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AUTONOMIA PARA DECIDIR: Crianças e Adolescentes Podem Requerer Atendimento?

Douglas de Souza Martins 2


Juliana Mariana Oliveira de Souza3

1. DESCRIÇÃO DO CASO

Júlia marcara uma consulta de atendimento psicológico para seu irmão, um garoto
chamado João de oito anos de idade, o motivo da consulta seria os comportamentos
inadequados apresentados pelo garoto, segundo Júlia, este tem apresentado agressividade,
instabilidade emocional e baixo rendimento escola, tendo sido informada pela secretária do
consultório que no primeiro momento seria realizado uma conversa com os responsáveis do
garoto sem a presença do mesmo, chegando o dia da consulta, ao chamar pelos responsáveis de
João, uma adolescente se apresenta, e tem-se conhecimento das seguintes informações:
Júlia é uma adolescente de 17 anos de idade, faria aniversário no final de semana
que se aproximava, fora aprovada há pouco tempo no vestibular de medicina, falava vários
idiomas, já havia viajado para vários países, possuía uma condição financeira muito boa,
administrava o dinheiro da família e a casa. A única informação que a jovem tinha sobre a mãe
era de que a mesma morava em outro desde que seu irmão nascera, o pai era um empresário
bem sucedido, todavia o trabalho lhe tomava muito de seu tempo fazendo com que ficasse
ausente de casa por motivos de viagens.
O fato de não possuir uma família extensa colaborou para Júlia assumisse todas as
responsabilidades da casa, entretanto, ela e o irmão nunca ficavam sozinhos em casa, pois esta
possuía uma ótima estrutura, cuidadoras, empregadas e motorista 24 horas. Julia mostrava-se
bastante educada e relatava com clareza os detalhes de sua vida, rotina, e dava ênfase em suas
privações afetivas por conta das responsabilidades que assumira ainda tão jovem.
Júlia buscava atendimento para o irmão pelos motivos relatados anteriormente,
encontrava-se preocupada com a situação do irmão, pois João não seguia uma rotina de estudos,
faltava às atividades extracurriculares para jogar vídeo game, usava o celular de maneira
exagerada e não via sua irmã como uma figura de autoridade. Sempre que Júlia tentava “educar”
João, este por sua vez respondia a Júlia que ela não era sua mãe. Sempre que reportava ao pai

1
Case apresentado à disciplina de Ética do Centro Universitário Dom Bosco - UNDB
2
Acadêmico do terceiro período do curso de Psicologia do Centro Universitário Dom Bosco - UNDB
3
Professora mestra, orientadora do Centro Universitário Dom Bosco - UNDB
os comportamentos de João, ela dizia que ela estava exagerando e para compensar a ausência,
o pai atendia todos os pedidos do garoto.
Júlia contava com riqueza de detalhes sobre as notas de João, saúde, nomes dos
amigos e professoras, rotinas e as preferências do garoto, Júlia o acompanhava em consultas e
rotinas escolares. O pai de Júlia não sabia sobre a marcação do atendimento psicológico, pois
ela quem sempre cuidava de João, Júlia fala de seu pai com muito amor, todavia apresenta
inúmeras privações afetivas, o motivo da busca de um psicólogo dá-se por seu irmão não
compreender a dinâmica da família, e medo do jovem tornar-se um adulto problemático.

2. IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO


2.1 DESCRIÇÃO DA POSSÍVEL DECISÃO

O atendimento inicial não será recusado. Tendo em vista que no caso de uma pessoa
em busca de ajuda não se deve recusar o atendimento, tal recusa pode ser motivo de processos
jurídicos contra o próprio psicólogo envolvido no caso. O acolhimento será realizado, e as
devidas medidas serão tomadas.

