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Autores:
Bruno da Cunha de Oliveira (Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
- OLIVEIRA, Bruno
Ítalo Godinho da Mota Martins (Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo)
- MARTINS, Ítalo G.
João Pedro Carneiro Carvalho (Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo)
- CARVALHO, João Pedro C.
Joaquim Kireef Piza (Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo)
- KIREEFF, Joaquim
Murillo Tadeu Bessa Arabadgi (Escola Politécnica da Universidade de São Paulo)
- ARABADGI, Murillo
Tomás Edu Domschke Tomic (Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo)
- TOMIC, Tomás
Resumo:
O presente trabalho tem como foco a apresentação da viabilidade e da necessidade de
desenvolver um projeto naval de larga escala na figura de um porta-aviões nacional movido a
energia nuclear. A criação de tamanha infraestrutura será capaz de ativar na inteireza e, em
assim o fazendo, desenvolver a BID, incentivar a capacitação de técnicos brasileiros em
engenharia naval, aproveitar o suporte institucional e de Acordos que viabilizou a construção
do submarino nuclear e, nesta última seara dar seguimento à missão do Programa Nuclear
Brasileiro e do Centro Industrial Nuclear de Aramar para que novos usos e desafios evitem o
cessamento do desenvolvimento nuclear militar de ponta. A viabilidade é estudada com
atenção ao estado de coisas da BID, o respaldo doméstico e as possibilidades de parceria na
dimensão externa, fazendo referência aos modos de obtenção de tecnologia militar. Já a
necessidade é justificada nos possíveis empregos deste elemento de combate, nas diretrizes da
PND e nos efeitos positivos de desenvolver a tecnologia. Conclui-se, por fim, que o projeto
estratégico de um porta-aviões nuclear potencializará a defesa dos interesses nacionais, bem
como a proteção das áreas de relevância para o país no dito Círculo do Atlântico Sul, com um
redimensionamento da política externa brasileira para permitir a projeção do poder pacífico.
3
TILL, Geoffrey. Seapower: Theory and Practice. Essex: Frank Cass & Co., 1994.
4
TILL, Geoffrey. Seapower: A Guide for the Twenty-First Century. 3 ed. Nova York: Routledge, 2013.
2
territoriais brasileiras, Antártida, África, e águas internacionais do Atlântico Sul) e os usos
atribuíveis ao porta-aviões brasileiro, e suas funções internacionais.
Afirmamos, também, o papel não meramente propositivo do presente artigo, no
sentido de investigar a viabilidade e a necessidade de um porta-aviões nacionalmente
produzido, mas, disto, extrair o esboço de uma visão geral composta, cujas partes deverão ser
necessariamente articuladas para um real pensamento estratégico. Assim, além da dimensão e
do ritmo propositivo, o presente trabalho imbui-se de um ritmo e de uma dimensão
conceptivos de um modo de tratar cognitivamente as questões de Defesa, não buscando a
verticalização específica, mas a articulação dos campos potenciais gerados pelo pensamento
especializado - retomando, enfim, com novas proporções, a tradição generalista do Itamaraty.
2. Viabilidade
i. Quesito técnico-produtivo
A viabilidade técnico-produtiva tange a capacidade e organização da Base Industrial
de Defesa, suas divisões, suas cadeias produtivas e a articulação entre diversos setores da
indústria (indústrias mecânica, eletrônica, metalúrgica, nuclear, química; e engenharias
eletrônica, de materiais, produtiva, civil, naval e mecânica) e a sua alimentação por institutos
de inovação e produção técnico-científica com a formação de pessoal capacitado e a
viabilidade econômica, considerando sua competitividade de mercado, isto é, a
sustentabilidade comercial no sentido da possibilidade de gerar um produto comercializável,
seja em sua unidade integral, seja dividindo-a em subpartes, de modo a garantir
estrategicamente a sustentabilidade industrial.
5
Ministério das Relações Exteriores. 2019. Relações bilaterais. Disponível em:
http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/relacoes-bilaterais.
6
TOMIC, O termo indústria: uma transformação. Reflexões acerca da evolução semântica do termo no Brasil -
do emprego corrente no século XIX ao no século XX, (…). São Paulo, 2017.
3
articulando realidades atuais com possibilidades vindouras. É com este espírito que se afirma
na Estratégia Nacional de Defesa a necessidade de organização e capacitação da Base
Industrial de Defesa do Brasil no sentido de autonomizar tecnologicamente o País7. Organizar,
como evidenciado pela menção ao Patriarca, é, também, reorganizar.
Hoje, a BID é composta pelos seguintes sete principais setores8: Armas e Munições
Leves e Explosivos, Armas e Munições Pesadas, Sistemas Eletrônicos e Sistemas de
Comando e Controle, Plataforma Naval Militar, Plataforma Aeroespacial Militar, Plataforma
Terrestre Militar e Propulsão Nuclear. Cada um destes setores é, por sua vez, composto
científica e academicamente por interseções disciplinares, isto é, cada um dos setores da BDI
articula em sua composição funcional saberes técnicos de disciplinas científicas distintas entre
si.
Para mencionar algumas, poderíamos nos ater à articulação de grande áreas, tais como
a Física, a Engenharia (tecnologia), a Administração (execução e controle orçamentário), o
Direito (mecanismos jurídicos envolvidos nos processos de constituição e contratações,
ferramentas, também da Administração), o Design (projeto dos produtos), o Urbanismo (a
implantação das sedes funcionais em territórios e a organização da vida social a elas
relacionada), às Relações Internacionais (o comércio exterior, as exportações e importações
de peças e produtos), e a Ciência Política (pensamento geopolítico e elaboração estratégica
que leve em consideração as dinâmicas relacionais, internas e externas, tal como a defesa da
execução do pensamento estratégico).
