disposto neste artigo aplica-se às hipóteses de prisão cautelar.
O cometimento de falta grave pelo preso durante o cumprimento da pena implica a perda
de 1/3 do tempo remido (art. 127):
Art. 127. Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo
52
Antes dessa lei, a falta grave implicava na perda de todo o tempo remido, mesmo que
houvesse remição homologada pelo juiz. Esse é inclusive o texto da Súmula Vinculante 9,
que perdeu o sentido, devendo ser cancelada:
EXECUÇÃO PENAL) FOI RECEBIDO PELA ORDEM CONSTITUCIONAL VIGENTE, E NÃO SE LHE
Repare que a Lei fala em “até 1/3”, ou seja, a perda dos dias remidos pode ser inferior a essa
fração. Para o STJ, caso o juiz aplique a perda em 1/3, será indispensável que ele
fundamente a decisão, expondo as razões pelas quais fez incidir a fração máxima
(Informativo 539, HC 282.265). No dimensionamento do quantum, o juiz deve utilizar os
critérios do art. 57 da LEP:
seu tempo de prisão. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003) (...)
Dessa forma, ao decretar a perda dos dias remidos, o magistrado não pode apenas repetir o
disposto no art. 57 da LEP, deixando de apontar elementos concretos do caso que,
efetivamente, evidenciem a necessidade de decretação da perda dos dias remidos na fração
máxima de 1/3.
Se o liberado pratica novo crime durante a vigência do livramento condicional, isso não
significa também o cometimento de falta grave, para fins de perda de 1/3 dos dias remidos
(Informativo 539 do STJ, HC 271.907).
Art. 128. O tempo remido será computado como pena cumprida, para todos os efeitos.
Não tem direito à remição o agente sujeito a medida de segurança. Já não tinha antes e
continua não tendo. A lei nova abrangeu somente o preso provisório.
53
O procedimento da remição está previsto no art. 129 da LEP, cumulado com o art. 126, § 8º,
do mesmo diploma legal:
aproveitamento escolar.
Art. 126 (...) § 8º A remição será declarada pelo juiz da execução, ouvidos o Ministério
9.6.2 – requisitos
9.6.2.1 – objetivos
i) a pena imposta na sentença deve ser privativa de liberdade (reclusão, detenção ou prisão
simples);
ii) a pena concreta a ser cumprida deve ser igual ou superior a dois anos;
54
iii) cumprimento de parcela da pena:
Não há previsão na lei acerca de prazo para o condenado primário portador de maus
antecedentes, razão pela qual, no silêncio, tem de prevalecer a interpretação a favor do réu:
ele tem de ser equiparado ao de bons antecedentes.
9.6.2.2 – subjetivos
ii) bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído (hoje, deve-se considerar que o
sujeito tem de apresentar bom desempenho também nos estudos);
Os requisitos são cumulativos. Faltando um deles, o agente não tem direito ao benefício.
55
Antes da Lei 10.792/2003 Depois da Lei 10.792/2003
O juiz, antes de decidir, ouvia o MP e o Conselho O juiz, antes de decidir, ouve o MP e a defesa.
Penitenciário. Não há mais parecer do Conselho Penitenciário.
9.6.4 – período de prova
No livramento condicional, não há período de prova previsto em lei, na medida em que ele
observará o restante da pena privativa de liberdade a ser cumprida.
I - a sentença será lida ao liberando, na presença dos demais condenados, pelo Presidente
do Conselho Penitenciário ou membro por ele designado, ou, na falta, pelo Juiz;
§ 1º De tudo em livro próprio, será lavrado termo subscrito por quem presidir a cerimônia
e pelo liberando, ou alguém a seu rogo, se não souber ou não puder escrever.
9.6.5 – condições
Art. 132 (...) § 1º Serão sempre impostas ao liberado condicional as obrigações seguintes:
a) obter ocupação lícita, dentro de prazo razoável se for apto para o trabalho;
deste.
56
São condições obrigatórias do livramento condicional:
ii) comunicar periodicamente ao Juiz sua ocupação. Veja que a lei fala em periodicamente,
mas não existe que a periodicidade seja necessariamente mensal;
Art. 132 (...) § 2º Poderão ainda ser impostas ao liberado condicional, entre outras
obrigações, as seguintes:
Esta condição não se confunde com a de não mudar de comarca, que é obrigatória.
Para saber quais os lugares, deve-se analisar o caso concreto. Alguém que tenha problemas
de alcoolismo não poderá frequentar bares e congêneres, por exemplo.
Isso significa que, no caso das condições facultativas, diversamente das obrigatórias, o rol é
exemplificativo.
57
Art. 86 - Revoga-se o livramento, se o liberado vem a ser condenado a pena privativa de
9.6.6.1.1 – condenação definitiva a pena privativa de liberdade por crime cometido durante
a vigência do benefício
Esta hipótese é o caso, por exemplo, do condenado por roubo que estava no livramento
condicional é condenado por novo crime a pena privativa de liberdade.
i) o tempo em liberdade não é computado como pena cumprida (como se o sujeito não
houvesse galgado o benefício);
ii) não cabe novo livramento condicional para o primeiro crime (no exemplo, o roubo), tendo
a pena aplicada de ser integralmente cumprida;
iii) o restante da pena cominada ao crime não pode se somar à nova pena para efeito da
concessão do novo livramento (se a pena para o novo crime for inferior a dois anos,
incabível, também com relação a esta, o benefício).
9.6.6.1.2 – condenação definitiva a pena privativa de liberdade por crime anterior ao período
de prova
Esta hipótese é o caso, por exemplo, do condenado por roubo, em livramento condicional, é
condenado por outro crime praticado antes do benefício.
ii) cabe novo livramento para o primeiro crime (no exemplo dado, o roubo): o sujeito, nesta
hipótese, não trai a confiança do juízo;
Art. 84 - As penas que correspondem a infrações diversas devem somar-se para efeito do
livramento.
58
9.6.6.2 – revogação facultativa
ii) condenação irrecorrível, a pena não privativa de liberdade, por crime praticado antes ou
durante o benefício;
iii) condenação irrecorrível, a pena não privativa de liberdade, por contravenção penal
praticada antes ou durante o benefício.
No caso de revogação facultativa, o juiz pode: i) revogar o livramento; ii) alterar suas
condições; e iii) advertir o apenado.
Súmula 441 - A falta grave não interrompe o prazo para obtenção de livramento
condicional.
A razão da existência desta súmula é a ausência de previsão legal específica. A falta grave
interfere em vários outros prazos, como o da remição etc. Mas não para fins do prazo de
livramento condicional.
59
Art. 89 - O juiz não poderá declarar extinta a pena, enquanto não passar em julgado a
livramento.
Art. 90 - Se até o seu término o livramento não é revogado, considera-se extinta a pena
privativa de liberdade.
suspensivo.
O art. 197 da LEP substitui os incisos ligados à execução penal no Recurso em Sentido Estrito
(art. 581 do CPP).
Art. 179. Transitada em julgado a sentença, o Juiz expedirá ordem para a desinternação
ou a liberação.
60
O prazo para a interposição do agravo em execução é de cinco dias (Súmula 700 do STF):
61
LEI DOS CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (LEI
7.492/1986)
A Lei dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional também é conhecida como a “Lei dos
Crimes de Colarinho Branco”.
O art. 1º é uma norma penal explicativa, na medida em que traz o conceito de instituição
financeira para efeitos penais:
Art. 1º Considera-se instituição financeira, para efeito desta lei, a pessoa jurídica de
II - a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades referidas neste artigo, ainda que
de forma eventual.
Veja que, nos termos do dispositivo, instituição financeira pode ser tanto a pessoa jurídica
quanto a natural. Para a doutrina, o conceito de instituição financeira, para os efeitos desta
lei, é mais do que amplo, é amplíssimo.
62
De acordo com a lei, são instituições financeiras as pessoas jurídicas de direito público
(Banco do Brasil, BACEN, BNDES, Conselho Financeiro Nacional) ou privado (bancos) que
tenham atividade principal ou acessória, cumulativa ou não, de captação, intermediação ou
aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira ou valores
mobiliários.
Para que seja instituição financeira, não é necessário que essa atividade envolvendo a
captação de recursos de terceiros seja a única ou a principal atividade da empresa. Se a
instituição trabalha com recursos financeiros ou valores mobiliários de terceiros, ela é uma
instituição financeira, ainda que essa atividade não seja a única ou a principal atividade dela.
Ainda são consideradas instituições financeiras por equiparação pessoas jurídicas que
captem ou administrem recursos financeiros de terceiros, como as seguradoras, as casas de
câmbio, as empresas de consórcio, as empresas de capitalização, as cadernetas de poupança
etc.
Também é instituição financeira a pessoa física que exerça qualquer uma dessas atividades
mencionadas anteriormente, ainda que de forma eventual.
O Estado não pode ser considerado instituição financeira (veja que se trata do Estado, não as
pessoas jurídicas do Estado) quando, por exemplo, emite títulos da dívida pública no
mercado para obter recursos para o tesouro (STF AP 351/SC).
A Lei 7.492/1986 somente se aplica a crimes envolvendo instituições financeiras. Caso não
envolva, a norma não será aplicada.
As instituições financeiras são sociedades anônimas (ou seja, sociedade por ações). O art.
177 do CP também prevê crimes praticados contra as sociedades por ações:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa, se o fato não constitui crime contra a
63
economia popular. (...)
Quando se aplicará a Lei 7.492/1986 ou o art. 177 do CP? Se a sociedade por ações for uma
instituição financeira, aplica-se a Lei 7492/1986; se não for, aplica-se o art. 177 do CP. Veja
que nem toda sociedade por ações é instituição financeira, mas nem toda instituição
financeira é uma sociedade por ações.
Art. 25. São penalmente responsáveis, nos termos desta lei, o controlador e os
(Vetado).
Maciel entende que houve confusão da corrente minoritária. Nada impede que duas ou mais
pessoas tenham poder de gestão dentro da instituição e pratiquem o crime em coautoria.
64
O objeto jurídico do crime de gestão fraudulenta é a proteção do patrimônio das instituições
financeiras e dos investidores.
4.1.3 – conduta
Gerir fraudulentamente significa que só há crime se houver fraude. Não precisa, todavia, ser
uma fraude que induza alguém em erro, como ocorre no crime de estelionato. Exemplos de
gestões fraudulentas em que ninguém é enganado: i) emprestar dinheiro a devedor sabendo
que ele não terá condição de pagar; ii) simular de empréstimo (o gerente simula empréstimo
ao cliente).
i) empréstimos simulados, que não serão pagos (é o caso do Mensalão). Acerca deste
exemplo, ver o Inquérito 2245, no STF;
1ª corrente: o crime é habitual, porque o verbo “gerir” exige uma reiteração de atos
fraudulentos. Para esta corrente, atos fraudulentos isolados não configuram o crime.
65
3ª corrente: (STJ HC 39.908/PR) o crime é habitual impróprio: uma só conduta configura o
crime e a reiteração de condutas não configura diversos crimes. Se o infrator praticar um ato
de gestão fraudulenta, ocorrerá um crime. Se praticar 30, haverá um só crime também.
A tentativa é impossível, para quem acha se trata de crime habitual, ou possível, para quem
entende que é crime instantâneo ou habitual impróprio.
De acordo com o STF e o STJ, o crime é formal (ou de consumação antecipada), ou seja, não
exige resultado naturalístico consistente na concreta lesão ao sistema financeiro ou a
terceiros (nesse sentido, ver o STF HC 95.515/RJ e o STJ REsp 637.742).
66
4.2.3 – elemento subjetivo
Delmanto e Paulo José da Costa entendem que o elemento subjetivo do crime de gestão
temerária é o dolo eventual. Para esses autores, o infrator pratica atos de gestão arriscados,
assumindo o risco de causar prejuízo à instituição.
Nucci e Fábio Konder Comparato dizem que o elemento subjetivo pode ser o dolo direto e o
eventual.
A doutrina praticamente unânime não admite a forma culposa desse crime, embora a
expressão “temerária” indique “imprudência”, que é uma modalidade de culpa. Porém, o
STF já admitiu que esse crime admite a forma dolosa e culposa (STF HC 90.156). Em sentido
contrário, dizendo que o crime não admite a forma culposa: STJ RHC 7.982.
pela legislação:
4.3.2 – sujeitos
Sujeitos ativos do crime são somente as pessoas responsáveis pela contabilidade ou pela
movimentação de recursos financeiros da empresa (as pessoas do art. 25 da lei).
Trata-se de crime próprio, que exige condição especial do sujeito ativo. Assim, admite
coautoria ou participação de terceiros, que não sejam as do art. 25.
4.3.3 – condutas
67
O entendimento majoritário é de que o caixa-dois é crime habitual, na conduta de “manter”,
e instantâneo, na conduta “movimentar” (majoritário). Há entendimento minoritário de que
o crime seria habitual em ambos os verbos (Manoel Pedro Pimentel).
O elemento subjetivo do crime é o dolo. Não existe a forma culposa do crime de caixa-dois.
A consumação ocorre com a efetiva manutenção ou aplicação ilegal dos recursos ou valores.
Para quem acha que na conduta “movimentar” o crime é habitual, a tentativa não é possível;
para quem acha que é instantâneo (corrente majoritária), caberá tentativa.
Se o caixa-dois é praticado em instituição não financeira, pode configurar o crime do art. 299
do CP:
Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar,
ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o
fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente
relevante:
Se a intenção é de sonegação de tributos, haverá o crime do art. 1º, I e II, da Lei 8.137/1990;
68
de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; (...)
passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei,
financiamento.
4.4.2 – sujeitos
69
Exemplo do crime do art. 19 é apresentar certidão negativa de débito para conseguir o
financiamento.
Diferentemente do que ocorre no estelionato, este crime não exige que haja prejuízo
financeiro para a instituição financeira. Ex.: o indivíduo, com certidão negativa de débito
falsa, consegue o financiamento para custear a sua safra. Todavia, ele paga corretamente o
financiamento. O banco não sofreu nenhum prejuízo, mas houve o crime de obtenção do
financiamento mediante fraude.
Este crime não se confunde com o do art. 19. Naquele, o infrator pratica o crime obtendo,
mediante fraude, o financiamento, e utiliza o dinheiro ou recurso para aquela finalidade
vinculada ao financiamento.
No crime do art. 20, o infrator obtém o financiamento sem fraude, mas, depois, desvia o
valor a uma finalidade diversa da prevista no financiamento.
4.5.2 – sujeitos
Sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa. Sujeito passivo é o Estado.
70
Mais uma vez, cuidado, pois financiamento não se confunde com empréstimo.
Financiamento são recursos ou valores com destinação específica, enquanto o empréstimo
não tem destinação específica, finalidade vinculada. Ex.: em vez de utilizar o financiamento
para custear a sua plantação de soja, a juro baixo e ótimas condições de pagamento (por ser
um financiamento de incentivo à agricultura), o sujeito adquire uma mansão de veraneio; o
infrator obteve o dinheiro para financiamento de gado, mas o utiliza para finalidades
diversas.
Para que haja o crime, a Instituição financeira tem de ser do Estado ou credenciada para
repassar o financiamento.
A tentativa é possível, embora para Delmanto ela não seja possível, por se tratar de crime
unissubsistente.
Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de
divisas do País:
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem
autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos
4.6.2 – sujeitos
O sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa. Sujeito passivo é o Estado.
71
A compra de dólares no câmbio paralelo para guardar o dinheiro no Brasil, em casa ou no
cofre, não constitui o crime do art. 22, pois não há a finalidade de evasão de divisas. Ainda
que se trate de operação ilegal de câmbio, a compra de dólares como “poupança” não
configura evasão de divisas.
O sujeito que vende o dólar sem a devida autorização (“doleiro”), operando, responde pelo
crime do art. 16 da Lei 7.492/1986, na medida em que está agindo como instituição
financeira ilegal.
O tipo penal contém um elemento subjetivo do tipo (uma finalidade específica), que é
“promover a evasão de divisas no país”. Não havendo essa finalidade específica, a operação
de câmbio ilegal não configura evasão de divisas. Na verdade, não é crime praticar operação
de cambio não autorizada sem a finalidade de promover a evasão de divisas.
O crime se consuma com a operação ilegal de câmbio, ainda que a divisa não saia do país (ou
seja, o agente não consiga realizar a evasão de divisas). A tentativa é perfeitamente possível,
se o agente não consegue realizar a operação ilegal de câmbio por circunstâncias alheias à
sua vontade.
Parágrafo único. Sem prejuízo do disposto no art. 268 do Código de Processo Penal,
72
da Comissão de Valores Mobiliários - CVM, quando o crime tiver sido praticado no âmbito
Brasil quando, fora daquela hipótese, houver sido cometido na órbita de atividade sujeita
Pela leitura do dispositivo, fica a impressão de que todo o crime contra o Sistema Financeiro
Nacional seria de competência da Justiça Federal. As jurisprudências do STF e do STJ,
todavia, não entendem dessa forma. Para esses Tribunais, o crime contra o Sistema
Financeiro Nacional será de competência da Justiça Federal se atingir interesse específico da
União, suas autarquias ou empresas públicas (art. 109, IV, da CR):
Art. 30. Sem prejuízo do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal, aprovado pelo
de crime previsto nesta lei poderá ser decretada em razão da magnitude da lesão causada
(Vetado).
O STF já decidiu que a prisão preventiva com base tão somente na magnitude da lesão
causada é ilegal. Todavia, se presentes os requisitos do art. 312, combinados com a
magnitude da lesão causada, poderá ser decretada a prisão preventiva (HC 85.615, relativo
ao caso Daniel Dantas):
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da
da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
73
Art. 31. Nos crimes previstos nesta lei e punidos com pena de reclusão, o réu não poderá
prestar fiança, nem apelar antes de ser recolhido à prisão, ainda que primário e de bons
74
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (LEI 8.069/1990)
O conceito de criança está previsto no art. 2º, caput, do ECA. Criança é a pessoa de até 12
anos incompletos:
Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade
Tanto a criança quanto o adolescente praticam ato infracional. A diferença é que a criança
não pode ser responsabilizada por ele, apenas recebendo medidas de proteção, previstas no
art. 101 do ECA, as quais não têm caráter sancionador (no encaminhamento da criança aos
pais, ela será levada pra casa).
Todavia, o adolescente que pratica ato infracional é responsabilizado por ele, sofrendo
medidas socioeducativas, inclusive restritivas e privativas de liberdade (ex.: internação na
Fundação Casa). Além das socioeducativas, o adolescente infrator pode também receber
medida de proteção, na medida em que ele não deixa de necessitar de proteção.
O adolescente sofre, inclusive, processo para a apuração de ato infracional. A criança não
responde a processo na Vara da Infância e da Juventude, na medida em que não pratica ato
infracional.
Art. 2º (...) Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este
75
Ex.: “A”, com 17 anos e 11 meses de idade, atira na vítima em 18 de junho de 2011. Em 18
de outubro do mesmo ano, a vítima morre. Como visto, o CP adota a teoria da atividade. Se
não houvesse o art. 2º, parágrafo único, não seria possível a aplicação do CP, pois, no
momento da conduta (art. 4º do CP 5), “A” era adolescente, nem o ECA, que seria somente
aplicável a menor de idade. Assim, no exemplo dado, o sujeito responderá a processo
perante a VIJ, mesmo sendo maior de dezoito anos, sofrerá medida socioeducativa e
responderá, se o caso, até os 21 anos.
Com a redução da maioridade civil absoluta para dezoito anos, o art. 2º, parágrafo único, do
ECA continua em vigor? É pacífico no STJ que o dispositivo não foi tacitamente revogado
pelo Código Civil. Nesse sentido, ver o STJ RHC 24.122, julgado em 2010.
A alteração no Código Civil não causou nenhum reflexo nas normas penais e processuais
penais que envolvam adolescente, idoso ou pessoa entre 18 e 21 anos. Assim como o
Estatuto do Idoso também não teve nenhum impacto no CP. Ex.: prescrição, aplicação da
medida cautelar de prisão domiciliar etc.
penal.
5
Art. 4º - Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o
momento do resultado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984)
76
falar que o ato infracional é sempre de ação penal pública, pois esse conceito é do processo
penal, não do ECA.
É possível a aplicação do princípio da insignificância ao ato infracional (STF e STJ são pacíficos
nesse sentido). A esse respeito, ver o STF HC 98.381. Nesse julgado, o STF reconheceu de
ofício o princípio da insignificância, que sequer havia sido alegado pela defesa.
O adolescente pode sofre extradição pela prática de ato infracional? Para o Pleno do STF,
não é cabível extradição em razão de ato infracional. Isso porque o art. 77, II, do Estatuto do
Estrangeiro (Lei 6.815/1980) só permite a extradição pela prática de crime. Pelo mesmo
dispositivo, não cabe extradição pela prática de contravenção penal (ex.: estrangeiro que
mantém casa de bingo no Brasil não pode sofrer extradição):
Art. 77. Não se concederá a extradição quando: (Renumerado pela Lei nº 6.964, de
09/12/81) (...)
II - o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado
requerente; (...)
Caso haja flagrante de ato infracional, a seguinte ordem deverá ser observada:
Art. 172. O adolescente apreendido em flagrante de ato infracional será, desde logo,
O Delegado tem de formalizar essa apreensão em flagrante. Caso se trate de ato infracional
cometido com violência ou grave ameaça à pessoa (ex.: roubo), o art. 173, I, determina que
ele obrigatoriamente terá de lavrar auto de apreensão de adolescente (perceba a diferença
de terminologia: no CPP, seria auto de prisão em flagrante):
Art. 173. Em caso de flagrante de ato infracional cometido mediante violência ou grave
ameaça a pessoa, a autoridade policial, sem prejuízo do disposto nos arts. 106, parágrafo
77
Em se tratando de ato infracional sem violência ou grave ameaça à pessoa (ex.: ato
infracional de tráfico), o art. 173, parágrafo único, determina que o Delegado pode optar por
formalizar a apreensão por auto de apreensão de adolescente ou lavrar apenas o “boletim
de ocorrência circunstanciada”:
Art. 173 (...) Parágrafo único. Nas demais hipóteses de flagrante, a lavratura do auto
dia ou, sendo impossível, no primeiro dia útil imediato, exceto quando, pela gravidade do
ato infracional e sua repercussão social, deva o adolescente permanecer sob internação
Houve caso de Delegado que, passadas 24 horas, não encontrou o Promotor no plantão e
liberou o adolescente. Ajuizada ação criminal contra ele por prevaricação, o STJ trancou a
ação penal.
78
5.1.2 – não flagrante de ato infracional (art. 177 do ECA)
Caso não haja situação de flagrante de ato infracional, a autoridade policial deve investigar o
fato e encaminhar o relatório de investigações ao MP, que conterá perícia, depoimento de
testemunhas, declarações da vítima etc. Esse “relatório de investigações” nada mais é que o
inquérito policial do processo penal (art. 177 do ECA):
É uma conversa, que não precisa ser reduzida a escrito e assinada, ainda que isso possa
ocorrer.
Houve uma pequena mudança nessa jurisprudência do STJ. Até 2009, o tribunal entendia
que a ausência de advogado na audiência de oitiva informal feita pelo MP ensejava nulidade
relativa (HC 105.238). Hoje, para o STJ, se não há submissão aos princípios do contraditório e
da ampla defesa, não é necessária a participação do advogado.
O MP pode deixar de realizar a oitiva informal. O STJ já decidiu que o MP pode oferecer
representação contra o adolescente sem ter realizado a audiência de oitiva informal, desde
que disponha de elementos suficientes para representar.
A finalidade dessa oitiva informal, que ocorre no gabinete do Promotor, é permitir que ele
forme seu convencimento.
79
5.3 – Fase judicial
Feita ou não a audiência de oitiva informal, o MP pode tomar três providências, previstas no
art. 180 do ECA, que para efeitos didáticos serão chamadas de “fase judicial”: i)
arquivamento dos autos; ii) remissão; e iii) oferecimento de representação para a aplicação
de medida socioeducativa.
O Promotor de Justiça não “requer” o arquivamento, como ocorre no processo penal. Ele
“promove” o arquivamento. O MP arquivará os autos se não houver elementos para a
responsabilização do adolescente.
5.3.2 – remissão
Caso não seja o caso de arquivamento, a segunda opção que tem o MP é a concessão da
remissão (mais uma vez, ele não “requer”, mas “concede” remissão), que pode ser de duas
espécies:
i) remissão-perdão:
Art. 126. Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o
É uma forma de exclusão do processo (ou seja, não haverá processo contra o adolescente).
O MP deverá levar em consideração todas essas situações do art. 126 e, se elas forem
favoráveis, conceder a remissão.
Prevista no art. 127 do ECA, trata-se de remissão com a aplicação de qualquer medida
socioeducativa, desde que não restritiva ou privativa da liberdade (semiliberdade ou
internação):
80
eventualmente a aplicação de qualquer das medidas previstas em lei, exceto a colocação
Antes de iniciado o processo, a remissão é concedida pelo MP. Iniciado o processo, o juiz
pode conceder remissão ao adolescente em qualquer fase do processo, como forma de
extinção ou suspensão do processo:
Art. 126 (...) Parágrafo único. Iniciado o procedimento, a concessão da remissão pela
Quando o juiz concede a remissão durante o processo, ele pode aplicar medida
socioeducativa? Prevalece no STJ e no STF que sim, desde que não se trate das medidas de
semiliberdade e internação (RE 248.018, Rel. Min. Joaquim Barbosa). Nesse julgado, foi
questionada a constitucionalidade da parte final do art. 127 (“podendo incluir
eventualmente a aplicação de qualquer das medidas previstas em lei”). Argumentou-se que
a aplicação de medida socioeducativa sem devido processo legal, contraditório e ampla
defesa seria inconstitucional. O STF entendeu que o dispositivo é constitucional, até porque
o adolescente e seu defensor podem recusar a medida.
resumo dos fatos, os autos serão conclusos à autoridade judiciária para homologação.
81
Justiça, mediante despacho fundamentado, e este oferecerá representação, designará
Art. 182. Se, por qualquer razão, o representante do Ministério Público não promover o
§ 1º A representação será oferecida por petição, que conterá o breve resumo dos fatos e
Assim como a denúncia, a representação pode ser rejeitada pelo juiz. Ex.: representação
rejeitada por não ter sido juntado laudo provisório (HC 153.088). Se bem que essa decisão
pode ser discutida, pelo fato de o ECA não exigir prova pré-constituída do crime.
Se a representação não for rejeitada, ela é recebida. Nesse caso, o juiz designa audiência de
apresentação do adolescente. Dela, devem ser citados e notificados o adolescente e os pais
ou responsáveis. Se na audiência de apresentação os pais ou responsáveis não estiverem
presentes, o juiz deve nomear curador especial ao adolescente.
Num caso em que os pais não estavam presentes e o juiz não tinha nomeado curador, mas
havia advogado presente, o STJ decidiu que o advogado pôde acumular as funções de
defensor e curador, não tendo havido qualquer nulidade (REsp 912.049).
82
Essa audiência de apresentação do adolescente, por óbvio, jamais se realiza sem a presença
dele. Caso não compareça e não seja localizado, o juiz suspende o processo e expede
mandado de busca e apreensão do adolescente. O processo fica parado até a sua localização
para comparecimento (art. 184, § 3º, do ECA):
Art. 184 (...) § 3º Não sendo localizado o adolescente, a autoridade judiciária expedirá
apresentação.
Nessa audiência, o juiz praticará os seguintes atos: interrogar o adolescente, solicitar parecer
da equipe técnica sobre o perfil psicológico e socioeconômico e, se entender cabível,
conceder a remissão, ouvido o MP. Ainda, ouvirá os pais ou responsáveis do adolescente, se
presentes.
Caso não seja concedida a remissão pelo juiz, ele designa audiência em continuação, que
nada mais é que uma audiência de instrução e julgamento. Antes da ocorrência da audiência
de continuação, abre-se o prazo de 3 dias para a apresentação de defesa prévia, na qual
poder ser arroladas testemunhas. Esse procedimento é quase idêntico ao antigo
procedimento sumário do CPP.
83
Pela letra do art. 186, § 2º, o juiz somente seria obrigado a nomear defensor ao adolescente
se o ato infracional por ele praticado estivesse sujeito a medida socioeducativa de
semiliberdade ou internação:
Art. 186 (...) § 2º Sendo o fato grave, passível de aplicação de medida de internação ou
do caso.
Apesar disso, a doutrina praticamente unânime sustenta que o juiz deve nomear defensor
em qualquer processo de apuração de ato infracional. Do ponto de vista da lógica, isso
parece bem claro. Quem fará os debates ao final do processo? O adolescente? O argumento
legal utilizado pela doutrina são os arts. 110 e 111 do ECA, que preveem garantias
processuais ao adolescente, dentre as quais o devido processo legal (que tem como
corolário a ampla defesa, que inclui defesa técnica) e a defesa técnica por advogado:
Art. 110. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal.
Art. 111. São asseguradas ao adolescente, entre outras, as seguintes garantias: (...)
Depois da oitiva das testemunhas, são realizados os debates (alegações finais orais), de 20
minutos para cada uma das partes, prorrogáveis por mais 10. Encerrados os debates, passa-
se à sentença. Perceba que a audiência em continuação é nada mais que uma audiência de
instrução e julgamento.
84
A sentença pode ser de procedência ou improcedência do pedido. A sentença de
improcedência equivale à sentença absolutória do CPP. Nessa hipótese, não será aplicada
nenhuma medida socioeducativa ao adolescente. A sentença de procedência do pedido
equivale, por sua vez, a uma sentença condenatória. Nesse caso, o juiz aplicará medida
socioeducativa e medida de proteção.
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar
I - advertência;
IV - liberdade assistida;
Perceba que o juiz pode aplicar as medidas socioeducativas do art. 112, I a VI, e as de
proteção, do art. 101.
Art. 115. A advertência consistirá em admoestação verbal, que será reduzida a termo e
assinada.
Parágrafo único. Havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá ser substituída por
outra adequada.
85
A obrigação de reparar o dano é aplicada ao ato infracional com reflexos patrimoniais. É a
restituição da coisa (ex.: devolução da bicicleta furtada), o ressarcimento do dano ou outra
forma de compensação do prejuízo.
de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades
devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados,
A prestação de serviços comunitários somente pode ser decretada pelo prazo máximo de 6
meses, a jornada máxima semanal deve ser de 8 horas e não pode prejudicar o trabalho ou a
escola.
Art. 118. A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais
§ 1º A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso, a qual poderá ser
§ 2º A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a
qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o
Art. 120. O regime de semiliberdade pode ser determinado desde o início [desde que
devidamente fundamentado pelo juiz], ou como forma de transição para o meio aberto,
86
judicial.
O regime de semiliberdade pode ser aplicado como medida socioeducativa inicial (que em
direito penal seria chamado de “regime inicial”) ou como transição da internação para a
liberdade.
A jurisprudência do STJ entende que o regime de semiliberdade pode ser aplicado como
medida inicial, desde que devidamente fundamentado pelo juiz (princípio da
excepcionalidade). Ou seja, segundo o princípio da excepcionalidade, previsto no ECA, a
regra são as medidas socioeducativas que não restringem a liberdade, sendo as
restritivas/privativas excepcionais (HC 128.113).
O prazo da medida socioeducativa de semiliberdade não existe. O juiz pode aplicá-la por
prazo indeterminado (art. 120, § 2º):
Art. 120 (...) § 2º A medida não comporta prazo determinado aplicando-se, no que
Apesar de a medida de semiliberdade ser aplicada sem prazo determinado, ela não pode
superar o prazo da internação, de três anos, em virtude da aplicação subsidiária das regras
da internação, determinada pelo art. 120, § 2º, do ECA.
87
II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
Para que se configure a “reiteração”, segundo conceito pacificado pelo STJ, são necessários,
no mínimo, três atos infracionais. Para o Tribunal, reiteração não se confunde com
reincidência (HC 160.224/MG). Assim, não caberá internação mesmo que o adolescente
tenha praticado um ato infracional de furto e outro de tráfico.
Veja que mesmo que o adolescente tenha praticado tráfico internacional de drogas,
negociando uma tonelada de cocaína, o juiz não pode aplicar a medida socioeducativa de
internação no tráfico, exceto no caso de reiteração. É a jurisprudência mais recorrente no
STJ. Todavia, contraditoriamente, no caso de uma lesão corporal, a internação será em tese
cabível, por conta da violência contra a pessoa.
Se o ato infracional é praticado com violência ou grave ameaça, o juiz é obrigado a aplicar a
medida de internação? Para o STJ, não. O juiz, verificando as circunstâncias do caso, pode
aplicar qualquer outra menos gravosa (STJ HC 110.195). Exemplo: o adolescente que pratica
lesão leve (causa escoriações no braço de alguém) não precisa ser submetido a medida de
internação. Em direito penal, esse crime ensejaria transação penal.
Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de
desenvolvimento. (...)
Nas hipóteses do art. 122, incisos I e II, a internação é decretada por prazo indeterminado,
não podendo superar três anos. O STJ decidiu que o prazo máximo de internação de três
anos é para cada ato infracional (HC 99.565). Todavia, esse entendimento não mais
prevalece, pois anterior à Lei do Sinase (Lei nº 12.594/2012), cujo art. 45 determina o
seguinte:
Art. 45. Se, no transcurso da execução, sobrevier sentença de aplicação de nova medida, a
88
socioeducativa, ou deixar de considerar os prazos máximos, e de liberação compulsória
execução.
cumprimento de medida menos rigorosa, sendo tais atos absorvidos por aqueles aos
No caso do inciso III, a internação também será por prazo indeterminado, mas não pode
superar três meses:
Art. 122. (...) § 1º O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá
Caso o sujeito, maior de 18 anos, cumprindo medida socioeducativa, cometa outro crime,
evidentemente ele responderá como imputável e poderá ser preso, em cadeia normal.
A Súmula 108 do STJ determina que a aplicação de medida socioeducativa pela prática de
ato infracional é da competência exclusiva do juiz. Em outras palavras, o MP não pode
aplicar medida socioeducativa, como ocorria em algumas comarcas:
O ECA diz que as medidas socioeducativas são fungíveis, ou seja, podem ser substituídas
umas pelas outras. Assim, existe progressão e regressão de medida socioeducativa (como na
lei penal).
89
Para a decretação da regressão de medida socioeducativa pelo juiz, é necessária a oitiva do
adolescente (Súmula 265 do STJ). Se ela não ocorre, a decisão é nula:
medida socioeducativa.
i) internação-sanção:
A internação provisória não é medida socioeducativa, mas medida cautelar, prevista no art.
108 do ECA:
Art. 108. A internação, antes da sentença [internação provisória], pode ser determinada
90
Atenção! O art. 130, do ECA, alterado pela Lei 12.415/2011, determina a aplicação de
medida cautelar de afastamento do agressor da moradia comum. Trata-se de medida
cautelar diversa da prisão, prevista no ECA, mas aplicável aos imputáveis:
Art. 130. Verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos
Parágrafo único. Da medida cautelar constará, ainda, a fixação provisória dos alimentos
nº 12.415, de 2011)
Assim, no caso de maus tratos ou abuso sexual contra criança ou adolescente, o juiz pode
decretar a medida cautelar de afastamento do agressor da moradia comum. Há, portanto,
além das medidas cautelares previstas no CPP, outras em leis especiais (ECA, Lei Maria da
Penha etc.)
1ª corrente: medida socioeducativa não prescreve, por duas razões: i) o ECA não
prevê prescrição de medida socioeducativa; e ii) medida socioeducativa não é pena,
logo, não está sujeita a prescrição.
2ª corrente: medida socioeducativa prescreve, por duas razões: i) não é pena, mas
tem caráter punitivo, inclusive com restrição ou privação da liberdade do adolescente;
e ii) embora o ECA não tenha regras sobre prescrição, aplicam-se subsidiariamente as
do Código Penal.
Prevalece a segunda corrente (Súmula 338 do STJ). O STF segue o mesmo entendimento,
inclusive referindo-se à súmula do STJ:
O STJ vem decidindo que a prescrição da pretensão punitiva é calculada com base na pena
máxima cominada para a infração correspondente ao ato infracional. Ou seja, a medida
socioeducativa prescreve no mesmo prazo em que a pena do crime correspondente. Ex.:
lesão leve: 3 anos; furto: 8 ou 12 anos.
91
A prescrição da pretensão executória é calculada com base na medida socioeducativa
aplicada. Se o juiz aplica medida socioeducativa de 6 meses, ela prescreverá em 3 anos.
Aqui, há alguns problemas:
Segundo o STJ, se a medida for aplicada por prazo indeterminado, a prescrição da pretensão
executória ocorrerá em 3 anos. Foi usado, por analogia, o prazo máximo da medida
socioeducativa de internação.
Em se tratando de crime que prescreva em tempo menor, o prazo será o menor. Isso para
que não seja feita analogia in mallan partem. Assim, o prazo de prescrição será de 3 anos,
salvo se lei específica previr prazo menor. Ex.: o porte de drogas para consumo pessoal (art.
28 da Lei de Drogas) prescreve em 2 anos. A esse respeito, ver o STJ HC 157.262.
Observe que todos os prazos são reduzidos pela metade, em virtude da incidência do art.
115 do CP (no ECA, o infrator é sempre menor de 21 anos):
Art. 115 - São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao
tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70
(setenta) anos.
Em todos os casos até aqui estudados, foi utilizado o procedimento previsto no CPP, por
analogia, para a integração do sistema previsto no ECA para a apuração dos atos
infracionais.
Todavia, especificamente no que concerne aos recursos, aplica-se aos atos infracionais, por
analogia, o sistema recursal do CPC, e não o do CPP, com as adaptações do art. 198 do ECA.
Essa é uma pegadinha de concurso:
92
II - em todos os recursos, salvo nos embargos de declaração, o prazo para o Ministério
Público e para a defesa será sempre de 10 (dez) dias; (Redação dada pela Lei nº 12.594, de
2012)
VII - antes de determinar a remessa dos autos à superior instância, no caso de apelação,
da intimação.
Ex.: na apelação, as razões devem ser apresentadas juntamente com a petição de apelação.
Até 2009, a regra era que o recurso de apelação seria recebido apenas no efeito devolutivo.
Somente seria recebido no efeito suspensivo se houvesse perigo de dano irreparável ou de
difícil reparação:
Art. 198 (...) VI - a apelação será recebida em seu efeito devolutivo. Será também
conferido efeito suspensivo quando interposta contra sentença que deferir a adoção por
Todavia, esse dispositivo foi revogado pela Lei 12.010/2009. Como o ECA não diz mais o
efeito em que será recebida a apelação, aplica-se o sistema recursal do Processo Civil. Ou
seja, os efeitos em que será recebida a apelação são os do art. 520 do CPC:
Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no
O ECA não admite a aplicação do sistema recursal do CPP, mas são perfeitamente cabíveis a
impetração de HC e o ajuizamento de revisão criminal nos procedimentos do ECA. Não são
recursos, mas ações de impugnação.
O art. 227 determina que todos os crimes previstos no ECA são de ação penal pública
incondicionada:
93
Art. 227. Os crimes definidos nesta Lei são de ação pública incondicionada
referidos no art. 10 desta Lei, bem como de fornecer à parturiente ou a seu responsável,
11.1.1 – sujeitos
O sujeito ativo deste crime somente pode ser o encarregado de serviço ou o dirigente de
estabelecimento de atenção à saúde da gestante. O tipo penal exige qualidade especial do
sujeito ativo, tratando-se, portanto, de crime próprio.
Sujeitos passivos são o neonato, a parturiente e o eventual responsável pelo neonato (ex.:
pai).
O hospital pode ser público ou particular, razão pela qual o crime não é apenas de
funcionário público.
Os elementos subjetivos do crime do art. 228 são o dolo e a culpa, pois o tipo prevê também
a conduta culposa.
94
A consumação do crime se dá com a simples conduta omissiva. A tentativa não é possível,
por se tratar de crime omissivo puro ou próprio (crime de mera conduta).
parto, bem como deixar de proceder aos exames referidos no art. 10 desta Lei:
11.2.1 – sujeitos
impressão digital da mãe, sem prejuízo de outras formas normatizadas pela autoridade
administrativa competente;
Lembre que o descumprimento das obrigações previstas no art. 10, I e IV, configura o crime
do art. 228 do ECA. O descumprimento do art. 10, V (“manter alojamento conjunto,
possibilitando ao neonato a permanência junto à mãe”), é fato atípico.
Os elementos subjetivos do crime são o dolo e a culpa (o crime também admite a forma
culposa).
95
Assim como no crime anterior, a consumação do crime do art. 229 se dá com a simples
conduta omissiva. A tentativa não é possível, por se tratar de crime omissivo puro ou próprio
(crime de mera conduta).
Art. 230. Privar a criança ou o adolescente de sua liberdade, procedendo à sua apreensão
judiciária competente:
Parágrafo único. Incide na mesma pena aquele que procede à apreensão sem observância
O dispositivo já foi visto por ocasião do estudo da Lei de Abuso de Autoridade. Cumpre,
todavia, realizar algumas observações, as quais serão realizadas nos tópicos a seguir.
O sujeito ativo deste crime pode ser qualquer pessoa. Trata-se, portanto, de um crime
comum. O sujeito passivo é a criança ou o adolescente privado da liberdade.
O crime consiste em privar a criança ou o adolescente de sua liberdade por meio de uma
apreensão ilegal. Então, se a finalidade for privar a liberdade da criança por outro motivo,
que não seja uma apreensão ilegal, haverá crime de sequestro ou cárcere privado do art.
148 do CP.
96
Pena - detenção de seis meses a dois anos.
O dispositivo também já foi visto por ocasião do estudo da Lei de Abuso de Autoridade,
motivo pelo qual apenas algumas observações serão tecidas.
O sujeito ativo deste crime é somente a autoridade policial. Trata-se, portanto, de um crime
próprio. Os sujeitos passivos são a criança ou o adolescente apreendido (a).
Art. 5º (...) LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão
indicada;
Por sua vez, o CPP, na nova redação do art. 306, impõe que a prisão seja comunicada ao juiz
competente, à família do preso ou pessoa por ele indicada e ao Ministério Público (Lei
12.403/2011):
Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados
por ele indicada. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011). (...)
Como dito por ocasião do estudo da Lei de Abuso de Autoridade, deixar de comunicar a
prisão ao juiz é considerado crime. Todavia, deixar de comunicar a prisão à família do preso
ou pessoa por ele indicada, não. Com o advento da nova lei, deixar de comunicar a prisão ao
MP também não é abuso de autoridade. Conclusão: só é crime de abuso de autoridade
deixar de comunicar a prisão ao juiz.
O elemento subjetivo do crime do art. 231 é o dolo. Caso o Delegado, por negligência, se
esqueça de comunicar a apreensão ao juiz, ele não comete crime, ainda que possa sofrer
processo administrativo.
97
11.4.4 – consumação e tentativa
Art. 232. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a
vexame ou a constrangimento:
Art. 233. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a
tortura:
§ 3º Se resultar morte:
Pena - reclusão de quinze a trinta anos. (Revogado pela Lei nº 9.455, de 7.4.1997:
Por haver sido o dispositivo revogado pela Lei de Tortura, a tortura praticada contra a
criança ou o adolescente configura o crime (de tortura) previsto no art. 1º da Lei 9.455/1997,
com o aumento de pena previsto no § 4º, II, do mesmo dispositivo:
II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou
grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo
ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003) (...)
Art. 237. Subtrair criança ou adolescente ao poder de quem o tem sob sua guarda em
98
Pena - reclusão de dois a seis anos, e multa.
O sujeito ativo do crime do art. 237 pode ser qualquer pessoa, inclusive o pai ou mãe
destituído (a) do poder familiar ou o tutor privado da tutela. Sujeitos passivos são a criança
ou o adolescente subtraído (a) e aquele que detém a guarda deles.
11.7.2 – conduta
A conduta punida no art. 237 consiste em subtrair (retirar) a criança ou adolescente sem a
autorização de quem detém a guarda.
A doutrina sustenta que só há o crime se a pessoa tem a guarda judicial ou legal. Se a pessoa
tem a guarda de fato, não há crime, na medida em que o dispositivo fala expressamente em
quem tem a guarda “em virtude de lei ou ordem judicial”.
A consumação do crime do art. 237 ocorre com a subtração, ainda que a criança ou
adolescente não seja colocado (a) em lar substituto, ou seja, que a finalidade não seja
alcançada. Se ocorrer a efetiva colocação em lar substituto, haverá exaurimento do crime já
consumado.
99
O art. 249 do Código Penal prevê o crime de subtração de incapaz:
Art. 249 - Subtrair menor de dezoito anos ou interdito ao poder de quem o tem sob sua
Pena - detenção, de dois meses a dois anos, se o fato não constitui elemento de outro
crime. (...)
Perceba que a redação é bastante parecida com a do art. 237 do ECA. Todavia, aquele
dispositivo do CP não prevê a finalidade específica de colocação da criança ou do
adolescente em lar substituto (o art. 249 não exige nenhuma finalidade específica).
Além disso, o art. 249, § 2º, prevê a possibilidade de perdão judicial no crime de subtração
de incapazes, desde que a criança ou o adolescente não tenha sofrido privação ou maus
tratos:
Art. 249 (...) § 2º - No caso de restituição do menor ou do interdito, se este não sofreu
adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de
obter lucro:
Parágrafo único. Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude: (Incluído pela Lei
nº 10.764, de 12.11.2003)
Atenção! O que o tipo penal está punindo não é o envio da criança ou adolescente ao
exterior, mas a promoção ou o auxílio da efetivação de ato destinado ao envio. Desse modo,
ainda que o envio não tenha ocorrido, o crime estará consumado.
O sujeito ativo do crime do art. 239 pode ser qualquer pessoa, inclusive o pai ou mãe.
Sujeitos passivos são a criança ou o adolescente e o responsável por eles, se não for o autor
do crime.
11.8.2 – condutas
100
i) promover ou auxiliar a promoção:
Promover significa organizar, executar. Auxiliar significa prestar auxílio. Aquele que presta
auxílio ao ato, aqui, não é partícipe, mas autor, pois auxiliar, neste caso, é um dos núcleos
verbais do tipo penal.
Exemplos doutrinários do crime previsto no art. 239, caput: prática de atos destinados à
adoção ilegal no exterior; finalidade de lucro. Importante observar que não é necessária a
persecução de lucro para a configuração do crime. A finalidade de lucro não é qualificadora
nem causa de aumento de pena. É elementar do tipo básico (é um dos motivos do crime),
ainda que na fixação de pena base o juiz deva levar o propósito lucrativo em consideração.
Exemplos doutrinários do crime previsto no art. 239, parágrafo único: o infrator obtém uma
autorização do pai da criança ou adolescente, sob pena de matá-lo; o infrator consegue
autorização utilizando fraude, dizendo que o levaria para jogar futebol, sendo que o real
propósito era a venda.
Repare que, se houver violência, o infrator responderá pelo crime do art. 239 do ECA, mais a
pena correspondente à violência (lesão corporal, tentativa de homicídio, homicídio
consumado etc.)
101
A consumação se dá com a simples prática do ato destinado ao envio da criança ou
adolescente ao estrangeiro, ainda que esse envio não ocorra. Se o envio ocorrer, será mero
exaurimento do crime já consumado.
11.8.5 – competência
reciprocamente; (...)
A Lei 11.829/2008, conhecida como Lei da Pedofilia, alterou e acrescentou artigos no ECA
visando, especialmente: i) aumentar as penas anteriormente previstas; ii) punir pedófilos
que mantêm, veiculam, comercializam ou adquirem objetos com cenas pornográficas ou de
sexo explícito envolvendo crianças e adolescentes; e iii) atualizar a lei às modernidades da
tecnologia, permitindo às autoridades a punição de criminosos que utilizam rede de
computadores para a prática de crimes.
Atenção! A Lei de Pedofilia não pune exclusivamente condutas praticadas por rede de
computadores. Ainda que esse tenha sido um de seus objetivos, ela pune condutas
praticadas por qualquer meio, e não apenas as envolvendo a Internet.
Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio,
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 11.829,
de 2008) (...)
102
12.1.1.1 – sujeito ativo
O sujeito ativo deste crime pode ser qualquer pessoa (crime comum). Todavia, se ele estiver
em qualquer das situações do § 2º (com redação dada pela Lei 11.829/2008), haverá
aumento de pena:
Art. 240 (...) § 2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o agente comete o crime:
qualquer outro título, tenha autoridade sobre ela, ou com seu consentimento.
O dispositivo prevê três causas de aumento de pena em patamar fixo. Havendo mais de uma
causa de aumento de pena (ex.: o crime praticado pelo pai da criança poderá incidir nas
causas dos incisos II e III, por se tratar de relação doméstica e parentesco), a excedente será
utilizada como circunstância judicial desfavorável na dosimetria da pena base.
Maciel considera que ambos os doutrinadores estão corretos, pois o tipo protege os dois
bens jurídicos.
12.1.3 – condutas
Há seis núcleos verbais no tipo penal do art. 240. Trata-se de tipo misto alternativo (crime de
conduta múltipla ou variada), aquele em que a prática de várias condutas no mesmo
contexto fático configura crime único.
103
O objeto material do crime do art. 240 é a cena de sexo explícito ou pornográfica
envolvendo a criança ou o adolescente. O conceito de cena de sexo explícito ou pornográfica
está na norma penal explicativa do art. 241-E do ECA:
Art. 241-E. Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão “cena de sexo explícito
atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas [veja que a conduta poderá ser
simulada], ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins
primordialmente sexuais.
Segundo Nucci, este conceito deixa de fora algumas situações, como a exposição da criança
ou do adolescente em roupas íntimas ou em poses sexuais sem exibição de genitália. Trata-
se de uma perigosíssima lacuna da lei, que não poderá ser preenchida por analogia ou
interpretação extensiva.
O elemento subjetivo do crime do art. 240 é o dolo, não se exigindo nenhuma finalidade
específica (ex.: lucro).
Ocorre a consumação do crime com a simples prática de qualquer das condutas do tipo, não
havendo necessidade de efetivo prejuízo para a formação moral da criança ou do
adolescente.
O efetivo prejuízo, nesse caso, é o resultado naturalístico, que, como dito, não precisa
ocorrer. Conclusão: o crime do art. 240 do ECA é formal ou de consumação antecipada
(entendimento adotado pela CESPE, que considerou incorreta alternativa segundo a qual
seria crime material).
Art. 240 (...) § 1º Incorre nas mesmas penas quem agencia, facilita, recruta, coage, ou de
no caput deste artigo, ou ainda quem com esses contracena. (Redação dada pela Lei nº
11.829, de 2008)
104
i) a daquele que propicia a realização das cenas sexuais ou pornográficas:
ii) a daquele que contracena com a criança ou adolescente, que responderá em concurso
com o crime do CP.
Ex.: aquele que contracena com a criança responderá, também, por estupro de vulnerável.
Art. 241. Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 11.829,
de 2008)
Tudo quanto for dito acerca do crime do art. 241 será aproveitado aos dos arts. 241-A, 241-B
e 241-C.
O sujeito ativo deste crime pode ser qualquer pessoa (crime comum). Sujeitos passivos são a
criança ou o adolescente.
Para Nucci, o objeto material do crime do art. 241 é a proteção da formação moral da
criança ou do adolescente. Para Rogério Sanches, é também a proteção é a moralidade
sexual pública, na medida em que uma cena de sexo explícito ou a veiculação do material
contra a criança fere a moralidade de todos.
Atenção! Não é necessária a finalidade de lucro, ainda que haja os verbos “vender ou expor
à venda”. Isso porque o sujeito pode vender pelo preço que ele pagou ou até inferior ao por
ele pago. Não haverá finalidade de lucro, mas ainda assim o crime ocorre.
12.2.4 – condutas
105
As condutas punidas são a venda ou a exposição à venda dos materiais previstos no
dispositivo. O comprador responderá pelo crime do art. 241-B.
O objeto material do crime do art. 241 não é a cena do sexo explícito ou pornográfica
envolvendo a criança ou o adolescente, mas a fotografia, o vídeo ou qualquer registro
contendo tal cena (ex.: pen drive, CD, DVD, álbum de fotos etc.)
Como visto, o conceito de cena de sexo explícito ou pornográfica está na norma penal
explicativa do art. 241-E do ECA, valendo lembrar a crítica de Nucci, segundo a qual ele
exclui determinadas condutas importantes.
Ocorre a consumação do crime do art. 241 com a simples prática de qualquer das condutas
do tipo, não havendo necessidade de efetivo prejuízo para a formação moral da criança ou
do adolescente.
O efetivo prejuízo, nesse caso, é o resultado naturalístico, que não precisa ocorrer.
Conclusão é que o art. 241 do ECA é crime formal ou de consumação antecipada
(entendimento adotado pela CESPE, que considerou incorreta alternativa segundo a qual
seria crime material).
Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por
vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
(...)
O sujeito ativo deste crime pode ser qualquer pessoa (crime comum). Sujeitos passivos são a
criança ou o adolescente envolvido na cena.
106
12.3.2 – objeto jurídico
O elemento subjetivo do crime do art. 241-A é o dolo, não se exigindo nenhuma finalidade
específica.
O objeto material do crime do art. 241-A não é a cena do sexo explícito ou pornográfica
envolvendo a criança ou o adolescente, mas a fotografia, o vídeo ou qualquer registro
contendo tal cena (ex.: pen drive, CD, DVD, álbum de fotos etc.)
O conceito de cena de sexo explícito ou pornográfica está na norma penal explicativa do art.
241-E do ECA. Vale lembrar a crítica de Nucci, segundo a qual ele deixa de fora determinadas
condutas importantes.
Ocorre a consumação do crime do art. 241-A com a simples prática de qualquer das
condutas do tipo, não havendo necessidade de efetivo prejuízo para a formação moral da
criança ou do adolescente.
O efetivo prejuízo, nesse caso, é o resultado naturalístico, que não precisa ocorrer.
Conclusão é que o art. 241-A do ECA é crime formal ou de consumação antecipada
(entendimento adotado pela CESPE, que considerou incorreta alternativa segundo a qual
seria crime material).
12.3.6 – condutas
O art. 241 pune as condutas de vender ou expor à venda. Já o art. 241-A pune as condutas
de “oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer
meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático”.
107
O que diferencia os crimes, portanto, são essas condutas. No mais, eles são idênticos.
Exemplos: disponibilização na Internet de fotos pornográficas, troca de materiais
pornográficos entre pedófilos etc.
Art. 241-A (...) § 1º Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº 11.829, de
2008)
imagens de que trata o caput deste artigo; (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
II – assegura, por qualquer meio, o acesso por rede de computadores às fotografias, cenas
ou imagens de que trata o caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) (...)
O inciso I pune aquele que armazena o material previsto no caput. Exemplo: o amigo, que
não tem computador, pede para o outro armazenar as imagens no computador dele. Esse
que guardou as imagens para o pedófilo responderá pelo crime do art. 241-A, § 1º, I.
O inciso II pune a conduta daqueles que permitem o acesso às cenas por rede de
computadores. Detalhe: não necessariamente precisa ser a rede mundial de computadores
(Internet). Pode ser a rede de computadores de uma empresa, por exemplo.
Art. 241-A (...) § 2º As condutas tipificadas nos incisos I e II do § 1º deste artigo são
deixa de desabilitar o acesso ao conteúdo ilícito de que trata o caput deste artigo.
Essa notificação oficial deve ser feita ao responsável legal, que é a pessoa com poder de
mando para determinar a desabilitação do conteúdo. De nada adianta notificar qualquer
108
responsável pelo provedor. Tem de ser a alguém que, dentro da empresa, tenha capacidade
para decidir.
A lei fala em “notificação oficial”, mas não menciona prazo. Portanto, essa notificação deve
indicar o prazo para a desabilitação. Somente depois que isso ocorrer e a pessoa descumprir
a determinação é que ela poderá ser punida pelos crimes.
Qual é a natureza jurídica dessa notificação oficial? Para Nucci, trata-se de uma condição
objetiva de punibilidade. Ou seja, o crime já existe, mas sem ela não é possível punir o
infrator. Todavia, em um concurso da CESPE, foi considerado que a notificação oficial seria
condição de procedibilidade (ou seja, condição para o exercício da ação penal). Silvio Maciel
concorda com a posição de Nucci.
Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 11.829, de
2008) (...)
O sujeito ativo deste crime pode ser qualquer pessoa (crime comum). Sujeitos passivos são a
criança ou o adolescente.
109
O conceito de cena de sexo explícito ou pornográfica está na norma penal explicativa do art.
241-E do ECA, com a crítica de Nucci.
Ocorre a consumação do crime com a simples prática de qualquer das condutas do tipo, não
havendo necessidade de efetivo prejuízo para a formação moral da criança ou do
adolescente.
O efetivo prejuízo, nesse caso, é o resultado naturalístico, que não precisa ocorrer.
Conclusão é que o art. 241-B do ECA é crime formal ou de consumação antecipada
(entendimento adotado pela CESPE, que considerou incorreta alternativa segundo a qual
seria crime material).
12.4.6 – condutas
O art. 241-B, caput, pune quem adquire, possui ou armazena o objeto material.
Art. 241-B (...) § 1º A pena é diminuída de 1 (um) a 2/3 (dois terços) se de pequena
quantidade o material a que se refere o caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.829, de
2008)
“Pequena quantidade” é elemento normativo do tipo, que deve ser verificada pelo juiz em
cada caso concreto.
110
comunicar às autoridades competentes a ocorrência das condutas descritas nos arts. 240,
241, 241-A e 241-C desta Lei, quando a comunicação for feita por: (Incluído pela Lei nº
11.829, de 2008)
I – agente público no exercício de suas funções; (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
Art. 241-B (...) § 3º As pessoas referidas no § 2º deste artigo deverão manter sob sigilo o
Ex.: o membro de entidade de proteção à criança está com o material armazenado em seu
computador, para apresentá-lo à policia na segunda-feira (excludente de ilicitude). Todavia,
se antes de levar o material à polícia, ele mostrar o material para amigos, cometerá o crime
do art. 241-A do ECA.
Art. 241-D. Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação,
criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso: (Incluído pela Lei nº 11.829, de
2008)
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
(...)
111
O sujeito ativo deste crime pode ser qualquer pessoa (crime comum). Sujeito passivo é
somente a criança. Este tipo penal não tutela o adolescente.
12.5.3 – condutas
Este crime não precisa ser praticado, necessariamente, por meio de informática. Pode ser
praticado, inclusive, por telefone (qualquer meio de comunicação), ainda que o objetivo
principal da lei tenha sido alcançar aqueles que cometem o crime por meio de informática.
Consuma-se o crime do art. 241-D com a simples prática de qualquer das condutas do tipo,
sem que haja o ato libidinoso. O ato libidinoso, se houver, não será exaurimento do crime,
mas estupro de vulnerável.
Art. 241-D (...) Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº
11.829, de 2008)
pornográfica com o fim de com ela praticar ato libidinoso; (Incluído pela Lei nº 11.829, de
2008)
II – pratica as condutas descritas no caput deste artigo com o fim de induzir criança a se
2008)
112
O inciso I pune a conduta de dar acesso a criança a material pornográfico ou de sexo
explícito, com o fim de com ela praticar ato libidinoso. Lembrar que, se o ato libidinoso for
praticado, haverá estupro de vulnerável.
No inciso II, a finalidade não é de praticar ato libidinoso com a criança, mas fazê-la se exibir
de forma pornográfica ou sexualmente explícita.
Art. 242. Vender, fornecer ainda que gratuitamente ou entregar, de qualquer forma, a
Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos. (Redação dada pela Lei nº 10.764, de
12.11.2003)
O art. 242 do ECA foi tacitamente derrogado (revogação parcial) pelo art. 16, parágrafo
único, V, do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003):
12.6.1 – sujeitos
Sujeito ativo do crime do art. 242 é qualquer pessoa. Sujeitos passivos são a criança, o
adolescente e a sociedade (arma na mão de criança ou adolescente é perigo à sociedade). O
bem tutela a incolumidade pública.
12.6.2 – condutas
Como visto, o objeto material do crime do art. 242 é somente a arma branca.
113
12.6.7 – elemento subjetivo
A consumação se dá com a prática de qualquer das condutas do tipo, ainda que não ocorra
nenhum prejuízo à criança, adolescente ou a terceiros. Trata-se, portanto, de crime formal
(ou de consumação antecipada).
