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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE ODONTOLOGIA

BRUNA DE LIMA BITTENCOURT


TATIANA DE SOUZA NERY

FATORES ASSOCIADOS À EXPERIÊNCIA DE CÁRIE EM INDIVÍDUOS COM


ATIVIDADE DA DOENÇA

Porto Alegre
2019
BRUNA DE LIMA BITTENCOURT
TATIANA DE SOUZA NERY

FATORES ASSOCIADOS À EXPERIÊNCIA DE CÁRIE EM INDIVÍDUOS COM


ATIVIDADE DA DOENÇA

Trabalho de Conclusão de Curso,


apresentado à Faculdade de Odontologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
como requisito parcial para obtenção de título
de Cirurgiã-Dentista.

Orientador: Prof. Dra. Clarissa Fatturi Parolo

Porto Alegre
2019
BRUNA DE LIMA BITTENCOURT
TATIANA DE SOUZA NERY

FATORES ASSOCIADOS À EXPERIÊNCIA DE CÁRIE EM INDIVÍDUOS COM


ATIVIDADE DA DOENÇA

Trabalho de Conclusão de Curso,


apresentado à Faculdade de Odontologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
como requisito parcial para obtenção de título
de Cirurgiã-Dentista.

Orientador: Prof. Dra. Clarissa Fatturi Parolo

Porto Alegre, 12, julho de 2019.

_______________________________________________________

Prof. Dra. Clarissa Fatturi Parolo

________________________________________________________

Prof. Dra. Juliana Jobim Jardim

_________________________________________________________

MD Laís Daniela Ev
AGRADECIMENTOS

É com o coração cheio de amor e alegria que realizamos os nossos


agradecimentos. Gostaríamos de agradecer, primeiramente, a todas as pessoas que
de alguma forma contribuíram para que chegássemos até aqui e que nos deram força
para concluirmos esta etapa tão importante de nossas vidas.
Gostaríamos de agradecer, com muito carinho, às pessoas que mais nos
incentivaram para que esta etapa fosse concluída: os nossos pais. Eles que não
mediram esforços para que conseguíssemos realizar o nosso sonho. Às pessoas que
nos acompanharam nessa caminhada, como familiares, namorado e amigos,
gostaríamos de agradecer a compreensão pelas ausências e, principalmente, o apoio
incondicional. Não poderíamos deixar de agradecer aos presentes que a Odontologia
nos deu, através do nosso encontro de propósito e almas – as melhores pessoas que
poderíamos ter: Camila, Kymberlly e Maieli. Vocês foram fundamentais para tornar
essa jornada mais leve, tranquila, prazerosa e alegre.
Um agradecimento mais que especial à nossa orientadora Clarissa, que nos
orientou não só como professora, mas também como uma amiga que, certamente,
levaremos para a vida. Não nos deixou desanimar frente às dificuldades, estando
sempre com um sorriso confortante no rosto. Professora, fostes a nossa base ao longo
desse trabalho, que não durou apenas um semestre. Também fostes brilhante e
incontestável. Por isso, deixamos aqui o nosso muitíssimo obrigada, do fundo dos
nossos corações.
Também gostaríamos de agradecer à nossa banca: Juliana Jobim e Laís Ev.
Uma dupla que sempre admiramos muito durante toda a nossa trajetória e que ficamos
muito felizes por aceitarem contribuir com o nosso trabalho. Continuaremos nos
inspirando em vocês durante a vida.
Além disso, agradecemos ao setor de acolhimento pela paciência e ajuda na
busca pelos prontuários. Por fim, agradecemos a todos os professores da FO-UFRGS
pelo conhecimento transmitido e pela compreensão, pois essa conquista só foi
possível devido a participação de cada um durante a construção do nosso
aprendizado e crescimento pessoal.
RESUMO

A cárie dentária é uma doença altamente prevalente na população mundial. Em


estudos anteriores realizados na Faculdade de Odontologia da UFRGS, é possível
constatar que há grande recidiva da doença quando os pacientes recebem alta clínica.
Assim, um estudo observacional transversal a partir de dados obtidos pelos
prontuários de pacientes atendidos na Disciplina de Clínica Odontológica I da
Faculdade de Odontologia da UFRGS foi realizado. Foram avaliados os prontuários
dos pacientes com atividade de cárie atendidos e tratados no período de 2011 a 2015
que apresentavam dados salivares e microbiológicos registrados (n=68). A média e o
desvio padrão da idade dos pacientes estudados foi de 35,07 e ±13,5 em anos,
respectivamente. O mais jovem apresentava 18 anos e o mais velho 67 anos. A
maioria dos pacientes era do gênero feminino (65%), totalizando 44 mulheres e 24
homens. Foram analisados a influência dos dados demográficos, motivo da consulta,
dados socioeconômicos, índice de placa visível, índice de sangramento gengival,
dados dietéticos, dados salivares e microbiológicos, uso de produtos fluoretados e
hábitos de higiene oral reportados e sua relação com experiência de cárie. Os
resultados mostraram que o índice CPOD aumenta com o aumento da idade (Kruskal-
Wallis, p= 0,000). Não houve relação entre CPOD dos pacientes cárie ativos e a
contagem de microrganismos, dados salivares, dieta, higiene, acesso a flúor, IVS, IPV
e sangramento gengival (Kruskal-Wallis, p>0,05). A única variável associada a uma
elevada experiência de cárie foi a presença de mais de cinco lesões não cavitadas
ativas (Kruskal-Wallis, p=0,025). Dentro do grupo de pacientes cárie ativos, existe um
subgrupo com maior nível de doença que merece um cuidado diferenciado em relação
aos demais. Tal conhecimento pode levar ao refinamento do serviço de saúde
oferecido pela Faculdade de Odontologia da UFRGS no que diz respeito ao controle
da atividade cariogênica.