Dentro da Engenharia, por exemplo, há de se notar a complexidade das disciplinas de
conhecimento envolvidas. Envolvem-se as Engenharias Mecânica, Eletrônica, de
Telecomunicações, Metalúrgica, Siderúrgica, de Materiais e Nuclear. Tal como identificamos
o envolvimento das disciplinas administrativa, financeira, orçamentária, tributária,
internacional-pública, internacional-privada do Direito. Ou, ainda, no urbanismo, concepções
ampliadas da abrangência de planejamento - grandes obras de infraestrutura, por exemplo,
que articulam e interferem dinâmicas populacionais, econômicas e sócio-culturais urbanas e
rurais, tal como a obra de Transposição do Rio São Francisco.
A ênfase ao segundo setor (industrial) como base para o desenvolvimento do País está
contido na Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) lançado pelo governo brasileiro em
2008 em retomada e aprofundamento do Política Industrial, Tecnológica e de Comércio
Exterior (PITCE), de 2004. O reconhecimento da importância da interlocução com o
empresariado para a realização das intenções informadas no documento aponta para a
necessidade de aproximação entre os centros de formação das futuras lideranças políticas do
País e as conglomerações representativas do setor produtivo. De um lado para que se formem,
as novas lideranças, cientes das demandas reais da BID e, mais amplamente, do setor
industrial, como um todo, cultivando uma prática de pensamento estratégico. De outro, para
que as referidas organização e capacitação da BID possa ser proposta pela massa crítica
nacionalmente formada.
Racionalizar esse processo de organização e capacitação da BID por meio da reflexão
do estado de coisas atual não é menos do que o modo adequado a um Estado Democrático de
Direito, carregado dos valores da transparência e da previsibilidade econômica, próprios das
democracias contemporâneas triunfantes desde o fim da Guerra Fria, de perseguir a
otimização e ampliação de seus poderes produtivos. Aliar a massa crítica das academias
7
Estratégia Nacional de Defesa, pp. 60 e 73.
8
Dados de 2011 - <http://livroaberto.ibict.br/bitstream/1/550/1/base_industrial_de_defesa_brasileira.pdf>
4
universitárias à vinculação prevista na END entre a Marinha do Brasil e o setor produtivo, em
especial a BID,9 deve servir à perfeição das diretrizes previstas no documento diretivo.
Isto, levando-se em conta o reconhecimento pela PDP a necessidade de “uma
estrutura de governança que define, com clareza, responsabilidades pela execução e gestão
de cada programa e indica a necessidade de fortalecer mecanismos de coordenação
intragovernamental. Este é o maior desafio para esta política: alcançar efetividade na
coordenação de ações entre distintas instituições públicas”. Tal como o enquadro da Energia
Nuclear e do Complexo Industrial de Defesa como áreas estratégicas e a afirmação do mister
de consolidação e expansão da liderança do Complexo Aeronáutico e Siderúrgico10.
Documentos mais atuais, como o Mapa da Indústria 2018-202211, apontam para a
Inovação e o Comércio Exterior como fatores-chave para o Brasil alcançar competitividade
sustentável. Considere-se adequada a menção às diretrizes atuais do setor industrial como
elemento importante para os fins do presente trabalho, na medida de impactar a elaboração de
um produto do grau de complexidade tecnológica como o é um porta-aviões de propulsão
nuclear, todo o setor industrial, com ganhos laterais vitais à saúde econômica do País, seja
pela geração de empregos ou pela produção local, que exige a formação de profissionais
altamente qualificados para integrar quadros que deverão se engajar na capacitação da BID.
12
<http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/relacoes-bilaterais>
6
Os desafios de refinamento e sofisticação das técnicas de canalização de ativos
nacionais em negociações internacionais não é simples, e não deve passar ao largo da
necessidade de um contato real dos representantes diplomáticos com os dos setores que
estruturam a economia nacional, numa relação voltada para os fins de uma diplomacia
promotora da paz como valor carregado pelo princípio da Segurança Jurídica, presente, no
sistema de valores do direito internacional. Isto porque a Segurança Jurídica implica,
necessariamente, em aumento da previsibilidade das relações comerciais e, per se, significa
mitigação dos riscos característicos da dinâmica geopolítica e do comércio internacional.
O direito internacional como instrumento central da prática diplomática brasileira13 é
dotado, não apenas de uma tecnologia específica de grande importância na formação do
diplomata brasileiro mas é, também, característico do experimentalismo democrático14 do
final do século XX e das primeiras décadas do XXI, uma vez concebido como ferramenta de
transparência e de racionalização das relações internacionais. Isto de maneira marcante, não
apenas nos documentos jurídicos como tratados, acordos, convenções internacionais e
congêneres, como na estrutura contratual das relações comerciais bilaterais - a distinção entre
o acordo principal, de qualidade pública, e o acordo secundário, de caráter sigiloso (Non
Disclosure Agreement), no qual se balanceia as contra partes da efetivação do contrato.
Soma-se à esta visão contratual estruturalista estática, uma visão dinâmica do contrato
como processo. E então, há de se considerar a riquíssima contribuição que este gênero de
teoria jurídica tem para a persecução da realização do contrato, não mais tido como
momentum, negócio jurídico pontualmente localizado no tempo, mas como tempus.