Art. 243. Vender, fornecer ainda que gratuitamente, ministrar ou entregar, de qualquer
forma, a criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam
Pena - detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais
12.7.1 – sujeitos
Sujeito ativo do crime do art. 243 pode ser qualquer pessoa, inclusive os pais ou
responsáveis pela criança ou adolescente. Sujeitos passivos são a criança e o adolescente.
12.7.3 – condutas
As condutas punidas no art. 243 são: vender, fornecer (ainda que gratuitamente) ou
entregar. Trata-se de crime de conduta múltipla ou variada.
O objeto material do crime do art. 243 é “substância cujos componentes possam causar
dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida”.
114
subsidiário, pois o próprio tipo penal (o preceito sancionador) ressalva a aplicabilidade para
o caso de o fato não constituir crime mais grave.
Importante observar que o agente responde pelo crime do art. 243 ainda que a criança ou o
adolescente faça utilização indevida da substância. Ex.: o infrator entrega um medicamento
à criança, para que ela tome um comprimido por dia. Ao receber a medicação, ela passa a
tomar cinco comprimidos por dia e fica dependente dela. Note que a criança ficou
dependente por haver utilizado de modo equivocado o medicamento, mas o fato da
utilização indevida não afasta a aplicação do art. 243 do ECA.
Art. 244. Vender, fornecer ainda que gratuitamente ou entregar, de qualquer forma, a
criança ou adolescente fogos de estampido ou de artifício, exceto aqueles que, pelo seu
utilização indevida:
Aplica-se ao art. 244 tudo o que foi dito sobre o art. 243, exceto o objeto material.
No crime do art. 244, o objeto material são fogos de estampido ou de artifício, exceto
aqueles totalmente incapazes de provocarem qualquer dano à criança ou ao adolescente.
Esse crime necessita, evidentemente, de exame pericial. Somente ele poderá aferir se o
objeto pode ou não causar qualquer tipo de dano.
Art. 244-A. Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art. 2º
desta Lei, à prostituição ou à exploração sexual: (Incluído pela Lei nº 9.975, de 23.6.2000)
115
Pena - reclusão de quatro a dez anos, e multa. (...)
deste artigo. [ex.: gerente do hotel, proprietário da boate etc.] (Incluído pela Lei nº
9.975, de 23.6.2000)
O art. 244-A, caput, do ECA foi tacitamente revogado pelo art. 218-B, caput, do Código
Penal, alterado pela Lei 12.015/2009 (Lei dos Crimes contra a Dignidade Pessoal), pois os
dispositivos tratam da mesma figura.
O art. 244-A, § 1º, do ECA, foi tacitamente revogado pelo art. 218-B, § 2º, II, do Código
Penal. E o mesmo efeito previsto no art. 244-A, § 2º, do ECA está previsto no art. 218-B, § 3º,
do Código Penal:
Art. 218-B. Submeter [veja que se trata do mesmo verbo do art. 244-A, caput, do ECA],
(dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) (...)
§ 2º Incorre nas mesmas penas: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) (...)
Art. 244-B. Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele
2009)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 1º Incorre nas penas previstas no caput deste artigo quem pratica as condutas ali
116
O art. 244-B foi incluído no ECA pela Lei 12.015/2009, a mesma que alterou o capítulo dos
crimes sexuais do CP. Este art. 244-B revogou a Lei 2.252/1954 (que previa esse crime de
corrupção de menores).
12.10.1 – condutas
No primeiro caso, o sujeito será coautor do crime praticado (ex.: indivíduo de 30 anos
pratica furto juntamente com menor de dezoito anos) e autor do crime de corrupção de
menores. No segundo caso, o corruptor será partícipe do crime praticado e autor do crime
do art. 244-B.
O elemento subjetivo do crime do art. 244-B é o dolo. Não se pune a forma culposa.
Ex.: o maior induz o adolescente a exceder a velocidade do automóvel, que vem a causar um
homicídio culposo, por atropelamento. O maior responderá por homicídio culposo, mas não
pela corrupção de menores, pois ele não induziu dolosamente o adolescente a praticar o
fato.
2ª corrente: não basta que o infrator tenha praticado o crime com a criança ou o
adolescente ou o (a) induzido a praticá-la. É necessária a prova de que o menor restou
corrompido ou teve facilitada a corrupção. Ou seja, na modalidade “corromper” o
crime seria material; na modalidade “facilitar a corrupção”, seria formal.
117
O STJ adota a primeira corrente (Súmula 500):
Nos termos do que determina o art. 244-B, § 2º, a pena do corruptor será aumentada de um
terço se ele praticar com o menor ou induzi-lo a praticar crime hediondo do art. 1º da Lei
dos Crimes Hediondos (os quais serão estudados a seguir):
Art. 244-B (...) § 2º As penas previstas no caput deste artigo são aumentadas de um terço
no caso de a infração cometida ou induzida estar incluída no rol do art. 1º da Lei no 8.072,
Atenção! Não incide este aumento se o infrator praticar com o menor ou induzi-lo a praticar
crimes equiparados a hediondos do art. 2º daquela Lei. Foi um “cochilo” do legislador, que
certamente virará “pegadinha” de concurso.
118
LEI DOS CRIMES HEDIONDOS (LEI 8.072/1990)
1 – Noções gerais
1.1 – Definição
De acordo com o sistema legal, compete ao legislador enumerar, num rol taxativo, os crimes
hediondos. Hediondo é, portanto, o que o legislador entende como tal.
No sistema judicial, é o juiz quem, analisando o caso concreto, decide se o crime é ou não
hediondo.
O Brasil adotou o sistema legal. Quem define crimes hediondos no Brasil, portanto, é o
legislador (art. 5º, XLIII, da CR):
Art. 5º (...) XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a
O sistema legal não é interessante, pois quem dá a última palavra é o legislador, não
permitindo ao juiz analisar a gravidade de cada um dos comportamentos, em abstrato. São
ignoradas, dessa forma, as circunstâncias do caso concreto, o que prejudica a
6
Art. 121 (...) § 2º Se o homicídio é cometido: I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por
outro motivo torpe; (...) Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
119
individualização da pena, a proporcionalidade etc. (ex.: estupro é grave, mas o “estupro”
oriundo de relação sexual entre menina de 13 anos e namorado de 18 é menos grave).
O sistema judicial, por sua vez, não dá segurança jurídica. Ignora a taxatividade, o mandato
de certeza.
Por fim, o sistema misto reúne o que os outros dois têm de ruim. Depende da opinião do
legislador e o juiz continua completando a norma.
O sistema denominado de “mais justo” é que vem sendo aplicado pelo STF. Segundo ele,
compete ao legislador enumerar, num rol taxativo, os crimes hediondos, mas o juiz deve
atestar/confirmar a hediondez na análise do caso concreto.
Este sistema não se confunde com o misto, pois o juiz não pode completar o rol de
hipóteses, que é taxativo, mas pode atestar a hediondez no caso concreto.
Os crimes militares, ainda que mera reprodução de crimes previstos no CP, não são
considerados hediondos.
Todos os crimes previstos no art. 1º, caput, da Lei dos Crimes Hediondos estão no Código
Penal. Um crime hediondo que não está no Código Penal é o de genocídio, previsto no art.
1º, parágrafo único.
Os três crimes que começam com a letra “t” (tortura, tráfico e terrorismo) são equiparados a
hediondos (eles só sofrem as consequências de crimes hediondos, as quais serão estudadas
no tópico a seguir).
Segundo Alberto Silva Franco, a Lei dos Crimes Hediondos é oriunda de um direito penal
elitista. Rotulou como hediondos praticamente os crimes praticados pelos pobres contra os
ricos, esquecendo-se dos praticados pelos ricos contra os pobres, gerando um apartheid
social.
Ex.: concussão e peculato, crimes graves, não são considerados hediondos. Há um projeto de
lei, quase sendo votado, tipificando como hediondo o crime de porte de arma de uso
exclusivo militar. Rico pratica homicídio, mas em geral não pratica homicídio qualificado. A
análise da hediondez pelas pessoas varia de acordo com quem pratica o homicídio: o rico,
120
quando mata, estraga a própria vida (e não a do morto); o pobre, quando mata, estraga a
vida do outro (uma inconsciência de hediondez maior).
O art. 2º da Lei dos Crimes Hediondos prevê outras consequências, que servem para os
crimes hediondos e os três equiparados (tortura, tráfico e terrorismo).
Perceba que o art. 5º, XLIII, da CR só proibiu a concessão de anistia e graça aos crimes
hediondos, nada falando acerca do indulto. Agiu corretamente o legislador ordinário ao
vedá-lo também?
121
discricionariedade do Presidente da República. Rogério acha que se trata de retroatividade
maléfica, concordando com Marco Aurélio.
O art. 2º, II, da Lei dos Crimes Hediondos foi alterado em 2007, para a exclusão da vedação
da liberdade provisória:
Redação antiga:
Redação nova:
Portanto, cabe liberdade provisória para crime hediondo? A modificação serviu para permitir
a liberdade provisória ou a vedação está implícita na previsão da fiança?
Para quem adota a 2ª corrente, cuidado com a Súmula 697 do STF; para quem adota a
primeira, a Súmula está superada:
122
PRAZO.
Art. 2º, (...) § 2º A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos
neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado
for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente. (Redação dada pela Lei nº 11.464, de
2007)
Antes da Lei 11.464/2007, o art. 2º, § 2º, dizia que o cumprimento da pena nos crimes
hediondos seria em regime integral fechado, sendo proibida a progressão. Em 2006, o STF
declarou a inconstitucionalidade do regime integralmente fechado, com efeitos erga omnes
em controle difuso (controle difuso abstrativizado). Isso significa que o STF passou a admitir
a progressão de regime em crime hediondo ou equiparado, bastando o cumprimento do
prazo comum (na ocasião, de 1/6 da pena).
A lei foi então alterada pela Lei 11.464/2008, passando o dispositivo a prever o regime inicial
fechado aos crimes hediondos, condicionando a progressão ao cumprimento de 2/5 da
pena, se primário o agente, ou 3/5, se reincidente (específico ou não).
O latrocida reincidente que pratica o crime antes da lei, mas é condenado depois, progride
com o cumprimento de 1/6 ou 3/5 da pena? Nos termos da Súmula Vinculante nº 26, aplica-
se, na execução, o prazo de 1/6 para a progressão. A Súmula é interessante, pois, além de
tratar dessa matéria, admite o exame criminológico para a análise da progressão:
o réu poderá apelar em liberdade. (Redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007)
123
Preso Preso, salvo se ausentes os fundamentos da
preventiva (art. 312 do CP)
Solto Solto, salvo se presentes os fundamentos da
preventiva (art. 312 do CP)
dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias,
O dispositivo trata da prisão temporária, prevista na Lei 7.960/1989. Quando fala em “neste
artigo”, refere-se ao próprio art. 2º, que dispõe acerca dos crimes hediondos e os
equiparados.
i) deve ser imprescindível para a investigação (art. 1º, inciso I, da Lei 7.960/1989);
ii) indiciado sem residência fixa ou identidade certa (art. 1º, inciso II, da Lei 7.960/1989);
iii) o indiciado deve concorrer para um dos crimes previstos no art. 1º, III, “a” a “o”, da Lei
7.960/1989.
Prevalece que devem estar presentes os requisitos do inciso I mais o do inciso III, ou do
inciso II mais o do inciso III.
O problema é que nem todos os crimes hediondos ou equiparados estão no rol de crimes
que admitem a prisão temporária (ex.: falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de
124
produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, previsto no art. 273 do CP, tortura etc.
são crimes hediondos não previstos no rol do art. 1º, III, da Lei 7.960/1989)
O art. 2º, § 4º, da Lei dos Crimes Hediondos diz claramente “nos crimes previstos neste
artigo”. Assim, a lei não somente ampliou o prazo como o rol dos crimes que admitem prisão
temporária, abrangendo o art. 273 e a tortura. Essa tese não deve ser defendida em prova
para a Defensoria Pública, que entende ser taxativo o rol dos crimes que admitem prisão
temporária.
O dispositivo foi criado com o objetivo de obrigar a União a construir presídios para presos
condenados por crime federal. Preso condenado pela Justiça Federal que cumpre pena em
presídio estadual tem pena fiscalizada pela VEC da Justiça Estadual. Na verdade, a pena é
fiscalizada pela VEC da justiça correspondente ao ente federativo que detém o presídio.
O art. 5º da Lei dos Crimes Hediondos acrescentou o inciso V ao art. 83 do CP, que prevê
requisitos diferenciados para a concessão de livramento condicional (incidente de execução
penal que garante a liberdade antecipada ao condenado) aos condenados por crimes
hediondos.
liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984) (...)
V - cumprido mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo,
apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza. (Incluído pela Lei nº
8.072, de 25.7.1990)
125
antecedentes hediondo ou equiparado
Mais de 1/3 da pena. Mais de 1/2 da pena. Mais de 2/3 da pena, se não for
reincidente específico
Art. 8º Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal,
O art. 288 do CP é um delito autônomo, que tem como finalidade a prática de crimes
futuros:
126
Pena: 3 a 6 anos Prática de crimes equiparados, exceto o tráfico
de drogas.
Pena: 3 a 10 anos Prática de tráfico de drogas (art. 35 da Lei de
Drogas7).
Pena: 1 a 3 anos Prática de crimes comuns
Art. 9º As penas fixadas no art. 6º para os crimes capitulados nos arts. 157, § 3º, 158, § 2º,
159, caput e seus §§ 1º, 2º e 3º, 213, caput e sua combinação com o art. 223, caput e
parágrafo único, 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, todos do
Código Penal, são acrescidas de metade, respeitado o limite superior de trinta anos de
reclusão, estando a vítima em qualquer das hipóteses referidas no art. 224 também do
Código Penal.
O art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos dizia que nos crimes de latrocínio, extorsão
qualificada pela morte, extorsão mediante sequestro, estupro e atentado violento ao pudor,
em se tratando de vítima não maior de 14 anos, alienada ou sem resistência (art. 224 do CP),
incidiria um aumento de metade. Se a vítima fosse comum, não haveria aumento.
Contudo, tendo a Lei 12.015/2009 revogado o art. 224, o art. 9º foi implicitamente revogado
pela mesma norma.
Os crimes hediondos estão previstos no art. 1º da Lei dos Crimes Hediondos, com redação
dada pela Lei 8.930/1994. Neste tópico, serão estudados os principais.
extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º,
7
Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não,
qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 3 (três) a
10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa. Parágrafo único.
Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime
definido no art. 36 desta Lei.
127
O homicídio simples, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, é crime
hediondo (art. 1º, I, 1ª parte) e se chama “homicídio condicionado” (é o homicídio que, para
ser hediondo, depende de uma condição).
Questão: o dispositivo fala em “grupo, ainda que cometido por um só agente (do grupo)”. O
que seria esse grupo? Uma primeira corrente dizia que “grupo” não se confundia com “par”
ou “bando”, de modo que, para configurá-lo, deveriam estar presentes três ou mais pessoas.
Já uma segunda corrente dizia que o critério para a definição de “grupo” deveria ser o
mesmo da lei (bando, correspondente a pelo menos quatro pessoas). Com a alteração do
art. 288 do CP, que trouxe o crime de associação criminosa, provavelmente essa discussão
será esvaziada ou ganhará novos contornos (recomenda-se ficar atento a esse ponto).
Questão: o jurado deve ser quesitado sobre se o homicídio foi praticado em atividade típica
de grupo de extermínio?
Cuidado! Há projeto de lei inserindo a atividade típica de grupo de extermínio como causa
de aumento de pena do art. 121 do CP. Se isso ocorrer, a atividade terá de ser submetida ao
Conselho de Sentença.
ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I, II, III, IV e
V);
128
No entanto, é possível que um homicídio seja qualificado e privilegiado, desde que a
qualificadora seja objetiva (lembre-se: os iguais se repelem, os opostos se atraem):
Privilégios Qualificadoras
Sempre subjetivos (ligados aos motivos ou ao Subjetivas:
estado anímico do agente): i) motivo torpe;
i) motivo social; ii) motivo fútil.
ii) motivo moral; Objetivas (meio/modo):
iii) violenta emoção. i) meio cruel;
ii) surpresa;
iii) finalidade especial.
3.3 – Latrocínio
Inicialmente, importante atentar para o fato de somente no caso do roubo com resultado
morte (tentado ou consumado) é que se trata de latrocínio. Portanto, somente ele é crime
hediondo. Não é latrocínio, tampouco crime hediondo, o roubo com resultado lesão grave
(art. 157, § 3º, 1ª parte, do CP).
i) o resultado qualificador pode ser doloso ou culposo (neste último caso, será preterdoloso).
Ambas as modalidades configuram crime hediondo;
8
Art. 67 - No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas
circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes
do crime, da personalidade do agente e da reincidência.
129
ii) não se configura o latrocínio quando a morte resulta da grave ameaça (ex.: a vítima se
assusta com a arma e tem um infarto);
iii) é imprescindível que a violência ocorra durante (fator tempo) e em razão (fator nexo) do
assalto. Ex.: “A” pratica um assalto e, duas semanas depois, mata uma testemunha que o
reconheceu. Não se trata de latrocínio, mas de roubo qualificado, na medida em que não
presente o fator tempo.
Firmou-se jurisprudência no STF no sentido de que o coautor que participa do roubo e mata
o comparsa para ficar com o proveito do crime não pratica latrocínio. Nesse caso tratar-se-á
de roubo em concurso com homicídio qualificado pela torpeza.
No latrocínio, o agente quer o patrimônio e a morte é o meio para chegar até ele (morte
como meio e patrimônio como fim), tanto que é crime contra o patrimônio. Se a intenção
inicial é a morte, tendo o agente depois resolvido subtrair, trata-se de concurso de homicídio
e furto.
Tudo o quanto dito acerca do latrocínio aplica-se à extorsão qualificada pela morte. O 158, §
3º, do CP, foi acrescentado em 2009 e sua inserção na Lei de Crimes Hediondos foi
esquecida pelo legislador:
reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou
130
Como se verifica, a restrição da liberdade não era majorante ou qualificadora da extorsão.
Ela servia como circunstância judicial, que o juiz considerava na fixação da pena base (art. 59
do CP).
A extorsão com restrição da liberdade e resultado morte configurava o crime do art. 158, §
2º, do CP (hediondo, portanto). Com a nova lei, o crime passou a configurar o crime do art.
158, § 3º, do CP, que, como dito, não está expressamente previsto no rol de crimes
hediondos. Há hediondez do art. 158, § 3º?
2ª corrente: o § 3º não criou delito novo, apenas explicitou uma das múltiplas
possibilidades de execução do delito de extorsão. O “sequestro relâmpago”
qualificado pela morte já era hediondo no regime anterior. Trata-se de hipótese de
interpretação extensiva. O que esta segunda corrente defende já acontece em outros
crimes: i) o art. 159 pune a extorsão mediante sequestro, mas se faz uma
interpretação extensiva para abranger o cárcere privado (como visto o sequestro
abrange o cárcere privado); ii) o art. 235 pune a bigamia, mas a poligamia está
abrangida no dispositivo, por interpretação extensiva.
IV - extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ 1º, 2º e 3º);
3.6 – Estupro
V - estupro (art. 213, caput e §§ 1º e 2º); (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) (...)
131
3.7 – Estupro de vulnerável
VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1º, 2º, 3º e 4º); (Redação dada pela Lei
Antes Depois
O estupro de vulnerável estava previsto no art. O estupro de vulnerável está previsto no art. 217-
213 combinado com o art. 224 do CP. A do CP.
Discutia-se se era crime hediondo. Está expressamente referido na Lei dos Crimes
Hediondos.
Atenção! Para os que entendiam que, antes da lei 12.015/2009, não se tratava de crime
hediondo, a lei não pode retroagir para gerar a hediondez.
Consiste o crime do art. 267, § 1º, do CP em causar epidemia, isto é, surto de uma doença
transitória que ataca número indeterminado de indivíduos em certa localidade. Germes
patogênicos são todos os elementos capazes de produzir moléstias infecciosas, não
importando se já estão biologicamente identificados:
Pena - reclusão, de dez a quinze anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990)
A Lei 12.978/14 incluiu o crime previsto no art. 218-B no rol dos crimes hediondos.
132
Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual
alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não
tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que
§ 1o Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também
I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18
É importante verificar que o art. 218-B do CP pune duas condutas: a de submeter, induzir ou
atrair à prostituição e a de impedir ou dificultar que a abandone. No primeiro caso, a criança
ou adolescente ou o vulnerável não estava se submetendo à prostituição, ou seja, o agente
atraiu ou induziu a vítima ao mercado carnal para que ela comece a se prostituir.
No segundo caso, o agente impede que a vítima abandone a prostituição e o agente passa a
dificultar a cessação dessa atividade sexual.
133
conclusão é que quem, por exemplo, impede que a vítima abandone o comércio carnal,
surgindo a nova Lei 12.978/14 antes de cessar a permanência, será autor do crime do art.
218-B do CP hediondo. Aplica-se a Súmula 711 do STF: se no crime permanente sobrevier lei
nova, ainda que mais grave, aplica-se a lei nova.
Cuidado, pois a Lei 12.978/14 é irretroativa, mas é preciso ter em conta as modalidades
permanentes do crime.
São crimes equiparados a hediondos: i) tráfico de drogas; ii) tortura; e iii) terrorismo.
O tráfico de drogas será objeto de estudo separado. Por ora, vale indagar: o crime está
previsto na Lei de Drogas, mas onde, especificamente?
A atual Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) não especifica quais são os crimes de tráfico. O art.
33 é, sem dúvida, tráfico. A doutrina tem entendido que se pode usar como parâmetro de
interpretação o art. 44 da mesma lei, que fala nos arts. 33, caput, e § 1º e 34 a 37:
Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis
Portanto, a partir da interpretação da lei, pode-se entender que são tráfico os crimes
previstos nos dispositivos citados acima.
No REsp 1.329.088-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 13/3/2013 (Informativo
519 - Recurso repetitivo), a Terceira Seção do STJ definiu que mesmo o tráfico privilegiado é
equiparado a crime hediondo: “a partir da vigência da Lei 11.464/2007, que modificou o art.
2º, § 2º, da Lei 8.072/1990, exige-se o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o
apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente, para a progressão de regime no
134
caso de condenação por tráfico de drogas, ainda que aplicada a causa de diminuição
prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006”.
O questionamento fica por conta do art. 35 (associação para fins de tráfico). De acordo com
os tribunais, na lei antiga, esse artigo não era considerado tráfico.
4.2 – Tortura
A tortura e suas implicações serão estudadas por ocasião da análise da Lei de Tortura.
4.3 – Terrorismo
O Brasil tipifica o terrorismo? O STF está discutindo isso justamente por conta da Copa do
Mundo e Olimpíada.
Para Scarance e uma parcela minoritária da doutrina, o terrorismo está previsto no art. 20 da
Lei 7.170/1983 (Lei dos Crimes conta a Segurança Nacional), que faz menção a “atos de
terrorismo”:
Parágrafo único - Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até o dobro;
O dispositivo cita “terrorismo”, mas não explica o seu significado. Atacar um ovo ou uma fita
na cabeça do candidato à presidência ou depredar o Congresso Nacional por inconformismo
político são atos de terrorismo?
Veja, portanto, que essa não é a melhor interpretação. A expressão “terrorismo” é chamada
de elemento normativo do tipo penal (aquele constante do tipo penal cuja compreensão
demanda um juízo de valor, como “funcionário público”, “mulher honesta”). Elementos
normativos são comumente usados pelo legislador. O problema é que a sua utilização
exagerada acaba por violar o princípio da legalidade, mais especificamente no que concerne
à taxatividade, uma vez que a amplitude e indeterminação do tipo acabam por dificultar a
compreensão dessas expressões.
Ex.: o art. 233 do ECA, que já foi revogado, falava em “tortura”, mas não especificava o que
ela significava. Em alguns casos, a tortura é evidente; noutros não. A constitucionalidade do
135
art. 233 foi levada ao STF, em caso de tortura na FEBEM, tendo o Supremo entendido que a
redação não era das melhores, mas o conceito de tortura poderia ser extraído de tratados
internacionais dos quais o Brasil era signatário (HC 70.389).
Prevalece na doutrina (Alberto Silva Franco, Luiz Flávio Gomes e a maioria) que, no
ordenamento jurídico brasileiro, não existe tipificação do crime de terrorismo, pois o art. 20
da Lei 7.170/1983 fere o princípio da taxatividade. Para esta corrente, mesmo no caso do
delito de terrorismo praticado no exterior, não poderia haver responsabilização do agente
no Brasil, pois deve ser respeitado o princípio da dupla incriminação (e o país não tipifica o
terrorismo).
Apesar de haver minoria em sentido contrário, prevalece ser possível a aplicação de pena
restritiva de direito e de sursis para condenados por crimes hediondos, devendo o juiz
analisar o caso concreto. É o raciocínio que se faz na questão atinente à liberdade provisória,
feito pelo STF para permitir progressão de regime na Lei de Drogas. Em prova para o MP/SP,
não se deve sustentar essa tese.
Cabe remição para crime hediondo? Remição é o resgate de pena por tempo trabalhado ou
pelo estudo, que não se confunde com “remissão”, que é perdão. A lei não veda. Portanto,
cabe.
136
DOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (LEI 8.137/1990)
O tema “crimes tributários e prisão civil por dívida” está hoje superado. Quando foram
criados os crimes tributários (Lei 8.137/1990), alguns doutrinadores (com viés mais para o
lado da defesa) começaram a dizer que o legislador não poderia tipificar crimes contra a
ordem tributária cominando pena privativa de liberdade, pois se trataria de prisão por
dívida, vedada pela Constituição fora das hipóteses ali previstas (hoje, somente o
descumprimento de obrigação alimentar).
Entretanto, não se trata de prisão civil por dívida, pois a conduta de suprimir ou reduzir
tributos foi tipificada como infração penal. Logo, não há qualquer violação à CR. Na verdade,
o sujeito não está sendo preso por dever tributos, mas por praticar um fato definido como
crime em decorrência de conduta fraudulenta.
É como a fraude no pagamento por meio de cheque: o sujeito não está sendo preso por
dever, mas por praticar um fato da vida que se encaixa na tipificação penal prevista pelo
legislador.
O legislador, por uma questão de política criminal, opta por alçar a conduta à condição de
um delito.
A Lei 8.137/1990, em seu art. 1º, traz crimes contra a ordem tributária praticados por
particulares. Trata-se, claramente, de crimes de natureza comum, podendo ser praticados
por qualquer pessoa. Além disso, são crimes de natureza material, exigindo a ocorrência do
resultado naturalístico (ex.: art. 1º, I):
sujeito recebe determinado rendimento e não declara essa informação à Receita] (...)
137
Atenção! É o caput do art. 1º que exige o resultado naturalístico. A própria pena é maior que
a do art. 2º (dois a cinco anos e multa), na medida em que está ocorrendo uma lesão aos
cofres do Estado.
O art. 2º, caput, fala em “crime da mesma natureza”. Mas o dispositivo está se referindo aos
crimes praticados por particular. Não quer dizer que o crime ali previsto seja de natureza
material. Veja que o dispositivo legal não exige a ocorrência de resultado naturalístico (não
fala nada em “redução ou supressão de tributo”). Para a doutrina, são crimes comuns, de
natureza formal (ex.: art. 2º, I):
I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar
outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo; [veja que
essa redação “para o fim de” é a típica redação de crime de natureza formal] (...)
Além de formal, o crime do art. 2º é de natureza subsidiária. Basta olhar para a pena para
perceber que se trata de crime de menor importância, uma infração de menor potencial
ofensivo, julgada pelo JECRIM.
Portanto, na Lei 8.137/1990, tanto o art. 1º como o 2º preveem crimes de natureza comum,
podendo ser praticados por qualquer pessoa. O crime do art. 1º é de natureza material, ao
passo que o do art. 2º é de natureza formal.
O delito previsto no art. 3º, todavia, ao contrário dos dois anteriores, é crime próprio, ou
seja, que somente pode ser praticado por determinada pessoa (o funcionário público).
Exemplos:
Art. 3º Constitui crime funcional contra a ordem tributária, além dos previstos no Decreto-
Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal (Título XI, Capítulo I): (...)
II - exigir, solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que
fora da função ou antes de iniciar seu exercício, mas em razão dela, vantagem indevida;
138
No Código Penal, a concussão está prevista no art. 316 e a corrupção passiva no art. 317.
Veja que, aqui, o legislador foi pragmático/objetivo, tendo vedado todas as condutas no
mesmo dispositivo legal.
Os crimes do art. 3º não são praticados por qualquer funcionário público, mas somente por
aquele que tem dentro de suas atribuições lançar ou cobrar tributo ou contribuição social. A
exigência, solicitação ou o recebimento de vantagem deve ter ligação com as funções do
funcionário público. Ex.: um Promotor de Justiça não pratica tal crime se exigir R$ 1.000,00
para não cobrar um tributo de alguém, pois não tem essa atribuição nem está ela dentro de
suas funções. Seria um crime de extorsão (que sequer está entre os crimes contra a
administração pública).
O crime de advocacia administrativa ligada a fins tributários é muito comum Brasil afora. São
os “favores” públicos. Mais uma vez: trata-se de crime próprio do funcionário público que
tenha como uma de suas atribuições as condutas previstas no dispositivo.
É possível que uma pessoa jurídica seja responsabilizada penalmente pela prática de um
crime contra a ordem tributária?
A CR, segundo alguns doutrinadores, teria alguns dispositivos que autorizariam tal
responsabilização:
Art. 173 (…) § 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da
compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e
139
independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Não se trata de algo unânime, mas há doutrinadores que entendem que, pelo menos em
tese, a CR estaria, nesses dois dispositivos, a autorizar a responsabilização penal da pessoa
jurídica, seja em relação a crimes ambientais, seja em relação aos crimes contra a ordem
econômica e financeira ou contra a economia popular.
Todavia, cuidado: apesar desse entendimento, e mesmo que se concorde com essa posição,
será que o legislador ordinário previu expressamente a responsabilização da pessoa jurídica
nessas hipóteses?
conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas,
Art. 11. Quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os
crimes definidos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua
culpabilidade. [Culpabilidade é própria da pessoa física, razão pela qual é difícil cogitar
140
pela prática de crimes contra a ordem tributária (REsp 299.830). Todavia, deve-se
demonstrar que o agente tinha ciência da sonegação praticada (ou seja, de que a eventual
Prefeitura estava, por exemplo, sonegando a contribuição previdenciária), sob pena de se
incorrer em responsabilização objetiva.
Cumpre, aqui, destacar a ocorrência de uma anistia concedida aos agentes políticos (um
caso concreto, de uma lei que entrou em vigor e gerou muita controvérsia): Lei 9.639/1998.
O art. 11 dessa lei é inusitado: ele determina a anistia aos agentes políticos que, sem
atribuição legal, tenham sido responsabilizados pela prática dos crimes previstos na alínea
“d” do art. 95 da Lei 8.212/1991 e no art. 86 da Lei 3.807/1960 (antes do advento da Lei
9.883/2000, os crimes previdenciários estavam espalhados nessas leis):
Art. 11. São anistiados os agentes políticos que tenham sido responsabilizados, sem que
fosse atribuição legal sua, pela prática dos crimes previstos na alínea "d" do art. 95 da Lei
Parágrafo único. São igualmente anistiados os demais responsabilizados pela prática dos
3.807 , de 1960.
Veja que o dispositivo está riscado e teve sua execução suspensa. No art. 11, caput, o
legislador resolveu conceder anistia (uma causa extintiva da punibilidade) aos agentes
políticos. Isso demonstra que a lei não é feita de maneira impessoal. Mais abaixo, o mesmo
dispositivo, em seu parágrafo único, também concede anistia aos demais agentes
responsabilizados. Veja que, a rigor, sequer seria necessário o caput, podendo o parágrafo
único ter sido diretamente inserido no caput.
Apesar de se tratar de uma lei antiga, o assunto é interessante, pois não há precedentes
iguais: o parágrafo único, que aparece riscado, jamais foi aprovado pelo Congresso
Nacional. Até mesmo a leitura do dispositivo não faz o menor sentido. Ele não constava dos
autógrafos do projeto de lei, mas, na verdade, por algum “erro”, foi inserido, publicado (em
26 de maio de 1998) e sancionado. Verificado então o erro, a lei foi republicada no dia
seguinte, corrigindo a lei e tirando o parágrafo único (no site do Planalto ele sequer
aparece).
141
O dispositivo foi publicado e entrou em vigor. Ele tem validade? Pode ser utilizado para
anistiar os demais agentes políticos? Não. O STF foi chamado a decidir sobre isso e entendeu
que esse parágrafo único, pelo fato de não ter sido aprovado pelo Congresso Nacional, seria
dotado de uma inconstitucionalidade formal. O dispositivo não foi aplicado, de modo que
essas demais pessoas não foram anistiadas pelos crimes ali previstos (HC 77.734 e HC
82.045).
Considerando, então, que esse parágrafo único não foi aprovado, pergunta-se: a anistia do
caput (aprovada e válida), na medida em que somente dada aos agentes políticos, pode ser
ampliada a outras pessoas a título de isonomia? É dado ao Poder Judiciário fazê-lo, na
medida em que não se verifica nenhum critério razoável para a desigualdade?
Muitos juízes concederam, à época, a anistia a outros agentes. Todavia, não é essa a
orientação que prevalece nos Tribunais Superiores, para os quais a anistia é uma
manifestação de indulgência soberana. Na verdade, se o Estado, por meio do Congresso
Nacional, resolve conceder anistia a um determinado grupo de pessoas, não é dado ao
Poder Judiciário ingressar nessa análise e estendê-la a outras pessoas. Caso contrário,
haveria uma violação à divisão de poderes e usurpação de uma atribuição do Congresso
Nacional.
142
iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento;
A grande discussão diz respeito ao parâmetro a ser utilizado nos crimes contra a ordem
tributária. Há um critério mínimo a ser utilizado para a aferição da insignificância, nesse
caso? Deve-se analisar a Fazenda, ou seja, o prejuízo causado ao Erário. Mas qual seria o
valor?
Art. 18 (...) § 1º Ficam cancelados os débitos inscritos em Dívida Ativa da União, de valor
Assim, durante um primeiro momento, o art. 18, § 1º, da Lei 10.522/2002 foi utilizado como
parâmetro para fins de aplicação do princípio da insignificância. Há vários julgados do STJ
nesse sentido. É um raciocínio bem lógico (REsp 685.135 e REsp 495.872).
Não é esse, entretanto, o valor que deve ser utilizado hoje como parâmetro.
A matéria foi sendo questionada ao longo dos anos e chegou ao STF, que acabou deixando-o
de lado, passando a utilizar o previsto no art. 20 da mesma lei:
Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como
Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados,
de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). (Redação dada pela
143
Veja que, de R$ 100,00, chegou-se a R$ 10.000,00. Renato considera um absurdo a utilização
de um valor tão alto como parâmetro de insignificância, notadamente em se tratando de um
país de miseráveis. Na verdade, as execuções são arquivadas se cobrando até R$ 10.000,00,
pois o próprio custo do processo para o Estado acaba não pagando o valor que se persegue.
Agora, uma coisa é não valer a pena a persecução do valor via execução. Outra é dizer que
seja insignificante e não merecer a chancela do Direito Penal. Para Renato, a provável
justificativa para tal entendimento é de que se trata de uma forma de tentar desafogar o
Poder Judiciário.
pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de
mercadoria:
Todavia, os tribunais têm emprestado a ele uma natureza de crime contra a ordem
tributária. Isso porque, introduzida a mercadoria sem a nota fiscal, estariam sendo lesados
os interesses arrecadatórios do Fisco. Em se tratando de crime contra a ordem tributária,
todo esse raciocínio desenvolvido, inclusive quanto ao princípio da insignificância, deveria
ser também utilizado no crime de descaminho.
Ocorre que foi publicada a Portaria MF nº 75, de 29/03/2012, na qual o Ministro da Fazenda
determinou, em seu art. 1º, inciso II, “o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com
a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil
reais).” Desse modo, o Poder Executivo “atualizou” o valor previsto no art. 20 da Lei
10.522/2002 e passou a dizer que não mais deveriam ser executadas as dívidas de até 20 mil
reais. Em outras palavras, a Portaria MF 75/2012 “aumentou” o valor considerado
insignificante para fins de execução fiscal. Agora, abaixo de 20 mil reais, não interessa à
Fazenda Nacional executar (antes esse valor era 10 mil reais).
144
Diante desse aumento produzido pela Portaria, começou a ser defendida a tese de que o
novo parâmetro para análise da insignificância penal nos crimes tributários passou de 10 mil
reais (de acordo com o art. 20 da Lei 10.522/2002) para 20 mil reais (com base na Portaria
MF 75).
O STJ tem decidido que o valor de 20 mil reais, estabelecido pela Portaria MF 75/12 como
limite mínimo para a execução de débitos contra a União, não pode ser considerado para
efeitos penais (não deve ser utilizado como novo patamar de insignificância). Nesse sentido,
ver o AgRg no AREsp 331.852/PR, j. em 11/02/2014 e o AgRg no AREsp 303.906/RS, j. em
06/02/2014.
Este tópico trata de uma questão bastante interessante e recorrente na prática, nos
processos em que se discutem crimes contra a ordem tributária.
Geralmente, as teses de defesa mais comuns são: i) o fato de que o agente não era o
administrador da empresa; e ii) as dificuldades financeiras por que estava a empresa ou o
empresário passando seriam tão graves que justificariam o inadimplemento do tributo.
Não é, entretanto, qualquer dificuldade financeira que pode servir como causa excludente
da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa. Na verdade, os tribunais têm
admitido essa tese apenas em situações excepcionais e desde que comprovadas as
dificuldades por meio de prova documental (ex.: títulos protestados, falência decretada,
execuções fiscais e reclamações trabalhistas em andamento, desativação de filiais da
empresa etc.)
145
Não adianta que o acusado apresente, por exemplo, uma prova testemunhal para tentar se
eximir da punição com base na inexigibilidade de conduta diversa. Geralmente, consegue-se
demonstrar a alegação provando que até a vida pessoal do sócio fora abalada pela crise
financeira, de modo que ele não teria se apropriado dos valores, mas se utilizado deles para
o pagamento de dívidas.
A Lei 12.403/2011 provocou alteração importante. O art. 325, § 2º, do CPP, em sua redação
antiga (incluída pela Lei 8.035/1990), previa uma restrição à liberdade provisória sem fiança
nos crimes contra a ordem tributária. Dizia que não era aplicável, dentre outros, aos crimes
de sonegação fiscal, o dispositivo que previa a possibilidade de concessão de liberdade
provisória sem fiança quando o juiz verificasse a inocorrência das hipóteses que autorizavam
a preventiva:
Art. 325 (...) § 2º Nos casos de prisão em flagrante pela prática de crime contra a
economia popular ou de crime de sonegação fiscal, não se aplica o disposto no art. 310 e
I - a liberdade provisória somente poderá ser concedida mediante fiança, por decisão do
Il - o valor de fiança será fixado pelo juiz que a conceder, nos limites de dez mil a cem mil
146
vezes o valor do Bônus do Tesouro Nacional - BTN, da data da prática do crime;
valor da fiança poderá ser reduzido em até nove décimos ou aumentado até o décuplo.
Na verdade, seria possível somente a concessão de liberdade provisória com fiança, cujo
valor era mais elevado.
A nova redação do CPP foi alterada, tendo o dispositivo sido revogado. A uma porque a
liberdade provisória sem fiança do antigo art. 310, parágrafo único, já não existe mais. Hoje,
o art. 310, parágrafo único fala da liberdade provisória sem fiança, mas na hipótese em que
o juiz verificar a prática do fato acobertada por uma excludente de ilicitude (não tem mais
nada a ver com a regra anterior).
Hoje, portanto, caberá liberdade provisória para autor de crime tributário. Evidentemente, é
difícil imaginar um crime contra a ordem tributária em que o sujeito seja preso em flagrante
(exceto, talvez, em algum caso envolvendo comerciante). Em se tratando de crime
tributário, o ideal é a concessão de liberdade provisória com fiança pesada, não somente
para dissuadir o agente de manter a sua conduta delituosa como para eventual perdimento,
no caso de fuga, por exemplo.
Geralmente, quando a pessoa é flagrada cometendo crime tributário, ela discute a questão
no âmbito administrativo. Muito se discute se, enquanto pendente o processo
administrativo, ela poderia ser processada criminalmente.
Essa controvérsia surge, inicialmente, por conta da antiga redação do art. 83 da Lei
9.430/1996. O dispositivo dizia que representação fiscal somente seria encaminhada ao
Ministério Público após proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência
fiscal do crédito tributário correspondente:
147
Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem
Nessa época, a posição sustentada pelos advogados atuantes na área era no sentido de que
o dispositivo teria criado uma condição da ação penal em crimes contra a ordem tributária.
Não foi essa a posição que prevaleceu. Contra esse dispositivo, o MPF se apressou em ajuizar
a ADI 1.571. O STF se pronunciou em relação ao assunto, tendo concluído o seguinte:
i) o art. 83 não criou condição específica da ação penal em relação a crimes contra a ordem
tributária;
9
Art. 93. Se o reconhecimento da existência da infração penal depender de decisão sobre questão
diversa da prevista no artigo anterior, da competência do juízo cível, e se neste houver sido proposta
ação para resolvê-la, o juiz criminal poderá, desde que essa questão seja de difícil solução e não verse
sobre direito cuja prova a lei civil limite, suspender o curso do processo, após a inquirição das
testemunhas e realização das outras provas de natureza urgente.
148
presente quando houvesse a decisão final no processo administrativo de lançamento.
Esta é a posição de Luiz Flávio Gomes. Da análise da redação da Súmula Vinculante 24,
fica parecendo que esta seria a posição do STF:
3ª corrente: trata-se de condição objetiva de punibilidade (STJ HC 54.248; STJ APN 449
e STF HC 86.032). Esta corrente é a que prevalece, apesar da redação da Súmula
Vinculante 24. Portanto, enquanto não houver a decisão definitiva do procedimento
administrativo de lançamento, não é possível a instauração de persecução penal
contra o autor do delito, seja na fase pré-processual (inquérito), seja na fase
processual.
O que mais se encontra nos Tribunais Superiores acerca deste tema é o pedido de
trancamento de inquéritos instaurados sem que tenha havido a decisão final de lançamento.
Os tribunais mandam trancar.
Por isso que, ao longo desta exposição, tem sido ressaltada a diferença entre os crimes de
natureza material e formal: em se tratando de crime de natureza formal, não é necessário
aguardar o implemento desta condição. Os Procuradores da República estavam, por
exemplo, processando não pelo crime tributário, mas somente pela falsidade praticada
como meio para praticá-lo.
149
O quadro a seguir busca diferenciar os conceitos de condição objetiva de punibilidade e de
condição da ação:
10
Art. 180. A sentença que decreta a falência, concede a recuperação judicial ou concede a
recuperação extrajudicial de que trata o art. 163 desta Lei é condição objetiva de punibilidade das
infrações penais descritas nesta Lei.
150
utiliza o direito penal de forma meramente simbólica. São tantos os benefícios que a
punição acaba esvaziada. Adiante, será feita uma breve explanação da evolução do assunto
ao longo do tempo.
A Lei 8.137/1990, na redação original do seu art. 14, previa a extinção da punibilidade nos
crimes tributários se o pagamento fosse efetuado até o recebimento da denúncia:
Art. 14. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos nos arts. 1º a 3º quando o agente
Posteriormente, o dispositivo foi revogado pela Lei 8.383/1991. Esteve em vigor por
aproximadamente dois anos e, apesar de haver sido revogado, acabou aplicável aos crimes
praticados durante a sua vigência (mesmo depois da revogação), por ser prejudicial ao
acusado (porque teria acabado com uma causa extintiva da punibilidade).
Entra então em vigor a Lei 9.249/1995, prevendo, em seu art. 34, a extinção da punibilidade
se o pagamento fosse realizado até o recebimento da denúncia:
da denúncia. (...)
Observações:
i) apesar de o art. 34 referir-se apenas aos crimes das Leis 8.137/1990 e 4.729/1995, os
tribunais passaram a entender que esta causa extintiva da punibilidade também seria
aplicável aos crimes contra a ordem tributária praticados em detrimento do INSS;
iii) os tribunais passam a entender que a causa extintiva de punibilidade do art. 34 não seria
aplicável ao crime de estelionato, ao qual somente se aplica o arrependimento posterior
previsto no art. 16 do CP (STJ HC 61.928), por ser crime contra o patrimônio e não contra a
ordem tributária (logicamente que, em se tratando da fraude com o pagamento de cheque,
incidiria a ressalva da Súmula 554 do STF):
151
Súmula 554 - O PAGAMENTO DE CHEQUE EMITIDO SEM PROVISÃO DE FUNDOS, APÓS O
Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts.
que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no
regime de parcelamento.
punitiva.
§ 2o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica
relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos
Veja que o dispositivo é mais amplo, abrangendo mais leis. O § 2º prevê a extinção da
punibilidade naqueles crimes, caso verificado o pagamento do tributo. Vale observar que,
como esse § 2º não estabeleceu qualquer limite temporal para o pagamento, os tribunais
passaram a entender que, efetuado o pagamento, haveria a extinção da punibilidade, ainda
que após o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória. Para Renato, foi “a farra
do boi legalizada”: pago a qualquer momento o tributo, haveria a extinção da punibilidade.
Nesse sentido, ver o STF HC 81.929 e a STJ APN 367. O STJ, acredite, também passou a
aplicar o dispositivo em relação ao crime de descaminho, que como visto é tido como
tributário lato sensu.
Veja que o pagamento extingue a punibilidade não somente dos crimes tributários como dos
crimes-meios (ex.: falsidade ideológica praticada para a sonegação). Ver a esse respeito o
REsp 996.711.
Entra então em vigor a Lei 11.941/2009 (conhecida como Lei do Refis da crise), bem
semelhante à anterior, não citada normalmente pelos manuais. Em seus arts. 68 e 69, prevê
que: i) o parcelamento suspende a pretensão punitiva; e ii) o pagamento, efetuado a
qualquer momento, extingue a punibilidade:
152
Art. 68. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos
débitos que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento, enquanto não forem
pretensão punitiva.
Art. 69. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no art. 68 quando a pessoa
jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de
concessão de parcelamento.
do art. 1º desta Lei, a extinção da punibilidade ocorrerá com o pagamento integral dos
A observação quanto à extensão dos benefícios ao crime de descaminho, feita pelo STJ, é a
mesma. A lei é mais clara, dizendo que somente haverá a suspensão da pretensão punitiva
no que se referir à parte parcelada da dívida.
Depois de todas estas leis (veja que houve outras antes da última), foi editada a Lei
12.382/2011, que conferiu nova redação ao art. 83 da Lei 9.430/1996. É aqui, na verdade,
que surge o grande problema. Esta Lei 12.382/2011 dispõe sobre o salário mínimo. Todavia,
não é novidade que o legislador utilize práticas escusas: na lei que trata de matéria
absolutamente diversa, foi inserido assunto relacionado ao pagamento do débito tributário
(art. 6º):
Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem
crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no
153
2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público
crédito tributário correspondente. (Redação dada pela Lei nº 12.350, de 2010) (...)
durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente
pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos
desde que não recebida a denúncia pelo juiz. (Renumerado do Parágrafo único pela Lei nº
12.382, de 2011).
Veja que foram inseridos mais crimes no caput do art. 83. O cerne da controvérsia localiza-se
no novo § 2º do art. 83: o dispositivo, ao contrário das leis anteriores, que não previam um
momento para o parcelamento (que poderia ocorrer a qualquer momento), passa a exigir
que o pedido deve ser formalizado antes do recebimento da denúncia criminal para a
suspensão da pretensão punitiva e a extinção da punibilidade.
Assim, o pagamento a que se refere o § 4º deve ser lido em conjunto com o § 2º, que prevê
que o parcelamento seja feito até o recebimento da denúncia. O § 6º deixa claro o
estabelecimento de um novo limite temporal.
Assim, atenção para a nova redação do art. 83 da Lei 9.430/96, dada pela Lei 12.382/11:
i) ao contrário das leis anteriores, o art. 83, §§ 2º e 4º, passou a condicionar que o
parcelamento somente acarretará a suspensão da pretensão punitiva se feito até o
recebimento da denúncia. Portanto, se o parcelamento for feito após o recebimento da
denúncia, não somente será inviável a suspensão da pretensão punitiva como também o
pagamento não mais acarretará a extinção da punibilidade.
Veja que esse assunto é muito novo, não havendo muita coisa escrita a respeito. Há quem
diga, em artigo da Internet, que os dispositivos anteriores continuariam valendo (Hugo de
Brigo Machado). Renato considera que é uma posição de defesa. Todavia pode até não ter
154
havido revogação expressa, mas claramente houve revogação tácita. O ideal é defender em
concurso que hoje há o limite temporal.
ii) esta mudança tem natureza gravosa. Logo, somente pode ser aplicada aos créditos
tributários constituídos a partir do dia 1º de março de 2011 (data em que entrou em vigor a
lei). Deve-se atentar para não cair em pegadinha de prova.
155
JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS (LEI 9.099/1995)
1 – Previsão constitucional
I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a
Diante de uma infração de menor potencial ofensivo, o Promotor não é obrigado a oferecer
denúncia. Pode oferecer transação penal. E, mesmo oferecendo denúncia, pode ser
concedida ao réu a suspensão condicional do processo. Trata-se de um novo paradigma,
uma nova ideia de processo penal, muitas vezes não absorvida pela doutrina clássica.
Nos EUA, as transações (plea bargain) respondem por 90% das soluções processuais penais.
No Brasil, essa modalidade de solução de conflitos penais ainda é incipiente.
156
A jurisdição consensual é plenamente válida e está de acordo com a CR, ao menos no que
concerne ao julgamento das infrações de menor potencial ofensivo (art. 98, I, da CR).
Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos
desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não
Quando a Lei entra em vigor, a par das questões envolvendo a jurisdição consensual, o
objetivo por trás da criação do Juizado foi buscar evitar a prescrição em relação a esses
delitos, que ocorria com frequência, até porque na época ainda havia a prescrição da
pretensão punitiva com base na pena em concreto entre a data do fato e a do recebimento
da denúncia.
Com o surgimento da Lei 10.259/2001, que previu os Juizados Especiais no âmbito da Justiça
Federal, as infrações de menor potencial ofensivo passaram a ser os crimes a que a lei
cominasse pena máxima não superior a dois anos ou multa:
desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa.
O dispositivo restou também alterado. A redação original de 2001 não previa contravenções,
pois a Justiça Federal não julga contravenções.
Com a Lei 10.259/2001, surge uma controvérsia com relação ao conceito de infração de
menor potencial ofensivo. Surgem as teorias unitária e dualista:
i) teoria unitária:
157
A teoria unitária preconizava que haveria apenas um conceito de infração de menor
potencial ofensivo, válido tanto para a Justiça Estadual quanto para a Federal. Esse conceito
seria exatamente o constante da redação original do art. 2º, parágrafo único, da Lei
10.259/2001.
A teoria dualista dizia que o conceito da Lei 10.259/2001 seria restrito ao âmbito da Justiça
Federal. Haveria um conceito de infração de menor potencial ofensivo no âmbito da Justiça
Federal e outro aplicável à Justiça Estadual (o previsto na redação do art. 61 da Lei
9.099/1995). Era uma ideia meio esquisita, pois sustentava a existência de dois conceitos
diversos, em virtude da existência da expressão: “para os efeitos dessa lei”.
Em razão disso, o conceito de infração de menor potencial ofensivo passa a ser entendido
como o trazido pela Lei 10.259/2001.
Para resolver esse problema definitivamente, a Lei 11.313/2006 conferiu nova redação aos
arts. 61, da Lei 9.099/95 e 2º, da Lei 10.259/2001:
Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos
desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não
superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. (Redação dada pela Lei nº 11.313,
de 2006)
2006)
da transação penal e da composição dos danos civis. (Redação dada pela Lei nº 11.313, de
2006)
158
Assim, diante dessa modificação, consideram-se hoje infrações de menor potencial ofensivo
i) todas as contravenções penais; e ii) os crimes a que a lei comine pena máxima não
superior a dois anos, cumulada ou não com multa, submetidos ou não a procedimento
especial.
Não importa se o crime vem cumulado ou não com multa: deve-se olhar a pena máxima. A
lei excetuava os casos submetidos a procedimento especial, mas com a nova redação
aqueles crimes também passaram a ser considerados de menor potencial ofensivo.
A lei fala da necessidade de se levar em conta a “pena máxima”. Por essa razão,
qualificadoras, causas de aumento e de diminuição de pena e as hipóteses de concurso de
crimes serão levadas em consideração para a definição da menor ofensividade da infração.
Agravantes e atenuantes não são levadas em consideração.
delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da
A Súmula 723 deixa claro que, na hora de analisar o cabimento dos benefícios
despenalizadores, não se pode deixar de considerar os aumentos e diminuições de pena.
Atenção somente para o fato de que, no caso da suspensão condicional do processo, a pena
a ser considerada é a mínima (de 1 ano).
4 – Excesso da acusação
159
admite, dependendo da Turma, sequer liberdade provisória, este admite a aplicação das
medidas despenalizadoras.
Parte majoritária da doutrina entende que o juiz não pode modificar a classificação do fato
delituoso por ocasião do recebimento da denúncia ou queixa. O problema dessa doutrina é
o exemplo acima, em que se visualiza de cara que não se trata do crime atribuído: estar-se-ia
privando o acusado das medidas despenalizadoras.
Assim, hoje há doutrinadores que defendem que, se houver excesso da acusação privando o
acusado do gozo de liberdades públicas, como a liberdade provisória e os institutos
despenalizadores da Lei 9.099/1995, é possível uma desclassificação incidental e provisória.
A aplicação da Lei 9.099/1995 sofre algumas restrições, por determinadas leis que serão
analisadas a seguir.
Antes do advento da Lei Maria da Penha, a violência contra a mulher era mensurada em
cestas básicas: quanto mais o sujeito pagasse, maior tinha sido a violência.
Por conta disso, o art. 41 da Lei 11.340/2006 exclui a aplicação da Lei 9.099/1995 aos crimes
praticados com violência doméstica ou familiar:
Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher,
1995.
Em 1995, o STF entendeu aplicável a Lei 9.099/1995 no âmbito da Justiça Militar. Todavia,
por pressão daquela própria Justiça, que era reticente quanto a essa aplicação, foi editada a
Lei 9.839/1999, acrescentando o art. 90-A à Lei dos Juizados:
Art. 90-A. As disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar. (Artigo
160
De maneira peremptória, o dispositivo determina que a Lei dos Juizados não se aplica à
Justiça Militar. Veja que o art. 90-A foi acrescentado em 1999. Em razão disso, pergunta-se:
o dispositivo tem natureza benéfica ou gravosa? Tem natureza processual ou material?
Cumpre observar, ainda, que parte minoritária da doutrina considera esse dispositivo
inconstitucional em relação aos crimes impropriamente militares. Todavia, em se tratando
de crimes sujeitos à Justiça Militar, a realidade é diferente. Uma lesão corporal praticada por
uma pessoa contra a outra não tem a mesma dimensão que a praticada por soldado contra
seu comandante, em virtude da força da hierarquia. Todavia, prevalece que o dispositivo é
plenamente constitucional, seja com os propriamente, seja com os impropriamente
militares. Há casos de aplicação da Lei 9.099/1995 aos crimes militares sujeitos à jurisdição
militar estadual.
Art. 94. Aos crimes previstos nesta Lei, cuja pena máxima privativa de liberdade não
Isso porque, ainda que a Lei tenha sido criada para a proteção do idoso, ela aumenta a
proteção daqueles autores de crimes praticados contra idoso (ex.: bater em velhinho seria
menos gravoso que em um jovem). O Estatuto do Idoso foi editado depois da Lei
10.259/2001, razão pela qual houve quem dissesse que ele teria modificado o conceito de
infração de menor potencial ofensivo, em virtude da teoria unitária.
O dispositivo foi objeto da ADI 3096, em que restou decidido pelo STF que os infratores não
poderão ter acesso aos benefícios despenalizadores de direito material da Lei 9.099/1995,
como a transação penal, a composição civil dos danos ou a conversão da pena. Somente se
aplicam as normas estritamente procedimentais, para que o processo termine mais
rapidamente, em benefício do idoso. Essa decisão é de setembro de 2010.
161
Cuidado, entretanto, pois em se tratando de crime praticado contra idoso que se encaixe no
conceito normal de infração de menor potencial ofensivo, aplica-se a Lei 9.099/1995.
candidato.
Não há como fazer citação por edital nos Juizados Especiais Criminais. A regra é a citação
pessoal. O art. 66, parágrafo único, da Lei 9.099/1995 é exatamente nesse sentido. Não
sendo possível a citação pessoal, o juiz encaminha os autos ao Juízo Comum:
Art. 66. A citação será pessoal e far-se-á no próprio Juizado, sempre que possível, ou por
mandado.
Parágrafo único. Não encontrado o acusado para ser citado, o Juiz encaminhará as peças
Todavia, essa remessa não impede a aplicação dos institutos despenalizadores, os quais,
cumpre observar, dependem da presença do acusado.
162
Questão importante diz respeito à nova citação com hora certa, que passou a ser prevista a
partir de 2008. Pergunta-se: cabe essa modalidade de citação no JECRIM? Atenção para o
Enunciado 110 do XXV FONAJE (Fórum Nacional dos Juizados Especiais, São Luís, 27 a 29 de
maio de 2009):
Enunciado nº 110 – No Juizado Especial Criminal é cabível a citação com hora certa.
Durante um bom tempo, houve controvérsia quanto a isso. Hoje, pacificou-se a questão com
o art. 60, parágrafo único, da Lei 9.099/1995, incluído pela Lei 11.313/2006:
Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem
institutos da transação penal e da composição dos danos civis. (Incluído pela Lei nº
11.313, de 2006)
163
Portanto, em vista dessas hipóteses de modificabilidade, prevalece o entendimento de que a
competência do JECRIM é relativa. Segundo Pacelli, o que interessa não é o Juízo
competente (onde o sujeito está sendo julgado), mas a aplicação dos institutos
despenalizadores previstos na Lei 9.099/1995. Isso, todavia, não é posição unânime na
doutrina. Gustavo Badaró entende que a competência do JECRIM é de natureza absoluta.
No Código de Processo Penal, por força do art. 70, a competência territorial é determinada,
pelo menos em regra, pelo local da consumação do delito:
Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a
infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de
execução. (...)
A Lei 9.099/1995, entretanto, ao tratar da competência territorial em seu art. 63, diz que ela
será determinada pelo local em que foi praticada a infração penal:
Art. 63. A competência do Juizado será determinada pelo lugar em que foi praticada a
infração penal.
O problema é que o “praticada” a que se refere a lei não é algo muito claro, havendo os mais
diversos entendimentos. Há quem diga que a expressão significaria a conduta (local da ação
ou omissão), a consumação etc. Prevalece, entretanto, a ideia que a competência territorial
do JECRIM pode ser fixada com base tanto no local da conduta quanto no do resultado. Ou
seja, para a fixação da competência do JECRIM aplica-se a teoria da ubiquidade.
A Lei 9.099/1995 surge para simplificar o processo e o julgamento das infrações de menor
potencial ofensivo. Da mesma forma, ela busca simplificar o instrumento de investigação,
para torná-lo também menos moroso.
A grande discussão diz respeito a quem pode lavrar o termo circunstanciado. Em tese,
somente a autoridade policial, no exercício de funções de polícia judiciária, é que pode fazê-
lo. O termo circunstanciado é um ato de investigação, não podendo ser elaborado pela
chamada “polícia ostensiva”, mas somente pela judiciária. Na prática, todavia, em vários
164
estados da federação admite-se a lavratura de TC pela Polícia Militar (ex.: o Provimento nº
758 do CSM/SP determina que “o termo circunstanciado também pode ser lavrado pela
Polícia Militar”)
Atenção para a ADI 2862, ajuizada contra esse Provimento. O STF entendeu que ele seria um
ato secundário, daí porque não seria possível sua impugnação por meio de ADI.
É cabível prisão em flagrante em relação à infração de menor potencial ofensivo? O art. 69,
parágrafo único, da Lei 9.099/1995 determina o seguinte:
Art. 69. (...) Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for
não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica,
o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou
local de convivência com a vítima. (Redação dada pela Lei nº 10.455, de 13.5.2002)
Grande parte da doutrina entende que a parte final do dispositivo não tem mais aplicação,
em virtude do dispositivo que veda a aplicação da Lei 9.099/1995 aos crimes praticados com
violência doméstica.