Palavras chave: Cárie Dentária. Causalidade. Grupos de risco.


ABSTRACT

Dental caries is a disease of high prevalence in the world population. In clinical studies
at the School of Dentistry of UFRGS, it is possible to verify that there is a high relapse
of the disease when the patients are submitted to clinical discharge. At the same time,
an observational cross-sectional study based on data obtained from the charts of
patients attended at the Discipline of Dental Clinic I in the Dentistry College of UFRGS.
The records of caries patients treated during the period of 2011 to 2015 were recorded,
with salivary and microbiological data recorded (n = 68). The mean and standard
deviation of the patient's age were 35.07 and ± 13.5 years, respectively. The youngest
patient was 18 years old and the oldest onde was 67 years old. The majority of the
patients were female (65%), totaling 44 women and 24 men. The influence of
demographic data, reason for the consultation, socioeconomic data, visible plaque
index, gingival bleeding index, dietary data, salivary and microbiological data, use of
fluoridated products, reported oral hygiene habits and their relationship with caries
experience were analyzed. The DMFT index increases with increasing age (Kruskal-
Wallis, p = 0.000). There was no relationship between DMFT of active caries patients
and counting of microorganisms, salivary data, diet, hygiene, access to fluoride, IVS,
IPV and gingival bleeding (Kruskal-Wallis, p> 0.05). The only variable associated with
a high caries experience was the presence of more than five active non-cavitated
lesions (Kruskal-Wallis, p = 0.025). Within the group of active caries patients, there is
a subgroup with a higher level of disease that deserves differentiated care in relation
to the others. Such knowledge may lead to the refinement of the health service offered
by the Faculty of Dentistry of UFRGS regarding the control of cariogenic activity.

Keywords: Dental caries. Causality. Risk groups.


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ATF – Aplicação Tópica de Flúor


COI – Clínica Odontológica I
CPOD UFRGS – Índice de Dentes Cariados Perdidos e Obturados utilizado na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
CPOD OMS – Índice de Dentes Cariados Perdidos e Obturados da Organização
Mundial da Saúde
CT – Capacidade Tampão
EGM – Estreptococos do Grupo Mutans
FA – Frequência Alimentar
FO-UFRGS – Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul
FS – Frequência de Sacarose
FSE – Fluxo Salivar Estimulado
FSER – Frequência de Sacarose Entre Refeições
IPV – Índice de Placa Visível
ISG – Índice de Sangramento Gengival
IVS – Índice de Vulnerabilidade Social
LABIM – Laboratório de Bioquímica e Microbiologia
LCA – Lesões Cavitadas Ativas
LCI – Lesões Cavitadas Inativas
LNCA – Lesões Não Cavitadas Ativas
LNCI – Lesões Não Cavitadas Inativas
UCF/mL – Unidades Formadoras de Colônia por mililitro de saliva
SUMÁRIO

1 REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................................. 8


1.1 Fatores determinantes proximais ............................................................... 8
1.1.1 Biofilme ........................................................................................................... 8
1.1.2 Exposição ou não a fluoretos ......................................................................... 9
1.1.3 Influência da saliva para a cárie ..................................................................... 9
1.2 Fatores determinantes distais ................................................................... 10
1.2.1 Autopercepção de saúde .............................................................................. 10
1.2.2 Dieta ............................................................................................................. 10
1.2.3 Higiene bucal ................................................................................................ 11
1.2.4 Nível socioeconômico cultural ...................................................................... 11
2 OBJETIVOS ................................................................................................. 13
2.1 Objetivo Geral ............................................................................................. 13
2.2 Objetivo Específico .................................................................................... 13
3 METODOLOGIA........................................................................................... 14
3.1 Local de origem e realização da pesquisa ............................................... 14
3.2 Aspectos éticos .......................................................................................... 14
3.3 Desenho experimental e coleta de dados ................................................ 14
3.4 Critérios de inclusão .................................................................................. 15
3.5 Análise estatística ...................................................................................... 15
4 RESULTADOS ............................................................................................. 17
5 DISCUSSÃO ................................................................................................ 29
6 CONCLUSÃO............................................................................................... 32
REFERÊNCIAS ............................................................................................ 33
ANEXO A – Aprovação Plataforma Brasil ................................................ 36
ANEXO B – Diário Alimentar ...................................................................... 37
ANEXO C – Ficha Clínica – Prontuário FO-UFRGS.................................. 39
ANEXO D – Termo de Confidencialidade ................................................. 47
8

1 REFERENCIAL TEÓRICO

A cárie dentária é uma doença altamente prevalente na população mundial;


estima-se que 95% da população já foi acometida por essa doença (KASSEBAUM et
al., 2017). A cárie dentária é resultado de um desequilíbrio homeostático causado pela
interação de um biofilme cariogênico formado sobre a estrutura dentária e uma dieta
cariogênica (KRASSE, 1998). Além disso, fatores como saliva, comportamento,
motivação, nível socioeconômico cultural, recursos e características do meio em que
o indivíduo vive também estão relacionados (BAELUM; HEIDMANN; NYVAD, 2006).
O termo “cárie dentária” é usado para descrever os sinais e sintomas de uma
dissolução química da superfície dentária causada por microrganismo (placa
bacteriana) (FEJERSKOV; NYVAD; KIDD, 2017). Quando esse processo de
desmineralização se sobressai ao processo de remineralização, em conformação com
outros fatores associados, resulta na lesão cariosa. Esta sequência de eventos é,
muitas vezes, referida como o processo de cárie, e implica na existência de um
processo de doença que ocorre de forma onipresente, porém seus sinais podem
permanecer ou na forma subclínica, em que não são visíveis clinicamente, ou podem
progredir e tornarem-se visíveis clinicamente (BAELUM; HEIDMANN; NYVAD, 2006).
Sobre as causas da doença cárie, podemos citar:

1.1 Fatores determinantes proximais

1.1.1 Biofilme

Para que a cárie dentária se manifeste, necessariamente, as bactérias devem


estar estruturadas em um biofilme. Essas bactérias podem ser encontradas
naturalmente no biofilme dentário, porém, em pH neutro ou mediante esparsas quedas
de pH, esses microrganismos são fracamente competitivos e estão presentes apenas
em uma pequena proporção, não sendo considerados clinicamente relevantes. Após
uma mudança ecológica dentro do ambiente do biofilme dentário impulsionada por
frequentes processos de fermentação de carboidratos advindos da dieta, há uma
alteração na comunidade microbiana. Dessa forma, há uma sucessão microbiana,
levando à mudança de um biofilme equilibrado com espécies de baixa cariogenicidade
9

para um de maior cariogenicidade, com espécies mais acidúricas e acidogênicas.


Como consequência, há um aumento da produção de ácidos orgânicos, causando
queda do pH do meio, levando o tecido duro dentário a sofrer uma perda mineral
(MARSH, 2003).
Historicamente, os microrganismos relacionados como marcadores da doença
cárie são os estreptococos do grupo mutans (EGM) (ZICKERT, 1982) e os
Lactobacillus spp. (CROSSNER, 1981). Os EGM geralmente estão associados com a
fase inicial da cárie e os Lactobacillus spp. com a progressão da doença. Esses
microrganismos têm a capacidade de crescer e produzir quantidades substanciais de
ácidos num pH baixo, cerca de 5,0 pH. Outros microrganismos que constituem a
grande maioria de número total de bactérias da placa, embora produzam grandes
quantidades de ácidos, nunca atingem o chamado nível crítico. O pH crítico é o nível
no qual a superfície dentária é dissolvida em grau considerável, embora acredita-se
estar esse nível entre 5,3 e 5,7. Os valores considerados altos são > 1.000.000 S.
mutans e > 100.000 Lactobacillus spp. (KRASSE, 1988).

1.1.2 Exposição ou não a fluoretos

A escovação diária com dentifrício fluoretado é a principal razão para o declínio


da cárie observado em muitas populações desde a década de 1970 (NYVAD, 2017).
Dentifrícios fluoretados contendo pelo menos 1100 ppm F são considerados como um
dos principais responsáveis (TWETMAN, 2009), por isso, o flúor tem sido um método
altamente efetivo de prevenção e controle de cárie dentária (MARINHO, 2009). Uma
vez que, quando o flúor está presente de forma constante no meio bucal, cria-se um
ambiente supersaturado com fluorhidroxiapatita, que aumenta o pH crítico para
dissolução de esmalte (passa de 5,5 para 4,5) e de dentina (passa de 6,5 para 5,5).
Dessa forma, reduz o processo de desmineralização (CURY; TENUTA, 2008).

1.1.3 Influência da saliva para a cárie

A saliva tem contribuição importante na prevenção da cárie. Nela contém


minerais, especialmente cálcio e fosfato, e tampões que neutralizam os ácidos
produzidos pelas bactérias, inibindo a desmineralização dos tecidos dentários e
10

potencializando a remineralização. Além disso, também tem o efeito físico de lavar os


detritos das superfícies dos dentes (YIP; SMALES, 2012). Amostras de saliva (por
exemplo, saliva estimulada) podem ser rotineiramente usadas nos exames para
avaliar o risco de cárie. A baixa velocidade do fluxo salivar e a baixa capacidade
tampão levam à eliminação reduzida dos microrganismos e restos alimentares, o que
prejudica a neutralização de ácidos e reduz a tendência à remineralização das lesões
iniciais do esmalte. As consequências de deficiências salivares podem ser facilmente
observadas em pacientes com doenças sistêmicas, como Síndrome de Sjögren ou
após radioterapia de cabeça e pescoço. Nessas situações, é comum ocorrer a
evolução de cárie rampante pela diminuição do fluxo salivar. Um fluxo salivar
considerado normal apresenta valores iguais ou maiores que 0.7mL de saliva por
minuto (KRASSE, 1988). Além disso, quando a saliva está exercendo seu efeito
remineralizador natural (quando cessa o desafio cariogênico), a disponibilidade do
flúor no meio bucal ativa a remineralização (CURY; TENUTA, 2008).

1.2 Fatores determinantes distais

1.2.1 Autopercepção de saúde

De acordo com Fontana (2011), uma pior percepção de saúde dos cuidadores
em relação à condição de saúde bucal das crianças está relacionada a um aumento
do risco de cárie. Compreender a maneira como o paciente percebe sua saúde bucal
pode ter impacto no acompanhamento dos casos de pacientes cárie ativos.

