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A GUERRA ATÔMICA
QUE NÃO HOUVE
Autor
KURT MAHR
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização
VITÓRIO
Revisão
ARLINDO_SAN
Nenhum exército equipado com armas terrenas convencionais,
por maior que seja, pode enfrentar os recursos da antiqüíssima
técnica arcônida. Perry Rhodan sabe disso perfeitamente, e não se
preocupa com os remanescentes de uma divisão espacial comandada
pelo general Tomisenkow, que investira obstinadamente contra a
fortaleza de Vênus. O que causa muita preocupação ao chefe da
Terceira Potência é a evolução mais recente da política na Terra.
Com sua permanência no planeta Peregrino, Rhodan perdeu
mais de quatro anos. Agora tem de regressar com a maior urgência
ao seu mundo, para que não haja a guerra atômica...
= = = = = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = = = = =
Perry Rhodan — Chefe da Terceira Potência.
Coronel Freyt — Representante de Perry Rhodan na Terra.
Capitão Welinskij — Comandante de um esquadrão de caças.
Major Deringhouse — Que dá provas de sua qualidade de sabotador e agente secreto.
Fedor A. Strelnikov — Um novo ditador.
Marechal Sirov — O braço direito de Strelnikov.
1
Vista da nave capitania Wladislav Kossygin, a frota se parecia com duas fileiras de
pérolas reluzentes, cuidadosamente enfiadas em barbantes, a distâncias sempre iguais.
A frota se deslocava sob o brilho reluzente do Sol. Os pontos luminosos que
representavam as naves, projetados nas telas da Kossygin, emitiam uma luz muito mais
intensa que a das estrelas destacadas contra o céu negro.
O major Pjotkin se esforçou para reprimir o orgulho que essa visão ameaçava provocar
em sua mente.
Era bem verdade que, comparados com outros veículos que povoavam o espaço, essas
naves não passavam de patos desajeitados e de longas asas. Uma vez fora do âmbito da
gravitação terrestre, possuíam apenas uma reserva de radiações que lhes permitiria realizar
uma manobra de desaceleração antes de atingir a órbita de Vênus. O resto, o mais difícil do
pouso propriamente dito, ficaria a cargo das asas. A aterrisagem seria aerodinâmica. Tinham
que contar com uma perda de cinco por cento. Como a frota possuísse duzentas naves, dez
jamais chegariam ao solo de Vênus; ou atingiriam o mesmo sob a forma de um meteorito
incandescente. Eram estas as previsões dos cientistas.
O resultado também poderia ser diferente, segundo Pjotkin. Talvez fosse dez por
cento.
A frota levava reforços para a expedição do general Tomisenkow. Os reforços
consistiam principalmente num suprimento de aço, uma vez que, depois do pouso, as naves
não mais estariam em condições de sair de Vênus. Não lhes restaria qualquer reserva de
radiações. Juntamente com as quinhentas naves de Tomisenkow, aguardariam a chegada de
outra frota de reforço com uma carga de combustível, que voltaria a colocar os patos
metálicos em condições de voar.
Pjotkin procurou calcular se mil naves seriam suficientes para reabastecer as quase
setecentas que se encontrariam em Vênus. E se fossem? Nesse caso, em vez de setecentas
naves, mil ficariam retidas no planeta coberto de selva.
Sessenta por cento da tripulação da frota de Pjotkin era formada por mulheres. Pjotkin
ficava se indagando o que os planejadores teriam tido em mente ao comporem dessa forma
o pessoal conduzido pela frota. As mulheres eram especialistas: médicas, técnicas, biólogas.
Pretenderiam instalar em Vênus algo parecido com uma base permanente? Uma base
que se tornasse independente da Terra em todos os sentidos, inclusive no campo biológico?
Sem dúvida Pjotkin teria encarado sua missão com maior seriedade se soubesse que,
para Tomisenkow e sua expedição, o êxito da mesma representava a sobrevivência. Na
posição atual dos astros — o Sol se interpunha entre os dois planetas — não havia qualquer
comunicação pelo rádio entre Vênus e a Terra. Em nosso planeta ninguém sabia que Perry
Rhodan, chefe da Terceira Potência e comandante da supernave Stardust-III, havia
dispersado a expedição de Tomisenkow pelos quatro cantos de Vênus e privado a mesma de
quase todos os recursos técnicos.
***
***
Na tela do radar da Kossygin surgiu uma estranha mancha verde. Aparecera naquele
instante, mas, antes que o operador de radar desse pela sua presença, já havia percorrido a
quarta parte do diâmetro da tela.
Num movimento treinado milhares de vezes, a mão do homem se deslocou para baixo
e comprimiu a superfície vermelha da chave de alarma. Sereias uivaram e o
telecomunicador transmitiu o alarma às duzentas naves que compunham a frota.
Subitamente a voz de Pjotkin soou no alto-falante.
— O que houve, radar?
— Objeto desconhecido aproxima-se da frota. Velocidade... quase igual à da luz!
O operador ouviu a respiração pesada de Pjotkin.
— Que setor de nossa frota está sendo ameaçado? Fale logo, homem!
— O centro.
A voz de Pjotkin se tornou mais fraca quando ele se voltou para outro microfone. O
operador de radar ouviu as ordens por ele transmitidas:
— Corrigir rota. Toda força para bombordo. Imediatamente.
O ponto verde quase havia percorrido metade da tela do radar. Aproximava-se
inexoravelmente do centro marcado em vermelho, que representava a posição do
observador.
O operador de radar conteve a respiração. Se a correção não fosse completada
imediatamente...
Mais dois segundos!
O homem cerrou os olhos e se agarrou ao painel, aguardando o choque iminente.
Não houve o choque esperado. A morte surgiu em forma de um raio azul e ofuscante,
que transformou a Kossygin num enxame de moléculas e átomos que se disseminaram pelo
espaço.
O operador de radar não percebeu nada. Uma morte que surge com a velocidade da luz
nem chega a causar uma impressão dolorosa.
***
Na última fração de segundo, Rhodan fora avisado sobre a fileira dupla formada pelas
duzentas naves. Num gesto instantâneo, levantou o braço para manobrar algum dispositivo
de comando que desencadeasse uma manobra salvadora.
Mas era apenas um movimento reflexivo. Ao se dar conta disso, baixou o braço; a
Stardust-III já deixara para trás a frota inimiga.
Imediatamente a nave executou uma manobra de frenagem, utilizando toda a potência
de suas componentes motrizes. Uma desaceleração máxima — que representava o valor
mais elevado que os neutralizadores poderiam absorver — atingiu em poucos minutos, não
uma imobilização absoluta, mas uma redução de velocidade que permitia a observação ótica
direta da frota parcialmente destroçada.
O quadro que se apresentava nas telas da Stardust-III era consternador. A fileira dupla
de pérolas cintilantes, que o major Pjotkin observara meia hora antes, estava esfacelada.
Impelidas pelo pânico, as naves se dispersavam em todas as direções. Apesar disso, ainda se
percebia nitidamente a abertura que a Stardust-III fizera naquele front.
Rhodan mandou efetuar a sondagem radiofônica. Pretendia escutar as mensagens
trocadas entre as naves. Reconhecera seu formato e por isso sabia que se tratava de uma
frota do Bloco Oriental. Apesar disso, prestaria socorro imediato àqueles homens, se não
conseguissem se arranjar por si.
Ouviu os informes expedidos das várias naves. O tradutor automático traduziu as
mensagens russas para o inglês.
Rhodan ficou sabendo que, no início, a frota era composta de duzentas naves. Trinta e
quatro delas — entre elas a nave capitania, que trazia a bordo o major Pjotkin — haviam
sido destruídas; evaporaram-se sob o impacto dos campos protetores da gigantesca nave.
Um coronel assumiu o comando. Através de uma série de manobras complicadas
voltou a unir as naves numa formação ordenada. Essas manobras consumiram uma
quantidade considerável de material radiante. Os remanescentes da frota teriam dificuldades
em reduzir a velocidade a um limite que não oferecesse perigo quando atingissem a órbita
de Vênus.
Todos os observadores de radar da frota haviam percebido a causa do desastre poucos
segundos antes da catástrofe, e agora viram o ponto verde se afastar com velocidade
moderada.
Rhodan ouviu uma série de conjecturas sobre o que seria aquele ponto. Uma única
pessoa teve a idéia de que poderia se tratar de um veículo da Terceira Potência, mas essa
idéia foi logo abafada pelo comandante da frota.
Rhodan compreendeu a manobra. O coronel se veria diante de um problema insolúvel
se confessasse que o inimigo dispunha de veículos capazes de atravessar uma frota
compacta de naves sem sofrer o menor dano.
Percebia-se que as cento e sessenta e seis naves que restavam estavam em condições
de prosseguir viagem sem auxílio de fora. Face à escassez de matéria radiante, não lhes
restava outra alternativa senão prosseguir pela rota em que já se encontravam: a de Vênus.
A Stardust-III deixou-as entregues ao seu destino e reiniciou sua viagem.
Rhodan, no entanto, lamentou a destruição das trinta e quatro naves espaciais. Ainda
mais que o encontro da Stardust-III com a frota do Bloco Oriental só podia ser atribuído
exclusivamente a um acaso por demais infeliz. Era extremamente improvável que dois ou
mais objetos, que se deslocassem pelo espaço em trajetórias mais ou menos arbitrárias,
viessem se encontrar no mesmo ponto; muito mais improvável do que duas pedrinhas
atiradas por pessoas diferentes virem a se chocar.
2
12 de junho.
Moscou.
Dez horas da manhã, tempo local.
***
12 de junho.
Karaganda.
Cerca de 14 horas, tempo local.
***
Reginald Bell, companheiro de Rhodan desde os dias do primeiro vôo humano à Lua,
dirigia a Stardust-III sem recorrer ao piloto automático. Numa tela fixada acima de sua mesa
de comando via-se o mapa do hemisfério norte da Terra. As indicações de rota transmitidas
por Rhodan chegavam a ele através de setas e pontos vermelhos projetados nesse mapa.
Rhodan fez o possível para poupar vidas humanas. Sabia que a chamada revolução,
que há algum tempo arrancara o Bloco Oriental do seio do grupo das superpotências que
buscavam a distensão, só era promovida por umas poucas pessoas ambiciosas. Os
quatrocentos milhões de pessoas que habitavam essa região da Terra não podiam ser
responsabilizados pela reviravolta.
Mas estavam em guerra, e nem mesmo o mais humano dos comandantes conseguiria
evitar toda e qualquer perda de vida.
Rhodan sabia quais eram os pontos vulneráveis do inimigo. Seus agentes estavam
espalhados pelos quatro cantos da Terra, e os prisioneiros capturados em Vênus tiveram de
lhe dar as informações que desejava, quer quisessem, quer não.
