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Um novo desenho
político no Grande
E mais...
● Editorial – Aziz Ab’Saber
T Oriente Médio
morreu em março. O pa- udo se move no Oriente Médio e na África
norama intelectual brasi- do Norte. Mais de um ano após a deflagração
leiro ficou mais pobre. da Primavera Árabe, a ordem antiga desmo-
Pág. 3
rona em todos os lugares, sob ritmos e formas
● Artemio, o último dos
veteranos das guerrilhas diferentes. A crise sangrenta, terminal, da di-
latino-americanas, reco- tadura síria de Bashar al-Assad transformou-se
nhece que “a luta armada no foco principal das atenções. Contudo, uma
acabou”. força política em ascensão evidencia linhas
Pág. 3 evolutivas no novo desenho do Grande Orien-
● Operações Especiais – eis te Médio.
o novo norte da estraté- A Irmandade Muçulmana, corrente suni-
gia militar dos Estados ta fundamentalista, venceu as eleições parla-
Unidos.
© Bulent Kilic/AFP
N
© Coleção Museo de Arte Latinoamericana de Buenos Aires
inguém se surpreendeu: Vladimir Putin triunfou nas eleições russas e retoma
a cadeira presidencial que ocupou entre 2000 e 2008, antes de transferí-la para
Dmitri Medvedev. No primeiro ciclo, Putin engendrou um novo autoritarismo
grão-russo. No segundo, conhecerá o declínio do modelo político e econômico
que implantou.
O “putinismo” é o regime de uma burocracia estatal oriunda das agências de
inteligência da era soviética. Seu sucesso, após o caos da transição da economia
estatal para um capitalismo de máfias, sob o governo de Boris Ieltsin, decorreu
da elevação global dos preços do petróleo e do gás natural. No novo ciclo, Putin
é confrontado por demandas pela democracia e por desafios geopolíticos e eco-
nômicos.
Pág. 10
17º Concurso Nacional de Redação de
Mundo e H&C – 2012
Escreva e se inscreva!!!
Regulamento ■ Quais devem ser as características das redações?
As redações devem ter no máximo 40 linhas e, obri-
gatoriamente, conter título. Cada escola receberá,
Mundo o direito de publicar suas redações, sem remu-
neração autoral, no próprio boletim ou sob outra forma.
As redações enviadas não serão devolvidas.
■ Quem poderá participar? durante o mês de maio, cinco folhas pautadas e
Todos os alunos do Ensino Médio das escolas assi- numeradas para a transcrição dos textos selecionados. ■ Haverá prêmios para os melhores trabalhos?
nantes de Mundo. As folhas preenchidas deverão ser remetidas à sede da Sim. Os autores das dez melhores redações serão
Pangea. Este formato é obrigatório, inclusive para premiados por Pangea e empresas patrocinadoras do
■ Qual é a forma de participação? garantir o sigilo: a Comissão Julgadora não terá acesso concurso. O 1º colocado receberá um aparelho de
Cada escola poderá enviar até cinco redações. To- ao nome dos autores ou das respectivas escolas. som no valor de R$ 800. Do 2º ao 5º, todos receberão
mamos a liberdade de sugerir que as escolas realizem MP4 no valor de R$ 200. Do 6º ao 10º colocado,
um concurso interno de seleção. Todos os leitores ■ Quem julgará os trabalhos? serão ofertados prêmios em livros.
de Mundo podem participar, mas apenas mediante As redações serão avaliadas por uma Comissão Jul-
a intermediação das escolas. Por razões pedagógicas, gadora integrada por professores de Comunicação
não aceitaremos redações enviadas sem a anuência e Expressão de reconhecido saber e experiência no
da escola. Ensino Médio.
E X P E D I E N T E
PANGEA – Edição e
Comercialização de Material
Didático LTDA.
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2012 ABRIL
M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A
E D I T O R I A L
C
rigar a revolução”. Lamentava, no entanto, gundo o lema de Mao Tsé-Tung.
