Edição Porto • Ano XXXI • n.º 11.

076 • 1,70€
, • Sexta-feira,, 21 de Agosto
g de 2020 • Director: Manuel Carvalho Adjuntos: Amílcar Correia, Ana Sá Lopes, David Pontes, Tiago Luz Pedro Directora de Arte: Sónia Matos

IndieLisboa 200 anos

O festival de da Revolução
cinema entre Liberal
a espada O regresso
do rei e
e a parede as Cortes
vintistas
P2 Verão, 38 a 40

Impacto da covid-19 na economia

empurra mais 12 mil para o RSI
Rendimento Social de Inserção destina-se a pessoas em situação de pobreza. São agora 211.659.
Inverteu-se uma tendência de descida que se mantinha sem mácula desde Abril de 2018 Sociedade, 14/15

Investigação pioneira Vamos poder ver como seria o rosto de D. Dinis Destaque, 2 a 5 Ministério
proíbe horários
duplos em

DANIEL ROCHA
escolas do básico
Várias escolas do 2.º e 3.º
ciclos estão a optar por aulas
de manhã para umas turmas
e de tarde para outras p16

Cuidados
intensivos
vão ter mais
914 camas
Por causa da covid-19,
Governo vai contratar
mais 95 médicos e 626
enfermeiros até 2021 p18/19

Steve Bannon
detido em fraude
para construir o
muro de Trump
Antigo conselheiro e
director de campanha é
acusado de desviar milhões
de dólares p27 e Editorial
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ESTA
SEXTA-FEIRA
ISNN-0872-1556
2 • Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020

DESTAQUE
INVESTIGAÇÃO

Estudo forense
pioneiro no país vai
pôr-nos cara a cara
com o rei D. Dinis
Três anos de trabalho no Mosteiro de Odivelas entram
agora na recta Änal. Uma vasta equipa técnica abriu o túmulo
do rei-poeta e está a estudá-lo por dentro e por fora.
E a restaurá-lo. Como era? O que comia? De que morreu?
estudo forense às ossadas, mas tam- no Mosteiro de São Dinis e São Ber-
Lucinda Canelas (Texto) bém a analisar os têxteis, as madei- nardo de Odivelas quando se abriu o
e Daniel Rocha (fotografia) ras e todos os materiais que encon-
trámos dentro da arca”, explica
túmulo real, um dos mais importan-
tes da Idade Média portuguesa.

N
o momento da abertura fez-
se um silêncio profundo. A
equipa técnica preparara
longamente a operação e,
por isso, tudo se fez sem
sobressaltos, em menos de
uma hora. “A adrenalina era muita,
a emoção grande”, lembra Maria
Antónia Tinturé, coordenadora téc-
nica de um projecto que começou
no Ænal de 2016 com a intenção de
restaurar o túmulo de D. Dinis e que
está a entrar na recta Ænal, depois
de se transformar no primeiro estu-
do cientíÆco pluridisciplinar a envol-
ver um monarca português, neste
caso o sexto a usar a coroa, há mais
de 700 anos.
“É a primeira vez que se abre
um túmulo de um rei de Portugal
com uma metodologia cientíÆca
abrangente. Estamos a concluir o
Maria Antónia Amaral, uma das
arqueólogas da equipa, com uma
larga experiência em escavações do
período medieval.
“Temos trabalhado com todas as
cautelas e de forma integrada, com
as várias disciplinas a avançarem ao
mesmo tempo para que agora pos-
sam cruzar-se todos os dados no rela-
tório Ænal”, assegura. O documento
deverá estar pronto em Novembro.
Maria Antónia Tinturé, conserva-
dora-restauradora da Direcção-Geral
do Património Cultural (DGPC), e
Maria Antónia Amaral, actual direc-
tora do Castelo de São Jorge, fazem
parte de uma equipa que inclui tam-
bém historiadores, antropólogos
forenses e especialistas em têxteis, de
instituições como a Universidade de
Coimbra, e os institutos Hércules e
José de Figueiredo. Muitos estavam
Originalmente estava apenas pre-
vista uma intervenção de restauro,
mas cedo se chegou à conclusão de
que os trabalhos tinham de ir muito
mais longe, diz Tinturé, enumerando
as várias fases de um projecto orçado
em quase 300 mil euros que tem o
suporte técnico da DGPC e a Câmara
de Odivelas como promotora.
Este estudo mais abrangente come-
çou a desenhar-se logo com as sonda-
gens feitas para avaliar os danos na
pedra de que é feito o túmulo. Os téc-
nicos identiÆcaram problemas estru-
turais no edifício e foi preciso fazer
obras na cabeceira da igreja, o que tumular de D. Dinis (1261-1325). Esta- última vez, em 1938, para içar a tam-
implicou a substituição das cobertu- va cheia de entulho — fragmentos de pa — e os membros inferiores do
ras para impedir que continuasse a tijolo, folhas, papéis, as correntes esqueleto tinham sido revolvidos.
chover lá dentro, a limpeza da pedra que, muito provavelmente, a entre- “O interior estava muito remexido,
e o restauro dos vitrais. tanto extinta Direcção-Geral de Edi- daniÆcado, e o rei ali, sem dignidade.
Foi também nesta primeira fase fícios e Monumentos Nacionais Não podíamos deixá-lo assim. Resol-
que se espreitou o interior da arca (DGEMN) usou quando a abriu pela vemos, então, abrir a arca para retirar

todo aquele lixo e pareceu-nos absur-
do não aproveitar a oportunidade
para fazer um estudo cientíÆco com-
pleto, pioneiro em Portugal”, justiÆca
a coordenadora dos trabalhos.
Em 2006, Eugénia Cunha, antro-
póloga hoje ligada à Universidade de
Coimbra e ao Instituto de Medicina
Legal, tentara abrir o de D. Afonso
Henriques com o propósito de estu-
dar os restos mortais do rei fundador,
o que acabou por lhe ser negado (ver
texto na página 5).
“O que estamos a fazer aqui esta-
va, em grande parte, já previsto para
o D. Afonso Henriques”, diz agora
Eugénia Cunha, que, com David
Gonçalves (DGPC) e uma equipa de
Coimbra, é responsável por tudo o
que no estudo diz respeito à antro-
pologia. A equipa procedeu a análi-
ses morfológicas externas, químicas
e toxicológicas; submeteu os restos
mortais do monarca a raios X e TAC
e recolheu os restantes dados neces-
sários para que, a partir do seu crâ-
nio, intacto, se possa agora recons-
tituir o seu rosto.
“Pela primeira vez vamos dar um
rosto real a um ídolo da história do
país, vamos humanizá-lo”, diz Cunha.
A imagem que nos dá o jacente do seu
O túmulo estava túmulo é “certamente idealizada”, o
comum para a época, acrescenta
remexido, Maria Antónia Amaral.
danificado, e o rei ali, Um rei especial
sem dignidade. Não Cruzando a informação dos vários
métodos de análise, os investigadores
podíamos deixá-lo vão poder dizer, por exemplo, qual
era a cor dos olhos do rei, se o seu
assim. E seria cabelo era mesmo ruivo como des-
absurdo não fazer crito em 1938, que altura teria, de que
doenças padecia, o que comia e até
um estudo científico se o célebre ataque de um urso de
que, diz-se, foi alvo numa montaria
completo, pioneiro em Belmonte (mais mito do que rea-
lidade, muito provavelmente) lhe
Maria Antónia Tinturé deixou marcas nos ossos.
Coordenadora do projecto A história não nos diz de que mor-
reu D. Dinis, embora 64 anos no pri-
meiro quartel do século XIV fosse já
Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020 • 3
A conservadora
Paula Monteiro
observa ao
microscópio um
fragmento de tecido.
Em baixo, o jacente
do rei com gaze sobre
nariz de gesso
considerada uma idade avançada,
acrescenta Maria Antónia Amaral.
“Na Idade Média, um rei com uma
longa vida é, à partida, um rei espe-
cial. Mas este é-o também sob muitos
outros aspectos, a começar pelo seu
longo e riquíssimo reinado.”
D. Dinis sentou-se no trono que
teve de disputar ao irmão e a um dos
Ælhos durante uns impressionantes
45 anos. E não se limitou à gestão cor-
rente, monótona, dos assuntos do
reino. Sob a sua administração, Por-
tugal consolidou as fronteiras, revo-
lucionou a agricultura (daí o cogno-
me O Lavrador), renovou a marinha,
revitalizou a exploração mineira,
reforçou as exportações e viu criada
a primeira universidade. Isto mesmo
tendo o rei travado uma guerra civil
(1319-1324) e dedicado tempo à poesia
(é autor de dezenas de cantigas de
amor e de amigo, referência das letras
trovadorescas europeias).
Estava doente há já algum tempo
quando morreu, a 7 de Janeiro de
1325, em Santarém, na presença da
mulher, a poderosa Isabel de Aragão
(a chamada “Rainha Santa”, ao lado
de quem fez questão de não ser sepul-
tado), do seu Ælho e herdeiro, o infan-
te Afonso (futuro D. Afonso IV), e de
dois dos seus sete bastardos. O corte-
jo fúnebre seguiu para Odivelas, mos-
teiro que o rei tinha mandado cons-
truir, e onde estava já o túmulo que
encomendara e aprovara.
À sua espera estavam, escreve a
historiadora de arte Carla Varela Fer-
nandes em O Bom Rei Sabe bem Mor-
rer, a madre abadessa e 80 monjas,
tendo-se seguido uma missa rezada
pelo bispo que era também seu tes-
tamenteiro, D. Gonçalo Pereira.
“Podemos não chegar a saber do
que morreu exactamente, mas tere-
mos um mapa das doenças que
tinha”, diz Eugénia Cunha, explican-
do que, quando são crónicas, como
a osteoporose, o raquitismo ou o can-
cro, deixam vestígios nos ossos. “São
o último sítio do nosso corpo a que a
doença chega (a não ser no caso do
cancro nos ossos), mas quando chega
Æca lá registada.”
A equipa vai também estudar a
dentição do monarca — “o esmalte
dos dentes é o material mais resisten-
te do corpo humano” —, que a descri-
ção de 1938 diz estar completa, o que
é invulgar numa pessoa que viveu há
700 anos e morreu já sexagenária,
mas pode explicar-se pelo facto de
então não haver ainda açúcar.
Maria Antónia Tinturé, Eugénia
Cunha e Maria Antónia Amaral não
querem avançar muitos pormenores
sobre o estudo até que esteja concluí-
do e, por isso, não se pronunciam,
para já, sobre o cabelo ou os dentes
do rei. Ao PÚBLICO não foi permiti-
do, sequer, olhar para o interior da
arca funerária. Mas Amaral garante
que, no essencial, D. Dinis estava
como em Maio de 1938, apesar de
terem já passado quase cem anos.
Segundo as descrições feitas
aquando da intervenção de restauro
da DGEMN, citadas pela historiadora
de arte Giulia Rossi Vairo, que estu-
dou o túmulo do rei e o de Isabel de
Aragão, o monarca não teria mais de
1,65 metros de altura (a sua mulher
seria uns bons dez centímetros mais
alta) e eram ainda visíveis restos da
roupa interior em linho e seda junto
ao seu peito, barba e cabelo ruivos
sem um branco sequer e os membros
inferiores separados da bacia.
“Não faz sentido que avancemos
com informação parcelar sem que se
cruzem os saberes de todas as espe-
cialidades”, diz Maria Antónia Tintu-
ré, garantindo que haverá segura-
mente conhecimento novo sobre o
túmulo, por dentro e por fora.
Um túmulo pintado?
O restauro do túmulo propriamente
dito não trouxe grandes surpresas,
explica SoÆa Trindade, a conserva-
dora responsável pela intervenção no
de D. Dinis e também no de um dos
seus netos que morreu ainda criança
(D. Dinis ou D. João) e que se encontra
na mesma igreja.
No do rei, a técnica de execução da
arca e da tampa do túmulo é a mes-
ma: ambas foram feitas a partir de
um bloco único de calcário a que
depois foram justapostos elementos
decorativos com um adesivo orgâni-
co, provavelmente uma resina.
“Tudo indica que foram feitas ao
mesmo tempo, incluindo o jacente [a
escultura que representa o rei, deita-
da sobre a tampa do sarcófago], que
tinha já muitas intervenções de res-
tauro anteriores, com gesso, que
escondiam elementos da original”,
diz a técnica que trabalha para a
empresa K4.
O túmulo de D. Dinis é o primeiro
de um monarca português com um
jacente e certamente um dos poucos
a terem sido aprovados já depois de
terminados pelo rei a quem se desti-
navam. Mas há muito que c
4 • Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020
DESTAQUE
INVESTIGAÇÃO
entre os historiadores de arte e os
conservadores-restauradores se fala
da possibilidade de esta escultura,
muito daniÆcada pelo terramoto de
1755, ser já muito diferente daquela
a que o monarca deu o seu aval: a
desproporção da cabeça face ao res-
to do corpo, a ausência de uma espa-
da na mão do rei como era comum
na época, e o gesto feminino com
que segura o manto com a mão
esquerda são algumas das singulari-
dades difíceis de explicar.
Na realidade, ninguém sabe como
era exactamente o túmulo antes do
sismo, altura em que o tecto da igre-
ja se abateu sobre ele, ressalva SoÆa
Trindade, mas o que hoje é já certo
é que os restauros anteriores, o mais
profundo ainda no século XIX,
camuÇaram o jacente medieval: “O
que esta intervenção nos permitiu
perceber é que o original do começo
do século XIV está mais íntegro do
que pensávamos. Não podemos
assumir, é verdade, que teria uma
espada na mão ou outro atributo
régio, mas tinha o braço direito
levantado, o que só faz sentido se
estivesse a segurar alguma coisa.
Também podemos dizer que a cabe-
ça que nos parece agora despropor-
cionada sempre foi assim.”
É preciso ter em mente que o
túmulo do rei não era para ser visto
como o vemos agora, com a tampa
separada da arca e pousada de forma
a Æcar à altura da cintura, no meio de
uma estrutura de ferro montada para
tornar possível a sua abertura. “Visto
de cima para baixo, percebemos que
a cabeça é mesmo muito grande e os
pés pequenos, e que o corpo está
ligeiramente arqueado. Mas se olhar-
mos para fotograÆas em que a tampa
está sobre a arca, não nos apercebe-
mos destes desequilíbrios da mesma
maneira: não vemos o corpo torto e
a cabeça já não nos parece tão desco-
munal”, diz Maria Antónia Tinturé.
“Ainda estamos a descobrir coisas
sobre este jacente. E quanto mais
descobrimos, mais subtil se torna. No
início o rei era quase um boneco.”
Olhando para a arca decorada,
com destaque para as Æguras de mon-
jas e monges cistercienses, homena-
geando aqueles a quem o rei quis
conÆar o seu corpo depois de morto,
é ainda possível ver vestígios de tinta.
Aqui e ali há pequenos pedaços de
pedra cobertos de azul, vermelho e
laranja — este resultado da degrada-
ção do dourado original.
Antropóloga Eugénia Cunha e a arqueóloga Maria Antónia Amaral
“Quando retirámos a veladura cin-
zenta que lhe foi aplicada no restauro
dos anos 1960, apercebemo-nos de
que havia cores vivas por baixo.”
Teria sido todo pintado quando foi
dado por terminado, no primeiro
quartel do século XIV? “Certamente
— há pelo menos uma primeira cama-
da de tinta branca que é original. Mas
se é decorativa ou simplesmente de
preparação para que a pedra recebes-
se depois outras cores, ainda não
sabemos”, acrescenta a técnica,
apontando em seguida para as riscas
do hábito de um dos monges num
dos nichos da testeira da arca junto a
D. Dinis, que “não se viam”, e para a
pequena escultura do monarca ajoe-
lhado, com os cabelos encaracolados,
moda da época.
A especialista em têxteis Paula
Monteiro, do Instituto José de Figuei-
redo, também está ainda a trabalhar
no laboratório instalado na igreja,
onde há microscópios, aspiradores
de alta precisão e caixas transparen-
Pela primeira vez
vamos dar um rosto
real a um ídolo da
história do país,
vamos humanizá-lo
Eugénia Cunha
Antropóloga
tes com centenas de fragmentos de
tecidos. No Ænal, acredita, poderá
avançar-se uma proposta do que D.
Dinis teria vestido: o tipo de têxteis,
a cor, a proveniência. “Tudo indica
que parte da roupa terá sido feita com
tecidos importados.”
Mas mesmo depois de tudo isto,
como teremos a certeza de que se
trata mesmo de D. Dinis? “Confron-
tando os documentos, a análise
genética do rei e do neto e a datação
de carbono 14”, responde Maria
Antónia Amaral, avançando que des-
te estudo sairá também o embrião
de uma “base de dados da monar-
quia portuguesa”.
“Vamos devolver tudo o que foi
retirado e deixar as coisas muito
melhores do que as encontrámos”,
acrescenta Eugénia Cunha. “No pas-
sado, intervenções como esta foram
canceladas por puro desconhecimen-
to cientíÆco. Se o túmulo voltar a ser
aberto daqui a cem anos, muito mais
se Æcará a saber.”
O que não voltará para dentro da
arca é a folha de jornal de Maio de
1938 que lá foi agora encontrada, pos-
sivelmente para deixar um registo do
dia em que o túmulo foi aberto. É do
Diário de Notícias e dá conta de um
“grupo de inspiradas poetisas portu-
guesas” que acabara de ser escolhido
através de um concurso com prémios
entre os mil e os 250 escudos. É um
elemento estranho num túmulo
medieval, é certo, mas, tratando-se
do de um rei trovador, diÆcilmente a
primeira página de um diário publi-
cado mais de 600 anos após a sua
morte poderia ser mais apropriada.
lcanelas@publico.pt
Mosteiro quer abrir-se à cidade
Câmara de Odivelas está a ultimar o projecto
de reconversão do edifício
O
restauro do túmulo de D.
Dinis e o estudo que lhe
está associado são duas das
âncoras da revitalização do
Mosteiro de São Dinis e São
Bernardo de Odivelas,
monumento nacional que em
2019 passou para a tutela da
Câmara Municipal de Odivelas
(CMO), depois de ter estado na
esfera da Defesa.
Foram quatro anos de
negociações com a
Direcção-Geral do Tesouro e
Finanças para no fim a autarquia
ficar com o usufruto do
monumento que começou a ser
construído por ordem do rei D.
Dinis em 1295 por um período
de 50 anos e uma renda mensal
de 23.400 euros, explica ao
PÚBLICO Edgar Valles,
vice-presidente.
“A nossa prioridade é devolver
o mosteiro à cidade, que nunca
sentiu que fosse seu, apesar de
ter nascido à volta dele”, diz este
arqueólogo de formação que é
também vereador da Cultura.
Para isso, a autarquia conta
transformar a antiga quinta
desta casa conventual, com dez
hectares, num parque urbano
aberto a todos. Este novo
espaço verde faz parte do
projecto de reconversão do
mosteiro que hoje está vazio e
com erva a crescer nos
claustros, mas com o refeitório
das monjas e a antiga cozinha a
manterem todo o seu potencial
de atracção.
O projecto, em fase de
conclusão para ser submetido à
aprovação da Direcção-Geral do
Património Cultural (DGPC), está
orçamentado numa primeira
fase em 600 mil euros e, se tudo
correr como previsto, as obras
deverão estar terminadas em
três anos.
“A ideia é trazermos para aqui
mais de metade dos serviços
camarários e disponibilizarmos
também espaços para outras
entidades”, diz Edgar Valles. No
mosteiro deverá vir a funcionar
o conservatório de música da
cidade e uma residência de
estudantes do Iscte — Instituto
Universitário de Lisboa, com
capacidade para 80 camas.
“Este espaço é especial e
merece ser conhecido e
visitado. E não é só por causa do
túmulo de D. Dinis. O problema é
que esteve tanto tempo fechado
sobre si próprio que agora é
preciso um esforço maior para o
abrir.” Para isso, a CMO conta
investir na digitalização da
documentação que consta dos
43 tomos relativos ao mosteiro
que estão na Torre do Tombo —
“tão degradados que não
podem vir a consulta” — e
estabeleceu uma parceria com a
Faculdade de Letras para que o
monumento cisterciense seja
objecto de estudo.
“Também estamos em diálogo
com a casa-mãe do mosteiro,
Alcobaça, para aprendermos a
tirar partido do que aqui está e
para integrarmos a rota
cisterciense”, acrescenta Valles,
sublinhando a importância do
trabalho de articulação que tem
havido, no que toca ao túmulo e
à intervenção na igreja, entre a
autarquia, com técnicos como a
arqueóloga Elisabete
Conceição, e o Património, com
Ana Paula Cunha, directora do
departamento de obras da
DGPC, a coordenar os trabalhos.
“Precisamos de conhecer mais
para podermos aproveitar
melhor tudo isto.” Lucinda
Canelas

O que perdeu a ciência ao proibir-se a
abertura do túmulo de D. Afonso Henriques?
Em 2006, Eugénia Cunha tinha tudo pronto para estudar os restos mortais do primeiro rei de Portugal, mas
a ministra Isabel Pires de Lima não autorizou. Agora tem esperança de que o poder político mude de opinião
Teresa Firmino
A
gora que acaba de ser aber-
to o túmulo de um monar-
ca português — o de D.
Dinis, no Mosteiro de Odi-
velas —, qual a justiÆcação
para não permitir que se
faça o mesmo no túmulo de D. Afon-
so Henriques? “Não estou a ver quais
poderão ser os motivos para não
mexer agora no túmulo de D. Afonso
Henriques”, responde a antropóloga
forense Eugénia Cunha, que há 14
anos viu ser-lhe autorizada e, mais
tarde, desautorizada a abertura da
sepultura do primeiro rei de Portu-
gal. Ao Æm de quase década e meia,
é caso para perguntar de que serviu
esta proibição.
A saga da abertura do túmulo de D.
Afonso Henriques, cujos restos mor-
tais estão na igreja do Mosteiro de
Santa Cruz, em Coimbra, remonta a
Julho de 2006. A poucas horas (lite-
ralmente) da concretização desse
passo essencial do projecto de Eugé-
nia Cunha, professora da Universida-
de de Coimbra, com a autorização
nas mãos concedida pela delegação
de Coimbra do então Instituto Portu-
guês do Património Arquitectónico
(Ippar), tudo foi cancelado. A razão?
A ministra da Cultura da altura, Isabel
Pires de Lima, não tinha sido infor-
mada de que iam ser estudados os
ossos de D. Afonso Henriques.
Iniciava-se uma controvérsia que,
um ano depois, teria desfecho: Isabel
Pires de Lima não autorizaria mesmo
a abertura do túmulo. Essa palavra
Ænal da ministra da Cultura consta de
um despacho de 11 de Maio de 2007.
Pelo meio, depois do cancelamen-
to controverso, Isabel Pires de Lima
fez um outro despacho (de Agosto de
Túmulo de D. Afonso Henriques em Coimbra
Foi uma
oportunidade
perdida? “Então
não foi!?”, diz
de rompante
Eugénia Cunha
2006) que deÆnia os procedimentos
de exumações e trasladações de per-
sonalidades históricas com relevância
nacional, para Æns cientíÆcos, cujas
ossadas se encontrassem em imóveis
classiÆcados pelo então Ippar, agora
integrado na Direcção-Geral do Patri-
mónio Cultural. Eugénia Cunha
entregou um novo pedido de abertu-
ra da sepultura para poder prosseguir
com o projecto de investigação das
ossadas de D. Afonso Henriques
numa multiplicidade de aspectos,
seguindo já essas novas regras.
Quando se vir que valeu a pena o que
estamos a fazer com D. Dinis e que é
uma mais-valia, pode ser que seja mais
fácil chegar a D. Afonso Henriques
Eugénia Cunha
Antropóloga forense
SÉRGIO AZENHA
Depois, veio a decisão Ænal de Isa-
bel Pires de Lima, em Maio de 2007,
alinhada com um parecer do conse-
lho consultivo do Ippar, de 19 de
Março de 2007, no qual se tinha
recomendado, por unanimidade,
que não se abrisse o túmulo. Recea-
va-se, dizia-se, que não fosse possí-
vel garantir a salvaguarda dos ele-
mentos patrimoniais do túmulo nem
a integridade física dos ossos, após
a abertura da arca tumular. “Com os
fundamentos do parecer do conse-
lho consultivo do Ippar, com o qual
concordo, não autorizo a abertura
do túmulo do rei D. Afonso Henri-
ques”, escrevia a ministra no despa-
cho de Maio de 2007.
“Ridículo” — é como Eugénia
Cunha comenta, 13 anos depois, os
argumentos sobre a salvaguarda dos
elementos patrimoniais do túmulo e
da integridade física dos ossos. “Cada
vez mais os métodos são menos des-
trutivos e temos uma melhor preser-
vação e digniÆcação do túmulo.”
Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020 • 5
O certo é que aquela decisão pôs
um ponto Ænal no projecto até aos
dias de hoje. Um dos pontos altos do
trabalho seria a reconstituição facial
do rei. Não se lhe conhece nenhum
retrato, tal como não existe nenhuma
estátua sua feita na época. Não há,
por isso, garantias de que a estátua
deitada (jacente) no túmulo com a
Ægura de D. Afonso Henriques seja
Ædedigna ao seu rosto, uma vez que
terá sido concluída em 1535, depois
de estar terminado um outro túmulo
mandado construir por D. Manuel
para o fundador da nacionalidade
portuguesa. Ou seja, a estátua jacen-
te foi construída 350 anos após a mor-
te de D. Afonso Henriques.
Por isso, a equipa de Eugénia
Cunha — que incluía as antropólogas
portuguesas Ana Carina Marques e
Sónia Codinha, o historiador portu-
guês José Mattoso, o médico e antro-
pólogo forense espanhol Miguel
Botella, o médico francês Bertrand
Ludes e a geneticista francesa Chris-
tine Kayser — tencionava fazer uma
reconstituição do rosto do rei a par-
tir do seu crânio, caso se mantivesse
ainda preservado. Miguel Botella
chegou a trazer para Portugal um
equipamento especíÆco, um laser
tridimensional de alta precisão. No
dia da abertura do túmulo, estava
tudo a postos, incluindo este equi-
pamento.
A partir dos seus restos mortais
pretendia-se ainda descobrir muitas
outras coisas. Qual era a estatura físi-
ca de D. Afonso Henriques — era real-
mente alto e robusto, como é descri-
to em relatos históricos, ou essa esta-
tura resultou da transferência de uma
grandeza moral para uma grandeza
física? Fracturou mesmo uma perna,
como é referido em crónicas? E, a
tê-la partido, que osso? Padecia de
alguma doença crónica? Com que
idade morreu (a morte foi em Dezem-
bro de 1185, mas que não se sabe ao
certo o ano de nascimento, embora
1109 seja o mais provável)? Olhando
para certos elementos químicos nos
ossos, será que fazia uma dieta mais
à base de carne ou de peixe? Fazen-
do-se análises toxicológicas, sofria de
alguma intoxicação?
A juntar a estas interrogações, a
equipa tentaria também obter ADN
do rei, para traçar o seu perÆl genéti-
co e compará-lo eventualmente com
perÆs genéticos de outros familiares,
com a Ænalidade de criar uma base de
dados da família real portuguesa.
Com a proibição da abertura do
túmulo, todo este potencial conheci-
mento perdeu-se. Ou, na expressão
de Eugénia Cunha em relação ao ros-
to do rei, manteve-se “a incerteza”.
“Há pessoas que preferem continuar
na incerteza e não dar uma cara a um
ídolo português. Não querem saber
aquilo que a ciência, entretanto, evo-
luiu”, lamenta. Se a realidade não
correspondesse à imagem criada,
destruir-se-ia o mito? “Não me parece
que, se surgisse uma criatura baixa e
franzina, destruísse o mito.”
Foi uma oportunidade perdida?
“Então não foi!?”, diz de rompante
Eugénia Cunha. “Um destes estudos
mais emblemáticos foi o de Ricardo
III. Depois desse estudo tão bem acei-
te, pode pensar-se: ‘Olha o que se
poderia ter feito’”, refere a investiga-
dora a propósito do esqueleto daque-
le rei inglês. Desistiu para sempre?
“Desistir não”, responde. “Quando
se vir que valeu a pena o que estamos
a fazer com D. Dinis e que é uma mais-
valia, pode ser que seja mais fácil
chegar a D. Afonso Henriques.”
teresa.firmino@publico.pt
6 • Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020

ESPAÇO PÚBLICO
Há um novo festival de ópera no país (o
OperaFest), dirigido pela soprano Catarina
Molder, que pretende reproduzir a vibração
dos festivais de rock, atrair novos públicos e agitar as
águas estagnadas da ópera. Por isso, e apesar do
orçamento baixo, são várias as iniciativas, desde
promover a criação de novas óperas a várias
conferências, passando pela exibição de
filmes-ópera. Começa hoje com Tosca, no jardim do
Catarina Molder Museu Nacional de Arte Antiga. (Págs. 32/33) J.J.M.
Tem 21 anos e será pouco conhecido em
Portugal, mas o currículo não deixa grandes
dúvidas: João Almeida é um ciclista com
grande potencial que se destaca no contra-relógio e
tem a capacidade de andar bem na montanha. E já se
bate com os melhores, como na recente Volta a
Burgos, que terminou no pódio e à frente de algumas
estrelas, entre outros bons desempenhos. João
Almeida já está numa equipa poderosa e prepara-se
João Almeida para voos mais altos. (Pág. 36) J.J.M.