Na região de Baku, a Stardust-III acabara de inutilizar uma usina de reatores que
supria de energia elétrica as instalações técnico-militares do litoral do Mar Cáspio.
Rhodan introduziu no mapa projetado uma seta branca que apontava para a Sibéria
Ocidental e colocou um ponto vermelho sobre a cidade de Karaganda.
Imediatamente Bell mudou de rota.
***
***
***
Às quinze horas e três minutos, hora local, Perry Rhodan pôs a funcionar o grande
projetor mental. Um enorme campo de influência hipnótica envolveu a cidade de Karaganda
e a base de Karaganda-Leste.
***
***
***
***
***
Strelnikov não fez nada. Não valia a pena tomar qualquer providência. Todo mundo
ouvira o comunicado ou soubera dele por intermédio de terceiros. Todos sabiam o que
teriam de fazer para evitar um acidente.
Pouco antes do meio-dia os médicos largaram os bisturis, os motoristas encostaram
seus automóveis, os trens pararam por cautela, e quem tinha de visitar alguém num dos
andares superiores de um arranha-céu preferiu subir as escadas para não se arriscar a ficar
preso no elevador.
A inteligência de Strelnikov se rebelou contra a possibilidade de que Rhodan pudesse
fazer o que prometera. Examinou a pilha de relatórios que tinha diante de si.
A revolta de Komsomolsk se alastrava. As tropas ali estacionadas avançavam terra
adentro. Enquanto se mantinham na linha que ligava Blagoviechtchensk a Komsomolsk,
eram recebidas de braços abertos. Mas, quando se desviavam dessa linha, avançando na
direção norte ou sul, defrontavam-se com a resistência oferecida pelas tropas não
submetidas à influência do projetor mental. De qualquer maneira Strelnikov se sentiu
abalado ao perceber que mesmo nessas áreas os revoltosos venciam prontamente as
resistências que se impunham a eles.
Até parecia que se sentiam tomados por um impulso irresistível, inexistente nos
regimentos que continuavam fiéis ao governo.
“Que impulso será este?”, indagou Strelnikov a si mesmo, perplexo. “Um impulso
para quê?”
Manteve o televisor ligado e deixou que o programa desfilasse diante dele, sem prestar
muita atenção.
Levantou-se, foi à janela e olhou para a rua.
Eram cinco para o meio-dia.
O trânsito parara. Até os pedestres ficaram junto ao meio-fio, aguardando o milagre.
“Que idiotas”, pensou Strelnikov, contrariado. “Mesmo que consiga eliminar a
corrente elétrica, será que ele acha que isso será o fim?”
Strelnikov continuou a pensar. Não podia parar de pensar. Era o homem de quem se
esperava a iniciativa e as decisões depois da lição de trinta minutos que Rhodan pretendia
ministrar ao mundo.
Ouviu-se a voz do locutor:
— Ao meio-dia transmitiremos o toque dos sinos da torre de Spasski.
Mas ninguém ouviu o toque dos sinos. A tela escureceu assim que a torre surgiu no
fundo da paisagem formada pelo Kremlim. Parado diante do aparelho, Strelnikov lhe lançou
um olhar sombrio.
— Apesar de tudo!... — resmungou.
3
***
Uma atividade intensa tomou conta da cidade, cuja população crescera nos últimos
anos para oitocentos mil habitantes.
O coronel Freyt estimulara a imigração de técnicos e cientistas. Tomara providências
para que a General Cosmic Company construísse as enormes instalações de montagem e
iniciasse a produção de naves e caças espaciais concebidos segundo os princípios arcônidas.
A Terceira Potência dispunha de dois cruzadores pesados da classe Terra; eram naves
esféricas com duzentos metros de diâmetro. A construção de mais dois cruzadores se
encontrava em fase bastante adiantada.
A frota de caças espaciais aumentara para dez esquadrilhas. Eram mil e oitenta
aparelhos aptos a enfrentar as condições reinantes no espaço, e que só por si bastariam para
garantir à Terceira Potência um predomínio absoluto sobre a Terra.
O exército era formado por dez mil homens. Estavam equipados com armamento
arcônida e equivaliam pelo menos a vinte vezes esse número de soldados convencionais.
Rhodan passou os olhos pelos relatórios que Freyt lhe apresentou. Sua inteligência
altamente treinada não gastou mais de trinta minutos para incorporar todos os dados. Tudo
se passara conforme ele previra.
— Não gosto de usar palavras grandiosas — disse, dirigindo-se ao coronel Freyt. —
Mas não posso deixar de constatar uma coisa. Você foi um representante extraordinário.
Fico-lhe muito grato.
Freyt não teve tempo para se alegrar com o elogio. Rhodan tinha ordens a dar.
— Avise os governos dos diversos blocos de que... bem... — piscou para Freyt —
como direi? Avise-os de que ficaria satisfeito em cumprimentar seus representantes em
Galáxia quanto antes.
Freyt anotou.
— Enfatize o quanto antes — recomendou Rhodan. — Isso significa amanhã ou
depois. Acrescente que, muito embora a guerra tenha sido impedida, considero a situação
extremamente séria, motivo por que se torna indispensável uma série de consultas.
Freyt também anotou este trecho.
— Além disso, quero que designe uma pessoa de confiança para o controle de precisão
do hipertransmissor. Quero revezar o homem que exercia essas funções a bordo da Stardust-
III. Ficou muito tempo com os olhos abertos. Não há hora marcada para as mensagens do
major Deringhouse. Poderá ser anunciado a qualquer momento que queira.
— Deringhouse? — perguntou Freyt, perplexo.
— Sim, Deringhouse. Larguei-o em Karaganda. Quero que ele me ajude a atingir o
segundo objetivo do nosso plano. Sabe que devemos contar com as intenções hostis do
Bloco Oriental enquanto o atual governo estiver no poder, não sabe?
— Naturalmente.
— Pois bem. Um belo dia prenderemos aqueles cavalheiros de um golpe. E
Deringhouse abrirá o caminho para isso.
Em seu subconsciente, o coronel Freyt procurou analisar a impressão que estas
palavras lhe causavam.
Representavam um trecho da história mundial. Subitamente, Freyt compreendeu que
abismo imenso o separava de Perry Rhodan. Nos últimos quatro anos e meio supusera em
várias ocasiões que fazia seu trabalho tão bem feito como Perry Rhodan, e que, com esse
poderio imenso, qualquer um poderia dominar a Terra.
Acontece que não era tão fácil. Era necessário conservar em quaisquer circunstâncias a
noção do alcance desse poderio. Quem se encontrasse nessa situação ocuparia uma posição
bastante exposta e não poderia se dar ao luxo de deixar de cumprir qualquer promessa. Em
outras palavras, tornava-se necessário jogar com a profusão das possibilidades como um
malabarista que brinca com dez bolas ao mesmo tempo.
Um agente pode fazer muita coisa que é proibida às outras pessoas. Por outro lado,
porém, não pode fazer certas coisas que um homem normal consideraria óbvias.
O major Deringhouse trajava uma vestimenta transportadora arcônida que, quando
desejasse, o tornaria invisível; mas por outro lado, quando fosse visível, provocaria
suspeitas em qualquer um. Deringhouse resolveu iniciar seu trabalho em Karaganda. A
cidade com seus habitantes e soldados submetidos a uma influência pós-hipnótica lhe
parecia o melhor ponto de partida.
No entanto, não havia dúvida de que mesmo uma pessoa influenciada por Rhodan logo
ligaria o aparecimento de uma pessoa em trajes estranhos com o surgimento da Stardust-III
nos céus da cidade. Por isso, Deringhouse preferiu deixar passar algumas horas antes de
entrar em Karaganda.
Não teria sido difícil a Rhodan influenciar a cidade de tal forma que, mesmo como
agente da Terceira Potência, Deringhouse fosse recebido de braços abertos. Mas esse estado
de espírito logo se tornaria conhecido em Moscou, e a cautela com que o serviço secreto
passaria a agir depois disso teria dificultado desnecessariamente a tarefa de Deringhouse.
Dessa forma, o major resolveu aterrisar, invisível, nas proximidades da aldeia de
Plachowskoje, cerca de cento e oitenta quilômetros de Karaganda. Ainda invisível, deu uma
volta pela aldeia. Foi quando aconteceu um fato que, posteriormente, provocou nele a idéia
de que o próprio destino se empenhara em prestar auxílio a ele e à Terceira Potência.
Plachowskoje era igual a qualquer outra aldeia da região. Ficava à beira da estrada e
quase não tinha ruas transversais. As casas, baixas, eram rodeadas de campos imensos,
envoltos numa nuvem de pó alimentada ininterruptamente pelas esteiras dos tratores e das
máquinas agrícolas.
Deringhouse supôs que o melhor lugar para descobrir alguma coisa sobre o ânimo da
população após o ataque da Stardust-III seria o edifício da prefeitura, mas teve algumas
dificuldades em descobri-lo em meio às outras casas.
Finalmente o reconheceu por causa de um pequeno quadro de avisos, ao qual estava
afixado um único bilhete. No bilhete lia-se o seguinte:
O Conselho Municipal reúne-se hoje de noite, às 20 horas.
O aviso estava manuscrito. Deringhouse acreditava que durante a reunião se falaria
nos acontecimentos daquele dia.
O edifício da prefeitura era formado por dois pavimentos. Deu uma volta e viu uma
ambulância estacionada, numa área dos fundos do prédio. Pelo letreiro, Deringhouse
descobriu que o veículo vinha de Uspenskij.
Isso era de admirar, já que a cidade de Karaganda, muito maior, ficava mais próxima.
Deringhouse entrou no edifício e examinou o pavimento térreo. Não ouviu nenhuma
voz e por isso abriu uma das portas que havia no hall de entrada. A porta rangeu.
Deringhouse viu uma sala semi-deserta. Só havia uma mesa; atrás dela, um homem
assustado se levantou de um salto e com uma expressão de culpa no rosto esfregou os olhos
para espantar o sono.
Parecia não se perturbar muito com o fato de não ter visto ninguém que pudesse ter
aberto a porta. Suspirou, voltou a sentar e murmurou uma expressão de alívio. Deringhouse
recuou, deixando a porta aberta. O homem poderia acreditar que o vento a tivesse aberto.
Mas, se ela se fechasse por si, ficaria espantado.
Nesse instante Deringhouse ouviu vozes vindas do andar de cima. Subiu a escada de
dois em dois degraus sem se incomodar com o ranger produzido por seus pés. As vozes
eram muito altas.