1.2.2 Dieta

A dieta é um dos principais fatores no desenvolvimento da cárie dentária, sendo


uma avaliação dietética parte fundamental no controle da atividade cariogênica. Os
microrganismos do biofilme metabolizam os carboidratos da dieta levando à produção
de ácidos. Quando há excesso de carboidratos disponíveis, pode ocorrer o
armazenamento intracelular de polissacarídeos (Polissacarídeos Intracelulares – PIC)
que podem ser utilizados pelas bactérias em momentos de escassez de nutrientes.
Dentre os carboidratos, a sacarose é considerada o mais cariogênico, pois, além de
11

ser facilmente metabolizado pelas bactérias orais, serve de substrato para formação
de polissacarídeos extracelulares e intracelulares (PEC e PIC). Os EGM degradam a
sacarose, formando o PEC, que torna o biofilme mais pegajoso e firmemente aderido.
A exposição frequente à sacarose tem como consequência a formação de um biofilme
mais virulento, com aumento de bactérias cariogênicas, mais aderido, com maior
porosidade e com menor concentração de íons F, Ca e P (CCAHUANA-VÁSQUEZ et
al., 2007).
Na prática clínica da FO-UFRGS, utilizamos o “diário alimentar” para avaliar o
conteúdo da dieta e sua frequência. A frequência alimentar, frequência de sacarose e
frequência de sacarose entre as refeições são variáveis que podem ser coletadas a
partir da análise do diário alimentar de três dias, realizado pelo paciente. Quanto maior
a frequência de consumo de sacarose entre refeições, maior a perda mineral
esperada. (CURY; REBELLO; DEL BEL CURY, 1997).

1.2.3 Higiene bucal

Para que haja sucesso tanto na prevenção e na terapia da doença cárie, torna-
se indispensável o controle do biofilme dentário supragengival realizado pelo paciente,
por meio da sua remoção mecânica durante a escovação dentária com dentifrício
fluoretado e uso do fio dental (PEDRAZZI et al., 2008). A escovação deve ser realizada
regularmente ao menos uma vez ao dia (TREASURE et al., 2001) para pacientes que
são considerados cárie inativos, com dentifrício fluoretado. Contudo, cabe salientar
que a qualidade, mais do que a frequência de escovação, parece crucial no controle
das doenças bucais, o que significa que escovar os dentes cuidadosamente uma vez
ao dia é melhor do que escovar várias vezes ao dia de forma negligente (NYVAD;
KIDD, 2017).

1.2.4 Nível socioeconômico cultural

Os hábitos alimentares e a saúde estão relacionados com a renda, instrução e


ambiente social do indivíduo (HAUSEN; BAELUM, 2017). Nos países industrializados,
indivíduos com baixa escolaridade e nível socioeconômico tendem a ter mais lesões
cariosas do que pessoas com alto nível socioeconômico. Portanto, pode ser útil
12

considerar o contexto social dos pacientes como parte natural do seu histórico
dentário ao avaliar o risco de cárie (YIP; SMALES, 2012).
Por fim, em função da natureza multifatorial do processo de cárie e do fato de
que a doença é muito dinâmica, estudos sobre avaliação de risco tendem a ser
complexos, com uma infinidade de variáveis desafiando a previsão em diferentes
momentos da vida (TWETMAN; FONTANA, 2009). Prevê-se, portanto, uma
dificuldade maior em tratá-la, uma vez que envolve fatores de difícil manejo pelo
Cirurgião-Dentista na prática clínica. Além disso, em estudos anteriores realizados na
Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, foi possível
constatar que há grande recidiva da doença quando os pacientes recebem alta clínica
(ALBERTON, 2016; DEMORE, 2016). Desse modo, podemos observar que não
estamos conseguindo controlar a cárie de maneira efetiva, o que justifica o presente
estudo. Então, torna-se necessário um aprofundamento dos estudos de fatores
associados à doença cárie nesta população para que possamos compreender a
importância e a magnitude de cada um no processo e, assim, direcionar a melhor
estratégia de tratamento.
13

2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo Geral

O objetivo da pesquisa é identificar os possíveis fatores associados à cárie


dentária em população de adultos com doença ativa.

2.2 Objetivo Específico

Avaliar se o tratamento ofertado durante o atendimento odontológico dos


pacientes da Clínica Odontológica I foi adequado para o manejo da atividade
cariogênica.
14

3 METODOLOGIA

3.1 Local de origem e realização da pesquisa

O presente estudo foi realizado nas dependências do Laboratório de


Bioquímica e Microbiologia Bucais (LABIM) e do Setor de Acolhimento da Faculdade
de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

3.2 Aspectos éticos

O presente estudo foi aprovado pela Comissão de Pesquisa da Faculdade de


Odontologia (projeto número 35313) e pelo Comitê de Ética da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (CAAE 97243318.2.0000.5347) (Anexo A). Os pesquisadores
assinaram um termo responsabilizando-se pela manutenção da confidencialidade dos
dados coletados a partir dos prontuários analisados (Anexo B).

3.3 Desenho experimental e coleta de dados

O estudo se caracteriza por ser um estudo observacional transversal de dados


de prontuários da Faculdade de Odontologia da UFRGS. Pacientes atendidos na
Disciplina de Clínica Odontológica I, que apresentaram exames microbiológicos e
salivares realizados pelo Laboratório de Bioquímica e Microbiologia Bucais (LABIM),
no período de 2011 a 2015, compreendiam a população alvo do estudo (Figura1).
Dados dos registros do LABIM foram consultados para identificação dos prontuários
dos pacientes elegíveis (n=230). Como rotina da disciplina, todos os pacientes com
atividade de cárie – que possuíam pelo menos uma lesão de cárie ativa – em
atendimento realizavam a coleta de saliva para análises microbiológicas e salivares.
Dos prontuários identificados (n=68), foram extraídos dados demográficos (idade,
gênero), dados socioeconômicos (bairro da residência), motivo da consulta, número
de faltas no semestre, dados de saúde geral, índice de placa visível (IPV), índice de
sangramento gengival (ISG), diário alimentar, fluxo salivar estimulado (FSE), pH e
capacidade tampão da saliva, contagens de microrganismos cariogênicos (EGM e
Lactobacillus spp.), uso de produtos fluoretados (ATF, dentifrício e uso de
15