As máscaras da extrema-direita continuam a cair

da hipocrisia do personagem e não é o
primeiro a desvendar a natureza dos
que se propõem restaurar as
sociedades, depurando-as de
imigrantes, fazendo regressar os
Manuel Carvalho ressentimentos nacionalistas ou
Editorial acabando com a corrupção: já
e de desistir dos panÇetos extremistas
que assinava no Breitbart News,
Bannon empenhou-se em disseminar o
vírus da extrema-direita na Europa. A
sua proximidade com Marine Le Pen é
conhecida. O seu papel no apoio a
Nigel Farage para garantir o “Brexit”,
suposto intelectual com um projecto
mundial de transformação, passou a
ser um banal suspeito de vigarice. Não
chega para afastar o perigo do
autoritarismo, nacionalismo e
xenofobia que paira sobre a Europa — e
continuará a pairar enquanto for

U
m a um, os profetas do
populismo de extrema-direita vão
mostrando a sua verdadeira face,
estatelando-se em casos de
corrupção que tinham prometido
não só combater, mas erradicar na
Europa ou nas américas. Um dos mais
perigosos missionários dessa promessa
de regeneração moral, Steve Bannon,
foi detido ontem por alegadamente se
ter apropriado de um milhão de
dólares de donativos para a construção
do muro na fronteira sul dos EUA. O
exemplo é esclarecedor da mentira e
tínhamos os exemplos de
Heinz-Christian Strache na Áustria, os
negócios duvidosos patrocinados pela
Rússia na Itália de Salvini ou nos
Estados Unidos de Trump, já para não
falar das relações suspeitas do
Presidente brasileiro com as redes
criminosas do Rio de Janeiro.
A queda de Bannon é, no entanto,
particularmente importante para se
desmascarar a extrema-direita porque
se tinha tornado o impulsionador da
estratégia que se propunha erguer uma
espécie de internacional populista.
Depois de se afastar de Donald Trump
que saudou como uma vitória, é
público. O seu projecto de criar uma
universidade em Itália para disseminar
o populismo foi travado in extremis. A
sua detenção por um crime tão
prosaico e velhaco como o desvio de
fundos doados por militantes da sua
causa xenófoba é a prova de que a
extrema-direita se alicerça não apenas
em ideias erradas, mas também em
homens sem carácter. A remissão de
Bannon para o estatuto de criminoso
comum (caso seja condenado,
obviamente) é, por isso, importante
pelo simbolismo que impõe. De
promovido pela Rússia de Putin. Mas
se juntarmos ao caso a possibilidade
real de uma derrota de Trump, a
completa descredibilização de
Bolsonaro ou a recuperação da
iniciativa das forças democráticas em
Itália ou na França, podemos respirar
um pouco melhor. E um dia, quando
soubermos quem é de facto André
Ventura ou quando alguém nos
explicar como paga tantos outdoors
pelo país fora, talvez possamos juntar
Portugal às boas notícias.
manuel.carvalho@publico.pt

As cartas destinadas a esta secção
devem indicar o nome e a morada
do autor, bem como um número
telefónico de contacto. O PÚBLICO
reserva-se o direito de seleccionar e
eventualmente reduzir os textos não
solicitados e não prestará
informação postal sobre eles.
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Telefone: 210 111 000
CARTAS AO DIRECTOR
Medidas preventivas
Numa embarcação de pesca da
Póvoa de Varzim um pescador
acusou positivo, num teste à
covid-19. Em virtude da situação
descrita, a restante tripulação,
como mandam as regras, procedeu
à realização de uma bateria de
testes, com o intuito de veriÆcar se
estavam contaminados pelo vírus.
Os resultados relevaram que
nenhum dos tripulantes estava
contaminado estando, desta forma,
em condições para regressar à faina.
No entanto, segundo imposição da
DGS, a tripulação não poderá voltar
ao mar, nos próximos quinze dias,
mesmo que não existam riscos de
contágio acrescidos e que todos os
tripulantes não tenham acusado
positivo nos testes médicos.
Curiosamente, assistimos
diariamente ao surgimento de
surtos em dezenas de unidades
industriais espalhadas um pouco
por todo o país, nas quais muito
pouco ou nada se sabe sobre as
condições de higienização dos
trabalhadores. Nestes casos, não se
conhece nenhuma imposição de
encerramento por parte da DGS,
nem apropriada Æscalização.
A política da DGS manifesta uma
discricionariedade gritante que
beneÆcia certos sectores, em
detrimento de outros. Como
consequência, parte da população
não compreende esta incoerência e
por isso, acaba por não acatar as
normas ou adoptar
comportamentos de riscos.
Infelizmente, os nossos
representantes ainda não
perceberam que o respeito pelas
medidas de desconÆnamento
exigem o respeito pelo princípio da
proporcionalidade e o
entendimento das mesmas por
parte da população.
João António do Poço Ramos,
Póvoa de Varzim
Duas perguntas
aos ciclistas
Sou um defensor total do uso da
bicicleta como meio de transporte
e das melhorias que as autarquias
têm de implementar para fomentar
cada vez mais o uso da bicicleta nas
deslocações. Apesar desta minha
posição, ou por causa dela, e
baseado no que tenho visto nas
nossas ruas gostava que a grande
maioria dos ciclistas me
respondesse a duas perguntas
demasiado simples e directas e que
são: porque não respeitam os
semáforos e porque não respeitam
os sentidos proibidos?
Manuel Morato Gomes, S.ª da Hora
SNS
O problema das mortes em
Monsaraz e a responsabilidade de
um médico de 70 anos contratado
por quatro meses faz tocar no mais
profundo do nosso SNS: o
corporativismo da classe médica
com o total apoio quer da Ordem,
quer dos sindicatos. Estes
proÆssionais preferem emigrar a
aceitarem colocações, por
exemplo, no Algarve. É certo que
muitas vezes não são dados
atractivos; mas são-no aos
professores, aos magistrados, aos
militares, às forças de segurança?
Acresce ainda que a formação de
cada médico custa mais de 100.000
euros ao Estado. Porque não têm
de ir para o interior após o
internato durante um determinado
tempo voltando a um hospital
central para a especialidade e após
esta formação mais algum tempo
fora dos grandes centros? Não é
inédito pois assim funciona em
muitos países europeus, como por
exemplo em Espanha. Porque não
tem força o poder político para
criar este tipo de legislação?
António Barbosa, Porto
 Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020 • 7

A opinião publicada no jornal respeita a norma ortográfica escolhida pelos autores

Augusto Santos Silva
A partir de amanhã quem chega ao Reino
Unido oriundo de Portugal deixa de estar
obrigado a fazer uma quarentena de 14 dias,
o que constitui uma boa notícia e é reflexo da
evolução pandémica no país (estável, ao contrário
de outros) e do trabalho diplomático feito pelos
Negócios Estrangeiros. É claro que a situação pode
rapidamente resvalar ,e lá se vai o possível efeito
positivo no turismo nacional, ávido de britânicos. Por
isso, nada de grandes entusiasmos. (Pág. 11) J.J.M.
Alexei Navalni, principal opositor de Putin,
está em estado grave e terá sido envenenado,
e é difícil não associar o Kremlin a este caso, já
que são constantes as tentativas para neutralizar
Navalni ou outras vozes dissonantes do pensamento
do Presidente russo. Navalni é constantemente
perseguido pelas autoridade e em 2019 terá sofrido
uma tentativa de envenenamento na prisão. O ataque
de ontem pode estar associado à aproximação de
Vladimir Putin eleições regionais em Setembro. (Pág. 26) J.J.M.

ESCRITO NA PEDRA
Todos os opressores... atribuem a frustração dos seus
O preço
desejos à falta de rigor suficiente. Por isso eles redobram
os esforços da sua impotente crueldade do mel
Edmund Burke (1729-1797), escritor e político

SEM COMENTÁRIOS MISSA DA SENHORA DA AGONIA EM VIANA DO CASTELO

PAULO PIMENTA

Miguel Esteves Cardoso

EM PUBLICO.PT
Passear o cão pelo menos duas
vezes por dia pode vir a ser
obrigatório na Alemanha
O dono do animal também não poderá
deixar o cão sozinho em casa o dia todo
publico.pt/p3
Airbnb proíbe festas em todos
os alojamentos da plataforma
A falta de bares e discotecas “levou muitas
pessoas a deslocar estas actividades para
casas”. “Não queremos esse tipo de
negócio”, diz a empresa publico.pt/fugas
Q
TikTok partilha dados pessoais
com autoridades. E a Google e
o Facebook, também
Dossier BlueLeaks mostra que plataformas
partilham dados de utilizadores com as
autoridades dos EUA publico.pt/tecnologia
Ainda ontem
uando se começa a adulterar
muito uma coisa é sinal que o
original corre perigo.
Aconteceu com o caviar. Hoje
há muitos caviares. Muitos até
são de (variedades de) esturjão,
muitos cuidadosamente
produzidos — e alguns já com o
preço do caviar verdadeiro. Essa
profusão só prova que o caviar
verdadeiro está pelas horas da morte,
vítima da ganância e da incúria. Os novos
caviares tentam imitar o caviar clássico mas,
com a passagem do tempo, já são poucas as
pessoas que se lembram do sabor do
verdadeiro caviar.
Esse é aliás o grande triunfo dos novos
produtores: já há gerações para quem o
caviar verdadeiro são as imitações e que
distinguem as melhores das menos bem
conseguidas, sem recurso ao exemplo
legítimo. Sinto que vai acontecer o mesmo
com o mel. Tanto damos cabo das abelhas
que começa a ser difícil evitar o mel
adulterado com açúcar ou aquele que tem
apenas um sabor genérico e indiferente.
Talvez seja preciso pagarmos por
um potezinho de 50 gramas de mel o
mesmo que pagamos pela mesma
quantidade de caviar iraniano para
começarmos a dar ao mel o valor que
merece. Por enquanto ainda compramos
meio-quilo de bom mel, feito por abelhas
que podemos conhecer se quisermos, por
menos de dez euros.
Os 50 gramas ainda custam menos de um
euro. As abelhas que o Æzeram são mais do
que muitas mas não são pagas. São
roubadas. Um ladrão — não digo generoso
mas inteligente — talvez pagasse às abelhas
com campos e Çores livres de pesticidas,
herbicidas e outros venenos. Nós pagamos
com ignorância, desprezo e apatia.
8 • Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020
ESPAÇO PÚBLICO
A grande farsa
Nuno Pimentel Gomes
É inconcebível ver Rui Rio a
ziguezaguear entre a extrema-
N
-direita, a negar a existência
de racismo em Portugal
o momento mais desaÆante das
nossas vidas, em termos sociais,
culturais e económicos, não deixa
de ser perturbante o grau de
sadomasoquismo militante em
que Rui Rio, suposto líder da
oposição e, por inerência,
putativo candidato a
primeiro-ministro, decidiu
mergulhar o país, a respeito de
(mais) uma aproximação ao Chega.
Em abono da verdade, considerando
recentes declarações, importa denotar que
subsistem diferenças óbvias entre ambos.
Enquanto o presidente demissionário do
Chega defende que “em Portugal não há
racismo estrutural”, Rui Rio, por seu turno,
nem isso encontra, pois “sinceramente, não
há racismo na sociedade portuguesa”. Tal é
revelador de alguma subtileza semântica, o
que não é de admirar, considerando que uma
é proferida por alguém apostado em liderar
os destinos do país e, a outra, por alguém
com uma total falta de noção.
Entre saber quem não vê ou quem nunca
viu racismo em Portugal, só é mesmo pena
que o European Social Survey (ESS), um dos
mais respeitados inquéritos europeus, venha
estragar ambas as narrativas, com dados que
não deixam margem para dúvidas: 62% dos
portugueses manifestam racismo.
Não é uma questão de saber se há ou não
há racismo (independentemente da sua
implantação estrutural ou institucional),
qual o seu nível de (in)visibilidade ou
artifícios semânticos. Em Portugal, há
muitíssimas mais pessoas a manifestar
racismo do que a rejeitar crenças racistas.
Este é um facto, por mais manifestações que
se façam em defesa do seu contrário ou se
neguem as evidências.
Mas a posição do líder demissionário do
Chega não deve ser surpresa para ninguém.
Recordo que aquele partido aderiu, no início
de julho, ao grupo europeu Identidade e
Democracia (ID), que integra partidos de
extrema-direita, nomeadamente a Liga de
Matteo Salvini (Itália), a AfD (Alemanha) e a
União Nacional de Marine Le Pen (França).
Tudo bons rapazes, dirão alguns, mas preÆro
acreditar naqueles que já estão a ver onde
isto pode dar.
Já depois de saber dessa adesão, Rui Rio,
numa entrevista na RTP3, atirou a seguinte
pedrada no charco: “Não depende do PSD,
MIGUEL A. LOPES/LUSA
incentivar), aproximações a um partido que
professa ideais de extrema-direita, mesmo
que ocorram por mero taticismo político,
quer seja para acicatar os ânimos à esquerda
quer seja para testar a recetividade de alguns
setores da sociedade portuguesa. Tal
aproximação, independentemente da sua
natureza, deve ser veementemente
repudiada, de forma a cortar esse mal pela
raiz, antes que se espalhe e contamine tudo
ao seu redor.
Pior Æcamos quando, em duas ocasiões
diversas, o líder do PSD Madeira, Miguel
Albuquerque, já nem se coibiu de pedir
moderação como condição para o diálogo
com o Chega, fazendo depender as coligações
de uma mera conjuntura para derrotar a
esquerda.
Até que aquelas posições sejam alteradas,
lá vai valendo o aforismo “diz-me com quem
andas, dir-te-ei quem és”.
Ao contrário do que refere Rui Rio,
depende, e muito, do PSD, uma posição em
relação ao Chega, tanto para mais que só há
uma possível: um total afastamento face a um
partido demagógico e populista, que acolhe
ideais de extrema-direita, que se alimenta do
descontentamento e da falta de resposta por
parte das instituições e dos diferentes setores
da sociedade portuguesa, a começar pelos
partidos do dito arco da governação, como é
o PSD.
A liderança de Rui Rio é errática, píÆa e,
sabemos agora, oportunista. Em bom rigor,
depende do Chega (…) se o Chega evoluir para repugnar parte do eleitorado não será difícil de antecipar que pretende dar
uma posição mais moderada, eu penso que as social-democrata e os portugueses, a quem a a provar a António Costa o mesmo veneno
coisas se podem entender.” mera ideia, por si só já suÆcientemente que este deu a Pedro Passos Coelho, em 2015,
É legítimo pensar que Rui Rio ainda contranatura, de avançar com uma quando a coligação Portugal à Frente
estivesse empolgado pelos resultados nas aproximação a um partido alinhado a ideais (PSD-CDS-PP), mesmo tendo ganho as
recentes sondagens, as quais davam 7% na de extrema-direita, pudesse causar. eleições legislativas, foi posteriormente
intenção de voto ao Chega, em igualdade com Convém recordar que Rui Rio, numa derrotada, em sede parlamentar, por uma
o Bloco de Esquerda entrevista no início de janeiro, véspera das maioria de esquerda.
(e uns anímicos e eleições diretas à presidência do partido, já Talvez Rui Rio ainda não tenha percebido,
confrangedores 26% tinha ensaiado uma formulação idêntica, ao mas ainda vai a tempo, de, pelo menos, três
ao PSD), ou que não referir que “acho que é um bocadinho coisas: (i) é essencial fazer oposição, por
seja justo colocar no exagerado classificarmos o Chega de fascista ou muito moderado que seja o seu timbre; (ii) o
A linha que mesmo saco quem
nega e quem nunca
de extrema-direita. Tem algumas posições
extremistas e de perfil populista, se forem
PSD disputa todas as eleições para ganhar e
governar Portugal, sem depender de muletas
Rio decidiu viu aquilo que dois ganhando peso no Chega não será possível ou penduras; (iii) a fraqueza do PSD, por ação
percorrer em cada três
portugueses
entendimentos com o PSD, se se forem
moderando penso que sim”.
ou omissão, é diretamente proporcional à
ascensão dos restantes partidos, em
é perigosa, admitem e E agora, já estão a ver o padrão? particular à direita.
oportunista reconhecem. Para Rui Rio, é tudo uma questão de Em todo o caso, é inconcebível ver Rui Rio
Este bem que moderação, quer seja no “bocadinho” de a ziguezaguear entre a extrema-direita, a
e pode levar podia ser apenas populismo ou de extrema-direita tido por negar a existência de racismo em Portugal e
a muitos mais um lapso ou aceitável quer seja na total negação do Æcar impávido e sereno, como se essas não
dissabores deslize
confrangedor, típicos
racismo na sociedade portuguesa e, pela
desconcertante milha extra que percorre, ao
fossem as linhas vermelhas que um
social-democrata não pode ultrapassar, nem
por parte de Rui Rio, dizer que “ainda ficamos é racistas com tanta permitir que sejam ultrapassadas.
não fosse o facto de manifestação antirracista”. Há que estar vigilante, pois a linha que Rui
esta não ter sido a Não estou com isto a dizer que Rui Rio seja Rio decidiu percorrer é perigosa, oportunista
primeira vez em que racista ou defensor de ideais contrários à e pode levar a muitos dissabores, quer no
testou as águas nesse matriz social-democrata; estou a dizer que a partido quer na sociedade portuguesa.
sentido ou, como direção à qual ele supostamente preside não
preÆro adjetivar, pode, nem deve permitir (muito menos Militante social-democrata, advogado

Água privada
é a mais cara
A
Pedro Filipe Soares
água é um bem essencial à vida,
não a podemos dispensar. Por
ser imprescindível, há muito
que se tornou num recurso
apetecível para a apropriação
privada: é um negócio
garantido. A privatização de
vários sistemas municipais de
abastecimento de água
comprovou esta realidade
criando monopólios naturais que se
tornaram muito benéÆcos para os privados
e muito prejudiciais para as populações.
As conclusões são da Entidade
Reguladora de Serviços de Águas e Resíduos
(ERSAR) e baseiam-se nos dados conhecidos
de 2019. Segundo essa análise divulgada há
dias, dos 25 municípios onde a gestão da
água é mais cara, 24 são de responsabilidade
privada. A conclusão é que os municípios
asseguram preços mais baratos quando
gerem diretamente o abastecimento de
água.
A diferença de preços praticada entre
locais onde o abastecimento de água foi
privatizado e onde se manteve público é
abissal: por exemplo, em Santo Tirso, onde
a gestão é feita pela empresa privada
Indaqua, a fatura anual paga por uma
família é seis vezes superior ao que pagaria
a mesma família na Régua, onde o
abastecimento é público. O valor anual
médio pago por uma família em Santo Tirso
é de 265,49€, enquanto na Régua é de
apenas 43,20€. E estes valores apresentados
pela ERSAR não incluem as tarifas de
saneamento, de resíduos sólidos ou as
restantes taxas e taxinhas associadas, que
fazem duplicar as faturas.
O estudo da ERSAR conÆrma o que já
tinha sido dito em 2014 pelo Tribunal de
Contas (TC). Nessa altura, após audições a
19 contratos de concessão de água, o TC
aÆrmou que estes não trazem nenhum
benefício para o consumidor ou para as
autarquias. Os contratos mostravam as
consequências ruinosas da privatização: os
consumidores pagam mais caro por um
serviço pior, os privados lucram com a água
que é de todos. Os contratos são tão
draconianos para os privados que estes até
recebem pela água que não sai da torneira:
se o consumo baixar face ao previsto, o
contribuinte paga a diferença. É um negócio
em que a fava sai sempre às populações.
A disparidade de preços e o seu elevado
custo nos municípios que privatizaram o
serviço de abastecimento de água coloca em
causa até o estabelecido na Diretiva-Quadro
da Água: “Princípio do valor social da água,
que consagra o acesso universal à água para
as necessidades humanas básicas, a custo
socialmente aceitável, e sem constituir fator
de discriminação ou exclusão.” No entanto,
este é o tipo de incumprimento para os
quais a Comissão Europeia faz vista grossa,
até porque muitos dos interesses privados
envolvidos são estrangeiros.
Este negócio da água tem deixados secos
os cofres das autarquias. O exemplo do
município de Barcelos é paradigmático. O
contrato de concessão celebrado quando o
PSD estava à frente do executivo municipal
é leonino na defesa dos interesses privados
e obriga a autarquia a pagar 172 milhões de
euros aos privados até 2035. Risco zero para
os privados, risco máximo para as pessoas.
A sensibilidade social das empresas
privadas deste setor ilustra-se pela vontade
de aumentar o preço da água em plena
pandemia, como aconteceu em Oliveira de
Azeméis. Enquanto no país se discutia e
aprovava legislação para garantir o acesso a
bens e serviços essenciais, os privados
apenas se preocupavam com o seu lucro.
O preço elevado da água tem motivado a
contestação das populações afetadas. A
oposição mais
recente foi em
relação à Águas do
Pinhal Interior
Norte, que abrange
Para matar a 11 municípios dos
distritos de Coimbra
sede sem e Leiria. O aumento
secar a carteira do preço da água
o caminho chegou a ser de 30%,
o que explica o
deve ser o da descontentamento e
reversão das esperemos que seja
suspenso.
concessões, a A água privada
única forma de custa caro às
populações. Para
acabar com o matar a sede sem
abuso secar a carteira o
caminho deve ser o
da reversão das
concessões, a única
forma de acabar
com o abuso,
garantindo a gestão
pública séria deste
bem estratégico. Mas há mais para fazer: no
contexto de crise económica e social que
estamos a enfrentar é preciso automatizar a
aplicação da tarifa social da água garantindo
que ninguém Æque para trás, bem como
criar um mecanismo para apoiar as famílias
que acumularam dívidas por carência
económica e garantir que não Æcam
privadas de acesso a este bem essencial.
Passos fundamentais para garantir o acesso
universal à água.
Presidente do Grupo Parlamentar do
Bloco de Esquerda. Escreve à sexta-feira
Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020 • 9
ESPAÇO PÚBLICO
“Estou de consciência
tranquila…”
são um peso que atiram para essas
Esther Mucznik antecâmaras da morte que são muitos lares, e
que apenas se lembram deles quando
revestem alguma utilidade para tomar contas
Uma sociedade que das crianças ou como recurso Ænanceiro.
Não generalizo e sei que nem sempre a
maltrata os seus mais velhos realidade é assim tão negra. Também sei que
é uma sociedade sem raízes, hoje a vida da grande maioria dos casais
S
jovens é difícil, partilhada entre o trabalho e a
nem memória educação dos Ælhos em sociedades, como a
portuguesa, onde os apoios irrisórios aos
egundo os relatórios que têm jovens pais convivem com o apelo
vindo a público, o que se passou desenfreado ao consumo. Mas as tendências,
no Lar de Reguengos de Monsaraz por muito cientíÆcas que sejam, são
é a consequência trágica da reversíveis mesmo que seja a longo prazo.
negligência desumana e do Com uma condição: que sejam adoptadas
desprezo a que estão votados os políticas que favoreçam a natalidade e que
mais velhos na nossa sociedade. esta não dependa dos meios disponíveis, mas
Mas aparentemente todos os da vontade dos casais.
implicados têm e terão sempre a Numa Europa cada vez mais despovoada, a
consciência tranquila: “Fizemos o França ainda é uma excepção. Embora em
possível, não dispomos de meios, a perda, continua a ser o país com maior
responsabilidade não é nossa…” Na verdade, natalidade da União Europeia a que não é
diluída numa cadeia burocrática de pessoas e alheia a política de apoio Ænanceiro do Estado
entidades, é fácil atribuir a culpa a outro(s) e e as Écoles Maternelles a partir dos dois anos
difícil apurar responsabilidades. E assim de idade. Criadas pelo Estado em 1880,
vamos tendo sempre a consciência mantêm-se até hoje. Pública, gratuita e laica,
tranquila… esta instituição abrange praticamente 100%
A gravidade do acontecimento em das crianças a partir dos três anos. A
Reguengos tem gerado uma acesa polémica imigração é
na sociedade portuguesa, o que é salutar. certamente também
Mas, em minha opinião, passa ao lado do que um factor
é essencial. Não que não seja importante signiÆcativo para a
conhecer, entender tudo o que se passou ao natalidade. Em
pormenor, responsabilizar e, eventualmente,
punir quem prevaricou. Mas temos de ter um O esclare-
contrapartida, em
Portugal a taxa de
olhar mais abrangente e entender que o que
cimento natalidade é a quarta
aconteceu e vai continuar a acontecer, senão
em Reguengos, noutros lares pelo país fora, do que se
mais baixa da União
Europeia e a
tem a ver principalmente com o lugar que a passou população tem vindo
chamada “terceira idade” ocupa hoje não só
e passa em
a diminuir
em Portugal, mas na grande maioria dos sucessivamente. Mas
países europeus. Ou seja, com o valor social Reguengos e esta tendência pode
que as sociedades europeias atribuem a este
noutros lares é ser revertida, se
grupo etário. houver vontade
E na verdade, o que constatamos é que esse obviamente política e um
valor vai diminuindo em directa proporção ao
aumento do seu peso demográÆco em
indispensável planeamento a longo
prazo.
sociedades que não fazem Ælhos… Todos os Em síntese, e
demógrafos são unânimes: a tendência cada voltando ao ponto de
vez mais acelerada nos países europeus é a partida: o
inversão da pirâmide demográÆca, ou seja a esclarecimento do
diminuição progressiva do número de jovens que se passou e passa
relativamente ao número de pessoas mais em Reguengos e
velhas, graças também aos avanços da ciência noutros lares é
médica. E com isso vem o que eu designaria obviamente indispensável. Mas que sirva
por uma espécie de ressentimento, como forma de corrigir e alterar o que está
consciente ou não, contra uma camada social mal e não como arma de arremesso
considerada um peso para a segurança social, político-partidário em que em grande parte se
improdutiva e de alguma forma parasitária… tornou. E se possível, que sirva também para
Esquece-se assim, que na sua esmagadora se entender que uma sociedade que maltrata
maioria estas pessoas trabalharam uma vida os seus mais velhos é uma sociedade sem
inteira, contribuíram de forma diversa para as raízes, nem memória.
suas sociedades e… Æzeram mais Ælhos. Filhos
para quem, demasiadas vezes, os pais ou avós Estudiosa de temas judaicos
10 • Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020
POLÍTICA
PS, PSD e Chega tiveram prejuízo
na campanha das legislativas
As contas dos partidos com a campanha das legislativas de Outubro de 2019 já foram publicadas.
Dois partidos tiveram lucro e três apresentaram contas equilibradas
Legislativas 2019
Marta Moitinho Oliveira
O PS, o PSD e o Chega gastaram mais
do que receberam na campanha
para as eleições legislativas de Outu-
bro de 2019. As contas enviadas pelos
partidos para a Entidade das Contas
e Financiamentos Políticos (ECFP)
mostram que o PS foi o partido que
mais receitas arrecadou, mas tam-
bém o que fez mais despesa. Os
socialistas fecharam a campanha
com um saldo negativo de quase 367
mil euros, o pior entre os partidos
com assento parlamentar.
As contas dos partidos estavam
ontem disponíveis na página da
ECFP, que funciona junto do Tribu-
nal Constitucional. A informação ali
publicada refere-se a 21 partidos que
concorreram às eleições. O PÚBLICO
analisou as contas de oito partidos:
aos dez com assento parlamentar,
retirou-se o Livre (que perdeu repre-
sentação na Assembleia) e o PCP e o
PEV apresentaram contas em con-
junto (através da coligação CDU).
Da comparação entre receitas e
despesas é possível concluir que
estes partidos fecharam a campanha
com resultados diferentes. Três Æca-
ram com prejuízo (PS, PSD e Chega),
dois registaram lucro (CDS e Inicia-
tiva Liberal) e os outros três conse-
guiram que as receitas cobrissem
exactamente as despesas realizadas
(BE, CDU e PAN).
No caso do PS, que saiu vencedor
das eleições, embora sem maioria
absoluta, o prejuízo de quase 367
mil euros explica-se por um mon-
tante de receitas arrecadado próxi-
mo de 2,6 milhões de euros, que
não chegou para compensar os qua-
se 3 milhões de euros gastos. Só
para comícios, espectáculos e cara-
vanas foi quase metade dos gastos
totais. O que se traduziu num desvio
acentuado face ao planeado. Quan-
do apresentaram o orçamento da
campanha, os socialistas esperavam
gastar menos de 600 mil euros em
comícios, espectáculos e caravanas.
Mas a despesa efectiva derrapou
para quase 1,5 milhões. Do lado das
receitas, a principal rubrica de
entrada de fundos foi a subvenção
Bloco, CDU e PAN estatal (mais de 2,3 milhões de
euros). O partido ainda reforçou as
apresentaram verbas da campanha face ao planea-
receitas que do, mas não conseguiu absorver as
despesas realizadas.
cobriram ao A história das contas do PSD foi
certo as despesas. diferente. Pelo menos na dimensão.
A campanha para tentar fazer de
CDS e IL Rui Rio primeiro-ministro também
registaram lucro registou prejuízo, mas bem menor
(de 2519,31 euros), com as receitas
a Æcarem abaixo das despesas, mas
ambas próximas de 1,9 milhões de
euros. A principal fonte de receita
veio da subvenção estatal (pouco
mais que 1,8 milhões de euros), mas
o corte nas despesas face ao planea-
do (gastou menos 190 mil euros)
não chegou para evitar que se regis-
FRANCISCO ROMÃO PEREIRA
As contas da campanha
das últimas legislativas
Receitas Despesas
PS
2.584.387,3
2.951.114,74
PSD
1.859.229,23
1.861.748,54
BE
1.300.326,28
1.300.326,28
CDU
1.013.753,08
1.013.753,08
CDS
964.252,41
783.838,47
PAN
134.105,37
134.105,37
IL
66.170
65.631,66
CH
0
25.668,4
Fonte: Entidade das Contas e Financiamentos Políticos
O PS gastou quase
três milhões de euros
nas legislativas de 2019,
que venceu, mas sem
maioria absoluta
tasse um saldo negativo. Os custos
administrativos e operacionais
derrapagem.
Uma das rubricas do lado das des-
absorveram 468,8 mil euros, naque- pesas que são mais visíveis para os
la que foi a rubrica que mais pesou
nas contas da campanha.
eleitores é a que junta os gastos com
comícios, espectáculos e caravanas.
O Chega, que elegeu um deputa- E neste caso as despesas registadas
do, apresentou receitas nulas e gas-
tos acima de 25.600 euros, o que
pelo PS mostram um montante bem
superior ao que foi investido pelos
aponta para um prejuízo dessa outros partidos. Os socialistas gasta-
dimensão. Na conta, o Chega não
regista subvenção estatal e exibe um
ram quase 1,5 milhões de euros, um
valor superior ao conjunto de todos
zero na rubrica angariação de fun- os outros partidos. Os restantes sete
dos, através da qual tinha planeado partidos não foram além de um
receber 150 mil euros. milhão de euros, com destaque para
o Bloco de Esquerda que aparece em
PS aposta em comícios segundo lugar no ranking desta des-
Comparando com o planeado, o pesa, tendo gasto 471 mil euros.
PSD foi o que fez o maior corte na
despesa e o PS foi o que teve a maior marta.oliveira@publico.pt