No andar superior havia um hall igual ao do térreo; apenas tinha alguns metros
quadrados a menos. As vozes vinham de uma sala cuja porta estava aberta. Um homem de
uniforme e outro que parecia um camponês estavam conversando.
Deringhouse parou diante da porta.
— O conselho faz questão de interrogar o homem hoje de noite — anunciou o
camponês — sejam quais forem as condições em que se encontre. Falou coisas tão estranhas
que talvez tenhamos de avisar o serviço secreto.
O homem de uniforme ergueu os ombros.
— Só posso dizer que o homem está em péssimas condições físicas e mentais. Se for
submetido a um interrogatório hoje de noite, provavelmente não resistirá. Mas, se não puder
agir de outra forma, paciência.
“É um médico”, constatou Deringhouse. “Deve ser a pessoa que veio na ambulância
de Uspenskij.”
— Obrigado — respondeu o camponês. Parecia aliviado. — O senhor poderia ter me
causado maiores dificuldades. Mas compreende que...
O médico o interrompeu com um gesto.
— Compreendo. O senhor pode melhorar sua fama na cidade se descobrir um inimigo
do Estado e conseguir prendê-lo e entregá-lo ao serviço secreto. Por que acha que alguma
coisa não está em ordem com esse homem?
O camponês respondeu sem hesitar.
— Algumas pessoas o viram descer lá fora, de pára-quedas e assento ejetável. Estava
inconsciente. Ao ser colocado na maca, abriu os olhos. E a primeira coisa que disse foi o
seguinte: “Parem com essa bobagem. Vocês não podem sair vitoriosos dessa luta; o inimigo
é poderoso demais.”
— Por certo estava aludindo à nave espacial inimiga que sobrevoou esta região, não é
verdade? — disse o médico.
O camponês acenou violentamente com a cabeça.
— Contou algumas coisas confusas sobre uma gigantesca bola de fogo e sobre vários
aviões de caça que teriam entrado nas bolas de fogo produzidas por seus próprios foguetes e
explodido. Será que uma coisa dessas pode ser verdade? Quem afirma uma coisa dessas é
um traidor e um sabotador, não é mesmo?
O médico se mostrou cauteloso.
— Depois saberemos — respondeu.
Deringhouse não estava interessado em saber como prosseguiria a palestra.
Provavelmente estariam falando de um dos pilotos de caça que participaram do ataque à
Stardust-III. Ao que parecia o homem estava extraindo da série de acontecimentos a única
solução aceitável, e por isso estava prestes a ser imprensado entre as engrenagens do serviço
secreto.
Onde estaria?
Sem ser notado pelos dois homens que conversavam numa sala de porta aberta,
Deringhouse abriu cautelosamente uma série de outras portas. Finalmente entrou numa sala
escurecida, da qual saía o ruído de uma respiração irregular.
Havia cortinas diante das janelas para impedir a entrada da luz ofuscante. Deringhouse
fechou a porta e esperou até que os olhos se acostumassem à penumbra.
Num dos cantos havia uma cama de campanha bastante primitiva. Sobre a cama estava
estendido um homem. Dormia e parecia precisar do sono. O rosto estava arranhado e
desfigurado. Apesar disso parecia simpático.
Deringhouse gravou o rosto na memória e saiu da sala com a mesma cautela com que
havia entrado. Voltou ao pavimento térreo e, depois de espiar por vários buracos de
fechadura, encontrou uma sala um pouco maior, em que cadeiras e bancos se misturavam
desordenadamente. Era a sala de reuniões. Por enquanto sabia o suficiente. Saiu do edifício
da prefeitura. Para passar o tempo que faltava até o anoitecer, furtou alguns comestíveis da
única loja existente na aldeia, tirou um jarro de água límpida do poço e matou a fome e a
sede com sua presa de guerra.
Chegou à sala de reuniões muito antes das oito. Ocupou um lugar seguro em cima de
um dos armários encostados à parede, onde ninguém esbarraria nele. Os membros do
conselho não pareciam ser muito pontuais. Às oito horas só havia dois homens, além de
Deringhouse. Os quatorze restantes foram chegando entre as oito e as oito e vinte.
O homem ferido que Deringhouse vira de tarde entrou carregado em sua cama de
campanha. Não se percebia qualquer melhora considerável de seu estado. Mas estava
acordado e se mostrava bastante interessado.
Os homens o fitaram com uma curiosidade indisfarçada. Finalmente o homem que de
tarde conversara com o médico militar abriu a reunião.
E logo passou à ordem do dia.
— Este homem — disse, apontando para o ferido — é, ao que lhe consta, o único
sobrevivente do ataque que a 23a esquadrilha de caças de Karaganda desfechou contra a
nave espacial inimiga que hoje sobrevoou esta região. As declarações que prestou a respeito
do ataque são tão estranhas que achei conveniente que ele as repetisse diante de vocês.
Depois deliberaremos sobre o que devemos fazer face às suas declarações.
“Que idiota”, pensou Deringhouse. “Depois de ter ouvido isso, o homem não voltará a
manifestar sua opinião.”
O camponês, que devia ser o prefeito da aldeia, se voltou para o ferido.
— Comece a falar! — ordenou. — Indique seu nome e posto e informe tudo que julgar
importante. O senhor se encontra diante do Conselho Municipal da aldeia de Plachowskoje
que, conforme sabe, terá que deliberar a seu respeito, já que desceu no território desta
aldeia.
O ferido se apoiou sobre os cotovelos. Via-se que isso lhe exigia um grande esforço.
— Meu nome é Jaroslav Afimovitch Welinskij — principiou com a voz fraca. — Sou
capitão e comandante do 5o esquadrão da 23a esquadrilha de caças, estacionados em
Karaganda-Leste. Pelas quatorze e quinze decolei da base, em companhia dos meus
companheiros de esquadrilha, a fim de atacar e destruir a nave inimiga que se aproximava
da cidade de Karaganda. Nossa missão foi um fracasso. A maior parte, ou melhor, todos os
nossos aviões foram destruídos.
Forneceu uma descrição minuciosa da bola de fogo que havia observado, e relatou
como os caças se tornaram vítimas dos foguetes por eles mesmos disparados. Concluiu com
estas palavras:
— Parecia que para o inimigo isso não passava de uma brincadeira. Não teve de fazer
o menor esforço para destruir nossa esquadrilha. Não precisou mexer um dedo. A parede de
fogo que espalhou em torno de si provocou a explosão dos foguetes e, com eles, dos nossos
caças. Na minha opinião seria uma irresponsabilidade lutar contra um inimigo destes. Não
dispomos de nada comparável com os recursos de que ele dispõe. Quem quisesse resistir
estaria agindo com o mesmo senso de um menino que pretendesse deter um tanque pesado
com as mãos.
O protesto foi súbito e violento, como se viesse por encomenda. Welinskij ouviu os
piores insultos; as palavras traidor e sabotador foram as mais suaves.
Deringhouse admirou a coragem daquele homem. Tudo seria muito mais fácil para ele
se tivesse relatado a ocorrência em termos menos fortes. Face ao intenso treinamento
hipnótico a que fora submetido, Deringhouse sabia o que esperava o capitão: seria
denunciado aos serviços de segurança e encaminhado a um dos postos para ser submetido a
um interrogatório bastante minucioso.
A decisão de Deringhouse estava tomada.
Mas antes de executá-la queria saber o que aconteceria em seguida.
O chefe do conselho formulou a proposta que todos esperavam: a transmissão de um
aviso imediato aos serviços de segurança.
Welinskij não manifestou qualquer oposição. Até o fim respondeu a todas as perguntas
com a maior tranqüilidade e objetividade. Depois de hora e meia de interrogatório, as forças
o abandonaram. Desmaiou e deixou-se cair na cama.
Foi levado para fora. O chefe do conselho usou o telefone para transmitir o aviso. Das
palavras que foram proferidas Deringhouse concluiu que o aviso foi encaminhado ao posto
do serviço de segurança sediado em Akmolinsk, não ao de Karaganda.
Ao que parecia, conheciam a notícia de que naquela cidade remava um espírito
revolucionário depois que a Stardust-III ali permaneceu por uma hora. Via-se que os
camponeses de Plachowskoje continuavam fiéis ao governo.
***
Pela meia-noite o silêncio da grande planície foi interrompido pelos estalos e chiados
produzidos pelos rotores de um helicóptero. Um veículo fracamente iluminado desceu do
céu nublado e aterrizou na estrada, junto às primeiras casas da aldeia.
O prefeito, mais dois membros do conselho e dois camponeses que carregavam a maca
em que se encontrava Welinskij estavam à espera. Welinskij havia acordado.
Deringhouse estava invisível, parado à beira da estrada. Observou o jovem capitão e
procurou descobrir como o mesmo se sentia. Mas Welinskij não revelava a menor emoção.
O helicóptero dispunha de um amplo compartimento de carga. Deringhouse não teve a
menor dificuldade em entrar sem ser notado e se acocorar junto à cama de campanha de
Welinskij.
Ouviu as pessoas conversarem por algum tempo do lado de fora. Mas logo o motor
voltou a chiar, os rotores bateram e o aparelho se levantou com um forte solavanco.
“Até aqui tudo bem”, pensou Deringhouse.
É verdade que pretendia ir a Karaganda, mas parece que os acontecimentos tomaram
outra direção. Será que a modificação se revelaria útil à sua missão?
Ficou quebrando a cabeça a respeito e chegou à conclusão de que pouco importava o
ponto em que iniciaria sua marcha propriamente dita.
De qualquer maneira teria de ir a Moscou, e tanto fazia que partisse de Akmolinsk ou
de Karaganda.
O vôo para Akmolinsk não durou mais de trinta minutos. Apesar do barulho causado
pelo helicóptero Welinskij adormecera. Só despertou quando sua maca foi retirada do
compartimento de carga.
Deringhouse saiu atrás dela, e foi então que aconteceu o primeiro incidente.
A porta do compartimento ficava cerca de metro e meio acima do solo. Os homens que
aguardavam o helicóptero conversavam em altas vozes; por isso Deringhouse acreditava que
não haveria o menor risco em saltar para fora. Mas não percebeu que, próximo à porta,
havia um tipo de encaixe. Ao saltar, ficou com o pé direito preso ali. Tombou para a frente e
caiu sobre o ombro do homem que se encontrava mais próximo ao helicóptero.
De início houve uma tremenda confusão. O homem foi atirado para a frente pela força
do impacto e arrastou mais algumas pessoas.
Mas logo todos se viraram, de pistola na mão. À luz das lâmpadas que iluminavam o
campo de pouso, Deringhouse viu seus rostos decididos e perplexos.
— O que foi isso? — perguntou um deles.
— Alguém saltou sobre as minhas costas — disse o homem sobre o qual Deringhouse
havia caído.