Entender-se um contrato - e no presente trabalho, um contrato de transferência de tecnologia -
como um processo a ser concretizado elabora um pensamento estratégico mais preciso e
efetivo do que o entendimento de um contrato como um pacto, um acordo de vontades que se
constitui pontualmente.
v. Viabilidade política
A viabilidade política considera os interesses e a vontade política em duas dimensões:
a interna e a externa, como já dito. A viabilidade interna diz respeito ao processo de
informação, de elaboração de potências que, canalizadas, sejam capazes de realizar tal estado
de possibilidade planejada. Este momento diz respeito ao debate público e ao estudo
estratégico de planejamento e cálculo e sopesamento de benefícios e obstáculos, e é vital a
informação deste pela dimensão do que mais adiante será tratado como a necessidade. A
viabilidade externa, por sua vez, vincula-se tanto à cooperação como modo contemporâneo de
promoção e impulsionamento da ciência; quanto às etapas de negociação internacional para a
decisão dos parceiros envolvidos para a construção de porta-aviões brasileiros.
A transferência internacionais de tecnologia, na experiência brasileira, ocorre envolta
por um ambiente negocial que guarda o potencial para o firmamento de acordos. O acordo,
assim, é a culminação de um processo de negociação continuada que elabora expectativas e
forma um vínculo de confiança. São dois os casos eleitos como os mais importantes para se
pensar a elaboração de um porta-aviões brasileiro: o acordo que permitirá ao Brasil produzir
um submarino nuclear, e o de cooperação tecnológica e compra dos caças Gripen da Saab.
O traço comum entre os acordos é a transferência de tecnologia e o fato de serem
acordos de cooperação internacional, envolvendo a atividade diplomática comercial, no
sentido de haver um esforço de equipes para a avaliação técnica e negociação das condições
13
DIAS DUARTE, Caio Henrique; TOMIC, Tomás; LEAL, Débora; BARRETO, Lucas; MINHONI, Felipe;
MARTINS, Ítalo G. Geografia das Paixões: Política Externa e Defesa Nacional. São Paulo, 2018.
14
SABEL, Charles. Dewey, Democracy, and Democratic Experimentalism. Nova Iorque: Editions Rodopi, 2012.
7
tecnológicas, científicas, econômicas e comerciais dos acordos. Tê-las, as mencionadas
experiências, em mente poderá servir para imaginar-se estratégias de negociação para a
assinatura de um acordo que permita ao Brasil a elaboração de um projeto para a construção
de um porta-aviões nuclear, tal como as estratégias de continuação contratual, para que o
contrato, uma vez firmado, não seja interrompido, mas, sim, levado à execução daquilo que
restou estabelecido.
a. Dimensão Interna
Pensar a viabilidade política interna de um projeto como o de um porta-aviões
produzido no Brasil leva-nos à necessidade de ter bem concebida a estrutura e o sistema
políticos brasileiros, uma vez que este tipo de decisão é tomada com a articulação de grupos
que têm o poder de mobilizar e dirigir o Estado brasileiro, este, por sua vez, entendido como
um dentre os agentes envolvidos em um processo de alta complexidade como o aqui tratado.
A República Federativa do Brasil, orientada pelos valores do direito, de ordenamento
e organização das atividades no País, tem nos textos jurídicos, por suas vezes encerrados em
documentos de Estado, as bases que se constituem como referencial universal obrigatório que
respondem ao valor da transparência e do registro das atividades empreendidas pelos agentes
públicos enquanto investidos como representantes e porta-vozes.
Assim, haverá a elaboração documental de três qualidades diversas, correspondentes a
três etapas do processo decisório. A primeira delas, a etapa de proposição, por meio da qual se
colocam em circulação o que será debatido, quais temas serão discutidos e, por isto, pode ser
chamada de etapa constitutiva, ou ainda, etapa ontológica, uma vez que é o estímulo inicial
para um posterior debate que dela se desenvolverá. A segunda, propriamente de debates, na
qual são analisadas e criticadas as propostas, sempre num exercício de destrinchamento das
possíveis consequências de modo a permitir uma previsão dos custos e benefícios que se farão
presentes com a tomada de uma decisão, e pode ser chamada de etapa analítica.
Ambas as etapas anteriores existem como etapas potenciais, e assumem a condição de
ato com o ápice do processo decisório que é a elaboração de uma ordem, de um comando que
servirá de referencial material para a disciplina das atividades sucessivas. Esta etapa, a
terceira, a da positivação da norma que orientará a atividade executória da decisão, é o marco
divisório entre uma fase legislativa e uma fase executiva do pensamento estratégico de
Estado. É por isto, por ser a etapa corolária do processo decisório, que pode-se chamar de
etapa propriamente decisória, uma vez que nela se elabora definitivamente o referencial
normativo da decisão, e que inaugura, então, a fase executória.
Vale mencionar que os nomes legislativo e executivo referenciam, aqui, funções, e não
estritamente divisões da estrutura de Estado e de governo. A fase legislativa, por assim dizer,
não está estritamente encerrada e contemplada pela atividade dos legisladores, mas à função
que permeia, não apenas os Três Poderes da República, como a Sociedade Civil.
A relação entre opinião pública e decisão faz-se, então, componente do processo ao
qual nos estamos referindo, e que merece sua devida atenção. Se por um lado, a tradição
brasileira é de constituir-se idealmente, elaborando para si um documento programático a ser
seguido, sempre propondo um dever-ser a ser perseguido e concretizado ao invés de
sedimentar de maneira abreviada os valores e princípios que deverão nortear as decisões
futuras, por outro há a relação entre o ser da realidade à que se dirige o idealismo
constitucional. No entanto, sempre de maneira composta.
O diagnóstico que Oliveira Vianna nos apresenta pela primeira vez em 1927
referindo-se à Constituição de então, é de que o processo legislativo é insensível à opinião
pública, e que as diretrizes do Estado brasileiro orientam-se antes pela iniciativa de homens de
Estado que pensam saber o que é melhor para o País do que pelo sentido que a opinião
8
pública, por meio das grandes mídias (então jornais e revistas, hoje, os grandes canais de
televisão e sites de notícias formadores da opinião), pretende ou almeja15. Por outro lado, o
autor estadunidense Jeffrey Winter aponta as redes de influência e articulação que cercam o
exercício do poder de modo a esclarecer os mecanismos obscuros e reais de influência dos
agentes externos nas decisões internas do Estado16.