Portugal entra na lista
de corredores aéreos
seguros do Reino Unido
Turismo
José Volta e Pinto
e Luís Villalobos
Quem chegar pelo ar a
território britânico
proveniente de Portugal
deixa de ter de cumprir
isolamento de 14 dias
Portugal passa a integrar a lista de
corredores aéreos considerados segu-
ros pelo Reino Unido. O anúncio foi
feito ontem pelo Governo britânico e
conÆrmado pelo Ministério dos Negó-
cios Estrangeiros (MNE). As medidas
entram em vigor às 4h de amanhã,
hora a partir da qual quem chega a
aeroportos britânicos proveniente de
Portugal deixa de estar obrigado a
cumprir um período de quarentena
de 14 dias.
O MNE saudou a retirada de Portu-
gal da lista de países com restrições
quanto aos voos para o Reino Unido,
atribuindo esta decisão ao “intenso
trabalho bilateral realizado, quer ao
nível político, quer ao nível técnico”,
que terá permitido “que toda a infor-
mação relativa à situação e evolução
epidemiológica portuguesa tenha sido
tempestivamente transmitida”. Por-
tugal continental passa a integrar a
lista britânica de destinos seguros para
viajar, da qual Açores e Madeira já
faziam parte, e entra também na lista
de países isentos de quarentena.
“Esta decisão é muito importante
na medida em que permitirá repor a
habitual mobilidade de pessoas entre
Portugal e o Reino Unido, qualquer
que seja o motivo das deslocações:
turismo, exercício de actividades pro-
Æssionais, motivos familiares, realiza-
ção de estudos, intercâmbio acadé-
mico ou outras”, escreve o MNE em
comunicado. O ministério destaca
ainda a “particular relevância” da
medida para os “mais de 300 mil por-
tugueses que residem no Reino Uni-
do, bem como para os mais de 30 mil
britânicos que escolheram Portugal
para viver” e todos os estudantes e
trabalhadores que se deslocam regu-
larmente entre os dois países.
A integração de Portugal nas listas
revistas começou por ser conÆrmada
pelo secretário de Estado dos Trans-
portes britânico, que revelou no Twit-
ter que Portugal podia “ser incluído
na lista de corredores aéreos segu-
ros”. Mas Grant Shapps alertou que
A medida entra em vigor na próxima madrugada, às 4 horas
esta decisão pode ser alterada con-
soante o desenrolar da pandemia.
Croácia, Áustria e Trindade e Tobago
devem entrar na lista de países cujos
passageiros Æcam sujeitos a quaren-
tena, devido ao agravar da situação
epidemiológica.
A embaixada britânica em Lisboa
também já anunciou a inclusão de
Portugal na lista de corredores aéreos
seguros, agradecendo “às autorida-
des portuguesas pela construtiva
cooperação nas últimas semanas,
incluindo através do fornecimento
regular de números actualizados
sobre a evolução do vírus” no país.
A decisão de Londres surge sema-
nas depois de Portugal lhe ter enviado
um relatório sobre a situação epide-
miológica no país — como anunciou
o ministro dos Negócios Estrangeiros,
Augusto Santos Silva, a 5 de Agosto .
Na altura, o MNE clariÆcou ao PÚBLI-
CO que os britânicos se baseavam em
mais critérios além da taxa de inci-
dência nos últimos 14 dias, que ontem
até aumentou para 28,5.
O Reino Unido analisa também a
tendência deste índice, assim como a
da taxa de mortalidade e realiza uma
“avaliação de conÆança” aos dados de
testagem, à frequência de relatórios
de situação e a outras informações de
cada país. São ainda tidos em conta o
“índice de transmissão conforme
comunicado à OMS semanalmente”,
“dados epidemiológicos adicionais e
a opinião de especialistas”.
“Peca por tardia”
A Confederação do Turismo de Por-
tugal (CTP) já reagiu ao anúncio,
aÆrmando que que a decisão é “mui-
DANIEL ROCHA
to positiva”. “É obviamente uma boa
notícia para o Turismo, na medida
em que o Reino Unido é o nosso prin-
cipal destino emissor”, aÆrmou em
comunicado o presidente da CTP,
Francisco Calheiros, acrescentando,
porém, que a decisão “peca por tar-
dia”. Isto porque, diz, o os efeitos da
obrigação de quarentena já se Æze-
ram “sentir com grande intensidade”
no sector.
“Perdidos” os meses de Julho e de
Agosto, com destaque para Algarve e
Madeira, há a esperança de que os
turistas ingleses venham para Portu-
gal em Setembro, mas as várias entra-
das e saídas de países da listagem do
corredor aéreo podem ser um ele-
mento dissuasor, associado a outros
como a perda de rendimentos e os
receios ligados à própria pandemia e
às viagens. No caso de Espanha, a
inclusão do país em pleno Julho apa-
nhou muitos turistas desprevenidos,
que tiveram de adiar as férias ou Æcar
de quarentena no regresso.
Sem covid-19, só o mês Setembro
poderia representar a entrada de 407
milhões de euros por parte dos britâ-
nicos, tendo por base os dados do ano
passado, apurados pelo Banco de
Portugal. Entre Março (início da pan-
demia) e Junho (última informação
disponível) deste ano, os turistas des-
ta região foram responsáveis por 217
milhões de euros, uma quebra de
80% face aos 1100 milhões de idêntico
período do ano passado. E, destes 217
milhões, metade diz respeito ao mês
de Março.
jvpinto@publico.pt
luis.villalobos@publico.pt
Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020 • 11
PS lembra que
director da ARS-Alentejo
foi nomeado por
Governo PSD/CDS
Covid-19
Sónia Sapage
“Em Reguengos acaba por
haver PS metidos em todo o
lado. Acaba tudo por se
fechar dessa maneira”,
disse Rui Rio
Acusados por PSD e CDS de terem
montado uma teia partidária que
tudo controlaria em Reguengos de
Monsaraz, os socialistas refutaram
ontem a acusação, através de um
comunicado da Federação de Évora
do partido, e recordaram que um dos
responsáveis visados, o director
regional da Saúde do Alentejo, José
Robalo, foi até nomeado por um
Governo PSD-CDS-PP.
O PS-Évora também diz repudiar o
“aproveitamento político injusto e
desonesto levado a cabo por forças
partidárias” do caso do lar de Reguen-
gos de Monsaraz”, onde um surto de
covid-19 causou 18 mortos — uma “tra-
gédia” que diz lamentar profunda-
mente. A actuação das diversas auto-
ridades neste caso, posta em causa
por relatórios como o da Ordem dos
Médicos, levou o Ministério Público
a abrir um inquérito.
O primeiro partido a denunciar “a
ocupação generalizada das estruturas
da administração local e regional por
parte do PS”, a propósito do caso do
lar de Reguengos, foi o PSD. “É uma
prática que atinge no Alentejo uma
dimensão insuportável”, acusou o
partido, em comunicado.
Depois, foi a vez de o CDS comentar
Surto de covid-19 fez 18 mortos num lar de Reguengos de Monsaraz
POLÍTICA
que “António Costa é líder do partido
que (...) que escolheu Ana Mendes
Godinho para ministra, que nomeou
Graça Freitas para directora da DGS,
que tem como camarada José Robalo,
director regional da saúde, e que
patrocinou a eleição de José Calixto
para presidente de Câmara de
Reguengos de Monsaraz, o mesmo
que também preside à fundação que
detém o lar.”
Ontem, o presidente do PSD voltou
à carga. “Aquilo que me é explicado
pelos sectores do PSD no Alentejo é
que em Reguengos acaba por haver
PS metidos em todo o lado. Acaba
tudo por se fechar dessa maneira”,
disse Rui Rio aos jornalistas.
“Ninguém melhor que o PSD sabe
perfeitamente que o actual presiden-
te da ARS de Évora [José Robalo] foi
nomeado pelo Governo de Passos
Coelho e exerceu essas funções
durante toda a governação do Gover-
no PSD-CDS”, escreve a distrital do
PS. De facto, José Robalo foi nomeado
em 2011 pelo então ministro Paulo
Macedo, numa decisão que até cau-
sou polémica no PSD. Robalo era à
data subdirector geral da Saúde e
deputado municipal do PS no Alan-
droal e a distrital social-democrata de
Évora manifestou “estranheza” pela
escolha do ministro e defendeu que
havia “outras opções qualiÆcadas”.
Costa da Silva, líder do PSD-Évora,
disse que havia uma “lista de nomes
válidos” que não foi considerada e
prometeu Æcar atento, a ver se Roba-
lo seria “leal ao Governo” PSD-CDS-
PP. com Álvaro Vieira
sonia.sapage@publico.pt
DR
12 • Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020

POLÍTICA

“Aind não decidi se vou

“Ainda
reca
recandidatar-me ou não”,
disse Isaltino Morais, autarca
inde
independente de Oeiras

Breves
PS-Madeira
Cafôfo critica Residência Abriram candidaturas a apoio pela mudança para o interior
“namoro” entre
MANUEL ROBERTO

Chega e Albuquerque
O líder do PS-Madeira, Paulo
Cafôfo, apontou ontem o
“perigo” do “namoro político”
entre Miguel Albuquerque e o
líder do Chega, considerando
que evidencia um “falhanço
político” do madeirense. André
Ventura convidou o presidente
do governo da Madeira para
apoiar a sua candidatura às
presidenciais.

Forças Armadas
Novo Estatuto do
Combatente entra em
vigor a 1 de Setembro
Foi ontem publicado em Diário
da República o novo Estatuto do
Antigo Combatente, aprovado
pela Assembleia da República
em 23 de Julho. A lei entra em
vigor a 1 de Setembro, à
excepção dos artigos 7.º e 8.º As candidaturas para a programa promover a mobilidade de procura de novo emprego, do Emprego e Formação
cujos efeitos jurídicos se Emprego Interior MAIS — trabalhadores do litoral para o abriram ontem, anunciou o ProÆssional. O apoio à pessoa/
produzem a partir de 1 de Mobilidade Apoiada para um interior, apoiando Governo. As candidaturas podem família que vá viver para o
Janeiro de 2021. Interior Sustentável, para desempregados e empregados à ser realizadas no site do Instituto interior pode atingir 4826 euros.

Poder local Óbito Festa do Avante! Castelo Branco

Assembleias
municipais
em congresso
A Associação Nacional de
Assembleias Municipais vai
realizar o seu segundo
congresso a 19 de Setembro,
em Braga. O evento, dedicado
ao tema “Os novos desafios do
Poder Local”, contará com a
presença da ministra Alexandra
Leitão, que tem a tutela da
Administração Pública.
Morreu Francisco Braz, Prosseguem PS local não abdica de
histórico do sindicato conversas entre PCP escolher candidatos
da administração local e DGS sobre a rentrée autárquicos
Francisco Braz, dirigente Não há imprevistos. O PCP e a O PS de Castelo Branco afirmou
histórico do Sindicato dos Direcção-Geral da Saúde (DGS) ontem, em comunicado, que
Trabalhadores da Administração estão a “conversar” com vista a não aceita “qualquer manobra
Local, morreu na madrugada de chegar a uma solução de de condicionamento” do
terça-feira, aos 70 anos, no consenso sobre a Festa do processo de selecção dos
Hospital Militar de Lisboa, vítima Avante!. “Entregue o plano de candidatos às autárquicas de
de paragem cardíaca. Braz dirigiu contingência, o trabalho com a 2021 que vai liderar. Os
o sindicato entre 1989 e 2015 e DGS prossegue de acordo com o socialistas reafirmam que essa
era, desde 2016, presidente da estabelecido para o efeito”, é uma competência da
mesa da assembleia geral. explicou o partido ao PÚBLICO. comissão política concelhia.
VOCÊ É Ú N I CO.
E AG ORA , OS SEUS
ÓCULOS TAMBÉM!

100%
FEITOS À MEDIDA
ESCOLHA O DESIGN
ESCOLHA AS CORES
TAMANHO AJUSTADO
AO SEU ROSTO

Ju lia na P ae s

S o u m a is e u
14 • Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020

SOCIEDADE
Pandemia empurrou mais
12 mil pessoas para o RSI
O Rendimento Social de Inserção destina-se a pessoas em situação de pobreza extrema.
Inverteu-se assim uma tendência de descida que se mantinha sem mácula desde Abril de 2018
Adiou-se essa veriÆcação oÆciosa da severidade da pobreza. Mas tam- vam, o Governo liderado por Antó- das crianças (32,4% do total). O recur-
Pobreza composição do agregado familiar e bém aos critérios de acesso, tradi- nio Costa voltou a tornar a medida so a esta medida diminui com a entra-
Ana Cristina Pereira dos rendimentos. cionalmente mais apertadas nos mais acessível e determinou o da na idade activa (entre os 18 e 29
Várias instituições que trabalham governos PSD/PP. regresso, progressivo, dos valores. anos representaram 14%, entre os 30
Cresce de dia para dia o número de no terreno alertaram para a perda Na última crise financeira e eco- Com a retoma económica, persistiu e os 39 anos 11,1%, dos 40 aos 49 anos
beneÆciários de Rendimentos Social abrupta de rendimentos. E o Gover- nómica, o número de beneficiários a tendência de queda (295 mil em integraram 14,0%) e volta a subir no
de Inserção (RSI), medida destinada no decidiu que a prestação passaria começou por subir, acompanhando 2015, 287 mil em 2016, 288 mil em Æm (as pessoas com 50 ou mais anos
a aliviar a pobreza extrema e a aju- a ser determinada em função do o aumento do desemprego e da pre- 2017, 282 mil em 2018, 267 mil em perÆzeram os restantes 28,4%).
dar a sair dela. Em Fevereiro, antes rendimento do mês do requerimen- cariedade (417 mil em 2008, 485 mil 2019). Em Março deste ano, com o Os dados reÇectem também o peso
de o novo coronavírus atingir Por- to e não do mês anterior — ou da em 2009, 525 mil em 2010). Ainda país fechado dentro de casa para do género: entre os beneÆciários, 109
tugal, o Instituto de Segurança média dos três últimos, no caso dos no Governo do PS, liderado por José controlar e prevenir o vírus, a orien- mil mulheres e 102 mil homens. O
Social contava 199.160. Em Julho, trabalhadores independentes. Sócrates, iniciou uma queda (447 tação virou. sexo masculino predomina na infân-
211.659, mais de um terço menores O valor global da prestação subiu mil em 2011) e assim seguiu no cia e na passagem para a vida adulta.
de 18 anos. ligeiramente. Em Julho, o valor Governo encabeçado por Pedro Pas- Mais mulheres e crianças Isso só volta a acontecer numa fase
Há quase dois anos que o recurso médio mensal processado por famí- sos Coelho (420 mil em 2012, 360 Para lá da pandemia e suas conse- mais tardia da vida, embora aí as dife-
a esta medida estava a diminuir sem lia era 264,45 euros — em Março mil em 2013, 320 mil em 2014). quências, analisando a evolução, é renças sejam mais esbatidas.
vacilar. Somava 222 mil beneÆciá- 259,43. Quem vive sozinho recebe, Logo no Verão de 2010, foram evidente que alguns aspectos nunca O aumento do desemprego regis-
rios em Abril de 2018 e, pouco a no máximo, 189,66 euros. Quem alteradas as condições de recurso. mudam. O Porto continua a ser, de tado faz prever uma continuação
pouco, foi caindo até Æcar abaixo vive em família recebe, no cúmulo, Já em 2012, os critérios de elegibili- longe, o distrito com mais beneÆciá- desta curva de crescimento. Outras
dos 200 mil em Fevereiro deste ano. 189,66 pelo titular, 132,76 por cada dade voltaram a apertar e os mon- rios. Em Julho, somava 57.352. Bem medidas podem estar a servir de tam-
Para encontrar um valor tão baixo, outro adulto maior de idade e 94,83 tantes a diminuir. A medida perdia distante dos quatro seguintes clas- pão. É o caso da prorrogação automá-
era preciso recuar até Março de por cada menor. O valor Ænal depen- eÆcácia, alertavam então os estudio- siÆcados: Lisboa (40.544), Setúbal tica do subsídio social de desemprego
2006 (188 mil), antes da crise da de de uma complexa conta em que sos das desigualdades, como Carlos (21.048), Açores (15.337) e Aveiro até Dezembro de 2020 (que somava
dívida. Com o alastrar da pandemia entra até a habitação social. Farinha Rodrigues, e instâncias (9.253). 7805 beneÆciários em Março e 10.894
de covid-19, a tendência inverteu-se: nacionais e inter- A estatística mostra o predomínio em Julho) e da criação do apoio
200.368 em Março, 202.742 em Pobreza e política nacionais, como extraordinário à redução da activida-
Abril, 206.334 em Maio, 210.485 Desde que foi criada, em 1996, então o Eurofound. de económica de trabalhador inde-
em Junho, 211.659 em Julho. como Rendimento Mínimo Garan- Como acorda- pendente.
Não será só o aumento da severi- tido, a evolução desta medida tem do com os parti-
dade da pobreza, a perda de empre- estado associada aos indicadores de dos que o apoia- acpereira@publico.pt
go, subemprego, biscates e outras
formas precárias de trabalho.
A síntese divulgada ontem no
Portal da Segurança Social
chama a atenção para o con-
tributo das medidas de Çexi-
bilização de acesso ao RSI.
Pode pedir este apoio quem
tem residência legal em
Portugal e está numa
situação de pobreza
extrema. Os desempre-
gados com condições para
trabalhar têm de estar ins-
critos no centro de empre-
go e assumir o compro-
misso de celebrar um con-
trato de inserção no prazo
de 45 dias. No pico da pan-
demia, esse prazo desapa-
receu.
No quadro de medidas
excepcionais de protecção
social tomadas por causa da
crise de saúde pública, a reno-
vação Æcou garantida. Os beneÆ#
ciários não tinham de a pedir, mas
eram chamados para uma entrevis-
ta que servia para apurar dados.
 Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020 • 15

Evolução do número
222.529
de beneficiários do
RSI desde Abril 211.659
de 2018 210.000

195.000

180.000
Fonte: Segurança Social 2018 2019 2020 Jul.

Número de pessoas a receber

o Rendimento Social de Inserção POR GÉNERO E FAIXA ETÁRIA
Em milhares Em Julho de 2020 “Deus queira que daqui a um mês ou dois
199,9 200,2 202,7 206,3 210,5 211,7 102.104
109.555
já não precise desta ajuda. Isto não é vida”
Fev. Mar. Abr. Mai. Jun. Jul. incluía o restaurante. “Quando secundário. As despesas
Reportagem precisassem, chamavam. Até hoje.” aumentaram. Mais refeições para
Número de famílias a receber RSI
MASCULINO FEMININO Ana Cristina Pereira Sozinho, entre as paredes que servir. E um serviço de Internet para
desde Março de 2020 partilhara com a mãe 60 anos, fazia pagar, para que pudessem estudar.
35.765 <18 anos 32.795 Temeram que a resposta tardasse. contas impossíveis. Sem direito a Já tiveram uma boa vida, Carla e o
Mar. 93.948
1915 18 1719 Vivem no Porto, distrito com mais layoff, sem subsídio de desemprego, marido. Ele trabalhava em artes
Abr. 94.756 processos de Rendimento Social de apenas com uma pequena gráÆcas e ela na venda de utensílios
1781 19 1803
Mai. 96.320 Inserção (RSI). Para solicitar esta poupança para uma doença, foi à domésticos. Foi assim que
5632 20 a 24 6723 prestação social é preciso estar junta pedir ajuda à assistente social conseguiram comprar um
Jun. 98.213
4005 25 a 29 6027 inscrito no Centro de Emprego. Carla Carvalho. “Tive sorte. apartamento e mobilá-lo. Pediram
Jul. 98.715 Quer o Instituto de Emprego, quer Arranjaram-me a documentação. um crédito para pagar ao longo de
4144 30 a 34 6954
os Serviços de Atendimento da Assinei. E meteram a 30 anos. Faltam nove. Esteve quase
Valor médio por beneficiário 4825 35 a 39 7666 Segurança Social, onde há que documentação toda.” a falhar. “Com seguros e tudo, 320
Em euros 5893 40 a 44 8175 entregar o requerimento, atendem Com o desconÆnamento, tenta euros. Para quem não tem nenhum,
119,96 7169 45 a 49 por marcação. No conÆnamento, regressar ao trabalho. “De vez em é complicado.”
117,14 117,29 117,76 118,29 8494
para evitar prolongar a aÇição de quando telefono [para o É um lugar espinhoso para se
8597 50 a 54 8663 quem precisa de socorro, restaurante]. Dizem-me que têm estar na meia-idade. O marido, de
10.188 55 a 59 9522 abriram-se circuitos internos. pouco trabalho.” A idade não ajuda. 49 anos, faz biscates no sector da
8919 60 a 64 António Azevedo e Carla Cruz Acaba de fazer 65 anos. “Estou a construção civil e deixou de ter
7995
passaram por um deles. Foram pensar se devo pedir reforma serviço. “Quando isto passar”,
Mar. Abr. Mai. Jun. Jul. 3271 >=65 3019 bater à porta da Junta de Freguesia antecipada ou não.” Sabe que a diziam-lhe. Ela, de 40, cuidava de
Fonte: Segurança Social PÚBLICO de Campanhã, que ajudava a idade da reforma é 66 anos e cinco uma idosa. “Logo em Março, a Ælha
preencher e dava a assinar os meses. Não sabe o tamanho da disse que ia levá-la para a beira dela,
documentos, digitalizava-os e penalização. “Se não tiver que não havia necessidade de eu ir
encaminhava-os por email para o alternativa, tenho de meter.” Para mais, que ela também ia Æcar em
Mais de um terço destes Serviço de Atendimento e já, aguenta-se com os 189,66 euros casa, que ela tinha medo, que a mãe
beneficiários são Acompanhamento Social de de RSI. “Não me posso meter em é uma senhora de risco.” Os 300
menores de idade BonÆm e Campanhã, que as faziam habilidades, em aventuras. É para o euros ajudavam a compor o
ILUSTRAÇÃO: MIGUEL CABRAL
chegar às entidades competentes. mínimo. Água, luz, telefone. Sobra orçamento familiar.
Tornaram-se beneÆciários de RSI. muito pouco.” Se tivesse de “Em Maio, já não havia quase
Quando a pandemia chegou, comprar alimentos para fazer para comer. Já nem havia para a
António trabalhava há pouco mais pequeno-almoço, almoço, lanche e água e a luz. Já era com ajuda da
de três meses na copa de um jantar, não dava. Vai almoçar e minha mãe e do meu pai”, conta. Os
restaurante. “Trabalhei sempre jantar a casa de uma tia, que é viúva. irmãos também ajudaram. Perante
nesta área”, aÆança. Foi passando Sempre lhe faz alguma companhia. o descalabro, a assistente social
de restaurante para restaurante. Tem outro problema pendente. requereu apoio em géneros
“Antes trabalhei numa casa com um “A casa onde vivo é de uma alimentares e apoio Ænanceiro para
contrato de seis meses. Não sobrinha. Para já, não tenho de assegurara algumas despesas Æxas.
renovaram, vim-me embora. pagar renda, mas também tenho de E ajudou-a a tratar do requerimento
Arranjei para esta casa. Comecei em resolver essa situação. A minha de RSI. “Recebemos o mês passado.
Novembro.” Já não estava à sobrinha não está interessada em A doutora Carla ajudou-me a tratar
experiência. “Gostavam do meu fazer um contrato de de tudo. A gente não podia ir aos
trabalho. Sempre pedi para fazer arrendamento. A ideia dela é locais pedir certidões, nem isto,
descontos, mas a situação vender.” António Azevedo nem aquilo.”
prolongou-se. Saltava de mês para compreende. A sobrinha pode fazer Carla vislumbra uma nova
mês. Nunca assinei contrato.” um bom negócio. Ele é que não. Só oportunidade. “Fui ao centro de
No dia 14 de Março, morreu-lhe a vê uma saída: habitação social. E emprego. A senhora disse que iam
mãe. Foi para casa. “Ao Æm do vagas? começar a dar uma formação de
segundo dia, depois de termos feito Quando a pandemia chegou, cabeleireiro. Que em Setembro me
o necessário, fui trabalhar. Carla tinha 700 euros no banco. O iam chamar, que sou nova, que
Liquidaram-me metade do mês e suÆciente para pagar dois meses de tenho um futuro pela frente.”
mandaram-me para casa.” A prestação da casa. “Paguei Abril e Sentiu que tem. “Deus queira que
Organização Mundial da Saúde Maio e já não tinha para Junho. Não daqui a um mês ou dois eu já não
declarara pandemia. Foi accionado dá para juntar dinheiro com duas precise desta ajuda. O que peço a
o estado de alerta. O país fechava-se Ælhas.” A de 22 anos está a acabar o Deus é força para não precisar disto.
num longo conÆnamento e isso mestrado em Psicologia e a de 15 no Isto não é vida.”
16 • Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020
SOCIEDADE
Escolas do 1.º ciclo têm
de continuar a funcionar
a “tempo inteiro”
Novo ano lectivo
Clara Viana
Aulas só de manhã ou só à
tarde são “solução” do 2.º
ciclo ao secundário. No 1.º
ciclo só em situações
“muito excepcionais”
Colocar os alunos do 1.º ciclo com
aulas só de manhã ou só à tarde é uma
alternativa que as escolas só deverão
considerar “em casos muito excep-
cionais, devidamente justiÆcados e
desde que exista acordo entre todas
as partes”, o que inclui os pais. O
esclarecimento é dado pelo Ministé-
rio da Educação (ME) em respostas
ao PÚBLICO. O ME especiÆca ainda a
este respeito que “apenas nos casos
em que existam mais turmas do que
salas de aulas” será autorizada a orga-
nização por turnos.
Em todos os outros casos, as aulas
do 1.º ciclo (1.º ao 4.º ano de escolari-
dade) têm de manter-se naquele que
é o seu horário habitual: entre as 9h
e as 16h. Seguindo-se até às 17h30 as
actividades de enriquecimento curri-
cular cuja frequência é facultativa. O
ministério adianta que foram dadas
indicações aos directores para man-
terem este regime de funcionamento
a que se passou a chamar de escola a
tempo inteiro.
Foi dada ainda autorização para
que as escolas onde funcionava já o
regime duplo (ocupação da mesma
sala por duas turmas, uma no turno
da manhã e outra no turno da tarde)
manterem esta situação, que actual-
mente é já residual. Também nestes
casos, as escolas terão de garantir
outras actividades na parte do turno
em que os alunos não têm aulas,
acrescenta o ME.
“As escolas tiveram a tentação de
partir logo para os horários por tur-
nos, mas em muitas situações têm
vindo a corrigir esta opção em cola-
boração com o ministério”, comen-
tou ao PÚBLICO o presidente da Con-
federação Nacional das Associações
de Pais (Confap), Jorge Ascenção, que
no passado dia 13 se reuniu com o
responsável da Dgeste, que é o servi-
ço do ME responsável pelo acompa-
nhamento das escolas.
Já no que respeita ao 2.º e 3.º ciclos
( 5.º ao 9.º ano), as escolas têm luz
verde para elaborarem os horários
que entendam ser os melhores para
Do 1º ao 4º ano a escola terá de funcionar das 9h às 17h30
mitigar os riscos. O que passa por
concentrar o funcionamento das tur-
mas apenas num único turno, de
manhã ou de tarde. Uma possibilida-
de prevista na resolução do Conselho
de Ministros que, em Julho, estabele-
ceu uma série de “medidas excepcio-
nais e temporárias para a organização
do ano lectivo 2020/2021, no âmbito
da pandemia da doença covid-19”.
Aulas até às 19h10
A maioria das escolas só lançará os
horários em Setembro, como aliás
costuma ser a norma, mas vários
agrupamentos já avisaram os pais que
vão optar por aquela organização.
Por exemplo, no Agrupamento de
Escolas da Venda do Pinheiro, conce-
lho de Mafra, as turmas do 5.º, 7.º e
9.º anos terão aulas entre as 8h e as
13h25, enquanto as do 6.º e 8.º anos
funcionarão entre as 13h35 e as 19h.
Numa nota publicada no site do agru-
pamento explica-se que esta organi-
zação foi adoptada “tendo como
princípio o menor número de pessoas
no menor tempo na escola” para evi-
tar “situações que podem levar a con-
tágios indesejados”.
Os nossos horários estão quase
prontos, falta apenas um ou outro
pequeno ajuste”, informa o subdi-
rector do Agrupamento de Escolas
Gil Vicente, em Lisboa, Victor Gon-
çalves. Neste agrupamento, com
1100 alunos, as opções para o próxi-
mo ano lectivo também já estão deÆ#
nidas: na escola-sede, onde estão os
alunos do 5.º ao 12.º ano, o horário
de funcionamento será entre as 8h e
as 19h10, as 15 turmas do 5.º, 6.º e 7.º
ano terão aulas da parte da manhã e
SEBASTIÃ’O ALMEIDA
as 13 do 8.º, 9.º, 10.º, 11.º e 12.º ano
funcionarão à tarde.
O Ministério da Educação recorda
a propósito que na maior parte das
escolas os alunos do 2.º ciclo ao
secundário já têm habitualmente
aulas predominantemente de manhã
ou de tarde. Mas para concentrar as
actividades lectivas só em meio dia e
cumprir a carga curricular, as escolas
terão de alargar a sua mancha horá-
ria, antecipando o início das aulas
para as 8h ou prolongando o seu Æm
para as 19h10.
Apesar dos turnos de meio dia, no
próximo ano lectivo as escolas conti-
nuarão também obrigadas a dar res-
posta aos alunos que necessitem de
apoios e actividades educativas com-
plementares, informou o ME.
Quanto aos outros ciclos não estão
previstas alternativas dependentes do
ministério. As actividades de enrique-
cimento curricular destinam-se ape-
nas ao 1.º ciclo. Sobram as chamadas
Actividades de Tempos Livres, para
crianças e jovens até aos 15 anos, e
que geralmente são organizadas por
associações de pais, juntas de fregue-
sia, instituições de solidariedade
social ou entidades particulares.
Mas como os espaços onde funcio-
nam as ATL têm de seguir as mesmas
normas de distanciamento estabele-
cidas pela Direcção-Geral da Saúde,
poderá “acontecer que tenham de
reduzir a sua oferta” o que poderá
criar mais problemas às famílias, aler-
ta o vereador responsável pela Edu-
cação na Câmara Municipal de Setú-
bal, Ricardo Oliveira.
cviana@publico.pt
Desde 1997 que
não havia tantos
candidatos ao
ensino superior
Educação
Clara Viana
Número de candidaturas já
vai quase nas 55 mil,
quando há apenas 51.408
vagas disponíveis.
Concurso termina domingo
Com o concurso nacional de acesso
a terminar no domingo, o número
de candidatos ao ensino superior
aproxima-se do de 1997, quando se
registou o maior número de candi-
daturas às universidades e politéc-
nicos públicos dos últimos 24 anos.
Até à meia-noite de ontem o total de
aspirantes a uma vaga ascendia aos
54.733, quando em 1997 o número
Ænal na 1.ª fase fora de 54.950. A ava-
liar pelo ritmo diário de candidatu-
ras, a fasquia de 1997 poderá ter sido
ultrapassada ontem (esses dados só
serão revelados hoje). E, a conÆr-
mar-se, 2020 tornar-se-á o segundo
ano com mais candidatos desde que
o concurso nacional de acesso se
estreou, nos moldes actualmente
em vigor, em 1996. Nesse ano houve
68.797 candidaturas.
Esta subida acontece num ano em
que, devido à covid-19, os alunos do
secundário estiveram quase dois
meses sem poder ir à escola, tendo
aulas à distância. E também no ano
em que os exames funcionaram
apenas como provas de ingresso no
ensino superior, não contando para
a conclusão do ensino secundário
como tem sido a norma.
Este ano há 51.408 vagas
para preencher
Também por causa da actual pan-
demia que levou ao adiamento dos
exames nacionais, o concurso de
acesso iniciou-se um mês mais tarde
do que é habitual: a 1.ª fase come-
çou a 7 de Agosto e terminará a 23,
um prazo quatro dias mais curto do
que o de 2019.
No Ænal da primeira semana já era
perceptível que se podia fazer his-
tória. Contabilizavam-se então mais
51% de candidatos do que os regis-
tados na primeira semana de 2019
(de 27.712 passou-se para 40.983).
Agora, por comparação há seis dias,
há mais 13.750 candidatos, tendo-se
atingido um total de 54.733. “Have-
rá mais candidatos, o que constitui
uma enorme satisfação, porque
mostra que as famílias reconhecem
que o investimento em educação é
fundamental”, comentou, ao PÚBLI-
CO, o presidente da Comissão Nacio-
nal de Acesso ao Ensino Superior
(CNAES), João Guerreiro, a propó-
sito dos números noticiados no Ænal
da primeira semana.
Mais vagas
Entre os factores que estarão a con-
tribuir para este aumento, Guerreiro
destacou o facto de, pela primeira
vez, os alunos que concluíram o
secundário no ensino proÆssional
terem um concurso especial de aces-
so, tendo 1076 Æcado em condições
de concorrer por terem tido positiva
nos exames regionais criados para o
efeito. Por outro lado, desde o ano
passado passou a haver mais vagas
para os cursos mais disputados,
como os ligados às ciências digitais.
Estão abertas 51.408 vagas, o que
constitui o maior lote desde 2013,
quando foram disponibilizados
51.461 lugares. Há ainda a destacar
o facto de a média dos exames
nacionais ter subido cerca de três
valores, existindo assim também
mais alunos habilitados a concorrer
ao superior — o que só é possível
com uma nota mínima de 9,5 numa
escala de 0 a 20 valores.
A subida das notas dos exames
deverá também provocar um aumen-
to das médias de ingresso e tornar
mais difícil a colocação de candida-
tos nos cursos que escolheram como
primeira opção, como têm alertado
professores do superior. Em 2019
Æcaram colocados 44.500 estudan-
tes na 1.ª fase do concurso de acesso.
Os resultados deste ano serão conhe-
cidos a 28 de Setembro.
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18 • Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020
SOCIEDADE
Cuidados intensivos vão ter mais 914
camas e mais 95 médicos até 2021
O objectivo é que Portugal consiga
chegar a um rácio de 11,5 camas por 100
mil habitantes, a média da União
Europeia, quase o dobro do que existia
em Portugal antes da pandemia
Serviço Nacional de Saúde
Alexandra Campos
Os ministérios da Saúde e das Finan-
ças aprovaram ontem Ænalmente o
investimento, que já estava anuncia-
do e prometido desde Junho, de 26
milhões de euros para a ampliação
de serviços de medicina intensiva de
16 hospitais, e a ministra da Saúde
deu luz verde para a revisão da rede
nacional de referenciação em cuida-
dos intensivos.
Até ao próximo ano, se tudo cor-
rer como planeado, haverá mais 914
camas de cuidados intensivos e os
serviços serão reforçados com mais
95 médicos, 626 enfermeiros e 198
assistentes operacionais. Tudo para
que seja possível continuar a dar
uma resposta adequada aos doentes
em estado crítico, com covid-19
e com outras patologias, e evitar o
tão temido colapso dos serviços que
a pandemia provocou em alguns
países.
No global, este reforço anunciado
representará um aumento da ordem
dos 45% da capacidade instalada dos
cuidados intensivos, como é reco-
mendado na proposta de revisão da
rede de referenciação em medicina
intensiva que foi elaborada por uma
comissão de especialistas. O docu-
mento esteve em discussão pública
até ao Ænal de Julho e foi assinado na
terça-feira por Marta Temido.
“O documento agora aprovado
aponta um caminho” para a concre-
tização deste reforço, “envolvendo
os conselhos de administração das
instituições hospitalares e os serviços
de medicina intensiva no incremen-
to imediato da capacidade de inter-
namento”, explica o Ministério da
Saúde em nota. Mas também se assi-
nala que serão precisos dois anos
para que Portugal consiga chegar a
um rácio de 11,5 camas por 100 mil
habitantes, a média da União Euro-
peia, quase o dobro do que o país
tinha antes da pandemia.
Em Abril, ainda no início do sur-
to epidémico de covid-19 em Portu-
gal, foi lançado um programa de
Ænanciamento para adquirir não só
ventiladores (máquinas que ajudam
os doentes a respirar) mas também
toda a parafernália de outros equi-
pamentos necessários, como moni-
tores cardíacos, bombas e serin-
gas infusoras. Tudo para dotar os
serviços e unidades de medicina
intensiva que anos de desinvestimen-
to tinham deixado numa situação
complicada — o rácio nacional de
camas de cuidados intensivos por
100 mil habitantes (6.4) era dos mais
baixos da Europa.
Mas os especialistas em medicina
intensiva não se cansaram de enfati-
zar, logo nessa altura, quando se
multiplicavam as aquisições e ofertas
de ventiladores, que não bastava
dotar os serviços deste tipo de equi-
pamentos e que era fulcral investir
também no reforço dos recursos
humanos.
De resto, além de mais médicos,
de enfermeiros e de assistentes ope-
racionais, os peritos que assinam a
proposta de revisão da rede de refe-
renciação defendem a inclusão
de Æsioterapeutas nas equipas para O reforço das unidades de cuidados intensivos passará ainda por mais 626 enfermeiros e 198 assistentes ope
que seja possível a reabilitação dos
doentes (um por cada seis a dez que trabalham só no sector privado milhões de euros” e garantir a ren-
camas), de forma a permitir um que poderiam ser contratados para tabilização destes equipamentos,
regresso mais rápido à vida activa e o SNS”. explica a ministra da Saúde.
menores sequelas. E vai igualmente Um dos hospitais que vai beneÆ#
ser necessário formar com rapidez 26 milhões para qualiÄcar ciar deste investimento é o de Vila
(dois anos) médicos de outras espe- Há médicos Quanto aos 26 milhões de euros Nova de Gaia, onde ontem Marta
cialidades porque há poucos inten- aprovados ontem por despacho da Temido e o primeiro-ministro Antó-
sivistas em Portugal. intensivistas ministra da Saúde e do secretário de nio Costa inauguraram o novo ser-
O bastonário da Ordem dos Médi- que trabalham Estado do Tesouro, vão ser distribuí- viço de internamento e ouviram a
cos, Miguel Guimarães, diz que vão dos apenas “por seis centros hospi- promessa de que a nova unidade de
ser abertas “muito mais vagas” para só no sector talares e hospitais na região Norte, cuidados intensivos, um investimen-
a formaç ão de especialistas privado que três na região Centro, quatro em to de 3,3 milhões de euros, vai abrir
em Medicina Intensiva este ano. Lisboa e Vale do Tejo, dois no Alen- já em Novembro.
Mas lembra que são precisos cinco poderiam ser tejo e um no Algarve”. “Hoje testemunhamos o arranque
anos para formar um intensivista. É contratados A ideia não é abrir novos pólos de [das obras] da unidade de cuidados
certo que há médicos especialistas medicina intensiva, mas sim quali- intensivos. É muito importante por-
noutras áreas que podem ser forma- para o Serviço Æcar os que já existem, fazendo que, se acontecer o pior, vamos
dos transitoriamente e com mais Nacional de Saúde obras de alargamento e adaptação estar mais bem preparados (…). Este
rapidez, numa altura em que a pres- e dotando-os de mais equipamen- vosso exemplo ilustra bem o que
são com a pandemia obriga a uma Miguel Guimarães tos. Este reforço de 26 milhões vem tem de ser a atitude. Temos sempre
resposta rápida, admite o bastoná- Bastonário da Ordem dos complementar “o programa vertical de desejar o melhor e estar sempre
rio, mas frisa que há “intensivistas Médicos de aquisição de ventiladores, de 60 preparados para o pior”, disse Antó-
 Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020 • 19

