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somestesia, será tratada


muitas vezes incluída na As submodalida_
pele que recobre nosso corpo, assim como na maioria
prioceptiva,
em um capítulo específico. característi_
separadamente, compartilhem algumas
dos animais, é uma estrutura complexa que exerce várias embora estímulo específico,
funções. Sem dúvida, a proteção do organismo contra pertur- des somestésicas, quanto à natureza do
diferem sensoriais,
baçóes do meio ambiente é a primeira dessas funções que nos cas comuns,
morfológica e funcional dos receptores
ocorre. Esse papel protetor é amplo e inclui a defesa contra da estrutura neurais por quais trafegam. A
das vias e circuitos de primatas, com
agentes físicos, químicos e infecciosos,e contra a perda ou e também
esquematiza a estrutura da pele encontrados e
Figura 17.1 sensoriais nela
ganho excessivos de água e calor. A pele também desempenha dereceptores
um papel importante na interação do organismo com elemen- os principais tipos alcançam a medula espinal.
que
tos da mesma espécie e de espécies diferentes, por exemplo, as vias aferentes
eventuais predadores. Assim, a pele pode camuflar um orga-
nismo evitando que seja uma presa mais fácil, ou torná-lo mais
da
> Organização geral
atrativo para o acasalamento.
Os exemplos anteriores não esgotam as muitas funções da
pele, mas são suficientes para ressaltar sua importância no pro-
cesso de adaptação de cada organismo ao seu meio ambiente.
sensibilidade somática
Para que essa adaptação pudesse ocorrer de maneira ainda sensorial originada na periferia é conduzida
A informação intermédio de fibras
mais otimizada, o processo evolutivo forneceu à pele uma fun-
medula espinal ou tronco cerebral por
à periféricos espinais ou
aferentes que fazem parte dos nervos
modalidade sensorial é denominada sontestesia, ou, de modo A sensibilidade somática veiculada
cranianos (Figura 17.1). estudada em outro capítulo, quando
nevos cranianos será caso dos nervos que se
nifica corpo, o que explica o nome dado a essa modalidade sen- por o sistema trigeminal. No
abordarmos
sorial. Deve-se ressaltar que a sensibilidade somestésica não se as fibras aferentes chegam à medula
dirigem à medula espinal, inervada por uma
e ten- pelas raízes dorsais. Uma área cutâneasendo que dermáto-
também em locais como algumas mucosas, músculos
dóes, periósteo e algumas vísceras. Além disso, a modalidade raiz
dorsal é denominada dermátomo,
superpõem-se parcialmente. Os dermátomos
somestésica não representa um tipo único de sensibilidade, mos adjacentes regular; porém, seus
um padrão topográfico bastante esquematizado na
mas divide-se em algumas submodalidades. Usaremos uma seguem como
sáo tão bem definidos
classificação que divide a sensibilidade somestésica em três limites não fibras que com-
devido à sua superposição. As
submodalidades: tátil, térmica e dolorosa. A sensibilidade pro- Figura 17.2A,

Pele Células de Merkel Plexo da raiz pilosa


Medulaespinal e gânglios da raiz dorsal Receptoresde Terminações Folículo piloso
temperatura e dor Corpúsculo de Ruffini
Mecanoceptores de Meissner Terminações
Corno dorsal Aferente
(sensitiva) Corpúsculo nervosas livres
de Pacini
Epiderme
Proprioceptores O

VII
x O Derme
IX Eferente
(motora)

Corno ventral
Histologia

Epiderme

: Fibras Músculo
aferentes Derme

Fibras eferentes

localização de seus receptores sensoriais, bem como as vias aferentes que


Figura 17.1 • Representaçáo da pele de primatas exibindo a diversidade e alcançam a medula
espinal. (Adaptada de Patapoutian et 01.,2003.)
17 | Somestesia
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Cervical

Torácica

TIO

T12

S2-S4

12
cg
14
Lombar

13

14

Sacral
SI

Septo Sulco c
mediano intermediário
dorsal Fibras:
dorsal Axónios Grupo I
vindos dos
músculos
Funículo c
Corno
dorsal
dorsal III