Em síntese, o esforço de investir reflexão e de articular em linguagem os debates das
grandes decisões têm um sentido civilizatório de participação e responsabilização da
população pelas decisões que são tomadas em nome de todos e que estão em correção aos
valores de democratização17. Publicizar os debates e racionalizar seu processo de elaboração
com um realismo crítico voltado à elaboração ideal de deveres imediatamente futuros é um
trabalho que, apesar de aparentemente custoso em um primeiro momento, deverá surtir como
otimizador das atividades que dele se desdobrarão.
Dois exemplos que fundamentam a viabilidade política interna, no sentido de haver
como ponto pacífico nos debates das prioridades estratégicas do Brasil a necessidade de
fazer-se presente no Atlântico Sul, são as manifestações de Raul Jungmann e Celso Amorim,
que num espectro político compõem quadros que na ordem estrutural político-partidária da
República pós-1988 são tidos como conflitantes.
O primeiro diz que os interesses marítimos, para o Brasil, "estendem-se por toda a
extensão do Atlântico Sul"18. O segundo, por sua vez, afirma duas esferas imediatas de
interesse estratégico nacional, a "América do Sul e o Atlântico Sul, chegando à costa
ocidental da África" 19.
Entenda-se esse ponto de convergência entre espectros ideológicos tradicionalmente
conflitantes como um sinal da viabilidade de um consenso interno para se pensar a projeção
do poder pacífico brasileiro por meio de um porta-aviões, vez que permeiam a visão política
de agentes conflitantes que disputam a esfera governamental. As razões pelas quais se pode
compreender esse acordo e sua necessidade, bem como as vantagens estratégicas de o
contemplar pelo meio pelo qual propô-se cá defender serão expostas mais adiante.
Em síntese, a unicidade existe pois os projetos estratégicos de defesa e a proteção dos
interesses do país são matéria de políticas de Estado e não de governo. A construção de uma
obra da magnitude de um porta-aviões nuclear nacional, portanto, tal qual o submarino
nuclear, assegura a posição do Brasil no mundo e potencializa-a na sua máxima capacidade.
b. Dimensão Externa
A capacidade de o Brasil produzir um porta-aviões nuclear deve ser analisada além
dos limites impostos pelo estudo da dimensão interna. Com efeito, o estudo desta viabilidade
deve ter amparo na dimensão externa de fatores que podem vir a criar a base de um projeto
tão demandante em relação a tecnologia e mão de obra capacitada. No bojo do olhar para o
cenário internacional em busca de caminhos que possibilitem a construção de um tão vital
15
VIANNA, Oliveira. O idealismo da Constituição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1939.
16
WINTERS, Jeffrey. Oligarchy. Nova Iorque: Cambridge University Press, 2011.
17
LAFER, Celso. Pensar e decidir a política externa (1992) in A Palavra dos Chanceleres na Escola Superior de
Guerra (1952 - 2012). Brasília: Funag, 2018. "O corolário natural deste impulso democratizador, do ponto de
vista de países como o Brasil, seria a reforma da Carta das Nações Unidas, de modo a permitir que a estrutura da
Organização reflita mais adequadamente as realidades da distribuição do poder internacional. Este é o caso, em
particular, do Conselho de Segurança que certamente ganharia em representatividade com a criação de uma nova
categoria de membros permanentes, como o Japão, a Alemanha, a Índia e o próprio Brasil."
18
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Mensagem no 908, de 2009. Comissão de Relações Exteriores e de Defesa
Nacional. 2010.
19
AMORIM, Celso. A política de defesa de um país pacífico (2012) in A Palavra dos Chanceleres na Escola
Superios de guerra (1952 - 2012). Brasília: Funag, 2018.
9
projeto de tecnologia militar que permita às Forças Armadas, como tradicionalmente tem
feito, cumprir sua missão constitucional, estão os processos de obtenção de tecnologia militar.
Em trabalho no âmbito do projeto O Papel da Defesa na Inserção Internacional
Brasileira, José Carlos Albano do Amarante20 estrutura conceitualmente esses tais modos de
obtenção dividindo-os em transferência de tecnologia, desenvolvimento cooperativo
internacional (em nível governamental ou empresarial) e desenvolvimento autônomo. Cada
qual representa seus próprios desafios e facilidades, podendo ser divididos em uma escala de
tempo, risco e recursos a serem despendidos para que se alcance o resultado útil esperado.
O desenvolvimento autônomo como meio de obtenção, ainda que seja o que mais
mobiliza as estruturas de P&D de um país e, por muitas vezes seja o menos oneroso modo de
obtenção de tecnologias não será tão profundamente explorado em face de outras
possibilidades que carregam maior viabilidade ao projeto, em face do menor tempo para a
chegada ao resultado e da chance mais relevante de sucesso - especialmente quando
consideradas as parcerias específicas abaixo trazidas.
Na seara do desenvolvimento cooperativo internacional, pode-se trazer o
bem-sucedido caso do míssil A-Darter criado em parceria com empresas sul-africanas que,
atualmente se encontrando na fase final de desenvolvimento, tem como futuro próximo a
constituição de uma complexa combinação de elementos de combate, por via de sua etapa de
integração ao projeto do Gripen. Essa visão de conjunto (holística) de integração de
componentes de sistema é exatamente o que o referido General destaca como sofisticação
crescente da tecnologia militar que atinge altos níveis de valor (AMARANTE, 2013, p. 8).
