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© Louai Beshara/AFP
na Argentina. Multi-
plicam-se os indícios de Síria é um componente central da geopolítica
que o kirchnerismo vive do Oriente Médio e um firme aliado da Rússia.
seu outono. O conflito evoluiu de levante popular contra o
Pág. 4 regime para confronto de fundo sectário entre
● Diário de Viagem – Os sunitas, de um lado, e alauítas (xiitas) e cristãos,
parques nacionais sul- de outro. A hipótese de uma fragmentação da
africanos revelam a for- Escombros em bairro de Damasco explicitam um impasse que envolve
Síria recoloca, em novos termos, o antigo pro-
ça e a persistência his- as grandes potências mundiais e interesses regionais
blema do nacionalismo curdo.
tórica do nacionalismo
O ataque químico introduziu um novo ingre-
romântico africânder.
Pág. 5
diente na tragédia. Barack Obama classificou, há um ano, a hipótese de uso de armas químicas como uma “linha vermelha” que
o regime de Bashar al-Assad não poderia ultrapassar. Mas, depois da ultrapassagem, o presidente americano recuou: no lugar da
● “Eu tenho um sonho”
– o célebre discurso de
represália militar, aceitou um complexo acordo proposto pela Rússia que pode – ou não – resultar na desmontagem do arsenal
Martin Luther King, químico da Síria. A valsa oscilante de Washington evidencia que, depois das guerras no Iraque e no Afeganistão, a sociedade
pronunciado meio século americana resiste a novos envolvimenos no exterior. A tentação do isolacionismo atinge a credibilidade da hiperpotência. “Os
atrás, oferece inspirações iranianos não devem concluir que, porque não atacamos a Síria, não atacaremos o Irã”, disse um Obama preocupado com o valor
para nacionalistas, libe- de sua palavra. Mas o Irã, como o resto do mundo, presta mais atenção nos atos – ou na falta deles – do que nos discursos.
rais e social-democratas Veja as matérias às págs. 6 a 9
nos Estados Unidos.
Pág. 12
● Visite nossa página no Fa- Brasil experimenta um novo ciclo Vinicius, 100
cebook. Ali você encontrará
indicações de textos, livros, social e demográfico
filmes e atividades. Basta aces-
sar ao link: www.facebook.
O
com/JornalMundo PNUD, da ONU, e o IBGE divulgaram informações atualizadas sobre o Índice
de Desenvolvimento Humano dos municípios brasileiros (IDH-M) e sobre a
● Revista Pangea 2013: Questões evolução das tendências demográficas do país. Uma leitura ufanista dessas informações
e visões do mundo contempo- produz a narrativa de uma marcha acelerada, inabalável, de desenvolvimento. Mas
râneo – A partir da segunda uma análise objetiva evidencia a permanência de antigas mazelas e a emergência de © Oliosi/Farabola/Leemage/AFP
E
Diário de Viagem: Buenos Aires ntre atenienses e espartanas, brasileiras e indianas, do despertar da força e da beleza daquelas que são as rosas
O Meio e o Homem: A Bacia do Reno e o Vale do Ruhr
é certo que as mulheres tiveram sua inteligência e do povo.
● Número 4 – agosto de 2013 talento amordaçados por culturas dominadas por regimes
Bússola estratégica americana gira para a Ásia
Obama e os mega-acordos comerciais patriarcais, em uma história escrita por mãos masculinas Rosa/mulher
Aliança do Pacífico é desafio para o Mercosul nos mais diversos campos do conhecimento humano. É
Manifestantes defendem o Estado laico na Turquia
Deposição do presidente encerra “Primavera Egípcia”
impossível ignorar séculos de submissão forçada ao marido
ou mulher/rosa?
e aos filhos ou apagar um obscuro milênio em que, por
Empresas brasileiras buscam negócios na África
seus atributos físicos e intelectuais, foram caçadas e quei-
A herança política de Nelson Mandela
Editorial: Edward Snowden e a “obediência devida”
Diário de Viagem: Jordânia
madas como bruxas sob a cruz da Igreja Católica.