© Jaime Razuri/AFP
O Da Equipe de Colaboradores
EAN O TURQUIA
OC ÂNTIC
estenderam por várias votações, entre de- ATL MARROCOS TUNÍSIA MAR MEDITERRÂNEO SÍRIA
AFEGANISTÃO
zembro e março, produziram uma maio- IRAQUE IRÃ
ARGÉLIA
LÍBIA PAQUISTÃO Em Homs, milhares pedem o fim
ria ligada à Irmandade. Na condição de EGITO
ARÁBIA
SAUDITA da ditadura de Bashar al-Assad; a
MA
OMÃ
conjuntura na Síria coloca em jogo
ER
ME
IÊMEN
O
procuram um difícil equilíbrio entre a Países com mais de 90% de muçulmanos e grande maioria sunita todos os interesses mobilizados pelo
Junta Militar e as demandas revolucioná-
Países entre 50% e 90% de muçulmanos, com importante minoria xiita OCEANO
ÍNDICO
xadrez geopolítico regional
Países muçulmanos com maioria de população xiita
rias que emanam da Praça Tahir (veja a Países de maioria muçulmana, com expressivas minorias (cristãs, alauítas e outras)
matéria na pág. 9). País onde os muçulmanos são minoria (Israel)
O Egito é o núcleo irradiador do Islã FONTE: El Atlas de las religiones (2009) e Almanaque Abril (2012)
© Apcbg/Wikipedia
capa da revista do The New York Times também cravou
que o ataque israelense não passará de 2012.
O que explicaria tanta pressa? Para o ministro de De-
fesa de Israel, Ehud Barak, quando a usina nuclear irania- Um eventual ataque ao Irã, país de
na de Fordow – construída a quase 100 metros abaixo de dimensões territoriais semelhantes
uma montanha perto da cidade sagrada de Qom – entrar às do Alasca, com a capital Teerã
em operação, os israelenses não terão mais capacidade de densamente habitada (nas fotos) e
© Ensie Matthias/Flickr
destruí-la. Segundo essa tese, a partir do momento em com um poderoso exército ameaçaria
que os iranianos estocarem urânio suficiente em Fordow
provocar a regionalização da guerra
para fabricar a bomba atômica, o regime de Teerã entrará
e interromper o fluxo do petróleo
na chamada “zona de imunidade” em relação a Israel – o
mundial
que, em outras palavras, significa que o Irã não poderá
mais ser atacado impunemente, pois terá condições de re-
taliar à altura, inibindo a ofensiva.
O diretor do Centro de Estudos Estratégicos Begin- israelenses acreditam que, se existe um momento em que Os problemas não param por aí. “O Irã é um país de
Sadat, Efraim Ibar, concorda com a tese. Para ele, há os Estados Unidos não terão opção a não ser segui-los grande território, quase do tamanho do Alasca; as ins-
uma urgência que não existia antes, pois ficou claro que rumo à guerra, é durante a campanha presidencial”, diz talações nucleares estão dispersas por todo o território e
os iranianos estão transferindo urânio para Qom. “Uma Ali Vaez, pesquisador da Federação de Cientistas Ame- muitas delas são subterrâneas”, diz o jornalista israelense
bomba nuclear iraniana é simplesmente inaceitável para ricanos. “Não há como Obama se opor a um ataque ao Uri Avnery. “Ainda que se utilizassem bombas de pene-
Israel. A questão é quando atacar. Muitos ainda acham Irã sem ameaçar sua reeleição”, conclui. tração profundas, que explodem sob o chão, fornecidas
que é preciso dar tempo para as operações secretas em Outros analistas estão convencidos de que esses ru- pelos Estados Unidos, toda essa gigantesca operação só
andamento”, disse Ibar a O Estado de S. Paulo. mores de ataque ao Irã não passam de um blefe israelen- conseguiria conter os esforços iranianos por alguns pou-