No âmbito da transferência de tecnologia tem-se por exemplo paradigmático no
Brasil a produção pelo PROSUB dos submarinos convencionais modernos e, mais importante,
do primeiro submarino de propulsão nuclear brasileiro. A criação dessas novas classes de
veículos só foi factível no seio da parceria internacional por meio da qual a França transferiu a
tecnologia referente aos seus próprios submarinos Scorpène.
Foi assinado em 29 de janeiro de 2008 o Acordo entre o Governo da República
Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa Relativo à Cooperação no Domínio
da Defesa e ao Estatuto de suas Forças, por meio do qual buscou-se ampliar a relação entre os
países nesta matéria especialmente "nas áreas de pesquisa, d esenvolvimento, a poio logístico,
aquisição de produtos, equipamentos e serviços de defesa" 21 (destacou-se). Na aprovação do
20
General de Divisão da Reserva do Exército, professor do Instituto de Estudos Estratégicos na Universidade
Federal Fluminense.
21
Exposição de Motivos no 00166 COCIT/DAI/DEI/MRE - PAIN-BRAS-FRAN.
10
decreto legislativo para ratificar o acordo, a relatora Deputada Maria Lúcia Cardoso declarou
em seu voto, acertadamente, que:
No fim do mesmo ano de 2008, foi assinado o Acordo entre o Governo da República
Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa na Área de Submarinos e, em seu
turno, na aprovação do instrumento no Congresso Nacional, o relator e depois Ministro da
Defesa Raul Jungmann explicitou em seu voto que a França foi "o único país que se
apresentou disposto a estabelecer a cooperação tecnológica necessária ao Brasil".
O porta-aviões nuclear é uma tecnologia dominada pela França desde, pelo menos, o
comissionamento do Charles de Gaulle em 18 de maio de 2001, de forma que a transferência
do conhecimento necessária para a construção de uma estrutura dessa no Brasil está entre as
muitas outras perspectivas no campo militar que ilustrou a relatora da aprovação do acordo
guarda-chuva de cooperação no domínio da defesa entre os dois países. A história de razoável
sucesso ilustrada pelo submarino atualmente construído pelo Brasil indica a França como a
mais razoável parceira para o desenvolvimento das plantas e capacidades técnicas de
produção do primeiro porta-aviões nuclear nacional. Ainda que se possa trazer a questão de
não poder a França transferir tecnologia nuclear, o país pode e pôde - fazendo-se referência ao
auxílio na construção do submarino Álvaro Alberto - contribuir no design geral do barco
restando a cargo da pesquisa nacional e do Centro Industrial Nuclear de Aramar o
desenvolvimento de um motor-reator capaz de locomover o porta-aviões.
Servem, ainda, de atrativos à parceria com a França para o desenvolvimento do
projeto, o histórico de capacitação científica e tecnológica de engenheiros brasileiros no
exterior por meio de programas de intercâmbio de qualificação com os franceses. Não
bastasse, o país é um dos dois no mundo que opera porta-aviões com sistema de lançamento
por catapulta (CATOBAR), o que por sua vez permite o lançamento mais veloz e de uma
maior gama de aeronaves, pois a ausência de tal funcionalidade implica em operar apenas
aeronaves com decolagem e aterrissagem verticais ou a redução da utilidade da embarcação
no uso de uma rampa de lançamento - como o fazem Reino Unido e China.
Comentou-se ser a França um dos dois países a possuir a catapulta de lançamento, mas
também o é em relação a porta-aviões movidos por geradores nucleares, sendo a outra nação
os Estados Unidos da América. Sabe-se, muito no entanto, que a parceria para a transferência
de tecnologia militar com os Estados Unidos não é apenas inviável como impossível posto
que a produção científica do país neste segmento específico da área da defesa está tão mais
desenvolvido que o de outros países e que a cooperação - quando existente - está restrita aos
seus aliados, rol entre os quais o Brasil não se encontra.
Assim, na esfera da transferência de tecnologia, existe uma real viabilidade de
encaixar o desenvolvimento de um porta-aviões nuclear na circunjacência do Acordo de
Cooperação Brasil-França no domínio da defesa como fez-se com o submarino nuclear que
atualmente avança em direção ao sucesso do projeto. Tal parceria seria benéfica para criar,
além da estrutura da embarcação em si, o sistema de lançamento de aeronaves por catapulta,
11
bem como para capacitar engenheiros no exterior, podendo verter por um efeito spill out em
desenvolvimentos na área da engenharia naval civil e nuclear nacional - essa última pela
necessidade de potencializar o reator já em construção que abastecerá o SN Álvaro Alberto.
Bem como teve-se o aumento na complexidade e valor final do resultado pela combinação do
projeto do míssil A-Darter com o caça Gripen, pode-se vislumbrar a exponenciação do
desenvolvimento militar brasileiro com a integração da dita aeronave com um porta-aviões
nacionalmente produzido.
Outra possibilidade fora do escopo dos Acordos de Cooperação entre os Estados estão
os acordos de offset, pelos quais o comprador, objetivando a transferência de tecnologia, a
capacitação de pessoal ou o desenvolvimento industrial, oferece compensações ao vendedor
que podem assumir diversas naturezas limitadas apenas pela criatividade dos negociadores do
contrato (MEDEIROS & MOREIRA, 2016). Serve de exemplo a aquisição dos caças Gripen
pela Aeronáutica do Brasil, com transferência de tecnologia, que ocorreu em meio a um
ambiente negocial favorável que criou a janela de oportunidade para a contratação.
