«Deixem passar/Esta linda brincadeira/Que a gente vamos bailar/Pr'a gentinha da
Madeira!» Não vamos ter um Império musical; teremos, hoje, sim, um conjunto de expressões linguísticas que devem despertar alguma atenção futura, quando pensarmos em utilizá-las. Vamos tomar um café ao som do bailinho ou de um jogo de futebol. Pior do que isto, foi ouvir um treinador de futebol dizer: «A gente tamos…» Regra: quando dizemos «a gente», pressupomos um singular. Logo: «a gente vai»; «nós vamos». Entretanto, o bailinho silenciou-se para vermos o jogo de futebol. Por isso, deixemos passar o bailinho, justificando como uma exceção linguística regional (cuidado que a globalização pode levar-nos ao isolamento!). Já agora: «vais ir ao café?» Estamos perante uma construção linguística muito própria da Madeira. Ao perguntar-se: «vais ao café?», há uma espécie de necessidade em salientar a ideia de «ir». Daqui resulta o mesmo verbo usado duas vezes (e seguidas). Do ponto de vista da Gramática, podemos justificar como uma construção pleonástica: dois verbos seguidos, sendo um deles conjugado no infinitivo ou no gerúndio: «Estou indo ao café». Neste caso, o problema é apenas um: a repetição do mesmo verbo (ir). Logo, a frase, do ponto de vista linguístico, é uma construção pobre, tolerável apenas, na oralidade e num contexto conversacional específico (pobre). Continuando a ida ao café: «desce para baixo» que é mais fácil do eu «subir para cima». Esta interiorização da ideia ter de ser fortalecida, leva a um pleonasmo: uma redundância linguística. Por que razão há a necessidade de repetir a mesma intenção duas vezes na frase? Hábitos linguísticos! Mais uma construção a evitar! E o local do café? Vamos a Porto Santo tomar o tal café! E agora, qual o problema? Os nomes de cidades/localidades provenientes de nomes comuns não são precedidos de artigo. Assim: «Vou ao Porto Santo (porto seguro encontrado pelos navegadores) tomar café»; mas, «amanhã vou a Machico (nome proveniente de Machim) almoçar». Imagine- se: «hoje, vou a Funchal passear» / «vou ao Machico». Ninguém aceitaria. No mínimo, cá, na Madeira! Porquê? Hábitos (desconhecimentos) linguísticos! Enquanto tomávamos o café, víamos o jogo de futebol no qual: «ambos os dois jogadores se abraçaram». «Ambos» já significa «dois». Ora bem, mais uma poupança linguística a fazer: ou «ambos os jogadores», ou «os dois jogadores»! Ao olharmos pela janela do café, pudemos ver uma «árvore com muita altitude». «Altitude?». Uma árvore tem «alguma altura». Altitude é para referências topográficas: «o Pico do Areeiro está a uma altitude de 1816 metros». A propósito: ainda não percebi por que razão há tanta fonte de informação sobre a Madeira a escrever «Arieiro»?! Terminemos a ida ao café e passemos pelo Mercado para comprar peras, depois do Benfica «ter ganhado» ao PAOK. Ops!... «Ter ganhado»? É assim: com os particípios passados, é correta utilização da forma desde que auxiliada com o ver «ter»: «ter pagado»; «ter gastado». Esquisito! No entanto, alguns gramáticos estão a preferir o uso das formas irregulares destes particípios: «ter gasto; ter ganho; ter pago». Vamos ao Mercado: «Senhora Maria, a como é as peras?» «A como é as peras?» Na língua portuguesa há um critério muito simples. Neste caso, estamos a falar de «peras»/mais do que uma pera. Em geral, na frase, o verbo é que condiciona os outros constituintes. Assim, «a como é a pera». Então: «a como são as peras». A nossa Língua tem cada «coisa». É por isto e muito mais que a nossa Língua é cheia de particularidades. Hábitos são bons, mas apenas os bons. Claro, bons hábitos linguísticos. «Diz-me como falas e dir-te-ei a cultura que tens». Para tornar este espaço mais profícuo aos leitores deste DN, fica o e-mail para onde pode ser enviada qualquer questão sobre o nossa Língua, escrita ou falada: onossoimperio@sapo.pt João Luís Freire