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A reforma psiquiátrica no Brasil e no mundo

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Neste artigo, você poderá conferir todo o processo histórico de constituição da


reforma psiquiátrica e do movimento antimanicomial, desde suas primeiras
manifestações até as que resultaram em grandes mudanças no modelo de cuidado e
assistência à loucura. Para tanto, os principais tópicos do artigo são:

Reforma Psiquiátrica no Mundo


Reforma Psiquiátrica no Brasil

Cada tópico desse, está recheado de conteúdo para você se aproximar, estudar, revisar
sobre Reforma Psiquiátrica e o movimento antimanicomial.

Reforma Psiquiátrica no Mundo


Diante da realidade encontrada nos manicômios começaram a surgir críticas ao
modelo asilar e ao saber psiquiátrico tradicional. Essas, inicialmente, não se
dirigiam a existência da instituição, mas sim ao:

modo como ela funcionava;

a forma de tratamento;

a conduta dos profissionais e

o caráter de privação de liberdade.

As críticas aos manicômios resultaram em várias tentativas de reforma, entre elas:

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as Comunidades Terapêuticas Psiquiátricas (Inglaterra),
a Psicoterapia Institucional e Psiquiatria de Setor (França) e
a Psiquiatria Comunitária (Estados Unidos).

Comunidades Terapêuticas Psiquiátricas


Na metade da década de 1940 foi desenvolvida por Maxwell Jones a ideia de
comunidade terapêutica psiquiátrica na Unidade de Neurose Industrial, no Hospital
Belmont (depois chamada, de Unidade de Recuperação Social). Posteriormente em
1959, como unidade independente, veio a ser o Hospital Henderson.

Nesse espaço, que continha cerca de 100 leitos, buscava-se que a instituição se
configurasse como uma comunidade. Havia reuniões frequentes com os profissionais
e internos para discutir questões sobre o tratamento e utilizava-se de técnicas
educativas para propósitos construtivos.

Apesar da tentativa de mudança da instituição que asilava, essas comunidades não


questionavam o modelo asilar, ao contrário, criavam uma “bolha” ao redor
daqueles que estavam internados não os preparando para uma reinserção na
sociedade.

Psicoterapia Institucional e Psiquiatria de Setor


Já Psicoterapia Institucional foi um movimento liderado por François Tosquelles
iniciado no hospital psiquiátrico de Saint-Alban.

Para ir à feira os camponeses precisavam passar dentro do hospital e com isto, os


pacientes usavam esse momento para tentar vender o que produziam. Tosquelles
aproveitou e incentivou esse espaço aberto que já existia, estabelecendo um bar na
instituição, que funcionava como um ambiente de psicoterapia.

A Psicoterapia Institucional configurou-se, então, como uma tentativa de superação


da segregação, porém, seu líder considerava que a instituição era necessária. Ele
propunha assim, uma socialização do asilo, mas não necessariamente do asilado.

Posterior ao movimento da Psicoterapia Institucional e após a Segunda Guerra


Mundial, baseadas nas ideias do psiquiatra francês Lucien Bonnafé, surge a
Psiquiatria de Setor, que propunha:

transformações nas condições asilares;


resgatar o caráter terapêutico da psiquiatria e
contestar a instituição asilar como espaço terapêutico.

A ideia deste movimento era levar a psiquiatria para as comunidades, os setores,


criando serviços extra-hospitalares, tornando a assistência não mais exclusiva dos
hospitais e possibilitando a reinserção do paciente depois da internação. Contudo,

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apesar dessa mobilização dos setores, a Psiquiatria de Setor manteve o hospital no
mesmo lugar.

Psiquiatria Comunitária
Além das experiências europeias, nos Estados Unidos, deu-se a Psicoterapia
Comunitária (Psicoterapia Preventiva), tendo como seu principal teórico Gerald
Caplan.

Esta se constituiu como uma estratégia de programas de saúde na década de 1960 que
mudava o foco do tratamento das doenças mentais, para a prevenção destas. Sendo
que, para sua efetivação a ideia era buscar esforços para criação de modelos alternativos
às instituições hospitalares e incentivo a esses novos serviços, como também a redução
dos gastos com internações.