Canal
central
Funículo
Zona
VII lateral
intermediária
Comissura Diâmetro
branca (prn) 13-20 6—12 0,2-1
anterior
Velocidade 80-120 35-75 0,5-2
ventral IX (rWs)
Receptores Proprioceptores Mecanoceptores Dor, Terrveratura,
IX
Funículo sensoriais músculo da pele ternperatura chr, prunoo
ventral
Fissura
medial ventral
Figura 17.2 Fibras aferentes somestésicas e suas projeçóes espinais. A, Distribuiçáo dos dermátomos na superficie do corpo: C. cervical; T, torácica; L. lombar: S. sacral;
B. projeçóes das fibras Ao, AV, Ab e C sobre a substância cinzenta da medula espinal, subdivida nas lâminas de Rexed; C, classificaçbo das nervosas e suas prirx'r»is
características (Adaptada de Bear et 2002 e Squire et 01.,2003.)
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relativas à sensibilidade tátil
condução dc informações conduz informa_
põem as raízes dorsais têm seus corpos celulares localizados vido na sistema anterolatcral
c proprioccptiva. Já o
relacionadas com as sensibilidades dolo_
no gânglio da raiz dorsal, c penetram na medula pela sua mar-
gem dorsolateral (Figura 17.2B). Enquanto fibras grossas con- çôcs primariamente dc alguma sensibilidade tátil. A Figura
além
duzem sensibilidade tátil e proprioceptiva, libras finas con- rosa c térmica,principais características desses dois sistemas
duzem as sensibilidades térniica e dolorosa, O calibre dc uni 17.3 resume as
asccndcntcg. pelos prolon-
axónio c a presença ou ausência da bainha de Iniclina cgtào constituída csscncialmcnte
IAcoluna dorsal é neurónios localizados nos gânglios das
gajncntos centrais de ao bulbo. 'Ihmbém
um potencial de açào. Difi'tvntes nonienclaturas sio utilizadas asccndcm cm clircçâo
raízes dorsais, que fibras ascendentes originadas
estão presentes na coluna dorsal localizadosno corno poste-
cidade de conduçào. A classificação nutnérica é gerahncnte ordem
neurónios dc segunda
utilizada para as fibras aferentes originadas nos músculos, em medula espinal. Em sua porção mais superior podem-se
enquanto utna classificaçào alfabética é em geral aplicada aos rior da dois componentes
fazendo parte da coluna dorsal: os
nervos cutâneos (Figura 17.2C). A velocidade de condução do distinguir O primeiro, localizado medial-
grácil e cuneiforme.
impulso em uma fibra nervosa é um aspecto importante da fascículos fibras dos segmentos sacral, lombar c torácico,
contém
integração neural, já que o sistema nervoso, recebendo mais mente,
o fascículo cuneiforme ascende lateralmente com-
rapidamente uma informação sensorial, pode também agir enquanto de segmentos torácicos altos e
posto por fibras provenientes em núcleos homónimos
fascículos terminam
Depois de entrarem na medula espinal, as fibras aferentes cervicais. Essesporção caudal do bulbo. Os núcleos grácil e
na
primárias ramificam-se na substância branca, além de emiti- localizados denominados, em conjunto,
núcleos da coluna
sináp- cuneiforme são
rem colaterais cujas terminações estabelecem conexões nesses núcleos irão formar, após cru-
ticas na substância cinzenta. Axónios que conduzem diferen- dorsal. Fibras originadas medial (por isso o nome
tes submodalidades somestésicas projetam-se sobre diferentes zarem a linha mediana, o lemnisco
ascendente), projetando-se então
regiões da medula espinal, exibindo um padrão diferenciado "lemniscal" para este sistema
de conexões e trajetórias ascendentes ou descendentes. Fibras para o tálamo.
basicamente envolvido na con-
que conduzem à sensibilidade térmica ou dolorosa não se pro- O sistema anterolateral está
duçâo das sensibilidades térmica e dolorosa, e em uma menor
jetam sobre a substância cinzenta logo que chegam à medula, das sensibilidades
extensão também contribui na condução
mas trafegam, por meio do trato de Lissauer, para alguns seg- principais componentes:
tátil e proprioceptiva. Apresenta três
mentos acima e abaixo do nível de entrada, terminando então espinorreticular e espinomesencefá-
nas porções do corno posterior da medula que constituem os tratos espinotalâmico, trazidas da periferia
as lâminas I e II de Rexed (Figura 17.2B). Fibras grossas que lico. As sensibilidades térmica e dolorosa,
espinotalámico
conduzem à sensibilidade tátil e também a sensibilidade pro- por fibras Aô e C, são conduzidas pelos tratos
em neurónios da for-
prioceptiva muscular e articular ascendem diretamente para o e espinorreticular.Este último termina
bulbo por meio da coluna dorsal, além de emitirem colaterais mação reticular bulbar e pontina, a qual processa e retransmite
O
que penetram no corno posterior da medula e terminam nas essa informação ao tálamo e outros núcleos diencefálicos.
trato espinomesencefálico projeta-se ao tecto do mesencéfalo,
lâminas mais profundas da substância cinzenta. Na medula
espinal, as informações somestésicas são conduzidas por meio com terminações nos colículos superiores, e também à subs-
de dois grandes sistemas ascendentes: o sistema lemniscal c tância cinzenta periaquedutal mesencefálica, região envolvida
o sistema anterolateral. O sistema lemniscal, que ascende ini- no controle eferente da sensibilidade dolorosa, como veremos
cialmente pela coluna dorsal da medula espinal, está envol- mais adiante.
As principais diferenças entre os
sistemas anterolateral e lemniscal são