O disposto no parágrafo único do art. 69 não significa que o crime será praticado e nada será
feito contra o autor do crime.
165
Caso o autor não compareça imediatamente ou não assuma o compromisso de comparecer
ao Juizado, deve ser desconsiderada a hipótese de realização de termo circunstanciado,
lavrando-se o auto de prisão em flagrante e recolhendo-se o sujeito à prisão.
Preso em flagrante, a prisão será comunicada ao juiz, que deverá decidir quanto: i) ao
possível relaxamento da prisão ilegal; ii) à concessão da liberdade provisória, com ou sem
fiança, cumulada ou não com mediadas cautelares diversas da prisão; e iii) à conversão da
prisão em flagrante em prisão preventiva, desde que presentes os pressupostos do art. 312
do CPP (em sua nova redação).
O crime de dano, por exemplo, por ser infração de menor potencial ofensivo, comporta
composição civil de danos (acordo). A homologação desse acordo civil acarreta a renúncia ao
direito de queixa ou de representação (o crime de dano é de ação penal privada). A vítima
negocia com o autor do crime. A vantagem que leva o autor do crime ao realizar a
composição é o fato de não ser processado pelo crime.
Surge a dúvida: cabe composição civil dos danos em crime de ação penal pública
incondicionada? O parágrafo único do art. 74 da Lei 9.099/1995 pode levar a pensar em
solução diversa, mas é perfeitamente possível a composição dos danos civis em crime de
ação penal pública incondicionada:
Art. 74 (...) Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação
Todavia, não ocorrerá a extinção da punibilidade. Por isso que essa hipótese é de ocorrência
mais restrita: o autor não tem a punibilidade extinta. Todavia, o fato de haver feito acordo
poderá influir no ânimo do Promotor, notadamente na hora de oferecer transação penal.
Diversamente do disposto no art. 74, parágrafo único, da Lei 9.099/1995, o Código Penal
determina que o recebimento de indenização não importa renúncia tácita ao direito de
queixa.
10 – Oferecimento da representação
166
Relativamente ao oferecimento da representação, o art. 75 da Lei 9.099/1995 complicou
algo que seria aparentemente simples. Não obtida a composição dos danos civis, a lei
determina que a representação deverá ser feita na própria audiência:
Art. 75. Não obtida a composição dos danos civis, será dada imediatamente ao ofendido a
implica decadência do direito, que poderá ser exercido no prazo previsto em lei.
Apesar de o art. 75 dizer que a representação deve ser feita em audiência, tem prevalecido o
entendimento de que eventual representação anteriormente feita perante a autoridade
policial deve ser considerada válida. Não faz sentido que se exija mais formalismo à
representação no JECRIM que o faz o CPP.
Caso a vítima não compareça à audiência, essa ausência não importa renúncia ao direito de
representação.
11.1 – Conceito
11.2 – Cabimento
A transação penal é cabível a todas as espécies de ação penal? Da leitura do caput do art. 76,
poder-se concluir que ela somente seria cabível em crimes de ação penal pública
incondicionada ou nos crimes de ação penal pública condicionada a representação:
167
Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública
proposta. (...)
A discussão diz respeito ao cabimento da transação nos casos de crimes de ação penal
privada. A despeito da letra do caput, os Tribunais Superiores e a doutrina vêm admitindo a
transação nos casos de crimes de ação penal privada. Há doutrinadores que entendem que o
acordo deveria ser realizado pelo MP. Todavia, para Renato, isso é absurdo, pois ele estaria
negociando com algo que não lhe pertence (a ação penal privada).
Por isso, prevalece que a proposta de transação penal deve ser, no caso da ação penal
privada, oferecida pelo querelante/ofendido.
11
Esse entendimento ainda encontra respaldo na Quinta Turma do STJ (Informativo 513).
168
Para a aplicação da transação penal, devem estar presentes os seguintes requisitos:
i) formulação de proposta pelo titular da ação penal (o juiz não pode concedê-la de ofício);
ii) contravenção penal ou crime com pena máxima não superior a dois anos, cumulada ou
não com multa;
iii) não ter sido o agente beneficiado por outra transação penal no prazo de 5 anos:
Quem realiza transação continua sendo considerado primário. Todavia, pelos próximos 5
anos, o sujeito não pode receber o mesmo benefício.
iv) não ter sido o autor condenado pela prática de crime (cuidado com a pegadinha de
concurso: trata-se de crime, não contravenção) a pena privativa de liberdade (cuidado
também: não vale a regra em se tratando de multa ou restritiva de direitos) por sentença
com trânsito em julgado;
v) não ser caso de arquivamento do termo circunstanciado (art. 76, caput, da Lei
9.099/1995):
vii) aceitação da proposta pelo autor do fato delituoso e por seu advogado (art. 76, § 3º):
Art. 76 (...) § 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à
apreciação do Juiz.
169
Como, no caso do Juizado, pode haver a sujeição do autor do fato a um processo penal, deve
prevalecer a vontade dele. E mais: o art. art. 89, § 7º, da Lei 9.099/1995, que trata da
suspensão condicional do processo, determina expressamente que o processo seguirá, se o
acusado não aceitar a proposta feita pelo MP:
Art. 89 (...) § 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo
Claro que essa discussão não vale ao advogado constituído, pela própria natureza negocial
do mandato outorgado (que pode ser desconstituído a qualquer tempo).
Em se tratando de pena de multa, é possível que ela seja inscrita como dívida ativa e
regularmente cobrada (arts. 84 e 85 da Lei 9.099/1995):
Art. 84. Aplicada exclusivamente pena de multa, seu cumprimento far-se-á mediante
determinando que a condenação não fique constando dos registros criminais, exceto para
Art. 85. Não efetuado o pagamento de multa, será feita a conversão em pena privativa da
Atenção! Para a doutrina, o não pagamento da multa não autoriza a conversão em pena
privativa de liberdade, sendo que o art. 85 da Lei dos Juizados foi tacitamente revogado pela
nova redação do art. 51 do Código Penal, dada pela Lei 9.268/1996:
No caso de descumprimento de transação penal em que tenha sido acordada pena restritiva
de direito, há duas correntes:
170
e material. Esse é o motivo pelo qual muitos juízes não homologavam o acordo até o
cumprimento total das condições fixadas. A solução que essa corrente dá é a imediata
conversão da pena para privativa de liberdade. Todavia, essa solução é descabida, pois
prevê, por via reflexa, a imediata conversão da condição prevista na transação para
prisão, sem o oferecimento de denúncia.
12 – Procedimento sumaríssimo
Procedimento sumaríssimo é o previsto na Lei 9.099/1995. Quando foi criado (em 1995) era
realmente bem célere. Hoje, com o procedimento comum, as celeridades se equivaleram
(ou deveriam, pelo menos).
O oferecimento da peça acusatória não é a única opção que tem o MP. Antes de chegar a
esse ponto, o Promotor/Procurador tem outras três opções:
i) promoção de arquivamento:
ii) devolução dos autos à polícia, com requisição de diligências complementares, para o
esclarecimento de fatos importantes;
A última opção que tem o MP é o oferecimento da peça acusatória. No JECRIM, ela tem uma
peculiaridade: pode ser apresentada por petição escrita ou oralmente. A peça oral será, por
óbvio, reduzida a termo pelo escrivão (art. 77 da Lei 9.099/1995):
Art. 77. Na ação penal de iniciativa pública, quando não houver aplicação de pena, pela
171
ausência do autor do fato, ou pela não ocorrência da hipótese prevista no art. 76 desta
Lei, o Ministério Público oferecerá ao Juiz, de imediato, denúncia oral, se não houver
O art. 77, § 1º, dispensa o inquérito policial para o oferecimento da denúncia (haverá uma
investigação mais célere):
Art. 77 (...) § 1º Para o oferecimento da denúncia, que será elaborada com base no termo
de ocorrência referido no art. 69 desta Lei, com dispensa do inquérito policial, prescindir-
se-á do exame do corpo de delito quando a materialidade do crime estiver aferida por
A leitura que a maioria faz é que, para o oferecimento da denúncia, não há necessidade de
exame de corpo de delito, caso a prova da materialidade esteja comprovada por boletim
médico ou equivalente (a rigor, no procedimento comum, a ideia é exatamente a mesma).
No entanto, ainda que haja entendimento diverso, prevalece na doutrina que no momento
da sentença deve ser juntado o exame de corpo de delito.
Da mesma forma que ocorre com o procedimento comum, a citação nos Juizados deve ser
pessoal (pelo menos em regra), desde que o acusado esteja presente (tenha comparecido à
audiência preliminar) no próprio JECRIM. Caso não esteja presente, o acusado será citado
por mandado. O art. 78, caput, como se percebe, parte do pressuposto que o acusado estará
presente:
Art. 78. Oferecida a denúncia ou queixa, será reduzida a termo, entregando-se cópia ao
acusado, que com ela ficará citado e imediatamente cientificado da designação de dia e
172
Ministério Público, o ofendido, o responsável civil e seus advogados.
§ 1º Se o acusado não estiver presente, será citado na forma dos arts. 66 e 68 desta Lei e
Cuidado, pois nos Juizados não há a possibilidade de citação por edital. Por conta disso, se o
acusado não for encontrado, os autos serão encaminhados ao juízo comum.
Cabe citação com hora certa nos Juizados? Como visto, a orientação do FONAJE (Fórum
Nacional dos Juizados Especiais Criminais) é de que ela é possível. Ocorre quando o acusado
se oculta para não ser citado.
Ainda que se sejam hipóteses excepcionais, a doutrina também admite a citação por
precatória e por carta rogatória. No caso de necessidade de expedição de rogatória, o prazo
prescricional fica suspenso até o seu cumprimento, como determina o art. 368 do CPP:
Art. 368. Estando o acusado no estrangeiro, em lugar sabido, será citado mediante carta
Art. 79. No dia e hora designados para a audiência de instrução e julgamento, se na fase
proposta pelo Ministério Público, proceder-se-á nos termos dos arts. 72, 73, 74 e 75 desta
Lei.
A razão pela qual a lei prevê que a denúncia não deve ter ainda sido recebida, é possibilitar
uma nova tentativa de conciliação (transação penal). Aberta a audiência, tem o advogado a
possibilidade de tentar convencer o juiz de que não é o caso de recebimento:
Art. 81. Aberta a audiência, será dada a palavra ao defensor para responder à acusação,
após o que o Juiz receberá, ou não, a denúncia ou queixa; havendo recebimento, serão
173
sentença. (...)
O grande problema aqui surge quando se analisa o disposto no art. 394, § 4º, do CPP. Ele
determina que as disposições dos arts. 395 a 398 (que dispõem sobre a rejeição da denúncia
e a absolvição sumária) se aplicam a todos os procedimentos penais de primeiro grau,
mesmo que não regulados pelo CPP:
Art. 394 (...) § 4º As disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os
procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código. (Incluído
Hoje, o CPP passou a prever a possibilidade de absolvição sumária. Não há critério razoável
que justifique a não aplicação do dispositivo nos Juizados. Na verdade, a grande discussão
diz respeito ao cabimento da absolvição sumária no procedimento previsto na Lei de Drogas,
que não é o foco aqui.
No âmbito dos juizados, portanto, a defesa preliminar será mista: tentará, em primeiro lugar
a rejeição da peça acusatória (art. 395 do CPP). Subsidiariamente, buscará uma possível
absolvição sumária (art. 397 do CPP).
Se o juiz entender que a peça acusatória preenche seus requisitos, ele proferirá o
recebimento da peça acusatória.
Recebida a peça acusatória, abrem-se outras duas possibilidades: absolvição sumária, com
base em um dos motivos do art. 397, ou início da instrução e julgamento do processo.
No JECRIM, quem faz as vezes de juízo ad quem é a chamada Turma Recursal, composta por
três juízes que atuam na primeira instância. Se não houver Turma Recursal devidamente
instalada, quem apreciará o recurso contra decisão proferida no JECRIM será o respectivo
tribunal (estadual ou federal, conforme o caso).
12.3.1 – apelação
174
No procedimento comum, o recurso contra a rejeição da peça acusatória é o RESE (art. 581,
I, do CPP):
Entretanto, a Lei 9.099/1995 prevê que o recurso, nesse caso, é a apelação. No CPP, a
interposição de apelação tem prazo de 5 dias, podendo as razões ser apresentadas em 8
dias. No JECRIM, o prazo para o oferecimento da apelação é de 10 dias, sendo que a petição
de interposição já deve estar acompanhada das razões recursais. Trata-se de pequena
peculiaridade do JECRIM, que justifica o prazo maior de 10 dias em procedimento mais
célere.
Acerca dos embargos de declaração no JECRIM, deve-se atentar para as diferenças entre os
procedimentos previstos no art. 83 da Lei 9.099/1995 e no art. 382 do CPP (procedimento
comum):
175
acórdão de Turma Recursal, eles interrompem o
prazo para outros recursos, na medida em que a
Lei 9.099/1995 fala somente em “sentença”.
Renato já viu prova de concurso cobrar essa diferença: “ambiguidade”, no CPP, e “dúvida”.
Trata-se da mesma coisa, pois a ambiguidade é geradora de dúvida.
O art. 102, III, da CR fala em “causas decididas em única ou última instância”, não fazendo
menção à natureza do órgão jurisdicional de onde provém a decisão:
Por sua vez, o art. 105, III, da CR, fala especificamente em decisões proferidas pelo TRF ou
pelos tribunais dos estados e do DF:
III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos
Lembre que, no caso dos Juizados, as decisões são proferidas por uma Turma Recursal (pelo
menos em tese). Assim, o recurso extraordinário é plenamente cabível no âmbito do
JECRIM, pois a CR refere-se somente a única ou última instância. O REsp, por sua vez, não é
cabível, por pressupor decisão proferida por TRF ou TJ.
Se a decisão, todavia, tiver sido proferida por tribunal (onde não haja Turma Recursal),
poder-se-á cogitar, ao menos em tese, de Recurso Especial. Hoje, essa hipótese é de difícil
verificação, em virtude da proliferação de Turmas Recursais pelo país.
Se o HC é impetrado contra decisão proferida por juiz do juizado, será competente a Turma
Recursal. Entretanto, quem decide eventual HC contra decisão de Turma Recursal?
176
A Súmula 690 do STF diz que o julgamento cabe ao próprio STF, que por muito tempo teve
como característica a concentração de competência:
Essa exigência da Súmula, entretanto, é desarrazoada. Deve-se tomar cuidado com ela, em
especial em concurso elaborado pela UNB, pois ela está ultrapassada. O STF mudou a sua
orientação a partir do HC 86.834. Hoje, eventual HC contra a decisão da Turma Recursal será
julgado pelo TJ ou TRF, a depender da justiça competente.
A Lei 9.099/1995 não fala, em momento algum, em revisão criminal. No entanto, o seu art.
92 permite a aplicação subsidiária de dispositivos do CPP não incompatíveis com ela:
Art. 59. Não se admitirá ação rescisória nas causas sujeitas ao procedimento instituído por
esta Lei.
13.1 – Conceito
Na prática, em muitos casos, ela acaba sendo melhor que a transação penal. Na transação,
faz-se um acordo com o MP que envolve o cumprimento de pena (multa ou restrição de
direitos). A suspensão é melhor, pois a lei não prevê o cumprimento de pena, somente a
177
imposição de restrições (proibição de frequentar determinados lugares, comparecimento ao
juízo, reparação do dano).
13.2 – Cabimento
Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano,
abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá
propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja
sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais
(...)
Para ser cabível a suspensão condicional do processo, devem estar presentes os seguintes
requisitos, previstos no art. 89, caput:
Para ser possível a suspensão condicional do processo, a pena mínima cominada ao delito
deve ser igual ou inferior a um ano. Esses crimes são chamados, por alguns doutrinadores,
“infrações de médio potencial ofensivo”.
O fato de a suspensão estar prevista na Lei dos Juizados não significa que ela seja cabível só
nos crimes de competência dos Juizados. Na verdade, ela é cabível a qualquer infração em
que a pena cominada seja igual ou inferior a um ano (ex.: furto, em que a proposta de
suspensão condicional do processo é feita no juízo comum). Lembre que, como visto, não
cabe o instituto despenalizador nos casos de crimes praticados com violência doméstica ou
familiar contra a mulher.
O STF entende que quando a pena de multa estiver cominada de maneira alternativa (algo
muito raro, pois em geral ela vem de maneira cumulativa), será cabível a suspensão, mesmo
que a pena mínima seja superior a um ano. O caso concreto decidido pelo STF foi o do art. 5º
da Lei 8.137/1990 (pena de detenção de 2 a 5 anos ou multa), o qual, inclusive, foi revogado:
Art. 5º Constitui crime da mesma natureza: (Revogado pela Lei nº 12.529, de 2011).
ii) não estar o beneficiado sendo processado nem ter sido condenado por outro crime:
178
A Lei 9.099/1995 fala em “outro crime”. Cuidado, entretanto, pois os examinadores
substituem pela palavra “contravenção” penal. Alguns doutrinadores entendem que vedar o
benefício por estar o sujeito sendo processado violaria o princípio da presunção de
inocência. Essa posição, todavia, é minoritária. Por ser a suspensão condicional do processo
um grande benefício, não pode também o sujeito estar sendo processado pela prática de
outro crime.
Quanto à condenação anterior por outro crime, ainda que não esteja expresso em lei, deve-
se levar em consideração o lapso temporal de cinco anos da reincidência. Assim, se o sujeito
já tiver sido condenado por outro crime, mas já houver transcorrido o lapso da reincidência,
é cabível a suspensão condicional do processo.
iii) aferição pelo MP da presença dos demais requisitos que autorizam a suspensão
condicional da pena (art. 77 do Código Penal):
Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá
III - Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código. (...)
Como visto, entendia-se, num primeiro momento, que o juiz poderia conceder de ofício a
transação e a suspensão condicional do processo. Sustentou-se, quando do advento da lei,
que se tratava de direito subjetivo do acusado. Esse entendimento, entretanto, está
superado, apesar de ainda se verificar na Quinta Turma do STJ (Informativo 513). Hoje é
pacífico que o benefício não pode ser concedido de ofício pelo juiz (Súmula 696 do STF):
Se o juiz não concordar com o fato de o MP não oferecer a proposta, ele aplica o princípio da
devolução (art. 28 do CPP, por analogia).
179
O art. 89 da Lei 9.099/1995, quando trata da proposta de suspensão, fala apenas no MP. Em
razão disso, teoricamente, pela letra da lei, somente seria cabível o benefício nos casos de
ação penal de natureza pública.
Aqui, vale a mesma observação feita a respeito da transação. A doutrina começou a apontar
que não faz sentido excluir a possibilidade de suspensão condicional do processo dos crimes
de ação penal privada. A primeira condição do benefício é a reparação do dano (art. 89, § 1º,
I), e, muitas vezes, o que mais interessa à vítima do crime de ação penal privada é
justamente a reparação do dano:
Art. 89 (...) § 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este,
Assim, apesar de a redação do art. 89, fazer menção apenas à ação penal pública, tem-se
admitido a suspensão em crimes de ação penal privada, desde que a proposta seja
formulada pelo querelante. Cuidado, pois há doutrinador que diz que a proposta poderia ser
formulada pelo MP, o que Renato considera um absurdo, pois o MP estaria transigindo com
algo que não é dele (STF HC 81.720).
Para a suspensão condicional do processo, deve a denúncia ter sido recebida, pois antes dela
não há que se cogitar de processo. Na ocasião do oferecimento da denúncia, verificando o
preenchimento dos requisitos, o MP oferece também a proposta de suspensão condicional
do processo.
O juiz pode rejeitar ou receber a denúncia. Em virtude das recentes alterações do CPP,
recebida a denúncia, ele deve, antes de qualquer coisa, verificar a hipótese de possível
absolvição sumária. O fato de o benefício ser possível não pode, de modo algum, inviabilizá-
la. Se não for caso de absolvição sumária, o juiz marca audiência para tratar da proposta de
suspensão condicional.
A lei não fala no cumprimento de pena como condição para a suspensão condicional do
processo, de modo que, em princípio, não poderia ser negociado tal cumprimento. Todavia,
na prática, na grande maioria dos casos, sabendo o enorme poder de barganha que tem em
180
virtude do benefício, o MP negocia o cumprimento de penas, seja de multa, seja de restritiva
de direitos. O réu acaba aceitando o cumprimento como condição, para evitar o processo.
Art. 89 (...) § 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este,
O § 2º determina que o juiz pode especificar outras condições a que fica subordinada a
suspensão:
Art. 89 (...) § 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a
Art. 89 (...) § 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser
processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.
181
O dispositivo, ao prever a obrigatoriedade da revogação se o beneficiário vier a ser
processado por novo crime, suscita a mesma discussão acerca da eventual violação ao
princípio da presunção de inocência. Todavia, prevalece que o grande benefício da
suspensão justifica o estreitamento das hipóteses de cabimento e a obrigatoriedade da
revogação.
Art. 89 (...) § 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no
Findo o período de prova (que pode variar de 2 a 4 anos, como visto), o juiz declarará a
extinção da punibilidade.
Nos processos penais, a sequência temporal é a seguinte: num primeiro momento haverá o
recebimento da denúncia, o qual interrompe a prescrição, zerando o prazo. Depois, há a
aceitação da proposta de suspensão. Uma vez aceita a proposta, ocorre a suspensão da
prescrição (art. 86, § 6º):
182
O recurso contra a decisão que homologa a suspensão condicional do processo ocorre,
muitas vezes, em casos em que o acusado é mal orientado. Ex.: aceitação de proposta de
suspensão em hipótese de fato atípico.
O art. 581, XI, do CPP, prevê o cabimento de RESE contra a decisão que homologa a
suspensão condicional da pena, e não do processo:
Art. 581. Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença: (...)
Como o dispositivo é anterior à Lei 9.099/1995, surge a discussão: ele pode ser interpretado
no sentido de se permitir a ampliação da hipótese, para abarcar a suspensão condicional do
processo?
Doutrinadores antigos entendem que o recurso cabível deveria ser a apelação. Os tribunais,
todavia, entendem que o caso é de RESE, com base no art. 581, XI. A melhor orientação
quanto ao RESE é no sentido de que o rol do art. 581 admite interpretação extensiva (STJ
RMS 23.516).
Durante o período em que o processo está suspenso, é possível a impetração do HC. Como é
sabido, o HC é cabível em casos de perigo de prejuízo à liberdade de locomoção, podendo
ele ser liberatório (caso o sujeito esteja preso) ou preventivo (neste caso, se verifica risco
potencial à liberdade de locomoção).
Esse HC pode ser impetrado, por exemplo, em casos de atipicidade, absolvição sumária,
aplicação do princípio da insignificância etc. (RHC 82.365).
Imagine a seguinte situação: um sujeito é denunciado por furto qualificado, que tem pena de
2 a 8 anos. Veja que não cabe suspensão condicional do processo, de modo que não houve a
proposta. Oferecida a denúncia, o juiz entende que não ficou provada a prática do furto pela
escalada (qualificadora). Ainda é possível a concessão da suspensão condicional do processo
ao acusado, no final do processo?
183
A jurisprudência entende que a suspensão pode ser concedida diante da desclassificação da
imputação. O juiz, na hora de proferir a decisão, se deparará com a seguinte situação: ele
exclui a qualificadora, desclassificando o crime, mas não pode prosseguir sentenciando,
justamente em virtude da possibilidade de oferecimento do benefício. Por conta disso, ele
tem de fazer uma “pausa”, pois ele não pode conceder a suspensão de ofício (e não faz
sentido condenar). O juiz tem de proferir, desse modo, decisão interlocutória,
desclassificando o delito e abrir vista ao MP, para que, se o caso, concorde com a
desclassificação e formule proposta de suspensão.
Acerca desse tema, ver a Súmulas 337 do STJ e o art. 383, § 1º, do CPP:
Art. 383 (...) § 1º Se, em consequência de definição jurídica diversa, houver possibilidade
aos crimes de menor potencial ofensivo definidos nesta Lei, com as seguintes
modificações:
prescrição;
III - no período de prorrogação, não se aplicarão as condições dos incisos II, III e IV do § 1º
184
observado o disposto no inciso III;
Quando for declarar a extinção da punibilidade, o juiz deve aferir se houve a completa
reparação do dano ambiental (inciso I). Não tendo havido a reparação completa, o juiz
prorroga o período de prova por até 4 anos (período máximo), acrescido de mais um ano (ou
seja, 5 anos, no total), com suspensão do prazo de prescrição (inciso II).
Com base no inciso IV, o prazo pode ser prorrogado, em tese, por mais 5 anos: o prazo de
prorrogação máximo pode ser, portanto, de até 10 anos.
Nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, como visto, não se aplica a lei
9.099/1995, por força do art. 41 da Lei Maria da Penha. A suspensão condicional do
processo vinha sendo aplicada, nesses casos, mas o STF, julgando caso concreto, entendeu
que o art. 41 é constitucional.
185
LEI DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA (LEI 9.296/1996)
A Lei 9.296/1996 regulamenta o art. 5º, XII, da CR. A Constituição autoriza a interceptação
telefônica e de dados, mas desde que presentes três requisitos, cumulativamente,
cumpridos os quais ela será legal: i) lei regulamentadora; ii) finalidade de investigação
criminal ou instrução processual penal; e iii) ordem judicial:
de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas
hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução
processual penal;
186
Importante, neste ponto, trabalhar seis diferentes conceitos:
v) escuta ambiental:
A lei não se aplica às situações “iii”, “iv”, “v” e “vi”. Na gravação telefônica, não há o terceiro
interceptador, ou seja, a conversa é gravada por um dos próprios interlocutores; na
187
interceptação, gravação e escuta ambientais, como o próprio nome já diz, não há
comunicação telefônica, mas somente uma conversa ambiente.
Essa regra de jurisprudência, vez ou outra, admite exceções. Os julgados têm sido muito
casuísticos. Ex.: na operação “Castelo de Areia”, a prova foi considerada ilícita, mas há vários
julgados dizendo que, em situações iguais, a prova seria lícita.
Para o STF, nas hipóteses “iii”, “iv”, “v” e “vi” a prova é lícita, mesmo se captada sem ordem
judicial, salvo se se tratar de conversa íntima (assunto exclusivo da vida privada da pessoa).
Casuística:
ii) um marido traído gravou a conversa da esposa para provar determinada traição. Na
conversa, ela confessou a prática de crimes. O STJ declarou a prova ilícita, por violação à
intimidade (art. 5º, X, da CR).
As conversas entre o advogado e o indiciado ou acusado jamais podem ser utilizadas como
prova. Estão protegidas pelo direito de não se autoincriminar e pelo sigilo profissional do
advogado.
188
defesa pediu a nulidade de toda a prova. Se, entre as conversas interceptadas do criminoso,
há algumas em que ele falou com o advogado, a interceptação não é inteiramente ilícita.
Nesse caso, são excluídas as conversas com o advogado e as demais são mantidas como
prova válida (STJ). Esse julgado do STJ já caiu em concurso (PR).
As conversas telefônicas do advogado podem ser interceptadas quanto ele for o próprio
indiciado ou acusado. Nesse caso, não há sigilo profissional, pois o advogado não está sendo
interceptado como profissional da advocacia, mas na condição de suspeito ou acusado de
crime. Assim, o STJ e o STF permitem a interceptação telefônica de advogado suspeito ou
criminoso.
A quebra de sigilo telefônico significa apenas o acesso às ligações efetuadas e recebidas por
determinada linha telefônica. Ela não permite o acesso ao conteúdo da conversa. Nada mais
é que uma segunda via da conta telefônica detalhada: fornece informações acerca de para
quais números o sujeito ligou, quais as ligações recebidas e os respectivos horários.
É necessária ordem judicial para a quebra do sigilo telefônico, pois envolve direito à
intimidade (art. 5º, X, da CR):
Art. 5º (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
sua violação;
Muitas vezes, a polícia prende o suspeito e apreende o aparelho celular dele. Todo celular
tem o registro das ligações recebidas. A polícia pode utilizar esses números registrados no
aparelho sem ordem judicial? O STJ decidiu que a polícia (ou quem estiver realizando a
investigação, como o MP) pode utilizar nas investigações os números de telefones
registrados na memória do telefone apreendido, sem necessidade de ordem judicial.
Entendeu o Tribunal que a utilização não configura nem interceptação telefônica, nem
quebra de sigilo telefônico, pois não dá acesso a todas as ligações efetuadas e recebidas por
aquela linha.
189
Art. 5º (...) XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas,
de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas
hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução
processual penal;
e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça. (...)
Todavia, o juiz que recebe a interceptação como prova emprestada pode considerá-la ilícita
(STJ HC 60.229).
O art. 1º da Lei de Interceptação Telefônica exige mais que o art. 5º, XII, da CR:
Assim, não é qualquer juiz que pode autorizar a interceptação. Somente o competente para
o julgamento da ação penal que será proposta ou que já está em andamento.
190
A lei fala em “ação principal” porque a interceptação telefônica é uma medida cautelar,
antecipatória ou incidental, conforme decretada respectivamente na investigação ou no
curso da ação principal.
Portanto, o juiz da Vara Cível não pode autorizar a interceptação telefônica. Além disso, o
Juiz Federal não pode autorizar interceptação telefônica em processo da competência da
Justiça Estadual, ou vice versa.
Houve um caso em que um Juiz estadual autorizou a interceptação telefônica para apuração
de crime de competência da Justiça Militar. O STJ decidiu que a prova era ilícita, na medida
em não autorizada pelo juiz competente para a ação principal (HC 49.179/RS).
Em algumas cidades grandes, existe o chamado “juiz da fase do inquérito”, ou seja, juízes
que, de acordo com Leis de Organização Judiciária locais, somente têm competência para
atuar na fase do inquérito (na Capital de São Paulo, são os juízes do DIPO), e não para julgar
o processo principal. São eles que dentre outras coisas, acabam decidindo acerca da
interceptação telefônica. Isso é possível?
O STF e O STJ já pacificaram que esses juízes podem autorizar interceptações telefônicas,
mesmo não tendo competência para julgar a ação principal. O fundamento é o seguinte:
quando a interceptação é decretada na fase das investigações, a regra que exige que ela seja
autorizada pelo juiz da ação principal deve ser interpretada com temperamento (mitigada),
sob pena de se inviabilizar a aplicação da lei.
O Juiz que recebe a interceptação fica prevento. Exemplo real: o juiz de São Bernardo do
Campo, SP, autorizou a interceptação. O traficante foi preso em flagrante em Santos. A
denúncia foi oferecida perante o Juiz de Santos. O STF e o STJ (o processo passou pelos dois)
declararam a incompetência do Juiz de Santos para julgar a ação penal, pois o de São
Bernardo estava prevento. Cuidado com uma questão dessas em situação hipotética de
prova de concurso.
CPI pode autorizar interceptação telefônica? Como visto, o art. 58, § 3º, da CR, diz que elas
terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. A expressão é equívoca, na
191
medida em que juiz não investiga. De qualquer forma, o STF decidiu o seguinte: poderes
“próprios” não significam poderes “idênticos” de juízes. Conclusão: nos casos em que a CR
expressamente exige ordem judicial, o ato só pode ser autorizado por juiz (ou tribunal,
claro). O ato está reservado ao Poder Judiciário, com exclusividade (princípio da reserva de
jurisdição). Exemplos: a CR exige expressamente ordem judicial para buscas domiciliares. CPI
não pode determiná-la, portanto. CPI também não pode decretar prisão temporária ou
preventiva.
Assim, uma vez que a CR exige ordem judicial para a interceptação telefônica, a CPI não
pode determiná-la. Cuidado, entretanto, pois CPI pode quebrar sigilo telefônico sem ordem
judicial (veja que a quebra de sigilo telefônico está dentro dos poderes próprios de juiz). CPI
também pode quebrar sigilos bancário, fiscal e eleitoral.
Apesar de se tratar de uma Lei de Interceptações Telefônicas, o art. 1º, parágrafo único, da
Lei 9.296/1996 também permite as interceptações de comunicações telemáticas e de
informática:
Art. 1º (...) Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de
192
O problema diz respeito à constitucionalidade da interceptação das comunicações de
informática. Veja que o art. 5º, XII, da CR utiliza a expressão “salvo no último caso”, mas não
fica claro se ela se refere apenas ao sigilo das comunicações telefônicas ou ao sigilo das
comunicações telegráficas, de dados e telefônicas:
de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas
hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução
processual penal;
Sob o ponto de vista gramatical, ambas as hipóteses são possíveis. Não há, portanto, como a
língua portuguesa ajudar na interpretação do dispositivo. Surgiram, em razão disso, três
correntes:
1ª corrente: o art. 5º, XII, da CR prevê quatro sigilos: i) das correspondências; ii) das
comunicações telegráficas; iii) das comunicações de dados; e iv) das comunicações
telefônicas. A expressão “salvo no último caso” só se refere às comunicações
telefônicas. Logo, o art. 1º, parágrafo único, da Lei 9.296/1996 é inconstitucional no
ponto em que permite interceptação de comunicações de informática. Nesse sentido,
Vicente Greco Filho, Antonio Magalhães Gomes Filho e Roberto Delmanto.
Perceba que o sigilo é das comunicações de dados, e não dos dados em si mesmos. O STF já
decidiu que a apreensão de dados armazenados na base física do computador não se
confunde com a interceptação das comunicações de dados (STF RE 418.416/SC, julgado pelo
Pleno). Todavia, é necessária ordem judicial para a apreensão dos dados armazenados no
computador, porque envolve direito à intimidade. Não se tratando de interceptação de
comunicação, essa apreensão pode ocorrer no processo civil, por exemplo.
193
Além disso, o STJ decidiu que a identificação do número do “internet protocol” (IP) do
computador não está protegida pelo sigilo das comunicações, pois ele somente permite a
identificação da propriedade e do endereço onde está instalado o computador. Ou seja, não
dá acesso às comunicações telefônicas (STJ HC 83.338).
Por fim, o STJ decidiu que informações obtidas em conversas realizadas em salas de bate-
papo não estão protegidas pelo sigilo das comunicações, porque as salas de bate-papo são
ambientes públicos e destinados a conversas informais.
Os requisitos legais para o cabimento da interceptação telefônica estão previstos no art. 2º, I
a III, da Lei de Interceptação Telefônica:
III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de
detenção. (...)
Para que seja autorizada a interceptação, bastam indícios, na medida em que a prova será
colhida na investigação ou instrução penal. Não havendo esses indícios, a prova é ilícita.
Nesse sentido: STJ HC 128.087.
Não é cabível interceptação em contravenções penais e crimes punidos com detenção (ex.:
ameaça). No entanto, importante observar que a interceptação pode ser utilizada como
194
prova de crime punido com detenção, desde que ele seja conexo ao crime punido com
reclusão para o qual foi autorizada a interceptação. O mesmo raciocínio se aplica às
contravenções.
A descoberta fortuita de novo crime e/ou novo criminoso está prevista no art. 2º, parágrafo
único, da Lei de Interceptação Telefônica:
Art. 2º (...) Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a
No pedido de interceptação, a autoridade deve indicar qual o fato criminoso que está sendo
investigado, ou seja, a “situação objeto de investigação” (ex.: tráfico, latrocínio, homicídio,
roubo), e as pessoas que estão sendo investigadas (“indicação e qualificação dos
investigados”), salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.
Se durante as interceptações for descoberto novo crime e/ou novos criminosos não
indicados no pedido de interceptação, a prova decorrente da interceptação será válida em
relação a eles? Prevalece na doutrina que a prova será válida desde que o novo crime ou o
novo criminoso tenha relação com o crime objeto do pedido de interceptação. Caso não haja
essa relação, a interceptação só valerá como notitia criminis em relação ao novo crime ou
novo criminoso descoberto fortuitamente.
Exemplos:
i) é determinada a interceptação para a apuração de tráfico cometido por “A” e “B”. Durante
as interceptações, a polícia descobre o tráfico praticado, mas acaba descobrindo também
que eles também mataram um traficante rival, por brigas envolvendo pontos de tráfico,
homicídio esse executado pelos traficantes “A”, “B” e “C”. As interceptações revelaram
fortuitamente um homicídio e um novo criminoso. A interceptação será válida em relação ao
homicídio e ao traficante “C”, pois eles têm relação com o crime indicado no pedido.
ii) é determinada a interceptação para apurar tráfico praticado por “A” e “B”. Durante as
interceptações, a polícia descobre que “A” matou sua amante, por problemas pessoais. Esse
195
homicídio não tem nenhuma relação com o tráfico. Assim, em relação ao homicídio, a
interceptação valerá apenas como notitia criminis.
Atenção! Há um julgado do STJ (HC 69.552) e um do STF (Ag. Rg. 761.706) nos quais as cortes
decidiram que a interceptação é válida em relação ao crime descoberto fortuitamente,
mesmo que ele não tenha relação com o crime indicado no pedido de interceptação. O STJ e
o STF estão indo, nesses casos, no sentido inverso da doutrina majoritária.
5 – Decretação da interceptação
Art. 3º A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz,
de ofício ou a requerimento:
processual penal.
Contra a decisão do juiz que indefere o pedido do MP, é cabível mandado de segurança.
Contra a decisão que defere a interceptação telefônica (ex.: decretação da interceptação
para a apuração de crime de ameaça ou o juiz estadual que decreta para apuração de crime
federal), cabe habeas corpus.
196
O querelante também pode requerer interceptação, pois, se ele é o titular da ação, a ele
compete o ônus da prova.
A interceptação somente é cabível quanto for o único meio de prova. Isso significa que o
querelante somente poderá pedi-la nesse caso. Assim, se não pudesse, como ele provaria o
fato? A interpretação do art. 3º, portanto, não pode ser literal, pois, em última análise,
proibir o querelante de requerer interceptação significa violar o seu direito de ação e ao
contraditório.
A interceptação ilegal é uma prova ilícita (proibida por determinação constitucional). Caso o
juiz autorize interceptação ilegal e a defesa não alegue tal ilicitude em primeira instância
(deixando para fazê-lo no tribunal, ou pior, no STJ ou STF, visando a eventual prescrição), ela
não mais poderá fazê-lo.
que a sua realização é necessária à apuração de infração penal, com indicação dos meios a
serem empregados.
Em regra, o pedido de interceptação deve ser feito por escrito. Excepcionalmente, poderá
ser feito verbalmente, mas, nesse caso, a interceptação só pode ser autorizada se o pedido
verbal for reduzido a escrito.
197
8 – Prazo de duração da interceptação
O art. 5º, caput, da Lei 9.296/1996 dispõe que a interceptação deve durar 15 dias, podendo
ser renovada por igual período. Obviamente, a falta de fundamentação gera nulidade da
decisão:
Art. 5º A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma
de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por
i) o art. 5º permite a renovação “por igual tempo” no singular. Isso significa que a renovação
somente pode ocorrer uma vez. Por se tratar de norma restritiva de direitos fundamentais,
ela deve ser interpretada restritivamente;
ii) o art. 136, § 1º, “c” e § 2º, da CR, permite restrições ao sigilo das comunicações
telefônicas por, no máximo, 60 dias. O dispositivo é o que trata do Estado de Defesa. Se
durante o Estado de Defesa a restrição não pode perdurar mais de 60 dias, não é razoável
que, em uma situação de normalidade, ela perdure por dois anos:
Art. 136 (...) § 1º - O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua
duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei,
§ 2º - O tempo de duração do estado de defesa não será superior a trinta dias, podendo
ser prorrogado uma vez, por igual período, se persistirem as razões que justificaram a sua
decretação. (...)
Por essas razões, entendeu o STJ que, no caso, houve violação ao princípio da razoabilidade.
Não é, como visto, o que prevalece no próprio Tribunal. Trata-se de um julgado isolado.
198
9 – Condução dos procedimentos de interceptação
Conforme o art. 6º, caput, da Lei 9.269/1996, quem preside as interceptações telefônicas é a
autoridade policial, com ciência ao MP:
realização. (...)
Observações:
i) o STJ decidiu ser possível a condução das interceptações pela Polícia Rodoviária Federal,
com base no art. 1º, X, do Decreto 1.655/1995, que foi declarado constitucional pelo STF, na
ADI 1413:
previstos em leis.
ii) o STJ também decidiu que o MP pode conduzir as interceptações nos procedimentos
investigatórios que ele próprio realiza. Se o MP pode investigar, ele pode conduzir a
diligência investigatória da interceptação. Seria um contrassenso decidir que o MP pode
investigar, mas não pode conduzir a interceptação.
iii) a falta de ciência ao MP, como determina do caput do dispositivo, é mera irregularidade.
Segundo o art. 6º, § 1º, se a conversa foi gravada, ela deve ser transcrita:
199
O STJ também já decidiu que a transcrição não precisa ser feita por peritos oficiais.
O STF decidiu que esse auto circunstanciado é formalidade essencial para a validade da
prova. Porém, a falta dele enseja apenas nulidade relativa (HC 87.859).
11 – Crimes
Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de
As condutas previstas como crimes no art. 10 da Lei 9.296/1996 são: i) realizar interceptação
ilegal; ou ii) quebrar segredo de justiça. Ambas estão relacionadas a um elemento normativo
do tipo, que é “sem autorização judicial ou com objetivos não previstos em lei”.
Na conduta “realizar interceptação ilegal”, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime
comum). A consumação ocorre quando o agente toma conhecimento da conversa
ilegalmente receptada. A tentativa é possível quando o agente não consegue tomar
conhecimento da conversa interceptada.
Na conduta “quebrar segredo de justiça”, o crime é próprio, somente podendo ser praticado
por pessoa envolvida no processo ou no procedimento de interceptação ou investigação
(Delegado, MP, advogado, cartorário, funcionário da empresa de telefonia etc.) A
consumação ocorre quando é quebrado o segredo. Basta que uma só pessoa tenha
conhecimento do conteúdo interceptado. A tentativa é possível, na forma escrita.
O STJ decidiu que a competência para julgar esse crime é da Justiça Estadual, salvo interesse
da União (CC 40113).
200
LEI DE TORTURA (LEI 9.455/1997)
1 – Introdução
Após a Segunda Guerra Mundial, nasce um movimento de repúdio à tortura, o qual acaba
originando inúmeros tratados internacionais de combate a esse tipo de comportamento,
como a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos e
Degradantes, de 1984, a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, de
1985, etc.
Art. 5º (...) III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante;
Isso é importante, pois normalmente se diz que nenhuma garantia constitucional seria
absoluta, que as garantias seriam relativas, sempre que em choque com outras garantias de
igual estatura. Ocorre que, para a maioria, este inciso III é sim uma hipótese excepcional de
garantia absoluta, ou seja, que não pode ser afastada quando em choque com outra garantia
de status constitucional.
Naqueles tratados internacionais, a tortura é tratada como crime próprio, praticado por
agente do Estado. A CR/88 fez nascer a Lei 9.455/1997, que prevê um crime comum de
tortura, que pode ser praticado por qualquer pessoa, não necessariamente por agente do
Estado.
No Brasil, o bem jurídico tutelado na Lei 9.455/1997 tem caráter bifronte, pois busca
proteger o cidadão não apenas em relação aos agravos praticados por funcionários públicos,
mas também no que tange aos abusos praticados por qualquer pessoa. Ou seja, pretende
garantir que o cidadão não seja submetido a nenhum tipo de tortura, seja do Estado, seja do
particular.
O crime de tortura prescreve? A Lei 9.455/1997 nada dispõe sobre o assunto. Os tratados
internacionais de direitos humanos dizem que a tortura é imprescritível. A CR/88 entende
que o crime é prescritível:
201
Art. 5º (…) XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à
De acordo com a CR, somente o racismo e a ação de grupos armados são crimes
imprescritíveis, o que faz presumir que não haveria outros crimes imprescritíveis. Há três
correntes acerca do tema:
A Corte Interamericana de Direitos Humanos critica o STF e adota a segunda corrente. Ela
entende que a Lei de Anistia brasileira não deve prevalecer.
A Lei de Tortura não define a tortura, mas diz os comportamentos que constituem tortura.
São coisas diferentes.
202
pessoa;
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Quanto ao sujeito passivo,
também se trata de crime comum: qualquer pessoa pode ser vítima. Ainda que se trate de
criança ou adolescente, será aplicável a Lei de Tortura, pois o art. 233 do ECA foi
expressamente revogado pelo art. 4º da Lei 9.455/1997:
Art. 4º Revoga-se o art. 233 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e
do Adolescente.
Pratica este crime, portanto, tanto o policial que tortura para a confissão do crime quanto o
credor que tortura o devedor para confessar uma dívida. Como visto, não é necessário que
se esteja diante de um agente estatal.
203
iii) em razão de discriminação racial ou religiosa:
Ao contrário do que ocorre nas letras anteriores, nesta o agente não tortura a vítima
esperando dela alguma conduta. Tortura, apenas, por preconceito à sua raça ou religião.
Cuidado: este crime não abrange o preconceito econômico, social ou sexual. A homofobia
não pode estar aqui incluída, sob pena de analogia in malam partem (o TJPR considerou
correta questão que dizia estar a homofobia incluída nesta hipótese).
II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou
grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo
Relativamente ao sujeito ativo, trata-se de crime próprio, que só pode ser praticado por
quem tem a guarda, poder ou autoridade sobre a vítima. O sujeito passivo também é
próprio: só pode ser vítima quem está sob a guarda, poder ou autoridade do agente.
Veja que o inciso II não fala mais em “constranger”, mas em “submeter”, na medida em que
se trata de pessoa sob o poder ou autoridade de alguém. O comportamento típico é,
portanto, submeter a vítima, mediante violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento
físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
A expressão “intenso” não foi prevista sem razão. Trata-se de elementar do tipo, que deve
ser colocada na denúncia e submetida a prova. A intensidade do sofrimento da vítima é o
que diferencia a tortura do crime de maus tratos, previsto no art. 136 do CP.
Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou
204
Se intenso o sofrimento, será tortura; se não houver tal intensidade, tratar-se-á de maus
tratos.
Art. 1º (...) § 1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida
de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto
O dispositivo nada mais é que uma expressão da garantia prevista no art. 5º, XLIX, da CR:
Art. 5º (...) XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
É normal pensar neste crime sendo praticado por agente penitenciário. Todavia, o crime é
comum quanto ao sujeito ativo. Ex.: o linchamento de estuprador preso em flagrante, por
populares.
Quanto ao sujeito passivo, por sua vez, a lei exige qualidade especial da vítima (crime
próprio): deve se tratar de pessoa presa. A expressão abrange preso provisório ou definitivo,
adolescentes infratores, pessoas presas civilmente (no caso de devedor de alimentos) e
pessoa sujeita a medida de segurança (internação ou tratamento ambulatorial).
205
violência ou grave violência ou grave
lei (execução livre).
ameaça. ameaça.
Sofrimento físico ou Intenso sofrimento físico Sofrimento físico ou
Resultado
mental. ou mental mental.
i) obter informações;
O agente não tem
Finalidade ii) provocar conduta Aplicar castigo ou medida
finalidade especial
especial criminosa; de caráter preventivo
(tortura por torturar).
iii) discriminação.
No Jornal Nacional, foi noticiado que, em São Paulo, Oficiais do Exército torturavam recrutas
que estavam se promovendo. Todavia, eram cenas de chineladas, oficiais jogando água nos
outros etc. Este “trote” no Exército é tortura? Trote não se encaixa em nenhuma das
hipóteses do quadro acima. É brincadeira de mau gosto.
Art. 1º (...) § 2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de
Os crimes previstos no art. 1º, I, II e § 1º são equiparados a hediondos, com pena de reclusão
de 2 a 8 anos.
Já o crime do art. 1º, § 2º pune duas omissões: imprópria (o omitente tem o dever de evitar
a tortura) e própria (o omitente tem o dever de apurar a tortura).
O crime praticado mediante omissão imprópria possui pena de detenção de 1 a 4 anos e não
é equiparado a hediondo. Ou seja, o torturador responde com reclusão de 2 a 8 anos e o
crime é equiparado a hediondo, enquanto que aquele que tinha o dever de evitar a tortura
(ex.: o Delegado que sabia que alguém seria torturado e nada fez) tem pena detenção de 1 a
4 anos e ausência de hediondez.
Art. 5º (...) XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a
206
O que queria o poder constituinte era equiparar quem pratica a tortura àquele que tinha o
poder de evitá-la e se omitiu. Ou seja, queria que a pena de 2 a 8 anos também se aplicasse
à omissão imprópria, assim como que o crime fosse hediondo. Não foi o que ocorreu. A lei
puniu com metade da pena e não equiparou a hediondo. Tanto não é crime hediondo que é
punido com detenção.
Fabio Bechara, Promotor de Justiça, entende que no art. 1º, § 2º, estaria sendo punida a
omissão culposa (negligência), de modo que a dolosa seria punida nas penas dos crimes
anteriormente estudados. Esse “contorcionismo”, criado para sanar o problema legislativo, é
corrente minoritária. Prevalece que houve “cochilo” do legislador.
A omissão própria pressupõe tortura já praticada. Trata-se da conduta daquele que tinha o
dever de apurar e não o fez. Esta hipótese de omissão não é, obviamente, aquela prevista na
CR. Por essa razão, não há maiores problemas na punição com detenção de 1 a 4 anos e a
não hediondez do crime. Trata-se de uma “prevaricação” especial.
reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos.
Para a incidência da qualificadora, esses resultados (lesão grave ou morte) somente são
culposos ou podem ser dolosos? Prevalece que os resultados qualificadores devem ser fruto
de culpa. Ou seja, trata-se de uma figura preterdolosa (ou preterintencional): dolo no
antecedente e culpa no consequente.
Nucci discorda dessa posição, argumentando que o resultado mais grave pode ser tanto
doloso quanto culposo, pois, se o legislador desejasse uma figura preterdolosa, procederia
como no art. 129, § 3º, do CP:
Art. 129 (...) § 3º Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o
207
resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo:
Todavia, não se pode confundir o art. 1º, § 3º, da Lei 9.455/1997 (tortura qualificada pela
morte) com o art. 121, § 2º, III, do CP (morte qualificada pela tortura):
III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou
Sem dúvida, o art. 1º, § 3º, qualifica as torturas do art. 1º, I, II e § 1º da Lei 9.455/1997. A
dúvida diz respeito ao art. 1º, § 2º. Rogério entende que o § 3º aplica-se à omissão
imprópria, mas não à própria, caso em que a tortura já ocorreu. Prevalece na doutrina,
todavia, que o § 3º incide sobre a omissão ativa, nunca à passiva (do § 2º). Ou seja, somente
o torturador por ação é que poderá responder pela forma qualificada do crime. Jamais o
omitente próprio ou impróprio.
Para a doutrina, prevalece que a expressão “agente público” deve ser interpretada nos
termos do art. 327 do CP. Ou seja, equipara-se a figura do agente público à do funcionário
público.
Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora
208
Importante destacar que, para ocorrer o aumento, é necessário que o agente público atue
nessa qualidade ou em razão dela. Não basta simplesmente ser agente público.
Incide a causa de aumento no crime do art. 1º, II, caso o sujeito ativo seja funcionário
público? Ex.: um Conselheiro Tutelar submete criança sob sua guarda a intenso sofrimento
físico ou mental. Haveria aí bis in idem? Há divergência:
Incide a majorante do art. 1º, § 4º, se o crime é cometido contra: i) criança (menor de doze
anos, nos termos do ECA); ii) gestante; iii) portador de deficiência, física ou mental; iv)
adolescente (menor de dezoito anos, nos termos do ECA); e v) idoso maior de sessenta anos
(cuidado, pois a lei se esqueceu do idoso com idade igual a sessenta anos).
Em todos esses casos, para a incidência da causa de aumento a condição da vítima tem de
ser conhecida do agente (deve fazer parte do dolo dele), para evitar responsabilidade penal
objetiva.
Apesar de a lei falar somente em sequestro, obviamente o art. 1º, § 4º, III abrange o cárcere
privado, que nada mais é que uma espécie de sequestro (privação da liberdade com
confinamento).
209
É pacífico que se pode aplicar a majorante sobre a forma qualificada.
O art. 92 do CP prevê algo parecido, mas com este efeito não se confunde, pois, nos termos
do parágrafo único do dispositivo, o efeito não é automático, devendo ser motivadamente
declarado na sentença:
2ª corrente: por analogia ao art. 92, o efeito também não é automático (corrente
minoritária).
A parte final do dispositivo, que prevê interdição temporária do direito está de acordo com a
CR, que veda sanções de caráter perpétuo. Decorrido o prazo, o condenado poderá assumir
novo cargo, emprego ou função, porém jamais reintegrar-se na situação anterior.
Obviamente, ele terá de conseguir novo cargo, função ou emprego.
7.1 – Inafiançável
210
2ª corrente: não existem vedações implícitas. Fiança não se confunde com liberdade
provisória. Quem decide se cabe ou não liberdade provisória não é o legislador, mas o
juiz. Essa discussão já foi vista quando do estudo da Lei dos Crimes Hediondos. Como
visto, o STF caminha para a segunda corrente.
Art. 5º (...) XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a
A Lei 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos) proíbe a concessão graça, anistia e indulto.
Quando do estudo daquela lei, foi tratada a eventual inconstitucionalidade do dispositivo
que veda o indulto. Diferentemente, a Lei 9.455/1997, assim como a CR/88, não fala
absolutamente nada acerca do indulto.
2ª corrente: onde se lê “graça”, deve-se ler, igualmente, “indulto”, pois ele nada mais
é do que uma graça coletiva (Nucci). Ou seja, não cabe indulto para a tortura. Parece
ser esta a corrente que prepondera na doutrina e na jurisprudência.
Nos casos dos crimes previstos no art. 1º, I, II e § 1º (reclusão de 2 a 8 anos), a lei determina
que o regime inicial de cumprimento da pena será o fechado. Nas hipóteses do art. 1º, § 2º,
o regime inicial será o semiaberto ou aberto, jamais o fechado (até porque o crime é punido
com detenção).
211
A redação original do art. 2º, § 1º, da Lei dos Crimes Hediondos, de 1990, vedava a
progressão de regime no caso da tortura (observe que a não havia ainda o crime de tortura,
que somente foi criado com a Lei 9.455/1997):
§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime
fechado. (...)
Art. 1º (...) § 7º O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º,
Em 2006, o STF julgou inconstitucional o regime integralmente fechado. Por essa razão, foi
editada a Lei 11.464/2007. Relativamente à tortura, foi alterado o art. 2º, da Lei dos Crimes
Hediondos, cuja nova redação passou a admitir um regime diferenciado de progressão para
os crimes hediondos e equiparados (dentre os quais a “prática da tortura”):
§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime
§ 2º A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo,
dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e
de 3/5 (três quintos), se reincidente. (Redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007)
Assim, hoje, a tortura não segue mais a progressão de 1/6, caindo justamente na regra dos
hediondos ou equiparados:
Cuidado na prova: se a tortura for praticada antes da Lei 11.464/2007, a progressão será
com 1/6. Praticada após a lei, a progressão será conforme a nova previsão (2/5 ou 3/5).
212
9 – Hipóteses de extraterritorialidade (art. 2º)
Art. 2º O disposto nesta Lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em
jurisdição brasileira.
213
CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO (LEI 9.503/1997)
O CTB tem uma parte criminal, que se subdivide em duas: i) disposições gerais (arts. 291 a
301); e ii) dos crimes em espécie (arts. 302 a 312).
este Capítulo não dispuser de modo diverso, bem como a Lei nº 9.099, de 26 de setembro
Dos onze crimes de trânsito previstos no CTB, os dos arts. 304, 305, 307, 308, 309, 310, 311
e 312 são infrações de menor potencial ofensivo (as penas máximas previstas não superam
dois anos). A eles, portanto, aplica-se integralmente a Lei 9.099/1995.
Quanto ao crime do art. 303 (lesão corporal culposa), a Lei 9.099/1995 poderá ou não ser
aplicada, conforme o caso, como será analisado no tópico a seguir.
Relativamente aos outros três crimes do CTB (arts. 302, 303 e 306), cumpre asseverar o que
segue.
A embriaguez ao volante (art. 306: pena de 6 meses a 3 anos de detenção) também não é
infração de menor potencial ofensivo (pena máxima não superior a 2 anos), não se lhe
aplicando a Lei 9.099/1995, exceto quanto à suspensão condicional do processo (art. 89, que
prevê pena mínima igual ou inferior a 1 ano).
214
Antes da Lei 11.705/2008, era cabível transação penal para o crime, embora ele não fosse de
menor potencial ofensivo:
Redação anterior:
Art. 291 (...) Parágrafo único. Aplicam-se aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa,
A lei, todavia, proibiu a transação, sendo tal alteração irretroativa. A proibição permaneceu
após a Lei 12.760/12, que deu nova redação ao art. 306 do CTB, conforme será analisado
adiante.
A aplicação da Lei 9.099/1995 ao crime de lesão corporal culposa (art. 303: pena de 6 meses
a 2 anos de detenção) tem de ser analisada conforme ele tenha sido ou não praticado numa
das circunstâncias do art. 291, § 1º, I a III, do CTB, com redação dada pela Lei 11.705/2008:
Art. 291 (...) § 1o Aplica-se aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa o disposto nos
dependência;
i) lesão corporal culposa praticada fora das circunstâncias do art. 291, § 1º, I a III:
Neste caso, é cabível composição civil de danos (art. 74 da Lei 9.099/1995), transação penal
(art. 76 da Lei 9.099/1995), o crime é apurado por ação pública condicionada a
representação (art. 88 da Lei 9.099/1995) e a medida de polícia judiciária é o termo
circunstanciado.
ii) lesão corporal culposa praticada em uma das circunstâncias do art. 291, § 1º, I a III:
Neste caso, não é cabível composição civil de danos ou transação penal, a ação penal é
pública incondicionada e a medida de polícia judiciária é o inquérito policial (art. 291, § 2º,
do CTB, incluído pela Lei 11.705/2008). É cabível suspensão condicional do processo:
215
Art. 291 (...) § 2º Nas hipóteses previstas no § 1º deste artigo, deverá ser instaurado
Observação (tese de defesa): na medida em que o próprio CTB admite a existência de lesão
culposa em situação de embriaguez e de racha, não se pode falar que, nessas situações, haja
necessariamente dolo eventual. Pode ser dolo eventual ou culpa, conforme o caso. O
mesmo raciocínio vale para o homicídio.
A lesão corporal culposa é, em regra, infração de menor potencial ofensivo, porque a pena
máxima prevista não supera dois anos. Há, todavia, exceções. Não será de menor potencial
ofensivo:
i) quando a lesão tiver sido praticada em uma das situações do art. 291, § 1º, I a III do CTB:
Embora a pena não passe de dois anos, prevalece que, nesses casos, a lesão culposa de
trânsito deixa de ser infração de menor potencial ofensivo.
ii) quando incidir alguma causa de aumento de pena do art. 303, parágrafo único:
Art. 303. (...) Parágrafo único. Aumenta-se a pena de um terço à metade, se ocorrer
qualquer das hipóteses do parágrafo único do artigo anterior [ex.: motorista que, no
passageiros].
Neste caso, a pena máxima cominada será superior a dois anos, deixando a infração de ser
de menor potencial ofensivo.
2.1 – Pena de suspensão ou proibição do direito de dirigir (arts. 292 a 296 do CTB)
Nos crimes previstos nos arts. 302, 303, 306, 307 e 308 do CTB, a suspensão e proibição do
direito de dirigir já estão cominadas no tipo penal, cumulativamente com a prisão e com a
multa, em alguns casos.
216
Isso significa que, se o juiz condenar alguém por um desses crimes, ele tem de aplicar a pena
de prisão, a suspensão ou proibição do direito de dirigir e a multa, se houver previsão.
Para os demais crimes (arts. 304, 305, 309, 310, 311 e 312), a suspensão do direito de dirigir
não está cominada no tipo penal, mas deve ser aplicada se o condenado for reincidente
específico em crimes do CTB, sem prejuízo da pena de prisão e, eventualmente, da pena de
multa. Ou seja, também cumulativamente.
O art. 296 fala em “aplicará” a sanção “sem prejuízo das demais sanções cabíveis”. Note que
a redação anterior do dispositivo falava em “poderá aplicar”. Desse modo, com a alteração,
o juiz deverá sempre aplicar a pena:
Redação antiga:
Art. 296. Se o réu for reincidente na prática de crime previsto neste Código, o juiz poderá
Redação atual:
Art. 296. Se o réu for reincidente na prática de crime previsto neste Código, o juiz aplicará
sem prejuízo das demais sanções penais cabíveis. (Redação dada pela Lei nº 11.705, de
2008)
Assim, em todos os crimes do CTB, a pena de suspensão do direito de dirigir será aplicada.