enxaguatórios), hábitos de higiene oral reportados (frequência de escovação e


frequência de uso de fio dental), severidade/extensão, atividade das lesões cariosas
e dentes perdidos e restaurados por cárie (presença de LNCA, LCA e LCI, CPOD e
CPOS).
A partir do diário alimentar, foram calculados os dados de frequência alimentar
(FA), frequência de ingestão de sacarose (FS) e frequência de ingestão de sacarose
entre refeições (FSER). A partir do bairro de residência, foi possível obter o Índice de
Vulnerabilidade Social (IVS), segundo dados da PROCEMPA de georreferenciamento
para região metropolitana de Porto Alegre. Nesse índice, os bairros são categorizados
de 0 a 1, desde os mais vulneráveis até os menos vulneráveis (valores de IVS
próximos de 1) (PROCEMPA, 2007).

3.4 Critérios de inclusão

Foram considerados elegíveis para a pesquisa todos os pacientes atendidos


na Clínica Odontológica I que apresentaram exames microbiológicos e salivares
realizados pelo Laboratório de Bioquímica e Microbiologia Bucais (LABIM), no período
de 2011 a 2015.

3.5 Análise estatística

Gráficos de histograma e testes de Kolmogorov-Smirnof foram realizados para


avaliação da normalidade dos dados estudados. As variáveis com distribuição não
paramétrica foram transformadas em Log10 (contagem de EGM e contagem de
Lactobacillus spp. na saliva) para normalização do dado. A correlação entre as
variáveis dependentes e experiência de cárie foram avaliados através de gráficos de
dispersão e correlação de Spearman. A análise da influência dos dados demográficos
(idade, gênero), motivo da consulta, dados socioeconômicos (bairro da residência),
índice de placa visível (IPV), índice de sangramento gengival (ISG), frequência
alimentar (FA), frequência de ingestão de sacarose (FS), frequência de ingestão de
sacarose entre refeições (FSER), fluxo salivar estimulado (FSE), contagens de
microrganismos cariogênicos (Estreptococos do grupo mutans – EGM e Lactobacillus
spp.), uso de produtos fluoretados (ATF, dentifrício e uso de enxaguatórios), hábitos
16

de saúde oral reportados (frequência de escovação e frequência uso de fio dental) na


experiência de cárie foi estudada a partir do teste de Kruskal-Wallis com teste Post
Hoc Mann Whitney. Regressão linear simples foi realizada entre idade e CPOD. Teste
não paramétrico de Wilcoxon foi utilizado para avaliar relação entre IPV e ISG inicial
e final. Nível de significância de 5% foi considerado na análise. Todas as análises
foram realizadas com o Software SPSS v.20.
17

4 RESULTADOS

A partir dos registros dos exames microbiológicos e salivares realizados no


Laboratório de Bioquímica e Microbiologia Bucais (LABIM) de 230 pacientes com
atividade de cárie atendidos na Disciplina de Clínica Odontológica I, da Faculdade de
Odontologia da UFRGS, no período de 2011 a 2015, buscou-se os prontuários dos
pacientes elegíveis para o estudo. Nesse período, era protocolo realizar exames
salivares em todos os pacientes cárie ativos. Mesmo havendo registro da realização
de exames microbiológicos e salivares, 162 pacientes não foram identificados devido
à falha no registro de informação. No banco de dados do LABIM havia apenas o
primeiro nome do paciente e o nome do aluno de graduação que o atendia, sem
nenhuma informação adicional quanto ao número de prontuário ou sobrenome do
paciente, impossibilitando a identificação desses documentos. Desta forma, 68
prontuários foram devidamente localizados e estudados (29,56% dos casos elegíveis),
conforme mostra o fluxograma da Figura 1.

Figura 1 – Flowchart da população alvo e coleta de dados

Dados LABIM

230 exames
microbiológicos e
salivares
Pacientes com atividade de cárie em atendimento na COI (2011 a 2015).

68 prontuários 162 pacientes não


identificados identificados
Falha no registro da informação.

Fonte: autor.
18

A média e o desvio padrão da idade dos pacientes estudados foi de 35,07 e


±13,5 em anos, respectivamente. O mais jovem apresentava 18 anos e o mais velho
67 anos. A maioria dos pacientes era do gênero feminino (65%), totalizando 44
mulheres e 24 homens. Além disso, o resultado deste estudo mostrou experiência de
cárie semelhante a quase todas as faixas etárias do que o apresentado nos dados da
região sul do Brasil do SB Brasil (BRASIL, 2010 apud BRASIL, 2012), com foco no
município de Porto Alegre. Na faixa etária de 15 a 19 anos, a média do CPOD OMS
do estudo foi de 4, enquanto a média do CPOD OMS do SB Brasil foi de 2,98. Na faixa
etária de 35 a 44 anos, a média do CPOD OMS do estudo foi de 13,36, enquanto a
média do CPOD OMS do SB Brasil foi de 13,71. Já na faixa etária de 65 a 74 anos, a
média do CPOD OMS do estudo foi de 21, enquanto a média do CPOD OMS do SB
Brasil foi de 24,34.
Os motivos que levaram os pacientes a procurar a Faculdade de Odontologia
da UFRGS para as consultas podem ser observados na Tabela 1. A maioria dos
pacientes procurou atendimento por necessidade de tratamento odontológico, como
realização de restaurações, próteses, remoção de cálculo, bruxismo, tratamentos
endodônticos e ortodônticos etc. Poucos apresentavam dor como motivo da sua
queixa principal.