Sistema lemniscal Sistema anterolateral as seguintes: a) o sistema anterolateral
Córtex
cerebral origina-se de neurónios localizados
na medula espinal, pós-sinápticos às
fibras aferentes primárias, enquanto a
Tálamo maioria dos axónios que constituem a
Lemnisco coluna dorsal (sistema lemniscal) é for-
medial mada por fibras aferentes primárias; b)
Bulbo o trajeto medular do sistema anterola-
Núcleos teral é contralateral à entrada das fibras
da coluna Medula espinal aferentes primárias, cruzando a linha
mediana ainda na medula, enquanto
Trato as fibras provenientes dos núcleos da
Coluna
espinotalâmico coluna dorsal decussam no bulbo,
lateral sendo aí chamadas de fibras arqueadas
internas; c) ao contrário das lemniscais,
Axónio da Axónio da as projeçOes do sistema anterolateral
raiz dorsal raiz dorsal não são predominantemente talàmi-
Linha média Linha média cas, mas terminam em várias regiões
do tronco cerebral e também no hipo•
Tato. vibraç&o. discriminação Dor, temperatura, tálamo; d) enquanto o lemnisco medial
entre dois pontos, propnocepçáo parto do tato termina principalmente no núcleo ven-
• Diagrama das duas vincipais vias ascendentes somatossensoriais, evidenciando os sistemas lem- tral posterior do tálamos as fibras do
e (Adaptada de Bear et d., 2002.) sistema anterolateralprojetam.se sobas
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rcgióes talámicas distintas: o núcleo ventroposterolatcral, tores de adaptaçào rápida e dc adaptaçio lenta. Os de adapta-
intralatninares e os núcleos postctiorcs.
os núcleos Neurónios çào rápida respondem apenas ao inicio dc uma estimulaç,io e
wntmposterolateral projetatnse cxc lusivanu•ntc
do núcleo frequentementetambém ao término. mas nio respondem
corticais somatossensoriais. Os núcleos int apte. a uma estimulaçao continua, Os de adaptaçào lenta podem
proieçôes '"ais difusas, incluindo cort icais c leos responder continuamente a uma estimulaçào persistente. Os
os núcleos posteriores pn»jctatnse a
da base. enquanto tegiócs dois principais tipos de rnccanoccplores na superfície da pele
do lobo parietal externas sotnato«ensorial primária. O sis- glabra sào os corpúsculos de Meissner e de MerVeI.exemplos,
e partes do sistema anterolateral têm contribuiçào
temaIctnniscal respectivamente,de receptores de adaptaçio rápida e lenta.
para a petvepçào cnnsciente de estímulos somestésicos, Ambos estio associados a estruturas acessórias que lhes con•
outms componentes das vias somatossensoriais ascen-
ferem suas características funcionais. tecido subcutáneo, por
participam do controle motor, da manutenção do estado sua vez, também contém dois tipos de mecanoceptorev, o cor-
de processos autónomos.
dc alerdae da regulação púsculo de Pacini, um receptor de adaptaçào rápida. e o cor.
O córtex somatossensorial (ou somestésico), situado na púsculo de Rufhni, de adaptação lenta. Enquanto os receptores
porvio anterior do lobo parietal, constitui-se de áreas citoar- mais superficiais (,Meissner e Merkel) se organizam em campos
quitetonicamente distintas. O córtex somatossensorial primário receptivos pequenos, os campos receptivos proporcionados
(SI)localiza-se no giro pós-central, apresentando quatro áreas pelos corpúsculos de Pacini e Rufhni sáo relativamente maiores.
funcionais: as áreas 1, 2, 3a e 3b de Brodmann (Figura 17.4). As características funcionais e morfológicas desses conjuntos de
As projeçóes talámicas para SI são organizadas somatotopica- receptores vão definir suas especificidades quanto à resoluçào
mente,e se originam principalmente do núcleo ventral pos- espacial e temporal dos estímulos táteis. Enquanto a resolução
terior. O córtex somatossensorial secundário (SII), localizado espacial está principalmente associada ao tamanho de campos
na borda superior do sulco lateral, recebe projeçôes de SI e receptivos,a resolução temporal associa-se ao curso temporal
projeta-se sobre outras regiões corticais somatossensoriais da de adaptação do receptor. Os corpúsculos de Meissner e Pacini
região insular. A porção posterior do lobo parietal, que tam- são mais sensíveis a estímulos mecânicos vibratórios, fato que
bém recebe aferéncias somestésicas, participa da integração está associado a um tempo de adaptação mais curto para esses
de diferentes submodalidades somatossensoriais e também receptores. O receptor de Meissner, no entanto, possibilita uma
de outras modalidades além da somestésica, integração que melhor localizaçãodo estímulo,enquanto o segundo medeia
é necessária a processos que levam à percepção e também à uma sensação mais difusa, originada em tecidos mais profun-
organização da motricidade. dos. Essa diferença na resolução espacial está vinculada ao tama-
nho dos campos receptivos constituídos por esses receptores. A
Figura 17.5 resume as principais características dos diferentes
tipos de mecanoceptores encontrados na pele. Estímulos natu-
Sensibilidade tátil rais ativam, em geral, mais de uma classe de mecanoceptores.
em diferentes combinações. e as qualidades desses estímulos
Esta submodalidade sensorial é mediada por mecanocep- serão reconstruídas a partir da ativaçào simultânea e diferen-
tores que se dividem em duas classes funcionais: mecanocep- ciada desses tipos distintos de "canais" sensoriais.