SOCIEDADE

Situação em Portugal
Em 20 de Agosto às 14h30
Casos
confirmados 54.992
Novos casos diários
Novos
casos 291
1788 40.264
1000

500

Mortes Recuperados 0
Fonte: DGS 2 Mar. Abr. Mai. Jun. Jul. Ago.
MIGUEL MANSO

Vinte milhões de euros para Comércio em horário normal

vacina “universal e gratuita”
Leonete Botelho
e São José Almeida
O primeiro-ministro promete que a
vacinação contra a covid-19 em Por-
tugal será feita de forma “progressiva,
universal e gratuita”. António Costa
anunciou que o Conselho de Minis-
tros electrónico aprovou a “autoriza-
ção para o investimento de 20
milhões de euros” que permite a Por-
tugal participar da primeira fase de
investigação de vacinas para a covid-
19, que está a ser Ænanciada pela
Comissão Europeia (CE).
Com esta participação na primeira
fase da investigação, Portugal assegu-
rou uma quota de 6,9 milhões de
vacinas, que a UE já estabeleceu para
Portugal, ainda que seja muito pre-
acordos com três laboratórios: o
SanoÆ-GSK, em 31 de Julho, o Johnson
& Johnson, a 13 de Agosto, e o Astra-
Zeneca, a 14 de Agosto. Decorrem
neste momento negociações entre a
CE e o laboratório alemão CureVac.
A decisão do Conselho de Ministros
integra-se “no âmbito do procedimen-
to europeu centralizado”, em que
cada um dos Estados-membros da
União Europeia tem o “direito de aqui-
sição de uma quantidade determina-
da de vacinas” contra a covid-19.
“Os optimistas acreditam que no
Ænal deste ano poderá estar disponí-
vel o primeiro lote”, aÆrmou o pri-
meiro-ministro, acrescentando que
cabe à Direcção-Geral da Saúde deÆ#
nir os critérios que serão utilizados
para essa “vacinação progressiva,
universal e gratuita”.
em Lisboa. Cafés fecham às 21h
O comércio na cidade de Lisboa,
incluindo centros comerciais, pode
retomar a partir de hoje os horários
de funcionamento praticados antes
da pandemia, mas os cafés terão de
encerrar às 21h.
De acordo com uma nota da
Câmara Municipal de Lisboa, “são
restabelecidos os horários de fun-
cionamento praticados antes da
pandemia para todos os estabeleci-
mentos de comércio a retalho e de
prestação de serviços, incluindo os
que se encontrem em centros
comerciais”. Os estabelecimentos
de restauração e similares, incluin-
do os que dispõem de entrega ao
domicílio ou take-away podem
admitir clientes até à meia-noite,
tendo de encerrar à 1h. Os “cafés e
similares”, incluindo os que se
encontrem em centros comerciais,
bem como as lojas de conveniência,
podem, “sempre que o respectivo
horário de funcionamento o permi-
ta”, encerrar às 21h.
Os postos de combustíveis podem
também retomar o horário normal,
embora continue a ser proibida a
venda de bebidas alcoólicas.
Ontem, Portugal registou mais
duas mortes e 291 casos positivos de
covid-19. Estão internadas 334 pes-
soas (mais cinco), das quais 39 em
cuidados intensivos (mais quatro).
Lusa
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racionais
nio Costa. O Outono e o Inverno
estão a chegar e o país tem de estar
preparado, enfatizou.
Mas este processo de preparação
ainda está numa fase inicial. Depois
de, na sexta-feira passada, vários
especialistas (académicos e cientis-
tas) terem estado a debater o plano
do Serviço Nacional de Saúde para
os próximos meses, no auditório do
Infarmed, ontem a ministra e a
directora-geral da Saúde, Graça
Freitas, reuniram-se com os basto-
nários de todas as ordens proÆssio-
nais do sector para lhes pedirem
contributos para a estratégia nacio-
nal que vai ser delineada. Na reu-
nião foram apresentados apenas
tópicos sobre os eixos centrais desta
futura estratégia integrada.
acampos@publico.pt
maturo saber quando é que as vacinas
estarão disponíveis.
Os contratos com seis laboratórios
farmacêuticos que estão a trabalhar
na produção de uma vacina para a
covid-19 estão a ser negociados pela
União Europeia, e Portugal, ao par-
ticipar nesta primeira fase, assegu-
rou que será dos Estados-membros
a receber as vacinas quando elas
existirem, explicou ao PÚBLICO um
membro de um gabinete governa-
mental.
Foram já estabelecidos pela CE
Portugal garantiu uma quota de
6,9 milhões de vacinas
“Até haver uma imunização geral
da população ou tratamento eÆcaz,
temos de estar preparados para o
pior.” O primeiro-ministro voltou a
insistir na ideia de que o país não
aguenta um novo conÆnamento e que
“o ano lectivo não vai poder ser com
as escolas totalmente fechadas”.
“Vamos ter de viver com a covid-
19”, avisou, acrescentando: “Temos
de nos preparar para o Outono/Inver-
no com a consciência de que não
vamos poder voltar a encerrar total-
mente como Æzemos em Março, por-
que estão milhares de empregos e
empresas em risco.”
António Costa considera que o país
está agora mais bem preparado do
que estava em Março. “Lavamos mais
vezes as mãos, usamos máscaras e
desinfectantes.” Costa garantiu que
vai continuar a “robustecer o Serviço
Nacional de Saúde (SNS) para respon-
der ainda melhor” à pandemia.
“É preciso que os portugueses
tenham essa conÆança de que o SNS
está preparado e a reforçar-se”,
disse, dando como exemplo a
melhoria dos serviços de interna-
mento e cuidados intensivos do
hospital que visitava. com Sofia
Correia Baptista
leonete.botelho@publico.pt
sao.jose.almeida@publico.pt
AVISO
1. Nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 47.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de
maio, torna-se público que a Autoridade da Concorrência recebeu, a 13 de agosto de 2020, uma
notificação prévia de uma operação de concentração de empresas, apresentada ao abrigo do
disposto no artigo 37.º do referido diploma.
2. A operação de concentração em causa consiste na aquisição, pela E.A.D. – Empresa de
Arquivo e Documentação, S.A. (“EAD”), do controlo exclusivo da PAPIRO, S.A. (“PAPIRO”)
mediante a aquisição da totalidade das ações representativas do respetivo capital social.
3. As atividades das empresas envolvidas são as seguintes:
• EAD - é uma sociedade do Grupo EAD que tem como atividade económica principal a prestação
de serviços de gestão documental, a qual inclui as seguintes atividades: (i) armazenagem de
documentos; (ii) digitalização de documentos; (iii) Business Process Outsourcing (BPO): (iv)
consultoria em gestão documental; (v) prestação de serviços conexos à gestão documental
(que incluem a reciclagem, o desenvolvimento e licenciamento de software, para efeitos
da ou conexo com a gestão documental e a compra e venda de equipamentos destinados
à digitalização de documentos). A EAD detém a totalidade do capital social da Fin-Prisma –
Serviços de Terciário Avançado, Lda., sociedade que se dedica às atividades de digitalização e
de desenvolvimento e licenciamento de software.
• Papiro - é uma sociedade do Grupo Trivalor que tem por atividade principal o arquivo e a
gestão de documentação. A Papiro dedica-se também às seguintes atividades: (i) operações
de microfilmagem e de digitalização de imagens e documentos, em regime interno (“on-site”)
ou externo (“off-site”), para diversos tipos de suporte (filme, server, discos externos e pen’s
encriptados, etc.); (ii) outsourcing de procedimentos administrativos; (iii) consultoria em gestão
documental. Nos últimos anos, a empresa tem vindo a desenvolver atividade em novas áreas
de negócios conexas com a prestação de serviços de gestão documental, designadamente:
(i) serviços de reciclagem ou destruição documental; (ii) desenvolvimento e licenciamento de
software de gestão documental; (iii) estafetagem: prestação de serviços postais (não abrangidos
no serviço universal) de recolha e entrega de encomendas com diferentes níveis de serviço e
escalas de prioridade.
4. Quaisquer observações de terceiros interessados sobre a operação de concentração em causa
devem identificar o interessado e indicar o respetivo endereço postal, e-mail, n.º de telefone e
fax, bem como ser acompanhadas de versão não confidencial e respetiva fundamentação da
confidencialidade, sob pena de serem tornadas públicas.
5. As observações devem ser remetidas à Autoridade da Concorrência, no prazo de 10 dias úteis,
indicando a referência Ccent. n.º 21/2020 – EDA/Papiro, por via postal ou e-mail, para o seguinte
endereço:
Autoridade da Concorrência
Avenida de Berna, 19
1050-037 Lisboa
E-mail: adc@concorrencia.pt
20 • Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020
LOCAL
Em Mindelo, a vizinhança cresce
nas mãos que limpam as ruas
O projecto “Adopte uma rua” tem mobilizado a população de Mindelo para limpar as ervas daninhas
sem recurso ao glifosato. A iniciativa tem reforçado o sentido de comunidade nesta freguesia
Vila do Conde
Ana da Cunha
“Três gerações de enxada na mão, a
tentar fazer a diferença”. Quem o diz
é Ana Vieira, no momento em que
arranca as ervas daninhas da sua
rua, a Luís de Camões, em Mindelo.
“Não adianta dizermos que somos
contra os químicos, se não somos
parte da solução”.
Cláudio Matos, Presidente da Jun-
ta de Freguesia de Mindelo, tomou
posse em Ænais de Fevereiro, após
eleições intercalares. Depois de uma
ronda de aplicação de glifosato nos
terrenos da vila, foram alguns os resi-
dentes que manifestaram o seu desa-
grado. “Já havia certos sítios na fre-
guesia em que as pessoas limpavam
Famílias, adultos e crianças, e acima de tudo vizinhos estão comprometidos com o projecto e querem atrair mais gente
à porta de casa, já retiravam as ervas,
faziam essa manutenção”, conta o
Presidente. E foi assim que nasceu o
projecto “Adopte uma rua”, que quer
alertar a comunidade para “questões
ambientais e de espaço público”,
propondo a limpeza das ruas por
parte dos cidadãos.
Especialmente porque o glifosato,
comercializado desde 1974, tem sido
alvo de acesas discussões. Em 2015,
a Agência Internacional para Pesqui-
sa sobre o Cancro (Iarc), parte da
Organização Mundial de Saúde,
declarava que o glifosato era “prova-
velmente cancerígeno” para huma-
nos. Já em Dezembro de 2019, as
propostas do Bloco de Esquerda (BE)
e do partido Pessoas-Animais-Natu-
reza (PAN) para restringir ou banir o
glifosato eram rejeitadas no Parla-
mento. Porém, em Portugal, já foram
algumas as autarquias que abando-
naram o glifosato, como a câmara do
Porto ou a câmara do Funchal. Os
cidadãos do Mindelo querem seguir-
lhes o exemplo.
“Alguns espaços estão a ser adop-
tados por pessoas de outras fregue-
sias, o que nos motiva para que não
apliquemos o glifosato e para que
consigamos construir uma sociedade
mais limpa”, especiÆca Cláudio
Matos, que defende a promoção de
uma “cidadania activa”. A adesão ao
projecto tem sido positiva, e tem fun-
cionado de “maneira informal”, com
muitos residentes a proporem limpar
as suas ruas por e-mail e a partilhar o
feito nas redes sociais.
António Vieira, pai de Ana, mora
em Mindelo há 50 anos, e bem que
conhece estas ruas, desde as áreas
mais ruralizadas às mais urbaniza-
das, junto às praias. Na parte mais
rural, as ervas crescem desmesura-
damente, mas a família está deter-
minada a retirá-las sem o recurso aos
herbicidas. “Propusemo-nos a lim-
par metade desta rua”, diz António.
Do outro lado, o pequeno José, de
“Isto é um exemplo
de como uma
sociedade se pode
juntar”, aÄrma a
mãe do pequeno
José, Ana Vieira,
orgulhosa
PAULO PIMENTA
oito anos, ajuda os pais e o avô.
“Estamos a adoptar as ruas, assim
não se usam químicos”, explica o
menino. “Isto é um exemplo de
como uma sociedade se pode jun-
tar”, aÆrma a mãe, Ana Vieira,
“Pequenos actos fazem a diferença”.
Eduardo Silva, marido de Ana e pai
de José, considera, por sua vez, que
esta iniciativa é um exemplo de “res-
ponsabilidade cívica”.
Contudo, apesar do benefícios de
não empregar herbicidas, Ana con-
fessa que, enquanto limpa as ervas,
já encontrou “lixo do McDonalds,
máscaras, fezes de cão”. “Nem era
preciso limpar, bastava não sujar”,
insiste a professora. E há outros pro-
blemas que têm de ser resolvidos,
como as “enxadas”. “Nem sempre
a enxada é o melhor instrumento”,
explica Ana, “Tem de haver uma
grande vontade de investir em
algum equipamento que possa ser
distribuído”.
Viajando para uma zona mais
urbanizada de Mindelo, até à traves-
sa de São Pedro, onde as ruas são de
alcatrão, Maria Alina, que vive próxi-
ma dos seus nove irmãos, todos
empenhados em limpar as ruas,
desabafa: “É uma óptima iniciativa,
só que nem toda a gente adere”. Inês
Terroso, sobrinha de Maria Alina que
vive na casa ao lado, comenta: “Se a
aplicação [do glifosato] é criticada,
temos de procurar iniciativas para
juntar a freguesia e pensar no
ambiente”, visão que também é subs-
crita por Sónia Cadete Nogueira,
casada com um sobrinho de Maria
Alina. “Todas as freguesias deviam
adoptar o projecto”, reforça.
A ideia, que começou a ser posta
em prática no início de Agosto, vai
para além da consciência ambiental:
“Queremos fortalecer o espírito de
comunidade entre os vizinhos atra-
vés desta colaboração”, assinala
Cláudio Matos, revelando ainda que,
com a ajuda dos cidadãos, foi possí-
vel “contratar mais um colaborador”
para a limpeza das ruas sem produ-
tos químicos. E, de facto, o espírito
de entreajuda parece ter-se dissemi-
nado por Mindelo, nem que seja
entre as famílias que passam os últi-
mos dias de férias a livrar-se das
ervas daninhas.

Jovem de 19 anos
sequestra e ameaça
de morte namorada
Leiria
Joana Gorjão Henriques
GNR diz que a namorada
de 20 anos tentou terminar
com a relação. Agressor
sequestrou-a, amarrando-a
por vários dias a um móvel
Um jovem de 19 anos que seques-
trou a namorada, inÇigindo-lhe
maus tratos psicológicos e físicos e
ameaças reiteradas de morte,
durante dois anos, foi ontem cons-
tituído arguido depois de um pri-
meiro interrogatório no Tribunal de
Leiria. Está acusado da prática do
crime de violência doméstica,
sequestro e coacção agravada.
O jovem tinha sido detido pela
GNR, que investigou o caso, anun-
ciou o Comando Territorial de Lei-
ria, através do Núcleo de Investiga-
ção e Apoio a Vítimas Específicas
(NIAVE). A GNR descreve o que
levou à detenção: quando a namo-
rada de 20 anos quis terminar a
relação, o agressor sequestrou-a
“amarrando-a por vários dias a um
móvel da garagem da residência,
sob coacção e ameaça constante,
inviabilizando qualquer comunica-
ção com o exterior, e obrigando-a a
efectuar as suas necessidades fisio-
lógicas para um balde”.
Segundo disse ao PÚBLICO o capi-
tão Sousa, das relações públicas da
GNR do posto de Leiria, o agressor
já tinha um inquérito a decorrer des-
de 2018, por violência doméstica,
em que a queixosa é a mesma com-
panheira. Foi também a jovem de 20
anos que fez queixa há cerca de uma
semana referindo que tentou pôr
termo à relação mas que o compa-
nheiro a amarrou, não a deixando
sair de casa. Os dois viviam na mes-
ma habitação, em Pombal.
Numa nota de imprensa, a GNR
referiu que, na sequência de uma
investigação, os militares apuraram
que o suspeito, de 19 anos, agrediu
Æsicamente a sua companheira, de
20 anos, inÇigindo-lhe desde 2018
maus tratos psicológicos e ameaças
reiteradas de morte.
Na quarta-feira, os militares pro-
cederam a um mandado de deten-
ção e a uma busca domiciliária na
casa do arguido, onde foram apreen-
didas uma caçadeira de calibre 12,
quatro armas brancas, das quais
Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020 • 21
Jovem foi detido pela GNR e já
tinha sido alvo de queixas
uma catana e uma faca de ponta e
mola, 11 doses de cannabis e uma
planta de cannabis “em elevado
estado de maturação”. O arguido já
tem antecedentes criminais pela
prática dos crimes de roubo e ofen-
sas à integridade física.
O tribunal aplicou-lhe a medida de
coacção de afastamento de um qui-
lómetro e proibição de contactos
com a vítima.
Segundo o gabinete da ministra de
Estado e da Presidência, a Polícia de
Segurança Pública (PSP) e a Guarda
Nacional Republicana (GNR), os
dados mostram que em Abril, Maio
e Junho de 2020 as autoridades rece-
beram um total de 6928 participa-
ções por violência doméstica, menos
6,2% do que as 7382 do período
homólogo de 2019 e mais 570 do que
as registadas nos três primeiros
meses do ano. Porém, subiu em 11,7%
o número dos “reclusos em cumpri-
mento de pena de prisão efectiva”
— o que corresponde a 847 pessoas.
A prisão preventiva subiu 4,3% e o
afastamento como medida de coac-
ção aumentou 29,5%.
As vítimas abrangidas pela teleassis-
tência (o denominado “botão de pâni-
co”) aumentaram 30,1% (passaram de
2774 para 3608). Já o total de pessoas
em situação de acolhimento devido
ao crime de violência doméstica bai-
xou 24,4% (de 2161 para 1634) no pri-
meiro semestre do ano relativamente
ao período homólogo de 2019.
com Lusa
jgh@publico.pt
LOCAL
Praias: Póvoa
e Matosinhos
com alertas
de poluição
Época balnear
Chuva dos últimos dias
e aumento de caudais
de ribeiras pode estar
na origem da diminuição
da qualidade da água
Os banhos na praia de Matosinhos
e em sete praias da zona urbana da
Póvoa de Varzim estão desaconse-
lhados devido a uma “elevada acti-
vidade microbiológica” na água. As
duas autarquias explicam que a
situação se vai manter pelo menos
até segunda-feira, quando forem
conhecidos resultados de novas
análises realizadas já ontem.
A Câmara de Matosinhos esclare-
ceu estar em causa uma segunda
análise por parte da APA, sendo que
a primeira, que levou ao desaconse-
lhamento dos banhos, registou na
água uma “elevada actividade
microbiológica” relacionada com a
chuva intensa dos últimos dias e o
aumento dos caudais das ribeiras.
“A elevada actividade microbiológi-
ca registada na água prende-se com
as chuvas intensas que se registaram
durante quarta-feira e a madrugada
de ontem, que Æzeram com que os
caudais das ribeiras atingissem
níveis muito elevados, arrastando
os sedimentos/poluentes dos
canais”, esclarece a Câmara de
Matosinhos.
A autarquia indicou ainda que,
“paralelamente, as marés vivas e a
agitação marítima elevada provoca-
ram o descolamento de sedimentos
estabilizados no fundo do mar”.
Isto, acrescenta, “também pode ter
degradado a qualidade da água do
mar”. A expectativa do município é
que a situação esteja “normalizada
no início da próxima semana”. A
autarquia refere ainda estar “em
contacto permanente com a APA e
a proceder ao acompanhamento da
monitorização das águas”.
A APA está também a desaconse-
lhar os banhos em sete praias da
Póvoa de Varzim, onde ontem foram
também realizadas análises suple-
mentares às águas da praia da Sal-
gueira, praia Azul, praia Verde,
praia dos Beijinhos, praia da Lada,
praia da Lagoa-II e praia do Hotel.
Para já, o aviso mantém-se até
segunda-feira, como em Matosi-
nhos. PÚBLICO/ Lusa
22 • Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020
ECONOMIA
Estado “pode regular preço
da madeira” paga aos produtores
Pedro Serra Ramos Presidente da associação nacional que
representa duas mil empresas dos sectores Åorestal, agrícola
e ambiental, lamenta o sistema de formação de preço da
madeira, apontando o dedo tanto ao sector como ao Governo
Entrevista
Teresa Silveira (texto)
e Nelson Garrido (fotografia)
“O investimento na Çoresta não é
atractivo.” A Associação Nacional
de Empresas Florestais, Agrícolas e
do Ambiente (ANEFA), que
representa cerca de duas mil
empresas e 10 a 15 mil postos de
trabalho, diz que “os custos
operacionais aumentaram muito”
e que “não podemos ter um sector
que paga tanto por madeira para
triturar como por madeira boa
para Æns nobres”. O presidente da
associação, Pedro Serra Ramos,
avisa: “O Estado não pode impor
preços, mas pode regular.” E deve
impedir a venda “abaixo do preço
de custo”.
Como olha hoje para a floresta?
É um sector atractivo?
Os custos operacionais
aumentaram muito. Aquilo que há
de inovação tecnológica não
compensa em termos de
produtividade o aumento desses
custos operacionais e, portanto,
neste momento, o investimento
não é atractivo para o produtor
Çorestal. Isso faz que o produtor
Çorestal tenha abandonado grande
parte dos terrenos. Essa é a
principal pedra no sapato no
sector Çorestal: a falta de
rentabilidade a montante, na
produção. Não conseguimos, de
facto, ter um preço que permita à
Çoresta ser rentável.
Agora, o produtor Çorestal
também tem de começar a olhar
para a Çoresta de outra maneira. Os
modelos de exploração têm de
passar a ser diferentes, porque
ainda há muito produtor a seguir
modelos antigos e tem de começar a
tirar partido de outras coisas que a
Çoresta possa dar, nomeadamente
os serviços do ecossistema e que,
com esta questão do Green Deal
[Pacto Ecológico Europeu], podem
assumir um papel preponderante.
Diz que o problema da floresta
está sobretudo a montante, na
rentabilidade que os produtores
florestais retiram, ou não, das
explorações florestais. O que
falta, então, fazer?
Bem, nós não podemos ter um
sector que paga tanto por madeira
para triturar como por madeira
boa que acaba por ser utilizada
para Æns nobres. E hoje temos a
madeira, que é o principal produto
extraído da Çoresta, a ser pago ao
nível do valor que é pago pela
madeira utilizada para Æns mais
nobres. Por outro lado, temos uma
indústria das pellets, que é madeira
para queimar, que paga mais pela
madeira do que paga [pela
madeira] a indústria para triturar.
Portanto, a gente chega a uma
situação em que diz: “Se estão a
pagar mais pela madeira para
queimar, não precisamos de
produzir boa madeira. Nem sequer
nos precisamos de preocupar com
ela, porque aquilo que as matas
derem é aquilo que a gente vende.”
E este tipo de funcionamento leva
a que as pessoas não pensem em
investir no sector Çorestal.
Ainda por cima, feitas as contas à
produtividade do eucalipto, por
exemplo, possivelmente a única
vantagem que a cultura do eucalipto
tem é que, se arder, não é preciso
voltar a plantar. Ela regenera
automaticamente. Porque, ao preço
É complicado
sabermos que para
o produtor o
dinheiro não
chega e ouvirmos
estes grupos a
dizer que têm
lucros fantásticos
a que é paga a madeira, não tem
qualquer outra vantagem. Portanto,
neste momento, a única vantagem
que existe para o produtor é que, se
aquilo arder, não precisa de se
preocupar. Já no caso do pinho,
arde uma vez, arde a segunda, e
acabou. A regeneração natural já
não se faz. No caso do sobreiro
ainda é pior, porque durante um
período não se pode fazer nada e
temos de esperar para ver se as
árvores recuperam. E, se o fogo
tiver sido intenso, aquela primeira
tirada de cortiça tem pouco
aproveitamento. Portanto, nós
acabamos por estar de certa forma
enclausurados num sistema em que
quem se serve da matéria-prima
não paga o real valor que ela custa a
produzir. E, enquanto estivermos
nesse sistema, o produtor, que
também sabe fazer contas, chega ao
Æm e vê que não está a ganhar
dinheiro.
Como se dá a volta a essa
situação?
Aumentando o preço.
Mas o Estado não pode impor
preços.
O Estado não pode impor preços, Quem tem o poder de convocar a dinheiro não chega. Ora, se o
mas pode regular. O Estado pode CAOF? dinheiro não chega, não vão
dizer, “não se pode estar a vender Uma instituição do Estado, a DGAV investir. Vão deixar como está.
madeira abaixo do preço de custo”. [Direcção-Geral de Alimentação e E é esta a Çoresta que estamos a
Portanto, se essa madeira custa X a Veterinária]. Mas desde 2016 que caminhar para ter. Se somarmos a
produzir, não se pode vender não convoca ninguém e, portanto, isso aquilo que está a ser imposto da
abaixo do custo. E quem impõe os estamos a guiar-nos pelos custos de limpeza anual das faixas que
preços de tabela à porta da fábrica referência das operações de 2016. implica, em determinadas zonas, a
não pode impor preços abaixo dos Mas, mesmo utilizando esses remoção e consequente redução do
preços de custo. Porque quem custos, é fácil ver, somando os número de árvores, vamos chegar à
impõe sabe exactamente quanto custos, que o dinheiro pago pela conclusão que, de facto, o dinheiro
custa produzir essa madeira. É madeira não chega. Até porque, em não chega. Portanto, ou arranjamos
aqui que o Estado tem de ter um 2016, se estabeleceram pela modelos de exploração muito mais
papel regulador. É por isso que primeira vez os custos de referência atractivos para o proprietário — o
existe a PARCA [Plataforma de para o corte, a rechega e o que é possível — ou simplesmente a
Acompanhamento das Relações na transporte da madeira. E é só somar solução é aumentar o preço dos
Cadeia Agroalimentar], que devia os custos de plantação, de produtos Çorestais, que é aquilo
regular estas coisas. E, manutenção e de transporte e que o Governo já devia ter obrigado
paralelamente, existe uma coisa comparar isso com a receita que se que fosse realizado. E só o Governo
que se chama CAOF — Comissão de recebe e rapidamente se chega à tem esse poder. Nós não temos. O
Acompanhamento para as conclusão de que o dinheiro não mercado não tem esse poder, por
Operações Florestais, que não se chega. Essas tabelas são públicas e é uma razão simples: podem dizer
reúne desde 2016… fácil aos produtores agarrarem que é o mercado a funcionar, só que
E porquê? nessas tabelas, fazer contas antes de estamos a falar de um mercado
Porque o Governo não deixa. fazer o investimento e ver que o ibérico governado por duas

