Você está na página 1de 5

ÒRÚNMÌLÀ NÃO USAVA IKIN NEM ÒPÈLÈ QUANDO

VIVEU NA TERRA1

Bàbá Osvaldo Omotobàtálá

Pesquisador, escritor e Aworìsà


Do culto tradicional Yorùbá Nàgó
Abril / 2009

Tradutor 2
Rudinei Borba

Ìwòrì méjì diz que quando a terra não tinha mais paz, foi tomado a decisão de
que os filhos de Òrúnmìlà deveriam ir ao òrun e persuadir a seu pai para que voltasse a
terra. Consequentemente os oito filhos de Òrúnmìlà foram ao òrun onde encontraram
o seu pai ao pé de uma “palmeira já adulta e crescida, muito ramificada por todos os
lados e possuidora de dezesseis cabeças (copas) em forma de cabana.”

Eles tentaram convencer o pai a voltar a casa, mas ele se recusou e em vez
disso, deu dezesseis nozes de cola3 a cada um dos filhos e disse:

1 Disponível em <http://orisatradicional.galeon.com/>. Acessado em 17/03/2014.

2 Traduzido a partir do espanhol. Sobre o tradutor ver: <http://ileaseekundeyi.wordpress.com/>.

3 Original em: ABIMBOLA, Wande. Sixteen Great Poems of Ifá, 1975, Unesco, pág. 66-67.
ÒRÚNMÌLÀ NÃO USAVA IKIN NEM ÒPÈLÈ QUANDO VIVEU NA TERRA - Bàbá Osvaldo Omotobàtálá

“Quando vocês chegarem em casa,

Se vocês quiserem ter dinheiro,

Esta é a pessoa que deve ser consultada.

Quando vocês chegarem em casa,

Se vocês quiserem ter esposas,

Esta é a pessoa que deve ser consultada.

Quando vocês chegarem em casa,

E quiserem terem filhos,

Esta é a pessoa que deve ser consultada.

Qualquer coisa boa que vocês desejem ter na Terra,

Esta é a pessoa que deve ser consultada...”

Quando os filhos de Òrúnmìlà regressaram a Terra, eles começaram a usar os


dezesseis caroços do fruto da palmeira como instrumento de adivinhação,
conseguindo agora saber o desejo das divindades. Òrúnmìlà respondeu sua presença
na terra com os dezesseis caroços do fruto da palmeira, estas conhecidas como Ikin e
desde então esses dezesseis caroços de palmeira sagrada se tornaram o mais
importante instrumento de adivinhação para Ifá.

Fica claro então que quando Òrúnmìlà viveu na terra, ele não usava os ikin para
adivinhação e muito menos o òpèlè. Eles (os ikin) foram objeto de culto e instrumento
de adivinhação somente depois que Òrúnmìlà retornou ao òrun, sendo logo os
mesmos uma representação dele na terra. Vale dizer que depois que Òrúnmìlà subiu
ao céu é quando nasce o culto e a veneração a Ifá através dos ikin.
ÒRÚNMÌLÀ NÃO USAVA IKIN NEM ÒPÈLÈ QUANDO VIVEU NA TERRA

Bàbá Osvaldo Omotobàtálá

Segundo um capítulo do odù Ejìogbè (Iremos resumir, pois é muito extensa sua
história):

Òrúnmìlà usava dezesseis pedrinhas para fazer adivinhação, cada uma era a
representação de uma das dezesseis divindades principais, com o passar do tempo, o
trabalho de Òrúnmìlà ficou muito pesado e constante, então ele foi ao céu (naquele
tempo os homens podiam ir e vir do céu quando desejavam), ao chegar se apresentou
diante Olódùmàárè (Olófin òrun) para dizer que seu trabalho na terra estava sendo
muito difícil. Olódùmàárè pediu-lhe que tivesse paciência e perseverança e logo enviou
Òpèlè na forma humana de um homem, para que assim ajudasse Òrúnmìlà em seu
serviço na terra. Este homem (òpèlè) foi chamado de Alákàn.

O destino final de Alákàn era ajudar Òrúnmìlà, mas para que isto acontecesse,
primeiramente ele foi capturado e levado ao mercado para ser vendido como escravo.
Penso que quando Òrúnmìlà regressou a terra, foi orientado pela adivinhação que
fosse até o mercado para comprar um escravo. Chegando no local encontrou Alákàn e
o levou para sua casa. Certo dia Òrúnmìlà despertou e não encontrou o seu escravo,
assim perguntou as suas esposas se haviam o visto, e uma delas respondeu que havia o
visto sair pela manhã bem cedo e partir em direção ao palácio. Sem perder tempo,
Òrúnmìlà partiu também para o palácio. Ao chegar escutou gritos e louvores que
vinham da parte dos fundos do palácio:

“Este realiza as mesmas proezas daquele que lhe enviou.