Giro
Sulco pós-central Sulco
central intraparietal
Lóbulo
parietal posterior
SI
c

Córtex

Sulco lateral 4 2 SII


Giro
pós-central

e 2) e respectivas C,
B. Corte do gro pós-centw e•odenoandosuas subáreas
e para SII, (Adaptadade Squge et
Aires

270
mos alguma resposta comportamental
A —Modalidade Estímulo a ele. Observou-se, no entanto, que
em regiõesde maior sensibilidade,tais
como as pontas dos dedos, um único
impulso provocado em uma fibra senso-
rial pode induzir a uma sensação cons-
ciente. Entretanto, em regiões de menor
Receptores sensibilidade, o limiar psicofísico é mais
elevado que o limiar biofísico.

Corpúsculo de Terminações de Intensidade de uma sensação


Corpúsculo de Células de
Meissner Merkel Pacini Ruffini A magnitude que atribuímos a uma
dada sensação está relacionada com a
B —Localização intensidade do respectivo estímulo sen-
sorial. Essa relação pode ser descrita
matematicamente, por exemplo, por
meio de uma função-potência ou loga-
Campo rítmica. Embora a magnitude da sensa-
receptivo
çáo cresça com a frequência de descarga
de potenciais de ação na fibra aferente,
essa relação não é linear, ou seja, a inten-
sidade psicofísica não é meramente pro-
C —Intensidade e tempo de resposta porcional à frequência da descarga. A
intensidade de um estímulo é codificada
_114_1 pela frequência de potenciais de açóes
em uma dada população de neurónios,
Estímulo
__/¯I —z¯l
mecânico
e também pelo tamanho dessa popu-
lação ativa. Assim, um estímulo mais
Figura 17.5 • Sumário dos quatro principais tipos de respostas dos mecanoceptores cutâneos em funçáo de sua intenso aplicadoà pele produzirá tanto
adaptação e tamanho do campo receptivo. Em cada combinação o traçado superior mostra a descarga na fibra afe- um aumento na frequência de descarga
rente causada por um estímulo mecânico, representado no traçado inferior. (Adaptada de Kandel et 01.,2002.)
de neurónios já ativos, como também o
recrutamento de outros neurónios antes
Esses quatro tipos de receptores são inervados por axónios inativos, aumentando a população ativa.
de neurónios localizados nos gânglios das raízes dorsais. Os
prolongamentos centrais desses neurónios ascendem pela
coluna dorsal projetando-se aos neurónios de segunda ordem Localizaçãode um estímulo
localizados nos núcleos da coluna dorsal (núcleos grácil e A localização de um estímulo aplicado à superfície do corpo
cuneiforme). Axónios desses núcleos cruzam então a linha requer que a informação detectada e transmitida pelos neurónios
mediana e projetam-se ao tálamo, de onde neurónios de ter- de primeira ordem não se perca ao longo das várias estações de
ceira ordem irão partir em direção ao córtex somatossensorial retransmissão. Isso é garantido por uma organização topográfica
primário (SI). A informação sensorial é processada e transfor- das vias somestésicas, que torna possível que um mapa do corpo
mada em cada uma dessas estações retransmissoras, constituí- seja preservado ao longo das projeçóes ascendentes.
das por microcircuitosque modulam, de uma forma extre- Na década de 1940, Wilder Penfield, um neurocirurgião
mamente elaborada, a atividade dos neurónios de projeçâo. canadense, estudou as respostas de pacientes a estimulações
Interneurónios inibitórios desempenham,no interior desses elétricas aplicadas ao córtex cerebral, durante cirurgias nas
microcircuitos, um papel extremamente importante, exem- quais esses pacientes permaneciam conscientes. A estimulação
plificado pelos processos de inibição recíproca e recorrente, e de áreas restritas do córtex somestésico produzia sensações
pelo controle eferente da sensibilidade. Esses processos possi- referidas, por exemplo, como pressão, prurido, formigamento,
bilitam controlar o fluxo de informação em um dado núcleo, em áreas correspondentes da superfície corpórea. Esse proce-
limitando a atividade de certos grupos neuronais ou amplifi- dimento resultou em um mapeamento do córtex, produzindo
cando o contraste na atividade de populações neuronais vizi- uma figura distorcida, por essa razão denominada homúnculo
nhas. Esse processamento neuronal básico torna possível uma (Figura 17.6). O significado desse mapa distorcido é que áreas
compreensão inicial de aspectos mais elaborados da percep- corticais maiores refletem uma maior sensibilidade e maior
ção como, por exemplo, a focalização seletiva da atenção a um poder de resolução naquelas partes do corpo às quais corres-
dado estímulo sensorial. pondem. Podemos avaliar a resolução espacial somestésica
testando nossa própria habilidade em discriminar dois dife-
Limiares rentes pontos de estimulação aplicados sobre a pele. Ou seja,
O limiar para a detecção perceptiva de um estímulo somes- qual a distância mínima entre dois estímulos para que possa-
tésico (limiar psicofísico) tem sido determinado e comparado mos percebê-los como estímulos distintos, separados espacial-
com o limiar associado à ativação de uma fibra aferente (limiar mente. Podemos constatar que dois estímulos bem definidos
biofísico). Devemos entender essa distinção, pois enquanto a (p. ex., duas pontas finas de lápis pressionadas sobre a pele)
ativaçâo de uma fibra sensorial é uma condição necessária, precisam estar separados por apenas alguns milímetros ou
não se constitui em uma condição suficiente para que possa- menos para que possamos distingui-los, se forem aplicados na
mos perceber aquele estímulo conscientemente, ou esboçar- ponta de um dedo. Essa distância mínima aumenta para vários
17 1 Somestesia 271

(0
sO
lábi DePior Dedos
Os
Lábio eojtais
inferior
Dentes
Gengivas
Mandíbula

(t

90€

Figura17.6 • O"homúnculo"somatossensorial,representandoo mapeamentoda superfíciecorporalsobre o giro pWcentral do córtex humano,mostrado aqui em um


cortefrontal(A) e em uma versáo caricata (B). (Adaptada de Bear et al., 2002.)