empresas, no caso do eucalipto.
Que são quais?
O grupo Altri e o grupo Navigator.
E é muito complicado nós
sabermos que o dinheiro não chega
para pagar ao produtor e ouvirmos
estes grupos todos os anos a dizer
que têm lucros fantásticos. Nós
entendemos que as empresas têm
de ser rentáveis e produzir lucros
para os accionistas, mas tem de
haver uma preocupação com a
fonte da matéria-prima. E essa
preocupação não existe hoje. E não
é só no sector da celulose. É no
sector da celulose, no do pinho, no
da cortiça. Em todos eles não há
uma preocupação.
O Governo aprovou um pacote
legislativo para a floresta a 21 de
Maio. A ANEFA queixou-se na
altura, através de comunicado,
dizendo que não foi ouvida na
preparação desses diplomas. Foi
assim?
Nem a ANEFA, nem nenhum outro
parceiro, de que nós tenhamos
conhecimento. De facto, foi assim.
Aliás, começa a ser uma
característica deste Governo: ouvir
os agentes do sector já na fase de
consulta pública. E na fase de
consulta pública não é para ouvir
os agentes do sector, é para ouvir a
sociedade civil sobre aquilo que
têm a dizer, com menos
conhecimento de causa sobre
aquilo que se passa no sector. E isto
começa a ser uma linha de
funcionamento deste Governo, da
qual não entendemos a razão. Não
percebemos porque ninguém é
ouvido. Somos surpreendidos, ou
não, porque algumas coisas já
tínhamos ideia de que poderiam
sair, mas, de facto, não
entendemos o que se espera
ganhar a governar desta forma.
O PÚBLICO confrontou à data o
secretário de Estado das
A única vantagem
que a cultura
do eucalipto tem
é que, se arder, não
é preciso voltar
a plantar
Florestas, João Catarino, sobre a
alegada falta de consulta aos
agentes do sector, mas este
rebateu dizendo que se tratou de
“um trabalho intenso,
complexo, muito maturado e
discutido”.
Não, não é verdade. Em sede de
consulta pública, houve, de facto, a
possibilidade de alguma pronúncia
sobre isso. Em relação às medidas
que saíram, não. Não houve
qualquer auscultação.
Foram aprovados, ao todo, 10
diplomas. Alguns ainda não
estão publicados. Daquilo que já
se conhece, parece-lhe que este
pacote legislativo vem numa boa
direcção?
Não. [pausa] Estou a ver se me
lembro de alguma medida que
venha numa boa direcção. O
pacote legislativo acaba por vir
numa direcção, por um lado,
inesperada e, por outro, na
direcção daquilo que é chamado o
ordenamento da paisagem. Ou
seja, envolve muito mais uma
componente ambiental do que
propriamente uma componente
Çorestal. E isso deixa-nos, de
alguma forma, preocupados,
porque embora se entenda, face
ao Green Deal, que a Çoresta
assuma — e já devia ter assumido
há mais tempo — um papel
importante enquanto sumidouro
de carbono, parece-nos que
estamos a caminhar num sentido
de estar continuamente a elaborar
planos que depois não têm
consequência na prática. Primeiro
Æzeram-se os PROF [Programas
Regionais de Ordenamento
Florestal] e ainda os PROF não
estão integrados nos PDM [Planos
Directores Municipais] e já estão a
propor planos de ordenamento da
paisagem. E, a determinada altura,
com tanto plano, alguma coisa vai
Æcar por fazer. E o que vai Æcar por
fazer é a Çoresta. Também Æcamos
muito apreensivos quando
ouvimos que há muitos projectos
que já estão em andamento e nós
desconhecemos completamente o
que está em andamento. Falava-se
há tempos em 160 projectos já em
marcha e nós desconhecemos
onde estão a ser realizados. Há
qualquer coisa que nos está a
passar ao lado. E isso é lamentável
quando nós representamos toda a
Æleira dos prestadores de serviço
Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020 • 23
ao sector e somos a única entidade
que os representa em Portugal e
que negoceia o contrato colectivo
de trabalho com os sindicatos. De
repente, as coisas aparecem sem
que nós tenhamos uma palavra
sobre elas.
Porque é que o cadastro não
avança?
Porque alguém não quer.
E quem não quer?
Não sei. Não consigo perceber. A
área do cadastro até me é muito
querida, é uma área que trabalho
bastante. O cadastro só não se faz
porque não querem. Ao princípio
havia uma guerra de interesses
institucionais entre, talvez, o
Instituto GeográÆco e outras
entidades que necessitavam do
cadastro. O Instituto GeográÆco
entendia que o cadastro devia ser
feito de uma forma mais rigorosa,
um rigor se calhar até excessivo,
mas de uma forma deÆnitiva, o
que implicava um custo
demasiado alto que os sucessivos
governantes nunca quiseram
assumir.
Mas, de facto, há várias maneiras
de fazer o cadastro, porque a
informação que serve para
controlar os subsídios tem de ser
Ædedigna para fazer um cadastro.
Portanto, a questão de elaborar um
cadastro rústico não pode ser assim
tão complicada. Não há
necessidade de assumir um
cadastro como algo que tem de ser
rígido; o cadastro tem de ser
assumido como instrumento de
planeamento que é, e ser
trabalhado dessa forma, ou seja,
utilizar a informação que existe — e
existe muita informação — para
elaborar um cadastro que depois
vai ser melhorado ao longo do
A indústria das
pellets, que é
madeira para
queimar,
paga mais pela
madeira do que a
indústria para
triturar
Leia a entrevista na íntegra em
www.publico.pt
tempo. O custo não é nada daquilo
que seria fazer um cadastro
rigoroso como antigamente.
Portanto, não se entende porque é
que, por exemplo, no último
Governo, em 2018 a Assembleia da
República não quis aprovar a
elaboração do cadastro para todo o
país e só aprovou para meia dúzia
de concelhos-piloto.
Mas quem não quer que o
cadastro avance?
Não sei. É uma pergunta que terá
de fazer aos deputados desta
nação. O que pergunto é: como se
pode gerir algo que não se
conhece? É a mesma história do
inventário Çorestal nacional.
Como podem exigir uma gestão
proÆssional de algo que não se
conhece? Acabam por ser as
empresas que, antes de fazer
qualquer projecto, têm de fazer o
cadastro da propriedade para que
o proprietário saiba exactamente
aquilo que lá está para depois
fazerem uma proposta ou
elaborarem ou executarem um
projecto. Não é que isso tenha
problema. Não é à toa que
Portugal é o país da Europa onde a
tecnologia GPS começou a ser
utilizada mais cedo, porque nós
não tínhamos cartograÆa e
utilizámos o GPS para a elaborar,
quando o GPS era uma tecnologia
que os americanos usavam nas
guerras. Estamos a falar de 1991,
1992. E isso permitiu um
desenvolvimento do ponto de
vista tecnológico do sector
Çorestal que hoje dá cartas por
esse mundo fora. Agora, porque é
que o Governo não aproveita a
muita informação que já existe e
faz um cadastro simpliÆcado? É
algo a que os deputados terão de
responder. Foram eles que
chumbaram o projecto de
cadastro simpliÆcado.
Que responsabilidade têm aqui
as autarquias?
As autarquias só teriam a ganhar.
Repare: no momento em que se
Æzer o cadastro, toda tributação
que é feita sobre os terrenos vai
ser alterada. Hoje os terrenos
rústicos são tributados bastante
por baixo. No dia em que se
souber exactamente o cadastro
dos terrenos, tudo isso vai mudar.
E tudo isso cria uma oportunidade
para os municípios e, até, para o
Governo central.
24 • Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020

ECONOMIA

Bruxelas prepara novas regras de IVA

para plataformas digitais e Ɗnanceiras
Comissão Europeia lança roteiro de medidas na área do IVA até 2023. Troca de informações entre
autoridades Äscais europeias deverá ser alargada a dados sobre dinheiro electrónico e vendas online
VINCENT KESSLER/REUTERS

Fiscalidade
Pedro Crisóstomo
Apostada em adaptar as regras tribu-
tárias à realidade das plataformas
digitais e à estratégia de recuperação
da economia, a Comissão Europeia
tem na manga uma série de iniciati-
vas de simpliÆcação que dentro de
poucos anos terão implicações diá-
rias nas regras Æscais europeias, em
especial no IVA.
O executivo de Ursula von der
Leyen deu a conhecer em Julho o
roteiro das várias medidas que prevê
apresentar até 2023, algumas das
quais surgirão já nos próximos meses.
Haverá propostas para mudar as
regras do IVA dos serviços Ænancei-
ros, no sector dos transportes de pas-
sageiros e no regime especial das
agências de viagens, haverá um paco-
te de IVA especíÆco para a “era digi-
tal”, soluções tecnológicas para
cobrar impostos na fonte, uma pro-
posta para alargar a troca de informa-
ções ao dinheiro electrónico, uma
iniciativa para reforçar a cooperação
na troca de dados Æscais entre os paí-
ses da União e um projecto de coope-
ração administrativa com países de
fora da União Europeia na área do
IVA. São projectos que se interligam
com outras normas de combate à eva- Ursula von der Leyen tem em mãos várias iniciativas para simplificar as regras fiscais europeias
são Æscal, à lavagem de dinheiro e ao
Ænanciamento do terrorismo. Æscais aos dados sobre dinheiro elec- nomia das plataformas digitais fazem “O rápido desenvolvimento da eco- cional do sector das viagens da UE”.
No quarto trimestre de 2021, a trónico (pagamentos online) e tran- com que seja muito difícil às autori- nomia das plataformas levanta ques- Mas antes, já no quarto trimestre des-
Comissão irá dar a conhecer uma ava- sacções feitas através de criptoactivos dades Æscais rastrear e detectar fac- tões sobre o tratamento do IVA das te ano, os serviços da Comissão vão
liação das regras de IVA nos serviços (como a bitcoin). tos geradores do imposto”. operações entre utilizadores facilita- lançar um documento de trabalho
Ænanceiros, prevendo-se que apre- Esta ideia é uma extensão de São passos intermédios para duas das pelas plataformas (as pessoas que (ainda sem propostas legislativas)
sente uma iniciativa legislativa para outras medidas que já estão em mar- outras iniciativas previstas para 2022: oferecem serviços ou bens nas plata- com uma avaliação desse regime.
rever a directiva deste imposto. Essa cha, porque Bruxelas acaba de apre- o “pacote para o comércio electróni- formas são sujeitos passivos para Também em 2022 quer rever as
reforma poderá vir a implicar altera- sentar uma proposta legislativa para co de produtos sujeitos a impostos efeitos de IVA ou não?) e dos serviços regras do IVA que se aplicam ao sec-
ções às disposições que regem a isen- que as autoridades tributárias, além especiais de consumo”, destinado a prestados pelas plataformas (qual é a tor do transporte de passageiros
ção nos serviços Ænanceiros, porque de trocarem dados sobre as contas “facilitar a venda à distância de pro- natureza do serviço?)”, explica o exe- “para garantir a sua coerência com
“terá em conta a ascensão da econo- Ænanceiras que lhes são comunica- dutos sujeitos a impostos especiais cutivo comunitário. a política Æscal desenvolvida no
mia digital (fintech ou tecnologia das anualmente pelos bancos nacio- de consumo, minimizando a fraude Outra ideia que deverá passar do âmbito do Pacto Ecológico” — será
Ænanceira), o aumento da externali- nais, passem também a trocar infor- e as distorções da concorrência”; e o papel à prática inclui “soluções digi- feita uma avaliação que deverá resul-
zação de serviços de produção por mação relativamente às receitas e “pacote IVA na era digital”, um con- tais para cobrar impostos na fonte”. tar numa proposta ao Conselho e ao
parte dos operadores Ænanceiros e de aos rendimentos gerados pelos ven- junto de medidas que irão actualizar Em 2022, Bruxelas dará a conhecer Parlamento para alterar a directiva
seguros e a forma como este sector dedores nas plataformas online como as regras do imposto a pensar na uma avaliação de impacto sobre essas deste imposto.
está estruturado”, explica a Comissão o Instagram ou o Facebook. Essas “economia partilhada”, na “transi- ferramentas e, depois, poderá “even- Até ao Ænal do ano serão conheci-
no seu plano de acção. informações, explica Bruxelas, “aju- ção para um único registo de IVA na tualmente” vir a apresentar uma pro- das recomendações de boas práticas
Para o terceiro trimestre do próxi- darão as administrações Æscais a UE”, na “modernização das obriga- posta legislativa. para melhorar a cobrança Æscal e
mo ano está prevista a divulgação de veriÆcar se quem ganha dinheiro ções de declaração de IVA” e na “pro- Em 2022, a Comissão também quer será apresentado um “Observatório
um documento preparatório do alar- através de plataformas digitais paga moção da facturação electrónica”, “actualizar o regime especial de IVA Fiscal”.
gamento da troca automática de a parte apropriada de impostos”, onde Portugal tem dado passos nos para as agências de viagens, a Æm de
informações entre as administrações pois, hoje, “as características da eco- últimos anos com o e-factura. garantir a competitividade interna- pedro.crisostomo@publico.pt
 Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020 • 25

ECONOMIA

Pagamento de rendas
comerciais em atraso será feito
em 24 mensalidades
Comércio
Rosa Soares
Regularização dos valores
em dívida pode começar a
1 de Janeiro de 2021 e durar
até Dezembro de 2022.
Lei entra hoje em vigor
A moratória para as rendas comer-
ciais, que permite aos arrendatá-
rios afectados pelo encerramento
dos espaços, por causa do surto
pandémico de covid-19, adiar
o pagamento de renda foi reforçada
na Assembleia da República. A Lei
45/2020, em vigor a partir de hoje,
estabelece um prazo alargado do
pagamento dos valores em atraso,
durante 24 meses, a começar em
Janeiro de 2021 até 31 de Dezembro
de 2022. E passa a incluir as rendas
não pagas nos três meses subse-
quentes àquele em que ocorra
o levantamento da imposição
do encerramento de instalações ou
de suspensão da respectiva activi-
dade.
O diploma, ontem publicado em
Diário da República, também garan-
te aos senhorios a possibilidade,
nos casos de arrendatários que dei-
xem de pagar as rendas, de “solici-
tarem a concessão de uma linha de
crédito com custos reduzidos, a
regulamentar”.
Essa linha de crédito destina-se “a
suportar a diferença entre o valor
Senhorios terão acesso a linha
de crédito a custos reduzidos
da renda mensal devida e o valor
resultante da aplicação ao rendi-
mento mensal ou à facturação men-
sal do senhorio, de uma taxa de
esforço máxima de 35%, cuja
demonstração é efectuada nos ter-
mos da portaria a aprovar pelo
membro do Governo responsável
pela área da economia”.
O regime de diferimento das ren-
das em mora, que na primeira ver-
são terminou a 30 de Junho, criado
para abranger os arrendatários afec-
tados pelo encerramento das suas
instalações ou suspensão da respec-
tiva actividade, ao abrigo de dispo-
sição legal ou medida administrati-
va aprovada no âmbito da pandemia
da doença covid-19, é alargado “aos
três meses subsequentes àquele em
que ocorra o levantamento da impo-
sição do encerramento das suas
instalações ou da suspensão da res-
pectiva actividade”.
“O diferimento não pode, em
qualquer caso, aplicar-se a rendas
que se vençam após 31 de Dezembro
de 2020”, estabelece a nova lei.
O valor a pagar, em 24 prestações
sucessivas, ou seja, dois anos, será
o que resultar do rateio do montan-
te total em dívida por 24, liquidadas
juntamente com a renda do mês
em causa ou até ao oitavo dia do
calendário de cada mês, no caso de
renda não mensal. O pagamento
pode ser antecipado se o arrendatá-
rio assim quiser.
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26 • Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020

MUNDO
Macron e Merkel oferecem ajuda
a Navalni, envenenado e em coma
Navalni, opositor de Putin, está nos cuidados intensivos e ligado a um ventilador. O Kremlin
diz-se aberto a apreciar pedido para se tratar no estrangeiro. França está disposta a dar-lhe asilo
DMITRY SEREBRYAKOV/EPA

Rússia
Pedro Bastos Reis
Alexei Navalni, principal opositor do
Presidente russo, Vladimir Putin,
está internado em estado grave num
hospital na Sibéria. Suspeita-se que
tenha sido envenenado. O porta-voz
do Kremlin deseja-lhe “uma rápida
recuperação, tal como a qualquer
outro cidadão que se encontre nestas
circunstâncias”, enquanto o Presi-
dente francês e a chanceler alemã
lhe oferecem tratamento nos seus
países e exigem explicações à Rússia
sobre o que se terá passado.
Navalni , de 44 anos, está em coma
e foi ligado a um ventilador na unida-
de de cuidados intensivos de um hos-
pital na cidade de Omsk, onde o avião
em que seguia fez uma aterragem de
emergência, devido ao seu estado,
disse a sua porta-voz, Kira Iarmish.
“Assumimos que o Alexei foi enve-
nenado com algo que foi misturado
no seu chá. Foi a única coisa que ele
bebeu de manhã. Os médicos dizem
que a toxina foi absorvida mais
depressa do que o líquido quente. O
Alexei está inconsciente”, disse Iar-
mish nas redes sociais.
Angela Merkel prometeu assistên-
cia, se fosse solicitada a Alemanha,
incluindo o acesso a hospitais ale-
mães. “O pedido tem de vir de lá”,
disse a chanceler, numa conferência
conjunta com Emmanuel Macron Alexei Navalni destacou-se como líder de protestos e denúncias de corrupção dos líderes políticos russos
no sul de França. “O mais importan-
te é que as circunstâncias em que co pessoal de Navalni, disse que está Guardian, a mulher de Navali e um “Não há qualquer dúvida de que organização de manifestações não
isto ocorreu se clariÆquem rapida- a tentar transferir o líder da oposi- médico pessoal foram proibidos de o Navalni foi envenenado pelas suas autorizadas. “Há um ano, Alexei foi
mente”, insistiu. ção a Putin para um hospital em visitar no hospital e não tiveram aces- posições e actividades políticas”, envenenado quando estava na pri-
O Presidente Macron disse estar Hanôver, na Alemanha, ou para so aos resultados das análises. escreveu no Twitter Viacheslav Gima- são”, disse ontem a porta-voz do
disposto a dar todo o auxílio a Naval- Estrasburgo, em França, onde haja di, responsável pelo departamento advogado. “É óbvio que Æzeram o
ni, incluindo asilo, diz a Reuters. uma equipa especializada em toxi- Um incómodo... jurídico da Fundação Anticorrupção, mesmo desta vez”, denunciou Iar-
Navalni começou a sentir-se mal cologia, diz o New York Times. Alexei Navalni é um advogado presidida por Navalni. mish. Em 2017, foi atacado com um
na viagem de avião de regresso a O ministro dos Negócios Estrangei- conhecido pelo seu discurso anti- Em Dezembro, a sede da funda- anti-séptico verde que o deixou com
Moscovo a partir de Tomsk, na Sibé- ros britânico, Dominic Raab, disse no corrupção. Cumpriu várias penas de ção foi alvo de buscas e a polícia a cara verde e Æcou com uma quei-
ria. Tinha bebido chá no aeroporto Twitter estar “muito preocupado com prisão na última década por acusa- impediu a realização de um episó- madura nos olhos.
antes de embarcar. a notícia”, enquanto o seu homólogo ções que diz terem sido fabricadas dio da série de YouTube em que Navalni e os seus aliados estão a
O porta-voz do Kremlin, Dmitri lituano, Linas Linkevicius, reiterou para o punir pelas suas posições Navalni denuncia casos de corrup- preparar-se para as eleições regio-
Peskov, comentou a notícia do inter- que, se o envenenamento for conÆr- políticas. As suas investigações sobre ção no interior do regime russo. nais, em Setembro. Na quarta-feira,
namento de emergência do opositor, mado, “os responsáveis devem corrupção, que têm visado altas publicou uma fotograÆa com apoian-
dizendo que o Governo russo estaria enfrentar as consequências”. Æguras do Governo russo, incluindo ... e um alvo tes na Sibéria, onde esteve a fazer
aberto a avaliar um pedido para que Anatoli Kalinichenko, vice-director o antigo primeiro-ministro Dmitri Em Julho de 2019, o principal opo- campanha para as eleições locais, em
Navalni recebesse tratamento noutro do hospital onde Navalni está a rece- Medvedev, têm dado origem a vários sitor de Vladimir Putin na Rússia foi que 40 milhões de eleitores vão ser
país, se esse pedido fosse apresenta- ber tratamento, garantiu que os médi- protestos ao longo dos anos, o que hospitalizado com o que foi designa- chamados a votar.
do, relata a agência Reuters. cos estão “comprometidos em salvar- lhe tem valido também muitas amea- do como “uma reacção alérgica
Iaroslav Ashikhmin, que foi médi- lhe a vida”. De acordo com o The ças e ataques das autoridades. grave”, quando estava preso, pela pedro.reis@publico.pt

Kim admite que economia
da Coreia do Norte
se afundou e convoca
congresso do partido
Plano quinquenal
Ricardo Cabral Fernandes
Kim Jong-un anunciou um
congresso extraordinário do
Partido dos Trabalhadores
para Janeiro. E delegou mais
poder na sua irmã
O líder da Coreia do Norte, Kim
Jong-un, admitiu que o plano eco-
nómico quinquenal falhou e anun-
ciou a convocação de um congresso
extraordinário do Partido dos Tra-
balhadores para se redigir um novo,
que melhore o fornecimento de
energia e a produção agrícola e
industrial. É uma admissão inédita
no regime totalitário em que o culto
do líder é um dos seus pilares.
Kim Jong-un tem-se destacado
por pontualmente admitir algumas
falhas, diz o New York Times, distan-
ciando-se das governações do seu
pai e avô, onde qualquer crítica ao
regime era impossível. E voltou a
fazê-lo agora, numa sessão plenária
do partido, onde “falou sobre as
falhas e conquistas” e de “desafios
inesperados e inevitáveis em vários
aspectos” que puseram em causa os
objectivos económicos, de acordo
com a agência oficial norte-coreana
KCNA.
Foi anunciado um congresso
extraordinário do partido para
Janeiro do próximo ano, cujo objec-
tivo é delinear uma “linha correcta
de luta e políticas tácticas e estraté-
gicas”, depois de se reverem as
lições dos últimos cinco anos, diz a
Reuters. A data coincide com a da
tomada de posse do próximo Presi-
dente dos Estados Unidos e por isso
também está a ser encarada como
sinal de política externa.
“Depois de nove anos no poder,
Kim Jong-un quer aliviar o stress da
governação”, disse Ha Tae-keung,
deputado sul-coreano próximo do
conservador Partido Futuro Unido,
citado pelo New York Times. “Outra
razão é querer alargar a culpa e ali-
viar os riscos políticos caso as polí-
ticas falhem”, continuou o deputa-
do, acrescentando que “Kim Yo-jong
é de facto a número dois”.
Kim delegou autoridade sobre
assuntos económicos e militares em
responsáveis seniores do regime,
mas principalmente na sua irmã.
Kim Yo-jong foi indicada como pos-
sível sucessora quando o líder nor-
te-coreano deixou de aparecer
publicamente durante três sema-
nas, em Abril, e surgiram rumores
de ter sido operado e morrido.
O líder norte-coreano assumiu o
poder em 2011 e tentou levar a cabo
reformas económicas, sem perder
o punho de ferro do poder. Conso-
lidou-se na governação e, em 2016,
foi organizado o primeiro congresso
do Partido dos Trabalhadores em 36
anos, onde se anunciou um ambi-
cioso programa económico de cinco
anos. As celebrações do 75.º aniver-
sário do partido, em Outubro deste
ano, estavam no horizonte.
Em 2016, depois dos primeiros
passos do novo programa económi-
co, a economia norte-coreana cres-
ceu 3,9%, o maior crescimento des-
de o fim da década de 1990, de acor-
do com dados do Banco Central
sul-coreano, referidos pelo New
York Times. Estes valores resultaram
do crescimento das exportações de
carvão, minério de ferro, têxteis e
pesca para a China. Mas as sanções
das Nações Unidas, em 2017, trava-
ram este crescimento.
A economia norte-coreana sem-
pre se confrontou com grandes
desafios, dependendo da ajuda chi-
nesa para se manter à tona, e a pan-
demia de covid-19, que obrigou ao
encerramento das fronteiras e limi-
tou o comércio ilegal, e as cheias,
que destruíram campos agrícolas,
vieram somar-se aos problemas já
existentes.
Kim Jong-un admitiu falhas,
algo raro na Coreia do Norte
O ex-conselheiro de Trump foi detido em Nova Iorque
Steve Bannon detido por
fraude e desvio de fundos
EUA
Ricardo Cabral Fernandes
Antigo conselheiro do
Presidente envolvido em
esquema para desviar
milhões da iniciativa
“Construímos o Muro”
O antigo conselheiro e director da
campanha eleitoral de 2016 de Donald
Trump, Steve Bannon, foi ontem deti-
do em Nova Iorque sob suspeita de
desvio de fundos de doadores da ini-
ciativa “Construímos o Muro” — o
muro que o Presidente Trump prome-
teu construir na fronteira com o Méxi-
co para travar a imigração ilegal.
As autoridades detiveram Bannon,
de 66 anos, e três dos seus colabora-
dores mais próximos por suspeitas de
terem enganado doadores que deram
“mais de 25 milhões de dólares para
se construir um muro ao longo da
fronteira sul dos EUA”, erguendo
“secções privadas” do muro, quiló-
metro a quilómetro por vezes, segun-
do o seu site. São acusados de conspi-
ração para cometer fraude e lavagem
de dinheiro, e este último crime pode
ter uma pena de 20 anos de prisão.
Um dos detidos é Timothy Shea, de
49 anos, nomeado em Maio adminis-
trador interino da Drug Enforcement
Administration (a agência norte-ame-
Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020 • 27
ricana para a luta contra a a droga), e
outro é Brian Kolfage, veterano da
Força Aérea de 38 anos e fundador da
campanha para construir o muro. O
terceiro é Andrew Badolato.
“Os arguidos defraudaram cente-
nas de milhares de doadores, capita-
lizando o seu interesse em Ænanciar
um muro fronteiriço para arrecadar
milhões de dólares sob a falsa preten-
são de que todo esse dinheiro seria
usado na construção”, disse em
comunicado a procuradora do Distri-
to Sul de Nova Iorque, Audrey Strauss.
“Os arguidos Æzeram um esquema
secreto para passar milhares de dóla-
res a Kolfage, que ele usou para Ænan-
ciar o seu estilo de vida luxuoso.”
Kolfage terá usado 350 mil dólares
da campanha para Ænanciar a sua
vida privada, enquanto Bannon, atra-
vés da organização não-lucrativa Non-
ProÆt-1, recebeu um milhão de dóla-
res para pagar despesas pessoais.
“Para esconder os pagamentos a
Kolfage pela Construímos o Muro,
Kolfage, Bannon, Badolato e Shea
elaboraram um esquema para os
direccionar da campanha para Kolfa-
ge, indirectamente enviados pela
Non-ProÆt-1 e por uma empresa de
fachada sob controlo de Shea”, lê-se
no comunicado.
A campanha foi criada em 2018 por
Kolfage, através da plataforma de
doações GoFundMe e, na Primavera
de 2019, já tinha arrecadado 22
MUNDO
JAMES LAWLER DUGGAN/REUTERS
milhões de dólares. Chegou a cons-
truir duas partes do muro nos estados
do Novo México e Texas em terras
privadas, uma estratégia para evitar
a intervenção das autoridades.
O tema do muro é um dos que mais
mobiliza os apoiantes de Donald
Trump. Ouvem-se slogans a favor da
sua construção nos seus comícios.
Mas o Presidente tentou distanciar-se
recentemente da campanha depois
de duas reportagens da ProPublica e
do Texas Tribune denunciarem pro-
blemas internos, diz a MSNBC.
“Bem, sinto-me muito mal. Não
tenho lidado com ele há muito tem-
po”, disse Trump, depois da detenção
de Bannon. “Não sei nada sobre o
projecto, para além de não gostar
quando o lia. Eu disse que isto era
para o Governo, isto não é para priva-
das”, continuou, distanciando-se da
campanha. Disse que era “uma coisa
muito triste para o senhor Bannon”.
Em Outubro de 2019, diz a acusa-
ção, os quatro homens souberam que
estavam a ser investigados e tentaram
ocultar os rastos das transferências
Ænanceiras, usando até aplicações de
mensagens encriptadas para comu-
nicar. E, há dois dias, Kolfage anun-
ciou no Twitter que ia tirar a campa-
nha da plataforma GoFundMe por
esta apoiar o movimento Black Lives
Matter.
ricardo.fernandes@publico.pt
loja.publico.pt