No entanto, o que foi percebido é que mesmo direcionando o foco para a prevenção e
não a cura, não ocorreu uma ruptura com o modelo manicomial. Assim, não
houve diminuição de internações nos hospitais americanos, ao contrário, observou-
se um aumento da internação de psicóticos.

As experiências das Comunidades Terapêuticas, da Psicoterapia Institucional,


Psiquiatria de Setor e Comunitária ofereceram contribuições a história da Reforma
Psiquiátrica, mas, foi na Itália que surgiram críticas a respeito da existência da
instituição asilar e um movimento de mudança.

Antipsiquiatria e desinstitucionalização
Na década de 1960, a crítica ao paradigma asilar teve, em Gorizia (Itália) a sua
primeira grande ruptura em relação à constituição da psiquiatria como saber sobre a
loucura. Essa ruptura teve como sustentação teórica a Antipsiquiatria inglesa, que
tinha como pressuposto básico o questionamento crítico da ciência psiquiátrica como
única detentora do saber sobre a doença mental, mais propriamente sobre a
esquizofrenia

A compreensão sobre a loucura não poderia se dar por intermédio das análises
reducionistas da psiquiatria, ao mesmo tempo que suas práticas, essencialmente
manicomiais, eram vistas como violentas.

Franco Basaglia, psiquiatra, nomeado diretor do Hospital de Goriza, transformou-o


primeiramente em uma comunidade terapêutica, tendo como referência o modelo
de Jones e, junto com outros psiquiatras, propôs a desarticulação do manicômio.

Basaglia acabou com medidas institucionais de repressão, buscou devolver a cidadania


aos doentes mentais e criou condições para trocas entre os profissionais e os pacientes.

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Contudo, foi no Hospital de Trieste (1971) que se iniciou de fato o processo de
desinstitucionalização, ocorrendo a abertura deste a comunidade e a reinvenção
do espaço como local de convivência social e de experiências culturais e educativas.

A vivência em Trieste demonstrou como era possível a desmontagem do


manicômio e como esta é uma forma muito mais ética e humana para tentativa de
compreensão da loucura.

Dessa forma, em 1978 na Itália é constituída a lei 180 que estabeleceu a abolição do
estatuto de periculosidade do doente mental e a proibição da construção de
novos hospitais psiquiátricos e novas internações.

Reforma Psiquiátrica no Brasil


Em 1808, ocorreu a chegada da família real portuguesa e seus súditos na cidade
do Rio de Janeiro. Com esse desembarque e instalação dos portugueses na cidade
brasileira, mudanças começaram a ocorrer no cenário, na economia e na cultura da
região para se adequar a corte.

Visando a modernização e a consolidação da nação como um país independente, os


ditos “loucos” passaram a ser vistos como a escória da sociedade, representando uma
ameaça à ordem pública. Sendo assim, não era bem visto para o país aqueles que
eram pobres ou apresentavam comportamentos agressivos e vagavam pelas ruas.

Portanto, como não havia tratamento para os doentes mentais no país, os ricos eram
mantidos escondidos nas casas e os pobres que perambulavam pelas ruas passaram a
ser trancafiados nos porões das Santas Casas de Misericórdia, onde viviam em
condições degradantes.

Em 1830, a recém-criada Sociedade de Medicina e Cirurgia lança uma nova palavra de


ordem: “aos loucos, o hospício”, protestando contra as condições dos pacientes nas
Santas Casas. E em 1841, Dom Pedro II assina, o decreto de criação do primeiro
hospício brasileiro, que recebeu seu nome e foi inaugurado em 1852.

Os pacientes que se encontravam até então, nas Santas Casas de Misericórdia são
transferidos para a primeira instituição psiquiátrica brasileira que tinha como base a
ideia do tratamento moral.

O Hospício Dom Pedro II, manteve-se vinculado a Santa Casa até 1890 (depois da
desvinculação renomeado Hospital Nacional dos Alienados). E logo nos primeiros anos
após a Proclamação da República ocorreu a implantação das primeiras Colônias de
Alienados, destinadas especificamente a pacientes homens indigentes.