Outro aparente sinal de ataque iminente ao Irã sur- se para assustar os aiatolás e pressionar o governo ame- cos meses”, opina. Além disso, imagina que, uma vez
giu durante os recentes bombardeios de Israel à Faixa ricano, a Europa e o Conselho de Segurança da ONU iniciado o bombardeio, Israel sofreria ataques simultâ-
de Gaza, em resposta aos foguetes lançados pelo Hamas a aprovar sanções mais duras contra Teerã. Afinal, neos do Hamas e do Hezbollah, a milícia xiita libanesa
contra cidades israelenses. O conflito matou 26 palesti- qualquer país que não disponha da enorme capacidade apoiada pelo Irã e pela Síria. E não se pode esquecer que
nos e feriu três israelenses. O general Benny Gantz, che- militar dos Estados Unidos prefere atacar o inimigo de os iranianos têm mísseis relativamente sofisticados, ca-
fe do Estado-Maior das Forças Armadas de Israel, disse surpresa. Meir Dagan, ex-chefe do Mossad, o serviço de pazes de destruir bairros inteiros de Israel. “Morreriam
que o conflito foi, “em certo sentido, um miniteste para inteligência israelense, disse que um ataque contra o Irã muitos israelenses. As mortes e destruição em solo israe-
um ataque ao Irã”. Ele admitiu que há muita diferença era “a ideia mais estúpida” que ele já tinha ouvido falar. lense tornam totalmente proibitivo qualquer movimento
entre os dois cenários, mas ponderou que as alternativas Recentemente, os chefes do Mossad e do Shin Bet, a de guerra contra o Irã”, conclui.
do Irã a um ataque de Israel são similares às do Hamas. agência de segurança israelense, se manifestaram publi- Mas talvez o argumento mais convincente de que a
Israel interceptou a maioria dos foguetes que os palesti- camente contrários ao ataque. ameaça israelense não passa de um blefe seja o econô-
nos lançaram a partir de Gaza com o sistema de defesa De fato, as dificuldades de uma operação militar con- mico. Avnery nos convida a olhar o mapa do Estreito
Iron Dome. Se Israel atacar as instalações nucleares do tra o Irã seriam bem maiores do que o ataque aéreo “ci- de Ormuz, uma garganta de 35 quilômetros por onde
Irã, a retaliação de Teerã provavelmente virá por meio rúrgico” que os israelenses fizeram em 1981 contra a usi- passa praticamente todo petróleo produzido na região
dos mísseis Sajil, contra os quais os israelenses usariam o na nuclear de Osirak, no Iraque, ou o ataque à Síria, em do Golfo Pérsico. “No instante em que o primeiro avião
sistema defensivo Arrow, mais sofisticado. 2007. Israel está muito distante do Irã: alguns dos alvos israelense entrar no espaço aéreo do Irã, o Estreito será
Mas a questão é saber se Israel se arriscaria a deflagrar distam entre 1,5 mil e 1,9 mil quilômetros das bases isra- fechado. (...) É uma catástrofe difícil de imaginar: Or-
um ataque sem levar em conta a posição de Washington. elenses. Os aviões teriam que chegar ao Irã e voltar; para muz fechado, com o corte de suprimento de quase um
A administração Barack Obama tem indicado que, em- isso, precisariam ser reabastecidos no ar. Eles poderiam ir quinto de todo o petróleo que as nações industriais do
bora não descarte uma opção militar, não é favorável a pelo norte, ao longo das fronteiras da Turquia e Síria e de- planeta consomem”, diz Avnery.