— Deixe de bobagens — disse outro. — Não há ninguém aqui além de nós!
— Pois eu lhe digo...
O homem se aproximou cautelosamente da porta e olhou para dentro. O
compartimento de carga estava escuro.
— Há alguém aí dentro? — perguntou em voz alta. — Saia!
Não houve resposta. Deringhouse já se levantara e se colocara de pé junto à cabina do
piloto. Viu que Welinskij observava tudo com o maior interesse.
— Eu lhe disse que não há ninguém — disse um dos homens que permaneceram de
pé.
Mas seu companheiro não se perturbou. Deringhouse não pôde deixar de reconhecer
que era um rapaz corajoso. Entrou imediatamente no compartimento de carga e revistou-o.
Quando voltou, tinha o rosto ainda mais perplexo.
— É verdade, não há ninguém — disse com a voz baixa.
Os outros riram.
Pegaram a maca de Welinskij e saíram com ela. O homem sobre cujos ombros
Deringhouse caíra voltou a cabeça mais de uma vez, lançando olhares desconfiados para o
helicóptero.
***
Welinskij passou uma noite desassossegada. Sua cama fora colocada num cubículo
com cheiro de mofo que ficava num galpão do campo de pouso. Ninguém se incomodou
com ele. Aproveitou o tempo para dormir um pouco.
Pelas sete da manhã serviram-lhe um café reforçado e perguntaram se já estava em
condições de levantar.
Experimentou e conseguiu, embora dali a cinco minutos já visse manchas coloridas
diante dos olhos.
Foi levado por um longo corredor que dava para outra sala do mesmo galpão. Um
major estava sentado atrás de uma escrivaninha.
Welinskij fez continência. O major retribuiu. Os dois homens que haviam
acompanhado Welinskij se retiraram.
— Sente-se — disse o major. — Acho que ainda não está muito bom das pernas.
Welinskij sentou; estava surpreso com tamanha gentileza.
— O senhor vai contar a história mais uma vez — disse o major com um sorriso. —
Tenho diante de mim o relatório vindo de Plachowskoje, mas não estou entendendo bem.
Welinskij voltou a relatar tudo. Pela terceira vez contou a história por ele vivida.
O major o escutou com muita atenção. Assim que Welinskij terminou, perguntou:
— E daí?
Welinskij estava perplexo.
— Por causa destas declarações — explicou — aquela gente de Plachowskoje fez de
mim um traidor e sabotador e me encaminhou ao serviço de segurança.
O major pareceu se divertir com esse fato.
— Meu Deus! — disse, rindo. — Se eu tivesse passado pelo que o senhor passou, teria
contado exatamente a mesma coisa. Não vejo onde está a sabotagem ou a traição.
Welinskij não acreditou no que estava ouvindo.
— Está falando sério? — perguntou em tom hesitante, se inclinando para a frente.
O major fez que sim.
— Sem dúvida.
— Quer dizer que posso voltar para Karaganda?
— Não pode, não.
Welinskij se assustou. Não permitiam que voltasse. Quer dizer que havia alguma
coisa.
— Seu caso foi muito comentado — prosseguiu o major. — O Conselho Supremo nos
enviou um homem de confiança, que vai levar o senhor a Moscou. O conselho pede que
relate os acontecimentos em sessão secreta. Evidentemente fará isso como homem livre.
Não há motivo para acusá-lo de traição, sabotagem ou derrotismo.
Os ouvidos de Welinskij começaram a zumbir. Mal ouviu a pergunta:
— O senhor concorda?
— Sim... sim, naturalmente.
O major preencheu um formulário. Entregou-o a Welinskij e disse:
— Vá até o galpão C e bata à porta da sala número vinte e cinco. Ali encontrará o
homem que deverá levá-lo a Moscou. Mostre-lhe este bilhete. Boa viagem!
Welinskij se sentia confuso. Agradeceu e se retirou. Subitamente esquecera a fraqueza
que sentia; estava curioso para ver o homem que o levaria a Moscou.
Viajariam por terra? Por que não iriam...
Quando encontrou o galpão C esqueceu a pergunta. Atravessou o corredor e encontrou
a porta com o número vinte e cinco. Bateu.
— Entre! — disse alguém.
Welinskij entrou.
Na sala havia uma mesa e uma cadeira. Sobre a mesa, Welinskij viu um par de solas
de bota bem frisadas. Deu um passo para o lado e viu as pernas em que as botas estavam
enfiadas e o homem ao qual pertenciam essas pernas.
Seu aspecto não tinha nada daquilo que Welinskij imaginara num elemento de
comunicação do Conselho Supremo. Não havia dúvida de que tinha menos de trinta anos.
Os cabelos estavam cortados à escovinha, e os olhos emitiam um brilho azulado.
O mais estranho naquele homem era seu equipamento. Usava um traje que parecia
uma combinação de vestimenta de mergulhador, alpinista e mecânico. Welinskij nunca vira
coisa parecida. Com um certo respeito contemplou as coronhas das armas, que sobressaíam
dos coldres existentes na altura do quadril ou na parte superior da coxa.
— Terminou a inspeção? — perguntou o homem, tirando as pernas de cima da mesa.
Welinskij se lembrou do que tinha a fazer. Ficou em posição de sentido e fez
continência:
O louro — Welinskij notou que tinha perto de dois metros de altura — fez um gesto
displicente.
— Sim, já sei. O prenome é Jaroslav Afimovitch. Capitão-comandante do 5o
esquadrão da 23a esquadrilha de caças, estacionada em Karaganda-Leste. Correto?
— Perfeitamente — respondeu Welinskij, perplexo.
— Sou Lub — disse o louro. — Veja bem: não digo que meu nome é Lub. Esqueci
meu verdadeiro nome. Os homens que importam me conhecem como Lub. O senhor
também me chamará assim.
— Está bem — respondeu Welinskij.
— Iremos juntos a Moscou — prosseguiu Lub.
— Perfeitamente. Permita que lhe faça uma pergunta?
— Naturalmente.
— Por que não vamos de avião? Chegaríamos mais cedo.
Lub deu um sorriso de escárnio.
— É um rapaz esperto, não é? Acontece que iremos por terra.
Welinskij logo formou sua opinião. Nunca vira um homem mais descontraído e
lacônico que Lub. Não seria fácil tirar dele alguma coisa que não quisesse revelar.
Apesar disso Welinskij o achou simpático, até muito simpático.
Lub não se demorou muito no aeroporto. Todos pareciam conhecê-lo, pois ninguém
lhe pedia que se identificasse. Welinskij o seguiu.
Às dez horas embarcaram num dos modernos trens elétricos da Estrada de Ferro
Transiberiana, que os levaria a Moscou, passando por Magnitogorsk e Kufbychev.
— É mais confortável — explicou Lub em termos lacônicos. — Mandei reservar um
compartimento só para nós. Até pode dormir.
No momento Welinskij não tinha disposição para isso. Enquanto o trem atravessava a
paisagem numa velocidade de trezentos quilômetros por hora, voltou a examinar Lub. Viu
que este o percebia e formulou uma pergunta, para se antecipar a uma observação irônica:
— Que terno é esse?
Lub sorriu.
— É um traje especial — respondeu. — Não deixa passar balas ou outras coisas
desagradáveis. Além disso, pode executar uma série de truques. Oportunamente lhe
mostrarei.
Ao que parecia quis fugir a outras perguntas, pois ligou o televisor que se achava
instalado neste como em todos os demais compartimentos do trem sumamente confortável.
Um programa insosso se desenrolou diante deles... até o momento em que Perry Rhodan
interferiu na rede terrena de televisão e transmitiu sua advertência dirigida ao governo do
Bloco Oriental.
Welinskij acompanhou a alocução com os olhos atentos. Mas Lub se reclinou num
canto e fez como se achasse aquilo muito tedioso. Quando Rhodan terminou e o programa
anterior voltou ao ar, Welinskij disse:
— Será que Strelnikov concordará? Será que tomará em consideração os ensinamentos
dos últimos dias?
Lub deu de ombros.
— Como vou saber?
Welinskij se exaltou.
— Será que isso não o comove? Todo mundo deve refletir se vale a pena se
engalfinhar com um inimigo destes, ou se é preferível entrar em negociações para salvar a
pátria.
Lub sacudiu a cabeça.
— Pois eu, por princípio, não quebro a cabeça sobre estas coisas.
Welinskij achou que a atitude de Lub era repugnante, mas não disse mais uma palavra
a este respeito.
Às onze e meia o trem parou em Atbassar, uma pequena localidade onde a parada do
trem não era prevista. Lub sorriu.
— Sabe por que o trem parou? — perguntou a Welinskij.
— Para não se encontrar em qualquer lugar no meio da linha quando faltar energia —
disse o capitão com toda franqueza.
Lub fez que sim. Depois disse:
— Venha comigo; vamos descer. Welinskij se assustou.
— Por quê?
— Depois explico.
Welinskij obedeceu. Quando desceram foram abordados pelo condutor.
— Aqui a descida não é permitida. Fiquem no trem.
— Não vou ficar coisa alguma — resmungou Lub. — Quero esticar as pernas.
O condutor não tinha qualquer objeção. Lub marchou em companhia de Welinskij pela
plataforma arenosa. Examinaram a cabana do guarda-trilhos e contornaram-na.
— Fique aqui mesmo! — ordenou Lub de repente. — Voltarei logo.
Welinskij obedeceu. Lub voltou a contornar a cabana e retornou dali a dois minutos.
— Tudo em ordem — disse com um sorriso. — Vamos andando.
— Para onde? — perguntou Welinskij perplexo.
Lub apontou para os telhados achatados da pequena localidade, que sobressaíam em
meio à névoa que cobria a planície.
— Para lá. Gosto de aproveitar os intervalos que me são impostos. Conheço pouca
coisa desta terra imensa. Gostaria de ver Atbassar.
— Vamos voltar em tempo? — perguntou Welinskij, preocupado.
Lub deu de ombros.
— Não sei — respondeu.
Foram andando, e fizeram-no sem rebuços. Todo mundo os via, inclusive o solícito
condutor, mas ninguém procurou detê-los. Foi outra coisa que deixou Welinskij admirado.
Atbassar ficava cerca de seis quilômetros da estação. Ainda não haviam percorrido a
metade da estrada poeirenta e esburacada, quando o chiado dos jatos de um avião se fez
ouvir, vindo do leste. Lub levantou o braço e olhou para o relógio. Welinskij o viu
estremecer.
— Que idiota! — disse por entre os dentes. — Por que não aterrizou?
Pararam.
Welinskij não saberia dizer o que havia de errado naquele avião. Mas percebeu-o
assim que o ponteiro de segundos do relógio de Lub saltou para o número doze.