Apesar do papel político restrito destinado às mulhe-
L etícia alia engajamento político, discussão acerca
de gêneros e poesia com uma fluência singular,
considerando-se a pouca idade e o não hábito que hoje
O Meio e o Homem: O debate sobre Belo Monte res ao longo da história, muitas tiveram papéis decisivos
em dia se tem de discutir. Talvez a leitura de mundo de-
● Número 5 – setembro de 2013 lutando por seus ideais. Simone de Beauvoir, ícone do
Paz e guerra em Israel/Palestina monstrada em sua redação se deva às inquietações tão
feminismo mundial, defendeu através da obra O segundo
Os cem anos do Canal do Panamá próprias da idade. O que, porém, motiva uma garota a
O fantasma de Pinochet e as eleições chilenas sexo a condição feminina. A escritora francesa, conhe-
escrever para um concurso?
Lulismo moderniza a CLT de Getúlio Vargas cida pela célebre frase “não se nasce mulher, torna-se”,
Há 60 anos, nascia a Petrobrás transformou-se em um divisor de águas na busca pelos
Intolerância sexual na África e na Rússia direitos das mulheres. No Brasil, Patrícia Galvão – Pagu
(Leia a íntegra do comentário crítico em
Editorial: Francisco, a Igreja e os gays www.clubemundo.com.br)
Diário de Viagem: Uzbequistão –, escritora e feminista, integrou os movimentos antropo-
O Meio e o Homem: Água e fronteiras na Palestina fágico e modernista. Além disso, lutou contra os padrões
de seu tempo e contra a ditadura Vargas como militante
O Mapa de Mundo do Partido Comunista.
Globalização – 3:(7-12) 4:(6-7)
Geopolítica – 1:(4-5) 2:(12) 6:(6) As conquistas sociais femininas, como o direito ao E X P E D I E N T E
EUA e Canadá – 1:(11-12) 2:(4-5) 3:(5) 4:(3-8) 6:(12) voto, são recentes em diversos países. Em outros, porém, PANGEA – Edição e Comercialização de
Europa Ocidental – 2:(6-7-8-9) 3:(3-4) a submissão das mulheres está intrínseca à sua cultura, es- Material Didático LTDA.
CEI e Europa Oriental – 5:(12) pecialmente em países do Oriente, onde os avanços rumo
Oriente e Pacífico – 3:(6-8-9)
à igualdade sexual foram ínfimos. Seguir determinadas Redação: Demétrio Magnoli, José Arbex Jr.,
Ásia Meridional – 1:(3)
Nelson Bacic Olic (Cartografia).
Oriente Médio – 1:(6-7-8) 2:(3) 4:(4-12) 5:(6-7-8-9) religiões e doutrinas e “sujeitar-se” ao que elas defendem
6:(7-8-9) Jornalista Responsável: José Arbex Jr. (MTb 14.779)
é um direito dessas mulheres; contudo, é preciso que os Revisão: Jaqueline Rezende
África do Norte – 4:(5)
América Latina – 1:(10) 2:(10-11) 3:(10) 4:(9) 5:(4-5)
órgãos internacionais estejam atentos para os atos que ul- Pesquisa Iconográfica: Odete E. Pereira e Etoile Shaw
6:(4) trapassam a linha tênue que separa os costumes da tortura, Projeto e editoração eletrônica: Wladimir Senise
África Subsaariana – 1:(9) 4:(10-11) 6:(5) ferindo muitas vezes os direitos humanos. Endereço: Rua Dr. Dalmo de Godói, 57, São Paulo – SP.