um ataque ao Irã agora, em ano eleitoral. A mensagem pois Síria e Iraque; pelo centro, com rota pelo Iraque; ou
foi passada pelos americanos ao premiê israelense Ben- pelo sul, pela Arábia Saudita. A dúvida é saber se os turcos
jamin Netanyahu em suas visitas aos Estados Unidos. e os sauditas se arriscariam a enfrentar a ira islâmica dei-
Mas há quem diga que Israel está pagando para ver. “Os xando aviões israelenses passar pelo seu espaço aéreo. Cláudio Camargo é jornalista e sociólogo
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oriente médio
© Ed Giles/Getty Images
e outras 248 ficaram feridas, em Port Said, cidade me-
diterrânea na entrada do Canal de Suez, como resultado
de confrontos violentos entre torcidas organizadas de
futebol. Só que a rivalidade futebolística foi apenas a
aparência, o pretexto do massacre: dirigentes da Irman-
dade Muçulmana confirmaram as suspeitas de que tudo Protestos provocados pelo
massacre de Port Said
© Mona Sosh/Flickr
Putin à
mostra plenamente sua face repressora. presidência to da armada russa é uma hipótese
Em setembro de 2004, ordenou às tro- da Rússia intolerável para os militares russos.
pas russas um ataque a um grupo de Putin não pode sequer considerar
terroristas chechenos que havia invadi- essa possibilidade.
do uma escola infantil em Beslan (na
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Nelson Bacic Olic
Da Redação de Mundo
A Sibéria e o futuro do
“novo Norte”
A Sibéria, seus grandes rios e recursos
A Sibéria
LAR ÁRTICO
ssim como acontece com os brasi- OCEANO GLACIAL ÁRTICO Parte europeia fontes cruciais de geração de energia
ULO PO
da Rússia
leiros em relação à Amazônia, a Sibéria elétrica e seus cursos são pontuados por
Jazimentos
CÍRC
ocupa um lugar especial no imaginário OCEANO
PACÍFICO de petróleo usinas hidrelétricas de grande porte.
Rio K
e nas representações russas. Desmesura- Jazimentos Os três rios são navegáveis e atra-
olima
damente vasta, praticamente deserta de “gigantes” vessam áreas de expressiva exploração
de gás
homens, foi durante muito tempo – e Grandes mineral e de madeiras. Por isso, insta-
aí está uma diferença com a Amazônia Dudinka Norilsk MAR jazidas de gás laram-se alguns pequenos portos nas
Iakutsk DE
Rio Ienissei
OKHOTSK Rios
S I B É R I A navegáveis
na
Mas, como a Amazônia, a Sibéria é vista rios: Salekand (rio Obi), Norilsk-Du-
Le
com utilização
o
Ri
Ri
oO a hidrelétrica
como uma espécie de Eldorado: a fonte Ri
oI bi Rio Angar dinka e Dickson (rio Ienissei), Tiksi
rtc Polo minerador
h
de inesgotáveis riquezas naturais. Omsk
(rio Lena). Tais portos desempenham
Novas zonas de
Em sua concepção geográfica mais Novosibirsk
Kranoiarsk Lago prospecção de uma dupla função. Além do escoamen-
Baical hidrocarbonetos
ampla, a Sibéria se estende dos Montes CHINA to de minérios, combustíveis e madeira,
CAZAQUISTÃO Cidades
Urais até a orla do Pacífico, numa exten- MONGÓLIA 550 km
principais servem como demonstração geopolítica
são pouco superior a 10 milhões de km2, FONTE: OLIC, Nelson Bacic. Geopolítica dos Oceanos, Mares e Rios. São Paulo: Moderna, 2011, p.10. da presença da Marinha russa na região
bem mais que a totalidade do território do Ártico (veja o mapa).
brasileiro, quase 60% da superfície da gar” dissidentes do regime, que ali seriam território da Rússia, fluem no sentido geral As principais cidades siberianas es-
Rússia. O governo russo, no entanto, de- “reeducados” nos ideais socialistas. Os sul-norte e deságuam no Oceano Ártico. tão localizadas no sul da região, espe-
fine o território siberiano de forma mais campos de trabalho forçado siberianos Além disso, percorrem trajetos superiores cialmente junto ao alto vale dos rios e
restrita, excluindo o Extremo Oriente são o tema de um livro célebre, O arqui- a quatro mil quilômetros, condição que no entroncamento dos cursos fluviais
russo, conjunto de áreas localizadas jun- pélago Gulag, do ex-prisioneiro e escritor os coloca entre os dez rios mais extensos com as vias de comunicação terrestre,
to ao litoral do Pacífico. russo Alexander Soljenitsin. “Gulag” é o do mundo. A superfície coberta por cada em particular a Ferrovia Transiberiana.