As colônias de São Bento e Conde de Mesquita se constituíram como uma estratégia


para amenizar a superlotação do Hospital, e em uma tentativa de buscar, nas
práticas agrícolas, uma aceleração no processo de recuperação dos doentes.

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Depois de irregularidades administrativas e orçamentárias nas colônias e no hospital,
Juliano Moreira, psiquiatra brasileiro, foi nomeado em 1903, diretor do serviço
sanitário do Hospício Nacional de Alienados e da então Assistência Médico-Legal
de Alienado.

Ao assumir seu novo cargo, o psiquiatra iniciou algumas mudanças à instituição como:

a ampliação dos pavilhões


aquisição de novos equipamentos
instalou o laboratório de análises clínicas
implantou a técnica de punções lombares para elucidação diagnóstica
retirou as grades e aboliu a camisa-de-força.

Juliano Moreira, assim, atraiu vários jovens profissionais e fez do hospital uma
verdadeira escola de psiquiatria. Porém, as colônias e o hospital continuavam com
sua prática excludente.

Em 1923, a Fundação da Liga Brasileira de Higiene Mental tornou ainda mais forte o
movimento de higiene mental. “As palavras de ordem da Liga eram “controlar, tratar
e curar” e os fenômenos psíquicos eram vistos como produtos da raça ou do meio,
decorrentes de obscuros fatores biológicos ou orgânicos” (FONTE, 2013).

Somente em 1970, no contexto de reforma sanitária, que se teve início aqui no Brasil
discussões sobre a necessidade de humanizar o tratamento das pessoas com
transtornos mentais. Nesse momento, diversos setores da sociedade estavam
mobilizados em torno da redemocratização do país (período da ditadura militar).

Devido às péssimas condições de trabalho, inadequação do quadro de recursos


humanos, baixos salários e persistência do modelo manicomial, ocorre, em 1978, uma
crise na Divisão Nacional de Saúde Mental (DINSAM), órgão do Ministério da
Saúde então responsável pelas políticas de saúde mental e assim, surgiu o Movimento
dos Trabalhadores em Saúde Mental reivindicando mudanças:

denunciava as condições de tratamento dos hospitais


criticava o modelo manicomial e
inspirava-se nas ideias de Basaglia.

Em 1987, aconteceu o I e II Congresso do Movimento de Trabalhadores em Saúde


Mental, sendo que, este último foi marcado pelo início da Articulação Nacional da Luta
Antimanicomial e adoção do lema: “Por uma sociedade sem manicômios”.

Nesse mesmo período, houve a criação do primeiro Centro de Atenção Psicossocial no


país, na cidade de São Paulo, o CAPS Prof. Luiz da Rocha Cerqueira.

Diante do cenário de tentativa de mudanças na saúde mental, em 1989, o Deputado


Paulo Delgado apresentou no Congresso Nacional o Projeto de Lei 3.657/89, o qual
tramitou por 12 anos até ser aprovado, sendo que durante a tramitação sofreu
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alterações, que culminaram na pouca clareza sobre como se daria a criação das
estratégias extra-hospitalares. A Lei da Reforma Psiquiátrica, Lei 10.216 foi
promulgada em 06 de abril de 2001.

Um marco histórico para o setor de saúde mental, possibilitador de mudanças ao nível


do Ministério da Saúde, foi a Conferência Regional para a Reestruturação da
Assistência Psiquiátrica, realizada em Caracas, em 1990. Neste encontro, no qual o
Brasil foi representado e signatário, foi promulgado o documento final intitulado "
Declaração de Caracas”.

Na Declaração de Caracas, os países da América Latina comprometeram-se a:

promover a reestruturação da assistência psiquiátrica;


rever criticamente o papel hegemônico e centralizador do hospital psiquiátrico;
salvaguardar os direitos civis, a dignidade pessoal, os direitos humanos dos
usuários e
propiciar a sua permanência no meio comunitário.

Matérias relacionadas

+ Avaliação Psicológica: instrumentos

+ Grupoterapia: teoria e prática

Referências

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