Ele nem se quer fez adivinhação diante de mim para saber do meu problema e sua
solução.

Este é um bom bàbáláwo.

Exclamavam eles!”
ÒRÚNMÌLÀ NÃO USAVA IKIN NEM ÒPÈLÈ QUANDO VIVEU NA TERRA

Bàbá Osvaldo Omotobàtálá

Quando Òrúnmìlà entrou no palácio, o Rei lhe chamou reservadamente e disse: “Este
homem que me enviou é fantástico. Imagine que Ele, Alákàn, sabia de todo meu
problema sem mesmo estar diante a minha presença para adivinhação”. Òrúnmìlà
preguntou ao Rei qual era o odù que havia aparecido, mas o Rei cheio de euforia se
limitava apenas em dizer que tinha duzentas esposas e nenhuma delas conseguia lhe
dar filhos e sendo este seu motivo de preocupação, finalizou dizendo: “Alákàn és um
bom bàbáláwo!”.

Òrúnmìlà retornou a sua casa meditando sobre o assunto durante o caminho, e


ao chegar em casa encontrou com Alákàn e lhe perguntou: “Você Alákàn! Você és um
bàbáláwo? Como você fez para saber quais eram os versos corretos para o problema
do Rei? Alákàn respondeu: “Eu fui enviado para ajudar você na solução dos problemas
dos homens, principalmente através da adivinhação.

Òrúnmìlà pediu que Alákàn lhe mostrasse seus braços e percebeu que o
mesmo tinha cada um dos membros superiores quebrados em quatro partes. Estas
partes eram móveis e haviam conquistado independência umas das outras, talvez
devido aos golpes que as vezes sofriam os escravos. Òrúnmìlà então percebeu que
desta forma, Alákàn ao prostrar-se ao solo, conseguia ver o odù das pessoas.

A partir dos fatos podemos concluir e entender que a transformação de Alákàn


em uma corrente de adivinhação é muito posterior e seguramente seria representado
por esta corrente, divinizando-se na mesma para continuar em companhia de
Òrúnmìlà que é representado pelos Ikin.

Estes fatos explicam porque para consultar a vida cotidiana é usado o òpèlè (o
servente de Òrúnmìlà) e quando precisa consultar por motivos mais importantes a
consulta é realizada diretamente com os Ikin (Òrúnmìlà). Aqueles odù que possuem
uma relevância maior na vida de uma pessoa como nascimento, destino, iniciação, etc.
Estes somente poderão ser obtidos com os ikin.
ÒRÚNMÌLÀ NÃO USAVA IKIN NEM ÒPÈLÈ QUANDO VIVEU NA TERRA

Bàbá Osvaldo Omotobàtálá

Ao ler com atenção até esta parte do nosso texto, entendemos que Òrúnmìlà
não praticava o “culto de Òrúnmìlà” (Ifá) na terra, pois ninguém pode praticar um
culto que ainda não existe e que surgiu somente após a sua morte, trazendo sua
própria divinização.

Um bom exemplo no ocidente é o caso de Jesus Cristo, que quando viveu na


terra não era cristão nem católico, pois foi após sua morte que apareceram os cultos
em memória de sua divinização. O mesmo sucedeu com Òrúnmìlà e seu escravo, os
dois foram logo assentados ou representados respectivamente de uma forma física
através dos ikin e do òpèlè.

Acreditamos que Òrúnmìlà praticava o culto aos Ìrúnmàlè em uma época onde
não existiam os kaurís como instrumento de adivinhação. Conforme relato, o mesmo
usava pedras pequenas e arredondadas. A forma de obter os odù com as pedrinhas era
atirando as mesmas sobre um círculo riscado ao solo, o qual era dividido em dois
através de uma linha vertical. De acordo com a quantidade de pedrinhas que caiam em
ambos os lados, seria assim determinado o odù que falava. Os kaurís baixo a forma de
mérìndínlógún chegariam ao culto dos Ìrúnmàlè no odù Òsé méjì, pouco tempo depois
da partida de Òrúnmìlà ao céu, substituindo futuramente as pedrinhas.

Você também pode gostar