milímetros,ou mesmo centímetros, se o local do estímulo for 5 projetam-se a outras regiões corticais e subcorticais. Assim,
a peledo braço ou, ainda mais, a pele do dorso (Figura 17.7A). uma mesma modalidade, representada em uma única coluna,
AFigura17.7Bmostra a distância mínima, em média, para pode ser conectada a diferentes regiões do encéfalo.
quedois pontos sejam discriminados em diferentes regiões
docorpo.No entanto, não é surpreendente que as pontas dos Processamento cortical
dedosapresentemo maior poder de discriminação, seguidas Embora todas as áreas do córtex somatossensorial primá-
porregiões da face como, por exemplo, os lábios. rio recebam projeçóes de todas as áreas da superfície corpó-
rea foi verificado que as diferentes modalidades somestésicas
Colunascorticais tendem a se projetar predominantemente para certas áreas
A maioriados neurónios somestésicos responde a apenas corticais. A área 3a, por exemplo, recebe predominantemente
umamodalidade (tato, pressão, temperatura ou dor). Não projeçóes de receptores localizados nos fusos neuromuscula-
foiencontradacorrelação entre as projeçóes corticais dessas res, enquanto receptores cutâneos projetam-se para a área 3b.
diferentesmodalidades e as várias camadas do córtex soma- A área 2 recebe projeçóes de receptores profundos de pressão,
tossensorial.O que foi verificado, por Vernon Mountcastle e e receptores cutâneos de adaptação rápida projetam-se predo-
seuscolaboradores, é que o córtex somestésico apresenta uma minantemente para a área 1.
organizaçãocolunar, em que uma mesma coluna de córtex, As propriedades dinâmicas de um receptor sensorial são
comalgumas centenas de micrómetros de largura e contendo relativamente mantidas pelos neurónios centrais ao longo
asseiscamadas corticais, responde a uma classe específica de daquela via ascendente. Por exemplo, receptores de adaptação
receptoressensoriais. Por exemplo, enquanto algumas colunasrápida conectam-se a neurónios talâmicos também de adap-
sãoativadaspor receptores de adaptação rápida de Meissner, tação rápida, que por sua vez se projetam sobre neurónios
outrasrespondem à ativaçâo de receptores de adaptação lenta com características semelhantes localizados nas áreas 3b e 3a,
de Merkel,sendo que as células de uma mesma coluna rece- em SI. Dessa maneira, um sinal recebido pelo córtex, embora
bemprojeçóesde uma mesma região da pele. A coluna cor- não seja uma mera repetição do padrão de descarga das fibras
ticalpode ser vista, portanto, como um módulo funcional aferentes primárias, reproduz com certa fidelidade as carac-
básicodo córtex cerebral. Essa organização colunar não se res- terísticas do estímulo, codificadas pelos receptores cutâneos.
tinge, no entanto, ao córtex somestésico, existindo também, O processamentoda informaçãosomestésicaao longo dos
porexemplo, no córtex visual. O papel das diferentes cama- vários estágios corticais vai se tornando cada vez mais elabo-
dascorticais é estabelecer conexões com diferentes partes do rado. Assim, neurónios envolvidos nos primeiros estágios de
encéfalo.Enquanto a camada 4 recebe projeçóes talâmicas, a processamento respondem a estímulos mais simples, como
camada6 projeta-se de volta ao tálamo, e as camadas 2, 3 e pressões pontuais sobre a pele, enquanto aqueles neurónios
Aires HSIOlogla

272
estágios de proces_
da atividade neuronal nos sucessivos
submodalidades podem
ração
que as diferentes
samento neural, em grupo dc células, tornando
maiores
convergir para um mesmo padrão de descarga desses
e alterando o
os campos receptivos c de características mais
A detecção de movimento neurónios corticais,
neurónios.
é propriedade dc
complexas de um estímulo dorsal, no tálamo, ou
núcleos da coluna
ainda não presente nos Neurónios associados à discriminação
3b.
mesmo nas áreas 3a e que é a per-
direçâo de um movimento e à estereognosia, são encontrados
da
Dedo tridimensional dos objetos, características
cepçâo da forma respondem a outras
Estímulo receptor C
nas áreas I e 2, que também da orientação de bordas.
Estímulo receptor B complexas, como a detecção não
complexidadeda resposta neuronal
Estímulo receptor A O aumento na percepção, mas também à utilização
está apenas associado à finos.
sensorial na execução de movimentos infor-
da informação enviam, por exemplo,
As áreas corticais somestésicas superfície corpórea para o córtex
mações sensoriais de toda a
parietal posterior, que integra
-o

motor primário e para o córtex sensoriais e também é rela-


projeçóes de várias modalidades
movimentos.
cionado à organização de

Braço

Estímulo receptor B
> Sensibilidade térmica
embora intuitiva, implica em
Estímulo receptor A Uma definição de "temperatura';
sérias. Adotemos essa
complicações conceituais às vezes muito como uma
temperatura
ideia mais intuitiva, na qual entendemos que compõem
das moléculas
medida indireta do grau de agitação
continuamente em uma escala que
um objeto. Essa medida varia
(0 Kelvin, equivalente a aproximadamente
vai do zero absoluto
ilimitados. Somos sensíveis
50 — Lado direito -273 0Celsius) a valores teoricamente
Lado esquerdo temperaturas, compreen-
a uma faixa extremamente estreita de
45
dida entre e 450C. Abaixo de 100C os processos biofísicos
poten-
40 responsáveis pela transdução sensorial e propagação dos
deprimidos, impedindo a geração e condução
35
ciais de açáo são
adequadas do estímulo térmico. Por isso, o frio pode funcionar
30 como um bom anestésico local. Por outro lado, temperaturas
25 acima de 45 0C são lesivas aos tecidos e incompatíveis com a vida
E da maioria dos organismos pluricelulares.
20