Brasil – 2:(3) 3:(3) 4:(3) 5:(10-11) 6:(3-10-11) CEP 05592-010. Tel/fax: (011) 3726.4069 / 2506.4332
Mesmo nos países ocidentais, a violência doméstica,
Ciência e cultura – 1:(3) 3:(11) 5:(3) E-mail: pangea@uol.com.br – www.facebook.com/JornalMundo
o desrespeito e os estereótipos acerca do corpo feminino,
“É o outono do kirchnerismo”,
sonha a oposição
Newton Carlos Néstor Kirchner assumiu a presidência em 2003, e sua mulher, Cristina, governa
Da Equipe de Colaboradores desde 2007. O longo ciclo kirchnerista parece, depois das eleições primárias, próximo do
esgotamento. Mas a presidente luta para estendê-lo
de Augrabies Falls, mais ao sul, também cos protestantes com a natureza intocada
ATLÂNTICO
ÁFRICA OCEANO
DO SUL ÍNDICO
África do Sul.
duas noites em Augrabies, uma unidade de africânderes – os pais e seus filhos, famílias
B
das e do magnífico cânion do Rio Orange. Nos parques, circula-se de carro livremente os mitos e recontam o passado ao redor
– e, no caso de Augrabies, onde não exis- ÁFRICA
M
ainda para o parque Ais-Ais, na Namíbia, caminhar. Contudo, mediante uma taxa, meio natural. Nem os mais vastos deles são,
N
onde se situa o Fish River Canyon – o sempre é possível participar de caminha- Campos de alojamento contudo, “natureza intocada”. No Kalaha-
segundo maior cânion do mundo –, e para das ou safáris motorizados de observação Poços de água ri, os animais se concentram em torno de
Estradas principais
uma visita rápida ao Kruger, o mais célebre conduzidos por guias especializados (e, no Estradas secundárias
poços artificiais, implantados a distâncias
parque sul-africano, nas proximidades da Kalahari, armados). Estradas apenas para de cerca de dez quilômetros um do outro,
veículos 4x4
fronteira com Moçambique. Os parques sul-africanos são admi- ao longo dos vales dos rios fósseis. Mesmo
Parques na África do Sul provocam um nistrados por um órgão público, South o Parque Nacional Kruger, com 19.633
sentimento irreprimível de vergonha em African National Parks (SANParks). O secundário de Mata-Mata – que trocamos quilômetros quadrados, o equivalente a
brasileiros. Em Augrabies e no Kalahari, conceito orientador é o mesmo que vi- pelo Nossob. No Brasil, pelo contrário, sob dois terços da área da Bélgica, não poderia
por algumas dezenas de dólares, alugamos gora nos Estados Unidos: quanto mais o influxo do ambientalismo anacrônico do sustentar sua diversa fauna de grandes ma-
chalés impecáveis de pedra e madeira, visitantes, melhor. Preços acessíveis dos Instituto Chico Mendes (ICM-Bio), vigora míferos sem intervenções humanas repre-
divididos em amplos quartos, banheiro, chalés e áreas demarcadas de camping, uma orientação implícita de restringir a sentadas por barragens e lagos artificiais.
cozinha equipada e varanda. Lojas básicas com infraestrutura completa, propiciam a visitação das unidades de conservação. Os parques são obras da civilização, que
oferecem vinho, cerveja, refrigerantes visitação em massa. Reservamos os chalés Entre os visitantes dos parques sul- tenta por meio deles reconstituir os laços
e alimentos para preparo nos chalés. A no Brasil, com meses de antecedência. africanos, contam-se poucos negros – algo imemoriais do ser humano com o meio
alternativa, não disponível nos campos se- Mesmo assim, devido à procura gerada que se explicaria, em tese, pelo baixo poder que serviu como alicerce para a evolução
cundários do Kalahari, é o restaurante, que pelas férias escolares de inverno na África aquisitivo da maioria da população do biológica e a socialização.
serve deliciosos pratos de carne de caça. do Sul, não conseguimos lugar no campo país. Contudo, contam-se também poucos
Cláudio Camargo
Especial para Mundo Enigma sírio desafia a lid
A s cenas do massacre correram o
mundo. As fotos mostravam ca-
dáveres de civis – na sua maioria, idosos,
(…) por quase sete décadas os Estados Unidos têm sido a âncora da segurança global. Isso significa mais que forja
com que eles sejam cumpridos.