Todavia, no primeiro rol de crimes, ela será sempre aplicada, cumulativamente com prisão e
multa; no segundo, ela será aplicada desde que o réu seja reincidente específico, também
cumulativamente com prisão e multa.
O problema é o seguinte: o art. 292 fala em aplicação “isolada”. Todavia, apesar de o art.
292 dizer que as penas podem ser aplicadas isoladamente, não há possibilidade dessa
aplicação. Elas serão aplicadas sempre cumulativamente com a pena de prisão ou com a
multa.
217
O prazo da pena de suspensão ou proibição varia de dois meses a cinco anos, para todos os
crimes (art. 293):
habilitação, para dirigir veículo automotor, tem a duração de dois meses a cinco anos.
Exceto no crime do art. 307 do CTB, em que a pena será aplicada pelo mesmo prazo da
suspensão ou proibição violada:
Penas - detenção, de seis meses a um ano e multa, com nova imposição adicional de
Ex.: o juiz condena a pessoa pelo crime de embriaguez ao volante, aplicando pena de prisão
acrescida de um ano de suspensão ou proibição do direito de dirigir. Se o condenado dirigir
durante esse ano, ele está cometendo outro crime de trânsito, previsto no art. 307. Neste
caso, o juiz aplicará detenção, multa e nova suspensão do direito de dirigir por mais um ano.
O STJ entende que a pena de suspensão ou proibição deve guardar proporcionalidade com a
pena de prisão aplicada. Ex.: utilizando o critério trifásico, o juiz chegou à pena mínima de
prisão. Nesse caso, a pena de suspensão também deve ser fixada no mínimo. O que o STJ
não quer é que o juiz aplique, por exemplo, para o crime de embriaguez ao volante (6 meses
a 3 anos), pena de detenção de 6 meses e 5 anos de proibição ou suspensão (pena mínima
num caso e máxima no outro). O STJ entende que essa disparidade viola os princípios da
proporcionalidade e da individualização da pena: se o juiz, individualizando a pena, aplicou
pena mínima de prisão, como pode ter chegado à pena máxima de suspensão ou proibição
do direito de dirigir?
habilitação para dirigir veículo automotor não se inicia enquanto o sentenciado, por efeito
218
Art. 293 (...) § 1º Transitada em julgado a sentença condenatória, o réu será intimado a
Carteira de Habilitação.
O que ocorre, todavia, se o condenado descumprir essa obrigação? Ele não comete crime de
desobediência, mas o previsto no art. 307, parágrafo único, do CTB (pergunta de primeira
fase de concurso):
Art. 307 (...) Parágrafo único. Nas mesmas penas [6 meses a 1 ano de detenção, multa e
O STJ entende que é possível que o juiz substitua a pena de prisão por duas restritivas de
direitos e as cumule com a suspensão ou proibição do direito de dirigir. Ex.: o juiz condena o
réu no homicídio culposo, aplicando pena de dois anos de detenção acrescida de dois anos
de suspensão do direito de dirigir. O juiz substitui a detenção por duas penas restritivas de
direitos (ex.: prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária). No final, o réu
acaba sofrendo três penas restritivas de direitos (além daquelas duas, a suspensão ou
proibição do direito de dirigir), duas substitutivas da prisão e uma principal (STJ REsp
628.730).
Por fim, importante observar que se a suspensão ou proibição do direito de dirigir é pena
principal, a prescrição segue as regras do Código Penal.
219
2.2 – Medida cautelar de suspensão ou proibição do direito de dirigir
Art. 294. Em qualquer fase da investigação ou da ação penal, havendo necessidade para a
efeito suspensivo.
O recurso cabível contra a decisão que decreta ou indefere essa medida cautelar é o Recurso
em Sentido Estrito, do art. 581 do CPP.
Veja que apesar de a Lei 12.403/2011 ter criado outras medidas cautelares diversas da
prisão no Código Penal, já havia outras no ordenamento, no CTB e na Lei Maria da Penha.
§ 1º - O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo
do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes
esse salário.
monetária.
220
Há três correntes acerca da natureza jurídica da multa reparatória do art. 297 do CTB:
3ª corrente: é sanção civil, aplicada pelo juiz criminal, pelos seguintes motivos: i)
destina-se à vítima e seus sucessores, e não ao Estado; ii) não pode ser superior ao
valor do prejuízo da vítima demonstrado no processo; iii) será descontada de eventual
indenização civil; e iv) destina-se a satisfazer prejuízos materiais.
Assim, a multa reparatória não pode ser fixada para a indenização de danos morais, mas
somente para os danos materiais comprovados no processo. A terceira corrente é
amplamente majoritária (praticamente unânime).
Se a multa reparatória não for paga, deverá ser executada nos termos do art. 51 do CP,
conforme dispõe o art. 297, § 2º do CTB:
Art. 297 (...) § 2º Aplica-se à multa reparatória o disposto nos arts. 50 a 52 do Código
Penal.
Ou seja, deverá ser executada como dívida ativa da Fazenda Púbica. Como se trata de
indenização para a vítima, a doutrina diz que execução deve ser feita pela própria vítima ou
seus sucessores, na Vara Cível.
É possível que o juiz substitua a pena de prisão por prestação pecuniária e aplique
cumulativamente a pena reparatória? Lembre que ambas vão para a vítima ou seus
sucessores. O STJ decidiu que isso é possível, no REsp 736.784.
221
Art. 301. Ao condutor de veículo, nos casos de acidentes de trânsito de que resulte vítima,
não se imporá a prisão em flagrante, nem se exigirá fiança, se prestar pronto e integral
socorro àquela.
Só há dois crimes no CTB para cuja consumação exige-se a ocorrência de acidente: homicídio
culposo (art. 302) e lesão culposa (art. 303). Todos os demais são crimes de perigo.
Se o infrator prestar pronto e integral socorro à vítima, não são cabíveis autuação em
flagrante e exigência de fiança. Também não incide a causa de aumento de pena pela
omissão de socorro (art. 302, parágrafo único, III). Por outro lado, se o infrator não prestar
pronto e integral socorro à vítima, são cabíveis autuação em flagrante e fiança e incide a
causa de aumento de pena do art. 302, parágrafo único, III.
Mas cuidado: o socorro tem de ser pronto e integral. A demora injustificada no socorro
autoriza o flagrante e o aumento de pena. E o socorro tem de ser integral, não apenas
parcial.
Se o condutor não socorreu porque estava impossibilitado de fazê-lo, não haverá autuação
em flagrante nem aumento de pena pela omissão. Ex.: o condutor se feriu e desmaiou ou foi
ameaçado de linchamento.
Se o Delegado entender que houve dolo eventual (ou direto, evidentemente), o infrator será
preso em flagrante, mesmo que tenha prestado pronto e integral socorro à vítima. Isso
porque, neste caso, a autuação ocorrerá pelo homicídio doloso do Código Penal, não se
aplicando o art. 301 do CTB.
222
Só se aplica o art. 302 do CTB se o homicídio for praticado na direção de veículo automotor.
Para qualquer outra hipótese de homicídio culposo, aplica-se o Código Penal.
VEÍCULO AUTOMOTOR - todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios
meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a
compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos
(ônibus elétrico).
Não se aplica o art. 302 do CTB se o homicídio culposo for praticado na condução de: i)
veículo de tração humana (ex.: bicicleta); ii) veículo de tração animal (ex.: carroça); iii)
veículo automotor aquático (ex.: lancha); iv) veículo automotor aéreo (ex.: avião); e v)
ciclomotor (conceito que também está no anexo I):
interna, cuja cilindrada não exceda a cinquenta centímetros cúbicos (3,05 polegadas
cúbicas) e cuja velocidade máxima de fabricação não exceda a cinquenta quilômetros por
hora.
Se o homicídio culposo for praticado numa dessas situações, aplica-se o Código Penal. Há
diferença, pois no CP a pena é de 1 a 3 anos de detenção, enquanto que no CTB a pena é de
2 a 4 anos de detenção, mais suspensão ou proibição do direito de dirigir.
Cominar penas diferentes para crimes idênticos de homicídio culposo viola o princípio
constitucional da proporcionalidade? Para o STF não, pois os altos índices de acidentes no
trânsito justificam a discricionariedade do legislador democrático em cominar penas
diferentes para o homicídio culposo no CP e no CTB (RE 428.864 e STJ HC 63.284). Em
março/abril de 2011, o STF reafirmou a constitucionalidade do art. 302 do CTB.
5.1.2 – causas de aumento de pena no homicídio culposo (art. 302, parágrafo único)
Art. 302 (...) Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo
III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do
acidente;
223
de passageiros.
O condutor sem habilitação ou permissão que mata culposamente não responderá pelo
homicídio culposo mais o de direção sem habilitação, mas pelo crime de homicídio culposo,
com pena aumentada de 1/3 à metade.
Essa causa de aumento de pena não se aplica se se tratar de veículo de transporte de cargas.
Assim, se o caminhoneiro matar culposamente, não incide o aumento.
O art. 302, parágrafo único, V, do CTB foi incluído pela Lei 11.275/2006 e revogado pela Lei
Seca.
Redação original Alteração pela Lei 11.275/2006 Alteração pela Lei 11.705/2008
Não previa a causa de Acrescentou a causa de Revogou a causa de aumento de
aumento de pena da aumento de pena da pena da embriaguez ao
embriaguez, no homicídio embriaguez ao homicídio homicídio culposo.
culposo. culposo.
Com a alteração da Lei 11.275/2006, caiu por terra a discussão. O sujeito que praticasse o
crime respondia pelo crime de homicídio culposo, aumentado pela embriaguez.
Revogado o inciso V pela Lei 11.705/2008, foi retomada a discussão anterior, valendo
ressaltar que não há corrente majoritária.
224
O STJ e o STF já pacificaram que o crime em estado de embriaguez não é necessariamente
culposo ou doloso (com dolo eventual). Poderá ser de uma ou outra natureza, dependendo
das circunstâncias do caso concreto. Nesse sentido: REsp 719.477, REsp 249.604 e REsp
225.338.
É cabível perdão judicial para os crimes de homicídio culposo e de lesão culposa do CTB? O
art. 107, IX, do CP diz que o perdão judicial só é cabível nos casos previstos em lei. O CTB não
prevê o perdão judicial (o art. 300, que previa, foi vetado pelo então presidente Fernando
Henrique Cardoso). Mesmo assim, é cabível o perdão judicial, aplicando-se, por analogia, o
perdão judicial previsto para o homicídio culposo e para a lesão culposa no Código Penal.
A Lei 12.971/14 alterou os arts. 173, 174, 175, 191, 202, 203, 292, 302, 303, 306 e 308 do
Código de Trânsito Brasileiro.
Rogério Sanches chama a atenção para as alterações dos arts. 302 e 308.
No art. 302, o CTB pune o homicídio culposo na direção de veículo automotor, com pena de
detenção de 2 a 4 anos, majorada pelo parágrafo único.
A nova lei, com vigente prevista para novembro de 2014, resolveu dar nova topografia para
o art. 302, transformando o parágrafo único em parágrafo 1º e incluiu um novo parágrafo, o
parágrafo 2º, qualificando o crime quando a morte resulta de racha ou embriaguez ao
volante.
Antes Depois
Art. 302, caput, CTB (homicídio culposo n direção Art. 302, caput, CTB (homicídio culposo n direção
de veículo automotor) de veículo automotor)
Parágrafo único (majorantes) Parágrafo 1º (majorantes)
Parágrafo 2º (qualificadora quando a morte
advém de embriaguez ao volante ou racha)
“Art. 302.
III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do
acidente;
225
IV - no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte
de passageiros.
Apesar de ter a mesma pena do caput (2 a 4 anos), é punido com reclusão (e não detenção),
admitindo, portanto, regime inicial fechado. O legislador quis, em tese, autorizar o juiz a
aplicar, nessas hipóteses, regime inicial fechado.
Veja que em nenhum momento isso impede que na análise do caso concreto se conclua que
o agente não agiu com culpa, mas que aceitou a morte do pedestre, seja na embriaguez ou
no racha. Nesse caso, haverá aplicação do CP.
“Art. 308. Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa
as circunstâncias demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco
demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo, a
pena privativa de liberdade é de reclusão de 5 (cinco) a 10 (dez) anos, sem prejuízo das
226
outras penas previstas neste artigo.” (NR)
Ficou a dúvida: quando de um racha ocorrer morte culposa, deve o condutor responder pelo
art. 302 qualificado (pena de 2 a 4 anos) ou art. 308 qualificado (5 a 10 anos)? Os
parlamentares qualificaram ambos os crimes em razão da morte culposa. Pune-se o mesmo
comportamento de duas formas diferentes: o art. 302 pune homicídio culposo qualificado
pelo racha (pena de 2 a 4 anos) e o art. 308 pune o racha qualificado pelo homicídio culposo
(pena de 5 a 10 anos).
1ª corrente: deve-se aplicar o art. 302 do CTB, por ser a norma mais favorável. Posição a ser
defendida em provas de Defensoria Pública.
Aplica-se ao crime de lesão corporal culposa tudo o quanto dito acerca do homicídio
culposo, inclusive as causas de aumento de pena.
Relativamente à causa de aumento de pena do art. 302, parágrafo único, I, do CTB (não
possuir o motorista Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação), o sujeito que pratica
lesão culposa no trânsito responderá pelo crime do art. 303, aumentado de 1/3 à metade, e
não pelos crimes de lesão corporal e de direção sem habilitação.
Todavia, se a vítima não oferecer representação, o agente não será processado pelo crime
de lesão corporal culposa com a pena aumentada pela falta de habilitação. Neste caso, o
condutor poderá responder pelo crime de falta de habilitação do art. 309? Para o STJ e o
STF, não (pacíficos). Isso porque, quando ocorre a lesão, o crime de falta de habilitação
227
perde a sua autonomia e passa a funcionar como causa de aumento de pena. Ou seja, como
circunstância acessória, que segue o principal.
socorro à vítima, ou, não podendo fazê-lo diretamente, por justa causa, deixar de solicitar
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa, se o fato não constituir elemento de
O crime de omissão de socorro somente pode ser praticado pelo condutor do veículo que,
na ocasião do acidente, omite socorro à vítima. Ocorre que a omissão do condutor já é causa
de aumento de pena no homicídio e na lesão corporal culposos. Não é possível que o juiz
condene por homicídio ou lesão corporal culposos aumentados, mais omissão de socorro,
sob pena de bis in idem. Assim, a quem se aplica o art. 304 do CTB?
i) o condutor culpado que omitiu socorro responde por homicídio ou lesão culposa, com a
pena aumentada pela omissão;
ii) o condutor envolvido no acidente, não culpado, que omitiu socorro, responde pelo art.
304 do CTB. Isso porque ele não responderá pelo homicídio culposo ou pela lesão culposa,
pois não teve culpa;
iii) o condutor não envolvido no acidente (que vinha atrás) que omitiu socorro responde por
omissão de socorro do Código Penal, pois, se não está envolvido no acidente, não podem ser
a ele aplicadas as disposições do CTB.
Art. 304 (...) Parágrafo único. Incide nas penas previstas neste artigo o condutor do
veículo, ainda que a sua omissão seja suprida por terceiros ou que se trate de vítima com
228
Se os terceiros se adiantaram no socorro, o condutor não responderá pela omissão. Ex.:
ocorrido o acidente, havia ao lado uma ambulância, cujos médicos e enfermeiros realizaram
o socorro. Não há omissão de socorro, mas prestação prévia de socorro por terceiros.
No caso de morte instantânea evidente (ex. vítima esmagada por caminhão) o art. 304 do
CTB criou hipótese de crime impossível por absoluta impropriedade do objeto, na medida
em que cadáver não pode ser vítima de omissão de socorro. Contudo, havendo dúvidas
sobre o estado da vítima, ela deve ser socorrida.
O art. 306 do CTB foi alterado pela Lei 11.705/2008 e, posteriormente, pela Lei 12.760/2012:
Redação original:
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool
por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer
Redação atual:
Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a
psicomotora. (...)
229
O art. 306 mencionava a O art. 306 mencionava a O art. 306 passou a mencionar
expressão: “sob a influência de expressão: “com concentração a expressão “com capacidade
álcool”. Por conta disso, o de álcool igual ou superior a 6 psicomotora alterada em razão
crime podia ser comprovado decigramas por litro de da influência de álcool”. Agora,
por exame de sangue, sangue”. A partir de então, o de acordo com regra expressa,
etilômetro (bafômetro, que crime só poderia ser o crime pode ser comprovado
mede a quantidade de álcool comprovado por exame de por “teste de alcoolemia
no ar dos pulmões e faz a sangue ou por etilômetro. (exame de sangue ou
conversão para aferir a etilômetro), exame clínico
quantidade no sangue), exame (visual do médico), perícia,
clínico visual do médico e prova vídeo, prova testemunhal ou
testemunhal. outros meios de prova em
direito admitidos”.
230
Atenção! A 5ª Turma vem decidindo que a embriaguez ao volante é crime de perigo
abstrato. Entretanto, especificamente no julgamento do HC 158.311, a própria 5ª Turma
decidiu diversamente, no sentido de que se trata de crime de perigo concreto
indeterminado (aquele para cuja existência é necessária a comprovação do perigo, ainda
que para um número indeterminado de pessoas).
O art. 306 (nas duas primeiras redações) mencionava que o crime ocorreria somente se o
fato ocorresse “na via pública”. Se uma pessoa dirigisse embriagada em clube particular,
haveria o crime de perigo à vida ou à saúde de outrem, previsto no art. 132 do CP 12, mas não
o de embriaguez ao volante. Com a atual redação do art. 306, é possível cometer o crime
ainda que não se trate de via pública, pois a expressão não foi reproduzida.
Vale observar que se o homicídio culposo ou a lesão culposa ocorrer em via particular,
também se aplica o CTB (e não o CP), pois os arts. 302 e 303 também não contêm a
elementar “via pública”. Ex.: homicídio culposo por atropelamento dentro de uma fazenda.
Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou
A conduta punida no art. 309 é “dirigir veículo automotor”. “Dirigir” significa colocar o
veículo em movimento, no tráfego. A conduta tem de ser realizada em via pública. Se a
pessoa dirigir sem habilitação em via particular (um clube, uma fazenda), não existe crime.
Consideram-se vias públicas as ruas internas de um condomínio fechado (art. 2º, parágrafo
único, do CTB):
Art. 2º (...) Parágrafo único. Para os efeitos deste Código, são consideradas vias terrestres
O crime ocorre se o agente estiver sem a devida habilitação ou como o direito de dirigir
cassado.
O crime do art. 309 é de perigo concreto (veja a parte final: “gerando perigo de dano”). A
acusação tem de provar a conduta prevista no caput e o fato de ela ter gerado um perigo
12
Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena - detenção, de três
meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave. (...)
231
real a alguém ou ao patrimônio de alguém. Caso do fato não decorra perigo de dano, ele é
considerado atípico.
Art. 32. Dirigir, sem a devida habilitação, veículo na via pública, ou embarcação a motor
em aguas públicas:
Súmula 720 - O ART. 309 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO, QUE RECLAMA DECORRA
Lembre que derrogação é revogação parcial, de modo que o dispositivo continua aplicável
no que se refere à condução inabilitada de embarcações.
Dirigir com habilitação vencida é mera infração administrativa. Não configura o crime do art.
309. Dirigir sem portar o documento de habilitação ou permissão também. Dirigir o veículo
com habilitação de categoria diversa da exigida pelo veículo que se está conduzindo,
entretanto, é considerado crime. Isso porque o caput do art. 309 fala expressamente em
“habilitação devida”. Ex.: o infrator tem habilitação para conduzir motocicleta e está
conduzindo automóvel.
O caput do art. 309 fala no direito de dirigir “cassado”. Se a pessoa dirige com o direito de
dirigir suspenso ou proibido, pratica o crime do art. 307 do CTB, e não o do art. 309,
conforme já estudado.
232
5.6 – Crime do art. 310 do CTB
O art. 310 do CTB pune a conduta de dar a direção do veículo a pessoa não habilitada, com
habilitação cassada, com o direito de dirigir suspenso, sem condições físicas ou mentais de
dirigir com segurança ou embriagada:
Art. 310. Permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não
habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou, ainda, a
quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em
Trata-se de exceções pluralísticas à teoria monista. Aquele que entrega o veículo a pessoa
em uma das condições do caput responde pelo crime do art. 310. O condutor não responde
como partícipe, mas:
i) em se tratando de pessoa não habilitada ou com habilitação cassada, como autor do crime
do art. 309, se gerar perigo de dano;
ii) em se tratando de pessoa com direito de dirigir suspenso, como autor do crime do art.
307;
iii) em se tratando de pessoa em estado de embriaguez, como autor do crime do art. 306.
Todavia, se o infrator entregar o veículo a quem não tenha permissão ou esteja proibido de
dirigir, será partícipe, respectivamente, dos crimes dos arts. 307 e 309.
Só há o crime do art. 310 se o agente conhece as condições do caput. Caso ele não saiba
daquelas condições, não responderá pelo crime, por erro de tipo.
233
LEI DOS CRIMES AMBIENTAIS (LEI 9.605/1998)
José Afonso da Silva diz que o capítulo de proteção ao meio-ambiente é um dos mais
importantes e avançados da CR. Edis Milaré diz que se trata do texto constitucional mais
avançado do mundo, nessa área.
Dentre todas essas medidas, a CR prevê a proteção penal do meio-ambiente. É o que Luiz
Regis Prado chama de “mandado expresso de criminalização das condutas lesivas ao meio-
ambiente”. Ou seja, há uma ordem constitucional para criminalizar as condutas lesivas ao
meio-ambiente.
Não há duvida, portanto, de que o meio ambiente é um bem jurídico passível de tutela
penal. Havia uma discussão na doutrina sobre se o meio-ambiente precisaria de tutela penal.
Alguns sustentam que bastaria a edição de normas administrativas. Todavia, de acordo com
o sistema constitucional brasileiro, o meio-ambiente deve ser penalmente tutelado, por
expressa determinação da Constituição.
Cumprindo o comando constitucional, foi editada a Lei 9.605/1998, com uma parte geral
(arts. 2º a 28) e uma parte especial (arts. 29 a 69-A). A parte geral contém regras próprias e
específicas sobre concurso de pessoas, teoria da pena, sentença penal, confisco, transação
penal, suspensão condicional do processo etc. A parte especial define os crimes ambientais
em espécie.
No que a parte geral for omissa, aplicam-se subsidiariamente as normas do Código Penal, do
Código de Processo Penal (art. 79) e das leis dos Juizados Especiais Criminais (pois a maioria
dos crimes ambientais é de menor potencial ofensivo):
234
Um dos objetivos principais da Lei Ambiental é a reparação ou a compensação dos danos
ambientais. Aliás, essa é uma determinação da própria CR (art. 225, § 3º), que prevê o
princípio do poluidor-pagador:
Como será estudado a seguir, decorrência disso é que a maioria dos institutos da parte geral
está relacionada à reparação ou compensação do dano ambiental. O objetivo da lei
ambiental, portanto, é punir, mas também buscar a compensação ou reparação dos danos
ambientais.
O art. 2º, primeira parte, da Lei dos Crimes contra o Meio-Ambiente apenas diz que é
possível concurso de pessoas nos crimes ambientais. Adota a teoria unitária ou monista do
concurso de pessoas, a mesma do art. 29, caput, do CP:
Art. 2º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei,
incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor,
outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.
Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este
O art. 2º, segunda parte, da Lei Ambiental dispõe que diretores, administradores,
conselheiros, auditores, gerentes, prepostos e mandatários de pessoas jurídicas respondem
por omissão nos crimes ambientais. Essas pessoas podem cometer crimes ambientais,
portanto, tanto por ação como por omissão.
O dispositivo criou, para essas pessoas, o dever jurídico de agir e evitar crimes ambientais, o
que torna a omissão dessas pessoas penalmente relevante, nos termos do art. 13, § 2º, a, do
Código Penal. Ou seja, a Lei Ambiental criou a obrigação dessas pessoas de cuidar, proteger
o meio-ambiente:
235
Art. 13 (...) § 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir
Essas pessoas respondem por omissão desde que presentes dois requisitos: i) ciência da
existência do crime; e ii) poder de evitá-lo. Os dois requisitos impedem a responsabilização
penal objetiva (a responsabilidade penal sem dolo e sem culpa).
5 – Denúncia genérica
Para evitar a responsabilidade penal objetiva, o STF e o STJ não admitem denúncia genérica,
que é aquela que não estabelece um mínimo vínculo entre o fato criminoso narrado e o
denunciado. Em outras palavras, denúncia genérica é aquela que inclui a pessoa no polo
passivo da ação apenas em razão da sua condição de diretor, gerente, preposto, mandatário
etc. da pessoa jurídica.
No mesmo sentido, ver o STF HC 86.879. Nesse julgado, o Ministro Joaquim Barbosa
demonstra uma mudança de orientação do STF, que admitia a denúncia genérica.
Eugênio Pacelli, que participa da reforma do CPP, faz uma distinção entre denúncia genérica
e denúncia geral.
A denúncia geral narra o fato criminoso, com todas as suas circunstâncias e o imputa,
indistintamente, a todos os acusados. Para Pacelli, ela é apta/válida, devendo ser recebida.
Isso porque saber se todos os denunciados cometeram o crime é matéria de prova, não
pressuposto para a validade do processo. Ex.: a denúncia narra que todos os sócios
236
determinaram o corte ilegal de árvores em área de preservação permanente (APP). Saber se
todos realmente praticaram a conduta é questão de prova, de mérito.
Já a denúncia genérica é a que narra vários fatos típicos ou vários núcleos verbais no mesmo
tipo e os imputa genericamente aos acusados, sem que se possa saber quem agiu de qual
maneira. Ela é inepta, porque inviabiliza o contraditório e a ampla defesa, devendo ser
rejeitada.
Essa diferença entre denúncia geral e genérica também é feita em alguns julgados do STJ, os
quais concluem que a geral é apta, não inepta (RHC 24.515 e HC 117.306).
A responsabilidade penal da pessoa jurídica está prevista no art. 225, § 3º, da CR e no art. 3º
da Lei Ambiental. É o grande tema do direito penal ambiental.
conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas,
O primeiro argumento da corrente que defende que a CR/88 não prevê responsabilidade
penal da pessoa jurídica parte da interpretação do art. 225, § 3º, da CR. Segundo essa
corrente, o dispositivo não prevê a responsabilidade penal da pessoa jurídica, pois
“condutas” são praticadas por pessoas físicas, que sofrem sanções penais (condutas/pessoas
físicas/sanções penais), enquanto que “atividades” são exercidas por pessoas jurídicas que,
237
sofrem sanções administrativas (atividades/pessoas jurídicas/sanções administrativas). E
ambas estão sujeitas a responsabilidade civil.
Além disso, para essa primeira corrente, o art. 5º, XLV, da CR proíbe que a responsabilidade
penal passe da pessoa dos infratores (principio da impessoalidade, da incomunicabilidade ou
da intranscendência da pena):
Art. 5º (...) XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação
estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio
transferido;
Ou seja, a responsabilidade penal da pessoa física, que é quem pratica o crime, não pode ser
transferida à pessoa jurídica.
Sob a ótica dessa primeira corrente, portanto, o art. 3º da Lei Ambiental é inconstitucional,
pois ofende materialmente o art. 225, § 3º e o art. 5º, XLV, da CR que, interpretados
sistematicamente, proíbem a responsabilidade penal da pessoa jurídica.
Autores dessa primeira corrente: Luiz Regis Prado, Miguel Reale Júnior, René Ariel Dotti,
Cezar Roberto Bittencourt etc.
Para esta segunda corrente, pessoa jurídica não pode ser sujeito ativo de crime, ou seja,
societas delinquere non potest (“pessoa jurídica não pode delinquir”).
Esta corrente tem como pressuposto a “teoria da ficção jurídica”, de Savigny e Feuerbach,
para a qual as pessoas jurídicas não são entes reais, mas puras ficções jurídicas, meras
abstrações legais. Ou seja, são entes fictícios, irreais, desprovidos de vontade, consciência,
finalidade.
i) pessoa jurídica não tem capacidade de conduta penal, pois se ela não tem vontade ou
consciência, não atua com dolo nem culpa. Logo, não pratica conduta penal. Punir a pessoa
jurídica significa responsabilidade penal objetiva (responsabilidade penal sem dolo e sem
culpa);
238
ii) pessoa jurídica não tem culpabilidade, pois é desprovida dos elementos que a
caracterizam: não tem imputabilidade (capacidade mental de entender), potencial
consciência da ilicitude (possibilidade de saber que a conduta é proibida) e não se pode
exigir da pessoa jurídica conduta diversa, pois ele não pratica conduta penal.
Se não tem culpabilidade, pessoa jurídica não tem capacidade de pena (se não age com
culpabilidade, a pessoa jurídica não pode sofrer pena). Isso porque a culpabilidade é
pressuposto da pena (unânime).
Argumento de Luiz Regis Prado: as penas são inúteis à pessoa jurídica, pois como são entes
fictícios, elas são incapazes de assimilar as finalidades da pena (preventiva e
ressocializadora: prevenção geral e especial). Portanto, aplicar pena à pessoa jurídica viola o
princípio da necessidade da pena (a pena é inútil a ela).
Adota esta corrente a maioria da doutrina: Zaffaroni, Delmanto, Mirabete, Rogério Greco,
Luiz Flávio Gomes e todos os autores da primeira corrente. Os autores da primeira corrente
também fazem parte da segunda corrente. Eles dizem que a CR não prevê responsabilidade
da pessoa jurídica, mas, ainda que tivesse previsto, pessoa jurídica não comete crime.
Já que pessoa jurídica não comete crime, o que fazer com o art. 225, § 3º, da CR e o art. 3º
da Lei Ambiental? Os autores desta segunda corrente posicionam-se em dois sentidos,
diante desses dispositivos:
ii) o art. 3º da Lei Ambiental não diz que a pessoa jurídica é sujeito ativo de crime. Diz apenas
que pessoa jurídica é responsável pelo crime (“serão responsabilizadas”):
Fernando Galvão diz isso no livro dele. Segundo o autor, o art. 3º prevê a chamada
“responsabilidade penal indireta da pessoa jurídica”, ou seja, responsabilidade por fato de
terceiro. Maciel pensa que Fernando Galvão está equivocado. Isso porque o art. 3º diz que
as pessoas jurídicas serão responsabilizadas, mas acima do art. 3º está a CR, que diz que
“sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas”. A CR diz claramente que pessoa
239
jurídica é infratora. A expressão “pessoas físicas ou jurídicas” é aposto do sujeito infratores.
Portanto, o argumento de Galvão é frágil.
Para esta terceira corrente, pessoa jurídica é sujeito ativo de crime. A corrente tem a sua
base na teoria da realidade (ou da personalidade real), de Otto Gierke, que rebate a de
Savigny, dizendo que pessoas jurídicas são entes reais, não meras ficções
jurídicas/abstrações legais. Ou seja, têm capacidade e vontade próprias e independentes
daquelas das pessoas físicas que as compõem. São realidades independentes.
A pessoa jurídica tem culpabilidade social (termo utilizado pelo STJ): a empresa é um centro
autônomo de emanação de decisões. Ela não tem a culpabilidade individual clássica do
finalismo.
Pessoa jurídica pode sofrer pena criminal de multa e restritiva de direitos. A pena de prisão
deixou de ser o objetivo principal do direito penal (Nucci).
iv) o art. 225, § 3º, da CR, que é norma do poder constituinte originário, e o art. 3º da Lei
Ambiental inegavelmente preveem responsabilidade penal da pessoa jurídica. Portanto, não
há como deixar de responsabilizar pessoa jurídica criminalmente.
Autores desta corrente: Capez, Nucci, Shecaira, Édis MIlaré, Herman Benjamin (STJ) etc.
O STJ adota esta última corrente: pessoa jurídica pode ser sujeito ativo de crime. Lá, o
entendimento é pacífico. O tribunal, todavia, entende que pessoa jurídica não pode ser
denunciada sozinha por crime ambiental, mas apenas juntamente com a pessoa física
responsável pela decisão ou a execução da infração (RE 800.817 e HC 147.541/RS, de 16 de
dezembro de 2010).
240
No HC 147.541/RS, foram denunciados por crime ambiental o gerente da TIM e a TIM. O
gerente impetrou HC e a ordem foi concedida, para trancar a ação contra ele, pois a
denúncia era genérica. Trancada a ação, restou somente no polo passivo a TIM celulares. O
STJ trancou de ofício a ação contra a TIM, pois para o tribunal a pessoa jurídica não pode
figurar isoladamente no polo passivo da ação.
O STF ainda não havia enfrentado diretamente o tema, prevalecendo, portanto, até então, a
posição do STJ. No HC 92.921/BA, os Ministros do Supremo, em seus votos, sustentaram
obter dicta (de passagem) que pessoa jurídica tem responsabilidade penal, podendo ser
denunciada por crime ambiental. No AgR no RE 593.729/SP, a 2ª Turma do STF manteve
uma ação penal em que os réus eram a CETESB e o gerente da CETESB.
Mas, em julgado recente (1ª Turma. RE 548181/PR, rel. Min. Rosa Weber, julgado em
6/8/2013, Informativo 714), a 1ª Turma do STF adotou a 3ª corrente. O STF entendeu que é
admissível a condenação de pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, ainda que
absolvidas as pessoas físicas ocupantes de cargo de presidência ou de direção do órgão
responsável pela prática criminosa.
O sistema da dupla imputação ou de imputações paralelas está previsto no art. 3º, parágrafo
único, da Lei Ambiental. O dispositivo diz o seguinte: “pelo mesmo crime, é possível
responsabilizar somente as pessoas físicas ou as pessoas físicas e a pessoa jurídica”.
Para o STJ, a pessoa jurídica, sozinha, não pode ser denunciada, por conta do sistema da
responsabilidade penal por ricochete.
Ocorre que essa tese não prevaleceu no STF, como visto, porque o art. 225, § 3º, da CR/88
não condiciona a responsabilização da pessoa jurídica a uma identificação, e manutenção na
relação jurídico-processual, da pessoa física ou natural.
Em outras palavras, a Constituição não faz a exigência de que a pessoa jurídica seja,
obrigatoriamente, denunciada em conjunto com pessoas físicas.
241
O sistema da dupla imputação (denunciar pessoa física e jurídica pelo mesmo fato) gera bis
in idem? Para o STJ, não. Bis in idem significa punir duplamente pelo mesmo fato a mesma
pessoa, e o sistema da dupla imputação está punindo pelo mesmo fato pessoas distintas.
Até o julgado do STF que admitiu a responsabilização isolada da pessoa jurídica, a doutrina
dizia serem necessários dois requisitos para a responsabilidade penal da pessoa jurídica,
previstos no art. 3º da Lei Ambiental:
Exemplo: o funcionário que opera a motosserra, por sua conta e risco, resolve cortar árvores
ilegalmente, em Área de Proteção Permanente. Nesse exemplo, não há responsabilidade
penal da pessoa jurídica, pois o funcionário da motosserra não é representante legal,
contratual ou órgão colegiado da pessoa jurídica.
Para Sílvio Maciel, “A responsabilização penal dos entes morais já exige um ‘contorcionismo
jurídico’ imenso, tendo em vista que a teoria do crime existente em nosso ordenamento
penal é totalmente incompatível com a natureza não humana das pessoas coletivas
(vontade, consciência, imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa etc. são pressupostos
exclusivamente humanos, incompossíveis, pois, com a natureza das pessoas jurídicas). O
Brasil não seguiu os passos da França que lá criou uma Lei de Adaptação para viabilizar a
responsabilidade criminal das pessoas jurídicas. Agora com essa decisão do STF o
‘contorcionismo’ deverá ser ainda maior, porque será necessário ‘driblar’ (leia-se: ignorar)
até mesmo o art. 3º da Lei 9.605/98 que claramente impede responsabilização isolada do
ente moral”.
242
Se a infração não for praticada no interesse ou benefício da pessoa jurídica, não há
responsabilidade penal da pessoa jurídica. Ex.: num desastre ambiental com vazamento de
petróleo, a empresa não tem nenhum interesse ou benefício no fato. Pelo contrário, o
vazamento gera prejuízo à empresa (à imagem, econômico, multa etc.)
Caso se entenda que ambos os requisitos são exigíveis, a denúncia deve indicar ambos (de
quem partiu a decisão do crime e qual o interesse ou benefício para empresa, dele
decorrente), sob pena de inépcia.
É possível condenar, por exemplo, um município ou uma autarquia por crime ambiental? A
CR e a Lei Ambiental somente mencionam “pessoas jurídicas”, sem especificá-las. Daí surge a
discussão:
Não há decisão do STF e do STJ sobre a possibilidade ou não de responsabilização penal das
pessoas jurídicas de direito público.
243
É possível punir pessoa jurídica por crime culposo? Édis Milaré diz que pessoa jurídica não
pode ser responsabilizada por crime culposo. O argumento dele é o seguinte: o domínio do
fato está com as pessoas físicas, e não há esse domínio sem dolo. Ou seja, o autor adota,
aqui, a teoria do domínio final do fato.
Para Maciel e Luiz Flávio Gomes, é possível punir a pessoa jurídica por crime culposo, se
houver uma decisão culposa do representante legal, contratual ou órgão colegiado da
empresa e essa decisão tenha nexo de causalidade com o resultado involuntário.
Isso não é dolo eventual, mas culpa consciente: o gerente prevê a possibilidade, mas acha
que o dano não acontecerá.
O artigo 4º da Lei Ambiental não fala em desconsideração da pessoa jurídica para punição,
mas para o ressarcimento de prejuízos causados ao meio-ambiente (responsabilidade civil
ou administrativa):
Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for
Ex.: uma pessoa jurídica pratica um ilícito ambiental e sofre multa administrativa ambiental
no valor de R$ 100.000,00, uma condenação civil de indenização de mais R$ 100.000,00 e
uma condenação criminal de R$ 100.000,00 (multa penal). A pessoa jurídica pode ser
244
desconsiderada para a transferência à pessoa física da multa administrativa e da indenização
civil, mas não da multa penal sofrida.
8.1 – Introdução
A Lei Ambiental tem um capítulo específico para a aplicação da pena no caso de crime
ambiental, com regras próprias, diferentes das do Código Penal.
Para aplicar a pena com base no CP, o juiz persegue três etapas:
1ª etapa: fixação da quantidade de pena com base no critério trifásico do art. 68 do CP (pena
base, agravantes e atenuantes genéricas e causas gerais e especiais de aumento ou
diminuição da pena).
Nos crimes ambientais, o condenado pode ser pessoa física ou jurídica. Em se tratando de
pessoa física, o juiz percorre as três etapas. Caso se trate de pessoa jurídica, o juiz somente
percorre a primeira etapa. Isso porque não há regime inicial de pena de prisão ou
substituição de prisão.
Na primeira etapa de aplicação da pena ao condenado pessoa física, primeiro o juiz fixa a
pena base. Depois, aplica as atenuantes e as agravantes. Por fim, aplica as causas gerais e
especiais de aumento e diminuição de pena. Esse é o critério trifásico do art. 68 do CP:
245
Em se tratando de crimes ambientais, na fixação da pena, o juiz deve se basear nas
circunstâncias judiciais previstas no art. 6º da Lei Ambiental. O art. 59 do CP somente é
utilizado supletivamente:
ambiental;
No art. 59 do CP, o juiz leva em conta as consequências da infração penal para a vítima.
Súmula 444 - É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para
agravar a pena-base.
A multa é calculada com base na situação econômica do infrator (art. 6º, III) e nos prejuízos
causados pelo crime (art. 19). A interpretação do art. 6º tem de ser realizada
sistematicamente com o art. 19 da Lei Ambiental, aplicado supletivamente:
Art. 19. A perícia de constatação do dano ambiental, sempre que possível, fixará o
montante do prejuízo causado para efeitos de prestação de fiança e cálculo de multa. (...)
246
8.2.1.2.1 – atenuantes (art. 14)
Muitos crimes ambientais são praticados em áreas rurais, onde as pessoas não têm acesso a
escola.
Importante observar, todavia, que se esse baixo grau de escolaridade do agente retirar a
potencial consciência da ilicitude do fato, haverá erro de proibição, e não atenuante. Ex.: o
morador rural cresceu cortando uma árvore para fazer remédio que previne doenças. Os
bisavôs já o faziam. Um dia, dizem para ele que cortar a árvore era crime ambiental. Nesse
caso, há erro de proibição.
247
O extenso rol de agravantes está previsto no art. 15 da Lei Ambiental, cuja leitura se
recomenda.
Portanto, é reincidente ambiental o sujeito que tenha condenação definitiva por crime
ambiental e pratica novo crime ambiental. Não é reincidente, por exemplo, o sujeito com
condenação definitiva por furto que pratica crime ambiental. Neste caso, ele será primário
com maus antecedentes, pois se a condenação definitiva por furto não pode gerar
reincidência, ela pode funcionar como maus antecedentes.
A solução será idêntica caso o sujeito com condenação definitiva por contravenção penal
ambiental pratique crime ambiental: ele será primário com maus antecedentes, pois
contravenção não gera reincidência.
Fixada a pena base e aplicadas as agravantes e atenuantes, o juiz então aplica as causas
gerais e especiais de aumento e diminuição de pena, previstas na Lei Ambiental e no Código
Penal, estas aplicáveis subsidiariamente (ex.: tentativa, continuidade delitiva).
A Lei Ambiental não tem nenhuma regra sobre regime inicial de cumprimento de pena,
razão pela qual se aplicam as regras do Código Penal, subsidiariamente.
A terceira etapa da aplicação da pena ao condenado pessoa física por crime ambiental é a
análise da possibilidade de substituição por restritivas de direito ou multa, ou da
possibilidade de concessão de sursis. Há especificidades na Lei dos Crimes Ambientais
quanto a esses institutos, que serão analisadas a seguir.
liberdade quando:
248
quatro anos;
Nos termos do art. 7º, caput, da Lei Ambiental, as penas restritivas de direitos previstas na
Lei 9.605/1998 possuem as seguintes características:
ii) substitutividade.
Art. 7º (...) Parágrafo único. As penas restritivas de direitos a que se refere este artigo
Nos termos do art. 7º, parágrafo único, da Lei Ambiental, as penas restritivas de direitos ali
previstas têm a mesma duração da pena de prisão substituída. É a mesma regra do art. 55 do
CP:
Art. 55. As penas restritivas de direitos referidas nos incisos III, IV, V e VI do art. 43 terão a
benefícios, bem como de participar de licitações, pelo prazo de cinco anos, no caso de
249
até 5 anos, nem crime culposo com pena de 3 anos. Assim, a pena restritiva será sempre
maior que a pena de prisão substituída.
As espécies de penas restritivas de direitos estão previstas nos arts. 8º a 13 da Lei Ambiental.
O art. 8º traz o rol das restritivas de direitos; os arts. 9º a 13 definem cada uma delas:
IV - prestação pecuniária;
V - recolhimento domiciliar.
cumprir a pena substitutiva em menor tempo (art. 55), nunca inferior à metade da pena
250
benefícios, bem como de participar de licitações, pelo prazo de cinco anos, no caso de
Como visto, a interdição temporária de direitos deste art. 10 não tem a mesma duração da
prisão substituída. Portanto, é uma exceção à regra do art. 7º, parágrafo único, que diz que a
pena restritiva terá o mesmo prazo da pena de prisão substituída.
Segundo Delmanto, o prazo da pena do art. 10 está em contradição lógica com a regra do
art. 7º, parágrafo único. Logo, esses prazos do art. 10 devem ser desconsiderados. Ou seja,
para o autor, a duração da pena do art. 10 será a mesma da pena de prisão substituída.
Maciel recomenda não adotar esse posicionamento em prova preambular (1ª fase).
Art. 11. A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo
às prescrições legais.
Esta modalidade de pena restritiva de direitos não tem correspondência no Código Penal.
pública ou privada com fim social, de importância, fixada pelo juiz, não inferior a um
salário mínimo nem superior a trezentos e sessenta salários mínimos. O valor pago será
fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e
nº 9.714, de 1998)
251
À exceção dessa diferença (“dependentes”), as penas de prestação pecuniária da Lei
Ambiental e do CP são iguais.
O art. 45, § 2º, do CP aplica-se subsidiariamente à Lei Ambiental. Ele permite substituir a
prestação pecuniária por prestação de outra natureza (a chamada “prestação inominada”):
prestação pecuniária pode consistir em prestação de outra natureza. (Incluído pela Lei nº
9.714, de 1998)
sentença condenatória.
adequado.
Os requisitos para a substituição da pena de prisão por restritiva de direitos estão previstos
no art. 7º, I e II, da Lei Ambiental:
liberdade quando:
252
I - tratar-se de crime culposo ou for aplicada a pena privativa de liberdade inferior a
quatro anos;
Inicialmente, importante lembrar que, neste tópico, está sendo analisada a pena de multa
substitutiva da privativa de liberdade (3ª etapa do procedimento trifásico da aplicação da
pena), no caso de pessoa natural condenada pela prática de crime ambiental.
De acordo com o art. 44, § 2º, do CP, a prisão não superior a um ano pode ser substituída
por multa:
Art. 44 (...) § 2º Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita
por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa
de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas
O dispositivo aplica-se subsidiariamente à Lei Ambiental, que não tem nenhuma regra de
substituição de prisão por multa.
253
A multa é calculada na forma do art. 18 da Lei 9.605/1998, ou seja, de acordo com os
critérios do Código Penal (de 10 a 360 dias-multa, cada dia-multa valendo de 1/30 a 360
salários mínimos):
Art. 18. A multa será calculada segundo os critérios do Código Penal; se revelar-se
ineficaz, ainda que aplicada no valor máximo, poderá ser aumentada até três vezes, tendo
A novidade é que, revelada ineficaz a pena de multa, ainda que aplicada no máximo, a pena
poderá ser aumentada de até três vezes, tendo em vista o valor da vantagem econômica
auferida. No CP a multa também poderá ser aumentada em três vezes, mas de acordo com a
capacidade econômica do agente.
Caso não seja possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos
ou multa, o juiz verifica a possibilidade de concessão de sursis (suspensão condicional da
pena).
Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá
III - Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código.
O sursis simples é cabível nas condenações de até dois anos. Na Lei Ambiental, o sursis
simples é cabível nas condenações até três anos (art. 16). Cuidado com essa diferença em
prova de primeira fase:
Art. 16. Nos crimes previstos nesta Lei, a suspensão condicional da pena pode ser aplicada
254
nos casos de condenação a pena privativa de liberdade não superior a três anos.
No Código Penal, o sursis especial é cabível nas condenações de até dois anos. É concedido
ao condenado que reparou o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo e tenha as circunstâncias
judiciais totalmente favoráveis. Aquele que recebe o sursis especial fica sujeito às condições
especiais do art. 78, § 2º, “a”, “b” e “c”:
suas atividades.
Na Lei Ambiental, o sursis especial é cabível nas condenações de até três anos (art. 16). É
concedido ao condenado que reparou o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo e tenha as
circunstâncias judiciais totalmente favoráveis. Aqui, entretanto, a comprovação da
reparação do dano deve ser feita por meio de “laudo de reparação do dano ambiental”, não
se admitindo outro meio de prova. Aquele que recebe o sursis especial fica sujeito a
condições referentes à proteção do meio-ambiente fixadas pelo juiz (art. 17):
Art. 17. A verificação da reparação a que se refere o § 2º do art. 78 do Código Penal será
O sursis etário e humanitário é cabível nas condenações de até quatro anos. A Lei Ambiental
nada dispõe acerca dessa modalidade, mas ela é cabível aos crimes ambientais, por
aplicação subsidiária do CP.
255
Em se tratando de condenado pessoa jurídica, o juiz somente fixa a quantidade e a espécie
de pena, utilizando o critério trifásico previsto no art. 68 do CP, uma vez que a pena tem de
ser individualizada também no caso de pessoa jurídica.
I - multa;
II - restritivas de direitos;
Não há pena de prisão cominada para a pessoa jurídica, por razões óbvias. As penas são
multa, restritiva de direitos e prestação de serviços à comunidade. No CP, prestação de
serviços à comunidade é espécie de restritiva de direitos. Na Lei Ambiental, diversamente,
ela está cominada separadamente das penas restritivas de direitos.
Apesar de o art. 21 prever que essas penas podem ser aplicadas alternativamente, não
existe nenhuma regra na Lei Ambiental ou no CP que disponha sobre a substituição de multa
por restritiva de direitos ou vice-versa.
A multa aplicada à pessoa jurídica segue as regras do art. 18 da Lei Ambiental, já estudado.
Para parte da doutrina (Luiz Regis Prado, por exemplo), as penas restritivas de direitos e de
prestação de serviços à comunidade das pessoas jurídicas (arts. 21 a 23 da Lei Ambiental)
são inconstitucionais, com exceção da prevista no art. 22, III, combinado com o § 3º do
mesmo dispositivo, que tem prazo máximo de dez anos:
III - proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios,
256
Esse é o entendimento de Maciel e Luiz Flávio Gomes, no livro escrito por ambos. Isso
porque, com exceção da pena acima, as demais não têm seus limites mínimo e máximo
cominados. As penas, em razão disso, seriam inconstitucionais por ofensa à legalidade. Elas
não substituem a pena de prisão. São autônomas, como visto.
O art. 10 costuma ser comparado, nos concursos, com o art. 22, III e § 3º da Lei Ambiental:
benefícios, bem como de participar de licitações, pelo prazo de cinco anos, no caso de
Não se deve confundir os dispositivos. O art. 10 prevê a pena de proibição de contratar com
o Poder Público e dele receber subsídios. O art. 22 também. Todavia, a pena do art. 10 é
aplicável à pessoa física e a do art. 22, III à pessoa jurídica. No art. 10, a pena tem o prazo de
3 anos, em se tratando de crime culposo, e 5 anos, no caso de crime doloso. No caso do art.
22, III, a pena é de até 10 anos, seja o crime culposo ou doloso.
Além das sanções previstas nos arts. 21 a 23, a pessoa jurídica ainda pode sofrer a sanção de
liquidação forçada (art. 24):
permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei terá decretada sua
liquidação forçada, seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal
A liquidação forçada somente pode ser aplicada se a pessoa jurídica tiver como atividade
preponderante a prática de crime ambiental. Ela não pode ser aplicada, portanto, a qualquer
pessoa jurídica, que eventualmente tenha delinquido. Para que ocorra, a atividade principal
da pessoa jurídica tem de ser cometer crime ambiental. Ex.: madeireira que somente
comercializa madeiras ilegais.
257
1ª corrente (Delmanto): se a liquidação forçada pressupõe a prática de crime
ambiental, ela somente pode ser aplicada em ação penal, como efeito
fundamentado/motivado da condenação.
A perícia criminal ambiental, além de constatar a materialidade delitiva, deve calcular o valor
do prejuízo causado pelo crime, se possível (art. 19, caput, da Lei Ambiental):
Art. 19. A perícia de constatação do dano ambiental, sempre que possível, fixará o
montante do prejuízo causado para efeitos de prestação de fiança e cálculo de multa. (...)
Esse valor indicado na perícia serve como parâmetro para a fixação de fiança e o cálculo da
multa penal.
A perícia ambiental feita no inquérito civil ou na ação civil pode ser emprestada para o
processo penal, instaurando-se o contraditório (art. 19, parágrafo único, da Lei Ambiental):
Art. 19 (...) Parágrafo único. A perícia produzida no inquérito civil ou no juízo cível poderá
Contudo, há entendimento segundo o qual a perícia realizada no inquérito civil só pode ser
emprestada para o processo penal se for uma prova não repetível, cautelar ou antecipada.
Isso porque, nos termos do art. 155, caput, do CPP, o juiz não pode utilizar na sentença
elementos colhidos na investigação, salvo se forem elementos de prova não repetíveis,
cautelares ou antecipados:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em
258
Segundo essa posição, o dispositivo refere-se ao inquérito policial, mas pode ser aplicado
por analogia ao inquérito civil.
Além disso, há quem entenda que a perícia realizada na ação civil só pode ser utilizada no
processo penal: i) se as partes forem as mesmas em ambos os processos; ou ii) se a parte
contra a qual a perícia será utilizada no processo penal tenha também sido parte no
processo civil.
Não há corrente que prevaleça. Há muito pouca coisa escrita sobre direito penal ambiental.
O art. 20, caput, da Lei Ambiental impõe que a sentença penal deve fixar o valor mínimo de
indenização civil para a reparação dos danos causados pelo crime:
Art. 20. A sentença penal condenatória, sempre que possível, fixará o valor mínimo para
reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo
Trata-se de juiz penal fixando valor de indenização civil. Quanto ao valor mínimo, a sentença
penal ambiental é um título certo, exigível e líquido, já podendo ser executada pelo valor
nela indicado.
Todavia, a execução do valor mínimo fixado na sentença penal não impede a liquidação da
sentença no cível para a apuração do valor total do prejuízo.
Essa previsão de fixação de valor de indenização civil na sentença penal virou regra geral
(art. 387, IV, do CPP), mas já existia desde 1998 na Lei dos Crimes Ambientais:
IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando
os prejuízos sofridos pelo ofendido; (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008). (...)
O art. 387, IV, do CPP diz “fixará”, de modo que há quem sustente o dever do juiz de fazê-lo.
O art. 20 da Lei Ambiental, todavia, diz “sempre que possível”. Portanto, a Lei Ambiental é
bem clara no sentido de que o juiz somente fixará indenização civil mínima se for o caso. O
magistrado, ao se deparar com crime ambiental, fixará a indenização com base no art. 20 da
Lei Ambiental, e não no art. 387, IV, do CPP.
259
Caso não haja pedido expresso da acusação ou do assistente da acusação, o juiz pode fixar a
indenização de ofício na sentença? Há divergência, mas o entendimento de Maciel e de Luiz
Flávio Gomes é de que é irrelevante a existência ou não de pedido expresso, mas deve
necessariamente ter havido contraditório e ampla defesa acerca do tema, sob pena de
violação do devido processo legal. O acusado, segundo Maciel, não pode ser surpreendido
com uma condenação civil sem ter tido a oportunidade de discutir a questão no processo.
O transporte in utilibus da sentença penal condenatória está previsto nos arts. 103, §§ 3º e
4º, do CDC:
Art. 103 (...) § 3º Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art.
Nas ações coletivas, julgado procedente o pedido, a coisa julgada (ou seja, a sentença) pode
ser utilizada em ações individuais de execução (art. 103, § 3º, do CDC). Esse transporte in
utilibus aplica-se também à sentença penal (art. 103, § 4º, do CDC). Ex.: uma pessoa jurídica
é condenada pelo crime de poluição de um rio. A sentença penal contra ela proferida pode
ser utilizada em ações individuais pelos pescadores ou moradores prejudicados com a
poluição do rio.
No Código Penal, não é qualquer instrumento de crime que pode ser confiscado. Só é
permitido o confisco se ele constituir, por si só, objeto ilícito (art. 91, II, “a”):
a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso,
260
Ex.: pode ser confiscada uma arma com a numeração raspada. Todavia, um automóvel
utilizado num furto não pode ser confiscado.
Por sua vez, a Lei Ambiental permite o confisco do instrumento do crime ambiental, sem
especificar se lícito ou ilícito (art. 25, § 4º):
Para Capez, nos crimes ambientais, o instrumento do crime pode sempre ser confiscado,
seja lícito ou ilícito. Ex.: pode ser confiscado o barco do pescador que pescou em local
proibido.
A jurisprudência (principalmente dos TRF’s) entende que esse art. 25, § 4º, da Lei Ambiental
deve ser interpretado à luz do princípio da razoabilidade. Segundo esse posicionamento, o
instrumento só deve ser confiscado se utilizado usualmente em crimes ambientais. Ex.:
devem ser confiscados motosserras e caminhões de madeireira clandestina. Se o objeto foi
utilizado eventualmente no crime ambiental e não é ilícito, não deve ser confiscado. Ex.: o
barco do pescador que, eventualmente, pescou acima da quantidade permitida, não deve
ser confiscado.
Portanto, pela letra seca da lei, o instrumento do crime deve sempre ser confiscado (Capez),
mas, para a jurisprudência, o confisco do objeto lícito deve ser realizado à luz da
razoabilidade, permitindo-se o confisco somente em se tratando de objeto usualmente
utilizado para a prática de crime ambiental.
13 – Questões processuais
Até 2003, Ada Pellegrini Grinover sustentava que o interrogatório da pessoa jurídica deveria
ser feito na pessoa do preposto ou do gerente da empresa, que tivesse conhecimento do
fato, aplicando-se, por analogia, o art. 843, § 1º, da CLT:
qualquer outro preposto que tenha conhecimento do fato, e cujas declarações obrigarão
o proponente.
A autora entendia que o interrogatório era meio de prova e, portanto, deveria ser
interrogado quem tivesse condições de levar ao juiz informações sobre o fato.
261
Ocorre que a Lei 10.792/2003 alterou as normas do interrogatório. Para Ada, o
interrogatório passou a ser exclusivamente um meio de defesa, razão pela qual ela mudou
seu entendimento. Atualmente, ela defende que o interrogatório da pessoa jurídica deve ser
feito na pessoa do gestor da empresa, que tiver condições de realizar a defesa da pessoa
jurídica.
Para o STF e o STJ, o HC protege a liberdade de locomoção, algo que pessoa jurídica não
tem. Logo, não é cabível o remédio constitucional em favor de pessoa jurídica. Para trancar
uma ação penal sem justa causa proposta contra a pessoa jurídica, deve ser impetrado
mandado de segurança (STF HC 92.921/BA e STJ RHC 28.811/SP, julgado em 2 de dezembro
de 2010).
A leitura da ementa do julgado citado sugere que o STF teria admitido o HC. Entretanto, a
ementa está redigida errado. O Min. Relator Lewandovski admitiu o HC, sob o fundamento
de que, se a pessoa jurídica somente pode ser denunciada juntamente com a pessoa física, o
HC ajuizado contra ela terá reflexos na liberdade da pessoa física. Houve erro na redação da
ementa.
Como visto, esse entendimento de que seria necessário processar também a pessoa física,
para possibilitar a responsabilização da pessoa jurídica, não prevaleceu na 1ª Turma do STF.
262
indireto da União. Essas expressões são as utilizadas na jurisprudência dos Tribunais
Superiores.
A competência para o julgamento dos crimes contra a fauna (arts. 29 a 36 da Lei Ambiental)
segue a regra geral de competência, pois a Súmula 91 do STJ, que dispunha serem os crimes
contra a fauna de competência da Justiça Federal, foi cancelada.
Há somente uma hipótese em que Justiça Federal julga contravenção: se o contraventor tem
foro por prerrogativa de função na Justiça Federal, previsto na Constituição Federal (o
critério em razão da pessoa do acusado sobrepõe-se ao da matéria).
O STJ já decidiu que, se durante a ação, surgir interesse da União que não havia no início,
desloca-se a competência da Justiça Estadual para a Federal. O Tribunal já decidiu também
que, se durante a ação desaparecer o interesse da União que havia no começo do processo,
desloca-se a competência da Justiça Federal para a Estadual (CC 88.013/SC, julgado em
2008, e CC 108.350/RJ, julgado em 2009).
Porém, no CC 99.541/PR, julgado em 27 de outubro de 2010 pela 3ª Seção do STJ (que inclui
a 5ª e a 6ª Turmas Criminais), restou decidido que, se no início da ação não havia interesse
da União, e esse interesse só surgiu durante a ação, perpetua-se a competência da Justiça
Estadual, não sendo ela deslocada para a Justiça Federal. Portanto, houve mudança de
posicionamento do STJ quanto a essa questão.
263
Art. 255 (...) § 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o
Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-
13.3.2.5 – crime cometido em área fiscalizada ou administrada por órgão federal ambiental
Há decisão do STJ dizendo que a fiscalização ou administração da área pelo órgão federal,
por si só, não fixa a competência da Justiça Federal.
Todavia, há julgado recente, do próprio STJ dizendo que se a área é administrada pelo
IBAMA, há interesse direto e específico da União, que atrai a competência para a Justiça
Federal (Ag. Reg. no REsp 1.046.202, julgado pela 6ª Turma em 2 de dezembro de 2010).
reciprocamente; (...)