O dia em que Obama cancelou Trump,
Presidente “de si e dos seus amigos”
Num dos discursos mais duros de sempre de um ex-presidente sobre um Presidente em exercício,
Barack Obama sugeriu que só a derrota de Trump pode salvar a democracia norte-americana
Convenção democrata
Alexandre Martins
Nas horas que se seguiram à eleição
de Donald Trump como 45.º Presi-
dente dos Estados Unidos, em
Novembro de 2016, houve um
momento em que a retórica inÇama-
da da sua campanha eleitoral parecia
começar a caminhar para o centro,
como acabou por acontecer a muitos
dos seus antecessores mais polémi-
cos. Apenas dois dias depois da vitó-
ria que chocou os eleitores do Parti-
do Democrata, o então Presidente,
Barack Obama, surgia ao lado de
Donald Trump na Casa Branca para
dizer que se sentia “encorajado” com
a “excelente” conversa entre os dois
— e Trump respondia com a expec-
tativa de contar com os conselhos de
Obama, por quem tinha “muito res-
peito”.
“Isto não é o apocalipse”, disse
Obama ao director da revista New
Yorker, David Remnick, no mesmo
dia em que Trump visitou a Casa
Branca. “Não acredito em apocalip-
ses, até que o apocalipse aconteça. E
acho que nada é o Æm do mundo, até
que o mundo acabe mesmo.”
Os anos que se seguiram vieram a
demonstrar que Trump e Obama
nunca conseguiram aproximar-se de
um entendimento mínimo para que
fosse possível vê-los no mesmo espa-
ço a conversarem sobre política ou
golfe (um desporto que ambos apre-
ciam), ao contrário do que aconteceu
entre Obama e o seu antecessor,
George W. Bush, e entre Bill Clinton
e o Presidente antes dele, George
Bush.
Mas, apesar de Obama já ter que-
brado a tradição do relacionamento
entre Presidentes norte-americanos,
segundo a qual um ex-presidente
deve evitar críticas ou censura direc-
ta ao seu sucessor, nunca se tinha
visto nada comparável ao que acon-
teceu na noite de quarta-feira, no
terceiro dia da convenção do Partido
Democrata que nomeou Joe Biden
como candidato à Casa Branca.
“Isto não é só a crítica mais acuti-
lante que Obama fez a Trump. É a
crítica mais acutilante de sempre de
um antigo Presidente a um Presiden-
O foco dos discursos de Obama nas convenções mudou: da esperança para o resgate da democracia
te em exercício”, disse no Twitter o
jornalista Tim Alberta, o principal
correspondente de política no site
norte-americano Politico e autor do
livro American Carnage: On the Front
Lines of the Republican Civil War and
the Rise of President Trump (CarniÆ#
cina Americana: Na linha da frente
da guerra civil no Partido Republica-
no e da ascensão do Presidente
Trump), de 2019.
“Aqui está um Presidente america-
É a crítica mais
acutilante de
sempre de um
antigo Presidente
a um Presidente
em exercício
Tim Alberta
Jornalista do Politico
no a avisar que a democracia ameri-
cana pode não sobreviver ao seu
sucessor imediato”, disse no site da
revista New York o jornalista Jonathan
Chait, autor do livro Audacity: How
Barack Obama Defied His Critics and
Created a Legacy That Will Prevail
(Audácia: Como Barack Obama desa-
Æou os seus críticos e criou um lega-
do que vai prevalecer), de 2017.
“Foi a primeira vez que o vi a
expressar medo”, aÆrmou Chait.
“Reality show”
Ao escolher fazer o seu discurso no
Museu da Revolução Americana, em
FiladélÆa, a cinco minutos a pé do
Independence Hall, o edifício onde
foram discutidas e aprovadas a Decla-
ração da Independência dos Estados
Unidos e a Constituição norte-ame-
ricana, Barack Obama — um antigo
professor de Direito Constitucional
na Universidade de Chicago — prepa-
rou o cenário da sua acusação prin-
cipal: a de que os riscos para a demo-
cracia norte-americana são hoje
maiores do que nunca na História
moderna.
Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020 • 29
BRIAN SNYDER/REUTERS
“Tive esperança, para o bem do
nosso país, que Donald Trump
pudesse mostrar algum interesse em
levar a sério o seu trabalho; que aca-
basse por sentir o peso do cargo e
que descobrisse algum respeito pela
democracia que foi posta ao seu cui-
dado. Mas isso nunca aconteceu”,
disse Obama.
“Durante estes quase quatro anos,
ele não mostrou nenhum interesse
em esforçar-se; nenhum interesse
em forjar consensos; nenhum inte-
resse em usar o enorme poder do seu
cargo para ajudar seja quem for, a
não ser ele próprio e os seus amigos;
nenhum interesse em tratar a presi-
dência como algo mais do que um
novo reality show que ele pode usar
para ter a atenção que deseja.”
No Twitter, o Presidente Trump
assinalou a entrada em força do seu
antecessor na campanha eleitoral e
deu-lhe “as boas-vindas”: “Vemo-nos
no campo de batalha!”
E pôs em causa a dedicação do ex-
presidente à campanha de Joe Biden,
numa mensagem escrita em letras
maiúsculas: “Porque é que ele se
MUNDO
recusou a apoiar o slow joe até tudo
estar resolvido, e mesmo assim mui-
to tarde? Porque é que tentou impe-
dir que ele se candidatasse?”
A gravidade nas palavras de Oba-
ma valeu-lhe o reconhecimento, nos
media norte-americanos, de que o
seu discurso de quarta-feira foi um
dos momentos mais altos dos primei-
ros três dias da convenção do Partido
Democrata, que termina na próxima
madrugada (entre as 2h e as 4h, hora
em Portugal continental) com o dis-
curso de aceitação de Joe Biden.
Mas o ex-Presidente dos Estados
Unidos acabou por se afastar dos
seus discursos motivadores e cheios
de esperança, que o levaram a ser
eleito em 2008.
Apesar de algumas mensagens de
conÆança transmitidas durante a
convenção, por políticos mais jovens
e menos conhecidos, a reunião do
Partido Democrata tem sido muito
mais uma oposição a Donald Trump
do que um argumento a favor de Joe
Biden.
E, ainda que para muitos milhões
de eleitores a vontade de expulsar
Trump da Casa Branca seja mais do
que suÆciente para irem votar em
Novembro, Æca por se saber se a
campanha do Partido Democrata
será penalizada se não for além da
ideia de que o país tem uma nuvem
assustadora a pairar sobre a sua
cabeça.
“Dezasseis anos depois de Obama
ter irrompido no panorama nacio-
nal, o foco dos seus discursos nas
convenções mudou — da esperança
e da mudança de tempos anteriores
para o tema mais negro do resgate da
democracia numa era mais tóxica e
polarizada”, disse Aaron Ross Cole-
man, jornalista do site Vox especiali-
zado em temas relacionados com o
racismo.
“Não deixem que eles vos tirem o
vosso poder”, disse Obama no dis-
curso de quarta-feira, ao apelar aos
eleitores do Partido Democrata para
que não repitam o que aconteceu em
2016, quando muitos deles se absti-
veram no dia das eleições. “Não dei-
xem que eles vos tirem a vossa demo-
cracia.”
alexandre.martins@publico.pt
30 • Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020
MUNDO
Militares malianos sob pressão
internacional para reverter o golpe
Queda de Boubacar Keïta recebida com festejos na rua e condenação internacional. Conselho de Segurança
exige libertação do Presidente e regresso dos militares às casernas. Oposição diz que a sua “luta” terminou
África
António Rodrigues
O Conselho de Segurança das Nações
Unidas, que condenou o golpe de
Estado no Mali, manteve ontem uma
reunião à porta fechada para analisar
a situação, em que Jean-Pierre
Lacroix, o chefe das operações de paz
da ONU, apresentou as últimas infor-
mações vindas do terreno, numa
altura em que a missão da ONU no
Mali (MINUSMA) está a “monitorizar
de perto os desenvolvimentos”.
Também o secretário-geral da
ONU, António Guterres, condenou o
golpe militar que resultou na demis-
são forçada do Presidente Ibrahim
Boubacar Keïta, detido juntamente
com o primeiro-ministro, Boubou
Cissé. Tal como a União Africana
(que suspendeu o Mali) e a Comuni-
dade Económica dos Estados da Áfri-
ca Austral (CEDEAO). Todas pediram
aos militares para voltarem para as
casernas e defenderam o “diálogo”
como forma de ultrapassar a crise
política no país do Sahel.
Aos meses de instabilidade política,
insegurança crescente, conÇitos étni-
cos entre dogons e fulas, grupos jiha-
distas activos combatidos por tropas
internacionais, juntou-se em Abril
umas eleições legislativas contestadas
que contribuíram para azedar ainda
mais o caldo político-social no Mali.
Não só Boubacar Keïta insistiu em
manter o calendário eleitoral apesar
da pandemia, numa prova de força
que há algum tempo não tem — as
instituições do Estado deixaram de
exercer a sua soberania em muitas
partes do território —, como o líder da
oposição, Soumaïla Cissé, foi raptado
durante a campanha eleitoral, presu-
mivelmente por jihadistas, e ainda
hoje está detido em parte incerta.
O Presidente demissionário, conhe-
cido pelas iniciais I.B.K., aÆrmou
várias vezes que Cissé está bem de
saúde e que as negociações para a sua
libertação continuam. Mas a verdade
é que o político permanece em cati-
veiro, depois de ter sido raptado
quando viajava sem escolta militar
para que não o associassem aos sím-
bolos do poder maliano.
Os militares que tomaram o poder,
do autodenominado Comité Nacional
para a Saúde do Povo (CNSP), apre-
sentaram-se ontem no seu quartel-
general, o campo militar Soundiata-
Keïta, a 15km de Bamako, capital do
Mali. “Eu sou o presidente do CNSP”,
disse na abertura do encontro o coro-
nel Assimi Goita, comandante do
batalhão das forças especiais. “O Mali
encontra-se numa situação de crise
sociopolítica, de segurança. Não
F EPA
temos o direito de errar. Nós, ao fazer
a intervenção de ontem [quarta-fei-
ra], pusemos o país em primeiro
lugar, o Mali antes de tudo.”
A junta militar que promoveu o
golpe insiste que não houve golpe,
mas um restabelecimento da ordem
democrática por outros meios. “Aqui-
lo que Æzemos é a democracia, o
povo, pelo povo, para o povo”, aÆr-
mou um oÆcial ao Le Monde sem que-
H.DIAKITE/EPA
O povo festeja nas ruas
a queda do Presidente depois
do golpe militar liderado pelo
coronel Assmi Goita (ao lado)
rer adiantar o seu nome. “Era meu
dever (…) assegurar a continuidade
dos serviços do Estado”, acrescentou
o coronel Goita aos jornalistas.
Os sinais para o golpe eram mais
que muitos e só a comunidade inter-
nacional parecia manter o seu apoio
a I.B.K., única bóia que lhe parecia
restar num país à beira de um naufrá-
gio. O que o golpe trouxe, segundo
Modibo Seydou Sidibé, professor na
Duke University (EUA), foi o Æm de
um poder político cada vez mais res-
tringido a Bamako e incapaz de for-
mar um novo Governo desde Maio.
Por isso, disse Sidibé na Jeune Afri-
que, “por mais desesperante que pos-
sa ser o enésimo golpe de Estado em
África, o Mali deve aproveitar a opor-
tunidade para escutar as inúmeras
queixas da população e evitar uma
balcanização do país”. E não tentar a
toda a força restituir um statu quo que
pouca capacidade tinha demonstrado
para reverter a situação no país.
Apesar das operações militares
conjuntas franco-malianas que desde
2013 combatem os grupos jihadistas
presentes no Mali, sobretudo no Nor-
te e Centro, estes têm demonstrado
um forte poder de resistência.
“Posicionando-se como mediado-
res e fornecedores de recursos e
segurança nos territórios que con-
trolam, em contraste com as deÆ#
cientes ou ausentes estruturas de
um Estado maliano incapaz de o
fazer, os grupos jihadistas estabele-
ceram uma percepção legítima de
governo local em várias regiões”,
escrevem Adam Sandor e Aurèlie
Campana, num artigo publicado o
ano passado no Canadian Journal of
African Studies.
“Ao mesmo tempo que continuam
a empregar métodos de coerção vio-
lentos para controlar as populações
locais”, os jihadistas disseminam
“modelos alternativos de governa-
ção” e “contribuem para aumentar
a crise de legitimidade de que sofre
o Estado maliano em grandes áreas
do seu território nacional”, acres-
centam.
Situação calma
A situação na capital maliana,
Bamako, estava calma ontem, escre-
veu o jornalista do Le Monde: “O
essencial das discussões foi o de
identiÆcar as vias e os meios que
permitam a continuidade dos servi-
ços públicos durante o período deli-
cado que conhecemos”, aÆrmou
Cheick Omar Maïga, encarregado da
pasta da economia numérica e
potencial e porta-voz dos funcioná-
rios públicos.
A oposição manifestou o seu con-
tentamento pelo golpe. A coligação
que vem enquadrando politicamente
os protestos antigovernamentais atra-
vés do Movimento do 5 de Junho-
União das Forças Patrióticas, compos-
ta por líderes religiosos, políticos e
das organizações da sociedade civil
deu por “concluída” a sua luta. Em
comunicado, aÆrmou-se preparada
para hoje festejar “a vitória do povo
maliano”, ao mesmo tempo que subli-
nhava “a vontade do CNSP de iniciar
uma transição política civil”.
antonio.rodrigues@publico.pt

O mundo que se conta a partir do que se diz
Sou republicano, enfim, do ramo duro, jacobino quando é preciso: cidadãos livres, mas garras
de fora quando põem em perigo a liberdade. E sobre as monarquias hereditárias, bem, claro que não.
Arturo Pérez-Reverte escritor espanhol
Agora está calado?
A
frase do rei Juan Carlos a mandar calar um chefe de Estado com a
falta de educação do velho monarca colonizador para o
Presidente eleito de um país emancipado dizia mais dele e do seu
futuro do que à primeira vista poderia parecer. O ex abrupto era
mais expressão do carácter do então chefe de Estado espanhol do que
reacção extemporânea à acção de Hugo Chávez. Costuma falar-se do
papel de garante da democracia do agora rei emérito, mas a transição
espanhola foi o perdão para todos os crimes da ditadura franquista e
só o gesto do 23 F, ao impedir o golpe de Tejero em 1981, não lhe pode
valer para apagar todos os erros cometidos por um homem incapaz de
fechar a braguilha, que se tornou exemplo de como o caruncho pode
atingir uma instituição anquilosada como a monarquia. O dinheiro em
contas na Suíça, a amizade com as casas reais do Golfo e com ricos
promotores imobiliários, as caçadas ao elefante no Botswana, todo o
rasto baboso deixado pelo rei que Franco escolheu a dedo para
moldar mostra que os privilégios de alguns por virtude do berço
sempre foram e continuam a ser incongruentes e deslocados. Num
mundo cada vez mais desigual, manter monarquias e casas
nobiliárquicas é uma expressão institucionalizada dessa desigualdade.
A “roupa suja” do rei dos belgas
O
comportamento da monarquia belga foi o que costuma ser o das
famílias ricas quando se vêem confrontadas com o resultado das
suas falhas: negar e atacar. “Trataram-me sempre como se fosse a
inimiga da monarquia, acusada de querer demolir essa
instituição.” Delphine Boël cometeu o grande erro de ser o resultado
da longa relação extraconjugal entre o que seria o rei Alberto II (subiu
ao trono em 1993 e abdicou em 2013 por razões de saúde) e a
baronesa Sibylle de Sélys Longchamps. Uma filha que se manteve sem
pai definido de 22 de Fevereiro de 1968 até 27 de Janeiro de 2020,
quando, ao fim de seis anos e meio de uma batalha jurídica, e depois
de obrigado a um teste de paternidade, o antigo rei reconheceu
Jonkvrouw Delphine Boël como filha. É um alívio para quem durante
tantos anos só foi maltratada pela que deveria ter sido a sua família: “A
minha reputação era vergonhosa, era a roupa suja de Alberto II”, disse
Delphine Boël esta semana, em entrevista à AFP. É uma longa batalha
também em nome dos seus dois filhos, a quem, diz, muitas vezes
perguntaram na escola se a mãe não tinha inventado uma história de
princesas. Como escreveu em Janeiro o grupo de media belga
Sudpress, a obstinação de Alberto II levou-o a perder a oportunidade
de “reconhecer uma filha que só esperava um gesto da sua parte”.
Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020 • 31
MUNDO
Por
P o António Rodrigues
Jornalista.
Jo
orn Escreve à sexta-feira
Arriscar a prisão por criticar
O
rei tailandês escolheu um hotel de luxo nos Alpes alemães para enfrentar
este tempo conturbado da pandemia. Não está sozinho, levou o seu harém
de 20 mulheres para lhe fazer companhia no seu retiro de cinco estrelas.
Nas ruas da Tailândia, os estudantes arriscam diariamente o pescoço para
protestar contra Maha Vajiralongkorn. O comportamento do rei, que também
responde pelo nome de Rama X, mereceria todas as críticas, mas estas não são
aceitáveis aos olhos da lei, num país com uma das mais restritivas e
empedernidas lei de protecção monárquica do mundo. Não se pode criticá-lo
nem mesmo quando ordena a todos aqueles que residem nas proximidades do
hospital Chulangkorn que fechem as cortinas e não espreitem pela janela no
pouco tempo em que ele estiver em Banguecoque para visitar a sua mãe,
internada no referido estabelecimento hospitalar. O uso de elevadores será
restrito, o trânsito terá de parar e a roupa pendurada recolhida. A sua
indiferença ao impacto da pandemia e à crise económica no seu país é mais
criminosa do que qualquer crítica dos 20 mil estudantes que se juntaram, no
domingo, na capital tailandesa para mais um dia de protestos. Os manifestantes
arriscam longas penas de prisão por chamar a atenção para aquilo que se
tornou óbvio: o rei só nasceu.
Onde anda Lalla?
E
sta semana, quando se anunciou que o rei Mohammed VI ia passar as férias
na casa de praia de Bouskour com o seu filho e herdeiro, o príncipe Moulay
El Hassan, a imprensa marroquina e alguma francófona voltou a levantar a
questão: onde anda a princesa Lalla Salma, mãe do príncipe herdeiro? Já se
chegou a especular que tinha sido esfaqueada pela irmã do rei, Lalla Hasnaa; o
The Times perguntou-se se não estaria presa num palácio do soberano. A
verdade é que não há explicação oficial para o seu desaparecimento público,
cuja ausência se tornou tema tabu nos meios monárquicos marroquinos. Desde
Novembro de 2018 que Lalla Salma não aparece em nenhum acto oficial e as
informações em todo este tempo são relatos de avistamentos aqui e ali no
estrangeiro, notícias que se desconfia terem sido orquestradas pela própria
casa real. A verdade é que nem em Maio, no aniversário do príncipe herdeiro, se
deu pela sua presença. Como antes, em Fevereiro, não tinha sido vista na festa
dos 13 anos da filha, Lalla Khadija. Esta fez um ensaio para a revista Femmes de
Maroc onde é identificada apenas como filha de Mohammed VI. Mesmo sendo
apenas um caso de divórcio em que a corda da tutela partiu pelo lado mais
fraco, não mereciam os marroquinos saber o que se passou com a sua antiga
primeira-dama?
32 • Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020
CULTURA
Neste novo festival de ó
Começa hoje o OperaFest, um novo festival de ópera ao ar
livre. A soprano e directora artística, Catarina Molder, fala-nos
de um festival com a vibração dos festivais de rock, para
renovar o público e dinamizar o panorama operático
Ópera
Pedro Boléo
O belo e pacato jardim do Museu
Nacional de Arte Antiga, em Lisboa,
acolhe esta noite uma enorme tra-
gédia. Amor, poder, ciúme, traição,
crime — é a Tosca, de Giacomo Puc-
cini, uma ópera com todos os ingre-
dientes de um thriller político e psi-
cológico e que abre, às 21h30, o
OperaFest. Fomos falar com Catari-
na Molder, soprano e directora artís-
tica deste novo festival em Lisboa,
para saber com que linhas ele se
cose e quais os seus grandes objec-
tivos. “A ideia surgiu há mais de cin-
co anos”, começa por dizer Catarina
Molder. “Porquê OperaFest? Porque
eu queria trazer o entusiasmo e
aquela loucura, aquela frescura,
aquela vibração dos mais novos nos
festivais de música pop e rock.”
Para a directora do OperaFest, é
urgente a renovação do público da
ópera: “Em épocas difíceis como esta
começa-se a questionar tudo. E ainda
bem, porque as coisas têm de ser
questionadas e têm de levar às vezes
uns impulsos urgentes, e a renovação
do público da ópera é uma grande
urgência. Outra renovação urgente é
a do repertório.”
Apesar disso, o OperaFest abre
com uma ópera famosa do grande
repertório estreada em 1900, e adap-
tada neste caso ao espaço do jardim,
onde cabem cerca de 300 especta-
dores. A própria Catarina Molder
será Tosca, o tenor Xavier Moreno
encarna o pintor e amante, Cavara-
dossi, e o barítono Christian Luján
será o chefe da polícia, Scarpia. “Os
clássicos têm de ser sempre revisita-
dos, com respeito mas também com
ousadia. Aquelas personagens são
muito concretas e podiam existir nos
dias de hoje”, diz Molder. “Temos
aqui uma Ægura do Scarpia que Æca
em aberto, ele no fundo pode ser um
político corrupto, mas também
podia ser, porque não?, um grande
banqueiro que tenha levado um país
à ruína como há tantos aí”, sugere a
directora do festival que assina tam-
bém, em parceria com Otelo Lapa, a
encenação desta Tosca. Tocará a
orquestra do Ensemble MPMP (com
16 elementos) e os 16 cantores do
Nova Era Vocal Ensemble, sob a
direcção musical de Jan Wierzba.
Contra o preconceito
O OperaFest assume-se como um fes-
tival que recusa o trabalho gratuito,
pois considera “o voluntariado jovem
ou de pessoas em idade laboral uma
forma de exploração laboral dissimu-
lada”, como se pode ler no site ope-
rafestlisboa.com, onde é possível
consultar a programação, mas tam-
bém a “ÆlosoÆa” do festival, que se
aÆrma defensor da paridade de géne-
ro e com preocupações ecológicas.
Mas a ideia central do OperaFest é
contrariar aquilo que Catarina Molder
chama “estagnação da ópera”: “De
facto, a ópera está muito estagnada,
eu já nem falo do panorama portu-
guês, que é absolutamente desolador
— Lisboa e Portugal são, respectiva-
mente, a capital e o país que menos
ópera apresentam em toda a União
Europeia”, assevera. A directora artís-
tica critica, sem papas na língua, a
situação da ópera na actualidade, e
quer vencer os preconceitos: “Em
relação às outras artes performativas,
a ópera é um pouco aquele parente
rico que estagnou no tempo e que
não é digno de grande atenção, por-
que não apresenta nada de hoje em
dia. O preconceito está ligado ao des-
Lisboa e Portugal
são a capital e o
país que menos
ópera apresentam
em toda a União
Europeia
Catarina Molder
Soprano, directora artística
do OperaFest
conhecimento, e isso agrava-se num
país que tem um único teatro de ópe-
ra, que teve sempre um projecto
artístico que não procurou criar
outros públicos. O São Carlos deveria
ser um pólo dinamizador da ópera
portuguesa, deveria criar ligações
com outras instituições, ter tempora-
das paralelas e trabalhar em formatos
variados, deveria ter um serviço edu-
cativo estruturado com objectivos
muito bem deÆnidos, o normal que é
exigível a uma instituição que tem
Ænanciamento público.”
Crise vocal?
Mas os problemas da ópera, para
Catarina Molder, não são só portu-
gueses. Segundo ela, o problema não
é apenas a ópera estar “fechada sobre
si própria”. Há também uma crise
internacional de vozes: “Assistimos a
uma crise vocal enorme, os italianos
perderam a escola. Onde estão as
vozes maravilhosas de soprano spin-
to? Desapareceram, não deixaram
escola. Se não fosse a escola do Leste,
o mundo da ópera estava mesmo
numa crise gigantesca, sem canto-
res.” A identiÆcação de uma “crise
vocal” surpreende-nos. Mas então
não há mais cantores e mais escolas
pelo mundo inteiro? “É certo que há
cada vez mais cantores que se lançam
mais para a frente, que vão ter aulas
lá fora, mas é um mercado diminuto. Catarina Molder esgotamento nervoso...”, diz. Para
Claro que existem imensos cursos, (na foto acima, e que será Catarina Molder, a covid-19 acelerou
imensas escolas, imensos cantores, Tosca na ópera de Puccini) todo um questionamento necessário
imensos estúdios de ópera que usam quer promover a criação para a ópera actual, que tem de se
cantores em estádios tenros da car- de novas óperas, e daí o projecto reinventar: “Os teatros europeus ou
reira, mas depois deitam-nos fora Maratona Ópera XXI se reinventam ou desaparecem do
como descartáveis. Os cantores têm mapa. Porque é um rombo Ænancei-
de ser cuidados. É como um atleta, se ópera e teimam em destruí-la. É uma ro gigante. Estão a voltar-se para
o pões logo numa competição para o pena, porque a verdade é que se per- coisas como estamos a fazer aqui no
qual não está preparado, ele vai esca- de público”, aÆrma. OperaFest, Tristões e Isoldas com 25
vacar todo o aparelho.” Os problemas ainda não se Æcam músicos... Arranjos para ensembles,
A directora artística do OperaFest por aqui. Há também novas questões que têm de ser muito bem feitos, não
identifica ainda um outro problema que têm que ver com a disponibilida- basta reduzir o efectivo orquestral,
— o velho conÇito entre o primado das de e a percepção por parte do públi- tem de se redesenhar.”
vozes ou da ideia teatral: “Passámos co. “A ópera obriga a um tipo de
de um tempo em que os cantores concentração que o público de hoje Uma pontinha de loucura
eram prima-donas, faziam o que que- em dia tem diÆculdade em ter. Com O OperaFest’20 Lisboa quer dar res-
riam e a mensagem teatral não era esta fragmentação das novas tecno- posta à crise diagnosticada por
assim tão importante, para uma épo- logias, as pessoas não se concentram Catarina Molder, apesar das limita-
ca de tirania dos encenadores, que mais do que três minutos, depois têm ções que tem, por exemplo, em tra-
muitas vezes não percebem nada de de ir ao telemóvel, senão têm um zer grandes cantores. “A nossa mis-

ópera até cabem raves
são não é tanto essa, porque não
conseguimos trazer tantas top-
stars”, confessa. “Conseguimos tra-
zer o Rodrigo P. Carulo e o Xavier
Moreno porque estamos em covid-
19, senão eles estariam a cantar nou-
tros sítios e não teriam disponibili-
dade de agenda. O Rodrigo está em
ascensão internacional, esteve a
fazer o Rigoletto no La Scala, mas
tudo foi cancelado. Ele tem uma voz
com características muito especiais,
e vai estar a fazer a gala de ópera
Traição e Engano no dia 25 de Agos-
to, com árias, zarzuelas, tangos, um
repertório variado.”
Apesar das limitações Ænanceiras,
o OperaFest assume a sua ambição de
ser um evento dinamizador a contra-
corrente. “Temos orçamentos muito
baixos, e portanto estamos a arriscar
muito para trazer ópera à cidade, a
fazer serviço público com o nosso
capital. É arriscado para um promo-
tor meter-se a fazer ópera com meta-
de da plateia e com os perigos de ter
de cancelar tudo de repente. Eu não
deixo de ser uma louca por avançar
com isto, mas se calhar é por ser can-
tora de ópera...”, diz, com ironia.
Uma das ideias do festival é promo-
ver a criação de novas óperas, e daí o
projecto Maratona Ópera XXI, apoia-
do também pela Direcção-Geral das
Artes. “Queremos estimular uma pro-
dução o mais ecléctica possível. No
Ænal de 2019, lançámos um repto a
compositores, e podia concorrer um
músico de rock, se quisesse. Tinha
era de ser um libreto original, para
um número de solistas limite, e não
tinham sequer de enviar currículo.
FOTOS: CORTESIA CATARINA MOLDER
Nestas coisas, importa o que as pes-
soas fazem, não o canudo que têm”,
diz Catarina Molder.
Nas duas Maratonas Ópera XXI,
serão estreadas sete pequenas ópe-
ras de 25 minutos. Na primeira mara-
tona (dias 30 e 31 de Agosto) ouvire-
mos obras dos compositores Pedro
Finisterra, Diogo da Costa Ferreira,
João Ricardo e Miguel Jesus. Na
segunda, nos dias 3 e 4 de Setembro,
apresentam-se as minióperas de
Fábio Cachão, Sara Ross e Tiago
Videira. “Chegaram coisas com lin-
guagens muito distintas, umas mais
próximas do teatro musical, e eu
adorei essa abertura, há lugar para
experimentar e para cada um ter a
sua voz. Na nossa Maratona Ópera
XXI há lugar para essa diferença.”
Uma destas pequenas óperas vence-
Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020 • 33
rá o prémio Carlos Pontes Leça (em
homenagem ao musicólogo e pro-
gramador da Gulbenkian que mor-
reu em 2016), no valor de 5000
euros e associado à encomenda de
O São Carlos uma nova ópera.
deveria ser um “Pescar” o público
pólo dinamizador O OperaFest quer também “pescar”
público, apanhando-o como que por
da ópera arrasto na diversidade das propostas:
portuguesa, “Nós queríamos criar um festival
onde coubesse tudo, onde o público
deveria criar que normalmente só vai ver Toscas
ligações com fosse também ver um concurso de
ópera contemporânea ou até uma
outras instituições, rave operática [no dia 5 de Setembro,
ter temporadas no jardim do Museu] para os que gos-
tam de experiências diferentes, ou
paralelas, seja, queremos apanhar o público em
trabalhar em rede. Que aqueles que já são aÆciona-
dos experimentem coisas diferentes
formatos variados, e que os que nunca foram à ópera
ter um serviço possam eventualmente ir pela primei-
ra vez a uma Tosca”, explica Molder.
educativo O festival inclui ainda uma série de
estruturado, Ælmes-ópera e três conferências
sobre ópera (nas Carpintarias de S.
o normal e exigível Lázaro), acerca das suas divas, de
a uma instituição questões de dramaturgia e também
sobre o mote do festival: “Traição e
que tem Engano” (numa conferência de Maria
Änanciamento Filomena Molder, Ælósofa e também
a mãe de Catarina Molder). Um mote
público. que traz uma ironia suplementar:
“Quanto pior, melhor.” Isto para a
ópera, é claro, em que “quanto mais
Assistimos trágico, melhor”, como defende
a uma crise Catarina Molder.
“As pessoas vão à ópera para fruir
vocal enorme, o prazer físico de sentir a voz a
os italianos vibrar no seu corpo e isso é uma
experiência estética e física ultra
perderam forte. Na ópera, quanto mais trági-
a escola. Onde co, melhor. O ser humano antes de
falar faz sons emocionais e o cantor
estão as vozes lírico treina essa pujança sonora e
maravilhosas de o apoio vocal ligados puramente à
soprano spinto? emoção. A ópera trabalha isso, que
funciona especialmente bem com a
tragédia e com a catarse.”
A nossa conversa no jardim do
Queríamos criar Museu Nacional de Arte Antiga é
um festival onde o interrompida por crianças com vozes
agudas. “Está a ouvir? Esta frequência
público que só vai dos miúdos, é isso!” Vamos para um
ver Toscas fosse lugar mais sossegado onde termina-
mos a conversa voltando a falar sobre
também ver um a Tosca de Giacomo Puccini e de
concurso de ópera como a tragédia tem de ser bem tem-
perada: “A tragédia é bom trabalhá-la
contemporânea com alguma leveza, para não cair no
ridículo e para ela soltar depois o seu
raio laser e nos atingir.”
34 • Público ClassiÄcados • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020

19 JUNHO | 21 SETEMBRO
EXPOSIÇÃO NA CASA DA CALÇADA
VISEU

ENTRADA LIVRE
 Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020 • 35

Rua Júlio Dinis, n.º 270, Tel. 22 615 10 00

Bloco A, 3.º Piso
4050-318 Porto
lojaporto@publico.pt
De seg a sex das 09H às 18H
CLASSIFICADOS