Parte considerável da Sibéria está lo- acrônimo, em russo, de Administração uma dessas três bacias e o volume d’água Nessa situação encontram-se as cidades
calizada ao norte do Círculo Polar Ár- Central dos Campos e Colônias de Tra- de seus rios as classificam também entre as de Novosibirsk, Omsk, Krasnoiarsk,
tico. O efetivo processo de ocupação e balho Corretivo, a agência estatal respon- dez maiores do mundo. Tomsk e Irkutsk. O primeiro desses nú-
valorização do território siberiano, uma sável pelo sistema prisional. Por conta do sentido de seu escoa- cleos urbanos é a mais populosa cidade
epopeia deflagrada por aventureiros, ex- A principal riqueza da Sibéria é seu mento e de sua grande extensão, os três da Sibéria (1,4 milhão) e uma das mais
ploradores e comerciantes russos, teve rico subsolo, onde há abundância de rios atravessam domínios climáticos que populosas da Rússia.
início no século XVI e estendeu-se até carvão, petróleo, gás natural e minerais vão do temperado continental ao polar, O geógrafo Laurence C. Smith faz,
o final do século XIX. Antes da che- variados, como ouro, ferro e níquel. Na cortando distintos ecossistemas – este- num livro recente, algumas instigantes
gada dos russos, a região era ocupada superfície, outra riqueza inestimável é pes, florestas de coníferas, taiga e tundra sugestões sobre o impacto das mudan-
por dezenas de grupos étnicos, ali es- formada pelas imensas florestas de taiga. – antes de desaguarem no Ártico. Eles ças climáticas globais e locais sobre a
tabelecidos desde tempos imemoriais. A exploração de minérios, combustíveis são alimentados pelas águas da fusão dinâmica demográfica de cidades situ-
A incorporação, quase sempre forçada e madeira estimulou o crescimento de das neves do alto vale e por chuvas que adas nas proximidades do Círculo Po-
desses grupos ao Império Russo explica, atividades industriais a partir da segunda ocorrem na primavera e verão. O dege- lar Ártico. Segundo ele, a tendência à
em grande medida, a diversidade étnica metade do século XX. A energia para as lo dos rios começa antes no alto vale, ao amenização das temperaturas das faixas
da população da Rússia atual, onde são atividades econômicas foi garantida com sul, e um pouco mais tarde à jusante, ao árticas e subárticas funciona como fator
reconhecidas mais de 120 etnias. a construção de importantes hidrelétricas norte. O rito desigual de degelo provoca favorável à expansão populacional de
Vivem na Sibéria cerca de 15 mi- nos rios das principais bacias da região. grandes inundações no baixo vale, onde pequenos núcleos urbanos do cinturão
lhões de pessoas, uma população que Recentemente, a novidade que, uma vez o gelo remanescente represa o escoamen- que denomina “novo Norte”: o Alasca,
cresceu lentamente dadas as condições mais, revoluciona a Sibéria são os acordos to das águas. o Canadá setentrional, a Península Es-
naturais adversas. Grande parte dessa firmados com a China para a exploração De maneira geral, os rios siberianos candinava, a Groenlândia e, é claro, a
população se concentra nas porções sul e utilização dos recursos minerais. desempenharam papel crucial no proces- Sibéria. As suas provas? As cidades si-
e oeste da região, em especial em núcle- Juntamente com as ferrovias Transibe- so de ocupação e valorização econômica berianas de Noyabrsk e Novy Urengoy,
os urbanos como Novosibirsk, Omsk e riana e a Baical-Amur-Magistral (BAM), do espaço regional e na vida das popula- que não existiam até o início da década
Krasnoiarsk. os rios são verdadeiras espinhas dorsais da ções ribeirinhas. No presente, como no de 1980, mas hoje, sob o influxo da ex-
Durante a “era soviética”, especial- Sibéria. Os três grandes rios – Obi, Ienis- passado, eles representam, em muitos ca- ploração de hidrocarbonetos, têm mais
mente no período de Stalin (1922-1953), sei e Lena – possuem várias características sos, as únicas vias de circulação de pesso- de 100 mil habitantes.