Fazendo-se breve passagem pelos acordos assinados com o Reino da Suécia, o
primeiro ocorreu no ano de 1955, e era um acordo sobre Registro de Marcas Industriais e
Comerciais. Após este, alguns outros acordos, convênios e convenções (de menor importância
para os fins do presente trabalho) foram assinados, em 1956, 1960, 1969, 1970, 1976, 1979 e
1983. Em 1985 o Presidente Sarney e o Primeiro-Ministro Ingar Carlsson participaram de um
encontro oficial e assinaram uma declaração conjunta. Então, em 1989, assinaram um Acordo
de Cooperação Econômica, Industrial e Tecnológica. Em 2000, um Memorando de
Entendimento sobre Cooperação em Assuntos Relativos à Defesa, complementado via anexo
em 2001. Em 2009, um Protocolo Adicional sobre Cooperação em Alta Tecnologia Industrial
Inovadora ao Acordo entre o sobre Cooperação Econômica, Industrial e Tecnológica e um
Memorando de Entendimento entre o Ministério das Relações Exteriores do Brasil e seu vis a
vis sueco sobre o Estabelecimento de Mecanismo de Consultas Políticas.22
Só após cinco anos, em 2014, é que o contrato de aquisição dos Gripen é concretizado
e estabelece, além da transferência de tecnologia, o apoio logístico para a produção da
tecnologia e treinamento de mecânicos e pilotos brasileiros na Suécia23. A cooperação
científica e tecnológica firmada no acordo foi um fator de grande influência pela escolha pela
empresa sueca que, após a compra, colocará à disposição da Embraer o conhecimento
necessário para continuar nacionalmente a produção do caça. De forma geral, o contrato
envolve um investimento total aproximadamente 13 bilhões de reais.
Ainda no plano da viabilidade internacional da realização de um projeto de
porta-aviões como o aqui registrado, está a questão das normas que regem o acesso à
tecnologia nuclear. Não bastasse estar registrado na Constituição Federal24, a exploração
pacífica de toda e qualquer atividade nuclear, o Brasil sujeita-se também à fiscalização e
normas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), bem como ao Tratado de Não
Proliferação e o de Tlatelolco. Bilateralmente, há a Agência Brasileiro-Argentina de
22
Ministério das Relações Exteriores. 2019. Atos Conjuntos Brasil-Suécia. Disponível em:
http://estocolmo.itamaraty.gov.br/pt-br/atos_conjuntos_-_suecia.xml.
23
Ministério da Defesa.. 2019. Contrato Gripen. Disponível em:
https://www.defesa.gov.br/noticias/14115-Brasil-assina-contrato-.
24
Cuja redação é a que segue: "Art. 21. Compete à União: XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de
qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a
industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e
condições:
a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação
do Congresso Nacional;" (destacou-se).
12
Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares que supervisiona e verifica o programa
brasileiro. É dentro das limitações do desenvolvimento pacífico de tecnologias nucleares,
logicamente, que tratar-se-á da necessidade de um porta-aviões com propulsão de tal natureza.
3. Necessidade
Constitui fundamento das atuais diretrizes estratégicas, tanto postas pelo Estado
brasileiro, quanto elaboradas pelas entidades representativas do setor produtivo brasileiro, a
inovação como valor organizador da sistematização dos esforços para o crescimento e
sustentabilização das capacidades da indústria nacional.
Mas não é de hoje que a inovação permeia o entendimento quanto às estratégias
nacionais para o desenvolvimento sócio-econômico. A chamada Lei de Inovação, nº 10.973,
de 02 de dezembro de 2004, estabelece quais são os instrumentos de estímulo à inovação nas
empresas, dentre os quais, a encomenda tecnológica (ETEC), que juridiciza um mecanismo
legal inverso do de bolsas de pesquisa, tendo em vista que as ETECs são políticas de inovação
que atuam pelo lado da demanda25, enquanto que as bolsas têm um sentido projetivo daquilo
que é pensado e cultivado em potencial na academia, de elaboração de conteúdo que deverá
ser aproveitado pelo mercado segundo aquilo que é posto pela pesquisa.
A ETEC guarda, então, o sentido da otimização da eficiência da produção acadêmica,
o que, tanto para o profissional que se engaja em projetos de produção de conteúdo científico
e técnico quanto para o demandante, significa, de certo modo, uma estabilidade, uma
segurança de que os esforços empenhados estarão bem direcionados aos fins de extrapolar o
claustro acadêmico e impactar a vida nacional. Assim, a ETEC estimula a produção pelas
necessidades reais existentes, de modo a fazer alimentar as deficiências organizativas do setor
produtivo com a produção acadêmica direcionada.
Restou descrito no Livro Branco da Defesa Nacional que o principal objetivo na esfera
do nuclear é "a consolidação e a autonomia tecnológica da indústria nuclear brasileira como
um segmento de ponta essencial ao desenvolvimento" (LBDN, p. 68). Deve-se entender a
evolução progressiva dessa forma de tecnologia no Brasil como um percurso que teve início
na atuação primeva do Vice-Almirante Álvaro Alberto e na instalação das usinas nucleares do
complexo de Angra dos Reis; que passa, então, pelo atual total domínio sobre o ciclo de
combustível nuclear e processo de P&D nas universidades e no CINA; pela criação de um
reator capaz de locomover o futuro submarino nuclear brasileiro; resultando, por fim, na
construção de um reator para abastecer o primeiro porta-aviões brasileiro.
Isto reforça a necessidade de se pensar em um porta-aviões nuclear e não em um
comum. Não apenas a Energia Nuclear, como já visto, compõe uma das áreas de
desenvolvimento estratégico do Brasil, mas a proposição de um novo produto que necessite
do desenvolvimento de motores movidos a energia nuclear pode potencializar e, num limite,
viabilizar a realização e otimização do setor como um todo. Isto é, a formulação de mais de
um projeto no setor nuclear pode permitir a alimentação de um por outro, tanto da tecnologia
desenvolvida, quanto dos profissionais que se capacitam para atuar no campo.