Tabela 1 – Caracterização da amostra

*Média ± Desvio Padrão (mínimo; máximo)


**PROCEMPA, 2007 (exceção de 14 indivíduos)
Fonte: autor.
19

Na figura 2A, temos a distribuição do CPOD UFRGS (incluindo lesões não


cavitadas ativas) e do CPOD OMS, considerando apenas o componente cariado
cavitado. Observa-se que a inclusão de lesões não cavitadas representa um leve
aumento na mediana e quartis da distribuição do CPOD. Ao avaliar as lesões ativas
de cárie, observa-se que 11,76% paciente apresentam somente lesões não cavitadas
ativas, 55,88% apresentam lesões não cavitadas e cavitadas ativas e 32,35%
apresentam somente lesões cavitadas ativas. A distribuição do CPOD OMS em
função da faixa etária é apresentada na figura 2B. O índice CPOD aumenta com o
aumento da idade (Kruskal-Wallis, p= 0,000). A figura 2C mostra o gráfico de
dispersão entre idade e experiência de cárie. A cada ano há um acréscimo médio de
0,318 unidades de CPOD (regressão linear, equação da reta R2=0,48, b=0,318, p=
0,088).
20

Figura 2 – Relação entre CPOD e faixas etárias da população estudada

A B

Fonte: autor.
Legendas:
(A) Diagrama de mediana e quartis do CPOD UFRGS e o CPOD OMS.
(B) Diagrama de mediana e quartis do CPOD OMS dentro das faixas
etárias.
(C) Gráfico de dispersão da relação entre CPOD e idade.
21

Na figura 3A observa-se que a contagem de EGM na saliva é bastante variável,


sendo que contagens entre 3LOG e 5LOG foram mais comumente encontradas. Não
houve predominância de indivíduos com altas contagens de EGM (valor igual ou
superior a 106 UFC/ml de saliva). Apenas 38,23% (n=26) indivíduos apresentavam
contagens elevadas, mesmo sendo a amostra composta exclusivamente de pacientes
cárie ativos. Em relação às contagens de Lactobacillus spp. (figura 3A), 67,64% (n=46)
indivíduos apresentaram contagens elevadas de Lactobacillus spp. na saliva (valor
igual ou superior a 105 UFC/ml de saliva). Apesar de haver mais indivíduos com
contagens elevadas de Lactobacillus spp., a distribuição da contagem foi bastante
variável. Pacientes cárie ativos não possuem necessariamente contagens altas
desses microrganismos na saliva. Além disso, os gráficos (B) e (C), mostram que não
há relação entre experiência de cárie dos pacientes cárie ativos estudados e a
contagem de microrganismos (EGM e Lactobacillus spp).
Já na figura 4, pode-se observar a relação entre o pH (gráfico A), capacidade
tampão (gráfico B) e fluxo salivar (gráfico C) em relação ao CPOD. Não houve relação
entre experiência de cárie dos indivíduos cárie ativos e pH salivar, capacidade tampão
e fluxo salivar. O valor considerado normal de pH salivar seria de pH 7 ou superior.
Alguns indivíduos apresentavam pH 5 e pH 6. Nestes indivíduos, a experiência de
cárie foi bastante variável. Em relação à capacidade tampão, somente três indivíduos
apresentaram baixa capacidade tampão salivar, inferior a 4. Em relação ao fluxo
salivar, 29,41% (n=20) apresentavam fluxo inferior a 0,7mL/min.
22

Figura 3 – Análise dos aspectos microbiológicos da população estudada

A B C

Fonte: autor.
Legenda: (A) Diagrama de mediana e quartis da distribuição de EGM e Lactobacillus spp. na saliva.
(B) Gráfico de dispersão mostrando a relação entre as contagens de microrganismos EGM e o CPOD UFRGS.
(C) Gráfico de dispersão mostrando a relação entre as contagens de microrganismos Lactobacillus spp. e o CPOD UFRGS.
23

Figura 4 – Relação entre CPOD e dados salivares (pH, capacidade tampão e fluxo
salivar) da população estudada

Fonte: autor.

Fonte: autor.
24

Em relação às variáveis relacionadas à dieta (frequência de consumo de


sacarose e consumo de sacarose entre as refeições) podemos observar que não
existe relação com experiência de cárie na população estudada. Além disso, temos
uma distribuição bem heterogênea das frequências, como pode ser observado nos
gráficos 1 e 2. Cabe salientar que não tivemos acesso a 42,65% (n=29) desses dados,
pois os prontuários não tinham em anexo o diário alimentar, nem os dados registrados
na evolução do dia, resultando na variável com pior qualidade de coleta dentre todas
estudadas.

Figura 5 – Relação entre CPOD e dieta da população estudada

A B

Fonte: autor.
Legenda: (A) Gráfico de dispersão da relação entre frequência do consumo de sacarose e CPOD
UFRGS.
(B) Gráfico de dispersão da relação entre frequência de sacarose entre as refeições e CPOD
UFRGS.