áreas da região foram usadas para “abri- comuns: cruzam quase exclusivamente o as e mercadorias. Também figuram como
ABRIL 2012
11 PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O
brasil
© Antônio Cruz/Abr
sileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renová- de Belo Monte o fato de que a área do reservatório já
veis (Ibama) concedeu a licença de instalação das obras fica temporariamente inundada durante a cheia do rio.
de infraestrutura da usina hidrelétrica de Belo Monte Conta também um cálculo econômico bastante conhe-
no rio Xingu, no Pará. O ato reacendeu o debate sobre cido: os baixos custos de operação de usinas hidrelétri-
o aproveitamento do potencial hidrelétrico dos rios da cas, quando comparados aos de centrais termelétricas ou
bacia do Amazonas. nucleares. Por fim, nenhuma comunidade indígena será
A discussão em torno do aproveitamento para gera- remanejada pelo projeto atual.
ção de energia elétrica a partir do Xingu é antigo. Re- Mas nem tudo são rosas. Há a questão do alto custo
monta ao ciclo da ditadura militar, na década de 1970, de implantação da usina, um gasto de capital que po-
quando a estatal Eletronorte realizou os primeiros estu- Em Brasília, representantes dos povos deria ser utilizado tanto para a revitalização de usinas
dos sobre a viabilidade técnica do empreendimento. Há originários protestam contra a construção da já implantadas como para o desenvolvimento de fontes
mais de duas décadas, em 1989, durante o I Encontro usina Belo Monte alternativas. Os críticos apontam também para o tema
dos Povos Indígenas do Xingu, em Altamira (PA), fo- climático e hidrológico. O rio Xingu apresenta grande
ram debatidos os possíveis impactos sociais, econômicos cular, figura como um verdadeiro desastre ambiental, diferença no seu volume d’água ao longo do ano, em
e ambientais da usina. Na época, previa-se a inundação social e técnico (veja o mapa). função do regime hidrológico do Brasil Central, onde
de uma área superior a 1,2 mil km2 , que provocaria o A usina desastrosa foi planejada para suprir as neces- se encontram suas nascentes. No período da vazante, a
remanejamento de vários grupos indígenas. sidades de energia de Manaus, que se ampliavam com o água disponível possibilitará uma energia firme de me-
A ditadura militar estava encerrada e o projeto da usina crescimento das atividades da Zona Franca, implantada nos de 50% da capacidade total, fazendo com que a
teria que passar pelo crivo da opinião pública. Nos anos em 1975. Balbina inundou uma área de mais de 2 mil usina não opere com potência máxima durante grande
seguintes, uma intensa batalha judicial foi travada entre o km2 de floresta nativa. A extensa inundação produziu parte do ano (veja o gráfico).