264
O art. 27 da Lei Ambiental condiciona a realização da transação penal, nos crimes ambientais
de menor potencial ofensivo, à prévia composição civil dos danos ambientais:
Art. 27. Nos crimes ambientais de menor potencial ofensivo, a proposta de aplicação
de setembro de 1995 [transação penal], somente poderá ser formulada desde que tenha
havido a prévia composição do dano ambiental, de que trata o art. 74 da mesma lei, salvo
Na Lei Ambiental, portanto, os requisitos da transação penal são os do art. 76, § 2º, I a III, da
Lei 9.099/1995, acrescidos da composição civil de danos.
Nesse caso, a solução é executar o acordo (o TAC). O processo penal não pode ser retomado,
pois nele já foi aplicada e cumprida a pena. Retomar-se-ia o processo criminal para aplicar o
quê? Só resta ao MP executar o TAC, pois a transação foi cumprida.
265
A Lei 9.099/1995 trata da suspensão condicional do processo em seu art. 89. A Lei dos
Crimes Ambientais tem disciplina específica acerca do instituto, em seu art. 28.
aos crimes de menor potencial ofensivo definidos nesta Lei, com as seguintes
modificações: (...)
A doutrina lê o art. 28, caput, ignorando a expressão “crimes de menor potencial ofensivo”.
Assim, para a doutrina, cabe suspensão condicional do processo para todos os crimes
ambientais com pena mínima não superior a um ano. Ou seja, na Lei Ambiental, a suspensão
condicional do processo segue-se a regra geral do art. 89 da Lei 9.099/1995. Em prova
objetiva, se a questão transcrever literalmente o art. 28, caput, deve-se anotá-la como certa.
Se estiver dizendo “de acordo com a doutrina”, deve-se ficar com o segundo entendimento.
Na suspensão condicional do processo da Lei 9.099/1995, cumprido o prazo sem que tenha
havido revogação, o juiz declara extinta a punibilidade. Na Lei Ambiental, a extinção da
punibilidade só pode ser declarada se houver prova pericial de que o infrator reparou os
danos ambientais ou adotou todas as providencias possíveis para fazê-lo. A comprovação
dessa reparação ou dessa tentativa de reparação, como visto, é feita mediante “laudo de
reparação de dano ambiental” (art. 28, I, da Lei Ambiental):
266
Encerrado o prazo da suspensão condicional do processo, o juiz determina a realização desse
laudo. Se a perícia concluir que não houve reparação integral, o juiz prorroga a suspensão
por mais cinco anos (quatro anos, acrescidos de mais um) e suspende a prescrição:
Art. 28 (...) II - na hipótese de o laudo de constatação comprovar não ter sido completa a
previsto no artigo referido no caput, acrescido de mais um ano, com suspensão do prazo
da prescrição; (...)
Findo o prazo de cinco anos, o juiz determina a realização de novo laudo. Se o laudo indicar
que ainda não houve reparação integral do dano ambiental, o juiz pode novamente
prorrogar a suspensão por mais cinco anos:
Durante a primeira e segunda prorrogações, o acusado não fica mais sujeito às condições da
suspensão condicional do processo previstas no art. 89 da Lei 9.099/1995:
Art. 28 (...) III - no período de prorrogação, não se aplicarão as condições dos incisos II, III
Se o laudo indicar que foi reparado o dano ou foram tomadas as providências para reparar,
embora não tenha sido possível a reparação, o juiz declara extinta a punibilidade:
267
O termo de compromisso ambiental está previsto no art. 79-A da Lei 9.605/1998. Trata-se de
um termo de ajustamento de conduta. Mas a Lei Ambiental utiliza expressão diversa, para a
mesma figura:
Art. 79-A. Para o cumprimento do disposto nesta Lei, os órgãos ambientais integrantes do
1ª corrente: sim. O cumprimento do termo tem reflexos penais. Para alguns, gera falta
de justa causa para a ação penal (Nucci e Delmanto). Para outros, é causa supralegal
de exclusão da ilicitude (José Luiz de Moura Faleiros, em artigo excelente sobre o
tema).
268
Maciel e Luiz Flávio Gomes sustentam que o cumprimento do TCA gera desnecessidade da
pena (Roxin). Assim, reparado o dano, não deve haver ação penal por conta do princípio da
necessidade da pena.
14.1 – Introdução
Conforme estudado anteriormente, normas penais em branco são aquelas que dependem
de complemento normativo. São divididas em próprias (ou heterogêneas) ou impróprias (ou
homogêneas). Nas heterogêneas, o complemento é dado por espécie normativa diversa (ex.:
uma portaria), enquanto nas homogêneas, o complemento é dado pela mesma espécie
normativa (ex.: lei complementada por lei).
As normas penais em branco homogêneas ainda podem ser divididas em duas outras
espécies: homovitelina e heterovitelina. Nas homovitelinas, o complemento normativo
encontra-se no mesmo documento legal (ex.: no crime de peculato, a elementar
“funcionário público” encontra-se no próprio CP). Já nas heterovitelinas, o complemento
normativo encontra-se em documento legal diverso (ex.: no crime de ocultação de
impedimento de casamento, as hipóteses de impedimento da união civil encontram-se no
CC).
A maioria dos crimes ambientais é norma penal em branco. Para a maior parte da doutrina,
essa técnica é legítima em crimes ambientais, por dois motivos:
ii) é necessário que os tipos penais sejam complementados por normas administrativas
ambientais, pois é impossível, por exemplo, que o tipo penal elenque todas as áreas de
preservação permanente existentes, todos os locais de pesca proibida ou os locais que têm
valor arqueológico.
13
Os crimes que não forem aqui analisados serão postados como material de apoio (trata-se de
material extraído diretamente do livro de Maciel).
269
14.1.2 – princípio da insignificância
Fauna é o conjunto de animais, terrestres e aquáticos, que vivem numa determinada região
ou ambiente.
Uma das dificuldades do estudo do direito ambiental é o fato de haver muitas normas
esparsas. Por isso, é importante sistematizar as normas penais referentes à fauna:
iv) o art. 64 da Lei das Contravenções Penais prevê a contravenção de crueldade contra
animais;
As quatro primeiras normas que tratam da fauna estão tacitamente revogadas pela Lei de
Crimes Ambientais (em seus aspectos penais). Estão em vigor, portanto, nesse tocante, a Lei
Ambiental e a Lei 7.643/1987.
270
Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou
Sujeito ativo do crime do art. 29 é qualquer pessoa. Sujeito passivo é a coletividade (para
alguns) ou o Estado (para outros).
São cinco as condutas punidas no art. 29: matar (crime material), perseguir (crime formal),
caçar (crime material), apanhar (crime material) ou utilizar (crime material). Exemplos:
utilizar animais em trabalhos forçados (trabalhos acima da capacidade física do animal),
utilizar animais em espetáculos de circo sem a devida autorização.
Este é um crime de conduta múltipla ou variada (tipo misto alternativo). Ou seja, a prática de
várias condutas, no mesmo contexto, resultará crime único. Ex.: se o infrator persegue,
apanha e mata o animal, há um só crime.
O conceito de fauna silvestre está na norma penal explicativa do art. 29, § 3º:
Art. 29 (...) § 3º São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies
parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas
271
O art. 29 prevê um elemento normativo do tipo, na expressão “sem a devida permissão,
licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida”. Se a
conduta for permitida ou autorizada, o fato será atípico. Ex.: a Instrução Normativa IBAMA
25/2004 autorizou o abate de javalis no Rio Grande do Sul. Quem abateu esses animais
naquele Estado não cometeu crime.
Art. 29 (...) § 6º As disposições deste artigo não se aplicam aos atos de pesca.
O dispositivo protege a fauna aquática, mas não se aplica aos atos de pesca. Ex.: o sujeito
que mata uma tartaruga marinha responderá pelo crime previsto neste dispositivo.
Art. 29 (...) § 5º A pena é aumentada até o triplo, se o crime decorre do exercício de caça
profissional.
pena.
É crime a guarda doméstica de animal silvestre (ex.: arara, papagaio) não autorizada.
Todavia, se o animal não estiver na lista oficial de animais em extinção, é cabível perdão
judicial (art. 29, § 2º). Se o animal está na lista oficial de animais em extinção, não é cabível
perdão judicial e, ainda, há causa de aumento de pena (art. 29, § 4º, I):
I - contra espécie rara ou considerada ameaçada de extinção, ainda que somente no local
272
da infração; (...)
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos
Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime de maus tratos. Sujeitos passivos são a
coletividade (para alguns) ou o Estado (para outros) e, eventualmente, o proprietário do
animal.
As condutas punidas no art. 32 são: praticar ato de abuso (ex.: transportar o animal em
condições inadequadas), praticar maus tratos (submeter o animal a sofrimento de qualquer
espécie), ferir (causar lesão) e mutilar (cortar partes ou órgãos do animal).
Esse é um crime de conduta múltipla ou variada (tipo misto alternativo). Isso significa que a
prática de várias condutas, no mesmo contexto, resultará crime único.
O art. 32 não prevê o verbo “matar”. Por conta disso, surge a dúvida: qual crime configura
matar animal doméstico (ex.: um cachorro, um gato)? O art. 29 prevê o verbo “matar”, mas
não protege o animal doméstico; o art. 32 protege animal doméstico, mas não prevê o verbo
“matar”. Segundo a doutrina, a conduta configura o crime do art. 32, porque antes de matar
o infrator tem de ferir o animal.
273
2ª corrente: configuram crime, nos termos do art. 225, § 1º, VII, da CR, que proíbe
crueldade contra animais. Esta é a corrente adotada pelo STF, que já declarou
inconstitucionais quatro leis estaduais que autorizavam e regulamentavam essas
práticas, justamente por violação ao dispositivo mencionado:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em
crueldade.
14.2.4.5 – rodeios
sanitária dos animais e pelo cumprimento das normas disciplinadoras, impedindo maus
IV – arena das competições e bretes cercados com material resistente e com piso de areia
arreamento, não poderão causar injúrias ou ferimentos aos animais e devem obedecer às
internacionalmente aceitas.
Então, praticado de acordo com a Lei 10.519/2002, o rodeio será exercício regular de direito;
praticado em desacordo, será crime ambiental.
274
14.2.4.6 – mutilação de animais para fins estéticos
A mutilação de animais para fins estéticos (ex.: cortar a orelha ou o rabo do cachorro)
configura crime? A doutrina diz que não, desde que a mutilação seja praticada com
anestesia e por profissional autorizado. Não há crime pela ausência de dolo de causar
sofrimento ao animal. Ou, para alguns, pelo princípio da adequação social.
14.2.4.7 – vivissecção
Art. 32 (...) § 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em
animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos
alternativos.
Ex.: comete crime o professor de faculdade de medicina veterinária que dá aula realizando
vivissecção em animal, se dispõe de meios alternativos para tanto.
A lei que regulamenta o uso científico de animais como cobaias é a Lei 11.794/2008, a qual
revogou a Lei 6.638/1979. Essa lei causou briga no Congresso Nacional entre cientistas e
ambientalistas, mas foi aprovada.
O art. 32, § 2º prevê aumento de pena de 1/6 a 1/3, se ocorre a morte do animal:
Os arts. 34 e 35 preveem crimes de pesca, os quais estão incluídos dentre os crimes contra a
fauna, na Lei de Crimes Ambientais. Há ainda um terceiro crime de pesca, previsto na Lei
7.643/1987, de molestar ou pescar cetáceos, que será estudado a seguir.
275
Art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por
órgão competente:
(...)
A conduta é “pescar”. O conceito de pesca está na norma penal explicativa do art. 36:
Art. 36. Para os efeitos desta Lei, considera-se pesca todo ato tendente a retirar, extrair,
coletar, apanhar, apreender ou capturar espécimes dos grupos dos peixes, crustáceos,
flora.
Pescar, portanto, significa praticar qualquer ato tendente a apanhar o animal ou o vegetal
hidróbio (aquele que se alimenta da água), ainda que não seja efetivamente apanhado
nenhum espécime.
O conceito penal de pesca não se confunde com o comum de pesca (“pegar o peixe”): para
fins penais, ainda que não seja pego animal, haverá pesca. Assim, armar rede ou jogar a
tarrafa no rio ou no mar configurará crime de pesca, ainda que não seja pego nenhum peixe.
i) em período proibido:
O período em que a pesca é proibida é definido por normas administrativas, de acordo com
as peculiaridades de cada local. A Lei 5.197/1967 proibia a pesca, em todo território
nacional, no período de 1º de outubro a 30 de janeiro. Essa norma foi revogada. Agora, cabe
a cada órgão do SISNAMA definir o período proibido, de acordo com a peculiaridade de cada
local. “Período de defeso” é sinônimo de período proibido.
276
I - explosivos ou substâncias que, em contato com a água, produzam efeito semelhante;
O dispositivo trata da pesca predatória, que se dá com explosivos (ou substâncias de efeitos
análogos), substâncias tóxicas ou proibidas por autoridades competentes (leia-se: órgãos do
SISNAMA). Como se percebe, o inciso II do art. 35 é norma penal em branco.
É possível a tentativa dos crimes dos arts. 34 e 35? “Pescar” significa todo ato tendente a
extrair o animal ou o vegetal hidróbio da água. Por essa razão, a tentativa não é possível.
Qualquer ato tendente a extrair a espécime da água já configura crime consumado.
O crime de molestar ou pescar cetáceos, como dito, está previsto na Lei 7.643/1987, e não
na Lei Ambiental. Entretanto, ele será aqui estudado por ser uma espécie de crime de pesca.
Art. 2º A infração ao disposto nesta lei será punida com a pena de 2 (dois) a 5 (cinco) anos
Para parte da doutrina, esse crime estaria tacitamente revogado pela Lei Ambiental. Para o
STJ, entretanto, o crime permanece em vigor. O Tribunal manteve a condenação de um
piloto de barco e de um repórter do SBT que perseguiram uma baleia e um filhote, chegando
a bater neles, por este crime de molestar cetáceos. Cetáceos são baleia, golfinho, boto etc.
Molestar (“encher o saco”) da baleia ou do golfinho é crime ambiental.
III – (VETADO)
IV - por ser nocivo o animal, desde que assim caracterizado pelo órgão competente.
277
O art. 37, I, trata da chamada “caça famélica”. Realizada a caça famélica com arma de fogo,
não subsiste o crime de posse ilegal de arma, desde que o agente tenha o porte de caçador,
previsto no art. 6º, § 5º, do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.823/2006), com redação
dada pela Lei 11.706/2008:
Art. 6º (...) § 5º Aos residentes em áreas rurais, maiores de 25 (vinte e cinco) anos que
alimentar familiar será concedido pela Polícia Federal o porte de arma de fogo, na
categoria caçador para subsistência, de uma arma de uso permitido, de tiro simples, com
1 (um) ou 2 (dois) canos, de alma lisa e de calibre igual ou inferior a 16 (dezesseis), desde
Flora é a totalidade das espécies vegetais de uma determinada região, incluindo as algas e os
fitoplânctons marinhos (Édis Milaré).
Além da Lei Ambiental, outra norma penal de proteção à flora era o art. 26, “a” a “q”, da Lei
4.771/1965, o qual previa contravenções penais florestais.
278
Sujeito ativo do crime do art. 38 é qualquer pessoa, inclusive o proprietário ou possuidor da
área destruída ou danificada. Sujeitos passivos são o Estado e a coletividade.
As condutas punidas pelo art. 38 são: destruir (aniquilar, fazer desaparecer), danificar
(causar danos) ou utilizar com violação das normas de proteção. Nos três casos, o crime é
material (aquele que se consuma com o resultado naturalístico). A tentativa é possível, em
todas as modalidades.
II - Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou não por vegetação
O tipo penal está protegendo tanto as florestas naturais quanto as artificiais (criadas por
florestamento ou reflorestamento, ou seja, decorrentes da ação humana).
14
O curso foi ministrado sob a égide do antigo Código Florestal. Com o advento da Lei 12.651/2012,
convém atualizar o material.
279
A este crime, aplica-se tudo o quanto dito acerca do crime do art. 38, com as seguintes
diferenças:
i) a conduta é “cortar”;
ii) o tipo penal prevê um elemento normativo, que está na expressão: “sem permissão da
autoridade competente”;
iii) o crime do art. 38 é punido na forma dolosa e culposa; o do art. 39 só é punido na forma
dolosa.
multa.
Se a conduta for “praticar incêndio em floresta”, que é uma forma de destruí-la ou danificá-
la, o crime será o do art. 41 da Lei Ambiental.
Aqui, surge um problema. O Código Penal, em seu art. 250, § 1º, II, “h”, determina o
seguinte:
Art. 250 - Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio
de outrem:
II - se o incêndio é: (...)
280
O problema é que ambos os dispositivos falam em “mata ou floresta”. Pergunta-se: o art. 41
da Lei Ambiental revogou tacitamente o art. 250, § 1º, II, “h”, na parte que se refere à mata
ou floresta?
281
LAVAGEM DE CAPITAIS (LEI 9.613/1998)15
Nos últimos anos, a preocupação com a lavagem de capitais é crescente, apesar de a Lei de
Lavagem de Capitais ser relativamente antiga.
1 – Histórico da lei
A origem da Lei de Lavagem de Capitais está relacionada à Convenção das Nações Unidas
contra o Tráfico Ilícito de Substâncias Entorpecentes, de 1988, aprovada pelo Congresso
Nacional através do Decreto Legislativo 162/1991 e promulgada através do Decreto
Presidencial 154/1991.
Chegou-se à conclusão de que não é possível combater o tráfico de drogas sem o combate à
movimentação financeira por ele gerada.
Lavagem de capitais é o processo por meio do qual bens, direitos ou valores provenientes
direta ou indiretamente de infração penal (crimes e contravenções penais) são integrados ao
sistema financeiro, com a aparência de terem sido obtidos de maneira lícita (nova redação
do art. 1º da Lei de Lavagem de Capitais):
15
Observação importante: a Lei de Lavagem de Capitais sofreu significativa alteração, pela Lei
12.683/2012, que entrou em vigor em 10 de julho de 2012 e teve o objetivo expresso de “tornar mais
eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro” (preâmbulo). É fundamental
atualizar o material, com as novas disposições da lei e suas implicações nos crimes praticados antes e
depois de seu advento.
282
infração penal [abrange crime e contravenção penal]. (Redação dada pela Lei nº 12.683,
de 2012) (...)
Observação importante: não é necessário que haja uma quantia muito grande de dinheiro
para que se possa falar em lavagem de capitais, não obstante a possibilidade de aplicação do
283
princípio da insignificância. O STF admitiu o crime em se tratando da lavagem de R$
5.000,00.
A ideia das gerações das leis de lavagem de capitais mais ou menos aquela das de direitos
fundamentais, que foram evoluindo no tempo e incorporando os avanços das gerações
anteriores:
Nas leis de primeira geração, o único crime antecedente era o tráfico de drogas.
Nas leis de segunda geração, há uma ampliação do rol dos crimes antecedentes, o qual,
entretanto, permanece taxativo. Até a Lei 12.683/2012, a lei brasileira inseria-se neste
conceito de leis de segunda geração.
Nas leis de segunda geração, somente se pode pensar no crime de lavagem de capitais se
eles forem provenientes de um dos crimes previstos no rol de crimes antecedentes. Ex.: não
há que se falar em lavagem no caso do agente que usa uma locadora para dissimular a
origem de valores oriundos de roubo de relógios caros, se o roubo não estiver no rol de
crimes antecedentes.
Nas leis de terceira geração, qualquer infração penal pode figurar como antecedente da
lavagem de capitais (ex.: Espanha e Argentina). Na Espanha, o critério é o crime cuja pena
mínima for mais de 4 anos.
A partir da Lei 12.683/2012, a lei brasileira foi transformada em uma de terceira geração.
Foram apagados todos os crimes antecedentes e, depois de “direta ou indiretamente”,
passou a constar apenas a expressão “de infração penal” (abrangendo, como visto, inclusive
a contravenção penal). Na prática, por trás dessa alteração está o fato de que a apuração do
crime de lavagem era bastante complicada, pois havia de ser demonstrado o recebimento
do dinheiro com conhecimento da ilicitude da origem e a ocultação dessa ilícita origem.
Hoje, portanto, a lei brasileira não mais contém um rol taxativo de crimes antecedentes.
284
A doutrina aponta que o crime de lavagem de capitais possui três fases distintas:
i) colocação (placement):
Para o STF, não é necessária a ocorrência das três fases para que o crime seja considerado
consumado (RHC 80.816).
Exemplos de crimes de lavagem de dinheiro: caso nos EUA de Franklin Jurado, que
coordenou a lavagem de 26 milhões de dólares oriundos do tráfico; caso do restaurante que
vendia buchada de bode com cocaína dentro.
Na doutrina, há outros modelos de lavagem, alguns até risíveis, como o que faz analogia com
a circulação da água (precipitação, filtragem, rios subterrâneos, lagos subterrâneos etc.)
285
Não há consenso acerca do bem jurídico tutelado pelo crime de lavagem de capitais. O tema
já foi exigido em prova do MPF:
2ª corrente: é o mesmo bem jurídico tutelado pela infração penal antecedente. Essa
segunda corrente pode até ser boa quando se pensa na primeira geração da lavagem.
Todavia, no caso do Brasil, há crimes tutelando bens jurídicos de natureza bastante diversa
(estar-se-ia dizendo que o crime tutelaria a saúde pública, a administração da Justiça etc.).
Essa teoria não possui muitos adeptos, justamente por isso.
Por ser um delito acessório, as infrações penais antecedentes funcionam como elementar do
crime de lavagem de capitais. O ideal, portanto, é que as duas infrações penais sejam
16
Art. 349 - Prestar a criminoso, fora dos casos de coautoria ou de receptação, auxílio destinado a
tornar seguro o proveito do crime: Pena - detenção, de um a seis meses, e multa.
17
Segundo o STF, são requisitos para a aplicação do princípio da insignificância: mínima ofensividade
da conduta, ausência de periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada.
286
julgadas num mesmo processo, em virtude da conexão probatória ou instrumental (ocorre
quando a prova de uma infração ou de qualquer das suas circunstâncias elementares influir
na prova de outra infração – art. 76, III, do CP). Mas isso não significa que os processos
criminais não possam correr separadamente.
Ex.: para lavar dinheiro que brotava de Campinas, o PCC estava abrindo contas em nome de
familiares dos presos (laranjas), em várias das cidades do interior de São Paulo, gerando
vários processos de lavagem em cada uma das cidades. Nesse caso, o ideal seria reunir os
processos todos em Campinas. No caso de Abadia, no entanto, os crimes antecedentes eram
cometidos fora do Brasil, mas a lavagem era praticada no Brasil. Se não houvesse a
independência dos processos, ele não poderia ser julgado no Brasil.
Portanto, os processos criminais pelo crime de lavagem e pela infração penal antecedente
são autônomos e independentes, sendo punível a lavagem ainda que desconhecido ou
isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente (art. 2º, II e
§ 1º):
§ 1º A denúncia será instruída com indícios § 1º A denúncia será instruída com indícios
suficientes da existência do crime antecedente, suficientes da existência da infração penal
sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda antecedente, sendo puníveis os fatos previstos
que desconhecido ou isento de pena o autor nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de
daquele crime. pena o autor, ou extinta a punibilidade da
infração penal antecedente. (Redação dada pela
Lei nº 12.683, de 2012)
O autor da lavagem pode ser punido mesmo que não se saiba o autor, por exemplo, do
tráfico.
287
A intenção da Lei nº 9.603/1998 era consagrar uma autonomia absoluta entre o processo e
julgamento do crime de lavagem de dinheiro e o da infração penal antecedente. Ocorre que
a jurisprudência consolidou que essa autonomia é relativa, ou seja, é o juiz quem irá analisar
se é conveniente ou não a reunião dos processos, de acordo com as circunstâncias do caso
concreto.
A Lei nº 12.683/2012, ao alterar o inciso II do art. 2º da Lei de Lavagem, deixou claro o que a
jurisprudência e a doutrina majoritárias já sustentavam: o julgamento do crime de lavagem
de dinheiro e da infração penal antecedente podem ser reunidos ou separados, conforme se
revelar mais conveniente no caso concreto, cabendo ao juiz competente para o crime de
lavagem decidir sobre a unidade ou separação dos processos.
Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que
reconheça:
IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal; (Redação dada pela Lei
nº 11.690, de 2008)
V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; (Redação dada pela Lei
nº 11.690, de 2008)
VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21,
22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida
288
sobre sua existência; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
VII – não existir prova suficiente para a condenação. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
(...)
Há duas causas extintivas da punibilidade em que o cidadão não pode ser condenado por
lavagem: nas hipóteses de abolitio criminis e de anistia. Cuidando-se de novatio legis que
deixa de considerar o fato antecedente como crime, não será possível a condenação pelo
crime de lavagem de capitais (“coisa de doutrinador”, segundo Renato).
O crime de lavagem de capitais é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa.
O autor da infração penal antecedente também responde por lavagem de capitais ou ela é
somente o crime de terceiro? Hoje, cada vez mais a lavagem passa por um processo de
profissionalização. Todavia, no Brasil, o autor da infração penal antecedente também
responde pelo delito de lavagem de capitais. Roberto Delmanto tem posição contrária: para
o autor, aquele que pratica a infração antecedente não responde pela lavagem, se também
pratica a lavagem. Mas é posição isolada, encontrada somente em alguns países da Europa,
em que o crime não é autônomo, como no Brasil.
Portanto, no Brasil, o autor do crime antecedente pode responder de forma autônoma pela
lavagem. Relativamente ao advogado, deve-se analisar o caso concreto: o advogado que
cobra R$ 50.000,00 de honorários e declara essa quantia no imposto de renda não comete
crime. O que recebe R$ 500.000,00 e declara ter recebido R$ 50.000,00 extrapola a defesa
técnica e está participando da prática do crime de lavagem. Se aqueles R$ 50.000,00
289
declarados forem produto de lavagem, não há problema, mas esse dinheiro pode ser objeto
de medidas cautelares.
A participação no crime antecedente não é requisito para que o terceiro possa ser sujeito
ativo de lavagem, desde que o agente tenha consciência quanto à origem ilícita dos valores.
É o que vem acontecendo cada vez mais (a “terceirização” da lavagem).
9 – Tipo objetivo
São dois os verbos utilizados no art. 1º da Lei de Lavagem de Capitais: ocultar e dissimular.
Ocultar significa esconder a coisa, procurando impedir ou dificultar a sua localização.
Dissimular deve ser entendida como ocultação com fraude.
Como dito, a pessoa encontrada na rua com dinheiro não comete o crime de lavagem de
capitais. É preciso que haja um início de atividade de ocultação. Os verbos dão a ideia de um
crime de natureza permanente (a consumação se prolonga no tempo).
Conforme julgamento realizado pelo TRF da 3ª Região, o ex-prefeito Paulo Maluf obteve
valores desviados de obras realizadas em 1994 e fez depósitos no exterior (antes da vigência
290
da lei) e lá os manteve. Aplicam-se, portanto, os efeitos da lei, na medida em que se trata de
crime permanente (Súmula 711 do STF):
Súmula 711 - A LEI PENAL MAIS GRAVE APLICA-SE AO CRIME CONTINUADO OU AO CRIME
PERMANÊNCIA.
O art. 1º, caput, utiliza os verbos “ocultar ou dissimular”, que dão uma ideia de resultado. Já
o art. 1º, § 1º, fala em “para ocultar ou dissimular” (neste caso, a pessoa age com esse
objetivo, mas o resultado não precisa ocorrer). O art. 1º, § 2º é um desdobramento do § 1º:
direitos ou valores provenientes de infração penal: (Redação dada pela Lei nº 12.683, de
2012) (...)
§ 2º Incorre, ainda, na mesma pena quem: (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
18
A grande discussão acerca do crime de estupro é justamente essa (da aplicação ou não do princípio
da alternatividade), em virtude da fusão com o atentado violento ao pudor (art. 213), no caso de a
pessoa, num mesmo contexto, praticar conjunção carnal e outro ato libidinoso diverso da conjunção
carnal. A grande maioria da doutrina tem caminhado no sentido da aplicabilidade, mas o STJ tem
julgados em sentido contrário (há uma divisão nas Turmas, na verdade). A questão deve em breve
chegar ao STF.
19
Crime material é aquele cujo resultado está dentro do tipo penal (ex.: homicídio); no crime formal
ou de consumação antecipada, há a previsão de um resultado, que não precisa ocorrer para que se
verifique a consumação do delito, sendo considerado mero exaurimento da conduta delituosa (ex.: o
crime de extorsão não demanda o recebimento da vantagem para se consumar).
291
II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade
10 – Tipo Subjetivo
O crime admite também a punição a título de dolo eventual? Alguns crimes somente
admitem o dolo direto, condição essa aferível através da leitura do tipo (ex.: receptação,
denunciação caluniosa, respectivamente previstas nos arts. 180 e 339 do CP).
O art. 1º, caput e § 1º da Lei de Lavagem de Capitais nada falam acerca do elemento
subjetivo. Já no § 2º, o tipo não admite dolo eventual. Portanto, o crime de lavagem de
capitais é punido a titulo de dolo direto e eventual, tanto no art. 1º, caput, quanto no art. 1º,
§ 1º. Na hipótese do art. 1º, § 2º, o delito só é punível a título de dolo direto.
Para que o agente responda pelo crime de lavagem de dinheiro, seu dolo deve abranger a
consciência de que os valores ocultados ou dissimulados são provenientes de uma infração
penal. Esse é o grande problema da legislação brasileira. Ex.: no aeroporto de Foz do Iguaçu,
um rapaz é preso com R$ 500.000,00 (no território nacional). A acusação tem de demonstrar
que os valores são provenientes de uma infração penal antecedente, bem como que o rapaz
sabia da proveniência ilícita.
Para tentar resolver esse problema, foi criada a “teoria da cegueira deliberada”, também
chamada de ostrich instructions theory (“teoria das instruções da avestruz”). Com origem no
direito norte-americano, ela preconiza que se o agente tinha consciência da elevada
possibilidade de que os bens, direitos ou valores eram provenientes de um dos crimes
antecedentes e agiu de modo indiferente a esse conhecimento, responde pelo delito de
lavagem de capitais a título de dolo eventual.
Exemplos:
i) hipotético:
Renato é um doleiro. Um dia, alguém pede a troca de R$ 5.000,00 em dólar e repete essa
conduta muitas vezes, em dias diferentes, ao longo de um ano. O doleiro tem a obrigação de
292
comunicar as operações. Quando esse alguém quer contar a origem, Renato pede para que
ele não o faça, “enfiando a cabeça do avestruz no buraco”, ou seja, deliberadamente
evitando a consciência.
Uma das formas de lavagem do dinheiro obtido com o furto foi a aquisição de carros. Os
empresários, donos das lojas de automóveis, foram condenados em primeira instância, por
lavagem de dinheiro, por terem recebido R$ 980.000,00, em notas de R$ 50,00 e em sacos
de náilon (eles têm, pela lei, a obrigação de comunicar a operação), para a compra de
diversos carros de luxo. Consta que fora ainda deixado um saldo de R$ 250.000,00 para
futuras compras. Os juízes basearam-se na teoria da cegueira deliberada para a condenação.
Na segunda instância, os empresários foram absolvidos, pois a figura em que eles haviam
sido denunciados não admitia dolo eventual e a compra tinha sido feita antes de o crime ter
vindo à tona.
11 – Objeto material
O objeto material não se confunde com o bem jurídico do crime. O bem jurídico tutelado no
art. 121 do CP é a vida intrauterina, enquanto que o objeto material é o ser humano nascido
com vida. No furto, o bem jurídico é o patrimônio, enquanto que o objeto material é a coisa
alheia móvel.
A lavagem de capitais tem como objeto material bens, direitos ou valores provenientes da
infração penal antecedente. Produto direto (producta sceleris) é o resultado imediato do
crime, ou seja, é o objeto furtado, o dinheiro obtido com a venda da droga. Produto indireto
(fructus sceleris) é o proveito obtido pelo agente como resultado da utilização econômica do
produto direto. Ex.: imóvel comprado com a venda da droga.
12 – Crimes antecedentes20
Até o advento da Lei 12.683/2012, o rol de crimes antecedentes do art. 1º da Lei de Lavagem
de Capitais era taxativo. Faltavam, por exemplo, o tráfico de animais, os crimes contra a
ordem tributária e as contravenções penais.
20
As observações relativas a cada um dos crimes antecedentes, que constava deste tópico, foi
transferida para outros tópicos, relacionados aos estudos dos crimes pertinentes.
293
muito dinheiro) e solucionar o problema doutrinário a respeito da lavagem do dinheiro
oriundo dos crimes praticados por organizações criminosas.
A Lei nº 9.603/1998 previa, em sua redação original, que ocultar ou dissimular bens, direitos
ou valores provenientes de crimes praticados por organização criminosa configurava
lavagem de dinheiro.
Ocorre que a 1ª Turma do STF entendeu que, para que a organização criminosa seja usada
como crime antecedente da lavagem de dinheiro, seria necessária uma lei em sentido formal
e material definindo o que seria organização criminosa, não valendo a definição trazida pela
Convenção de Palermo. Decidiu também a 1ª Turma que o rol de crimes antecedentes,
trazido pelo art. 1º da Lei 9.613/1998 (em sua redação original) era taxativo e não fazia
menção ao delito de quadrilha (HC 96007/SP, Relator Min. Marco Aurélio, julgado em 12 de
junho de 2012).
Com a alteração trazida pela Lei nº 12.683/2012, para os casos posteriores à sua vigência,
não é necessário mais discutir se existe ou não definição legal de organização criminosa no
Brasil considerando que, como visto, se o dinheiro “sujo” obtido com qualquer crime for
ocultado ou dissimulado, haverá delito de lavagem de capitais.
Perde, assim, relevância a longa e acirrada discussão acerca da validade ou não da definição
de “organização criminosa” estabelecida pelo Decreto 5.015, de 12 de março de 2004, que
promulgou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional
(Convenção de Palermo).
Esse debate terá ainda importância apenas nos casos anteriores à Lei nº 12.683/2012 que,
neste ponto, não é retroativa, por ser lei penal mais gravosa.
O crime de prevaricação (art. 319 do CP) pode ser antecedente da lavagem? Apesar de
integrar o capítulo de “crimes contra a administração pública”, a prevaricação não é infração
antecedente da lavagem, na medida em que dela não resulta dinheiro. Caso a conduta
omitida resulte em dinheiro, o crime será de corrupção passiva.
294
13 – Tentativa
Para saber se um crime admite tentativa, deve-se analisar se ele é ou não plurissubsistente
(praticado por vários atos). Como a conduta do crime de lavagem é fracionável, ela admite a
tentativa (art. 1º, § 3º, da Lei de Lavagem de Capitais):
Art. 1º (...) § 3º A tentativa é punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do Código
Penal. (...)
O dispositivo é considerado irrelevante, pois as regras da Parte Geral do Código Penal são
aplicáveis desde que a lei especial não disponha de modo diverso (art. 12 do CP):
Art. 12 - As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial,
14 – Habitualidade criminosa
O art. 1º, § 4º, da Lei de Lavagem prevê uma causa de aumento de pena de um a dois terços
se o crime de lavagem for praticado de forma habitual ou por organização criminosa:
Habitualidade criminosa (ou criminoso habitual) não se confunde com crime habitual.
Naquela, a habitualidade é uma característica do agente, que faz do crime seu estilo de vida
(“a profissão do cidadão é ser criminoso”). Crime habitual é o delito em que um ato isolado
não tipifica a conduta delituosa, sendo necessária a reiteração de determinada conduta para
a configuração do crime (ex.: exercício ilegal da medicina, previsto no art. 282 do CP).
15 – Delação premiada
295
Delação premiada é a possibilidade concedida ao participante ou coautor de fato delituoso
de receber determinado benefício mediante a prestação de informações às autoridades.
Luiz Flávio Gomes entende que delação premiada não se confunde com a colaboração
premiada. Colaboração premiada seria o gênero, do qual a delação seria a espécie. Para o
autor, só há delação quando são apontados comparsas.
Com efeito, há situações em que se colabora com a autoridade sem apontar comparsas (ex.:
indicação do local do produto do crime). Luiz Flávio Gomes entende que, nesses casos, não
haveria delação, mas colaboração premiada.
Alguns doutrinadores questionam a delação premiada, entendendo que ela não deveria ser
incentivada pelo Estado, pois contraria a ética e a moral, incentivando comportamentos
antiéticos do criminoso. Essa é, todavia, uma tese acadêmica, que não é aceita pela
jurisprudência, na medida em que não há que se falar em ética entre os criminosos.
A delação premiada não viola o direito à não autoincriminação, pois o criminoso não é
obrigado a colaborar.
i) art. 8º, parágrafo único, da Lei 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos):
dois terços.
296
terços. (Redação dada pela Lei nº 9.269, de 1996)
iii) art. 25, § 2º, da Lei 7.492/1986 (Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional):
Art. 25 (...) § 2º Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou coautoria, o
judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços. ( Incluído pela
Esta delação premiada foi inserida pela Lei 9.080/1995. Mais uma vez, aqui a redução é de
um a dois terços.
iv) art. 16, parágrafo único, da Lei 8.137/1990 (Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária,
Econômica e contra as Relações de Consumo):
Art. 16 (...) Parágrafo único. Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou
autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a
Esta delação premiada também foi inserida pela Lei 9.080/1995. Mais uma vez, aqui a
redução é de um a dois terços. Relativamente aos crimes contra a ordem econômica
previstos na Lei 8.137/1990, a Lei 12.529/2011 previu uma modalidade mais moderna de
delação premiada, que será analisada a seguir.
Importante observar que, em todos os dispositivos citados, a lei traz apenas uma causa de
diminuição de pena, o que é muito pouco. O delator pode cumprir pena no mesmo lugar dos
delatados, e a “caguetagem” resulta a ele a pena de morte.
297
dois terços e começará a ser cumprida em um a dois terços e ser cumprida em regime
regime aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz
ou substituí-la por pena restritiva de direitos, se deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer
o autor, coautor ou partícipe colaborar tempo, por pena restritiva de direitos, se o
espontaneamente com as autoridades, autor, coautor ou partícipe colaborar
prestando esclarecimentos que conduzam à espontaneamente com as autoridades,
apuração das infrações penais e de sua autoria prestando esclarecimentos que conduzam à
ou à localização dos bens, direitos ou valores apuração das infrações penais, à identificação
objeto do crime. dos autores, coautores e partícipes, ou à
localização dos bens, direitos ou valores objeto
do crime. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de
2012)
Essa nova disciplina dos benefícios previstos na legislação os torna compensatórios, o que
demonstra o claro objetivo do legislador de incentivar a colaboração. O juiz aplicará o
benefício mais adequado de acordo com o grau de colaboração do delator.
Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial
Os arts. 35-B e 35-C da Lei 8.884/1994, lei que transformava o Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (CADE) em Autarquia, dispunha sobre a prevenção e a repressão às
298
infrações contra a ordem econômica e dava outras providências, tratavam da delação
premiada no âmbito criminal e no âmbito das apurações administrativas. Ela também era
chamada pela lei de “acordo de leniência” (Damásio fala, também, em acordo de brandura
ou doçura). No art. 36-C, o acordo de leniência impedia o oferecimento da denúncia, desde
que objetivamente eficaz (ou seja, da delação deveria ocorrer um resultado
efetivo/objetivo).
A Lei 8.884/1994 foi inteiramente revogada pela Lei 12.529/2011, que passou a prever, em
seus arts. 86 e 87, o chamado “Programa de Leniência”. O art. 86 prevê a possibilidade de
celebração do acordo no âmbito administrativo; o art. 87, no âmbito criminal (crimes contra
a ordem econômica tipificados na Lei 8.137/1990
Art. 87. Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei no 8.137, de 27 de
dezembro de 1990, e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais
acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a suspensão do curso do prazo
leniência.
As várias leis estudadas no tópico anterior preveem delações para crimes específicos. A
grande novidade surge com a Lei de Proteção às Testemunhas (Lei 9.807/1999), que em seu
art. 13 traz uma delação geral, a qual, segundo parte da doutrina, poderia ser aplicada a
todos os outros crimes:
Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e
299
Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do
Caso não sejam preenchidos os requisitos do art. 13, o art. 14 da Lei 9.807/1999 prevê o
cabimento de uma causa de diminuição de pena para o delator:
Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial
A lei também traz medidas de proteção aos delatores (art. 15) 21:
Art. 15. Serão aplicadas em benefício do colaborador, na prisão ou fora dela, medidas
A Lei 9.807/1999 é muito avançada, mas na prática ela é pouco explorada e aplicada.
21
Ver, a esse respeito, os arts. 7º, 8º e 9º da Lei de Proteção às Testemunhas.
300
distorção da voz e sua qualificação não é revelada. Essa possibilidade de preservação da
identidade da testemunha e do delator está prevista na lei (art. 7º, IV):
A delação premiada pode ser analisada sob as óticas do Direito Penal e do Direito Processual
Penal.
Sob a ótica do Direito Penal, ela pode funcionar como: i) causa de diminuição de pena; ii)
causa de substituição da pena por restritiva de direitos; iii) causa de fixação de regime inicial
aberto; ou iv) causa extintiva da punibilidade.
O melhor momento para a delação premiada é a fase investigatória. Todavia, ela pode
ocorrer também durante o processo judicial.
301
Há doutrinadores que entendem que ela pode ser feita até mesmo após o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória (Damásio). No entanto, essa seria uma hipótese
excepcionalíssima, de difícil ocorrência prática. Pode-se pensar no caso do coautor preso por
sequestro longo que, condenado, fornece informações suficientes para a localização e
recuperação da vítima.
O acordo não está previsto na letra fria da lei. Todavia, o criminoso está dando ao Estado
informações importantes, que podem resultar na própria morte dele, de modo que ele não
pode ser feito verbalmente. É quase um contrato, celebrado pelo MP. Deve haver
homologação, para ser judicialmente cobrado. O acordo visa a trazer maior eficácia à
delação e maior segurança ao delator.
22
Determinando o sigilo do acordo de delação, ver o STF HC 90.688.
302
Art. 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei:
Os crimes sujeitos ao procedimento comum ordinário são os com pena máxima igual ou
superior a quatro anos. Quando houver causas de aumento de pena ou de diminuição, deve-
se aumentar no máximo ou diminuir no mínimo possível.
O procedimento comum sumário será observado quando o crime possuir pena máxima
inferior a quatro anos e superior a dois anos. Há poucos delitos com essa característica,
como o homicídio culposo.
Assim, uma vez que a pena prevista para a lavagem de capitais é de reclusão de um a dez
anos e multa, o procedimento a ser seguido é o comum ordinário, previsto no CPP.
303
Anteriormente, foi dito que o crime de lavagem depende da infração penal antecedente
para existir. Todavia, para os Tribunais Superiores, os processos criminais pelo delito de
lavagem de capitais e pela infração penal antecedente não precisam, obrigatoriamente,
tramitar juntos, o que, no entanto, não impede a reunião dos processos em virtude da
conexão probatória (ou instrumental), a depender do caso concreto (STJ HC 59.663).
Ex.: um traficante internacional que está comprando imóveis no Brasil será julgado no Brasil
pela lavagem de capitais, ainda que esteja traficando fora do Brasil e, por essa razão, não
possa ser julgado pelo tráfico aqui.
Assim, tudo dependerá do caso concreto: não vigora a obrigatoriedade de reunião nem da
separação. Como dito, foi positivado o entendimento jurisprudencial no sentido de que cabe
ao juiz competente para o crime de lavagem de dinheiro a decisão sobre a unidade de
processo e julgamento.
Como dito, prevalece na doutrina que o bem jurídico tutelado pela Lei de Lavagem de
Capitais é a ordem econômico-financeira. O art. 109, VI, da CR diz que os crimes contra a
ordem econômico-financeira serão julgados pela Justiça Federal “nos casos determinados
por lei”:
VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o
Art. 26. A ação penal, nos crimes previstos nesta lei, será promovida pelo Ministério
A Lei dos Crimes contra a Economia Popular não fala nada sobre competência criminal, de
modo que ela será da Justiça Estadual (Súmula 498 do STF):
304
Súmula 498 - COMPETE À JUSTIÇA DOS ESTADOS, EM AMBAS AS INSTÂNCIAS, O
Essa lei também traz o delito de formação de cartéis (ex.: cartel de pãozinho), o qual, em
regra, é julgado pela Justiça Estadual. Porém, se o delito tiver a possibilidade de abranger
vários estados da Federação ou prejudicar setor econômico estratégico ou o fornecimento
de recursos essenciais, a competência será da Justiça Federal. O cartel do gás/combustível
será julgado pela Justiça Federal.
305
acordo com o Provimento 238, do TRF da 3ª Região, a 2ª e a 6ª Varas Federais seriam
especializadas).
No caso da Justiça Federal, é bom que se diga, existe inclusive previsão legal: art. 12 da Lei
5.010/1966:
Art. 12. Nas Seções Judiciárias em que houver mais de uma Vara, poderá o Conselho da
Justiça Federal fixar-lhes sede em cidade diversa da Capital, especializar Varas e atribuir
Detalhe: o dispositivo fala no Conselho da Justiça Federal, mas, a partir da CR/88, o órgão
passou a ter atribuições meramente administrativo-orçamentárias. O STF entendeu que o
Conselho da Justiça Federal não pode especializar Varas, por não possuir tal atribuição, razão
pela qual a Resolução foi considerada inconstitucional. Todavia, apesar disso, os
provimentos dos tribunais que especializassem varas não padeceriam do mesmo vício, em
decorrência do poder de auto-organização dos tribunais.
A justa causa duplicada é uma construção de Luiz Flávio Gomes. Para que alguém possa ser
processado pelo crime de lavagem de capitais, além da justa causa quanto ao crime de
lavagem, também é necessário lastro probatório mínimo acerca da prática do crime
antecedente.
306
Então, em se tratando de lavagem de capitais, não basta demonstrar, por exemplo, a
ocultação ou dissimulação dos valores. Deve ser demonstrado que eles provêm de um dos
crimes considerados antecedentes (art. 2º, § 1º, da Lei de Lavagem):
O art. 366 do CPP teve sua redação alterada pela Lei 9.271/1996:
Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado,
a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão
preventiva, nos termos do disposto no art. 312. (Redação dada pela Lei nº 9.271, de
17.4.1996)
O art. 366 é o que a doutrina chama de “norma processual mista”: trata-se de um dispositivo
que acarreta tanto a suspensão do processo (norma processual) quanto a suspensão da
prescrição (norma penal). Assim, é norma de natureza processual penal e penal, em prejuízo
do acusado.
307
prescrição? Se fosse norma de natureza estritamente processual, haveria a aplicação
imediata. Entretanto, prevaleceu nos Tribunais Superiores o entendimento de o art. 366 do
CPP só seria aplicável aos crimes cometidos após a vigência da Lei 9.271/1996, por ser mais
grave a norma que manda suspender a prescrição.
2ª corrente: para o STF, o processo e a prescrição podem permanecer suspensos por prazo
indeterminado (RE 460.971). Renato acha que, com a atual composição de hoje, o STF
mudaria esse entendimento.
O art. 366 não criou uma prisão preventiva obrigatória. Na verdade, ela está condicionada à
presença dos pressupostos dos arts. 312 e 313 do CPP. Veja que o art. 366 fala
expressamente que o juiz poderá, “se for o caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do
disposto no art. 312”. Diante do princípio da presunção de inocência, não há falar-se em
prisão preventiva obrigatória.
Discussão mais recente e atual diz respeito à produção antecipada de provas nas hipóteses
do art. 366. O processo e a prescrição suspendem-se no início do processo. Membros do MP,
na ocasião da aplicação do art. 366, já querem a oitiva das testemunhas, pois elas tendem a
se esquecer dos fatos. Todavia, para o STJ, o simples argumento de que testemunhas
costumam se esquecer rapidamente dos fatos delituosos não é suficiente, por si só, para
autorizar a produção antecipada da prova, cuja realização deve ser feita nos termos do art.
225 do CPP. Isso para a preservação do direito de defesa:
Art. 225. Se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por
velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, o juiz poderá,
308
de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o
depoimento.
Súmula 455 – A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art.
Pois bem. O artigo o art. 2º, § 2º, da Lei 9.613/1998 veda a aplicação do art. 366 à lavagem
de capitais:
Ocorre que esse art. 4º, § 3º, também foi alterado pela Lei 12.683/2012, para corrigir
justamente essa antinomia:
309
direitos ou valores, nos casos do art. 366 do determinar a prática de atos necessários à
Código de Processo Penal. conservação de bens, direitos ou valores, sem
prejuízo do disposto no § 1º. (Redação dada pela
Lei nº 12.683, de 2012)
O art. 4º, § 1º, a que se refere o § 3º, com redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012,
determina que se procederá à alienação antecipada para preservação do valor dos bens
sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando
houver dificuldade para sua manutenção.
Com a alteração da lei, além de não mais haver a antinomia, foi sanada outra crítica que se
fazia ao art. 2º, § 2º, de que o dispositivo vedava a aplicação do art. 366 do CPP, mas não
explicitava o procedimento a ser adotado.
Art. 3º Os crimes disciplinados nesta Lei são insuscetíveis de fiança e liberdade provisória
i) art. 31 da Lei 7.492/1986 (Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional): veda a liberdade
provisória com fiança;
310
ii) Lei 7.616/1989: por conta da própria CR, a lei determina que a prática do racismo é
insuscetível de liberdade provisória com fiança;
iii) a ação de grupos armados, civis e militares, contra a ordem constitucional e o estado
democrático é crime insuscetível de liberdade provisória (Lei 7.170/1983);
Cuidado com a redação original do art. 2º, II, da Lei 8.072/1990, que dizia que crimes
hediondos e equiparados eram insuscetíveis de liberdade provisória com ou sem fiança. A lei
foi alterada, em 2007, pela Lei 11.464/2007, que simplesmente revogou a parte final do
dispositivo. A doutrina concluiu que crimes hediondos e equiparados admitem, pelo menos
em tese, a liberdade provisória sem fiança, quando o juiz verificar a inocorrência das
hipóteses que autorizam a prisão preventiva. O dispositivo havia desvirtuado a liberdade
provisória, pois era mais fácil obter liberdade provisória sem fiança do que a com fiança. O
art. 310, parágrafo único, do CPP foi alterado pela recente Lei de Prisões, e possui conteúdo
absolutamente diverso.
III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. (Incluído pela Lei nº 12.403, de
2011).
Parágrafo único. Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente
praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decreto-
os atos processuais, sob pena de revogação. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
Quando a lei entrou em vigor, em 2007, foi extremamente criticada pela mídia. Todavia, isso
não significa que todos os autores de crimes hediondos serão postos em liberdade, mas que,
na prática, o juiz é quem poderá aferir a necessidade ou a cautelaridade da medida.
v) art. 7º da Lei 9.034/1995 (Lei das Organizações Criminosas): veda a liberdade provisória
com ou sem fiança;
311
vii) Estatuto do Desarmamento:
Na redação original dos arts. 14, parágrafo único, 15, parágrafo único e 21, foi vedada a
concessão de liberdade provisória. Os três dispositivos foram declarados inconstitucionais
pelo STF (ADI 3112), que entendeu que ao legislador ordinário não seria dado vedar a
liberdade provisória de forma absoluta. Seria equiparar esses crimes aos mais graves
(racismo, hediondos etc.);
viii) art. 44 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas): não admite a concessão de liberdade
provisória com ou sem fiança.
1ª corrente: é possível a vedação da liberdade provisória, com fundamento no art. 5º, LXVI,
da CR, que fala em “quando a lei admitir”. Haveria, portanto, permissivo constitucional:
Art. 5º (...) LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a
A grande discussão dizia respeito ao art. 44 da Lei 11.343/2006, que vedava ambas as
espécies de liberdade provisória. A Lei 8.072/1990 foi alterada em 2007 e passou a admitir a
liberdade provisória sem fiança. A doutrina passou a entender que, se a liberdade provisória
é admissível para os crimes hediondos, com maior razão admiti-la para os casos de tráfico de
drogas.
O STF considerou que é inconstitucional toda e qualquer lei que vede, de forma genérica, a
concessão de liberdade provisória. Nesse sentido, decidiu recentemente o STF no caso do HC
104.339/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 10.5.2012, no qual se declarou inconstitucional o art.
44 da Lei nº 11.343/2006 na parte em que proíbe a liberdade provisória para os crimes de
tráfico de drogas.
312
Não faz sentido que a pessoa fique presa durante o processo por um crime e, na hora da
condenação, receba restritiva de direitos. Seria irrazoável considerar que uma pessoa
sofresse punição mais gravosa durante o processo.
O art. 3º da Lei de Lavagem de Capitais foi expressamente revogado pela Lei 12.683/2012.
Apesar de não ter sido declarado pelo STF, ele era igualmente inconstitucional.
16.8 – Recurso em liberdade na lei de lavagem de capitais (art. 3º, parte final)
A questão do recurso em liberdade foi discutida por muito tempo. Durante muitos anos,
vigorou o disposto na Súmula 9 do STJ:
Isso começa a mudar quando os operadores do direito passam a dar importância ao Pacto
de São José da Costa Rica, que, em seu art. 8º, 2, “h”, assegura o duplo grau de jurisdição,
independentemente do recolhimento à prisão:
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência,
enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa
23
Art. 9º O réu não poderá apelar em liberdade, nos crimes previstos nesta lei.
313
O art. 387, parágrafo único, do CPP, alterado pela Lei 11.719/2008, passou a prever
taxativamente o conhecimento da apelação independentemente da manifestação
fundamentada do juiz no sentido de prender ou manter o réu em liberdade:
Art. 387 (...) Parágrafo único. O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção
ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem
prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta. (Incluído pela Lei nº
11.719, de 2008).
O dispositivo, ainda que no CPP, já havia revogado tacitamente não só o art. 3º da Lei de
Lavagem como os demais previstos em lei especial, como o da Lei 9.034/1995. Como dito, a
Lei 12.683/2012 revogou expressamente o art. 3º da Lei de Lavagem.
ii) as penas privativas de liberdade têm se mostrado ineficientes a coibir as atividades das
organizações criminosas;
A Lei 12.683/2012 não trouxe mudanças substanciais no caput do art. 4º, tendo sido apenas
aprimorada a redação original, que era menos clara que a atual. A redação original
mencionava que o juiz poderia decretar a apreensão ou o sequestro de bens, direitos ou
314
valores. Por conta dessa menção restrita à apreensão e ao sequestro, havia divergência na
doutrina sobre se seria possível o juiz determinar também a hipoteca legal e o arresto.
Como será estudado adiante, a nova lei não acaba com a polêmica, pois apesar de afirmar
que o juiz poderá decretar “medidas assecuratórias” (terminologia mais ampla, que pode ser
vista como um gênero que engloba todas essas espécies de medidas cautelares), o conceito
de arresto é incompatível com a previsão legal do art. 4º, caput.
A nova lei também deixa claro que podem ser objeto das medidas assecuratórias os bens,
direitos ou valores que estejam em nome do investigado (antes da ação penal), do acusado
(após a ação penal) ou de interpostas pessoas. Agora, ficou expresso que somente podem
ser objeto de medidas assecuratórias os bens, direitos ou valores que sejam instrumento,
produto ou proveito do crime de lavagem ou das infrações penais antecedentes:
16.9.1 – apreensão
a) prender criminosos;
315
c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou
contrafeitos;
f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja
suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;
§ 2º Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte
anterior.
16.9.2 – sequestro
b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo
Interessa, aqui, a letra “b”. Esse perdimento ou confisco somente poderá ser realizado com
o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (que no Brasil ocorre muito tempo
após o crime). Daí a importância do sequestro: permitir a eficácia da pena de confisco.
O sequestro recai sobre o bem litigioso (o produto da infração). O CPP, em seus arts. 126 e
125, trata exatamente disso:
Art. 125. Caberá o sequestro dos bens imóveis, adquiridos pelo indiciado com os
316
É necessário demonstrar, por exemplo, que o apartamento adquirido é produto da lavagem:
é o que a doutrina chama de “referibilidade”.
De acordo com o CPP, uma vez decretado o sequestro, a ação penal deve ter início no prazo
de 60 dias (art. 131, I):
I - se a ação penal não for intentada no prazo de sessenta dias, contado da data em que
Na antiga redação da Lei de Lavagem de Capitais, esse prazo era de 120 dias (art. 4º, § 1º).
Em ambas as hipóteses, a jurisprudência já considerava que o prazo tinha natureza relativa:
é um parâmetro importante, mas, a depender da complexidade do caso, seria admissível a
dilatação. A atual redação da Lei 9.613/1998, não prevê prazo para as medidas
assecuratórias:
Fica a dúvida sobre se o prazo de 60 dias do CPP será aplicável ao sequestro da Lei de
Lavagem de Capitais, em virtude da ausência de previsão legal específica.
16.9.3 – arresto
O arresto é uma medida cautelar de natureza patrimonial fundada no interesse privado, que
tem por finalidade assegurar a reparação civil do dano causado pelo delito, em favor do
ofendido ou de seus sucessores.
O arresto recai sobre qualquer bem do agente, seja ele lícito ou ilícito. O CPP trata dessa
figura a partir do art. 136.
Como dito, o art. 4º, caput, da Lei 9.613/1998 apenas se referia à apreensão e ao sequestro.
Teoricamente, o arresto estaria incluído dentre as medidas cautelares admitidas, em virtude
317
da remissão que fazia o dispositivo aos arts. 125 a 144 do CPP. Todavia, como o dispositivo
era categórico ao falar em “bens, direitos ou valores do acusado, ou existentes em seu
nome, objeto dos crimes previstos nesta Lei”, prevalecia que na Lei de Lavagem de Capitais
não se admitia o arresto, pelo próprio conceito de arresto, incompatível com essa parte do
artigo (Pacelli e a jurisprudência do STF, no Inquérito 2.248).
A nova redação do dispositivo legal não resolveu o problema, pois fala genericamente nas
“medidas assecuratórias”, mas continua dizendo que elas poderão ser decretadas quanto
aos “bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de
interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos
nesta Lei ou das infrações penais antecedentes”. Mantém-se, portanto, a incompatibilidade
da previsão legal com o conceito de arresto.
16.10.1 – conceito
proceda à alienação dos bens apreendidos, excetuados aqueles que a União, por
intermédio da Senad, indicar para serem colocados sob uso e custódia da autoridade de
24
Definição de Márcio André Lopes Cavalcante: “A alienação antecipada é a venda, por meio de leilão,
antes do trânsito em julgado da ação penal, dos bens que foram objeto de medidas assecuratórias e
que estão sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade
para sua manutenção”.
318
prevenção ao uso indevido de drogas e operações de repressão à produção não
A Lei de Lavagem não tratava do tema. Entendia-se que, de acordo com a antiga redação do
art. 5º, se havia a administração dos bens, eles não poderiam ser alienados, ressalvada a
hipótese em que o crime antecedente fosse o de tráfico de drogas.
Entretanto, como visto acima, a Lei 12.683/2012 deu nova redação ao art. 4º, § 1º, passando
a prever expressamente a possibilidade de alienação antecipada dos bens arrecadados por
medidas assecuratórias.
A quantia apurada com a alienação antecipada fica depositada em conta judicial, até o final
da ação penal respectiva. Se o réu for absolvido, os recursos serão devolvidos a ele.
Em caso de condenação, o réu será privado definitivamente dessa quantia, cujo destino irá
variar de acordo com o crime cometido e com a natureza da apreensão do bem:
319
Art. 7º São efeitos da condenação, além dos previstos no Código Penal:
prática dos crimes previstos nesta Lei, inclusive aqueles utilizados para prestar a fiança,
ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; (Redação dada pela Lei nº 12.683,
de 2012) (...)
ii) na hipótese de tráfico de drogas, a quantia arrecadada será destinada ao Fundo Nacional
Antidrogas (art. 62, § 9º, da Lei 11.343/2006):
apurada, até o final da ação penal respectiva, quando será transferida ao Funad,
O devido processo legal não é afrontado, considerando que a constrição sobre os bens da
pessoa não é feita de forma arbitrária, sendo, ao contrário, prevista na lei que traz os
balizamentos para que ela possa ocorrer.
O direito de propriedade, que também não é absoluto, não é vilipendiado porque o réu
somente irá perder efetivamente o valor econômico do bem se houver o trânsito em julgado
da condenação.