Outro fator de inovação que um porta-aviões nuclear trará é o da capacitação técnica
daqueles que operarão os instrumentos militares, sendo, as características operacionais
sensivelmente distintas, entre um porta-aviões comum e um nuclear. A começar pelo
deslocamento, cuja velocidade é superior em tratando-se de um porta-aviões nuclear, mas
especialmente o caráter contínuo destes. Enquanto o porta-aviões comum tem um
25
A. T. RAUEN, C. M. M. BARBOSA. Encomendas Tecnológicas o Brasil: guia geral de boas práticas.
Brasília: ipea, 2019. Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/190116_encomendas_tecnologicas.pdf.
13
deslocamento espacial limitado pela necessidade reiterada de reabastecimento do
combustível, o nuclear tem a característica de funcionar por anos sem tal inconveniente.
A maior versatilidade e independência do porta-aviões nuclear delineia uma evidente
vantagem estratégica, posto que as frotas podem agir em maiores raios de ação por toda a
extensão do Atlântico Sul e a mera presença dissuasória de uma embarcação dessa magnitude
já possibilita a projeção do poder brasileiro na região do entorno estratégico brasileiro (EEB).
Dividem-se em duas, as zonas de interesse estratégico imediato do Brasil: a América
do Sul, estendendo-se ao Oceano Pacífico como zona estratégica para atuação no território
Sulamericano, e o Atlântico Sul, ou, ainda, como cá o referimos, o Círculo do Atlântico Sul,
por não se tratar estritamente do oceano, mas, além de si, de seu contorno estratégico (mar
territorial brasileiro, Antártida, costa Africana e Atlântico Norte).
Quanto ao Círculo, é importante mencionar a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico
Sul (ZOPACAS), formada no mesmo ano da criação da COPESP, em 1986, por iniciativa do
Brasil que resultou na resolução 41/11 do Conselho de Segurança das Nações Unidas,
promotora da cooperação e manutenção da segurança e paz na região, e objetivando
destacadamente evitar a proliferação de armas nucleares e eliminar gradualmente a presença
militar de países não-membros da organização.
Da III Reunião Ministerial da ZOPACAS, em setembro de 1994, adotou-se a
Declaração de Desnuclearização do Atlântico Sul. Importa notar, que o referido processo de
desnuclearização diz respeito a armamento nuclear, e não a tecnologias nucleares, como a
propulsão a energia nuclear dos submarinos do Programa de Desenvolvimento de Submarinos
(PROSUB) ou como o cá proposto porta-aviões. Afirma-se, ainda, a necessidade de prevenir a
proliferação de armas nucleares, e o teste, uso, fabrico, produção, aquisição, recepção,
armazenamento, instalação, desdobramento, posse das mesmas. Sem prejuízo aos integrantes
da possibilidade de investir em usos pacíficos das tecnologias nucleares, como, por exemplo,
no desenvolvimento da produção de Energia Nuclear, presente como Área Estratégica do já
mencionado PDP, de 2008.
Assim, é notável a compatibilidade da construção de um porta-aviões brasileiro, não
só com a identidade internacional do Brasil, mas com as declarações por meio das quais esta
identidade se constituiu no tempo. Neste sentido é que vale notar a especial importância da
ZOPACAS, que aponta para a extinção da presença de países não-membros da organização
do Atlântico Sul e de seu redor estratégico. Para tal, é imperativa a presença de países dela
componentes e, sendo o Brasil um país de nevrálgica importância neste bloco, não apenas por
sua dimensão econômica, mas pela extensão de sua costa atlântica e atividade na vida da
organização, faz-se legítimo projetar-se por toda a extensão da Zona, como é de consenso
entre as autoridades brasileiras neste assunto26.
São membros do fórum de cooperação sul-sul a África do Sul, Angola, Argentina,
Benim, Brasil, Cabo Verde, Camarões, Congo, Costa do Marfim, Gabão, Gâmbia, Gana,
Guiné, Guiné-Bissau, Guiné-Equatorial, Libéria, Namíbia, Nigéria, República Democrática
do Congo, São Tomé e Príncipe, Senegal, Serra Leoa, Togo e Uruguai. Além de seu objetivo
central, de incentivo à criação de uma área livre de armas nucleares, insere-se no rol de
valores da ZOPACAS a proteção do meio ambiente e dos recursos marinhos, que transcende o
interesse estritamente ambiental e alcança qualidade e importância estratégica econômicas.
Ainda levando-se em consideração interesses econômicos nota-se a vinculação de dois
blocos regionais importantes da região, o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e a
26
C. AMORIM. A política de defesa de um país pacífico (2012) in A Palavra dos Chanceleres na Escola
Superior de guerra (1952 - 2012). Brasília: Funag, 2018. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Mensagem no 908, de
2009. Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional. 2010.
14
Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral. Caracteriza-se, assim, como
importante bloco de integração e colaboração econômica, comercial, científica, tecnológica,
política e diplomática. Mas o interesse pela região não está circunscrito aos interesses da
ZOPACAS, são antes os mesmos interesses que levaram o Brasil a promover sua criação que
levam, hoje, à consideração da necessidade da produção de um porta-aviões brasileiro.
Trata-se, então, da importância estratégica evidente da projeção do poder no Atlântico
Sul no tangente à proteção do mar territorial brasileiro, tanto no sentido de estabilizar a
navegabilidade pela costa brasileira, quanto à intensificação da segurança das atividades
extrativistas de petróleo, tal como a proteção de recursos naturais e de biodiversidade, em
grande parte ainda inexplorados, e a garantia do controle das atividades de exploração
econômica da chamada Amazônia Azul, também localizada ao longo da extensão costeira
atlântica brasileira27.