De um instante para outro o ruído vigoroso dos jatos cessou, já que o suprimento de
energia das bombas de combustível, compressores, ativadores e outros componentes
importantes do mecanismo foi interrompido. O chiado se transformou num uivo, e este
acabou num miserável apito. Um minuto depois das doze, a máquina, que antes era um
ponto brilhante no azul do céu, estava transformada numa grande mancha cinzenta.
Lub não respondeu.
O avião passou em disparada por cima da aldeia de Atbassar.
As asas estreitas, concebidas para um deslocamento em alta velocidade, não davam
sustentação ao avião. Sua queda foi semelhante à de uma pedra achatada.
Tudo terminou numa labareda ofuscante que surgiu bem além da aldeia de Atbassar, e
num estrondo abafado que segundos depois percorreu a planície.
— Que Deus tenha compaixão deles! — disse Lub e voltou a se descontrair.
Quando reiniciaram a marcha, os joelhos de Welinskij estavam trêmulos.
Pela uma e meia chegaram à aldeia. Lub ordenou:
— É preferível que espere aqui. Quero dar uma olhada.
Welinskij estava tão deprimido que não se encontrava em condições de formular
qualquer objeção. Sentou na beira da estrada e esperou. Lub foi andando.
Só se sobressaltou uma vez em sua atitude cismarenta. Foi quando, ao meio-dia e meia
em ponto, os motores dos tratores entraram em funcionamento com um rugido e transportou
uma caravana de enfermeiros e voluntários — mas também de curiosos — em direção ao
local em que o avião havia caído.
“Provavelmente Lub não vai encontrar ninguém na aldeia”, pensou Welinskij; mas em
face do desastre que testemunhara isso não o preocupou.
Meia hora depois se aproximou aos solavancos uma daquelas carroças motorizadas
que, nos últimos anos, vinham sendo usadas pelos camponeses. Lub estava à direção e,
quando parou diante de Welinskij, sorriu alegremente como se acabasse de fazer um bom
negócio.
— Suba! — disse.
Welinskij subiu e sentou perto de Lub.
— Onde arranjou isso? — perguntou.
— Comprei — foi a resposta.
— Onde pretende ir?
— A Kosgorodok.
Welinskij quase ficou sem fôlego.
— O que vamos fazer em Kosgorodok? Não pretendia me levar a Moscou?
Lub fez que sim.
— Sei que estou pedindo muito — disse. — Mas vamos fazer um acordo. Em
Kosgorodok eu lhe digo exatamente o que está havendo. Em compensação você promete
que não fará mais perguntas. Combinado?
Welinskij refletiu.
— De acordo — disse depois de algum tempo.
Pelo que dizia Lub, Kosgorodok ficava a pouco mais de duzentos quilômetros de
Atbassar. Só chegariam no fim da tarde, isso se não houvesse nenhum enguiço no veículo.
4
O coronel Freyt fez-se anunciar. Rhodan fez com que entrasse imediatamente.
— Já temos a concordância dos governos da Federação Asiática e do bloco da OTAN
— disse Freyt. — O Bloco Oriental ainda não acusou o recebimento de nossa nota, nem deu
qualquer resposta.
Rhodan acenou com a cabeça.
— Isso era de esperar. Estaremos em três, Freyt. Conseguiu combinar dia e hora?
— Sim senhor. Amanhã, dia 16 de junho, se possível às quatorze horas, tempo local.
— Ótimo. Já confirmou?
— Sim senhor. Fui eu que sugeri esse dia e hora.
Rhodan levantou as sobrancelhas, num gesto zombeteiro.
— Houve alguma objeção?
— Nenhuma — respondeu Freyt com um sorriso.
— Isso representa um bom atestado da nossa reputação.
Freyt se retirou e Rhodan voltou a mergulhar nas suas meditações.
O que realmente o incomodava na situação atual da política terrena não eram os
desvios de que o Bloco Oriental se fizera culpado. Os recursos técnicos e psicológicos da
Terceira Potência poderiam vencer qualquer atitude deste tipo dentro de poucas horas.
O principal motivo de suas preocupações era a imaturidade humana que se revelava na
conduta dos Estados do Bloco Oriental.
Rhodan não era o tipo de homem que se entregava a ilusões. Estava firmemente
convencido de que conseguiria abrir os olhos da Humanidade não só através da instalação
da Terceira Potência, levada a efeito apesar de todos os obstáculos e hostilidade, mas
também através de uma abundância de informações sobre os acontecimentos desenrolados
na cidade de Galáxia, que fez fluir para todos os países da Terra através de numerosos
canais. Convencera-se de que, recorrendo a um material ilustrativo adequado, conseguiria
dentro de um tempo muito reduzido transformar o homem num terreno, isto é, num ser com
uma visão realista de sua verdadeira terra natal; o homem se transformaria numa partícula
de pó tão impregnada do pensamento galático que consideraria ridículas quaisquer disputas
particularistas em sua minúscula pátria, e não perderia tempo com elas.
Mas, qual a realidade atual?
Por ocasião do primeiro vôo tripulado à Lua realizada pelo homem, Rhodan encontrou
no satélite de nosso planeta os representantes de uma raça humanóide desconhecida.
Vinham de um mundo que eles chamavam de Árcon, e que ficava a trinta e quatro mil anos-
luz da Terra. Haviam pousado na Lua com uma nave exploradora e Crest, o chefe científico
da expedição, sofria de leucemia.
Rhodan aproveitou a oportunidade. Retornou à Terra em companhia de Crest, a quem
prometera a cura, e fez de sua nave, pousada no deserto de Gobi, o centro da Terceira
Potência.
Crest foi curado e manifestou sua gratidão, colocando à disposição de Rhodan os
recursos criados pela tecnologia arcônida. Rhodan se defendeu dos ataques desfechados
pelos blocos de potências terrenas e consolidou seu pequeno Estado. Recorreu ao campo de
absorção de nêutrons, uma invenção dos arcônidas, para impedir uma guerra que teria
significado o fim da Humanidade.
A nave exploradora arcônida era comandada por uma mulher chamada Thora. Era a
mulher mais bela e fascinante que Rhodan já vira. Mas, na opinião da comandante, os
homens não passavam de um bando de criaturas semi-selvagens, e foi assim que ela os
tratou. No entanto essa humanidade miserável conseguiu, num esforço inaudito e sem que
Rhodan o soubesse, destruir a nave arcônida. Quando isso aconteceu, Thora não se
encontrava a bordo, e Crest já se radicara na Terra. Thora e Crest sobreviveram à catástrofe,
e o produto mais importante de sua civilização que conseguiram salvar foi uma nave
auxiliar esférica de sessenta metros de diâmetro, que não poderia realizar a viagem de volta
ao seu mundo natal.
Os arcônidas não tiveram outra alternativa senão colaborar com a Humanidade.
Precisavam de um veículo apto a enfrentar as condições reinantes no espaço. Para obtê-lo
foi criada a General Cosmic Company, dirigida pelo mutante Homer G. Adams.
Surgiram muitos perigos. Alguns deles ameaçavam a Terceira Potência, vindos de um
ou de alguns dos blocos de potências roídos pela inveja; outros punham em risco toda a
Terra, provocados por inteligências extraterrenas, que haviam encontrado a pista do
cruzador destruído e esperavam encontrar em nosso planeta uma presa fácil e abundante.
Sobreviveram a tudo. No sistema Vega, situado a uma distância de vinte e sete anos-
luz, ajudaram uma raça desesperada na sua luta contra um grupo de invasores reptilóides.
Depois da vitória, encontraram indicações que lhes revelaram pistas do mundo em cuja
busca a nave exploradora dos arcônidas se lançara ao espaço: o planeta da vida eterna.
Um poderoso desconhecido fez seu jogo com eles. Conduziu-os a armadilhas e os
libertou das mesmas, para que provassem que eram dignos de se tornarem seus herdeiros.
Encontraram o mundo do desconhecido. Era um planeta artificial, que percorria uma
trajetória também artificial, realizando no curso de vários séculos um movimento de
translação em torno de mais de uma dezena de sistemas solares. Deram a esse planeta o
nome de Peregrino. Encontraram o desconhecido e com ele o segredo da vida eterna. Mas
ficaram sabendo que a vida eterna só caberia a Rhodan e aos homens que o mesmo julgasse
dignos de receberem essa dádiva.
O grande relógio da história galáctica assinalava o fim do tempo dos arcônidas. A vida
eterna não seria para eles. Crest e Thora encontraram o mundo que procuravam, mas essa
descoberta não lhes trouxe qualquer vantagem.
Rhodan e os terranos seriam os homens do futuro.
Retornaram do planeta Peregrino, depois de terem ficado longe da Terra por alguns
meses, segundo sua contagem de tempo.
Mas durante a permanência no planeta Peregrino, onde prevalecia um tempo diferente,
a Terra vivera quatro anos e meio. Nesses quatro anos e meio as pessoas ambiciosas haviam
se acostumado à idéia de que Rhodan nunca mais regressaria para intervir na política
terrena.
A Federação Asiática e o bloco da OTAN se mantiveram na linha de cooperação
interestatal já adotada. Mas no Bloco Oriental houvera uma revolução que fez vir à tona os
elementos menos recomendáveis.
Dali em diante a discórdia voltou a reinar e, por um triz, teria causado a guerra.
Rhodan se levantou e olhou pela janela.
Contemplou a área verde da cidade. A chuva artificial criara um grande jardim em
meio ao deserto.
Era preciso que fizesse os homens compreenderem que teriam de obedecer até que sua
inteligência estivesse madura para a missão que a Humanidade tinha que cumprir.
***
***
Se Strelnikov não demonstrou muita sabedoria política, ao menos deu provas de sua
capacidade de reconhecer uma nova situação e reagir à mesma, quando nas primeiras horas
da manhã do dia 15 de junho transmitiu suas instruções ao Conselho Supremo.
Já se conformara com a idéia de que não convinha subestimar as forças do inimigo, e
se conduziu de acordo com a mesma. Determinou que de nenhuma reunião do conselho
deviam participar mais de cem membros. Era pouco menos de um terço da totalidade dos
seus componentes.
Dessa forma evitaria que Rhodan conseguisse dominar todo o conselho de uma só vez,
através de seus inexplicáveis recursos hipnóticos. O voto de um terço dos membros era
necessário para instaurar o debate sobre qualquer problema, e nem isso Rhodan poderia
fazer de um golpe.
Strelnikov adotou, sem qualquer subterfúgio, métodos de governo ditatoriais. Dava as
ordens e, aos demais membros do conselho, só cabia cumpri-las.