VENDA DO DIREITO DE SUPERFÍCIE

PROPOSTA EM CARTA FECHADA INESC ID
01 de setembro de 2020 às 15 horas AVISO DE ABERTURA DE PROCEDIMENTOS
INSOLVÊNCIA DA SOCIEDADE “VENTOS DE NEGÓCIO - EM- CONCURSAIS DE SELEÇÃO INTERNACIONAL
PREENDIMENTOS E INVESTIMENTOS IMOBILIARIOS, LDA,” PARA A CONTRATAÇÃO DE DOUTORADOS(AS)
Processo de Insolvência atual nº 666 /16.0T8BRR-P, (anterior AO ABRIGO DO DECRETO-LEI N.º 57/2016,
3565/16.1T8BRR a correr e termos, atualmente no Tribunal Judicial da DE 29 DE AGOSTO, COM AS ALTERAÇÕES Gostavas de viver
Comarca de Lisboa, juízo de Comércio do Barreiro – Juiz 3.
O Administrador de Insolvência nomeado Dr. Orlando José Ferreira
INTRODUZIDAS PELA LEI 57/2017, DE 19 DE e trabalhar em Espanha?
Apoliano Carvalho vai proceder à venda na modalidade de propostas JULHO E LEGISLAÇÃO COMPLEMENTAR.
em carta fechada do seguinte direito: No Grupo Policlínica, somos um grupo de saúde
Direito de superfície sobre o prédio urbano, designado por lote 8, sito Para mais informação consulte o(s) link(s) localizado em Ibiza com mais de 50 anos de
em Setúbal, (S. Julião), na rua Dr. António Manuel Gamito, composto abaixo:
pelo complexo desportivo que integra o estádio para a prática de fute- experiência.
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sob o numero 968 da freguesia de Setúbal (S. Julião) e inscrito na ma- aspx?task=global&jobId=125792 diferentes áreas dos nossos centros.
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N.S. da Anunciada e Santa Maria da Graça). Oferecemos boas condições laborais, viagem e
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Rua Eng.º Adelino Amaro da Costa, n.º 252, r/ch esq.
tas em carta fechada até às 15h do dia 01/09/2020 e dirigidas ao 3880-214 OVAR
Administrador de Insolvência, para o seu escritório sito Rua Manuel Tel e Fax. 256 589 112
e-mail: notariamarianamartins@hotmail.com
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Tiago 81, 2870-383 Montijo.
2. Não há impedimento à apresentação de propostas de valor inferior OFEREÇA EXTRATO
ao valor base da venda. Contudo, a adjudicação será feita à proposta Encontram-se abertos, por
de maior valor, reservando-se ao Sr. Administrador de Insolvência o CULTURA CERTIFICO narrativamente, para efeitos de publi-
cação, que neste Cartório, no dia 17 de Agosto de
direito de não adjudicar qualquer proposta, se estas forem inferiores 2020, iniciada a fls. 2 do livro de escrituras diversas
10 dias úteis, a contar do dia
ao valor de venda, sendo que as ofertas abaixo do preço base, deno- 32 - A, foi celebrada escritura de Justificação na qual seguinte ao da publicitação na BEP, dois
minadas “registo de Oferta”, tem a validade de 30 dias, e não poden- José Manuel de Pinho e mulhe Maria Alice de An-
procedimentos concursais com vista ao
do ser retiradas antes do referido prazo desde que acompanhadas EDIFÍCIO drade Pinho, casados sob o regime de comunhão
do cheque do correspondente sinal. DIOGO CÃO geral, naturais da freguesia de São Vicente de Pe- provimento de cargos de direção intermédia
reira Jusã, concelho de Ovar, residentes na Rua da
3. As propostas terão que conter: Identificação do proponente (nome
DOCA DE ALCÂNTARA Devesa, n.º 109, São Vicente de Pereira Jusã, União
de 2.º grau, para a Divisão de Regimes
ou denominação social, morada, n.º contribuinte, telefone, fax, de freguesias de Ovar, São João, Arada e São Vi- e Políticas de Emprego (DRPE) e Divisão
e-mail) valor oferecido por extenso e o envelope no exterior deve NORTE, LISBOA
cente de Pereira Jusã, concelho de Ovar, declara-
identificar o nome do processo. (JUNTO AO
ram: que são donos e legítimos possuidores, com
de Carreiras, Remunerações e Avaliação
MUSEU DO ORIENTE)
4. As propostas serão abertas pelo Administrador de Insolvência, na exclusão de outrem, do prédio rústico, composto de (DCRA). A indicação dos requisitos formais
presença de todos os interessados, no dia 01 de setembro às 15h no HORÁRIO: terreno a pinhal, eucaliptal e mato, sito no Lugar da
2.ª – 6.ª FEIRA: 9H – 19H Roçada, S. Vicente de Pereira Jusã, União de Fre-
de provimento, do perfil exigido e outras
seu escritório sito Rua Manuel Tiago 81, 2870-383 Montijo.
5. O direito de superfície é vendido no estado físico e jurídico, em que SÁBADO: 11H – 17H guesias de Ovar, São João, Arada e São Vicente de informações de interesse para a apresentação
Pereira Jusã, concelho de Ovar, com a área de mil e
se encontra. setecentos metros quadrados, a confrontar, do norte
de candidaturas, constarão dos respetivos
6. Os proponentes devem juntar às suas propostas, como caução, um com Maria da Graça Almeida Costeira, do sul com avisos a publicitar na BEP, no prazo de 2 dias
cheque no valor 20% do valor proposto. os próprios (artigo rústico 2972, da referida União),
7. Os restantes 80% serão pagos no dia da escritura, que não deverá do nascente com caminho e do poente com Antó-
úteis, após publicação dos correspondentes
ultrapassar 60 dias da data da adjudicação. INFO: 210 111 010 nio José da Silva, inscrito na matriz, em nome da avisos no Diário da República.
justificante mulher, sob o artigo 16.199 dessa União
(omisso desde 1972, aquando da reorganização das
matrizes rústicas no concelho de Ovar, tendo a sua
inscrição na nova matriz sido feita em 2019, não sen-
do possível determinar a sua proveniência da extinta
freguesia de São Vicente de Pereira Jusã), omisso
Fundada em 1988 pelo Professor Doutor Carlos Garcia, a Associação Portuguesa de Familiares no Registo Predial. O certo porém é que eles justifi-
e Amigos de Doentes de Alzheimer - Alzheimer Portugal é uma Instituição Particular de cantes não possuem título formal que legitime o seu
Solidariedade Social. É a única organização em Portugal, de âmbito nacional, especificamente
domínio sobre o referido prédio, o qual veio à sua
posse por doação não titulada feita pelos pais da CONHEÇA AS NOSSAS
constituída para promover a qualidade de vida das pessoas com demência e dos seus familiares
e cuidadores. Tem cerca de dez mil associados em todo o país.
justificante mulher, António Fernandes de Andrade e
Maria Anunciada de Jesus, residentes que foram no
COLECÇÕES DE
Oferece Informação sobre a doença, Formação para cuidadores formais e informais, Apoio
domiciliário, Apoio Social e Psicológico e Consultas Médicas da Especialidade.
lugar da Roçada, daquela freguesia de S. Vicente de
Pereira Jusã, já falecidos, em data que não podem
BANDA DESENHADA
Como membro da Alzheimer Europe, a Alzheimer Portugal participa ativamente no movimento precisar mas por volta do ano de mil novecentos e
oitenta. Que, näo obstante isso, os justificantes têm
mundial e europeu sobre as demências, procurando reunir e divulgar os conhecimentos mais
usufruído o mencionado prédio, usando todas as uti-
recentes sobre a Doença de Alzheimer, promovendo o seu estudo, a investigação das suas lidades por ele proporcionadas, com ânimo de quem
causas, efeitos, profilaxia e tratamentos. exerce direito próprio, sendo reconhecidos como
Contactos seus donos por toda a gente, fazendo-o de boa-fé,
Sede: Av. de Ceuta Norte, Lote 15, Piso 3, Quinta do Loureiro, 1300-125 Lisboa por ignorarem lesar direito alheio, pacificamente por-
Tel.: 21 361 04 60/8 - E-mail: geral@alzheimerportugal.org que sem violência, contínua e publicamente à vista e
Centro de Dia Prof. Dr. Carlos Garcia: Av. de Ceuta Norte, Lote 1, Loja 1 e 2, Quinta do Loureiro, 1350-410 Lisboa - Tel.: 21 360 93 00 com conhecimento de toda a gente, sem oposição
Lar, Centro de Dia e Apoio Domiciliário «Casa do Alecrim»: Rua Joaquim Miguel Serra Moura, n.º 256 - Alapraia, 2765-029 Estoril
de ninguém, tudo isto há mais de trinta anos. Que, CENTRO
Tel. 214 525 145 - E-mail: casadoalecrim@alzheimerportugal.org
dadas as enunciadas características de tal posse, os
Delegação Norte: Centro de Dia “Memória de Mim” - Rua do Farol Nascente, n.º 47A R/C, 4455-301 Lavra
justificantes adquiriram o citado prédio por usuca-
COMERCIAL
Tel. 229 260 912 | 226 066 863 - E-mail: geral.norte@alzheimerportugal.org
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36 • Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020
DESPORTO
O ciclismo português tem em
João Almeida uma nova estrela
Ser “voltista”, vencer uma das grandes clássicas do calendário, ir aos Jogos Olímpicos e fazer carreira no
estrangeiro. Aos 21 anos, o corredor das Caldas tem estado em destaque no ano de estreia no WorldTour
Modalidades
Diogo Cardoso Oliveira
João Almeida. O nome não é sonante,
por ser tão comum em Portugal, mas
promete, ainda assim, Æcar no ouvi-
do. E na retina. Do desporto portu-
guês, em geral, e do ciclismo, em
particular. Aos 21 anos, este jovem das
Caldas da Rainha garante ao PÚBLICO
que quer fazer carreira junto dos
melhores do mundo. E já faz. Deixa-
os para trás.
Fê-lo recentemente na Volta a Bur-
gos — terminou no pódio, à frente de
ciclistas consagrados como Estebán
Chaves, Alejandro Valverde, Richard
Caparaz, Fabio Aru ou Simon Yates
— e no Tour de L’Ain, prova na qual
venceu a classiÆcação de melhor
jovem, fruto do sétimo lugar na geral,
à frente de nomes como Chris Froo-
me, Tom Dumoulin, Richie Porte ou
Geraint Thomas. E também já se des-
tacou numa prova de um dia, com um
segundo lugar no Giro dell’Emilia, à
frente de Fuglsang, Ulissi ou Nibali.
Na poderosa equipa Quick-Step, e
muitas vezes no papel de ajudante do
fenómeno Remco Evenepoel, João
Almeida, em estreia no World Tour,
não tem deixado que a tarefa de levar
o jovem belga às vitórias o impeça de
ter, ele próprio, resultados tremen-
dos. Juntos, respectivamente com 20
e 21 anos, dominaram a prova espa-
nhola de Burgos, poucos meses
depois de já terem feito o mesmo na
Volta ao Algarve. Uma dupla eÆcaz,
mas que já provou que funciona bem
também individualmente.
“As minhas oportunidades”
Crescer na sombra daquele que é
apontado como “novo Eddie Merckx”
pode não ser o melhor dos contextos,
mas João Almeida parece estar dis-
posto a aproveitá-lo. E, até ver, a
“sociedade” Evenepoel & Almeida
tem chegado para as encomendas,
espantando o mundo do ciclismo.
“Ele é um fora-de-série e está a
marcar a história do ciclismo. É um
orgulho fazer parte disso”, conta ao
PÚBLICO um corredor que tem, no
entanto, ambições próprias.
Questionado sobre se aceitaria de
bom grado uma carreira de ajudante
DR
de um grande ciclista (um pouco à
imagem de José Azevedo ou Sérgio
Paulinho), João Almeida garante que
quer os seus próprios palcos.
“Ainda sou novo e tenho de ter
ambição. Quero ter as minhas opor-
tunidades e não passar a carreira toda
a trabalhar para os outros”, dispara
alguém que assume querer ganhar
uma das principais “clássicas” ou
uma “grande volta”. E que não ten-
ciona vir para o ciclismo português,
um palco menor no panorama euro-
peu e mundial.
“O grande ciclismo é lá fora e não
tenho interesse [de correr em Portu-
gal]. Se calhar, eventualmente, para
terminar a carreira. Mas de momento
sou novo e sinto que é lá fora que
devo estar”, explica Almeida, que
nunca correu por equipas nacionais
e foi aposta recente da poderosa Qui-
ck-Step, depois de dar nas vistas nas
camadas jovens, no estrangeiro.
Num plantel recheado de ciclistas
de renome para as clássicas, João
Almeida crê que esse contexto não o
“A par das clássicas
mais duras,
as provas por
etapas são aquelas
de que mais gosto”
prejudica, “porque a competitividade
interna também ajuda”. E assume
que a ausência de um verdadeiro
“voltista” na equipa belga é um bom
sinal, porque tem espaço para crescer
por aí. “Isso dá-me visibilidade para
tentar a minha sorte”.
Quer ser “voltista”
Aos 13 anos, depois de se ter fartado
do futebol e da natação — palavras do
próprio —, o jovem das Caldas pegou
na bicicleta que sempre usou como
recreação e tornou-a mais proÆssio-
nal, através do BTT. Com a mudança
para o ciclismo de estrada, João
Almeida apurou virtudes. E tem, aos
21 anos, características que parecem
ser um oásis no ciclismo nacional e
um tiro certeiro no internacional.
Portugal tem tido Rui Costa com
inteligência na leitura das corridas,
João Almeida faz parte de um elenco de luxo na Quick-Step mas nem sempre capaz na alta mon-
tanha e no contra-relógio. Tem tido
Nélson Oliveira com talento aponta-
do, sobretudo, ao “crono”. Tem tido
José Gonçalves com explosividade,
mas sem a alta montanha. No fundo,
tem faltado, em Portugal, um nome
que conjugue capacidade no contra-
relógio com “pernas” nos terrenos
mais acidentados. Um ciclista que
possa tornar-se mais “voltista”.
E é neste cenário que surge João
Almeida, um contra-relogista por
natureza, mas com capacidade de
andar bem na montanha. Uma com-
binação que todos procuram, sobre-
tudo desde que Chris Froome,
Bradley Wiggins, Geraint Thomas
ou Tom Dumoulin ganharam “gran-
des voltas”.
“Eu gostava de me tornar um ‘vol-
tista’. A par das clássicas mais duras,
as provas por etapas são as de que
mais gosto. E sei que, no contra-reló-
gio, até posso não ganhar tempo, mas
também não perco para eles [os tre-
padores clássicos]”, garante.
Mas há um certo momento da car-
reira em que ciclistas versáteis como
Almeida têm de decidir se seguem o
caminho das grandes voltas ou o das
clássicas. Por enquanto, o português
não sente essa fatalidade a chegar.
“Para já, diria que consigo reagir bem
em provas de uma semana. Ando
bem na montanha, sobretudo em
subidas longas e constantes, e consigo
andar bem em clássicas duras. Não
sou assim tão leve, pelo que o meu
peso, para já, dá para tudo”, explica,
lembrando que nem sabe exactamen-
te como o corpo reagirá a provas de
três semanas. Se tudo correr bem,
sabê-lo-á em breve, já que planeia
competir na Vuelta, em Outubro.
Bem mais para a frente no calendá-
rio, o objectivo será outro, os Jogos
Olímpicos de Tóquio. “Gostaria mui-
to de lá estar. Com os Jogos de quatro
em quatro anos, é algo quase único
na carreira de um ciclista”, assume o
fã de Froome, Alaphilippe, Jungels ou
Dumoulin, que já chegou a dizer que,
se tivesse um superpoder, gostaria de
voar. O voo literal será utópico, mas
o voo metafórico, no ciclismo, é bem
real. E a carreira do português está
em plena descolagem.
diogo.oliveira@publico.pt

Adán, o novo
concorrente
para a baliza
do Sporting
Futebol
Guarda-redes espanhol, de
33 anos, assinou contrato
até 2022, com mais uma
época de opção. “Estou no
meu melhor momento”, diz
Tem 33 anos, fez toda a formação
no Real Madrid, depois mudou-se
durante cinco épocas para Sevilha,
para representar o Betis, e nas duas
últimas temporadas fez parte do
plantel do Atlético Madrid. Antonio
Adán, guarda-redes espanhol de
1,90m, é o novo guarda-redes do
Sporting e o quinto reforço para
2020-21.
Adán, que nas duas épocas no
Wanda Metropolitano fez apenas
sete jogos, foi anunciado em Alvala-
de no mesmo dia em que o Atlético
Madrid deu conta da contratação do
guarda-redes croata Ivo Grbic, de 24
anos. O guardião espanhol assinou
contrato com o Sporting até 2022
(com mais uma de opção) e vai con-
correr por um lugar na baliza com
Luís Maximiano e, até ver, com
Renan Ribeiro. Os “leões” estarão a
tentar colocar o brasileiro no mer-
cado, mas ainda não receberam
uma proposta satisfatória.
“Sinto muita felicidade. Depois de
acabar a Liga dos Campeões com o
Atlético Madrid, desejava incorpo-
rar-me neste grande clube, com
tanta história em Portugal. Estou
muito feliz”, aÆrmou ao site dos
“leões”, acrescentando que chega
a Portugal “no melhor momento da
carreira, com uma maturidade tre-
menda”.
Depois de Antunes, Pedro Porro,
Pedro Gonçalves e Zouhair Feddal,
Adán é o quinto reforço do Sporting
para a nova época. “Tanto o Feddal,
como o Pedro, como o Antunes são
jogadores que vieram da Liga espa-
nhola e já nos conhecemos. Vai aju-
dar à adaptação, claro. Mas todos me
falam bem do grupo”, destacou.
Já com Adán a bordo, a equipa do
Sporting vai efectuar dois jogos par-
ticulares, contra adversários ainda a
designar, no estágio de pré-tempo-
rada que vai realizar em Lagos e que
arranca em 23 de Agosto. Os “leões”
vão passar oito dias em solo algarvio
e têm um jogo agendado para o dia
28 de agosto, em Portimão, e outro
no dia 30, no Estádio Algarve.
“Uma equipa com o nível do Inter vai obrigar-nos a jogar nos limites”, destaca Julen Lopetegui
Inter procura travar
o pleno do Sevilha nas
finais da Liga Europa
Futebol
Nuno Sousa
Esta noite será entregue o
troféu da segunda prova de
clubes mais relevante da
UEFA. Italianos querem
quebrar jejum de longa data
Nunca o Sevilha e o Inter Milão se
encontraram numa prova da UEFA.
E nunca o estádio do Colónia aco-
lheu uma Ænal europeia. Logo à
noite (20h, SportTV), estes dados
serão actualizados quando o quarto
classiÆcado da Liga espanhola e o
segundo da Série A se defrontarem
para decidir qual arrecadará o tro-
féu da Liga Europa.
Andaluzes e milaneses Æzeram per-
cursos distintos para chegarem ao
encontro decisivo. O Sevilha, depois
de uma fase de grupos com cinco vitó-
rias e uma derrota, afastou o Cluj nos
16- avos-de-Ænal antes de ver o grau de
diÆculdade da prova disparar de for-
ma Çagrante. Roma, Wolverhampton
e Manchester United foram os rivais
que se seguiram e todos caíram aos
pés do clube mais titulado da segunda
competição da hierarquia da UEFA.
A performance dos espanhóis dei-
xa Antonio Conte, treinador do Inter,
de sobreaviso, mas não receoso. “A
palavra medo não faz parte do meu
vocabulário. Respeitamos o Sevilha,
mas se estamos aqui é porque temos
trunfos a jogar”, advoga, assumindo
que o rival poderá ter a vantagem
decorrente de uma maior experiên-
cia a este nível na competição.
Aos cinco títulos dos andaluzes na
Taça UEFA/Liga Europa (ganharam
todas as Ænais que disputaram), os
italianos podem contrapor três, ain-
da que o mais recente tenha ocorrido
em 1998, há 22 anos. E poderão tam-
bém sublinhar que começaram a
temporada na Liga dos Campeões,
num grupo que incluiu Barcelona e
Borussia Dortmund. A “queda” para
a Liga Europa ditou confrontos com
Ludogorets, Getafe, Bayer Leverku-
sen e Shakhtar Donetsk, tendo o jogo
diante do campeão ucraniano tradu-
zido o resultado mais confortável de
toda a caminhada (5-0).
“Já trabalhamos juntos há algum
tempo, é normal que algumas noções
tácticas sejam adquiridas e que outras
sejam rejeitadas. O nosso trabalho
árduo está agora a dar frutos”, sus-
tenta Conte, destacando a importân-
cia de os jogadores estarem “mental-
mente desinibidos”.
Éver Banega, por exemplo, não
Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020 • 37
MARTIN MEISSNER/REUTERS
deverá ter problemas com isso. O
médio argentino, que em 2016-17 ves-
tiu a camisola dos “nerazzurri”, já
marcou presença em duas Ænais da
prova ao serviço do Sevilha, em 2015
e 2016, contribuindo para os espa-
nhóis arrecadarem os dois troféus.
Hoje, aos 32 anos, continua a ser um
dos esteios dos andaluzes.
Julen Lopetegui tem-lhe dado um
papel de relevo na equipa e esta noi-
te o cenário não deverá ser diferen-
te, diante de um adversário que o
técnico basco considera ser “muito
completo”. “É uma equipa com
excelentes jogadores e tem um esti-
lo de jogo eÆcaz, como acontece com
todas as equipas de [Antonio] Conte.
Podem atacar muito e, ao mesmo
tempo, evitar que o rival crie opor-
tunidades”, analisa.
Desde que retomou a participação
europeia, no pós-conÆnamento
imposto pela covid-19, o Sevilha tem
precisado de oito remates, em média,
para fazer um golo. “Uma equipa com
o nível do Inter vai obrigar-nos a jogar
nos limites e é isso que vamos tentar
fazer”, acrescenta Lopetegui, que
concordará certamente com a visão
de Conte: “A única forma de escrever
a história de um clube é ganhar.”
nsousa@publico.pt
DESPORTO
Breves
Motociclismo
Pol Espargaró acusa
Miguel Oliveira de
“falta de respeito”
O piloto espanhol Pol
Espargaró (KTM) mostrou-se
“chocado” com as palavras do
português Miguel Oliveira
(KTM), após o incidente entre
os dois no Grande Prémio da
Áustria, no domingo. Em
declarações ao Canal+, Miguel
Oliveira disse que Espargaró
“é muito emotivo” e que “nem
toda a gente nasce com a
mesma inteligência” para
abordar de forma cerebral as
corridas. “Já estive nessa
situação [ser atirado ao chão]
muitas vezes, mas nunca faltei
ao respeito aos companheiros.
Ainda por cima, nem sequer
pediu desculpa”, reagiu
Espargaró, rotulando as
declarações do piloto
português como “uma
enorme falta de respeito”.
Futebol
Suspensões no
Haiti por suspeita
de abusos sexuais
A FIFA anunciou ontem a
suspensão de duas pessoas
ligadas ao futebol no Haiti, no
âmbito de uma investigação
sobre alegados abusos
sexuais a jogadoras jovens. O
organismo que gere o futebol
mundial explica que foram
“abertos procedimentos
formais” contra um homem e
uma mulher. Sob investigação
e suspensos por 90 dias estão
Nela Joseph, supervisora de
um centro de treino feminino,
e Wilber Etienne, director
técnico da federação. Em
Maio, a FIFA já tinha
suspendido preventivamente
o presidente da federação
haitiana de futebol (FHF),
Yves Jean-Bart, por suspeita
de violação de várias
jogadoras menores de idade.
Bart, de 73 anos, negou
todas as acusações.
38 • Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020
O regresso do rei e
as Cortes vintistas
200 anos da Revolução Liberal. Pressionado e convencido,
D. João VI regressa a Lisboa em Julho de 1820, e as Cortes
vintistas trataram de imediado de preparar um ritual
de recepção que provasse a instituição de um tempo novo.
O novo capítulo da História não poderia deixar de reconhecer
o poder dos representantes do povo
Isilda Monteiro
N
o dia 3 de julho de 1821,
quando D. João VI chegou a
Lisboa, mais do que o dese-
jo de uma população desa-
gradada com a longa per-
manência do monarca no
Brasil, cumpria-se a exigência de
um país a viver uma nova realidade
política desde a Revolução Liberal
de 24 de agosto de 1820. Uma revo-
lução que sem a presença na capital
portuguesa do monarca tardava em
se legitimar. É certo que, obrigado
pelo movimento liberal no Brasil, D.
João VI jurara em fevereiro, no Rio
de Janeiro, as Bases da Constituição
que os deputados estavam a redigir
em Lisboa e com isso as Cortes
Constituintes, reunidas desde 26 de
janeiro de 1821, contabilizaram a sua
primeira vitória.
Mas era preciso mais. O desembar-
que do rei em Lisboa e a sua condu-
ção ao Palácio das Necessidades em
cuja biblioteca as Cortes se reuniam,
para diante delas jurar solenemente
as referidas Bases e a “Constituição
que elas fizerem”, marcariam, sim-
bolicamente, o reconhecimento do
novo regime liberal e os princípios
em que assentava. Como Valentim
Alexandre sublinhou na sua obra Os
Sentidos do Império, esse momento
foi decisivo para determinar o futu-
ro das relações entre o Congresso e
a corte régia “e, consequentemente,
a hegemonia no sistema político
português”. A entrada do rei na
capital do reino, depois de catorze
anos de afastamento, era um
momento de festa, mas de uma fes-
ta “através da qual, tanto nas pala-
vras como nos rituais, se dirimia um
conÇito, uma questão de poder”.
Não surpreende por isso que, nos
dias 3 e 4 de julho, as Cortes tenham
feito da cidade de Lisboa o palco da
aÆrmação do seu poder, numa repre-
sentação cénica para a qual escolhe-
ram os cenários, os atores, os Ægu-
rantes e, não menos importante, os
tempos e o ritmo de cada cena. As
descrições do desembarque de D.
João VI que se podem ler nas Memó-
rias do Marquês de Fronteira e de
Alorna e no relatório da deputação
das Cortes publicado nos Documen-
tos para a História das Cortes Gerais
da Nação Portugueza do barão de São
Clemente permitem sentir, à distân-
cia de quase duzentos anos, a força
de um espetáculo em que nada pare-
ce ter sido deixado ao acaso. Na ver-
dade, a leitura das atas das sessões
das Cortes não deixa margem para
dúvidas quanto à determinação dos
deputados apostados em demons-
trar, perante tudo e perante todos,
que eles, enquanto representantes
da nação, eram agora também pro-
tagonistas no novo capítulo da His-
tória que se estava então a começar
O desembarque a escrever em Portugal.
Sendo já certo o retorno a Lisboa
do rei e todo o de D. João VI — que deixara o Rio de
Janeiro em 26 de abril —, as Cortes
cerimonial que se começaram em maio de 1821 a pre-
parar a receção ao monarca e a for-
seguiu eram já a ma como este deveria fazer o jura-
prova de que havia mento solene das Bases da Consti-
tuição. Era preciso deÆnir o
uma nova cerimonial, desajustados que esta-
vam os procedimentos até então em
hegemonia no vigor. Não foi uma tarefa fácil. Pela
primeira vez na sua curta existên-
sistema político cia, o Parlamento iria receber o
monarca e o confronto entre a tra-
português dição e as exigências da nova reali-

dade política centralizou, natural-
mente, as atenções dos deputados,
que sabiam o que queriam, mas não
sabiam até onde poderiam ir.
Começando por discutir o local do
desembarque e a igreja onde teria
lugar o Te Deum — “miudezas” com
as quais não se deveria perder tem-
po, segundo um dos parlamentares
—, Æcou decidido na sessão de 30 de
maio de 1821, depois de alguma dis-
cussão, que o juramento deveria ser
feito na “Casa do Congresso”, com a
solenidade que se impunha, mas
sem excessos, estando os deputados
em uniforme ou, na falta dele, em
“vestido sério das fábricas nacio-
nais”. De acordo com isso, nessa
mesma sessão, o presidente das Cor-
tes, o advogado Ferreira de Moura,
nomeou a deputação que, em nome
da Assembleia, deveria deslocar-se
Inquérito
de Proust
Afonso Reis Cabral
Pág. 43
DR
a bordo da nau real para apresentar
cumprimentos ao monarca aquando
da sua chegada a Lisboa.
Os principais momentos da rece-
ção ao rei D. João VI Æcaram, desta
forma, deÆnidos com alguma ante-
cedência. Continuavam a faltar as
questões de pormenor, que não ten-
do sido tratadas ao longo do mês
seguinte nas sessões plenárias, terão
sido certamente objeto de conversas
nos bastidores. Sem pressas.
Foi assim que na manhã do dia 3
de julho, enquanto o monarca entra-
va no Tejo, as Cortes ultimaram os
preparativos. Incumbindo a Regên-
cia de assegurar a “boa ordem e a
segurança pública”, afastaram de
cena, estrategicamente, homens do
círculo próximo do rei, entre os quais
o então conde de Palmela, alegando
terem “incorrido na indignação
pública por serem geralmente
conhecidas por autores das desgra-
ças da pátria” e poderem, por isso,
correr “risco de sua própria seguran-
ça”. Na verdade, como reconhece
Borges Carneiro poucos dias depois
perante os deputados, a razão prin-
cipal era evitar que estes homens
continuassem a exercer junto do rei
“a sua inÇuência maligna”.
Quanto ao desembarque, deveria
fazer-se no dia seguinte, 4 de julho,
até às 12 horas. Centralizando e
gerindo, em função dos seus objeti-
vos, os ofícios provenientes do
Governo da Regência, da nau real e
da Câmara Municipal de Lisboa, as
Cortes Æzeram tábua rasa da vontade
expressa pelo monarca de desem-
barcar às 16 horas do dia 3 de julho e
de fazer reunir o seu ministro, Silves-
tre Pinheiro Ferreira, com o presi-
dente das Cortes, para deÆnir as
formalidades do desembarque. Sem
capacidade negocial, D. João VI Æcou
refém da vontade das Cortes — o
desembarque far-se-ia no dia, à hora
e segundo o programa que estas
determinaram.
No dia seguinte, 4 de julho, às 10
horas, a deputação das Cortes foi
recebida pelo monarca a bordo da
nau que ostentava o seu nome — a D.
João VI. Fr. Vicente da Soledade apre-
sentou cumprimentos e o monarca
recebeu-os, como recebeu também
as Bases da Constituição que juraria
solenemente mais tarde, comprome-
tendo-se a que “da sua parte nenhu-
ma falta haveria em se cumprir tudo
o que pelas Cortes fosse determina-
do; que muito desejava trabalhar de
acordo com elas para quando fosse
da felicidade dos povos, e que para
fazer esta felicidade e se unir à causa
da Nação viera com muito gosto do
Brasil”. Ao Ænal dessa manhã, às 12
horas, a galeota que transportava D.
João VI, o Ælho, D. Miguel, e o neto,
D. Sebastião, sempre acompanhado
pela deputação das Cortes, chegava
ao Cais das Colunas na Praça do
Comércio, sendo o monarca recebi-
do pelo vereador da Câmara de Lis-
boa, Bacelar Chichorro.
Embora atraiçoado numa ou nou-
tra questão pela memória — na pre-
sidência das Cortes não estava então
Aragão Morato e Fernandes Tomás,
que se destacou pela participação
ativa em todo este processo, contra-
riamente ao que refere, não tinha
ainda falecido — e com um discurso
modelado pelas ideias políticas que
Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020 • 39
professava, o marquês de Fronteira
deixou uma descrição pormenoriza-
da do desembarque real. Lisboa saiu
à rua para ver o rei. Além da guarni-
ção militar que, ostensivamente, se
distribuía pelo espaço envolvente,
no Cais “estava toda a grandeza que
tinha Æcado em Portugal: o cardeal-
patriarca, com o seu numeroso Cabi-
do, Senado da Câmara, o Desembar-
go do Paço e todos os Tribunais, e
uma grande parte das ordens religio-
sas que se Æzeram grandemente
representar naquela solene rece-
ção”, bem como as damas da rainha
que tinham permanecido na capital.
Mais afastadas, estavam “fortes mas-
sas de povo, cujo vestuário oferecia
um pitoresco golpe de vista, porque
então conservavam-se ainda os
nacionais trajes populares, apresen-
tando-se as mulheres do campo com
A ausência de
adornos nas janelas
era sinal de que
Lisboa não acolhia
um soberano
vitorioso, mas um rei
derrotado
as suas capas encarnadas e carapu-
ças pretas, e os homens com os seus
barretes e vestuários pitorescos”,
enquanto “as janelas dos diferentes
edifícios que guarneciam a praça, e
mesmo os telhados, estavam apinha-
dos de espectadores”.
Contudo, se não faltavam as pes-
soas, faltavam os arcos alegóricos e
triunfais que habitualmente se
erguiam nas ruas em idênticos ceri-
moniais, ou os adornos nas janelas,
que o povo, desta vez, por indicação
expressa das Cortes, foi dispensado
de fazer. Como faz notar Valentim
Alexandre, essa era uma clara opção
política: “O sentimento generalizado
seria o de que se acolhia, não um
soberano vitorioso, mas um rei der-
rotado, indigno de arcos triunfais.”
Finalmente, às cinco horas da tar-
de, D. João VI foi recebido nas Cortes,
COM O APOIO DE:
após ter assistido a um Te Deum na
Sé de Lisboa. Perante os deputados,
ministros e algum público nas gale-
rias, o monarca jurou cumprir as
Bases da Constituição já aprovadas
e a Constituição futura. O momento
era de regozijo, mas a ata da sessão
não deixa de referir que “por estar
mui fatigado”, o monarca proferiu o
juramento em voz baixa, tendo sido
apenas ouvido por aqueles que dele
estavam mais próximos – o presiden-
te, os secretários e alguns deputados.
A determinação e a força das Cortes
contrastavam assim com a fragilida-
de do monarca.
Seguiu-se o discurso do presiden-
te do Congresso que fez questão de
lembrar os princípios em que assen-
tava o regime recém-implantado:
“Reunir todos os anos assembleias
legislativas, eleger livremente os seus
membros, fazer as leis em público,
responsabilizar efetivamente os exe-
cutores das leis, publicar livremente
os pensamentos por meio da impren-
sa, independência dos juízes, inva-
riável equilíbrio entre as rendas e as
despesas do Estado, eis, senhor, a
que se reduz em geral o sistema que
adoptámos.” Com o juramento que
Æzera, o monarca comprometera-se
a respeitar tudo isso.
Findo o discurso, o rei D. João VI,
visivelmente cansado, retirou-se.
Contudo, a cerimónia não acabou da
melhor forma. A leitura da resposta
ao discurso do presidente que o
ministro Pinheiro Ferreira, em nome
do rei, pediu para fazer, desagradou
aos deputados. Sentindo-se afronta-
dos pela exigência do monarca em
partilhar o poder legislativo com os
representantes da Nação, foi impos-
ta uma revisão do discurso, acaban-
do o monarca, uma vez mais sem
alternativa, por reconhecer que as
palavras proferidas em seu nome
não poderiam contrariar as Bases da
Constituição que jurara e aceitar a
eliminação do parágrafo que origi-
nara a polémica. As Cortes vintistas,
que, como referiu Rebelo da Silva em
1862, viviam então épocas “de ino-
cência constitucional”, contabiliza-
ram com isso uma nova vitória e o rei
uma nova derrota. Nada de deÆniti-
vo. O processo de implementação do
Liberalismo em Portugal ainda esta-
va no seu início.
Docente na ESE de Paula
Frassinetti. Investigadora
no CITCEM
40 • Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020
Passos Manuel, um líder da esquerda DR
Isilda Monteiro
sos, Manuel da Silva Passos nasceu
em 5 de janeiro de 1801 ou 1805,
dúvida que o registo de batismo rasu-
rado não permite resolver em deÆ#
nitivo, em São Martinho de Guifões,
antigo julgado de Bouças (hoje, con-
celho de Matosinhos). Em 1817, ele e
o irmão José da Silva Passos estão já
matriculados na Universidade em
Coimbra, onde, apanhados pelos
ventos revolucionários de 1820, ini-
ciam o seu percurso político. Em
1822, ambos concluem o 5.º ano em
Cânones e, no ano seguinte, fundam
o jornal liberal O Amigo do Povo.
Expulso da Universidade por se ter
oposto ao restabelecimento do abso-
lutismo, Passos Manuel parte como
tantos outros liberais para o exílio,
primeiro para Inglaterra e, mais tar-
de, para França. A vivência do
ambiente revolucionário que então
aí se vivia, estimula-o a escrever, jun-
tamente com o irmão, sobre o libe-
ralismo em que acreditava.
Apoiante de Saldanha que liderava
a ala mais radical dos liberais, junta-
se, em 1832, às forças de D. Pedro
sitiadas no Porto pelo exército migue-
lista, sendo incorporado no Batalhão
de Voluntários de Leça, que guarne-
cia o setor de São João da Foz do Dou-
ro. Em 1834, Passos Manuel foi eleito
deputado pelo Douro às Cortes Cons-
tituintes. Distinguindo-se pelas ideias
e pela forma aguerrida como as
defendia nos seus longos discursos,
depressa conquistou a liderança da
oposição de esquerda. Comprometi-
do com as práticas maçónicas desde
o tempo de Coimbra, assume a dire-
ção da Maçonaria do Norte.
Contudo, em 1835, o debate em
torno das indemnizações aos libe-
rais e a instabilidade gerada pela
morte inesperada do príncipe
Augusto de Leuchtenberg, primeiro
marido da rainha D. Maria II, evi-
denciou o seu distanciamento rela-
tivamente aos seus correligionários
políticos, sublinhando que “o que
lhe interessa são os princípios e não
os homens”.
Em 1836, recém-eleito deputado
pelo Porto, lidera em Lisboa a Revo-
lução de Setembro, que o conduz ao
poder — entre setembro de 1836 e
maio de 1837 foi ministro do Reino,
pasta que acumulou com a da Fazen-
M
anuel da Silva Passos ou 1800 e 1815, tal como o duque de tos para adaptação aos novos tem- da, e foi ministro dos Negócios Ecle-
Passos Manuel (nome Ávila, os irmãos Cabral, Alexandre pos”, como refere José Miguel Sar- siásticos e da Justiça. No exercício
pelo qual acabou por Herculano, Rodrigues Sampaio ou dica. Para Passos Manuel, doente e desses cargos procurou renovar os
Æcar mais conhecido e José Estêvão. Uma geração que fez cansado da luta política, esse foi, sistemas educativo, cultural e admi-
que, nas atas parlamen- o seu tirocínio político nas lutas sobretudo, o tempo de sair de cena, nistrativo. Deve-se-lhe o Código Admi-
tares, o distinguia do liberais e que, “depois dos anos do retirando-se para Santarém. nistrativo de 1836 e a Pauta Geral de
irmão, Passos, José, também ele cartismo, do setembrismo e do Filho de Manuel da Silva Passos, 1837. No ensino deixou marcas que o
deputado) faz parte da segunda cabralismo desaguou na Regenera- abastado lavrador e homem de negó- tempo não apagou — a criação dos
geração liberal, a dos nascidos entre ção, refazendo os seus alinhamen- cios, e de Antónia Maria da Silva Pas- liceus, a reorganização da Universi-
dade de Coimbra, a reforma das Esco-
las Médico-Cirúrgicas do Porto e de
Lisboa (1836), a instituição da Escola
Politécnica de Lisboa, a conversão da
Academia Real de Marinha e Comér-
cio da Cidade do Porto na Academia
Politécnica do Porto e a criação dos
conservatórios de Artes e Ofícios de
Lisboa e do Porto (1836 e 1837, respe-
tivamente), do Conservatório Geral
de Arte Dramática (1836) e da Acade-
mia Portuense de Belas-Artes (1836).
A passagem pelo Governo provo-
cou, como fez notar Magda Pinhei-
ro, uma mudança na sua postura
enquanto político — marcado até
então pela vivência no exílio, Passos
Manuel assume-se depois como um
conhecedor dos meandros do
poder. A nível pessoal, as mudanças
também são visíveis. Em dezembro
de 1838, constitui família e Æxa resi-
dência em Santarém, onde passa a
gerir as propriedades.
Longe da capacidade interventiva
que o caracterizara até 1836, nos
anos seguintes foi senador e depu-
tado, sentando-se sempre na ban-
cada setembrista. Em 1846, a Revol-
ta da Maria da Fonte está na rua e
Passos Manuel coloca-se ao lado dos
revoltosos contra o autoritarismo
de Costa Cabral, assumindo a presi-
dência da Junta de Santarém. Já no
Porto, fará o mesmo durante a Patu-
leia. Integra a Junta Governativa do
Porto, mas sem protagonismos,
reservando o papel principal para
o irmão, o também setembrista José
da Silva Passos.
A partir de 1851, a Regeneração
inicia o processo de paciÆcação
nacional, tendo em vista o desen-
volvimento do País, adiado pela
instabilidade política instalada des-
de o início do século XIX. Passos
Manuel continuou a atividade polí-
tica como deputado, sem o fulgor
dos tempos passados, condicionado
pela doença e por uma época muito
diferente daquela em que se nota-
bilizou. Em 17 de fevereiro de 1858,
usou da palavra pela última vez no
Parlamento e quatro anos depois, a
18 de janeiro de 1862, faleceu em sua
casa, em Santarém. O liberalismo
perdera um dos seus vultos mais
emblemáticos.
(Consultar também o texto
de Maria do Carmo Serén,
“O Vintismo na formação de uma
esquerda liberal” no Público de
19 de Setembro ou em https://
www.publico.pt/2020/08/19/
culturaipsilon/ensaio/passos-
manuel-vintismo-formacao-
esquerda-liberal-1928441)

