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O nosso Império (8)

«Deixem passar/Esta linda brincadeira/Que a gente vamos bailar/Pr'a gentinha da


Madeira!»
Não vamos ter um Império musical; teremos, hoje, sim, um conjunto de
expressões linguísticas que devem despertar alguma atenção futura, quando pensarmos
em utilizá-las.
Vamos tomar um café ao som do bailinho ou de um jogo de futebol.
Pior do que isto, foi ouvir um treinador de futebol dizer: «A gente tamos…»
Regra: quando dizemos «a gente», pressupomos um singular. Logo: «a gente vai»;
«nós vamos».
Entretanto, o bailinho silenciou-se para vermos o jogo de futebol. Por isso,
deixemos passar o bailinho, justificando como uma exceção linguística regional (cuidado
que a globalização pode levar-nos ao isolamento!).
Já agora: «vais ir ao café?» Estamos perante uma construção linguística muito
própria da Madeira. Ao perguntar-se: «vais ao café?», há uma espécie de necessidade em
salientar a ideia de «ir». Daqui resulta o mesmo verbo usado duas vezes (e seguidas). Do
ponto de vista da Gramática, podemos justificar como uma construção pleonástica: dois
verbos seguidos, sendo um deles conjugado no infinitivo ou no gerúndio: «Estou indo ao
café». Neste caso, o problema é apenas um: a repetição do mesmo verbo (ir). Logo, a
frase, do ponto de vista linguístico, é uma construção pobre, tolerável apenas, na oralidade
e num contexto conversacional específico (pobre).
Continuando a ida ao café: «desce para baixo» que é mais fácil do eu «subir para
cima». Esta interiorização da ideia ter de ser fortalecida, leva a um pleonasmo: uma
redundância linguística. Por que razão há a necessidade de repetir a mesma intenção duas
vezes na frase? Hábitos linguísticos! Mais uma construção a evitar!
E o local do café?
Vamos a Porto Santo tomar o tal café! E agora, qual o problema? Os nomes de
cidades/localidades provenientes de nomes comuns não são precedidos de artigo.
Assim: «Vou ao Porto Santo (porto seguro encontrado pelos navegadores) tomar
café»; mas, «amanhã vou a Machico (nome proveniente de Machim) almoçar». Imagine-
se: «hoje, vou a Funchal passear» / «vou ao Machico». Ninguém aceitaria. No mínimo,
cá, na Madeira! Porquê? Hábitos (desconhecimentos) linguísticos!
Enquanto tomávamos o café, víamos o jogo de futebol no qual: «ambos os dois
jogadores se abraçaram». «Ambos» já significa «dois». Ora bem, mais uma poupança
linguística a fazer: ou «ambos os jogadores», ou «os dois jogadores»!
Ao olharmos pela janela do café, pudemos ver uma «árvore com muita altitude».
«Altitude?». Uma árvore tem «alguma altura». Altitude é para referências topográficas:
«o Pico do Areeiro está a uma altitude de 1816 metros». A propósito: ainda não percebi
por que razão há tanta fonte de informação sobre a Madeira a escrever «Arieiro»?!
Terminemos a ida ao café e passemos pelo Mercado para comprar peras, depois
do Benfica «ter ganhado» ao PAOK. Ops!... «Ter ganhado»? É assim: com os particípios
passados, é correta utilização da forma desde que auxiliada com o ver «ter»: «ter pagado»;
«ter gastado». Esquisito! No entanto, alguns gramáticos estão a preferir o uso das formas
irregulares destes particípios: «ter gasto; ter ganho; ter pago».
Vamos ao Mercado: «Senhora Maria, a como é as peras?»
«A como é as peras?»
Na língua portuguesa há um critério muito simples. Neste caso, estamos a falar de
«peras»/mais do que uma pera. Em geral, na frase, o verbo é que condiciona os outros
constituintes. Assim, «a como é a pera». Então: «a como são as peras».
A nossa Língua tem cada «coisa». É por isto e muito mais que a nossa Língua é
cheia de particularidades.
Hábitos são bons, mas apenas os bons. Claro, bons hábitos linguísticos.
«Diz-me como falas e dir-te-ei a cultura que tens».
Para tornar este espaço mais profícuo aos leitores deste DN, fica o e-mail para
onde pode ser enviada qualquer questão sobre o nossa Língua, escrita ou falada:
onossoimperio@sapo.pt
João Luís Freire

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