Os fardos da liderança são, muitas vezes, pesados – mas o mundo é um lugar melhor po
velt disse, certa vez: “Nossa determinação nacional de ficar de fora de guerras e conflitos externos não deve nos imp
mulheres e crianças – vítimas da ação de quando os ideais e princípios que valorizamos são desafiados.” Nossos ideais e princípios, assim como nossa segurança n
armas químicas despejadas em ondas su- nossa liderança num mundo em que procuramos garantir que jamais sejam utilizadas as piores
cessivas por caças Mig e Mirage. Cerca de
5 mil pessoas morreram e outras milhares [Barack Obama, em discurso à nação, em 10 de setembro de 2013]
ficaram gravemente feridas, algumas com
sequelas pelos efeitos do gás mostarda,
© Fabio R. Pozzebon/ABr
aparências, as circunstâncias que possibilitaram
já que Bagdá estava numa cruzada contra o uma ditadura militar sangrenta, entre 1971
a deposição do ditador líbio Muammar Kadhafi
Irã dos aiatolás xiitas. O bombardeio ocor- e 2000 (quando morreu), que conseguiu
(foto à dir.) por uma intervenção da Otan, em
reu porque Saddam Hussein desconfiava preservar a estabilidade interna e relações
2011, em nada se assemelham ao que ocorre na
que a minoria curda iraquiana ajudara os externas estáveis; as tensões, no contexto da
Síria, a começar pelo fato de que a Líbia não
invasores iranianos, e ele queria puni-la. Primavera Árabe, eclodiram no governo de
tinha um exército nacional, mas uma tropa de
Não é preciso dizer que ninguém conde- seu filho e sucessor Bashar (foto à dir.)
nou de fato esse ataque, nem pensou em mercenários pagos por Kadhafi
lançar uma ação punitiva contra o ditador.
Quando isso finalmente aconteceu, em o uso de armas químicas. Se Assad a ul- Obama teve de reagir. Ele ameaçou punir aprovação do Congresso. Contudo, a pos-
2003, o Iraque já não dispunha mais de trapassasse, os Estados Unidos poderiam a Síria com ações militares pontuais, mas sibilidade de uma derrota da Casa Branca
armas de destruição em massa. atacar a Síria. supostamente dissuasórias. Afinal, o man- era grande, já que os congressistas estão
Voltemos à Síria. A guerra civil na Atacar, mas não invadir o país com datário da única hiperpotência mundial atentos ao crescimento do sentimento iso-
qual se digladiam a ditadura de Assad e tropas terrestres, como ocorreu no Afe- não poderia ser desafiado impunemente lacionista dos americanos após uma década
uma miríade de grupos rebeldes, entre ganistão e no Iraque. Ao optar por essa pelo ditador sírio. Só que a operação mi- de intenso envolvimento militar externo
os quais jihadistas islâmicos, foi o último possibilidade restrita de ação, o presidente litar americana se resumiria ao lançamento do país. Era um abacaxi de razoáveis pro-
rebento da chamada Primavera Árabe. Ela tinha em mente o que aconteceu naqueles de mísseis de cruzeiro Tomahawk a partir porções nas mãos do presidente.