320
O art. 4º, § 2º, da Lei de Lavagem prevê uma hipótese de inversão do ônus de prova, ao
determinar que cabe ao acusado a demonstração da origem lícita dos bens apreendidos:
Veja que, num primeiro momento, caso se busque a apreensão ou o sequestro de bens
direitos e valores, deve-se demonstrar o fumus comissi delicti e o periculum in mora
(“indícios suficientes da prática do delito”).
A maioria entende que não há violação da presunção da inocência, pois o princípio estaria
ligado a medidas de natureza pessoal, não a medidas patrimoniais (cíveis, portanto, trazidas
para o processo penal por questão de celeridade).
Num terceiro momento, da sentença condenatória, o ônus da prova é do MP: caso não seja
demonstrada a origem ilícita dos bens, eles deverão ser restituídos ao acusado.
321
do acusado, as medidas cautelares serão levantadas e os bens entrarão na sucessão. Aqui a
importância da ação civil de confisco, para evitar o perdimento desses bens;
ii) permite alcançar uma sentença cível condenatória antes da sentença no processo penal, o
qual costuma ser mais lento.
A ação civil de confisco não está prevista na Lei de Lavagem. Sua criação é, todavia,
recomendada pelos organismos internacionais, de modo que, em breve, poderá surgir no
ordenamento jurídico brasileiro.
A ação controlada consiste no retardamento da intervenção policial ou judicial, para que ela
ocorra num momento mais oportuno sob o ponto de vista da colheita probatória.
Como visto, esta ação controlada independe de prévia autorização judicial. Por isso,
doutrinadores a chamam de “ação controlada descontrolada”.
Anteriormente prevista no art. 4º, § 4º, da Lei de Lavagem, a ação controlada está agora no
art. 4º-B do mesmo diploma legal:
A ordem de prisão ou as medidas assecuratórias poderão ser suspensas pelo juiz. Note que o
flagrante delito não está aqui inserido, pois não depende de autorização prévia. Ao contrário
das duas leis anteriormente citadas, na Lei de Lavagem a prisão em flagrante continua sendo
322
obrigatória, somente sendo possível o retardamento das prisões preventiva e temporária e
das medidas assecuratórias.
Nas duas leis anteriores (Lei de Drogas e Lei de Organizações Criminosas), a ação controlada
é denominada flagrante prorrogado, retardado ou diferido. Já na Lei de Lavagem de Capitais
não é possível utilizar essas expressões, tendo em vista que a prisão em flagrante continua
sendo obrigatória.
Não se deve confundir essas figuras com o flagrante preparado. Neste, alguém é induzido à
prática do delito ao mesmo tempo em que a autoridade policial adota medidas para evitar a
sua consumação.
prática dos crimes previstos nesta Lei, inclusive aqueles utilizados para prestar a fiança,
ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; (Redação dada pela Lei nº 12.683,
de 2012)
no art. 9º, pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade aplicada. (...)
323
ESTATUTO DO DESARMAMENTO (LEI 10.826/2003)
1 – Considerações iniciais
Antes do Estatuto do Desarmamento, vigia a Lei 9.437/1997, que previa todos os crimes
(posse, porte, disparo, comércio e tráfico de armas), de forma concentrada, no art. 10, com
a mesma pena cominada:
Art. 10. Possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda ou
emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de fogo, de uso
Como se verifica, havia crimes de gravidades diferentes com penas iguais, em violação ao
princípio da proporcionalidade.
A Lei 9.437/1997 foi revogada pelo atual Estatuto do Desarmamento, que prevê crimes
diferentes em dispositivos diversos, com penas diferentes, desta vez atendendo ao princípio
da proporcionalidade.
O controle de armas no Brasil é federal, realizado pelo SINARM, uma entidade da União.
Quando entrou em vigor, surgiu uma tese no TJ/RJ segundo a qual, se o controle de armas
no Brasil é federal, os crimes previstos no Estatuto do Desarmamento seriam da
competência da Justiça Federal, por ferirem interesse da União.
O STJ derrubou essa tese. Segundo o Tribunal, a competência para o julgamento dos crimes
do previstos no Estatuto do Desarmamento é da Justiça Estadual, salvo se houver interesse
específico da União (ex.: policial rodoviário federal trabalhando com arma de numeração
raspada). Isso porque, segundo o STJ, o que fixa a competência é o bem jurídico protegido,
que é a segurança pública, pertencente à coletividade, e não à União.
No caso de porte ilegal de arma por militar em local sujeito à administração militar, quem
julga é a Justiça Comum, e não a militar (STJ CC 112.314).
324
3 – Competência para determinar o local que deve ser entregue a arma
apreendida em processo findo
Processado o réu por porte ilegal de arma, a arma confiscada é entregue ao Exército. Surge
aí um conflito de atribuições entre o Comando do Exército e o Juiz do processo. O STJ
decidiu que a competência para a determinação do local de entrega da arma é do juiz do
processo, e não do Comando do Exército.
Ao Comando cabe definir quais unidades do Exército receberão essas armas. Ao juiz do
processo cabe decidir em qual dessas unidades a arma será entregue (STJ CAT 191/BA, mas
há vários outros no mesmo sentido).
De acordo com o STF e o STJ, os bens jurídicos mediatos protegidos pelo Estatuto do
Desarmamento são os seguintes: i) incolumidade pessoal; ii) liberdade individual; iii) vida; iv)
integridade física; v) saúde; vi) patrimônio; vii) outros direitos fundamentais.
Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso
residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o
O sujeito ativo do crime do art. 12 pode ser qualquer pessoa. Trata-se de crime comum. Já o
sujeito passivo é a coletividade, tratando-se, por essa razão, de crime vago.
5.1.2 – condutas
As condutas previstas no tipo penal são duas: i) “possuir”; ou ii) “manter sob a guarda”.
Possuir significa ter a pronta disponibilidade da arma.
325
5.1.3 – objeto material
Objeto material do crime do art. 12 é: i) arma de fogo; ii) munição; ou iii) acessório, desde
que sejam de uso permitido. Os conceitos de arma de fogo, munição e acessório estão nos
Decretos 3.665/2000 (art. 3º) e 5.123/2004 (art. 10).
Art. 3º Para os efeitos deste Regulamento e sua adequada aplicação, são adotadas as
Exemplos de acessórios: mira a laser e silenciador. Partes de uma arma desmontada (ex.:
cano, cabo) não são acessórios. O coldre (objeto que vai à cintura para portá-la) não é
acessório.
XIII - arma de fogo: arma que arremessa projéteis empregando a força expansiva dos
LXIV - munição: artefato completo, pronto para carregamento e disparo de uma arma,
cujo efeito desejado pode ser: destruição, iluminação ou ocultamento do alvo; efeito
Art. 10. Arma de fogo de uso permitido é aquela cuja utilização é autorizada a pessoas
físicas, bem como a pessoas jurídicas, de acordo com as normas do Comando do Exército
Art. 11. Arma de fogo de uso restrito é aquela de uso exclusivo das Forças Armadas, de
Atenção! A posse de arma de fogo, munição ou artefato de uso restrito configura o crime do
art. 16 do Estatuto do Desarmamento.
326
O crime do art. 12 possui um elemento espacial: “no interior de sua residência ou
dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o
responsável legal do estabelecimento ou empresa”.
É esse elemento espacial do tipo penal o que permite diferenciar posse e porte. A posse
ocorre: i) na residência ou em dependência da residência do infrator; ou ii) no local de
trabalho do infrator, desde que ele seja o proprietário ou o responsável pelo
estabelecimento. O porte, por sua vez, ocorre em qualquer outro local que não seja os
indicados acima.
Exemplos:
i) o infrator tem uma arma no quarto: posse; coloca a arma na cintura e sai para passear com
o cachorro: porte;
ii) o dono do restaurante e o garçom têm armas guardadas na gaveta do restaurante. Para o
dono do restaurante, será posse; para o garçom, porte.
O art. 12 também possui um elemento normativo: “em desacordo com determinação legal
ou regulamentar”. Veja, portanto, que nem toda posse de arma é crime, apenas a ilegal. A
posse legal é fato atípico.
De acordo com a jurisprudência pacífica do STF e do STJ, até o dia 31 de dezembro de 2009,
a posse ilegal de arma de fogo não era crime. Só passou a ser crime a partir de 1º de janeiro
25
Art. 5º O certificado de Registro de Arma de Fogo, com validade em todo o território nacional,
autoriza o seu proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência ou
domicílio, ou dependência desses, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o
responsável legal pelo estabelecimento ou empresa. (Redação dada pela Lei nº 10.884, de 2004) (...)
327
de 2010. Até 31 de dezembro de 2009 houve o que o STF e o STJ chamam de abolitio
criminis temporária, vacatio legis especial, vacatio legis indireta, descriminalização
temporária ou atipicidade momentânea.
As seguintes normas concederam prazos para a regularização da posse ilegal das armas de
fogo:
iii) Lei 11.706/2008: até 31 de dezembro de 2008 (somente para arma permitida);
iv) Lei 11.922/2009: até 31 de dezembro de 2009 (somente para arma permitida).
Nos intervalos entre essas leis, os prazos foram sendo prorrogados por Medida Provisória. A
posse ilegal é aquela sem registro ou com registro sem validade. O prazo “i” é para a
regularização de posse com registro com validade vencida (art. 5º, § 3º); o prazo “ii” é para
posse sem registro. Acerca do tema, ver o STJ HC 190.568, julgado em 14 de abril de 2011.
A partir de 1º de janeiro de 2010, não houve mais prorrogação e a posse ilegal passou a ser
crime, mas a entrega espontânea da arma é causa extintiva da punibilidade (art. 32 do
Estatuto do Desarmamento):
328
A abolitio criminis temporária aplica-se à arma de fogo de uso restrito (proibido) ou de
numeração raspada?
A 5ª Turma do STJ entendia que, com relação às armas de fogo proibidas ou raspadas,
aplicava-se a abolitio criminis temporária até o dia 23 de outubro de 2005, pois até essa data
ela era aplicável tanto à arma de uso permitido quanto à arma de uso proibido. Ou seja, a
abolitio não se aplicava a armas proibidas ou raspadas a partir de 24 de outubro de 2005.
Esse entendimento era pacífico na 5ª Turma do STJ.
No entanto, para a 6ª Turma do STJ, a abolitio criminis se aplicava até o dia 31 de dezembro
de 2009, para qualquer tipo de arma, na medida em que, até essa data, a pessoa podia
regularizar a arma ou entregá-la à polícia.
No REsp 1.311.408-RN, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 13/3/2013 (Informativo
519), a Terceira Seção do STJ definiu que é típica a conduta de possuir arma de fogo de uso
permitido com numeração raspada, suprimida ou adulterada (art. 16, parágrafo único, IV, da
Lei 10.826/2003) praticada após 23/10/2005.
O STJ, no primeiro semestre de 2014, colocou uma pá de cal no assunto e editou a Súmula
513 que assim dispõe:
crime de posse de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer
23/10/2005.
A súmula não abrange armas de uso restrito ou proibido, bem como não trata do porte, mas
apenas da posse.
A abolitio criminis temporária não se aplica ao porte ilegal. Só vale para posse. Isso é pacífico
(STJ HC 171.198, julgado em 5 de maio de 2011).
329
5.1.8 – elemento subjetivo
O elemento subjetivo do crime do art. 12 é o dolo. Não existe posse culposa de arma de
fogo.
Aliás, prevalece no STJ e no STF que o crime de posse ilegal de arma de fogo é de mera
conduta e de perigo abstrato (REsp 1.191.112, julgado em 5 de maio de 2011; STF HC
104.206, julgado em 26 de agosto de 2010).
Art. 13. Deixar de observar as cautelas necessárias para impedir que menor de 18
O crime de omissão de cautela não tem nenhuma relação com o do art. 13, parágrafo único,
que é de omissão de comunicação.
Pela leitura do dispositivo, o sujeito ativo do crime de omissão de cautela só pode ser o
proprietário ou o possuidor da arma de fogo. Capez e Nucci entendem que se trata de crime
próprio.
Observações:
i) há o crime mesmo que o menor de dezoito anos tenha obtido a capacidade civil absoluta;
ii) não é necessária nenhuma relação jurídica entre os sujeitos ativo e passivo;
iii) a lei só tutela o doente mental, não a pessoa portadora de deficiência física.
5.2.2 – conduta
330
5.2.3 – elemento subjetivo
O crime do art. 13, caput, é culposo. A conduta indica negligência, quebra de dever de
cuidado objetivo. A previsão expressa, necessária para a punição do crime culposo, pode
estar na própria redação do tipo penal. Não é necessário haver norma à parte dizendo que
se pune a forma culposa.
Objeto material do crime de omissão de cautela é a arma de fogo. O tipo penal não
especifica qual, de modo que pode se tratar de arma de fogo de uso permitido ou de uso
restrito ou proibido. A espécie de arma será somente considerada na dosagem da pena.
O tipo penal não prevê acessório e munição como objetos materiais do crime. Portanto,
deixar acessório ou munição culposamente ao alcance da vítima não configura o crime do
art. 13, caput.
A consumação do crime ocorre com o apoderamento da arma pelo menor ou pelo doente
mental.
Assim, o crime do art. 13 é um crime omissivo, mas que não se consuma com a simples
omissão na cautela. É necessário que a vítima se apodere da arma. Por essa razão, Nucci diz
que se trata de um crime omissivo condicionado (a consumação está sujeita a uma
condição).
Veja que Nucci classifica o crime como de mera conduta, mas pela explicação dada por ele a
classificação correta seria de crime formal. Isso porque, se há resultado naturalístico, que
não precisa ocorrer, trata-se de crime formal, e não de mera conduta (no crime de mera
conduta não há resultado naturalístico).
331
A tentativa não é possível, pois se trata de crime omissivo puro e culposo. Há um duplo
motivo para não se punir a tentativa.
Art. 13 (...) Parágrafo único. Nas mesmas penas [detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e
Polícia Federal perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de arma de fogo,
acessório ou munição que estejam sob sua guarda, nas primeiras 24 (vinte quatro) horas
5.3.2 – condutas
As condutas punidas no art. 13, parágrafo único, são deixar de: i) registrar ocorrência
policial; e ii) comunicar à Polícia Federal qualquer forma de extravio (furto, roubo, perda)
das armas que estejam sob a guarda dos sujeitos ativos.
Veja que a lei impõe um duplo dever de comunicação, de modo que, para a maioria, a falta
de uma dessas comunicações configura o crime (ex.: registrar o BO e não comunicar a PF).
Importante observar que para a minoria a falta de uma comunicação não configura o crime.
Ou seja, segundo essa corrente, o agente tem o dever de realizar uma só comunicação, pois
o Estado tem o dever de manter um cadastro único de armas. O cidadão não pode ser
punido pela falta de comunicação e organização entre os órgãos do Estado. Caberia à Polícia
Civil a comunicação à Polícia Federal, ou vice versa. Trata-se de tese da Defensoria Pública.
O objeto material do crime do art. 13, parágrafo único, é a arma de fogo, acessório ou
munição. A arma de fogo pode ser de uso permitido ou restrito.
332
Diferentemente do crime do art. 13, caput, o do art. 13, parágrafo único, é um crime doloso.
A consumação do delito ocorre após 24 horas do fato. Trata-se de crime a prazo, ou seja,
aquele que só se consuma depois de determinado prazo. A tentativa não é possível, por se
tratar de crime de mera conduta.
Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder,
ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar
O sujeito ativo do crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido pode ser qualquer
pessoa. O sujeito passivo é a coletividade.
5.4.2 – conduta
Assim como o do crime do art. 12, o objeto material do crime do art. 14 é: i) arma de fogo; ii)
munição; ou iii) acessório, desde que sejam de uso permitido. Os conceitos de arma de fogo,
munição e acessório estão nos Decretos 3.665/2000 (art. 3º) e 5.123/2004 (art. 10) e já
foram analisados anteriormente.
333
O STJ decidiu que enterrar a arma dentro de casa configura a conduta ocultar, do art. 14.
Para Maciel, a decisão é teratológica, pois se trata de posse, não de porte.
As questões aqui analisadas valem tanto para a posse como para o porte de arma de fogo.
Há duas posições:
334
Posse de munição ou acessório sem arma configura crime?
No STF, a questão está sendo discutida na 2ª Turma, no HC 90.075/SC. O julgado ainda não
foi concluído. Eros Grau e Joaquim Barbosa entenderam que o porte de munição e acessório
é crime. Pelluzo, em voto imenso, entendeu que não se trata de crime (Informativo 583).
Depois do voto dele, pediu vista a Min. Ellen Grace. Após a aposentadoria da Ministra, os
autos foram remetidos ao gabinete da Ministra Rosa Weber, onde ainda aguardam
julgamento (verificado em março de 2014).
Para Capez, em se tratando de arma absolutamente inapta para efetuar disparos, tratar-se-á
de crime impossível. Caso se trate de arma relativamente inapta para efetuar disparos, a
conduta será crime. “Relativamente” significa que a arma às vezes dispara, às vezes não.
Para Maciel, este é o entendimento mais adequado.
O que ocorre se o laudo conclui que a arma é absolutamente ineficaz para o disparo, mas
estava municiada? É possível a punição pelo porte de munição? Para o STJ, sim. Condena-se
pelo porte de munição (HC 166.446, julgado em 5 de abril de 2011).
335
volta no bar e mata o desafeto. O porte ilegal de arma praticado do trajeto da casa dele até
o bar foi exclusivo para o cometimento do homicídio, razão pela qual fica absorvido, por ser
crime meio do crime fim de homicídio.
Atenção! O STJ decidiu que se uma arma é de uso permitido e a outra é de uso restrito,
haverá concurso formal de crimes (arts. 14 e 16 do Estatuto do Desarmemento).
Art. 15. Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas
adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como
O sujeito ativo do crime de disparo de arma de fogo pode ser qualquer pessoa. O sujeito
passivo é a coletividade.
5.5.2 – condutas
São condutas punidas no art. 15: i) disparar arma de fogo; ou ii) acionar munição. Cuidado,
pois a lei pune o disparo e o acionamento de munição sem disparo.
336
Só há crime se o disparo ocorrer em um dos locais previstos no dispositivo: local habitado ou
suas adjacências. Se o disparo ocorrer em local ermo, desabitado, não há o crime do art. 15.
O fato é atípico.
Efetuados, por exemplo, cinco tiros ao mesmo tempo, tratar-se-á de um crime só. A
quantidade de disparos será considerada na dosagem da pena.
O grande problema é a parte final do dispositivo: “desde que essa conduta não tenha por
finalidade a prática de outro crime”. Esse crime é, portanto, um crime subsidiário (trata-se
de uma subsidiariedade expressa no tipo penal). Perceba que o tipo penal não fala em crime
mais grave, mas em outro crime. Seguindo a letra seca da lei, o disparo não se aplicaria
quando tivesse por intenção a prática de outro crime, menos grave ou mais grave. Todavia, a
doutrina sustenta que o crime mais grave não pode ser absorvido pelo menos grave, de
forma que a questão fica da seguinte maneira:
337
ii) disparo mais lesão grave, gravíssima ou seguida de morte (homicídio preterdoloso): o
disparo fica absorvido, por serem crimes mais graves que o disparo;
iii) disparo mais lesão leve: haverá somente o crime de disparo, pois ele é mais grave que o
de lesão leve, não podendo o crime mais grave ser absorvido pelo menos grave. Há quem
entenda que, nesse caso, seriam aplicáveis os dois crimes;
iv) disparo mais perigo para a vida ou saúde de outrem (art. 132 do CP): o crime de
exposição a perigo também é subsidiário (problema). Nesse caso, aplica-se o mais grave, que
é o disparo, restando o perigo à vida ou à saúde de outrem absorvido:
Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave. (...)
Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar,
ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda
O art. 16 pune a posse e porte de arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou
restrito no mesmo dispositivo. Assim, em se tratando de arma permitida, a posse configura o
crime do art. 12 e o porte o do art. 14. Caso se trate de arma restrita ou proibida, tanto a
posse como o porte configurarão o crime do art. 16. São crimes de gravidades diferentes
punidos com a mesma pena. Há doutrina que diz que essa equiparação violaria o princípio
da proporcionalidade.
Aplica-se ao art. 16 tudo o quanto dito por ocasião do estudo dos arts. 12 e 14 do Estatuto
do Desarmamento, com uma única diferença: o objeto material, que no art. 16 é arma de
fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito.
Capez aponta a seguinte diferença entre arma, acessório ou munição de uso restrito e de
uso proibido: proibida é aquela cuja posse ou porte é vedado de forma absoluta. Ex.:
canhão. Uso restrito é aquela cujo porte ou posse é limitado a certas pessoas e instituições.
Todavia, o Decreto 3.665/2000, em seu art. 3º, XVIII, define o seguinte: arma de uso restrito
é aquela que só pode ser utilizada pelas Forças Armadas, por algumas instituições de
338
segurança e por pessoas físicas e jurídicas habilitadas, devidamente autorizadas pelo
Exército, de acordo com legislação específica. O mesmo dispositivo, no inciso LXXX, define
que a antiga designação de uso proibido é dada aos produtos controlados pelo Exército,
designados como de uso restrito. Ou seja, o Decreto não utiliza mais a expressão “uso
proibido”. Não existem mais armas, acessórios ou munições de uso proibido, que é uma
expressão antiga.
O art. 16, caput, portanto, só tem como objeto material arma de fogo, munição ou acessório
de uso proibido ou restrito.
Diferentemente do caput, o art. 16, parágrafo único, tem como objeto material tanto a arma
de fogo, acessório ou munição de uso permitido como restrito.
Art. 16 (...) Parágrafo único. Nas mesmas penas [reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e
fogo ou artefato;
de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir
Perceba, portanto, que o parágrafo único é tipo penal autônomo em relação ao caput.
Para a doutrina, a expressão “artefato” a que se refere o inciso I seria, por exemplo, arma de
fabricação caseira. Todavia, arma de fabricação caseira não tem numeração, de modo que
esse raciocínio não faz muito sentido. Poderia ser considerado artefato, por exemplo, uma
339
granada. Aquele que raspa a numeração de arma ou artefato reponde pela figura do inciso I;
aquele que porta arma ou artefato já raspado, responde pela do inciso IV.
Essa diferenciação resolveu problema da lei anterior, que somente punia quem raspava,
sendo que, na prática, é muito difícil saber quem o faz.
O crime se consuma com a simples modificação, ainda que a finalidade não seja alcançada.
Relativamente à modalidade “ii”, o crime prevalece sobre o de fraude processual do art. 347
do CP (princípio da especialidade):
estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito:
Parágrafo único - Se a inovação se destina a produzir efeito em processo penal, ainda que
Se a finalidade for induzir membro do MP, não há crime, pois o tipo penal só menciona
autoridade policial, juiz ou perito.
O objeto material, no inciso III, não é arma de fogo, acessório ou munição. É artefato
explosivo ou incendiário. Ex.: lança-chamas, bomba caseira, granada.
Este inciso V derrogou o art. 242 do ECA (derrogação é revogação parcial). Os tipos penais
são idênticos, mas a revogação parcial ocorreu porque a doutrina entende que o art. 242 do
ECA continua aplicável às armas brancas:
Art. 242. Vender, fornecer ainda que gratuitamente ou entregar, de qualquer forma, a
Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos. (Redação dada pela Lei nº 10.764, de
12.11.2003)
340
5.7 – Comércio ilegal de arma de fogo (art. 17)
Art. 17. Adquirir, alugar, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito,
Parágrafo único. Equipara-se à atividade comercial ou industrial, para efeito deste artigo,
O objeto material do crime do art. 17 é arma de fogo, acessório ou munição, tanto de uso
permitido quanto restrito. Ou seja, vender ilegalmente um revólver 38 ou uma metralhadora
configurará o mesmo crime.
Todavia, vale observar que, em se tratando de arma de fogo, acessório ou munição de uso
restrito, a pena é aumentada da metade (art. 19):
Art. 19. Nos crimes previstos nos arts. 17 e 18, a pena é aumentada da metade se a arma
341
A consumação se dá com a prática de qualquer dos núcleos do tipo e a tentativa é
perfeitamente possível.
Art. 18. Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território nacional, a qualquer
competente:
O sujeito ativo do crime de tráfico internacional de arma de fogo pode ser qualquer pessoa.
O sujeito passivo é coletividade.
5.8.2 – condutas
i) importar e exportar:
Aqui, o crime é formal, consumando-se com a simples facilitação, ainda que o facilitado não
consiga importar ou exportar o objeto. A tentativa é possível. A conduta de facilitar a
entrada ou a saída prevalece sobre o crime de facilitação de contrabando do art. 318 do CP:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 8.137, de
27.12.1990)
342
Veja, portanto, que o funcionário público que facilitar responde pela norma especial do art.
18, e não pelo crime do CP. O detalhe é que o art. 318 é um crime funcional. O art. 18 é
crime comum.
O objeto material do crime do art. 18 é idêntico ao do art. 17. É arma de fogo, acessório ou
munição, tanto de uso permitido quanto restrito. Ou seja, traficar internacionalmente um
revólver 38 ou uma metralhadora configurará o mesmo crime.
Todavia, vale observar que, em se tratando de arma de fogo, acessório ou munição de uso
restrito, a pena é aumentada da metade (art. 19):
Art. 19. Nos crimes previstos nos arts. 17 e 18, a pena é aumentada da metade se a arma
Depende. Se o sujeito ativo for não comerciante, pode configurar o crime do art. 14, em se
tratando de arma permitida, ou o do art. 16, se for arma restrita. Caso se trate de
comerciante de armas, configurará o crime do art. 17. Caso se trate de transação
internacional (comerciante ou não), configurará o crime do art. 18.
A Lei de Segurança Nacional, em seu art. 12, prevê um crime análogo ao do art. 18:
Parágrafo único - Na mesma pena incorre quem, sem autorização legal, fabrica, vende,
Para a incidência deste crime da Lei de Segurança Nacional, a conduta deve ter motivação
política. Caso contrário a figura delituosa será aquela prevista no art. 18 do Estatuto do
Desarmamento.
343
6 – Liberdade provisória nos crimes do Estatuto do Desarmamento
Os arts. 14, parágrafo único, e 15, parágrafo único, dizem que os crimes ali previstos são
inafiançáveis. Já o art. 21 diz serem os crimes dos arts. 16, 17 e 18 são insuscetíveis de
liberdade provisória:
Art. 14. (...) Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a
Art. 15. (...) Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável.
Art. 21. Os crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18 são insuscetíveis de liberdade provisória.
Ocorre que os três dispositivos foram declarados inconstitucionais na ADI 3112-1. Conclusão:
é cabível fiança e/ou liberdade provisória sem fiança a todos os crimes do Estatuto do
Desarmamento. O mesmo se diga quanto às medidas cautelares diversas da prisão.
Com base nas penas previstas nos arts. 12 a 15, conclui-se que é cabível o arbitramento de
fiança para os crimes ali previstos, pela própria autoridade policial. A redação antiga do CPP
determinava que somente cabia fiança nos casos em que a pena mínima cominada fosse
inferior a 2 anos. A nova redação dos arts. 322 e 323 do CPP, introduzidos pela Lei
12.403/2011, passou a prever a possibilidade de fiança nos casos de infração cuja pena
privativa máxima não seja superior a quatro anos, salvo as exceções legais (crimes
hediondos etc.), decretável pela autoridade policial, e, dentre outras hipóteses, quando não
for admissível a decretação da preventiva:
Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja
Parágrafo único. Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48
II - nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos
III - nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem
344
DOS CRIMES DA LEI DE FALÊNCIAS (LEI 11.101/2005)
A Lei 11.101/2005 tem uma parte criminal, divida da seguinte forma: i) dos crimes em
espécie; ii) das disposições comuns; e iii) procedimento de apuração dos crimes
falimentares.
O art. 1º da Lei de Falências diz os casos aos quais ela se aplica: abrange a sociedade
empresária, o empresário que exerce atividade profissional econômica organizada e, ainda,
o empresário rural que tenha optado por sua inscrição no Registro de Empresas Mercantis:
O art. 2º, por outro lado, dispõe acerca das hipóteses nas quais ela não se aplica:
equiparadas às anteriores.
A empresa pública e a sociedade de economia mista não estão sujeitas a falência porque
têm disciplina própria. As entidades do inciso II também não estão sujeitas a recuperação
judicial, extrajudicial ou falência. Essas empresas sofrem fiscalização, intervenção ou
liquidação.
Essas referências aos arts. 1º e 2º terão reflexos nos casos de crimes falimentares. Ex.: num
crime praticado contra uma instituição financeira, um plano de saúde ou uma sociedade de
capitalização, será aplicada a Lei do Colarinho Branco, não a Lei de Falências.
345
dividir entre crimes pré-falimentares e falimentares. É comum também a utilização da
expressão “crimes falitários”.
2 – Objetividade jurídica
Crime falimentar próprio é aquele que somente pode ser praticado pelo empresário devedor
ou pelo falido. Ou seja, são crimes que exigem uma condição especial do sujeito ativo.
Os crimes falimentares comuns ou impróprios são aqueles que podem ser praticados por
qualquer pessoa, inclusive as autoridades (Juiz, MP da falência).
Crime de perigo é aquele cuja conduta somente expõe o bem jurídico a perigo. Crime de
dano é o que causa a efetiva lesão ao bem jurídico.
346
Ou seja, todos os crimes falimentares são considerados uma só unidade. Na verdade, é um
complexo unitário de condutas dirigido a um só evento (doutrina e STJ). O número de
condutas praticadas será dosado na pena base.
5 – Elemento subjetivo
Todos os crimes da Lei de Falências são dolosos. Não há, naquele diploma legal, crimes
culposos.
A Lei de Falências prevê uma hipótese de prisão preventiva decretada pelo juiz falimentar,
não pelo criminal. Veja que o dispositivo está fora da parte criminal (art. 99, VII):
Art. 99. A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras determinações: (...)
quando requerida com fundamento em provas da prática de crime definido nesta Lei; (...)
A doutrina majoritária diz que essa prisão preventiva é inconstitucional, pelos seguintes
motivos:
Se visa a garantir o interesse dos credores, não se trata de uma prisão preventiva, mas de
hipótese de prisão civil por dívida, com o “nome” de preventiva (Delmanto). Prisão para
garantir crédito nada mais é que uma prisão civil por dívida, sem previsão constitucional
para esta hipótese.
ii) não pode juiz civil (falimentar) decretar medida cautelar penal, pois isso ofende o devido
processo legal (Nucci):
Se a competência para julgar o crime falimentar é do juiz criminal, é ele quem tem de
decretar a preventiva, e não o juiz da falência. Ele decretará preventiva sem poder julgar o
processo criminal?
347
iii) essa prisão não tem fundamento cautelar:
Praticamente todos os crimes falimentares têm a pena máxima de até 4 anos. Somente um
deles tem a pena máxima de 5 anos. Assim, em regra, àqueles crimes não caberá prisão
preventiva. É possível, então, adicionar mais um argumento para sustentar o não cabimento
da preventiva (além da inconstitucionalidade): se houver concurso de crimes, aplica-se a
unicidade falimentar.
Art. 99. A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras determinações: (...)
III – ordenará ao falido que apresente, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, relação nominal
O art. 99, III, prevê o crime falimentar de desobediência. Ele consiste em deixar de atender à
ordem judicial de entrega da relação nominal de credores em até cinco dias. Trata-se de
crime a prazo.
Há doutrina que sustenta ser esse crime inconstitucional, pois a entrega dessa relação pode
constituir prova de crime falimentar, e ninguém é obrigado a produzir prova contra si. O
artigo estaria obrigando o falido a produzir prova contra si, o que viola o principio da não
autoincriminação, um princípio implícito e decorrente da dignidade da pessoa humana
(Delmanto e Arthur Migliari Jr.)
Art. 168. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a
resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, com o fim de obter ou assegurar
7.2.1 – sujeitos
Os crimes falimentares, como visto, podem ser próprios ou comuns. O do art. 168 é um
crime próprio, que somente pode ser praticado pelo empresário devedor ou falido.
348
Importante destacar que, nos termos do art. 179, empresário devedor ou falido são eles
próprios e as pessoas a eles equiparadas:
É possível a participação ou a coautoria no crime do art. 168. Ex.: o empresário e seu irmão,
que não tem nada a ver com a empresa, praticam o ato fraudulento, simulando uma
negociação. O irmão do empresário será considerado coautor do crime.
Sujeitos passivos imediatos são os credores lesados com a fraude. Sujeitos passivos
secundários são o Estado e a administração da justiça.
O que ocorre se o ato fraudulento causar prejuízos a terceiros que não integrem o processo
falimentar (terceiros que não são os credores da empresa)? Se o crime causar prejuízos a
terceiros não integrantes da massa de credores, haverá crime não falimentar. É dizer: esse
crime de fraude contra credores somente se aplica se a conduta atingir credores envolvidos
na falência. Se atingir outros, será crime comum (no sentido de não falimentar).
A conduta punida no art. 168 é “praticar ato fraudulento”. No ato fraudulento, o devedor
insolvente ou em vias de se tornar insolvente desfalca o patrimônio, em prejuízo dos
credores.
É unânime na doutrina que só há o crime se o ato tiver potencialidade para lesar credores.
Caso o ato não coloque em perigo efetivo o direito dos credores, não haverá o crime. Ou
seja, não é qualquer negociação feita pelo falido ou empresário em recuperação considerada
fraude contra credores.
Trata-se de crime de dano ou de perigo? A doutrina diz que se trata, ao mesmo tempo, de
crime de dano, quando “resulte” prejuízo aos credores, e de perigo, quando “possa resultar”
prejuízo aos credores.
349
O tipo penal possui um elemento subjetivo/finalidade específica/“dolo específico” (para os
italianos). Para que haja o crime do art. 168, não basta o ato fraudulento. É necessário o ato
fraudulento com a finalidade de obter vantagem para si ou para outrem.
Importante destacar que, neste crime, não é necessário que alguém seja induzido em erro
através do ato fraudulento. Ou seja, o ato fraudulento não é necessariamente aquele que
induz alguém em erro. Exemplos de atos fraudulentos: dar garantias a um credor em
detrimento de outros, desviar maquinários ou outros objetos que façam parte da massa
falida etc.
Como visto, o elemento subjetivo do crime do art. 168 é o dolo, acrescido da finalidade
específica de obter vantagem indevida.
A maioria da doutrina entende que não é cabível a tentativa nesse crime falimentar. Para
Maciel, ela é em tese possível. Mas tentativa em crime falimentar é algo complicado.
Outra parte da doutrina faz o seguinte raciocínio: se o crime foi praticado antes da
decretação da falência ou da concessão da recuperação, não é possível a tentativa. Se
praticado depois, é possível a tentativa (Nucci e Jaime Walmer de Freitas). Essa divisão é
feita pela seguinte razão: a sentença que decreta a falência e a decisão que concede a
recuperação judicial ou homologa a recuperação extrajudicial são condições objetivas de
punibilidade. Sem tal condição objetiva de punibilidade, não há que se falar em tentativa.
Art. 168 (...) § 1º A pena aumenta-se de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se o agente:
350
IV – simula a composição do capital social;
Art. 297 (...) § 3º Nas mesmas penas incorre quem insere ou faz inserir: (Incluído pela Lei
ii) se a finalidade é fraudar a fiscalização tributária, haverá crime contra a ordem tributária
(art. 1º, II, da Lei 8.137/1990):
iii) se a conduta for praticada em Sociedade Anônima e afetar o patrimônio dos acionistas,
haverá o crime de fraude na administração de sociedades por ações (art. 177, § 1º, VI, do
CP):
Art. 177 (...) § 1º - Incorrem na mesma pena, se o fato não constitui crime contra a
O art. 168, § 1º, IV, da Lei de Falências determina que se aumenta a pena se o agente simula
a composição do capital social. Na lei anterior, a simulação de capital somente configurava
crime falimentar se tivesse por fim obter crédito maior do que o correspondente ao capital
351
(ou seja, do que o possível pelo capital social da empresa). Agora, a simples simulação de
capital, com a finalidade de fraudar credores, configura crime falimentar.
O art. 168, § 2º, prevê outra hipótese específica de fraude falimentar contra credores: a
contabilidade paralela (o “caixa-dois”):
Contabilidade paralela
Art. 168 (...) § 2º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até metade se o devedor
legislação. (...)
O caixa-dois pode ser feito com várias finalidades. No entanto, somente haverá crime
falimentar se a finalidade for fraudar credores da falência (o § 2º está ligado à finalidade do
caput). Se for outra, haverá outro crime:
i) se a finalidade da contabilidade paralela for sonegar tributo, haverá crime contra a ordem
tributária (art. 1º, II e 2º, V, da Lei 8.137/1990);
passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei,
ii) se a contabilidade paralela for praticada em instituição financeira, haverá o crime do art.
11 da Lei 7.492/1986 (Lei dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional ou Lei dos Crimes
de Colarinho Branco):
pela legislação:
Até porque, como visto, a Lei de Falências não se aplica às instituições financeiras.
Art. 169. Violar, explorar ou divulgar, sem justa causa, sigilo empresarial ou dados
7.3.1 – sujeitos
352
O sujeito ativo do crime do art. 169 pode ser qualquer pessoa, exceto o próprio empresário
devedor. Sujeitos passivos são o empresário devedor e os credores prejudicados com a
insolvência do devedor.
Os bens jurídicos protegidos no crime são: i) o sigilo empresarial (ou seja, a proteção contra
a concorrência); ii) a saúde financeira da empresa; e iii) o direito dos credores: se o devedor
cai em estado de inviabilidade econômica, eles também sofrerão os prejuízos, por via
indireta.
O tipo penal do art. 169 prevê três núcleos verbais: i) “violar”: devassar sem autorização; ii)
“explorar”: tirar proveito econômico; ou iii) “divulgar”: a divulgação pode ser a uma só
pessoa, não precisando ser a várias. Isso porque, divulgada a informação a uma só pessoa,
permite-se a divulgação a outras.
O tipo possui ainda um elemento normativo: “sem justa causa”. Ou seja, havendo justa
causa para a quebra do sigilo empresarial, não há crime. Ex.: o agente divulga que a empresa
obteve empréstimos com documentos falsos ou que ela está fabricando automóveis com
componentes de risco. Caso essas divulgações levem a empresa à falência, não haverá crime
falimentar, em vista da presença de justa causa, protegendo a probidade ou a segurança dos
consumidores.
Os objetos materiais do crime são o sigilo empresarial, dados confidenciais sobre operações
(bancárias, comerciais etc.) ou sobre serviços (ex.: informações confidenciais de logística da
empresa).
A doutrina entende que não é possível a tentativa, tendo em vista que o tipo penal exige o
estado de insolvência do devedor (Nucci e Delmanto).
353
Se a violação de sigilo é praticada com a intenção de concorrência desleal, haverá crime de
concorrência desleal (art. 195, XI e XII da Lei 9.279/1996, a Lei de Crimes de Concorrência
Desleal):
aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no
assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o
término do contrato;
que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante
fraude; ou
Deve-se tomar cuidado com os crimes falimentares, pois, muitas vezes, a depender da
finalidade buscada, o crime será diverso.
Art. 170. Divulgar ou propalar, por qualquer meio, informação falsa sobre devedor em
7.4.1 – sujeitos
O sujeito ativo do crime do art. 170 pode ser qualquer pessoa, exceto o próprio empresário
devedor. Sujeitos passivos são o empresário devedor e os credores prejudicados com a
insolvência do devedor.
São duas as condutas punidas no art. 170: i) “divulgar” (revelar a terceiros, tornar público);
ou ii) “propalar” (espalhar a um número indeterminado de pessoas). Essa divulgação pode
ser a uma ou mais pessoas.
O objeto material do crime do art. 170 é a informação falsa sobre devedor em recuperação
judicial. Se a informação for verdadeira, não há crime, ainda que ela leve o devedor à
falência.
354
Veja que somente haverá crime se o devedor estiver em recuperação judicial. Não há crime
se ele estiver em recuperação extrajudicial ou em estado de falência. Divulgar informação
falsa do devedor que se encontre nestes dois estados, será, para a doutrina, difamação (art.
139 do CP, para aqueles que entendem que a pessoa jurídica pode ser vítima desse crime)
ou o crime de concorrência desleal (art. 195, I e II da Lei 9.279/1996):
I - publica, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim
de obter vantagem;
vantagem; (...)
financeira:
ii) divulgar informação falsa sobre sociedade por ações que não seja instituição financeira
configura o crime do art. 177, § 1º, I, do CP (ou mesmo o do art. 177, caput):
355
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa, se o fato não constitui crime contra a
economia popular.
§ 1º - Incorrem na mesma pena, se o fato não constitui crime contra a economia popular:
o administrador judicial:
7.5.1 – sujeitos
O sujeito ativo do crime do art. 171 pode ser qualquer pessoa (crime falimentar comum, que
pode ser praticado por qualquer um, inclusive por peritos contadores, funcionários do Poder
Judiciário etc.)
As condutas punidas no art. 171 são três: i) sonegar informações (deixar de prestar as
informações devidas); ii) omitir informações (que é o mesmo que sonegar); ou iii) prestar
informações falsas. Nos dois primeiros verbos, o crime é omissivo próprio. Na terceira
conduta, o crime é comissivo.
Não se trata de crime de conduta mista, que é aquele que, para a tipicidade, são necessárias
uma ação e uma omissão.
356
O crime exige uma finalidade específica: induzir em erro o juiz, o MP, credores, a
assembleia-geral de credores, o comitê de credores ou o administrador judicial (o antigo
síndico da falência). Mas não é necessário que a finalidade seja alcançada. Basta que ela
ocorra.
A consumação do crime de indução a erro ocorre com a mera conduta, ainda que a
finalidade não seja alcançada. Ou seja, ainda que o infrator não consiga induzir em erro o
juiz, o MP, os credores etc.
Nas modalidades omissivas puras (sonegar ou omitir), não será possível a tentativa (crime
omissivo puro ou próprio não admite tentativa). O problema diz respeito à modalidade
comissiva. Para Delmanto, não é possível a tentativa por se tratar de crime unissubisistente
(a conduta não pode ser fracionada). Nucci faz o raciocínio já mencionado anteriormente: se
a conduta é praticada antes da recuperação ou da falência, não é possível a tentativa, pois a
recuperação e a falência são condições objetivas de punibilidade. Praticada após a
recuperação ou a falência, é admissível a tentativa.
Se a finalidade da omissão ou das informações falsas é sonegar tributos, haverá crime contra
a ordem tributária (art. 1º, I, da Lei 8.137/1990):
Art. 172. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre o credor que, em conluio, possa beneficiar-se
357
O favorecimento de credores é um dos crimes falimentares que mais se observam na
prática. O caput pune o devedor. O parágrafo único pune o credor que estiver conluiado
com o empresário devedor ou falido.
Sujeito ativo do crime do art. 172 é o empresário devedor ou falido ou o credor com ele
ajustado. Trata-se de crime próprio. Sujeitos passivos são os demais credores prejudicados
com a conduta criminosa.
Esse ato pode ser oneroso ou gratuito, como a venda a preço vil, a doação etc.
358
7.7 – Desvio, ocultação ou apropriação de bens (art. 173)
Art. 173. Apropriar-se, desviar ou ocultar bens pertencentes ao devedor sob recuperação
judicial ou à massa falida, inclusive por meio da aquisição por interposta pessoa:
O art. 173 prevê um misto dos verbos da apropriação indébita com os do peculato. A
doutrina chama este crime de “apropriação indébita falimentar”.
Sujeito ativo é qualquer pessoa (crime comum). Sujeitos passivos são os credores
prejudicados e, secundariamente, o Estado.
Essas condutas podem ser praticadas diretamente pelo sujeito ativo ou por interposta
pessoa, o chamado “laranja” (ou, como preferem os italianos, o “homem de palha”). No caso
de interposta pessoa, haverá, por óbvio, concurso de agentes entre o infrator e o laranja.
Há doutrina que sustenta que esse crime somente se configura se resultar prejuízo aos
credores. Ou seja, para esses autores, o simples fato de haver apropriação, desvio ou
ocultação não configura crime.
A tentativa é possível.
Mais uma vez, importante distinguir o crime do art. 173 de outras figuras delituosas:
359
i) aquele que adquire, recebe ou usa ilicitamente bens da massa falida responde pelo crime
do art. 174 da Lei de Falências (aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens):
Art. 174. Adquirir, receber, usar, ilicitamente, bem que sabe pertencer à massa falida ou
Art. 5º Apropriar-se, quaisquer das pessoas mencionadas no art. 25 desta lei, de dinheiro,
título, valor ou qualquer outro bem móvel de que tem a posse, ou desviá-lo em proveito
próprio ou alheio:
A diferença é que, no art. 173, o bem que está sendo apropriado ou desviado pertence à
massa falida ou ao devedor em recuperação judicial. Na Lei 7.492/1986, o bem pertence à
instituição financeira.
falso ou simulado:
Na habilitação ilegal de crédito, o sujeito entra na massa de credores sem ser credor (sem
ter crédito algum).
7.8.1 – sujeitos
O sujeito ativo do crime do art. 175 pode ser qualquer pessoa. Se o agente estiver
previamente ajustado com o empresário devedor ou falido, ambos responderão em
concurso de agentes (coautoria ou participação). Exemplos recorrentes: i) o empregado, em
conluio com o empregador, habilita um falso crédito trabalhista na falência (o empregado
cobra R$ 50.000,00, devolve R$ 30.000,00 e fica com R$ 20.000,00); ii) falso credor
apresenta falso título de crédito para se habilitar na falência.
Nucci e Delmanto indicam dois sujeitos passivos do crime: i) os verdadeiros credores (pois o
falso credor entrará na concorrência de crédito com eles); e ii) o Estado.
360
7.8.2 – tipo objetivo
Trata-se da postulação de um credor que não foi incluído na listagem pelo administrador. A
lei permite a habilitação de crédito do credor verdadeiro. Se o falso credor pede habilitação
de crédito inexistente, ele comete o crime do art. 175.
O crime de habilitação ilegal de crédito ocorre com a apresentação falsa, ainda que a
vantagem não seja obtida. Trata-se de crime formal ou de consumação antecipada.
361
Veja que as condutas são as mesmas. A diferença é que, no caso do art. 14, o título é juntado
em processo de liquidação extrajudicial de instituição financeira.
Art. 176. Exercer atividade para a qual foi inabilitado ou incapacitado por decisão judicial,
7.9.1 – sujeitos
O sujeito ativo do crime de exercício ilegal de atividade somente pode ser o empresário
declarado falido e inabilitado ou incapacitado para exercer qualquer atividade empresarial.
Atenção! O crime do art. 176 prevalece sobre o do art. 359 do CP (desobediência a decisão
judicial sobre perda ou suspensão de direito), em decorrência do princípio da especialidade:
Art. 359 - Exercer função, atividade, direito, autoridade ou múnus, de que foi suspenso ou
No crime de desobediência do CP, o infrator está descumprindo uma decisão judicial que lhe
suspendeu ou proibiu um direito. O art. 176 da Lei de Falências é exatamente essa hipótese.
A diferença é que a norma, aqui, é especial em relação àquela.
A doutrina diz que o crime do art. 176 é habitual, consumando-se com a reiteração de atos.
Por conta disso, ele não admite a tentativa.
por interposta pessoa, bens de massa falida ou de devedor em recuperação judicial, ou,
em relação a estes, entrar em alguma especulação de lucro, quando tenham atuado nos
respectivos processos:
362
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
O crime do art. 177 é próprio: exige qualidade especial do sujeito ativo. Os sujeitos ativos
são somente as pessoas indicadas no tipo penal (“o juiz, o representante do Ministério
Público, o administrador judicial, o gestor judicial, o perito, o avaliador, o escrivão, o oficial
de justiça ou o leiloeiro”). O tipo penal fala na prática direta/pessoal da conduta (que nunca
ocorre) ou por interposta pessoa, que será coautor do crime. Essa interposta pessoa é o
“laranja”.
Caso a aquisição ocorra, ela será nula, de acordo com disposição do Código Civil. A despeito
da nulidade, há o crime independentemente de eventual decisão judicial anulando o ato de
aquisição.
Objetos materiais do crime do art. 177 são os bens da massa falida ou do devedor em
recuperação judicial.
Art. 178. Deixar de elaborar, escriturar ou autenticar, antes ou depois da sentença que
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais
grave.
7.11.1 – sujeitos
363
escriturar”, os sujeitos ativos podem ser o empresário e o contador, que é o responsável
pela escrituração da empresa. Por fim, na conduta de “deixar de autenticar”, em regra o
sujeito ativo é o contador ou o auditor (ou quem tenha tal função).
A consumação se dá com a simples omissão. Trata-se crimes omissivos próprios, que não
admitem tentativa.
Na vigência da lei anterior, havia três correntes quanto à natureza da sentença declaratória
de falência (lembre-se que não havia recuperação judicial ou extrajudicial):
364
Objetiva por não estar na conduta subjetiva; de punibilidade porque, sem ela, não é
possível punir.
Com o advento do art. 180 da Lei de Falências, esse discussão acabou (foi resolvida pela lei):
Art. 180. A sentença que decreta a falência, concede a recuperação judicial ou concede a
recuperação extrajudicial de que trata o art. 163 desta Lei é condição objetiva de
Pela letra do art. 180 da Lei de Falências, sim. Ou seja, sem ela, não se pode punir por crime
falimentar. Essa é a posição a ser adotada em prova objetiva e a que prevalece (Delmanto,
Luiz Flávio Gomes e a maioria).
Nucci, todavia, tem posição diversa. Para o autor, a redação de certos tipos penais torna
claro que essa sentença não é necessária para todos os crimes falimentares. Se o crime foi
cometido antes da sentença, ela é pressuposto do crime, e não condição objetiva de
punibilidade.
Maciel discorda da posição de Nucci. Para ele, a sentença nada tem a ver com a existência
do crime. Ela será sempre condição objetiva de punibilidade. Praticado antes ou depois da
sentença, o crime somente poderá ser punido depois da sentença. Isso é o que se entende
por condição objetiva de punibilidade. A distinção, para Maciel, não faz sentido. Se o crime
for praticado antes da sentença, ter-se-á que aguardá-la para punir; praticado depois, já há a
condição.
O antigo art. 507 do CPP dizia que se a sentença declaratória da falência fosse reformada, a
ação penal seria extinta:
Art. 507. A ação penal não poderá iniciar-se antes de declarada a falência e extinguir-se-á
quando reformada a sentença que a tiver decretado. (Revogado pela Lei nº 11.101, de
2005)
365
O artigo, todavia, foi revogado e a Lei de Falências é omissa acerca do assunto. Mesmo
assim, o entendimento correto é de que a ação penal não pode ser proposta ou mantida, já
que a declaratória sentença é condição objetiva de punibilidade, conforme visto acima.
A Lei de Falências tem seus próprios efeitos da condenação, previstos no art. 181:
Art. 181. São efeitos da condenação por crime previsto nesta Lei:
III – a impossibilidade de gerir empresa por mandato ou por gestão de negócio. (...)
Veja que, de acordo com o inciso II, o sujeito inabilitado pode ser, por exemplo, diretor de
sociedade de economia mista, por não se tratar de entidade sujeita à Lei de Falências.
O art. 181, § 1º, é bastante exigido em prova: os efeitos não são automáticos, devendo ser
motivadamente declarados na sentença:
Art. 181 (...) § 1º Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser
Não declarado na sentença, não há o efeito. São os chamados “efeitos alomáticos” (Canuto
Mendes de Almeida), ou seja, não automáticos.
O prazo desses efeitos é de até cinco anos após a extinção da punibilidade, podendo cessar
antes, pela reabilitação.
366
Na anterior Lei de Falências, a prescrição dos crimes nela previstos era sempre de apenas
dois anos, independentemente da pena máxima prevista, cominada ou aplicada. Na atual lei,
aplicam-se os prazos do Código Penal:
Art. 182. A prescrição dos crimes previstos nesta Lei reger-se-á pelas disposições do
No CP, a prescrição começa a ser contada na forma dos arts. 111 e 112 (dia da consumação
do crime, da tentativa, da cessação da permanência etc.) Na Lei de Falências, a prescrição
somente começa a ser contada do dia da decretação da falência ou da concessão ou
homologação da recuperação judicial ou extrajudicial. Ex.: consumado hoje o crime
falimentar, o juiz decreta a falência depois de três anos. Em três anos é que começará a
correr o prazo de prescrição.
O art. 117 do CP prevê as causas interruptivas da prescrição. O art. 182 da Lei de Falências
também prevê uma causa interruptiva: a sentença declaratória de falência:
prescrição cuja contagem tenha iniciado com a concessão da recuperação judicial ou com
367
Na lei anterior, quem julgava crime falimentar era o próprio juiz da falência. Havia, além
disso, o chamado inquérito judicial (quem investigava era o próprio juiz, o que era um
absurdo). O inquérito judicial era, na prática, extração de cópias, que instruíam a denúncia.
A Lei de Falências acabou com aquela figura do inquérito judicial. A partir de então, quem
passa a apurar o crime falimentar é a polícia. E quem julga o crime falimentar é o juiz
criminal do local onde foi decretada a falência ou concedida ou homologada a recuperação
(art. 183):
Art. 183. Compete ao juiz criminal da jurisdição onde tenha sido decretada a falência,
O STF decidiu que leis de organização judiciária local podem atribuir a competência criminal
ao juiz da vara especializada de falências ou à câmara do respectivo tribunal. É o que ocorre
em São Paulo, onde há vara e câmara especializadas. O STF julgou constitucional a lei
paulista. Nucci defende essa posição. Essa lei de São Paulo, na verdade, já existia desde
1983, tendo ela sido mantida, por não violar o princípio do juiz natural.
Nos termos do art. 184 da Lei de Falências, a ação penal para a apuração dos crimes
falimentares é pública incondicionada. O parágrafo único do dispositivo, todavia, prevê
legitimados para a propositura da ação penal privada subsidiária da pública:
Art. 184. Os crimes previstos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada.
Parágrafo único. Decorrido o prazo a que se refere o art. 187, § 1º, sem que o
Se o MP não oferecer a denúncia no prazo legal por crime de falência, torna-se cabível a
propositura da ação penal privada subsidiária da pública, cujos legitimados são: i) o credor
que tenha habilitado seu crédito na falência (ele não deixa de ser uma vítima do crime
falimentar); e ii) o administrador judicial da falência.
368
Art. 38. Salvo disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante legal, decairá no
contado do dia em que vier a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do art. 29, do
O prazo para o MP oferecer denúncia, nos crimes previstos na Lei de Falências, é o do art.
187, § 1º:
Art. 187 (...) § 1º O prazo para oferecimento da denúncia regula-se pelo art. 46 do
exposição circunstanciada de que trata o art. 186 desta Lei, devendo, em seguida,
Veja que se trata dos mesmos prazos do CPP: 5 dias para réu preso; 15 dias para réu solto.
Cumpre observar, todavia, que se o réu estiver solto, o MP pode optar por aguardar o
relatório circunstanciado do administrador judicial da falência, para então denunciar.
Se o MP optar por aguardar esse relatório, o prazo para ele denunciar será de 15 dias,
contados do dia em que recebê-lo.
O CPP, nos arts. 503 a 512, previa procedimento especial para a apuração dos crimes da Lei
de Falências. Ocorre que esse procedimento foi revogado pelo art. 200 da atual Lei de
Falências:
Art. 200. Ressalvado o disposto no art. 192 desta Lei, ficam revogados o Decreto-Lei nº
Portanto, não existe mais procedimento especial para a apuração dos crimes falimentares.
O art. 185 prevê que, recebida a denúncia ou queixa, observar-se-á o procedimento previsto
nos arts. 531 a 540 do CPP (o procedimento sumário):
Art. 185. Recebida a denúncia ou a queixa, observar-se-á o rito previsto nos arts. 531 a
[procedimento sumário].
369
Assim, nos crimes falimentares, o procedimento é o sumário, independentemente da pena
máxima cominada.
Existe, todavia, outro entendimento. Há doutrinador (ex.: Jaime Valter de Freitas) que
sustenta que o art. 185 da Lei de Falências foi tacitamente revogado pelo novo art. 394 do
CPP, alterado em 2008 pela Lei 11.719/2008, de modo que o procedimento dependerá da
pena máxima abstratamente cominada ao crime. Lembre-se que o art. 394 do CPP define a
espécie de procedimento com base na pena máxima prevista para o crime:
I - ordinário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou
II - sumário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4
III - sumaríssimo, para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei
[contravenções e crimes cuja pena máxima cominada não seja superior a 2 anos,
Em prova, se a questão cair em primeira fase, deve-se optar pela letra seca da lei. Em prova
subjetiva, é importante expor as duas correntes.
A anterior Lei de Falências dizia que o recebimento da denúncia ou queixa devia ser
fundamentado. A nova lei não diz mais isso. Por essa razão, deve-se seguir a jurisprudência
dos tribunais quanto à necessidade ou não de fundamentação do recebimento da denúncia
ou queixa.
370
LEI MARIA DA PENHA (LEI 11.340/2006)
1 – Críticas
Assim, o movimento descrito acima nada mais faz que retratar essa especialização da
violência. Todavia, apesar de a Lei Maria da Penha ser aqui estudada na área penal, ela
pouco tem de direito penal e processual penal. É uma lei extrapenal.
familiar.
371
iv) proteger a mulher vítima de violência doméstica e familiar.
Nenhuma dessas finalidades tem predicado penal, o que demonstra o caráter extrapenal
dessa lei.
O homem não é objeto de violência doméstica e familiar? A Lei Maria da Penha reconhece a
possibilidade de o homem ser vítima de tal violência. Tanto que o seu art. 44 modificou o
art. 121 do CP:
Art. 44. O art. 129 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal),
“Art. 129. (...) § 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão,
§ 11. Na hipótese do § 9º deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for
Note que o dispositivo fala em irmão, cônjuge, companheiro, abrangendo homem e mulher.
O que a Lei Maria da Penha fez, portanto, foi dar uma proteção especial quando se tratar de
mulher vítima.
Assim, se a vítima de violência doméstica e familiar for homem, aplica-se o CP; se for mulher,
aplica-se o CP e a Lei Maria da Penha.
A questão que surge é a seguinte: é constitucional essa proteção especial à mulher? Limitar
a proteção da lei somente à mulher vítima não viola a isonomia?
3.1 – Inconstitucionalidade
Uma primeira corrente defende que a Lei Maria da Penha seria inconstitucional, por violar:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...)
372
Na medida em que o dispositivo dá ao homem e à mulher os mesmos direitos no âmbito da
sociedade conjugal, a Lei Maria da Penha violaria essa isonomia.
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...)
Se a CR quer proteção a todos os integrantes da família, por que proteger somente a mulher
e deixar de lado os demais membros?
3.2 – Constitucionalidade
i) geral: não existe destinatário certo (nem pode haver destinatário certo nesse sistema);
O Código Penal insere-se no sistema de proteção geral, por isso não limita a proteção à
mulher. A Lei Maria da Penha está no âmbito do sistema de proteção especial, podendo ter
destinatário certo. Isso porque somente assim a mulher conseguirá concretizar a igualdade
constitucional.
A política que busca a concretização de uma igualdade prevista em lei é chamada de ação
afirmativa. A Lei Maria da Penha, portanto, nada mais faz que concretizar uma ação
afirmativa. Como visto, ela reconhece a possibilidade de violência contra o homem.
Entretanto, sabendo que a mulher, estatisticamente, é vítima em situações muito mais
corriqueiras, dá a ela uma proteção especial, visando à concretização de fato dessa
igualdade de direito.
373
Silva, o mesmo plenário entendeu, em ação de inconstitucionalidade ajuizada pelo
procurador-geral da República (Adin 4424), que qualquer ação penal com base na Lei Maria
da Penha deve ser processada pelo Ministério Público, mesmo sem representação da vítima.
E que não pode ser julgada por juizado especial, como se fosse de “menor potencialidade
ofensiva”, mesmo em se tratando de lesão corporal leve.
O TJMG decidiu, de forma pioneira, que a Lei 11.340/2006 só é aplicada à mulher vítima,
mas nada impede que o juiz, usando seu poder geral de cautela, aplique as medidas
protetivas para os homens vítimas, em especial quando vulneráveis. Ex.: aplicação das
medidas protetivas ao homem idoso. Isso não é analogia in mallan partem, pois se trata de
aplicação de medida protetiva, não punitiva.