TELEVISÃO
Cinema
O Estranho Caso de Benjamin
Button
Cinemundo, 14h10
A partir do conto de F. Scott
Fitzgerald, David Fincher Ælma a
peculiar história de vida de um
homem que nasce com 80 anos e
vai regredindo na idade. Recebeu
13 nomeações para os Óscares;
ganhou três. Para além de Brad
Pitt como protagonista, conta com
actuações de Cate Blanchett, Tilda
Swinton, Taraji P. Henson, Julia
Ormond, Jason Flemyng e Elias
Koteas.
Cinema
O Padrinho
Fox Movies, 22h30
Adaptado do romance de Mario
Puzo, é o primeiro de uma das
sagas de maior sucesso sobre os
meandros da máÆa
italo-americano. Um elenco
luxuoso — Marlon Brando, Al
Pacino, James Caan, Robert Duvall
— reuniu-se sob a direcção do
mestre Francis Ford Coppola e o
resultado foi uma obra-prima, que
ainda seria ampliÆcada pelas duas
sequelas (o segundo e o terceiro
capítulo passam amanhã e
domingo, à mesma hora). O
Padrinho arrecadou três dos 11
Óscares para que foi nomeado:
melhor Ælme, actor (Brando) e
argumento adaptado.
Cinema
A Pereira Brava
RTP2, 22h57
Apaixonado por literatura, Sinan
está determinado a ser um
escritor de sucesso. Mas uma
dívida do pai, destruído pelo vício
do jogo, adia o seu sonho uma vez
mais. A Pereira Brava é um drama
familiar de Nuri Bilge Ceylan.
Concorreu à Palma de Ouro em
Cannes, onde o realizador turco
tem um currículo assinalável.
Documentário
PJ Harvey: A Dog Called Money
TVCine Edition, 22h
O fotojornalista Seamus Murphy,
que colabora com PJ Harvey
desde 2008, levou-a em viagem
pelo Kosovo, o Afeganistão e
Washington, D.C. (EUA) — uma
experiência que inspiraria o
álbum The Hope Six Demolition
Project (2016). A própria gravação
do disco, um processo aberto ao
público como parte de uma
instalação de arte na londrina
Somerset House, foi também
Ælmada por Murphy. Este
documentário junta as viagens e a
produção do disco, alternando
livremente entre os dois. O Ælme
EM DESTAQUE
Exposição
O futuro segundo Olafur Eliasson
O Teu/Nosso Futuro É agora é a
primeira exposição individual
do artista dinamarquês-islandês
em Portugal, ocupando
Serralves com as suas peças em
grande escala. Olafur Eliasson
tem-se destacado não só pela
dimensão das suas esculturas e
instalações, mas também pelos
temas que aborda, como a
conjugação de cor e luz e a
natureza como construção,
usando elementos como a água
ou a temperatura. As suas
obras conseguem ser sensoriais
e interactivas, mesmo quando
fora do nosso alcance. Já
passou pela Bienal de Veneza,
Nova Iorque, Versalhes e,
recentemente, pela britânica
Tate Modern, com a
bem-sucedida exposição In
Real Life. À fundação
Ópera
Jardins operáticos
O Óperafest Lisboa 2020 — um
festival que quer proporcionar
“a emoção da ópera para
todos”, segundo a directora
Catarina Molder — traz tanto os
clássicos operáticos, como
lirismo de vanguarda. Tosca, de
Puccini, abre o festival, que
continua com a Gala de Ópera
Surpresa com Rodrigo Porras
Garulo e Francisco Sassetti (dia
25 de Agosto) e uma Rave
Operática (dia 5 de Setembro),
uma maratona que se desdobra
faz parte do especial O Poder da
Música, que termina na próxima
sexta-feira com Bruce Springsteen
em Western Stars.
Desporto
Futebol: Sevilha x Inter Milão
SIC, 19h55
Directo. O Sevilha e o Inter Milão
defrontram-se na Ænal da Liga
Europa, no RheinEnergie Stadion,
em Colónia. Apesar da
assiduidade e do palmarés de
ambas as equipas — a espanhola
conta cinco vitórias, a italiana,
três —, esta é a primeira vez que se
encontram em campo na
competição europeia.
Programação em
www.lazer.publico.pt/GuiaTv.
portuense traz obras inéditas,
que jogam com a arquitectura
do local, projectada por Siza
Vieira. Acessível no Parque e no
Museu de Serralves, a
exposição pode ser vista até 27
CINEMA EM ESTREIA
O Rei de Staten Island
De Judd Apatow. Com Pamela
Adlon, Pete Davidson, Marisa
Tomei. EUA. 2020. 136m.
Comédia Dramática. M14.
Scott nunca superou a morte do
pai, num incêndio. Tudo muda ao
saber que a mãe está numa
relação com um homem que é
bombeiro, tal como o seu pai.
Museu
De Alonso Ruizpalacios. Com
Gael García Bernal, Simon
Russell Beale, Lynn Gilmartin.
MEX. 2018. 128m. Drama. M14.
Juan e Benjamín roubam do
Museu Nacional de Antropologia
Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020 • 41
de Setembro — de segunda a
sexta, das 10h às 19h; e sábado,
domingo e feriados, das 10h às
20h. O acesso ao Museu e
Parque custa 20€ (com
descontos).
em quatro dias (30 e 31 de
Agosto; 3 e 4 de Setembro) e
Cine-Ópera, que exibe versões
cinematográÆcas de récitas
emblemáticas. O festival começa
hoje e dura até 11 de Setembro,
passando pelos jardins do
Museu Nacional de Arte Antiga e
Carpintarias de São Lázaro. Os
espectáculos decorrem às 21h30
e os bilhetes custam entre 8€ e
50€. O programa completo
pode ser visto em www.
operafestlisboa.com.
da Cidade do México artefactos
valiosos. As autoridades vão fazer
tudo para os encontrar.
Adam
De Maryam Touzani. Com Lubna
Azabal, Nisrin Erradi, Douae
Belkhaouda. FRA/BEL/Marrocos.
2019. 98m. Drama. M12.
Abla, viúva, cuida sozinha da
Ælha. Fazem e vendem pão e bolos
para ganhar a vida. Um dia,
chega-lhes à porta uma jovem
grávida desesperada.
Honeyland — A Terra do Mel
De Tamara Kotevska, Ljubomir
Stefanov. Macedónia. 2019. 89m.
Documentário. M12.
Hatidze Muratova é a última
caçadora de abelhas da Europa.
Leva a sério a principal regra da
apicultura: retirar só metade do
mel da colmeia, para respeitar o
equilíbrio da natureza.
A Troca das Princesas
De Marc Dugain. Com Lambert
Wilson, Anamaria Vartolomei,
Olivier Gourmet, Catherine
Mouchet. GB/FRA/BEL. 2017.
100m. Drama, Histórico. M12.
A troca das princesas orquestrada
em 1721 por Filipe II é o foco deste
Ælme histórico baseado no
romance de Chantal Thomas.
Força da Natureza
De Michael Polish. Com Emile
Hirsch, Mel Gibson, David Zayas,
Kate Bosworth. EUA. 2020. 91m.
Drama, Acção. M12.
Um furacão ameaça Porto Rico,
Um bando de ladrões planeia
recuperar dinheiro escondido.
Um ex-polícia sedento de acção
mete-se no caminho.
Alice, Nova Iorque e Outras
Histórias
De Tiago Durão. Com Sofia
Mirpuri, Naomi Livingstone, Troy
Tripicchio, Madalena Mantua,
José Medeiros. EUA/POR. 2019.
120m. Comédia Dramática. M12.
Grávida do namorado que morreu
e sentindo-se perdida, Alice toma
uma decisão inesperada: começar
tudo de novo em Nova Iorque.
Eu ainda Acredito
De Andrew Erwin, Jon Erwin.
Com Britt Robertson, K.J. Apa,
Melissa Roxburgh, Gary Sinise.
EUA. 2020. 115m. Drama,
Romance, Musical. M12.
A história de amor entre Jeremy
Camp, multipremiado músico de
rock cristão, e a mulher, face a um
terrível diagnóstico.
O Segredo: Atreve-te a Sonhar
De Andy Tennant. Com Katie
Holmes, Josh Lucas, Jerry
O’Connell, Celia Weston. EUA.
2020. 107m. Drama, Romance.
M12.
Desde a morte do marido que
Miranda é uma mulher descrente
e focada apenas nos Ælhos. Mas
está prestes a cruzar-se com Bray,
a personiÆcação do optimismo.
Fellini 8 ½
De Federico Fellini. Com
Marcello Mastroianni, Anouk
Aimée, Claudia Cardinale. ITA.
1963. 114m. Drama. M16.
Guido é um realizador em crise de
inspiração, a quem aparecem
fantasmas: familiares, actores,
produtores, críticos. São eles a
levá-lo a recomeçar a Ælmar.
Programação em
www.cinecartaz.publico.pt
42 • Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020

Jogue também online.

Palavras-cruzadas,
bridge e sudoku em
www.publico.pt/jogos

CRUZADAS 11.076 TEMPO PARA HOJE

Horizontais: 1. País africano onde ocor- Verticais: 1. Redução de maior. Unidade
reu um golpe de Estado que conduziu à monetária do Bangladesh. O mantra mais
detenção do Presidente e do primeiro- importante do Hinduísmo e outras reli-
ministro. Corredor que alguns navios têm giões. 2. Avenida (abrev.). Fechou portas Viana do Bragança
à popa. (Náutica) 2. Criar ovos. Misturado e fez soar o alarme num underground Castelo 13º 25º
ou preparado com ópio. 3. Designação preso por fios. 3. Pequena peça de vidro 14º 23º
Braga
extensiva a umas árvores tropicais, da muito fino usada para cobrir preparações
13º 23º Vila Real
família das Meliáceas, cuja madeira é para observação ao microscópio.
muito apreciada em marcenaria. Disk Trabalho literário, científico ou artístico. 18º Porto 13º 24º
Operating System. 4. «A abelha-mestra 4. Cheio de ira. Depressão que traz chuva 14º 24º
não tem (...) e se a tem pouca e depres- e agitação marítima a Portugal. 5. Gran
sa». «A» + «o». 5. Caule. Bafejar. 6. Turismo. Tens a natureza de. 6. Daniel (...), Viseu
2-3m 13º 23º Guarda
Rebordo do chapéu. Los Angeles. Sódio poeta e dramaturgo, disse ao Público Aveiro
(s.q.). 7. Abreviatura de knock-out. Vítor “Sou uma jóinha dum moço”. Pancada 13º 20º
16º 24º Penhas
(...), novo chefe de gabinete de António dos equídeos com as patas traseiras. 7.
Douradas
Costa. 8. Grupo circular de ilhas de coral. Haste horizontal da charrua. Interjeição
Coimbra 12º 19º
Quadril. 9. Purificar por lavagem. Modo que serve para chamar ou saudar. Rádio
de dizer. 10. Papão. Ondulação forte do (s.q.). 8. Graceja. Limalha. Variante do 15º 26º
Castelo
mar, própria da costa ocidental da África. pronome “o”. 9. Que ou aquele que dá. Branco
11. Que vai em meio. Sufixo (agente). Elemento de formação de palavras que Leiria 17º 29º
exprime a ideia de entre. 10. Passado.
17º 25º
Autoridade Nacional de Comunicações.
11. Exposição. Condutor de palanquim,
na Índia (Norte). Santarém
Portalegre
17º 29º
Solução do problema anterior: 17º 27º
Horizontais: 1. POP. Pintada. 2. Stone. Cis. 3. Maior. Trás. 4. Pl. Eco. Oc. Lisboa
5. Omaso. Loira. 6. Suma. Se. Aar. 7. Ode. Cair. Bi. 8. Escritores. 9. An. Ri. Oral. 19º 28º
10. Jacinda. Par. 11. Doar. Fase.
Verticais: 1. Pomposo. Ajo. 2. Almudena. 3. Psi. Ames. CD. 4. Toesa. Crio. Setúbal
5. Porco. Crina. 6. In. Sai. Dr. 7. Net. Leitoa. 8. Roo. Ror. 9. Acácia. Rapa. 19º 29º Évora
10. Dis. Rabelas. 11. As. Paris. Re. 19º 31º
AMANHÃ

19º Beja
BRIDGE SUDOKU Sines
19º 26º
19º 31º

Dador: Sul de que perca apenas duas copas e um Problema 2-2,5m

Vul: Todos ouro. Para isso deve simplesmente bal-
dar Dama de paus num ouro apurado. 9926
Sagres
NORTE
Tudo o que é necessário fazer é recuar Dificuldade: 19º 27º
Faro
duas vezes o Ás de copas do morto!
Ƅ KJ6 O jogador em Este ficará privado de ter
Fácil 19º 30º
Ɔ A85 20º
a mão, e por isso não conseguirá fazer
Ƈ AK76 o ataque mortal a paus. Quando a ter- 1m
ƅ 953 ceira volta de copas for jogada, conse- Açores
guiremos cortar por cima de Este, des- Corvo
trunfar e tentar a passagem a ouros. Graciosa
Terceira
OESTE ESTE Como a Dama está em Este, iremos Solução do Flores
Ƅ- Ƅ 8752 perder essa vaza mas, tomaremos de S. Jorge 21º 25º
problema 9924 18º 26º
Ɔ KQJ109743 Ɔ- imediato o Ás de paus sobre o ataque
24º
Ƈ 93 Ƈ Q854 que dai virá, e encaixamos as três vazas 24º Pico
ƅ K64 ƅ J10872 de ouros para a balda da Dama de paus.
1,5-2m
Seis copas, três ouros e um pau somam Faial
as dez vazas que completam o contra- 20º 26º
1,5-2m S. Miguel
to.
SUL 21º 26º
Ƅ AQ10943 Considere o seguinte leilão: Ponta
Ɔ 62 Oeste Norte Este Sul
23º Delgada
Ƈ J102 1Ɔ 1Ƅ 2Ɔ 1,5-2m
0,5-1m
ƅ AQ passo passo 2Ƅ ? Madeira Sta Maria

O que marcaria, com a mão seguinte? Porto Santo

Problema
Ƅ76 ƆJ103 ƇAQ32 ƅK432 22º 27º
9927 24º
Oeste Norte Este Sul Resposta: Desta vez temos um novo in- Dificuldade:
1Ƅ grediente: estamos máximos e sabe-
4Ɔ 4Ƅ Todos passam mos que a maioria dos pontos se en-
Muito Difícil Funchal
0,5m
1m 23º 28º
contram na nossa linha. Marcar três co- 24º
Leilão: Equipas ou partida livre. pas é lógico, mas deixamos de parte a
possibilidade de jogar este contrato Sol Lua Crescente
Carteio: Saída: KƆ. Qual o seu plano de dobrado, caso o parceiro tenha bons
jogo? valores defensivos também. A voz cor- Nascente 6h56
Solução: Um carteador incauto jogará recta é o dobre. Poente 20h22 25 Ago. 18h58
Solução do
de imediato o Ás de copas do morto, problema 9925
depressa se aperceberá do pesadelo
em que se meteu assim que Este cortar Marés
e colocar um pau na mesa. Já não con-
seguirá evitar a perda de duas copas, o Leixões Cascais Faro
Rei de paus e a Dama de ouros.
Há que reflectir antes de jogar a primei- Preia-mar 05h13 3,5 04h49 3,5 04h56 3,4
ra carta do morto. 17h30 3,8 17h07 3,8 17h16 3,7
O leilão deixa bem claro que Oeste de-
verá ter oito cartas de copas e que a pri- Baixa-mar 11h13 0,4 10h47 0,6 10h43 0,4
meira vaza pode muito bem ser cortada 23h45 0,3 23h20 0,5 23h11 0,3
por Este. Contudo, um carteador pru- João Fanha (bridgepublico@gmail.com
dente pode assegurar esta partida des- e fanhabridge.pt) © Alastair Chisholm 2008 and www.indigopuzzles.com Fonte: www.AccuWeather.com
 Público • Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020 • 43

QUESTIONÁRIO DE PROUST
“Anseio por ser sereno”
FRANCISCO ROMÃO PEREIRA
Qual a sua ideia de felicidade
perfeita?
Não tenho qualquer ideia de
felicidade plena porque ela não
existe. Mas temos algumas belas
miragens.
Qual é o seu maior medo?
Está por descobrir.
Na sua personalidade, que
característica mais o irrita?
Ser ansioso.
E qual o traço de personalidade
que mais o irrita nos outros?
A ignorância culposa.
Que pessoa viva mais admira?
Estou à espera de que ela morra
para ter a certeza.
Qual a sua maior
extravagância?
Em certos momentos, penso que
é a sanidade mental.
Qual o seu estado de espírito
neste momento?
Depende de quantas perguntas
faltam.
Qual a virtude que pensa estar
sobrevalorizada?
A alegria circense, que se usa
socialmente.
Em que ocasiões mente?
Num questionário de Proust,
obviamente.
O que menos gosta na sua
aparência física?
O meu pâncreas não é muito
apetitoso.

Afonso
Entre as pessoas vivas, qual a
que mais despreza? insultasse quem o ouve. O que considera ser o cúmulo Com aquele guarda que se
A resposta é demasiado óbvia: Jair Se pudesse mudar alguma coisa da miséria? esqueceu de fechar o portão

Messias Trump.
Qual a qualidade que mais
admira num homem?
A rectidão e a bondade.
E numa mulher?
A bondade e a rectidão.
Diga uma palavra — ou frase —
que usa com muita frequência.
“Estou farto disto.”
O quê ou quem é o maior amor
da sua vida?
Se amor signiÆca dedicação, a
escrita tem sido o maior.
Onde e quando se sente mais
feliz?
Nalguns momentos da escrita.
Que talento não tem e gostaria
de ter?
Gostava que o meu canto não
Reis Cabral
em si, o que é que seria?
A ansiedade, sem dúvida: anseio
por ser sereno.
O que considera ter sido a sua
maior realização?
Não foram os livros. É um assunto
O escritor premiado demasiado íntimo.
Se houvesse vida depois da
foi o último director morte, quem ou o quê gostaria
de ser?
por um dia do PÚBLICO. Eu próprio, menos os defeitos.
Onde prefere morar?
A escrita tem sido o Dizem que a lua Europa tem vistas
fabulosas. O pôr do Sol sobre
maior amor da sua vida. Júpiter deve ser memorável.
Qual o seu maior tesouro?
Isto “se o amor significa Uma caixinha de madeira selada
por Æta-cola. Pretendo um dia
dedicação” usá-la.
A inveja.
Qual a sua ocupação favorita?
Primeiro, ler. Depois, ler. Então,
caminhar.
A sua característica mais
marcante?
Ter interesse por tudo.
O que mais valoriza nos amigos?
A intimidade.
Quem são os seus escritores
favoritos?
Flutuo entre Steinbeck e Tolstói.
Mas não tenho um favorito e nem
sempre estes ocupam o pódio.
Quem é o seu herói de ficção?
Na infância, por estranho que
pareça, era Arsène Lupin.
Com que figura histórica mais
se identifica?
aquando do cerco otomano a
Constantinopla, em 1453.
Quem são os seus heróis na vida
real?
Heróis? Eles andam por aí?
Quais os nomes próprios de que
mais gosta?
Não são certamente Urraca e
Zagúncio.
Qual o seu maior
arrependimento?
Espero que ainda esteja por vir.
Como gostaria de morrer?
Em vez de morrer, preferia de
repente estar morto.
Qual o seu lema de vida?
É essencial para mim
e uso o todos os d
uso-o as
dias:
Sexta-feira, 21 de Agosto de 2020

BARTOON LUÍS AFONSO

CONSOANTE MUDA

Joe Biden e o passado do futuro

de pormenores, incluindo a relação
com a mãe e com o resto da família,
com o dinheiro, com a carreira, as
antigas relações, os futuros filhos e
por aí afora. A atitude era a de quem
fazia um daqueles inquéritos com
Rui Tavares
a responder a essa pergunta. Center, o George W. Bush (sim, o espera, pode ser que as coisas
Imagine-se que no fim do seu presidente vai ser ele) vai invadir o melhorem! O favorito para ganhar as
inquérito a candidata a cara-metade Afeganistão e depois o Iraque, que eleições em 2020 é o Joe Biden e…”
perguntava ao seu candidato a nem teve nada a ver com o assunto. É nesse momento que ela estuga
cara-metade “e para finalizar: onde Mas como a tua pergunta foi sobre o passo e se mete dentro de um táxi
te vês daqui a dez anos?”, e 2010, e antes que acabes de beber com a certeza de que fez bem em

A
nomeação oÆcial de Joe
Biden para candidato
democrático à Casa Branca,
esta semana, atirou-me para
abril de 2000, há mais de
vinte anos, quando
atravessei pela primeira vez o
Atlântico para um mês de trabalho
nos EUA. Entre as coisas que não
esqueci está um jantar sozinho,
acompanhado de um livro, em que
na mesa ao lado um casal se
dedicava àquela atividade tão
norte-americana do encontro
romântico, mas só aparentemente
amoroso, a que chamam “date”. Na
prática, aquilo que me foi distraindo
da leitura foi ir ouvindo a conversa
na mesa do lado e perceber que, no
fundo, aquilo se assemelhava mais a
uma entrevista de emprego do que
a uma possibilidade de namoro.
Com a diferença de que uma
entrevista de emprego não costuma
ser tão exaustiva.
Num primeiro momento, os
interessados respondiam ponto por
quadradinhos e cruzinhas,
acompanhados de enigmáticos
“hum-hum” ou abanando a cabeça
como quem diz "não sei se levas
grande pontuação por essa
resposta”.
Era abril de 2000, como disse, e
não fazíamos a mais pálida ideia do
que estava para vir. Ninguém
imaginaria que, chegando
novembro, as eleições presidenciais
nos EUA ficassem suspensas de um
punhado de votos na Florida e
acabassem por ser decididas pelo
Supremo Tribunal, que ignorou as
pretensões de Al Gore — mais
conhecido pelo seu ativismo
ambiental e contra as alterações
climáticas — e entregou as chaves da
Casa Branca a George W. Bush.
Ninguém imaginaria isso, nem nada
do que estava para vir.
Não sei se naquela época já era
hábito fazer-se nas entrevistas de
emprego a sacrossanta pergunta
“como se vê daqui a dez anos?”. Mas
para os efeitos desta crónica deu-me
para imaginar como seria se o meu
casal de disciplinados pombinhos
imaginemos que ele fazia uma longa esse copo de vinho à pressa, posso fugir. Aquele gajo era
pausa, respirava fundo, e tomado de dizer-te que em 2010 estes bancos completamente maluco, mas esta
uma espécie de vidência que aqui vês vão estar todos falidos de achar que o Joe Biden chega a
extralúcida, começava assim: e os EUA vão ter o seu primeiro presidente leva a palma. O Joe
“Queres mesmo saber? Olha, presidente negro.” Biden?! O Joe Biden teve 0,03% e
daqui a pouco mais de um ano Faz-se um silêncio 0,05% nas duas últimas primárias
aqueles dois edifícios ali ao fundo” — desconfortável. Ela começa a dizer em que participou…
onde estávamos havia uma “bem, vou então apanhar um t…” e O que quero dizer com este
visibilidade permanente, embora de ele interrompe: “e daqui a vinte exercício, para além de pretender
esguelha, sobre as Torres Gémeas — anos, queres saber onde me vejo provar mais uma vez que nem a
“já não vão estar de pé”. “Depois de daqui a vinte anos?”. Ela não tem imaginação mais fértil conseguiria
ter ignorado os relatórios de tempo de responder. “Em 2020 imaginar tudo o que aconteceu
segurança sobre o ataque terrorista vejo-me fechado em casa por causa desde aquela última campanha
que vai destruir o World Trade de uma pandemia global. O aborrecida de 2000? Talvez isto:
presidente Trump — sim, esse que se Joe Biden, ele que nas suas
Trump — vai chegar a sugerir que as muitas tentativas nunca esteve
pessoas se limpem do vírus, por perto de conseguir ser candidato
dentro do corpo, com lixívia, e ao presidencial, vier a ganhar, em boa
mesmo tempo ameaçar mandar a medida isso será porque uma
tropa para as ruas contra maioria de norte-americanos terá
Se Joe Biden vier a ganhar manifestantes, enquanto milícias
armadas invadem as entradas dos
saudades do tempo em que não
acontecia tanta coisa e esperará em
este ano, em boa medida congressos estaduais para protestar vão que votar em Joe Biden nos
isso será porque uma contra o uso de máscaras na rua.” traga de volta uma história menos
Infelizmente, antes que ele frenética. A vontade de que o
maioria esperará em comece a falar de 2030, ela faz uma mundo pare de dar solavancos é
vão que votar em Biden cruzinha mental no quadradinho do uma força poderosa. Veremos se é
nos traga de volta uma “maluquinho que vê demasiados
filmes” e prepara-se para sair. A
suficiente.

ponto a perguntas sobre todo o tipo da mesa ao lado se tivesse dedicado história menos frenética última coisa que o ouve dizer é “mas Historiador

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