15 Termoceptores
Um único tipo de sensor, cuja atividade variasse proporcio-
10
nalmente à temperatura, poderia servir à finalidade de codifi-
5 car a temperatura ambiente. No entanto, nossa sensibilidade
térmica é fundamentada na existência de duas classes de ter-
Hálux Panturrilha Coxa Abdome Tórax 1234 moceptores. Uma classe engloba os receptores de frio, e a outra
os receptores de calor. A distinção entre essas duas classes é a
Fa
faixade temperaturamais eficientena ativaçãode cada uma
,Braço
Ombro delas (Figura 17.8). Os receptores de frio, embora respondam a
Palma
uma faixa ampla de temperaturas (entre 100C e 400C), exibem
Figura 17.7 • Resoluçáo espacial, evidenciada pela discriminaçáo de dois estímulos uma atividade máxima para temperaturas situadas em torno
puntuais aplicados à pele de um dedo e do braço (A), e como funçáo da localização
dos 250C. Já os receptores de calor apresentam uma atividade
na superfície do corpo (B). (Adaptada de Shepherd, 1994.)
máxima para temperaturas ao redor dos 400C, embora res-
pondam a temperaturas situadas entre 300C e 450C. Algumas
envolvidos nos estágios seguintes do processamento exibem terminações nervosas associadas a receptores de frio começam
respostas mais complexas, por exemplo, movimentos sobre a a descarregar novamente quando a temperatura ultrapassa os
pele. Alguns grupos de neurónios são responsivos a direçóes 400C, aumentando a frequência dessa descarga em paralelo ao
particulares do movimento, não respondendo a movimentos aumento da temperatura. Esse fenómeno é denominado res-
em outras direçóes. posta paradoxal, e é responsável por uma eventual sensação de
A percepção de movimento, forma e textura de um estí- frio provocada por temperaturas altas e potencialmente lesivas.
mulo requer a integração de informações diversas, originadas O processo de transdução, mediado pelos termoceptores,
em diferentes receptores sensíveis às diferentes modalidades é iniciado por canais iónicos presentes na membrana de ter-
somestésicas. Essa integração é obtida por meio de uma elabo- minaçóes nervosas livres. Foi clonada uma família de proteí-
17 | Somestesia 273
0 0
mico é obtida para temperaturas próximas a 32 C ou 33 C,
Frio
nas quais os receptores dc frio c calor apresentam aproximada-
Calor
mente a mesma atividadc.Um aumento da temperatura cau-
sará a sensação de calor não só pelo aumento da atividade dos
4 receptores de calor, mas também pela concomitante redução
na atividade dos receptores de frio, o inverso acontecendo no
caso de reduçõesda temperatura. A intensidade de um estí-
mulo térmico não depende, porém, apenas da magnitude da
temperatura, mas também do número dc receptores recruta-
dos, que por sua vez depende da área sob estimulação. Dessa
superfí-
U.
maneira, um estímulo térmico aplicado a uma maior
10 20 cie do corpo produz uma sensação mais intensa se comparada
30 40 50 apli-
Temperatura da pele CC) àquela provocada por um estímulo de igual temperatura
Frequênciada descarga, em função da temperatura cado a uma menor superfície.
Figura17.8 •
Nos extremos de nossa sensibilidade térmica, o julgamento
da pele, em fi-
brasaferentesassociadas a diferentes populaçóes de termoceptores. (Adaptada de
patton et al.,
1989.) da magnitude da temperatura fica bastante comprometido. Em
e
temperaturas acima de 430C, a ativaçáo de receptores de dor,
também de receptores de frio envolvidos na resposta paradoxal,
nas, denominada "termoTRP", que compóe canais iónicos
torna bastante confusa a informação aferente. Já em tempera-
sensíveisà temperatura (a sigla origina-se do inglês e signi-
turas inferiores a 150C, receptores de dor também são ativados,
fica"receptor de potencial transiente"). A ampla família de podendo causar, para estímulos suficientemente frios, uma sen-
proteínasTRP está envolvida tanto em vertebrados quanto saçáo às vezes semelhante à de uma queimadura. A atividade
em invertebrados, em uma grande variedade de processos de ainda mais baixas.
transduÇáO, além da termocepçâo. Enquanto alguns mem- nas fibras aferentes cessa nas temperaturas
bros da família termoTRP são ativados por temperaturas Localizaçãode um estímulo térmico
baixas(receptores de frio), outros são ativados por tempe- A identificaçãodo local em que um estímulo térmico é
raturasmais altas (receptores de calor). Em torno de 430C aplicadodepende, em sua maior parte, da estimulação con-
ocorrea transição de uma sensação
inócua de calor para uma comitante de mecanoceptores responsáveis pela sensibilidade
sensação dolorosa de queimação. Essa transição coincide, tátil e pressórica. A estimulação isolada de termoceptores, por
aproximadamente, com o comportamento de diferentes sub-
exemplo, por meio de radiações, não possibilita uma localiza-
gruposde proteínas termoTRP, que respondem a diferentes çáo precisa do local do estímulo.
faixasde temperatura, acima ou abaixo de 430C. Alguns tipos
de proteínas termoTRP (sensíveis ao calor) também são ati- Fatoresdeterminantes da sensação térmica
vadospor substâncias vaniloides, tais como a capsaicina e a Os termoceptores localizam-se um pouco abaixo da super-
piperina,presentes em vários tipos de pimentas (e que tam- fície da pele, e a temperatura por eles sinalizada reflete, na
bém ativam nociceptores). Essa é a razão pela qual uma sen- verdade, um conjunto de fatores. Dentre esses se incluem a
saçáo de calor é atribuída ao sabor de muitas pimentas e por temperatura da pele, que resulta da condução do calor e da
issopratos apimentados também são chamados de "quentes". incidência de energia radiante, o calor trazido pela circulação
Jáoutros representantes da família T RP, ativados por tempe- sanguínea e que expressa a temperatura central do organismo,
raturas mais baixas, em torno de 250C a 280C, são também e também a dissipação de calor promovida pela transpiração.
sensíveisao mentol e ao eucaliptol, o que explica a sensação Dada a relativa constância da temperatura do organismo, a sen-
de frescor que essas substâncias podem induzir. saçào térmica reflete principalmente a temperatura ambiente,
Os termoceptores estão distribuídos sobre toda a superfície embora o estado vasomotor cutâneo contribua decisivamente
corpórea, e também, menos densamente, nas cavidades oral e para esse balanço. Assim, uma vasodilatação cutânea torna-se
nasal.A pele glabra das mãos e dedos apresenta uma grande uma influênciadominante, e a temperatura da pele se apro-
sensibilidadetérmica, contendo de 50 a 70 fibras/cm2 do tipo xima da temperatura central do organismo. Por outro lado,
Ab associadas a receptores de frio, e uma densidade semelhante durante uma vasoconstrição, a pele tende a se equilibrar ter-
para fibras C associadas a receptores de calor. A frequência de micamente com o ambiente.
descarga dessas fibras não depende apenas da temperatura de Além da existência de termoceptores cutâneos, receptores
estimulação, mas também da taxa de variação dessa tempera- sensíveis à temperatura são encontrados em outras regiões do
tura. Assim, uma variação rápida da temperatura pode ocasio- organismo, como hipotálamo e medula espinal. Ainda que
nar um aumento transitório na frequência de descarga de uma esses termoceptoressejam de grande importância na organi-
fibra,seguido por um gradual retorno a um novo patamar de zaçâo de respostas reflexas e comportamentais envolvidas na
descarga. Enquanto receptores de frio aumentam transitoria- termorregulação do organismo, parecem não contribuir para
mente sua atividade em função de bruscas diminuições da tem- a percepção consciente da temperatura, fazendo parte de uma
peratura, receptores de calor respondem a bruscos aumentos da modalidade sensorial denominada interoceptiva.