Na figura 6 (gráfico A), conclui-se que a frequência de uso de fio dental, nessa
população, não representou menor experiência de cárie. Assim como no gráfico B, em
que não houve diferença no CPOD dos pacientes que faziam o uso ou não de
enxaguante bucal diariamente. Usar o enxaguante bucal apenas eventualmente não
esteve relacionado com menor CPOD. Já no gráfico C, percebe-se que houve
pacientes que não receberam Aplicação Tópica de Flúor (ATF) profissional durante o
tratamento no semestre na Clínica Odontológica I, apesar de possuírem lesões ativas
e maior experiência de cárie. A escovação dentária também não mostrou relação com
experiência de cárie, conforme gráfico D. Indivíduos que escovam mais vezes ao dia
não apresentam menor CPOD, assim como indivíduos com menor frequência de
25

escovação não apresentam maior CPOD. Nessa população, 39,70% (n=27)


escovavam duas vezes ou menos por dia.

Figura 6 – Análise dos hábitos de higiene oral e acesso a flúor na população estudada

A B

C D

Fonte: autor.
Legenda: (A) Diagrama de mediana e quartis do uso de fio dental e CPOD UFRGS.
(B) Diagrama de mediana e quartis do uso de enxaguante bucal e CPOD UFRGS.
(C) Diagrama de mediana e quartis de ATF e CPOD UFRGS.
(D) Gráfico de dispersão da relação entre frequência de escovação dentária e CPOD UFRGS.

Na figura 7, observa-se que não houve relação entre CPOD UFRGS e o Índice
de Vulnerabilidade Social (IVS) da amostra, devido a uma heterogeneidade entre os
resultados das duas variáveis. Os dados coletados (IVS) relacionam-se ao bairro da
26

cidade em que residem os pacientes e aos dados de georreferenciamento da


PROCEMPA, 2007.

Figura 7 – Distribuição do CPOD UFRGS e vulnerabilidade social da população


estudada

Fonte: autor.

Na figura 8, gráficos A e B, observa-se, respectivamente, que não há relação


entre experiência de cárie e índice de placa visível, bem como não há relação com
índice de sangramento gengival. Já o gráfico C, mostra que tanto o índice de placa
visível quanto o índice de sangramento gengival diminuíram na população estudada
após o tratamento na COI, com exceção de 9 pacientes (5 relacionado ao IPV e 4 ao
ISG). O IPV médio inicial foi de 31,08%, com desvio padrão de ±25,77, e o IPV médio
final foi de 10,76%, com desvio padrão de ±16,57. Já o ISG médio inicial apresentou
o valor de 34,15%, com desvio padrão de ±22,53, e o ISG médio final o valor de
15,59%, com desvio padrão de ±17,46. Houve diferença significativa entre o IPV
(p=0,000) e o ISG (p=0,000) final e inicial, através do teste não paramétrico de
Wilcoxon.
27

Figura 8 – Dados de controle de índice de placa e sangramento gengival


A B

Fonte: autor.
Legenda: (A) Relação entre CPOD UFRGS e índice de placa visível inicial.
(B) Relação entre CPOD UFRGS e índice de sangramento gengival inicial.
(C) Relação entre IPV e ISG antes e depois do tratamento na COI.
28

Ter mais de cinco lesões ativas não cavitadas está relacionado com maior
experiência de cárie (Kruskal-Wallis, p=0,025), conforme figura 9 (n=14). Porém, só
ter uma (Kruskal-Wallis, p=0,204) ou ter até três lesões não cavitadas ativas (Kruskal-
Wallis, p=0,690) não se relacionou com a experiência de cárie aumentada nessa
população.

Figura 9 – Mediana e quartis da relação entre a presença de mais de 5 LNCA e


CPOD

Fonte: autor.
29

5 DISCUSSÃO

A maioria dos pacientes da amostra deste estudo era do gênero feminino


(65%). No estudo de Lisbôa e Abegg, 2006, mulheres relataram visitar o dentista com
uma periodicidade maior que os homens, adotarem hábitos preventivos com maior
frequência e utilizarem mais os serviços preventivos e curativos.
Ao considerar as lesões não cavitadas na experiência de cárie da população,
houve um discreto aumento na mediana da distribuição de cárie em relação ao CPOD
da OMS. Houve relação entre experiência de cárie e idade (R2=0,482), o qual 48%
dos casos de incremento de novas lesões de cárie são explicados pelo aumento da
idade. Porém, há 62% de casos que são explicados por outras variáveis.
O indicador que esteve mais relacionado à experiência de cárie foi possuir mais
de cinco lesões não cavitadas ativas (p=0,025). A experiência passada de cárie é um
forte preditor de doença futura. A presença de restaurações recentes é um dos
maiores indicadores de risco de futuras lesões de cárie, o que mostra que apenas
tratar a lesão cirurgicamente não contribui para a redução do risco de cárie (ZERO et
al., 2001). Dessa maneira, julga-se necessário a identificação dos pacientes que
possuem mais de cinco LNCA, a fim de realizar um tratamento preventivo mais
minucioso para que não voltem posteriormente com novas lesões. Sendo assim, nota-
se a importância de seguir utilizando a inclusão de lesões não cavitadas ativas no
CPOD de pacientes atendidos nas Clínicas Odontológicas da FO-UFRGS, visto que
o índice da OMS não inclui esta classificação da lesão. Cabe ressaltar que todos os
pacientes cárie ativos devem ter o mesmo tratamento visando o controle dos fatores
etiológicos da doença. O que se propõe é um olhar diferenciado a esses pacientes
com maior carga de doença para mantê-los instruídos e motivados nos cuidados de
saúde bucal.
Sabe-se que a presença de biofilme acumulado ao longo do tempo é fator
etiológico primário para o desenvolvimento da lesão de cárie. Nesse sentido, tivemos
uma diferença estatisticamente significativa entre IPV (p=0,004) e o ISG (p=0,006)
antes e depois do tratamento realizado na Clínica I, ou seja, podemos observar que
as orientações de higiene feitas parecem ter sido eficientes. Além disso, se após as
instruções os pacientes conseguiram realizar a higiene a ponto de diminuir
30