já dura dois anos e custou a vida de cerca países e na Líbia, onde ações para derru- de navios e submarinos, além de eventuais Inadvertidamente, o secretário de Esta-
de 100 mil pessoas. Por que só agora essa bar regimes hostis a Washington, além de ataques de caças lançados de porta-aviões do John Kerry deu a deixa para uma saída
preocupação com os massacres? É verdade muito custosas, levaram ao fortalecimento no Mar Mediterrâneo. Uma operação, honrosa: numa entrevista, ele sugeriu que,
que, historicamente, Washington sempre de rebeldes fundamentalistas islâmicos, an- portanto, que não teria a capacidade de se o regime sírio desistisse de seu arsenal
manteve um pé atrás diante do regime tiamericanos e ligados a grupos jihadistas e mudar a relação de forças na Síria. de armas químicas, os Estados Unidos po-
sírio, inimigo jurado de Israel, aliado da até à Al-Qaeda. E Obama também levou Mesmo para uma operação limitada deriam cancelar o ataque. Só que a deixa,
Rússia e com fortes ligações com o Irã e em conta a opinião pública – já que hoje, dessa natureza, Washington não buscou a quase casual, foi aproveitada por um Vla-
com grupos fundamentalistas islâmicos ao contrário do que acontecia na época aprovação do Conselho de Segurança da dimir Putin alarmado com a possibilidade
como o Hezbollah, do Líbano, e o Hamas de George W. Bush, apenas uma minoria ONU, onde certamente seria vetado pela de uma ação militar americana na Síria,
palestino, que controla a Faixa de Gaza. de americanos acha que a superpotência Rússia. Washington obteve o apoio de o principal aliado russo na região (veja a
Mas a Síria, embora esteja numa área de deve funcionar como polícia do mundo. O aliados da Otan, como a Grã-Bretanha, a matéria à pág. 7). Assim, numa ofensiva
influência americana – o Oriente Médio presidente calculou que Assad – tirânico, Turquia e a França do socialista François diplomática, Moscou convenceu Assad a
–, nunca afetou diretamente os interesses mas racional – jamais ultrapassaria a tal Hollande, talvez o mais “atlantista” dos aceitar, ao menos em tese, um plano para
nacionais dos Estados Unidos. “linha vermelha”. presidentes franceses em toda a história. colocar suas armas sob controle interna-
Mas, há um ano, pressionado por asses- Cálculo errado. Em fins de agosto, ao Mas, em 29 de agosto, inesperadamente, cional. Obama respirou aliviado.
sores liberais que defendem a “intervenção emergir a notícia de que cerca de 1,4 mil ci- o Parlamento britânico vetou o envolvi- Ou talvez nem tanto. Como escreveu
humanitária” dos Estados Unidos em vis sírios foram massacrados na periferia de mento do país no conflito, deixando o no The New York Times a colunista Mau-
conflitos que envolvam trágicas violações Damasco por armas químicas, que os servi- primeiro-ministro David Cameron de reen Dowd, Putin, “que deixa membros de
de direitos humanos, Barack Obama con- ços de inteligência americanos garantiram mãos abanando. Alarmado, Obama recuou uma banda de garotas rebeldes apodrecer
cordou em traçar uma “linha vermelha”: que foram lançadas pelas forças de Assad, e resolveu submeter a operação militar à na cadeia, atirou uma boia de salvação”
dos direitos humanos do povo sírio, seriam feitos por via aérea: não haveria engajamento de tropas ocidentais em combates
terrestres. A operação militar teria um tempo limitado e objetivos precisos. Mas as semelhanças terminam aí. Há um abismo
de diferenças entre os dois países, tanto no âmbito de suas relações com o mundo, quanto no âmbito doméstico.
A Líbia ocupava um lugar geopolítico relativamente marginal, e derivava sua importância do fato de ser um grande ex-
portador de petróleo. A Síria quase não tem reservas de petróleo, mas está no centro da geopolítica do Oriente Médio, além
de situar-se em área de passagem obrigatória de dutos que deverão ser eventualmente construídos para levar gás e petróleo
para a Europa.
A preservação da ditadura de Assad é fundamental para a Rússia. Ela garante aos russos a manutenção de sua única base
militar no Mediterrâneo, situada em Tartus. Isso explica os esforços feitos pelo governo de Vladimir Putin para impedir qual-
quer ataque militar à Síria. Em contrapartida, explica também, em parte, os interesses de Washington na derrubada de Assad.
O pano de fundo é a disputa estratégica pelo controle do Mare Nostrum. Para a Casa Branca, não é suficiente a hegemonia
assegurada pela Otan: a presença russa é um “incômodo” a ser extirpado.