Enviou três divisões a Komsomolsk para reprimir a revolta que eclodira naquela
cidade.
E fez outra coisa. Interessou-se pelas estranhas notícias que falavam de um capitão da
força aérea que desaparecera de Akmolinsk. Havia a participação de um desconhecido ainda
mais suspeito; ninguém sabia quem era ou de onde vinha.
Strelnikov tinha certeza quase absoluta de que se tratava de um dos agentes de
Rhodan. Por isso mobilizou todos os recursos para prendê-lo. Sabia que Rhodan fazia muita
questão do bem-estar das pessoas que com ele colaboravam, motivo por que o prisioneiro
teria um valor inestimável como refém.
Era bem verdade que, pelas informações recebidas até então, era de supor que aquele
homem dispunha de duas faculdades: impor sua vontade aos outros e se tornar invisível.
Das primeiras vezes que essa afirmativa foi formulada diante dele, Strelnikov disse
que era tolice. Mas, quando os mesmos acontecimentos foram relatados pelas mais diversas
pessoas com que os dois se encontravam no caminho, a conclusão que se impunha era
exatamente essa, e Strelnikov se conformou com ela.
Dali em diante a polícia e os serviços de segurança receberam instruções de
procurarem localizar o capitão Welinskij, vigiá-lo e aguardar até que o estranho aparecesse
em sua companhia. Todos foram avisados de que não deveriam atacar o desconhecido pela
frente.
Strelnikov nem imaginava que com todas essas instruções — desde a proibição das
reuniões do Conselho Supremo em sua totalidade até a ordem de perseguir Welinskij — fez
exatamente aquilo que Rhodan e Deringhouse esperavam dele.
Era esta a guerra psicológica num sentido mais elevado.
***
***
Thora nunca julgara necessário se fazer anunciar a Rhodan; mas desta vez ela agira
assim. Durante os trinta segundos que se passaram, desde o anúncio até o momento em que
Thora entrou em seu gabinete, Rhodan procurou imaginar que conseqüência o choque
sofrido no planeta Peregrino devia ter provocado no espírito da arcônida, pois de repente
soube se adaptar aos modos terrenos.
A figura ereta surgiu na porta. Era bela, de uma beleza desconcertante, com seu cabelo
muito claro, quase branco, e o brilho vermelho irradiado por seus olhos. Mas ainda se
notavam os vestígios da decepção e das provocações que experimentara no planeta
Peregrino.
Rhodan convidou-a a sentar.
— Fico satisfeito em vê-la — disse em tom amável. — Faz bastante tempo que não me
visita.
Thora ergueu as sobrancelhas.
— Sempre se leva algum tempo para vencer um choque deste — respondeu. Aliviado,
Rhodan percebeu que ela zombava de si mesma.
A arcônida tomou lugar à frente de seu interlocutor.
— Vim por um motivo egoísta — confessou. — Gostaria de saber, para me distrair um
pouco, o que faz o mundo.
Rhodan relatou os fatos minuciosamente e em tom de conversa.
— Não o compreendo — disse Thora em tom de espanto, assim que Rhodan concluiu
seu relato. — No início usa vassoura de ferro e agora prefere enfrentar o Bloco Oriental com
um único agente, quando um ataque concentrado resolveria tudo em poucas horas. E a
solução seria muito mais convincente.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Thora, não entende a psicologia terrena — disse em tom professoral. — Na minha
opinião, Deringhouse não corre o menor perigo. Nada pode lhe acontecer, a não ser que faça
uma tolice. Por outro lado posso mostrar à Humanidade em geral, e ao povo do Bloco
Oriental em particular, que, para a Terceira Potência, uma revolução desse tipo nem chega a
representar um acontecimento que justifique o uso de armas pesadas ou o lançamento de
bombas.
Lançou um olhar indagador para Thora.
— Compreende o que quero dizer? Inclinou o corpo para a frente. — A Humanidade
deve compreender que Rhodan só precisa fazer isto — passou a mão por cima da mesa —
para remover quaisquer dificuldades. Espere aí! — disse, adiantando-se a uma objeção de
Thora. — Não quero brilhar à custa dos outros. Apenas quero obrigar a Humanidade a se
unir. É este o meu objetivo. Mas não pretendo usar a força; prefiro recorrer a um método
especial, para fazer com que a própria Humanidade acabe compreendendo. Se aceitasse suas
sugestões, a lembrança que ficaria dos acontecimentos seria a de que os homens foram
obrigados pela força bruta a unir-se. E é isso que eu quero evitar.
Thora não soube o que responder. Depois de algum tempo voltou a falar:
— Tem razão, como sempre.
Depois de mais alguns minutos de silêncio perguntou:
— Quais são as perspectivas de voltarmos a Árcon?
A pergunta representou uma surpresa para Rhodan; mas sua mente reagiu
instantaneamente. Desde os primeiros dias de sua cooperação com a Terra, Crest e Thora só
estavam empenhados em sua volta para Árcon. E, mesmo quando já existiam recursos para
isso, Rhodan ficou adiando a realização desse desejo de uma oportunidade para outra, por
motivos de segurança terrena. Sentiu que não poderia continuar assim por muito tempo.
— Eu lhe prometi que viajaríamos para Árcon assim que a Terra estivesse em
segurança — respondeu.
Conforme era de esperar, Thora não demorou a formular outra pergunta:
— Quando será isso?
— Aguardemos a conferência que se realizará hoje — consolou-a Rhodan. — Se
conseguirmos uma união, mesmo imperfeita, poderemos decolar dentro de algumas
semanas.
Sabia que não era nada disso. A Terra estaria longe de ser um lugar seguro, mesmo
que a conferência que se iniciava fosse coroada de êxito. Mas, consolando Thora, evitou
uma discussão acalorada.
— Está bem — suspirou Thora. — Depois de tamanha espera agüentaremos mais
algumas semanas.
***
***
***
Welinskij ouviu as pisadas de muitos pés. Poucos minutos antes ouvira o tiro
disparado no barraco e o uivo da bala que ricocheteava.
As pisadas se aproximaram. Vinham da estrada e entraram no caminho que dava para
o barraco. Pouco depois os vultos dos policiais em desabalada carreira surgiram na
escuridão.
— Nãããoo! — gritou alguém do interior do barraco, no mesmo instante em que
Welinskij saía do seu esconderijo. — Está escapando!
Os policiais se aproximaram. Num rápido exame, Welinskij contou oito deles. A
escuridão era quase completa, mas viram-no. O grupo estacou. Depois que pelos seus
cálculos fora visto o suficiente, Welinskij desapareceu no matagal. Alguém gritou:
— Sigam-no! Vamos! É ele!
Mas do lado do barraco ouviu-se a voz lamurienta de alguém que falava um péssimo
russo:
— É aqui, seus idiotas! Foi daqui que ele desapareceu!
Welinskij correu pelo matagal. Estava a quase cinqüenta metros dos policiais quando
estes se refizeram da confusão. Dois deles continuaram a persegui-lo. Os outros correram
em direção ao barraco.
Subitamente Welinskij percebeu que alguém o segurava pela mão. Assustou-se. Mas
Deringhouse ainda pretendia tomar outras iniciativas.
— Abrace-me por trás — ordenou a Welinskij.
Este obedeceu.
— Agora realizaremos um pequeno vôo, para nos afastarmos daqui o mais rápido e o
mais longe possível. Neste traje está embutido um gerador que, ligado à potência máxima,
produz um campo antigravitacional capaz de suportar nós dois. Para isso devemos dispensar
a invisibilidade. Mas de noite isso não será tão perigoso.
Antes que pudesse proferir uma palavra, Welinskij teve a sensação de quem se
encontra num elevador que desce em alta velocidade. Seu estômago parecia se levantar um
pouco. Assim que se recuperou do susto, viu as luzes da mina bem abaixo do lugar em que
estava.
— Não tenha medo — tranqüilizou-o Deringhouse. — Não é muito confortável, mas é
melhor que fugir a pé.
— Mas se eu o soltar... — disse Welinskij, falando com dificuldade.
— Nesse caso não acontecerá nada — explicou Deringhouse. — Continuará a voar
comigo. Só se der socos ou pontapés em mim será desviado, e assim que abandonar a
gravisfera artificial cairá. Portanto, é preferível que continue comigo.
Riu. Mas Welinskij não estava com vontade de rir. Em seu interior o medo do
desconhecido, do nunca visto, lutava contra a admiração provocada por esse produto de uma
tecnologia incrivelmente desenvolvida.
Depois de algum tempo se acostumou à sensação estranha da ausência parcial de
gravidade e começou a se interessar pelo que se passava em torno dele. Pelos contornos
pouco nítidos das colinas do sul da cadeia dos Urais, que desfilavam abaixo deles, calculou
em duzentos metros a altitude em que voavam e em cem quilômetros por hora a velocidade.
A força do deslocamento do ar fora reduzida bastante pelo campo de gravitação artificial.
Welinskij não sentia qualquer incômodo, mesmo quando olhava por cima do ombro de
Deringhouse.
Pelo que notava, se deslocavam na direção oeste.
5
***
***
Meia hora se passou sem que Sirov dissesse uma palavra. Welinskij estava sentado
atrás dele e descansara a arma de radiações no colo. Sirov não podia vê-lo. De vez em
quando, o capitão fumava um cigarro, para matar o tempo e vencer o nervosismo.
Depois de algum tempo Sirov disse:
— Não poderia ao menos explicar o que esse homem e a Terceira Potência pretendem
fazer?
Welinskij não achou nada demais em responder à pergunta. Deringhouse o esclarecera
a este respeito, mas Welinskij cometeu o erro de se julgar uma espécie de missionário, a
quem cabia levar a luz da verdade até mesmo aos corações mais sombrios.
Subitamente Sirov interrompeu seu interlocutor. Inclinou a cabeça para a frente o mais
que as fitas de plástico que lhe prendiam os ombros o permitiram.
— Está ouvindo? — cochichou.
Welinskij não ouviu nada.
— Alguém está subindo a escada — disse Sirov. — Quem será? Seu companheiro?
Welinskij se levantou e segurou o radiador térmico.
— Vou dar uma olhada — disse.
Foi na ponta dos pés até a porta e saiu para a área fronteira. Parou junto à entrada da
residência e aguçou o ouvido. Percebeu uma série de passos, mas talvez isso não
significasse nada. O edifício era grande, e seria de estranhar se naquele instante não
houvesse ninguém pelas escadas.
Os passos não se fizeram ouvir nas imediações da porta. Assim que se convenceu
disso, Welinskij abriu a porta o suficiente para enfiar a cabeça na fresta. Olhou para a direita
e para a esquerda; não havia ninguém. Tranqüilizado, fechou a porta.