A proteção do mar territorial brasileiro tem especial significância aos alicerces
econômicos do País, uma vez que, nele encontra-se cerca de 85% do petróleo extraído pelo
Brasil, bem como 75% do gás natural e 45% do pescado. Soma-se a isto o fato de o
escoamento nacional ocorrer 95% por meio das rotas marítimas28, o que reitera a importância
estratégica da projeção do poder pacífico brasileiro no Atlântico Sul.
Diz o ex-Chanceler Celso Amorim que:
31
L. V. PEREIRA. Relações Brasil-África: cooperação técnica e comércio. IBRE/FGV, 2011. Disponível em:
https://portalibre.fgv.br/data/files/8A7C82332F7148B3012FD9F2C87B258A/Lia_CE201101.pdf.
32
A. da SILVEIRA, Azeredo da. Pródromos do pragmatismo responsável (1974) in A Palavra dos Chanceleres
na Escola Superios de guerra (1952 - 2012). Brasília: Funag, 2018, p. 337.
33
Marinha do Brasil. 2019. PROAREA. Disponível em: https://www.marinha.mil.br/secirm/proarea.
34
C. LAFER. P ensar e decidir a política externa (1992) in A Palavra dos Chanceleres na Escola Superior de
Guerra (1952 - 2012). Brasília: Funag, 2018.
16
Disto, pode-se projetar ao Oceano Índico possibilidades de atuação do Brasil, como,
por exemplo, no combate à pirataria - posta a importância para o Brasil das rotas que
atravessam o Cabo da Boa Esperança. O historiador militar inglês Geoffrey Till entende a
importância naval como composta por três eixos: o combate a inimigos poderosos ou menos
ameaçadores, a Diplomacia Naval (para a coerção à construção de alianças e o apoio a
aliados) e a Boa Ordem nos Mares (good order at sea) . Este terceiro eixo, por sua vez, é
descrito funcionalmente como a perseguição a piratas, contrabandistas, traficantes de drogas;
operações de resgate; colaborações com o poder civil, isto é, agentes exógenos à ordem
internacional e turbadores desta35.
Assim, diplomaticamente, o Brasil age em benefício da Comunidade Internacional em
treinando pessoal no combate aos referidos agentes, em semelhança ao que ocorre com a
Força Aérea, que treina seus Cadetes em ações de combate ao crime organizado e ao
narcotráfico na região Amazônica. Não suficiente haver na própria END o entendimento de
ser necessário o desenvolvimento de "um avião versátil, que maximize o potencial aéreo
defensivo da Força Naval" .
Além disto, o mesmo historiador inglês vê o poder marítimo no coração do processo
de globalização36, ainda hoje. Isto, na experiência brasileira, confirma-se. O mar, seja em seu
papel superficial, seja em seu papel pontual de articular a ação marítima com a ação aérea, ou,
ainda, em sua dimensão submarina, assume, ainda, esta posição nuclear do processo de
internacionalização. Isto evidencia-se com a ideia de que o território internacional é em
maioria marítimo e informa a real necessidade de redimensionar a projeção do poder marinho
brasileiro, sempre levando-se em conta as diretrizes pacifistas da exploração da tecnologia
nuclear e da ação internacional do Brasil.
4. Conclusão
Buscar a compreensão ampla pela sociedade brasileira da necessidade da produção de
um porta-aviões nacional qualifica ainda mais o sentido estabilizador da projeção do poder
pacífico brasileiro. Neste sentido, o professor Celso Lafer afirma que:
"a teoria política tradicionalmente – desde Kant pelo menos – identificou uma
forte vinculação entre a forma democrática de governo e a vocação pacífica dos
Estados, e uma conexão oposta, entre regimes autoritários e totalitários e maior
belicosidade externa. Os valores inerentes à democracia – o pluralismo, a tolerância, a
busca do consenso, o primado do direito – estendem-se à esfera da atuação externa de
um Estado, fazendo da disseminação e consolidação de regimes democráticos um
aporte em si mesmo para um sistema internacional mais estável."
35
TILL, Geoffrey. Seapower: Theory and Practice. Essex: Frank Cass & Co., 1994.
36
TILL, Geoffrey. Seapower: A Guide for the Twenty-First Century. 3 ed. Nova York: Routledge, 2013.
17
seu uso à promoção da paz e da segurança internacional, invertendo-se, assim, "a equação que
bem sintetiza o desafio internacional do Brasil de hoje com todas as transformações recentes,
o mundo tornou-s e mais relevante para o Brasil, do que o Brasil para o mundo" 37, nos dizeres
do Professor Celso Lafer.
Faz parte dos atuais desafios para a elaboração de qual seja a Política Externa
brasileira do Novo Milênio, a indagação de quem é o Brasil no mundo. Tal como são
inevitáveis considerações funcionais para se responder essa indagação, isto é, qual função
tem, e qual deve ter o País no Concerto das Nações. Qual a função e onde, localizando no
espaço os focos de ação brasileira para cumprir sua vocação pacificadora. Completa o
Professor Lafer, apontando para tal vocação da experiência civilizatória brasileira, dizendo
que:
"é por sua intensa vivência com realidades internas diferenciadas e complexas que o
Brasil está capacitado para exercitar internacionalmente a prática do diálogo. Esta
prática é um ativo diplomático. Confere nos legitimidade para promover a cooperação
e para trabalhar em prol da construção de uma ordem mundial mais justa do ponto de
vista político, econômico e ético."38
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38
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