2.2 ARGUMENTOS CAPAZES DE FUNDAMENTAR A DECISÃO

O caso apresentado retrata uma história comum na vida de muitas(os)


psicólogas(os): Menores de idade em busca ajuda psicológica sem a presença de um
responsável o acompanhando, os casos são por motivos variados e ocorrem independentemente
de classe social, raça, etnia, etc. Sabendo que se o atendimento inicial fosse de imediato
recusado, poderia haver problemas para este psicólogo, pois não estaria agindo de acordo com
o código de ética do Psicólogo(2005), segundo o mesmo:
O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida
das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas
de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.(CFP,
2005)

Tendo conhecimento de sua decisão de acolhimento, o profissional da psicologia


irá realizar uma análise da situação, considerar fatores como idade, ambiente onde a criança
vive, relações desta com os pais, condição financeira, possíveis transtornos observáveis de
maneira mais clara, relação com a escola e com a irmã mais velha. Partindo desta coleta de
dados, o psicólogo irá realizar encaminhamento para o órgão competente que possa auxiliar
esta criança que passa a maior parte do tempo sem um responsável legal. Segundo o art. 8 do
Código de Ética do Psicólogo:
Para realizar atendimento não eventual de criança, adolescente ou
interdito, o psicólogo deverá obter autorização de ao menos um de seus responsáveis,
observadas as determinações da legislação vigente: §1° – No caso de não se apresentar
um responsável legal, o atendimento deverá ser efetuado e comunicado às autoridades
competentes; §2° – O psicólogo responsabilizar-se-á pelos encaminhamentos que se
fizerem necessários para garantir a proteção integral do atendido. (CFP, 2005)

Como visto no artigo mencionado anteriormente, o atendimento será realizado e


informado a autoridades competentes, no caso apresentado, nota-se que não há violação de leis
por parte de João ou comportamentos de violência. Seria importante também notificar ao pai
sobre a situação que está ocorrendo e conscientização de Júlia da importância do pai estar ciente
para que não seja envolvido em processos jurídicos sem uma prévia informação da situação dos
filhos, e para que também possa tomar uma decisão, se possível, pelo menos realizar o
acompanhamento de João nas sessões de terapia.
Sabendo que João possui uma condição financeira muito boa, e a partir do contato
com o pai sobre a situação do filho, a criança poderia ser encaminhada para um psicólogo
particular especializado em criança e adolescente e um médico psiquiatra caso o psicólogo
julgasse necessário através de suas sessões.
A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde,
mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o
desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. (ECA.
2019)
Tendo como base o Estatuto da Criança e do Adolescente(2019) e o Código de Ética
do Psicólogo(2005), um acolhimento não pode ser recusado, pois pode haver casos em que a
vida e a integridade da criança correm risco. O acolhimento deve ser realizado, o pai da criança
deve ser notificado sobre a situação, podendo esta ocorrer através da irmã mais velha, assim
então, a criança poderá ser encaminhada a um psicólogo especialista, tendo em vista que os pais
possuem uma boa condição financeira e podem arcar com a terapia.

2.3 DESCRIÇÃO DOS CRITÉRIOS DE VALORES

A presença da família, independentemente de qual seja a configuração da mesma,


é extrema importância na vida de uma criança, para a tomada de decisão, fatores como a relação
da criança, situação escolar, situação psicológica, situação financeira dentre outros foram
analisados. Levou-se em consideração também de que não houvera crime por parte do pai nem
do filho, porém é necessária uma presença com maior frequência por parte do pai.
Não pode-se deixar de mencionar os documentos que embasam a decisão, o
Estatuto da Criança e do Adolescente, Código de Ética do Psicólogo e também a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, que apresentam em seus artigos argumentos que afirmam
sobre o direito à saúde, no caso do psicólogo, sobre não negar atendimento para pessoa que
compareça em seu consultório em busca de ajuda. Tratando-se de uma criança com alta
condição financeira e o motivo da ida ao psicólogo não ser por ato infracional, não considerou-
se necessário, até o momento, encaminhamento ao Conselho Tutelar.
REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente.


Brasília, DF, Disponível em: <https://www.mdh.gov.br/todas-as-noticias/2019/maio/governo-
federal-lanca-nova-edicao-do-estatuto-da-crianca-e-do-adolescente-eca/ECA2019digital.pdf>.
Acesso em: 22 set. 2019.

BRASIL. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. . CÓDIGO DE ÉTICA


PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO. Brasília, 2005. Disponível em:
<https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/codigo-de-etica-psicologia.pdf>. Acesso
em: 22 set. 2019.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS


DIREITOS HUMANOS. Rio de Janeiro, 2006. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/wp-
content/uploads/2018/10/DUDH.pdf>. Acesso em: 22 set. 2019.

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