A China também tem interesses estratégicos na área. Depende do petróleo do Irã – que, por sua vez, sustenta a ditadura
de Assad (cuja família é alauíta, um ramo dos xiitas, que são predominantes no Irã). O Irã, por sua vez, disputa com a Arábia
Saudita (de maioria sunita) a liderança dos países do Golfo Pérsico. É vital, por isso, assegurar que o governo sírio não caia sob
a influência dos sauditas. Nesse quadro, a China alinha-se taticamente ao Irã, até porque interessa a Pequim o enfraquecimento
das posições dos Estados Unidos na região.
Temos, então, um imenso e complexo nó de interesses que se entrelaçam na Síria e que envolvem as grandes potências do
planeta, situação muito distinta da experimentada pela Líbia. Mas isso ainda não é tudo. A Síria também figura como um
importante protagonista na arena regional.
A ditadura de Hafez al-Assad e, desde 2000, de seu filho Bashar, mantém uma convivência tensa, mas pacífica, com Israel.
Apesar da retórica beligerante, especialmente em torno das Colinas de Golã, ocupadas por Israel em 1967, quase não houve
incidentes sérios envolvendo os dois países nas três últimas décadas. A desestabilização da ditadura síria pode, potencialmen-
para Obama. Trata-se, no entanto, de uma te, elevar a tensão na região, principalmente se for substituída por um governo indisposto ou incapaz de preservar relações
boia traiçoeira. “O objetivo da Rússia é ser estáveis com o vizinho judeu. Os israelenses vacilaram bastante sobre a posição a adotar diante da guerra civil síria. Decidiram
vista como uma potência como os Estados pressionar por um ataque limitado de Washington apenas porque isso enviaria um sinal eloquente para o Irã, cujo programa
Unidos. E ela será vitoriosa se puder ser nuclear atemoriza Israel.
vista como protagonista; se puder pare- Finalmente, a ditadura dos Assad conseguiu manter sob controle a minoria curda, que promove uma luta histórica pela
cer que Washington se absteve de atacar criação de um Estado independente (veja a seção O Meio e o Homem, à pág. 9). Essa questão ganha relevo regional quando
[a Síria] em razão das manobras russas. se considera que os curdos são ativos também no Iraque e na Turquia, onde conquistaram uma expressão política importante,
Assim, o peso [geopolítico] de Moscou em especial com a atuação do Partido Curdo dos Trabalhadores (PKK, na sigla em inglês). A última coisa que o governo
aumentará dramaticamente”, analisa o turco quer é uma retomada da agitação curda em seu território, o que poderia ser estimulado pela fragmentação da Síria. Isso
site de geopolítica e estratégia Stratfor. Os teria, provavelmente, consequências ainda mais graves entre os curdos do Iraque – que, aliás, habitam as regiões mais ricas
homens do Kremlin esperam que os Esta- em petróleo do país.
dos Unidos sejam percebidos pelo resto do Mas a Síria também é diferente da Líbia em virtude da maior coesão do aparelho estatal. A Líbia praticamente não dispunha
mundo como a superpotência enrascada de um exército nacional. Kadhafi comandava uma tropa de cerca de 10 mil mercenários, muitos dos quais estrangeiros, que
e trapalhona que foi salva pela iniciativa deviam fidelidade pessoal a ele. A Líbia era um país fortemente fragmentado por profundas divisões tribais. A Síria é um caso
política de Moscou. totalmente distinto. Mesmo após dois anos de guerra fratricida, com pelo menos 100 mil mortos, registrou-se um número
Ainda é cedo para se tirar conclusões, pequeno de deserções no exército regular. A ditadura dos Assad não se resume ao poder pessoal de Bashar ou, antes, de Hafez.
ainda mais porque existe um abismo Ela está fincada sobre uma teia de compromissos e acordos que envolvem amplos setores da classe média, especialmente os
entre a oferta verbal de renúncia às ar- alauítas e os cristãos.