Aplica-se a Lei Maria da Penha ao transexual? Transexual é uma pessoa que apresenta uma
dicotomia físico-psíquica. Fisicamente ele é de um sexo e psicologicamente de outro. De
acordo com a maioria, se a pessoa portadora de transexualismo transmutar suas
características sexuais (por cirurgia e de modo irreversível, com a ablação do órgão), deve
ser encarada de acordo com sua nova realidade morfológica, permitindo-se, inclusive,
retificação de registro civil.
qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento
agregadas;
são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por
vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido
sexual.
374
Para a aplicação da lei, a violência tem de ser baseada no gênero. Ou seja, tem de se tratar
de violência de gênero, violência-discriminação, violência-preconceito, violência contra
vítima vulnerável.
Segundo Rogério, não é porque o homem bateu na mulher que a Lei Maria da Penha será
aplicada. Somente haverá incidência das regras da lei se se tratar dessa violência-
preconceito, ou seja, caso a mulher esteja em situação de vulnerabilidade.
Exemplos:
i) o marido chega a casa e a mulher batera no filho dele. Ele, se condoendo com o filho, dá
uma surra na mulher. Isso foi violência de gênero? Ele encara a mulher como simples
objeto? Não. Nesse caso, não há violência de gênero, razão pela qual, em tese, não seria
possível a aplicação da Lei Maria da Penha;
ii) uma mulher desenvolve doença sexualmente transmissível, inclusive transmitida pelo
marido, em que a vagina fica inchada, purulenta e quente. O marido não deixava que a
mulher tratasse a doença, pois tinha mais prazer dessa forma. Agindo dessa forma, ele
encara a mulher como simples objeto. Trata-se de violência de gênero, passível de aplicação
da Lei 11.340/2006.
Não parece ser essa a posição do STJ (Informativo 539): “O fato de a vítima ser figura pública
renomada não afasta a competência do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher para processar e julgar o delito. Isso porque a situação de vulnerabilidade e de
hipossuficiência da mulher, envolvida em relacionamento íntimo de afeto, revela-se ipso
facto, sendo irrelevante a sua condição pessoal para a aplicação da Lei Maria da Penha.
Trata-se de uma presunção da Lei” (STJ, 5ª Turma. REsp 1.416.580-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz,
julgado em 1º/4/2014, caso Luana Piovani x Dado Dolabela).
O TJRJ havia entendido que o fato de a vítima ser pessoa notória e o casal não viver em
união estável, mas apenas namorar, subtrairia a competência da Vara de Violência
Doméstica e Familiar. O STJ rechaçou a tese, entendendo que o namoro já seria suficiente à
proteção legal (a violência doméstica independe de coabitação) e a caracterização da
vulnerabilidade e hipossuficiência da mulher seria presumida, ou seja, não teria de ser
demonstrada, por decorrer da lei.
375
O art. 5º, I, exige que a violência seja praticada “no âmbito da unidade doméstica”. Unidade
doméstica é o espaço caseiro. Dispensa vínculo familiar. Em razão desse dispositivo, pode
figurar como vítima, por exemplo, a empregada doméstica.
O inciso II fala em violência “no âmbito da família”. Aqui, pressupõe-se vínculo familiar,
ainda que por afinidade. Assim, a sogra poderá ser considerada protegida. O dispositivo
dispensa a coabitação.
O inciso III fala, por fim, em “qualquer relação íntima de afeto”. Surge a dúvida: ele abrange
o ex-marido agredindo a ex-mulher? E se forem ex-namorados? O STJ nunca disse que a Lei
Maria da Penha não se aplicaria a eles. O que ele disse é que, no caso específico do
Informativo que tratou do tema, a Lei Maria da Penha não seria aplicada por não ter o STJ
enxergado a violência de gênero, a objetalização da mulher. O STJ, assim, entende
perfeitamente aplicável a lei protetiva ao ex-marido ou ao ex-namorado, desde que
presente a violência de gênero.
Portanto, para a aplicação da Lei Maria da Penha, deve haver a violência de gênero e a
presença de um dos incisos do art. 5º.
Ainda, de acordo com o art. 5º, parágrafo único, a aplicação da Lei Maria da Penha
independe da orientação sexual da vítima, sendo ela aplicada mesmo nas relações
homoafetivas:
Art. 5º (...) Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de
orientação sexual.
Para Rogério, mesmo com a decisão do STF que reconheceu a entidade homoafetiva como
união estável, estando a Lei preocupada com a mulher vítima, a Lei Maria da Penha somente
se aplicaria à mulher vítima, mesmo nas relações homoafetivas.
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou
376
saúde corporal; (...)
A violência física varia desde uma contravenção penal de vias de fato até um homicídio, que
é a forma mais grave de violência física.
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: (...)
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano
exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo
A conceituação da lei é extremamente ampla. Deve-se atentar para o fato de que a violência
psicológica não é qualquer atitude corriqueira que cause dissabores normais oriundos da
relação, sob pena de banalização do dispositivo, levando-se a situações absurdas. A violência
deve ser grave. Há quem diga que o controle excessivo de gastos da mulher configuraria
controle das ações da mulher passível de aplicação da Lei Maria da Penha. Rogério considera
isso um absurdo.
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: (...)
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a
sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao
reprodutivos; (...)
A violência sexual é extremamente ampla. É quase tão ampla quanto a violência psicológica.
Repare que a violação sexual não é simplesmente a dos crimes do CP. É algo muito mais
amplo, como a do homem que impede que a mulher utilize métodos contraceptivos.
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: (...)
377
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção,
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: (...)
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação
ou injúria.
Da análise dos cinco incisos, percebe-se que as condutas podem corresponder a crimes,
contravenções penais ou até configurar fato atípico. Exemplo de violência doméstica ou
familiar que configura fato atípico é o adultério (uma espécie de violência psicológica).
O art. 8º trata das medidas integradas de prevenção contra a violência doméstica e familiar
contra a mulher. Repare que não somente o Estado como toda a sociedade é conclamada à
proteção da mulher contra a violência:
Art. 8º A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher
far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito
O inciso III determina que, para mudar a imagem da mulher da sociedade, deve-se mudar a
imagem dela nos meios de comunicação. Ou seja, para que a mulher deixe de ser tratada
como objeto, ela não deve ser tratada como tal nos meios de comunicação social (ex.: não
mais tratá-la como produto hortifrutigranjeiro, ou como “Amélia” nas novelas). No “Pânico
na Band”, não há nenhuma mulher que está lá pelos seus atributos intelectuais:
Art. 8º (...) III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da
378
O inciso IV prevê a implementação de atendimento especializado à mulher nas polícias,
preferencialmente realizado por mulheres. O Brasil não tem 10% dos Municípios com esse
nível de especialização:
Por fim, cumpre ressaltar o disposto no inciso IX, que impõe destaque na educação para o
problema da violência doméstica e familiar contra a mulher:
Art. 8º (...) IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os
A Lei Maria da Penha prevê uma tríplice assistência à mulher em situação de violência
doméstica e familiar: i) social; ii) à saúde (SUS); e iii) à segurança (Polícia Civil).
caso. (...)
A lei rotulou a Polícia Civil como o “porto seguro” da mulher vítima (art. 11):
III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro,
379
Cabe aqui ressaltar duas formas de assistência:
i) quando a vítima for servidora pública, será aplicado o art. 9º, § 2º, I:
A lei assegura prioridade na remoção à mulher nessas condições, para sair da situação de
violência. A solução é muito válida em se tratando de servidora pública federal ou estadual.
Contudo, no caso de servidora pública municipal, a medida somente é eficaz se o município
for de grande porte. Em municípios de pequeno e médio porte, ela será praticamente
inócua.
ii) quando a vítima for empregada na iniciativa privada, será aplicado o art. 9º, § 2º, II:
Trata-se do afastamento do trabalho da mulher, com garantia de emprego por até seis
meses. Há dois tipos de afastamento do trabalho: suspensão (não recebendo salário) e
interrupção (recebendo salário). De qual das modalidades o artigo se refere? Rogério
entende que se trata de suspensão, para não onerar o empregador e, consequentemente,
gerar discriminação da mulher na hora da contratação.
Assim, prevalece na doutrina que o afastamento previsto no art. 9º, § 2º, II é do tipo
suspensão do contrato de trabalho, mantendo-se o vínculo empregatício, porém sem
recebimento de salário do empregador.
Rogério sustenta que deveria ser criado benefício previdenciário específico para essa
hipótese.
Qual juiz garantirá essa medida de assistência empregatícia à mulher? Aparentemente, para
a Lei Maria da Penha, é o Juizado de Violência Doméstica por ela criado (salvo no DF e
Territórios), pertence à Justiça Estadual Comum. No entanto, apesar de essa ter sido a
intenção do legislador, é cada vez mais crescente doutrina lecionando que a competência
380
para a garantia do vínculo empregatício é do Juiz do Trabalho, por se tratar de matéria
trabalhista (art. 114 da CR).
8 – Medidas protetivas
As medidas protetivas estão previstas nos arts. 22 a 24 da Lei Maria da Penha e têm
natureza extrapenal.
Essa constatação é importante, pois o art. 313, III, do CPP, com redação dada pela Lei
12.403/2011, autoriza a decretação de prisão preventiva para garantir as medidas protetivas
de urgência aplicadas pelo juiz. Regra semelhante já constava da redação do art. 313, IV,
outrora dada pela própria Lei Maria da Penha:
A nova redação do dispositivo veio a confirmar que o juiz, com base no poder geral de
cautela, poderá aplicar as medidas protetivas da lei a outros personagens vulneráveis, que
não necessariamente mulher.
Pouco importa o crime. Mesmo que se trate do crime de ameaça (que nunca admitiu
preventiva), poderá ser decretada a preventiva para a garantia das medidas protetivas.
381
Há doutrina que critica essa modalidade de prisão preventiva, pois, segundo esse
entendimento, tratar-se-ia de prisão civil não prevista na CR. Logo, inconstitucional. Os
defensores dessa corrente dizem que as medidas têm natureza cível, e a prisão preventiva
serve para garanti-las, de modo que o acessório segue o principal (se uma é cível, a outra
também será). Por outro lado, há doutrina admitindo a prisão preventiva quando o agente
viola a medida protetiva com a prática de um crime.
Há, portanto, que serem diferenciadas duas situações: i) o agente viola, por exemplo, o
distanciamento mínimo sem praticar crime (para pedir perdão): nesse caso, não cabe
preventiva; ii) o agente viola o distanciamento mínimo para agredir novamente a vítima:
nessa hipótese, cabe preventiva.
O STJ julgou constitucional o decreto de prisão preventiva, a despeito de o crime ser punido
com detenção e ser de menor potencial ofensivo (HC 132.379/BA).
De qualquer forma, qualquer que seja a corrente adotada, a prisão preventiva depende da
presença de requisitos:
Não é possível a concessão da prisão preventiva sem os requisitos do art. 312 do CPP:
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da
da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
382
sanções processuais penais e cumula a possibilidade de crime; o art. 412 do CPC prevê
sanções cíveis sem a aplicação cumulativa do crime de desobediência).
Como visto, a intenção da Lei Maria da Penha é criar o Juizado Especial de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher.
Criado e instalado o JVD, o art. 14 determina que a competência dele será cumulativa, cível
e criminal. Haverá, portanto, o processo cível de divórcio, o processo-crime e a análise das
medidas protetivas:
Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça
Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito
Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das
Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a
pertinente.
Parágrafo único. Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais, para o
Neste caso, a Justiça Criminal acumula cível e criminal. Esse é o maior erro da lei, na medida
em que ela não tem predicados penais. Prevalece que o acúmulo da competência cível
envolve somente a aplicação das medidas protetivas de urgência, pois na Vara da Família é
que tramitará a ação cível principal (para o divórcio, os alimentos etc.) Assim, a competência
cível do juízo criminal circunscreve-se à aplicação das medidas protetivas de urgência.
Observações importantes:
i) o juiz da família pode alterar ou revogar medida protetiva concedida pelo juiz criminal ou
conceder medida que o juiz criminal indeferiu. Isso significa que o juiz da família não está
atrelado ao quanto decidido pelo juiz criminal;
ii) a Câmara competente para o julgamento de eventual recurso contra decisão proferida
pelo JVD é a de direito privado ou criminal? Prevalece que os recursos no âmbito do Juizado
383
Especial da violência doméstica e familiar contra a mulher devem ser processados na
Câmara Cível. Isso, entretanto, não é pacífico;
iii) indeferida a medida protetiva pleiteada ou deferida medida contra o agressor com a qual
ele não concorde, qual o recurso cabível? Prevalece que o recurso cabível contra a
concessão ou não das medidas protetivas é o agravo de instrumento;
iv) como é sabido, o rito do Júri é bifásico, composto de um juízo de viabilidade da acusação,
que vai até a pronúncia, e da fase de delibação (ou juízo da causa) em que é realizada a
análise do mérito. Pergunta-se: alguma dessas fases pode se processar no JVD? O STJ, no HC
73.161/SC, decidiu que, até a fase da pronúncia, o homicídio contra a mulher no ambiente
doméstico e familiar deve ser processado no Juizado Especial. Entretanto, o mesmo Tribunal,
no HC 121.214/DF decidiu que o homicídio, nessas condições, deve tramitar no juízo
criminal, e não no Juizado Especial, obedecendo ao estabelecido na Lei de Organização
Judiciária. Assim, a questão ainda não está amadurecida.
1995.
i) criação de Juizado Especial Criminal para processo e julgamento das infrações de menor
potencial ofensivo;
vi) na lesão corporal dolosa de natureza leve, que a ação penal passe a ser pública
condicionada à representação.
Quando o art. 41 da Lei Maria da Penha vedou a aplicação da Lei 9.099/1995, ele não quis o
JECRIM, mas a Justiça Comum; quis de volta o inquérito policial, com flagrante, inclusive;
quis denúncia, e não medidas despenalizadoras; não quis a suspensão condicional do
384
processo, mas a sentença; não quis representação no caso de lesão dolosa leve, tornando o
crime de ação penal pública incondicionada 26.
i) contravenção penal também pode ser forma de violência doméstica, como visto. Em se
tratando de contravenção, a Lei 9.099/1995 pode ser aplicada?
Referindo-se o art. 41 a “crimes”, é aplicável a Lei 9.099/1995 aos fatos típicos rotulados
como contravenção penal, ainda que no ambiente doméstico e familiar contra a mulher.
Entretanto, o STJ, no CC 102.571/MG, decidiu que a expressão “crimes” deve ser
interpretada de forma a abranger as contravenções. Rogério considera esse entendimento
um absurdo, por se tratar de analogia in mallan partem.
iii) ação penal relativa à lesão dolosa leve no ambiente doméstico e familiar contra a mulher:
26
Observação: a Lei Maria da Penha não mudou a lesão corporal culposa, pois não se trata de infração
de gênero. Somente as infrações dolosas são de gênero.
385
ajuizada pela Presidência da República com objetivo de propiciar uma interpretação judicial
uniforme dos dispositivos contidos nesta lei. A celeuma agora está finalizada.
Na mesma data, por maioria de votos, vencido o presidente, Ministro Cezar Peluso, o
Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou procedente, a Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI 4424) ajuizada pela Procuradoria-Geral da República quanto aos
artigos 12, inciso I, 16 e 41 da Lei Maria da Penha.
Antes do julgamento, muitos já diziam que a persecução penal não poderia depender da
representação da mulher, pois ela pode ser coagida a se retratar. Agora, o STF adotou
definitivamente a 1ª corrente.
Essa posição foi reafirmada pelo STJ, que entendeu não se aplicar a Lei 9.099 nunca e para
nada que se refira à Lei Maria da Penha, inclusive em se tratando de contravenção penal
(Informativo 539, HC 280.788). Trata-se de interpretação do art. 41 da Lei Maria da Penha
que atende aos fins sociais a que a lei se destina.
11 – “Renúncia” à representação
O art. 16 da Lei Maria da Penha prevê uma solenidade especial para a homologação da
retratação da representação da vítima. Veja que a lei erra ao falar em “renúncia”, pois se
trata de retratação, já que não é possível renunciar a algo que já foi exercido:
Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que
trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência
o Ministério Público.
Como visto, por decisão do STF, não se aplica a Lei 9.099/1995 aos crimes praticados com
violência doméstica e familiar contra a mulher, por força do art. 41 da Lei Maria da Penha,
de modo que o crime de lesão dolosa leve praticado nessas circunstâncias é de ação penal
pública incondicionada, não estando sujeito a representação ou retratação.
386
No CPP, a retratação da representação está prevista no art. 25:
387
LEI DE DROGAS (LEI 11.343/2006)
1 – Introdução histórica
A primeira lei especial a tratar da prevenção e da repressão às drogas foi a Lei 6.368/1976.
Ela previa crimes e um procedimento especial para apuração deles.
A Lei 10.409/2002 foi a segunda lei, que também previa um capítulo de crimes e um de
procedimento especial. Fernando Henrique Cardoso vetou o capítulo de crimes, tendo
surgido a dúvida acerca da aplicabilidade do procedimento. O STF decidiu que aquele
procedimento novo seria aplicável. Trabalhava-se com duas leis: o direito material com uma
e o processual com outra.
Por fim, veio a Lei 11.343/2006 e resolveu definitivamente o assunto, trazendo um capítulo
de crimes e outro prevendo um procedimento especial, revogando ambas as leis anteriores.
Mas cuidado, pois alguns dispositivos da Lei 6.368/1976 podem continuar ultrativos.
2.1 – Terminologia
A Lei 6.368/1976 falava em “substâncias entorpecentes”. A nova lei, quase sempre, fala em
“drogas”.
A Lei 6.368/1976 era complementada por uma portaria. Era uma norma penal em branco.
Nessa portaria, constava a definição de substâncias entorpecentes. A Lei 11.343/2006
manteve essa característica (trata-se de norma penal em branco heterogênea). A Portaria
que a define é a nº 344/1998 da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde.
A Lei 6.368/1976 reunia comportamentos distintos no mesmo tipo e com a mesma sanção
penal, o que era objeto de críticas. Ex.: punia de 3 a 15 anos quem traficava drogas e quem
induzia alguém a usar drogas.
A lei nova criou figuras próprias para comportamentos distintos, com penas proporcionais.
Ex.: aquele que comercializa drogas tem pena de 5 a 15 anos (art. 33, caput); aquele que
388
induz ao uso, responde por pena de 1 a 3 anos (art. 33, § 2º). Ela respeita o princípio
constitucional da proporcionalidade.
O artifício usado pela lei para alcançar essa proporcionalidade, dando ao mesmo
comportamento consequências jurídicas distintas, é a utilização frequente das exceções
pluralistas à teoria monista do art. 29 do CP:
Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para
O bem jurídico tutelado no art. 28 é a saúde pública colocada em risco pelo comportamento
do usuário. Não há proteção à saúde individual do agente, no porte de droga para uso
próprio, pois o direito não pune a autolesão.
3.1.2 – sujeitos
O crime o art. 28 é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa. Sujeito passivo é a
coletividade. Está-se diante, portanto, de um crime vago.
Na lei anterior, o dispositivo legal correspondente (art. 16) tinha três núcleos: “adquirir”,
“guardar” e “trazer consigo”:
Art. 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente
389
Pena - Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de (vinte) a 50
(cinquenta) dias-multa.
Surge a dúvida: pune-se o agente usando drogas? Não se pune o agente se ele for
surpreendido usando drogas, sem possibilidade de se encontrar a substância em seu poder
(ex.: caso do usuário de maconha que engole o cigarro), pois não será comprovada a
materialidade delitiva.
Tipo subjetivo do art. 28 é o dolo, acrescido de uma finalidade especial (um elemento
subjetivo do tipo): “para consumo pessoal”.
O crime do art. 28 se consuma com a simples prática de qualquer um dos núcleos do tipo.
Em algumas modalidades, como em “guardar”, o crime é permanente, enquanto não cessar
a guarda da substância.
Para a doutrina, admite-se a tentativa, não obstante ela seja de difícil ocorrência na prática.
Ex.: tentar adquirir.
i) advertência;
390
Nucci rotula o art. 28 como infração de “ínfimo potencial ofensivo”, pois, mesmo sendo
inviável a transação penal (ainda que reincidente o agente), jamais será aplicada pena
privativa de liberdade, mas penas alternativas com medidas assecuratórias.
Art. 28 (...) § 6º Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o
caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz
submetê-lo, sucessivamente a:
I - admoestação verbal;
II - multa. (...)
Se o art. 28 não tem previsão de pena privativa de liberdade, como é possível apurar a
prescrição, já que o art. 109 do CP varia o prazo prescricional conforme a pena privativa de
liberdade prevista para o crime? A Lei de Drogas, por essa razão, possui prazo prescricional
autônomo, previsto em seu art. 30:
Art. 30. Prescrevem em 2 (dois) anos a imposição e a execução das penas, observado, no
tocante à interrupção do prazo, o disposto nos arts. 107 e seguintes do Código Penal.
O art. 30 da Lei 11.343/2006 (lei especial) prevalece, quando comparado com o art. 109 do
CP, de modo que se mantém a o prazo prescricional de 2 anos para o crime do art. 28.
O STF entendeu que não é possível aplicar nenhuma medida socioeducativa que prive a
liberdade do adolescente (internação ou semiliberdade) caso ele tenha praticado um ato
infracional análogo ao delito do art. 28 da Lei de Drogas. Isso porque o art. 28 da Lei
391
11.343/2006 não prevê a possibilidade de penas privativas de liberdade caso um adulto
cometa esse crime. Ora, se nem mesmo a pessoa maior de idade poderá ser presa por conta
da prática do art. 28 da Lei de Drogas, com maior razão não se pode impor a restrição da
liberdade para o adolescente que incidir nessa conduta (Informativo 742, HC 119.160).
Há três correntes acerca da natureza jurídica do art. 28: i) crime; ii) infração penal sui
generis; e iii) fato atípico, merecedor de consequências extrapenais.
3.1.8.1 – crime
Uma primeira corrente entende que o art. 28 prevê um crime, pelas seguintes razões:
i) o dispositivo está inserido no Capítulo III, intitulado “Dos Crimes e das Penas”;
Art. 28 (...) § 4º Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput
iii) o art. 30 fala em “prescrição”, razão pela qual se está diante de crime:
Art. 30. Prescrevem em 2 (dois) anos a imposição e a execução das penas, observado, no
tocante à interrupção do prazo, o disposto nos arts. 107 e seguintes do Código Penal.
iv) o art. 5º, XLVI, da CR prevê para crimes penas outras que não reclusão e detenção:
Art. 5º (...) XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as
seguintes:
b) perda de bens;
c) multa;
392
Uma segunda corrente entende que o art. 28 prevê uma infração penal sui generis,
criticando o posicionamento da primeira corrente, pelas seguintes razões:
i) é comum o Capítulo não espelhar o que enuncia. Ex.: o Decreto-Lei 201/1967, em seu art.
4º, chama de crime o que, na verdade, é infração político-administrativa; a Lei 1.079/1950
também chama de crime o que é uma infração político-administrativa;
ii) a expressão “reincidência” foi utilizada no art. 28, § 4º em sentido popular, no sentido de
repetição do fato. Reincidência não é algo exclusivo dos crimes. Contravenções penais e
infrações administrativas também estão sujeitas a reincidência;
iii) a prescrição também existe em outras esferas: medidas socioeducativas, direito civil,
infrações disciplinares etc.;
iv) a Lei de Introdução ao Código Penal fala em “reclusão” e “detenção” para crimes e
“prisão simples” para contravenção penal. Na medida em que não fala em nenhuma dessas
modalidades, o art. 28 não pode ser considerado crime.
v) não se trata de crime, pois o usuário deve ser preferencialmente conduzido ao Juiz. Isso
significa que o usuário não é criminoso. É quase o mesmo tratamento que recebe a criança
ou o adolescente infrator.
Uma terceira corrente entende que o art. 28 traz um fato atípico, merecedor de
consequências extrapenais. Os fundamentos são os seguintes:
Para Rogério, o último argumento “pisou na bola”, pois o bem jurídico tutelado é a saúde
coletiva.
393
§ 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou
O elemento subjetivo do tipo é também o dolo, acrescido da finalidade especial “para seu
consumo pessoal”. Essa é a conduta, por exemplo, da senhora de idade que semeia e colhe
pequena quantidade de plantas de maconha em seu quintal, para fazer uso da substância.
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à
No art. 33, caput, há uma tutela imediata, a saúde pública, e uma tutela mediata, a saúde
individual das pessoas que integram a sociedade (pessoas expostas ao vício).
3.2.1.2 – sujeitos
O sujeito ativo do crime de tráfico pode ser qualquer pessoa (crime comum). Todavia, na
modalidade “prescrever”, o crime somente pode ser praticado por médico ou dentista.
Prescrever significa receitar para o homem.
O agente que vende drogas para as criança ou adolescente comete o crime do art. 243 do
ECA (bem mais brando) ou o do art. 33, caput, da Lei de Drogas?
Art. 243. Vender, fornecer ainda que gratuitamente, ministrar ou entregar, de qualquer
forma, a criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam
Pena - detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais
394
Trata-se de um conflito aparente de normas:
Assim, a pessoa que vende cola de sapateiro à criança pratica o crime previsto no ECA, pois a
cola e seus componentes/produtos não estão incluídos na Portaria. Já a pessoa que vende
cigarros de maconha à criança pratica o crime previsto no art. 33, da Lei 11.343/06, pois a
maconha é substância incluída na Portaria.
O art. 33, caput, da Lei de Drogas possui 18 núcleos: “importar, exportar, remeter, preparar,
produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar,
trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas”.
Sob a égide da Lei 6.368/1976, havia três correntes a respeito da tipificação da cessão
gratuita para consumo conjunto:
1ª corrente: tratava-se de tráfico, pois a lei era clara ao dizer “fornecer, ainda que
gratuitamente”, não tendo realizado diferenciação acerca do uso comum ou não.
A Lei 11.343/2006 acabou com a discussão. Agora, a cessão gratuita par uso conjunto pode
configurar: i) o crime do art. 33, caput; ou ii) o crime do art. 33, § 3º. A tipificação dependerá
do caso concreto, como será analisado a seguir.
O art. 33, caput, é um dispositivo plurinuclear de ação múltipla (ou de conteúdo variado):
mesmo que o agente pratique, no mesmo contexto fático e sucessivamente, mais de uma
ação típica, por força do princípio da alternatividade, responderá por crime único.
395
Assim, o agente que, por exemplo, importa, mantém em depósito e depois vende a droga
pratica um único crime. Todavia, o juiz considerará a pluralidade de núcleos na fixação da
pena-base.
Detalhe: o art. 33, caput, fala em “sem autorização ou em desacordo com determinação
legal ou regulamentar”. Há aqui, como visto, elemento normativo indicativo da ilicitude. Isso
porque há alguns casos em que as condutas previstas no tipo podem ser autorizadas. O art.
2º da Lei de Drogas proíbe as drogas no território nacional, ressalvando “a hipótese de
autorização legal ou regulamentar”:
Art. 2º Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a
cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas
como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias
Parágrafo único. Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais
supramencionadas.
Art. 31. É indispensável a licença prévia da autoridade competente para produzir, extrair,
Se a pessoa começa a comercializar drogas por estar a família em miséria, o sujeito pode
alegar estado de necessidade? Dificuldade de subsistência por meios lícitos decorrente de
396
doença, embora grave, não justifica apelo a recurso ilícito, moralmente reprovável e
socialmente perigoso, de se entregar o agente ao comércio de drogas (jurisprudência).
O art. 52, I, da Lei de Drogas é importante, pois determina que a quantidade da droga, por si
só, não é suficiente para qualificar determinada conduta como tráfico ou uso:
Art. 52. Findos os prazos a que se refere o art. 51 desta Lei, a autoridade de polícia
O crime do art. 33, caput, obviamente, é punido a título de dolo. Importante diferenciar que,
aqui, deve haver o dolo e a finalidade de tráfico.
A consumação ocorre com a prática de qualquer dos núcleos trazidos pelo crime.
Determinados núcleos, como visto, configuram crimes permanentes (ex.: guardar, manter
em depósito, trazer consigo, transportar etc.)
Para a maioria da doutrina, a Lei de Drogas prevê crimes de perigo abstrato, ou seja, crimes
cujo perigo é presumido por lei. O STF não tem concordado com a existência de crimes dessa
natureza, mas na Lei de Drogas o Tribunal não tem feito essa insurgência, admitindo a
modalidade.
397
Problema: Caio traz drogas consigo e atua junto com Ticio, que vigia para evitar se alguém
atrapalhará o comércio. Antonio e Pedro são investigadores simulando serem usuários e se
dirigem até Caio para comprar a droga (hipótese muito comum). Caio, preso quando
entregava a droga na compra simulada, delata Tício, e ambos são presos.
Na denúncia de Caio e Tício deve constar que eles praticaram o tráfico (art. 33, caput), mas
nunca se deve falar em “venda”, sob pena de denúncia por crime impossível (a venda foi
provocada), o que levaria ao não recebimento por inépcia. O tráfico, aqui foi realizado na
modalidade “trazer consigo” somente por Caio. Desse modo, deve ser elaborada a denúncia
da seguinte forma: “Caio, juntamente com Tício, trazia consigo...” Caio é que somente trazia
consigo. Tício apenas auxiliava.
i) tráfico e furto: uma faculdade se dispõe a guardar 300kg de cocaína e alguém subtrai a
droga. Esse sujeito responderá por furto e tráfico de drogas, em concurso;
ii) tráfico e receptação: o agente vende cocaína e recebe, pela venda da droga, um relógio
que sabe ser roubado;
iii) tráfico e sonegação: o princípio de direito tributário do non olet determina que toda a
atividade, lícita ou ilícita, desde que rentável, deve ser tributada. Em virtude dele, é possível
o concurso entre tráfico e sonegação?
O princípio não se aplica no direito penal, pois seria obrigar a pessoa a produzir prova contra
si mesma. O MPF já denunciou Fernandinho Beira-Mar por tráfico e sonegação, mas
prevalece que isso não é possível.
I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece,
fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente,
O art. 33, caput, tem as drogas como objeto material. O art. 33, § 1º, I traz um tráfico
equiparado, pois o objeto material aqui é matéria-prima, insumo e produto químico. A
diferença entre os dispositivos, portanto, é simplesmente o objeto material.
398
Exemplo de aplicação do dispositivo: o sujeito tem em depósito, em sua casa, éter, sulfúrico
e acetona (não caseira).
O crime, aqui, é punido a título de dolo. O agente deve ter ciência de que a substância pode
servir à preparação de drogas.
O agente tem de ter a vontade de preparar drogas, ou basta saber que a substância pode
servir à preparação de drogas? O crime dispensa a vontade de querer empregar a matéria-
prima à produção de drogas, bastando o conhecimento de sua capacidade para tanto
(Vicente Greco Filho). A preocupação do legislador é o perigo que ter em casa a substância
traz para a sociedade, em virtude da potencialidade do uso para a produção de drogas.
de drogas; (...)
O que diferencia os incisos do § 1º e o caput do art. 33 é o objeto material. O art. 33, caput,
fala em drogas. O inciso I fala de matéria-prima, insumos e produtos químicos. O inciso II fala
de uma matéria prima especial: as plantas para a produção de drogas. Por isso as figuras
estarem em tipos distintos: o objeto material vai mudando.
399
A matéria-prima não precisa trazer em si o efeito farmacológico (mesmo raciocínio do inciso
anterior).
Se o agente semeia, cultiva e colhe a planta, produz a droga com a planta e mantém a droga
em depósito, o § 2º resta absorvido pelo caput. Todavia, ainda que as condutas configurem
crime único, o juiz as considerará na fixação da pena base.
O sujeito que planta para uso próprio responde por qual crime?
2ª corrente: há crime de uso, pois se o agente plantou para uso próprio, ele deve ser
tratado como usuário. Essa corrente acreditava estar fazendo uma analogia benéfica.
Com a Lei 11.343/2006, o plantio para uso próprio pode configurar, dependendo do caso
concreto:
Art. 28 (...) § 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal,
Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de
400
assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos,
lei. (...)
Art. 32 (...) § 4º As glebas cultivadas com plantações ilícitas serão expropriadas, conforme
Além disso, ninguém pode usar garantias constitucionais como manto protetor para a
prática de crime (o sujeito planta maconha à vontade tendo certeza da impossibilidade de
expropriação). Nenhuma garantia constitucional é absoluta. Há aqui uma relativização dos
direitos e garantias fundamentais.
III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse,
administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que
O agente consente que alguém se utilize do imóvel próprio para guardar drogas em grande
quantidade, ainda que gratuitamente, responderá pelo crime previsto neste dispositivo, que
é uma exceção pluralista à teoria monista.
Mais uma vez, deve estar presente o elemento normativo indicando a ilicitude: “sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”. Esse elemento,
importante ressaltar, está expresso em todos os tipos penais. Na lei anterior ele não estava
previsto em todos. Era implícito.
Para que o agente responda pelo crime, é necessária a posse legítima ou basta a ilegítima
(ex.: invasor da propriedade usa o imóvel para guardar droga)? É irrelevante a natureza da
401
posse do imóvel, legítima ou ilegítima. Basta que a conduta do agente seja causal em relação
ao tráfico de drogas no local. O crime é punido a título de dolo, dispensando finalidade de
lucro. Basta consentir, sabendo que lá se realizará o tráfico de drogas.
Ambas as modalidades admitem tentativa, mesmo a mera permissão (ex.: caso da permissão
feita através de carta, que acaba sendo interceptada).
Art. 33 (...) § 2º Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: (Vide ADI
4274)
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-
multa. (...)
O sujeito ativo do crime do art. 33, § 2º, pode ser qualquer pessoa. Trata-se de um crime
comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa. Sujeitos passivos são dois: a
coletividade e o induzido, instigado ou auxiliado.
O tipo objetivo é composto por induzimento, instigação ou auxílio. “Induzir” é fazer nascer a
ideia. “Instigar” é reforçar a ideia existente. “Auxiliar” é dar assistência material (não no
sentido de entregar a droga, caso em que o agente seria traficante típico). Exemplos desta
conduta: dar dinheiro para comprar droga, apresentar ao traficante, levar a pessoa ao morro
para adquirir a substância etc.
O crime do art. 33, § 2º da Lei de Drogas não se confunde com o do art. 287 do CP (apologia
ao crime ou criminoso):
Art. 287 - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: Pena -
O MP, normalmente, ajuíza Ação Civil Pública para proibir a “marcha para a
descriminalização da maconha” e alerta que todos os integrante seriam presos, por apologia
402
ao crime. Essa conduta jamais configuraria o crime do art. 33, § 2º, pois a marcha não tem
destinatário certo. Também não configura o crime do art. 287, pois não se trata do dolo
caracterizador do delito. Os sujeitos não estão fazendo apologia ao consumo da maconha ou
ao autor desse crime, mas tentando sensibilizar a população de que o fato deve ser
descriminalizado. Diferente é a situação do Planet Hemp, em que era feita apologia ao uso
da droga, além da necessidade de descriminalização.
Em decisão unânime (8 votos), o STF liberou a realização dos eventos chamados “marcha da
maconha”, que reúnem manifestantes favoráveis à descriminalização da droga. Para os
ministros, os direitos constitucionais de reunião e de livre expressão do pensamento
garantem a realização dessas marchas. Muitos ressaltaram que a liberdade de expressão e
de manifestação somente pode ser proibida quando for dirigida a incitar ou provocar ações
ilegais e iminentes.
O voto do decano da Corte, ministro Celso de Mello, foi seguido integralmente pelos
colegas. Segundo ele, a “marcha da maconha” é um movimento social espontâneo que
reivindica, por meio da livre manifestação do pensamento, “a possibilidade da discussão
democrática do modelo proibicionista (do consumo de drogas) e dos efeitos que (esse
modelo) produziu em termos de incremento da violência”.
Além disso, o ministro considerou que o evento possui caráter nitidamente cultural, já que
nele são realizadas atividades musicais, teatrais e performáticas, e cria espaço para o debate
do tema por meio de palestras, seminários e exibições de documentários relacionados às
políticas públicas ligadas às drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas.
403
1ª corrente: trata-se de delito material, que se consuma com o efetivo uso da droga
(Vicente Greco Filho).
Rogério entende que a segunda corrente (delito formal) é a melhor, pois a lei fala em
induzir, instigar ou auxiliar alguém “ao uso”. A lei anterior falava em induzir, instigar ou
auxiliar alguém “a usar”, o que poderia fazer pressupor o efetivo uso. No caso da nova lei, o
sujeito usar (ou não) não interferirá no crime, podendo interferir na pena.
Art. 33 (...) § 3º Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500
(mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.
Conforme visto anteriormente, sob a égide da Lei 6.368/1976, havia três correntes a
respeito da tipificação da cessão gratuita para consumo conjunto:
1ª corrente: tratava-se de tráfico, pois a lei era clara ao dizer “fornecer, ainda que
gratuitamente”, não tendo realizado diferenciação acerca do uso comum ou não.
A Lei 11.343/2006 acabou com a discussão. Agora, a cessão gratuita par uso conjunto pode
configurar: i) o crime do art. 33, caput; ou ii) o crime do art. 33, § 3º. A tipificação dependerá
das circunstâncias do caso concreto.
Deixa de configurar o crime do art. 33, § 3º (tráfico de menor potencial ofensivo) e passa a
configurar o crime do caput (tráfico equiparado ao hediondo) se houver reiteração,
costume, habitualidade no fornecimento de drogas.
404
Mais uma vez, oferecida droga com objetivo de lucro, o traficante responde pela modalidade
equiparada a hediondo.
Esse lucro pode ser direto ou indireto, não importa. Exemplo de lucro indireto: o sujeito
oferece droga gratuitamente para o sujeito experimentar e, se o usuário gostar, ele volta
para adquiri-la.
A expressão “sem objetivo de lucro” traz uma finalidade especial que não pode estar
presente. Configura, portanto, um “elemento subjetivo negativo do tipo”, isto é, uma
finalidade que não pode animar o agente, sob pena de incidir a conduta no crime do caput.
Não adianta que o oferecimento da droga seja eventual e sem o objetivo de lucro. Para
incidir no § 3º, a pessoa a quem é oferecida a droga tem de ser do relacionamento familiar,
social ou profissional do traficante (familiar, amigo, namorada, colega de trabalho etc.)
Rogério, por essa razão, sustenta que este não é um crime comum, mas exige uma relação
jurídica ou de fato entre os sujeitos.
Se a droga é oferecida somente para o consumidor usá-la, incide o tráfico do art. 33, caput.
Esta elementar é elemento subjetivo positivo do tipo: uma finalidade especial que tem de
estar presente.
Art. 33 (...) § 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão
direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às
Trata-se do dispositivo mais controvertido da lei. Traz uma causa de diminuição de pena.
Alguns doutrinadores chegam a chamá-lo de “tráfico privilegiado”.
No REsp 1.329.088-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 13/3/2013 (Informativo
519), a Terceira Seção do STJ definiu que mesmo o tráfico privilegiado é equiparado a crime
hediondo: “a partir da vigência da Lei 11.464/2007, que modificou o art. 2º, § 2º, da Lei
8.072/1990, exige-se o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for
primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente, para a progressão de regime no caso de
405
condenação por tráfico de drogas, ainda que aplicada a causa de diminuição prevista no art.
33, § 4º, da Lei 11.343/2006”.
3.2.7.1 – requisitos
Para a aplicação do art. 33, § 4º, o agente: i) deve ser primário; ii) de bons antecedentes; iii)
não deve se dedicar às atividades criminosas; e iv) não deve integrar organização criminosa.
Repare que são requisitos cumulativos. Faltando um deles, não há a diminuição de pena.
De acordo com a Quinta Turma do STJ (Informativo 514), o magistrado não pode deixar de
aplicar a minorante se utilizando exclusivamente dos elementos descritos no núcleo do
referido tipo penal para concluir que o réu se dedicava à atividade criminosa. Segundo
afirmado, para que se negue a aplicação da referida minorante em razão do exercício do
tráfico como atividade criminosa, deve o juiz basear-se em dados concretos que indiquem
tal situação, sob pena de toda e qualquer ação descrita no núcleo do tipo ser considerada
incompatível com a aplicação da causa especial de diminuição de pena. HC 253.732-RJ, Rel.
Min. Jorge Mussi, julgado em 6/12/2012.
A lei determina que somente esses dois crimes são passíveis de redução. Ou seja, o privilégio
não atinge os crimes dos §§ 2º e 3º.
Segundo a norma, a redução da pena varia de 1/6 a 2/3. Para variar a diminuição, o juiz não
deve considerar os antecedentes do agente, na medida em que eles são requisitos para a
incidência do privilégio. Rogério sugere como critérios a serem considerados pelo juiz o tipo
e a quantidade da droga.
406
No que concerne à quantidade da droga, cumpre realizar uma observação: a Segunda Turma
do STF, no julgamento do HC 106.135 (recente), decidiu que a variação da redução de pena
prevista no § 4º não deve considerar a quantidade da droga, circunstância já analisada na
fixação da pena base, sob pena de incorrer em bis in idem. Ainda que não represente a
decisão do Pleno, trata-se de decisão importante, que pode vir a ser exigida em prova.
De acordo com a maioria, a redução de pena prevista no art. 33, § 4º é um direito subjetivo
do réu. Isto é, preenchidos os requisitos, o juiz deve (e não “pode”) reduzir a pena.
O art. 33, § 4º, da Lei de Drogas trazia a seguinte expressão: “vedada a conversão em penas
restritivas de direitos”. O STF, no HC 97.256, julgou esta restrição inconstitucional (Pleno).
Entendeu o Supremo que quem deve aferir o cabimento ou não do benefício é o juiz, na
análise do caso concreto, e não o legislador.
inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal nos autos do Habeas
Corpus nº 97.256/RS.
A anterior Lei de Drogas não previa causa de diminuição sequer parecida. Em se tratando de
novidade legal em favor do réu, o art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 pode retroagir de forma
benéfica, para alcançar fatos praticados antes da sua vigência?
Acerca desse tema, percebe-se hoje uma nítida diferença de posição no STJ e no STF. Não há
pacificidade:
407
No STJ havia duas correntes. Uma primeira entendia que o benefício não poderia ser
aplicado retroativamente, pois isso seria combinação de leis, transformando o juiz em
legislador. Uma segunda corrente defendia que o benefício seria retroativo, admitindo-se a
combinação de leis. Nesta segunda corrente, havia uma divergência: alguns admitiam
retroatividade sem limites. Outros admitiam retroatividade limitada a uma pena mínima de
1 ano e 8 meses. O motivo era o seguinte: na vigência da Lei 6.368/1976, a pena mínima era
de 3 anos, que, reduzida de 2/3, chegaria a 1 ano. Na lei nova, a pena é de 5 anos, que,
reduzida de 2/3, chegaria a 1 ano e 8 meses. Ou seja, esse mínimo de 1 ano e 8 meses seria a
pena mínima alcançada com a redução sobre os 5 anos.
resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que
Veja que a Súmula descreve uma terceira postura do Tribunal, admitindo a retroatividade da
Lei 11.343/2006, mas desde a sua aplicação seja mais favorável (diminuição sobre a pena de
5 anos), não se admitindo a combinação (diminuição incidindo sobre a pena de 3 anos).
1ª corrente: o benefício não pode ser aplicado retroativamente, pois isso seria
combinação de leis, transformando o juiz em legislador.
De acordo com o STJ, mesmo com os benefícios (redução de pena e substituição por
restritiva de direitos), o crime permanece equiparado a hediondo, sofrendo os consectários
da Lei 8.072/90. Portanto, não é possível a concessão de indulto, conforme art. 5º, XLIII, da
CR (STJ HC 167.825/MS).
408
Apesar de muitos fazerem referência a este dispositivo como “tráfico privilegiado”, não se
trata de privilégio, pois o legislador não inseriu um novo mínimo e um novo máximo da
pena. Trata-se, na realidade, de uma causa de diminuição de pena, que varia de 1/6 a 2/3. É
uma causa de diminuição importante, pois caso aplicada em seu patamar máximo, o
condenado terá sua pena diminuída de 5 anos para 1 ano e 8 meses.
i) aplicável apenas aos crimes do art. 33, caput, e §1º, da Lei 11.343/06;
Acusado primário é o não reincidente. Reincidente é aquele que pratica novo crime já tendo
contra si condenação transitada em julgado referente à prática de outro crime
(interpretação a contrario sensu dos arts. 63 e 64 do CP).
409
Se restar evidenciado que o acusado faz parte de associação voltada para o tráfico (art. 35,
Lei 11343/06), ou é um dos integrantes de associação criminosa (art. 288 do CP, com
redação dada pela Lei 12.850/13), não será possível a incidência da minorante. Nesse
sentido: STJ, 5ª Turma, REsp 1.178.001/DF.
Não há bis in idem pelo fato de uma mesma circunstância ser levada em consideração duas
vezes, ora na primeira fase de individualização da pena, ora para fixar o quantum de
diminuição da pena-base. Na verdade, trata-se da utilização do mesmo referencial a ser
sopesado em momentos distintos quando da dosimetria da pena, objetivando uma
reprimenda proporcional e que atenda às finalidades da sanção penal. Nesse sentido: STJ, 5ª
Turma, HC 199.416.
O quarto critério a ser atendido é não ser o acusado integrante de organização criminosa. O
conceito de organização criminosa deve ser extraído do art. 1º, §1º, da Lei 12.850/13
(associação de quatro ou mais pessoas; estrutura ordenada e caracterizada pela divisão de
tarefas; objetivo de obter vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações
penais com máximas superiores a 4 anos, ou de caráter transnacional).
No caso concreto, é possível que a defesa consiga fazer prova de que é a primeira vez que a
pessoa se dedica à atividade criminosa, contudo, essa prova é deveras difícil de ser
produzida.
410
deve provar que não estão presentes os requisitos. Não se trata de prova diabólica, pois
pode ser perfeitamente produzida pelo MP.
Presentes os requisitos, deve ser aplicada a minorante. Trata-se, pois, de verdadeiro direito
subjetivo do acusado. Para o cálculo da diminuição, não pode o juiz se valer dos mesmos
critérios utilizados para concessão da minorante. Se assim o fizesse, todo acusado que
preenchesse os requisitos que autorizam o benefício receberia a diminuição máxima,
tornando inócua a previsão de um mínimo (1/6) e um máximo (2/3). Nesse contexto: STF, 1ª
Turma, HC 103.430/MG. O juiz deve se valer dos mesmos critérios constantes do art. 42 da
Lei de Drogas (natureza e quantidade da droga, personalidade e conduta social do agente).
À época da revogada Lei 6.368/76, o tráfico era púnico com pena de reclusão, de 3 a 15
anos. A Lei 11.343/06 fixou a pena do tráfico de drogas em 5 a 15 anos de reclusão, ou seja,
aumentou a pena-base. Contudo, previu causa de diminuição no art. 33, §4º, que não era
prevista na lei anterior.
Pergunta-se: é possível a combinação de leis penais favoráveis ao réu, isto é, seria possível
aplicar aos crimes praticados antes da Lei 11.343/06 a pena-base de 3 anos e também fazer
incidir a minorante do art. 33, §4º? Sobre o assunto, veja-se o teor da Súmula 501 do STJ: “É
cabível a aplicação retroativa da Lei 11.343/06, desde que o resultado da incidência das suas
disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei
6.368/76, sendo vedada a combinação de leis”.
Para o STF (RE 600.817), não é possível a aplicação da causa de diminuição do art. 33, §4º da
nova Lei de Drogas, combinada com penas previstas na Lei 6.368/76, para crimes cometidos
durante sua vigência.
Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a
411
ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal
ou regulamentar:
3.3.1 – sujeitos
O sujeito ativo do crime do art. 34 pode ser qualquer pessoa (crime comum). Sujeito passivo
é a sociedade (a coletividade figura como vítima).
O art. 33, caput, punia o tráfico de drogas, ou seja, as drogas eram o objeto material do
delito. O art. 34 pune o tráfico de maquinários, objetos destinados à produção da droga etc.
Então, entre os arts. 33 e 34 foi alterado o objeto material.
Na prática, a tentativa é de difícil ocorrência, mas na teoria ela é admissível, por se tratar de
delito plurissubsistente (aquele cuja execução admite fracionamento).
A pessoa que mantém em depósito maquinários para produção, produz a droga e mantém
em depósito pratica quantos crimes?
412
Se praticados no mesmo contexto fático, o art. 34 fica absorvido pelo crime do art. 33, caput,
da Lei 11.343/2006, pois o art. 34 é delito subsidiário. As circunstâncias do art. 34 serão
consideradas na fixação da pena base do art. 33. Caso não estejam as condutas abrangidas
pelo mesmo contexto fático, o agente responderá por ambos os crimes. Ex.: no local, são
encontrados maquinário para a produção de cocaína e quantidade significativa de maconha.
Nos termos do art. 33, § 4º, o traficante de drogas primário e portador de bons
antecedentes que não se envolve em atividade e organização criminosas, como visto, terá
pena reduzida, de 1/6 a 2/3 (reduzindo 5 anos de 2/3 resultará em pena mínima de 1 ano e 8
meses de reclusão).
Vale ponderar o seguinte: mais perigoso que traficar maquinário é traficar a droga pronta.
Todavia, um comportamento mais grave poderá ter pena mínima de 1 ano e 8 meses,
enquanto que um menos grave terá pena mínima de 3 anos. Isso ofende o princípio da
proporcionalidade das penas (pune-se o mais com o menos e o menos com mais). A doutrina
sugere a aplicação do art. 33, § 4º, ao art. 34, numa analogia in bonam partem.
Não há, ainda, jurisprudência a esse respeito. Até porque, na maioria dos casos, o art. 34
resta absorvido pelo art. 33.
Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou
não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil
O crime do art. 35 não deve ser chamado de “associação criminosa”, pois não é exigida a
presença de três pessoas. Apesar, disso, os demais requisitos dos crimes são iguais:
413
de três pessoas); mínimo duas);
ii) reunião estável e permanente; ii) reunião estável e permanente;
iii) reunião para o fim de praticar crimes. iii) reunião para o fim de praticar,
reiteradamente ou não, os crimes do art. 33,
caput, § 1º e art. 34 da Lei de Drogas.
Questão: “A” e “B”, associados de forma estável e permanente, são presos comercializando
drogas. “A” é primário e portador de bons antecedentes. “B” é reincidente. “B” responderá
pelos crimes dos arts. 33, caput, e 35, em concurso material. “A” responderá pelos crimes do
art. 33, caput, e 35, em concurso material, sem a redução da pena do art. 33, § 4º, pois
associação para o tráfico é espécie de organização criminosa e o art. 33, § 4º, expressamente
prevê como requisito que o sujeito não integre associação criminosa (posição tranquila dos
Tribunais Superiores).
Art. 35 (...) Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se
associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei [financiamento ou
custeio do tráfico].
O crime do art. 35, parágrafo único, é também uma associação criminosa, exigindo a reunião
de duas ou mais pessoas (mínimo de duas, portanto), estabilidade e permanência. No
entanto, diferentemente da associação anterior, a do parágrafo único deve ocorrer para a
prática reiterada do crime definido no art. 36 (lembre que, no caput, a associação deve ser
para prática reiterada ou não dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º e 34).
414
O art. 35, parágrafo único, é também delito autônomo: ocorrido o crime do art. 36, haverá
concurso material de delitos.
Veja que, no art. 35, caput a lei fala em “reiteradamente ou não”. Já no parágrafo único, ela
fala em prática “reiterada”. A importância dessa diferença será analisada por ocasião do
estudo do art. 36.
Art. 36. Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput
O financiamento ou custeio do tráfico é um crime novo, que possui a mais grave pena da lei.
Veja que ele não pune o traficante, mas aquele que está por trás da cena, custeando ou
financiando-o.
3.6.1 – sujeitos
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum), isolada ou associada a outra.
Lembre que, caso se trate de pessoa isolada, ela responderá pelo crime do art. 36. Associada
a outra, responderá pelo crime do art. 35, parágrafo único, mais o do art. 36.
Essa observação é importante, na medida em que algumas pessoas imaginam que o crime
do art. 36 somente poderia ser praticado por associação, o que não é verdadeiro.
O crime do art. 36 pune “financiar” ou “custear” os crimes dos arts. 33, caput, 33, § 1º e 34.
Há quem diga que o legislador foi redundante ao mencionar financiar e custear (seriam a
mesma coisa).
Não é qualquer dinheiro dado ao traficante que ensejará a aplicação do art. 36.
Considerando-se a pena, é imprescindível a relevância do sustento. O financiamento e o
custeio têm de ser de tal modo que, sem o auxílio, o traficante não sobreviveria como tal.
415
3.6.4 – consumação e tentativa
O crime do art. 36 é ou não habitual? A opção por uma ou outra resposta influenciará na
existência ou não da tentativa.
ii) o art. 40, VII, da Lei de Drogas traz causa de aumento quando o agente financiar ou
custear o crime:
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois
Na medida em que a lei fala duas vezes em financiar e custear, o art. 36 é financiamento ou
custeio habitual (crime) e o art. 40, VII, serve para o caso de financiamento ocasional,
hipótese em que o sujeito responderá pelo art. 33 ou 34, com causa de aumento.
iii) o art. 35, parágrafo único, quando se refere ao art. 36, utiliza a expressão “reiterada”,
pois o art. 36 somente pode ser praticado reiteradamente:
Art. 35 (...) Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se
O art. 35, caput, fala em “reiteradamente ou não”, pois aqueles crimes podem ser praticados
dessa forma; o art. 35, parágrafo único, fala somente em “reiteradamente”, pois ele não tem
como ser praticado de outra forma, que não a reiterada.
Os adeptos da primeira corrente admitem tentativa. Os que adotam a segunda não admitem
tentativa.
Art. 37. Colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à
prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei:
416
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e pagamento de 300 (trezentos) a 700
(setecentos) dias-multa.
O crime do art. 37 pune o chamado “papagaio” ou “fogueteiro”. É aquele que avisa que a
polícia está chegando.
3.7.1 – sujeitos
Sujeito ativo do crime do art. 37 pode ser qualquer pessoa (crime comum). Ex.: informantes
nos morros. Cuidado: se o colaborador for funcionário público, além do art. 37 incidirá o
aumento previsto no art. 40, II, que será visto adiante.
O art. 37 está punindo a cooperação criminosa. Detalhe: a colaboração deve ser com uma
organização criminosa, não com uma pessoa somente (o sujeito que vigia outro que está
traficando não pratica o crime do art. 37).
Essa colaboração tem de ser necessariamente eventual. Se a pessoa tem como missão avisar
a organização, não será informante, mas associada da organização.
Assim, apesar de isso não estar expresso no dispositivo legal, a conduta do informante
colaborador necessariamente precisa ser eventual. Comprovando-se que a contribuição é
permanente e estável, ela tipificará o art. 35 da Lei. Caso contrário, dentro de uma
organização criminosa, todos alegariam que atuam como informantes, para fugirem da
aplicação do art. 35.
O crime consuma-se com qualquer ato indicativo da efetiva colaboração. Admite tentativa.
Ex.: colaboração por escrito (carta interceptada).
Art. 38. Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que delas necessite o
regulamentar:
417
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 50 (cinquenta) a 200
O art. 38 prevê o único crime culposo da Lei de Drogas. É infração de menor potencial
ofensivo.
3.8.1 – sujeitos
Na vigência da Lei 6.368/1976, o crime estava previsto no art. 15. A lei dizia expressamente
que ele somente poderia ser praticado por médico, dentista, farmacêutico ou profissional de
enfermagem:
Pena - Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 30 (trinta) a 100 (cem)
dias-multa.
1ª corrente: apesar do silêncio da lei, o crime continua tendo como sujeitos ativos os
mesmos profissionais descritos na lei anterior (médico, dentista, farmacêutico e
profissional de enfermagem).
2ª corrente: a nova redação do crime culposo acaba por abranger todos que possam
prescrever drogas, como o veterinário ou o nutricionista (Vicente Greco).
Não há corrente que prevaleça na doutrina, que está tendendo a seguir Vicente Greco (o
autor é uma referência). Não há nada na jurisprudência. Rogério discorda da hipótese do
veterinário, pois ele não pode prescrever drogas ao ser humano. Também considera que o
curandeiro não pode ser abrangido no tipo. Não existe Conselho Federal dos Curandeiros
(veja que o dispositivo menciona a comunicação ao Conselho respectivo):
418
3.8.2 – tipo objetivo
Quadro comparativo entre as formas de negligência previstas nas leis anterior e atual:
Art. 39. Conduzir embarcação ou aeronave após o consumo de drogas, expondo a dano
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, além da apreensão do veículo, cassação
3.9.1 – sujeitos
O crime do art. 39 não exige qualidade especial do agente, podendo ser praticado por
qualquer pessoa (crime comum).
419
Sujeitos passivos são a coletividade e eventual indivíduo colocado em perigo pela conduta
do agente.
Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a
Art. 39 (...) Parágrafo único. As penas de prisão e multa, aplicadas cumulativamente com
420
as demais, serão de 4 (quatro) a 6 (seis) anos e de 400 (quatrocentos) a 600 (seiscentos)
passageiros.
Relativamente ao art. 39, parágrafo único, a doutrina discute se é necessário ou não haver
passageiros no veículo. Há bastante divergência. Há quem diga que basta que se trate de
veículo de transporte coletivo. Para Rogério, se a preocupação é com os passageiros, parece
bastante óbvio que é necessário haver ao menos um no interior da embarcação ou da
aeronave no momento da condução anormal.
O art. 40 prevê sete hipóteses de aumento de pena, que variam de 1/6 a 2/3, e incidem
sobre os arts. 33 a 37 da Lei de Drogas.
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois
terços, se:
Cumpre destacar que a droga não precisa sair do país para configurar a transnacionalidade,
bastando que essa seja a intenção (ex.: o traficante é surpreendido no aeroporto, com
passagem para a Espanha).
A competência para a apuração do crime com esta majorante é da Justiça Federal. Onde não
houver Justiça Federal, os autos serão remetidos à Justiça Federal mais próxima. Não existe
mais delegação de competência à Justiça Estadual, como havia na lei anterior.
421
4.2 – Art. 40, II
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois
É difícil imaginar uma hipótese de tráfico em que não incida a causa de aumento do inciso III.
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois
IV - o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo,
422
Esta causa de aumento é o que muitas vezes ocorre nos Morros do Rio de Janeiro, com os
“toques de recolher”, por exemplo.
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois
(...)
A Polícia Federal tem atribuição para investigar o crime. Porém, ela investiga e encaminha o
resultado das investigações à Justiça Estadual. Cuidado, pois quem preside o inquérito
policial (autoriza interceptação, decreta prisão etc.) é o juiz estadual.
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois
VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por
(...)
O dispositivo é autoexplicativo.
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois
5 – Restrições legais
Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis
423
O dispositivo traz as restrições próprias de um crime hediondo (exceto o regime inicial
fechado), acrescidas da vedação de restritiva de direitos e sursis. Por conta disso, Vicente
Greco conclui que os crimes dos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 são equiparados a
hediondos.
Rogério discorda dessa posição. Quem equipara crimes a hediondos é o art. 5º, XLIII, da CR:
Art. 5º (...) XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a
Prevalece, todavia, que se equiparam a hediondos os crimes previstos nos arts. 33, caput,
33, § 1º, 34 e 36. Veja que o art. 34 nem tráfico de drogas é, mas de maquinários.
5.2.1 – inafiançáveis
A inafiançabilidade dos crimes acima mencionados não será tratada neste tópico.
A Lei 8.072/1990 não proíbe a concessão de sursis. Ora, se a Lei de Crimes Hediondos não
veda o sursis, vedá-lo num crime equiparado violaria a proporcionalidade. Por conta disso,
existe doutrina questionando a constitucionalidade desta proibição na Lei de Drogas (numa
colaboração para o tráfico, com pena mínima de 2 anos, não cabe sursis, enquanto que para
um estupro tentado cabe, o que é absurdo).
A insuscetibilidade dos crimes acima à anistia, graça ou indulto não será analisada.
424
Como visto, o Pleno do STF, no HC 97.256, decidiu que é inconstitucional a vedação da
conversão da pena em restritivas de direitos, nos crimes acima, pois quem deve julgar
possível ou não o cabimento da restritiva de direitos é o juiz, analisando o caso concreto.
A despeito de a decisão do STF ter se referido tanto ao art. 33, § 4º, quanto ao art. 44, a
Resolução nº 5/2012, do Senado Federal, retirou a eficácia apenas do primeiro do
dispositivo:
(...) 5. Ordem parcialmente concedida tão-somente para remover o óbice da parte final do
se ao Juízo da execução penal que faça a avaliação das condições objetivas e subjetivas da
inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal nos autos do Habeas
Corpus nº 97.256/RS.