Ministério Público, o Ibama e os índios. Nesse percurso, um reservatório de águas ácidas, reduziu a biodiversida- A polêmico tem um componente regional. A maior
o projeto sofreu uma série de modificações até chegar ao de e determinou a remoção compulsória dos índios da parte da energia gerada em Belo Monte será integrada
contorno atual, que prevê um reservatório menor, de 516 tribo waimiri-atroari. Toda a destruição destinava-se a ao Sistema Elétrico Brasileiro, através de extensas linhas
km2 (equivalente ao território da cidade de Curitiba), para gerar menos de 300 megawatts! de transmissão. Dessa forma, o “grosso” da energia será
produzir 11.233 megawatts. Belo Monte será a maior usina O exemplo negativo de Balbina sempre é destacado consumida no Centro-Sul do país, ficando uma parcela
hidrelétrica brasileira, atrás apenas de Itaipu. menor na Amazônia, para satisfazer principalmente os
A usina do Xingu inscreve-se numa moldura mais interesses das indústrias eletrointensivas. Final-
ampla. Quase dois terços do potencial hidrelétrico Usinas Hidrelétricas na Amazônia mente, há as consequências socioambientais, como
total do país está localizado na Amazônia, especial- o crescimento urbano desordenado com os recor-
mente nos rios Araguaia, Tocantins, Xingu, Madeira rentes problemas sociais que já se verificam. Na
e Tapajós. As grandes usinas na região começaram Ar COARACY NUNES OCEANO cidade de Altamira, a favelização e a especulação
ag
a ser implantadas a partir da década de 1970, sob o ua
ri ATLÂNTICO imobiliária avançam em ritmo acelerado, aliadas à
BALBINA
impulso de dois fatores entrelaçados: as novas neces- CURUÁ-UNA
Uatum intensificação do desmatamento.
ã nas
azo
sidades geradas pela revolução tecno-científica-infor- TUCURUÍ No ciclo militar, a visão norteadora das políti-
Tocantins
Solimões Am
BELO MONTE
macional e a crise do petróleo, que obrigou o Brasil a eir
a cas territoriais para a Amazônia orientava-se pela
ad
M
diversificar sua matriz elétrica em função da escalada ilusão do “Eldorado”: a imagem de um espaço no
ia
SAMUEL
gua
do preço do barril do “ouro negro”. qual os recursos naturais eram praticamente ines-
Ara
JIRAU E
Durante o ciclo militar, foram desenvolvidos SANTO ANTÔNIO N gotáveis. Hoje, o argumento “desenvolvimentista”
Ja
ma
na Amazônia grandes projetos de exploração mi- enfatiza o crescimento econômico. Segundo o Mi-
ri
neral e beneficiamento de matérias-primas, que Usinas instaladas nistério do Planejamento, uma expansão anual do
requerem vastas quantidades de energia. Nos ar- Projetos 590 km PIB em torno de 4% exige a ampliação da oferta de
redores de Belém implantou-se o polos minero- FONTE: FERREIRA, Graça M. L. Atlas geográfico: espaço mundial. São Paulo, Moderna, 2007, p 17. energia em no mínimo 1,5 mil megawatts a cada
metalúrgico de Barcarena (Albrás e Alunorte). ano. Contudo, o “desenvolvimentismo” não pode
Em São Luís, no Maranhão, instalou-se o polo de ignorar a questão da sustentabilidade. Os projetos
Vazão média do Rio Xingu (1969-2000)
Alumar. A necessidade de melhorar a infraestrutura, devem ser economicamente viáveis mas, ao mesmo tem-
a fim de atrair investimentos produtivos, foi respon- (Mil m3 por segundo) po, precisam levar em consideração a utilização racional
dida pela construção de usinas hidrelétricas como as 30
dos recursos e seus impactos sobre a qualidade de vida
de Tucuruí, no rio Tocantins, no Pará, e de Balbina, das populações afetadas.
20
no rio Uatumã, no Amazonas. Num contexto marcado
pela centralização política, as decisões subordinavam- 10 Áthila Kzam, licenciado em Geografia pela
se, exclusivamente, aos imperativos econômicos. Os 0 Universidade Federal do Pará e professor do Ensino
J F M A M J J A S O N D Médio e cursos pré-vestibulares de Belém, é coautor
empreendimentos hidrelétricos deixaram um rastro de MESES
do livro A Amazônia decifrada – Para quem quer ser
amplos impactos socioambientais. Balbina, em parti- amazônida
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