mas químicas e a eliminação real desse Além de tudo, a Síria cultiva um forte sentimento nacionalista, que não joga um papel secundário no conflito. Damasco
arsenal sírio. Mas o recuo de Obama na é a capital mais antiga do planeta, com idade calculada em 6 mil anos. Sua história é motivo de orgulho para os sírios. A pre-
Síria pode indicar que a era do ativismo sença de combatentes jihadistas estrangeiros entre as forças que lutam para derrotar Assad constitui, nesse sentido, um grande
mundial americano, que se iniciou mais problema para a formulação de uma estratégia de formação de um governo pós-ditadura.
de 70 anos atrás, no momento do ataque Uma das alternativas possíveis seria a “balcanização” do país – ou seja, sua divisão em áreas controladas por alauítas, sunitas
japonês a Pearl Harbor, talvez esteja com e curdos. Mas tal divisão aprofundaria todos os problemas, pois multiplicaria as áreas de instabilidade. O problema se agrava,
os dias contados. aliás, quando se considera que a Síria, ao contrário do que se dizia do Iraque, de fato possui armas de destruição em massa
– no caso, um poderoso arsenal químico. Se partes de tal arsenal caírem nas “mãos erradas”, podem se tornar fonte dos piores
Cláudio Camargo é jornalista pesadelos na arena política mundial. Não há, aqui, qualquer analogia com o caso da Líbia.
e sociólogo
MAR CÁSPIO
guerra civil nacional, adquiriu as feições de TURQUIA ARM. AZERB. tente, às reviravoltas da revolução egípcia.
um confronto sectário de forças rebeldes TURCOMENISTÃO Enquanto a hiperpotência reorganiza sua
sunitas contra um aparato estatal apoiado estratégia global, colocando ênfase no de-
pelas minorias alauíta e cristã. A terceira, em safio representado pela ascensão chinesa, os
MEDITERÂNEO
curso há meses, deve ser definida como uma SÍRIA atores regionais do Oriente Médio adqui-
AFEGANISTÃO
MAR
“guerra civil regional”. O regime de Assad tem LÍBANO rem maior autonomia e liberdade de ação.
o apoio militar direto de forças da Guarda Atualmente, os objetivos estratégicos de
ISRAEL IRAQUE
Republicana do Irã e de milícias de elite do IRÃ Washington no Oriente Médio se resumem
Hezbollah libanês. Os rebeldes, por seu lado, a garantir a segurança de Israel e da Arábia
JORDÂNIA
recebem armas e munições da Arábia Saudita, Saudita, evitando que o Irã se transforme
do Qatar e da Turquia. A Síria transformou-se em potência nuclear.
em cenário de um jogo de poder que abrange No complexo tabuleiro da rivalidade
MA
GO
LFO
grande parte do Oriente Médio. turco-persa, uma das peças mais enigmá-
RV
ARÁBIA SAUDITA
PÉ
ERM
RS
ICO
não árabes, são protagonistas desse jogo. A EGITO
ELH
CÁSPIO
MAR
região montanhosa da porção setentrional GEÓRGIA
armada. O exemplo mais notável é de uma região curda no norte do Iraque, que
do Oriente Médio, localizada de forma o Partido dos Trabalhadores Curdos ficou resguardada de ataques do ditador ira-
ARM. AZERB.
mais ou menos equidistante dos mares (PKK, na sigla em inglês), criado em quiano Saddam Hussein. A proteção externa
T U R Q U I A
Mediterrâneo, Negro, Cáspio e do Golfo 1984 na Turquia, que atua também a permitiu aos curdos conquistar substancial
Pérsico. Permaneceram nessa região e partir do lado iraquiano da fronteira autonomia regional.