O art. 44 da Lei de Drogas também não admite a concessão de liberdade provisória àqueles
crimes, com ou sem fiança.
Art. 5º (...) LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a
425
recentes julgados, o STJ (Resp 772.504) e o STF (HC 94.404) decidiram que o juiz é
obrigado a apontar uma das hipóteses que autorizam a prisão preventiva, para não
conceder a liberdade provisória. Esta corrente é majoritária (Pacelli, Alberto Silva
Franco, Luiz Flávio Gomes).
A grande discussão dizia respeito justamente a este art. 44 da Lei 11.343/2006, que vedava
ambas as espécies de liberdade provisória. A Lei 8.072/1990 foi alterada em 2007 e passou a
admitir a liberdade provisória sem fiança. A doutrina passou a entender que, se a liberdade
provisória é admissível para os crimes hediondos, com maior razão admiti-la para os casos
de tráfico de drogas.
O STF considerou que é inconstitucional toda e qualquer lei que vede, de forma genérica, a
concessão de liberdade provisória. Nesse sentido, decidiu recentemente o STF no caso do HC
104.339/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 10.5.2012, no qual se declarou inconstitucional o art.
44 da Lei nº 11.343/2006 na parte em que proíbe a liberdade provisória para os crimes de
tráfico de drogas.
Não faz sentido que a pessoa fique presa durante o processo por um crime e, na hora da
condenação, receba restritiva de direitos. Seria irrazoável considerar que uma pessoa
sofresse punição mais gravosa durante o processo.
O STF manteve coerência com o julgado que entendeu inconstitucional o dispositivo que
vedava a conversão da pena em restritiva de direitos, analisado no tópico anterior.
O art. 44, parágrafo único, por fim, prevê que, nos crimes relacionados no caput, o
livramento condicional somente poderá ser concedido após o cumprimento de dois terços
da pena, sendo ele vedado ao reincidente específico:
Art. 44 (...) Parágrafo único. Nos crimes previstos no caput deste artigo, dar-se-á o
6 - Lei 12.961/14
A Lei 12.961/14 alterou a Lei de Drogas para dispor sobre a destruição de drogas
apreendidas.
426
O laudo de constatação é importante para legitimar o auto de prisão em flagrante e é
condição específica da ação penal para o oferecimento da denúncia.
A apreensão da droga também é importante para que se faça a distinção entre os crimes dos
arts. 28 e 33, da Lei 11.343/06. Obviamente, a quantidade de droga não é o único critério
utilizado, mas é de fundamental importância. A quantidade é um indicativo de que se trata
de tráfico ou porte para uso pessoal. Ex.: pessoa encontrada com dois papelotes de cocaína
no bolso. A circunstância pode indicar porte para uso pessoal ou, ainda, indicar o crime de
tráfico caso a pessoa tenha no outro bolso uma grande quantidade em dinheiro
acompanhada de uma agenda com um organograma da distribuição de drogas.
Após a realização do laudo preliminar e do exame toxicológico, o restante da droga deve ser
destruída. A Lei 12.961/14 cuida da destinação da droga apreendida. Uma pequena
quantidade da droga apreendida deve ser guardada para a realização de eventual
contraprova. Pode ser que a defesa queira impugnar o laudo preliminar ou o exame
toxicológico e é para isso que serve a pequena quantidade guardada.
A Lei de Drogas não estabelecia um prazo para a destruição da droga. A droga ficava
custodiada em delegacias de polícias, procuradoria do MP ou fóruns criminais, locais sem
qualquer segurança.
.............................................................................................
§ 4o A destruição das drogas será executada pelo delegado de polícia competente no
§ 5o O local será vistoriado antes e depois de efetivada a destruição das drogas referida
A destruição das drogas será realizada no prazo de 15 dias pelo delegado de polícia na
presença do MP e da autoridade sanitária.
427
Quando houver apreensão de droga no caso de prisão em flagrante, portanto, o juiz terá dez
dias para certificar a regularidade formal do laudo de constatação e determinar a destruição
da droga. A autoridade policial, na sequência, terá o prazo de 15 dias para fazer a destruição
da droga.
A determinação para a destruição da droga deve ser feita pelo juiz. A execução dessa ordem
será levada a efeito pelo delegado de polícia, no prazo de 15 dias, e deve ser acompanhada
pelo MP e autoridade sanitária.
Quando não houver prisão em flagrante, apesar de se tratar de hipótese rara, deve-se
utilizar o art. 50-A, que também foi acrescentado à Lei de Drogas pela Lei 12.961/14:
será feita por incineração, no prazo máximo de 30 (trinta) dias contado da data da
Nesse caso, há um prazo diferenciado de 30 dias para que a droga seja incinerada.
Importante lembrar que também será necessária a autorização do juiz.
A pequena quantidade de droga guardada para contraprova deverá ser destruída quando
houver o trânsito em julgado da sentença condenatória.
“Art. 72. Encerrado (leia-se: com o trânsito em julgado) o processo penal ou arquivado o
1 – Aspectos materiais
Art. 1º Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os
428
meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser
aplicado. (...)
No ano de 1995, foi editada a Lei 9.034 dispondo sobre a utilização de meios operacionais
para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. Apesar de
louvável, a inciativa veio acompanhada de falhas, chamando à atenção a ausência de
definição do próprio objeto da lei: organização criminosa. O legislador criou uma lei
prevendo instrumentos de combate ao crime organizado (investigação por meio de agente
infiltrado, ação controlada etc.), porém não definiu o conceito de crime organizado ou
organização criminosa. A não definição do objeto da lei tratava-se de erro crasso do
legislador.
ii) a definição dada pela Convenção vale para as relações com o direito internacional, e não
com o direito interno;
iii) as definições dadas pelas convenções ou tratados internacionais jamais valem para reger
nossas relações com o direito penal interno:
No Brasil, somente lei cria crime e comina pena. Há várias fontes formais imediatas, mas
somente a lei pode criar crime e cominar pena. O tratado internacional, a despeito de ser
considerado fonte formal imediata, não pode fazê-lo. Essa crítica foi defendida por Luís
Flávio Gomes e adotada pelo STF no HC 96.007/SP.
Esse HC foi um divisor de águas. Nele, o STF anunciou que tratados e convenções
internacionais não podem criar crimes e cominar penas, ou seja, não podem incentivar um
direito penal interno incriminador (valeriam apenas para direito penal interno não
incriminador). Foi uma provocação ao legislador, que deveria criar uma lei em que se
definisse o conceito de organização criminosa.
429
Foi assim que nasceu a Lei 12.694/12, em que o legislador definiu organização criminosa
para o direito penal interno (art. 2º):
qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior
A Lei 12.850/13, editada menos de um ano após a Lei 12.694/12, por sua vez, reviu o
conceito, definindo organização criminosa no parágrafo 1º do seu artigo inaugural:
natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a
430
Mediante a prática de crimes cujas penas Mediante a prática de infrações penais cujas
máximas sejam iguais ou superiores a 4 anos ou penas máximas sejam superiores a 4 anos ou
sejam de caráter transnacional. sejam de caráter transnacional.
A Lei 12.850/13 exige quatro ou mais pessoas para que esteja caracterizada uma
organização criminosa.
Tal objetivo se dava mediante a prática de crimes na Lei 12.694/12, enquanto na Lei
12.850/13 o objetivo é alcançado mediante a prática de infrações penais, cujas penas
máximas sejam superiores (e não mais iguais) a 4 anos ou que sejam de caráter
transnacional. As infrações penais abrangem contravenção penal, desde que seja
contravenção penal com pena máxima superior a 4 anos (veja que não existe contravenção
penal com pena superior a quatro anos).
Cuidado, pois a Lei 12.694/12 não foi revogada pela Lei 12.850/13. Apenas a definição de
organização criminosa foi revogada pela nova lei, de forma que os demais dispositivos da Lei
12.694/12 coexistem com os da Lei 12.850/13. A Lei 12.694/12 criou, por exemplo, a
possibilidade do julgamento por órgão colegiado em primeiro grau, em se tratando de crime
praticado por organização criminosa.
Portanto, as Leis 12.694/12 e 12.850/13 coexistem, tendo sido revogada a primeira somente
no que se refere ao conceito de organização criminosa (art. 2º).
431
É possível trabalhar com os meios especiais de obtenção de prova (agente infiltrado, ação
controlada etc.) previstos na Lei 12.850/13, mesmo que ausente organização criminosa? É
preciso lembrar que a figura do agente infiltrado foi criada principalmente para investigar
organizações criminosas e a ação controlada para permitir um flagrante em uma organização
criminosa. Seria, então, possível utilizar esses meios quando não se trata de uma
organização criminosa ou tal caraterização é imprescindível?
reciprocamente;
internacional, por foro do qual o Brasil faça parte, cujos atos de suporte ao terrorismo,
Dessa forma, os meios especiais de obtenção de prova podem ser utilizados em infrações
penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no
País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente, e em
organizações terroristas internacionais, reconhecidas segundo as normas de direito
internacional, por foro do qual o Brasil faça parte, cujos atos de suporte ao terrorismo, bem
como os atos preparatórios ou de execução de atos terroristas, ocorram ou possam ocorrer
em território nacional, dispensando-se a caracterização da organização criminosa.
Um exemplo é o crime de tráfico internacional de pessoas (art. 231 do CP). Nele, mesmo que
não esteja presente organização criminosa, admite-se a utilização dos modos especiais de
obtenção de prova.
Até o advento da Lei 12.850/13, organização criminosa não era crime, e sim forma especial
de praticar crime. Organização criminosa não tinha tipo penal, muito mesmo pena, mas
apenas consequências.
Lei 12.850/13
Antes Depois
Organização criminosa não era crime. Organização criminosa é crime.
Organização criminosa não tinha pena, somente Possui tipo próprio com pena privativa de
consequências. Ex.: membro de organização liberdade.
432
criminosa podia sofrer a sanção disciplinar do
RDD.
O crime de organização criminosa está previsto no art. 2º, caput, da Lei 12.850/13:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas
Com a nova Lei, a figura da organização criminosa deixou de ser “apenas” forma de se
praticar crimes para se tornar delito autônomo, punido com reclusão de 3 a 8 anos.
Em relação ao sujeito ativo, trata-se de crime comum, plurissubjetivo (exige número plural
de agentes, no mínimo quatro pessoas), de condutas paralelas (umas auxiliando as outras).
Não se computa agente infiltrado. O agente infiltrado não tem o animus associativo, seu
objetivo é desmantelar a associação criminosa, e não integrá-la.
433
A conduta punida consiste em promover (trabalhar a favor), constituir (formar), financiar
(custear despesas) ou integrar (fazer parte), pessoalmente (forma direta) ou por interposta
pessoa (forma indireta), organização criminosa.
Partindo-se da definição de organização criminosa (art. 1º, §1º), fica claro que a associação,
além da pluralidade de agentes, demanda estabilidade e permanência, com estrutura
ordenada e divisão de tarefas. Faltando qualquer um desses requisitos, ainda que haja a
pluralidade de agentes, não estará configurado o delito de organização criminosa. Nesse
caso, é possível configurar-se mero concurso de pessoas ou o crime de associação criminosa
do art. 288 do CP, antigamente chamado de quadrilha ou bando.
Requisitos:
É imprescindível que a reunião seja efetivada antes da deliberação dos delitos. Caso primeiro
deliberem os delitos, para somente depois as pessoas reunirem-se em associação para
praticar os delitos certos e determinados, haverá mero concurso de pessoas. Ex.: se Rogério
se associa a Carlos, Roberto e Renato e, depois de associados, todos deliberam os crimes
que a associação irá praticar, presentes os demais requisitos, trata-se de organização
criminosa. Caso Rogério primeiro delibere os crimes e, depois disso, saia atrás de pessoas
para lhe ajudar a praticá-los, tratar-se-á de mero concurso de pessoas.
1.2.4. Voluntariedade
434
É imprescindível o animus associativo.
1.2.5. Consumação
i) que o agente pode ser preso em flagrante enquanto não desfeita a associação ou
enquanto não abandoná-la (art. 303 do CPP);
iii) enquanto não cessada a permanência, aplica-se a Lei nova, ainda que mais grave (Súmula
711 do STF).
Art. 2º (...) Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas
Assim, para punir a organização criminosa, não é preciso que os crimes sejam efetivamente
praticados pela associação, mas, se ocorrerem, serão punidos em concurso material com o
crime do art. 2º da Lei 12.850/13.
O crime de organização criminosa admite tentativa? De acordo com a maioria, não é possível
a tentativa. Os atos praticados com a finalidade de formar a associação são atos
preparatórios e, portanto, impuníveis.
435
1.3. Art. 2º, § 1º
O art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/13 enuncia que na mesma pena (reclusão de 3 a 8 anos) incorre
quem impede ou de qualquer forma embaraça a investigação penal que envolva organização
criminosa.
Art. 2º (...) § 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma,
O art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/13, tutela a administração da justiça, e não mais a paz pública.
1.3.2. Sujeitos
O agente não pode estar envolvido ou ter concorrido, de qualquer modo, para a formação
ou funcionamento da organização criminosa. Caso tenha se envolvido ou de qualquer forma
concorrido para a formação ou funcionamento da organização criminosa, responderá pelo
art. 2º, caput, da Lei 12.850/13. Nessa situação, o § 1º seria um post factum impunível.
Investigação Processo
Impedir ou embaraçar a investigação caracteriza Caso o agente impeça ou embarace o processo,
o art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/13. há duas correntes.
Há duas correntes:
436
1ª corrente: a omissão não pode ser suprida, pois seria analogia incriminadora,
violando o princípio da legalidade (Cezar Roberto Bitencourt).
Cuidado, pois o crime é de execução livre, podendo ser praticado com violência, grave
ameaça, fraude etc. Aliás, usando o agente, na obstrução, de violência ou grave ameaça
contra autoridade ou qualquer outra personagem atuante na persecução penal, não há que
se cogitar do crime de coação no curso do processo, tipificado no art. 344 do CP, punido com
pena de 1 a 4 anos de reclusão:
Art. 344 - Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou
alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a
Exemplos:
i) Fulano embaraça investigação de organização criminosa da qual não faz parte, ameaçando
pessoas não ligadas a persecução penal. Estará configurado o art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/13,
punido com pena de 3 a 8 anos;
ii) Fulano embaraça investigação de organização criminosa da qual não faz parte, ameaçando
o Delegado de Polícia ou testemunhas. Nesse caso, estará configurado o crime do art. 2º, §
1º, da Lei 12.850/13, punido com pena de 3 a 8 anos. Não pode configurar o crime do art.
344 do CP, que tem pena de 1 a 4 anos.
437
Rogério entende que o agente não poderia ser punido com menos ameaçando o mais, e ser
punido com mais ameaçando o menos. Para ele, constitui violação da proporcionalidade e
da razoabilidade.
1.3.4. Voluntariedade
1.3.5. Consumação
O art. 2º, § 2º, da Lei 12.850/13 é uma causa de aumento de pena e assim dispõe:
Trata-se de agravante de pena, semelhante a do art. 62, I, do CP, a ser considerada pelo
magistrado na segunda fase do cálculo da pena.
Art. 2º (...) § 3º A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo,
É uma hipótese de aplicação da teoria do domínio do fato. Trata-se do autor que domina o
fato, autor genuíno do crime.
438
1.6. Art. 2º, § 4º
O § 4º, do art. 2º, da Lei 12.850/13 volta a prever causas de aumento de pena.
Art. 2º (...) § 4º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):
exterior;
independentes;
Rogério entende que a causa de aumento que tende a aparecer em provas de concurso é a
do inciso V, que trata da transnacionalidade da organização.
Esta medida cautelar está prevista no art. 319, VI, do CPP, pressupondo o binômio: i)
periculum in mora; e ii) fumus boni iuris, como toda e qualquer cautelar.
Pode ser decretada em qualquer fase da persecução penal, e não apenas na fase do
inquérito policial, abrangendo a fase da investigação ou do processo.
439
pena.
Diferentemente do art. 92 do CP cujo parágrafo único exige decisão motivada do juízo para
gerar este efeito, a Lei de Organização Criminosa repetiu o espírito da Lei de Tortura, em que
a perda do cago, emprego ou função é automática, dispensando-se motivação.
Portanto, como já ocorre na Lei de Tortura (art. 1º, § 5º), o efeito é automático, dispensando
decisão motivada do magistrado.
Art. 2º (...) § 7º Se houver indícios de participação de policial nos crimes de que trata esta
Público, que designará membro para acompanhar o feito até a sua conclusão.
440
Rogério pondera, ainda, que de acordo com jurisprudência pacífica, o Promotor ou o
Procurador que participar ou conduzir a investigação não estará impedido de atuar na ação
penal.
O legislador criou crimes para inibir comportamentos que prejudiquem esses meios
extraordinários de obtenção de prova.
1.10.1. Art. 18
Art. 18. Revelar a identidade, fotografar ou filmar o colaborador, sem sua prévia
O art. 5º, II, da Lei 12.850/13 assegura ao agente colaborador sigilo quanto à identidade. O
inciso V, por sua vez, enuncia que é direito do agente colaborador não ter sua identidade
revelada por qualquer meio de comunicação sem sua prévia autorização.
Em relação ao sujeito ativo, o crime é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa. A
vítima é o Estado, periclitado na sua tarefa de obtenção de provas e o próprio agente
colaborador.
441
Atenção, pois nas três formas de execução é imprescindível que o autor do crime aja sem
prévia autorização por escrito do agente colaborador. O fato será atípico se a pessoa tiver tal
autorização.
Consuma-se o crime com a prática de qualquer dos núcleos, sendo perfeitamente possível a
tentativa. Trata-se de crime plurisubssistente (a execução pode ser fracionada em vários
atos).
1.10.2. Art. 19
Art. 19. Imputar falsamente, sob pretexto de colaboração com a Justiça, a prática de
infração penal a pessoa que sabe ser inocente, ou revelar informações sobre a estrutura
Junto com a administração da justiça, o art. 19 tutela de forma mediata, a honra da pessoa
inocente a quem o colaborador imputou a prática da infração penal.
Figura como sujeito ativo o agente colaborador, nos termos do art. 4º da Lei 12.850/13.
Conforme dispõe o art. 4º, § 14, o agente renuncia, na presença de seu defensor, ao direito
ao silêncio e presta o compromisso de dizer a verdade:
Art. 4º (...) § 14. Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de
verdade.
442
característica inerente a irrenunciabilidade. O ideal, portanto, é falar em não exercício do
direito ao silêncio.
A vítima imediata é o Estado, além da pessoa objeto da injusta provocação (vítima eventual
mediata).
i) colaboração caluniosa:
A primeira conduta típica consiste em imputar falsamente, sob pretexto de colaboração com
a justiça, a prática de infração penal a pessoa que sabe ser inocente.
Haverá o crime quando o fato imputado jamais ocorreu (é a chamada falsidade que recai
sobre o fato) ou, quando real o acontecimento, não foi a pessoa apontada o seu autor (a
falsidade recai sobre a autoria do fato).
Pune-se apenas a título de dolo. O agente deve saber que pratica colaboração caluniosa ou
fraudulenta.
É indispensável que o sujeito ativo tenha consciência de que a imputação à pessoa inocente
é falsa. A dúvida pode configurar dolo eventual. Na segunda parte (colaboração
fraudulenta), deve saber que as informações reveladas são inverídicas. De acordo com a
leitura do tipo, a dúvida parece configurar fato atípico.
Obviamente, a boa-fé exclui o dolo. Ex.: agente colaborador acreditava que as informações
eram verídicas, ainda que efetivamente não sejam.
443
O crime se consuma com a falsa imputação ou com a revelação de informações não
verdadeiras, dispensando efetivo prejuízo para a administração da justiça.
1.10.3. Art. 20
Art. 20. Descumprir determinação de sigilo das investigações que envolvam a ação
Figura como sujeito ativo apenas o personagem que atua na persecução penal de
organização criminosa. Trata-se de delito próprio. São as pessoas que, em razão do cargo,
devem guardar sigilo. Isso, contudo, não impede que particular concorra para o crime.
A conduta punida pelo tipo consiste em descumprir determinação (legal ou judicial) de sigilo
das investigações que envolvam a ação controlada e a infiltração de agentes. O sigilo pode
ser imposto por lei ou pelo magistrado.
relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida
investigações.
444
O art. 10 acrescenta:
Existe o crime mesmo que a revelação se dê a outro funcionário sem acesso ao segredo.
Havendo justa causa para a revelação do sigilo, poderá ser excluído o caráter criminoso do
fato.
Consuma-se com a revelação do sigilo. Se praticado por ação, admite tentativa. A tentativa
também é admitida em caso de omissão imprópria.
1.10.4. Art. 21
ou do processo:
Figura como sujeito ativo qualquer pessoa a quem se dirige a requisição (e que tenha poder-
dever de obedecê-la). Trata-se de crime comum.
Pune-se o agente recusar (não aceitar) ou omitir (deixar de fazer) dados cadastrais, registros,
documentos e informações requisitadas pelo juiz, Ministério Público ou delegado de polícia,
no curso de investigação ou do processo.
445
De acordo com os arts. 15, 16 e 17, da Lei 12.850/13, não só o juiz, como também delegado
e Ministério Público terão acesso direto a determinados dados cadastrais. Ex.: itinerários de
viagens, números das contas bancárias etc.
A consumação se dá com a recusa ou omissão. Trata-se de crime omissivo próprio, que não
admite tentativa.
O parágrafo único do art. 21 pune com a mesma pena quem, de forma indevida, se apossa,
propala, divulga ou faz uso dos dados cadastrais de que trata a Lei.
Art. 21 (...) Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem, de forma indevida, se apossa,
propala, divulga ou faz uso dos dados cadastrais de que trata esta Lei.
Apesar do silêncio da redação típica, parece evidente que os cadastros devam conter
informações sigilosas.
Atenção, pois o art. 24 da Lei 12.850/13 alterou o art. 288 do CP, que passa a se chamar
associação criminosa e vigorar com a seguinte redação:
Art. 24. O art. 288 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal),
“Associação Criminosa
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:
Tabela explicativa:
Art. 288 do CP (antes da Lei 12.850/13) Art. 288 do CP (depois da Lei 12.850/13)
Associarem-se mais de três pessoas, em Associarem-se três ou mais pessoas, para o fim
quadrilha ou bando, para o fim de cometer específico de cometer crimes
crimes
446
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos Pena – reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos
Parágrafo único. A pena aplica-se em dobro, se a Parágrafo único. A pena aumenta-se até a
quadrilha ou bando é armado metade se a associação é armada ou se houver a
participação de criança ou adolescente
2 – Aspectos processuais
2.1. Introdução
Art. 1º Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os
aplicado.
Art. 3º Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já
I - colaboração premiada;
específica;
específica;
Veja que o caput do art. 3º fala em persecução penal. Portanto, pelo menos em tese, os
meios de obtenção de prova podem ser utilizados na investigação ou no curso do processo.
O artigo indica alguns meios de obtenção de prova que podem ser utilizados na investigação
de crimes praticados por organizações criminosas. Contudo, nem todos os meios de
447
obtenção de prova estão regulamentados na Lei 12.850/13, que dispõe apenas sobre
colaboração premiada, ação controlada, acesso a registro de ligações telefônicas e
telemáticas e dados cadastrais, assim como infiltração por policiais.
A Lei fala em meios de obtenção de prova e não em meios de prova. As expressões não são
sinônimas e é preciso ter cuidado com a terminologia.
Fontes de prova são as pessoas ou coisas exteriores ao processo e que têm algum
conhecimento sobre o fato delituoso. É tudo o que está relacionado ao fato delituoso. São
anteriores ao processo e sua introdução no processo ocorre através dos meios de prova.
Ex.: busca domiciliar é um meio de obtenção de prova. É preciso ter em conta que busca e
apreensão não são um único meio de obtenção de prova. A busca pode ser pessoal ou
domiciliar. Pode haver busca sem apreensão.
As TEI são ferramentas sigilosas, postas à disposição do Estado para a apuração e persecução
de crimes graves, que exijam o emprego de estratégias investigativas distintas das
tradicionais (baseadas normalmente em prova documental ou testemunhal). São novos
procedimentos investigatórios. Caracterizam-se por dois elementos: sigilo e dissimulação.
448
O sigilo é inerente à eficácia das TEI. O Estado também se vale de métodos dissimulados
para que o acusado não tome conhecimento do procedimento investigatório. As TEI’s Foram
pensadas para o crimes de tráfico de droga, e posteriormente utilizadas em relação ao crime
de organização criminosa.
Meios de prova, por fim, são os instrumentos através dos quais as fontes de prova são
introduzidas no processo. Os meios de prova, ao contrário das fontes, referem-se a
atividades endoprocessuais, desenvolvidas perante o juiz. O contraditório e a ampla defesa
são elementos inerentes para a caracterização dos meios de prova.
A colaboração premiada é tratada de forma detalhada nos arts. 4º, 5º, 6º e 7º da Lei
12.850/13. Esses dispositivos constituem um regramento geral da colaboração premiada.
Está relacionada à ideia da traição. O Estado acaba interessando-se por essa traição. As
organizações criminosas possuem um caráter coeso muito marcante e o Estado reconhece
que não possui meios de obter informações senão por intermédio de um dos integrantes
desses grupos.
A origem está relacionada ao direito anglo-saxão, principalmente aos EUA e Itália (no
combate à máfia). Utiliza-se a expressão crown witness.
Colaboração premiada nada mais é do que uma técnica especial de investigação ou meio de
obtenção de prova por meio do qual o Estado oferece ao coautor ou partícipe um prêmio
legal, em troca de informações relevantes para a persecução penal. Trata-se de uma
negociação. O Estado é incapaz de resolver o problema da criminalidade e realiza uma troca
com o criminoso, oferecendo prêmios em troca de informações. Os prêmios vão desde uma
causa de diminuição de pena até uma possível extinção da punibilidade pelo perdão judicial.
A expressão colaboração premiada deve ser compreendida como gênero do qual a delação
premiada é uma das espécies. A delação premiada pressupõe que a pessoa incrimine os
comparsas. Fala-se, portanto, em delação quando houver a incriminação de comparsas pelo
449
coautor ou partícipe. O acusado confessa a prática delituosa e incrimina antigos comparsas.
A delação é também denominada “chamamento de corréu”.
Há outras espécies de colaboração premiada. O acusado pode ser útil não apenas
identificando seus comparsas, mas também prestando outras informações relevantes. Ex.:
acusado ajuda com a localização da vítima com sua integridade física preservada. Neste
caso, não há delação e sim colaboração premiada.
A expressão delação premiada deve ser evitada, pois traz em si a ideia pejorativa de traição.
Renato Brasileiro sugere que em provas utilize-se a expressão colaboração premiada caso o
candidato perceba que o examinador faz tal distinção. Contudo, a tendência é que
examinadores mais antigos não façam tal distinção, utilizando as expressões como
sinônimas.
Renato Brasileiro pondera que tal entendimento não é majoritário. Isso porque falar em
ética e moral dentro de uma organização criminosa soa contraditório. As organizações
criminosas não prezam pela ética e moral. Ex.: integrantes do PCC determinam, de dentro do
presídio, julgamento sumários, execução de policiais etc.
Não há como negar que é perfeitamente possível a colaboração premiada sem qualquer
violação da ética e da moral, que sequer existem dentro de uma organização criminosa.
450
O direito ao silêncio está previsto no art. 5º, LXIII, da CR. Tal dispositivo estabelece que o
preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe
assegurada a assistência da família e de advogado.
Art. 4º (...) § 14. Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de
verdade.
Há, ainda, o crime do art. 19 da Lei 12.850/13, já analisado, que trata de imputar falsamente
a prática de crime a pessoa que sabe ser inocente ou divulgar informação falsa sobre a
organização criminosa:
Art. 19. Imputar falsamente, sob pretexto de colaboração com a Justiça, a prática de
infração penal a pessoa que sabe ser inocente, ou revelar informações sobre a estrutura
451
Primeiramente, é importante pontuar que o direito ao silêncio é um direito fundamental e
uma de suas características é a sua indisponibilidade. Ou seja, o indivíduo não pode
renunciar a um direito fundamental. O legislador, portanto, andou mal ao utilizar o verbo
“renunciar”, na medida em que não se pode renunciar a direito fundamental. O colaborador,
em verdade, opta pelo não exercício do direito ao silêncio. Trata-se de impropriedade do
legislador, pois o acusado continua tendo o direito ao silêncio, mas fez uma opção
consentida e informada de que não o exerceria.
O colaborador, obviamente, não responde por falso testemunho porque ele é um dos
coautores ou partícipes e não testemunha do crime.
Em relação ao crime do art. 19, no RE 561.704, o STF entendeu que o direito ao silêncio não
dá ao acusado o direito de praticar o crime de falsa identidade, por não ser um direito
absoluto. É muito comum que a pessoa pratique a falsa identidade para esconder um
passado criminoso. Não há plausibilidade em afirmar que o acusado poderia cometer crimes
em decorrência de seu direito ao silêncio. O acusado, portanto, não é obrigado a produzir
prova contra si mesmo, mas o direito ao silêncio não lhe concede o direito de imputar
falsamente crimes a terceiros inocentes.
Portanto, não há qualquer problema com o crime previsto no art. 19 da Lei 12.850/13.
Não há como negar que a colaboração premiada já estava inserida no CP, principalmente a
partir da Reforma de 1984. Há, por exemplo, o arrependimento posterior, arrependimento
eficaz, atenuantes de pena para a confissão espontânea, art. 159, § 4º etc.
i) art. 8º, parágrafo único, da Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos):
Art. 8º Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal,
452
Nesse artigo, a colaboração visa ao desmantelamento do bando ou quadrilha, agora
denominada associação criminosa, com o prêmio de redução da pena de 1 a 2/3.
iii) art. 25, §2º, da Lei 7.492/86 (Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional):
Art. 25 (...) § 2º Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou coautoria, o
judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços. (Incluído pela
iv) art. 16, parágrafo único, da Lei 8.137/90 (Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária,
Econômica e as Relações de Consumo):
Art. 16. Qualquer pessoa poderá provocar a iniciativa do Ministério Público nos crimes
descritos nesta lei, fornecendo-lhe por escrito informações sobre o fato e a autoria, bem
Parágrafo único. Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou coautoria, o
judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços. (Parágrafo
Art. 1º (...) § 5º A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime
localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. (Redação dada pela Lei nº
453
12.683, de 2012)
A Lei 9.613/98 concedeu benefícios mais atrativos. Além da diminuição de pena, pode haver
fixação do regime inicial de cumprimento de pena aberto ou semiaberto,
independentemente do cumprimento dos requisitos previstos no art. 44 do CP.
Faculta-se, ainda, ao juiz, deixar de aplicar a pena (perdão judicial com a consequente
extinção da punibilidade) ou substituí-la por pena restritiva de direitos.
Cuidado com a conjunção alternativa “ou”. Na antiga Lei de Lavagem de Capitais, esses
requisitos eram cumulativos. A conjunção “ou” indica alternatividade para a concessão do
benefício legal.
A Lei de Lavagem estabelece que a colaboração deve ser espontânea. Para fins de concessão
dos benefícios legais, a colaboração precisa de fato ser espontânea ou basta ser voluntária?
Cuidado, pois voluntariedade e espontaneidade não se confundem.
Espontâneo é algo que parte do indivíduo. O próprio agente deve resolver colaborar, a ideia
deve partir dele. Isso não é necessário para fins de colaboração premiada. O Estado não se
preocupa se o agente recebeu algum tipo de incentivo.
A colaboração, portanto, não precisa ser espontânea, e sim voluntária. Será beneficiado
tanto o indivíduo que espontaneamente resolveu colaborar quanto aquele que resolveu
colaborar após a influência de alguém. O indivíduo somente não poderá ser constrangido a
colaborar.
vi) art. 13 da Lei 9.807/99 (Lei de Proteção à Vítima, às Testemunhas e aos Colaboradores):
Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e
454
Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do
Essa Lei é de proteção às testemunhas. Por isso, a doutrina entende que a colaboração
premiada nela prevista pode ser usada como regramento geral, e não apenas para
determinado crime, como nos demais dispositivos citados.
Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial
(um) a 2/3 (dois terços) da penalidade aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas
físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica, desde que
colaboração resulte:
investigação.
Art. 87. Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei nº 8.137, de 27 de
dezembro de 1990, e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais
de leniência, nos termos desta Lei, determina a suspensão do curso do prazo prescricional
455
ix) arts. 4º a 7º da Lei 12.850/13 (Nova Lei de Organizações Criminosas):
Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em
até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos
processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes
resultados:
A Lei prevê três possíveis prêmios legais: diminuição de pena em até 2/3, substituição por
pena restritiva de direitos e concessão de perdão judicial.
Entretanto, a Lei não determinou para qual crime poderá ser utilizada a colaboração
premiada. Isso porque, atualmente, organização criminosa passou a ser crime, mas o agente
responderá também pelos crimes praticados pela organização. Seria apenas para o crime de
organização criminosa ou também para os crimes praticados pela organização criminosa?
Renato pondera que certamente haverá discussão, mas entende que onde a lei não restringe
não é dado ao interprete fazê-lo, por isso a colaboração premiada poderia ser utilizada em
todos os crimes.
Objetivos:
iv) a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas
pela organização criminosa;
v) a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada. O legislador não
tratou da integridade psicológica da vítima.
456
Esses objetivos são alternativos. A própria Lei deixa isso claro quando determina que da
colaboração deve advir um ou mais dos resultados:
Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em
até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos
processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes
resultados:
Claro que se o indivíduo tem mais de uma informação objetivamente eficaz, é interessante
que ele traga todas ao processo, para ser agraciado com o prêmio máximo, que é a
concessão do perdão judicial, com a consequente extinção da punibilidade.
concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido
457
É preciso ter cuidado, todavia, porque o STF possui posicionamento proferido no julgamento
da AP 470 (caso do Mensalão), questão de ordem nº 3, no sentido de que o prêmio da
colaboração premiada não pode ser concedido no início do processo. Por mais que o
indivíduo resolva colaborar, ele terá de ser objeto de denúncia.
colaborador, poderá ser suspenso por até 6 (seis) meses, prorrogáveis por igual período,
prescricional.
Art. 4º (...) § 4o Nas mesmas hipóteses do caput, o Ministério Público poderá deixar de
Ex.: acusado indica o local em que se encontra a vítima no momento em que ela ainda se
encontra com vida. Caso a polícia chegue ao local e encontre a vítima morta, o agente não
será beneficiado, haja vista que a vítima não foi encontrada com a integridade física
preservada.
458
Até o advento da Lei 12.850/13, não havia previsão expressa desse acordo que, no entanto,
era feito na prática.
Esse acordo informal, entretanto, é deveras perigoso para o criminoso, pois não há
segurança de que os benefícios legais serão de fato levados em consideração pelo juiz. O juiz
sequer participou ou homologou o acordo.
Há quem entenda que o delegado de polícia poderia celebrar esse acordo. Renato adverte
que esse posicionamento somente deve ser defendido em provas para delegado. Em outros
concursos, o ideal é defender que o delegado pode sugerir ao criminoso a celebração do
acordo, mas a efetiva celebração deve ser realizada com a presença obrigatória do membro
do MP, titular da ação penal.
Art. 6º O termo de acordo da colaboração premiada deverá ser feito por escrito e conter:
necessário.
Cuidado, pois o acordo de celebração da colaboração não é condição sine qua non para a
concessão dos benefícios legais. O acordo existe para dar aos envolvidos maior segurança
jurídica, mas não se pode admitir que ao criminoso somente sejam concedidos os prêmios
legais se houver acordo escrito.
459
Não se deve permitir que o juiz tenha papel de protagonismo na celebração do acordo, em
razão da garantia da imparcialidade. Não há como negar que haveria graves prejuízos à
imparcialidade do juiz.
O papel do juiz é de distância, exatamente para preservar sua imparcialidade. A Lei foi
categórica nesse sentido:
Art. 4º. (...) § 6º O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a
O juiz não participa das negociações, das tratativas do acordo. Ou seja, o juiz não deve
conversar com o criminoso e oferecer-lhe um acordo de colaboração premiada, mas é óbvio
que deverá intervir.
Alguns doutrinadores entendem que o juiz jamais deve intervir no acordo. O problema é que
se o juiz não participa em momento algum, a concessão do prêmio no processo poderia
restar inviabilizada (o juiz poderia alegar que o promotor ofereceu o prêmio e que esse não
é o seu entendimento).
podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor.
Portanto, o juiz não participa das tratativas, mas o acordo deverá ser a ele remetido para
homologação. A intervenção do juiz é necessária para fins de homologação, em que ele
deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo, para este fim,
sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor.
Art. 4º (...) § 8º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos
460
Não há dúvidas de que a colaboração premiada poderá ser celebrada durante a investigação.
E é nesse momento que ela se revela mais eficaz, pois é na investigação que o Estado precisa
de informações relevantes para o esclarecimento do crime.
Até pouco tempo atrás, isso era discussão meramente doutrinária. Ocorre que desde o
advento da Lei 12.683/12, que acrescentou o § 5º ao art. 1º da Lei de Lavagem de Capitais,
isso passou a ser uma realidade.
Art. 1º (...) § 5º A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime
localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. (Redação dada pela Lei nº
12.683, de 2012)
A Lei 12.683/12 acrescentou a expressão “a qualquer tempo”, isto é, mesmo após o trânsito
em julgado da sentença condenatória. A colaboração premiada pode ser celebrada, assim,
durante a execução criminal. É preciso ter em conta que pode haver a colaboração premiada
após o trânsito em julgado da sentença condenatória, mas as informações ainda assim
devem ser objetivamente eficazes. Um bom exemplo é o criminoso que cumpre pena pelo
crime de lavagem de capitais e decide colaborar para a localização do produto do crime e
das infrações antecedentes.
Art. 4º (...) § 5º Se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até
461
objetivos.
A colaboração premiada após o trânsito em julgado pode ser útil para diminuição de pena
ou progressão de regime, ainda que ausentes os requisitos objetivos.
É possível condenar um acusado exclusivamente com base nas informações obtidas com a
colaboração premiada?
Art. 4º. (...) § 16. Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento
Trata-se da regra de corroboração. Andrey Borges de Mendonça trata dessa regra. Não basta
que o criminoso confesse a prática delituosa e identifique os demais coautores. Ele deverá,
ainda, trazer fontes de prova aptas a confirmar as informações por ele prestadas. Ex.: agente
indica um coautor e um telefone que ele utiliza para conversar sobre o tráfico, para que a
polícia possa interceptar.
2.3.1. Conceito
462
teria pouca eficácia para combater a organização criminosa, pois seria preso apenas um
indivíduo, sem a identificação dos demais componentes da organização criminosa. O Estado
pode, então, utilizar-se da ação controlada: a polícia deixa o indivíduo passar, sob
supervisão, e a prisão é efetuada em momento posterior, subsequente, mais oportuno sob o
ponto de vista da análise do conjunto probatório. No exemplo, a prisão poderia ser feita
quando encontrasse com os demais membros da organização criminosa.
Art. 2º Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já
II - a ação controlada, que consiste em retardar a interdição policial do que se supõe ação
praticada por organizações criminosas ou a ela vinculado, desde que mantida sob
valores poderão ser suspensas pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando a sua
2012)
Essa hipótese configura a ação controlada. O juiz, por exemplo, em uma investigação de
lavagem de capitais, poderia determinar o sequestro de bens imediatamente, mas sabe que
isso poderia obstar a localização de outros bens, na medida em que poderiam ser adotadas
medidas para camuflá-los. Retarda-se, portanto, a intervenção, para adotá-la em momento
mais eficaz sob o ponto de vista da colheita de provas.
Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei,
são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o
463
outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro,
Parágrafo único. Na hipótese do inciso II deste artigo, a autorização será concedida desde
colaboradores.
relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida
A antiga Lei não exigia autorização judicial para a ação controlada. Por isso, alguns
doutrinadores referiam que a ação controlada era descontrolada, pois não havia
necessidade de prévia autorização policial. A polícia levava em frente a ação controlada e
ninguém ficava sabendo disso. A ação controlada, inclusive, era utilizada como falso álibi
para justificar a conduta de policiais corruptos. Não havia controle sobre a ação controlada.
A Lei 9.613/98 estabelece que a ação pode ser suspensa pelo juiz. A Lei 11.343/06 também
exige prévia autorização para a ação controlada.
Renato entende que a necessidade de autorização judicial prévia é um erro, pois a ação
controlada exige rapidez e a autorização judicial pode levar dias para ser analisada. Na visão
de Renato, a Lei 12.850/13 andou bem, pois não prevê a necessidade de prévia autorização
judicial. A Lei prevê apenas que deverá haver prévia comunicação ao juiz competente.
464
limites e comunicará ao Ministério Público.
Cuidado, pois a Lei não exige prévia autorização judicial, como faz a Lei 11.343/06. A Lei
12.850/13 apenas diz que o retardamento da intervenção policial ou administrativa será
previamente comunicado ao juiz competente. Não se pode confundir autorização com
comunicação ao juiz.
Cuidado, pois o exemplo de ação controlada da Lei de Lavagem de Capitais não pode ser
chamado de flagrante prorrogado, pois a Lei fala em “ordem de prisão”, ou seja, a prisão é
efetuada com prévia autorização judicial. A única prisão que não precisa de ordem prévia é a
prisão em flagrante. O ideal é entender que a prisão em flagrante continua sendo obrigatória
na Lei de Lavagem. A ação controlada na Lei de Lavagem refere-se a uma possível prisão
preventiva ou temporária.
Na ação controlada, a intervenção pode ser retardada, mas a prisão posterior não pode ser
efetuada a qualquer tempo. É preciso ter em conta que a CR estabelece que ninguém será
preso, salvo em flagrante delito ou com prévia ordem judicial. No momento posterior, a
prisão somente poderá ser efetuada pela autoridade policial se o agente estiver em situação
de flagrância ou se existir ordem judicial.
465
Entrega vigiada é a técnica especial de investigação que consiste em permitir que remessas
ilícitas ou suspeitas saiam do território de um ou mais Estados, os atravessem ou neles
entrem, com conhecimento e controle das autoridades, com a finalidade de investigar
infrações e identificar pessoas envolvidas na sua prática.
Ex.: pacote enviado de SP com droga para outra localidade. Ao invés de haver a
interceptação em SP, as autoridades interceptam a droga no local de destino.
2.4.1. Conceito
Agente infiltrado consiste em uma técnica especial de investigação por meio da qual um
agente do Estado é inserido dissimuladamente no seio de uma organização criminosa, com o
objetivo de indicar fontes de prova aptas a desarticulá-la.
A primeira lei que tratou do agente infiltrado foi a revogada Lei de Organização Criminosa.
Art. 2º Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já
466
A infiltração de agentes poderia ser realizada por agentes de polícia ou de inteligência. No
Brasil, as atividades de inteligência são executadas pela ABIN – Agência Brasileira de
Inteligência. Esse dispositivo era alvo de críticas, pois dentro da persecução penal não
poderia haver infiltração executada por agente de inteligência.
Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei,
são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o
especializados pertinentes;
Na antiga Lei das Organizações Criminosas, agentes de inteligência também poderiam ser
infiltrados. Esse dispositivo foi revogado.
467
A atribuição depende da natureza do crime investigado. Em tese, a atribuição é somente da
polícia judiciária, civil ou federal. Há quem entenda que a Polícia Militar não poderia realizar
a infiltração. Porém, quando se trata de um crime militar, as polícias militares e as Forças
Armadas têm atribuição de polícia judiciária. Portanto, não há como negar essa
possibilidade.
Particulares podem colaborar como agentes infiltrados? Em uma prova que traga texto de
lei, a resposta deve ser negativa, na medida em que a Lei não faz menção a particulares.
Há, entretanto, alguns doutrinadores que sustentam ser possível que a colaboração
premiada seja utilizada de maneira concomitante com a infiltração. Em um caso concreto,
entendeu-se que seria interessante que o colaborador permanecesse no seio da organização
criminosa, como agente infiltrado, para a descoberta de novas fontes de prova. Seria a única
hipótese, admitida pelo professor Vladimir Aras, de infiltração por particular.
Essa autorização judicial deverá ser fundamentada e sigilosa. Nessa decisão, o juiz deve
estabelecer os limites da atuação do agente infiltrado, determinando os crimes que poderão
ou não ser praticados pelo agente infiltrado.
É preciso ter cuidado com a teoria do juízo aparente. Na interceptação telefônica essa teoria
fica mais clara, pois a interceptação deve ser autorizada pelo juiz competente. O problema é
que, às vezes, no momento inicial das investigações, o juiz competente aparenta ser um e,
com o prosseguimento das investigações, verifica-se que o crime seria da competência de
outro juiz. Surge o seguinte questionamento: a interceptação decretada por um juiz cuja
competência descobriu-se posteriormente ser de outro juiz é válida? Deverá ser considerada
válida em razão da teoria do juízo aparente.
O juízo competente deve ser verificado de acordo com os elementos probatórios então
existentes.
468
No momento de decretar a medida, o juiz deve demonstrar que há indícios de infração penal
de que trata o art. 1º da Lei 12.850/13. Cuidado, pois a infiltração pode ser utilizada no
crime de organização criminosa e para os crimes por ela praticados, como também para
infrações penais previstas em tratado internacional de caráter transnacional e organizações
terroristas internacionais.
Veja que a Lei não exige indícios de autoria, mas apenas elementos da probabilidade da
prática de crimes.
Para Renato, a concordância é obrigatória, pois o agente policial não é obrigado a atuar
como integrante de organização criminosa, ainda que o objetivo seja colaborar com o
Estado. A própria Lei estabelece que uma das hipóteses de interrupção da infiltração é a
recusa do agente. O agente tem direito de renunciar ou recusar a atuação infiltrada.
A Lei 12.850/13 prevê um prazo mais elástico, de 6 meses, renovável desde que haja
comprovada necessidade:
Art. 10. (...) § 3º A infiltração será autorizada pelo prazo de até 6 (seis) meses, sem
469
O prazo limite de seis meses se aplica para cada decisão judicial. Próximo ao final do prazo,
deverá haver nova decisão prorrogando o prazo por até mais 6 meses, e assim
sucessivamente. O que eventualmente for descoberto sem que o prazo tenha sido renovado
será considerado prova ilícita.
Agente infiltrado é um agente de polícia que obtém autorização judicial para ser introduzido
dissimuladamente em uma organização criminosa, de modo a coletar informações
necessárias para o desmantelamento da associação. A atuação do agente infiltrado é inerte,
isto é, o agente não deve incentivar novas práticas delituosas. Deve apenas tomar
conhecimento das que serão praticadas.
Essa atuação caracteriza um flagrante esperado, pois não há ação de provocação da prática
criminosa.
Não se confunde com o agente provocador, que pode ser tanto um particular quanto um
policial. Não depende de prévia autorização judicial e tem papel proativo, induzindo o
criminoso a praticar delitos, e adotando, ao mesmo tempo, precauções para que o crime
não se consume.
O agente infiltrado não deve induzir novas práticas delituosas. Deve adotar posicionamento
inerte para a colheita de informações.
Quando o juiz defere uma autorização para a infiltração do agente, ele deve estabelecer
limites para essa atuação. O agente infiltrado, quando entra na organização criminosa, será
obrigado a praticar crimes, para não levantar suspeitas dos criminosos. Ou seja, o agente
deverá participar da prática de alguns crimes para que as informações sejam obtidas.
O art. 10 da Lei 12.850/13 determina que o magistrado estabeleça limites para a atuação do
agente infiltrado. O problema é que o legislador não diz quais são esses limites.
470
É óbvio que a autorização judicial deve abranger o crime de organização criminosa. Em
relação a outros crimes, a lei silencia. Assim o juiz poderia dar autorização para que o agente
pratique extorsão mediante sequestro?
Renato pondera que, diante do silêncio da lei, o ideal é entender que o juiz poderia autorizar
apenas a prática de crimes de perigo, abstrato ou concreto. Ex.: autorização judicial para que
o agente se infiltre e pratique o crime de tráfico de drogas, além do crime de organização
criminosa. O crime de tráfico é de perigo abstrato e, pelo menos em tese, não resultará na
morte de uma pessoa.
Não se admite, porém, autorização judicial para a prática de crimes de dano pelo agente
infiltrado. Ex.: extorsão mediante sequestro, lesão corporal. Isso porque os fins não
justificariam os meios.
E se, diante da situação fática, o agente infiltrado se veja obrigado a praticar outros crimes,
que não os de perigo, para que sua verdadeira identidade não seja descoberta?
A maioria da doutrina entende que, nesse caso, o agente não responde pelos crimes que
seja obrigado a praticar. Há parte minoritária da doutrina sustentando que nesse caso
haveria uma causa extintiva da punibilidade (o fato seria típico, ilícito e culpável, mas não
seria punível). A melhor posição para concurso é defender que o agente infiltrado não
responde pelo crime em razão de causa excludente da culpabilidade por inexigibilidade de
conduta diversa.
Art. 13. O agente que não guardar, em sua atuação, a devida proporcionalidade com a
Parágrafo único. Não é punível, no âmbito da infiltração, a prática de crime pelo agente
O agente infiltrado, ademais, será coagido pelos demais integrantes a praticar os crimes e
não se pode exigir dele conduta diversa. Por isso essa conduta não seria culpável.
471
Art. 14. São direitos do agente:
II - ter sua identidade alterada, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 9º da Lei
testemunhas;
III - ter seu nome, sua qualificação, sua imagem, sua voz e demais informações pessoais
em contrário;
Não é dado ao juiz revelar a identidade do agente infiltrado. Renato não entende como uma
decisão judicial poderia revelar essas informações. O direito do acusado de acompanhar os
depoimentos não é absoluto e a revelação da identidade do agente infiltrado acarretará em
risco de morte. Trata-se da figura da testemunha anônima. É a testemunha que não tem sua
identidade e qualificação reveladas. A discussão quanto à validade da testemunha anônima
já foi decidida pelo STF no julgamento do HC 90.321, no qual entendeu ser plenamente
possível, desde que haja decisão do juiz no sentido da necessidade de se preservar a
identidade da testemunha.
IV - não ter sua identidade revelada, nem ser fotografado ou filmado pelos meios de
Art. 20. Descumprir determinação de sigilo das investigações que envolvam a ação
472
Art. 15. O delegado de polícia e o Ministério Público terão acesso, independentemente de
O art. 15 da Lei 12.850/13 é muito semelhante ao art. 17-B da Lei 9.613/98, com redação
dada pela Lei 12.683/12:
Art. 17-B. A autoridade policial e o Ministério Público terão acesso, exclusivamente, aos
Renato pondera que não se pode superdimensionar o direito à intimidade. Além disso, o MP
e o delegado somente poderão ter acesso a informações sobre qualificação pessoal, filiação
e o endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras,
provedores de internet e administradoras de cartão de crédito. Essas informações, para
Renato, são de conhecimento público e dizem respeito à identidade da pessoa. Ex.: o MP
não pode, sem autorização judicial, quebrar o sigilo de dados bancários e financeiros.
Art. 17. As concessionárias de telefonia fixa ou móvel manterão, pelo prazo de 5 (cinco)
anos, à disposição das autoridades mencionadas no art. 15, registros de identificação dos
interurbanas e locais.
Esse dispositivo vem sendo questionado pela doutrina. Paccelli entende que é
inconstitucional, pois dá a impressão de que MP e delegado poderiam ter acesso ao registro
473
de dados telefônicos independentemente de autorização judicial e isso violaria o direito à
intimidade e vida privada.
2.6.1. Origem
A formação do juízo colegiado está relacionada aos recentes homicídios de quatro juízes
(Leopoldino Marques do Amaral, Antônio José Machado Dias, Alexandre Martins e Patrícia
Accioli).
A partir do momento em que juízes começam a ser vítimas das organizações criminosas,
surge a ideia do juízo colegiado. A ideia constou do II Pacto Republicano de Estado,
celebrado no ano de 2009.
A ideia básica é que através da criação do juízo colegiado, formado por três magistrados, se
consiga tornar a decisão um pouco mais impessoal. Quando a decisão judicial é proferida por
um único magistrado, é possível que o integrante da organização criminosa queira se vingar
dessa pessoa. O criminoso corporifica sua raiva em uma única pessoa. O juízo colegiado
pretende que essa decisão seja um pouco mais impessoal, despersonalizando a decisão
judicial.
A ADI 4.144 foi apreciada em 2012, e se refere a uma Lei estadual de Alagoas. Trata-se da Lei
6.806/07, que criou um juízo colegiado, composto por cinco juízes, para o julgamento das
organizações criminosas.
A Lei federal que tratou do assunto foi a Lei 12.694/12. Porém, muitos estados da federação
já demonstravam preocupação com a matéria, ao criarem varas especializadas para julgar
organizações criminosas.
Um dos juízes do colegiado é o juiz natural que, através de sorteio, convoca outros dois
magistrados.
A ADI 4.144 é importante, pois nela o STF enfrenta a possibilidade de uma lei estadual dispor
sobre o assunto (uma lei estadual prever a criação de juízo colegiado e definir o conceito de
organização criminosa).
474
Segundo o STF, lei estadual não pode dizer o conceito de organização criminosa, ainda que
invocando a Convenção de Palermo, pois isso viola o princípio da legalidade. No HC 96.007, o
STF decidiu que organização criminosa somente pode ser definida por lei federal, aprovada
pelo Congresso Nacional.
O STF decidiu, ainda, que Lei estadual pode dispor sobre a formação do juízo colegiado, pois
o assunto estaria no âmbito da organização judiciária de cada estado.
Por fim, o Tribunal entendeu que não há problema na criação do juízo colegiado, da mesma
forma que existem as Juntas Eleitorais, Turmas Recursais e julgamento pelo Tribunal do Júri,
todos órgãos colegiados. Não há violação ao juiz natural, pois não há prejuízo para a
imparcialidade. Aliás, um magistrado coagido, ameaçado não poderá julgar com
imparcialidade e independência. É importante entender que o juízo colegiado não é a regra,
mas há essa possibilidade, caso seja constatado risco para a integridade física do juiz.
Com o advento da Lei, houve quem sustentasse que o legislador teria criado a figura do juiz
sem rosto.
A figura do juiz sem rosto ou secreto foi utilizada na Colômbia e no Peru. Trata-se de um juiz
em relação ao qual não há qualquer conhecimento. A decisão é, inclusive, apócrifa. O juízo
colegiado tem rosto, mas, em vez de um, há três. A Lei criou, portanto, um juízo colegiado,
pois a qualificação dos juízes é conhecida. A única restrição é que não deve haver menção a
eventual voto divergente.
exceção, por todos os seus integrantes, serão publicadas sem qualquer referência a voto
Art. 1º Em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por
organizações criminosas, o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática
475
III - sentença;
acarretam risco à sua integridade física em decisão fundamentada, da qual será dado
§ 2º O colegiado será formado pelo juiz do processo e por 2 (dois) outros juízes escolhidos
Pelo menos em tese, não se pode utilizar o juízo colegiado para julgamento do crime de
associação criminosa. Deve-se utilizar qual conceito de organização criminosa, o do art. 2º
da Lei 12.694/12 ou o do art. 1º da Lei 12.850/13?
Renato sustenta que em um ordenamento jurídico não podem existir dois conceitos para o
mesmo instituto. Portanto, se a Lei 12.850/13 é posterior e tratou de maneira diversa, o art.
2º da Lei 12.694/12 foi tacitamente revogado, de forma que o conceito de organização
criminosa deve ser extraído do art. 1º, § 1º, da Lei 12.850/13:
natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a
Cuidado, pois a Lei 12.694/12 não foi inteiramente revogada, mas apenas no que diz
respeito ao conceito de organização criminosa.
ii) decisão judicial fundamentada em que deve apontar quais são os riscos à sua integridade
física ou psicológica ou de seus familiares:
476
Qualquer ato processual pode ser praticado pelo juízo colegiado. O rol trazido pelo art. 1º da
Lei 12.694/12 é meramente exemplificativo. A formação do colegiado poderá ser feita a
qualquer momento: durante as investigações, o processo ou mesmo na execução penal. Esse
entendimento é extraído dos exemplos de atos trazidos pelo rol do art. 1º.
Há doutrinadores que sustentam que o colegiado deve ser formado a cada ato processual.
Para Renato, esse entendimento viola a necessidade de celeridade processual, de forma que
não é proporcional. Uma vez formado, o colegiado poderá decidir qualquer questão
processual posterior.
1. Introdução
Até o advento da Lei 12.984/14 havia alguns dispositivos trabalhando a punição daqueles
que agem com preconceito.
A Lei 7.716/89, alterada pelas Leis 9.459/97 e 12.288/12, definiu os crimes resultantes de
preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, punindo comportamentos
de segregação ou incentivo à segregação. A finalidade da lei é punir a segregação.
No mesmo espírito, o CP, no art. 140, §3º, típica como crime a injúria preconceituosa,
punindo aquele que ofende a dignidade ou decoro da vítima utilizando elementos referentes
a raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.
477
O CP pune não a segregação, mas a injúria, a atribuição de qualidades negativas em razão da
etnia, origem etc.
O crime contra a honra, como se percebe, não se confunde com aqueles previstos na Lei
7.716/89.
A Lei 12.984/14 procura proibir e punir o preconceito, figurando como vítimas os portadores
do vírus HIV e os doentes de Aids. Portador do vírus HIV é qualquer pessoa infectada pelo
vírus e que na grande maioria das vezes está totalmente saudável. Doente de Aids é a
pessoa na fase da infecção, em que surge várias doenças e infecções oportunistas geradas
pela deficiência do sistema imunológico do doente, resultado da ação do vírus.
Nos vários incisos incriminadores da nova Lei, tem-se condutas típicas de segregação, de
violação do respeito às diferenças e de ofensas à honra do portador de HIV ou doente de
Aids.
Lembram que o direito penal só deve ser aplicado quando estritamente necessário, de modo
que a sua intervenção fica condicionada ao fracasso das demais esferas de controle (direito
penal é subsidiário), observando somente os casos de relevante lesão ou perigo de lesão ao
bem jurídico (direito penal é fragmentário).
Outra corrente, não menos respeitável, aplaude o novel tipo, concluindo que o legislador
nada mais fez do que obedecer mandado constitucional de criminalização previsto (ainda
que implicitamente) no art. 3º, IV, da CR.
O bem jurídico tutelado é a dignidade dos portadores do vírus HIV e doentes de Aids, mais
precisamente o direito de não serem ofendidos ou segregados do meio social em razão da
sua condição de saúde.
478
Pergunta-se: e porque não outras doenças (como tuberculosa, malária, hanseníase, câncer
etc.)? Certamente, o legislador se atentou para as estatísticas e o mais discriminado é o
portador do HIV e o doente de Aids.
2. Art. 1º
Art. 1o Constitui crime punível com reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, as
privado;
lhe a dignidade;
Os três primeiros incisos (I, II e III) buscam coibir obstáculos ou empecilhos colocados de
forma a dificultar ou impossibilitar o ingresso ou a permanência do portador do vírus ou o
doente de Aids em estabelecimentos educacionais de qualquer espécie ou de trabalho, não
importando se públicos ou privados.
O inciso V pune a conduta daquele que quer ofender a vítima (animus ofendendi), valendo-
se, para tanto, da divulgação da condição do portador do HIV ou de doente de Aids da
vítima.
Por fim, o inciso VI tipifica a conduta dos profissionais da saúde que recusam ou retardam,
injustificadamente (elemento implícito do tipo), atendimento ao paciente portador do HIV
ou de doente de Aids. Se houver justificativa, não haverá o crime.
479
O delito é punido com 1 a 4 anos de reclusão. Portanto, admite suspensão condicional do
processo (art. 89 da Lei 9.099/95). Rogério já imagina doutrina defendendo que o benefício
da Lei 9.099/95 é incompatível com a gravidade do crime que viola a dignidade humana. Se
o legislador não quisesse admitir a suspensão condicional do processo, não teria dado pena
mínima de 1 ano ao crime.
Lembrando que na injúria qualificada pelo preconceito a ação penal é pública condicionada à
representação e no crime de racismo a ação penal é pública incondicionada. A Lei 12.984/14
possui incisos ligados à segregação (racismo) e outros ligados à ofensa (crime contra a
honra). Contudo, todos os incisos são perseguidos mediante ação penal pública
incondicionada.
480