temperatura. Por isso, uma pequena, porém rápida, variação da
temperatura é percebida mais prontamente do que lentas varia-
çóes térmicas, as quais requerem maiores aumentos ou dimi-
nuiçóesda temperatura até serem percebidas conscientemente. > Sensibilidade dolorosa
Intensidadede um estímulo térmico Embora a sensação de dor seja uma das mais primitivas
A sensação térmica é o resultado da atividade conjunta das modalidadessensoriais, ela pode ser modulada por um con-
duas classes de termoceptores. Uma sensação de conforto tér- junto de fatores, em que se incluem, por exemplo, as experi-
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a substância P é uma
provavelmente peptídios, dos quais
ências anteriores do indivíduo e seu estado emocional em um sores,
dado momento. A dor pode ser produzida por uma variedade das mais estudadas.
de estímulos, tais como pressões mecânicas intensas, extremos
de temperatura, pH ácido, soluções hipertónicas, luz intensa, Projeçõesascendentes constitui-se em uma importante
O trato espinotalâmico 17.9, à esquerda). Os
ascendente (Figura
dolorosa podemos distinguir dois estágios distintos. Um deles via nociceptiva espinais de segunda ordem, cruzando
denomina-se nocicepçâo e se refere à transdução, por recepto- axónios de neurónios na medula, ascendem pelo qUadrante
ainda
a linha mediana substância
res especializados (nociceptores), de estímulos realmente ou branca projetando-se ao tálamo.
potencialmente lesivos aos tecidos. No entanto, a sensação de
anterolateralda são compostas por axónios que
dor requer, em um segundo estágio, o processamento elabo-
Projeções espinorreticulares
quadrante anterolateral, tanto contra
também ascendem pelo terminando no tálamo e na formação
ipsilateralmente, Outra proje-
consciente de uma sensação aversiva.A natureza subjetiva quanto bulbopontina (Figura 17.9,no centro).
da sensibilidade dolorosa torna complexa a sua investigação reticular é a representada pelo trato espi-
experimental, e também sua abordagem clínica. çâo nociceptiva importante
termina em algumas
regiões do mesen-
nomesencefálico, que formação reticular mesencefálica
céfalo em que se incluem a (Figura 17.9, à direita).
Nociceptores cinzenta periaquedutal recíprocas com o sistema
e a substância
Nociceptores são terminações livres, sem estruturas aces- conexões
última região mantém
sórias destinadasà transdução do estímulo, o que faz desse Essa por intermédio do hipotálamo.
tipo de receptor um dos menos diferenciados dentre os recep-
límbico são filogeneticamente mais
nociceptivas têm As projeçóes espinorreticulares
espinotalâmicas. Projeções espino-
tores sensoriais. As terminações nervosas
raízes dorsais espinais ou antigas que as projeçóes medial do tálamo também
seu corpo celular nos gânglios das
talâmicaspara o grupo nuclear
no gânglio trigeminal,compõem diferentesclassesde fibras precederam, filogeneticamente, projeçóes espinotalâmicas
aferentes, e são encontradas na pele e também em tecidos pro- inclui o núcleo ventrobasal
para o grupo nuclear lateral, o qual Enquanto muitos neuró-
fundos. Fibras mielínicas do tipo Aô estão associadas a noci-
e os núcleos posteriores do tálamo.estímulos nociceptivos, as
ceptores térmicos e mecânicos. Há duas classes distintas de a
nios do tálamo medial respondem
nociceptores associados a fibras Aô. Enquanto ambas respon- projeçôes difusas desses neurónios para diferentes áreas cor-
dem a estímulos mecânicos intensos, elas diferem entre si pela ticais e núcleos da base sugerem que essa região talâmica faça
capacidade em responder ao calor intenso. Outro conjunto de parte de um sistema de alerta não específico. Já os neurónios
nociceptores, denominado polimodal, está associado a fibras ao córtex somatos-
tálamo lateral projetam-se diretamente
do
C, amielínicas, e é ativado por estímulos mecânicos, químicos observa, em relação às
sensorial primário. No entanto, não se
e térmicos de alta intensidade. A transdução de estímulos tér- organização topográfica
projeçóes nociceptivas corticais, uma
micos nocivos (temperaturas acima de 430C) é mediada por semelhante àquela encontrada na sensibilidade tátil. Mesmo
canais iónicos vaniloides da família TRP, que são diretamente comprometem
lesões extensas de áreas somatossensoriais não
ativados por calor. Já os mecanismos envolvidos na transdu- criticamente a sensibilidade dolorosa. Isso aponta para um
çáo de estímulos nocivos promovidos por baixas temperaturas processamento paralelo da informação nociceptiva, realizado
ou deformações mecânicas permanecem obscuros. por diferentes regiões do córtex cerebral, como observado em
A lesão de um tecido intensifica a experiência dolorosa outras modalidades sensoriais.
por aumentar a sensibilidadedos nociceptores a estímulos
térmicos e mecânicos (hiperalgesia). Este fenómeno resulta, Modulaçãoda sensibilidade dolorosa
em parte, da liberação de mediadores químicos das próprias Uma dor pode ser percebida mais ou menos intensamente
terminações nervosas livres e também de células não neurais, em função de vários fatores fisiológicos. Sua modulação está,
intimamente relacionadas com o processo inflamatório, tais na verdade, integrada a outros circuitos neurais, particular-
como mastócitos, neutrófilos e plaquetas. Algumas substân- mente aqueles envolvidos na elaboração de reflexos motores,
cias presentes nessa "sopa inflamatória" (prótons, ATP e sero- respostas vegetativas, alerta, atenção e emoções. A atividade de
tonina, por exemplo) alteram a excitabilidade neuronal por neurónios, na medula espinal, que retransmitem informações
interagirem diretamente com canais iónicos na membrana dos nociceptivaspode ser alterada por aferências não dolorosas,
nociceptores, enquanto outras [bradicinina e fator de cresci- indicando que o sistema nervoso possui sistemas envolvidos
mento neural (NGF)j, ligam-se a receptores metabotrópicos no controle eferente (descendente) da sensibilidade dolorosa.
e exercem seus efeitos por meio de uma cascata intracelular Uma das primeiras hipóteses sobre tal sistema modulatório foi
mediada por segundos mensageiros. proposta por Melzacke Wall nos anos 1960,e denominada
Ao entrarem na medula espinal as fibras nociceptivas Aô e teoria da comporta. De acordo com essa teoria, a atividade de
C bifurcam-se ascendendo e descendendo alguns segmentos neurónios nociceptivosdo corno posterior da medula seria
por meio do trato de Lissauer. Projetam-se, então, às lâminas modulada, por intermédio de interneurônios inibitórios, pelo
I, II e V da substância cinzenta, estabelecendo conexões com balanço entre as aferências nociceptivas veiculadas por fibras
neurónios envolvidos na retransmissão da informação dolo- C e outras aferências, não nociceptivas, transmitidas por fibras
rosa para outras regiões do sistema nervoso, na regulação desse mielínicas Aa e AP (Figura 17.10). Embora a teoria possa não
fluxo de informação, e na integração de respostas motoras e ser correta em seus detalhes, a ideia de circuitos neurais envol-
vegetativas organizadas por circuitos locais da medula espinal. vidos especificamentena modulação da dor despertou um
O glutamato é um importante neurotransmissor liberado por grande interesse na investigação experimental desse sistema e
terminais de fibras nociceptivas, e está envolvido na geração na sua possível utilização terapêutica.
de potenciais sinápticos rápidos observados em neurónios do A informação nociceptiva pode também ser modulada em
corno posterior da medula. Potenciaissinápticos lentos são outros pontos das vias centrais de projeção dolorosa. Desse
provocados pela liberação de outra classe de neurotransmis- modo, uma redução parcial ou total da dor (analgesia) pode ser
17 | Somestesia