consideravelmente o IPV e o ISG, uma hipótese seria de que o problema não está em
destreza manual, mas sim em motivação.
A não relação entre frequência de escovação dentária e experiência de cárie
pode ser reforçada pelo estudo de Cypriano et al., (2011), o qual apresentou o mesmo
resultado para tal associação. Escovar mais seguidamente os dentes não significa
automaticamente saúde bucal. Dessa maneira, abre-se uma discussão sobre a
qualidade de escovação, uma vez que essa não associação pode ser pelo fato ou de
o paciente higienizar os dentes de forma ineficiente, visto que todos tinham acesso ao
dentifrício fluoretado, ou de reportar uma frequência que não condiz com a realidade.
Em relação aos dados microbiológicos e salivares, não houve relação
estatisticamente significativa com índice de cárie. Isso nos leva a refletir sobre a
necessidade ou não da realização de tais exames para o diagnóstico e tratamento de
pacientes cárie ativos. Outros estudos corroboram com o achado, e concluem que a
avaliação de risco de cárie sem os testes microbiológicos e salivares não tem
diferença da avaliação com esses dados (PETSI et al., 2014; DOU et al., 2018).
As variáveis relacionadas à dieta, considerada fator chave para o
desenvolvimento de lesões, por ser dela que advém o substrato necessário para o
início do processo carioso, não mostraram relação com a experiência de cárie. No
entanto, muitas vezes por causa do preenchimento incorreto ou o curto período de
observação, o auto relato de ingestão obtido a partir de uma análise dietética pode ter
valor limitado (YIP; SMALES, 2012). No presente estudo, esse dado foi muito
subestimado devido à grande quantidade de prontuários que não continham a
informação armazenada corretamente (apenas em 39 prontuários o diário estava
anexado), além do fato de estarem com informações rasas e sem muita validade
diagnóstica. Se consideramos dieta importante para o entendimento, diagnóstico e
tratamento da cárie, faz-se necessário uma nova ferramenta de análise e nova forma
de armazenamento desse dado na prática das Clínicas Odontológicas da Faculdade
de Odontologia da UFRGS. Inclui-se aqui uma sugestão de nova ferramenta com
descrições e explicações mais detalhadas na coleta do diário alimentar, visto que o
objetivo do instrumento é o aconselhamento dietético de alimentos mais saudáveis e,
sem a compreensão do que se costuma ingerir, não conseguiremos adequar o
aconselhamento dentro da realidade do paciente. Um estudo realizado em pré-
escolares apontou que a avaliação dietética baseada unicamente na frequência de
31

consumo de alimentos cariogênicos pode não ser suficiente para entender a


ocorrência de cárie dentária. É necessária uma avaliação mais abrangente do padrão
alimentar (MORIKAVA et al., 2018).
De acordo com Cypriano et al. (2011), os fatores socioeconômicos e a
autopercepção de saúde bucal são importantes para a experiência de cárie, além da
desigualdade das condições de saúde e de acesso aos serviços apresentarem um
reflexo de fatores relacionados às condições socioeconômicas da nossa sociedade.
Ou seja, aqueles menos favorecidos economicamente apresentam piores condições
de saúde bucal, com a inversão dessa relação em países desenvolvidos. Os
resultados do nosso estudo apresentam uma limitação da informação coletada, pois
a única informação disponível em todos os prontuários para a relação com os fatores
modificadores era o bairro em que residiam os pacientes. Dessa forma, foi coletado o
Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) de acordo com os dados de
georreferenciamento da Procempa (2017) dos moradores de Porto Alegre e região
metropolitana, porém não foi possível associar o IVS de toda a amostra devido à falta
de informação sobre aqueles usuários moradores de outras regiões.
Considerando as limitações do presente estudo, número amostral pequeno,
falta de um preenchimento satisfatório das informações coletadas e amostra de
conveniência, sugere-se que os pacientes adultos que apresentam cinco ou mais
lesões não cavitadas ativas sejam incluídos em um programa de manutenção, com
uma periodicidade menor entre as reavaliações, na prática Clínica da Faculdade de
Odontologia da UFRGS. Além disso, novos estudos longitudinais se fazem
necessários para o aprofundamento do conhecimento dos indicadores e fatores de
riscos que mais se relacionam com a experiência de cárie, assim como a formação de
novas lesões.
32

6 CONCLUSÃO

O fator mais associado à maior experiência de cárie é possuir uma quantidade


elevada (n=5 ou mais) de lesões não cavitadas ativas. Desta forma, a identificação de
pacientes de risco ajuda os clínicos a direcionarem um plano de tratamento
personalizado e a focarem sua atenção no cuidado desses indivíduos.
Além disso, podemos observar que o tratamento da atividade de cárie foi
ofertado aos pacientes. Isso pode ser observado pela melhora significativa no controle
de placa e sangramento. A fluorterapia profissional foi oferecida à grande parte dos
pacientes. A modificação dietética não foi possível ser constatada, pois o diário
alimentar não foi aplicado após tratamento. Sugere-se uma mudança no instrumento
de coleta da dieta na Clínica Odontológica da UFRGS.
33

REFERÊNCIAS

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36

ANEXO A – Aprovação Plataforma Brasil


37

ANEXO B – Diário Alimentar


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39

ANEXO C – Ficha Clínica – Prontuário FO-UFRGS


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ANEXO D – Termo de Confidencialidade

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