absorveram influências culturais – o isla- comum. Por inúmeras vezes, o go- Em 2003, quando os Estados Unidos
mismo, por exemplo – dos povos que ao SÍRIA verno turco atacou bases do PKK em invadiram o Iraque, os curdos desempe-
MAR
longo do tempo dominaram a região. Essa MEDITER. IRÃ território do Iraque. Depois de dé- nharam papel importante na derrubada
é a origem dos curdos. cadas de luta, em março de 2013, a do regime de Saddam Hussein. Em 2005,
Atualmente dispersos por uma vasta área IRAQUE organização decretou um cessar-fogo com a eleição de um governo de transição,
do Oriente Médio que abrange regiões de EGITO JORDÂNIA unilateral com o governo turco. os curdos assumiram postos-chave na nova
cinco países (Turquia, Iraque, Irã, Síria e Ar- No Iraque, por décadas, os curdos administração iraquiana, inclusive a presi-
GOLFO
mênia), os curdos constituem não só a mais ARÁBIA SAUDITA PÉRSICO sofreram com a violenta e sistemática dência do país. Desde aquele ano, eles pro-
numerosa minoria da região como também repressão por parte do governo do curam conservar sua influência no governo
o maior grupo étnico do mundo que não Zona de povoamento curdo país. A situação começou a mudar central e preservar a autonomia regional no
possui um território nacional próprio. Cul- Países com maioria contexto de um Iraque federalista.
turalmente, eles estão na encruzilhada dos de população muçulmana Mapa 2 Todavia, a criação de um
mundos árabe, turco e persa. A Turquia e o Projeto da Grande Anatólia Curdistão independente é uma
O que eles denominam de Curdistão MAR NEGRO GEÓRGIA RÚSSIA utopia. Nenhum dos países
– o “país dos curdos” – não tem limites que têm populações curdas
precisos, mas se estende a partir das Mon- AZERBAIJÃO abriria mão da soberania sobre
tanhas Zagros no Irã, abrangendo também T U R Q U I A ARM. seus territórios. Além disso,
© Jan Sefti (CC BY-SA 2.0)
200
de redução das taxas de crescimento vegetativo foi mais deste, o Sul apresentará pequena diminuição relativa da
veloz do que previam, à época, os analistas. 175 população, ficando em torno de 14% do total. Juntas, em
As grandes transformações demográficas experimenta- 2030, as regiões Norte e Centro-Oeste abrigarão pouco
150
das pelo Brasil nas últimas décadas resultam da combina- 2010 2013 2042 2060 mais de 15% dos brasileiros.
FONTE: IBGE
ção de um conjunto de mudanças nas condições de vida O quadro de estabilidade se repete na escala de análise
e nos hábitos da população. O aumento da proporção de Gráfico 2 das unidades federativas. No horizonte de 2030, os esta-
idosos reflete um envelhecimento demográfico que está Brasil: dinâmica demográfica dos de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia
entre os mais velozes do mundo. A forte redução da taxa Mortalidade infantil (em mil nascidos vivos) Expectativa de vida continuarão sendo os mais populosos e, em conjunto,
(anos)
de mortalidade infantil evidencia melhorias médico-sani- 20,0 100 abrigarão cerca de 45% do total de brasileiros. As unidades
tárias generalizadas. Historicamente, a população brasileira 17,2
federativas que galgarão mais posições no ranking popu-
passou a viver mais e melhor (veja o gráfico 2). 15,0
81,2
lacional serão o Distrito Federal, que saltará da 20ª para
80,1
A abertura do mercado de trabalho para as mulheres, o 80 a 17ª posição, e o Amazonas, que passará da 15ª para a
aumento da escolaridade, sobretudo da população feminina, 10,0
73,3
13ª posição. Os cinco estados menos populosos em 2010
7,72 7,12
o uso de métodos contraceptivos e a melhoria das condições – Rondônia, Tocantins, Amapá, Acre e Roraima – conti-
de saneamento básico são fatores que, em conjunto, redu- 5,0
2010 2013 2042 2060
60
nuarão a ocupar o fim da lista em 2030 (veja o mapa).
ziram de maneira expressiva tanto a mortalidade infantil FONTE: IBGE
I have a dream
Reivindicado por militantes situados em todos os segmentos do espectro ideológico, da extrema-esquerda à extrema-direita, o discurso
pronunciado há meio século, em Washington, ainda representa um desafio para a sociedade americana