275
Giro pós-central
(córtex somatos-
sensorial)
Giro pós-central
(córtex somatossensorial)
Substância
Colículo cinzenta
Inferior periaquedutal
Formação
centro- reticular
lateral mesencefálica
Tálamo

Núcleo
Cápsula
interna
postero-
lateral Mesencéfalo
Projeçâo
reticulo- Formação
ponte talâmica reticular
pontina

Lemnisco
medial
Formação
reticular
bulbar

Bulbo

Medula
espinal

Figura 17.9 • Principais vias ascendentes que


conduzem a informaçáo nociceptiva. Ver texto para detalhes. (Adaptada de Kandel et al., 2002.)

induzida por estimulação elétrica adequada da substância cin- com a região rostroventral do bulbo, a qual inclui o núcleo
zenta periaquedutal, e também de regiões do tálamo e da cáp- magno da rafe e o núcleo reticular paragigantocelular. Dessa
sula interna. Essa analgesia depende de projeçóes descenden- região partem projeçóes inibitórias em direçáo às lâminas I, II
tes que alcançam neurónios nociceptivos na medula espinal. e V do corno posterior da medula, que recebe as terminações
Neurónios localizados na substância cinzenta periventricular de aferentes nociceptivos (Figura 17.11).Tanto a substância
e periaquedutal do mesencéfalo fazem conexões excitatórias cinzenta periaquedutal quanto o bulbo rostroventral são sensí-
veis à açáo da morfina, indicando que o mecanismo envolvido
FibraC na analgesia induzida por opiáceos está relacionado com a ati-
vaçáo de vias modulatórias descendentes. Além da substância
cinzenta periaquedutal, que integra aferências autonómicas,
límbicas, sensoriais e motoras, outras regiões do sistema ner-
voso também estão vinculadas ao processamento da sensibi-
lidade dolorosa. Por exemplo, conexões com os núcleos da
Interneurónio
inibitório rafe, já mencionadas, e com o núcleo do trato solitário (NTS)
Neurónio e hipotálamo, tornam possível a integraçãoda sensibilidade
de dolorosa com respostas vegetativas e neuroendócrinas.
projeçáo
Os circuitos neurais do corno posterior da medula também
desempenham um papel importante na modulação da aferên-
cia nociceptiva. As projeçóes descendentes serotoninérgicas e
adrenérgicas fazem contato com dendritos tanto de neurónios
de projeção espinotalâmicos como também de interneurônios
Fibras inibitórios (Figura 17.12).Opiáceos também apresentam uma
ação analgésica direta sobre a medula espinal. A morfina, por
exemplo, inibe diretamente a atividade de neurónios do corno
Figura 17.10 • Esquema de um circuito neural nocornoposteriordamedulaespinal
queilustraa teoria da comporta, segundo a qual a transmissáo da dor, conduzida por
posterior da medula, região que tem uma alta densidade de
fibrasamielínicas a neurónios de projeçáo, seria inibida por estímulos náo nocicepti- interneurônios que utilizam peptídios opioides como neuro-
vos conduzidos por fibras mielínicas Aa e AP. (Adaptada de Kandel etal., 2002.) transmissores, tais como as encefalinas e dinorfinas.

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