No mesmo instante, ouviu um estalo surdo vindo da sala em que Sirov se encontrava.
Assustado, deu dois passos largos, se colocou na porta de entrada e olhou para a sala.
Sirov continuava sentado na sua cadeira... mas onde ela estava! O marechal devia ter
conseguido movê-la por meio de vários solavancos. Naquele momento a cadeira se
encontrava ao lado esquerdo da escrivaninha e caíra para a frente. Sirov estava com o peito
encostado ao canto do móvel e teve que desenvolver um esforço tão intenso para manter a
cabeça ereta que as veias do pescoço se incharam.
Welinskij levantou o radiador térmico.
— Não faça isso, seu idiota! — fungou Sirov. — Pelo amor de Deus, fique onde está.
Welinskij hesitou. Estava perplexo. Só quando Sirov deixou a cabeça pender para a
frente e seu rosto se desfigurou numa careta de deboche percebeu o que realmente estava
acontecendo.
Numa espécie de movimento reflexo levantou a pesada arma térmica. O dedo se
entortou junto ao gatilho. Mas no mesmo instante foi agarrado por um turbilhão
ensurdecedor e seus pensamentos se apagaram.
***
A paciência de Deringhouse foi submetida a uma prova dura. Strelnikov não parecia
ser um dos usuários mais assíduos do telefone. No curso de uma hora não chegou a dar sinal
de vida.
A não ser que o homem que, no início de cada telefonema, dizia “grande vitória” e
obtinha a resposta “grande êxito” fosse Strelnikov. A possibilidade não podia ser
desprezada.
Depois de duas horas Deringhouse abandonou seu posto de escuta. Anotara a posição
do aparelho que costumava ser usado pela “grande vitória”. Daria uma olhada no local. Se
não conseguisse nada, poderia voltar.
Saiu da central de telecomunicações às onze horas e trinta e cinco minutos; dez
minutos depois chegou à Rua Vinte e Oito de Outubro, onde ficava o esconderijo de Sirov.
Logo viu a aglomeração que se formara diante do prédio e não duvidou um instante que
alguma coisa acontecera com o marechal. Estava invisível; entrou cautelosamente pelo largo
portal, para não esbarrar em ninguém, e voou pela escadaria em direção ao oitavo andar,
onde ficava a residência de Sirov.
Diante da residência notou um grupo de homens uniformizados. Ainda percebeu uma
fenda de uns dez centímetros de largura, que descia pela parede do corredor.
Parou no corredor, esperando que os policiais deixassem a porta livre. Ouviu que, no
apartamento, houvera uma explosão cercada de circunstâncias bastante estranhas. Ao que
parecia, ninguém sabia dizer quem era o ocupante da residência, e ninguém tinha a menor
idéia sobre a causa da explosão.
Depois de ter esperado quinze minutos, Deringhouse chegou ã conclusão de que
qualquer perda de tempo representaria um risco. Lançou mão do projetor mental. Os
policiais obedeceram à ordem que lhes foi transmitida: afastaram-se para o lado, liberando a
porta.
No interior do apartamento pelo menos seis policiais se mantinham ativos.
Deringhouse obrigou um por um a se submeter à sua vontade e entrou no escritório de
Sirov.
No lugar em que antes existia a porta, abria-se um enorme buraco. O soalho estava
quebrado e parte do teto desabara por cima da porta. Pelo buraco, via-se o apartamento do
nono andar.
Era estranho que a explosão quase não causara nenhum dano no interior da sala. Uma
prateleira de livros caíra e seu conteúdo se espalhara pelo chão. Era só.
O livro que fora atirado mais longe estava perto da mão de um homem que a explosão
erguera no ar e atirara ao chão.
Era Welinskij.
Deringhouse se abaixou sobre ele, enquanto os policiais, obedecendo ao seu comando
hipnótico, se enfileiravam junto à parede. Welinskij estava deitado de bruços. Deringhouse
o virou de costas e percebeu à primeira vista que estava morto.
Welinskij!
Deringhouse cerrou o punho. Fora um jovem tão entusiasta e tolo! Não deveria tê-lo
deixado a sós com Sirov, a raposa velha.
Mas ia lhes mostrar o que receberiam em troca desse assassinato.
***
Dali a quinze minutos se encontrava novamente na rua. Percebeu o risco que corria.
Sirov fugira e era mais que natural que acreditasse que ele, Deringhouse, voltasse nas
próximas horas para revezar Welinskij.
Mesmo um homem invisível equipado com uma arma psicológica poderia ser
capturado, desde que o número de perseguidores fosse suficiente e estes agissem com
bastante habilidade.
No curso dos quinze minutos examinara o buraco aberto pela explosão. Mesmo quem
não fosse perito em explosivos perceberia que a carga fora colocada de tal maneira que mais
de noventa e cinco por cento do efeito explosivo se desenvolveria verticalmente para cima, a
partir da soleira da porta. Welinskij devia estar ali quando a bomba foi detonada ou
provavelmente ainda estaria no hall, com a porta entreaberta.
Deringhouse também encontrou o detonador. Era um botão de aparência inofensiva
que se encontrava sobre o tampo da escrivaninha. Perto desta se encontrava a cadeira em
que Sirov estivera sentado, ainda com os restos das fitas de plástico.
Deringhouse pôde fazer a reconstituição mental dos acontecimentos. Por algum
motivo, Welinskij saíra da sala. Pobre-diabo! Nunca deveria ter feito uma coisa dessas.
Sirov aproveitou o tempo para escorregar com a cadeira para junto da escrivaninha e, no
momento em que Welinskij abriu a porta para entrar, se inclinou para a frente e comprimiu
o botão com a testa.
Aquele apartamento devia pertencer ao governo. A bomba fora colocada ali quando foi
comprado ou construído pelo governo. Quem colocou a bomba naquele local demonstrou
muita habilidade. Qualquer um que se encontrasse num aperto conseguiria fazer com que
seu inimigo fosse à porta sob qualquer pretexto. Desde que nesse preciso instante
conseguisse colocar a mão, ou qualquer coisa que se movesse, em cima do botão, o caso
estaria liquidado.
Para Sirov estava liquidado; e além de tudo o marechal se apossara do radiador
térmico de Welinskij.
Deringhouse compreendeu que o incidente exigia uma modificação dos seus planos. A
esta hora Strelnikov já devia ter sido prevenido e naturalmente abandonara seu esconderijo;
se realmente era a “grande vitória”.
De qualquer maneira Deringhouse resolveu dar uma olhada no esconderijo. Muitas
vezes uma pessoa que se vê obrigada a sair às pressas deixa uma pista. Tirou o bilhete com a
anotação do bolso e o leu de maneira que ficasse dentro do campo de deflexão.
Era na Rua Kujbyschev. Deringhouse se lembrou de que a rua ficava num bairro da
zona leste. Dispôs-se a subir quando notou um movimento acima de sua cabeça. Olhou e viu
um trançado fino de fios metálicos, que uma turma de trabalhadores procurava firmar nos
telhados de ambos os lados da rua.
Assustou-se. Virou a cabeça e viu que o mesmo trançado cobria a rua em todos os
lados. Além disso, em cada esquina, o mesmo descia dos telhados até a rua. E subitamente
dezenas de policiais surgiram de ambos os lados daquele trecho de rua.
Era a armadilha perfeita!
Deringhouse não teve ilusões. O alcance de seu projetor mental não ultrapassava
cinqüenta metros. A essa distância poderia, quando muito, submeter dez homens à sua
vontade, desde que eles estivessem bem juntos.
Imaginou quais seriam as ordens transmitidas a estes policiais. Não deviam sair do
lugar. E estavam tão encostados um ao outro que nem mesmo um cachorro de tamanho
médio conseguiria passar entre eles. Provavelmente estavam preparados para mobilizar
reservas assim que um deles saísse do lugar, deixando uma passagem. Naturalmente nas
ruas laterais várias companhias de polícia estariam de prontidão, preparadas para acudir ao
primeiro chamado e ajudar a encurralar o homem invisível.
A esse homem invisível seria impossível exercer um domínio mental simultâneo sobre
todos os policiais.
E a tela de arame?
Não havia a menor dúvida de que era mantido sob observação. Telas de arame deste
tipo costumavam ser fabricadas para as mais variadas finalidades. Submetidas a uma
corrente elétrica de reduzida intensidade, indicavam, através de um instrumento não muito
complicado, em que ponto eram tocadas. Na altura dos telhados aconteceria a mesma coisa
que nas ruas transversais, se procurasse sair da armadilha por lá.
No entanto, não podiam saber se ele se encontrava na armadilha. Portanto, só
precisava esperar alguns dias até que os policiais fossem embora e retirassem as telas.
Alguns dias!...
Não podia esperar nem mesmo algumas horas. Cada minuto perdido na atividade dava
a Strelnikov novas oportunidades de apagar sua pista.
Também poderia se libertar à força. Ainda possuía o radiador de nêutrons. Poderia
abrir uma brecha e escapar.
Mas se lembrou do que acontecera em Vênus. O fogo concentrado das armas
automáticas seria dirigido sobre a brecha. Se o campo defensivo do traje recebesse uma
solicitação energética muito intensa, tanto o campo de deflexão como o campo de
neutralização gravitacional seriam eliminados. Se tornaria visível e teria que se mover no
solo.
Sentiu-se tomado pelo nervosismo quando viu que a polícia se preparava para uma
operação de grande envergadura. Viu caminhões que evacuavam os moradores das
vizinhanças e equipes de operários ocupadas em pregar as janelas desse trecho da Rua Vinte
e Oito de Outubro.
Dessa forma, quando se pusessem a revistar as casas, não poderia usar qualquer janela
para fugir, sem ser percebido.
O homem que preparara a operação com tamanha rapidez devia ser dotado de uma
inteligência extraordinária. Não se esquecera de nenhum detalhe que pudesse representar
uma escapatória para o homem invisível dotado de energias hipnóticas.
Não teria mesmo escapatória?
Deringhouse teve uma idéia. De início foi vaga e fugaz; antes que compreendesse, saiu
de sua mente. Mas ele a trouxe de volta e fez passar várias vezes pela cabeça. Seria uma
possibilidade?
O risco era enorme. Mas antes assumir um risco que perder uma oportunidade.
Afinal, o que poderia lhe acontecer?
6
— O que fizeram em Bajmak foi um truque e nós caímos nele — declarou Sirov.
Seu aspecto não melhorara muito desde o instante em que Deringhouse lhe dera a
sova. Não tivera tempo para mudar de roupa. Através de um chamado de emergência,
descobriu o esconderijo de Strelnikov e para lá se dirigiu pelo caminho mais rápido.
Quando soube o que havia acontecido, Strelnikov logo procurou retribuir o golpe.
Incumbiu um jovem coronel do serviço de segurança de capturar o agente de Rhodan se
este, conforme era esperado, voltasse à Rua Vinte e Oito de Outubro.
— É claro que foi um truque — resmungou para Sirov. — Queriam que
acreditássemos que a mina de urânio os manteria ocupados por mais alguns dias, quando na
verdade já se encontravam em Moscou.
Os olhos de Sirov brilharam.
— Mas conseguimos enganá-los!... — gabou-se.
Strelnikov deu uma ducha fria no seu otimismo.
— Por enquanto — disse. — Só por enquanto.
Sirov se acalmou.
— O que pretende fazer? — perguntou.
— Mandar levá-lo a um lugar seguro — foi a resposta lacônica de Strelnikov.
Sentou atrás da escrivaninha e preencheu um formulário. Sirov viu que colocou sua
assinatura embaixo do mesmo.
— Tome isto — ordenou. — Dirija-se ao endereço indicado. De lá será devidamente
encaminhado. Depois aguarde minhas instruções.
Sirov fez continência.
— Pegue meu carro — prosseguiu Strelnikov. — Está estacionado na frente da porta.
Aí — apontou para o bilhete que Sirov segurava na mão — receberá o tratamento de que
precisa. Além disso, lhe darão um uniforme novo, ou então um jogo de trajes civis.
Sirov executou uma meia-volta impecável e se retirou da sala. Strelnikov aguardou até
que o ruído dos passos sumiu e deu um telefonema. Ao terminar se reclinou na poltrona e
sorriu. Parecia satisfeito.
***
***
***
Doze e cinqüenta e nove. Deringhouse penetrou no prédio da Rua Kujbyschev sem ser
visto. Tratava-se de um daqueles feios prédios de apartamentos de quinze andares.
O aparelho de que a “grande vitória” se servira nos seus telefonemas ficava no
apartamento 13 C.
Deringhouse flutuou para cima. A porta do apartamento estava fechada, e no corredor
havia algumas pessoas. Deringhouse esperou até que entrassem em seus apartamentos ou no
elevador. Depois abriu a porta, dirigindo o radiador por alguns segundos contra a fechadura.
O fluxo neutrônico extremamente intenso provocou uma série de reações nucleares que
transformou os materiais da fechadura em outras substâncias que não eram dotadas de
qualquer coesão. Quando abriu a porta, uma reluzente poeira metálica radiativa caiu da
fechadura.
Deringhouse entrou. Pensara que o apartamento estivesse vazio. Strelnikov tivera
tempo de sobra para dar o fora.
Mas, para surpresa sua, viu um homem sentado no chão do hall. Mantinha a cabeça
inclinada para a frente e tinha os olhos semicerrados. Uma faixa vermelha se estendia pelo
lado direito do rosto.
Era um homem velho, de cabelos brancos. Ao que parecia não notou que a porta se
abrira; não se mexia. Sobre seus joelhos havia um bilhete. Deringhouse conseguiu decifrar
as letras desajeitadas:
Agente da Terceira Potência! Strelnikov fugiu. Posso dizer onde está. Ele me bateu.
A primeira idéia que acudiu a Deringhouse foi a de que caíra numa armadilha. Quem
seria aquele homem?
Procurou avaliar a situação. Pelo aspecto, aquele velho devia ter sido o criado ou o
secretário de Strelnikov. Como secretário poderia ter ouvido algumas coisas faladas diante
de Strelnikov. Era perfeitamente possível que soubesse da existência de um agente da
Terceira Potência e estivesse informado sobre as capacidades extraordinárias de que o
mesmo era dotado. Escrevera o bilhete na suposição de que o agente entraria no
apartamento como um homem invisível.
Strelnikov batera nele; a cicatriz estava ali. Para se vingar oferecia informações sobre
o paradeiro de Strelnikov.
— Levante-se! — disse Deringhouse.
O velho estremeceu; provavelmente estava dormindo.
— Onde... quem...? — gaguejou.
— Estou à sua frente — disse Deringhouse. — Sou o agente da Terceira Potência.
Parece que está disposto a me levar ao lugar em que posso achar Strelnikov.
Por um momento teve a impressão de que o velho superestimara sua própria coragem.
Tremeu de medo e só se levantou com muito esforço.
— Eu... eu... — gaguejou. Deringhouse veio em seu auxílio.
— Não tenha medo de mim. Como é seu nome?
— Nikolaj.
— Pois bem, Nikolaj. Sabe para onde Strelnikov fugiu?
Nikolaj fez que sim.
— Como ficou sabendo?
— Ouvi a conversa que teve com um jovem oficial que veio a este apartamento.
— Quer me levar para lá? — perguntou Deringhouse.
Nikolaj confirmou com um forte aceno de cabeça.
— Por que lhe bateu? — indagou Deringhouse.
Nikolaj deu de ombros.
— Ao sair disse: “Tome isto por andar me espiando!”, e bateu no meu rosto com um
chicote.
Com os olhos chamejantes, Nikolaj fez um movimento distraído da mão em direção ao
lado direito do rosto.
Deringhouse respondeu com um aceno de cabeça.
— Esse tipo de gente nunca escapa ao seu destino — murmurou. — Podemos sair
logo?
Enquanto desciam no elevador, Nikolaj disse que o esconderijo de Strelnikov ficava
em lugar bem próximo. Seria mais prático andarem a pé.
***
***
***
***
***
Donnifer tomou as providências necessárias para que o Bloco Oriental não ficasse sem
governo na época de transição. Perry Rhodan lhe deu alguns conselhos. No entanto, nem ele
nem qualquer outro membro da Terceira Potência participou da escolha dos membros da
administração provisória.
A Stardust-III saiu de Moscou às treze horas, tempo local, e chegou a Galáxia no fim
da tarde.
Rhodan anunciou que, em comemoração ao êxito notável alcançado pela corte
mundial, e ainda em lembrança ao dia em que a primeira nave construída pelo homem — a
velha Stardust — se libertou da influência da Terra e voou à Lua, ofereceria um banquete
para fazer aquilo que os membros da conferência esperavam desde o primeiro dia.
Preparou um relatório sobre a evolução da Terceira Potência desde o dia de sua
formação. Providenciou a apresentação de filmes que proporcionariam aos delegados
informações detalhadas sobre os acontecimentos que se desenrolaram nos setores do espaço
mais próximos da Terra e nos mais afastados.
A impressão causada pelo relatório foi tamanha que ninguém notou quando, durante a
apresentação, um ordenança se dirigiu a Rhodan. Pediu a seu ajudante que lhe desse um
pedaço de papel e rabiscou apressadamente algumas palavras. O ordenança pegou o papel e
desapareceu.
Pelas onze horas o relatório estava concluído. A onda de aplausos foi dirigida à
Terceira Potência com seu imenso acervo de realizações, e especialmente a Perry Rhodan,
que em passos comedidos caminhou em direção a uma pequena tribuna.
Quando os aplausos cessaram, começou a falar. Sua voz tinha um tom solene, que
dificilmente alguém teria ouvido antes.
— Senhores, não quero abusar de sua atenção — iniciou. Por um instante prestou
atenção à confusão desconcertante que os tradutores simultâneos, cada qual agindo numa
direção diversa, faziam de suas palavras. — Mas, antes que termine este dia memorável,
quero assinalar dois fatos.
“O dia 19 de junho será feriado legal no território da Terceira Potência, em
comemoração aos acontecimentos desenrolados hoje e em lembrança ao primeiro vôo do
homem à Lua. E, para exprimir sua confiança na breve união de todos os povos da Terra, a
Terceira Potência modifica o nome de Galáxia que passa a ser Terrânia.”
Fez uma pausa. Aplausos começaram a irromper, mas Rhodan interrompeu-os com um
gesto.
— O segundo acontecimento não é tão agradável — disse em tom áspero. — Como
sabem, na Lua existem duas bases. Uma delas está submetida à jurisdição do Bloco Oriental
e a outra pertence aos Estados da OTAN.
“Às vinte e duas horas e dez minutos, duzentos foguetes de grande alcance dotados de
cargas explosivas de fusão catalítica foram lançados da base do Bloco Oriental em direção à
Terra. Sabem perfeitamente que pouquíssimos homens continuarão vivos se os foguetes
atingirem o alvo. Pouco importa qual seja o ponto da superfície terrestre em que fica esse
alvo.
“Os foguetes deveriam chegar à Terra amanhã, às cinco horas da manhã
aproximadamente, tempo local. Mas sinto-me feliz em poder lhes comunicar que uma
esquadrilha de caças espaciais, comandada pelo major Nyssen, acaba de chegar ao setor do
espaço em que se encontram os foguetes e dentro de poucos minutos provocará sua
detonação.”
No mesmo instante a luz se apagou. Na tela gigantesca que permitia a reprodução
tridimensional de qualquer filme, surgiu a imagem do espaço com seus bilhões de pontos
luminosos.
Perplexos, os membros da conferência se mantiveram em silêncio. Rhodan voltou-se
para contemplar a imagem. A cena era filmada por um caça espacial que se encontrava a
algumas dezenas de milhares de quilômetros da esquadrilha comandada por Nyssen.
As bombas começaram a detonar. Até então invisíveis, foram se transformando em
manchas brancas e luminosas, que logo cresceram de tamanho e ocuparam seu lugar no
espaço com a luminosidade de um novo sol. A luz dos duzentos foguetes iluminou o imenso
salão com maior intensidade do que as lâmpadas poderiam fazê-lo. Os espectadores
cerraram os olhos para suportar a luminosidade.
Rhodan deixou que a imagem agisse no espírito dos espectadores até que a
luminosidade começou a se desvanecer. Lentamente desligou o projetor e, com a mesma
lentidão, voltou a acender as lâmpadas.
Viu diante de si uma massa de rostos apavorados. Rostos de gente que, em última
análise, devia sua salvação ao homem que se encontrava diante deles.
— Acredito — disse Rhodan com a voz tão baixa que mal conseguia ser entendido —
que esta projeção provou a todos que a união definitiva da Humanidade constitui uma
necessidade premente.
***
Um único agente da Terceira Potência, equipado com
algumas das surpresas da tecnologia arcônida, fora suficiente
para instalar a confusão num país inteiro e prender o principal
instigador da discórdia.
Mas nem por isso conseguiu a união definitiva da
Humanidade. Enquanto essa união não se realiza, Perry
Rhodan não pode estabelecer contato com o mundo de Árcon.
Thora, um dos últimos representantes da dinastia
reinante de Árcon, começa a se impacientar e foge.
A Fuga de Thora é o título do próximo volume da série
Perry Rhodan.